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Bibliografia.
1. Europa - Condições econômicas - Até 1942
III. Serie.
CDD-330.9401
88-2420
-940.1
Para Charles Morazé
Introdução
O grande historiador Jan Huizinga tinha encontrado, para designar essa época,
uma belíssima fórmula, já muito mais elaborada: a de “outono da Idade Média".
O outono, certamente, é a aproximação do inverno; mas também são tão belos os
frutos que nele se colhem! Como a tantos outros historiadores, a leitura desse
belo livro não podia deixar de me influenciar profundamente.
E por fim, será necessário chegar a um balanço. Que esse é um problema árduo,
complexo, talvez sem solução, eu não teria nenhuma dificuldade em assinalar
em minha conclusão.
Mas, antes de tudo, como qualquer arquiteto que se preze, antes de construir meu
edifício, quero firmar as bases.
Em suma, os séculos XIV e XV surgem para nós em primeiro lugar como uma
"idade de ferro" — e foi exclusivamente dessa maneira que eu mesmo os vi
inicialmente.
Expliquemo-nos.
1 As fomes
Fomes e penúrias
Sabia-se que a Europa tinha suportado numerosas fomes nos séculos XIV e XV.
Mas certos estudos sofriam as conseqüências de não levar muito em conta os
aspectos geográficos: é o caso de H. S. Lucas, que fez uma boa descrição da
fome de 1315-1317 no Norte da França, nos Países Baixos, na Inglaterra, mas
deveria abster-se de qualificá-la de européia (155). Em linhas gerais, é preciso,
com efeito, distinguir as três grandes zonas climáticas (à parte as montanhas) em
que se divide a Europa. Duas delas são separadas pela “dorsal” que atravessa a
França em diagonal, do Sudoeste ao Nordeste: região atlântica e região
mediterrânica. No Leste da França começa a zona continental, que vai em
seguida se reforçando. Felizmente, era raro que as condições meteorológicas
fossem más nessas três zonas ao mesmo tempo. Foi o que aconteceu em 1480-
1482, quando o horror chegou ao seu máximo. Em geral, era possível
encaminhar, das regiões normais ou excedentes para as zonas deficitárias,
estoques aguardados com impaciência, e que as autoridades se esforçavam em
conseguir para seus administrados — com alguma dificuldade, pois os países
atravessados pelos preciosos comboios empenhavam-se com muita freqüência
em desviar pelo menos uma parte a seu proveito.
Explica-se que o problema da subsistência tenha-se colocado em termos tão
dramáticos para o conjunto da Europa pela debilidade e irregularidade da
produção; pelas más condições de armazenagem, que provocavam, de um ano
para outro, perdas consideráveis, por apodrecimento do trigo, por extensão de
diversas doenças que o tornavam impróprio ao consumo, pelos estragos
causados pelos ratos; enfim, pelos hábitos alimentares demasiado uniformes — o
milho, por exemplo, ainda não era conhecido, tampouco a batata, que mais tarde
terão um papel importante na alimentação. Uma colheita fraca bastava para
ameaçar o equilíbrio entre a oferta e a procura; duas seguidas inevitavelmente
provocavam a fome.
Por que essas fomes e essas penúrias (mais frequentes, parece, que no século
precedente)? Seria necessário estabelecer com a máxima precisão possível quais
foram os rendimentos e suas variações (212, 215, 242). Certas contas mantidas
pelos produtores — os senhores, eclesiásticos em particular — deveríam
permitir fazê-lo. É o caso das cifras de dízimos (216), ainda raras, mas
sugestivas: sabemos, por exemplo, que a parte do arcebispo de Aries no dízimo
cobrado nos seus domínios podia variar de 118 sesteiros em 1424 a 717 em 1442
— casos extremos, que escolhi propositalmente, mas que sugerem as desordens
da produção. A Inglaterra é particularmente rica em contas senhoriais. Jan Z.
Titow e D. L. Farmer tiraram proveito das contas mantidas pelos agentes do
bispo de Winchester (174). A partir de seus quadros depreende-se que o
rendimento do frumento podia variar de 2,51 (1351) a 5,05 (1352) para um, o
que confirma essa extrema sensibilidade ao clima: de 2,51, reflitamos, colocada
de lado a parte destinada às futuras sementes, sobra pouca coisa para a
alimentação. Nem todos os cereais reagiam forçosamente da mesma maneira ao
acaso do tempo: um dos méritos de Tits-Dieuaide é haver estabelecido
rendimentos diferenciais e portanto sugerido transportes possíveis do consumo
em caso de baixa de uma das produções (243). O mais grave é que essa fraqueza
dos rendimentos era mais ou menos inevitável: devia-se à falta de adubação,
atribuível a uma criação de animais muito pouco desenvolvida — e, nos anos
ruins, não era preciso abater o gado no início do inverno, por ser impossível
alimentá-lo no estábulo nessa estação? Com isso, era a próxima colheita que se
achava comprometida. Há aí uma espécie de círculo vicioso, do qual a
agricultura européia no seu conjunto só sairá a partir do século XVIII.
Lançou-se a idéia de que uma mudança de clima, situada em torno de 1350, teria
agravado a situação. No conjunto, esse clima teria se tornado mais frio e mais
úmido. Idéia bastante séria para que estudos de caráter mundial lhe tenham sido
consagrados (149 a 153, 129, 133, 177). Não é improvável que, com efeito,
assim como as grandes glaciações no período mais antigo da pré-história, as
variações infinitamente mais suaves que constatamos nos tempos histó-, ricos
tenham afetado nosso universo. Mas são constatadas? E como?
Seria preciso estabelecer as políticas dos poderes públicos face aos problemas
colocados pela penúria (8,99). As vezes, são as autoridades monárquicas, mas,
ainda com mais frequência, as municipais que devem enfrentá-la. Elas mandam
os comerciantes ao exterior, com a missão de conseguir a qualquer custo os
grãos que, se for necessário, revenderão com prejuízo. Proíbem a saída dos grãos
armazenados na cidade e, se preciso, colocam guardas nas portas para vigiar a
aplicação de suas ordens. Procedem às requisições e às per-quisições. Em caso
extremo, chegam a fixar preços máximos, medida cuja eficácia pode, aliás, ser
discutida.
Assim, tornar-se-á evidente como uma Europa mal emersa do mundo da fome
era vulnerável aos outros flagelos que a espreitavam.
Era uma vez... Mas acabando as pestes do século VI, relatadas, entre outros, por
Gregório de Tours, ainda encontrava-se alguém para ler a menção nas raras
bibliotecas? É então como um acontecimento novo que a peste chega à Europa
Ocidental, em 1347. Descrevamos os fatos antes de tentar uma interpretação
(110, 116, 170, 184).
De fato, desde então, a peste instala-se como em sua casa. Não há mais epidemia
universal, mas uma espécie de foco endêmico que desperta em datas diversas
conforme os lugares. Foi preciso um certo tempo até que se elaborasse uma
sinistra contabilidade. Um cronista de Orvieto assinalou: “A primeira peste geral
aconteceu em 1348 e foi a mais forte.” Depois acrescentou: “Segunda peste,
1363. Terceira peste, 1374. Quarta peste, 1383. Quinta peste, 1389.” Uma outra
mão completou: “Sexta peste, 1410” (El. Carpentier, 117). “E também o caso de
Châlons-sur-Marne. As datas de epidemia na cidade parecem obedecer a um
ritmo, e destaca-se um golpe por decênio: 1455-1457, 1466-1467, 1479, 1483,
1494-1497, 1503, 1516-1517, 1521-1522” (J. Delumeau, 337 bis, segundo 138).
Daí a análise de Jean-Noèl Biraben: “Se acompanharmos a história da peste
numa cidade nessa época..., constataremos que ela passava, a cada oito, dez ou
quinze anos, por violentos impulsos em que toda a cidade era atingida, perdendo
até 20, 30 e mesmo 40% da população. Fora desses paroxismos, ela persistia em
estado semi-endêmico, vagando caprichosamente de uma rua ou de um bairro a
outro, periodicamente, durante um, dois, e até cinco ou seis anos seguidos,
interrompendo-se depois durante alguns anos. Reaparecia então sob essa forma
‘atenuada’ que muitas vezes precedia a forma ‘explosiva’.”
Dez anos mais tarde, eis novamente o flagelo desencadeado. Mais uma vez, é o
prior do Colégio de Périgord quem nos informa: em julho de 1450, ele fugiu
para Sarlat, sua terra natal, devido à peste que grassava em Toulouse; em sua
ausência, foi eleito outro prior, em 24 de outubro de 1450. Só vem assumir sua
administração em fevereiro de 1451: o mal apenas assola então algumas vilas
das redondezas de Toulouse, mas, com o verão, ganha de novo toda a sua
extensão. No início de setembro, o prior vai a Périgueux: a entrada das grandes
cidades, Cahors, Sarlat, está proibida para ele. Seu relato ainda exala o terror:
“Se eu tivesse sido acometido pela peste (bo-cium), do que, em sua clemência
infinita, me preservou Cristo, a quem presto louvores e graças, ninguém me teria
conduzido, sequer levado ao albergue, mesmo que tivesse as mãos repletas de
escudos.” (Ph. Wolff)
Basta. Não temos a menor dúvida. Há três formas de peste, propagadas pelo
mesmo bacilo (110). A mais conhecida é a peste bubônica, devida à picada de
moscas ou de pulgas infectadas, doença que atacava a glândula linfática. Jean de
Venette descreve o mal, destacando sua rapidez: “Eles só ficavam doentes dois
ou três dias e morriam de repente, o corpo quase são; aquele que hoje estava com
boa saúde amanhã estava morto e enterrado... aquele que, estando são, visitava
um doente dificilmente escapava do perigo da morte.” Um único sintoma, “sinal
infalível de morte”, atrai sua atenção: os bubões, tumores que nascem
bruscamente na virilha e sob as axilas. Numa carta enviada de Avignon, o já
citado conego de Bruges, Louis Hei-lingen, assinala também esses “apostemas”,
mas enumera ainda outros sofrimentos: uma infecção intestinal e uma afecção
pulmonar acompanhada de escarros de sangue. A Peste Negra de 1348 associou
duas formas da epidemia: a peste bubônica e a peste pulmonar. Esta última é
contagiosa de homem para homem, sua incubação dura pouco, a evolução do
mal é rápida: as chances de sobrevivência são ainda menores que no caso da
peste bubônica.
Assim foi passando o tempo — e as epidemias estouraram aqui e ali até 1720,
quando o último surto do flagelo no Ocidente aconteceu em Marselha (118).
Jean de Venette concluiu que houve “um número de vítimas como nunca se
ouvira dizer, nem se lera ou vira nos tempos passados” — e arriscou uma
avaliação, verdadeira ao menos “em certos lugares”: “para cada vinte habitantes,
só restavam dois com vida”. O abade de Saint-Martin de Tournai contou nessa
cidade 25.000 mortos: puro exagero já que não podiam existir ali mais que
20.000 almas antes da epidemia. Certo, e no entanto...
O flagelo foi mais seletivo socialmente? Seríamos tentados a acreditar nisso. Era
mais fácil para um rico fugir, assegurado como estava de um domicílio rural,
menos dependente de um ganha-pão que o prendesse no lugar. Onde existem, os
recenseamentos são claros: o contágio devastava mais os bairros populares.
Entretanto, os grandes deste mundo não foram poupados. Em Paris, o bispo
Foulque de Chanac morreu em julho de 1349, a duquesa da Normandia, em
outubro, e a rainha Joana da Borgonha, a 12 de dezembro. “O efetivo de monjas
do Hôtel-Dieu teria caído de 102 para 40, mas, segundo os registros capitulares,
as fileiras dos cônegos de Notre Dame foram menos rarefeitas: em média, para
36 a 38, dois morriam por ano; ora, seis morreram em 1348, mas apenas um no
ano seguinte. Em compensação, cerca de 30% dos monges de Saint-Denis (trinta
para uma centena) foram vítimas da peste" (Michel Mollat, 17 bis). Podemos
ampliar: o clero era ao mesmo tempo privilegiado (pensemos nos monges
protegidos pelos muros espessos de suas abadias) e exposto. Sua atitude foi
muito diversa (183). Jean de Venette queixa-se"... Em muitas cidades, grandes e
pequenas, os padres abalados pelo medo afastavam-se”. Evidentemente, não foi
esse o caso do pároco de Givry. “A Peste Negra retira todos os agostinianos de
Avignon, todos os frades franciscanos de Carcassonne e de Marselha (nessa
cidade eles eram 150). Em Maguelone só ficam 7 cordelianos em 160; em
Montpellier 7 em 140; em Santa Maria Novella de Florença, 72 em 150. Os
conventos dessa Ordem em Siena, Pisa e Lucca, que tinham menos de 100
irmãos, perdem respectivamente 49, 57 e 39. Alguns Conselhos Municipais são
dizimados do mesmo modo. Em Veneza, 71% dos membros do Conselho são
levados, em Montpellier 83%, em Béziers 100%, em Hamburgo 76%” (J.
Delumeau, 337 bis). O mesmo Jean de Venette elogia religiosas parisienses em
1348: “E as santas irmãs do Hôtel-Dieu, não temendo a morte, cumpriam até o
fim suas tarefas com a maior doçura e humildade; e, em número considerável,
muitas das ditas irmãs, mais de uma vez renovadas em consequência dos vazios
provocados pela morte, repousam, como cremos, piedosamente, na paz do
Cristo.” Concluímos, portanto, que essa seleção existia, mas era muito relativa.
Podemos ser ainda mais claros quanto à seleção regional. Em 1348-1350. nem o
Béarn (89), nem a Flandres, nem a Boêmia foram atingidos com severidade. A
peste de 1361-1362 devia ser mais temível. Às vezes, o recorde cabe mesmo a
um ataque ulterior.
Esse estrito programa foi apoiado num severo sistema de sanções: todo
contraventor, culpado na justiça, ficava preso até que fornecesse fiador
garantindo seu trabalho. Todo beneficiário de um aumento de salário — ou todo
empregador que aceitasse pagá-lo — devia ser multado no dobro da quantia
paga. A má vontade dos empregadores era prevista: se eles próprios ou seus
agentes se opusessem de certa maneira à ordem, poderíam ser denunciados nos
tribunais reais, e a multa poderia ser triplicada.
A aplicação do estatuto dos trabalhadores sem dúvida não bastou para impedir os
aumentos de salário (e de preço!). Os próprios empregadores buscavam com
demasiada freqüência conseguir mão-de-obra a qualquer preço, e muitos
assalariados, deslocando-se sempre, escapavam das multas. Mesmo assim, esses
aumentos foram, até certo ponto, freados. Mas a contrapartida foi a tensão
mantida em todo o país por esse gigantesco esforço. Sem dúvida, ela não
contribuiu pouco para a degradação das relações sociais, e não é estranha à
explosão de descontentamento, tão violenta e tão surpreendente, que a
sublevação dos trabalhadores de 1381 deveria representar.
“Poderiamos acreditar que os homens, poupados pela graça de Deus, tendo visto
seus próximos exterminados e estando informados de que coisas semelhantes
haviam acontecido em todas as partes do mundo, teriam se tornado melhores,
humildes, virtuosos e católicos, que evitariam as iniqüidades e o pecado e iriam
se encher de amor e de caridade uns para com os outros. Mas, quando a peste
acabou, aconteceu exatamente o contrário, pois os homens, que sobraram em
número reduzido e que se enriqueceram de bens terrestres graças aos herdeiros e
às sucessões, esquecendo os acontecimentos passados como se não tivessem
acontecido, entregaram-se a uma vida mais escandalosa e mais desordenada que
antes. Desse modo, abandonando-se à preguiça e à devassidão, pecaram por
glutonaria, em busca de festins, tabernas e das delícias de um alimento delicado,
assim como dos jogos, deixando-se levar sem controle ao excesso, procurando
modos estranhos e incomuns de se vestir e as maneiras desonestas, introduzindo
novidades no corte de todas as roupas. E a arraia-miúda, homens e mulheres,
devido à excessiva abundância das coisas, não queria mais exercer os ofícios
habituais; exigia a comida mais cara e mais delicada para sua mesa cotidiana, e
permitia-se que os servos e as mulheres de baixa condição se casassem, vestindo
as belas e ricas roupas das damas nobres defuntas. E sem nenhum recato nossa
cidade quase inteira abandonava-se a uma vida desonesta e, de maneira
semelhante ou ainda pior, iam as outras cidades e países do mundo."
"... (Para outros) entregar-se francamente à bebida como aos prazeres, dar a volta
pela cidade divertindo-se, e, com a canção nos lábios, conceder toda satisfação
possível a suas paixões, rir e troçar dos acontecimentos mais tristes, tal era,
conforme seus propósitos, o remédio mais seguro contra um mal tão atroz. Para
passar da melhor maneira de um tal princípio à prática, eles iam dia e noite de
taberna em taberna, bebendo sem constrangimento, nem limites. Mas era bem
pior nas moradas privadas, por pouco que acreditassem achar nelas matéria para
prazer e para distração.”
Entendemos por que a peste propagou o culto de São Sebastião: se ele morreu
crivado de flechas, não afastaria as da peste de seus protegidos? Podemos ver aí
a aplicação de duas das leis invocadas pela magia, as da semelhança e do
contraste: o semelhante para suscitar o contrário. Um outro santo muito mais
venerado depois de 1348 foi naturalmente São Roque:
“As duas fontes hagiográficas que difundiram a vida e a legenda deste (morto
em 1327?) contam que Roque, nascido em Montpellier e que depois viveu na
Itália, foi atingido pela peste e expulso de Piacenza. Refugiou-se numa choça nas
cercanias da cidade. O cachorro de caça de um senhor da vizinhança começou a
roubar pão da mão e da mesa de seu dono, levando-o com regularidade ao
doente. Intrigado, o dono, chamado Gothard, um dia seguiu o cachorro,
compreendeu a manobra e alimentou Roque até sua cura. Em troca, o santo
converteu Gothard, que se tornou eremita. Roque, quando voltou a Montpellier,
não foi reconhecido pelos seus. Considerado um espião, foi posto na prisão,
onde morreu. Então a masmorra iluminou-se e o carcereiro descobriu perto do
corpo a inscrição traçada por um anjo: eris in pestis patronus." (J. Delumeau, 337
bis)
Em seguida, as relíquias de Roque foram trasladadas de Montpellier para
Veneza. Desde então, a fortuna do santo medrou rapidamente, a ponto de
ultrapassar a de São Sebastião.
“Oração. Ó Deus, você que não deseja a morte, mas o arrependimento dos
pecadores, permita em sua benevolência, nós lhe suplicamos, que seu povo se
volte para você, a fim de obter, graças à sua submissão, que se afaste dele o
chicote da cólera.” Etc.
A vela acesa. Eis o que anunciam os “cintos de cera” oferecidos à Virgem e aos
santos antipestilentos por municipalidades enlouquecidas. Assim, em 1348 os
cônsules de Montpellier deram à Notre-Da-me-des-Tables um círio que uma
procissão levaria em torno da cidade sobre as muralhas. O exemplo foi seguido
por Amiens em 1418, Compiègne em 1453, Louviers em 1468 e 1472, Nantes
em 1490 (em honra a São Sebastião), Chalon-sur-Saône em 1494 (a São Vicente)
— ao menos a documentação nos fornece esses nomes. É a origem dessas
grandes procissões, a um só tempo penitenciais e propicia-tórias, das quais o
futuro propagará o uso, apesar do esforço das autoridades alarmadas justamente
com a idéia do foco de contágio suscitado por tais multidões.
Já fiz várias vezes alusão ao papel da peste na iconografia. Ela também teve
conseqüências artísticas. Pode-se considerar que, desde o século XIV, ela tivesse
sido “uma fonte ignorada de inspiração artística” (H. Mollaret e J. Brossollet). É
mais ou menos certo que o tema da Dança Macabra, em que homens e mulheres
de todas as condições são arrastados numa ronda infernal por esqueletos care-
teiros, nasceu com a grande epidemia de 1348. Encomendas de quadros
representando esse tema, em ligação com golpes do flagelo, estão atestadas entre
outros na Basiléia (1439, reproduzido por Me-rian) e em Lübeck (Marienkirche,
1463). Os artistas não cessarão de sutilizar a representação do flagelo: dedos
tapando narizes sugerindo o fedor dos moribundos, acumulação de cadáveres
que apodrecem entre os vivos aguardando que sejam retirados, etc. O capítulo 12
desta obra sugere outros aspectos dessa aspiração. Na verdade, é toda a vida que
é invadida pela morte!
Não só a França conheceu, nos séculos XIV e XV, o triste jogo dos conflitos e
das agitações. Mas cabe-lhe a palma com certeza (4, 190). Na Alemanha, a
ausência de um poder imperial respeitado fez com que reinasse uma anarquia
mais ou menos grande. E o “Faus-trecht", o “direito do murro”: aos senhores
salteadores as cidades opõem suas milícias e seus comboios, sendo que muitas
vezes elas se associam para organizá-los e mantê-los. De 1414 a 1436, a Boêmia
e seus arredores atravessaram, além disso, a crise hussita, que não esteve livre de
arruaças. Em suma. a situação é bastante confusa e evolui pouco. — Na Itália, o
Sul está fortemente dominado pelos reis de Nápoles, e depois, após a conquista
por Alfonso V, o Magnífico (v. 1420-1442), pelos reis de Aragão. O centro
feudal, sob administração pontificai, multiplica os avatares que, por algum
tempo, fazem os papas decidirem mudar de Roma para Avignon. No Norte,
grandes Estados urbanos desenvolvem-se, não sem luta entre si. Nenhum desses
diversos distúrbios, que se desencadeavam intermitentemente, arruinava de fato
ou mesmo atingia profundamente o estado do país. — Na Península Ibérica, a
situação também é variável: Castela é palco de querelas dinásticas, e depois de
uma verdadeira anarquia durante a maior parte do século XV. A região de
Aragão permanece mais calma até a grave guerra civil de 1461-1472, que atinge
sobretudo Barcelona e seus arredores. Os Reis Católicos asseguram no fim do
século XV uma pacificação progressiva e geral. —A Inglaterra parece a antípoda
da França, mais ou menos tranqüila até 1450, salvo alguns breves episódios.
Durante bons trinta anos, a Guerra das Duas Rosas afetou sobretudo as Midlands
e o Norte. Depois a calma voltou. — É sobretudo com a França que quero
entreter o leitor.
Sua experiência é então única. A França suporta, sozinha, ao que parece, todo o
peso da Guerra dos Cem Anos (194). Mas convém definir o que significa
verdadeiramente essa expressão, no tempo e no espaço.
Por outro lado, não seria inútil insistir sobre o que há de enganador na expressão
Guerra dos Cem Anos. A luta durou mais e menos de cem anos. E a
conseqüência natural do conflito surgido entre capetianos e plantagenetas nos
séculos XII e XIII. Ela ressuscita pouco antes de 1300, sob o rei invasor Filipe
IV, o Belo, da França. Só acabará em 1453, com o acordo assinado em Castillon
na Guyenne — simples trégua, na verdade, mas depois da qual a guerra não se
reacenderá. Entre 1300 e 1453, os anos de paz ou de trégua foram pelo menos
tão numerosos quanto os anos de guerra. Recordemos de forma sumária as
grandes fases do conflito: segundo uma tese tradicional, que me esforcei em
combater, a guerra começa em 1337, quando Filipe VI da França confisca a
Guyenne e Eduardo III da Inglaterra, contestando até sua legitimidade, também
faz-se coroar rei da França. Mas as tréguas predominam até 1346, quando Crécy
marca a primeira grande batalha. Após várias tréguas, os combates recomeçam
em 1355 e ganham novas regiões. João II, o Bom, esmagado e preso em Poitiers,
resigna-se em assinar o tratado de Calais, que deixa para Eduardo III, com plena
soberania, toda a parte ocidental de seu reino. Paz novamente. Mas é então que
aparece o flagelo mais grave. A guerra só opunha até então exércitos pouco
numerosos e temporários, portanto, só causava danos estritamente localizados.
Tudo iria mudar com a formação das Grandes Companhias.
Após haver tentado evacuar uma parte desses “soldados" para Castela, Carlos V
da França reinicia a guerra em 1368, em resposta ao pedido dos senhores
gascões. Habilmente secundado por Bertrand du Guesclin, tem o cuidado de
evitar as grandes batalhas que foram tão nefastas para seus predecessores. A luta
prende-se ao solo, regionaliza-se. Assim mesmo, não deixa de provocar danos,
muito pelo contrário. Quando Carlos V morre em 1380, quase todo o reino foi
reconquistado, mas suas populações debatem-se nas mais profundas misérias, e o
falecimento do rei é acompanhado por uma série de sublevações, que estouram
em regiões tão diversas como o Lan-guedoc, a região parisiense, a Normandia e
Flandres. O novo reino na França parece anunciar-se sob auspícios favoráveis;
os conselheiros do novo rei Carlos VI conseguem expulsar em grande parte as
companhias, depois estabelecem negociações de paz e de reconciliação com os
conselheiros de Ricardo II da Inglaterra. Entre 1390 e 1410 aproximadamente, o
reino da França goza de vinte anos de relativa calma.
Vê-se que o reino da França não teve o monopólio da anarquia política e militar.
Não se duvida de que ela tenha marcado os espíritos: todos os anos, em 25 de
julho, uma procissão percorre as ruas de Aries em recordação da entrada dos
tuchins. “A persistência desse acontecimento na memória coletiva dos arlesianos
destaca seu caráter excepcional.”
Atrás deles, e com sua experiência arlesiana, Louis Stouff coloca, por sua vez, a
questão (83): é possível, afirma, “ver a parte de cada um dos elementos da
célebre trilogia: guerra, penúria e peste... Para o Aries da baixa Idade Média, a
penúria é um acidente; a peste um mal periódico; a guerra uma ameaça
permanente”. E enumerar as conseqüências que são atribuídas sem contestação à
guerra: os numerosos edifícios em ruínas, às vezes derrubados por ordem das
autoridades e por precaução (sobretudo se encontram-se fora dos muros); o
recolhimento, ao interior dos muros, de vários estabelecimentos eclesiásticos
(resultando, como na maioria das cidades, numa remodelação da topografia), e
inúmeros refugiados; o abandono de uma parte das terras, que são devastadas
pelos que fazem a guerra. Se somamos a isso as repercussões psíquicas evocadas
mais acima, o prato vai pesar na balança. Não é minha intenção negá-lo.
Vou então, por minha vez, fazer a sinistra contabilidade da guerra. Terá ceifado
muitas vidas? Um cálculo rigoroso é impossível, só conseguimos formar uma
idéia geral. As batalhas não mataram muita gente. Os exércitos, cujo tamanho
meu velho mestre Ferdinand Lot dedicara-se a desmistificar, e que mais
recentemente Philippe Contamine resolveu descrever (191), não eram muito
numerosos, e estavam mais preocupados em fazer prisioneiros — pelo menos
entre os cavaleiros, devido aos resgates esperados — do que em matar. Havia
“abusos”, naturalmente, e os profissionais não eram os únicos em causa. Cidades
e vilas sitiadas também propiciavam ocasiões de incêndio e de assassinatos. A
crônica de Jean de Venette ilustra bem essa guerrilha muitas vezes mais
sangrenta do que as grandes batalhas campais. Mas nada disso pode se comparar
com as abundantes ceifas das fomes e das epidemias.
“Não há tempo, diversões, ouro, prata, nem glória neste mundo, que homens de
armas e de guerrear tenham vivido, como o que anteriormente vivemos. Como
ficavamos contentes quando partíamos para a aventura e podíamos encontrar um
rico abade ou um rico prior ou um rico mercador, ou um itinerário de mulos, de
Mont-pellier, de Narbonne, de Limoux..., de Béziers, de Carcassonne ou de
Toulouse, carregados de tecidos de ouro ou de seda, de Bruxelas ou de
Montivilliers, e de peleteria vinda de Bruges, ou outras mercadorias vindas de
Damasco ou de Alexandria! Tudo era nosso ou extorquido segundo nossa
vontade. Todos os dias, tínhamos novo dinheiro... Palavra de honra, essa vida era
bela e boa!”
Esse texto é citado com freqüência. Não é menos admirado por sua precisão
quanto pelo sentimento que o anima. Se tivessem encontrado os ouvidos
complacentes de um Froissart, quantos outros salteadores teriam podido dizer os
mesmos chavões! Não dramatizemos: em geral só eram surpreendidos os
comerciantes que não tinham tomado a precaução de se munir dos salvo-
condutos fornecidos, contra dinheiro sonante, por agentes dos chefes de bandos.
Eram chamados de pâtis, termo também usado com referência às quantias pagas
pelos povoados para evitar qualquer dano a seus territórios, ou pelas autoridades
para conseguir escapar dos temíveis bandos. Definitivamente, tudo passava a ser
questão de dinheiro. Mas será possível colocar isso em números?
[1] Grupos de salteadores que durante a Guerra dos Cem Anos aterrorizaram a
França. (N.T.)
Comecemos pelas definições (193 bis). Um Estado (do latim: sta-tus) é uma
entidade definida por seu território, que é demarcado por fronteiras conhecidas
com precisão; por sua população, que reconhece pertencer-lhe; por seu governo,
que dispõe do monopólio da autoridade suprema (nos limites do simples direito
internacional) e a exerce para assegurar a ordem pública e promover o bem
geral. Esse governo é reconhecido pelo conjunto das nações. Seus súditos
consideram-no como a “coisa pública” (res publica), instituída para o benefício
de todos, qualificada, portanto, para cobrar impostos, administrar justiça, criar
um exército, emitir a moeda, etc... Convém distinguir o Estado da sociedade:
esta é a livre associação de homens em famílias, classes ou grupos, independente
de todo controle político — é, no entanto, nesse sentido que se falava de
“estados” nos séculos XIV e XV: clero, nobreza, terceiro estado. Também
convém distinguir o Estado da nação, que supõe não só uma linguagem comum
— esse qualificativo não se aplicaria à nação suíça pelo fato de ali haver quatro
línguas oficiais? —, mas uma tradição, uma cultura, uma vontade de viver
juntos, que não coincidem necessariamente com as fronteiras dos Estados.
Por volta de 1300, ainda era corrente na França a noção de que o rei devia viver
“por sua conta”, ou seja, das rendas normais de seu domínio, como todo senhor
— e que só podia recorrer à ajuda de seus vassalos (e, através deles, de seus
súditos) em casos bem definidos pelo costume feudal: resgate em caso de
cativeiro, sagração de cavaleiro do filho primogênito, casamento da filha
primogênita, partida para a Cruzada. Esse sistema mostrava-se cada vez menos
apto a cobrir as despesas crescentes da Coroa: ainda era suficiente para as
despesas dos palácios (do rei, da rainha, até dos príncipes), indispensáveis ao
prestígio da monarquia. Mas era necessário responder às despesas crescentes da
administração, e o feudo-renda foi concebido para isso. Porém, cedo ou tarde,
seria substituído pela concessão de verdadeiros estipêndios. Também era preciso
— recorrendo a donativos — conduzir uma diplomacia dispendiosa, mas
necessária. E sobretudo havia a guerra — em particular quando eclodiu a Guerra
dos Cem Anos! Era necessário que o rei solicitasse a ajuda de seus súditos,
mesmo que tivesse que discutir o assunto com seus representantes. Os Estados
Gerais, constituídos de delegados do clero, da nobreza e do terceiro-estado,
reunidos desde o fim do século XIII por ocasião das lutas com o papado, foram o
lugar natural desses debates.
Nessa evolução, seria decisiva a crise de 1355-1356: o rei João, o Bom, fora
aprisionado perto de Poitiers. O direito feudal previa uma ajuda para o
pagamento de seu resgate — mas que resgate enorme, um ano não bastaria para
pagá-lo! No dia seguinte à derrota, o delfim Carlos (futuro Carlos V) teve de
reunir os Estados Gerais, mas, antes de tudo, para obter os subsídios necessários
ao prosseguimento da guerra. Os representantes dos contribuintes concederam os
subsídios, mas impuseram condições: sua utilização deveria ser controlada, a
administração das finanças "extraordinárias" não seria confiada aos funcionários
que geriam a fortuna do rei. mas a "eleitos" que organizariam a coletoria e
supervisionariam o uso. Instituição duradoura: mesmo quando os “eleitos"
passaram a ser nomeados pelo rei novamente poderoso, o nome permaneceu,
distinguindo finanças ordinárias e extraordinárias. Destacava-se a idéia de um
imposto devido não à pessoa do rei, mas ao Estado.
Assim foi criado o hábito do imposto. Não sem protestos de ambas as partes, a
quantia era concedida apenas por um certo tempo e para um objetivo
determinado. No meio do século XV, o imposto tornara-se praticamente
permanente. O rei fixava o montante, mesmo que tivesse de discutir a base em
certas províncias, como Langue-doc, Dauphiné, Normandia... Mas o peso dessa
novidade era sentido de maneira cruel. Para nos restringirmos a um exemplo: em
Toulouse, em 1404-1405, 59% das despesas eram destinados ao pagamento dos
subsídios reais concedidos para a luta contra “Henri de Lancastre que se diz rei
da Inglaterra"; mas é preciso acrescentar 5% correspondentes a despesas
empregadas no pagamento dos subsídios passados; e 26% consagrados ao
reembolso dos empréstimos contraídos pela cidade para quitá-los. Só sobravam
então 10% para uso propriamente municipal: salários dos funcionários da cidade,
proventos em espécie concedidos aos capilouls, despesas suntuárias e,
finalmente, trabalhos e consertos — pouco menos de 2% da despesa total. Isso
era bem pouco, já que uma parte da muralha caía em ruínas, que apenas uma das
cinco pontes outrora construídas sobre o Garonne continuava mais ou menos
utilizável e que numerosas ruas mostravam-se inabitáveis. O estado da
documentação permitiu-me analisar o exemplo de Toulouse. Mas posso
assegurar que não apresentava nada de excepcional. E quero já evocar as linhas
de sir John Fortescue que descrevem a miséria dos camponeses franceses: “Eles
não podem viver de outra maneira, pois os arrendatários, que deviam pagar a
cada ano um escudo pelo uso de seu território ao senhor, pagam agora, além
disso, cinco escudos ao rei.”
No entanto, sir John Fortescue era o último a poder denunciar esse peso do
imposto, pois em seu próprio país, a Inglaterra, a evolução tinha sido muito mais
precoce. Remonta mesmo ao século XII. Em 1215, a Magna Carta tentava
codificar o costume e limitar as exigências do rei. Em 1275, o primeiro Estatuto
de Westminster a definia e estabelecia novos limites às possibilidades do
soberano. Desde o fim do século XIII, a ajuda feudal tornara-se um verdadeiro
imposto nacional. A contrapartida era o desenvolvimento do regime
representativo: mas evitemos o erro que consistiria em ver nisso uma conquista.
Tomar assento no Parlamento era bem mais um dever que um direito. Ao menos
o Parlamento esforçava-se por representar seu papel. Em janeiro de 1377, pedirá
que dois condes e dois barões vigiem o emprego dos fundos fornecidos pelo
imposto; em outubro, dará preferência a comerciantes, mais competentes. O
essencial era que o Tesouro real não gerisse o imposto e que se prestassem
contas ao Parlamento. Em 1381, depois em 1415, as Comunas lembravam — em
vão — que o imposto devia continuar sendo excepcional.
Os cleros encontram-se então sozinhos face aos seus príncipes. São negociadas
em cada país as condições nas quais ele próprio poderia contribuir para as
necessidades da Igreja romana... e do Estado. Uma concordata geralmente
resolvia essas questões. Em outros lugares, como na França, essa é uma decisão
do príncipe, à qual o clero está menos associado. Assim foi quanto à Pragmática
Sanção de Bourges em 1438. O clero então era privilegiado, mas não se pode
dizer que não pagasse imposto.
Todo esse nascimento do imposto, pelos encargos que fazia pesar sobre o
conjunto das populações, pelas destinações novas que dava a quantias em geral
consideráveis, afetava evidentemente a economia. Além disso, as dificuldades
desse parto trouxeram graves consequências nos planos militar e monetário em
particular.
Segundo o direito feudal, quando um senhor — mesmo o rei — queria fazer uma
guerra, convocava seus vassalos, os quais vinham com o contingente
determinado pelo costume. Cada qual, aliás, era um pequeno chefe, o que
privava esse exército de qualquer homogeneidade. Um outro inconveniente: o
serviço era devido somente por um curto período, em geral 40 dias. Mas, para
uma guerra feudal, isso podia bastar. Essa operação chamava-se convoquer le
ban — em caso de necessidade urgente, o rei podia também chamar o arriè-re-
ban, ou seja, todos os homens livres do reino aptos para o combate. Mas uma tal
turba também era tão difícil de conduzir ao combate, quanto de armar
convenientemente. Quase não era utilizada, e logo o rei substituiu a obrigação
pessoal por uma taxa. Quadro certamente simplista. Seria preciso estabelecer
diferenças sutis, mencionando o serviço das milícias urbanas, a presença de
sargentos a pé e a cavalo, etc.
A inadaptação desse sistema apareceu pelo menos já no século XIII, quando
algumas guerras excederam a duração e os deslocamentos previstos pelo
costume. O uso era que o rei conservasse seus dependentes, mas pagando-lhes
soldo e indenizando-os por suas despesas e perdas — em cavalos,
particularmente. Com mais forte razão a Guerra dos Cem Anos fez ressaltar essa
necessidade. Philippe Contamine pôde escrever: “Por volta de 1300, no reino da
França, o servicium debitum [serviço devido] tradicional encontra-se em plena
decadência.”
Não seria o caso aqui de evocar a evolução militar dos séculos XIV e XV a não
ser na medida em que ela afeta a economia. Devemos, portanto, nos restringir. É
preciso em primeiro lugar mencionar o importante desenvolvimento técnico a
que se prestaram de tão bom grado esses séculos guerreiros. Procuremos
esboçar, de algum modo, o encadeamento. Na origem de tudo, é necessário, sem
dúvida, colocar o aperfeiçoamento das armas de arremesso: o arco foi melhorado
pelos ingleses durante suas lutas contra os gauleses e os escoceses: é o long bow
de teixo, com altura de 1,50 a 2 metros, capaz de atirar três vezes mais flechas
por minuto que a balestra. Esta, arco de aço montado sobre um cabo, retesando-
se com a ajuda de uma mola, podia ter efeitos mais terrificantes ainda
(considerada uma arma “diabólica”, seu uso foi mesmo excomungado no século
XII), mas sua lentidão era um empecilho tão severo que era preciso que
combatentes especiais, os pavesiers, protegessem, com altos escudos, os que
manipulavam a balestra das flechas inimigas.
De qualquer maneira, era preciso proteger melhor homens e cavalos. Quanto aos
homens: “ainda na primeira metade do século XIV, as placas de metal só
recobriam uma pequena parte do corpo do combatente (sobretudo os membros),
a armadura de malhas continuava sendo a proteção fundamental do busto,
enquanto no século XV é o “arnês branco” que cobre com sua carapaça tanto os
membros, a cabeça, quanto o tronco, de modo que as peças de malha encontram-
se apenas a título de acessórios de pequena dimensão, por exemplo abaixo da
cintura ou ao nível da garganta” (Ph. Contamine). Naturalmente, esse sistema
reforçado não estava mais ao alcance financeiro senão de uma pequena minoria.
— Os cavalos? É famosa a frase de Giraudoux: “O cavalo, como todos sabem, é
a parte mais importante do cavaleiro.” Ora, o cavalo custava caro, era preciso
protegê-lo ao máximo, tanto mais que os arqueiros inimigos visavam
freqüentemente a montaria, da qual o cavaleiro, fincado em sua couraça, não
podia mais se livrar, uma vez que fosse abatida.
Também a Itália cedo fez uso do sistema da condotta, uma vez que os meios
dirigentes das cidades deixavam-se absorver por suas ocupações industriais e
comerciais e preferiam engajar um condot-tiere, geralmente estrangeiro, como o
alemão Werner von Urslingen (sobre cuja couraça podia-se ler a insolente divisa:
“Inimigo de Deus, inimigo da piedade, inimigo da pena”), ou o inglês John
Hawkwood, filho de curtidor, que, de 1360 até sua morte em 1394, serviu
sucessivamente ao conde de Savóia, a Pisa, ao papa e por fim a Florença, que lhe
pagou por serviços prestados. Depois a preferência foi dada a italianos, como
Micheletto degli Attendoli. Na França, os Valois, que continuavam a recorrer ao
serviço feudal, também engajaram besteiros genoveses e depois multiplicaram os
contratos de “comando” com os dirigentes das Grandes Companhias. No século
XV, espalhou-se por toda parte a fama dos suíços, admiráveis combatentes,
duros e sem medo, e muito bem organizados (Olivier de la Manche constata isso
por volta de 1470: “Eram em geral três suíços juntos, um lanceiro, um
manobreiro de colubrina e um besteiro, e... socorriam um ao outro em caso de
necessidade”).
Contudo quanto mal essa gente de guerra causava às populações! Deviam não só
pagar o imposto para seu engajamento, mas além disso, e com muita freqüência,
sofriam suas pilhagens. Em razão das espoliações cometidas na Itália, passou a
ser dada preferência aos italianos: esses amontoados de grosseirões pilhavam
sistematicamente os territórios. E o que dizer da infeliz França? Os ingleses não
se importavam muito com a qualidade moral dos homens que enviavam para lá:
“Na maioria dos exércitos ingleses desse período (1346 a 1360), é provável que
a proporção dos fora-da-lei estivesse entre 2 e 12%” (J. Hewitt). Mas os infelizes
habitantes não tinham mais que se rejubilar com as tropas francesas; vagabundos
e ladrões engajavam-se facilmente. A situação ficou pior quando a monarquia
enfraquecida tornou-se incapaz de dissolver os bandos nos períodos de paz. Isso
se deu particularmente em dois momentos. Em 1360, os routiers (de ruttae, do
latim rumpere: frações de bandos) resolveram viver no país, e Carlos V, com a
ajuda de Duguesclin, teve muita dificuldade para enviar tantos quanto possível
para serem mortos em Castela e na Prússia. Em 1435, a paz de Arras seguiu-se
das devastações dos Escorchadores, sinistros bandos conduzidos por homens tais
como o castelhano Rodrigue de Villandrando, mas também pelos capitães
franceses, antigos companheiros de Joana d’Arc, La Hire, Xaintrailles...
Segundo Monstrelet, eram qualificados de Escorchadores porque “todas as
pessoas que com eles encontravam... eram despidas de suas roupas até a
camisa”. Pilhavam, matavam, estupravam, destruíam as plantações de trigo
ainda verdes, espoliavam o país...
Não há, sem dúvida, esforço maior que o de descobrir no que consistia o sistema
monetário dos séculos XIV e XV. Postas de lado as moedas fiduciárias, cujo
desenvolvimento será estudado adiante (cap. 9), ele continuava essencialmente
metalista. Baseava-se em peças de diversos metais, que não portavam qualquer
indicação de valor, mas apenas a menção do poder emissor e uma imagem
simbólica que lhe dava o nome: um agnel ou carneiro, um escudo, uma flor-de-
lis (daí o florim), uma coroa... Essas moedas definiam-se por três elementos:
1. Seu peso, muitas vezes indicado pelo número de peças extraídas do marco —
unidade que, conforme os países, variava por volta de 240 gramas e compreendia
192 deniers. As imprecisões das técnicas de cunhagem faziam com que
raramente se conseguisse um peso uniforme das peças. As ordenações previam
então uma margem ou “remédio”, e fixavam um peso mínimo, o peso “legal”. A
astúcia dos cambistas consistia em cortar as moedas mais pesadas que esse peso
“legal”, e isso lhes era facilitado pela ausência de qualquer impressão sobre a
borda da moeda.
2. Seu título ou quilate. Era indicado, para o ouro, em quilates, sendo que 24
quilates correspondiam ao ouro puro; para a prata, em deniers d’argent le roi,
levemente ligados para tornar a peça mais resistente (assim, 12 deniers d'argentle
roi, que era a pureza máxima, correspondiam a 958/1000 de metal precioso);
para as moedinhas ou, como se dizia, para a prata negra, mais ou menos
misturada com cobre ou estanho, as indicações variavam. Se o povo era
facilmente capaz de julgar o peso das moedas, era evidentemente muito mais
fácil enganá-lo sobre seu título.
Mas quem era o príncipe? Na França e na Inglaterra, assim como nas Coroas
ibéricas, o monopólio do soberano tinha-se praticamente imposto (260, 287). Na
Itália, as grandes cidades (Gênova, Florença, Milão, Veneza em particular)
possuíam cada uma seu sistema monetário (314, 317). Na Alemanha reinava a
maior anarquia: não existia moeda verdadeiramente imperial, e os senhores
(como os Habsburgo) e as cidades emitiam cada qual suas moedas (284-285,
290).
Era evidentemente fácil para o príncipe “mudar” um desses dados: seja o peso, o
que constituía a mudança mais constatável pelo povo; seja o título, o que era
mais sutil; seja o valor de conta — ou ainda dois ou três desses elementos.
Mudar a moeda era, na falta de recursos fornecidos por um imposto regular, uma
tentação muito forte, pois a operação era de grande interesse para o príncipe:
com o mesmo peso de metal precioso, doravante seria possível para ele fabricar
um maior número de peças; além disso, a margem de lucros de seus ateliês seria
aumentada e podia ser ampliada pela depreciação das moedas anteriores, pela
proibição de utilizá-las doravante e pela obrigação imposta a seus possuidores de
levá-las para refundição nos ateliês monetários. Os lucros da operação podiam
ser enormes: segundo a conta do Tesouro do rei da França no natal de 1349
(período de grandes enfraquecimentos), os rendimentos da moedagem forneciam
70% das receitas da monarquia! Cada crise política ou militar traduzia-se, desse
modo, por uma série de “enfraquecimentos” das moedas, e nenhum país foi com
mais freqüência palco disso que a França, em particular devido à lentidão com
que ali se organizava o sistema de impostos. Certamente, seria errôneo imaginar
que uma anarquia monetária constante tenha reinado na França durante dois
séculos. Devem-se ressaltar dois períodos que correspondem justamente a tais
crises: de cerca de 1330 a 1360, os esforços empreendidos para preparar e
conduzir a guerra, os cruéis reveses provocados pelas derrotas (de Crécy e
Poitiers em particular) traduziram-se numa série catastrófica de desvalorizações
da moeda; desde 1360, Carlos V esforçou-se para corrigir a situação. Dessa
época data a difusão do franco, unidade que conhecería destino tão duradouro.
Uma nova crise de 1417 a 1435, associada a um dos episódios mais sombrios da
história francesa: calcula-se que a moeda, nos piores dias, teve seu valor
diminuído em 24 vezes! Desde 1436, Carlos VII e depois Luís XI empenharam-
se para restabelecer o equilíbrio. Mesmo assim, o balanço final era fortemente
negativo: o soldo tornês que, sob Luís IX, no século XIII, correspondia a 0,419g
de ouro, ou 4,046g de pr^ta, não mais continha, por volta de 1480, além de
0,102g (ou seja, uma queda de 24%) e l,149g (28%).
“No sábado, 12 de abril [1421], foi proclamada em Rouen a nova cotação das
moedas: o gros de 16 deniers parisis não valia mais que 4; o nobre [moeda
inglesa] valia 60 soidos turneses e o escudo 30.
“Terça-feira, em Paris, todos acreditaram que essa cotação iria ser observada na
quarta-feira ou sábado seguintes, e o preço dos alimentos subiu tanto que não se
podia comprar mais... Os comerciantes vendiam assim qualquer vívere pelo
preço que queriam, pois ninguém encontrava solução de interesse geral. Dizia-
se, aliás, que aqueles que deveríam tê-lo feito eram eles próprios comerciantes...
“Houve um forte murmúrio para que se fizesse um novo pregão da moeda, pois
as pessoas do Palais e do Châtelet exigiam por todos os gros pagamento em
moeda forte... E só tomavam o gros por 4 deniers parisis e o davam em
mercadoria às pobres pessoas por 16 deniers pari-sis. Então o povo explodiu de
cólera e a multidão reuniu-se no Hôtel de Ville. Quando os governadores a
viram, ficaram com medo e mandaram proclamar que o primeiro termo dos
aluguéis a vencer se pagaria à cotação de 12 gros por um franco...”
“Os populares têm a vantagem de terem a bolsa como a cisterna que recolheu e
recolhe as águas de goteiras de todas as riquezas deste reino... pois a fraqueza
das moedas diminuiu para eles o pagamento dos deveres e das rendas que nos
devem e a ultrajante carestia que impuseram aos víveres e obras criou-lhes o
haver que, a cada dia, recolhem e amealham.”
Ninguém fez mais para aprimorar essas noções do que Nicole Ores-me,
preceptor do futuro rei Carlos V da França, bispo de Lisieux em 1377, e que, a
pedido de seu real aluno, traduziu várias obras de Aristóteles e redigiu um
tratado De 1’origine, nature et mutation des monnaies. Estabeleceu que o rei só
era possuidor da moeda em nome da comunidade, e que não devia mudá-la a não
ser que visasse ao proveito público:
Quando?
Há também outros sintomas que provam isso. São as falências (71). As mais
conhecidas situam-se antes de 1348. Desde 1298 estourou a falência da
companhia sienense dos Bonsignori, cujos negócios estendiam-se por todo o
Ocidente. Ela contava com 23 associados, entre os quais quatro filhos e um
sobrinho do fundador da sociedade, e 18 “estrangeiros”. A preponderância da
família geralmente era aceita; entretanto, foi um desacordo entre associados —
sobre a maneira como deviam ser enfrentadas as dificuldades — que levou à
declaração de falência. Mas os grandes abalos vieram mais tarde e atingiram
companhias florentinas. que pareciam verdadeiros colossos. Passemos a palavra
a Giovanni Villani (98 e 131):
“No dito ano de 1345 (1346), no mês de janeiro, a companhia dos Bardi — que
tinham sido os maiores comerciantes da Itália — faliu. A razão foi que haviam,
como os Peruzzi, emprestado seu dinheiro e o do próximo ao rei Eduardo da
Inglaterra e ao da Sicília, e assim os Bardi tornaram-se credores do rei da
Inglaterra em capital, juros e donativos prometidos por ele, de 900.000 florins de
ouro, os quais, devido a sua guerra com o rei da França, não podia pagar. Do rei
da Sicília eram credores de 100.000 florins de ouro... Daí que (Bardi e Peruzzi)
foram à falência em detrimento dos cidadãos florentinos e dos estrangeiros, a
quem apenas os Bardi deviam mais de 550.000 florins de ouro... Os Bardi
devolveram, depois de um acordo, os depósitos a seus credores, à razão de 9
soidos 3 deniers por libra, que só voltaram ao mercado à razão de 6 soidos por
libra... E, se tivessem podido recuperar o que lhes deviam o rei da Inglaterra e o
da Sicília, ou uma parte, teriam continuado senhores de grande poder e riqueza.
E os miseráveis credores ficaram arruinados e pobres devido a sua confiança
insensata e às iniqüidades dos regulamentos e modificações de nossa comuna
corrompida.”
Por quê?
Há várias tentativas de explicação para a depressão dos séculos XIV e XV. Vou
começar pela malthusiana, que por muito tempo considerei a principal. Ninguém
fez mais para elaborá-la que meu velho mestre, o saudoso professor Michael
Postan (19). Ei-la aqui, em algumas palavras: desde uma certa época, que é
possível situar por volta do século XI (mais cedo ou mais tarde, conforme as
regiões), teve início um movimento duplo. Um surto demográfico tão evidente
quanto incomensurável: chegou-se mesmo a negar sua existência, mas os
números que forneci mais acima impossibilitam dúvidas. Ao mesmo tempo foi
feito um esforço para nutrir todas essas bocas novas: houve certamente
progressos da produtividade — isto é, um número menor de homens produzia
mais alimentos, o que liberou braços, e levou seus possuidores a buscar trabalho
nas cidades. É, portanto, necessário falar de êxodo rural: foram as cidades que
atraíram os homens, depois esforçaram-se em criar tarefas para eles ali. Mas
também há arroteamentos, que são o aspecto mais visível e (graças à toponímia.
isto é, ao estudo dos nomes dos lugares) mais seguro dessa prosperidade da
Idade Média central (séculos XII-XIII). A maior parte desses ganhos foi obtida
às custas da floresta, até o momento em que se rompeu o equilíbrio, em meados
do século
XIV. É, portanto, uma população subalimentada que é atacada pela grande peste
de 1348. Desde então, o equilíbrio foi rompido. Certamente, há menos bocas
para alimentar. Mas há ainda menos braços para produzir, pois a fuga foi tanto
quanto a morte um efeito da epidemia. Era até mesmo recomendada como único
remédio eficaz. Muitos camponeses foram então desenraizados: são eles que vão
engrossar as companhias de tropas mercenárias. Colheitas apodreceram no pé.
Campos foram abandonados... O equilíbrio só irá se restaurar progressivamente
durante o século XV.
Mais raros foram os defensores de uma segunda explicação: pela moeda. Num
artigo da Economic History Review de 1959 (307), W. C. Robinson recusava-se
a atribuir a essa pressão demográfica um papel constrangedor comparável ao que
ele representa hoje nos países em via de desenvolvimento, e concluía que a
teoria quantitativa da moeda, bem aplicada, fornece a explicação adequada das
flutuações de preços entre os séculos XII e XV, portanto, da sensível reviravolta
de conjuntura no início do século XIV. O fator decisivo teria sido a parada do
crescimento de M (estoque monetário) e de V (velocidade da circulação), que
teria arrastado o de P (nível dos preços) e finalmente o de O (volume das
transações). Debate forçosamente bastante teórico, que as observações precisas
pouco podiam alimentar.
Recentemente, essa discussão foi mais uma vez levantada pelos autores de dois
artigos publicados na mesma revista, C. C. Patterson e N. J. Mayhew (292).
Ambos empenhavam-se em provar que, se o estoque monetário crescia
naturalmente com os produtos da extração mineira, diminuía pelo menos com a
mesma rapidez devido a diversas causas de perda, acidentais ou não. Mayhew
insistia sobretudo na importância do gasto, o desgaste normalmente ligado ao
manuseio das peças. Ambos esforçavam-se mesmo em calcular a importância
desse adelgaçamento e, com a ajuda dos arquivos dos ateliês monetários
ingleses, Mayhew pensava poder fixar entre 2 e 3% por ano, ou seja, perto de
10% em meio século, a redução devida a esse gasto. Esses cálculos permitiam
recomeçar a contestação da tese defendida por Postan. Este afirmava que, tendo
em conta o crescimento regular do estoque monetário, a diminuição da extração
mineira assinalada por Robinson por volta de 1300 só podia ter tido um efeito
limitado. Essa defesa não caía por terra a partir do momento em que se admitia
que esse fator secundário atingia um estoque monetário em diminuição e não em
aumento? Logo, a causa determinante da depressão teria sido o declínio de M,
arrastando o de P segundo um processo de deflação conhecido. A perturbação da
tendência demográfica teria sido antes uma conseqüência do que uma causa, ou
mesmo um simples fato do acaso. A explicação da depressão deveria ser,
portanto, sobretudo monetária.
Em compensação, e quaisquer que sejam, por outro lado, os imensos méritos que
convém reconhecer-lhe, a síntese de Guy Bois deixa a desejar (28). Contudo, ela
evidencia um refinamento e uma prudência na análise que nem sempre foram
manifestados por seus colegas. As conclusões são vigorosas. Parecem
estabelecer para ele de modo decisivo o caráter científico da teoria marxista. Isso
é verdade? De maneira característica, Emmanuel Le Roy Ladurie, a partir de sua
experiência languedociana, intitula a “nota crítica” que consagrou a essa obra, e
na qual não lhe poupa elogios, de “Na Alta-Normandia: Malthus ou Marx?”.
Basta, aliás, olhar a capa do volume. O título principal Recherches sur
l’économie rurale et la démographie du début du XIVe. au milieu du XVT siècle
en Normandie orientale aparece em caracteres tão pequenos que são quase
ilegíveis. Em compensação, o subtítulo mostra-se à vontade: Crise du
féodalisme. Em minha humilde opinião, Guy Bois traz uma contribuição de
primeira ordem para o estudo da economia medieval que acaba e de sua
passagem para a economia “moderna”; mas, em relação a Marx, ele não traz
nada.
Para concluir, diria que o debate também é muito teórico. Certamente ele o é na
medida em que os defensores dessa posição escrevem em nome de um dogma,
de uma ciência. Não há ciência marxista, mas apenas uma ciência. E a história
não é nem mesmo uma ciência; é uma arte, que se pratica com meios tão
científicos quanto possível. Dito isso, parece-me que não se pode descartar tão
facilmente do que esses historiadores escrevem, na medida em que são de fato
historiadores.
Parecia-me, portanto, que a explicação proposta por Postan era a melhor, mesmo
que tivesse de ser completada, aliás, de maneira desigual pelas outras duas. Até o
escrevi. Era dar muito pouco valor a um excelente artigo, já antigo (foi
publicado na Economic History Review de 1977) de A. R. Bridbury, intitulado
“Before the Black Death” (Antes da Peste Negra) (33). Ele mesmo baseava-se
em dois artigos — anteriores evidentemente — de E. Miller e de J. R. Maddicott.
O conjunto representa um novo enfoque do problema, que vou tentar resumir.
Quando escrevo que a história não é uma ciência...
Outra questão: o serviço militar era pago ou não? Certamente o sistema anglo-
normando era famoso por fornecer ao rei um exército remunerado pelos feudos
que recebiam seus membros; o número de cavaleiros que eles deviam enviar
servia mesmo de medida para esses feudos. Apesar disso, e muito cedo, o rei foi
levado a pagar o serviço em espécies: era preciso pagar um soldo aos cavaleiros
além de seu tempo legal de guerra; era preciso transportá-los ao exterior; era
preciso construir e manter os castelos; era preciso, através de pagamento, obter
aliados; last but not least, era preciso assegurar a burocracia indispensável a
tantas tarefas.
Desse modo, o serviço feudal foi pouco a pouco substituído pelo “mercenariato”.
A guerra ainda assim custou muito mais caro? Não é seguro. Certamente, ela fez
correr muito mais dinheiro. Mas, de qualquer maneira, os senhores despendiam
todo seu dinheiro: eles gostavam de se rodear de dependentes tão numerosos
quanto possível, embelezar seus castelos, viver luxuosamente... A guerra, para
eles, era o passatempo supremo, e a caça só constituía um pálido “ersatz”. Fazer
a guerra dava um sentido à vida. Quanto prazer seu rei Eduardo I causava-lhes
lançando-os contra esses “malditos franceses”! Por isso, quantias melhor
utilizadas até então passaram a ser desviadas para usos improdutivos.
Mas a própria economia tinha ganho um volume maior, aliás, difícil de medir.
Sabemos que no fim do século XIII, na Inglaterra, ela fazia viver 17.000 homens
e mulheres encerrados (mais ou menos) em conventos e cerca de 35.000 padres
seculares. A administração era numerosa: apenas no condado de Lincoln, eram
necessários 4.000 burocratas ocupados em coletar os impostos autorizados pelo
Parlamento. À parte Londres, as cidades mais importantes tinham mais ou
menos 10.000 habitantes. O que eram exércitos que raramente ultrapassavam
esse número? O país parecia em condições de suportar com facilidade o peso da
guerra. Se partirmos das estatísticas de exportação de lã — a grande riqueza do
país — estudadas com atenção por Eileen Power, podemos pensar que eram
alimentadas no essencial por cerca de 20.000 camponeses, possuindo cada um
260 carneiros em média; muito mais fraca aparece a parte dos grandes domínios.
Pensemos enfim nas construções de qualquer espécie — igrejas, fortificações,
conventos, casas — cujo número, sem dúvida, nunca foi tão elevado quanto por
volta de 1300.
Foi sobre essa economia variada, opulenta, que os Eduardo impuseram o fardo
das guerras. Quais foram as conseqüências? É naturalmente em direção aos
historiadores das finanças que nos voltamos. Seus trabalhos talvez nos fizessem
pensar que o custo da guerra tivesse aumentado mais depressa do que a
economia. É preciso cuidado! Na verdade, somos menos informados sobre esta
última. As contas mostram-nos sobretudo déficits e excedentes; não dizem como
os reis tentaram resolver seus problemas. As Comunas falaram em certos
momentos das dificuldades da economia; era seu papel. Por outro lado, se era
melhor organizado que seu primo da França para enfrentar as guerras, o rei da
Inglaterra podia-se colocar em dificuldade temporária até mesmo por um
pequeno conflito. Não cremos que a economia mesmo assim fosse perturbada.
Uma outra data importante é 1333. Até então, os senhores safavam-se bem das
dificuldades. Arrendavam as terras que, no “manor” (nome inglês da senhoria),
constituíam seu domínio; mas era principalmente por razões fiscais.
Desperdiçavam seu dinheiro com bebida e comida, que lhes eram fornecidas, a
baixo preço, a título de requisições, por seus foreiros. De maneira que eram os
camponeses quem mais suportavam o peso da guerra: pagavam censos ou
arrendamentos aos senhores, e ao rei os impostos que cada vez mais amiúde ele
arrecadava para o exército. Às vezes, rebelavam-se: em 1337, os foreiros do
conde de Warwick recusaram-se, devido aos impostos, a pagar seus censos, e o
intendente do conde teve de lhes dar razão. Ora, desde 1333, os senhores
também enfrentaram dificuldades: tiveram de aceitar os baixos preços do trigo
sem poder baixar os salários; ou mudaram os costumes de suas senhorias, mas
não demoraram em se arrepender disso, quando a alta recomeçou depois de
1351. Nesse meio tempo, o rei recorria desmedidamente ao imposto, até a crise
política de 1341, que o tornou mais prudente. Crécy sobreveio a tempo para
salvá-lo, mas antes, como vimos, seus principais credores, as grandes
companhias italianas, tinham estourado.
O que concluir de tudo isso, a não ser que, mesmo na Inglaterra, o Estado devia
improvisar para conduzir a guerra e a diplomacia, e que as principais vítimas
foram os pobres? Assim, às fomes e epidemias, portanto, ao afastamento
crescente entre crescimento demográfico e produção agrícola (tese de Postan),
devemos acrescentar a guerra como causa da depressão, mesmo onde não se
estendiam seus estragos visíveis, e a incapacidade do Estado — mesmo inglês —
de conduzir uma guerra longa, salvo o acaso das batalhas. Mas não devemos
perder de vista o aspecto social.
Aqui estou eu, pela última vez, reconduzido à questão: quando? Desta vez,
minha resposta será categórica: a depressão é anterior à Peste Negra. Ela
começou por volta de 1270, e suas manifestações foram diferentes segundo os
países, ou melhor, segundo as regiões naturais. Do mesmo modo deu-se a
retomada do desenvolvimento que se seguiu à depressão: entre o começo do
século XV e o começo do século XVI. Duas grandes noções a conservar: a
complexidade dos problemas e a diversidade das regiões.
6. Uma triste paisagem
Campos e cidades
XIV e XV?! Ora, aqui são a Alemanha e a Inglaterra que aparecem em primeiro
plano. A questão, portanto, é complexa.
“Ele residira durante quase cinco anos nas terras do duque de Borgonha; as
cidades e os burgos magníficos e ricos, com tudo em abundância, as casas tão
bem mobiliadas quanto construídas, os habitantes gozando de uma grande
liberdade, convenientemente vestidos, tudo o que se via no país era a própria
imagem da fortuna e da liberdade; não se percebiam em nenhum lugar ruínas ou
destrui-ções. Ao contrário, desde que entrou em seu reino, só encontrara por toda
parte ruínas e construções demolidas, campos áridos ou não cultivados; quanto
aos homens e às mulheres, a magreza de seu rosto, a pobreza de suas roupas, que
mal escondiam sua nudez, traduziam tanta privação que parecia que essas
pessoas tivessem saído da mais cruel prisão e não que se tratasse de um povo
livre.”
“Os camponeses da França bebem água, comem maçãs, com pão muito escuro,
feito de centeio; não comem carne, salvo às vezes um pouco de toucinho ou
entranhas e cabeças dos animais que eles matam para a alimentação dos nobres e
dos mercadores do país. Não usam roupa de lã, exceto um pobre gibão, sob sua
roupa de cima, que é feita de pano grosseiro e chama-se blusa. Suas polainas são
do mesmo pano e não ultrapassam os joelhos, onde são amarradas por uma
jarreteira; as coxas ficam nuas. Suas mulheres e crianças andam com os pés
descalços. Eles não podem viver de outra maneira, pois os rendeiros que deviam
pagar um escudo por ano, pela terra, ao senhor, agora pagam, além disso, cinco
escudos ao rei. São de tal modo constrangidos por necessidade a velar, arar,
arrotear a terra para sua subsistência, que suas forças são consumidas nisso, sua
espécie reduzida a nada. Vivem na mais extrema miséria, apesar de habitarem o
reino mais fértil do mundo.”
Admite-se sem dificuldade que a região pouco acidentada, aberta, sem defesa era
uma presa mais fácil que as cidades e aldeias protegidas pelas cintas de suas
muralhas. É. aliás, o que confirma um texto famoso de Thomas Basin:
“Tudo o que se podia cultivar naquele tempo..., era apenas em volta e no interior
das cidades, praças ou castelos, perto o suficiente para que, do alto da torre, o
olho do vigia pudesse ver os salteadores atacando. Então, a toque de sino, de
trompa ou de qualquer outro instrumento, ele dava a todos aqueles que
trabalhavam nos campos ou nas vinhas o sinal para que recuassem ao ponto
fortificado. Era a coisa mais comum e freqüente quase por toda parte; a tal ponto
que os bois e cavalos de lavoura, estando soltos da carroça, quando ouviam o
sinal do vigia, imediatamente e sem guias, instruídos por um longo hábito,
voltavam a galope, enlouquecidos, para o refúgio onde sabiam estar em
segurança.”
E no entanto, as paisagens urbanas também não foram perturbadas? Não faltam
exemplos. Citemos um que vem da Inglaterra: Coventry — que tinha sido no
século XIII uma das cidades mais importantes do país, mas cuja indústria estava
em declínio, incapaz de se recuperar dos golpes causados pelas epidemias e
fomes — cai ao nível de cidade média, e abundam as casas arruinadas. Nada de
guerra, entretanto — quero dizer: ali mesmo.
“A cidade de Montpellier era há muito tempo uma cidade notável em que havia
habitualmente pelo menos 10.000 lares; ela está agora tão diminuída que mal
pode oferecer 800.” Os capitouls de Toulouse expõem em 1408 que “outrora a
cidade era tão habitada que uma grande parte dos cidadãos tinha de se abrigar
nas aldeias; ela era bem edificada com belos palácios e edifícios, sem lugar
vazio, enquanto hoje a cidade tornou-se mui ruinosa”. Era apenas exagero. Eu
mesmo pude (99) traçar a imagem de uma cidade despovoada, empobrecida,
incapaz de conservar seu capital imobiliário, reduzida a manter de qualquer jeito
uma única de suas pontes sobre o Garonne, a se satisfazer com uma medíocre
muralha de lanços sempre desmoronadiços. Incêndios periódicos reduzem-na até
que o de 1463 destrói dois terços dela.
Mas nada iguala-se ao pungente quadro deixado das desgraças de Paris durante
os vinte anos que precedem a volta de Carlos VII à sua capital pelo Bourgeois de
Paris, anônimo que escreve um Journal célebre (90): os preços dos alimentos
eram declarados ali diariamente, os famintos mostrados morrendo nas ruas...
Nada despertou mais as imaginações do que esse fenômeno das vilas perdidas,
descoberto pelos historiadores há alguns decênios (26 e 105). O que chamamos
de “vila perdida”? Uma aglomeração cuja existência fora atestada antes, e da
qual restava pelo menos um elemento, castelo, casa de lavrador, igreja, amiúde
em ruínas, ou mesmo absolutamente nada (181).
A atenção dos observadores foi atraída, sobretudo de início, pelas fontes escritas:
pesquisas regionais feitas num ou noutro momento, queixas, descrições, visitas
pastorais e até, com mais esmero, exame das contas e dos livros de registro dos
censos. Há, infelizmente, bem poucos mapas anteriores ao século XVI. O estudo
dos nomes de lugares pode ser revelador, um topônimo, ligado desde então a um
local, sobrevive à vila que ele designara. Alguns indicam expressamente ruínas:
como Mazières, ou Mézières (do baixo-latim mace-riae) mas de quando datavam
essas ruínas? Uma contribuição ina-preciável foi fornecida pela fotografia aérea:
a presença de fragmentos subterrâneos muitas vezes dava às culturas atuais uma
fisionomia e uma cor que fotos tiradas de helicóptero nas condições mais
favoráveis revelavam facilmente (26). Guiados desse modo, os escavadores
podiam começar a tarefa, com todas as precauções que hoje são a norma.
Tornava-se possível apresentar os grandes problemas. Qual era a importância
relativa desses abandonos de vilas? De quando datavam? Apenas dos séculos
XIV e XV? Ocorreram antes e depois? Enfim, quais foram as causas desses
fenômenos?
As pesquisas foram feitas por país (181), e será por país que, por razões de
comodidade, também procederei.
1. Na Alemanha, esse fenômeno foi analisado mais cedo, desde o século XVIII,
e suscitou uma literatura tão desigual quanto abundante. Os eruditos entraram
em ação e compuseram sobretudo cuidadosas monografias locais. O grande
homem da síntese foi Wilhelm Abel (25, 100, 196-198). O problema era
complicado devido ao fato de que, posteriormente a esses sinistros séculos XIV e
XV, a Alemanha sofreu, no século XVII. as terríveis devastações da Guerra dos
Trinta Anos — útil elemento de comparação, mas causa de destrui-ções que
ocultaram em parte as antigas.
— 44% em Hesse;
Na verdade, testemunhos mais antigos poderíam ter sido evocados. Único por
sua precisão é o de John Rous, padre de Warwick. Ao morrer (1491), deixou
uma Historia Regum Angliae, que foi editada várias vezes. Obra medíocre, para
dizer a verdade, mas onde o autor protesta contra a cobiça dos proprietários das
terras, que mandavam cercá-las, visando criar carneiros, e expulsavam os
foreiros. Ele menciona, apenas no Warwickshire e seus arredores, 58 vilas
despovoadas. Em onze casos, ele teve a curiosidade de comparar com o número
de aldeões assinalado nos Hundred Rolls de 1279: assim Compton Scorpion
possuía, além de uma capela, 53 foreiros — dos quais não resta nenhum; e
apenas dois em 29 em Compton Verney.
[2] Porção de terreno que. nesses tempos, se julgava necessário para um homem
viver com sua família. (N.T.)
[3] Nome que se dava às cidadezinhas criadas com objetivo político ou militar
na Idade Média, no sudoeste da França. (N.T.)
Penso que já insisti o bastante sobre a gravidade dos flagelos que, nos séculos
XIV e XV, se abateram sobre o conjunto da Europa, para que a impressão não se
apague no decorrer desta segunda parte, mais alegre, que vamos abordar agora.
As desgraças, foi só o que vi de início, e não havia quase mais nada para se ver
na Toulouse daquela época. Depois, principalmente na Itália e nos Países Baixos,
revelou-se para mim o que, na mesma época, nascia portador de tanto futuro. É a
segunda face que nos cabe agora escrutar.
7. Cultivar melhor
As dificuldades, contudo, não estarão ausentes. Mais uma vez, elas se prendem
amplamente ao problema das fontes. Dados preciosos não faltam nas fontes
narrativas: tanto as notas de Thomas Basin que descrevem a devastação do reino
da França, quanto as observações de sir John Fortescue ao atravessar o Norte da
França em direção a Paris, em 1465, são insubstituíveis; só é preciso evitar
tomá-las ao pé da letra. Os livros de registro de censos, que fornecem a lista dos
foreiros de uma senhoria, designando as parcelas ocupadas por eles, enumerando
os encargos que recaíam sobre eles, revelam a dura realidade. As contas de
senhoria, como as dos arcebispos de Bordeaux, da abadia de Saint-Denis na
França, aquelas, inúmeras, que propõe a Inglaterra — ou de clientes, como as
grandes Cortes e os hospitais — fornecem um útil complemento. E preciso ainda
recorrer aos contratos registrados pelos notários (onde há), aos documentos
judiciais (especialmente ricos na Inglaterra) — e, com mais prudência ainda, às
súplicas dirigidas ao papa pelas comunidades religiosas, às cartas de franquia. A
iconografia também é útil, em particular os trabalhos dos meses, esculpidos nas
catedrais, pintados nos missais; ainda aí, é preciso precaver-se, pensar que seus
autores eram mais ou menos realistas, que se copiavam de bom grado entre si,
que o aparecimento de novas técnicas corre o risco de estar dissimulado nisso.
Outras contribuições, que devem sempre ser utilizadas com prudência: a
toponímia (isto é, o estudo dos nomes dos lugares); os planos parcelares, mais
tardios, mas que podem revelar certas características das paisagens anteriores; ou
então a análise das paisagens rurais atuais. Mais modernos são os métodos de
estudo do clima: a palinologia (ou estudo dos polens conservados nas turfas), a
den-drocronologia (ou análise da seção transversal das árvores), a fotografia
aérea, que revela muitos fenômenos não aparentes ao nível do chão. E outras...
Seria preciso também interpretar a evolução dos preços. Em resumo, abundantes
métodos de análise que ainda deixam questões sem resposta, mas que permitem
tentar uma síntese.
Uma série de problemas merece ser evocada aqui. Vamos desde já indicá-la: irá
se basear ainda no homem, em sua alimentação, seus gostos, suas reações diante
de dificuldades de clima, suas capacidades de iniciativa individual. Dito isso,
passemos ao estudo desses problemas — individualizados para a clareza da
exposição, mas muito relacionados na realidade. Que influências sofreu a
agricultura dos séculos XIV e XV? A da guerra, naturalmente — e aqui
remetemos aos capítulos da primeira parte. O mesmo se dá quanto ao despovoa-
mento, que exigiu uma dedicação mais ampla a culturas que envolviam menos
mão-de-obra. Outras influências são mais positivas.
Como obter esses animais? Criando-os, é claro. Era uma das atividades dos
açougueiros, e mostrei, a propósito dos macelliers de Tou-louse, como eles
traziam seus animais do Maciço Central, prevendo paradas para o repouso e a
engorda, e praticando até mesmo a inver-nada final. Havia também a gasalha —
contrato de parceria pecuária — que se multiplicava por toda parte, sob diversas
formas, a qual, aliás, já tive oportunidade de analisar detidamente. É a
associação do capitalista urbano com o camponês criador — sem que o primeiro
fornecesse forçosamente todo o capital —, com uma divisão variada dos lucros e
perdas. Verdadeira infusão de capitais urbanos no seio dos campos.
Os cereais continuam assim mesmo a ser a base da alimentação. Sua gama torna-
se mais variada. Introduzido na Europa oriental a partir do império mongol, o
trigo-sarraceno ou trigo negro chega à Normandia e, no fim do século XV, à
Bretanha, onde sua boa adaptação às terras pobres o torna precioso, alcançando
um sucesso notório. Aos cereais podemos acrescentar o arroz, cuja cultura,
praticada em várias regiões da Espanha outrora muçulmana, também surge na
Itália setentrional, na baixa planície do Pó. Ainda faltam o milho e a batata.
Legumes e frutas eram cultivados nos jardins e pomares. Ninguém disse melhor
que Noél Coulet quanto a Áix-en-Provence (247) como o jardim foi um dos
tutores do sentimento nascente em relação à natureza: “O prazer tem sua parte
nisso. As aléias sombreadas pelas parreiras, o perfume suave das rosas,
vermelhas e brancas, o cheiro do alecrim e da salva — aromas misturados, é
verdade, ao acre fedor do estrume em fermentação —, o frescor e o murmúrio
das águas, as distrações da pesca no viveiro são um estímulo ao passeio e ao
descanso. Os burgueses não admiram menos que o soberano esse campo
domesticado nas portas da cidade. Muitos atos do rei René são ditados nesse
grande pomar que ele constituiu entre 1447 e 1449 entre seu palácio e o antigo
convento das Clarissas.” São muitos os documentos iconográficos que nos
mostram que Aix não foi um caso isolado.
Havia naturalmente o sal. Saint Michel Mollat é o seu patrono, rodeado de uma
corte celeste composta por Jacques Le Goff, Jean-Claude Hocquet e muitos
outros (51, 289, 295, 297). Guiados desse modo, como nos perdemos?
Atualmente não temos mais idéia de todos os antigos usos do sal. Ele não servia
apenas para salgar a comida. Tinha usos industriais — preparação do couro,
limpeza das chaminés, soldas de canos e goteiras —, usos farmacêuticos — era
utilizado como auxiliar na destilação do álcool a partir do vinho, e também de
remédios contra a dor de dentes, acidez estomacal... Sobretudo, ele conservava
alimentos — o que será feito pela conserva no século XIX e pelo frio no século
XX. Conservava a carne (devido à falta de forragem, muitos animais eram
abatidos na entrada do inverno e colocados para salgar), a manteiga e o queijo
(punha-se até uma libra de sal para dez libras de manteiga), por fim e
principalmente o peixe — em especial os arenques do Báltico e do mar do Norte
—, de modo que era particularmente necessário nos países setentrionais.
O mesmo não se dava quanto à produção. Havia sobretudo ali as salinas
costeiras: conjuntos de pequenas represas cada vez menos profundas, pelas quais
passava-se a água para evaporar, até que o sal se cristalizasse. Era então
colocado em montes cobertos de palha. Método rudimentar, mas econômico.
Tais salinas eram encontradas em todas as costas baixas de clima
suficientemente quente: costas mediterrânicas, é claro; mas também atlânticas,
desde Setúbal, em Portugal, até a costa francesa. É preciso insistir
principalmente no papel internacional representado pela baía de Bourgneuf: as
salinas estendiam-se ali por cerca de 35 quilômetros de costas, bem protegidas
pela ilha de Noirmoutier; era uma zona intermediária entre Poitou e a Bretanha,
isenta de qualquer taxação sobre o sal; era, especialmente para os consumidores
do Norte, o primeiro grande conjunto de salinas que encontravam em direção ao
Sul. Já o sal-ge-ma, terrestre, é diferente: é o caso da montanha de sal de
Cardona na Catalunha; as minas de Franche-Comté e de Lorraine, cuja
exploração enriqueceu os burgueses de Metz e os duques de Lorraine; finalmente
as da Alemanha do Sul e da Áustria (Hall, Hallein, o Salzkammergut), que
expediam muito para a Alemanha setentrional; Munique era um grande mercado.
Podemos relacionar isso com as fontes de salmoura, que surgiam em diversos
lugares, como no Noroeste da Inglaterra e na hinterlândia próxima do Báltico.
Fervia-se essa salmoura e, com muito custo, obtinha-se um excelente sal, como o
de Lüneburg, que por muito tempo abastece Lübeck. Nas costas do Norte, como
na Inglaterra e nos Países Baixos, havia uma turfa salgada: era queimada, depois
a cinza era dissolvida na água do mar e fervida. Excelente sal, mas que saía
muito caro! No conjunto, os países meridionais aparecem, portanto, como os
mais favorecidos.
Essa voga do vinho justifica-se com facilidade (211, 303, 304). Não insistamos
em demasia nas necessidades litúrgicas (para a comunhão), reais, no entanto, a
ponto de haver suscitado, em regiões que certamente não lhes convinham,
criações de vinhas, aliás desaparecidas nos séculos XIV e XV. É preciso atribuir
mais importância às necessidades fisiológicas, à necessidade de um tônico —
especialmente nos climas frios — numa época em que nem o álcool, nem o café,
nem o chá eram bebidos. Logo, é fácil de se compreender que um grande
comércio do vinho tenha podido se instaurar entre países meridionais
fornecedores e países setentrionais consumidores. Os poucos dados de que
dispomos assinalam essa extensão: Yves Renouard estabeleceu que a região de
Bordelais exportava em média 250.000 hectolitros aproximadamente; a título de
comparação, a exportação de 1956 era de 424.000 hectolitros, número que os
bons anos medievais deviam alcançar. Cidades, senhores e Estados obtinham
desse tráfico grandes recursos. Para nos limitarmos a um exemplo: em Gand, os
impostos sobre os vinhos representam 88% das finanças municipais em 1400-
1401, e 30% em 1436-1437, situando-se a média entre esses dois extremos. Jan
Craebeckx conclui: “o fato de que um consumo sem dúvida bastante fraco tenha
sido a causa de tal situação prova até que ponto a estrutura econômica anterior à
revolução industrial era diferente da de hoje”. O pai do escritor Chaucer
enriqueceu-se com o comércio de vinho. Assinalemos ainda que, embora a
cultura da vinha fosse muito sábia e cuidadosamente praticada, a vinificação era
muito medíocre. Sabia-se praticar o corte dos vinhos e o enchimento constante
dos tonéis para evitar a acidifi-cação do vinho ao contato do ar. Mas não se sabia
clarificar o vinho como hoje pela colagem. Tampouco podia-se envelhecer o
vinho e desconhecia-se o uso da garrafa de vidro. Era, portanto, preciso expedir
o vinho a partir de outubro e consumi-lo no ano. Para dar sabor a esses vinhos
jovens, amiúde misturavam-se a eles especiarias e mel, até mesmo substâncias
estranhas.
Peço desculpas por ter insistido tanto nesses aspectos da alimentação. Além do
fato de que uma história econômica só tenha muito a ganhar apoiando-se no
homem, também possibilita a seguinte afirmação: no século XIII, certas regiões
tinham começado a passar de uma simples agricultura de subsistência a uma
exploração de mercado. Nos séculos XIV e XV, apesar da reviravolta da
conjuntura, essa evolução confirma-se e estende-se. Com todas as vantagens,
mas também com todos os riscos que isso comporta. Como, então, aconteceu
essa mutação?
Isso supõe uma melhor preparação do solo, que é preciso regenerar, mas cuja
fertilidade original também ambiciona-se aumentar. Datam do século XIV os
primeiros vestígios escritos da cultura sistemática de ervilhas, ervilhacas e favas:
têm um poder fertilizante sobre o solo, fixando o nitrogênio atmosférico. Em
Flandres, desde pelo menos 1333, duas plantações que dependiam do hospital
Saint-Jean de Bruges são regularmente semeadas. No Brabant, no segundo
quarto do século XV, a Enfermaria da Grande Beguinaria de Bruxelas consagra-
lhes 15 a 20% de suas sementes sobre os cerca de 20 hectares que cultiva em
exploração direta de propriedade agrícola. Os camponeses com certeza seguiram
esses bons exemplos, mas não deixaram contas.
A boa fabricação dos adubos era conhecida na Inglaterra desde o século XIII.
Mas apenas em Flandres e no Brabant os camponeses utilizam os métodos com
obstinação. Também recorrem à marga, o que a época galo-romana não ignorara.
Às cinzas de madeira e de turfas, aos restos das saboarias e lavanderias, às tortas
de colza e de nabo-silvestre apenas depois do século XV. A colheita à foice
permite obter palha em abundância, também necessária para os tetos, e que serve
de cama de animais, a qual, saturada de urina e excrementos, conclui sua
fermentação no solo, ao ar livre. Por fim, a dispersão dos resíduos humanos
organiza-se, sem dúvida, com a instalação dos equipamentos urbanos.
A situação é semelhante numa zona mais ampla. Gérard Sivéry afirmou (238)
que, no Hainaut, as possibilidades de exportação eram maiores para a criação de
animais do que para os grãos: as cidades de Flandres, do Brabant e da Holanda
tanto podiam comprar seus “trigos” em Artois, na Inglaterra, como nos países
bálticos. E uma parte dos produtores conscientizou-se das condições do
mercado: os condes seguramente; como também os monges cambresianos da
abadia do Saint-Sépulcre que, cinco séculos antes dos fisiocratas, distinguem a
riqueza nova, proveniente da produção agrícola, da renda oriunda de uma
riqueza já existente; muito provavelmente vários senhores laicos e eclesiásticos;
talvez grandes arrendatários ativos — aqueles que em outra época e em outros
lugares irão se chamar cúlaques; certamente não a massa dos camponeses mais
humildes. Mas isso basta. Aliás, os solos prestavam-se bem a essas
especulações. Os monges cambresianos desenvolveram a criação de carneiros,
cuja lã era muito procurada e, em menor grau, a cultura do pastel-dos-tintureiros
e da garança. Sem dúvida, a economia ce realífera continuava sólida. Mas, na
medida em que o permitia uma conjuntura cujas flutuações a guerra
multiplicava, a criação ovina estava em pleno progresso no Cambrésis, e a
criação bovina no vale do Sambre. “As rendas da criação lhes [aos camponeses]
trazem um complemento de recursos e representam o mesmo papel que os lucros
dos vinhedos na região parisiense.” Seriam todos inconscientes das causas dessa
mutação?
Desse modo, louvam-se os Países Baixos. Mas há nisso uma certa dose de
injustiça para com o país pelo qual, afinal, se abrirá ao século XVIII a
“revolução agrícola” — isto é, a Inglaterra? Bruce Campbell colocou-se essa
pergunta e, para respondê-la, situou-se no Norfolk oriental, zona ideal: os solos
eram férteis, charcos aluviais ofereciam possibilidades ainda não imaginadas, o
terreno com ligeiras ondulações assegurava às comunicações terrestres uma
facilidade quase comparável à da água. A população era numerosa, sem dúvida,
a mais elevada do país: no início do século XIV, chegava a quase 190 habitantes
por km2. A maior parte era livre, e o espírito de iniciativa não lhe faltava. As
cidades constituíam-se num estimulante poderoso: com seus quase 18.000
habitantes; Norwich era provavelmente a primeira cidade provincial da
Inglaterra; com mais ou menos 11.000 almas Yarmouth estava, como porto, em
seu zênite. O sinal mais claro do progresso era a relativa raridade do alqueive,
que vinha sendo eliminado desde o fim do século XIII — e, pela primeira vez,
em 1268-1269, em South Walsham, domínio do duque de Norfolk. Entretanto,
seu total desaparecimento não era desejável, pois era o melhor meio de limpar o
solo; a maioria dos domínios consagra -vam-lhe uma pequena parte (cerca de
7%) de sua superfície. Durante o alqueive, as lavragens eram repetidas: três, e
até seis. O perigo era a deterioração do solo. Surgia, então, o problema: o gado
tinha necessidade do alqueive para se alimentar, e a eliminação deste levaria à
dos fertilizantes.
Tudo isso não deixa de nos colocar problemas. Discutiu-se bastante sobre o uso
do cavalo nos trabalhos agrícolas. Vamos opor Lynn White — desde o fim do
século XII, pelo menos em certas partes da Inglaterra, a lavragem era feita
principalmente com cavalos (255) —e Titow (242) — "Os documentos ingleses
asseguram, sem a menor dúvida, que não houve nenhuma passagem da lavragem
com bois para a lavragem com cavalos.” O Norfolk oferece uma resposta sem
equívoco: desde meados do século XIII, os domínios da abadia St. Benedict já
dispõem de um número considerável de cavalos, cinco a oito por propriedade.
Bruce Campbell acredita que se usassem cavalos e bois.
Quid do resto da Inglaterra? perguntava eu. O Norfolk parece, assim mesmo, ser
a exceção. Os resultados de conjunto permanecem inferiores aos dos Países
Baixos (86). De qualquer modo, todos foram dignos de um tratamento
aritmético, que me parece um pouco artificial. Mas como os leitores podem
julgar isso se eu não apresentá-lo pelo menos rapidamente?
Os Países Baixos. A Inglaterra. Seria injusto não completar a trilogia com a Itália
setentrional. Emilio Sereni fez um estudo da "paisagem rural italiana”, isto é, da
“forma que durante suas atividades agrícolas, e para cumpri-las, o homem
imprime à paisagem natural de maneira consciente e sistemática”. Além disso,
esse estudo é enriquecido por numerosas referências picturais (235).
Vemos, portanto, destacar-se a evolução agrícola dos séculos XIV e XV. Não é
uma agricultura científica. Os manuais de agricultura são conhecidos apenas por
alguns eruditos; o autor principal é, sem dúvida, Pietro de Crescenzi, que será
traduzido para o alemão e impresso a partir de 1471. A economia cerealífera é a
base. Mas, em pelo menos três zonas privilegiadas, Países Baixos, Este da
Inglaterra, planície do Pó, uma evolução para a criação transforma o sistema
agrário e prepara a “revolução agrícola”. A transumância organiza-se em
particular na Espanha, para o carneiro merino. A floresta não é mais apenas
protegida; às vezes, é explorada, em proveito das espécies de luz (as coníferas)
(210). Chega-se a um novo equilíbrio. Sim, cultiva-se melhor!
8. Fabricar melhor
Herman van der Wee mostrou os obstáculos humanos e sociais encontrados pela
evolução nos Países Baixos (91). Na verdade, modernizar a indústria sempre foi
um problema social ao mesmo tempo que econômico! A solidariedade de grupo
impede a adoção dos métodos técnicos novos — antes, faz retroceder: assim,
enquanto os moinhos de apisoar tinham sido introduzidos em várias cidades nos
séculos XII e XIII, no século XIV muitos retornaram ao pisoamento com os pés,
melhor, ao que parece (?), para a produção de bons tecidos. Os empregadores
entram em acordo para reduzir os salários de seus trabalhadores; multiplicam-se
então as corporações artesa nais e as agitações “democráticas”. O sucesso final
do corporativismo é um desastre econômico: a tomada do poder pelos artesãos
traduz-se num aumento dos salários, mas também na queda da concorrência;
mesmo o aumento do desemprego não provoca nenhuma reação. A exportação
de tecidos baratos sofre duramente a concorrência de tantas tecelagens pequenas
criadas por toda parte. Isso torna a produção de tecidos de luxo de Flandres e do
Brabant — os melhores da Europa — muito frágil, pois depende da importação
das melhores lãs inglesas, e os reis da Inglaterra sabem disso: depois de 1336, os
direitos sobre a exportação da lã aumentam. Os Atos de Billon de 1340 forçam
os mercadores a pagar dois marcos de prata à Moeda da Torre por saco de lã
exportado. Mais tarde, a exportação da lã é concentrada no Mercado de Calais.
Depois de 1429, essa evolução é apenas oficializada. As taxas sobre a
exportação da lã inglesa tinham crescido entre 30 e 35% ad valorem (e até mais
para os estrangeiros), enquanto que, sobre a exportação dos tecidos, eram apenas
de 1 a 3%.
Uma outra solução consistia em pôr a água para fora artificialmente, utilizando a
força humana, ou a dos animais, ou então de máquinas hidráulicas. Com o
guincho, a força do homem atinge seu limite a aproximadamente quinze metros
de desnível. Além disso, é o sarilho atrelado (carretilha) que aciona o guincho e,
em certos sítios, utilizaram-se até trinta cavalos atrelados. Mas, na medida do
possível, as sociedades mineiras, na segunda metade do século XV, “esgotaram a
água pela água”. O tratado de Agricola repertoria e descreve cuidadosamente os
engenhos movidos à força hidráulica: bombas a pistão construídas dentro de
troncos de árvore escavados e reunidos, máquinas de polias, longas cadeias de
recipientes que passam em volta de um tambor no fundo da mina e vertem a
água na superfície, ou esferas de couro que passam dentro de condutos tubulares
(“Heinzenkünste”). Esses engenhos só eram eficazes até 70 metros de
profundidade. Se não podiam ser secadas por galerias de escoamento de água, as
minas mais profundas deviam instalar a altos custos uma roda hidráulica com
movimento reversível (rotam “Kerrad” dictam) movida por uma queda d’água,
que acionava os alcatruzes que a roda possuía nos dois sentidos. Ela acionava
um tambor no qual se enrolava uma corrente de ferro que erguia, cheio de água,
um saco de couro feito com a pele de quatro bois.
É bem possível que esse sistema tenha sido imaginado por Johannes Thurzo, que
fora chamado pelas sete cidades mineiras da Eslováquia para dirigir sua
instalação. Por salvar minas inundadas, é ele que encontramos em Rammelsberg,
no Harz, em 1486, e muito mais tarde, em 1513, no sítio das minas de ouro de
Nagybánya na Eslováquia oriental, onde uma “Kerrad” de 10 metros de diâmetro
foi instalada a 65 metros sob a terra. Ela deveria secar uma rede mineira que
descia a 280 metros. Posta em movimento por uma queda d’água com a altura de
110 metros, girou tão rápido, segundo testemunhas oculares, que a madeira
molhada ameaçou pegar fogo. Para alimentar essa queda d’água, uma série de
lagos de barragem foi construída na montanha, primeira vez na história das
minas européias, a aproximadamente 15 quilômetros do sítio. Enorme plano de
salvamento, concebido e construído por Thurzo com o eficaz apoio do rei da
Hungria, mas as condições climáticas fizeram-no fracassar: os períodos de seca
continental e os rigores do inverno permitiam que funcionasse de modo efetivo
somente durante metade do ano. Foi necessário então organizar duas campanhas
de drenagem total das minas, de 15 dias cada, para o reinicio dos trabalhos no
fim do inverno e por ocasião das primeiras chuvas de outono, o que reduzia
ainda mais o número real de dias.
Esse reinicio dos trabalhos foi efetuado muitas vezes sobre os rastos de
trabalhadores anteriores, nas minas exploradas sob o Império Romano. Pelo
menos com a mesma freqüência, alcançou novos sítios, no que a Europa central
se mostrava particularmente rica: Alpes, Boêmia, montes Metalíferos
(Erzgebirge), Silésia, Hungria... Muitas dessas minas encontravam-se em países
de montanhas (daí a palavra alemã que serve para designar as minas: Bergwerk).
Geralmente, essas montanhas ainda eram zonas pouco exploradas, servindo no
máximo para pastagem de rebanhos; não havia proprietário que pudesse, com
alguma eficácia, defender seus direitos sobre o subsolo. Os soberanos puderam
aproveitar isso para fazer valer seu direito de regalia: o divórcio entre o uso do
solo e a propriedade do subsolo é uma característica do direito medieval. E
verdade que os soberanos só se deram ao trabalho de reivindicar sua regalia para
os minérios mais preciosos. Os minérios vis, como o de ferro, eram explorados
por eles apenas quando encontravam-se em seu domínio. Também é verdade
que, se os reis da Inglaterra impuseram sua regalia bem cedo e os soberanos da
França mais tarde (sobretudo no século XV), os imperadores a legaram pela
Bula de Ouro [1] de 1356 a todos os príncipes, que, por sua vez, freqüentemente
delegaram-na em seguida. No século XV, no Império, centenas de bispos,
condes, senhores mais modestos, de cidades, dispunham de direitos sobre o
subsolo.
De outra parte, essas zonas mineiras eram amiúde zonas de colonização, onde a
liberdade pessoal era o estatuto normal. “'O atrativo misterioso das regiões onde
trabalhava o mineiro contribuía para situá-lo nos corações, não no lugar do
escravo, mas no do pioneiro” (J. U. Nef, 253). Enquanto, na Antiguidade, a
atividade mineira era quase sempre reservada a escravos ou a condenados, ela
surgiu na Idade Média inseparável da liberdade e de uma certa dignidade.
Nos Mendips (colinas do Somerset), onde cerca da metade das famílias das vilas
mineiras tinham posses medíocres, o arrendatário-mineiro podia ocupar uma boa
situação. Formado no ofício por seu pai, desde o mês de março, assim que
lavrara e se ocupara de seus cordeiros, ia trabalhar nas minas que se localizavam
nas colinas próximas de sua vila. Em julho, depois da festa do mineiro, voltava à
faina agrícola. Dividia-se então entre cerca de 135 dias de atividade agrícola e
130 dias de extração. Ele podia produzir entre uma e meia e duas toneladas de
minério por ano, em média; de fato, os números variam conforme a capacidade
de cada um. Com cerca de três quartos dos recursos que lhe proporcionava essa
extração, ele podia pagar o censo de sua posse. O resto, assim como sua
produção agrícola, cobria largamente suas necessidades. Desse modo ele vivia
numa relativa abastança — e acontecia o mesmo em toda a Inglaterra.
Os ateliês dos copistas profissionais que surgiram junto das Universidades não
pararam, depois do século XIII, de aperfeiçoar e de racionalizar seus métodos.
Multiplicavam as cópias, relativamente fiéis, de manuscritos, fazendo-as, não
umas sobre as outras (o que provocaria a repetição de erros em série), mas todas
sobre um exemplar de base, dividido em pequenos cadernos para permitir a
vários escribas trabalharem ao mesmo tempo. Nos ateliês, o trabalho era
especializado: preparo final do pergaminho, cópia do texto propriamente dito,
desenho das rubricas e das iniciais ornadas, pintura das miniaturas... No começo
do século XV, um livreiro atacadista podia encomendar simultaneamente, a um
mesmo ateliê, de três manuais utilizados nas Faculdades de artes, repectivamente
200, 300 e 400 exemplares. Apesar de tudo, essa produção em série saía cara e
ainda não cobria as necessidades crescentes, pois à procura das Universidades,
do clero, das Cortes, dos nobres, somava-se a dos burgueses, dos artesãos, entre
os quais aumentava a instrução: obras profissionais, livros religiosos, textos de
vulgarização e de distração... A imprensa será a resposta a essa questão, mas
apenas depois de longos ensaios é que se chegará a sua realização, os quais
mostram bem a interação dos diversos tipos de progresso.
No início do século XV, a base da impressão estava pronta. O papel atingira uma
qualidade garantida pelas filigranas de seus fabricantes; saía quatro a cinco vezes
mais barato que o pergaminho. De outra parte, nessa época, a reprodução de
figuras, de legendas, de letras isoladas, através de impressão, não era mais uma
novidade na Europa. Relevos talhados em placas de madeira ou de metal e
tintados numa ou várias cores forneciam impressões sobre os tecidos, o que
também se aplicou no papel. Isso serviu de início para multiplicar as imagens de
piedade, difundi-las até nos lares mais humildes. Logo depois, séries de imagens,
explicadas por legendas, foram reunidas em livretes, que fizeram um imenso
sucesso popular.
Todavia, não era dessas estampas que devia nascer a imprensa. Podiam, no
máximo, expor as facilidades que o papel oferecia para a reprodução industrial
de textos. Mas esses xilógrafos eram em geral talhados em madeira. Caberia aos
ofícios do metal resolver os problemas próprios da tipografia. Problemas da
fabricação dos caracteres móveis: era preciso, com um punção de metal duro,
que continha o caráter em relevo, estampar uma matriz menos dura onde se
imprimia em côncavo; depois fundir, utilizando-a, caracteres de estanho ou de
chumbo — e, portanto, possuir boa técnica da fundição, conhecimento profundo
dos metais e das ligas... Problemas da tintagem: era preciso produzir uma tinta,
não mais escura e fluida como a dos manuscritos, mas realmente preta, espessa e
nítida. Problemas da prensa: era preciso juntar os caracteres dentro de “fôrmas”,
onde ficassem bem presos, e dispostos de maneira a constituir uma superfície
absolutamente plana; depois pressionar de modo bastante forte e maleável.
Todos esses problemas foram finalmente resolvidos em meados do século XV,
depois de longos esforços de ourives e de moedeiros, sobre os quais não temos
muitas informações. Johan nes Gutenberg, ourives, de Mainz, é tradicionalmente
considerado o principal desses inventores. Mas não se sabe ao certo qual foi sua
contribuição, nem a do seu colaborador Peter Schoffer ou de Proco pe
Waldfoghel, de Praga. Rapidamente, entretanto, a imprensa alcançou um alto
grau de qualidade.
O fato é ainda mais notável uma vez que essa nova indústria conduzia à adoção
de novos princípios de trabalho. Mais que qualquer outra, sem dúvida, ela
prefigura a organização “moderna” do trabalho. O trabalhador de base é o
tipógrafo. Ei-lo diante da caixa, dividida em uma série de caixotins onde estão
dispostos os diversos caracteres. Pega-os um a um, acomoda-os num
componedor que corresponde a uma linha. Depois, dispõe as linhas na fôrma. A
qualidade e o rendimento do trabalho dependem da rapidez e da segurança de
seus gestos. É preciso, portanto, facilitar-lhe a aquisição de um verdadeiro
automatismo: situá-lo na melhor posição frente à caixa, dispor da melhor
maneira os caixotins desta, distribuir os caracteres do modo mais racional...
Essas pesquisas prolongam-se pelo menos até o século XVIII e prenunciam o
estado de espírito que será, muito mais tarde, o do taylorismo.
Essa linha seguida pelos revisores nem sempre foi clara ou unânime. Na França,
eles aceitaram as extravagâncias e as contradições dos manuscritos, deixando
para os gramáticos a tarefa quase total de esclarecimento. Na Alemanha, várias
“escolas” — renana, alemâ nica, bávara, nuremberguiana, saxã — opuseram-se
por muito tempo, até que, no curso do século XVI, chegam a um acordo a partir
das normas das chancelarias. Na Inglaterra, a ação de um Caxton parece mais
refletida e mais feliz, pois ao imprimir Chaucer e outros garantiu o triunfo
definitivo do dialeto das Midlands orientais.
[1] Decreto promulgado em 1356, marcado pela cápsula de ouro do selo imperial
de Carlos IV, regulamentando a eleição para a Coroa do Sacro Império Romano-
Germânico. Suprimia qualquer ingerência do papa na eleição imperial. (N.T.)
[2] Processo que consiste em separar os elementos de um metal bruto por sua
fusão parcial. (N.T.)
9. Fazer negócios
Nos séculos XIV e XV, as condições em que se praticava o comércio eram muito
desfavoráveis. Não voltarei a falar sobre a grande diversidade dos pesos e
medidas, sobre a qual alguns tratados (299) procuravam informar os infelizes
comerciantes; nem sobre a desordem monetária, ligada às vicissitudes da guerra
e à desigual reação dos Estados; nem sobre as bruscas especulações
engendradas, de modo imprevisível, por epidemias e fomes. E é praticamente
seguro que o “volume” desse comércio diminuiu durante esses dois séculos.
Ora, a Igreja dispensava um ensino que não era especialmente favorável aos
comerciantes — era até mesmo francamente hostil a seu respeito (343).
Considerava como “usura" não apenas — como em nossos dias—o fato de se
exigir um juro excessivo, mas “qualquer excedente fornecido por quem toma
emprestado ao emprestador” — por menor que fosse esse excedente. Os textos
das Escrituras nos quais se baseava essa doutrina eram ambíguos: uma passagem
do Deuteronômio (Velho Testamento) proibia que os judeus praticassem entre si
o empréstimo com juros; Cristo (Lucas VI, 34-35) aconselhava — sem ordená-
lo! — a “emprestar sem esperar nada de volta”. Sobre uma base tão fraca, foi
evidentemente o espírito do tempo que construiu um edifício tão sólido. Na
atmosfera de atonia econômica dos séculos anteriores ao século XI, todo
empréstimo era de consumo. A caridade mandava que não se exigissem juros
dos infelizes que a necessidade obrigara a tomar empréstimo. Isso é tão seguro
que, no Oriente bizantino, onde as exigências doutrinárias com certeza não eram
menos fortes, mas onde a economia continuava ativa, nenhuma doutrina
semelhante se formou.
Começarei pelo seguro. Como pode ser definido hoje? É “um contrato pelo qual
uma das partes (o segurador) compromete-se, mediante um prêmio, a indenizar a
outra parte (o segurado) contra um prejuízo eventual”. Note-se que o prêmio é
pago em todos os casos pelo segurado, quando da conclusão do contrato; e que a
indenização intervém, a posteriori, em caso de sinistro. Tudo isso nos parece
natural. Devemos ter consciência do fato de que essa prática representou um
papel importante na elaboração do capitalismo moderno: por si mesma,
representava um esforço de racionalização, de cálculo e garantia do risco; de
outra parte, pela acumulação dos prêmios, fornece capitais consideráveis.
Compreendemos melhor então por que ela só tenha se elaborado lentamente. De
qualquer maneira, os séculos XIV e XV foram a etapa decisiva: é o que tentarei
demonstrar.
Tudo isso justifica que não conhecéssemos bem o custo do seguro. De início, era
muito elevado: sabe-se que, em 1350, para um transporte de trigo de Messina a
Túnis, a taxa era de 18%. Depois, a melhor construção dos navios, o
melhoramento dos portos, a defesa contra o corso e a pirataria permitiram
reduzir os riscos. Segundo o Manual de comércio de Uzzano, por volta de 1440,
o seguro de Bruges a Veneza custava entre 12 e 15%. Diminuiu muito ainda,
como informa um registro genovês de 1485: uma taxa. a “gabela de segurança”,
acabava de ser instituída para armar doze galés contra o rei de Aragão. Era
cobrada sobre os contratos de transporte, e houve 410 naquele ano. A taxa do
prêmio de seguro garantindo o transporte em questão é indicada a cada vez.
Podemos então avançar — sempre com cautela, pois, afinal trata-se apenas de
um ano, e de 410 contratos somente. O seguro raramente incidia sobre o próprio
navio; era muito baixo então (8 a 12%) sobre os grandes navios que faziam
longas viagens, e que normalmente eram segurados por ano; era muito mais
pesado (20 a 30%) sobre os pequenos navios. Versava com muito mais
freqüência sobre as mercadorias; sua taxa em geral era modesta, raramente
superior a 10%. Não era proporcional à distância — 6% de Gênova à Sardenha,
e apenas 10% de Quios a Flandres. Os riscos variavam muito conforme as zonas.
De fato, é preciso distinguir dois tipos de tráfico: o tráfico regional, vulnerável,
com prêmios relativamente importantes (5 a 6%); e o grande comércio
internacional, que se fazia em grandes navios, e pelo qual o seguro,
relativamente, não era caro (em média 8,5 de Gênova à Inglaterra; 3,6 de
Gênova a Quios). E preciso também fazer exceção ao tráfico de trigo da Sicília,
em que se pediam prêmios muito baixos (2 a 2,5%), a fim de favorecê-lo.
O seguro foi difundido no século XV, mas ainda não foi feito o estudo dessa
difusão. Pretendo chegar a duas constatações finais, essenciais: no século XVI, a
Espanha sucederá a Gênova como mercado mundial do seguro, enquanto irá se
anunciar a predominância inglesa e holandesa. Sobretudo, no século XVII, o
cálculo das probabilidades dará a base sólida que faltava ao edifício. Que este
tenha podido erguer-se sem essa base, eis aí, talvez, a maior manifestação dos
progressos realizados nos séculos XIV e XV!
4. A taxa de câmbio era indicada pela letra. Por exemplo, um certo número de
libras barcelonesas por escudo flamengo: diz-se que Bruges dava o certo (era
sempre um escudo) e Barcelona o incerto (um número variável de libras). Eram
sempre as praças mais importantes que davam o certo. Essa taxa não era fixada
de maneira arbitrária: os corretores de câmbio estabeleciam uma cotação
(apenas, nas grandes praças as outras as seguiam), que permitia ao cambista
sacador um certo benefício, admitido pelos canonistas, em razão do serviço
prestado. Naturalmente, essa cotação variava em função da oferta e da procura,
ligadas a fatores comerciais (existência de um déficit das trocas) ou monetários
(ameaças sobre uma ou outra moeda), como em nossos dias.
5. Via de regra, o “trocador” pedia ao sacado para debitar sua conta do montante
da letra. Habitualmente, tinham relações regulares e abriam-se mutuamente
contas que eram debitadas ou creditadas das quantias inscritas nas letras que
sacavam um sobre o outro. Geralmente, também o sacado não pagava o
beneficiário em espécies, mas creditava sua conta. Tudo se resolvia assim
através de escrituras, cujas marcas podem ser encontradas nos registros de
contabilidade subsistentes.
Como se realizou a transição do contrato para a letra de câmbio? Há em primeiro
lugar um debate jurídico: certos autores pensaram que a letra resultava de uma
simplificação progressiva do contrato. De fato, parece se tratar de duas
realidades completamente diferentes. Podemos preferivelmente pensar que a
letra tenha surgido da nota que o devedor enviava a seu correspondente quando
ele próprio não se deslocava: há um exemplar dessa nota, entre Florença e
Bruges, em 1330.
Seu uso normal era de ordem comercial. Servia para pagar compras efetuadas no
exterior. Uma outra variedade era a letra de crédito: o mercador que queria viajar
sem carregar numerário, mandava sacar dele próprio uma letra pagável no lugar
de destino. Nesse caso, doador e beneficiário eram a mesma pessoa. Os
canonistas aceitavam que o cambista tivesse um certo lucro devido ao serviço
prestado e aos riscos que corria (associados à variação possível do câmbio).
Pediam apenas que a taxa de câmbio estipulada pelas letras não fosse diferente
da cotação normal.
O endossamento existia, portanto, desde o início do século XV, mas ainda era
um “truque” técnico, raramente empregado.
— Não havia letra de câmbio nos países longínquos como a Polônia. Para
mandar vir fundos de Cracóvia para Avignon. o papado devia confiá-los a
mercadores ambulantes, que os transportavam em forma de mercadorias e
paravam no caminho para negociá-los. A chegada das espécies a Bruges podia
levar até um ano; em seguida, de Bruges para Avignon, chegavam em alguns
dias por letra de câmbio. Um contraste impressionante.
— Esse mesmo atraso caracterizava a Hansa (41). Ela não ignorou o crédito.
Chegou mesmo a praticá-lo amplamente no século XIV — vindo a desconfiar
dele no século XV. Mas não existiam grandes companhias comerciais com
filiais. O porte de espécies era freqüente: um importante comerciante de tecidos
de lã, como Vicko von Goldensen, de Hamburgo (temos suas contas de 1367 a
1392), muitas vezes mandava ouro e prata a Bruges para comprar tecidos ali.
Um recente artigo de Stuart Jenki destacou outras fraquezas da Hansa, como a
ausência de métodos de informação rápida e completa, o caráter rudimentar das
contabilidades...
— Por fim, a península ibérica, com exceção de algumas praças como Barcelona
e Valência, limitou-se ao contrato de câmbio nota riado. “O Algarve, a Niobla e
Sevilha encontram-se nos séculos XIV e XV na era da grande mutação italiana
dos anos 1250-1350” (P. Chaunu). São esses métodos rudimentares que ainda
servirão para a exploração dos novos mundos.
Quanto aos séculos XIV e XV, Raymond de Roover estudou de modo notável a
organização do crédito e do banco numa grande praça, Bruges (74). Distingue aí
com muita clareza três funções, exercidas por três categorias distintas de
homens.
— Os usurários, que em geral eram originários de Asti e de Chieri, no Piemonte.
O conde de Flandres fazia com que pagassem muito caro por suas licenças de
atividade (a última conhecida é de 1480). Estavam estabelecidos num bairro
tranquilo e discreto, longe do centro. Possuíam vastas instalações, que
possibilitavam organizar os penhores, pois eram empréstimos sobre penhores
que concediam a prazos muito curtos, em geral a pessoas muito modestas. A taxa
legal de juro, calculada para a semana (dois deniers por libra), subia para 43
1/3% por ano, o que pode parecer enorme e explica sua impopularidade;
entretanto, suportavam grandes despesas, e nenhum deles enriqueceu de maneira
escandalosa. Eis aí cristãos representando o papel que tradicionalmente é
atribuído aos judeus. E eis-nos longe do verdadeiro banco!
Com algumas variantes, essa situação é encontrada nas outras grandes praças.
Em todas existe um mercado monetário, com cotação cambial, emissão diária de
letras de câmbio; os manuais de comércio informavam sobre as taxas de câmbio,
às “usanças”, a corretagem. As cotações do câmbio eram fixadas por corretores
(322), que registravam as conclusões a que chegavam as assembléias de
cambistas. Estas eram feitas nas Lojas de Barcelona e Valença, na praça da Bolsa
em Bruges (264), no Royal Exchange de Londres. As variantes? Não havia
distinção entre “trocadores” e cambistas em Gênova. Em Veneza, o primeiro
lugar era ocupado pelos bancos privados do Rialto, que recebiam depósitos e
faziam transferências de fundos — era a “moneta di banco”, que representava
um papel importante. Em Florença, a Arte dei Cambio incluía ao mesmo tempo
os banchi minuti, que também faziam o comércio da ourivesaria; e os banchi
grossi, os cambistas, como os Bardi, os Peruzzi, os Medici...
Nenhum dos progressos que acabo de enumerar teria sido possível sem a
elaboração de um bom sistema de contabilidade. Nessa matéria, não é exagero
dizer que os séculos XIV e XV foram um período decisivo: a introdução da
contabilidade de partida dobrada não precisará sofrer até o fim do século XIX
senão ordenamentos de detalhe. O fato geral é seguro, mesmo se os
contemporâneos não esgotaram todas as possibilidades que lhes abriam essas
descobertas. É mais difícil segui-los historicamente, pois temos apenas restos de
contabilidade, às vezes somente algumas folhas. Como comprovar que tal
progresso foi obtido e generalizado? As lacunas de nossa documentação sempre
irão impedir-nos de alcançar certezas absolutas. Essas considerações mostram-
nos o caminho a seguir: dar as explicações técnicas indispensáveis, e depois nos
lançarmos nos caminhos de Clio.
Débito A Crédito
Débito B Crédito
Vamos supor agora que a operação seja entre a caixa e um único cliente: a
empresa empresta 150 libras a C no dia 1 de janeiro de 1390, e ele reembolsa
100 no dia 1“ de maio. A conta de C é sucessivamente creditada, e depois
debitada:
Débito C Crédito
Assim, destacava-se uma segunda regra fundamental: devia-se abrir uma conta-
despejo, que recebia todas as indicações que não podiam ser registradas na conta
de patrimônio. Essa conta era fundamental para estabelecer o balanço da
empresa. O inventário apenas fornecia uma verificação. Quando não havia
contabilidade de partida dobrada, o balanço era muito mais longo e difícil de ser
estabelecido. Desse modo, os registros de contabilidade multiplicaram-se. Mas
os elementos de base continuavam: o diário de caixa, mantido por ordem
cronológica; o livro razão, mantido por contas de terceiros ou de patrimônio; a
caderneta secreta, que continha os contratos de associação, a conta de lucros e
perdas, etc.
Assim mesmo é possível que a invenção tenha sido feita na Tosca na. É preciso,
aliás, não confundir a evolução da apresentação das contas com a dos próprios
princípios de contabilidade. Salientamos que as contas foram mantidas em
italiano, muito mais cedo que em outras partes, embora a forma bilateral tenha
demorado a se impor. Um fragmento subsistente da contabilidade dos Peruzzi
mostra os créditos mantidos na frente do registro, e os débitos no verso, o que
não é uma disposição muito cômoda. A forma bilateral só aparece em 1382, no
registro de um mercador (chamado Polliani), que diz querer manter suas contas
alia veneziana: “numa página o débito, e em face o crédito”. Entretanto, não
passava de um progresso de apresentação, pois essa contabilidade ainda não era
mantida em partida dobrada.
Quanto à Inglaterra, possuímos muito poucas indicações. Quase não nos restou
nenhum fragmento. Há no século XIV algumas folhas de contas de Gilbert
Maghfeld, mercador de ferro londrino, de quem Chaucer foi um dos clientes;
eram mantidas em francês, com algumas palavras inglesas. Era um simples
compêndio, sem organização muito clara. Na correspondência dos Cely (60) há
algumas alusões a sua contabilidade; sem dúvida, pode-se comparar à dos
hanseatas. Pouca coisa na verdade...
Várias instituições eram próprias das feiras. Em primeiro lugar a “paz da feira”,
salvo-conduto que protegia os mercadores na estrada que levava à feira, e cujo
valor era dado pela autoridade do senhor ou soberano que a concedera. No
próprio lugar da feira, materializava-se numa grande cruz. Na França, existia
amiúde uma jurisdição especial encarregada de assegurar essa paz; nos Países
Baixos ou na Alemanha, recorria-se ao tribunal ordinário da cidade, que adotava
um processo mais rápido, para não atrasar os mercadores. Também existiam
disposições especiais de direito: franquias, como a supressão das represálias
exercidas em caso de delitos de um concidadão, isenções fiscais; e privilégios,
como a agravação das penas concernentes a certos delitos que, desse modo, se
procurava evitar.
Ao fim dessa resenha, é impossível não sentir forte impressão que nos faz
considerar as feiras como uma fase ultrapassada do comércio internacional:
errante de início, ele se fixa aos poucos; Bruges, Paris e Avignon são as grandes
sucessoras — permanentes — das feiras de Champagne. Aliás, a Itália, tão
evoluída, não possuía nenhuma grande feira. Evitemos certamente exagerar: fora
das regiões mais avançadas, as feiras conservavam uma função essencial.
Mesmo com o retorno à segurança, o crescimento e a regularização do comércio,
eram uma instituição condenada. Renascerão a partir do fim do século XIX, sob
a forma de feiras de amostras; Leipzig dará o exemplo, logo seguido por Lyon e
outras.
De qualquer maneira, essas associações eram concluídas para uma única viagem,
o que se justifica muito bem pelas condições em que se praticava o comércio do
Levante; apesar do aparecimento dos fonduks [2] ou colônias, a estadia no
Império bizantino e no mundo muçulmano era proibida aos mercadores
ocidentais. Além disso, esse sistema de curto engajamento permitia repor logo o
dinheiro investido na associação. A responsabilidade era limitada apenas ao
capital desta; se houvesse perda, só ele era atingido, os outros bens dos parceiros
ficavam fora da questão. Esse método permitia tanto ao capitalista quanto ao
mercador dividir seus fundos e sua atividade entre várias associações. Em geral,
quando um navio partia, levando vários mercadores, um grande número de
contratos era concluído em alguns dias no estabelecimento do notário. Exemplo:
quando, em 30 de março de 1248, o “Saint-Esprit” preparava-se para zarpar
rumo à Síria, e o “Saint-Gilles” para a Sicília, 50 commende e duas sociedades
foram concluídas no estabelecimento do notário Giraud Amalric, de Marselha.
Em terra, houve por muito tempo associações temporárias desse tipo. ligadas a
um comércio ainda errante. Depois, sem desaparecer, cederam lugar a outros
tipos mais originais.
A base da sociedade era, portanto, antes de tudo, a família, que podia ser muito
numerosa: em sua última companhia, os Peruzzi ainda eram 11 associados (em
22) e 14 corretores, ou seja, 25 no total. O pessoal compreendia o diretor, que era
o membro mais antigo da família; garantia a companhia por seu prestígio, e em
geral só era substituído ao morrer. Havia entre 10 e 25 associados, que de hábito
tinham um papel na vida da sociedade. Não recebiam retribuição fixa. Mas suas
despesas profissionais lhes eram reembolsadas. Em geral todos eram iguais em
direitos. Havia ainda os corretores, que eram agentes regularmente remunerados.
Pelo menos 378 serviram aos Bardi entre 1318 e 1345. Também havia os
mensageiros; e os hospedeiros (hoteleiros) que podiam representar a companhia
nas cidades em que ela não dispunha de agente permanente. Ao todo. podia-se
chegar assim a um total de 500 pessoas nas companhias mais importantes. Em
geral, esses corretores tinham nascido na própria cidade. Seu valor intelectual e
profissional é admirável. Todos sabiam escrever, contar em todas as moedas e
falavam várias línguas. Os diretores de sucursais tinham de tomar decisões
importantes, e mantinham relações freqüentes com os soberanos. Um bom
exemplo é Francesco di Balduccio Pegolotti que, corretor dos Bardi, escreveu
um importante manual de comércio.
Havia dois tipos de capitais. O capital social era constituído pelas contribuições
dos associados. Em geral, estes também formavam uma "companhia para as
esmolas", dotada de um pequeno capital, cujos dividendos eram distribuídos
entre os pobres. Era o "corpo" da companhia. Mas havia também o
“sopracorpo", formado pelos depósitos, reembolsável à vista, e que rendia juros
fixos anuais de 6 a 10%. Sua importância e sua estabilidade deviam-se à
confiança inspirada pela companhia.
A transição já era sensível com Francesco Datini: sua firma era de fato um
conjunto de associações autônomas, uma por sucursal; tinha todas sob controle.
Mas o tipo perfeito foi realizado pelos Medici (311): em 1458, Cosme era sócio
de onze negócios diferentes — o banco, em Florença; duas manufaturas de
tecidos e uma de sedas, também em Florença; as ramificações exteriores
(Veneza, Milão, Avignon, Gênova, Bruges, Londres) e, por fim, uma associação
em vias de liquidação. Eram entidades legais distintas, como foi reconhecido por
um julgamento de 1455, o que não as impedia de chamarem-se entre si i nostri, e
de se favorecerem mutuamente. Uma distinção era feita entre os maggiori,
membros da família Medici, aos quais eram outorgados direitos superiores, e que
podiam dissolver as associações; e os governatori, que dirigiam as ramificações,
eram interessados nos lucros, mas ligados por instruções imperativas e sempre
revogáveis.
Resta ainda desculpar-me por ter tomado tanto tempo dos leitores com todas
essas inovações comerciais. Na verdade só interessam diretamente a um pequeno
número de pessoas—mesmo se sua existência tem conseqüências sobre a vida de
um maior número. Mas, com a imprensa e a transformação do navio, elas são
particularmente espetaculares.
Para que serviría produzir mais — tanto gêneros agrícolas, quanto produtos
fabricados — se não fosse possível transportá-los melhor? Alguns dos
progressos da produção só podem se explicar, aliás, através do desenvolvimento
dos transportes. Assim, às vezes seremos obrigados a voltar atrás. Nessa
mutação econômica dos séculos XIV e XV, tudo se interliga. Mas tampouco
deixarei de evocar uma condição fundamental desses avanços: a melhor
circulação das notícias.
Em terra (325)
Em todo caso, essa predominância das bestas de carga reduz a importância dos
diversos progressos técnicos realizados nos transportes terrestres (328). Havia
em primeiro lugar os carros, que serviam sobretudo em alguns itinerários,
seguindo estradas relativamente boas. Lembro brevemente que, numa época
anterior, propagou-se a coleira de armação rígida, mantida sobre as espáduas do
animal, o que permitiu um esforço maior dos cavalos (aliás, melhor alimentados
e mais vigorosos), bem como a atrelagem em fila. Tornou-se possível puxar de 2
a 3 toneladas, pelo menos em percursos planos. No século XIV propagou-se a
boléia, peça ligada ao carro, à qual se prendem os tirantes, menos rígidos que os
varais. Havia carros de diversos tipos, com duas ou quatro rodas, puxadas por
um número variável de cavalos. E às vezes, no Midi da França, para os percursos
de planície, atestam-se carros de bois emparelhados.
Por fim, é preciso notar que a construção dos navios de comércio não obedecia
apenas à preocupação de aumentar a capacidade de transporte. Buscava-se
também a velocidade, pela forma da carena (parte imersa do casco), pelo modo
da enxárcia, pela procura de outras forças de propulsão além do vento. Visava-se
também à estabilidade, que era assegurada por um centro de gravidade situado
na parte baixa. Mas, na época, o balanço era duro; também tentava-se atenuá-lo
através de um estudo cuidadoso das formas.
Os historiadores geralmente distinguem a navegação mediterrâ nica, em parte a
remos (barcas, galés), da navegação oceânica, unicamente à vela. Entretanto,
sobretudo a partir do século XIII, houve numerosas trocas entre as duas zonas:
assim os bascos introduziram a nave no Mediterrâneo; no século XV, os velames
mediterrânicos fragmentados propagam-se no Atlântico. Há, portanto, uma certa
unificação.
Essas galés eram trirremes, isto é, em cada banco havia três homens, cada um
munido de um remo. Os bancos eram dispostos obliquamente, e os remos eram
de comprimentos diferentes: 9,50 metros a 10,70 metros. Pesavam até 50 quilos.
Havia de cada lado 25 a 28 bancos, tendo, ao todo, entre 150 e 168 remadores.
Mas os remos só eram utilizados para entrar ou sair dos portos, o que exigia
manobras precisas; ou então em calmaria, ou para avançar contra o vento. Em
geral, apenas um terço dos remadores trabalhava ao mesmo tempo.
Os remadores via de regra eram homens livres, que se armavam para resistir aos
ataques eventuais; eram relativamente bem pagos. Entretanto, sua vida era muito
dura. devido ao esforço que deviam fazer e à obrigação que tinham de
permanecer em seu banco (para comer ou dormir, até mesmo durante as
tempestades).
2. A Kogge hanseática era exatamente o oposto (41). Era um navio redondo, que
manobrava apenas à vela. Desenvolvida a partir de pequenos navios, tinha uma
capacidade de 200 tonéis no final do século XII. O modelo foi introduzido no
Mediterrâneo no final do século XIII, e deu origem à “nave”. Uma maquete foi
construída em nossos dias, segundo a representação dada em 1350 pelo selo de
Elbing. Esse navio media 29 metros de comprimento e 7 de largura. Seus
mastros, em cuja confecção às vezes utilizavam-se dois fustes de árvores, tinham
uma altura entre 16 e 24 metros. Grandes velas quadradas ofereciam-lhe muita
superfície de velame. No fim do século XIV, esse navio fundiu-se com o tipo do
hulk (ou urca), navio de fundo plano e com ventre amplo, o que permitia ao
menos dobrar a capacidade de carga (mais de 430 tonéis). Representa o selo de
Gdansk em 1400.
3. Chegamos naturalmente à nave, já que, como acabo de dizer, ela teve sua
origem a partir dele. É encontrada em Veneza, em Pisa e em Gênova — porto em
que era o único navio utilizado. Era um navio muito largo (15 a 20 metros, por
50 de comprimento), com as popas redondas. Seus costados eram muito altos;
chegou-se a escrever: “a embarcação apresenta-se sobre a água como uma
cidadela — com importantes castelos de proa e de popa”. Era munida de três
mastros, que podiam medir até 45 metros de altura. De grande capacidade (entre
500 e 1.000 tonéis), era um navio maciço, mas pouco manejável; poucos portos
podiam recebê-lo, logo navegava pelo caminho mais direto, evitando escalas, ao
contrário das galés, que deviam parar com muita freqüência para se abastecer.
Convinha ao transporte de produtos pesados, de baixo valor.
O século XV ainda foi uma época de melhoramento dos rios e canais: na França,
o leito do Loire foi limpo, seu curso retificado em certos lugares, construíram-se
molhes para fixá-lo e foram realizados trabalhos para tornar seus afluentes
navegáveis. A partir de 1394, as eclusas foram aperfeiçoadas, como no canal de
Niort ao oceano. Na Holanda, por volta de 1408, apareceram os primeiros
moinhos de vento, que esgotavam a água e permitiam estabelecer todo um
sistema complementar de dragagem e de canais. Mas os maiores progressos
foram realizados na Itália do Norte. O Pó foi regularizado com a derivação de
vários rios. A partir de 1457, o Martesana foi desviado, para levar água a Milão,
depois quis-se tornar esse canal navegável, para evitar as curvas do Adda. Um
certo Leonardo da Vinci trabalhou nisso...
A terra ou a água?
Coloquemo-nos no espírito de um mercador daqueles tempos. Ao ter de escolher
entre um itinerário terrestre e um itinerário por água, os elementos de sua
escolha eram: a velocidade, a segurança e o preço de custo.
Em geral, portanto, a via terrestre saía muito mais cara. No século XV, o fardo de
pastel-dos-tintureiros custava tanto para ir por terra de Alessandria (Itália) ou
Voghera a Gênova (80 e 100 quilômetros), quanto por mar de Gênova à
Inglaterra. O conde de Hainaut, que devia mandar trazer seus vinhos por terra,
pagava no século XIV, pelos vinhos de “França" (Ile-de-France) e do Laonnais,
um frete que representava entre 35 a 40% do preço (mais 12 a 20% de taxas); no
século XV, para os vinhos de Borgonha, 61% (mais 11% de despesas diversas).
No Norte, segundo Michael Postan, o transporte de um tonel de vinho gascão até
Hull não custava sequer 10% do preço de compra em Bordeaux; o da lã, de
Londres a Calais, incluídas as despesas de comboio, saía por menos de 2% do
preço de custo em Londres.
Juntemos finalmente alguns dados sobre essa circulação por correios. Sua
velocidade era muito variável. Nos casos urgentes, os correios podiam cavalgar
noite e dia, cobrindo até 150 quilômetros em 24 horas. Em geral, circulava-se
apenas de dia: 50 quilômetros eram uma distância diária média, mas podia variar
conforme a estação, o relevo, as facilidades de trajeto, etc. Se a partida tinha dia
fixo, certas cartas podiam esperar algum tempo antes de partir. Muitas vezes
também os correios aguardavam, antes de se lançarem nas estradas, ter um
número suficiente de cartas para transportar.
Per números ad homines (pelos números em direção aos homens)... Toda história
econômica que se respeita deve basear-se no homem, artesão, personagem e
testemunha da evolução material. É o que procuraremos fazer neste difícil
capítulo. Como vimos várias vezes, nenhum dos progressos realizados durante
esses séculos teria sido possível sem uma profunda transformação intelectual.
Mas esses progressos também não se realizaram sem provocar debates interiores.
inquietações e dramas, entre homens ligados a uma moral tradicional e, ao
mesmo tempo, espectadores de tantos horrores. O problema é, portanto,
intelectual e moral. Tentemos examiná-lo sob esses dois aspectos.
Um despertar intelectual
Leon Battista degli Alberti (333. 339) pertencia a uma família estabelecida em
Florença, no começo do século XIII. Os Alberti forneceram notários e depois
cambistas. Também participaram da vida política, o que lhes custou o exílio em
1402 por ocasião de uma guerra contra Milão. Entre eles havia um certo Lorenzo
que, em 1404, teve um filho chamado Leon Battista, fora dos laços do
casamento. A juventude de Leon desenrolou-se em Gênova, depois em Veneza, e
deixou-lhe muitas lembranças, esparsas em seus escritos. Como era frágil, seu
pai fez com que praticasse diversos esportes: a corrida, o lançamento da palia
(ou jogo da péla), equitação. Sua instrução não foi menos cuidadosa: além das
artes liberais, aprendeu grego, italiano e matemática, na escola da Barsizza (da
qual saíram letrados famosos, como Filelfo), a qual freqüentou durante dois
anos. Depois estudou direito em Bolonha.
Em 1421, com dezessete anos, teve a infelicidade de perder seu pai. Sua família
quis que praticasse os negócios, como era costume. Mas Leon. que não queria
abandonar seus estudos, teve seu sustento cortado. Seguem-se anos de intensa
atividade, pois trabalhava durante o dia para sobreviver e estudava à noite.
Mesmo assim, ainda encontrava tempo para apaixonar-se. Esse ardor devorante
obrigou-o a parar tudo por algum tempo. Apesar disso, em 1428, conseguiu sua
licenciatura em direito canônico, aos vinte e quatro anos.
Nada disso era especialmente religioso: entretanto, nesse mesmo ano de 1428,
Leon passou a servir o cardeal Albergati, mecenas, a quem acompanhou em
Borgonha. Picardia e Alemanha — países que lhe interessaram vivamente —;
depois, em 1431, serviu o chanceler pontificai Biaggio Molin. Logo, tornou-se
compendiador apostólico na corte do papa Eugênio IV. A visão da Roma antiga,
em ruínas ainda desarranjadas marcou-o profundamente. Em seu tempo livre,
estudava os monumentos, procurava reconstruí-los através de desenhos, iniciava-
se nos métodos dos arquitetos antigos.
O ano de 1447 foi importante para Leon: na ocasião, um dos seus amigos
tornou-se papa, o humanista Nicolau V que, apesar do nascimento irregular de
Leon Battista, conferiu-lhe um benefício de cônego florentino. Pôde desde então
consagrar-se a suas atividades arquiteturais: sua Descriptio urbis Romae é antes
de tudo um plano de ação, e, com efeito, foi ele quem dirigiu os trabalhos de
restauração do aqueduto do Acqua Vergine, da ponte Molle e da basílica de São
Pedro. Quando Prospero Colonna encarregou-o de extrair do lago de Nemi um
navio afundado, Leon procedeu pela primeira vez a essa experiência, com meios
mecânicos tão exatamente calculados quanto consideráveis; isso inspirou-lhe o
opúsculo Navis, hoje perdido. Preocupava-se com as questões matemáticas,
como demonstram seus Ludi matematici, em que são resolvidos vários
problemas, como os colocados pelo nivelamento do solo, e o cálculo da
velocidade de deslocamento de um móvel no ar e na água.
Leon Battista dividiu seus últimos anos entre a tarefa de arquiteto, pesquisas
científicas (no campo da óptica, em particular) e meditações filosóficas. Morreu
em Roma no dia 25 de abril de 1472.
Por essa época. Leonardo da Vinci (338, 340, 342) chegava aos vinte anos.
Também era filho natural: seu pai, o notário Piero da Vinci (Vinci era um
povoado próximo de Florença) colocou-o — e Leonardo irá se lembrar disso! —
numa espécie de orfanato. A proteção dos Medici permitiu-lhe felizmente
estudar pintura na escola de Andréa dei Verocchio, com Sandro Botticelli. Seus
progressos surpreendentes são atestados por uma pequena predela da
Anunciação. conservada no Museu do Louvre. Entretanto as partidas de
Verocchio, de Botticelli e de Perugino deixavam-no desamparado, sujeito a uma
sensação de isolamento. Essa é a razão pela qual, em 1482 ou 1483, enviado
talvez por Lorenzo, o Magnífico, Leonardo seguiu para Milão, onde se
apresentou a Ludovico, o Mouro. Como esse Sforza era um príncipe guerreiro,
foi como engenheiro que Da Vinci lhe foi recomendado. O fato de ocupar tal
função não o impediu de contribuir para a construção das catedrais de Milão e de
Pavia. de decorar o Castelo de Milão, de pintar os retratos do Mouro e de sua
corte, assim como a Ceia (na igreja Santa Maria delle Grazie), de realizar uma
gigantesca maquete de cavalo para o túmulo de Fran cesco Sforza, de organizar
várias festas da corte e de se dedicar a pesquisas anatômicas.
A amplidão de sua obra ainda é mal conhecida, e a autoria de vários dos quadros
atribuídos a ele ainda é discutível. A parte mais segura de sua obra são os
extraordinários desenhos, legados por ele com seus papéis a seu aluno Francesco
Melzi, e que, tomados pelas tropas de Bonaparte em 1796, nunca mais foram
restituídos. Hoje, pertencem ao Institui de France. Ainda existem outros
desenhos dispersos.
O que ressalta dessa obra de uma virtuosidade espantosa são seus conhecimentos
anatômicos, nutridos por uma prática pessoal da dissecação, e que só serão
igualados no século XVII, assim como suas descobertas no estudo da luz e a
representação da água.
São tão comoventes quanto instrutivas as reflexões consagradas por Paul Valéry
a Leonardo da Vinci — um criador referindo-se a um outro criador (351). O que
mais o impressionava, e com razão, na minha opinião era a capacidade que
Leonardo tinha de passar de um gênero para outro, com a mesma mestria, o que
não ocorre para a maioria dos homens. Duas citações farão compreender bem
esse aspecto:
Suas obras impõem-se pelo “rigor obstinado” (marca de Leonardo) com que são
concebidas:
“No fundo de A Santa Ceia há três janelas. A do meio, que se abre atrás de Jesus,
diferencia-se das outras por uma cornija em arco de círculo. Prolongando-se essa
curva, obtém-se uma circunferência em cujo centro encontra-se Cristo. Todas as
grandes linhas do afresco confluem para esse ponto. A simetria do conjunto é
relativa a esse centro e à longa linha da mesa de ágape. O mistério, se há algum,
é o de saber como julgamos misteriosas tais combinações; e esse, receio, pode
ser esclarecido.”
Tanto Alberti como Da Vinci foram homens excepcionais. Aqui, o que nos
interessa especialmente são suas ligações com a economia — o primeiro, por
suas relações com sua própria família assim como com Giovanni Ruccellai; o
segundo. por sua atividade de engenheiro. Neles combinam-se a ciência, a arte e
o pensamento. São gênios universais — e não convém fazermos generalizações a
partir deles. Entretanto, participam de um movimento conjunto, ao qual é preciso
correlacionar as inovações enumeradas nos capítulos precedentes, e que agora
tentaremos analisar.
Por mais numerosas e variadas que sejam suas viagens — e seu conhecimento
do mundo com certeza não parou de crescer e de se aprofundar — continuam
muito ligados à sua cidade de origem. Ge noveses, florentinos, milaneses ou
venezianos agrupam-se nas cidades estrangeiras em “nações”, que têm uma vida
autônoma, administram-se, julgam-se, participam das mesmas festas e emoções
coletivas. São ao mesmo tempo universais e fortemente enraizados.
Seu modo de vida e sua atividade supõem uma instrução adquirida nas escolas e
no trabalho. Assinalamos anteriormente os casos de Alberti e de Da Vinci. Mas
outras centenas de exemplos poderíam ser citadas. Os séculos XIV e XV viram
desenvolver-se entre esses homens da cidade, tanto por prazer como por
necessidade, o gosto pelos estudos. Para satisfazer a tal fato, foram abertas
escolas em número sempre maior, cada vez mais separadas da Igreja e com
programas mais adequados. Também foram redigidos manuais — entre os quais,
os de Pegolotti e de Uzzano são apenas exemplos notáveis — com cujo auxílio
completavam sua formação enquanto trabalhavam com seus pais e parentes.
De que maneira sua visão do mundo e das coisas não teria evoluído? Sua
curiosidade despertara, estavam sempre à espreita de um possível
aperfeiçoamento, e podemos observar mais de um efeito dessa atenção ativa,
graças à qual a economia se desenvolveu. Passam a apreciar as notícias, que hoje
as mídias oferecem em tão grande número, mas que então eram fornecidas pelos
corretores: o que estaria acontecendo no seio de tal família governante? Haveria
uma guerra em preparação? Poder-se-iam prever mudanças monetárias?
Agitações sociais? Apressavam-se em perguntar-lhes e não hesitavam em
especular de acordo com as informações trazidas por eles. No fim do século XIV,
Paolo di messer Pace da Certaldo explica cinicamente a necessidade desse
sistema a propósito das correspondências agrupadas (330):
“Se você pratica o comércio e se, às cartas que lhe são destinadas, são juntadas,
quando você as recebe, cartas destinadas a outra pessoa, tenha sempre presente
no espírito ler em primeiro lugar suas cartas antes de enviar as do próximo. E se
suas cartas contêm conselhos de compra ou de venda que devem proporcionar-
lhe lucro, convoque logo o corretor e faça o que lhe aconselham as cartas, e só
depois envie as cartas que vieram junto com as suas. Mas nunca as envie sem
que antes tenha feito os seus negócios, pois essas cartas poderíam conter
indicações que criariam empecilhos para seus negócios, e o serviço que você
teria prestado a um amigo, a um vizinho ou a um estranho, ao entregar-lhe suas
cartas seria em seu grande detrimento: ora, você não deve servir ao próximo para
se prejudicar em seus próprios negócios.”
Reflexões e angústias
“Ele quer ser enterrado no convento dos Irmãos Prêcheurs\ oito Irmãos
conduzirão seu corpo, vestido com o hábito da Ordem. Mas quantas precisões!
No dia dos funerais, haverá doze círios, pesando cada um duas libras de cera,
assim como as velas necessárias; uma missa cantada será dita no convento por
um Irmão, assistido por um diácono e por um subdiácono. Será seguida das
litanias dos exau dis, e acompanhada de cem missas rezadas de requiem, no
mesmo dia. No dia seguinte, outra missa cantada, também seguida dos exau dis,
com seis círios de duas libras de cera. No menor prazo, três anos no máximo,
600 missas rezadas, das quais 150 no convento dos Irmãos Prêcheurs, 150 no
dos Menores, 150 no dos Agostinianos, 100 no dos Carmelitas, 50 numa igreja
(a Daurade). No aniversário, nova missa cantada com seis círios, novas litanias,
e além disso 100 missas rezadas no convento dos Irmãos Prêcheurs."
Os legados piedosos são mais ou menos da mesma natureza que antes. Mas
como não se impressionar com essa extraordinária mobilização de homens e de
dinheiro em proveito de uma certa ostentação?
“Já soube através de suas cartas, de suas atribulações e dos impedimentos que
lhe causam as coisas deste mundo; mas, agora que as vi com meus próprios
olhos, sei que são bem maiores do que eu pensava. Quando penso nas
preocupações que lhe causam a casa que o senhor constrói, seus armazéns nos
países afastados, seus banquetes e suas contas, e muitos outros negócios,
parecem-me bem superiores ao que é necessário, e compreendo que o senhor não
possa subtrair uma hora ao mundo e a suas armadilhas. Entretanto, Deus
concedeu-lhe uma abundância de bens materiais e deu-lhe mil avisos a fim de
despertá-lo. Ei-lo com a idade de quase sessenta anos e livre de preocupações
com filhos — irá então aguadar até seu leito de morte, quando o ferrolho da
porta da morte será levantado, para mudar seus sentimentos?
“Em suma, queria que o senhor terminasse muitos de seus negócios que, diz o
senhor, estão em ordem, que parasse de construir e ainda que distribuísse uma
parte de suas riquezas em caridades por suas próprias mãos, e que apreciasse
essas riquezas em seu justo valor, isto é, que as possuísse como se não fossem
suas... Não lhe peço que se torne um padre ou um monge, mas digo-lhe para pôr
ordem em sua vida.”
Dezesseis anos mais tarde, em 1407, quando Francesco Datini estava velho
(mais de setenta e cinco anos), próximo da morte (que aconteceria em 1410), Ser
Lapo Mazei escreveu a Margherita, esposa de Francesco:
Temos muitas provas de que esse conflito não foi o único. Assim como, outrora,
os trovadores que cantavam o amor humano, extra -conjugal, proibido — como
Bemard de Ventadour, talvez o maior de todos — tinham-se fechado no claustro
no fim de seus dias, ou tinham — como Foulques de Marseille, que se tornou
cisterciense e depois bispo de Toulouse — batido com vigor no peito dos outros
(pelo que foi muito censurado!), do mesmo modo, homens de negócios, um Fra
Santi Ruccellai (1437-1497) tinha sido, durante muito tempo, banqueiro em
Florença antes de se tornar dominicano na velhice e escrever um tratado de
contabilidade, a meio caminho entre a moral cristã e as práticas capitalistas.
Quem seria capaz de dizer os motivos que o levaram a vestir o traje branco?
“Essa religião é, portanto, uma religião das observâncias e das obras.” Cristina
de Pisano quer exaltar a piedade do rei Carlos V de França e enumera a exatidão
de suas práticas.
“Reúnem-se às vezes nos lugares santos; foi na casa dos Irmãos Prêcheurs de
Siena que a companhia dos Bonsignori foi fundada em 1289, renovada nessa
data. E os contratos de sociedade começam geralmente com uma invocação,
como o da companhia dos Tolomei de Siena em 1321: ‘Em nome de Deus e da
Virgem Maria; que nos possam dar e conceder os meios para praticar ações que
revertam em seu louvor e em sua glória, em nossa honra e em nosso proveito
para a alma e para o corpo. Amém...’ Esperam de seus negócios grandes lucros;
mas não pensam acumulá-los de maneira egoísta, quando há tantos pobres e
infelizes. Também prevêem, desde a constituição das companhias, uma atividade
benfeitora destas, que põem em nome de Deus e dos pobres — ‘conto di messer
Domeneddio’, dizem os Bardi — uma parte do capital social, variável conforme
as companhias, em torno de 1%, e a fração dos ganhos referente a essa parte é
destinada aos pobres. Não existe melhor maneira de despertar o interesse de
Deus para o sucesso da empresa. Em cada armazém é comum haver uma caixa
de dinheiro pendurada na parede, destinada a esmolas. Todos os homens de
negócios fazem parte das confrarias. É o caso, em Florença, da d’Or San
Michele, enriquecida por seus donativos...” (Y. Renouard, 71).
O cristão pertence à Igreja. Fora dela não há salvação. Não em de procurar a fé,
ele a encontra pronta; não tem de se interrogar sobre a Escritura, que recebe na
Igreja e por seus cuidados. “A Igreja é, em primeiro lugar, a Igreja da
autoridade” (Ét. Delaruelle). O padre não é um apóstolo; sua tarefa essencial é
ministrar os sacramentos.
Mas Valia ficou célebre principalmente devido a seu De falso credita e ementita
Constantini donatione declamado — “Discurso sobre a doação de Constantino
considerada injustamente autêntica” (1440). Ataca de frente essa doação
inventada no século VIII, na qual o imperador Constantino, convertido ao
cristianismo pelo papa Silvestre, teria por reconhecimento legado para sempre ao
papado, não só o poder espiritual sobre os outros patriarcados, mas uma
dominação temporal de Roma, da Itália e das províncias e cidades ocidentais.
Essa falsificação grosseira tinha sido considerada durante séculos como um
documento evidentemente autêntico. A política pontificai baseara-se em parte
nele, sobretudo contra os imperadores. Como vimos, na crise aberta pelo Grande
Cisma, que resultou nos Concílios reformadores, dúvidas tinham sido
levantadas. Pela primeira vez, o documento era criticado a fundo e
impiedosamente rejeitado. Tal audácia não podia ficar impune. Valia foi duas
vezes levado ante um tribunal inquisitorial, do qual foi salvo pela intervenção de
Alfonso V. Em 1447. o novo papa Nicolau V, já citado, iria acolhê-lo em Roma
na qualidade de secretário apostólico: “triunfo do humanismo sobre a ortodoxia
e a tradição”, escreveu-se. De qualquer modo. ao cristianismo exterior, fundado
no respeito da Igreja romana enriquecida por Constantino, Valia opunha um
cristianismo pessoal, o mesmo de São Paulo. Parecia-lhe vão querer conhecer o
segredo de Deus pela razão:
“Diria que nem os homens nem os anjos sabem o motivo pelo qual a divina
vontade endurece um no mal e tem piedade do outro. Ora, se a ignorância desta e
de muitas outras coisas não diminui o amor dos anjos por Deus, se eles, mesmo
assim, vão a seus ministérios e se sua beatitude tampouco diminui, por que essas
mesmas causas nos fariam perder a fé, a esperança e o amor? E enquanto
depositamos nos sábios nossa confiança sem razão, apenas em virtude de sua
autoridade, não a teríamos em relação a Cristo, virtude de Deus e sabedoria de
Deus?”
[1] Moeda cunhada em Paris, que valia um quarto a mais do que a moeda
cunhada em Tours. Daí libra parisis e libra tornesa. (N.T.)
[2] Epicuri de grege porcus, exp. lat. sign. porco do rebanho de Epicuro. Frase
com que Horácio (Epístolas, I, 4, 16), por ironia, classifica a si mesmo, ao
criticar a linguagem dos estóicos, cuja austeridade excedia o razoável ante os
princípios da sua filosofia. Por causa de seu pitoresco, a expressão ficou para
designar qualquer homem grosseiramente sensual. (Grande Enciclopédia Delta
Larousse, 1975) (N.T.)
III. TENTATIVA DE BALANÇO
12. Esboço da nova Europa
A Itália — ou pelo menos sua parte central e setentrional. O Mez zogiorno, sob
domínio angevino e depois aragonês, já é subdesenvolvido. A Sicília surge
sobretudo como um celeiro de trigo, no qual os compradores servem-se
constantemente, mas com mais insistência nos anos difíceis. Em direção ao
centro, os Estados Pontificais, que tomavam a península obliquamente de Roma
a Rimini, formam o teatro, bastante anárquico, como vimos, de operações de
resgate das terras arruinadas. É, portanto, especialmente para os Estados urbanos
do Norte que devemos dirigir nossa atenção: eles acabam de se constituir no
século XIV e, freqüentemente, encontram-se envolvidos em lutas fronteiriças no
século XV.
“A César o que é de César”: Florença é uma capital econômica e monetária da
Europa (46. 73, 84). E isso é um fato novo: a cidade esteve durante muito tempo
atrasada, afastada da grande estrada Roma-Milão que, para evitar os ataques
vindos de Ravena, passava mais a Oeste, por Pisa e Lucca. Ao menos ela obteve
desse isolamento o gosto da independência, com o qual havia se habituado. São
seus talentos industriais que a tiram do ramerrão: a arte com que tingia os
melhores tecidos, os do Oriente e os de Flandres, e lhes dava os últimos retoques
— a Arte di Calimala. Mas necessitava ter um porto: em 1171, por ter ajudado
Pisa a triunfar sobre a coligação Lucca-Gênova, conseguiu um tratado comercial
que lhe permitia utilizar os navios pisanos pagando as mesmas tarifas dos
próprios pisanos, possuir entrepostos, etc. No século XIII. completou-se essa
ascensão econômica: os florentinos viajaram largamente, das feiras de
Champagne ao Oriente Próximo; desenvolveram sua própria indústria de lã. a
Arte delia Lana-, praticaram uma política de empréstimos, às vezes imprudente,
para os soberanos e para as cidades; criaram uma moeda de ouro, o florim
(1252) — contendo a imagem de São João Batista e a flor-de-lis — que logo
tornou-se o padrão monetário da Europa. As conseqüências políticas e militares
seguiram-se: a criação do condado florentino, país encerrado entre os Apeninos e
o mar Tirreno, com montanhas cheias de bosques, colinas vulcânicas, cobertas
de vegetação arbustiva, vales férteis, e baixas planícies litorâneas pantanosas. O
Arno constituía sua artéria principal. Englobava de início a diocese de Florença,
e as dioceses vizinhas de Fiesole. Prato, Pistoia, Arezzo; completou-se graças às
vitórias conseguidas depois de longas lutas, contra Pisa (1406), Lucca e
finalmente Siena (1455).
Todo esse sistema repousa numa base dupla: As Artes, e o partido. As Artes
regulamentam a produção e a venda da maioria dos produtos. Entre elas,
distinguem-se as sete Artes Maiores (Calimala, Lana, Cambio, Por San Maria ou
comerciantes de seda, Médicos e Dro guistas, Peleiros, Juizes e Notários) e as 14
Artes Menores (Açougueiros, Comerciantes de vinho, Sapateiros, Curtidores de
peles, Ferreiros...). Cada Arte possui seus cônsules e seus Conselhos, vigiados de
perto pela Senhoria. O partido guelfo tem capitães, sorteados, e Conselhos. Pode
recrutar tropas. Forma uma espécie de Estado dentro do Estado, mais aliado à
Senhoria que subordinado a ela.
Regime protegido demais contra a autoridade — regime que por fim sucumbirá.
A evolução pode ser vista na história dos Medici. Essa família, que gostava de
dizer-se ligada a Perseu, aparece nas crônicas florentinas no final do século XII.
O primeiro membro distintamente conhecido é Salvestro dei Medici que, em
1378, foi o chefe real da revolução popular dos Ciompi (cardadores de lã). O
verdadeiro fundador da fortuna da família foi Giovanni di Bicei dei Medici
(1360-1429), que adotou uma atitude mais moderada, ao mesmo tempo em que
sempre apoiava as Artes Menores, o que lhe assegurou grande popularidade.
Pelos seus negócios, acumulou uma importante fortuna da qual se beneficiarão
seus herdeiros; até o Concilio de Constança deu-lhe oportunidade para ganhos
consideráveis. O pequeno grupo de famílias — entre as quais os Albizzi —, que
tinha açambarcado o poder depois da repressão dos Ciompi, limitava
cuidadosamente o número de elegíveis, exilava as linhagens rivais, como os
Alberti, os Medici, e conduzia uma política exterior brilhante, mas penosa, cujo
apogeu foi marcado pela vitória contra Pisa. A oposição crescia, em particular
em torno de Giovanni. Quando ele morreu, em 1429, foi alvo de grandiosos
funerais, dos quais participaram representantes do imperador, de Veneza, etc. A
prova de força começou em 1433: como a guerra contra Lucca fracassara mais
uma vez, Cosimo, filho de Giovanni, negociou uma paz de compromisso. Então
os Albizzi fizeram com que fosse julgado responsável pela derrota e fosse
exilado por dez anos em Pádua. Ao mesmo tempo, os Medici eram declarados
magnatas. Mas Cosimo foi bem recebido em Pádua e Veneza. A Senhoria
designada em setembro-outubro de 1434 era a seu favor e mandou revogar o
decreto que o bania. Pôde então efetuar um retorno triunfal, ao passo que os
Albizzi foram inscritos, por sua vez, como magnatas.
Seu filho, Piero, il Gottoso, só lhe sobrevive cinco anos (1464-1469): ótimo
homem de negócios, mas fraco e bastante pressionado por seu círculo, teve de
reprimir uma conspiração em Florença. Então passam ao primeiro plano seus
filhos Giuliano e Lorenzo. Giuliano é um homem sedutor, mas totalmente
estranho aos negócios, cujo peso recai então sobre seu irmão, Lorenzo, o
Magnífico. Ora, este é muito inferior a seu avô Cosimo. Nos negócios, não tem a
mesma prudência e não os controla de perto o suficiente. Tem, por outro lado,
gosto pelas festas e pelo luxo, mas sem verdadeira personalidade artística e
intelectual. Cada vez mais deixa-se levar por seus agentes, sobretudo Francesco
Sassetti, diretor do banco de Florença, muito seguro de si mesmo, e Tommaso
Portinari, dirigente da ramificação de Bruges, que passa a emprestar demais aos
duques de Borgonha, ao mesmo tempo em que mostrava um gosto artístico
bastante seguro — encomenda quadros a Memlinc e tapeçarias. Lorenzo comete
muitas imprudências políticas. Reprime em 1470 a revolta de Prato. Em 1478, a
conjuração arquitetada pela rica família dos Pazzi chega a um palmo do sucesso:
Giuliano é morto na catedral. Lorenzo consegue refugiar-se na sacristia. A partir
de então, comanda uma repressão feroz. Mas em 1480 passa a predicar um
dominicano oriundo de Ferrera, Girolamo Savonarola, prior de San Marco, que
denuncia com vigor os vícios difundidos em Florença e o abuso das riquezas.
Nos últimos momentos de vida, Lorenzo solicita em vão seu perdão, e morre
sem absolvição (1492). Seu filho Pietro, o Azarado, acabará por ser expulso pela
intervenção francesa.
Tudo isso não deve nos fazer esquecer o extraordinário florescimento da arte e
da literatura de que Florença foi palco. Yves Re-nouard escreveu: “O gênio
germinou em Florença nos séculos XIV e XV como nunca o fez em nenhuma
cidade do mundo” (71).
Assim como Florença era, no século XIII, uma novata no concerto das potências
italianas, Veneza aparecia como a patriarca (32, 51, 85). Desde o início do século
VI, Cassiodoro indicava as atividades de seus habitantes no comércio do sal e no
transporte de mercadorias. Seu crescimento fez-se aos poucos na órbita
bizantina. Ela emancipou-se, tornou-se aliada de Bizâncio e, finalmente, em
1204, foi a alma da conquista de Constantinopla pelos Cruzados. É aqui que os
primeiros traços do espírito “capitalista” foram sentidos no Ocidente: o
testamento (único conhecido, mas deve haver outros) de um nobre investindo
importante quantia no comércio demonstra-o bem. Por fim, que quadro
geográfico original, o qual ainda hoje faz parte da voga do turismo veneziano! É
um verdadeiro paradoxo o nascimento dessa metrópole sobre algumas ilhas
espalhadas numa laguna no fundo de um mar quase fechado. De fato, essas ilhas
serviram como refúgio para os habitantes do continente invadido pelos
lombardos no século VI. Não tinham outra possibilidade senão viver do mar,
mas poderiam ter vegetado. O crescimento da cidade é resultado de um conjunto
de notáveis qualidades humanas: coragem, espírito de iniciativa, tenacidade...
Veneza foi a única potência medieval que teve de fato um Império colonial,
depois da Cruzada de 1204. A própria Senhoria conquistou seus pontos
principais. Os outros foram confiados a patrícios, que conquistaram feudos:
assim, Marco Sanudo fundou o ducado do Arquipélago no mar Egeu. Ao longo
da costa oriental do Adriático e do mar Jônio, há Ragusa e Durazzo (até 1358),
Zara, as ilhas de Corfu (a partir de 1386), Cefalônia, Zante e, finalmente, os
portos de Modon e Coron no Peloponeso. No mar Egeu, a colônia principal é a
ilha de Creta, “núcleo e força do Império”; ao longo da Grécia, há a ilha de
Negroponto (antiga Eubéia). Uma grande parte do arquipélago (à exceção de
Quios que é genovesa) está nas mãos dos patrícios. Em Constantinopla,
reconquistada pelos bizantinos, um acordo com Basileu deixou para Veneza, ao
longo do Corno de Ouro, um importante bairro, com sua igreja, sua própria
administração, locais de comércio (acontece o mesmo em Tessalonica). Além
disso, os venezianos gozavam de uma extensa isenção alfandegária no Império
bizantino, e da liberdade do tráfico — portanto, de acesso ao mar Negro. A
administração desse conjunto é pesada, centralizada: há sempre um bailio ou
reitor, assistido por um Colégio executivo e por Conselhos. Os postos superiores
são confiados a patrícios venezianos, eleitos pelo Grande Conselho ou pelo
Senado, em geral para dois anos, com instruções precisas. Esse centralismo é
atenuado pelas distâncias — é necessário quase um mês para ir de Veneza até
Cândia, em Creta —, pela participação das aristocracias locais nos ofícios
menores, pelo respeito aos privilégios locais, como em Corfu, em Tessalonica...
O que pode possibilitar uma ampla autonomia para a colônia: é o caso de
Ragusa. Fora do Império, há estabelecimentos comerciais de mercadores
venezianos como em Lajazzo (Armênia), na Síria, no Egito (Alexandria).
Veneza tinha um sério concorrente no Oriente: Gênova que, com Pisa, apoiara os
Cruzados na Síria. Agindo principalmente no Império Bizantino, Veneza não
sentira de início nenhuma rivalidade. Entretanto, para lutar contra a pesada
predominância dos venezianos, Basileu concedia, no seu Império, benefícios aos
genoveses. Os venezianos desforraram-se deles na Síria. Os genoveses ajudaram
Basileu a reerguer-se em Constantinopla em 1261. Acredita-se que tenham
ocorrido guerras entre as metrópoles. Citamos agora, rapidamente, uma série de
quatro, de 1261 a 1270, depois de 1294 a 1299, de 1351 a 1355, e, finalmente, de
1377 a 1381. Foram disputadas com obstinação. Em 1379, com o apoio dos
pequenos príncipes vizinhos de Veneza, os genoveses chegaram às cercanias da
laguna. Mais adiante voltarei a falar sobre as graves consequências que sofreram
pela derrota no combate decisivo de Chioggia.
De qualquer modo, uma lição Veneza aprendeu com isso: era preciso dominar a
Terra Firme, onde, em 1274, ainda era proibido a seus cidadãos adquirir
domínios pois isso poderia desviar do comércio capitais úteis. Mas era
necessário proteger as rotas comerciais do resto da Itália e da Alemanha. O
desaparecimento do imperador deixava que príncipes menos importantes, mas
ambiciosos (como os Carrara de Pádua), tivessem possibilidade de controlá-las,
de enriquecer-se através dos pedágios, ou até de aliarem-se aos genoveses. Não é
por acaso que a conquista definitiva da Terra Firme seguiu-se a Chioggia. Em
1420. Veneza tornou-se senhora do grupo Verona-Pádua-Treviso, do Friúli, da
Istria: estabeleceu sua influência sobre a Dalmácia. A luta contra Milão faria
com que seu poder se estendesse até Bergamo e Brescia (paz de Lodi, 1454).
Surgiram então todas as vantagens que lhe proporcionava seu condado: ele
fornece o aprovisionamento, a madeira para suas frotas, homens para suas
tropas. Rende 306.000 ducados para a Senhoria em 1440, contra 180.000 para as
outras posses de Ultramar. Oferece, para os próprios venezianos, várias
oportunidades de investimentos territoriais, cada vez mais apreciados, enquanto
no Oriente multiplicam-se as dificuldades.
Em geral, considera-se que Veneza tenha atingido seu apogeu em 1423. Data de
então o discurso que o historiador Marin Sanudo, ao escrevê-lo mais de um
século depois, colocou na boca de Thomas Mocenigo, doge expirante (32):
“Senhores. Nós os convocamos, a todos, pois Deus quis nos dar essa
enfermidade que porá termo à nossa peregrinação, e louvamos bem alto a
onipotência de Deus... A cujo Deus trinitário somos muito gratos, por inúmeras
razões. No que nos concerne, encontramos o dito Deus nos 41 que nos elegeram
chefe de nossa cidade, com numerosos capítulos a respeitar: defender a fé cristã,
amar o próximo, fazer justiça; querer a paz e conservá-la; coisas que nos
esforçamos para fazer, e que Deus, que tudo fez, seja louvado! Assinalamos que,
nesse meio tempo, amortizamos 4 milhões de imprestedi, dívida da Câmara que
fora contraída para a guerra de Pádua, Vicenza e Verona, e nosso total devido
encontra-se em 6 milhões de ducados; esforçamo-nos para fazer de tal modo
que, a cada seis meses, tivéssemos efetuado dois ‘pagamentos’ de imprestedi
além disso e todos os oficiais e administrações e todas as despesas do arsenal...
“Vocês viram nossa cidade cunhar todos os anos em ouro 1.200.000 ducados; em
prata, tanto em mezzanini, gros e soidos 800.000 ducados por ano, dos quais
5.000 marcos por ano vão para o Egito e para a Síria; em grossetti vão todos os
anos para suas regiões de Terra Firme, e em mezzanini e soldini, 100.000
ducados. Para suas terras marítimas, vão todos os anos 100.000 ducados de
soidos, e o resto fica em Veneza. Vocês viram que os florentinos trazem cada ano
16.000 peças de tecido de lã, tanto médios, finos, como muito finos. E nós
levamos para eles na Apúlia, reino de Sicília, Catalunha, Espanha. Barbaria
(Maghreb), Egito, Síria, Chipre. Rodes, Româ-nia, Cândia, Moréia, Lisboa, e
cada semana (?) os ditos florentinos trazem 7.000 ducados de mercadorias de
todo tipo, ou seja. por ano, 150.000 ducados, e compram lãs francesas, lãs da
Catalunha, grãos de quermes, sedas, ceras, ouros e pratas tirados à fieira,
açúcares, pratas brutas, especiarias grandes e miúdas, alume de rocha, anil,
couros, jóias, para o maior benefício de nossa terra...”
A vida política era uma atividade reservada ao patriciado: Veneza oferece o mais
belo exemplo de união do poder político com a prática dos negócios. A Senhoria
é o representante permanente do Estado. No seu comando, o doge é eleito de
maneira complicada (há onze escrutínios sucessivos), mas por toda a vida. Veste
um uniforme magnífico, títulos pomposos (“Príncipe Sereníssimo"); mas, fora a
autoridade moral de que pode gozar, não exerce muito poder. Propõe suas
opiniões nos Conselhos, mas não pode impô-las. Também está obrigado pelo
juramento solene que pronunciou quando de sua elevação. Alguém escreveu que
ele tem “a majestade de um príncipe e os deveres de um cidadão”. Em geral,
aceita esse “jugo dourado”. Deve fazê-lo. Francesco Foscari será deposto em
1457 pelas simples suspeitas que sua atitude despertará. É assistido pelo
Colégio. Paralelamente existe o sistema complexo dos Conselhos. O Grande
Conselho possui uma competência universal. No fim do século XIII, foi
“fechado”: em 1325, criou-se até mesmo um livro, onde estavam inscritas as
famílias que faziam parte desse Conselho. Desse modo, achava-se definida e
delimitada a nobreza. Mesmo assim é muito numerosa — cerca de 1.300
membros. Mas é o Senado (120 membros) que representa o papel essencial:
dirige a política estrangeira, nomeia os embaixadores; dirige a guerra, designa
eventualmente um capitão geral do mar e um da terra; organiza a vida
econômica, nomeia numerosos titulares de funções; tem um papel legislativo,
dividindo com o Grande Conselho o exame das proposições de lei oriundas do
Colégio. O Conselho dos Dez, instituído provisoriamente, tornou-se definitivo
em 1355 e nele juntaram-se o doge e seus conselheiros. Havia também um
advogado da Comuna, que podia defender os acusados. Seu papel consistia em
dirigir a polícia e proteger o Estado. É ele quem, em 1457, deporá Foscari.
Conhecemos alguns desses patrícios. O caso da família Barbarigo (954) pode ser
considerado como exemplo ou, pelo menos, uma de suas ramificações,
conhecida através de registros do século XV. pois havia uma outra ramificação,
que forneceu dois doges no século XV. Era de fato uma linhagem de nobreza
antiga. Em 1417, a ramificação pela qual nos interessamos teve uma queda
brusca. Niccolò Barbarigo, chefe de uma frota de galés oriunda de Alexandria,
passou por um canal interditado perto de Zara e perdeu ali uma galé que
encalhou num recife. Foi punido com uma multa de 10.000 ducados, que
arruinou a família. Esta foi restaurada por seu filho Andréa, que se lançou nos
negócios com um capital de 200 ducados, emprestados por sua mãe. Engajou-se
nas galés. Exerceu também as funções de procurador junto a um tribunal
comercial. Em 1431, possuía cerca de 1.600 ducados, capital inteiramente
investido no comércio. Para si mesmo, contentava-se com uma casa alugada,
com um único escravo . Em seguida, tirou proveito de suas relações: seus primos
de Creta; o banqueiro Francesco Balbi, que lhe concedeu adiantamentos; a rica
família Cappello, com quem se aliou por casamento, o que lhe permite dispor de
um dote de 4.000 ducados (1439). Aumentou assim o volume de seus negócios,
ao mesmo tempo que passou a ter uma vida mais abastada. Morreu em 1449,
deixando cerca de 15.000 ducados, o que mesmo assim não representava uma
enorme fortuna (sabe-se de um doge que, em 1476, possuía 160.000 ducados).
Pelo menos ele comprara um domínio, com uma casa de verão.
Podemos citar vários descendentes seus: o jovem primo Alvise da Mosto, que
navegou para ele na Barbaria, e será um precioso auxiliar do príncipe português
Henrique, o Navegador (que descobrirá as ilhas do Cabo Verde). Com seus
filhos, Niccolò e Alvise Barbarigo, marca-se uma nítida evolução: Niccolò fez
uma única viagem para Creta, para se ocupar dos bens que possuía lá; em 1462,
dos 15.000 ducados que ele possuía, menos de 1.300 estavam investidos no
comércio; em seu testamento de 1496, recomendava a seus filhos para
conservarem sobretudo seus domínios e seus títulos da Dívida, pois “a atividade
comercial não rende mais como outrora”.
A partir dos incanti (leilões para a locação das galés, entre a República e os
particulares), Aldo Tenenti e Vivanti reconstituíram a evolução do sistema
(Andnales ESC, 1961): foi formado entre 1330 e 1340. No começo, os navios
eram construídos nos estaleiros particulares. O Estado impunha apenas algumas
regras de navegação. Quando o sucesso de um itinerário afirmava-se, assumia a
linha. As grandes viagens mais regulares eram as da Síria e Alexandria, com
escalas em Creta e em Chipre; a de Constantinopla e Tana, no mar Negro; a de
Flandres e Inglaterra. Mas também havia linhas secundárias: como, no século
XV, a viagem de Aigues-Mortes, prolongada até a Espanha; a partir de 1436, a
viagem de Barbaria, prolongada para o Sul da Espanha. Desse modo, constituiu-
se todo um sistema de linhas mercantes regulares.
A luta contra os turcos domina a história de Veneza no século XV. Até aí, o
avanço dos turcos foi sobretudo em terra, envolvendo pouco a pouco
Constantinopla. Em vista disso, a expansão veneziana, servida por uma
supremacia naval segura e pela boa vontade das populações gregas incomodadas
pelos turcos, circunscreve esse avanço com uma espécie de "cordão” protetor.
Durazzo e Corfu (1387) são ocupadas, o poder sobre o Arquipélago torna-se
mais forte. No seio do Império, as relações com as populações autóctones
melhoram. inicia-se a evolução em direção a uma administração mista (ve-
nezianos e autóctones). Com a queda de Tessalonica (1431), o duelo passa a ser
direto. A expansão turca, além de terrestre, começa a ser marítima. Isso explica a
queda de Constantinopla (1453), de Ne groponto (1470), do Tana (1475), de uma
parte do Arquipélago. Veneza aceita essas perdas pela paz de 1479.
Compromete-se a pagar um tributo de 10.000 ducados para conservar o direito
de negociar no Império Otomano. Entretanto, à exceção do Mar Negro, o tráfico
continua — com Constantinopla e Tessalonica. Além disso, em 1489, Veneza
domina Chipre, que lhe é entregue por uma veneziana herdeira dos Lusignan.
Desse modo, o comércio continua importante. Mas o avanço turco continuará
(351).
Apesar de Veneza ser com certeza o maior mercado da Itália, não havia ali um
florescimento literário e artístico comparável ao de Florença. Entretanto, não se
deve negligenciar a evolução dos últimos decênios do século XV: certamente as
Universidades situavam-se em outros lugares, a de Pádua, por exemplo. Mas os
sábios gregos expulsos de Constantinopla trouxeram seus manuscritos, que se
acumularam na biblioteca de São Marcos. Veneza torna-se um centro de ensino
do grego e da filosofia platônica. Os impressores alemães também exerceram
alguma influência: a empresa gráfica de Aldo Manuce é fundada por volta de
1495, e Veneza será um grande centro de impressão. A arte, muito bizantina,
manifesta um gosto intenso pela cor, o que explica a adoção precoce da pintura a
óleo. No século XV, as pinturas de Giovanni e Gentile Bellini fundam a grande
tradição veneziana. Mas nota-se em tudo isso a predominância das influências
exteriores. Mas não se observam o mesmo poder criador nem a mesma
participação dos mercadores existentes de Florença.
Em 1339 foi criado o cargo de doge: era o chefe dos popolari, o “defensor do
povo”. Seu papel era sobretudo militar. Era eleito, em princípio para toda a vida.
por uma espécie de assembléia popular. Mas cada eleição parecia uma espécie de
reviravolta, e poucos eram os doges que não acabavam sendo depostos, e até
assassinados. Na ausência do Grande Conselho — um tipo de assembléia
popular, que raramente era reunida — era o Conselho dos oito Anciãos,
renovados a cada quatro meses, que dirigia os negócios, designava os outros
Conselhos (da Moeda, do Mar...), e os balies extraordinários, formados para
travar uma guerra ou restabelecer a paz civil. Sistema fadado ao insucesso, pois
os Anciãos governavam, e o doge dispunha da força pública, e não se entendiam
bem. Além disso, os pretendentes ao cargo de doge mantinham-se numa agitação
quase perpétua.
Não falei do gosto dos genoveses pela arte e pela literatura. Não que não tenha
existido. Mas, para eles, arte e literatura representavam aspectos secundários.
Eram mais tentados a dissimular suas paixões. Suas preocupações eram
sobretudo práticas, por isso tiveram uma ótima escola de cartografia. Mas
Gênova era um centro muito original: ali a cidadania era rapidamente obtida, por
simples residência, mas tecia laços morais duráveis; o individualismo, uma
debilidade sob certos aspectos, encorajava também a audácia; enfim, mais que a
capital de um Império, a cidade era capital de um mundo — do qual surgirá o
Novo Mundo...!
Pena que Lodovico tenha se deixado levar pela ambição de criar uma monarquia
hereditária, suscitando assim oposições! Em 1492, a morte de Lorenzo, il
Magnífico, privou-o de seu melhor aliado. Quando Luís XII de França interveio,
em 1498, não pôde resistir-lhe, morrendo miseravelmente em Loches. Contudo,
continuou sendo um centro notável.
Pelos desfiladeiros alpestres, por Genebra e Basiléia, e depois pelo vale do Reno
ou pela circunavegação atlântica, chegava-se aos Países Baixos. Alcançava-se a
outra ponta do eixo. Os quadros políticos estavam em vias de transformação. O
passado legara uma fragmentação feudal extrema: a partir do Sul sucediam-se o
condado de Hai naut, a região de Liège dependendo de seus príncipes-bispos, o
condado de Namur, o condado de Flandres, o ducado de Brabant, as ilhas do
condado de Zelândia, e depois o condado de Holanda, a diocese de Utrecht, a
Guéldria e a Frísia. Legara também uma divisão entre reino de França e Império:
este compreendia o conjunto dos Países Baixos, mas a fronteira atravessava o
condado de Hainaut e o condado de Flandres, que no essencial, além das três
cidades de Bruges, Gand e Yperen, dependia do rei de França, que também
adquirira a Flandres valã de Lille e Douai. Legara, finalmente, um limite
linguístico, que o tempo não superaria: a linha passava por Courtrai, Bruxelas e
Louvain, depois atravessava o Reno entre Liège e Maastricht. No Sul, falava-se
valão e franciano, no Norte flamengo e neerlandês. Salvo nesse plano das
línguas, os séculos XIV e XV foram um período de simplificações, misturadas às
peripécias da Guerra dos Cem Anos.
Mas esses são apenas quadros. O que nos interessa aqui é a vida econômica dos
Países Baixos. Embora não tivessem sido poupados das epidemias, eram Estados
que floresciam. Luís XI de França, que durante algum tempo ali se exilara,
elogiara-os como já vimos antes. Isso devia-se a uma agricultura muito
progressista, a uma tecelagem que se constituía numa das primeiras da Europa e
a um papel comercial que Bruges e Antuérpia ilustram em particular.
Até o século XII, Bruges era separada do mar por um conjunto de pântanos em
que a maré subia (74, 95). A navegação só podia atingi-la na maré alta. É
provável que um canal tenha sido aberto para facilitar a circulação. Em 1134 um
maremoto abriu uma baía na costa, o Zwin. O mar chegava então a 5
quilômetros da cidade; em 1180 fundou-se na sua orla o anteporto de Damme.
Também no século XII, o tráfico de Bruges começou a ganhar alguma expressão,
graças às relações com a Inglaterra, pois foi então que a tecelagem flamenga
utilizou em grande escala a lã inglesa, a melhor existente. Os mercadores
brugeses visitaram a Inglaterra inteira e animaram a Hansa flamenga de Londres,
a qual aparece nos documentos a partir de 1241. Bruges torna-se desse modo o
grande mercado da lã inglesa, que revendia a todos os centros fabricantes de
panos. A partir da união da Guyenne com a Inglaterra, representava também um
papel importante no comércio do vinho “gascão”.
A isso somava-se o nascimento de novos mercados nos Países Baixos. Para lutar
contra o protecionismo encontrado em Bruges, os ingleses favoreceram outros
portos: Dordrecht na Holanda, para onde os hanseatas transferiram seu
estabelecimento comercial em 1358-1360 (e ainda em 1388-1392); e,
principalmente, Middelburg, situado na costa da ilha de Walcheren em frente a
Bruges. Por volta de 1380, quando novos distúrbios agitaram Flandres, o conde
de Zelândia esforçou-se para atrair os italianos, os espanhóis e os portugueses,
mas não o conseguiu por muito tempo. No século XV, Middelburg tornou-se um
centro dos escoceses e dos bretões. Mas sofria por sua situação insular. Além
disso, cometeu o erro de procurar um privilégio de etapa, obtido em 1405, mas
que impunha as mesmas obrigações que a Bruges.
Bruges bem que tentou lutar, mas sem sucesso. O fortim que junto com Gand foi
construído numa margem do Escalda para interceptar o tráfico de Antuérpia foi
subjugado ao cabo de alguns meses. Ela autorizou altos gastos para melhorar o
acesso de Sluis. Várias vezes, aplicou com maior rigor o sistema da etapa; e
depois, em 1501, abandonando seu protecionismo tradicional, obteve a Etapa
dos tecidos ingleses em Flandres. Por volta de 1500, era freqüentada somente
por alguns mercadores. Conservou um certo papel como mercado financeiro,
onde se podiam conseguir empréstimos; mas também nesse campo afirmou-se a
concorrência de Antuérpia, que se tornou um grande mercado de capitais na
segunda metade do século XV, sobretudo com a chegada dos Fugger. Desde
então Bruges sobreviveu apenas como centro de chegada da lã espanhola (e
inglesa, depois da perda de Calais pela Inglaterra em 1558). No final do século
XVI, a revolta dos Países Baixos contra a Espanha poria um fim até mesmo a
essa sobrevivência, e Bruges entraria num sono multissecular (do qual não a
tiraria sequer o movimento dos turistas), enquanto Antuérpia iria se tornar um
dos grandes portos da Europa moderna.
A vertente atlântica
Podemos citar ainda os Cely (60). Richard, o pai, morreu no fim de 1481 ou
começo de 1482. Deixava três filhos: não falemos senão por memória de Robert,
talvez o segundo, que era “a ne’er-do-well” (um homem inútil); o primogênito,
Richard, administrou seu domínio de Betts (paróquia de Alveley, no Essex)
depois dele; o mais jovem, George, morava a princípio em Calais, lugar bastante
adequado a um caçula. Em Londres, residiam em Mark Lane, perto da Torre. Eis
uma carta enviada por Richard, o pai, a George:
Como Londres era uma capital, esses mercadores puderam de início representar
um papel político nacional. De fato, eles quase não se exprimiam no seio da
Companhia da Etapa, que discutia, no entanto, sobre a importância dos subsídios
com o rei. Mais precisamente, pelo fato de o rei e a Corte residirem com
freqüência em Londres, enriqueciam-se, subvencionando-os, e, por outro lado,
suas relações com a Corte possibilitavam que ocupassem cargos e preenchessem
missões diplomáticas. Havia ainda a representação nos Parlamentos: uma parte
da delegação da cidade, cerca de um quarto, era composta de mercadores. Eles
também representavam o condados vizinhos em que tinham propriedades. Seu
papel municipal era essencial: Londres era governada pelos aldermen. que eram
escolhidos pelos diversos bairros (wards) e elegiam entre eles o prefeito; e pelo
xerife, que tinha poderes judiciários e policiais. Essas diversas autoridades
deviam resistir aos avanços do rei. levando sempre em conta a opinião pública.
O século XIV ainda estava muito perturbado, principalmente com a grande
revolta de 1381. No século XV, surgiu uma clara tendência aristocrática: os
aldermen eram reeleitos em princípio e permaneciam por toda a vida nessas
funções. Em caso de vacância, o Conselho da cidade elegia dois candidatos, os
quais escolhiam o prefeito e os outros aldermen. Dois xerifes eram designados,
um pelo Conselho, o outro pelo prefeito. Toda essa administração era dominada
pelos mercadores, que comandavam a justiça, as finanças, a regulamentação
(logo, as condições de trabalho, os salários...)
Passemos para a França, cujo destino devia ser — e foi — tão diferente, já que
ela teve de suportar fisicamente o peso da guerra. Deixando que se formem por
si mesmas as reflexões gerais inspiradas em seu exemplo (o que não é tão
simples!), vou me restringir aqui a três sondagens: um meio urbano, Toulouse;
um meio campestre, Anjou, um homem, Jacques Coeur.
Por que Toulouse (99)? Afinal era apenas um centro secundário, uma cidade que
devia ter atingido cerca de 40.000 habitantes no começo do século XIV, mas que
não tinha mais de 20 mil ou 25 mil um século mais tarde, apesar da imigração da
qual se beneficiava, portanto, em óbvio declínio, além de não estar situada em
nenhum grande eixo comercial e de sofrer com as crises da época: guerras (era
“barreira” do Languedoc face à Guyenne inglesa e servia de palco para a luta
entre as casas de Foix e de Armagnac), fomes e epidemias. Encontrava-se em
depressão, testemunhada por aspecto físico: muitas casas em ruínas, pontes mal
conservadas... Mas, justamente, estudando-a, pode-se ver como o mercador
comum reagia diante das dificuldades da época.
Qual era o poder dos mercadores na cidade? Sem dúvida Toulouse era mais
comercial do que industrial, mas ao lado dos mercadores havia os juristas e os
"burgueses", nobres ou não. que viviam das rendas de suas propriedades
territoriais. O poder era o capitoulat, corpo municipal composto por quatro, seis.
ou doze membros. Tinha-se acesso a ele através de uma combinação entre a
cooptação (os que saíam propunham três candidatos por posto) e a escolha feita
pelo viguier real. De acordo com uma pesquisa abrangendo o período de 1380-
1381 a 1420-1421: em 404 capitouls, houve 103 mercadores. 98 cavaleiros e
donzéis, 86 juristas e notários, 65 "burgueses" não-no bres. 1 artesão (mais 51
indeterminados). Os mercadores eram, portanto, a categoria melhor
representada.
Mas é preciso constatar o prestígio que ainda tinha para ele a propriedade rural e
o gênero de vida nobre. Não havia preconceito contra o comércio, e até alguns
nobres dedicavam-se a essa prática — contudo, o mais elevado continuava sendo
adquirir propriedades territoriais, se possível uma senhoria, e chegar à nobreza
pelo capitoulat. O dinheiro consagrado a isso era sempre um pouco menos do
que o consagrado ao exercício do comércio, onde os capitais entretanto não eram
abundantes. Em tal meio, era impossível que se formasse um capitalismo
verdadeiro.
“Mais me agrada...
É difícil obter algo mais do que impressões sobre esse potencial. A produção
cerealífera, cultura de subsistência, que tinha sido duramente atingida, reergueu-
se claramente por volta de 1450. A criação de animais, na ausência de contratos
de parceria pecuária que iriam se propagar apenas a partir do final do século
XVI, continuava limitada a seu papel complementar. “A grande riqueza do
Anjou estava em sua vinha”, que fornecia sobretudo vinho branco e era melhor
cultivada nas regiões de forte tradição. “Já não estavam muito distantes os
tempos que presenciariam o progresso do porto de Nantes, a vinda dos
holandeses e a conquista dos mercados da Europa do Norte. Se consideramos os
homens, o destino — apesar de essencial e muito diverso — da população
componesa, talvez em vias de empobrecimento, nos escapa. E, se a crise não
teve repercussões sensíveis e imediatas sobre os patrimônios senhoriais,
traduziu-se, no entanto, num endividamento muito forte que obrigou a alta
nobreza a mendigar pensões reais, e incitou um grande número de nobres a
servir nos exércitos do rei."
Sua carreira estava de fato ligada à sorte de Carlos VII: mestre da Moeda em
Bourges em 1435, também o foi em Paris de 1436, quando o rei retornou à sua
capital. Nessa condição, cunhou a peça que foi chamada “o gros de Jacques
Coeur”. Em 1440, tornou-se tesoureiro do rei, ou seja, o encarregado das
despesas da Casa do rei e de suas jóias. Encontrou aí muitas vantagens: tornou-
se nobre em 1441. Como todo funcionário real, sobretudo de finanças, conseguiu
ganhos importantes no exercício de suas funções — lucros sobre as moedas,
gratificações, pensões que lhe eram pagas pelas comunidades para gozar do seu
apoio. Dispunha de capitais abundantes: especialmente o rei depositava
confiança nele (Coeur falaria de “um documento de conta secreta entre eles”).
Conseguiu outros lucros com o fornecimento para a Corte de tecidos, móveis,
especiarias... Finalmente, obteve privilégios, como o monopólio do sal na região
de Tours e Bourges, ou a isenção das taxas sobre suas mercadorias. Tornou-se
rico o suficiente para poder, em 1449, conceder um empréstimo de 40.000
escudos para financiar a reconquista da Norman dia. Na entrada do rei em
Rouen, exibiu-se a seu lado, vestido suntuosamente. Para ele era o apogeu:
várias vezes foi embaixador do rei (em Gênova, em 1446; junto ao papa, em
1448), comissário real nos Estados do Languedoc, em 1450, inspetor geral dos
impostos e membro do grande Conselho do rei.
Mobilizou em seu proveito uma parte dos recebimentos fiscais, de cuja cobrança
era encarregado — por exemplo, as contribuições do Languedoc e do baixo
Alvergne. Devia conceder muitos empréstimos: como ao rei, em 1450, mais de
20.000 escudos para o pagamento dos legados de sua amante Agnès Sorel, e
2.000 escudos para o casamento de uma de suas filhas. Do mesmo modo, chefes
militares como Dunois, toda a alta nobreza, vários prelados e burgueses
figuravam entre seus devedores. Algumas vezes mostrou-se muito rude na
recuperação desses créditos.
Mas são os próprios sucessos de Jacques Coeur que faziam com que seus
inimigos se multiplicassem, além de inquietarem o rei. Havia muitos devedores
que lhe queriam mal por seu luxo: era o caso, entre outros, da rainha. Foi fácil
encontrar irregularidades em seus negócios: comércio muito grande com os
Infiéis, fabricação de más moedas, desvio de impostos a seu proveito. Foi preso
em 30 de julho de 1451, sob a acusação de ter conspirado contra o rei e de ter
participado da morte de Agnès Sorel. Entre seus juizes figuravam vários
inimigos pessoais, como Otton Castellani, tesoureiro de Toulouse. Em 1453 foi
condenado ao degredo perpétuo, e ao pagamento, sobre seus bens confiscados,
de 400.000 escudos por malversações, exportações de moedas francesas, tráfico
proibido com os Infiéis (logo, não foram consideradas as acusações de
conspiração). O procurador geral Jean Dauvet redigiu em três anos (1453-1456)
um inventário de todos os seus bens. Thomas Basin espanta-se: “Quem diria que
o rei Carlos, para quem Coeur tinha sido um administrador tão fiel e tão
cuidadoso, e que o tratava com uma familiaridade considerada amizade por
muitas pessoas, mais tarde iria se mostrar tão duro e tão severo com ele?”
Não se deve exagerar o papel de Jacques Coeur. Ele não inovou; apenas buscou
prescindir parcialmente dos italianos, já que o vemos associado a alguns deles.
Tirou proveito do início da reedificação: à medida que esta se desdobrava, os
rivais multiplicavam-se, e, de outra parte, o rei dependia menos dele. Sua
carreira foi excepcional e mostra a fragilidade de seu sucesso. Além disso, sua
mentalidade continuava sendo tradicional; seu objetivo ainda era o acesso à
nobreza fundiária, com todos os investimentos imobiliários e as despesas de
prestígio que isso implicava e que lhe tornavam ainda mais sensível a falta de
capitais.
Mesmo se não brilhava por seu espírito de invenção, mostrava-se a aluna mais
dotada dos italianos. “Curioso de espírito, o aluno catalão sabe o que é feito em
outras partes, tem sempre a preocupação de se informar... e, quando uma
descoberta ou uma prática parece-lhe benéfica, adota-a com um ardor tanto mais
notável quanto espontâneo. As realizações do aluno passam então a concorrer
com as do mestre. A frota satisfaz no conjunto às necessidades, vastas, do país;
os mercaders têm o controle da rede comercial... A confecção de tecidos de boa
qualidade propaga-se por todo o Mediterrâneo — e aí o aluno ultrapassou o
mestre.”
O que significa a palavra “Hansa” (41) que aparece nos textos, aliás não apenas
para designar a Hansa Teutônica? É uma palavra antiga, encontrada desde o
século IV no sentido de “séquito guerreiro”. Reaparece no século XII, com
sentidos diferentes: taxa paga pelos mercadores, agrupamento de mercadores no
estrangeiro. Em 1267, designa os mercadores da Europa do Norte, na Inglaterra.
Propaga no século XIV, e é encontrada num documento oficial de 1343,
designando a comunidade dos mercadores da Alemanha setentrional. É a “Hansa
Teutonicorum”.
Quem fazia parte dela? 150 a 200 cidades (mas não todas ao mesmo tempo),
além do grande mestre da Ordem Teutônica. Não havia lista oficial. Em caso de
necessidade, fazia-se uma pesquisa: toda cidade que tivesse há muito tempo
mercadores no exterior era considerada como hanseática. A prioridade honorífica
de Lübeck foi reconhecida em 1418. Essas cidades tinham quatro grandes
representações comerciais — as de Londres, Bruges, Bergen e Novgorod. Eram
dotadas de uma forte organização, com uma assembléia geral anual, que elegia
Anciãos e assessores, cujo papel era sobretudo representativo e judicial. Cada
uma tinha uma caixa. Também havia grupos regionais, que realizavam
assembléias anuais, comunicando entre si suas decisões. Eram cidades vendes
(Hamburgo, Lübeck, Rostock, Kiel), as cidades saxônicas, da Baixa Saxônia
(Brunswick...), as cidades vestefalianas (Dortmund, Colônia...), as cidades
livonianas (Riga, Reval...). No ápice encontrava-se a Dieta da Hansa (Hansetag),
ou Conselho das cidades, geralmente convocado por Lübeck. Suas reuniões eram
raras, sua periodicidade regular: houve 24 de 1363 a 1400, 12 de 1400 a 1440, 7
de 1440 a 1480. O número de participantes era baixo devido às longas distâncias
e aos custos: normalmente havia de 10 a 20 delegados (no máximo, houve 30 em
1437). As Dietas discutiam sobre tudo o que interessava às cidades, sua
economia, suas finanças, sua força militar. Exerciam uma jurisdição em relação a
todos os conflitos entre membros, pronunciando multas e exclusões. As decisões
(ou Rezesse) eram tomadas pela maioria.
As fraquezas dessa organização surgiram imediatamente. Não havia caixa
comum, mas apenas uma taxa extraordinária sobre as exportações, cobrada em
caso de guerra; além disso tampouco havia exército ou frota permanente. A
Hansa devia, portanto, agir por pressões, por exclusões, e sua existência era
agitada. Lübeck quase foi excluída em 1411 (em seguida à queda do governo
patrício nessa cidade); Bremen o foi em 1427, e, do mesmo modo, Colônia em
1471, pois recusava-se a pagar uma taxa comum, além de ter obtido um
privilégio especial do rei da Inglaterra. Apesar de tudo, sempre apareceu como
uma potência.
Uma obra muito bonita, que Robert Delort consagrou ao comércio de peles
(267), permite que se conheça melhor esse Far East cuja importância cresceu
muito nos séculos XIV e XV. Exatamente por ocasião dos anos 40 do século
XIV aconteceu uma “verdadeira revolução”, com a generalização das roupas
curtas e justas que eram mais ornadas de pele do que forradas. A utilização das
peles, portanto, não diminuiu. Na época, ela era considerável: pois as peles, na
falta de aquecimento apropriado, constituíam o melhor meio de defesa contra o
frio. Delort acrescenta: “é... verossímil que a termore gulação natural, e
sobretudo entre aqueles cuja ração em calorias era mais que suficiente, era muito
melhor exercida que em nossos dias, e que o uso de peles era uma solução mais
saudável para o organismo que o aquecimento dos locais de moradia.” Não
esqueçamos que, salvo raríssima exceção, as janelas não tinham vidros, dormia-
se nu, e que, como vimos, certamente o clima tenha esfriado, ficando sobretudo
mais úmido nos séculos XIV e XV.
Uma Europa ao mesmo tempo mais diversificada e mais una, aí está a dupla
impressão que se impõe ao nosso espírito, pois, se uma região como Navarra
quase não tinha mudado desde os séculos anteriores, na verdade regredira, a
efervescência intelectual e artística característica de Florença projetara esse meio
para o futuro. Essa é apenas uma entre as várias oposições que poderiamos
estabelecer. Entretanto, relações cada vez mais ativas eram estabelecidas
entre essas zonas tão desiguais. Quer se trate das ligações entre países
mediterrânicos e setentrionais, ou entre regiões ocidentais e orientais, seu
desenvolvimento dificilmente pode ser negado. Assim emergia, com efeito, uma
nova Europa.
13. Hoje e amanhã...
Esse quadro que acabamos de pintar no espaço, seria possível, mesmo que a
grandes pinceladas, pintá-lo no tempo? A priori, a tarefa comporta obstáculos
quase insuperáveis: se podemos datar com precisão uma batalha ou um tratado, o
que fazer com uma invenção ou progresso, dos quais sabemos, no máximo,
quando foram atestados pela primeira vez, e cuja difusão exata ignoramos?
Então, mãos à obra, mas sem esperança exagerada.
Depois disso, houve, com efeito, um descanso de cerca de trinta anos. Descanso
relativo, naturalmente, pois podiam ser encontrados penúrias e acessos de peste.
Mas a França e a Inglaterra discutiam para pôr fim ao conflito absurdo. Os
camponeses aproveitaram esse período para “reconstruir”. Foram multiplicados
os esforços para triunfar contra o cisma. Teriam resultado com 1417, no Concilio
de Constança aberto a partir de 1414.
Por toda parte, a metade do século XV foi marcada por um vigoroso esforço de
reerguimento. Foram criadas as bases do exército permanente na França. O
acordo de Castillon (julho de 1453) praticamente pôs fim à Guerra dos Cem
Anos. A “reconstrução” desenvolveu-se em todos os lugares. O crescimento
demográfico começou a se generalizar.
Devemos nos espantar por quase não ser possível, diante desse quadro, fazer o
levantamento dos progressos, aperfeiçoamentos e inovações realizados durante
essa época? Não, pelas razões que já citei. A impressão que se tem, no entanto, é
que havia um esforço contínuo, com aparições regulares:
por volta de 1300: primeiras culturas de plantas forrageiras em alqueive
atestadas na Flandres francesa;
1401: em Barcelona, criação da Taula de Cambi, que serve como dinheiro fiscal
para a cidade;
Enquanto aguardamos que seja feita, podemos reter algumas conclusões que me
parecem se destacar da presente obra.
E, antes de tudo, nunca seria demais dizê-lo: o lugar aqui dedicado à agricultura
e aos camponeses não lhes faz justiça. Ela era evidentemente, e de muito longe,
a forma predominante da economia — e a grande massa da população vivia
principalmente dela. Porém, a difusão das inovações, cujo aparecimento ao
menos assinalei, foi ao mesmo tempo lenta e muito mal conhecida — e, em
seguida, sua transformação muito progressiva de economia de subsistência — a
mais divulgada até agora — em economia de mercado. Tudo isso pertence a esse
domínio da história que é quase da alçada da “história imóvel" — para empregar
uma terminologia felizmente difundida por Fernand Braudel e seus discípulos.
Se nos voltamos para uma categoria mais espetacular, porém muito menos
numerosa, da população — os mercadores —, convém distinguir três níveis,
definidos ao mesmo tempo pelos mecanismos econômicos e pelos estados de
espirito:
De qualquer maneira, esse capitalismo ainda era limitado. Pela desigualdade dos
lucros, que podiam ser muito elevados (20% ou mais, líquido), mas
permaneciam muito variáveis (7 a 8% em média, ou até menos). Pela
imobilização dos capitais, não só em razão das condições de crédito, mas pelo
ritmo dos negócios: em Veneza, por exemplo, o sistema de mude assegurava no
máximo um ritmo de dois anos — ou seja, os capitais empregados nos negócios,
com as compras e vendas a crédito, a lentidão dos transportes, o escoamento
nem sempre fácil das mercadorias, eram, na melhor das hipóteses, recuperados
em dois anos. Havia igualmente o problema dos empréstimos aos Estados, que
eram difíceis de recusar — essa era freqüen temente a própria condição da ação
—, mas que podiam provocar catástrofes involuntárias (os Bardi com Eduardo
III da Inglaterra, os Mediei com Carlos, o Temerário, de Borgonha), ou
desejadas (Jacques Coeur com Carlos VII de França). Na verdade, a técnica das
finanças públicas era insuficiente. Havia as dificuldades de conjuntura: não
esqueçamos que o período era difícil. Certamente, no final do século XV, houve
um restabelecimento geral; mas o efeito do avanço turco compensou-o para
alguns, como Veneza. E, finalmente, havia o atrativo que conservavam os
gêneros de vida tradicionais. — Quantas limitações ao desenvolvimento do
capitalismo!
“Hoje e amanhã”, anuncia o título deste capítulo. Significa que o hoje carrega o
amanhã, como a mãe o filho? Tantas indicações, de sentidos diversos, incitam-
nos a pensar. Uma nova geografia da Europa. As origens das grandes
descobertas. O desenvolvimento das técnicas capitalistas. A difusão da escrita,
depois da imprensa e do livro. A preparação social dos absolutismos...
Isso nos remete ao título desta obra: “Outono da Idade Média ou Primavera dos
Tempos Modernos?” E nos conduz à questão que eu colocava no começo, e da
qual o leitor pode irritar-se ao ver-me esquivar a resposta: os séculos XIV e XV
foram uma época de recessão ou de progresso? Não zombem demais se retardo o
momento. Pensem o quanto nossa documentação, sobretudo a referente a
números, é pobre! A qualquer preço, é preciso evitar generalizar a toda a Europa
o que pudemos discernir aqui e ali. Cada vez mais, as monografias sublinham a
extraordinária variedade da paisagem. Vamos concluir então, mas sem
demasiadas ilusões: sim, sem dúvida nenhuma, os séculos XIV e XV devem ter
sido uma época muito dura para viver. Mas, para o futuro, que tesouro foi então
acumulado!
14. Problemas de fontes e de métodos
As fontes para começar. Sua brusca multiplicação por volta de 1300 já é um fato
sobre o qual devemos refletir (238). Isso não se explica apenas pela melhor
conservação dos arquivos. É um pouco a civilização da escrita — cuja extinção
progressiva está sendo provocada hoje pelas novas mídias — que se instaura por
vários séculos. Os costumes orais são consignados em todos os lugares sobre
pergaminho ou papel a partir de 1270 aproximadamente. Nunca até então se
confiara tanto ao cálamo — e não mais à incerta memória humana — o cuidado
de registrar a lembrança do passado ou o estado do presente. Podemos falar de
uma verdadeira revolução intelectual.
Pouco a pouco passamos às crônicas. São menos pessoais e foram escritas tendo
em vista um uso público. Na Itália, citaremos especialmente Giovanni Villani
(1276-1348) (98): por pertencer a uma grande família que teve funções políticas
importantes em Florença, é uma testemunha de primeira ordem. Seu quadro de
Florença em 1338 é célebre, devido a todos os números que fornece. Vimos,
aliás, como apreciar seu valor, mas sua simples presença é uma grande novidade.
De mentalidade muito aristocrática, decepciona-se com a evolução política de
sua cidade e fica cada vez mais desgostoso no final de sua vida. Sua Crônica,
que vai das origens até 1348, será continuada por diversos membros de sua
família e, em primeiro lugar, por seu irmão Matteo Villani. Do mesmo modo, no
século XV, Veneza pode glorificar-se de Marino Sanudo (1466-1533) (32): filho
de senador, órfão muito jovem e arruinado, torna-se em seguida ele próprio
senador, vindo a ter acesso aos arquivos secretos. Como Villani, interessa-se
muito pelas questões econômicas. É célebre devido a um discurso
completamente atulhado de números que coloca na boca do doge Thomas
Mocenigo pouco antes da morte deste. A Viesde Doges é sua obra mais
conhecida.
São casos particularmente favoráveis. De fato, quase todas as crônicas são mais
ou menos úteis, como, na França, as de Froissart. Apesar de ter se ocupado
pouco com questões econômicas, ele foi um grande viajante. Em suas crônicas
encontram-se o eco das opiniões das pessoas de guerra ilustrando as relações
entre esta e o comércio. O autor do Journal d’un bourgeois de Paris de 1409 a
1449 (90), talvez fosse um amanuense. Passa sem transição da narração dos fatos
políticos às enumerações dos preços dos víveres, e nos deixa sob a impressão
pungente das desgraças que desabaram no século XV sobre as populações
francesas. Tanto a Histoire de Charles VII e a Histoire de Louis XI, de Thomas
Basin, como as Mémoires, de Philippe de Commynes (que serviu alternadamente
Carlos, o Temerário, duque de Borgonha e Luís XI, rei de França, seu inimigo,
investiu seu dinheiro nos negócios dos Medici, visitou e descreveu Veneza)
fornecem preciosos dados. De fato, não há praticamente nenhum livro de
literatura que não se interesse pela economia ou não seja suscitado por ela: não é
sob a influência da Peste Negra que Boccaccio colocou na boca de jovens
florentinos, reunidos num domínio rural para escapar do flagelo, relatos
destinados a mudar-lhes as idéias? Sabemos que assim nasceu o Decameron,
cujos episódios são, às vezes, um pouco licenciosos. E o que acabo de dizer
sobre a Itália e a França poderia estender-se facilmente a outros países.
Isso nos leva a falar sobre a documentação oficial. A atividade dos camponeses,
como a dos artesãos e dos mercadores, manifestava-se no quadro de diversas
autoridades; portanto, deixou vestígios nos arquivos de suas administrações.
Censualistas e cartulários, sobretudo eclesiásticos, para as estruturas agrárias e o
trabalho camponês. Os artesãos e mercadores eram habitantes de cidades: era
delas que emanava a legislação econômica que deviam obedecer. Contudo,
muito cedo na Inglaterra, a partir do século XIII na França, no século XIV nos
Estados borguinhões, a autoridade do soberano passa à frente da autoridade das
cidades. Cada vez mais, é o Estado que legisla e controla a vida econômica.
Entretanto, na Itália e na Alemanha, são as cidades que, sob um imperador
fantasmático, são praticamente a única autoridade: pode-se falar de cidades-
Estados. Assinalemos finalmente alguns senhores portageiros, dos tribunais
eclesiásticos.
Disso também emanam contas, que podem ser muito variadas. Direi apenas
alguns exemplos. Já falei das contas senhoriais. As contas de hospitais são
preciosas tanto para o estudo da alimentação quanto para o dos preços (221).
Também há as tarifas e as contas de pedágios cobrados nas cidades e nas
estradas; elas se esclareciam mutuamente. Há as contas de duanas: as mais
notáveis são as Cus toms Accounts inglesas: 7.500 rolos nos quais se encontra
consignada a percepção dos direitos estabelecidos a partir do final do século
XIII, sobre a importação do vinho, e sobre a exportação de lã e pano (69). Há
também contas particulares dos diversos portos, e, de outra parte, os resumos e
totais estabelecidos no Échiquier (isto é, do Tesouro). Em 1955, seu valor foi
contestado, mas a discussão foi-lhe favorável. Em todo caso, nada pode ser-lhe
comparado: a Hansa germânica possui alguns Pfundzolle esparsos (41); em
outros lugares existem algumas contas portuárias, como as de Dieppe (65)...
“Esta manhã, 2 de janeiro de 1496, vou pegar uma correia de couro e fazer um
experimento... Em uma hora, 400 agulhas estarão prontas cem vezes, o que
perfaz 40.000 agulhas por hora, e 480.000 em doze horas. Digamos quatro
milhões a cinco soidos por mil, perfazendo 20.000 soidos: 1.000 libras por dia de
trabalho e, se se trabalha vinte dias por mês, 60.000 ducados por ano.”
Parece-me seguro que, por volta do ano de 1300, tenha-se configurado uma nova
era no esforço do espírito humano.
Esboço de bibliografia
Tal realidade é tão viva e tão enriquecedora para os que se dedicam a essa área,
que uma simples enumeração de nomes e de títulos não seria, com certeza, capaz
de fazer antever.
Passo rapidamente sobre os problemas que surgem para a decifra ção das escritas
antigas, sendo que as que se referem a essa época são particularmente difíceis, e
o erudito mais escrupuloso não está a salvo de enganos. Que perda de tempo é
ler por inteiro uma pública-forma notarial! Isolar, à primeira leitura, algumas
linhas essenciais em um texto que pode cobrir seis páginas de registro é do
mesmo modo indispensável. É preciso saber decifrar uma contabilidade.
Convém ainda notar que nos séculos XIV e XV o ano não começava no mesmo
dia em todos os lugares: aqui era em 25 de dezembro (aniversário do nascimento
de Cristo), em outro local em 25 de março (o de sua concepção), às vezes Páscoa
(aniversário da Redenção, porém, uma data móvel, o que não é nada cômodo); o
1 de janeiro só aparece raramente. Daí as correções, que devem ser feitas de
maneira segura e rápida. O computador tem um papel cada vez maior no
trabalho do medievalista. É necessário que o historiador saiba reter os dados
essenciais e passá-los para um cartão perfurado que possa ir para a máquina. São
apenas amostras, talvez ultrapassadas graças aos progressos da técnica. A
História não é uma ciência; é uma arte, que se pratica com métodos tão
científicos quanto possível. Ensiná-los é justamente o objetivo das “ciências
auxiliares” da história — a paleografia, a diplomática, a estatística, a
informática, etc. — e não é possível prescindir delas.
São sobretudo dois os domínios que quero evocar, porque neles é possível
constatar a que ponto os métodos de trabalho evoluem rápido — domínios
difíceis certamente, mas de importância capital: a demografia e a história dos
preços e dos salários.
Foi ainda Jacques Heers quem escreveu justamente (8): “Sem du vida nenhuma
abordamos aqui um domínio de pesquisas relativamente recente, por muito
tempo negligenciado pelos historiadores. Em 1950, até mesmo o Rapport de
démographie médiévale, apresentado no Congresso Internacional das Ciências
Históricas, em Paris, por C. M. Cipolla, J. Dhondt, M. Postan e Ph. Wolff (121),
podia fazer apenas um balanço sumário, citar números muito aproximados e
principalmente indicar as lacunas e os métodos a serem seguidos. A demografia
medieval é, portanto, uma ciência totalmente nova que não pode progredir tão
rápido e de modo tão seguro quanto o desejariam os historiadores da economia,
impacientes para utilizar resultados ‘definitivos’.” Essas linhas foram publicadas
em 1963. Já são antiquadas, pois, em 1978, foram lançadas duas obras capitais
que renovaram a paisagem e permitiram responder a questões que, em 1950, por
ocasião do grande reencontro dos historiadores após a guerra, só aventuraríamos
com muito pouca esperança.
Foi preciso então constituir toda uma administração. Os dez primeiro ufficiali
foram eleitos e se cercaram de representantes das diversas categorias sociais.
Entre eles, muitos mercadores, habituados às servidões da escrita, tais como os
descreve admiravelmente Léon Battista Alberti (pois é, o grande arquiteto!):
“Convém inteiramente ao mercador ter sempre as mãos manchadas de tinta... O
dever do mercador, e de toda (pessoa que exerce uma) atividade que implica em
relação com outras pessoas, é de escrever tudo, contratos, entradas e saídas de
depósitos, e, revendo com freqüência tudo isso, manter, por assim dizer, sempre
a pena à mão... pois, se você adia para mais tarde, os negócios envelhecem nas
mãos e acabam sendo esquecidos...”
A autora, de fato, elaborou uma tese e contribuiu com uma nova visão da
população de Périgueux, instalando a mobilidade no proscênio da demografia
medieval. Mobilidade no tempo, que apresenta incríveis oscilações: máximo em
1330, diminuição à metade em 1348, explicada pela recessão econômica de
1330-1335 e a famosa peste de 1348; outra queda, a do início do século XV,
causada pela peste de 1400, e o boom do fim do século. Mobilidade no espaço,
pois, numa população que se renova de maneira permanente, a imigração tem
um papel vital. Essa imigração é proveniente de uma zona concêntrica de
aproximadamente quarenta quilômetros em volta da cidade, mas também de
regiões mais longínquas como o Béarn e a Bretanha. Mobilidade social, já que
nas mesmas famílias coexistem ricos e menos ricos. Os limites do abastecimento
urbano, devidos às dificuldades do transporte, e as estruturas rudimentares do
equipamento econômico explicam essa mobilidade que interessa a todas as
categorias sócio-profissionais, sobretudo os lavradores e os artesãos. Único
elemento estável é o núcleo das famílias que detêm o poder e que emergem de
uma multidão de migrantes estrangeiros. Os que fazem a história manifestam sua
longevidade. Périgueux permite, portanto, apreender a demografia diferencial
das classes, explicar as quedas demográficas pela mobilidade da população, e as
contradições de uma sociedade numa região em que o progresso econômico
possibilita que se passe da família patriarcal à família conjugal, num país onde se
avizinham direito romano e costume.
O contraste não é menos vivo entre cidades e campos: havia muitas crianças em
Florença, onde viviam as famílias mais ricas; ao contrário, os jovens fugiam do
campo. “A Toscana ganha então a forma de um corpo que envelhece ‘de coração
ainda alerta’.”
A história dos preços e dos salários — tão austera por seus métodos, mas tão
dramaticamente vivida por nossos antepassados — também teve seus pioneiros,
que não se devem ser desprezados; mesmo se, por volta de 1900, tenha
conhecido grandes ilusões. Na Inglaterra, Thorold Rogers publicava entre 1889 e
1902 os oito volumes de sua história da agricultura e dos preços de meados do
século XIII ao final do século XVIII. Na França, de 1894 a 1898, aparecem os
quatro tomos do estudo consagrado por Georges d’Avenel à história dos salários
e dos preços de 1200 a 1800.
Sem dúvida, falta-nos o melhor tipo de documento para a história dos preços: a
mercurial, isto é, o conjunto das variações de preços registrados pelas
autoridades locais (amiúde municipais), dia após dia, para os produtos
essenciais, e sobre um determinado mercado. Tais fontes os séculos XIV e XV
não conheciam, mesmo se Monique Mestayer e o saudoso Jean Meuvret
acreditaram ver ali suas origens. Devemos, portanto, contentar-nos com outros
materiais, utilizados com o maior discernimento possível: menções notariais e,
sobretudo, registros de contas — contas de Cortes, de municipalidades, de
hospitais, de trabalhos diversos, muito raramente de famílias, a serem
interpretadas cada vez melhor.
“Ora a comida confisca quase todo o orçamento (1326), ora não representa sua
terça parte (1372), e a proporção pode variar quase a metade de um ano para o
outro (de 1371 a 1372). Ora o frumento açambarca a quarta parte do orçamento
de alimentação (1340), ora representa pouco mais da centésima parte (1326). As
variações atenuam-se para o vinho e para a carne, sem, contudo,
desaparecerem.”
Essa noção de variação é fundamental. Ela impõe-se, aliás, de modo muito
desigual de acordo com os produtos. Atinge seu máximo para os cereais, base
necessária da alimentação. É muito fraca para produtos ainda apreciados, mas
não mais vitais, como o vinho e os legumes. É quase nula para os produtos
fabricados, como os tecidos. Penso ter estabelecido que suas variações não eram
sequer simultâneas, de um lugar para outro. Que diferença, por exemplo, entre
Toulouse, geralmente mal abastecida, e Gênova (49) que, graças a uma hábil
política de compras efetuadas em lugares e datas mais favoráveis, podia manter
o preço do trigo a um nível bem constante!
Quando uma tendência geral prevalecer sobre essas diferenças, então as noções
de mercado, de economia de trocas, não irão obter todo o seu valor. Será o
resultado de uma longa evolução que se processa do século XVI ao século XIX.
Que pode fazer o historiador dos preços e dos salários na Europa dos séculos
XIV e XV? Trabalhar com monografias tão locais e precisas quanto possível —
cujo modelo foi dado, entre outros, por Charles de la Roncière em relação à
Florença do século XIV. Resolver da melhor maneira o problema da conversão
das antigas medidas. Traçar um duplo quadro dos preços: preços nominais e
quantidades de metais representadas por eles. E, finalmente, manter-se o mais
próximo possível dos homens e das mulheres que viveram esses tempos difíceis
— por excelência, a caça do historiador, como gostava de lembrar Marc Bloch.
As páginas precedentes foram bastante vividas na companhia deles.
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(A observação rigorosa dos prazos de navegação era capital para o comércio
veneziano; ora, ela é cada vez menos assegurada no século XV, fato que a coloca
em relação com a transformação dos interesses da aristocracia, que se volta para
a exploração da terra firme.)