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ao EVANGELHO
SEGUNDO
JO Ã O
V o l u m e 2 ( 1 3 2 1 )־
I n tr o d u ç ã o , T r a d u ç ã o e N ota:
EDITORA ACADEMIA CRISTÃ
Editores responsáveis
Luiz Henrique Alves da Silva
Dr. Paulo Cappelletti
Prof. Dr. Waldecir Gonzaga (PUC-Rio, Brasil)
CONSELHO EDITORIAL
COMENTÁRIO
ao EVANGELHO
SEGUNDO
JOÃO
Volume 2 (13-21)
T r a d u to r :
CRISTÃ PAULUS
© b y Yale U n iv ersity as a ssig n ee from D ou b led ay, a d iv isio n o f R andon H o u se, Inc.
© by Editora A cadem ia Cristã
Supervisão editorial:
L uiz H enrique A lv e s da Silva
Dr. Paulo C appelletti
Diagramação:
C icero Silva 97463-6460 (11)־
Revisão:
Pe. M izael A. Silva
R ogerio d e Lima C am pos
Capa:
Jam es Valdana
Bibliografia
ISBN 978-65-5562-097-9
Título original: T he G osp el A ccordin g to John (XIII-XXI)
C D D 226.5077
20-3499 C D U 226.5
Af
ACADEMIA
CRISTÃ PAULUS
EDrroRA A cademia C ristà Paulus Editora
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Este comentário completo é dedicado
a meu pai em seus setenta anos
O LIVRO DA GLÓRIA
IV. EPÍLOGO
APÊNDICE
ÍNDICES
1. Publicações
2. Versões
BJ Biblia de Jerusalém
KJ The Authorized Version of 1611, ou a King James Bible
LXX The Septuagint
TM Masoretic Text [Texto Massorético]
NEB The New English Bible (New Testament, 1961)
RSV The Revised Standard Version, 1946,1952
SB La Sainte Bible - "Bible de Jerusalem" - traduite en français
(Paris: Cerf). D. Mollat, L'Evangile de Saint Jean (2 ed. 1960)
Vulg. Vulgata
3. Outras Abreviações
NT Novo Testamento
AT Antigo Testamento
Aram. Aramaico
Boh. Bohairic (Cópta)
Et Etíope
Gr. Grego
Heb. Hebreu
OL [Latim antigo]
OS [Siríaco antigo] (OScur; OSsin denote the Curetonian and Si-
naiticus mss. Respectivamente)
Sah. Sahidic (Cópta)
XX Com entário ao evangelho segundo João
9-19: Segunda unidade: Jesus ora por aqueles que o Pai lhes
confiou. (§ 58)
9-16: Os discípulos e o mundo.
17-19: A consagração dos discípulos e de Jesus.
20-26: Terceira unidade: Jesus ora pelos que creem nele pela
palavra dos discípulos. (§ 59)
20-23: A unidade dos que creem em Jesus.
24-26: Jesus deseja que os crentes permaneçam unidos
a ele.
46. A CEIA: - O LAVA-PES
( 13,1 ־20)
NOTAS
13.1. um pouco antes da festa da Páscoa. Esta é uma tradução livre. Literalmen-
te, há uma frase proposicional seguida de dois particípios e um verbo
principal: "antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo..., tendo amado...,
demonstrou agora seu amor". B ultmann, p. 3 5 2 , seguindo W. B auer e
alguns dos Padres gregos, argumenta que a frase cronológica modifi-
caria o primeiro particípio (= Jesus sabia antes da Páscoa), porque nin-
guém pode afixar uma data para o amor de Jesus. J eremias, EWJ, p. 80,
crendo que a última ceia foi uma refeição pascal, admite por que ele não
quer que esta frase seja usada para datar a última ceia em um período
pré-pascal. Não obstante, G rossouw, p. 128, pensa que, gramaticalmente,
a frase deve ser construída com o verbo principal, e que, o que é datado
46 · A ceia: - O lava-pés 905
depois de discutir com Pedro, Jesus diz: "E agora vós, homens, estais
limpos". Ver também nota sobre v. 23.
meus pés. A posição incomum do possessivo no grego pode indicar ênfase:
"meus pés"; assim B ernard, porém BD F, § 473' discorda.
7. agora. Falta no OSsine em algumas cópias da OL; P66 parece confuso.
mais tarde. Literalmente, "depois destas coisas [tauta]". Em si a frase é vaga
(ver nota sobre 2,12), mas, provavelmente, o significado seja o mesmo
como em 12,16: "A princípio os discípulos não compreenderam estas coisas;
mas, quando Jesus foi glorificado, então lembraram que foram precisamente
estas coisas que foram escritas sobre ele e estas coisas lhes foram feitas".
8. jamais. Aqui, o ou mê tem a força de um juramento (J eremias, EWJ,
pp. 209-10).
não terás. Literalmente, tempo presente; seu uso como futuro é considerado
por P. J oüon um aramaísmo, RSR 17 (1927), 214.
9. Simão Pedro. As testemunhas textuais variam sobre a forma do nome; tal-
vez o nome seja um esclarecimento de escriba de um "ele" original.
rosto. Literalmente, "cabeça".
10. se banhou. Até este momento, a conversação tem girado em tomo de "lavar-
se" (niptein); aqui se introduz o tema de "banhar" (louein). O primeiro
verbo tende a ser usado para a limpeza de uma parte do corpo; o segun-
do, para todo o corpo. Niptein foi usado em 9,7.11 onde é provável que o
cego lavou somente seus olhos ou rosto.
lavar [exceto seus pés]. M.-E. Boismard, RB 60 (1953), 353-56, favorece o
possível texto mais curto, omitindo todas estas palavras, como fez o mi-
núsculo ms. grego 579, T ertuliano e algumas testemunhas OL. É mais
comum questionar somente as palavras entre colchetes, cuja omissão
é endossada pelo Codex Sinaiticus, algumas testemunhas na Vulgata
e importantes Padres da Igreja. De fato, os Padres latinos não revelam
conhecimento da frase entre colchetes antes do tempo de A mbrósio no
final do século IV, quando essa redação entrou no Ocidente, vinda do
Oriente (ver H äring, art. cit.). Uma ampliação peculiar se encontra no
Codex Bezae e algumas testemunhas OL: "lavar a cabeça, mas somente
os pés".
vós homens estais limpos, muito embora nem todos. T. H. W eir, ET 24 (1912-13),
476, sugere a possibilidade de um duplo significado semita na entreli-
nha, refletindo a ambiguidade do heb. kõl e do aram. mir, significando
"todo, totalidade, inteiro". Os discípulos poderíam ter entendido Jesus
no sentido de que estavam limpos, porém não inteiramente (seus pés
estavam empoeirados), enquanto o que ele realmente tinha em mente era
que nem todos eles estavam limpos, pois um deles era pecador.
46 · A ceia: - O lava-pés 909
11. (A razão...). Para este versículo, o Codex Bezae simplesmente diz: "Pois
ele conhecia seu traidor".
traidor. Literalmente, "aquele que estava para entregá-lo", um particípio
presente pressupondo que a traição já estava em processo (ver primeira
nota sobre v. 2). Contudo, J eremias, EW J, p. 1792, pensa haver aqui um
aramaísmo, a saber, um presente usado com valor de futuro.
12. retornou ao seu lugar. Literalmente, "reclinou-se outra vez".
compreendeis? Isto podería ser interpretado como um imperativo: "Entendais
o que eu vos fiz". Já pusemos o que segue em forma poética (vol. 1, p. 149),
mas não é certo que todos os versículos entre 12 e 20 estejam num estilo de
discurso solene. SB põe somente 16,19 e 20 em forma poética.
13. 'Mestre' e ,Senhor'. Ambos os títulos (rab, mãr) eram dados aos rabinos
por seus discípulos (StB, II, 558). A ordem em que os dois títulos são
mencionados pode refletir o desenvolvimento da compreensão dos dis-
cípulos, pois "Mestre" é mais comum nos primeiros capítulos do evan-
gelho e "Senhor", nos últimos capítulos.
14. Se eu... também deveis. Este tipo de argumento, a minori ad maius, era usado
com frequência pelos rabinos (B arrett, p. 369).
Senhor e Mestre. Pode ser significativo que Jesus mude a ordem dos títulos,
pois aqui a questão é do que ele é realmente. Em contrapartida, a mu-
dança na ordem pode ser simplesmente uma variação em favor do estilo.
16. servo e senhor. Ou "escravos" e "senhor". Na comparação parabólica
de base, usa-se kyrios no sentido de proprietário ou dono, mas prova-
velmente haja um jogo de palavras em kyrios como "Senhor", usado nos
versículos anteriores.
enviado. A palavra apostolos tem o significado de emissário na comparação
parabólica de base, mas não é impossível que João esteja pensando nos
discípulos como "apóstolos", i.e., os enviados a pregar a ressurreição.
Ver nota sobre 2,2.
17. uma vez entendais isto. Literalmente, "se", com uma referência à realidade
presente (BDF, § 3721)’־: agora entendem; no futuro o porão em prática.
felizes. O gr. makarios costuma ser traduzido por "bendito", mas isso leva
à confusão; pois dois jogos de palavras (e idéias) devem ser mantidos
distintos, um a que podemos chamar "participial", e o outro, "adjetival".
Particípio passivo: heb. bãrük, gr. eulogêtos, lat. benedictus.
Adjetivo: Heb. 1,ã srê, gr. makarios, lat. beatus, port, felizes (ou como um
adjetivo "abençoado", mas não há como manter isto distinto do particí-
pio). Em seu sentido próprio como um particípio passivo, bãrük é usado
somente em relação a Deus. "Bendito seja o Senhor" (SI 28,6) significa:
que o Senhor seja bendito pelos homens; que Ele seja adorado e cultuado.
910 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
Quando este particípio se estende aos homens, ele invoca sobre eles a
benevolência de Deus e de outros homens. Assim, uma "benção" é uma
invocação pedindo que alguém seja abençoado ou repleto de favores.
Em contrapartida, o conjunto adjetival de palavras representadas por
3ãSrê não é parte de um desejo e nem invoca uma benção. Antes, elas
reconhecem um estado existente de felicidade ou boa fortuna. No AT, as
palavras adjetivais são usadas somente em relação aos homens, embora
no NT makarios seja usado duas vezes em relação a Deus (lTm 1,11; 6,15).
O reconhecimento de boa fortuna dos homens frequentemente é implici-
tamente do ponto de vista de Deus; ocasionalmente, a felicidade é uma
alegria futura que será recebida no juízo, mas para com a qual alguém
está no bom caminho e da qual alguém tem posse incipiente. Consequen-
temente, um macarismo ou beatitude é propriamente uma proclamação
aprobatória de fato, invocando um juízo valorativo. No NT, o macarismo
reflete o juízo que um estado escatológico veio a ser possível pela anun-
ciação do reino. Mateus e Lucas têm muitos dos macarismos de Jesus;
João contém apenas dois (aqui e em 20,29); Apocalipse tem sete.
18. escolhí. Aparentemente, a ideia é que Jesus escolheu Judas muito embora
soubesse o tipo de homem que ele era, e assim o Jesus joanino não se
equivocou. B arrett, p. 370, salienta outra possibilidade gramatical: Jesus
conhecia a quem realmente escolheu, e não escolheu Judas. Entretanto,
compare 6,70: "Não escolhi a vós os doze? E um de vós é um diabo". (Re-
cordemos bem, 6,70 se relaciona com a passagem eucarística em 6,51-58,
uma passagem que podería ter estado no contexto da última ceia;
ver vol. 1, p. 528).
0 propósito é. Literalmente uma cláusula subordinada com hina, esta frase
tem sido também interpretada como um imperativo na terceira pessoa:
"Que se cumpra a Escritura" (BDF, § 3S73). No entanto, na compreensão
usual de João, é em termos de propósito: o evento ocorre a fim de cum-
prir-se o AT (ver nota sobre 12,38).
a Escritura. Marcos tem dezessete citações do AT em sua narrativa da pai-
xão; João tem nove; esta é uma das quatro que eles têm em comum. Nem
Mateus nem Lucas a citam. (Ver Dodd, Tradition, pp. 31-33). Os rabinos
entendiam esta passagem no SI 41,10(9) como uma referência à conspira-
ção de Aitofel e Absalão contra Davi (2Sm 15,12).
se cumpra. O uso do aoristo passivo de plêroun em referência ao cum-
primento das palavras sagradas previamente enunciadas é comum em
Mateus (doze vezes) e em João (oito vezes); é usado somente uma vez
em Marcos (14,49, pois é possível que 15,28 não seja genuína) e em Lu-
cas (24,44; cf. 4,21; 21,22). Este tipo de fórmula de cumprimento não se
46 · A ceia: - O lava-pés 911
COMENTÁRIO: GERAL
Segundo os sinóticos (Mc 14,12 e par.), Jesus comeu uma refeição pas-
cal com seus discípulos na noite anterior à sua morte; J erem ias EWJ,
pp. 41ss., tem mostrado isto detalhadamente. A legislação veterotes-
tamentária (Lv 23,5) prescreveu o comer da ceia pascal na noite que
terminava em 14 de Nisan e começava em 15 de Nisan (no calendário
lunar, o início de um novo dia era computado a partir do pôr do sol).
Assim, para os evangelhos sinóticos, a noite em que a última ceia foi
consumida, juntamente com a próxima manhã e a tarde em que Jesus
foi crucificado, constituía 15 de Nisan, a festa da Páscoa. Quanto ao
dia da semana, Mc 15,42 especifica que a tarde da crucifixão precedeu
o sábado; então 15 de Nisan transcorria do ocaso de quinta-feira ao
ocaso de sexta-feira.
João fornece um quadro diferente. A última ceia é estabelecida
em um tempo anterior à Páscoa (nota sobre v. 1), e a condenação e
crucifixão de Jesus são datadas claramente na véspera da Páscoa, 14
de Nisan (18,28; 19,14). Só depois de o corpo de Jesus ser posto no
túmulo e que marcou a abertura da festa, então a ceia pascal pôde ser
consumida. A despeito da diferença das datas do calendário, Jo 19,31
concorda com Marcos que o dia da semana envolvido era quinta-feira
até a noitinha de sexta-feira.
46 · A ceia: - O lava-pés 913
O relato que João faz da última ceia difere dos relatos sinóticos
mais do que em cronologia. Para falar das omissões, falta em João a
narrativa da preparação para a ceia (Mc 14,12-16 e par.) e as palavras
eucarísticas de Jesus sobre o pão e o vinho (Mc 14,23-25 e par. - ver,
porém, vol. 1, p. 528). Para falar de materiais peculiares, João registra
o lava-pés (13,1-20) e um extenso discurso Final (13,31-17,26), nenhum
dos quais se encontra nos evangelhos sinóticos.
No entanto, há alguns detalhes interessantes sobre o que aconte-
ceu na ceia que as duas tradições têm em comum:
O significado do Lava-pés
A unidade da cena
6-11 12-20
7 compreendendo o lava-pés 12
8 importância do que Jesus tem feito: transmite 15
uma herança ou é um exemplo a ser imitado
10a efeito salvífico sobre os discípulos: é a própria 17
purificação ou a bem aventurança dos que imi-
tam seu espírito
10b mas não afeta todos os discípulos 18a
_ 11 a exceção é o traidor 18b-19.
920 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
COMENTÁRIO: DETALHADO
"A hora" que é o tema do Livro da Glória (p. 896 acima) verá a morte
de Jesus; este versículo deixa claro que na concepção joanina Jesus
abordou sua morte como um ato de amor para com aqueles que cre-
ram nele (ver nota sobre "até o fim"). Deixa claro ainda que sua morte
foi uma vitória, porque era uma volta para seu Pai. (Funcionalmente,
Jo 13,1 tem alguma similaridade com Lc 9,51: "Aconteceu que, com-
pletando-se os dias para sua assunção, manifestou o firme propósito
de ir a Jerusalém". Em Lucas, isto marca o término do ministério ga-
lileu e o início do movimento rumo à morte que faria Jesus subir ao
céu; e é seguido por extensos discursos de Jesus dirigidos aos seus
discípulos de caminho para Jerusalém). Ele está deixando para trás
estas duas idéias de amor para com os discípulos e do retorno ao Pai
entrelaçadas para formar o motivo condutor do Livro da Glória. Des-
de o versículo inicial, João enfatiza a consciência de Jesus de tudo o
que lhe aconteceria, tema este reiterado no v. 3 e em 18,4 e 19,28. Isto
concorda com o que Jesus disse em 10,18: ninguém ma tira de mim,
mas eu de mim mesmo a dou. Sobre a possibilidade de que 13,1 em
algum momento seguiu a 10,42, ver vol. 1, p. 696-97.
Visto que os pés eram calçados somente com sandálias, eles eram
cobertos pelo pó das estradas sem pavimento, era costumeiro que o
924 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
entre 18-19 e 17 não é original; que 18-19 numa época seguiram 10a, e
que seu deslocamento para o atual lugar deu ocasião à inserção redacio-
nal de 10b-ll). Em ambos os versículos, 11 e 18, João deixa claro que Je-
sus estava perfeitamente cônscio de que Judas se voltara contra ele irre-
vogavelmente. Todavia, em 18 somos informados por que Jesus aceitou
esta traição: para que se cumprisse a Escritura. A mesma explicação foi
oferecida em 12,38ss. para a recusa do povo hebreu para aceitar Jesus.
O recurso ao SI 41,10(9) pode ter caráter tradicional da parte dos
primeiros cristãos, pois ele é citado implicitamente em Mc 14,18: "Eu
vos asseguro que um de vós me trairá, um que está comendo [esthie-
in] comigo". (Que Marcos tinha ciência de um pano de fundo escri-
turístico para o que estava acontecendo, pode-se deduzir de 14,21:
"O Filho do Homem segue seu caminho como está escrito a seu res-
peito"). A citação implícita de Marcos faz eco da redação do salmo
como está na LXX; a citação explícita de João se aproxima mais do
TM do que da LXX (ver nota sobre "o que come do pão comigo").
Concordamos com Dodd, Tradition, pp. 36-37 (contra F reed, OTQ,
p. 92), que o uso que João faz do salmo é independente de Marcos. Em
particular, notamos o uso que João faz do verbo trõgein ("com er"),
também usado em 6,51-58. Esta seria outra indicação de que 6,51-58
uma vez esteve no mesmo contexto que 13,12-20? Caso se aceitasse a
forma breve da instituição lucana da Eucaristia, o dito "Isto é o meu
corpo" seria seguido imediatamente de "a mão daquele que me trai
está comigo sobre a mesa" (Lc 22,19a e 21). Ver também a estreita re-
lação entre traição e Eucaristia em ICor 11,23. Não seria ilógico, pois,
associar a referência de João à traição, "Aquele que se come pão comi-
go levantou contra mim seu calcanhar", com uma seção eucarística tal
como 6,51: "O pão que eu darei é minha própria carne". Em qualquer
caso, 13,18 é a única passagem no relato joanino da última ceia que
menciona que o pão foi comido.
O salmo prossegue com o versículo seguinte: "Mas tu, Senhor,
tem piedade de mim, e levanta-me". Em João, o próximo versículo fala
de vir ao crente em Jesus como aquele que diz: "EU SOU"; e tal convic-
ção só é possível depois da crucifixão e ressurreição: "Quando levan-
tardes o Filho do Homem, então compreendereis que EU SOU" (8,28 -
sobre "levantar", ver vol. 1, p. 353). A predição da traição da parte de
Judas que é a ação que inicia o processo de morte e ressurreição, aju-
dará a levar os discípulos a crer no Jesus que foi elevado para seu Pai.
46 · A ceia: - O lava-pés 933
D odd, art. cit., está certo quando insiste que o mesmo logion está
envolvido, porém que é independentemente registrado nos dois
evangelhos; em Mc 9,37 (= Lc 10,48) e Lc 10,16 parece haver outras
variantes e combinações.
24: fez sinal; 25: disse; 26: respondeu, [tomou], deu; 27: disse. No tempo presente his-
tórico.
NOTAS
13.21. Após estas palavras. Isto pode ser simplesmente uma conexão redacio-
nal. Não há nada, no que segue, que se relacione, necessariamente, com
o lava-pés ou sua(s) interpretação(s).
perturbou-se interiormente. Tarassein. Ver nota sobre 11,33.
47 · A ceia: - Predição da traição 935
declarou. Literalmente, "ele testificou e disse"; MTGS, p. 156, aponta para esta
parataxis (em João mais usualmente, "respondeu e disse") como um semi-
tismo. Há nesta seção diversos semitismos possíveis: um pronome resumin-
do a um relativo em 26 (ZGB, § 201); também a sentença "e o tirou" em 26
- ver a respectiva nota. Wilcox, art. cit., estuda os semitismos amplamente.
23. discípulo a quem Jesus amava. O Discípulo Amado aparece em seis passa-
gens, todas no Livro da Glória; ver Vol. 1, pp. 98ss).
à mesa bem junto a Jesus. Literalmente, "estava reclinado sobre o peito de
Jesus". Como João visualizava a posição dos que se reclinavam (ver nota
sobre "pés" no v. 5) na última ceia? F. Prat, RSR 15 (1525), 512-22, tem
estudado os arranjos da mesa e lugares de honra entre os judeus con-
temporâneos de Jesus. Ele sugere que a disposição da mesa, nesta ceia,
era a do triclinium romano, isto é, três divãs num formato de ferradura,
dispostos em tomo de uma mesa central. Se os Doze estavam presentes
com Jesus, podería ter cinco discípulos em cada lado de dois divãs e dois
discípulos com Jesus no meio (lugar de honra) no topo do divã ou lectus
medius. Embora pudéssemos esperar que o segundo lugar de honra fosse
à direita de Jesus (cf. SI 110,1), Prat, p. 519, assegura que em tal arranjo
ele ficava à esquerda de Jesus. Ora, à luz da evidência que faz o evange-
lho é óbvio que o Discípulo Amado é descrito à direita de Jesus, de modo
que, quando ele inclinou sua cabeça para trás, apoiou no peito de Jesus.
(Em vista da tese de que o Discípulo Amado era João, podemos recordar
Mc 10,37, onde Tiago e João reivindicaram assentar-se à direita e à esquer-
da de Jesus em sua glória). Pode ser que Judas esteja sendo apresentado à
esquerda de Jesus, pois assim Jesus podería passar-lhe o bocado de pão.
Como o tesoureiro (12,6), pode ser que tivesse a autorização de ocupar
um (ou inclusive 0) lugar de honra entre os discípulos. Se o v. 24 for lido
no sentido de que Pedro fez sinal ao Discípulo Amado sem falar com ele
(ver abaixo), então é possível que Pedro estivesse a certa distância de
Jesus; e isto estaria em harmonia com o fato de que Pedro não falou por
si mesmo. Visto que ele era visível ao Discípulo Amado, provavelmente
fosse descrito no divã, à direita, talvez no extremo, se foi o último a ter
seus pés lavados (ver nota sobre v.6). Curiosamente, Prat põe Pedro à
esquerda de Jesus e o tem inclinado sobre o corpo de Jesus a cochichar ao
Discípulo Amado! Têm havido elaboradas tentativas de designar lugares
aos outros discípulos, mas isto é mera imaginação - mesmo a reconstru-
ção acima é altamente especulativa.
24. Pedro lhe fez sinal. Literalmente, "acenou". K. G. Kuhn, "The Lord's
Supper and the Communal Meal at Qumran", in The Scroll and the New Tes-
tament, ed. K. Stendahl (Nova York: Harper, 1957), p. 69, salienta que
936 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
COMENTÁRIO
BIBLIOGRAFIA
(13,1-30)
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pp. 81-85 sobre 13,20. Reim presso em Tradition, pp. 335-38,343-47.
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LOHMEYER, E., "Die Fusswaschung", Z N W 38 (1939), 74-94.
47 · A ceia: - Predição da traição 943
N ã o p o d e h a v e r d ú v id a d e q u e os c a p ítu lo s q u e fo rm a m o ú ltim o
d isc u rso n ã o e stiv e ra m se m p re u n id o s. Já em L ucas v e m o s e m ação
a ten d ên cia d e in c o rp o ra r n o ú ltim o d isc u rso m ate ria l d a s e ta p a s d o
m in istério (co m p are Lc 22,24-26 com M c 10,42-45). A e u c aristia cristã,
q u e ev o cav a a ú ltim a ceia, fornecia u m a o p o rtu n id a d e p a ra p re g a r e
en sin ar; e o u s o d e sta ocasião p a ra re u n ir d ito s tra d icio n a is d e Jesus
p o d e ria te r tid o se u efeito n a n a rra tiv a d a p ró p ria ceia. T al te n d ê n c ia
estaria em ação esp ec ialm en te n o E v an g elh o d e João; p o is o fato d e
q u e o m in isté rio p ú b lic o foi c o n sisten te m e n te re tra ta d o co m o u m en-
c o n tro com in cré d u lo s o u c ren tes p a rc iais d á m aio r força à te n d ê n c ia
a re u n ir as p a la v ra s d e s tin a d a s aos cre n tes n o L ivro d a G ló ria, o n d e
Jesus está tra ta n d o com "o s se u s". A ssim , o ú ltim o d isc u rso , in d u b i-
tav elm en te, se c o m p õ e d e m a te ria l v a ria d o em u m a m b ie n te n o q u a l
Jesus está fala n d o a o s se u s d iscíp u lo s.
C a ta lo g u e m o s os d e ta lh e s q u e su scita u m a d ú v id a so b re o enca-
d e a m e n to lógico d o d isc u rso e rev ela o c a rá te r artificial d a p re se n te
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48 · O último discurso: Observações gerais 957
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958 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
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960 O Livro da Gloria · Primeira Parte: A última ceia
É difícil a v a liar estas sim ila rid a d e s e n tre João e os sinóticos. C er-
tam e n te a ju d a m a m o stra r q u e João está re c o rre n d o a m a te ria l tra-
d icio n al, p o ré m é m ais difícil u sá -la s p a ra d e te rm in a r te m a s q u e fo-
ra m o rig in ais n o c o n tex to d a ú ltim a ceia. S o m en te a q u e le s sob (A) são
m u ito p ro v e ito so s n e ste resp e ito , e é in te re ssa n te q u e a m a io r p a rte
d esses é p a ra le lo com 13,31-14,31, o u com 16,4b-33, as u n id a d e s q u e
su g e rim o s co m o a ch av e p a ra o ú ltim o d iscu rso . Q u a n to ao s p a ra le -
los sob (B), n o ta m o s q u e as ú ltim a s trê s sim ila rid a d e s a o m a te ria l em
Jo 13,31-14,31 e 16,4b-33 são b e m fracas, e n q u a n to as sim ila rid a d e s
p re c e d e n te s a o m ate ria l e m Jo 15 são b e m m ais fortes. É b e m p ro v á v e l
q u e isto é assim p o rq u e 15,1-16,4a em q u e se u tiliz o u b a s ta n te m ate -
riais n ão o rig in a lm e n te rela cio n a d o s com a ú ltim a ceia.
(II) P o d e m o s su b d iv id ir a in d a o m ate ria l q u e é p e c u lia rm e n te
jo an in o e se m p a ra lelo s n o s sinóticos:
BIBLIOGRAFIA
Discursos de Despedida
NOTAS
13.31. Deus foi glorifiçado nele. C aird, art. cit., enumera quatro maneiras possí-
veis para se entender esta frase:
(a) "A través d e Jesus, D eu s é tid o em honra p e lo s hom ens". Esta interpre-
tação não é im p o ssív e l, p orém im p rovável, p o is requer o "Agora" que
prefacia o versícu lo para referir-se não só a "a hora" da paixão, m orte,
ressurreição e ascen são d e Jesus, m as tam bém ao m o m en to futuro da
apreciação d e sse s e v e n to s p ela co m u n id a d e cristã. Tal ex ten sã o d e tem -
po faz o cio so o p róxim o v ersícu lo q u e exp ressam en te se refere ao futuro.
(b) "Deus é glorificado por Jesus"; por exem plo, por sua obediência. A inda
quando este conceito seja joanino (17,4: "Eu te glorifiquei na terra"), Caird
encontra dificu ld ad e n o fato d e que em nenhum a outra parte João usa a
preposição en com o dativo d e agente pessoal. A lém d o m ais, tal interpre-
tação não se ajusta a frase quase paralela em 14,13: "E tudo quanto pedir-
des em m eu n om e eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho".
(c) "D eus é glorificad o em Jesus". Esta interpretação tem o u so local m ais
aceitável d e en, m as é aberta à m esm a objeção suscitada contra a prim eira
interpretação acim a.
(d) "D eus revelou Sua glória em Jesus". Esta é a interpretação q u e C aird
aceita, ressaltan d o q u e o p a ssiv o d e doxazein, aqui, realm ente é intransi-
tivo, com o n orm alm en te na LXX, q u an d o traduz o niphal d o heb. kãbêd,
u sad o n o sen tid o d e m anifestar glória.
N o vol. 1, p. 802, en fatizam os q u e glória e n v o lv e u m a m anifestação vi-
sível da m ajestade d e D eu s em atos de poder. Estas d u a s q u alid ad es são
976 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
lis ta e s t á e s c r e v e n d o so b r e a lg o q u e h á m u ito h a v ia e x p e r im e n ta d o , e
bem d e p o is d e s e u te m p o o s a p o lo g e t a s c r is tã o s in v o c a r ia m o im p a c to
p e r io r id a d e d o c r is tia n is m o .
36. para onde estás indo? Em latim , isto é "Quo vadis?" N o final d o 2a século,
o apócrifo Atos de Pedro cap. 25 (= Martyrdom of Peter cap. 3), as palavras
reaparecem . Q u ando Pedro foge d e Roma e d o perigo d o martírio, ele en-
contra Jesus e pergunta: "Senhor, para on d e estás indo?" Jesus fala a Pedro
que está in d o para Rom a a fim d e ser crucificado outra v ez (no lugar de
Pedro). E nvergonhado por seu Senhor, Pedro volta à cid ad e para morrer.
978 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
COMENTÁRIO: GERAL
c o n v in c e n te , e m b o r a C er fa u x e ste ja c e r t o e m e n f a tiz a r q u e h á u m a
r e la ç ã o tr a d ic io n a l m a io r e m 3 1 - 3 8 d o q u e a p a r e c e à p r im e ir a v is ta .
COMENTÁRIO: DETALHADO
ljo 4,21) e, co m o já vim os, seu conceito d e " o u tro " n ã o é abrangente.
A fo rm u lação d o m a n d a m e n to joanino, "A m ai-vos u n s aos o u tro s", não
recorda Lv 19,18 tão d ire tam e n te com o faz o v ocabulário sinótico. Este
tam bém to m a d u v id o sa a su g estão d e q u e a n o v id ad e consiste n o fato
de q u e Jesus m a n d e q u e o cristão a m e "com o e u vo s ten h o am ad o ",
en q u an to o A T m a n d a q u e o israelita am e seu p ró x im o como a si mesmo.
B. Schwank, "Der Weg", 103-4, ao refu tar p e re m p to ria m e n te a ideia d e
que o m a n d a m e n to joanino é n o v o m ed ia n te contraste com o m an d a-
m ento d o AT, salienta que, ao a rg u m e n ta r em p ro l d a necessidade d e
se am ar u n s aos o u tro s, l jo 3,11-12 to m a d o AT u m exem plo negativo,
com o se o m a n d a m e n to d o a m o r fosse o brigató rio n o s dias d o AT.
A n o v id a d e d o m a n d a m e n to d o a m o r rea lm e n te se relaciona com
o tem a d e alian ça n a ú ltim a ceia - o "n o v o m a n d a m e n to " d e Jo 13,34 é
a estip u lação básica d a "n o v a alian ça" d e Lc 22,20. A m bas expressões
refletem a p rim itiv a c o m p re en sã o cristã d e q u e em Jesus e seus segui-
dores se c u m p riu o id eal d e Jerem ias (31,31-34): "Eis q u e v êm dias, diz
o Senhor, em q u e farei u m a aliança n o v a com a casa d e Israel e com a
casa d e J u d á ". (P ara Jerem ias, esta era u m a aliança m ais re n o v a d a m ais
do q u e u m a n o v a aliança, e e sta p ro v a v e lm e n te foi tam b ém a in terp re-
tação cristã m ais an tig a, com ên fase n a n a tu re z a rad ical e escatológica
da renovação). E sta n o v a aliança tin h a d e ser in te rio riz a d a e m arc ad a
pelo c o n ta to ín tim o d o p o v o com D eus e co n h ecim en to d ele - u m co-
n h ecim en to q u e é o e q u iv a le n te d e a m o r e u m a v irtu d e p actu ai. O s te-
m as d a in tim id a d e , h ab itação e u m co n h ecim en to m ú tu o ap arecem ao
longo d o ú ltim o d iscu rso . S alien tam o s a n te rio rm e n te os p a ra lelo s d e
Q u m ran co m o tem a jo an in o d e a m o r fratern al; n ão é a cid en tal q u e a
c o m u n id a d e d e Q u m ra n fale d e si m esm a e d e su a v id a com o "a alian-
ça d e m isericó rd ia [graça]" (1QS 1,8), "a alian ça d a c o m u n h ã o [unida-
de] e te rn a " (3,11-12, e "a n o v a alian ça" (CD 6,19; 20,12).
A m arca q u e d istin g u e o a m o r d e D eus expresso n a aliança inclu-
sive d a s m ais n o b res form as d o a m o r h u m a n o é q u e ele é esp o n tân eo
e não m o tiv ad o , d irig id o aos h o m en s q u e são p ecad o res e in d ig n o s d o
am o r - u m tem a b e la m en te e x p o sto n a ob ra clássica d e A nders N vgren
Agape and Eros. A g e n e ro sid ad e d o a m o r d e D eus já era conhecida p o r
Israel (D t 7,6-8), e p o r isso d e certa m an eira o conceito cristão d e am o r
não é n o v o (cf. l jo 2,7-8). T odavia, v isto q u e a g e n e ro sid ad e d o am or
d e D eus n ã o p o d e ría ser p len a m en te conhecida até q u e ele d esse seu
p ró p rio Filho, p o r isso p o d e-se afirm ar tam b ém q u e o conceito cristão
986 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
Já m en c io n am o s q u e a p e rg u n ta d e P e d ro , "P a ra o n d e estás
in d o ?", n o v. 36 tem certo p a ra le lism o com 16,5: " N e n h u m d e vós
m e p e rg u n ta : 'P a ra o n d e estás in d o ? '" P ro v a v elm en te sejam fo rm a s
v a ria n te s d o m esm o in cid en te. O rea rra n jo d e B u ltm a n n n o q u a l 13,36
seg u e ao cap. 16 na v e rd a d e n ão é p ro v eito so , p o is e n tã o a p e rg u n -
ta "P ara o n d e estás in d o ?" seria logo a p ó s 16,28 ("E stou in d o p a ra o
Pai") e u m a n o v a lógica seria criad a. Em su a a tu a l se q u ên c ia, o v. 36
reto m a o tem a d a p a rtid a d e Jesus d o v. 33.
E interessante com parar a cena joanina com Lc 22,31-34, o n d e a predi-
ção da negação d e Pedro é posta d u ran te a últim a ceia em u m breve discur-
so seguindo a Eucaristia, e com Mc 14,26-31 e M t 26,30-35, o n d e a predição
é d ad a p o r Jesus d e cam inho para o M onte das Oliveiras.
Marcos/Mateus Lucas
Jesus adverte que os Veja 15,32
I discípulos fugiríam e se
Ξ dispersariam. Jesus adverte Pedro que Pedro pergunta para onde
Satanás o peneiraria, Jesus está indo. Jesus lhe
porém ele sobreviverá. informa que ele só poderá
) mais tarde.
Pedro diz que não Pedro diz que está pronto Pedro diz que está pronto
deserdará, ainda que os para ir para a pnsao e a dar sua vida a fim de
outros o façam para a morte. segui-lo.
Jesus prediz que Pedro ' jesus prediz que Pedro o Jesus prediz que Pedro o
o negará antes que galo negará antes que o galo negará antes que o galo
cante (Marcos: o galo cante. cante.
canta segunda vez).
Pedro diz que morrerá
em vez de negar Jesus. Os
outros dizem o mesmo.
49 · O último discurso: - Primeira seção (introdução) 987
"E u so u o c a m in h o e a v e rd a d e e a vida:
n in g u é m v e m a o P ai se n ão p o r m e u in te rm é d io .
7Se v ó s, re a lm e n te m e conhecésseis,
e n tã o ta m b é m co n h ecerieis a m e u Pai.
D esd e a g o ra v ó s O co n h eceis e O te n d e s v isto ".
8"S en h o r", d isse F ilipe, "m o stra -n o s o Pai. Isso n o s b a sta " . 9"F ilip e",
rep lico u Jesu s, "eis q u e e sto u co n v o sco a ta n to tem p o , e a in d a n ã o m e
conheceis?
NOTAS
(a) "se não, eu vos teria dito [= advertido], porque estou indo preparar...".
(b) "se não, então eu vos teria dito, porque estou indo preparar...?"
(c) "se não, eu vos teria dito que estou indo preparar...".
(d) "se não, eu vos teria dito que estou indo preparar...?"
Só se pode fazer sentido a tradução de (a) se "se não, eu vos teria dito"
for posto entre parênteses, e nesse caso a verdadeira sequência é: "Na
casa de m eu Pai há m uitas m oradas (...) porque estou indo preparar-
vos um lugar". Ambos, (b) e (d), dependem de afirmações anteriores de
Jesus; todavia, Jesus não disse anteriorm ente a seus discípulos que há
m uitas m oradas na casa de seu Pai (b) ou que estava indo preparar-lhes
um lugar (d). Pode-se fazer sentido de (c): se não houvesse aposentos,
Jesus lhes teria dito que partiría para preparar-lhes um lugar. Todavia,
como o v. 3 indica, realmente não é um a questão de Jesus dizer-lhes que
estava partindo, m as de sua ida real. Seja como for, a tradução sem hoti
faz m elhor sentido.
estou indo. Aqui e no v. 3 o verbo é poreuesthai; no v. 4, como em 13,33.36, o
verbo é hypagein. Sobre outras variantes, veja nota sobre 16,5.
50 · O último discurso: - Primeira seção (primeira unidade) 993
d is tin ta s o p in iõ e s :
é su g erid o p elo fato d e q u e Jesus está reafirm ando sua afirm ação sob re o
cam in h o em 4, em resposta à p ergunta d e T om é sobre o c am in h o n o v . 5.
A lém d o m ais, a seg u n d a linha d o v. 6 d eixa d e lad o a v erd a d e e a v id a e
50 · O último discurso: - Primeira seção (primeira unidade) 995
COMENTÁRIO: GERAL
COMENTÁRIO: DETALHADO
14 15"Se m e am ais
e g u a rd a is os m e u s m a n d a m e n to s,
16e n tã o , e u ro g are i ao P ai q u e v o s d a rá o u tro P arácleto
p a ra e s ta r co nvosco p a ra sem p re.
17Ele é o E sp írito d a V e rd a d e
a q u e m o m u n d o n ã o p o d e aceitar,
p o rq u e n ã o o v ê n e m o conhece;
m as v ó s o conheceis,
já q u e ele p e rm a n e c e co nvosco e está em vós.
18Eu n ão v o s d e ix a rei órfãos:
V o ltarei p a ra vós.
19A in d a p o u c o tem p o , o m u n d o n ã o m e v e rá m ais;
m as v ó s m e v ereis
p o rq u e e u ten h o v id a , vó s tereis v id a.
20N a q u e le d ia co n h ecereis
q u e e u e sto u n o Pai,
e v ós estais e m m im , e e u em vós.
21A q u ele q u e g u a rd a os m a n d a m e n to s q u e tem d e m in h a p a rte ,
e o s c u m p re , esse é o q u e m e am a;
e q u e m m e a m a será a m a d o p o r m e u Pai,
e e u o a m a rei
e m e rev e lare i a ele".
51 · O último discurso: - Primeira seção (segunda unidade) 1015
"Se a lg u é m m e am a,
g u a rd a rá a m in h a p a la v ra.
E n tã o m e u P ai o a m a rá,
e v ire m o s p a ra ele
e fare m o s n ele m o ra d a .
24T odos q u antos n ão m e am am , n ão g u a rd a m as m inhas palavras;
o ra, a p a la v ra q u e o u v iste s n ã o é m in h a,
m as v e m d o P ai q u e m e e n v io u ".
NOTAS
14.15. e guardais. Temos lido este verbo no subjuntivo (fêrêsête) como parte da
protasis, juntamente com P66e o Codex Sinaiticus. Outras redações são bem
atestadas: (a) Códices Alexandrinus e Bezae trazem um imperativo (têrêsate):
"Se me amais, guardai os m eus mandamentos"; (b) o Codex Vaticanus
tem o futuro (têrêsete): "Se m e amardes, guardareis os meus mandamen-
tos". A redação que temos seguido relaciona estreitamente o v. 15 com o
v. 16. A redação (b) pode representar um a harmonização da parte de co-
pistas com o esquema que aparece no v. 23. A redação (a) e, com menos
intensidade, a redação (b) isola este versículo do v. 16, não estabelecendo
nenhum a relação gramatical entre as estipulações do v. 15 e a doação do
Espírito no v. 16. K. T omoi (ET 72 [1960-61], 31) entende esta ausência de co-
nexão tão incisivamente que sugere que o v. 15 está fora de lugar e deveria
estar entre os vs. 20 e 21. Tal rearranjo destrói o esquema triádico da seção
(veja comentário) e é desnecessário, se nossa tradução for aceita.
guardais os meus mandamentos. O verbo têrein ("guardar" no sentido de
"cum prir") é usado em João para a observância dos m andam entos de
Jesus (14,21; 15,10); em outros lugares, ele é usado para observar os Dez
M andam entos de Deus (Mt 19,17; IC or 7,19). Em 1 João, igualm ente (2,3-4;
3,22-24), o verbo é usado para os m andam entos de Deus; um paralelo
m uito estreito com o presente versículo se encontra em ljo 5,3: "Pois
o am or de Deus consiste nisto: que guardem os os seus m andam entos".
Deve-se notar que aqui e no v. 21, Jesus fala de seus m andam entos no
1016 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
24. a palavra que ouvistes não é minha. Os m anuscritos ocidentais leem: "mi-
nha palavra não é m inha". Talvez esta redação tenha sido produzida por
analogia com 7,16: "M inha doutrina não é m inha, m as vem daquele que
m e enviou".
vem de mim. Literalmente, "é de".
COMENTÁRIO
1 João
C o n d içõ es necessárias: a m a r u n s ao s o u tro s;
g u a rd a r seu s m a n d a m e n to s 3,23-24
R evelação d e D eu s 3,2
O p o sição e n tre o P ai e o m u n d o 2,15-17
O s cristão s o v e rã o co m o ele é 3,2
D eu s h a b ita n o s cristão s 3,24
51 · O último discurso: - Primeira seção (segunda unidade) 1025
p ascal d e se u c a rá te r e x te rn o e m ira cu lo so ( B u l t m a n n , p . 4 7 9 ) , e q u e
n ão h á d iferen ça e n tre as a p a riçõ e s q u e se g u em à re ssu rre iç ã o e a h a-
bitação. M ais c erto é q u e o Q u a rto E v an g elh o ( 2 0 , 2 7 ) sai u m p o u c o d e
su a lin h a p a ra in sistir n o c a rá te r e x te rn o d a s a p a riçõ e s e n a rea lid a -
d e c o rp ó re a d o Jesus ressu rre to . M as João tam b é m c o m p re e n d e u q u e
as ap ariçõ es e a re a lid a d e c o rp ó re a n ão e ra m u m fim e m si m esm as;
m as sim q u e in iciav am u m tip o m ais p ro fu n d o d e p resen ça. (V im os
a m esm a a titu d e com relação a o s m ilag re s d e Jesus: o Q u a rto E van-
g elh o n ã o p re sc in d e d a re a lid a d e d o s m ilag res, p o ré m in siste so b re
seu sig n ificad o e sp iritu a l). Esta p o s tu ra n ã o é ex clu siv a d e João; p o is
em M t 2 8 , 2 0 o Jesu s re ssu rre to diz: "E u e sto u s e m p re co n v o sco , até a
c o n su m ação d o s séculos". (T odavia, é p o ssív e l q u e M a te u s n ã o esteja
fala n d o d a p rese n ç a d e Jesu s n o s cristão s in d iv id u a is, m a s n a c o m u -
n id a d e cristã co m o tal). D eve-se n o ta r q u e n e n h u m a d e sta s p a ssa g e n s
se o c u p a d a p rese n ç a d e Jesu s e n c o n tra d a p e lo s m ísticos; a p re se n -
ça d e Jesus é p ro m e tid a , n ã o a u m a m in o ria seleta, m a s ao s cristão s
em geral.
O tem a n a ú ltim a lin h a d o v. 19, d e q u e a v id a d e Jesus é a b a se e a
fonte d a v id a cristã é d o u trin a co m u m d o N T (Rm 5,10; IC o r 15,22). N o
v. 20, João d á u m p asso a m ais e p ro p õ e a ideia d e q u e, u m a v e z q u e os
cristãos ten h a m recebido a v id a d e Jesus, serão a p to s a reco n h ecer q u e
ela é u m a v id a m u tu a m e n te p a rtilh a d a pelo P ai e p elo F ilho (veja tam -
b ém 5,26; 6,57). Já salien tam o s q u e m u ita s classes d e fó rm u la s referen te
à h ab itação q u e e n v o lv em Jesus, o P ai e o s d iscíp u lo s (p. 971 acim a).
A m en ção d e h a b itação n o v. 20 é s e g u id a , n o v. 21, p e la co n d iç ã o
d a q u a l d e p e n d e essa habitação: g u a rd a r os m a n d a m e n to s d e Jesu s e,
p o rta n to , am á-lo . A s p rim e ira s d u a s lin h a s d o v. 21 se rela cio n a m c om
o v. 15 d e u m a fo rm a in v ersa e m o stra m q u e a m a r e g u a rd a r o s m an -
d a m e n to s são a p e n a s d u a s d ife ren te s facetas d o m esm o e stilo d e v id a.
O a m o r m o tiv a a g u a rd a d o s m a n d a m e n to s , e d e v e ra s o a m o r é a
su b stâ n c ia d o s m a n d a m e n to s d e Jesus. A a firm a ç ão n o v. 21 d e q u e
to d o o q u e a m a (agapan ) Jesus será a m a d o p e lo P ai te m u m p a ra le lo
n o d isc u rso d u p lic a d o d e 16,27: "P o is o p ró p rio P ai v o s a m a [philein ],
p o rq u e m e te n d e s a m a d o " . O p a n o d e fu n d o sa p ie n c ia l v e te ro te s-
ta m e n tá rio d o p e n sa m e n to e v o c a b u lá rio jo an in o s e m g ra n d e m e-
d id a v e m em p rim eiro p la n o n o v. 21. P o r exem plo, Sb 6,18 fala d a
S ab ed o ria: " O a m o r [a g a p ê ] co n siste em g u a rd a r su a s leis"; ta m b é m
6,12: "E la é facilm ente v ista [theorem ] p o r a q u e le s q u e a a m a m " .
51 · O último discurso: - Primeira seção (segunda unidade) 1027
tam b é m sig n ificará a p rese n ç a d o Pai. S alien tam o s acim a cinco as-
p ecto s q u e e ra m c o m u n s às d escriçõ es d a p re se n ç a d o P arácleto e d e
Jesus; trê s d e ste s rea p a re c e m a q u i n o v. 23, em relação à p re se n ç a d o
Pai: as co n d içõ es n ecessárias d e a m a r a Jesus e d e g u a rd a r s u a p a la -
vra; a afirm ação d e q u e o P ai (e Jesus) v irá p a ra o s d isc íp u lo s; e u m a
referên cia à h a b ita çã o d o P ai (e Jesus) n o in te rio r d o d isc íp u lo . D os
d o is asp ecto s re sta n te s, n ã o h á m en ção específica d a in c a p a c id a d e d o
m u n d o d e v e r o Pai, com o foi o caso com o P arácleto e com Jesus; m as
os v ersícu lo s q u e tra ta m d a p re se n ç a d o P ai são e m re sp o sta à in d a -
gação d e Ju d a s p o r q u e n ã o h a v e rá rev elação ao m u n d o . Q u a n to à
c a p a c id a d e esp ecial d o c ristão d e v e r o u reco n h ecer o Pai, o u v im o s n o
v. 7: "Se v ó s rea lm e n te m e conhecésseis, e n tã o tam b é m reco n h ecerieis
a m eu Pai. D esd e ag o ra v ó s, O co n h eceis e O te n d e s v isto ". A ssim , as
sim ila rid a d e s p a rtilh a d a s p e la s s u b u n id a d e s d o p a d rã o triá d ic o são
rea lm e n te im p re ssio n a n te s.
N o v. 23, Jesu s e n fatiza q u e a h a b ita çã o d iv in a flui d o a m o r d o
Pai p a ra com o s d isc íp u lo s d e Seu Filho. E m 3,16, o u v im o s q u e D e u s
am o u o m u n d o d e tal m an e ira q u e d e u se u F ilho u n ig ê n ito - se a en-
carn ação (e a m o rte) d o F ilho foi u m a to d o a m o r d o P ai p a ra com o
m u n d o , a h a b ita çã o p ó s-re ssu rreiç ã o é u m ato esp ecial d o a m o r p a ra
com o cristão. N o v. 2 e n c o n tra m o s a p a la v ra " m o ra d a " (m oriê) u s a d a
p a ra a m o ra d a celestial com o P ai p a ra o n d e Jesus lev aria se u s disci-
p u lo s; aq u i, ela é u sa d a p a ra a h a b ita çã o d o P ai e o F ilho n o cren te.
E m b o ra as p a la v ra s d e Jesus n ã o ex clu am a p a ro u s ia o u rev e laç ã o em
g ló ria tal co m o Ju d a s e sp era v a , ele está d iz e n d o im p lic ita m e n te q u e
n a h ab itação se c u m p re m a lg u m a s d a s e x p e cta tiv a s d o p e río d o final.
U m p ro fe ta co m o Zc (2,14 [10]) p ro m e te u em n o m e d e Iah w eh : "E is
q u e e u v irei h a b ita r n o m eio d e v ó s". Israel h a v ia e s p e ra d o q u e isto
o co rresse n o tem p lo , a casa d e D e u s (cf. Ex 25,8; IR s 8,27ss.); m a s n o
p e n sa m e n to jo an in o esta e ra a g o ra a h o ra em q u e o s h o m e n s a d o ra -
riam o Pai, n ão n o M o n te G erizim , n e m n o T em p lo d e Je ru sa lé m , m a s
em E sp írito e em v e rd a d e (4,21-24).
O v. 24 re p e te in d ire ta m e n te à ra z ã o p e la q u a l o m u n d o n ã o p o d e
v e r o Pai, a sab er, p o rq u e ele rec u sa o u v ir a p a la v ra d e Jesus, p o sto
q u e ele n ã o a m a a Jesus. C o m o o ex p re ssa A gostinho (In Jo. LXXVI 2;
PL 35:1831), "O a m o r s e p a ra o s sa n to s d o m u n d o " . O tem a n o v. 24
é m u ito sim ilar ao q u e Jesus d isse em 12,48-49. A li ele p ro m e te u
q u e a p a la v ra q u e ele falava c o n d e n a ria os in c ré d u lo s n o ú ltim o d ia.
51 · O último discurso: - Primeira seção (segunda unidade) 1029
NOTAS
14.25. Eu vos tenho dito isto. Literalmente, "estas coisas". Estas palavras se repeti-
rão seis vezes como um refrão na Segunda Seção do último discurso (15,11;
16,1.4a.6.25.33). Em dois casos (16,4a.33), o refrão marca o fim de um a sub-
divisão; em três casos (15,11 e 16,1.25), ele vem uns poucos versículos antes
do final quando Jesus conclui, na forma de resumo, suas palavras. B e r n a r d ,
II, 485, salienta que um refrão deste tipo não é incomum nos profetas: "Eu,
o Senhor, tenho falado" ocorre muitas vezes em Ezequiel (p. ex., 5,13.15).
Há um paralelo funcional no refrão com o qual Mateus marca o final de
cada um de seus cinco grandes discursos: "Quando Jesus terminou estas
palavras [ou estas parábolas ou instrução]...". (7,28; 11,1; 13,53; 19,1; 26,2).
estou ainda convosco. Literalmente, "perm anecendo convosco"; para a in-
tercam bialidade entre "perm anecer" e "estar", veja nota sobre o v. 16
("estar convosco"). Se João usa o verbo menein aqui para descrever a
presença de Jesus na últim a ceia com seus discípulos, o verbo foi usado
anteriormente no v. 17 para descrever a presença futura do Parácleto/Es-
pírito com os discípulos, e o substantivo cognato moríê foi usado no v. 23
para descrever a presença futura do Pai e do Filho com os discípulos.
26. Mas. O v. 26 se relaciona com o v. 25; o Parácleto assum e o lugar de Jesus
(explicitamente em 16,7).
0 Espírito Santo. Esta é um a redação m uito bem atestada. Há apoio menor
para "o Espírito da Verdade", mas isto provavelmente seja um a harmoni-
zação com outras passagens do Parácleto (1 4 ,1 7 ; 1 5 ,26; 1 6 ,1 3 ). O OSsin diz
simplesmente "o Espírito"; B a rrett , p. 3 9 0 , salienta que não é impossível
que um a redação tão sucinta fosse original, e que ambos, "santo" e "de
verdade", são esclarecimentos de copistas. Deve-se notar que este é o úni-
co exemplo, em João, da forma grega mais completa do "Espírito Santo
(.to pneuma to hagion), de modo que, até mesmo alguns que pensam ser esta
a redação genuína sugerem que no processo da redação joanina ela foi in-
troduzida num a passagem que originalmente só mencionou o Parácleto.
A questão tem importância, porque há alguns estudiosos que questionam
a identificação tradicional do Parácleto com o Espírito Santo (veja Ap. V), e
esta é a única passagem que faz explicitamente essa identificação.
enviará. Veja nota sobre "dará" no v. 16.
t;os ensinará todas as coisas. Um pronom e masculino é o sujeito do verbo (veja
nota sobre "o" no v. 17). Embora devam os precaver-nos de ler discussões
teológicas do 4a século no Oriente sobre pessoa e natureza ao analisar
este pronom e, B e r n a r d , II, 500, está certo em dizer que o uso dos prono-
m es m asculinos m ostra que, para o autor, o Espírito era mais do que um
1032 O Livro da Glória · Primeira Seção: A última ceia
COMENTÁRIO
BIBLIOGRAFIA
(13,31-14,31)
A Videira e os Ramos
7Se p e rm a n e c e rd e s em m im ,
e m in h a s p a la v ra s p e rm a n e c e re m e m vós,
p e d is o q u e q u ise rd e s,
e v o s será feito.
8M eu Pai tem sid o g lo rificad o nisto:
em p ro d u z ird e s m u ito fru to
e em v o s to rn a rd e s m eu s d iscíp u lo s.
9C o m o o P ai m e tem a m a d o ,
assim e u v o s te n h o a m a d o .
P erm an ecei em m eu am o r.
10E p e rm a n ec e reis em m eu a m o r
se g u a rd a rd e s m eu s m a n d a m e n to s,
assim com o ten h o g u a rd a d o os m a n d a m e n to s d e m e u Pai
e p e rm a n e ç o em Seu am or.
11E u v o s ten h o d ito isto
p a ra q u e m in h a aleg ria esteja em vós,
e v o ssa ale g ria seja p len a.
12E ste é o m e u m an d a m e n to :
A m ai u n s ao s o u tro s
co m o e u v o s te n h o a m a d o .
13N in g u é m p o d e ter m a io r a m o r d o q u e este:
d a r su a v id a p o r aq u e le s a q u e m am a.
14E v ó s sois m eu s am ig o s
q u a n d o fizerd es o q u e e u vo s m a n d o .
15Eu já n ã o v o s c h a m o servos,
p o is o se rv o n ã o e n te n d e o q u e seu se n h o r está fazen d o .
A n tes, ten h o -v o s c h a m a d o m e u s am ig o s,
p o is v o s ten h o re v e la d o tu d o o q u e o u v i d o Pai.
16N ão fostes vó s q u e esco lh estes a m im ;
m as, a n tes, e u q u e vo s escolhi.
E v os d esig n ei
p a ra q u e v a d e s e d e is fru to -
fru to q u e p e rm a n e ç a -
a fim d e q u e tu d o q u e p e d ird e s ao P ai em m e u n o m e,
Ele v o s d a rá .
17Isto v o s o rd en o :
A m ai-v o s u n s ao s o u tro s" .
53 · O último discurso: - Segunda seção (primeira subdivisão) 1043
NOTAS
usualm ente dão, tom ados de Filo, kathairein é acom panhado de outro
verbo que significa "cortar"). O uso de airein, "tirar fora", para cortar
os ram os é ainda m ais estranho. E assim parecería que ambos os verbos
foram escolhidos não por causa de sua adequação para descrever práti-
cas no cultivo de vinhas, e sim por sua aplicabilidade a Jesus e aos seus
seguidores (D odd, Interpretation, p. 1 3 6 ) . Alguns dos m anuscritos latinos
têm estes verbos no futuro - um a tentativa do copista para conform ar a
parábola à perspectiva futurística própria do últim o discurso.
todo ramo que não produz fruto. Literalmente, "Ele poda todo ram o em
mim que não produz fruto". Esta construção parecería ser um nomi-
nativo que vem depois de "todo, cada um ", um a construção que fre-
quentem ente é um semitismo (BDF, § 4 6 6 3; ZGB, § 3 1 ; contudo, B a r r e t t ,
p. 3 9 5 , afirma que ele não é um semitismo aqui). Um semitismo seria
interessante à luz da paranom ásia grega que vimos acima.
3. Vós. O simbolismo parabólico indireto se presta para dirigir o discurso aqui.
pela. A preposição é dia com o acusativo que geralm ente significa "por cau-
sa de", mas algum as vezes "através de". B e r n a r d , II, 480, argum enta for-
temente em prol do prim eiro significado aqui. Não significa que através
ou por meio de sua palavra Jesus declara seus discípulos limpos, um a
interpretação endossada por C i r i l o de Alexandria, A g o s t i n h o e alguns
autores m odernos como S c h l a t t e r , p. 305. E mais um a questão da ação da
palavra de Jesus no interior dos discípulos. Veja comentário.
palavra. Aqui, logos significa todo o ensino de Jesus. Cf. 5,38: "E sua palavra
não perm anece [menein] em vós, porque não credes naquele que ele en-
viou". ljo 2,24: "se o que tendes ouvido desde o princípio perm anece em
vossos corações, então perm anecereis no Filho e [em] o Pai".
4. Permanecei em... permaneço em. Estas traduções representam a m esm a ex-
pressão grega menein en, a qual é usada dez vezes nos vs. 4-10. E m uito di-
fícil achar um a tradução consistentemente adequada às relações, respec-
tivamente, entre um a videira e seus ram os e entre Jesus e seus discípulos.
Os ram os devem perm anecer em a videira; os discípulos devem perm a-
necer em Jesus.
Permanecei em mim, como eu permaneço em vós. Há outros m odos possíveis
de traduzir a ideia nesta frase ( B a r r e t t , pp. 3 9 5 - 9 6 ) : "Se perm anecerdes
em mim, eu perm anecerei em vós"; "Perm aneceis em m im e como eu
perm aneço em vós". As várias traduções realm ente não se excluem; no
v. 5 adotarem os a últim a m encionada, como fizemos em 6 , 5 6 .
sem que permaneceis. Os m anuscritos gregos variam entre um aoristo e um
presente do subjuntivo. O últim o daria mais ênfase ao caráter contínuo
da ação, m as isto é óbvio em qualquer caso com o verbo "perm anecer".
53 · O último discurso: - Segunda seção (primeira subdivisão) 1045
O fato de que este verbo e o verbo seguinte, "lançam ", estão no tem po
presente sugere a Lagrange, p. 404, um intervalo entre o m om ento em
que os ram os eram cortados (aoristo) e o m om ento em que são recolhidos.
O argum ento gram atical não é convincente, pois isto é provavelm ente
um caso do presente geral, descrevendo o que as pessoas ordinariam ente
fazem na situação visualizada na parábola. Esta interpretação é m uito
apropriada se os aoristos precedentes forem são de caráter gnômicos.
0fogo. O uso do artigo (contraste M t 3,10) pode ser um caso da tendência de
usar-se o artigo definido em estilo parabólico; ou, o autor pode estar se
referindo ao fogo bem conhecido da punição escatológica (veja comen-
tário). W estcott, p. 216, propõe sem qualquer plausibilidade que, se esta
parte do últim o discurso foi pronunciada de caminho para o M onte das
Oliveiras, as fogueiras dos ram os podados das videiras no vale Cedrom
podem ter dado origem à imagem.
7. Se permanecerdes em mim. Alguns estudiosos que não percebem um a divi-
são entre os vs. 6 e 7 sugerem que esta frase no v. 7 é a possível contra-
parte para "se alguém não perm anece em m im " no v. 6. Mas tem os sa-
lientado que a contraparte positiva para o v. 6 está no v. 5. N o v. 7 há um a
m udança para a segunda pessoa, e a imagem da videira se desvanece.
minhas palavras permanecerem em vós. Nos vs. 4-5, Jesus falou dele mesmo
perm anecer nos discípulos (também 14,20); aqui, são suas palavras que
perm anecem nos discípulos. Jesus e sua revelação são praticam ente inter-
cambiáveis, pois é a revelação encarnada (a Palavra). Cf. 6,35: "Eu sou o
pão da vida", onde pão simboliza sua revelação. E duvidoso se o plural
"palavras" (remata ) deva ser distinguido do singular "palavra" (logos) do
v. 3; veja nota sobre "guardará a m inha palavra" em 14,23.
pedis. Isto podería ser traduzido como um futuro ("vós pedireis"), m as o
im perativo parece preferível; conforme o esquema(c) à p. 1011 acima.
será feito. O passivo é um a circunlocução para descrever as ações de Deus
sem m encionar seu nome; cf. 16: "Tudo que pedirdes ao Pai em m eu
nome".
para vós. Om itido em P66*e alguns m anuscritos ocidentais.
8. tem sido glorificado. O aoristo pode ser proléptico ("terá sido glorificado") ou
gnômico ("sempre é glorificado") - veja nota sobre "cortar" no v. 6. Todavia,
é possível que haja neste aoristo um elemento do "um a vez por todas". Visto
que os discípulos continuam a obra do Filho e permanecem unidos a ele, há
somente um a missão partilhada pelo Filho e seus discípulos. Nesta missão
una o Pai tem sido glorificado. (Cf. 17,4: "Eu te glorifiquei [aoristo] na terra
completando a obra que me deste para fazer"). É também possível que o
pretérito represente a perspectiva do evangelista do tempo se encontra.
53 · O último discurso: - Segunda seção (primeira subdivisão) 1047
nota sobre 5,42. Um interessante paralelo a esta ideia em João é Judas 21:
"Guardai-vos no am or de Deus".
10. Se guardardes os meus mandamentos. Já vimos esta expressão em 14,15.21.23-24
("guardai a[s] minhafs] palavra[s]"). Veja nota sobre 14,15.
como tem guardado. Os tempos perfeitos nestes versículos dão um a ideia de
uma ação completa; contraste 8,29: "Eu sempre faço o que Lhe agrada".
O tem po perfeito não está fora de lugar no contexto do último discurso,
quando "a hora" já começou e o ministério está no fim, m as o tem po pode-
ria igualmente ser atribuído à perspectiva que o evangelista tem de tempo.
os mandamentos de meu Pai. Vimos num a nota sobre 14,15 que a altem ação
entre singular e plural, ao falar do[s] m andam entofs] de Jesus, não tinha
um a significação particular; o m esm o parece ser o caso com o[s] man-
damento[s] de Deus; aqui, no plural, em 14,31, singular; veja tam bém a
alternância em ljo 3,22-23.
11. isto. Literalmente, "estas coisas"; está incluído m ais do que foi dito no
v. 10, pois a afirmação "vos tenho am ado" no v. 9 é a verdadeira base da
alegria no v. 11.
minha alegria. Stanley, p. 489, salienta que Jesus falou de "m inha paz" que
é a saudação hebraica "Shalom" (nota sobre 14,27), e aqui ele fala de
"m inha alegria" (chara) que soa parecido com a saudação grega chaire.
O Cristo ressurreto encherá os discípulos de alegria quando os saúda
com a "Paz" (20,19-21).
vossa. Literalmente, "em vós".
12. amai uns aos outros. O uso do presente do subjuntivo sugere que esse am or
de uns pelos outros seria contínuo e perene.
como eu vos tenho amado. O tem po aoristo prepara o cam inho para o supre-
mo ato do am or de Jesus que será m encionado no próxim o versículo. Os
escritos paulinos tam bém evocam a m orte de Cristo como sinal d e amor:
"Deus prova seu am or para conosco, em que Cristo m orreu por nós, sen-
do nós ainda pecadores" (Rm 5,8); "andai em am or, como tam bém Cristo
vos am ou, e se entregou a si mesmo por nós" (Ef 5,2).
13. dar sua vida. Esta é um a construção epexegética com hina (BDF, §394) ex-
plicando o "isto" da prim eira linha. Mas, como S picq (RB 65 [1958], 363)
salienta, há tam bém um a afinidade: o am or cristão não consiste simples-
m ente em d ar alguém sua vida; mas porque ele tem sua origem em Jesus,
há um a tendência no am or cristão que p roduz tal auto-sacrifício. Eis por
que Jo 15,13 im prim e no com portam ento subsequente um a m arca m aior
do que, por exemplo, um a sentença similar em P latão (Symposium 179B):
"Somente os que am am é que desejam m orrer por outros". Para a expres-
são "dar alguém sua vida", veja nota sobre 10,11.
53 · O último discurso: - Segunda seção (primeira subdivisão) 1049
por aqueles a quem ama. A m esm a preposição, hyper, ocorre nas fórmulas
eucarísticas para o sangue da aliança que é derram ado "por muitos"
(Mc 14,24) ou "por vós" (Lc 22,20). O substantivo em 13-15 que temos
traduzido como "aqueles a quem am a" é philos, "am igo", um cognato
do frequente verbo joanino philein, "am ar". A palavra portuguesa "ami-
go" não capta suficientem ente sua relação de am or (pois temos perdido
o sentim ento de que "am igo" se relaciona com o verbo frêon, "amar").
No pensam ento joanino, Jesus não está falando aos discípulos aqui tão
casualm ente como lhes fala em Lc 12,4: "Eu vos disse, m eus amigos, não
tem ais os que m atam o corpo" - o único uso sinótico de philos para os
discípulos. Antes, o v. 14 é similar ao v. 10, e o "vós sois m eus philoi" do
v. 14 é o equivalente do "perm anecereis em m eu am or" do v. 10. Lázaro
é o philos de Jesus (11,11) porque Jesus o am a (agapan, em 11,5; philein
em 11,3). Algum as vezes em relação a este versículo de João, o título de
A braão como "o amigo de Deus" é relem brado (philos em Tg 2,23). En-
tretanto, deve-se notar que a LXX em Is 41,8 fala de Abraão como aquele
"a quem Deus am ou" (agapan). Assim, o título de Abraão se torna outro
exemplo de nossa tese de que philos significa "o am ado" (veja também
nota sobre 3Jo 15 no volum e 30 da série Anchor Bible). Veja o uso sinôni-
m o d e ph ilia e agapê em Justino, Trifo XCIII4: PG 6:697C.
15. servos. Doulos pode significar ambos, escravo e servo. De certa maneira,
"escravo" pode ser mais apropriado aqui quando a condição servil do
doulos é realçada - ele segue ordens sem com preender. Todavia, a impli-
cação de que até então Jesus havia tratado os discípulos como escravos
parece abrupta demais. O contraste entre doulos e philos não era estranho
aos judeus; ele aparece em Filo (De sobrietate 11; 55), o qual diz que a Sa-
bedoria é o philos de Deus, não seu doulos.
vos tenho revelado [revelei]. Ainda que "a hora" não se esgotou, o aoristo é usa-
do para a obra consumada de Jesus. E a revelação da "hora" em sua totali-
dade que m uda a condição dos discípulos, não simplesmente as palavras do
último discurso. A afirmação de que Jesus revelara aos discípulos tudo o que
ele ouvira do Pai parece contradizer 16,12: "Ainda tenho muito mais a dizer-
vos, mas não podeis suportá-lo agora". Mas, desse último lemos no contexto
da vinda do Parácleto, e salientamos que o Parácleto não revela nada novo,
porém outorga um conhecimento mais profundo ao que Jesus já revelou.
16. vos designei. Este é o verbo tithenai, o mesmo verbo usado no v. 13 na ex-
pressão "d ar alguém a própria vida", de m odo que no grego a conexão
entre a comissão dos discípulos e o exemplo de am or que Jesus lhes deu
seriam m uito evidentes. O uso do verbo aqui faz a expressão grega um
tanto brusca. Em citações neotestam entárias do AT (Rm 4,17; At 13,47),
1050 O Livro da Glória · Primeira Seção: A última ceia
tithenai reflete o verbo hebraico nãtan, "dar", assim a ideia literal pode
ser: "eu vos tenho dado o ir". Todavia, B a r r e t t , p. 3 9 9 , sugere que o
verbo grego pode refletir o hebraico sãmak, "im por [as mãos] em, or-
denar", o verbo usado no judaísm o tardio para a ordenação de um rabi-
no. Sãmak / epitithenai são usados respectivam ente no TM e na LXX de
Nm 8,10 para a ordenação dos levitas e em Nm 27,18 para a comissão de
Josué dada através de Moisés.
vades. Para B u l t m a n n , p. 4 2 0 2, entre outros, aqui o verbo hypagein é me-
ram ente um a expressão pleonástica semítica que podería ser om itida
quanto ao significado. Mas L a g r a n g e , p. 4 0 8 , e B a r r e t t , p. 3 9 9 veem piau-
sivelmente aqui um a referência à missão apostólica ao m undo. Lc 1 0 , 3
usa o mesmo verbo ao descrever a m issão dos setenta.
afim de que. Depois de designados há duas construções com hina; literalmen-
te, "a fim de irdes e produzirdes fruto..., a fim de que tudo o que pedir-
des ao Pai em m eu nome, Ele vo-lo conceda". Gram aticalm ente, estas são
orações coordenadas; m as os com entaristas estão divididos quanto a se a
segunda é logicamente subordinada à prim eira, a fim de que a produção
de fruto predisponha o Pai a conceder o pedido.
17. Isto eu vos ordeno. O "isto" (literalmente "estas coisas") não se refere ao
que precedeu, m as ao que segue. Na m aior parte dos m anuscritos (não
P66 ou Codex Bezae), a segunda linha é precedida por um hina que quase
certamente é epexegético, fazendo o "Amai-vos uns aos outros" o m an-
damento. O hina podería ser final: "Eu ordeno estas coisas a fim de que
vos ameis uns aos outros"; m as a omissão, em alguns m anuscritos, pare-
ce indicar que os respectivos copistas interpretaram -no com o epexegé-
tico, e, consequentem ente, não necessário para o sentido.
COMENTÁRIO: GERAL
A estrutura da subdivisão
7-10 12-17
Se m inhas palavras 7 17 Isto vos ordeno
perm anecerem em vós
Pedis tudo o q ue quiserdes, 7 16 T udo que pedirdes ao Pai [...],
e vos será feito Ele vos dará
P roduzirdes m uito fruto 8 16 Deis fruto
T om ardes m eus discípulos 8 16 Eu que vos escolhi
O Pai m e tem am ado 9 15 Vos tenho revelado tudo o
que ouvi do Pai
Eu vos tenho am ado 9 Φ15 Eu vos tenho cham ado m eus
amigos
Perm anecereis em m eu 10 14 Vós sois m eus amigos, se
am or, se g uardardes fizerdes o que vos mando
m eus m andam entos 12 M eus m andam entos: que
am ai-vos u ns aos outros
11: Eu vos tenho dito isto para
que m inha alegria esteja em vós
COMENTÁRIO: DETALHADO
BIBLIOGRAFIA
(15,1־17 )
15 18"Se o m u n d o vo s o d eia,
te n h a is em m e n te q u e tem o d ia d o a m im an te s d e vós.
19Se p e rte n cé sse is ao m u n d o ,
o m u n d o a m a ria o q u e é seu;
m a s a ra z ã o p o r q u e o m u n d o vo s o d eia
é q u e n ã o p e rte n ce is ao m u n d o ,
p o is e u v o s esco lh i d o m u n d o .
20L em b rai-v o s d o q u e e u vo s disse:
'N e n h u m serv o é m ais im p o rta n te d o q u e seu se n h o r.'
Se p e rs e g u ira m a m im ,
eles v o s p e rse g u irã o ;
se g u a rd a s s e m a m in h a p a la v ra ,
g u a rd a rã o ta m b é m a vossa.
21M as v o s farão to d a s essas coisas p o r c a u sa d e m e u n o m e,
p o is n ã o co n h ecem a q u e le q u e m e en v io u .
22Se e u n ã o v iesse e n ã o lh es falasse,
n ã o te ria m p ecad o ;
m a s a g o ra n ã o têm ju stificativ a p a ra seu p e c a d o -
23o d ia r-m e e q u iv a le a o d ia r m e u Pai.
24Se e u n ã o fizesse o b ra s e n tre eles
tais co m o n e n h u m o u tro jam ais fez,
n ã o se ria m c u lp a d o s d e p ecad o ;
1076 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
NOTAS
15.18. Se 0 mundo vos odeia. P66 tem o verbo no tem po aoristo: "odiou". Gra-
m aticalmente, esta é um a condição real; o m undo odeia os discípulos.
Aqui, "odiar" tem seu sentido literal, diferente de Mt 6,24, onde, m edian-
te exagero semítico, significa "am ar menos".
tenhais em mente. Literalmente, "sabeis". Isto pode ser um indicativo, m as
as versões mais antigas o entendem como um imperativo - não há diferen-
ça significativa de sentido. A presença quase parentética de um a form a
do verbo "saber" é característica do estilo joanino; por exemplo, "... o
testem unho que Ele dá a meu respeito, eu sei que pode ser verificado"
(5,32; cf. também 12,50).
tem odiado. O tem po perfeito indica que o ódio é perene.
a mim antes de vós. "Antes" é prõtos, "prim eiro", usado como com parati-
vo, como em 1,30 (BDF, §62). O Codex Sinaiticus e alguns m anuscritos
54 · O último discurso: - Segunda seção (segunda subdivisão) 1077
suplem entar "isto ocorre"; cf. 9,3: "Antes, foi para que a obra de Deus se
revelasse nele" (também 13,18).
em sua lei. Como em 10,34 e 12,34, "Lei" se refere a um conjunto m ais am plo
do que os cinco livros de Moisés, pois a citação é de um salmo. Para a
dissociação de Jesus da herança judaica aparentem ente implícita no uso
de "seu", veja notas sobre 7,19; 8,17. Aqui, a ideia é que os próprios livros
que "os judeus" alegam como seus os acusam. F reed, OTQ, p. 94, diz que
a fórm ula usada aqui para introduzir a Escritura é a mais longa em João
e, talvez, em todo o NT.
Odiaram-me sem causa.' No SI 35,19, o salmista ora para que Deus não dê
alegria "àqueles que me têm odiado sem causa"; no SI 69,5(4), o salmista
perseguido se queixa que m ais num erosos do que os cabelos de sua ca-
beça são "os que me têm odiado sem causa". No hebraico e no grego de
am bas as passagens, a construção é com particípio; João usa um verbo fi-
nito. (É interessante tam bém Salmos de Salomão 7.1, onde o salm ista pede
a Deus que fique perto, para que "não nos assaltem os que nos odeiam
sem causa"; aqui, o verbo está no m odo infinitivo. Cf. tam bém SI 119,161:
"Os príncipes me perseguem sem causa"). J. Jocz, The Jewish People and
Jesus Christ (Londres: SPCK, 1962), p. 43, cita o TalBab Yoma 9b, onde o
Rabino Johanan ben Torta indica como um a das causas da destruição
do templo: "Porque nesse lugar tem prevalecido ódio sem causa". Jocz
pensa que este rabino, que viveu c. de 110 d.C., poderia ter sido influen-
ciado pela tradição judaico-cristã, ecoando o presente versículo em João
(pois os cristãos explicavam a destruição do tem plo como procedente da
rejeição dos líderes judeus e do ódio por Jesus). Esta teoria vai, conside-
ravelmente, além do que perm ite os dados.
26. que procede do Pai. O verbo é ekporeuesthai, enquanto o verbo exerchesthai
será usado em relação a Jesus em 16,27-28. Esta descrição foi introduzida
nos credos do 4Qséculo para expressar que a terceira pessoa da Santíssima
Trindade procede do Pai. M uitos dos Padres gregos pensavam que João
estava se referindo à processão eterna, e L agrange, p. 413, ainda argu-
m enta em prol desta interpretação. Não obstante, ainda quando o tem po
do verbo seja presente, a vinda está em paralelism o com o "eu enviarei"
na próxima linha e se refere à missão do Parácleto/Espírito aos hom ens
(veja nota sobre 16,28). O autor não está especulando sobre a vida interior
de Deus; sua atenção se centra nos discípulos que ficam no m undo.
a quem enviarei. Alguns manuscritos ocidentais têm um verbo no tempo presente
na tentativa de harmonizar com o presente ("vem") na linha precedente. Em
14,26, Jesus falou do Pai que enviaria o Parácleto. Se a diferença de agência
em enviar o Parácleto reflete ou não diferentes estágios no desenvolvimento
54 · O último discurso: - Segunda seção (segunda subdivisão) 1081
COMENTÁRIO: GERAL
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1088 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
COMENTÁRIO: DETALHADO
11F in a lm en te , ju ízo -
e m q u e o P rín c ip e d e ste m u n d o já está ju lg ad o .
12T e n h o m u ito m ais a d izer-v o s,
m a s n ã o o p o d e is s u p o rta r ag o ra.
13T o d a v ia, q u a n d o ele v ier,
o E sp írito d a V e rd a d e,
ele v o s g u ia rá a to d a a v e rd a d e .
P o rq u e ele n ã o falará d e si m esm o ,
m a s falará o q u e o u v ir
e v o s d e c la ra rá as coisas p o r vir.
14Ele m e g lo rificará,
p o rq u e h á d e receb er d o q u e é m eu ,
e v o -lo h á d e a n u n c ia r.
15T u d o o q u e o P ai tem é m eu ;
eis p o r q u e e u disse:
Έ d e m im q u e ele recebe
o q u e h á d e v o s d e c la ra r"׳.
NOTAS
16.4b. no princípio, arches, encontrado tam bém em 6,64, literalm ente é "des-
de o princípio"; como ap' archês em 15,27, significa desde o princípio de
m eu ministério.
eu não vos disse isto. Literalmente, "estas coisas", a saber, a inevitabilida-
de da perseguição por parte do m undo, como acabamos de discutir em
15,18-16,4a. Jesus fez referência simbólica à necessidade de sofrimento
e m orte em 12,24-26, m as aquela passagem já estava sob a rubrica de
"a hora" (12,23). Também nos sinóticos, a ameaça de perseguição futura
contra os discípulos tende a vir depois na vida de Jesus; por exemplo, no
discurso escatológico. As vezes não podem os depender dos ditos crono-
lógicos do evangelho, m as não é im plausível neste caso.
porque estava convosco. Uma razão lógica para não falar de perseguição no
princípio (João pressupõe que Jesus o previu desde o princípio) teria sido
o desejo de não am edrontar os discípulos antes que começassem a enten-
der e a crer. Mas esta não é a razão que Jesus oferece. Pode ser que a ideia
seja que, enquanto estava com eles, toda perseguição se deflagrava contra
ele. Somente quando ele partir é que haverá problem a para seus discípu-
los, os quais virão a ser os principais porta-vozes da palavra de Deus.
1100 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
juízo. Krisis, aqui com m atiz condenatória, como vem os à luz do v. 11. Veja
nota sobre 3,17, "condena".
9. Primeiro. Traduzim os a construção de men... de... de em 9,10 e 11 po r "pri-
meiro... então... finalmente".
Porque. Hoti pode ser traduzido "porque" (Bareeit, p. 406), m as a principal
ênfase parece ser explicativa antes que causativa (B ultmann, p. 4343).
se recusam crer em mim. O tem po presente (literalmente, "não crê") indi-
ca incredulidade prolongada. Uns poucos m anuscritos gregos e a Vulg.
Trazem um aoristo que enfatizaria a decisão de não crer tom ada um a vez
para sempre. A obstinação do incrédulo já foi indicada em 15,22.
10. justiça - porque vou para 0 Pai. Em outras passagens no NT Jesus é cha-
m ado de justo no sentido que ele é m oralm ente virtuoso (ljo 2,1.29; 3,7);
aqui, porém , Jesus é justo no sentido de alguém que foi vindicado ante o
tribunal (cf. Dt 25,1, onde os juizes absolvem o saddiq). Ele está na pre-
sença do Pai e por isso participa da justiça de Deus, diante de quem não
pode perm anecer nada injusto.
0 Pai. A tradição bizantina traz "m eu Pai".
e não mais me vereis. O tem po presente de theõrein. Em 14,19, Jesus disse:
"Ainda um pouco, e o m undo não m e verá mais, m as vós m e vereis
[theõrein]". Nas pp. 1024-27 acima, sugerim os que, enquanto 14,19 pode
ter-se referido originalm ente às aparições pós-ressurreição, ela foi rein-
terpretada em círculos joaninos em referência a um a presença m ais per-
m anente e não corpórea de Jesus depois da ressurreição, especialm ente
para sua presença no Parácleto. Este versículo não necessita de reinter-
pretação; ele se refere diretam ente ao período em que a presença de Jesus
entre os discípulos no Parácleto já não é visível.
11. ;0 está julgado. Krinein·, veja krisis em 8. A ideia de que no p ró p rio fato
da m orte de Jesus o dom ínio de Satanás foi encerrado parece ter sido
com um nos tem pos do NT. H b 2,14 fala da m orte de Jesus nulificando
o p o d er da m orte (um p o d er do diabo). O final de M arcos em m anus-
critos independentes diz: "O lim ite dos anos d a autoridade d e Satanás
já se cum priu". Todavia, 1 João suscita um a dificuldade: enquanto os
cristãos são louvados po r já terem vencido o M aligno (2,13), e se afir-
m a que o m u n do já p assou (2,17), lem os que o m undo inteiro ain d a jaz
sob o p o d er do M aligno (5,19). Assim , enquanto derrotado, o Príncipe
deste m u n d o m antém o p o d er em seu p róp rio dom ínio (veja Ef 2,2;
6,22). A lguém p o d e tam bém p o n d erar sobre Ap 20,2-3, onde o diabo
ou Satanás fica preso p o r m il anos, antes de ser solto no m u n d o m ais
um a vez. Fica claro, contudo que Satanás não tem m ais p o d e r algum
sobre o crente.
55 · O último discurso: - Segunda seção (terceira subdivisão) 1103
12. muito mais. Literalmente, "ainda m uitas coisas"; o "ainda" é om itido por
T aciano, OSsin e alguns testem unhos patrísticos.
não podeis suportar. B arrett, p. 407, observa que este uso de bastazein não é
m uito com um em grego, e pode refletir um a ideia semítica (heb. nãéã,
ou o rabínico, sãbal). Enquanto a ideia básica é que não podem entender
agora, há tam bém a questão de "suportar", porque está envolvida a per-
seguição pelo m undo.
0. O objeto pronom inal não está expresso, m as é suprido por alguns teste-
m unhos ocidentais.
agora. Isto é om itido no Codex Sinaiticus e em alguns m anuscritos menores
das versões. SB [La Sainte Bible] sugere que um a forma mais abreviada
deste versículo pode ter sido original: "Eu tenho m uito a dizer-vos, mas
não podeis suportar isto".
13. Espírito da Verdade. Este título apareceu na prim eira passagem sobre o Pa-
rácleto (14,17), bem como em 15,26. Bultmann a considera como a adição
do evangelista ao m aterial tom ado da fonte do discurso de revelação.
Veja Ap. V.
vos guiará. O verbo hodêgein está relacionado com hodos, "caminho" (14,6:
"Eu sou o caminho"); o verbo é usado em Ap 7,17 para descrever como
o Cordeiro conduz os santos à água viva. Alguns dos Padres gregos
(G rilo de Jerusalém, E usébio) leem outro verbo aqui, a saber, diêgeisthai,
"explicar"; e este verbo pode estar por detrás da tradução da Vulg.: "ele
vos ensinará" - tradução que faz a segunda passagem sobre o Parácleto no
cap. 16 ecoar a segunda passagem do Parácleto em 14 (26: "vos ensinará
tudo"). As testem unhas textuais estão mais uniformemente divididas so-
bre qual preposição se deve ler com hodêgein Vaticanus e Alexandrinus
leem eis, "para dentro", enquanto o Sinaiticus, Bezae e o OL leem en, "em".
Entre os comentaristas modernos, W estcott, L agrange, B ernard, B ult-
mann, B raun, L eal e M ollat preferem eis, enquanto Barrett, G rundmann
e M ichaelis preferem en. Alguns objetam contra eis com base de que a ver-
dade não é o alvo da orientação do Parácleto, pois a própria orientação é
a verdade; consequentemente, preferem en que indica que a verdade é a
esfera da ação do Parácleto. Todavia, D e L a P otierie, "Le paraclet", p. 451, res-
ponde que eis tem um significado mais amplo do que apenas direção: pode
significar tam bém que o m ovimento term inará no interior do lugar para o
qual é dirigida e, assim, pode expressar adequadam ente como a orientação
do Parácleto se relaciona com a verdade. Provavelmente, se atribua uma
importância excessiva às matizes que expressam as distintas preposições,
quando a realidade é que estas se utilizavam sem m uita distinção naquela
época. (BDF, §218; m as De L a P otterie não concordaria).
1104 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
eis por que. Algum as vezes se tom a difícil determ inar se a expressão dia
touto, "por causa disto", se refere ao que precede ou ao que segue; aqui,
evidentem ente, ela se refere ao que precede.
ele recebe. Aqui, um caso presente é lido pelos m elhores m anuscritos como
contrastado com o futuro do v. 14. Os m anuscritos que têm um futuro no
v. 15 estão harm onizando com o v. 14. N ão há ao que parece diferença
algum a de significado nesta m udança de tempos.
COMENTÁRIO
" E n tã o c re d e s ag o ra?
32Eis q u e a h o ra ch eg a - d e v e ra s já c h e g o u -
e m q u e sereis d isp e rso s, c a d a u m p a ra se u lad o ,
d e ix a n d o -m e so zin h o .
M as, n u n c a e s to u so zin h o ,
p o rq u e o P ai e stá com igo.
1118 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
NOTAS
16.16. pouco de tempo. Mikron; veja nota sobre 13,33. Nas afirmações sim ilares
em 7,33; 12,35 e 13,33, quando Jesus diz que estaria com seus ouvintes
mais um pouco (tempo), ele segue o discurso com um a advertência de
que partirá para um lugar onde não poderá ser visto.
já não me vereis mais. A negativa é ouketi. O verbo é theorem·, na linha se-
guinte, é horan (opsesthai). A últim a é tida po r alguns como se referindo
ao discernim ento espiritual m ais profundo (assim Bernard, II, 513); veja,
porém , nossos comentários no vol. 1, p. 801.
outra vez um pouco de tempo. A ideia de que haverá apenas pouco tempo antes de
encontrar a felicidade junto a Deus aparece em um contexto apocalíptico em
Is 26,20: "Vai, pois, povo meu, entra nos teus quartos, e fecha as tuas portas
sobre ti; esconde-te só por um momento, até que passe a ira". Isto é interes-
sante, pois Is 26,17 é parte do pano de fundo do v. 21 (veja comentário).
me vereis. A tradição grega bizantina, juntam ente com as versões latina e
siríaca, acrescenta um a linha: "porque eu vou para o Pai". Esta sentença
(que em 7,33 segue um a afirmação sobre não m ais ver a Jesus) foi intro-
duzida para justificar a segunda citação no próxim o versículo (17). Um
copista teria pensado que am bas as citações do v. 17 vieram do v. 16.
17. seus discípulos disseram. Esta intervenção m arca a prim eira vez que fala-
ram desde que Judas deu voz a confusão que todos sentiam em 14,22;
assim term ina o monólogo do evangelho. As intervenções na prim eira
seção do últim o discurso vieram de discípulos individuais; as interven-
ções no cap. 16 vêm dos discípulos como um grupo.
O que isto significa? Ele nos diz... Isto é sim ilar a um a frequente fórm ula ra-
bínica (Schlatter, p. 314).
'Um pouco de tempo.' Esta primeira citação do v. 17 é tomada literalmente do v. 16
com a exceção do uso de uma forma negativa mais breve (ou em vez de ouketi).
e diz ainda. O grego tem sim plesm ente "e"; o verbo do dito que precede a
prim eira citação é subentendido como a cobrir tam bém a prim eira.
56 · O último discurso: - Segunda seção (terceira subdivisão) 1119
'Porque estou...'. A segunda citação começa com hoti, presum ivelm ente com
o significado "em que, dado que" que ela tem no v. 10 donde a citação é
tom ada ao pé da letra, embora com um a variante da ordem das palavras.
Entretanto, é possível que o hoti no v. 17 seja simplesmente o "que" usado
para introduzir discurso (indireto). M uitos favorecem o último, porque ele
propicia um a tradução mais suave: "Ele diz ainda que estou indo para
o Pai". Todavia, na verdade o discurso é direto, não indireto, e então o
hoti narrativo seria ocioso; Por outro lado, não há hoti narrativo antes da
prim eira citação, e assim não esperaríamos um antes da segunda citação.
18. Então continuaram indagando. Literalmente, "dizendo" (a si mesmos).
Isto é om itido por m uitos m anuscritos ocidentais. Como verem os mais
adiante, há m uitas variantes devido aos copistas no texto deste versículo,
talvez por causa de seu caráter repetitivo. Tal repetição é típica de narra-
tiva sim ples, especialm ente no O riente Próximo.
'pouco de tempo.' N a m aioria dos m anuscritos, mikron é precedido de um ar-
tigo (om itido em P5, Vaticanus, o corretor do Sinaiticus e, aparentem ente,
em P66). L agrange, p. 426, argum enta que mesmo sem o artigo o sentido
é: Realmente, sua ausência d urará apenas pouco tempo?
[de que ele fala]. Isto é om itido por P66 e alguns im portantes manuscritos
ocidentais.
[de que ele está falando], A maioria dos manuscritos lê o verbo Mein, enquanto
que os códices Bezae e Koridethi leem legein. O vaticanus omite a sentença.
Podería ter sido adicionada por copistas num a tentativa de esclarecer o texto.
19. Conhecendo. Frequentem ente João atribui a Jesus o poder de ler as mentes
dos hom ens (2,24-25; 4,17-18). Nos outros evangelhos, às vezes fica difícil
estar seguro se o evangelista quer que pensem os que este conhecimento
era sobrenatural o u sim plesm ente um caso de excepcional discernimen-
to: cf. Lc 7,39-40; M t 9,22 com Mc 5,30 com a tradição "Q" de M t 12,25 e
Lc 11,17. Em João, o conhecimento especial atribuído a Jesus parece ser
consistentem ente apresentado como sobrenatural; e certam ente, no pre-
sente caso, o entusiasm o que seu conhecimento provoca (30) indica que
está implícito um conhecimento além do normal.
queriam. Alguns m anuscritos incluindo o Sinaiticus e P66, leem "estavam
continuando". P66 tinha am bos os verbos - isto é interessante, pois cos-
tum eiram ente é o m anuscrito mais tardio que tende a combinar duas
redações diferentes.
Estais indagando. Isto podería ser um a pergunta: "Estais indagando...?"
não me vereis. A negativa é ou como no v. 17, não ouketi, como no v. 16.
20. chorareis... lamentando. A referência é aos gritos plangentes e lamentação
que é a reação costumeira em face da morte no Oriente Próximo. Para estes
1120 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
F euillet sugere que a frase "no m undo" tem aqui a intensão de evocar o
curso da vida de Jesus que veio ao m undo com sua encarnação e voltará
ao m undo depois de sua paixão e ressurreição como um Novo Adão
(um a interpretação oferecida em tem pos de outrora por C risóstomo,
A quino, C ornelius a L apide, entre outros).
22. estais tristes. Literalmente, "tendes tristeza". Uma forte combinação de
testem unhas textuais (P66, Bezae, Alexandrinus) endossa um tem po futu-
ro, m as a diferença não é significativa.
Eu vos verei outra vez, e vossos corações se regozijarão. Há aqui um eco da
LXX de Is 66,14: "E vós vereis e o vosso coração se alegrará". B arrett,
p. 411, observa que a m udança de João de "vós vereis" para "eu verei"
deste versículo dificilmente pode ser acidental. Outros, com parando "eu
vos verei" deste versículo com o "vós m e vereis" do v. 16, observam que
tem se dado um a progressão, porque é preferível ser visto por Deus do
que vê-lo. Entretanto, é possível suspeitar de que "vós me vereis" e "eu
vos verei" sejam sim plesm ente os dois lados de um a m oeda, tanto quan-
to o viver "vós em m im e eu em vós" do qual temos vários exemplos.
corações. Literalm ente no singular, como no v. 6; veja nota sobre 14,1.
poderá tirar, "tira" ou "tirará"; o Vaticanus e o Bezae endossam um tempo
futuro, m as é bem provável que o presente (P66) seja o original, sendo
usado p ara expressar a certeza do futuro.
23. naquele dia. A frase aparece aqui e no v. 26; veja nota sobre 14,20.
não me perguntareis nada. O verbo é erõtan. Os com entaristas estão divi-
didos sobre se este verso se refere ao que precedeu ou ao que segue.
Caso se refira ao que precedeu (W estcott, L oisy, L agrange, B ultmann,
H oskyns, B arrett), a referência é ao tipo de pergunta que foi o tema dos
vs. 17-19: um a pergunta que denuncia um a falta de compreensão. Jesus
está prom etendo que "naquele dia" entenderão. Isto concordaria com
nossa tese que expomos no comentário de que esta passagem se refere à
presença de Jesus através do Parácleto. O Parácleto trará entendimento,
já que ele ensinará aos discípulos todas as coisas (14,26) e os guiará no
cam inho de toda a verdade (16,13). E possível achar um a ideia similar em
ljo 2,27: "E a unção que vós recebestes dele, está em vós, e não tendes
necessidade de que alguém vos ensine".
Caso se refira ao que segue (C risóstomo, B ernard), perguntar equivalería
aqui a pedir (aitein) coisas ao Pai: um pedido ou petição por algo que al-
guém deseje. Jesus está prom etendo que "naquele dia" não mais lhe apre-
sentarão seus pedidos, mas serão capazes de pedir diretamente ao Pai.
O fato de que dois verbos diferentes {erõtan e aitein ) são usados nos ver-
sos 1 e 3 não favorecem esta solução, embora frequentemente estes verbos
1122 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
do pronom e autos aqui, significando "o Pai de si mesm o" (proprio motu);
ele diz ser evidente que m uito do grego de João não é um a m era tradu-
ção do semítico. Entretanto, autos pode ser um pronom e proléptico usado
para antecipar enfaticamente um substantivo que vem na sequência, essa
construção gramatical que B l a c k , pp. 7 0 - 7 4 , caracteriza como um puro
aramaísmo. MTGS, pp. 2 5 8 - 5 9 , cita isto como um caso em que "não é fácil
decidir, mas provavelmente o pronom e contém um a intenção enfática".
ama... tendes amado. Philein; a m esm a coisa foi dito de agapan em 14,21.23
(veja vol. 1, p. 794).
tendes crido. Aqui, fé é a segunda condição para se ganhar o am or do Pai;
em 14,21.23, a segunda condição foi guardar os m andam entos e a palavra
de Jesus. Para João, amor, fé e obediência são todos parte do complexo da
vida cristã, e um pressupõe o outro. Note-se o tem po perfeito nos verbos
"amastes" e "crestes"; está implícita um a atitude m antida ao longo da vida.
saí. Este é o aoristo de exerchesthai como em 8,42 (veja nota ali); tam bém
17,8. Em 15,26, ouvimos que o Espírito da V erdade saiu (presente de
ekporeuesthai) do Pai.
de Deus. Os códices Vaticanus e Bezae, T aclano e as versões coptas dizem
"do Pai" - um a combinação forte. As testem unhas que leem "Deus" estão
divididas sobre se o artigo vem ou não antes de theos. Com o artigo, theos se
refere ao Pai (nota sobre 1,1), e a leitura "o Pai" pode ser um esclarecimento
disto. Ou, "o Pai" pode representar a influência cruzada da prim eira parte
do versículo seguinte e de 15,26 (todavia, veja 8,42, o qual tem "Deus").
28. [Saí do Pai]. Esta sentença se encontra nos melhores manuscritos ocidentais,
incluindo o Sinaiticus e o Vaticanus, talvez por meio de homoioteleuton.
A confusão no final do versículo precedente, sobre se ler "de Deus" ou
"do Pai" podería ter levado algum copista a combinar e incluir ambas as
redações, repetindo o verbo. Mas é difícil adm itir que o padrão quiásmico
perfeito agora encontrado no v. 28 foi criado por um a adição casual de co-
pista: os versos 1 e 4 tratam da encarnação e ressurreição da perspectiva do
Pai; os versos 2 e 3 as tratam da perspectiva do m undo. Este argum ento in-
clina a balança em favor da autenticidade da prim eira parte do versículo.
Saí... vim. N o tem po aoristo e perfeito, respectivamente. O prim eiro tem po
serve para indicar que a encarnação ocorreu em um m om ento particular
do tem po; o segundo reconhece seu efeito perm anente. Um contraste si-
m ilar aparece em 8,42: "Pois saí de Deus e estou aqui" (um aoristo e u m
presente com um significado perfeito).
56 · O último discurso: - Segunda seção (terceira subdivisão) 1125
do Pai. Os m anuscritos que trazem esta prim eira linha entre colchetes estão
divididos sobre se leem para ou ek ("de"). N ão existe diferença real de
sentido; aliás, um a terceira preposição, apo, aparece no v. 30. Ek não pode
ser interpretado teologicam ente como um a alusão à relação intratrinitá-
rias d o Pai e Filho ("saí do Pai"), já que este verso se refere à encarnação,
não ao que a teologia posterior cham aria de a processão do Filho. (Por
outro lado, em 8,47 a frase ek tou theou é usada para descrever um crente
comum: "Q uem é de Deus").
agora. Palin, "outra vez", é usado aqui para indicar o que vem na sequência;
todavia, tam bém tem a conotação de um retom o a um a condição prévia,
donde nossa adição de "vou" na linha seguinte. Cf. BAG, p. 611, e o em-
prego em 11,7.
deixando... vou. Os verbos são aphienai e poreuesthai; para o restante do voca-
bulário, veja nota sobre 16,5.
29. por fim. Literalm ente, "agora"; nyn aparece outra vez no início do v. 30.
B ultmann , p. 454, propõe este significado: "agora, no último discurso,
estás falando claram ente, em contraste com o m odo de falares duran-
te o m inistério público". Mas, se alguém não aceita a reordenação de
B ultmann que situa o cap. 16 no princípio do últim o discurso, então se
torna m enos provável que os discípulos estão contrastando o que é dito
no últim o discurso (o que frequentem ente eles têm entendido equivoca-
dam ente) com o que foi dito durante o ministério. Podem ser descritos
como a pensar que, como a partida de Jesus se torna mais iminente, ele
começou a falar m ais claram ente do que se fez anteriorm ente no último
discurso, e que agora chegou a hora que fora prom etida no v. 25, hora
quando não m ais falaria p or meio de figuras.
30. sabemos... cremos. H ouve tam bém um a combinação do verbo conhecer
com o verbo crer, quando Pedro expressou as convicções dos discípulos
em 6,69: "Temos crido, e estam os convencidos \ginõskein\ de que tu és
o Santo de Deus".
nem mesmo necessitas que alguém te pergunte. O verbo é erõtan. Este versí-
culo, que se referiría às perguntas de informação, é im portante para a
com preensão da prom essa em 23a: "N aquele dia já não m e perguntareis
nada [erõtan]"■, aparentem ente, os discípulos pensam que a prom essa já
se cum priu. Alguns exegetas não têm feito um a conexão com o v. 23a e
pensam que a afirmação, na prim eira parte do v. 30, que Jesus conhece
todas as coisas, deve ser seguida, logicamente, por um a afirmação de
que Jesus (não "um a pessoa") não tem necessidade de que se façam per-
guntas; assim, o OS: "N ão necessitas que um a pessoa te pergunte" (cf.
tam bém A gostinho, In Jo. 53,2; PL 35:1900). Entretanto, não só há pouco
1126 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
com isto não insinua, com esta mudança de vocabulário, que os discípulos
estão fazendo um a afirmação menor que a que Jesus reivindicou em 28.
Estão aceitando o que Jesus disse de si mesmo numa extensão que pudessem
entendê-lo, e a mudança de preposição não tem nenhum significado especial.
31. Credes agora? Gramaticalm ente, é difícil decidir se isto é um a pergunta
ou um a afirmação; BDF, §440, fala de am biguidade. O caso similar no
cap. 13,38 sugere que se trata de um a pergunta. Mesmo que seja um a
afirm ação ("Agora credes" - a saber, no momento), ela lança dúvida so-
bre a adequação da fé dos discípulos. A fé deles ainda não está comple-
ta; ela vacilará (v. 32). Esta interpretação vai contra um a exegese (p. ex.,
L agrange) em que Jesus exclama que finalmente os discípulos chegaram
a crer - e já era hora, pois ele está para ser preso.
32. Eis que. Idou, literalmente, com sentido adversativo como em 4,35.
chega a hora... porque. Frequentem ente hora é conectado com hote, "quan-
do" (4,21;23; 5,25; 16,25), m as aqui e em três outros casos (12,23; 13,1;
16,2) é construído com hina. BDF, §382J, e Z erwick, §428, negam qualquer
nuança final ao hina, de m odo que não veem nenhum a diferença de sig-
nificado nas duas construções. Todavia, não deixa de ser tentador ver
em hina um a implicação de que o que aconteceu foi a fim de se cum prir a
profecia de Zacarias sobre as ovelhas sendo dispersas.
dispersos. João usa skorpizein; no comentário salientarem os o paralelo com
Mc 14,27 que usa diaskorpizein ao citar Zc 13,7. O Codex Alexandrinus
de Zacarias tam bém usa diaskorpizein; todavia, quase certam ente a reda-
ção da LXX do original de Zacarias era ekspãn, que aparece nos códices
V aticanus e Sinaiticus. Embora os verbos que usam João e Marcos sejam
ligeiram ente diferentes, alguns têm sugerido que João depende da forma
m arcana da citação de Zacarias. Entretanto, é possível que ambos, João
e Marcos, sejam dependentes aqui de um a tradição de testem unhos ou
textos coletados po r suas referências cristológicas (assim D odd) em que
havia u m a form a variante do texto grego de Zacarias. Também não é in-
concebível que João e Marcos representem tentativas independentes de
trad u zir o hebraico de Zacarias m ais fielmente para o grego.
para seu lado. Literalmente, "aos seus". É possível o significado "para sua
própria ocupação", m as o significado "para sua própria casa" é mais
provável (veja uso em Est 5,10; 3Mc 6,27; Jo 19,27). Isto se referiría às
m oradias tem porárias dos discípulos em Jerusalém, ou às cidades natais
na Galileia? O Evangelho de Pedro, 59, menciona especificamente que os
discípulos foram para seus lares.
deixando-me sozinho. Essas palavras são um eco de Is 63,3: "Eu sozinho pisei
no lagar e dos povos ninguém houve comigo".
1128 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
mas nunca estou sozinho. A m esm a afirmação foi feita em 8,16 ("Eu não es-
tou só - tenho do m eu lado A quele que m e enviou") e em 8,29 ("Aquele
que m e enviou está comigo. Ele não m e tem deixado sozinho").
33. dito isto. Literalmente, "estas coisas"; note a inclusão com o v. 25. O "es-
tas coisas" se referiria m ais do que a d ura advertência do v. 32, pois isso
dificilmente daria paz aos discípulos. Provavelm ente, a referência seja às
prom essas dos vs. 26 e 27, e talvez a algum as das prim eiras prom essas do
capítulo. O fato de que o v. 33 não concorde facilmente com o v. 32 levou
alguns (E. H irsch, D ibelius) a sugerirem que, originalm ente o v. 33 seguia
o v. 32 e que os vs. 29-32 são um a adição do redator (a p artir da tradição
sinótica). W ellhausen propôs que o v. 33 se harm oniza m elhor com o v.
24; L agrange pensava que ele se adequaria bem depois de 16,3. Provável-
mente seja m ais sensato sim plesm ente reconhecer o caráter heterogêneo
do m aterial aqui sem tentar reconstruir a sequência original.
tereis aflições. Uns poucos m anuscritos endossam um tem po futuro. A pala-
vra para "sofrim ento" é thlipsis; veja comentário sobre o v. 21.
eu vend. N o NT, particularm ente no Apocalipse (5,5; 6,2; 17,14), Jesus é
descrito como aquele que vence. Tam bém IC or 15,57: "Graças a Deus
que nos dá a vitória por interm édio de nosso Senhor Jesus Cristo".
COMENTÁRIO
16 - 23 a 23 b-33
Predição de julgamento e de 16 ׳ ־ / v 3 1 -3 3
consolação subsequente
Observações dos discípulos 1 7 -1 9 - 2 9 -3 0
BIBLIOGRAFIA
(15,18-16,31)
6E u m an ifestei o te u n o m e a o s h o m e n s
q u e m e d e s te e os tirei d o m u n d o .
E ra m teu s, e tu m o s d este,
e tê m g u a rd a d o a tu a p a la v ra .
7A g o ra sab em
q u e d e ti v e m tu d o o q u e m e ten s d a d o .
57 · O último discurso: - Terceira seção (primeira unidade) 1143
8P o rq u e a s p a la v ra s q u e m e d este,
e u lh es d ei,
e a s aceitaram .
E e m v e rd a d e c o n h eceram
q u e e u v im d e ti,
e c re ra m
q u e tu m e e n v ia ste".
NOTAS
introduzidas por him; a segunda está no v. 2b: "para que ele conceda...".
Estão separadas por um a construção com kathõs ("assim como") do vs.
2a. A m esm a construção aparece m ais adiante no v. 21 (tam bém 13,34).
te glorifique. Bernard, II, 560, observa que toda a paixão se desenvolve sob
o lema de "ad maiorem Dei gloriam".
2. lhe concedeste. O tem po aoristo implica um a ação passada: a autoridade lhe
foi dada como parte do seu ministério terreno. Não obstante, este poder de
conceder vida não se tom aria plenam ente eficaz até a exaltação de Jesus.
poder. Ou "autoridade" (exousia; veja vol. 1, pp. 180).
sobre todos os homens. Literalmente, "toda cam e", um semitismo (cf. 8,15).
O habitual dualism o joanino entre carne e Espírito não parece estar em
m ente aqui. Talvez o poder sobre todos os hom ens é o poder de juízo
(5,27), pois o próxim o verso deixa claro que Jesus tem o po d er de dar
vida som ente a um grupo seleto, i.e., àqueles que o Pai lhe deu.
para que ele conceda. Esta é a segunda sentença com hina (cf. "que o Filho"
no v. 1). De que é dependente? E dependente de "glorifica a teu
Filho" do v. 1, de m odo a ser paralela à prim eira sentença com hina?
(Então a frase com kathõs, "assim como", deve ser tratada como um
parênteses; assim Bernard). O u é dependente de "lhe concedeste p oder"
na frase com kathõs do verso 2a? (Assim Lagrange e Barrett). Provável-
m ente seja preferível reconhecer que as interpretações não são conclu-
sivas, e que em algum a extensão a segunda sentença com hina elabora
ambos os antecedentes. A concessão de vida eterna é o alvo do poder
sobre todos os hom ens que foram concedidos ao Filho (segunda inter-
pretação); todavia, o dom da vida eterna tam bém constitui o propósito
para o qual o Filho roga que fosse glorificado (prim eira interpretação)
- é o m odo pelo qual o Filho glorifica o Pai. Bultmann, p. 3761, considera
todo o v. 2 como um a adição em prosa do evangelista à Fonte do Dis-
curso de Revelação.
vida eterna. A qui e no versículo seguinte estão as únicas vezes que "vida
eterna" é m encionada no Livro da Glória, em contraste com o uso fre-
quente da expressão no Livro dos Sinais. Talvez um a ênfase sobre o tipo
diferente de vida que Jesus oferece fosse mais im portante no período
mais antigo quando hom ens começavam a irem a Jesus, enquanto que,
neste discurso, dirigido "aos seus" (13,1), o esclarecim ento já não fosse
necessário. Em outras passagens em João (6,63; 7,38-39) é evidente que
o dom do Espírito é o m odo de Jesus conceder vida eterna; m as o Espí-
rito não é m encionado no cap. 17, nem m esm o sob o título de Parácleto.
todos os que. Um neutro em vez de um masculino como em 6,37 (veja nota
ali), um neutro tam bém nos vs. 7 e 24. Aqui (veja v. 6) o autor está se
57 · O último discurso: - Terceira seção (primeira unidade) 1145
referindo claram ente aos hom ens, e o uso de um neutro pode conferir
certa u nidade ao grupo - são "seus".
tu lhe deste. O tem po perfeito é apropriado, porque os hom ens ainda são
possessão de Jesus (v. 12). Este capítulo enfatiza o que o Pai d eu a Jesus,
a saber, hom ens (2,6,9,24); todas as coisas (7); palavras (8); o nom e divino
(11,12); e glória (22,24). A ideia de que Jesus dá vida eterna a um grupo
seleto aparece tam bém em 10,27-28 (às ovelhas que ouvem sua voz); em
ljo 2,23-25 (aos que confessam o Filho e o Pai); etc.
3. consiste nisto. Literalmente, "Ora, esta é a vida eterna". O estilo explicativo
é u m traço joanino; p o r exemplo, 3,19, "O julgam ento consiste nisto".
te conheçam. Embora alguns m anuscritos tenham um futuro do indicativo,
os m elhores m anuscritos têm um presente do subjuntivo; isto implica
que o conhecimento é um a ação contínua.
único Deus verdadeiro. "Um " (ou "único") e "verdadeiro" são atributos tradi-
cionais de Deus: monos em Is 37,20; Jo 5,44; alêthinos em Ex 34,6; Ap 6,10.
Geralmente, tais atributos eram enfatizados em oposição ao politeísmo do
m undo gentflico; cf. "vos convertestes dos ídolos... para servirdes a um
Deus vivo e verdadeiro" (lTs 1,9). Notamos que o "um Deus verdadeiro"
e "Jesus Cristo" não são identificados. Este versículo tem um a conotação
um tanto contrária aos outros versículos em João, os quais denominam
Jesus de "Deus" (1,1.18; 20,28); veja vol. 1, p. 199.
Jesus Cristo. Embora João apresenta Jesus falando de si m esm o na terceira
pessoa, p o r exemplo, como "o Filho", é anômalo que Jesus se denomine
de "Jesus Cristo". Em outra passagem do evangelho, o Prólogo (1,17),
que é u m hino cristão aparece este mesmo nome. Este versículo é clara-
m ente um a inserção no texto d a oração d e Jesus, provavelm ente um a in-
serção que reflete um a fórm ula confessional ou litúrgica da igreja joanina
(veja ljo 4,2). H á inserções expücativas sim ilares no Prólogo.
4. glorißquei. Este verbo está no aoristo (também o verbo no v. 6: "manifes-
tei"), como se a ação estivesse já concluída. Há quem pense que Jesus
está se referindo à sua glorificação pretérita de Deus em seu ministério;
contudo, a glorificação do Pai dificilmente estivesse completa antes da
hora da m orte, ressurreição e ascensão. Parece que a perspectiva a partir
da qual se form ularam estas afirmações não parece ser o últim o discurso,
e sim o período após "a hora" e após a exaltação de Jesus.
na terra. Isto é contrastado com "em tua presença" do v. 5; cf. "de cima... da
terra" (3,31); "coisas terrenas... coisas celestiais" (3,12).
completando a obra. H á som ente três usos ativos do verbo teleioun em João,
e todos estão relacionados com a(s) obra(s) do Pai (para um uso passivo,
veja o v. 23). Em 4,34, Jesus disse que seu alim ento era "fazer a vontade
1146 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
A estrutura do cap. 17
q u á d ru p la . (P a ra u m c u id a d o s o e x am e d a v a rie d a d e d e d iv isõ e s p ro -
p o s ta s p a r a o cap. 1 7 , veja B ec k er , p p . 5 6 -6 1 ) .
A n te s d e a p re se n ta rm o s n o ssas ra z õ e s p a ra ac eita rm o s a divi-
sã o tríp lic e, te m o s d e m e n c io n a r a d iv isã o d e fe n d id a p o r L aurentin ,
p p . 427-31, so b re a b a se d e q u e ela é m e n o s su b jetiv a e m e n o s ociden-
ta l e m s u a p e rs p e c tiv a d o q u e o s sistem as p ro p o sto s a n te rio rm e n te .
Ele d iv id e 17 assim :
C O M E N T Á R IO : D E T A L H A D O
Se d e ix a rm o s d e la d o p o r u m m o m e n to o c o m e n tário p a re n té tic o em
p ro s a n o v. 3, o te m a d a g ló ria d o m in a estes v ersícu lo s. N o s vs. 1-2 se
ex p lica p o r q u e o F ilho d e v e ser g lo rificad o à lu z d o q u e o F ilho glori-
ficad o fa rá - g lo rificará o P ai e c o n c ed e rá v id a ao s discíp u lo s. N o s vs.
4-5 se ex p lica p o r q u e Jesus d e v e ser g lo rificad o à lu z d o q u e ele já fez -
c o m p le to u a o b ra q u e lhe foi d a d a p elo Pai. (N o tem os a m u d a n ç a d a ter-
ceira p e s so a ["o F ilho"], n o s vs. 1-2, p a ra a p rim e ira p e sso a ["E u"], no s
vs. 4-5; n ã o é im p o ssív e l q u e te n h a m o s a q u i d ito s o rig in a lm e n te in d e-
p e n d e n te s ). N o vol. 1, p. 802, sa lie n ta m o s q u e " g ló ria " tem d o is aspec-
tos: e la é u m a m an ifestaç ã o visível d a m aje sta d e a tra v é s d e atos de poder.
A g ló ria p e la q u a l Jesus ro g a n ã o é d istin ta d a g ló ria d o Pai, p o is as
se n te n ç as d e 8,50 e 12,43 ex clu em q u a lq u e r am b ição d e g ló ria exceto
a g ló ria d e D eu s. " A h o ra " significa p a ra Jesu s a v o lta ao Pai, e en tã o
o fato d e q u e ele e o P ai p o s s u e m a m esm a g ló ria d iv in a será visível
a to d o s o s cren tes. O ato co n creto d e p o d e r q u e fará visív el a u n id a d e
1158 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
vosso nom e aos m eus eleitos p o r m aldição... e a seus servos cham ará
p o r outro nom e. De sorte que aquele que se b endisser n a terra, se
bendirá no D eus da verd ad e". Isto é m u ito parecido com A p 2,17;
3,12, o n d e som ente o cristão conhece u m novo nom e e tem o nom e
de D eus escrito nele; em 19,12-13, som os inform ados que Jesus p o rta
u m nom e que n inguém conhece, senão ele m esm o, a saber, "A Pa-
lavra de D eus". O utro exem plo interessante do AT seria o costum e
deuteronôm ico de falar d a localidade central d o culto d e Israel (onde
estava o tabem áculo o u o tem plo) com o o lu g a r o n d e D eus tem po sto
seu nom e (Dt 7,5.21 etc.). P ara João, Jesus su bstitui o ta b em ácu lo (veja
vol. 1, pp. 209-10) e o tem plo (pp. 322-23), e agora é o lu g a r o n d e D eus
tem posto Seu nom e.
N o judaísm o dos dias d e Jesus havia, certam ente, especulações
acerca do nom e divino. G. S cholem (Major Trends in Jewish M ysticism
[3rd ed.; N ova York, 1961], pp . 68ss.) pensa que a ênfase sobre o nom e
nos escritos m ísticos do judaísm o tardio teve origens m ais antigas. Em
particular, havia especulação sobre o anjo do Senhor m encionado em
Ex 22,2-21: "Eis que envio u m anjo adiante d e vós p ara g u ardar-vos
no cam inho e conduzir-vos ao lu g ar que já preparei... meu nome está
sobre ele". Esta descrição p o d e adequar-se perfeitam ente ao Jesus de
Jo 17. As especulações sobre o nom e divino que aparecem nos prim i-
tivos escritos gnósticos p o d em tam bém ter tido raízes judaicas; veja
G. Q ukpel em The Jung Codex (Londres: M ow bray, 1955), pp . 68ss.; e
J. E. M énard, L'Evangile de Vérité (Paris: Letouzey, 1962), pp. 183-84,
que cita u m pan o de fundo oriental m ais am plo. D uas passagens d as
obras recentem ente descobertas em Chenoboskion são dignas d e nota:
O nom e do Pai é o Filho. É Ele que no princípio lhe deu um nom e que
procedeu dele - que é Ele m esm o - e a quem Ele gerou como Filho. Ele
lhe deu Seu nom e que Lhe pertencia. ... O Filho pode ser visto, m as o
nom e é invisível.... O nom e do Pai não é expresso, m as é revelado pelo
Filho. (E v a n g e lh o d a V e r d a d e , 38,6ss.).
10(assim co m o tu d o o q u e é m e u é teu ,
e tu d o o q u e é te u é m eu ),
e é n e le s q u e ten h o sid o glorificado.
11E u já n ã o e sto u n o m u n d o ;
e e n q u a n to e sto u in d o p a ra ti,
eles a in d a estã o n o m u n d o .
O P ai sa n tíssim o ,
G u a rd a co m o te u n o m e os q u e m e d e ste
[p ara q u e sejam u m , co m o nós].
12E n q u a n to e sta v a com eles,
e o s g u a rd a v a e m te u n o m e, q u e m e d este,
e u o s m a n tiv e se g u ro s e n e n h u m d e le s se p e rd e u ,
exceto à q u e le q u e tin h a q u e p e rd e r-se ,
a fim d e c u m p rir-se a E scritura.
14E u lh es d e i a tu a p a la v ra ,
e o m u n d o o s o d io u ,
p o rq u e eles n ã o p e rte n c e m a o m u n d o
[com o e u n ã o s o u d o m u n d o ].
15N ã o e s to u r o g a n d o q u e os tire d o m u n d o ,
e sim q u e o s g u a rd e d o M aligno.
16E les n ã o p e rte n c e m ao m u n d o ,
co m o e u n ã o p e rte n ç o ao m u n d o .
17C o n sag ra-o s n a v e rd a d e -
Ά tu a p a la v ra é a v e rd a d e ';
18p o is co m o m e e n v ia ste ao m u n d o ,
ta m b é m e u os en v iei a o m u n d o .
19E é p o r eles q u e e u m e c o n sag ro ,
p a ra q u e ta m b é m sejam c o n sa g ra d o s n a v e rd a d e " .
NOTAS
dativo neutro do singular, e isto significa que "teu nom e" é o antecedente.
Um grande núm ero de m anuscritos posteriores e m enos confiáveis tem
um relativo m asculino plural, cujo antecedente é "eles", a saber, os disci-
pulos. Temos adotado a prim eira redação, enquanto que SB e NEB ado-
taram a segunda (RSV é ambígua). É bem provável que a segunda reda-
ção represente um esforço dos copistas para harm onizar este versículo
com os vs. 2, 6 e 9 que falam de hom ens sendo dados po r Deus a Jesus.
A redação que temos seguido faz os vs. 11 e 12 os únicos exem plos em
João onde se lê que Deus deu o nom e (divino) a Jesus. Têm havido di-
versas tentativas de resolver a diversidade de redação. B urney sugeriu
que um relativo aramaico am bíguo foi entendido de duas m aneiras di-
ferentes. H uby, a r t . c i t . , tem argum entado que a redação original era o
pronom e neutro no acusativo singular (encontrado em Bezae*), m as que
se referia aos discípulos (um caso de tendência joanina ao uso de neutro
coletivo para um a ideia m asculina plural).
[p a r a q u e s e ja m u m , c o m o n ó s ] . Toda a sentença é om itida em P66’, OSsin, OL,
versões coptas e talvez T aciano - um a im portante com binação de teste-
m unhas textuais. O tem a da unidade é m ais fam iliar na terceira u nidade
da oração (veja 21-23) do que é aqui. O Codex Vaticanus e alguns m a-
nuscritos secundários acrescentam "tam bém " a "com o nós". João usa
o neutro h ê n para "um "; e B arrett, p. 424, interpreta isto no sentido de
que os discípulos não fossem guardados unidos, m as com o unidade.
E interessante que João não utilize noção abstrata para "unidade",
h e n õ t ê s , encontrado em Ef 4,3.13, e frequentem ente em I nácio de An-
tioquia.
12. o s g u a r d a v a ... m a n t i v e s e g u r o s . Os verbos são f ê r e i n e p h y l a s s e i n .
Aqui, Jesus tem feito por seus discípulos o que a Sabedoria fez por
Abraão, em conform idade com Sb 10,5: "Ela encontrou o hom em jus-
to e o guardou [f ê r e i n ] irrepreensível diante de Deus e o preservou
[p h y l a s s e i n ] resoluto...".
exceto àquele que tinha que perder-se. Literalmente, "o filho da perdição"; a pa-
lavra "perdição" é da mesma raiz grega que "perecer". N o NT, "perdição"
frequentemente significa condenação (Mt 7,13; Ap 17,8); e assim "o filho
da perdição" se refere àquele que pertence ao âmbito da condenação e está
destinado à destruição final. Embora, como tem salientado F. W. D anker,
NTS 7 ( 1 9 6 0 9 4 ,(61־, este tipo de frase possa ser encontrado no grego clás-
sico, quase certamente estamos tratando com um semitismo. R. E. M urphy,
Biblica 39 (1958), 664, sugere que a frase grega de João traduz ben Sahat;
pois enquanto Sahat possa referir-se ao poço do Sheol, no hebraico de
Q um ran ela significa "corrupção" e é um sinônimo para ’ãuiel, "perver-
sidade", um termo usado no dualismo de Q um ran para descrever a esfe-
ra oposta ao bem (vol. 1, p. 57). A frase "o filho da perdição" é usada em
2Ts 2,3 para descrever o anticristo que vem antes da parousia. E interes-
sante que na escatologia realizada joanina "o filho da perdição" aparece
durante o ministério de Jesus antes de seu retom o ao Pai. Se isto é uma
modificação intencional da expectativa apocalíptica é difícil dizer; veja vol.
30 da Anchor Bible para nossa discussão da abordagem joanina sobre o an-
ticristo em relação a IJo 2,18.20. Evidentemente, no evangelho a referência é
a Judas como o instrum ento de Satanás. Em 6,70, Judas é descrito como um
diabo; e em 13,2.27.30 somos informados que Satanás entrou no coração de
Judas, e que ele saiu para o reino das trevas a fim de trair Jesus.
a fim de. A m entalidade na qual se im aginou que as coisas aconteceram no
m inistério de Jesus a fim de se cum prir o que fora predito na Escritura é
descrito no vol. 1, pp. 782-83. Não fica claro se esta últim a linha do v. 12
é apresentada pelo autor joanino como as próprias palavras de Jesus ou
como um a observação pelo próprio autor. Exemplos de am bas as práti-
cas são encontrados em João; com pare 13,19 com 12,14-15.
a Escritura. Presum ivelm ente, está implícita um a passagem particular.
Evidentem ente, os prim eiros cristãos rapidam ente saíram em busca de
passagens veterotestam entárias para explicar a traição de Judas, pois os
relatos distintos da m orte de Judas destacam um pano de fundo vetero-
testam entário. A t 1,16-20 alega que o Espírito Santo falara de antemão
sobre Judas e cita explicitamente SI 69,26(25), 109,8. Mt 27,3-10 cita im-
plicitam ente um princípio legal sobre não usar dinheiro contam inado
na casa do Senhor (cf. Dt 23,19[18], e na sequência se faz um a citação
explícita, m as livre de Zc 11,12-13 sobre as trintas m oedas de prata,
talvez com binando-a com um a passagem de Jeremias (32,6-15?). Nos-
sa única chave para a passagem que João tem em m ente é que a des-
crição da traição de Judas em 13,18 cita explicitamente o SI 41,10(9).
Se esta últim a linha de Jo 17,12, com sua referência a "a Escritura",
1170 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
frequentem ente, porém com não m uita exatidão, traduzido por "Livra-
nos do mal"). A petição precedente em M ateus que trata da provação
("tentação") final m ostra que está em pauta um livram ento no fim dos
dias. A petição de João é em term os de escatologia realizada; ela roga por
proteção enquanto os discípulos estiverem no m undo. Ap 3,10, por outro
lado, é em term os de escatologia final: "Porque tens guardado a m inha
palavra... eu te guardarei seguro da hora da provação que há de vir sobre
o m undo inteiro", ljo 2,13-14 ilustra a concessão da petição expressa por
Jesus no presente versículo, pois ali os jovens cristãos são informados
que já venceram o Maligno.
16. Exceto por um a leve m udança na ordem das palavras, este versículo é o
m esm o que as últim as duas linhas do v. 14. Juntam ente com outros ma-
nuscritos, P66 (corretor) suprim e todo o versículo.
17. Consagro-os. Literalmente, "santifica"; há um eco de "Pai santíssimo" no v. 11.
na verdade. O artigo (faltando quando a frase é repetida no v. 19) significa
que a expressão não é sim plesm ente adverbial: "verdadeiram ente, con-
sagra-os". A "verdade" tem eficácia; cf. 8,32: "a verdade vos libertará".
Aqui, "verdade" é tanto a agência da consagração como a esfera em que
são consagrados; o "em " significa, respectivamente, "por" e "para".
,a tua palavra é a verdade'. O Codex Vaticanus e alguns manuscritos do texto
de Taciano trazem um artigo antes de "verdade"; a tradição bizantina tem
u m "tu " com fim de esclarecer antes de "verdade". A passagem é idêntica
à form a que a LXX dá ao SI 119,142 como encontrado no Codex Sinaiticus;
o TM e as outros manuscritos da LXX dizem o versículo do salmo como
"tua lei é verdade". Estaria João citando um a forma variante do salmo co-
nhecido no prim eiro século e ainda preservado no Códice Sinaiticus? Ou
a tradição sinaítica adapta o AT para conformar-se a João? Podemos men-
cionar que ser consagrado num a verdade que consiste na palavra divina
lem bra a ideia de ser purificado pela palavra de Jesus (15,3).
18. pois como me enviaste. Com base no pressuposto de que a citação (?) na última
parte do v. 17 é parentética, em 18 não começamos um a nova sentença, mas
fornecemos um "pois" para relacionar esta sentença kathõs com a primeira
parte do v. 17. (Compare a sentença kathõs do v. 2, que se relaciona com o
Pai glorificando o Filho no v. 1). A consagração na verdade não é simples-
m ente um a purificação do pecado (veja 15,3), mas é a consagração para
um a missão; estão sendo consagrados, porquanto estão sendo enviados.
também. A construção "como... assim " estabelece um paralelism o entre o
que o Pai tem feito para Jesus e o que Jesus faz para os discípulos. Em ou-
tras passagens no evangelho, este paralelism o aparece em relação com ã
vida (6,57), conhecimento (10,14-15), am or (15,9; 17,23) e unidade (17,22).
1172 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
C O M E N T Á R IO
C o m o p a n o d e fu n d o p a ra este p e d id o p a ra q u e o P ai o g lo rifiq u e,
Jesus m en c io n o u su a o b ra e n tre os h o m e n s q u e lhe fo ra m d a d o s p e lo
Pai: ele re v e lo u a g ló ria d e D eu s e n tre eles (v. 4); rev e lo u -lh e s o n o m e
d e D eu s (6); e d e u -lh e s as p a la v ra s d e D e u s (8). A g o ra, e m s u a o ração ,
ele v o lta a in clu ir estes m esm o s h o m en s e m se u p e d id o a s e u Pai.
A m o d o d e p a ra lelo , n o te-se q u e n o rela to q u e L ucas faz d a ú ltim a
ceia Jesu s o ra p o r u m d o s d isc íp u lo s, S im ão P e d ro , e re v e la s u a p re o -
c u p a çã o p e lo s o u tro s, p a ra q u e estiv essem a rm a d o s p a ra e n fre n ta r a
lu ta q u e se a p ro x im a (Lc 22,32.36).
58 · O último discurso: - Terceira seção (segunda unidade) 1173
25Ó P ai ju stíssim o ,
e n q u a n to o m u n d o n ã o te co n h eceu
(a in d a q u a n d o e u te conheci),
E stes h o m e n s v ie ra m a co n h e ce r q u e m e en v iaste.
26E a eles e u fiz te u n o m e con h ecid o ;
e c o n tin u a re i a fazê-lo co n h ecid o
p a ra q u e o a m o r co m q u e m e te n s a m a d o esteja neles
e e u n e le s esteja".
NOTAS
17.20. rogo. O verbo erõtan aparece no início desta seção, assim como se deu
no início da últim a seção (v. 9).
aqueles que crerem. Se a perspectiva tem poral é a da últim a ceia, este par-
ticípio presente é proléptico, com valor de futuro (BDF, §339/2b; ZGB,
§283), um uso que pode refletir um semitismo. Se a perspectiva tem poral
é a do autor joanino, os crentes são um a realidade atual.
em mim através de tua palavra. N o texto grego, a prim eira destas duas frases
segue a segunda; assim, seria possível traduzir assim: "creem através da
palavra deles sobre m im ". A ideia não está m uito longe do que se diz em
Rm 10,14; Hb 2,3-4.
21. H á u m notável paralelism o gram atical entre as seis frases que formam
os vs. 20-21 e as seis frases que form am os vs. 22-23. Em particular, note
o seguinte:
C ada u m desses blocos de quatro linhas consiste de três sentenças que come-
çam com hina com um a sentença com kathõs separando a primeira frase da
segunda. A prim eira e segunda sentença com hina em cada um a envolve
1180 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
a unidade dos crentes. Enquanto a terceira fala do efeito que isso terá no
m undo. A segunda sentença com hina não repete m eram ente a primeira,
mas desenvolve a noção de unidade. A sentença com kathõs em cada blo-
co apresenta aos crentes o modelo da unidade de Jesus e o Pai. Randall,
p. 141, analisa exemplarmente este paralelismo.
assim como tu. Kathõs tem aqui, respectivamente, um a função com parativa
e causativa (BDF, §4532): a unidade celestial é tanto o m odelo como a fon-
te da unidade dos crentes. N o quarto século, os ortodoxos tendiam a usar
Jo 10,30 ("O Pai e eu somos um ") como um argum ento contra os arianos.
Estes replicaram fazendo uso deste versículo para provar que a unidade
do Pai e o Filho é o mesmo tipo de unidade que existe entre os crentes, a
saber, unidade moral. Entretanto, como indica Pollard, art. cit., João não
não coloca como modelo a unidade celestial com base na unidade terrena,
e sim vice-versa.
tu, ó Pai, está em mim e eu em ti. N a últim a frase do v. 11 a com paração
oferecida para a unidade dos discípulos foi sim plesm ente "assim como
nós". Aqui, a comparação é delineada com detalhe, e descobrim os que
o m odelo de unidade é a habitação m útua de Pai e Filho. N ão há razão
para pensar que a unidade proposta no v. 11 ("para que sejam um , assim
como nós") é um tipo diferente de unidade daquela proposta aqui, a
despeito da tentativa de alguns de distinguir entre um a u nidade em fé e
um a unidade em Deus. Inácio, Efésios 5,1, se aproxim a m ais à linguagem
joanina: "Eu te considero tão abençoado como aquele que está unido a
ele [teu bispo] como a Igreja é com Jesus Cristo, e como Jesus Cristo é
com o Pai, para que todas as coisas sejam harm oniosas em uníssono".
sejam [um] em nós. Sobre bases m eramente textuais, a evidência para a omis-
são de "um " (Vaticanus, Bezae, OL, OSsin, aparentem ente P66) é mais es-
tranha do que a evidência para sua inclusão (Sinaiticus, tradição bizanti-
na, Vulgata, Peshitta). Se "um " é um a adição, provavelm ente venha dos
esforços dos copistas para conformar a segunda sentença com hina com
a primeira. Em contrapartida, o hen podería ter sido acidentalmente omi-
tido por um copista através de um tipo de homoioteleuton (en hêmin hen
õsin). O paralelismo destas sentenças com hina com aquelas dos vs. 22-23
favorece a inclusão, já que as segundas têm "um " em todos os versos. Com
ou sem o "um ", a segunda sentença com hina no v. 21 é um desenvolví-
mento sobre a prim eira, já que ela roga não só por unidade (primeira sen-
tença), mas também pela habitação divina.
Deve-se notar que para as prim eiras três linhas do v. 21 (as sentenças
com hina, kathõs, hina) O rígenes, em dez ocasiões, lê um texto m uito
mais breve: "Como eu e tu somos um , para que eles sejam um em nós".
59 · O último discurso: - Terceira seção (terceira unidade) 1181
possuindo a glória que lhe foi dada pelo Pai, e os discípulos continuam
possuindo a glória que lhes foi dada por Jesus. Q uando Jesus lhes deu
esta glória? A oração no v. 1, "Glorifica a teu Filho para que o Filho te
glorifique", sugere que glória será dada depois da exaltação de Jesus, já
que o Filho glorifica o Pai através dos discípulos. Consequentem ente, os
tem pos do v. 22 parecem ser da perspectiva do tem po em que o autor
joanino está vivendo. Rm 8,30 faz a glorificação do cristão um a conse-
quência de sua justificação. N otam os que o tem a da glória ocorre nas três
unidades de Jo 17 (1,5,10,22).
assim como somos um. A comparação para a unidade na últim a frase do v. 11
foi "assim como nós"; no v. 21b foi "assim como tu, ó Pai, está em m im
e eu em ti". O presente versículo quase combina as duas comparações
anteriores.
23. para que sejam perfeitos em unidade. Literalmente, a última frase é "para um ".
O verbo é o passivo de teleioun, um verbo que foi usado ativamente no v. 4
(veja nota ali) quando Jesus falou de completar a obra dada pelo Pai para
ele realizar. O passivo é particularm ente comum em 1 João (2,5; 4,12.17.18),
onde se menciona que o am or de Deus é conduzido à com pletude ou per-
feição; note que o tema do am or aparece na última linha do presente ver-
sículo. Aparentemente, no pensam ento joanino os crentes devem ser leva-
dos à perfeição já nesta vida, pois esta perfeição deve exercer um efeito no
mundo. A m aneira de comparação, notam os que Paulo confessa que ele
ainda não se sente perfeito ou completo, m as prossegue, porque Cristo
Jesus já se apoderou dele (F13,12).
Assim 0 mundo. Podem os suscitar a m esm a questão sobre a terceira sen-
tença com hina nos vs. 22-23 que suscitam os sobre a terceira sentença
com hina no v. 21 (veja nota ali). Ela explica por que Jesus dá a glória aos
crentes ou modifica a ideia na segunda sentença com hina, de m odo que é
a unidade completa dos crentes que desafia o m undo ao conhecimento?
A segunda hipótese parece ser a ideia dom inante, apesar das objeções
de Earwaker. Há um a concatenação de idéias: a dádiva da glória leva à
unidade dos crentes, e esta, por sua vez, desafia o m undo a reconhecer
Jesus como o emissário do Pai de quem em ana toda a glória.
conheça. N o aoristo; veja nota sobre "creia" no v. 21. D urante o m inisté-
rio de Jesus, o m u n d o não conheceu Jesus (1,10), m as através do m inis-
tério dos discípulos o m undo teria o utra chance, pois sua m ensagem
provocará o m u n d o e lhe incitará a julgar-se a si m esm o.
que tu me enviaste. A concatenação de idéias neste versículo tem um
interessante p aralelo em Zc 2,12-13(8-9): O m ensageiro, v in g ad o r an-
gélico, foi enviado pela glória de D eus às nações p erversas com o um a
59 · O último discurso: - Terceira seção (terceira unidade) 1183
lição p ara Israel, de m odo que viessem saber que o Senhor dos Exérci-
tos 0 enviara.
que os amaste. Bernard, II, 579, interpreta isto no sentido de que o m undo
entenderá que Deus 0 ama; porém , m ais provavelm ente, significa que o
m u n d o entendería que Deus tem am ado os cristãos crentes. O am or de
Deus pelo m undo só é m encionado como um a preparação para a en-
cam ação do Filho em 3,16; veja o contraste com 15,19. O Codex Bezae e
algum as testem unhas latinas leem "Eu os am o", e Barrett, p. 429, pensa
que possivelm ente esta foi a redação original. Um a redação que se disse
que Jesus am ou os discípulos como o Pai am ou ele estaria m uito próximo
do pensam ento joanino (veja v. 26 abaixo; tam bém 15,9). Todavia, um
dos tem as desta oração é a presença do Pai na vida cristã, e "os amaste"
está em harm onia com isto. Este versículo declara que a unidade dos
crentes provará ao m undo que Deus os tem amado. Parte dessa unidade
é o am or que os crentes nutrem entre si, e 13,35 dá a isso um a força pro-
batória: "Nisso conhecerão, todos que sois m eus discípulos - pelo amor
que tendes uns pelos outros".
assim como tu me amaste. A comparação é de tirar o fôlego, m as lógico; visto
que os cristãos são filhos de Deus e lhes têm outorgado a vida que Jesus
tem da parte do Pai (6,57), Deus am a a estes filhos como am a a seu Filho.
H á som ente um am or de Deus; cf. Spicq, p. 210.
24. Pai. A oração agora chega a um a conclusão; e, para assinalar isto, várias
inclusões foram inseridas, em que se escutam de novo os elementos do
início (vs. 1-5). A invocação "Pai" aparece no v. 1; e o presente versículo
rem odela o pedido p or glorificação feito no v. 1.
eles são tua dádiva para mim. Literalmente, "aquilo que me tens dado"; ou,
como em m uitos m anuscritos gregos tardios, "aqueles que m e deste".
Para o uso de um neutro em vez de um masculino, veja nota sobre "tudo
o que" no v. 2. Esta sentença substantiva está num a construção pendens,
antecipando o pronom e "lhes" na terceira frase do versículo. Visto que
tal construção se destina a dar ênfase, temos convertido a sentença su-
bordinada num a sentença principal.
eu estou. A lguns traduziríam a forma eimi por outro verbo: "vou"; veja nota
sobre 7,34.
quero. Jesus já não diz "eu oro"; agora m ajestosamente expressa sua vonta-
de. (com pare Mc 14,36: "N ão o que eu quero, m as o que tu queres"). Na
teologia joanina, este "quero" não é pretensioso, pois a vontade de Jesus
é na verdade a do Pai (4,34; 5,30; 6,33). Em 5,21, ouvimos: "O Filho conce-
de vida àqueles a quem ele quiser [conceder]"; ali, como aqui, a vontade
do Filho é expressa em term os de um dom aos homens.
1184 O Livro da Glória · Primeira Parte: A última ceia
estejam comigo. Jesus tem dito claram ente que os que não creem não podem
ir com ele para onde está indo (7,34; 8,21); nem podem ir com ele os disci-
pulos que se encontram em sua com panhia na últim a ceia. Mas, chegará
run dia que os que servem e seguem a Jesus estarão com ele (12,26; 14,3).
Uma esperança sim ilar se encontra em 2Tm 2,11: "Se já m orrestes com
ele, tam bém com ele vivereis", enquanto Rm 8,17 fala dos cristãos sen-
do glorificados com Cristo. É possível que aqui tenham os o equivalente
joanino das palavras que Jesus fala no relado de Lucas da últim a ceia:
"Comereis e bebereis à m inha m esa em m eu reino" (Lc 22,30).
vejam minha glória. Este uso de theõrein supõe um a dificuldade para os que
opinam que o verbo se refere a um a visão que vai acom panhada de um
conhecimento im perfeito (veja vol. 1, p. 816).
que me deste. Uma vez mais, o perfeito, não o aoristo, provavelm ente seja a
redação correta, embora o Códice Vaticanus tenha o aoristo.
porque me amaste. Tempo aoristo. O am or do Pai para com o Filho antes da
criação do m undo é a base d a glória que o Filho possuía antes da criação
(17,5). Este am or é tam bém a base da missão terrena de Jesus (3,35).
antes da criação do mundo. Literalmente, "fundação" ou "princípio". N ão é
um a expressão que ocorra na LXX, em bora ocorra no apócrifo Ascensão
de Moisés (1,13-14), obra do início do prim eiro século d.C. Evidentem en-
te, [a frase] era bem conhecida no período neotestam entário, pois ocorre
nove vezes no NT; veja especialm ente Ef 1,4; lP d 1,20.
25. Ó Pai justíssimo. Literalm ente, "Ó Pai justo"; isto é paralelo a "Ó Pai san-
tíssim o" no v. 11. Mais rom anticam ente, H oskyns, p. 495, vê um a progres-
são nas invocações "Pai", "Pai santíssim o", "Pai justíssim o", refletindo
o m ovim ento da oração desde a m orte de Cristo rum o à glorificação da
Igreja. Assim tam bém Schwank, "Damit", p. 544, o qual pensa na designa-
ção "justo" como um avanço para a designação "santo" e cita IC or 6,11:
"Vós vos lavastes, fostes santificados, fostes justificados". Isto é m uito
duvidoso; em nossa opinião, "santo" e "justo" não são variantes signi-
ficativas, m as pensa-se que "justo" era m ais apropriado no v. 25 por-
que o restante do versículo descreve um julgam ento (veja com entário).
O tem a da justiça de Deus é frequente no AT (Jr 12,1; SI 116,5; 119,137),
que ecoa no NT (Rm 3,26; Ap 16,5). N o NT, pensa-se que a justiça de
Deus tem , respectivam ente, efeitos positivos (Ele salvará o inocente) e
efeitos negativos (Ele p unirá os perversos). O efeito positivo aparece
em ljo 1,9: "Se confessarm os nossos pecados, ele, que é fiel e justo,
perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça"; tam bém
em 2,1-2, que descreve Jesus como justo q uando intercede diante d o Pai
por nossos pecados.
59 · O último discurso: - Terceira seção (terceira unidade) 1185
C O M E N T Á R IO
o ra d isc u tim o s n a d a h á so b re o rg an iz aç ã o o u c o m u n id a d e . R a n d a l l ,
p p . 12-16,4041־, cita n u m e ro sa s o p in iõ es. S eria a u n id a d e u m a q u e stã o
d e p ro p ó sito s co n ju n to s e x p re ssa n d o -se n u m a m issã o e m e n sa g e m
cristãs c o m u n s (S t r a c h a n )? Seria u m a q u e s tã o d e o s c ristã o s tra b a -
lh a re m h a rm o n io sa m e n te ju n to s se m d issid ê n c ia (S ch la tt er )? S eria a
u n iã o d o s c ristã o s e n tre si e co m C risto , m o d e la d a n a u n iã o q u e exis-
te e n tre p e sso a s, e sp ec ialm en te e n tre e sp o so e e sp o sa (S t r a t h m a n n )?
Seria u n id a d e e fe tu a d a a tra v é s d o c a rá te r s in g u la r d a im a g e m d e
D e u s n a co n sciência d e c a d a c re n te (H o ltz m a n n )? S eria ela u m a u n i-
d a d e m ística (B . W eiss, B ern a rd )? Seria u m a u n id a d e fu n d a d a so b re
a u n id a d e d e c a d a cristã o com o P a i e o F ilh o (B eh ler )? E staria e sta
u n id a d e re la c io n a d a com o m in isté rio e u c arístic o (A. H a m m a n )? Se-
ria u m a u n id a d e q u e se m a n ife sta n o p o d e r d e o p e ra r m ila g re s (W.
B a u er ; cf. 14,11-12)? S eria u m a u n id a d e em to rn o d a " p a la v ra " q u e
fu n d a a c o m u n id a d e - u m a u n id a d e q u e n a d a te m a v e r c o m se n ti-
m e n to p e sso a l o u p ro p ó sito c o m u m e n ã o é sim p le sm e n te h a rm o n ia
fra te rn a , n e m o rg an iz aç ã o , n e m d o g m a , n e m m e sm o e ste s p o d e m
ser te s te m u n h a s d a u n id a d e (B u ltm a n n )? M ais c e d o o u m a is ta rd e , a
m aio ria d o s a u to re s d irá q u e ela é a u n iã o d e a m o r. A í e stá o p ro b le -
m a; m a s K ä sem a n n , p . 5 9 , te m ra z ã o , q u a n d o diz: " U su a lm e n te , n e ste
p o n to d e s v ia m o s a q u e stã o co m lin g u a g e m e d ifica n te, re d u z in d o a
u n id a d e ao q u e c h a m a m o s d e a m o r" .
E m v e z d e an alisarm o s estas teorias u m a a u m a , salien tem o s os
aspectos q u e p arecem estar claros n as afirm ações d e João so b re a u n i-
d ad e. Q u a lq u e r a b o rd a g e m q u e situ e a essência d a u n id a d e n a solida-
rie d a d e d o e m p e n h o h u m a n o n a re a lid a d e n ão faz justiça à insistência
d e João d e q u e a u n id a d e tem su as origens n a ação d iv in a. O p ró p rio
fato d e q u e Jesus ro g u e ao P ai p o r esta u n id a d e in d ica q u e a c h av e p a ra
alcançá-la está n as m ãos d e D eus. N o v. 22, Jesus d á a e n te n d e r q u e a
u n id a d e d o s crentes b ro ta d o d o m q u e ele m esm o faz ao s cren tes d a
g lória q u e o P ai lhe d e u , e assim a u n id a d e flui d o P ai e d o F ilho aos
crentes. N e n h u m a d estas hip ó teses im p lica u m a p a ssiv id a d e p o r p a rte
d o s crentes n a q u estão d a u n id a d e , m as a ação deles n ã o é a fo n te p ri-
m ária d a u n id ad e .
A s afirm açõ es jo an in a s so b re a u n id a d e im p lic a m ta n to u m a d i-
m en são h o riz o n ta l co m o u m a vertical. A u n id a d e e n v o lv e a rela çã o
d o s cren tes co m o P ai e o F ilho (vertical) e a relação d o s c re n te s e n tre
si (ho rizo n tal). A ú ltim a d im e n sã o se e n c o n tra e m to d a s as a firm açõ es,
59 · O último discurso: - Terceira seção (terceira unidade) 1189
BIBLIOGRAFIA
(1 7 )
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SPICQ, C., Agapè (Paris: G abalda, 1959), III, 2 0 4 1 8 ־. C itações são do
francês, m as h á em inglês u m a forma abreviada em Agape in the New
Testament (St. Louis: H erd er, 1966), III, 7 4 8 5 ־.
59 · O último discurso: - Terceira seção (terceira unidade) 1197
João e os sinóticos
A N Á LISE Q U E TA YLO R FA Z D A
N A R R A TIV A M A R C A N A D A PA IX Ã O
a p o io relig io so p a ra s u a s re iv in d ic a ç õ e s m e ssiâ n ic a s d e a lg u m a s d a s
m ais e le v a d a s a u to r id a d e s re lig io sa s ju d a ic a s. T o d a v ia , e ste s o u tro s
p s e u d o m essias e ra m n a c io n a lista s, e s e u su c e sso d a ria in d e p e n d ê n -
cia p o lític a im p líc ita p e lo S in é d rio e a g lo rific aç ã o d e J e ru s a lé m e
d o te m p lo . U m m e ssia s q u e a o m e sm o te m p o a m e a ç a sse s u b v e rte r
o te m p lo b e m q u e p o d e ria te r p ro v o c a d o o p o siç ã o re lig io sa . M as
p o d e se r q u e n ã o e sta m o s a lc a n ç a n d o o â m a g o d o p ro b le m a relig io -
so q u a n d o d isc u tim o s Jesu s co m o o M essias (e sp e c ia lm e n te se ele
n ã o a c e ito u p a r a si, im e re c id a m e n te , o títu lo ). H á ra z ã o p a r a se c re r
q u e a re a l a c u sa ç ã o re lig io sa c o n tra Je su s fo sse q u e ele e ra u m falso
p ro fe ta . R. H . F u l l e r , The Foundations o f New Testament Christology
(N o v a Y ork: S crib n er, 1965), p p . 125-29, e m u m a a n á lise c rític a d a
a u to -c o m p re e n sã o d e Jesu s, m a n té m q u e Je su s n ã o r e iv in d ic o u se r o
M essias, o F ilh o d o H o m e m , o u o F ilh o d e D e u s; A n te s, ele in te rp re -
to u s u a m issã o e m te rm o s d e p ro fe c ia e scato ló g ica. Seja c o m o fo r, é
sig n ific a tiv o q u e a a n tig a re fe rê n c ia ju d a ic a a Je su s e m T alB ab, Sa-
nhedrin, 43a, d iz q u e ele foi e x e c u ta d o p o r p ra tic a r b ru x a ria e a tr a ir
Isra e l à a p o s ta s ia - e m s u m a , p o r q u e e ra u m falso p ro fe ta q u e c a iu
so b a s e n te n ç a d e m o rte d e D t 13,5 e 18,20. E sta a c u sa ç ã o c la ra m e n te
relig io sa é u m eco d o s re la to s sin ó tico s d o e s c a rn e c im e n to ju d a ic o
c o n tra Je su s (M c 14,65 e p a r.) e ta lv e z n o in te rro g a tó rio q u e A n á s
fez a Je su s (veja p . 1262 abaixo; c o m p a re ta m b é m Jo 7,15-19 co m
D t 18,20). P. E. D avies , BiRes 2 (1957), 19-30, o ferece a b u n d a n te e v i-
d ê n c ia n e o te s ta m e n tá ria , m o s tra n d o q u e o s p r im e iro s c ristã o s co n -
c e b era m o so frim e n to e a m o rte d e Je su s e m te rm o s d o d e s tin o d e
u m p ro fe ta m á rtir.
D ev em o s m en c io n ar a in d a q u e m u ita s ações d e Jesu s d u r a n te se u
m in isté rio tin h a m p ro fu n d a s im p licaçõ es relig io sas, d a s q u a is os q u e
o in te rro g a ra m te ria m sid o b e m cientes. Seria p o ssív e l q u e a o p o si-
ção q u e Jesus fez ao s farise u s (ce rta m en te u m a sp e c to h istó ric o em
seu m in istério ) foi e sq u ec id a p e lo s escrib as q u e e ra m p a rte d o Siné-
d rio ? N ã o p o d e ria su a a titu d e p ro fé tic a p a ra com o s rico s e s e u a p e lo
às classes m ais p o b re s te r c o n tra ria d o a aristo cracia a b a sta d a d o seio
d a q u a l v in h a m a lg u n s d o s a n cião s d o S inédrio? N ã o p o d e m o s e sta r
certo s se a acu sação ex p lícita d e b lasfêm ia foi la n ç a d a c o n tra Jesus,
m esm o q u a n d o a p a re c e in d e p e n d e n te m e n te n a s tra d içõ e s d ife re n te s
d o e v a n g elh o (veja vol. 1, p . 689). P o d e se r q u e a d escrição e v an g élica
d o q u e c o n stitu ía a b lasfê m ia, a sab er, a re iv in d ic a çã o d e se r o F ilho
60 · A narrativa da paixão: Observações gerais 1221
BIBLIOGRAFIA
A NARRATIVA JO A N IN A DA PAIXÃO
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1224 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
A prisão de Jesus
NOTAS
18.1. Tendo dito isto. Literalmente, "Havendo dito estas coisas". D e la Potterie,
entre outros, vê nesta frase a conotação de propósito ou preparação, de
m odo que a N arrativa da Paixão que segue representa a culm inação das
palavras de Jesus. Por exemplo, a crucifixão seria a glorificação do que se
falou em 17,1-5. A conexão é possível, m as em outro lugar em João a frase
é m eram ente sequencial (13,21; 20,20).
saiu com seus discípulos. Praticam ente, as m esm as p alav ras aparecem nos
relatos sinóticos do final da ceia. Mc 14,26 (Mt 26,30) traz: "Saíram ";
Lc 22,39: "E, saindo, ele foi... e seus discípulos o seguiram ". Todos os
relatos dos evangelhos im plicam que a intenção de Jesus era p a ssa r a
noite nas cercanias da cidade, e não na p ró p ria cidade. Isto concorda-
ria com o que sabem os das condições de com o se enchia a cid ad e no
período da Páscoa (veja nota sobre 11,55). O costum e judaico exigia
que a noite pascal (cronologia sinótica) fosse p assad a em Jerusalém
- esta era a exegese contem porânea de Dt 16,7. M as, p a ra solucionar
o problem a de acom odações, o distrito d a cidade foi alarg ad o para
p ropósitos pascais, incluindo as cercanias até Betfagé, no M onte das
Oliveiras. Betânia, o lugar de residência costum eira d e Jesus na área
de Jerusalém (nota sobre 11,1), ficava fora do lim ite legal. Veja Jere-
mias EWJ, p. 55.
Q uanto à designação dos que estavam com Jesus, de "seus discípulos",
Jeremias, EWJ, p. 95, salienta que, no relato prim itivo pré-m arcano da pai-
xão, a palavra "discípulos" não é usada na cena d a prisão, m as som ente
a designação m ais vaga "aqueles que estavam ali".
para além do vale de Cidrom. Literalmente, "a corrente invernal de C idrom "
(ou Cedrom, se for seguir a pronúncia grega). O Cidrom , não mencio-
nado pelos sinóticos, é o ribeiro que só tem água corrente na estação
chuvosa ou invernal. O uso que João faz da term inologia correta para o
Cidrom não é necessariam ente prova de que o evangelho esteja recor-
rendo a um a tradição palestinense autêntica (vol. 1, p. 29), pois "corrente
invernal" é a designação usual do Cidrom na LXX (2Sm 15,23; lR s 15,13).
Loisy, Lagrange, entre outros, pensam que João está sutilm ente alu-
dindo aqui o relato da fuga de Davi diante de Absalão em 2Sm 15 (14:
"Levantemo-nos e fujamos" [Jo 14,31]; 23: "e o rei atravessou o vale de
Cidrom"). Guilding, p. 165, relacionando a narrativa joanina a lR s 2,
lê como um haphtarah dois meses antes da Páscoa no prim eiro ano do
ciclo trienial das leituras da sinagoga (vol. 1, pp. 518s). Em particular,
ela aponta para a advertência de Salomão a Simei: "N o dia em que
61 · A narrativa da paixão: - Primeira seção (primeira unidade) 1227
foram usados anacronicam ente para tropas não rom anas não lança luz
sobre a p resente situação. U m escritor que vivesse sob o dom ínio rom a-
no dificilm ente usaria um term o técnico m ilitar rom ano p ara um a força
judaica quan d o sua intenção é m encionar ao lado da escolta e distinta
dela "a g u ard a fornecida pelos principais sacerdotes e os fariseus". Se
a m enção de tropas rom anas é histórica, então devem os presum ir que
foram colocadas p o r Pilatos à disposição dos sacerdotes ou do Sinédrio,
talvez p orque ele tem esse o perigo de outra insurreição (cf. Mc 15,7;
Lc 23,19). Isso tam bém poderia explicar a dificuldade do grande nú-
m ero d e soldados, se form os tom ar "escolta" literalm ente. De uns pou-
cos anos depois do tem po de Jesus (At 10,1) até m eados do 2“ século,
o prefeito ou p rocu rad o r rom ano na Palestina tinha à sua disposição
tro p as de um a escolta (Cohors Secunda Italica) consistindo de tropas
arreg im en tad as na Itália e com plem entadas po r recrutas de Samaria e
Cesareia (Josefo, Ant. 19.9,2; 365). E nquanto o relato sinótico da prisão
de Jesus não m enciona rom anos, alguns veem um a referência a eles
em Mc 14,41 (Mt 26,45): "O Filho do H om em é entregue nas m ãos de
pecadores [i.e., gentios?]".
guarda fornecida pelos principais sacerdotes e fariseus. Para estas guardas do
tem plo (hypêretai), veja nota sobre 7,32. Literalmente, são os guardas
"dos principais sacerdotes"; e em 12 são cham ados "a guarda dos ju-
deus", em distinção da escolta (romana) com seu tribuno. As descrições
sinóticas do grupo envolvido na prisão de Jesus são mais gerais, com
Lucas sendo m ais afim com João. Mc 13,43 (Mt 26,47) fala de "um a (gran-
de) m ultidão... dos principais sacerdotes, dos escribas e dos anciãos (do
povo)"; Lc 22,52 coloca os principais sacerdotes e os próprios anciãos na
cena lado a lado com "os oficiais do tem plo" (de At 5,22-24.26 podem os
concluir que os stratêgoi de Lucas são os oficiais que estão com andando
os hypêretai do templo).
V oltando à expressão de João, "os principais sacerdotes e os fariseus",
notam os que ela ocorreu quatro vezes antes (7,32.45; 11,47.57). Em si, a
combinação não oferece m uita dificuldade (ela ocorre em Josefo, Life 5;
21), m as alguns veriam aqui um am álgam a dos sacerdotes do tem po de
Jesus e dos fariseus do tem po dos evangelistas. Considerem os cada termo.
O uso plural "sum os sacerdotes" ocorre um as dez vezes em João (cinco
vezes na N arrativa da Paixão) e é m uito frequente nos sinóticos e em Atos.
N ão indica necessariamente que os escritores neotestamentários não co-
nheciam que havia somente um sumo sacerdote oficial, pois o plural é
um a expressão corrente encontrada em Josefo e na Mishnah. Sob a rubri-
ca dos principais ou sumos sacerdotes estava incluído o sumo sacerdote
1230 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
Festschrift; Berlin: Töpelm ann, 1960), pp. 90-93. (c) O nom e designa Jesus
como o "renovo messiânico" (heb. riêçer) de Is 11,1. (d) O nom e está rela-
cionado ao passivo do verbo nasar, "preservar", assim riãsur, "o preser-
vado", com conotações do rem anescente messiânico - Jesus é aquele que
foi separado e guardado para a tarefa messiânica; seus seguidores são o
remanescente. B. G ärtner, Die rätselhaften Termini Zazoräer und lskariot
(Horae Soederblomianne 4; Uppsala: Gleerup, 1957), p. 14, pensa que as
passagens Is 42,6 e 49,6, que contêm este verbo, são as profecias referi-
das em M t 2,23 como a base para cham ar Jesus um N azoreano. G ärtner
tam bém apresenta sua explicação do substantivo cognato isaiano nêser,
supram encionado. Para um exame de pontos de vista, veja Η. H. Schae -
der, TWNTE, IV, 874-79.
"Eu sou ele". Literalmente, "Eu sou" (egõ eimi). O Codex Vaticanus, que
lê "Eu sou Jesus", preserva um a tentativa de copista para esclarecer. Um
egõ eimi ocorre na narrativa m arcana da paixão (14,62), quando Jesus
responde à pergunta do sum o sacerdote sobre ser ele o Messias. Além
do mais, em Mc 14,44, na prisão de Jesus, Judas diz: "Aquele a quem eu
beijar, esse é ele [autos estin]".
(Ora, Judas...). Isto parece ser um a inserção m uito estranha: a presença de
Judas não só já fora m encionada, m as já não exerce nenhum o utro papel
que justificasse ser m encionado outra vez. B ultmann, p. 493, pensa que
esta foi a prim eira referência a Judas na cena do relato da paixão no jar-
dim usada pelo evangelista, enquanto a referência a Judas no v. 3 repre-
senta um a adição introdutória com posta pelo evangelista. W inter, Trial,
p. 45, pensa que todas as referências a Judas nesta cena são secundárias.
Seria a segunda m enção a Judas um eco da tradição sinótica onde Judas
tem um papel m ais im portante? Para a possibilidade de adições m enores
da tradição sinótica, veja vol. 1, p. 25.
6. recuaram. Os relatos sinóticos não registram qualquer hesitação na prisão
de Jesus. Não obstante, em outros lugares em João há registros de difi-
culdade em prender ou em prejudicar Jesus (7,30.44; 8,20.59; 10,39; 12,36;
tam bém Lc 4,29-30). J. H . H ingston, E T 32 (1920-21), 232, tem tentado
resolver a dificuldade, interpretando as palavras neste sentido: "ficaram
atrás [dele]", interpretação que requer a omissão da frase seguinte.
e caíram por terra. M ein, art. cit., é perfeitam ente correto em rejeitar a inter-
pretação de B ernard (II, 586-87) de que as palavras não im plicam nada
mais senão que os hom ens que foram fazer a prisão se viram vencidos
pela ascendência m oral de Jesus e então ficaram "desconcertados". Mas
a própria tese de M ein de m odo algum é convincente, a saber, que isto
é um eco da LXX de Is 28,13b: "... para que vão, e caiam para trás, e
61 · A narrativa da paixão: - Primeira seção (primeira unidade) 1233
C O M E N T Á R IO
O interrogatórío de Jesus
"E u te n h o fa la d o a b e rta m e n te a to d o m u n d o .
E u s e m p re e n sin e i n u m a sin a g o g a o u n o s rec in to s d o tem p lo ,
o n d e to d o s os ju d e u s se reu n ia m .
N a d a h o u v e d e secreto acerca d o q u e e u disse.
21P o r q u e m e p e rg u n ta s? P e rg u n ta ao s q u e m e o u v ia m e n q u a n to
e u falava. O b v ia m e n te, se le m b ra ria m d o q u e e u d isse ". 22A n te e sta
resp o sta, u m d e n tre a g u a rd a em serviço d e u u m a b o fe ta d a n o ro sto
d e Jesu s, ex clam an d o : "É d e ssa m a n e ira q u e re s p o n d e s ao s u m o sa-
cerd o te?" 23Jesu s re sp o n d e u : "Se e u d isse alg o m al, p r o d u z a lg u m a
ev id ên cia d isso . M as se e sto u certo, p o r q u e m e feres?" 24E n tã o A n á s
o e n v io u m a n ie ta d o a C aifás, o su m o sacerd o te. 25E n tre ta n to , S im ão
P e d ro p e rm a n e c ia em p é ali, a q u ecen d o -se. E n tã o lh e d isse ram : "É s
tam b é m u m d e se u s d isc íp u lo s? " "N ã o , n ã o so u " , d isse n e g a n d o -o .
26" N ã o te v i co m ele n o ja rd im ? ", in sistiu u m d o s se rv o s d o su m o
sacerd o te, p a re n te d o h o m e m cuja o re lh a P e d ro d e c e p a ra . 27P e d ro ne-
g o u -o o u tra v ez, e em se g u id a u m g alo c o m eço u a can tar.
NOTAS
bre a exatidão lucana pode ser hipercrítica; pois não é impossível que,
ao cham ar A nás "sum o sacerdote", Lucas está preservando um título de
cortesia dado aos prim eiros sum os sacerdotes. Temos evidência de tal
uso tanto na M ishnah (Horayoth 3:12,4 ־- o sum o sacerdote retinha sua
santidade e obrigações m esm o depois que não mais estivesse no ofício)
e em J osefo (War, 2.12.6; 243 - Jônatas é m encionado como sum o sacer-
dote quinze anos depois de sua deposição). Ainda pode ser que judeus
utra-ortodoxos se recusassem reconhecer a deposição rom ana dos sumos
sacerdotes e considerassem Anás como sendo o sum o sacerdote legítimo
visto que o sum o sacerdócio era tido como um ofício vitalício (Nm 35,25).
E p o d e ser que na situação de facto o velho e sagaz Anás fosse o sumo sa-
cerdote efetivo, m anejando o poder por detrás das cenas enquanto seus
parentes retinham o título.
João é nossa única fonte para dois detalhes: que Anás exerceu certo pa-
pel no interrogatório de Jesus e que A nás era o sogro de Caifás. Do que
tem os dito, nenhum detalhe é implausível, a despeito da tendência de
m uitos críticos de descartá-los. O problem a sério é que em 15,16,19 e 22
João cham a Anás "o sum o sacerdote". Devemos interpretar isto à luz das
sugestões feitas acima sobre o uso lucano desse título. (O autor joanino
sabia claram ente que Caifás era o sum o sacerdote oficial no tem po da
m orte de Jesus [v. 14; 11,49], e dificilmente podem os im aginar que ele
fosse tão ignorante d a situação palestiniana para crer que houvesse dois
sum os sacerdotes ao m esm o tem po. Os críticos que fazem esta sugestão
não podem explicar como um autor que conhecia o AT tão bem pudesse
com eter um equívoco tão elementar). O utros têm tentado resolver o pro-
blem a se valendo da crítica literária. Descobrimos no OSsin, na Filoxenian
Syriac, na m argem do Evangeliarium H ierosolym itanum , no Greek Cur-
sive 225 e em C irilo de Alexandria suporte para um rearranjo em que o
v. 24 seja lido im ediatam ente após o v. 13. Isto significaria que, depois
de Jesus ser levado a Anás, foi bem rapidam ente enviado de Anás para
Caifás; e assim o interrogatório ocorreu antes de Caifás que é designa-
do p o r toda parte de "o sum o sacerdote". Enquanto este rearranjo tem
apelado para diferentes estudiosos (L utero, C almes, L agrange, Streeter,
D urand, J oüon, V osté, S utcliffe) e continua a receber suporte e melho-
ram ento m odernos (artigos da Igreja e Schneider), provavelm ente seja
esta um a antiga tentativa de um copista para m elhorar a sequência, em
vez de u m genuíno eco da ordem original. O OSsin, que é o testem unho
básico para o rearranjo, tende a fazer tais "m elhoram entos" na ordem;
p o r exemplo, ele coloca 19-23 após 14-15. Se no v. 24 original seguiu o 13,
não há explicação racional de como sucedeu a ordem ora encontrada em
1246 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
portão"; esta redação implica que um porteiro deixou Pedro entrar, m as sua
serva interrogou Pedro. Isto é atraente, m as cabe-nos lembrar que o OSs ״se
caracteriza por sua tendência por amenizar as dificuldades desta cena.
disse. T aciano e o OSsin acrescentam que ela cismou com Pedro, um em prés-
timo de Lc 22,56.
"Não és tu também...?" Um a pergunta com mê norm alm ente antecipa um a
resposta negativa. O significado norm al seria possível no presente con-
texto se teorizarm os que a serva poderia estar propensa a pensar em Pe-
dro como um perturbador, já que ele estava sendo apadrinhado p o r um
conhecido da casa. Mas em 25 a m esm a pergunta com mê reaparece, e ali
é m ais difícil explicar como um a resposta negativa poderia ser antecipa-
da. É m ais sim ples presum ir que algum as vezes mê perde sua força nas
perguntas joaninas (veja Jo 4,29 e MTHGS, p. 283). N ão obstante, a tercei-
ra pergunta feita a Pedro (26) em prega um ouk (sinal de antecipação de
um a resposta afirmativa), e assim há algum contraste tencionado entre
os dois tipos de perguntas.
Q ual é a função do "tam bém " aqui? A lguns (L agrange, W estcott) pensa
que a serva sabia que o outro discípulo era um dos seguidores de Jesus.
Mas então por que o outro discípulo foi adm itido e po r que ele não cor-
ria nenhum risco, como Pedro aparentem ente teria corrido se fosse con-
fessar a verdade? "Tu tam bém " e "este hom em tam bém " aparecem nos
relatos sinóticos da acusação de Pedro (Mc 14,67 e par.), onde não há
problem a de um a com paração com outro discípulo; e "tam bém " implici-
tam ente se refere aos discípulos que estavam com Jesus quando este foi
preso. Assim, em João tam bém a ideia pode ser: "És tu tam bém , como
aqueles outros, um discípulo?"
Não sou. G rundmann, NovT 3 (1959), 651, sugere que o ouk eimi de Pedro,
aqui e em 25, são as contrapartes negativas do egõ eim i de Jesus em 5 e 8.
Assim G rundmann chega a um interessante contraste entre a confissão
de Jesus sobre quem ele é em defesa dos discípulos e a negação d e Pedro
de ser um discípulo.
18. frio. Somente João fornece este detalhe, m as é um a implicação óbvia em
M arcos e Lucas que mencionam um a fogueira no pátio. Jerusalém , a 760
m etros acima do nível do m ar, pode ficar fria nas noites de prim avera.
servos e os guardas. Juntam ente com as tropas rom anas havia servos e os
guardas no jardim para a prisão de Jesus (servo, no v. 10; polícia, em 3 e
12). Mc 14,54 e M t 26,58 m encionam guarda no pátio do sum o sacerdote,
embora não os m encionem na cena da prisão.
fizeram uma fogueira. Dos sinóticos, som ente Lucas (22,55) m enciona o ato
de acender fogo (pyr; em 56 phõs, "luz") tão logo a patrulha chegou na
62 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (segunda unidade) 1251
manietado. Jesus foi conduzido a A nás m anietado (12). Foi ele liberado du-
rante o interrogatório, ou Lagrange está certo em sugerir que isto signi-
fica "ainda m anietado"? (Com pare At 22,30, onde Paulo fora liberado
quando conduzido perante os principais sacerdotes e o Sinédrio, m as
este privilégio poderia ter sido acordado com ele po r ser um cidadão
romano). Ainda em outra tentativa de resolver o problem a de um in-
terrogatório de Jesus perante Anás, A. M ahoney, art. cit., recorre a um a
em enda textual: em lugar de dedemenon, "m anietado", ele lê menõn:
"Anás, porém , persistindo (após a saída de Caifás) o enviou a Caifás".
Esta em enda pressupõe detalhes não mencionados: Caifás estava com
Anás quando Jesus foi interrogado; mas, depois do interrogatório, ele
partiu para onde o Sinédrio estava reunido.
Na tradição m arcana/m ateana, a prim eira m enção de Jesus m anietado,
quando enviado do Sinédrio a Pilatos (Mc 15,1; M t 22,2). Lucas não tem
referência as am arras.
a Caifás. Ao palácio do sum o sacerdote oficial, ou (se A nás já estava
lá) a o u tra ala do palácio, ou a algum lu g ar em que o Sinédrio se
reunia (veja nota sobre "palácio" em 15). N aturalm ente, João não
m enciona o Sinédrio, m as som ente Caifás; m as é bem pro v áv el q u e o
"eles" de 28 (nota ali) im plique os líderes do Sinédrio. N ão sabem os
onde o Sinédrio se reunia n esta época. Veja Blinzler, Trial, p p . 112-14.
M ishnah Middoth, 5:4, fala d a Sala da P ed ra L avrada d o lado su l do
átrio do tem plo; m as, segundo TalBab, Abodah Zarah, 8b, o Sinédrio
ab an d o n o u esta sala quarenta anos (núm ero redondo?) antes que o
tem plo fosse d estru íd o (70 d.C.) e m udou-se para a praça do m ercado
(veja vol. 1, p. 317s) - assim , aparentem ente, m ais ou m enos n o tem po
de Jesus.
25. Entretanto. Esta é um a tradução livre de de; aparentem ente, João está re-
trocedendo-se para contar-nos o que aconteceu enquanto Jesus estava
sendo interrogado. Marcos e M ateus deixam claro que Pedro estava do
lado de fora ou na parte inferior enquanto Jesus estava sendo interro-
gado do lado de dentro ou parte superior. Em João, tem os a im pressão
(mas nenhum a afirm ação clara) de um a m udança de cena de u m a p arte
do edifício para outra.
Simão Pedro... aquecendo-se. Esta é um a repetição do v. 18, de m odo que as
duas prim eiras negações se acham vinculadas. João concorda com Lucas
sobre a localização da segunda negação; veja gráfico à p. 1268 abaixo.
disseram. Presum ivelm ente, os servos e a guarda m encionados no v. 18.
"Es também...?" "Não, não sou". João tem a m esm a pergunta e resposta
como na prim eira negação.
62 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (segunda unidade) 1255
COMENTÁRIO
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62 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (segunda unidade) 1259
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1270 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
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63. A NARRATIVA DA PAIXÃO:
- SEGUNDA SEÇÃO (EPISÓDIOS 1 3 )־
(18,28-40)
PR IM E IR O EPISÓ D IO
S E G U N D O E PISÓ D IO
TERCEIRO E PISÓ D IO
D epois d esta observação, Pilatos saiu o u tra vez aos ju d eu s e lhes disse:
"D e m in h a p arte, n ão acho n e n h u m a cu lp a neste hom em . 39Lem brai-vos
q u e ten d e s o co stu m e d e e u soltar-vos a lg u é m n a Páscoa. Q u ereis, p o is,
q u e v o s solte ׳o Rei d o s Ju d e u s'? " 40N isto em resp o sta to m a ra m a cia-
m ar: "Q u erem o s B arrabás, n ã o este". (B arrabás era u m b a n d id o ).
NOTAS
18.28. ao romper do dia. Prõi, literalm ente "quatro da m anhã", era a últim a
divisão rom ana da noite (vinda depois do "canto do galo"), de 3-6. É
possível interpretar João no sentido de que o interrogatório feito por
Anás e as negações sim ultâneas da parte de Pedro term inaram cerca de
3 horas (nota sobre 27); que durante o próxim o período de três horas
Jesus estava com Caifás, e que, finalmente, perto das seis horas Jesus foi
levado a Pilatos, onde o julgam ento durou até cerca de meio-dia, quando
foi sentenciado (19,14). Em conform idade com Mc 15,1 e Mt 27,1, a se-
gunda sessão do Sinédrio ocorreu a "a prim eira hora" e im ediatam ente
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1275
a seguir Jesus foi levado para Pilatos. Lc 22,66 fala da reunião do Sinédrio
"quando já era dia". S herwin-W hite, " Trial", p. 114, salienta que o dia
de trabalho de um oficial rom ano começava à prim eira hora da aurora
e que, por exemplo, o im perador Vespasiano term inava seu trabalho de
escrivaninha antes do amanhecer. (Sherwin-W hite usa isto como argu-
m ento pela validade de um a sessão noturna do Sinédrio, mas o costume
rom ano pode ser conciliado tam bém com um a sessão do Sinédrio na pri-
m eira hora da manhã).
Levaram. Nos casos de levar Jesus do jardim ao palácio ou casa do sumo
sacerdote e de levá-lo de Caifás a Pilatos, João (18,13.28) e Lucas (22,54;
23,1) usam o verbo agagein, "tom ar, levar"; Marcos (14,53; 15,1), seguido
por M ateus, usa apagagein, "levar embora". O últim o verbo aparece em
Lc 22,66 para a condução de Jesus da casa do sum o sacerdote para o Si-
nédrio.
Eles. Quem? A últim a sentença em referência a Jesus foi em 24: "Anás o
enviou m anietado a Caifás". João não menciona um a sessão do Sinédrio
enquanto Jesus estava com Caifás; m as o "eles" pode bem incluir algu-
m as das autoridades do Sinédrio, se levarm os em conta que João nos
inform a dos acusadores de Jesus durante o julgam ento romano. No v. 35,
Pilatos identifica os principais sacerdotes como estando entre os que lhe
entregaram Jesus; cf. também "os judeus" (31,38 etc.) e "os principais
sacerdotes e a guarda do tem plo" (19,6).
de Caifás. Do palácio do sum o sacerdote ou do local de reunião do Sinédrio
(nota sobre 24)? Uns poucos mss. e o OL leem equivocadamente "a Caifás"
sob a influência de 24.
ao pretório. Originalmente, este term o designava aquela tenda dentro de um
acam pam ento militar onde o pretor rom ano erigia seu quartel-general.
Ele veio a denotar o lugar da residência do oficial chefe em território ro-
m ano subjugado. Na Palestina, a residência perm anente do governador
rom ano ficava em Cesareia (veja At 23,33-35 que coloca o governador ro-
m ano no pretório de Herodes, isto é, em um palácio herodiano adaptado).
Aqui estam os preocupados com a residência do governador em Jerusa-
lém, ocupada durante as festas ou em tempos de perturbação. Mc 15,16
(cf. Mt 27,27) coloca o "pretório" em oposição ao aulê, "palácio, átrio";
e parece claro que os três evangelhos que usam o termo "pretório" (Lu-
cas não) visualizassem um grande edifício com um pátio externo onde
a m ultidão se reuniría. Teria havido salas interiores, inclusive quartos
(Mt 27,19 menciona a presença da esposa de Pilatos) e barracas para os
soldados. Mc 15,8 tem a m ultidão "subindo" a Pilatos, talvez refletin-
do um a tradição de que o pretório ficava na seção superior da cidade.
1276 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
Naturalm ente, não podem os estar certos se tal informação reflete a imagi-
nação do evangelista ou um a reminiscência histórica.
A localização do pretório em Jerusalém é incerta, m as entre as fortale-
zas herodianas da cidade há duas prováveis candidatas, am bas mencio-
nadas por Josefo, Ant. 15.5; 292. (1) A fortaleza de Antônia, um castelo
hasm oneano rem odelado por H erodes o G rande, c. de 35 a.C., e usado
por ele por doze anos tanto como castelo e palácio. Este ficava na Coli-
na Oriental bem ao norte dos recintos do tem plo, e a escolta pretoria-
na a protegia durante os tem pos festivos precisam ente por causa de sua
proxim idade com o palácio onde sublevação era m ais provável eclodir.
A tradição cristã tem honrado este local como o pretório desde o 12“ sé-
culo. Em 1870, a tradição recebeu suporte da descoberta na área de um
pavim ento de lajes de pedra maciça. Subsequente escavação tem leva-
do P ère V incent a identificar isto como o Lithostrotos ou "Pavim ento de
Pedra" m encionado em 19,13 (veja nota ah). Para detalhes, veja a tese
de M ather A line de Sião La Forteresse Antonia et la question Du Prétore
(Jerusalém, 1955). (2) O Palácio H erodiano sobre a Colina O riental (hoje
próxima ao portão Jaffa) dom inando toda a cidade. H erodes o G rande
construiu isto como um a habitação de m uita grandeza e m udou da An-
tônia para cá em 22 a.C. A luz da evidência em Josefo e Filo, isto serviu
como a residência usual em Jerusalém para os procuradores rom anos
(Kopp, HPG, pp. 368-69). Segundo Filo, Ad Gaium 38; 299, Pilatos erigiu
ah algum as placas douradas, talvez como um a renovação da residência
do governador. A palavra aulê, usada por Mc 15,16 para descrever o pre-
tório aparece com frequência nas referências de Josefo ao palácio hero-
diano, m as nunca em referência à fortaleza de Antônia. N um a discussão
com V incent, P. Benoit, RB 59 (1952), 513-50), argum enta que a evidência
antiga favorece conclusivam ente este local como o pretório. Assim tam-
bém E. Lohse, ZDPV 74 (1958), 69-78.
evitar impureza ritual. At 10,28 diz que era ilícito para os judeus associar-
se com ou visitar alguém de outra nação, e alguns estudiosos têm in-
terpretado isto no sentido de que no Io século a.D. os judeus palesti-
nianos pensavam que todos os gentios eram leviticam ente im puros
(Schürer, 2,1, p. 54). Em um cuidadoso estudo no Jewish Quarterly Re-
view 17 (1926-27), 1-81, A. Büchler tem m ostrado que isto não procede.
Embora as atitudes m ais estritas dos fariseus exercessem certa predo-
minância, até m esm o os fariseus não consideravam os gentios autom a-
ticamente im puros. Nos prim órdios do século, as m ulheres gentílicas
eram tidas como im puras, porque ignoravam as leis de Lv 15,19-24 que
envolviam im pureza pós-m enstruação (os hilelitas eram m ais austeros
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1277
do que os sham aítas nesta questão), e se julgava que esta im pureza era
com unicada aos esposos gentílicos. Um pouco m ais tarde, os hilelitas,
contra a oposição sham aítas, quiseram declarar os gentios sujeitos a
contam inação por um cadáver (Nm 19,16; 31,19); e isto teria significado
quase um estado perm anente de contaminação, já que os gentios amiú-
de sepultavam os m ortos debaixo de suas casas. O "Rolo do Templo"
de Q um ran, do 1“ século a.C. expressa desgosto pelo costum e gentílico
de sepultar "os m ortos em qualquer lugar, inclusive em suas casas" (Y.
Yadin, BA 30 [1967], 137). Que causa de im pureza o evangelista tem em
m ente no presente caso? Pilatos estava im puro por causa de sua esposa?
Norm alm ente, a esposa do governador não teria vindo com ele de Cesa-
reia a Jerusalém, porém M t 27,19 (de valor histórico duvidoso) registra
sua presença. Estaria o pretório im undo sobre as bases gerais do costu-
m e gentílico de sepultam ento? Todavia, ambos os locais possíveis para
o pretório, supram encionados, foram construídos ou reconstruídos por
Herodes o G rande, de m odo que quaisquer sepulturas ali teriam vindo
após os gentios tom arem posse. O u a im pureza se baseava na pressupôs-
ta presença de ferm ento na casa de um gentio? No período da Páscoa (a
Festa dos Pães Asmos), os israelitas que não tinham contato com fermen-
to (Dt 16,4) no início da tarde de 14 de Nisan.
e poderem comer a ceia pascal. Se um judeu se contam inasse por im pureza e
não pudesse comer a ceia pascal no tem po regular, ele tinha que pror-
rogar a celebração por um mês (Nm 9,6-12). Büchler, p. 80, salienta que
a contam inação pela im pureza levítica do gentio, onde ela existisse, era
um perigo prático som ente para o sacerdote no cum prim ento do dever
no tem plo e para o judeu ordinário que fosse purificado pela participa-
ção de um a refeição sacrificial. As circunstâncias visualizadas em João
vêm precisam ente na área onde a contração da im pureza tinha de ser
evitada: os sacerdotes norm alm ente tom avam parte na matança dos cor-
deiros pascais na tarde (veja nota sobre 19,14) e na refeição após o pôr do
sol. Todavia, se já tinham contraído im pureza por entrarem no pretório,
p o r que a im pureza tem porária não podería ter sido rem ovida antes da
refeição m ediante um banho vespertino (Nm 19,7)? Talvez isto pudesse
ser respondido se conhecéssemos a m ente do evangelista sobre a causa
da im pureza. A im pureza provinda do contato com um cadáver era uma
contaminação de sete dias (Nm 19,11). É interessante que, segundo Josefo,
Ant. 18.4.3; 93-94, os judeus que saíam para receber as vestim entas do
sum o sacerdote sob a custódia rom ana eram cuidadosos em fazer isso
sete dias antes da festa. (Mas em 15.4.4; 408, o próprio Josefo fala somente
de um dia antes da festa).
1278 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
A referência a posterior da ceia pascal deixa claro que para João Jesus
foi exam inado por Pilatos e crucificado no dia antes da Páscoa. Jeremias,
EWJ, pp. 80-82, tenta atenuar várias outras passagens joaninas que en-
dossam esta cronologia, m as adm ite que aqui João não é ambíguo. Ao
descrever a refeição que ocorrería naquela noite, João usa a m esm a ex-
pressão grega, phagein to pascha, que os sinóticos usam para descrever a
últim a ceia da noite anterior (Mc 14,12; M t 26,17; Lc 22,15).
29. Pilatos. Embora esta não seja a prim eira m enção do nom e do hom em em
João, ele não é identificado para o leitor como o governador (contraste
Mt 27,2). Provavelm ente, os cristãos conheciam o nom e de Pilatos desde
a prim eira vez que ouviram o querigm a. Ele é m encionado nos serm ões
de Atos (3,13; 4,27; 13,28), e encontrou um espaço no credo (já nos credos
romanos de c. 200: DB §§10, 11). Marcos, M ateus (veja, porém , variante
em 27,2) e João se referem a ele som ente por seu cognome; Lucas (3,1;
At 4,27) usa o padrão de nom e e cognome, Pôncio Pilatos, e é introduzí-
do assim por Josefo, Ant. XVIII.2.2; 35. Seu prenom e é desconhecido. Ele
era de categoria equestre, isto é, da nobreza inferior, quando contrasta-
da com a categoria senatorial. Ele governou a Judeia desde 26 a 36 d.C.
A Judeia era um a província im perial menor: desde o tem po de C láudio
(41-54), o título dado aos oficiais governantes de tais províncias era pro-
curatores Caesaris pro legato. (As legiões só podiam ser com andadas pelos
legados que eram senadores; a designação pro legato era um a form a de
dar a um m enos nobre o poder de dispor dos legionários). Assim Pila-
tos é geralm ente identificado como o procurador (assim Tacitus); m as a
inscrição de Pilatos descoberta em 1961 em Cesareia se refere a ele como
um prefeito, praefectus Iudaaeae (JBL 81 [1962], p. 70). Isto parece con-
firmar a tese m antida por alguns estudiosos de que antes do tem po de
Cláudio um a província como a Judeia tinha um prefeito em vez de um
procurador. Veja D. H irschfeld, Die Kaiserlichen Verwaltungsbeamten (Ber-
lin, 1905) e A. M. Jones, "Procurators and Prefects in the Early Principate',
Studies in Roman Government and Law (Oxford, 1960), pp. 115-25.
A importância razoável sobre Pilatos é conhecida à luz das informações
judaica e o quadro não é m uito favorável. Filo, Ad Gaium 38; 302, atribui
a Pilatos roubo, homicídio e desum anidade. (A exatidão do registro de
Filo tem sido questionada por P. L. M aier, HTR 62 [1969], 109-21, o qual
pensa que o perfil m ais sim pático do NT pode ser m ais genuíno do que
até então suspeitado). Josefo, Ant. XVIII.3.1-2 e 4.1-2; 55-62,85-89, escreve
de forma vivida sobre seus erros crassos e atrocidades (cf. tam bém a ma-
tança dos galileus m encionada em Lc 13,1). Sua ação contra Jesus é um
dos poucos detalhes evangélicos que têm atestação antiga não cristã, pois
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1279
dá pouca ênfase aos anjos; e como a hipótese diz respeito a um reino des-
te m undo, alguém esperaria mais logicamente que os súditos sejam deste
m undo. Schlier, “Jesus", p. 64, identifica os súditos com os que ouvem
a voz de Jesus (v. 37). Devemos notar, contudo, que os "súditos" só são
mencionados na parte correspondente a um a condição irreal da afirma-
ção de Jesus - se seu reino fosse deste m undo, ele teria súditos. Não so-
mos inform ados explicitamente que um reino que não é deste m undo tem
súditos. Jesus não pensaria em seus discípulos como súditos no sentido
de serem seus servos, pois em 15,15 ele recusou-se a chamá-los de servos.
Se a palavra "súdito" for aplicável dentro do reino de Jesus, ela tem pas-
sado por tanta interpretação como a própria noção de reino.
estariam lutando. Há um a am biguidade no tem po im perfeito usado aqui;
BDF, §3603, oferece esta tradução: "Teriam lutado e continuado a lu-
tar". É verdade que Pedro tinha lutado, m as Jesus lhe ordenou que em-
bainhasse a espada (18,10-11).
de ser entregue aos judeus. Agora Jesus foi entregue aos rom anos (palavras
de Pilatos em 35), m as serenam ente ignora a im portância dos rom anos.
Os inimigos reais são "os judeus".
mas. Literalmente, "agora" - a situação real quando oposta à condição con-
trária ao fato que tem precedido.
meu reino não é daqui. A frase "ser de" ("pertencer") indica não só a origem ,
mas tam bém a natureza do que está envolvido.
37. Então. Oukoun ocorre som ente aqui no NT; como oun, o term o tem a fun-
ção de volver a conversação para o tem a principal depois de um parên-
tese (BDF, §451'), e assim Pilatos está retrocedendo à sua pergunta de
33. MTGS, p. 337, declara: "O oukoun interrogativo pode ser o ipsissimum
verbum de Pilatos". O presente escritor não está seguro sobre o que isso
significa, m as resistiría qualquer tese de que Pilatos falava a Jesus em um
grego que foi preservado literalmente.
tu és rei. Pilatos não repete "o Rei dos Judeus"; pode ser que ele tenha
entendido que este título não é aceito por Jesus que fala de "os judeus"
como seus inimigos. A repetição da pergunta não é incom um; porque,
pela prática rom ana, quando o réu não se esforça em defender-se, a per-
gunta direta lhe era expressa três vezes antes que seu caso fosse ignorado
(Sherwin-W hite, "Trial", p. 105).
Tu dizes que eu sou rei. Isto é um a variante do "tu o dizes" pela qual Jesus
responde a Pilatos nos relatos sinóticos (primeira nota sobre 34 acima).
Com bastante frequência (Bultmann, p. 5067), isto é tratado como um a
resposta afirmativa: "Sim, tu o dizes corretam ente, eu sou rei". D odd,
Tradition, p. 991, salienta que há pouco suporte para esta interpretação no
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1287
uso rabínico; ele só acha válido um dos exemplos apresentados por StB.
Costuma-se buscar evidência em Mt 26,64, onde, em resposta à pergunta
do sum o sacerdote sobre se ele é o Messias, Jesus responde: “Tu 0 disseste,
porém vos digo que vereis...". O paralelo em Mc 14,62 diz: "Eu o sou, e
vereis...". A ideia de que o "Eu sou" de Marcos é equivalente ao "assim o
disseste" tem por base a perigosa pretensão de que os dois evangelistas en-
tenderam a resposta no mesmo sentido, pretensão esta questionável pelo
fato de que M ateus a segue por um a adversativa "mas", enquanto Marcos
a segue pelo "e". Em conformidade com a tendência cristã de identificar
Jesus como o Messias, Marcos pode estar simplificando um a compreensão
mais m atizada da atitude de Jesus em que ele não aceitou irrestritamente
essa designação. Também em João, a afirmação que segue "Eu te digo que
sou rei" pode ser de tonalidade adversativa: a razão de Jesus entrar no
m undo não é para que fosse rei, e sim para testificar da verdade. O. M er-
lier, Revue dês Études Grecques 46 (1933), 204-9, provavelmente esteja certo
em interpretar a frase de Jesus não como um a afirmativa, e sim como uma
resposta qualificada: "Tu é que dizes, não eu"; assim também BDF, §§2772,
4418; MTGS, p. 37; Benoit, Passion, p. 106 ("Em aramaico, como em grego,
esta é um a resposta evasiva"). Jesus não nega ser rei, porém este não é um
título que espontaneam ente escolhería para descrever seu papel. Para esta
atitude para com a realeza, veja 6,15; tam bém comentário sobre 12,12-16
no vol. 1, pp. 752-57.
Há pouco para se recom endar as sugestões de que a crase deva ser lida
como um a pergunta ("Tu o dizes...?" - W estcott-H ort, Greek NT, à mar-
gern) ou que fosse pontuado diferentem ente ("Tu o dizes. Porque eu sou
rei, eu nasci...").
Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo. Lagrange, p. 477, nega correta-
m ente qualquer sugestão de que o prim eiro verbo se refere ao nascimen-
to de Jesus enquanto o segundo se refere ao seu m inistério público. Ao
contrário, form am um paralelism o e ambos se referem à mesma coisa.
João em outros lugares usa o verbo gennan, "ser gerado, nascer" em refe-
rência a Jesus (vol. 1, pp. 182), e no presente caso ele usa paralelism o para
deixar bem claro que o nascim ento de Jesus foi o ingresso da verdade
no m undo.
para dar testemunho da verdade. Em 9,39 Jesus disse: "Eu vim a este m undo
para juízo"; visto que a revelação da verdade tem o efeito de juízo, nada
há de contraditório nos propósitos enunciados para a vinda de Jesus ao
m undo. Em 5,33 (veja paralelo em Q um ran na nota ali) ouvimos que
João Batista testificou da verdade; agora a m esma linguagem é usada por
Jesus em referência a si mesmo. Jesus pode dar testem unho da verdade
1288 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
porque ele pertence ao que é de cima (8,23) e é o único que desceu d o céu
(3,13); assim ele tem visto o que o Pai faz (5,19) e tem ouvido o que o Pai
tem dito (8,26). Aliás, ele é a incorporação da verdade (14,6), de m odo
que os feitos e palavras de seu m inistério constituem o testem unho da
verdade. Schlier, "Jesus", p. 64, vê aqui um indício de que a m orte de
Jesus será o suprem o testem unho.
Todo aquele que pertence à verdade, ouve minha voz. O verbo akouein, "ouvir",
é aqui construído com o genitivo e se refere a ouvir com entendim ento e
aceitação; contraste a construção com o acusativo (nota sobre 8,43; ZGB,
§69). Em 10,3 fomos inform ados que as ovelhas ouvem ou dão atenção à
voz do pastor. (Este paralelo é interessante, porque, como vimos no vol. 1,
p. 674, o tema do pastor tem seu pano de fundo no perfil que o AT tem
do rei, e aqui Jesus está respondendo a um a pergunta sobre sua realeza).
Assim, os que pertencem à verdade são as ovelhas dadas a Jesus pelo
Pai; mas os que não ouvem ou não dão atenção não pertencem a Deus
(8,47). ljo 3,18-19 dá um m odo prático de testar quem pertence à verdade,
a saber, se os hom ens exibem por seus feitos que seu am or é genuíno, e
não m eram ente expressando com palavras. Obviamente, Jesus está falan-
do em linguagem dualística e não está se referindo sim plesm ente a um a
disposição moral (pondo a vida de alguém em harm onia com a verdade
revelada), m as ao status de ser cham ado por Deus para aceitar Seu Filho.
Veja M. Z erwick, VD 18 (1938), 375. M eeks, p. 67, vê no tem a de ouvir a
voz de Jesus outro eco do tema Profeta-como-Moisés: "O Senhor teu Deus
te levantará um profeta do meio de ti... como eu; a ele ouvirás" (Dt 18,15).
38. Não acho nenhuma culpa neste homem. Este juízo "nenhum a culpa" será
dado m ais duas vezes (19,4.6); um juízo bem sim ilar se encontra tam -
bém três vezes em Lucas (23,4.14.22). A prim eira ocorrência em am bos os
evangelhos vem logo depois da pergunta sobre a realeza. Para "culpa",
Lucas usa aition, enquanto João usa o cognato aitia (= crim e de que um
prisioneiro é acusado).
39. tendes 0 costume de eu soltar-vos alguém na Páscoa. N ão há confirmação
extra-bíblica para este costum e ao qual dos evangelhos testificam (Lucas
sozinho é am bíguo, já que 23,17 pode ser um a adição de copista); e a
exatidão histórica dos registros do evangelho é calorosam ente debatido
(veja Blinzler, Trial, pp. 218-21, versus W inter, Trial, pp. 91-94). Q ue tipo
ou prática os evangelistas tinham em mente? Os sinóticos descrevem
isto como um a prática de Pilatos (Mc 15,6; [Lc 23,17]) ou do governador
(Mt 27,15); João o descreve como um costum e judaico. Para João, é um
costume pascal (donde o nom e privilegium paschale); e, presum ivelm ente,
isto é o que os sinóticos tam bém significam, quando usam a expressão
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1289
"na festa". (Não é impossível que o costum e existisse tam bém nas outras
festas de peregrinação; m as a anistia se enquadra bem ao tem a geral da
libertação do Egito que dram atiza a Páscoa). Então devem os pensar em
um a anistia anual peculiar à Palestina e reconhecida por todos os gover-
nadores rom anos, o u devem os pensar em um a prática peculiar ao reina-
do de Pilatos, visando a aprim orar sua relação com seus súditos judeus?
Dos evangelhos tem os a im pressão de que a anistia não se limita a um a
determ inada classe de crimes, pois Barrabás que é solto é descrito como
assassino e revolucionário! R. W. H usband, American Journal of Theology
21 (1917), 110-16, tem tentado reduzir a im plausível am plitude da anis-
tia, sugerindo que Barrabás não foi achado culpado, m as foi acusado e
aguardava julgam ento - assim ele e Jesus, os dois candidatos à anistia,
estariam no m esm o estágio de procedim entos legais. Todavia, o fato de
que dois bandidos revolucionários foram executados juntam ente com Je-
sus sugere que o destino dos envolvidos na recente insurreição (Mc 15,7;
Lc 23,19) já estava decidido. O frenético interesse em ter Barrabás solto
seria m ais explicável se ele já estivesse a caminho da morte.
C. B. C havel, JBL 60 (1941), 273-78, entre outros, tem buscado substanciar
a existência de um a anistia pela referência na M ishnah Pesahim 8:6, que
fala da necessidade de m atar um cordeiro pascal por um a quem "prome-
teram libertar da prisão" (na véspera da Páscoa). C havel argum enta que
a referência é a prisioneiros políticos no tem po do dom ínio rom ano e que
os rom anos poderíam ter assum ido o costum e dos hasm oneus (os sacer-
dotes governantes da Palestina no 2a e I a séculos a.C ). Mas, obviamente,
esta passagem é passível de explicações que nada têm a ver com um
privilegium paschale. Alguns têm encontrado um a analogia no registro de
Livy (History V 13) do lectisternium, um a festa religiosa de oito dias, sen-
do um a das características a soltura de prisioneiros. Uma analogia mais
provável é o incidente que ocorreu no Egito em 85 d.C., quando o go-
v em ad o r soltou um prisioneiro ao povo (D eissmann, LFAE, p. 269). Não
obstante, m uitos concordariam com H. A. Riggs, JBL 64 (1945), 419-28,
no julgam ento negativo que ele passa sobre o valor dos paralelos pro-
postos. Enquanto há considerável evidência na antiguidade em prol de
anistias ocasionais, fica faltando a evidência de um a anistia para crimes
sérios em um a festa anual.
soltar-vos. O "vos" é omitido em Taciano e aparece em algum as testemunhas
como um genitivo, não como um dativo. E possível que seja original.
'0 Rei dos Judeus'. Veja nota sobre v. 33. Agora Pilatos entende que Jesus
não reivindica realeza política, pois percebe que Jesus é inocente. Por
que, então, como concebido pelo evangelista, Pilatos persiste em dar a Jesus
1290 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
este título? Alguns têm sugerido que ele está sendo sarcástico, m as difi-
cilmente decidisse ser ofensivo se sinceram ente está tentando ver Jesus
solto. (Mesmo que o evangelista não tivesse interesse em escrever um
estudo psicológico do prefeito, devem os presum ir que Pilatos é apresen-
tado como a agir racionalmente). Outros têm pensado que Pilatos está
usando o título para apelar ao senso nacionalista da m ultidão - a multi-
dão estava interessada em revolucionários como Barrabás, e Pilatos está
salientando que Jesus é tam bém um herói. Esta explicação pode enqua-
drar-se a Mc 15,9 onde Pilatos se dirige a um a m ultidão que subiu em
busca da libertação de um a prisioneiro preso por insurreição; porém não
se enquadra a João onde Pilatos tem declarado que Jesus é inocente de
crime político e onde está se dirigindo não a um a m ultidão que podería
ser convencida, e sim a "os judeus" que são inim igos de Jesus. Pode ser
que Pilatos previsse que não optariam pela soltura de Jesus e quer fazer
"os judeus" renunciar implicitam ente sua expectativa de "o Rei dos Ju-
deus". Este m otivo certam ente está envolvido em 19,15. Em qualquer
caso, o presente episódio põe mais ênfase sobre o que "os judeus" são
forçados a fazer do que na m otivação de Pilatos: "os judeus" são força-
dos a preferir um bandido ao seu rei.
40. tornaram a clamar. Clam ar se enquadra m elhor no relato m arcano/m atea-
no, onde há um a m ultidão, do que em João, onde "os judeus" (autorida-
des judaicas) estão envolvidos - um a prova m ais clara de que o evange-
lista joanino reescreveu a tradição à luz de sua hostilidade para com os
judeus (a sinagoga) de um período posterior. Alguns mss. posteriores
trazem "todos gritaram ", talvez um a tentativa de copista de converter
o auditório em um a m ultidão; veja tam bém 19,6, onde João apresenta
gritando os principais sacerdotes e a guarda do tem plo. A palavra palin
significa "tornar" ou "outra vez". O últim o significado no presente caso
implicaria que gritaram previam ente, e há quem pense que João está
condensando e selecionando um relato mais longo que retratava um a
m ultidão gritando mais cedo no julgamento. Blinzler, Trial, p. 21220, sus-
cita a questão se o clamor era um voto oral genuíno.
Barrabás. Em M ateus (27,17) é Pilatos quem m enciona Barrabás pela pri-
meira vez, enquanto nos outros três evangelhos Barrabás é sugerido pe-
los judeus (as autoridades ou a m ultidão) no lugar de Jesus. N ada sabe-
mos dele além da evidência do evangelho. "Barrabás" não é um nome
pessoal, e sim um patroním ico identificador (como Simão Barjonas) que
ocorre tam bém no Talmude. Presum ivelmente, ele significa "filho de
abba", isto é, "do pai". Mas se alguém aceita a variante que soletra Bar-
rabbás encontrada em algum as testem unhas, ele pode significar "filho
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1291
de rabbatt", isto é, "de nosso m estre" (assim J erônimo). Algum as das tes-
tem unhas textuais a M ateus apresentam o nom e do hom em como Jesus
Barrabás, um a antiga redação já dos dias de O rígenes. Neste caso, Pila-
tos estaria tratando de dois hom ens cham ados Jesus ao m esm o tempo.
W inter, Trial, p. 99, dá rédeas à conjetura de que Pila tos não sabia qual
Jesus estava processando e quis saber da m ultidão. Por conseguinte,
quando descobriu que Barrabás não era esse, então o soltou. Nesta con-
jetura, o privilegium paschale se torna um a explicação errônea desenvol-
vida pelos evangelistas que se esqueceram por que Barrabás fora libera-
do. O utros têm pensado em Barrabás como um a criação fictícia. R iggs,
JBL 64 (1945), 417-56, pensa que, originalm ente, Jesus Barrabás ("Filho
do Pai") era outra designação de Jesus o Messias, e que os dois nomes
expressam as acusações religiosas e políticas contra Jesus. L oisy é um
dos que têm recorrido à inform ação de F ilo (In Flaccum 6; 36-39) que,
quando o rei judeu Agripa I visitou Alexandria no tem po da Páscoa,
a plebe vestiu de rei um louco, rendeu-lhe hom enagem desdenhosa e
então o espancou. O louco era cham ado Karabas, e L oisy toma Barrabás
como outra forma do título para tal papel. Recentemente, B ajsic, art. cit.,
argum entou que Barrabás era um perturbador notório a quem Pilatos
tem ia e que Pilatos estava usando Jesus para im pedir que a anistia se
estendesse ao perigoso Barrabás.
bandido. Cf. J. J. T womey, Scripture 8 (1956), 115-19, com esta observação.
Lêstês pode referir-se a um simples ladrão ou assaltante, como distin-
to de um gatuno (kleptês ) que conta com a esperteza e não na violên-
cia. Com frequência (p. ex., War, 2,13.2-3; 253-54) J osefo usa lêstês para
descrever o bandido revolucionário ou guerrilha de guerreiros que, com
variados m otivos de pilhar e de nacionalismo, m antinha-se no campo
em constante insurreição. K. H. Rengstorf, TWNTE, IV, 258, observa: "É
constantem ente usado para os zelotes que... suscitam conflito arm ado
contra os rom anos por exercerem total dom ínio sobre a vida deles e por
isso estão preparados a arriscarem tudo, mesmo a própria vida, para con-
seguirem a liberdade nacional". Não estamos certos como João entendia
a palavra, m as a tradição sinótica entendeu claram ente Barrabás como
um revolucionário. Mc 15,7 diz que ele era um dos que foram presos por
com eterem homicídio num a insurreição; Lc 23,19 o descreve como um
hom em que fora lançado na prisão por ter m ovido insurreição na cidade
e p o r homicídio. O fato de ser ele o único dos revolucionários a quem a
m ultidão indica para a anistia pressupõe que podería ter sido o líder e
bem conhecido. Mt 27,16 o caracteriza como episêmos ou "notório", pa-
lavra usada por Josefo (War, 2,21.1; 585) para descrever os líderes zelotes;
1292 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
COMENTÁRIO: GERAL
A c u id a d o sa m o n ta g e m d o c en ário d o rela to jo an in o d o ju lg a-
m en to su scita a q u e stã o d a h isto ric id a d e . O rela to m a rc a n o /m a te a n o
d o ju lg a m e n to é m u ito sim p les e n q u a n to ao c o n te ú d o e co n siste d e
três ep isó d io s: (a) Jesus é c o n d u z id o a P ilatos p a ra se r in te rro g a d o so-
b re su a reiv in d icação d e ser rei, m as se recu sa a re sp o n d e r; (b) q u a n d o
a m u ltid ã o se re ú n e p a ra solicitar a so ltu ra d e B arrab ás, P ilato s lhes
oferece Jesu s, p o ré m rejeitam ; (c) a n te su a in sistên cia, P ilatos e n tre g a
Jesus p a ra ser crucificado. T o d a a cena o co rre e m u m c e n ário p ú b lic o ,
e só d e p o is q u e Jesu s é e n tre g u e p a ra ser cru cificad o é q u e ele é tra z i-
d o d e d e n tro d o p re tó rio p a ra ser e scarnecido . A cena lu ca n a é q u a se a
m esm a, em b o ra seja in te rro m p id a p o r u m e p isó d io e m q u e Jesus é en-
v ia d o a H e ro d e s (23,6-12), e n ão h á e p isó d io final d e e sca rn e cim e n to
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1293
A questão da historicidade
A reelaboração dram ática foi num a escala tal que perm anece pou-
co material histórico? N enhum a resposta simples a esta questão é possí-
vel. M as tam pouco há de se apoiar dem asiadam ente das afirm ações no
sentido de que o quadro joanino é im possível sobre bases psicológicas;
por exem plo, H aenchen, "Histone", p. 64, argum enta que u m gover-
nador rom ano jam ais teria se rebaixado em sair às autoridades judai-
cas caso se recusassem a entrar no pretório. Com o é possível estar tão
seguro disso? N unca houve m om entos em que Pilatos, com o outros
políticos, engolisse seu orgulho a fim de esquivar-se de problem a pior?
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1295
b u sc av a so lta r Jesus. B ajsic , art. cit., tem s u g e rid o q u e P ila to s fez e ste
esforço n ão p o r a m o r à ju stiça, m as p o rq u e n ã o q u e ria so lta r B arrabás,
u m in su rreic io n ista n o tó rio e p e rig o so . B ajsic co n je tu ra q u e P ilato s ar-
d ilo sa m e n te ju lg o u ser Jesus p o litic a m e n te in o fe n siv o e e sp e ra v a q u e
o p o p u la c h o se d eix asse p e rs u a d ir em ac eita r a so ltu ra d e Jesus. Esta
m o tiv ação p o lítica, q u e co n c o rd a com im p licaçõ es n o s fato s b íblicos,
teria se e n q u a d ra d o com o calejado d é sp o ta d e sc rito n a s fo n te s ju d ai-
cas. E n q u a n to tal teo ria n ã o p u d e r ser p ro v a d a , n o s a c o n se lh a m o s a
c o n sid e rar a p o ssib ilid a d e d e q u e João e stiv esse p re s e rv a n d o as rem i-
niscên cias h istó ricas às q u a is se tem d a d o n o v a d ire triz.
M u ito s d o s d e ta lh es d o ju lg a m e n to p e c u liare s ao re la to d e João
n ão p o d e m ser a v e rig u ad o s, m as n ã o são im p lau sív eis. N ã o é im p ro -
v ável q u e P ilatos q u isesse in te rro g a r p riv a tiv a m e n te u m p risio n e iro
político p o ten c ialm en te p e rig o so e n q u a n to as a u to rid a d e s ju d a ic a s
p erm an eciam d o lad o d e fora. M esm o q u e P ilatos co o p erasse co m o
S inédrio o u in clu siv e tivesse s u p rid o o ím p e to n a p risã o d e Jesus, n ã o
p o d e ria estar e x a g era d am e n te co n fian te n a in fo rm ação d o S in éd rio
so b re Jesus e, assim , p re te n d e sse d esco b rir p o r si m esm o so b re o ho -
m em . A lg u m as d a s in fo rm açõ es q u e João d á so b re o p re tó rio têm b o a s
chances d e serem exatas (nota so b re " P a v im e n to d e P e d ra " em 19,13).
E n q u an to reco n h ecem o s a rem o d elação jo an in a d o d iálo g o e n tre Jesus
e Pilatos, é b em p ro v áv e l q u e João seja histó rico q u a n d o rem e m o ra
q u e Jesus re s p o n d e u a P ilatos d u ra n te o ju lg am en to . S u sp eita-se q u e,
ao re tra ta re m Jesus com o silencioso d u ra n te o ju lg a m e n to , os sinóticos
refletem a teologia d o Servo S ofred o r (nota so b re 19,9). A lg u n s têm
p e n sa d o q u e em lT m 6,13 tem o s u m a confirm ação in d e p e n d e n te d o
Jesus jo an in o m ais loquaz. Esta p a ssa g e m , q u e p ro v a v e lm e n te ecoa
u m cred o b atism al p rim itiv o , m en cio n a Jesus " q u e fez a m esm a n o b re
confissão d ian te d e P ilatos [ou: n o tem p o d e P ilatos]". A ep ísto la se re-
p o rta a teste m u n h o verbal? O contexto n ã o é d esfa v o ráv e l a isto, pois
ele se refere à n o b re confissão d e T im óteo na p rese n ç a d e m u ita s teste-
m u n h as, a p a re n te m e n te u m a confissão v erb al n o b a tism o o u d ia n te d e
u m m ag istrad o . N ão o b stan te, a ep ísto la p o d e significar sim p lesm en te
q u e Jesu s d e u teste m u n h o , morrendo sob o P ôncio Pilatos.
A lém d o m ais, o rela to d e João d o ju lg a m e n to n ã o é facilm en te
d e sca rta d o co m o u m rem a n eja m e n to d o m ate ria l sin ó tico d e seg u n -
d a m ão (D odd , Tradition, p. 120). P aralelos su b sta n c ia is com os rela-
tos sinó tico s só se e n c o n tram em ep isó d io s 3 e 4, e m esm o en tã o há
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1297
isto n ã o é u m a re in te rp re ta ç ã o d e Jo ão à lu z d e u m p ro b le m a teo ló g i-
co m o d e rn o em v e z d e u m a e x p o siç ã o d o p r ó p rio p o n to d e v ista d o
e v a n g elista . N a v e rd a d e , a lu ta e n tre Je su s e "o s ju d e u s " é u m a lu ta
e n tre a v e rd a d e e n c a rn a d a e o m u n d o , m a s a a b stra ç ã o " o E s ta d o " é
u m co n ceito p o s te rio r.
E n q u a n to João tem re tra ta d o "o s ju d e u s " co m o d u a listic a m e n te
o p o sto a Jesu s e se re c u sa n d o to ta lm e n te a c re r n ele, ele ta m b é m n o s
tem d a d o ex em p lo s d e o u tra s reações p a ra com Jesu s e m q u e o s ho -
m en s n ã o se rec u sa m a c re r n e m a ceitam p le n a m e n te a Je su s p e lo q u e
ele rea lm e n te é (vol. 1, p p . 838-39). N ic o d e m o s, a m u lh e r sa m a rita n a , o
h o m em c u ra d o n o Poço d e B etesda v ê m à m en te. D e v e m o s o lh a r p a ra
o P ilatos jo an in o n ã o c o m o u m a p erso n ificação d o E stad o , e sim c o m o
o u tro re p re s e n ta n te d e u m a reação p a ra com Jesu s q u e n e m é fé n e m
rejeição. P ilato s é típico, n ã o d o E stad o q u e p e rm a n e c e ría n e u tro , m as
d o s m u ito s h o m e n s h o n e sto s, b e m d isp o sto s q u e te n ta ria m a d o ta r a
p o sição m éd ia n u m conflito q u e é total. A o e s tu d a r o re la to d a m u lh e r
sa m a rita n a (vol. 1, p p . 390), v im o s q u ã o a rtistic a m e n te Jo ão d e scre -
v e u u m a p e sso a q u e, a d e sp e ito d a s te n ta tiv a s d e e sc a p a r à s d ecisõ es,
p ô d e ser le v a d a a c re r em Jesus. O re la to d e P ilato s n o s d á o o u tro
lad o d a m o ed a , p o is ele ilu stra co m o u m a p e sso a q u e rec u sa d ecisõ es
é lev a d a à tra g é d ia . Em u m a s p o u c a s p a la v ra s, Jesu s d issip a o te m o r
sin cero d e P ilato s d o p e rig o p o lítico (18,36); m as Jesu s n ã o se c o n te n ta
em d e te r-se aí: ele d e safiaria P ilato s a rec o n h e c er a v e rd a d e (18,37).
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1301
COMENTÁRIO: DETALHADO
P rim eiram en te, co m p ararem o s este ep isó d io com a n a rra tiv a sinótíca.
A a b e rtu ra d o ju lg am en to ro m a n o e m M arcos (15,2-5) é c o m p o sta, re-
c o rren d o a d u a s fontes m arcan as (p. 1204 acim a). Da fo n te B m arcan a
vem 15,2 q u e d iscu tirem o s em relação ao se g u n d o e p isó d io e m João.
D a fonte A m arcan a o u relato p rim itiv o co n secu tiv o p ro ce d e 15,3-5: os
p rin cip ais sacerd otes a c u saram Jesus d e m u ita s coisas; P ilatos se v iu
su rp re so an te o n ú m e ro d e acusações e in te rro g o u Jesus so b re elas; Je-
su s p e rm a n ec e u em silêncio. A seq u ên cia m arc an a é e stra n h a, p o is os
vs. 3-5 fariam u m m elh o r ixucio d o q u e com o v. 2. Lucas tem a p e n a s u m
p aralelo p arcial com o m aterial A m arcan o . Em 23,2, talvez refletin d o
u m a fonte in d ep e n d e n te , Lucas reg istra q u e o s m em b ro s d o S inédrio
catalo g aram três acusações co n tra Jesus: in d u z ir a o e rro a nação; p ro ib ir
q u e im p o sto s fossem p a g o s ao im p e rad o r; reiv in d icar ser o M essias-Rei.
L ucas n ão reg istra q u e P ilatos in te rro g o u Jesu s so b re as três acusações
o u q u e Jesus p e rm a n ec e u em silêncio. O p rese n te e p isó d io e m João d is-
cute a acusação lan çad a c o n tra Jesus p o r "os ju d eu s"; o silêncio d e Jesus
é m en cio n ad o em o u tro contexto n o sexto ep isó d io (19,9). E difícil crer
q u e João ten h a to m a d o d o m aterial A m arcan o e o reescrito to talm en te;
as diferenças são m u ito m ais p ro em in en te s d o q u e as sim ilarid ad es.
A lém d o m ais, algo d o m aterial q u e se e n c o n tra so m en te e m João é d a
m áxim a im p o rtância; p o r exem plo, a explicação d e q u e a s c ortes ju d ai-
cas n ão p o d ia m executar sentenças d e m orte. Se essa in fo rm ação for
correta (nota so b re 18,31), en tã o João está claram en te rec o rre n d o a u m a
tradição h istórica in d e p e n d e n te d e M arcos e d a s fontes m arcanas.
T em o s d isc u tid o n a s n o ta s o s p ro b le m a s h istó rico s d e ta lh a d o s.
A q u i, n o s o c u p a re m o s com a se q u ên cia lógica d a n a rra tiv a como 0
evangelista a apresenta e com a im p licação teológica q u e o e v a n g e lista
ex trai d o q u e ele d escreve.
A cena se a b re n o ro m p e r d o d ia - u m a in d ic a çã o c ro n o ló g ica
co m u m às tra d içõ e s d o e v a n g elh o so b re o ju lg a m e n to ro m a n o . M as
ex eg etas co m o B u ltm a n n e B lank a c h am im p licação teológica n o em -
p re g o q u e João faz: a n o ite d o m al m e n c io n a d a em 13,30 e sta v a p a s-
sa n d o , e o d ia ra ia v a q u a n d o a lu z d o m u n d o v e n c ería a tre v a s (1,5).
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1303
Terceiro episódio: Pilatos busca soltar Jesus; "os judeus" preferem Barrabás
(18,38b-40)
(d) A iniciativa
Marcos: A m ultidão pede a Pilatos que solte um prisioneiro.
Mateus: Enquanto a m ultidão está ali em busca da soltura do prisionei-
ro, não se faz nenhum pedido específico, de m odo que Pilatos
menciona prim eiro a soltura, perguntando se a m ultidão quer
Barrabás ou Jesus.
* Este versículo (Lc 23,13) é o único caso na Narrativa Lucana da Paixão onde o
evangelista apresenta "o povo" como hostil a Jesus. Em outros lugares, Lucas con-
trasta "[todo] o povo", que é favorável a Jesus, com as autoridades que o odeiam
(Lc 19,47-20,1; 20,6.19.26.45; 21,38; 23,27.35.48; 24,19-20). G. R a u , ZNW 56 (1965),
41-51, argumenta em prol da tese de W in t e r que 23,13 deve ser lido "os líderes do
povo". Em qualquer caso, Lucas sabe de uma multidão hostil a Jesus (22,47; 23,4).
63 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 1-3) 1309
(f) A resposta
Marcos, Mateus: Os principais sacerdotes (e anciãos) incitam a(s) multi-
dão(s) a pedir a soltura de Barrabás (e a morte de Jesus - Mateus).
Lucas: Os principais sacerdotes, os líderes e o povo gritam num a só
voz (anakrazein): "Fora com este sujeito e solta-nos a Barrabás!"
João: "Os judeus" por sua vez tom aram a clam ar (kraugazein): "Que-
rem os Barrabás, não este".
Q u a rto e p isó d io
Q U IN T O E PISÓ D IO
SEXTO E PISÓ D IO
" N ã o te ria s so b re m im n e n h u m p o d e r,
se n ã o te fosse d a d o d o alto.
P o r essa raz ã o , a q u e le q u e m e e n tre g o u a ti
te m m a io r c u lp a d e p e c ad o ".
SÉT IM O E PISÓ D IO
9: disse; 10: exigiu-, 14: disse; 15: exclamou. No tem po presente histórico.
NOTAS
19.1. Então. Esta não é um a indicação exata d e tem po, m as estab elece um
contraste com o e p isó d io p reced en te (BDF, §4592).
tomou. A soltura d e Barrabás não foi m en cion ad a (e n os relatos sinóticos
ele n ã o é so lto até q u e Jesus fo sse sen ten ciad o), m as a lg u n s interpreta-
riam este verb o n o sen tid o d e Pilatos m anter Jesus en quanto ao m esm o
tem p o soltava Barrabás (A. M ahoney, CBQ 28 [1966], 29 716).
1314 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
associa a p reten são d e ser Filho d e D eu s com a blasfêm ia. Sobre nossa
incerteza acerca d as norm as relacionadas com a blasfêm ia n o s dias de
Jesus, veja vol. 1 , p. 6 8 9 .
porque pretendia ser Filho de Deus. Literalm ente, "se fez"; veja 5,18; 8,53. Em
to d o s os três relatos sin óticos d o ju lgam en to perante o Sinédrio, form u-
lo u -se a pergunta se Jesus era o Filho d e D eu s (em M c 14,61 e M t 26,63,
este título está em ap osição a "M essias"), e em M a rco s/M a teu s a resposta
1318 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
entregou Jesus tem maior culpa de pecado. A implicação parece ser que,
visto que a Pilatos foi dado por Deus um papel na paixão, ele está agin-
do contra Jesus inconsciente ou involuntariamente, m as aquele que en-
tregou Jesus está agindo deliberadamente. Bultmann, p. 511, interpreta o
versículo em termos do Estado e do Mundo: o Estado pode brincar com
seu poder, porém age assim sem o ódio pessoal para com a verdade que
caracteriza o Mundo. Ao m atar Jesus, o Estado (Pilatos) está servindo ao
M undo ("os judeus", e culpa mais grave repousa sobre o M undo. Com um
propósito similar, Schlier, "Jesus", p. 71, escreve: "Q uando o poder político
age contra a verdade, ele é sempre menos culpado do que as forças intelec-
tuais e espirituais do m undo". Tais interpretações, contudo, realmente são
aplicações teológicas da ideia de João, e não um a exegese literal.
12. Depois disto. Literalmente, "desde isto". O significado parece ser tem po-
ral, m as pode ser causai ("por esta razão"). Pilatos é im plicitam ente re-
tratado como tendo saído fora outra vez, pois fala a "os judeus".
Pilatos procurava soltá-lo. O u "se esforçava"; o conativo im perfeito impli-
ca um a série de tentativas as quais "os judeus" vociferavam. H á em
Lc 23,20 um paralelo (ocorrendo após o episódio de Barrabás, m as an-
tes de "Crucifica, crucifica-o!"): "... desejando soltá-lo". Note tam bém
At 3,13: "... Jesus, o qual entregastes e negastes na presença de Pilatos,
quando ele decidira soltá-lo".
gritaram. Alguns mss. têm o imperfeito: "continuaram gritando".
este. O uso desprezível de houtos como em 18,30.
"amigo de César". Seria este um título que fora concedido a Pilatos ou sim-
plesmente um a expressão geral significando "leal ao Im perador"? Em em-
prego romano tardio, "amigo de César" era um título honorífico em reco-
nhecimento de serviço, mas Bernard, II, 621, diz que o título oficial não se
encontra antes do tempo de Vespasiano (69-79 d.C.). Outros argum ento
em prol de um uso mais antigo e pensam que aqui a referência é ao título
(assim BAG, p. 3%; D eissmann, LFAE, p. 378). E. Bammel, TL77 (1952), 205-10,
tem dispostos os argum entos em prol do último ponto de vista, e são im-
pressionantes. Nos tempos helenistas, os "amigos do rei" constituíam um
grupo especial honrado pelo rei pela lealdade e am iúde ele os investia com
autoridade (lM c 2,18; 3,38; 10,65; 3Mc 6,23; Josefo, Ant. 12,7.3; 298). No
amanhecer do Império, os "amigos de Augusto" form avam um a socie-
dade bem conhecida. As moedas de Herodes Agripa I (37-44 d.C.) mui-
tas vezes portavam a inscrição Philokaisar, "amigo de César", um a desig-
nação que também Filo (In Flaccum 6 ; 40) lhe dá. Sherwin-W hite, Roman
Society, p. 471, sustenta que durante o Principado ou antigos tem pos im-
periais o termo "amigo" é frequentemente usado pelo representante
64 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 4 7 )־ 1321
oficial do Im perador, e ele com para o uso que João faz do termo ao uso
de F ilo. Assim, a objeção de que o título não foi usado no tem po de Pi-
latos é, ao contrário, fraca. Q uanto à probabilidade de que o título teria
sido outorgado a Pilatos, ele era da ordem equestre e, portanto, elegível
para tal honra. Além do mais, o todo-poderoso Aelius Sejanus parece ter
seu patrono em Roma; e T acitus (Annals 6 .8) diz: "Quem quer que fosse
associado a Sejanus tinha a pretensão de ter a amizade de César",
qualquer que. O "porque" introdutório que se encontra em algum as teste-
m unhas da tradição ocidental dá expressão à lógica implícita da sentença.
ser rei. N o Oriente, às vezes o Im perador era tido como rei. Júlio (Gaius
Julius Caeser) e o nom e adotado de A ugusto (sobrinho-neto por meio
do casam ento de Júlio) e dos sucessores de Augusto. Q uando "Caesar"
m uda de conotação de um nom e próprio para um título equivalente a
"Im perador"? Não pode haver dúvida de que a m udança ocorreu no
tem po de Vespasiano e dos im peradores flavianos que não tinham re-
lação fam iliar com Júlio, m as provavelm ente veio bem antes. Por exem-
pio, enquanto por adoção Tibério e Caligula eram descendentes legais de
A ugusto, e podiam reivindicar o título César, Cláudio não foi adotado
assim, e então em seu caso "Caesar" era mais um elem ento na titularida-
de do que um nom e familial. E deveras um uso ambivalente de "Caesar"
pode m uito bem retroceder ao tem po de Augusto. A cunhagem do pro-
curador (ou prefeito) da Judeia sob A ugusto já portava somente o nome
kaisaros e um a data - possivelm ente um reflexo de um a atitude em que
"Caesar" era considerado como o título de governador.
13. ouviu. Aqui o verbo akouein é seguido do genitivo (nota sobre "ouvir" em
18,38), um a construção que implica a com preensão de Pilatos e aceitar a
pressão das considerações de "os judeus". Em 19,8, akouein foi seguido
do acusativo: ele os ouviu, mas ainda estava disposto a fazer-lhes oposi-
ção. Agora, porém , sua oposição foi rom pida.
assentou-se. O verbo grego kathizein algum as vezes é transitivo (fez as-
sentar-se) e algum as intransitivo; e tem havido um vigoroso debate se
João tem em m ente que Pilatos fez Jesus assentar-se no banco ou que
Pilatos assentou-se. Estudiosos como V on H arnack, L oisy, M acgregor
e B onsirven têm argum entado em prol da tradução transitiva, um a po-
sição ora eloquentem ente defendida por I. de la P otterie, art. cit. Há
algum suporte antigo para a tradução transitiva no Evangelho de Pedro,
7, e em J ustino, Apologia 1,35.6, onde os judeus (note: não Pilatos) fazem
Jesus assentar na cadeira dos réus e escarnecem dele. Mas o argum ento
m ais forte p ara esta tradução procede de sua adequação na estrutura
da teologia joanina. Para João, Jesus é o verdadeiro juiz dos hom ens,
1322 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
É bem provável que esse piso chegasse a ser famoso como "Pavimento de
Pedra". Não obstante, não estamos certos se o pavim ento escavado era
parte da fortaleza de Antônia nos dias de Jesus - K opp, HPG, pp. 37273־,
dá as razões arqueológicas para pensar que ele não fora posto ali até
cerca de 135 d.C.
Gabbatha. Isto não é o equivalente aram aico ("H ebraico" = aram aico; nota
sobre 5,2) de lithostrotos, e notam os que João dá os dois nom es sem
dizer que um é a tradução do outro. Tem-se sugerido m uitas interpre-
tações de Gabbatha, m as o m ais provável envolve derivações da raiz
gbh ou gb', "ser alto, projetar-se". Um a designação como "lugar ele-
vado, cume, protuberância" (significado dado a Gabbatha po r J osefo,
War, 5,2.1; 51) podería adequar-se a am bas as localizações sugeridas
pelo pretório. V incent tem dem onstrado que a fortaleza de A ntônia se
apoiava em um a elevação rochosa, e o palácio de H erodes ficava sobre
os altos da cidade superior. O term o pode tam bém referir-se à elevação
do bêma sobre um a plataform a recuada.
14. Dia da Preparação. Este é o sentido da palavra grega paraskeuê, em bora
a palavra semita a que provavelm ente ela representa (heb. ’ereb; aram .
’arubâ) tem um a conotação mais estrita de "vigília, dia anterior". O ter-
mo, que aparece em todos os evangelhos, estava associado na tradição
com o dia em que Jesus m orreu. Era aplicável à sexta-feira, dia anterior
ao sábado (Josefo, Ant. 16,6.2; 163), e esta é a m aneira como os sinóticos a
entenderam (Mc 15,42; Mt 27,62; Lc 23,54). Mas, para João, este é não só
dia anterior ao sábado, m as tam bém o dia anterior à Páscoa; e, em João,
"o Dia da Preparação para a Páscoa" reflete a expressão hebraica ‘ereb
pesah (StB, II, 834ss.). A teoria de T orrey (JBL 50 [1931], 227-41) de que
se deve entender a Páscoa como o período festivo de sete dias e que João
está falando de sexta-feira dentro da semana pascal tem sido refutada
por S. Z eitlin, JBL 51 (1932), 263-71.
meio-dia. Literalmente, "a hora sexta". Algumas testemunhas, inclusive o
Sinaiticus corretor, leem "à terceira hora" (as nove da manhã). A mmonius
(início do 3a século) tem esta redação; e S. Bartina, VD 36 (1958), 16-37, a
mantém com base em que, quando as letras eram usadas para números,
um antigo digam a original (= 3), pode ser que fosse confundido com o
sigma aberto ou episêmon (- 6). Embora tal confusão fosse possível (e, de
fato, tem-se apresentado outras explicações para a confusão), pensam os
ser mais provável que a redação "nove da m anhã" fosse um a harmoniza-
ção de copista com a afirmação de Mc 15,25, de que Jesus foi crucificado às
nove da manhã. Em tudo isto, presum im os que João estava com putando as
horas a partir do rom per da m anhã em vez de meia-noite (nota sobre 1,39),
64 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 4-7) 1325
de m odo que hora sexta era meio-dia, e não seis da manhã. Alguns têm
favorecido a últim a hipótese como um meio de conciliar a informação de
João com o horário de Marcos para a crucifixão. Mas Jesus dificilmente te-
ria sido levado a Pilatos ao rom per do dia (perto das seis da m anhã - nota
sobre 18,28), e tenha suportado um extenso julgamento, inclusive açoita-
m ento e escamecimento, e ainda ter recebido sua sentença às seis da ma-
nhã. (Para um a recente defesa de nossa compreensão da computação do
tem po feita por João, veja J. E. Bruns, NTS 13 [1966-67], 285-90).
Somente Marcos fixa a crucifixão às nove da m anhã. Visto a referência
de João ao meio-dia tem significação teológica (veja comentário), alguns
estudiosos têm rejeitado a ideia de que o julgam ento levou toda a m anhã
e têm aceitado o horário de Marcos como historicamente correto. Mas o
horário de M arcos significa um a m anhã incrivelmente tum ultuada, visto
que a (segunda) sessão do Sinédrio não é tida como tendo iniciada mais
ou m enos às seis da m anhã. Além do mais, os três evangelhos sinóticos
(Mc 15,33; M t 27,45; Lc 23,44) declaram que houve trevas sobre toda a
terra desde meio-dia até as três da tarde, um a afirmação que parecería
designar o período em que Jesus estava na cruz. (Teria Marcos incons-
cientem ente com binado duas fontes com as indicações contraditórias de
tempo?) A. M ahoney, CNQ 27 (1965), 292-99, tem tentado contornar a
dificuldade, explicando que a referência às seis da m anhã, em Marcos, se
aplica som ente ao lançar a sorte pelas roupas de Jesus que correu quando
Jesus foi despido para ser açoitado - obviam ente, um a hipótese que não
pode ser provada. Alguns têm pensado que Marcos estava com putando
períodos de três horas, de m odo que "à terceira hora" podería significar
o período que começa com a terceira hora, i.e., 9-12 da m anhã. E. L ipinski
(veja NTA 4 [1959-60], 54) observa que Mc 15,21 descreve Simão de Cire-
ne como vindo dos campos - um detalhe que favorecería meio-dia como
o tem po da crucifixão, pois todo o trabalho se interrom pia cerca de meio-
dia à véspera da Páscoa (exceto que, para Marcos, o dia já seja a própria
Páscoa).
O horário de meio-dia, no Dia da Preparação, era a hora de começar a ma-
tança dos cordeiros pascais. A antiga lei de Ex 12,6 exigia que o cordeiro
pascal fosse m antido vivo até ao dia 14 de Nisan e, então, fosse morto à
tarde (literalmente, "entre as duas tardes", frase às vezes interpretada
como significando entre o pôr do sol e o anoitecer). Nos dias de Jesus,
a m atança já não era feita em casa pelos chefes das famílias, e sim nos
recintos do tem plo pelas m ãos dos sacerdotes. Um grande núm ero de
cordeiros tinha de ser m orto para mais de 100.000 participantes da Pás-
coa em Jerusalém (cf. nota sobre 11,55), e assim a matança já não podia
1326 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
ser feita à noite, no sentido técnico de após o pôr do sol. Em term os ca-
suísticos, a "noite" era interpretada como sendo o início do meio-dia,
quando o sol começava a declinar, e assim os sacerdotes tinham toda
a tarde do dia 14 para a realização dessa tarefa. Veja Bonsirven, art. cit.,
para as citações rabínicas - ele salienta que a regra pela qual som ente o
pão asmo podia ser comido tam bém entrava em vigor ao meio-dia. A re-
ferência joanina parentética ao meio-dia provavelm ente esteja em pauta
para indicar o tem po para toda a ação descrita nos vs. 13-16, inclusive a
sentença de morte.
“Vede, eis aqui 0 vosso rei!" Isto traduz ide; veja nota sobre "Eis o hom em " no
v. 5. Alguns relacionariam esta proclamação zom beteira com a interpre-
tação transitiva do v. 13, de m odo que Pilatos, tendo feito Jesus sentar na
tribuna, aponta para ele entronizado como rei (embora dificilmente um
bêma seja um trono). N o entanto, a proclamação é perfeitam ente inteli-
gível sem esta interpretação; pois provavelm ente devam os pensar em
Jesus ainda usando a pseudo-insígnia da coroa de espinho e o m anto
de p ú rp u ra (v. 5) e, assim, apresentando um patético quadro de realeza.
Achamos im plausível a proposta de E. E. J ensen, JBL 60 (1941), 270-71, de
que o Pilatos joanino não está falando zom beteiram ente, m as tem reco-
nhecido como razoável a reivindicação de Jesus de ser rei em um sentido
espiritual e está buscando a aprovação judaica disto. Todavia, o evange-
lista pode ter visto no escárnio de Pilatos um a proclamação inconsciente
da verdade.
15. gritaram. Há um as poucas testemunhas textuais im portantes que trazem
"disseram", e é possível que esta redação menos dramática fosse original.
fora com ele! O "ele" não é expresso no grego. Um grito sem elhante, "Fora
com este hom em ", ocorre um a vez em Lc 23,18, no início do incidente de
Barrabás; veja também At 21,36.
Crucifica-o! A qui o "o" [ele] é expresso, diferente do v. 6 onde o grito
de crucifixão foi ecoado pela prim eira vez. Ao ter um segundo grito
por crucifixão, João concorda com M arcos e M ateus. Em bora Lc 23,23
afirm e que gritaram po r crucifixão um a segu nda vez, ele não fornece
as palavras do grito como fazem os outros evangelhos. A fraseologia
de João é a m esm a de Mc 15,14, enquanto M t 27,23 tem "que seja
crucificado".
"Não temos outro rei senão César". J. W. Doeve, V o x Theologica 32 (1961), 69-83,
argum enta que este grito pode m uito bem adequar-se com a atitude de
alguns judeus que estavam saturados de m ovim entos nacionalistas e
sublevações, e preferiam o dom ínio rom ano às lutas constantes dos tem-
pos hasm oneanos em que os judeus tinham um rei.
64 · A narrativa da paixão: - Segunda seção (episódios 4-7) 1327
16a. entregou Jesus. Os quatro evangelhos usam este verbo para descrever a
ação final de Pilatos. O verbo visa a ter o valor judicial de um a conde-
nação, e isto se tom a mais claro nos evangelhos tardios. Por exemplo,
ambos, M ateus e João, têm Pilatos no banco do juiz quando faz isto, e
Lc 23,24 especifica que Pilatos pronunciou sentença (epikrimein). A forma
usual da sentença de m orte era: Ibis in crucem (Tu irás para a cruz - Pe-
tronius Saturae 137); a descrição indireta na literatura latina usualm ente
é: Iussit duci (Ele lhe ordenou que seguisse em frente - S herwin-W hite,
Roman Society, p. 27). De acordo com um a resolução prom ulgada em
21 d.C. tinha de haver um intervalo de dez dias entre um a sentença de
m orte pelo Senado e sua execução (T acitus, Annals 3,51; Suetônio, Tibe-
rius 75), m as isto não afetava um tribunal do governador onde a execu-
ção im ediata era frequente.
lhes. O últim o antecedente é "os principais sacerdotes". Mc 15,15-20 e
M t 27,26-31 têm Jesus sendo entregue aos soldados rom anos que o fia-
gelam e o escarnecem antes da crucifixão, mas nem João nem Lucas
contêm um a cena neste momento. Lc 23,25 registra que Pilatos "entre-
gou Jesus à vontade deles", com o últim o antecedente sendo "os prin-
cipais sacerdotes, os líderes e o povo" (v. 13). Em seguida, ambos os
evangelhos falam dos soldados rom anos que tomam parte na crucifixão
(Lc 23,36; Jo 19,23); não obstante, eles dão a im pressão inicial que Je-
sus foi entregue às autoridades judaicas para ser crucificado. Isto pode-
ria ser um descuido ou escrito displicente, porém mais provavelmente
reflita a tendência tardia de desculpar os rom anos e culpar os judeus
(pp. 1211-15 acima). Em At 2,36; 3,15; 10,39 encontram os o tema de que os
judeus crucificaram Jesus; e ele tem sequência em J ustino, Apologia 1,35.6;
PG 6:384B. Somos inform ados por T ertuliano, Apologia 21.18; CSEL 69:57,
que os judeus extorquiram de Pilatos um a sentença entregando Jesus ״a
eles para ser crucificado".
ser crucificado. Os evangelhos usam esse term o quando descrevem Pilatos
não só declarando Jesus culpado, m as tam bém como fixando sua pu-
nição exata. Nos julgam entos rom anos, em que prevalecia o ordo legal,
havia penalidades fixas para crim es específicos; m as nas províncias os
julgam entos eram extra ordinem, e a penalidade ficava reservada ao go-
vernador. L ietzmann discute que, se Pilatos aceitara a acusação religio-
sa judaica contra Jesus, ele o teria sentenciado para a execução na forma
judaica - por apedrejam ento. Todavia, S herwin-W hite, Roman Society,
p. 35, sustenta que, do que sabem os do procedim ento cognitio romano,
teria sido m ais incom um para o governador rom ano assinar um a puni-
ção não rom ana.
1328 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
COMENTÁRIO
G R Á F IC O C O M PA R A T IV O D O E SC A R N EC IM EN TO
D IR IG ID O PELOS SO LD A D O S A JESUS
Quinto Episódio: Pilatos apresenta Jesus a seu povo; "os Judeus" bradam por
crucifixão (19,4-8)
u m a técnica m u ito parecid a à d a "in co m p reen são " (vol. 1, p. 153). Estes
são os d o is ep isó d io s n o ju lg am en to ro m an o em q u e a elaboração joanina
é a m ais ó bvia e p ro v av elm en te a m ais extensa. O sexto episódio só parti-
lh a com a trad ição sinótica o tem a d o silêncio d e Jesus (nota sobre v. 9), e
o b v iam en te este tem a significa m en o s p a ra João d o q u e p a ra os sinóti-
cos. B arrett , p. 451, observa: "A o p ro v o car a p róxim a p e rg u n ta , o silên-
cio d á seq u ên cia à conversação tão eficazm ente com o u m a resposta".
P re su m iv e lm e n te , o in te rro g a tó rio a q u e P ilato s sujeita Jesus
c o n s titu i o u tro d e s e s p e ra d o esforço p a ra e fe tu a r a so ltu ra d e Jesus,
m a s as in te n ç õ es d e Jesus são m en o s tra n sp a re n te s a q u i (nota so b re
"D e o n d e v ieste?"). T em -se a im p re ssã o d e q u e a ex asp eração d eix o u
o p re fe ito a g a rra n d o -se a p a lh a s, e q u e ele m esm o n ã o sab e com o p ro-
ced er. A g o ra ele e stá tra ta n d o com u m a acu sação relig io sa além d e
s u a c o m p re e n sã o . Iro n icam en te, o m e d o o leva a v o ciferar so b re seu
p o d e r, e é e v id e n te q u e P ilatos já p e rd e u a p aciên cia com o esp írito
n ã o c o o p e ra tiv ista d o h o m e m a q u e m está te n ta n d o p ro te g e r. (N ote a
d ra m á tic a c a ra cterização q u e João faz d e P ilatos). O s esforços p rév io s
d e P ilato s d e a c h a r u m m eio term o n a lu ta e n tre a v e rd a d e e o m u n d o
têm s id o fru s tra d o s p e la in tra n sig ê n cia d o m u n d o ; a g o ra ele se encon-
tra c o m a v e rd a d e , q u e tã o p o u c o e stá d isp o sta a se a co m o d ar. Ele está
fa la n d o co m u m Jesus q u e c o n siste n te m e n te tem re p e lid o p ro p o sta s
a in d a m ais sé ria s d e a m iz a d e o u a p ro v a ç ã o q u a n d o se e n co n trav a
co m falta d e fé (2,23-25; 3,2-3; 4,45-48).
O cern e d o ep isó d io é a afirm ação d e Jesus sobre o p o d e r o u au-
to rid ad e. Pilatos tem falado d e seu p o d e r físico sobre Jesus - ele p o d e
tirar a v id a d e Jesus. Este lhe fala em o u tro nível, o nível d a v e rd a d e e
d o "g e n u ín o " p o d e r. Q u e g en u ín o p o d e r d o alto Pilatos p o ssu i sobre
Jesus? A m aio ria d o s com entaristas in terp reta João à luz d e Rm 13,1,
o n d e P au lo insiste q u e os g o v ern an tes civis têm su a a u to rid a d e proce-
d e n te d e D eus. O s q u e p e n sam q u e Pilatos rep resen ta o E stado (p. 1298
acim a) v eem isto com o u m versículo-chave na in terp retação d a relação
en tre os p o d e re s legítim os d o E stado e as exigências d a v erd ad e. N ão
o b stan te, co n co rd am o s com V on C am penhausen , art. cit., d e q u e o Jesus
joan in o n ão está p relecio n an d o p a ra Pilatos sobre os direitos d o ofício
d o s p refeito s o u to rg a d o s p o r D eus, nem , a fortiori, sobre as relações de
Igreja e E stado. (A in terp retação d e João à luz d a ideia d e P aulo veio
m ais ta rd e d u ra n te o p e río d o d o n atista e foi d esen v o lv id a p o r A gosti-
n ho ). A o co n trário, d ev em o s e n te n d e r o d ito d e Jesus à lu z d e 10,17-18:
1338 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
BIBLIOGRAFIA
(18,2 8 1 9 ,16־A)
IN T R O D U Ç Ã O
19 16bgntg0 e !es assum iram a c u stó d ia d e Jesus; 17c a rre g a n d o ele m es-
m o a c ru z , sa iu p a ra o q u e é c h a m a d o "O L u g a r d a C a v e ira " (sen d o
seu n o m e em h eb raico , Golgotha). 18A li eles o cru cificaram ju n ta m e n te
co m o u tro s d o is - u m d e cad a la d o e Jesus n o m eio.
PR IM E IR O EPISÓ D IO
JESUS O N A Z O R E A N O
O REI D O S JUDEUS
SEGUNDO EPISÓDIO
TERCEIRO EPISÓDIO
QUARTO EPISÓDIO
NOTAS
19.26b. e le s a s s u m ir a m a c u s tó d ia d e J e su s . Em estrita sequência, o "eles", aqui
e no v. 18 ("eles o crucificaram"), se referiría ao últim o sujeito plural
65 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (introdução; episódios 1-4) 1345
eram usadas para sepultam ento. (Os árabes frequentem ente denom inam
um a colina de rãs, "cabeça", m esm o quando não haja qualquer seme-
lhança com um a caveira). Estritam ente, os evangelhos não mencionam
um a colina; m as os peregrinos do 4a século falavam de um monticulus ou
"pequeno outeiro" (o local venerado como o Golgotá na Igreja do Santo
Sepulcro fica cerca de dezesseis pés de altura). J eremias, Golgotha, p. 2,
argum enta que a topografia da área tem m udado tanto que se tom a di-
fícil form arm os algum juízo; porém adm ite que algum as vezes se usam
colinas, pois as execuções tinham o propósito de serem vistas. Outra ex-
plicação do nom e recorre à pia tradição atestada por O rígenes (In Matt.
27,33; GCS 38:265 e 41':226) de que Adão foi sepultado aqui. Um século
depois, o Pseudo-BASíuo menciona a caveira de Adão (In Isa. 5,1,14; PG
30:348C), e assim obtemos a imagem da cruz de Jesus tendo sido erigida
sobre a caveira de Adão. Embora alguns tenham argum entado ser possí-
vel que esta lenda seja pré-cristã, é m uito improvável que Pilatos tivesse
crucificado um criminoso em um local venerado pelos judeus. (Uma tra-
dição rival de que o corpo de Adão foi sepultado na área do tem plo ou na
caverna de Macpela tem m elhor chance de ser autenticam ente judaica).
Ainda outra explicação do nom e é que "Colina d a Caveira" era um lugar
de execução pública, onde as caveiras pudessem ser encontradas na ou
perto da superfície. A proxim idade do túm ulo de José (19,41) e a aversão
judaica por restos expostos tom am esta teoria tam bém improvável.
18. 0 crucificaram. Todos os evangelhos se contentam com esta descrição la-
cônica sem entrar em detalhes horripilantes. O prisioneiro condenado
foi pregado ou atado à transversal da cruz com seus braços estendidos; a
transversal era deixada no lugar sobre a viga vertical; os pés eram firma-
dos com pregos ou corda; o corpo se apoiava sobre um a cavilha (sedile)
que se projetava do poste. Josefo, War, 7,6.4; 203, chama a crucifixão de
"a mais miserável das m ortes"; e C ícero, In Verrem 2,5.64; 165, fala dela
como a "m ais cruel e terrível penalidade".
outros dois. M arcos/M ateus identificam estes como sendo bandidos (testai)·,
Lucas os denomina de criminosos (kakourgoi). Provavelmente devamos
pensar neles como prisioneiros pegos na mesma insurreição em que Bar-
rabás foi preso (Mc 15,7). Talvez Is 53,12, descrevendo o Servo Sofredor
como "contado entre os transgressores [anomoi]", exercesse influência na
preservação da memória destes prisioneiros parceiros de Jesus. (A pas-
sagem isaiana é citada no relato da última ceia de Lucas [22,37]). Somen-
te Lc 23,39-43 registra que Jesus tratou bondosamente um dos dois que
exibiu sinais de arrependim ento e de sentimentos nobres. Desde os últi-
mos tempos, ao menos quatro grupos diferentes de nomes têm sido dados
1348 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
aos dois; por exemplo, Dimas ou Titus para "o Bom Ladrão", e Gestas ou
Dumachus para o outro. Uma lei judaica tardia proibia a condenação de
dois homens no mesmo dia (StB, 1 ,1039), mas não sabemos se esta lei es-
tava em vigor nos dias de Jesus ou que ela fosse honrada pelos romanos.
O sumo sacerdote judeu Alexandre Janeus (88 a.C.) crucificou oitocentas
pessoas ao mesmo tempo (Josefo, War, 1,5.6; 97).
um de cada lado. Todos os evangelhos concordam sobre a posição relativa
dos três hom ens crucificados, em bora a tradição sinótica use diferentes
palavras: "um à direita e o outro à esquerda" (Mc 15,27 e par.). A ex-
pressão de João parece ser semítica (veja Nm 22,24). Os evangelhos po-
deriam estar evocando o SI 22,17(16): "um ajuntam ento de malfeitores
\poriêreuomenoi] me cercou".
19. Pilatos tinha também um letreiro escrito. Enquanto todos os evangelhos
mencionam a inscrição, som ente João a atribui à ordem de Pilatos. Temos
entendido o grego de João (literalmente "Pilatos escreveu") em um sen-
tido causativo, i.e., que ele obrigou outros a preparar o letreiro (cf. nota
sobre "açoitou" em 19,1). Mas alguns estudiosos pensam que João atribui
o escrito diretam ente a Pilatos, de m odo que, ao afirm ar vigorosam ente,
durante o julgamento, que Jesus não era culpado, agora, ironicam ente,
Pilatos compôs com sua própria mão o crime de que Jesus é culpado.
O term o que João usa para "letreiro" é titles, um latinismo que refle-
te titulus (ou latim vulgar titlus: BDF, §5'), a designação rom ana técnica
para a tábua que porta o nom e do condenado ou seu crime, ou ambos.
Aparentem ente, titulus podería tam bém referir-se à inscrição colocada
sobre a placa - veja F. R. M ontgomery H itchcock, JTS 31 (1930), 272-73.
Somente João (também v. 20) usa este term o técnico; Mc 15,26 fala de
um a "inscrição [epigraphs; tam bém Lc 23,38] gravada com seu crime";
Mt 27,37 fala sim plesm ente da acusação escrita. S uetônio, Caligula 32,
menciona a exposição pública do título indicando o crime do réu. Entre-
tanto, enquanto temos evidência de que o crim inoso porta o título pen-
durado em tom o de seu pescoço ou tendo-o levado diante de si rum o ao
lugar da execução, não temos evidência do costum e de afixá-lo à cm z.
sobre a cruz. Mc 15,26 não menciona onde a inscrição foi posta; M t 27,37
diz que foi colocada sobre a cabeça de Jesus (Lc 23,38; "acima dele") - é
à últim a informação que devem os a com um representação pictórica de
um a cruz em que a transversal é inserida ao com prido da viga vertical
(crux immissa), em vez de ser posta no topo da viga vertical (crux commissa).
Tudo indica que a crux immissa foi a forma mais comum.
continha as palavras. Literalmente, "foi escrito", um particípio passivo per-
feito em pregado tam bém por Mateus.
65 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (introdução; episódios 1-4) 1349
Jesus 0 nazoreano, 0 Rei dos judeus. A formulação desta inscrição varia nos
quatro evangelhos - um a interessante atestação da liberdade do registro
evangélico, mesmo quando, supostam ente, todos eles estão recorrendo
à m em ória de algo escrito. (Julgamos fantasiosa a tese de P.-F. Regard,
Revue Archéologique 28 [1928], 95-105, de que M ateus preserva na tradu-
ção literal a forma hebraica da inscrição, que Lucas preserva a forma
grega e João, a forma latina). O fraseado é como segue:
ET 24 (1912-13), 90-91, concorda que três das peças tinham de ser (a)
adornos da cabeça ou turbante; (b) um tallith, capa externa ou m anto
(veja Jo 13,4); e (c) um a faixa ou cinto. Discordam sobre se Jesus teria
usado sandálias (Edersheim) ou se teria cam inhado para a crucifixão des-
calço, de m odo que a quarta veste poderia ter sido um a camiseta (hãlüq )
usada debaixo d a túnica (Kennedy).
uma para cada soldado. Somente João especifica que a esquadra executora
era com posta de quatro [soldados]; e realm ente a distribuição em qua-
tro parece ter sido costum eira, pois A t 12,4 fala de quatro esquadras de
quatro. N ão sabemos se outras esquadras se ocuparam com a crucifixão
dos dois bandidos: Mc 15,27 parece atribuir aos m esmos soldados as ou-
tras crucifixões, enquanto M t 27,38 é m ais vago. Os evangelhos sinóticos
m encionam um centurião (Mc 15,39 e par.).
túnica. O chitõn era um a veste longa usada bem junto à pele (Colonel Re-
pond, "Le costume du Christ", Biblica 3 [1922], 3-14).
tecida como uma só peça... e não tinha costura. Um a roupa sem costura prote-
gia de qualquer risco de dois m ateriais serem m isturados, algo que era
proibido. Para um a discussão sobre a técnica de tecer usada para fazer
um a roupa sem costura, veja H.-T h . Braun, Fleur bleue, Revue des indus-
tries du lin (1951), pp. 21-28, 45-53. Esse tipo de roupa não era necessa-
riam ente u m item de luxo, pois podia ser tecida por um artesão que não
tivesse habilidade excepcional.
24. em vez de rasgá-la. Literalmente, "não a rasguem os". E interessante que
Lv 21,10 proíbe ao sacerdote rasgar suas vestes.
lancemos. Um elem ento coloquial é justificado pela situação visualizada na
passagem . A palavra grega, lagchanein, que com um ente significa "obter
por sorte", neste caso significaria "lançar sortes". Os sinóticos usam a
expressão m ais norm al para isto: ballein klêron (aparecendo na citação
que João faz do AT). O Evangelho de Pedro, 12, e Justino, Trifo XCVII; PG
6:705A, trazem ballein lachmon, que é um a combinação entre as expres-
sões joaninas e sinóticas.
O propósito disto era. Ver nota inicial sobre 18,9. A m esm a estrutura grama-
tical aparece na N arrativa M arcana da Paixão em 14,49.
a Escritura. O SI 22,19(18) é citado por João de conformidade com a LXX.
Embora os sinóticos não citem explicitamente o salmo em referência a
este incidente (umas poucas testemunhas textuais têm um a citação em
M t 27,36), seu palavreado do incidente é influenciado pelo salmo. Tem-
se sugerido que a citação explícita de João constitui um a tentativa de
aperfeiçoar a citação implícita nos sinóticos. Entretanto, D odd, Tradition,
p. 40, pensa que temos exemplificadas duas m aneiras independentes de
1352 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
usar o SI 22, o qual, juntam ente com Is 52-53, constituía a principal fonte
da qual a tonalidade do AT foi dada à N arrativa d a Paixão. (Para um a di-
ferença similar entre citação explícita e implícita, ver Jo 13,18 e Mc 14,18 -
p. 932 acima). Algum as testem unhas ao texto de João adicionam a cláu-
sula explanatória "que diz" depois de "Escritura".
Isso é 0 que os soldados fizeram. Para o uso conclusivo de men oun, ver MTGS,
p. 337. O fraseado deste sum ário tem sugerido a alguns que a intenção
de João era contrastar o que os soldados fizeram com o que os am igos
de Jesus estavam fazendo, o que será descrito nos vs. 2 5 -2 7 . Pensam os
ser isto inteiram ente improvável, pois não há evidência de que João pen-
sasse na ação dos soldados em dividir as roupas como sendo particular-
m ente hostil. D auer, p. 2 2 5 , vai consideravelm ente além d a evidência
quando afirma que o contraste entre os soldados e as m ulheres constitui
um caso da reação dualística produzida pelo Jesus joanino. Esta sentença
pode sim plesm ente significar este desfecho: "Lancemos sortes p ara ver-
mos quem ganhará", após a citação parentética d a Escritura. O u, caso se
refira à Escritura, enfatiza que os soldados inconscientem ente fizeram
exatamente como fora profetizado.
25. em pé junto à cruz. Somente após registrar a m orte de Jesus (e, portan-
to, m ais em relação ao sepultam ento), os três sinóticos (Mc 15,40 e par.)
mencionam a presença das m ulheres galileias. Afirm am claram ente
que as m ulheres tinham visto tudo a certa distância; de fato, Lc 23,49,
"Elas se puseram à distância", é quase um a contradição direta de João.
(Os escritores sinóticos não explicam como, sob estas condições, conje-
turam que as palavras de Jesus na cruz foram ouvidas e preservadas).
E possível harm onizar alegando que, durante a crucifixão, as m ulheres
se puseram junto à cruz (João), mas quando a m orte se aproxim ou elas se
viram forçadas a retirar-se (sinóticos). P. G aechter, Maria im Erdenleben
(Innsbruck, 1954), p. 210, supõe que os amigos de Jesus conseguiram
chegar junto à cruz (João) durante as trevas que cobriram a terra (si-
nóticos). O utros rejeitam a historicidade do relato joanino. Barrett,
p. 348, duvida que os rom anos tivessem perm itido que os amigos de
Jesus se aproxim assem da cruz; m as E. Stauffer, Jesus and His Story (Lon-
dres: SCM, 1960), pp. I l l , 1791, cita evidência no sentido de que o cru-
cificado às vezes era cercado po r parentes, am igos e inim igos durante
as longas horas desta agonizante pena. E digno de nota que o quadro
sinótico tem um a orientação rum o ao cum prim ento do SI 38,12(11):
"M eus parentes se põem longe de m im " (também SI 88,9[8]). Kerrigan,
p. 375, sugere que, para João, as m ulheres junto à cruz são testem unhas,
vendo e ouvindo o que acontecia; mas, na verdade, som ente a m ãe de
65 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (introdução; episódios 1-4) 1353
p o r parte do pai da família. Temos assum ido que a frase "Maria de Cio-
pas" se refere à esposa de Clopas (BDF, § 1 6 2 4) ; m as E. F. B i s h o p , ET 7 3
( 1 9 6 1 - 6 2 ) , 3 3 9 , defende que isso significa "filha de Clopas" (BDF, § 1 6 2 ’ );
de João e Lucas sobre este ponto deve ser avaliada à luz do fato de que
estes são os dois evangelhos que m encionam as aparições aos discípulos
em Jerusalém no sábado im ediatam ente após a sexta-feira da crucifixão.
Mc 14,50 e M t 26,56 registram que todos os discípulos fugiram quando
Jesus foi preso; correspondentem ente, Marcos e M ateus indicam que a
aparição do Jesus ressurreto aos discípulos ocorrería ou ocorreu n a Gali-
leia (ver pp. 1435-40 abaixo).
Mulher. Este discurso é om itido pelas versões cópticas e um ms. da OL. Ver
nota sobre 2,4.
Eis 0 teu filho. Ide aparece nas m elhores testem unhas gregas, m as há um
forte endosso para idou (ver nota sobre "Eis o hom em " em 19,5). B arrett,
p. 459, e D auer, p. 81, salientam a sim ilaridade a um a adoção de fórm u-
la; todavia, aparentem ente não há paralelo preciso onde a m ãe é abor-
dada primeiro. De fato, a adoção de fórm ulas que encontram os na Es-
critura geralm ente tem um padrão "tu és", diferente do "eis" em João
(SI 2,7: "Tu és o m eu filho; hoje te gerei"; ISm 18,21: "Hoje tu serás m eu
genro"; Tb 7,12 [Sinaiticus]: "D oravante és seu irm ão e ela é tua irm ã";
para o Código de H am urabi, ver R. de V aux, Ancient Israel [Nova York:
McGraw-Hill, 1961], pp. 112-13). L agrange, p. 494, comenta que, ordina-
riam ente, na antiguidade um a pessoa m oribunda recom endava sua m ãe
a outro com um a comissão ou incumbência direta: "Eu te deixo m inha
m ãe para que cuides dela".
27. desde então, 0 discípulo a tomou sob seu cuidado. Literalmente: "desde aquela
hora". Testem unhas textuais um pouco m enores trazem "dia" em vez de
"hora". Devemos com preender que a m ãe de Jesus e o Discípulo Ama-
do deixaram o Calvário im ediatam ente, antes de Jesus m orrer? É possí-
vel encontrar apoio gramatical para essa interpretação segundo J oüon
(B lack, p. 252) de que a expressão "daquela hora" é um aram aísm o fre-
quente nos escritos rabínicos, significando "naquele exato m om ento".
Não obstante, se à luz da teologia de João entenderm os "aquela hora"
como sendo a hora do retorno de Jesus ao Pai, não tem os que supor um a
indicação precisa de tem po para a partida do Discípulo. Mais adiante, no
v. 35, o Discípulo A m ado parece ainda estar presente. C eroke, pp. 132-33,
toma a frase "daquela hora" como a implicar a p erpetuidade d o cuidado
do Discípulo por Maria; m as isto é outra vez ler demais. A verdade em
tudo isto é que nesta m etade do versículo o escritor volta sua atenção do
Calvário para algo futuro (D odd, Tradition, p. 127) - som ente M ateus, en-
tre os sinóticos, interrom pe sem elhantem ente a sequência na Paixão para
conduzir à sua conclusão um a história sobre alguns dos personagens en-
volvidos (morte de Judas em 27,3-10; tam bém 27,52-53).
65 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (introdução; episódios 1-4) 1357
sob seu cuidado. Literalm ente, "ao seu próprio [neutro]", um a frase usada
em o utro lugar em João (1,11: "ao seu próprio [país]"; 16,32: "dispersos,
cada u m p ara seu próprio"). Aqui tem a conotação "para sua própria
casa", como em Est 5,10; 3Mc 6,27; At 21,6. Todavia, a frase implica
tam bém cuidado. Em harm onia com o sentido am plo que sugerim os
acim a p ara "daquela hora", não carece que pensem os que o Discípu-
lo A m ado tivesse lar em Jerusalém para onde levar M aria do Calvário.
H oskyns, p. 530, vê um possível contraste entre o Discípulo A m ado que
tom a M aria "para si próprio" e os discípulos que se dispersaram "cada
u m p o r si próprio".
28. Depois disto. Para o problem a se meta touto é cronologicamente preciso,
como distinto de meta tauta, ver nota sobre 2,12. Por exemplo, K errigan,
p. 373, tom a meta touto como um a indicação de que este incidente seguiu
im ediatam ente o incidente anterior.
sabendo. Para a m esm a fraseologia, ver 13,1. A lgum as testem unhas me-
nores rezam "vendo"; P66 endossa a redação das testem unhas m ais im-
portantes.
tudo estava agora consumado. "A gora" é om itido em m uitas das versões, ou
é lida outra palavra ("eis"). O "tudo" significa tudo o que o Pai dera ao
Filho para fazer: "Deus lhe entregou todas as coisas" (13,3; tam bém 3,35;
15,15). A qui e no v. 30, o verbo em pregado é telein, "conduzir a um fim".
Tem a conotação de com pletude bem como a de sim ples término. Oca-
sionalm ente, tem implicações sacrificiais; e D odd, Interpretation, p. 437,
sugere um a conexão com o uso de "consagrado" em 17,19; a saber, se
naquele versículo (p. 1177 acima) Jesus aparece como um sacerdote a ofe-
recer-se como um a vítim a por aqueles a quem Deus lhe deu, aqui vemos
que sua m orte é a com pletude do sacrifício. N ão obstante, as conotações
sacrificiais de telein é um a tese frágil para servir de único suporte desta
interessante hipótese (que se adequaria m uito bem com nossa interpre-
tação do sim bolismo sacerdotal da túnica no segundo episódio - ver co-
m entário). Seguram ente, temos de relacionar telein com o telos de 13,1:
"com o havia am ado os seus, que estavam no m undo, amou-os até 0fim".
N o restante da cena da crucifixão verem os que João relaciona a consu-
m ação da obra e vida de Jesus com a com pletude do plano preordenado
de Deus dado na Escritura. É interessante que A t 13,29 use o verbo telein
para o cum prim ento da Escritura através da m orte de Jesus: "pediram a
Pilatos que ele fosse m orto [v. 28]. E, havendo eles cumprido todas as coi-
sas que dele estavam escritas...". Telein aparece no relato lucano da últi-
m a ceia em referência ao discípulo de posse de um a espada: "Eu vos digo
que a Escritura tem de se cumprir em m im ,... pois o que está escrito sobre
1358 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
m im tem de seu cum prir [ te lo s ] " (Lc 2237 ;׳ver tam bém 18,31; Ap 17,17).
P. Ricca, D ie E s c h a to lo g ie d e s V ie r t e n E v a n g e li u m s (Zurique: Gotthelf,
1966), pp. 63ss., vê aqui um a tentativa de relacionar a crucifixão com
"o princípio" m encionado no Prólogo: entre o princípio (Jo 1,1) e o fim
"21,28.30) se concretizou a carreira da Palavra que se fez carne. R icca su -
gere ainda um a conexão com 5,17 onde Jesus diz: "M eu Pai trabalha até
agora, e eu tam bém trabalho". Agora a obra está consum ada, e o sábado
que tem início após a m orte de Jesus (19,31) é o sábado do repouso eterno
(ver vol. 1, p. 441s.). Finalmente, p o r causa do frequente paralelism o en-
tre Jesus e Moisés no Q uarto evangelho, podem os cham ar a atenção para
Ex 40,33: "Assim Moisés com pletou a obra" - um a referência ao térm ino
do Tabem áculo (ver vol. 1, p. 209s.).
a f i m d e . Norm alm ente, um a cláusula final se relaciona a um verbo dom i-
nante que a precede; isto significaria que tudo o que "agora term inou a
fim de levar a Escritura ao seu cum prim ento pleno" inclui o incidente
anterior (terceiro episódio), onde Jesus dá sua m ãe ao Discípulo Am ado.
O. M. Norue, S im p li f i e d N e w T e s ta m e n t (Grand Rapids: Zondervan, 1961),
trad u z assim: "Jesus, sabendo que tudo havia sido feito para cum prir a
Escritura, disse...". Bampfyl.de, p. 253, tem um a tradução similar: "Jesus,
sabendo que agora tudo estava consum ado a fim de que a Escritura
fosse conduzida à fruição, disse...". Entretanto, a m aioria dos gram áti-
cos (BDF, §478; MTGS, p. 344) cita este versículo como exemplo onde a
cláusula final precede a cláusula principal, de m odo que o cum prim en-
to da Escritura se relaciona com o dito de Jesus "Tenho sede" (quarto
episódio). Pode ser que as duas possibilidades não sejam incisivam ente
separadas, e transform am os, deliberadam ente, nossa tradução em algo
ambíguo. Salientaremos no comentário possível pano de fundo bíblico
para ambos: terceiro e quarto episódios.
c o n d u z i r a E s c r itu r a a o s e u p le n o c u m p r im e n to . O verbo norm al no NT para
o cum prim ento da Escritura é p l ê r o u n , usado nos vs. 24 e 26. A qui João
em prega t e l e i o u n , um verbo usado não diferentem ente no NT em refe-
rência à Escritura (no entanto, notam os supra tal uso de te l e in , u m verbo
relacionado). C. F. D. M oule, NTS 14 (1967-68), 318, sugere que o em pre-
go joanino de t e l e i o u n em vez de p l ê r o u n é sim plesm ente um a variação
estilística. Em 17,4.23 João usa t e l e i o u n para a consum ação da obra de
Jesus (veja nota sobre 17,4); seu uso no presente versículo presum ível-
m ente implica que o cum prim ento da Escritura é conduzido à comple-
tude quando Jesus passa desta vida para o Pai. N a verdade, esta não é a
últim a referência joanina ao cum prim ento da Escritura n a vida e obra de
Jesus (veja vs. 36,37).
65 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (introdução; episódios 1-4) 1359
"Tenho sede". Estas palavras são encontradas som ente em João. A últim a
vez que ouvim os que Jesus teve sede foi em 4,6 (veja nota ali) quando se
assentou junto ao poço de Samaria ao meio-dia (cf. 19,14).
29. um jarro. M encionado som ente em João.
vinho. O oxos, mencionado também nos relatos sinóticos da segunda bebida
oferecida a Jesus (ver comentário), foi posca, um vinho diluído, vinagre,
bebido p o r soldados e operários. Seu único propósito podería ter sido para
aplacar a sede, e não se deve confundir com o narcótico (?) um a mistura
de vinho (aims) e m irra ou fel, mencionado no relato m arcano/m ateano
da prim eira bebida oferecida a Jesus. Uma combinação confusa dos dois
é um eco que vem do Evangelho de Pedro, 16, e a Epístola de Barnabé 7,3.
Curiosamente, H oskyns p. 531, vê aqui um gesto de crueldade a agravar a
sede, enquanto o Evangelho de Pedro parece beber da m istura de fel e vinho
com um como um veneno para acelerar a m orte de Jesus.
eles. Os agentes não são definidos, m as provavelm ente devam os pensar
nos soldados recém-m encionados em 24. Em Lc 23,36, os agentes são
soldados; M t 27,47-48 fala de um dos expectadores, se 36a deva ser re-
lacionado com 35 (T aylor, Mark, pp. 594-95, nega a relação e sugere que
M arcos está se referindo a um soldado). N aturalm ente, som ente um in-
divíduo teria fornecido o vinho a Jesus, de m odo que o plural joanino
inclui os que sugeriram a ideia e ajudaram .
embeberam uma esponja deste vinho. Lucas não menciona esponja; Mc 15,36
tem alguém que "em bebe a esponja deste vinho"; algum as testem unhas
do texto de João trazem variantes influenciadas pela fraseologia m arcana
e m ateana.
em certo hissopo. M arcos/M ateus falam de um a cana, seguram ente um cau-
le forte e longo. O que João quer dizer com "hissopo"? Usualmente, o
hissopo bíblico (heb. ,êzõb; gr. hyssõpos ) é um a pequena planta copada
que pode crescer nas fendas dos m uros, planta essa que lR s 4,33 cias-
sifica como o m ais hum ilde dos arbustos (= Origanum Maru L.; Syriam
m arjoram ; um a planta da família das labiadas, relacionada com a hor-
telã e o tomilho). Enquanto a variedade palestinense de hissopo tem
um a haste relativam ente grande, os ram os são adaptados para aspergir
(Lv 14,4-7; N m 19,18), porém dificilmente podería suportar o peso de
um a esponja úm ida. Alguns têm sugerido que neste caso "hissopo" se
refere ao Sorgum Vulgare L. (a cana de M arcos/M ateus); e embora tal har-
m onização seja forçada, temos de adm itir que a identificação do hissopo
não é certa, pois tem-se sugerido ao m enos dezoito diferentes plantas
como correspondentes à sua descrição, e o term o bíblico pode cobrir di-
versas espécies (J. W ilkinson, ScotJT 17 [1964][, 77).
1360 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
C O M E N T Á R IO : G E R A L
A estrutura da cena
E n q u a n to a c e n a d e Je su s n a c ru z n ã o é tã o p re c isa o u d ra m a tic a -
m e n te o r g a n iz a d a c o m o a cen a d e Je su s d ia n te d e P ilato s, d e te c ta -
m o s ta m b é m a q u i u m p a d rã o q u ia sm á tic o , co m o in d ic a d o n o d ia-
g ra m a a b aix o .
A e s tr u tu r a q u e tem o s p ro p o sto rejeita im p lic ita m en te d o s p o n -
to s d e v ista c o rre n te s so b re o arra n jo d e sta cena. M eeks, p. 62, tra ta
19,17-22 co m o u m o itav o e p isó d io d a s relações e n tre P ilato s e Jesus,
e e n tã o co m o p e rte n c e n te à p ré v ia D iv isão d a N a rra tiv a d a Paixão.
É v e rd a d e q u e a fig u ra d e P ilato s é fo rte m e n te p ro e m in e n te nestes
v e rsíc u lo s, e q u e a in d a é p o ssív e l ter-se a im p re ssã o d e q u e Pilatos
e s ta v a n o C a lv á rio (p. 1371 abaixo).
foi n e g a d o u m p a p e l em C a n á p o rq u e a in d a n ã o h a v ia c h e g ad o a hora.
A go ra q u e su a h o ra já chegou, é-lhe d a d o u m p a p e l com o a m ãe d o
D iscípulo A m ad o , isto é, d o cristão. E stam os se n d o in fo rm a d o s fig u ra-
tiv am en te q u e Jesus se p re o c u p a v a p e la c o m u n id a d e d o s cren tes q u e
seriam a tra íd o s a ele ag o ra q u e seria e lev ad o d a te rra à c ru z (12,32).
O q u a rto e p isó d io m o stra a m o rte d e Jesus com o a co n su m ação d e tu d o
o q u e o Pai lh e d e u p a ra fazer, u m a tarefa d escrita d e a n te m ã o n a s Es-
crituras. Este ep isó d io term in a d escrev en d o a m o rte d e Jesus com o su a
en treg a d o esp írito - a p a re n te m e n te u m m o d o sim bólico d e in d ic a r q u e
o p ró p rio E spírito d e Jesus ag o ra c o n su m aria su a obra. "Se e u n ã o for,
o P arácleto n ão v irá a v ó s" (16,7). O q u in to ep isó d io d á se g u im e n to ao
sim bolism o p ro lép tico d a d o ação d o E spírito; p o is o flu ir d a á g u a tin-
g id a com o sa n g u e d o Jesus m o rib u n d o c u m p re a p ro m e ssa d e 7,38-39:
"N o d izer d a E scritura, 'd o s e u in terio r fluirão rios d e á g u a v iv a'. (A qui
ele estav a se referin d o ao Espírito...)". E m u m nível secu n d ário , o fluir
d e san g u e e ág u a, sim b o lizan d o a origem d o s sacram en to s d a Euca-
ristia e d o B atism o atrav és d a v id a d e Jesus, é c o m u n icad o ao cristão.
É im p o rtan te lem b rar que, d u ra n te este episódio, Jesus já está m o rto . N o
p en sam en to d e João, o d ra m a d a cru z n ã o term in a n a m o rte, e sim n o
fluir d a v id a q u e v e m d a m orte: a m o rte d e Jesus é o início d a v id a cristã.
O tem a d o c u m p rim e n to d a E sc ritu ra é ta m b é m m u i p ro e m in e n te
n a cena d a crucifixão. N o s e p isó d io s 2 e 5 são c ita d a s p a s sa g e n s esp e-
cíficas; e d eclara-se q u e o q u a rto e p isó d io o c o rre u p a ra q u e a E sc ritu ra
fosse le v a d a ao se u co m p le to c u m p rim e n to . O te m a M essias-rei d o
p rim e iro e p isó d io e o sim b o lism o d a M ãe d e Sião e a N o v a E v a d o ter-
ceiro e p isó d io são ta m b é m p le n a m e n te bíblicos. N e sta p re o c u p a ç ã o
com o p a n o d e fu n d o v e te ro te sta m e n tá rio p a ra a p a ix ã o , p ro v á v e l-
m e n te João esteja re fle tin d o a p re o c u p a ç ã o c ristã p rim itiv a g e ra l d e
m o stra r ao s ju d e u s q u e a crucifixão n ã o e lim in o u a p o s s ib ilid a d e d e
q u e Jesu s era o M essias p ro m e tid o , m a s a n te s c u m p riu as p a la v ra s d e
D eu s n a E scritu ra. N ã o o b sta n te , a seleção d a s p a ssa g e n s específicas
d o A T e o s tem a s co m o p a n o d e fu n d o p a ra a crucifixão p a re c e m ter
sid o fo rm u la d o s à lu z d o in te resse teológico jo an in o .
la n ç a d o e m Je su s q u e n o s p e rc e b e m o s a lg u m p la n e ja m e n to , p o is
ta n to e m M a rc o s /M a te u s co m o e m L u cas h á u m a se q u ê n c ia n a s
z o m b a ria s p e lo s v á rio s g ru p o s (cu rio so s, a u to rid a d e s , s o ld a d o s [Lu-
cas] e c rim in o so s c ru cificad o s). A lg u n s d o s d e ta lh e s q u e são n a r-
ra d o s p a re c e m s e r m e ra m e n te fa c tu a is e se m im p lic a ç ão teo ló g ica
ó b v ia. P o rta n to , João é s in g u la r n a o rg a n iz a ç ã o q u ia sm á tic a d o s epi-
s ó d io s e n a c o n c e n tra ç ã o e x c lu siv a n o s e p isó d io s d e im p lic a ç ão teo-
ló g ica. C a d a u m d o s q u a d ro s lite rá rio s jo a n in o s é c u id a d o s a m e n te
d e lin e a d o , e a n a rra tiv a é d e s p id a d e tu d o o q u e p o d e ría d istra ir.
É in te re s s a n te fa z e r u m a lista d o s d e ta lh e s d a s n a rra tiv a s sin ó ticas
não e n c o n tra d o s e m João:
N a c o n c lu s ã o , Jo ão c o n c o rd a co m o s sin ó tic o s so b re a u rg ê n c ia n o
s e p u lta m e n to , s o b re o p a p e l d e José d e A rim a te ia e so b re o u so d e
u m n o v o tú m u lo ; m a s, se a q u i e x iste a lg u m a ê n fa se teo ló g ic a , ela
se c e n tra n a g r a n d e q u a n tid a d e d e m irra e alo é s tra z id a p o r N i-
c o d e m o s - u m a v e z m a is, o s sin ó tic o s m a n tê m silên cio so b re este
d e ta lh e . A ssim , m e sm o n o s in c id e n te s q u e tê m e m c o m u m , a s d ife-
re n ç a s e n tr e Jo ão e o s sin ó tic o s sã o m u ito su b sta n c ia is.
U m a s o lu ç ã o se ria q u e João e x tra iu d o s e v a n g e lh o s sin ó tico s,
o u d a s tra d iç õ e s p ré -sin ó tic a s, a lg u n s fato s b á sic o s e e n tã o e x p a n -
d iu e s te s a d ic io n a n d o d e ta lh e s q u e se p re s ta m à teo lo g iz a ç ã o jo an i-
n a. S u b s ta n c ia lm e n te , e sta é a a v a liaç ã o d e B a rrett (p. 455): " É b e m
p ro v á v e l q u e Jo ão d e p e n d a d e M arco s, m a s o u ele, o u a tra d iç ã o
im e d ia ta , m o d ific o u n o ta v e lm e n te s u a fo n te " . E n tre ta n to , h á d u a s
o b jeçõ es a e sta teo ria . P rim e iro , q u a n d o Jo ão te m m a te ria l em co-
m u m c o m o s sin ó tico s, a s d e scriçõ e s p a ra le la s fre q u e n te m e n te exi-
b e m n o tá v e is d ife re n ç a s e m v o c a b u lá rio ; p o r e x e m p lo , veja a n o ta
s o b re 19,25 a c erca d o s n o m e s d a s m u lh e re s p re s e n te s n o C alv ário .
A lé m d o m a is, n e ste m a te ria l c o m u m , a se q u ê n c ia n ã o é a m esm a.
A o rd e m m a rc a n a é: (1) a cru cifix ão , (2) a d iv isã o d a s ro u p a s , (3) a
in sc riç ã o , (4) a m e n ç ã o d o s d o is b a n d id o s ; a o rd e m lu c a n a d o s m es-
m o s e v e n to s é 1 ,4 ,2 , e d e p o is d e u m ín te rim , 3; a o rd e m jo a n in a é 1,
4, 3, 2. A s e g u n d a o bjeção é q u e é m u ito difícil d iz e r se o s d e ta lh e s
p r o p ria m e n te jo a n in o s c o n s titu e m a d iç õ e s im a g in a tiv a s o u sã o tra -
d ic io n a is. Se a p la u s ib ilid a d e fo r a lg u m g u ia , às v e z e s estes d e ta -
lh es jo a n in o s a p re s e n ta m u m q u a d ro tã o p la u s ív e l q u a n to faz e m os
d e ta lh e s d a tra d iç ã o sin ó tica c o n tra d itó rio s o u d ife re n te s. O q u e é
im p la u s ív e l s o b re a p o sse d e u m a tú n ic a in c o n sú til d e Je su s o u se u
g rito " te n h o s e d e " ? O s m a is p e c u lia re s d o s in c id e n te s p ro p ria m e n te
jo a n in o s , o flu ir d e s a n g u e e á g u a , é u m p e lo q u a l o a u to r re iv in d ic a
e n fa tic a m e n te o a p o io d e te s te m u n h o ocular! P o rta n to , a p a rtir d e
u m a c o n s id e ra ç ã o to ta l, ta n to d a s o m issõ e s jo a n in a s co m o d o p ro -
b le m a d o s p a ra le lo s sin ó tico s p a rc ia is n o s in c id e n te s d a cru cifix ão
q u e Jo ão n a rr a , c o n c o rd a ría m o s co m D odd ( Tradition , p p . 124-39) em
p r o p o r a e x istê n cia d e u m a tra d iç ã o jo a n in a in d e p e n d e n te , d e ix a n d o
a b e rta a p o s s ib ilid a d e d e q u e o e v a n g e lista c o m p le ta ra e ssa tra d iç ã o
m e d ia n te im a g in a ç ã o c ria tiv a .
1368 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
COMENTÁRIO: DETALHADO
te x to , n ã o o b s ta n te o te m a d a u n id a d e n ã o e sta ria fo ra d e lu g a r em
Jo ão (10,15-16; 1 1 , 5 1 1 7 , 1 1 . 2 1 - 2 3 ;5 2 )־. H oskyns , p . 529, sa lie n ta q u e o
v e rb o g re g o " ra s g a r" , u s a d o n a c o n v e rsa ç ã o d o s s o ld a d o s, a p a re c e
e m o u tro lu g a r e m Jo ão e m re fe rê n c ia à d iv isã o d o p o v o e m fac-
çõ es (7,43; 9,16; 10,19 etc. - v e r ta m b é m a im p lic a ç ão sim b ó lica d o
ra s g a r d a s ro u p a s e m lR s 11,29-31). A o a v a lia r e sta in te rp re ta ç ã o
d e Jo ão , é m u ito d ifícil tra ç a r a lin h a e n tre e x eg ese e eiseg ese. Bult-
m a n n , p . 5 1 9 10, s a lie n ta a in d a a s p o s s ib ilid a d e s sim b ó licas u lte rio re s
à lu z d a id e ia ra b ín ic a d e q u e a m b o s, A d ã o e M o isés, rec e b e ra m
d e D e u s u m a tú n ic a in c o n sú til. B. M urmelstein, Angelos 4 (1932), 55,
le m b r a n d o q u e n o p e n s a m e n to ju d a ic o p o p u la r o p a tria rc a José
foi u m a fig u ra salv ífica, a p o n ta p a ra a lo n g a (?) tú n ic a d e José em
G n 3 7 ,3 .2 3 , d a q u a l ele foi d e s p id o e p e la q u a l se la n ç a ra m so rte s
(Midrash Rabbah 84,8). N a tu ra lm e n te , n ã o te m o s co m o sa b e r se tais
re fe rê n c ia s e s ta v a m n a m e n te d o e v a n g e lista .
Quarto episódio: Jesus grita de sede; os executores lhe oferecem vinho; ele
rende 0 Espírito (19,28-30)
(1 ) 0 re la to m a rc a n o A e M a te u s, p o ré m n ã o L ucas, re g istra q u e
a Jesu s se o fereceu u m a b e b id a tã o lo g o ele c h e g o u n o G ó lg o ta e a n te s
d e se r crucificado. M arcos a d e scre v e co m o s e n d o v in h o (oinos ) co m
u m a m is tu ra d e m irra e d iz q u e Jesus n ã o o q u is b eb er. O c o n te x to
su g e re q u e a b e b id a v isa v a a se r a n estésico p a ra a ju d a r o c o n d e n a d o
a s u p o rta r a d o r d e ser p re g a d o n a c ru z (cf. StB, 1 ,1037, p a r a o c o stu -
m e d e d a r n arcó tico p a ra a liv ia r o so frim en to ). N ã o o b sta n te , n e m n o
fato n e m n o q u e sa b em o s d a farm aco lo g ia a n tig a a m irra se rv e co m o
a n ó d in o o u n arcótico. T alv ez a m irra fosse a p e n a s c o n d im e n to e o
p ró p rio v in h o v isa sse a e n to rp e c e r (v er P r 3 1 ,6 7 )־. M t 27,34 d e sc re v e o
v in h o co m o u m a m is tu ra com fel (ch o lê ) e re g istra q u e Jesu s o p ro v o u
an te s d e recu sá-lo , e assim p a re c e n d o im p lic a r q u e Jesu s n ã o so u b e s-
se o q u e lh e e s ta v a s e n d o o ferecido. E m b o ra as d ife re n te s red a ç õ e s,
" m irra " e "fel", p o ssiv e lm e n te su rg isse m d e u m a c o n fu sã o (resp ecti-
v a m e n te , o s te rm o s h e b ra ico s são m õr e mãrãh ; o s te rm o s a ra m a ic o s
são m ü râ/m õrâ e m ãrâ), m ais p ro v a v e lm e n te M a te u s esco lh esse s u a
d escrição p a ra m o stra r a referên cia à LXX d o SI 69,22(21):
b id a já n a c ru z , q u a n d o s u a m o rte se a p ro x im av a . D e p o is q u e Jesu s
p ro n u n c io u s u a s ú ltim a s p a la v ra s e m h e b ra ico o u ara m aic o , u m d o s
cu rio so s c o rre u e e n c h e u u m a esp o n ja d e v in h o c o m u m (oxos), a fi-
x o u n u m a can a (kalamos) e o o fereceu a Jesu s p a ra b e b e r (M c 15,36;
M t 27,48). N ã o so m o s in fo rm a d o s se d e fato Jesu s b e b e u . L u cas m en -
cio n a a p e n a s u m e p isó d io e n v o lv e n d o v in h o , u m e p isó d io q u e o co rre
e m m eio à n a rra tiv a d a crucifixão, a n te s d a s ú ltim a s p a la v ra s d e Jesus.
Lc 23,36 reg istra: "O s so ld a d o s ta m b é m o escarn eciam , a d ia n ta n d o -se
e o ferecen d o v in h o c o m u m (oxos) e d ize n d o : 'S e és o Rei d o s Ju d eu s,
salv a-te a ti m e sm o "'. E v id e n te m e n te , o m o tiv o é escarn ecer, m oti-
v o esse q u e n ão é claro n a d escrição m a r c a n a / m a te a n a o n d e a ação
65 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (introdução; episódios 1-4) 1383
Q U IN T O E PISÓ D IO
CO NCLUSÃ O
NOTAS
19.31. Visto ser 0 Dia da Preparação. Aqui, o termo parece referir-se primaria-
m ente à véspera do sábado (c. das seis da tarde de quinta-feira até c. das
seis da tarde de sexta-feira), e não à véspera da Páscoa. Esta é um a ocor-
rência diferente do term o em 19,14 (ver nota ali). Bultmann, p. 5245, pensa
que este versículo reflete um a tradição em que Jesus m orreu no dia 15
de N isan (a posição sinótica - ver pp. 912-13 abaixo), de m odo que o dia
seguinte, um sábado, teria sido o dia 16 de Nisan, um dia particularm ente
solene, pois na tradição farisaica era o dia de ofertar o prim eiro feixe (cf.
Lv 23,6-14). Não temos como decidir sobre a base de um versículo isola-
do; m as observam os que no v. 36 há um a comparação da m orte de Jesus
com a condição do cordeiro pascal, de m odo que, plausivelmente, pode-
se m anter que esta cena ocorria no dia 14 de Nisan, dia em que os cordei-
ros eram mortos. Talvez a composição da frase sob discussão seja depen-
dente de Mc 15,42 (o qual introduz o incidente da solicitação do corpo
por José): "Visto ser 0 Dia da Preparação, isto é, o dia anterior ao sábado".
A despeito da diferença de contexto, esta frase constitui um a das raras
concordâncias verbais entre as narrativas joanina e m arcana da crucifixão.
N as diferentes testem unhas ao texto de João, a frase aparece em diferen-
tes lugares no versículo - algum as vezes um indício de adição redacional.
os judeus. N o v. 21, im ediatam ente após Jesus ter sido crucificado, "os
principais sacerdotes dos judeus" se dirigiram a Pilatos para protesta-
rem contra a inscrição colocada na cruz; evidentem ente, o m esmo grupo
1390 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
37. E ainda outra passagem da Escritura afirma. Schlatter, p. 355, salienta que
esta é um a fórmula rabínica fixa para introduzir outra citação.
"Eles verão aquele que trespassaram". Citação que João faz de Zc 12,10 não
segue verbalm ente ou o TM ou a redação da LXX mais com um . O TM
tem: "Olharão para m im a quem trespassaram ". N o contexto, o "m im "
é Iahweh; a implicação é estranha e p ode bem ser que o texto esteja cor-
rom pido, talvez explicando as tentativas de tradutor antigo para m elho-
rá-lo. Visto que todas as sentenças seguintes se referem a " o /e le", pelo
que tanto os copistas (quarenta e cinco dos mss. hebraicos confrontados
por K ennicott e D e R ossi) como os com entaristas têm lido "o /e le " por
"mim". O Codex Vaticanus e a m aior parte de outras testem unhas da
LXX leem: "Eles têm olhado para m im porque têm dançado insultuo-
sam ente [= escarnecido]", refletindo um a form a verbal d a raiz hebraica
dqr, "trespassar", lendo equivocadam ente como um a form a de rqd, "sal-
tar sobre/om itir". Todavia, há um a redação grega no Codex de Viena
(L) do 5C ou 6a século que é m uito m ais próxim o da tradução literal do
TM. Quase certam ente a redação do Códice de Viena oriunda de um a
recensão prim itiva (proto-teodociônico), conform ando a LXX ao que era
então (l2 século d.C.) conveniente ao texto hebraico padrão. Podem os
estar razoavelm ente certos de que a citação de João vem dessa recensão
grega prim itiva, talvez na sua form a abreviada, "O lharão para quem eles
têm trespassado". (Na verdade, no texto de João não há "o /e le " , m as
este é requerido pelo sentido; com pare a citação de Zacarias em Ap 1,7:
"Cada olho o verá, todos quantos o trespassaram "). Ver S. J ellicoe, The
Septuagint and Modem Study (Oxford, 1968), p. 87.
38. Depois disto. Este conectivo (meta tauta) é tão vago que Bernard, II, 653,
prefere a explicação de que a petição de José a Pilatos foi apresentada a
um só tem po com a petição de "os judeus". A interpretação m ais óbvia é
que um episódio seguiu ao outro. E bem provável que estejamos lidando
com um a ilação redacional entre dois itens independentes de tradição
(ver comentário).
José de Arimateia. Ele é m encionado em todos os quatro evangelhos em co-
nexão com o sepultam ento de Jesus, porém em nenhum a outra parte do
NT. Há m uita razão em se pensar que a rem iniscência de seu papel no
sepultam ento seja histórica, visto que não havia razão para inventá-la.
(Sem informação em contrário, teria sido natural pressupor-se que os pa-
rentes de Jesus o sepultaram , especialm ente já que, segundo João, sua
mãe estava presente). Arimateia, a qual Lc 23,50 cham a "um a cidade
dos judeus", era seu lugar de nascim ento ou a prim eira residência; m as
seu papel no Sinédrio e a informação que ele era proprietário do túm ulo
66 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (episódio 5 e conclusão) 1397
havia um jardim. Este term o (kêpos) foi usado em 18,1 para pom ar (bosque
d a oliveira?) onde Jesus foi preso; e aqui, como lá, alguns veriam um
jogo simbólico com o jardim do Éden, se bem que Gn 2,15 u sa paradeisos,
não kêpos. Os evangelhos sinóticos não designam o lugar de sepulta-
m ento como um "jardim "; m as esta descrição se encontra no Evangelho
de Pedro, 24, onde somos inform ados que José levou o corpo "para seu
próprio túm ulo, cham ado 'o jardim de José"' - um dos poucos casos em
que este evangelho apócrifo concorda com a informação encontrada so-
m ente em João. N ão estam os certos que tipo de jardim João tem em vista,
pois a lei judaica tardia desencorajava o plantio d e árvores frutíferas nas
proxim idades de um local de sepultura. Aqui, a menção do jardim deve
relacionar-se com a confusão que M aria M adalena fez de Jesus com o jar-
dineiro em 20,15, e é interessante que no 2“ século a apologética judaica
contra a ressurreição via este jardineiro como um cultivador de hortali-
ças (ver nota ali).
A inform ação de que o túm ulo ficava perto do Gólgota e em um jardim
concorda com a especulação de que o local da execução ficava um pou-
co fora (talvez 100-125 metros) do segundo m uro ao norte da cidade
(nota sobre 19,17, "ele saiu"); pois um dos quatro portões no m uro norte
era o Portão do Jardim ("Gennath": J osefo, War, 5,4.2; 147). Os túm u-
los d os sum os sacerdotes hasm oneos, João H ircano e A lexandre Janeus,
ficavam ao norte (War, 5,6.2 e 7.3; 259, 304), de m odo que poderia ter
sido um lugar prestigioso para sepultam ento. C irilo de Jerusalém (c. 350
d.C.) registra em Catechesis 14,5; PG 33:829B que em seu tem po os restos
de um jardim eram ainda visíveis, bem adjacentes à Igreja do Santo Se-
pulcro que C onstantino construíra recentem ente no local tradicional do
túm ulo de Jesus.
um túmulo novo no qual ninguém havia sido sepultado. O verbo é tithenai, "pôr,
depositar". Para "túm ulo", João usa mnêmeion, em pregado também
pelos três evangelhos sinóticos (Marcos e Lucas tam bém falam de um
mríêma). M arcos não faz referência ao até então prístino caráter do tú-
m ulo; M t 27,60 o denom ina de "um túm ulo novo"; Lc 23,53 faz referência
a ele como um túm ulo "onde ninguém ainda fora colocado [keimai]". Os
três sinóticos suprem a informação adicional de que o túm ulo foi talhado
da rocha. Somente M ateus, seguido pelo Evangelho de Pedro, extrai a infe-
rência de que ele era o túm ulo do próprio José.
42. dos judeus. O m itido pelo OL e algum as testem unhas siríacas.
Dia da Preparação. Aqui não fica claro se o term o se refere prim ariam ente
ao dia anterior ao sábado ou ao dia anterior à Páscoa (nota sobre v. 31
acima). Taclano e algum as testem unhas siríacas esclarecem a situação,
1404 O Livro da Glória · Segunda Parte: A narrativa da paixão
lendo: "porque o sábado havia começado". Não se teria perm itido sepul-
tamento no sábado, embora o corpo pudesse ser lavado e ungido (Mishnah
Sabbath 23:4-5). Mc 15,42 menciona o Dia da Preparação no início da nar-
rativa do sepultamento; Lc 23,54 faz referência a ele mais ou m enos no
mesmo ponto da narrativa, onde se encontra a narrativa de João.
COMENTÁRIO
d a á re a d o c o rp o e a in d a sa ir se p a ra d a m e n te . S a v a , art. cit., te m p ro -
p o sto u m a teo ria m ais sim p les. Ele cita b o a e v id ê n c ia e m p ro l d a tese
d e q u e o a ç o itam e n to d e Jesus p o d e ria te r p ro d u z id o , v á ria s h o ra s
an te s d e s u a m o rte , u m a h e m o rra g ia n a c a v id a d e p le u ra l e n tre a s cos-
telas e os p u lm õ e s. Este flu íd o h e m o rrág ic o , q u e e m a lg u n s caso s é
d e v o lu m e c o n sid eráv el, p o d e ria ter s e p a ra d o e m flu íd o se ro so cia-
ro acim a e flu íd o v e rm e lh o e scu ro abaixo, u m a se p a ra ç ã o fav o re c id a
p e la p o sição ríg id a em q u e o c o rp o d e Jesu s foi m a n tid o n a c ru z (tão
ríg id o q u e a lg u n s p e n s a m q u e m o rre ra d e su fo cação re la c io n a d a c o m
falh a c ircu lató ria - v e r V. M arcozzi , Gregorianum 39 [1958], 440-62).
V isto q u e a c a v id a d e p le u ra l e stá p re c isa m e n te d e n tro d a a b e rtu ra d a
costela, m esm o u m fu ro c a u sa d o p e la lan ç a p o d e ria tê-la a b e rto e as
d u a s p a rte s d o s a n g u e teria sa íd o re la tiv a m e n te se m m istu ra . T o d a -
via, a p a re n te m e n te , o m áx im o q u e se p o d e co lig ir d e tais d isc u ssõ e s
m éd ic as é q u e a d escrição q u e João faz d o flu xo d e s a n g u e e á g u a n ã o
é im p o ssív el, e a ssim u m fen ô m e n o n a tu ra l n ã o p o d e se r d e sc a rta d o .
U m p o n to d e v ista m ais c o m u m , e m te m p o s p a s sa d o s , foi q u e
João p e n s a v a n o fluxo d e s a n g u e e á g u a co m o u m m ilag re , e e ssa é a
ra z ã o p o r q u e o te ste m u n h o d a te s te m u n h a o c u la r d o e v e n to é su b li-
n h a d o . O rígenes , T om ás de A quino , C ajetano , C o rn élio a L a pid e e L a -
grange estã o e n tre os q u e têm s u s te n ta d o e sta in te rp re ta ç ã o . T o d a v ia,
g ru p o ta m b é m c o n te m p la o Je su s tre s p a ss a d o , já q u e n a p e s so a d o
D iscíp u lo A m a d o o s q u e tê m fé e m Je su s (19,35) c o n te m p la m a cena.
P a ra eles, a c o n fro n taç ã o n ã o é o casião d e c o n d e n a ç ã o , e sim d o d o m
d a v id a (3,18; 5,24). P a ra eles, Je su s e stá s u s p e n s o d a c ru z e m c u m p ri-
m e n to d e su a s p a la v ra s e m 3,14-15: "E a ssim co m o M o isés le v a n to u
a s e rp e n te n o d e se rto , ta m b é m o F ilh o d o H o m e m se rá le v a n ta d o ,
p a ra q u e ta n to s q u a n to s c re e m n e le te n h a m a v id a e te rn a " . A ssim ,
o Jesu s m o rto p e rm a n e c e s e n d o o p o n to focal d o ju íz o ju s ta m e n te
co m o fez o Jesu s vivo: ao p é d a c ru z p e rm a n e c e m o s q u e re je ita m a
lu z , e ta m b é m os q u e se d e ix a m a tra ir p o r e la (3,18-21). O s p rim e iro s
c o n te m p la m o Jesu s tre s p a ss a d o p a ra se re m c o n d e n a d o s; o s ú ltim o s
o c o n te m p la m p a ra se re m salvos.
N o tar-se-á q u e tem os co n ectad o in tim a m en te a citação d e Z c 12,10
com a to ta lid a d e d e Jo 14,34: n ã o só co m o g o lp e d a lan ça, m a s tam -
b é m co m o flu xo d e sa n g u e e á g u a . E sta foi u m a d a s ra z õ e s p o r q u e
rejeitam o s a tese d e B u ltm a n n d e q u e o v. 34b é u m a a d iç ã o , p o rq u a n -
to n ã o é c ita d a n o v. 37. E n c o n tra m o s ju stifica tiv a p a ra n o sso p ro -
c e d im en to n o co n tex to im e d ia to d a citação d e Z a c arias - a q u i co m o
e m o u tro lu g a r, o a u to r n e o te sta m e n tá rio e stá c ita n d o u m v e rsíc u lo
co m o ev o cativ o d e to d o u m co n tex to (ver ta m b é m vol. 1, p . 324). E m
Zc 12,10, ju sta m e n te a n te s d a s p a la v ra s c ita d a s p o r João, Ia h w e h diz:
"D e rra m a re i so b re a casa d e D av i e os h a b ita n te s d e Je ru sa lé m um
espírito d e co m p aix ão ". U n s p o u c o s v e rsíc u lo s d e p o is (13,1), Z a c arias
n o s fala d a p ro m e ssa d e D e u s d e a b rir u m a fo n te p a ra a casa d e D a v i e
p a ra Jeru salém , afim de purificar seus pecados. T o d o s o s te m a s italicad o s
têm fig u ra d o e m n o ssa in te rp re ta ç ã o d e Jo 19,34b co m o o c u m p rim e n -
to d e Jo 7,38-39. (T alvez p o ssa m o s a d ic io n ar m ais a d ia n te d e sc re v e em
Zc 14,8 as á g u a s v iv as e m a n a n d o d e Jeru salém p o d e m se r u m desen -
v o lv im en to d e Ez 42,1-12, o n d e o te m p lo é a fo n te d a á g u a q u e flu i d e
Jeru salém . T em os q u e le m b ra r q u e p a ra João o c o rp o d e Jesus s u b stitu i
o tem p lo d e Jeru salém [2,21]. O u tra o b ra jo an in a, A p 22, foi influ en -
ciad a, resp ectiv am en te, p o r Z c 13,1 e 14). E assim a citação d e João, no
v. 37, reflete to d a a so terio lo g ia e a cristologia, p re c isa m e n te co m o a
citação n o v. 36. Eis p o r q u e a s d u a s e stã o in trin se c a m e n te entrelaças.
N a n o ta so b re o v. 37 sa lie n ta m o s q u e o TM d e Zc 12,10 d ife re d a
citação feita e m João, p o is p a re c e falar q u e o p ró p rio Ia h w e h é tres-
p a s sa d o . P a ra e v ita r e sta d ific u ld a d e , e x tra ím o s aí u m a in te rp re ta ç ã o
m essiân ica, a sa b er, q u e o M essias seria tre s p a s s a d o e o s h o m e n s
66 · A narrativa da paixão: - Terceira seção (episódio 5 e conclusão) 1419
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O LIVRO DA GLÓRIA
m a ta s te s p e n d u ra n d o - o e m u m m a d e iro " ); o s e g u n d o p ro c la m a q u e
D e u s o re s s u s c ito u d e n tr e os m o rto s. N o q u e rig m a p a u lin o re fle -
tid o e m I C o r 1 5 ,3 7 ( ־escrito c. d e 57 d .C .), p o ré m p r o v e n ie n te d e
u m a tra d iç ã o p rim itiv a e m m e a d o d o s a n o s trin ta - Jeremias EW J,
p p . 101-3), a fo rm u la ç ã o te m s id o e x p a n d id a p a r a q u a tr o m e m b ro s
o u d o is g ru p o s d e d o is: C risto m o rr e u e foi s e p u lta d o ; ele re s s u s -
c ito u e a p a re c e u (v e r a b a ix o p . 1442). T a m b é m se in c lu i u m a lista
d e a p a riç õ e s . A lg u n s a rg u m e n ta m q u e a s " a p a riç õ e s " e ra m o rig i-
n a lm e n te re v e la ç õ e s d a d a s p o r D e u s e m v e z d e m a n ife s ta ç õ e s d o
c o rp o d e Je su s. E n q u a n to u m a d isc u s s ã o d a n a tu r e z a d a s a p a riç õ e s
e stá a lé m d o e sc o p o d e s te c o m e n tá rio , s a lie n ta ría m o s q u e P a u lo ,
q u e se a p re s e n ta co m o te s te m u n h a d e u m a a p a riç ã o d e Je su s, d is-
tin g u e e n tre e sta a p a riç ã o e to d a s a s re v e la ç õ e s e v isõ e s s u b s e q u e n -
tes q u e lh e fo ra m c o n c e d id a s. E m q u a lq u e r caso , a s fó rm u la s n ã o
m e n c io n a m o tú m u lo v a z io e n ã o te n ta m lo c a liz a r a s a p a riç õ e s d e
Jesu s. E stes a s p e c to s só a p a re c e m n a s n a rr a tiv a s s u b s e q u e n te s p e r-
tin e n te s à re s s u rre iç ã o .
O fato d e q u e h á u m d e se n v o lv im e n to d e n tro d a s fó rm u la s e
tam b é m d a s fó rm u la s p a ra as n a rra tiv a s su rg e u m a q u e s tã o ó b v ia so-
b re a h isto ric id a d e d a s n a rra tiv a s. A o d isc u tir as n a rra tiv a s e m g eral
e, p o ste rio rm e n te , a o d isc u tir a s n a rra tiv a s jo an in a s e m p a rtic u la r, n o s
o c u p a re m o s d e iso lar o m a te ria l m ais a n tig o n e sta s n a rra tiv a s; m as
n ã o crem o s q u e n o ssa tarefa em u m c o m e n tário é ir a lé m e e sp e c u la r
so b re se a ressu rre içã o física é o u n ã o p o ssív el. O bjeções à possibilidade
d a ressu rre içã o tê m su a o rig e m n a filosofia e ciência e n ã o n a exegese,
a q u a l é tare fa no ssa. (N ão o b sta n te , n o ta m o s q u e tais objeções têm
su a força c o n tra u m a c o m p re e n sã o c ra ssa m e n te física d a re ssu rre iç ã o
q u e c o n sid e ra ria essa co m o u m a rea n im a ç ã o ; são m e n o s in siste n tes
c o n tra o tip o m ais re fin a d a d e e n te n d e r a re ssu rre iç ã o p ro p o s ta p o r
P a u lo em IC o r 15,42ss.: "S em eia-se c o rp o n a tu ra l, re ssu sc ita rá c o rp o
e sp iritu a l"). N ã o p o d e h a v e r d ú v id a d e q u e o s p ró p rio s e v a n g e lista s
p e n s a v a m q u e o c o rp o d e Jesus n ã o p e rm a n e c e u n o tú m u lo , m a s res-
su scito u p a ra a glória. T o d a v ia, m esm o q u e p o r m eio d e e x eg ese com -
p a ra tiv a re m o n te m o s esta id eia aos p rim e iro s te m p o s, n ã o p o d e m o s
p ro v a r q u e e sta c o m p re en sã o cristã c o rre s p o n d ia a o q u e re a lm e n te
acon teceu . A í já e n tra m o s n o te rre n o d a fé.
A n te s q u e p o ssa m o s tra ta r d a s n a rra tiv a s d o e v a n g e lh o so b re
a ressu rre içã o e su a s d iv erg ê n cia s, d e v e m o s esclarecer a o le ito r três
67 · A ressurreição: Observações gerais 1433
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A S V A R IA N TES D A S N A R R A TIV A S D O E V A N G E L H O D A S A PA R IÇ Õ E S PÓ S-R ESSURR EIÇÃO
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67 · A ressurreição: Observações gerais 1435
É to ta lm e n te ób v io q u e o s e v a n g elh o s n ã o c o n c o rd a m q u a n to
a o n d e e a q u e m Jesu s a p a re c e u a p ó s s u a ressu rre içã o . M arcos n ão
m e n c io n a n e n h u m a a p a riç ã o d e Jesus, e m b o ra 16,7 in d iq u e q u e P ed ro
e os d isc íp u lo s o v e rã o n a G alileia. M a te u s m en c io n a u m a ap a riçã o às
m u lh e re s e m Je ru sa lé m (28,9-10) q u e, a p a re n te m e n te , c o n tra d iz a ins-
tru ç ã o d e ir p a ra a G alileia o n d e Jesu s se rá v isto (28,7). P a ra M ateus,
a p rin c ip a l a p a riç ã o é n a G alileia, o n d e Jesus é v isto p e lo s o n z e disci-
p u lo s so b re u m m o n te (28,16-20). L ucas n a rra v á ria s a p ariçõ es n a área
h iero so lim ita n a : a d o is d isc íp u lo s n a e stra d a p a ra E m aú s (24,13-32), a
S im ão (34) e ao s o n z e e o u tro s re u n id o s em Je ru sa lé m (36-53). T odas
e sta s sã o d e s c rita s p o r L ucas co m o te n d o o c o rrid o n o m esm o d ia, n a
p r ó p ria P ásco a; e Jesus é re tra ta d o co m o fin a lm e n te p a rtin d o d e seu s
d isc íp u lo s (p a ra o c éu - N ã o In te rp o la ç ão O c id e n ta l d o v. 51) n a n o ite
d a P ásco a (co n tu d o , veja A t 1,3). E m Jo 20, co m o e m L ucas, en co n tra-
m o s a p a riç õ e s n a á re a h iero so lim itan a: a M aria M a d ale n a (20,1418)־,
a o s d isc íp u lo s se m T o m é (19-23) e a T om é u m a s e m a n a d e p o is (26-29).
F in a lm en te , n o A p ê n d ic e M a rc a n o h á u m g ru p o d e a p ariçõ es, to d as,
a p a re n te m e n te , n a á re a h iero so lim itan a: a M aria M a d ale n a (16,9), a
d o is d isc íp u lo s n o c a m p o (12-13) e a o s o n z e à m esa (14-19). N o final
d e s ta s Jesu s é le v a d o p a ra o céu. P o d e m o s re s u m ir isto assim :
1436 O Livro da Glória · Terceira Parte: O Jesus ressurreto
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1442 O Livro da Glória · Terceira Parte: O Jesus ressurreto
No túmulo
11N esse ínterim , M aria estava em p é (do lado de fora) do túm ulo,
chorando. E nquanto chorava, abaixou-se p ara o túm ulo, 12e observou
dois anjos de branco, u m assentado à cabeceira e ou tro aos pés do
1: veio, viu -, 2 : foi correndo, disse; 5 : viu ; 6: veio juntamente, observou; 12: observou. N ô
t e m p o p r e s e n t e h is tó r ic o .
1448 O Livro da Glória · Terceira Parte: O Jesus ressurreto
13: perguntou , disse; 14: ergueu a vista; 15: perguntou ; 16: disse, disse; 17: falou ; 18: foi . N o
te m p o p r e s e n t e h is tó r ic o .
NOTAS
enquanto era ainda escuro. Se a expressão "ao am anhecer" nos leva a pensar
no período entre três e seis da m anhã, os evangelistas não concordam
em fixar o m om ento exato em que as m ulheres foram ao túm ulo. Em ge-
ral, os evangelhos sinóticos favorecem um a hora quando já era dia claro.
Lc 24,1 fala de "prim eira aurora" (orthrou batheõs - o Evangelho de Pe-
dro, 50, usa apenas orthrou). Mc 16,1-2 registra que as m ulheres levaram
especiarias depois de acabar a noite de sábado e chegaram ao túm ulo
na m anhã de dom ingo "bem cedo... quando o sol despontava", sendo a
últim a frase quase um a contradição direta do registro de João. (Taylor,
pp . 604-5, considera esta frase m arcana como sendo um a corrupção da
indicação de tem po original, m as realm ente "quando o sol despontava"
não necessita m ais do que especificação de "bem cedo"). M t 28,1 tem a
difícil expressão: "Após o sábado [opse sabbatõn ] nos prim eiros raios de
luz do prim eiro dia da sem ana [sabbatõn outra vez]". (É bem provável
que opse sabbatõn não deva ser traduzido "depois do sábado"; cf. BDF,
§1644). Recorrendo ao hebraico da M ishnah, J. M. G rintz, JBL 79 (1960),
3 7 3 8 ־, interpreta M ateus no sentido de que as m ulheres foram ao túm ulo
de noite logo depois de term inado o sábado, m as a m aioria dos exegetas
entende M ateus como estando a referir-se à m anhã de sábado.
A lguns tentam harm onizar a discrepância sinótica-joanina m antendo
que M aria M adalena, a única m ulher m encionada por João, foi adiante
das outras m ulheres e chegou ao túm ulo enquanto ainda era escuro (as-
sim João), m as quando as outras m ulheres chegaram ali já era dia claro.
O utra interpretação veria tun m otivo teológico por detrás das respecti-
vas cronologias. N a tradição sinótica, "luz" é apropriada, pois as m ulhe-
res encontram um anjo (ou anjos) junto ao túm ulo o qual lhes comunica
boas notícias de que Jesus ressuscitara, e assim a luz triunfou sobre as
trevas do túm ulo (G. H ebert, ScotJT 15 [1962], 66-73). Em contrapartida,
"trevas" é um term o apropriado para João, pois tudo o que o túm ulo
vazio significa p ara M aria é que o corpo de Jesus fora roubado.
Maria Madalena. João menciona somente ela nom inalm ente (cf. Apêndi-
ce M arcano); M ateus m enciona nom inalm ente duas mulheres; Marcos,
três; e Lucas (24,10), três e m ais "as outras m ulheres". O Evangelho de Pe-
dro, 51, registra que M aria M adalena levou consigo ao túm ulo m ulheres
amigas. N otam os que, em bora os sinóticos mencionem nom inalm ente
outras m ulheres, M adalena é sem pre m encionada prim eiro. Bernard, II,
656, acha a tradição sinótica m ais plausível, pois é bem provável que
um a m ulher não fosse sozinha, ainda escuro, a um lugar de execução
fora dos m uros da cidade. Com a exceção de Lc 8,2, o qual coloca Ma-
dalena no m inistério galileu como um a m ulher de quem foram expulsos
1450 O Livro da Glória · Terceira Parte: O Jesus ressurreto
isto perm itiría um a ante-sala pequena e aberta. (Schwank, " L eere G ra b " ,
p. 394, observa que o capítulo é com posto e propõe que, possivelmente,
nos vs. 3 8 ־e em llb-14a podem -se encontrar duas diferentes compo-
sições do túm ulo, com a últim a m enos exata). Mais sim plesm ente e is ,
"em ", é usado confusam ente p ara p r o s , "a, p ara", em grego koinê (ZGB,
§97). N otam os que e is é tam bém usado no v. 1 ("vieram ao túmulo"); e
aí é patente que M aria está do lado de fora, pois ela vê que a pedra foi
rem ovida d a entrada.
4. Os d o is f o r a m c o r r e n d o . Lc 24,12a, um a "não-interpolação ocidental", ofe-
rece o único paralelo sinótico, com pequena diferença de vocabulário:
"Pedro se levantou e correu ao túm ulo".
s e n d o m a is r á p id o , u ltr a p a s s o u . A expressão de João é tautológica (BDF,
§484), fato este que tem produzido algum as variantes dos copistas.
O "m ais rápido" deste discípulo tem contribuído para a descrição de
João como um jovem e Pedro como mais velho. Ishodad de M erv liga o
"m ais rápido" de João ao fato de que ele era solteiro!
c h e g o u a o tú m u lo . Literalmente, "veio para o túm ulo"; a preposição é e is
(ver v. 3 acima) como contrastado com e p i em Lc 24,12a.
5. a b a ix a n d o - s e , v i u o s le n ç ó is p o s t o s a li. Evidentemente, o autor im agina que
no m om ento havia luz suficiente para perm itir um a abertura pequena e
baixa para servir como a fonte de ilum inação para a câm ara sepulcral.
Já m encionam os o paralelo com o v. 3 em Lc 24,12a; a segunda parte
do versículo lucano diz: "[Pedro] encurvou-se e viu apenas os lençóis à
parte". Algum as testem unhas textuais de Lucas suprim em o "apenas",
enquanto algum as testem unhas de João o contêm. Os "lençóis" são os
o th o n ia de Jo 19,40 (ver nota ali). A m enção de o th o n ia em Lc 24,12 indica
que este versículo é um a adição, pois a narrativa lucana do sepultura se
referiu som ente a um s i n d õ n , "sudário".
A expressão "postos ali" traduz um a form a do verbo k e is th a i que, en-
quanto significa "deitar, reclinar", pode indicar m era presença sem qual-
quer ênfase sobre a posição (assim, "ali", em vez de "postos ali"). Em
qualquer caso, presum ivelm ente o "ali" é onde o corpo esteve, ou na pra-
teleira ou no cocho do a r c o s o liu m , em bora o fato de que os lençóis podem
ser vistos da entrada sugira que o evangelista está pensando num a prate-
leira. M uitas traduções vertem o grego como "jazendo no chão", m as isto
dá um a im agem errônea de onde o cadáver teria sido colocado. B alagué,
pp. 185-86, analisa k e is th a i e argum enta que a palavra significa que os
lençóis foram postos abertos ou afastados, um a vez o corpo sucumbido,
nada m ais continha nele. À m aneira de contraste, ele argum entaria que
no v. 7 o turbante, que "não estava com os lençóis" (nossa tradução),
1456 O Livro da Glória · Terceira Parte: O Jesus ressurreto
19,25 M a r ia B, A M a r ia m S
20,1 M a r ia B M a r ia m S, A
20,11 M a r ia B, A, P66‘ M a r ia m S, P66c
20,16 M a r ia A M a r ia m S, B
20,18 M a r ia A M a r ia m S, B, P66
68 · O Jesus ressurreto: - Primeira cena 1463
tocá-lo e ele lhe diz que não o fizesse (cf. BDF, §3363). Temos traduzido
o aspecto deste im perativo contínuo por "apegar-se" ou "segurar", de
m odo que Jesus está pedindo-lhe que não o agarre (ver BAG, p. 102, col. 1;
ZGB, §247 - talvez se deva dar o m esm o significado ao verbo a p te s th a i
em Lc 7,14). D odd, I n t e r p r e t a t i o n , p. 4432, afirma que é o aoristo deste
verbo que significa "tocar", enquanto o presente significa "deter, agar-
rar, segurar". B. V iolet, ZNW 24 (1925), 78-80, m ostra que duas vezes
na LXX a p te s th a i traduz form as do hebraico d ã b a q (d ã b ê q ) que signi-
ficam "apegar-se a". (É possível aceitar esta observação sem adotar a
teoria de V iolet de que o significado original, traduzido equivocada-
m ente em João, era "N ão m e sigas"; cf. F. P erles, ZNW 25 [1926], 287).
Lem bram os que na cena paralela em M t 28,9 as m ulheres abraçam
( k r a te in ) os pés de Jesus; e algum as vezes a p te s th a i é intercambiável com
k r a te in ; por exemplo, com pare M t 8,15 com Mc 1,31.
Os que argum entam em prol do significado "tocar" e que pensam que o
conceito que João tem da ascensão era o m esm o de Lucas, a saber, algo
que ocorrería em cerca de quarenta dias depois de um a série de apari-
ções, têm encontrado grandes dificuldades extraordinárias para explica-
rem a ordem de Jesus a M adalena. Não podem entender por que Jesus
a proibiría de tocá-lo, quando um a sem ana depois (e ainda antes de sua
ascensão) ele convidaria Tomé a tocar suas feridas. M. M iguens, " N o ta " ,
discute am bas as abordagens, patrística e m oderna, para este problema;
e J. M aiworm, T G I30 (1938), 540-46, cataloga doze diferentes tipos de ex-
plicações. N ão se sabe qual é pior: a explicação totalm ente banal de que
Jesus não quer ser tocado por que suas feridas ainda são sensíveis, ou a
tese fantasiosa de B elser de que, tendo ouvido da refeição eucarística da
noite de quinta-feira, M adalena vê Jesus ressurreto e está agarrando-se a
ele, rogando-lhe que lhe dê a santa comunhão! H. K raft, TLZ 76 (1951),
570, pensa que Jesus estava alertando M adalena contra a contaminação
ritual a que ela incorrería ao tocar um corpo m orto; porque, ainda que
redivivo, Jesus continuava em um estado de hum ilhação até que ascen-
desse ao Pai. C risóstomo e T eofilato estão entre os m uitos que pensam
que Jesus está pedindo a M aria que dem onstre mais respeito para com
seu corpo glorificado. Caso se suscite a objeção que um respeito simi-
lar não foi exigido de Tomé, alguns resolveríam a dificuldade, alegando
que a um hom em , e especialm ente um dentre os doze, se podia permi-
tir o que seria inconveniente a um a m ulher, especialmente um a m ulher
com passado pecaminoso. C. Spicq, RSPT 32 (1948), 226-27, recorrendo a
Hb 7,26, propõe que, quando Jesus tiver ascendido, ele será sumo sacerdo-
te, santo, imaculado, separado dos pecadores; e assim ele está dizendo a
1466 O Livro da Glória · Terceira Parte: O Jesus ressurreto
COMENTÁRIO: GERAL
A e s tr u tu r a d e 2 0 ,1 -1 8
• N o v. 1, M a d a le n a v a i so z in h a ao tú m u lo , p o ré m n o v. 2 fala
co m o " n ó s" .
• N o v. 2, ela c o n clu i q u e o c o rp o foi ro u b a d o , m a s a p a re n te m e n -
te n ã o o lh a p a ra d e n tro d o tú m u lo até o v. 11.
• H á d u p lic a ç ã o n a d escrição d e P e d ro e d o D iscíp u lo A m ado:
- d u a s in d icaçõ es d e d ire ç ão " p r o s " n o v. 2;
- lite ra lm e n te , n o v. 3 " P e d ro saiu... e eles v iera m ";
- n o s v s. 5 e 6, a rep e tiç ã o e m q u e foi visto;
- n o v. 8, o c o n tra ste e n tre "ele v iu e c re u " e, n o v. 9, " n ã o en-
te n d e ra m .
• A co n v icção d o D iscíp u lo A m a d o n ã o tem efeito em M ad alen a
n e m n o s d isc íp u lo s em g eral (19).
• N o v. 11, n ã o fica claro q u a n d o o u co m o M a d ale n a v o lto u ao
tú m u lo .
• P o r q u e n o v . 12 e la v ê anjos n o tú m u lo , e m v e z d e v estes fúne-
b re s q u e P e d ro e o D iscíp u lo A m a d o v iram ?
• N o v. 13, s u a c o n v ersação com o s anjos n ã o d á q u a lq u e r avanço
à ação.
• Lem os d u a s vezes q u e ela se volveu p a ra olhar p ara Jesus (14 e 16).
A p o s s ib ilid a d e d e d e te c ta r a m ão d e u m re d a to r a u m e n ta q u an -
d o c o m p a ra m o s o m a te ria l em 20,1-18 com o q u e e n c o n tram o s no s
re la to s sin ó tico s (L indars , a r t . c i t . , fornece q u a d ro s c o m p a rativ o s d o
v o c a b u lá rio ). P o d e m o s d istin g u ir trê s tip o s d e m ateriais:
T e o r ia s s o b r e a c o m p o s iç ã o
O s e stu d io so s n ã o estã o d e m o d o a lg u m c o n c o rd e s so b re co m o
o co rreu a c o m p o sição o u red a ç ã o d o m ate ria l. U m e x am e d o s p o n -
tos d e v ista m ais a n tig o s to m a d e te c tá v e l c e rtas d ific u ld a d e s: p a ra
W ellhausen e A. Schwitzer, os vs . 2-10 são u m a in te rp o la ç ão ; o s vs.
2-11 constituem u m a interpolação p a ra H irsch; p a ra Spitta, os vs. llb -1 3 ;
e p a ra D elafosse, os vs . 5b, 6, 8 e 9. R e p o rta r-n o s-e m o s su c in ta m e n te
a a lg u m a s an álises m o d e rn a s q u e a c h am o s ser p ro v e ito sa s p a ra a for-
m ação d e n o ssa p ró p ria teoria.
Lindars, a r t . c i t . , ainda que não proponha uma teoria integral de
composição, ele v ê no cap. 20 um conjunto de relações sinóticas que
descobrimos ser especialmente de grande ajuda na reconstrução de
20,19-29. A d a p t a n d o suas observações, podem os distinguir nos relatos
sinóticos do que aconteceu no túmulo a seguinte sequência: (a) as mu-
lheres vão ao túmulo e encontram a pedra removida; (b) veem anjos
68 · O Jesus ressurreto: - Primeira cena 1471
H a rtm an n , q u e c u id a d o sa m e n te re m o v e q u a se to d a s a s in co n sistê n -
cias q u e n o tam o s, n a re a lid a d e co n siste d e u m a b r a n d a co m b in a çã o
d e b o a p a rte d o m a te ria l em n o sso s m o d elo s (1) e (2). P o rta n to , a re d a -
ção teria c o n sistid o p rin c ip a lm e n te n o m a te ria l a d ic io n a d o d o m o d e lo
(3). A ú n ic a exceção seria q u e, p a ra H a rtm a n n , a v isã o d o s anjos e m
llb - 1 3 n ão e ra p a rte d o re la to o rig in al.
O u tra a b o rd a g e m é a p ro p o s ta d e q u e o r e d a to r /e v a n g e lis ta joa-
n in o c o m b in o u d u a s d ife re n te s n a rra tiv a s q u e lh e fo ra m tra n sm iti-
d a s, u m a n a rra tiv a d e " tip o sin ó tic a " e u m a n a rra tiv a n ã o sin ó tica.
P o r ex em p lo , d u a s n a rra tiv a s so b re v isita s ao tú m u lo v a z io p o d e m
ter sid o u n id a s , u m a re tra ta n d o a s m u lh e re s (M a d a len a ), a o u tra re-
tra ta n d o os d isc íp u lo s (P ed ro , o D isc íp u lo A m a d o ). U m a im p o rta n te
v aria çã o d e s ta teo ria foi o fere c id a p o r B enoit , ״M a r i e - M a d e l e i n e יי, q u e
p e n s a em d u a s n a rra tiv a s, u m a tip ic a m e n te sin ó tica, a o u tra n ã o si-
n ó tica, u n id a s p o r v e rsíc u lo s to m a d o s d ire ta m e n te d a tra d iç ã o sin ó -
tica. P a ra B enoit , 20,1-10 é u m re la to jo a n in o se m p a ra le lo n a tra d iç ã o
sin ó tica (o p a ra le lo e m Lc 24,12 é tid o co m o s e n d o e m p re s ta d o d e
u m a fo rm a m ais a n tig a d a tra d iç ã o jo an in a). U m s e g u n d o re la to se
e n c o n tra e m 20,11a, 14b-18 (a c risto fa n ia a M a d ale n a). F o ra m u n id o s
p e lo s vs. llb - 1 4 a , e m p re s ta d o s d o s re la to s sin ó tico s d a v isã o a n g é li-
ca n o tú m u lo . L e m b ra m o s (p. 1421 acim a) q u e B en o it su s te n ta u m a
teo ria sim ila r so b re a c o n stru ç ã o d e 19,31-42; e e n q u a n to e n c o n tra -
m o s a lg u m a v e rd a d e n ela, ju lg a m o s q u e a te o ria a te n u o u a lg u m a s
d ific u ld a d e s. A q u i faz e m o s o m e sm o ju ízo . P o r e x e m p lo , vs. llb - 1 4 a
só têm s im ila rid a d e d ire ta com a tra d iç ã o sin ó tica n o fato d e q u e os
anjos estã o p re se n te s. E n o v. 1 q u e se tê m p a ra le lo s e m v o c a b u lá rio
com a tra d iç ã o sinótica.
É difícil av aliar to d as estas ab o rd ag en s. O ú n ico rela to básico
p ro p o sto p o r H a rtm an n ( o d e B u ltm a n n é sim p lific a d o d e m a is) é
a tra en te ; m a s n ã o é p o ssív e l q u e este ú n ico rela to fosse re s u lta d o d a
co m b in ação d e m ate ria is, d e m o d o q u e a lg u é m fin a lm e n te p u d e s se
rec o n stitu ir v á ria s n a rra tiv a s p o r d e trá s dele? S om os in c lin a d o s a
ac h ar p o r d e trá s d e 20,1-18 o s traço s d e trê s n a rra tiv a s: d u a s n a rra ti-
v as d e v isitas ao tú m u lo v azio , e a n a rra tiv a d e u m a a p a riç ã o d e Jesu s
a M ad alen a. Se estas fo ra m c o m b in a d a s p e lo p ró p rio e v a n g e lista (as-
sim B enoit ) o u c h e g a ra m a ele e m to ta l o u p a rc ial co m b in a çã o (assim
H artm ann ) so m o s in ca p a z es d e d izer. E n tre ta n to , o e v a n g e lista fez
su a p ró p ria co n trib u iç ã o em q u a lq u e r caso, p o is ele a d a p to u estas
68 · O Jesus ressurreto: - Primeira cena 1473
A n á li s e d a s tr ê s n a r r a tiv a s b á s ic a s c o m b in a d a s e m João
COMENTÁRIO: DETALHADO
O p a p e l d o d is c íp u lo a m a d o e m 2 0 ,3 - 1 0 e m re la ç ã o a P e d r o
O que 0 d is c íp u lo a m a d o v iu : a s r o u p a s fú n e b r e s (20,5-7)
A im in e n te a sc e n s ã o d e J e su s (20,17)
"C o m o o P ai m e e n v io u ,
assim e u v o s e n v io ".
NOTAS
20.19. Agora. Oun representa a tentativa do autor de ligar esta narrativa com
a que precedeu. M adalena dissera aos discípulos que ela vira o Senhor;
agora são eles os que o verão.
chegada a tarde daquele primeiro dia da semana. Desta vez a indicação pode
ser tam bém um conectivo redacional, associando a aparição com Jerusa-
lém e o Dia da Páscoa. (D odd, Tradition, p. 197, aponta para a anotação
redacional em Mc 4,35: "Q uando chegou a tarde daquele dia..."). A apa-
rição paralela aos onze em Lc 24,3349 ־é tam bém retratada como ocor-
rendo à tarde daquele dia; pois já era quase noite quando Jesus ceou com
os dois discípulos de Emaús, e estes discípulos tom aram seu cam inho
de volta a Jerusalém antes que Jesus aparecesse. O Apêndice M arcano
(16,14) cataloga tuna aparição aos onze à m esa depois de um a aparição
aos dois discípulos em um a estrada rural, sem quaisquer indicações de
tempo. "Aquele prim eiro dia da sem ana" significa o m esm o prim eiro dia
m encionado no v. 1. No entanto, alguns têm visto aqui um a alusão do
conceito veterotestam entário do dia do Senhor, algum as vezes cham ado
"aquele dia"; por exemplo, "M eu povo conhecerá m eu nome; naquele dia
saberão que eu falei" (Is 52,6). Não seria absolutam ente im provável que
João considerasse este dom ingo como o dia escatológico no qual, através
do dom do Espírito, Jesus faz possível sua presença perm anente entre
seus seguidores; ver Jo 14,20: "Naquele dia reconhecereis que eu estou
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1499
Jesus (Mt 28,10; Lc 24,37)· Em João, são "os judeus" que causam o m edo
(também 7,13), não as visões sobrenaturais. Ambos, Bultmann e H artmann,
consideram esta referência a "os judeus" como adição do autor joanino à
narrativa que chegou a ele. Isto significaria que os discípulos receiavam que
fossem executados pelas autoridades judaicas como o foi Jesus? O u signi-
fica que, no despertar dos rumores da ressurreição eles fossem acusados
pelas autoridades judaicas de cumplicidade no roubo do corpo (Mt 28,13)?
O apócrifo E v a n g e lh o d e P e d r o , 26, registra um a busca pelos discípulos sob a
acusação de que eram malfeitores e que tentaram queim ar o templo.
c o m a s p o r ta s tr a n c a d a s . O evangelista quer que pensem os que as portas tran-
cadas visavam a ser um a barreira ao possível acesso da guarda envia-
da pelas autoridades judaicas para prenderem os discípulos? O u é um a
questão de ocultação do paradeiro dos discípulos e um a tentativa de evi-
tar que saibam o paradeiro deles? A despeito da razão explícita que João
dá para o trancar das portas (i.e., o m edo dos judeus), m uitos estudiosos
veem outro m otivo por detrás desta descrição, a saber, que João quer que
pensemos que o corpo de Jesus podia atravessar portas fechadas (ver co-
mentário). Tal interpretação recebe mais suporte se derm os função ad-
versativa à construção participial precedente: "M uito em bora as portas
estivessem trancadas, Jesus apareceu". Esse é o significado no v. 26, onde
não se menciona nenhum "m edo dos judeus"; m as não cremos ser esse
o significado aqui. Alguns encontrariam um paralelo para tal atribuição
espiritual ao corpo ressurreto de Jesus na descrição que Lucas faz de seu
súbito desaparecimento da vista dos discípulos em Emaús e sua súbita
aparição diante dos onze em Jerusalém (Lc 24,31.36), em bora Lucas não
mencione que os discípulos estivessem trancados. O relato do túm ulo
vazio pode refletir um a postura mais prim itiva ante as propriedades do
corpo de Jesus; pois a insistência de que a pedra foi rolada ou rem ovida
parece implicar que o corpo de Jesus surgiu através da entrada aberta.
d o lu g a r o n d e e s t a v a m . Algum as testem unhas textuais tardias anexam "reu-
nidos juntos" (em imitação de M t 28,20?). E bem provável que João tives-
se em m ente um a casa e m J e r u s a lé m (onde "os judeus" constituíssem um a
ameaça), presum ivelm ente o m esm o lugar onde os discípulos estavam
quando M adalena lhes veio ao encontro no v. 18. Lc 24,33 deixa bem claro
que a aparição se deu em Jerusalém. O ponto de vista popular de que isto
ocorreu em "sala do piso superior" provém da identificação deste lugar
não especificado com o cenáculo (h y p e r õ o n ) de At 1,13, onde os onze per-
m aneceram após a partida de Jesus para o céu, quarenta dias depois, e a
identificação ulterior deste com posto com o grande cenáculo (a n a g a i o n
m e g a ) , onde se realizou a últim a ceia (Lc 22,12). O A pêndice M arcano
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1501
Lc 24,39 traz: "Vede m inhas m ãos e m eus pés". N o v. 25, João deixará cia-
ro que tem em m ente as m arcas do prego nas m ãos o u da lança do lado;
Lucas nunca especifica, m as presum ivelm ente tem em m ente as m arcas
do prego, respectivamente, nas m ãos e nos pés. Os quadros lucanos e
joaninos têm sido combinados na piedade cristã para produzirem devo-
ção para com "as cinco feridas" de Jesus (duas nas m ãos, duas nos pés e
um a no lado) e a convicção de que foram usados quatro pregos (em parte
um convencionalismo artístico) ou três pregos. (A segunda procede do
pressuposto de que as pernas foram trançadas e um só prego prendeu os
pés, um a descrição que se relaciona com a ideia de que havia na cruz um
s u p p e d a n e u m ou apoio para o pé). É difícil decidir qual é m ais original,
"mãos e lado" de João ou "m ãos e pés" de Lucas. M uitos propuseram
que João m udou "pés" para "lado" a fim de harm onizar com sua des-
crição de um a ferida de lança em 19,34; contudo, B enoit, P a s s i o n , p. 284,
argum enta em favor de João contra Lucas. Somos inclinados a concordar
com H artmann, p. 213, de que ambos, Lucas e João, nos apresentam um
desenvolvim ento e que a afirmação original m encionava som ente m ãos
- um desenvolvim ento que não é necessariam ente fictício.
Parenteticam ente, podem os discutir a alegação de que os dados de Lu-
cas são suspeitos, porque até então tem os tido pouco apoio confiável da
antiguidade para o costum e de pregar os pés na cruz. Enquanto no 2 a
século indica-se claram ente que os pés de Jesus foram pregados à cruz
(Justino, T r if o 47,3; PG 6:705A; e T ertuliano, A d v J u d a e o s 13; PL 2:635A),
as afirmações patrísticas relacionam especificamente este detalhe com o
cum prim ento do SI 22,17(16): "Eles perfuraram [LXX] m inhas m ãos e
pés". E então se pensa que Lucas tam bém pode ter adaptado a m em ória
da crucifixão ao salmo. Esta solução perm anece possível; m as a descrição
de Lucas de m arcas de prego nos pés de Jesus tem granjeado verossi-
m ilitude à luz da descoberta na Palestina de um ossuário do 1Qséculo
contendo os restos de um hom em crucificado, cujos am bos os pés foram
trespassados por um prego através dos ossos dos tornozelos. (Referência
a esta descoberta foi feita por V. T zaferis em um jornal [com um resum o
em inglês] dado no Congresso M undial de Estudos judaicos em Jerusa-
lém em 1969).
Se o relato original pré-evangélico da aparição de Jesus m encionava so-
m ente suas mãos, encontram os um problem a m enor: norm alm ente, ou
os braços eram atados à parte transversal, ou os p u l s o s eram pregados,
sendo o últim o m étodo adotado quando se desejava apressar a m orte,
como no caso de Jesus. A m enção de m arcas de prego nas m ãos seria
então um a inexatidão leve (influência do salmo?), pois os pregos que
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1503
Tomé (este nome significa "Gêmeo"). A explicação desta designação pode ser
encontrada na nota sobre 11,5 - é bastante romântico afirm ar que o nom e
é aqui explicado a fim de p reparar para a "duplicidade" de Tomé ou um
papel daquele que duvida. Em ambos, 11,16 e 14,5, Tomé exibe um a ati-
tude cética, m as não há base para a conjetura de B ernard (II, 681) de que
o pessim ism o de Tomé o afastou da reunião dos discípulos na noite da
Páscoa. N a tradição apócrifa, Tomé se tom ou o recipiente de revelações
m aravilhosas. O Evangelho de Tomé, no v. 13, tem Tomé professando a Je-
sus: "M inha boca não é culpável de dizer a quem te assem elhas". Por sua
vez, Jesus elogia Tomé por ter bebido da fonte de Jesus e lhe pronuncia
três palavras inefáveis.
25. os outros discípulos. "O utros" é om itido po r um a pequena, m as im por-
tante, com binação de testem unhas.
continuaram, dizendo-lhe: Pode ser que o im perfeito seja conativo (BDF,
§326): trataram de lhe explicar o ocorrido.
jamais crerei. Na ordem da palavra grega, esta recusa de crer vem no final
da sentença; o padrão é: "Se eu não exam inar [literalmente, ver]... jam ais
crerei". A negativa é o ou m ê forte com o indicativo futuro (BDF, §365).
marca dos pregos... lugar dos pregos. "Marca" é typos׳, "lugar" é topos׳, e as tes-
temunhas textuais exibem um a confusão das duas palavras (e mesmo de
formas singulares e plurais). Embora muitos leem typos como original em
ambas as frases (assim SB, American Bible Greek NT), as redações variantes
são mais facilmente explicadas se o original tinha duas palavras diferentes.
e por 0 dedo direito. A tradução tenta captar o sentido do m ovim ento no
verbo ballein, "arrem essar".
26. uma semana depois. Literalmente, "oito dias depois"; como o OSsin dei-
xa explícito, João quer que entendam os isto como o segundo dom ingo
(ver nota sobre v. 19, "daquele prim eiro da semana"). Alguns encontram
aqui um exemplo da teologia cristã prim itiva sobre o oitavo dia (vol. 1,
p. 300). A Epístola de Barnabé 15,9 parece refletir a sequência joanina dos
acontecimentos no dom ingo da Páscoa, quando diz: "Celebram os com
alegria 0 oitavo dia quando Jesus tam bém ressuscitou dentre os m ortos
e apareceu e ascendeu ao céu". O utro possível sim bolismo é que no fim
do evangelho João colocou um a sem ana em paridade com a sem ana no
início do evangelho (vol. 1, pp. 299-300). As duas sem anas partilham o
tem a da criação (exemplificado em 20,22 no soprar criador do Espírito).
Interpretações tão imaginativas são difíceis d e se provar.
A sequência indicaria que João pressupõe um a presença contínua dos
discípulos em Jerusalém. Isto é difícil de conciliar com a perspectiva m ar-
cana/m ateana em que a m ensagem angélica instrui os discípulos a irem
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1507
para a Galileia onde verão Jesus (ver pp. 1437-39). Consequentem ente,
alguns partidários da harm onização, por exemplo, Z ahn, pretendem co-
locar esta cena na Galileia para onde se supõe que os discípulos teriam
ido na sem ana interveniente; acrescentam o argum ento de que em 20,1
estão n a Galileia, e assim se explicaria a m udança. L agrange, p. 517, pre-
sum e que os discípulos perm aneceram em Jerusalém para a longa sema-
na de celebração da Páscoa/Pão Azímos (Dt 16,3), e agora se reuniram
prontos p ara p artir para a Galileia.
outra vez. Dá-se a im pressão de que não houve reuniões e daí nenhum a
aparição du rante a sem ana transcorrida.
na casa. Literalmente, "dentro", sem m enção específica de determ inada
câsa; veja, porém , o grego de Ez 9,6: "dentro, na casa".
Jesus apareceu. O uso do presente histórico aqui (como contrastado com
o aoristo na expressão similar no v. 1 9 ) sugere a B e r n a r d , II, 6 8 2 , tuna
implicação de que Jesus era esperado. N o v. 1 9 , Jesus teria sido menos
esperado, após as palavras no v. 1 7 ditas a M adalena? N ão há razão apa-
rente, aparte da estética para tais variações de tempo.
27. falou a Tomé. Jesus sabe o que Tomé dissera em sua ausência; mas não
estam os certos se tal conhecimento é um privilégio especial do Jesus res-
surreto, pois m esm o durante o m inistério o Jesus joanino fora extraordi-
nariam ente perceptivo (ver 1,48).
Estende teu dedo e examina minhas mãos. Literalmente, "Traze teu dedo aqui
e vê m inhas m ãos". Em Lc 24,39, tem, "Vê m inhas m ãos e m eus pés", é
sim ilar à segunda parte do convite de João.
estende tua mão e põe-na em meu lado. O fato de que o lado de Jesus podia
ser tocado é usado por K astner, art. cit., como prova para seu argum ento
de que o Jesus ressurreto estava nu; mas, à luz do fato de que Jesus não
diz "vê" ou "exam ina" m eu lado, como foi o caso com as mãos, outros
julgam que seu lado estava coberto com um a veste solta sob a qual se
podia alcançar (L oisy, p. 510). Dificilmente o evangelista tencionava for-
necer informação sobre artigos de vestuário apropriados para um corpo
ressurreto. L oisy qualifica como ingênua a ideia de que havia ainda uma
ferida supurando no lado do corpo, mas alguém indagaria se ele não te-
ria julgado tam bém ingênuo se o corpo ressurreto tivesse aparecido com
as feridas curadas.
E não persistas em tua incredulidade, mas sê torna crente. Literalmente, "E não
te faças [ginou] incrédulo, m as crente". W enz, p. 18, argum enta que a tra-
dução que B ultmann faz do "e" inicial é inexata, pois B ultmann faz disto
um a cláusula de propósito: "Para que não m ais sejas incrédulo". W énz
rejeita a implicação de que o ato de tocar e ver não faça parte da fé de Tomé.
1508 O Livro da Glória · Terceira Parte: O Jesus ressurreto
exem plos onde a prim eira parte dessas comparações de dois m embros
constitui um a pergunta, ver 1,50; 4,35; 16,31-32. Temo-la aceito hesitante-
m ente como um a afirmação, já que essa é a redação mais difícil.
p o r q u e m e v i s t e . Alguns tom am isto neste sentido: "porque te alegraste em
m e ver m ais do que em m e tocar como te desafiei"; m as este não é o sig-
nificado óbvio.
F e lize s. Para a natureza de um a beatitude ou macarismo, ver nota sobre 13,17.
A outra única beatitude no NT concernente a crer está em Lc 1,45, onde
Isabel fala a Maria: "Feliz é aquela que creu que haveria um cumprimen-
to das palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor". Uma referência a
Jo 20,29 como a nona beatitude, ainda que engenhosa, tem a infeliz implica-
ção de que o grupo de oito de Mateus (Mt 5,3-11) é um a coleção completa.
e , n o e n t a n t o , t ê m c r id o . M uitos tratam isto como um aoristo gnômico ou
atem poral, equivalente a um presente ("e, contudo, creem"). Mas o pre-
térito não é inapropriado, pois é bem provável que o evangelista estives-
se pensando em seu próprio tem po, quando por m uitos anos houve um
grupo que não vira, porém cria.
d e q u e u m d e te rm in a d o v ersícu lo a p re se n te o u n ã o e stilo o u v o c a b u -
lário jo an in o ; p o is q u a n d o isso se to rn a o ú n ico c ritério p a ra se id e n ti-
ficar u m a am p lificação d o e v a n g e lista d e u m a tra d iç ã o m a is o rig in a l,
e n tã o se e stá fo rm u la n d o o p re s s u p o s to d e q u e a tra d iç ã o q u e v e io ao
e v an g elista e ra alh eia a o se u p ró p rio p e n sa m e n to e fo rm a s d e e x p re s-
são. T em o s tra b a lh a d o com a su p o siç ã o d e q u e q u a n d o o e v a n g e lista
ch eg av a a co n h ecer u m a tra d iç ã o q u e ele m e sm o n ã o h a v ia c ria d o
(vol. 1, p . 20, P rim e iro estágio), e sta tra d iç ã o p ro c e d ia d e s e u m e stre
cujos p e n s a m e n to s p a d rõ e s e e stilo in flu e n c ia ra m o e v a n g elista . A lé m
d o m ais, tem o s d isc u tid o q u e o p ró p rio e v a n g e lista p o d e te r tid o u m
im p o rta n te p a p e l n a fo rm a o ra l p ré-e v a n g élic a d e ste m a te ria l ( i b i d . ,
S e g u n d o estágio). T al av aliação d a s o rig e n s d o Q u a rto E v a n g e lh o v a i
co n tra qualcjuer ap licação d e m a sia d a m e n te m ecân ica d e o s c â n o n e s
estilísticos. A p a rte d o critério d e estilo, a q u i in sistim o s e m c o m p a ra r
os vs. 21-23 co m as p a la v ra s d e Jesu s e n c o n tra d a s n o s o u tro s rela to s
ev an g élico s d e su a a p a riç ã o ao s d isc íp u lo s a fim d e iso la r o s e le m en -
to s c o m u n s q u e têm a m e lh o r ch an ce d e p e rte n c e r à fo rm a m a is a n tig a
d a n a rra tiv a . T o m em o s os v e rsíc u lo s in d iv id u a lm e n te .
P r i m e i r o , a m issão o u envio d o s discípulos n o v. 21: "C o m o o P ai m e
enviou, assim e u v o s envio". E m M t 28,19 h á a ordem : "Ide, p o rta n to , e
fazei discípulos d e todas as nações, batizand o-as"; e, sem elhantem ente,
n o A pêndice M arcano d e 16,15 a o rd em é: "Ide ao m u n d o in teiro e p reg ai
o evangelho a to das as criaturas". E m Lc 24,47, o u v im o s q u e "se p re g u e m
o a rrep en d im en to e o p e rd ã o do s pecados, em seu n o m e [de C risto] a to-
d as as nações". P aulo relaciona o conceito d a existência d e apóstolos p a ra
u m a m issão d a d a pelo C risto ressu rreto em su as aparições aos h o m en s
(IC or 15,8-9; G 11,16). P ortanto, n ão h á razão p a ra se p e n sa r q u e o relato
d a aparição q u e veio ao Q u a rto E vangelista faltava u m a o rd e m m issio-
nária aos discípulos. D e fato, em Jo 20,21 a significativa o rd e m d o Senhor
é em si m ais breve. T odavia, a form ulação dela tem sid o rem o d elad a,
pois o p a ra d ig m a d a m issão é ag o ra a relação d o Filho com o Pai, tu n
tem a teológico joanino. P odem os com pará-la com 17,18: "P ois com o m e
enviaste ao m u n d o , tam b ém e u os enviei ao m u n d o ".
S e g u n d o , a in su flação n o v. 22 com as p a la v ras: "R ecebei u m Es-
p írito san to ". U m a m en ção a o E sp írito se e n c o n tra ta m b é m e m o u -
tro s relato s d a a p a riç ã o d e Jesus a se u s d iscíp u lo s. E m M t 28,19 ela
é in c o rp o ra d a n a s p a la v ra s d o q u e teria sid o u m a fó rm u la b a tism a l
re la tiv a m e n te tard ia: "B atizan d o -o s n o n o m e d o P ai e d o F ilho e d o
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1513
H á p ra tic a m e n te u m a u n a n im id a d e n o c a m p o d a e ru d iç ã o
d e q u e e sta n u n c a fo i u m a n a rra tiv a in d e p e n d e n te e p o r isso n ã o
é c o m p a rá v e l, p o r e x e m p lo , à n a rr a tiv a d e u m a a p a riç ã o a P e d ro .
O e sse n c ial d o r e la to d e T o m é se re la c io n a in tim a m e n te c o m a a p a ri-
ção m ais a n tig a a o s d isc íp u lo s e fa ria p o u c o s e n tid o se m a n a rra tiv a
p re c e d e n te . T o d a v ia , q u a n d o se lê p rim e iro os vs. 19-23, o m e sm o
n ã o e s p e ra u m a n o v a seção so b re u m d o s d isc íp u lo s q u e e s ta v a m
a u se n te s; e o a u to r te m d e in se rir o v. 24 p a r a u n ir as d u a s n a rra ti-
v as. C o m o p o d e a lg u é m c o n c ilia r e ste s fato s, e s p e c u la n d o s o b re a
o rig e m d o re la to d e T om é?
C o m a lg u m a hesitação, B u ltm ann p ro p õ e q u e o essencial d o rela-
to so b re T om é (q u e n ã o tem p a ra lelo s sinóticos) foi c ria d o p e lo evan-
g elista q u e to m o u e d ra m a tiz o u u m tem a d e d ú v id a q u e o rig in a lm en te
a p a re c eu n a n a rra tiv a d a ap a riçã o ao s d iscíp u lo s. N e n h u m o u tro rela-
to ev an g élico d e u m a ap a riçã o p ó s-re ssu rreiç ã o p re s ta ta n ta aten ção
co m o faz o rela to d e T om é a u m a a titu d e d e u m in d iv íd u o p a ra com o
Jesu s ressu rreto . Isso se d á p o rq u e T om é se to rn a a q u i a perso n ificação
d e u m a d e te rm in a d a a titu d e . (Ver vol. 1, p . 713, p a ra n o ssa su g e stã o de
q u e a p re se n te lo calização e u so d o m ilag re d e L ázaro re p re se n ta u m a
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1515
COMENTÁRIO: DETALHADO
A a p a r iç ã o a o s d is c íp u lo s (20,19-20)
sin al d e d e sap ro v a ç ão , e re a lm e n te n ã o h á r a z ã o p a ra se p e n s a r q u e o
e v an g elista n ã o to m a sse p o r a d m itid o a im p o rtâ n c ia d o s d o z e e n e m
lh es d á o d e v id o resp eito . O u tra o b ra d a escola jo an in a , A p 21,14, m en -
cio n a n o m in a lm e n te o s fu n d a m e n to s d o m u ro d a Je ru sa lé m celestial
co m o s e n d o o s d o ze. A p e rsp e c tiv a c a ra c te ristic a m e n te jo a n in a n ã o
reb aix a o s d o ze, m as, a n te s, c o n v e rte estes d isc íp u lo s e sco lh id o s e m
re p re se n ta n te s d e to d o s o s cristão s q u e c re e m e m Jesu s p e la p a la v ra
d eles. E assim , a lg u m a s v ezes é m u ito difícil sa b e r q u a n d o João e stá
fala n d o d o s d isc íp u lo s e m s e u p a p e l h istó rico , co m o o s c o m p a n h e iro s
ín tim o s d e Jesu s, e q u a n d o e stá fa la n d o d e le s e m relação à fu n ç ã o sim -
b ólica q u e re p re s e n ta m . P o r ex em p lo , e m 6,66-67, os d o z e sã o d istin -
g u id o s d o r e s ta n te d o s d isc íp u lo s e m o stra u m a a d e sã o e sp ecial d e le s
a Jesus. A p a re n te m e n te , n a c en a d a ú ltim a ceia, o s d isc íp u lo s fo cad o s
são p rin c ip a lm e n te o s d o z e (n o ta so b re " d isc íp u lo s" e m 13,5); a tra v é s
d a m a io r p a rte d o ú ltim o d isc u rso , Jesus n ã o e stá fa la n d o s o m e n te a o s
q u e estã o p re se n te s, m as ta m b é m ao a u d itó rio m u ito m ais a m p lo q u e
eles rep re se n ta m . S o m en te e m 17,20 h á u m a clara te n ta tiv a , n o ú ltim o
d iscu rso , d e s e p a ra r o s a u d itó rio s p re se n te e fu tu ro .
A ssim , a q u i n o sso p ro b le m a re a l d iz re sp e ito à in te n ç ã o d o ev a n -
gelista. E n q u a n to a n a rra tiv a p ré-e v a n g élic a se refe ria ao s o n ze, a g o ra
a in ten ção d o e v a n g elista acerca d e ste s d isc íp u lo s é q u e eles re p re -
se n ta m u m a u d itó rio m ais a m p lo q u e ta m b é m se ria m rec ip ie n te s d a
m issão n o v. 21, d o E sp írito n o v. 22 e d o p o d e r d e p e rd o a r p e c a d o s n o
v. 23? A lg u n s a rg u m e n ta ria m , com b a se n o v. 21 q u e o s d isc íp u lo s
n ão p o d e m re p re se n ta r to d o s os cristãos, p o is este v e rsíc u lo se refere
a u m a m issão ap ostólica; e m esm o q u e h isto ric a m e n te a m issã o a p o s-
tólica fosse co n fiad a a u m g ru p o m a io r d o q u e o s d o z e , n ã o o b sta n te
to d o s o s cristão s n ã o e ra m a p ó sto lo s (v er IC o r 12,28-29). T o d a v ia, n o
v. 21 João m o d ific o u a m issã o ap o stó lica, fa z e n d o -a d e p e n d e n te d o
m o d elo d o P ai e n v ia n d o o Filho, e u su a lm e n te , p a ra João, a relação
Pai-Filho é m a n tid a p a ra q u e to d o s os cristão s a im item . P o d e m o s
e sta r certo s d e q u e João te m m e n te "C o m o o P ai m e e n v io u , a ssim e u
v o s e n v io " em u m se n tid o m ais re strito d o q u e q u a n d o d iz "C o m o o
P ai m e a m o u , a ssim e u v o s a m e i" (15,9)? N ã o o b sta n te , m e sm o q u e o
v. 21 d ê a lg u m s u p o rte à id eia d e q u e so m e n te o s d o z e /o n z e e stã o di-
re ta m e n te e m p a u ta , o v. 22 a p o n ta n a d ire ç ão o p o sta . C o m o v erem o s,
este v ersícu lo ev o ca G n 2,7 e se d e stin a a sim b o liz a r a n o v a criação q u e
Jesu s e fe tu a n o s h o m e n s co m o filhos d e D eu s p e lo d o m d o E spírito.
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1519
O p o d e r so b re 0 p e c a d o (20,23)
M a te u s João
a lg u n s d e n tr o d a c o m u n id a d e jo a n in a fo r a m r e v e s tid o s c o m p o d e r
s o b r e o p e c a d o (v e r G rass , p . 6 8 ), p o r é m é d ifíc il e s ta r c e r to d isto .
E m s u m a , d u v id a m o s q u e haja ev id ên cia suficiente p a ra lim itar o
p o d e r d e p e rd o a r e re te r p e cad o s, c o n ced id o em Jo 20,23, a u m exercí-
cio específico d e p o d e r n a c o m u n id a d e cristã, seja isso a ad m issão ao
b a tis m o o u seja o p e rd ã o a tra v é s d o sa cram en to d a p en itên cia. Estas
são a p e n a s m an ifestaçõ es p arciais d e u m p o d e r m u ito m aio r, a saber,
o p o d e r d e iso lar, rep e lir e a n u la r o m al e o p ec ad o , u m p o d e r d a d o
p e lo P ai a Jesu s e m s u a m issão e, p o r s u a vez, d a d o p o r Jesus, atrav és
d o E sp írito , àq u e le s a q u e m ele com issiona. E u m p o d e r efetivo, não
m e ra m e n te d eclarató rio , c o n tra o p ec ad o , u m p o d e r q u e afeta os novos
e a n tig o s se g u id o re s d e C risto, u m p o d e r q u e d esafia os q u e se recu-
sa m a crer. João n ã o n o s in fo rm a com o o u p o r q u e m este p o d e r era
ex ercid o n a c o m u n id a d e p a ra a q u a l escrev eu , m as o p ró p rio fato d e
ele m en cio n á-lo m o stra q u e o m esm o era exercido. (N a c o m u n id a d e
d e M a te u s, o p o d e r so b re o p ec ad o , ex p resso n a frase a ta r /d e s a ta r ,
teria sid o e x ercid o n a s d ecisões fo rm ais so b re o q u e era p ecam in o so e /
o u e m ex co m u n h ão ). N o cu rso d o tem p o , este p o d e r tem tid o m u itas
d ife ren te s m an ifestaçõ es, com o as v á ria s c o m u n id a d e s cristãs especi-
ficav am leg itim am e n te ta n to a m an e ira com o os resp o n sá v e is p elo seu
exercício. T alv ez o silêncio d e João e m especificar p u d e sse serv ir com o
u m a orien tação : ex eg eticam en te, p o d e -se ev o car Jo 20,23 p a ra assegu-
r a r q u e o p o d e r d e p e rd ã o foi o u to rg a d o ; p o ré m n ã o se p o d e evocar
e ste tex to co m o p ro v a d e q u e o m o d o com o u m a c o m u n id a d e p articu -
la r ex erce e ste p o d e r n ã o esteja d e aco rd o co m a E scritura.
T o m é p a s s a d e in c r é d u lo a c r e n te (20,24-27)
n ã o se im p re ssio n a u m m ín im o se q u e r p e la m an ifestaç ã o d e Je su s d e
co n h ecim en to à distân cia. Ele co n c o rd a em su b ir com Je su s p a ra a Ju-
d eia, m as in siste q u e estão su b in d o p a ra e n fre n ta re m a m o rte.
A o ex ig ir q u e se lh e d eix e e x a m in a r o c o rp o d e Jesu s co m o d e d o
e a m ão , T o m é p e d e m ais d o q u e se o fereceu ao s o u tro s d iscíp u lo s.
Jesus lh es m o stro u su a s m ão s e la d o (20), e se a le g ra ra m à v ista d o
S enhor. T om é, p o ré m , q u e r v e r e sen tir. L iteralm en te, ele diz: "Se e u
n ã o vir... e n ã o p u s e r m e u ded o ... n ã o c re re i" (25). P o d e m o s d iz e r q u e
o a u to r jo an in o re p ro v a a exigência d e T om é, p o is ele fo rm u la o v. 25
q u a se n o s m esm o s term o s u s a d o s p a ra a a titu d e q u e Jesus c o n d e n o u
em 4,48: "Se n ã o v ird e s sin ais e m ilag re s, n ã o crereis". W e n z , a r t . c i t . ,
a rg u m e n to u q u e n a d a h á d e re p re e n sív e l n o p e d id o d e T o m é d e exa-
m in a r a s ferid as d e Jesus com s u a m ão , p o is d e fato o e v a n g e lista p e n -
sa v a q u e o c o rp o d e Jesus e ra tan g ív el. E n tre ta n to , e n q u a n to o e v a n -
g elista ta m b é m p e n sa v a q u e o s m ilag re s d e Jesus e ra m v isív eis, a c h o u
rep re e n sív e l u m a a te n ç ã o ex clu siv a n a c o m p ro v a çã o d o m ira cu lo so
(2,23-25). D u as d ife ren te s a titu d e s p a ra com a a p a riç ã o d e Jesu s são
re p re s e n ta d a s p e lo s d isc íp u lo s e p o r T om é. Q u a n d o v e e m Jesu s, o s
d isc íp u lo s são lev a d o s a confessá-lo co m o S en h o r (v. 25); m a s T o m é
está in te re ssa d o e m e x a m in ar o m ira cu lo so co m o tal.
E assim p a re c e q u e T om é te m d e se r re p re e n d id o p o r d u a s ra-
zões: p o r se re c u sa r a ac eita r a p a la v ra d o s o u tro s d isc íp u lo s e p o r in-
sistir e m c o m p ro v a r o a sp ecto m a ra v ilh o so o u m ira c u lo so d a a p a riç ã o
d e Jesus.
E stu d io so s co m o B. W eiss, L agran ge e W en dt p e n s a m q u e foi p e lo
p rim e iro m o tiv o q u e Jesus o a c u so u d e se r in cré d u lo . E n tre ta n to , as
p a la v ra s d e Jesu s n o v. 27 d e safiam a T o m é so m e n te e m ra z ã o d o se-
g u n d o . C o m o tam b é m n o caso d o oficial rég io a q u e m é d irig id o 4,48,
T om é, a d e sp e ito d e su a s ten d ê n c ia s, é p a ssív e l d e d e ix a r-se le v a r à fé
efetiva; os vs. 26-28 d e scre v e m s e u a v a n ço efetiv o n a fé. Q u a n d o Jesus
a p arece e oferece u m ta n to sa rc a stica m e n te a T o m é a c rassa d e m o n s-
tração d o m ira cu lo so q u e ele exigia, e n tã o T o m é p a ssa a c re r se m a n e-
c e ssid ad e d e c o m p ro v a r as ferid as d e Jesus. C e rta m en te , e ssa é a im p li-
cação ó b v ia d o re la to d e João; p o is o e v a n g elista n ã o teria c o n sid e ra d o
a d e q u a d a a fé d e T om é se o d isc íp u lo tiv esse a c e ita d o o c o n v ite d e Je-
su s e jam ais teria p o sto n o s láb io s d e T om é a tre m e n d a co n fissão d e fé
d o v. 28. N a s p a la v ra s d o v. 27, T o m é n ã o p e rs is tiu e m s u a in c re d u lid a -
de, m a s se to rn o u c ren te, c a n d id a to q u a lific a d o a se r in clu so e n tre os
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1533
A c o n fis s ã o d e f é d e T o m é (2,28)
A b e m - a v e n tu r a n ç a d o s q u e n ã o tê m v is to , m a s tê m c r id o (2,29)
BIBLIOGRAFIA
(20,1-29)
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(Dallas Thological S em inary D issertation, 1953).
SCHW ANK, B., " D a s le e r e G r a b ( 2 0 , 1 - 1 8 ) " , SeinSend 29 (1964), 388-400.
69 · O Jesus ressurreto: - Segunda cena 1541
NOTAS
Deus". É bem provável que não haja ênfase especial sobre "Jesus", como
se o autor estivesse indicando que estes títulos não seriam dados a João
Batista (vol. 1, p. 64).
q u e a tr a v é s d e s ta f é te n h a is v id a e m s e u n o m e . Literalmente, "crendo". Um gran-
de núm ero de testem unhas trazem "vida eterna", m as é possível que isto
recebesse a influência de ljo 5,13. Esta sequência de "crer" e "vida em [en ]
seu nom e" não ocorre em outro lugar em João; e Bernard, II, 686, m udaria
isto para harm onizar-se com o tema em 1,12 e outros lugares que fé em
(e is , não e n , como aqui) o nom e de Jesus dá vida a alguém. Todavia, um a
variação similar da ideia modificada pela frase "em " ocorre em 3,15-16:
"... para que todo o que nele crê tenha a vida eterna em [e n ] ele", e : "... para
que todo o que crê em [eis] ele... tenha a vida eterna". "Em seu nom e"
pode modificar a esfera da salvação tanto quanto a esfera de crer, como
vemos à luz de 17,11-12, "Guarda-os a salvo com o teu nom e"; tam-
bém At 10,43, "... perdão de pecados através de seu nom e"; e IC or 6,11,
"... lavados... santificados... justificados no nom e do Senhor Jesus Cristo".
Ao prom eter vida no nom e de Jesus, João está ecoando a ideia de 16,23:
"Se pedirdes algo da parte do Pai, Ele vo-lo dará em m eu nom e".
COMENTÁRIO
U m r e la to a d ic io n a l d e um a a p a r iç ã o p ó s -r e s s u r r e iç ã o d e Jesu s na
G a lile ia , p a r a d e m o n s tr a r c o m o J e s u s p r o v ê a s n e c e s s id a d e s d a I g r e ja .
ESBOÇO
(CAP. 21)
NOTAS*
lago da Galileia pescar à noite é usualm ente m elhor que pescar de dia; e
os peixes apanhados à noite podiam ser vendidos frescos de m anhã.
4. lo g o d e p o is d e j á r a ia r 0 d ia . Literalmente, "quando a aurora já estava rom-
pendo"; em algum as testem unhas im portantes da tradição textual oci-
dental está faltando o "já"; os Códices Sinaiticus e Bezae e a tradição
bizantina trazem "tinha já rom pido". P r õ i a , "aurora", nunca ocorre no
corpo do evangelho que tem p r õ i a duas ou três vezes.
J e su s s e p ô s n a p r a ia . As testem unhas textuais estão divididas sobre se leem
e p i ("sobre") ou e is ("para, para com"). É bem provável que a últim a al-
ternativa seja favorecida como a redação m ais difícil e como tendo sido
m udada por copistas que esqueceram que o verbo "ficar em p é" era um
verbo de m ovim ento no grego clássico e assim podia ser associado com
e is (ZGB, §103). Ele é usado com e is em 20,19 e 26, onde Jesus "se pôs
diante de" (no meio de) os discípulos. Na narrativa podem os im aginar
que, depois de não apanhar nada, os discípulos estão voltando à praia e
estão suficientemente perto para ouvir e ver alguém em pé ali. É prová-
vel que a súbita aparição de Jesus na praia pretendesse ser m isteriosa,
pois nas várias narrativas pós-ressurreição ele se m aterializa de repente.
Não há justificativa para o im aginativo contraste que W estcott, p. 300,
sugere entre Jesus em terra firme e os discípulos nas águas agitadas.
n e n h u m ... sa b ia q u e e ra J e su s . Os estudiosos que não consideram o cap. 21
como um apêndice, mas, antes, como um a continuação do cap. 20, têm
dificuldade em explicar a falha dos discípulos em reconhecerem Jesus
depois de o virem duas vezes antes. A distância e a im pressão causada
pela deficiência da luz m atutina são oferecidas como possíveis explica-
ções; todavia, no v. 12 há ainda a hesitação, m esm o quando ali os disci-
pulos o veem bem de perto e junto ao fogo. Quase certam ente estam os
tratando da prim eira aparição de Jesus a seus discípulos em um relato
independente do cap. 20, e este é outro exemplo da aparência transfor-
m ada do Jesus ressurreto (p. 1485-86 acima).
5. " M o ç o s" . Este é o plural de p a id i o n (um substantivo dim inutivo de p a is ,
"m enino"; ver nota sobre 4,49.51). No evangelho, ele é em pregado so-
m ente aqui como um a palavra dirigida aos discípulos; todavia, veja a
nota sobre 13,33, onde há um uso sim ilar de te k n io n (um substantivo di-
m inutivo de te k n o n , "menino"). Algum as vezes, te k n io n é considerado um
termo m ais tem o do que p a id i o n ; m as as duas palavras são aparentem en-
te intercam biáveis em ljo 2,12 e 14, onde am bos são m antidos distintos
de n e a n is k o s , "jovem". L agrange, p. 524, assum e que te k n io n era m ais ha-
bitual quando Jesus se dirigia aos discípulos e que aqui ele usou o p a id io n
m enos familiar para que não fosse reconhecido. N ão obstante, como
71 · O Jesus ressurreto aparece aos discípulos junto ao Mar de Tiberíades 1561
peixe e o único pão para alim entar os sete discípulos (assim Lagrange,
p. 526). N ão podem os crer que tão im portante m ilagre teria apenas sido
sugerido indiretam ente. Deixamos em aberto a possibilidade d e que, de
fato, houve apenas um peixe ao fogo, visto que Jesus indaga por mais,
porém é provável que o pão implicasse coletividade.
10. T r a z e i . Este im perativo aoristo é estranho, pois no restante do NT se usa
sem pre o im perativo presente de p h e r e in (BDF, §3363); de fato, o presente
ocorre em 20,27 em um contexto pós-ressurreição.
a l g u n s p e ix e s . O uso partitivo de a p o se encontra somente aqui em João,
como contrastado com cinquenta e um usos do e k partitivo. Ao mesmo
tem po, o substantivo governado pela preposição, o p s a r io n , é peculiar-
m ente joanino no NT. Esta única frase, pois, é um exemplo prático de
quão difícil é decidir se o estilo do capítulo é ou não joanino.
11. [ E n tã o ] . Isto está ausente tanto nas testem unhas textuais ocidentais como
nas bizantinas.
s a iu . Literalm ente, "subiu" ou "adiantou-se". Z ahn e L oisy estão entre os
que suscitam a possibilidade de que Pedro só estava saindo na praia,
vindo de seu nado, e que os outros discípulos chegaram ali remando.
N ão obstante, visto que o autor nos informa que Pedro saiu primeiro,
certam ente ele teria m encionado que Pedro chegou prim eiro, se isso fos-
se o que tinha em m ente. Antes, tem os de pensar que Pedro estivesse na
praia, m esm o quando fosse estranham ente comedido, e que se põe em
ação ante a solicitação de Jesus. A ideia de que esteve prostrado aos pés
de Jesus e agora se le v a n t a é injustificada. (Como verem os no comentário,
a estranheza sobre o que Pedro esteve fazendo na praia tem por m otivo o
fato de que dois diferentes incidentes são combinados aqui e que a vinda
de Pedro a Jesus originalm ente propiciou a ocasião para o diálogo nos
vs. 15-17). B ultmann, p. 544, pensa que o verbo se refere ao ato de Pedro
f i c a r e m p é na m argem para puxar a rede. Entretanto, é m ais provável
que Pedro seja retratado como a sair do barco. O verbo a n a b a in e in pode
significar "subir" no sentido de embarcar, em bora os outros casos disto
no NT (Mc 6,51 = M t 14,32) sejam acom panhados no grego pela frase de
esclarecim ento "para o barco". A tradição oriunda de copista por detrás
do Codex Sinaiticus subentendia desta m aneira o pensam ento do autor;
pois ali é usado o verbo e m b a in e in , e isto significa claram ente que ele foi
para o barco. B ultmann diz que Pedro não poderia ter embarcado, pois a
rede cheia de peixes não estava no barco. Todavia, ela foi arrastada após
o barco, e Pedro poderia ter voltado ao barco encalhado para ajudar a
pu x ar a rede. L ightfoot, p. 342, vê na ação de Pedro um a manifestação
de sua liderança entre os discípulos; este simbolismo é possível, porém,
1566 IV · Epílogo
m atem áticos gregos como dos autores bíblicos (ver F. H. C olson, JTS 16
[ 1 9 1 4 6 7 - 7 6 ,[15)־. Assim, pode-se especular que 17, seu elemento básico,
é form ado p o r dois núm eros que sim bolizam com pletude, a saber, 7 e
10 - núm eros im portantes no pensam ento judaico contem porâneo (P ir q e
A b o t t 5,1-11). B arrett, p. 484, apoia esta sugestão, salientando que um
total de 7 discípulos foi m encionado no v. 2 (embora o autor não chame
a atenção para este total) e, que no Livro do Apocalipse, 7 é um núm ero
simbólico (ver vol. 1, p. 163). A conclusão de tudo isto seria que, para
João, o núm ero perfeito, 153, antecipou a plenitude da Igreja, (c) Uma
abordagem alegórica é proposta por C irilo de Alexandria (In Jo. 12; PG
74:745) que subdivide o núm ero em 100 e 50 e 3 .0 100 representa a pleni-
tu d e dos gentios; o 50 representa o rem anescente de Israel; o 3 representa
a Santa Trindade. Para Rupert de D eutz, o 100 representa as casadas; o
50 representa as viúvas; e o 3 representa as virgens. Estas alegorias refle-
tem os interesses teológicos de um período tardio; por exemplo, o autor
joanino dificilmente pensaria na Santa Trindade como tal. (d) A gematria
encontra alguns expoentes m odernos. K ruse, a r t. c i t ., enfatiza que 153
representa a soma do valor num érico das letras na expressão hebraica
para "a Igreja de am or", q h l h 'h b h . N ão se pode negar que a gematria
era conhecida da escola joanina dos escritores (p. ex., o 666 de Ap 13,18,
onde, não obstante, chama-se a atenção dos escritores para a gema-
tria), m as é um a m era especulação basear a gem atria em um a expressão
que nunca ocorre nos escritos joaninos. R. E isler (citado por Bultmann,
p. 5491) engenhosam ente salienta que o valor num érico de S i m õ n é 76
e o de i c h t h y s , "peixes", é 77. De m ais interesse é a gematria proposta
por J. A. Emerton, JTS 9 (1958), 86-89, baseada na passagem de Ez 47
m encionada como o tem a das observações na teoria de J erônimo (a ) aci-
m a, a saber, a descrição da nascente de água que flui do tem plo para
o vale do Jordão, que finalmente tem regado de água toda a terra da
Palestina. Esta passagem era conhecida nos círculos joaninos, pois ela
form a o pano de fundo de Ap 22,1-2 (o rio da vida que flui do trono do
Cordeiro) e talvez para Jo 7 ,3 7 (o rio de água viva que flui do interior
de Jesus - vol. 1, p. 577). Ora, em Ez 47,10 ouvim os que, depois que a
corrente tiver regado a terra e se proliferar de peixes de todo tipo, os
pescadores penetrarão o m ar de En-gedi até o En-eglaim, espalhando
suas redes. E merton observa que o valor num érico das consoantes he-
braicas de (En-)gedi é 17, e o de (En-)eglaim é 153! (Subsequentemente,
P. R. A ckroyd, JTS 10 [1959], 153-55, trabalhando com soletrações va-
riantes no ms. da LXX, propôs que, pela gem atria baseada no grego,
os nom es En-gedi e En-eglaim podem prod uzir um valor total de 153.
1568 IV · Epílogo
Isto foi contabilizado por E merton, JT S 11 [I960], 33536־, que objetou que
as duas soletrações dos nom es em que A ckroyd fez seus cálculos nun-
ca ocorrem juntas em qualquer ms. grego). Com o um apoio interessan-
te à proposta de E merton de que o segredo do núm ero 153 pode estar
em Ez 47, reportam o-nos a J. D aniélou, Ê tu d e s d 'e x é g è s e ju d é o - c h r é ti e n n e
(Paris: Beauchesne, 1966), p. 136. Ele observa que na arte cristã prim itiva
Pedro e João (os dois proem inentes discípulos em Jo 21) eram retratados
juntos a um m anancial de água fluindo do tem plo (que, po r sua vez,
pode ser conectado à rocha do sepulcro de Jesus).
Não se pode negar que algum as destas interpretações (que não se ex-
cluem m utuam ente) são possíveis, m as todas encontram a m esm a obje-
ção: não temos evidência de que algum a dessa com preensão complexa
de 153 fosse inteligível aos leitores de João. N ão sabemos de nenhum a
especulação ou simbolismo estabelecido relacionado com o núm ero 53
no pensam ento antigo. Sobre o princípio de que onde há fum aça há fogo,
devemos conceder às interpretações supram encionadas a probabilidade
de que o núm ero pode pretender sim bolizar a am plitude ou m esm o a
universalidade da m issão cristã. Mas somos inclinados a pensar que, vis-
to que este simbolismo não é im ediatam ente evidente, ele não propiciou
a invenção do núm ero; pois certam ente o autor, fosse ele decidir livre-
m ente, podería ter proposto um núm ero obviam ente m ais simbólico; por
exemplo, 144. É bem provável que a origem do núm ero esteja na direção
de um a ênfase sobre as testem unhas autênticas cujo caráter foi registrado
(21,24). O Discípulo A m ado está presente. Em 19,35, aparentem ente ele
era um dos que transm itiram o fato de que fluíram do lado de Jesus san-
gue e água; em 20,7, ele era a fonte para a descrição exata da posição dos
lençóis fúnebres; assim aqui pode ser que devam os pensar que ele este-
ja registrando o núm ero exato de peixes que os discípulos apanharam .
O núm ero teria sido retido no relato porque era m uito grande; e quando
o relato recebeu um a interpretação simbólica, o núm ero teria sido inter-
pretado como um a indicação figurativa d a m agnitude dos resultados da
missão dos discípulos. N úm eros grandes indicativos de abundância não
são estranhos aos escritos joaninos; por exemplo, cerca de 600 litros de
água que se transform aram em vinho em Caná (2,6) e os cento e quarenta
e quatro m il de Ap 7,4. Para concluir temos que expressar a reserva que
a explicação que oferecemos da origem do núm ero não constitui um a
solução para o problem a da historicidade.
0 g r a n d e n ú m e r o . Literalmente, "sendo tantos". Lc 5,6 registra que, depois
de arrastarem as redes, "reuniram um a grande m ultidão de peixes"; e 5,7
diz que havia o suficiente para encher am bos os barcos a ponto de quase
71 · O Jesus ressurreto aparece aos discípulos junto ao Mar de Tiberíades 1569
COMENTÁRIO
A n a tu r e z a e p r o p ó s ito d o c a p ítu lo 2 1
a c h a q u e a p re s e n ç a d e ta n to s c a ra c te rístic o s jo a n in o s c o m o p ro v a
s u fic ie n te d a a u to ria jo an in a ; d a m e s m a fo rm a C a s sia n o , a r t . c i t .
E n tre o s e s tu d io s o s q u e p a rtilh a m d e s te p o n to d e v is ta p o d e -s e lis-
ta r W estco tt , P lu m m er , S c h la tter , L a g r a n g e , B e r n a r d , K r a g e r u d e
W ilk en s . (A lg u n s e x c lu iría m o s v s. 24-25 d a a u to r ia d o e v a n g e lis-
ta). C a ra c te rístic o s q u e n o ta v e lm e n te n ã o se a d e q u a m a o e stilo d o
E v a n g e lh o J o a n in o in clu e m : m e n ç ã o d o s filh o s d e Z e b e d e u , n o v . 2;
a p re p o s iç ã o s y n , " c o m " , n o v. 3; a p a la v ra p a r a " a o ra ia r o d ia " , n o
v. 4; o c a u sa tiv o a p o e o v e rb o i s c h y e i n , " s e r a p to " , n o v. 6; o p a rtitiv o
a p o , n o v. 10; o v e rb o e p i s t r e p h e i n , " v o lta r" , n o v. 20. B o ism a r d , a r t .
c i t . , q u e n o s te m d a d o o e s tu d o e stilístic o m a is d e ta lh a d o d o capí-
tu lo , te m c o n c lu íd o , c o m b a se e m ta is d ife re n ç a s, q u e o e v a n g e lista
n ã o e s c re v e u o E p ílo g o . (A p rin c íp io , c o m o h ip ó te s e , e d e p o is com
m a io r c e rte z a , B o ism a r d te m a rg u m e n ta d o e m p r o l d a a u to r ia lu ca-
n a). E n tre o s e s tu d io s o s q u e p a rtilh a m d e s te p o n to d e v ista , p o d e -s e
lista r M ic h a e lis , W ik en h a u ser , K ü m m e l , B u l t m a n n , B a r rett , G o g u e l ,
D ibelius , L ig h t fo o t , D o d d , S t r a t h m a n n , S c h n a c k e n b u r g e K ä s e m a n n .
N e ste co m e n tário , tra b a lh a re m o s sob a h ip ó te se d a a u to ria d a
p a rte d e u m re d a to r, u m a c o n c lu sã o a lc a n ç ad a p o r o u tra s ra z õ e s além
d o critério in certo b a se a d o n o estilo. A p e la r p a ra u m re d a to r explica
m e lh o r p o r q u e a(s) ap arição (s) n o cap. 21, n a G alileia, foi (foram )
co m b in ad a(s) a rtificia lm e n te n a n a rra tiv a d a s a p a riç õ e s e m Jeru salém ,
n o cap . 20, e as fez se q u en ciais ("D ep o is d isso ", n o v. 1; " te rc e ira v e z ",
em 14). T em o s m a n tid o q u e as a p a riçõ e s q u e Jesu s fez n a G alileia aos
d isc íp u lo s p re c e d e ra m e m o u tro te m p o a s a p a riç õ e s e m Jeru salém .
A o re e d ita r o e v a n g elh o , o ev a n g elista teria sid o c a p a z d e in te rca lar
su tilm e n te (se co n h ecia a sequência); m ais p ro v a v e lm e n te , u m red a -
to r teria ad ic io n ad o . A lém d o m ais, m e sm o q u e o p ró p rio e v an g elis-
ta ad icio n asse u m n o v o g ru p o d e aparições, teria se se n tid o liv re p a ra
m o v er o u m o d ificar su a conclusão a n te rio r e m 20,30-31, e n q u a n to u m
re d a to r p o d e ría n ã o q u e re r a lte ra r o texto evangélico q u e ch e g ara a ele.
A e s tr u tu r a d o C a p ítu lo 2 1
co m o u m d o s an cião s q u e d e v e m c u id a r d o reb a n h o , d e m o d o q u e a
associação d e P e d ro e o sim b o lism o d e p a s to r n ão é p e c u lia r a João e
p la u s iv e lm e n te p o d e ría te r se o rig in a d o e m conexão com a p rim e ira
a p a riç ã o d e Jesu s a P ed ro . E m su m a , p o is, n ã o se p o d e estabelecer com
ce rtez a a u n id a d e o rig in al d e 1-14 e 15-17, m as os a rg u m e n to s e m fa-
v o r d e la p a re c e m m ais c o n v in cen tes d o q u e os a rg u m e n to s co n tra ela.
Isto n o s lev a à s e g u n d a q u e stã o so b re a e stru tu ra : 1-14 é o re su lta d o
d a c o m p o siç ão d e cen as d iferen tes? E m b o ra a lg u n s ex eg etas se p reo cu -
p e m m ais q u e o u tro s e m s e g u ir a lógica d a ação n e ste s v ersícu lo s (ver
n o ta so b re " s u b iu " n o v. 11), to d o s rec o n h e c em as d ific u ld a d e s. N o
v. 5, Jesu s p a re c e n ã o te r peixe; to d a v ia , q u a n d o os d isc íp u lo s v ê m p a ra
a p ra ia e a n te s q u e a rra ste m s u a g ra n d e q u a n tid a d e d e p eixes, Jesus
já te m p r e p a r a d o u m b ra se iro com u m p eix e so b re ele (9). Jesus p e d e
q u e a lg u n s d o s p eix es recém a p a n h a d o s lh e sejam tra z id o s (10), m as
n ã o fica cla ro se eles se to rn a ra m p a rte d a refeição (12-13). O g ra n d e
v o lu m e d e p e ix e s lev a o D iscíp u lo A m a d o e d e p o is P e d ro a reco n h e-
cer Jesu s (7), m a s a se g u ir o s o u tro s d isc íp u lo s p a re c e m a in d a d u v id o -
so s so b re a id e n tid a d e d e Jesus (12). P o rta n to , n ã o su rp re e n d e q u e es-
tu d io s o s te n h a m p ro p o sto u m a h istó ria d e co m p o sição p o r d e trá s d e
1-14. LoiSY, p . 519, e x p re ssa b e m as a lte rn a tiv a s q u a n d o d iz q u e o u o
a u to r c o m b in o u d iv e rsa s tra d içõ e s o u e stev e fo rm u la n d o u m sim bo-
lism o a leg ó rico p a ra o q u a l ele sacrifico u o d e se n v o lv im e n to lógico d a
n a rra tiv a - o u , talv ez, ele e stev e fa z e n d o a m b a s a s coisas. W ellhausen
e B auer e stã o e n tre os q u e p ro p õ e m q u e d o is rela to s fo ra m en trelaça-
d o s , a sa b er, 1-8, q u e é o re la to d a p esca, e 9-13, q u e é o re la to d e u m a
refeição q u e , co m a lg u n s d e ta lh es, c o n stitu i u m a v a ria n te d o relato
d a m u ltip lic a ç ã o d o s p ã e s e p eix es (Jo 6,1-13). T o d a v ia, os vs. 10-11
p ro p ic ia m u m a d ific u ld a d e a e ssa an álise, p o sto q u e a p o n te m p a ra a
p e sc a , e a ssim a m a io ria d o s e stu d io so s o p ta m p o r u m a h istó ria m ais
co m p le x a d a co m p o sição . P o r ex em p lo , Loisy, p . 521, m a n té m q u e, ori-
g in a lm e n te , o v. 5 le v o u d ire ta m e n te a o v. 9 e, e n tã o , ao 12-13: q u a n d o
o s d isc íp u lo s n a d a a p a n h a ra m , Jesus fez p ro v isã o d e a lim e n to , e as-
sim o rec o n h e c era m . S chwartz, p . 216, e n c o n tra v estíg io s d e u m relato
o rig in a l e m 1-3, 4a, 9, 12-13, 15-17: o re la to p ó s-re ssu rreiç ã o d e u m a
refeição se m u m a p e sca m iracu lo sa. B ultmann , p p . 544-45, e n c o n tra
o re la to o rig in a l e m 2 -3 ,4a, 5-6, 8b-9a, 10-1 l a , 12: u m a n a rra tiv a m ais
c o m p le x a d o q u e a d e Schwartz; p o is, e n q u a n to ela in c o rp o ra a pesca,
e lim in a n ã o só a refeição p re p a ra d a e p ro n ta , m as tam b é m , em p a rte ,
1580 IV · Epílogo
A p e s c a e m J 0 2 1 e a tr a d iç ã o d e u m a a p a r iç ã o a P e d r o
o s d o is d isc íp u lo s q u e a c a b a ra m d e re to rn a r d e E m a ú s a Jerusalém ,
a im p lic a ç ão é q u e a a p a riç ã o se d e u n a á re a d e Je ru sa lé m n o d ia d a
P ásco a. (N ã o c o n sid e ra re m o s a p o ssib ilid a d e d e q u e S im ão e ra u m
d o s d o is d isc íp u lo s q u e fo ra m p a ra E m aú s; v e r J. H . C rehan, CBQ 15
[1953], 418-26). A su p o siç ã o d e q u e L ucas e P au lo estã o fala n d o acerca
d a m e sm a a p a riç ã o é razo áv el, já q u e su a descrição é b e m sim ilar e,
e m a lg u n s o u tro s casos, p o r ex em plo, a fó rm u la eucarística, d e p e n -
d e m d a m e sm a trad ição . N ã o o b stan te, e m b o ra a localização lucana
seja aceita p o r e stu d io so s com o Lohmeyer e B enoit, é su sp e ita precisa-
m e n te p o rq u e to d a a seq u ên cia lu ca n a d a s ap ariçõ es p ó s-ressu rreição
co m a p rio rid a d e d a d a a Jeru salém é d ú b ia (ver p p . 1437-38 acim a).
A m en ç ã o d a a p a riçã o a P e d ro é p a rtic u la rm e n te e stra n h a n a n a rra tiv a
lu c a n a , já q u e e m 24,12 (u m a n ã o -in terp o la ç ã o ocidental) L ucas nos
in fo rm a q u e P e d ro foi ao tú m u lo v azio e v o lto u confuso, o b v iam en te
se m te r v isto Jesus. A ssim , é p la u sív e l q u e L ucas n ã o so u b esse sob q u e
c irc u n stâ n c ia s o c o rre u a a p a riçã o a S im ão e q u e a m en c io n o u o n d e ele
n ã o tin h a n a m e m ó ria a d iferen ça d e q u e esta foi a p rim e ira d a s ap ari-
ções p ó s-re ssu rre iç ã o d e Jesus a se u s d iscípulos.
U m a a p a riç ã o a P e d ro n a á re a d e Je ru sa lé m é p ra tic a m e n te eli-
m in a d a p o r M c 16,7, o n d e o anjo in stru i as m u lh e re s a in fo rm a r aos
d isc íp u lo s e a P e d r o q u e Jesus e stá in d o a d ia n te d e le s p a ra a G alileia e
o v e rã o ali. M u ito s tê m su g e rid o q u e a ra z ã o p a ra P e d ro se r o m itid o
e ra q u e ele receb ería u m a a p a riç ã o e sp ecial n a G alileia. O E v a n g e l h o d e
P e d r o , 58-60, a in d a q u e in co m p leto , re té m a tra d iç ã o d e q u e a p rim ei-
ra a p a riç ã o d o Jesus re ssu rre to a P e d ro o c o rre u n a s p ro x im id a d e s d o
lag o d a G alileia c o n sid e ra v e lm e n te d e p o is d a P áscoa. (N ão p a re c e va-
le r a p e n a e n tra r n a e sp ecu lação d e q u e este e v a n g elh o ap ó crifo e Jo 21
re c o rre ra m a o q u e e sta v a o rig in a lm e n te n o fin al p e rd id o d e M arcos
- s e ria c o n je tu ra , e a p ró p ria ex istên cia d e u m final p e rd id o d e M arcos
é in certa). R e su m in d o os d a d o s , e n q u a n to n ã o se p o d e alcan çar ne-
n h u m a c o n c lu sã o só lid a, n a d a se d e s p re n d e d e u m a a n álise crítica d o
e v a n g e lh o q u e n o s o b rig u e a ac eita r o M a r d e T ib eríad es com o o local
d a p rim e ira a p a riç ã o d o Jesus re ssu rre to a P ed ro . P a ra u m a d iscu ssão
m a is d e ta lh a d a d a localização, v e r G ils, p p . 28-32.
O u tro a rg u m e n to q u e tem sid o a p re se n ta d o c o n tra a identifica-
ção d a cen a em Jo 21 com a p rim e ira a p a riçã o a P e d ro é q u e am bos,
P a u lo e L u cas, in d ic a m p r i m a f a c i e [a p rim e ira vista] d e q u e Jesus ap a-
re c e u so m e n te a P e d ro , e n q u a n to em Jo 21 P e d ro te m co m p an h eiro s.
1582 IV · Epílogo
B. A e v i d ê n c i a i n d i r e t a s o b r e a a p a r i ç ã o . Se a e v id ê n c ia d ire ta p ro p i-
ciad a p o r P au lo , L ucas, M arco s e o E v a n g e l h o d e P e d r o n a d a faz p a ra
71 · O Jesus ressurreto aparece aos discípulos junto ao Mar de Tiberíades 1583
P a ra c o n c lu ir n o sso e s tu d o d e Jo 21 à lu z d o s d a d o s d ire to s e
in d ire to s p e rtin e n te à p rim e ira a p a riç ã o d e Jesu s a P e d ro , su g e ri-
m o s q u e , n a tra d iç ã o , e sta a p a riç ã o o c o rre u e n q u a n to P e d ro p e sca v a ,
q u e ela e n v o lv e u u m a p e sc a m ira c u lo sa so b a o rd e m d e a lg u é m a
q u e m P e d ro p a s s o u a rec o n h e c e r co m o o S e n h o r re ssu rre to ; q u e Pe-
d r o s a lto u d o b a rc o p a ra sa u d á -lo ; q u e n o d iá lo g o re s u lta n te P e d ro
re c o n h e c e u s e u p e c a d o e foi re s ta u ra d o ao fav o r d e Jesus; e q u e Pe-
d r o re c e b e u u m a co m issão q u e lh e d a v a u m a a u to rid a d e d e sta c a d a
n a c o m u n id a d e . Jo 21 p r e s e rv o u u m a fo rm a ra z o a v e lm e n te fiel d e ste
re la to , co m a lg u m a s m esclas d e o u tra cen a, co m o v e re m o s abaixo.
(V isto q u e u m a d e sta s m esclas c o n fu sa s e n v o lv e u m a refeição d e p ã o
e p e ix e , é d ifícil certificar se o rig in a lm e n te a a p a riç ã o a P e d ro tam -
b é m c o n tin h a , co m o u m in c id e n te , u m a refeição c o n sistin d o d o q u e
tin h a s id o re c e n te m e n te p e sc a d o . É b e m p ro v á v e l q u e K lein, p . 32,
esteja c e rto e m n e g a r isto , p o is n ã o ex iste n e n h u m v e stíg io d e u m a
refe iç ã o e m q u a lq u e r u m a d e n o ssa e v id ê n c ia so b re a a p a riç ã o a Pe-
d ro . A p e s c a n ã o tev e c o m o s e u te m a a p ro v is ã o d e alim en to ; an tes,
ela p ro p ic io u a p o s s ib ilid a d e d o re c o n h e c im e n to d e Jesu s d a p a rte
d e P e d ro ). N o s d e ta lh e s d e co m o P e d ro re c o n h e c e u se u p e c a d o e foi
r e s ta u ra d o a o fa v o r d e Jesus, h á c o n sid e rá v e l v a ria n te n o m a te ria l
q u e te m o s e s tu d a d o (Lc 5,8; M t 14,30-31); e o q u e a g o ra e n c o n tra m o s
e m Jo 21,15-17 co m s u a tríp lic e p e rg u n ta e la b o ra d a so b re o a m o r po -
d e ria te r p a s s a d o p o r c o n sid e rá v e l d ra m a tiz a ç ã o , m e sm o q u a n d o era
p a r te d o re la to jo a n in o ao m á x im o q u e p o d e m o s re tro c e d e r. Q u a n to
à c o m issã o a u to rita tiv a d e P e d ro , te m o s m e n c io n a d o a p o ssib ilid a -
d e d e q u e a im a g e m d e p a s to r e m Jo 21,15-17 e a im a g e m d a ro ch a
fu n d a m e n ta l e m M t 16,18 c o n stitu e m fra g m e n to s d o q u e e m o u tro
te m p o foi u m d iá lo g o m ais e x te n so e q u e a m b a s re p re s e n ta m u m
d e s e n v o lv im e n to d e u m a s sim p le s m etá fo ra s.
1590 IV · Epílogo
A r e f e iç ã o e m J o 2 1 e a t r a d i ç ã o d a a p a r i ç ã o a o s d o z e n a G a l i l e i a
A lc a n c e e s im b o lis m o e c le s iá s tic o d o r e la to e m 2 1 ,1 - 1 4
a o a rre p e n d im e n to d e P ed ro . É v e rd a d e q u e F ilo (Q u a e s t i o n e s e t s o -
lu tio n e s in G e n . 1, §83) tra ta o n ú m e ro 200 sim bolicam ente; en tretan -
to , João n ã o v in cu la esse n ú m e ro ao n a d a r d e P ed ro , e sim ao rem a r
d o s d iscíp u lo s.
O sig n ific a d o sim bólico q u e se d e se n v o lv e u em to rn o d a pesca
e m Jo 21 é o m e sm o q u e e m Lc 5,10: sim b o liza a m issã o ap o stó lica
co m o " p e s c a d o re s d e h o m e n s" . V isto q u e este sim b o lism o é n itid a-
m e n te ó b v io , p o d e ría ter-se d e se n v o lv id o in d e p e n d e n te m e n te n as
d u a s trad içõ es; e m q u a lq u e r caso, su sp e ita m o s q u e K lein, p . 34, esteja
c e rto e m m a n te r q u e L ucas o e n c o n tro u já p re se n te q u a n d o ele conhe-
c eu esse rela to . B ultmann, p p . 544-45, p e n sa n a aleg o rização d o relato
co m o s e n d o o b ra d o re d a to r final, m as K lein , p p . 30-31, c o rre ta m en te
a rg u m e n ta q u e ele a n te d a ta o re d a to r e c e rta m e n te a n te d a ta a intro-
d u ç ã o d o sim b o lism o sa c ra m e n ta l (ver abaixo), p o is os d o is n ão se
h a rm o n iz a m . P o d e ser q u e o sim b o lism o d a m issão seja co n cretizad o
e m Jo ão m a is d o q u e e m L ucas. C o n c o rd a m so b re o g ra n d e n ú m e ro a
s e r in tro d u z id o p e la m issão ap o stó lica, m as so m e n te João (21,11) m en -
cio n a o n ú m e ro 153 p eix es e e n fa tiz a o fato d e q u e a re d e n ã o se rom -
p e u . O n ú m e ro 153 (ver n o ta) significaria, p o r m eio d e u m sim bolis-
m o m ín im o , p re te n d e r sim b o liz a r o c a rá te r to d o u n iv e rsa l d a m issão.
O e s ta d o in te g ra l d a re d e significa q u e a c o m u n id a d e cristã n ã o é rom -
p id a p e lo cism o , a d e sp e ito d o s g ra n d e s n ú m e ro s e d ife ren te s tip o s d e
h o m e n s c o n d u z id o s a ela. O v e rb o q u e tra d u z im o s n o v. 11 p o r "ro m -
p e r" é s c h i z e i n , rela c io n a d o co m o c i s m a o u d iv isã o so b re Jesus q u e se
faz re fe rê n c ia e m 7,43; 9,16; 10,19. Foi ta m b é m u s a d o e m 19,24, q u a n -
d o o s s o ld a d o s d e c id ira m n ã o ra sg a r a tú n ic a d e Jesus, e n tre te c id a em
u m a só p eça d e alto abaixo - a p aren tem en te o u tro sím bolo d e u n id a d e
A lg u n s le v a m o p e d id o jo an in o p o r u n id a d e a p o n to d e p e n s a r q u e
a tra d iç ã o jo an in a s u p rim iu os d o s b a rc o s e n c o n tra d o s n o rela to lu-
c a n o d a p e sc a e m fav o r d e u m s ó b arco , m as isto a tin g e o lim ite d a
fan ta sia . M ais p la u sív e l é a su g e stã o d e q u e d e v e m o s relacio n ar o
u s o d o v e rb o h e l k e i n (h e l k y e i n ), " a rra s ta r" , n o s vs. 6 e 11 ao s exem -
p io s n o e v a n g e lh o n o s q u a is ele é u s a d o p a ra a atra çã o d e h o m en s a
Jesu s (p a ra o p a n o d e fu n d o n o A T , v e r n o ta so b re 6,44). P articu lar-
m e n te p e rtin e n te é 12,32: " Q u a n d o e u for le v a n ta d o d a te rra , a t r a i -
r e i to d o s o s h o m e n s a m im ". N o p e n sa m e n to jo an in o , a ressu rreição
p e rte n c e a o p ro c e sso d e exaltação d e Jesus a se u Pai, e o Jesus res-
s u rre to c u m p re s u a p ro fe c ia d e a tra ir to d o s os h o m en s a si m esm o
1596 IV · Epílogo
Jesus ressu scito u v erd ad eiram en te e foi visto p o r testem unhas que, p o r
s u a vez, fo ram en v iad as a proclam á-lo a o u tro s hom ens. Se devem os levar
o u n ã o a ideia d e m issão apostólica à refeição d os vs. 9b,12-13 não é certo.
H á in térp retes q u e p en sam n o convite à refeição com o u m ato im plícito
d e p e rd ã o q u e se to m a necessário pelo fato d e que os discípulos haviam
a b a n d o n ad o a Jesus (16,32), m as este significado não é claro n o relato.
O s i m b o l i s m o e u c a r í s t i c o d a r e f e iç ã o e m 2 1 , 1 9 b . l 2 - 1 3
NOTAS
Como salientado no vol. 1, p. 794, este é o texto prova para aqueles que
desejam distinguir entre a g a p a n e p h il e in , um a distinção que retrocede ao
tem po de O rígenes. Todavia, como vimos de nosso parecer da interpre-
tação de 15-17 oferecida por Trench, W estcott e Evans, os que defendem
a distinção entre os verbos não estão concordes sobre as nuanças de sig-
nificado. Acaso Jesus está solicitando de Pedro um a form a m ais nobre
de am or (a g a p a n ) e então fixando a forma inferior de am izade (p h il e in )
a qual é tudo o que Pedro pode dar? Estaria Jesus pedindo um amor
(a g a p a n ) reverente e então concedendo a Pedro a expressão de afeto (p h ilein )
pessoal e fervoroso? O u ainda vice-versa? M cD owell, pp. 425-38, insiste
sobre a distinção que flui do uso clássico de a g a p a n ("estim ar, prezar,
preferir"): prim eiram ente, Jesus pergunta a Pedro se ele prefere a estes
(barcos, pesca) - estaria ele querendo que eles se tom em pescadores de
homens? A resposta de Pedro é não só em term os de estim a o u preferên-
cia, m as de sentim ento (p h ile in ) real. Em sua obra, A g a p e in th e N e w T e s-
t a m e n t, III, 95, C. Spicq escreve com plena segurança: "Os com entaristas
estão divididos sobre o respectivo valor dos dois verbos, m as, os que os
tom am como sinônim os, ou ignoram a semântica de ágape ou minimi-
zam a im portância da cena".
72 · O Jesus ressurreto fala a Pedro 1603
C O M E N T Á R IO
m e sm o m ais c la ra m e n te u m a c o m i s s ã o a u t o r i t a t i v a . A im a g e m d o p as-
to r n o s te m p o s b a b ilô n io s (H a m m u rab i), q u e v e m a tra v é s d o p e río d o
v e te ro te s ta m e n tá rio , im p lica a id eia d e a u to rid a d e . S h eeh a n , a r t . c i t . ,
ilu s tra o tem a d o c u id a d o d o re b a n h o q u e fo rm a o p o v o com a u to rid a-
d e n o caso d e Ju izes ( lC r 17,6) e d e D av i e S aul (2Sm 5,2). C u id a r d o re-
b a n h o sig n ifica g o v e rn a r so b re ele (ver o b serv açõ es so b re p o i m a i n e i n
n a n o ta so b re " a p a sc e n ta m e u s c o rd e iro s" e m 15); e já q u e D eus m es-
m o é o P a s to r d e Israel (G n 49,24; O s 4,16; Jr 31,10; Is 40,11; SI 80,2[1]),
e sta fu n çã o so b re o re b a n h o d e Israel é u m a a u to rid a d e d iv in a m e n te
d e le g a d a . S h e e h a n , p . 27, re su m e a ssim a situação: "A fig u ra [do pas-
tor] é u s a d a e m situ a ç õ es q u e e n fa tiz a m q u e os líd e res d e Israel p a r-
tilh a m d a a u to rid a d e d iv in a e a g e m co m o d e le g a d o s d e D eu s n o uso
d e s sa a u to rid a d e " . A lém d o u so v e te ro te sta m e n tá rio d a im a g e m d o
p a s to r p o d e m o s a g o ra re c o rre r ao p a n o d e fu n d o c o n te m p o râ n e o d o
N T , a sa b er, o u s o q u e Q u m ra n fez d e sta im a g e m p a ra d e scre v e r a ta-
re fa d o m e b a q q ê r o su p e rv iso r q u e a tu a co m a u to rid a d e (CD 13,9-10)
q u e tin h a o p o d e r d e ex a m in ar, e n sin a r e c o rrig ir o s m em b ro s d a co-
m u n id a d e . A lu z d e tu d o isto, é m u ito c o m p re en sív e l q u e Jo 21,15-17
fosse in te rp re ta d o com o a concessão a P e d ro d e, resp e c tiv a m e n te, a
re s p o n s a b ilid a d e p e lo re b a n h o e a a u to rid a d e so b re ele, q u e p e rte n -
d a m a o p ró p rio Jesus com o o b o m p a sto r (cap. 10). N a aparição pós-res-
su rreição d e 20,21 e n c o n tra m o s Jesus, o e n v ia d o p e lo Pai, e n v ia n d o
o s d isc íp u lo s p re c isa m e n te co m o ele m esm o foi e n v ia d o ; d e m o d o se-
m e lh a n te , n e sta a p a riç ã o e n c o n tra m o s Jesus, o b o m p a sto r, fazen d o
P e d ro u m p a s to r p a ra d a r assistên cia ao reb a n h o . E v e rd a d e q u e u n s
p o u c o s e s tu d io so s, p o r e x em p lo , L oisy, p . 523, têm q u e stio n a d o a rela-
ção d e 21,15-17 c om a im a g e m d o p a s to r n o cap. 10 e têm a le g a d o q u e
o re d a to r e ra m ais d e p e n d e n te d a im a g e m sin ó tica d o p a sto r; C assian ,
a r t . c i t . , p o ré m , m o stra a ín tim a relação d a s d u a s p a ssa g e n s joaninas,
a s q u a is são o s ú n ico s casos d a im a g e m d o p a s to r n o Q u a rto E van-
g elh o . É p a rtic u la rm e n te sig n ificativ o q u e u m a referên cia à m o rte d e
P e d ro (21,18-19) sig a im e d ia ta m e n te o m a n d a d o d e c u id a r d a s ove-
lh as; p o is e n tre to d o s os e m p re g o s n e o te sta m e n tá rio s d a im ag em d o
p a s to r, s o m e n te Jo 10 especifica q u e u m a d a s fu n çõ es d o b o m p a sto r é
d a r s u a v id a p e la s o v elh as (vol. 1, p . 676).
A in te rp re ta ç ã o d e 2 1 ,1 5 1 7 ־em term o s d e u m a a u to rid a d e especial
c o n ferid a a P e d ro conta tam b é m com o ap o io q u e su p õ e o fato d e que
essa p a ssa g e m é c o n sid e rad a freq u en tem en te p a ra lela d e M t 16,16b-19
1618 IV · Epílogo
s in g u la rm e n te im p o rta n te s fo ra m d e s ig n a d o s a a m b o s, P e d ro e o
D isc íp u lo A m a d o , m a s q u e o s resp e c tiv o s p a p é is sã o d ife re n te s e
q u e o p a s to r é P e d ro . T o m a r a p e rg u n ta d e P e d ro so b re p o r q u e o
D isc íp u lo A m a d o e sta v a s e g u in d o Je su s (v. 21) c o m o b a s e d e to d a
u m a te o ria d e a u to r id a d e c o n flita n te é e x tra v a g a n te . Já re je ita m o s
u m a teo ria s e m e lh a n te m e n te e x a g e ra d a d o c o n flito e m re la ç ã o a
20,3-10 (p p . 1481-83 acim a). A q u i p o d e h a v e r u m eco d o p o ssív e l
d esejo d a c o m u n id a d e jo a n in a d e m o s tra r q u e a m o rte n a tu r a l d e
se u a p ó s to lo e sp ec ial n ã o v a lia m e n o s d o q u e fo i o m a rtírio d e P e d ro
co m o u m a te s te m u n h a d e Jesus. A c o n sta n te asso c ia çã o d o D isc íp u -
lo A m a d o co m P e d ro , a q u i e e m o u tro s lu g a re s , p o d e b e m p r e te n d e r
e n fa tiz a r q u e a s e u p r ó p rio m o d o o D isc íp u lo n ã o e ra m e n o s im -
p o rta n te d o q u e P e d ro , o m a is b e m c o n h e c id o d o s d isc íp u lo s o rig i-
n a is d e Jesu s. N o m áx im o , p o d e m o s o u v ir u m eco d a r iv a lid a d e n ã o
m e n o s fra te rn a d a s c o m u n id a d e s c ristã s p rim itiv a s , a s so c ia n d o su a
h istó ria co m fig u ra s p ro e m in e n te s d o s d ia s p rim e v o s n a s q u a is se
se n tia m o rg u lh o sa s. M as n ã o h á u m ú n ic o in c id e n te n e s te e v a n g e lh o
o n d e o D isc íp u lo A m a d o é a p re s e n ta d o c o m o u m a fig u ra c o m a u to -
rid a d e d o m in a n te so b re a Igreja o u so b re u m a ig reja; s u a a u to r id a d e
é co m o te s te m u n h a . E m n o ssa o p in iã o , to d a s a s te n ta tiv a s d e in te r-
p r e ta r a p re s e n ç a d o D isc íp u lo A m a d o la d o a la d o co m P e d ro n e sta
cen a co m o p a r te d e u m a a p o lo g é tic a c o n t r a o u p r ó às re iv in d ic a ç õ e s
d a p rim a z ia p e tr in a o u ro m a n a c o n s titu e m eiseg ese.
A n te s d e p a ssa rm o s à co n clu são d o E pílogo, h á u m a s p o u c a s
o b serv açõ es d isp e rsa s q u e são fo rm u la d a s so b re p o n to s n o s vs. 18-23.
N o v. 19, a afirm ação so b re "o tip o d e m o rte p e la q u a l P e d ro h av ia
d e glo rificar a D e u s" é, co m o m e n c io n ad o , a lin g u a g e m c ristã p a d rã o
p a ra o m artírio . N ã o o b sta n te , ela te m c erta fa m ilia rid a d e c o m o p en -
sarn en to jo an in o so b re a m o rte d e Jesus n a q u a l Jesus m e sm o se glo-
rificou e ex ib iu a g ló ria d e D e u s ao s h o m e n s (7,39; 12,23; 17,4-5). A o
im ita r Jesu s, s e g u in d o -o até a m o rte (in clu siv e m o rte d e cru z), P e d ro
reco n h ece a g ló ria d e D eus. T em h a v id o c o n sid e ráv e l e sp ec u laç ã o so-
b re a m o tiv aç ã o d e P e d ro n o v. 21 q u a n d o ele p e rg u n ta so b re o Dis-
cíp u lo A m a d o . S ch w a n k , " C h r i s t i " , p p . 538-39, p e n s a q u e P e d ro está
m o stra n d o p re o c u p a ç ã o p o r se u a m ig o e desejo so d e q u e Je su s in clu a
o D iscíp u lo A m a d o e m seu p la n o p a ra o fu tu ro . M as, à lu z d a a p a re n te
ce n su ra n o v. 22, a m aio ria d o s e stu d io so s p e n s a m q u e P e d ro e ra ciu-
m e n to o u im p ru d e n te m e n te in q u isitiv o . B. W eiss in te rp re ta a resp o sta
72 · O Jesus ressurreto fala a Pedro 1627
NOTAS
COMENTÁRIO
O te s te m u n h o v e r d a d e ir o d o D is c íp u lo A m a d o (v. 24)
BIBLIOGRAFIA
(CAP. 21)
AGOURIDES, S., "The Purpose of John 21", Studies in the History and Text of
the New Testament - in Honor ofK. W. Clark, ed. By B. L. Daniels and M.
J. Suggs (Salt Lake City: University of Utah, 1967), pp. 127-32.
BACON, B. W., "The Motivation of John 21.15-25", JBL 50 (1931), 71-80.
BENOIT, P., The Passion and Resurrection of Jesus Christ (Nova York: H erder
& H erder, 1969), pp. 289-312.
BOISMARD, M.-E., "Le chapitre xxi de saint Jean: essai de critique littéraire",
RB 54 (1947), 473-501.
BRAUN, F.-M., "Quatre 'signes' johanniques de Vunité chrétienne", NTS 9
(1962-63), 153-55 sobre 21,1-11.
CASSIAN, Bishop (Archimandrite Cassien or Serge Besobrasoff), "John
xxi", NTS 3 (1956-57), 132-36.
CHAPMAN, J., '"We Know That His testimony Is True'", JT5 31 (1930), 379-87
sobre 21,24-25.
73 · A (segunda) conclusão 1639
A n á lis e d o títu lo p a r a k l e t o s
P a n o d e f u n d o d o c o n c e ito
A c o m p r e e n s ã o jo a n in a d o P a r á c le to
h a v ia d a d o te s te m u n h o d e Jesu s n a c o m u n id a d e jo a n in a , n ã o foi
p rim a ria m e n te p o r c au sa d a m em ó ria q u e p e sso a lm e n te c o n serv a v a m
d e Jesus. D ep o is d e tu d o , eles h a v ia m v isto Jesus, p o ré m n ã o o com -
p re e n d e ra m (14,9). S o m en te o d o m d o E sp írito S an to o s e n sin o u o sig-
nificad o d e tu d o q u e tin h a m v isto (2,22; 12,16). S eu te ste m u n h o foi o
te ste m u n h o d o P arácleto q u e falava a tra v és deles; a p ro fu n d a rein ter-
p reta çã o d o m in istério e d a s p a la v ra s d e Jesu s e fe tu a d a s sob a d ire triz
d o D iscíp u lo A m a d o e ag o ra e n c o n tra d a s n o Q u a rto E v a n g e lh o era
o b ra d o P arácleto. (A qui co n co rd am o s, ao m en o s e m p rin c íp io , com
os m u ito s e stu d io so s, com o L oisy, S asse, K ragerud e H oeferkamp, q u e
v eem n o D iscíp u lo A m a d o a "en c a rn aç ã o " d o P arácleto). E o P arácleto
p o r o u tro lad o , n ã o cessa d e a tu a r q u a n d o estas te ste m u n h a s oculares
se v ão , p o is ele h a b ita o in te rio r d e to d o s o s cristão s q u e a m a m Jesus
e g u a rd a m seu s m a n d a m e n to s (14,17). (M ussner, p p . 67-70, n ã o está
m u ito certo e m su g e rir q u e a h ab itação d o P arácleto é o p riv ilé g io do s
d o z e e cesso u ju n ta m e n te com o ofício apostólico). O s cristão s d e úl-
tim a h o ra n ã o estã o m ais lo n g e d o m in isté rio d e Jesus d o q u e o s m ais
antig o s, p o is o P arácleto h a b ita neles co m o h a b ito u n a s te ste m u n h a s
oculares. E ao e v o car e d a r n o v o sig n ificad o ao q u e Jesus disse, o P ará-
cleto g u ia c a d a g eração p a ra e n fre n ta r n o v a s situações; ele d e c la ra as
coisas q u e estã o p o r v ir (16,13).
O s e g u n d o p ro b le m a e ra a a n g ú stia c a u sa d a p e la d e m o ra d a se-
g u n d a v in d a. N o p e río d o a p ó s 70 d.C ., a ex p e cta tiv a d o re to rn o de
Jesu s co m eço u a en fraq u ecer. S eu re to rn o fo ra a sso c ia d o co m o ter-
rív el ju ízo d e D e u s so b re Je ru sa lé m (Mc 13), a g o ra , p o ré m , Jerusa-
lém e sta v a d e s tru íd a p e lo s exércitos ro m a n o s e Jesus a in d a n ã o reto r-
n ara. E m p a rtic u la r, o re to rn o d e Jesu s fo ra e s p e ra d o n o s lim ites d a
v id a te rre n a d e a lg u n s d o s q u e fo ra m se u s c o m p a n h e iro s (M c 13,30;
M t 10,23). C e rta m en te , a c o m u n id a d e jo a n in a tin h a e s p e ra d o s e u re-
to m o a n te s d a m o rte d o D iscíp u lo A m a d o (Jo 21,23); m a s e sta m o rte
a cab ara d e aco n tecer o u e sta v a a c o n te c en d o e Jesu s a in d a n ã o h a v ia re-
to rn a d o . Q u e e sta d e m o ra c a u so u c erto ceticism o é v isto e m 2 P d 3,3-8,
o n d e se d á a re sp o sta u m ta n to in g ê n u a : n ã o im p o rta q u ã o lo n g o seja
o in te rv alo , a v in d a o c o rre rá logo, p o is p a ra o S e n h o r u m d ia é com o
m il an o s. A re s p o sta jo a n in a é m ais p ro fu n d a . O e v a n g e lista n ã o p er-
d e a fé n a s e g u n d a v in d a , m a s e n fa tiz a q u e m u ito s d o s a sp ec to s asso-
ciad o s à s e g u n d a v in d a já são re a lid a d e s d a v id a c ristã (juízo, filiação
d iv in a , v id a etern a). E d e u m a m a n e ira b e m real, Jesu s te m v o lta d o
Apêndice V: O parácleto 1653
BIBLIOGRAFIA
(Este é prim ariam ente um índice que cataloga a prim eira ocorrência do livro
ou artigo de um autor. Em uns poucos exemplos, faz-se referência a m ais de
um a afirmação das idéias de particulares do autor).
1 Reis Salm os
M iqueias Zacarias
N O V O TESTAMENTO
1 6 ,2 1 -2 2 1519 1 7 ,6 9 6 8 ,1 1 6 1 ,1 1 6 3 ,1 5 9 3
1 6 ,2 2 9 6 1 ,9 6 6 ,9 6 8 ,9 7 1 ,1 0 5 1 ,1 3 2 8 , 1 7 ,6 .1 4 1176
1 4 8 9 ,1 5 3 6 1 7 ,8 1 1 2 4 ,1 2 3 3 ,1 5 5 0
1 6 ,2 3 9 9 6 ,1 0 1 0 ,1 0 1 3 ,1 1 6 6 , 1 7 ,9 1173
1 5 4 6 ,1 5 6 9 1 7 ,9 ־1 9 1 1 6 5 ,1 3 6 3
1 6 ,2 3 .2 4 .2 6 964 1 7 ,1 0 1 1 7 6 ,1 3 0 6
1 6 ,2 3 .2 6 1 0 1 8 ,1 4 9 9 1 7 ,1 0 .2 2 1192
1 6 ,2 3 -2 4 9 6 0 ,1 0 1 2 1 7 ,1 1 9 4 5 ,9 4 9 ,1 0 1 9 ,1 1 6 3 ,1 2 3 4
1 6 ,2 3 - 2 4 .2 6 1051 1 7 ,1 1 -2 1090
1 6 ,2 3 b -2 4 1136 1 7 ,1 1 -1 2 9 6 8 ,1 1 5 8 ,1 1 6 3 ,1 5 4 6
1 6 ,2 4 9 7 0 ,1 0 1 0 ,1 0 1 1 ,1 1 7 0 1 7 ,1 1 .1 2 1035
1 6 ,2 4 .2 6 968 1 7 ,1 1 .1 5 1150
1 6 ,2 5 9 9 5 ,1 1 2 7 ,1 1 3 7 1 7 ,1 1 .1 6 1285
1 6 ,2 6 1 0 1 1 ,1 1 1 5 ,1 1 3 8 ,1 1 6 6 1 7 ,1 1 .2 1 - 2 3 9 6 7 ,1 3 7 5
1 6 ,2 7 1 0 2 2 ,1 0 2 3 ,1 0 2 6 1 7 ,1 2 8 9 7 ,9 1 1 ,1 1 5 0 ,1 1 5 0 ,1 1 6 9 ,
1 6 ,2 7 -2 8 1080 1 2 3 3 ,1 2 3 4 ,1 2 4 2
1 6 ,2 7 .3 0 1 1 4 8 ,1 5 5 0 1 7 ,1 3 1035
1 6 ,2 8 9 0 5 ,9 8 6 ,1 0 8 0 ,1 1 4 9 ,1 4 6 7 ,1 6 4 9 1 7 ,1 4 9 9 9 ,1 0 8 9 ,1 1 0 0 ,1 5 2 8
1 6 ,2 9 962 1 7 ,1 4 .1 6 1159
1 6 ,2 9 -3 2 987 1 7 ,1 5 9 0 5 ,1 1 5 2 ,1 1 5 3 ,1 1 7 4
1 6 ,3 0 9 6 2 ,1 1 4 7 ,1 1 4 8 ,1 6 0 7 1 7 ,1 5 - 1 6 1089
1 6 ,3 1 1148 1 7 ,1 7 1176
1 6 ,3 1 -3 2 1509 1 7 ,1 7 .1 9 1152
1 6 ,3 2 9 1 5 ,9 7 8 ,9 8 7 ,1 0 9 5 ,1 1 4 0 , 1 7 ,1 7 -1 9 1520
1 2 7 0 , 1 2 7 1 ,1 3 5 7 ,1 4 1 6 ,1 4 5 3 , 1 7 ,1 8 1 5 0 3 ,1 5 1 2 ,1 5 2 8
1 5 9 4 ,1 5 9 7 1 7 ,1 8 .2 2 1511
1 6 ,3 3 9 6 1 ,9 6 8 ,9 9 9 ,1 0 3 5 ,1 0 3 8 ,1 0 8 6 1 7 ,1 9 1 1 5 1 ,1 1 7 6 ,1 1 7 7 ,1 3 5 7 ,1 3 6 3 ,
17 1 1 7 7 ,1 1 8 2 ,1 1 8 7 ,1 1 9 0 1370
1 7 ,1 9 6 1 ,1 1 4 3 ,1 1 4 9 ,1 1 5 1 1 7 ,2 0 1 1 7 6 ,1 5 1 8 ,1 5 2 8 ,1 5 3 6
1 7 ,1 .4 1051 1 7 ,2 0 - 2 6 1178
1 7 ,1 .4 - 5 1149 1 7 ,2 1 9 7 1 ,1 0 4 7 ,1 1 8 7
1 7 ,1 .5 1010 1 7 ,2 1 -2 3 1 1 3 8 ,1 1 8 7 ,1 1 8 9 ,1 1 9 0
1 7 ,1 -5 9 5 3 ,1 2 2 6 1 7 ,2 2 1 0 6 8 ,1 1 1 5 ,1 1 7 1
1 7 ,1 -8 1142 1 7 ,2 3 9 4 0 ,9 8 6 ,1 0 5 1 ,1 1 5 2 ,1 1 7 1
1 7 ,1 .1 1 - 1 2 1153 1 7 ,2 3 .2 6 9 7 1 ,1 6 5 0
1 7 ,2 1 0 3 7 ,1 1 5 0 ,1 1 5 8 1 7 ,2 3 -2 6 1138
1 7 ,3 1 1 5 0 ,1 1 5 9 1 7 ,2 4 9 2 5 ,9 7 1 ,1 0 0 1 ,1 0 4 7 ,1 1 1 1 ,
1 7 ,4 9 7 5 , 1 0 0 9 ,1 0 1 3 ,1 0 4 6 ,1 1 1 5 , 1 1 5 2 ,1 1 7 4 ,1 1 9 3 ,1 1 9 4 ,1 2 8 5
1 1 5 0 ,1 1 5 3 ,1 3 5 8 ,1 6 5 0 1 7 ,2 6 944
1 7 ,4 -5 1037 1 7 ,3 2 1610
1 7 ,4 .2 3 1358 1 8 ,1 9 0 6 ,9 4 6 , 9 4 7 ,1 1 5 0 ,1 2 3 6 ,
1 7 ,5 8 9 6 ,9 7 6 ,1 1 1 5 ,1 1 5 0 ,1 1 6 1 , 1 2 3 6 ,1 2 3 6 ,1 4 0 3
1 1 8 4 ,1 4 1 2 ,1 4 9 6 ,1 5 3 3 1 8 ,1 -1 2 1225
1688 índices
2 0 ,2 2 8 9 7 ,9 7 1 ,1 1 0 8 ,1 1 5 8 ,1 1 7 7 , 2 1 ,1 5 - 1 9 9 8 7 ,1 0 0 1
1 3 8 7 ,1 4 1 3 ,1 4 7 1 ,1 4 9 2 ,1 4 9 3 , 2 1 ,1 5 - 2 3 1 5 7 7 ,1 6 0 0
1 5 0 4 ,1 5 0 6 ,1 5 2 1 ,1 5 2 3 ,1 5 2 6 , 2 1 ,1 7 1023
1 5 2 9 ,1 6 4 8 2 1 ,1 8 1609
2 0 ,2 2 -2 3 1 5 2 9 ,1 5 3 0 ,1 6 4 9 2 1 ,1 8 -1 9 1621
2 0 ,2 3 1 4 9 4 ,1 5 1 1 ,1 5 1 3 ,1 5 2 6 ,1 5 2 8 , 2 1 ,1 9 .2 2 1586
1 5 3 1 ,1 5 8 4 2 1 ,1 9 b .l2 - 1 3 1597
2 0 ,2 4 993 2 1 ,2 0 1399
2 0 ,2 4 -2 7 1531 2 1 ,2 2 1 0 0 0 ,1 5 7 3 ,1 6 2 7
2 0 ,2 4 - 2 9 1 4 7 1 ,1 5 1 4 ,1 5 1 6 2 1 ,2 3 9 8 4 , 1 1 8 7 ,1 4 6 7 ,1 5 4 6 ,1 5 7 1 ,
2 0 ,2 4 -3 1 1516 1 5 7 6 ,1 6 5 2
2 0 ,2 5 1 0 3 8 ,1 4 9 2 ,1 5 4 8 ,1 5 7 1 2 1 ,2 3 -2 4 a 1019
2 0 ,2 6 1 4 9 1 ,1 5 5 6 ,1 5 5 7 2 1 ,2 4 e 2 5 1636
2 0 ,2 6 -2 9 1440 2 1 ,2 4 8 9 8 ,9 4 0 ,1 3 9 3 ,1 3 9 3 ,1 3 9 4 ,
2 0 ,2 7 1 0 2 6 ,1 4 8 9 ,1 5 6 5 1 4 0 6 ,1 5 4 6 ,1 5 6 8 ,1 6 3 3 ,
2 0 ,2 8 1 0 0 8 ,1 1 4 5 ,1 1 9 5 ,1 5 4 8 1 6 3 4 ,1 6 5 1
2 0 ,2 9 9 1 0 ,1 1 1 1 ,1 1 3 2 ,1 4 4 2 ,1 5 0 9 , 2 1 ,2 4 -2 5 1 5 4 7 ,1 5 7 7 ,1 6 2 8 ,1 6 3 3
1 5 3 0 ,1 5 7 1 2 1 ,2 5 8 9 7 ,1 5 4 7 ,1 6 3 8
2 0 ,2 9 b 1 4 8 1 ,1 5 1 6 ,1 5 3 7 2 1 ,2 8 .3 0 1358
2 0 ,3 0 1 6 3 1 ,1 6 3 7 2 2 ,1 9 931
2 0 ,3 0 -3 1 8 9 8 ,1 5 3 8 ,1 5 4 4 ,1 5 4 6 ,1 5 4 7 , 2 2 ,2 3 (? ),2 4 1559
1 5 4 8 ,1 5 5 6 ,1 5 7 1 ,1 6 3 2 ,1 6 3 3 2 2 ,2 4 1145
2 0 ,3 1 9 2 1 ,9 5 3 ,1 1 8 6 ,1 3 9 5 ,1 4 1 9 , 2 2 ,3 2 1270
1 5 5 0 ,1 5 5 1 2 2 ,6 6 1260
21 1399 2 3 ,1 4 1309
2 1 ,1 1 1 4 0 0 ,1 5 9 5 2 3 ,1 6 .2 2 1212
2 1 ,1 -1 4 1 4 4 0 ,1 5 5 5 ,1 5 7 7 ,1 5 7 8 , 2 3 ,2 6 1132
1 5 9 1 ,1 5 9 2 ,1 5 9 6 ,1 5 9 7 ,1 6 3 3 2 3 b - 2 4 ,2 6 1 1 3 0 ,1 1 3 6
2 1 ,2 1 3 9 9 ,1 5 1 6 ,1 5 8 6 ,1 5 9 9 2 4 ,1 2 1581
2 1 ,3 1438 2 5 ,4 -5 1113
2 1 ,4 .7 1481 2 7 ,3 -1 0 1356
2 1 ,4 -7 1135 2 7 ,5 2 -5 3 1356
2 1 ,5 976 2 8 ,9 -1 0 1467
2 1 ,7 9 2 4 ,1 4 8 3 ,1 5 8 6 ,1 6 1 1 3 1 ,3 8 1275
2 1 ,7 .2 0 - 2 3 1247 3 4 ,3 5 1415
2 1 ,8 1566 4 3 ,1 7 -1 8 1105
2 1 ,1 3 1591 4 8 ,1 4 1105
2 1 ,1 5 s s 1616
2 1 ,1 5 .1 6 1022 A to s
2 1 ,1 5 -1 7 1 1 9 1 ,1 2 7 2 ,1 4 8 3 ,1 5 7 8 ,
1 5 8 3 ,1 5 8 5 ,1 5 8 9 ,1 6 1 7 ,1 6 1 7 , 1 ,2 1073
1 6 1 9 ,1 6 2 0 1 ,3 1 0 2 5 ,1 4 3 5 ,1 4 9 0
2 1 ,1 5 -1 8 1575 1 ,4 -5 1513
índice de Citações Bíblicas 1691
G álatas 1 T essalonicenses
3 Macabeus Josué