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A PATRÍSTICA E OS SOFISMAS PROTESTANTES - PARTE 1

Santo Agostinho negou que São Pedro é a Rocha descrita nos evangelhos?

Hoje darei início a mais uma série, desta vez voltada para a patrística.
Um amigo e seguidor da página me mostrou uma série de argumentações de um
protestante relacionada aos Pais da Igreja.
Segundo este protestante, que se diz perito em patrística mesmo estando muito longe
de sê-lo, os Pais escreveram obras que refutam a doutrina católica e ele separou estes
argumentos em uma lista que vocês podem conferir aqui: [https://bit.ly/2B8H4LB]
Esta série será baseada nesta lista deste protestante e terá uma postagem para cada
argumento e autor. Então, eu começo um pequeno estudo com o autor que muitos
adoram “protestantizar”: Santo Agostinho e sua obra “Retratações”. Boa leitura!

Primeiramente vamos ao trecho da obra “Retratações” de Santo Agostinho, utilizado


por alguns protestantes para invalidar o primado de Pedro:
– “Porque ‘Tu és Pedro’ e não ‘Tu és pedra’ foi dito a ele. Mas ‘a pedra era Cristo’
em quem confessando, como também toda a igreja confessa, Simão foi chamado de
Pedro.” – (Retratações I 21,1) [1]
O grande problema deste argumento é que ele é um exemplo claro de desonestidade
intelectual, já que esta citação foi retirada de seu contexto e mutilada, para que aqueles
que não tem acesso a obra, não lessem o parágrafo por inteiro e menos ainda
entendessem o real significado da mensagem.
Hoje já se sabe que durante a vida de Santo Agostinho ele declarou em algumas
ocasiões que a rocha sobre a qual está construída a Igreja era Cristo mas, em outras
obras, ele se “corrigia” e acabava validando a interpretação de que a rocha seria Pedro.
Ou seja, ao estudar detalhadamente as obras de St. Agostinho, fica claro que ele usou
ambas as interpretações alternadamente durante toda a sua vida.
Então podemos separar opiniões distintas para melhor entendimento nestes simples
exemplos:
– St. Agostinho afirma que a pedra citada nos Evangelhos era o próprio Cristo em
“Comentário sobre o Salmo 60”, capítulo 3. [2]
– St Agostinho afirma que a pedra citada nos Evangelhos era Pedro em “Tratados Sobre
o Evangelho de São João”, Trato 11.5 [3]
Sabendo desta inclinação de Santo Agostinho para ambas as interpretações, o próprio
concluiu o assunto em sua obra Retratações. Ainda existe uma argumentação patética
que alguns protestantes utilizam, afirmando que a obra “Retratações” seria uma espécie
de “correção” a tudo o que ele escreveu anteriormente invalidando as obras mais antigas
e, logicamente, isto é falso.
“Retratações” foi escrita oferecendo aos futuros estudiosos a melhor imagem possível
de suas posições acadêmicas e filosóficas. James O'Donnell, professor universitário
(Universidade Estadual do Arizona) e autor de diversos estudos patrológicos, afirma
que a obra de St Agostinho não foi feita para desmerecer informações anteriores, mas
sim como um sucessor natural da obra “Confissões” e, em cada um desses livros, a
busca pessoal de Agostinho pela verdade é intensificada. O professor declara:
"Outro efeito do livro é imprimir ainda mais profundamente nos leitores a visão do
próprio Agostinho sobre sua própria vida. Há muito pouco no trabalho que seja falso ou
impreciso, mas a forma e a apresentação fazem é uma obra de propaganda. O agostinho
que emerge tem sido fiel, consistente e inabalável em sua doutrina e vida. Muitos que o
conheciam teriam visto, em vez disso, progresso ou tergiversação definitiva,
dependendo de seu ponto de vista " [4]
Diante disto, para destrinchar de vez o argumento protestante, a leitura completa do
parágrafo que contém o trecho utilizado pelos protestantes mostra que Santo Agostinho
não ensinou que era falso considerar Pedro a “rocha”. Ele admite com clareza ter
sustentado duas interpretações e considerou as duas viáveis, permitindo ao leitor de sua
obra escolher o que considera mais provável:
“Em meu primeiro livro contra Donato mencionei em algum lugar uma referência ao
apóstolo Pedro como ‘a igreja está fundada sobre ele como uma rocha’. Esta
interpretação também soa em muitos lábios nas linhas de bênção de Santo Ambrósio, na
qual falando de sua própria casa, ele diz: Quando ele canta, a rocha da Igreja absolve
pecado.
Mas eu me lembro que, frequentemente, explicou as palavras de Nosso Senhor a
Pedro: ‘Sobre esta pedra edificarei a minha igreja’, de modo que deve ser entendida
como referindo-se a confissão do próprio Pedro quando disse: “Tu és o Cristo, o Filho
do Deus vivo”, no sentido de que Pedro tinha sido nomeado rocha, levou a figura da
Igreja, que é construída sobre esta pedra e recebeu as chaves do reino dos céus.
A partir do que foi dito sobre ele não disse “Você é Rocha,” mas “Tu és Pedro”, pois
a pedra era Cristo, tendo sido confessado por Simão, e também como toda a Igreja
confessa, que foi chamado Pedro. Qual dessas interpretações é correta, decida o leitor”.
(Retratações - I 21.1) [1]
Mesmo colocando em seu livro “Retratações” a possibilidade do leitor escolher a
interpretação que melhor corresponde ao entendimento, a opção de Santo Agostinho é
considerada uma simples curiosidade, pois muitos Pais da Igreja entenderam textos
diversos de maneira diferente dos demais.
E claro, ao estudar o primado de Pedro aos olhos de St Agostinho, não se deve apegar
a apenas alguns poucos comentários no qual convém ao próprio gosto, mas sim a todas
as obras, sua filosofia e sua doutrina.
Finalizo então este breve estudo com a carta 53 de Santo Agostinho:

“Porque, se se deve levar em conta a sucessão linear dos bispos , com quanto mais
certeza e benefício para a Igreja devemos contar até chegarmos ao próprio Pedro, a
quem, como figura em toda a Igreja , o Senhor disse: Sobre esta rocha edificarei minha
Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela! Mateus 16:18 O sucessor de
Pedro era Linus, e seus sucessores na continuidade ininterrupta eram estes: - Clement,
Anacleto, Evaristus, Alexander, Sisto, Telesphorus , Iginus , Aniceto , Pio , Soter ,
EleutérioVictor, Zephirinus, Calixtus, Urbanus, Pontianus, Antherus, Fabianus,
Cornelius, Lucius, Stephanus, Xystus, Dionysius, Felix, Eutychianus, Gaius,
Marcellinus, Marcellus, Eusebius, Miltiades, Sylvester, Marcus, Julius, Liberius ,
Damasus, Damasius e Victorius Siricius , cujo sucessor é o atual bispo Anastasius.” -
Carta 53,2 [5]

Links:

https://drive.google.com/file/d/1PfUgiwEW8nYIPRzq0kwDWLw1X9iqlrpU/view?fbcli
d=IwAR0kzXYu0LwfKaTqr0MM-hknP2knSaIYjKffarUJIXuOtyE7HJ0m10pDCuY
https://drive.google.com/file/d/1YKlsl3NBLItA7j3bcQWKrZA0KlbfCKqi/view?fbclid
=IwAR1QeGWg7mtgQ9sfQmjMwdAIB0Ys_4-MvW8mVAn96Vs0-085VrWSmflNjYI
https://www.newadvent.org/fathers/1701011.htm?fbclid=IwAR3PwG7kklJHiPrgWTu5
pjLMSJWTLIO5i9N-64UV9pX3ZrfZjf-vdP-cyg0

http://www.augnet.org/en/works-of-augustine/writings-of-augustine/2148-the-
retractions/?fbclid=IwAR0BYaEkIqoWPzwtvu-
c4onha1kCv0DySSjLRVK_DyFklocpeBy_cBsRzuM

https://www.newadvent.org/fathers/1102053.htm?fbclid=IwAR2LIzCYLZTYwDbjkyc
DKaPObFjM51wkC-MLtwiJdYJHGC4st6ungWvADFc
A PATRÍSTICA E OS SOFISMAS PROTESTANTES - PARTE 2
Clemente de Alexandria defendia a Sola Scriptura?

Esta é a segunda parte de uma série de publicações com breves estudos patrísticos,
tendo como objetivo mostrar o quão são deficientes as tentativas de defender a fé
protestante através dos Pais da Igreja.
Originalmente eu apenas me limitaria a uma pequena lista de interpretações
protestantes, mas resolvi falar sobre diversos outros assuntos dentro desta área.
A primeira parte desta série, com o link para o acesso à lista de sofismas protestantes,
você pode encontrar aqui: [ https://bit.ly/3gfNmsQ ]

Os escritos de Clemente de Alexandria, mentor de Orígenes, foram desenvolvidos


entre 175 d.C. e 200 d.C. e são considerados uns dos mais difíceis para interpretação e
tradução. Em suas obras não existe transição lógica entre assuntos, apenas tópicos
argumentativos que são intercalados de acordo com os pensamentos do autor e de sua
vontade de escrever sobre assuntos diversos.
Então, para entendermos sobre o argumento protestante, vamos a citação usada por
eles:
“Mas aqueles que estão prontos para trabalhar nas mais excelentes atividades, não
desistirão da busca pela verdade, até obterem a demonstração das próprias Escrituras.”
( O Stromata, livro VII, Cap. 16 ) [1]
A primeira vista realmente temos um bom trecho para sustentar o princípio do Sola
Scriptura. Quem não possui muita instrução em patrologia, certamente olhará para esta
frase e a aceitará como prova para a fé protestante. Mas, um pequeno detalhe muda toda
esta história. Na verdade, o pequeno detalhe de sempre: O CONTEXTO.
Quando o protestante cita esta frase de Clemente, ele deliberadamente ignora o
restante do capítulo, que diz o seguinte:
“E se aqueles que também seguem heresias se aventuram a se valer das Escrituras
proféticas; em primeiro lugar, eles não farão uso de todas as Escrituras, e depois não as
citarão por inteiro, nem como prescrevem o corpo e a textura da profecia. Mas,
selecionando expressões ambíguas, eles as expulsam de suas próprias opiniões,
reunindo algumas expressões aqui e ali; não olhando para o sentido, mas fazendo uso de
meras palavras. Pois em quase todas as citações que eles fazem, você descobrirá que
eles atendem apenas aos nomes, enquanto alteram os significados; nem sabendo, como
afirmam, nem usando as citações que aduzem, de acordo com sua verdadeira natureza.”

E assim, Clemente continua:

“Mas se alguém é curável, capaz de suportar (como fogo ou aço) a franqueza da


verdade, que corta e queima suas falsas opiniões. que ele empreste os ouvidos da alma.
E será esse o caso, a menos que, pela propensão à preguiça, afastem a verdade, ou pelo
desejo da fama, de inventar novidades. Para aqueles preguiçosos que, tendo em seu
poder fornecer provas adequadas para as Escrituras divinas das próprias Escrituras,
selecionam apenas o que contribui para seus próprios prazeres. E aqueles têm um desejo
de glória que, voluntariamente, foge, por argumentos de diversos tipos, das coisas
entregues pelos abençoados apóstolos e mestres, que são apegados a palavras
inspiradas; opondo-se à tradição divina pelos ensinamentos humanos, a fim de
estabelecer a heresia.
Pois, na verdade, o que falta dizer - em conhecimento eclesiástico - por tais homens,
Marcion, por exemplo, ou Prodicus, e outros que não andaram no caminho certo? Pois
eles não poderiam ter superado seus predecessores em sabedoria, de modo a descobrir
algo além do que lhes fora pronunciado; pois eles teriam ficado satisfeitos se tivessem
sido capazes de aprender as coisas estabelecidas anteriormente.” ( O Stromata, livro
VII, Cap. 16 ) [1]

Temos aqui uma clara exemplificação de Clemente ao descrever que os hereges


introduzem na prática de fé as próprias interpretações das Escrituras, contradizendo o
que foi ensinado pelos Apóstolos. E mais, rogam para si a capacidade de inspiração para
interpretação pessoal das Escrituras. Aqui, especificamente neste caso, eu concordaria
em dizer que Clemente fala dos protestantes, afinal a atitude de Prodicus e de Marcion
não difere muito do que conhecemos hoje.
E diante disto tudo, Clemente de Alexandria começa a propor uma solução para este
problema::
“Nosso gnóstico, então sozinho, tendo envelhecido nas Escrituras e mantendo a
ortodoxia apostólica e eclesiástica nas doutrinas, vive mais corretamente de acordo com
o Evangelho e descobre as provas pelas quais ele pode ter pesquisado (enviado como
está pelos Senhor), da lei e dos profetas. Pois a vida do gnóstico, na minha opinião,
nada mais é do que atos e palavras correspondentes à tradição do Senhor. Mas "nem
todos têm conhecimento. Pois não quero que vocês sejam ignorantes, irmãos...
...Mas, como parece, nos inclinamos a idéias fundamentadas na opinião, embora sejam
contrárias, e não à verdade. Pois é austero e grave. Agora, uma vez que existem três
estados da alma - ignorância, opinião, conhecimento - aqueles que estão na ignorância
são os gentios, aqueles em conhecimento, a verdadeira Igreja e aqueles em opinião, os
hereges. Nada, portanto, pode ser visto com mais clareza do que aqueles que sabem,
fazendo afirmações sobre o que sabem, e os outros respeitando o que sustentam na força
da opinião, na medida em que respeitam a afirmação sem prova.” [ Em “Nosso
gnóstico”, Clemente não se refere aos hereges gnósticos, mas sim aos crentes cristãos ] (
O Stromata, livro VII, Cap. 16) [1]

A solução dada se encontra em apenas um lugar: Na Igreja e na confiança da


Tradição apostólica mantida por ela. Com esta perfeita união entre a Sagrada Tradição
Apostólica e as Sagradas Escrituras, o risco de interpretações heréticas é nulo.
Colocando em pé de igualdade essas duas bases de fé, Clemente de Alexandria não
corrobora com o princípio protestante em nenhum momento, mas fortalece a forma que
a fé católica exerce o cristianismo.

Nos escritos de Clemente existem um empecilho que não favorece o lado protestante
e menos ainda o lado católico. Ele acreditava que qualquer coisa que concordasse com a
Igreja poderia ser considerada bíblica, não importa por quem foi escrita, quando ou
onde. Isto, logicamente, foi sendo trabalhado e corrigido através de outros escritos e de
outros Pais da Igreja.

Também sua definição de cânon para as escrituras era bem amplo, no qual ele
considerava livros como Evangelho dos Hebreus, Pregação de Pedro, Epístola de
Barnabé e etc. como de cunho apostólico.
E para finalizar, um parágrafo do capítulo seguinte mostrando a importância da Igreja
para Clemente:
“Mas não tendo a chave de entrada, mas uma falsa (e como a frase comum a
expressa), uma chave falsificada (antikleis), pela qual eles não entram quando entramos,
através da tradição do Senhor…
...Pelo que foi dito, então, é minha opinião que a verdadeira Igreja, a que é realmente
antiga, é uma, e nela nela aqueles que são justos de acordo com o propósito de Deus.
Pois, pela própria razão de que Deus é um, e o Senhor, o que é de mais alto grau é
louvado em conseqüência de sua singularidade, sendo uma imitação do primeiro
princípio. A natureza do Uno, portanto, está associada a uma herança conjunta da Igreja,
que eles se esforçam para dividir em muitas seitas.” ( O Stromata, livro VII, Cap. 17)
[1]

[1] O Stromata, obra completa [ https://bit.ly/2P2WFA2 ]

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