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LUTERO
para hoje

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Coleção Lutero para Hoje


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São Leopoldo
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—BIBLIOTECA—

Ética Cristã

(Das Boas Obras)

FANS Seminário Concórdia

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ao, 1999 CONCÓRDIA
O Editora Sinodal, 1999 Co-editora:
Rua Amadeo Rossi, 467 Concórdia Editora
Caixa Postal 11 Av. São Pedro, 633
93001-970 São Leopoldo/RS 90020-120 Porto Alegre/RS
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Home-page: www.editorasinodal.com.br
O texto “Ética Cristã” é uma versão atualizada do original “Das
Boas Obras”, que se encontra em “Obras Selecionadas de Martinho
Lutero”, volume 2, Editora Sinodal, São Leopoldo/RS, Concórdia
Editora, Porto Alegre/RS, 1989, páginas 97-170
A Comissão Interluterana de Literatura (CIL) cedeu gentilmente a
permissão para a publicação deste texto
Adaptação do texto: Rui J. Bender
Assessores: P Dr. Martin Norberto Dreher: professor no Progra-
ma de Pós-graduação em História na UNISINOS, São
Leopoldo/RS
P Dr. Ricardo Willy Rieth: professor de História Ecle-
siástica na Escola Superior de Teologia da IECLB,
São Leopoldo/RS

Produção editorial: Editora Sinodal


Produção gráfica: Gráfica Sinodal

“ CIP — BRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


Bibliotecária responsável: Rosemarie B. dos Santos CRB 10/797
L973e Lutero, Martim
Etica Cristá/Martim Lutero. - São Leopol-
do : Sinodal, 1999
154 p. -- (Lutero para hoje).
ISBN 85-233-0570-X
I. Religião. 2. Luteranismo.1. Título. II. Série
CDU 284.1

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a Apresentação

fzer boas obras era provavelmente o maior cri-


tério para determinar e julgar a vida cristã na
Igreja e na sociedade da época imediatamente an-
terior à Reforma. A prática de jejuns, esmolas, pro-
y

cissões, romarias, doações à Igreja, missas pelos


mortos, vida monástica, compra de cartas de indul-
gência e muitas outras atividades eram considera-
das por muita gente pré-condições para a bem-aven-
turança eterna. Lutero, na contramão dessa tendên-
cia predominante, insistiu no ensino bíblico de que
a salvação não acontece pelos méritos obtidos com
o que se faz, mas exclusivamente por graça e fé.
Muitas consciências, oprimidas pelo medo de não
estarem fazendo o suficiente para a própria salva-
ção, experimentaram uma autêntica libertação a
partir da pregação do reformador.
Mas, e quanto às obras? Se as boas obras não são
mais necessárias para merecer a graça de Deus, é
possível dizer que se tornaram supérfluas? Eis uma

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pergunta incontornável, que Lutero deveria respon-
der com brevidade. Principiou um esboço de prédica
sobre o tema da fé e das boas obras. Foi interrompi-
do no turbilhão do conflito com a Cúria romana.
Em fevereiro de 1520, retomou o trabalho, lembra-
do quefora da tarefa pelo amigo Jorge Espalatino.
No mês seguinte, escrevia a Espalatino que do seu
esforço estava surgindo não só uma prédica, mas
um pequeno livro. Mais que isso, Lutero sentia que,
se continuasse progredindo daquela forma, viria a
produzir o melhor dentre tudo o que até então pu-
blicara.
Resultado desse esforço é Ética Cristã, chamado
originalmente “Das Boas Obras”, que foi publicado
“em fins de maio ou começo de junho de 1520, na
cidade de Wittenberg. Foi o primeiro dos assim cha-
mados quatro grandes escritos da Reforma daquele
ano. Os outros três abordaram os temas da introdu-
ção da Reforma na Alemanha, dos sacramentos na
Igreja e da liberdade cristã.
Ética Cristã é um resumo da vida cristã. Lutero
apresenta uma concepção a respeito da vida cristã
claramente articulada e plenamente coerente com
seu ensino sobrea justificação por graça e fé: À fé
em Cristo é a “primeira, suprema e mais nobre boa
- obra... pois todas as obras precisam realizar-se nes
“sa obra”. Somente a fé torna toda e qualquer obra
agradável diante de Deus. Esse princípio básico é

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defendido apaixonadamente pelo reformador du-
rante todo o escrito. Os Dez Mandamentos servem
para estruturar os conteúdos expostos, sem que
Lutero, no entanto, os transforme no tema princi-
pal de Etica Cristã, a exemplo do que fez posterior-
mente nos Catecismos Menor e Maior. Este, o tema
principal, sempre aparece: a vida cristã em sua re-
lação intrínseca com a fé no Senhor Jesus Cristo.
Na forma de uma carta, seguindo um costume
da época, Lutero dedica sua obra ao duque João da
Saxônia. João era irmão do Eleitor da Saxônia,
ua

Frederico, o Sábio, sendo posteriormente seu su-


-

cessor e destacado promotor da Reforma. Tornar-


se-ia, inclusive, o primeiro signatário da Confissão
de Augsburgo em 1530. A dedicatória a um prínci-
pe não permite supor que tenha havido algum tipo
de influência sobre o conteúdo deÉtica Crista. Mes-
mo respeitando a nobreza de João, Lutero não dei-
xa de vê-lo como um a mais em meio às suas verda-
deiras destinatárias, ou seja, as pessoas leigas ca-
rentes de instrução sobre a fé e o amor que delas
emanam na forma de ações concretas.
Ética Cristã foi logo acolhido pela opinião públi-
ca. Em poucos meses sucederam-se diversas reedi-
ções nas principais cidades da Alemanha. Nos quin-
ze anos posteriores à primeira edição original em
alemão, Ética Cristã foi traduzido ao latim, para ser
lido no meio acadêmico, ao flamengo, ao francês e
ao inglês.

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Nas páginas a seguir, a vida cristã é vista em
]
oposição a um mundo onde a dignidade humana
não reside no que a pessoa é, mas no que faz ou
4
l

possui. Surpreendam-se, leitoras e leitores, portan-


to, com a atualidade de Ética Cristã em seus quase
quinhentos anos de existência.

Ricardo Willy Rieth

dd
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Jesus

A Sua Alteza, o Nobilíssimo Príncipe e Senhor, Se-


nhor João, Duque da Saxônia, Landgrave da Turíngia,
Margrave de Meissen, meu bondoso Senhor e Patrono.

Ilustre e nobre Príncipe, bondoso Senhor, a Vossa


Alteza pertencem sempre, antes de mais nada, os meus
humildes serviços e a minha simples oração.

Bondoso Príncipe e Senhor, há muito tempo eu


gostaria de ter prestado meu humilde serviço e dever
para com Vossa Alteza com algum artigo de ordem
espiritual, como cabe a mim. Mas, dentro das minhas
possibilidades, sempre me julguei excessivamente in-
significante para fazer algo digno de Vossa Alteza. Meu
bondoso senhor Frederico, duque da Saxônia, grão-
marechal, príncipe-eleitor e vigário, etc. do Sacro
Império Romano, irmão de Vossa Alteza, não rejei-
tou, mas acolheu misericordiosamente meu modesto
livrinho “Catorze consolações” — dedicado à Sua Alte-
za. Agora este também foi impresso, o que eu não
havia esperado. Por causa desse exemplo bondoso,
ganhei coragem tive a ousadia de pensar que, assim
como o sangue dos príncipes é igual, também as ativi-
dades de príncipe serão semelhantes, sobretudo em
trangúilidade e afeto. Tenho esperança de que tam-
bém Vossa Alteza não vai desprezar minha pobre e

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humilde oferta. Tive muito maior necessidade de pu-
blicar este texto do que talvez qualquer outro dos meus
sermõesou livrinhos. A maior polêmica foi criada jus-
tamente em torno das boas obras. Nessas acontecem
infinitamente mais astúcia e fraude do que em qual
quer outra coisa. À pessoa simples é levada facilmen-
te para o caminho errado. Por isso também Cristo,
nosso Senhor, mandou que reparássemos cuidadosa-
mente nas vestes de ovelha, sob as quais se escondem
os lobos (cf. Mateus 7.15). Nem prata, nem ouro, nem
pedra preciosa, nem qualquer coisa de valor é apreci-
ada ou desprezada de forma tão variada quanto as
boas obras. Todas elas precisam ter uma bondade
única e simples, sem a qual são puro colorido, falsida-
de e fraude.
Não me abalo quando fico sabendo e ouço diaria-

eee) o ma
mente que muitos fazem pouco caso da minha fraque-
za e dizem que só produzo panfletos e sermões ale-
mães para leigos sem instrução. Eu ficaria satisfeito se
em toda a minhavida tivesse contribuído com todas as
minhas possibilidades para a melhoria de um único
leigo. Agradeceria a Deus e de bom arado sumiria
com todos os meuslivrinhos. Deixo para os outrosjul-
garem se a produção de livros volumosos e em gran-
de número é sinal de grande capacidade e algo pro-
veitoso para a cristandade. Se eu tivesse vontade para
produzir grandes livros segundo a maneira deles, acre-
lp

dito que com a ajuda de Deus eu talvez conseguisse


Rat:

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mais facilmente do que se eles tentassem fazer um
pequeno sermão ao meu estilo. Se conseguir fosse
tão fácil quanto perseguir, há muito tempo Cristo te-
ria sido jogado novamente céu abaixo. O própriotro-
no de Deusteria sido virado. Quem não sabe escrever
quer ao menos dar seu parecer. De bom grado per-
mito a qualquer um a glória de grandes feitos e não
me envergonho nem um pouco de pregar e escrever
em alemão para os leigos sem instrução. Mesmo não
sendo bom nisso, parece-me que nosso esforço até
agora, e mais ainda daqui em diante, resultaria em
=

razoável vantagem para a cristandade. E também


numa melhoria maior do que aquela proporcionada
pelos grandes e volumosos livros e questões para O
debate acadêmico, que somente são tratados nas es-
colas entre os sábios. Além disso, nunca obriguei ou
pedi a alguém que me ouvisse ou lesse meus sermões.
Servi livremente à comunidade com aquilo que Deus
me deu e conforme minha obrigação. Quem não gos-
ta dissoleia e ouça outros. Tampouco me importa que
não precisem de mim. Para mim é suficiente — e até
demais — que alguns leigos, e principalmente estes, se
dignem de ler minhas prédicas.
Mesmo não havendo outra coisa que me impulsio-
nasse, é motivo mais do que suficiente eu ter ouvido
que Vossa Alteza aprecia esseslivrinhos em alemão e
está ansioso por conhecer os ensinamentos sobre as
boas obras e a fé. Pareceu-me conveniente prestar

SS

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um humilde serviço com o maior esforço possível. Por
isso peço humildemente que Vossa Alteza queira acei-
tar com bondade minha manifestação, até eu, se Deus
quiser, interpretar integralmente o Credo em alemão.
Agora procurei mostrar como em todas as boas obras
devemos exercitar e utilizar a fé e deixar que ela seja
.a obra mais importante. Se Deus o permitir, quero
tratar noutra ocasião do próprio Credo, da forma como
o devemosorar ou recitar diariamente. Com isso que-
ro recomendar-me obedientemente a Vossa Alteza.

Wittenberg, 29 de março de 1520


Dr. Martim Lutero
agostiniano de Wittenberg

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A primeira boa obra

1. Em primeiro lugar, é preciso saber que não há


boas obras senão apenas aquelas que Deus mandou
fazer. Também não existe pecado senão apenas aquele
que Deus proibiu. Por isso, quem quiser conhecer e
praticar boas obras não precisa conhecer senão o man”
damento de Deus. Em Mateus 19.17 Cristo diz: “Se
queressersalvo, guarda os mandamentos”. Quando o
rapaz perguntou (Mateus 19.16,18) o quedevia fazer
para salvar-se, Cristo indicou os Dez Mandamentos.
Devemos aprender a perceber as boas obras a partir
dos mandamentos de Deus, e não baseados na apa-
rência, na grandeza ou na quantidade das obras em si
mesmas, tampouco na opinião das pessoas ou em leis
ou costumes humanos. Isso aconteceu e continua acon-
tecendo por causa da nossa cegueira, com grande
desrespeito aos mandamentos de Deus.
2. À primeira, suprema e mais nobre boa obra é a
fé em Cristo, conforme este diz em João 6. Os judeus
perguntaram a Cristo: “Que devemos fazer para pra-
ticar boas obras divinas?”. Cristo respondeu: “A boa
obra divina é que vocês creiam naquele a quem ele
enviou” (João 6.285). Quando ouvimos ou pregamos
isso, passamos por cima e acreditamos tratar-se de
algo sem importância e fácil de fazer. Mas devemos
demorar-nos longamente nesse ponto e refletir bem
sobre ele. Pois todas as obras precisam realizar-se nessa

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o
obra, recebendo dela a influência de sua bondade como
um direito. Temos que acentuar isso muito, para que
possa ser compreendido. Encontramos muitas pessoas
que oram, jejuam, criam fundações, fazem isso ou
aquilo, levam uma vida correta diante dos seres hu-
manos. Mas quando são perguntadas se também têm
certeza de que agrada a Deus o que estão fazendo,
elas dizem: “Não”. Não sabem ou ficam em dúvida.
Além disso, há também alguns grandes sábios que as
enganam. Dizem que não há necessidade de ter cer-
teza disso, mesmo que não façam outra coisa senão
ensinar boas obras. Todas essas obras acontecem fora

E
da fé. Por isso nada são e estão completamente mor-

E
tas. Pois as obras resultantes correspondem ao modo

m
como a fé e a consciência se relacionam com Deus.
Não há fé aí, não há boa consciência em relação a
Deus, de modo quefalta a cabeça para as obras. Toda
a sua vida e bondade nada são. Quando louvo muito a
fé e condeno essas obras descrentes, acusam-me de
proibir boas obras. Na verdade, eu queria ensinar
obras da fé realmente boas.
3. Eles dizem “não” se lhes perguntamos se tam-
bém consideram isso uma boa obra quando estão tra-
balhando, andando, parados, comendo, bebendo, dor-
mindo ou fazendo todo tipo de coisa para o sustento
do corpo ou para o bem comum. Eles também dizem
“não” se você lhes pergunta ainda se acreditam que
Deusse regozija com eles nessas coisas. Eles têm uma

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e

idéia tão limitada de boas obras, que ficam somente


orando naigreja, jejuando e dando esmolas. Conside-
ram as outras obras algo inútil, que não interessa à
Deus. Assim reduzem e diminuem, por causa da mal-
dita descrença, o serviço a Deus. Presta-se serviço a
Deus com tudo quanto pode ser feito, dito e pensado
na fé. Eclesiastes 9.7-9 ensina o seguinte: Vai com
alegria, come e bebe, sabendo que tuas obras agra-
dam a Deus. Em todo o tempo sejam brancas as tuas
vestes, e não deixes que jamais falte óleo sobre a tua
cabeça. Goza a tua vida com tua mulher que amas,
todosos dias que te foram dados neste tempo incons-
tante”. Sejam sempre brancas as tuas vestes quer di-
zer: sejam boas todas as nossas obras, seja lá como
forem chamadas, sem qualquer distinção. Brancas elas
são quando tenho certezae creio que agradam a Deus.
Assim nunca faltará o óleo da consciência alegre so-
bre a cabeça da minha alma. Neste sentido Cristo diz
em João 8.29: “Eu faço sempre o que lhe agrada”.
Comoele o faria sempre, já que comia, bebia, dormia
no devido tempo? São João diz em 1 João 3.19-22:
“Nisto podemos reconhecer que nos encontramos na
verdade: quando podemos consolar nosso coração dian-
te dos seus olhos e ter boa confiança. E se nosso cora-
ção nos acusa ou fustiga, Deus é maior que nosso co-
ração, e temos a confiança de que receberemos o que
pedirmos, pois guardamosos seus mandamentose fa-
zemoso que agrada a ele”. E ainda: “Quem é nascido

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de Deus (isto é, quem crê e confia em Deus) não peca
nem pode pecar” (1 João 3.9). E ainda Salmo 34.22: |
“Nenhum dos quenele confiam pecará”. Sim, no Sal-
mo 2.12: “Bem-aventurados são os que nele confiam”.
Se isso é verdade, tudo o que eles fazem tem que ser
bom, ou será prontamente perdoado o que fizeram -
de mal. Ora, eis por que levanto tão alto a fé e nela
guardo todas as obras, rejeitando todas aquelas que
não têm origem na fé. '
4. Aqui cada um pode notar e sentir quando está
fazendo algo bom ou não-bom: se seu coração confia
que está agradando a Deus, então a obra é boa, mes-
mo que seja tão insignificante quanto levantar uma
palha. Se não há confiança ou existe dúvida de que a E
obra agrada a Deus, então a obra não é boa, mesmo
que ressuscitasse todos os mortos e a pessoa permitis-
se que fosse queimada. São Paulo ensina isso em Ro-
manos 14.23: “Tudo que não sucede a partir da fé ou
na fé é pecado”. Por causa da fé, e de nenhuma outra
obra, recebemos a denominação de crentes em Cris-
to. Esta é a obra principal, pois todas as outras tam-
bém um pagão, judeu, turco ou pecador pode fazer;
mas confiar firmemente que esteja agradando a Deus
não é possível senão para um cristão iluminado e
amparado pela graça. Estas palavras parecem tão
estranhas. Alguns me chamam de herege por isso. E
porque eles seguiram a razão cega e a ciência pagá,
colocando a fé não acima, mas ao lado de outras vir-

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tudes. Atribuem-lhe uma obra própria, isolada de to-
das as obras das outras virtudes. Na realidade, a fé,
sozinha, torna todas as outras obras boas, agradáveis
e dignas. Ela confia em Deus e não duvida de que,
perante ele, tudo o que a pessoa fizer está bem feito.
“Sim, eles não deixaram a fé ser uma obra. Fizeram
dela um habitus, como dizem, embora toda a Escritu-
ra denomine unicamente a fé de boa obra divina. Por
isso não causa surpresa que tenham ficado cegose se
transformado em guias de cegos (cf. Mateus 15.14).
Esta fé traz consigo imediatamente o amor, a paz, ale-
gria e esperança. Quem confia em Deus recebe ins-
tantaneamente o Espírito Santo dele, como diz São
Paulo aos gálatas: “Vocês receberam o espírito não
de suas boas obras, mas por terem crido na palavra
de Deus” (Gálatas 3.2).
5. Nessa fé, todas as obras se tornam iguais. Uma
é como a outra. Não há mais diferença entre elas,
sejam grandes, pequenas, breves, longas, muitas ou
poucas. As obras são agradáveis não por si próprias,
mas por causa da fé. Somente esta está presente,
atuante e viva em toda e qualquer obra, por mais di-
ferentes e numerosas que sejam as obras. Assim como
todos os membros vivem, funcionam e recebem da
cabeça o seu nome. Nenhum membro podeviver, fun-
cionar ou ter um nome sem a cabeça. Portanto, um
cristão que vive nessa fé não precisa de um mestre de
boas obras. Mas ele faz aquilo que lhe é apresentado,

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e está tudo bem feito, como Samuel disse a Saul: “Tu
te tornarás outra pessoa quando o Espírito entrar em
ti; faze então o que te estiver à mão, Deus está conti-
go” (1 Samuel 10.6s). Algo semelhante lemos tam-
bém a respeito de Santa Ana, a mãe de Samuel: ao
crer no sacerdote Eli, que lhe anunciou a graça de
Deus, ela foi para casa contente e em paz; desde en-
tão ela não mais se importou com nada, isto é, tudo o
que lhe aconteceu era a mesma coisa e uma só coisa
(cf. 1 Samuel 1.17ss). Também São Paulo diz: “Onde
está o Espírito de Cristo, tudo é livre” (Romanos8.2).
À fé não se deixa prender a nenhuma obra. Também
não permite que se tire alguma obra dela, mas, como
diz o Salmo 1.3, “dá seu fruto no devido tempo”, isto
é, conforme o ir e vir.
6. Podemos ver isso num grosseiro exemplo car-
nal. Quando um homem ou uma mulher espera amor
e afeto do outro, acreditando muito nisso, quem lhe
ensina como se comportar, o que fazer, deixar de fa-
zer, dizer, silenciar ou pensar? Somente a confiança
ensina tudo isso, e mais do que o necessário. Para
essa pessoa não há diferença nas obras. Ela faz o que
é grande, demorado e muito com o mesmo prazer
com que faz o que é pequeno, breve e pouco, e vice-
versa. Além disso, faz isso com o coração alegre, tran-
quilo e seguro, sendo uma pessoa totalmente livre.
Mas se aparece uma dúvida, ela tenta descobrir o que
seria melhor. Começa a imaginar diferenças entre as

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obras, para com isso poder conquistar favores. Ainda
assim age de coração pesado e com muita má vonta-
de. Fica logo perturbada e completamente desespe-
rada, transformando-se, muitas vezes, num palhaço
por causa disso. Também um cristão que vive nessa
confiança em Deus sabe tudo, é capaz de tudo, assu-
me-tudo o que é necessário fazer. Ele o faz alegre e
livremente, não para ajuntar muitos bons méritos e
boas obras, mas por ser para ele um prazer agradar a
Deus dessa maneira. Ele serve a Deus de forma pura-
mente gratuita, satisfeito em agradar a Deus. Por ou-
tro lado, quem não está de acordo com Deus ou tem
dúvidas começa a procurar e a se preocupar em como
poderia satisfazer e impressionar Deus com muitas
obras. Ele corre para Santiago de Compostela, Roma,
Jerusalém, aqui e acolá, reza as orações de Santa
Brígida, mais isso e mais aquilo, jejua em tal e tal dia,
confessa-se aqui, ali, consulta um e outro e ainda as-
sim não encontra sossego. Faz tudo isso com grande
dificuldade, desespero e incômodo em seu coração.
Também a Escritura chama essas boas obras de “es-
forço e trabalheira”. Além disso, nem são boas obras
e estão todas perdidas. Muitos ficaram loucos por causa
disso e caíram na maior agonia de tanto medo. Sobre
esses lemos em Sabedoria 5.6ss: “Cansamo-nos no
caminho injusto e andamos por caminhos difíceis e
amargos, mas não reconhecemos o caminho de Deus,
e o sol da justiça não se levantou para nós”.

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7. Nas obras, a fé ainda é pequena e fraca. Per-
guntemoso que acontece quando estão passando mal
em relação ao corpo, aos bens, à honra, aos amigos
ou àquilo que possuem. Também acreditam queain-
da agradam a Deus e que ele manda graciosamente
sobre eleso seu sofrimento e infelicidade, sejam gran-
des ou pequenos? Nisso está a arte: ter boa confiança
no Deus que está furioso segundo todo o nosso enten-
dimento e raciocínio, esperando dele algo melhor do
que se sente. Aqui ele está oculto, tal como diz a noiva
no Cântico: “Eis que ele está atrás da parede e olha
através da janela” (Cantares 2.9). Isso quer dizer: ele
está oculto debaixo dos sofrimentos que nos querem
separar dele como uma parede, sim, como um muro,
e ainda assim olha para mim e não me abandona. Ele
está aí, disposto a ajudar gratuitamente, e se deixa
ver através das janelas da fé sombria. Jeremias afir-
ma em suas Lamentações: “Ele repudia as pessoas,
mas não o faz por intenção do coração” (Lamentações
3.31 ss). Eles não conhecem essa fé e desistem, pen-
sando que Deus os abandonou e é seu inimigo. Mais
ainda: atribuem esse mal às pessoas e ao diabo, fal-
tando toda e qualquer confiança em Deus. Por isso o
seu sofrimento também é sempre desprezível e preju-
dicial para eles. Mas nem por isso deixam de fazer
algumas boas obras, como julgam, nem se dando con-
ta de sua descrença. Porém há pessoas que confiam
em Deusnesse sofrimento, mantendo uma confiança

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firme e boa nele, no sentido de que ele se regozija
com elas. Para essas pessoas, os sofrimentos e infelici-
dades são puramente méritos preciosos e Os mais no-
bres bens. Ninguém pode avaliar porque a fé e a con-
fiança tornam precioso diante de Deus tudo aquilo que,
para os outros, é prejudicial ao extremo. Também
sobre a morte está escrito no Salmo 116.15: “A mor-
te dos santos é preciosa aos olhos de Deus”. À con-
fiança e a fé nesse nível são melhores, superiores e
mais firmes do que no primeiro nível. Na mesma me-
dida também os sofrimentos na mesma fé superam
todas as obras na fé. Assim, há uma enorme diferença
de valor entre essas obras e sofrimentos.
8. Acimade tudo isso, o grau supremo defé não é
quando Deus castiga com sofrimento temporal. É quan-
do castiga a consciência com morte, inferno e pecado,
como que negando graça e misericórdia. Parece que
ele quer condenare enfurecer-se para sempre. Poucas
são as pessoas que experimentam isso, como Davi, que
lamenta no Salmo 6.1: “Senhor, não me castigues em
tua ira”. Crer que Deus se agrada de nós é a suprema
obra que pode ser realizada pela criatura e na criatura.
Os santões de obras e os benfeitores não têm a mínima
noção disso. Como haveriam de contar com a bondade
e a graça de Deus se não têm certeza em suas obras e
já duvidam no menor grau da fé?
Sempre enalteci a fé e repudiei todas as obras rea-
lizadas sem essa fé. Com isso quis conduzir as pessoas

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das boas obras falsas, exteriormente brilhantes,
farisaicas, descrentes (todos os mosteiros, igrejas, ca-
sas e grupossociais altos e baixos estão cheios disso),
para as obras certas, autênticas, realmente boas e
crentes. Nisso ninguém se opõe a mim a não ser os
animais impuros de patas não-fendidas (como indica-
do na lei de Moisés — cf. Levíticos 11.4). Esses não
querem tolerar diferença alguma entre as boas obras,
mas insistem em sua originalidade. Está tudo bem desde
que as rezas, O jejum, as fundações, confissões e satis-
fações sejam cumpridas. Mesmo que o façam sem fé
na graça e no agrado divino. Sim, eles acham que
está melhorfeito se tiverem feito tais obras em gran-
de quantidade, tamanho e duração, sem qualquer con-
fiança, só esperando algo de bom depois da conclu-
são das obras. Assim depositam a sua confiança não
no agrado divino, mas em suas obras realizadas. Cons-
troem sobre areia e água. Por isso eles sofrerão uma
queda terrível, como diz Cristo em Mateus 7.26s. Essa
boa vontade e esse agrado, sobre os quais se baseia a
nossa confiança, foram anunciados do céu pelos an-
jos. Isso aconteceu quando cantaram na noite de Na-
tal: “Glória a Deus nas maiores alturas, paz na terra,
gracioso bem-querer aos seres humanos” (Lucas2. 14).
9. Veja bem, esta é a obra do primeiro manda-
mento, que ordena: “Não terás outros deuses” (Êxodo
20.3). Isso quer dizer: “Visto que somente eu sou Deus,
deves colocar toda a tua confiança, esperança e fé

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unicamente em mim e em mais ninguém”. Pois ter
um deus não significa chamá-lo de deus com a boca
ou adorá-lo de joelhos e com gestos, mas confiar nele
de coração e esperar dele todo bem, graça e afeição,
seja em obras ou sofrimentos, na vida ou na morte, na
tristeza ou na alegria. Cristo, o Senhor, diz à mulher
pagã em João 4.24: “Eu te digo que quem quer ado-
rar a Deus tem que adorá-lo no espírito e na verda-
de”. Essafé, fidelidade e confiança do fundo do cora-
ção são verdadeiros cumprimentos desse primeiro
mandamento. Sem elas não há obra alguma que pos-
sa cumprir esse mandamento. Esse mandamento é o
primeiríssimo, supremo e melhor. Dele procedem to-
dos os outros, que se realizam nele e são julgados e
medidos segundo ele. Da mesma forma também a
sua obra (isto é, a fé ou a confiança na boa vontade de
Deus todo o tempo) é a primeiríssima, suprema, me-
lhor. Dela devem proceder todas as outras, realizar-
se, permanecer, serem julgadas e medidas. Ante essa
obra as outras são como se os demais mandamentos
existissem sem o primeiro e não houvesse Deus. Por
isso Santo Agostinho afirma corretamente que as obras
do primeiro mandamento são fé, esperança e amor.
Ora, dissemos antes que tal confiança e fé trazem con-
sigo amor e esperança. Sim, pensando bem, o amor
é o primeiro ou ao menos simultâneo com a fé. Eu
não poderia confiar em Deus sem imaginar que ele
quer ser favorável e bondoso para comigo. Em troca,

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eu lhe quero bem e sou levado a confiar nele de cora-
ção e esperar dele tudo de bom.
10. Agora você mesmo está vendo que todos os
que não confiam sempre em Deus e em todas as suas
obras ou sofrimentos, na vida ou na morte, não espe-
ram seu favor, sua boa vontade e seu bem-querer.
Procuram isso em outras coisas ou em si próprios. Estes
não cumprem esse mandamento e na verdade estão
praticando idolatria, mesmo que fizessem as obras de
todos os outros mandamentos e tivessem, de uma só
vez, a oração, O jejum, a obediência, a paciência, a
castidade e a inocência de todos os santos. Isso por-
que não está presente a obra principal, sem a qual
todas as outras não passam de mero brilho exterior,
aparência e cosmético, sem nada portrás. Cristo nos
adverte contra isso em Mateus 7.15: “Acautelem-se
dos falsos profetas que vêm até vocês em vestes de
ovelha”. Esses são todos aqueles que se querem fazer
benquistos junto a Deus através de muitasboas obras
(como dizem), praticamente comprando o favor de.
Deus. Vêem Deus como um merca-tudo ou diarista
que não quer dar seu favor e bem-querer de graça.
São as pessoas mais pervertidas sobre a terra, que
dificilmente ou nunca podem ser convertidas para o
caminho certo. O mesmo acontece com todos aqueles
que, diante da dificuldade, correm para cá e para lá
procurando conselho, ajuda e consolo em toda parte,
“menosjunto a Deus. Justamente junto a Deus lhesfoi

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ordenado procurar mais. O profeta Isaías condenaisso
da seguinte forma no capítulo 9: “Este povo insensato
não se converte para quem o fere” (Isaías 9.13). Isto
é: “Deus os feriu e lhes traz ainda sofrimento e toda
sorte de adversidades, para que acorressem a ele e
nele confiassem: entretanto, eles correm dele para se
dirigir a pessoas humanas, ora no Egito, ora na Assíria,
e eventualmente também ao diabo”. Há muita coisa
escrita sobre esse tipo de idolatria nesse mesmo pro-
feta e noslivros dos Reis. Assim também agem ainda
todos os santos hipócritas quando lhes acontece algu-
ma coisa: não recorrem a Deus, mas fogem dele. Pen-
sam apenas em comoselivrar do seu problema porsi
próprios ou com a ajuda humana. Mesmo assim, con-
sideram-se pessoas piedosas e querem ser vistas como
tais.
11. Em muitas passagens bíblicas, São Paulo atri-
bui tanto à fé, que chega a dizer: “E da fé que a pes-
soa justa tem sua vida, e é por causa da fé que ela é
considerada justa perante Deus” (cf. Romanos 1.17;
“3.28). Se a justiça consiste na fé, fica claro que so-
mente a fé cumpre todos os mandamentos e torna
justas todas as obras. Pois ninguém é justo a não ser
que cumpra todos os mandamentos de Deus. Por ou-
tro lado, as obras não conseguem justificar ninguém
perante Deus sem a fé. O santo apóstolo rejeita as
obras e exalta a fé tão aberta e claramente, que al-.
gunsse irritaram com suas palavras. Disseram: “Ora, .

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o
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então não vamos mais praticar boas obras”. São Pau-
lo condena estes como erradose insensatos (cf. Ro-
manos6. 15).
Isso continua acontecendo: hoje, quando rejeita-
mos as obras grandiosas e brilhantes, feitas sem qual-
quer fé, eles dizem que só precisavam crer e nãofa-
zer nada de bom. São consideradas obras do primeiro
mandamento hoje em dia: cantar, ler, tocar Órgão,
celebrar missa, rezar matinais, vésperas e outras ho-
ras, fundare enfeitar igrejas, altares e mosteiros, jun-
tar sinos, jóias, vestes, enfeites, também tesouros, cor-
rer para Roma e para os santos. Depois, quando ves-
tidos de acordo, nos curvamos, ajoelhamos, rezamos
os salmos e o rosário — e tudo isso não diante de um
ídolo, mas diante da santa cruz de Deus ou das ima-
gens dosseus santos. Chamamosisso de honrar e ado-
rar Deus e não ter outros deuses, conforme o primei-
ro mandamento. Também os agiotas, adúlteros e pe-
cadores podem fazer isso — e fazem-no diariamente.
Tudo bem, se essas coisas se realizam com tal fé que
julgamos que tudo agrada a Deus, então elas são lou-
váveis. Não por causa de sua virtude, mas por causa
dessa mesma fé, para a qual todas as obras são do
mesmo valor. Mas se duvidamos disso, ou não acha-
mos que Deus seja bondoso conosco e se agrade de
nós, ou se nos atrevemos a agradar-lhe somente atra-
vés das obras e por causa delas, trata-se então de
pura fraude: exteriormente honramos Deus, mas in-

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teriormente projetamos a nós próprios como ídolos.
Por isso falei tantas vezes contra o luxo e a quantidade
de obras luxuosas e as rejeitei. Está claro como o dia
que elas não são só feitas com dúvidas ou sem tal fé.
Entre mil pessoas não há sequer uma que não deposi-
te nelas a sua confiança. Ela supõe obter por meio
delas o favor de Deus e antecipar-se à sua graça, trans-
formando-as numa feira livre. Deus não pode tolerar
isso. Ele prometeu seu favor gratuitamente e quer que
se tome esse como ponto de partida, com confiança,
e realize nele todas as obras, como quer que se cha-
mem. |
12. Uma certa distância separa o cumprimento do
primeiro mandamento apenas com obras externas do
seu cumprimento com confiança interior. Pois este úl-
timo cria filhos de Deus autênticos e vivos; aquele ou-
tro só cria idolatria da pior espécie e os hipócritas
mais perigosos que existem na terra. Esses levam inú-
meras pessoas para o seu modo de ser e ainda as
deixam sem fé com sua aparência grandiosa. Lamen-
tavelmente seduzidas, essas pessoas acabam presas
no palavreado e na aparência exterior. Sobre essas
Cristo diz em Mateus 24.23: “Guardem-se quandolhes
disserem: Vê, aqui ou ali está Cristo”. Ele ainda diz
em João 4.21,23: “Digo-te que virá o tempo em que
vocês não adorarão a Deus nem sobre este monte
nem em Jerusalém, pois adoradores espirituais são os
que o Pai procura”.

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Essas expressões e outras semelhantes levaram a
mim e devem levar cada um rejeitar a grande osten-
tação com bulas, selos, bandeiras, indulgências. Com
isso o povo pobre é levado a construir igrejas, doar,
criar fundações e rezar. Apesar disso, a fé é silenciada
completamente, sim, até reprimida. Já que a fé não
faz diferença entre as obras, inflar e acentuar tanto
uma obra (qualquer que seja) antes da outra é algo
que não pode subsistir ao lado dela. Somente ela quer
ser culto a Deus, não deixando esse nome e essa hon-
ra para nenhuma outra obra, exceto na medida em
que ela lhe transmita isso. Ela também o faz se a obra
se realiza nela e a partir dela. Aquele disparate é no-
tado no Antigo Testamento, quando os judeus deixa-
ram o templo e passaram a sacrificar em outros lo-
| cais, nos verdesparques e montanhas. Assim também
| agem aqueles: apressam-se em realizar todo tipo de
obras, mas não reparam nunca na obra principal da
fé.
13. Onde estão agora as pessoas que perguntam
pelas boas obras, o que devem fazer, como devem ser
justas? Sim, onde estão também aquelas que afirmam
que, na pregação sobre a fé, não ensinamos nem de-
vemos fazer obra alguma? Este primeiro mandamen-
to, por si só, não dá mais o que fazer do que alguém
consegue realizar? Mesmo que uma pessoa fosse mil
ou todos os seres humanosou todas as criaturas, ain-
da assim lhe é imposto o suficiente aqui. E mais do

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a oem DAS Aa E ema eem me ma ea meme msm amemsa '

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que o suficiente, já que ela é mandada viver e andar
sempre na fé e na confiança em Deus. Nunca deve
depositar sua fé em alguém outro, mas ter somente
um Deus, o verdadeiro, e nenhum outro.
O ser humano e a natureza humana não podem
em momento algum existir sem agir ou deixar de fa-
zer, sem sofrer ou fugir (porque a vida nunca sossega,
como vemos). Quem quiser ser justo e tornar-se rico
em boas obras deve começar e exercitar-se nessa fé
em toda a vida e em todas as obras durante todo o
tempo. Deve aprender com persistência a fazer tudo
e a deixar de fazer nessa confiança. Então descobrirá
o quanto tem que realizar, o quanto todas as coisas
dependem da fé e que nunca poderá ficar inativo.
Pois o lazer também precisa acontecer dentro do exer-
cício e da obra da fé. Em suma, se cremos que tudo
agrada a Deus (como devemos), nada existe em nós
ou pode acontecer conosco que não seja bom e louvá-
vel. São Paulo diz: “Caros irmãos, tudo o que vocês
fazem, quer comam, quer bebam, façam tudo em nome
de Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Coríntios 10.31;
Colossenses 3.17). Agora, isso não pode acontecer
nesse nome, a menos que aconteça em tal fé. São
Paulo ainda diz em Romanos 8.28: “Nós sabemos que
todas as coisas cooperam para o bem dossantos de
Deus”.
Por isso, se alguns dizem que as boas obras esta-
riam proibidas quando pregamos somente a fé, isto
é

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como se eu dissesse a um doente: “Se você tivesse
saúde, teria as obras de todos os membros do corpo;
sem ela, de nada adianta todo o funcionamento dos
membros”, e ele quisesse concluir daí que eu teria
proibido a atuação dos membros. ' Na realidade, eu
quis dizer que primeiro tem que haver saúde para que
todos os membros funcionem. Também a fé precisa
ser mestre-de-obras e capitão em todas as obras, ou
então elas nada serão.
14. Agora você poderia dizer: “Por que então exis-
tem tantas leis eclesiásticas e seculares bem como ce-
rimônias nas igrejas, mosteiros e lugares santos, para
desta formainsistir e estimular as pessoas a fazerem
boas obras, se a fé faz todas as coisas através do pri-
meiro mandamento?” Resposta: justamente porque
nem todos nós temos ou levamos em consideração a
fé. Se todo o mundo tivesse fé, não mais precisaría-
mos de lei alguma. Cada um faria boas obras por si
mesmo o tempo todo, assim como a própria confian-
ça lhe ensina. Ê
Há quatro tipos de pessoas. As primeiras são aque-
las que não precisam de lei alguma. Paulo diz sobre
elas em 1 Timóteo 1.9: “Ao justo não está imposta lei
alguma”. Ao contrário: elas praticam voluntariamen-
te o que é do seu conhecimento e está dentro das suas -
possibilidades. Apenas confiam firmemente quea bon-
dade e o favor de Deus pairam sobre elas em todasas
coisas. O segundo tipo de pessoas quer abusar dessa

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liberdade, confiando nela erradamente e ficando pre-
quiçosas. São Pedro fala dessas pessoas em 1 Pedro
9 16: “Vocês devem viver como quem é livre, mas
não usar esta mesma liberdade para encobrir o peca-
do”. É como se dissesse: “A liberdade da fé não dá
licença para pecar, tampouco o ocultará, mas dá li-
cença para realizar toda espécie de obras e para
aguentar todas as coisas, conforme se apresentem,
para que ninguém esteja limitado apenas a uma ou
algumas obras”. Também São Pedro diz em Gálatas
“5.13: “Tratem de não permitir que esta liberdade seja
motivo para vida carnal”. A gente precisa incitar es-
sas pessoas com a lei e guardar com ensinamentos e
conselhos. Em terceiro lugar, há as pessoas más, sem-
“pre dispostas a pecar. E preciso obrigá-las com leis
eclesiásticas e seculares, como cavalos e cães selva-
gens. Quando isso não adiantar, é necessário tirar-lhes
a vida através da espada. São Paulo diz em Romanos
13.3s: “O poder secular porta a espada e nisto serve
a Deus; não para atemorizar os bons, mas os maus”.
O quarto tipo de pessoas são os imaturos e infantis na
compreensão dessa fé e da vida espiritual. Eles preci-
sam ser atraídos e estimulados como crianças, com
ornamentos específicos e obrigatórios, tais comoler,
orar, jejuar, cantar, igrejas, enfeites, órgãos e o que
mais disso é prescrito ou praticado nos mosteiros e
nas igrejas. Precisam ser incentivados até que apren-
dam a conhecer também a fé. Apesar disso, há gran-

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de perigo nisso se, como agora infelizmente acontece,
os governantes se esforçam e se cansam de tais ceri-
mônias e obras palpáveis, como se fossem as obras
certas. Descuidam da fé, que sempre deveriam ensi-
nar paralelamente, assim como uma mãe alimenta
uma criança. Além do leite, ela também dá outro ali-
mento, até que a criança consiga comer sozinha ali-
meto.sólido.
15. Já que não somos todosiguais, precisamos tole-
rar essas pessoas. Guardamos e carregamos com elas
o que quer que guardem e catreguem. Não devemos
desprezá-las, mas ensinar-lhes o caminho correto da
fé. São Paulo ensina em Romanos 14.1: “Acolham o
fraco na fé para instruí-lo”. Assim também ele próprio
“agiu: “Procedi para com os que estavam debaixo da lei
como se eu também estivesse debaixo dela, embora
não estivesse” (1 Coríntios 9.20). Quando Cristo devia
pagar uma dracma comotributo (Mateus 17), embora
não tivesse essa obrigação, ele discutiu com São Pedro
se os filhos dosreis precisavam pagartributo ou somen-
te outras pessoas. São Pedro respondeu: “Somente
outras pessoas”. Cristo contestou: “Então os filhos dos
reis estão isentos. Mas, para que não os escandalize-
mos, vai ao mare atira o anzol; pega o primeiro peixe
que vier e em sua boca encontrarás uma dracma: dá
esta por mim e porti” (Mateus 17.25ss). Todasas obras
e coisas.são livres para um cristão por causa de suafé.
Mas já que os outros ainda não crêem, o cristão carre-

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ga e guarda com elas aquilo que ele não tem obrigação
de carregar e guardar. Ele faz isso livremente, porque
está certo de que isso agrada a Deus. Ele o faz de boa
vontade, aceitando-o como qualquer outra obra não-
obrigatória que lhe apareça inesperadamente. Ele não
deseja e não procura mais do que agir de forma a agra-
dar Deus em suafé.
Neste sermão planejamos ensinar o que são ver-
dadeiras boas obras e agora falamos da obra supre-.
ma. É evidente que não falamos do segundo, terceiro
ou quarto tipo de pessoas, mas do primeiro. Todos os
outros devem igualar-se a este. Precisam ser tolera-
dos e ensinados pelos primeiros o tempo necessário.
Estes fracos na fé de bom grado agiriam corretamen-
te e aprenderiam algo melhor,. mas não o conseguem
captar. Por isso não devem ser menosprezados em
suas cerimônias, às quais estão apegados como se fos-
sem um caso perdido. Antes, a culpa deve ser dada a
seus mestres cegos e sem formação. Nunca lhes ensi-
naram a fé e os afundaram nas obras. Deve-se tirá-los
dali com calma e paciência e levá-los para a fé como
se lida com um doente. Deve-se permitir, em conside-
ração à sua consciência, que continuem um certo tem-
po praticando e apegando-se a algumas obras como
se fossem necessárias para a salvação, atê que cap-
tem corretamente a fé. Senão vai acontecer que, se
quisermos arrancá-la tão apressadamente, a sua fra-
ca consciência se perde totalmente e eles acabam fi-

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cando sem fé e sem obra. Mas os teimosos que se
fortaleceram nas obras, não se importando com o que
se diz da fé, até lutando contra a mesma, devem ser
deixados de lado, para que um cego conduza o outro,
como ensinou Cristo (cf. Mateus 15.14).
16. Você pergunta: “Como posso ter certeza de
que todas as minhas obras agradam a Deus, se even-
tualmente caio, como, bebo e durmo demais ou passo
da medida de uma forma impossível de evitar?” Eu
respondo: Esta pergunta mostra que você ainda con-
sidera a fé uma obra como as outras e não a coloca
acima de todas. Ela é a obra suprema, justamente
porque também permanece e apaga esses pecados
diários. Não duvida de que Deuslhe seja favorável, a
ponto de fazer vistas grossas para essa queda e fra-
queza diária. Sim, mesmo que aconteça uma queda
mortal (isso jamais ou muito raramente acontece com
os que vivem na fé e na confiança em Deus), a fé se
ergue novamente e não duvida de que seu pecadojá
tenha sumido. Está escrito em 1 João 2.1s: “Isto lhes
escrevo, queridos filhos, para que vocês não pequem:
caso, porém, alguém cair, temos um intercessor pe-
rante Deus, Jesus Cristo, que é um perdão para todos
os nossos pecados”. E em Sabedoria 15.2: “Ainda que
pecássemos, não deixamos de ser teus e reconhece-
mos que tu és grande”. E em Provérbios 24.16: “Sete
vezes pode cair uma pessoa justa, mas tantas vezes se
ergue novamente”. Sim, essa confiança e fé têm que

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q

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RT

o gr a nd es e fo rt es , qu e a pe ss oa saiba que toda


ser tã
, pecádo condenável
| a sua vida e atuação são puro
e o ju íz o de De us , co mo es tá es c rito no Salmo
perant
3. 2: “P er an te ti ne nh um a pe ss oa viva é encontra-
| 14
r nto de suas obras,
da justa”. A fé tem que desanima ta
o através dessafé.
que elas não podem ser boas senã
nã o co nt a co m ju íz o al gu m, ma s com pura graça,
Esta
Salmo 26.3:
favor e misercórdia, como Deus diz no
te te dos meus
“Tua misercórdia está constantemen dian
ade”. Tam-
olhos,e fiquei de bom ânimo com tua verd
o paira so-
bém diz no Salmo 4.6s: “A luz do teu rost
a pela
bre nós (isto é, o reconhecimento da tua graç
uilo
fé), e com isso alegraste o meu coração”. Pois aq
| com que ela conta lhe acontece.
Portanto, é por misericórdia e graça de Deus, não
por sua natureza, que as obras são isentas de culpa,
perdoadas e boas, por causa da fé que confia nessa
mesma misericórdia. Precisamos temer por causa das
obras, mas consolar-nos por causa da graça de Deus,
como está escrito no Salmo 147.11: “Deus se agrada
dos que o temem, mas confiam em sua misericórdia”.
Por isso oramos com toda a confiança “Pai nosso” e
pedimos, mesmo assim, “perdoa-nos a nossa culpa”.
Somos filhos, porém pecadores. Somos do seu agra-
>» do, mas não fazemos o suficiente. Tudo isso realiza a
» fé firmada no bem-querer de Deus.
17. Caso você pergunte onde podem ser encon-
tradas a fé e a confiança ou de onde provêm -— isso

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certamente é o mais necessário a saber. Em primeiro
lugar, sem dúvida elas não procedem de suas obras
ou mérito, mas exclusivamente de Jesus Cristo. São
prometidas e concedidas gratuitamentre. São Paulo
diz em Romanos 5.8: “Deus nostorna seu amor muito
doce e amável pelo fato de Cristo ter morrido por nós
quando ainda éramos pecadores”, como se estivesse
dizendo: “Não deveríamos confiar tão fortemente que
Cristo morre por causa de nosso pecado antes de ter
pedido ou mesmo nos preocupado com isso, quando
ainda andávamos sempre pecando?” São Paulo conti-
nua: “Se Cristo morreu por nós há muito tempo, quan-
do ainda éramos pecadores, quanto mais agora, es-
tando justificados por seu sangue, seremos salvos por
seu intermédio; e se fomos reconciliados com Deus
através da morte de seu Filho quando ainda éramos
seus inimigos, quanto mais, estando já reconciliados,
seremos mantidos por sua vida” (Romanos 5.8-10).
Olhe, assim você devefixar Cristo dentro de você
e ver como Deus apresenta você nele e oferece a sua
misericórdia sem quaisquer merecimentos prévios da
sua parte. Você deve alimentar a fé e a confiança no
perdão de todos os seus pecados com a imagem da
araça de Deus. Por isso a fé não começa pelas obras.
' Estas tampouco a produzem. Antes ela deve brotar
do sangue, das feridas e da morte de Cristo. Ao ver
nele que Deus é favorável a você, a ponto de dar
também seu Filho por você, seu coração ficará doce e

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favorável a Deus. Assim a confiança crescerá a partir
de pura estima e amor — de Deus para com você e de
você para com Deus. Do mesmo modo, nunca lemos
que alguém tenha recebido o Espírito Santo ao prati-
car obras, mas sempre ao ouvir o Evangelho de Cristo
e a misericórdia de Deus. Também hoje e sempre a fé
tem que vir da mesma palavra, e de nenhuma outra
parte. Pois Cristo é a rocha da qual são sugados man-
teiga e mel, como diz Moisés em Deuteronômio 32.13.

A segunda boa obra

18. Até aqui tratamos da primeira obra e do pri-


meiro mandamento. Foi de uma forma muito rápida,
grosseira e superficial, pois haveria muito a dizer so-
bre isso. Vamos analisar agora as obras ao longo dos
mandamentos seguintes.
A segunda obra, que segue a fé, é a do segundo
mandamento: devemos honrar o nome de Deus e não
tomá-lo em vão. Assim como as outras obras, também
isso não poderealizar-se sem a fé. Mas se for cumprido
sem ela, vai ser pura ilusão e falsidade. Depois da fé,
não há nada que possamos fazer de mais grandioso
senão honrar, pregar e cantar o louvor, a glória e o
nome de Deus. Podemos exaltá-lo de todas as formas.
Comojá disse acima — e isso é verdade — não exis-
te diferença entre as obras ali onde está e age a fé.

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Mesmo assim, deve-se entender que isso somente é
válido quando se julgam as obras em relação à fé e à
sua obra. Há diferença quando se comparam as obras
entre si. Uma é mais nobre do que a outra. Da mes-
ma forma, os membros do corpo não têm diferença
entre si no tocante à saúde. Esta age num membro do
mesmo modo como no outro. No entanto, as obras
dos membros são diferentes. Uma é mais nobre e útil
do que a outra. O mesmo acontece também aqui: o
engrandecimento da honra e do nome de Deus tem
valor maior do que as obras dos outros mandamentos.
Mas precisa acontecer na mesma fé em que se reali-
zam todas as outras.
Sei muito bem que esta obra tem sido desprezada,
tornando-se até desconhecida. Por isso queremos
analisá-la mais demoradamente. Queremosdeixar bem
claro que esta obra deve ser concluída na fé e na con-
fiança de que ela agrada a Deus. Sim, não existe obra
na qual a confiança e a fé sejam sentidas da mesma
forma como ao honrar o nome de Deus. Ela ajuda
muito a fortalecer e aumentar a fé. Todas as obras
contribuem para isso, como diz São Paulo em 2 Pedro
1.10: “Caros irmãos, procurem tornar certa a sua
vocação e eleição através de boas obras”.
19. O primeiro mandamento proíbe que tenha-
mos outros deuses. Determina que tenhamos um só
Deus, o verdadeiro, através de uma fé firme, confian-
ça, ânimo, esperança e amor. Estas são as únicas obras

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pelas quais se pode ter, honrar e manter um deus,
pois só se pode alcançar ou perder Deus com fé ou
descrença, com confiança ou dúvida. Nenhuma das
outras obras chega até Deus. Se o primeiro manda--
mento proíbe ter outros deuses, o segundo proíbe que
tomemos o seu nome em vão. Mas isso não basta.
Esse segundo mandamento também determina que
honremos, invoquemos, exaltemos, preguemose lou-
vemos o seu nome. Pois não é possível que o nome de
Deus não seja desonrado onde não for honrado de
forma condizente. Mesmo que seja honrado com a
boca, de joelhos, com beijos ou outros gestos, isso não
passa de fingimento e falsidade, se não for feito com o
coração, com fé e confiança na bondade de Deus.
A pessoa pode fazer muitas boas obras a toda hora
neste mandamento. Nunca pode ficar sem uma boa
obra deste mandamento, se assim quiser. Ela não pre-
cisa viajar para longe ou procurar locais santos. Pois
diz: pode passar um tempo sem que recebamos conti-
nuamente bens de Deus ou soframos uma desgraça?
Ora, os bense as desgraças de Deus não são mais do
que um constante estímulo para louvar, honrar e ben-
dizer Deus, para invocar a ele e seu nome. Se você
estivesse livre de todas as obrigações, nãoteria o sufi-
ciente a fazer apenas com este mandamento, bendi-
zendo, cantando, louvando e honrando sem parar o
nome de Deus? A língua, a voz, a fala e a boca foram
criadas para alguma outra coisa? O Salmo 51.15 diz:

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“Senhor, abre meus lábios para que minha boca pos-
sa proclamar o teu louvor”. E ainda: “Minha língua
exaltará a tua misericórdia” (Salmo 51.14). Que obra
há no céu senão a deste segundo mandamento? Está
escrito no Salmo 84.4: “Bem-aventurados são os que
habitam em tua casa, Senhor, eles te louvarão eterna-
mente”. Assim também diz Davi no Salmo 34.1: “O
louvor de Deus estará sempre em minha boca”. São
Paulo diz em 1 Coríntios 10.31: “Quer comam, be-
bam ou façam outra coisa, façam tudo para a glória
de Deus”. E ainda em Colossenses 3.17: “Tudo o que
fa-
vocês fazem, seja com palavras, seja com obras,
para
çam-no em nome do nosso Senhor Jesus Cristo,
Se atendêsse-
louvor e agradecimento a Deus Pai”.
aqui na terra e
mos a esta obra, teriamos um céu
bem-aventura-
sempre o suficiente a fazer, como os
dos no céu.
í ve m o es tr an hoe ju st o ju lg am ento de Deus:
90. Da
a pe ss oa po br e, se m mu it as e grandes
às vezes, um
a De us al eg re me nt e e m su a casa, quando
obras, louv
do be m. O u su pl ic a a De us muito contian-
está passan
an do al go lh e ac on te ce . Realiza assim uma
temente, qu
ma is ag ra dá ve l do qu e outra pessoa que
obra maior e
or a, fu nd a ig re ja s, fa z romaria e coisas
jejua muito, ca nc ar a a boca e
Es te to lo es
grandiosas aqui e ali. os o, qu e nunca se
E tã o te im
procura grandes obras. io r de to das. Pará
qu e é a ma
dá conta dessa obra, if ic ante compara
a De us é al go in si gn
ele, o louvor

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————nl
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às majestosas imagens das obras inventadas por ele
próprio. Nessas obras, ele talvez louve mais a si mes-
mo do que a Deus ou se regozije mais consigo mesmo
do que com Deus. Ele ataca com boas obras o segun-
do mandamento e suas obras, assim como o fariseu e
o pecador dão um exemplo de tudo isso (cf. Lucas
18.10ss). O pecador suplica a Deus em seus pecados,
louva-o e acerta assim os dois mandamentos supre-
mos: a fé e a honra de Deus. O hipócrita erra ambos
e se exibe com outras boas obras. Ele se vangloria
com elas e não glorifica Deus. Deposita a sua confian-
ça mais em si mesmo do que em Deus. Por isso é
rejeitado com razão, ao passo que o pecadoré eleito.
Tudo isso faz com que as obras, quanto mais no-
bres e valiosas, tanto menos apareçam. Acrescenta-
se que todo o mundo acredita poder fazê-las com faci-
lidade. Mas salta aos olhos que ninguém simula tanto
que está exaltando o nome e a glória de Deus como
justamente aqueles que nunca o fazem. Desprezam
com essa hipocrisia a preciosa obra, uma vez que o
coração está sem fé. Por isso também o apóstolo Pau-
lo pode dizer livremente em Romanos 2.23 que os
que mais desrespeitam o nome de Deus são aqueles
que se vangloriam da lei de Deus. Dizer o nome de
Deus e escrever a sua honra no papel e na parede é
fácil. Mas louvar e bendizer o seu nome profundamente
em suas bênçãose invocá-lo confiantemente em todas
as instabilidades são realmente as obras mais raras e

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mais nobres depois da fé. Há poucas dessas obras na
cristandade, o que é desesperador. Ainda assim conti-
nuam se multiplicando as altas, belas e brilhantíssimas
obras que seres humanos inventaram ou que exterior-
mente se igualam a essas verdadeiras obras. No fun-
do, tudo é sem fé e confiança. Em suma, nada de bom
há por trás disso. Neste sentido, também Isaías repre-
ende o povo deIsrael: “Ouçam, vocês que têm o nome
como se fossem Israel, que juram pelo nome de Deus,
e não o rememoram nem na verdade nem na justiça”
(Isaías 48.1). Eles não o fazem com autêntica fé e con-
fiança, que são a verdade e justiça autênticas. Mas
confiam em si próprios, em suas obras e sua capaci-
dade. Ainda assim, invocam e louvam o nome de Deus.
São coisas que não combinam.
21. A primeira obra deste mandamento é louvar
rivelmen-
Deus em todas as suas bênçãos. Elas são inc
também esse
te numerosas, assim que, com razão,
interrompi-
louvor e agradecimento nunca devem ser |
ter fim . Qu em co ns eg ue lou vá- lo de forma
dos se m
pel a vid a nat ura l, qu e dir á ent ão por todos os
perfeita do
por ais e ete rno s? Co m est e único ponto
bens tem
presente mandamento à pessoa é abarrotada de boas
obr as. Se as pra tic ar em fé autêntica, real-
e preciosas Quanto a este
ter á est ado em vã o aqu i.
mente não como os santos
ué m pe ca tão gr av em en te
ponto, ning sat isf aze m àÊ
hipócr ita s. Est es se
demasiadamente
am de se van glo ria r ou pel o menos apr
mesmos, gost

40
nn
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ciam ouvir o seu louvor, glória e exaltação diante do
mundo.
Por isso, a segunda obra deste mandamento é evi-
“tar, guardar-se e fugir de toda honraria e louvor mun-
dano e jamais buscar a própria fama e fazer grande
algazarra para estar na boca de todo o mundo. Isso é
um pecado muito perigoso. Mesmoassim, é o pecado
mais comum e, infelizmente, pouco respeitado. Cada
um quer gozar de alguma fama e não ser o mais insig-
nificante, por mais insignificante que seja: a natureza
está tão profundamente pervertida em sua própria
vaidade e em sua confiança em si mesma, contestan-
do esses dois primeiros mandamentos.
Esses vícios terríveis são considerados virtudes su-
premas no mundo. Por isso ler ou ouvir histórias e
livros pagãos é altamente perigoso para quem não
tenha já uma boa compreensão e experiência dos
mandamentos de Deus e das histórias da Sagrada Es-
critura. Pois todos os livros pagãos estão totalmente
encharcados com esse veneno da sede de louvor e de
glória. Neles se aprende, segundo a razão cega, que
não são pessoas ativas ou de valor, nem podem vir a
sê-lo, aquelas que não se deixam levar por elogios e
honrarias. São consideradas as melhores aquelas que
não põem de lado corpo e vida, amigos e bens e tudo
o mais somente para buscar louvor e glória. Todos os
santos pais da Igreja lamentaram esse vício e concluí-
ram unanimemente que ele é o último vício a ser su-

41

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perado. Santo Agostinho diz: “Todos os outros vícios
se realizam em más obras; somente a busca de glória
e a autocomplacência se dão em e a partir das boas
obras”.
Por isso, se a pessoa não tivesse mais nadaa fazer
do que essa segunda obra deste mandamento, ainda
assim teria uma tarefa para a vida inteira, somente
lutando contra esse vício tão comum, tão manhoso,
tão arisco e dificil de expulsar. Deixamos de lado to-
das essas boas obras e nos dedicamos a muitas outras
boas obras de menor importância. Mais ainda: atra-
vés de outras boas obras anulamos e nos esquecemos
por completo desta. Assim, o santo nome de Deusé
tomado em vão e desonrado poór causa donosso mal-
dito nome, por causa de nossa autocomplacência e
sede de glória, ao passo que somente o seu nome
deveria ser honrado. Perante Deus este pecado é mais
grave do que adultério e assassinato. Mas, por causa
de sua sutileza, não se enxerga a sua maldade tão
bem como a do assassinato. Ele não é cometido na
carne grosseira, mas no espírito.
22. Alguns acham que seria bom estimular os jo-
vense levá-los a fazer o bem com glória e honra, bem
como, contrariamente, com vexame e vergonha. Mui-
tos fazem o bem e deixam de fazer o mal porque te-
mem a vergonha e amam a honra. De outro modo,
não fariam isso ou deixariam de fazê-lo de forma algu-
ma. Deixo-os com essa opinião. Mas o que nosinteres”
"

42...
“À
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sa agora é como se deve fazer boas obras autênticas.
Aqueles que estão inclinados a isso na verdade não pre-
cisam ser impulsionados com o medo da vergonhae o
amor à honra. Eles têm e devem possuir uma motiva-
ção muito mais nobre: o mandamento de Deus. Aque-
les que não têm ou não se importam com essa motiva-
ção e se deixam motivar pela vergonha e pela honra
também recebem com isso a sua recompensa, como
diz o Senhor em Mateus 6.2.5. Assim como é a motiva-
ção, também são a obra e a recompensa: nenhuma
delas é boa senão ante os olhos do mundo.
e de

Agora, penso que se poderia acostumar e estimu-


lar uma pessoa jovem com mandamentos e temor a
Deus tão facilmente como com qualquer outra coisa.
Mas onde isso não adiantar, temos que consentir que
façam o bem e deixem o mal por causa da vergonha
e da honra. Precisamos também tolerar pessoas más
ou imperfeitas. Também não podemos fazer mais do
que dizer-lhes que seu agir não é satisfatório e correto
perante Deus, deixando-as desse jeito até que apren-
dam a agir corretamente também por causa do man-
damento de Deus. Da mesma forma, as crianças pe-
quenas são estimuladas a orar, jejuar, estudar, etc.,
com presentes e promessas dos pais. No entanto, não
seria bom que fizessem isso a vida inteira e nunca
aprendessem a fazer o bem no temor a Deus. Muito
pior seria se se acostumassem a praticar o bem por
causa do elogio e da honra.

- 43

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23. É verdade que ainda assim precisamos ter um
bom nome e honra. Cada um deve comportar-se de
tal forma que não se possa falar nada de mal dele e
que ninguém se ofenda com ele, como diz São Paulo
em Romanos 12.17: “Devemos nos esforçar para fa-
zer o bem não só perante Deus, mas também diante
de todas as pessoas”. E em 2 Coríntios 4.2: “Agimos
de forma tão honesta que pessoa alguma venha a sa-
ber outra coisa acerca de nós”. No entanto, é neces-
sário muito cuidado e precaução, para que essa hon-
ra e o bom nome não tornem o coração orgulhoso e
criem nele uma autocomplacência. Cabe aqui o dito
de Salomão: “Como o fogo prova o ouro no forno,
assim o ser humano é provado pela boca de quem o
louva” (Provérbios 27.21). Devem ser poucas e muito
espirituais as pessoas que, em meio à honra e ao elo-
aio, continuam modestas, tranquilas e inabaláveis, sem
ficar pretensiosas e autocomplacentes por causa dis-
e im-
so. Pelo contrário: continuam totalmente livres
a
parciais, atribuem toda a sua honra e fama somente
a Deus,
Deus. Recomendam sua honra e fama apenas
e O
não as usam senão para a glória de Deus
pró-
favorecimento do próximo, nunca em proveito
de
prio. Tal pessoa não se torna vaidosa por causa
boba e
sua honra ou se coloca acima da pessoa mais
se re-
desprezada que possa haver sobre a terra. Ela
deu a honra
conhece como serva de Deus, que lhe
próximo,
para com ela servir ao próprio Deus e ao

44.

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como se o tivesse mandado distribuir, por sua causa,
alguns florins entre os pobres. Ele diz em Mateus 5.16:
“À luz de vocês deve brilhar diante dos seres huma-
nos, para que vejam as boas obras de vocês e glorifi-
quem seu Pai que está nos céus”. Ele não diz: “Elas
devem glorificar a vocês”, mas: “As obras de vocês só
devem servir à provação das pessoas, para que, por
este intermédio, venham a louvar Deus em vocês e
nelas mesmas”. Este é o uso correto do bom nome e
da honra: quando Deusé louvado pelo favorecimento
dos outros. E quando as pessoas querem louvar-nos, e
não Deus em nós, não devemos aceitá-lo. Devemos
impedir e fugir disso, como se fosse o pecado mais
grave e roubo da glória de Deus.
24. Esta é a razão por que Deus deixa tantas ve-
zes uma pessoa cair ou ficar caída em pecado grave,
para que passe vergonha diante de si mesma e de
todo o mundo. De outra forma, se tivesse continuado
com grandes aptidões e qualidades, ela não teria con-
seguido ficar longe desse grande vício da fama e da
vaidade. Deus tem que impedir esse pecado com ou-
tros pecados graves, para que somente seu santo
nome fique em glória. Assim um pecado torna-se o
remédio do outro, por causa da nossa maldade. Essa
não apenas pratica o mal, mas também faz mau uso
de tudo o que é bom.
À pessoa tem que fazer muito se quer praticar boas
obras. Essas estão sempre à sua disposição em gran-

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Po.

de quantidade e estão em sua volta por toda parte.


Infelizmente, ela as deixa de lado por pura cegueira.
Procura e segue outras que são do seu agrado, contra
as quais ninguém conseguefalar o bastante e das quais
ninguém pode defender-se o suficiente. Todos os pro-
fetas tiveram que lidar com isso. E todos foram estran-
gulados por isso — tão-somente porque rejeitaram es-
sas obras de invenção própria e pregaram apenas o
mandamento de Deus. Um deles, Jeremias, diz: “O
Deus de Israel manda dizer o seguinte a vocês: To-
mem os seus sacrifícios, juntem-nos a todas as suas
dádivas e comam vocês mesmos os seus sacrifícios e
carne, pois a respeito dessas coisas eu nada ordenei a
vocês. Ordenei-lhes, isto sim, que dêem ouvidos à mi-
nha voz (isto é, não o que lhes parece bom e correto,
mas o que eu lhes mando) e andem no caminho que
lhes ordenei” (Jeremias 7.21-23). E Deuteronômio
12.8,32: “Não deves fazer o que te parece correto e
bom, mas o que teu Deus te ordenou”.
Estas e numerosas frases semelhantes da Escritura
estão ditas para arrancar as pessoas não só dos peca-
dos, mas também das obras que lhes parecem boas e
corretas. Elas devem dirigir as pessoas unicamente para
os mandamentos de Deus, para que sempre obser-
vem zelosamente apenas a estes, como está escrito
em Exodo 13.9: “Deves fazer com que estes meus
mandamentos sejam para ti como um sinal em tua
mão e, assim, um exemplo constante diante de teus

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olhos”. E no Salmo 1.2: “Uma pessoa piedosa tam-
bém fica falando consigo mesma dia e noite sobre o
mandamento de Deus”. Já temos mais do que o sufi-
ciente e demais para fazer quando cumprimos somente
os mandamentos de Deus. Ele nos deu mandamentos
que, se os entendemosde fato, não precisamosficar
ociosos um momento sequer. Poderíamos esquecer
completamente todas as outras obras. Mas o mau es-
pírito não dá sossego: onde ele não nos consegue le-
var às obras más à esquerda, ataca pela direita com
obras de invenção própria e de boa aparência. Deus
ordenou contra isso em Deuteronômio 28.14 e Josué
23.6: “Vocês não devem se afastar dos meus manda-
mentos, nem para a direita, nem para a esquerda”.
25. A terceira obra deste mandamentoé invocar o
nomede Deus em todo tipo de dificuldades. Deus con-
sidera isso santificar e honrar muito seu nome: chamá-
lo e invocá-lo na aflição e necessidade. Afinal, este
também é o motivo por que ele nos castiga com muita
dificuldade, sofrimento, aflição e até a morte. Ele ain-
da nosfaz viver em muitas situações más e pecadoras.
Com isso ele quer insistir com a pessoa e lhe dar um
forte motivo para correr ele, gritar, chamar seu san-
to nome e, assim, cumprir essa obra do segundo man-
damento, conformeele diz no Salmo 50.14: “Invoca-
me em tua necessidade, e eu virei em teu socorro, e
tu me honrarás, pois um sacrifício de louvor é o que
eu quero”. Este é o caminho pelo qual você pode che-

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gar à salvação. Através de uma obra semelhante a
pessoa se dá conta e experimenta o que é o nome de
Deus, quanto poder ele tem para ajudar todos aque-
les que o invocam. Crescem imensamente com isso a
confiança e a fé, com as quais se cumpre o primeiro e
supremo mandamento. Davi experimentou isso: “Tu
melivraste de toda dificuldade; por isso quero louvar
o teu nome e confessar que é agradável e doce” (Sal
mo 54.7,6). E no Salmo 91.14 Deus diz: “Eu o livra-
rei porque coloca sua esperança em mim. Eu o ajuda-
rei porque reconheceu o meu nome”.
Agora veja: quem sobre a face da terra nãoteria o
bastante para fazer durante toda a sua vida também
com essa obra? De fato, quem está livre de provação
por uma hora sequer? Não quero falar das provações
da infelicidade, que são impossíveis de contar. Tam-
bém isso é a provação mais perigosa: quando não há
provação e tudo está bem. Então a pessoa não deve
esquecer Deus, ficar livre demais e abusar da tempo-
rada feliz. Sim, então sua necessidade de invocar o
nome de Deus é dez vezes maior do que na desgraça.
Pois está escrito no Salmo 91.7: “Do lado esquerdo
caem mil e do lado direito, dez mil”. Também vemos
isso em pleno dia, na experiência diária de todas as
pessoas: quando há um período bom, reina paz e tudo
vai bem. Acontecem pecados e vícios mais horríveis
do que quando somos agredidos por querra, peste,
doenças e todo tipo de infelicidade. Também Moisês
am

48
E.

O
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se preocupou com a possibilidade de seu povo aban-
donar o mandamento de Deus por nenhuma outra
razão senão por estar de barriga cheia demais, satis-
feito e tranquilo demais, como ele diz em Deuteronô-
mio 32.15: “Meu querido povo ficou rico, empantur-
rado e gordo; por isso se voltou contra o seu Deus”.
Deus também fez com queficassem muitos dos seus
inimigos e não os quis expulsar, para que não tives-
sem sossego e tivessem que cumprir os mandamentos
de Deus, conforme está escrito em Juízes 3.1s. Da
mesma forma também age conosco, ao nos infligir todo
tipo de desgraças. Ele é tão cuidadoso conosco, para
nos ensinar e impulsionar a honrar e invocar o seu
nome, a ganhar confiança e fé nele e, assim, cumprir
os dois primeiros mandamentos.
26. Neste ponto, as pessoas tolas agem de forma
perigosa, principalmente os santarrões confiantes
em
obras próprias e aquele que quer ser algo
especial.
Ensinam a se benzer. Um se protege com
bilhetes com
palavras bíblicas ou orações, outro corre
para os adi-
vinhos, um procura isso, outro aquilo,
para a todo cus-
to escapar de algum acidente e estar seguro.
Há uma
ilusão diabólica que dirige este jogo com feitiçaria,
tra-
ma, superstição. Tudo isso acontece
para que, de al-
guma forma, necessitem do nome de Deus
e não con-
fiem nada a ele. Aqui se comete uma grave
desonra
ao nome de Deus e aos dois primeiros
mandamentos:
procura-se junto ao diabo, a pessoas
humanas ou a

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coisas criadas aquilo que deveria ser procurado e en-
contrado somente junto a Deus com o auxílio de uma
fé pura e simples, através de confiança e aventuran-
do-se e invocando alegremente seu santo nome.
Agorajulgue você mesmose isso não é uma loucu-
ra enorme: eles precisam acreditar no diabo, em pes-
soas e criaturas e esperar delas o melhor. Não há nada
que os apóie e ajude sem essa fé e esperança. Que
culpa tem o Deus reto e fiel de que não se acredita
nem confia nele tanto ou mais do que no ser humano
e no diabo? Ele não apenas promete ajuda e apoio
certo, mas também determina quese espere isso dele.
Dá todo tipo de motivos e estimula a depositar nele
tal fé e confiança. Não é umalástima que o diabo ou
a pessoa — que nada mandam nem exigem, mas ape-
nas asseguram e prometem — sejam colocados acima
de Deus, que promete, exige e manda? Não é lamen-
tável que eles ainda tenham prestígio maior do que o
próprio Deus? Bem que nós deveríamos nos envergo-
nhar e tirar um exemplo daqueles que confiam no
diaboou no ser humano. O diabo é um espírito mau e
mentiroso, mas é fiel a todos os que se aliam a ele.
Quanto mais — sim, exclusivamente — não será fiel o
boníssimoe verísimo Deus, se alguém confia nele. Um
homem rico confia e se apóia em seu dinheiro e suas
posses, e isso lhe ajuda. Nós não queremos confiar e
apoiar-nos em que o Deus vivo nos queira ou possa
ajudar? Costuma-se dizer que riqueza dá coragem. E

50
a"

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verdade, como escreve Baruque(3.17): O ouro é algo
em que as pessoas confiam. Muito superior é a cora-
gem proporcionada pelo bem supremo e eterno, no
qual confiam não seres humanos, mas apenas os fi-
lhos de Deus.
21. Nenhuma dessas desgraças pode forçar-nosa
invocar o nome de Deus e a confiar nele. Certamente
apenas o pecado é mais do que suficiente para nos
exercitar nessa obra e nos estimular para ela. Pois o
pecado nos cercou com três exércitos fortes e gran-
des. O primeiro é a nossa própria carne; o segundo, o
mundo; o terceiro, o mau espírito. Somos persegui-
dos e molestados por eles sem parar. Com isso Deus
nos dá motivo para fazer boas obras constantemente,
isto é, para lutar contra esses inimigos e pecados. A
came procura prazer e sossego, o mundo procura ri-
queza, favor, poder e honra. O mau espírito procura
arrogância, alória e autocomplacência, bem como o
desprezo por outras pessoas.
Todos esses fatores são tão poderosos, que cada
um porsi é suficiente para derrotar uma pessoa. Não
os podemosvencer de outra maneira senão exclusiva-
mente através da invocação do santo nome de Deus,
em fé firme, comodiz Salomão em Provérbios 18.10:
“O nome de Deus é uma torre forte; nela se refugia o
crente e fica superior a tudo”. Assim também Davi no
Salmo 116.13: “Tomarei do cálice da salvação e in-
vocarei o nome de Deus”. E ainda no Salmo 18.3:

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“Invocarei a Deus com louvor e serei salvo de todos os
meus inimigos”. Estas obras e o poder do nome divino
tornaram-se desconhecidos para nós, porque não es-
tamos acostumados a eles. Nunca lutamos seriamente
com pecadose não tivemos necessidade do seu nome.
Deve-se isso ao fato de estarmostreinados apenas em
obras de nossa própria invenção, que conseguimos
fazer com nossas próprias forças.
28. Também são obras deste mandamento que não
devemos jurar, amaldiçoar, mentir, enganar, fazer fei-
tiçaria e praticar outros abusos com O santo nome de
Deus. Estas são coisas muito claras e bem conhecidas.
de todo o mundo. Quase só esse pecado foi pregado e
proclamado neste mandamento. Nele também está
dito que devemos impedir outros de mentirem, jura- Do
rem, enganarem, amaldiçoarem, fazerem feitiçaria e
pecarem de outras formas com o nome de Deus. Há
muitas razões para praticar o bem e impedir o mal.
No entanto, a obra maior e mais difícil deste manda-
mento é proteger o santo nome de Deus contra todos
os que abusam dele de modo espiritual e divulgá-lo
entre todos esses. Não basta que eu louve e invoque
para mim mesmo e em mim mesmo o nome divino
em felicidade e desgraça. E preciso que eu me expo-
nha e assuma a inimizade de todas as pessoas por
causa da honra e do nome de Deus, como Cristo disse
a seusdiscípulos: “Todas as pessoas serão inimigas de
vocês por causa do meu nome” (Mateus 10.22). Nes-

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se ponto temos queirritar o pai, a mãe e os melhores
amigos. Aqui teremosque resistir às autoridades ecle-
siásticas e seculares e ser tachados de desobedientes.
Temos que provocar contra nós os ricos, os sábios, os
santos e tudo o que é alguma coisa no mundo. Isso é
dever particularmente daqueles que estão incumbidos
de pregar a palavra de Deus. Porém, também cada
cristão tem essa obrigação onde quer que o momento
e a situação o exijam. Em favor do santo nome de
Deus temos que empenhar e sacrificar tudo o que te-
mos e podemos e mostrar através da ação que sobre
todas as coisas amamos Deus e seu nome, honra e
louvor. Acima de tudo confiamos em Deus e espera-
mos dele o que é bom, para assim confessar que o
“consideramos o bem supremo, por cuja causa aban-
donamos e renunciamos a todos os outros bens.
29. Temos que resistir, em primeiro lugar, a toda
injustiça, onde a verdade ou a justiça estão sofrendo
violência e passando por dificuldade. Nisso não deve-
mos fazer qualquer diferença entre pessoas. E o caso
de alguns que lutam mui cuidadosa e ativamente con-
tra a injustiça infligida aos ricos, poderosos e amigos.
e
Mas o pobre, o desprezado ou o inimigo que sofrem
injustiça ficam muito quietos e pacientes. Essas pes-
soas não consideram o nome e a honra de Deus em si
mesmas, mas através de um vidro colorido. Elas me-
dem a verdade ou a justiça segundo a pessoa e não se
dão conta de sua falsa visão, que observa mais a pes-

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soa do que a causa. Essas pessoas são hipócritas de
fora a fora e somente aparentam estar defendendo a
verdade. Sabem muito bem que não há perigo em
ajudar os ricos, os poderosos, os sábios e os amigos.
Podem desfrutar, por sua vez, a ajuda dos mesmos,
ser protegidos e honrados poreles. Assim é muito fá-
cil combater a injustiça feita a papas, reis, príncipes,
bispos e outros graúdos. Nesse caso, cada um quer
ser o mais piedoso, quando nem há tanta necessida-
de. O falso Adão esconde-se bem com seu egoísmo.
Oculta bem a sede de vantagem própria com o nome
da verdade, da justiça e da honra de Deus. Quando
acontece algo a uma pessoa pobre e sem importân-
cia, o olho falso não enxerga muita vantagem. Mas vê
muito bem o desprezo dos poderosos, razão por que
deixa o pobre simplesmente sem ajuda. Quem pode-
ria avaliar a ocorrência desse vício na cristandade?
Deus fala no Salmo 82.2-4: “Até quando vocêsjulga-
rão tão injustamente e farão distinção da pessoa do
injusto? Façam justiça ao pobre e órfão, exijam o di-
reito do miserável e carente. Livrem o pobre e aju-
dem o abandonado contra o poder do injusto”. Mas
isso não é feito, razão pela qual continua ali mesmo:
“Eles nada sabem, também nada compreendem, an-
dam nastrevas” (v. 5). Não enxergam a verdade, mas
se prendem unicamente ao prestígio dos grandes, por
mais injustos que sejam. Tampouco reconhecem os
pobres, por mais justos que sejam.

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à
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30. Então haveria chance para muitas boas obras,
pois a maior parte dos poderosos, ricos e amigos faz
injustiça e usa de violência contra os pobres, peque-
nos e adversários. Quanto maiores, tanto piores. Quan-
do não se pode impedir isso à força e ajudar a verda-
de, deve-se ao menos reconhecê-lo e posicionar-se
através de palavras. Não se deve assumir o partido do
injusto, dar-lhe razão, mas dizer a verdade abertamente.
De que adiantaria que a pessoa fizesse o bem de
muitas formas, corresse para Roma e todos os lugares
santos, adquirisse toda indulgência, construísse todas
We

as igrejas e fundações, se fosse considerada culpada


no tocante ao nome e à honra de Deus? Culpada de
tê-los silenciado e abandonado, considerando seus
bens, sua honra, seu favor e seus amigos mais do que
a verdade, que é o próprio nome e honra de Deus?
Ou quem não se defronta diariamente diante de sua
porta e em sua casa com semelhante boa obra, de
modo que não teria necessidade de ir tão longe ou de
perguntar por boas obras? Quando observamos à vida
das pessoas que agem tão leviana e superficialmente
temos que gritar como o profeta: “Todas as pessoas
são falsas, mentem e enganam”. Defato, elas esque-
en-
cem as boas obras autênticas e mais importantes,
feitam-se e se maquilam com as mais insignificantes.
Querem ser piedosas, subir ao céu tranquilamente.
Talvez você pergunte: “Por que Deus não O faz ele
mesmo e sozinho, já que pode e sabe perfeitamente

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ajudar cada um?” Respondo: ele pode perfeitamen-
te, mas não quer fazê-lo sozinho. Ele quer que traba-
lhemos com ele, e ele nos dá a honra de querer fazer
a sua obra conosco e através de nós. Mesmo que não
queiramos usar essa honra, ele não deixará de realizá-
la sozinho, de ajudar os pobres. Aqueles que não qui-
seram ajudá-lo nisso e desprezaram a grande honra
de sua obra ele condenará juntamente com os injus-
tos, como aqueles que se colocaram ao lado dos injus-
tos. Embora apenas ele seja bem-aventurado, ele quer
nos dar a honra e não ser bem-aventurado sozinho.
Ele nos quer bem-aventurados junto com ele. Se ele o
fizesse sozinho, os seus mandamentos nosteriam sido
dados em vão. Pois ninguém teria motivo para exerci-
tar-se nas grandes obras dos mesmos mandamentos.
Além disso, ninguém tentaria verificar se considera
Deus e seu nome o bem supremo e arrisca tudo por
sua causa.
31. Faz parte da mesma obra também a resistên-
cia a todas as doutrinas falsas, sedutoras, errôneas e
heréticas, bem como a todo abuso do poder eclesiás-
tico. Isso é algo muito mais nobre, pois essas lutam
precisamente com o santo nome de Deus contra o
nome de Deus. Por isso parece grave e perigoso re-
sistir a elas. Alegam que quem resiste está se opondo
a Deus e a todos os seus santos, cujo lugar ocupame
de cujo poder fazem uso. Afirmam que Cristo teria
dito sobre eles: “Quem ouve a vocês ouve a mim, €

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quem despreza vocês despreza a mim” (Lucas 10.16).
Eles apóiam-se fortemente nessas palavras, ficam atre-
vidos e ousam dizer, fazer e deixar de fazer o que
querem, excomungar, amaldiçoar, roubar, matar e
praticar toda a velhacaria como lhes agradar e der na
telha, sem qualquer impedimento. Ora, Cristo não quis
dizer que lhes devemos dar ouvidos em tudo o que
dizem e fazem. Mas, sim, quando nos apresentam a
sua palavra, o Evangelho, e não a palavra deles; sua
obra, e não a deles. Do contrário, como podemossa-
ber se suas mentiras e seus pecados devem ser evita-
dos? Deve haver alguma regra que indique até que
ponto devemos dar-lhes ouvidos e obedecer a eles.
Deve ser uma regra que não parta deles mesmos,
mas foi colocada por Deus acima deles. Uma regra
pela qual nos possamos orientar, conforme ouviremos
“no contexto do quarto mandamento.
Deve ser assim que, também no estado espiritual,
a maior parte prega doutrina falsa e abusa do poder
eclesiástico. Devemos ter um motivo para praticar a:
obra deste mandamento e ser colocados à prova no
tocante ao que queremos fazer e deixar de fazer, por
causa da honra de Deus, contra tais blasfemadores de
Deus.
Se fôssemos justos nesse ponto, os malandros ofi-
ciais (intérpretes do direito eclesiástico) teriam que
decretar em vão a sua excomunhão papal e episco-
pal. As trovoadas romanasseriam inofensivas. Certas

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pessoas, a quem agora o mundo tem que dar ouvidos,
teriam que calar a boca. Haveria poucos pregadores
na cristandade. Mas eles tomaram conta. Tem que
estar certo aquilo que eles propõem. Não há ninguém
que lute pelo nome e pela honra de Deus. Tenho para
mim que nas obras exteriores não acontece pecado
maior e mais comum do que nesse ponto. Trata-se de
algo tão elevado, que poucos o entendem. Além dis-
so, está aprimorado com o nome e o poder de Deus,
e é perigoso atacá-lo. Os profetas dos tempos antigos
foram mestres nisso. Também os apóstolos, principal-
mente São Paulo. Eles não ficavam abalados, quer o
sumo sacerdote ou o sacerdote mais inferior o tivesse
dito, quer o tivessem feito em nome de Deus ou em
seu próprio nome. Eles mediam as obras e as pala-
vras segundo o mandamento de Deus. Não considera-
vam se quem tinha dito era um graudão ou um joão-
ninguém, se tinha feito em nome de Deus ou dosse-
res humanos. Por isso também tiveram que morrer.
Em nossa época, haveria muito menos a dizer sobre
isso, pois agora a situação está muito pior. Mas Cristo,
São Pedro e São Paulo têm que ocultar tudo isso com
seus santos nomes. Não há forma mais detestável de
ocultar alguma coisa sobre a face da terra do que jus-
tamente com o santíssimo e benditíssimo nomede Je-
sus Cristo.
O abuso e a blasfêmia sofridos pelo santo nome de
isso con”
Deus poderiam provocar um horror à vida. Se

58
cat
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tinuar, temo que acabaremos por adorar publicamente
o diabo como um deus, sob o nome de Deus. Excessi-
vamente grosseira é a forma como o poder eclesiástico
e os sábios lidam com essas coisas. Está mais do que na
hora de pedir seriamente a Deus que ele santifique o
seu nome. Isso custará sangue. Aqueles que estão de-
fendendo os bens dos santos mártires e que foram con-
quistados pelo sangue desses terão que ser mártires
por sua vez. Noutra ocasião direi mais sobre isso.

O terceiro mandamento

1. Muitas boas obras estão incluídas no segundo


mandamento — obras que em si não são boas, a não
ser que aconteçam na fé e na confiança nas boas gra-
ças de Deus. Temos que fazer muitas coisas para cum-
prir somente este mandamento. Mas, infelizmente, fi-
camos tratando muito de outras obras que não têm
nada a ver com isso. Vai agora o terceiro mandamen-
to: “Santificarás o dia de descanso”. No primeiro, é
determinado como nosso coração deve se relacionar
com Deus em pensamentos. No segundo, como a boca
o deve fazer com palavras. Neste terceiro mandamen-
to, é estabelecido como devemos agir em relação a
Deus com obras. Esta então é a primeira tábua de
Moisés: a tábua direita. Nesta estão descritos esses
três mandamentos que governam o ser humano do

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lado direito, isto é, nas coisas que se referem a Deus.
Nessas, Deus tem a ver com o ser humanoe este com
Deus sem a intervenção de qualquer criatura.
Asprimeiras obras deste terceiro mandamento são
primárias e claras. Costumamos chamá-las de serviço
a Deus: ouvir a missa, orar, ouvir a pregação nos dias
santos, por exemplo. Segundo esse significado, há bem
poucas obras nesse mandamento. Além disso, se não
forem realizados na confiança e na fé na graça de
Deus, elas não são nada, como foi dito antes. Por isso
também seria bastante bom que houvesse menos fe-
riados. Pois, em nossos dias, as obras dos feriados são,
na maioria, piores do que as dos dias de trabalho. Há
preguiça, comilança e bebedeira, jogos e outros ví-
cios. Além disso, a missa e a prédica são ouvidas sem
que haja qualquer melhora e a oração é feita sem fé.
Na prática, acredita-se ter feito o suficiente quandose
viu a missa com os olhos, ouviu a pregação com os
ouvidos, falou a oração com a boca. Passamos por
cima disso de forma tão superficial, sem pensar em
receber algo da missa para o coração, aprender e
manter algo da pregação, procurar, desejar e espe-
rar algo com a oração. No entanto, a culpa maior é
dos bispos e sacerdotes ou daqueles que estão incum-
bidos de pregar: não pregam o Evangelho nem ensi-
nam as pessoas como devem ver a missa, ouvir a
prédica e orar. Por causa disso queremos apresentar
brevemente essas três obras.

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2. É necessário que estejamos presentes na missa
também com o coração. Estamos presentes quando
praticamos a fé no coração. Aqui temos que citar as
palavras de Cristo, ao instituir a missa: “Peguem e
comam, isto é o meu corpo, que é dado em favor de
vocês”. Da mesma forma Cristo falou em relação ao
cálice: “Peguem e bebam dele todos, isto é um novo
testamento eterno em meu sangue, derramado em
favor de vocês e de muitos, para o perdão dos peca-
dos. Sempre que fizerem isto, façam-no em memória
de mim” (combinação de Mateus 26.26-28 e 1 Corín-
tios 11.24s). Com estas palavras Cristo instituiu para
si uma cerimônia fúnebre ou comemoração defaleci-
mento, que fosse celebrada diariamente depois dele
em toda a cristandade. Acrescentou ainda um testa-
mento magnífico, rico e grandioso. Nele não estão fi-
xados nem legadosjuros, dinheiro ou bens temporais,
mas perdão de todos os pecados, graça e misericórida
para a vida eterna. Todos os que vierem a essa cele-
bração vão receber esse mesmo testamento. Com a
morte de Cristo o testamento então se tornou perma-
nente e irrevogável. Comosinal e prova disso, Cristo
deixou, em lugar de carta e selo, o seu próprio corpo
e sangue na forma de pãoe vinho.
E necessário agora que a pessoa faça bem a pri
meira obra deste mandamento. Nunca deve duvidar
de queseja assim e ter certeza desse testamento, para
que não transforme Cristo num mentiroso. De fato, se

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você está presente à missa e não lembra ou crê que
ali Cristo perdoou todos os pecados através de seu
testamento, não seria isso como se você dissesse: “Não
sei ou não creio que seja verdade que aqui me esteja
dado perdão do meu pecado?” Acontecem muitas
missas no mundo agora, mas poucos as ouvem com
essa fé e esse costume. Deusfica muito zangado com
isso. Ninguém deve nem pode estar presente à missa
de um modo proveitoso, a não ser que esteja triste,
desejoso de graça divina e ansioso para se livrar de
seu pecado. Se estiver alimentando más intenções,
deve transformar-se na missa e ganhar vontade de
receber esse testamento. Por isso não se permitia an-
tigamente a nenhum pecador conhecido participar da
missa.
Quando essa fé for autêntica, o coração só pode
ficar contente com esse testamento, aquecendo-se e
derretendo no amor de Deus. Sequem então louvor e
gratidão com o coração doce. Porisso a missa chama-
se eucharistia em grego. Eucharistia significa agra-
decimento: damos louvor e graças a Deus por esse
testamento consolador, abundante e feliz. Da mesma
forma como louva, agradece e está contente alguém
que ganhou de um amigo um valor de mil florins ou
mais. No entanto, muitas vezes ocorre com Cristo o
mesmo que acontece àqueles que enriquecem algu-
mas pessoas com seu testamento. Nunca são lembra-
dos, não recebem louvor nem gratidão. Assim aconte-

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ce agora com nossas missas: são simplesmente cele-
bradas, sem que se saiba por que ou para que ser-
vem. Por isso nós também não damos graças, nem
amamos, nem louvamos, continuamos secos e duros,
satisfeitos com nossas oraçõezinhas. Falaremos mais
sobre isso numa outra vez.
3. A pregação não deveria ser outra coisa senão a
proclamação desse testamento. Mas quem pode ouvi-
lo se ninguém o prega? Acontece que nem aqueles
que deveriam pregar o testamento têm conhecimento
disso. Por isso as prédicas fantasiam em fábulas inú-
teis. Esquecem Cristo, e acontece conosco o mesmo
que acontece àquele homem em 2 Reis 7.19: enxer-
gamos o nosso bem e não desfrutamos dele. Neste
sentido também fala Eclesiastes: “Se Deus dá riqueza
a alguém e não lhe permite desfrutar dela, isto é um
grande mal” (Eclesiastes 6.2). Vemos inúmeras mis-
sas, mas não sabemos se se trata de um testamento
ou disso ou daquilo, como se fosse uma outra obra
comum. Meu Deus, estamos totalmente cegos! Mas
onde isso for pregado corretamente, é preciso ouvi-lo
com atenção, captá-lo, quardá-lo, lembrar-se disso com
frequência e assim fortalecer a fé contra todo tormen-
to dos pecados, sejam estes passados, atuais ou futu-
ros.
Esta é a única cerimônia ou prática instituída por
Cristo, na qual os seus cristãos devem reunir-se, prati-
car e manter em harmonia. Ele não permitiu que ela

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fosse uma simples obra como outras cerimônias. Fa-
voreceu-a com um tesouro rico e superabundante, a
ser oferecido e concedido a todos os que crêem nisso.
Essa pregação deveria estimular os pecadores a
ficarem tristes com seu pecado e despertar o desejo
pelo tesouro. Por isso comete um pecado grave aque-
le que não ouve o Evangelho e despreza semelhante
tesouro e ceia abundante para a qual é convidado.
Mas um pecado muito maior é não pregar o Evange-
lho e perder tanta gente que gostaria de ouvi-lo. Cris-
to ordenou categoricamente que o Evangelho e esse
testamento fossem pregados. Ele também não quer
que a missa seja celebrada a não ser que nela seja
pregado o Evangelho. Pois ele diz: “Sempre quefize-
rem isto, lembrem-se de mim”, isto é, como diz São
Paulo: “Vocês devem pregar sobre sua morte” (cf. 1
Coríntios 11.26). É terrível e cruel ser bispo, pároco e
pregador em nossosdias. Ninguém mais conhece esse
testamento. Sem falar que o deveriam pregar, pois,
afinal, é sua obrigação e dever supremo e único. Para
eles será muito dificil prestar contas de tantas almas
que forçosamente se perderão porfalta de tal prega-
ção. ;
4. Não é necessário orar muitas páginas do devo-
cionário ou contas do rosário, como é costume. Antes
é preciso assumir algumas dificuldades urgentes, su-
plicar por elas com toda a seriedade e praticar a fé e
a confiança em Deus, assim que não duvidemos de

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que seremos atendidos. São Bernardo (1090-1153)
ensina a seus irmãos: “Caros irmãos, jamais despre-
zem sua oração comose fosse fútil, pois eu lhes digo
em verdade que, antes de terem terminado as pala-
vras, a oração já está anotada no céu. E esperem com
certeza uma coisa de Deus: a oração de vocês será
cumprida, ou, se não for cumprida, não lhesteria sido
bom ou proveitoso que o fosse”.
À oração é um exercício especial da fé. Torna a
oração tão agradável, que ou ela é cumprida ou, em
troca, é dado algo melhor do que pedimos. Também
São Tiago diz: “Quem pede a Deus não deve duvidar
na fé; pois se duvida, essa pessoa não deve pensar
que vai conseguir algo de Deus” (Tiago 1.65). Esta é
uma palavra clara, que simplesmente promete ou
nega: quem não confia nada consegue, nem aquilo
que pede e nem coisa melhor. |
Também para despertar semelhante fé o próprio
Cristo disse em Marcos 11.24: “Eu lhes digo: Tudo
que vocês pedirem, creiam que o receberão,
e certa-
mente sucederá”. E em Lucas 11.9-13. “Peçam,
e
dar-se-lhes-á: procurem, e encontrarão; batam, e
abrir-
se-lhes-á. Pois quem pede recebe; quem
procura en-
contra; a quem bate abrir-se-lhe-á. Qual é o pai entre
vocês que dá a seu filho uma pedra, se este lhe pede
pão? Ou uma cobra, se lhe pede um peixe? Ou
um
escorpião, se lhe pede um ovo? Ora, se vocês sabem
como dar boas dádivas a seus filhos,
e vocês não são

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bons por natureza, quanto mais o Pai celeste de vocês
não dará um bom espírito a todos que lhe pedirem?”
5. Quem seria tão duro e insensível a ponto de não
se deixar persuadir por palavras tão poderosas a orar
com toda a confiança, com alegria e de boa vontade?
Muitas orações também não precisariam ser reforma-
das para orar corretamente segundo essas palavras.
Sem dúvida, todas as igrejas e mosteiros estão cheios
de oração e canto. Mas por que resulta disso pouca
melhoria e vantagem, ficando cada dia pior? A causa
não é nenhuma outra senão aquela que São Tiago
aponta: “Vocês pedem muito e nada recebem, por-
que não pedem corretamente” (Tiago 4.3). Onde não
há fé e confiança na oração, esta está morta. Não é
mais do que esforço e trabalho pesado. Se disso resul-
ta alguma coisa, não passa de vantagem temporária,
sem quaisquer bens ou auxílio para a alma, mas para
arande prejuízo e ofuscamento da alma. Eles tagare-
lam muito, sem julgar se o conseguem, ou desejam,
ou confiam. Ficam insensíveis nessa descrença, com o
pior dos hábitos contra a prática da fé e a natureza da
oração.
Uma pessoa que ora corretamente nunca duvida
de que sua oração é agradável e será atendida, mes-
mo que não lhe seja dado exatamente aquilo que pede.
Na oração deve-se apresentar a dificuldade a Deus,
mas não receitar-lhe medida, maneira, alvo ou lugar.
dar
Devemos, isso sim, deixar em suas mãos se quer

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coisa melhor ou diferente daquela pretendida por nós.
Muitas vezes, nem sabemoso que pedimos, comodiz
São Paulo em Romanos 8.26. Deus atua e concede
de uma forma mais nobre do que entendemos, como
ele diz em Efésios 3.20. Portanto, não deve haver
qualquer dúvida de que a oração seja agradável e aten-
dida. Mas se deve deixar para a opinião de Deus o
tempo, lugar, medida e alvo. Ele o fará bem como
deve ser. Os verdadeiros adoradores são aqueles que
o adoram em espírito e em verdade (cf. João 4.24).
Aqueles que não crêem que serão atendidos pecam
=

contra esse mandamento do lado esquerdo e se afas-


tam demais com a descrença. Mas aqueles que lhe
fixam um alvo pecam do lado direito e tentam Deus.
Ele proibiu ambas as coisas, para que não nosafaste-
mos de seu mandamento, nem para a esquerda, nem
para a direita (cf. Deuteronômio 5.32). Nem através
de descrença, nem de tentação. Devemos continuar
com umafé simples no caminho certo, confiandonele,
mas não lhe fixando o alvo.
6. Da mesma forma como o segundo mandamen-
to, este terceiro não deve ser outra coisa senão a prá-
tica do primeiro, isto é, da fé, confiança, esperança e
amor a Deus. O primeiro mandamento deve ser o
capitão de todos os mandamentos; a fé deve ser a
obra principal e a vida de todas as outras obras. Sem
a fé, elas não podem ser boas. Se você disser: “Mas, e
se eu não consigo acreditar que minha oração será

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RR

atendida e será agradável?” Resposta


: a fé, a oração
e todas as outras boas obras estão or
denadas exata-
mente para que você reconheça o qu
e pode e o que
não pode. Se você constatar que não po
de orare agir
assim, deve queixar-se humildemente pera
nte Deus
por causa disso. Deve começar com uma fraca ch
ama
da fé e fortalecer a mesma todo dia cada vez mais
,
praticando-a em toda a vida e obra. No tocante à im-
perfeição da fé (isto é, do primeiro e supremo manda-
mento), não há ninguém sobre a face da terra que
não a respeite muito. Também os santos apóstolos,
sobretudo São Pedro, foram fracos na fé. Eles tam-
bém pediram e disseram a Cristo: “Senhor, aumenta-
nosa fé” (Lucas 17.5). Ele censura-os com muita fre-
quência por terem uma fé pequena (cf. Mateus 6.3;
16.8).
Você não deve desanimar nem cruzar os braços e
esticar as pernas se constatar que, em sua oração ou
outras obras, não acredita tão firmemente quanto de-
veria e desejaria. Sim, você deveria agradecer a Deus
de todo o coração por ele revelar a você a sua fraque-
za. Por meio dela ele ensina e avisa O quanto é neces
isrames
sário para que você se exercite e fortaleça
fé. Muito s por aí oram, canta m, lêem, agemé
te na
grand es santos , mas nunca cego ao
parecem
como está sua obra princi pal: a fe. us á os
nhecer
levam para o camin ho errado a ia Ds
eles
tudo bem
tras pessoas. Pensam que está
1

68
aa
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Assim constroem secretamente sobre a areia de
suas
obras, sem qualquer fé, e não sobre a graça e pro-
messa de Deus através de uma fé firme e pura.
Enquanto vivermos, temos muito que fazer para
continuar aprendizes do primeiro mandamento e da
fé com todas as obras e sofrimentos. Nunca devemos
parar de aprender. Ninguém sabe que grande coisa é
confiar unicamente em Deus, senão quem o compre
-
W

ende e experimenta com obras.


7. Veja mais uma vez: se não houvesse outra boa
ww

obra, somente a oraçãojá não bastaria para exercitar


toda a vida da pessoa na fé? Para essa obra estão
particularmente determinadas as ordens religiosas.
ua

Antigamente, vários monges passavam dia e noi


te
orando. Mas não há cristão que não tenha tempo para
orar sem parar. Refiro-me à oração espiritual. Nin-
guém,se quiser, é tão duramente sobrecarregado com
seu trabalho que não pode, ao lado, falar com Deus
em seu coração, apresentar-lhe suas próprias angús-
tias ou as de outras pessoas, pedir ajuda, suplicare,
em todas essas coisas, exercitar e fortalecer a sua fé.
O Senhor refere-se a isso quando diz, em Lucas
18.1, que se deve orar sem parar. Mas, em Mateus
6.7, ele proíbe muitas palavras e orações longas, cen-
surando assim os hipócritas. A oração prolongada não
é má. Mas não é a oração certa, que pode ocorrer
sempre, e ela não é nada sem o pedir interior da fé.
Isso porque também devemos fazer a prece exterior a

69
Dnppii At

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seu tempo, principalmente na missa, conforme exige
este terceiro mandamento. Também ali ondeela é útil
para a oração e fé interior, seja em casa, no campo,
nessa ou naquela obra. Agora não é hora de falar
mais sobre isso. Isso faz parte do Pai-nosso, no qual
estão compreendidas, em poucas palavras, todas as
orações faladas.
S. Onde estão agora aqueles que querem conhe-
cer e praticar boas obras? Eles devem assumir somen-
te a oração e fazê-la corretamente na fé. Constatarão
que é verdade que, como disseram os santos pais, não
há trabalho como o da oração. Murmurar com a boca
é fácil, ou ao menos é considerado fácil. Mas acompa-
nhar as palavras com o coração sincero e em medita-
ção verdadeira — com vontade e fé, assim que se de-
seje honestamente o que as palavras contêm, sem du-
vidar de que será atendido -, isto é um grande ato
perante os olhos de Deus.
Aqui o espírito mau resiste com todas as forças.
Muitas vezes, ele impedirá a vontade de orar, não
dando tempo nem espaço. Sim, muitas vezes também
fará surgir dúvidas se a pessoa é digna de se dirigir
com um pedido à majestade que é Deus. Confunde
tanto, que a própria pessoa fica sem saber se está
orando seriamente ou não, se é possível que sua ora”
ção seja agradável e muitos outros pensamentos és”
tranhos desse tipo. Ele sabe muito bem como lhe dói,
à
quão poderosa e proveitosa é para todas as pessoas

70
al
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oração verdadeiramente crente de uma única pessoa.
Por isso prefere que ela nem comece. Nesse ponto, a
pessoa precisa ser realmente sábia e não duvidar de
que ela e sua oração sejam indignas diante de tal enor-
me majestade. Não deve confiar de forma alguma em
sua dignidade nem deixar de orar por causa de sua
indignidade. Precisa observar o mandamento de Deus
e opor o mesmo ao diabo, dizendo: “Nada se pratica
por causa da minha dignidade, de nada se desiste por
causa da minha indignidade. Peço e atuo exclusiva-
-
mente porque Deus, por pura bondade sua, prome
não
teu atendimento e graça a todos os indignos. Sim,
forma
somente prometeu, mas também ordenou da
sua eterna
mais categórica — sob pena de se cair em
Se para
desgraça e ira — que se ore, confie e receba.
a esses seus
a alta majestade não foi demais impor
verme zinho s a nobre e cara obrig ação de su-
indig nos
, confi ar e dele recebe r, como haveria de ser
plicar
para mim acolh er semel hante mandamento
demai s
toda a alegri a, por mais digno ou indigno que eu
com
com O manda-
seja?” É assim que se deve expulsar Assim ele
a intro missã o sutil do diabo.
mento de Deus
pára, e nunca de outro modo.
são as neces sidad es que devem ser apre-
9. Quais
e lamen tadas em oraçã o perante o Deus todo-
sentadas
com isso pratic ar a fé? Resposta: em
poderoso, para
lugar, as própr ias necessidades e dificulda-
primeiro Davi diz no
cada um. Neste sentid o,
des urgentes de

71
a

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Salmo 32.7: “Tu és meu refúgio em todo medo que
me envolve, e és meu consolo para me livrar de todo
mal que me cerca”. E ainda no Salmo 142.1s: “Invo-
quei com minha voz a Deus, o Senhor, roquei a Deus
com minha voz. Exporei perante os seus olhos a mi-
nha oração e derramareidiante dele tudo o que me
preocupa”. Assim um cristão deve ocupar-se na missa
com aquilo que ele sente que lhe falta ou lhe é de-
mais. Deve derramar tudo livremente perante Deus,
chorar e gemer, da forma mais triste que puder, como
diante do seu pai fiel pronto a lhe ajudar. Se você não
sabe nem reconhece a sua própria necessidade ou se
nãosofre provação, saiba que suasituação é a pior de
todas. Pois a maior provação é esta: você constatar
que está tão insensível e duro, que nenhuma prova-
ção afeta você.
Ora, não existe espelho melhor para enxergar a
necessidade do que justamente os Dez Mandamentos.
Neles você achará o que lhe falta e o que deve procu-
rar. Por isso, se você tiver uma fé fraca, pouca espe-
rança e um amor pequeno a Deus, não louva nem
honra Deus, mas ama a própria glória, valoriza muito
o favor das pessoas, não gosta de ouvir a missa e a
pregação, tem preguiça de orar, você deve conside-
rar essas falhas mais graves do que todos os danos
físicos que afetem bens, honra e corpo. Devejulgá-las
piores do que a morte e toda doença mortal. Deve
apresentá-las seriamente a Deus, lamentar e pedir

1/2
Lo

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t o d a a c o n f i a n ça de que
om
d a e e s r ar por essa c ç a. Passe
aju p e
a u x í l i o e a g r a
você será a tendido e obterá O m e n t o s e Vej a
o s m a n d a
t ã o p a r a a s e gunda tábua d r e l ação a
e n a i n d a é e m
quão desobe diente você foi e c o m r a i va e
ridade . V o c ê fi ca
pai, mãe e a toda auto radas contra o seu próxi-
ras exage
ódio e fala palav
o p e l a d e s o n e s t i d a d e , ganância e
mo. É atormentad r a o s e u p r ó x imo. Sem
lavra c o n t
injustiça, ação e pa e e s t á c h e i o d e toda
nst a t a r á q u
dúvida alguma, você co zão suficiente para
ue t em ra
necessidade e miséria e q
o r a r at é g o t a s d e s a n g ue, Se pudesse.
ch t o s t o l o s q ue não
m q u e h á m u i
10. Sei muito be e r que este-
as s e m e l h a n t e s , a n ã o s
querem pedir cois o o u ve quem
J u l g a m q u e D e u s n ã
jam puros antes. r egadores
. u d o is so é c a u s a d o p o r p
está pecando T
s i n a m a c o m e ç a r p e l a s p r ó p rias obras,
falsos, que en a us.
volênci de De
não pela fé e confiança na bene
ê uebrou uma:
Veja, ser humano miserável! Se voc q
, então apela a
perna ou está correndo risco de vida
era atê que sua
Deus, a este ou àquele santo. Não esp
ssado. Você
perna sare de novo ou o perigo tenha pa e
us não atend
não é tão bobo para pensar que De
a u esteja
ninguém que tenha quebrado uma pern o
dita que
em perigo de vida. Na verdade, você acre
or
Deus deve atender mais quando você estiver na mai o
fi cu ld ad e e an gú st ia . O r a , p o r q u e v ocê então é tã
di
de
bobo neste momento de enorme necessida e dano
nça, amor, hu-
eterno e não quer pedir porfé, espera

73

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mildade, obediência, pureza, tranquilidade, paz e jus-
tiça? A não ser que antes você esteja sem toda e qual-
quer descrença, dúvida, orgulho, desobediência, im-
pureza, ira, ganância e injustiça. Quanto maiores suas
deficiências, tanto mais intensa e aplicadamente você
deveria orar ou implorar.
Nossa cegueira chegou até esse ponto. Corremos
para Deus com doença e necessidade física, mas fuai-
mos dele com a doença da alma. Não queremos vol-
tar a menos que estejamos curados antes, como se
pudesse haver um Deus que ajuda o corpo e outro
que ajuda o espírito. Ou como se quisêssemos ajudar
a nós próprios na necessidade espiritual, que, afinal,
é maior do quea física. Esta é uma atitude e orienta-
ção diabólica.
Não é assim que se faz, meu amigo. Se você quer
Deve
curar-se dos pecados, não deve evitar Deus.
correr para ele e pedir-lhe muito mais confiantemen-
Deus não
te do que se tivesse uma necessidade física.
somente contra
é agressivo contra OS pecadores, mas
que não admitem
os descrentes, isto é, contra aqueles
procuram ajuda
seu pecado, não o lamentam nem
a ele. Em seu atrevimento, eles querem primer-
junto
querem necessitar
ro purificar-se a si próprios e não
da graça de Deus. Não querem deixá-lo ser um Deus
em troca.
que dá a todo o mundo e nada toma
Tudo isso se refere à oração por causa da pró-
11.
E é dito de um modo geral. Mas à
pria necessidade.

74
is:me
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oração quepertence propriamente a este terceiro
mandamento e se chama de obra do dia de descanso
é muito superior e maior. Ela deve ser feita em favor
do conjunto de toda a cristandade, de toda e qualquer
necessidade de todas as pessoas, amigas e inimigas,
particularmente daquelas que vivem na paróquia ou
diocese de cada um.
São Paulo ordenou a seu discípulo Timóteo: “Exor-
to-te a tomar providências para que se ore e se rogue '
em favor de todas as pessoas, em favor dosreis e de
todos os que exercem autoridade, para que possamos
ti

levar uma vida quieta e sossegada, em serviço a Deus


e pureza. Pois isto é bom e agradável perante Deus,
um

nosso Salvador” (1 Timóteo 2.1-3). Da mesma forma,


Jeremias (2.7) ordenou ao povo de Israel que supli-
casse a Deus em favor da cidade e da terra da Babilô-
nia. Pois a paz dessa cidade era também a sua paz. E
Baruque 1.11s: “Roguem em favor da vida do rei da
Babilônia e pela vida do seu filho, para que vivamos
em paz sob o seu regimento”.
Essa oração em conjunto é valiosa e a mais pode-
rosa. Por causa dela também nos reunimos. É por isso
que a igreja também é chamada de casa de oração
(cf. Isaías 56.7; Mateus 21.13; Marcos 11.17; Lucas
19.46). Ali, em conjunto e em harmonia, devemos
apresentar as nossas necessidades e de todas as pes-
soas a Deus e suplicar por graça. Mas isso deve acon-
tecer com seriedade e coração comovido, para que

79

es TDT TT mom

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sejamos tocados por essa necessidade de todas as
pessoas e assim, em autêntica compaixão por elas,
roguemos com fé e confiança legítimas. Caso não se
fizesse tal oração na missa, seria melhor desistir dela.
Como fica e como se concilia o fato de nos reunirmos
fisicamente numa casa de oração — com o que se indi-
ca que devemos implorar e orar em conjunto por toda
a comunidade — se espalhamos as orações? Se
distribuimos as orações, assim que cada um acaba
pedindo somente para si mesmo e ninguém acolhe o
outro nem se preocupa com a necessidade do outro?
agra-
Como a oração poderá ser chamada de útil, boa,
e da
dável e comum, ou de obra do dia de descanso
à exerci-
assembléia, se é realizada da forma como
um
tam aqueles que fazem sua própria oraçãozinha,
pr ol dis so, ou tr o em pro l da qu il o? Est es nada fa-
em
m se nã o or aç õe s ego íst as, qu e vi sam vantagem pró-
ze
pria, às quais Deus se opõe.
unto permane-
12. Um sinal dessa oração em conj
no an ti go co st um e de re za r a confissão no final da
ce o.
stão s no púlpit
prédica e orar em prol de todos oscri
ap en as is so nã o bas ta, co mo é costume hoje. Deve-
Mas e
ist o si m, re za r em fa vo r de ss a ne cessidade durant
se,
timula a isso. Para
toda a missa. O pregador nos es
e or em os me re ci da me nt e, el e nos lembra antes de
qu
nosso pecado e no s humilha. Isso deve acontecer da
e O próprio povo
forma mais rápida possível, para qu
e em co nj un to a De us o se u pe ca do e reze com
lament

76
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sinceridade e fé em prol de todo o mundo.
Ah, se Deus quisesse que um grupo qualquer ain-
da ouvisse e rezasse a missa dessa forma, que todo o
povo lhe dirigisse uma súplica sincera! Quão imensa
virtude e ajuda não produziria a oração? Que coisa
mais terrível poderia acontecer a todos os maus espí-
ritos? Que obra maior poderia realizar-se sobre a face
da terra, pela qual tantosjustos seriam salvos e tantos
pecadores convertidos? |
"Na verdade, a Igreja cristá não tem poder nem
obra maior sobre a terra do que essa oração em co-
mum contra tudo o que lhe possa acontecer. O espíri-
to mau sabe muito bem disso, razão pela qual tam-
bém faz tudo o que pode para impedir essa oração.
Ele nos faz construir igrejas bonitinhas, criar muitas
fundações, tocar órgão, ler e cantar, rezar muitas mis-
sas e exibir-nos excessivamente. Ele não se arrepen-
de disso. Pelo contrário: até contribui para que apre-
ciemos muito essas atividades e achemos quefizemos
tudo muito bem. No entanto, ele quer que essa ora-
ção conjunta, forte e frutífera desapareça e acabe
sendo omitida sem que se perceba, por causa de todo
esse brilho exterior. Onde a oração está abandonada,
ninguém tirará qualquer coisa dele e ninguém lhe re-
sistirá. Mas se ele se desse conta de que queremos
fazer essa oração, ainda que fosse sob um teto de palha
ou num chiqueiro, certamente ele não o deixaria acon-
tecer. Teria muito mais medo desse chiqueiro do que

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de todas as altas, grandes e belas igrejas, torres e si-
nos que possam existir onde não houvesse tal oração.
Na verdade, o que importa não são os lugares e edifí-
cios em que nos reunimos. Interessa apenas essa ora-
ção invencível, que a façamos corretamente em con-
junto e a levemosdiante de Deus.
13. Constatamos o poder dessa oração no fato de
que, em tempos passados, Abraão suplicou em favor
de cinco cidades: Sodoma, Gomorra, etc. Conseguiu
que Deus não as destruísse se houvesse nelas dez pes-
soas piedosas, duas em cada uma (cf. Gênesis 18.32).
O que aconteceria então se houvesse muitos num gru-
po que implorassem a Deus de coração e com uma
confiança sincera? Tiago também diz: “Caros irmãos,
roguem uns em favor dos outros para que vocês se-
jam salvos; pois muito consegue a oração de uma pes-
soa piedosa que persevera ou não desiste” (isto é, que
não pára de pedir, mesmo que não se realize logo o
que pede, como fazem alguns preguiçosos). Ele apre-
senta ainda o profeta Elias como exemplo disso: “Ele
era uma pessoa”, diz ele, “como nós o somos e pediu
que não chovesse, e por três anos e seis meses não
choveu; orou novamente, e choveu, e tudo se tornou
fértil” (Tiago 5. 16,175). Na Escritura, há muitos exem-
plos e passagens que nos estimulam a suplicar, desde
que aconteça com sinceridade e fé. Davi diz: “Os olhos
de Deus olham para os piedosos, e seus ouvidos aten-
tam para suas orações” (Salmo 33.18). E ainda: “Deus

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está próximo dos que o invocam, contanto que o invo-
quem na verdade” (Salmo 145.18). Por que ele acres-
centa “invoquem na verdade”? A saber: se a boca
apenas murmura, isto não se chama orar nem supli-
car.
O que faria Deus se você chegasse com sua boca,
seu livro ou Pai-nosso sem pensar em nada mais se-
não em como terminar as palavras? Se alguém per-
guntar a você qual o assunto ou o que você planejou
pedir, você mesmo não saberá, pois não tem a inten-
ção de apresentar ou desejar isso ou aquilo de Deus.
Sua única motivação para orar é o fato de que lhe foi
imposto algo determinado numa determinada quanti-
dade. Você quer observar e cumprir isso. Não admira
que igrejas sejam seguidamente incendiadas por raios
e trovões. Pois fazemos da casa de oração uma casa
de deboche e chamamos de oração aquilo em que
nada apresentamos e pedimos. Ora, deveríamos agir
como aqueles que querem apresentar uma petição
ante grandes príncipes: eles não se dispõem apenas a
falar um certo número de palavras, pois nesse caso o
príncipe pensaria que estão debochando dele ou que
são uns loucos. Pelo contrário: eles o fazem da forma
mais vantajosa e apresentam o seu problema com
cuidado. Mas deixam, com boa confiança, o atendi-
mento por conta da sua graça. Assim devemos agir
com Deus em certas questões: mencionar expressa-
mente certos problemas urgentes, confiá-los à sua gra-

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ça e boa vontade. Não devemos duvidar de que estão
atendidos, pois Deus prometeu atender tais pedidos,
o que nenhuma pessoa influente fez.
14. Sabemos perfeitamente pedir dessa forma
quando estamos passando necessidade física, quando
estamos doentes. Então a gente apela a São Cristó-
vão, Santa Bárbara, faz uma promessa a Santiago,
aqui e acolá. Há oraçãosincera, boa confiança e todo
tipo de boa oração. Mas quando participamos da mis-
sa nas igrejas, ficamos parados feito estátuas. Não
conseguimos apresentar ou lamentar nada. Então as
contas do rosário estalam, as folhas do devocionário
fazem barulho e a boca fala muito; isso não dá em
nada.
Mas se você quer saber o que deve apresentar e
lamentar na oração, pode informar-se facilmente nos
Dez Mandamentos e no Pai-nosso. Abra os olhos e
observe a vida, a sua e a de toda a cristandade, parti-
cularmente o estado espiritual. Você descobrirá que a
fé, a esperança, o amor, a obediência, a castidade e
todas as virtudes estão enfraquecidas. Predomina todo
tipo de vícios terríveis, faltam bons pregadores e pre-
lados, governam malandros, pirralhos, tolos e mulhe-
res. Então você descobrirá que haveria necessidade
de evitar essa raiva cruel de Deus, implorando com
lágrimas de puro sangue a todo momento, sem parar,
em todo o mundo. A verdade é que nunca houve ne-
cessidade maior de suplicar do que hoje e daqui em

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a
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s s e s d e f e i t o s terríveis
e a t é o f i m d o m u ndo. Se e o se deve
diant e z a , v o c ê n ã
o l h e c a u s a m a n g ústia e trist o b ras ou
nã r d e m , b o a s
a r p o r seu éstado, o
de ix ar e n g a n
h a v e r á e m você sequer uma
tã o n ã o
orações: de cris s o q u e se ja . E s t a tudo
mãiis piedo
veia ou vestígio, por e u s es ti ve r z a n g a do e
em que D
anunciado: na época o r e s di fi culdades, en-
ssar pe la s m a i
a cristandade pa ogados perante

2
e a d v

EE Eq etma dai ai
te rc es so re s
tão não haverá in o conosco, e
orando: “Tu estás irad
Deus. Isaias diz ch
ra ça da me nt e n ã o há n i n g u é m qu e S€ le vante e te
desg rocurei entre eles
el: “P
detenha” (Isaías 64.7). E Ezequi
ha ve ri a al gu ém qu e fi ze sse uma cerca entre
se não
se co nt ra m i m e m e im pe di sse. Contu-
nós e se postas
rramei minha ira so-
do, não o encontei, e por isso de
umi no calor da minha fúria” (Ezequiel
bre eles e os cons
vras como ele
22.30s). Deus mostra com essas pala
os sua raiva,
quer que nós lhe resistamos e impeçam
um em prol do outro. Está escrito, muitas vezes, que O
profeta Moisés evitou que Deus jogasse sua raiva so-
bre O povo de Israel (cf. EÉ xodo 32.11ss; NúÉ meros
14.13ss; 21.755).
15. Onde ficarão aqueles que não só não se im-
portam com essa desgraça da cristandade e não inter-
vêm, mas ainda riem e se divertem com ela? Eles jul
gam, caluniam, divulgam os pecados de seu p
| A róximo
M r a o s
esmo assim, têm a permissão de ir à igre;j
i aer
nhha, de ouviirr mimss
goon
nem verg reja Seitmiiniedo
fazem passar por bons cristãdos. Es tes tet
o ri dil
eam me
neace ssse
i-

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dade de que se implorasse duas vezes poreles, já que
se intercede uma vez por aqueles que são julgados
difamados e ridicularizados por eles. Estes estão anun-
ciados para o futuro pelo malfeitor da esquerda, que
ofendeu Cristo em seu sofrimento, sua fraqueza e sua
necessidade (cf. Lucas 23.39). Também por todos
aqueles que debocharam de Cristo na cruz, justamen-
te quando mais deviam ter-lhe ajudado.
Oh Deus, nós cristãos ficamos cegos, malucos!
céu? Nosso des-
Quando terminará essa raiva, Pai do
ez o, bl as t êm ia e ju lg am en to da de sg raça da cristan-
pr
reunimos nas igre-
dade — para interce der por ela nos
a mente louca. Quan-
jas e na missa — devem -se à noss
o ar ra sa ci da de s, ter ras e gen tes, destrói igre-
do o turc an-
tã o ac ha mo s qu e a cri s tandade sofreu um gr
jas, en reis e prínci-
provocamos
de prejuízo. Lamentamos € em lutar porque
lut a. Ma s ni ng ué m pe ns a
pes para a de Deus fica para
o am or esf ria , a pa la vr a
a fé morre, co nt a. Sim, papas,
pe ca do to ma
trás e todo tipo de ser 08 comandan-
— qu e de ve ri am
bispos, sacerdotes dessa luta espiritual
e po rt a- ba nd ei ra s
tes, capitães it o pi or es — são OS
esp iri tua is mu
contra esses turcos os € de sse exército
de ss es tu rc
comandantes e chefes pa ra os judeus quan”
mo foi Ju da s
diabólico. Assim co e se r um apóstolo, um
sto . Ti nh a qu
do prenderam Cri me lh or es qu e começou
um do s
bispo, um sacerdote, cr is ta nd ad e te m que ser
ém a
a eliminar Cristo. Tamb s qu e à deveriam pro”
po r aq ue le
eliminada justamente

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Me sm o as si m, co nt in ua m tão insensatos, que
teger.
a qu er em de st ru ir o tu rc o. El es próprios colocam
aind
na mo ra di a e no es tá bu lo de ov elhas, deixando-o
fogo
ei ma r co m as ov el ha s e tu do o que está dentro. No
qu
. É a recomp ensa
entanto, vão caçar o lobo nas moitas
atidão para com à
que merecemos por causa da ingr nte
eguiu gratuitame
infinita graça que Cristo nos cons
ng ue pr ec io so , se u tr ab al ho p esado e sua
com seu sa
morte amarga.
. On de es tã o os pr eg ui ço so s qu e nã o sabem como
16
ve m fa ze r bo as ob ra s? On de es tã o aqueles que se
de
acolá? Ocupe-se
dirigem a Roma, Santiago, aqui e
o pecado e a
com essa única obra da missa; olhe para
xão dele; arre-
queda do seu próximo; tenha compai
a- se ; la me nt e iss o di an te de De us e im plore por
pend
a necessidade
isso; faça o mesmo por qualquer outr
dades. Como
dos cristãos, particularmente das autori
Deus permite
castigo insuportável e desgraça nossa,
m horri-
que as autoridades sejam corrompidas e caia
r cer-
velmente. Se você o faz com dedicação, pode te
s e coman-
teza de que é um dos melhores lutadore
também
dantes, não apenas contra Os turcos, mas

contra os demônios e poderes diabólicos. Mas se vo
nãoo faz, de que adiantaria a você se realizasse todas
as coisas sobrenaturais de todos os santos e estrangu-
lasse todos os turcos, mas fosse considerado culpado
de não se ter importado com a necessidade do seu
próximo e culpado de ter pecado contra o amor? No
RDAo
SAuNA R I O c o n t o
|
Í

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último dia, Cristo não perguntará o quanto você orou,
jejuou, peregrinou, fez isso ou aquilo por você mes-
mo. Ele perguntará quanta coisa boa você fez aos
outros, aos mais pequenos. Entre os mais pequenos
estão, sem dúvida, aqueles que são pecadores e vi-
vem na pobreza, na prisão e em necessidade espiri-
tual. Atualmente, há um número muito maior desses
do que daqueles que passam necessidade física. Por
isso tenha cuidado: as boas obras assumidas por nós
nos levam em nossa própria direção. Fazem com que
procuremos apenas nossa vantagem e salvação. Mas
os mandamentos de Deus nos impulsionam em dire-
ção ao nosso próximo, para que sejamos úteis apenas
para a salvação dos outros. Assim como Cristo na cruz
não suplicou apenas por si, mas mais por nós, ao di-
zer: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fa-
zem” (Lucas 23.34). Também nós temos que suplicar
uns em favor dos outros. A partir disso, cada um pode
reconhecer que aqueles que fazem acusações falsas,
julgam de forma perigosa e desprezam outras pes-
soas são gente má e perversa. Eles nada mais fazem
senão desvalorizar as pessoas pelas quais deveriam
estar intercedendo. Ninguém está tão profundamente
atolado nesse vício quanto justamente aqueles que
produzem muitas obras boas próprias. Eles aparecem
com algo de especial perante as pessoas por causa de
seu belo e brilhante caráter em toda espécie de boas
obras.

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a
17. No sentido espiritual, este terceiro mandamento
inclui uma obra muito superior ainda. Esta abrange
toda a natureza do ser humano. É preciso saber que

=
“Sábado” é o termo hebraico para folga ou repouso.
Deus descansou no sétimo dia e largou de todas as
suas obras (Gênesis 2.3). Também determinou que se
deveria folgar no sétimo dia e interromper nossostra-
balhos, com os quais nos ocupamos durante seis dias.
Este sábado passou a ser o domingo para nós. Os ou-
tros dias são chamados de dias úteis, enquanto o do-
mingo significa dia de repouso, feriado ou dia santo.
Não deveria haver outro feriado na cristandade senão
o domingo, transferindo-se todas as festas de Nossa
Senhora e dos santos para esse dia. Assim, muitos
vícios seriam evitados pelo trabalho dos dias úteis.
Também os países não ficariam tão pobres e esgota-
dos. Mas agora estamos atormentados por muitos fe-
riados, para a perdição das almas, dos corpos e dos
bens. Haveria muito a dizer sobreisso.
Esse repouso ou essa paralisação das obras tem
dois sentidos: o físico e o espiritual. Por isso este ter-
ceiro mandamento também é entendido de duas ma-
neiras.
A folga ou repouso físico significa que devemos
deixar de lado a nossa ocupação e trabalho, a fim de
nos reunir na igreja para assistir a missa, ouvir a pala-
vra de Deus e orar juntos em paz. Essa folga é de
natureza física e não foi estabelecida por Deus nacris-

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tandade. O apóstolo diz em Colossenses 2.16s: “Não
se deixem obrigar por ninguém a feriado algum”. (An-
tigamente, estes eram um pressuposto, mas agora a
verdade está consumada, assim que todos os dias tam-
bém são feriados, como diz Isaías 66.23: “Um feriado
se seguirá ao outro”. Por outro lado, todos os dias são
úteis). Mesmo assim, essa folga é necessária e foi
estabelecida pela cristandade em consideração aos
leigos imperfeitos e aos trabalhadores, para que eles
também possam chegar à palavra de Deus. Os sacer-
dotes rezam missa todos os dias, oram a toda hora e
se exercitam na palavra de Deus, estudando, lendo e
ouvindo. Por isso, diferentemente dos outros, eles es-
tão liberados do trabalho, são beneficiados com ren-
das e têm feriado todos os dias. Não têm dias úteis,
mas um dia é igual ao outro. Se todos fôssemos per-
feitos e conhecêssemos o Evangelho, poderíamos tra-
balhar todos os dias, se quiséssemos, ou folgar, se pu-
déssemos. A folga não é necessária nem está
estabelecida senão exclusivamente para aprender a
palavra de Deus e orar.
A folga espiritual que Deus quer especialmente nes-
te terceiro mandamento é que não só deixemos delado
o trabalho e a ocupação. Antes, devemos deixar ape-
nas Deus agir em nós e não construir nada particular
com todas as nossas forças. Mas como acontece isso?
Da seguinte maneira: o ser humano, pervertido pelo
pecado, tem muita inclinação e um amor maligno por

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todos os pecados. A Escritura diz em Gênesis 8.21: “O
coração e a mente do ser humano se inclinam sempre
para o mal”. Isso significa que se inclinam para a arro-
gância, a desobediência, a raiva, o Ódio, a ganância, a
impureza, etc. Em resumo: em tudo que faz e deixa de
fazer o ser humano procura mais a sua própria vanta-
gem,seu próprio objetivo e prestígio do que os de Deus
e de seu próximo. Porisso todas as suas obras, todas as
suas palavras, todos os seus pensamentos e toda a sua
vida são malignos, e não divinos.
Se agora Deus deve agir e viver nele, todos esses
vícios e maldades precisam ser sufocados e arranca-
dos. Então vai haver um repouso e uma paralisação
de todas as nossas obras, palavras, idéias e vida. Não
nós, mas Cristo vai viver, agir e falar em nós (como diz
Paulo em Gálatas 2.20). Isso não acontece com dias
agradáveis e bons, mas é preciso magoar a natureza
e deixá-la ser machucada. Surge então a luta entre o
Espírito e a came. O Espírito luta contra a raiva, O
grande prazer, a arrogância, enquanto a carne procu-
a

ra O gozo, o prestígio e o conforto. São Paulo diz so-


bre isso em Gálatas 5.24: Os que são de Cristo, nos-
so Senhor, crucificaram sua carne com todos os seus
—4——

vícios e desejos”. Seguem então as boas obras, o je-


jum, a vigília, o trabalho. Alguns falam e escrevem
muito sobre isso, embora não saibam onde essas coi-
sas começam nem terminam. Por isso também quere-
mosfalar sobre isso agora.

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Po

18. A folga (quando nossa obra deve parar e so-


mente Deus agir em nós) acontece de duas formas:
em primeiro lugar, através da nossa própria prática;
em segundo, através de exercícios ou estímulosalheios,
de outras pessoas.
Nosso próprio exercício deve ser realizado e estar
ordenado de tal forma que, em primeiro lugar, ao
percebermosa instigação da nossa carne, mente, von-
tade e pensamento, lhe resistamos e não sigamos. Diz
o sábio em Eclesiástico: “Não sigas aos teus desejos”
(Eclesiástico 18.30) e em Deuteronômio 12.8: “Não
| deves fazer o que te parece certo”.
Nesse ponto, a pessoa precisa praticar diariamen-
te as orações de Davi: “Senhor, quia-me em teu cami-
nho e não me deixes seguir os meus caminhos” (Sal
mo 119.35,37). Também precisa fazer muitas outras
orações desse tipo, que estão todas compreendidas
na petição: Venha a nóso teu reino”. Os desejos são
tantos, tão diferentes e, às vezes, por inspiração do
maligno, tão astutos, sutis e de boa aparência, que
não é possível para uma pessoa dirigir-se a si mesma
em seu caminho. Ela precisa abrir mão de seu pró-
prio agir, confiar-se a Deus e não fiar-se em sua ra-
zão, como diz Jeremias: “Eusei, Senhor, que os cami-
nhos do ser humano não estão sob seu controle”
(Jeremias 10.23). Isso foi observado quando osfilhos
de Israel saíram do Egito e atravessaram o deserto.
No deserto não havia caminho, alimento, bebida, nem

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qualquerrefúgio. Por isso Deus andava na sua frente,
durante o dia, com uma nuvem brilhante e, à noite,
com uma coluna de fogo. Alimentava-os com pão do
céu, conservava suas vestes e calçados para que não
rasgassem, conforme lemos noslivros de Moisés (cf.
Êxodo 13.21; 16.4ss; Deuteronômio 29.55). Porisso
pedimos: “Venha o teu reino, para que tu nos gover-
nes, e não nós mesmos”. Não há nada mais perigoso
em nós do que nossa razão e vontade. Esta é a supre-
ma e primeira obra de Deus em nós. É também a
melhor maneira de nos exercitarmos em largar nos-
sas obras: deixar inativas a razão e a vontade, folgar e
confiar-se a Deus em todas as coisas, particularmente
quando são de natureza espiritual e brilham muito.
19. A isso segue o exercício da carne: castigar,
fazer repousar e fazer folgar seu desejo grosseiro e
mau, o qual temos que acalmar com jejum, vigília e
trabalho. Por essa razão passamos a ensinar por que
e quanto devemosjejuar, vigiar ou trabalhar.
Infelizmente, há muitas pessoas cegas que exerci-
tam seu sofrimento, seja no jejum, na vigília ou no
trabalho. Apenas porque pensam quese trata de boas
obras e que com isso ganham muito valor. Por isso
elas se apressam e, às vezes, passam tanto da medi-
da, que destroem seu corpo e enlouquecem a cabeça.
Muito mais cegos ainda são os que medem o jejum
não apenas de acordo com a quantidade ou duração,
mas também segundo o tipo de comida. Acham que

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vale muito mais não comer carne, ovos ou manteiga.
Além desses, há ainda os que planejam o jejum de
acordo com os santos ou conforme o dia: um jejua na
quarta-feira, outro no sábado, este no dia de Santa
Bárbara, aquele no dia de São Sebastião, e assim por
diante. Todos esses não procuram nada mais no jejum
senão a obra em si mesma. Assim que a terminaram,
acreditam que ela foi bem feita. Nem quero falar da-
queles cujo jejum não os impede de se embebedar.
Outros jejuam com tamanha quantidade de peixes e
mais
de outros alimentos, que se aproximariam muito
ovos
do jejum propriamente dito se comessem came,
melhor lu-
e manteiga. Além disso, receberiam muito
debochar
cro do jejum. Pois aquilo não é jejuar, e sim
do jejum e de Deus.
dia, a comida e
Por isso deixo ca da um escolher o
a a seu critério, des-
a quantidade para jejuar. Isso fic
, mas se preocupe
de que não se contente com isso
por-lhejejum, vigília
com sua própria carne. Deve im
na me sm a me di da em qu e a carne for
e trabalho
vi da . Ma s na da ma is , ne m qu e papa,
lasciva e at re
co nf es so r ou qu em qu er que seja o te-
Igreja, bisp o,
na do . Po is ni ng ué m de ve de te rminar a me-
nha orde
gr a do je ju m, da vig íli a e do trabalho de
dida e a re
co m a co mi da , a qu an ti da de ou os dias, mas
acordo
a di mi nu iç ão ou O au me nt o do desejo carnal
segund o
at re vi me nt o. O je ju m, a vig ília e O trabalho fo-
e do u castigo e
s so me nt e em fu nç ão de se
ram instituído

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seu abrandamento. Não fosse esse desejo, o comer
teria o mesmo valor do queo jejuar, dormir o mesmo
que vigiar, ficar inativo o mesmo que trabalhar. Um
seria tão bom quanto o outro, sem qualquer diferen-
ça.
20. Se alguém constatar que comer peixe provo-
ca mais atrevimento nele do que comer ovos e carne,
esse deve consumir carne e não peixe. Por outro lado,
se constatar que o jejum deixa sua cabeça doida e
maluca, ou que fica com o corpo e o estômagoenjoa-
dos, ou que não há necessidade disso para castigar
sua ousadia, deve deixar o jejum completamente de
lado. Deve comer, dormir e estar inativo na medida
do necessário para a saúde, sem levar em considera-
ção se isso contraria mandamentos da Igreja ou asleis
da ordem e do estamento. Não há mandamento da
Igreja nem lei de qualquer ordem que possa valorizar
ou impor o jejum, a vigília e o trabalho mais do que na
medida em que servem para amenizar a came e seu
desejo. Ninguém deve pensarqueteria feito boa obra
ou desculpar-se com um mandamento da Igreja ou
uma lei da ordem se esse objetivo for ultrapassado. E
também se o jejum, a vigília e o trabalho forem leva-
dos mais longe do que a carne possa suportar ou do
que é necessário para o castigo do desejo. Com isso
arruína-se a natureza e perturba-se a cabeça. Essa
pessoa que pensa assim será considerada alguém que
descuida de si próprio, alguém que se tornou seu pró-

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prio assassino. Pois o corpo não foi dado para quese
castique sua vida ou obra natural, mas apenas para
castigar sua ousadia. A não ser que essa seja tão forte
e intensa, que não se poderia resistir a ela o suficiente
sem prejudicar a integridade física. Como dissemos,
nos exercícios de jejum, vigília e trabalho não se deve
considerar as obras em si mesmas, os dias, a quanti-
dade ou o tipo de comida. Deve-se prestar atenção
frear
somente no Adão atrevido e lascivo, para assim
o seu desejo.
91. Assim podemos ter uma idéia do bom senso
grávidas
ou da tolice de certas mulheres quando estão
se agar-
e como se deve lidar com os doentes. As tolas
em grande
ram tanto ao jejum, que preferem colocar
jejuar junto
perigo o fruto e a si pró prias do que não
não há ne-
com as outras. Tomam cuidados quando
e quando há, não os tomam. Tudo isso é
cessidade,
superficialmente
culpa dos pregadores, por falar tão
uso correto, sua
sobre o jejum, nunca indicando seu
finalidade. Da
medida, seu fruto, seu motivo e sua
comer e beber
mesma forma, os doentes deveriam
os dias o que quisessem. Em resumo: ao acabar
todos
toda a razão para
o atrevimento da carne, já terminou
ou aquilo. Não há
jejuar, vigiar, trabalhar, comer isso
mais qualquer mandamento que obrigue.
lado, deve-se tomar cuidado para que
Por outro
descuidada
dessa liberdade não nasça uma preguiça
maligno é
de castigar a ousadia da came. O Adão

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muito esperto em livrar-se da obrigação, alegando estar
destruindo o corpo ou a cabeça. Assim, alguns se apres-
sam em dizer que não é preciso nem está determina-
do que se jejue ou que se pratique o castigo. Querem
comer isso e aquilo sem qualquer receio, como se,
durante muito tempo,tivessem praticado intensamente
o jejum, enquanto na verdade nunca o tentaram.
Devemos ter um cuidado semelhante para não es-
candalizar aqueles que não têm entendimento suficien-
te e acreditam ser um grande pecado não jejuar ou
comer com eles a seu modo. Devemosensiná-los com
bondade e não rejeitá-los com arrogância, ou comer
isso ou aquilo para contrariá-los. Devemos mostrar as
razões por que é correto agir dessa forma, levando-os
com calma a ter a mesma compreensão. Mas se forem
teimosos e não derem ouvidos ao que lhes dizemos,
devemos esquecê-los e agir da forma mais adequada.
22. O outro exercício é quando somos ofendidos
por seres humanos ou demônios. Se nostiram nossos
bens, o corpoadoece e sofremos desonra. Tudo isso
pode nos levar à raiva, impaciência e falta de sosse-
go. Pois a obra de Deus é sabedoria e pureza — na
medida em que reina em nós segundo a sua sabedo-
ria, não segundo a nossa razão, e segundoa sua pure-
za e castidade, não segundo a ousadia da nossa carne.
À nossa obra é tolice e impureza. Estas devem entrar
em repouso. Da mesma forma, ela também deve go-
vernar em nós conforme sua paz, e não segundo a

93
[o

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nossa raiva, impaciência e ausência de paz. Pois a paz
também é obra de Deus, enquanto a impaciência é
obra de nossa carne. Esta deve entrar em repouso e
estar morta para que, assim, comemoremos por toda
parte um feriado espiritual, deixemos improdutivasas
nossas obras e permitamos que Deus atue em nós.
Para castigar nossas obras e matar o velho Adão,
Deus faz com que nos aconteçam muitas adversidades
que nos levam à raiva, muitos sofrimentos que provo-
cam impaciência e, por último, também a morte e a
ofensa do mundo. Com isso ele não procura outra coi-
sa senão expulsar a raiva, a impaciência e a ausência
de paz e chegar à sua obra em nós, isto é, à paz.
Assim diz Isaías 28.21: “Ele utiliza uma obra estranha
para chegar à sua obra própria”. O quesignifica isso?
Ele envia sofrimento e falta de paz para nos ensinar a
e
ter paciência e paz. Manda morrer para reviver,
isso por tanto tempo até que a pessoa, perfeitamente
se
exercitada, se torne tão pacífica e calma, que não
re-
deixe comover, passe bem ou mal, viva ou morra,
ceba honrarias ou seja desonrada. Então é somente,
Deus mesmo que mora ali. Não há mais obras huma-
nas. Isso se chama observar e santificar o dia de re-
pouso. Não é a própria pessoa que conduz a si mes
ma, nãoé ela própria que sente desejo, nada a entris-
tece. Mas é o próprio Deus que a conduz. Então há
pura alegria, paz e prazer divinos junto com todas as
outras obras e virtudes.

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23. Deus tem essas obras em tão alto conceito,
que manda não só observar o dia de repouso, mas
também santificá-lo ou considerá-lo sagrado. Mostra
com isso que não existe coisa mais preciosa do que
sofrimento, morte e todo tipo de desgraça. São um
santuário e santificam a pessoa, levando-a de suas
próprias obras para as de Deus. Assim como uma igre-
ja é consagrada e conduzida de obras naturais para
===

cultos a Deus. Por isso ela também deve reconhecê-


las como um santuário, ficar alegre e agradecer a Deus
quando chegarem a ela. Com a sua chegada a tor-
nam santa, de forma que cumpre esse mandamento e
se torna bem-aventurada, libertada de suas obras pe-
cadoras. Davi diz: “A morte dos seus santos & coisa
preciosa aos seus olhos” (Salmo 116.15).
Para nos fortalecer, Deus não somente nos orde-
nou repouso. Muito a contragosto, a natureza morre e
sofre, e para ela é amargo o dia de repouso em que
deixa inativas as suas obras e permanece morta. Deus
também nos consolou com muitas palavras na Escritu-
ra, mandando dizer com O Salmo 91.15: “Eu estou
com ele em todo o seu sofrimento livrá-lo-ei”. E ain-
da com o Salmo 34.18: “O Senhor está perto de to-
dos os que sofrem e lhes ajudará”.
Como se isso não bastasse, ele acrescentou um
exemplo decisivo: seu único e amado Filho, Jesus Cris-
to, nosso Senhor,ficou deitado durante todo o dia de
repouso, no sábado, privado de todas as suas obras, e

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SDqui

ento.
cumpriu como primeiro este terceiro mandam
Ele mesmonão tinha necessidade disso. Ele o fez ape-
nas para O nosso consolo, para que também nósfi-
quemos quietos em todo sofrimento e morte e tenha-
seu
mos paz. Assim como Cristo ressuscitou depois do
Deus
sossego e repouso, passando a viver somente em
em Deus,
e Deus nele, também nós somos elevados
rnamente. Isso
para que Deus viva e atue em nós ete
Adão — o que
acontece através do castigo do nosso
morte e pelo
não ocorre de forma perfeita senão pela
s na pes-
sepult amento da natureza. São três os fatore
atr avé s dos qua is se rea liz am todas as obras: a
soa
Portanto, eles preci-
razão, O prazer e O desprazer.
três passos (a sub-
sam ser sufocados atravês desses
ao gov ern o de Deu s, à nos sa pró pria mortifi-
missão
çã o e ao SO fri men to pro voc ado por outros) e assim
ca
o para Deus, ce-
observar espiritua lmente o repous
s.
dendo espaço para suas obra
vem realizar-se na
924. Tais obras e sofrimentos de
e de Deus, para que
fé e na boa confiança na bondad -
eiro mandamen
todas as obras permaneçam no prim eça
na fé e pa ra qu e a fé se ex er ci te e fortal
to e
la s. Em fu nç ão da fé fo ra m es ta be lecidos todos os
ne
lo anel de ouro
outros mandamentos e obras. Um be
ndamentos e suas
se forma a partir desses três ma
ra s. O pr im ei ro ma nd am en to e à fé desembocam
ob
amento. O
no segundo e seguem até o terceiro mand
segundo
terceiro, por sua vez, impulsiona através do

96

—s
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até o primeiro. Pois a primeira obra é ter fé, um bom
coração e confiança em Deus. Disso sai a segunda
boa obra: louvar o nome de Deus, reconhecer a sua
graça e dar toda a glória somente a ele. Segue então
a terceira: praticar o culto a Deus com oração, ouvir a
pregação, meditar sobre a bondade de Deus e, além
disso, mortificar-se e dominar a própria carne.
Quando o mau espírito se dá conta dessa fé, glória
a Deuse culto a Deus, fica furioso e começaa perse-
guição: ataca o corpo, os bens, a honra e a vida, joga
sobre nós doença, pobreza, vergonha e morte, con-
forme Deus ordenou. Então começa a segunda obra
ou a segunda observância do terceiro mandamento. A
fé é colocada à prova de uma forma extrema, como
acontece com o ouro nofogo (Eclesiástico 2.5). Pois
se trata de algo muito grande manter uma boa con-
fiança em Deus, mesmo que ele imponha a morte, a
vergonha, a falta de saúde e a pobreza, bem como
considerá-lo, mesmo furioso, o mais bondoso dos pais.
Isso deve acontecer nessa obra do terceiro manda-
mento. Então o sofrimento insiste com a fé para invo-
car o nome de Deus e louvá-lo dentro desse sofrimen-
to. A fé passa pelo terceiro mandamento e chega no-
vamente ao segundo e, através dessa invocação do
nome de Deus e desse louvor, cresce e chega si
própria. Fortalece assim a si mesma pelas duas obras
do terceiro e do segundo mandamentos. Ela parte para
as obras e volta a si mesma através das obras, da

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mesma maneira como o sol se levanta e vai até o po-
ente e volta ao nascente (cf. Salmo 19.6). Porisso, na
Escritura, o dia é destinado à vida pacífica nas obras;
a noite, à vida sofredora na dificuldade. Desse modo,
a fé vive e atua, parte e chega em ambos, como diz
Cristo em João 9.4.
925. Esta é a ordem das boas obras no Pai-nosso.
Na primeira petição dizemos: “Pai nosso, que estás
nos céus”. São palavras da primeira obra dafé, que,
segundo o primeiro mandamento, não duvida de que
há um gracioso Deus e Pai no céu. À segunda peti-
ção é: “Santo seja o teu nome”. Nisso a fé está dese-
jando que sejam exaltados o nome, o louvor e a hon-
ra de Deus, suplicando a ele em toda necessidade,
conforme diz o segundo mandamento. A terceira
petição é: “Venha o teu reino”. Nela pedimos o sá-
bado e feriado corretos, repouso tranqúilo de nossas
em
obras, para que somente a obra de Deus esteja
rio rei-
nós. Deus reinará em nós como em seu próp
s
no, conforme ele diz: “Percebam que o reino de Deu
não está em lugar algum senão em vocês mesmos”
a tua
(Lucas 17.21). Na quarta petição — “seja feita
os sete
vontade” —, pedimos para cumprir e quardar
mandamentos da segunda tábua. Neles a fé também
é praticada em relação ao próximo, assim como ê
praticada nos três primeiros em obras referentes
apenas a Deus. Essas são as petições em que apare
cem as palavrinhas “tu, teu, tua”, uma vez que SO”

98

aa
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mente procuram o que pertence a Deus. Todas as
outras dizem “nosso, nós, aos nossos, etc.” Pois esta-
mos pedindo por nossos bens e nossa bem-aventu-
rança.
E isso o que tínhamosa dizer sobre a primeira tá-
bua de Moisés. Mostramos às pessoas humildes, de
uma forma resumida e simples, as boas obras de maior
destaque.

SEGUNDA TÁBUA

O primeiro mandamento
da Segunda Tábua de Moisés

Honrarás o teu paie a tua mãe

Aprendemos deste mandamento que, depois das


grandes obras dos três primeiros mandamentos, não
há obras melhores do que a obediência e o serviço a
todas as nossas autoridades. A desobediência é um
pecado maior do que o assassinato, a impureza, o rou-
bo, a fraude e tudo o que possa ser incluído nisso. Pois
não poderíamos reconhecer melhor a diferença entre
os pecados — qual é o mais grave — senão a partir da

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ordem dos mandamentos de Deus. Se bem que cada
mandamento também apresenta uma diferença entre
suas obras. Quem não sabe que rogar pragas é mais
grave do que irritar-se, bater é pior do que rogar pra-
gas, agredir pai e mãe é mais grave do que bater
numa pessoa comum? Portanto, esses sete manda-
mentos nos ensinam como devemos fazer boas obras
para as pessoas, e em primeiro lugar para os nossos
superiores.
=> 1. À primeira obra é: devemos honrar pai e mãe
' físicos. Essa honra não consiste apenas na demonstra-
ção através de gestos. Ela também consiste na obe-
diência aos pais, na observância, na alta consideração
Devemos
e na valorização de suas palavras e obras.
dizem,
deixar que eles tenham razãonascoisas que
ficarquietos esofreraquiloque fazem conosco, desde
quenãoseja contrário aos três primeiros mandamen-
providenciar
tos. Alémdisso,honrar os pais significa ne-
caso tiverem
alimento, roupa e abrigo para eles,
7 em vão que ele disse: “Tu os honra-
cessidade. Não foi
di ss e: “T u os am ar ás ”. Se bem que isso
rás”.Ele nã o
ne ce ss ár io . Ma s a ho nr a é ma is nobre do
também é
mp le s am or . El a in cl ui um te mor que se une
que o si
e fa z co m qu e a pe ss oa te nh a mais medo de
ao amor
de r os pa is do qu e de se r ca st igada. É como hon-
ofen to
um a co is a pr ec io sa co m temor, sem entretan
ra r imo-
contrário, sent
fugir dela como de um castigo. Pelo misturado
os po r ela . U m te mo r de ss et ip o,
nos atraíd

|
ai
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ao amor, é a verdadeira honra. O outro temor, priva-
do de amor, diz respeito às coisas que desprezamos
ou das quais fugimos, assim como se temem o carras-
co ou o castigo. Aí não há honra, pois se trata de
temor sem qualquer amor, sim, temoraliado a ódio e
provocação. Sobre isso existe uma frase de São
Jerônimo: “Aquilo que tememos também odiamos”.
Deus não quer ser temido nem honrado com esse te-
mor. Ele também não quer que os pais sejam honra-
dos com esse temor, mas com aquele primeiro, mistu-
| rado a amor e confiança.
2. Essa obra parece fácil, mas poucos prestam
atenção direito nela. Quando os pais são realmente
justos e amam seus filhos, não de uma maneira car-
nal, mas os ensinam e orientam para O culto a Deus
com palavras e obras nos três primeiros mandamen-
tos, a vontade própria da criança é quebrada constan-
temente. Ela tem que fazer, deixar de fazer e sofrer
aquilo que sua natureza gostaria muito de fazer de
outra forma. Com isso ela é levada a desprezar seus
pais, a murmurar contra eles ou fazer coisas piores.
Então acabam o amor e o temor, se não estiver pre-
sente a graça de Deus. Da mesma forma, quando os
pais castigam como convém — às vezes também injus-
tamente, o que não prejudica a bem-aventurança da
alma —, a natureza ruim aceita-o de má vontade. Pior
do que tudo isso, alguns de mau caráter envergonham-
se de seus pais por causa de sua pobreza, falta de

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nobreza, mau aspecto ou desonra. Ficam mais impres-
sionados com esse tipo de coisas do que com o nobre
mandamento de Deus. Deus está acima de tudo e lhes
deu esses pais com decidida bondade, para exercitá-
los e pô-los à prova em seu mandamento. Isso se tor-
na ainda mais rude quando o filho, por sua vez, tem
filhos: então o amor volta-se para baixo, diminuindo
muito o amor e a honra em relação aos pais.
Aquilo que é dito em relação aos pais também vale
de
para as pessoas que ocupam o seu lugar por causa
parentes,
seu falecimento ou sua ausência: amigos,
Cada qual
padrinhos, governantes e guias espirituais.
outras pessoas.
precisa ser orientado e estar sujeito a
são ensinadas
Portanto, vemos aqui que muitas obras
nele toda a nossa
nesse mandamento, uma vez que
isso, a obediên-
vida está sujeita a outras pessoas. Por
obra estão
cia é tão exaltada, etoda virtudee boa
—— o ,
contidasnela. . os
ra para com
—-3-P&iste ainda uma outra deson
do que essa primeira.
pais, muito mais perigosa e sutil -
a verda deira. Acon
Ela se enfeita e quer ser uma honr
quan do a crian ça tem o seu desejo, e os pais, por
tece
carna l, perm item a vonta de dela. Então se hon-
amor
e as coisa s ficam agrad áveis para todos.
ra, se ama,
Agradam ao pai, à mãe e à criança.
praga é tão comu m, que Os € xe mplos da de-
Essa
em prime iro lugar até pare cem ser ra-
sonra citada
acont ece porq ue os pais, ofusc ados, n ão re-
ros. Isso

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conhecem nem honram Deus nos primeiros três man-
damentos. Por isso também não conseguem enxergar
o que faz falta aos filhos nem como devem ensiná-los
e educá-los. Educam-nos para o prestígio, prazer e
bens mundanos, de forma que agradem às pessoas e
subam na vida. Isso é do agrado das crianças. Elas
obedecem de boa vontade, sem qualquer objeção.
Secretamente e sob boa aparência, o mandamen-
to de Deus acaba caindo por terra. Cumpre-se aquilo
que está escrito nos profetas Isaías (cf. Isaías 57.5) e
Jeremias (cf. Jeremias 7.31; 32.35): os filhos são con-
sumidos pelos seus próprios pais. Eles agem como o
rei Manassés, que fez com que seu filho fosse sacrifi-
cado e queimado para o ídolo Moloque (cf. 2 Reis
21.6). Não é outra coisa senão sacrificar e queimar
seu próprio filho para o ídolo quando os pais educam
mais para agradar ao mundo do que a Deus. Eles
deixam seus filhos de qualquer jeito, queimados em
prazer, amor, alegria, bens e honra mundanos, en-
quanto se apagam neles o amor e a honra a Deus,
bem como a satisfação dos bens eternos.
É perigoso ser pai e mãe quando somente a came
e o sangue estão com as rédeas na mão. Na verdade,
dependedeste mandamento que os três primeiros e os
últimos seis sejam reconhecidos e cumpridos. Os pais
devem ensiná-los aosfilhos, como consta no Salmo 78.5s:
“Quão insistentemente ordenou ele aos nossos pais que
dessem a conhecer os mandamentos de Deus a seus

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filhos, para que seus descendentes os soubessem e o
filho os proclamasse aos netos”. Este também é o mo-
tivo por que Deus manda honrar os pais, isto é, amá-
los com temor. Pois aquele amor é destituído de temor,
razão pela qual é mais desonra do que honra.
Cada qual, seja pai, seja filho, tem o suficiente a
fazer em matéria de boas obras. Mas nós, cegos que
somos, o deixamos de lado e procuramos noutro lu-
gar por outras obras de toda espécie, que não estão
ordenadas.
4. Mas se os pais são tão tolos, que educam os
filhos de forma mundana, nunca os filhos devem obe-
decer-lhes. Nos três primeiros mandamentos, Deus
deve ser considerado mais do que os pais. Por educa-
ção em sentido mundano eu entendo ensinar a procu-
ou
rar não mais do que a satisfação, a honra e os bens
o poder deste mundo.
honesto
Usar roupas decentes e procurar sustento
la-
é necessidade, não pecado. Uma criança deveria
come
mentar em seu coração que não se consegue
a terra,
çar ou conduzir bem essa vida miserável sobre
que o neces-
a menos que se usem mais roupa e bens
frio e obter
sário para cobrir o corpo, defender-se do
contra a sua
o sustento. Portanto, ela vê-se obrigada,
a acompanhar
vontade e por consideração ao mundo,
mal por causa
essas bobagens e suportar semelhante
Ester
de algo melhor, para evitar coisa pior. A rainha ja
“Sabes que
usou sua coroa real, dizendo a Deus:

104

ea
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mais me agradou este sinal de minha ostentação SO-
bre a minha cabeça, que o considero um caco
imprestável e jamais o uso quando estou a sós, mas
apenas quando sou obrigada e preciso me apresentar
às pessoas” (Ester 3.11). O coração que toma essa
atitude carrega jóias sem qualquer perigo, pois as usa
sem usá-las, dança sem dançar, vive bem sem viver
bem. Estas são as almas secretas, as noivas ocultas de
Cristo. No entanto, elas são muito raras, pois é difícil
não ter prazer em meio a grande enfeite e luxo. San-
ta Cecília (descendente de uma nobre família romana)
usava vestes de ouro por ordem de seus pais. Mas por
dentro, sobre o corpo, usava uma blusa de cerda.
Alguns falam sobre isso: “Sim, como é que eu ha-
veria de introduzir meus filhos na sociedade e casá-los
de forma honrada? Nada meresta senão exibir-me”.
São palavras de um coração que desespera de Deus
e confia mais em seu próprio cuidado do que no de
Deus, enquanto São Pedro ensina: “Lancem sobre ele
todas as suas preocupações e tenham certeza de que
ele cuida de vocês” (1 Pedro 5.7). Isto é sinal de que
nunca agradeceram a Deus por seus filhos, jamais
oraram poreles de forma harmônica e nunca os reco-
mendaram a ele. Caso contrário, saberiam e teriam
experimentado como pedir e esperar de Deus tam-
bém o casamento de seusfilhos. Porisso ele também
permite que sigam sua própria atitude com preocu-
pações e receios, mas sem realizar nada bem.

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que não tenham
5. É verdade que OS pais, mesmo
tr a co is a a fa ze r, po de m ob te r a bem-aventurança
ou
s do s pr óp ri os fil hos . Se os ed uc arem correta-
atra vé e os pais têm
cu lt o a De us , na ve rd ad
mente para O
de si am ba s as mã os ch ei as de boas obras. Pois
diante doentes
o OS fa mi nt os , se de nt os , nus, presos,
o que sã filhos?
e estranhos senã o as almas dos seus próprios
fe z da su a ca sa um ho spital e faz de
Com eles Deus de ve cuidar de-
he fe de le s. Vo cê
você O enfermeiro-c m boas palavras e
co me r € be be r co
les, dar-lhes de ia r em Deus, crer
ap re nd am a co nf
obras, para que sua esperança, hon-
de po si ta r ne le a
nele e temê-lo, nd am a nã o rogar
mb ém ap re
rar o seu nome. E ta com orações,
ne m am al di ço ar , atormentar-se
pragas palavra
cuidar do serviço e da
jejum, vigília, trabalho, fi m, para que apren-
o sá ba do . En
de Deus, dedicar-lhe ais, suportar pa-
coisas tempor
dam a desprezar as r a morte e não
de sg ra ça , nã o te me
cientemente a
amar essa vida. e m e m sua casá,
c ê t
É muito grande essa lição. V o
i l h o p r e cisa de
s. S e u f
em seu filho, muitas boas obra edenta,
co mo um a à I m a f a minta, s
todas essas coisas te . O ma tr im ônio
er ad a e do en
despida, pobre, encarc se ri am be m-aventura”
ja ta is pa is
e a casa em que ha u m conven”
a ve rd ad ei ra ig re ja ,
dos. Seria de fato um 128. 1-4 diz sobre
pa ra ís o. O Sa lm o
to eleito, sim, um os qu e te me m a Deus €
sã o
isso: “Bem-aventurados ta r- te -à s com O
en to s. Al im en
andam em seus mandam

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tl
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m ã o s e po r is to se rá s be m-aventura-
trabalho de tuas o m o videira muito
m, tu a mu lh er se rá c
do e passarás be redor de tua
ca sa , e te us fi lh os ao
frutífera em tua sa oliveira. Ve -
s re be nt os da fr on do
mesa, como novo ” etc.
jam, assim será abençoado quem teme à Deus
as si m? O n d e es tã o os qu e buscam boas
Onde há pais
ni ng ué m qu er se ap re se ntar. Por quê?
obras? Aqui
de no u. O di ab o, a c a m e e O sangue nos
Deus o or
ss o. Já qu e nã o br il ha , t a mbém não mere-
afastam di
co rr e pa ra Sa nt ia go de Co mpostela, aquela
ce. Este to
vo to pa ra No ss a Se nh or a. Ninguém faz vo
faz u m
de orientar e ensinar dire ito a si mesmo € à seus filhos
us . M a s ab an do na aq ue le s que Deus
em honra a De
me nd ou pa ra qu e Os qu ar da sse em corpo e
lhe reco
va i se rv ir a De us e m ou tr o lu ga r, que não lhe
alma e
co me nd ad o. N e n h u m bi sp o im pe de tal absur-
está re
n e n h u m pr eg ad or o ce ns ur a. Pe lo contrário, por
do,
us a do se u in te re ss e ma te ri al , eles o reforçam, in-
ca
nt am di ar ia me nt e no va s ro ma ri as , canonizações e
ve
a compaixão de
comércio de indulgências. Deus tenh
tal cegueira!
cer o
6. Por outro lado, os pais não poderão mere
fe rn o ma is fa ci lm en te do qu e e m se us próprios fi-
in
darem deles e
lhos, em sua própria casa, se descui
e
não ensinarem as coisas mencionadas antes. De qu
ria e
adiantaria jejuar até a morte, rezar, fazer roma
todo tipo de obras? Em sua morte e no último dia, de
qualquer forma Deus não lhes fará perguntas sobre

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essas coisas, mas reclamará os filhos que lhes reco-
mendou. Isso está indicado na palavra de Cristo em
Lucas 23.28s: “Filhas de Jerusalém, não chorem por
minha causa, mas por causa de vocês mesmas e de
suas filhas. Dias virão em que haverão de dizer: Bem-
aventurados os corpos que não deram à luz e os seios
que não amamentaram”. Por que se lamentarão des-
sa forma senão porque toda a desgraça provém de
seus próprios filhos? Se não os tivessem gerado, tal-
vez tivessem sido salvas. É verdade, essas palavras bem
que deveriam abrir os olhos dos pais no sentido de
verem os seus filhos de forma espiritual, segundo a
sua alma. Assim as pobres crianças não seriam enga-
nadas por seu falso amor carnal, como se honrassem
seus pais de modo harmônico. Isso porque elas não se
zangaram com eles ou foram obedientes em exibição
mundana, na qual é fortalecida a sua vontade pró-
pria. Ao contrário, o mandamento concede honra aos
pais, para que seja quebrada a vontade própria dos
filhos, e estes se tornem humildes e mansos.
Foi dito antes que os outros mandamentos devem
acontecer na obra principal. Também aqui ninguém
deve pensar que sua disciplina e a instrução dos filhos
sejam suficientes em si mesmas, a não ser que sejam
realizadas na confiança no favor divino. À pessoa não
deve duvidar de que agrada a Deus nas obras e fazer
com que tais obras não sejam para ela outra coisa
senão um conselho e um exercício de sua fé, confian-

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do em Deus e esperando dele o bem e uma vontade
graciosa. Nenhuma obra vive, é boa e agradável sem
essa fé. De fato, muitos pagãos deram uma boa edu-
cação a seus filhos. Mas tudo está perdido por causa
da falta de fé.
7. À segunda obra deste mandamento é honrar e
ser obediente à mãe espiritual, à santa Igreja cristã,
ao poder espiritual. Devemos orientar-nos por tudo
aquilo que ela manda, proíbe, organiza, ordena, ex-
comungae desliga. Assim como honramos, tememos
e amamos os pais físicos, devemosagir também com
a autoridade espiritual. Devemos deixá-la ter razão
em todas as coisas que não desrespeitem ostrês pri-
meiros mandamentos.
Quanto a esta obra, a situação está muito pior do
que em relação à primeira. À autoridade espiritual
deveria castigar o pecado com excomunhões e leis e
estimular os seus filhos espirituais a serem piedosos.
Assim teriam motivo para praticar essa obra e ades-
trar-se na obediência e na honra para com ela. Atual-
mente, não se enxerga medida nenhuma nesse senti-
do. Lidam com seus subordinados como a mãe que
deixa seus filhos para correr atrás de seus amantes,
conforme diz Oséias 2.5. Não pregam, não ensinam,
não proíbem, não castigam. Na realidade, não existe
mais disciplina espiritual alguma na cristandade.
O que poderei dizer sobre essa obra? Restam ain-
da alguns dias de jejum e feriados, os quais seria me-

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lhor eliminar. Mas ninguém se importa com isso. Nada
está mais em moda do que a excomunhão por causa
de dívidas, que também não deveria existir. Ora, o
poder espiritual deveria ser exercido para que adulté-
rio, impureza, empréstimo a juros, comilança, exibi-
ção mundana, luxo supérfluo e todo pecado e vergo-
nha pública desse tipo fossem rigorosamente castiga-
dos e corrigidos. Além disso, as fundações, mosteiros,
paróquias e escolas deveriam ser administrados cor-
retamente. Neles deveria ser conservado com serie-
dade o culto a Deus. Nas escolas e mosteiros, os jo-
vens, meninos e meninas, deveriam ficar sob os cuida-
dos de pessoas cultas e piedosas. Todos deveriam re-
ceber uma boa educação. Os idosos deveriam ser um
bom exemplo, de forma quea cristandade ficasse cheia
e enfeitada com excelente gente jovem. Assim, São
Paulo ensina seu discípulo Tito a instruir e orientar
todos os grupos, jovens e velhos, homens e mulheres,
cada
de forma conveniente (cf. Tito 2. 1ss). Mas agora
qual faz o que quer e governa e ensina à si próprio.
Infelizmente, os locais em que se deveria ensinar coi-
sas boas transformaram-se em escolas de malandros.
Não há ninguém que cuide da juventude vadia.
8. Se esta ordem funcionasse, poderia ser dito
como deveriam ser prestadas a honra e a obediência.
Mas agora acontece como com os pais físicos, que
permitem a vontade de seus filhos: a autoridade espt-
ritual impõe, dispensa, recebe dinheiro e perdoa mais

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do que tem condições de perdoar. Não quero conti-
nuar a falar sobre essas coisas. Enxergamos mais de-
les do que é bom. O interesse material está com as
rédeas na mão. A autoridade espiritual ensina justa-
mente aquilo que deveria proibir. Está claro como em
todas as coisas: o estado espiritual é mais mundano do
que o secular. Por causa disso, a cristandade só pode
mesmo arruinar-se e este mandamento desaparecer.
Se houvesse um bispo para cuidar bem de todos
esses estamentos, supervisionando, fazendo visitações
e vigiando-os como é sua obrigação, na verdade uma
cidade seria demais para ele. Mesmo na época dos
apóstolos, quando os cristãos apresentavam as me-
lhores condições, cada cidade tinha um bispo. No en-
tanto, os cristãos eram uma minoria na cidade. Como
as coisas podem andar se um bispo quer tanto, outro,
outro tanto, este quer o mundo inteiro (o papa), aque-
le a metade? Está na hora de pedir misericórdia a
Deus. Temos muita autoridade espiritual, mas nenhum
ou pouco governo espiritual. Enquanto isso, quem
puder ajude para que as fundações e os mosteiros, as
paróquias e escolas sejam adequadamente atendidos
e governados. Uma obra que também cabe à autori-
dade espiritual seria diminuir o número de fundações,
mosteiros e escolas, quando não se pode atendê-los.
Melhor é não haver mosteiro ou fundação do que má
direção neles. Com isso apenas se irrita Deus mais
ainda.

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| 9. A autoridade desconhece completa
mente a sua
* obra e está pervertida. Por isso certamente ela abusa
| do seu poder e faz obras estranhas e más,
como aque-
les pais que determinam algo que desgosta Deus.
Te-
mos-que ser sábios, pois o apóstolo disse (cf. 1 Timó-
teo 4.1ss; 2 Timóteo 3.1ss) que serão perigosos os
tempos em quetal autoridade estiver no governo. Fi-
cará parecendo que resistimos a seu poder se não
praticamos ou impedimos tudo o que ela planeja. As-
sim temos que abordar agora os três primeiros man-
damentos e a tábua da direita. Devemosestar segu-
ros de que pessoa alguma, seja bispo, papa ou anjo,
pode ordenar ou determinar algo que contradiga, sir-
va de obstáculo ou não promova esses três manda-
mentos com suas obras. Se o fizerem, não terá valida-
de nem valor algum. Nós também cairemos em peca-
do caso nos sujeitarmos e obedecermos, ou caso O
tolerarmos. o
Então se compreende facilmente por que os jejuns
grávr
prescritos não incluem os doentes, as mulheres
das ou aqueles que, por alguma outra razão, a—
dem jejuar sem sofrer prejuízo. Ainda vamos oRoma
já que, em nossa época, não vem outra coisá e cen
senão umafeira de bensespirituais, comp”ados nAu
didos abertamente e sem a menor
ds,preposíurs
gências, paróquias, mosteiros, bispados, prdo
,
canonicatos e tudo o que nunca foi o
culto a Deus em toda parte. Com isso todo

112
a
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e todos os bens do mundo são puxados e arrastados
para Roma, o que ainda seria de menos. Além disso,
as paróquias, os bispados e as prelazias são despeda-
çados, abandonados e destruídos. Assim o povoé tra-
tado com menosprezo, a palavra de Deus, o nome e a
honra de Deus acabam, a fé é destruída. Por fim, as
fundaçõese os ministérios não são apenas confiados a
pessoas incultas e incapazes, mas, em sua maior par-
te, aos velhacos romanos, os maiores do mundo. Ou
seja: aquilo que foi instituído para o culto a Deus, para
pregar ao povo, governá-lo e melhorá-lo, tem que servir
agora aos peões. Sim, para não ser mais grosso ain-
da, tem que servir às prostitutas e aos canalhas roma-
nos. Em troca, ainda debocham de nós como se fôsse-
mos palhaços.
10. Todos esses absurdos insuportáveis acontecem
em nome de Deus e de São Pedro (como se o nome
de Deus e o poder espiritual tivessem sido instituídos
para ofender a honra de Deus e arruinar os cristãos
em corpo e alma). Temos verdadeiramente a obriga-
ção de resistir de forma aceitável e tanto quanto esti-
ver ao nosso alcance. Temos que agir como osfilhos
piedosos, cujos pais ficaram loucos ou doidos, e verifi-
car, em primeiro lugar, de onde vem direito de fazer
render em Roma aquilo que foi criado para o serviço
a Deus em nossas terras ou determinado para cuidar
de nossos filhos. Aqui foi omitido para onde isso está
destinado. Como podemos ser tão insensatos?

113

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Os bispos e prelados espirituais não se mexem, não
o proíbem ou não temem, e deixam a cristandade des-
truir-se desse jeito. Em primeiro lugar, devemos pedir
humildemente a Deus que ajude a combater essas coi-
sas. Depois, devemos pôr mãos à obra para impedir o
caminho dos palacianos e emissários romanos. Deve-
mos dizer-lhes, de forma razoável e calma, que, se que-
rem cuidar corretamente de seus canonicatos, devem
ocupá-los e favorecer o povo com pregação ou bons
exemplos. Se não for assim e eles continuarem moran-
do em Roma ou qualquer outro lugar, enfraquecendoe
arruinando as igrejas, que o papa em Romatrate de
alimentá-los. Não tem cabimento ficar alimentando os
criados e o pessoal do papa, sim, seus velhacos e suas
prostitutas, com prejuízo e ruína de nossas almas.
Estes seriam os verdadeiros turcos, que os reis,
príncipes e nobres deveriam atacar primeiro. Não
deveriam procurar vantagem própria nisso, mas ape-
nas a melhoria da cristandade, para impedir a ofensa
e desonra do nome de Deus. Deveriam agir com esse
clero da mesma forma como com o pai que perdeu o
equilíbrio e a razão. Se não se o prender e impedir
(mas com humildade e mantendo sua honra), esse pai
poderia botar a perder filhos, bens e todo o mundo.
Assim devemos honrar o poder romano como nosso
supremo pai. Mas visto que os romanos ficaram lou-
cos e insensatos, não devemos permitir seus planos,
para que a cristandade não seja destruída.

114

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11. Alguns acham que se deveria deixar isso para
um concílio geral. A isso respondo: não. Tivemos mui-
tos concílios em que isso foi proposto, a saber: em
Constança (1414-1418), Basiléia (1431-1439) e no
último Concílio Romano (1512-1517, v. Concílio
Lateranense). Mas nada se conseguiu, e as coisas fica-
ram cada vez piores. Além disso, esses concílios não
servem para nada. A sabedoria romana inventou a ar-
timanha de obrigar reis e príncipes a prestarem pri-
meiro um juramento para deixá-los continuar a ser como
são e manter o que possuem. Assim colocaram um freio
para se defender contra toda e qualquer reforma, man-
ter protegida livre toda patifaria. Mas esse juramento
é exigido, forçado e prestado contra Deus e o direito.
Com isso tranca-se a porta para o Espírito Santo, que
deve conduzir os concílios. Ao contrário, o melhor — e
também o único meio que resta — seria quereis, prínci-
pes, nobres, cidade e comunidades começassem a aca-
bar com isso, para que os bispos e os sacerdotes (que
agora estão com medo) tivessem motivo para continuar.
Aqui não se deve nem se precisa considerar outra coisa
senão ostrês primeiros mandamentos de Deus, contra
os quais nem Roma, nem o céu, nem a terra podem
ordenar ou proibir qualquer coisa. Não importam a
excomunhão ou as ameaças com as quais julgam impe-
dir tal coisa. Da mesma forma, não importa que um
pai enlouquecido ameace seriamente seu filho quando
este o impede ou prende.

115

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Eadi O

12. A terceira obra deste mandamento é a obe-


diência à autoridade secular, como ensina Paulo em
Romanos 13.1ss e Tito 3.1, bem como São Pedro em
1 Pedro 2.13s: “Sejam submissosao rei como supe-
rior e aos príncipes como enviados seus”, assim como
a todas as ordens do poder secular. A obra do poder
secular é proteger os súditos, castigar o roubo, o adul-
tério, conforme São Paulo em Romanos 13.4: “Não é
sem motivo que ela (a autoridade secular) porta a es-
pada. Nisto ela serve a Deus, para o temor dos maus
e para o bem dosretos”.
Aqui se peca de duas formas: em primeiro lugar,
quando se mente para a autoridade secular, lhe é in-
fiel, prejudica-a, não lhe obedece nem faz o que ela
mandou e decretou, seja com o corpo ou com os bens.
Mesmo que ela aja injustamente, como rei da Babi-
lônia com o povo de Israel (cf. Jeremias 27.6ss;
Baruque 2.215), ainda assim Deus quer que lhe seja
prestada obediência, sem qualquer malícia e sem
colocá-la em perigo. Em segundo lugar, peca-se ao
falar mal da autoridade secular, amaldiçoando-a, ou
quando não se pode obter vingança, xingado-a aber-
tamente ou às escondidas com comentários disfarça-
dos e palavras más.
Devemos pensar naquilo que São Pedro (cf. !
Pedro 2.19s) nos manda observar. O poder da autori-
dade secular não pode prejudicar a alma, mas ape
nas o corpo e os bens. A não ser que queira insistir

116
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publicamente que se faça injustiça contra Deus ou
contra pessoas, como antigamente, quando ela ainda
não era constituída de cristãos. Assim ainda age o tur-
co, conformese diz. Pois sofrer injustiça não arrasa a
alma de ninguém, porém melhora, mesmo que cause
prejuízo ao corpo e aos bens materiais. Mas praticar
injustiça corrompe a alma, ainda que trouxesse todos
os bens da terra.
13. Esta é também a razão por que não há tanto
perigo no poder secular quanto no poder espiritual,
quando ambos praticam injustiça. O poder secular não
pode causar prejuizo, pois não tem nada a ver com a
pregação, a fé e os três primeiros mandamentos. Mas
o poder espiritual causa prejuízo não só ao agir injus-
tamente, mas também quandose descuida de seu mi-
nistério e faz outras coisas, mesmo que essas sejam
melhores do que as mais excelentes obras do poder
secular. Por isso devemos resistir a ele quando não
age corretamente, mas não ao poder secular, mesmo
que este aja mal. O povo pobre acredita e faz aquilo
que vê e ouve do poder espiritual. Se não vê e ouve
nada, também não acredita e não faz nada. Este po-
der foi criado por nenhuma outra razão senão para
guiar o povo na fé para Deus. Tudo isso não confere
no tocante ao poder secular: mesmo que este aja ou
se omita, a minha fé em Deus segue seu caminho e
age por si. Não preciso crer assim como ele crê. Por
isso, perante Deus o poder secularé algo insignifican-

117

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te, insignificante demais para que a gente resista, de-
sobedeça e discorde por causa dele, aja ele com justi-
ça ou não. Por outro lado, o poder espiritual é um
bem muito grandee rico. É considerado por Deus algo
tão precioso, que o mais insignificante dos cristãos não
pode suportar e calar-se quando esse poderse afasta
um palmo sequer do seu ministério. Isso sem falar
quando age de forma totalmente contrária a seu mi-
“nistério, como acontece todos os dias.
14. O poder secular também apresenta uma série
“de abusos: em primeiro lugar, quando dá ouvidos aos
“puxa-sacos, o que é uma praga comum e particular-
mente prejudicial desse poder. Ninguém consegue
proteger-se e cuidar-se dela o suficiente. Então esse
poderé levado na conversa e passa por cima do povo
pobre. Transforma-se, como diz um pagão, num regi-
me igual a uma teia de aranha, que pega perfeita-
mente as pequenas moscas, mas deixa passar livre-
mente as pedras molares. Ou seja: asleis, as ordens e
as normas desse poder seguram os pequenos, enquan-
to os grandes continuam livres. Ali onde a autoridade
não é tão cautelosa que não precise do conselho da
sua gente ou não é tão poderosa que eles têm medo
dela, haverá e só pode mesmo haver um regimento
infantil (a não ser que Deus quisesse colocar um sinal
especial).
Por isso Deus julgou como a maior praga Os chefes
mause incapazes, com osquais ameaça em Isaías 3. 1ss:

118
—nl
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“Tirarei deles todos os homens valorosos e lhes darei
crianças e senhores infantis”. Deus mencionou quatro
pragas em Ezequiel 14.13ss: a primeira e menor, tam-
bém escolhida por Davi (cf. 2 Samuel 24.135), é a pes-
te; a segunda é a carestia; a terceira é a guerra; e à
quarta são todo tipo de bestas terríveis, como leões,
lobos, serpentes, dragões, isto é, maus dirigentes. De
fato, onde houver essas bestas, o país será destruído,
não apenas no corpo e em bens materiais, mas tam-
bém nas outras pragas, assim como no tocante à hon-
ra, à disciplina, à virtude e à bem-aventurança das al-
mas. Pois a peste e a carestia criam pessoas justas e
ricas; a guerra e o governo perverso eliminam tudo o
que se refere aos bens temporais e eternos.
15. Um governante também precisa ser muito sá-
bio para não tentar sempre impor sua vontade à for-
ça, mesmo que se trate de um direito precioso e a
melhor das causas. E muito mais nobre sofrer prejuízo
em questão de direito do que nos bens ou no próprio
corpo, quando isso traz vantagem para os súditos. O
direito secular abrange apenas os bens temporais.
Por isso é uma grande asneira dizer: “Tenho direi-
to a isso, e por isso quero tomá-lo de assalto e mantê-
lo, ainda que provoque à maior desgraça para os ou- |
tros”. Lemos que O imperador romano Otaviano (63
|

aC — 14 dC) não queria fazer guerra, por mais justa


que fosse. Só se houvesse uma indicação certa de que
ORma
ela traria mais ganho do que prejuízo, ou então um
q CONS
1a
|

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prejuízo suportável. Ele disse: “Fazer guerra é como
pescar com rede de ouro: jamais se captura tanto
quanto se arrisca a perder”. Quem dirige um carro
tem que agir de forma bem diferente do que se cami-
nhasse. Neste caso, pode caminhar, saltar e fazer o
que quiser. Mas quando está dirigindo, precisa orien-
tar-se e agir de tal modo que o carro e o cavalo lhe
possam obedecer e observar mais isso do que a pró-
pria vontade. O mesmo também vale para alguém
que conduz um povo. Ele não pode agir como quiser,
mas pode agir conforme o povo, observando mais a
necessidade e o proveito desse povo do que a sua
própria vontade. Pois se alguém governa conforme a
sua cabeça desnorteada e segue os próprios capri-
chos, ele é como um cocheiro maluco que segue em
frente com o cavalo e o carro. Atravessa matos, ca-
poeiras, valos, águas, morros e vales, ignorando ca-
minhos e pontes. Ele não irá longe, mas acabará
destruído.
podero-
Por isso seria de imenso proveito para Os
desde a
sos que lessem ou fizessem que lhes lessem,
Ne-
juventude, as histórias de livros pagãos e santos.
para g0-
les encontrariam mais exemplos e orientação
Osreis da
vernar do que em todos os livros de direito.
Exem-
Pérsia fizeram isso, como se Iê em Ester 6.1s.
leis e
plos e histórias sempre ensinam mais do que as
o direito: ali ensina a experiência certa, enquanto aqui
ensinam as palavras inexperientes e incertas.

120
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16. Há três obras particularmente necessárias, que
todos os poderosos deveriam executar em nosso tem-
po, sobretudo nesta terra. Em primeiro lugar, elimi-
nar o terrível abuso das comilanças e bebedeiras, não
só por causa dos excessos, mas também devido a seu
alto preço. De fato, não é pequeno o desvio de bens
temporais que vieram e vêm diariamente sobre essas
terras através dos gastos com temperos, especiarias e
similiares, semos quais se poderia viver perfeitamen-
te. Para acabar com esses dois grandes prejuízos que
estão enraizados profundamente, o poder secular real-
od
mente teria o suficiente para fazer. Como os podero-
sos poderiam prestar um serviço melhor a Deus, pro-
movendo ainda seu próprio país? Em segundo lugar,
temos os gastos excessivos com roupas. Desperdiça-
se muito dinheiro com isso, e somente para servir ao
mundo e à carne. E terrível pensar que se encontra
semelhante abuso entre as pessoas que estão juradas,
batizadas e confiadas ao Cristo crucificado. Devem car-
regar com ele sua cruz e preparar-se para a outra
vida, morrendo diariamente. Se fosse por imprudên-
cia de alguns, seria mais suportável. Mas não é nada
cristão que isso seja praticado de forma tão livre, im-
pune, desavergonhada e sem qualquer empecilho,sim,
que nisso se procuram até louvore prestígio. Em ter-
ceiro lugar: acabar com a prática viciada em usura do
contrato de renda, que arruína, consomee destrói to-
dos os países, povos e cidades em todo o mundo com

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sua aparência enganosa. Parece que não se trata de
usura. Se bem que é pior do que usura, pois a gente
não se cuida dela como da agiotagem aberta. São
três judeus (segundo se diz) que sugam O mundo intei-
ro. Nesse ponto, os poderosos não deveriam dormir
nem ser preguiçosos, se querem prestar contas de seu
ministério a Deus.
17. Seria preciso apontar também para a patifa-
ou-
ria dos funcionários do judiciário eclesiástico e de
Com gran-
tros funcionários episcopais e eclesiásticos.
seguem e
de opressão eles expulsam, intimam, per
este tiver um
atormentam o povo pobre enquanto
com a espa-
único centavo. Isso deveria ser combatido
urso.
da secular, já que não há outro rec
Deu s do céu que ta mb ém ini cia sse um regi-
Queira
se co m OS bor dêi s púb lic os, como se pro-
me que aca bas
pov o de Isra el! É um qua dro nada cristão
cedeu no cris tãos , algo
lic a de pec ado en tr e
manter uma casa púb tir uma ordem
te. Dev eri a exis
inacreditável antigamen em cedo, para
s € moc inh as cas ass
segundo a qual rapaze ser pro movido por
cos tum e dev eri a
evitar tal vício. Esse como O secular.
tan to O esp iri tua l
ambos os poderes, por que não haveria de
re OS jud eus ,
Se foi possível ent Se até foi pos sív el em
cristã os?
ser possível entre OS como se vê, por
s cid ade s,
ee ee mp

vilas, povoados e alg uma


eri a de ser pos sív el em toda parte”
que não hav disciplina S
por que não há
Mas isso acontece Os artesãos têm q
que r tra bal har .
mundo. Ninguém

122
ad
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ãolivres,
dar folga a seus empregados. Então estes est
co ns eg ue do mi na r. Ma s se ho uv es se uma
e ninguém os tar obediên-
ordem segundo a qual tivessem que pres
lugares, seria
cia e ninguém os acolhesse em outros
e Deus aju-
fechado um grande buraco nesse mal. Qu
e a espe-
de, pois receio que o desejo é maior do qu
.
rança. Mas isso não serve de desculpa para nós
as
Observe agora que foram mencionadas pouc
s e
obras para a autoridade. Mas são tão excelente
o a
tantas, que ela tem boas obras de sobra e serviç
Deus para toda hora. Mas essas obras, assim como as
outras, também devem ser feitas na fé. Sim, devem
exercitar a fé, para que ninguém procure agradar a
Deus através das obras. Antes, deve fazer tais obras
confiando na graça de Deus, apenas para a honra e o
louvor do seu misericordioso e amado Deus, para ne-
las servir e ser útil a seu próximo.
18. A quarta obra desse mandamento é a obe-
diência dos criados e dos operários a seus patrões,
patroas, superiores e superioras. Neste sentido, Pau-
lo diz em Tito 2.9s: “Prega aos criados ou servos que
honrem a seus senhores, lhes sejam obedientes, fa-
çam o que agrada a eles, não os defraudem nem re-
sistam a eles”. Também porque com isso dão uma
boa fama ao ensinamento de Cristo e à nossa fé, de
modo que os pagãos não possam se queixar e se es-
candalizar por nossa causa. Também São Pedro diz:
“Vocês, servos, devem prestar obediência a seus se-

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nhores por causa do temor a Deus, não somente aos
bondosos e mansos, mas também aos caprichosos e
grosseiros; pois trata-se de algo agradável diante de
Deus se alguém sofre adversidade inocentemente” (1
Pedro 2.18s).
Existe agora a maior queixa no mundo a respeito
dos criados e trabalhadores: são muito desobedientes,
desleais, mal-educados e aproveitadores. E uma pra-
ga de Deus. Na realidade, esta é a única obra com
= E

que os criados podem ser salvos. Não precisam fazer


muita romaria, executar isso ou aquilo. Eles têm o
suficiente para fazer, desde que seu coração esteja
orientado somente em fazer de boa vontade aquilo
que sabem ser do agrado dos seus senhores e senho-
ras. Devem fazer tudo isso numa fé simples, não que-
rendo merecer grandes coisas através dessas obras.
Pelo contrário: devem fazê-lo confiando na graça de
Deus (em que se acham todos os méritos), de forma
puramente gratuita, por amor e inclinação a Deus,
embasados nessa confiança. Devem fazer com que
essas obras sejam um exercício e um conselho no sen-
tido de reforçar cada vez mais essa fé e confiança.
Como já foi dito repetidas vezes, essa fé torna boas
todas as obras. Sim, ela deve realizá-las e ser o mes-
tre-de-obras.
19. Em contrapartida, os senhores e as senhoras
não devem orientar seus servidores, seus criados e seus
trabalhadores com raiva, nem ficar examinando tudo

124

——stl
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a € outra
cuidadosamente. Mas devem desculpar um
em
coisa e, por amor à paz, fechar um olho de vez
de for,
quando. Nem tudo pode sair certinho, seja on
ão. São
uma vez que nessa terra vivemos na imperfeiç
es, de-
Paulo diz em Colossenses 4.1: “Vocês, senhor
vem tratar seus empregados com equidade e justiça,
”.
lembrando que vocês também têm um Senhor no céu
r ri-
Os patrões não querem ser tratados com O maio
coi-
gor por Deus, mas ele deve perdoar-lhes muitas
sas por graça. Da mesma forma, eles devem ser mais
brandos com seus criados e perdoar alguma coisa.
Mesmo assim, devem empenhar-se para que esses
ajam corretamente e aprendam a temer Deus.
Um patrão e uma dona de casa podem fazer boas
obras. Deus nos apresenta todas as boas obras, tão
próximas, tão diferentes e tão constantes, numa bela
forma. Assim não temos necessidade de ficar pergun-
tando por boas obras e bem poderíamos esqueceras
outras obras brilhantes e complicadas, inventadas por -
seres humanos, tais como promover romarias, cons-
truir igrejas, procurar indulgências e similares.
Nesse contexto, eu também deveria falar de como
a mulher deve ser obediente a seu marido assim como
a seu superior, ser submissa, ceder a ele, calar-se e
dar-lhe razão quando não for contrário a Deus. Eu
-
deveria falar de como o marido deve amar sua espo
sa, ser complacente e não discutir com ela por causa
de detalhes. São Pedro e São Paulo disseram muitas

125

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coisas sobre isso (cf. 1 Pedro 3.1-7; Efésios 2.22ss;
Colossenses 3.18s). Mas isso faz parte da exposição
posterior dos Dez Mandamentos e pode ser facilmen-
te reconhecido ali.
20. Tudo o que foi dito sobre essas obras está con-
tido nessas duas: obediência e boa vontade. Obediên-
cia cabe aos subordinados, boa vontade aos superio-
res, para que se empenhem em orientar adequada-
mente os seus subordinados, tratá-los amavelmente e
fazer tudo para ser-lhes úteis e ajudar-lhes. Este é seu
caminho para o céu, essas são as melhores obras que
os superiores podem realizar sobre a terra. Eles agra-
dam mais a Deus com elas do que se apenas realizas-
sem coisas sobrenaturais. São Paulo diz em Romanos
12.8: “Quem ocupa uma posição de autoridade, faça
da solicitude a sua obra”. Como se quisesse dizer: “Ele
não se deve deixar perturbar pelo que fazem outras
pessoas. Não deve dar atenção a esta ou àquela obra,
seja ela brilhante ou obscura, mas reparar em seu
próprio estamento e pensar apenas em como ser útil
a seus subordinados. Deve persistir nisso e não se deve
deixar desviar, ainda que o céu se levante diante dele.
Nem se deve deixar enxotar, ainda que o inferno o
atormente. Este é o caminho certo, que leva para o
céu”.

Aquele que cuidasse assim de si mesmo, atenden-


do unicamente a ele, se tornaria uma pessoa rica em
boas obras dentro de pouco tempo. Tão quieta e ocul-

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tamente, que ninguém o notaria, exceto tão-somente
Deus. Mas largamos tudo isso, e um corre para a
Cartuxa (ordem religiosa muito austera), este para cá,
outro para lá. Como se as boas obras e os manda-
mentos de Deusestivessem atirados e escondidos nos
cantos, apesar de estar escrito, em Provérbios 1.20s,
que a sabedoria divina proclama seus mandamentos
publicamente, nas ruas, entre o povo e nos portões
da cidade. Com isso se mostra que as boas obras são
abundantes em toda parte, a toda hora. Nós não as
enxergamos e, teimosos, as procuramos em outro lu-
gar. Cristo anunciou isso em Mateus 24.23ss: “Quan-
do lhes disserem: Olha, aqui ou ali está Cristo, não o
acreditem: quando disserem: Eis que ele está no de-
serto, não saiam; ele está nas casas ocultas, não acre-

CO RASoSeqiGT na
ditem. São falsos profetas e falsos cristãos”.
91. Por outro lado, a obediência cabe aos subordi-
nados. Devem empenhar-se e cuidar para fazer tudo
aquilo que seus superiores desejam. Não se devem
afastar nem desviar disso, seja lá o que um outro fizer.
De forma alguma devem pensar que estão vivendo
a ii ci

corretamente ou praticando boas obras com orações,


com jejum ou qualquer outra coisa, se não agem com
seriedade e dedicação.
ue o poder
Mas se acontecer, como tantas vezes, q
eaautoridade seculares, seja lá como se cha
mem,
forçarem alguê m a agir contra os mandamentos de
m o, o a iência
Deus ou o impe dire niss entã acab a obed

127

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e já está eliminada a obrigação. É necessário dizer
como São Pedro aos príncipes dos judeus: “É preciso
obedecer mais a Deus do que aos seres humanos”
(Atos 5.29). Ele não disse: “Não é preciso obedecer
aos seres humanos”. Isso seria errado. Mas sim: “mais
a Deus do que aos seres humanos”. É como se um
príncipe, cuja causa fosse notoriamente injusta, qui-
sesse fazer querra. A este não se deve seguir nem
ajudar, porque Deus ordenou que não devemos ma-
tar nosso próximo nem lhe fazer injustiça. O mesmo
valeria se ele mandasse prestar falso testemunho, rou-
bar, mentir ou enganar e coisas semelhantes. Então é
preferível desistir dos bens, da honra, do corpo e da.
de.
vida, para que seja preservado o mandamento
Deus.

O quinto mandamento

qu at ro ma nd am en to s an te ri or es têm sua obra


Os
o. El es am ar ra m, go ve rn am € do minam a pes-
na razã |
pa ra qu e el a nã o go ve rn e à si própria, não se
soa,
bo a ne m se dê im po rt ân ci a demais. Ela deve
julgue
ld ad e e de ix ar -s e or ie nt ar . É proibido o orgu-
ter hu mi
atam dos desejo s da
lho. Os mandamentos seguintes tr
ses. |
pessoa, para castigar também a es
fu rioso e vinga”
1. Em primeiro lugar está o desejo to: Não
mandamen
tivo, a respeito do qual diz o quinto
a obra muito
matarás”. Este mandamento tem um

128
ad
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er re
e

eee e
e qu e ex pu ls a mu it os ví cios. Chama-se
abrangente meira tem
mansidão. Há dois tipos de mansidão. A pri
por
uma aparência muito bonita, mas não há nada
ami-
trás dela. Temos essa mansidão em relação aos
em vanta-
gos e àqueles que nos são úteis e nos traz
relação
gem no tocante a bens, honra e favor ou em
palavras.
àqueles que não nos ofendem com atos ou
tes, OS
Também os animais irracionais, leões e serpen

na pm
mulhe-
pagãos, judeus, turcos, canalhas, assassinos e
ficam
res más têm esse tipo de mansidão. Todos esses
o
pacíficos e calmos quando se faz o que querem ou sã
-
deixados em paz. Mas não são poucos os que se dei
on-
- Xam enganar por uma mansidão tão ineficaz, esc
dem sua raiva e se desculpam dizendo: “Eu bem que
“não ficaria com raiva se me deixassem em paz”. Bem,
meu querido, assim também o mau espírito ficaria
calmo, se fosse feita a sua vontade. O descontenta-
mento e a ofensa atacam você porque querem mos-
trar-lhe como você está cheio de raiva e maldade. Assim
você é aconselhado a se esforçar para chegar à man-
sidão e para expulsar a raiva. À outra mansidão é
realmente boa e é manifestada diante de adversários
e inimigos. Ela não os prejudica nem se vinga, não
amaldiçoa, não blasfema, não fala mal, não planeja o
mal contra eles, ainda que tenham tirado bens, honra,
corpo, amigos e tudo mais. Sim, sempre que puder,
ela devolve a eles o mal com o bem,fala bem deles,
tem boa lembrança deles e reza por eles. Quanto a

129

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isso, Cristo diz em Mateus 5.44: Façam o bem aos
que magoam vocês e orem pelos que perseguem e
blasfemam vocês”. E Paulo diz em Romanos 12 14.
“Bendigam os que amaldiçoam vocês; não os amaldi-
çoem de forma alguma, mas façam o bem a eles”.
2. Esta obra preciosa e nobre desapareceu entre
os cristãos. Nada mais do que conflito, guerra,briga,
raiva, ódio, inveja, calúnia, maldição, blasfêmia, cau-
sar mal, inveja e todo tipo de obras e palavras cheias
de raiva mandam com violência sobre todos. No en-
tanto, ao lado disso nos ocupamos com muitosferia-
dos, em ouvir a missa, rezar pequenas orações, fun-
dar igrejas, enfeites religiosos, coisas que Deus não
receitou. Exibimos uma aparência tão luxuosa e rica,
como se fôssemosos cristãos mais santos. Assim, com
toda essa aparência e fachada deixamos cair por ter-
ra o mandamento de Deus. Ninguém leva em conta
ou reflete sobre sua proximidade ou distanciamento
da mansidão e do cumprimento deste mandamento
de Deus. Deus disse que entrará na vida eterna não
aquele que faz essas obras, mas quem cumpre seus
mandamentos (cf. Mateus 19.165).
Não há ninguém sobre a face da terra a quem
Deus não apresente um sinal da raiva e maldade pe
pria. Seu inimigo e adversário provoca dano em o
bens, sua honra, seu corpo ou seu amigo. Com as
Deus prova se a raiva ainda está presente, S€ go :
soa consegueser favorável ao inimigo, falar bem dé»

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fazer-lhe o bem e não planejar nada de mal contra
ele. Apresente-se agora quem anda perguntando O
que deve fazer para praticar boas obras, agradar a
Deus e ser salvo! Ele deve pôr seu inimigo na sua
frente, colocá-lo seguidamente diante dos olhos do seu
coração. Comisso ele vai exercitar-se em quebrar-se

SE PR Tm Smmeme
a si próprio e acostumar seu coração a pensar no
mesmo de forma amigável, desejar-lhe o melhor, cui-
dar dele e pedir por ele e, quando possível, falar bem
dele e fazer-lhe o bem. Tente isso quem quiser. Se
não tiver o bastante a fazer por toda a vida, acuse-me
de mentiroso e diga que foi conversa fiada. Ora, já
que Deus quer isso e não aceita outro pagamento, de
que adianta ficar tratando de outras obras grandiosas
que nem foram indicadas e descuidar desse ponto?
Por isso Deus diz em Mateus 5.22: “Eu lhes digo: Quem
se ira contra seu próximo está sujeito ao julgamento;
quem diz a seu irmão “estúpido” (faz um sinal horrivel,
furioso e horrendo) está sujeito ao sinédrio; mas quem
disser a seu irmão “palhaço” (todo tipo de ofensa,
maldição, blasfêmia, calúnia), este está sujeito ao fogo
eterno”. O que dizer então daquilo quefoi feito com a
mão, como bater, machucar, matar, causar prejuízo,
etc., se os pensamentos e as palavras de raiva são
condenados tão rigorosamente?
3. Mas onde há mansidão sincera, o coração la-
menta todo mal que acontece a seu inimigo. Estes são
os verdadeiros filhos e herdeiros de Deus e irmãos de

131

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Cristo. Cristo agiu em favor de nós todos na santa cruz.
É com pesar que um juiz justo pronuncia um veredito
sobre o culpado e lhe dói a morte que a justiça impõe
sobre este. Aqui a obra parece ser constituída de rai-
va e desprezo. A mansidão é tão fundamentalmente
bondosa, que também permanece sob tais obras da
ira. Sim, brota com maior abundância no coração quan-
do precisa apresentar semelhante indignação e rigor.
No entanto, temos que cuidar para não ser man-
sos contra a honra e o mandamento de Deus. Está
escrito que Moisés era o mais manso dos homens so-
bre a face da terra (cf. Eclesiástico 45.4). Mesmo as-
sim, quando os judeus adoraram o bezerro de ouro e
enfureceram Deus, Moisés matou muitos deles. Com
isso levou Deus novamente à conciliação (cf. Êxodo
32.1ss, 25ss). Por isso não tem cabimento ficarmos
calados quando a autoridade tira folga e deixa o pe-
cado reinar. Não devo me importar com minhas pos-
por
ses, minha honra e meu prejuízo e não me zangar
causa deles. Devemos defender a honra e o manda-
mento de Deus, assim como impedir o prejuízo ou a
injustiça causada a nosso próximo: as autoridades com
a espada, os outros com palavras e censuras, mas sem-
pre tendo pena daqueles que mereceram O castigo.
Esta obra perfeita, excelente e suave será facilmen-
te aprendida se a praticarmos na fé e exercitarmos à
fé nessa obra. Se a fé não duvidar da graça de Deus e
“que ela tem um Deus bondoso, não lhe será difícil ser

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aca
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bondosa e favorável também para com o próximo.
Mesmo que este seja culpado, pois nós temos uma cul-
pa muito maior em relação a Deus. Este é um manda-
mento muito curto, masele nos apresenta um grandee
extenso exercício de boas obras e da fé.

O sexto mandamento

TIPser ad mao aa a ig o im
Não adulterarás

Neste mandamento, também é prescrita uma boa


obra muito abrangente e que rechaça muitos vícios.
Chama-se pureza ou castidade. Muito se escreveu e
pregou sobre ela. É bem conhecida de todo o mundo,
só que não é observada e praticada com tanto cuida-
do quanto as outras obras não prescritas. Nós esta-
mos dispostos a fazer o que não está ordenado e a
ignorar o que está ordenado. Vemos que o mundo
está cheio de obras vergonhosas da impureza, de pa-
lavras, historinhas e canções desonrosas. Além disso,
cresce diariamente a excitação com comilanças e be-
bedeiras, preguiça e luxo supérfluo. Ainda assim agi-
mos como se fôssemos cristãos, caso tenhamos ido à
igreja, observado nossa oração, nosso jejum e o feria-
do, como se isso bastasse.
Pois bem, se não estivessem prescritas outras obras
exceto unicamente a castidade, esta já daria o bastan-
te que fazer a todos nós. E um vício muit
o perigoso e
irrequieto este que se agita em todos os mem
bros: no
1
SEMINÁRIO CONCÓRDIDRADIA |
|
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coração com pensamentos, nos olhos com o quese
vê, nos ouvidos com o que se ouve,na boca com pala-
vras, nas mãos, nos pés e em todo o corpo com atos.
Dominar tudo isso exige trabalho e esforço. Assim os
mandamentos de Deus nos ensinam que obras boase
justas são uma grande coisa. E impossível criar uma
boa obra com nossas próprias forças, muito menos
começá-la ou levá-la a cabo. Santo Agostinho diz que,
entre todas as lutas dos cristãos, a luta pela castidade
é a mais dura. Simplesmente porque ela diariamente
combate sem cessar e raras vezes vence. Todos os
santos lamentaram e choraram isso, como São Paulo
em Romanos 7.18: “Em mim, isto é, em minha car-
ne, nada de bom encontro”.
2. Esta obra da castidade incentiva para muitas
outras boas obras: para o jejum e a moderação, con-
tra a comilança e a bebedeira; para a vigília e O levan-
tar cedo, contra a preguiça e o sono excessivo; para O
trabalho e o esforço, contra a moleza. Pois comer €
beber demais, dormir muito, viver na preguiça € na
moleza são armas da impureza, com as quais € domi-
nada rapidamente a castidade. Por outro lado , O sam-
to apóstolo São Pedro chama o jejum, à vigília e O
trabalho de armas divinas (cf. 2 Coríntios 6.5,7; Ro-
manos 6. 12s). Domina-se a impureza com esses, mas
de tal forma que a prática dos mesmos não vá além
do necessário para abafar a impureza, e não para
arruinar a natureza.

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mad
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Acima de tudo isso, a defesa mais forte está na
Oração e na palavra de Deus. Quando o mau desejo
Se manifesta, a pessoa deve refugiar-se na oração,
invocar a graça e a ajuda de Deus, ler e meditar o
Evangelho, observar nele os sofrimentos de Cristo.
Assim diz o Salmo 137.9: “Bem-aventurado é aquele
que apanha os jovens da Babilônia e os esmaga na
rocha”. Isto é, se o coração com os maus pensamen-
tos — enquanto ainda forem jovens e estiverem no co-
meço — corre para o Senhor Cristo. Este é uma rocha

gm 3
na qual eles são desgastados e desaparecem.


mt
Cada um, sobrecarregado consigo mesmo, encon-
trará o suficiente para fazer e ganhará muitas boas
obras. No entanto, o que vem acontecendo agora é
que ninguém reza, jejua, vigia e trabalha para esse
fim. Deixam isso ser obras em si mesmas,
— >> vma

enquanto
deveriam estar destinadas ao cumprimento das obras
deste mandamento e à purificação crescente diaria-
mente.
Alguns ainda apontaram outras coisas a serem
evi-
tadas, como leito macio e roupa confortável,
embele-
zamento supérfluo, a companhia, conversa e image
m
de mulher ou homem e o que mais possa
promover a
castidade.
Nisso tudo ninguém pode fixar uma re
gra e medi-
da certas. Cada qual precisa considerar quais
as obras,
em que quantidade, com que duração e las contribuem
para a castidade, escolhendo-as e obs ervando-as ele

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próprio. Se não puder, deve submeter-se por algum
tempo à orientação de uma outra pessoa, que o man-
tenha até que seja capaz de orientar-se a si mesmo.
Para ensinar disciplina e pureza à juventude foram
fundados os mosteiros antigamente.
3. Uma fé boa e forte ajuda nesta obra, mais do
que em qualquer outra. Por isso, Isaías 11.5 diz que a
fé é um cinto dosrins, isto é, uma defesa da castidade.
Quem vive esperando de Deus toda graça tem alegria
na pureza espiritual. Por isso consegue resistir à im-
pureza carnal muito mais facilmente. Com certeza, o
Espírito lhe diz como deve evitar maus pensamentos e
tudo aquilo que contraria a castidade. Pois assim como
vive e faz todas as obras sem interrupção, da mesma
forma a fé na graça divina também não deixa de dar
o seu conselho em todas as coisas que são gratas e
desagradáveis a Deus. São João diz em sua carta:
“Vocês não têm necessidade de que alguém os ensi-
ne, pois a unção divina,isto é, o Espírito de Deus, lhes
ensina todas as coisas” (1 João 2.27).
Mas não devemos desanimar se não noslivramos
rapidamente da tentação, nem pensar de formaalgu-
ma que teremos descanso dela enquanto vivermos.
Devemos encará-la tão-somente como um incentivo e
um conselho para a oração, o jejum, a vigília, o traba-
lho e outros exercícios para dominar a carne e parti-
cularmente para exercitar a fé em Deus. Pois castida-
de valiosa não é aquela tranquila e sossegada, mas

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aquela que luta contra a impureza, lança fora sem
parar todo veneno despejado pela carne e pelo mau
espírito. São Pedro diz assim: “Eu os exorto a se abs-
ter dos desejos e paixões carnais que lutam constante-
mente contra a alma” (1 Pedro 2.11). São Paulo diz
em Romanos 6.12: “Vocês não devem seguir ao cor-
po segundo as suas paixões”, etc. Nesses textos e em
outros semelhantes, é mencionado que ninguém está
isento de mau desejo. Mas deve e precisa lutar diaria-

c
mente contra ele. Embora isso traga inquietação e
descontentamento, trata-se de uma obra agradável aos

— a e— m mg
olhos de Deus. Devemos consolar-nos com isso e dar-
nos por satisfeitos. Aqueles que acreditam controlar
tal tentação com sucesso só se entusiasmam mais ain-
da. Mesmo que pare por algum tempo, outra hora
ela volta mais forte ainda e encontra a natureza mais
enfraquecida do que antes.

O sétimo mandamento
Não furtarás

Este mandamento também contém uma obra que


inclui muitas boas obras e contraria muitos vícios: em
nossa lingua é chamada de caridade. Trata-se de uma
obra em que cada um está disposto a ajudar e a servir
com seus bens. Ela luta não só contra o furto e O rou
-
bo, mas contra toda espoliação que alquém possa pra-

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ticar contra outro no tocante aos bens temporais: ga-
nância, agiotagem, cobrar caro demais, passar para
trás, usar mercadorias, medidas e pesosfalsos. Quem
poderia contar todasas artimanhas aprimoradas, no-
vas e astuciosas que se multiplicam diariamente em
todas as atividades, em que cada um procura a sua
vantagem em prejuízo do próximo? Ele esquece lei
que diz: “Faze aos outros o que queres que eles te
façam” (Mateus 7.12). Quem observasse essa regra,
cada um em sua ocupação, atividade e seus negócios
com o próximo, descobriria perfeitamente como deve
comprar e vender, dar e receber, emprestar e dar de
graça, prometer e cumprir, etc. Se observássemos o
mundo com sua natureza, como a ganância tem as
rédeas na mão em todos os negócios, não teríamos
somente o bastante que fazer para nos alimentar com
Deus e honradamente. Seríamos também tomados de
terror e pavor ante essa vida cheia de perigo e misé-
ria, tão sobrecarregada, confusa e presa em preocu-
pações pelo alimento temporal e na busca desonesta
do mesmo.
2. Não é por acaso que o sábio diz: “Bem-aventu-
rad O O rico que foi encontrado
sem mácula, que não
correu atrás do ouro e não depositou
sua confiança
Nos tesouros do dinheiro. Quem é ele? Nós
o louvare-
Mos, porque fez um milagre em sua vida” (Eclesiástico
ol E como se dissesse: “Não se encontra nenhum
Poucos”. Sim, muito poucos notam e reco-

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nhecem essa sede de our o em si mesmos.
Neste pon-
nte e perfei-
to, a ganância tem uma desculpa excele
rpo € necessidade
ta, que se chama sustento do co a-
forma ex
natural. Alegando tais coisas, ela age de -
ável. Quem quiser manter-se puro pre
gerada e insaci
gre em sua
cisa de fato, comoele diz, realizar um mila
vida.
também
Quem quer fazer não só obras boas, mas
do de
milagres que sejam objeto do louvor e do agra
sas?
Deus, para que dar muita atenção a outras coi
de não
Ele deve preocupar-se consigo mesmo e tratar
n-
ficar correndoatrás do ouro e não depositar sua co
fiança no dinheiro. Antes ele deve fazer com que O
a
ouro corra atrás dele e que o dinheiro espere por su
araça. Não deve amar nenhum desses nem deixar que
adei-
seu coração se apegue a eles. Então será o verd
ro homem caridoso, milagroso e feliz, como diz Jó no
capítulo 31: “Jamais me fiei no ouro nem permiti que
o dinheiro fosse meu consolo e objeto de minha con-
aso lhes
fiança” (Jó 31.24). O Salmo 62.10 diz: “C
afluírem riquezas, não deixem que seu coração se
apegue a elas”. Também Cristo ensina, em Mateus
6.31s, que não devemos nos preocupar com o que
comer, beber e vestir. Deus cuida disso e sabe que
precisamos dessas coisas.
Mas há alguns que dizem: “Sim, vai nessa, não se
preocupe e veja se uma galinha assada voará para
dentro de sua boca”. Não estou dizendo que ninguém

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deve trabalhar nem procurar o sustento. Estou dizen-
do que não se deve preocupar, ser ambicioso, nem
s em
perder a esperança de que terá O suficiente. Poi
vez
Adão estamos todos condenados ao trabalho, uma
rosto
que Deus diz em Gênesis 3. 19: “No suor do teu
o
comerás o teu pão”. E em Jó 5.7: “Como o pássar
traba-
para voar, assim o ser humano nasceu para
e ga-
lhar”. Ora, os pássaros voam sem preocupação
sem
nância. Assim nós também devemos trabalhar
ocupa e
preocupação e ganância. Mas se você se pre
ada
é ganancioso no sentido de que uma galinha ass
AOS TT MLS

a preo-
entre voando em sua boca, então fique com ess
cumprir
cupação, seja ganancioso e veja se consegue
ES

o mandamento de Deus e ser bem-aventurado.


ESPERE

3. Essa obra é ensinada pela fé, pois quando o co-


, como
ração conta com a graça divina e se fia nela
ida,
poderia ser ganancioso e preocupado? Sem dúv
não se
ele terá certeza de que Deus cuida dele. Por isso
de
apega a dinheiro, faz uso desse com alegre carida
terá o
em favor do próximo e sabe muito bem que
Deus,
suficiente, por mais que dê aos outros. Pois seu
no qual confia, não mentirá para ele nem o abandona-
rá, conforme está escrito no Salmo 37.25: “Fui jovem
e fiquei velho, mas jamais vi que uma pessoa crente,
que confia em Deus (isto é, um justo), fosse abandona-
da ou queseufilho fosse atrás de pão”. Por isso o peca-
do que o apóstolo chama de idolatria não é nenhum
outro senão a ganância (cf. Colossenses 3.5). Essa reve-

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a ma is gr os se ir a qu e nã o co nf ia em Deus,
la da form do que de
ma is be ne fí ci os do se u di nh ei ro
esperando
de tal co nf ia nç a De us é ve rd ad eiramen-
Deus. Atravé s
foi dito antes.
te honrado ou desonrado, como
ad e, ne st e ma nd am en to se pode notar
Na verd
ar am en te co mo to da s as bo as ob ras precisam
muito cl
ce r e re al iz ar -s e na fé. Ne ss e po nto, cada um
aconte
nt e co m to da a ce rt ez a qu e a ca us a da ganância é a
se
nerosidade é a
desconfiança, enquanto a causa da ge
duvida de que
fé. Pois se alguém é generoso e não
ia em Deus.
sempre terá o suficiente, é porque conf
pado, é por-
Por outro lado, se é ganancioso e preocu
mestre-
que não confia em Deus. Assim como a fé é
sidade
de-obras e propulsora da boa obra da genero
mbém é
neste mandamento, da mesma forma ela ta
fé, a ge-
em todos os outros mandamentos. Sem essa
es-
nerosidade não vale nada. Antes, representa um
banjamento descuidado de dinheiro.
dade
4. É preciso saber também que essa generosi
deve estender-se aos inimigos e adversários. De fato,
que bem é esse se somos generosos apenas com os
6?
amigos, conforme ensina Cristo em Lucas 6.32-3
Pois isso também faz uma pessoa má com outra que ó
sua amiga. No mais, também os animais irracionais
fazem o bem e são caridosos com seus semelhantes. A
pessoa cristã precisa ir mais longe, fazendo com
sua caridade sirva também aos não-mereced Te
malfeitores, inimigos e ingratos. Assim co
a mo seu Pai

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=:
celeste, deve fazer seu sol nascer também sobre bons
e maus e fazer chover sobre gratos e ingratos (cf.
Mateus 5.45).
Aqui se descobrirá como é difícil fazer boas obras
segundo o mandamento de Deus, como a natureza se
revolta, se retorce e esperneia contra isso. Por outro
lado, ela faz com facilidade e prazer suas próprias
boas obras preferidas. Portanto, volte-se a seus inimi-
E 1

gos, os ingratos, e faça-lhes o bem. Você constatará


quão próximo ou distante está desse mandamento e
como passará a vida inteira lidando com exercícios
dessa obra. Pois se seu inimigo precisar de você e
você não ajudá-lo quando pode, é o mesmo que você
lhe roubar o que é seu, pois você tinha a obrigação de
ajudá-lo. Santo Ambrósio (339-397) diz: “Dá comida
ao faminto; se não lhe dás comida, tu o estrangulaste,
no que toca a ti”. À este mandamento pertencem as
er

obras de misericórdia que Cristo exigirá no último dia


(cf. Mateus 25.35s). No entanto, as autoridades e as
cidades deveriam cuidar para que sejam proibidos os
vagabundos, os irmãos de Tiago e os esmoleiros estra-
nhos, ou, pelo menos, que sejam permitidos dentro
de uma certa medida e ordem. Não se deveria permi-
tir que, por causa de mendicância, os malandros an-
dem sem rumo e pratiquem sua malandragem. Há
muito disso atualmente. Outras coisas sobre as obras
deste mandamento falei no sermão sobre a usura (“Pe-
queno sermão sobre a usura”, de 1519).

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O oitavo mandamento
Não dirás falso testemunho
contra o teu próximo

Este mandamento parece pequeno, mas é muito


grande. Quem quiser observá-lo corretamente preci-
sará arriscar e colocar em jogo o corpo e a vida, bens
e prestígio, amigos e tudo o que tem. No entanto,
este mandamento não inclui mais do que a obra do
pequeno membro que é a língua e diz em nossa lin-
quagem: falar a verdade e contestar a mentira onde
for necessário. Por isso são proibidas nele muitas obras
más da língua: por um lado, aquelas que acontecem
com a fala, por outro, as que ocorrem através do si-
lêncio. Com a fala, quando alguém tem uma causa
ruim diante do tribunal e procura defendê-la e
promovê-la com falsa razão, confundir habilmente o
seu próximo, alegar tudo que embeleza e favoreça
sua própria causa, omitir e diminuir tudo o que contri-
bua para a boa causa do seu próximo. Com isso não
faz a seu próximo como gostaria que se fizesse a ele.
Alguns agem assim para tirar proveito, outros, para
evitar prejuízo ou vergonha. Visam com isso mais seu
próprio interesse do que o mandamento de Deus.
Desculpam-se dizendo: “À justiça ajuda a quem vigia”.
Como se não tivessem o deverde velar pela causa do
próximo da mesma forma como pela própria. Assim

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deixam de propósito morrer a causa do Próximo, a
qual sabem queé justa. Essa praga é tão comum atual.
mente, que receio não haver nenhum julgamento ou
processo em que uma parcela não peque contra esse
mandamento. Mesmo que não consigam impor-se, eles
têm a intenção e a vontade injustas: gostariam que a
boa causa do próximo fosse vencida e a sua causa
ruim fosse vitoriosa. Este pecado acontece particular-
mente quando o adversário é um graúdo ou um inimi-
go. Quanto ao inimigo, procura-se vingança com isso.
Ninguém quer atiçar o graudão contra si. Então se
começa a bajular, ou pelo menosa silenciar a verda-
de. Neste caso, ninguém quer enfrentar desgraça e
desprezo, prejuízo e perigo por amor à verdade. As-
sim o mandamento de Deus só pode sucumbir. Este é
o esquema do mundo. Quem quisesse prestar aten-
ção nesse ponto teria ambas as mãos cheias de boas
obras a serem realizadas somente com língua. Além
disso, muitos se deixam calar com presentese donativos
e abandonam a verdade. Assim, não testemunhar fal-
samente contra o próximo é de fato uma obra nobre,
grande e rara em toda parte. o
2. Além disso, existe outro testemunho ainda maior
da verdade, com cujo auxílio devemos lutar contra 05
mausespíritos. Este testemunho é prestado não por
causa de coisas temporais, mas por causa do Evange-
lho e da verdade da fé. O mau espírito nunca pôde
suportar esses. Faz com que os maiorais entre O povo

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atá
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-— e a estes é muito difícil resistir - se oponham a eles
e Os persigam. Sobreisso está escrito no Salmo 82.4:
Resgatem o pobre do poder do injusto e ajudem o
abandonado a manter sua justa causa”. É verdade que
se tornou rara essa perseguição. A culpa é dos prela-
dos espirituais, que não despertam o Evangelho, mas
o deixam morrer. Assim derrubaram a causa em fa-
vor da qual se deveriam levantar tal testemunho e
perseguição. Em compensação, nos ensinam sua pró-
pria lei e aquilo que bem entendem. Por isso o diabo
também fica descansado: através da derrota do Evan-
gelho também derrotou a fé em Cristo, e tudo anda
como ele quer. Mas se o Evangelho fosse reavivado e
por
fosse ouvido novamente, não resta dúvida de que,
outro lado, o mundo inteiro se agitaria. A maior parte
e tudo o
dos reis, príncipes, bispos, doutores, clérigos
isso. Às-
que é graúdo se oporia e ficaria furioso com
de Deus veio
sim sempre aconteceu quando a palavra
aquilo
à luz do dia, pois o mundo não pode suportar
em Cristo, que
que vem de Deus. Isso ficou provado
que
foi e é o que há de maior, mais querido e melhor
só não o aco-
Deus tem. Mesmo assim, O mundo não
do que tudo
lheu, mas o perseguiu mais terrivelmente
de.
que jamais veio de Deus. Por isso, como no tempo
quecola-
Cristo, assim em todos os tempos há poucos
e ar-
boram com a verdade divina, colocam em jogo
e tudo o
riscam o corpo e à vida, os bens, o prestígio
que têm, como Cristo prometeu: “Por causa do meu

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nome vocês serão odiados por todas a pessoas” (Ma-
teus 24.9). E ainda: “Muitos de vocês se escandaliza-
rão comigo” (Mateus 24.10). Sim, se essa verdade
fosse negada por camponeses, peões, estribeiros e
gente insignificante, quem deixaria de confessá-la e
testemunhá-la? Mas quando o papa e os bisposa ne-
gam em coro com os príncipes e reis, todo o mundo
foge, cala-se e disfarça para não perder seus bens,
seu prestígio, suas boas graças e sua vida.
3. Por queeles agem assim? Porque não têm fé
em Deus, porque nada de bom esperam dele. De fato,
onde há essa confiança e essa fé, ali está um coração
corajoso, firme e arrojado, que se arrisca e apóia a
verdade. Tanto faz se está em jogo o próprio pescoço
ou o manto, se é contra o papa ou contra os reis,
como fizeram os primeiros mártires. Tal coração se
contenta com o fato de ter um Deus gracioso e favo-
rável. Por isso despreza favor e graça, bense prestí-
gio junto a todas as pessoas, deixarir e vir o que não
querficar, conforme está escrito no Salmo 15.4: “Ele
despreza os que desprezam a Deus e honra os que
temem a Deus”. Querdizer: ele não teme ostiranos,
Os poderosos, que perseguem a verdade e desprezam
Deus. Não os tem em boa conta, mas os despreza.
Por outro lado, os quesão perseguidos por causa da
verdade e temem Deus mais do que os seres huma-
nos, a estes ele se apega, ajuda-os, cuida deles e os
honra, desgoste a quem desgostar. Neste sentido,está

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escrito sobre Moisés, em Hebreus 11.24-27, que ele
ajudou seus irmãos, apesar do poderoso rei do Egito.
Neste mandamento, você vê, de forma resumida,
que fé precisa ser o mestre-de-obras dessa obra. Sem
ela ninguém tem condições de praticar essa obra — tão
completamente todas as obras dependem da fé, como
já foi dito muitas vezes. Por isso, fora da fé todas as
obras estão mortas, por mais que brilhem e por melhor
que seja a sua indicação. Da mesma forma como nin-
guém pratica a obra desse mandamento, a não ser que
confie firme e corajosamente na graça divina. Assim
também não pratica obra alguma de todos os outros
um
mandamentos sem a mesmafé. Desse modo, cada
pode facilmente tirar uma prova e uma medida deste
autenti-
mandamento para ver se é um cristão e se crê
O Deus
camente em Cristo e se faz boas obras ou não.
Jesus Cristo
todo-poderoso nos ofereceu nosso Senhor
essa confian-
não somente para que creiamos nele com
exemplo des-
ça. Mas também nos apresenta nele um
que crei-
sa mesmaconfiança e dessas boas obras, para
nele eterna-
amos nele, o sigamos e permaneçamos
o caminho, a
mente. Cristo diz em João 14.6: “Eu sou
o seguimos, a
verdade e a vida” — o caminho em que nele
para que creiamos nele e a vida para que
verdade
vivamos eternamente.
Tudo isso deixa claro que todas as outras obras
que não estão ordenadas são
perigosas e facilmente
con struir e enfeitar igrejas, fazer roma-
reconhecíveis:

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rias e tudo aquilo que está escrito de forma tão varia-
da no direito canônico e que encantou, corrompeue
sobrecarregou o mundo, criou consciências intrangjúilas,
silenciou e enfraqueceu a fé. Mesmo descuidando de
todo o resto, a pessoa já tem o bastante que fazer
com todas as suas forças em função dos mandamen-
tos de Deus. Nuncavai conseguir realizar todas as boas
obras que estão determinadas para ela. Por que pro-
cura então outras obras que não são necessárias nem
estão determinadas, esquecendo as necessárias e or-
denadas?
Os dois últimos mandamentos, que proíbem
os desejos malignos do corpo, do apetite sexual e dos
bens temporais, são claros por si mesmos e permane-
cem sem prejuízo para o próximo. Assim também
continuam até a sepultura, ficando em nós até a mor-
te a luta contra as mesmas. Por isso esses dois manda-
mentos foram reunidos num só por São Paulo em
Romanos 7.7. Foram colocados como um alvo que
não chegamosa alcançar e que apenas temos em mira
até a morte. Nunca alguém foi tão santo, que não
sentissse em si mesmo a inclinação maligna, particu-
larmente na presença de causa e estímulo. O pecado
nal nos é cong ênit o por natu reza . Ele pode ser
origi
abafado, mas nunca eliminado por completo senão
pela morte física. Por essa razão, a morte física é pro”
veitosa e desejável. Que Deus nos ajude neste senti-
do. Amém.

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Índice

Apresentação ...........cccrceteeeteeeeeeereenererenceneneena 3

Dedicatória ............icisiicisrereeeem Do cagasa qua citadas /

A primeira boa obra ..................eeeeeeeeeem 11

A segunda boa obra .............c.ecesenttttereereeereeeees 35

O terceiro mandamento .................ces inn 59

O primeiro mandamento
da Segunda Tábua de Moisés .................ccc. 99

O quinto mandamento .............eceeeeneeees 128

O sexto mandamento ..............cecistereeeeeees 133


137
O sétimo mandamento ..............ceeeeteeeeemeees
143
O oitavo mandamento .............ceeeeeeeeeeeerereres

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Minibiografia

1483 — 10 de novembro: Martim Lutero nasce em


Eisleben, na Alemanha, filho de João e Mar-
garida.

1501 — Cursa o primeiro ciclo das artes liberais e, ao


1505 concluir, recebe o título de Mestre de Artes.

1505 — 2 de julho: Lutero promete ser monge.


177 de julho: Procura o Convento dos Eremi-
tas Agostinianos em Erfurt, para entrar na
vida monástica.

1507 - 3 de abril: Lutero é ordenado sacerdote.

1507 — Realiza seus estudos de teologia.


1512 Recebe o título de Doutor em Teologia e é
designado para ser professor de Bíblia na Uni-
versidade de Wittenberg.

1513/- Lutero é pregador no convento e na igreja


1514 de Wittenberg.

1517 — 31 de outubro: Lutero torna conhecidas suas


95 Teses sobre o valor da indulgência, em
Wittenberg.

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1519 — No Debate de Heidelberg torna conhecida sua
Teologia da Cruz.

1520 -— Publicação dos seus principais escritos, entre


eles: Sermão sobre as boas obras, Da liber-
dadecristã, Do cativeiro babilônico da Igreja
e À nobreza cristã da Nação Alemã.

1521 -— 3 de janeiro: Papa Leão X emite a bula de


excomunhão de Lutero.
26 de maio: Publicação do Édito de Worms,
que proíbe a divulgação e o ensino da doutri-
na defendida por Martim Lutero. Lutero é
banido. No Wartburgo, ele traduz o Novo Tes-
tamento.

1522 — Distúrbios em Wittenberg.


Março: Martim Lutero retorna para
Wittenberg e restabelece a ordem, voltando
a pregar na igreja principal da cidade.

1525 — Guerra dos Camponeses. Lutero manifesta-


se sobre o acontecimento em escritos, como:
Exortação à paz, a propósito dos doze arti-
gos dos camponeses da Suábia, Contra os
camponeses homicidas e salteadores.
Discute com Erasmo, de Rotterdam, no es-
crito De servo arbitrio.

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13 de junho: Casamento de Martim Lutero
com Catarina von Bora.

1529 — Martim Lutero publica o Catecismo Maior e


Menor.
Os príncipes do Norte e de catorze cidades
do Sul da Alemanha protestam contra as de-
cisões da Dieta de Espira para impedir o avan-
ço da Reforma. Daí surge a expressão “pro-
testantes”.
1 — 4 de outubro: Martim Lutero e Zwínglio
encontram-se em Marburgo, Alemanha, para
um diálogo. Concordam em todos os pontos
da doutrina evangélica, menos na Santa Ceia.

1530 - 25 de junho: Leitura da Confissão de


Augsburgo, redigida por Felipe Melanchthon,
na Dieta convocada para esclarecer a doutri-
na de fé testemunhada por Lutero e seus se-
quidores (pastores, comunidades e príncipes).
A Confissão de Augsburgo fica sendo um
documento-base das igrejas luteranas no mun-
do.

1534 — Publicação da primeira edição da Bíblia tradu-


zida por Martim Lutero.

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1537 — Martim Lutero escreve os Artigos de Esmal-
calda, onde, mais uma vez, o Reformadorre-
sume os pontos principais da doutrina cristã.

1539 — Publicação do primeiro volume de seus escri-


tos alemães. No mesmo ano, publica o escri-
to Dos Concílios e da Igreja.

1545 — Publicação do folheto Contra o Papado Ro-


mano fundado pelo Diabo, escrito por Mar-
tim Lutero.

1546 — Martim Lutero viaja para Eisleben, para ser


o mediador de um conflito entre os condes de
Mansfeld.
18 de fevereiro: Martim Lutero falece em
Eisleben.
22 de fevereiro: Martim Lutero é sepultado
em Wittenberg.

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Ciao

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LUTERO
DEE hoje

A Coleção Lutero para Hoje tem como


objetivo levar ao público em geral
textos significativos do reformador
da.
numa linguagem simples e atualiza
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Este volume — Ética cristã — cont
texto Das boas obras, escrito por
Martim Lutero em 1520.
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O texto apresenta uma concepçã
da cr is tã qu e co nt in ua at ua l mesmo
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existência.
depois de quase 500 anos de

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