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História e Literatura

do Antigo Testamento

Acir Raymann

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Sumário
Apresentação.........................................................................................
1. O Antigo Testamento............................................................................
2. História do estudo científico do Antigo Testamento..........................
3. A Formação do Antigo Testamento.....................................................
4. O Pentateuco - Gênesis.........................................................................
5. Êxodo......................................................................................................
6. Levítico...................................................................................................
7. Números.................................................................................................
8. Deuteronômio........................................................................................
9. Os Profetas – Isaías...............................................................................
10. Os Escritos – Salmos.............................................................................

Bibliografia..............................................................................................
Apêndice: Cronologia dos reis e profetas do Antigo Testamento...........

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Apresentação

Esta disciplina se chama História e Literatura do Antigo Testamento.


Comecemos por definir o que pretendemos com esse título. Iniciemos com a
última expressão: Antigo Testamento. O nome “Antigo Testamento” provém de
2 Coríntios 3.14, onde o apóstolo Paulo emprega a expressão “antiga aliança”
para designar a Bíblia Hebraica. Paulo reporta-se aqui à ideia da “nova aliança”,
mencionada em Jeremias 31.31. Na visão cristã, o conceito “Antigo
Testamento” implica que a Bíblia compõe-se de duas partes, a saber, o Antigo
ou Primeiro Testamento e o Novo ou Segundo Testamento.
O termo “Testamento” vem da língua latina, uma tradução do termo
hebraico berit, que significa “aliança”. Claro, recentemente no diálogo entre
cristãos e judeus o emprego da expressão “Antigo Testamento” foi criticado
porque o termo “antigo” pode também ter a conotação de “ultrapassado”
levando a crer que o Antigo Testamento só tem valor por causa do Novo
Testamento ou, pior (como julgam alguns), uma vez que o “novo” está presente,
o “antigo” é perfeitamente dispensável. (Não é assim que muitas vezes até
cristãos sinceros e piedosos também pensam?) Este é o motivo porque as
expressões mais objetivas “Biblia Hebraica e “Primeiro Testamento” são aqui
também empregadas.
Originalmente, o texto bíblico não continha divisão em capítulos,
versículos e nem mesmo divisão entre palavras que não continham vogais
(embora o hebraico fosse uma língua vocálica).1 Todos esses artifícios foram
criados posteriormente quando a língua hebraica deixava de ser a língua franca
(tipo assim inglês da época) para se tornar a segunda língua ou até mesmo uma
língua morta na Palestina.
A atual divisão em capítulos, portanto, não provém dos autores bíblicos,
mas é uma iniciativa do arcebispo da Cantuária chamado Stephan Langton, no
século XIII. A divisão em versículos foi feita bem mais tarde, por volta de 1550.
Os textos bíblicos encontrados em Qumran (em português Cumrã), nas cavernas
do mar Morto em 1947, mostram que já antes de Jesus o texto do Antigo

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Além da ausência de vogais, os versículos eram escritos juntos, sem separação entre as
palavras. Imagine você o primeiro versículo da Bíblia em Português escrito desta maneira:
“Nprncpcrdsctrr”. Isso é Gn1.1 sem as vogais (Almeida Revista e Atualizada).
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Testamento estava dividido em capítulos e versículos que serviam, sobretudo, para fins
litúrgicos. Mais tarde, na época rabínica foram determinados os parágrafos e os trechos
de leitura para o culto; versículos eram determinados por acentos gráficos, mas não
numerados.
Também se deve levar em conta que os títulos dos capítulos, comum na maioria
das traduções, são acréscimos posteriores cuja intenção é estruturar o texto e facilitar a
sua compreensão. Neste livro, os nomes próprios bem como o sistema de abreviação de
livros bíblicos e de indicação de capítulos e versículos seguem a versão revista e
atualizada de João Ferreira de Almeida, editada pela Sociedade Bíblica do Brasil.
Estudar História e Literatura do Antigo Testamento demanda muito espaço e
tempo. Visto que numa disciplina como esta sofremos com a carência de ambos, foi
necessário optar por aprofundar certas partes representativas do Primeiro Testamento
para fornecer a você, estudante, uma ideia da sua estrutura, conteúdo, mensagem e
teologia. Em razão disso, o Pentateuco – que forma a primeira parte do cânone - por ser
o fundamento dos demais livros do Antigo Testamento, será tratado com maior atenção
e amplitude.
A segunda parte está representada por aquele que é considerado o maior profeta
do Antigo Testamento, a saber, o profeta Isaías; e a terceira parte tratará de um estudo
mais amplo e detalhado daquele que é o livro mais popular do Antigo Testamento entre
os cristãos, ou seja, Salmos.

Acir Raymann

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Capítulo 1
O Antigo Testamento

1.1. Por que o Antigo Testamento?


Por que estudar o Antigo Testamento? Há necessidade de se estudar o
Antigo quando o Novo já está aí? E se o Novo chegou, existem motivos para se
voltar ao Antigo?
Não são poucas as vezes que as pessoas formulam tais perguntas. As
respostas talvez fiquem claras se prestarmos atenção para o que o próprio Jesus
considerou ser o Antigo Testamento. Pelo estudo dos evangelhos ficamos
sabendo que Jesus realmente tinha o Antigo Testamento em alta consideração
ou, mais precisamente, o considerava como Palavra de Deus. Para Ele o
Primeiro Testamento, como também chamamos, era Palavra de Deus. O diálogo
de Jesus com os dois discípulos na estrada de Emaús, depois da Sua
ressurreição, é bastante revelador.
No relato de Lucas (24.13-31) se percebe claramente que aqueles dois
discípulos não haviam acolhido plenamente o testemunho das mulheres que
afirmavam que Cristo havia ressuscitado. A eles Jesus diz: “Ó néscios e tardos
de coração para crer tudo o que os profetas disseram!” (v. 25). E passou a lhes
mostrar, fundamentado nas Escrituras do Antigo Testamento, como tudo já
estava previsto. E Lucas continua dizendo: “E, começando por Moisés,
discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava
em todas as Escrituras” (v.27). Note a expressão: “... em todas as Escrituras”.
Jesus fundamentou o seu argumento no livro conhecido como “as Escrituras” e
bem assim como “Moisés e os profetas”. Esta última expressão é um designativo
do Antigo Testamento encontrado com frequência nos manuscritos do mar
Morto (ou manuscritos de Cumrã) e também no Novo Testamento.
A parábola de Jesus sobre o rico e Lázaro me parece que fala ainda mais
alto com relação a este aspecto. A ênfase desta parábola está no fato que
precisamos dar crédito à Palavra de Deus. O texto diz que o homem rico foi
condenado ao tormento eterno do qual não havia escapatória nem alívio. Por
outro, Lázaro, o mendigo, se encontrava em um lugar de bênçãos eternas. O
homem rico suplicou a Abraão para que este enviasse Lázaro à terra para alertar

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os seus cinco irmãos. Jesus cita a resposta de Abraão: “Eles têm Moisés e os profetas”,
ou seja, o Antigo Testamento. Uma vez mais o homem condenado implora que seus
irmãos recebam um testemunho espetacular, miraculoso. Abraão responde: “Se não
ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite
alguém dentre os mortos” (v. 31).
Observe a força e a pertinência deste argumento de Jesus. O testemunho do
Antigo Testamento é mais valioso do que o de um indivíduo supostamente vindo do
além. As tradições dos judeus daquele tempo haviam deturpado a mensagem bíblica.
Isto fica atestado no fato de que nem a ressurreição de Lázaro ou do próprio Jesus foram
suficientes para convencer os oponentes. As palavras de Jesus são claras: a Lei e os
Profetas são testemunhos eficazes da salvação.
Em outra ocasião, Jesus fala algo similar. Ele diz: “Porque, se, de fato, cresses
em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se,
porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” (João 5.46-47).
Nesta passagem, por um lado Jesus está se referindo a Moisés como autor do Pentateuco
(os cinco primeiros livros da Bíblia) e, por outro, está confirmando que tais escritos
falam a respeito Dele e precisam ser cridos. Em outras palavras, duvidar do Antigo
Testamento é duvidar das palavras de Jesus. Se cremos em Jesus – e por certo cremos -,
então devemos também crer no Antigo Testamento.
Seguidamente alguns críticos liberais usam a passagem de Mateus 5.17 para
afirmar que na sequência Jesus contradiz as Sagradas Escrituras. O versículo em que
baseiam seu argumento é este quando Jesus fala: “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu
próximo e odiarás o teu inimigo” (v.43). “Na verdade, o que Jesus está dizendo é:
“Ouvistes o que foi dito” (e não “o que está escrito”): Amarás o teu próximo e odiarás o
teu inimigo”. O termo dito tem a ver com “tradição”, “cultura”, “costume.” É diferente
do está escrito. A expressão “foi dito” é uma referência que Jesus faz aos anciãos,
escribas, fariseus; por outro lado a expressão “está escrito” tem a ver com Deus e Sua
Palavra – o Antigo Testamento. Apenas a primeira parte dessa citação (Levítico 19.18)
está no Antigo Testamento; o trecho seguinte, não. O que Jesus faz é contradizer o que
os fariseus acrescentaram. Jesus critica e condena os acréscimos, as tradições impostas
pois estas não fazem parte da Escritura. O que é Escritura ou Palavra de Deus é o que
consta no Antigo Testamento.

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Uma análise mais detalhada seria necessária para nos convencermos do
valor e importância que Jesus dava ao Antigo Testamento. Como isto não é
possível neste espaço, mesmo assim algumas referências são relevantes. Jesus
deu início ao seu ministério em Cafarnaum, ao ler Isaías na sinagoga (Lucas
4.16-19). Perante todos declarou: “Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de
ouvir” (Lucas 4.21). Na face dos saduceus disse que estes estavam errados “não
conhecendo as Escrituras” (Mateus 22.19). Apelou ao Antigo Testamento para
justificar as suas ações no dia do sábado (Mateus 12.5), sua atitude ao expulsar
os cambistas do templo (Mateus 21.13) e o fato de ter aceito o louvor do povo
na sua entrada triunfal em Jerusalém (Mateus 21.16). Referiu-se à história de
Jonas e o grande peixe como figura da Sua ressurreição (Mateus 12.40), à
criação de Adão e Eva pelas mãos de Deus (Marcos 10.6). Diante de seus
ouvintes e principalmente diante de seus opositores, Jesus mostra que a fonte da
vida e da salvação tem seu início nas promessas e correta interpretação delas no
Antigo Testamento.

1.2. O Cenário do Antigo Testamento

A Bíblia, não obstante o seu caráter divino nela implícito, é também um


livro humano. Por ter um caráter também humano, a Bíblia interage com a
história e a geografia. Os relatos bíblicos, diferentes dos relatos míticos das
nações circunvizinhas ao povo de Deus do Antigo Testamento, acontecem no
tempo e no espaço. Portanto, a geografia desempenha um papel importante na
narrativa e na compreensão dessa narrativa.
A narrativa bíblica do Antigo Testamento se desenrola numa área
geográfica bastante ampla no assim chamado Antigo Oriente Próximo (AOP).
As regiões ocupadas por nações como a Assíria, Síria, Babilônia, Egito e
Moabe, por exemplo, são conhecidas, apesar de a extensão do seu território ter
sido alterada no transcorrer da história. Além dos territórios, também várias
cidades antigas como Jericó, Jerusalém e Damasco podem ser identificadas e
continuam a ter importância ainda hoje.
O desenvolvimento amplo da história bíblica no seu contexto geográfico
serve de cenário para a mensagem central da Escritura Sagrada que é a salvação

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da humanidade rebelde na pessoa e obra do Salvador Jesus Cristo. Embora geografia e
história tenham como personagens seres humanos, o protagonista delas não é outro
senão o Deus que cria e mantém o universo. A Escritura estabelece uma diferença
marcante entre Deus e sua criação. Em Isaías 40.22, os moradores da terra são descritos
como gafanhotos, enquanto Deus está assentado sobre a redondeza da terra. Na visão
bíblica, portanto, apenas Deus tem a verdadeira perspectiva do mundo - como cenário
onde está e milita a Sua Igreja.

a. O Crescente Fértil

Da perspectiva geográfica, o Oriente Próximo é o ponto de encontro de três


continentes: Ásia, África e Europa. Logo, é o encontro também de três culturas:
oriental, africana e ocidental. Ali estava a esquina do mundo de então. Crises, mudanças
e progressos num continente afetavam, direta ou indiretamente, toda a região. É nesta
área que a Terra Santa está situada.
Crescente Fértil é o nome que se dá àquela faixa de terra verde e fértil em forma
de "C", ou duma lua Quarto Crescente, que vai da Suméria, junto ao Golfo Pérsico no
leste, até o Egito, cobrindo toda a faixa banhada pelo Rio Nilo, no oeste.

b. Mesopotâmia

Ao norte desta região se acha o berço da civilização ocidental. Ali está a


Mesopotâmia, cujo nome significa “[terra”] entre rios”, ou seja, os rios Tigre e o
Eufrates. O lado norte da Mesopotâmia era defendido naturalmente por uma cordilheira
de montes, chamados Zagros. Tal cordilheira era uma defesa contra os fortes ventos
gelados vindos do polo Norte, fazendo com que a região da Mesopotâmia desfrutasse
um clima ameno boa parte do ano. Da mesma forma, servia como barreira para eventual
invasão de exércitos inimigos vindos do outro lado. Na região da Mesopotâmia se
desenvolveram várias superpotências, a saber, a Assíria, Síria, Babilônia, Média-Pérsia.
A Mesopotâmia foi o lugar originário dos israelitas pois os patriarcas hebreus
viveram na região de Harã, entre o Tigre e o Eufrates. Abraão é chamado de amorreu
(Ezequiel 16.3), e certo tempo depois, Jacó residiu temporariamente entre seus parentes
amorreus em Padã-Harã (Gênesis 28.1-9). Sabemos também que Abraão migrou da

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cidade de Ur, na Mesopotâmia para Harã ao norte e depois para Canaã, seguindo a
revelação e promessa do SENHOR.
Posteriormente, maior influência tiveram ainda os mesopotâmicos, assírios,
babilônios e persas sobre a história dos israelitas quando controlaram a Palestina em
determinados momentos de seu governo sobre o Antigo Oriente Próximo. Esse domínio
aconteceu quando a Assíria e Babilônia se tornaram responsáveis pela destruição do
reino dividido dos israelitas e pela deportação de milhares deles para a Mesopotâmia.
Mais tarde, sob o governo persa, os exilados hebreus tiveram permissão para retornar à
sua terra e reconstruir suas cidades e o templo de Jerusalém.

c. Região Siro-palestina

A costa siro-palestina junto ao mar Mediterrâneo era uma região fértil e bastante
cobiçada. Especialmente a Fenícia tinha a vantagem dos portos naturais, algo que não
acontecia na parte sul de toda a região por ser uma costa quase reta na direção norte-sul.
Isso propiciou um amplo comércio marítimo centrado na região fenícia, especialmente
através dos seus portos: Tiro, Sidom, Biblos. Os fenícios ocupavam a costa norte da
Palestina, de Aco a Ugarite, e negociavam por toda a costa mediterrânea durante quase
dois milênios (cf. Ezequiel 27). A Bíblia fala que Davi e Salomão foram aliados dos
fenícios. Como resultado dessa aliança, os fenícios ajudaram no projeto da edificação do
templo de Jerusalém como também na construção de um porto em Elate, no mar
Vermelho (1 Reis 7.13-22; 9.26-28). Essas relações políticas e comerciais levaram a que
Acabe, rei de Israel, casasse com a princesa fenícia Jezabel. Esta união resultou no
surgimento da religião de Baal-Melcarte na vida religiosa do Reino do Norte (1 Reis
16.29-34).

d. Egito

O Egito ficava no extremo ocidental do Crescente Fértil, a noroeste da Palestina.


Atrelado ao Egito está o seu rio, o Nilo. Sem o Nilo, o Egito não poderia existir.
Historiadores antigos já diziam que o Egito é um presente do Nilo. Pela importância que
tinha para os egípcios, estes consideram o rio como um deus porque toda a vida
dependia das correntes contínuas do seu grande leito.

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O Egito Antigo era dividido em reino do Alto Egito, ao longo da estreita faixa
do vale do rio ao sul, e o reino do Baixo Egito, a área do delta ao norte. As cheias
previsíveis do rio e as barreiras naturais de montanhas e deserto na fronteiras oriental e
ocidental tornaram o Egito uma civilização estática. Sem ser ameaçado, por milênios o
Egito desenvolveu uma economia agrícola invejável, uma estrutura governamental
estável e uma cultura própria e duradoura.
A história de Israel no Antigo Testamento está vinculada, em vários momentos,
por estreitas relações com o Egito. O período do Império Antigo (c. 3100- 2100 a.C.) foi
a época da construção das grande pirâmides sepulcrais da família real. O Médio Império
(2133-1786 a.C.) teria incluído a passagem de Abraão pelo Egito (Gn 12.10-20) e a
migração de Jacó e sua família para lá (Gn 45.16-47.12). É possível que o Segundo
Período Intermediário (1786-1570 a.C.) tenha sido palco da presença e a consequente
opressão dos hebreus como escravos (Ex 1.1-14).
O Novo Império (1570-1085 a.C.) testemunhou o chamado de Moisés como
libertador dos hebreus e o Êxodo do cativeiro egípcio (Êx 3-13). Até o Bronze Posterior
(c. 1200 a.C.) o Egito controlou a Palestina sob o governo de Ramsés II graças, em
parte, a um tratado com os hititas. A intervenção egípcia na Palestina continuou com
Sisaque I, que acolheu Jeroboão como fugitivo político de Israel (1Rs 11.40). Tempos
depois, entretanto, ele invadiu Judá durante o reinado de Roboão (1Rs 14.25-26). Daí
em diante, o Egito permaneceu aliado importante e necessário para ambos os reinos, do
Norte e do Sul, contra os poderes imperiais mesopotâmicos da Assíria e Babilônia.
A presença egípcia foi influente na monarquia hebreia. O rei Salomão, por
exemplo, se casou com a filha de faraó como parte de uma aliança política (1 Reis 3.1-
2). Bem mais tarde, em triste episódio, o rei de Judá Josias foi morto pelo faraó Neco na
batalha de Megido (2 Reis 23.28-30).

e. Palestina

No centro do Crescente Fértil está a Palestina. A região da Palestina recebe este


nome por causa dos filisteus (pelishtim), que se instalaram ao longo da costa do
Mediterrâneo de Jope a Gaza ao redor de 1200 a.C. Antes da chegada dos filisteus, a
região se chamava Canaã. Esse termo significava “terra púrpura” e, possivelmente se
originou da tintura produzida por um tipo de molusco encontrado em abundância ao

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longo da costa. No século V a.C. o historiador grego Heródoto referiu-se à área como
“Síria Filisteia”. Mas este nome não aparece no Antigo Testamento, que prefere “terra
de Canaã”, em função de seus principais habitantes, os cananeus. No Antigo
Testamento ela é chamada “Israel” ou “terra de Israel” (1 Samuel 13.19). Já o nome
Terra Santa (Zacarias 2.12) se tornou popular na Idade Média, especialmente em razão
das Cruzadas.
A Palestina se acha rodeada ao norte pela Mesopotâmia; ao sul pelo Egito; a
oeste pelo mar Mediterrâneo que, no Antigo Testamento é também chamado de "Grande
Mar"; ao leste está a região desértica e inóspita da Arábia. Todas estas regiões, umas
mais outras menos, estão intimamente ligadas ao texto bíblico.
A Palestina é geralmente considerada o centro geográfico e teológico do mundo
antigo. De um lado era privilegiada pela sua posição geográfica na medida em que se
situava no cruzamento de rotas comerciais importantes da Antiguidade, entre os
continentes da África, Ásia e Europa. Por outro, era uma área bastante cobiçada por
nações estrangeiras em razão de sua posição militarmente estratégica. A região tem
aproximadamente 240 km de extensão de Dã, ao norte, a Berseba, no sul, e 140 km do
rio Jordão (leste) ao mar Mediterrâneo (oeste) – uma área equivalente ao Estado de
Sergipe.
A terra da Palestina se divide claramente em quatro regiões longitudinais, ou
seja, na direção norte-sul. São elas: a planície costeira, a cordilheira central, a depressão
jordânica e o planalto da Transjordânia (cf. Deuteronômio 1.6-8).

Planície costeira

A Planície costeira se estende a distâncias de 15 a 20 km ao sul da Palestina. É


uma faixa fértil de terra porque recebe chuvas frequentes vindas do mar Mediterrâneo.
Três planícies distintas são identificadas ao longo da costa: Aco, que se estende ao
norte, do monte Carmelo; Sarom, entre o monte Carmelo e a cidade de Jope; e a planície
dos filisteus, de Jope a Gaza. Para o povo de Israel no Antigo Testamento, a planície
costeira nunca teve importância maior porque não tinham fácil acesso a ela. Os fenícios
a controlavam ao norte; os filisteus, a planície sul e a planície de Sarom era composta
por um solo pouco fértil e por uma floresta densa naqueles tempos e que era, via de
regra, ocupada também pelos filisteus.

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Na planície costeira, uma importante estrada norte-sul ligava o Egito a Damasco
e depois à Mesopotâmia. Seguidamente ela tem sua rota alterada para o interior em
razão das dunas e pântanos. Ela é chamada Via Maris, a “Estrada do Mar”, expressão
cunhada pela Vulgata ao traduzi-la dessa forma em Isaías 9.1. Antes de chegar ao monte
Carmelo, a Via Maris avançava bastante em direção ao centro da região. Era guardada
na entrada da planície de Jezreel pela cidade de Megido. De Megido a estrada se
ramificava voltando-se para o norte, em direção às cidades fenícias, mesopotâmicas e
em direção do golfo pérsico, ao oriente. Esta estrada internacional foi usada durante
todo o período bíblico e algumas das cidades mais importantes da antiguidade estavam
próximas a ela.

Cordilheira central

Esta, sim, era uma região importante para o povo de Israel no Antigo
Testamento, quem sabe, a mais importante. Por ser uma região montanhosa e, por isso
mesmo, oferecer defesa natural, a maioria das cidades israelitas foi construída ali. O
terreno montanhoso forma a espinha dorsal da Palestina, geralmente dividida em três
partes principais: Galileia, Samaria e Judá. As elevações atingem até os 1.000 m e o
bom índice pluviométrico é próprio para o cultivo de grãos, vinhedos, pomares e
olivais.
Começando ao norte, os principais pontos da Galileia incluem o monte Tabor
(Juízes 4.6,12) e o vale de Jezreel. Na área de Samaria, o grande destaque era a cidade
de Siquém, situada entre os montes Ebal e Gerizim. A principal cidade era, claro,
Jerusalém que se situava no cruzamento das rotas comerciais de Judá. Mais tarde,
durante a época da monarquia no reino de Judá, a cidade fortificada de Laquis se tornou
a segunda cidade mais importante.

Depressão jordânica

O vale do rio Jordão é uma grande depressão geológica que inicia na região da
Síria, ao norte as montanhas do Líbano, e se estende para o sul até o golfo de Ácaba e o
mar Vermelho. Este vale determina a fronteira oriental da Palestina.

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O rio Jordão tem suas fontes nas encostas do monte Hermom e é formado por
três pequenos ribeiros. O nome “Jordão” vem do hebraico “Yarden”, que tem sua
origem no verbo yarad, que significa “descer”. “Jordão”, portanto, é “aquele que
desce”. E o rio faz jus a seu nome. O Jordão desce do Hermom a mais ou menos 500 m,
flui para o pântano de Hulê e rapidamente cai para 300 m, desaguando no mar da
Galileia. Este lago de água doce fica a cerca de 200 m abaixo do mar Mediterrâneo e é
cercado por colinas. Na Escritura o mar da Galileia possui vários nomes: Quinerete
(“harpa” – Números 34.11), Genesaré (Lucas 5.1) e Tiberíades (João 21.11). O mar da
Galileia possui 20 km de largura e 11 km de comprimento. Desse ponto, desce mais
ainda em direção ao mar Morto. O mar Morto é chamado também de “mar Salgado”
(Gênesis 14.3), “mar da Arabá” (Josué 3.16) e “mar ocidental” (Zacarias 14.8). Josefo
referiu-se a ele como o “mar de asfalto” (Guerra 4.8.4, #476) e os árabes o chamam de
“mar de Ló”. O mar Morto não é mencionado no Novo Testamento. Devido à imensa
quantidade de sais que o Jordão lança no mar Morto, sua concentração de salinidade
fica em quase 30%, quando o normal será em torno de 7%. Nada sobrevive nele; por
isso o nome, recebido dos gregos. O mar Morto se situa a mais de 400 m abaixo do
nível do Mediterrâneo, tornando-se o ponto mais baixo do mundo.
Os desfiladeiros de calcário que circundam a margem ocidental do mar Morto
estão repletos de cavernas que serviam de esconderijo para bandidos, foragidos políticos
e seitas religiosas. Entre as cavernas dessa árida região foram encontrados os famosos
manuscritos do mar Morto, ou Cumrã, em 1947.
Em tempos do Antigo Testamento, a região em torno do mar da Galileia era
densamente povoada e a agricultura era viçosa graças às técnicas de irrigação.
Serpenteando para o sul, o vale estreitava-se e se cobria de vegetação densa, lugar
propício para a presença de animais selvagens (Jeremias 49.19; 50.44; Zacarias 11.3).

Planalto da Transjordânia

A leste da depressão jordânica a terra se eleva abruptamente formando


um planalto que se estende até o deserto arábico. Boa parte da região possui
alguns minérios e é adequada à agricultura e ao pastoreio. Quatro grandes uádis,
ou ribeiros, deságuam no rio Jordão desde o planalto: Jarmuque, Jaboque,
Arnom e Zerede.

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O planalto pode ser dividido em três platôs principais: Seir, ao sul; Moabe e
Gileade, na Transjordânia central e o planalto de Basã, ao norte.
O planalto de Seir , ao sul, é o mais acidentado deles, com montes que atingem
até 2.000 m. Foi nessa área que os edomitas, e mais tarde o nabateus, construíram
cidades entre os desfiladeiros. A mais conhecida hoje é a cidade de Petra, famosa por
aparecer em filmes de Idiana Jones e até em novela brasileira. Gileade possuía terras
férteis e até hoje remanescentes de florestas podem ser ali encontrados. Mas o maior e
mais fértil dos planaltos era o de Basã. O rico solo vulcânico faz dela a melhor terra de
pastagem da região do Levante. Com tal característica a região de Basã é mencionada
na Bíblia (Salmo 22.12; Amós 4.1).
A segunda importante estrada internacional passava por essa região e era
chamada a “Estrada do Rei” (Números 20.17; 21.22). Ela estendia-se do Golfo de
Ácaba ao sul até Damasco, ao norte. Para contornar o leito dos quatro rios e
deformações no terreno, a estrada tinha de ser por vezes desviada até 40 km para o leste,
chegando à beira do deserto. Era a estrada mais usada pelas caravanas de nômades que
transportavam seus produtos comerciais para trocá-los por produtos agrícolas. Durante a
monarquia israelita, a “Estrada do Rei” ganhou importância especial pelo incremento do
comércio com a Arábia.
A região da Transjordânia foi a primeira a ser colonizada pelos hebreus na
conquista da Palestina após o Êxodo do Egito.

ATIVIDADES

Discursiva:
Várias vezes Jesus se refere a um fato ou episódio como “foi dito”; outras vezes
Ele diz “está escrito”. Verifique em sua Bíblia, com o auxílio de uma pequena
Concordância Bíblica se possível, onde Jesus emprega tais expressões e observe se faz
diferença o uso de uma e de outra.

Objetiva 1:
Com as palavras “Ouvistes o que foi dito...” Jesus está se referindo a (assinale duas
a;ternativs):
a. ( ) Antigo ou Primeiro Testamento

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b. ( ) Anciãos, escribas e fariseus
c. ( ) Tradição
d. ( ) Moisés e profetas
e. ( ) Lei Mosaica

Objetiva 2:
A origem de “Jordão” vem de uma palavra hebraica, que significa:
a. ( ) subir
b. ( ) descer
c. ( ) correr
d. ( ) afundar
e. ( ) salinizar

Objetiva 3:
A Palestina possuía duas estradas principais que foram importantes na história
bíblica do Antigo Testamento. Uma delas era a Via Maris, que se estendia de:
a. ( ) Dã a Berseba
b. ( ) Jope a Rabá
c. ( ) Elate a Damasco
d. ( ) Egito a Damasco
e. ( ) Egito a Jerusalém

Respostas: 1) – b, c
2) – b
3) - d

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Capítulo 2
História do estudo científico do Antigo Testamento

2.1. Período da Igreja Pós-neotestamentária


Os Pais da Igreja neo-testamentária não se preocupavam muito com questões
científicas relacionadas ao Antigo Testamento. Seu objetivo maior e imediato, até
mesmo em função da sua proximidade com a ressurreição e ascensão de Jesus, estava
ligado mais ao aspecto missiológico, à exposição do conteúdo das Escrituras e à
formulação de doutrinas. Mas houve momentos em que foram compelidos a focar sua
atenção em questões de aspectos de introdução relacionados ao Antigo Testamento.
Desde a época de Marcião, um herege gnóstico que viveu no segundo século, a igreja
tem sido desafiada com o problema do papel do Antigo Testamento na Bíblia. Marcião
rejeitava o Antigo Testamento e o Deus descrito nessa parte da Bíblia. Para ele o Deus
do Antigo Testamento era um Deus da ira, da guerra e, portanto, um “Deus inferior”. A
igreja precisou tomar posição quanto a essa visão e a partir daí vem se defrontando com
preconceitos em relação ao Antigo Testamento. Um pouco mais tarde, quando Porfírio,
por exemplo, atacou o livro de Daniel e o declarou uma fraude forjada, Jerônimo, que
traduziu a Vulgata, fez uma réplica, contestando a posição de Porfírio.
A primeira tentativa para uma análise mais ampla e enfocada sobre a introdução
a um livro bíblico provavelmente se encontra em Santo Agostinho, na sua obra escrita
em latim A Respeito da Doutrina Cristã. Esta obra contém valiosa contribuição sobre o
assunto da interpretação do texto bíblico. Nos dois primeiros livros, Agostinho exibe e
desenvolve as características da correta interpretação bíblica. Importante também a
refutação que faz aos donatistas e seus pontos de vista dentre os quais a exagerada
importância que davam à Septuaginta.

2.2. Período da Reforma


O término do período medieval testemunhou profundas transformações até mesmo
no estudo do Antigo Testamento. A característica fundamental da Reforma é fazer com
que a atenção da igreja da época se volte para as Sagradas Escrituras como fonte única
de fé e vida. Essa revolução faz com que a Reforma tenha como mérito também o fato
de ter impelido para o primeiro plano a importância do estudo da Escritura a partir das
línguas originais. A ênfase no hebraico e no grego fez com que os debates teológicos

16
fossem, por vezes, decididos em análises mais precisas e meticulosas do estudo do
texto original. São conhecidas as palavras de Martinho Lutero sobre a importância
das línguas bíblicas. Dizia ele: “Não conseguiremos preservar o Evangelho
corretamente sem as línguas. As línguas [originais] são as bainhas da espada do
Espírito. São o cofre no qual se guarda essa preciosidade...”2
Nesta ênfase, não muito distante de Lutero, está Calvino. Ambos estudaram a
língua hebraica com grandes professores e sem dúvida muito fizeram para encorajar
outros ao seu estudo. Em razão disso, as obras sobre Introdução ao Antigo
Testamento, que se originaram nesse período e pouco depois, revelaram profundo
interesse na questão do texto. É consenso entre os estudiosos que a Reforma foi
responsável por um verdadeiro e sensível progresso no estudo científico do Antigo
Testamento.

2.3. O Período da Pós-Reforma


O período após a Reforma fica demarcado pelo aparecimento de pontos
de vista filosóficos que se revelaram como hostis ao elemento sobrenatural do
Cristianismo. Algumas dessas opiniões tiveram expressão na obra Leviathan, de
Thomas Hobbes, um deísta inglês (1651). Hobbes atacou algumas tradições
relacionadas à origem e à data de certos livros do Antigo Testamento. Um pouco
mais tarde, em 1670, aparece a obra de Benedito Spinoza chamada Tratado
Teológico-político que, baseada em princípios semelhantes aos de Hobbes,
questiona a presença de aspectos sobrenaturais na Escritura.
Estes críticos foram seguidos por outro, desta vez um padre católico
romano francês, chamado Ricardo Simon. Na sua obra História Crítica do
Antigo Testamento (1685) Simon discute a data de vários livros, particularmente
os do Pentateuco. Afirmou que o Pentateuco, em sua forma presente, não pode
ter sido obra de Moisés e considerava os livros históricos (como Reis e
Crônicas) como extratos tirados dos anais públicos da corte de Israel e Judá.

2.4. Período do Iluminismo

2
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. V. 5. Ilson Kayser, editor-geral. São
Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1994, p. 311, 312 e 316.
17
A obra de Simon produziu frutos nos escritos de Johann Semler, que fortaleceu
os princípios adotados por Simon com um espírito ainda mais negativo. Semler
estabeleceu dois princípios com relação ao Antigo Testamento. Primeiro: o Antigo
Testamento “apenas contém a Palavra de Deus”. Segundo: “Trate o Antigo Testamento
como qualquer outro livro”. Em outras palavras, para Semler, a autoridade para
interpretar e dar valor ao Antigo Testamento era o próprio leitor, do seu jeito e a seu
modo.
Em 1780 surge a Introdução ao Antigo Testamento de Johann G. Eichhorn. Na
maior parte da sua obra Eichhorn chamou a atenção para a beleza literária do Antigo
Testamento, mas descartou também uma compreensão genuína sobre o seu caráter
sobrenatural. A partir daí as Escrituras passaram a ser consideradas como meramente a
literatura nacional dos hebreus. A crítica liberal ao Antigo Testamento encontra sua
culminância, em grande parte, na obra sobre Introdução de R. Pfeiffer. Em sua obra,
Pfeiffer parte do princípio que o que não pode ser cientificamente repetido, não pode ser
admitido como verdade. Visto que milagres no Antigo Testamento não podem ser
provados (pela sua repetição), eles não devem ser aceitos como verdade.
Para se entender esse movimento dominó na crítica com relação ao Antigo
Testamento é preciso entender um pouco do espírito daquela época e dos movimentos
filosóficos então presentes. Se no século 16 havia uma revolta contra a autoridade
opressiva da igreja da época, agora, nos séculos 18 e 19, essa revolta se estende contra a
autoridade da Bíblia. O Século 18 havia testemunhado uma exaltação da razão humana,
que ficou conhecida como época da “Iluminação” ou “Iluminismo”. O termo está
atrelado a um conceito em que o ser humano tem a supremacia sobre tudo. Rejeitar a
revelação externa e considerar a razão humana como lei para si mesma não é iluminação
mas é cair em grande engodo. Exaltar a razão humana como árbitro sobre todas as
coisas é, na realidade, substituir o Criador pela criatura.

Confiabilidade do Antigo Testamento


No século 19 se cristaliza o movimento da Hipótese Documental em que o
Pentateuco é analisado a partir da crítica das fontes. O Pentateuco perde, segundo os
críticos, a sua unidade, sendo analisado a partir de uma fragmentação teórica de
documentos denominados J, E, D e P. Tal abordagem não apenas afetou a composição
literária do Pentateuco como teve repercussão há historicidade das narrativas dos

18
patriarcas. Julius Wellhausen foi o maior defensor da crítica das fontes. Pela sua
análise, chegou a firmar que o Pentateuco não comprova a historicidade dos
patriarcas, mas apenas reflete as histórias patriarcais recontadas em uma época
posterior, a maior parte delas fruto do período pós-exílico de Israel.
Nos dias de hoje há fundamentalmente duas escolas ou tendências de
pensamento sobre a confiabilidade histórica do Pentateuco ou do Antigo
Testamento em geral. A primeira, normalmente denominada conservadora,
entende que o Antigo Testamento é resultado da inspiração e revelação divinas,
pressupondo, portanto, a participação sobrenatural de Deus na sua origem. Desta
forma as narrativas são verdadeiras e possuem precisão histórica e plena
confiabilidade. O teólogo conservador recorre também a fontes extrabíblicas e
arqueológicas para elucidar o pano de fundo e a história do povo de Deus no
Antigo Testamento.
A segunda tendência é que se chama de reconstrucionismo histórico. Os
defensores desta escola assumem uma posição cética frente ao texto bíblico por
serem obras de escritores que consideram pré-científicos e medievais. Em geral,
para estes os escritos antigos paralelos ao texto bíblico são até mais confiáveis
que a narrativa do Antigo Testamento por serem mais antigos e mais próximos
dos acontecimentos relatados. Os proponentes desta abordagem empregam
grande gama de metodologias extraídas da crítica histórica e linguística para
reconstruir a história de Israel sob a alegação de que os relatos bíblicos como
tais não podem ser interpretados literalmente.
A questão da confiabilidade histórica das narrativas do Pentateuco e de
outras partes do Antigo Testamento depende, pois, dos pressupostos referentes à
natureza do texto bíblico. A questão toda não está no texto em si, mas de como o
texto pode ser interpretado. Os que defendem a confiabilidade histórica creem na
inspiração divina das narrativas bíblicas e defendem a exatidão da história da
ação de Deus com o Seu povo do Antigo Testamento. De modo inverso, os que
sustentam a posição “reconstrucionista” da história do Antigo Testamento em
geral desconsideram a origem e participação divinas nesse processo. Tais
pressupostos explicam sua abordagem crítica do Antigo Testamento como um
documento humano apenas e, por isso, falho. Esta visão lhes dá liberdade para

19
reinterpretar e reconstruir a história de Israel a partir de elementos literários, achados
arqueológicos e modelos contemporâneos sociopolíticos.

ATIVIDADES
Discursiva:
Na sua opinião, existe diferença entre afirmar que a “Escritura é Palavra de
Deus” e a “Escritura contém Palavra de Deus”?

Objetiva 1:
Herege gnóstico que questionou a equivalência em autoridade divina entre o
Antigo e o Novo Testamento. Assinale a reposta correta:
a. ( ) Jerônimo
b. ( ) Agostinho
c. ( ) Marcião
d. ( ) Lutero
e. ( ) Porfírio

Objetiva 2:
Período que foi responsável por um sensível progresso no estudo científico do
Antigo Testamento. Assinale a reposta correta:

a. ( ) Pós-neotestamentário
b. ( ) Reforma
c. ( ) Renascentista
d. ( ) Pós-reforma
e. ( ) Iluminismo

Objetiva 3:
Marque a alternativa correta. Tratar o Antigo Testamento como qualquer outra
obra literária tem implicações. Tais implicações se manifestam em que:
a. ( ) a inspiração divina é considerada
b. ( ) a revelação divina se torna relevante
c. ( ) o ser humano finalmente pode interpretar o texto bíblico a seu critério

20
d. ( ) o texto se torna isento de inverdades por ser produto de acurada
pesquisa.
e. ( ) Ao fim e ao cabo a narrativa veterotestamentária se torna equivalente aos
escritos da sua época.
Respostas: 1) c
2) b
3) e

21
Capítulo 3
A Formação do Antigo Testamento

O Antigo Testamento foi escrito em duas línguas. A língua predominante é o


hebraico. A outra língua, prima do hebraico e posterior, é o aramaico que gradualmente
assumiu o posto da comunicação como língua viva nos últimos 6 séculos a.C. O
hebraico tem muitos elementos paralelos com outras línguas semíticas como o
cananítico, ugarítico e o árabe. A língua aramaica era a língua usada no tempo de Jesus,
sendo muito parecida com a língua siríaca da Igreja Cristã pós-neotestamentária.
As línguas semíticas são diferentes das línguas clássicas. Originalmente o
hebraico não possuía vogais. Para facilitar o processo de transmissão escrita, dois
sistemas de vogais foram criados, mas apenas um deles foi universalmente aceito e que
hoje integra o Texto Massorético (TM), o texto das nossas Bíblias em hebraico. A
divisão de capítulos foi adicionada a partir da Vulgata no décimo quarto século e os
versículos foram numerados no século 16. No período da Reforma, inúmeras horas
foram despendidas no debate sobre a inspiração ou não das vogais. Ao contrário de
vários, Lutero entendia que as consoantes eram inspiradas, as vogais não. Nos seus
comentários, Lutero, seguindo outros manuscritos, chegou a mudar a vocalização do
TM para alterar a terceira pessoa para a primeira em 2 Crônicas 18.29.
O estudo do texto para determinar com a maior precisão possível o texto
consonantal é chamado de “crítica textual”. O tradutor, comentarista bíblico e pregador
têm a tarefa de exercitar esta atividade. O estudo do “quem, quando, onde, por que, o
que” nos livros bíblicos é chamado de “crítica literária”. Há critérios científicos para
isso, mas há também inúmeras hipóteses questionáveis. Infelizmente muitas pessoas
perderam o interesse nas Escrituras como Palavra viva de Deus em razão de argumentos
estéreis neste campo, tanto do lado conservador como liberal.

3.1. Texto e Versões do Antigo Testamento


Desde 1947 descobertas arqueológicas e paleográficas em Cumrã, nas
proximidades do mar Morto, têm revelado fragmentos de inúmeros manuscritos
hebraicos que antecedem em mil anos os anteriormente conhecidos. Na primeira
caverna uma cópia do livro completo de Isaias foi encontrada juntamente com outro
pergaminho quase completo também do mesmo livro. Igualmente dois capítulos de

22
Habacuque aparecem num comentário anterior ao tempo de Cristo. Com ao
menos 11 cavernas abertas na década seguinte, existe agora ampla evidência de
que em algum momento da história todo o Antigo Testamento foi conhecido
pelos sectários da região de Cumrã.
Antes desta descoberta, os textos mais antigos do Antigo
Testamento eram em grego. Fragmentos e livros inteiros eram
conhecidos e que datam até o quarto século A.D. Popularmente a
tradução grega é conhecida como Septuaginta (LXX). Houve,
entretanto, outras versões gregas em datas posteriores. Era necessário
traduzir as Sagradas Escrituras na língua do povo visto que o hebraico
deixara de ser língua viva. O grego era a língua da Diáspora e do
comércio no Antigo Oriente Próximo no período final do Antigo
Testamento.
Estudos nos Manuscritos do mar Morto evidenciam um texto
hebraico que, ao que parece, foi usado em Alexandria pelos tradutores da
LXX. No início os estudiosos desconfiavam que o texto da LXX não era
acurado, preciso; mas agora se sabe que eles empregaram um texto de
diferente tradição.
Dentro dos limites da Palestina, o aramaico era a lingua franca
no tempo de Jesus. É bem possível que as sinagogas de Nazaré e
Cafarnaum tenham se utilizado de paráfrases em aramaico do texto
hebraico nas atividades religiosas regulares. Nos primeiros séculos da
Igreja Cristã neotestamentária uma versão em aramaico surge com o
nome de Targum, que significa “paráfrase” ou “interpretação”.
Uma das mais importantes versões do Antigo Testamento para
outra língua veio com a tradução para o latim, denominada Vulgata. Foi
traduzida por Jerônimo em 405 A.D., comissionado pelo papa Dâmaso.
No concílio de Trento, em 1546, a Igreja Católica Romano aceitou a
Vulgata como sua tradução oficial. Lutero viu erros na Vulgata, o que o
levou a traduzir toda a Bíblia a partir das línguas originais hebraico e
grego. A primeira Bíblia dos cristãos católicos brasileiros foi uma
tradução da Vulgata feita para o português.

23
Para atender os cristãos de fala siríaca, várias versões do Antigo
Testamento nessa língua foram elaboradas. A principal e mais popular é
a Pesita (150-200 A.D.), que foi considerada modelo para aqueles dias.
Em conclusão, podemos dizer que as versões do Antigo Testamento para as
diversas línguas são de muita importância. Primeiramente, elas servem como
investigação textual, ou seja, vez por outra testificam o texto original em versículos
onde este se havia corrompido. Em segundo lugar, elas servem como auxílio na
interpretação. Toda tradução necessariamente envolve interpretação. Nesse sentido, as
versões são os primeiros comentários sobre determinado texto. E, por último, as
versões, por disponibilizarem a Palavra de Deus em várias línguas, tornam-se
instrumentos valiosos de missão.

3.2. Antigo Testamento e o Cânone


A palavra “cânone” não se encontra na Bíblia, embora sua raiz apareça em 1
Reis 14.15, Jó 40.21 e Isaías 42.3. Originalmente qāneh significava “junco” ou “talo”
de papiro. Pelo fato de juncos serem usados como réguas ou instrumentos para medir
linhas retas, “cânone” passou a significar “medida”. O termo “cânone” ou “cânon” foi
empregado pela primeira vez como expressão teológica referente às Escrituras por
Atanásio, bispo de Alexandria (c. 367 A.D.) em carta pascal às igrejas em que descreve
o conteúdo do cânone do Novo Testamento. Canonicidade se diz do livro que tem a
“medida” para ser incluído no cânone bíblico, ou seja, na lista oficial dos livros que
integram as Escrituras, inspirados pelo Espírito Santo.
Há teorias erradas sobre as razões porque um livro integra o Cânone do Antigo
Testamento. Algumas delas são:
a. A antiguidade do livro. Um livro é distinguido devido a sua idade.
Entretanto, idade não é documento para canonicidade. Assim que foi escrito, o
Pentateuco foi considerado canônico. O mesmo aconteceu com outros livros do Antigo
Testamento.
b. A língua hebraica como critério para a canonicidade. O argumento seria
que depois que o aramaico passou a ser língua falada na Palestina, qualquer material
escrito em hebraico seria considerado canônico. Mas este pensamento não está correto:
Alguns livros como 1 Macabeus, Eclesiástico e Tobite foram originalmente escritos em

24
hebraico e, entretanto, não são canônicos. Além disso, livros como Daniel e
Esdras foram escritos em parte em aramaico e fazem parte do cânone.
c. Concordância com a Torá/Pentateuco (norma e padrão último da
verdade). Contudo, alguns livros concordam com a Torá, mas não foram aceitos
como canônicos como, p. ex., 2 Macabeus.
d. Valor ou conteúdo religioso determina a canonicidade (para
alguns, a Cristocentricidade do livro). Entretanto, canonicidade nada tem a ver
com o propósito de um livro. Ademais, quem determina o valor de um livro?
Nem todos os livros canônicos falam diretamente sobre Cristo. Por outro lado,
há inúmeros livros com orientação evangélica que não integram o cânone. Um
livro que proclama o Evangelho pode conter erros e contradizer livros
canônicos.
e. A Igreja ou o povo de Deus (tanto no período do Antigo como do
Novo Testamento) é a fonte de canonicidade. Uma variante dessa teoria é que a
comunidade inspirada é fonte de canonicidade. Entretanto, se a Igreja concede
canonicidade, o resultado é uma auto-contradição visto que na história do
cânone a Igreja propôs listas diferentes de livros oficiais.
Na verdade, a fonte de canonicidade de um livro está em Deus. É Ele
quem possui a suprema autoridade e o que provém de Deus é infalível.
Canonicidade e autoridade estão atreladas à origem de um determinado livro
bíblico. Se um livro vem de Deus, ele é canônico. Outra forma de dizer isso é se
um livro é inspirado, ele é canônico. Como podemos ter certeza se um livro tem
sua origem em Deus? Se o autor do livro foi inspirado.

3.4 Critérios de canonicidade e divisão


O critério mais importante para nós é o testemunho de Jesus e seus
discípulos. Eles identificaram como derivando de escritores inspirados – e por
isso como autoritativos – tanto livros individuais do cânone como todo o cânone
judaico da sua época. Este cânone era aceito pelos judeus que viviam na
Palestina no primeiro século A.D., com exceção dos saduceus que aceitavam
apenas a Torá. As evidências apontam para o cânone de Cristo e Seus discípulos
como sendo idêntico ao cânone dos judeus contemporâneos a Jesus. O cânone
está dividido em três partes, como segue abaixo:

25
Lei
A Lei, ou Torá, consiste dos cinco primeiros livros da Bíblia. Ela também
chamada de Pentateuco (da palavra grega para “cinco”). Não há dúvida que estes livros
já eram aceitos e normativos no tempo de Esdras e, quem sabe, já antes, no tempo do rei
Josias.

Profetas
Os Profetas ou Nebi’im foram os próximos a receberem crédito pelo seu uso. Na
Bíblia Hebraica eles se dividem em dois grupos, a saber, os Profetas Anteriores,
contendo os livros históricos de Josué a 2 Reis, e os Profetas Posteriores,
compreendendo os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze profetas menores.

Escritos
A terceira divisão na Bíblia Hebraica é chamada de Escritos ou Ketubim. Ela
compõe-se de todos os demais livros que não constam nas divisões anteriores, ou seja, a
poesia, os rolos para festas e acréscimos históricos. Não se pode determinar quando tais
livros foram aceitos. Entretanto, por volta de 185 a.C., Ben Siraque, no Prefácio do seu
livro não-canônico Eclesiástico fala em “Lei, os Profetas e outros livros”, dando
indicação que o cânone estava fechado.
Não resta dúvida que o cânone que conhecemos hoje era o mesmo do tempo de
Jesus, como Ele mesmo testemunha. Em Lucas 24.44 Jesus fala em “Lei, Profetas e
Salmos”. Em duas ocasiões Jesus aponta para o primeiro e o último mártir mencionados
no Antigo Testamento (Mateus 23.35 e Lucas 11.51). Jesus se refere nominalmente a
Abel (em Gênesis) e a Zacarias (1 Crônicas 24.20). Crônicas é, no cânone hebraico, o
último livro do Antigo Testamento.
Fávio Josefo (c. de 70 A.D.) menciona 22 livros. Este número fecha com o
cânone hebraico visto que a separação dos 12 profetas Menores ocorre posteriormente
como também de outros livros históricos. Os sectários de Cumrã, junto ao mar Morto,
conheciam todos os livros da Bíblia Hebraica que nós hoje possuímos. Eles também
copiaram e estudaram os livros Apócrifos.
O concílio de Jamnia, em ca. de 90 A.D., tem sido muitas vezes indicado como o
evento que canonizou as Escrituras Hebraicas. Mas esta é uma posição equivocada. O

26
que o concílio fez foi certificar o que já era uma realidade pelo uso da igreja e
pela providência divina. Não se pode prescindir do fato que a providência divina
agiu de forma soberana no estabelecimento e preservação do cânone como o fez
na inspiração de cada um de seus livros. Quando uma criança reconhece seu
próprio pai, no meio de uma multidão de outros adultos, seu ato não empresta ao
pai uma nova qualidade de parentesco; simplesmente reconhece um
relacionamento que já existe. Assim também é o caso de listas de livros
autoritativos reconhecidos por concílios. Não puderam emprestar a canonicidade
a uma página sequer das Escrituras; simplesmente reconheceram a inspiração
divina inerente aos documentos e formalmente dispensaram outros livros em
prol dos quais falsamente se tinha pleiteado a canonicidade.

Divisão tripartite do Antigo Testamento


Torá Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio

Profetas
Anteriores Josué
Juízes
Samuel
Reis

Posteriores Isaías
Jeremias
Ezequiel
Livro dos Doze:
Oseias Naum
Joel Habacuque
Amós Sofonias
Obadias Ageu

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Jonas Zacarias
Miqueias Malaquias

Escritos Salmos

Provérbios
Rute
Cântico dos Cânticos
Eclesiastes
Lamentações
Ester
Daniel
Esdras
Neemias
Crônicas

3.4. Apócrifos
O termo “apócrifo” significa “escondido”. Aplicado à coleção de livros judaicos
datados do período intertestamental, o termo possui duas conotações:
1) livros “escondidos” por sua natureza esotérica;
2) livros “escondidos” por merecimento, ou seja, não eram reconhecidos
como canônicos.
Os apócrifos se constituem numa coleção de 14 livros compostos por autores
judeus entre 200 e 100 a.C. Foram escritos originalmente em grego, hebraico e aramaico
e preservados depois em várias outras línguas. Os apócrifos contêm cinco gêneros
literários diferentes, a saber, religioso, didático, histórico, profético e literatura lendária.
Inicialmente os apócrifos foram gradualmente acrescentados em edições mais
recentes da Septuaginta. Estes livros foram separados das Escrituras hebraicas e não
foram considerados parte do Antigo Testamento pelos hebreus. Esse fato ficou na
tradição hebraica, mas não foi estabelecido por escrito. Em vista disso, surge certa
confusão entre os cristãos de língua grega que adotaram a LXX como versão bíblica.
Isto ocorre principalmente após o ano de 100 A.D pelo fato de cópias posteriores da
LXX haverem sido feitas por escribas cristãos.

28
Confusão maior ainda viria com a publicação da Vulgata, por Jerônimo,
em 405 A.D. Jerônimo opunha-se aos apócrifos e fez anotações específicas na
Vulgata a esse respeito. Mas edições posteriores não mantiveram essas
distinções e logo a maioria dos leitores da Vulgata não faria diferença entre o
Antigo Testamento e os apócrifos.
A Reforma retomou o debate sobre os apócrifos. Ao traduzir a Bíblia a
partir do hebraico. Os Reformadores descobriram que os apócrifos não faziam
parte do seu cânone. Entenderam que tal coleção de livros não deveria ser
considerada equivalente em autoridade bíblica com os que integravam o cânone.
Os apócrifos são fonte útil de informação para se entender o período
intertestamental. Não há nada teologicamente importante nos apócrifos que não
fique duplicado na literatura canônica. Ao contrário, mesmo o sóbrio relato
histórico de 1 Macabeus está permeado de inúmeros erros e anacronismos.
A Igreja Católica Romana reagiu aos Reformadores no concílio de
Trento (1545-1564) aceitando os livros como se encontram na Vulgata. Hoje a
coleção geralmente é chamada deuterocanônica e foi consolidada pelo concílio
Vaticano de 1870. Conceitos doutrinários da Igreja Católica Romana como
purgatório, mérito por boas obras e prática de oração pelos mortos são extraídos
dos livros deuterocanônicos.
Para exemplificar, o livro de Enoque, como outros livros apócrifos que carregam
o nome de personagens bíblicos famosos (Abraão, Moisés, Salomão, etc.) tem sido
empregado por movimentos esotéricos como referência, entre outras coisas, a episódios
ocorridos em Gênesis e que supostamente estariam incompletos. Uma tentativa de
explicar a origem dos "Nephilim", gigantes na terra, estaria na ordem do dia neste livro.
A referência a Enoque no livro de Judas 14 no Novo Testamento é extraída do
livro de Enoque que, supõe-se, tenha sido escrito pelo Enoque de Gênesis 5. O livro não
aparece no mercado senão antes do século primeiro a.C. O fato de o livro não ser
canônico não significa que não contenha nenhuma verdade. Por outro, o fato de Judas
citá-lo também não significa que ele esteja considerando o livro todo como inspirado. O
apóstolo Paulo cita diretamente ou indiretamente obras seculares como Aratus (Atos
17.28), Menander (1Co 15.33) e Epimênedes (Tito 1.12). Isto, entretanto, não serve
como evidência que as citações ou os livros de onde foram tiradas sejam divinamente
inspirados.

29
ATIVIDADES
Discursiva:
Disserte sobre porque as primeiras versões do Texto Massorético são
importantes para a igreja e sua missão no mundo.

Objetiva 1
Assinale a resposta que indica o período em que surgiram as vogais na língua
hebraica:
a. ( ) no tempo de Adão
b. ( ) no tempo de Moisés
c. ( ) no tempo de Isaías
d. ( ) no tempo de Jesus
e. ( ) depois de Jerônimo

Objetiva 2:
Com relação aos critérios para a formação do cânone do Antigo Testamento.
Assinale a resposta correta:
a. ( ) O livro foi escrito na língua hebraica
b. ( ) Os próprios autores afirmavam ser inspirados pelo Espírito Santo
c. ( ) O cânone é resultado da ação providencial de Deus na história
d. ( ) Após longos estudos, o cânone foi estabelecido no concílio de
Jamnia, em c. 90 A.D.
e. ( ) Os sectários de Cumrã já conheciam todos os livros da Bíblia
Hebraica que formam o cânone e a igreja confiou na escolha deles.

Objetiva 3:
A Igreja Católica confirmou os livros deuterocanônicos na sua Bíblia como
equivalentes aos canônicos em:
a. ( ) Concílio de Jamnia, em c. 90
b. ( ) Época da Reforma, em 1517
c. ( ) Concílio de Trento, em 1545
d. ( ) Concílio Vaticano, em 1870

30
e. ( ) Concílio Vaticano II, em 1962

Respostas: 1- e
2- c
3- d

31
Capítulo 4
O Pentateuco - Gênesis

A primeira parte da Bíblia é chamada de Torá (Pentateuco, em grego). Torá, em


hebraico significa Lei. Mas “lei’, em português, normalmente tem sentido negativo, e,
por vezes, proibitivo. Seguidamente se ouve pessoas relacionando o Antigo Testamento
como “Lei” e o Novo Testamento como “Evangelho”. Esta é uma visão equivocada da
Bíblia e se aplicada dessa forma traz sérios problemas para a compreensão e
interpretação do Antigo Testamento. Na verdade, tanto o Antigo quanto o Novo
Testamento possuem lei como evangelho. O termo Torá, aplicado a Gênesis e ao
Pentateuco, possui um sentido mais neutro como “instrução” ou mesmo “Palavra de
Deus”.

4.1. Autoria do Pentateuco


Tradicionalmente estes cinco livros, a começar com Gênesis, têm sido
considerados como de autoria de Moisés. Embora ele não tivesse sido testemunha
ocular de todos os eventos de Gênesis, a grande maioria dos textos sem dúvida foi por
ele escrita. No século 19 e início do século 20, os críticos liberais empreenderam
enormes esforços no sentido de segmentar os livros do Pentateuco ou Hexateuco
(incluindo parte dos livros históricos) em inúmeros documentos, fragmentos e poemas e
lendas independentes, como vimos em parte no capítulo 2. A esterilidade deste processo
de copia-e-cola a respeito de autoria e data conduziu a uma reação logo após a Primeira
Guerra. Liderada por estudiosos escandinavos do Antigo Testamento, ênfase bastante
grande foi colocada sobre a acurácia literal da tradição oral entre os povos semitas. As
descobertas arqueológicas em Ugarite de 1929 em diante mostraram que a literatura
escrita antes de Davi era perfeitamente plausível e as descobertas em Mari e Nuzi, na
região da Mesopotâmia, atestam verossimilidade à sociedade descrita em Gênesis.

Gênesis
A. Nome
Os títulos de muitos livros no Antigo Testamento são extraídos da respectiva
primeira palavra hebraica desse livro. Assim, o título hebraico de Gênesis é “Bereshith”
ou “No princípio”. O nome do livro em português é copiado da Vulgata e da

32
Septuaginta. Bem antes da divisão dos capítulos, o primeiro livro da Bíblia foi
dividido em 10 “histórias”, ou “gerações” (ARA).3 Ela é conhecida como
“fórmula toledoth”.

B. Esboço e Referências principais


Esboço Referências de capítulos
1-11 História primeva 11 Torre de Babel
12-26 Abraão e Isaque 14 Abraão e Melquisedeque
27-36 Jacó e Esaú 19 Sodoma e Gomorra
37-50 José 22 Sacrifício de Isaque
28 Sonho de Jacó
49 Bênção de Jacó

C. Criação
Gênesis é um livro dos começos. Neles se encontram o começo de: (1) o
mundo, (2) a humanidade, (3) o pecado, (4) a promessa, e (5) as relações de
aliança. Há breves alusões a começos sociológicos e tecnológicos de forma que
alguns críticos liberais gostam de descrever Gênesis como uma coleção de
“mitos etiológicos”, ou seja, histórias que explicam a origem dos costumes e
hábitos humanos. Entretanto, estes são apenas aspectos periféricos que ocorrem
ao se descrever a relação de um Deus pessoal com os 5 aspectos acima
mencionados. Assim, por exemplo, a origem da música, metalurgia, vestimenta,
etc., passa quase despercebida. O autor de Gênesis não estava interessado em
descrever uma história sociológica ou econômica dos inícios da civilização.
Estava interessado sim em que o círculo da graça e da promessa iniciado com a
humanidade se estendesse de maneira concêntrica a Noé, Abraão, Jacó, Isaque e
aos filhos de Jacó.
Outro aspecto de Gênesis muitas vezes aludido por alguns círculos acadêmicos é
que Gênesis contenha versões adaptadas da mitologia babilônica. Sabemos, pela
arqueologia, que há na literatura do Antigo Oriente Próximo, especialmente na
Babilônia, textos análogos sobre a criação e o dilúvio. Tais conceitos foram encontrados
em tabletes de argila entre os quais um popular chamado Enuma elish (“Quando dos

3
O termo aparece em 2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10, 27; 25.12, 19; 36.1; 37.2.
33
altos céus”), que relata a ascensão do deus babilônico Marduque ao topo do panteão.
Enuma elish é o relato mesopotâmico mais completo da criação e possui várias
semelhanças com o relato bíblico. A história descreve um conflito cósmico entre as
principais divindades. Marduque, o deus da ordem, mata a monstruosa Tiamate, deusa
da desordem, que personifica os primórdios dos oceanos. Convocando os ventos,
Marduque entra em diálogo com Tiamate e quando ela abre a boca para contrapor, os
ventos a incham e Marduque a aniquila com a sua lança. Tiamate é dividida ao meio
sendo que metade dela forma a terra e a outra metade forma o céu. Do sangue do
conspirador auxiliar de Tiamate misturado com a terra, Marduque cria o ser humano
para fazer todo o trabalho pesado do universo, liberando as divindades de todas as
tarefas braçais. Como gesto de agradecimento a Marduque por salvá-los da perversa
Tiamate, os deuses constroem para ele a grande cidade e capital – Babilônia.
Visto a literatura babilônica ser mais antiga do que Gênesis, presume-se que as
semelhanças provam a dependência bíblica do relato babilônico. Conforme essa teoria,
Israel teria emprestado esses conceitos mitológicos dos babilônios e feito uma
adaptação à sua perspectiva monoteísta. O grande problema dessa hipótese é a
implicação que a história dos princípios em Gênesis acaba tornando-se simplesmente
mitologia. Se Gênesis for mitologia, então a consequência é que não se precisa crer que
personagens como Adão, Eva, Caim, Abel ou o próprio jardim do Éden realmente
existiram.
Embora haja semelhanças entre Gênesis e tais narrativas mitológicas, as
diferenças as superam. Estudiosos que fizeram ampla análise linguística e literária
concluíram que tal suposta dependência literária não pode ser sustentada. Aqui, como na
maioria dos relatos paralelos com Gênesis, acredita-se ser mais provável que tradições
mesopotâmicas e bíblicas tenham tido uma mesma fonte. A épica de Atrahasis, por
exemplo (início do segundo milênio) é muito similar, de novo, à narrativa bíblica da
criação. Na verdade, a épica só vem confirmar que a história básica apresentada em
Gênesis 1 – 11 era bem conhecida em todo o Antigo Oriente Próximo.
Não é fácil determinar datas para a narrativa dos primeiros capítulos de Gênesis.
Várias tentativas foram feitas, mas que resultaram em hipóteses. Usando as genealogias
de Gênesis 5 e 11 para calcular o tempo, o bispo Ussher, da Inglaterra (1654), por

34
exemplo, datou a criação do ser humano em 4004 a.C. Essa data é insustentável
visto que as genealogias não apresentam uma cronologia completa.4
Após a criação do ser humano, o episódio mais marcante é a sua queda. O
pecado e suas consequências se expandem numa rapidez impressionante. As primeiras
páginas da história já contam um caso deprimente de ciúme (Gn 4.5),
assassinato (4.8), medo (4.14), imoralidade (6.4-6) e orgulho (11.4). O impacto
dos capítulos 3 a 11 só é amenizado pelo heroísmo e devoção de uns poucos
como Abel (4.4; Hb 11.4), Enoque (5.21-14, Hb 11.5) e Noé (6.8; Hb 11.4). De
resto, há uma frase recorrente que grifa a história da queda do ser humano: “e
morreu” (5.5, 8, 11, 14, 17, 20, 27, 31). Cumpre-se o que Deus havia dito que
aconteceria caso o homem desobedecesse (2.17). Note como o pecado se espraia
rapidamente de um indivíduo (3.1) a um casal (3.12), depois a uma família (4.1-
15) e, finalmente, ao mundo todo (11.1-9).

D. O Dilúvio
A história do dilúvio é por vezes relacionada a algumas das grandes inundações
das cidades-estado do vale do Tigre-Eufrates por volta do terceiro milênio a.C. Na
verdade, a Bíblia não é a única a falar sobre um dilúvio de abrangência universal. A
narrativa babilônica do dilúvio representada na Épica de Gilgamesh, por exemplo, de
novo possui vários elementos paralelos com Gênesis. A épica está relatada em 12
tabletes de argila e apresenta similaridade com a história de Noé. Gilgamesh,
provavelmente a figura histórica do rei de Uruk por volta de 2600 a. C., rebelou-se
contra a morte depois de ter perdido seu amigo. Gilgamesh encontra-se com
Utnapishtim, o “Noé babilônico”, que relata como ele alcançou a imortalidade quando
prenunciou o plano dos deuses de destruir o mundo por meio de uma inundação.
Utnapishtim havia sobrevivido ao dilúvio em um grande barco de junco, juntamente a
sua família e pares de todos os animais.5 Infelizmente, porém, aquele era um
acontecimento que não voltaria a se repetir – o que dava a Gilgamesh poucas esperanças
de encontrar a imortalidade.

4
SCHULTZ, Samuel J. A história de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
1977, p. 13.
5
HEIDEL, Alexander. The Gilgamesh Epic and the Old Testament Parallels. Chicago:
University of Chicago Press, 1949, p.85ss.
35
Depois de falhar em três testes pelos quais ele poderia ter recebido a
imortalidade, derrotado, Gilgamesh conforma-se com o fato que a morte é inevitável e
consola-se com aquilo que conseguira alcançar.
Entretanto, as diferenças entre as narrativas são maiores e impactantes;
elas superam as semelhanças. Destacam-se o tipo de embarcação, a duração do
dilúvio, as pessoas que sobreviveram, o local de pouso da arca, o resultado para
o heroi e, especialmente, o papel dos deuses. Estes detalhes e acima de tudo uma análise
linguística e literária mostram que a dependência literária não pode ser sustentada. O
dilúvio faz parte do imaginário de inúmeros povos. Tal acontece devido à tradição oral
partilhada por vários segmentos da raça humana, todos remontando aos três filhos de
Noé. O relato genuíno está preservado apenas em Gênesis; com o passar do tempo
inadequações e falsa teologia corromperam os demais relatos.

E. Os Patriarcas
A história patriarcal (Gênesis 12-50) nos fornece algumas possibilidades de
cronologia. Grande parte dos estudiosos entende que o chamado de Deus a Abraão em
Ur da Caldeia, na Mesopotâmia, acontece num contexto geográfico e histórico
significativo. O mundo de Abraão é um mundo ativo, econômica e tecnologicamente
avançado para a sua época. Nesse período, por volta do ano 2000 a.C., além dos antigos
sumérios e acadianos dispersos pela Mesopotâmia, encontramos outros grupos
importantes como os amorreus, os hurrianos e os hititas, que começaram a se destacar
nessas terras.6
Devido ao progresso no conhecimento do Antigo Oriente Próximo no segundo
milênio, muitos estudiosos, que antes colocavam dúvidas sobre a historicidade dos
patriarcas, passaram a atribuir maior valor histórico a essas narrativas. O maior
expoente dessa perspectiva foi o teólogo e arqueólogo William F. Albright. A posição
de Albright reflete posição dominante. “Como um todo”, diz ele, “o quadro de Gênesis
é histórico, e não há motivos para duvidar da exatidão geral dos detalhes biográficos e
dos traços de personalidade que fazem com que os patriarcas surjam com uma

6
THOMPSON, John A. A Bíblia e a arqueologia: quando a ciência descobre a fé. São Paulo:
Vida Cristã, 2007, p. 35-57.
36
intensidade inexistente em nenhum personagem extra-bíblico em toda a vasta
literatura do Antigo Oriente Próximo.”7

Abraão
Para Adão Deus havia dado uma palavra necessária de precaução: “Não
comerás”; para Abraão, Ele dá uma palavra empolgante sobre uma oportunidade de
aventura: “Sai da tua terra” (12.1). Adão respondeu em desobediência (Rm
5.12), mas Abrão respondeu em obediência imediata e fé dependente. A história
de Abraão não é isenta de manchas (12.10-20; 20.1-18), mas ele era um
adorador (12.8), bondoso (13.8-11), corajoso (14.1-16), confiante em Deus
(15.6), compassivo (17.18) e homem de oração (18.16-33). A história de Abraão
começa com um chamado à obediência e termina no mesmo tema, mas com uma
ordem de tirar o fôlego. No primeiro capítulo de sua história (12) Deus pede que
saia do meio de sua parentela, mas no teste final é pedido que ofereça seu único
filho em sacrifício (22).
Em Gênesis 16.1-4, Sara entrega sua serva Hagar a Abraão para que
através desta Abraão pudesse ter um filho.8 Em Nuzi, o contrato de casamento
obrigava a esposa estéril a providenciar uma substituta para seu marido. O
SENHOR, porém, mostra que o herdeiro seria o filho nascido da relação
matrimonial entre Abraão e Sara: Isaque é o filho da promessa.

Isaque
A história de Isaque fica comprimida entre a de Abraão e Jacó. Mas as
poucas linhas nos contam como Deus providenciou uma esposa para ele (24.1-
67), fê-lo pai em resposta a uma oração sincera (25.20-21), deu-lhe alimento em
tempo de carestia (26.1-14) e ajudou-o a fazer provisão para o futuro,
induzindo-o a abrir alguns poços em terrenos desusados e negligenciados
(26.18-22). Os acontecimentos do capítulo 22 parecem colocar em risco a vida

7
ALBRIGHT, William Foxwell. The biblical period from Abraham do Ezra. New York and
Evanston: Harper and Row, Publishers, 1963, p. 5. Para análise e conclusão mais recentes, cf. KITCHEN,
Kenneth A. “The Patriarchal Age: Myth or History?” Biblical Archaeology Review, Mar/Apr 1995: 48-
57, 88, 90, 92, 94-95.
8
O mesmo aconteceria mais tarde com Lia e Raquel ao entregarem servas para o seu esposo
Jacó.
37
de Isaque e a promessa dada a Deus ao patriarca Abraão. Críticos liberais insinuam que
este evento tem por objetivo polemizar o sacrifício de crianças que, segundo eles, era
prática comum entre os israelitas até bem mais tarde. Mas não há nada no texto que
justifique essa análise. A ênfase da história não é outra senão o teste pelo qual passa “o
pai de todos os crentes”.

Jacó
Logo os episódios envolvendo Jacó passam a ter dominância na narrativa
bíblica. Rebeca, esposa de Isaque, dera à luz gêmeos (25.21-26). Esaú nasce primeiro;
mas em seguida vem Jacó. Os dois irmãos são bem diferentes tanto na aparência quanto
na personalidade. Esaú é arredio, irresponsável e irreligioso; é caçador e polígamo.
Casa-se com duas mulheres hititas, que passam a ser causa de amargura para Rebeca.
Esaú vivia para o presente. Jacó é calmo, religioso, doméstico e barganhista. Por ser
mais velho tecnicamente Esaú deve receber a bênção, mas Deus não segue o plano dos
homens. A Escritura não esconde a fragilidade do povo de Deus. Tanto Jacó quanto
Rebeca erram na tentativa de lutar por interesses próprios.
A venda da primogenitura é possibilitada segundo os padrões legais do Antigo
Oriente Próximo. Há exemplo em Mari que o filho mais velho vendeu a sua
primogenitura ao irmão mais moço por três ovelhas. Fato é que Jacó e Rebeca
conseguiram seu intento, mas essa vitória particular de cada um teve consequências:
Jacó tem de fugir e por 20 anos não pode retornar para sua casa; nunca mais vê sua mãe;
por todo esse tempo Jacó fica sem o perdão do seu irmão.
Jacó era um homem esquisito; foge aos padrões que talvez esperaríamos de um
filho de Deus e filho da promessa. Mas a história de Jacó ilustra o amor e a bondade de
Deus, que nos abençoa não porque mereçamos, mas porque Ele é gracioso. Deus se
encontra com Jacó (28.11-22), lhe providencia uma esposa (29.1-30) e filhos (30.1-26).
Jacó passa por várias dificuldades familiares (31.1-55) e muitas das tragédias que se
seguiram foram ocasionadas por sua própria falta de bom senso e amor. Mas Deus tira
dele sua autoconfiança, transforma seu caráter e muda o seu nome: “Israel”. E a partir
de então o cumprimento da promessa de Deus começa a mostrar os seus contornos.

José

38
O ciclo de José inicia no capítulo 37 sendo interrompido apenas pelo
episódio de Judá e Tamar (cap. 38) - obviamente que umas das razões do autor é
chamar a atenção para a tribo de Judá de onde virá Davi e a partir da dinastia
davídica, o Messias. Da mesma forma o capítulo 49 chamado de “Bênção de
Jacó” é importante linguisticamente devido a vários aspectos poéticos arcaicos e
ainda mais importante teologicamente em razão da referência davídico-
messiânica em conexão com a bênção dada a Judá.
Como filho predileto do pai, José era desprezado pelos irmãos. O ódio era
tão grande que José foi vendido pelos seus irmãos, acabando na terra do Egito
(37.1-35). Por causa de sua retidão e virtudes – e por que não dizer por causa da
sua fé -, foi perseguido e perdeu sua liberdade. No seu aprisionamento injusto
José se revela como e intérprete de sonhos. Ao interpretar os sonhos de Faraó,
ele é nomeado o mais alto oficial superado em poder apenas pelo próprio Faraó
(40.1-41.57). Episódios como os de José mostram como é Deus quem tem o
governo da história. Uma grande fome fez com que seus irmãos viessem de
Canaã ao Egito à procura de alimento e isso resultou no encontro da família
(42.1-46.34). José pôde cuidar de seu pai e irmãos durante todo um período
difícil (47.1-28).
Quando Jacó morre, os irmãos de José temem por suas próprias vidas.
Pensaram, como o mundo pensa, que haveria uma vingança da parte de José
(50.15). Relembrando a amargura e as tribulações que se seguiram, José faz uma
confissão de fé e confiança magníficas. Virando-se para seus irmãos ele diz:
“Vós intentastes o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem” (5020). É fácil
falar assim quando você esteve na prisão por dois anos e os causadores dessa
injustiça estão à sua frente? É possível perdoar? José sabia que Deus tinha usado
essa tragédia para Seus propósitos. No dia em que o lançaram naquele poço seco
em Dotã (37.24) eles deram início a uma série de acontecimentos ordenados por
Deus destinados a tornar seu irmão desprezado num líder e conselheiro cuja
habilidade, discernimento e fé trariam esperança e salvação a muitos.
As palavras finais de Gênesis “no Egito” são um trampolim para o livro
de Êxodo. Historicamente, entretanto, introduz um longo intervalo de tempo,
mais precisamente a “Idade das Trevas” do nosso conhecimento sobre os
israelitas.

39
Patriarcas e a arqueologia
Achados arqueológicos demonstram que os costumes descritos em Gênesis 12-
50 são autenticados por hábitos semelhantes no Antigo Oriente Próximo
contemporâneos aos patriarcas. Um exemplo de achado importante são os textos
descobertos em Nuzi. Em Gênesis 15.1-4 Abraão estava adotando seu servo Eliezer e
fazendo deles seu herdeiro. A adoção de servos era prática comum em Nuzi. Um casal
sem filhos podia adotar um filho que cuidaria deles enquanto vivessem e, em
contrapartida, receberia sua propriedade quando o casal morresse. Mas, havia uma
provisão de que se o casal viesse a ter filho depois da assinatura do documento de
adoção, o filho natural se tornaria então o herdeiro e ficaria com os “deuses” (teraphim)
do pai, que eram geralmente figuras de barro usadas na adoração familiar mas que
parecem ter-se tornado, com o passar do tempo, um documento como nossas modernas
escrituras de terreno. O dono da propriedade possuía os “deuses” e os transferia quando
a propriedade passava às mãos de outro.

ATIVIDADES
Discursiva:
Vários estudiosos do Antigo Testamento afirmam que Gênesis é
dependente da literatura babilônica. Disserte sobre essa questão chamando a
atenção para as consequências dessa suposta dependência.

Objetiva 1:
Relacione a segunda coluna com a primeira:
1. Gênesis 3 a) ( ) “Sê tu uma bênção”
2. Gênesis 12 b) ( ) “Vigie o SENHOR entre
mim e ti”
3. Gênesis 15 c) ( ) “O cetro não se arredará de
Judá, nem o bastão de entre seus pés,
até que evnha Siló; a ele obedecerão os
povos”
4. Gênesis 31 d) ( ) “Porei inimizade entre ti e
a mulher; entre a tua descendência e o
seu descendente; esta te ferirá a cabeça
e tu lhe ferirás o calcanhar”
5. Gênesis 49 e) ( ) “Ele creu no SENHOR e
isso lhe foi imputado para justiça”
40
Objetiva 2:
Ele era rico, tinha descendência e a terra onde habitava podia ser
sua pois tinha um documento que lhe assegurava esse direito. Assinale a
reposta correta:
a) ( ) Abraão
b) ( ) Ismael
c) ( ) Isaque
d) ( ) Jacó
e) ( ) José

Objetiva 3:
Os patriarcas nem sempre são padrões de moral e de comportamento que
se espera de um filho de Deus.
I. Apesar de tudo eram capazes de superar suas fraquezas diante de Deus
porque eram homens de fé inabalável.
II. Voltavam a ser aceitos por de Deus porque os atos de obediência deles
compensavam seus atos de desobediência.
III. A fragilidade humana diante de Deus só pode ser superada pelo próprio
Deus.
Marque a resposta correta:
a) ( ) Apenas I
b) ( ) Apenas II
c) ( ) Apenas III
d) ( ) Apenas I e II
e) ( ) Apenas II e III

Respostas:
1) 2-4-5-3-2
2) d
3) c

41
Capítulo 5
Êxodo

Nome
O nome do segundo livro do Pentateuco deriva-se do grego Exodos, que passou
para a Vulgata (Latim) Exodus e, daí para o português. “Êxodo’ significa “saída” (19.1).
Êxodo descreve, pois, a saída do povo de Israel do Egito, sendo o tema predominante do
livro. No cânone hebreu, o nome vem das palavras iniciais “shemoth” (“nomes”) em
1.1.

Esboço e Referências principais


Esboço Referências de capítulos
1-19 Êxodo e a Aliança 3 Chamado de Moisés (sarça)
20-40 Orientações divinas no Sinai 12 Ritual da Páscoa
(Decálogo; “Livro da Aliança; Tabernáculo;
Partes “prescritivas” x “descritivas”)
14 Êxodo
15 Cântico do Mar
20 Decálogo (=Dt 5)
20.23-23.33: “Livro da Aliança”
24 “Sangue da primeira aliança”
28-29 Vestes sacerdotais e consagração
32 Bezerro de ouro
34 Renovação da Aliança

Data do êxodo
O livro registra acontecimentos desde o nascimento de Moisés até a construção e
dedicação do tabernáculo no Sinai no segundo ano da saída do Egito (1.1; 19.1; 40.17).
Desta forma, a história do livro em si abrange cerca de 85 anos. O maior problema é
determinar o século em que os fatos associados à saída do Egito aconteceram.
Nesse debate, duas posições surgiram: os que defendem uma data mais antiga e
os que defendem uma data mais recente para o êxodo. Como apenas dois faraós do
Egito reinaram por mais de 40 anos, que corresponde ao exílio de Moisés no deserto
durante a opressão dos hebreus, seus reinados se tornaram foco de debate na datação do

42
êxodo. A posição da data mais antiga identifica Tutmosis III (1504-1550) como
o faraó da opressão e Amenófis II (1450-1425) como o faraó do Êxodo.
Defensores da data mais antiga acentuam uma interpretação literal dos números
bíblicos em Êxodo 12.40, Juízes 11.26, e 1 Reis 6.1 e recorrem à arqueologia
para fundamentar sua posição Um destes é Walter Kaiser que, ancorado em
dados historiográficos, “adota o século 15 a.C. para o êxodo, localizando-o na
18ª. Dinastia. As afirmações de 1 Reis 6.1 sustentam que o êxodo aconteceu 480
anos antes de Salomão iniciar a construção do templo em 967 a.C. Estes dados
colocam o êxodo em 1447 a.C. e a conquista em 1407 a.C.”9
Os que sugerem uma data mais recente identificam Ramsés I (1320-
1318) e Seti I (1318-1304) como faraós da opressão e Ramsés II (1304-1237)
como faraó do Êxodo. Nesse debate sobre a data do Êxodo está a questão da
interpretação de dados bíblicos e extra-bíblicos. Os proponentes da data recente
interpretam os números simbolicamente e dão prioridade às informações
históricas extra-bíblicas e à evidência arqueológica.10
Recentemente, o egiptólogo Hans Goedicke apresentou a teoria de que
um enorme tsunami varreu a costa do Mediterrâneo na primavera de 1477 a.C.
Os israelitas, fugindo da rainha Hatshepsut, estavam em terreno mais elevado
enquanto o exército de faraó estava na planície mais abaixo e, por isso, pereceu
afogado. Ele acredita que este incidente esteja reproduzido numa inscrição de
Hatshepsut. A inscrição, entretanto, afirma que os Asiáticos em fuga é que se
afogaram e que os soldados egípcios foram poupados. Segundo ele, os egípcios
mudaram os fatos por razões promocionais.
Na verdade, nenhuma evidência matemática, arqueológica ou de
interpretação bíblica pode determinar com certeza a data do êxodo. O que
sabemos é que o êxodo do Egito é um evento histórico e deve ter ocorrido em
algum tempo entre 1500 e 1200 a.C.

Conteúdo

9
KAISER, Walter C. A History of Israel: from the Bronze Age through the Jewish wars.
Nashville, Tennessee: Broadman & Holman Publishers, 1998, p. 108.
10
BRIGHT, John. História de Israel. 2.ed. rev. Euclides Carneiro da Silva, trad. São Paulo:
Paulinas, 1978, p. 158.
43
O conteúdo de Êxodo se divide basicamente em duas partes: Cap. 1-19 trata da
saída do Egito até o monte Sinai. Cap. 20-40 fala das leis que Deus revela ao povo no
monte Sinai. Embora Moisés seja o personagem humano principal das narrativas, a
verdadeira história é a obra redentora do SENHOR ao livrar o povo da escravidão do
Egito e estabelecer com ele uma aliança singular. O livro desempenha papel tão
importante para o Antigo Testamento quanto os evangelhos para o Novo Testamento. O
evento do êxodo é o coração do evangelho no Antigo Testamento e termos como
“redenção” e “cordeiro” têm seu significado teológico lincados a este episódio.
Deus faz de Israel Seu povo pelo cumprimento da Sua promessa aos patriarcas e
através deste dramático ato de salvação. O Êxodo é a base para a fé de Israel no Antigo
Testamento assim como a ressurreição de Cristo é para o cristianismo. Hoje já não se
pode mais duvidar da existência de Moisés nem da historicidade do Êxodo.

As Pragas
As pragas foram milagres da parte de Deus, não apenas desastres naturais. O
objetivo das pragas está vinculado a uma falsa concepção de Deus por parte dos
egípcios e, por causa disso, elas são enviadas para solapar o fundamento da sua crença
nas divindades. Em Êxodo 12.12, Deus diz: “... executarei juízo sobre todos os deuses
do Egito” e o livro de Números confirma que “contra os deuses executou o SENHOR
juízos” (33.4). Estudos hoje comparam as pragas à religião e aos deuses dos egípcios e
sugerem que as pragas visavam desestruturar o conceito de que os deuses egípcios
estavam no controle da história. O quadro abaixo ilustra esse aspecto.11

As pragas e os deuses do Egito

Águas transformadas em Êx 7.14-25 Knum: guardião do Nilo; Hapi: espírito


sangue do Nilo; Osíris: O Nilo era seu sangue

Rãs Êx 8.1-15 Hekt: em forma de rã, era o deus da


fertilidade

Piolhos Êx 8.16-19

11
Extraído de WALTON, John. O Antigo Testamento em quadros. São Paulo: Vida, 2001, p.
85.
44
Moscas Êx 8.20-32

Morte dos rebanhos Êx 9.1-7 Hathor: deusa em forma de vaca;


Ápis: deus em forma de boi, símbolo de
fertilidade

Úlceras Êx 9.8-12 Imotepe: deus da medicina

Granizo Êx 9.13-35 Nut: deusa do céu;Ísis: deusa da vida; Set:


deus protetor da colheita

Gafanhotos Êx 10.1-20 Ísis: deusa da vida; Set: deus protetor da


colheita

Trevas Êx 10.21-19 Rá, Aten, Hórus: deuses do sol

Morte dos primogênitos Êx 11.1-12.36 A divindade de faraó: Osíris, o deus da


vida

Faraó pergunta: “Quem é Yahweh para que lhe ouça eu a voz e deixe ir a
Israel?” (Êx 5.2). A julgar pelo fato de Israel ser escravo, o Deus de Israel é para
faraó um deus fraco; os deuses do Egito devem ser bem mais fortes. Na verdade,
Yahweh mostra a faraó e aos egípcios quem Ele é. Alguns entendem que as
pragas estejam em harmonia com os fenômenos naturais do Egito e, portanto,
todas explicáveis naturalmente.12 Kaiser resume tais tentativas em três
categorias, a saber, cósmicas, geológicas e sasonais.13 Embora algumas pragas
possam, até certo ponto, ser explicadas como decorrentes de fenômenos naturais,
outras estão além dessa possibilidade e só podem ser explicadas por meio da
intervenção sobrenatural de Yahweh. Há, por exemplo, o aspecto da
instantaneidade da sequência das pragas causada pela ordem de Moisés e Arão
(p. ex., Êxodo 8.16-17). A resposta dos magos (Êx 7.22; 8.18-19) também se
torna difícil de entender se as pragas são mera intensificação da sequência
natural dos fatos aos quais os egípcios já estavam habituados. Outra dificuldade
está em como explicar que a partir da quarta praga o povo de Israel, em Gósen,

12
HORT, G. “The plagues of Egypt” Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft 70
(1958): 48-59.
13
KAISER, Walter C. A History of Israel: from the Bronze Age through the Jewish wars.
Nashville, TN: Broadman & Holman Publishers, 1998, p. 95-101.
45
fica isento de suas consequências. Na nona praga, enquanto o território egípcio é
mergulhado em trevas, “todos os filhos de Israel tinham luz em suas habitações”
(Êx 10.21-29).
Ao menos uma delas - a morte dos primogênitos - não tem explicação
natural.14 Paul Lawrence, que procura interpretar todas as pragas como resultado de um
processo natural, com relação à morte dos primogênitos afirma: “Esta é a única praga
para a qual não há nenhuma explicação natural, constituindo uma ocorrência
inequivocadamente sobrenatural.”15
Mais tarde Deus diz que o governo de faraó tinha como finalidade demonstrar o
poder de Deus e para que o nome de Deus fosse anunciado em toda a terra (Êx 9.16).
Que este objetivo se cumpriu fica demonstrado pela constante repetição das pragas feita
pelos filisteus cerca de quatro séculos mais tarde, na Palestina (1 Samuel 4.7-9; 6.5-6;
compare também Josué 2.10).

Páscoa e a saída
A celebração da festa da Páscoa é considerada por muitos críticos liberais ainda
hoje como um tipo de festival de pastores de ovelhas nomádicos e que mais tarde foi
artificialmente associada ao Êxodo do Egito. Fato é que a Páscoa foi comemorada nas
casas particulares exatamente porque não havia ainda santuário nem sacerdotes. O
evento da Páscoa e seu ritual é um tipo da grande e maior Páscoa que acontece no Novo
Testamento. O evento da Páscoa, envolvendo o sacrifício do cordeiro e o derramamento
de sangue, apontava para frente, para a obra de Cristo, o Cordeiro Pascal (1 Coríntios
5.7). Jesus institui a Santa Ceia durante a ceia da Páscoa. A “saída” de Jesus da
sepultura na manhã da Páscoa é o cumprimento deste episódio como um todo e que
revela vitória sobre a escravidão do pecado e da morte.
O povo de Israel não seguiu diretamente do Egito para Canaã. Na verdade, em
Êxodo 13.17, Israel é advertido a não tomar o caminho mais curto seguindo através de
Qantara e o “caminho dos filisteus” na faixa de Gaza. Os arqueólogos Moshe e Trude
Dothan que escavaram por longos anos as cidades filisteias, demonstraram que em Deir

14
LASOR, William S., HUBBARD, David A., BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo
Testamento. Lucy Yamakami, trad. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 75.
15
LAWRENCE, Paul. Atlas histórico e geográfico da Bíblia. São Paulo: Sociedade Bíblica do
Brasil, 2008, p. 34.
46
El-Balah, poucos quilômetros aos sul de Gaza, havia uma fortificação egípcia,
que certamente impediria o avanço dos israelitas por aquele caminho.16
A saída do Egito é milagrosa tanto quanto a passagem pelo mar Vermelho. Tão
significativo é para Israel este evento que ele se torna um “Credo”, uma confissão de fé,
sendo mencionado na Escritura mais de 150 vezes. A rota do Êxodo é, na sua maior
parte, desconhecida e bem assim o local exato do monte Sinai. John Bright afirma
acertadamente que “a localização precisa do Êxodo tem importância tão pequena
para a religião de Israel como a localização do santo sepulcro para o
cristianismo”.17

Decálogo
Após três meses da saída do Egito, o povo de Israel chega ao monte
Sinai. Ali permanece por dois anos. É neste monte que o povo passa a ter a sua
confirmação como povo de Deus. Uma enorme gama de instrução é recebida de
Deus que, no texto, termina apenas em Números 10.33, quando o povo recebe
ordens para levantar acampamento. Aqui, na presença de Deus, fica claro que já
no Antigo Testamento o povo de Deus recebe a bênção de ser portador do
“sacerdócio universal” (Êxodo 19.5; confira 1 Pedro 2.9).
Muitas vezes se atribui ao Antigo Testamento um caráter legalista que ele
não possui. O Decálogo é tomado como exemplo dessa visão. Entretanto, é de
suma importância enfatizar que do ponto de vista da gramática, ou seja, do
próprio texto, o Decálogo é indicativo, não imperativo. Os “Mandamentos”
iniciam com a partícula negativa lo’ em hebraico e não com a partícula `al, que
resultaria no imperativo negativo.
O Decálogo não foi entregue aos assírios, babilônios ou filisteus, mas ao
povo de Israel a quem o SENHOR havia tirado da escravidão do Egito com
braço poderoso. E Israel não é mais qualquer povo ou nação; Israel agora é povo
de Deus. Assim sendo, o Decálogo não é algo que Israel precisa cumprir para se
tornar povo de Deus ou para merecer crédito diante Dele e quem sabe a
salvação. As “dez palavras”, como o texto bíblico chama (cf. Êxodo 34.28), são
orientações que Israel, assim como todos os cristãos, vão querer seguir

16
DOTHAN, Moshe e DOTHAN, Trude. People of the Sea: The search for the Philistines.
New York: Macmillan, 1992, p. 205-208.
17
BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Edições Paulinas, 1978, p. 157.
47
voluntária e espontaneamente como povo de Deus que são. Estas afirmações do
Decálogo “representam os perímetros ou fronteiras do reinado de Deus que o
crente não vai ultrapassar mas dentro dos quais ele é essencialmente livre para
responder de maneira alegre e voluntária, como é ilustrado também nas demais
“leis” ou “códigos” do Antigo Testamento.”18 É evidente que nenhum cristão jamais
pode chegar a esse padrão pois ele permanece pecador e santo. Nesse sentido o
Decálogo é um espelho que mostra a sua natureza pecaminosa, que não poderá ser
revertida pelo cumprimento de mandamentos senão apenas pela total dependência do
amor de Deus.

Livro da Aliança
Este é nome dado a Êxodo 20.22-23.33 em vista da menção dele em 24.7. A
maioria são leis “casuísticas” (“Se... então”) com inúmeros exemplos paralelos nos
códigos do Antigo Oriente Próximo. É oportuno lembrar que tais exemplos não são
“legalismos” mas exemplos de como se pode responder a determinadas situações a
partir da fé e da redenção. Visto que Israel do Antigo Testamento não é apenas um
corpo eclesiástico, vários exemplos, por vezes difícil de distinguir, dizem respeito a
Israel como unidade política.
Comentário especial deve ser feito com relação à assim chamada “lex talionis”
ou “lei do talião”, a lei do “olho por olho” em Êxodo 21.24. Vezes sem conta esta
passagem é citada para mostrar como o Antigo Testamento representa uma baixa
moralidade e um espírito de vingança em contraste com a lei do amor no Novo
Testamento. Mas esta é uma visão equivocada da narrativa bíblica. O contexto desta
passagem deixa claro que a lei visa restrição e não retribuição a sangue frio. Aqui o foco
é Israel como estado e não como igreja e o objetivo da lei é garantir equilíbrio e bom
senso tanto quanto possível na sociedade de Israel como tal.
A vingança sempre excede à ação anterior. A vingança não concorda com a
Terceira Lei de Newton que “toda ação provoca uma reação de igual intensidade e em
sentido contrário”. “A vingança”, como diria Francis Bacon, “é uma espécie de justiça
selvagem”. Se no Antigo Testamento essa lei fosse levada ao pé da letra, muitos em
Israel certamente teriam apenas um olho (ou nenhum), um braço (ou nenhum), um

18
HUMMEL, Horace D. The Word becoming flesh: an introduction to the origin, purpose,
and meaning of the Old Testament. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979, p. 74.
48
dente... Mas não há exemplo de que isso tenha acontecido como não há episódio
em que esta lei tenha sido aplicada de forma literal. Para salvaguardar a ordem, a
intenção da lei é mostrar que a punição pelo crime não deve ser excessiva mas
que deve corresponder à severidade da infração. Este princípio, na verdade, era
“uma grande vantagem para o povo, pois elevava a injúria pessoal do delito civil
a um ato criminal, impedindo retaliações excessivas (Gn 4.23-24). Dessa
maneira, elevava a dignidade das pessoas.”19
Por isso, tais casos devem ser entregues a terceiros, ou seja, aos juízes
(Êx 21.22) para que julguem com objetividade, sem favorecer o pobre ou o rico
(Êx 19.15). Os juízes deveriam proceder mais ou menos assim; “façam com que
o castigo seja equivalente ao crime, não procurem tirar vantagem indevida da
situação.” Exemplificando hoje, em acordos sobre acidentes de carro a regra é:
“para-choque por para-choque, lâmpada traseira por lâmpada traseira.” Não
procure se aproveitar do acidente para levantar fundos para a universidade dos
filhos.

Tabernáculo
O tabernáculo era um santuário portátil, formado de uma estrutura de
madeira de acácia coberta por duas grandes cortinas de linho. Uma das cortinas
cobria o recinto maior chamado Lugar Santo, enquanto a segunda cobria o Santo
dos Santos (ou “Santíssimo”), uma sala menor ao fundo do Lugar Santo,
separado por uma cortina especial. Rodeado por um átrio ou pátio aberto, o
tabernáculo compunha-se, pois, de duas partes: o `ûlam ou “Lugar Santo” e o
debîr ou “Santíssimo”. O Lugar Santo tinha 9 metros de comprimento, 4,5
metros de largura e 4,5 metros de altura. O Santo dos Santos, por sua vez,
possuía 4,5 metros de cada lado. No interior do Santo dos Santos ficava apenas a
arca da aliança - uma caixa de madeira de acácia que continha as tábuas do
Decálogo. Sobre a tampa da arca ficava o propiciatório, o lugar onde se aspergia
o sangue no Dia da Expiação (Lv 16). Acima do propiciatório ficavam dois
querubins sobre os quais o SENHOR se entronizava e de onde falava com
Moisés (Números 7.89).

19
LASOR, op. cit., p. 100-101.
49
No Santo Lugar ficava o altar de incenso, o candelabro e a mesa com o Pão da
Presença. O tabernáculo estava colocado num pátio de 45 metros por 22,5 metros,
isolado do restante do acampamento por cortinas brancas de 4,5 metros de altura. No
pátio, diante do tabernáculo fica o altar dos holocaustos e entre eles ficava o mar de
bronze. Josefo, o historiador judeu do primeiro século, entendia que o átrio do
tabernáculo representava a terra; o Santo Lugar, o céu; e o Santo dos Santos o Céu dos
Céus.20 É bem possível que esta tenha sido a compreensão dos israelitas, fazendo do
tabernáculo uma extensão terrena dos céus. Ao menos, é o que se pode depreender das
palavras de Salomão em 1 Reis 8.27; “Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os
céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa [templo] que eu
[Salomão] edifiquei.”

O Tabernáculo: Deus habitando no meio do seu povo

A descrição do tabernáculo se acha nos capítulos 25-40 de Êxodo. É importante


lembrar que o tabernáculo não é imaginação ou criação de Israel. Teologicamente
significativo é o fato que ele segue um “modelo” que foi dado pelo próprio Deus
(Êxodo 25.9). O tabernáculo e assim todo o seu ritual são um reflexo, uma miniatura,
uma cópia do templo celeste. Nos céus está o trono de Deus, mas precisa se “encarnar”
num lugar especial entre a humanidade em vista da alienação dela em pecado. A mesma
linguagem e conceito são aplicados no templo mais tarde e também a Cristo, na sua
encarnação. O Novo Testamento fala da presença visível de Deus no mundo na pessoa

20
JOSEFO, Flávio. Antiguidades, III, vi, 4.
50
de Jesus Cristo. Nas palavras do evangelista João, “o Verbo se fez carne e
habitou [“tabernaculizou”] entre nós” (João 1.14). Por isso, a igreja hoje também
tem o seu “Tabernáculo”. Não é mais um lugar; é uma Pessoa. Jesus fez seu
tabernáculo entre os homens. Ele é o nosso meio de acesso a Deus. Por meio
Dele, Deus está entre nós. Ele assegura a nós todos da presença visível do Deus
Salvador e aponta o único caminho para a nossa peregrinação neste mundo até a
terra Prometida.
Antes da construção do tabernáculo, os que dentre o povo de Israel
duvidavam diziam: “O SENHOR está entre nós ou não?” (Êx 17.17). Agora lhes
é dado um sinal visível da Sua presença, no meio do seu acampamento. As
gerações que viriam posteriormente pensariam em Cristo e diriam: “Eis que o
tabernáculo de Deus está com os homens” (Ap 21.3).
Do ponto de vista literário, há duas partes relacionadas ao tabernáculo. À
primeira vista parecem simples repetições mas na verdade os capítulos 25 a 31
formam uma secção prescritiva de como Deus orienta a construção do
tabernáculo. Já os capítulos 35 a 40 apresentam uma parte descritiva que mostra
como tudo foi construído da maneira como Deus determinara. Na primeira parte
o tempo do verbo é o futuro: “farás”, “fundirás”, “porás”. A segunda parte é um
pouco mais abreviada mas o texto é o mesmo, com mudança apenas no tempo do
verbo: “fez”, “fundiu”, “pôs”. Neste sentido há uma relação entre a construção e
e execução do tabernáculo com o conceito de profecia no Antigo Testamento.
Esta relação é como promessa e cumprimento, a saber, o que Deus promete, Ele
efetivamente executa.

Sacerdócio
A origem e desenvolvimento do sacerdócio constituem um dos temas mais
polêmicos para os estudiosos do Antigo Testamento. A visão tradicional entende o
sacerdócio como originário no período mosaico, no contexto da aliança sinaítica e,
portanto, uma instituição divina. Já a escola crítica liberal, sistematizada por Julius
Wellhausen, vê o sacerdócio numa perspectiva linear marcada por confrontos entre
grupos sacerdotais de diferentes ideologias sócio-políticas, alcançando seu estágio final
no período pós-exílico com o surgimento do sacerdócio araônico.

51
No Antigo Testamento o termo hebraico para “sacerdote” no sentido legítimo é
kōhēn. Por outro, o termo para identificar o sacerdote idólatra é kōmēr, que ocorre três
vezes no texto bíblico (2Rs 23.5; Os 10.5; Sf 1.4). Segundo a narrativa do Antigo
Testamento, o sacerdócio não era apenas levítico, mas fundamentalmente araônico.
Tecnicamente, é mais correto se pensar em sacerdócio “araônico” do que em sacerdócio
“levítico”. Arão era da tribo de Levi mas o sacerdócio propriamente inicia-se com ele e
fica restrito à sua descendência. Por isso, todos os sacerdotes são levitas, mas nem todos
os levitas são sacerdotes.
No Novo Testamento as palavras gregas para “sacerdote” (hiereus) e seu cognato
“sumo sacerdote” (archihiereus) são usadas nos evangelhos e em Atos os Apóstolos.
Todas, com uma exceção (At 14.13), referem-se a sacerdotes judeus. É também nesses
livros que se nota a hostilidade do sacerdócio judaico à pessoa e missão de Jesus. A
rejeição da doutrina da ressurreição promovida pelo partido sacerdotal dos Saduceus
serviu para exacerbar ainda mais seu antagonismo à pregação de Jesus e de seus
discípulos. Apesar disso, Atos 6.7 atesta a conversão de muitíssimos sacerdotes à fé
cristã.

a) Sacerdotes
Os sacerdotes do Antigo Testamento exerciam um papel mediador entre o povo de
Deus e o próprio Yahweh. Isto não significa que essa função inibisse qualquer iniciativa
direta do indivíduo com Deus. De uma forma especial, como ocorre nas atividades
cúlticas do cristianismo, os sacerdotes concediam o perdão de Deus àqueles que
confessavam seus pecados e ofereciam os sacrifícios de maneira adequada. Ao
determinar a aceitação de um sacrifício, o sacerdote presidia o ritual pelo qual a
expiação era feita e os pecados absolvidos (Lv 1.4; 5.15; 19.7). Embora Israel fosse
designado como “reino de sacerdotes” (Ex 19.6), nem de todos era esperado que
servissem como sacerdotes. No sacerdócio o povo estava sendo substituído e
representado perante Yahweh. Esta representatividade se materializa quando o sumo
sacerdote carrega sobre os seus ombros e seu peito os nomes das doze tribos de Israel
gravados em pedras preciosas. Ao comparecer perante o SENHOR, o sumo sacerdote
corporificava todo o Israel. Ele era o Israel reduzido a um. Nele todo o Israel era “santo
ao SENHOR” como lembrava a inscrição na lâmina de ouro da coroa que trazia em sua
cabeça (Ex 28.36; 39.30; Zc 3.5; cf. 14.20).

52
Para se sustentar, os sacerdotes dependiam quase que inteiramente das ofertas do
povo de Deus. Este sustento provinha de três fontes principais. Primeiro, uma parte
vinha das primícias do campo e dos primogênitos dos animais, juntamente com o
dinheiro do resgate pelos filhos primogênitos e pelos primogênitos dos animais impuros
(Ex 13.12-13; Nm 18.12-19). Segundo, recebiam porções dos sacrifícios: o pão da
proposição (Lv 24.5-9); parte das ofertas de cereais (Lv 2.3, 10; 6.16; 10.12-13; Nm
18.9) e das ofertas pelo pecado (Lv 5.13; 6.26); o peito e a coxa dos sacrifícios pacíficos
(Ex 29.26-28) e a pele dos animais sacrificados em holocausto (Lv 7.8). Por fim, dos
levitas os sacerdotes recebiam a décima parte do dízimo dado pelo povo de Deus (Nm
18.26-28).
Os sacerdotes (e também levitas) eram ministros da Palavra de Deus. Não apenas
presidiam os sacrifícios e festas e comungavam com o povo perante o SENHOR, como
ensinavam a Torá, ou seja, eram responsáveis pela instrução ou catequese do povo de
Deus e, vez por outra, mediavam situações de conflito de acordo com ela (Dt 17.8-13;
19.17; 21.5; 31.9). Parte de suas funções consistia também em preservar e, talvez,
copiar os textos que compunham a Escritura (Dt 31.9; cf. a atividade de Esdras). Toda
essa atividade requeria estudo e treinamento intensos. Ao menos cinco anos de
aprendizado eram necessários ao aronita que aspirasse ao ofício do sacerdócio e nele
fosse instalado aos 30 anos de idade (cf. Nm 4.3; 8.24).

b) Levitas
Os levitas são os descendentes do terceiro filho de Jacó. Nem todos os levitas
deveriam servir como sacerdotes; todos, entretanto, atuavam como auxiliares no
santuário. Dedicavam-se a esse serviço em várias frentes: (a) demonstraram ter tido zelo
perante o SENHOR (Ex 32.25-29); (b) substituíam os primogênitos de Israel, poupados
na noite da Páscoa quando da saída do Egito (Ex 13.2, 12-13; Nm 3.12-13; 8.14-16); (c)
representavam o povo de Israel como oferta movida perante o SENHOR (Nm 8.11). Ao
contrário dos demais (Js 13-19), os levitas não receberam herança de terra: Yahweh era
a sua herança (Nm 18.20). Contudo, os levitas receberam 48 cidades espalhadas por
todo o território das quais 6 eram chamadas “cidades de refúgio”, que abrigavam
pessoas que tivessem cometido homicídio involuntário. Além dos rebanhos que eram
criados ao redor dessas cidades, os levitas obtinham sustento pelo dízimo que recebiam
pelo seu status levítico (Nm 18.21-24; Dt 18.1-4; Js 13.14) e pelos mesmos benefícios

53
estendidos às viúvas, órfãos e estrangeiros (Dt 14.20-29; 16.11, 14; 26.11-13). Talvez
por julgarem desempenhar funções subalternas, muitos levitas não mais suspiravam por
retornar à Palestina após o exílio, preferindo agregar-se a outras atividades na Babilônia.

c) Sumo sacerdote
A instituição do sumo sacerdócio começa quando Moisés consagra Arão e seus
quatro filhos (Ex 28). A escolha é divina (Ex 28.1). Os filhos de Arão não se elevam no
ofício como resultado de um espírito de rivalidade e elitismo. A particularidade do
ofício está representada nos seguintes aspectos: (a) vestes especiais (Ex 28.2-39; Lv 8.7-
9), que, com a morte de Arão, eram transferidas ao seu primogênito (Ex 29.29; Nm
20.25-28); (b) unção especial (Ex 29.7; Lv 4.3, 5, 16; Nm 35.25); e (c) funções distintas
como, por exemplo, oficiar no Dia da Expiação (Lv. 16).
O sumo sacerdócio foi passado de Arão ao seu primogênito, Eleazar, cujo filho,
Fineias, recebe a aliança perpétua do sacerdócio porque também agira com zelo perante
o SENHOR (Nm 25.12-13). Fineias oficiou durante o período dos juízes. O sumo
sacerdócio foi então preenchido por Eli, provavelmente da família de Itamar, o quarto
filho de Arão. Os descendentes de Eli exerceram a função até Salomão depor Abiatar
em favor de Zadoque, descendente de Eleazar (1Rs 2.27; 1Cr 24.3), cuja linhagem
oficiaria até a queda de Jerusalém. No templo visionário, Ezequiel limitou o serviço
sacerdotal aos “filhos de Zadoque” excluindo dele todos os levitas que haviam
apostatado (Ez 44.10). Com a ausência da monarquia, abria-se a porta para a
hierocracia.
Após o Exílio, o sumo sacerdote assume muito das prerrogativas que até então
pertenciam ao rei. Em 520 a.C. o sumo sacerdote Josué e o governador davídico
Zorobabel estão lado a lado como iguais (Ag 1.1, 12, 14; 2.2, 4). Juntos iniciam a
reconstrução do templo (Ed 3.1) e dividem o governo da comunidade como “os dois
ungidos” (Zc 4.14). Aos poucos, com o fim da dinastia davídica, o sumo sacerdote
assume o controle, encabeçando o governo eclesiástico e civil. No período
intertestamental, o sumo sacerdote preside o “senado”, composto por sacerdotes,
escribas e chefes de famílias (1 Macabeus 12.6; 2 Macabeus 4.44; 11.27)- uma forma
embrionária do Sinédrio. Durante a hegemonia grega, o sumo sacerdócio passou a ser
um prêmio cobiçado por mentes inescrupulosas. A partir de então inicia-se um conflito

54
permanente entre indivíduos e grupos reivindicando a legitimidade do ofício sumo
sacerdotal.
Ao tempo do Novo Testamento, o sacerdócio como um todo, juntamente com o
sistema de sacrifícios a ele subordinado, tem sua culminância e cumprimento na pessoa
e obra de Jesus Cristo. Ele é o Grande Sumo sacerdote, um com o Pai pela sua eterna
filiação (Hb 1), e entretanto identificando-se com o ser humano pela sua encarnação (Hb
2.14-184.15; 5.1-2, 8-10). Ele é o perfeito Mediador da nova aliança (Hb 7.23-28; 8.6-
13; 9.15) que uma vez por todas fez expiação pelo pecado (Hb 9,11-28; 10.11-18) e
abriu as portas do santuário eterno para todos os seres humanos.
O livro de Êxodo termina com a consagração do tabernáculo pela descida
da mesma “glória” (kavod, no hebraico) que havia trazido o povo de Israel do
Egito e que passa a ter residência permanente sobre o propiciatório, no Santo dos
Santos. Logo, o significado primordial do tabernáculo e do templo como o tipo
maior da encarnação, com a consumação que nos aguarda no fim dos tempos é
uma certeza que não pode deixar de ser enfatizada.

ATIVIDADES
Explique o que John Bright quer dizer ao afirmar que “a localização
precisa do Êxodo tem importância tão pequena para a religião de Israel como a
localização do santo sepulcro para o cristianismo”.

Objetiva 1:
Relacione a segunda coluna com a primeira:
1. Êxodo 3 a. ( 3 ) “Vós me sereis reino de sacerdotes e
nação santa”
2. Êxodo 8 b. ( 5 ) “SENHOR, SENHOR Deus compassivo,
clemente e longânimo e grande em misericórdia
e fidelidade”
3. Êxodo 19 c. ( 2 ) “Para que saibas que eu sou o SENHOR no
meio desta terra”
4. Êxodo 20 d. ( 1 ) “Eu sou o que Sou”
5. Êxodo 34 e. ( 4 ) “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirou
da terra do Egito, da casa de servidão”

Objetiva 2:

55
Um dos seguintes argumentos é empregado pelos defensores da data mais antiga
para o êxodo. Assinale a resposta correta:
A. ( ) Os números bíblicos são interpretados simbolicamente e, por isso, há
elasticidade que possibilita uma data antiga.
B. ( ) A construção do templo mencionado em 1 Reis 6.1 seria uma das
referências principais.
C. ( ) Inúmeras inscrições, e inclusive o achado da múmia de Ramsés II,
testemunham essa data.
D. ( ) Uma série de descobertas arqueológicas no Egito atestam a veracidade da
data.
E. ( ) A estela de Merneptá conecta Israel diretamente ao episódio do êxodo.

Objetiva 3:
As pragas que sobrevieram ao Egito até podiam ser interpretadas como
manifestações fenomenológicas. Há consenso entre os estudiosos que uma delas,
entretanto, não se explica naturalmente. Assinale a resposta correta:
A. ( ) Águas transformadas em sangue
B. ( ) Granizo
C. ( ) Morte dos primogênitos
D. ( ) Trevas
E. ( ) Morte dos rebanhos

Respostas:
1) 3-5-2-1-4
2) b
3) c

56
Capítulo 6
Levítico

Nome
Israel está no monte Sinai, mas está a caminho; ali não é a terra
Prometida. A missão de Deus não acontece no deserto. No deserto pode
acontecer o preparo, a formação para a missão de Deus. Mas o povo de Deus de
ontem e de hoje precisa tornar-se fonte de bênçãos salvadoras para todas as
nações (Gênesis 12.3), compartilhando sua redenção com todos os povos, e para
isso necessita engajar-se no mundo e na sociedade. Ademais, o Sinai não é a
terra da promessa; ela fica mais acima, em Canaã.
Canaã, entretanto, é uma terra de religião pagã. O monoteísmo Javista vai
se defrontar com diferentes nuanças do politeísmo. Fazer missão no mundo
envolve dois aspectos. O primeiro é simplesmente é fazer uma abordagem
natural e apresentar a pessoa abordada ao SENHOR e dizer quem Ele é, o que o
SENHOR fez por Israel e pode fazer por esta e aquela pessoa. O segundo
aspecto é fazer missão num contexto hostil. Israel, aparentemente, estava mais
exposto a esta situação – talvez como nós ainda hoje. E para isso, necessário se
faz estar preparados “para responder a todo aquele que vos pedir razão da
esperança que há em vós” (1 Pedro 3.15).
Levítico é o nome do terceiro livro do Pentateuco. O nome hebraico do
livro é extraído do primeiro versículo vayiqra’, “E chamou”. O nome “Levítico”
deriva-se do nome dado pela LXX Levitikós, daí para a Vulgata Leviticus e,
então, para o português: Levítico.

Propósito
No monte Sinai a nação teocrática foi organizada, a aliança ratificada e o
tabernáculo erigido. Mas antes que o povo continue sua viagem à terra
Prometida, precisa receber orientação quanto ao culto no tabernáculo quanto à
conduta como povo de Deus. Logo, para ser bem compreendido, Levítico
pressupõe o conteúdo de Êxodo.

Esboço e Referências principais

57
O esboço de Levítico pode ser elaborado de várias maneiras. Eis uma delas:

Santo dos
Santos
4. Povo é perdoado no DIA DA EXPIAÇÃO. Cap. 16

3. Povo é ensinado a viver vida 5. Povo é despedido para viver vida


santificada diante de Deus e dos homens. santificada diante de Deus e do mundo.
Cap. 11-15 Cap. 17 - 26

2. Sacerdotes são consagrados para 6. Povo é instruído a trazer os problemas


trazer a oferta do povo ao SENHOR. Cap. diante de Deus. Cap. 27
8-10

1. Pecadores vêm a Deus em busca


de perdão, comunhão e ação de graças.
Cap. 1-7.

Os sacrifícios
Os capítulos 1-7 contêm a mais longa orientação sobre sacrifícios na Bíblia.
Tudo o que era trazido ao SENHOR como oferta devia ser cerimonialmente puro. Do
reino animal: bois (gado), ovelhas, cabritos, pombas podiam ser sacrificados; do reino
vegetal: cereais, vinho e azeite.
Sacrifício animal era oferecido em lugar, ou como substituto, do pecador. A
imolação do animal, seu sangue, na verdade não expiavam o pecado. Antes, o sacrifício
apontava para frente, para o Sacrifício que viria, cujo sangue derramado iria
efetivamente expiar os pecados do mundo todo. Pelo sacrifício do animal e pela fé no
que o sacrifício antecipava, o crente no Antigo Testamento recebia perdão dos pecados.
Jamais era o caso de o ofertante “obter” perdão simplesmente por realizar um ato
mecânico sacrificando um animal para Deus. O sacrifício era acompanhado por um
coração arrependido e confiante na graça divina.
Os capítulos 1-7 apresentam os principais tipos de sacrifício, culminando com
orientações suplementares especialmente a respeito dos sacerdotes. O capítulo 1
descreve o sacrifício do Holocausto (ou “ofertas queimadas”) onde praticamente todo o
animal era consumido sobre o altar.

58
Capítulo 2 fala da Oferta de Manjares (grãos) onde apenas a “porção
memorial” era queimada e o resto destinado para o salário dos sacerdotes.
Capítulo 3 descreve a Oferta de Comunhão (ou Sacrifícios Pacíficos),
dividida em 3 partes: uma para ser queimada, outra para ser dada aos sacerdotes
e a terceira parte retornava ao ofertante para a subsequente “oferta de
comunhão” nos recintos do templo (cf. 7.11-36).
Capítulos 4-5 tratam da Oferta pelo pecado e Oferta pela culpa. Estes
são difíceis de serem distinguidos. Aparentemente a Oferta pela Culpa dizia
respeito mais à “culpa-crime”, ou seja, mais ao aspecto político do que
eclesiástico em Israel. Daí o fato que , além do sacrifício do animal, uma
restituição monetária era também requerida. A Oferta pelo Pecado era distinta
dos demais pelo proeminente uso de sangue (que variava com a ofensa e o
ofensor) e pela queima da carcaça fora do arraial (cf. Hebreus 13.12). Nesse
contexto, a passagem mais clara no Antigo Testamento sobre o papel do sangue
como o que carrega a vida, oferecido vicariamente em sacrifício pela vida
humana, está em Levítico 17.11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-
lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o
sangue que fará expiação pela vida.”

O ritual dos sacrifícios


O livro de Hebreus, especialmente, nos diz que o sacerdócio do Antigo
Testamento era um tipo de Cristo que era (e continua sendo) Sacerdote, Profeta e
Rei (cf. Hebreus 8.1). Os sacerdotes ofereciam sacrifícios; Cristo ofereceu um
sacrifício – sacrifício que expiou os pecados do mundo inteiro. Os profetas
intercederam pelo povo; Cristo intercede pelo Seu povo (p. ex., Romanos 8.34).
Com respeito ao sacrifício de animais e a cerimônia de expiação, a
palavra hebraica para expiação vem do verbo kafar, que significa cobrir. A
expiação significa que o castigo que cobre o pecador é transferido para cobrir
outro objeto. Com o sacrifício envolvendo expiação, o animal era imolado e pelo
derramamento do seu sangue descrevia o julgamento divino sobre a morte como
punição pelo pecado. Cada etapa do ritual do sacrifício tipificava algum aspecto
da obra expiatória de Cristo (Hebreus 10.11-12). O ritual do sacrifício, de uma
forma geral, consistia dos seguintes passos:

59
1. O animal trazido pelo ofertante devia ser macho e sem defeito. O melhor
deve ser dado a Yahweh. Apenas Aquele que é perfeitamente puro pode levar os
pecados dos outros (1 Pedro 1.19).
2. O ofertante impõe a mão sobre a cabeça do animal (Lv. 1.4). Este gesto
sinaliza a transferência da culpa do culpado (ofertante) para o inocente (o animal).
Assim, o animal se torna o substituto do ofertante. Cristo foi feito pecado por nós (2
Coríntios 5.21).
3. O animal é imolado pelo ofertante e no lugar do ofertante. O sangue
representa a vida do animal: Levítico 17.11. Novamente, este gesto aponta para frente,
para o sacrifício de Cristo, que aconteceu uma vez por todas.
4. A vida sacrificada era então entregue a Deus por meio da aspersão e
queima sobre o altar (Levítico 1.6-9; Êxodo 24.6; cf. Efésios 5.2).
5. Há, no ritual, indicação de que a comunhão de Deus com os homens
estava sendo mantida. Parte do sangue do sacrifício podia ser aspergida sobre o povo
(Êxodo 24.6; 19.6-8; cf. Êxodo 24.11).21
Poucas partes da Bíblia são tão pouco lidas como as que compõem o livro de
Levítico, exatamente por causa do entrelaçado sistema de sacrifícios. Intérpretes da
teologia liberal, por vezes, olham para os sacrifícios como elemento mágico no culto de
Israel. Mas o fato é que o pecado é uma realidade triste e cruel e que não pode ser
ignorada. O pecado corrompe o ser humano na sua integridade, corpo e alma, e o
remédio para esta cura deve ser correspondente: tem preço e é chocante.
Exteriormente os sacrifícios de Israel tinham muito em comum com os
sacrifícios de outras nações. Podiam até ser confundidos com eles. Mas funcionalmente,
no que respeita aos motivos, eles são “sacramentos”, são meios da graça, ordenados por
Deus, para expiar o pecado. Não são mágicos. A fé deve estar envolvida. O rito sem fé
não agrada a Deus. A lei cerimonial servia como meio pelo qual a fé no Salvador que
viria podia ser exibida, antes da Sua real encarnação. Contudo, o ritual era eficaz apenas
quando acompanhado da fé do ofertante. Tinham valor para a pessoa apenas se ela
depositasse fé no que a cerimônia significava. Os sacrifícios oferecidos por descrentes, e
por isso mesmo impenitentes, eram uma abominação ao SENHOR (cf. Provérbios 15.8;

21
PAYNE, J, Barton. The Theology of the Older Testament. Grand Rapids, MI: Zondervan
Publishing House, 1974, p. 383-385.
60
21.27). Não é muito diferente do cristão hoje que recebe perdão por meio da
Santa Ceia. É claro que o povo recebia perdão também fora dos atos cerimoniais,
por meio da fé.
Interpretações sobre o sentido das coisas “puras” e “impuras” são muitas e
insuficientes. A mais comum, conforme alguns, seria por razões higiênicas.22 Mas o
texto não oferece explicação de qualquer natureza senão que esta é a vontade de Deus.
A explicação mais plausível seria considerar as coisas impuras como
representando a separação de Israel do paganismo, enquanto as puras como tipos
da “nova criação”.

Dia da Expiação
O capítulo 16 é o ponto climático do livro de Levítico: é o Dia da
Expiação (Yôm Kippur), única vez mencionado na Escritura. O livro de Hebreus,
de forma especial, expõe o antítipo cristológico do ritual. O aspecto principal é o
fato de assim como o Dia da Expiação ocorre apenas uma vez ao ano, o
sacrifício de Cristo ocorre uma vez para sempre.
No Dia da Expiação há três purificações envolvidas. Primeiro, o sumo
sacerdote que, como o pastor, não está isento de pecado faz sacrifício de um
novilho pelo seu próprio pecado. Na medida em que leva uma porção do sangue
ao Santo dos Santos, ele também purifica o santuário e o altar do holocausto. Em
cada um desses dois ritos de purificação o sumo sacerdote entra no Santo dos
Santos, onde o SENHOR estava entronizado acima dos dois querubins, sobre a
arca da aliança. Ali aspergia o sangue da aliança sobre a tampa do propiciatório.
Depois aspergia sangue no altar do holocausto para purificá-lo.
No Dia da Expiação acontecia também o ritual dos dois bodes,
escolhidos por sorte. Um bode é destinado para Yahweh e é sacrificado por todo
o povo. O outro bode não é sacrificado, mas é enviado ao deserto, para
“Azazel”, para ali morrer. Este episódio acontece depois que os pecados da
congregação de Israel tivessem sido confessados sobre ele e sobre ele
transferidos. A expressão “bode emissário” é expressão que vem desde Jerônimo
que considerou uma fusão de termos e optou por essa tradução. “Azazel”,

22
HARRISON, R. K. Introduction to the Old Testament: with a comprehensive review of
Old Testament studies and a special supplement on the Apocrypha. Grand Rapids, MI: William B.
Eerdmans Publishing Company, 1973, p. 603-607.
61
entretanto, parece ser nome próprio dado a Satanás ou a um de seus anjos-demônio.
Desta forma pecado e impureza retornam à sua fonte, o pai da mentira: lá é o seu lugar.

A conexão aos capítulos 17 a 26 é natural. Klostermann, em 1877, denominou


este conjunto de capítulos como “Código de Santidade” (do inglês “Holiness Code”, daí
a sua abreviação para “H”). Esta sigla ainda é empregada hoje por questão prática
mesmo sem levar em consideração os argumentos de Klostermann e outros críticos que,
por premissas evolucionistas, transportam esta secção para o período pós-exílico.
Uma passagem, ao menos, merece destaque no “Código da Santidade”. Trata-se
de Levítico 17.11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o
altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação pela
vida”. 23 Neste versículo se faz um jogo com o termo vida ou pessoa (a palavra nefesh
significa uma ou outra). A fonte de vida é o sangue. Quando o sangue de um animal é
derramado em sacrifício, esse animal dá a vida pela pessoa que pecou. A vida do animal
é derramada na morte – é a penalidade por causa do pecado – de modo que o ofertante
possa continuar vivo. Há, portanto, um elemento de substituição, um sacrifício vicário,
na dinâmica do sacrifício. O princípio é vida por vida, significando que a expiação é
alcançada sobre um fundamento sólido e justo. Cumprir um ritual não garante perdão
automático. Isso implica que antes de prover o perdão, Deus sonda os motivos da
pessoa que faz o sacrifício. O Antigo Testamento não ensina nenhum conceito mágico
de sacrifício. O ofertante confia na misericórdia do SENHOR para obter aceitação e
perdão. Pela fé, olhando além do sacrifício, o ofertante vislumbrava o sacrifício maior e
completo do “Cordeiro de Deus, que tira o pecado dele e do mundo inteiro” (João 1.29).

ATIVIDADES
Discursiva:
Escreva sobre as diferenças que havia entre os sacrifícios de Israel
e os sacrifícios dos cananeus. O conceito de sacrifício em Israel era uma
forma de barganhar com Deus?

Objetiva 1:
Relacione a segunda coluna com a primeira:

23
Tradução livre, a partir do original.
62
1. Levítico 4 a) ( ) “E da tua descendência não darás
nenhum para dedicar-se a Moloque, nem
profanará o nome de teu Deus.”
2. Levítico 9 b) ( ) “Amarás o teu próximo como a ti
mesmo.”
3. Levítico 16 c) ( ) “... e o sacerdote por eles fará expiação,
e eles serão perdoados.”
4. Levítico 18 d) ( ) ... depois Arão levantou as mãos para o
povo e o abençoou.”
5. Levítico 19 e) ( ) “Arão porá ambas as mãos sobre a
cabeça do bode vivo e sobre ele confessará todas
as iniquidades dos filhos de Israel, todas as suas
transgressões e todos os seus pecados.”

Objetiva 2:
No ritual do holocausto, a imolação do animal era feita por:
a) ( ) Ofertante
b) ( ) Rei
c) ( ) Sacerdote
d) ( ) Levita
e) ( ) Sumo sacerdote

Objetiva 3:
Leia Levítico 1 e numere, em ordem sequencial, o ritual do sacrifício:
1. ( ) Imolação do animal
2. ( ) Esfolamento do animal
3. ( ) Aspersão do sangue
4. ( ) Imposição de mãos
5. ( ) Queima em holocausto

Respostas:
1) 4-5-1-2-3
2) a
3) 4-1-3-2-5

63
Capítulo 7
Números

Nome
O título hebraico do livro, “no deserto”, vem do primeiro versículo. O nome é
adequado porque o livro de Números registra fatos importantes associados ao período
da peregrinação no deserto antes da morte de Moisés e da conquista da Terra Prometida.
“Números” é tradução do título adotado pela LXX, Arithmoi, que reflete os dois censos
ordenados por Deus e descritos nos capítulos 1 e 26.

Contexto histórico e geográfico:


O livro de Números começa com uma orientação que Deus dá a Moisés no
monte Sinai no primeiro dia do segundo mês do segundo ano da saída do Egito. No
décimo segundo dia desse mês, “a nuvem se ergueu de sobre o tabernáculo da
congregação”. E então os filhos de Israel levantaram acampamento do monte Sinai
(Números 10.11 e ss.). Deuteronômio começa com uma referência ao primeiro dia do
décimo primeiro mês do quadragésimo ano, ou cerca de 38 anos, 8 meses e 10 dias após
a saída do Sinai. O livro de Números, portanto, cobre um intervalo de 38 anos e 9 meses
– o período da peregrinação pelo deserto.

Esboço e referências
1.1-10.10 Preparação para deixar o Sinai 6.22-27 Bênção araônica
10.11-21.9 Do Sinai ao vale do Jordão 13-14 Espias em Canaã
21.10-36.13 As planícies de Moabe 21 A Serpente de Bronze
24 Oráculos messiânicos de Balaão

Cronologia de Israel após a saída do Egito


É possível estabelecer, pela narrativa de Êxodo a Josué, uma cronologia para
marcar o desenvolvimento da história de Israel após a saída do Egito.24
Saída do Egito 15º dia do 10 mês Êx 12.2,5; Nm
33.3

24
HILL, Andrew e WALTON, John. Panorama do Antigo Testamento. Lailah de Noronha,
trad. São Paulo: Editora Vida, 2006, p. 130.
64
Chegada ao monte Sinai 10 dia do 30 mês Êx 19.1
Yahweh se revela no Sinai 30 dia do 30 mês Êx 19.16
Conclusão do tabernáculo 10 dia do 10 mês do 20 ano Êx 40.1, 16
Orientação para o censo 10 dia do 20 mês do 20 ano Nm 1.1
Partida do Sinai 200 dia do 20 mês do 20 ano Nm 10.11
Chegada a Cades 10 mês do 400 ano Nm 20.1
Morte de Miriã 10 mês do 400 ano? Nm 20.1
Morte de Arão (30 dias de luto) 10 dia do 50 mês do 400 ano? Nm 20.29
Saída para Moabe 10 dia do 60 mês do 400 ano Nm 20.22; 21.4
Discurso de Moisés em Moabe 10 dia do 110 mês do 400 ano Dt 1.2,3
Morte de Moisés (30 dias de luto) ? Dt 34.8
Josué e Israel entram em Canaã 100 dia do 10 mês do 410 ano Js 1.19

O Texto
O censo ordenado por Deus serve para confirmar o cuidado providencial do
SENHOR pelo Seu povo enquanto ainda este se achava cativo no Egito e o
cumprimento das promessas feitas a Abraão sobre um “grande povo” (Gn 12.2; 17.5,6).
A longa viagem do Sinai a Cades e os acontecimentos relacionados a ela também
destacam a fidelidade divina (p. ex., a provisão por meio do maná e codornizes, Nm
11.4-15) e a insensatez da rebelião contra Deus, como a empreendida por Corá (Nm 16).
O simbolismo da organização do acampamento no capítulo 2 é significativo
tanto teologica quanto militarmente. O tabernáculo está no centro e 3 tribos acampadas
em cada um dos 4 lados, com Judá, messianicamente sendo posicionada no lado leste do
acampamento. Os capítulos 3 e 4 descrevem a divisão de tarefas entre as famílias
levíticas de Gerson, Coate e Merari. O diagrama abaixo indica a posição de cada grupo
no acampamento:

Aser

Naftali
Manassés Meraritas Moisés Issacar
EFRAIM Gersonitas TABERNÁCULO Arão e filhos JUDÁ
Benjamim Coatitas Zebulom

65
Simeão
RÚBEN
Gade

O capítulo 6 se destaca pelo voto voluntário do nazireado, representado por um


tipo exemplar de santidade ideal não muito diferente do ideal monástico da igreja da
Idade Média, embora sem os pressupostos questionáveis desta. O período de tempo de
um voto podia mudar, mas uma vez feito Deus exigia cumprimento (6. 21). Hoje
também fazemos voto: batismo, confirmação, casamento. Quando fazemos um voto,
cumprimos o voto e nesse processo honramos a Deus.

A Bênção
Depois de apresentar novas orientações para ao acampamento (cap. 1-6), o
SENHOR acrescenta uma bênção para o povo. A tríplice repetição do nome divino (cf.
Sl 24.8-10; 113.1; 136.1-3) antecipa o tríplice nome que Jesus emprega em Mateus
28.19, a base para a doutrina da Trindade. A primeira cláusula de cada linha da bênção
evoca um movimento de Deus em relação a Seu povo; a segunda cláusula evoca Suas
ações. É oportuno chamar a atenção que apenas os sacerdotes tinham permissão para
dizer a Bênção Araônica, como o próprio nome indica. A bênção segue uma fórmula
empregada por Arão quando ele “levantou as mãos para o povo e o abençoou” (Lv
9.22). O ritual em Levítico 9 era a consagração de Arão. A ocasião específica da bênção
em Números 6 não é fornecida. Talvez fosse proferida no final de cultos regulares no
tabernáculo. O uso frequente da bênção se observa pelos ecos que aparecem nos Salmos
e por uma inscrição da bênção em amuletos de prata encontrados numa caverna-
sepultura em Ketel Hinom, nas imediações de Jerusalém.25
Em Números 10.11 o povo de Deus finalmente levanta acampamento e deixa o
Sinai. Logo adiante, no capítulo 21.9 o povo chega a Moabe. Isto quer dizer que a maior
parte dos 40 anos no deserto se acha comprimida nestes poucos capítulos do livro de
Números. Aparentemente a maior parte dos 40 anos se passou ao redor do oásis de
Cades (ou Cades-Barneia). O nome “Cades”, em si, significa “santo” provavelmente

25
BARKAY, Gabriel. “The Riches of Ketef Hinnom.” Biblical Archaeology Review 35
(Jul/Aug Sep/Oct 2009): 22-28, 30-33, 35, 122-126.
66
sugerindo uma associação sacra (pagã evidentemente) mesmo antes de os israelitas
peregrinarem pelo local.
A peregrinação do povo de Deus está diretamente vinculada ao movimento da
arca. A peregrinação é uma procissão, tendo a arca como guia, sendo conduzida pelos
sacerdotes. A procissão não se trata de uma imitação pagã como se arca fosse um
“paládio de batalha”, ou seja, uma espécie de representação de divindade que protegia o
povo, como sugerem alguns. 26 A arca sinaliza a presença do SENHOR. A “encarnação”
do SENHOR é descrita em dois trechos poéticos em Números 10.35-36 por vezes
chamados de “Cântico da Arca”. O texto diz assim: “Partindo a arca, Moisés dizia:
Levanta-te, SENHOR, e dissipados sejam os teus inimigos, e fujam diante de ti os que
te odeiam. E, quando pousava, dizia [Moisés]: Volta, SENHOR, para os milhares de
milhares de Israel.” Este exemplo, como vários outros, lembra que Israel no deserto era
uma “igreja militante”. Ecos deste cântico aparecem também no Saltério, mais
precisamente nos Salmos 68.1 e 92.9.
Os capítulos 13 – 14 descrevem o reconhecimento de Canaã pelos 12 espias. O
relatório dos espias induz à incredulidade e é recebido com incredulidade. (13.27-29). O
relato amedronta os incautos: povo poderoso, cidades grandes e fortificadas, homens de
grande estatura, terra de gigantes, terra que devora seus moradores. Diante deles, somos
gafanhotos. Que baixa autoestima na presença de Deus!. Nem a palavra confiante e
proativa de Josué e Calebe demove o povo de sua cegueira e insensatez. A intervenção
da “glória do SENHOR” impede o apedrejamento de ambos.

Rebeliões
A narrativa é pontuada por outras rebeliões espacialmente contra Moisés e sua
autoridade. Em Números 12 Miriã e Arão se opõem ao casamento de Moisés com a
mulher “cuxita” – cujo termo pode ser traduzido por “negra”, mas que aqui pode
simplesmente significar “Midianita”. Não sabemos se a expressão se refere a Zípora ou
a outra mulher. Mais adiante, no capítulo 16, os agitadores são Corá, Datã e Abirã. O
ponto climático desse processo negativo é a rebeldia de Moisés contra o próprio Deus
junto às águas de Meribá (20.7ss.). Este ato passa ser um dos motivos porque Moisés
não entra na Terra Prometida. É preciso lembrar que o pecado de Moisés foi além da

26
CROSS, Frank Moore. “The divine warriors in Israel’s early cult”. Em Biblical Motives.
Alexander Altmann, ed. Cambridge, MA: Harvard University, 1966, p. 27. Cf. DeVAUX, R. Instituições
de Israel no Antigo Testamento. Daniel de Oliveira, trad. São Paulo: Editora Teológica, 2003, p. 298.
67
simples desobediência à ordem divina de falar em vez de ferir a rocha. A ira e a
autopromoção de Moisés equivalem a insubordinação, pois ele, assim como Arão,
usurpam o lugar preeminente de Yahweh perante Israel (Nm 20.2-13). O castigo
infligido a Moisés, a saber, a negação da entrada em Canaã, se justifica dada a natureza
da responsabilidade associada a quem exerce a liderança no Antigo Testamento e o
julgamento divino coerente de rebelião em outros trechos no livro de Números.

Novilha vermelha
Uma passagem difícil em Números, mas que não pode deixar de ser mencionada
é a da novilha vermelha (cap. 19). A água preparada das suas cinzas era usada
especialmente para remover a contaminação com um cadáver. Nessa questão, não são
poucas as interpretações alegóricas e ênfases nas analogias mágicas. Mas são tentativas
frágeis e sem sucesso. Na perspectiva teológica, como deve ser vista a Escritura, as
cinzas da novilha vermelha não são outra coisa senão um meio da graça para livramento
do poder e domínio da morte, o oposto da vida, da santidade e da plenitude. O livro de
Hebreus expõe o seu significado tipológico: “... se a cinza de uma novilha, aspergida
sobre os contaminados, os santifica, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue
de Cristo que, pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus,
purificará a nossa consciência de obras mortas para servirmos ao Deus vivo!” (9.13-14).

A Serpente de Bronze
Após a vitória sobre o rei de Arade, hoje descoberta pela arqueologia, Israel
parte do monte Hor, rodeia a terra de Edom, a caminho de Canaã. O trajeto é árduo e
longo e a paciência do povo é curta. Murmura contra Moisés, contra Deus e contra o
maná, esse “pão vil” (21.5). Deus envia serpentes abrasadoras e a salvação do povo só é
mediada pela Serpente de Bronze cuja tipologia está em João 3.14 e que apresenta o
evangelho em miniatura.
Os críticos interpretam esta história como uma etiologia que procura atribuir
origem mosaica a Neustã, a serpente de bronze no templo destruída por Ezequias (2
Reis 18.4). Para os críticos Neustã seria um resquício sincretista de um culto à serpente
amplo e antigo, aliás bem documentado pela arqueologia. Na verdade, para ficar na
interpretação teológica muito bem lembrada na liturgia da Semana Santa, a serpente de

68
bronze significa que “a serpente que venceu pela árvore do jardim seja da mesma
forma vencida pela árvore da cruz.”27
Uma das cenas finais mais marcantes antes da entrada na Terra Prometida
é a maciça apostasia em Sitim (Nm 25). Balaão é contratado por Balaque, rei
moabita, para amaldiçoar Israel e assim ajudá-lo na batalha (Nm 22.1-6). A
princípio o SENHOR ordena que Balaão não acompanhe Balaque; mais tarde
deixa o vidente seguir Balaque até o acampamento de Israel. Ironicamente,
Balaão acaba abençoando Israel e amaldiçoando Moabe, Edom e Amaleque.
Mais tarde Balaão une-se aos midianitas e consegue indiretamente
amaldiçoar Israel incitando-o a participar da idolatria e imoralidade no culto a
Baal em Peor (Nm 25 1-3). A imoralidade penetra até o Santo dos Santos (25.8)
onde Fineias, neto de Arão, põe fim à licenciosidade no acampamento. No Novo
Testamento, Balaão é citado como exemplo de falso profeta corrompido pela
ganância e pelo desejo do lucro (Judas 11).28
Começando com o segundo censo (Nm 26), o livro de Números termina
com uma série de material estatístico, grande parte antecipando a conquista da
Cisjordânia. A decisão inovadora de Moisés no caso da herança das filhas de
Zelofeade se constitui num exemplo de como o SENHOR revoluciona o costume
legal do Antigo Oriente Próximo ao lidar com os hebreus como povo especial
(Nm 27.1-11; 36.1-13). Na lei mesopotâmica, as filhas em geral não herdavam
partes do patrimônio da família. Mas a orientação divina eleva a posição das
mulheres na sociedade israelita, ao contrário dos povos vizinhos e passa a ser
mais uma indicação da intenção divina em cumprir suas promessas relativas à
terra da aliança (Nm 33.50-36.1; cf. Gn 12.1; 17.8).
Outro exemplo que contrasta com a cultura do Antigo Oriente Próximo
está em Números 35. A liberdade divina para agir fora dos padrões culturais da
época é demonstrada no estabelecimento das “cidades de refúgio” para os

27
Culto Luterano: Liturgias. Comissão de Culto da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Org.
e Rev. Porto Alegre: Editora Concórdia, 2010, p. 26.
28
Um texto mural descoberto pela arqueologia em 1969 em Deir `Alla, na margem oriental do
Jordão, pode trazer mais esclarecimentos à história de Balaão. Na parede, o texto foi inscrito em preto e
vermelho mas devido ao impacto de um terremoto ficou bastante danificado. Datado em c. 800 a.C., fala
da história de uma mensagem transmitida a Balaão, filho de Beor, por mensageiros de El, o deus supremo
dos cananeus. Embora o texto não tenha sido completamente decodificado, observações preliminares
acerca do seu significado bíblico podem ser buscados em HACKETT, Jo Ann. “Balaam”. In: David Noel
Freedman, ed. The Anchor’s Bible Dictionary. V. 1. New York: Doubleday, 1992: 569-572.
69
culpados de homicídio involuntário ou acidental (Nm 35.9-28; cf. Dt 4.41-43; 19.1-13;
Js 20-21). O conceito de abrigo do homicídio involuntário foi criado para se opor ao
costume de vingança de sangue do Antigo Oriente Próximo, na qual o parente mais
próximo da vítima era obrigado a vingar a morte do membro da família ao matar o
homicida. A instituição das cidades de refúgio era única no mundo antigo e elevou a
vida social e moral hebraica a um nível superior ao das nações circunvizinhas.

ATIVIDADE
Disserte sobre o que a interação do SENHOR com um profeta pagão como
Balaão revela sobre Sua intervenção divina na história.

Objetiva 1:
Relacione a segunda com a primeira:
1. Números 6 A. ( ) “Perdoa, pois, a iniquidade deste povo, segundo a
grandeza da tua misericórdia e como também tens
perdoado a este povo desde a terra do Egito até aqui.”
2. Números 8 B. ( ) “Disse o SENHOR a Moisés: Faze uma serpente
abrasadora, põe-na sobre uma haste, e será que todo
mordido que a mirar viverá.”
3. Números 14 C. ( ) “O candelabro era feito de ouro batido desde o
seu pedestal até às flores; segundo o modelo que o
SENHOR mostrara a Moisés, assim ele fez o
candelabro.”
4. Números 21 D. ( ) “... uma estrela procederá de Jacó, de Israel
subirá um cetro que ferirá as têmporas de Moabe e
destruirá todos os filhos de Sete.”
5. Números 24 E. ( ) “O SENHOR te abençoe e te guarde.”

Objetiva 2:
A narrativa do livro de Números compreende um período de tempo de cerca de:
A. ( ) 2 anos
B. ( ) 12 anos
C. ( ) 20 anos
D. ( ) 38 anos
E. ( ) 40 anos

Objetiva 3:

70
Balaão é um personagem marcante na história do povo de Israel. Em o Novo
Testamento ele tem menção específica, onde é qualificado como (Marque uma
resposta):
A. ( ) Aquele amaldiçoou Israel para dar a vitória a Balaque.
B. ( ) Falso profeta cujo objetivo visava a ganância.
C. ( ) Aquele que abençoou Israel e é louvado por sua iniciativa.
D. ( ) Causador da imoralidade que tomou conta do povo em Peor.
E. ( ) Exemplo de vidente que serve de prenúncio do que seria profecia em
Israel.

Respostas:
1) c-d-b-e-a
2) d
3) b

71
Capítulo 8
Deuteronômio

Nome
O nome “Deuteronômio”, ou “Segunda Lei”, é uma infelicidade baseada em má
interpretação feita pelos tradutores da Septuaginta da expressão que ocorre em 17.18.
Nesta passagem bíblica, no hebraico é ordenado ao rei que prepare “uma cópia desta
lei”, mas os tradutores gregos equivocadamente verteram para “esta segunda lei”
(deuteronomion touto). Há, sem dúvida, repetição de certas leis, mas a grande ênfase
está na teologia da Torá, ou “Lei”, ou seja, as boas-novas do evangelho que motiva toda
e qualquer inclinação do ser humano diante de Deus. Não é sem razão que
Deuteronômio seja citado com tanta frequência no Novo Testamento.

Autoria
O próprio livro de Deuteronômio testifica que sua maior parte foi escrita por
Moisés (1.5; 31.9, 22, 14) e outros livros concordam (1Rs 2.3; 8.53; 2Rs 14.6; 18.12),
embora o preâmbulo (1.1-5) e o relato da morte de Moisés (cap.34) possam ter sido
escritos por alguém outro, mas não necessariamente. O próprio Jesus dá testemunho da
autoria mosaica (Mt 19.7-8; Mc 10.3-5; Jn 5.46-47), e o mesmo fazem escritores do NT
(At 3.22-23; 7.37-38; Rm 10.19). Ademais, Jesus cita Deuteronômio como autoritativo
(Mt 4.4, 7, 10). No NT há quase 100 citações ou alusões a Deuteronômio. A tradição a
uma voz atesta a autoria mosaica do livro (cf., p. ex., Mc 12.19).

Contexto histórico e geográfico


Deuteronômio localiza Moisés e o povo de Israel no território de Moabe, na
região onde o rio Jordão desemboca no mar Morto (1.5). Como ato final neste
importante momento de transferir a liderança a Josué, Moisés profere seus discursos de
despedida para preparar o povo para sua entrada em Canaã. Tais discursos foram, na
verdade, uma renovação da aliança. Neles Moisés enfatiza as orientações necessárias a
um tempo como aquele e as apresenta de forma adequada àquela circunstância.
Contrastando com o livro de Levítico e Números, o livro de Deuteronômio chega até
nós de uma forma acolhedora, pessoal e sermônica.

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Esboço e referências
Esboço Referências principais
1-4 Primeiro “sermão” de Moisés 5 Decálogo (=Ex 20)
5-11 Segundo “sermão” de Moisés 6 Shemah e “Primeira Tábua” (cf. Lv 19)
12-26 “Código deuteronômico” 18 O Profeta Messiânico
27-28 Bênçãos e maldições 32 Cântico de Moisés
29-30 Terceiro “sermão” de Moisés 33 Bênçãos proferidas por Moisés
31-34 Conclusão do Pentateuco 34 Morte de Moisés

Os capítulos 5 a 11 de Deuteronômio são, em vários aspectos, o centro do livro


ao menos no que diz respeito à articulação teológica. Logo no vers. 3 ocorre uma
aplicação homilética atualizada da aliança quando Deus diz: “Não foi com vossos pais
[apenas] – mas convosco [também] que fez o SENHOR aliança”. E a partir daí o cap. 5,
com pequenas alterações, reitera o Decálogo estabelecido em Êxodo 20.
O cap. 6 é, na verdade, um comentário do Primeiro “Mandamento” que nos
lembra que todo o Decálogo depende dele. O vers. 4 introduz o “Shemah”:

“Ouve [shemah, em hebraico], Israel, o SENHOR nosso Deus é o único


SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de todo o teu coração, de toda a
tua alma, e de toda a tua força”.

Estas palavras passam a ser o “credo” do Judaísmo posterior e moderno. Elas


destacam a unidade e a peculiaridade de Yahweh, o Deus de Israel, especificamente no
relacionamento estabelecido entre Ele e Seu povo. A palavra empregada para “único” é
o numeral. Literalmente: “O SENHOR nosso Deus, o SENHOR, um.” Embora
gramaticalmente não se possa defender a doutrina monoteísta com base neste versículo,
funcionalmente não se pode negar que tal doutrina esteja nele implícita. O vers. 5 é o
“primeiro e grande mandamento” citado por Jesus (Mt 22.37) juntamente com Levítico
19.18 como sumário de toda a Torá.
Se quisermos falar sobre educação cristã no Antigo Testamento, uma boa
fundamentação para tal encontramos no cap. 6.6 em diante. Esta é uma das ênfases de
Deuteronômio cujos reflexos se estendem para a história de Israel subsequente. Como a
Escritura repetidas vezes chama a atenção, pais piedosos nem sempre são garantia
automática de filhos piedosos – por vezes o contrário é o que acontece. Não fosse a
graça divina, a igreja estaria sempre a uma geração da extinção.
73
Eleição
A ênfase do capítulo 7 está em dois temas importantes do livro, a saber, a eleição
de Israel e a necessidade do extermínio do paganismo cananeu. A pergunta é: Porque
Deus escolhe Israel? A eleição de Israel tem um fundamento retroativo na história.
Encontra-se no chamado de Abraão (Gn 12.1-3; 15.1-6), quando a promessa de Deus é
dirigida à “descendência” de Abraão. Esta ideia é lançada na primeira linha do chamado
de Deus a Moisés (Êx 3.6). Mais adiante é lembrada na revelação da Lei no Sinai (Êx
20.2, 12) e no sistema sacrificial apresentado em Levítico (Lv 18.1-5, 24-30). Uma
referência a esta promessa encontra-se no relato sobre o envio dos espias a Canaã Nm
13.2) e no relatório da minoria proativa formada por Josué e Calebe (Nm 14.8). Eleição
é a ideia que permeia Deuteronômio.
O verbo “escolher” (bachar) é o mais empregado para definir esta relação de
Israel com Deus. Mas o conceito aparece mesmo quando esta palavra não ocorre
explicitamente (cf. 4.32-35). A escolha foi feita, diz Deus, não por causa da
superioridade numérica de Israel (7.7), mas “porque o SENHOR vos amava, e para
guardar o juramento que fizera a vossos pais...” (7.8).
Por causa dessa eleição, Israel devia destruir as nações na terra de Canaã, “sete
nações mais poderosas e mais numerosas do que tu” (7.1). Com tais nações Israel não
devia fazer tratados nem ter misericórdia delas. Casamentos mistos não devia haver
entre Israel e estas nações. Caso isso acontecesse, os israelitas, influenciados, deixariam
Yahweh para servir a outros deuses (7.3-4). Acima de tudo, Israel deveria destruir os
deuses de Canaã (7.5). O capítulo 7, portanto, volta à temática do herem e da “guerra
santa” assuntos que aparecem em Números 30 e retorna em Deuteronômio 20.
O conceito de eleição tem também outra face. Já na escolha de Abraão havia um
propósito mais amplo e nobre. Deus lhe diz: “em ti serão benditas todas as famílias da
terra” (Gn 12.3). O amor de Deus para com Israel não nasce de Sua indiferença para
com outros povos; ao contrário, surge de Sua vontade de que Israel passe adiante a
verdade divina. Se não houver cuidado em guardar a verdade que Yahweh revelou em
palavra e atos, a verdade jamais chegará ao conhecimento do restante do mundo.
O cap. 11 resume o segundo sermão, assim como o primeiro é resumido em 4.1-
40. Tendo a cidade de Siquém (a moderna Nablus) como uma espécie de testemunha, o

74
povo de Israel é convidado por Deus a escolher entre a vida e a morte, entre bênção e
maldição – uma escolha associada aos montes Ebal e Gerizim, ladeando Siquém.
No chamado “Código deuteronômico” (capítulos 12 – 26), Moisés exemplifica o
que seja viver uma vida fiel à aliança com Deus. É o que podemos chamar, como
dissemos antes, de “Terceiro uso da Lei”. De uma forma geral, as orientações neste
“código” se mostram de um caráter menos civil e mais religioso que nos “códigos”
anteriores. Nas orientações anteriores havia maior ênfase no amor a Deus; nesta a ênfase
maior está no amor ao semelhante como decorrência do amor divino.

Rei
Dois temas neste “código” são constantemente mencionados pelos
críticos liberais como argumentos para uma autoria pós-mosaica. O primeiro
trata da profecia em Deuteronômio 13 e 18 e o segundo fala sobre o
estabelecimento de um rei em Israel, no cap. 17.14-20. Esta é a única passagem
que aborda o tema sobre reinado no Pentateuco. Moisés tinha plena consciência
das atrações e perigos de um reinado. Talvez muito mais que Samuel tempos
depois. No Egito ele havia, em primeira mão, experimentado os efeitos de um
regime monárquico absoluto. E contatos havia tido com reis menos poderosos na
Transjordânia como Seom, Ogue, Balaque. A história de Gideão, em Juízes 8. 22
ss., mostra quão cedo este problema aflorou e quão oportuna tinha sido a
advertência. Deuteronômio deixa claro que os reis em Israel deveriam estar
sujeitos à aliança – um fato constantemente lembrado pelos profetas mais tarde.
O segundo tema fala de profecia. O tema não é novo; tanto o texto bíblico
como a arqueologia mostram que profecia, de alguma forma, era anterior a
Moisés. A diferença entre verdadeira e falsa profecia o povo havia percebido na
história de Balaão. Aqui, em Deuteronômio 18.16, a origem e a legitimidade da
profecia bíblica estão atreladas à súplica dos israelitas no monte Sinai quando,
amedrontados, pedem que Moisés seja o intercessor entre eles e Deus. O vers.
anterior assegura que Israel nunca precisará recorrer a “profetas” pagãos porque
o SENHOR continuamente suscitará mediadores da aliança depois de Moisés.
Esta sucessão profética terá sua culminância naquele que é o Profeta e Mediador
no sentido pleno (At 3.22-13; 7.37; cf. Jo. 5.46).

75
Os capítulos finais de Deuteronômio (31 – 34) falam da necessidade de o povo
estar vinculado à aliança. Esta ênfase se nota tanto na preparação da passagem do bastão
de Moisés para Josué (31.1-8, 14-23; cf. Nm 27.12 ss.) como nas providências para uma
leitura periódica da Lei (31.9-13, 24-29) e a estipulação de que o que Moisés escrevera
(31.9, 24) seja depositado na arca (31.24-29). A leitura da Torá, antecipando o que os
cristãos fazem hoje em momentos cúlticos ou domésticos, é aqui prescrita para a Festa
dos Tabernáculos no ano sabático (a cada sete anos), “diante de todo o Israel” e “no
lugar que o SENHOR escolher”.
Deuteronômio termina com o relato da morte de Moisés (cap. 34). Este assunto
já foi antecipado em 32.48-52. Os críticos, em geral, atribuem este episódio ao
documento P (Sacerdotal), no período do exílio quando, segundo eles, o Pentateuco foi
concluído. Embora alguns entendam que este epílogo tenha sido escrito por alguém
outro, como Josué por exemplo, não há motivos para não se aceitar a autoria do próprio
Moisés.
O texto fala que “Este [o SENHOR] o sepultou.” A Septuaginta traz “eles o
sepultaram” e alguns comentaristas judeus afirmam que anjos estavam envolvidos no
seu sepultamento. Ao contrário de Elias, Moisés não foi fisicamente trasladado para o
céu. Seu sepultamento oficiado pelo SENHOR tem sido interpretado como significando
que o seu corpo, sem vida, fosse imune à decomposição (cf. Judas 9). Visto os filhos de
Israel não saberem o lugar de sua sepultura, a Igreja Cristã historicamente tem dito que
o SENHOR com isso concedeu a Moisés dois benefícios. Em primeiro lugar, o regozijo
pelo fato de, por não identificarem o local, seus adversários não poderem também violar
a sepultura e injuriar seus restos mortais; e, em segundo lugar, para que as gerações
posteriores de Israel não tornassem o local em objeto de culto e peregrinação, e caminho
de romeiros.

ATIVIDADES

Discursiva:
Descreva a morte de Moisés fornecendo ao menos dois argumentos sobre a
peculiaridade do seu sepultamento.

Objetiva 1:

76
Relacione a segunda coluna com a primeira:
1. Deuteronômio 5 A. ( ) “... não só de pão viverá o homem, mas de tudo o
que procede da boca do SENHOR viverá o homem.”
2. Deuteronômio 6 B. ( ) “Esse dinheiro, dá-los-ás por tudo o que deseja a
tua alma, por vacas, ou ovelhas,ou vinho, ou bebida
forte, ou qualquer coisa que te pedir a tua alma; come-
o ali perante o SENHOR, teu Deus, e te alegrarás, tu e
a tua casa.”
3. Deuteronômio 8 C. ( ) “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra
do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses
diante de mim.”
4. Deuteronômio 14 D. ( ) “O SENHOR, teu Deus, te suscitará um profeta do
meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim, a ele
ouvirás.”
5. Deuteronômio 18 E. ( ) “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único
SENHOR.”

Objetiva 2:
Deus escolheu Israel como povo da aliança. Quando se pergunta em que
base tal escolha aconteceu, o Antigo Testamento responde. Marque a resposta
correta:

A. ( ) Israel é uma raça especial com condições intelectuais e culturais


avançadas para Recber este privilégio.
B. ( ) Israel era numericamente superior aos outros povos.
C. ( ) O SENHOR é gracioso para com Israel e sua pecaminosidade.
D. ( ) Os demais povos não estão moralmente qualificados para a escolha.
E. ( ) A eleição de Abraão era a garantia que seus descendentes seriam também
eleitos.

Objetiva 3:
Críticos liberais afirmam que Moisés não pode ser o autor de
Deuteronômio, que dataria do tempo do rei Josias. Um dos argumentos é
exatamente porque o livro fala sobre rei, quando não havia rei em Israel. Mas tal
argumento é falho visto que (marque a resposta correta):

I. Moisés recebeu uma visão de Deus, antecipando como seria o rei de


Israel.
II. Moisés exerceu as funções de rei de forma que tinha condições de falar
sobre o assunto.
III. Moisés conhecia reis e reinos, podendo tratar do assunto com
conhecimento de causa.

A. ( ) Apenas I
B. ( ) Apenas II
C. ( ) Apenas III
D. ( ) Apenas I e III
E. ( ) Apenas II e III

77
Respostas:
1) 3-4-1-5-2
2) c
3) c

78
Capítulo 9
Os Profetas – Isaías

A segunda divisão do cânone hebraico se intitula “Os Profetas”, ou


Nebi’im. Do ponto de vista moderno, esta secção parece conter dois diferentes
tipos de livros, históricos e proféticos. Mas, olhando-se mais de perto, pode-se
notar que tal diferença não é tão precisa quanto parece. Os chamados livros
históricos são quatro: Josué, Juízes, Samuel e Reis – na maioria das traduções
modernas em Português, os dois últimos são divididos em dois volumes cada: 1 e
2 Samuel e 1 e 2 Reis. Esta coleção de livros, entretanto, não engloba todos os
livros de caráter histórico fora do Pentateuco; há livros de caráter histórico na
terceira divisão do cânone, os Escritos: 1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias. As
nomenclaturas tradicionais para os dois tipos de escritos nos Profetas, e que
datam do período medieval, são os Profetas Anteriores (os livros históricos) e os
Profetas Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze Profetas (Daniel
pertence aos Escritos).

Profetas Anteriores
Os quatro livros que compõem os Profetas Anteriores, como os que
compõem o Pentateuco, são tecnicamente obras anônimas. Seus títulos
descrevem de maneira geral o conteúdo de cada livro. Estes livros exibem uma
teologia profética, como “ilustrações de sermões” que antecipa os “sermões” dos
profetas propriamente.

Profetas Posteriores
A segunda divisão do cânone do Antigo Testamento, os Profetas, contém
não apenas os livros históricos chamados Profetas Anteriores, como também
uma série de livros intitulados Profetas Posteriores, que estão mais diretamente
ligados a pessoas específicas, a saber, Isaías, Jeremias e Ezequiel, como
mencionamos. Os Profetas Posteriores são chamados Profetas Maiores
enquanto o quarto é uma antologia de 12 livros pequenos (Amós, Oseias,
Miqueias, Sofonias, Naum, Habacuque, Obadias, Joel, Jonas, Ageu, Zacarias e
Malaquias) chamado Profetas Menores (“Dodekapropheton” em grego) que

79
juntos equivalem ao tamanho de cada um dos três profetas maiores. Este arranjo
provavelmente surgiu do fato de os doze profetas menores serem integrados num
só pergaminho. Essa distinção Maior/Menor decididamente não é a mais apropriada; os
termos se referem apenas ao tamanho de cada livro não tendo implicação alguma com
relação ao significado ou importância dos profetas como tais.

Que é um Profeta?
“Profeta”, no sentido bíblico, é como um “porta-voz, intérprete, mediador da
vontade divina”. Neste sentido, Abraão é um profeta (Gn 20.7) porque ele intercede
junto a Deus pelo bem-estar de Abimeleque. Assim também Arão é um profeta para
Moisés (Êx 7.2), no sentido de porta-voz de Moisés. O próprio Moisés é o profeta por
excelência em razão do seu papel singular como representante e mediador da aliança
sinaítica. No sentido mais amplo, os grandes profetas foram reformadores na medida em
que chamavam de volta Israel às raízes mosaicas. Cristãos que somos, não há como
falar sobre profecia sem invocar o nome de Cristo como o Profeta Maior da verdadeira
profecia.
O profeta também era chamado “vidente”, ou seja, “aquele que tem ou recebe
visões”. Uma passagem (1Sm 9.9) indica que o termo “vidente” foi empregado mais no
início da profecia, sendo mais tarde substituído por “profeta”; mas se havia alguma
diferença entre os termos, tornou-se indistinta na época do Antigo Testamento.
O grande dilema, especialmente para Israel, era distinguir entre a verdadeira e a
falsa profecia. Como aceitar que a profecia de um profeta como Jeremias era verdadeira
enquanto a de um Hananias, seu contemporâneo, era falsa quando ambos diziam que
falavam em nome de Yahweh? Como você iria decidir? Esperar que a profecia se
cumprisse? Poderia levar anos e anos e talvez nem se cumprisse naquele tempo. Sem
dúvida que um dos indicativos é o fato que o falso profeta era adepto da mensagem que
o povo gostava de ouvir, a saber, “paz, paz, quando não há paz” (Jr 6.14; 8.11). Já o
verdadeiro profeta aponta a “guerra, fome e pestilência” como características
tradicionais da verdadeira profecia (28.8, cf. 34.17).
Foram mensagens discordantes como estas que induziram críticos como Julius
Wellhausen a determinar que profetas que pregavam juízo eram profetas “genuínos” ao
passo que os que pregavam mensagem mais amena eram identificados como de um
período mais tardio. Embora em parte isso seja verdade, a questão não se resolve de

80
maneira tão simples. Se havia preponderância de uma mensagem de julgamento
entre os profetas pré-exílicos era porque correspondia às necessidades da época.
Junto com a decadência social, talvez apressada pela guerra dos Arameus, veio o
colapso total da religiosidade e da ética do Javismo tradicional. A situação
chegara a tal ponto que Deus não tinha alternativa a não ser executar seu “juízo
final” a Israel por intermédio dos Seus profetas.
Mesmo nessas circunstâncias, na sua pregação de juízo, os verdadeiros
profetas pré-exílicos não deixavam de antecipar também os atos escatológicos da
redenção divina. E quando as circunstâncias mudam após o julgamento, mais que
depressa os profetas também mudam o tom profético anunciando promessa e
esperança. Para uma síntese do significado do termo, podemos dizer que um
profeta é aquele que pode tanto proclamar quanto predizer a mensagem divina.
Em resumo, sua mensagem pode ser uma proclamação como uma predição.
Há pessoas que simplesmente pinçam versículos dos profetas e os
agrupam para apresentar “profecias que comprovam a Bíblia”, criando-se a
impressão que profecia é a “história escrita de antemão”. Mas um estudo mais
cuidadoso dos profetas e de sua mensagem revela que, em primeiro lugar, os
profetas falam para o seu tempo. Eles falam do rei e de suas práticas idólatras, de
profetas que dizem o que são pagos para dizer, de sacerdotes que não instruem o
povo de Deus na Lei de Yahweh, de negociantes que empregam balanças
adulteradas, de juízes que favorecem o rico e não proporcionam justiça ao pobre,
de mulheres cobiçosas que induzem seu marido a práticas corruptas para
poderem desfrutar o luxo. Tudo isso faz parte da profecia bíblica. O povo de
Deus precisa de constante correção. Ao mesmo tempo trata-se de uma mensagem
de esperança pois o SENHOR não rompeu sua aliança e completará a Sua obra
depois que o julgamento terminar.
Mas a profecia não é apenas para a situação presente; ela possui também
uma dimensão futura. Deus tem um plano para o Seu povo e para o mundo. E ele
envolve os profetas nesse plano (Am 3.7). A profecia é a mensagem de Deus
para o presente à luz da missão redentora em andamento. Em certos momentos
Deus fornece detalhes bem precisos do que está para fazer. Mesmo esta predição
está quase sempre ligada à situação presente. O profeta fala de algo que faz
sentido para os seus ouvintes. Ele os transporta daquele momento para o

81
transcorrer da atividade redentora de Deus e centra-se numa verdade que se tornará
ponto de referência para o povo de Deus. A profecia é uma janela que Deus abre para o
Seu povo por meio dos Seus servos, os profetas.

ISAÍAS
Devido ao espaço, seria quase impossível tratar aqui de todos os profetas do
Antigo Testamento. Por isso, vamos escolher um representante deles e que é
unanimidade em termos de importância, ou seja, o profeta Isaías.

Autoria do livro
O livro de Isaías tem sido o que mais tem sofrido com a questão envolvendo
autoria. Desde o século 18 a crítica moderna tem costumeiramente diferenciado em o
“Isaías de Jerusalém” (cap. 1-39) e o anônimo Deutero-Isaías (cap. 40-66).
Naturalmente que pressupostos filosóficos sobre a possibilidade de haver profecia
preditiva estão envolvidos. É possível que nenhuma outra parte em todo o Antigo
Testamento esse tema seja tão relevante como aqui em Isaías.
Em Isaías 40 – 66 não é em apenas uma ou duas profecias que o profeta fala
como se fosse contemporâneo com os eventos do exílio tendo Babilônia, não a Assíria,
como inimigo. A mensagem é extremamente precisa ao apresentar conforto e promessa
aos exilados. O exemplo maior é a identificação por duas vezes de Ciro pelo nome
(44.28 e 45.1), embora a figura de Ciro esteja implicada outras vezes no contexto. A
única situação como esta só ocorre na identificação de Josias em 1 Reis 13, mais ou
menos três séculos antes do seu aparecimento histórico. Enquanto para os liberais estes
são exemplos típicos de um autor contemporâneo ao episódio, ou seja, do sexto século,
para a maioria dos conservadores eles representam exemplos máximos de profecia
preditiva. Alguns intérpretes conservadores sustentam que a estrutura paralela e
climática de 44.26-28 seria destruída se “Ciro” fosse eliminado do texto.
Para os conservadores, o argumento decisivo para a unidade de autoria de Isaías
repousa no dogma, coisa que os críticos nem querem saber e repudiam esta posição
como de caráter “não científico”. Os dogmas que aqui se aplicam são os mesmos
quando tratamos da autoria mosaica do Pentateuco, a saber, escriturísticos e
cristológicos. Não apenas o Novo Testamento em geral, mas o próprio Jesus
especificamente e repetidamente faz referência às duas metades do livro como sendo

82
ambas de Isaías. Muitas destas referências são feitas não apenas ao livro como à própria
pessoa de Isaías. Em João 12.38-41, por exemplo, citações de ambas as partes do livro
são atribuídas ao homem Isaías.
Enfim, o que está em jogo não são as circunstâncias históricas para as quais
Isaías se dirige. A única questão é quando isto acontece. Historicamente o exílio antes
anunciado chegara ao fim. Jerusalém e o templo parecem estar em ruínas. Mas o grande
reverso, tão proeminente também nos oráculos anteriores, está por acontecer. Logo, o
posicionamento de cada um nesta questão é fator crucial que advém de sua visão
teológica e metodológica, a saber, se considera a Escritura como inerrante ou não; se crê
que os autores bíblicos eram inspirados ou não. Ao fim e ao cabo, tal posicionamento
determina se alguém segue o Método Histórico Gramatical ou Método Histórico-Crítico
de interpretação da Escritura.
Em resumo, a posição dominante hoje entre os proponentes do Método
Histórico-Crítico é que o livro de Isaías foi escrito por três principais autores:
a) Isaías, filho de Amoz, que viveu em Jerusalém do oitavo ao sétimo séculos
a.C. e que teria escrito os capítulos 1-39;
b) Segundo Isaías, ou Deutero-Isaías, que viveu e escreveu na Babilônia no ano
540. a.C, e que escreveu os capítulos 40-55;
c) Terceiro Isaías, ou Trito-Isaías, que viveu em Judá no período pós-exílico e
que escreveu os capítulos 56-66.
Críticos conservadores entendem que o autor de todo o livro é o profeta Isaías,
filho de Amoz, que viveu em Jerusalém no oitavo século a.C. Nenhuma versão antiga
dá evidências que o livro tenha sido dividido em duas partes. A LXX, século III a.C.,
não contém nenhum indício de separação entre “Primeiro” e “Segundo” Isaías não
obstante divida outros livros como Samuel, Reis, Crônicas. O manuscrito completo de
Isaías (1QIsa) encontrado nas cavernas de Cumrã em 1947, no mar Morto, não apresenta
a menor divisão entre os capítulos 39 e 40. Antes, 40.1 é exatamente e última linha da
trigésima segunda coluna, sem espaço significativo no final da linha anterior.

Propósito do livro
O propósito do livro de Isaías é proclamar que a libertação acontece pela
graça de Yahweh e pelo Seu poder ao invés de pelo esforço e empenho humano.
Esta libertação acontece tanto em nível físico (Judá não deve confiar em aliados)

83
quanto Espiritual. No plano Espiritual, Isaías profetiza a respeito do Messias e Seu
Reino. O livro sublinha que o Deus vivo não admite um viver perverso da parte do Seu
povo da aliança e, em Lei e Evangelho, adverte que um remanescente sobreviverá às
invectivas da iniquidade.

Isaías: tempo e vida


O primeiro versículo do livro dá os contornos da geografia e da história do
profeta. Isaías vive no tempo específico do reinado de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias,
reis de Judá. Diferente de outros profetas cujo chamado é relatado no início do livro, o
chamado de Isaías acontece no capítulo 6, no “ano da morte do rei Uzias”, ou seja, cerca
de 742 a.C. Seu ministério profético foi longo, estendendo-se de 740 a 700 a.C.
aproximadamente. Se sobreviveu ao reinado de Ezequias, falecido em 687, não
sabemos; mas a referência a uma espécie de biografia do rei Ezequias escrita por ele em
2 Crônicas 32.32, como havia feito do rei Uzias (2Cr 26.22), parece indicar que sim.
Não há como atestar a tradição de que Isaías teria sido morto cerrado ao meio sob o
reinado de Manassés. A tradição, entretanto, pode perfeitamente ser verídica. Se a
referência em Hebreus 11.37 é a Isaías, a factualidade da tradição está comprovada.
Isaías viveu e profetizou num dos períodos mais conturbados da história do povo
de Deus no Antigo Testamento. Especialmente para Judá, o século 80 a.C. é o mais
importante e impactante. Os assírios têm o domínio de campo. São eles que estabelecem
as regras do jogo para os adversários. Para eles a paz é estabelecida em troca de tributos,
tesouros e riquezas. Faz parte de sua estratégia militar solapar a infra-estrutura do país
conquistado e enfraquecer a liderança local. Isaías, por um lado, presenciara dias
gloriosos de independência no reinado de Uzias mas, por outro, amargou o declínio e
queda de Samaria culminando com um escape fatal de Judá ao preço de uma
subserviência colonial à poderosa Assíria. Tais acontecimentos estão plenamente
relatados tanto no texto bíblico quando em fartas evidências arqueológicas.
O nome “Isaías” significa “Yahweh é salvação” (bastante parecido com outros
nomes como Oséias, Josué e Jesus). Sabemos poucos detalhes da vida do profeta; mas
temos o suficiente para dizer que, excetuando Jeremias, é o profeta do qual mais
informações possuímos no Antigo Testamento. Do seu pai Amoz (não confundir com o
profeta Amós) sabemos apenas o nome. Não sabemos também se nasceu em Jerusalém,
mas sabemos que estava bem entrosado na cidade e que exerceu nela todo o seu

84
ministério. Muitos o consideram sacerdote ou ao menos um líder do templo
devido à sua presença dentro do templo por ocasião do seu chamado, coisa que
só a sacerdotes era permitido. Outros o colocam como integrante da classe
médica em vista de suas orientações “médicas” ao rei Ezequias (38.21).
De sua vida particular, sabemos que era casado (Is 8.3). Embora o nome
de sua esposa não seja fornecido, fala-se dela como “a profetiza” não
necessariamente como referência profissional, mas sim como tipo “esposa do
pastor”. Dois filhos seus recebem nomes simbólicos tornando-se, desta forma,
profecias ambulantes. O primeiro se chamava Shearyashuv (7.3) “Um Resto
Voltará” incorporando um dos principais temas do livro. Ficamos na dúvida se o
nome indicava basicamente promessa (“Um Resto certamente voltará”) ou
condenação (“Apenas um Resto Voltará”). É possível que signifique ambas ao
mesmo tempo. O nome do segundo filho é pura condenação: Mahershalalhasbaz
(8.1), “Rápido Despojo Presa Segura”.

Estilo
Isaías é, sem dúvida, um dos maiores escritores do Antigo Testamento
cujo estilo se caracteriza pela criatividade e vivacidade. Isaías é um mestre nas
figuras de linguagem. Algumas de tais características transparecem até nas
traduções embora outras sejam intraduzíveis. Imagens ou ilustrações são
seguidamente empregadas para tonificar a sua mensagem. Veja, por exemplo,
figuras como palhoça no pepinal (1.8) ou uma criança no meio de uma floresta
com poucas árvores (10.19).
A paronomásia, que consiste na repetição de palavras semelhantes no som
para realçar o impacto da mensagem, é uma das preferidas. A mais conhecida
ocorre na “canção da vinha”, com este toque de mestre (5.7b):

Ele esperava justiça [mishpat]


Mas houve derramamento de sangue [mishpach]
esperava retidão [tsedaqa]
mas ouviu gritos de aflição [tse`aqa].

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Além das figuras de linguagem o livro possui uma riqueza ímpar de vocabulário
que não encontra paralelo em nenhum outro lugar na Bíblia. Houve alguém que fez a
contagem e encontrou 2.186 vocábulos.

Esboço
Esboço Referências principais
1-12 Oráculos contra Judá e Jerusalém 1.2-3 Aliança transgredida
(primeiro período do ministério de 2.24 = Miqueias 4.1-3
Isaías) 5.1-7 Parábola da vinha
7: Isaías x Acaz: “Imanuel”
8.14: “pedra de tropeço e rocha de ofensa”
9.2-7 Rei messiânico
“Príncipe da paz”
13-23 Oráculos aos gentios 11.1-9 Rebento do tronco de Jessé; nova
24-27 “Apocalipse isaiano” criação
28-33 Oráculos contra Judá (segundo 25: banquete messiânico
período do ministério de Isaías) 28.16: “Pedra angular”
34-35 Edom x Israel 40.1-11 Chamado
36-39 Isaías e Ezequias x Senaqueribe ( = 42.1-4, 49.1-6; 50.4-11; 52.13-53.12:
2 Reis 18.13-20.19) quatro “Cânticos do Servo”

40-48 Vinda iminente de Deus (aos


exilados)
49-55 Restauração de Jerusalém = 55: maravilhosa graça
redenção de Israel 60.1-7: Epifania
55-66 Admoestações e promessas aos 61.1-3 Servo (Jesus)
repatriados (“Isaías III”)

Teologia
Isaías é teólogo de primeira linha. Alguns o denominam de "o evangelista do
AT". Seu livro apresenta várias ênfases teológicas.
a. Santidade de Deus.

86
Deus é absolutamente santo e transcendente. Ele é o Santo de Israel (cf. Is 6.)
Porém ele se revela, torna conhecidas a sua glória e a sua misericórdia. Percebe-se isto
especialmente nos oráculos messiânicos.
b. Fé.
Neste aspecto Isaías compartilha com o profeta Habacuque a designação de “o
São Paulo do Antigo Testamento”. Fé é a única resposta correta do homem para com
Deus. Não há outra forma de relacionar-se com Deus a não ser pela fé (Is 30.15).
c. Dia do SENHOR.
Este é o dia final, o dia da vingança/salvação do SENHOR contra os seus
inimigos. Mas também é o grande dia da salvação dos fieis, dos que permaneceram
firmes na aliança com Deus (cf. Is 2.6-22).
d. Remanescente.
O remanescente é composto por aqueles que permanecerão fieis até o fim. Após
o exílio virá a restauração e os fieis verão a salvação que Deus trará. São os resgatados
do SENHOR (Is 4.3; 6.13; 35.10). “O sangue dos mártires é a semente da igreja”.
e. Sião e Messias.
Os temas de Sião e do Messias se acham nos oráculos messiânicos que apontam
para Cristo e a salvação final na eternidade. Sião é o monte em Jerusalém sobre o qual
estava edificado o templo do povo de Deus. Sião, por um lado, aponta para a Jerusalém
terrena, por outro é figura da Jerusalém celeste. O Messias é o filho de Davi que reina
em Sião. Isto aponta para a eternidade. O tema da “inviolabilidade de Sião” está bem
próximo da mensagem de Isaías mas, claro, a Jerusalém terrena está condenada à
destruição.
f. Servo do SENHOR.
Esta figura é proeminente na segunda parte do livro e aponta para Cristo. No
Antigo Testamento, "servo" é título de grande honra e status. Isto se aplica à função
importante a ser cumprida por Jesus. A passagem clássica mais conhecida referente ao
"servo do SENHOR" se encontra em Is 52.13-53.12. o chamado Cântico do Servo
Sofredor.

Mensagem

Capítulos 1-39

87
Geograficamente os acontecimentos onde se desenrolam estes capítulos é Judá,
mais especificamente sua capital, Jerusalém. Dois eventos históricos dominam a
narrativa: as marchas do exército assírio sob o comando do rei Tiglate-Pileser III (745-
727 a.C.) e a destruição de Judá por outro rei assírio posterior chamado Senaqueribe, em
701 a.C.
Judá está repleta de crimes de toda ordem: rebelião, ritualismo religioso,
imoralidade. Deus está por aplicar julgamento por meio de invasores estrangeiros cuja
velocidade e malignidade assolam a terra.
Isaías estabelece um contraste entre os dois reis que se defrontam com a ameaça
da Assíria. Acaz oscila entre a ordem divina de “manter uma fé firme” (7.9) e o medo
das ciladas dos reis de Israel e Damasco que o atormentam para que entre na coligação
contra Tiglate-Pileser (7.1-2). Ezequias, contudo, não vacila em sua atitude diante da
ameaça de Senaqueribe ao invadir Judá em 701. Embora o monarca assírio tenha
destruído várias cidades fortificadas de Judá, a confiança de Ezequias no SENHOR, ao
contrário da de seu pai Acaz, não se abalou. O exército assírio foi aniquilado. Essas
duas narrativas, de Acaz e Ezequias, ancoram a primeira metade do livro, demonstrando
a importância da fé.29
Cap. 1: a abertura do livro é uma introdução para o livro todo. No v. 4 aparece de
imediato a expressão divina preferida de Isaías “o Santo de Israel”.
Cap. 2.2-4: é idêntico a Miqueias 4.1-3 embora cada profeta conclua a seu jeito.
Críticos logo reagem para dizer que provavelmente em ambos há uma adição posterior.
O mais provável é que tanto Isaías quanto Miqueias se utilizam de uma fonte comum,
talvez um hino ou uma parte da liturgia cantada pelo povo de Deus no culto do Antigo
Testamento. Este versículo se acha estampado no edifício das Nações Unidas, mas o
fato é que a paz tanto almejada por todos está longe das realizações humanas. Ao fim e
ao cabo, ela só será estabelecida pela intervenção divina sobrenatural e escatológica.

29
Com o objetivo de dar uma ênfase mais teológica ao livro de Isaías - mesmo numa abordagem
mais introdutória -, esta parte se apóia basicamente nos seguintes autores: RIDDERBOS, J. Isaías. São
Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1986; PIEPER, August. Isaiah II: An exposition of Isaiah 40-66.
Milwaukee: Northwestern, 1979; HUMMEL, Horace D. The Word becoming Flesh: an Introduction
to the Origin, Purpose, and Meaning of the Old Testament. St. Louis: Concordia, 1979; OSVALT,
John N. The Book of Isaiah: Chapters 40-66. Grand Rapids/Cambridge: William B. Eerdmans
Publishing Company, 1998.

88
Cap. 5 apresenta a famosa “Canção da Vinha”, uma metáfora para
representar o povo de Israel (cf. Estilo, acima). Na Parábola dos Lavradores
Maus (Mt 21.33ss.), Jesus faz referência direta a esta passagem.
Cap. 6 é o momento do chamado de Isaías. Foge ao padrão de outros profetas.
Nas palavras de um comentarista bíblico, “Isaías é aqui elevado ao céu pois apesar de
em outras circunstâncias se tratasse do templo terreno... aqui, como a descrição
demonstra, o ‘alto e sublime trono’ é o antítipo celeste do trono terreno que era formado
pela arca da aliança; o ‘templo’ ... é o templo celeste.”30 Sobre a pergunta por que o
chamado aparece no capítulo seis, pode-se dizer que há uma passagem paralela no livro
de Amós, supondo-se que suas visões nos capítulos 7-8 sejam referência ao seu
chamado profético.
Cap. 7 é um capítulo ainda mais famoso e mais controverso. Há um
atentativa fracassa de Isaías de persuadir Acaz de apelar à Assíria por proteção
diante das ameaças de Rezim e Peca se ele se recusasse a integrar a coalizão anti-
assíria. O conselho de Isaías como sempre é “crer” (7.9) e deixar que o SENHOR
conduza a história. O “sinal” dado a Acaz é citado em Mt 1.23 como referência
messiânica. Embora o termo hebraico ‘almah possa significar “moça” em idade
casadoira e que pode ou não ser virgem, o hebraico não possui termo específico
para “moça virgem”. Contudo, a tradução “virgem” deve ter a primazia não
apenas devida à profunda compatibilidade exegética como especialmente por
causa do cumprimento e antítipo na Virgem Maria e no nascimento virginal de
Jesus.
Cap. 11.1-9 apresenta profecia messiânica que retoma a figura do toco
mencionado em 6.13. Há também a referência a “Renovo’ em 4.2 mas aqui
temos uma palavra diferente em hebraico: netzer. O som é parecido com
“Nazareno” e este é o único link à menção feita em Mateus 2.23: “Ele será
chamado Nazareno”.
Cap. 13-14 consistem de dois oráculos contra a Babilônia. O primeiro
refere-se mais à Babilônia no sentido histórico enquanto o segundo é endereçado
mais à Babilônia trans-histórica – um tipo de reino de Satanás. Na forma, este é
um cântico entoado após o povo de Deus ter recebido o descanso eterno. Para

30
DELITZSCH, Franz. Biblical Commentary on the Prophecies of Isaiah, vol. 1. Grand
Rapids: WM. B. Eerdmans Publishing Company, 1969, p. 189-90.
89
ilustrar, Isaías emprega a figura da Estrela Cadente antes do raiar do sol. Na Vulgata, o
hebraico helel foi traduzido por Jerônimo como “Lúcifer”, condutor-de-luz. No
contexto, “Babilônia” é não apenas o reino de Satanás como se pode ter aqui ima alusão
poética à rebelião e queda de Satanás no Éden.
Cap. 24-27 refletem o ponto climático da primeira parte da profecia de Isaías,
descrevendo a salvação para todos os redimidos. Esta parte é comumente chamada
“Apocalipse isaiano”. O cap. 24 inicia com uma visão de iminente catástrofe de
proporções universais. Há a queda da cidade tirana no v. 10 e apesar de não
mencionada, a esta pode ser “Babilônia” no sentido histórico. O cap. 25 apresenta a
cidade já destruída e o Reino estabelecido para sempre. Isaías 26 é um hino de Ação de
Graças concluindo com o convite “esconde-te só por um momento, até que passe a ira”
(26.21-22). Ainda mais importante é 26.14 e 19 porque fala da ressurreição,
especialmente dos justos na figura do orvalho. Muitos acreditam que o tema da
ressurreição no Antigo Testamento só aparece em Daniel 12 e em Ezequiel 37. Muito
embora o Antigo Testamento não fale com tanta clareza sobre o assunto como o Novo –
em função da própria obra de Jesus -, esta é uma passagem relevante sobre o tema.
Isaías 36-39 é uma leve variação de 2 Reis 18.13-20.19. Isaías acrescenta o
“Cântico de Ezequias”. Perguntas sobre quem se baseou em quem permanecem sem
respostas.

Capítulos 40-66

Teologicamente, a ênfase desta segunda parte de Isaías está não mais no Messias
como tal, mas na escatologia, ou seja, a alegria da restauração de Sião. O retorno a
Jerusalém após o exílio babilônico com o edito de Ciro, em 538, não é apenas pintado
em cores escatológicas e cosmológicas, mas ambos são entrelaçados, ou seja, o evento
histórico é um tipo ou antecipação do evento maior, a saber, a restauração de todas as
coisas. Longe de ser um fracasso de Yahweh, o exílio antes de tudo representa uma
vitória e de certa forma uma vingança da Sua revelação aos profetas.
No cap. 40 há uma exortação ao povo redimido a que evangelize as redondezas.
Em Isaías 42.1-4 há uma descrição do “meu servo” em que o foco é um indivíduo.
Conforme Duhm, este é o primeiro dos “Cânticos do Servo”. Por vezes se analisa os
cânticos do servo, entendo-se “servo” como implicando subserviência e também

90
servidão. Contudo, tanto no Antigo Testamento quando no Antigo Oriente
Próximo, o termo “servo” é um título que envolve honra e status, algo
semelhante àquele que está “assentado à direita do rei”, a saber, o “ministro” da
corte. Em 42.18 há uma forte reprimenda ao servo por ser “cego” e “surdo” às
orientações divinas. A referência, evidentemente, é ao Israel como povo e que
provoca em Deus nenhuma outra reação senão palavras de juízo.
Em Isaías 44 temos a maior secção que trata sobre Ciro culminado na
explícita designação dele como “meu servo” por reconstruir Jerusalém e o
templo. Mais adiante o tema continua onde há referência a ele como o “ungido”
(45.1).
Capítulos 46 e 47 contemplam a iminente queda da Babilônia. O capítulo
46 satiriza os deuses Bel e Nebo. O primeiro, Bel, é uma referência a Marduque,
o principal dos deuses babilônicos; o segundo, Nebo, é equivalente ao deus
grego Mercúrio posteriormente, e que aparece com frequência nesse período
inclusive no nome do rei babilônico Nabucodonozor.
O cap. 49 é considerado o segundo Cântico do Servo, onde o servo fala
como um indivíduo. Mas há um explicito paralelo do servo com Israel no
versículo 3. Nos versículos 1 e 5 ele recebe incumbência especificamente para
com Israel bem como para ser “luz para os gentios.”
O terceiro cântico (49.1-60) ressalta a fidelidade do Servo à sua missão
não obstante o grande sofrimento. Aqui o Servo é bem distinto de Israel (vv. 10-
11). Há um cântico de lamentações que o profeta Jeremias e inúmeros salmos de
lamento apresentam. O cap. 49 é uma introdução para o grande capítulo 53.
O quarto Cântico do Servo inicia em 52.13, numa demonstração de descuido na
divisão de capítulos da Bíblia. Todo mundo, entretanto, se refere a este cântico como
“Isaías 53”. Embora muitos o considerem “climático”, esta não é a ocorrência final do
Servo no livro de Isaías. Alguns entendem que em 61.1-3 o tema retorna apresentando
o Servo em diferente nuança. O Cântico é estruturado por uma “inclusio”, ou seja, no
prólogo e no epílogo Deus fala na primeira pessoa, descrevendo a exaltação futura do
Servo enquanto no corpo do poema a congregação medita na Sua presente ignomínia. A
polaridade entre humilhação e exaltação perpassa todo o Cântico.
Capítulos 54 e 55 fazem uma transição abrupta após o capítulo 53. Nestes, ao
contrário do anterior, há exultação e alegria que só podem ser entendidos a partir dos

91
acontecimentos narrados no Capítulo 53. Isaías 55 emprega uma imagem marital
falando que a mulher “desolada” terá mais filhos que a “casada”. O versículo 5 é ainda
mais incisivo: “o teu criador é o teu marido”, antecipando o tema neo-testamentário da
igreja como noiva de Cristo.
Os capítulos 56-57 nos colocam num mundo inteiramente diferente do retratado
até o capítulo 55 de Isaías. A linguagem é forte, começando com a descrição dos
governantes como “cães mudos” (56.9 – 57.2) e a menção de ritos pagãos licenciosos
que começam a aparecer (57.3-13). Não obstante, a condescendente graça de Yahweh
também persiste em palavras como “assim diz o Alto, o Sublime, que habita a
eternidade, o qual tem o nome de Santo: habito no alto e santo lugar; mas habito
também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e
vivificar o coração dos contritos” (57.15).
Em Isaías 60 há uma retomada na ênfase escatológica. A conhecida perícope de
Epifania (60.1-7) exorta a congregação a se levantar e testemunhar a epifania da
“glória” de Yahweh. Enquanto as trevas envolvem o resto do mundo, a tão esperada luz
(59.9) está raiando sobre Jerusalém.
O termo “servo” não é empregado em 61.1-4, mas está implícito. O poder do
Espírito para efetivar a nova era conecta perfeitamente a perícope com os Cânticos do
Servo anteriores e a explícita aplicação que Jesus faz da profecia a Si mesmo (Mt 11.5)
corroboram este fato.
Isaías 63.1-6 estabelece uma forma de diálogo entre o profeta e Yahweh
descrevendo a vitória deste sobre “Edom” que é, no contexto, seguramente um tipo.
Esta é uma passagem importante na medida em que coloca o “universalismo” na
perspectiva correta, ou seja, não há vitória sem derrota, nem salvação sem condenação.
Capítulo 65 fala de um “novo remanescente” dos fieis dentre os exilados que
muitas vezes à luz das profecias anteriores se viam como num só bloco. Mas a
exposição e atração de estranhos ritos pagãos não seduzirão os fieis. Pelo contrário, eles
receberão novo nome (65.15) e uma nova bênção (65.16) que ao fim e ao cabo levarão à
criação dos “novos céus e nova terra” (65.17).
Capítulo 66 conclui o livro deste que é o maior dos profetas com uma imagem
contrastante entre e bênção gloriosa para a nova Jerusalém e o castigo eterno para os
inimigos. O último versículo descreve tal condenação em termos similares aos
empregados no Novo Testamento como “Gehena” e “inferno”. Para minimizar o

92
impacto da leitura no ouvinte, era costume em sinagogas antigas inverter parte dos
versículos 23 e 24 para que o texto “terminasse com palavras de conforto”.

ATIVIDADES

Discursiva:
Disserte sobre as características da profecia bíblica especificando como se
distingue profecia como proclamação e profecia como predição.

Objetiva 1:
Relacione a segunda coluna com a primeira:
1. Isaías 6 A. ( ) O lobo habitará com o cordeiro e o leopardo se deitará
junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado
andarão juntos, e um pequenino os guiará.”
2. Isaías 9 B. ( ) “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim porque o
SENHOR me ungiu para pregar boas-novas...”
3. Isaías 11 C. ( ) “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o
governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será:
Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte; Pai da Eternidade,
Príncipe da Paz.”
4. Isaías 48 D. ( ) “... com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela
tocou os teus lábios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o
teu pecado.”
5. Isaías 61 E. ( ) “Por amor do meu nome, retardarei a minha ira e por
causa da minha honra me conterei para contigo, para que te não
venha a exterminar.”

Objetiva 2:
Rei que na profecia de Isaias é mencionado com antecedência de mais de 200
anos:
A. ( ) Nabucodonozor
B. ( ) Ciro
C. ( ) Josias
D. ( ) Zedequias
E. ( ) Xerxes

Objetiva 3:

93
O chamado do profeta Isaías foge ao padrão de chamado de outros profetas; mas
encontra paralelo com ao menos um deles, a saber:
A. ( ) Oseias
B. ( ) Miqueias
C. ( ) Jeremias
D. ( ) Amós
E. ( ) Ezequiel

Respostas:
1) 3-4-2-1-5
2) B
3) D

94
Capítulo 10
Os Escritos - Salmos

Não há dúvida que Salmos é o livro do Antigo Testamento preferido


entre os cristãos. Sua popularidade vem do Novo Testamento onde são feitas
frequentes citações ou referências a ele. Claro que esta preferência tem motivos
diferentes. Em contraste com o uso monástico enfatizado na Idade Média, a
reação dos reformados exaltou salmos parafraseados acima da hinódia
“humana”, enquanto luteranos centralizavam seu uso em partes litúrgicas do
culto, como Intróitos e Graduais.
Lutero, que sabia de cor os Salmos, vê neles um resumo da mensagem e
da cristologia e da teologia bíblica. Seu apreço pelo Saltério chega ao ponto de
ele o chamar de “pequena Bíblia”.31
Em nível mais pessoal, o clima devocional e intimista que permeia os
salmos e que tem sua origem numa intensa relação do indivíduo com o
SENHOR encontra acolhida entre o povo de Deus também hoje. Embora a
estrutura de Salmos bem como a sua forma poética não sejam condizentes com a
poesia ocidental, com os Salmos nos sentimos em casa.

Nome
O título Salmos reflete o nome do livro na LXX, Psalmós. Há um título
em grego alternativo, Psaltērion, que também é usado e que aparece em
português dando o nome para o conjunto total dos Salmos. Ambos os nomes
entraram em nossa Bíblia através da Vulgata, que simplesmente transliterou os
termos gregos. As palavras gregas, derivadas do verbo psallō, “dedilhar”, foram
inicialmente empregadas para indicar a execução de instrumentos de corda ou o
próprio instrumento. A palavra grega psalmós foi usada para traduzir o termo
hebraico mizmor, cuja raiz verbal zāmar (“cantar” ou talvez “tocar”) relaciona o

31
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. V. 8. São Leopoldo/Porto Alegre: Editora
Sinodal/Concórdia Editora, 2003, p. 34. Lutero acrescenta: “Dentro dela [dessa “pequena Bíblia”], tudo o
que foi composto na Bíblia inteira foi composto da maneira mais bela e resumida, como um delgado livro
de cabeceira. Com efeito, tenho a impressão de que o próprio Espírito Santo quis dar-se o trabalho de
compilar a Bíblia e o livro de exemplos mais curto de toda a cristandade ou de todos os santos, de sorte
que quem não pudesse ler toda a Bíblia ainda assim tivesse, em um pequeno livrinho, quase um resumo
completo.” Ibid.
95
livro à música. Não é sem razão que se afirma que “os Salmos são o ventre materno da
música na igreja”32. Posteriormente, passaram a ser empregadas para descrever um
cântico, psalmós, ou a coleção de cânticos, psaltērion. O evangelista Lucas empregou o
título grego completo, Livro dos Salmos (Lc 20.42; At 1.20).

A poesia hebraica
Diferente da nossa poesia, a poesia hebraica tem particularidades que lhe são
próprias. Walter Kaiser afirma que “mal começamos a esgotar a riqueza da poesia
encontrada no Antigo Testamento.”33 Cerca de um terço do Antigo Testamento compõe-
se de poesia. Apenas 7 livros do Antigo Testamento não contêm qualquer poesia:
Levítico, Rute, Esdras, Neemias, Ester, Ageu e Malaquias. Ela varia de trechos breves
(Gn 4.23-24; Nm 21.18; 1Sm 18.7) a composições inteiras como cânticos e hinos no
Pentateuco e nos livros históricos (Gn 49.2-17; Êx 15.1-18; 1Sm 2.1-10); de obras
poéticas longas e bem estruturadas de Jó e, no caso, Salmos à prosa oracular expressiva
de Isaías 40-66, Naum e Habacuque.34
A poesia não é uma invenção do povo de Israel. Por detrás da poesia do Antigo
Testamento há a herança de uma tradição literária longa e bem desenvolvida no Antigo
Oriente Próximo. Apesar da poesia hebraica remanescente mais antiga datar dos séculos
13 e 12 a. C., os rudimentos da poesia das nações circunvizinhas podem ser traçados até
cerca de 3200 a.C. Temos hoje à disposição “salmos” de toda ordem provindos de quase
todos os quadrantes do Levante. Desde o período das pirâmides (Reino Antigo), o Egito
tem produzido poesia, algumas delas semelhantes à poesia bíblica. O exemplo mais
conhecido entre os estudiosos hoje é a rudimentar semelhança que há entre o Salmo 104
e o hino ao Sol (Aton), de Aquenaton. Observe esta semelhança:

32
WESTERMEYER, Paul. Te Deum: the church and music. Minneapolis: Fortress Press,
1998, p. 23.
33
KAISER, Walter e SILVA, Moisés. Introdução à hermenêutica bíblica: como ouvir a
palavra de Deus apesar dos ruídos da nossa época. Paulo César Nunes dos Santos, Tarcízio José
Freitas de Carvalho e Suzana Klassen, trad. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p.81-82.
34
A poesia do Novo Testamento inclui (1) citações de poetas antigos (At 17.28; Tt 1.12; 1Co
15.33); (2) possíveis hinos cristãos do 10 século (p. ex., Fp2.5-11; 1Tm 3.16; 2Tm 2.11-13); (3)
passagens nos moldes da poesia do Antigo Testamento, como no Magnificat de Lucas (1.46-55),
Benedictus(1.68-79), Gloria in Excelsis (2.14) e Nunc Dimittis (2.29-32); e (4) passagens que têm o estilo
da poesia tais como o lamento de Jesus sobre Jerusalém (Lc 13.34-35), partes do discurso no Cenáculo (p.
ex. Jo 14.1-7), e hinos e imagens de Apocalipse (p. ex., 4.8, 11; 5.9-19, 12-13; 7.15-17; 11.17-18; 15.3-4;
18. 2,14-24; 19.6-8).
96
Hino a Aton Salmo 104.25-26
Os navios rumam para o norte e também Eis o mar, vasto, imenso,
para o sul, no qual se movem seres sem conta,
Pois todos os caminhos se abrem com a animais pequenos e grandes.
tua manifestação. Por ele transitam os navios
Portanto, os peixes no rio fogem diante da e o monstro marinho
tua face, que formaste
Teus raios estão no meio do grande mar para nele folgar.
verde.35

A educação de Moisés na cultura egípcia torna plausível a atribuição da


autoria bíblica dada a ele não apenas do Salmo 90 como também de salmos fora
do Saltério como Êxodo 15 e Deuteronômio 32-33.
Tipos similares de tradição poética se desenvolveram simultaneamente
na antiga Mesopotâmia. Versos já aparecem na inscrição mural de Gudea,
príncipe de Lagash (ca. 1900 – 1800 a.C). Provavelmente, as mais conhecidas e
notáveis obras poéticas da antiga Babilônia são o épico de Gilgamesh, que
contém a narrativa babilônica do dilúvio, e Enuma elish, a narrativa babilônica
da criação.
Embora as culturas egípcia e mesopotâmica tenham influenciado a
palestina, os paralelos entre a poesia cananeia e a poesia bíblica são importantes
e se encontram na literatura descoberta em Ugarite (Ras Shamra), ao noroeste da
Síria. A poesia ugarítica escrita data entre 1400 e 1200 a.C. aproximadamente,
mas é possível que tenha sido precedida em alguns séculos pela transmissão oral
– característica comum no Antigo Oriente Próximo. A poesia ugarítica é
semelhante à hebraica em vocabulário e estilo. Mas, como de hábito nesse
campo comparativo, é oportuno que não se exagere na ênfase de tais
semelhanças. Importante é saber que no Antigo Oriente Próximo a composição
salmódica tinha presença atuante milenar já antes de Moisés e Davi. Portanto,
estes dois grandes líderes do Antigo Testamento sabiam o que estavam fazendo
quando o assunto era também a arte de poetizar.

35
PRITCHARD, James B., ed. Ancient Near Eastern Texts. 3.ed. Princeton: Princeton
University Press, 1969, p. 370.
97
Número de Salmos
É claro que o nosso Saltério é uma coleção de coleções anteriores. Estas
coincidem, em parte, com a divisão do Saltério em cinco “livros”, em última
análise, numa correspondência artificial com os cinco livros de Moisés. As divisões são
as seguintes:

Livro I: 1-41
Livro II: 42-71
Livro III: 73-89
Livro IV: 90-106
Livro V: 107-150

Esta divisão é mais antiga que os manuscritos mais antigos, mas até pouco
tempo atrás os estudiosos do Antigo Testamento tinham poucas informações sobre o seu
significado. Recentemente, houve progresso nas pesquisas e há certo consenso que
dentro de tais conjuntos maiores há outros menores. Dentre estes, destacam-se:

Grupo davídico I: 1-41


Grupo dos filhos de Corá I: 42-49
Grupo davídico II: 51-65
Grupo de Asafe: 73-83
Grupo dos filhos de Corá II: 84-88 (exceto o 86)
Grupo de louvor congregacional I: 95-100
Grupo de Aleluia: 111-117
Cânticos de ascensão a Jerusalém: 120-134
Grupo davídico III: 138-145
Grupo de louvor congregacional II: 146-150

Cada uma das divisões maiores dos cinco livros aparentemente tem relação com
o uso litúrgico nas sinagogas, ou seja, o uso de um salmo para cada leitura do
Pentateuco. Cada um dos cinco livros termina com uma doxologia (41.13; 72.18ss;
89.52; 106.48; e 150). O propósito das doxologias é dar louvor pelo que foi revelado

98
acerca de Deus em cada livro. Esta ênfase no louvor está em consonância com o
título hebraico atribuído ao Saltério: “louvores”. Também se harmoniza com
uma mudança de lamento na primeira metade do Saltério para louvor na segunda
metade. Mesmo que alguns salmos se concentrem nos interesses humanos em
relação a Deus, o propósito fundamental do livro como um todo concentra-se em
Deus e sua ação em benefício do seu povo.
Diferente numeração dos Salmos remonta à Septuaginta que, via Vulgata,
está presente hoje nas Bíblias católicas. Visto que os salmos 9 e 10 são ajuntados
e o 147 é dividido em dois, o resultado é que na maior parte do Saltério a
numeração dos Salmos na Bíblia católica está uma abaixo da numeração nas
Bíblias protestantes. O exemplo mais conhecido é o do Salmo 23, que nas
Bíblias católicas será o Salmo 22.

Referências principais e Autoria


1 O caminho da aliança
2 “Tu és Meu Filho, eu hoje te gerei...”
8 “Filho do Homem”
16 “O Santo não verá corrupção”
22 “Por que me desamparaste?”
24 “Entre o Rei da Glória”
46 Castelo Forte
51 “Cria em mim, ó Deus, um coração puro”
87 “Gloriosas coisas se têm dito de ti”
90 “Tu tens sido nosso refúgio”
95 Venite (“Vinde”)
96 e 98 “Cantai um cântico novo”
103 e 104 “Bendize, ó minha alma...”
110 “A ordem de Melquisedeque”
118 “Bendito O que vem”
119 Acróstico na Torá
121 “Elevo os meus olhos para os montes”
130 “Das profundezas clamo a Ti”
137 “Às margens dos rios da Babilônia”
99
139 “Tu me sondas e me conheces”

No que respeita à autoria, a notação mais comum é “de Davi” (ledavid, que
aparece 73 vezes), significando talvez, (1) “de autoria de Davi” cuja musicalidade é
largamente atestada no Antigo Testamento, (2) “em favor de Davi” (Sl 20), uma oração
pelo rei davídico na véspera da batalha), ou (3) “pertencente a Davi” parte de uma
coleção real, talvez incluindo composições de Davi. A analogia bíblica lhe atribui outros
cinco salmos cujo título não aparece: 2 (Atos 4.25); 95 (Hebreus 4.7); 96, 105, 106 (1
Crônicas 16).
Alguns salmos são atribuídos aos “filhos de Corá” (42-19, 84, 85, 87, 88) e a
Asafe (50, 73-83). Outros são mencionados nos cabeçalhos dos salmos: Moisés (Sl 90);
Salomão (Sl 72; 127); chefes de família do coro, os ezraítas Hemã (Sl 88) e Etã (Sl 89)
e Jedutum (39; 62; 77).

Sobrescrições nos Salmos


A diferença em versículos está associada a diferentes atitudes com relação às
sobrescrições (ou títulos). Na Bíblia Hebraica, Bíblias alemãs e outras, as sobrescrições
são contadas como o versículo 1, enquanto em Bíblias em português isso não acontece.
A questão da autenticidade original dos títulos tem sido motivo de debates homéricos.
Alguns estudiosos, como Kidner, afirmam que os títulos são autênticos e infalíveis.36
Outros dizem que não é nem uma coisa nem outra.37 Terceiros acham que “a melhor
solução é considerar os títulos como uma tradição antiga e confiável.... no entanto não
deveriam ser julgados como originais ou canônicos.”38
Há inúmeros tipos de títulos. Alguns descrevem o tipo de composição. Em
certos casos a descrição parece não ter nada de técnico como em mizmor, “salmo” –
possivelmente com acompanhamento de instrumento de corda, como mencionamos
acima e usado no Antigo Testamento apenas no Saltério; shir, “cântico”, talvez uma
composição cantada a capela; tehillah “louvor”; e tephillah “oração”. Dentro dessa
mesma linha, mas mais técnico estão maskil “ensino; ser prudente, ter sucesso”; miktam

36
KIDNER, Derek. Salmos 1-71: Introdução e comentários aos livros 1 e II dos Salmos.
Gordon Chown, trad. São Paulo: Vida Nova, 1980, 45-60.
37
CHILDS, B. S. “Psalms Titles and Midrashic Exegesis” Journal of Semitic Studies 16
(1971): 137-50.
38
DILLARD, Raymond B, e LONGMAN III, Tremper. Introdução ao Antigo Testamento.
Sueli da Silva Saraiva, trad. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 204.
100
(Sl 16; 56-60) e shiggaion (Sl 7) têm origem mais obscura, mas este último pode
provir do acádico shegu - “lamento”. O título “Cântico de Romagem” ou
“Cânticos de Ascensão” provavelmente indica que estes salmos eram entoados
na subida processional do povo d Deus para o templo.

Melodias
Além dessas, outras notações nos Salmos parecem indicar nomes de
melodias segundo as quais os salmos deveriam ser cantados. O “Sheminith”
(talvez: “oitava”) do Sl 6 parece ser o caso como também “Lírios” (Sl 45, 60, 69,
80); “Pomba nos terebintos distantes” (Sl 56); e especialmente “Corça da
manhã” do Sl 22. Visto que “Manhã” (schachar = Aurora) é uma deusa muito
popular em Ugarite, suspeita-se que temos aqui evidência de raízes cananitas no
culto do templo em Jerusalém. Se tais explicações estiverem corretas, elas se
comparam aos nomes, por vezes esquisitos, de melodias que aparecem em
hinários modernos e que por vezes parecem enigmáticos a cristãos
desprevenidos.39
Alguns termos são certamente orientações musicais talvez comparados
ao nosso “forte”, “allegro”, “fortíssimo”. Parece ter sido esse o significado de
neginot nos em Salmos como 4, 6, 54, 55, 67, 76, especificando
acompanhamento com “instrumentos de corda”. Dois dos mais frequentes títulos
são, em princípio, deste tipo. O primeiro é lammenatseach , que ocorre 55 vezes.
Crônicas emprega o termo aos supervisores da construção do templo mas
também “ao mestre de canto” ou “regente do coro” (NTLH).
“Selah” é, por certo, a mais famosa orientação de melodia que aparece
nos Salmos. Nada menos que 71 vezes em 39 salmos, além de três vezes em
Habacuque 3. Muito papel foi gasto para tentar explicar o sentido deste termo.
Uma explicação plausível é de que seja a forma do imperativo do verbo “exaltar,
levantar.” Sendo assim, o termo estaria a indicar um aumento no volume seja do
coro ou do acompanhamento musical. Aparentemente esta é a compreensão que
tem a Septuaginta ao traduzir selah por diapsalma, que indica um interlúdio ou

39
Um exemplo é o conhecido Hino “Rocha Eterna”, número 276 no Hinário Luterano, quem tem
a Melodia TOPLADY, algo como “Dama Maior”.
101
algo similar. Jerônimo, na Vulgata, associava a palavra com alguma ideia de eternidade
ao traduzi-la para o latim como semper (“sempre”).

Recursos poéticos dos Salmos


As duas características peculiares da poesia hebraica são de sonoridade e
estrutura de pensamento. A estrutura sonora é o padrão regular de sílabas acentuadas ou
não acentuadas. Também pode ser a repetição de sons por meio de recursos como
assonância e aliteração. Assonância tem a ver com a repetição de vogais; aliteração diz
respeito à repetição de consoantes. Sobre isso falaremos mais adiante.

A. Estrutura de pensamento
Estrutura de pensamento ou sentido é o equilíbrio de ideias de forma sistemática.
O veículo principal da transmissão da estrutura de pensamento é o chamado
“paralelismo de termos constituintes” ou também denominado “paralelismo dos
membros”.

Paralelismo
A geometria nos ensina que linhas paralelas são aquelas semiretas que correm
uma junto da outra sempre mantendo a mesma distância. Mas em poesia se fala em
paralelismo quando as linhas poéticas ou versos são de alguma forma semelhantes. Por
séculos os pesquisadores bíblicos sabem da presença do paralelismo na poesia hebraica.
A era moderna do estudo da poesia do Antigo Testamento começou em 1753, quando o
bispo Robert Lowth publicou sua obra considerada de grande autoridade sobre esse
tema.40 Lowth identificou três tipos diferentes de paralelismo, que chamou de
paralelismo sinônimo, paralelismo antitético e paralelismo sintético.
Segundo a definição de Lowth, paralelismo sinônimo é aquele em que o sentido
das linhas poéticas paralelas é praticamente idêntico. Veja, por exemplo, o Salmo 9.8:
“Ele mesmo julga o mundo com justiça;
administra os povos com retidão”.

Também o Salmo 24.2:

40
LOWTH, Robert. De sacra hebraeorum praelectiones academicae (Preleções sobre a poesia
sagrada dos hebreus). Oxford: Clarendom Press, 1753.
102
“Fundou-a ele sobre os mares
e sobre as correntes a estabeleceu”.

O paralelismo antitético ocorre quando entre as linhas poéticas há um


contraste ou oposição de idéias, ou seja, a Linha B contrasta com a linha A. Um
bom exemplo está no Salmo 37.16:
“Mais vale o pouco do justo [linha A]
que a abundância de muitos ímpios” [linha B]

Por vezes aparece uma série de paralelismos e com eles também uma
série de binômios contrastantes como ira/favor, um momento/vida inteira,
choro/alegria, noite/manhã. Observe o Salmo 30.5:
“Porque não passa de um momento a sua ira;
o seu favor dura a vida inteira.
Ao anoitecer, pode vir o choro,
mas a alegria vem pela manhã”.

No paralelismo sintético a segunda linha complementa a ideia expressa


na primeira linha e de alguma forma a modifica. Verdade é que este tipo de
paralelismo não exibe uma rima de pensamento e um paralelismo de idéias,
como nas outras duas formas de paralelismo. Apesar de as linhas poéticas do
paralelismo sintético poderem ser paralelas na forma, não estão equilibradas em
pensamento ou ideias como estão as linhas dos pensamentos anteriores. Na
forma sintética não há nem gradação nem oposição das palavras nas linhas
paralelas. Quando se lê ou se escuta a primeira linha, não é possível antecipar o
que vem na segunda linha mas, uma vez enunciadas as duas, é fácil observar que
ambas formam uma unidade semântica (A + B = uma ideia completa). O
primeiro exemplo de Lowth de paralelismo sintético foi:

Louvai ao SENHOR da terra,


monstros marinhos e abismos todos;
fogo e saraiva, neve e vapor,
e ventos procelosos que lhe executam a palavra;

103
montes e todos os outeiros,
árvores frutíferas e todos os cedros;
feras e gados,
répteis e voláteis;
reis da terra e todos os povos,
príncipes e todo os juízes da terra;
rapazes e donzelas,
velhos e crianças (Sl 148.7-12)

Vejamos o exemplo do Salmo 14.1:


“Diz o insensato no seu coração: [A]
Não há Deus.” [B]

E este outro exemplo, do Salmo 94.11:


“O SENHOR conhece os pensamentos dos homens, [A]
que são pensamentos maus” [B]

Em tempos mais recentes, alguns estudiosos têm criticado alguns pressupostos


fundamentais do paralelismo. Segundo eles, as três categorias estabelecidas por Lowth
seriam estruturas por demais simples. Por isso, alguns querem admitir que além destas
três mencionadas, o paralelismo pode expressar outras categorias. Segundo eles, poderia
haver entre as linhas uma relação lógica (que reflete ação-consequência, como no Sl
82.8), outras de caráter temporal (reflete uma sequência histórica, por exemplo, o Sl
107.6)) e ainda uma relação formal (como pergunta e resposta).41

B. Estrutura sonora
A segunda característica da poesia hebraica, a estrutura sonora, é demonstrada
por vários artifícios técnicos usados pelos salmistas. Podemos indicar os mais
importantes:
1. Acróstico. Acróstico é um poema em que as letras iniciais dos versos (ou
linhas) formam o alfabeto hebraico. O Antigo Testamento possui 13 poemas acrósticos

41
Para uma análise mais ampla e detalhada, veja ZOGBO, Lynell e WENDLAND, Ernst. La
poesia de Antiguo Testamento: pautas para sua traducción. Alfredo Tepox Varela, trad. e adpt.
Miami: Sociedades Biblicas Unidas, s.d., p. 23-79.
104
do alfabeto (Sl 9, 10, 25, 34, 37, 111, 112, 119, 145; Pv 31.10-31; Lm 1-4). O acróstico
servia como esquema mnemônico que, nas traduções, é praticamente impossível
reproduzir. Como recurso literário transmitia ideias de ordem, progressão e plenitude da
mensagem poética.
2. Aliteração. É uma característica bastante frequente nos Salmos. Trata-se
da repetição de consoantes no início de palavras ou sílabas também com finalidade
mnemônica. Lembro que na escola primária, numa região em que a letra erre, em
português, era consoante difícil de ser pronunciada, a professora insistia com esta frase
em aliteração:

“O rato roeu a roupa da rainha da Rússia;


e o rei de raiva roeu o resto”.

No Salmo 122.6, por exemplo, pode-se observar a cadência do sh e de l em


hebraico:
Hebraico: sha’alu shelom yerushalayim
Tradução: Orai pela paz de Jerusalém

3. Assonância. Assonância é a estrutura sonora que usa a correspondência


de vogais, em geral no final das palavras. Como a aliteração, a assonância serve como
recurso literário para enfatizar uma ideia ou um tema ou para dar certo tom ao versículo.
Um bom exemplo é o Sl 119.29:
Hebraico: derek-sheker chaser mimmeni vetorateka chaneni
Tradução: Afasta de mim o caminho da falsidade
e favorece-me com a tua lei.

4. Elipse. É a supressão de uma ou mais palavras que completariam


determinada paralela e tem sido um dos critérios para distinguir poesia de prosa. Um
exemplo está no Salmo 9.9 onde se pode ver que na segunda linha se pressupõe a
presença de elementos claramente expressos na primeira:

O SENHOR é também alto refúgio para o oprimido [A]


.............................................refúgio............nas horas de tribulação. [B]

105
5. Quiasmo. Uma variante do paralelismo se acha na estrutura quiástica ou
estrutura em forma de um “X” (da letra grega “chi”). Neste caso, numa
composição de 4 elementos, o segundo elemento da primeira linha será o
primeiro na segunda linha e o primeiro da primeira linha será o quarto na
segunda linha, formando uma estrutura AB –BA. Um bom exemplo da sabedoria
popular é:
Vale mais perder um minuto na vida [AB]
do que a vida num minuto. [BA]
O próprio Jesus, numa passagem conhecida, faz uso da estrutura
quiástica quando diz em Lucas 14.11:
Todo o que se exalta será humilhado; [AB]
e o que se humilha será exaltado. [BA]

6. Inclusio. A inclusio é uma forma especial de repetição comum nos salmos.


Este recurso é por vezes chamado de parêntese retórico, pois ao repetir
palavras e expressões-chave, o salmista retorna ao ponto de partida.
Didaticamente, inclusio é um tipo envelope: inicia-se com uma frase ou
expressão e conclui-se com ela. Por exemplo, o Salmo 118 começa (v. 1) e
termina (v.29) com as linhas:

“Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom,


porque a sua misericórdia dura para sempre.”

Gêneros Literários
O esforço de compreender um salmo começa com uma gama de perguntas: (1)
Que está acontecendo no salmo: louvor, lamento, ação de graças? (2) Quem está
falando: um indivíduo ou a congregação? Se um indivíduo, trata-se de porta-voz de um
grupo tal como um rei, sacerdote ou profeta ou de um indivíduo reclamando do
sofrimento ou dando graças por livramento? Que pronomes são empregados: no
singular ou plural, como se um indivíduo e a congregação estivessem envolvidos? (3) O
rei é mencionado Palavras como “ungido”, “filho” ou “escudo” denotam sua relação
com Deus e o povo de Israel?

106
Foi apenas no início do século XX que uma abordagem aos salmos com estas e
outras indagações que o alemão Hermann Gunkel fez pesquisas mais profundas sobre o
Saltério.42 Gunkel, aplicando a Crítica da Forma, fez uso de “Categorias” (Gattungen) e
propôs quatro gêneros literários nos Salmos: hinos, lamentos individuais, ações de
graças e lamentos da comunidade. A proposta de Gunkel passou a ser referência entre
os estudiosos, mas estudos mais recentes avançaram na análise de Salmos. Walter
Brueggemann, por exemplo, sugere três categorias para os salmos: (1) “Salmos de
orientação” são aqueles que expressam um sentimento de bem-estar e gratidão “por uma
situação feliz e abençoada”; (2) “Salmos de desorientação” são aqueles que são emitidos
em tempos de dor, ira, desestruturação e desespero; (3) “Salmos de reorientação” são os
que seguem a um período de desorientação e refletem gratidão pela nova experiência de
graça, libertação, cura e estabilidade.43
Apresentaremos aqui os três principais gêneros encontrados no Saltério.
1. Hino. Uma das mais importantes classificações feitas por Gunkel é o
“Hino”. O hino tende a seguir um padrão quádruplo: (a) um convite ao louvor, em geral
com um imperativo plural (como “Aleluia!” = “Louvai ao SENHOR” ou “Bendize, ó
minha alma ao SENHOR”; algumas vezes aparece com uma forma coortativa:
“cantemos”; (b) o motivo para o louvor, normalmente introduzido pela cláusula ki
(“porque”) ou simplesmente por ki tob, “porque ele é bom”; (c) segue-se o corpo ou
parte principal do louvor, concluindo, por vezes com (d) novo convite ao louvor, em
geral com as mesmas palavras iniciais.
Embora os hinos sejam relativamente raros no início do Saltério, eles, em sua
maioria, aparecem no final. De fato, o livro termina em um crescendo de louvor com os
cinco salmos (146-150) sendo conhecidos como a grande doxologia.
A maioria dos hinos parecem adequados a qualquer pessoa ou situação e daí,
muitas vezes, se ter a impressão universalista dos salmos. Na verdade os salmistas são
integrantes do povo de Deus e, por isso, os salmos pressupõem a ação salvífica de Deus
por detrás de cada ato de louvor. O termo “hino” é bastante abrangente e hoje se faz
subdivisões, tais como:
a) Cânticos de Romagem ou de Ascensão descrevem as expectativas dos
peregrinos à medida que se aproximam do templo. Alguns refletem os ardores da

42
GUNKEL, Herrmann. Einleitung in die Psalmen. 3.ed. Göttingen, 1975.
43
BRUEGGEMANN, Walter. The message of the Psalms: a theological commentary.
Minneapolis: Augsburg, 1984, p. 25-167.
107
viagem, bem como o antegozo da bênção (Sl 84; 122). Outros preservam uma “liturgia
de entrada” (Sl 15; 24). Cânticos como os salmos 132, 68.24-27captam as procissões de
adoradores em movimento, talvez liderados pela arca da aliança, semelhante ao episódio
em que Davi levou a Jerusalém a arca pela primeira vez (1Sm 6.1-11).
b) Cânticos de Sião louvam a cidade santa escolhida por Deus, o lugar onde
Seu “Nome” ou Sua “Glória” está “encarnada”. Estes aspectos estão refletidos em
salmos como 46, 48, 76 e 87. Por todo o Antigo Testamento, Sião do rei/Messias é um
tipo da igreja cristã.
c) Cânticos de entronização é expressão usada pelos eruditos modernos
para se referir a Yahweh, não ao rei terreno (p. ex., Salmos 47, 93, 96-99). Sigmund
Mowinckel causou celeuma ao defender que nestes salmos Israel estaria reconstruindo
uma festa de entronização de Yahweh. Para balizar sua teoria, Mowinckel emprega a
expressão Yahweh malak e a traduz por “Yahweh tornou-se rei”. Segundo ele uma festa,
provavelmente a dos Tabernáculos, era o momento para encenar a entronização de
Yahweh como rei de toda a criação e quando se revivia Suas vitórias sobre o caos
primitivo e Suas conquistas sobre faraó no êxodo. Esse era o momento também de
reconsagração do templo em Jerusalém.44
Hans-Joachim Kraus questiona esta interpretação na sua base afirmando que
Mowinckel equivocou-se ao traduzir a expressão hebraica Yahweh malak por “Yahweh
tornou-se rei”. Segundo Kraus, a tradução deve ser “Yahweh é rei”, mostrando que faz
referência a um estado, não a um ato. Ademais, Kraus questiona também como Yahweh
poderia ser elevado ao trono se não havia imagem dele como nos cultos pagãos. Em
terceiro lugar, a teologia do Antigo Testamento de um “Deus vivo” não poderia
comportar a ideia cíclica anual da morte e ressurreição de Deus, como nos cultos de
fertilidade.45
2. Lamentos. Estes salmos se destacam pelas orações e súplicas feitas em
tempos de emergência nacional como epidemia, secas, pragas, invasões ou derrotas. Em
geral, há mais lamentos individuais que comunitários. A esta categoria pertencem os
salmos 44, 60, 74, 79-80. Embora alguns distingam entre lamentos individuais e
comunitários, por vezes é difícil estabelecer tal diferença. Um exemplo é o salmo 22. O

44
MOWINCKEL, Sigmund. The Psalms in Israel’s worship. 2 vol. New York: Abingdon
Press, 1962.
45
KRAUS, Hans-Joachim. Worship in Israel. G. Buswell, trad. Richmond: John Knox Press,
1966, p. 205-207.
108
próprio Gunkel comparou os dois tipos a duas metades de uma concha. Segundo
Bellinger, estruturalmente os salmos de lamento podem ter até 6 elementos: (1)
invocação; (2) lamento; (3) petição; (4) motivação (razões para que o SENHOR
responda a oração); (5) certeza de ser ouvido; (6) voto.46
O que sempre intrigou os estudiosos é a rapidez de mudança do lamento para a
ação de graças num salmo sem uma transição. A sugestão de J. Begrich é a mais
plausível e obteve aceitação quase unânime. Ele entendeu que num ambiente de culto
depois do lamento e antes da ação de graças, um sacerdote pronunciava um “oráculo de
salvação” (Heilsorakel) ou uma “fórmula de absolvição”, assegurando ao adorador que
sua oração foi amorosamente ouvida e respondida.47 O salmo 22.21b pode ser citado
como exemplo padrão desse ritual porque de outra forma o “sim, tu me respondes” fica
incompreensível no momento de transição entre o lamento e a ação de graças que segue.
Apostando nessa sugestão de Begrich, vários estudiosos do Antigo Testamento
sustentam que os profetas muitas vezes modelaram sua mensagem escatológica de
salvação neste momento litúrgico do culto.
3. Ação de graças. No Saltério, o número de salmos de lamento, tanto
individuais como comunitários, vai muito além dos salmos de ação de graças. A
conclusão pode ser que somos mais rápidos em pedir do que agradecer. Isto não quer
dizer que neste aspecto os salmistas estão nos ensinando como fazer, ou seja, mais pedir
do que agradecer; ao contrário, estão mostrando o quanto Deus é condescendente com
nossas necessidades de homens pecadores.
Os salmos de lamento e ação de graças começam com um vocativo ou
invocação; “Ó SENHOR”, por exemplo. Às vezes iniciam com imperativo suplicando
auxílio divino: “Ajuda-me!, salva-me!, tem misericórdia!, Levanta-te!”. Outras vezes o
vocativo é acompanhado de títulos honoríficos “lembrando” o SENHOR de Suas
promessas ou atos de libertação no passado e indagando sobre o porque da demora no
atendimento no presente. Essa atitude, para o leitor de hoje, pode parecer bastante
ousada, senão irreverente, mas fato é que testemunhamos aqui não apenas uma profunda
intimidade com o Pai como também enorme confiança que “gruda” Deus às Suas
promessas e não O deixa ir sem antes abençoar (cf.Gn 32).

46
BELLINGER, W. H. Psalmody and Prophecy. Shefield: Journal for the Study of the Old
Testament, 1984, p. 22-27.
47
BEGRICH, J. “Das priesterliche Heilsorakel” Zeitschrift für alttestamentliche Wissenschaft
52 (1934): 81-92. Reimpresso em Gesammelte Studien. Munich: Kaiser Verlag, 1964, p. 217-231.
109
Salmos imprecatórios
Os salmos imprecatórios são uma crux para o intérprete conservador. Nestes
salmos o salmista emprega uma linguagem áspera ao falar sobre o iníquo. Como pode
alguém dizer: “aborreço-os com ódio consumado” (Sl 139.22)? Ou empregar linguagem
violenta e até sanguinária (cf. Sl 35, 58, 83, 109, 137, 149)? Como harmonizar tais
atitudes com a oração de Jesus na cruz ou com o evangelho do “amai os vossos
inimigos”? Alguns intérpretes liberais resolvem o problema simplesmente identificando
tais salmos como exemplos da baixa moralidade do Antigo Testamento em comparação
ao mais elevado grau no Novo Testamento. Em contextos conservadores, estes salmos,
indicados para leitura dominical, são muitas vezes abreviados para se evitar a parte cruel
quando não são inteiramente substituídos por outro menos agressivo, a critério do pastor
ou ministro. Com o tempo, cria-se um cânone dentro do cânone.
O foco destes salmos não são indivíduos ou nações por quem se sente desafeto
ou desamor como sugerem alguns. Os inimigos em questão são “os arquétipos do
‘demoníaco’, do mal supremo que sempre e em toda parte se opõe a Deus, sua obra e
seu povo, ao fim e ao cabo, o Anticristo ou Satã que habita o iníquo em lugar de
Cristo.”48 Estes inimigos nenhum poder humano pode vencer ou exorcizar. Talvez o
maior exemplo esteja nas citações do Sl 109, que se cumprem em Judas Iscariotes.
Não há brecha nestes salmos para vingança humana, seja ela individual ou
corporativa, muito menos em nome de algum princípio religioso. A vingança pertence
ao SENHOR apenas (Rm 12.19) mas à iniquidade que se recusa ser perdoada resta
apenas a aniquilação.
O salmista está antecipando a condenação final daqueles que persistem em odiar
e perseguir os filhos de Deus. Hoje, não somos mais inspirados por Deus e por isso não
temos a liberdade de empregar esta linguagem contra nossos eventuais inimigos
pessoais. Nossos motivos seriam impuros e poderiam nos conduzir à própria ruína
Espiritual. Pelo contrário, à luz dos ensinos de Cristo, devemos orar para que sejam
conduzidos ao arrependimento e fé em Jesus. Ao mesmo tempo, oramos para que Deus
assuma as rédeas da vingança (cf. Ap. 6.10). Da mesma forma, podemos pedir que Deus
solape a iniquidade e as forças iníquas para impedir que homens maus tenham sucesso

48
HUMMEL, op. cit., p. 434.
110
no seu intento pecaminoso impedindo-os, confundindo-os e frustrando seus planos
perversos.

ATIVIDADES

Discursiva:
Como você explica as semelhanças entre a literatura poética e de sabedoria do
povo de Deus no Antigo Testamento e a dos outros povos do Antigo Oriente Próximo.

Objetiva 1:
1) Salmo 4 A. ( ) “Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que
Deus e de glória e de honra o coroaste.”
2) Salmo 8 B. ( ) “Por causa do teu nome, SENHOR, perdoa a minha
iniquidade, que é grande.”
3) Salmo 14 C. ( ) “Todos se extraviaram; não há quem faça o bem, não
há nenhuma sequer.”
4) Salmo 25 D. ( ) “Em paz me deito e logo pego no sono, porque,
SENHOR, só tu me fazes repousar seguro.”
5) Salmo 110 E. ( ) “Disse o SENHOR ao meu senhor: assenta-te à minha
direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos
teus pés.”
Objetiva 2:
“A tua benignidade, SENHOR,
chega até aos céus,
até às nuvens, a tua fidelidade” (Sl 36.5). Este verso é exemplo de:
A. ( ) Acróstico
B. ( ) Aliteração
C. ( ) Quiasmo
D. ( ) Elipse
E. ( ) Inclusio

Objetiva 3:
Leia o Salmo 122.1-2 e identifique abaixo a que gênero pertence:
A. ( ) Cântico de Ascensão
B. ( ) Cântico de Sião
C. ( ) Cântico de Entronização
D. ( ) Lamento
111
E. ( ) Ação de Graças

Respostas:
1) 2-4-3-1-5
2) C
3) A

112
BIBLIOGRAFIA

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114
APÊNDICE
CRONOLOGIA DOS REIS E PROFETAS DO ANTIGO TESTAMENTO

REINO UNIDO
Saul 1020 - 1000 a.C.
Davi 1000 - 961 a.C.
Salomão 961 - 922 a.C.

REINO DIVIDIDO
JUDÁ (REINO DO SUL.) ISRAEL (REINO DO NORTE)
Roboão c.922 (ou 931)-915 Jeroboão I c. 931-901
Abias c.915-913 Nadabe c.901-900
Asa c.913-873 Baasa c.900-877
Elá c.877-876
Zimri (7 dias) c.876
Onri c.876-869
Josafá c.873-849 Acabe (Elias) c.869-850
Acazias c.850-849
Jorão (Obadias?) c.849-842 Jorão c.849-842
Acazias c.842
Atalia c.842-837 Jeú c.842-815
Joás (Joel?) c.837-800 Jeoacaz c.815-801
Amazias c.800-783 Jeoás c.801-786
Uzias c.783-742 Jeroboão II (Os+Am+Jn) c.786-746
Jotão (regente) c.750-742 Zacarias (6 meses) c.746-745
Salum (1 mês) c.745
Jotão (rei) c.742-735 Menaém c.745-738
Pecaías c.738-737
Acaz c.735-715 Peca c.737-732
Oseias c.732-724
Queda de Samaria 722

REINO DE JUDÁ
Ezequias (Isaías e Miqueias) c.715-687
Manassés c.687-642 (Naum)
Amom c.642-640
Josias c.640-609 (Sofonias + Jeremias)
Jeoacaz (3 meses) 609
Jeoaquim 609-598 (Habacuque)
Joaquim (3 meses) 598
Zedequias 598-587/6 (Obadias?+ Ezequiel +
Daniel)
Queda de Jerusalém (Judá) 587 Cativeiro Babilônico

RETORNO À PALESTINA

115
Dedicação do Segundo Templo 515 (Ageu, Zacarias)
A missão de Esdras 458
A primeira missão de Neemias 445 (Malaquias; Joel? Obadias?)
Alexandre, o Grande 333
(Helenismo)
Seqüência de reis persas:
Ciro
Dario (cf. Maratona, 490)
Xerxes (Assuero) (cf. Salamina,
480)
Artaxerxes

116

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