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Domenico Capone
É difícil pensar que o santo tenha se enganado tanto ao dar toda essa importância
para a solução do que, no dizer de alguns, seria apenas mais uma entre várias técnicas,
mais um entre os muitos sistemas para formar as consciências que, por deixar de lado a
prudência, hoje interessaria no máximo ao arquivista, mas não mais ao teólogo.
Contudo, a história da Igreja do século XIX documenta que a doutrina afonsiana
se tornou vida autenticamente cristã nos fiéis e nos santos; ora, uma simples técnica não
poderia ter se tornado defesa da verdade e vida de caridade.
Certamente, os termos da problemática teológica podem mudar. Hoje nos
tornamos mais sensíveis a outros aspectos e valores da verdade salvífica revelada. O
Espírito Santo renova continuamente a vida dos fiéis e o kairós sempre se oferece ao
homem como vocação atual da vontade do Pai, por meio de Cristo, para que atue
vitalmente enquanto membro de Cristo nas situações pessoais e eclesiais e, dessa forma,
o Cristo total cresça em cada membro e em toda a humanidade, rumo ao dia de Cristo,
quando Deus será tudo em todos. É o Pentecostes que continua acontecendo. Sendo
assim, também não podemos acreditar que houve séculos sem a presença de Cristo na
vida pessoal-eclesial, vida que é una e indivisível em seu duplo aspecto, e o fundo do
problema da verdade salvífica, que deve se tornar vida cristã, será sempre o que
testemunham, afirmam e defendem os Padres e Santos da Igreja, em comunhão com o
Vigário de Cristo.
Nos séculos XVIII e XIX, Santo Afonso foi um desses testemunhos e mestres.
Poderiam discordar os que reduzem a história da verdade revelada a simples processo
de pura elaboração conceitual, passível de ser raciocinada racionalmente; mas a verdade
revelada não é dada para ser contemplada como objeto, mas para ser encarnada em
bondade, em vida, em Cristo; por isso, somente pastores a podem colher e lhe dar
autenticidade.
Portanto, não achamos estar fazendo trabalho de escavação ou arqueologia
quando estudamos a “grande controvérsia de que depende a boa ou má orientação das
consciências de todos os fiéis”, tal como a entendia Santo Afonso, testemunha e pastor.
1
ALFONSO, S. Dell'uso moderato dell'opinione probabile. Napoli, 1764, “Dedicatória a Clemente XIII”. (Por razões
críticas e porque os opúsculos não são publicados a mais de um século, nem facilmente acessíveis, citarei a partir das
edições originais, indicando a página. Por uniformização, farei o mesmo com as citações de Amort e de Santo Tomás).
Também nos parece um trabalho oportuno, porque as obras que o santo dedicou
à questão são quase completamente desconhecidas, visto não serem publicadas há mais
de um século.
Sua atividade na controvérsia sobre a probabilidade moral na dialética em âmbito
da consciência vai de 1748 a 1777, e está expressa em mais de vinte obras. Aqui, nos
limitaremos às obras escritas entre 1748 e 1763, período em que a atenção do santo
sobre problema alcança clareza de pensamento e terminologia que não sofrerão mais
variações substanciais.
Em 1748, Santo Afonso, imitando La Croix e outros autores, publica uma edição
do Compêndio de Teologia Moral do jesuíta Hermann Busenbaum, com o acréscimo de
seus próprios Comentários2. Mais tarde, em 1753, falando dessa edição, Afonso
declarará que publicou tais Comentários contra a sua vontade e sem muito cuidado
científico:
A obra foi realizada, mas, como foi mandada para o editor muito depressa para
satisfazer aos outros, terminou que eu mesmo não fiquei satisfeito. Na verdade,
muitas questões não saíram bem explicadas ou acabaram apresentadas de um
jeito confuso. Sendo assim, percebendo que tais questões precisavam de uma
análise mais cuidadosa e apresentação mais clara, realizei tal trabalho para esta
segunda edição, onde procurei reescrever tudo com melhor organização3.
2
BUSENBAUM, H. Medulla Theologiae Moralis cum adnotationibus per R. P. D. Alphonsum De Ligorio. Neapoli, 1748.
3
Opus absolvi; sed quia nimis festinanter fuit illud typis demandatum, ut aliis satisfacerem mihi non satisfeci: plura enim
in eo vel non bene excussa exciderunt, vel confuso ordine fuerunt exposita. Idcirco cum ea diligentiore examine necnon
clariore methodo indigere animadvertissem, animum ad hanc secundam editionem applicui, in qua ad meliorem ordinem
omnia redigere curavi. ALPHONSUS, S. Theologia Moralis. T. I, Neapoli, 1753: “ad lectorem”.
Afonso nessa situação não seria mais possível usar o princípio reflexo: “Quem age de
maneira provável, age de maneira prudente”.
Como notava, o princípio supõe que realmente a probabilidade tenha fundamento
grave e certo, “de outra forma, essa falibilidade nos deixa muito mais na dúvida, com a
qual demonstramos estar agindo imprudentemente” (col. 8).
Portanto, ele admite a diferença entre, de um lado, dúvida especulativa sobre a
verdade objetiva e, do outro, certeza prática reflexa fundada sobre um princípio certo
não direto, mas reflexo. Através desse princípio reflexo se alcança a certeza moral
absoluta sobre a honestidade prática e concreta da ação. Afonso ainda não fala de certeza
moral larga, que admite um certo temor de errar. Para ele, aqui só há uma certeza:
certeza que não admite temor de errar.
Mas é necessário notar que, depois de afirmar que ao conferir sacramentos não
podemos escolher seguir uma opinião probabilíssima favorável à liberdade, mas
devemos ficar do lado da probabilidade favorável à lei, a menos que a oposta não seja
mais que probabilíssima, isto é, não seja certa em sentido estreito; Afonso acrescenta
que, em circunstâncias particulares, também é lícita a “certamente mais provável” (col.
10-11) e cita La Croix, falando de “certamente mais provável” como opinião
“moralmente certa”4. – Sublinhamos isso por provar que, já desde 1748, Afonso tem
presente o conceito de uma opinião “certamente mais provável” qualitativamente
distinta da simples “mais provável”. A partir de 1762 essa distinção será o ponto chave
em seu pensamento sobre a dialética das probabilidades em âmbito de consciência.
4
BUSENBAUM, H. Theologia Moralis nunc pluribus partibus aucta a R. P. Cl. La Croix, Lib. VI, e, 108, Mediolani,
1724; cf. também o Lib. I, n. 178-181.
5
[ALFONSO, S.]. Dissertatio scholastico-moralis pro usu moderato opinionis probabilis in concursu probabilioris.
Neapoli, 1749, p. 47.
Em dois parágrafos, responde afirmativamente duas questões: “É lícito o uso da
opinião provável diante da mais provável?” (p. 5-36); “A probabilidade extrínseca às
vezes constitui verdadeira probabilidade?” (p. 37-46). Afonso defende o probabilismo
baseado em dois princípios: “Quem age de maneira provável, age de maneira prudente”
(p. 8); “Em caso de dúvida sobre a lei, a posse fica com a liberdade” (p. 17).
Do conceito de prudência, que é “a regra próxima das nossas ações” (p. 12), ligada
à “cogitativa” (ibid.) e condicionada pela “ambiguidade das coisas a fazer” (p. 11),
deduz que “agir pela opinião provável” é “agir de maneira prudente” e que, por isso,
não se exige a certeza direta da verdade.
Contudo, apesar do que já notamos sobre a “certamente mais provável”, ele não
distingue entre certeza que não admite temor de errar e certeza provável; e identifica o
agir “com opinião objetiva” com o agir “com prudência”. Contudo, não está convencido
sobre esse ponto, e logo apresentará seu verdadeiro pensamento.
Quanto ao princípio de posse da liberdade frente à lei duvidosa, precisamos notar
que essa posse é concebida, não como título para dirimir uma espécie de disputa entre
lei e liberdade ante uma escolha moral (maneira de pensar muito frequente em outros
probabilistas), mas a concebe como valor primordial dado por Deus ao homem, através
do qual o homem tem domínio sobre o próprio ato; como exigência de sua própria
“natureza retíssima” (p. 18, 20). Assim sendo, por meio de uma fórmula jurídica, se faz
presente em Afonso um valor ontológico e ético: aquele que Santo Tomás coloca no
prólogo da parte moral da Suma Teológica, ou seja, pela liberdade o homem é e age
como imagem de Deus.
No entanto, nesse primeiro trabalho Santo Afonso ainda depende muito de La
Croix e de outros probabilistas, e por isso, apresenta o pensamento de outros autores e
não o seu próprio; de fato, ele hesita.
Não causa espanto que tais hesitações em doutrina da qual dependia a salvação
das almas, que para ele era a razão de sua vida, acabassem se transformando em
agitações pessoais. E as temos documentadas nas notas de seu diário.
Alguns biógrafos que, prestando atenção apenas na forma das agitações, e não
considerando a gravidade de suas motivações, acham que podem penetrar nas
profundidades psicológicas do santo, concluem que Afonso tinha tendência ao
escrúpulo. Ora, o escrupuloso acredita que sombras são reais. Mas Afonso, muito pelo
contrário, não estava hesitando diante de sombras, mas diante de uma doutrina que
realmente se apresentava como laxismo em alguns autores, e era motivo de desvio para
as consciências. Para quem ama a Deus nas pessoas, e as pessoas em Deus, tal
pensamento é um tormento6.
6
Sobre as agitações do santo em idade senil, indicamos a nota do Dr. Goglia Gennaro, in Spicilegium Historicum CSSR,
VI, p. 76. Tais agitações seriam causadas por reflexos vegetativos e psíquicos de alterações orgânicas causadas pela
artrose lombar. Os futuros biógrafos precisarão levar em conta esses dados.
O santo se limita a responder que a lei que for menos provável não está
suficientemente promulgada e, portanto, não pode obrigar (p. 20).
Respondendo às objeções, renova a distinção da Dissertação anterior, entre
verdade objetiva, ou seja, “verdade da coisa”, e honestidade da ação (p. 20), mas faz a
honestidade da ação depender da não violação da “razão”. Se entendesse razão como
“razão na deliberação”, então estaríamos na plena definição de prudência, que é
exatamente a “reta razão no agir”. Contudo, analisando todo o contexto, precisamos
afirmar que Afonso está entendendo “razão” como “razão provável” e, portanto, ainda
não estamos no justo conceito de prudência. Apesar disso, eis como se coloca uma
dificuldade da Sagrada Escritura e apresenta a solução, baseado na exegese de Calmet
para Eclo 37,20:
Antes de todas as tuas obras vá adiante de ti a palavra verídica, e antes de
toda a ação, um conselho estável. – Dizem que essas palavras afirmam que só
é lícito agir depois de termos assegurada a verdade sobre a ação. Responde-se
com o texto grego apresentado por Calmet, cuja tradução é: “A razão é o início
de toda ação; antes que faças algo, é necessário refletir”. Portanto, não é sobre
a verdade que precisamos estar certos para agir, mas sobre a razão ou
honestidade da ação (p. 19).
Quando estamos na dúvida gerada pela presença de uma opinião “segura mais
provável”, que não cancela objetivamente a gravidade certa da opinião oposta “menos
provável”, então não conhecemos a verdade objetiva da lei e, consequentemente, não
podemos determinar diretamente a verdade capaz de tornar a escolha formalmente
honesta.
Mas, como não é prudente motivar diretamente a escolha com uma razão que se
mostra apenas provável, inclusive menos provável, então, nesse caso, a prudência
deverá motivar diretamente a verdade da escolha pessoal usando outras razões, outros
princípios, chamados impropriamente de princípios reflexos. Dessa maneira, mesmo
quem age usando a opinião “menos provável”, se estiver agindo motivado pela
prudência, sua “menos provável” é integrada e se torna, no plano da verdade moral
última, uma opinião “mais provável”, inclusive, “moralmente certa” (n. 14. 15, 16,17,
26, 53, 54, 55 etc.).
Com essa doutrina da possibilidade de chegar à verdade da escolha moral em
situação, mesmo quando há dúvida sobre a verdade do ato considerado objetivamente,
Santo Afonso encontra o pensamento de Santo Tomás. O Angélico, de fato, ensina que
a verdade própria da prudência em situação está na sintonia da escolha com a intenção
reta do fim; sintonia que não é alterada quando alguém cai em erro involuntário sobre a
verdade objetiva (I-II, 57, 5 ad 3).
A partir dessa doutrina, Santo Afonso conclui que, mesmo quem erra sobre a
verdade objetiva, mas não erra sobre a verdade formalmente moral, que faz a escolha
ser honesta, não comete pecado, nem mesmo materialmente, porque sua escolha está de
acordo com a vontade divina “consequente” (n. 23, 26), ou, como dirá melhor mais
adiante, de acordo com a vontade divina que quer que tudo aquilo que nós fizermos, o
façamos na intenção de um fim honesto, relacionado com o fim supremo.
Naturalmente, os adversários afirmavam que, na dúvida positiva, não se pode
dizer que há ignorância invencível da lei, especialmente quando a lei tiver em seu favor
uma opinião mais provável. Mas Santo Afonso está muito decidido sobre a questão, e
sobre ela concentrará toda a atividade de defesa de seu probabilismo a partir de 1759.
Para ele, a promulgação é certeza da lei; uma lei que não foi intimada ao súdito como
lei certa, não é lei; consequentemente, tal lei não produz seu efeito formal que é a
obrigação: “A lei deve ser aplicada aos súditos através da promulgação, de outra
maneira, nem pode obrigar, nem pode ser chamada de lei” (n. 37). E então ele pergunta:
“E como poderia ser chamada de lei, verdadeiramente aplicada ou intimada, quando é
provável que a lei de fato nem exista?” (n. 37).
Isto posto, conclui:
Então, fica claro a partir de ... Santo Tomás, que a lei não pode ser chamada de
intimada apenas com a opinião mais provável. Pois, como a opinião mais
provável necessariamente inclui o temor em relação à opinião oposta, como
mostramos acima, jamais pode ser chamada de ciência. Logo, mesmo que para
alguém se mostre mais provável que há uma lei proibindo, ainda não se pode
dizer que tal pessoa tenha ciência da lei, na medida em que ainda, de maneira
provável, acha que ela não existe, e talvez nem exista mesmo. Porém, como a
promulgação da lei pertence à essência da lei, havendo dúvida sobre sua
promulgação, também há dúvida sobre a lei; por isso, assim como a lei deve
ser certa para que possa obrigar, da mesma forma deve ser certa a promulgação,
que é parte constitutiva da lei ... Logo, quando o homem não está certo da
existência de uma lei que proíba, pode fazer o que achar melhor, questão sobre
a qual Santo Tomás não tem dúvidas... (n. 38).
5 Resposta a um autor anônimo que censurou a Obra Moral (de Santo Afonso).
Essa obra foi publicada como apêndice à segunda edição das Glórias de Maria,
em resposta a G. F. Soli que, sob o pseudônimo de Lamindo Pritânio, tinha criticado
algumas ideias defendidas por Afonso nas Glórias de Maria e na Teologia Moral. O
título inteiro da obra é: Resposta a um anônimo que censurou o que o autor escreveu no
capítulo V, parágrafo 1º, da primeira parte; e também a Obra Moral do mesmo autor.
É um livro em 16º (15 x 9 cm), consta de 24 páginas, das quais, 15 são dedicadas
à defesa da doutrina moral.
Como Afonso também era criticado por imprudência ao dar sua Teologia Moral
para seus congregados lerem, e em ter seguido princípios e autores probabilistas, o santo
viu-se obrigado a se defender. Afirma, então, que compôs a obra, que lhe “custou 10
anos de excessivo e insuportável cansaço”, exatamente para formar bons confessores
entre os redentoristas; “pois não tive a intenção de dar aos jovens outros livros de Moral,
porque, ou eram muito curtos ou muito volumosos; ou muito rígidos ou muito benignos”
(p. XI).
Quando fala dos princípios defendidos pelos autores probabilistas, escreve uma
página muito interessante, que continua atual, mesmo depois de duzentos anos:
Mas, alguém me dirá: Tu usaste princípios errados, princípios probabilísticos.
Eu não quero saber se os princípios que segui são probabilísticos ou anti-
probabilísticos. Gostaria, apenas, que este alguém me dissesse onde devo
procurar os princípios para determinar as questões.
Nas Sagradas Escrituras eu encontro muitos princípios para decidir as
controvérsias morais, mas não todos. Nem os posso encontrar, como
sabiamente me ensina o meu falecido Pritânio, ou seja, Ludovico Muratori, em
seu douto tratado, que li, sobre a jurisprudência; onde fala precisamente que
na Escritura não há princípios claros para decidir todas as questões da Moral.
Depois, também não encontro todos esses princípios nos Santos Padres, que,
em seus livros trataram pouco de casos morais, preocupados como estavam em
determinar os dogmas da fé em meio a tantas heresias que serpenteavam
naqueles começos da Igreja. Da mesma forma, os sagrados Cânones
estabelecem poucas coisas acerca dos costumes.
Por outro lado, a ciência moral é tão vasta e tão obscura que, uma razão que
para alguns doutos se mostra certa, para outros parece sem fundamento ... Até
para nós mesmos, uma razão que certa época nos convenceu, em outro tempo
não mais nos persuade.
Ora, em uma ciência tão obscura e intrincada... parece não haver um caminho
mais seguro para não errar que o de seguir a regra aprovada por todos os sábios,
ou seja, que nas ciências devem ser seguidos aqueles princípios que forem os
mais aceitos pelos doutos...
Portanto, tenho motivos para acreditar que não errei em me regular com
princípios que, por um lado, me pareceram mais conformes, antes,
completamente conformes à razão, e por outro, que vi comumente, ou ao
menos, muito mais comumente, aprovados por teólogos antigos e modernos
(p. XIV-XVI).
Tudo isso está em perfeita harmonia com o que já havia dito na Dissertação de
1755, e se trata de probabilismo moderado.
Para não nos afastarmos do método histórico-crítico, é necessário acrescentar que
o santo, de 10 a 17 de abril de 1756, ficou doente e esteve para morrer. Gaudè e Delerue,
para provar que ele nunca foi um probabilista convicto, tiveram o trabalho de recordar
uma declaração onde o redentorista Melchionna Giuseppe refere que, no final de sua
vida, Afonso teria ficado angustiado por haver defendido o probabilismo.
Mas, se não Gaudè, Delerue conhecia uma carta do santo, encontrada em 1899.
Nessa carta, com data de 12 de outubro de 1758, Afonso declarava ser lícito, mais que
lícito, “seguir a opinião provável diante da mais provável que se apresenta a favor do
preceito”. Portanto, é necessário concluir que, depois da mudança de 1756, ele teria
voltado ao probabilismo por novas e mais fortes razões, a ponto de não levar mais em
conta as agitações no final da vida9. Evidentemente, Melchionna entendeu mal.
9
GAUDÉ, L. De morali systemate s. Alfonsi M. De Ligorio. Romae, 1894, c. I, n. 5, p. 17; DELERUE, F. Le système moral
de St. Alphonse de Liguori. St. Etienne, 1929, c. 4, p. 42. Eis o texto da carta: M. Rev. Padre, senhor e superior
respeitadíssimo, recebi suas estimadíssimas questões e brevemente, para servi-lo, respondo às dificuldades propostas.
Primeiramente, por enquanto digo que não posso dar uma regra geral sobre as opiniões do Pe. Busenbaum, porque preciso
ler toda a obra e examinar se verdadeiramente são ou não são prováveis; por ora, apenas respondo que umas são prováveis,
outras não. Em segundo lugar, digo que é lícito, e mais que lícito, seguir a opinião provável, sólida, com fundamento
provável, diante da mais provável favorável ao preceito; da mesma forma, é muito lícito seguir a opinião verdadeiramente
provável diante da opinião igualmente provável, mesmo que seja favorável à liberdade e não à lei. E a razão fundamental
de tudo isso é que, sendo nesses casos a lei sempre duvidosa (como se supõe), não temos motivo que estritamente obrigue
a seguir a sentença que favorece à lei; mas podemos sempre seguir a contrária que favorece a liberdade, desde que seja
solidamente provável. De resto, para torná-lo mais convencido do meu pensamento, lhe remeto essa minha dissertação,
na qual me expliquei muito mais claramente que na obra grande da minha Teologia Moral; e fiz isso para fugir das línguas
de tantos e tantos literatos que, com ardor excessivamente grande, atualmente atacam o uso da opinião provável diante
da mais provável. E assim, para não entediá-lo mais, termino, colocando-me à disposição para qualquer veneradíssima
7 Dissertação sobre o uso moderado da opinião provável - 1757.
ordem, e recomendando-me às suas fervorosas orações, assino. Nocera dei Pagani, 12 de outubro de 1758. Vosso humilde
servidor, Afonso de Ligório, da Congregação do Santíssimo Redentor.
intepretação da “certeza moral” como certeza verdadeira, dada na Dissertação de 1755,
para identificá-la agora com a simples opinião provável (n. 31).
Essa obra é muito importante por ser a primeira vez que o santo anuncia o
princípio de flexibilidade das regras de casuística, que propõe como princípio último de
sua doutrina sobre a dialética das probabilidades10.
Por força do princípio de flexibilidade, a última palavra sobre a verdade moral da
escolha em situação é dada pela prudência, que deve assumir a exigência de a pessoa
viver na graça, ou seja, em Cristo, como princípio e valor supremo de verdade e,
portanto, de probabilidade. É um princípio com valor tão grande que é capaz de inverter
a forma como as probabilidades se apresentam em âmbito teórico.
De fato, após apresentar sua doutrina sobre as determinações e dialética das
probabilidades, Afonso escreve:
Isso acontece no âmbito teórico; mas, na prática de escolher as opiniões, na
dúvida se devem ser escolhidas as rígidas e não as benignas, ou vice-versa, eu
respondo assim: quando se trata de eximir o penitente do perigo de pecado
formal, o confessor deve utilizar, na medida permitida pela prudência cristã,
as opiniões mais benignas. Mas quando as opiniões benignas tornarem mais
próximo o perigo de pecado formal, como são algumas opiniões dos doutores
sobre a obrigação de fugir das ocasiões próximas e semelhantes, então é
sempre melhor que o confessor utilize, digo mais, que ele, como médico das
almas, é obrigado a utilizar, as opiniões rígidas, que melhor promovem a
conservação do penitente na graça divina (n. 38).
Estamos convencidos de que basta este princípio para dar caráter sintético e
prudencial para a Teologia Moral afonsiana e ao seu, assim chamado, sistema moral.
E não somos nós que colocamos em evidência esse princípio, que até agora parece
ter sido considerado como uma simples nota marginal. O próprio santo o repetirá quase
textualmente em suas Dissertações posteriores, mesmo quando modifica o texto dessas
Dissertações. Nós o assinalaremos na medida em que examinarmos seus outros
trabalhos.
Por fim, notamos que em 1758 esse compêndio da Teologia Moral foi traduzido
em latim, para ser impresso em Veneza em 1759 com o título: Homem apostólico
instruído em sua vocação de ouvir as confissões. Ou: prática e instrução para uso dos
10
O conceito de flexibilidade é afirmado por Aristóteles no campo da lei que precisa ser moderada pela equidade na
aplicação particular (Ethica Nicomachea, Lib. V. 1137b,19-1138a,3). G. B. Vico retoma esse conceito e o aplica
romanamente à prudência civil em sua famosa dissertação De nostri tempore studiorum ratione, proferida em 18 de
outubro de 1708 como abertura do ano acadêmico universitário de Nápoles. Seria normal que entre seus ouvintes se
encontrasse o recém matriculado Afonso de Ligório, que deveria receber precisamente de G. B. Vico o “atestado de
retórica” para ser admitido à Universidade. Mais tarde, Afonso aplicaria magistralmente à consciência o princípio de
flexibilidade abordado pelo orador filósofo. (Sobre Santo Afonso universitário, consultar a obra colaborativa: S. Alfonso
de’ Liguori. Contributi bio-bibliografici. Brescia, 1940).
confessores. Também nesse novo texto, o parágrafo que examinamos não sofreu
nenhuma modificação.
8 Notas de Santo Afonso ao Tratado sobre a regra das ações humanas na escolha
das opiniões, de Patuzzi - 1759.
12
Os bibliógrafos afonsianos levantaram diversas hipóteses sobre o período de composição dessas Notas, que costumam
intitular pelo tema do primeiro parágrafo: A lei incerta não pode induzir a uma obrigação certa. O opúsculo não pode
ter sido composto depois de 1764, porque se relaciona estreitamente só com o Tratado de Patuzzi de 1758, sem nenhuma
referência a outra obra do autor dominicano. Em 1764, Patuzzi atacava diretamente a doutrina do santo, portanto, se as
Notas fossem de 1765, não se explica porque tratem do livro de 1758, sem levar em conta o que o adversário vinha
escrevendo na polêmica dirigida contra o santo no período de 1764-1765. As citações apresentadas (por exemplo, na p.
33 encontramos: o P. Patuzzi, to 2, p. 212 opõe ...; na p. 36 encontramos: opõe o P. Patuzzi to il 2, p.225... sem nunca dar
o título da obra de que são tiradas as citações), manifestam claramente o caráter de esboço provisório e pessoal da
publicação. Assim sendo, não causa estranheza que faça referência explícita ao nome de Patuzzi, enquanto nas obras
destinadas ao público, Afonso o esconde sob o termo “um autor moderno”, “os contrários”. Pela carta de 12 de outubro
de 1758, apresentada acima, na nota n. 9, sabemos então que, para evitar contra si e contra sua Congregação as “línguas
dos literatos”, ocultava inclusive seu próprio nome. Quando pensamos que exatamente através da leitura do Tratado de
Patuzzi, o princípio: “A lei incerta não pode induzir a uma obrigação certa”, se torna expressão espontânea para Afonso,
e mais ainda, a fórmula equiprobabilista se torna fórmula do seu probabilismo, precisamos concluir que em 12 de outubro
de 1758, quando escrevia a carta citada, Afonso ainda não tinha lido Patuzzi; porque transcreve os princípios, mas não
junta as fórmulas, e porque expressa a mesma ideia do axioma, mas com outras palavras. Portanto, a data de composição
das Notas vai de outubro de 1758 a março de 1764, quando fica sabendo da obra de Patuzzi dirigida contra si e pede um
exemplar a Remondini (cf. S. ALFONSO. Lettere III. Roma, 1890, p. 205), enquanto já em junho, fala que está lendo
“as obras latinas de Patuzzi (enviadas por Remondini) e que são muito boas” (ibid. p. 211). Mas podemos conseguir uma
determinação mais precisa. Falamos acima, no n. 7, sobre a obra Instrução e Prática, de 1757. Em setembro de 1758,
Afonso envia por carta algumas correções e acréscimos para a segunda edição da obra. Nesta, não aparece nenhuma
modificação na doutrina da probabilidade. Em julho de 1760, como diremos no n. 9 do texto, Afonso manda correções e
acréscimos para uma nova edição veneziana da mesma obra e aqui encontramos uma nova longa exposição sobre a
doutrina da probabilidade que absorve grande parte das Notas, das quais procuramos a data: então, esta pode ser fixada
entre outubro de 1758 e julho de 1760. Como o santo “já as tinha recolhidas” as correções e acréscimos enviados em
julho de 1760, precisamos retroceder a 1759, ano que propomos no texto quando falamos em Notas a Patuzzi de 1759.
Ficamos tentados a colocar a data de composição das Notas entre dezembro e julho de 1760, porque em dezembro de
1759 foi impressa em Nápoles a terceira (Remondi, por erro, a considerará a quarta) edição da Instrução e Prática, e nela
não se encontra nenhuma correção. Mas o santo diz abertamente que tal edição foi realizada sem sua intervenção (Lettere.
ibid. p. 106). Que estas Notas precedem, e não seguem, o texto de 1760, fica claro pelo exame interno dos dois textos
colocadas em comparação: o texto de 1760 é a forma mais longa e mais perfeita das Notas, que em si mesmas têm uma
forma mais breve e doutrinalmente menos perfeita. Basta, por exemplo, comparar os n. 39-42 do texto de 1760 (Istruzione
e Pratica, Venezia 1761, I, p. 25-29) com o respectivo texto das Notas, p. 29-39. Além disso, como já notamos, as Notas
são verdadeiros Comentários cujo horizonte é determinado por poucas páginas centrais do livro de Patuzzi, conforme
diremos no texto; a elaboração de 1760 tem a amplidão da doutrina que expõe e defende.
páginas da obra, precisamente onde Patuzzi ataca “o primeiro princípio reflexo dos
probabilistas tomado da incerteza da lei”13.
Isso confirma o que vimos destacando, ou seja, que no pensamento afonsiano o
ponto cardeal na dialética das probabilidades não está no cálculo lógico dos graus de
probabilidade, mas na exigência de que a lei seja promulgada de modo a ser certa: uma
probabilidade que não determina a certeza moral não é moralmente válida para a
promulgação.
A razão apresentada na Dissertação de 1755 era dupla: primeiro, a lei deve ser
regra, medida, norma: uma medida incerta não é medida; segundo, a lei é uma limitação
da liberdade, e a liberdade possui valor ontológico querido por Deus: “O homem foi
criado na liberdade”, diz o santo nas Notas a Patuzzi (p. 14). Patuzzi resumia a
argumentação de seus adversários probabilistas da seguinte forma: “A lei incerta não
pode levar a uma obrigação certa. Portanto, na dúvida provável, não pode haver
obrigação de obedecer a lei”14.
A premissa expressava o que Santo Afonso vinha afirmando desde 1753; mas a
fórmula era nova para ele; agradou-se dela e a tomou como enunciação de sua tese nas
Notas de 1759.
Para compor a parte demonstrativa, o santo reutiliza o que tinha escrito dois anos
antes, quando tratou sobre a consciência provável na Instrução e Prática para um
confessor; mas notamos um maior estudo de Santo Tomás, talvez por causa do tomismo
de seu adversário, Patuzzi. Esse estudo de Santo Tomás será cada vez mais intenso para
Afonso.
Depois da demonstração direta da tese, segue a confutação dos argumentos de
Patuzzi contra a promulgação das leis, e outros pontos de interesse teórico e histórico.
Mas, a grande importância dessas Notas está no fato de Afonso afirmar pela
primeira vez seu equiprobabilismo. De fato, ele escreve:
O nosso sistema não é poder seguir a opinião menos provável diante da mais
provável; mas de poder seguir a opinião benigna, quando for igualmente
provável à rígida; já que, como concordam todos os antiprobabilistas, e
conforme diz o próprio Pe. Patuzzi, quando é pouca a preponderância entre
uma e outra opinião, de modo que o excesso seja duvidoso, então bem se pode
chamá-las de igualmente prováveis, porque pouco é considerado como nada;
enquanto, por outro lado, mesmo quando a preponderância for grande, a
13
PATUZZI, G.V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, pars I, c.
IV, n. 2, p. 232-237.
14
PATUZZI, G.V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, pars I, c.
IV, n. 18, p. 235.
opinião contrária continua tenuamente ou, ao menos, duvidosamente provável
(p. 35-38).
15
PATUZZI, G.V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, pars I, c.
II, n. 5, p. 13-14.
diante da opinião mais segura, onde estamos, de fato, fora da probabilidade tênue” (p.
45-46).
Portanto, ele rejeita a fórmula que defendeu nas duas Dissertações anônimas, de
1749 e de 1755, onde manifestou com liberdade seu verdadeiro pensamento; rejeita a
fórmula de seu probabilismo, sustentada e proposta até um ano antes da composição das
Notas a Patuzzi; ou seja, até 12 de outubro de 1758, quando escreveu ao camaldolense
D. Roberto: “Digo que é lícito, e mais que lícito, seguir a opinião provável: sólida,
fundamentada, provável, diante da mais provável pela parte do preceito”. E, apesar
disso, depois, nas Notas, afirma que o probabilismo não foi só condenado por Inocêncio
XI, mas também foi confirmado, na medida em que o Papa condenou algumas
proposições “porque elas se chamavam prováveis, quando não tinham fundamento com
grave probabilidade” (p. 44); e, portanto, “tendo o Papa condenado tais proposições,
com tais circunstâncias, muito mais deu autoridade para o probabilismo, já que a
exceção confirma a regra” (p. 46).
Portanto, ele mantém sempre a validade da verdadeira e sólida probabilidade, que
é a razão de ser do probabilismo; assim sendo, não muda nada em todo o grande trabalho
de classificação das probabilidades das regras morais determinadas, que já tinha feito
em sua Teologia Moral desde 1753. Mas a leitura de Patuzzi provocou nele a
reconsideração da terminologia do sistema: Afonso descobre que a equiprobabilidade
moral, qualitativa, é a característica de toda probabilidade que se coloca na dialética
com a outra contrária: quando saímos da equiprobabilidade moral, uma das opiniões se
torna certeza moral e a outra se torna tenuamente ou, ao menos, duvidosamente,
provável; ou seja, moralmente infraprovável.
É por isso que o termo “menos provável” pode gerar confusão, pois pode
significar uma probabilidade apenas lógica, que resulta moralmente infraprovável;
assim sendo, na formulação de seu sistema, Afonso deixará de lado o termo “menos
provável”.
16
ALFONSO, S. Lettere III. Roma, (1890), n. 61, p. 106.
preparadas”. “Especialmente no início do primeiro tomo”, são suas palavras, “coloquei
um belíssimo acréscimo um pouco longo, em um caderno à parte, que não apareceu
ainda em nenhum livro das minhas Morais; mas peço que as confie a um bom revisor,
pois todas essas notas foram escritas à mão, e com letras bem pequenas”17.
Em 10 de julho de 1760, escreve: “Estou enviando a referida Prática com todos
os acréscimos que fiz, tal como lhe escrevi a alguns dias atrás. Peço uma atenção
especial aos acréscimos, que já inseri no lugar adequado, ou seja, na página 19 do
primeiro tomo. Peço que o senhor entregue a revisão para alguém entendido; porque,
esteja seguro, é um belo trabalho e custou muita fadiga. Falo sobre o acréscimo que
compõe um caderno à parte”18.
Comparando a edição da Instrução e Prática enviada pelo santo, com a edição de
Remondini de 1761, podemos constatar que a página 19 da primeira, corresponde à
página 18 da segunda, e que o texto muda a partir do n. 32 e se desenvolve em 14 páginas
(p. 18-31) em 16º (16,5 x 9 cm) com letras bem pequenas e compactas. Portanto,
estamos diante do “belo acréscimo”, “que custou muita fadiga”.
De fato, é a melhor parte do parágrafo “sobre a consciência provável”, que nós
datamos de 1760, porque nos interessa o ano da composição e não o da impressão, que
é 176119.
Comparando esse novo trabalho de Santo Afonso com as Notas a Patuzzi de 1759,
fica claro que tais notas foram parcialmente reelaboradas e absorvidas.
17
ALFONSO, S. Lettere III, Roma (1890), n. 69, p. 115.
18
ALFONSO, S. Lettere III. Roma (1890), n. 70, p. 116.
19
A edição remondiniana de 1761 vem indicada no frontispício como quinta edição; a edição napolitana de 1760, impressa
por Di Domenico, é indicada como terceira edição (a segunda é de 1759, de Remondini de Veneza; a primeira é de 1757,
de Alessio Pellecchia, de Nápoles). O Pe. Gaudè (op. cit. p. 20, nota 1) afirma não ter conseguido localizar a quarta
edição. A nós interessa saber se a edição enviada por Santo Afonso a Remondini em 10 de julho de 1760 é a terceira.
Parece certo que seja a terceira, porque, no final do primeiro tomo dessa edição, o último caderno traz uma página com
advertência citando uma Bula de Bento XIV de 20 de dezembro de 1759. Portanto, em janeiro de 1760 terminava a
publicação do primeiro tomo dessa terceira edição; e então é dessa edição que o santo fala quando escreve a Remondini
em 17 de janeiro de 1760: “Sim, senhor, está sendo publicada a Prática, e está no segundo tomo (Lettere III. n. 62, p.
107). Como nas cartas sucessivas se fala sempre dessa edição, enviada a Remondini em 10 de julho de 1760 e recebida
dele em 4 de outubro de 1760 (Lettere. III, n. 73, p. 120), estamos certos de que os acréscimos do santo de que estamos
tratamos no texto foram feitos sobre a terceira edição napolitana; e com essa, portanto, deve ser confrontada a quinta
edição, para analisar as variantes e o desenvolvimento do pensamento afonsiano e sua cronologia. Mas, houve uma quarta
edição? Para admitir sua existência seria necessário pensar que os impressores napolitanos, entre julho de 1760 e 4 de
junho de 1761, quando a edição veneziana já está impressa (Lettere III. n. 77, p. 125), tenham ao menos iniciado a
impressão da terceira edição, e Remondini, conhecido o fato, indicado a sua como quinta, ou seja, última edição. De fato,
essa Instrução e Prática napolitana de 1760 apresenta variantes no frontispício: alguns exemplares indicam o editor: “A
spese di Cristoforo Migliaccio, e dal medesimo si vendono nella sua libraria a s. Biagio de’ librari”. Todavia, apesar
dessas variantes, a edição é sempre indicada como terceira edição. Além disso, é preciso levar em conta que, quando a
impressão dessa edição napolitana já tinha sido começada, acrescenta-se a Migliaccio um outro editor: Stasi Michele
(Lettere III. n. 67, p. 113). Portanto, uma verdadeira nova edição, com acréscimos e correções entre a terceira napolitana
e a quinta veneziana nos parece que deve ser excluída em base ao epistolário afonsiano com Remondini.
Aqui encontramos o “estado da questão” que faltava nas Notas: assunto de suma
importância, porque confirma, desenvolve e precisa as ideias novas apresentadas nas
Notas:
Afirmamos... que é lícito usar a opinião gravemente provável em favor da
liberdade, sempre que ela não for menos provável, mas sim, ou mais provável,
ou ao menos, igualmente provável, à contrária em favor da lei.
Nesse ponto é necessário advertir que, quando as duas opiniões opostas forem
ambas gravemente prováveis e fundamentadas, sempre serão igualmente prováveis, ou
quase igualmente prováveis. O que dá no mesmo, já que, como dizem os próprios
antiprobabilistas, quando é pouca a preponderância entre uma e outra opinião, sendo o
excedente muito tênue e duvidoso, então ambas as opiniões serão consideradas
igualmente prováveis, conforme o axioma que diz: pouco é considerado como nada. É
diferente quando a preponderância de uma opinião for notável, porque então a opinião
contrária resultará, ou improvável, ou tenuamente provável (n. 32).
Destacamos uma afirmação que, por si só, caracteriza e precisa o
equiprobabilismo afonsiano: “Quando duas opiniões opostas forem ambas gravemente
prováveis e fundadas, sempre também serão igualmente prováveis ou quase igualmente
prováveis”.
Portanto, se uma opinião mais provável não for mais provável a ponto de tornar
a opinião oposta improvável ou tenuemente provável, as duas serão equiprováveis. Na
verdade, Afonso já tinha ensinado isso na Dissertação de 1755, quando escreveu:
A opinião mais provável só é moralmente certa quando exceder a
probabilidade da outra, de modo a demonstrar que esta outra é improvável ou,
ao menos, tenuemente provável. Mas, dá-se o contrário, se a opinião mais
provável ainda conservar um motivo grave, pelo qual possa ser verdadeira (n.
13).
Isso explica porque Afonso, depois de ter anunciado o seu novo “estado da
questão”, que rejeita a menos provável e afirma o equiprobabilismo, escreveu
textualmente:
Nós já provamos com muitas autoridades e razões essa sentença, em uma
Dissertação que inserimos em nossa obra grande, especialmente, com a razão
que considero a mais forte de todas, ou seja, de que a lei duvidosa não pode
levar a uma obrigação certa (n. 32).
20
ALPHONSUS, S. Theologia Moralis. Romae, 1757, t. I, tr. I, c. 2, n. 47, p. 9.
depois mecanicamente transformada na dissertação antituciorista, e inserida na terceira
edição da Teologia Moral de 1757. Nessa, defende que é “lícito o uso da opinião
absolutamente provável ou, ao menos, mais provável, ainda que a contrária em favor da
lei seja provável”. E toda a parte argumentativa é em favor da probabilidade sólida,
mesmo que tenha contra si uma probabilioridade.
Portanto, ele não muda o sistema; só muda a terminologia para declarar que,
quando probabilidade sólida e probabilioridade, que não seja certeza moral, estiverem
frente à frente, elas devem ser chamadas de moralmente equiprováveis.
Trata-se de uma simplificação para tirar dos sistemas morais as sutilezas lógicas
que favoreciam, tanto o laxismo, quanto o rigorismo, e reduziam o papel da consciência
a mera calculadora de graus de probabilidade lógica. Não podemos entrar na análise do
novo trabalho afonsiano, mas notemos alguns detalhes.
No texto em questão, é possível constatar a presença da nova fórmula tomada da
leitura de Patuzzi e que depois será constante em Afonso: “A lei duvidosa não pode
levar a uma obrigação certa”. Contudo, a segunda edição veneziana, revista em
setembro de 1758, dizia: “A lei duvidosa, ou não suficientemente intimada, não obriga,
porque a lei, para ligar e obrigar, deve ser certa e manifesta”21.
Falando sobre a liberdade, ele declara que “o homem nasce realmente
subordinado ao domínio de Deus, já que nasce certamente obrigado a obedecer a todos
os preceitos que Deus lhe impuser; mas não nasce já ligado a nenhum preceito particular
acerca de suas ações” (n. 35). A distinção entre a obrigação ontológica para com Deus
e a obrigação para com as leis particulares é de grande importância, e será desenvolvida
em seguida.
Por fim, encontramos também, sem qualquer mudança, o cânone de flexibilidade
que já destacamos na edição de 1757.
21
ALFONSO, S. Istruzione e Pratica per li confessori. Venezia, 1759, parte I, c. I, n. 32.
22
ALFONSO, S. Lettere. III, n. 81, p. 133.
O exame paralelo da segunda edição, publicada com atraso em 1763, e da
primeira, de 1759, nos mostra que o acréscimo tem por tema a questão da consciência
provável, que o santo então modifica e amplia conforme suas novas posições. O assunto
se desenvolve em nove páginas e meia, em 8º (24 x 17,5 cm) indo da p. 12 col. b, n. 32,
até a p. 17. As letras são bem pequenas e muito compactas.
Nós datamos esse trabalho em 1761, ano da composição. Por terem considerado
o ano da edição, e não o da composição, alguns estudiosos do pensamento afonsiano
encontraram problemas que não existem, pois não tomaram o desenvolvimento do
pensamento dentro de sua realidade histórica.
Esse novo trabalho absorveu parte das Notas de 1759 e do novo texto sobre a
consciência provável de 1760, mas assume amplitude maior.
Eis a enunciação da doutrina:
Afirmamos que não é lícito usar a opinião menos provável e menos segura
contra a mais provável favorável a lei; então, quem a utiliza não demonstra
estar agindo muito segura e prudentemente. Porém, dizemos que é lícito seguir
a opinião favorável à liberdade, se esta opinião estiver fundamentada em um
fundamento grave, pelo qual seja julgada como verdadeiramente provável (n.
32).
Também aqui a primeira parte da tese poderia parecer negar o que vinha
ensinando desde outubro de 1758, quando disse ao camaldolense D. Roberto, que é lícito
seguir uma opinião provável mesmo diante de uma mais provável favorável à lei. Mas
a enunciação da tese está estreitamente ligada às novas definições que ele apresentou
antes; e temos uma prova explícita da presença de Patuzzi determinando decisiva reação
em Afonso.
Patuzzi, na página que lemos, não apenas tinha definido a equiprovável moral
distinguindo-a da probabilidade lógica, mas, com Gonzalez, tinha definido a mais
provável necessária para seguir a liberdade com termos que a identificavam com a
probabilíssima. Ele exigia que a mais provável se mostrasse “ao agente manifestamente
mais verossímil com excesso notório, através do qual fosse julgada verdadeira com juízo
firme e não titubeante”.
Compreende-se a posição de Patuzzi, porque ele considera necessário evitar
qualquer erro objetivo, já que, mesmo errando com a mais provável definida dessa
forma, e mesmo que o erro dependa de alguma negligência passada não advertida, tal
erro ainda será imputável23. Opinião esta, que Santo Afonso chama de “completamente
23
PATUZZI, G. V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. parte I., c. 2, n. 15, p.
23-24.
improvável” (n. 60), mas que ajuda a explicar porque Patuzzi quase identifique a mais
provável com a probabilíssima, e se aproxime do tuciorismo mitigado.
Pela antítese ontológica já sublinhada, Afonso assume o conceito patuzziano de
mais provável, mas defende que, como as leis particulares não são cronologicamente,
mas ontologicamente e axiologicamente posteriores ao ser da pessoa, que recebe de
Deus o dom da liberdade, não é a liberdade, mas a lei particular que deve ser promulgada
à pessoa com uma sentença mais provável que se aproxime da probabilíssima.
De modo que, quando a liberdade tem em seu favor uma opinião menos provável,
e pela lei há uma opinião fortemente e certamente mais provável no sentido indicado,
então a prudência pede que se siga a lei. Mas, quando permanecemos no campo da
probabilidade, de modo que a opinião a favor da liberdade não deixe de ser
verdadeiramente provável, então é possível estar do lado da liberdade. Esta é a doutrina
constante de Santo Afonso, e ele não diz nada além disso na enunciação da nova
definição de mais provável, que referimos acima,
Eis as novas definições do santo:
É preciso distinguir: opinião tenuemente provável, provável, mais provável e
moralmente certa.
A opinião tenuemente provável é a que se baseia em um fundamento que não
consegue atrair para seu favor o consentimento dos homens prudentes.
A opinião provável é a que se baseia em um fundamento grave.
A opinião mais provável é que se baseia em um fundamento mais grave; mas,
para ser considerada verdadeiramente mais provável, requer-se que, como
dizem Gonzalez e Patuzzi, com outros antiprobabilistas comumente
(GONZAL. Tract. de Prob; PATUZIUS. Tract. De Reg. prox. hum. act. par.
I; cap. 2), que a opinião seja manifestamente mais verdadeira para quem age,
com excesso notório, pois se o excesso ou preponderância for tênue e duvidoso,
então tal opinião é considerada, moralmente falando, igualmente provável à
oposta, porque pouco é considerado como nada (o destaque é nosso).
Por fim, a opinião ou sentença moralmente certa é aquela cuja oposta se mostra
de todo improvável (n. 29).
***
Na terceira edição do Homem Apostólico, de 1770, Afonso voltará às definições
costumeiras; mas então já fazia três anos que vinha sendo objeto de pressões, inclusive
violências políticas, sobre sua doutrina moral, e será obrigado a modificar a
terminologia.
Apesar disso, Gaudè diz que o santo fez bem em eliminar a definição patuzziana
de mais provável, porque seria “ambígua e, se quisermos falar com rigor, falsa”, já que
é possível haver uma verdadeira probabilioridade por motivação mais grave e, todavia,
não muito excedente”24.
Mas isso seria verdade se déssemos só valor lógico para as definições morais; ora,
Santo Afonso quer reagir contra o logicismo que reduz a dialética das probabilidades a
cálculo quase matemático de graus de probabilidade e, por outro lado, abre caminho,
tanto para o rigorismo, quanto para o laxismo.
Contudo, cremos que Afonso, mesmo mantendo sempre a doutrina da
necessidade de um excedente forte para constituir verdadeira probabilidade requerida
para a promulgação da lei, pelo motivo que vimos não chamou mais de probabilíssima
ou quase probabilíssima a notavelmente mais provável.
De fato, a probabilíssima é ambivalente, pois pode significar o mínimo
incontornável que Inocêncio XI determinou ao condenar a opinião “tenuamente
provável” (Denzinger 1153). De fato, indo contra os laxistas que queriam apenar se
curvar diante da certeza absoluta da lei, a condenação do Papa diz que uma lei
probabilíssima obriga, mesmo que tenha contra si uma opinião tenuamente provável.
Mas a probabilíssima de Santo Afonso queria ser mais restrita, coexistindo e se
opondo, não só à probabilidade tênue, mas também a uma probabilidade que seria
válida, mas é duvidosa ou apenas lógica, enfim, que é moralmente infraprovável:
“menos provável”.
Desde 1748, em sua atividade literária Afonso vinha rejeitando a “provavelmente
provável” e identificava com a probabilidade tênue, condenada por Inocêncio XI, a
probabilidade duvidosa, porque queria evitar, não apenas o minimalismo laxista, mas
também o caminho que levava ao laxismo. Ora, concebida a probabilidade como
equiprobabilidade, a “menos provável”, ou era verdadeiramente provável e, então era
equiprovável, ou era “menos provável” e então, infraprovável. De modo que, a nova
probabilíssima ou quase probabilíssima afonsiana queria poder coexistir e tornar
inválida, não apenas a tênue probabilidade, mas também essa “menos provável”, na
medida em que era “duvidosamente provável”, “provavelmente provável”,
infraprovável moralmente.
Então, dada essa ambivalência do termo probabilíssima, o santo na sequência
indicará sua quase probabilíssima com os termos notavelmente mais provável,
certamente mais provável, razão convincente, mais provável sem hesitação.
Infelizmente, também o termo mais provável é ambivalente, porque pode indicar
a mais provável lógica, que permanece na esfera da equiprobabilidade moral, e a
notavelmente mais provável que qualitativamente está fora da probabilidade e já é
24
GAUDÉ, L. De morali systemate s. Alphonsi M. De Ligorio, Romae, 1894, c. I, n. 10, p. 24-25.
certeza. Essa ambivalência pesa sobre a história secular dos sistemas morais e
determinou, ao menos, duas correntes na interpretação do pensamento afonsiano.
Pode-se objetar que a distinção entre probabilíssima e quase probabilíssima, ou
entre mais provável e certamente mais provável, notavelmente mais provável faz recair
a dialética das probabilidades no logicismo e na indeterminação, porque os termos
quase, certamente, notavelmente são termos elásticos e muito relativos.
Isso é verdade; mas Santo Afonso tem cuidado em insistir em um termo com valor
semântico moralmente e psicologicamente claro; ele afirma que existe a notavelmente
mais provável quando a probabilioridade é dada por uma razão convincente. E é certo
que na deliberação moral cada um experimenta e reconhece quando uma razão é ou não
é convincente. Naturalmente, isso supõe que a sensibilidade da pessoa esteja
desenvolvida e bem orientada. Mas, é aí que se encontra a superação do logicismo que
buscava fazer da deliberação moral uma equação cerebral ou jurídica; pelo contrário, é
preciso considerar a deliberação como escolha e empenho de toda a pessoa, consciente
de seu valor de imagem cristã de Deus em Cristo.
A deliberação moral não é outra coisa que a expressão da preparação ontológico-
ética da pessoa fundamentada em Cristo. A convicção é exatamente a reveladora da
opinião a ser aprovada, dokimàzein, diz São Paulo, porque ela torna a nossa escolha
moral um aprofundamento da nossa pessoa em Cristo; quer seja convicção de que a
escolha deve ser feita conforme a lei certa, quer seja convicção de que a escolha deve
ser feita conforme a liberdade certa.
Vejamos, então, na obra que estamos examinando, como Santo Afonso destaca
em Santo Agostinho o valor e necessidade da convicção na deliberação:
Também confirma muito a nossa sentença (ou seja, de que a lei deve ser certa)
o que escreveu Santo Agostinho em breves palavras: pois o que não estiver
convencido que seja contra a fé ou contra os bons costumes deve ser
considerado indiferentemente (S. AUGUST. Epist. 54 ad Januar. cap. 2).
Note-se a palavra convencido (não imposto, mas convencido, como os
eruditíssimos Padres Maurinos julgam que deve ser lido)25.
25
Cf. PL 33, 200; CSEL 34, 160, 14.
não muda de ideia, mas determina cada vez melhor a expressão de seu pensamento,
empregando uma terminologia mais precisa.
***
Outro grande progresso, agora em ponto mais fundamental da dialética das
probabilidades, se refere a um princípio de valor, que também é critério de verdade para
todas as nossas escolhas morais: sintonizar todos os atos da nossa vontade com a
vontade de Deus. A conformidade, antes, a uniformidade, ou seja, conformidade a partir
de dentro, por meio da qual a lei, mais que como lei, é sentida como princípio e
liberdade, é a ideia base de todo o pensamento moral de Santo Afonso, da casuística à
mística.
Já na Dissertação de 1755, frente à objeção de que seguir a opinião menos
provável é não se conformar com a vontade de Deus identificada com a observância das
leis particulares em sua objetividade, ele respondia, com Terill, distinguindo em Deus,
por um lado, a lei constitutiva da ordem moral objetiva e em si (lei antecedente) e, por
outro, a lei realizadora da ordem moral nas situações concretas dos homens, mesmo que
em erro (lei consequente). Então, ele afirma que, segundo a lei realizadora, “Deus quer
que os homens sejam obrigados às suas leis na medida em que estas estejam na
consciência deles” (n. 23). Consequentemente, a não execução da lei antecedente não é
pecado, nem mesmo material, porque o homem reto está sempre em conformidade com
a vontade realizadora de Deus (n. 26).
A distinção, e a consequente solução, está fundamentada; mas, da maneira como
foi apresentada, pode ainda parecer um pouco artificial, pré-moldada sob medida.
Talvez por isso, o santo não retorne mais a ela, ao menos como fórmula, e a substituirá
por outra fórmula em 1763, como veremos.
Aqui precisamos notar que vontade de Deus e lei eterna absoluta coincidem; mas
os seus adversários concebiam a lei eterna como arquétipo, em Deus, de todas as leis
naturais tomadas em sua particularidade e, portanto, tomadas na ordem horizontal e
múltipla. A simplicidade da lei eterna deveria então ser concebida como ponto-origem
de projeção, que em si é simples, mas na projeção é múltiplo; de modo que, violar as
leis particulares em suas particularidades seria violar formalmente a lei eterna e,
portanto, a vontade de Deus. Disso provém o princípio fundamental dos adversários de
Santo Afonso: nas dúvidas deve ser seguida a parte mais segura; também provém a
negação da distinção entre violação material e violação formal da lei; a negação da
distinção entre juízo direto sobre a verdade da coisa e juízo formalmente prático sobre
a verdade da honestidade da ação.
Pensando assim, esqueciam que a lei eterna em Deus é vontade, mas não como
acontece no homem, que com sua vontade põe em execução uma forma. Em Deus,
vontade é bondade que participa intimamente o seu ser e está presente no participado.
Tal presença dinâmica determina a ordem vertical das coisas, que é simples, una e
unificante: o múltiplo, por sua vez, vem da finitude da criatura. Mas também a criatura,
sendo imagem espiritual de Deus, ou seja, sendo pessoa, tende a superar o múltiplo que
lhe advém da finitude, através do valor de unidade radical, da espiritualidade que lhe
vem de Deus.
Em outros termos, a lei eterna é, sobretudo, e antes de mais nada, fundamento de
verdade-valor, de finalidade vertical; é fundamento da caridade, da caridade cristã, já
que a ontologia do espírito, de fato, é aquela que Deus Pai fundamentou no mistério de
Cristo, e que é inexprimível em categorias filosóficas humanas. Essa lei eterna, que
supera o particularismo cosmológico, é graça pela qual entramos no ritmo do ser de
Cristo, qualquer que seja a condição de membros em seu corpo místico. E é lei que
supera, não só o particularismo das causas e das leis da ordem horizontal, mas redime e
valoriza mesmo a defectibilidade, seja essa particular, enquanto criatura; seja individual,
como a de Tício ou de Caio, nesta ou naquela situação. Somente em tal dimensão
vertical o mal encontra explicação; de outra forma, ele seria um escândalo insuperável,
capaz de fazer desmoronar, não só a vida moral, mas inclusive a realidade cósmica. Não
haveria solução para o enigma da história, inclusive para o enigma do ser, que se revela
no existir, mas para superá-lo rumo ao Ser!
A concepção que faz da lei eterna apenas o arquétipo e versão condensada de
todas as leis particulares, introduz o antropomorfismo na teologia (a eterna insídia de
fazer Deus à imagem do homem!) e supõe uma ontologia modal das essências múltiplas.
Assim sendo, violar essa lei em sua razão particular, seria violar o valor ontológico de
toda a realidade e, portanto, violar a lei eterna, que fundamenta essa mesma realidade.
Mas a ontologia é aquela do ser como participação intensiva do ser de Deus;
ontologia que, na ordem sobrenatural, repetimos, é participação no ser de Cristo, tornado
nossa cabeça, nosso espírito, nossa caridade. Assim, Ele se torna a nossa lei: ou seja,
graça e liberdade. E essa lei eterna do Verbo de Deus só instrumentalmente se exprime
e exige leis particulares.
Dessa forma, também compreendemos como, e por que, a lei eterna apenas é
violada quando nossa ação particular, singular, se coloca como negação da caridade;
fato que só se verifica quando nossa intenção se apresenta como desleal diante de Deus.
Tal verdade é sabida por qualquer cristão, mesmo por qualquer homem simples; mas,
precisamente por isso, revela o verdadeiro valor da lei que fundamenta a ordem moral;
pois todo homem deve saber viver em Deus e saber se vive ou não vive em Deus. O
fundamento da verdade moral deve ser intuitiva para todos, mesmo para os analfabetos!
A degradação conceitual que faz a lei eterna à imagem das leis humanas, depende,
além, da ontologia do múltiplo, própria do estoicismo quando se apresenta como ética,
também, por razões opostas, do juridicismo que atomiza nominalisticamente a vida
moral e torna positiva a lei eterna, ou seja, torna-a formalmente pluralística.
Santo Afonso reage contra essa concepção de lei eterna, e olha com simpatia
alguns “vários autores” para quem a lei eterna não é propriamente lei, mas razão de
todas as leis (n. 40). Isso é verdade enquanto nega o caráter particularístico na lei eterna
e, digamos, simplesmente juridicista das leis humanas; mas não é verdade se quisermos
afirmar que a lei eterna não é lei que obriga. Contudo, mesmo esse conceito de obrigação
é impróprio aqui, e deveríamos falar de fundamentação dos valores morais em sua
ordem vertical: esta é a fundamentação que está na origem da pessoa, da liberdade, da
autodeterminação e, apenas instrumentalmente, na origem dos modos de agir
particulares e suas leis. A intuição de Santo Afonso era de que a fundamentação
ontológica da pessoa não deveria ser confundida com a obrigação particularística das
leis.
Além disso, sua insatisfação com o conceito antropomórfico da lei eterna prova
como sentia a impossibilidade de reduzir a lei da pessoa e da liberdade às leis
particulares entendidas de maneira essencialística e juridicista. Já se disse que uma hora
de metafísica teria feito Santo Afonso mudar de concepção moral. Não parece que já
tenhamos efeito essa hora de metafísica, excetuando algum tomista contemporâneo, por
exemplo, Cornélio Fabro, em um campo mais fundamental; e pensamos que, se o
tomismo do século XVIII a tivesse feito, Santo Afonso teria encontrado nele a máxima
confirmação e pleno esclarecimento do seu pensamento moral.
***
Mas, ainda que lentamente, Afonso chega a essa clarificação por outro caminho;
ou seja, seguindo o que diz Santo Tomás sobre a conformidade com a vontade de Deus,
considerada mais em seu objeto, que em sua razão de lei.
Depois da leitura de Patuzzi, em 1759, ficou mais vivo o problema da
conformidade com a vontade de Deus na relação com a dialética das probabilidades em
âmbito de consciência. Afonso tinha lido no erudito tomista: “o argumento nascido da
obrigação que tem o homem de conformar suas operações com a vontade e lei de Deus
é um argumento... que destrói desde os fundamentos o sistema dos probabilistas”26.
26
PATUZZI, G. V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, parte II,
c. I, n. 14, p. 127.
Em todas as suas obras de espiritualidade, Afonso vinha afirmando que a
conformidade com a vontade de Deus levada à uniformidade perfeita é a mola mestra
de toda a vida espiritual. Mas, será que, com seu probabilismo moderado, então estaria
destruindo com a mão esquerda o que vinha construindo com a direita?
Nas Notas a Patuzzi, de 1759, Afonso escreve:
Agindo conforme a opinião benigna... não estaríamos agindo contra a vontade
de Deus? A resposta é não; não estaríamos ofendendo a lei porque estaríamos agindo
contra uma lei que, por ser duvidosa, não obriga... nem agindo contra a vontade de
Deus.
Mas, nesse caso, como dizer que somos obrigados a uniformizar nossa vontade com
a vontade de Deus, quando não sabemos se Deus quer, ou não quer, que evitemos uma
ação?
Santo Tomás ensina que, nos casos em que não sabemos o que Deus quer, não
somos obrigados a nos conformar com a vontade divina, pois ela não nos é
suficientemente conhecida: “Por isso quem quer alguma coisa sob qualquer
razão de bem possui a vontade em conformidade com a vontade divina, quanto
à razão do que quer. Mas, em particular [note-se], desconhecemos o que Deus
quer. Sob este aspecto, não somos obrigados a conformar nossa vontade com
a vontade divina. (I-II, 19, 10 ad 1) (p. 19-20).
Santo Afonso sublinha que, no texto de Santo Tomás, a vontade de Deus com a
qual devemos nos conformar é a vontade notificada e conhecida com certeza. Na
verdade, o texto de Santo Tomás é muito mais rico; mas Afonso se limita a destacar o
que lhe interessa imediatamente para a discussão, pois os adversários defendiam que se
violava a lei mesmo quando a lei fosse duvidosa pela presença de duas opiniões
prováveis opostas, ou seja, equiprováveis.
Em 1760, no parágrafo sobre a consciência provável, examinado acima por nós,
no n. 9, repete o que havia escrito nas Notas de 1759. Mas, entre julho de 1760 e julho
de 1761, Afonso aprofunda a questão e, no texto que estamos examinando, apresenta
um desenvolvimento fundamental para a dialética das probabilidades em âmbito de
consciência. Depois de examinar mais longamente e com mais citações de Santo Tomás
a relação entre lei eterna e liberdade, sempre do ponto de vista que assinalamos (n. 38-
42), passa à conformidade com a vontade de Deus considerada em seu objeto (n. 43).
Devido à controvérsia, destaca mais uma vez que a conformidade exige conhecimento
certo do que Deus quer. Mas agora, com Santo Tomás, distingue entre as coisas que
Deus quer em particular (volitum particulare) e a razão, ou valor, que Deus quer nas
coisas particulares (volitum formale) que, por sua vez, é constituído pela razão ou valor
de bem comum, assumido como fim.
Ora, a conformidade que torna reta nossa escolha moral é a conformidade pela
qual nós também tendemos para o “desejo do bem comum”, ou seja, como declara Santo
Tomás, o “bem total”, que é a glória de Deus.
Em outra passagem, Santo Afonso também dirá que todos os nossos atos, para
serem bons, devem ser conformados pela intenção virtual da glória de Deus. Mas, por
necessidade lógica da controvérsia, insiste sobre a razão formal pela qual a escolha
moral, mesmo que erre sobre a “verdade da coisa”, não erra sobre a verdade da
honestidade da ação quando tal escolha estiver conforme à vontade de Deus no desejo
do bem comum. Por isso, afirma que estamos em sintonia com o desejo do bem comum
querido por Deus sempre que nossa intenção tiver como objetivo um bem na medida
em que é um bem honesto. E, como é honesto tudo o que é honesto por natureza e não
particularmente proibido por Deus e, por outro lado, a livre autodeterminação é dom
natural dado por Deus, Afonso conclui que toda livre escolha de bem, querido como
honesto, é sempre conforme à vontade de Deus.
Eis o raciocínio do santo, que nós tentamos tornar mais evidente:
Replicam: nada nos é lícito, a não ser que seja permitido pela vontade de Deus.
Portanto, para agirmos licitamente, devemos primeiro reconhecer que uma
coisa é conforme à vontade de Deus.
Responde-se: Realmente, o homem deve se conformar com a vontade de Deus,
mas com qual vontade? Afirmamos: com a vontade conhecida e manifestada.
Assim ensina Santo Tomás (I-II, 19, 10) quando diz: “Portanto, a vontade
humana é obrigada a se conformar com a vontade divina formalmente, mas
não materialmente...”
E explica a palavra formalmente, isto é, no desejo do bem comum. Ou seja, que
em toda ação tenhamos como intenção o bem honesto, na medida em que cada
um pode usar honestamente a liberdade que lhe foi dada por Deus; pois tudo o
que está de acordo com a ordem natural, e não é proibido por Deus, é honesto
(n. 43).
27
ALFONSO, S. Lettere III. n. 151, p. 246.
disso, veremos que o equiprobabilismo de Amort está muito distante do
equiprobabilismo de Santo Afonso.
Contudo, precisamos reconhecer que Afonso leva Amort em consideração
quando compõe a Dissertação de 1762, onde absorve e melhora suas Notas de 1759.
Por exemplo, as Notas de 1759 só acenavam para a condenação do probabilismo pela
Assembleia do Clero Galicano de 1700, fato que Patuzzi opunha aos probabilistas28, e
Afonso a resolvia com a observação genérica de que “há tantos outros bispos e teólogos
que a aprovam, e por isso não era necessário que escrevessem e nem que fizessem
sínodos” (p. 42), mas, por sua vez, a Dissertação de 1762 se detém longamente sobre
essa Assembleia e cita Amort em seu favor (p. 52-55).
A doutrina exposta na dissertação é sempre antiprobabiliorista, embora renove
mais claramente suas declarações equiprobabilistas.
No antiprobabiliorismo, ele insiste sempre sobre a doutrina básica:
Afirmamos que, quando a opinião menos segura é igualmente provável, pode
ser seguida licitamente, porque então a lei é duvidosa e por isso não obriga, em
razão do princípio certo... de que uma lei duvidosa não pode induzir a uma
obrigação certa (p. 5).
Retorna a sua doutrina sobre a promulgação da lei em geral, da lei eterna. Com
Amort, afirma que, enquanto a opinião favorável à lei não se mostrar evidente e
notavelmente mais provável, é moralmente certo que não há lei que obrigue (p. 19); com
Santo Agostinho repete que “toda ação nos é lícita enquanto não estivermos convencidos
e moralmente certos de que ela seja contra a fé ou contra os bons costumes” (p. 24).
Quanto à lei eterna, afirma que deve ser promulgada. Afirma que a liberdade é
anterior à lei. Para a conformidade com a vontade de Deus, repete o que disse na obra
anterior (p. 40-43). Retoma a distinção fundamental entre verdade objetiva da coisa e
verdade da honestidade da ação: a primeira, a ser determinada com o juízo direto; a
segunda, com o juízo reflexo, que ele também chama de concomitante (p. 53-58), termo
usado por Amort29. Por fim, o santo trata muito longamente o princípio: nas dúvidas
deve-se seguir a parte mais segura (p. 58-80), que é ponto central do probabiliorismo,
na medida em que é decorrência de sua ontologia puramente essencialística formal.
28
PATUZZI, G. V. Trattato della regola prossima delle azioni umane nella scelta delle opinioni. Venezia, 1748, parte II,
c. 5, n. 2, p. 246-247.
29
AMORT, E. Theologia Eclectica Moralis et Scholastica t. I, Augustae Vindelicorum et Wirceburgi 1752, Tr. de Actibus
humanis, disp. 2, quaestiunculae prolegomenae et synopticae 4, quaeritur 10, p. 87; Quaestio disp. II, Notandum 3, p.
102 et passim (não é possível fornecer outras passagens porque Amort multiplica as subdivisões e séries de paginação no
mesmo tomo, e se torna muito complicado). Na sequência, citaremos no texto a página da Disputatio De Conscientia,
que citamos aqui por extenso dentro do possível.
Portanto, chegamos ao equiprobabilismo. É útil considerar sinopticamente as
posições de Afonso desde 1759:
1759 1760 1761 1762
O nosso sistema não é a Afirmamos que é lícito Afirmamos que não é Afirmamos que não é lícito
possibilidade de seguir usar a opinião lícito usar a opinião seguir a opinião menos
a opinião menos gravemente provável a menos provável e provável, quando a opinião
provável diante da mais favor da liberdade, menos segura, contra a que está pela lei for
provável, mas a sempre que ela não for mais provável [ou seja: notavelmente e certamente
possibilidade de seguir menos provável, mas quase probabilíssima] mais provável; porque então
a opinião benigna, sim, ou mais provável, em favor da lei; pois a opinião mais segura já não
quando for igualmente ou, ao menos, nesse caso quem a usa é duvidosa (entendida como
provável à opinião igualmente provável à não demonstra estar dúvida estreita, como
rígida; porque, como contrária que é agindo de maneira diremos na segunda questão),
concordam todos os favorável à lei. E aqui é segura e prudente. Mas mas é moralmente, ou quase
antiprobabilistas, necessário advertir que, afirmamos que é lícito moralmente certa, tendo em
segundo diz o próprio quando as duas seguir a opinião seu favor um fundamento
Pe. Patuzzi, quando for opiniões opostas forem favorável à liberdade certo de que é verdadeira;
pouca a preponderância ambas gravemente quando estiver baseada quando, do lado contrário, a
entre uma e outra prováveis e em fundamento grave, opinião menos segura, e
opinião, de modo que o fundamentadas, sempre que verdadeiramente a muito menos provável, não
excesso seja tênue e serão igualmente ou torne provável [e, tem tal fundamento certo de
duvidoso, então muito quase igualmente portanto: equiprovável ser verdadeira.
bem podem ser prováveis; o que dá no em relação à opinião Nessa situação, a opinião
consideradas mesmo, porque, como oposta]. menos segura permanece
igualmente prováveis, dizem os próprios tenuamente, ou ao menos,
porque o pouco é antriprobabilistas, (Sobre a Consciência duvidosamente, provável em
considerado como quando é pouca a provável, p. 8, n. 32) comparação com a opinião
nada; enquanto, por preponderância entre mais segura; por isso, querer
outro lado, quando a uma e outra opinião, de segui-la não é prudência, mas
preponderância for modo que o excesso imprudência grave. Isso
grande, a opinião seja muito tênue e porque, quando o intelecto vê
contrária se torna duvidoso, então ambas com certeza que a verdade
tenuamente, ou ao as opiniões são está muito mais a favor da lei
menos, duvidosamente consideradas que da liberdade, então a
provável. igualmente prováveis, vontade não pode,
conforme o axioma de prudentemente e sem culpa,
(Notas a Patuzzi, de que pouco é abraçar o lado menos seguro;
1769, p. 35-36). considerado como nesse caso, o homem não
nada. estaria agindo por juízo
Será diferente quando a próprio, ou seja, pela própria
preponderância de uma crença, mas sim por um
opinião for notável, esforço de vontade que o
porque então a opinião intelecto faz para se afastar
contrária se torna da parte que considera muito
improvável ou mais verossímil e, então,
tenuamente ou escolher a parte que, além de
duvidosamente não se mostrar verdadeira,
provável. nem mesmo tem fundamento
certo de poder ser verdadeira.
(Sobre a consciência Nessa situação, etará fazendo
provável – 1760, p. 18, o que condena o apóstolo:
n. 32). Tudo o que não é pela fé, é
pecado (Rm 14,23).
Il nostro sistema non è Diciamo esser lecito il Dicimus non licere uti Diciamo che non è lecito di
di potersi seguire servirsi dell’opinione opinione minus seguitare la opinione meno
l’opinione meno pro- gravemente probabile a probabili et minus tuta probabile, quando l’opinio-
babile in concorso della favor della libertà, adversus probabiliorem ne che sta per la legge è
probabiliore, ma di sempre ch’ella non è già [cioè: quasi notabilmente e certamente
poter seguire la meno probabile, ma è o probabilissimam] pro più probabile; perché allora
opinione benigna, più probabile o almeno lege; tunc enim qui illa l’opinione più tuta non è
quando è egualmente egualmente probabile utitur, non videtur satis già dubbia (intendendo con
probabile alla rigida; che la contraria a favor tute et prudenter dubbio stretto, siccome si
poiché, come accorda- della legge. E qui operari. Licere autem dirà nella seconda
no tutti gli bisogna avvertire, che dicimus sequi questione), ma è mo-
antiprobabilisti, quando le due opinioni opinionem pro libertate, ralmente o quasi mo-
secondo dice lo stesso opposte sono ambedue si opinio illa innititur ralmente certa, avendo per
P. Patuzzi, quando è gravemente probabili e adeo gravi fundamento, sé un fondamento certo
poca la preponderanza fondate, sempre sono ut vere probabilis d’esser vera; dove
tra la una e l'altra egualmente o quasi indicetur [e quindi: all'incontro l’opinione
opinione, sicché tenue e egualmente probabili; il aequiprobabilis ac op- meno tuta, e molto meno
dubbioso sia l’eccesso, che importa lo stesso, posita]. probabile, non ha tal
allora ben può dirsi mentre secondo dicono fondamento certo di esser
egualmente probabile, i medesimi (De Conscientia pro- vera.
poiché parum pro antiprobabilisti, quando babili, p. 8, n. 32).
nihilo reputatur; è poca la preponderanza Ond'è che allora questa
mentre all'incontro, tra l’una e la altra rimane tenuemente, o
allorché la preponde- opinione, sì che molto almeno dubbiamente
ranza è grande, l'o- tenue e dubbioso è probabile a confronto della
pinione contraria resta l’eccesso, allora opinione più tuta; e perciò
tenuamente o almeno ambedue le opinioni si non è prudenza, ma
dubbiamente probabile. reputano egualmente imprudenza grave il volerla
probabili, giusta seguire. Poiché quando
(Note al Patuzzi del l'assioma che parum apparisce all’intelletto con
1769, pp. 35-36). pro nihilo reputatur. certezza che la verità sta
Altrimenti poi sarebbe molto più per la legge che
quando la prepon- per la libertà, allora non
deranza d’una opinione può la volontà
fosse notabile, perché prudentemente e senza
allora l’opinione colpa abbracciare ia parte
contraria resta o men tuta; perché in tal caso
improbabile o pure l’uomo non oprerebbe per
tenuamente o sia giudizio proprio, o sia
dubbiamente probabile. propria credulità, ma per
uno sforzo che colla sua
(Della coscienza pro- volontà farebbe al-
babile - 1760, p. 18, n. l’intelletto in rimuoversi
32). dalla parte che gli apparisce
molto più verosimile, ed
appigliandosi alla parte che
non sola non gli apparisce
vera, ma che neppure ha
fondamento certo di poter
esser vera. E qui fa quello
che dice l’apostolo: Omne
quod non est ex fide
peccatum est. Rom. 14, 23.
30
ALFONSO, S. Lettere III. n. 168, p. 275; n. 217, p. 344.
em um probabilismo aberto ao laxismo. Era justamente esse medo que o
fizera hesitar sobre a licitude da menos provável reconhecida como tal.
Mas, elevando agora o limite da infraprobabilidade moral, de tênue
probabilidade para “certamente e notavelmente menos provável”, Afonso
ficou seguro de não acentuar demais a necessidade da certeza moral larga
para que a lei pudesse obrigar, fechando, então, a estrada para um
probabilismo excessivamente aberto.
Chegando a esse ponto, Afonso já podia “fixar” seu sistema moral31.
31
ALFONSO, S. Dichiarazione del sistema che tiene l’autore intorno alla regola delle azioni morali, e si
risponde ad alcune nuove opposizioni che gli vengono fatte. In: Traduzione dei salmi. Napoli, 1774, n.
49.
32
ALFONSO, S. Lettere III. n. 151, p. 246.
conformidade ou oposição das próprias ações em relação à lei de
Deus.
Consciência largamente duvidosa é o ditame da razão pelo qual o
homem julga que, mais provavelmente, exista conformidade ou
oposição das próprias ações com a lei, contudo, ainda com temor
prudente da opinião oposta.
***
1) Só há um tipo de certeza, a certeza que não admite temor de erro. É
verdade que Amort também fala de certeza larga, mas como diferente da
certeza moral estreita, não pelo elemento subjetivo do temor, mas pelo
elemento objetivo causa do temor; causa que, não sendo percebida, não gera
o temor. Assim, subjetivamente essa ignorância larga também se reduz à
ignorância estreita, como afirma o próprio Amort (p. 103a, cf. p. 101b-102a).
Mas: a) como Amort diz que quando a lei está em situação de
equiprobabilidade com a não lei, na verdade não existe a lei, porque, quando
a lei verdadeiramente existe, a Providência faz que sempre se mostre como
“mais acreditável em si mesma”; e: b) como Amort também diz que, sempre
que o homem está bem disposto intui a verdadeira lei, de modo que, em mil
casos, somente pode errar em um; por tudo isso, devemos deduzir que, se
objetivamente houver temor da possibilidade de errar, mas não percebermos
tal motivo, essa atitude então dependerá de ignorância quase sempre
vencível.
Com isso, entendemos porque Amort não admite uma certeza moral
que, sendo verdadeiramente certeza moral, ainda esteja acompanhada pelo
temor de errar: porque seria um caso de ignorância vencível. Com temor
desse tipo não haveria prudência, que ele define como: “Movimento interno
e voluntário da alma, que atua e conhece todas as coisas nas quais agir” (p.
103b). Esse conceito de prudência até pode estar de acordo com a doutrina
de Concina, mas não com a de Santo Tomás.
Também fica clara a coerência de Amort quando afirma que apenas há
temor com a probabilidade e, portanto, quando concebe a probabilidade
como “dúvida”. De fato, em Amort há uma específica diferença de
vocabulário entre certeza larga e dúvida larga, por isso, precisamos
reconhecer que Santo Afonso foi muito benigno ao interpretá-lo segundo seu
próprio vocabulário, a ponto de poder chamá-lo de “meu mestre”.
***
Essa diferença de compreensão sobre a “notavelmente mais provável”
e, portanto, sobre a certeza moral larga, explica a abordagem diferente dos
dois autores frente ao princípio: “a lei incerta não pode levar a uma obrigação
certa”.
Para Amort, esse princípio também levaria à exclusão da
“notavelmente mais provável”, porque, para ele, ela seria incerta, e
consequentemente, afirmando-a, estaríamos afirmando a licitude da
“notavelmente menos provável”. Para evitar isso, Amort nega absolutamente
o princípio e, portanto, depois não poderá fundamentar sobre ele a licitude
da equiprovável em favor da liberdade.
Mas, para Afonso, o princípio “a lei incerta não pode levar a uma
obrigação certa” não se aplica à “notavelmente mais provável” porque esta
trata é certeza moral larga, capaz de determinar diretamente a escolha moral
por si mesma e, portanto, nesse caso não há necessidade de princípios
reflexos. Por outro lado, o princípio citado se aplica muito bem ao caso da
dúvida estreita que surge da equiprobabilidade.
É evidente que a probabilidade pura é menos ampla em Santo Afonso
que em Amort e, além disso, é qualitativamente distinta da probabilioridade
notável e certa, que pertence ao campo da certeza moral. Consequentemente,
em Santo Afonso as razões ou princípios reflexos têm menor campo de
aplicação que em Amort. Por isso, Amort, que parece muito próximo do
probabiliorismo, se aproxima do probabilismo precisamente onde surge a
fraqueza que ele quer combater: a extensão da “dúvida” a todo o campo da
probabilidade, que só retrocede diante da certeza moral que não admite temor
de erro.
Santo Afonso, que é substancialmente probabilista, se afasta desse
ponto fraco do probabilismo por força da compreensão de Santo Tomás
sobre a certeza provável. A presença de Patuzzi foi dialeticamente muito
benéfica e fecunda para o probabilismo afonsiano.
***
O equiprobabilismo afonsiano pode ser mais facilmente caracterizado
qualitativamente porque dá menor extensão à probabilidade pura e, portanto,
menor extensão à equiprobabilidade, qualitativamente diferente da certeza
moral larga. De fato, veremos que para Santo Afonso a certeza moral é
determinada pelo conceito de promulgação da lei, entendida como aplicação
à pessoa moral, sendo, portanto, condicionada por um elemento subjetivo: a
convicção, a consciência de que os valores fundamentais da pessoa estão
envolvidos.
Amort, por sua vez, concebe como certeza moral apenas a certeza
absoluta, portanto, estende a probabilidade até o limite da certeza absoluta.
Por outro lado, admite que, mesmo permanecendo no campo da
probabilidade, haja uma equiprovável que não vincule à lei, e haja uma mais
provável que vincule à lei. Surge então o problema espinhoso: como
determinar os limites entre equiprobabilidade e probabilioridade?
Evidentemente, o único critério é o grau de probabilidade, ou seja, de mais
ou menos “dúvida” ou de verossimilhança lógica. Caímos, então, no
equiprobabilismo lógico, quantitativo, contra o qual Santo Afonso reagiu
com seu equiprobabilismo qualitativo-moral.
Nesse ponto, vemos claramente que a concordância entre Amort e
Santo Afonso é apenas material, periférica. Precisamos reconhecer que Santo
Afonso foi generoso ao assumir a terminologia de dúvida estreita e dúvida
larga, coisa que não lhe ajudou a clarear o problema. A menos que a dúvida
larga não fosse tomada como “dúvida” no sentido de Santo Tomás, no
entanto, a “dúvida” tomista é um movimento da alma, um “temor” e não tem
nada a ver com a dúvida de Amort.
Quanto à promulgação, tanto Afonso, quanto Amort, admitem que,
enquanto se estiver na equiprobabilidade, a lei não obriga, porque não está
promulgada: nisso estão de acordo; e Santo Afonso o sublinha na
Dissertação de 1762, embora interprete o texto de Amort gramaticalmente e
doutrinariamente conforme o seu pensamento (p. 19-21).
Mas para Afonso a lei não promulgada não obriga, não só porque o
homem é certamente livre e, portanto, a lei incerta não pode impor uma
obrigação certa, coisa que Amort não admite; mas também porque Afonso
concebe a promulgação como aplicação; por isso, ainda que a lei existisse,
se não fosse aplicada à pessoa por meio do conhecimento que aflora
naturalmente e se coloca como consciência certa da lei, esta não obrigaria.
Amort, por sua vez, concebe a promulgação como característica
totalmente objetiva da lei, determinada por uma particular assistência de
Deus, que faz com que a lei se manifeste como “notavelmente mais provável
em si mesma” a quem se dispõe retamente. Também vimos como Amort
organiza a faculdade cognoscitiva do homem de modo a que, pela via da
intuição e da luz natural, “presentíssima a todas as ações a deliberar e
determinar”, o homem compreenda como “notavelmente mais provável” a
lei que Deus lhe apresenta como “notavelmente mais provável”.
Vimos também que, para Amort, no caso da equiprobabilidade,
quando o homem subjetivamente está na dúvida, também a lei não existe
objetivamente, porque, se existisse, se apresentaria como “notavelmente
mais provável”. Apenas em um ou dois casos de mil se poderia errar
estimando como simplesmente equiprovável uma lei que Deus
objetivamente apresenta e promulga como “notavelmente mais provável”.
Mas não se explica como Deus permite esses “um ou dois casos”
errados em mil, tanto mais porque Amort dá um caráter, direi, sacramental à
lei, de forma que, violando a lei, é violada a glória de Deus. Além disso,
havendo essa possibilidade de erro, não se entende como a intuição
concomitante possa transformar a equiprovável em certeza absoluta, ou seja,
uma certeza capaz de excluir todo temor de errar.
Depois, se negarmos essa espécie de iluminação divina e
intuicionismo, e sem dúvida é preciso negá-los, cresce a possibilidade de
erro; e então, ou será necessário ir para posições tucioristas e jansenizantes
que atribuem à ignorância vencível todo erro contra a lei natural, ou será
necessário negar a necessidade da certeza absoluta de não errar ao concluir
a deliberação moral com juízo último prático, “juízo sobre a honestidade da
ação”, como costumam dizer os moralistas. Mas o teólogo católico precisa
excluir, tanto uma, quanto outra alternativa.
Por outro lado, aceitando o conceito tomista e afonsiano de
promulgação da lei à pessoa moral através da consciência certa, então
nenhuma escolha moral pode errar em relação à lei quando está promulgada
como certa, ao menos, com certeza moral larga, nem mesmo em um só caso
entre mil.
Portanto, fica garantida a estabilidade da vida moral, mesmo
admitindo a possibilidade de erro material; ou melhor, como agudamente
nota várias vezes o santo, mesmo admitindo a possibilidade daquilo que seria
matéria de erro, mas que, no caso, de nenhuma maneira é erro (cf.
Dissertação... 1755, n. 23).
Na base da diferença entre o equiprobabilismo afonsiano e o de Amort
está a diferença na concepção de vida moral: Amort é objetivista-pluralista,
pensa que o homem está imerso na ordem do múltiplo e sua vida moral
consiste em se harmonizar com todas as outras causas particulares, de modo
a conservar objetivamente a ordem cósmica e a glória de Deus externa.
Amort também pensa que só assim seria possível conservar a glória formal
de Deus, autor e causa eficiente da ordem cósmica.
Para Santo Afonso, a glória de Deus, como fim supremo, se põe na
intenção reta da pessoa moral, que usa da ordem cósmica como de um
instrumento falível, e não sacramentalmente relacionado com a glória formal
de Deus.
Por isso, Afonso respeita os valores da pessoa e, portanto, a liberdade
da consciência, da intenção reta. Por isso, ele vê presentes esses valores no
conceito de promulgação, certeza moral, dialética das probabilidades,
prudência: valores ontológicos que caracterizam a pessoa como imagem de
Deus. Por isso, enfim, apresenta um objetivismo; mas objetivismo do ser, do
ser em Cristo e, só em segundo lugar, objetivismo essencialístico, formal e
pluralístico.
***
Notamos acima, na p. 55, que quando a Dissertação de 1762 formula
o equiprobabilismo afonsiano, precisamente onde se afasta dos textos
precedentes, que apresentamos comparativamente nas p. 52-54, é que então
introduz o princípio de “seguir o mais verossímil”.
Acredito que também nisso haja influência de Amort; embora ainda
nesse ponto precisemos notar as diferenças. Como o princípio de “seguir o
mais verossímil” tem grande importância na dialética das probabilidades, e
como estará sempre mais presente na expressão do pensamento afonsiano
depois de 1764, achamos necessário insistir um pouco sobre esse princípio.
Amort coloca em primeiro plano o valor da verdade objetiva da lei ou
não lei, e considera determinante, na escolha moral, o juízo sobre essa
verdade que, de resto, é o único juízo em sua doutrina. Sendo assim,
necessariamente precisa considerar como princípio fundamental de sua
dialética das probabilidades o referido princípio: deve-se seguir o mais
versossímil.
De fato, o terceiro dos cinco parágrafos de sua Disputa sobre a
Consciência é dedicado a seguinte “questão”: O intelecto pode julgar
verdadeiro o que, mais provavelmente ou igualmente provavelmente, é
falso? (p. 106-112).
Naturalmente, Amort nega que o intelecto possa julgar verdadeiro o
que se mostra provavelmente falso. Isso acontece porque o intelecto julga
que algo é verdadeiro ou falso somente por força da “razão de verdadeiro”
(p. 107); de modo que não seria prudência concentrar a atenção apenas nos
motivos de verossimilhança, deixando de considerar os motivos opostos, a
menos que tais motivos fossem inválidos na situação (p. 107b). E, mesmo a
“razão de bem”, que move a vontade ao consentimento, não pode influir
sobre a “razão de verdadeiro”, que move o intelecto a concordar, pois sempre
é a “razão de verdadeiro” que precede e determina a “razão de bem” (p. 111).
Portanto, é a “razão de verdadeiro” que deve dominar a escolha, ou seja,
“deve ser seguido o mais verossímil”.
Tudo isso está correto para bem determinar a natureza da verdade
moral. Mas faltou examinar a natureza do “verdadeiro moral prático”, objeto
da prudência, mais rico que a “verdade moral teorética”, puramente objetiva.
Isso, Amort não podia fazer, porque apenas reconhece como verdade moral
a verdade objetiva, conhecida com juízo direto e, consequentemente, nega a
distinção entre juízo especulativo e juízo prático, falando da prudência
apenas em tese, ao repetir o que se costuma dizer, mas sem aprofundar o
ensinamento de Santo Tomás.
A leitura da Theologia eclectica moralis et scholastica de Amort
talvez tenha determinado em Santo Afonso uma maior atenção ao princípio
de “seguir a mais verossímil”; já que, ao enunciar o seu equiprobabilismo
qualitativo, afirma que a vontade não pode forçar o intelecto a deixar de lado
aquilo que se lhe mostra muito mais verossímil, e aderir à parte oposta.
Todavia, mesmo notando em Afonso uma evolução entre 1749 e 1755,
sua adesão ao princípio de “seguir o mais verossímil” não depende de Amort.
Na dissertação de 1749, onde, mais que ensinar, está expondo o probabilismo
simples, Afonso vê na verossimilhança, não tanto a evidência imperfeita de
verdade, mas sim a não evidência de verdade e, portanto, a possibilidade de
erro: “ao mesmo tempo em que a opinião mais provável aparece
verossimilmente verdadeira, aparece também verossimilmente falsa e, ao
mesmo tempo, a opinião oposta aparece provavelmente verdadeira” (p. 14).
Nesse caso, já que em 1749 Afonso pensava que o intelecto fosse
determinado apenas pela verdade conhecida com certeza, a vontade então
poderia determinar a concordância do intelecto com uma das duas partes,
pelo fato de ser verdadeiramente provável (p. 13).
Quando pensamos que em 1749 Santo Afonso identifica a certeza
apenas com a certeza moral que exclui todo temor, podemos compreender
como essa doutrina fica aberta ao probabilismo mais livre e perigoso; assim
se explicam as fortes agitações internas do santo que, portanto, tinham
justificativa e não eram escrúpulos de personalidade doentia, como já foi dito
de maneira pouco feliz.
Em 1755, Afonso se torna mais pessoal em seu probabilismo
moderado e, não apenas rejeita o princípio de quem age de maneira provável,
age de maneira prudente, entendido na probabilidade objetiva e separada da
pessoa que julga, mas também assume o princípio do “seguir a mais
verossímil”, de maneira mais perfeita que aquela que mais tarde, em 1762,
vai ler em Amort.
De fato, Afonso admite a diferença entre “verdade da coisa” e
“verdade da honestidade da ação”, ou seja, entre juízo especulativo e juízo
prático e, consequentemente, o princípio de “seguir o mais verossímil” vai
adquirir valor diferente conforme emanar da “verdade da coisa” ou da
“verdade da honestidade da ação”.
Penso que seja melhor ler diretamente a página do santo:
Sempre é necessário distinguir duas verdades a respeito da ação:
uma verdade especulativa, da coisa em si, e uma verdade prática,
da honestidade da ação. Verdade da coisa: se verdadeiramente há
uma lei que proíbe ou não proíbe. Verdade da honestidade da
ação: se a ação, conforme a opinião menos provável, é lícita ou
não é lícita. Assim sendo, afirmamos que não é por ser mais
provável que algo seja proibido pela lei que, por isso, não será
lícito usar a opinião favorável à liberdade; porque, mesmo
parecendo mais provável, por algum argumento, que a verdade da
coisa está pela lei, pode ser mais provável, por outros motivos que
provem diretamente a honestidade, que a verdade da honestidade
esteja pela liberdade, por exemplo: porque a lei duvidosa não
obriga por então não se mostrar suficientemente intimada; porque
não é possível haver a observância uniforme da lei; porque
perturbaria a ordem de sujeição; porque a lei de Deus se tornaria
intolerável, e outros motivos que mais baixo vamos expor
separadamente.
Portanto, em nada obsta a paridade colocada na balança, que, de
longe, difere da mente do homem. Pois na balança, qualquer peso
um pouco maior de matéria, não apenas inclina, mas
necessariamente atrai todo o ponteiro da balança unicamente para
si; mas na mente humana a maior aparência da verdade da coisa
não necessariamente traz unicamente para si a concordância do
intelecto. Pois nesse caso, ainda que o intelecto esteja inclinado
para ela, ainda assim não atrai o entendimento totalmente para si
quando, pela outra parte, urge uma razão grave para acreditar que
a verdade também possa estar em seu favor.
Nas opiniões igualmente prováveis, o homem necessariamente
deve suspender o juízo sobre a verdade da coisa, justamente
porque é incerta, e quando há esse tipo de suspensão, pecaria se
abraçasse a opinião favorável à liberdade, mesmo que fosse a
mais provável [note-se que Afonso afirma isso antes de ter lido
Amort] porque estaria agindo na dúvida, a não ser que, por outros
argumentos, formasse para si um outro juízo moralmente certo
sobre o uso de sua opinião.
Portanto, é fato que, assim como o maior peso traz para si o
ponteiro da balança, da mesma forma acontece com a
probabilidade, que traz para si o consentimento; e então? Então,
nós dizemos que, quando a pergunta for sobre a verdade da coisa,
devemos nos inclinar para o que se mostrar mais provável; mas
quando a pergunta for pela honestidade da ação, só devemos
seguir o que for, além de mais provável, ainda mais, o que se
mostrar moralmente certo. Dessa forma, abraçaremos sempre o
que se mostrar mais propriamente próximo da verdade (n. 15-16;
a destaque é nosso).
33
ALPHONSUS, S. Theologia Moralis. T. I, Romae, 1905, L. I, tr. I, c. III, n. 40, p. 21.
Moral pelo suposto novo conceito de probabilidade que se lhe gostaria de
atribuir.
Como se não bastasse, também teríamos que admitir uma contínua
mudança de sistemas morais em Santo Afonso: do probabiliorismo,
aprendido nos livros quando era jovem, teria mudado para o probabilismo,
experienciado como verdadeiro na pastoral; depois, em 1759-1761 teria
aderido a um equiprobabilismo próximo do probabilismo para, em 1762,
através do princípio de “seguir o mais verossímil”, interpretado com valor
lógico, passar finalmente para um equiprobabilismo fortemente limitado
pelas exigências do probabiliorismo.
E essa contínua transmigração ainda continuaria nos anos seguintes,
com acentuação cada vez mais forte do logicismo e objetivismo
probabiliorísticos, tanto mais que as pressões políticas o obrigarão a
formulações mais elásticas a partir de 1767.
Sem falarmos na dignidade intelectual do santo, afirmamos que a
simples meditação crítica dos documentos que temos sobre seu pensamento,
nos convencem de que ele não mudou, mas, com o tempo, apenas
aperfeiçoou a expressão de seu probabilismo moderado pela prudência. Isso
valerá também para o período compreendido entre 1767 e 1777, do qual nos
ocuparemos mais tarde.
34
BUSENBAUM, H. Medula theologiae Moralis cum adnotationibus per R. P. D. Alphonsum De Ligorio.
Neapoli, 1748, L. I, tr. I, c. 2, dub. 2, col. 8.
consequentemente, também à qualificação da opinião oposta, menos
provável.
Insistir nesses termos poderá parecer concessão ao logicismo, e não
escondemos o fastio que por muito tempo experimentamos ao encontrar tais
termos, como se a vida moral, tão profunda e espiritual, pudesse ser
representada com advérbios, adjetivos comparativos e superlativos. Por isso,
muitos não gostam do termo sistema, e preferem falar de prudência.
Contudo, precisamos nos expressar, e esses são os termos de que
dispomos. De fato, por séculos as discussões giraram precisamente sobre os
diferentes significados de tais termos. Mas a história também nos diz que
Santo Afonso, em momento de pressões políticas externas, conseguiu manter
a continuidade de seu pensamento moral sobre a dialética das probabilidades
apenas com o termo certamente, ou seja, certamente mais provável. Portanto,
é necessário considerar esse ponto.
Nas Notas de 1759 ele fala de “opinião menos provável diante da
presença da mais provável”. Mas precisamos lembrar que Afonso está
pensando na “mais provável” de Patuzzi, que é “notavelmente e certamente
mais provável”.
Em Sobre a consciência provável, de 1760, Afonso fala de
“preponderância notável”; e, expondo o probabiliorismo de seu tempo, fala
de “mais provável que chega a ser moralmente certa ou, ao menos,
probabilíssima” (p. 21, n. 35).
Em Sobre a consciência provável, de 1761, ensina que a verdadeira
“mais provável” é “manifestamente mais provável com excesso notável”;
cita expressamente Patuzzi e González, que apresentam essa definição, e
identifica essa “mais provável” com a “probabilíssima” (p. 8, n. 29, 31). Em
resposta a uma objeção de Antoine, declara que a opinião favorável à lei
obriga quando tem uma “preponderância grande e certa”, quando é
“notavelmente mais provável, ainda que não evidente”, de modo a tornar a
lei “certa (ou de alguma maneira certa) moralmente” (p. 12, n. 45).
Finalmente, no texto da Dissertação de 1762, que aqui examinamos, ele
chama a “mais provável”, que determina a escolha moral, de “opinião
notavelmente e certamente mais provável”, e a opinião oposta é chamada de
“muito menos provável”.
Como se vê, a expressão “certamente mais provável” caracteriza a
opinião necessária para que a lei seja promulgada como certa para a pessoa
que se encontra em situação e, por sua vez, precisa escolher entre
determinação segundo a lei ou autodeterminação.
Como não devemos confundir a certeza moral da probabilioridade
com a certeza da lei, porque a certeza da lei nasce da certeza moral da
probabilioridade, surge então uma questão que, embora pareça sutil, é de
muita importância, pois dela depende se o equiprobabilismo afonsiano é
moral-qualitativo ou lógico-quantitativo. A questão é: quando Afonso fala
em “certamente mais provável”, o termo certamente entra na
probabilioridade da opinião enquanto estado opinativo do sujeito, ou entra
na probabilioridade da opinião enquanto presença da lei no sujeito em estado
de lei que se promulga à pessoa?
Se entra na opinião enquanto opinião, essa certeza também poderia ser
alcançada mesmo com um só grau de probabilioridade; mas se entra na
opinião como lei que se promulga à pessoa, então claramente não é a simples
inteligência que precisa dizer “sim”, mas é toda a pessoa moral que deve
dizer “sim”; não se trata de simples opinião, mas de responsabilidade. Sendo
assim, já não será suficiente apenas um simples grau de probabilioridade
lógica, mas haverá a clara e certa presença de um valor moral, diante do qual
a pessoa moral livre deverá dizer “sim”. Portanto, por natureza a
probabilioridade lógica é diferente da probabilioridade moral, e também é
diferente a intensidade com que se apresenta a certeza de uma e de outra:
para a probabilioridade lógica, basta um simples grau de probabilioridade,
que não elimina a probabilidade contrária: já o vimos na apresentação de
Santo Tomás da questão científica sobre a natureza da luz; mas, para a
probabilioridade moral, se requer uma probabilioridade mais intensa, capaz
de reduzir a probabilidade oposta ao nível de infraprobabilidade moral.
Ora, Santo Afonso, antes de insistir sobre o certamente, insiste sobre
notavelmente, sobre notório excesso, e em seguida falará de mais provável
sem hesitação35. E, sobretudo, declara que à certeza da probabilioridade
corresponde a queda da certeza sobre o fundamento da probabilidade
contrária.
Vimos que exatamente nesse ponto está um motivo para a forte
diferenciação entre o equiprobabilismo lógico-quantitativo de Amort e o
equiprobabilismo moral-qualitativo de Santo Afonso.
Portanto, precisamos concluir que, quando o termo certamente
qualifica a “mais provável”, não está expressando certeza por simples clareza
35
ALFONSO, S. Theologia Moralis. t. I, Romae, 1767, L. I, tr. 2, c. 3, n. 55, p. 10.
lógica de maior ou menor probabilidade, ou seja, opinião, mas que está
expressando certeza por intensidade da notificação da lei; certeza que se
apresenta, não apenas ao intelecto que raciocina, mas sim à inteira pessoa
que delibera e, portanto, se torna convicção moral de dever observar a lei.
Se não fosse assim, o valor de pessoa em Cristo seria violado.
Em 1769, depois da longa disputa com o redentorista Blasucci, que
sustentava bastar um só grau de probabilioridade para a opinião pela lei ser
verdadeiramente mais provável e obrigar, Afonso, para encerrar a disputa,
escreverá: “Sim, senhor, basta que a sentença seja mais provável por um
único grau; mas entendamos bem: esse grau deve ser tal que me torne certo
de que a sentença seja mais provável e me faça ver moralmente, ou seja,
suficientemente, a lei como promulgada; [itálico nosso]; e com isso não
falemos mais dessa matéria”36.
Mas, a prova decisiva de que a “certamente mais provável” é entendida
intensivamente e não logicamente como o equivalente de “quase-
probabilíssima”, a encontramos, mais uma vez, no contexto crítico-histórico
sobre o qual se desenvolveu o equiprobabilismo afonsiano, ou seja, no texto
de Patuzzi que estudamos nas p. 32-33 e mais ainda nas p. 39-41. Por outro
lado, sabemos que precisamente a página de Patuzzi estudada por nós foi
aceita por Santo Afonso no Sobre a consciência provável de 1761, embora
em sentido antitético, onde Afonso identifica a “mais provável” com a
“manifestamente verossímil”, “notavelmente mais provável”, e mesmo com
a simplesmente “mais provável” e, por isso, considera a lei conhecida com
essa probabilioridade como “certa ou quase-certa moralmente”.
Com isso, a dialética das probabilidades deixa de ser sistema complicado de
cálculos quantitativos de probabilidades, e passa a avaliação simples, digna
da prudência enquanto virtude da pessoa livre que vive no ser de Cristo:
depois de considerar as motivações e razões da escolha a fazer, estando
convencido de que a lei existe, e se impõe à consciência como única via em
que se apresenta o amor a Deus, torna-se necessário estar pela lei e segui-la
por amor, percebendo que a lei está preservando nossa liberdade de deslizar
para a falsa liberdade; se tal convicção não se apresenta, o amor pode seguir
a autodeterminação quando a liberdade não tem temor de errar.
No fundo, o equiprobabilismo qualitativo-moral de Santo Afonso,
eliminando a selva de opiniões prováveis que pretendem se colocar como
leis, restitui a iniciativa ao amor que, quando é livre, é mais puro e educa
36
ALFONSO, S. Lettere III, n. 219, p. 351.
melhor a consciência. Por sua vez, a consciência não é um microfone interno
das leis, mas sim a “reveladora” do encontro da alma com Deus.
***
Eis agora como ele termina a Dissertação:
Eu, da minha parte, confesso que é verdade que quando comecei
a estudar a Teologia Moral, por ter sido orientado no início desse
estudo por um mestre da sentença rígida, comecei a defender com
muito empenho a mesma sentença rígida. Mas, depois,
considerando melhor a questão, me pareceu moralmente certa a
sentença que está pela opinião igualmente provável, levado pelo
mesmo princípio aqui provado, de que a lei duvidosa não pode
levar a uma obrigação certa...
Além disso, confesso diante de Deus que, nestes últimos tempos,
vendo tão duramente combatida a nossa sentença, (que
anteriormente, durante muitos anos, sem dúvida tinha sido a
sentença comum de todos); mais e mais vezes procurei examinar
de novo esse ponto com maior diligência, deixando de lado
qualquer propensão e lendo e relendo os autores modernos da
rígida sentença que caíram em minhas mãos; preparado para
abandonar a minha posição, imediatamente a reconhecesse como
não suficientemente certa... Entretanto, quanto mais examinava
as razões, mais ainda as minhas se mostravam certas e seguras”
(p. 90-92).
43
ALFONSO, S. Lettere III, n. 127, p. 210.
Esta última é resolvida com a distinção entre vontade formal e vontade
material, segundo o conhecido texto de Santo Tomás: “a vontade humana é
obrigada a se conformar à vontade divina formalmente, mas não
materialmente” (I-II, 19, 10). Contudo, ao explicar o conceito de vontade
formal, Afonso não recorre ao princípio de finalidade suprema, mas ao modo
de nosso querer enquanto determinado pela vontade de Deus; e esse modo é
ter consciência clara do que Deus ordena ou proíbe.
O que se entende por vontade formal? Entende-se a vontade com a
qual Deus quer que o homem queira o que Deus lhe ordena. De forma que o
homem não é obrigado a querer tudo aquilo que Deus quer, como está na
mente divina; mas apenas aquilo que Deus quer que o homem queira, depois
que isso lhe for manifestado pelos preceitos divinos (p. 38, n. 26).
Certamente, pela necessidade de brevidade e facilidade para os
“sacerdotes de pouca formação”, Afonso achou melhor deixar de lado o
princípio de finalidade, que é a verdadeira razão da conformidade formal de
nossa vontade com a vontade de Deus; de forma que nesse texto a vontade
formal é definida com um elemento consequente: pelo modo do nosso
querer, para que possamos tender ao fim que Deus quer.
Mas não se pode negar que esse elemento consequente estava
diretamente relacionado com a solução da dificuldade que os adversários
apresentavam ao santo. Afirmavam que, violar uma lei particular, mesmo
sem ter clara consciência dela, é se colocar em contraste com a vontade de
Deus. E ele respondia que, se Deus quer que nós, o que queremos como sua
vontade, o queiramos conscientemente, é claro que, faltando essa certeza e
clareza, nós não discordamos da vontade de Deus.
Portanto, segundo Santo Afonso, a vontade de Deus que não se
apresenta na pessoa como consciência certa, não se apresenta nem mesmo
como vontade de Deus a qual devamos nos conformar.
Parece-nos que esse seja também o conceito básico de toda a segunda
parte da Suma de Santo Tomás, quando, no prólogo, afirma que o homem se
conforma a Deus como sua imagem, quando age como pessoa: ou seja,
quando age com livre consciência em ordem ao fim último (I-II, Prólogo e
q. 1, a. 1-3).
Realmente é possível aceitar como interpretação extensiva válida a
que Santo Afonso dá para o seguinte texto tomista: “Ainda que o homem não
seja obrigado a querer o que Deus quer; sempre é obrigado a querer o que
Deus quer que ele queira, e que revela ao homem sobretudo através dos
preceitos divinos” (II-II 104, 4 ad 3).
Santo Afonso acredita que deve colocar o acento sobre o revela, para
deduzir que, quando os preceitos não são promulgados à pessoa com certeza
de consciência, Deus não quer que nós os queiramos. Embora o ponto de
vista de Santo Tomás seja outro, a dedução afonsiana não é excluída e, para
o santo, isso era suficiente para as inteligências com pouca formação.
De qualquer forma, aqui nos interessa estabelecer a doutrina
afonsiana, que também tem valor por si só; e devemos notar que, o que
Afonso afirma, já o havia ensinado categoricamente na Dissertação de 1755:
“Deus quer obrigar os homens às suas leis conforme estiverem na
consciência deles” (p. 29, n. 23).
De modo que, para Santo Afonso, a consciência não é a presença da
lei particular no interior da pessoa que, encontrando-se em uma situação,
precisa escolher em conformidade inviolável com essa lei: lei que, somente
se observada objetivamente, portaria sacramentalmente a afirmação da glória
formal de Deus.
A consciência é, muito mais, a presença de Deus na pessoa; presença
dinâmica, paterna, que chama a pessoa a agir como sua imagem, como seu
filho inserido no ser filial e sacerdotal de Cristo. Como vocação que revela
em si mesmo Jesus como imagem do Pai; o que é, portanto, santificar o
Nome de Deus; é fazer a vontade do Pai, se esta vontade não for
simplesmente emanação de leis a serem seguidas, mas Presença de Deus que
ordena e age por amor; e com Ele, age o Cristo até o dia de Cristo. Com a
intenção reta e leal, o homem se coloca como pessoa em Deus por Cristo; e
a escolha moral em situação só pode ser a encarnação concreta dessa
intenção; é a comprovação do amor.
Mas, exatamente porque a escolha moral concreta é comprovação do
amor, e o amor verdadeiro não vive de exclamações, mas de fatos, a
liberdade e a consciência formada pela caridade e pela prudência, ou seja,
pela mente do Cristo, levam a escolher: seguindo a direção assinalada pela
lei particular, se esta emerge com clareza; seguindo a completa
autodeterminação, se a lei não se coloca com clareza.
Não é verdade que a via do rigor é a via da caridade, da santidade. Eis
o que escreve Santo Afonso, a propósito de um seu amigo que o “chorava
como condenado”, porque não seguia a “sentença rígida”:
Estes antiprobabilistas acreditam que estão zelando pela honra de
Deus e não querem ver que zelam pela própria opinião e a própria
estima quando desprezam os probabilistas, como se não fosse
possível ser santo quem não segue o seu rigor e não reduz as
almas ao desespero ou até ao relaxamento; porque é fácil relaxar
quem se vê tão angustiado pelas obrigações de consciência44.
44
ALFONSO, S. Lettere III. n. 159, p. 258.