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Manual de Homilética

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A pastoral da Palavra
Introdução
A pastoral da palavra corresponde à Igreja pela sua própria constituição. Desde o Concílio Vaticano
II a eclesiologia tem aprofundado a dimensão sacramental do mistério da Igreja. O sacramento traz
consigo a conjunção do gesto com a palavra, do mesmo modo que na história da salvação e em
Cristo, seu acontecimento central, as palavras sempre estiveram iluminando o sentido dos
acontecimentos. A Const. Dei Verbum insistiu nesta conjunção do fato e da palavra na progressiva
auto-revelação de Deus. A ação pastoral da Igreja, que continua na história sendo mediação da
doação de Deus, tem a palavra como um dos elementos que a constituem. Os gestos e as ações
podem ser ambíguos, sujeitos de diversas interpretações; a palavra oferece o sentido exato da ação,
interpreta-a, dá a sua autêntica intencionalidade.
Porém, falar de palavra na Igreja não é possível à margem da Palavra com maiúscula que sustenta e
faz viver à própria Igreja. Antes que missão, a palavra na Igreja é dom. Sua voz não quer ser senão o
eco de outra palavra que foi pronunciada nela e que ressoou no fundo do seu ser.

Para falar da palavra na Igreja é necessário fazer uma primeira referência à revelação de Deus que
foi acolhida na fé da Igreja e a cujo serviço ela mesma vive. Por isso entre a Palavra e o ser da Igreja
há relações múltiplas e variadas. Mais ainda, devemos falar da Igreja como o lugar onde hoje essa
Palavra continua ainda ressoando para o mundo e continua chamando e convidando o homem para
participar do mistério divino. De fato, a fé é resposta ao Deus que se nos revelou e a Igreja foi
convocada e cresce pelo anúncio do Evangelho.
Num segundo momento temos que falar da Palavra situada na ação pastoral da Igreja. A principal
manifestação da Palavra na ação pastoral da Igreja é, sem dúvida, aquela que acompanha o
testemunho crente, explica-o e interpreta-o, e faz dele chamada evangelizadora para os homens e o
mundo. Para essa Palavra deve ir dirigida toda esta pastoral. O restante das ações pastorais têm como
objeto o fato de que a Igreja continue sendo medianeira da salvação para o mundo, continue sendo o
lugar onde a Palavra se pronuncia, significa, dá sentido ao mundo e produz nele os seus frutos.

Para garantir essa Palavra que se identifica com sua missão, a Igreja também tem seus meios e suas
estruturas. Agora vamos deter-nos em dois que podem ser origem de muitos outros: a formação
permanente como palavra meditada e a pregação homilética.

1 – Revelação e Palavra
Aqui repetiremos algumas noções básicas da teologia fundamental e da eclesiologia para
fundamentar nessa mútua relação os imperativos que devem acompanhar toda pastoral da palavra.

a. As distintas presenças de Deus na Igreja


A palavra de Deus na vida da Igreja se situa no seio de outras muitas presenças. Falamos de Deus
presente na criação e descoberto na contemplação de suas maravilhas, falamos de Deus presente nos
acontecimentos e descobrimos sua ação perscrutando os sinais dos tempos, falamos de Deus presente
no homem que é sua imagem e o manifestamos respeitando-o  e no comportamente fraterno; no
interior mesmo da Igreja falamos da presença de Deus na comunidade reunida em seu nome, de sua
vontade manifestada no serviço da hierarquia, de sua ação santificadora na celeração sacramental e,
de modo especial, falamos da presença real de Cristo nas espécies eucarísticas.

Nenhuma dessas presenças é alheia à presença em sua própria palavra, dada ao longo da história; e
mais ainda, foi esta mesma Palavra que nos levou a descobrir Deus em outras realidades.

b. A revelação como fato dinâmico de autocomunicação de Deus


A história da revelação é a história da autocomunicação de Deus ao homem e seu resultado é a vida.

Ao longo dos tempos, Deus saiu ao encontro do homem para oferecer-lhe sua comunhão. Sua
Palavra representou a oferta de uma comunhão na qual o homem pode encontrar sua verdade última,
o caminho de sua realização humana e da salvação integral à qual ele aspira.

Conseqüentemente, Deus ao revelar-se, doa-se. O que Ele comunica não é a sua compreensibilidade,
mas sua vida e sua comunhão como oferta ao homem. E o homem, mais que compreender ao receber
sua Palavra, encontrou novas possibilidades de vida, encontrou a própria vida. A revelação de Deus
não é alheia à revelação do próprio mistério do homem. Na revelação, conhecemos também o ideal
de homem que desde sempre Deus tinha projetado.

A partir da Palavra de Deus pronunciada na criação que faz surgir a vida até a Palavra definitiva
dada na manhã da Páscoa que faz surgir a vida nova, toda a história da Revelação está unida a uma
vida que é diferente se se aceita ou se se rejeita. Deus vai se revelando como possibilidade para o
homem de uma forma diferente de viver que leva à plenitude do mesmo ser humano. Quem recebe
sua palavra se encontra com a realidade de ser filho de Deus.
c. Cristo, plenitude da Palavra e inesgotabilidade de sua Palavra
Por isso, o acontecimento de Cristo, por ser a manifestação última do Filho e da Palavra, é a
plenitude da revelação. O Deus que se havia revelado de diversas formas e maneiras ao longo dos
séculos, no Filho se manifestou definitivamente.
A Palavra de Cristo, revelando o rosto de Deus, foi assegurando as possibilidades de um mundo
novo no qual Deus, reconhecido como Pai, torna possível a fraternidade entre os homens. A
comunhão de Deus oferecida em sua Palavra faz surgir a comunhão entre os homens como realidade
e como vocação dos que o receberam.

Em Cristo Deus nos disse tudo o que tinha para dizer, deu-se a nós definitivamente. Ele é a plenitude
da Revelação e toda palavra nova não será senão aprofundamento na Palavra dada. A pretensão de
Cristo em sua história foi a de dizer ultimamente quem era Deus e manifestar assim a vida à qual
somos chamados e a qual estamos destinados. Essa vida é, primeiramente, o dom de um Pai que nos
ama. Cristo mesmo fez de sua vida a manifestação desse amor que acolhe e perdoa, que congrega e
une, que devolve ao homem a dignidade perdida, que denuncia as situações de mentira e de injustiça
no mundo, que anuncia um futura de esperança possível, que é capaz até de dar pelo homem a
própria vida.

d. A Palavra eternizada pelo mistério pascal


Se em Deus palavra e vida se mesclaram na história de sua revelação, a vida do Ressuscitado é a
última Palavra pronunciada por Ele.
Com ela, começou o tempo definitivo. A Páscoa se converte no acontecimento da autentificação do
Filho, da aparição da Igreja e do futuro do mundo.

– A pretensão do Jesus histórico foi selada com o selo da autenticidade na manhã da Páscoa. Dando-
lhe a vida, o Pai ratificou a sua Palavra como Palavra de vida. O que dizia era verdade. Porém a vida
do Ressuscitado tem como componente novo o que está sentado à direita do Pai. A Palavra entrou na
esfera de Deus e se eternalizou no tempo. O mistério pascal converteu a palavra do tempo em
Palavra eterna, a palavra concreta em palavra universal, a palavra do amigo em palavra do Senhor, a
palavra do homem em palavra de Deus. Agora, o que disse Jesus, converteu-se na palavra que Deus
queria dizer a todos sempre e para sempre.

– O mistério pascal é também inseparável do mistério de Pentecostes e do mistério da Igreja.  Mais


ainda, eles são também componentes da Páscoa. Graças à ação do Espírito, princípio de missão e
testemunho apostólico, a palavra do Ressuscitado aparece unida à missão de uma Igreja que a
conserva íntegra, a pronuncia no tempo, vive de sua escuta e meditação e a transmite de geração em
geração até que o seu Senhor volte. A Igreja surge, assim, como servidora da Palavra e sua tarefa
central é o anúncio do Evangelho com a integridade de seu testemunho, cumprindo o mandato de
Cristo.

– A Palavra que a Igreja serve em sua ação pastoral tem como destinatário o mundo. Ela é capaz de
fazer novas todas as coisas. Com o acontecimento pascal o mundo se abriu para um futuro de
ressurreição para o qual vive a Igreja e que será dom escatológico do Pai. A palavra que a Igreja
anuncia não é alheia à construção deste mundo, mas a implica e a compromete. A palavra da Igreja é
anúncio e denúncia, palavra profética que é pronunciada para que o Reino de Deus seja semeado e
fermente a complexidade das realidades mundanas. A pastoral da Palavra está inseparavelmente
unida à pastoral do compromisso e do testemunho eclesial em meio às realidades temporais.

e. Palavra iluminadora da situação atual


O que nos foi dito em Cristo é luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo (cf. Jo 1,9). A
Igreja vive para que sua palavra seja luz que chega a todas as situações e realidades humanas e as
salve.
Sua função servidora da Palavra no aqui e agora da história é possível graças à presença do Espírito
que revela e leva ao conhecimento total de Cristo (cf. Jo 15,12-15), que faz d’Ele resposta à
problemática e à situação de todos os homens.
A história da Revelação foi uma revelação progressiva de Deus até chegar a Cristo. Hoje a história
da Igreja é aprofundamento progressivo naquilo que em Cristo já nos foi dado para torná-lo vida e
razão para viver de todos os homens. A plenitude da Revelação nos supera e nos transcende; a tarefa
da Igreja é penetrar paulatinamente nela para ir descobrindo sua riqueza e para fazer viver a partir
dela todos os que recebem seu Evangelho.

f. Os diversos carismas e a palavra


Cada ministério e cada carisma na Igreja serve à Palavra a partir de sua especificidade.

A uns corresponde o cuidado da Palavra, sua transmissão íntegra, sua proclamação autorizada, sua
atualização celebrativa; a outros o seu modo de pronunciá-la é torná-la vida e testemunho no meio
das mais variadas circunstâncias humanas, mostrá-la como razão da própria esperança, como fonte
do mais diverso compromisso. Para todos a Palavra é fonte; em todos a Palavra ressoa; na
complementaridade e na comunhão das diversas tarefas Deus continua falando e dizendo a palavra
em Cristo para todos os homens e para toda a história.

2 – A Palavra de Deus na  Igreja e para  a Igreja


O estudo da função do anúncio tem seu ponto de partida numa reflexão teológica sobre o significado
da Palavra de Deus na Igreja e para a Igreja, passando por uma análise do conteúdo e das diversas
formas do anúncio até chegar, finalmente, às questões práticas sobre o desenvolvimento da pregação.
a. A teologia do anúncio
«Uma comunidade religiosa que deixasse de pregar, não poderia ser a verdadeira
Igreja de Cristo».

Esta afirmação bastante categórica chama a atenção sobre a importância da Palavra de Deus na
Igreja. O constitutivo essencial do ministério profético é a Palavra de Deus, realidade primeira da
economia da salvação. Com sua palavra Deus não só fala, mas age, não só revela, mas se torna
presente.
No que se refere ao papel que a pregação tem de levar ao encontro da fé, já conhecemos as palavras
de S. Paulo de que «a fé vem de ouvir a pregação» (Rm 10). Esta afirmação guarda todo seu valor,
na medida que o caminho psicológico para se alcançar a fé passa normalmente pela fé. No entanto, a
pregação da Igreja por si só não é o fundamento absoluto da certeza obtida pela fé.
O papel da pregação eclesiástica: ser um serviço em favor da palavra (cf. At 6,4); a pregação é só um
intermediário dessa mesma palavra, que empresta sons à Palavra de Deus e convita a pessoa humana
a assumir uma posição. A parte que lhe toca é a de estabelecer o encontro do homem com Deus,
preparando o caminho para a fé como instrumento que dispõe a ela; não lhe corresponde criar a fé
nem torná-la operativa. A causa da atuação da fé é, e continua sendo, em primeiro lugar Deus e, em
segundo lugar, o homem que, usando a própria liberdade, acolhe o convite divino. Portanto, a
pregação não é, nem mais nem menos, que um serviço intermediário, a favor daquilo que, em última
instância, se realiza entre Deus e a alma do homem.
A Palavra de Deus não é só uma ação, mas também uma revelação dirigida aos homens para
despertar neles um ato pessoal de obediência e para manifestar certos conteúdos vitais de verdade.
Dinamicamente a Palavra de Deus incomoda, interpela, descobre, noeticamente ilumina, desenvolve
e, por isso, podemos falar de diversos tempos dialéticos da Palavra de Deus e do ministério
profético.

b. Formas de anúncio
1. O anúncio missionário (o kerigma)
A primeira forma do anúncio é a «pregação missionária», o kerigma, que tem como finalidade
anunciar a fé e solicitar a conversão. No seu significado pleno, o Kerigma é o anúncio atual e
historicamente determinado da Palavra de Deus na Igreja, por parte de quem, a partir de Deus, tem o
poder de dar testemunho. Temos uma confirmação recente desta verdade na Encíclica Redemptoris
missio de João Paulo II:
« A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, particularmente, do nosso é a de dirigir o
olhar do homem e orientar a consciência e experiência da humanidade inteira para o mistério de
Cristo» (RM 4)

Característica do Kerigma é sua forma concreta e histórica de «acontecimento» e «momento»


presente: o anúncio se torna salvação para quem o acolhe. Por meio do kerigma se proclama
eficazmente a presença da salvação na comunidade, com outras palavras, o kerigma torna Cristo
presente na comunidade e constrói assim a comunidade enquanto tal.
Da natureza do kerigma derivam algumas exigências essenciais: a exigência de expressar o núcleo e
o fundamento da salvação; a exigência de um anúncio que não utiliza palavras eruditas nem
ideologias. Nesse sentido convém observar o que fala a RM 44 (cf.).

A evangelização é o ministério que apresenta a Palavra de Deus como uma palavra poderosa e que
salva, que suscita a fé e a adesão pessoal de forma nuclear e totalizante. A evangelização anuncia o
Evangelho de Jesus Cristo como kerigma, ou seja, como boa notícia com a finalidade de
fundamentar a comunidade cristã mediante a conversão que conduz ao Batismo. Está dirigida aos
batizados não praticantes que deixaram de crer, aos praticantes adultos não iniciados e às crianças e
aos adolescentes batizados, que devem ratificar a sua fé adulta.
Entendido deste modo fica claro que o kerigma não se dirige somente aos pagãos. A fé não é uma
realidade que o homem conquista uma vez por todas e logo a guarda como propriedade, mas um
processo existencial, isto significa que é preciso aprofundar sempre de forma renovada: a fé está
sempre in fieri. É preciso acrescentar que este anúncio missionário não é só tarefa da hierarquia, mas
toda a comunidade dos fiéis tem a obrigação de tomar parte nesta função básica da Igreja.
A mensagem fundamental do cristianismo deve ser anunciada de modo que o conteúdo seja breve.
No cristianismo primitivo existiam estas formulações breves e hoje também nos esforçamos por
formular novos símbolos de fé breves e compreensíveis para o homem atual.

A finalidade que caracteriza a evangelização, tanto como função específica quanto como dimensão
que deveria estar presente em qualquer uma das funções desempenhadas pela Igreja, permanece
sempre a de «fundamentar ou re-fundamentar a fé». Fundamenta-se a fé quando ela alcança uma
pessoa que escuta pela primeira vez o anúncio de Cristo Salvador; re-fundamenta a fé quando
provoca uma vida cristã mais intensa numa pessoa que perdeu a fé, ou que nunca chegou a uma fé
consistente, responsável, viva.
Um tema que se discutiu muito nos últimos tempos é o da metodologia e da linguagem da
evangelização. A solução deste problema é intrinsecamente teológica e espiritual mais que questão
de táticas. Porém é preciso lembrar que o problema da linguagem é um dos mais graves. Dele se fala
desde muito tempo, porém ainda não foi resolvido. A dificuldade da linguagem da evangelização
nasce por um lado, de uma nova mentalidade cultural e, por outro, o famoso problema da
inculturação.
O problema essencial que a evenagelização está chamada a resolver diz respeito à alternativa entre
a auto-salvação, ligada à imanência, e a heterosalvação, expressão da transcendência. O homem
moderno parece resistir à simples idéia de uma salvação que proceda «de fora e do alto».
O sujeito da evangelização é a Igreja inteira: «A missão compete a todos os cristãos» (RM 2), isso
quer dizer que todo cristão-bispo, sacerdote, leigo, religioso-tem a obrigação de evangelizar. Esta
obrigação não está ligada a um mandato jurídico, mas brota diretamente da fé e dos sacramentos da
iniciação cristã.
O ouvinte da mensagem cristã é o homem que se pergunta sobre realidades que a mensagem cristã
tem as únicas respostas que podem satisfazer o coração inquieto do homem. A mensagem que é
anunciada é a graça de Deus que nos precedeu e que desse modo nos tornou capazes de sermos
ouvintes da sua Palavra. O conteúdo da pregação missionária é sempre o acontecimento da redenção
e não uma metafísica ou um sistema cognoscitivo qualquer.
2. A pregação comunitária
Quando a pregação missionária alcança seu objetivo, ou seja, a conversão do indivíduo mediante sua
inserção na Igreja, entra em jogo a pregação dentro da comunidade (didaché). Se a pregação
missionária orienta a pessoa para Deus e para a Igreja, a pregação comunitária a une com Deus e
com a Igreja.

Durante a pregação a «Palavra de Deus interior» precede logicamente a qualquer ação humana.
Rahner a chama de «Palavra de Deus transcendente». Esta graça ajuda a aceitação livre e pessoal da
Palavra e da própria fé na Igreja. Por isso, o primeiro que deve refletir em toda pregação é a fé da
Igreja e do pregador. No NT, especialmente em Paulo, a Palavra como portadora da salvação ocupa
o primeiro lugar (cf. At 6,4; 1Cor 1,17). A Igreja é, em princípio, Igreja da Palavra.
Por outro lado, a Palavra de Deus chega aos homens através de palavras humanas e pode ser
chamada «palavra de Deus categorial» .

O anúncio, ou seja, a pregação, tem sua lógica interna. Um primeiro critério pastoral poderia ser que
a pregação cristã não é algo meramente objetivo, não é uma coisa puramente estática e histórica mas
algo antes de tudo existencial, pessoal e atual. Esta dramaticidade da Palavra é o conteúdo da
pregação: ela não pode limitar-se, portanto, ao ensinamento doutrinal, aos mandamentos, às
proibições, mas deve ser em si mesma um acontecimento gozoso e feliz. Inclusive na forma a
pregação deve ser um acontecimento dinâmico. A pregação fala da realidade, por isso deve partir
dos fatos, de eventos, adotar parábolas e exemplos, utilizar frases breves com tonalidade cálida e
pessoal. O conteúdo e o portador de toda palavra é uma Pessoa, Jesus Cristo ressuscitado, razão pela
qual toda pregação é um acontecimento pascal. Cristo não é uma pessoa do passado, mas o
ressuscitado que vive, e isto é algo que afeta todo tempo, isto é, supõe uma palavra válida para todas
as circunstâncias.

A pregação comunitária tradicionalmente ganha corpo em várias expressões que desde a antiguidade
formam o estilo da pregação cristã:

a. Catequese  ou «Didaché»
Tipo de pregação originariamente destinada aos adultos que se preparavam para receber o Batismo.
Tratava-se, podemos dizer, de um aprofundamento do Kerygma, com o objetivo de dar
embasamento à fé do catecúmeno, despertada a partir do primeiro anúncio.

b. Didascália
Consiste num aprofundamento nas verdades de fé, buscando fundamentar e explicitar ainda mais a
fé, buscando aprofundar e explicitar ainda mais a fé brotada a partir do kerygma e aprofundada pela
catequese.

c. Parenese
Nome dado à pregação cujo conteúdo está voltado para as exigências morais da vida cristã.

d. Homilia
Tipo de pregação com características próprias. É aquela oratória (arte de falar persuasivamente)
sagrada que surgiu ainda na Igreja primitiva, a partir das celebrações litúrgicas. No sentido original
supõe o kerygma e a catequese, já no sentido habitual é a explanação que se faz, durante a missa ou
outra celebração litúrgica, a partir do texto escriturístico (cf. SC 35) que tenha relação com o
mistério que se celebra e venha ao encontro das necessidades dos fiéis que a ouvem.
Falando do sentido litúrgico da homilia a Sacrosanctum Concilium determina que « as rubricas
indiquem o momento mais apto para a pregação, que é parte da ação litúrgica» (cf. n. 35).
Do ponto de vista técnico na homilia se distinguem duas funções litúrgicas importantes:
1° – ser aplicação da mensagem ao aqui e agora da vida humana, pois a mensagem da Escrituraa tem
uma atualidade;

2° – ser ponte entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística. Ela não é um ato isolado, mas está
inserida na celebração (cf. SC 35, 2).
3 – A Pregação desde o Início da Igreja até o Concílio
Vaticano II
1° Período: Apostólico
Nesse período a pregação apostólica e a vida da Igreja estão impregnadas pelo kerygma: cf. At 2, 14-
32; 3, 12-26; 4, 8-12; 7, 1-53; 10, 34-43; 13, 16-41; 17, 24-31.
Em grandes linhas o kerygma se processa da seguinte forma:

a) O mistério Pascal que acaba de se realizar, foi anunciado pelos profetas. Portanto, os tempos
messiânicos foram inaugurados.

b) Através de sua Ressurreição, Cristo é exaltado à direita de Deus como Senhor.

c) Cristo envia o Espírito Santo para continuar a sua obra através da Igreja.

d) Cristo virá um dia como Juiz.

e) Diante disso os ouvintes são convidados à conversão.

O Mistério Pascal, centro da História da Salvação e da pregação querigmática, é apresentado como


um fato que opera no hoje da Igreja, e o ponto alto da celebração desse mistério é a Eucaristia,
vivida na caridade conforme nos falam At 2, 42-47; 4, 32-37.
Portanto a vida cristã se fundamentava na fé, no culto e na caridade. A Palavra era anunciada,
celebrada na Eucaristia e vivida no dia a dia.
2° Período: Patrístico
A teologia patrística gira em torno do Mistério Pascal. Ela vai desenvolver o kerygma apostólico,
numa linha fundamentalmente bíblica. Com o aparecimento das controvérsias cristológicas entram
aos poucos na pregação da Igreja as definições: pessoa, substância, natureza, etc. Surge
gradativamente um aspecto intelectualizante na pregação, o que diminui um pouco o aspecto de
pregação Boa-Nova em alguns teólogos pregadores.
Percebe-se na leitura dos grandes Padres (S. João Crisóstomo, S. Ambrósio, S. Agostinho…) a
existência de um centro irradiador e também unificador: o Mistério de Cristo que culmina na Paixão,
Morte e Ressureição.

Um exemplo interessante nesse sentido é o «De catechizandis rudibus» (S. Agostinho, ano 400):
fundamenta toda a catequese na História da Salvação, ordenando-a para um grande centro, o
Mistério Pascal.

Podemos perceber nos escritos dos Padres que, partindo do kerygma apostólico, eles criaram aos
poucos uma teologia eminentemente bíblica, que pervade toda a vida cristã. Ao mesmo tempo têm
uma visão bastante clara sobre o sentido da Palavra de Deus no plano divino e acabam criando uma
teologia da Palavra de Deus, especialmente Santo Agostinho acentua com clareza que Cristo-Pessoa
é o Sujeito Principal e Objeto da Pregação.
3°Período: Do início da Escolástica até o Concílio de Trento
Nesse período aparecem grandes luzeiros da História da Igreja na pregação: S. Anselmo, S. Alberto
Magno, S. Tomás, S. Boaventura, que foram homens que marcaram enormemente sua época. Os
escolásticos bebem ainda da fonte bíblica e da patrística. Eram pregadores eminentemente bíblicos.

Esse período é marcado pelo interesse pela filosofia que pouco a pouco vai penetrando na teologia
acentuando, desse modo, o seu aspecto de intelectualização-racionalização, ocorrendo assim um
início de afastamento do centro polarizador: mistério pascal. (teologia-ciência)
A Teologia da Palavra de Deus torna-se mais tímida entre os teólogos do período áureo da
escolástica, embora seja bastante acentuada em Tomás e em Boaventura.

A teologia aos poucos começa a desencarnar-se da vida, entra em cheio a racionalização da teologia
e o elán bíblico, tão marcante na patrística, diminui consideravelmente. Vai-se apagando mais e mais
a teologia da Palavra de Deus.
4° Período: Do Concílio de Trento ao Concílio Vaticano II
O Concílio de Trento, marcaado pela controvérsia protestante, vai favorecer a acentuação da
radicalização. De um lado os Evangélicos propugnavam uma Igreja da Palavra, a Igreja colocará em
primeiro lugar o tema dos sacramentos e, em segundo lugar, o da Palavra de Deus.
Haverá pouca preocupação com o problema teológico da Palavra de Deus e, pouco a pouco, a
Teologia da Pregação vai desaparecendo. A pregação será identificada simplesmente com
a arte (retórica). E, no campo da pastoral, sobram da pregação apenas algumas normas práticas. E é
essa a visão que vai prevalecendo nesse campo: tudo vai ser visto desde o ponto de vista do direito,
de normas  e leis, a teologia da Palavra de Deus se esvazia dando lugar ao jurisdicismo. A teologia se
coloca mais no campo da auto-defesa, da auto-apologética. Faltava, portanto, aquela visão bíblico-
patrística da Teologia que é antes de tudo Palavra de Deus, Palavra de Salvação.
Como conseqüências práticas dessa postura podemos destacar:

– Catequese: perde-se de vista a genuína História da Salvação cujo centro polarizador é o Mistério
Pascal e se transforma predominantemente num ensino racional. Hoje, no entanto, ocorre o risco
contrário que é o de não se acentuar suficientemente esse aspecto da catequese.
– Liturgia: perdendo o verdadeiro conteúdo teológico transforma-se num frio rubricismo.
– Moral: é vista quase exclusivamente sob o ângulo de preceitos que irrompem na mais complicada
casuística. A moral parece reduzir-se a teoremas de geometria. Isso ocorre por perca da visão bíblica
da moral: a boa nova que se acolhe, compromete e converte. Hoje o perigo é o de uma moral
subjetivista demais, uma moral quase sem pecado.
No ano de 1936 um escritor alemão, Jungmann, dá um passo importante rumo à renovação da
teologia da pregação com a publicação de uma obra cujas idéias principais buscavam colocar as
bases para uma volta ao essencial da teologia da pregação.

Constatou que na pastoral (catequética, litúrgica, moral) faltava um centro polarizador: muitas
normas, preceitos, mas faltava uma visão unitária do cristianismo. Essa falta tem sua raiz última na
própria teologia que além de estar desvinculada da Pastoral se ressentia da falta de um centro
polarizador. Esse centro canalizador é Cristo, Boa Nova de salvação; Cristo, Palavra da vida; Cristo,
Mistério Pascal. Em seus estudos patrísticos sobre a liturgia, Jungmann verificou que precisamente
na Patrística a vida cristã brotava da própria teologia. E a liturgia celebrava a vida cristã como um
encontro com o Mistério Pascal, centro irradiador de toda a pregação.

A partir daí podemos concluir:


1. A teologia não pode se desvincular da vida da Igreja, não pode ser apenas ciência, mas é também
primordialmente Boa Nova, Mensagem de Salvação, Vida.

2. A teologia deve ser revista tendo como centro irradiador e de convergência o Mistério de Cristo,
particularmente sua Morte e Ressurreição numa visão não meramente racional mas numa visão em
que Cristo aparece como Boa Nova de Salvação.

A obra de Jungmann teve grande influência na renovação da teologia, da catequética e da liturgia. E


é sob essa influência que nasce em 1939 a Escola Querigmática de Innsbruck (Áustria), fruto de uma
tentativa de dar à teologia uma nova perspectiva (tirá-la da visão intelectualista e apologética): a
teologia é antes de tudo revelação salvífica, Boa Nova da salvação. Desejo de reestruturar a teologia
buscando redescobri-la revelação, como palavra salvífica, como Boa Nova. Assim, depois de anos
de debates, a partir de 1950 inicia-se um processo lento, mas decidido de busca de uma teologia
viva, menos abstrata, mais voltada para a salvação.
Paralelamente a esse movimento querigmático surgiu o movimento que estuda a Palavra de Deus.
Não basta apresentar a Palavra como mensagem, Boa Nova, como fez a teologia querigmática. É
preciso descobrir o sentido da Palavra de Deus. «Para renovar a missa devemos renovar a ante-
missa, ou seja, para renovar a liturgia eucarística, devemos renovar a liturgia da Palavra» (slogan
lançado pelo movimento bíblico).

É é dentro desse contexto que vemos irromper nos anos 60 o Concílio Vaticano II.

5° Período : O Concílio Vaticano II e a Palavra de Deus


Ao entrar em contato com o Concílio Vaticano II já se percebe de que fonte ele quis beber: a Palavra
de Deus e a Patrística. Nesse sentido traz uma grande variedade de textos bíblicos e patrísticos.
Nenhum concílio na história da Igreja deu tanta importância à Palavra de Deus como o Vaticano II,
basta começar pelo fato de uma Constituição dogmática sobre a Revelação: Dei Verbum. E todos os
seus documentos estão impregnados desse espírito bíblico. Assim, na Constituição sobre a Liturgia
Cristo aparece como sujeito principal da pregação: «Presente está Cristo pela sua Palavra, pois é Ele
mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na Igreja» (SC 7).
Falará também na mesma Constituição mais explicitamente: «pois na Liturgia Deus fala a seu povo.
Cristo anuncia o Evangelho» (SC 33). No Decreto Presbiterorum Ordinis 4: «a pregação da Palavra
se faz necessária para o próprio ministério dos sacramentos, uma vez que são sacramentos da fé, e
esta nasce e se alimenta da fé».
Conclusão
1. Quando um centro polarizador coordena toda a teologia, no caso o Mistério Pascal, toda a vida da
Igreja é impregnada por este centro. E o cristianismo, em todos os setores de sua vida, vive,
iluminado por esta visão unitária, que lhe empresta luz e força. Quando se perde esse centro se abre
caminho para abusos e desvios.

2. O problema fundamental da pregação não é seu aspecto prático e sim seu sentido teológico.

3. Quando a teologia é estudada em primeiro lugar como Revelação da Palavra de Deus, que culmina
no Mistério Pascal, sempre operante na vida da Igreja e na História, desaparece a dicotomia entre a
Palavra e Sacramento.

«Pode já considerar-se ultrapassado aquele tempo em que as pessoas se julgavam no


direito de opor uma Igreja da Palavra (protestante) e uma Igreja do Sacramento
(católica), ou então de atribuir a eficácia da graça, segundo a Escritura, à Palavra, e
segundo a Igreja, ao Sacramento. O movimento litúrgico dos diferentes países,
apoiado no movimento bíblico e muitas vezes acompanhado por uma procura de
renovação da pregação e da catequese, tinha aproximado eficazmente, ao mesmo
tempo que unira, a celebração dos sacramentos e a pregação da Palavra» (Y. Congar).

4 – A Pregação: Ação Litúrgico-Celebrativa


1. No íntimo da liturgia
Com relação à homilia existe hoje uma consciência bem clara: ela é a pregação que ocorre dentro da
liturgia e, de modo especialíssimo, na Santa Missa.

A noção conciliar de homilética é reveladora dessa sua importante dimensão:

«Recomenda-se encarecidamente, como parte da própria liturgia, a homilia, em que,


durante o ciclo do ano litúrgico, se expõe, com base nos textos sagrados, os mistérios
da fé e as normas da vida cristã. E mais: nas missas que se celebram aos domingos e
festas de preceito, com assistência do povo, nunca se omita a homilia, a não ser por
causa grave» (SC 52).

Temos um exemplo desta doutrina conciliar num dos textos mais antigos da Igreja apostólica, ao
descrever a liturgia primitiva, a Apologia I de s. Justino, ao redor do ano 153, onde lemos:
«E no dia chamado do sol, tem-se uma reunião num mesmo local para todos os que
moram nas cidades ou nos campos. E lêem-se as memórias dos apóstolos ou as
escrituras dos profetas, conforme o tempo o permita. Em seguida, quando o leitor já
terminou, quem preside faz um convite e uma exortação no sentido de se imitarem
estas coisas excelsas. Depois, todos nós nos levantamos de uma só vez e recitamos
orações. E […], ao acabarmos de orar, apresentamos pão, vinho e água, e quem
preside eleva […] ações de graças […] E o povo aclama dizendo: ‘Amém’»

O termo usado por Justino para aludir à homilia (exortação ou proklésis) é variante do termo para
descrever a pregação de Paulo em Antioquia da Psídia (At 13,15ss) e de Pedro depois de Pentecostes
(At 2,41: paráklesis). Nesta última passagem ele vem unido, como sinônimo, ao verbo dar
testemunho, que conhecemos como termo habitual para a pregação ou para o ministério
querigmático.
2. Pregão gozoso na pregação e na anáfora
Fica claro diante dos textos anteriores que a homilia faz parte da liturgia. Agora nos interessa
perguntar-nos sobre o como. Uma resposta interessante nos vem da SC 52 ao afirmar que a pregação
deve estar relacionada tanto com o ano litúrgico quanto com a missa; mais concretamente com seus
textos sagrados.
No entanto este estar dentro ou formar parte não deve ser entendido de modo extrínseco, exterior,
como mera circunstância externa, mas como algo interno e intrínseco. A homilia não pode ser um
corpo estranho dentro do conjunto litúrgico mas um elemento sintonizado intimamente com o
conjunto litúrgico.
Para isso vamos agora analisar os passos que o pregador homilético deve dar a fim de realizar essa
tarefa.

Primeiramente mostrará as relações concretas que existem entre a Palavra de Deus proclamada e o
comentário do pregador sobre esta palavra, de um lado, e a liturgia, de outro. Estas relações são
três: o anúncio gozoso ou pregão/proclamação, o memorial e o hoje.
Não só a pregação cristã é evangelização, ou seja, anúncio e proclamação da boa nova. A liturgia
também o é, e concretamente, a liturgia eucarística. Assim é a compreensão de S. Paulo quando
afirma: «Cada vez que comeis deste pão e bebeis deste cálice anunciais a morte do Senhor até que
Ele volte» (1Cor 11,26). O verbo utilizado kataggelein, sinônimo de ‘evangelizar’: “proclamar a boa
nova”. Portanto, S. Paulo afirma que a eucaristia é proclamação gozosa, da mesma forma que o é a
pregação cristã. O que se anuncia na eucaristia é o mistério pascal, a morte e ressurreição do Senhor,
conteúdo básico do querigma. Por conseguinte fica clara a coincidência entre liturgia (eucarística) e
pregação.
Como a eucaristia realiza esta proclamação? Através de seus gestos, símbolos e textos oracionais.

Fazendo esta síntese entre palavra e liturgia, sob o aspecto da proclamação evangélica, a homilia
chegará a ser pregão e anúncio gozoso. É o que diz a SC:

«Por ser o sermão parte da ação litúrgica, indicar-se-á também nas rubricas o lugar
mais apto[…]. As fontes principais serão a Sagrada Escritura e a liturgia, já que esta
pregação ‘r proclamação das maravilhas operadas por Deus na história da salvação ou
mistério de Cristo, que está sempre presente e atuante em nós, particularmente na
celebração da liturgia» (35,2)

3 – O memorial
Um segundo ponto de convergência entre a Palavra de Deus e a liturgia que a homilia deve mostrar é
o caráter de memorial. Não só a pregação é memorial, como relato narrativo, a liturgia como
anamnese também o é.
No texto de 1Cor 11,25, ao concluir o rito eucarístico, na Última Ceia Jesus diz: “Cada vez que
bebeis (deste cálice), fazei-o em memória de mim”. Antes, a propósito de comer o pão, seu corpo,
dissera o mesmo: “Fazei isto em memória de mim” (11,24).
Assim, a eucaristia, em seu núcleo ritual de comida e de bebida sacramentais,
é memorial, anamnese de Cristo que se entrega. Isso também constatamos na oração central, a
anáfora. Ela é uma grande oração doxológica, que apóia seu louvor a Deus e a sua ação de graças ao
Pai em um motivo fundamental: as grandes ações de Deus realizadas ao longo da história salvífica.
Para isto, faz memória sempre desta história salvífica, quer em seu conjunto, quer em suas etapas
fundamentais, quer em alguma outra de suas etapas. Assim se transforma em relato, narração. A
anáfora é a hagadah  cristã.
A hagadah tem sua origem na liturgia judaica e se refere ao relato central que na celebração da
páscoa se lia, lembrando o que ocorrera naquela noite e em todas as noites salvíficas da história de
Israel. Nós cristãos temos também a nossa hagadah em que, mediante uma narração, fazemos
memória do ocorrido em nossa história como povo de Deus e, sobretudo, na noite da última ceia,
núcleo da história santa centralizada em Cristo e no seu mistério pascal.
Na liturgia encontramos exemplos muito claros disto: IV anáfora do Missal romano, os prefácios dos
domingos da quaresma, o prefácio do domingo de Ramos que alude diretamente ao relato da Paixão
e o pregão da vigília pascal que sob forma de prefácio, hino e proclamação, contém uma síntese
admirável da história sagrada.
Assim, vemos que o relato feito na liturgia da Palavra reaparece na liturgia sacramental eucarística.
Ora a homilia deve relacionar esta semelhança, mostrar este caráter comum de relato, memória ou
anamnese e expô-los mediante os elementos que lhe oferecem tanto as leituras quanto os prefácios.

4. O hoje litúrgico
O terceiro elemento que nos mostra com evidência a relação entre a Palavra de Deus e a liturgia é
o hoje.
A liturgia gravita em torno do hoje, do presente, da atualidade. Quando chegam os tempos litúrgicos,
seus textos não se cansam de repetir esta hodiernidade. Por exemplo na missa vespertina da vigília
do Natal, canta o intróito ou antífona do canto de entrada:

“Hoje sabereis que o Senhor virá e nos salvará, e amanhã contemplareis a glória de Deus”(Ex 16,6-
7). Um outro exemplo que ilustra esse assunto é o da vigília pascal: nela o pregão pascal se
encarrega de expressar o hoje, ou melhor, o “esta noite” como centro da celebração e seu memorial.
Assim, perguntamo-nos: em que sentido a liturgia tem seu centro de gravitação no hoje? Para
entender isso é preciso saber que o memorial litúrgico não é mera recordação, mas atualização.
Torna presente o recordado. Tem força e eficácia presencializadoras, dado que o distingue do
recordar meramente subjetivo, que só se desenvolve na mente do sujeito. Aqui, ocorre algo que tem
a ver com o hoje da vida do crente e da Igreja.
O fato salvífico se aproxima do presente, não com suas circunstâncias históricas, mas em seu núcleo
supra-histórico, graças à ação do Espírito. O Espírito é invocado na epiclese para que com sua
presença dinâmica torne real e atual a ação de Cristo mediante o sacramento. Esta ação começa já
com a Palavra de Deus proclamada, que é eficaz (SC 7), mas culmina na liturgia sacramental por
meio de sinais, de sua assembléia e da força de concretização que tem a ação sacramental. Daí
poder-se predicar o hoje da palavra e do sacramento. E, assim, a homilia pode e deve mostrar esta
estreita relação de convergência e semelhança. A SC expõe essa doutrina mediante categoria que
repete amiúde ao falar da ação litúrgica: o verbo exercere significa que a liturgia atualiza o que
celebra.
Como concretização e confirmação de tudo o que foi dito, há uma dado importante da eucaristia que
às vezes passa desapercebido, mas que pode ajudar bastante quem prepara a homilia: é
a communio ou antífona da comunhão, que possui traço especial em quase todas as missas dos
tempos do advento, natal, quaresma, páscoa e pentecostes.
Nesta antífona do rito da comunhão se toma um fragmento da leitura do evangelho ou de alguma das
outras leituras proclamadas e é cantado acompanhando o ato da comunhão. O sentido é claro: no rito
da comunhão se está realizando a palavra proclamada. Assim, esta se presencializa, se converte em
atual, hodierna, isto é, pertencente ao hoje litúrgico. Por meio da celebração e na celebração,
cumpre-se o que anunciamos.

5 – A Pregação: Ação Comunicativa e Comunitária


1. A Pregação e a ação do Espírito Santo
A homilia é ação comunicativa e, por isso, é radicalmente comunitária.  E ato decisivo de
comunicação e, portanto, de comunhão.  De um lado, faz que quem preside e fala se comunique com
os membros da assembléia; de outro, também influi para que os fiéis se comuniquem entre si.

De um lado, suscita e cria comunidade; mas, de outro, a comunidade influi, pode e deve influir na
homilia e no fazer a homilia: há, pois, circularidade no evento da pregação homilética.

Além disso, este processo de comunicação possui dupla vertente: é acontecimento pneumático,
influenciado pelo Espírito; e, concomitantemente, é ação psicológica, condicionada pelas leis
psicológicas próprias da pessoa e do grupo.  Uma coisa não exclui a outra, são diversas mediações
de um único ato. Passamos agora a tratar dessas duas vertentes: aspecto pneumático, e, em seguida,
do psicológico na pregação.
Toda ação predicacional é envolvida pela ação do Espírito: Ele é a principal força que a suscita e a
inspira.  Em primeiro lugar, Jesus, conforme nos conta Marcos (1,9), é justamente depois de receber,
por meio do ministério de João, o batismo do Espírito, que começa a pregar.  O mesmo Espírito o
leva ao deserto.  Mas, imediatamente a seguir, dirige-se para a Galiléia, a fim de que comece a
anunciar a proximidade do Reino (Mc  1,12-14).  Lucas diz isto explicitamente: não só a ida para o
deserto, após o batismo, mas ainda a viagem posterior para a Galiléia e seu ir começando a ensinar
pelas sinagogas, são resultado da ação do Espírito (Lc  4,14-15).  Por sua vez, João afirma muito
claramente esta dimensão pneumática da pregação de Jesus quando escreve: «Aquele que Deus
enviou (o Filho) diz as palavras de Deus, pois Deus lhe conferiu seu Espírito sem medida» (Jo 3,
34).
Os discípulos de Jesus recebem dele este dom do Espírito para prosseguir a pregação agora
explicitamente cristã (cristológica) e pascal.  Na cena introdutória dos Atos, o Ressuscitado anuncia
aos discípulos o que vai ser como que o programa dos tempos vindouros:
«Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, para que sejais minhas testemunhas
em Jerusalém, em toda a Judéia, na Samaria e até os confins da terra» (At  1,8).
Portanto, é bem claro que a tarefa predicacional na Igreja vai ser resultado de ação do Espírito. 
Efetivamente, os próprios Atos o confirmam: antes de Pentecostes, os discípulos, os apóstolos, estão
mudos; mas, a partir da efusão do Espírito, começam a pregar (At  2,4).
Novamente João confirma esta união entre Espírito e testemunho quando escreve: «O Espírito da
verdade, que procede do Pai, dará testemunho de mim» (Jo 15,26).
O fato da comunicação na pregação eclesial é fato carismático promovido pela ação do Espírito
Santo na Igreja que suscita diversos carismas ao redor do testemunho da Palavra tanto na hierarquia
quanto em todo o povo fiel, constituído como povo profético. No entanto não podemos esquecer que
a função dos Bispos, presbíteros e diáconos na Igreja, ao pregarem a Palavra, é insubstituível. Eles
têm responsabilidade própria na homilia e não podem ceder a outros membros da comunidade não
ordenados essa sua responsabilidade. Por isso o Código de Direito Canônico  estabelece que a
homilia pertença a eles.
2. Dimensões psicológicas na pregação
Além da sua dimensão carismática é preciso recordar que a pregação é
fundamentalmente comunicação de pessoas: Deus-pessoa com o ouvinte pessoa.
Precisamente nestes últimos anos, os homiletas, principalmente de língua alemã, têm feito análises
interessantes e aplicações de certos estudos da psicologia ao campo da pregação, sobretudo da
homilética.
a. O pregador
Uma primeira observação a ter em conta é a seguinte: a homilia não só dá testemunho do evangelho,
mas também do pregador.  O testemunho do evangelho é testemunho de fé; e esta passa pela pessoa
da testemunha exatamente porque todo testemunho é algo pessoal.  Toda pregação é encontro
pessoal entre o pregador e os fiéis que o escutam.  Então o pregador deve questionar-se sobre sua
capacidade para este tipo de encontro, isto é, sobre sua capacidade de se relacionar com as pessoas,
de acordo com a diversidade de circunstâncias em que se acha situado, o que supoe capacidade de
escuta paciente, receptividade e participação em verdadeiro intercâmbio de experiências. 
Explicitamente, isto se faz fora, antes da homilia, porém, implicitamente, deve ser feito e continuado
durante a homilia.

A homilia pressupõe estabelecer relação pessoal, criar situações em que o outro seja tomado a sério
como um tu, como o parceiro do diálogo.
O perigo que ameaça esta comunicação é o de que o ministro esconda sua personalidade sob a
máscara de seu papel de pregador, de teólogo ou de especialista.  Então o testemunho deixa de ser
pessoal ou desaparecem o tom e o pano de fundo testemunhais, tão importantes.  Quem prega,
durante a homilia, não deve silenciar sua experiência pessoal de fé, porque necessita partir de
experiências vitais, tanto próprias quanto alheias, até chegar a configurar algumas imagens,
expressões e linguagem também vitais.  Do contrário, deter-se-á em fazer paráfrase da Escritura ou
em moralismo.  E isso não para o pregador cair em subjetivismos, nem psicologismos; porém, para
encarnar a Palavra na realidade pessoal tanto de quem ouve quanto de quem fala.

Se se pedem à comunidade a experiência concreta e o compromisso em torno da Palavra, o mesmo


deve pedir o pregador a si mesmo.  Deste modo, a homilia tem muito de colocação em comum, por
mais monologal que seja.  A fé do ministro da palavra é inseparável da fé da comunidade.

É legítimo, pois, que apareça o eu do ministro da palavra; não só como quem confessa a fé na
objetividade do credo, mas também na densidade da vida quotidiana.  O melhor antídoto contra o
perigo de buscar a si mesmo na pregação consiste em ter atitude eclesial e comunitária. 
Concretamente isto quer dizer: sentir-se em união com a comunidade de fiéis e, como conseqüência,
esforçar-se para uma busca e escuta no âmbito da comunidade, que é a «comunhão no Espírito»
(2Cor 13,13).
Quanto à experiência pessoal de quem preside certamente, a pregação do evangelho é incompatível
com o pregar-se a si mesmo.  Não se pode reduzir o conteúdo da pregação à comunicação de
experiências subjetivas.

No entanto, esta crítica não diz respeito a quem convida a participar da praxe vital da fé cristã e, por
causa disto, em certos contextos, não silencia sua própria experiência pessoal.  Alguns fogem e se
defendem deste risco e compromisso que supõem a comunicação, o tom e o testemunho pessoais
refugiando-se em uma objetividade que pode ser válida para uma aula ou atividade acadêmica,
porém não para o serviço da Palavra diante da comunidade.  Supostamente, toda personalidade
possui suas limitações, principalmente neste campo tão difícil, mas aceitar esta realidade com
humildade já é um modo de superá-la.  E acima de tudo: a humildade é o melhor testemunho
evangélico.

b. A psicossociologia do auditório
Além disso, convém levar em consideração alguns outros elementos fundamentais na pregação a
partir de sua dimensão psicológica, pois ela é um fato humano submetido às leis e condicionamentos
psicológicos: o auditório diversificado, o local da pregação e os fatores que influem para uma
eficiente proclamação da Palavra de Deus ou que prejudiquem à mesma.

a) O que se entende por psicossociologia do auditório


Por psicossociologia do auditório entendemos tudo aquilo que revele as aspirações do auditório, sua
cultura, seu modo de pensar, suas preocupações, sua religiosidade, as circunstâncias em que a
Palavra de Deus é anunciada, o local, o fator tempo, etc.

O auditório
Comecemos o nosso tema dando uma rápida olhada ao auditório que temos diante de nós e alguns
elementos que nele se encontram:

1 – Grande sede da Palavra de Deus


As pesquisas mostram cada vez mais que boa parte dos que participam em nossas celebrações vão
buscando ouvir uma mensagem de vida, de esperança e de salvação.

Cf. Am 8,11
2 – Hipercríticos
Além dos que pertencem ao primeiro grupo é preciso contar com a presença dos hipercríticos, que
tudo criticam. Um conselho interessante de um sacerdote vienense: «A estes hipercríticos levianos
dever-se-ia dar como penitência a preparação de um sermão dominical» (Joseph Ernest Mayer).
3 – Indiferentes
Um terceiro grupo corresponde aos indiferentes, os que freqüentam por mero formalismo. Falar-lhe
não é fácil.
4 – Um outro elemento psicossociológico a mencionar trata-se da maneira de captar a pregação da
parte dos ouvintes, especialmente o povo simples, maioria de nossos auditórios. Normalmente não
aceitam as homilias com longo raciocínio, de sabor intelectual. Preferem a linguagem concreta,
simples, existencial, transparente do evangelho.
5 – A heterogeneidade  do auditório
Trata-se de um dos aspectos que mais dificulta a boa apresentação da Palavra de Deus. Salvo
algumas celebrações para grupos homogêneos (casais, jovens, crianças…), normalmente o auditório
é bastante heterogêneo: pessoas idosas, crianças barulhentas, diversidade de cultura e formação
religiosa, ouvintes fechados, sedentos buscando crescimento na fé, indiferentes, os atrasados que
sempre atrapalham.
Encontramos o ouvinte que vive numa sociedade pluralista que tem contato com outras culturas,
religiões, filosofias diversas, etc. Encontramos o ouvinte atento e exigente que seleciona o que ouve
e, nas cidades, onde for possível, escolhe o pregador que mais o satisfaz. Compara o que ouviu com
outras idéias (em reflexão pessoal ou com amigos num processo de filtração daquilo que se ouve).

Também temos o ouvinte cômico: o bêbado, o louco, entram gritando, gesticulando. Também está a
figura do ouvinte ladrão, aquele que espera que as pessoas se destraiam para roubá-las.
Nosso auditório é verdadeiramente heterogêneo. Assim afirma um ex-deputado:

«Estou habituado a enfrentar os mais variados auditórios em minhas campanhas


políticas e em outras circunstâncias. Tive também a feliz oportunidade de falar
inúmeras vezes como leigo cristão em várias igrejas. Pois bem, de todos os auditórios,
o mais difícil é, salvo exceções, o das igrejas, por ser o mais heterogêneo» (Guido
Moesch – RS).

Acústica-dicção
Há igrejas com ótima, razoável ou péssima acústica; como também há pregadores com ótima,
razoável ou péssima dicção.

Para a eficácia na pregação é preciso considerar a importância da boa acústica e da boa dicção. Esses
elementos são indispensáveis. Não se pode esquecer essa verdade central: a pregação deve chegar
primeiramente aos ouvidos, antes de penetrar os corações dos ouvintes.

Local
Os locais onde a Palavra de Deus é proclamada são diversos e variados. Assim, temos igrejas de
vários tamanhos: pequenas, médias, redondas, em forma de cruz, cheia de colunas, igrejas que se
assemelham a um campo de futebol, vários salões, etc.

Igrejas sujas, quentes, mal arejadas, sem bom gosto arquitetônico, frias e nada acolhedoras. Igrejas
cujos repetidos ecos tornam quase impossível o anúncio da Palavra de Deus, Igrejas espaçosas onde
o pregador se sente como que perdido com muita dificuldade de se comunicar e dialogar com os
ouvintes. Não se podem esquecer também as celebrações e evangelização ao ar livre, em grandes e
pequenas romarias, concentrações e outros acontecimentos.

Isso mostra que a pregação se por um lado sofre de limitações, por outro encontra fácil e frutuosa
acolhida. Não esqueçamos que um lugar de espaço médio, arejado, com boa acústica, acolhedor,
com boa iluminação, facilita muito a comunicação com o auditório e, conseqüentemente, permite
que haja mais eficiência na evangelização.

Outras circunstâncias
O pregador deve levar em conta e enfrentar também outras circunstâncias: assim, existem os
momentos de luto e de festa; momentos de alegre e ansiosa expectativa bem como de indisposição
tanto para os ouvintes quanto para o pregador; momentos marcados pela pressa, cansaço, agitação;
momentos que favorecem o silêncio e a interiorização da Palavra de Deus e momentos prejudicados
pelo incessante barulho.

O que dizer quando se sabe que alguém está deprimido? Como falar quando uma tempestade parece
desabar a Igreja? O que dizer ao ouvinte que acaba de fracassar nos negócios, ou a quem aconteceu
alguma tragédia?

Apesar de toda a problemática do auditório, do local e de outras circunstâncias, não podemos


esquecer que também temos um auditório mais ou menos fiel! É um lado importante e que deve ser
valorizado

b) Como conhecer a psicossociologia do auditório


Há diversos meios para conhecer a psicossociologia do auditório:

a) Reuniões com dinâmica de grupo com jovens, casais, movimentos; são uma escola sempre
renovada para o pregador se inteirar da maneira de ver, sentir, refletir, reagir dos ouvintes.

b) Visitas informais à famílias, onde reina um clima franco e espontâneo, clima que favorece troca
de idéias sobre qualquer assunto; encontros com debates sobre temas atuais, etc.

c) Aproveitar estudos, pesquisas, levantamentos sobre a opinião que se tem sobre a pregação
realizada na Igreja.
c) O que o auditório mais censura nas pregações
Vamos simplesmente ater-nos nas grandes linhas que nos parecem as mais questionadas pelo
auditório:

a) Pregação abstrata-aérea-vaga: pregações muito generalizadas, aéreas, afastadas da realidade do


dia-a-dia. Pregações filosofizantes que seriam melhores para um ambiente selecionado (aulas,
congressos) que para os auditórios de nossas igrejas. Pregações vagas: que não descem ao concreto,
pregações que não atingem o alvo, não comprometem. É bom lembrar que «toda pregação que não
se transforma num chamado à conversão, corre o perigo de deixar de ser Evangelho para tornar-se
conferência» (J. Audusseau e X. Leon Dufour).
b) Pregação confusa
Antigamente, a maioria das pregações primavam pela busca de uma estrutura lógica, por vezes até
demasiado rígidas. Hoje, porém, certas pregações são totalmente confusas que o ouvinte não sabe o
que o pregador está querendo dizer. Pregações sem pé nem cabeça! Muitas vezes isso acontece como
fruto, em muitos seminários, da falta de preparação para este ministério, falta de exercícios de
preparação de temas, desleixo na preparação da homilia, etc.

c) Pregação materializante
São aquelas em que o pregador se ocupa, de preferência, em abordar o assunto dinheiro. A toda hora
fala de campanhas de ordem financeira, administrativa, construções, etc. Prestam-se mais para
administradores do que arautos da Palavra de Deus.
Aqui convém recordar a importância da corresponsabilidade dos leigos, lembrando que os Apóstolos
preferiram dedicar-se à oração e à pregação da Palavra e os diáconos cuidariam da administração.

d) Pregação vazia
Pregações cansativas pelo fato de não ter conteúdo. O vazio na pregação é razão de tantas queixas. O
pregador que habitualmente não estuda, não medita, o que se pode esperar dele? Este é
indiscutivelmente um dos grandes escândalos de um número, não pequeno, de pregadores!!!
e) Pregação monótona
Pela maneira de apresentar sermões com os mesmos gestos, com a mesma entonação de voz.
Monotonia pela falta de colorido em imagens, fatos, figuras que possam prender a atenção do
ouvinte. Monótona porque repete as mesmas idéias de sempre…quanto sono!

f) Falta de boa acústica – de boa dicção


Aqui convém recordar o de sempre: a base doutrinal dessa exigência é que a Palavra primeiramente
deve atingir os ouvidos. Um grande número de pregadores não se faz ouvir suficientemente. Reparar
a acústica de tantas igrejas e também a dicção. É preciso encontrar soluções para o assunto.

g) Pregação contratestemunho
O pregador deve ser o primeiro a testemunhar o Evangelho. É sua obrigação fundamental. Repercute
mal ouvir falar em união da comunidade, entre esposos, pais e filhos, quando na casa do pároco reina
a discórdia entre os que ali vivem, quando a funcionária da casa paroquial recebe mal o povo,
quando o vigário fala mal abertamente contra os seus colegas.
h) Pregação agressivo-dominadora
Certos pregadores usam um tom de voz muito agressivo e dominador. Tratam os ouvintes como
crianças que devem ser subjugadas à força. Parece que tais pregadores projetam consciente ou
inconscientemente seus problemas e descarregam sobre o auditório.

É bom lembrar que o púlpito-dizem dele “arma do pregador”-não foi feito para que o arauto da
Palavra de Deus exponha suas perguntas e dúvidas, nem extravase suas angústias e seus problemas,
mas para dar aos ouvintes as respostas de Deus.

i) Pregação socializante, psicologizante, ambígua


Tornou-se, poder-se-ia dizer, uma verdadeira obsessão, acentuar em certas pregações a idéia do
social, do psicológico, como se Deus não existisse, como se o cristianismo não fosse, em primeiro
lugar, obra do amor de Deus e, portanto, antes de tudo, dom de Deus, graça.

Não há dúvida de que a evangelização tenha de se valer desses instrumentos da sociologia e da


psicologia, que o cristão deva engajar-se e comprometer-se com a ordem temporal, que a psicologia
esclareça-nos sobre a conduta do homem sob diversos aspectos; no entanto, não é possível
transformar o Evangelho em sociologia ou psicologia. Como também não é possível apresentar um
Evangelho que não engaje. É preciso começar a empreender o caminho da evangelização que leve à
simbiose entre o vertical e o horizontal, o natural e o sobrenatural, o terreno e o celeste, lembrando-
nos que ao lado de todos os progressos, ao lado de todos os auxílios da ciência, o Evangelho é acima
de tudo palavra e ação de Deus: «Se o Senhor não constrói a casa, em vão trabalham os
construtores» (Sl 126, 1).
j) Pregação demasiado longa
É sabido por todos que a homilia deve ser breve, não passando de 10 a 15 minutos. Tudo o que é
anunciado leva a cor do tempo, é limitado pelo tempo e deve ser situado no devido tempo. É bem
diferente falar numa missa com auditório mais ou menos fixo, homogêneo, sedento da Palavra de
Deus, que numa missa rezada ao meio-dia com auditório apressado e inquieto.

É bem diferente falar durante uma celebração em que o calor massacra os ouvintes, e numa
celebração festiva em dia de primavera. Portanto não é fácil dar uma resposta uniforme ao problema
do tempo da pregação. Cabe ao pregador, valendo-se da opinião dos ouvintes e de suas reações no
momento, saber quanto tempo pode falar nesta ou naquela circunstância. Seja como for, o mais
importante é compor e apresentar bem o sermão!

Além disso há abusos em algumas igrejas: prolongar os avisos. Abusa-se da paciência dos ouvintes.
É preciso ter bom senso e bem apresentados.
d) O que o auditório mais espera e mais necessita da pregação
Pelo que vimos anteriormente já podemos perceber algo da resposta a essa pergunta.

a) Anunciar a mensagem no momento oportuno


Já vimos que o ouvinte espera uma mensagem de vida. Cabe ao pregador, para evitar uma pregação
vazia ou confusa, escolher uma mensagem determinada e concreta, retirada dos textos litúrgicos e
do mistério que está sendo celebrado.
Descoberta a mensagem é preciso que o pregador não se perca em considerações acessórias e
eruditas que facilmente desviam a atenção dos ouvintes. Renunciar a vários assuntos para
desenvolver de maneira normal um só, buscando aprofundar este assunto e conduzi-lo até
possibilitar a opção dos ouvintes, é preciso ser asceta na pregação.

E para completar é preciso frisar que a mensagem deve ser anunciada no momento oportuno. Ter
discernimento da circunstância para proclamar a Palavra de Deus. Em suma, “dizer a mensagem
certa no momento certo”. Isso supõe que o pregador seja, antes de tudo, acima de tudo e, em toda a
parte, um homem de profundo bom senso.
b) Que a pregação seja impregnada de esperança cristã
A pregação é proclamação do mistério da salvação, cujo centro é o Mistério Pascal. Anunciar este
mistério é colocar o homem sempre diante da sua opção por Cristo e consequente exigência de
contínua conversão. Este processo de conversão, iluminado pelo Mistério Pascal, consiste
fundamentalmente numa caminhada de esperança. Caminhada que espera encontrar e receber na
evangelização: ânimo, apoio, luz, correção fraterna. A pregação deve ser esse instrumento gerador e
animador da esperança.
Portanto, o ouvinte espera uma palavra edificante e existencial que ilumine os problemas do dia a dia
e o encoraje a assumir as responsabilidades quotidianas com renovada esperança e realismo otimista.

c) Que a pregação seja profética


O pregador de uma maneira excelente exerce o munus profético que desde o Batismo participa em
Cristo.
O profeta no AT é aquele que prediz o futuro, profere coisas ocultas e fala em nome de Deus. A sua
missão fundamental é falar em nome de Deus. Assim, o profeta é a boca de Deus (cf. Ez 2, 8; 3, 3).
Ele é o porta-voz de Deus, chamado para cumprir uma determinada missão (cf. Is 6, 1-
9; Jr 1,4s; Ez 1, 1s). Em particular o profeta tem a missão de anunciar as maravilhas de
Deus (cf. Os 11,1; Is 49,15), denunciar o mal, o pecado, principalmente a idolatria e as injustiças
sociais (cf. Is 1, 11-17; Os 5, 1-7; 6, 6-7), enviado também para fazer um forte apelo à
conversão (Jl 1,13-14; Is 58, 6-7).
O pregador não pode esquecer que, de um certo modo, ele é herdeiro da missão dos profetas.

d) Que a pregação ilumine, purifique e aprofunde, gradativamente, a religiosidade popular e não


destrua os sentimentos e alma religiosa do nosso povo
A pregação deverá partir também da realidade religiosa do povo.

Cf. DAp 300

e) Que a pregação seja acima de tudo Palavra de Deus que brota de um coração cheio de Deus
Nunca será demais insistir neste fato já conhecido. O auditório tem que faro especial para perceber
se o pregador é ou não um homem de Deus. Em palavras de um grande pregador: «O sacerdote deve
dar aquilo que transborda do cálice e não daquilo que está dentro. Assim, ele estará sempre
“cheio”de Deus.»
Santo Tomás, ao referir-se ao apostolado insiste em que no apostolado entrega-se o que se
contempla.

S. Paulo nos deixou uma página magnífica sobre o pregador: cf. 1Cor 2,1-5.


Santo Agostinho: «Sit orator antequam dictor», «Que o pregador seja um orante mais que um
falante».
Longe, portanto, da pregação e do pregador os ares de sábio inflado, de improvisador que se gaba de
sua capacidade. Deve, antes de tudo, transmitir simplicidade, convicção, confiança, alegria.

Como conclusão deste capítulo sobre a psicossociologia do auditório poderíamos sintetizar em três
palavras-chaves aquilo que os ouvintes mais esperam e mais necessitam da pregação: que os
evangelizadores

1. Sejam luzeiros que brilham num mundo cercado de toda espécie de trevas;


2. Comuniquem amor, certeza, confiança e esperança aos ouvintes que não raramente estão
angustiados, saturados, confusos, desesperados;

3. Formem os ouvintes para a vida cristã adulta e comunitária.

6 – A Homilia

1. Que é uma homilia


A homília é um tipo especial de pregação com características próprias.  Há muitos tipos de
pregação.  Assinalemos alguns deles: O panegírico, que tende a ressaltar as virtudes de um santo e
inculcar nos fiéis a sua imitação.
A homilia é aquele tipo de oratória sagrada que convém mais à celebração litúrgica da eucaristia e
dos sacramentos.  Ou melhor, as celebrações litúrgicas foram criando, a partir da mais remota
antiguidade, um gênero especial dentro da oratória – a homilia -, espécie de comentário dos textos da
celebração aplicado aos fiéis, como participantes da celebração e como cristãos que devem viver o
que celebram.
Etimologicamente falando, homilia vem da palavra grega “homilia” (reunião, conversa familiar) e
esta por sua vez do verbo “homilein” (reunir-se, conversar).  Assim, pois, o termo grego homilia
significa trato ou conversa familiar.
Retoricamente com a palavra homilia se designa aquele gênero de oratória mais simples e familiar
em oposição ao ‘discurso”.  Fócio nos diz que uma homilia se distingue de um sermão pelo fato de
que a primeira se expunha familiarmente pelos pastores e era uma espécie de conversa entre eles e a
assistência; o sermão, ao contrário, era feito a partir do púlpito em forma mais solene.  O sermão era
composto segundo as regras da retórica e da arte oratória, ao passo que a homilia é a interpretação
familiar da Sagrada Escritura, feita com um fim prático e moral.  A homilia, mais do que mover e
excitar os ânimos, destina-se a instruir e edificar os fiéis a propósito dos mistérios da fé.
Liturgicamente, a homilia é uma parte integrante da liturgia da Palavra (cf.  SC n. 52).  Note-se que
até antes da reforma litúrgica conciliar dizia-se que, depois do Evangelho, a liturgia era interrompida
para que os fiéis ouvissem a homilia. O fato de que atualmente a homilia seja parte integrante da
liturgia nos obriga a precisar muito mais seu sentido e função.
Tecnicamente, na homilia distinguem-se duas funções litúrgicas importantes:

a)  a de ser aplicação da mensagem ao hoje e aqui de nossas vidas;


b)  a de ser ponte  entre a liturgia da palavra e a liturgia eucarística ou sacramental.
Quanto à primeira função (a) antecipamos que a mensagem da Escritura tem uma atualidade (e não
simplesmente uma aplicação moral) que foi sublinhada pela Constituição Sacrosanctum
Concilium  (cf. n. 33 e 7).
Quanto à segunda função (b) pode-se dizer que a homilia é o elo entre a “liturgia verbi” e a “liturgia
sacramenti”. É o que liturgicamente se denomina “passagem para o rito”.  A homilia (que nunca é
um sermão isolado, mas que está dentro de uma celebração) deve concatenar a palavra ouvida com a
celebração e mostrar sua atualidade precisamente na ação sacramental, como logo comentaremos
mais extensamente.  Isso segundo a melhor tradição patrística e segundo a
Constituição Sacrosanctum Concilium (n. 35,2).
Ambas as funções coincidem, pois, no fato de conectar a Palavra de Deus com o hoje e o aqui de
nossa celebração ou de nossa vida.
A homilia se distingue, pois, claramente de outros gêneros de oratória sagrada, como o panegírico, o
comentário bíblico-exegético, o clássico sermão piedoso, a oração fúnebre.  E com mais razão se
distingue de uma classe de catequese ou de teologia (embora a homilia possa e até deva aplicar
certos princípios empregados na catequese).

2. Origens e história da homilia


A homilia mergulha suas raízes no povo bíblico de Israel.  Sabemos que muito antes de Jesus e no
tempo de Jesus, terminada a leitura do texto bíblico na sinagoga, fazia-se a homilia que se encerrava
com o qaddis, oração aramaica da qual Jesus tomou, ao que parece, as duas primeiras petições do
Pai,-nosso.  “Moisés – diz Tiago em Atos 15,21 – tem em cada cidade os seus pregadores, que o
lêem nas sinagogas todos os sábados”.  A mesma coisa é confirmada pelo historiador judeu Flávio
Josefo.
O próprio Evangelho nos oferece um exemplo eloqüente por parte de Jesus deste comentário
homilético das Escrituras, na passagem da sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-30).  Na verdade, trata-se da
primeira homilia cristã que se conserva num resumo escrito e na qual o próprio Jesus é o pregador e
protagonista.  É um claro comentário ao texto de Isaías  e uma clara aplicação do texto ao momento
presente, assim como à situação concreta dos que estão reunidos na sinagoga, incluindo o próprio
Jesus (cf. v. 23s).  Mais ainda: o texto de Lucas deixa entrever que Jesus tinha o costume de ir à
sinagoga no sábado e fazer a leitura (v. 16) e também de ensinar nas sinagogas com louvor dos
assistentes (v. 15).
Sabemos também por João 6,59  que Jesus pronunciou o discurso do pão de vida na sinagoga de
Cafarnaum, provavelmente na festa de Páscoa (cf. Jo 6,4),festa que naquele ano Jesus passou na
Galiléia já que não podia ir à Judéia (cf. 7,1).  Também em tal passagem há um longo comentário de
diversos textos do Antigo Testamento sobre a páscoa e sua aplicação ao momento presente dos
ouvintes (a presença de Jesus entre eles e a fé em sua palavra) e a situação conjuntural (a celebração
da páscoa judaica que antecipa a páscoa cristã).
Temos outro exemplo eloqüente de outra homilia de Jesus, desta vez com os dois discípulos, na
caminhada de Emaús (Lc 24,13-35).  Trata-se de uma homilia no sentido mais genuíno da palavra:
“conversa familiar”.  Jesus, ao longo da rota que leva de Jerusalém a Emaús, vai interpretando o
momento presente à luz dos textos escriturísticos.  Trata-se de uma verdadeira “liturgia verbi” que
prepara os corações dos discípulos para a “liturgia sacramenti”, para o calor da celebração, para a
profundidade do encontro eucarístico com Jesus na casinha de Emaús.  Na verdade, as palavras de
Jesus atualizam os textos bíblicos (cf. v. 27) e preparam os corações para a celebração eucarística
(cf. v. 29 e 32).
A recitação, ou melhor, a proclamação da Bíblia e sua interpretação nas sinagogas, não pôde deixar
de ter profundos vestígios entre os judeus-cristãos presentes às reuniões sinagogais. É preciso levar
em consideração que os primeiros cristãos, antes de sua conversão e mesmo depois dela, estiveram
em contato com o templo, e aos sábados com a sinagoga.

Recordemos também que alguns textos neotestamentários parecem ser textos homiléticos (p. ex.
alguns fragmentos da primeira carta de São Pedro).  Sabemos também que os apóstolos praticaram o
comentário homilético (p. ex. a famosa “conversa” de Paulo em Trôade dentro de uma reunião de
caráter claramente litúrgico (At 20,7-12).
Entre os escritos cristãos pós-bíblicos, o primeiro testemunho que faz referência clara à homilia
como parte da liturgia da Eucaristia encontra-se em Justino.  Assim diz em sua primeira Apologia
(escrita pelo ano de 153) ao explicar a Missa:

«… E no dia chamado do sol, faz-se uma reunião num mesmo lugar de todos os que habitam nas
cidades ou nos campos, e lêem-se os comentários dos apóstolos ou as escrituras dos profetas, na
medida em que o tempo o permite.  Depois, quando o leitor acabou, quem preside exorta e incita
pela palavra à imitação dessas coisas excelsas.  Depois nos levantamos todos ao mesmo tempo e
recitamos orações” (n. 67)

Trata-se de uma homilia dominical (Justino fala do ‘dia chamado do sol’ e não do ‘dia do Senhor’
para ser compreendido pelos leitores gentios, a quem dirigia sua Apologia).  A homilia dessa reunião
dominical situa-se depois das leituras e antes da oração universal que precede a apresentação das
oferendas para a Eucaristia.  Trata-se, pois, de uma homilia eucarística tal como se pratica em nossas
igrejas hoje em dia.

São famosas as homilias dos Santos Padres (séc. II-VIII) que em grande parte nos foram transmitidas
por escrito.  São o comentário vivo da Bíblia por parte da Igreja dos primeiros séculos.  São também
um testemunho de que a liturgia nos conserva a melhor vivência da fé bíblica e a melhor “summa
theologica” de todos os tempos.

Nos séculos posteriores, quando no Ocidente a ação litúrgica se torna arcana e clerical e deixa de ser
uma ação inteligível para o povo, a homilia de feição patrística ou escriturística desaparece, ao
menos de modo geral, e já não figura nos livros litúrgicos. Entramos assim numa era de ausência de
comentários homiléticos que serão de alguma forma substituídos (mas não convenientemente
supridos) pela pregação extralitúrgica .

As Rubricas gerais do Missal de São Pio V (1570) não falam da homilia: da proclamação do
Evangelho passa-se ao Credo.  Contudo, o Rito que se deve observar na celebração da Missa  supõe
a possibilidade de que haja uma pregação depois do Evangelho (cf.  VI, 6).
Recordemos também que na administração da maioria dos sacramentos, dos séculos que nos
precedem, não está prescrita nem prevista a leitura da Palavra de Deus nem, conseqüentemente, seu
comentário homilético.  Podemos ver um resto da homilia na catequese do Pontifical Romano que o
bispo dirige aos ordenandos.  Quando os sacramentos, sobretudo o matrimônio, são celebrados
dentro da Missa, coisa freqüente nas últimas décadas que nos precedem, costumam comportar um
comentário homilético.

Em alguns países, até não muito antes do Concílio Vaticano II, dar-se-á a estranha superposição de
uma pregação ao longo da missa dominical, que se celebra em voz baixa e em latim.  Embora
chocante para nós, não o era tanto no ambiente da época, se levarmos em conta que na missa se
praticava todo gênero de devoções.  Na melhor das hipóteses, esta pregação desenvolvia o tema do
evangelho.  Aqui está o que a este propósito prescreveram as Rubricas de 1960, promulgadas por
João XXIII:

“Depois do evangelho, sobretudo aos domingos e dias de festa de preceito, dirigir-se-á


ao povo, segundo as circunstâncias, uma breve homilia.  Mas esta homilia, no caso de
ser feita por um sacerdote que não o celebrante, não deve sobrepor-se à celebração da
missa, impedindo a participação dos fiéis; também então a celebração deve ser
interrompida e não deve voltar a continuar enquanto a homilia não tiver terminado”.

O Concílio Vaticano II encontra o terreno preparado para uma reabilitação da homilia, graças à
renovação litúrgica das últimas décadas e, concretamente, graças ao documento que acabo de citar. 
Insiste no fato de que a homilia deve partir do texto sagrado proclamado e estabelece que a homilia é
parte da própria liturgia.  Depois de assinalar a importância da Palavra de Deus (cf.  SC n.  24 e 51),
diz no n. 52 da Sacrosanctum Concilium:
«Recomenda-se vivamente, como parte da própria Liturgia, a homilia sobre o texto
sagrado, em que, no decurso do ano litúrgico, se expõem os mistérios da fé e as normas
da vida cristã; não deve ser omitida sem grave causa nas missas dominicais e nas festas
de preceito, concorridas,pelo povo».

3. Elementos de que se compõe a homilia


Aqui não nos referimos às partes de que consta uma homilia enquanto peça de oratória, mas aos con-
teúdos teológicos ou temáticos que deve incluir.  Por isso não falo de partes, mas de elementos.

Dado que a homilia é uma atualização  da Palavra de Deus no hoje e no aqui da vida e


da celebração, podemos deduzir que uma homilia bem preparada deve conter três elementos que
nunca faltarão:
a)    Elemento exegético  ou interpretação da mensagem da Sagrada Escritura proclamada na liturgia
da palavra.
b)    Elemento vital ou aplicação da mensagem à vida da comunidade e de cada um dos que a
integram.
c)    Elemento litúrgico ou aplicação da mensagem à celebração litúrgica e à assembléia que celebra.
Passemos ao desenvolvimento pormenorizado de cada um desses elementos.

a) ELEMENTO EXEGÉTICO
O gênero homilético não tem por finalidade principal que os fiéis cheguem a um conhecimento
profundo e quase científico dos textos da celebração, mas que celebrem  a Palavra de Deus e vivam à
luz dessa Palavra.
Mesmo assim, os conhecimentos exegéticos são muito necessários, especialmente em quem prega a
homilia e, em sentido mais amplo de conhecimento da mensagem, também para todos os que a
escutam.

Em teologia entende-se por exegese  a arte (e ciência!) de encontrar e propor o sentido verdadeiro de


um texto escriturístico. Fazer brilhar, através das palavras humanas, a plenitude da luz e do
pensamento divino ou plano histórico de salvação.
Na preparação da homilia o emprego da exegese é absolutamente indispensável. Quando o sacerdote
a desconhece, quando se detém na pura história relatada ou no puro texto escrito (caso dos primeiros
capítulos do Gênesis), não pode desenvolver a mensagem que o texto inspirado encerra para todos os
tempos e, portanto, para a nossa circunstância.

Por isso mesmo, na preparação de uma homilia, a primeira coisa que alguém deve fazer é perguntar-
se, depois de ter lido o texto: que quer dizer Deus através deste texto? Não é sempre fácil responder
a esta pergunta…Para isso é necessário levar em consideração uma série de normas e prestar atenção
a elas:
1)  É mister entender  bem o texto, as palavras e conceitos nele incluídos.  E para isso é
necessário estudá-lo demoradamente numa boa tradução, se não for possível no original; nunca
numa paráfrase popular, ainda que depois esta seja usada na leitura.  A fidelidade da tradução é
indispensável.  Neste momento da preparação a ajuda de vocabulários e dicionários bíblicos é impor-
tante.  Demos um exemplo para ilustrar o que estamos dizendo.  A passagem da pecadora perdoada
(Lc 7,36-50) não se entende, ou se entende de maneira muito diferente, se o v. 47 for traduzido
assim: «…são-lhe perdoados seus muitos pecados, porque amou muito».  O sentido exigido pelo
contexto é, ao contrário: «…se mostra muito amor, é porque lhe foram perdoados muitos pecados». 
No primeiro caso, a causa do perdão é o grande amor da mulher.  No segundo caso, a causa do
perdão éo amor gratuito de Deus (cf. v. 42).  O amor da mulher é um amor de agradecimento.  Uma
boa tradução deste texto não esquece que o hebraico, o aramaico e o siríaco não têm nenhum
vocábulo para dizer «dar graças» e «agradecimento» e que o fazem indiretamente através de outros
vocábulos. É o contexto que deve decidir isso.  E a tradução não pode esquecê-lo.
2)  Estudar o contexto da perícope: texto circundante, circunstâncias de um fato, milagre,
parábola; estudar o estilo de um livro, os destinatários e os textos paralelos, especialmente nos
evangelhos sinóticos.  Este estudo é mais necessário quando o texto oferece certas dificuldades ou
ambigüidades.  Temos um exemplo gramatical na já mencionada e comentada passagem da pecadora
perdoada.  Outro exemplo referente à importância das circunstâncias de uma parábola podemos
encontrá-lo no filho pródigo (Lc 15,11-32).  A intenção de Jesus, se nos ativermos somente à
parábola, poderá ser até certo ponto múltipla.  Mas se nos fixarmos no contexto em que foi
pronunciada (cf. Lc  15,1-2) não há a menor dúvida: a intenção principal é manifestar que Deus sente
uma grande alegria ao reencontrar o pecador e que Jesus é a encarnação dessa alegria.  Outro exem-
plo, desta vez referente a um livro: A carta aos hebreus se esclarece quando se conhecem os
destinatários (convertidos do judaísmo, sacerdotes hebreus, exilados, perseguidos, tentados a voltar
atrás, que sentem saudade do culto levítico).  Toda uma série de temas da carta esclarecem-se então
(apostasia, peregrinação, Pátria celeste, Cristo guia, superior a Moisés, Cristo sacerdote etc.).
3)  É preciso distinguir entre texto literário e mensagem que contém.  Fazer exegese não é
somente nem principalmente traduzir o que está escrito.  Isto pode derivar perigosamente para uma
interpretação fundamentalista da Escritura.  Quando o gênero literário não é corrente ou atual
(alegoria, mito, parábola), o trabalho éduplo.  Um exemplo já clássico: Para captar a mensagem
revelada contida no relato da criação e queda do homem (Gn 2,4b-3,24), é absolutamente necessário
distinguir entre relato mítico e o que Deus quis revelar-nos através dele. É preciso conhecer bem o
texto literário e os relatos míticos da época; mas, ao mesmo tempo, é preciso saber ler devidamente
para não tomar como revelação de Deus o que é apresentação externa e roupagem cultural
veiculante.

4)  É preciso levar em consideração que Deus, por meio do autor inspirado, quis dizer algo então e
quer dizer algo agora através da palavra (falada ou escrita) ou através do fato narrado.  Embora a
circunstância talvez já tenha passado e fique muito longe de nós, a mensagem ou o acontecimento
continuam sendo atuais e exemplares; hoje o Senhor os dirige a mim e a todos os homens.  Do
contrário, a Bíblia seria uma bela história passada e nada mais.  Todos os relatos históricos de Jesus
disseram algo em seu tempo e, embora tenham passado, podem dizer e dizem algo para nós, em
pleno século XX.  O nascimento de Jesus, por exemplo, tem uma grande ressonância cada ano no
Natal. É equívoco, para não dizer falso, dizer que Jesus nasce de novo.  Jesus não nasce de novo.  O
fato histórico não se repete.  Mas este nascimento foi um acontecimento histórico.  Disse algo então
aos pastores (cf.  Lc 2,10-12.14). E diz algo hoje: ressoa de novo uma mensagem de alegria para o
povo; hoje o nascimento do Messias nos ajuda a superar todos os falsos messianismos de nosso
tempo.
5)  É importante, uma vez descoberta a mensagem para além do que está escrito ou para além do
puro f ato, ver como se relaciona com a Mensagem geral da Bíblia e com o Acontecimento da
Salvação operada por Deus em Cristo.  Não para reduzir a generalidades o texto e o sermão, mas
para comprovar que a mensagem falada é válida.  Uma mensagem não pode estar em desacordo com
o Acontecimento salvífico.  Mensagem e acontecimentõ devem sintonizar e concordar com alguma
das fibras gerais da História salvífica e ser sensíveis a ela.  Demos um exemplo: Se lendo a carta de
Tiago chego à conclusão de que o que justifica são as obras, tenho que começar a duvidar se
realmente cheguei a entender a~mensagem da carta, porque é evidente que a Bíblia nao coloca a
causa da justificação nas obras.  E, pelo contrário, se lendo Paulo chego à conclusão de que a única
coisa importante na vida é a fé (sem que o cumprimento da lei influa em minha vida cristã), posso
começar a suspeitar que estou entendendo erroneamente a mensagem.  Aqui também há desacordo
com a Mensagem gerai da Bíblia.

6)  Em caso de dificuldade e mesmo sempre, é preciso ver o que me diz o texto na fé, na oração e na
meditação da Palavra.  Apesar da distância, estou numa onda de fé semelhante e próxima daquela do
autor.

7)  É preciso também pensar no ouvinte ordinário da Palavra (a quem devo dirigir a homilia) e
prever o que pode obviamente dizer-lhe o texto ou, por oposição, o que poderia dizer-lhe o texto e
não lho dirá porque desconhece algo ou interpreta mal algo (importante, este algo que talvez eu
possa esclarecer-lhe; esta chave que eu posso dar-lhe e que, depois, verei se é oportuno dar-lhe ou
simplesmente mencionar).  Ternos o caso das bodas de Caná.  Esclarecer o significado da
contraposição água-vinho é fundamental para começar a entender algo do milagre e o que João quer
dizer-nos.  O ouvinte ordinário desconhece a ampla simbologia da água na Bíblia; mas bastará uma
simples insinuação para que em cada caso possa ‘captar o significado.

8)  Para relativizar meus pontos de vista, para os enriquecer e sistematizá-los convém recorrer
sempre a um comentário exegético (na prática a um bom livro de preparação homilética) depois de
eu ter colocado minha parte, não antes.  Em exegese e em homilética a originalidade e a criatividade
são importantes e se adquirem à força de exercício e de estudo pessoal.

9)  É preciso também distinguir em certos textos entre a mensagem principal e outras mensagens
submensagens ou alusões vitais inseridas na riqueza do texto, e que podem dar ocasião a diversas
variantes homiléticas, mas que, ao menos em princípio, não vão constituir o centro da homilia, pois
não são o centro da mensagem.  Por exemplo, no caso do filho pródigo, a falsa liberdade, a vida do
pecador, os passos da conversão, o farisaísmo do irmão maior etc.

10)Por fim, é preciso levar em consideração que, em última análise, o que interessa não é a letra,
mas o espírito; não a erudição e o aparato exegético, mas o conteúdo da exegese; não a solução de tal
ponto obscuro do texto (por mais conveniente que seja esclarecê-lo), mas a interpretação da
mensagem principal.

Inutilmente o pregador tratará de fazer uma homilia correta, enquanto não souber o que o texto quer
dizer ou (mesmo correndo o perigo de sermos pesados) o que nos quer dizer o Espírito Santo através
do texto.  Desde que o pregador o conheça ou, ao menos, desde que a mensagem lhe seja mais clara,
o pregador pode ver a maneira de aplicá-la à vida dos ouvintes (B) e à celebração (C).

b) ELEMENTO VITAL

É outro elemento que se deve considerar.  Outro, não o segundo necessariamente, pois a ordem dos
elementos (vida, liturgia) é secundária uma vez conhecido o elemento fundamental da exegese.

O Decreto sobre o ministério dos presbíteros do Concílio Vaticano II assim se exprime a propósito
da pregação no n. 4:

«…A pregação sacerdotal – não raro dificílima, nas circunstâncias hodiernas do


mundo, se se deseja mover eficazmente as mentes dos ouvintes – não deve expor
apenas de modo geral e abstrato a palavra de Deus, mas sim aplicando às
circunstâncias concretas da vida a verdade perene do Evangelho».

Nem mais nem menos.

A Bíblia é luz da vida, mas não na forma em que o entendem alguns pregadores: não é uma
mensagem abstrata e nas nuvens para um público que, por obra de encantamento, é desligado por
alguns minutos de sua vida ordinária para viver sua “vida espiritual”; a Sagrada Escritura também
não é um manual de receitas morais nem políticas; mais do que normas concretas e originais, o que a
Bíblia apresenta é uma atitude frente à vida.  A ética cristã se distingue não tanto por suas normas
originais (são menos do que imaginamos, se nos aprofundarmos na história das religiões), quanto por
sua motivação.  A ética cristã é uma ética de resposta, de agradecimento, de ação de graças e de
liberdade; é a ética dos filhos de Deus, libertados do pecado e da lei e, por isso mesmo, escravos do
Espírito…

Tudo isso deve levar o pregador a pensar antes de fazer aplicações práticas.  Deve sobretudo levá-lo
a refletir para ver que estilo emprega em suas aplicações morais (estilo moralizante, estilo
fundamentalista, estilo casuísta, estilo politizado ou antes estilo profético, estilo iluminador, estilo
interrogante e de busca).

A Palavra, corno espada de dois gumes, continua hoje interpelando, iluminando, julgando,
apresentando atitudes evangélicas profundas (como o Sermão da Montanha), dizendo-nos o que é
ser, hoje e aqui, cristão. Pouco avançamos apresentando soluções para tudo, receitas para tudo, visto
que o quid  da questão ou do problema não é a solução ou a receita, mas a luz e a força necessárias
para pôr hoje em prática o evangelho.  Pouco avançamos (e queira Deus que não retrocedamos), se
não conseguimos apresentar o evangelho como moral de filhos e não como pura lei, se não
conseguimos entusiasmar o público com a figura do Pai manifestada em Cristo e por Cristo.
A Palavra deve ressoar nas palavras do homiliasta com gozo e como juízo.  Deve ser dirigida não
somente à vida individual, mas também à vida social; não somente à vida social, mas também à
pessoal.  Deve ser crítica não só frente aos males da sociedade, mas também frente aos males da
Igreja, se não quiser pregar uma conversão farisaica.  Deve ter uma dimensão política como a
própria liturgia, mas sem fazer política e evitando converter o púlpito numa palestra de demagogia. 
Em última análise, deve relativizar todo fato humano, qualquer que ele seja, frente ao projeto de
Deus que não é utopia ilusória, mas promessa e esperança que a liturgia já nos permite celebrar e
festejar.

A amargura, o pessimismo, o grito histórico, o ataque desapiedado não só são frutos do


desconhecimento da moral evangélica, mas chegam até a mergulhar a assembléia, que celebra a
libertação definitiva em Cristo, num pessimismo alheio à liturgia que sempre  (mesmo nas piores
circunstâncias políticas e sociais) celebra a libertação que vem de Deus.
Mas, como se relaciona a exegese com a vida?  Aqui estão algumas indicações que podem ajudar:

1) Quem prega deve procurar conhecer da melhor maneira o auditório (assembléia, comunidade),
seu estilo de vida, suas dificuldades na fé, sua vivência cristã, seu mundo político e social, suas
esperanças ou ideais e seu nível cultural.  O pregador que sem dificuldade prega diante de qualquer
público, por mais estranho e heterogêneo que seja, é um pregador que dificilmente chega ao coração
da assembléia e ao fundo dos problemas.  Quando por necessidade alguém deve pregar a fiéis que
não conhece, irremediavelmente deve fazê-lo no terreno do geral, e mesmo que possa causar impacto
pela novidade, pela proximidade com que fala e pelo apreço com que se dirige à assembléia, deve
ser também muito circunspecto naquilo que diz ou afirma.

2) O homiliasta deve ter como critério central, e poderíamos dizer único, a Palavra revelada, sem
convertê-la numa teoria e sem levá-lo a exprimir as idéias do pregador nem os gostos do povo, ainda
que isso possa provocar a popularidade do pregador.  Assim, uma situação ou solução
política concreta nunca deve ser deduzida de uma passagem bíblica. É um abuso e um desprezo
pelas legítimas divergências dentro da assembléia.  Por exemplo: por mais que o livro
dos Atos apresente nos capítulos 2 e 4 uma estrutura eclesial fortemente comunitária e socializada,
um pregador não pode aproveitar-se da passagem para inculcar o socialismo político, sobretudo em
suas formas concretas que, evidentemente, distam muito do modelo eclesial e quase estilizado que o
autor dos Atos, Lucas, quer apresentar.  Pode-se, em vez disso, recomendar um espírito mais
comunitário e socializado e menos individualista nos ouvintes.  Mas se o pregador não pode deduzir
do texto bíblico uma aplicação  política muito concreta, pode sem dúvida deduzir do texto bíblico,
em muitas ocasiões, uma crítica concreta a um projeto ou situação política menos cristã ou
antievangélica.  A Bíblia não oferece modelos políticos, mas critica todo modelo político.
3)  É preciso evitar o excessivo afã moralizante (ataque aos costumes …) que nunca produziu
grandes mudanças, sobretudo se desce a detalhes. Às vezes convirá insistir mais nas conseqüências
que derivam da Escritura para a fé do que nas conseqüências que derivam para a moral.  Assim, por
exemplo, tomar o martírio de João Batista (Mc 6,17-29) para fazer uma crítica dos bailes de nossos
dias, não pode produzir grandes efeitos (além do mais, o pregador é um mau experimentador e
conhecedor dos bailes atuais e passados, de modo geral…). Faria melhor se apresentasse a figura
profética de João frente à venalidade e espírito antievangélico dos mundanos.
4)  É preciso iluminar situações gerais, urgentes ou graves à luz do evangelho; também atitudes
concretas, mas suficientemente gerais da assembléia; sem descer ao caso demasiadamente concreto,
sem indicar com o dedo as pessoas, mas também sem diluir a pregação profética em generalidades,
componendas e compromissos.  O pregador não pode, por exemplo, esquecer que está falando a um
público com uma circunstância política concreta.

5)  Extrair deduções para a vida de detalhes insignificantes do texto escriturístico é um erro.  Não se
devem confundir os detalhes de certas parábolas, o ambiente social de certos textos etc., com os
aspectos fundamentais da passagem.  Os detalhes, embora estejam dentro do contexto inspirado, não
têm por que ser parte da mensagem.  Construir sobre minúcias é construir sobre areia. Um pregador
tirava da parábola do filho pródigo o fato de que o filho pródigo não tinha mãe; se tivesse mãe… e
daí passava à importância das mães e da Virgem Maria. É simplesmente abusar do texto e sair pura e
simplesmente do comentário homilético e escriturístico.  Se um pregador quer falar das mães ou da
Virgem Maria, que o faça no momento devido, mas que escolha os textos adequados para tais casos. 
O que acontece é que queremos que o texto escriturístico que devemos comentar (poucas vezes se
escolhe) diga o que nós queremos dizer ao povo e não o que Deus nos quer dizer.

6)  É completamente legítimo aproveitar o paralelismo entre as situações vitais que encontramos na
Bíblia e as que a sociedade moderna e a Igreja atual nos oferecem, por exemplo, farisaísmo, culto
vazio, atitude diante da pobreza e riqueza, perigo do poder, descompasso entre culto e vida,
legalismo etc.  A legitimidade vem do fato de que o homem é sempre o mesmo e porque o juízo de
Deus é para todos os tempos e não somente para determinada época.  Um exemplo: é um erro de
muitos pregadores falar do farisaísmo, detendo-se na atitude de alguns senhores de uns dois mil anos
atrás.  Sim, aconteceu naquele tempo; mas continua acontecendo hoje (e de que maneira!) na
sociedade e na Igreja.  Textos como a crítica de Jesus aos escribas e fariseus (as sete maldiçoes
de Mt 23,13-32) deveriam ser comentados com aplicações próprias do dia de hoje e com uma
autocrítica sincera, respeitosa e sadia.  Porque estes textos, se foram escritos, para nós o foram.
c) ELEMENTO LITÚRGICO

A este terceiro elemento (a ordem de apresentação é secundária) damos o nome de «litúrgico», mas
poderíamos também chamá-lo «elemento celebrativo».  Com efeito, a homilia está num contexto de
celebração ou, melhor, em função e dentro de uma celebração litúrgica.  Não se faz uma homilia a
propósito  de uma celebração ou aproveitando o fato de termos os fiéis reunidos para a liturgia
(embora seja a única oportunidade em que os temos!), mas com vistas à celebração e para dar maior
sentido à celebração litúrgica.
Assim, pois, a homilia não está acima  da liturgia, mas ao serviço da liturgia.  A homilia é
uma “ancilla” da celebração.  Aqui poderíamos deter-nos a refletir sobre um ponto sintomático: o
pregador (já que não o bom homiliasta) considera consciente ou subconscientemente que sua parte (a
que lhe permite maior criatividade pessoal na liturgia) é a mais importante dentro da liturgia, e assim
não se importa nem se preocupa muito com prolongamentos excessivos, despachando o resto (espe-
cialmente a liturgia eucarística) a toda velocidade e de forma mecânica ou mais ou menos prosaica.
Outro ponto: a única arte da liturgia que o sacerdote costuma preparar (se é que prepara alguma
coisa) é a homilia; e por isso mesmo ao resto da celebração não dá, conseqüentemente, nenhum
realce, nenhuma variedade, criatividade nem beleza (como poderia ser a do santo apropriado,
preparado, bem executado).  Ele sabe que os fiéis têm dificuldades em penetrar na liturgia da Palavra
e em viver com intensidade a ação sacramental; e soluciona o problema esquivando-o: relegando o
mais importante da liturgia para um segundo plano.  Com isso só consegue aumentar a dificuldade e
fazer com que a mesma homilia seja cada vez mais inútil como homilia e que passe a ser um
colóquio subjetivado, racionalizado ou, quando muito, um bom tipo de catequese alitúrgica.

Da mesma forma, os fiéis perdem a riqueza da celebração, afastam-se cada vez mais dos mistérios
litúrgicos e freqüentemente também do sermão.  Assim, se a atual liturgia peca talvez por excesso de
cerebralismo, de falta de sentimento, de simbolismo e de ação, o pregador acaba levando isso tudo às
suas últimas conseqüências.

Não, a homilia tem uma função mistagógica,  isto é, deve conduzir aos mistérios da fé (sacramentos,
sacrifício eucarístico), a partir da Palavra dada e acolhida até a ação sacramental, sinal e
cumprimento de tal Palavra hoje e aqui nesta assembléia concreta.
A esta função mistagógica se deu o nome de passagem ao rito, isto é, passagem da palavra ao rito,
passagem do profetizado ao cumprido no sacramento ou, segundo os casos, passagem do acontecido
ao celebrado sacramentalmente.  Palavra e rito não são duas coisas totalmente diferentes nem
contrapostas, como alguns superficialmente quiseram ainda hoje fazer-nos crer.  São os momentos
de um mesmo acontecimento salvífico.  O que a Palavra anuncia, o rito o realiza (além disso, numa
análise profunda chegaríamos à conclusão de que também o rito é palavra e anúncio, e a palavra é
ação).
Mas, como fazer com que a homilia seja GONZO, DOBRADIÇA, ENTRONCAMENTO?  Como
conseguir que realize dentro da estrutura litúrgica sua função CONJUNTIVA?  Aqui estão algumas
indicações:

1) Quem prepara ou pronuncia a homilia deve levar em consideração que sua homilia não pode
limitar-se a explicar o texto ou os textos proclamados anteriormente nem sequer a fazer uma
conjunção com a vida, e isso porque a palavra se aplica à celebração sacramental e isso
como cumprimento.  Mais ainda, deve ter presente que a própria liturgia da Palavra já é celebração
da Aliança, mensagem atual e gozosa de Deus a seu povo e resposta deste povo a Deus pela fé, pela
aclamação e pelo canto (cf.  Ne 8,1-12).  Demos um exemplo simples.  Estamos lendo no evangelho
a parábola do banquete nupcial e dos convidados ao banquete (Mt 22,1-14). É aberrante comentar
esta parábola esquecendo de relacioná-la com a celebração.  Se exegeticamente falando o banquete é
figura da felicidade messiânica e os que são chamados dos caminhos são os pecadores e os pagãos
(nós!), a reunião eucarística é, ao mesmo tempo, cumprimento e antecipação desta felicidade e deste
chamado.  Como não vão soar com acento eucarístico frases como “vejam, meu banquete está
preparado”, ou “amigo, como entraste aqui sem traje nupcial?” Em outras palavras, Deus não só
anuncia coisas, mas também as realiza  e essa realização já é realidade e promessa ou penhor no
sacramento.
2) Quem prepara a homilia deve ter presente que o texto é por si mesmo algumas vezes (mais do que
à primeira vista parece) litúrgico-sacramental-alegorizante.  Por exemplo, muitos dos textos do
evangelho de São João têm uma estrutura típica de profecia, acontecimento e sacramento.  Em outras
palavras, alguns acontecimentos, discursos e milagres foram escritos a partir de uma reflexão
sacramental (sem por isso deixar de serem históricos).  Um exemplo: O relato do discurso dos pães
(Jo 6,22-71) pode ser lido a partir de três perspectivas: como anúncio da eucaristia, como
acontecimento histórico da presença de Jesus pão de vida (recorde-se o relato da multiplicação dos
pães) e como reflexão sacramental feita por João e a partir da Igreja (tomando as palavras de Jesus).
O mesmo se diga da cura do cego de nascimento, onde se encontra uma reflexão eclesial sobre o
batismo.
3) Os textos bíblicos podem ressoar de diferente maneira segundo a celebração litúrgica, festa ou
tempo do ano litúrgico.  O texto contém em muitos casos diferentes virtualidades já que, além de sua
riqueza, não é somente texto escrito, mas também Palavra viva, acontecimento sempre novo.  Assim,
o texto como o das Bodas de Caná permite diferentes aplicações litúrgicas, segundo seja lido num
domingo ordinário, na Páscoa, num casamento ou numa festividade da Virgem Maria.  O mesmo se
diga da parábola do filho pródigo, dependendo de ser lida e comentada numa celebração eucarística
ou numa celebração da penitência.  Em cada caso o acento variará e as aplicações litúrgicas (e vitais)
terão um colorido e matiz diferentes.

4) Convém estarmos atentos para a possível relação entre o texto lido e as atitudes, os gestos e as
palavras da mesma celebração litúrgica (p. ex. esperança e aclamação “Vem, Senhor Jesus”; atitude
de louvor e prefácio eucarístico; reconciliação e abraço de paz; generosidade e oferenda eucarística
etc.). Esta conexão pode ser aplicada especialmente quando há dificuldade de encontrar uma relação
mais apropriada; tem a qualidade de dar novidade e sentido a elementos litúrgicos pouco explicados,
assim como de libertar a assembléia litúrgica de um certo automatismo ou rotina impossíveis de eli-
minar completamente.  Quando a homilia emprega este recurso, uma admoestação em seu lugar
adequado poderá recordar que tal gesto ou oração litúrgica estão relacionados com a Palavra de
Deus.
Tomemos o caso em que no Advento se leia um texto referente à escatologia e, por qualquer motivo,
aquele que prepara a homilia sinta dificuldade em encontrar a aplicação à liturgia.  Ainda é possível
que na leitura descubra uma palavra ou frase de esperança (p. ex., “vigiai, pois o Senhor vem”).  Um
olhar atento para o ordinário da missa lhe recordará que cada dia dizemos na aclamação eucarística:
“Vem, Senhor Jesus”; que na comunhão Jesus vem; um olhar atento lhe recordará que o presidente
sempre saúda com um desejo: “O Senhor esteja convosco”.  Nesta homilia pode-se sublinhar se
esperamos o Senhor; se ao recebê-lo suspiramos com o desejo de contemplá-lo na glória; se nos
preocupamos em estar com o Senhor ou se cremos que o possuímos, que o controlamos, que o
podemos dominar… Em tal missa será necessário sublinhar o texto ou ação que tivermos escolhido e
comentado na homilia.

5) É relativamente fácil ou ao menos não tão difícil encontrar conexões entre a Escritura proclamada
e a celebração litúrgica nas homilias de sacramentos: os textos escolhidos em tais casos costumam
ter uma relação mais ou menos explícita e direta com o sacramento.  Mais difícil é, de modo geral,
encontrar estas conexões no caso da eucaristia: os textos bíblicos do lecionário da mesma não
podem, cada vez, estar relacionados explícita e diretamente com a eucaristia em seu sentido restrito
(nem têm por que estar).  Mas estão relacionados com a história da salvação da qual a eucaristia é o
núcleo central e o centro sacramental.
Para isso (para encontrar essa relação), é necessário ampliar e refrescar nossa compreensão bíblico-
dogmática da eucaristia, a fim de encontrar a conexão.  A eucaristia não tem uma só
dimensão.  Refere-se, por exemplo, ao êxodo pascal, à terra prometida, à libertação, à aliança, à
pátria, à autodoação de Cristo, ao sacrifício pelo pecado, ao perdão dos pecados, à transformação do
cosmos, à ação do Espírito Santo que une, transforma e santifica. Eucaristia é louvor perfeito, ação
de graças pelas “mirabilia Dei”, memorial de Cristo e de sua páscoa, alimento sacramental,
banquete dos pecadores remidos, presença do Ressuscitado na comunidade eclesial, unidade do
Corpo de Cristo, viático, penhor e antecipação do Banquete do Reino, confissão de fé no Senhor,
anúncio e denúncia diante do mundo etc.
São os textos que não têm relação com a eucaristiaou somos nós que não descobrimos a relação?

6) Quando, apesar de tudo o que ficou dito, nos parecer desnecessária esta relação dos textos
escriturísticos com a celebração eucarística, façamos a seguinte reflexão: Que diríamos de um
pregador que, depois das leituras próprias de uma celebração sacramental (p. ex., batismo,
confirmação, matrimônio) omitisse na homilia toda referência ao sacramento que vai ser celebrado? 
Sem dúvida não veríamos isso com bons olhos e consideraríamos que há um menosprezo pela ação
sacramental.  O mesmo acontece na eucaristia, embora sejamos incapazes de perceber a omissão
pela rotina.

4. Como se prepara a homilia


Uma boa homilia e, a fortiori, a pregação homilética de cada domingo não se improvisa.  Poder-se-
ia logicamente falar de uma preparação gradual: geral, remota e próxima.
A preparação geral  não pode ser outra senão o estudo e o aprofundamento da Sagrada Escritura, da
Sagrada Liturgia, dos Santos Padres, da teologia, dos documentos da Igreja, dos problemas sociais
etc.  O fato de não estar em dia é um obstáculo sério na hora de pregar.  Há quem pregue com uma
bagagem cultural e teológica que cheira a ranço e os fiéis, mesmo os de cultura simples, são os
primeiros a se darem conta.
A preparação remota  deveria ser feita alguns dias antes.  O bom homiliasta não espera a última hora
para preparar sua homilia.  Ele a vai ruminando.  Fá-la germinar ao contato com o travesseiro.  Esta
preparação difusa, ao longo da semana, engloba vários pontos: a leitura do texto ou dos textos
escriturísticos, a meditação dos mesmos durante a oração, o esboço geral dos elementos exegéticos,
litúrgicos e vitais, a consulta tendente a eliminar certas dúvidas e dificuldades em dicionários
bíblicos, como de passagem e entre uma ocupação e outra.  Esta preparação é mais importante do
que parece e tem a vantagem de quase não tomar tempo.  Pode-se fazer isso nos momentos livres.
A preparação próxima (tempo dedicado a preparar a homilia) inclui vários pontos que, embora
variem de pessoa para pessoa, poderiam resumir-se assim:
1) Concretizar  bem os pontos ou idéias  mais importantes que foram surgindo na exegese, liturgia e
vida, independentemente do que se aproveitará de tudo isso no final e independentemente da
maneira como se exporá. Preocupar-se primordialmente com a maneira como se proporá uma
homilia, da forma, etc.; sem ter idéias claras é um grave erro, muito típico de principiantes.  Aquele
que tem algo a dizer, o diz.  Quem nada tem a comunicar, aborrece por mais que use belas palavras.
Isso não quer dizer que não se deva preparar a forma, como logo veremos.
2) Escolher uma das três leituras como núcleo referencial  da pregação.  Não querer comentar as três
(embora se possa e convenha fazer alusão às três).  Geralmente se deverá comentar o Evangelho ou –
por que não? – a leitura do Apóstolo.  Conviria ter um plano para vários domingos, sobretudo se se
comenta a segunda leitura, a do Apóstolo.  Isso é muito frutuoso, mas supõe uma assembléia
relativamente estável e, é claro, um mesmo pregador.  Quem escolhe sempre o mais fácil (com a
desculpa da falta de tempo ou da simplicidade de seus ouvintes) é aquele que nunca diz nada de
novo e aborrece seus ouvintes.  O povo é mais capaz do que pensamos, desde que lhe preparemos
bem o manjar, sem provocar indigestões.
3) Das várias mensagens, idéias ou temas encontrados na exegese convém escolher UMA E
SOMENTE UMA. Não se deve sair deste ponto escolhido, mas sim desenvolvê-lo.  O público não
suporta mais do que um ponto  e, além disso, querer dar vários pontos complica a homilia e
prolonga-se indevidamente.
4) Uma vez escolhido e desenvolvido um ponto exegético, busca-se uma  aplicação à
vida e uma aplicação à liturgia.  O pregador deve poder sintetizar isso em três frases. (Por exemplo,
nas bodas de Caná comentadas para o sacramento do matrimônio, os três pontos poderiam ser os
seguintes: Cristo esteve presente numa festa; agora está presente também aqui; e estará presente ao
longo de nossa vida.  Com isso temos o esqueleto da homilia; será necessário revesti-lo de carne;
mas o esqueleto é o que dá consistência.
Conheço pregadores que em lugar de ter um esquema claro daquilo que vão dizer, começam a
divagar de tal modo que, mais do que uma exposição, sua homilia se assemelha a um exercício de
associação de idéias (de  Jesus se passa a Maria, de Maria ao mês do rosário, mês de outubro ao mês
de novembro em que se inicia um plano de pastoral, do plano de pastoral se passa a uma crítica dos
sacerdotes que não o porão em prática; continua-se falando da obediência e da obediência passa-se
aos teólogos desobedientes; este último ponto dá pé a que se fale da limitação da inteligência
humana frente à imensidade do universo e grandeza das estrelas…). É algo deplorável que condena
uma homilia e uma celebração ao tédio e à rejeição dos ouvintes.

5) Em princípio é melhor que não apareça o esquema tripartido da exegese, liturgia e vida; em todo
caso, o público não deve notá-lo. Já vimos que se trata de elementos e não de partes da homilia. 
Seguir sempre este esquema eliminaria a originalidade e converteria a homilia numa peça oratória
excessivamente racional e fria.  A homilia, não o esqueçamos, é mistagógica e é simples quanto à
sua construção e exposição.
6) Quanto à forma de apresentação, o mais importante é encontrar um ponto sugestivo, estruturante
e aglutinador que centralize a exposição. É possível encontrá-lo em:
– uma palavra chave  (a “totalidade” na oferenda a Deus, no evangelho da esmola da viúva: não o
muito nem o pouco, mas o todo, frente à parte, frente ao que sobra etc.);
– uma frase (“não têm vinho”; “somente entre os seus é desprezado um profeta”; “queremos ver
Jesus” etc.);
– um exemplo atual  (insensibilidade de muitos motoristas e transeuntes diante de uma pessoa
atropelada, no caso do Bom Samaritano);
– uma pergunta feita aos ouvintes (“que pretendia Zaqueu ao subir na árvore?”, especialmente no
caso de um grupo infantil);
– uma atitude de vida (fé, desconfiança, agradecimento, conversão);
– uma interrogação  (somos cristãos de nome? que é ser cristão hoje? será que somos inimigos da
cruz de Cristo?  Note-se que esta interrogação não tem por que ser respondida e que pode ser
repetida em forma de leitmotiv  ao longo da homilia);
– uma preocupação do pastor (real, mas sem cair em subjetivismo: “Muitas vezes me perguntei e
poderíamos perguntar-nos…”)
Estes são alguns exemplos.  Ao longo da homilia é preciso      ser coerente com este ponto
central, sem sair dele.
7) Alguns gostam de ter um resumo escrito com esquema geral daquilo que vão dizer. É uma ajuda
para a memória.  Deve ser simples e legível à primeira vista.  Levar um sermão escrito em longos
parágrafos se não se vai ler a homilia-coisa desaconselhável na maioria dos ambientes-não costuma
ser prático nem eficaz no terreno real.  A experiência indica que somente o escrito em forma
esquemática e pela própria pessoa tem real utilidade no momento da pregação.
5. Como se expõe uma homilia
Ainda que a maneira de pregar uma homilia só se aprenda na prática oratória, algumas indicações
podem ajudar:

1) Por tratar-se de uma conversa familiar, espiritual, comentadora e exortativa, deve primar pela
simplicidade, sinceridade, clareza, comunicação e certa unção.  Em nossos dias, dificilmente se
aceita o pregador que diz coisas esotéricas à massa ou numa linguagem rebuscada ou num tom
grandiloqüente.  O pregador deve buscar e encontrar um estilo mais pastoral e funcional dentro de
um modo de ser e de expressar-se.  Por isso mesmo também deve colocar-se perto das pessoas e
procurar que o emprego do microfone (ou, em sua ausência, a elevação da voz) não rompa o estilo
simples e coloquial.
2) É preciso tratar de pregar não a um público, mas a si mesmo dentro de um público,  ou melhor,
dentro de uma assembléia da qual alguém faz parte. É mister falar com as pessoas e não diante das
pessoas.  Não basta a “simpatia”, mas é necessária também a “empatia”.  O tom que se adota é de
grande importância; deve ser moderado, íntimo.  Ninguém diz a si mesmo coisas aos gritos ou
autoritariamente.  Quando, por um motivo ou por outro, é preciso gritar, é difícil dar a impressão de
empatia.  O microfone bem usado é de grande importância.  Deve-se evitar o tom clerical, doutoral e
conseguir um tom de discípulo (discípulo da Palavra), de amigo, de irmão (ainda que alguém ocupe
uma posição eclesiástica importante ou talvez por isso mesmo).
3) Falar com o público não significa necessariamente introduzir um diálogo ou intervenções  que em
certos ambientes, especialmente grandes ou de gente não acostumada a isso, podem até parecer
forçados.  Certamente, deve haver comunicação, mas não necessariamente por palavras de ambos os
lados (embora não se exclua de todo esta reciprocidade, como logo diremos).  Consegue-se a
comunicação quando não se dá a impressão de falar “ex cathedra”, mas coloquialmente com irmãos
e amigos.  Em termos de comunicação poder-se-ia exprimir assim: “É preciso falar em público, a
partir do público e fazendo parte  do público e de seu mundo”.
4) Não se deve renunciar, apesar do que foi dito anteriormente, a ser original, novo, atraente,
impactante, questionador e interrogador.  Estas qualidades oratórias podem fazer com que nossas
maçantes homilias despertem mais interesse para o povo.  E por isso mesmo o pregador deve
cultivá-las, sem fazer delas o centro, pois o central é o que se comunica.  Não é fácil a originalidade
e a novidade.  Parecemos cansados ao pregar e pregamos uma mensagem velha, por mais que
preguemos a Boa Notícia e a Novidade radical que é Cristo.  Saber encontrar a novidade do fundo
nos ajudará a encontrar a originalidade na forma.

5) É preciso fazer-se ouvir e entender  (é necessário dizê-lo? Parece que sim). Uma elevada
porcentagem de pregadores não se deixam entender.  Suas palavras se perdem no ruído de uma
sonorização deficiente, pelo mau uso do microfone, pela má vocalização, pela afluência de crianças
em tenra idade ou pelo ruído da rua (não há motivo para que as portas fiquem abertas a não ser antes
e depois da celebração litúrgica). É preciso ter presente tudo isso na hora de pregar, do contrário
podemos estar pregando em vão.  Por outro lado, o lugar da pregação sera aquele onde o pregador
for visto melhor. Mas é preciso procurar que a sede da palavra, o púlpito, tenha estas características.
6) A homilia não deve ser longa.  Não deve cansar o auditório e, por isso mesmo, nunca deveria
passar de dez minutos aproximadamente, embora sendo mais curta, desde que substanciosa, os fiéis
até agradecerão. É claro que nisto a norma não pode ser taxativa: há pregadores que cansam o
auditório já no primeiro minuto, ao passo que outros conseguem manter a assembléia atenta por uns
bons 15 minutos.  Mas mesmo assim é preciso lembrar que a homilia é parte de um todo e que é
melhor deixar tempo abundante para a liturgia da palavra e a liturgia eucarística (ambas exigem
tempo para os cânticos, as monições, a oração e os silêncios).  Na prática vemos que a introdução do
princípio da missa (onde se acumulam muitos cânticos) e a homilia ocupam uma parte excessiva do
tempo com prejuízo das partes principais da celebração.
7) Uma forma de comprovar a atenção dos fiéis é dar-se conta se durante as pausas da pregação há
silêncio na Igreja.  Para isso é preciso olhar para todo o auditório e não pregar somente para os que
estão na primeira fila, aos que estão de um lado ou simplesmente sem olhar.  Se não há silêncio
provavelmente é porque o sermão não interessa… é preciso corrigir rapidamente o rumo e , não
persistir na forma começada.  Se o sermão tiver sido interessante para a assembléia, esta será capaz
de guardar alguns minutos de silêncio reflexivo depois da homilia.  Em nossa liturgia da palavra e
em nossa liturgia eucarística faltam momentos de silêncio, não porque não estejam indicados nas
rubricas, mas porque na prática não são observados.

8) O pregador deve produzir o sermão à medida que vai falando: modifica-o, constrói-o, reflete com
o auditório, comporta-se como se fosse um deles, pergunta como pastor, compreende, admoesta,
coloca-se na posição do estranho (o homem da rua, o não-crente), questiona-se como um simples
cristão.  Evita falar “tamquam auctoritatem habens” por mais que a tenha… Tudo isso exige uma
atitude especial, indizível, que só a presença do auditório e a compenetração com ele pode criar.
9) O princípio e sobretudo o fim da homilia devem ser bem preparados. É preciso evitar os inícios
demasiadamente batidos (frases estereotipadas, benzer-se cada vez: por que fazer o sinal da cruz se
já foi feito no início da missa?  Não dá a impressão de que se vai começar um sermão clássico de
missões, destes que não tinham outro jeito de deslanchar por ser o princípio da reunião?) Quanto ao
final, uma aterrissagem segura, sem ir divagando ou, para continuar a metáfora, sem andar planando
durante vários minutos em busca da pista (coisa bastante desagradável para todos), é de grande
impacto. Às vezes uma interrogação sem resposta, urna pergunta que convide à reflexão é melhor do
que algumas frases demasiadamente arredondadas.

https://www.presbiteros.org.br/manual-de-homiletica/

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