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A PATRÍSTICA E OS SOFISMAS PROTESTANTES - PARTE 2

Clemente de Alexandria defendia a Sola Scriptura?

Esta é a segunda parte de uma série de publicações com breves estudos patrísticos,
tendo como objetivo mostrar o quão são deficientes as tentativas de defender a fé
protestante através dos Pais da Igreja.
Originalmente eu apenas me limitaria a uma pequena lista de interpretações
protestantes, mas resolvi falar sobre diversos outros assuntos dentro desta área.
A primeira parte desta série, com o link para o acesso à lista de sofismas protestantes,
você pode encontrar aqui: [ https://bit.ly/3gfNmsQ ]

Os escritos de Clemente de Alexandria, mentor de Orígenes, foram desenvolvidos


entre 175 d.C. e 200 d.C. e são considerados uns dos mais difíceis para interpretação e
tradução. Em suas obras não existe transição lógica entre assuntos, apenas tópicos
argumentativos que são intercalados de acordo com os pensamentos do autor e de sua
vontade de escrever sobre assuntos diversos.
Então, para entendermos sobre o argumento protestante, vamos a citação usada por
eles:
“Mas aqueles que estão prontos para trabalhar nas mais excelentes atividades, não
desistirão da busca pela verdade, até obterem a demonstração das próprias Escrituras.”
( O Stromata, livro VII, Cap. 16 ) [1]
A primeira vista realmente temos um bom trecho para sustentar o princípio do Sola
Scriptura. Quem não possui muita instrução em patrologia, certamente olhará para esta
frase e a aceitará como prova para a fé protestante. Mas, um pequeno detalhe muda toda
esta história. Na verdade, o pequeno detalhe de sempre: O CONTEXTO.
Quando o protestante cita esta frase de Clemente, ele deliberadamente ignora o
restante do capítulo, que diz o seguinte:
“E se aqueles que também seguem heresias se aventuram a se valer das Escrituras
proféticas; em primeiro lugar, eles não farão uso de todas as Escrituras, e depois não as
citarão por inteiro, nem como prescrevem o corpo e a textura da profecia. Mas,
selecionando expressões ambíguas, eles as expulsam de suas próprias opiniões,
reunindo algumas expressões aqui e ali; não olhando para o sentido, mas fazendo uso de
meras palavras. Pois em quase todas as citações que eles fazem, você descobrirá que
eles atendem apenas aos nomes, enquanto alteram os significados; nem sabendo, como
afirmam, nem usando as citações que aduzem, de acordo com sua verdadeira natureza.”

E assim, Clemente continua:

“Mas se alguém é curável, capaz de suportar (como fogo ou aço) a franqueza da


verdade, que corta e queima suas falsas opiniões. que ele empreste os ouvidos da alma.
E será esse o caso, a menos que, pela propensão à preguiça, afastem a verdade, ou pelo
desejo da fama, de inventar novidades. Para aqueles preguiçosos que, tendo em seu
poder fornecer provas adequadas para as Escrituras divinas das próprias Escrituras,
selecionam apenas o que contribui para seus próprios prazeres. E aqueles têm um desejo
de glória que, voluntariamente, foge, por argumentos de diversos tipos, das coisas
entregues pelos abençoados apóstolos e mestres, que são apegados a palavras
inspiradas; opondo-se à tradição divina pelos ensinamentos humanos, a fim de
estabelecer a heresia.
Pois, na verdade, o que falta dizer - em conhecimento eclesiástico - por tais homens,
Marcion, por exemplo, ou Prodicus, e outros que não andaram no caminho certo? Pois
eles não poderiam ter superado seus predecessores em sabedoria, de modo a descobrir
algo além do que lhes fora pronunciado; pois eles teriam ficado satisfeitos se tivessem
sido capazes de aprender as coisas estabelecidas anteriormente.” ( O Stromata, livro
VII, Cap. 16 ) [1]

Temos aqui uma clara exemplificação de Clemente ao descrever que os hereges


introduzem na prática de fé as próprias interpretações das Escrituras, contradizendo o
que foi ensinado pelos Apóstolos. E mais, rogam para si a capacidade de inspiração para
interpretação pessoal das Escrituras. Aqui, especificamente neste caso, eu concordaria
em dizer que Clemente fala dos protestantes, afinal a atitude de Prodicus e de Marcion
não difere muito do que conhecemos hoje.
E diante disto tudo, Clemente de Alexandria começa a propor uma solução para este
problema::
“Nosso gnóstico, então sozinho, tendo envelhecido nas Escrituras e mantendo a
ortodoxia apostólica e eclesiástica nas doutrinas, vive mais corretamente de acordo com
o Evangelho e descobre as provas pelas quais ele pode ter pesquisado (enviado como
está pelos Senhor), da lei e dos profetas. Pois a vida do gnóstico, na minha opinião,
nada mais é do que atos e palavras correspondentes à tradição do Senhor. Mas "nem
todos têm conhecimento. Pois não quero que vocês sejam ignorantes, irmãos...
...Mas, como parece, nos inclinamos a idéias fundamentadas na opinião, embora sejam
contrárias, e não à verdade. Pois é austero e grave. Agora, uma vez que existem três
estados da alma - ignorância, opinião, conhecimento - aqueles que estão na ignorância
são os gentios, aqueles em conhecimento, a verdadeira Igreja e aqueles em opinião, os
hereges. Nada, portanto, pode ser visto com mais clareza do que aqueles que sabem,
fazendo afirmações sobre o que sabem, e os outros respeitando o que sustentam na força
da opinião, na medida em que respeitam a afirmação sem prova.” [ Em “Nosso
gnóstico”, Clemente não se refere aos hereges gnósticos, mas sim aos crentes cristãos ] (
O Stromata, livro VII, Cap. 16) [1]

A solução dada se encontra em apenas um lugar: Na Igreja e na confiança da


Tradição apostólica mantida por ela. Com esta perfeita união entre a Sagrada Tradição
Apostólica e as Sagradas Escrituras, o risco de interpretações heréticas é nulo.
Colocando em pé de igualdade essas duas bases de fé, Clemente de Alexandria não
corrobora com o princípio protestante em nenhum momento, mas fortalece a forma que
a fé católica exerce o cristianismo.

Nos escritos de Clemente existem um empecilho que não favorece o lado protestante
e menos ainda o lado católico. Ele acreditava que qualquer coisa que concordasse com a
Igreja poderia ser considerada bíblica, não importa por quem foi escrita, quando ou
onde. Isto, logicamente, foi sendo trabalhado e corrigido através de outros escritos e de
outros Pais da Igreja.

Também sua definição de cânon para as escrituras era bem amplo, no qual ele
considerava livros como Evangelho dos Hebreus, Pregação de Pedro, Epístola de
Barnabé e etc. como de cunho apostólico.
E para finalizar, um parágrafo do capítulo seguinte mostrando a importância da Igreja
para Clemente:
“Mas não tendo a chave de entrada, mas uma falsa (e como a frase comum a
expressa), uma chave falsificada (antikleis), pela qual eles não entram quando entramos,
através da tradição do Senhor…
...Pelo que foi dito, então, é minha opinião que a verdadeira Igreja, a que é realmente
antiga, é uma, e nela nela aqueles que são justos de acordo com o propósito de Deus.
Pois, pela própria razão de que Deus é um, e o Senhor, o que é de mais alto grau é
louvado em conseqüência de sua singularidade, sendo uma imitação do primeiro
princípio. A natureza do Uno, portanto, está associada a uma herança conjunta da Igreja,
que eles se esforçam para dividir em muitas seitas.” ( O Stromata, livro VII, Cap. 17)
[1]

[1] O Stromata, obra completa [ https://bit.ly/2P2WFA2 ]

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