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Uma primavera para a Igreja

3 fevereiro 2004

Jean-Luc Moens

Em preparação ao encontro da vigília de Pentecostes, João Paulo II havia expressado o


desejo de que um Congresso fosse organizado com os movimentos e as novas
comunidades. Este Congresso aconteceu em Roma, de 27 a 29 de maio passado com o
tema: Os movimentos eclesiais, comunhão e missão na vigília do terceiro milênio. Este
Congresso foi um momento importante e permitiu melhor compreender o lugar dos
movimentos e comunidades na Igreja. Eis porque lhe consagramos este dossier.

Foi a primeira vez que, por iniciativa da Santa Sé, tamanho encontro de responsáveis
leigos foi organizado. Estes três dias, sob a presidência do Cardeal Francis Stafford,
presidente do Conselho Pontifical para os leigos, foram tempo de reflexão, de troca e de
comunhão que marcou profundamente o conjunto de 350 participantes vindos de 56
movimentos leigos.

O Congresso começou pela leitura de uma palavra do Santo Padre que dava
imediatamente o tom: confiança, esperança e ação de graças pela obra do Espírito na
Igreja, missão e comunhão. “Eu desejo, de todo coração, que vosso Congresso e o
encontro de 30 de maio próximo na Praça de São Pedro possam revelar a fecundidade
profunda de vossos movimentos no meio do povo de Deus que está a ponto de passar a
soleira do terceiro milênio da era cristã”, nos assegurou João Paulo II. Depois de ter
afirmado que “os movimentos representam um dos frutos mais significativos desta
primavera da Igreja anunciada pelo Vaticano II”, o Papa continua: “A presença destes
movimentos é encorajadora: ela nos demonstra que esta primavera avança e manifesta
seu frescor de experiência cristã baseada em um encontro pessoal com o Cristo.”

Depois de se confessar feliz pela presença de delegados fraternos vindos de diferentes


Igrejas Cristãs, o Santo Padre também insistiu na unidade: “Vós representais mais de
cinqüenta movimentos e novas formas de vida comunitária que são a expressão de uma
grande variedade de carismas, de métodos de educação, de modalidades, de finalidades
apostólicas. Uma multiplicidade de experiências vividas na unidade de fé, de esperança, e
de caridade na obediência a Cristo e aos Pastores da Igreja, vossa própria existência é um
hino à unidade na diversidade querida pelo Espírito e que disso é testemunha.”
No fim de sua mensagem, o Papa introduziu o debate dando algumas linhas mestras,
desenvolvidas, mais tarde, por diferentes intervenções: “Por diversas vezes eu tive ocasião
de sublinhar que na Igreja não há oposição entre a dimensão institucional e a dimensão
carismática da qual os movimentos são uma expressão significativa. As duas são co-
essenciais à constituição divina desta Igreja fundada por Jesus, porque concorrem juntas
para manifestar o ministério do Cristo e sua obra de salvação do mundo. Juntas elas
podem renovar, cada uma à sua maneira, a autoconsciência da Igreja, que pode se definir
como um movimento, porque ela é um evento, no tempo e no espaço, da missão do Filho,
pela obra do Pai e pelo poder do Espírito.” Esta tomada de consciência de que a Igreja
poderia se compreender de uma certa maneira como um movimento marcou o Congresso,
tendo por conseqüência a certeza de que os movimentos e as novas comunidades não são
realidades paralelas à Igreja mas, ao contrário, dela são oriundas e que recebem seu
dinamismo do ímpeto missionário do qual a própria Igreja é depositária.

Cada um dos três dias do Congresso foi organizado em torno de uma problemática
particular. O primeiro dia foi consagrado à reflexão teológica sobre o lugar dos movimentos
na Igreja e os frutos que produziram. No segundo dia, diferentes representantes leigos
delinearam as linhas mestras da contribuição dos movimentos à comunidade eclesial:
evangelização, educação, cultura e trabalho, engajamento social, justiça e caridade,
serviço à unidade e ao ecumenismo. O terceiro dia permitiu aos participantes que
quisessem, dar seu testemunho.

A primavera da Igreja

Muito esperada e adiada, a intervenção do Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da


Congregação para a Doutrina da Fé, foi entendida como um encorajamento explícito dado
pela Igreja aos movimentos. Partindo da palavra do teólogo Karl Rahner, que havia
anunciado um inverno para a Igreja depois do Concílio Vaticano II, exatamente onde se
esperava uma nova primavera, o Cardeal Ratzinger revela seu estupor diante da obra do
Espírito, que interveio onde não era esperado e chegou até a “entornar” os próprios
projetos pastorais. É preciso se surpreender porque “onde o Espírito aparece, ele
desmancha, desarruma os projetos dos homens.”

Revalorizar o aspecto universal da missão

Os novos movimentos que apareceram na paisagem eclesial não eram sem defeito. O
Cardeal lembra que todos eles eram atingidos por uma “doença de nascença”: propensão
ao exclusivismo, visão unilateral, convicção de que a Igreja local deveria elevar-se até o
nível em que estavam… Isto explica porque houve atritos. Mostra também a necessidade
de uma compreensão teológica do papel dos movimentos. Para chegar a isso, o Cardeal
Ratzinger lembrou a história da Igreja e a evolução da compreensão da sucessão
apostólica.

Nos dois primeiros séculos, os sucessores dos apóstolos não estavam propriamente
ligados a um determinado lugar. Eles traziam o cuidado com a missão no mundo inteiro,
como se vê, por exemplo, com São Paulo, que nunca aceitou a responsabilidade de uma
Igreja local, mas que nomeava responsáveis por essas comunidades. A partir do Século II,
sentiu-se a necessidade de dar, às comunidades locais e a seus responsáveis (bispos,
presbíteros, diáconos) a tarefa de propagar a fé na área de suas respectivas Igrejas
particulares. Por outro lado, o ministério de Pedro aparecia, mais e mais, como um
ministério universal, encarregado de preservar o dinamismo da missão.

Eis porque os movimentos voltaram-se naturalmente para o sucessor de Pedro para


encontrar o apoio a fim de viver seu carisma específico no seio da Igreja. Como lembrou o
Cardeal Ratzinger, “a Igreja é percorrida, sem cessar, pelas ondas de movimentos que
valorizam, sem cessar, o aspecto universal da missão apostólica e o caráter radical do
Evangelho. É por isso que os movimentos são úteis para dar vitalidade e verdade espiritual
às Igrejas locais.”

Terminando, o Cardeal coloca dois conselhos de prudência, um aos movimentos, outro às


Igrejas locais. Ele convida os movimentos a serem submissos às exigências da Igreja:
“mesmo se, em seu trajeto, participem na totalidade da fé, eles são um dom feito à
totalidade da Igreja e devem se submeter às exigências desta totalidade para permanecer
fiéis ao que lhes é essencial”. Às Igrejas locais e aos bispos ele pede que não cedam ao
desejo de tornar uniforme a organização e a programação pastoral e propõe abrir
inteiramente as portas ao Espírito Santo. “É melhor talvez ter menos organização e uma
presença mais forte do Espírito Santo”, não hesitou ele em dizer.

A intervenção do Cardeal Ratzinger foi um dos pontos altos do Congresso e manifestou


fortemente a confiança da Igreja na inventividade sempre nova do Espírito Santo, que se
desvenda na grande diversidade de movimentos e novas comunidades. Outros teólogos
puderam fazer avançar a reflexão sobre as ligações entre instituição e carisma (M. David
Schindler), sobre os movimentos como dom do Espírito Santo (Dom Piero Coda), como
realidade na Igreja universal e na Igreja local (Dom Ângelo Scola) ou como o lugar de uma
humanidade transfigurada (Dom Albert-Marie de Monléon).

A missão dos movimentos

No dia seguinte, houve uma mesa redonda sobre os movimentos e a missão da Igreja no
alvorecer do terceiro milênio. Brian Smith, membro do ICCRS (Renovação Carismática) e
presidente da Fraternidade das Comunidades, partilhou sua experiência de evangelização.
Giancarlo Cesana, do Comunhão e Libertação, falou sobre o dever de educar, Andrea
Riccardi, da Comunidade de Santo Egídio, testemunhou acerca da necessidade de
engajamento dos movimentos nos campos da justiça e da caridade. Pe. Luís Fernando
Figari, do movimento de Vida Cristã, aplicou-se a desenvolver a necessidade de um
engajamento concreto pela construção de um mundo mais humano. Para terminar,
Gabriella Fallacara abriu as perspectivas ecumênicas de diálogo e de encontro segundo o
carisma próprio dos Focolares. Estes diferentes enfoques foram objeto de partilha entre
todos os participantes durante a tarde.

O terceiro dia foi reservado ao testemunho dos participantes e às conclusões do


Congresso. Os testemunhos foram numerosos e manifestaram a grande diversidade das
comunidades presentes.
“Este Congresso nos permite encontrar, trinta anos depois do Concílio, as múltiplas faces
da Igreja, no sopro de Pentecostes, nos confiaram Georges e Marie-Josette Bonneval,
fundadores da Comunidade do Verbo de Vida. Descobre-se aqui uma floração que exprime
a infinita bondade de Deus e a criatividade do Espírito Santo. Este evento permitiu um
melhor conhecimento mútuo a partir do coração da Igreja. Pode-se esperar que, nas Igrejas
locais, a mesma coisa possa ser vivida. O coração envia a vida para todo o corpo! Da
mesma maneira, pode-se pensar que haverá uma reoxigenação de todo o corpo graças ao
que se passou aqui, o coração da Igreja!”

Na diversidade dos movimentos, todos os participantes perceberam um apelo à comunhão.


É a convicção do Pe. Michel Santier, da Comunidade Rejubila-te: “A jogada maior de um
Congresso como este é a comunhão entre todos os movimentos eclesiais e o coração da
Igreja. Apaixonado toda minha vida por esta comunhão na Igreja, eu me rejubilo em ver
todos esses movimentos reunidos aqui. É um rosto de esperança da Igreja que se levanta.”
Esta também é a opinião de Fernand Sanchez, moderador da Comunidade das Bem
aventuranças. Para ele, “o maior interesse deste evento é que os movimentos e
comunidades podem se encontrar, reconhecer suas riquezas mútuas.”
A confiança da Igreja

Que impressões um Congresso como este pode deixar? Inicialmente o estupor e o


maravilhamento diante da obra de Deus, revelada por numerosos palestrantes. A Igreja foi
apresentada como um jardim luxuriante, cultivado pelo Espírito Santo, em que cada flor,
mesmo a menor delas, é importante. Todos foram tocados também pela confiança que a
Igreja deposita nas realidades novas que nascem em seu seio. “Este encontro manifesta
quanto a hierarquia da Igreja é parte ativa naquilo que suscita o Espírito Santo nos últimos
cinqüenta anos, nos confia Daniel-Ange. Tem-se a impressão de que o Santo Padre é
como um jardineiro apaixonado por todos os pequenos rebentos que ele procura proteger
contra as possíveis tempestades. Longe de ter, a priori, uma desconfiança, ele fala consigo
mesmo: “É novidade. Pode ser que venha do Espírito Santo. Porque este inventa sempre
algo novo. Estejamos atentos. Deixemos agir o tempo, vejamos os frutos que produz…”

Em sua conclusão, Dom Rylko, vice presidente do Conselho Pontifical para os Leigos,
afirmava: “Este Congresso não foi a celebração dos movimentos. Ele foi a celebração de
Jesus Cristo que renova a vida da Igreja e do mundo.” Esta foi a impressão de todos os
participantes: “Apreciei muito o fato de perceber a presença de Jesus Cristo, o Corpo
Místico de Cristo nesta assembléia tão diversificada e de fé tão profunda, explica Pe.
Ravanel, dos Foyers da Caridade. É uma experiência de Igreja que raramente se faz: esta
comunhão vivida em profundidade.”

Não é, esta comunhão, o resultado da invocação do Espírito Santo? Todos os participantes


cantaram, cada dia, o Veni Creator, como preparação para o Pentecostes. “A oração foi
importante, neste encontro, para pedir o Espírito Santo, reportam Pascal e Marie-Annick
Pingault, fundadores da Comunidade do Pão da Vida. Sente-se o desejo do Santo Padre
de uma nova efusão do Espírito Santo para que venham ainda coisas novas.”
Estas jornadas foram marcadas por três apelos:

· Um apelo renovado à santidade segundo os carismas próprios de cada movimento. Como


dizia Léon Bloy: “A maior tristeza é de não sermos santos.”
· Um apelo a crescer no apostolado: “Ai de mim se não evangelizar!”
· Um apelo a aprofundar nosso amor pela Igreja. Comunhão e missão são
indissociavelmente unidos.

Em sua conclusão, o Cardeal Francis Stafford sublinhou o fato de que este evento
aconteceu durante o ano de preparação ao Grande Jubileu consagrado em particular ao
Espírito Santo. Ele revelou que “nós estamos conscientes do que significa movimento: o
próprio dinamismo da vida do cristão no seguimento a Jesus e em sua relação com a
realidade.” Ele também insistiu sobre a ligação que une comunhão e missão: “Nós vivemos
uma verdadeira comunhão, conscientes de nossa diversidade mas sobretudo do imenso
horizonte missionário que se abre diante de nós.”

O Cardeal Stafford agradeceu, em seguida, ao Papa João Paulo II que não deixa de
encorajar os movimentos leigos. “Em relação ao Santo Padre, explicou-nos ele, nós
aprendemos o que significa o amor apaixonado pela glória de Cristo e pelos homens com
quem nós vivemos. Manifestou-se nele uma síntese entre tarefa institucional e expressão
carismática que nos permitiu melhor compreendermos nossa vocação.”

Depois de ter resumido as grandes linhas do encontro, o Cardeal Stafford insistiu acerca da
abertura aos pobres: “nossa vida é definida pela primeira bem aventurança: ‘Felizes os que
têm alma de pobre’ e que não resistem à obra de Deus em sua vida… O Espírito de
Caridade possa abrir nosso coração a cada homem e nos fazer percorrer juntos o caminho
para a unidade e a caridade.” A importância da abertura dos movimentos e comunidades
aos pobres teve grande significação nestes três dias pela presença de Pascal, um jovem
portador de mongolismo, membro da delegação das Comunidades da Arca.

Segundo Jean Vanier, seu fundador, seria preciso acolher mais os pobres. “Os pobres
resumem todo o mistério da Igreja, confiou-nos ele. É o que diz São Paulo: as partes mais
fracas, as menos apresentáveis são necessárias ao corpo e devem ser honradas. A Igreja
e os movimentos têm sempre que velar para não se deixar levar pela cultura do mundo que
é rapidez, rentabilidade, eficiência, eficácia… É preciso dar sempre a primazia à pessoa.”

Em evento histórico

Este Congresso, um evento de primeira linha, preparou o extraordinário encontro de João


Paulo II com os movimentos e comunidades novas. É o que quis dizer o Cardeal Vlk,
arcebispo de Praga e presidente da Conferência Episcopal Européia, quando surpreendeu
a todos os participantes ao dizer: “Eu vejo aqui a Igreja do terceiro milênio. João XXIII
sonhou com um novo Pentecostes para a Igreja. Eu o vejo e isso me enche de grande
alegria!”

O Congresso terminou com uma Missa. No Evangelho do dia, Jesus perguntava: “Pedro, tu
me amas?” Questão fundamental que resume o essencial do Congresso. Responder “Sim,
Senhor, Tu saber que eu Te amo” é aceitar engajar-se totalmente, dar a própria vida, dizer
com o próprio Jesus: “Eis-me aqui, Senhor, envia-me a mim!”

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