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Pecado

Introdução
Uma ruptura de nossa vontade com a vontade divina. É o maior – o único verdadeiramente
– inimigo de nossa vida espiritual, do nosso caminho de santificação.
“Deveríamos conservar através da vida a veste branca da graça, o traje brilhante da adoção
divina. Foi o que fizemos durante alguns anos: os anos da meninice. Mas mal chegamos à idade
que podíamos conhecer e discernir o bem do mal, insinuou-se o pecado no paraíso de nosso
coração jovem, e pecamos: pecados leves, pecados maiores, pecados graves: pecamos muito.

O alcance do pecado
Para sabermos avaliar verdadeiramente o pecado, devemos primeiro tentar compreender
quem é Deus, já que o pecado é a negação de Deus: um atentado contra a sua própria essência,
contra o seu amor e santidade, uma violação dos seus supremos e inalienáveis direitos. O pecado
afasta-nos de Deus, que é a vida, e projeta-nos num abismo de humilhação tanto mais profundo
e miserável quanto mais sublime, grande e elevada é a nossa vocação de participar com Deus
da sua vida.
O pecado dirige-se, em primeiro lugar, contra Deus: é uma ofensa ao Senhor – Eu sou o
Senhor teu Deus –, a quem devemos referir todas as coisas e servir exclusivamente e sempre.
Que fazemos ao pecar? Na realidade, avaliamos as coisas conforme servem ou não para a
satisfação das nossas paixões, especialmente do orgulho e da sensualidade. As forças físicas e
morais foram nos dadas para vivermos só para Deus e para a sua glória, e nós, ao contrário,
pomo-las ao serviço dos nossos objetivos pessoais, contrariando a vontade e os preceitos
divinos. Referimos as coisas a nós e não a Deus, e fazemo-las escravas das nossas ambições;
procuramos a nossa glória e a nossa vontade em vez da dEle. Preferimo-nos a Deus, colocamo-
nos acima dEle: primeiro nós, depois Deus. Pomos ao lado de Deus, mesmo acima de Deus, um
ídolo: o ídolo do nosso eu, do dinheiro, dos interesses, do trabalho, da honra; o ídolo de um
prazer, de uma amizade, de um gozo vão. Preferimos uma criatura ao criador, consideramo-la
praticamente acima dEle: “Tu és o meu tudo, tu és o meu deus, eu vivo para ti”. “O meu povo
trocou a sua glória por um ídolo. Pasmai, ó céus, com isto, e horrorizai-vos, diz o Senhor”.
(Jeremias 2, 11-12)” [1]
É necessário, como já dito em aulas anteriores, que busquemos a nossa purificação, porém
esta purificação não é obra nossa, pois não temos a capacidade de salvar-nos a nós mesmos. Só
nosso Senhor Jesus Cristo, só a Obra da Redenção operada por Ele, pode salvar-nos; somente
esta Obra pode libertar-nos do demônio, do mundo, do pecado e da morte eterna.
Batismo
“Pelo Batismo, fomos resgatados da morte espiritual em que o pecado de Adão nos
submergiu. No Batismo, Deus uniu a Si a nossa alma, O Amor de Deus — o Espírito Santo —
derramou-se nela, preenchendo o vazio espiritual que o pecado original havia produzido. Como
consequência desta íntima união com Deus, a nossa alma se eleva a um novo tipo de vida, a
vida sobrenatural que se chama “graça santificante” e que é nossa obrigação preservar e não só
preservar, mas incrementar e intensificar.
Deus, depois de unir-nos a Si pelo Batismo, jamais nos abandona. Após o Batismo, o único
modo de nos separarmos dEle é repeli-lo deliberadamente. E isto acontece quando, plenamente
conscientes da nossa ação, deliberada e livremente, nos recusamos a obedecer a Deus, em
matéria grave. Neste caso, cometemos um pecado mortal, que, como a palavra indica, causa a
morte da alma”. [2]

Pecado mortal
“O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infração grave à Lei
de Deus. Desvia o homem de Deus, que é o seu último fim, a sua bem-aventurança, preferindo-
Lhe um bem inferior. O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora ofendendo-a e
ferindo-a.” (n.1855). [3]
Para um pecado ser mortal são necessárias três condições simultâneas: a matéria grave, a
plena consciência do ato e a sua prática deliberada. É dessa forma que nos ensina o catecismo:
“Para que um pecado seja mortal, requerem-se, em simultâneo, três condições: «É pecado
mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena consciência e de
propósito deliberado.
“A matéria grave é precisada pelos dez Mandamentos, segundo a resposta que Jesus deu
ao jovem rico: «Não mates, não cometas adultério, não furtes, não levantes falsos testemunhos,
não cometas fraudes, honra pai e mãe» (Mc 10, 18). A gravidade dos pecados é maior ou
menor: um homicídio é mais grave que um roubo. A qualidade das pessoas lesadas também
entra em linha de conta: a violência cometida contra pessoas de família é, por sua natureza,
mais grave que a exercida contra estranhos.
“Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com plena consciência e total
consentimento. Pressupõe o conhecimento do carácter pecaminoso do ato, da sua oposição à
Lei de Deus. E implica também um consentimento suficientemente deliberado para ser uma
opção pessoal. A ignorância simulada e o endurecimento do coração [4] não diminuem, antes
aumentam, o carácter voluntário do pecado.
“A ignorância involuntária pode diminuir, ou mesmo desculpar, a imputabilidade duma
falta grave. Mas parte-se do princípio de que ninguém ignora os princípios da lei moral,
inscritos na consciência de todo o homem. Os impulsos da sensibilidade e as paixões podem
também diminuir o caráter voluntário e livre da falta. O mesmo se diga de pressões externas e
de perturbações patológicas. O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal,
é o mais grave”. (n. 1857-1860)
Portanto, ao não possuir estas três condições, o pecado caracteriza-se como venial. Venial,
do latim venia¸ significa perdão, ou seja, é um pecado perdoável, que não chega a remover de
nossa alma o contato com Deus. Mas não devemos ignorar os prejuízos dessas pequenas faltas
à nossa vida espiritual.

Pecado venial
“O pecado venial enfraquece a caridade, traduz um afeto desordenado aos bens criados,
impede o progresso da pessoa no exercício das virtudes e na prática do bem moral; e merece
penas temporais. O pecado venial deliberado e não seguido de arrependimento, dispõe, a
pouco e pouco, para cometer o pecado mortal. No entanto, o pecado venial não quebra a
aliança com Deus e é humanamente reparável com a graça de Deus. «Não priva da graça
santificante, da amizade com Deus, da caridade, nem, portanto, da bem-aventurança eterna.
[5]
“Enquanto vive na carne, o homem não é capaz de evitar totalmente o pecado, pelo menos
os pecados leves. Mas estes pecados, que chamamos leves, não os tenhas por insignificantes.
Se os tens por insignificantes quando os pesas, treme quando os contas. Muitos objetos leves
fazem uma massa pesada; muitas gotas de água enchem um rio; muitos grãos fazem um monte.
Onde, então, está a nossa esperança? Antes de mais, na confissão...”. (n.1863) [6]
O padre Royo Marín apresenta quatro efeitos do pecado venial deliberado:
“O primeiro efeito do pecado venial deliberado é nos privar de muitas graças atuais. O
divino Espírito Santo quer, a todo momento, iluminar a nossa inteligente e convidar a nossa
vontade à intimidade com Deus; o segundo ponto do pecado venial é a diminuição do fervor
da caridade; a terceira consequência é o aumento das dificuldades do exercício das virtudes;
por último, predispõe a alma para o pecado mortal”.
Não pensemos que uma determinada soma de pecados veniais se torna um pecado mortal,
pois, como já acima foi explicado, um pecado mortal requer três condições nas quais a falta de
somente uma já indispõe o caráter mortal. Porém, o hábito destes pecados cria e cultiva em
nossa alma uma predisposição para pecarmos mais gravemente. Um dos maiores obstáculos
durante a vida espiritual é a tibieza, que nasce do cultivo destes pequenos pecados.
Uma alma quando peca por ignorância, por desconhecimento das Leis de Deus (não as Leis
Morais, pois estas estão intrinsicamente postas em nossos corações), pode ser facilmente
convertida quando deparar-se com a verdade, quando for instruída corretamente nos assuntos
relativos a Deus, e deste modo, esta alma perceberá os seus erros, arrepender-se-á, e, por
conseguinte, buscará o perdão; uma alma que cai por fraqueza basta que procure os caminhos
da fortaleza espiritual, ou seja, a vigilância, a vida de oração e os sacramentos; porém, a alma
que peca habitualmente por malícia terá, progressivamente, o seu coração endurecido, pois,
com efeito, esta alma não cai por ignorância ou fraqueza, senão o cai por malícia, e, de pecado
em pecado, sua consciência tornar-se-á de tal forma petrificada que já não mais servirá como
justo juiz de sua alma. A consciência débil pode ser laxa, isto é, justificará quaisquer pecados;
pode ser escrupulosa, considerando qualquer leviandade como pecado grave; pode ser perplexa
e/ou duvidosa, isto é, não saberá distinguir as suas ações como boas ou más, e isso a esgotará
por inúteis esforços, levando-a à mediocridade. Tratemos, portanto, de formar bem a nossa
consciência, pois ela, juntamente com a Lei de Deus, é o máximo juiz de nossa existência.

A luta contra o pecado


Nesta luta encontraremos três grandes inimigos de nossa alma: o demônio, que é um
espírito superior ao humano e tem como ofício tentar-nos, arrancar-nos a vida da graça, levar-
nos ao inferno eterno onde ele e seus seguidores – outros anjos caídos – estão. Sua ação mais
nefasta não é a possessão, a infestação de objetos imateriais ou a obsessão diabólica, mas o é a
sua mais habitual ação: a tentação. A tentação de não servir a Deus, mas à nossa vontade
pecaminosa.
O segundo grande inimigo nosso é o Mundo, que nos seduz e nos amedronta. Santo
Agostinho diz que há duas maneiras pelas quais o Mundo ataca os cristãos: seduzindo e
ameaçando.
Por fim, o terceiro grande inimigo é a nossa própria carne. Estamos enfraquecidos e
tendemos para o mal e para o pecado. Tornamo-nos escravos de nossa própria carne, que se
deixa levar pelas sugestões tanto do Diabo quanto as do mundo.
O primeiro passo da vida espiritual é romper com o pecado, seja pela graça sacramental do
batismo ou da confissão, e assim entrar, na linguagem de Santa Teresa, no Castelo Interior;
entramos, mas não sozinhos, pois, como a própria Santa Teresa dizia, animais peçonhentos nos
acompanham, e estes animais são nossos defeitos, nossas más inclinações, que estão conosco.
Portanto, o dever da alma, que já se encontra habitualmente em graça, é o de lutar contra as
sequelas do pecado.
Nas próximas aulas trataremos dos sete pecados capitais, como agem em nossas vidas e a
maneira de combate-los; adiante, trataremos dos sete pecados espirituais, na linguagem de São
João da Cruz; falaremos sobre as desordens do pecado que reaparecem na vida de quem já
encontra-se no segundo estágio da vida espiritual – a via iluminativa; as virtudes da fé, da
esperança e da caridade e as quatro virtudes cardeais também serão mencionadas mais à frente
juntamente com os sete dons do Espírito Santo, que nos foi dado para melhor combatermos o
pecado e aperfeiçoar a nossa vida cristã.

[1] Baur, Benedikt. A vida espiritual. – São Paulo: Quadrante, 2004 – (coleção vértice; 55) p.
44-46
[2] Trese, Leo J.. A Fé Explicada. – São Paulo: Quadrante.
[3] Trechos retirados do Catecismo da Igreja Católica, disponível no site do Vaticano:
http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html
[4] Cf. Mc 3, 5-6; Lc 16, 19-31.
[5] João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 17: AAS 77 (1985) 221.
[6] Santo Agostinho, In epistulam Iohannis Parthos tractatus, 1, 6: PL 35, 1982.

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