PEDRO
DISCIPVLO APOSTOLO •M ÁRTIR.
ASTE
SÃO PAVLO
PEDRO
DISCÍPULO - APÓSTOLO - MÁRTIR
A ST E
S Ã O PAVLO
ASSOCIAÇÃO DE SEMINÁEIOS TEOLÓGICOS EVANGÉLICOS
Conselho Deliberativo:
EDIÇÕES DA A S T E
À venda:
VOCABÜLAKIO BÍBLICO , de J, — J. von Allmen
O PROTESTANTISM O BKASILEIRO, de E. Léonard
O CATOLICISM O KOMANO — um simpósio protestante
O PENSAMENTO DA EEFOEM A, de H. Strohl
No prel»:
A PESSOA DE CRISTO , de G. C. Berkouwer
BEUS ESTAVA EM CRISTO, de D. M. Baillie
O ENSINO DE JESUS, de T. W. Manson '
Em preparação:
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO , de P. Johnson
JESUS DE NAZARÉ, de G. Bornkamm
TEOLOGIA DO AN TIG O TESTAMENTO, de G. von Rad
TEOLOGIA DO NÔVO TESTAMENTO', de A. Richardson
EPÍSTOLA AOS ROMANOS, de F. — J. Leenhardt
O PKEPARO DE SERMÕES, de A. W. Blackwood
A FÉ C KISTA, de G. Aulén
OSCAR CULLMANN
Doutor em Teologia, D. D., catedrático em Basüéia e Paris
PEDRO
DISCÍPULO - APÓSTOLO - MÁRTIR
H ISTÓRIA E T E O L O G IA
TR A D U ÇÃ O
DE
NELSON KIRST
E
JO RGE CESAR MOTA
Título do original alemão:
PKTRUS
Jünger — Apostel — Märtyrer
Zwingli Verlag Züricli, Stuttgart
2^ edição, 1960
SrKíJOam%críZa SACo&úàa... 9 15 . .
í n d i c e
Prefácio da Primeira Edição ................................................... 9
Prefácio da Segunda Edição ................................................... 13
Páscoa de 1952.
(1) Isto nos pareceu tanto mais importante, por possuirmos poucos
trabalhos científicos sôbre Pedro- As m onografias sôbre Paulo são muito
mais numerosas- As publicações gerais mais recentes sôbre Pedro são: a)
protestantes: F- SIEFFERT, Realenzyklopãdie für Theologie und Kirche, 3-®
ed-, art- “ Petrus” , vol- 15, p- 190 e sesrs-; F- J- FO AK E S-jA CK SO N , Peter,
Prince of Aoosfles, A Study in the History and Tradition of Christíanitv,
1927;W . BRANDT,Sf/Tzon Petrus, s-d-(obra de vulgarização;) E-FASCHER,
Realenzyklopãdie d-kl- Alt. Pauly-W issow a, art- “ Petrus” , col 1335 e segs.;
b) católicas: C- FOUARD, S. Pierre et les premières années du christianis
me; L- FILLION, Dictionnaire de la Bible, art- “ S. Pierre” ; A. T R IC O T ,
Dictionnaire de Théologie catholique, art- “ S. Pierre” , 1935: M. BESSON,
S. Pierre et les origines de la primauté romaine, 1928 (hem ilustradib) ;
M- MEINERTZ, Lexikon für Theologie und Kirche, art. “ Petrus” , 1936;
recentemente P. GAECH TER, Petrus und seine Zeit, 1958-
No prefácio da primeira edição expressamos a esperança
de que o emprêgo dos métodos históricos, que nos empenhamos
por seguir em nosso livro, se tornasse a base para uma nova
discussão de um antigo problema, entre historiógrafos não-cris~
tãos e cristãos e, principalmente, também entre cristãos de confis
sões diferentes. Tal esperança cumpriu-se amplamente. Dessa
forma podemos atestar, agradecidos, que os nossos companheiros
de diálogo, católicos quase que sem exceção, em artigos e em li
vros dedicados especialmente à crítica de nosso trabalho, discuti
remos com lealdade científica apesar da energia com que defen
deram o seu ponto de vista. Não se Umitaram êles a um ou outro
ponto, mas penetraram objetivamente em tôdas as partes do nosso
estudo. Também recebemos de historiógrafos profanos e de teólo
gos protestantes muitas críticas estimulantes que nos incentiva
ram a prosseguir, das quais estamos empenhados em tirar pro
veito, inclusive nos pontos em que discordam das nossas inter
pretações. Infrutíferas são só as críticas que partem de uma
questão isolada dentro de um livro e põem-se a atacar todos os
problemas que se encontram fora daquele estreito horizonte.
Em vista disso, desejamos que nesta nova edição, a ques
tão da “autenticidade” de M t 1 6 . 1 7 - 1 9 não desloque demasiada
mente para segunda plana tôdas as outras, como aconteceu em
muitos casos, como, por exemplo, em nosso exame do problema
de Tiago, o nosso parecer sôbre as escavações sob a B asílk a de
São Pedro, e especialmente a interpretação do importante capi
tulo da Primeira Epístola de Clemente, a qual, quando mencionada,
é tratada com estranha pressa pelo critico, sob a alegação do
emprêgo de métodos helenistas. Vários críticos só souberam cons
tatar, em todo o livro (2 ), que defendemos a “autenticidade” de
Outubro de 1960.
A QUESTÃO HISTÓRICA
PEDRO, O DISCÍPULO
Com isso, no entanto, não está dito que lhe cabe o papel de
líder dos condiscípulos enquanto Jesus viver. Êle é, ao contrário,
sòmeate o seu porta-voz, o seu representante, no bem e no mal,
mas não lhes dá ordens em nome de Jesus, e o Mestre, em ocasião
alguma durante sua jornada terrena, o incumbiu de tal função.
As três passagens, Mt 1 6, 1 6 e segs., Lc 2 2 . 31 e seg. e Jo
2 1 . 1 5 e segs., nas quais êle é incumbido de uma obrigação espe
cial em relação aos irmãos, referem-se ao futuro, ao tempo após
a morte de Jesus. A tradição dos evangelhos soube, pois, dife
renciar entre a posição de Pedro antes e após a morte de Jesus.
Partindo dessa ponderação, não é provável que, como se tem
afirmado, o realce de Pedro no círculo dos discípulos, durante
a vida de Jesus, seja só um retrocesso da posição que êle realmen
te ocupara na comunidade primitiva, depois da morte de Jesus,
pois, nenhuma posição liderante lhe é atribuída frente ao grupo
dos doze; êle se apresenta só como o mais representativo dos dis
cípulos: o que todos representam, fazem e pensam, manifesta-se
com uma ênfase especial em sua pessoa.
Nesse ponto, poder-se-ia ser tentado a prosseguir e inquirir
sôbre a explicação de tal realce. Teria acontecido que Jesus lhe
concedeu aquêle nome, fortalecendo, assim, em Pedro, a consciência
de ser discípulo, ou procurava explicá-lo, ao contrário, psicolò-
gicamente, tomando como ponto de partida o caráter de Pedro,
considerando ainda a concessão do nome? A última possibilida
de tem sido ponderada freqüentemente (58). Partiu-se da pre
missa de que, enquanto Jesus vivia, Pedro não se evidenciou jus
tamente como “ rocha” , ao contrário, especialmente sua fraqueza
humana é que chamava a atenção. A cena no lago Genesaré, na
verdade, ilustra o caráter de Pedro: êle é impulsivo, entusiasta,
não hesita em lançar-se ao mar ao primeiro impulso, quando Je
sus o chama, porém logo relaxa a intrepidez, e o mêdo apossa-se
dêle. Assim êle confessa em alta voz, em primeiro lugar a sua
fidelidade ao Mestre, mas é o primeiro que o negará na hora do
PEDRO, 0 APÓSTOLO
(1) P. GAECH TER, “ Die Wah! des M atthias” (Apg. ], 15-16) (Zeií-
schrift für kaíholische Theologie, 1949), p. 318 e segs-, atribui a eleição a
uma incumbência especial de Jesus.
No cap. 3 êle efetua o milagre da cura do coxo. De modo
sobremaneira singular, João é mencionado ao lado de Pedro nes
sa narração. Todos os manuscritos o citam. Contudo, a maneira
como êle é apresentado e como faz o papel de pouco mais que um
figurante, poderia dar lugar à suposição de que seu nome tenha
sido anexado ao de Pedro posteriormente. Particularmente sin
gular a êsse respeito é o v. 4; “ Pedro fitou o coxo com João” (2).
Caso 0 anônimo discípulo amado tivesse sido identificado já então
como João, poder-se-ia peirguntar se aqui a menção do seu nome
ao lado de Pedro não corresponde a uma tendência semelhante à
que constatamos no Evangelho de João (3). Não é possível, no
entanto, dizer algo exato sôbre essa questão, pois Paulo demonstra
que, dfepois de Pedro, João realmente ocupou uma posição um tan
to autoritária na comunidade prirriitiva. Em G1 2.9, juntamente
coní Tiago e Cefas, é uma das “ colunas” da comunidade (4).
No restante da narração é Pedro quem defende a causa do
evangelho quando as autoridades entram em ação contra os após
tolos (caps. 4.8 e 5.29 ). Após a cura do coxo só Pedro fala, não
obstante estar escrito no cap. 4.1 ; “ falavam êles ainda...” , e apesai
de João ser mencionado mais uma vez ao lado de Pedro, no v. 13,
sendo que (mais uma vez) a menção do seu nome como que vem
com atraso, assemelhando-se a um acréscimo. Segundo tôda essa
narrativa, não se pode negar que, como membro da comunidade de
Jerusalém, Pedro esteja na posição excepcional de dirigente.
Particularmente no caso de Ananias e Safira (cap. 5.1 e segs.)
(5) êle faz valer a disciplina eclesiástica na comunidade. Especial
mente aqui a autoridade de Pedro torna-se patente. Seja qual
fôr o veredicto sôbre a autenticidade ou inautenticidade de
Mt 16.16 e segs. e seja qual fôr o significado das palavras “ ligar”
quecer a posição de prim azia de T iag o , não convence; Paulo teria men
cionado T iag o em primeiro lugar, em G l 2.9, só para fazer uma con
cessão aos contraditores judaizantes que evocavam T iago.
Além disso, P. GAE CH TE R , op. cit., p. 278 e 430, bem como outros
eruditos católicos, acreditam poder deduzir que Paulo teria encarado a
Pedro e não a T ia g o como dirigente, do fato de êle dar a Simão o nome
“ Rocha” (Cefas, Pedro). Mas, por um lado, essa designação, que du
rante a vida de Jesus não era mais o cognome de Pedro, tornara-se
seu nome fixo a partir do momento em que Cristo lhe apareceu e, por
outro lado, êle sig n ifica mais do que “ dirigente” da Igreja.
(31) Poderia também parecer suspeito que D apresenta correspon
dentemente, nos versículos 7 e 8, Pétros e não Kephãs, como Paulo o em
prega comumente. Mas também pí®, que, além do mais, coloca T iago em
primeiro lugar, tem Pétros.
(32) Por outro lado, o Codex Alexandrinus nem sequer menciona
Pedro, talvez sob a influência de uma tendência antipetrina.
(33) Contra E. FASCHER, in Pauly-W issow a, col. 1342. — Por in
termédio das Pseudo-Clementinas está confirmado que T iag o realmente
exerceu a direção geral de tôda a Igreja. V. em relação a isso H. J.
SCH OEPS, Theologie und Geschichte des Judenchristentums, 1949, p. 125;
id.. Aus Frühchristlicher Zeit, 1950, p. 120 e segs.; H. v. CAM PENH AU
SEN, ZKG 1950/51, p. 137 e Kirchliches Amt und geistliche Volmacht in
den ersten drei Jahrhunderten, 1953, p. 21, também acentua que T iago
assume com o tempo a direção em Jerusalém; além disso E. LOHSE,
Ursprung und Prägung des christlichen Apostolates (Theologische Zeit
schrift 1953), p. 265, obs. 25. Quanto à questão das Pseudo-Clementinas,
V. também adiante p . 255 e a literatura mencionada na obs. 21 da mesma
p ag - No entanto, queremos observar expressamente que só citaremos as
Pseudo-Clementinas nesse contexto como fonte secundária. Nós o acentuamos,
visto nos ter sido objetado injustamente, da parte de católicos, que es
tribamos nossa afirmação de que T iag o teria assumido a direção ainda
durante a vida de Pedro, em fontes tão turvas como as Pseudo-Clemen
tinas. (Vide, p. ex., P. G AECH TER, Petrus und seine Zeit, 1985, p. 271).
sagem (G1 2 .7 e seg.), como organizador da missão judeo-cris
tã, do mesmo modo que a si mesmo considera como o organizador
da missão gentilico-cristã. “ Os que pareciam de maior influên
cia viram que o evangelho da incircuncisão me fôra confiado,
como a Pedro o da circuncisão; pois aquêle que operou eficaz
mente em Pedro para o apostolado da circuncisão, também operou
eficazmente em mim para com os gentios” .
Em todo caso, Pedro, na sua posição de dirigente da missão
judeo-cristã, está sujeito a Jerusalém. Daí é que se explica que,
segundo 0 1 2 . 1 2 , êle teme “ alguns da parte de Tiago” e vê-se
forçado a “ dissimular” por sua causa (34). Entre outras, a di
ferença entre a sua missão e a de Paulo reside no fato de que
êle, como missionário, se encontra em estreita subordinação a Je
rusalém enquanto Paulo (com o consentimento das “ colunas” de
Jerusalém) faz a sua pregação entre os gentios, com maior liber
dade (35).
derado 0 que B. REICKE, Gíaube und Leben der Urgemeinde, 1957, p .40,
escreve a êsse respeito: “ Sem ex igir 0 impossível dêsse historiador e
da tradição sôbre a qual êle se apoia, devemos no entanto, admitir que,
os discursos revelam um esfôrço considerável por uma caracterização
IndividuaL”
ticos. A imagem do príncipe de Igreja é incorreta também nes
te sentido. Na fundação da teologia cristã certamente lhe ca
be uma significação bem maior do que supomos. Tivéssemos
dêle uma volumosa coleção de epístolas, como de Paulo, e certa
mente se produziria, nesse respeito, uma outra imagem. Êle não
possui a instrução técnico-teológica de Paulo, que estudou com
os rabinos. Contudo, o grande pensamento que Paulo soube ela
borar sistemàticamente como centro de sua teologia, provàvel
mente surgia em primeiro lugar, ao que tudo indica, na mente
do pescador Pedro.
Esta é a verdade, apesar de ter sido revelado o mesmo co
nhecimento a Paulo, independentemente de Pedro, pois nêle de
vemos crer, quando escreve na Epístola aos Gálatas, que não
recebeu o Evangelho dos homens e nem por intermédio de um
homem (Gl 1 .1 2 ) . Com o têrmo “ evangelho” Paulo só se pode
ter referido ao âmago de tôda a sua teologia, a palavra da cruz.
A época posterior tem sido, freqüentemente, injusta para com
Paulo, colocando-o à sombra de Pedro. Em todo caso, teològi
camente, a pesquisa parece-me injusta em relação a Pedro, ao
colocá-lo totalmente à sombra de Paulo ou mesmo ao conside
rá-lo como 0 seu adversário, que não teria tido compreensão para
reconhecer as grandes verdades paulinas.
c a p ít u l o III
PEDRO, O MÁRTIR
1.®) O Problema
(80) Assim também R. KN O PF, Die Briefe Petri und ]udä, 1912,
p. 188; H. WINDISCH - H. PREÍSKER, Die katholischen Briefe, 3.“ ed.,
Í951, p.79; também o proprio K. HEUSSI, War Petrus in Rom?, p.31,
obs. 21; igualmente H. LIETZM ANN, “ Petrus römischer Märtyrer”
{Sitzungsbericht der Berliner Akademie der Wissenschaften, 1936, p- 399).
— Os que, ao contrário, relacionam a expressão só com o apostolado:
F. HAUCK, Das Neue Testament Deutsch, tom. 111, 1930, p . 203, e C.
BIGO, The Epistles of St. Peter and St. Jade, 2.® ed., 1910, p. 186. —
H. STRATH M AN N , Theologisches Wörterbuch, Q. Kittel, tom. IV, p. 499,
aceita uma “ participação no sofrimento do C risto” , mas nega “ o sentido
técnico 'de m artírio” . Quanto a tôda a questão: O. MICHEL, Prophet
and Märtyrer, 1932; H. v. CAM PENH AUSEN , Die Idee des Martyriums
in der alten Kirche, 1936; H. W . SU RKAU , Martyrien in jüdischer und
frühchristlicher Zeit, 1938; E. G Ü N TH ER, Martys, 1941.
(81) Assim R. BULTM AN N, Das Evangelium des Johannes, 2.^ ed.,
1950, p.552.
(82) O relacionamento dêsse versículo com o martirio é negado
por R. BU LTM AN N , op. cit. ad loc, e E . DINKLER, “ D ie Petrus-Rom
Frage” {Theologische Rundschau 1959, p .205). K. ALAND, “ Petrus in
Rom” (Histor. Zeitschrift 1957, p.502 ss.) acrescenta mais um testemu
nho do século 1, Lc 22.33: “ Senhor, estou pronto a ir contigo, tanto
para a prisão como para a morte.” E. DINKLER, op, c it, p .206, con
sidera um êrro indubitável querer encarar isso como um vaticinium ex
eventu. Sem excluir totalmente a interpretação sugerida por K. ALAND,
parece-nos também que êsse testemunho não está suficientemente ga
rantido.
ção (83). 0 têrmo grego 0 insinua acentuadamente (84). A pro
fecia não precisa o local do martírio. Apesar de 0 cap. 21 ter
sido acrescentado posteriormente ao Evangelho de João, é um
texto relativamente antigo (85).
Temos assim dois testemunhos bastante antigos para 0 fato
do martírio de Pedro como tal; Jo 2 1 . 1 8 com certeza, e talvez
I Pe 5 . 1 , acrescentado à II Epistola de Pedro (cap. 1 . 1 4) , por
meados do século II. Isso não vem provar a “ historicidade” dêsse
gênero da morte de Pedro, mas simplesmente torná-la provável(86).
Para a questão da estada de Pedro em Roma, não é insignificante
saber se êle afinal morreu como mártir. Pois na Antigüidade as
notícias dos martírios não costumavam ser transmitidas, sem a
indicação do local (87). Devemos pelo menos admitir que aquêles
que revelam conhecimentos sôbre a tradição do martírio de Pe
dro, nos textos mencionados, também não ignoravam 0 local,
apesar de não haver motivo para mencioná-los nessa passagem.
Isto será considerado quando do exame de I Clem 5.
(110 synethroísthe
(1 1 1) Contra K. HEUSSI, op.cit-, p . 22; mas também contra M. D l-
BELIUS, Rom und die Christen im ersten jahrhundert, 1942, p .23, que
apresenta a tese de que Clemente queria, apegando-se ao esquema popu-
lar-filosófico da competição, produzir exemplos de “perseverança” e “ atle
tismo” cristãos. Em conexão com essa tese êle escreve; “ o lugar de
encontro entre os dois grupos é antes a arena im aginária, na qual têm
lugar os combates dos “ atletas” cristãos” .
(112) Nesse caso, cai o argumento mencionado acima, p. 106.
outros indícios objetivamente importantes, os quais combinem os
exemplos 2 a 4 (talvez também 5) de maneira tal que tenhamos
de admitir o mesmo período de tempo e o mesmo cenário para
todos.
Mais uma vez queremos lembrar as finalidades dessa enume
ração. Que é que há em comum entre os dois grupos, o do Antigo
Testamento e o cristão? Cada um foi introduzido, com monotonia
intencional, com as palavras: por causa do ciúme, ou por causa do
ciúme e da inveja, ou por causa do ciúme e discórdia. A citação
de cada exemplo contém no mínimo uma dessas palavras. O que
une todos êsses casos tão diversos é, pois, o seguinte: Ciúme, in
veja e discórdia sempre causaram desgraça. Ora são os justos, i. e.,
as vítimas, os que sofrem, ora os culpados, i. e., os autores do
ciúme, inveja e discórdia, como acontece nos exemplos 5 e 6.
Isto deveria ser tomado em consideração, não só em geral, mas
também na interpretação particular. Recentemente muito se in
sistiu que Clemente foi influenciado fortemente pelo helenismo e
que sua intenção era aplicar artifícios literários e conceitos da
filosofia cínico-estóica à Bíblia e à história dos primórdios da
Igreja ( 1 1 4) . E isto está indubitàvelmente certo. Por outro lado,
não é possível considerar essa tendência com finalidade principal
das exposições de nosso trecho. Como se Clemente quisesse apre
sentar uma contemplação moral-filosófica sôbre a perseverança,
a qual teria encoberto as imagens da competição. É certo que
Clemente emprega êsse esquema para as imagens, na descrição
dos sofrimentos dos apóstolos. Mas afirmar que o seu intento
era demonstrar o exemplo da perseverança dos apóstolos, seria
compreender mal o seu objetivo. O “ leit-motiv” do trecho não é
a perseverança, mas a inveja, o ciúme e a discórdia ( 1 1 5 ) .
(113) éggista
(114) M. DIBELÍUS, “ Rom und die Christen im ersten jahrhundert”
{Sitzungsbericht der Heidelberger Akademie der Wissenschaften, Phil. —
hist- KL, 1942), o demonstrou em um estudo minucioso. V. acima obs.
35 (pág. 83) e obs- 111 (pág. 107) (antes dêle já E. D U BO W AY,
Kemens v. Rom... 1914). Ainda mais amplo é o trabalho do teólo
go católico L. SANDERS Uhellénisme de S- Clément de Rome et le
pauíinisme, 1943, surgido independentemente de M. DIBELIUS- Quanto
à imagem da competição, empregada com predileção pela filosofia popu
lar, V- também P- W END LAN D , Die urchristlichen Literaturformen, 1912,
p . 357, obs.
(115) Também no artigo de K. ALAND, “ Petrus in Rom” {Histor.
Zeitschrift 1957, p .510 e segs-), mencionado seguidamente, isso não é
considerado suficientemente. É evidente que o esquema filosófico em
pregado por Clemente não se ajusta ao motivo do ciúme. Isso, no en-
Dessa forma, a parcimônia da exposição sôbre Pedro, com
parada com a de Paulo, que é muito mais minuciosa, poderia rela
cionar-se com 0 fato de que o exemplo de Pedro era menos abun
dante nesse sentido ( 1 1 6) .
0 já citado “ leitmotiv” talvez até admitisse conclusões indire
tas e posteriores acêrca do local dos acontecimentos. A palavra,
ou melhor, as palavras empregadas por Clemente, ao dirigir-se à
anteriormente tão exemplar comunidade de Corinto, para designar
03 vícios nela reinantes, tão assoladores e de tão trágicas conse
quências na Antigüidade bíblica e no recente passado cristão, não
significam de um modo geral “ ódio do mundo contra os filhos de
Deus” ( 1 1 7 ) . Dessa maneira se tem tentado fugir à única conse
qüência possível, resultante de nosso texto, que afirma terem Pedro
tanto, não muda nada no fato de que é êsse e não aquêle o tema prin
cipal do trecho. Lamentavelmente, nem K. ALAND (como HEUSSI) toma
sequer posição quanto à interpretação de I Clem. 5, que sugeri na pri
meira edição dêste livro. Até mesmo E. DINKLER, no seu excelente
relatório documentado de pesquisas; “ Die Petrus-Rom -Frage” {Theologi
sche Rundschau, 1959, p . 210 e segs.), passa por cima do assunto com
algumas frases, só mencionando a observação complementar à minha tese,
de A. FRIDRICHSEN. '
(116) M. DIBELIUS, op. cit-, p. 28, explica essa escassez da seguin
te maneira; Clemente não entrou em mais pormenores acêrca do mar
tírio de ambos, por motivos políticos: para não expor o Estado romano
como adversário dos atletas cristãos, preferindo, em conexão com o seu
esquema filosófico do atletismo cristão, permanecer junto aos pónai e
érga. Nesse respeito, no entanto, haveria muito mais a ser relatado acêr
ca de Paulo do que acêrca de Pedro que provàvelmente só teria vindo
a Roma para a execução, talvez prêso como Inácio. Parece-me que tôdas
as explicações até o presente são falhas porque não partem do fato de
que 0 “ ciúme” é o tema principal. Embora também Pedro se tornasse
vítima do ciúme, há mais a ser relatado sôbre Paulo, justamente sob
êsse ponto de vista. Também a menção de sua vinda para o Ocidente,
se é que ela merece atenção especial, poderia estar relacionada com o
ciúme temido pelo próprio Paulo (Rm 15.20). Ciúme que ameaçava ser
provocado pela sua atividade na comunidade romana, a qual não fôra
fundada por êle(V . acima p. 50 e seg.). No entanto, seja como fôr, de ma
neira alguma podemos concluir, com K. HEUSSI, Die römische Petrustra
dition in kritischer Sicht, 1955, p.28 e seg., que, sendo Paulo classifica
do de “ arauto rto Ocidente e no Oriente”, só se tinha conhecimento de
uma atuação de Pedro, no Oriente. Na nota acêrca de Pedro não é men
cionado o Ocidente nem na nota acêrca de Paulo, o Oriente.
(117) Assim L. SANDERS, op. cit., p .5, o b s .l, e J. M UNCK, op.
cif., p .58 e segs. Ambos julgam ter de refutar a partir dêsse ponto a
minha tese, defendida in: “ Les causes de la mort de Pierre et de Paul
d’après le témoignage de Clément Romain” {Revue d’Histoire et de Phi
losophie religieuses 1930), p .294 e seg. R. KNOPF, Handbuch zum. Neuen
Testament, vol. complementar, define na p .47, onde examina o capítulo
3, 2, zelos corretamente como “ ciúme pelo prestígio, posição e vantagens
e Paulo sofrido, devido ao ciúme e discórdia. As três palavras gre
gas são sinônimas e significam: ciúme, inveja, discórdia. A pala
vra que traduzimos por ciúme ( 1 1 8) aparece dezesseis vêzes nesse
trecho; a que traduzimos por inveja ( 1 1 9) , quatro vêzes, e a que
traduzimos por discória (12 0 ), três vêzes.
O primeiro vocábulo que, aliás, é o mais usado, exprime pri
meiramente “ zêlo” , no sentido positivo e como tal ocorre até como
quaUdade divina ( 1 2 1 ) . Mas justamente a mudança do signifi
cado, da qualidade boa para a má, demonstra que o vício, desig
nado por essa palavra, não é primariamente um simples ódio, mas
um ciúme nascido do zêlo (12 2 ). O têrmo pode, sem dúvida, al
cançar também o sentido mais geral de “ ódio” . No entanto, a dis
posição conjunta das três palavras demonstra que justamente o que
há em comum entre elas deve ser projetado para o primeiro plano,
e isso é inveja e ciúme, não só ódio (12 3 ).
Parece-nos deveras inexplicável que se possa chegar a propor
o significado geral de ódio. Clemente introduziu êsse trecho justa e
únicamente devido a êsses vícios que ameaçam tudo destruir na
comunidade à qual se dirige. É o que êle escreve bem claramente
(138) Já vimos acima que não podemos concluir daí que Pedro
tenha vindo a Roma só para promover agitação contra Paulo, como
quer H. LIETZM ANN (Sitzungsbericht der Berliner Akademie der Wis
senschaften 1930, n.° 80). Vide p. 55 e seg. A êsse respeito E. HIRSCH,
“ Petrus und Paulus” (ZNW 1930, p. 63 e segs.).
(139) C. CECCHELLI, Gli Apostoli a Roma, 1938, p. 101, chegou
a apresentar a hipótese de que Paulo teria solicitado a Pedro que viesse
à capital, devido à situação da mesma. O fato de que Pedro era, por
assim dizer, responsável pela parte judeo-cristã da comunidade poderia
realmente favorecer essa hipótese. — C. CECCHELLI admite, aliás, tam
bém uma traição de ambos os apóstolos por um “ nôvo Judas” . V ide op.
cit. p. 06. . I . , j j ,
uma confissão, eram convictos. Depois, após a denúncia, uma gran
de multidão.. . ” (140 ). Tem-se dito que nada havia de extraordiná
rio em denúncia dêsse tipo em tempos de perseguição quando se
usava a tortura no interrogatório ( 14 1 ) . Mas Tácito julgou digno
de menção especial êsse pormenor. Evidentemente, não é possí
vel provar, mas apenas presumir, que os invejosos se encontravam
realmente entre “ os que fôram presos primeiro” . Em todo caso
corresponderia plenamente à palavra de Jesus, em Mt 2 4 .10 :
“ hão d e ... trair-se... uns aos outros” (14 2).
Também poderia acontecer que a atenção do Estado fôsse
desviada para os apóstolos de outra maneira, e não pela denúncia
direta. O que é certo, porém, é que segundo a opinião de Clemente,
0 fato aconteceu como conseqüência da inveja que dividia os
membros da igreja. E uma vez que tal afirmação contraria tôdas
as tendências posteriores, de maneira alguma pode ser tido como
imaginária, e a opinião de Clemente deve corresponder à reali
dade histórica.
Em princípio permanece a possibilidade de as ocorrências de
Roma terem se dado em qualquer outro lugar. Ou seja, de que
controvérsias na igreja poderiam ser o motivo externo para que
0 Estado executasse membros da família cristã, de modo que não
precisaríamos supor necessàriamente o mesmo ambiente para o
martírio de Pedro, e para o de Paulo e da grande multidão. Mas
isto não é provável O fato é que os únicos documentos que men-
5 °) Escavações
223, pág. 142), p. 1 e segs. Bste não crê que tal tenha acontecido
já no ano 258. Êle supõe antes que naquele ano tenha surgido o culto
no Vaticano e na estrada para Ôstia. No entanto, desde a constatação
da data consular de 260, sob o grafito de tricUa, por MARICHAL (V.
acima, p- 145), o ano 258 pode ser considerado como certo-
(251) V- acima p- 143 e seg- Essa tese, recomendada e fundamen
tada por A. M. SCHNEIDER e C. MOHLBERG, é defendida com espe
cial expressão por E. DINKLER na sua série de artigos de Theologische
Rundschau, “ Die Petrus-Rom -Frage” , 1959/60, já mencionados repetidas
vêzes.
(252) V ide H. CH ADW ICK, “ St. Peter and St. Paul in Roma; the
Problem of the Memória Apostolorum ad Catacumbas” {Journal of Theol.
Studies 1957, p. 31 e segs-).
(253) V- abaixo p- 171 e segs-
(254) EUSÉBIO, H. E. Ill, 31, 3.
pela posse de sepulturas apostólicas. Com tôda razão presumi
mos que essa tendência surgiu no Oriente, onde tal argumento
era imprescindível para a polêmica com Roma e suas reivindica
ções sempre crescentes.
O Problema
(1) O. CULLM ANN, Christus und die Zeit, Die urchristliche Zeit
und Geschichtsauffassung 2.“ edição, 1948- Ed. franc.: Christ et le Temps.
Temps et Histoire dans le Christianisme Primitif, 1947.
Não existirá algum princípio de sucessão possível ou simplesmen
te legítimo, que não seja o comprometido com uma determinada
sede episcopal? Esta é uma pergunta que dificilmente surgiria a
partir da exegese, se a Igreja Católica Romana não proclamasse
dogmãticamente que, como príncipe dos apóstolos, Pedro trans
mitiu a sua sucessão à série de bispos de Roma. Seria uma tal
ampliação dogmática da palavra de Jesus compatível com o re
sultado da exegese e com o que sabemos da história do cristia
nismo primitivo? E ’ possível limitar aquela palavra de Jesus le
gitimamente aos futuros bispos de uma certa sede, quando justa
mente sôbre isso a Bíblia não diz uma palavra, e nem sequer
julga necessário mencionar a estada do apóstolo naquela cidade?
Além disso, a tradição histórica sôbre um episcopado de Pedro em
Roma terá o caráter que constatamos?
E, finalmente, até que ponto o papel histórico real, desempe
nhado pela igreja de Roma e seus bispos nos séculos II e III, jus
tifica que 0 bispo daquela cidade continue a reivindicar para si a
palavra dirigida a Redro, e a utilizar-se dela teologicamente e
com exclusividade? Está certo que uma situação que só surgiu
no decorrer da história eclesiástica antiga, mas que na época da
fundação apostólica não existia e nem era mencionada tome aquê
le caráter absoluto? Sabe-se que a igreja de Roma começou —
não no tempo dos apóstolos, mas no princípio do sec. II d. C. —
a desempenhar um papel liderante (aliás não fundamentado teolo
gicamente) no seio da cristandade de então. Pode-se legitimamente
tirar dêsse fato a norma de que, em tôdas as épocas posteriores,
até 0 fim do tempo da Igreja, só o bispo que está dentro dessa ca
deia sucessória pode dirigir tôda a Igreja? Poder-se-á, a partir dês
se fato, dar da palavra de Jesus, a posteriori, uma interpretação
restritiva dêsse gênero, como se não existisse um único meio de
aplicar a referida passagem à atualidade? Deve-se realmente in
terpretar a palavra de Jesus de maneira que só poderia ser cum
prida no lugar em que um líder da Igreja exerceu temporaria
mente um verdadeiro primado, evocando uma corrente de suces
são a Pedro, compreendida tão parcialmente, e que só poderia
cumprir-se em todo o futuro, de modo que a conexão com o pri
mado realizado uma vez na história seja estabelecida aa mesma
maneira parcial? , .
Uma questão puramente teológica pode ainda ser posta:
Basta basear-se em um dogma, se, como no caso o primado do
bispo de Roma não é um dogma qualquer, mas o fundamènto da
pi*etensão da Igreja romana de ser a única com o ir e ito de pro
clamar dogmas. Nessas condições, basta isso para se justificar
êsse primado de se apresentar a si próprio como dogma?
Com estas perguntas apresentamos o problema e mostramos
como 0 aspecto teológico se prende ao exegético.
Comumente considera-se só a atualização católico-romana da
palavra dirigida a Pedro como única possivel, a qual é então
apoiada por uns, negada por outros, com uma certa naturalidade
que não conhece problemas. Examinaremos, no entanto, se a
exegese não conduz a uma outra atualização, de modo que caiba
ao apóstolo Pedro realmente uma importância “fundamental” , no
sentido etimológico, para a Igreja de todos os tempos, mas cor
respondendo ao sentido e à finalidade daquela palavra, bem co
mo à concepção básica do Nôvo Testamento.
A QUESTÃO EXEGÉTICA DE A4ATEUS 16, 17-19
ÍV. nesse sentido H. KOCH, Cynrien und der römische Primat. 19Í0-,
Cathedra Petri 1930). Se “ orincipalis” realmente deve ser entendido no
sentido de que Jesus teria fundado essa Igreja com o “ Tu es Petrus” , a
interpretação de Cipriano não pode ser considerada totalmente conse
qüente e uniforme.
(16) Epístola 75, 17 de CIPRIANO.
(17) A exegese medieval da passagem evidentemente ainda não foi
pesquisada. Um trabalho minucioso, ainda em sua fase de preparação,
demonstrará que ela possui uma multiplicidade maior do que supomos.
(18) Vide J. CHAPMAN, Early Papacy, 72 e segs.
(19) AGOSTINH O, Serm. 76, 147, 149, 232, 245, 270, 295-
(20) L 21, 1.
Como já dissemos, é estranho que os Reformadores não te
nham dado muita importância à questão da estada de Pedro em
Roma, se bem que Lutero revelasse estar em dúvida sôbre o fato.
Por outro lado, encontramos nêles um estudo minucioso da pala
vra de Jesus em Mt 16 .17 e segs., mas com visitas à polêmica
anti-papal. Para Lutero, como para Agostinho, a Pedra é Cristo;
“ Essa pedra é, pois, o Filho de Deus, Jesus Cristo” . O Refor
mador acentua que a palavra dirigida a Pedro visa só a sua fé
em Jesus, a Pedra, não a pessoa do apóstolo: “ Tu é s.. . pedra,
pois tu reconheceste o verdadeiro homem, que é a verdadeira Pe
dra, e 0 denominaste, como a Biblia o denomina. Cristo” (22).
“ Não é na rocha.. . da Igreja Romana que se fundamenta a Igre
ja, como 0 interpretam alguns decretos, mas na fé que Pedro con
fessou para tôda a Igreja” (23). Calvino argumenta semelhan
temente: as palavras que a doutrina romana relaciona com a pes
soa de um homem se referem, na realidade, à fé que Pedro tinha
em Cristo. Por conseguinte, o têrmo pedra tanto se aplica a Si
mão como aos outros fiéis. A união na fé em Cristo seria o fun
damento sôbre o qual cresce a comunidade (24). Da mesma ma
neira para Zwinglio, Pedro é o tipo do que crê em Cristo, a úni
ca Pedra (25). Se Melanchthon relaciona a palavra com a pré
dica e a função de pregador, isto não passa de uma modalidade
de tôdas essas interpretações (26). Em última análise, todos os
Reformadores concordam em explicar que não foi como pessoa,
mas como crente que Pedro foi chamado Pedra por Jesus. A ver
dadeira Pedra da Igreja é Jesus Cristo.
Deixaremos de lado os séculos seguintes afim de passarmos
diretamente ao período moderno. Diremos primeiramente uma
palavra sôbre duas interpretações típicas, que se aproximam es
treitamente à dos Reformadores, mas que procuram firmar-se exe
gèticamente sôbre base m.ais sólida. Inicialmente temos T. Zahn,
(27) Vide T . ZAHN, Das Evangelium des Matthäus, 4.® edição, 1922,
ad loc.
(44) “ D ie Frage nach der Echtheit von Matth. XVI, 17— 19” {Theol-
Blätter [Qi], p .265 e: segs.).
(45) Symbolae Biblieae Upsalienses, 1943. — W. G. KÜMMEL já
havia contestado a autenticidade anteriormente : Die Eschatologie der
Evangelien, 1936, p .l6 . :
(46) Frühgeschichte des Evangeliums II, 1941. p-306 e segs.
tações realmente exegéticas (47); H. Strathmann (48) que consi
dera a palavra uma criação da Igreja de Antioquia, em conexão com
a sua distribuição um tanto esquemática e geográfica das funções
dos evangelistas (49); E. Stauffer assume uma posição particular,
encarando as palavras como sendo do Senhor, não as atribuindo,
porém, ao Jesus encarnado, mas ao ressurgido que as teria dito
quando da primeira aparição a Pedro (50). H. v. Campenhausen
acha a “ fundação da Igreja sôbre Pedro, partindo de Jesus” , “ in
concebível” e é de opinião que “ apesar das recentes tentativas de
salvamento” tal não deveria ser pôsto em dúvida” (5 1).
N. A. Dahl (52) e O. Micheí (53) não negam a autenticidade '
de maneira absoluta, mas se mostram muito reservados. R. Liech-
tenham defende, ao contrário, na sua polêmica com R. Bultmann,
remota o pensamento de Kümmel (empregado, porém, de maneira
diferente) o ponto de vista de que a esperança escatólogica de Je
sus, inclui a fundação de sua Igreja mas adota uma atitude crítica
a respeito do contexto e da forma da palavra (54). Com o seu
notável trabalho, último sôbre êste ponto, A. Oepke (55) defende
mais uma vez, integralmente a autenticidade. Êle acentua princi
palmente 0 conceito do povo de Deus, que está perfeitamente vincula
do à concepção judaica; por outro lado, mostra que os versículos
em questão, são ritmados e parte dêsse fato para tentar provar que
a palavra foi colhida na fonte das logias e que está orgânicamente
presa ao contexto tal como se encontra em Marcos.
(79) Em contraste com J. HÉRING, op. cit., p. 125, que conta com
a possibilidade de que Marcos tenha interpretado o silêncio no sentido
de uma irrestrita aceitação do título de Messias, somos de opinião que
Marcos compreendeu corretamente o sentido dêsse silêncio, i.e ., tam
bém não diretamente como uma brusca rejeição, com J. HÉRING a a tri
bui a Jesus, mas como reserva. Essa reserva evidentemente já está na
mesma linha do “Afasta-te, Satanás!” , mas nossa narrativa apresenta
uma gradação que vai dêsse silêncio até aquêle auge. Quanto a essa
questão Vide O. CULLMANN, Die Christologie des Neuen Testaments,:
edição 1958, p. 118 e segs.
(80) Quanto a 19b, v. adiante p. 233- Essas palavras sôbre o ligar
e desligar, possivelmente até as das chaves (V. abaixo p. 232), talvez
não pertençam à mesma parcela de tradição que os vv. 17— 18. Só
no tocante a essas palavras podemos concordar com A. V O E G T E , op.
c it , quando êle nega a uniformidade do trecho 17— 19.
(81) E. L. ALLEN, “ On this rock” (/. Th. St. 1954, p .59 e segs.),
perguntou com razão pela intenção com que Mateus intercalou êsse tre
cho nesse lugar. Êle respondeu o seguinte: Mateus teria visto nas pa
lavras de Jesus um meio de legitim ar uma situação ocorrida após a morte
de Pedro em uma Igreja local (Antioquia?), segundo a qual esta teria
evocado Pedro. Essa resposta não contradiz necessariamente a que demos
à mesma questão, expressa aqui e em maiores minúcias em nosso artigo
“ L’apotre Pierre, instrument du diable et instrument de Dieu” {New Teskt-
ment Essays for T . W . MANSON, 1959, p. 94). Em nosso trabalho, ain
da em fase de planejamento, “ Petrus und der Papst” , tomaremos posição
frente à suposição de E. L. ALLEN de que, de acôrdo com a compreen-
em Cesaréia de Filipe, onde deíendeu, ao contrário, a concep
ção satânica do “ Cristo” , mas em outra ocasião, quando re
conheceu em Jesus o “ Filho de Deus” . Segundo Mt 1 1 . 2 7 , que,
quanto ao seu conteúdo, pertence a essa segunda tradição, ninguém
conhece o Filho, senão o Pai, de modo que se faz necessária uma
revelação da sua parte (82).
Além disso, poder-se-ia encontrar um vestígio de que origi
nalmente ambas as tradições não estavam combinadas, no fato de
que no versículo 17 falta o objeto. Não está escrito: isso (i. e.,
0 fato de que eu sou o Cristo) não foi carne e sangue quem to re
velou, mas meu Pai que está nos céus. O pronome demonstrativo
“ isso” , que comumente adicionamos ã tradução, falta no texto
grego. É claro que na tradição original deveria estar íncluído al
gum objeto, pois êste não poderia estar omitido, nem mesmo em
um trecho isolado. Em todo caso podemos perguntar se essa omis
são em Mateus não pode ser explicada pelo fato de que êsss tre
cho tinha originalmente uma outra introdução.
Contudo, tem-se afirmado, ao contrário, que justamente os vv.
17-19 encontram-se em um contexto que lhes é perfeitamente ade
quado, até mesmo do ponto de vista geográfico (83). Asseverou-
são de Mateus, Jesus teria tido em vista uma sucessão de Pedro, d iri
gente da Igreja, a qual estaria contestada em Jo 21. Êsse assunto, usado
na argumentação contra nossa opinião por críticos católicos, freqüentemen
te, pertence à problemática a ser considerada naquela obra. V. p. 225 e
segs., e, de maneira diferente, obs. 57, (pág. 32). A intenção é explicada
de maneira essencialmente diversa por G. BORNKAMM, “ Enderv\^artung
und Kirche im Matthâus-evangelium” (Festschrift C. H. DODD, The
background of the New Testament and its Eschatology, 1956, agora in
Überlieferung und Auslegung Matthäus-Evangelium, 1960, p. 13 e segs.)
p .256 e segs.
(82) A. V Ö G TLE , op. cit., B ibl Zeitschrift 1958, p .96 e segs. não
quer ligar a promessa a Pedro com a cena de Cesaréia de Felipe hem
corn uma outra antiga tradição sôbre uma confissão de Pedro- Êle con
sidera êsse “ makarismo” simplesmente um trecho de redação criado por
Mateus, com base nas palavras de Mt 1 1.2 5 e segs-, com cujo auxílio o
evangelista teria intercalado a promessa a Pedro, oriunda de outra trad i
ção, na narrativa de Marcos sôbre o evento de Cesaréia de Filipe.
(83) Os seguintes consideram o contexto que Mateus dá aos ver-
r-ícuíos, como origin al: O. IMMISCH, “Matthäus 16. 18” {ZNW 1916,
p. 18) (sob indicação da relação geográfica das palavras); além disso,
contestando a tese defendida por nós na primeira edição dêste livro:
M. O V ER N E Y, “ Le cadre historique des paroles de Jésus sur la primauté
de Pierre” {Nova et Vetera, 1953, p . 206 e segs.); B. W ILLAER T, “ La
connexion littéraire entre la première prédiction de la passion et la con
fession de Perre chez le Synoptiques” {Etudes Lov. 1956, p. 24 e segs.).
-se até que Marcos mutilou a narrativa ao omitir os versos que só
Mateus traz. Já se disse que a explicação de Jesus que lemos em Ma
teus seria a resposta exigida pela própria narrativa. Visto que o
próprio Jesus provocou a confissão dos seus discípulos ao Mes
sias, a narração não poderia concluir com a mera proibição
de contar algo a quem quer que fôsse. Mt 1 6 . 1 7 e segs.
apresentaria, por conseguinte, o final original e natural (84). Essa
concepção, no entanto, olvidou que o têrmo da narrativa de Marcos
não é a proibição de falar sôbre o assunto, mas aquelas palavras de
fesus a Pedro; “ Arreda-te Satanás!” , que também foram inseri
das por Mateus. Argumenta-se ainda que a resposta de Jesus cor
responde exata e paralelamente à confissão de Pedro. As palavras:
“ Tu és 0 Cristo” , respondeu estas outras; “ Tu és Pedro” . Na rea
lidade, porém, como temos visto, o “ tu és Pedro” , não pode harmo
nizar-se com a declaração de sentido satânico “ tu és o Messias” ,
mas só pode referir-se à confissão “ tu és o Filho de Deus” .
(136) Com isso está relacionado que as metáforas com as quaip são
descritas as funções de Jesus, são transferidas aos apóstolos, isso in
dica H. RIESENFELD, Ãmbetet i Nya Testamentet, s. a-, p. 17 e segs.
aliás, diversas interpretações ( 13 7 ). Mesmo a ação do grupo dos
doze é ação messiânica, a consumação ocorre já durante a vida
de Jesus, não só na sua pessoa, mas o povo de Deus já come
çou a concretizar-se nesses homens (13 8 ). Dessa maneira deve
mos compreender a palavra sôbre os pescadores de homens (Mc
1 . 1 7 paral.) e sôbre o trabalho na seara (Mt 9 .3 7 ). A parábola
da rêde (Mt 13.4 7 e segs.) confirma o caráter preparatório, mas
também antecipante da pesca.
0 local onde se dão os eventos que Jesus enumera na res
posta a João Batista (Mt 1 1 . 4 e seg.) faz que a pergunta acerca
do reino de Deus futuro ou presente perca tôda a importância
(139 ). A antecipação do reino de Deus ocorre já durante a vida
de Jesus. O fundamento do povo de Deus já está lançado, embora,
a verdadeira edificação venha a ser construída após a morte de
Jesus, tendo por base a nova aliança. Essa ekklesia, a ser “ edi
ficada” após a morte de Jesus, será antecipação do Reino de
Deus, mas o grupo dos discípulos é, por sua vez, antecipação da
quela ekklesia.
O fato de que Jesus encara o grupo mais restrito e o mais
amplo dos discípulos como uma comunidade com uma incumbên
cia especial, que em si já representa uma concretização, deduz-se
também de outras passagens. Assim, p. ex., quando êle fala da
sua verdadeira família (Mc 3 .3 3 e segs.) para!.) e especial
mente quando chama os discípulos de “ rebanho” , como em Lc
12 .3 2 ; “ Não temais, ó pequenino rebanho, pois vosso Pai agra
dou-se em dar-vos o seu reino” . Além disso, em Mt 2 6 .3 1; “ Fe
rirei 0 pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersas” . Te
mos ainda as já mencionadas “ ovelhas perdidas da casa de Israel”
(V. também Mt 9 .36 ). Sabemos do manuscrito de Damasco, que
também na “ comunidade da nova aliança” judaica (atualmente
tornada mais conhecida) era corrente o conceito do pastor. Con-
íogo, não pot um abalo, como o prevê a palavra rie Jesus ( “ não ficará
pedra sôbre pedra” ); além disso, o fato de que também a Estêvão é atri
buída uma palavra semelhante (At 6. 10 e segs.). M. G O G U EL é de opi
nião que Judas teria participado êsse dito de Jesus à autoridade judaica.
— Uma boa apreciação da palavra sôbre o templo e sua importyncia para
o pensamento cristão prim itivo em M ARCEL SIMON, “ Retour du Christ
et reconstruction du Temple dans la pensée chrétienne prim itive” (Aux
sources de la tradition chrétienne. Mélanges M. GOGUEL, 1950), p. 249
e segs.
(144) V. acima p. 220.
((145) Vide O. CULLMANN, Urchristepium und Qottesdiensi, 2.'’
£d., 1950, p. 72 e segs.
Em todo caso, devemos admitir, conforme a tradição dos
Evangelhos sinóticos, que Jesus anunciou a edificação de um
templo não construído por mãos humanas. Tal só pode subenten
der o nôvo povo de Deus que êle quer instituir (146 ). A palavra
sôbre o Templo é, para o nosso problema, tanto mais importan
te, visto que mais uma vez se nos apresenta, como em Mt 16 .17 ,
a imagem do edificador. Temos, portanto, um paralelo direto à
palavra da ekklesia. Se ela desempenha um papel tão insignifi
cante nas discussões sôbre a nossa questão, é devido ao fato de
que nos teremos deixado persuadir pela estatística vocabular a
não mais dar atenção a essa matéria.
Com a palavra sôbre o Templo, bem como com as da ins
tituição da Santa Ceia, Jesus anuncia uma nova comunidade
para o período após a sua morte, o que corresponde à passa
gem de Mt 1 6 .1 7 e segs., onde lemos no futuro: edificarei a
minha ekklesia. Vimos, que, segundo essa paiavra, tal deve
ocorrer ainda durante êste eon, uma vez que, se fôsse o contrário,
a confrontação de céu e terra não teria sentido algum. No en
tanto, é isto que dá motivo ao último argumento contra a au
tenticidade da passagem. Se é que Jesus falou de uma con
cretização futura, do povo de Deus, consecutiva à sua morte,
êle só poderia ter pensado na sua realização definitiva no Reino
de Deus.i As joutras profecias, como a da pklavra sôbre o
Templo, deveriam ser interpretadas como se com a morte de
Jesus já irrompesse a consumação do Reino de Deus. Contudo,
visto que em Mt 1 6 .1 7 e segs. a ekklesia já se concretizaria no
presente eon existe aqui uma contradição. Por isso essa pa
lavra não poderia originar-se de Jesus (14 7).
A pergunta é, pois, a seguinte; Teria Jesus contado cona
um período intermediário, ,por breve que fôsse,, entre a sua
morte, ou seja, a sua ressurreição e o regresso? Se Jesus real
mente tivesse esperado que a vinda do Reino de Deus se desse
no momento da sua morte, como afirma Albert Schweitzer, não
haveria mais espaço para o período da Igreja. O povo de
Por outro lado, está fora de dúvida que, de acordo com essa
palavra, a ekklesia assume a função de Jesus que, peLa morte e
ressurreição, venceu a morte. A função mes"iânica, atribuída aos
(!53) A. HARNACK, “ Der Spruch über Petrus als den Felsen der
Kirche Mtt. XVI, 17 e seg. (Seitzungsbericht der Berl. Ak. d- Wiss. 1918,
p. 637 e segs.), exclui a palavra sôbre a Igreja e reconhece nessa passa
gem só uma predição da ressurreição de Pedro, substituindo autés por
sou. (V. acima p. 187). Issú, porém, está fora de cogitação, visto que a
explicação do nome de Pedro exige a imagem da edificação. (Assim
com razão M. J. LAGRANG E, Mtth. Komm., p. 324). Já os Padres da
Iigreja consideraram a possibilidade de autés relacionar-se com ekklesía
ou com pétra. (O rígenes); pétra está muito distante e, de acôrdo com o
sentido, ekklesia tem de ser o objeto. (V ide M. J. LAG RA N G E, Míth-
Komm., p. 327).
(154) R. EPPEL, “ Aux sources de la tradition chrétienne” (Mélan
ges offers à M. GOGUEL, 1950, p. 71 e segs.), pylai — saarei; pyloroi
= searei.
(Indicação de Jó 38. 17, L X X ). De outro modo E. BRU STO N , Les
promesses de Jésus à l’apôtre Pierre, 1945, p. 10 e segs., supõe que “ tem
pestades do atiismo” foi traduzido erradamente.
(155) A LXX apresenta pyloroi. V. observação anterior.
(156) R. E PPEL, op. cit., p. 72, reportando-se a J. D U TLIN , “ The
Gates of Hades” (The expository Times 1916, p. 401 e segs.), indica
que 0 verbo katisquo serve antes a um ataque do que a uma defesa.
(157) Quanto à concepção das portas como atacantes, vide T.
ZAHN, Matth.-Komm., p. 542, M. J. LAGRANGE, Mtth.-Komm., p. 326.
discípulos, durante a vida de Jesus (158 ), de combater a morte,
pela cura de doentes ou pela ressurreição de mortos (Mt 10 .7 e
segs,), é prometida, nessa passagem, a tôda a ekklesia. O funda
mento que é lançado em Pedro tem uma edificação a sustentar,
a quel significa a vitória sôbre a morte. A ekklesia fundada em
Pedro, a Rocha, existirá na época em que a morte ainda reina,
ou seja, no presente eon (159 ). Mas já participará do poder de
ressuscitar, que caracteriza o Reino de Deus. Lembrar-nos-emos
disso ao falarmos do caráter do apóstolo e constatarmos que no
Nôvo Testamento os apóstolos são primordialmente testemunhas
da ressurreição, aos quais é confiada uma incumbência.
cia que em Mt 16. 17 e segs. Jesus se tenha referido a uma tal sucessão.
W. MICHAELIS, Mtth.-Komm, p. 354, transforma a omissão de qual
quer referência à sucessão em argumento a favor da autenticidade; se a
palavra tivesse sido criada posteriormente a sucessão estaria mencionada.
(174) Evidentemente se deve considerar se o autor de Jo 21 já não
atacava uma ampliação da aplicação para a sua própria época, estando
Pedro já morto (sendo que alguns reivindicavam a direção, baseando-se
nêle).
Assim E. L. ALLEN, V. acima obs. 81, pág. 203.
(175) W. MICHAELIS, Aítth.-Komm., p. 346 acredita ter de dedu
zir da imagem do “ edificar” que Jesus deveria “ter em vista uma evolu
ção mais prolongada” .
(176) V. a êsse respeito nosso trabalho Eschatologie des Neuen Tes
taments, que surgirá futuramente
(177) V. abaixo p. 246 e seg-, e H. RIESENFELD, Ãmbetet i Nya
Testamentet, s. a-, p. 17 e segs.
pectativa que Jesus tinha de um fim próximo. 0 conteúdo da
próxima sentença, a entrega das chaves, do poder de ligar e des
ligar, a Pedro, relaciona-se também com o futuro, certamente não
com um futuro ilimitado, mas com o da vida de Pedro posterior
à morte de Jesus. Aí não mais se fala de uma edificação sem li
mite de tempo, mas fala-se da própria rocha concreta, do funda
mento apostólico da Igreja a ser edificada, representado por Pe
dro. A palavra anterior sôbre a edificação, cujo tempo não é
expressamente limitado, de maneira alguma justifica a idéia de
uma duração de tempo ilimitado também para a administração
(das chaves e do ligar e desligar) atribuída só a Pedro, ro
cha do edifício. No último capitulo examinaremos se, e até
que ponto, essas palavras dirigidas a Pedro podem ser aplica
das também legitimamente à Igreja posterior. Exegètica
mente deve ser dito que não temos qualquer direito de ver aí,
simultâneamente, Pedro e seus sucescores. Para isso seria neces
sária qualquer alusão a tais sucessores. Em tôdas as passagens
em que Jesus fala das funções a serem exercidas por seus dis
cípulos, sempre se refere exclusivamente só aos discípulos, não a
sucessores. E se porventura tivesse êle realmente incluído na
primeira sentença que fala da edificação, também o tempo depois
de Pedro, o que seria provável, tal só significaria que a missão
de rocha executada por Pedro — única no tocante à história da
salvação — tem um caráter tal, que opera além de sua morte,
em sua unicidade, de modo que o Pedro histórico, e não os su
cessores, seria e permaneceria o fundamento também durante
a continuação ilimitada dessa edificação. Se o Cristo joanino
fala, na oração sacerdotal (Jo 17 .2 0 ), das gerações vindouras,
que crerão “ pela palavra dos apóstolos” , êle menciona os pró
prios apóstolos, e não os seus sucessores, referindo-se àquilo que
a sua palavra única significa para a futura Igreja.
(3) Durante a vida de Jesus existe o grupo mais restrito dos doze
e o m ais amplo dos setenta (Lc 10. 1 e s e g s .).
(4) V ide A. FRIDRICHSEN, “ The Apostle and his message” (Uppsa
la Universitete Arsskrift), 1947, V. acima p. 60, 70-
rico. Nisso consiste a sua função totalmente singular. Eles re
ceberam duas vêzes a incumbência apostólica; primeiro, do Jesus
- histórico e depois, do Ressurreto. Entre êles, Pedro é o mais
í importante. Só naquele tempo poderiam existir testemunhas ocu-
í lares do Jesus histórico e da Ressurreição. Jamais virá isso a
acontecer novamente. Cristo quer edificar a sua Igreja sôbre
; uma dessas testemunhas oculares.
Jesus elegeu entre os homens do seu tempo aquêles que de
veriam ser essas testemunhas, e entre êles, Pedro, a cujo teste
munho atribuiu uma importância especial. Veremos que, partindo
do conceito de apóstolo acima definido, justamente Pedro é real
mente 0 primeiro dentre os apóstolos. De início, porém, deve
ser dito que, segundo o testemunho do Nôvo Testamento como
um todo, êle partilha dessa função “ fundamental” com os ou
tros apóstolos. Dessa maneira, Paulo escreve em Ef 2.20, onde
temos exatamente a mesma imagem de edifício que em Mt 1 6. 1 7,
que a Igreja “ está edificada sôbre o fundamento dos após
tolos e profetas” . O Apocalipse de João 2 1 . 1 4 também alude
aos “ doze fundamentos do muro da cidade santa, sôbre os quais
estão escritos os doze nomes dos doze apóstolos do Cordeiro” .
E mais uma vez, com a mesma imagem, Paulo menciona as “co
lunas” era G1 2 .9 (5).
Conclui-sie dai que os primeiros cristãos realmente conside
ravam os apóstolos como o fundamento da Igreja. Sob o pris
ma da concepção do Nôvo Testamento, que devemos respeitar
nesse capítulo dogmático, não existe arbitrariedade no fato de
entendermos que Jesus, se dirige a Pedro em Mt 1 6 . 1 7 e segs.,
como apóstolo, e também de darmos tanta importância ao con
ceito de apóstolo. A imagem do edifício em Ef 2.20 e Ap 2 1 , 1 4 ,
está, em todo caso, em conexão com a função apostólica, e isto é
importante. Assim, a imagem do fundamento impõe-se ao após
tolo Paulo também em Rm 1 5. 20: “ para não edificar sôbre fun
damento alheio” . (V. também 1 Co 3 . 1 0 ) . As citadas passa
gens neotestamentárias talvez até aludam à palavra de Jesus em
Mt 1 6 . 1 7 e segs., sôbre a rocha. Nesse caso teríamos aí o
comentário mais antigo ao nosso texto.
Em 1 Co 5 . 1 1 ; 10 .4 ; Mt 2 1 . 4 2 ; I Pe 2. 4 e segs. consta
que 0 próprio Jesus é a pedra fundamental ou angular. Essa é.
(19) M ais uma vez salientamos que baseamos a afirmação de que T iag o
dirigiu a Igreja muito cedo e ainda durante a vid a de Pedro no teste
munho de Paulo e dos Atos dos Apóstolos e que só recorremos às fontes
judeo-cristãs posteriores como confirmação secundária. (V. acima obs. 33,
p. 45.
(20) E U SêBIO , H. e . II. 23, 4. De acôrdo com EUSÉBIO, H. E.
II, 23, 1, êle a recebe “ dos apóstolos” ,
(21) Vide C, SCHMIDT, Studien zu den Pseudo-Clementinen, 1929,
p, 108 e segs-, 322 e segs, — ^O, CULLMANN, Le problème Uttérdire et
historique du roman pseudo-clémentin, 1930, p, 250 e segs. H. J, SCH O EPS,
Theologie und Geschichte des judenchristentums, 1949, p, 122 e segs. —
G. STRECKER, Das Judenchristentum in den Pseudoklementinen, 1958,
p. 58 e segs.
(22) Rec I. 17; Hom I. 20. Ep. Pe. 1.
(23) Ep. Clem.
(24) Rec. 17; Hom. i. 20. V- também o versículo 12 do evangelho
gnóstico de Tomé (E. Brill) que se reporta a ciculos Judeu-cristâos e
gnósticos. V. a êsse respeito 0. CULLMANN, Th. Literaturzeitung 1960,
col. 321 e segs.
(25) De acôrdo corn CLEM EN TE de Alexandria, que igualmente
salienta bastante a posição especial de Pedro entre os discípulos (Quís
dives salvetur, cap, 2 1), Pedro T iago e João teriam renunciado à pri
mazia, após a ascensão de Jesus, e eleito T iago, o justo, para bispo de
pagar o evangelho. Mas, oomo foi dito, o importante é que êle
não permanece na sua posição superior frente à nova direção de
Jerusalém, como se Tiago fôsse só o seu representante ou só bis
po da Igreja de Jerusalém, depreciada talvez ã situação de comu
nidade de local. Êle se subordina ã autoridade de Tiago, como
govêrno central. Em uma época, na qual Jerusalém ainda ocupa
a posição liderante, e quando tôdas as outras comunidades ainda
se sujeitam a Jerusalém — também as fundadas por Paulo, como
o demonstra a coleta — , o próprio Pedro é dependente da nova
direção em Jerusalém; Em Antioquia, êle temia “ os da parte de
Tiago” (0 1 2 . 1 2 ) !
E ’ certo que não devemos exagerar a importância do choque
entre Pedro e Paulo em Antioquia (26). Mas êle demonstra ine
quivocamente outra coisa que me quer parecer muito mais im
portante do que a repreensão de Paulo a Pedro; Pedro não de
sempenha um papel liderante frente a Tiago, cujos representantes
êle teme. Nada se diz sôbre transferência da direção a outro
lugar, da parte de Pedro.
A tradição católica afirma que Pedro também foi bispo em
Antioquia (27). Mas G1 2 . 1 2 demonstra que, mesmo estando
certa essa tradição, êle não teria dirigido, dessa cidade, tôda a
Igreja; que êle, portanto, também não transferiu a direção de
Jerusalém para a Antioquia e de lá, para Roma. Êle só ocupou a
direção total no inicio da Igreja de Jerusalém e com isso, no
inicio de tôda a Igreja. Efetua, então, o seu apostolado missio
nário e isso, a serviço da Igreja judeo-cristã de Jerusalém, cuja
direção está nas mãos de outrem.
No que diz respeito ã direção da Igreja por parte de Pedro,
devemos tomar a sério que o apóstolo-rocha dirigiu só uma vez
tôda CL Igreja. Tal aconteceu na época em que êle presidiu a co
munidade de Jerusalém, nos dias após a ressurreição de Cristo
e na época da participação do Espírito, quando desempenhou lá