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O SACERDOCIO

DAS MÃES

por

G. JOANN�S

E D I <,: ü E S P .\ U L T N A S
COLEÇÃO DAS MÃES
DIRIGIDA POR

WALDEMAR BOSIO

EDIÇOES PAULINAS
TR ADUÇAO
DE
J. G. MORAES FILHO

Direitos reservados à Pia Sociedade de São Paulo


Rua Major MaragUnno, 241 - São Paulo
COLEÇAO DAS MÃES

O SACEBDOCIO
DAS MAES

" ...Henri Juillot es.


crevell: "A nos.va voca­
ção tem um inefável tes­
temunho: ncio está em
nosso poder nos subtrair­
mos a ela. Deus teve CJ
suprema bondade de c.::d­
_qir nos.�o testemunho ....
Cristo vivo em nós a
torna eficaz ... e se Deus
nos criou diferentes 1n1s
dos outros, é porque de­
Jejava viver em cada
um de nós de modo di­
ferente, a fim de que ca­
da um de nós prestasse
dele 1m� testemunho di­
ferente".
Estas minhas pdginas
se destinam precisamen­
te a recolher com reli­
giosa fidelidade, enh·e
todos os testemunhos, os
das mdes e, em particu­
lar, das m4es que vivern
o seu sacerdócio; teste­
munho bem caro ao Se­
tlhor, quo investiu a mu­
lher de uma tão alia mis­
a4o. Cada um de nó.Y
tem uma ce1·te� nota n

produzir na hCJrmo.lia u­
niversal, a •nossa nota".
desejada pelo Artista dt-
mno.
Esta. nota. a. oumre17'os
a.gora. ,lbra.r como deve,
na. m4e que uive o seu
sa.cerd6cto; nota. cuja. ví­
bra.ç4o ressoa.r4 sempre
ma.ts nova. · por meio da.
a.ç4o quf' e:.:erce no lar e
na. Igreja.."

(Pág. 10-11)

1 - E. Crlppa - :!\I.U:!
2- F. Carballo- MA-
TERNIDADE E
ESPR ! ITO .
3- Joannea - O SA­
C ERDOCI O DA B
MAES.
f - Arrlghl - CON­
SOLACOES DAS
M.U:S
15 - Gauthler ......: MA- .
MAE FALA COM
DEUS
8 -Maria França -
MAES COM SOR­
RS I O
7 -Maria França
M 1. E S C O M E-.·
NERGIA
8 - Maria França -
MA.ES COM TER­
NURA
9 ...,.Maria
.França -._

M1.ES COM ME­


NOR ESFORCO
10 -Maria França -
MAES COM LEAL­
DADE
PREFÁC IO

Julgo oportuno, antes d e abordar o tema que


pretendo desenvolver- "O Sacerdócio das Mães"
-lançar, em poucas palavras, algumas conside­
rações básicas, essenciais.
Hoje em dia, mais do que nunca, não é lí­
cito viver nas sombras da morte, nem tão pouco
na apatia da indiferença, em que vegetam tan­
tas criaturas, que não sabem para onde vão. A
vida não é cousa de somenos, mas um fato da
\
máxima importância. E não a vivemos senão
uma só vez, esta vida que nos arrasta no seu
curso, como um rio leva um tronco flutuante.
E para onde nos conduz essa corrente ?
Eis o que nos cumpre saber justamente, uma
vez que seguimos, conforme diz Pascal, "quais
passageiros dentro de 1.f.m barco."
Por isso devemos orientar nossos passos de
acdrdo com a convicção de que a vida nos foi
dada . por Deus unicamente para que O possa-

'1
mos conquistar e atingir. Nessas co_ndições eu
posso ganhar a Deus ou perdê-lO. Se O perco,
está tudo acabado para mim e para sempre !
Está é a .causa mais atroz, mais pavorosa que
possa me acontec�r ! Tudo o mais nada vale...

O essencial é que Deus é tudo para nós e o


Seu auxílio nos é indispensável, mesmo que não
tenhamos consciência disso.

Persuadamo-nos pois, por meio da razão, de


que, se não tivermos Deus conosco, se estiver­
mos separados dEle ·pelo pecado, estaremos co­
mo o viandante que se perde na noite glacial,
longe de todo socorro, em uma imensa solidão.

Imaginai, por um instante, que estais perdi­


do em uma estrada deserta, envolto em trevas,
rodeado de precipícios, enquanto um vento frí­
gido sopra de toda a parte! Eis a imagem, as­
sim mesmo ainda favorecida, da alma separada
do seu Deus. Se esta alma pudesse ver qual é
a sua verdadeira situação, morreria certamente
de pavor! "Ah! se vivessemos verdadeiramente
nossa fé, como sentiríamos esta necessidade de
Deus", assim me escrevia certa vez uma fervorcr
sa cristã. "Quando conseguimos lobrigar a Beleza
infinita, como dar valor ao resto, como aspirar a
outra causa?" Esta alma tinha experimentado
os efeitos da presença de Deus em si mesma. Pe­
çamos portanto ao Senhor que desperte dentro de
nós fome e sêde de Sua pessoa e Ele nos aten­
derá.
Qual deve ser porém o cm�inho a seguir pa­
ra poder assim considerar, meditar e adiantar ca­
da dia mais no conhecimento desta presença?
Porque é preciso afinal viver na luz, saber para
onde dirigir nossos passos, pôr em ordem nossos
pensamentos e afetos, sendo nós, como somos,
sêres racionais, feitos para a verdade.
O caminho? E' a participação por meio de
Jesus Cristo vivo em nós, na vida de Deus Pai,
Filho e Espírito Santo; tudo isso, bem se enten­
de, de um modo criado e finito, pois que não so­
mos iguais a Deus, participando desta vida, mas
sêres transformados e divinisados.
Será possível? Eu, pobre criatura, sou então
chamada, em virtude de uma divina e inespe­
rada misericórdia, totalmente gratuita, a sair do
meu miserável invólucro para penetrar na vida
imensa, radiosa do Pai celeste, que exaltará, mag­
nificará a minha pobre existência?
Pensai um pouco: conseguir um dia tomar
parte na felicidade de um Deus! . . . Que cousa
9
representam as satisfações humanas em confron­
to com a alegria que nos espera, nAqu�le que é a
alegria incriada, a infinita Beatitude? Não se­
rá esta uma razão já suficiente para libertar-me
das minhas paixões, para exitar minhas energias
e impelir-me sem tréguas para a frente, para o
alto?
Mas se é verdade que este sublime destino é
oferecido a todos, é igualmente certo que cada
um de nós deve realizá-lo de um modo parti­
cular, diferente dos outros, segundo os desígnios
de Deus a nosso respeito, de acôrdo com as gra­
ças recebidas; em uma palavra: - segundo a vo­
cação singular.

Henri Juillot escreveu: "A nossa vocação


tem um inefável testemunho; não esiá em nosso
poder nos subtrairmos a ela. Deus teve a supre­
ma bondade de exigir nosso testemunho...
Cristo vivo em nós a torna eficaz . . . e se Deus
nos criou diferentes uns dos outros, é porque
desejava viver em cada um de nós de modo dife­
rente, afim de que cada um de nós prestasse
dEle um testemunho diferente". C)

( 1) Ver "La Croix" de 24-8-42.

10
Estas minhas páginas se destinam precisa­
mente a recolher com religiosa fidelidade, entre
todos os testemunhos, os das mães e, em parti­
cular, das mães que vivem o seu sacerdócio; tes­
tem.unho bem caro ao Senhor, que investiu a
mulher de uma tão alta missão. Cada um de nós
tem un1.a certa nota a prod�Jzir na harmonia uni­
tlersal, a "nossa nota", desejada pelo Artista di­
vino. (1)
Esta nota a ouviremos agora vibrar como de­
ve, na mãe que vive o seu sacerdócio; nota cuja
vibração ressoará sempre mais nova por ·meio
tla ação que exerce no lar e na Igreja.

Ver o meu livro sôbre o Cardeal Mercier, doutor


( 1)a interior.
da vid

11
CAPiTULO I

O SACERDóCIO DA MÃE NO
CORPO MISTICO DE CRISTO
Sacerdócio da Mãe?. . . Algumas -
talvez muitas - leitoras ficarão admi­
radas do título ·dêste opúsculo.
pode ser isso ? Atribuir o sacerdócio
à mãe? �plicá-lo à mulher? Não são por certo
imicameri'e os sacerdotes os revestidos de tal dig­
nidade ? ,
De fatd, somente os padres são investidos do
caráter sace�dotal. A êles unicamente foi con­
cedido por Jesus Cristo o poder de exercer as
funções. Sàmente êles receberam a benção sa­
cerdotal e conservam· para sempre, em suas al­
mas, o caráter inefável do Sacramento da Or­
dem, que lhes confere o poder de consagrar, isto
é, de mudar o pão e o vinho no Corpo e no
Sangue adorável do Salvador. A êles portanto,
co mo sucessores dos Apóstolos, são dirigidas pelo
próp rio Mestre, as palavras do ritual: "Fazei isso
em memória de Mim".
Todavia, o Espírito Santo nos confirma por
meio do Apóstolo São Pedro que todos os cris-

15
tãos são "outras tantas pedras vivas
para a construção de um templo espiritual, co o
o Santo sacerdócio, para oferecer .a Deus,
intermédio de Jesus Cristo, sacrifícios m­

tuais" . C 1) E o mesmo Espírito acrescenta "v6s


sois uma raça escolhida, um sacerdócio r

nação santa, um povo que êle escolh para


anunciar as perfeições de Aquele que os cha­
mou das trevas para a Sua Luz maravil osa". (2)
Não vos admireis portanto, de �rmos nós
todos sacerdotes, no sentido analógic/o da pala­
vra: Que digo? Não �ecebemos. certamente
já no batismo, a raiz mesma do sacerdócio de
Jesus Cristo ( E, assim como os hatisados são
todos membros de um Corpo Místico do qual o
Verbo lncarnado é a cabeça e nós os membros,
segue-se daí que todos e cada um, participam,
de uma certa maneira, no sacerdócio do Reden.:
tor: "todos somos chamados a êste primeiro sa­
cerdócio, que nos consagra filhos de Deus e
membros da Igreja". (3 ) Tanto mais que em
q1da Missa Cristo se oferece ao Pai, não apenas

(1) I Pedro 11,5.


(2) I Pedro 11, 9.
(3) :M. Robert, P.S.S.

16
'isoladamente, mas unido a todos os membros do·
Seu Corpo Místico, do qual f:le está para sem-
'

p& inseparável. Devem por isso os fiéis com-


preender quanto interessa que êles se associem
ao sacerdote na· oferta e na imolação mística do
Salvador, oferecendo-s� também com E.le. Não
estamos nós todos por outro lado, representados
\
nos grã�s de trigo que compõem a hostia?
Antes porém' de desenvolver nossa tése quero
antecipar esta vossa pergunta : como pode uma
mãe de família, que muitas vezes luta em uma
vida agitada, no meio de tantas dificuldades,
preocupações e trabalhos; como pode viver man­
tendo-se unida a Deus?
Esta união convida ao silêncio, à meditação
e ao desprendimento das cousas terrenas!
. Não vemos por certo tantas almas amantes da
espiritualidade refugiarem-se longe do mundo
para se recolherem e orar?
Mas então ignorais que é precisamente no
próprio mundo, nos seus deveres de estado, nas
suas cruzes que a mãe achará a união divina mais
Íntima e descobrirá toda a razão de ser do seu
sacerdócio? Certamente, a religião não é estra­
nha à vida: Ela está na vossa própria vida de

17
espôsa, de mãe, de dona de casa e vem justa­
mente penetrá-la, transfigurá-la, divinisá-la, ele­
vá-la corno o fermento faz com a massa. Não sa­
beis que, se o quizerdcs, podeis fazer do vosso
trabalho diário no lar doméstico, urna oração
contínua, e que oração! . ..
E' verdade, entretanto, que a sabedoria, esta
pérola preciosa, se revela sobretudo nas almas
dedicadas inteiramente à oraçãÓ e no desprendi­
mento efetivo dos bens dêste mundo. Mas quer
isso por ventura significar que a sabedoria fa­
leça, nas outras que são chamadas em vez disso
a combater na arena, empenhadas. em uma vida
ativa, trabalhada freqüentemente por dificulda­
des de toda a sorte? Certamente não.
Não nos esqueçamos de que não é propria­
mente o estado em si mesmo, que constitue a per­
feição, mas o caminho escolhido por Deus para
cada um de nós. O que importa verdadeiramente
é achar a própria vocação, s�guí-la e realizá-la o
mais perfeitamente possível, segundo os desígnios
divinos s6bre a nossa alma. Com este esc6po'
portanto, desfrutaremos, sem nos afadigarmos, os
nossos dotes morais, que agirão melhor para bus­
car e executar a vontade de Deus na vocação que
18
tivermos abraçado, não já sob a influência do
capr icho, do intcrêsse mat_erial ou de outros ob­
jetivos nocivos, mas segundo a direção de Deus.
Estabelecido ist o pode mos estar seguros de que
,

qualqu er que seja a prova encontrada ao longo


do c:1minho, será sempre superada e a alma co­
lherá, aqui mesmo em baixo, os frutos abençoa­
dos, porque ela se acha justamente no caminho
onde Deus a quer c por onde E.le a dirige, a as­
siste, a \'ivifica e a consola, fazendo-a participar
desde este mundo, da sua fôrça divina e do seu
gaudio.
Como é verdadeira c real esta afirmação para
a mãe que vive o seu sacerdócio! As suas dificul­

dades não serão jamais insuperáveis, nem será


ela abandonada por Deus! Pelo contnírio, os obs­
táculos diminuirão à medida que ela se abando­
nar sempre mais com o propósito de se tomar
uma alma que seja hostia com Jesus Hostia e na
plenitude da confiança, esquecendo, toda cousa
terrena, reconhecerá sem dificuldade a sua de­
pendência de Deus, que a ajuda, a salva e a li­
berta!

"Filhos de Deus são os anjos, que partici­


pam, a seu modo, da paternidade divina, ilumi-

19
nando-se e aperfeiçoando-se uns aos outros. Fi­
lhos de Deus são também os homens, espíritos
unidos à matéria e que são êles mesmos pais, de
um certo modo mais ainda do que os anjos, pois
que, se os anjos não se comunicam senão a lumi­
nosa atividade de sua inteligência, os homens
prestam a Deus o seu concurso, na criação e infu ·

são mesma desta inteligência nos seus filhos, ge­


rando os corpos que as recebem".
Não transmitiu _por certo o Criador ao pri­
meiro casal o seu augusto privilégio de paterni­
dade, dizendo-lhe: "crescei c multiplicai?" E o
que quer dizer enfim, dos prodígios da paterni­
dade divina, quando, por meio do mistério da
graça, ela chama o home� a participar da vida
sobrenatural e da felicidade eterna? "Assim é
de fato - disse o Papa Pio XII, na. última au­
diência concedida aos espôsos - a incomparável
perspectiva que vos aguarda no matrimônio. En­
trai portanto nêle como em um santuário da San­
tíssima Trindade, estando bem penetrados do res­
peito, do temor filial, do amor confiante, do sen­
timento das vossas responsabilidades e da gran­
deza do mandato que tendes a cumprir". (1)
( 1) Pio XII, Mistério da Paternidade, "La Croix",
abril, 1941.

20
Não nos surpreendemos portanto, de ver es­
posas e mães atingirem o5 cumes da santidade.
O Rev. Padre Bruno de Jesus e de Maria nos
confirma isso no seu livro: "Madame Acarie,
Beata Maria da Incamação. (1) Em 31 anos
.de matrimônio, dos quais somente 4 foram pàs­
sados no Carmelo, ela santificou-se no matrimô­
nio por meio dêles; elevada desde a idade de 22
an<?S à união estática, segundo Binet, não cessou,
na sua vida agitada, assinalada por seis materni­
dades, de progredir de perfeição em perfeição,
sem deixar de cumprir com a mais escrupulosa
exatidão, os seus deveres de mãe e de espôsa".
Isto prova, acrescenta o Pe. Régis Jolivet, segun­
do as mesmas palavras de Sua S. Pio XII, que
"o leito nupcial não contamina, mas ao coqtrá·
rio, eleva as almas que Y._ivem na graça sacra­
mental". (2)

( 1)Desclêe de Brouwer, Ed. Paris, 1942.


(2) Rcgis Jolivet, da Universidade de Licm.

21
CAPÍTULO 11

O SACERDOCIO DA MÃE NA
IRRADIAÇÃO DO S. SACRIFICIO
DA M ISSA
11 NTRE os inumeráveis membros do Corpo
Místico do Verbo incarnado, engasta­
dos nEle como os ramos da videira e
vivendo da sua vida, vejo emergir, no halo de
uma luz esplêndida, a figura da mãe.
Se o sacerdote, em virtude do seu caráter sa­
cro, tem o seu ofertório; se as virgens, que se
consagram a Deus, têm o seu; a mãe também tem
o seu ofertório, o qual é muitas vezes bastante
pesado!

Pesado de trabalho, de sacrifícios contínuos,


de renúncias, de fádigas, de sofrimentos!
Oferecer-se e so&er com a divina vítima, ·

imolar-se e imolar em união com ela: eis a parte


de sacerdócio para cada um de nós e esta parte
é largamente atribuída à mãe, de um modo todo'
especial!

De fato, estas palavras oferecer-se e oferecer


não formam, de certo modo, a quintessência da
Vossa vocação, caríssimas mães? Não são elas por

25
certo as dua s grandes correntes que transportam
continuamente o vosso sêr c a vossa vida na sa­
grada mis são do sacerdócio por excclencia? i\
vossa própria condição de mãe não implica for­
çosamente em estado de hostia e de apresenta­
ção perpétua da oferenda imolada?
Desde a aurora, as primeiras hora s do traba­
lho vos chamam ao dom de vós mesmas por meio
de Cristo ao Pai e ao Filho e ao E spírito Santo,:
na pessoa do vosso cspôso c dos vossos filhos. E, I
chegada a noite podeis dizer que tivestes tempo·
para vosso uso?
Dendita a mãe que desde o despertar, em
vista do dia que começa, se põe à di sposição de
Deu s como hostia do Sacrifício! Bendita aquela
que, desde aquele momento entra na hostia c na
cálice do padre c para ali transporta, com o pen j
sumcnto, o marido c os filhos afim de participai
rem na transub stanciação do pão e do vinho n �
corpo e no sangue elo Divino Redentor e ser as
sim transportada, através da oblação e da imol�
I
ção de Jesu s, no oceano da Vida increada d;
Santa Trindade! As sim, lançando para o cé�
flechas inflamadas, a mãe dirá, verbal ou meo
talmente: "Sel_lhor! Vos ofereço com Maria todd

26
05 meus pensamentos, palavras, ações, sofrimen­
tos, alegrias, ocupações do dia, em união com os
dias do Divino Mestre; aos da Sua vida sabre a
terra, quando em Nazaré e durante a Sua vida
pública, a Sua Paixão; Vos ofereço por esta ou
aquela intenção e afim de que tudo aquilo que
sou e fizer nêste dia, tudo o que me acontecer,
revista o caráter do culto que Vos é devido e que
Vós me concedereis a graça de render-Vos, com
a minha união ao nosso Divino Mediador Jesus
Cristo".
Se as vossas ocupações não vos permitirem
assistir à Santa Missa durante a semana, nada
vos impede, ó mães, de fazê-lo mental�ente e
de unir-vos em espírito às Missas que se celebram
no mundo inteiro.
Não vos esqueçais de oferecer cada um dos
vossos dias sob uma intenção particular. Tal
dia para o vosso aperfeiçoamento pessoal; tal ou­
tro para vosso marido e vossos filhos, pedindo ao
Senhor que vos conceda a todas as alegrias de
.
rorresponderdes fielmente aos seus desígnios de
��or pelo vosso lar. Depois vêm os vossos caros
ats; em seguida as grandes intenções do Sumo
r ontífice, da Santa Igreja, as vocações dos sacer-

27
dotes, a conversão dos pecadores, a destruição do
neo-paganismo, da maçonaria e o triunfo do Rei­
no do Cristo-Rei sôbre as almas e sôbre as na­
ções. Consagrareis também muitas horas a todos
aqueles que são oprimidos pela dor física ou mo­
ral: os encarcerados, os doentes, os sem tetos; to­
dos os que sofrem fome e frio. Não é por certo
a hora mais do que propícia de recitar, com toda
a compunção possível, a oração do Abade Per­
reyve à nossa Mãe do Céu, oração que é hoje de
uma atualidade pungente?
"Virgem Santa, no meio das Vossas glórias,
não esqueçais as tristezas da terra! Lançai um
olhar de bondade sôbre aqueles que sofrem, que
lutam contra as dificuldades, que não cessam de
mergulhar seus lábios no cálice da amargura.
Tende piedade dos que se amam e tem estado
separados! Tende piedade do isolamento do co­
ração! Piedade da fraqueza de nossa fé! Piedade
dos objetos de nossa ternura! Piedade dos que
choram e dos que tremem! Dái a todos a espe-
"
rança e a paz .
Nós s�mos todos; não só a pequena gôta de
água que o celebrante mistura ao vinho, no cá­
lice, mas também o pão e o vinho destinados a

28
serem consagrados e que representam o trabalho
da humanidade.
Por conseguinte, mães, o vosso trabalho, com
as vossas fádigas e sofrimentos, as vossas cruzes e
as vossas alegrias, estão lá no altar sôbre as S.
Espécies.
Lá sôbre o altar está o coração despedaçado
das mães e das esposas que choram os filhos ou
o rnarjdo perdido, coração que precisa de muita
fortaleza para continuar o trabalho cotidiano, que
tem suas exigências imprescindíveis.
Lá sôbre o altar fica registrada a ausência do
marido apartado do lar, ausência que diàriamen­
te une a espôsa a Jesus crucificado.
Lá estão, 6 mães, vossas contínuas privações,
que não vos permitem por vezes, dar urna alimen­
tação mais abundante e adequada aos vossos ca­
ros pequeninos ou de procurar-lhes as vestimen­
tas de que necessitam . . .
Oh! o grande Ofert6rio das mães, corno êle
sobe ao Céu qual perfume de agradável odor,
conjuntamente com a oblação de Aquele que
aqui na terra quis ser o Homem das dôres!
Corno esta oferta adora, expia, agradece, pe­
de eficazmente graças, em união à Vítima divi-
29
na! Como ela é redentora e. geradora de vida
divina para o mundo!
Que parte relevante, vós que sois mães, tra­
zeis de fato à ordem universal à harmonia uni­
versal, contribuindo com as vossas dôres, em
união com Aquele que tudo restaura no seu
Divino Filho, N. S. Jesus Cristo! E que con­
solação, que motivo de impulso para vossa alma,
penetrar desde agora nesta ordem, nesta harmo­
nia que um dia vos arrebatará, com todos aque­
les que hoje chorais, quando "tudo será subme­
tido" C) ao nosso divino Chefe que "entregará
ao Pai o Seu reino" (2) confiando-Lhe este "afim
de que Deus esteja todo em todos." (8)
Como esta oferta prepara, finalmente, a vossa
ressurreição em seguimento de Jesus, eternamen­
te glorificado!
E' a vós, 6 mães, que se dirige por certo o
apêlo contido nesta frase: "na agonia de um mun­
do perverso que desaparece em um mar de san­
gue e de lágrimas, construí, com vossas dôres,
os alicerces de um novo mundo". ( ) 4

( 1) I Cor. XV, 28.


( 2) I Cor. XV, 24.
(3) I Cor. XV, 28.
( 4) Dr. Agostinho dos Campos, Lisboa, 26-10-41.

30
De fato, a Missa não é apenas a comemora­
ção do sacrifício da cruz, do qual ela nos aplica
os méritos infinitos; é antes a representação de
todo o mistério de Cristo, da Sua vida sôhre a
terra, da Sua Ressurreição e da Sua Ascenção glo­
riosa ao último escôpo e coroamento da nossa
Redenção. Era preciso que o Cristo morresse
e ressuscitasse para nos merecer e nos comuni­

car a Vida divina, porque "é morrendo que Jesus


Se torna Salvador". (1)
Entre a consagração e o Pater noster, ofere­
cei desde agora, mães, a vossa morte, conjunta­
mente à do Redentor, com todos os membros do
Seu Corpo místico, para reconhecer o soberano
domínio de Deus sôhre vós e preparar-vos assim
a morrer para o pecado com Aquele que morreu

pelo pecado e a ressuscitar depois com .E.le para


uma vida inteiramente renovada, toda em Deus e
toda para Deus. Com estes sentimentos vos en­
caminhareis para o Pater noster com o sacerdote
que no momento levanta a hóstia e o cálice. En­
trais então, por antecipação, mediante a Santa
Comunhão, feita sacramentalmente ou pelo me­
nos espiritualmente, no seio do Pai, com o Cristo

( 1) Prat, A Teologia de São Paulo, Beaucheme, edit.

31
ressuscitado. E' lá verdadeiramente que :E.le nos
espera e de onde nos infunde a vida divina por
por meio do Espírito Santo através da sua sacro­
santa Humanidade, que em virtude da ressur­
reição se tornou também ela um "espírito vivi­
ficante". e)
No céu, nosso aivino Redentor continua a
exercer o seu sacerdócio o(erecendo sem trégu�s
a sua oblação imolada, feita por :E.le próprio no
calvário e que o consagra sacerdote por toda a
eternidade.
A mãe cristã sabe que, para exercer o seu sa­
cerdócio, deverá viver a sua missa e ela a vive!
A oferta implica, de fato, em si mesma a imo­
lação que a segue e vos toma, mães,. desde o vos­
so despertar!
Quantas vezes não sc;>is tentadas a procurar
um pouco mais de repouso no leito! Mas lá está
o dever que vos reclama apesar da fádiga
e às vêzes apesar da vossa própria enfermi­
dade. A vossa vocação exige que renuncieis ao
bem estar e que vos ofereçais, com Jesus-Hóstia
nesse primeiro sacrifício de um levantar. matuti­
no. E' a primeira oferta de vós mesmas, com
tudo o que ela contém de primazia, de frescura,

(1) I Cor. XV, 48.

32
de impulso e que vos torna já ofertas ao mesmo
tempo que imoladas.
Não apenas levantadas, eis que deveis pen­
sar na refeição do vosso marido antes que se vá
para o trabalho; depois na dos filhos, antes de
partirem para a escola, com a vossa assistência,
o que exige que sejais de fato a primeira a se le­
vantar na casa. E assim, desde o momento em
que ides despertar vossos filhos já estais inteira­
mente possuídas do espírito do vosso sacerd6-
cio e é dêste modo que lhes ensinais a santificar
este primeiro momento do dia com o sinal da
cruz, feito, se fôr possível, com a água benta, para
orientar, espontânea e imediatamente os seus co­
rações para Aquele a quem pertencem. E se
ainda são pequeninos, com fervor fazei, vós mes­
mas, êste sinal da cruz sôbre as suas &ontes, sem
esquecer de unir, aos cuidados do corpo, os da
alma.
As mães que podem dispôr de mais tempo
queiram pois, com grande proveito espiritual, to­
mar parte na recitação oficial do Ofício Divino,
do qual a S. Missa é o centro, segundo a liturgia
da Santa Igreja.
A Hora Terça (9 horas) que recorda a desci­
da do Espírito Santo sôbre os Apóstolos e as Vés-

33.
peras da tardet comemorantes da instituição da
Santa Eucari stia, não são longas de recitar e vos
introduzirão logo na grande religião do Cristo
que adora e louva o Seu Pai por meio do Seu Cor­
po Místico. Ou então simplesmente algum Glo­
ria Patri dito com fervor, assim como a Magni­
ficat, durante o dia, bastarão para vos pôr em
união com a grande religião do divino Mediadort
religião que é a expressão das homenagens que
Ele presta ao Pai em nome de todost no Céut e
que o Seu Espírito dilata em toda a Igreja e em
cada um de nós. (1) E a Completa� não é por cer­
to a mais bela oração da noite que possamos re­
citar?
Para bem compreendermos a excelência do
Ofício divino "consideremos que Deus canta a
Si mesmot no segrêdo da Sua vida, um Hino Eter­
no que não é sinão a própria expressão das Suas
perfeições no Seu Verbo e o sôpro do Seu amor...
Cristo, Filho de Deus, achando-Se unido à Sua
Igreja, a introduz consigo na Eterna Sociedade
do Pai e do Filho. Com isso Ele Se associa subs-

( 1 ) V er a minh a obra "Du as Almas para o Alto..' ua

qual são descritas as belezas da vida litúrgica.


tancialmente ao càntico que está em Deus: Ele
a penetra e a anima toda com o Seu Espírito". (1)
Pensai nisso: com a assistência ao Santo Sa­
crifício da Missa e por meio dos Salmos que po­
deis recitar durante o dia, entrais, com a fé e por
antecipação, na vida das três Pessôas Divinas!
Assim, não vos esqueçais jamais de vos unirdes,
cada manhã, à Missa celebrada pelo Sumo Pon­
tífice, vigário de Jesus Cristo, como também
àquela do bispo da vossa d.iocésc, por meio das
quais penetrais sempre mais no Corpo Místico
de que sois um dos membros e que o Salvador
arrebata com o Seu Espírito no Hino Eterno que
"Deus canta a Si mesmo no segrêdo da Sua vida".
(2)
A proporção que estudarmos juntos o vosso sa­
cerdócio, seremos levados a notar aquilo que o
distingue do sacerdócio dos outros cristãos e o tor­
na, de certo modo, único e pessoal. De fato, ao
passo que os outros cristãos não têm o que ofe­
recer senão a pr6pria pessoa, em união a todos
os Membros do Corpo Místico, a oferta que fa­
zeis de v6s mesmas, como esposas e como mães,

( 1) Don Gréa, A Santa Liturgia.


(2) Id., ibid.

35
vai se multiplicando. Como pode ser isso? direis
vós. Escutais: não é por certo verdade que, em
virtude do liame indissolúvel que vós liga ao
companheiro da vossa vida ao ponto de formar
com êle uma só carne, êle se toma envolvido em
todas as vossas ofertas, nas vossas imolações? E
não é isso bastante?! Se o vosso marido já se
acha por este modo assodado à vossa ascenção
espiritual, o que dizer da influência dos vossos
méritos sôbre os filhos que trouxestes no vosso
ventre, como Maria trouxe Jesus e que permane­
ceu, moralmente, em v6s, quando vos ofereceis
e vos imolais? E vos permaneceis nêles, por vossa
vez, porque nêles vos prolongais quando, segun­
do vossos ensinamentos, êles rezam, se oferecem
e sacrificam-se. Como exprimir na verdade, a
repercussão imensa que podem ter os vossos bons
exemplos, o vosso apostolado materno, não sO­
mente sôbre os vossos próprios filhos, gerados do
vosso sangue, mas sôbre os filhos dos vossos, be­
neficiários também êsses, da devoção dos seus
genitores, que se tomaram, graças a v6s, educa­
dores por sua vez? Fluxo e refluxo humano-di­
vino, fonte vivificante e fecunda, que chega até
a Vida Eterna!... Que estímulo continuadamen­
te renovado em meio ao trabalho cotidiano!

36
O vosso sacerdócio, eminentemente redentor,
não é por certo também chamado a resgatar as
almas de outras mães transviadaS no caminho do
pecado? Eis ali uma que, presa da tentação, es­
pera de vós talvez, segundo os desígnios de Deus,
um sacrifício, uma renúncia, um esfôrço para
triunfar sôbre Satanás e sõbre si mesma! A vos­
sa fidelidade à graça pode obter do Senhor esse
tal socorro, esse necessário auxílio, ou então a
recusa, se não fõrdes bastante generosas!
Mas, eis que as pessõas que vos são caras
vos deixam, para se dirigirem ao escritório e à es­
cola . . . Tendes agora que pensar nos trabalhos
domésticos e nada descuidar, para manter o vos­
so lar naquele harmonioso equilfbrio que resulta
do asseio, da ordem, da vigilância. E' então ago­
ra que, acudindo às vossas ocupações, vos ofere­
ceis ao Espírito de Luz, pedindo-lhe, com fervor
para semear na vossa alma o Verbo, a semente
por excelência, ensinando-os a fazer reviver o
Cristo em vós, em cada um dos Seus mistérios,
através do ciclo litúrgico, com a prática dos vossos
deveres de estado. E será ainda e sempre, apoian·
do-vos em Maria a Educadora Espiritual das
mães, que vos exercereis nesta grande renovação
interior.

37
CAPfTULO 111

O SACERDóCIO DA MAE EM CRISTO


- QUE NELA REVIVE - E OS SEUS
MIST:ruuos
n liturgía celebra, cada ano, as diferentes
m.
passagens da vida de Cristo, permitin-
do-nos participar de todos os Seus mis-
térios, de oferecê-los em homenagem a Deus
na S. Missa e de receber por esta for­
ma e cada vez mais, os seus efeitos salu­
tares. Segue-se daí que cada tempo litúrgico
representa uma fase da vida de Jesus, e possue,
para a santificação das nossas almas, uma eficácia
que lhe é própria .. . Muito importante é então
conhecermos o espírito que caracteriza cada épo­
ca do ano litúrgico com o fim de nos colocarmos
sempre na disposição requerida, para darmos a
Deus aquela glória especial e para nos benefi­
ciarmos da eficácia que é própria dêste espfri-
to. (1)
·

O nascimento, a infância, a vida oculta e pú­


blica do Salvador, assim como a Sua Paixão e a
Sua Morte, são causas já passadas. Mas, como

( 1) D. Gaspar Lefebvre, Missal cotidiano: O Mistério


da lncamaçio.

41
ensina o Cardeal de Bérulle, de cada um dêstes
mistérios da Sua vida permanece alguma cousa.
E o que vem a ser afinal esse resíduo perma­
nente?
E' o fruto espiritual, eterno, radioso, subsis­
tente através dos séculos e que está vivo na al­
ma que se alimenta dêle. Este fruto se apresen­
ta deante de vós como um prêmio anexo aos vos­
sos deveres de estado, fruto este que podeis colher
e dêle vos nutrir, se o quizerdes. E que fruto é
este? "E' a virtude de cada um dos mistérios do
Cristo, o que vale dizer, o amor com o qual :E.le
viveu todos os mistérios da Sua Vidá terrena e
que deseja reviver em vós". C)
Recordai-vos, 6 mães, desta magnífica verda­
de e desfrutai a fundo esta mina divina! Não
devemos nos esquecer, de fato, que nos desígnios
de Deus, somos inseparáveis do Verbo incarnado,
sendo através d:E.le e na medida em que estamos
unidos a :E.le, que Deus nos olha, nos ama, nos
escuta, nos abençôa e finalmente, nos beatifica.
Quando Jesus nasceu em Belém, nós estávamos
já com :E.le, no pensamento do Pai celeste e, por
antecipação, nascíamos na Sua Santíssima Huma-

( 1) Cardeal Pedro de Bhulle.

42
nidade para a Vida Divina. Quando em Nazaré
Ele crescia em idade, graça e sabedoria, nós cres­
ciamos com Ele, espiritualmente. Quando Ele
morria na cruz pelos nossos pecados, morríamos
com Ele para a iniquidade, afim de ressuscitar,
ainda com Ele, para uma nova e incorruptível
vida.

I . MAniA, MÃE DO SACERDOTE ETERNO.

O Mestre vem reviver em nós, do mesmo mo­


do, a Sua vida secreta e profunda em Maria,
quando, para a glória de Deus e salvação do mun­
do, Ele Se encama e Se forma no seio matemo.
Este mistério do advento é, para a mãe, cheio de
riqueza.
Quando trazeis, ó mães, no vosso seio o bebê
que deve nascer, como não vos unirdes, com to­
das as vossas fôrças, ao sacerdócio de Aquela
que trouxe no seu seio, o Sacerdote Eterno?
Que visão para a vossa alma, a da Virgem
Mãe oferecendo o seu Divino Filho e oferecendo­
se com Ele pela redenção da humanidade! Abri
portanto todo o vosso sêr à sua influência e
mergulhai, com os sqfrimentos físicos dêste esta-

43
do, na gestação sagrada de Maria, na sua pure­
za, no recolhimento, na submissão ao divino que­

rer, no seu abandono e no esquecimento de si


mesma. lmergi também o pequeno nascituro que
é como uma centelha cria'da da vida infinita da
SS. Trindade!
"Na história da humanidade houve uma ho­
ra solene entre todas, escreve adJ!liràvelmente o
Dr. René Biot, e foi aquela do Fiat da Virgem,
hora na qual o Espírito Santo, segundo a anun­
ciação do Anjo, cobriu Maria com as suas asas
e Ela concebeu, sem nada perder do seu estado
de Imaculada! As palavras falecem de expres­
são diante de tais mistérios e, todavia, é permi­
tido dizê-lo, a maternidade humana cuja glória
desejamos cantar, assemelha a dignidade da mu­
lher à inatingível altura da maternal dignidade
da Mãe de Deus!
O' mulheres, como a vossa vocação é subli­
me!.. . Um pequeno sêr palpita no vosso seio?
A Virgem conheceu as mesmas mensagens do
Filho redentor. O vosso fardo se toma pesado?
O da Virgem também pesou! Assim sois, mães,
à imagem viva da Virgem Mãe." (1)

(1) "Glolre Matemelle" N. de 15-1-48 de "La Croix".

44
Em únião à Mãe de Deus, aos Patriarcas,
aos Profetas do Antigo Testamento, como tam­
bém à toda a humanidade, invocai ardentemen­
te a Messias em vós, ó mulheres, no vosso peque­
to nascituro, nos entes que vos são caros e em
todos os homens, afim de que Jesus nasça em
cada um dêles, todos os anos, de modo sempre
mais profundo e venha animar, aquecer com o
seu amor, a nossa pobre humanidade: Preparan­
do-vos para o Seu advento "de Misericórdia", pen­
sai também no vosso advento "de Justiça", quando
Ele "no fim do mundo vier a julgar todos os ho­
mens, uma vez que o acolhimento que Lhe fi­
zermos quando vem nos resgatar, será o mesmo
que E.le nos fará, quando vier nos julgar". (1)
E se por acaso o pequeno que cresce no vos­
so seio devesse um dia ser um padre, ó feliz de
vós! Tocamos agora em uma das bases do vosso
sacerdócio, que é privativo vosso e vos faz parti­
cipar de um modo único, naquêle da Mãe do
Sacerdote Eterno.
Como exprimir, de fato, a repercussão do sa­
cerdócio de nosso Divino Redentor sôbre Aquela
que, com o seu Fiat, aceita para a nossa salvação

( 1) Dom Gaspar Lefebvre, Missal cotidiano.

45
à oblação do Calvário, à qual sua alma, transpas­
sada pela dor, devia se associar de uma maneira
tão íntima e pessoal?
Enquanto Maria formava, no seu espírito e
na sua carne, Aquele cujo oferecimento imolado
na Cruz devia operar a salvação do mundo, Ela
era, cada dia mais, imolada e oferecida com E.le,
nutrindo-O com o seu leite e contribuindo com
a sua desvelada assistência ao Seu desenvolvi­

mento físico e moral. Nesta educação humano­


-divina, a Virgem Maria se entregava, totalmente,
num completo desprendimento de si mesma! A
sua inteligência, a sua vontade, os seus sentidos,
todas as energias das suas faculdades estavam
concentradas no seu Muito Amado que, morrr�­
clo por nós sôbre o Calvário, devia consagrá-la
Corredentora. A alma de Maria, já traspassada
pela dor, comungava da unção sacerdotal da Ví­
tima divina qu� crescia sob seu materno olhar.

2. A MÃ E no FuTURO SACERDOTE.

Depois de Maria, que deu ao mundo o sa­


cerdote por excelência, nenhuma criatura, a não
ser a mãe, recebeu de Deus o imenso privilégio
de conceber na sua carne e de nutrir com o seu

46
l<ite, o pequeno sêr que, um dia, terá o poder
de.mudar o pão e o vinho no Corpo e no Sangu€
'
do salvador para oferecê-Lo ao Pai em nome da
humanidade resgatada. Só Deus sabe a que pon­
to esta mãe participa do verdadeiro sacerdócio do
seu 4lho! Em proporções inferiores mas reais,
ela também se dá integralmente à iniciação do fi­
lho que, mais tarde, receberá no íntimo de sua
alma b caráter inefável de Sacerdote de Jesus
Cristo. Todo o sêr da mãe, oferecido e imolado
já com o do filho, passa, por assim dizer, para
este sarerd6cio futuro, mas já presente do olhar
divino. De fato, segundó o pensamento do gran­
de Cardeal Mercier, todas as vezes que o sa­
cerdote sobe ao altar, deve recordar-se de que êle
é vítima com Cristo-Vítima. Assim, o sacerdócio
da Mãe, passando para o do filho, aí se renova,
intensificando-se e subindo cada dia para o seu
apogêo.
O que dizer dêstes anos de graça para a mãe
que deu carne e sangue a este filho que o Espí­
rito consagrará um dia para sempre? Como ex­
primir o que o seu sacerdócio pode receber de vi­
talidade e de impulso, enquanto o futuro sa­
cerdote passa da infância à adolescência, da
adolescência à juventude, da qual o Sacerdote

47
Eterno colherá as primícias, associando-se à S�a
oblação e imolação suprema? Oblação e irnbla­
ção que Ele oferece ao Pai por Suas mãos e·'me­
diante às quais, ocupando o posto de Jesus,
prestará a Deus, em nome da humanidade, "o
culto essencial, público, perfeito, social, qficial,
que Lhe é devido". E porque morrendo e �essus­
citando, o Verbo lncamado tomou-se Salvador, à
Mamãe, por meio do sacerdócio do �eu fi­
·

lho, vem se encontrar na própria fonte da ope­


ração da graça, o que significa, ao mistério fun­
damental da nossa participação na Vida divina.
Esta participação o Salvador mereceu, mor­
rendo e ressuscitando e é aquela que Ele nos co­
munica por meio dos sacerdotes, tomando-a ex­
tensiva a todos os cristãos. E se todos podem se
abeberar nesta fonte, a mãe terá ainda maior di­
reito pessoal em virtude de sua participa�o no
sacerdócio do filho.
O que dizer ainda do pensamento todo par­
ticular que Jesus teve para as mães, quando na
Sua oração do Getsemane, orou pelos Seus, por
aqueles que Ele entrevia através dos Seus Após­
tolos, recomendando a todos que pedissem ao
Pai em Seu nome?

48
o· mães! considerai este pensamento inefá­
vel que a Divina Vítima teve então para vós e
que acabou por uma invocação lançada ao Pai
para implorar misericórdia a nosso favor. Uni
tôdas as vossas orações à esta que Ele fez por nós,
antes de deixar o mundo! . . .

O vosso sacerdócio! . . . Como Jesus, já na­


quela hora suprema o olhou com indisível amor,
unindo ao de vossos filhos padres, através dos
quais Ele vos consagrou corredentoras, de certo
modo, com Sua Mãe, por meio da Sua Morte,
Ressurreição e Ascenção; tudo isso com o influxo
do Espírito Santo, por que "há mulheres que têm
uma alma de sacerdote e a transmitem aos pró­
prios filhos" (René Bazin, citado por Mons. La­
valle, Reitor da Faculdade Católica de Lião).
"Mamãe!" - exclama o Rev. Pe. Luis Le
Bartz, em um dos seus tão comoventes artigos, -
"como pronunciar esta palavra sem ficar inunda­
do de luz? Como escrevê-la sem estremecer de
ternura? Como pensar nela sem se comover?
Deus colocou a mãe na origem de cada homem,
como um!! estrêla que ilumina o seu caminho.
A sua missão coloca a mulher tão no alto, na es­
cala dos valores humanos e espirituais que é pre-

49
ciso, para falar do assunto, nos purificarmos ao
contacto da natureza divina".
E, depois de ter desenvolvido com tanto de­
licadeza tudo quanto este nome de Mamãe con­
tém em si mesmo, o conceituado secretário geral
do jornal "La Croix", conclue: "Evocando a ima­
gem daquela que embalou a minha infância e a
quem devo tudo, não posso senão repetir, com
aqueles que me lêem, o grito espontâneamente
saído do coração de F. Coppée : "Minha Mãe,
sejas tú bendita entre as mulheres!" E não sig­
-

nifica isso que esta mãe tinha por certo uma al­
ma de sacerdote, que ela transmitiu ao filho? . . .
Depois do Advento, eis o Natal, eis o Menino
que nos convida ao acompanhamento da Sua San­
ta Humanidade, prontos a cumprir integralmen­
te a vontade do Pai. Humanidade nascida aque­
le dia para a Vida divina com a união substancial
do Verbo, que nos faz sempre nascer também de
Deus, a cada novo Natal : "A quantos O recebe­
ram f:le deu poder de se tornarem Filhos de
Deus; a aqueles que creram no Seu nome os
quais não nasceram do sangue nem da vontade
da carne, nem da vontade do homem, mas nas­
ceram de Deus". (1)

( 1 ) João I, 12, 13.

50
O Messias vem reviver em nós a Sua vida de
humildade, de pobreza do Presépio. Oh! abri en­
tão a vossa alma, sobretudo vós, mães de famHia,
que participais da pobreza! Abri vossa alma à
Sua ação, confiadamente, e Ele virá em vosso au­
xílio. Deixai-O viver em vós, no vosso descon­
fôrto, com as suas disposições de doçura, de sub­
missão, de coragem. E unindo a vossa vontade
a esta vida do Menino Jesus, pobre em Belém e
pobre em vós, corrigireis e retificareis as más in­
clinações e os vossos defeitos.
Como se queixar quando, de fato possuís
em vós a Sua submissão à vontade de Deus, a Sua
obediência? Como perder a paciência, quando
tendes em vós a Sua grande doçura? . . . Ele tam-·
bém, o grande Deus, quis so&er a conseqüência
dos acontecimentos durante a Sua vida sôbre a
terra, como um simples mortal. Não é de fato
estranho que não tenha encontrado lugar para
nascer senão em uma pobre gruta?
"Ele veio à Sua casa, mas os Seus não o re­
ceberam". C)
Não é estranho por certo, que Ele fôsse obri­
gado a fugir para o Egito, afim de Sct livrar da

(1) Joio I, 11.

51
crueldade de Erodes e de sofrer, com Maria e
José, todas as privações do exílio naquela terra?
Jesus também quis ser um refugiado e viver co­
mo tal, por um certo tempo, longe da Sua terra
natal e de companhia dos seus.
Enquanto pensais nEle, revivendo a Sua vi­
da de infância em vossa alma, a virtude do mis­
tério do Natal passa e toma a passar em vós afim
de que possais vos penetrar do Seu Espírito de
Santidade, aumentando assim a vida divina em
v6s.
Mas o Menino Jesus deseja crescer no cora­
ção das mães; e é a Sua vida de trabalho na ofi­
cina de Nazaré que Ele vem reviver nestas.
Quando cuidais da vossa casa, preparando as
refeições, o Verbo lncamado vem desempenhar,
em v6s e convosco as vossas tarefas domésticas,
com as Suas disposições de humildade, de amor
pela glória do Padre, de pureza, de paciência, de
caridade e de obediência. Uni as vossas inten­
ções às Suas e às de toda a Igreja e então a vossa
pequena oração se tornará a Sua oração, as vossas
ações, as Suas ações, as vossas intenções, as Suas
intenções!
Jesus vem crescer na terra espiritual da vossa
alma, terra que v6s Lhe preparastes com a vossa

52
fidelidade e que poderá produzir frutos, cem por
um, por meio da vossa paciência. A paciência!
Não é por certo a ·virtude que no decorrer do dia
se oferece com maior freqüência à mãe de famí­
lia, qual fruto esplêndido e fecundo? Colhei es­
te fruto celeste àvidamente e fazei-o penetrar até
o íntimo da vossa alma. Ele vos fará morrer para
vós mesmas! O exercício desta virtude obterá de
fato o curso de vossa vida,· para reconduzí-la ao
domínio do Pai Celeste. Em união com o Seu
Divino Filho, com Ele, por meio dEle, nEle, vós
vos submetereis aos contratempos que ocorrerão.
E enquanto que, numa roda viva de trabalhos,
passais da casinha para as outras dependências
da casa, achando ainda tem� par� costurar para
os pobres, a virtude do mistério de Jesus, traba­
lhando com Suas mãos em Nazaré, passa e repas­
sa em vós para penetrar-vos do Seu amor para com
a vontade do Pai, para a salvação das almas e pa­
ra prestar, por meio da vossa união com E.le o
vosso trabalho divino e redentor.
E' esta vida de Jesus nela, de Jesus Sacerdo­
te e Hóstia, que dará à mãe, o sentido agudo da
sua responsabilidade de espôsa e de mãe, comu­
nicando-lhe toda a vigilância necessária para afas­
tar as más leituras do lar doméstico e prestar

53
atenção às companhias mais ou menos perigosas
dos filhos à proporção que êles crescem.
E' esta vida de Jesus nela que lhe fará re­
pelir todos os maus pensamentos, afastando-a da
mentira, impedindo proferir palavras contra a
caridade. E' esta vida de Jesus nela que lhe fará
dominar os seus arrancos de cólera, de impaciên ·

cia ou de mau humor.


E' ela, enfim, que pouco a pouco a tornará
de tal modo fiel �o sôpro do Espírito Santo a
ponto de se tomar no seu mais vivo instrumento.
Assim, quando lhe sobrevier uma angústia, um
sofrimento ou uma alegria, a sua primeira pre­
ocupação consistirá em deixar ao Salvador a opor­
tunidade de viver nela este sofrimento, esta an­
gústia, esta alegria, com as disposições de Jesus,
as Suas virtudes, as Suas intenções. Desconfian­
do do seu primeiro impulso, das suas impressões
pessoais, a mãe, vivendo o seu sacerdócio, colocar­
-se-á cada vez mais, na linha de conduta do pla­
no de Deus referente a ela, pela realização dos
seus desígnios de amor por meio daquela calma,
confiança e docilidade que dá o abandono à
Vontade Divina. E esta aspiração constante fa­
rá com que a mãe possa resolver todas as difi-

54
culdades, superar todos os obstáculos, comuni­
cando-lhe uma paz, uma alegria, uma agilidade
espiritual e uma fôrça de ânimo que são uma
prelibação da felicidade celeste. Eis a verdadeira
oração, a verdadeira vida, aquela que emana do
fundo da alma e através da qual o Divino Artista
entretece a nossa beleza eterna.
O Dr. Alexis Carrel, o grande biólogo ho­
dierno, que com tanto carinho se inclina sôbre
o estudo dos problemas humanos nos dá esta de­
finição da oração: "a oração é o esfôrço que a
alma faz para subir até Deus e comunicar-se
com um Sêr invisível, Criador de tôdas as cou­
sas, Suprema Sabedoria, Verdade, Fôrça e Bele­
za, Pai e Salvador de cada um de nós". E, sem
sair da sua J!lissão, Carrel descreve, como médi­
co, as conseqüências dêste esfôrço : " a influên­
cia da oração sôbre o espírito e sôbre o corpo -
(diz êle) - é tão demonstrável como a secreção
das glândulas. Os seus efeitos são constatados por
um acréscimo de energia física, de vigor intelec­
tual, de fôrça moral, por uma mais profunda com­
preensão das verdades fundamentais. A oração é
uma fôrça tão real como a gravitação universal.
Na qualidade de J!lédico tenho visto doentes se
restabelecerem da moléstia e da depressão moral

55
por meio do esfôrço sereno da oração, quando
toda espectativa terapêutica havia falido. E' a
única fôrça no mundo que parece vencer "as leis
da natureza" e são chamados milagres as ocasiões
em que a oração tem demonstrado a sua potência .
Mas um milagre contínuo e menos espetaculoso
acontece, a cada hora, no coração do homem que
descobriu como a oração alimenta a sua vida diá­
ria com um fluxo constante de fôrças que o sus­
tentam. Hoje, mais do que nunca, a oração é
absolutamente necessária na vida do homem e
das nações. A falta de insistência no sentimento
religioso, tem conduzido o mundo à orla do abis­
mo! E' preciso habituar os homens a andarem na
presença de Deus!" (1)
Estas são palavras que traduzem profundos
pensamentos, sendo por isso dignas de atenta
meditação.
Ah! como a vida das mães, geralmente sobre­
carregadas de trabalho e renúncia, tomar-se-ia
doce e até mesmo jubilosa, se elas vivessem o seu
cristianismo! As dificuldades do momento, lon­
ge de ser um obstáculo à sua ascenção, passariam

( 1) Dr. Alexis Carrel, citado por A. Praviel ua "Sa-


I'ODD8
..

56
a ser, em vez disso, como um sorriso de Deus,
um apêlo para o Alto, um motivo a mais de espe­
rança infinita!

3 . O ENcoNTRo DAS DuAS MÃEs.

O verão tinha atingido o seu pleno esplendor.


Era um daquêles gloriosos dias do oriente, du­
rante os quais dir-se-ia que toda a natureza faz
empenho em ostentar o seu mais belo manto: o
céu resplandece de um azul intenso, através do
ar limpidíssimo, quasi transparente, e por toda a
parte se vêem flores e frutas em profusão. Até
as videiras ofereciam aos olhos dos viandantes
os seus ramos carregados de cachos que começa­
vam a tomar côr.
E eis que durante este tempo em que a vida
da natureza atinge o seu apogêo lá longe, nas
montanhas da Judéia, uma jovem donzela, for­
mosa como o lírio do vale, caminha apressada
para o monte.
Dir-se-ia que v� compenetrada do tesouro
que leva consigo e que a enche de uma luz in­
terior tão intensa que os reflexos formam uma
auréola em tomo à sua pessoa.

57
A medida que prossegue o seu caminho, v�
se absorta em urna visão, inatingível ao olhar hu­
mano, mas capaz de deixar extasiados os próprios
anjos. E é tal a pureza e a alegria que emanam
desta visão, que per:tetrando o ar transparente
acima da vida material, fazem sentir . uma fôrça
increada, a da própria Vida e da Alegria mesma,
que vêm vivificar com o seu sôpro tudo o que
respira, animando a todos os sêres.
Que Vida é esta?
Qual é essa Alegria?
A própria Virgem nos revela este mistério :
Ela traz no ventre Aquêle por meio do qual tu­
do foi feito: o V�rbo da vida, a Alegria do Pai!
Como pode ser possível isso? O Sêr increado
e Criador se acha no ventre de uma mulher?
Tudo é possível a Deus, e ao passo que a
Bendita prossegue o seu caminho, a incamação
do Verbo começa.
A Virgem avança sempre, "mais conduzida
do que mandada". Ela vai ao encontro de urna
outra mulher, urna outra mãe, a prima lzabel,
que a espera, lá embaixo, no fundo do vale, na­
quela casinha escondida entre as verdes ramadas
da figueira e em plena floração, que lhe dão um
aspecto cheio de poesia e de mistério . . .

58
Izabel também traz no seu seio, não já o
Messias, mas aquêle que deverá anunciá-lo.
O' cena inefável, esta do encontro das duas
mães! A mãe do Sacerdote Eterno e a mãe do
Seu Precursor! Encontro no qual brilha o sa­
cerdócio destas duas mães, ambas consagradas
à salvação do mundo, da qual já se ouvem as
vibrações no momento em que elas se saudam,
anunciando o próximo nascer do Sol da Justiça .
Maria, possuida do Verbo e coberta pela
Sombra Sagrada do �spírito Santo, entra em casa
de Zacarias e saúda lzabel (1) com graça cheia
de luz. Ambas se abraçam.
· E o que acontece então?
Naquele mesmo instante lzabel sente agitar­
se dentro de si a sua criatura! Esta se toma cheia
do Espírito Santo e "em seguida transborda e
enche a mãe (2), que voltando-se para a prima
exclama : "Bendita és tú entre as mulheres e ben­
dito é o fruto do teu ventre! E de onde me vem a
graça, de que a mãe do meu Senhor se aproxima
de mim? Pois apenas a sua voz chegou ao meu
ouvido, o menino estremeceu de júbilo no meu

(1) Lucas, I, 40.


(2 ) Omllia de S . Ambrosio.

59
seio. Bemaventurada Aquela que acreditou, por­
que as cousas que lhe foram ditas se realiza­
ram". ( ' )
E eis que Maria, com expressão angélica,
volta-se para o seu Deus e pronuncia o seu subli­
me Magnificat!
Nenhum pensamento para si mesma, senão
para reconhecer a sua humild�de, que Deus se
dignou olhar. O seu espírito exulta nEle e por
Ele, enquanto ela vê despertar no horizonte os
filhos da promessa e dos quais será a mãe.
lzabel e Maria se entretém a propósito da
Graça e os dois meninos se produzem nelas : mis­
terioso e primeiro efeito este da piedade filial,
que já faz sentir os seus benéficos efeitos s6bre a
�ãe; um duplo milagre que nos mostra ambas
as mães profetisando sob a inspiração dos filhos
(2) e assim revelando o que os futuros padres,
ainda no seio das mães, podem lhes trazer como
contribuição de graças. ·
João Batista, estremecendo de alegria, mostra
reconhecer desde então o Cordeiro de Deus que

(1) Lucas, I, 42-45.


( 2) Omilia de Sto. Ambrosio, Matutino da Visitaçio,
ill noturno, VII liçio.

60
tirará os pecados do mundo, enquanto espera
anunciá-lO com a sua voz potente e de preparar­
Lhe o caminho nas almas.
O' Jesus, Messias tão esperado, durante estes
três meses que Maria passou junto de lzabel, Vos
formastes, fortificastes, cinzelastes a alma do
vosso precursor, através do seio da Vossa Santís­
sima Mãe e daquêle de lzabel : fluxo e refluxo
divino que passou e repassou sem embaraço no
próprio sacerdócio destas duas mães!

81
CAP i T ULO IV

O SACERDOCIO DA MÃE NA
EDUCAÇÃO DOS FILHOS
n paciência : Jesus nos deu tantos exem­

m pios desta virtude, no transcurso da


Sua Vida terrena, submetendo-Se com
amor à todas as vontades do Pai, esperando a

Sua hora, antes de executar uma ação qualquer,


antes até de fazer um tal milagre, que bem po­
demos dizer que a Sua Vida foi uma contínua
pregação da necessidade da paciência.
"A Minha hora ainda não chegou" (1), re­
petia Ele com uma inalterável serenidade. "O
Meu alimento é fazer a vontade do Meu Pai!"
( 2). Quão grande era a �ua paciência, mesmo
de frente aos sarcasmos dos farizeus e arrostan­
do as armadilhas que Lhe eram preparadas sem
tréguas, pelo 6dio dos inimigos que maquinavam
a Sua morte! E se algumas vezes Ele os verbe­
rava severamente, não era certamente por uma
satisfação pessoal, mas únicarnente para o bem
dêles e porque o Pai assim o desejava.

( 1 ) Joio, n, 4.
(2) Joio, IV, 34.

15
Paciência e doçura inesgotável eram igual­
mente usadas por Ele, no cumprimento da árida
e por vezes ingrata, tarefa da formação dos seus
Apóstolos, tão lentos em crer e em compreender!
Grande exemplo para vós, mães cristãs, no que
se refere à educação dos vossos filhos : A vossa
paciência, a vossa doçura deve, todavia, perma­
necer uma doçura viril é não vos fazer esquecer a
firmeza, tão necessária hoje, para salvaguardar o
respeito afetuoso devido aos pais, como também
para dominar e dirigir a emancipação da juven­
tude e o seu exagerado desejo de independência.

O vosso sacerdócio será a vossa luz, a vossa


fôrça, para ajudar-vos a evitar toda negligência
nas observações e punições necessárias, para con­
servar a vossa autoridade, como para ensinar-vos
a esperar também, por vossa vez, a hora de Deus.

O vosso sacerdócio dirigirá ainda a vossa ati­


tude para o esquecimento próprio, quando se
tratar de imolar os vossos gostos e os vossos dese­
jos, ainda que puros e legítimos. E' assim, por
exemplo, que em vez de ficar em casa aos donún­
gos, para vos repousardes ou vos ocupardes de
uma leitura interessante, deveis acompanhar os
vossos filhos no passeio, dirigí-los nos seus jogos,

66
interessar-vos por êles, esquecendo a vossa fádi­
ga para participar do entusiasmo dêles e da sua
alegria! "Sacrifícios espirituais agradáveis a Deus,
oferecidos por meio de Jesus Cristo" (1) e que,
tornando-vos h6stia, com Jesus-H6stia, entram
na Oblação imolada pelo Sacerdote Eterno! Sa··
crifícios que formam em v6s "a pedra viva que
entra a fazer parte da estrutura do edifício" (2)
do "Reino de Deus Eterno e Universal, Reino de
Verdade e de Vida de Santificação e de Graça, de
Justiça, de Amor e de Paz!" (8)
Se soubesseis tudo quanto Deus espera da
mulher, das mães! A mãe que vive o seu sacerdó­
cio deve conhecer toda a responsabilidade que
pesa sôbre ela, e não pode permitir aos seus filhos
ou às suas filhas uma conduta imoral qu imo­
destá nos exercícios esportivos ou outros quais­
quer, como muito bem disse Mons. Bispo de
Moncauvan : "que o corpo, sobretudo do jovem
ou da donzela, seja coberto! Os interêsses supe­
riores da alma o exigem! Mantendo-se o corpo
no seu ofício de servidor da alma, êle é mantido
no seu justo posto, ficand� respeitada a hierar-

( 1 ) (2) I Pedro IT, 5.


( 3) Prefácio da Festa de Cristo Rei.

67
quia dos valores, assegurada a ordem natural e o
sucesso da verdadeira cultura física!"
E o Bispo conclue: "é por meio de uma ju­
ventude, pura, modesta, disciplinada, habituada
à mortificação da carne, que teremos uma Fran­
ça bela, forte e viva!"
De fato, o jovem ou a moça que se deixam
vencer pelas seduções da carne, que cousa se
tornarão na vida? Sêres decaídos física e moral­
mente, sem fortaleza de alma, criaturas envelhe­
cidas antes do tempo e que, depois de haverem
perdido a sua beleza moral, a única verdadeira
beleza, arrastarão urna vida fracassada, privada
de nobreza, de coragem, de valor. Quê maridos
ou quê esposas, quê pais e quê mães poderão ser
êles para o mundo que reclama, mais do que
nunca, pela sua restauração, para a qual são in­
dispensáveis criaturas puras, fortes, enérgicas,
que saibam se dominar e se dirigir a si mesm��?
A nossa atual miséria nos revela claramen­
te · os malefícios provocados por aqueles que, me­
nosprezando a Deus e as Suas leis, tentaram fa­
zer a educação d� juventude. Irão êles hoje, fi­
nalmente, subir novamente a ladeira para pedir
ao Divino Mestre q�e venha curar as feridas mo-

68
rais da humanidade, imploran�o Aquêle que,
únicamente, pode saná-las?
Queiram as mães refletir sôbre este estado
de cous�s afim de remediá-lo com toda a energia!
O vosso sacerdócio, mães, será então a vossa
fôrça iluminadora, nas preocupações referentes
à educação dos filhos, na arte de saber distinguir
os seus hábitos, afim de encaminhar as suas ati­
vidades no sentido da vocação. Felizes sereis, se
nesta dedicada tarefa fôrdes ajudadas por um
marido virtuoso e verdadeiramente perspicaz! Por
outro lado, à medida que as vossas vidas se desen­
rolarem na irradiação do vosso sacerdócio, rece­
bereis a luz e a fôrça necessárias para enfrentar­
des os acontecimentos e saberdes aproveitá-los.
Não sois por ventura criaturas de Deus, criaturas
que têem necessidade, mais do que tudo, da Sua
Luz, da Sua Energia Divina e que �le deve for­
mar para vos tomar, por sua vez, aptas para
formardes o espírito e o coração dos vossos filhos,
fazendo isso apoiadas na autoridade dos vossos
espôsos, dos quais sois fieis companheiras? Pos­
sam estas duas autoridades se fundirem em uma
só, por meio de um acôrdo das vossas aspirações,
dos vossos desejos e da vossa vontade, em um
mesmo sentimento cristão, ligamento eterno dos

69
vossos dois sêres para o hem dos vossos caros
filhos!
Com todo o feryor que o Divino Educador
vos comunicará, fareis passar na alma dêstes fi­
lhos a verdade que viveis. Não sois então, por
vosso turno, chamadas a semear o Verbo nesta
terra virgem, a trabalhá-la, cultivá-la para o fu­
turo da humanidade? Formadas vós mesmas na
escola do vosso sacerdócio, armareis os vossos fi­
lhos com a mesma "armadura de Deus" (1) à vis­
ta das provas futuras e sabereis inculcar nêles a
necessidade de Jesus Cristo, a fome e a sêde da
Vida Divina, que os tornará felizes um dia. Esta
formação vos incumbe de modo imperioso, 6
mãe, na hora trágica que vivemos e que exige
gente capaz de triunfar de todas as dificuldades,
para reconstruir o mundo arruinado em que vi­
vemos. Escutai, 6 mães, o apêlo ardente que
Jacques Chevalier, esse mestre eminente, educa­
dor-filósofo, profundamente cristão, dirigiu aos
jovens em 1 94 1 , dizendo em resumo : "Conser­
vai, 6 jovens, o vosso entusiasmo, o vosso ímpeto,
mas saibais que o entusiasmo é vão e perigoso,
sem a disciplina que o dobra às suas regras. A

(1) Efes. VI, 3.

70
água e o fogo não prestam serviço útil senão ca­
nalizados. E' certo que as dificuldades e as pri­
vações são grandes, mas não são para mim, nem
devem ser para vós, motivos de desânimo, mas
uma razão de esperança : conservai portanto in­
tacta, dentro de vós, a única juventude que con·
ta : a da alma!"

Esquecidas assim de vós mesmas, de vossas co­


modidades, conseguireis, pouco a pouco, liherta:c
vossos filhos do seu egoísmo, da exclusiva pro­
cura do próprio hem estar, colocando-os, desde
cêdo, em contacto com os pobres, que êles deve­
rão, sob vosso �mpulso e direção, aprender a visitar
e a socorrer. Fazendo por este modo vossos filhos
viverem nesse clima de caridade e dedicação, en­
sinar-lhe-eis a constante preocupação pelo hem
do próximo, para prevenir e remediar toda misé­
ria, todo sofrimento, mantendo o seu espírito e
o seu coração sempre prontos e atentos a servir.
Servir antes de tudo, hem se entende, aos seus
próprios pais e não apenas se fazer servir . . . por
êles! Servir do avô, à avó, pois que todos somos
irmãos em Cristo!

Não é por certo a caridade uma das virtudes


essenciais do catolicismo, infelizmente tão pou-

71
co praticada na vida corrente, na qual cada um
pensa egoísticamente, sobretudo em si mesmo?
João Schlumberger escrevia no Figaro: "A carida­
de não é uma virtude cômoda que permite o re­
pouso, sendo por isso relegada para wn canto da
vida doméstica, onde não possa medrar. A cari·
dade deve ser, pelo contrário, uma verdadeira
obscessão, uma recusa sistemática de nos resig­
narmos à infelicidade alheia".
Como estas palavras sôam, a propósito, nos
dias de hoje, quando tantas criaturas são vítimas
da dor, em todas as suas manifestações! E quan­
tos novos e urgentes deveres surgem para os que
ainda dispõem de tempo e de recursos!
Se às mães fizessem conta do enorme poder
de formação que têem nas suas mãos, como dese­
jariam modelar já desde cêdo a alma dos seus fi­
lhos, iniciando-os, logo ao primeiro despertar das
infantis inteligências, nos grandes sofrimentos do
Homem-Deus! Sempre constatei que a Paixão
de Cristo, narrada com fervor, toca profunda­
mente os corações das crianças. E quem poderá,
melhor do que a mãe, iniciar os pequenos e os
maiores na vida do Salvador, .segundo o Evange­
lho, e na �ida �a graça envolvente e penetrante

72
da própria vida delas no lar'? Quem poderá me­
lhor do que a mãe ensiná-los a agradecer cada dia
a Jesus, por tudo quanto sofreu para salvá-los, en­
siná-los a retribuir-lhe por meio de sacrifícios vo­
luntários, amor por amor? Como é devéras ne­
cessário ensinar às crianças a Ação de Graças, o
reconhecimento imenso que elas devem a Deus
por todos os benefícios que Ele lhes prodigaliza!
Não recebem êlas por ventura das mãos de
Deus, todos os bens que desfrutam, por inter­
médio das mãos benfeitoras e liberais de suas
mães?
Tenho visto algumas vêzes, com profunda
emoção, "Mães de almas", mães piedosas, leva­
rem à Igreja, no silência da tarde, criancinhas de
quatro, cinco, seis anos, pondo-me a observá-las
atentamente enquanto rezam. E quando depois,
estão para sair, vejo-as fazer sôbre as próprias
frontes, o sinal da cruz, em um gesto largo e en­
volvente, ao passo que estes pequeninos, radian
tes de alegria, parecem presos por uma influên ­
cia celestial. E eis que, por sua vez, as crianci­
nhas aprendem a fazer o sinal da cruz e o repro­
duzem com amor. Se cada dia estes átos se repe­
tissem, procurando verdadeiramente cultivar

73
aquelas almazinhas, a criança cresceria em uma
atmosfera igual à do seu batismo e assim seria
mais fácil infundir-lhe o horror do pecado, a aver­
são pela mentira, o amor pelo bem e pela pureza.
O' mães, fazendo o vosso sinal da cruz, não
olvideis jamais de aspirar à Vida Divina que Jesus
mereceu por nós na cruz e de penetrar profunda­
mente nesta Vida com este gesto da nossa fé!
A mãe que vive em seu sacerdócio, se esfor­
çará por comunicar ao� filhos, à medida que cres­
çam, a ciência das ciências; a da presença de
Deus, do Louvor Divino, ensinandcrlhes a lêr no
grande livro da natureza. Não ouvistes, por aca­
so, falar de crianças, adrniràvelmente iniciadas
por meio da "Obra de Formação cristií da infân­
cia" (1), em extases, admirando as belezas
da natureza, as montanhas e colinas, bendi­
tas do Senhor? E com quê felicidade êstes pe­
queninos, mais tarde, subirão do visível ao in­
visível? A vista da luz, que na primavera au­
menta cada dia de intensidade, à vista da seiva
das árvores, que s6be até os ramos e .desabrocha
nos brôtos das sementes que crescem, das flores
e dos frutos que pouco a pouco se desenvolvem

( 1) Dir. Abade Boutinaud.

74
e se formam, chegados, êles, à idade adulta, por
ocasião de seus passeios pelos campos, sentirão :ne­
cessidade de se associarem a este impulso univer­
sal, pedindo do Senhor que a sua participação na
Vida Divina se encaminhe sempre e cada vez
mais para o alto!
A água que ouvirão murmurar entre as pe­
dras dos regatos elevará o seu pensamento para a
Água Viva da Graça, aquéla que dessedenta para
sempre e da qual Jesus falava à Samaritana, junto
ao poço de Jacob. O canto do galo recordará o
indizível sofrimento do Coração de Jesus, rene­
gado pelo Apóstolo, bem assim, o posterior arre­
pendimento dêste!
Abençoada a mãe que terá ensinado os fi­
lhos a contemplarem a natureza com "olhos ba­
tizados", segundo a belíssima expressão do Rev.
Pe. A. M. Carré e a distinguirem nela, com os di­
tos olhos, a ação da Providência que fáz "concor­
I
rer tudo para o bem dos que amam a Deus". (1)
Sôbre este ponto escreve ainda o Rev. Pe.
Carré: "Não devemos reprimir o entusiasmo que
Deus colocou no íntimo do nosso sêr e que nos
conduz à eternidade! O cristão é um sêr destina-

( 1) Rom. VIII, 22.

75
do à eternidade. Ele deve considerar todo acon­
tecimento que o atinge, encarando-o de um pon­
to de vista superior, �e. modo a permitir uma vi­
são de conjunto, da' qual se possa inferir o grau
de elevação que já �lcançou, pois os seus olhos
também são batizados." (1)
Por certo, 6 mães, até os olhos dos vossos fi­
lhinhos são batisados! Cultivai nos vossos peque­
ninos a inteligência e o amor do seu batismo, vi­
vendo, v6s também, o vosso próprio. E por is­
so, inculcai-lhes uma intimidade real com a Vir­
gem Santa; que êles recorram sempre a Ela em
tôdas as circunstâncias e. procurem agir sempre
em união com Ela!
E quando os vossos pequeninos se tomarem
rapazes ou moças, sabei conquistar sua confian­
ça, não apenas como mãe, mas vos tomando para
êles e elas, uma amiga, a conselheira a quem tu­
do se confia. O vosso sacerdócio vos dará este
conjunto de tacto de discreção, de generosidade,
que fará sentir aos vossos filhos que v6s os amais,
não para v6s, mas para êles mesmos.
O vosso sacerdócio, mães, será também a fôr­
ça que animará a vossa vida conjugal. Sob sua

( 1) A . M . Cam. Ver " La Croiz" 1 2, 13-9-1942.

76
ação diligenciareis em proporcionar ao vosso ma­
rido as alegrias familiares. O vosso espírito de
imolação vós induzirá a sacrificar por esta inten­
ção muitos projetos vossos de interêsse pessoal,
afim de poderdes ficar na companhia do vosso
espôso, entretendo-o naquilo que o interessa ou
distrái, ou até mesmo, se fôr o caso, tornando-vos
sua colaboradora, nas suas emprêsas ou nos seus
projetos, por meio dos recursos do vosso. juizo
iluminado, dos vossos conselhos dados com dis­
creção e oportunidade.
E como será preciso aumentar êste deprendi­
mento de vós mesma, o vosso tacto, a vossa ter­
nura e domínio sôbre o sistema nervoso, quando
vosso marido vos confiar suas desilusões e des­
gostos, afim de que possa êle encontrar, na vos­
sa doçura serena, a calma que procura!
Com êle, colaboradora de Deus na missão
sublime da educação dos filhos, depois de o ha­
ver sido na obra criadora, executareis a vossa par:­
te na obra redentora por meio, da vossa efetiva
comunhão com Maria, Corredentora, e através de­
la, com o Redentor, Sacerdote e Hóstia, vivendo
em vós. Este desprendimento de vós mesmas vos
acompanhará por toda a vida! Os vossos filhos
77
são causa vossa, todavia, hem sabeis e com isso
concordeis, que êles pertencem a Deus. E' para
:E.le que deveis educá-los, formá-los, dirigí-los, e
isto com desinterêsse absoluto, a exemplo da
Sant.a Virgem, que sabia muito hem a que ponto
o seu Jesus era, antes de tudo, propriedade do
Pai Celeste, do qual veio executar a obra de­
cretada para a salvação dos homens.
A própria vida, pelo seu lado, se encarrega
de vos m�strar que os vossos filhos não vos per·
tencem e que não podeis dispor dêles à vontade.
De fato, no momento em que poderíeis gozar dt:
sua companhia, e aproveitar-vos do seu apôio,
êlcs vos deixam, para seguir, cada um, a sua vo­
cação própria. E às vezes se trata de uma sepa­
ração definitiva quando, por uma graça inefável,
Deus os toma para o Seu Santo Serviço, às vezes
destinando-os às Missões longínquas,· de onde ge­
ralmente não retornam mais! E é el}tão, junta­
mente com a Rainha dos Mártires, ao pé da cruz,
onde Ela oferece o seu Divino Filho, imolado pe­
la redenção do mundo, que o vosso sacerdócio
atinge ao seu apogêu! Pois que o vosso Ofertó­
rio, aquele de tôda a vossa vida, concentrada em
vosso filho oferecido, se consuma na imolação
da consagração. E assim podeis dizer, por sua
vez: "tudo está consumado!"
78
Segundo as aparências, a mãe de família não
parece desprender-se de tudo, como a freira, que
tudo abandona : lar paterno, amigas, bens dêsse
mundo, para se consagrar a Deus! Todavia, se
penetrarmos no âmago das cousas, é fácil desco­
brirmos o desprendimento que se opera também
nas mães, cada dia, em uma perspectiva tormen­
tosa que aguça e intensifica a dor. E' então que,
unidas a Jesus crucificado, v6s mães, morreis com
.E.le para tudo que não fôr a vontade de Deus e,
desta crucificação, tereis tudo que esperar, para
o bem da vossa alma e daquela dos que v6s são
caros.
Esta atitude de confiança e, ao mesmo tem­
po, de filial dependência não é por certo, além
disso, o ato supremo de adoração de toda a vossa
vida e que a vossa morte virá coroar? Enquanto
isso, o Divino Redentor tornará doce as vossas
privações, fazendo-vos saborear, por uma expe­
riência toda pessoal, as alegrias antecipadas da
Ressurreição e uma íntima felicidade que nin­
guém, v6s o sabeis, poderá vos arrebatar.

79
C A P fT U L O V

O SACERDóCIO DAS MAES E AS


ALEGRIAS DA RESSURREIÇÃO
M NQUANTo o Salvador vive, na realidade,
Seu sacerdócio sôbre o altar do vosso
M ocoração traspassado pela dor, como o
da Rainha dos aflitos, vós, ó mães, sustentadas e
vivificadas por E.le, já ressuscitais com o Cristo,
ou antes : é E.le próprio que "ao mesmo tempo
que ressuscita em vós, estabelece a . sua morte em
vós mesmas". (I) E nesta morte, não somente
desejais a destruição de qualquer obstáculo à vi­
da divina na vossa alma, mas ainda consentis na
destruição do vosso corpo por meio da morte que
deve vir. Que importância vos merece, de fato,
este corpo de carne, corruptível e mortal, uma vez
que êle deve ressuscitar um dia, incorruptível e
imortal? Por isso, a mãe que vive o seu sacer­
dócio aceitará com resignação a morte, porta de
entrada da verdadeira vida e da qual esta terrena
não é senão o prólogo, a preparação íntima e viva.
Em reconhecimento do soberano domínio de
Deus sôbre Sua pessoa, em cada missa ouvida, a
( 1 ) M . Oliver, La "Joumée Chrétiem1e", Paris.

83
mãe deve oferecer a sua morte em união À do
Salvador, afim de participar da Sua obra da re­
denção e poder ressuscitar com :E.le.
De fato, se estivermos mortos com o Cristo,
acreditemos no entanto que vivemos com :E.le,
sabendo que o Cristo, r�suscitado dos mortos, ·
não more mais: a morte não tem império sôbre
:E.le. Porque a Sua morte foi uma morte para o
pecado, uma vez por todas, e a Sua vida, uma vida
para Deus. Assim, vós também, considerai-vos
como mortas para o pecado e como vivas para
Deus em Jesus Cristo". (1)
Esta morte é para nOs a consumação do sa­
crifício oferecido a Deus e em honra do qual
nós também, vítimas oferecidas com Jesus imo­
lado, devemos ser destrUidos.
Destruidos?
Não propriamente assim, porém mudados!
E que feliz m1;1dança! De corruptível e imper­
feita que era a vítima oferecida e imolada, se·
transforma, pelo Cristo ressuscitado, em uma
"nova criatura" (2), vivificada n:E.le" . (1), toda

( 1) Romanos VI, 8, 9, 10, 11.


(2 ) 11 Cor. V, 17.
(3) I Cor. XV, 23.

84
radiante da vida e do esplendor de Deus e do
qual ela é, doravante, o reflexo criado, mas fiel.
"Semeado na corrupção, o corpo ressuscita in­
corruptível; semeado na ignomínia, êle ressuscita
glorioso; semeado na fraqueza, êle ressuscita
cheio de fôrça; semeado qual corpo animal, êle
ressuscita corpo espiritual". e)
"Por certo, nós seremos mudados". (2)
A medida que v6s, mães, morrerdes para vós
mesmas, através do vosso trabalho e dos vossos
sofrimentos, revestireis, cada dia mais, a vossa
beleza eterna. Esta é uma das admiráveis verda­
des da economia da nossa salvação! Perdendo
vossa vida para Deus - não Sàmente por meio
das privações e das fádigas que destroem física­
mente, corporalmente, mas também aceitando a
destruição do vosso corpo de p6 - que vos res­
suscita por meio do Cristo, no último dia,
E:le vos restituirá a vós mesmas, mas ficareis trans­
formadas, beatificadas, divinisadas na Pureza, na
Luz, na Alegria do Pai do Filho e do Espírito San-

(1) I Cor. XV, 42, 43, 44.


(2) Cor. XV, 52 Vulosata: Nós todos ressuscitaremos
mas não seremos todos mudados: os maus não te­
rão um corpo espiritual e glorioso, mas apenas os
fiéis justificados. S. J�nlmo ( trad. Crampon,
DOta 151, p!g. 206).

85
to, não vivendo mais que para o Espírito Santo e
nEle. "Aquele que ama a sua vida, a perderá;
aquele que odeia a sua vida nesse mundo, a con­
servará para a vida eterna." (1)
E esta nova criatura, na qual vos tornastes,
não poderá mais viver para si mesma. Tendo se
libertado disso para sempre, viverá únicamente
para a Santíssima Trindade.
E nesse feliz estado, fruto do vosso sacerdó­
cio vivido, no qual não existireis mais senão em
Deus, aChareis a vossa felicidade, a vossa beati­
tude.
Esta radiosa transformação do vosso sêr, da
vossa vida na vontade de Deus, realizada, cum­
prida em vós e em todas as criaturas eleitas, vos
fixará em uma alegria eterna, que vos tornará
sempre infinitamente felizes.
E sendo esta nova vida o vosso destino, aque­
le para o qual fôstes criadas, vos repousareis nesta
felicidade, que satisfará para sempre as aspira­
ções do vosso coração, numa participação criada
pela própria heatitude de Deus. E eis que, nes­
te doce abandono, o Senhor vos dará também o
vosso espôso e os vossos filhos, tomados convosco
(1) Joio xn, 25.

86
"como os anjos de Deus" (1) e que serão, por
sua vez, mudados, divinisados, transformados na
Pureza, na Luz, na Alegria de Deus e não vos se­
rão entregues senão para a Sua glória e o Seu
amor, se tiverem sido fiéis à Lei Divina.
Como são dignas de lástima as mães que não
tomam conhecimento destas sublimes verdades!
Uma pessoa que tinha sido muito bela na
sua juventude, tornando-se velha e murcha, não
sai mais de casa senão com o rosto coberto por
um véu! Que tolice humana! Se esta pessoa co­
nhecesse e vivesse a Fé, como se alegraria, ao
contrário, por se ver assim reduzida, em vez de
chorar sôbre as suas ruinas.
Através da destruição da sua beleza física, ela
proclamaria a eterna juventude de Deus, que não
muda jamais! Ela se prepararia a não existir se­
não nEle, em união ao mais belo dos filhos dos
homens, que quis, por nosso amor, ser desfigura­
do durante a Sua Paixão; ela ofereceria a ruina da
sua passada beleza como uma homenagem de su­
prema adoração Aquele que é a própria essência
do Belo e diria : gue me importa a minha perdida
beleza, se eu ressuscitarei? Mas esta ressu.rei r -

( 1) Mateus XXI I, 30.

87
ção, que- mudará a sua beleza terrestre em uma
outra beleza diferente e celestial, esta pobre cria­
tura deveria exercitar-se a desejá-la, não já por
vaidade pessoal, mas únicamente para; a Gl6ria
e Louvor do Senhor que Se tomou, daqui por
diante, toda a sua vida.
'E há ainda alguém que tenha a ousadia de
falar de tristeza na religião, quando somente esta
sabe transformar as privações passageiras da ter­
ra, até mesmo as da velhice, em uma fonte de
esperança e de alegria sem fim! . . . Quantas cria­
turas buscam em vão a alegria neste "vale de lá­
grimas"! · Ela não existe senão no cristianismo
vivificado e praticado! Somente êle acalma e sa­
tisfaz o coração necessitado de repouso e o beati­
fica por antecipação, já neste mundo. Assim po­
demos comprender como há cristãos, mães de fa­
mília que, ap6s uma vida passada totalmente
em Cristo, têm uma morte radiosa. Tai foi a desta
mãe que, alguns momentos antes de exalar o úl­
timo suspiro, pediu que cantassem à sua cabecei­
ra o Magnificat; e foi durante este canto que a
sua alma levantou o vôo para as regiões eternas
Eu mesmo tive a c�nsolação de assistir aos seus
últimos momentos. Mãe de família que em pou­
cas semanas tinha acelerado tanto a sua caminha-

88
da para Deus que parecia dEle se aproximar dia
a dia, cada vez mais. Por isso, Deus pareceu
querer recompensá-la de seus esfôrços, realizan- .
do desde aqui mesmo o início da sua transforma­
ção celeste. Um quarto de hora aproximadamen­
te antes de sua morte, apesar dos seus oitenta
anos, o seu rosto se revestiu de uma juve5Ud�
extraordinária. O seu olhar, tomado extrema­
mente radioso e brilhante, fixou-se em um pon­
to do quarto, como se enxergasse ali uma visão
deslumbrante... e quê vida animava aquele olhar!
Depois, de-repente, o mesmo se obscureceu, se­
guindo-se o trespasse.
Esta mãe, que tinha dado à Igreja um sa­
cerdote, morria assim no reflexo da união sacer­
dotal do seu filho . . .
--o-

Termino este opúsculo durante a Semana


Santa. As vossas almas já sentem o despertar
que se desenha no horizonte com a Páscoa. A
própria natureza, fremente de vida, parece res­
sentir neste momento as vibrações da Ressurrei­
ção . . .
O' mães! que o "Sangue de Cristo Sacerdote
e Hóstia, vos inebrie!"

89
Que "a água saída do lado de Cristo, vos
purifique!" e)
E então, com o vigor da vida renascente da
ressurreição, "correi para as águas, bebei com
alegria!" f:)
Mergulhai-vos cada dia mais na luz do vos­
so sacerdócio, rumo à vida eterna que vos chama,
Páscoa eterna que será para sempre a vossa festa!

( 1) Extraido da oração, "Alma de Cristo santificáJ-me".


(2) Intróitodo Sábado d a IV.• S . da Quaresma.

90
l N DICE
PREFACIO . 7

CAPÍTULO I

O SACERDóCIO DA MAE NO CORPO


M1STICO DE CRISTO . . . . . . . . 13

CAPÍTULO 11

O SACERDóCIO DA MAE NA IRRADIA-


ÇAO DO S. SACRIF1CIO· DA MISSA 23

CAPÍTULO m

O SACERDóCIO DA MAE EM CRISTO -

QUE NELA REVIVE - E OS SEUS MIS-


TtRIOS . . . . . . . . . . . . . 39

CAPÍTULO IV

O SACERDóCIO DA MAE NA EDUCAÇAO


DOS FILHOS . . . . . . . . . . . . 63

CAPÍTULO v

O SACERDóCIO DAS MÃES E AS ALE­


GRIAS DA RESSURREIÇAO . . . . . 81

93
Com aprovação eclesiástica.
Acabou-se de imprimir em janeiro de 1956.

Compôs e imprimiu:
Emprêsa Gráfica Editara Guia Fiscal-Jos6 Ortiz JÚDiOr
Sio Paulo
COLEÇ A O D A S M A ES

1 - MÃEI
por E. CRIPPA

2 - MATERNIDADE E ESPJRITO
por F. CARBALLO

3 - O SACERDÓCIO DAS MÃES


por JOANNtS

4 - A CONSOLAÇÃO DAS MÃES


por ARRIGHI

5 - A MÃE REZA ASSIM . . .

por GAUTER

6 - MÃES COM SORRISO


por MARIA FRANCE

7 - MÃES COM TERNURA


por MARIA FRANCE

8 - MÃES COM ENERGIA


por MARIA FRANCE

9 - MÃES COM MENOR ESFORÇO


por MARIA FRANCE

1O - MÃES COM LEALDADE


por MARIA FRAN CE

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