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O CRESCIMENTO DA IGREJA ATÉ A REFORMA

Mateus 16.18

Introdução
Após o cativeiro babilônico, Deus encoraja o povo, dizendo que o seu Espírito
permanecia no meio dele; aqui vemos a manifestação do Deus do Pacto (Ag 2.4,5),
cuja presença por si só é altamente estimulante (veja Ex 29.45,46; 33.14; Dt 31.6-8; Js
1.9; Is 41.10,13; 43.2; 2 Tm 1.7; Hb 13.5). "A certeza da promessa de Deus e o fato do
Espírito sempre presente seriam suficientes para acalmar os temores da comunidade."

O tempo verbal de "habitar" (Ag 2.5) indica a ideia de que Deus sempre esteve
presente no meio do Seu povo, mesmo durante o cativeiro (Ed 9.9; Ne 9.17,18,20); a
presença de Deus não é algo pontilhado, durante determinados eventos da história,
antes, é contínua, ininterrupta. Mesmo no exílio, Israel continuava sendo o povo eleito
de Deus (Is 41.8-14; 43.1-7).

No Novo Testamento Jesus também garante aos seus discípulos: "E eis que estou
convosco todos os dias até à consumação do século." (Mt 28.20).

O Espírito dirige a história de forma poderosa, "transpondo os obstáculos", fazendo


com que Deus sempre cumpra a "palavra da aliança".

A História revela Deus e seus propósitos; não há acaso dentro do propósito de Deus;
Deus é o Senhor da História. (Rm 8.28-30; At 1.6-7). Por isso, ainda que nem sempre
possamos discernir os atos de Deus na História, cremos que Deus a dirige rumo à
consecução do seu propósito santo, sábio e eterno.

Na lição de hoje vamos estudar alguns aspectos da Igreja de Deus no período que vai
do Novo Testamento até à Reforma, pinçando alguns assuntos, tendo como elemento
norteador o fato de que Deus sempre conduz o seu povo.

1 - A IGREJA DE DEUS: DE JERUSALÉM AOS CONFINS DO MUNDO


Certamente um dos objetivos de Atos é retratar o crescimento da Igreja ultrapassando
barreiras geográficas, religiosas e culturais, culminando com a chegada de Paulo em
Roma.

Por isso Atos pode ser esboçado a partir dos registros do crescimento da Igreja (veja
At 2.41,47; 4.4; 5.14; 6.7; 9.31; 12.24; 16.5; 19.20; 28.31). Além disso, Atos nos dá
pistas a respeito dos judeus da Ásia e do Norte da África que ouviram o sermão de
Pedro, muitos dos quais devem ter se convertido em Jerusalém (At 2.9,10; 2.41); fala-
nos também do Eunuco etíope que após a sua conversão e batismo, continuou o seu
caminho "cheio de júbilo" (At 8.37-39).

Estes homens voltando para as suas cidades, que método usaram para difundir a sua
fé? Atos também descreve como o Evangelho foi pregado por Paulo na Europa (At
16.9-15).

Os testemunhos históricos que temos a partir do segundo século, informam-nos que


apesar de perseguidos, os cristãos davam o seu testemunho, sendo muitas vezes
martirizados — aliás a palavra "testemunha" em grego significa "mártir" —, vemos
também que o seu comportamento era contagiante através de uma conduta diferente,
que procurava se pautar pela Palavra de Deus.
Apesar de uma história de discriminação, perseguição e martírio, o Cristianismo
cresceu. No 4º século o Imperador Constantino (280-337) promulgou o Edito de Milão
(313) no qual declarava o fim das perseguições aos cristãos e a restituição de suas
propriedades.

Em 330, Constantino inaugurou a cidade de Constantinopla transferindo a capital de


Roma para a nova cidade. Numa carta a Eusébio, bispo de Cesaréia, Constantino
pedindo com urgência a preparação de 50 Bíblias para a nova capital, revela algo a
respeito do crescimento do número de cristãos e de Igrejas: "Com a ajuda da
providência de Deus, nosso Salvador, são muitíssimos os que se hão incorporado à
santíssima Igreja na cidade que leva o meu nome. Parece, pois, mui conveniente que,
respondendo ao rápido progresso da cidade sob todos os aspectos, se aumente
também o número de Igrejas "

2 – ADORAÇÃO CRISTÃ
No início do segundo século, o Imperador Trajano (53-117) enviou Plínio, o jovem (62-
113) à Ásia Menor para sanar um problema existente: O número de cristãos tinha
aumentado tanto, que os templos pagãos estavam quase que totalmente desertos e,
consequentemente, tais cristãos não veneravam a imagem do Imperador, nem
adoravam os deuses romanos.

Plínio dispunha de amplos poderes para resolver este problema, contudo, havia casos
a respeito dos quais preferiu escrever para o Imperador, a fim de saber como
solucioná-los.

Num destes relatórios, escrito em 112, vamos saber que os cristãos, durante o
interrogatório, disseram que," Sua culpa se reduzia apenas a isto: em determinados
dias costumavam comer antes da alvorada e rezar responsivamente hinos a Cristo,
como a um deus "

No Didaquê, obra escrita possivelmente em meados do segundo século, por um autor


anônimo, encontramos uma descrição da concepção litúrgica existente:

"Reunindo-vos no dia do Senhor, parti o pão e dai graças, depois de haver confessado
vossas transgressões, para que o vosso sacrifício seja puro; mas todo o que tenha
contenda com seu companheiro, não se junte convosco até que se hajam reconciliado,
afim de que o vosso sacrifício não seja profanado "

Quando os historiadores comentam o Culto nos séculos II e III da era cristã, observam
que a atmosfera que os cristãos respiravam estava carregada das influências advindas
das religiões de mistério. Justino, em sua já referida obra, constata que a Santa Ceia
já tinha sido copiada pelos pagãos. De qualquer forma, vale salientar, que os pagãos é
que estavam imitando a Igreja, não o contrário...

O sincretismo religioso se devia a uma tendência natural da época, a qual carregava


consigo uma herança de vários séculos, de adaptações sincréticas na forma cúltica e
também, devido ao intenso crescimento da Igreja através da conversão de muitos
pagãos, especialmente no início do 3º século.

No quarto e quinto séculos torna-se evidente a influência das religiões de mistério no


culto. O antigo respeito para com os mártires, transformou-se em culto, surgindo a
partir daí um "cristianismo popular de segunda classe".
Aos poucos os novos convertidos tendiam a transferir parte da reverência cúltica a
poderes miraculosos que atribuíam aos seus antigos deuses pagãos, ao Deus cristão,
aos apóstolos e mártires.

Daí foi apenas um passo para que os apóstolos, os anjos e Maria passassem a ser
adorados. O culto cristão pouco a pouco se paganizara. Os desvios continuaram sem
nenhuma resistência eficaz até a Reforma Protestante no século XVI.

Aos poucos a Igreja distanciara-se da pureza e simplicidade litúrgica do Novo


Testamento, que nos fala da adoração na liberdade do Espírito dentro dos parâmetros
da Palavra (Jo 4.23-24; Fp 3.3).

3 – A IGREJA ASSUME POSIÇÃO: A BÍBLIA E OS CREDOS


A. O Cânon Neotestamentário
Dentro do processo de reconhecimento oficial do Cânon, a Igreja, como é óbvio, não
poderia "estabelecer" formalmente uma lista de livros canônicos baseando-se
simplesmente em preferências pessoais; ela não é a senhora do cânon, antes é a
guardiã da revelação bíblica, conforme confiada por Deus. Assim, dentro de um longo
processo, ela dispôs de um critério sólido, que segundo cremos, foi dirigido pelo
Espírito.

No Ocidente, o que se tornou decisivo, foi o Concílio de Hipona (393) e o Terceiro


Sínodo de Cartago (397), os quais emitiram uma lista de 27 livros semelhantes a de
Atanásio (367). Todavia, Atanásio e estes Concílios apenas conferiram oficialidade ao
que já era comum.

Vejamos resumidamente, os critérios que nortearam a "elaboração" do Cânon.

1. A apostolicidade
Os livros autoritativos deveriam ter sido escritos por algum dos doze apóstolos ou, por
alguém que houvesse convivido com eles.

2. A aceitação e utilização por parte de igreja


A aceitação e o uso litúrgico por parte das igrejas locais constituíam-se numa
evidência da canonicidade de um livro (Cl 4.16; 1 Tm 4.13), ainda que não definitiva.

3. Coerência doutrinária:
O padrão para toda e qualquer avaliação teológica era o ensino apostólico; por isso,
qualquer livro que ensinasse alguma doutrina considerada contrária à instrução
apostólica era rejeitado.

4. Inspiração
"Mostrava o livro evidência de ter sido divinamente inspirado?” Este era o teste final;
tudo tinha que cair diante dele. Assim, em 397 tivemos de modo definitivo o
reconhecimento dos 27 livros do Novo Testamento como temos hoje. Aqui evidencia-
se a ação do Espírito guiando o Seu povo à verdade (Jo 16.13).

B. Os Credos
A igreja não apenas se pronunciou negativamente contra as heresias emergentes
como também declarou a sua fé de forma positiva; assim, temos a expressão de sua
fé através dos "Credos".

Vejamos alguns deles:


1. Credo Apostólico
O Credo dos Apóstolos tem a sua origem no Credo Romano Antigo, elaborado no
segundo século, tendo algumas declarações doutrinárias acrescentadas no decorrer
dos primeiros séculos, chegando à sua forma como temos hoje, por volta do sétimo
século.

O Credo Apostólico era usado na preparação dos catecúmenos, professado durante o


batismo, servindo também para a devoção privada dos cristãos. Posteriormente
passou a ser recitado com a Oração do Senhor no culto público.

2. Credo niceno-constantinopolitano
O Credo Niceno primitivo, foi elaborado no Concílio de Nicéia, na Bitínia no ano 325.
Este Concílio que teve a representação de cerca de 300 bispos, visava tratar da
questão Ariana (negação da divindade de Cristo) que prejudicava a união da Igreja.

Depois de amplo debate, o Concílio declarou a igualdade essencial entre o Pai e o


Filho.

Posteriormente, o Concílio de Constantinopla (381), constituído tradicionalmente por


150 bispos, ampliou o Credo Niceno, daí o nome de Credo Niceno-Constan-
tinopolitano.

3. O Credo de Calcedônia
O Concílio de Calcedônia, que teve a presença de mais de 500 bispos, visava
estabelecer a unidade teológica da Igreja. Aqui, o Credo Niceno-Constantinopolitano
foi confirmado.

Calcedônia rejeitou o Nestorianismo (duas pessoas e duas naturezas) e o


Eutiquianismo (uma pessoa e uma natureza) e uma natureza afirmando que Jesus
Cristo é uma Pessoa, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem (uma pessoa e
duas naturezas).

"....Calcedônia pronunciou-se não só contra a separação como contra a fusão" das


duas naturezas de Cristo. Todavia, a noção de mistério esteve presente nesta
confissão, por isso, ela não tentou explicar o que as Escrituras não esclareciam.

Esta declaração teológica foi homologada na Reforma, permanecendo em nossos dias


como uma declaração fiel de nossa compreensão Bíblico-Reformada.

4 – ALGUNS PERSONAGENS
A. Inácio de Antioquia
Antioquia da Síria tornou-se no grande centro evangelístico da Igreja (At 11.19-26;
13.1-4); é justamente lá que vamos encontrar uma das figuras mais notáveis do
Cristianismo de segunda geração:

Inácio (30-110), foi bispo de Antioquia da Síria, sendo preso por se negar a adorar os
deuses do Império Romano. Foi condenado a morrer em Roma. Durante a sua viagem
através da Ásia em direção a Roma, ele escreveu — sete cartas, que foram dirigidas
às Igrejas de Roma, Éfeso, Magnésia, Trales, Filadélfia e Esmira, bem como ao bispo
de Esmirna, Policarpo.

Nestas cartas, encontramos o conforto de Inácio diante do eminente suplício e, a


exortação para que as igrejas permanecessem unidas, submissas aos seus bispos e
que tomassem cuidado com as heresias.
Na carta aos romanos, ele pede aos irmãos que nada façam para impedir o seu
martírio:

"Escrevo a todas as Igrejas e insisto junto a todas que morro de boa vontade por
Deus, se vós não mo impedirdes. Suplico-vos, não vos transformeis em benevolência
inoportuna para mim. Deixai-me ser comida para as feras, pelas quais me é possível
encontrar Deus. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras para encontrar-
me como pão puro de Cristo "

Não temos notícias precisas da sua morte, entretanto, presume-se que ele morreu em
Roma dando testemunho de sua fé, poucos dias depois de haver chegado, conforme
ele próprio esperava. O seu sentimento era idêntico ao de Paulo (Fp 1.21).

B. Agostinho de Hipona
Agostinho (354-430), bispo de Hipona na África, foi um dos maiores teólogos
medievais. Este homem, que na sua juventude levou uma vida imoral e de grande
inquietação intelectual - depois de percorrer diversos caminhos religiosos -, foi
convertido pelo Espírito, através do Texto de Romanos 13.13,14, sendo batizado por
Ambrósio, bispo de Milão em 387, tornando-se bispo em 395.

Agostinho exerceu influência decisiva na formulação doutrinária da Igreja;


mencionaremos apenas duas áreas:

1. A formulação da doutrina da Trindade, declarando a unidade essencial entre as


Três Pessoas da Trindade e a procedência do Espírito: "O Espírito Santo, conforme as
Escrituras, não é somente Espírito do Pai, nem somente o Espírito do Filho, mas de
ambos."

2. O Reconhecimento do Cânon: Agostinho teve posição destacada e fundamental nos


Sínodos de Hipona (393) e Cartago (397) que trataram da questão do Cânon do Novo
Testamento, defendendo a autenticidade dos 27 Livros do NT.

C. John Wycliffe
Wycliffe (c. 1330-1384) foi um clérigo inglês que, tendo estudado em Oxford,
desenvolveu uma série de trabalhos diplomáticos para a Coroa. Devido às suas teses,
que de certo modo anteciparam os conceitos da Reforma Protestante do séc. XVI, ele
é chamado de a "Estrela d'Alva da Reforma".

Wycliffe pregava contra a validade dos clérigos possuírem terras e propriedades, bem
como ao direito do papa se imiscuir em assuntos temporais. Suas teses fizeram-no
cair em desagrado com o papa que passou a condená-lo através de bulas desde
1377, sendo então demitido da Universidade de Oxford. Wycliffe, longe de recuar
avançou ainda mais em sua posição, passando agora a combater algumas doutrinas
do catolicismo, tais como: transubstanciação, a eficácia da missa e poder sacramental
do sacerdócio, sustentando a supremacia das Escrituras.

O seu principal trabalho, entretanto, a tradução da Bíblia, sendo esta a primeira


tradução completa das Escrituras feita para o inglês. (NT. 1382; AT. 1384). Neste
trabalho Wycliffe foi ajudado por Nicholas de Hereford (tc. 1420) e John Purvey (1353-
1428). Coube a Nicholas a tradução da maior parte do Antigo Testamento. Esta
tradução partiu do latim.

Juntamente com John Huss (c. 1372- 1415), um de seus seguidores, Wycliffe foi o
mais influente antecessor da Reforma Protestante do século XVI.
Conclusão
A. A História jamais saiu ou sairá das mãos de Deus: Ele tem o total controle de todos
os eventos.

B. O crescimento da Igreja deve vir sempre acompanhado com uma atenção à


doutrina, liturgia e piedade.

C. A Igreja deve ser desafiada a viver de forma antitética ao mundo, refletindo no seu
pensar e agir os valores provenientes da Palavra de Deus.

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