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E A VIDA CONSAGRADA
The Second Vatican Council and the Consecrated Life
RESUMO: A presente reflexão inicia localizando a história da vida da Igreja, e mais especificamente
da vida religiosa antes do Concílio Vaticano II, seu contexto e suas perspectivas. Em seguida situa
a vida religiosa nos documentos conciliares, ressaltando seus valores e atualidade, bem como o
frescor de sua proposta, reconhecendo nela todo o valor eclesial e o caráter de “sinal claríssimo
do reino dos céus”. Não sem tensões a vida religiosa evolui. O Sínodo sobre a vida e missão dos
consagrados tornou-se um marco sem precedentes na história da Igreja. O autor escolheu quatro
2. pontos que retratam as grandes mudanças da vida consagrada: o espiritual; , o antropológico,
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o eclesiológico e o missionário. Eles se inter-relacionam e se complementam.
Passados estes cinquenta anos do Concílio, os consagrados vão descobrindo sua própria
identidade carismática e tratam de vivê-la com paixão, no meio de um mundo secular,
pluricultural e globalizado. Bem cedo se fez a releitura da vida religiosa, desde a LG, AG, GS e o
MR como uma missão no mundo. E este novo espírito vem entusiasmando a vida consagrada.
ABSTRACT: This reflection starts locating, specifically, Religious Life before the second Vatican
Council, its context and its perspectives. Then, it situates the Religious Life in the conciliar
documents, highlighting its values and actuality, as well as the freshness of its proposal,
recognizing in it the whole ecclesial value and the character of being a “clearest sign of the
kingdom of heaven”. Not without tensions, the Religious Life has developed. The Synod on the life
and mission of Consecrated persons became an unprecedented milestone in the history of the
Church. The author chose four points that depict the major changes of the Consecrated Life: the
spiritual, the anthropological, the ecclesiological and the missionary. They are interrelated and
complement each other.
Along these past fifty years of the Council, Consecrated persons are discovering their own
charismatic identity and try to live it with passion, in the midst of a secular, multicultural and
globalized world. Early was done the rereading of Religious Life since the LG, AG, GS and MR as a
mission in the world. And the Consecrated Life has been enthused by this new spirit.
* É autor de inúmeros artígos, conferencias, exercícios, assessor de congregações e institutos de vida consagrada.
Escreveu dezenas de livros; o último lançado neste ano: “Un relato del Espíritu La vida consagrada postconciliar.
Ë uma das figuras mais conhecidas da vida consagrada espanhola. Foi superior provincial e geral de sua
congregação por varias vezes. Foi membro da Sagrada Congregação dos Religiosos. É assessor de inúmeros
institutos de vida consagrada.
INTRODUÇÃO
I. ANTECEDENTES
26 1. O acontecimento e os textos
3 Cf. R. SCHULTE, a vida religiosa como signo, em G. BARAUNA (Ed.), em “La Iglesia do Vaticano II”, Juam
Flors, Barcelona, 1965, pp. 1091-1092.
4 Implícitamente se exclui a opinião dos que consideravam a vida religiosa como uma estrutura
de origem humana, intermediária entre os dois gêneros de vida assinalados por Graciano: hie-
rarquia e laicato.
de cultivo para a liberalização de tudo o que fora ordem estabelecida e suscitar
a contestação.
A intensa vida sinodal da Igreja nestes vinte últimos anos tem aberto
horizontes e há suscitado novos compromissos na vida consagrada para com os
leigos, sacerdotes e bispos. Os religiosos tem intensificado a colaboração com os
leigos e tem partilhado o carisma com grande incidência na espiritualidade e
na missão. Tem crescido o voluntariado e os associados. O Sínodo sobre a vida
e missão dos consagrados é um marco sem precedentes na história da Igreja. Os
Sínodos continentais têm promovido o anúncio de Jesus Cristo e evangelho e
tem fomentado a unidade e a pluralidade da missão eclesial. Os congressos
internacionais de consagrados celebrados em Roma (1993, 1997 e 2004) têm
revelado o elevado número de sinais novos de vida religiosa nos distintos
continentes.
No início dos anos setenta houve quem considerava que as três grandes
tendências que marcavam a evolução da vida consagrada eram a humanização,
a secularização e aprofundamento religioso e evangelização. Porém, ao querer
sinalar o núcleo de esta evolução, dizia que esta se nutre e recebe apoio da nova
experiência da existência humana que atua nos outros aspectos.
A estas alturas podemos dizer que a pessoa tem sido o valor mais
apreciado. Três fatores têm contribuído para isso: 1) o desenvolvimento das ciências
humanas: antropologia, psicologia e sociologia; 2) a compreensão teológica da
pessoa como imagem da Trindade; 3) o reconhecimento das liberdades e direitos
dos povos, culturas e religiões. Dentro de as grandes correntes de pensamento e 31
de as influencias sócio-religiosas e culturais, vamos nos encontrando com grandes
questões que tem afetado em cheio à vivencia da consagração, dos votos, da vida
fraterna. Recordemos os grandes desafios da secularização, o sexismo, a autonomia
e a liberação, a pobreza no mundo, as injustiças e a violência, a cultura da morte, a
práxis de uma economia selvagem, o individualismo hedonista e o comunitarismo
asfixiante. A resposta foi sendo dada a partir de diferentes frentes e como sinal
dela resta uma linguagem que sinaliza palavras como: autonomia, liberdade,
fraternidade , diálogo, solidariedade, participação, história, futuro, gênero, cultura,
pluralismo, encontro, compromisso, fidelidade , autenticidade , etc. Como dizia
Rahner, “cada época tem uma serie de conceitos chave que sintetizam sua própria
tarefa e seus anelos”. Como também podemos dizer que cada continente tem
suas palavras e conceitos que são chaves para desvelar sua específica situação.
Três quartas partes das pessoas consagradas são mulheres. Estas, com as
mulheres de seu tempo, tem afirmado e oferecido os valores de sua feminidade
. Uma constatação tão elementar atualmente tem um eco muito diferente do
que poderia ter nos anos cinquenta. Por diferentes motivos foi crescendo o
reconhecimento do papel e da missão da mulher consagrada na sociedade e na
Igreja, ainda que permaneçam metas a serem alcançadas. Acabou o patriarcalismo.
Já não podemos falar de dignidade da pessoa sem destacar tanto a autonomia
como a reciprocidade dos gêneros. São iluminadores os estudos sobre a igualdade,
a diferença e a inter-relação. Na vida consagrada contamos com muitas e ricas
contribuições em chave feminina. Os elementos essenciais (votos e comunidade)
e as dinâmicas de formação e governo, vistos desde a ótica feminina, adquirem
outras matizes. As mulheres consagradas, com sua dedicação sem limites e sua
alegria, são sinal da ternura de Deus para com a humanidade . Através delas
melhoram as relações humanas na Igreja e na vida consagrada. É difícil pensar
projetos de vida e missão na Igreja sem contar com as mulheres consagradas. É
maravilhosa sua colaboração na formação. Seu zelo apostólico, sua capacidade de
entrega aos mais pobres e necessitados, sua sensibilidade para com os enfermos
e oprimidos, tornam insubstituíveis suas contribuições na Igreja e na sociedade.
Outro dos giros dados pelos religiosos tem sido, sem dúvida, o
eclesiológico. A consciência de ser Igreja desde suas origens, e não uma simples
estrutura institucional sobreposta, tem ficado bastante clara ao largo da história.
Sou quando o direito tem prevalecido sobre a teologia e se obscureceu esta em
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favor da instituição e organização eclesial, chega-se a postergar a eclesialidade
da vida consagrada. Em seus longos anos de pontificado, João Paulo II defendeu
reiteradamente a eclesialidade da vida consagrada. Chegou a dizer: “Jesus
mesmo, chamando algumas pessoas a deixar tudo para seguí-lo, inaugurou este
gênero de vida que, sob a ação do Espírito, se desenvolveu progressivamente ao
longo dos séculos nas diversas formas da vida consagrada. O conceito de uma Igreja
formada unicamente por ministros sagrados e leigos não corresponde, portanto, às
intenções de seu divino Fundador tal e como resulta dos Evangelhos e dos demais
escritos neotestamentarios” (VC 29).
Devemos ser realistas, é verdade. Porém não basta ver tudo negativo. É
realista quem assume a realidade em sua totalidade e mantem a convicção de
que esta é emergente, rica em possibilidades e generosa em oportunidades para
afirmar outra perspectiva de futuro não menos valiosa. Quantos se perguntam
porquê os religiosos, em sua imensa maioria, mesmo sabendo das dificuldades
que atravessam, se sentem felizes em sua vocação? Sabem donde vêm e para
onde vão. Desde a experiencia acumulada, ao longo da história5, recomendam
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seu destino ao Senhor da Vida. Os religiosos estão habituados à revisão pessoal,
comunitária e congregacional. Captam o que vale a curto e longo prazo, aceitam
os correctivos no caminhar e sorriem quando lhes prognosticam a data de sua
estinção 6. Também é realismo contar com que a vida consagrada, por seu carisma
e missão, leva em suas entranhas a universalidade e a capacidade de percorrer a
via da interculturalidade . Não vão faltar religiosos que saiam de seus países, onde
há vocações, e vão a outros onde se lhes necessita.
Frei Luis de León, em seu escudo, nos empresta algo similar para definir
hoje o momento que atravessamos: “Ab ipso ferro”, que ele toma de Horácio,
quando diz: “como encina porfazha destrozada/ (del Álgido, feraz en fronda espesa),/
en cada desgarrón, do hierro mismo,/ recibe nuevos bríos, savia nueva”7.A diminuição
e a precariedade não são, em si, prenúncio de morte . A poda contribui no
fortalecimento das plantas. Da ferida, do despojamento e da purificação costuma
surgir nova vida. Depende da resposta que damos ao momento presente. O
mysterium crucis abre a porta para a transfiguração, para a ressurreição.
5 Cf. L. MOULIN, El mundo viviente de los religiosos, E. Nacional, Madrid, 1966. R, HOSTIE, Vida y morte
de as órdenes religiosas, DDB, Bilbao, 1973.
6 Um sinal de vida é que de 1984 a 2006 foram aprovados 216 Institutos de vida consagrada de
direito diocesano e 154 receberam a aprovação pontificia.
7 HORACIO, Odas-Epodos, 4,4. Espasa Calpe, Madrid, 1967, p. 131.
Não é o ocaso, sim a aurora o que se avista no horizonte da vida religiosa
atual. Porém, é preciso despertar a aurora. Os religiosos sabem que se encontram
num inverno, Todavia, o inverno não é a morte, mas antes a preparação para uma
vida pujante e vigorosa. Sabem que a noite está passando e que a aurora se
aproxima. Os versículos 2 e 3 do salmo 107 expressam muito bem os sentimentos
que brotam de seu coração: “Deus meu, meu coração está firme, para ti cantarei
e tocarei, gloria mia. Desperta, citara e harpa; despertarei a aurora”. Como o
salmista, o religioso se sente animado para despertar a aurora. Sabe que as trevas
não são capazes de sufocar a luz verdadeira. Despertar a aurora não significa
desprezarmos com o sorriso ao ver um novo dia, como se nos contentáramos em
sobreviver um dia mais tranquilos. Não. Despertar a aurora é pôr-nos todos frente
à luz e a vida, a verdade e a justiça; é mostrar que há uma outra maneira de ser
homens , concidadãos, que confessam sua fé, que são sinais de fraternidade e
que entregam sua vida desinteressadamente por os demais.
A vida religiosa possui uma grande energia que a urge continuar sendo sinal
e estímulo para o Povo de Deus. É consciente da força do Reino de Deus quando
Jesus diz que se parece à levadura na massa e ao grão de mostarda semeado na
terra. João Paulo II o expressava assim: “A vocação à vida consagrada no horizonte
de toda a vida cristã , apesar de suas renúncias e suas provas, e mais ainda: graças
a elas, é caminho «de luz», sobre o que vela o olhar do Redentor: «Levantai-vos, não
tenhais medo»” (VC 40). A vida religiosa tem futuro, se contempla, se oferece, se
testemunha, se colabora, em definitiva se vive em Cristo, prega seu evangelho
e… pensa menos em si mesma.
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3. A mensagem de Aparecida
Uma das grandes convicções da Igreja e da vida consagrada, reafirmadas
no período pós-conciliar e confirmada em Aparecida, é que não nasceram para si
mesmas, para estar voltada para dentro e para estar-se mudando continuamente.
Seguindo a Jesus, homem para os demais, a Igreja e a vida religiosa cobram vigor
quando, esquecendo-se de si mesmas vivem a paixão por Deus e pelos homens .
40 Tradução: Hr.