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Uma Compreensão Teológica da Sagrada

Liturgia e a Sacrosanctum Concilium


Frei Alberto Beckhäuser, OFM

Resumo: “...Não ficou, aliás, sem fruto a discussão difícil e


intrincada, pois um dos temas – o primeiro a ser examinado e o primeiro,
em certo sentido, na excelência intrínseca e na importância para a vida
da Igreja – o da Sagrada Liturgia, foi felizmente concluído e é hoje por
nós solenemente promulgado”. As palavras de Paulo VI apresentam a
necessidade do breve artigo.
Palavras-chave: Liturgia. Paulo VI. Vaticano II.

Resumen: "... No quedó, sin fruto, la discusión difícil e intrincada, pues


uno de los temas -el primero a ser examinado y el primero, en cierto
sentido, en la excelencia intrínseca y en la importancia para la vida de la
Iglesia -el de la Sagrada Liturgia, fue felizmente concluido y es hoy por
nosotros solemnemente promulgado ". Las palabras de Pablo VI
presentan la necesidad del breve artículo.
Palabras clave: Liturgia. Pablo VI. Vaticano II.

N o ano de 2013, comemorou-se o Jubileu Áureo do


Documento do Concílio Vaticano II sobre a Sagrada
Liturgia, a Constituição Sacrosanctum Concilium. Pas-
sados cinquenta anos do primeiro grande Documento do Concí-
lio, que promoveu a reforma de toda a Liturgia da Igreja, convém
lançar um olhar retrospectivo sobre o seu conteúdo e sua impor-
tância para a Igreja. Propomo-nos a explorar o tesouro deste do-
cumento conciliar, um tesouro verdadeiramente inesgotável. Não
abordaremos outros aspectos como o contexto de sua elaboração,
sua recepção no Brasil, nem os desafios que permanecem. Foi
Uma Compreensão Teológica da Sagrada Liturgia

providencial que os Padres Conciliares tenham começado os tra-


balhos tratando da Sagrada Liturgia dentro do grande objetivo do
Concílio de “Fomentar sempre mais a vida cristã entre os fi-
éis, adaptar melhor às necessidades de nossa época as insti-
tuições suscetíveis de mudanças, favorecer tudo o que possa
contribuir para a união dos que creem em Cristo e promover
tudo o que conduz ao chamamento de todos ao seio da Igre-
ja” (SC 1).

Para atender a estes objetivos os Padres Conciliares


acharam por bem cuidar, de modo especial, da reforma e do in-
cremento da Liturgia. Isso porque a Sagrada Liturgia constitui a
alma e o coração da Igreja; é a própria manifestação mais plena
(epifania) da Igreja, cume e fonte de toda a sua vida e ação.

A reflexão sobre a natureza da Liturgia abriu horizontes


para a abordagem dos demais temas do Concílio, sobretudo, da
natureza íntima da Igreja. Neste sentido podemos dizer que a
Sacrosanctum Concilium aparece como o documento central e,
talvez, o mais importante do Concílio Vaticano II. Hoje se reco-
nhece que a Sacrosanctum Concilium é o documento do Concílio
que mais mexeu e continua a mexer com a Igreja em suas estru-
turas, em sua teologia, em sua espiritualidade, em sua vocação e
missão e em sua ação pastoral.

1. A Igreja à luz da Sacrosanctum Concilium

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Como dissemos, a Sacrosanctum Concilium abriu cami-


nho para o tratamento de outros temas do próprio Concílio. O
tratamento da Sagrada Liturgia em sua íntima natureza, inserida
na Economia da Salvação e no mistério da Igreja como cume e
fonte de toda a vida e ação da própria Igreja, repercutiu decisi-
vamente sobre a maioria dos documentos do Concílio, particu-
larmente, sobre a Lumen Gentium.

Consideremos algumas observações de Cipriano Vagag-


gini, liturgista italiano e perito conciliar em relação ao processo
de elaboração do documento sobre a Sagrada Liturgia e como
este processo repercutiu sobre outros documentos, particular-
mente sobre a Lumen Gentium.

Quando o Proêmio foi discutido na primeira Sessão, diz


ele, houve quem considerasse este passo completamente deslo-
cado. Perguntava-se: Com que pretensão entravam os liturgistas
no campo dogmático, reservado à Comissão Teológica, pontifi-
cando em torno à natureza da Igreja? Que tinha isto a ver com a
Liturgia? Ademais, não era todo este modo de falar da natureza
da Igreja poesia confusa?

Tais críticas partiam de teólogos que ainda colocavam o


essencial do conceito de Igreja no aspecto visível, organizativo e
jurídico. Participavam ainda de uma eclesiologia apologética an-
tiprotestante de tipo pós-tridentino e especificamente belarmini-
ano, sem se debruçarem sobre um conceito de Igreja como Sa-
cramentum-mysterium, isto é, de uma realidade complexa, visível
e sensível, sim, organizada e presente no mundo, mas da qual se

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afirma enfaticamente que o aspecto visível é apenas transitório,


subordinado e ministerial.

Quem estava habituado a considerar a Igreja em uma


perspectiva prevalentemente jurídica não podia senão ver uma
mera e nebulosa poesia no que diz, por exemplo, o artigo 41 da
Sacrosanctum Concilium:

“O Bispo deve ser tido como o Pontífice de sua grei, do


qual de algum modo deriva e depende a vida de seus
fiéis em Cristo. Por isso, faz-se mister que, particu-
larmente na catedral junto ao Bispo, todos deem má-
xima importância à vida litúrgica da diocese: persu-
adidos de ter ali a principal manifestação da Igreja
na plena e ativa participação de todo o povo santo de
Deus, nas mesmas celebrações litúrgicas, sobretudo,
na mesma Eucaristia, numa única oração, junto a um
só altar, presidido pelo Bispo, cercado de seu presbi-
tério e ministros”.

Desde os inícios da discussão conciliar manifestou-se o


elemento preciso sobre o qual, como se haveria de patentear,
convergia a diferença das posições entre as duas correntes prin-
cipais do Concílio: a tradicionalista e a progressista. Que isto te-
nha sucedido precisamente na discussão em torno à Liturgia, não
tem nada de extraordinário para quem sabe que, falando histori-
camente, foi exatamente o Movimento litúrgico que deu o início,
desde 1918, àquela revisão da Eclesiologia pós-tridentina, cujos
frutos se patentearam nas sucessivas elaborações do esquema
“De Ecclesia”. Liturgia e Eclesiologia são inseparáveis. Esta visão
da Igreja como Sacramentum-mysterium tem por sua vez como

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consequência o efeito de descobrir na Liturgia como que o cora-


ção da Igreja. Efetivamente, é na Liturgia que se atualiza em sumo
grau aquela glória dada a Deus em Cristo Jesus e aquela trans-
missão de vida divina que Ele opera através de homens e coisas
sensíveis e visíveis; vida divina que constitui a razão derradeira
da estrutura da Igreja: “Pois a Liturgia... contribui de modo mais
excelente para que os fiéis exprimam em sua vida e aos outros ma-
nifestem o mistério de Cristo e a genuína natureza da verdadeira
Igreja” (cf. SC 2). Até aqui Vagaggini.

Outra observação que leva a compreender melhor o en-


foque teológico e eclesial dado à Sagrada Liturgia. Os grandes
fautores do Movimento litúrgico eram também bons teólogos.
Praticavam uma teologia inspirada nas fontes primeiras da fé
cristã, as Sagradas Escrituras e a Tradição da Igreja, seguindo os
diversos movimentos de “volta às fontes”. Uma teologia bíblica,
patrística e inspirada nas fontes litúrgicas dos Santos Padres e
dos Rituais antigos da Liturgia tanto do Ocidente como do Orien-
te. Isso fazia a grande diferença em relação à Teologia praticada
ainda amplamente pelos teólogos sistemáticos que em geral se-
guiam a neoescolástica.

Segundo o art. 2 da Sacrosanctum Concilium, “através da


Liturgia, particularmente, através da Eucaristia os fiéis exprimem
em suas vidas e manifestam aos outros o mistério de Cristo e a au-
têntica natureza da verdadeira Igreja”. A Liturgia celebra a fé,
toda a fé, também a fé sobre a natureza da Igreja. A revolução
operada na compreensão da Sagrada Liturgia leva a uma revira-
volta na compreensão da Igreja.

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A natureza da Igreja vem expressa através de diversas


imagens da Igreja, que depois são reassumidas e desdobradas na
Lumen Gentium:

1) A Igreja como Mistério de Cristo – Já na esteira das


duas grandes encíclicas de Pio XII, a Mystici Corporis Christi sobre
a Igreja e a Mediator Dei sobre a Sagrada Liturgia, na Sacrosanc-
tum Concilium a Igreja é apresentada como uma realidade ao
mesmo tempo humana e divina, visível e dotada de elementos
invisíveis, operosa na ação e devotada à contemplação, presente
no mundo e, no entanto, peregrina. A Igreja aparece como Misté-
rio de Cristo, onde o humano se ordena ao divino e a ele se su-
bordina, o visível ao invisível, a ação à contemplação e o presente
à cidade futura, que buscamos. Estamos aqui diante do aspecto
teândrico da Esposa de Cristo: a Igreja analogamente ao seu Es-
poso e Fundador, é ao mesmo tempo humana e divina, visível,
mas ordenada de dons invisíveis, operosa na ação e devotada à
contemplação, presente no mundo e, no entanto, peregrina.

2) A Igreja, Templo santo no Senhor, edificado pela


Sagrada Liturgia: - Assim, sobretudo na Sagrada Liturgia, a Igre-
ja aparece como Templo santo no Senhor, como tabernáculo
de Deus no Espírito àqueles que estão dentro dela (cf. SC 2). O
templo é a morada de Deus entre os homens. Todo o mundo é
chamado a tornar-se morada do Altíssimo, sobretudo, através da
celebração da Sagrada Liturgia!

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3) A Igreja como estandarte erguido diante das na-


ções: - Para os de fora a Igreja aparece como estandarte erguido
diante das nações. O que se diz da Igreja se diz da Liturgia, prin-
cipal manifestação da Igreja (cf. SC 2).

4) A Liturgia e a Igreja compreendidas como misté-


rio: - A compreensão da Liturgia como mistério, superando sua
compreensão jurídica e estética, leva a uma compreensão nova
da Igreja como mistério e como sacramento, “pois do lado de Cris-
to dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a
Igreja” (cf. SC 5).

No Art. 2 da Sacrosanctum Concilium se afirma que a Li-


turgia é a epifania, a manifestação mais verdadeira da Igreja:
templo santo no Senhor, tabernáculo de Deus.

5) A Igreja como Povo santo de Deus: - A Igreja é


compreendida como Povo santo de Deus (Art. 41). Povo sacer-
dotal, real e profético. A Igreja é “povo cristão, geração escolhi-
da, sacerdócio real, gente santa, povo de conquista”. Vale a pena
citar aqui os primeiros dois parágrafos do Art. 14 da Sacrosanc-
tum Concilium que trata da participação de todo o povo da Sagra-
da Liturgia como direito seu:

“Deseja ardentemente a Mãe Igreja que todos os fiéis


sejam levados àquela plena, cônscia e ativa participa-
ção das celebrações litúrgicas, que a própria natureza
da Liturgia exige e à qual, por força do batismo, o po-
vo cristão, ‘geração escolhida, sacerdócio real, gente
santa, povo de conquista’ (1Pd 2,9; cf. 2,4-5), tem di-
reito e obrigação. Cumpre que essa participação plena

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e ativa de todo o povo seja diligentemente considera-


da na reforma e no incremento da Sagrada Liturgia.
Pois é a principal e necessária fonte, da qual os fiéis (a
Igreja) haurem o espírito verdadeiramente cristão”.

6) Ecclesia: - A Igreja é compreendida como Ecclesia,


como Povo convocado por Deus, como Assembleia, sobretudo,
quando reunida em torno da Mesa do Senhor. Trata-se de um
Povo santo, unido e coordenado sob a direção dos bispos:

“As ações litúrgicas não são ações privadas, mas ce-


lebrações da Igreja, que é o “sacramento da unidade”,
isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção
dos bispos. Por isso, estas celebrações pertencem a
todo o corpo da Igreja, e o manifestam e afetam: mas
atingem a cada um dos membros de modo diferente,
conforme a diversidade de ordens, ofícios e da parti-
cipação atual” (SC 26a).

Trata-se aqui da adunatio, da reunião. As celebrações li-


túrgicas em Roma eram chamadas adunatio, reunião dos fiéis. É
a koinonia, a comunhão em torno do bispo, a Ecclesia, a assem-
bleia. A assembleia celebrante é manifestação do mistério da
Igreja, formada de muitos membros, com funções diferentes. A
assembleia é símbolo da Igreja. Nela não deve haver discrimina-
ção de pessoas (cf. SC 32). Viver a assembleia litúrgica significa
viver a igual dignidade de todos os membros da Igreja. A Liturgia
nos ensina a viver como membros do Povo de Deus, todo ele sa-
cerdotal, real e profético. Tudo isso exige de todos uma conver-
são permanente. Formar assembleia já é um ato de culto, é gerar

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o Corpo de Cristo, é mergulhar no mistério da Trindade, expres-


são da unidade na diversidade.

7) Funções e dimensões da Igreja: - A Sacrosanctum


Concilium abriu as portas para acolher as diversas funções e
dimensões da vida da Igreja. Manifestam-se as diversas funções
na edificação do Templo santo no Senhor, que é a Igreja, bem
como as diversas dimensões da vida da Igreja.

Funções: - Aparece o aspecto hierárquico da Igreja, ma-


nifestado no bispo, nos sacerdotes, nos diáconos, nos leitores, nos
acólitos e em todos os fiéis. O conjunto das funções significa o
Povo de Deus a caminho guiado pelos pastores.

Dimensões: Estão presentes as diversas dimensões da


vida da Igreja: A comunitária e participativa, a missionária, a di-
mensão catequética, a dimensão litúrgica (celebrativa). Presente
está a dimensão ecumênica e de diálogo inter-religioso. Final-
mente, a dimensão chamada sociotransformadora.

8) A Igreja, admirável Mistério-Sacramento: - A Igre-


ja é o admirável Mistério-Sacramento que brota do mistério
pascal: “Esta obra da Redenção humana e da perfeita glorificação
de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas divinas operadas no
povo do Antigo Testamento, completou-a Cristo Senhor, principal-
mente pelo mistério pascal de sua sagrada Paixão, Ressurreição
dos mortos e gloriosa Ascensão. Por este mistério, Cristo ‘morrendo,
destruiu a nossa morte e, ressuscitando, recuperou a nossa vida’.

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Pois do lado de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sa-


cramento de toda a Igreja” (SC 5b).

A Sacrosanctum Concilium trata da natureza da Igreja,


colocando-a no contexto da História da Salvação e do Mistério
Pascal. À luz desta compreensão, a Liturgia também é mergulha-
da no Mistério pascal. Por definição, a Liturgia é a Celebração do
mistério de Cristo, ou, como diz o Catecismo da Igreja Católica, a
Celebração do Mistério pascal. A Igreja nasce do mistério pas-
cal pelo batismo e dele se alimenta pelo Banquete pascal da Eu-
caristia. Esta compreensão da Sagrada Liturgia lança nova luz
sobre o mistério da Igreja, chamada a viver o mistério pascal que
dá sentido à toda a vida dos seres humanos.

9) A Igreja como Corpo místico de Cristo: - A Igreja


aparece como corpo, Corpo místico de Cristo, o Cristo total,
cabeça e membros (cf. SC 26). Esta compreensão aparece tam-
bém no Art. 7, onde se descreve a natureza da Sagrada Liturgia:

“Com razão, pois, a Liturgia é tida como o exercício


do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, median-
te sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a
cada sinal, realizada a santificação do homem; e é
exercido o culto público integral pelo Corpo Místico
de Cristo, Cabeça e membros”.

Concluímos, assim, que os cristãos ao viverem a Liturgia


como é apresentada pela Sacrosanctum Concilium vão penetran-
do sempre mais no mistério da Igreja e da Igreja como mistério.
Ela será vista não simplesmente como sociedade jurídica e hie-

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rarquicamente constituída, mas como mistério, como sacramento


da presença e da obra de Deus em favor de toda a humanidade
por Cristo e em Cristo Jesus. A melhor teologia da Igreja se realiza
na celebração de sua Liturgia. Hoje se fala de Teologia litúrgica. A
Liturgia constitui um “locus theologicus”. A Liturgia constitui a
“Theologia prima”, a teologia primeira. Antes que houvesse tra-
tados de Teologia, o povo cristão aprofundava a fé celebrando-a
na Liturgia. Por isso, na renovação e na vivência da Sagrada Li-
turgia renova-se a Teologia e a Igreja.

2. Compreensão teológica de Liturgia

Entre as pérolas encrustadas na Sacrosanctum Concilium


gostaríamos de realçar, em segundo lugar, a compreensão teo-
lógica da Liturgia. Uma grande conquista do Concílio Vaticano II,
na esteira do Movimento Litúrgico e da encíclica Mediator Dei, do
papa Pio XII, foi certamente a de levar a toda a Igreja uma com-
preensão teológica da Sagrada Liturgia, situando-a na Economia
Divina da Salvação, manifestada na História da Salvação.

A Sacrosanctum Concilium apresenta uma compreensão


teológica da Liturgia, superando o ritualismo estético e o legalis-
mo litúrgicos, já condenados por Pio XII na Mediator Dei. O ritua-
lismo estético ou esteticismo litúrgico consiste em colocar a na-
tureza da Liturgia nos seus elementos externos, como fonte de
inspiração para a oração e devoção individuais dos que assistem
aos ritos. O rubricismo ou legalismo litúrgico consiste em colocar
a essência da Sagrada Liturgia nas normas e rubricas que regem a
Sagrada Liturgia entendida como culto oficial da Igreja (cf. Media-

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tor Dei, n. 22). Não se trata de negar o belo, a necessidade da lin-


guagem estética na Liturgia, pois a linguagem da Liturgia precisa
ser artística, precisa ser bela, pelo fato de ser comunicação do
bom, do belo e do verdadeiro que é o próprio Deus. Nem se trata
de negar qualquer norma ou rito, pois a expressão comunitária
de qualquer grupo exige uma linguagem comum regulamentada e
ordenada. Gostaria de lembrar aqui o que Bento XVI escreve na
exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis sobre a
ars celebrandi, a arte da correta celebração e sobre a beleza da
Liturgia, sem se cair no esteticismo (SCr, n. 35-42).

A História da salvação inclui todo o mistério da Encar-


nação e culmina na Páscoa da morte e ressurreição do Senhor. No
Art. 5 a Igreja define o que se entende por mistério pascal. O mis-
tério pascal se identifica com o Mistério da Encarnação, sinteti-
zado na paixão-morte, ressurreição e ascensão de Jesus aos céus,
enquanto este mistério atinge toda a humanidade:

“Esta obra da Redenção humana e da perfeita glorifi-


cação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas
divinas operadas no povo do Antigo Testamento,
completou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mis-
tério pascal de Sua sagrada Paixão, Ressurreição dos
mortos e gloriosa Ascensão. Por este mistério, Cristo,
‘morrendo, destruiu a nossa morte e ressuscitando,
recuperou a nossa vida’. Pois do lado de Cristo dor-
mindo na cruz nasceu o admirável sacramento de to-
da a Igreja” (SC 5).

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O Art. 6 apresenta a teologia dos envios:

“Portanto, assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim


também Ele enviou os Apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só
para pregarem o Evangelho a toda criatura, anunciarem que o
Filho de Deus pela sua morte e ressurreição, nos libertou do poder
de Satanás e da morte e nos transferiu para o reino do Pai, mas
ainda para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da salvação
através do Sacrifício e dos Sacramentos, ao redor dos quais se de-
senvolve toda a vida litúrgica”. Trata-se de anunciar e realizar ou
levar a efeito o que anunciavam através da celebração do misté-
rio pascal, sobretudo, através do Sacrifício e dos Sacramentos.

O Art. 7 da SC mostra como Cristo continua presente e


atuante na Igreja, na força do Espírito Santo, especialmente pela
Sagrada Liturgia. Temos neste artigo a explicitação das diversas
presenças de Cristo na Igreja. Pelo fim, apresenta uma conceitua-
ção da Sagrada Liturgia:

“Para levar a efeito obra tão importante Cristo está


sempre presente em sua Igreja, sobretudo nas ações
litúrgicas” (SC 7). Aqui se diz sobretudo e não só na
Liturgia.

Vemos sua presença real nas espécies eucarísticas, sua


presença, também real, na presidência da celebração, na celebra-
ção dos mistérios, ou seja, nos sacramentos e nos sacramentais,
na sua Palavra lida na igreja, na assembleia orante. Temos aqui o
reconhecimento da sacramentalidade de toda a Liturgia e de toda
a Igreja.

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No fim do Art. 7, o Concílio tenta definir ou descrever o


que seja a Liturgia:

“Com razão, pois, a Liturgia é tida como o exercício


do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, median-
te sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a
cada sinal, realizada a santificação do homem; e é
exercido o culto público integral pelo Corpo Místico
de Cristo, Cabeça e membros”.

Temos, pois, a Liturgia como atualização da Salvação; a


plenitude do culto divino, deixado por Cristo à sua Igreja (cf. SC
5), o que já fora anunciado no art. 2: Pela Liturgia, principalmente
no divino sacrifício da Eucaristia, ‘se exerce a obra de nossa Reden-
ção (cf. SC 2). A Liturgia é apresentada como o meio mais impor-
tante e eficaz para se alcançar a perfeição da caridade: a santifi-
cação e a glorificação de Deus.

“Disto se segue que toda a celebração litúrgica, como


obra de Cristo sacerdote, e de seu Corpo que é a Igreja, é uma ação
sagrada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é
igualada por nenhuma outra ação da Igreja” (SC 7). A Liturgia não
existe nos livros, mas acontece na ação memorial da Igreja. Os
Rituais apresentam os ritos como expressão significativa dos
mistérios celebrados.

Aparece aqui que a Liturgia é celebração do mistério


pascal por parte da Igreja. Ela constitui uma ação sagrada, uma
celebração de toda a Igreja. É ação de Cristo e da Igreja, Cabeça e

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Membros, sendo Cristo o primeiro agente na Liturgia. A Liturgia


não nos pertence. Ela é dom de Deus, obra da Trindade.

O Catecismo da Igreja Católica define a Liturgia a partir


do conceito de celebração: celebração da fé cristã, celebração do
mistério pascal.

Na compreensão teológica de Liturgia apresentada pelo


Concílio, aparecem claramente os elementos constitutivos de
uma celebração. Celebrar é fazer memória, é, fazendo memória,
tornar presente as ações salvíficas de Cristo, os mistérios de Cris-
to.

Toda celebração consta de três elementos:

- o fato valorizado que podemos chamar de páscoa;

- sua expressão significativa: os símbolos ou os ritos


que significam o fato valorizado;

- aquilo que se vive através dos ritos: a intercomunhão


solidária, o mistério.

No caso da Liturgia cristã, temos:

- O fato valorizado, a páscoa é Jesus Cristo, em suas


ações que realizaram a salvação, sobretudo, sua morte e ressur-
reição salvadoras.

- O símbolo ou a expressão significativa dos fatos va-


lorizados: a páscoa de Cristo e a páscoa dos cristãos. São os di-

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versos ritos, as diversas celebrações da Igreja, que comemoran-


do, lembrando as ações salvadoras de Cristo, as atualizam, as
tornam presentes.

- O mistério que se realiza pela comemoração ritual da


Igreja, pelos mistérios do culto. Vive-se a comunhão com Deus, a
salvação e a glorificação de Deus em Cristo Jesus. Realiza-se a
comunhão divino-humana, realiza-se o mistério. Diria que pela
Liturgia continua a realizar-se através da história o mistério da
Encarnação.

3. Consequências da compreensão teológica de Li-


turgia

A partir da compreensão teológica da Sagrada Liturgia


manifestam-se várias outras joias preciosas do grande tesouro do
Culto Divino, a Sagrada Liturgia.

1) Toda a Igreja é celebrante: - Assim o Concílio resga-


ta a importância dos leigos na Igreja. A Liturgia é ação de Cristo
Cabeça e de seus membros, a Igreja (cf. SC 7).

2) O ministério sacerdotal: - Os sacerdotes não cele-


bram propriamente para o povo de Deus, mas com o povo. A Li-
turgia não é simplesmente feita pelos padres em favor da Igreja,
mas é culto a Deus de toda a Igreja, de toda a assembleia, pois
toda ela é celebrante. Surgem daí os dois movimentos da Liturgia:
santificação do homem e glorificação de Deus.

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3) Descentralização dos ministérios na Liturgia,


mantida sempre sua natureza hierárquica (SC 26; 41).

4) A Liturgia como atividade primária e principal da


Igreja: “Disto se segue que toda a celebração litúrgica, como obra
de Cristo sacerdote, e de seu Corpo que é a Igreja, é uma ação sa-
grada por excelência, cuja eficácia, no mesmo título e grau, não é
igualada por nenhuma outra ação da Igreja” (cf. SC 7).

5) Presença de Cristo na Igreja: - A teologia das pre-


senças de Cristo na Liturgia. Todas as presenças de Cristo menci-
onadas no Art. 7 são presenças reais de Cristo.

6) A Liturgia não esgota a vida da Igreja: - A compre-


ensão da relação e complementaridade da Liturgia e de todas as
demais atividades da Igreja. Existe o antes e o depois da ação
litúrgica:

O antes: A pregação, evangelização, a Catequese, a pre-


gação da penitência permanente para a fidelidade à vocação e
missão cristãs;

O depois: A vida de conversão evangélica, a meditação


da Palavra de Deus, a oração individual do cristão, a ação da cari-
dade, a missão, o apostolado, a vida cristã engajada na sociedade,
a consagração do mundo a Deus (cf. SC 10).

7) A Liturgia, cume e fonte da vida da Igreja: Contu-


do, a Liturgia é apresentada como cume e fonte de toda a vida e
ação da Igreja (cf. SC 11).

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Uma Compreensão Teológica da Sagrada Liturgia

8) Outras formas de piedade: Os Artigos 12 e 13 tra-


tam do respeito e da valorização de outras formas de piedade:
oração individual, exercícios de mortificação, pieda-
de/religiosidade popular (SC 12), exercícios de piedade (pia
exercitia populi christiani), práticas religiosas das Igrejas particu-
lares (SC 13).

9) Participação da Liturgia: O direito e o dever de to-


dos os batizados a uma participação consciente, ativa e plena da
ação litúrgica, para que seja frutuosa em sua vida e para o Reino
de Deus (cf. SC 14).

10) Uma espiritualidade centrada na Sagrada Litur-


gia: A Liturgia como cume e fonte de toda a vida e ação da Igreja,
leva à prática de uma espiritualidade centrada na Sagrada Litur-
gia: “A [Sagrada Liturgia] é a primeira e necessária fonte, da qual
os fiéis haurem o espírito verdadeiramente cristão (cf. SC 14). Os
cristãos não podem alimentar-se apenas com devoções situadas
na periferia da fé.

11) A Igreja toda ela feita oração na ação litúrgica: –


Não só pela Liturgia das Horas. Sendo celebração, toda a Liturgia
é expressão orante, experiência de comunicação e de comunhão
com o divino, não apenas pela expressão oral das palavras, mas
de corpo inteiro, através de todos os sentidos, vivendo os ritos
como linguagem simbólica dos mistérios celebrados. Rezamos a
Eucaristia, rezamos os sacramentos, rezamos os sacramentais
etc.

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4. Exigências de uma compreensão teológica de Li-


turgia vivida por toda a Igreja como Povo de Deus, Povo real,
sacerdotal e profético

Para que o Povo de Deus, a Igreja toda possa participar


interna e externamente da ação litúrgica é preciso que ele conhe-
ça o que seja realmente a Liturgia. Brota daí o direito dos fiéis de
receberem uma formação litúrgica adequada tanto iniciática co-
mo mistagógica, isto é, antes e depois da ação celebrativa. Isto
vem bem expresso no Art. 11 da Sacrosanctum Concilium, que
reza assim:

“Para que se obtenha esta plena eficácia, é mister que


os fiéis se acerquem da Sagrada Liturgia com dispo-
sições de reta intenção, sintonizem a sua alma com as
palavras e cooperem com a graça do alto, a fim de
que não a recebam em vão. Por isso, é dever dos sa-
grados pastores vigiar que, na ação litúrgica, não só
se observem as leis para a válida e lícita celebração,
mas que os fiéis participem dela com conhecimento
de causa, ativa e frutuosamente”.

No Art. 14 o Concílio é mais incisivo ainda:

“Deseja ardentemente a Mãe Igreja que todos os


fiéis sejam levados àquela plena, cônscia e ativa
participação das celebrações litúrgicas, que a
própria natureza da Liturgia exige e à qual, por
força do batismo, o povo cristão, “geração esco-
lhida, sacerdócio real, gente santa, povo de con-
quista”, tem direito e obrigação. Cumpre que es-
sa participação plena e ativa de todo o povo seja
diligentemente considerada na reforma e no in-
cremento da Sagrada Liturgia. Pois é a primeira

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Uma Compreensão Teológica da Sagrada Liturgia

e necessária fonte, da qual os fiéis haurem o es-


pírito verdadeiramente cristão. E por isso, medi-
ante instrução devida, deve com empenho ser
buscada pelos pastores de almas em toda ação
pastoral. Não havendo, porém, esperança algu-
ma de que tal possa ocorrer, se os próprios pas-
tores de almas não estiverem antes profunda-
mente imbuídos do espírito e da força da Litur-
gia e dela se tornarem mestres, faz-se, por isso,
muitíssimo necessário que antes de tudo se cuide
da formação litúrgica do clero” (SC 14).

1) Formação litúrgica em todos os níveis: - O Concílio


apresenta, em seguida, os meios para se conseguir a participação
frutuosa na Liturgia:

- A necessidade de formação de Mestres preparados pa-


ra uma formação litúrgica integral (SC 15).

- Formação litúrgica do clero, caracterizada como mui-


tíssimo necessária (cf. SC 14 e 16);

- Formação litúrgica dos religiosos e das religiosas (SC


16);

- Formação litúrgica dos seminaristas, candidatos e can-


didatas à vida religiosa (SC 17);

- Vida litúrgica do clero (SC 18);

- Formação litúrgica do povo, para favorecer sua parti-


cipação ativa na Liturgia (SC 19).

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A Ordem – Vol. 100, No. 1, 2016

2) A reforma da Liturgia em seu aspecto mutável, em


sua expressão significativa dos mistérios celebrados (cf. SC 21). A
regulamentação da Sagrada Liturgia é da competência exclusiva
da autoridade da Igreja: A Santa Sé, o Bispo em sua Diocese e as
Conferências episcopais, não, porém, a qualquer outro indivíduo,
ainda que ele seja presbítero (SC 22).

- Simplificação dos Ritos (SC 21);

- Expressão comunitária, expressão de toda a assem-


bleia (SC 26; 27);

- Descentralização das funções (SC 28);

3) O caráter bíblico da promoção e da reforma da Litur-


gia (SC 24);

4) Abundância da Palavra de Deus (SC 35);

5) Catequese litúrgica - A Liturgia alimenta e aprofunda


a fé; tem caráter catequético (SC 35);

6) O uso do vernáculo na Liturgia (SC 36);

7) Formação litúrgica dos fiéis a nível diocesano e paro-


quial (n. 41-42);

8) Necessidade da Pastoral Litúrgica (SC 43-46):

- Comissões Litúrgicas (hoje diríamos: Equipes de Pas-


toral Litúrgica)

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Uma Compreensão Teológica da Sagrada Liturgia

- nível nacional;

- nível diocesano;

- nível paroquial.

9) Reforma do Rito da Celebração da Eucaristia (SC 47-


58):

- Reforma do Ordinário da Missa;

- A Palavra de Deus mais abundante;

- A homilia;

- As Preces dos fiéis;

- Mesa da Palavra e Mesa do Pão, um só Ato de culto.

10) - Reforma dos ritos dos demais Sacramentos (SC 59-


78):

- Restauração do catecumenato;

- Mudança do nome da Extrema Unção para Unção dos


Enfermos.

11) - A Reforma dos Sacramentais (SC 79-82):

- Profissão religiosa;

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A Ordem – Vol. 100, No. 1, 2016

- Exéquias;

- As Celebrações de Bênção - Reforma do Benedicional.

12) - O Ofício Divino, ou Liturgia das Horas é aberto a


todos os fiéis, como oração comunitária litúrgica de toda a Igreja
(SC 83-101). Mostra, por exemplo, a necessidade de se introduzi-
rem os fiéis na oração em salmos.

13) - O Ano Litúrgico, na ótica da centralidade do Misté-


rio pascal (SC 102-111).

- A importância e espiritualidade do Domingo, Páscoa


Semanal, Festa primordial da Igreja;

- O culto a Maria centrado também no mistério pascal de


Cristo, no decurso do Ano Litúrgico;

- Redução do Calendário dos Santos.

14) - A Arte na Liturgia (SC 112-130):

- A música e o canto na Liturgia;

- O Espaço sagrado;

- Os objetos do culto;

- A formação artística do clero, sobretudo dos semina-


ristas.

5. O enfoque teológico da Sacrosanctum Concilium

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Uma Compreensão Teológica da Sagrada Liturgia

O enfoque teológico perpassa todo o Documento e cada


um dos seus capítulos.

1) Tudo à luz da teologia: - Além de uma vigorosa


Eclesiologia como vimos, podemos detectar na Sacrosanctum
Concilium, referência aos diversos aspectos de toda a Teologia
contida e exposta nos seus diversos tratados. Lembramos o as-
pecto trinitário, pneumatológico, sacramentário, antropológico,
soteriológico, marialógico, santoral e escatológico de toda a Li-
turgia. Sim, na Liturgia se exerce a “theologia prima”. A Liturgia
celebra a fé e a Igreja crê o que celebra.

2) A introdução a todo o documento: - No conjunto,


devemos realçar a reflexão teológica nos artigos 5 a 8 que tratam
da natureza da Sagrada Liturgia.

3) O Sacrossanto mistério da Eucaristia: - O Capítulo


II sobre o Sacrossanto Mistério da Eucaristia é aberto por um
Proêmio (SC 47-49) que apresenta uma rica teologia do sacra-
mento da Eucaristia. A Eucaristia como sacrifício memorial de
ação de graças e como banquete pascal.

4) Os demais Sacramentos e Sacramentais: O Proê-


mio do capítulo III vai do Art. 59 ao Art. 62. Os sacramentos des-
tinam-se à santificação dos homens, à edificação do Corpo de
Cristo e ainda ao culto a ser prestado a Deus (cf. SC 59). Os sa-
cramentais, instituídos pela Igreja são sinais sagrados, pelos
quais, à imitação dos sacramentos, são significados efeitos prin-

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A Ordem – Vol. 100, No. 1, 2016

cipalmente espirituais obtidos pela impetração da Igreja (cf. SC


60).

Resgata-se aqui, o caráter celebrativo dos sacramentos e


sacramentais. Eles constituem celebrações da Igreja. Supera-se a
mentalidade “quase mágica” dos sacramentos “administrados e
recebidos” para a salvação. Trata-se, no entanto, de celebrar a
viver os mistérios no dia-a-dia, transformando-os em espirituali-
dade. Toda a vida vai se transformando em liturgia, serviço a
Deus e ao próximo.

5) Ofício Divino: - É o Capitulo IV. No Proêmio (SC 83-


87) aparece uma bela teologia da oração litúrgica da Igreja, à luz
da qual o Ofício Divino deverá ser reformado. Cristo, a Cabeça
reza no seu Corpo e o Corpo, os fiéis rezam em sua Cabeça que é
Cristo. Trata-se de um ofício divino, de uma obra divina.

6) O Ano Litúrgico: - Os Artigos 102 a 104 merecem


uma atenção especial, pois trazem a teologia do Domingo, do Ano
Litúrgico, do culto a Maria e aos Santos, à luz da qual se fará a
reforma do Calendário e do Ano Litúrgico.

7) A Música Sacra: Antes de dar normas sobre a música


e o canto na Liturgia da Igreja, a Sacrosanctum Concilium (Capítu-
lo VI) fala da importância e do sentido da música e do canto na
Liturgia.

“A música sacra será tanto mais santa quanto mais inti-


mamente estiver ligada à ação litúrgica, quer exprimindo mais
suavemente a oração, quer favorecendo a unanimidade, quer, en-

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Uma Compreensão Teológica da Sagrada Liturgia

fim, dando maior solenidade aos ritos sagrados” (cf. SC 112). Mais
adiante se diz: “A finalidade da música sacra é a glória de Deus e a
santificação dos fiéis”, (cf. SC 112), a mesma finalidade de toda a
Liturgia.

8) A Arte Sacra e as Sagradas Alfaias: - Também o Ca-


pítulo VII sobre a Arte Sacra e as Sagradas Alfaias é introduzido
por um Proêmio caracterizando a função das belas artes e, parti-
cularmente, da arte sacra na Liturgia da Igreja.

“Por sua própria natureza estão relacionados com a infi-


nita beleza de Deus a ser expressa de certa forma pelas obras hu-
manas. Tanto mais podem dedicar-se a Deus, a seu louvor e à exal-
tação de sua glória, quanto mais distantes estiverem de todo pro-
pósito que não seja o de contribuir poderosamente na sincera con-
versão dos corações humanos a Deus” (cf. SC 22). A arte sacra se
torna linguagem do sagrado, rito memorial dos mistérios cele-
brados.

6. Exultação jubilar

Gostaria de concluir com as palavras inspiradas de Pau-


lo VI no discurso proferido após a promulgação da Constituição
Conciliar Sacrosanctum Concilium, exultando e exaltando com ele
as maravilhas contidas e reveladas pelo primeiro grande Docu-
mento aprovado pelos Padres Conciliares:

“...Não ficou, aliás, sem fruto a discussão difícil e intrin-


cada, pois um dos temas – o primeiro a ser examinado e o primei-

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ro, em certo sentido, na excelência intrínseca e na importância


para a vida da Igreja – o da Sagrada Liturgia, foi felizmente con-
cluído e é hoje por nós solenemente promulgado.

Exulta o nosso espírito com este resultado. Vemos que


se respeitou a escala dos valores e dos deveres: Deus em primei-
ro lugar; a oração, a nossa obrigação primeira; a Liturgia, fonte
primeira da vida divina que nos é comunicada, primeira escola de
nossa vida espiritual, primeiro dom que podemos oferecer ao
povo cristão que junto a nós crê e ora; o primeiro convite dirigido
ao mundo para que solte a sua língua muda em oração feliz e au-
têntica e sinta a inefável força regeneradora, ao cantar conosco os
divinos louvores e as esperanças humanas, por Cristo Senhor
nosso e no Espírito Santo. Bom será que recolhamos como tesou-
ro este fruto do nosso Concílio; que o consideremos como aquilo
que deve animar e caracterizar a vida da Igreja; de fato a Igreja é
uma sociedade religiosa, uma comunidade de oração, um povo
que regurgita de interioridade e de espiritualidade, derivadas da
fé e da graça. Se introduzimos agora alguma simplificação nas
expressões do nosso culto e se procuramos torná-lo mais com-
preensível ao povo fiel e mais adaptado à nossa linguagem atual,
não quer dizer que pretendemos diminuir a importância da ora-
ção, colocá-la depois de outros cuidados do ministério sagrado ou
da atividade pastoral, nem ainda empobrecê-la na sua força ex-
pressiva e no seu valor artístico; queremos apenas torná-la mais
pura, mais genuína, mais próxima das suas fontes de verdade e
de graça, mais capaz de se tornar patrimônio espiritual do povo”.

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