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AS NOVAS COMUNIDADES E O CONCÍLIO VATICANO II

Moysés Louro de Azevedo Filho*

Quando em janeiro de 1959 o Papa João XXIII anunciou a convocação do Concílio


Ecumênico Vaticano II, compôs a seguinte oração como forma de 'preparar' tão importante evento:

Repita-se no povo cristão o espetáculo dos apóstolos reunidos em Jerusalém, após a ascensão de Jesus
ao céu. (...) Digne-se o Divino Espírito de escutar da forma mais consoladora a oração que ascende a ele
dos confins da terra. Renova no nosso tempo os prodígios como de um novo Pentecostes, e concede que
a santa Igreja, permanecendo unânime na oração, com Maria, a Mãe de Jesus, e sob a condução de
Pedro, faça crescer o Reino do Divino Salvador, Reino de verdade e justiça, Reino de amor e de paz. 1:

De fato, o Concílio foi um novo Pentecostes na vida da Igreja. Mesmo em meio a muitos
desafios, após este inicia-se uma nova primavera na Igreja (cf. NMI 46), com o florescimento de
tantos movimentos e novas comunidades. Grande parte destas novas comunidades é proveniente do
filão dito ‘carismático’ da Igreja Católica, cuja graça comum é a experiência da efusão do Espírito
Santo.

Algumas das principais graças que se constatam na vida daqueles que fazem a experiência
da efusão do Espírito Santo, são o retorno à oração, o amor à Palavra de Deus, a evangelização com
autoridade, a manifestação dos carismas (1 Cor 12), o empenho no seguimento de Cristo, o sentido
de Igreja (sensus ecclesiae), novos laços de espiritualidade, fraternidade e apostolado. Esta efusão
do “Senhor que dá a vida” gerou o nascimento de muitas comunidades carismáticas ao redor do
mundo, que testemunham concretamente a atualidade da mensagem evangélica.

O decreto conciliar Apostolicam Actuositatem, sobre o apostolado dos leigos, já dizia que o
Espírito Santo atua “tornando os leigos cada vez mais conscientes da própria responsabilidade e por

*
Fundador e Moderador Geral da Comunidade Católica Shalom, é um consagrado celibatário da Comunidade de Vida.
Desde 2007, quando fora nomeado pelo Santo Padre, é Consultor do Pontifício Conselho para os Leigos. Em 2005 foi
nomeado pelo Papa Bento XVI para participar como auditor do Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, em Roma.
Participou em 2007 da V Conferência Episcopal da América Latina em Aparecida (CELAM), para o qual fora
convidado como membro representante dos movimentos eclesiais e novas comunidades do continente. Em 2008 foi
mais uma vez nomeado pelo Papa Bento XVI para participar do Sínodo da Palavra de Deus, em Roma. Foi Presidente
da Fraternidade Católica de Comunidades de Vida e Aliança do Brasil e Vice-Presidente da Fraternidade Católica
Internacional das Comunidades de Vida e Aliança.

1
Cf. D. JARAMILLO, Los Papas y la Renovación, Colección Iglesia n. 150, Minuto de Dios, Bogotá 2002, p. 27.
toda parte os anima ao serviço de Cristo e da Igreja” (AA 1). Tal apostolado é não somente um
dever, mas um direito, que advém da união com Cristo cabeça. Pelo Batismo os fiéis são inseridos
no Corpo de Cristo e pela Crisma robustecidos com a força do Espírito, que concede aos mesmos
fiéis carismas para o apostolado (cf. AA 3).

Dez anos após a conclusão do Concílio o Papa Paulo VI publicou a Exortação Apostólica
Pós-Sinodal Evangelii Nuntiandi, na qual lançava as bases daquela que alguns anos depois João
Paulo II chamaria nova evangelização. Sem a ação do Espírito Santo, dizia Papa Montini, nunca
será possível a evangelização (cf. EN 75). Ele é a alma da Igreja.

As técnicas da evangelização são boas, obviamente; mas, ainda as mais aperfeiçoadas não
poderiam substituir a ação discreta do Espírito Santo. A preparação mais apurada do
evangelizador nada faz sem ele. De igual modo, a dialética mais convincente, sem ele,
permanece impotente em relação ao espírito dos homens. E, ainda, os mais bem elaborados
esquemas com base sociológica e psicológica, sem ele, em breve se demonstram desprovidos
de valor (idem).

Vendo a ação do Espírito Santo que trabalhava para renovar a Igreja, o Santo Padre dizia
perceber que a Igreja vivia um momento privilegiado do Espírito:

Procura-se por toda a parte conhecê-lo melhor (...). De bom grado as pessoas se colocam sob
a sua moção. Fazem-se assembleias em torno dele. Aspira-se, enfim, a deixar-se conduzir
por ele. É um fato que o Espírito de Deus tem um lugar eminente em toda a vida da Igreja;
mas, é na missão evangelizadora da mesma Igreja que ele mais age. Não foi por puro acaso
que a grande balada para a evangelização sucedeu na manhã do Pentecostes, sob a inspiração
do Espírito. Pode-se dizer que o Espírito Santo é o agente principal da evangelização: é ele,
efetivamente que impele para anunciar o Evangelho, como é ele que nos mais íntimo das
consciências leva a aceitar a Palavra da salvação. (...) Exortamos os evangelizadores, sejam
eles quem forem, a pedir sem cessar ao Espírito Santo fé e fervor, bem como a deixarem-se
prudentemente guiar por ele, qual inspirador decisivo dos seus planos, das suas iniciativas e
da sua atividade evangelizadora (idem).

Segundo Paulo VI, o zelo evangelizador deve brotar de uma verdadeira santidade de vida,
alimentada pela oração e sobretudo pelo amor à eucaristia.

O mundo, apesar dos inumeráveis sinais de rejeição de Deus, paradoxalmente, o procura (...),
reclama evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar
como se eles vissem o invisível. O mundo reclama e espera de nós simplicidade de vida,
espírito de oração, caridade para com todos, especialmente para com os pequeninos e os
pobres, obediência e humildade, desapego de nós mesmos e renúncia. Sem esta marca de
santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir o coração do homem
dos nossos tempos; ela corre o risco de permanecer vã e infecunda (idem).

De fato, “para que o Vaticano II se realizasse, era (e ainda é) necessária uma fileira de santos
e de carismas capazes de colocar em prática algumas de suas grandes intuições proféticas” 2, quais
são: a evangelização, o chamado universal à santidade e a necessidade de fazer florescer o
apostolado dos leigos.

Podemos afirmar que as novas comunidades, nas últimas décadas, têm dado uma
contribuição fundamental para pôr em prática estes grandes ideais conciliares no Brasil, e em
diversos outros lugares onde estão presentes.

Com a exortação apostólica Christifidelis Laici, João Paulo II, cerca de vinte anos após o
Concílio Vaticano II, constatava como o Espírito continuava a rejuvenescer a Igreja, suscitando
novas energias de santidade e de participação nos fiéis leigos. A prova disto, segundo Papa Wojtyla
era “o novo estilo de colaboração entre sacerdotes, religiosos e fiéis leigos; a participação ativa na
liturgia, no anúncio da Palavra de Deus e na catequese; a multiplicidade de serviços e de tarefas
confiadas aos fiéis leigos e por eles assumidas; o radioso florescimento de grupos, associações e
movimentos de espiritualidade e de empenhamento laicais; a participação cada vez maior e
significativa das mulheres na vida da Igreja, e o progresso da sociedade” (CL 2).

Em recente discurso o Papa Bento XVI dizia que “a corresponsabilidade [eclesial] exige
uma mudança de mentalidade no que diz respeito, em particular, ao papel dos leigos na Igreja, que
devem ser considerados não como ‘colaboradores’ do clero, mas como pessoas realmente
‘corresponsáveis’ do ser e do agir da Igreja. É importante, portanto, que se consolide um laicato
maduro e empenhado, capaz de dar a própria e específica contribuição à missão eclesial, no que diz
respeito aos ministérios e às responsabilidades que cada um tem na vida da Igreja e sempre em
cordial comunhão com os Bispos” (Mensagem ao Fórum Internacional da Ação Católica,
22.08.2012).

Os novos carismas surgidos no período pós-conciliar são dons particulares (cfr. 1 Cor 12, 7)
do Espírito Santo, concedidos aos fiéis, para que exerçam o apostolado, a fim de que "cada um
ponha ao serviço dos outros a graça que recebeu", e todos atuem "como bons administradores da
multiforme graça de Deus" (1 Ped 4, 10), para a edificação, no amor, do corpo todo (cfr. Ef 4, 6)».

Dizia João Paulo II no parágrafo 29 da Christifidelis Laici:

2
J. CASTELLANO, Carismi per un nuovo millennio, OCD, Roma 2001, p. 239.
nestes tempos mais recentes, o fenômeno da agregação dos leigos entre si assumiu
formas de particular variedade e vivacidade. Se na história da Igreja tal fenômeno
representou sempre uma linha constante, como o provam até aos nossos dias as
várias confrarias, as ordens terceiras e os diversos sodalícios, ele recebeu, todavia,
um notável impulso nos tempos modernos que têm visto o nascer e o irradiar de
múltiplas formas agregativas: associações, grupos, comunidades, movimentos. Pode
falar-se de uma nova era agregativa dos fiéis leigos. Com efeito, « ao lado do
associativismo tradicional e, por vezes, nas suas próprias raízes, brotaram
movimentos e sodalícios novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande
é a riqueza e a versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido eclesial e
tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade do nosso laicado ».

Ainda na mesma exortação apostólica (cf. n. 30) a Igreja diz quais são os critérios para
reconhecer o caráter autenticamente eclesial destes novos carismas: O primado dado à vocação de
cada cristão à santidade, a responsabilidade em professar a fé católica, o testemunho de uma
comunhão sólida e convicta, em relação filial com o Papa e com o Bispo, a conformidade e a
participação na finalidade apostólica da Igreja e o empenho de uma presença na sociedade
humana que, à luz da doutrina social da Igreja, se coloque ao serviço da dignidade integral do
homem.

A estes critérios acrescente-se:

A verificação dos frutos concretos que acompanham a vida e as obras das diversas formas
associativas, tais como: o gosto renovado pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e
sacramental; a animação pelo florescimento de vocações ao matrimónio cristão, ao
sacerdócio ministerial, à vida consagrada; a disponibilidade em participar nos programas e
nas atividades da Igreja, tanto a nível local como nacional ou internacional; o empenhamento
catequético e a capacidade pedagógica de formar os cristãos; o impulso em ordem a uma
presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação e animação de obras
caritativas, culturais e espirituais; o espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a
uma caridade mais generosa para com todos; as conversões à vida cristã ou o regresso à
comunhão por parte de baptizados « afastados » (CL 30).

As associações de apostolado, quais são as novas comunidades, devem gozar da devida


estima dos Pastores (cf. AA 21). De modo especial, “aquelas que a Hierarquia, segundo as
necessidades do tempo e do lugar, louvar, recomendar ou mandar instituir como mais urgentes,
devem ser tidas em alto apreço e ser promovidas pelos sacerdotes, religiosos e leigos, segundo a
maneira que lhes é própria. Entre elas, porém, devem-se hoje contar sobretudo as associações ou
agrupamentos internacionais de católicos” (idem).

Também os Bispos em Aparecida acentuam o papel dos de discernimento espiritual próprio


do Pastores, o desejo de respeitar os novos carismas e sua originalidade, a necessidade da diocese
acolher a riqueza espiritual e apostólica delas e o empenho de integrá-las, de acordo com seu
carisma específico em profunda unidade de fé e ação com a Igreja local. Eles nos recordam que se
deve dar acolhida e valorização especial àquelas que “já passaram pelo reconhecimento e
discernimento da Santa Sé, (sendo) considerados dons e bens para a Igreja universal” (Aparecida
313).

Em um recente discurso (18.11.2006) aos bispos alemães, o Papa Bento XVI dizia:

Depois do Concílio o Espírito Santo deu-nos os "movimentos". Por vezes eles podem
parecer um pouco estranhos ao Pároco ou ao Bispo, mas são lugares de fé em que os jovens e
os adultos experimentam um modelo de vida na fé como oportunidades para a vida de hoje.
Por isso peço-vos para irdes ao encontro dos movimentos com muito amor. Em certos
aspectos devem ser corrigidos, inseridos no conjunto da paróquia ou da Diocese. Mas
devemos respeitar o carácter específico dos seus carismas e ser felizes por nascerem formas
comunitárias de fé em que a palavra de Deus se torna vida.

“Resposta providencial do Espírito” (João Paulo II, Vigília de Pentecostes 1998) para este
tempo da história da Igreja e da humanidade, os movimentos e as novas comunidades têm a sua
força no carisma que receberam de Deus para, na Igreja e com a Igreja, propor de forma positiva
aos homens do nosso tempo uma experiência real com a pessoa viva de Jesus Cristo. É esta
experiência que gera a alegria de ser cristãos, a necessidade de pertencer à Igreja e de vivenciar os
Sacramentos. Ela gera comunidades cristãs autênticas, com laços de amor e fraternidade, e faz ainda
descobrir a força da Palavra de Deus e da oração, o amor e o serviço aos pobres e impulsiona a
evangelizar.

De fato, nos carismas das novas comunidades há uma forte descoberta da dimensão
comunitária da vida cristã. O sentido comunitário é visível em seus membros e há um
aprofundamento da caridade recíproca, da partilha dos bens e da espiritualidade 3. “Num mundo
fortemente sociabilizado, mesmo que superficialmente, o fenômeno comunitário é providencial. No
anonimato do urbanismo moderno e da massificação, frequentemente sem relacionamentos
verdadeiros até mesmo na comunidade cristã tradicional (!), a procura do grupo, o desejo de
relacionamentos mais verdadeiros e íntimos têm, efetivamente, favorecido o surgimento e o
crescimento de muitas comunidades”4.

3
Cf. M. VANDELEENE, Io, il fratello, Dio, nel pensiero di Chiara Lubich, Città Nuova, Roma 1999, p.
319.

4
J. CASTELLANO, Carismi per un nuovo millennio, p. 69.
Vejamos agora quais são algumas das principais tarefas que as novas comunidades têm
desempenhado neste tempo, como resposta providencial do Espírito Santo às inspirações do
Concílio Vaticano II.

a) Fidelidade ao carisma original, posto a serviço da universalidade da Igreja

Um carisma é um dom de Deus, que dever ser acolhido, vivido e exposto para ser discernido
pelas autoridades competentes da Igreja, colocando-o assim a serviço dela. Como nos disse João
Paulo II na Vigília de Pentecostes de 1998, “cada movimento se submeta ao discernimento da
Autoridade competente. Por esta razão, nenhum carisma dispensa da referência e submissão aos
Pastores da Igreja”.

A fidelidade ao carisma original não é só um serviço a própria nova comunidade, mas


sobretudo à Igreja, já que este dom só é dado para o bem comum, isto é, em benefício de toda a
Igreja. Colocados a serviço da Igreja, estes carismas geram autênticos discípulos e missionários de
Cristo.

b) Cultivar e transmitir a experiência com a pessoa viva de Jesus Cristo

Uma das características de uma nova comunidade é transmitir e cultivar, com características
e métodos próprios de seu carisma, uma experiência atraente e amorosa com a pessoa viva e
vivificante de Jesus Cristo. Esta experiência é contagiante e aglutina pessoas que desejam, a partir
delas, viverem sua pertença à Igreja.

A evangelização do Brasil vive uma fase decisiva. Além do avanço galopante do


secularismo, da indiferença religiosa, enfrentamos o grave fenômeno do crescimento das seitas. No
coração de muitos ainda ecoam as Palavras do Cardeal Hummes no último Sínodo da Eucaristia:
“Até quando a América Latina será um continente católico?” A resposta que ele mesmo sugeria e
que o documento de Aparecida confirma é uma “grande missão continental” (cf. Aparecida, 551).
Não se trata de uma cruzada, mas de cumprir com alegria o dever de anunciar Cristo aos nossos
povos.

A primazia do anúncio kerigmático, da experiência pessoal com Jesus Cristo, é comum nos
novos carismas surgidos nas novas comunidades. Somente em seguida é proposto um caminho de
seguimento evangélico com todas as conseqüências da moral cristã. É um principio chave a
primazia do anúncio do kerigma.

A presença destas nos variados segmentos da sociedade, desde os mais populares até
aqueles chamados “construtores da sociedade” (Ecclesia in America, 44), são de uma importância
inestimável para responder ao apelo de gerarmos uma rede de discípulos e missionários de Cristo
em todo o tecido da sociedade brasileira.

Em meio às inúmeras tarefas da nova evangelização que as novas comunidades sentem-se


vocacionadas a realizar, poderíamos salientar um aspecto: Parresia é uma palavra grega usada no
Novo Testamento, especialmente nos Atos dos Apóstolos, para definir a ousadia, a firmeza, o
destemor necessário ao discípulo para o anúncio de Cristo, se necessário dando-lhe a força de
enfrentar até o martírio. Esta é fruto do amor inflamado e compassivo para anunciar ao homem do
nosso tempo que sofre por desconhecer que a felicidade é Cristo. Com parresia vai-se ao encontro
das pessoas onde elas vivem, convivem, trabalham, sofrem ou se divertem, e com criatividade de
meios e linguagem, apresenta-se a feliz verdade de Cristo e da Igreja.

Como testemunhas da ressurreição de Cristo os discípulos do início deste novo milênio são
impulsionados pelo Espírito a ir ao encontro dos “Tomés” do nosso tempo que estão longe da Igreja
e não acreditam que Jesus está vivo. Estes, ao verem, ouvirem e tocarem o discípulo, vêem, ouvem
e tocam o próprio Cristo Ressuscitado e recebem o choque da sua Ressurreição tornando-se pessoas
de perfeita fé, capazes de exclamar: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28).

A evangelização com parresia é um dos testemunhos mais eloquentes que as novas


comunidades têm dado, manifestando que a melhor resposta ao desafio da secularização é anunciar
com audácia e de forma explícita a pessoa de Jesus Cristo!

c) A Formação Integral e os Itinerários de educação na Fé

Outra característica das novas comunidades é oferecer aos seus participantes um caminho ou
itinerário de crescimento e amadurecimento em Cristo, com o objetivo de formar integralmente o
discípulo (no plano espiritual, humano, doutrinal, social e apostólico).

Nas novas comunidades tais processos formativos e educativos têm faces diversas.
Entretanto, o que chama à atenção é o fio comum que os une: o empenho sincero de fidelidade
incondicional ao Magistério da Igreja. Isto é uma resposta providencial a um tempo marcado pelas
ondas do relativismo que também agitaram “a pequena barca do pensamento de muitos
cristãos”(Cardeal Ratzinger, homilia de abertura do Conclave, 2005).

O fato de que tais processos formativos ou educativos tragam elementos e pedagogias


diferenciadas, permite que atinjam pessoas com sensibilidades distintas, despertando e atingindo
uma multidão de fiéis. Desta forma, “as novas comunidades são uma oportunidade para que muitas
pessoas afastadas possam ter uma experiência de encontro vital com Jesus Cristo, e assim recuperar
sua identidade batismal e sua ativa participação na vida da Igreja” (Bento XVI, Discurso Inaugural
em Aparecida 312).

Através deste itinerário as novas comunidades, na diversidade e força do seu carisma


original, frutificam dando à Igreja e à sociedade cristãos que buscam conjugar com coerência à fé e
à vida, como nos lembrava João Paulo II em Pentecostes de 98: “Como é grande, hoje, a
necessidade de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes da própria identidade batismal, da
própria vocação e missão na Igreja e no mundo”.

É admirável a contribuição que as novas comunidades têm dado para ajudar a construir na
Igreja aquelas “autênticas « escolas » de oração (NMI 33)”. Sem corações apaixonados por Cristo,
será impossível fazer surgir uma nova geração de discípulos e missionários de Cristo.

d) Celeiros de vocações cristãs maduras.

Um grande fruto destas novas comunidades é que são celeiros de vocações cristãs maduras.
Nelas vemos surgir matrimônios com forte e concreto testemunho de amor e abertura à vida, serviço
à sociedade e grande disponibilidade na missão da Igreja.

Na exortação apostólica Christifiidelis Laici João Paulo II relembrava a ordem do Senhor: «


Ide por todo o mundo », e dizia como esta continuava a “encontrar muitos leigos generosos, prontos
a deixar o seu ambiente de vida, o seu trabalho, a sua região ou pátria, para ir, ao menos por um
certo tempo, para zonas de missão. Mesmo casais cristãos, a exemplo de Áquila e Priscila
(cfr. At 18; Rom 16, 3 s.), oferecem o confortante testemunho de amor apaixonado por Cristo e pela
Igreja com a sua presença ativa em terras de missão” (CL 34).
Da mesma forma, onde existe uma experiência autêntica com Cristo surgem saudáveis e
sólidas vocações sacerdotais e para vida consagrada. São abundantes estas vocações nestes
ambientes. Cabe aqui, como tarefa, multiplicar o empenho no despertar e apoiar estas vocações, em
favor das grandes necessidades da missão.

Nas novas comunidades encontramos os diversos estados de vida unidos em uma mesma
vida comunitária. Isto traz um grande enriquecimento do ponto de vista humano, espiritual e
missionário, pois torna mais visível a beleza da complementaridade dos estados de vida no mistério
da Igreja, além de se constituir em um extraordinário impulso para a missão evangelizadora (cf. CL
55).

e) “A Revolução do amor” e a “Fantasia da Caridade”.

Vivemos em um país marcado por desigualdades econômicas escandalosas, violência e


insegurança. Tudo isto conjugado a uma baixa qualidade dos valores éticos e morais na vida
pública.

Uma das características destes novos carismas é irradiar a sua ação na sociedade,
colaborando assim para a construção de um mundo marcado por Cristo.

É de modo crescente que constatamos como os carismas irradiam-se na caridade de Cristo


de maneira concreta e criativa na vida das pessoas e da nossa sociedade. Uma das importantes
tarefas que as novas comunidades têm neste âmbito é gerar, na força dos carismas, personalidades
cristãs maduras, competentes e coerentes, que assumam o histórico e necessário compromisso de
levar a verdade de Cristo para as realidades mais desafiantes do nosso Brasil, seja no campo da
vida, da família, da juventude, da educação, dos meios de comunicação, da cultura, da economia, da
política, da justiça e da Paz. Isto não com a força das ideologias, seja do passado ou do presente, e
sim com a potência da graça que brota do Evangelho para produzir aquilo que o Papa Bento XVI
chama de “a revolução do amor” (Mensagem para a XXII JMJ - 2007).

Conjugado a isto e diante das feridas sociais e morais do nosso país, as novas comunidades
têm dado vida e desenvolvido novas ações no tecido das obras caritativas da Igreja. Os carismas se
encarnam nas realidades onde estão inseridos. Por isto no Brasil, as novas comunidades são
continuamente desafiadas pelas feridas da sociedade a ser cada vez mais criativas para contribuir
ainda mais com a “fantasia da caridade” (cf. NMI 50). Falando dos agentes desta fantasia, Bento
XVI lembrava que deveriam “ser pessoas movidas antes de mais nada pelo amor de Cristo, pessoas
cujo coração Cristo conquistou com seu amor, nele despertando o amor ao próximo” (DCE 35).

CONCLUSÃO

Respondendo à pergunta de um sacerdote sobre os frutos do pós-Concílio, em julho de 2007,


o Papa Bento XVI mencionou a sua visita ao Brasil, dois meses antes, por ocasião da V Conferência
Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida:

“Cheguei no Brasil sabendo como expandiam-se as seitas e como parece um pouco


esclerotizada a Igreja Católica; mas quando cheguei vi que quase todo dia no Brasil nasce uma nova
comunidade religiosa, nasce um novo movimento, não só crescem as seitas. Cresce a Igreja com
novas realidades cheias de vitalidade, não de modo a encher as estatísticas – esta seria uma falsa
esperança, a estatística não é a nossa divindade – mas crescem nas almas e criam a alegria da fé,
criam presença do Evangelho, criam assim também verdadeiro desenvolvimento do mundo e da
sociedade” (Bento XVI, Encontro com o clero das dioceses de Belluno-Feltre e Treviso).

Na iminência do Sínodo dos Bispos que tratará do tema da nova evangelização, e também
do início do Ano da Fé, não podemos deixar de responder com convicção ao apelo de João Paulo II
que, na exortação apostólica Christifidelis Laici dizia: Chegou a hora de nos lançarmos numa
nova evangelização!

Países inteiros e nações, onde a religião e a vida cristã foram em tempos tão prósperas e
capazes de dar origem a comunidades de fé viva e operosa, encontram-se hoje sujeitos a dura
prova, e, por vezes, até são radicalmente transformados pela contínua difusão do
indiferentismo, do secularismo e do ateísmo. É o caso, em especial, dos países e das nações
do chamado Primeiro Mundo, onde o bem-estar económico e o consumismo, embora à
mistura com tremendas situações de pobreza e de miséria, inspiram e permitem viver « como
se Deus não existisse ». Ora, a indiferença religiosa e a total insignificância prática de Deus
nos problemas, mesmo graves, da vida não são menos preocupantes e subversivos do que o
ateísmo declarado. (...) Noutras regiões ou nações, porém, conservam-se bem vivas ainda
tradições de piedade e de religiosidade popular cristã; mas, esse património moral e
espiritual corre hoje o risco de esbater-se sob o impacto de múltiplos processos, entre os
quais sobressaem a secularização e a difusão das seitas. Só uma nova evangelização poderá
garantir o crescimento de uma fé límpida e profunda, capaz de converter tais tradições numa
força de liberdade autêntica. (...) é urgente, sem dúvida, refazer em toda a parte o tecido
cristão da sociedade humana. Mas, a condição é a de se refazer o tecido cristão das próprias
comunidades eclesiais que vivem nesses países e nessas nações. Repito mais uma vez a
todos os homens contemporâneos o grito apaixonado com que iniciei o meu serviço pastoral:
« Não tenhais medo! Abri, ou antes, escancarai as portas a Cristo! (CL 34).
Como dizia o Cardeal Rylko, Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, em um
Seminário de Estudos para Bispos em 2008, “as novas comunidades têm em si um precioso
potencial evangelizador do qual a Igreja tem grande necessidade, representam um recurso não ainda
plenamente conhecido e valorizado”.

O crescente e fecundo diálogo entre os pastores e os novos carismas, em vista da unidade e


colaboração mútua que favoreça a ação evangelizadora é uma rica e fecunda experiência na Igreja
do Brasil (cf. CNBB, Igreja Particular, Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades, Subsídios
Doutrinais 3, n. 64), com frutos de comunhão e missão para toda a Igreja. Como dizem os nossos
Bispos nas Diretrizes Pastorais da Ação Evangelizadora no Brasil: “a variedade de vocações,
carismas, espiritualidades e movimentos é uma riqueza e não motivo de competição, rejeição ou
discriminação. Grande é o desafio da educação para a vivência da unidade na diversidade, fundada
no princípio de que todos são irmãos e iguais em dignidade. Quanto maior for a comunhão, tanto
mais eficaz o testemunho de fé da comunidade” (CNBB, Doc. 94, n.98).

Que as novas comunidades possam sempre mais deixar claro que a melhor resposta a ser
dada aos desafios do nosso tempo é renovar a própria fé como adesão a Cristo na Igreja, tornando
esta mesma fé “mais consciente e responsável, enraizada na profunda experiência de Deus,
iluminada por sua Palavra e partilhada na vivência comunitária e sacramental, atenta ao Magistério
da Igreja” (CNBB, Doc. 62, n. 33). Esta é a fé que, na força do seu carisma original, cada nova
comunidade é impulsionada a testemunhar e anunciar na grande tarefa da Nova Evangelização, no
Brasil e até os confins da terra.

PERGUNTAS

1) Dentro da Eclesiologia da Comunhão, muito presente no Concílio Vaticano II, as Novas


Comunidades são carismas que oferecem espaços de comunhão de formas de vida diversas (leigos,
sacerdotes e consagrados), em vista da nova evangelização. Quais as principais contribuições que
estas novas realidades têm dado para a Igreja do Brasil nos tempos de hoje?

2) Como superar possíveis desafios da “unidade na diversidade”, característica própria da


catolicidade, em vista de avançarmos na Nova Evangelização?

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