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Composto e Im presso nas Oficinas da

CASA P Ü B U C A D O B A BATISTA
Rua S ilva Vale, 7S1 — Tomaz Coelho — Rio
LIVRO
DE
AMÓS
A. R Crabtiee, Th- D.

19 6 0
C A S A PTJBLICADORA BATISTA
Caixa P ostal 320
Rio de Janeiro
Í N D I C E
Páginas
P r e f á c io ........................................................................................7

Introdução

A mõs de T e c o a ........................... .................................... 10


O Preparo para o Seu M in isté r io .............................. 12
A Chamada de A m 6 s .................................................... 13
A R eligião de Israel desde M oisés até o Tempo de
D a v i .............................................................................. 15
A Influência de D avi na R eligião de Israel . . . . 17
C aracterísticos da Profecia an tes de A m õs . . 20
A s Condições de Israel no Período de Amõs e
O s ê ia s .................. ....................................................... 23
O F racasso da R eligião de Israel . . .................... 25
O Livro de A m õs ............................................................. 28
O E stilo Literário de Amõs .......................................... 32
A Teologia de A m õ s ..................................................... 34

Amós

Texto, E xegese e E x p o s iç ã o ..................................... .. 47


I. Oráculos contra as N a ç õ e s ................................ 47
II. T rês Sermões sôbre o D estino de Israel .. 72
III. U m a Série de V isões, a Controvérsia com
Am asias, o Pim do M inistério de Amõs, E p í­
logo ........................................ ................................... 141

Pregações sôbre o Livro de Amõs

A V ocação de A m õs ................................................... 187


O Julgam ento D i v i n o ............................ .... ............... 191
O A pêlo ao Senso M o r a l.............................................. 192
A R eligião Meraimente Cerimonial e a Religião
V e r d a d e ir a ................................................................. 194
O Encontro Inevitável com D e u s ............................ 195
Privilégio e R e sp o n sa b ilid a d e ............. ..................... 196
B uscai-m e e V i v e i ........................................................... 197
O Rio Perene da J u s t i ç a .......................................... 198
A Visão de D e u s ............................................... .. .. . . 199
B ibliografia S e le c io n a d a ............................................... 201
^prefácio
Ê ste com entário fo i preparado p a ra os p a sto res e
p regadores que desejam aprofundar-se no estudo das
verdades eternas das p rofecias d o V elho T esta m en to .
A obra representa o esfôrço de apresen tar ©s eleimen-
to s b ásicos no estu d o crítico do tex to , da ex e g ese e ex ­
posição do hebraico e do v a io r h om ilético da p ro fecia .
O estudo crítico do te x to do V elho T estam en to e s ­
tá sendo feito à lu z da descoberta de n ovos m anuscritos,
e o n ovó conhecim ento da A rq u eologia e da . H istória
A n tig a , com en tu siasm o e p r o v eito . A s d esco b erta s . ar­
q ueológicas nas ru ín as de S am aria v erificam e esc la ­
recem condições so cia is de Isra el no período de Jero-
boão 23, discutid as p or A m ó s.
O leitor n otará com o a tradução do hebraico da
p rofecia pelo aútor v a ria freq ü entem ente das v e r sõ es
em português, especialm ente n a form a p resen te de m ui­
to s verb os n a poesia, p ois o tem p o do verbo hebraico
é determ inado principalm ente p elo contexto, e n ão sim ­
p lesm en te p ela form a g ra m a tica l. A p oesia heb raica da
p rofecia é representada n a fo rm a p o ética em português,
sem qualquer esfôrço de ap erfeiçoar a su a form a p o éti­
c a . A crítica, a ex e g e se e a exp osição apresentam -se,
versícu lo por versículo, seguindo logo a v ersã o do he­
braico .
D evido à rep etição de certo s en sin os do profeta,
com o de qualquer bom pregador, h á tam bém repetições
d esta s idéias no com entário, m a s de pontos de v ista
d iferen tes que devem ajudar n o m elhor entendim ento
da m en sa g em . N o estu d o d esta profecia, fic a -se cada
v e z m a is im pressionado com o v alor eterno d e seu s en­
sinos, e da su a aplicação u n iv ersa l.
A form a do com entário é a m ais sim p les p ossível
p ara fa cilita r a leitu ra e o estudo da m en sa g e m . A
Introdução é longa, m as ap resen ta inform ação sôbre
o am biente histórico da p rofecia canônica e de v á rio s
A . R . CRA BTREE

outros assuntos relacionados com a vida, o caráter e a


m issão de A m ós, os seu s en sin os teo ló g ico s e éticos e
o seu lu gar n a h istória da revelação d ivin a. S ão poucas
a s abreviações: R SV, The Revised Standard Version;
KJV, The King James Version; SBB, Socleãaãe Bíbli­
ca do Brasil.
P reciso reconhecer m a is u m a vez, com o em todos
os m eus ou tros livros, a v a lio sa colaboração da m inha
incansável com panheira, D . M abel, na leitu ra e no
preparo da Obra para a im p ren sa .
E lim itado » núm ero d os leito res de um a obra des­
t a natureza, 'm as é oferecid a aos p astores e pregado­
res evan gélicos do B rasil c P o rtu g a l que tém poucos
com entários em português, n a esp eran ça de que seja
de valor aos seu s estudos, e ao seu m in istério n a in s­
trução do seu povo n a exp osição das verd ad es etern as
d êste m en sageiro poderoso do Senhor, divinam ente in s­
pirado par'a fa la r n ão so m en te aos seu s contem porâ­
neos da P alestin a, m a s p a ra tod os os p ovos do m undo,
em tôdas as épocas su b seq üentes da h istó r ia .

R io de Janeiro,

15 de A bril de 1960

i ■. A . R . Crabtree
in t r o d u ç ã o

A obra de Amós é a mais antiga das profecias escri­


tas que leva o nome do escritor. O seu ministério no rei­
no de Israel, na primeira metade do século oitavo antes
de Cristo, foi o princípio de uma nova época na história
da religião. Amós inaugurou o ministério dos profetas
canônicos que transmitiram ao povo as eternas verda­
des da revelação divina que orientavam os fiéis na reali­
zação do eterno propósito do Senhor na eleição de Israel.
W. H. Robinson declarou em uma das suas obras que
o ensino ético dos profetas do Velho Testamento repre­
senta o maior passo no progresso do homem. Os ensinos
ricos e profundos dos profetas sôbrè o caráter e o pro­
pósito de Deus na história prepararam os fiéis para so­
breviver à destruição nacional, e ao exílio da sua terra.
Na maravilhosa providência divina, êstes fiéis voltaram
para a sua amada terra em ruínas, para preservar e trans­
mitir as Escrituras da revelação divina.
Os estudantes criteriosos do Antigo Testamento e da
história humana reconhecem o profeta Amós como um
dos grandes homens do mundo . Observou Comill: “Amós
é um dos mais notáveis homens na história do espírito
humano.” A grandeza do profeta de Tecoa manifesta-se
na esfera espiritual e moral da humanidade. O conceito
da ética apresentado na mensagem de Amós relaciona-se
direta e intimamente com o caráter revelado do Senhor
Javé, o Deus de Israel. Esta ética bíblica é mais com­
preensiva, mais profunda e mais firme do que o sistema
filosófico das responsabilidades morais do homem, de­
senvolvido pelos gregos, três e quatro séculos depois do
tempo de Amós.
10 A. R . CRA BTREE

Amós de Tecoa

Como todos os grandes reformadores religiosos, Amós


era produto e também representante da sua época. En­
quanto as fôrças e influências da história contribuem
poderosamente na formação do caráter do homem, elas
não podem oferecer uma explicação dos dons e talentos
dos homens de gênio. Inatos são os característicos dis­
tintivos de qualquer pessoa, mas é o poder da persona­
lidade dtí homem de talentos superiores que introduz nò
mundo novas fôrças para o desenvolvimento da históriá
e da cultura humana. Como o primeiro dos profetas ca­
nônicos, Amós apresentou ao mundo os princípios eter­
nos da justiça que contribuem para o desenvolvimento e
a preservação da cultura religiosa em tôdas as épocas da
história.
O ambiente físico, há providência divina, influenciou
o caráter, e até os ensinos teológicos de Amós. Êle viveu
e trabalhou como pastor na região montanhosa, pedrego­
sa e austera, pouco habitada, ao sul de Belém, conhecida
como o deserto da Judéia. Nos lados dos outeiros e nos
vales tortuosos havia pastagem escassa, apenas para um
número limitado de ovelhas.
Tecoa, a aldèia de Amós, nove quilômetros ào sul de
Belém, foi uníi dos ltigarés fortificados por Roboao para
à proteção de Jerusalém (II Crôn. 11:6). Com a eleva­
ção dé 920 metros, servia dè lugar para tocar trombeta,
e assim transmitir sinais e anúncios ao povo (Jer. 6:1).
Era tecoíta a mulher sábia que, ao pedido de Joabe, per­
suadiu ao rei Davi que permitisse a volta de Absàlão, seu
filho desterrado, para Jerusalém (II Sâm. 14) . Mate
tárde, tecoítas ajudaram na reconstrução dos iriüros de
Jerusalém (Neem. 3:5,27). Foi, então, um lugar bem
conhecido e de alguma influência, antes do tempo de
Amós. Separada e silenciosa, a aldeia contribuiu para o
desenvolvimento dos poderes de observar e refletir de
O LIVRO DE AMÕS 11

homens como Amós. A aspereza física de Tecoa reflete-


se no caráter robusto de Amós, e ajudou no seu preparo
para entender è interpretar a justiça divina pára com o
povò infiel. A sua linguagem vigorosa refíèté âs experi­
ências da vida comò pastor e observador das leis da na­
tureza física.
A linguagem figurativa do profeta reflete a sua ex­
periência como pastor. Êle tinha ouvido o bramido do
leão,quando pegava a prêsa. Tinha visto os restinhos do
animal morto e devorado ,pelas feras. Exposto ao calor
do sol, e aos ventos frios da noite, o pastor conhecia a
dureza da natureza física.
Amós, porém, não foi homem rústico do campo, sem
preparo e treinamento, como mensageiro do Senhor. Não
podemos determinar com certeza como recebeu o seu pre­
paro literário. Mas o estilo rico, fulgurante e poderoso
das suas mensagens mostra claramente que não era me­
ramente um homem de dons extraordinários, mas que
tinha desenvolvido os seus dons de falar e escrever, ffi
geralmente reconhecido que o conhecimento e o dom de
falar entre os árabes e os hebreus não foràm limitados
aos homens profissionais, de riqueza e cultura. Com
observação cuidadosa e a faculdade de reter na memÓrià
as tradições e a história transmitidas oralmente, muitos
homens, sem a vantagem de unia educação fqrmal, ad­
quiriram profundo conhecimento prático da vida,.
Alguém sugeriu que Amós, com a suá curiosidade
intelectual, pudesse ter se encontrado freqiientemeiite çoi»
as caravanas que passavam por Belém e pèrto de Tecoá,
Recebendo, delas informaçõès importantes de outros paí­
ses Com o conhecimento de Israel; revelado no seu livro,
e quase certo que êle tinha visitado ò reino setentrional
varias vêzes antes de entrar ha sua missão prõfétícá, Ê
claro que êle conhecia de perto as condições sôòiais e re­
ligiosas de Israel.
12 A . R . CRA BTREE

O Preparo para o Seu Mtnistério

Amós possuía profundo conhecimento básico da his­


tória, de Israel. Sabia que o povo foi libertado da escra­
vidão do Égito pelo Senhor Javé, o Deus dos céus e da
terra. Sabia que este povo foi escolhido para servir co­
mo nação sacerdotal entre todos os povos do mundo. Sa­
bia que o povo aceitara voluntàriamente os compromis­
sos de fidelidade ao Senhor do concêrto do Sinai que o
seu Deus lhes oferecera no seu grande amor eletivo. Sa­
bia que o Senhor guiara o povo da sua escolha por qua­
renta anos através do deserto e lheS dera a terra dos
amorreus.
Com o seu conhecimento das condições religiosas de
Israel, o pastor, sem dúvida, meditou em silêncio sôbre
a majestade, a grandeza e a justiça do Senhor em con­
traste com a ingratidão e a infidelidade de Israel. Pen­
sando sôbre o temperamento e a mentalidade religiosa
do povo tão pervertido, o pastor, com a sua experiência
com Deus, ficou profundamente comovido. A perversão
da justiça social, a avareza e a opressão cruel dos pobres,
o suborno dos tribunais da justiça, e a prostituição dos
cultos religiosos demonstraram a Amós o afastamento
completo do povo de Israel do seu Deus. Usando a rique­
za adquirida por opressão e violência para subornar as
instituições incumbidas de defender os direitos dos fra­
cos contra a injustiça dos ricos e poderosos, a dignidade
e ò valor do homem justo foi reduzido ao valor de um
par de sapatos. Julgando que pudesse aplacar o Senhor,
e ganhar o seu apoio e os seus favores com sacrifícios,
ofertas e festas religiosas, Israel tinha reduzido o seu
Deus ao nível de um bom camarada de homens injustos,
sem compreender a tolice da sua religião. Como os deu­
ses dos pagãos, o Deus de Israel existiu para servir ao
seu povo, ficando subordinado aos ricos que lhe pudessem
O L IV R O D E AMÓS 13

oferecer os maiores sacrifícios e Celebrar as maiores fes­


tas em seu nome.
O povo egoísta assim procurava envolver o Senhor
Deus no seu próprio desprêzo da justiça e nas transgres­
sões e pecados que praticava para a satisfação dos seus
prazeres e apetites físicos. O Deus soberano dos céus
e da terra, que libertou o grupo de escravos dò poder do
Egito, e lhe revelou o seu eterno propósito na história
pela eleição dêle como a sua nação sacerdotal, dará curso
livre à sua eterna justiça. Na operação da justiça divi­
na, êste mesmo povo, injusto e rebelde, será completa­
mente destruído. Esta era a convicção abrasadora do
pastor de Tecoa, antes de receber a sua chamada para
entregar a mensagem dura ao povo de Israel.
A Chamada dé Amós

A chamada de Amós, bem como a sua mensagem,


relaciona-se não somente com a personalidade, os dons,
a cultura e as experiências religiosas do profeta, mas
também com as condições políticas, econômicas, sociais
e religiosas do povo da época. Não há outro profeta co­
mo Amós que revele tão claramente as relações da sua
mensagem com a sua personalidade e com as circunstân­
cias e condições da época. Todavia, a chamada vem do
Senhor Deus da justiça, segundo a sua declaração explí­
cita, confirmada pelas verdades eternas da sua mensa­
gem .
O sacerdote hostil de Betei pensou que Amós era um
dos profetas que se dedicavam à pregação, um represen­
tante da escola dos profetas. Êstes eram pregadores de
verdades morais da religião. Não eram profetas falsos,
mas as suas pregações não contribuíram para o desenvol­
vimento da revelação divina que está preservada nas Es­
crituras do Veího Testamento.
Amós representava um novo exemplar de profeta e
14 A . R . CRABTREE

pregador que o sacerdote Amásias não podia entender.


Envolvido na injustiça social do seu poyo e preocupado
com os seus próprios interêsses, mostrou logo a sua hos­
tilidade para com o pregador da justiça.
Na experiência da chamada do profeta, êle ficou em
comunicação direta com Deus. Inspirado pelo Espírito
dô Senhor, ísaías viu no Templo o altar de fogo, e inter­
pretou a mensagem que proclamava ao povo de Judá.
Aniós teve uma série de visões e, com o esclarecimento
do Espírito do Senhor, êle interpretou a mensagem delas
para o povo dè Israel.
O pastor de Tecoa tinha a convicção firme e inabalá­
vel de que o Senhor ia lhe revelando a mensagem precisa
para o povo de Israel naquele tempo. O fato de que está
revelação concordava perfeitamente com as suas próprias
observações e o seu raciocínio intelectual não diminuiu
de maneira alguma a certeza absoluta de que o próprio
Senhor estava falando ao povo de Israel por seu inter­
médio .
Nenhum dos profetas teve mais certeza do que Amós
da sua vocação divina. Êle declara positivamente: “O
Senhor me tirou de após o rebanho, e o Senhor me disse:
Vai, profetiza ao meu povo Israel” (7:15) . Profetiza
é a ordem do Senhor para o pastor. Recebe, entende e
transmite ao povo de Israel, áo povo do Senhor, o orá­
culo, a, palavra de Deus. Tudo isto se encerra na pala­
vra hebraica, profetisa. O profeta declara ao inimigo
Amasias: “Eu não era profeta, riem filho de profeta, mas
pastor do meu rebanho e cultivador de siçômoros, quando
recebi a ordem clara e positiva do Senhor.” Assim, de­
clara que não tinha vindo da escola dos profetas, mas da
presença do Senhor. Não tinha recebido nenhum treina­
mento na música, nem na dança para induzir à êxtase .
Receberá a mensagem bem còmo a ordem de proclamá-la,
diretamente do Deus de Israel, o Senhor dos céus e da
terra. É governado pela lei divina, de causa e efeito,
O L IV R O D E AMÕS 15

o raciocínio intelectual, orientado e dirigido pela Inteli­


gência Suprema.
Não buscara a incumbência de profeta. Pelo contrá­
rio, o Senhor Jãvé tomou a iniciativa, e lhe deu a incum­
bência de entregar a mensagem divina ao povo de Israel ..
Não podia resistir à ordem do Senhor:
“O leão rugiu, quem não terá mêdo? .
O Senhor falou, quem não profetizará?” (3:8) .
Não podia deixar de falar das coisas que tinha visto e
ouvido. Na sua dependência da revelação divina o pro­
feta reconheceu a profunda significação da profecia.
“Certamente o Senhor Javé não fará coisa alguma
sem revelar o seu segrêdo aos seus servos, os pro-
fetas” (3:7).
A Religião de Israel desde Moisés até o Tempo de Dm%
Para entender o lugar de Amos em relação com a
profecia hebraica, é necessário considerar ligeiramente
ps característicos principais do movimento profético des­
de o tempo de Moisés. Os hebreus nunca puderam se es­
quecer por completo de que o Senhor os tinha libertado
da sua miséria no Egito e os escolhera como o seu povo
peculiar. O majestoso mensageiro do Senhor, Moisés,
orientador do povo no período da formação, despertou
nêle a inesquecível esperança de que o Senhor havia de
guiar o povo da sua escolha no cumprimento da missão
predeterminada. Ã luz das descobertas arqueológicas e
do novo conhecimento dá história, é geralmente reconhe­
cida agora a veracidade da narrativa bíblica sôbre a li­
bertação do grupo de escravos hebreus do Egito, e a sua
formação, sob a liderança de Moisés, como a nação sacer­
dotal entre os povos do mundo. O mundo deve a Moisés,
o homem de Deus, a lei moral dos Dez Mandamentos, e a
religião monoteísta do Senhor Javé, Criador e Controla­
dor dos céus e da terra.
16 A . R . CRA BTREE

Desde o Monte Sinai o povo escolhido vacilou na sua


fidelidade religiosa, mas se manteve mais ou menos fiel
àp seu Deus no tempo de Moisés e Josué. Mas, éomeçan-
áo no período dòs Juizes, os hebreus incorporavam cana-
íieus, e adotavam vícios da sua civilizáção, incluindo ele­
mentos e práticas da religião fácil e irresistivelmente
atraente na moralidade menos rigorosa. Enquanto o es­
critor de Juizes reconhecia os numerosos desvios morais
do povo, ele mantinha o conceito fundamental da religião
de Israel e as promessas do seu Deus. Podia haver perío­
dos, dè degenerescência política e religiosa do povo, mas
o Senhor nunca abandonaria o povo da sua escolha. Mas
gradualmente as relações religiosas dos hebreus para com
os eananeus se tornaram tão complicadas que não pude­
ram ser perfeitamente esclarecidas, atê séculos depois,
à luz dos ensinos dos profetas canônicos.
Através de todos os períodos da história, desde Moi­
sés e Josué até à época de Amós, o grupo dos fiéis man­
teve a sua fé firme e vigorosa no seu Deus. Não perdeu
a coragem, nem a certeza da vitória final do propósito
do Senhor na escolha do seu povo. O cântico da poétisa
e estadista Débora revela o perigo das condições políti­
cas « religiosas na falta da unidade das tribos contra o
inimigo, como também o fervor e a fé no triunfo final
daqueles que amam e confiam no Senhor.
“Assim pereçam, Senhor, todos os teus inimigos.
Mas aquêles que te amam
sajam como o sol quando sai na sua fôrça” (Jui­
zes 5:31).
Os eananeus, representando vários povos, não fica­
ram unidos contra os israelitas, e êste fato facilitou o
estabelecimento das tribos, mais ou menos independentes,
na terra. Mas quando os filisteus, bem treinados na or­
ganização militar, entraram na terra, com o propósito
de subjugar os habitantes e tomar posse da Palestina, os
O L IV R O D E AMOS 17

feráèlitas i^conhecéram a necessidade imperiosa de se


ünirèm contra o inimigo perigoso. Depois de duas vitó­
rias dos filisteus e da morte do juiz Eli, surgiu rapida­
mente o sentimento em favor do, estabelecimento da mo­
narquia.
O juiz-profeta Samuel fêz uma vigorosa campanha
dè educação religiosa, e persuadiu o povo a tirar dentre
êles os baalins e asterotes, e a preparar o coração para
o serviço do Senhor. Com êste preparo Israel ganhou a
famosa vitória de Ebenézer. O movimento político de uni­
ficar as tribos para combater os filisteus, sob a orienta­
ção do profeta Samuel, apelou a tôdas as tribos, e re­
sultou no avivamento da fé de Israel.
Nem todos os mais nobres concordaram na escolha
de um rei, mas prevaleceu o desejo da grande maioria
do povo, e a nova forma do govêrno foi estabelecida, com
á esperança dos fiéis de que o rei sempre seria para êles
o representante fiel do Senhor. O profeta Samuel, com
mêdo da opressão dos reis, opôs-se à fundação da monar­
quia, mas continuou o seu ministério profético. Apoiou a
escolha de Saul como o primeiro rei de Israel. Depois
de ganhar algumas vitórias importantes para o seu povo,
o rei, perturbado pelo ciúme, desobedeceu à ordem de
Samuel, ficou desmoralizado na perseguição de Davi, c„
finalmente, morreu tragicamente no Monte de Gilboa.
Saul conseguiu reter os filisteus na Palestina cen­
tral, e deixou ao seu sucessor Davi a responsabilidade de
subjugar os filisteus e outros inimigos de Israel, e de de­
senvolver o seu povo numa grande e poderosa nação.
A Influência de Davi na Religião de Israel
Homem segundo o coração do Senhor na sua vida re­
ligiosa, Davi revelou-se como grande general na subju­
gação dos filisteus e de vários outros,povos em redor.
Davi revelou os seus multiformes taleotqs conio: organi?-
L. A. 2
18 "•A."1R . CRABTREE

zadoi estadista de visão e como homem profundamente


religjoso, apesar das suas ^fraquezas ;• A conquista da
fortaleza dos jebuseus e o estabelecimento da capital po­
lítica e religiosa em Jerusalém, tiveram uma influência;
poderosa e permanente na história do povo. À submissão
de Davi à revelação do Senhor, por intermédio do profe­
ta Natã, contribuiu notàvelmente para o desenvolvimen­
to religioso de Israel.
Davi- resolveu edificar uma casa para a habitação
do Senhor (Sal. 132). Comunicou o seu desejo ao pro­
feta Natã que lhe deix logo o seu apoio, mas depois de
consultar o Senhor, o profeta induziu o rei a deixar a
obra para o seu filho. Mas em virtude do nobre propósi­
to, o rei. recebeu a promessa histórica de II Samuel 7:
11-15. Alguns pensam que a história do incidente foi
escrito algum tempo depois de Davi, e embelezada pela
imaginação do escritor. Comentando sôbre esta opinião,
A. B. Davidson diz- “Em tôda a história da religião da
humanidade, não há nada que possa ser comparado com
a obra profética em Israel.” 1
“Também o Senhor te declara que êle mesmo te
fará uma casa. Quando fôrem completados os teus
dias, e viéres a dormir com teus pais, então farei
levantar o teu filho depois de ti, que sairá das tuaã
entranhas, e estabelecerei o seu reino. Êle edifi­
cará uma casa ao meu nome, e eu estabelecerei pa­
ra sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei pai,
e êle me será filho. Se êle cometer a iniqüidade,
castigá-lo-ei com a vara de homens, e com os açoi­
tes dos filhos do homem, mas o meu amor fiel
( h&sed) não tirarei dêle, como o tirei de Saul, a
quem afastei de diante de ti” (II Sam. 7:llb-15) .
Ô zelo religioso de Davi culminou na construção do
Templo pelo seu filho Salomão. Resultou também ha
1; Oíd' T estam ent Prophecy, p. 59
O ' L IV R O ' D E AMÓS 19
produção de üma vasta literatura:de louvor ao Senhor
nos Salmos, e teve grande influência na pregação dos
profetas. Apesar das falhas e fraquezas de Davi, o seu
reino acentuou o conceito de que o remo de Israel era
tipo do reino perfeito de Deus.
Permaneceu na memória de Israel a idade áurea do
reinado de Davi, e o profeta Amós, com a severa condo-,
nação da apostasia do povo da época, ainda esperava que
o Senhor levantaria o tabernáculo caído do grande rei. A
influência de Davi na literatura profética é indicada pela
menção freqüente do seu nome, muitas vêzes com referên­
cia à promessa davídica: 87 vêzes nos Salmos; 10 em
Isajas e 15 em Jeremias ; 4 em Ezequiel; 1 em Oséias; 2
em Amós; 6 em Zacarias.
Não obstante as influências benéficas de Davi, duas
fôrças contribuíram, no período do seu govêrno, para o
progresso do baalismo. A religião dos povos subjugados
por êle aumentou a influência e o desenvolvimento dêste
baalismo, enquanto êste recebia apenas algumas influên­
cias da religião dos israelitas, O declínio moral e espi­
ritual de Davi foi influenciado pelo ambiente, e o exem­
plo dêle enfraqueceu as fôrças da religião do Senhor.
Salomão, com as suas fabulosas riquezas e o seu
poder ditatorial, diminuiu ou apagou o serviço dos pro­
fetas, e êle afastou-se gradualmente dos ideais democrá­
ticos e religiosos do seu povo. Com a ópressão política,
e a introdução de várias formas de paganismo na côrte,
êle preparou ò caminho para a divisão do reino, com a
paganização cada vez mais poderosa dòs reis e do povo!
A divisão do reino não produziu os bons resultados
que os profetas e os fiéis esperavam. Os dois reinos fica­
ram enfraquecidos e mais sujeitos ao perigo da conquista
pelos inimigos mais fortes. As alianças geralmente pre­
judicaram mais do que ajudaram os dois reinos. As guer­
ras entre Judá e Israel e as freqüentes revoltas nò reino
de Israel sempre resultaram no enfraquecimento da- fé
A . R . CRA BTREE

religiosa do povo. Potica importância tinha a religião,


fora da política, para os reis dos dois reinos, com algu­
mas nobres exceções entre os reis de Judá.
Quando Onri fêz aliança política com Tiro, por meio
do casamento do seu filho Acabe com Jezabel, êle intro­
duziu no reino de Israel o baalismo fanático de Melquart
de Tiro e o conceito da autoridade absoluta do rei. Jeorão
rei de Judá, casoü-se com Atalia, filha de Acabe e Jeza­
bel, e assim levou a influência dêsse novo baalismo cor-
rutor ao reino de Judá,
A revolução de Jeú, na sua brutalidade cruel, con­
seguiu exterminar o baalismo importado de Tiro, com o
sacrifício do prestígio político de Israel, mas nada fêz
para purificar a fé de Israel da corrução do baalismo ca-
naneu, tão severamente condenado mais tarde pelos pro­
fetas Amós, Oséias e Outros . Jeú fói muito além do con­
selho dos profetas no método cruel de exterminar o ba­
alismo. Exterminou oS homens experimentados no go-
vêrno, enfraqueceu o reino, e tinha que pagar tributo ao
rei da Assíria por alguns anos. Nada conseguiu fazer
para purificar è fortalecer a fé dé Israel no Senhor Javé.
Os profetas canônicos censuraram as injustiças e as in­
fidelidades da dinastia de Jeú mais severamente do que
os profetas tinham censurado os reis da dinastia de Oriri.

Característicos da Profecia antes de Amós


Os maiores profetas do período desde Moisés até
Amós, Samuel, Elias e Eliseu eram defensores corajosos
do Senhor Javé, o Salvador de Israel, o Deus de justiça
e misericórdia. Êstes, juntamente com muitos outros pro­
fetas do período, tinham à profunda convicção de que o
Senhor os tinha chamado para defender e manter as ver-
dadês divinas reveladas por intermédio de Moisés ê das
experiências históricas de Israel com o seu Deus. Perma­
neceu em grande parte a influência do baalismo do pe­
O í.L IV R Q D E AMÓS n
ríodo dos Juizes. Na conquista da Palestina por Davi,
Os cananeus for ara integrados como israelitas, com ce­
rimônias e práticas imorais da sua religião, gradualmen­
te reconhecidas pelo povo em geral como elementos da
religião de Israel.
É difícil de se avaliar a proporção da influência do
baalismo sôbre os profetas dêste período, mas é geral­
mente reconhecido que 0 frenesi e as atividades físicas
de alguns dos profetas, no reinado de Saul, representam
algumas das influências dos cananeus, Estas influências
exteriores não se harmonizara perfeitamente com a ope­
ração direta do Espírito do Senhor na consciência e na
inteligência de Moisés e dos profetas canônicos. Êstes
verdadeiros mensageiros do Senhor eram pastores do seu
povo, Preocupados com os perigos das guerras com os
inimigos,. êles não chegaram a entender tão claramente,
como os profetas canônicos, que a fé de Israel não podia
depender das fôrças políticas, Mas, perturbados pelos
perigos políticos, êstes homens de Deus lutaram denoda­
damente para preservar a fé do seu povo.
Os profetas Elias e Eliseu representam a luta de
vida e morte entre Israel e o novo baalismo. Finalmente
conseguiram eliminar, por intermédio de Jeú, o sangui­
nário, o baalismo de Melquart, mas 0 baalismo dos ca­
naneus, bem enraizado na vida do povo, ainda exercia a
sua influência nos dois reinos, como se entende claramen­
te pelo estudo dos profetas canônicos.
Não houve distinção entre os cananeus subjugados e
absorvidos pelo reino de Davi e os próprios israelitas.
Assim não é possível determinar as superstições e as
práticas religiosas que o povo de Israel recebeu dos ca­
naneus misturados com os israelitas. Mas o profeta Oséias
nos declara que os israelitas não sabiam que os frutos que
ofereciam a Baal eram recebidos do Senhor Deus de
Israel.
Elias e Eliseu, com a reforma conseguida pór inter­
22 A . R . CRA BTREE

médio de Jeú, não conseguiram eliminar a corrução que


finalmente levou à destruição o reino político de Israel,
e finalmente o de Judá. Êstes profetas se apresentaram
como reformadores, como também todos Os profetas sub­
seqüentes. Dedicaram o seu ministério ao esforço de eli­
minar as influências corrutoras do baalismo, proclaman­
do ao mesmo tempo os princípios da democracia e da jus­
tiça do Senhor Javé, o Deus de Israel . Elias entendeu cla­
ramente que os ideais da autoridade e do poder do rei,
introduzidos por Jezabel, podiam destruir por completo
o conceito de que o rei de Israel era o agente do Senhor
e que 0 seu govêrno representava, embora imperfeita­
mente,-o reino de Deus na terra. Assim como o profeta
Natã teve a coragem de confrontar o rei Davi com o pe­
cado de adultério ê assassínio, Elias condenou severa­
mente õ roubo e a morte de Nabote por Acabe. Segundo
o ponto de vista de Jezabel, a conselheira do marido, isto
não era pècado, e sim o direito absoluto do rei soberano
de roubar e matar em favor dos seus próprios interêsses.
Não obstante as imperfeições da reforma dos profetas
Elias e Eliseu, os princípios da justiça do Senhor que
êles pregaram são os mesmos que se encontram nas pro­
fecias canônicas, no seu maior desenvolvimento. Os pro­
fetas canônicos, em geral, lembrando-se das atividades
políticas de Elias e Eliseu, perderam a confiança nos
reis como representantes do reino do Senhor na terra.
A revolução política orientada por Elias e Eliseu, e
executada por Jeú (II Reis, caps. 9 e 10), representa o
resultado do trabalho religioso e político dêsses podero­
sos profetas por alguns anos. Êles conseguiram colocar
no trono de Israel a dinastia de Jeú que governou no
período da decadência religiosa de Israel.
Na sua crueldade brutal Jeú exterminou o baalis­
mo importado de Tiro, mas pouco se interessava na pu­
rificação da religião de Israel, fora da sua influência po­
lítica. Mais tarde Amós e Oséias e outros profetas con­
O L IV R O D E AMÓS 23

denaram severamente o baalismo eananeu dó período da


dinastia de Jeú. Jeú fracassou miseravelmente como re­
presentante do reino do Senhor Javé. Os profetas ca­
nônicos procuraram oferecer conselhos aos reis mas, com
raras exceções, os reis não se incomodavam com a reli­
gião profética.
As Condições Sociais de Israel no Período de Amós e
Oséias
O povo hebraico teve a sua origem no ambiente de
três mil anos da civilização dos egípcios e dos mesopotâ-
mios, como se sabe agora, à luz do conhecimento da Ar­
queologia e da História. A fonte principal da sua fé foi
a experiência miraculosa com o Senhor Javé no Egito,
mas o povo preservou também as tradições históricas de
seus patriarcas, identificando o Todo-Poderoso de Abraãò
com o Senhor Javé, o Redentor de Israel .
No século oitavo antes de Cristo, aquela parte dp
mundo conhecido no Ocidente como o Oriente Próximo
já tivera uma longa história, com várias formas de reli­
gião. A nação de Israel era ainda comparativamente no­
va entre os povos da região, mas já se ufanava de uma
história notável. Lembrava-se, embora indistintamente,
do seu grande libertador e estadista, Moisés, o mensa­
geiro da revelação do Senhor que a salvou das garras
do Egito, e a escolheu como o seu povo peculiar, e a in*
cumbiu da missão sacerdotal entre as nações do mundo.
No esforço de desenvolver-se de acôrdo com os ensi­
nos religiosos e éticos, e os princípios da democraqia, re­
cebidos por intermédio de Moisés no Monte Sinai, os he­
breus tinham que lutar, desde o princípio da sua histó­
ria como povo, com as influências do seu ambiente his?
tórico.
Nas vitórias políticas da conquista da Palestina e
no desenvolvimento nacional, sob o govêrno de seus reis,
A . R . CRA BTREE

com pouco interêsse na religião forà da influência polí­


tica, Israel tinha sofrido um declínio social e religioso,
No período de Amós o povo em geral tinha perdido a vi­
talidade da fé que havia contribuído como a fôrça prin­
cipal no seu desenvolvimento como nação. A perda do
vigor religioso contribuiu também para o declínio po­
lítico, moral e social.
A decadência política que seguiu a revolução de Jeú
abriu o caminho para o povo aramaico da Síria, com a
capital em Damasco, tomar uma parte do território de
Israel (II Reis 10:32-33) e de Judá (II Reis 12:17-18) .
Mas em 802 a.C. o poderoso Assírio, na campanha
de expansão, tanto reduziu e enfraqueceu o poder dos
sírios que Israel, no reinado de Jeoás, recapturou de
Bene-Hadade as cidades de Israel que Hazael tinha sub­
jugado (II Reis 13:25), Por causa de problemas inte­
riores, o Império da Assíria tinha que abandonar, por
algum tempo, o plano de conquistar as pequenas nações
como Israel e Judá, situadas no seu flanco ocidental. A
retirada dos assírios por alguns anos deixou Israel livre
para desenvolver as propriedades reconquistadas do seu
antigo inimigo, a Síria. Sob o govêrno de Jeroboão II,
rei habilitado, Israel teve o seu terceiro e último período
de prosperidade. Controlando os caminhos comerciais
do mundo antigo, a nação se enriqueceu ràpidamente com
os impostos que recebeu de negociantes de vários países.
Nesse período de inatividade da Assíria, Jeroboão II, sal­
vador de Israel (II Reis 13:4, seg,; 14:26, se g .), apro­
veitou o ensêjo de aumentar o seu domínio. Numa cam­
panha agressiva, êle tomou da Síria o território antigo
tíe Israel, a leste do Jordão, desde Hamate, no vale do
Orontes ao norte, até ao Mar Morto no sul, capturando
também a cidade de Damasco, capital dos sírios (II Reis
14:25,28). Nesse mesmo tempo da expansão de Israel,
o rei de,Judá, Uzias, ia fortalecendo o reino do sul. O
O L IV R O D E AMÕS 25

títmjunto dó território dos dois reinos foi o maior da


história desde o tempo de Salomão.
Esquecendo-se do perigo do gigante ao leste que por
enquanto ficava inativo, Israel se regozijava no seu po­
der e na sua grande prosperidade (Amós), como se ti­
vesse certeza da sua segurança eterna. Como outras na­
ções da história, (Israel) chegou ao pico da prosperida­
de material pouco tempo antes da queda final. A fabulo­
sa prosperidade de Israel aumentou o seu orgulho e ar­
rogância, multiplicou as injustiças sociais, corrompeu os
tribunais da justiça, honrou a prosperidade e o luxo dos
opressores dos indefesos, como evidências de favores di­
vinos, enquanto julgava que pudesse ganhar os favores
do Senhor com ofertas, dízimos, sacrifícios e festas reli­
giosas. Por muito tempo a decadência política e religio­
sa tinha se manifestado na vida nacional. Aumentou nes­
se período com novas influências de arrogância e hipo­
crisia.
Os historiadores dão apenas uma vaga noção do
declínio moral e religioso do povo desde o tempo de Sa­
lomão. Reconheceram que o govêrno opressivo de Sa­
lomão causou a divisão do reino, mas pouco entenderam
as más conseqüências da divisão. Ê na literatura dos pro­
fetas do século oitavo em diante que se encontra o en­
tendimento claro das condições trágicas da sociedade e
da religião de Israel e Judá.
O Fracasso da Religião de Israel
No período de Amós Israel era muito religioso. A
sua religiosidade foi uma indicação do fracasso da sua
fé. O povo se ufanava de seus cultos elaborados, das
suas ofertas, dízimos e sacrifícios que apresentava assi­
duamente ao seu Deus; e especialmente das festas sun­
tuosas que celebrava em o nome do Senhor.
A prostituição da religião de Israel resultou do seu
26 A , R . CRABTREE

conceito errôneo do Senhor Javé, o Deus de Israel. Is­


rael tinha absorvido dos vizinhos o conceito pagão do
Senhor. O seu entendimento do caráter de Deus mudou-se
gradualmente desde o período dos Juizes até ao período
da prosperidade do reinado de Jeroboão II, quando che­
gou a aceitar dos vizinhos o conceito pagão do Senhor.
Os israelitas nunca atribuíram ao Senhor Javé a imora­
lidade que os cananeus imputaram a Baal, mas julgavam
que enquanto o Senhor recebia ofertas e adoração do seu
povo, êle não se incomodava pela relação social entre o
povo. Eram, portanto, muito zelosos na observação das
cerimônias religiosas nos santuários. Traziam aos alta­
res holocausto,s, ofertas de cereais e ofertas pacíficas, de
animais gordos em grande abundância (Amós 5:22).
Observavam com alegria os sábados, a lua nova e tra­
ziam os dízimos de três em três dias e faziam ressoar
os cânticos nos santuários (5:21, s e g .; 4:4, seg; 8:3;
5:10) . Confiavam nos seus privilégios como o povo d»
Senhor (3:2; 9:7).
Julgavam que o Senhor Javé, o seu Deus, estivesse
sempre com êles, enquanto lhe oferecessem os holocaus-
tos e as ofertas pacíficas, e observassem fielmente tôdas
as festas e cerimônias religiosas para agradá-lo. A ma­
ravilhosa prosperidade de Israel era, para êles, prova ca­
bal das bênçãos e favores do seu Deus,
Esperavam também o Dia do Senhor quando o Se­
nhor manifestaria a sua presença, o grande dia quando
o povo de Israel receberia a bênção especial do Senhor, e
todos os inimigos seriam derrotados e subjugados à sua
autoridade (5:14,18) .
Para os veículos da revelação divina no Velho Tes­
tamento, e especialmente para os profetas canônicos, a
devoção ao Senhor Javé, o Deus de santidade e justiça,
abrange a harmonia e a comunhão espiritual com Deus
e a prática dos princípios éticos da justiça entre os ho­
mens. Nas outras religiões, a devoção aos deuses ficou
o. L IV R O D E .AMÓS 21

divorciada das relações humanas . No tempo de Amós, a


religião de, Israel ficou quase que completamente paga-
nizada.
Tôdas as manifestações da decadência religiosa de
Israel, como a avareza, a soberba, a corrupção, a injus­
tiça e a hipocrisia resultaram da falta do entendimento
do caráter do seu Deus. Há uma tendência moderna de
se desprezar a teologia, mas a qualidade da vida religiosa
resulta do entendimento do caráter de Deus . Alguns di­
zem que o homem cria a Deus conforme à sua própria
imagem. É claro que Israel fêz isto, no tempo de Jero-
boão II, para a sua própria destruição. Mas o Senhor
Javé, Criador e Governador dos céus e da terra, se co­
municou com Amós, e os profetas subseqüentes do Velho
Testamento e a revelação do caráter do Senhor que êles
receberam apelam eternamente à inteligência e à cons­
ciência humana e contribuem para o desenvolvimento da
justiça e da dignidade dos homens nas suas relações so­
ciais .
Ê a palavra de Deus mais aguda do que a espada
de dois gumes, que penetra até a divisão da alma e es­
pírito, e revela os pensamentos e as intenções do cora­
ção. Amós, o mensageiro do Senhor, entendeu claramen­
te a futilidade da religião cerimoniosa dos homens car­
regados de iniqüidade. Expõe com fôrça e clareza a in­
justiça de Israel à luz da justiça divina. Nesta exposi­
ção o profeta apresenta o conceito da justiça de Deus que
exige a prática da retidão pelos homens nas suas rela­
ções sociais e nos seus negócios uns para com os outros.
O homem de Deus viu no esplendor da prosperidade
material do povo no remado de Jeroboão II a grande de­
sigualdade que existia entre as condições econômicas dos
ricos e dos pobres. No estudo das condições nas visitas
à cidade de Samaria e ao santuário de Betei, êle chegou
a entender as condições religiosas e morais do povo, es­
pecialmente dos homens que ganharam as riquezas por
28 A R. C R A B T R E E

violência :e rapina e pela opressão dos pobres e necessi­


tados (Amós 3:10), Credores sem remorso vendiam os
pobres como escravos (2:6-8) . Esmagavam os necessita­
dos e miseráveis. Usavam balanças enganosas e vendiam
aos pobres o refugo do trigo. Até os juizes, responsáveis
pela proteção dos fracos contra os fortes, aceitavam di­
nheiro dos ricos para tomarem decisões, injustas nas con­
tendas legais, contra os pobres (5:12) . As mulheres se
mostravam tão duras e tão gananciosas e cruéis como os
Jiomens. Exigiam dos maridos que oprimissem os pobres
■e quebrantassem os necessitados para adquirirem os
meios de satisfazer a sua vaidade (4:1).
Na vida pública, a decadência moral se manifestava
abertamente nos negócios dos mais poderosos do povo.
Jjstes tinham tanta influência que podiam praticar à von­
tade a injustiça sem restrição (8:5) . Desprezavam os
mais nobres sentimentos humanos (2:8) . Não tolera­
vam repreensões das suas práticas. Odiavam aquêle que
os reprovasse à porta e abominavam ao que falasse since-
xamente (5:10) . Preocupados com a aquisição de rique­
zas e os seus prazeres, os oficiais e os ricos se mostra­
vam insensíveis à ruína do país (6:6), Ufanavam-se de
poder e autoridade, e ficavam sossegados, sem pensar
na possibilidade do julgamento vindouro (6:1,13) . Mos­
travam-se maduros para o castigo da justiça divina (8:
1-3),
O Livro de Amós
Amós é geralmente reconhecido como o autor do li­
vro, mas alguns críticos sustentam que várias anotações
« ãdiçõès foram acrescentadas à obra por escritores sub­
seqüentes. Robert H. Pfeiffer, por exemplo, pensa que
os glosadores ou comentaristas eram judeus de Jerusa­
lém que fizeram as adiçõés entre 500 e 200 a.C . Se­
gundo a opinião dêle, êstes acrescentaram as doxologias,
O L IV R O D E AMÓS 29

a passagem 9:11-15 e outros trechos. No The Interna­


tional Criticai Commentary, W. R. Harper declara:
“Quase a quinta parte do livro que leva o nome de Amós
tem que ser posta de lado.” Mas os comentaristas não
concordam na citação dos trechos que Amós não podia
ter escrito. Julgam que as passagens foram acrescen­
tadas por razões teológicas e para esclarecimento ou de­
senvolvimento dos ensinos originais da obra. Em geral,
êles começam com os seus próprios pontos de vista do
entendimento e dos ensinos de Amós, e assim negam ao
profeta tudo o que não concorda com êstes ensinos. Ê
verdade que, em alguns casos, há indicações de estilo
que favorecem a sua crítica, mas as suas opiniões são
freqüentemente subjetivas. A tendência entre os comen­
taristas modernos é a de aceitar quase todo o livro como
a obra de Amós. Alguns não querem dar o devido apre­
ço à capacidade do profeta em desenvolver os seus pró­
prios ensinos. Não há base histórica, nem provas ex­
ternas, para se negar ao autor original qualquer porção
essencial do livro.
O profeta entendeu a história do povo de Israel, a
finalidade, o significado e a importância da eleição. O
conceito da história e a esperança messiânica ligaram-se
tradicionalmente com a finalidade e o propósito da esco­
lha de Israel« O fato de que Amós reconheceu as respon­
sabilidades espirituais de Israel na sua eleição divina não
cancelou em absoluto o concêrto do Senhor com o povo.
Ê certo que o profeta não nega a possibilidade da
harmonia entre o juízo inexorável do Senhor contra o
pecado e a misericórdia divina no perdão do pecador arj
rependido.
“Pois assim diz o Senhor à casa de Israel:
Buscai-me e vivei” (5:4):
“Buscai o bem e não o mal, para que vivais;
30 A. R . CRA BTREE

’ e assim o Senhor, o Deus dos Exércitos,


estará convosco, como vós dizeis.
Odiai o mai, e amai o bem,
e estabelecei o juízo na porta;
talvez o Senhor, o Deus dos Exércitos,
tenha piedade do resto de José” (5:14-15).
O profeta que apresentou ao povo êstes apelos, e
não há razão de se duvidar de que foi Amós, certamente
acreditava no perdão divino dos homens arrependidos.
A organização do livro é simples e clara. Tem três
divisões principais, ligadas pela unidade do plano do au­
tor. Ê provável que alguns poucos versículos estejam
deslocados, ou ligeiramente modificados. Ê também pos­
sível que haja algumas poucas interpolações. Tais emen­
das não modificam os ensinos do livro, nem diminuem
o seu eterno valor.
A primeira divisão abrange os capítulos um e dois.
Depois do título e dá proclamação solene da sua autori­
dade divina, o pregador denuncia as nações vizinhas de
Israel, não por causa das injustiças cometidas contra o
povo escolhido do Senhor, mas por causa dos crimes pra­
ticados, umas contra as outras, na violação das leis hu­
manitárias que tôdas elas não podiam deixar de reconhe­
cer. Prende o interêsse dos israelitas com a menção dos
crimes de cada um dos vizinhos em particular. Condena
severamente a crueldade das nações contra outros povos
na guerra, como a violação de alianças e a escravização
dos conquistados e várias outras formas de perversida­
d e. Os israelitas podiam dar os seus apoios, enquanto o
profeta condenava os seus inimigos. Ganhando o inte*
rêsse e a simpatia dos ouvintes pela condenação justa
de Damasco, Filístia, Tiro, Edom, Amom e Moabe, o pre­
gador da justiçá denuncia também o reino de Judá, im ã
de Israel, porque tinha rejeitado a lei do Senhor e não
guardava os seus estatutos. Começa cada um dêstes orá»
O L IV R O D E AMÔS 31

eulos com a frase, “Assim diz o Senhor”, e pronuncia o


castigo divino que cada uma das nações há de sofrer,
reforçado geralmente pelas palavras, “diz o Senhor” .
Os capítulos três a seis, uma série de discursos, orá­
culos do Senhor, constituem a segunda divisão. Três doa
oráculos são introduzidos pela expressão: “Ouvi esta pa­
lavra” (3:1; 4:1; 5:1). As partes destes capítulos intro­
duzidas pela frase, “Ai de vós” (5:18; 6:1), podem ser
consideradas como subdivisões do terceiro discurso, ou
talvez como pequenas mensagens proferidas em ocasiões
diferentes. Alguns pensam que a profecia escrita é o
rçsumo de várias pregações preservadas e produzidas na
forma da obra como a que temos. Neste caso não se
pode precisar quantas vêzes o profeta prègou ao povo de
Israel. Esta segunda divisão da obra trata de vários as­
suntos, sempre acentuando o pecado e a culpa de Israel.
Como todos os pregadores, Amós repetia freqüentemen­
te os seus princípios mais importantes. Os argumentos
geralmente terminam com a ameaça de castigo, intro­
duzida pela palavra Portanto (3:11; 4:12; 5:11).
Na terceira divisão, capítulos 7 a 9:10, o pregador
apresenta uma série de visões que apontam a infidelidade
e a destruição nacional de Israel. A história da luta do
profeta com o sacerdote Amasias de Betei, 7:10-17, se­
gue a terceira visão. Depois da quarta visão há mais
outra condenação dos pecados de Israel, 8:4-14. A últi­
ma visão é introduzida pelas palavras, “Vi estar o Senhor
junto ao altar.” As visões reforçam, em linguagem sim-1
bólica, os argumentos dos discursos. Segundo as primei­
ras duas visões, a destruição de Israel foi evitada pela
intercessão de Amós em favor do povo. A visão do pru­
mo demonstra a perversidade nacional que merece a des­
truição completa. O cesto de frutos dé verão significa
que Israel está bem maduro para o desastre. O profeta
contempla finalmente a destruição dos israelitas reunidos
no templo para o culto .
32 A. R . CRABTRKE-

O epílogo, 9:11-15, promete a restauração do taber­


náculo caído de Davi, e a renovação da felicidade do povo
fiel na sua terra sob a proteção do Senhor.
O Estilo Literário de Amós
Estudantes cuidadosos do hebraico e das línguas se­
míticas têm verificado que grandes porções da profecia
do Velho Testamento foram escritas na forma de poesia.
Não é fácil distinguir entre a prosa retórica dos hebreus
e árabes e a sua poesia. Nota-se que o verso em hebraico
divide-se em secções pequenas com uma sílaba de cada
frase acentuada. O verso, ou a linha, pode ter duas ou
três destas pequenas secções, ou metros. O paralelismo
de dois versos, ou de duas linhas, é a construção mais co­
mum da poesia hebraica. Quanto ao ritmo, a tendência
é para o tetrâmetro, isto é, dois versos com duas sílabas
acentuadas em cada um, 2:2. O hexâmetro pode ter dois
ou três versos, 3:3 ou 2.2:2. O pentâmetro tem dois ver­
sos, com cinco sílabas acentuadas, 3:2 ou 2:3. Encon­
tra-se raramente o heptâmetro, 3:2:2. O ritmo mais co­
mum é 2:2 ou 3:3. Os poetas não se sentiam obrigados
a limitar-se a um só ritmo na poesia inteira. Há duas
qualidades de ritmo. Quando os dois versos têm o mes­
mo número de sílabas acentuadas, o ritmo é balançado.
Mas os poetas gostavam de usar também o ritmo de
idéias, ou de eco, fazendo desiguais o número das síla-;
bas acentuadas nos dois versos, 2:2 e 3:3. O ritmo ba­
lançado é bem ilustrado no segundo versículo do primei­
ro capítulo de Amós.
“yeo-vá miç-çi-yón yis-ság
u-mi-ru-sha-lám yit-tén qo-ló
vea-bhelú nêóth ha-ro-ím
veya-bhésh rósh hak-kar-mél. ”
O ‘L IV R O D E AMÓS a»

“O Senhor ruge de Sião,


e de Jerusalém faz ouvir a suà voz;
as pastagens dos pastores choram,,
e seca-se o cume de Carmelo.”
Os escritores bíblicos gostavam de usar a aliteração na
poesia, bem como na prosa, para embelezar a conbina-
ção dos sons.
Há três tipos de estilo literário na profecia,, usados
em proporções variadas. Os oráculos, ou as mensagens
proféticas, são geralmente apresentadas em linguagem
poética, nas formas variadas de poesia. As paite bio­
gráficas e narrativas aparecem em forma de prosa. A
prosa biográfica é representada em Amós pelas conver­
sas entre o profeta e o sacerdote, no capítulo sete e na
parte introdutória das visões. Preservamos em nossa
versão da profecia, através do comentário, as partes de
prosa e de poesia.
A linguagem de Amós é lacônica, incisiva,, direta,
vigorosa e freqüentemente cintilante. O estilo, como no
caso de todos os profetas, adapta-se ao sentimento do
autor e ao seu ensino da justiça entre 03 homens. Re­
vela-se no livro não somente 0 talento literário do autor,
como também a grandeza do seu espírito e da sua men­
sagem . As ilustrações são escolhidas dentre as experi­
ências do pastor, dentre as observações inteligentes da
natureza, e dentre os característicos dos homens. O carro*
cheio de feixes, 0 rugido do leão com a prêsa, os restan­
tes do animal que 0 pastor tira da bôca do leão, a ave*
caída no laço, os estragos do gafanhoto e do fogo devora­
dor são exemplos das figuras que usa com destreza e en­
tendimento . Êle descreve nitidamente as fraquezas hu­
manas, o egoísmo, o orgulho, a injustiça, e a crueldade
de homens e mulheres, no desprêzo da dignidade da pes­
soa e dos direitos do pobre. Tem conhecimento prático
L. A. 3
Si
a ; r . GKABtfKEE

dos princípios básicos de argumentação'. Diz R. H. Pfeif-


fer, na Introduction to the Old Testament:
“A sua grandeza como pensador religioso e re­
formador é igualada pela sua capacidade extraor­
dinária de escritor. Com a exceção de Isaías, nas
. peças mais excelentes, nenhum dos profetas hè-
breus é igual na pureza da linguagem e na simpli­
cidade clássica do estilo.”
Nos oráculos contra as nações, nos discursos e nas
visões, o profeta demonstra conhecimento profundo de
princípios retóricos. Amós é mestre no uso da linguagem
ém transmitir ao povo os seus ensinos que tinha recebido
do Senhor. Declara Julius A. Bewer, na The Literature
óf the Old Testament:
“Notamos com grande surpresa o estilo literário
de Amós. Todos os seus discursos são apresenta­
dos em linhas cadenciosas e claras, geralmente em
estrofes. Na exaltação do espírito do profeta as
palavras correm de seus lábios na regularidade rít-
ç mica . Com Amós o poder poético combina-se com
a perícia retórica. ”

A' Teologia de Amós


NènhUm escritor bíblico apresenta na sua obra li­
terária uma teologia sistemática mas todos êles eram
teólogos. Do ponto de vista do desenvolvimento da teo­
logia, a mensagem de Amós é de importância especial,
fi a mais antiga de uma série de obras religiosas que se
destacám na literaturá do mundo. Pelo estudo cuidadoso
da profecia, fica-se cada vez mais impressionado com* as
siias verdades de etèrno valor e de aplicação universal.
Entende-se mais claramente a teologia da profecia no
ambien té histórico da sua produção, em contraste com
<os conceitos teológicos do povo da época. A teologia.de
O L IV R O D E . AMÓS 35

Amós é de valor permanente justamente porque se apre­


senta para reforçar os seus ensinos éticos, É o primei­
ro dos grandes profetas que lidavam com os problemas
religiosos relacionados com o declínio e á queda da reli­
gião de nacionalismo. Até hoje o nacionalismo é a reli­
gião principal de multidões de pessoas.
Antes de apresentar os ensinos teológicos, propria­
mente ditos, apresentamos, primeiro alguns dos ensinos
do profeta que ficam arraigados na teologia. O profeta
revela a sua convicção profunda de que Deus se relacio­
na com a vida humana. O seu conceito de Deus é o re­
sultado da sua comunhão entranhada com o Espírito
do Senhor. A religião verdadeira não pode ser divorcia­
da das circunstâncias da história e da vida social entre
os homens. A mensagem dêste homem de Deus visa não
somente as opiniões falsas e o fracasso da religião do
povo em geral, como também os sentimentos perversos
nas práticas dos reis ê dos sacerdotes que se interessa­
vam em justificar e agradar ao povo com o pleno apoio
dos cultos cerimoniais de opressores e ladrões.
O profeta expõe com clareza, sem mercê, a teologia
falsa dos seus contemporâneos que produziu a corrução
moral de Israel como nação. Demonstrou a perversida­
de e a hipocrisia da religião que procurava comprar os
favores do Senhor por meio de ofertas, dízimos e festas,
com o privilégio de continuar no desprêzo da dignidade
humana das suas vítimas e na abominação do Senhor Deus
da justiça.
O profeta Amós dá ênfase às seguintes doutrinas
teológicas de eterno valor.
(1) O seu conceito ão Senhor Javé. Não resta mais
dúvida de que o profeta era monoteísta. Mas esta decla­
ração não expressa o profundo conceito que êle teve do
Criador e Controlador (9:5-6). No exercício da sua von­
tade, Javé põe em movimento os céus em cima e o mar
embaixo (5:8-9). Como explico no comentário, é geral­
36 A . R . CRABTREE

mente reconhecido agora que Amós é o autor dos cânti­


cos 4:13; 5:8-9; 9:5-6, que põem ênfase na majestade
do Senhor, mas a grandeza e a glória de Deus são reco­
nhecidas através da profecia nas atividades e nas mani­
festações do seu poder e autoridade.
O Senhor Javé se apresenta como o Deus da his­
tória. Maravilhosa como fôsse esta doutrina no oitavo
século antes de Cristo, ela não se originou com Amós.
Revela-se no propósito da eleição de Israel, no Monte Si­
nai, como nação sacerdotal entre as nações do mundo.
O goal da história é o estabelecimento do reino de Deus
entre todos os povos do mundo, O esquecimento, a ne­
gligência, e a falta de dar a devida importância à sua
nobre missão, foram o maior fracasso do povo escolhido i
Mas o Senhor Javé, nas suas atividades na História,
não é limitado pela escolha de Israel. Se o Senhor trou­
xe Israel do Egito, trouxe também os filisteus de Caftor
e os sírios de Quir. Todos os povos estão sujeitos aos seus
planos e propósitos.
“Pois eis que levantarei contra vós uma nação,
ó casa de Israel, diz o Senhor dos Exércitos;
e êles vos oprimirão desde a entrada de Hamate
até o ribeiro de Arabá” (6:14) .
Assim o Senhor operava não somente entre os vizi­
nhos de Israel, como é indicado nos capítulos 1 e 2, mas
vai levantar a poderosa nação da Assíria como instru­
mento do seu julgamento. As nações vizinhas de Israel
tinham que prestar contas perante o tribunal da justiça
divina. O Senhor determinou o curso dos eventos no Egi­
to para a libertação de Israel. Nem os deuses do Egito,
nem o Baal da Palestina poderiam impedir o Senhor na
direção da história dos povos do mundo.
O Senhor Javé dos Exércitos é o Deus da natureza
física. Tôdas as fôrças misteriosas, como os terremotos,
as pestilências e as calamidades, como a sêca e a fome
O LIV R O D E AMOS 37

sãò mánifestações da potência dò Senhor (4:10-11). O


poder soberano do Senhor foi reconhecido antes do tem­
po de Amós (I Reis 8:12 da LXX), mas os contemporâ­
neos do profeta deram ênfase somente às atividades di­
vinas que pudessem servir ao seu próprio conforto físi­
co. No declínio religioso, muitos dos israelitas tinham
chegado ao ponto de vista dos cananeus, de que o seu
Deus existia para servir à vontade do povo da sua esco­
lha. O profeta acentua o poder soberano do Senhor Javé,
o Deus dos Exércitos, no céu e na terra, sôbre tôdas as
nações e povos, e tôdas as fôrças físicas da natureza (4:
6-12; 7:1-3).
■“Não'sois vós para mim como os filhos de Etiópia,
ó filhos de Israel? diz o Senhor.
Não fiz eu subir a Israel da terra do Egito,
os filisteus de Caftor e os sírios de Quir?” (9:7).
O Senhor Javé é o Deus da Justiça. Êste é o atributo
do Senhor mais acentuado na? profecia, porque o povo de
Israel, na sua infidelidade e injustiça, estava desprezan­
do e blasfemando da personalidade do Senhor, não sim­
plesmente com a prática da injustiça, mas porque jul­
gavam que tinham o apoio e o favor do Senhor nas in­
justiças cruéis que praticavam. As riquezas que pos­
suíam eram prova da sua iniqüidade, e não do favor di­
vino. Os seus cultos religiosos eram uma abominação
para o Senhor, porque foram oferecidos para comprar o
favor divino e a participação do Senhor nas suas injus­
tiças. É claro que esta doutrina da justiça do Senhor
não se originou com Amós, mas foi apresentada em cir­
cunstâncias que magnificaram a sua significação para a
humanidade. “Não fará justiça o Juiz de tôda a terra?”
(Gên. 18:25). O profeta Elias condenou severamente
a injustiça de Acabe: “Mataste e apoderaste” (I Reis
21:19).
Êste grande Deus de justiça falou ao Israel injusto
38 A.' R . :G R A B T R E E - s

e-pronünciou o seu destino inevitávél. ;Não há ninguém


que possa escapar do juízo divino (2:14-15).
“Embora cavem até o Sheol,
de lá o s tirará a minha mão;
embora subam ao céu,
de lá os farei descer.
Embora se escondam no cume do Carmelo,
de lá buscá-los-ei, e os tirarei;
embora se escondam dos meus olhos no fundo
do mar,
de lá darei ordem à serpente é ela os morderá”
(9:2-3).
Assim o profeta de Tecoa fala da majestade do úni­
co Deus verdadeiro. O Senhor Deus dos Exércitos dos
céus e da terra é o Criador da natureza e o Controlador
da História. Ninguém pode fugir da presença dêle, nem
escapar do seu julgamento.
(2) Deus se faz conhecido nas suas atividades e po
intermédio dos seus profetas. Êle se revelou na liberta­
ção e na escolha.de Israel, com o propósito de fazer-se
conhecido a tôdas as nações do mundo. Amós reconhe­
ceu que Deus se revela nos eventos naturais. Os eventos
cataclísmicos da natureza são revelações do poder de
Deus (4:6-11). Êle deu a Israel “limpeza de dentes” e
“falta de pão” para os admoestar e chamar ao arrependi­
mento, “contudo não vos convertestes a mim, diz o Se­
nhor.” A fome, a falta de chuva, o crestamento e a fer­
rugem das hortas e vinhas, a pestilência da guerra, as
pragas e o fogo eram manifestações do desprazer do Se­
nhor para com Israel, admoestações e chamadas ao ar­
rependimento, mas a nação infiel não quis se converter
aó Senhor. . ' . : . :
Mas Deus se manifestou não somente na natureza»
mas também nos eventos da História. Israel foi especial­
mente favorecido pela. intervenção indisputável na: sua
O LIV R O D E A^IÓS 39

vicJa;;n0 Egitó,’ no êxodo, :nas peregrinações pelo deserto


e no estabelecimento do povo na Terra Prometida. Na
escolha de Israel e na direção da sua história, o Senhor
se revelou como o Controlador da história de- todos os
povos. A interpretação errada dos eventos da História
foi uma grande .tragédia do povo escolhido.
Mas Deus não somente se revelou nos eventos da
História; êle levantou profetas para interpretar o signi­
ficado dos eventos,. Ost profetas corrigiram as interpre­
tações erradas dos eventos históricos feitas pelo povo.
As grandes manifestações do novo interêsse pelos cultos
cerimoniais no tempo de Jeroboão II foram interpreta­
das erroneamente pelo povo como sendo o pleno cumpri­
mento: da justiça. Mas o mensageiro do Senhor entendeu
e explicou ao povo os seus grandes erros na interpreta­
ção do significado da prosperidade material de Israel; i
“Certamente o Senhor Javé náò faz coisa alguma
sem revelar o seu conselho
aos seus servos, os profetas.
Já rugiu o leão,
quem não terá mêdo?
O Senhor Javé tem falado, . -
quem pode deixar de profetizar?” (3:7-8).
Deus se revela na natureza e nos eventos da histó­
ria, e levanta os seus servos, os profetas, para interpre­
tar e explicar o significado de tais revelações. O profeta
foi incumbido para chamar o povo' ao arrependimento e
à volta ao Senhor . Quando o povo se recusou a ouvir
as admoestações divinas, o profeta teve que anunciar a
nulidade do concêrto e o julgamento iminente do, Senhor.
E foi justamente isto que o profeta Amós fêz,
(3) A natureza da eleição. Discutimos êste assunto
no comentário, mas é um elemento importante na teologia
de Amós. Nas relações sociais com os cananeus, os is­
raelitas. foram influenciados pelo conceito do Senhor co-
40 A. R. CRA B TR ÉE>

ttio Déus nacional'. Ê sigrtificativò Amós não usar a êx-


pressão o Deus de Israel. Mas o povo ficou imbuído da
certeza de que o Senhor era o Deus de Israel, e que êle
se interessava especialmente pelo povo da sua escolha.
A pregação do julgamento e do castigo iminente de Is­
rael pelo Senhor parecia incrível ao povo, com os seus
preconceitos, e especialmente com o entendimento do sig-
nificado da sua eleição.
Esqueceram-se de que foram eleitos para um servi­
ço especial, e não somente para gozar de privilégios o
bênçãos especiais. Privilégios e bênçãos sempre acarre-
tafn responsabilidades. O profeta Isaías põe em relêvo
êste ensino (5:17); e o Mestre ensina a mesma verdade
na, parábola dos talentos (Mat. 25:14-30) . Com o des­
prezo da responsabilidade da eleição, Israel não somen­
te anulou as bênçãos da sua escolha, mas trouxe sôbre
si o julgamento severo do Senhor.
“De tôdas as famílias da terra só a vós vos tenho
conhecido; portanto, visitarei sôbre vós tôdas as
vossas iniqüidades” (3:2).
Jesus confirmou a lógica de Amós nos seguintes têrmos:
“De qualquer, a quem muito é dado, muito será exigi­
do” (LuC. 12:48, V. particular) . O motivo do Senhor
na eleição de Israel é representado pela palavra hesed,
amor não merecido. Israel respondeu ao amor do Senhor
com a promessa de hesed, amor leal, que nasceu'no es­
pírito de gratidão. Mas o seu primeiro amor ia se en­
fraquecendo, e finalmente desfaleceu, e a infidelidade
trouxe a destruição que Amós tinha que anunciar.
Assim Amós dá ênfase ao fato de que o povo eleito
podia perder os privilégios e as bênçãos da eleição por
Suà infidelidade, ficando assim como se nunca fôsse elei­
to (Sal. 78:67). O profeta não tentou explicar o mis­
tério dá eleição de Israel, mas não teve dificuldade em
esclarecer por que esta nação eleita foi rejeitada pelo
O L IV R O ’ D E AMÕS 41

Senhor. O Senhõr escolheu Israel a fim de realizar o


propósito de estender as bênçãos do seu reino pór in­
termédio dêle.
Surge, então, uma pergunta sôbre o escopo da vi­
são de Amós. O profeta entendeu, ou não, que o propó­
sito da eleição seria realizado por intermédio de um res­
tante fiel? Se êle escreveu o epílogo da profecia, 9:11-15,
é claro que entendeu êste ensino esclarecido por Isaías
e outros profetas subseqüentes. Mas muitos pensam que
êste trecho foi acrescentado ao livro mais tarde por ou­
tro escritor.
Os israelitas ligaram ao seu entendimento da elei­
ção a sua esperança fervorosa da vinda do dia do Se­
nhor. Baseando-se na premissa falsa de que o povo es­
colhido do Senhor era justo, especialmente em relação
com outros povos, os contemporâneos de Amós julgavam
que o Dia do Senhor traria para êles a vitoria completa
sôbre todos os seus inimigos. Mas, longe de estar em
condições de representar o ideal do reino de Deus, Israel
está debaixo da condenação terrível da justiça divina.
O mensageiro do Senhor abalou os seus ouvintès com a
sua explicação do significado do Dia do Senhor.
“Ai de vós que desejais o Dia do Senhor!
Para que desejais o Dia dô Senhor?
Ê dia de trevas e não de luz” (5:18) .
(4) O culto e a vida religiosa. Discutimos o fracas
so da religião de Israel em outra secção. Precisamos
acrescentar apenas uma breve explicação sôbre o con­
traste entre 0 interêsse e o entusiasmo dô povo pela re­
ligião cerimoniosa (4:4-5; 5:21-23; 8:14), e o fracasso
absoluto na prática do amor e da justiça, que são o fru­
to da verdadeira religião. Os cultos cerimoniosos fica­
ram Completamente divorciados da prática dos princípios
da religião na vida social. Em tôdas as formas do ceri-
monialismo o povo procurava agradar ao Senhor e ga­
42 A . R . G R A B TR E E

nhar o seu favor, porém nas condições pessoais e egoístas


que realmente negavam e desprezavam a justiça divina;
O homem de Tecoa proclamava o Senhor dos Exér­
citos, o Deus que não se agradava de sacrifícios, festas,
cânticos e bajulice, pois deseja a retidão e a justiça. O
culto sem qualquer relação com a vida da justiça não tem
valor nenhum . É blasf êmia contra Deus. Os homens que
moravam em casas de luxo e praticavam os pecados de
injustiça, avareza, corrução, embriaguês, imoralidade e
hipocrisia insultavam o Senhor da justiça com a sua
religiosidade (6:4-6) . O culto hipócrita era o. cúmulo dp
seu pecado.. O Senhor requer do seu povo as virtudes ele­
mentares de honestidade, integridade, justiça e consi­
deração humana para com os fracos e necessitados.
O Senhor rejeita os cultos de festas, cerimônias é
sacrifícios que não representem o amor da verdade e o
desejo de andar com Deus. “Pois assim diz o Senhor à
casa de Israel :
“Buscai-me, e vivei :
mas não busqueis a Betei, ,.
e não entreis em Gilgal,
nem passeis a Berseba.
porque Gilgal certamente irá ao cativeiro,
e Betél será desfeita em nada” (5:4-5).
O Senhor deseja do seu povo uma resposta de co­
munhão pessoal com êle.
“Antes corra o juízo como as águas,
e a justiça como ribeiro perene” (5:24) .
(5) A natureza do pecado na teologia de Amos. Pa­
ra o profeta Amós, o pecado era a rebelião contra a bon­
dade do Senhor. Êle usa freqüentemente a palavra pesha
para descrever o pecado contra Deus, a mesma palavra
que significa rebelião política. Nã,o é apenas o ato per­
verso que Amós condena; é a natureza pecaminosa que
produz a revolta contra a bondade do Senhor . Deus re­
O L IV R O D E AMÓS 43-

dimiu a Israel, deu-lhe o Concerto de amor não merecido,


com a terra prometida, e levantou entre o povo profetas
e nazireus para ensiná-lo e guiá-lo no caminho de fideli­
dade e justiça (2:9-11) . Mas Israel, levado pelo egoísmo-
na aquisição dos bens para. satisfazer os seus desejos, foi
arrastado pelo espírito de avareza a praticar a opressão
e a crueldade, e finalmente a rebelião absoluta contra
a justiça divina e contra o seu próprio Deus.
O pecado de Israel caracterizou-se pela decepção que
produziu ,a hipocrisia e o otimismo enganador. Chegou
ao cúmulo do pecado pela perversão do culto, no esforço
de enganar a Deus, ou reduzi-lo ao seu nível da injusti­
ça. Assim os israelitas eram muito religiosos, mas não
permitiam que os seus cultos interferissem de qualquer
màneira no pleno exercício da sua iniqüidade. Para êste
mensageiro do Senhor, o pecado era o coração corrom­
pido.
(6) A renovação da vida com o Senhor A mensa
gem do homem de Tecoa não foi limitada à proclamação
do desastre de Israel, em conseqüência da sua infidelida­
de para com o Senhor, como dizem alguns comentaristas.
Na pregação da justiça divina ao povo infiel daquela
época, o profeta viu claramente a necessidade imperiosa
de anunciar a,s conseqüências da infidelidade, mas êle não
deixou de reconhecer e considerar a alternativa da injus­
tiça.
Um bom grupo de literatos pensa que Amos não es-
créveu o trecho 9:8b-15, mas fora desta passagem ò pro­
feta explica como Israel poderia renovar a vida de co­
munhão com Deus . O Deus vivo e justo é a fonte de tôda
vida, e como mensageiro do Senhor o profeta exortou o
povo a buscar o Senhor e viver. Os princípios da justiça
eram verdades eternas que prendèram e seguraram o
profeta pelá sua fôrça moral, mas a prática da justiça
depende do conhecimento pessoal de Deus, e de comu­
nhão com êle. “Buscai ao Senhor e vivei, pára que não
44 a : r . crabtree

irrompa como fogo na casà de José” (5:6). O povo car­


regado de iniqüidade, e revoltoso contra a justiça, não
pôde buscar ao Senhor. Não se pode buscar o Senhor sem
o desejo de encontrá-lo no espírito de harmonia com a
sua santidade, amor e justiça.
“Buscai o bem e não o mal, para que vivais: e
assim o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará con­
vosco, como dizeis. Odiai o mal e amai o bem,
e estabelecei a justiça na porta; talvez o Senhor,
o Deus dos Exércitos, se compadeça do restante
de José” (5:14-15).
É impossível buscar a Deus sem reconhecer a ne­
cessidade imperiosa de praticar a justiça em tôdas as
relações humanas. As leis morais e os princípios de jus­
tiça divina são eternos e imutáveis, e a violação delas traz
a punição certa sôbre o desobediente. O profeta conhece
a. misericórdia do Senhor, e explica como o povo pode
escapar da destruição por meio do arrependimento pela
sua arrogância e hipocrisia. O profeta assim expõe a
operação das leis espirituais do Senhor, em perfeita har­
monia com o seu amor e solicitude para com o povo da
sua escolha,
(7) A natureza do homem. Como já notamos, o pro
feta não apresenta doutrinas sistemáticas, mas encerra­
do em tôda parte da mensagem está o alto conceito do
homem, indicado pela livre vontade de viver em harmonia
com o Senhor, ou de se revoltar contra o Criador e
Controlador do mundo. É uma criatura limitada pelo am­
biente físico e pelas leis da criação, mas em virtude da
sua relação com o Senhor é claramente a obra suprema
do Criador. É capaz de receber e entender a revelação
da vontade do Senhor nas relações sociais, e mediante as
responsabilidades pessoais perante o Criador.
Na condenação severa dos sacerdotes e do seu siste­
ma elaborado, de ofertas e festas solenes, o profeta acen­
O L IV R O D E AMÓS • 45

tua a soberania do Senhor e a responsabilidade direta


do homem para com êle. Na condenação severa da opres­
são dos pobres e necessitados, o profeta reconhece a dig­
nidade e o valor do homem como tal. Ao mesmo tempo
êle reconhece como a arrogância, o orgulho, o egoísmo e
outras formas de pecado podem operar no espírito do ho­
mem para a destruição da sua personalidade.
No esforço de despertar a consciência deturpada do
homem pela pregação da palavra de Deus, o profeta mos­
tra que o homem é livre e responsável perante o Senhor.
Como ficamos repetidamente surpreendidos pelos ensi­
nos dêste profeta do século oitavo antes de Cristo, e do
valor dêstes ensinos para os nossos dias! Podemos tam­
bém notar os seus pensamentos sôbre a natureza, os ca­
racterísticos e as potencialidades morais do homem, que
têm importância para o psicólogo e o teólogo dos tempos
modernos.
A MÓS
TEXTO, EXEGESE E EXPOSIÇÃO
De vários pontos de vista esta profecia merece aten­
ção especial. Sendo a mais antiga entre as profecias ca­
nônicas, tem importância no estudo da história da reli­
gião de Israel. O profeta também entendeu e denunciou
a.s influências das crenças religiosas dos cananeus na vi­
da espiritual dos israelitas.
Enquanto a doutrina da justiça apresentada por
Amós não é inteiramente original, o seu sistema ético,
enraizado na justiça divina, é o esclarecimento bíblico
da revelação divina, 400 anos antes da justiça filosófica
desenvolvida pelos grandes pensadores gregos. A expe­
riência humana prova que a ética bíblica é mais podero­
sa para resolver os problemas da injustiça social do que
•qualquer raciocínio filosófico.
O profeta apresenta também um novo entendimen­
to da natureza do Senhor Javé de Israel como o Deus
de tôdas as nações. O Deus de Israel, segundo Amós, é
o Senhor dos exércitos dos céus e da terra, das leis da
natureza física, com autoridade sôbre todos os povos do
mundo. Tem autoridade e poder sôbre tôdas as fôrças
físicas e sôbre os movimentos e destinos das nações.
I. ORÁCULOS CONTRA AS NAÇÕES, 1:1-2:16
O sobrescrito dá o título do livro, o nome e a ocupa­
ção do autor, e o lugar onde morava quando rècebeu a
«çhamada divina.,
O Sobrescrito e o Tema ão Livro, 1:1-2
“As palavras de Amós que era entre os pastores
o ; de Tecoa, que ele viu a .respeito de Israel,. no3 dias
48 A . R . CRABTREE

de Uzias, rei de Judá, e nos dias de Jeroboão, filho


de Joás, rei de Israel, dois anos antes do terre­
moto . ”
Amós precedeu, por poucos anos, o seu contemporâ­
neo Oséias. O profeta de Tecoa, com os seus oráculos e
visões, foi reconhecido, desde o princípio do seu minis­
tério, como mensageiro austero e corajoso. Mas o povo
de Israel, sentindo-se seguro na prosperidade material
que, segundo o seu ponto de vista, representava o apoio
e o favor do seu Deus como recompensa de seus sacri­
fícios e festas religiosas, não quis ouvir a mensagem dura
dêste pastor de Tecoa.
Alguns pensam que o sobrescrito foi preparado, pe­
lo menos em parte, algum tempo depois de Amós, mas
reconhecem que é apropriado e concorda com a mensa­
gem do livro. Todavia, a frase, que era entre os pastores
de Tecoa, talvez fôsse interpolada entre Amós e que êle
viu, porque complica a estrutura do período.
A frase, As palavras de Amós que êle viu, dá ên­
fase à original e é característica da sua mensagem,
A palavra ntPl tem o sentido de ver, perceber, enten­
der, distinguir e receber a mensagem do Senhor. O pro­
feta assim declara que tinha experimentado no íntimo
do seu espírito a comunhão com Deus e a verdade da
mensagem que transmite aos seus ouvintes.
Há evidências dentro da própria Bíblia de que os
profetas pré-canônicos, ou pelo menos alguns dêles, fo­
ram influenciados pelas práticas dos profetas dos povos
vizinhos, especialmente no espírito de nacionalismo, e
também pela idéia de que o espírito profético podia 'ser
motivado pela música, e por meio de exercícios físicos
como a dança (I Sam. 3.0:5-13) . Mas êste fato não jus­
tifica a tendência de alguns escritores modernos de exa­
gerar as semelhanças entre a profecia bíblica e os va­
ticínios de outros povos, sem qualquer reconhecimento
O LIV RO D E AMÓS 49

das qualidades distintivas da profecia do Velho Testa­


mento. Os profetas pré-canônicos foram denominados
videntes, CHV-1 Começando com Amós,òs profetas apre­
sentam um novo conceito do profeta. Para os profetas
canônicos a revelação do Senhor concorda perfeitamente
com a ordem moral do mundo criadó e dirigido por Deus,
segundo o seu eterno propósito de estabelecer e aperfei­
çoar o seu reino entre todos os povos do mundo. Os con­
temporâneos dêstes mensageiros do Senhor freqüente­
mente julgavam que êstes não eram patriotas, e às vêzes
os consideraram traidores da pátria, como no caso de
Jeremias.
Amós exerceu o seu ministério no reinado de Jero-
boão II de Israel e de Uzias de Judá. Israel era mais for­
te do que Judá nesta época, mas os dois reinos eram prós­
peros durante a maior parte da primeira metade do sé­
culo oitavo antes de Cristo. A palavra IpIUl em 7:14
pastor, significa que o profeta era o dono do rebanho
que pastoreava, mas isto não quer dizer que fôsse rico,
segundo Uma tradição dos judeus. O seu vocabulário in­
dica que ganhou a vida pelo cuidado do seu rebanho.
Tecoa, conhecida agora como Tecu, fica 19 quilô­
metros ao sul de Jerusalém, numa elevação de 920 me­
tros, cercada de três lados por outeiros, com a vista do
Mar Morto ao lado oriental. A região é conhecida como
o deserto da Judéia. É lugar pedregoso e desolado, mas
produz pastagem limitada para ovelhas. A linguagem do
profeta, como a de João Batista, que era da mesma re­
gião, reflete a influência da aspereza do deserto.
1. O têrm o viden te u sava-se ctímo sinônim o de profeta ( chosê) .
O viden te tin h a o dom de ver e reconhecer verdades divinas,
enquanto o chosé recebia em v isõ es diretas do Senhor a re­
velação da vontade divina, com a incum bência de tran sm iti-la
ao seu povo, em bora lhe ca u sa sse p ersegu ição e sofrim ento,
com o no caso de Jerem ia s. Contudo, algu n s dos v id en tes eram
p rofetas verdadeiros, e alguns dêles sofreram a p ersegu ição.

L. A. 4
50 A . R . CRA BTREE

Amos recebeu a sua chamada “dois anos antes do


terremoto” . O profeta Zacarias, 14:5, aparentemente se
refere ao mesmo terremoto, assim indicando que fôra de
intensidade excepcional, mas não se pode determinar o
ano exato em que se deu. Sabe-se, por outras referências»
que Amos profetizou, mais ou menos entre 760 e 747 a.C.:
“E êle disse:
O Senhor brama de Sião,
e de Jerusalém faz ouvir a sua voz;
os prados dos pastores lamentam,
e seca-se o cume de Carmelo” (1:2) .
A estrofe poética é de quatro linhas, de ritmo ba­
lançado, com três acentos em cada linha. Ê semelhante,
em parte, a Joel 3:16 a. Alguns pensam que os dois pro­
fetas citam palavras de um profeta anterior. Outros pen­
sam que á estrofe foi interpolada por um redator da
obra. Ê mais provável ser de Amós,2 pois serve perfei­
tamente como lema da profecia inteira.
Javé brama de Sião. O contexto indica o tempo pre­
sente dos verbos. O têrmo Sião foi usado primeiro para
designar o outeiro entre os vales Tiropoeon e Oedrom.
Mais tarde designou o lugar do Templo de Salomão, e
finalmente tôda a cidade de Jerusalém. Para os fiéis, até
de Israel, Jerusalém era o centro da vida nacional. O
profeta se apresenta em tôda parte como apenas o trans­
missor da mensagem do Senhor (Ver Is. 2:2).
Ao manifestar-se o poder do Senhor, tôda a nature­
za física sente a sua influência. Em tôda parte do livro,
o Deus de Israel é o Senhor de tôdas as fôrças físicas da
natureza. Até os prados, fY)&l, não as habitações dos
pastores, lamentam.
A palavra Carmelo significa jardim ou vinha e re­
2. N orm an H . Snaith, erudito no hebraico, n a sua obra, The
Book of A m os, defende a autenticidade do versícu lo. O livro
é claram ente um a exposição do v e r síc u lo .
O L IV R O D E AMÓS 51

fere-se ao outeiro que se estende dos outeiros de Samaria


até ao Mar Mediterrâneo. O cume do Carmelo èleva-se
170 metros acima do pôrtõ de Haifa. O monte inteiro é
de 24 quilômetros de cumprimento e, em alguns lugares,
tem a altura de 560 metros. Ê um dos lugares mais bo­
nitos e mais férteis da Palestina, mas as suas oliveiras
e outras árvores frutíferas estão destinadas a murchar.
Profecias contra os Povos Vizinhos de Israel, 1:3-2:5
A missão principal de Amós é a de proclamar a men­
sagem do Senhor ao povo de Israel, mas os oráculos con­
tra as nações vizinhas são teologicamente importantes.
O julgamento do Senhor da justiça alcançará as nações
inimigas de Israel. O anúncio do castigo divino dos ini­
migos cruéis de Israel ganhou logo o interêsse, o apoio
e o entusiasmo dos ouvintes. O Senhor Javé é o Juiz de
todos os povos. O profeta recebeu atenção especial e
pleno apoio, sem dúvida, enquanto falava do castigo di­
vino dos inimigos de Israel. O profeta terá uma mensa­
gem especial do Senhor para o seu próprio povo?
A cidade de Damasco era a capital do reino da Sí­
ria. Por uma grande parte do século tinha havido guer­
ra entre a Síria e Israel. Começando com a Síria, o pro­
feta declara que é inevitável o castigo divino contra as
terríveis injustiças dêste povo.
Juízo sobre Damasco, 1:3-5
“Assim diz o Senhor:
Por três transgressões de Damasco,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque trilharam a Gileade com trilhos de ferro.
Assim mandarei fogo sôbre a casa de Hâzael,
e êle consumirá as fortalezas de Benè-Hadâde.
52 A. R . CRA BTREE

Quebrarei o ferrôlho de Damasco


e exterminarei os moradores do Vale de Ãven,
e ao que tem o cetro de Bete-Êden;
e o povo da Síria será levado em cativeiro a Quir,
diz o Senhòr” (1:3-5) .
A frase, Por três transgressões e por quatro, repeti­
da nos capítulos um e dois, na condenação dos pecados
dos vários povos, significa as transgressões habituais.
Pelos pecados costumeiros, as nações tinham formado o
seu caráter pecaminoso. A palavra é usada para
descrever a rebelião política. “Assim se rebelou Israel
contra a casa de Davi” (I Reis 12:29) . Damasco, a ca­
pital da Síria, tinha demonstrado o espírito revoltoso
contra a justiça. O Senhor não fará voltar para trás o
castigo de Damasco. O Senhor da justiça não podia re­
vogar a punição merecida.
No reinado de Hazael, e no de seu filho Bene-Hadade,
os sírios cometeram barbaridades desumanas contra as
pessoas capturadas na guerra. Afrontaram o Senhor,
trilhando Gileade com trilhos de ferro. Sôbre os corpos
dos cativos, prostrados no chão, os vencedores arrasta­
ram instrumentos pesados de ferro, com dentes, usados
para cortar palha e debulhar cereais, mutilando assim
a carne convulsiva das vítimas.
O território da Síria já ficou reduzido no tempo de
Amós, e a dinastia de Hazael estava em declínio, mas
tudo que restava da casa de Hazael, e dos palácios e for­
talezas de Bene-Hadade, seria destruído pelo fogo. O
ferrolho de Damasco, figura da sua fôrça antiga, não terá
valor nenhum na defesa contra a jüstiça do Senhor. O
Vale do Éden provàvelmente se refere à planície larga e
fértil do Rio Abana, a fonte das riquezas, em grande
pãrte, dos arameus. O que tem o cetro de Bete-Êden fi­
cou encarregado de defender a pátria. O profeta declara
que as fortificações, os palácios e as cidades serão com­
O L IV R O D E . AMÕS 53

pletamente destruídos, e os habitantes levados em cati­


veiro a Quir, o lugar donde vieram originalmente (9:
7) . A palavra significa cativeiro nacional. A profecia
foi cumprida por Tiglate-Pileser da Assíria, o primeiro
conquistador na História que adotou a política brutal de
genocídio, a destruição nacional dos povos conquistados .
Juízo sôbre a Filístia, 1:6-8
“Assim diz o Senhor:
Por três transgressões de Gaza,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque levaram em cativeiro um povo inteiro
para o entregarem a Èdom.
Assim mandarei fogo sôbre os muros de Gaza,
e êle consumirá as suas fortalezas.
Exterminarei os moradores de Asdodé,
e ao que têm o cetro de Ascalom;
volverei a minha mão contra Ecrom;
e o resto dos filisteus perecerá,
diz o Senhor” (1:6-8) .
Desde o tempo de Samuel e Saul até às vitórias de
Davi, os filisteus eram rivais dos israelitas no , esforço
de tomar posse da terra de Canaã. A monarquia de Is­
rael foi fundada principalmente para unir o povo. na de­
fesa contra os filisteus. Os filisteus vieram de Caftor,
bem organizados e experimentados na guerra. Tentaram
primeiro estabelecer-se no Egito, mas derrotados, enfra­
quecidos e expulsos do Egito, entraram no sul da Pales­
tina com o propósito de subjugar os israelitas e tomar
posse da terra. Parecia, por algum tempo, que estavam
realizando o seu plano .
Gaza, sendo a maior cidade dos filisteus, e situada
no caminho entre a Síria e o Egito, como grande centro
do tráfico de escravos, é mencionada primeiro. Os ha­
bitantes de Gaza serão castigados porque levaram em
54 A . R . CRABTREE

cativeiro um povo inteiro e o entregaram a E\dom. O he­


braico não está claro. A palavra aparentemente
significa um cativeiro pacifico, ou a venda de pessoas de
nações que viveram em paz com êles. Invadiram lugares
populosos e levaram os habitantes para vendê-los aos edu-
meus. O tráfico dos escravos foi muito comum nas civi­
lizações antigas. Escravos construíram as pirâmides do
Egito, e muitas outras obras das grandes nações. Os
cativos de guerra foram escravizados para fazer tais
obras. Mas os filisteus cativaram povos pacíficos, como
o fizeram várias nações nos tempos modernos com o
tráfico de africanos. Não demorou o castigo de Gaza,
cidade antiga no caminho das caravanas de Damasco, Ti­
ro, Jerusalém, para o sul até Arábia e Egito. Foi seve­
ramente castigado no ano 734 a.C. pelo exército de Ti-
glate-Pileser.
A cidade de Asdode era o centro do culto de Dagom
(I Sam. 5:1-7), bem fortificada, ao sul de Ecrom. O Rei
Acazias recebeu do profeta Elias uma severa repreensão
(II Reis 1:3), porque consultou o oráculo de Baal-Ze-
bube de Ecrom ao invés de consultar o Senhor. Asque-
lom, na costa, isolada das outras cidades dos filisteus, é
mencionada em Juizes 14:19. O resto dos filisteus, in­
clusive as suas arrogantes cidades, perecerá às mãos do
Senhor da justiça.
Juízo sobre Tiro, 1:9-10
“Assim diz o Senhor:
Por três transgressões de Tiro,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque entregaram todos os cativos a Edom,
e não se lembravam da aliança de irmãos.
Assim mandarei fogo sôbre o muro de Tiro,
e êle consumirá as suas fortalezas” (1:9-10) .
A cidade de Tiro, a capital da Fenícia, era o grande
O L IV R O D E AMÓS 55

centro comercial do mundo antigo. No capítulo 28 de


Ezequiel, o profeta descreve o comércio de Tiro que enri­
queceu o povo, e desenvolveu nêle o espírito de orgulho
que quis até usurpar o trono de Deus. Mas nem a magni­
ficência de Tiro poderia escapar ao julgamento do Se­
nhor da justiça. Os palácios e as fortificações de Tiro,
bem como os de Damasco e dos filisteus, seriam devora­
dos pelo fogo. Os palácios, construídos pelos escravos,
simbolizavam para o profeta a injustiça social de Israel
e dos povos contemporâneos. Os fenícios, como os filis­
teus, escravizaram os seus cativos e os venderam a Edom.
Como os sírios, os israelitas e os edumeus, os fenícios
eram semitas. •/
Os fenícios também não se lembravam da aliança dos
irmã,os.3 Refere-se o profeta aparentemente às relações
amistosas entre Salomão e Hirão (I Reis 5:12) . A re­
lação entre os israelitas e os fenícios no tempo de Davi e
Salomão ofereceu vantagens para os dois povos (I Re’s
5:13-18) .
Juízo sobre E d o m 1:11-12
“Assim diz o Senhor:
Por três transgressões, de Edom,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque perseguiu o seu irmão à espada,
e baniu tôda a misericórdia,
3. D eterioram -se as relações entre os fen ício s e os isra elita s de­
pois da divisão do reino, e ainda m a is com a vin d a dc Jezabel
para a Sam aria com o a esp ôsa de A ca b e. A lg u n s pensam
que ê ste juízo dos fen ícios foi interpolado algum, tem po de­
pois de A m ós.
4. Quase todos os com en taristas ju lgam que esta profecia con­
tra Edom s e refere à invasão de Judá pelos edum eus logo
depois da queda de Jeru salém em 586. N e ste caso, foi in ter­
polada n a profecia de A m ós por um judeu/ ta lv e z dépois da
v olta do cativeiro.

V
56 A. R . CRABTREE

e a sua ira despedaçou perpètuamente,


e êle consumirá as fortalezas de Bozra”
Assim mandarei fogo sôbre a Temã,
e êle consumirá as fortalezas de Bozra”
( 1 : 11 - 12 ) .

Os cananeus, descendentes de Esaú, eram, dos povos


vizinhos, o mais consangiiíneo de Israel. Gênesis 36:31 in­
dica que o reino de Edom foi organizado antes do esta­
belecimento da monarquia de Israel. O território de Edom
se estendia da costa sudeste do Mar Morto até o Golfo
de Aquaba, uma região montanhosa, mas rica em depó­
sitos minerais e outros recursos. Foi subjugada por Davi,
e muitos dos seus recursos aproveitados por Salomão.
Mais tarde, com a queda de Jerusalém e a dissolução do
reino de Judá, os edumeus aproveitaram o ensêjo de vin­
gar-se. Invadiram o território dos antigos opressores, e
despojaram o povo fraco e indefeso.
O escritor dá ênfase ao fato de que Edom praticon
crueldade contra o seu irmão. Perseguiu a seu irmão à
espada, e pôs de lado tôda a compaixão. A palavraÍ1ÍW
significa corromper ou destruir. Edom ãesfêz a sua com­
paixão. Na palavra VttrH» sua compaixão, há qualquer
associação com a palavra DlVt >ventre de mãe, assim cha­
mando atenção ao sentimento que deve existir entre ir­
mãos uterinos. A vingança de Edom intensificou-se por
causa da crueldade que Israel (Jacó) tinha praticada
contra êle. A sua ira despedaçava, SníD’’ (impf.) , perpè­
tuamente; conservou para sempre a sua ira.
As cidades de Temã e Bozra representam o poder de
Edom (Jer. 49:7; Is. 34:6). Elifaz, um dos amigos de
Jó, era de Temã, cidade conhecida pela sua sabedoria.
Antes do tempo de Amós os reis de Edom pagaram tri­
buto à Assíria, e pouco tempo depois da profecia tinha,
que submeter-se e pagar tributo a Tiglate-Pileser.
\
O LIV R O D E A M õS 5?

Juízo sobre os Amonitas, 1:13-15


“Assim diz o Senhor:
Por três transgressões dos amonitas,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque rasgaram o ventre às grávidas de Gileade,
para dilatarem os seus próprios têrmos.
Assim meterei fogo aos muros de Rabá,
e êle consumirá as suas fortalezas,
com alarido no di,a da batalha,
com tempestade no dia do turbilhão.
O seu rei irá para o cativeiro,
êle e os seus príncipes juntamente,
diz o Senhor” (1:13-15).

O território dos amonitas ficava ao lado do Jordão,


contíguo à terra de Israel na região de Gileade. Com as
transgressões repetidas dos amonitas, êles rasgaram o
ventre às grávidas de Gileade, para dilatarem os seus
têrmos. É provável que os amonitas tenham cometido
esta barbaridade quando Naás sitiou a Jabes-Gileade (1
Sam. 11:1). Êste crime horrível foi cometido freqüen­
temente pelos povos antigos em tempo de guerra (Os. 13:
16; II Reis 15:16). Por causa dos crimes dos amonitas,
o Senhor da justiça porá fogo ao muro de Rabá, cidade
capital e fortaleza dos filhos de Amom. Os gritos de
guerra do inimigo vitorioso meterão mêdo ao espírito dos
amonitas, enquanto o invasor devastará a terra como
redemoinho.
Pouco tempo depois de Amós, o grande exército de
Tiglate-Pileser III, da Assíria, invadiu as terras dêstea
vários inimigos de Israel, saqueou as suas cidades, e le­
vou em cativeiro os mais importantes de seus habitan­
tes. Ainda no tempo de Neemias, os amonitas se mostra­
vam hostis para com os israelitas (Neem. 4:3) .
58 A , R . CRABTREE

Juízo sobre Moabe, 2:1-3

“Assim diz o Senhor:


Por três transgressões de Moabe,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque queimou os ossos do rei de Edom,
até os reduzir a cal.
Assim mandarei fogo sôbre Moabe,
e êle consumirá as fortalezas de Queriote,
e Moabe morrerá entre grande estrondo,
alarido e o som de trombeta.
Exterminarei o juiz do meio dêle,
e a todos os seus príncipes com êle matarei,
diz o Senhor” (2:1-3) .

O território de Moabe ficava ao leste do Mar Morto,


e se estendia até o limite da terra de Edom. Como se
nota, estas profecias contra as nações seguem o mesmo
plano geral, com a mesma "introdução e a mesma forma
de castigo, mas o pecado de cada um dos povos contra a
justiça divina é claramente especificado. Os moabitas
eram semitas, descendentes de Ló e sua filha primogêni­
ta, segundo Gênesis 19:36-37. O dialeto dos moabitas foi
semelhante ao hebraico. Quemós e Baal-Peor de Núme­
ros 25:1-5, era o seu deus, o mesmo que os israelitas ado­
raram com ritos lascivos no caminho para Canaã. Não
há qualquer evidência de que os moabitas tenham de­
senvolvido um sistema ético semelhante ao dos hebreus.
A Pedra Moabita descreve a vitória de Messa, rei
dos moabitas, sôbre os reis de Israel e Judá (II Reis 3:
4-27) . Pela ordem do seu deus, Messa ofereceu o seu fi­
lho primogênito, para se libertar do poder de Israel (II
Reis 5:27) . Moabe será castigado, como as outras na­
ções mencionadas, por seus muitos pecados, mas espe­
cialmente porque queimou os ossos do rei de Eêom, até
O L IV R O D E AMÓS 59

os reduzir a cal.5 Para os judeus e as outras nações an­


tigas, qualquer ofensa contra os mortos era um dos pio­
res pecados que o homem podia cometer (Deut. 21:23;
II Reis 23:16; Is. 14:19).
iMoabe será destruída pela guerra devastadora, o
foco consumirá os palácios e fortalezas ée Queriote. Es­
ta cidade geralmente se identifica com Ar (Núm. 21:
15; Is. 15:1), uma das cidades principais de Moabe. Ê
mencionada na linha 13 da Pedra Moabita como sendo
a sede de Quemós, ou do seu santuário.6 Assim como a
cidade de Damasco representa a nação Síria, também
Queriote representa a nação dos moabitas. Moabe mor­
rerá com grande estrondo, alarido e o som de trombeta.
O sonido da trombeta representa a vitória sôbre a cidade
vencida e destruída. Cortarei, ou exterminarei o juiz, o
governador, e matarei todos os seus príncipes. Moabe é
mais um dos países que a Assíria subjugou.
Ameaças contra Judá, 2:4-5
“Assim diz o Senhor:
Por três transgressões de Judá,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque rejeitaram a lei do Senhor,
e não guardaram os seus estatutos,
antes se deixaram errar por suas próprias mentiras,
após as quais andaram seus pais.
Assim mandarei fogo sôbre Judá,
e êle consumirá as fortalezas de Jerusalém”
(2:4-5).
Os oráculos contra os povos vizinhos serviam de ba­
5,' N ão há dúvida de que M essa sacrificou o seu próprio filho,
e não o filho de Edom que capturou n a batalha, segundo a
opinião de algu n s.
6. Ver a Arqueologia Bíblica do autor, 2 ’ E d ., p . 142.
60 A. 11. CRABTREE

se, e prepararam o caminho para a condenação severa dos


pecados de Israel. As profecias contra as nações prova­
velmente foram proferidas em dias sucessivos, no prin­
cípio do ministério de Amós. Ao ouvirem estas mensa­
gens, os israelitas não podiam deixar de reconhecer que
o profeta estava transmitindo a mensagem do Senhor
Javé, o Deus de Israel, sôbre a condenação justa dos pe­
cados de seus inimigos. Tudo que o profeta disse sôbre
os pecados e a condenação dos vizinhos recebeu o pleno
apoio do povo de Israel. A mensagem seria aceita com
especial satisfação por que representava o poder sobera­
no do seu próprio Deiis.
Ê provável, todavia, que os ouvintes tenham reco­
nhecido nos discursos do profeta um sinal de admoesta­
ção para a nação de Israel. Se o profeta viu na agressão
do poderoso exército da Assíria o transtorno dos inimi­
gos, qual seria, então, a sorte de Israel? O seu Deus so­
berano protegeria o seu povo escolhido contra o poder
militar da Assíria?
Vários estudantes da profecia pensam que esta pas­
sagem sôbre o julgamento de Judá foi interpolada mais
tarde na mensagem de Amós. Segundo esta opinião, am­
bos os reinos, o do norte e o do sul, constituíram para
Amós um só povo (3:2), e a sua mensagem foi dirigida
aos dois reinos. Neste caso, esta passagem teria sida
desnecessária do ponto de vista do profeta. Se esta men­
sagem contra, Judá fôsse proferida por Amós, Israel sa­
beria logo que o profeta ia condenar também os seus peca­
dos. Se a passagem fôsse introduzida na profecia mais
tarde, isto indicaria o grande prestígio de Amós nas ge­
rações subseqüentes.
Além dos outros pecados, Judá tinha rejeitado a lei>
JVnfi- -A- palavra torah usa-se em vários sentidos. Ê da
do Senhor, e não tinha guardado os seus estatutos,
raiz que significa ensinar. Usa-se, às vêzes, no senti­
do de incluir todo o Velho Testamento (Jo. 10:34; 12:34;
O L IV R O D E AMÓS 61

15:25) . 0,s judeus designavam os primeiros cinco livros


do Velho Testâménto como a Lei Mosaica. Os Dez Man­
damentos geralmente se apresentam como o âmago da
lei (Êx. 20:3-17; Deut. 5:6-21). Mas qualquer instru­
ção ou direção do Senhor para o seu povo é reconhecida
como torah ou lei, e assim o têrmo chega a significar a
revelação divina, Is. 2:3. Ê também reconhecida como
lei a direção técnica dos sacerdotes sôbre a observação
dos sacrifícios e cerimônias (Lev. 11:46; Jer. 2:8; Miq:
3:11) . A mensagem do profeta apresenta-se freqüente­
mente como a lei do Senhor (Is. 1:10; 8:16) . A lei do
Senhor, às vêzes, é o equivalente de palavras do Senhor.
O sentido da palavra estatutos é de vez em quando in­
cluído no têrmo lei (II Reis 17:19) . Esta palavra é usa­
da também no sentido de juízos, mandamentos, testemu­
nhos, ou como o equivalente de leis cerimoniais, morais e
civis (Deut. 4:1; 5:1; 6:20; Deut. 7:1-5; 7:12,14).
Os profetas em geral condenam a Judá porque re­
jeitaram a Lei do Senhor e não guardaram os seus esta­
tutos (Is. 5:24) . Nem os bons reis de Judá, Asa, Josa-
fá, Joás e Amasias chegaram a tirar os altos do povo
de Israel. Outros reis se opuseram ao culto do Senhor.
Amós e os profetas subseqüentes entenderam mais clara­
mente do que os historiadores a justiça do Senhor e a
apostasia do povo de Judá e Israel.
Êles se deixaram errar por suas próprias mentiras.
A frase as mentiras próprias pode significar os ensinos
dos profetas falsos, e aceitos àvidamente, porque êstes
falsos mensageiros desculparam, ou justificaram astu­
ciosamente, as transgressões e a idolatria do povo. Por­
tanto, o julgamento virá sôbre Judá, mostrando-se par­
ticularmente contra as fortalezas de Jerusalém. Esta
ameaça podia despertar os israelitas, pois Jerusalém re­
presentava o povo escolhido do Senhor, o Deus verda­
deiro das duas nações.
Davi capturou a cidade de Jerusalém dos jebuseus,
62 A. R . CRA BTREE

e ali estabeleceu a capital política e religiosa das tribos


unidas. Nos reinos prósperos de Davi e Salomão, e com
a construção do Templo, a cidade, já antiga e famosa,
ganhou fama maior e mais duradoura, não obstante to­
das as vicissitudes da sua história.
Assim o profeta condenou a injustiça dos vizinhos de
Israel de acôrdo com a palavra do Senhor Javé, o Deus
de Israel. Apresentou, pela primeira vez na história hu­
mana, a gravidade dêste problema eterno da injustiça
social, a praga de tôdas as nações, seja qual fôr a forma
do seu govêmo, ou a estrutura da sua sociedade. A jus­
tiça divina exige a justiça social entre os homens e en­
tre as nações.
Ameaças contra Israel, 2:6-16
Ê quase certo que o povo de Israel ouviu com gran­
de alegria, logo no princípio, a condenação dos pecados
cruéis de seus vizinhos, sem compreender o alcance do
ensino ético do mensageiro do Senhor. Ouviu, sem dúvi­
da, com profundo desapontamento a condenção severa da
sua própria injustiça, depois de ter apoiado tão arden­
temente a condenação e o castigo severo da injustiça dos
outros povos. Um dos característicos do nacionalismo
exagerado de qualquer nação é a tendência de condenar
os pecados de outras nações, e ficar cego aos seus pró­
prios delitos. A profecia de Amós, portanto, é uma ad­
moestação para todos os povos, em tôdas as épocas da
História, aplicável às injustiças sociais que operam cons­
tantemente entre tôdas as classes, e freqüentemente en­
tre povos assiduamente religiosos, como os israelitas. No
período do seu declínio moral, o povo de Israel pratica­
va escrupulosamente as cerimônias religiosas, e ao mes­
mo tempo oprimia cruelmente os pobres e necessitados.
Enquanto os ouvintes, indignados, sentiam-se emba­
raçados, o mensageiro intrépido do Senhor enumerava e
O L IV R O D E AMÓS 63

denunciava as injustiças que êles praticavam na revolta


contra a justiça de Javé, o seu próprio Deus.
“Assim diz o Senhor:
Por três transgressões de Israel,
e por quatro, não revogarei a punição;
porque vendem o justo por dinheiro,
e o necessitado por um par de sapatos” (2:6) .
Assim o profeta introduz a sua mensagem a Israel
com a mesma fórmula que tinha usado nas profecias con­
tra as nações, Por três transgressões. Mas emprega a
declaração apenas uma vez nos vários discursos sôbre a
rebelião, dêste povo privilegiado, contra o seu Deus. Co­
meça imediatamente com a condenção dos pecados dos
ricos contra os pobres, porque êles vendem o justo por
prata e o necessitado por um, par de sapatos.
Segundo a opinião de alguns comentaristas, o pro­
feta se refere aos atos corrutos dos juizes na opressão
dos pobres. Nos casos de litígio, os juizes começam a
condenar o pobre, em favor do rico, por dinheiro, e as­
sim ficam cada vez mais corrompidos. Finalmente êles
chegam a praticar a. injustiça cruel contra o pobre por
apenas o preço de um par de sapatos. Mas o verbo vender,
"Dfi, é o mesmo usado no sentido de vender uma pessoa
como escrava (Gên. 37:28; Êx. 21:16) . Êste é o signifi­
cado natural do verbo neste versículo. O profeta se refe­
re em outro lugar (5:12) à corrução dos juizes, mas aqui
fala do credor que aproveita a vantagem de vender o de­
vedor como escravo, de acôrdo com a injustiça social da
época, para pagar uma pequena dívida. O justo é aquê-
le que quis pagar a dívida, mas não podia dentro do pra­
zo especificado, por causa da opressão dos pobres pelos
ricos. Assim o rico ganancioso, sem compaixão, aperta­
va o devedor até ao ponto de vendê-lo logo que tivesse o
direito legal de fazê-lo.
•64 A. R . CRA BTREE

“Os que suspiram pelo pó da terra


na cabeça dos pobres,
e pervertem o caminho dos mansos;
um homem e seu pai entram à mesma jovem
para profanarem o meu santo nome” (2:7) .
Os que suspiram pelo pó da terra na cabeça dos
pobres é a tradução correta do Texto Massorético do
hebraico, mas o sentido do hebraico não é claro. Lendo
, pisar ao invés de , suspirar, a Septuaginta
traduz, Os que pisam no pé da terra a cabeça dos pobres.
Esta tradução concorda melhor com a segunda linha, e
desviam o caminho dos mansos . Neste contexto mansos
traduz melhor o sentido de do que aflitos. Em
contraste com a prática dos opressores brutais, os man­
sos esperam humildemente a direção e o cuidado divino.
Parece que esta significação da palavra aqui, e no Sal.
25:9, preparou a base para o grande preceito de Mat.
5:5. Os ricos e poderosos roubaram aos mansos os pri­
vilégios e os direitos que lhes pertenciam, e assim os des­
viaram da vereda na qual êles desejavam andar.
A segunda acusação contra o espírito revoltado de
Israel é a do fato de que um homem e seu pai entravam
à mesma jovem, e assim profanavam o santo nome do
seu Deus. Falta a palavra mesma no hebraico, mas o
artigo definido pode dar êste sentido. Êles entravam no
mesmo santuário. O procedimento vergonhoso nos san­
tuários é mais uma prova da perversidade de Israel, e da
sua rebelião contra a vontade do Senhor Javé, o Deus
de Israel. Afastando-se da pureza dos ensinos da Lei do
Senhor, o povo escolhido estava seguindo a prática abo­
minável de prostituição no Santuário, o lugar do culto,
segundo a prática dos cananeus. Na adoração das fôrças
<3a natureza, os cananeus concentravam o seu culto no
processo da geração da vida. Alguns israelitas se deixa­
ram seduzir por esta forma do culto pagão, mas não che­
O L IV R O D E AMÒS 65

garam à baixeza da bestialidade que a literatura ugarí-


tica atribui a Baal, e que os seus sacerdotes praticaram
abertamente.7 Mas a prostituição religiosa, tão repugnan­
te para a verdadeira religião do Senhor (Deut. 23 : 17,
no hebraico v. 18), já se tornara escandalosa entre os is­
raelitas. Oséias fala até da prostituição de filhas israe­
litas, nos lugares altos, e debaixo das árvores frondosas
(4:13-14) . Êle usa o têrmo queãhasha, “prostituta sa­
grada”, mas a palavra wofrah, “môça”, usada por Amós
significa a mesma coisa. Assim no seu culto paganizado,
os israelitas profanavam o Santo Nome do Senhor Javé.
O Nome do Senhor significa a sua personalidade. Qual­
quer ato que não está em harmonia com o caráter de Deus
é profanação do seu Nome. Fala-se no Código d,e San-
tidade} capítulos 17 a 26 de Levítico, sôbre muitos pe­
cados que profanam o Nome do Senhor.
Nos atos de culto, os jovens e velhos, no espírito de
leviandade, freqüentavam o mesmo santuário, e coabi­
tavam com a mesma 'prostituta sagrada (queãhasha) .
Na sua insensibilidade espiritual, êles praticavam as for­
malidades agradáveis à religião de seus vizinhos, os ca-
naneus. Na satisfação de seus desejos carnais, êstes is­
raelitas perverteram o culto e corromperam o espírito
religioso. Assim, na prostituição e no modo cruel de tra­
tar os pobres e fracos, os israelitas chegaram a desprezar
o valor do homem criado à imagem de Deus.
“Êles se deitam ao lado de qualquer altar
sôbre roupas recebidas em penhor;
e na casa de seu Deus êles bebem
o vinho dos que foram multados” (2:8).
Segundo a lèi (Êx. 22:26-27, no Hebraico 25:26), o
vestido, recebido do próximo em penhor, tinha
que ser devolvido antes do pôr do sol, sendo o único
7. Cyrus H ; Gordon, Olã Testanvent Times, p . 88.

L. A. 5
|56 A i ; R . CRA .BTREE;

cobertor do pobre. Amós emprega a palavra roupas,


, vestidos ou cobertores de várias qualidades, to­
mados em penhor. Quando o devedor não as podia res­
gatar dentro do prazo marcado, o credor aproveitava-se
sem demora da vantagem legal de possuí-las e vendê-las
com lucro.
O sentido da frase, o vinho dos que têm sido multa­
dos, é também obscura. Parece que significa o vinho
recebido em penhor, e perdido ao credor porque não foi
resgatado dentro do tempo marcado. E o vinho que o
credor ganha do devedor infeliz, êle o bebe na casa do
Senhor, provàvelmente com satisfação orgulhosa da sua
própria astúcia. Assim, nos lugares de culto, êstes ho­
mens aproveitavam-se das leis injustas do país, pratican­
do ao mesmo tempo os costumes perversos da época em
orgias abomináveis nos cultos hipócritas.
Gomo o Deus de Israel se Revela na História, 2:9-12
“Todavia, eu destruí diante dêles o amorreu,
cuja altura era como a dos cedros,
e que era forte como os carvalhos;
mas destruí o seu fruto por cima,
e as suas raízes embaixo.
Também vos fiz subir da terra do Egito,
e quarénta anos vos guiei no deserto,
para possuir a terra do amorreu” (2:0-10).
Nos versículos 9 a 12 o profeta explica as ativida­
des do Senhor na História em favor de Israel. O Senhor
tinha liberto Israel do poder do Egito, e o guiado através
do deserto para possuir a terra do amorreu. Tinha des­
truído os amorreus diante dêle. Assim o Senhor tinha re­
velado a sua natureza ao povo de Israel, e lhe tinha de­
monstrado o seu poder. E fizera tudo isto em contraste
com a ingratidão e a perversidade do povo.
O L IV R O D E . AMÕS <67

Eu destruí diante dêles o ctmorreuJ A palavra Eu


é enfática e positiva. Considerando a impossibilidade da
libertação de Israel pelo próprio poder, críticos lançam
dúvidas sóbre a autenticidade da história bíblica, porque
não acreditam no milagre. Agora, a veracidade da his­
tória do Êxodo de Israel do Egito é geralmente aceita.
É fato de grande significação o de a Bíblia apresentar o
primeiro entendimento da finalidade da história huma­
na, na missão dêste povo escolhido. Ê também notável
que nenhum conceito filosófico da História tem podido
satisfazer o raciocínio humano. Portanto, muitos erudi­
tos modernos perdem interêsse no estudo da História.
Os amorreus eram semitas, habitantes de Canaã jun­
tamente com os jebuseus e outros povos. No período do
Êxodo êles moravam nas montanhas (Núm. 13:29), e
õs cananeus ocupavam a costa do Mediterrâneo e a terra
ao lado do Jordão. Segundo a tradição, os amorreus eram
de grande estatura (Núm. 13:32), intrépidos e valentes
na guerra. A êste povo, forte como os carvalhos, o Se­
nhor exterminou em favor dos israelitas. Amós cita e
apoia a linguagem poética da tradição, para mostrar ao
povo de Israel o imenso poder do Senhor e ao mesmo
tempo prepará-lo para entender a sua própria impotência
perante a potência da justiça divina. Na exterminação
dos amorreus, o Senhor demonstrou o seu poder destrui­
dor, mas logo em seguida Amós descreve a soberania de
Deus em fazer o povo de Israel subir do Egito, e em guiá-
lo por quarenta anos através do deserto para possuir a
terra dos amorreus.
“E dentre vossos filhos levantei profetas,
e dentre os vossos jovens, nazireus.
8. N a s esca v a çõ es de M ari e N üzu, A ndré P a rro t achou m ilh a­
res de tábuas de barro, com am plas descrições sôbre os amor-
r reus., V er a Arqueologia Bíblica do autor,, p . 321.
68 A . E . CRABTREE

Não é isto assim, ó filhos de Israel,


diz o Senhor.
Mas vós aos nazireus destes a beber vinho,
e aos profetas ordenastes,
dizendo: Não profetizeis” (2:11-12) .
O Senhor mostra o seu poder, a sua bondade e so­
licitude, levantando, dentre os filhos de Israel, mestres
para lhes interpretar a significação da sua escolha e en­
sinar-lhes o propósito divino na direção das atividades
de todos os povos. Mas ao invés de mostrar-se digno das
bênçãos recebidas, Israel se esqueceu da majestade trans­
cendente do poder e da grandeza do Senhor a quem devia
a sua própria existência. Desprezaram os mensageiros
que lhes interpretaram a vontade do Senhor, e corrom­
peram os nazireus, separados e consagrados ao serviço
divino. Os profetas explicaram ao povo que êles tinham
recebido a sua incumbência diretamente do Senhor para
lhe mostrar o caminho da verdadeira religião, admoestá-
lo contra os perigos da iniqüidade e orientá-lo no servi­
ço de retidão e justiça. Não há nenhum paralelo na his­
tória do profetismo iniciado por Amós, e representado
nas profecias bíblicas. Deus revelava os seus conselhos
aos profetas, e êles transmitiam o que tinham recebido
para a orientação do povo.
Os nazireus eram homens consagrados ao serviço do
Senhor. A raiz da palavra nazar, significa d&ãicar ou
consagrar. Êles assumiam o compromisso solene de não
tomarem bebidas alcoólicas, de não cortar o cabelo, de
evitar o contato com corpos de mortos, e de não comer
qualquer coisa imunda. Acharam as leis para o govêrno
de seus ideais no livro de Números 6:1-21.
Pois não é assim, ó filhos de Israelf Ninguém po­
dia negar as acusações, porque os israelitas estavam pra­
ticando abertamente, e sem escrúpulo, os pecados men­
cionados. É o oráculo, a declaração positiva do Se­
O L IV R O D E AMÕS

nhor, o Deus de Israel, transmitido ao povo pelo mensa­


geiro divino.
O Julga/mento Iminente de Israel, 2:13-16
Depois de ouvir a exposição da sua iniqüidade, e a
história do seu desprêzo da bondade do Senhor na orien­
tação profética da vida nacional, o povo tinha que ouvir
também a pena da infidelidade e da revolta contra a jus­
tiça do seu Deus.
“Eis que eu vos apertarei no vosso lugar,
como se aperta um carro cheio de feixes.
De nada valerá a fuga ao ágil,
e o forte não corroborará a sua fôrça,
nem o valente salvará a sua vida.
E não ficará em pé o que leva o arco,
nem o ligeiro de pé se livrará,
nem tampouco o que vai montado a cavalo
salvará a sua vida.
E o mais corajoso entre os valentes
fugirá nu naquele dia,
diz o Senhor” (2:13-16) ,
Bis que eu vos apertarei no vosso lugar. Esta é a
tradução mais exata do hebraico, mas a linguagem não
satisfaz a alguns dos comentaristas, nem a todos os
tradutores. Mas não consta que êles possam justificar
as modificações do texto. As palavras pTX, oprimir, e
PIB» cambalear ou oscilar, sugeridas por alguns, não são
melhores do que o texto p iy . apertar ou fazer pressão.
Mas seja qual fôr o sentido exato da linguagem figura­
tiva do versículo, o contexto indica um desastre terrível.
Os versículos 13 a 16 apresentam-se como declarações en­
fáticas, oráculo do Senhor. É introduzida a declaração
com ênfase pela palavra Eis, reforçada pelo pronome pes­
soal do Senhor, Eu,
70 ■A. R .C R A B T R E E

No transtorno inevitável, e no desbaratamento de Is­


rael perante o inimigo, a fuga do mais ligeiro de nada
valerá; o mais forte não terá fôrças, e o mais valente não
poderá sâlvar-se a si mesmo.
Repete-se no versículo 16 em palavras diferentes o
pensamento do versículo anterior, para dar ênfase à im­
possibilidade da salvação de Israel. A fuga é de fato uma
debandada. Naquele dia significa no dia do Senhor que
o profeta descreve em 5:18.
Assim termina, nesta descrição do julgamento de
Israel, a exposição básica da mensagem do livro. Não
obstante as bênçãos recebidas do seu Deus, Israel não
é melhor do que as nações vizinhas. Tinha pecado grave­
mente contra o Senhor com o tratamento injusto e a
opressão cruel dos pobres e necessitados para satisfazer
à sua própria voracidade. O seu modo perverso de pro­
ceder já chegou até à profanação do Santo Nome do Se­
nhor.
O cúmulo das transgressões de Israel é a ingratidão
e a infidelidade para com o seu Senhor que o salvou da
escravidão e o guiou do Egito até Canaã, dando-lhe a
terra como herança. O Senhor também levantou mes­
tres para ensinar e orientar o povo no caminho de reti­
dão e justiça, mas Israel preferiu andar no caminho da
perversidade.
O profeta explica como o Senhor tinha revelado o
propósito da justiça, não somente na vida de Israel, mas
também no castigo da crueldade dos seus inimigos e vi­
zinhos. Assim, na operação inexorável da justiça divina;
na direção de todos os povos, o Senhor Deus de Israel
podia aproveitar-se do poder agressivo do grande Impé­
rio da Assíria para transtornar os povos que recusaram
ouvir a sua voz, e praticaram a crueldade desumana no
tratamento para com os seus vizinhos. No caso de Israel,
o procedimento dos homens que dirigiam a vida nacio­
nal violou não somente os princípios básicos da justiça
o Liv r o de àm òs 71

na vida política e social, mas demonstrou até nos cultos


religiosos a sua avareza e sensualidade. Já se tornara
impreterível a destruição de Israel.
Inesperadamente, òs israelitas, na prosperidade e sos-
sêgo, têm que responder às exigências da justiça do seu
Senhor. Nem a fôrça física, nem a destreza na guerra
pôde salvar a nação das conseqüências dos seus pecados.
Assim se apresentam, logo no princípio da profecia,
os princípios básicos da sociologia do Velho Testamento.
Israel Desprezou a Sóberafoia e a Autoridade Universal
do Senhor Javé} o Seu Deus.
O Deus justo exige no culto do seu povo a integrid a-
de para reconhecer e praticar a justiça nas suas rela­
ções sociais e nos seus negócios uns para com os outras.
O culto cerimonial, as festas religiosas, as ofertas
e sacrifícios oferecidos ao Senhor por homens que come­
tem pecados desumanos contra o seu semelhante não têm
mérito nenhum. São antes abominações que suscitam a
ira do Senhor da justiça, o Deus de Israel.
Tôdas as nações e todos os homens são moralmente
responsáveis perante o tribunal da justiça do Senhor.
Até as nações, que não tiveram o privilégio de re­
ceber a revelação divina que Deus tinha dado a Israel,
são moralmente responsáveis perante o tribunal do Se­
nhor Soberano de todos os povos da terra.
Estas são convicções básicas do profeta, fundamen­
tadas, em parte, nos ensinos conhecidos e apresentados
pelos profetas anteriores. Ma,s o profeta recebeu as suas
credenciais, a sua incumbência e a sua mensagem dire­
tamente do Senhor. E, na sua pregação, a doutrina da
justiça de Deus é mais claramente entendida e explica­
da, à luz da experiência pessoal de comunhão entranhada
com o Espírito do Senhor e Governador dos céus e da
terra. O profeta mostra como o Senhor da justiça con­
72 A . R . CRABTREE

dena a nação de Israel, altamente privilegiada, mas es­


cravizada por seus desejos pecaminosos.
A ênfase de Amós no julgamento divino de Israel, e
no seu entendimento da operação do princípio moral na
História, é uma das provas da grandeza de Amós, e do va­
lor universal e eterno da sua mensagem.

II. TRÊS SERMÕES SÔBRE O DESTINO DE, ISRAEL,


3:1-6:14
Na segunda parte do liv*ro, o profeta desenvolve o
tema apresentado nos capítulos um e dois. Os ouvintes
tinham ouvido, com surprêsa e decepção, as declarações
do profeta sôbre o julgamento divino de Israel. Com as
provas evidentes das bênçãos de Deus na prosperidade de
Israel, e com os preconceitos teológicos do povo, pare­
cia-lhe impossível que o Deus de Israel pudesse castigar
o seu próprio povo. Política e economicamente, tudo ia
maravilhosamente bem, especialmente para os dirigen­
tes do govêrno e dos negócios nacionais. Como se podia
imaginar a possibilidade de que o Senhor Javé pudesse
fazer cair qualquer desastre sôbre o povo da sua esco­
lha? Todavia, não se podia esquecer das palavras cor­
tantes do mensageiro corajoso sôbre os delitos de Israel.
Tinha falado com sinceridade, e tinha exaltado a subli­
midade da justiça do Deus de Israel no castigo merecido
de seus inimigos, e os ouvintes tinham apoiado jubilosa­
mente a sua mensagem dura a respeito das outras na­
ções.
Cegos até então pelo próprio egoísmo, quanto à in­
justiça da opressão dos pobres e fracos pelos ricos e po­
derosos, alguns ouvintes começaram a sentir a fôrça da
mensagem dura do profeta, e a reconhecer algumas-ver­
dades obstinadas na acusação de Israel.
Aproveitando-se das dúvidas suscitadas no pensa­
mento dos ouvintes, e da excitação da consciência ador­
O L IV R O D E AMÓS 73

mecida por tanto tempo, o profeta procede no desenvol­


vimento das acusações contra Israel, acentuando cada
vez mais, nestes três discursos, a arrogância, a avareza,
a injustiça, a hipocrisia, a ingratidão e a infidelidade do
povo que tinha recebido tantas bênçãos imerecidas do seu
Senhor e Salvador. Encontra-se nestes capítulos o pri­
meiro profundo esclarecimento da vindicação da justiça
divina na época cataclísmica da história de Israel.

O Profeta Explica a Relação de Israel para com Deus,


3:1-8.
“Ouvi esta palavra que o Senhor fala contra vós,
o’ filhos de Israel,
contra tôda a família que fiz subir da terra do
Egito, dizendo:
De tôdas as famílias da terra a vós somente
tenho conhecido,
portanto eu vos punirei por tôdas as vossas ini-
qüidades” (3:1-2).
A primeira parte do versículo, Ouvi a palavra que
o Senhor fala, é o princípio de um novo discurso. Com
estas palavras de admoestação o profeta procura desper­
tar o povo para entender a razão e o motivo da sua pre­
gação, e que êle está transmitindo fielmente a mensagem
do Senhor Javé, e não dizendo meramente as suas pró­
prias palavras. Proferida nos dias prósperos de Jeroboão
II, a mensagem representa um contraste notável entre o
ponto de vista do Senhor e o dos israelitas, a respeito das
relações existentes entre Deus e o povo da sua escolha.
Há um contraste significativo entre a justiça divina e a
injustiça de Israel. O profeta entende e explica o grande
contraste entre a condição perigosa de Israel e a certeza
dos poderosos do povo de estarem firmemente seguros
em Sião.
74’
A i R . CRÁBTREE'

Amós dirige a sua mensagem aos filhos de Israel,


que na profecia geralmente significa o Reino do Norte.
Mas as palavras, contra tôda a família que fiz subir da
terra dó Egito, referem-se também, òu abrangem o povo
de Judá. Ê provável que esta frase tenha sido acrescen­
tada por um redator subseqüente, indicada pela mudan­
ça da pessoa, que eu fiz subir. Judá sobreviveu à queda
de Israel, devido à influência do profeta Isaías (II Reis
19:1-34), mas sempre ficava sob o mesmo julgamento
da justiça divina.
O profeta apresenta uma interpretação espantosa da
eleição de Israel. Alarmante é o contraste entre a ex­
plicação profética e o ponto de vista de Israel sôbre o
significado da eleição, fi repugnante o anúncio de que
Israel, o povo escolhido de Deus, estará sujeito ao mes­
mo julgamento divino que os povos vizinhos que , não re­
conhecem o Senhor Javé como. seu Deus, e adoram a Baal
e outros deuses.
Se o poderoso Império da Assíria ameaçasse a se­
gurança de Israel, não seria mais forte ainda o Senhor
Javé, o Protetor de Israel? Não protegeria o seu próprio
povo, tão intimamente relacionado com êle pela liberta­
ção do poder do Egito, e pela orientação histórica da sua
vida nacional?
A resposta a êste modo de pensar é dura para os ou­
vintes, e até para alguns leitores modernos da profecia,
à luz dos ensinos bíblicos em geral, sôbre a doutrina da
eleição. Mas o profeta invoca o princípio da justiça de
que privilégios especiais também importam em respon­
sabilidades maiores perante Deus. Somente a vós vos
tenho conhecido de tôdas as famílias da terra. Os ou­
vintes concordavam perfeitamente com esta declaração
profética. Êles, porém, acrescentariam, “Portanto, vos
perdoarei os vossos pecados.” Mas o profeta declara:
“Portanto, eu vos punirei por tôdas as vossas iniqüida-
des”, a mensagem positiva do Senhor da justiça.
O LIV R O D E . AMÕS 75

A frase, a vós vos tenho conhecido> expressa o pro­


fundo sentido da bondade do Senhor e da sua relação
especial para com Israel, o que é indicado pela palavra
w . Esta palavra fala da experiência íntima do amor
imutável do Senhor, que salvou Israel da miséria no Egi­
to e dêle fêz a sua própria nação, com uma incumbência
nobre e honrosa. Tinha dirigido a vida nacional do povo
através dos perigos que tinha de enfrentar, segundo as
obras e os princípios revelados ao seu Libertador Moi­
sés. Assim Israel tinha recebido a plena instrução so­
bre as atividades do poder do Deus da justiça, do Senhor
da natureza e do Doador da vida. Assim também se ha­
via manifestado a escolha de Israel, não somente pela
promessa do Senhor, mas também pela entranhada co­
munhão do propósito e da vida do Senhor na vida do seu
povo.
Do profundo entendimento da natureza da justiça
do Senhor, e de tudo que êle tinha feito em favor de
Israel, o profeta reconhece, no esforço de reclamar c
apoio e as bênçãos divinas na vida de avareza e injus­
tiça, pelos israelitas poderosos e arrogantes, o acúmulo
da injustiça. Portanto, foi inevitável a punição dos pe­
cados que tinham pervertido o sentido da justiça, e até da
natureza de Deus, assim anulando a própria relação espi­
ritual com o seu Deus. Declara-se com ênfase, não so­
mente o princípio da responsabilidade encerrado no pri­
vilégio, mas expõe-se também a soberania do Senhor da
justiça.
A fôrça da mensagem de Amós é reforçada pela cer­
teza de que êle tinha conhecimento da natureza e do pro­
pósito do Senhor dos céus e da terra, e algum entendi-,
mento da história do destino espiritual do homem. Na
sua teologia a eleição de Israel é fato de profunda signi­
ficação, amplamente verificada pela História. Mas o pro­
feta apresenta uma verdade ignorada pelo povo de Israel,
e nem sempre entendida perfeitamente por alguns teólo­
76 A . R . CRA BTREE

gos modernos: A eleição é sempre eticamente condicio­


nada, O profeta, é claro, dá ênfase especial sôbre o fra­
casso moral do povo eleito. Mas é um ensino fundamen­
tal da Bíblia o fato de que Israel foi escolhido pelo Se­
nhor para prestar um serviço especial ao mundo. Mas
quando Israel se esqueceu do princípio da justiça encer­
rado na eleição, a doutrina gradualmente se tornou uma
mera superstição.
Nos versículos 3 a S o profeta expõe as exigências
da justiça divina.
“Andam dois juntos,
sem estarem de acôrdo?
Ruge o leão no bosque
sem que haja prêsa?
Levanta o leãozinho no covil a sua voz,
se nada tenha apanhado?
Cai a ave no laço em terra,
se não houver armadilha para ela?
Levanta-se o laço da terra,
sem apanhar alguma coisa?” (3:3-5) .
Estudantes entendem os versículos 3 a 8 de pontos
de vista diferentes. Alguns pensam que o profeta está
apresentando um argumento para provar a sua autori­
dade como mensageiro de Deus. Mas a defesa da auto­
ridade do profeta simplesmente faz parte do argumento
lógico contra o entendimento errado do acôrdo do Senhor
com Israel. O profeta apresenta êstes exemplos da rela­
ção entre a causa e o efeito, como a base do argumento
lógico de que Israel será destruído como nação, por cau­
sa da sua infidelidade para com o acôrdo que aceitou vo-
luntàriamente do seu Deus.
A pergunta retórica, Andam dois juntos sem esta­
rem de acôrdo? é dirigida ao povo infiel. Israel pode an­
dar com o Senhor da justiça, no desprezo da justiça di­
vina? Deus e Israel não podem andar juntos, enquanto
O L IV R O D E AMÓS 77
Israel persistir na prática da injustiça. A Septuaginta lê
, se não se conhecerem:, ao invés de VlJMJ, se não es­
tiverem, de acôrdo. Israel, na sua injustiça e hipocrisia
se afastara para tão longe do Senhor, que não tinha co­
nhecimento do Espírito de Deus. Mas o Texto Massoré-
tico é melhor.
A justiça divina, pela sua própria natureza, exige o
castigo dos pecados e da infidelidade de Israel, porque o
povo tinha violado o berith, o Concêrto do Senhor, re­
pudiando os compromissos solenes que tinham aceitado
voluntariamente perante o Senhor. Isto significa a dis­
solução do acôrdo entre Deus e Israel. Deus não muda na
sua natureza, nem modifica os seus planos e propósitos
para com a humanidade. A santidade, a justiça e o amor
do Senhor operam constantemente em perfeita harmonia
para a realização dos seus eternos propósitos. Israel jul­
gava que a pregação de Amós representava a mudança
do propósito do Senhor na eleição de Israel. Mas Israel
tinha pervertido tanto a sua própria natureza moral que
não era mais possível andar com o Senhor da justiça. O
profeta está se referindo ao }V"]3 , berith, entre o Senhor
e Israel. Precisamos reconhecer que a rejeição de Israel,
como nação, por causa da sua infidelidade, não cancelou,
de modo algum, o propósito do Senhor na escolha de Is­
rael. A amorável benignidade do Senhor para com Israel
apresenta um exemplo permanente da operação da pro­
vidência divina. A finalidade da eleição de Israel foi rea­
lizada em parte na revelação apresentada na Palavra de
Deus, e em parte no cumprimento da missão do Restante
dos fiéis. Amós não desenvolveu a doutrina do Restante,
mas reconheceu no fim da sua mensagem o propósito de
Deus no levantamento do tabernáculo caído de Davi.
Para ilustrar mais ainda a seqüência de causa e efei­
to, no castigo dos pecados de Israel, o profeta apresenta
exemplos do leão e da ave que êle tinha observado na sua
experiência como pastor no deserto.
78 a . r ; crabtree

Ruge o leão no bosque, sem que haja prêsa ? A tra­


dução dos verbos pelo presente ao invés do futuro nestes
versículos, talvez represente melhor a fôrça das ilustra­
ções. De Teeoa, aldeia no outeiro pedregoso, vinte qui­
lômetros ao sul de Jerusalém, Amós tinha observado cui­
dadosamente a operação normal das leis do Senhor. Não
fazia, como o homem moderno, uma distinção definitiva
entre as leis da natureza física e as leis éticas do Senhor.
Tôdas as leis do Deus dos céus e da terra são justas e
inexoráveis. A experiência com a aspereza física do de­
serto e o conhecimento da perversidade e da injustiça so­
cial de Israel prepararam o espírito do homem de Deus
para entender e interpretar o desastre iminente de Israel
perante a justiça divina.
Quando o leão ruge está pronto para apanhar a prê­
sa . A vítima já está nas garras da morte. A linguagem
é forte para representar o destino calamitoso de Israel.
Na visão do profeta, Israel está condenado perante o tri­
bunal da justiça do Senhor, e o povo já está no poder da
Assíria, o leão cujo rugido a vítima não quer ouvir nem
entender. Fas soar o leãozinho no covil a sua voz, se
nada tiver apanhado? é a segunda linha do paralelismo
que reforça a lógica, ou a seqüência de causa e efeito.
Outro exemplo do efeito que segue inevitavelmente a
causa: Cai a ave no laço na terra, se não houver arma­
dilha para ela? Levanta-se o laço da terra, sem que te­
nha apanhado alguma coisa? Neste caso o presente dos
verbos simplifica a linguagem. As duas partes do pa­
ralelismo proclamam em palavras variadas, e pontos de
vista diferentes, a ilustração do desastre do povo. No
entendimento do profeta, a nação está completamente
desmoralizada, caída, sem possibilidade de se levantar,
apanhada no laço poderoso da Assíria. Nada acontece
por acaso. Para qualquer efeito há sempre uma causa.
É impossível escapar a punição justa do pecado. Há per­
feito acôrdo entre o sentido da mensagem de Amós e a
O L IV R O d e AM óS 79

seguinte declaração do apóstolo Pauio: “Não vos enga­


neis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem
semear, isso também ceifará” (Gál. 6 :7 ).
Nesta série de perguntas retóricas o profeta apre­
senta ilustrações da seqüência de causa e efeito que os
ouvintes não poderiam deixar de entender. As ilustra­
ções são escolhidas para dar ênfase ao desastre iminente
e inevitável de Israel, se êle persistir na infidelidade pa­
ra com o Senhor. Os ouvintes puderam concordar per­
feitamente com a lógica das ilustrações de Amós, mas
negaram que tivessem aplicação ao povo dè Israel. Ê o
caso do ouvinte desviado que concorda com o sermão
do pastor, mas aplica o ensino ao vizinho. A punição vem
do Senhor da justiça, mas não sem avisar ao povo por
intermédio do profeta.
“Toca-se a trombeta na cidade,
sem que o povo tenha mêdo?
Sucede algum mal à cidade,
sem que o Senhor o tenha feito? (3:6) .
Quando se tocava inesperadamente a trombeta na
cidade, o povo estremecia de mêdo, sabendo que era o
sinal de qualquer calamidade. A incerteza aflitiva da na­
tureza do desastre, indicada pelo sinal, aumentou o ter­
ror do povo. Tocava-se a trombeta para dar o alarme
contra animais destrutivos (Joel 2:1), ou para avisar, ao
povo, do assalto do inimigo (Os. 5:8; Jer. 6:1; Ez. 33:
3 ). Por que, então, os ouvintes não ouvem as admoesta­
ções do profeta, e não seguem a orientação do mensagei­
ro do Senhor? A palavra mal, njn.» neste versículo, não
se refere ao mal moral, mas ao infortúnio, ou o desastre
iminente (I Sam. 6:9; Jer. 1:14; Is. 45:7). O Senhor
Javé é soberano, governador de tudo que acontece, do
bem e do mal.
A estrutura do versículo sete não cabè bem no seu
80 A . R . CRABTREE

contexto poético. Alguns comentaristas acham que foi


acrescentado por um escritor subseqüente. Todavia, a
declaração representa perfeitamente o sentimento e a
teologia de Amós.
“Certamente o Senhor Javé não faz coisa alguma,
sem revelar o seu conselho
aos seus servos, os profetas” (3:7) .
Os profetas são os servos do Senhor, e ao mesmo
tempo os servos mais nobres do povo. Êles recebem e
transmitem ao povo as mensagens e os propósitos de
Deus. A palavra T)D pode significar discurso confiden-
dal, conselho ou segrêão. Significa aqui o conselho se­
creto, ou as verdades ãa revelação divina que o homem
não pode descobrir pela sua própria inteligência. A pa­
lavra assim tem quase o mesmo sentido de ^vcrTripiov,
o propósito secreto do Senhor em Efésios 3 :9 .1
“Já rugiu o leão ;
quem não terá mêdo?
O Senhor Javé tem falado;
quem pode deixar de profetizar?” (3:8) .
Neste paralelismo o leão é o próprio Deus, represen­
tado por seu servo Amós. O bramido do Senhor é á
mensagem do profeta, dirigida a Israel para despertar a
sua consciência adormecida no sono da morte. Amós re­
cebera a sua mensagem do Senhor e não podia deixar de
entregã-la. Êste resumo do argumento lógico do profe­
ta liga-se com os versículos três, quatro e seis, e chama
a atenção para a providência do Senhor na admoestação
e no apêlo ao povo.
“Deus não deixa eternamente o homem nas trevas
da ignorância, mas vem com a palavra segura da
profecia para satisfazer os anelos do coração. A
1. A p alavra tem profundo sentido no N ovo T estam en to: M ar.
4:11; A p oc. 17:5; E f. 5:32; A p oc. 1:20; 17:7; I T im . 3 :9.
V er o Lex ico n , de T h ayer.
O .UYRQU jQE. :AMÚS

revelação divina é o remate da natureza religiosa


do homem. O caráter da:profecia bíblica é a pro­
va final e suficiente da sua origem divina.” 2
Mas no caso de Israel, a natureza religiosa, alimen­
tada por esperanças falsas, não podia receber' o conse­
lho do Senhor. Não é fácil analisar satisfatoriamente as
operações da inteligência do homem de Deus. Podemos
entender as eternas verdades que êle proclama, mas co­
mo êle fica prêso ao Espírito do Senhor, na comunicação
com o Senhor, e tem o discernimento espiritual de ouyir
a mensagem de Deus para o povo, e de distingui-la de seus
próprios pensamentos, os teólogos não sabem explicar
perfeitamente. Mas não temos dificuldade em entender
que o Deus da justiça deu a sua mensagem a Israel, por
intermédio do profeta de Tecoa, e que as verdades eter­
nas da sua profecia têm mais aceitação hoje do que ti­
nham nos dias do reinado de Jeroboão II.
A Destruição Total de Samaria, 3:9-12 ,
Os versículos 9 e 10 descrevem os pecados de opres­
são e injustiça dos habitantes da cidade, e OS 11 e 12 fa­
lam das conseqüências terríveis dos pecados do povo na
destruição completa da grande e orgulhosa métrópolè‘. A
cidade foi fundada por Onri, no outeiro de quase cem
metros de altura, cercado por montanhas, em três lados.
Apreciei o, sítio magnífico na visita recente às ruínas co­
bertas quase que completamente pela terra. A cidade foi
fortificada por Acabe. Tornou-se mais tarde uma fortár
leza poderosa, defendida com tanta fôrça que resistiu
por três anos ao sítio do poderoso exército da Assíria.
“Fazei ouvir isto nas fortalezas de Asdode,
e nos palácios da terra do Egito,
. e dizei: Ajuntai-vos sôbre os montes dé Samaria,
2. A Esperança M essiânica, do autor, p . 1 0 . ,

L. A. 6
82 A . R . CRABTREE

- ' . vêde os grandes tumultos dentro dela,


e as opressões no meio dela.
Êles não sabem fazer o que é reto, diz o Senhor,
os que vão entesourando nos seus palácios
a violência e o roubo” (3:9-10).
A Septuaginta traz Assíria ao invés de Asdode, mas
Asdode representa a Filístia, inimiga poderosa de Israel
por muitos anos. Israel tinha experiência amarga da
injustiça e crueldade de ambos, a Filístia e o Egito.
Estas nações, que não tinham o padrão moral de Israel,
ficarão espantadas pelos crimes praticados dentro dos
múros de Samaria, cidade capital de Israel. O hebrai­
co traz o têrmo montes ao invés do monte da Septuaginta.
Se montes é o texto original, a palavra se refere aparen­
temente aos montes Ebal e Gerizim. Do cume dêstes po­
dia vér o monte de Samaria. Mas é mais provável que
monte seja o têrmo original, e se refira à própria Sama­
ria. O singular cabe melhor no contexto e concorda com
o uso em 4:1 e 6:1. Os tumultos sao as discórdias, as
agitações, as lutas sociais e as perturbações que resulta­
ram cias atividades pecaminosas dos ricos e poderosos da
cidade, da arrogância, e crueldade das suas injustiças, do
suborno dos juizes, do roubo e da hipocrisia.
Os profetas chamam freqüentemente a atenção para
o fato de que o povo hebraico, com todos os seus privi­
légios religiosos, era mais pecaminoso do que os pagãos.
O profeta ainda fala à consciência das pessoas religiosas
dá nossa época que praticam assiduamente as suas for­
malidades religiosas, ou assistem aos cultos nas suas
igrejas nos domingos, e nos dias da semana cometem pe­
cados escandalosos no meio dos vizinhos que não profes­
sam qualquer religião, mas dão testemunho da vida de
honestidade e retidão. Infelizmente os incrédulos têm
alguma razão na censura da vida de membros das igre­
jas. ,fí r:. ■■■■. .. ,
O LIVRO DE AMÓS 83

Um dos resultados trágicos do pecado é a sua in­


fluência na personalidade do pecador. Na cegueira espi­
ritual, êle vai ganhando entendimento prático do mal,
enquanto o seu espírito fica gradativamente paralisado
na incapacidade de perceber e praticar á retidão e a jus­
tiça. O profeta reconhece que êste princípio opera na vi­
da nacional, bem como na vida pessoal. O particípio he­
braico descreve a ação linear, e diz, os que vão entesou-
rondo a violência e o roubo inevitàvelmente sufocam a
consciência. O profeta Jeremias também descreve o es­
tado dos que ficam espiritualmente asfixiados pela prá­
tica, por muito tempo, do mal.
“Deveras o meu povo está louco,
êles não me conhecem;
são filhos néscios,
e não têm entendimento;
peritos são em praticar o mal,
e não sabem fazer o bem” (4:22).
As coisas entesouradas freqüentemente se perdem,
mas o espírito ganancioso cresce na sua natureza peca­
minosa pela aquisição dos bens tão ardentemente dese­
jados (Rom. 2 :5 ).
“Portanto, assim diz o Senhor Javé:
Um adversário cercará a terra,
derribará as tuas poderosas defesas,
e os teus palácios serão saqueados.
Assim diz o Senhor:
Como o pastor livra
da bôca do leão
duas pernas, ou um pedaço de orelha,
assim serão salvos os filhos de Israel,
que habitem em Samaria,
com apenas o canto dà cama e parte do leito”
(3:11-12) .
84 A . R ..C R A B T R E E

Há um ditado antigo que diz: “Os moinhos dos deu­


ses, moem devagar, mas trituram bem.” Na observação
de muitos homens modernos, parece que a . providência
de Deus, no castigo do pecado, opera muito devagar, ou
deixa de manifestar-se por qualquer maneira, até que ve­
nha uma calamidade como a guerra para acordá-los. Os
profetas de Deus entendem melhor as leis da justiça di­
vina que operam na história humana. Êste “Portanto”
de Amós baseia-se na exposição da história de Israel, e
corresponde no seu rico significado aos “portantos” do
apóstolo Paulo.
Apesar das grandes fortificações de Samaria, um ini­
migo poderoso cercará a terra e fará descer tôdas as
suas poderosas defesas e apagará tôdas as suas esperan­
ças ilusórias. Os magníficos palácios, construídos à cus­
ta da opressão de vizinhos, e cheios de riquezas adquiridas
pela rapina e roubo, vão ser completamente saqUeados
e destruídos. Se a destruição de Israel resulta da situa­
ção política da época, o profeta reconhece nisto a opera­
ção das leis da justiça divina que operam constantemente
na vida dos homens e na história das nações. Os podero­
sos opressores dos pobres e fracos não podem escapar ao
devido castigo da sua crueldade.
O profeta descreve o desastre dos opressores que mo­
ram nos palácios, de luxo e esperam ganhar o favor de
Deus com os seus ritos religiosos e o sacrifício de animais
nos altares de Betei. Responde às perguntas que pudes­
sem surgir no pensamento do povo. A destruição será
completa? Ninguém escapará? Os nossos cultos e as nos­
sas ofertas não têm valor?
Sim, a destruição nacional será completa. Como o
pastor arranca da bôca do leão os restinhos do animal de­
vorado, assim serão libertos os habitantes de Samaria,
com wpenas o canto da cama e parte do leito. É incerto
o significado da palavra , parte, mas aparentemen­
te se refere a qualquer parte do leito luxuoso do rico, tal-
0 : L1VKO D E ÀMÓS 85

vèk sló tecião dê sêâü, com desehhòs artísticos, f abricado


em Damasco. Mas alguns traduzem a palavra perna do
leito. A referência chama a atenção para o contraste en­
tre a vida abundante dos ricos e a Vida miserável dos
pobres.
Há interpretações diferentes sôbre os habitantes li­
bertos do desastre de Samaria. Pensam alguns que os'
que se salvaram representam um restante dos fiéis ao
Senhor, mas esta interpretação é forçada e não concorda
com o pensamento da passagem. Êste profeta não fala
do restante fiel, uma doutrina desenvolvida mais tarde.
Israel foi completamente destruído como, nação, mas per­
maneceram alguns fiéis entre os samaritanos è outros
israelitas que sofreram da destruição nacional, mas so­
breviveram.
O profeta recebe ordéní de Deus para ouvir e testi­
ficar contra a casa de Jacó e anunciar o destino de Betei,
o santuário dos reis e do povo de Israel. Não vejo razão
para a declaração de Fosbroke 3 de que os versículos 13 a
15 interrompem a seqüência dos oráculos dirigidos a Sa­
maria . Betel era a capital religiosa de Israel, como Sa­
maria era a capital política. As duas capitais eram igual­
mente corrutas, e os moradorès de Samaria praticavam1
a sua hipocrisia em Betel, bem como na cidade de Sama­
ria. Foi em Betel que os hipócritas blasfemavam do No­
me do Senhor no esforço de suborná-lo com òfertas e
dízimos.
“Ouvi e dai testemunho contra a casa de Jacó,
diz o Senhor Javé, o Deus dos Exércitos,
que no diá em que eu. punir as transgressões de
Israel, visitarèi também os ajtares de Bete!;
e as pontas do altar serão cortadas,
e cairão port terra” (3:13-14). .
3. H ugbell É . W . Fosbroke, The In te rp re te rs Bible, Vol." V I, p.
798 ■"''
m A. R. CRABTREE

A destruição dos altares de Betei apagará completa­


mente qualquer esperança de salvação por meio de uma
religião hipócrita que chega a blasfemar do Nome de Deus.
Como a cidade de Samaria representava a degene­
rescência política e moral de Israel, Betei era o foco da hi­
pocrisia. Êste centro do culto era venerado pela casa de
Jacó, por causa da experiência tida pelo patriarca naque­
le lugar com Deus (Gên. 28:10-22; 35:1-7). Havendo
perdido o conceito espiritual de comunhão com Deus, Is­
rael, como as nações, julgava que poderia ganhar a pro- ,
teção e as bênçãos do seu Deus por meio de sacrifícios de
animais e de cultos cerimoniais, e assim ficar livre para
continuar a prática de seus negócios pecaminosos. O cen­
tro do culto nacional será tão completamente destruído
como a càpital política. O Senhor da justiça demolirá o
santuário com todos os seus acessórios.
As palavras punir ou visitar e transgressões re­
petem-se através da mensagem de Amós, e acentuam
o tema da sua pregação. Alguns pensam que a pala­
vra altares, n i r a t » , deve ser mudada para o singular a
fim de ficar em harmonia com o têrmo na segunda linha.
Outros sugerem que a palavra original seria pilar ou
c o h m a JISXD . Os pilares sagrados tinham uma influên­
cia poderosa no culto de Israel, como se nota no estudo
da profecia. A masseba, coluna, é proibida em Deut. 16:
21 e Lev. 26:1. As palavras do profeta, as pontas do
altar serão cortadas e cairão por terra, soaram aos ou­
vidos do povo como blasfêmia. Foi destas pontas que o
homem pegava em busca de refúgio do inimigo (I Reis
1:50). Os altares históricos de Betei, associados com
Abraão e Jacó (Gên. 12:8; 35:7), tiveram uma santida­
de peculiar para os israelitas. Através da sua história, o
povo tinha oferecido sacrifícios no altar de Betei (I Sam.
10:3; I Reis 12:28-31; 13:1; Amós 9:1; Os. 4:15; 10:
1,2,8). O profeta Oséias falou de Betei, casa de Deus, co­
mo Bete-Aven, casa de iniqüidade.
O L IV R O D E AMÓS st

“Derrubarei a easa de inverno com a casa de verão;


e as casas de marfim perecerão,
e as grandes casas terão fim,
diz o Senhor” (3:15).
As descobertas modernas dos arqueólogos nas ruínas
de Samaria concordam perfeitamente com a descrição
das casas de inverno e de verão do profeta. As ruínas de
um dêstes palácios suntuosos mostram que foi construído
com grandes pedras lavradas, tendo uma forte tôrre re­
tangular, e um jardim espaçoso em redor. Os arqueólo­
gos julgam que teria sido construído por Jeroboão II.
Acharam-se nas ruínas numerosos marfins. Muitos dês­
tes ficaram em pedaços, mas alguns tinham a forma de
placas e painéis que se embutiam na mobília e nas pare­
des da casa. Foram gravados com figuras artísticas que
representam a cultura da época: lótus, lírios, plantas,
leões, veados, figuras de pessoas aladas, esfinges e fi­
guras de deuses egípcios, como Isis e Horus.4
Para os ricos, com o seu conceito pagão de Deus,
desprêzo dos direitos humanos e a falsa noção de que os
seus sacrifícios podiam ganhar os favores divinos, os
magníficos palácios eram evidências visíveis-das bênçãos
do Senhor. Mas o Senhor da justiça, o Deus dos céus e
da terra, derrubará êstes palácios de luxo, adquiridos e
mobiliados à custa das vítimas que tinham oprimido e
roubado.
A Avareza das Mulheres de Samaria, 4:1-3
’ “Ouvi esta palavra, vacas de Basã,
que estais no monte de Samaria,
as opressoras dos pobres, as esmagadoras doa
necessitados, que dizeis a vossos maridos,
Dai cá, para que bebamos!
4.. A A rq u e o lo g ia B íb lic a , p . 200-201
GÂZ R . C R A B T R E E '

”v»vK / Juj-flíij. © Senhor Javé pela sua; santidade:


Eis que vêm dias sôbre vós,
quando vos levarão com anzóis,
• ^ até a última com fisga de pesca.
- Saireis pelas, brechas,
cada uma ,em frente de si;
e sereis lançadas para Hermom,
, , , diz o Senhor” (4:1-3) í
As mulheres elegantes, arrogantes, avarentas e aqui­
sitivas, na sua perversidade, incitavam os maridos a opri­
mir os pobres e esmagar os necessitados para satisfazer
à suá vaidàde extravagante. Com os particípibs defini­
tivos, o hebraico diz: as opressoras dos pobres, as es­
magadoras dos necessitados. Portanto elas sofrerão: jun-:
tâníente còm os homens o castigo da süa injústiça im­
piedosa ! Ouvi esta palàvra, vacas de Basã. Está brève:
mensagem, dirigida às senhoras, é a mais vitriólica con­
denação dá injustiça dos israelitas pela exposição da jus­
tiça divina'. Os israelitas pensavam de Basã, ao leste do
Mar da Galiléia, como sendo terra de montanhas, de car­
valhos, leões, gado de tamanho enorme e homens rudes
é vigorosos, ’ gigantes, ou refains. Ver Is. 2:13; Miq.
7:14; Déut. 32:14. O gado é representado como gòrdo
é feroz. O pejorativo vacas de Basã é bastante forté e pi­
cante, mas indica também o poder e a influência das
mulheres elegantes na corrução da vida social e econô­
mica do povo de Israel.
O texto hebraico dêstes três versículos e,stá em con­
fusão. Traz o masculino imperativo do verbo ouvir, co­
mo também o sufixo masculino com o têrmo maridos,
còííi á !preposição sôbre e com o sinal do objeto direto.
As outras formas são femininas e concordam gramatical­
mente com vacas de Basã. Tambétn a' mudança abrupta
da imagem de vacas, no primeiro versículo, para a de
peixe, no segundo, complica a construção. Mas apèàar da
o :L IV R O ' DE .AMÔS

mexplicávèl fálta de;concordância gramatical nos porme­


nores,* 0 destino1das mulheres de Samaria é bastante cla­
ro, pois é decretado pelo juramento do Senhor Javé. ©
Senhor tinha jurado pela sua santidade, o característico^
ou 0 atributo essencial, da sua natureza. Os dias da re­
tribuição das transgressões das vacas de Basã estavam:
chegando, de acôrdo com a jüstiça divina.
’ No sítio e na destruição de Samaria, os inimigos vos
levarãô com anzóis, até a última de vós, com fisga de
pesca. A frase até a última de vós é mais clara e traduz
melhor o hebraico do que e as vossas restantes, ou as
vossas descendentes. Esta última frase, de Almeida, não
concorda com o sentido do contexto.
The Interpreter’s Bible comenta: “Elas serão des­
nudadas do seu vestuário de luxo, e jazerão mortas nas
ruas, e varredores arrastarão os seus cadáveres ao mon­
te de lixo. ” 5 Mas esta interpretação não concorda com
o versículo três, nem se justifica como tradução. Saireis
cada uma em frente de si pelas brechas, e, sereis lança­
das para Hermon. Cada uma andará do lugar onde esteja
prêsa, diretamente para a frente, e passará pelas bre­
chas: nos muros da cidade, abertas pelo inimigo. Hermom
é a transliteração da palavra hebraica, cuja significação
é desconhecida. Não pode ser indentificada com qualquer
lugar conhecido .
Assim o profeta condena severamente a vida urba-
ria de Samaria, não porque os habitantes tinham aban­
donado a vida pastoril,, mas porque os seus magníficos
palácios, e a vida de luxo, representavam a sua arrogan­
te injustiça na opressão desumana dos pobres que não ti­
nham defesa. Amós era cidadão de Tecoa, um pastor em
boas circunstâncias econômicas, e não pertencia à clas­
se de oprimidos que defendia. Não se sabe como êle che­
gou a conhecer as condições religiosas de Israel, mas é
5. V ol. VT, p . 802 ' ’ í:- ' ;
90 A . R . CRABTREE

razoável supor que tinha feito viagens até Samaria e


Betei, talvez para vender os frutos do seu trabalho. A
terra não é muito grande, e os homens podiam atraves­
sá-la sem dificuldade. Como pastor de inteligência extra­
ordinária, treinado pelas experiências nas regiões mon­
tanhosas de Tecoa, Amós tinha observado pessoalmente
as graves desordens da sociedade em tôda parte. Com o
conceito da majestosa justiça do Senhor Javé dos céus e
da terra, o profeta vocacionado ficou perfeitamente habi­
litado para analisar as causas das condições horríveis da
sociedade no reino de Israel.
O problema era fundamentalmente teológico. O de­
sequilíbrio social foi devido à injustiça social, baseada no-
conceito pagão de Deus. O profeta ficou profundamente
comovido com a falsa noção que o povo tinha do Senhor,
epela prática sórdida de aquistar riquezas. Os opressores
não somente desprezavam os direitos e a dignidade huma­
na de suas vítimâs, mas blasfemavam também do Nome
do Senhor da justiça.
Os Pecados que Acentuavam a Culpa de Israel, 4:4-5
O profeta mostra que Israel não entendeu os juízos
providenciais de Deus na sua vida nacional para levá-lo
ao arrependimento. Repetidamente o Senhor tinha in­
dicado o seu desagrado para com a infidelidade do seu
povo, pela fome, pela sêca e pelo crescimento e ferrugem,
pela pestilência, pela guerra e pelo terremoto, mas Israel
não quis arrepender-se de seus pecados e voltar para
Deus. Portanto, êles teriam que experimentar a retri­
buição da justiça divina. Nos versículos 4 e 5 o profeta
fala ironicamente:
“Vinde a Betei e transgredi,
a Gilgal e multiplicai transgressões;
trazei cada manhã os vossos sacrifícios,
e os vossos dízimos de três em três dias.
O LIVRO DE AMÓS 91

Oferecei sacrifício de louvores do que é levedado,


e proclamai ofertas voluntárias, publicai-as;
Pois assim gostais de fazer, ó filhos de Israel,
diz o Senhor Javé (4:4-5) .
É provável que o profeta estivesse falando direta­
mente ao povo em Betei, na ocasião de uma das festas
religiosas, quando apresentava os seus dízimos e sacrifí­
cios. Assim a ironia era especialmente apropriada para
desmascarar a hipocrisia dos festejadores. Os ouvintes
tinham chegado a Betei para se regozijarem na exalta­
ção de si;mesmos, o perigo que se manifesta freqüente­
mente nos cultos da beleza que apelam aos sentidos físi­
cos e não ao espírito de amor e adoração de Deus.
A palavra Gilgal significa Círculo de pedras sagra­
das. Mais de üm lugar na Palestina tinha êste nome.
Talvez se refira aqui a Gilgal do vale do Jordão, perta
de Jericó, associada com a travessia do Jordão na lide­
rança de Josué (Jos. 4:19-20). Mas pode indicar a Gil­
gal perto de Betei, mencionada em II Reis 2:1; 4,38.
As frases sacrifícios cada manhã e dízimos de três
em três dias exageram ironicamente o zêlo excessivo do
povo no seu culto cerimonial. Esta tradução normal con­
corda perfeitamente com o contexto. Mas o hebraico po­
de significar de manhã e no terceiro d ia . Esta versão re­
presentaria o procedimento normal na oferta de sacrifí­
cios e dízimos. Refere-se aos sacrifícios oferecidos anual­
mente (I Sam. 1:3, 7, 21). O profeta convida os zelosos
no seu culto a oferecer os animais cada manhã ao invés
de cada ano . Segundo Deut. 14:28, o povo devia apre­
sentar os dízimos do fruto do terceiro ano, ao fim de ca­
da três anos. Ver também Núm. 18:21-28. Esta passa­
gem indica que o povo deve dar os dízimos de tudo para.
o sustento dos sacerdotes e levitas. Depois da matança
ritual do animal para o sacrifício, o povo celebrava uma
92- a : r . craetree

fçsta, comendo a carne da vítima, e oferecendo ò sangue


e a gordura ao Senhor.
Continua o profeta na disposição irônica, exortando
ao povo para aumentar mais o seu zêlo, queimando o pão
levedado, raramente queimado, para fazer dêle um in­
censo aromático, como oferta de louvor ou de graça. Se­
gundo Lev. 2:11; 7:12, a lei proibia que qualquer fer­
mento fôsse queimado por oferta aó Senhor. . Possivel­
mente, o profeta está se referindo a um costume novo, em
processo de desenvolvimento (Os. 3:1), com a idéia de
que uma oferta de louvores preparada com fermento &
o mel de uvas seria mais aceitável. As ofertas voluntá­
rias normalmente expressavam o sentimento do coração*
mas o; profeta insiste ironicamente em que o povo as pu­
blicasse: “Pois assim gostais de fazer”, o que é inteira­
mente contrário ao verdadeiro motivo de tais ofertas.
Assim Amós condena o motivo da religiosidade for­
mal de Israel que fêz uso de ritos cerimoniais e sacrifí­
cios como meio de ganhar a boa camaradagem do Se­
nhor, para assim subordiná-lo à sua própria vontade na
satisfação de seus desejos egoísticos. Revelava um en­
tendimento inteiramente errado do caráter de Deus e do
espírito de adoração ao Senhor dos céus e da terra. Os
seus sacrifícios e o modo de oferecê-los representavam
mais a influência do paganismo dos cananeus do que o
espírito humilde de amor e gratidão ao Senhor Onipo­
tente . Por meio dos sacrifícios Israel procurava fazer do
Senhor um bom camarada, como um dêles. Queriam que
o seu Deus ficasse subordinado aos planos e propósitos
dêles, e assim apoiasse a satisfação dos prazeres egoísti­
cos dêles, e a exibição da sua própria importância.
Se ficarmos admirados por esta mentalidade reli­
giosa dos israelitas no tempo de Amós, convém examinar
o nosso coração e o nosso conceito de Deus à luz dag nos­
sas aspirações religiosas. Êste mensageiro de Deus fala
não somente ao povo hipócrita da época, mas freqüente­
O LIVRO DE AMÓS 93

mente aponta a superficialidade da vida espiritual das


sociedades religiosas em todos os dias da história huma­
na. Em contraste com êste conceito de Deus e a quali­
dade da religião que produziu, o profeta procede a expli­
cação das atividades do Senhor na revelação da sua eter­
na e imutável justiça.
Avisos e Admoestações da Providência Divina, 4:6-13
“Eu também vos dei limpeza de dentes
em tôdas as vossas cidades,
e falta de pão em todos os vossos lugares;
contudo não voltastes a mim,
diz o Senhor,
Eu também retive de vós a chuva,
quando ainda faltavam três meses até a ceifa;
fiz que chovesse sôbre uma cidade,
e que não chovesse sôbre outra;
um campo recebeu a chuva,
e o campo que não recebeu a chuva secou;
assim duas ou três cidades vaguearam a uma
cidade, para beberem água, mas não se saciaram;
contudo, não tendes voltado a mim,
diz o Senhor” (4:6-8) .
Nos versículos 6 a 8 o próprio Deus declara, por in­
termédio do seu mensageiro, que a fome e a sêca falha­
ram no propósito divino de despertar e atrair o povo es­
colhido para o Senhor Javé dos Exércitos. Não obstan­
te as dificuldades mencionadas pelos comentaristas, não
há dúvida de que as citações do castigo discíplinador de
Israel são elocuções autênticas do profeta Anaós. O ver­
sículo sete oferece dificuldades na construção, mas d
ênfase nos resultados desastrosos da sêca concorda com
a experiência do povo. Os israelitas da época julgavam
que quaisquer desastres que lhes sobreviessem seriam
94 A. R . CRABTREE

mandados como castigo divino de seus pecados (II Sam.


21), mas Amós não menciona qualquer pecado que tives­
se sido a ocasião dos infortúnios mencionados. Êstes de­
sastres físicos mostram que o Senhor é soberano, não so­
mente na vida e na história humana, mas também nas
fôrças físicas do cosmos que trazem a morte e a destrui­
ção. O profeta reconhece também o propósito disciplina-
dor das calamidades físicas que trazem o sofrimento e a
aflição do espírito.
Eu vos dei limpeza ãe dentes. O pronome pessoal,
‘'SK , no princípio dêste versículo dá ênfase ao propósito
do Senhor no castigo de Israel. Como os cananeus, Is­
rael quis agradar ao seu Deus com sacrifícios, na espe­
rança de receber dêle o socorro divino na aquisição de
riquezas e na vida de luxo. Repudiando os compromis­
sos solenes e as responsabilidades do Concêrto que tinha
recebido voluntàriamente e com gratidão, depois do seu
libertamento do Egito, Israel tinha perdido a capacidade
de discernir a gravidade da sua revolta contra a justiça
divina. Neste estado de ignorância, o povo não compre­
endeu, nem era mais capaz de compreender, que nestas
visitações de disciplina o Senhor lhe estava oferecendo o
ensêjo de receber conhecimento mais profundo das gran­
des atividades da prpvidência divina na sua vida nacio­
nal. Por outro lado, o profeta Amós tinha aprendido, nas
montanhas de Tecoa, pela experiência das exigências da
natureza física, a entregar-se completamente ao cuidado
do Senhor, e êste cometimento lhe dera um novo enten­
dimento da vida.
Assim o mensageiro da justiça divina tinha experi­
mentado também a compaixão do Senhor* revelada na de­
claração, Contudo não voltastes a mim. A preposição
aqui significa até para mim. Não convertestes com­
pletamente a. m im . Vacilastes entre mim e Baal. “Até
quando ireis coxeando com duas opiniões diferentes?” . (I
Reis 18:21; Jos. 24:15). Estas palavras, ou frases se­
O LIVRO DE AMÓS <95

melhantes, encontram-se freqüentemente no Velho Tes­


tamento, representando sempre a fidelidade imutável do
Senhor ;em contraste com a infidelidade de Israel (Os.
6:1; 14:1; Is. 10:21; 31:6; 44:22; 55:7; Jer. 3:1, 12,
22; 4:1; Deut. 4:30; 30:2,8; I Sam. 7:3; II Crôn. 6:24,
38;'Sal. 78:34; Mal. 3:7) . Nota-se na leitura destas re­
ferências que em tôdas as épocas e vicissitudes da histó­
ria de Israel, e por muitos dos seus mensageiros, o Se­
nhor, no seu amor constante e imutável, oferece ao povo
vacilante o ensêjo de arrepender-se dos pecados de infi­
delidade, e voltar ao regaço do seu Salvador. A palavra
a m íí* , voltastes, com o têrmo equivalente, èmorpéfaiv
(Atos 3:19; 9:35; 11:21 e I Tess. 1:9) contribuiu para o
desenvolvimento do conceito do têrmo “conversão” no
Novo Testamento.
Descrevem os versículos sete e oito os efeitos da sê-
ca. Eu também retive de vós a chuva. O pronome pes­
soal Eu repete-se com ênfase. Foi o próprio Senhor que
reteve a chuva. A frase três meses antes da ceifa, refe­
re-se à cessação prematura das chuvas que caíram na
última parte' de fevereiro, ou nos primeiros dias de mar­
ço, apenas um mês antes da ceifa. Sem estas chuvas no
*seu tempo, a ceifa ficava destruída pela sêca.
O Senhor Javé assim demonstrou o seu poder de re­
ter a chuva numa cidade, dando ao mesmo tempo evidên­
cia de seu poder de dar a chuva sôbre outra cidade vi­
zinha.
Cambaleariam ou vaguearam por duas ou três cida­
des, indo a outra cidade, para beberem água, mas não se
sa,ciamm. Na falta de chuva, e no sofrimento do povo
pór falta dágua para beber, Deus estava operando com o
propósito de induzir a nação escolhida a reconhecer a
sua infidelidade e voltar ao seu Senhor e Salvador. Con-
tudú, não voltastes a mim.
“Feri-vos com crestamento e ferrugem; , .:.
96 A . R . CRABTREE

a multidão das vossas hortas, e das vossas


vinhas, das vossas figueiras, e das vossas
oliveiras, devorou-a o gafanhoto;
contudo, não Voltastes a mim,
diz o Senhor.
Enviei entre vós a peste, à maneira dó Egito; <
matei à espada os vossos jovens;
levei presos os vossos cavalos;
e fiz subir aos vossos narizes
o mau cheiro dos vossos arraiais;
contudo, não voltastes a mun,
diz o Senhor” (4:9-10).
Nos versículos 9 e 10 o profeta explica que a quei­
madura e a ferrugem das plantações, a destruição das
hortas, das vinhas, das figueiras e das oliveiras, a peste
e a guerra falharam no propósito de despertar o povo
infiel ao arrependimento e à volta ao Senhor. O eresta-
mento descreve o efeito devastador do vento abrasador
que veio do deserto. A ferrugem é uma doença que mata
a clorofila das plantas e lhes rouba a vida.
Seguindo o texto modificado por Wellhausen, a IiSV
traduz: “Eu devastei as vossas hortas e as vossas vi­
nhas.” O Texto Massorético é complicado mas claro.
O gafanhoto devastou as hortas e as vinhas, as figueiras
e as oliveiras. A peste, à maneira do Egito indica a ma­
lignidade das pestes que têm a sua origem no Egito : “do­
enças malignas do Egito” (Deut. 7:15). A frase matei
os vossos jovens à espada não se refere a qualquer bata­
lha, ou a qualquer ocasião, mas ao longo conflito com a
Síria quando Hazael e Bene-Hadade mataram numerosos
jovens de Israel (II Reis 8 a 12; 13:3-7) . Os cavalos fo­
ram levados pelo inimigo. Em Êxodo 22:9 fala-se tam­
bém de animais levados em cativeiro, usando-se a mes­
ma palavra que descreve o cativeiro dos homens. E 'eu
fiz subir o fedor dos vossos arraiais aos vossos narizes.
O L IV R O D E AMOS 97

A matança foi tão grande que o mau cheiro dos cadáve­


res não sepultados causou a peste que seguiu a guerra.
“Subverti alguns dentre vós,
como Deus subverteu a Sodoma e Gomorra,
e vós fôstes como tiçâo arrebatado do incêndio;
contudo, não voltastes a mim,
diz o Senhor” (4:11).
O ponto de comparação não é a maneira da subver-
ção de algwns dentre vós e a destruição de Sodoma e Go­
morra. As cidades foram destruídas por enxofre e fogo
(Gên. 19:24,25), mas a devastação dentre vós foi re­
pentina, talvez como o resultado de um terremoto forte,
segundo a opinião geral. Alguns pensam que o profeta
se refere à situação crítica no reinado de Jeoaeaz, quan­
do Israel foi arrebatado como tição da fogueira. De qual­
quer maneira, o profèta está declarando que á nação foi
quase exterminada. Era o castigo mais severo que o po­
vo tinha recebido como admoestação da parte do Senhor.
Mas o povo insensato não podia reconhecer o significado
de qualquér admoestação da parte do Senhor .
Assim estas visitações divinas acentuaram a ceguei­
ra de Israel, mostrando que o povo, na sua infidelidade,
tinha perdido a capacidade de discernir ou reconhecer o
propósito amorável do Senhor nestas admoestações. Ca­
da uma das cinco estrofes começa com o verbo perfeito
na primeira pessoa do singular, representando o próprio
Senhor como quem está falando: Fui éu que vos feri;
fui eu que vos dei a fome; fui éu que vos retive a chu­
va; fui eu que enviei a peste; fui eu que vos subverti com
a decadência. Israel desprezou o propósito divino de ca­
da uma destas visitações, e não quis voltar ao seu Deus.
O Israel injusto tem que se encontrar com o seu Se­
nhor, o Deus da justiça.
L. A. 7
98 A . R . CRA BTREE

“Portanto, assim te farei, ó Israel!


E porque te farei isso,
prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu
Deus.
Pois, eis, que é êle quem forma os montes e cria
os ventos, e declara ao homem qual é o seu
pensamento,
quem faz da manhã trevas,
e pisa sôbre os lugares altos da terra;
o Senhor, o Deus dos Exércitos, é o seu nome”
(4:12-13).
Portanto, visto que as visitações de disciplina (4:4-
11) falharam no propósito divino de levar Israel ao ar­
rependimento, êle tem que sofrer as conseqüências dos
seus pecados de injustiça, da infidelidade para com o Se­
nhor e da obstinada recusa de reconhecer e responder aos
apelos carinhosos da providência divina que lhe oferecia
o privilégio de renunciar a rebelião e voltar ao seu Deus.
•Que ameaça é indicada pela palavra assim? Qual será
o sofrimento de Israel? O profeta não especifica. O cas­
tigo não especificado pode ser mais terrível na imagina­
ção do povo, justamente por esta razão.
Nos desastres mencionados pelos versículos anterio­
res, o Senhor tinha mostrado ao povo escolhido os ca­
racterísticos da fidelidade divina, do amor imutável e da
justiça inexorável do Senhor do Concerto. Os terrores
do castigo divino já enumerados apresentam-se como ad­
moestações da punição final que Israel pode esperar. É
impossível determinar o pensamento exato do profeta
sôbre o castigo futuro dé Israel, mas é provável que o
sofrimento do povo, na história subseqüente, fôsse maior
do que o profeta esperava. Mas Israel tinha repudiado as
suas responsabilidades para com o Concêrto do Sinai, e
se tinha recusado a entender a realidade da providência
O L IV R O D E AMÓS 99

carinhosa do Deus da justiça revelada na mensagem do


mensageiro Amós. Inevitàvelmente chegará o momento
quando terá que enfrentar o julgamento final do Senhor
da justiça.
A ameaça indefinida do profeta foi plenamente cum­
prida no sítio de três anos de Samaria pelo exército pode­
roso de Salmanaser V e Sargão II da Assíria. É provável
que o genocídio praticado contra Israel pelo conquista­
dor represente um castigo mais terrível do que o profeta
tivesse contemplado.
Prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu
Deus. Nos desastres mencionados, Deus procurava fa­
zer conhecidos certos atributos da sua personalidade que o
povo se recusou a tomar em consideração. Não quis re­
conhecer a verdadeira natureza da justiça do Senhor.
Os homens injustos podiam se recusar a entender o signi­
ficado das operações da justiça divina na vida nacional,
mas não podiam fugir do encontro iminente com o Senhor
da justiça no castigo da nação infiel. A hora estava che­
gando quando Israel teria que receber a punição mereci­
da. Depois de tanta rebeldia, tanta obstinação e tanta
ignorância voluntária da justiça divina, Israel será cha­
mado para prestar contas perante o Senhor que o libertou
da escravidão e o escolheu para ser o seu povo sacerdo­
tal. A possibilidade do arrependimento de Israel, ou pelo
menos de um restante de Israel, não está positivamente
excluída desta exortação, mas o pensamento do profeta
é claro. O dia do arrependimento de Israel, como nação,
tinha passado, e êle precisava ficar avisado e assim pre­
parado para o encontro com o Senhor da justiça, e rece­
ber a sentença final da condenação.
Depois de fazer uma explicação do versículo, Cal-
vino declara que não é impróprio apresentar a possibi­
lidade do arrependimento de Israel.
“Prepara-te, então, para te encontrares com o teu
ío ó 'a : k . c r a b tr ee

Deus. Embora tu sejas digno de ser destruído, e


embora o Senhor tenha áparentemente fechado
a, porta da misericórdia, e o desastre té encontre
em todos os lados, tu podes ainda mitigar a ira
de Deus, na condição de ficares preparado para
o encontro” 6
Ültimamente alguns estudantes desta profecia têm
chamado uma atenção especial aos versículos 4:13; 5:8;
9:5-6, reconhecendo-os como porções de um hino anti­
go. O Dr. John D. W. Watts, do Seminário Teológico
de Ruschlikon, apresenta uma análise e exposição destas
três passagens no capítulo três do seu monógrafo, Vision
anã Prophecy in Amós. Êle pensa que o hino é mais
antigo do que a profecia de Amós, e que o próprio pro­
feta citava estas passagens para reforçar a sua men­
sagem .7 Outros julgam que estas doxologias foram escri­
tas depois do tempo de Amós, e interpoladas na profecia,
por um escritor algum tempo depois da época do profe­
t a .8 Mas a teologia das passagens concorda perfeitamen­
te com a da profecia em geral, e tem cabimento no con­
texto .
Alguns alegam que o estilo dos versículos indica que
não foram escritos por Amós, citando especialmente o uso
freqüente dos particípios nas passagens. Mas Amós era
poeta, e mostra em tôda parte da obra a destreza literá­
ria em adaptar o estilo poético ao assunto que apresen­
ta. Quando Amós quis descrever ação linear, êle usou
particípios freqüentemente, como se vê nos versos 1 e 3
do capítulo cinco, logo em seguida.
A teologia do versículo, denominado doxologia por
alguns, é o resumo dos pensamentos teológicos que se
encontram em tôda parte da profecia, especialmente nos
6. Com mentaries on tlie Tivelve Minor Prophets, Vol. II, p. 244.
7. P . 51, e se g .
8. Op. c i í . / p . 808.
O L IV R O D E , AMÓS 101

nomes de Deus, o. Senhor Javé, 3:7,11,13; 4:2,5, e em mui­


tos outros lugares. Deus se apresenta através da profe­
cia como o Criador, como o Senhor das nações, das leis
da natureza física e das leis éticas e morais.
Assim, neste versículo, o Senhor Deus dos Exércitos
é aquêle que forma os montes, cria os ventos e declara
ao homem qual é o seu pensamento. Em Jeremias 17:10
e o Sal. 139:2, o Senhor declara ao homem, por inter­
médio de seus mensageiros, que êle esquadrinha o cora­
ção humano, e mostra o seu estado perante Deus. Êle jul­
ga não somente os atos, como também os pensamentos
e as emoções (3:10; 4:1) .
O Senhor Javé dos Exércitos é Aquêle que vai pi­
sando os altos da terra. No seu egoísmo e na sua torpeza,
Israel tinha reduzido o seu conceito do Senhor até ao pon­
to de pensar que poderia comprar os seus favores e as
suas bênçãos com cerimônias, festas, ofertas e dízimos.
Assim o profeta procura acordar o povo pela apresenta­
ção do Senhor Javé na sua grandeza, como o Todò-Po-
deroso nos céus e na terra, o Onisciente e o Soberano
nas obras da criação.
Canto Fúnebre, Anunciando a Destruição Iminente de
Israel, 5:1-3 '
“Ouvi esta palavra, que levanto como lamentação
sôbre vós,
ó casa de Israel:
Caída é a virgem de Israel,
para nunca mais se levantar;
abandonada está na sua terra, ,
não há quem a levante.
Pois assim diz o Senhor Javé: A cidade que sai em
número de mil, terá de resto cem, e a que sái em
número de cem, terá dez, para a casa de Israel”
(5:1-3) • , ...
102 A. R . CRA BTREÉ

O profeta começa um novo discurso com as palavras,


Chovi esta palavra. Pronuncia uma lamentação profunda­
mente triste sôbre a nação caída. Êle deseja acordar, se
fôr possível, o coração endurecido de seus ouvintes, e os
levar ao arrependimento. Mas a lamentação indica que
não tinha mais esperança. Esta mensagem, nos dias
prósperos de Jeroboão II, representa o grande contraste
entre o entendimento do povo em geral, e a revelação
profética sôbre a condição moral e religiosa de Israel.
Israel não podia compreender a significação da justiça
divina. Não estava em condições de perceber como o
Deus de Israel podia ficar profundamente dessatisfeito
com o seu povo escolhido, tão próspero e tão religioso.
Não tinha notado, até então, qualquer indício de que o
Senhor pretendia mandar sôbre a nação os castigos ter­
ríveis anunciados pelo profeta. Nestas circunstâncias,
o mensageiro do Senhor reconheceu a necessidade impe­
riosa de expor cada vez mais claramente os pecados, e o
destino trágico do povo obstinado nas suas esperanças
falsas. Acostumado a tapar os ouvidos contra qualquer
repreensão desagradável, Israel ficou cada vez mais en­
durecido .
!Mas o profeta fiel não podia deixar de apresentar
o apêlo do Senhor Javé, o Deus dos Exércitos dos céus e
da terra. Ouvi esta palavra que levanto como lamentação
sôbrê vós, 6 oasa ãe Israel. Se não há mais esperança
para a nação caída, por que o profeta pronuncia a elegia,
ou a lamentação, sôbre a queda do reino, quando ainda
está em plena prosperidade? A poesia é exemplo perfei­
to do hino fúnebre. Tem o ritmo geralmente usado nas
poesias de lamentação, três acentos, seguidos pòr dois.
Preservam-se até na. tradução os característicos da ele­
gia.
Üsa-se a forma completa do verbo cair para acentuar
o evento já realizado no plano de Deus, e do ponto de
vista do profeta. A palavra hebraica, , cam, indica
O L IV R O D E AMÓS 103

uma morte violenta, especialmente a morte na batalha


(II Sam. 1:10; Sal. 10:10; Prov. 11:28). O têrmo vir­
gem de Ismel é usado aqui pela primeira vez, e mais tar­
de em Jeremias 18:13; 31:4,21. Refere-se à castidade de
Israel, no seu idealismo, como a nação escolhida, salva
pela graça divina para servir como o povo messiânico do
Senhor. A queda de uma virgem era uma grande tra­
gédia em Israel. A tragédia de Israel, como nação, é mui­
to mais lamentável. A frase pura nunca mais se levan­
tar refere-se à nação como tal. Havia esperança de per­
dão e misericórdia, para as pessoas que se arrependes­
sem de seus pecados, mas estas teriam que sofrer como
membros da nação pecaminosa.
A lamentação de Amós não é uma mera dramatiza­
ção. Veio do coração entristecido pela contemplação da
morte do -povo tão privilegiado na sua história, na sua
origem miraculosa, nas bênçãos divinas e na sua esco­
lha como nação messiânica. Está morrendo tràgicamente
sem cumprir as promessas da sua vigorosa juventude, e
sem cumprir a grande missão para a qual foi escolhida e
orientada.
No versículo três, o profeta transmite a sentença
divina sôbre a nação infiel. Descreve em têrmos concre­
tos o desastre da queda mencionada no versículo anterior.
Do exército de mil soldados que qualquer cidade possa
mandar para a guerra em defesa da pátria, nove décimos
serão tràgicamente exterminados . No tempo de Amós,
os soldados foram chamados, segundo as áldéias e cida­
des, mas, antes do reinado de Salomão, foram inscritos
segundo as tribos e famílias. A linguagem é geral, fi­
gurativa e representa o desastre que havia de cair sôbre
qualquer grupo, ou grupos, de soldados que pudessem sair
em defesa do reino contra o inimigo. Um destino comum
cairá sôbre todos os grupos de defensores, grandes ou
pequenos. Não há esperança para a nação infiel; o seu
destino trágico está determinado.
104 A . R . CRABTREE

Exortações e Denúncias, 5:4-15

Mais uma vez o profeta exortou os israelitas ao


arrependimento, sabendo que o seii destino, como nação,
já está determinado. Mas enquanto Israel permaneceu,
ele representava as doutrinas da justiça divina perante
as nações, e assim precisava arrepender-se dos seus pe­
cados e demonstrar a fé como o povo do Senhor. O pro­
feta sentia-se incumbido de apresentar-lhe ainda a es­
perança de perdão na condição de arrependimento e f é .
Contraste entre a Religião de Israel e a Busca Genuína
do Senhor, 5:4-6
“Pois assim diz o Senhor à casa de Israel:
Buscai-me, e vivei.
Mas não busqueis a Betei,
e não entreis em Gilgal,
nem passeis a Bersebâ;
porque Gilgal certamente irá ao cativeiro,
e Betei será desfeita em nada.
Buscai ao Senhor e vivei,
para que não irrompa como fogo na casa de José
e devore, sem que ha ja em Betei quem o apague”
(5:4-6).
O profeta não vacila na certeza de que está apre
sentando ao povo a mensagem do Senhor, e não simples­
mente os seus próprios pensamentos. Mas o seu espírito
apoia com tristeza a mensagem que proclama. Pois as­
sim kliz o Senhor à casa de Israel.
Ê profundo o sentido dos dois imperativos, buscai-me,
, e vivei, *p|Tl • O profeta está pensando em co­
mo Israel poderia evitar o perigo iminente da morte na­
cional, e vivér em comunhão com o seu Deus. Mas as
verdades eternas proferidas pelos profetas freqüente­
O LIV R O D E AMÓS 105

mente têm um sentido mais profundo para os salmistas


e os crentes em Cristo do que tinham para os primeiros
ouvintes. A palavra buscar tem dois sentidos. Era usa­
da no sentido de buscar um profeta para obter, por in­
termédio dêle, a resposta do Senhor a qualquer pro­
blema, ou para indagar a vontade de Deus a respeito
de qualquer ássunto de importância especial (Êx. 18:15;
I Sam. 9:9; II Reis 3:11). Era usada também em
sentido mais profundo, nas orações de salmistas e homens
de Deus que desejavam ardentemente o próprio Senhor,
e não meramente as bênçãos materiais que o Senhor
lhes pudesse oferecer (Salmos 16, 17, 23 e muitos ou­
tros) .
No seu •comentário sôbre The Minor Prophets, E.
B . Pusey apresenta uma explicação profunda dêste apêlo
de Amós aos filhos de Israel.
“Maravilhosa é a concisão da palavra de Deus,
que em duas palavras compreende tudo do dever
e das esperanças da criatura no seu tempo e na
süa eternidade. O profeta emprega os dois im­
perativos, assim unindo tanto o dever como a re­
compensa do homem. Não fala dêstes Como cau­
sa e efeito, mas como sendo um só. Onde há um
há também o outro. Buscar a Deus é viver. Pois
o buscar a Deus é achá-lo, e Deus é Vida, e fonte
de vida. Perdão, graça e vida entram na alma de
vez.” 1
A palavra viver neste apêlo significa mais do que o
prolongamento da vida. O apêlo visa a riqueza de vida
em comunhão com Deus. Más Israel não podia buscar
ao Senhor santo e justo enquanto mantivesse o conceito
errado da Natureza Divina. Não podia buscar a Deus
enquanto desejasse comprar com ofertas e dízímos o
1. J a m e s N isb e t & C o ., L ondon, p . 205.
106 A . R . CRA BTREE

favor divino para continuar nas práticas cruéis da injus­


tiça. Pode viver e andar com o Senhor aquêle que deseja
de coração ficar livre do domínio do pecado e viver em
comunhão com a santidade e a justiça de Deus.
O culto dos israelitas nos santuários de Betei e Gil-
gal era incompatível com a busca genuína do Senhor, o
Deus de Israel. O Senhor que os israelitas cultuaram
nestes santuários não era mais do que uma caricatura
do Deus santo e justo dos céus e da terra. O propósito
egoísta no culto cerimonial de Israel em Betei e Gilgal
reduziu o Deus Onipotente ao nível moral de Baal e dos
outros deuses nacionais. Pelo culto vulgarizado nestes
santuários, Israel tinha perdido o verdadeiro Deus, a
fonte de vida. Na religião pervertida, os israelitas tinham
prostituído o nobre nome de Betei. Oséias deu a Betei o
nome que merecia, Bete-Aven, casa de vaidade, idolatria
(4:15; 10:5) . Betei, casa de Deus, ficaria reduzida a
nada.
Alguns pensam que a frase nem passeis a Berseba
é uma interpolação. Os comentaristas mais recentes, apro­
fundando-se no estudo da profecia de Amós, não concor­
dam com o modo de um grupo de críticos que vão ao ex­
tremo na descoberta de passagens “que o profeta não po­
dia ter escrito” . É mais provável que o próprio profeta
se referirá a certos israelitas, que no seu zêlo julgavam
que o antigo santuário de Berseba, tão importante na vi­
da de Abraão, Isaque e Jacó, era (Gên. 21:14, 31, 33;
26:23, 33; 28:10; 46:1) mais importante do que Betei e
Gilgal. Nestas longas viagens êles podiam demonstrar o
seu zêlo religioso. Mas o culto que procura ganhar o
apoio do Senhor para a vida pecaminosa não tinha mais
valor em Berseba do que tinha em Betei e Gilgal, ou
qualquer outro lugar.
Havia uma aldeia ao oriente de Betei, chamada Bete-
Aven, que o povo de Betei desprezava (Jos. 7:2; 18:12; I
Sam. 13:5; 14:23).
O LIV R O D E AMÕS 107

É interessante a aliteração do Hebraico na declara­


ção : Gilgál certamente irá ao cativeiro, “hag-gil-ga galeh
vigleh” . Aquela declaração podia ficar gravada na me­
mória dos ouvintes.
O profeta repete a exortação, Buscai <ao Senhor e vi­
v e i e acrescenta uma terrível ameaça: para que não ir­
rompa como fogo na casa ãe José e devore, sem que haja
em Betei quem o apague. Ê a ira do Senhor contra a in­
justiça que ameaça irromper e devorar a casa de José.
A ira de Deus é representada pelo fogo em Deut. 32:22;
Ez. 22:21.
A frase para que não indica a possibilidade de que
a destruição de Israel ainda podia ser evitada. Alguns
comentaristas insistem em que esta idéia não concorda
com o teor da profecia. Dizem que as exortações ao ar­
rependimento, 5:4-6 e 5:14-15, não podem ser de Amós
porque êle tinha certeza de que a destruição de Israel já
era determinada, e portanto inevitável. Mas foi o pró­
prio Israel que determinara a Sua destruição, pela rebe­
lião contra Deus, e pela volta a Deus por arrependimento
e fé poderia evitar a destruição. Se o profeta reconhecia
que o destino de Israel, como nação, já fôra determinado,
ainda havia a possibilidade de que alguns israelitas se
pudessem arrepender dos seus pecados, e buscar ao Se­
nhor e viver. É mais fácil crer que Amós escreveu estas
exortações do qué achar circunstâncias em que fôssem
acrescentadas por um escritor subseqüente, quando o
perigo da destruição nacional estava se tornando cada vez
mais evidente, ou depois que a nação foi destruída.
Amós, homem profundamente religioso, e mensageiro
de Deus, sempre acreditava na possibilidade do arrepen­
dimento do pecador. Êle persiste em apresentar as con­
dições eternas e universais da salvação de pecadores .
Assim a pregação persistente do profeta salvaguardava
o seu conceito sôbre o amor de Deus e a fidelidade e jus­
tiça do Senhor dos céus e da terra.
108 A . R . CRABTREE

Os nomes José e Efraim são usados, às vêzes, para


distinguir o reino de Israel do reino de Judá, ou de Israel
do sul (U Sam. 19:20; Ob. 18; Zac. 10:6; Amós 5:15;
6 :6 ). Betei, o lugar principal do culto de Isráel, aqui
é usado para significar o reino de Israel.
O Tratamento Cruel dos Pobres perante o Todo-Poderoso?
5:7-13
“Vós que converteis o juízo em absinto,
e deitais por terra a justiça!
Aquêle que fêz a Plêiades e o Õriom,
e torna a densa treva em manhã,
e escurece o dia em noite;
que chama as águas do mar,
e as derrama sôbre a superfície da terra;
Javé é o seu nome
Que faz vir súbita destruição contra o forte,
de sorté que venha destruição sôbre a fortaleza"
(5:7-9).

Aquêles que praticam a injustiça e se recusam a


ouvir a mensagem do Senhor trazem sôbre si o castigo
do Deus soberano. Parece que o verso sete não tem evi-
. dente conexão com o anterior, nem com a doxologia, ou
hino, que segue nos versículos oito e nove. O profeta
gosta de usar particípios, apresentando em sucessão rá­
pida um pensamento após outro, sem se preocupar muito
com as conexões lógicas. Provàvelmente o particípio plu­
ral, ides convertendo> ou tr<mstomanão, D’’D5in , liga-se,
no pensamento do profeta, com a casa de José. Buscai
ao Senhor, vós da casa de José que ides convertendo o
juízo (justiça legal) em absinto. Êste é o ponto de vista
da RSV e das versões em português, que procuram esta­
belecer ligação com o apêlo no versículo anterior, tra­
duzindo o particípio como vocativo, Vós que converteis.
O LIV R O D E AMÕS 109

São os próprios juizes, encarregados da administração


da justiça^ mas subornados pelos ricos, que deitam por
terra a justiça, e convertem em absinto os direitos dos
que não têm defesa. Absinto, ou álosna, é uma planta
amarga, e o têrmo figurativo indica a amargura da in­
justiça praticada contra os fracos, sem recursos para se
■defenderem. Nas suas invectivas Amós focaliza os prín­
cipes, os juizes e os sacerdotes, mas a sociedade em geral
foi arrastada ao nível moral de seus dirigentes.
Os comentaristas dos últimos anos têm estudado e
discutido, -com muito interesse, o texto da profecia de
Amós, oferecendo emendas e modificações para esclare­
cer certas dificuldades textuais. Mas enquanto êles dis­
cordam uns dos. outros, precisamos examinar com cuida­
do ras> mudanças'sugeridas. O Dr. John D. W. Watts
oferece várias sugestões para esclarecer a falta de har­
monia entre os versículos sete e nove do Texto Masso-
rético. Êle modifica o texto do versículo 7 para ficar em
harmonia com o contexto, e inclui o versículo como par­
te do hino. As mudanças sugeridas pelo Dr. Watts re­
sultam na seguinte versão dos versículos 6 a 9:
“Buscai a Javé e vivei,
Para que não irrompa com fogo,
que consuma sem apagador.
O Senhor faz a justiça escoar do alto,
E estabelece a (justiça para a terra;
Fazendo Plêiades e o õriom,
Tornando a densa treva em manhã;
E escurecendo o dia em noite.
Aquele que causa Tauro vencer Capela,
E faz Tauro acometer Vindemiatrix.
É êle, cujo nome é o Senhor.” 2
Deixou fora a última parte do versículo 8 porque
consta no trecho 9:5-6, e não faz falta aqui. A recons­
2. Op. ci t., p . 56
110 A . R . CRA BTREE

trução é engenhosa, e remove certas dificuldades do tex­


to. Surge, porém, o problema de se justificar tais mu­
danças radicais, como estas, do Texto Massorético, sem
o apoio de outros manuscritos. Fosbroke pensa que a
doxologia é uma interpolação.3
O profeta proclama em têrmos sublimes o poder oni­
potente do Senhor dos céus e da terra, para com os israe­
litas que tinham procedido levianamente com o seu Deus.
Explica aos seus ouvintes alguns característicos do Deus
de Israel. O Senhor que f êz Plêiades e Õrion pode tra­
zer a destruição completa sôbre o povo infiel. Plêiades
é a constelação de sete estréias brilhantes. Estas duas
constelações, Plêiades e Õriom, são mencionadas também
em Jó 9:9; 38:31. Êstes dois grupos de estréias conspí­
cuas representam o maravilhoso poder do Criador, e â
grandeza da criação divina. Se a onipotência de Deus na
natureza física é absoluta, certamente êle pode executar
a justiça em cumprir a ameaça contra o povo infiel. Os
israelitas daquela época, como muitos homens dos nossos
dias, retiveram o nome de Deus, mas com a fé fraca e
morrediça. O seu conceito de Deus é algo diferente do
Criador e Governador dos céus e da terra.
Cientistas modernos sabem explicar a rotina das es­
tações, da sementeira e ceifa, do dia e da noite, pelas re­
voluções da terra e os movimentos dos corpos celestiais,
mas não sabem explicar o mistério da origem do poder
que regula perfeitamente todos êstes movimentos para o
bem-estar da humanidade. O pensamento do profeta nes­
te versículo corresponde mais ou menos com o do salmis­
ta, 8:1-5. Ê também o Senhor quem chama as águas do
mar e as derrama sôbre a face da terra. Ê o sol que le­
vanta as águas do mar em vapores, e são os ventos e ou­
tras fôrças que as distribuem sôbre a superfície da terra
como chuva preciosa, mas tudo isto é controlado e diri­
3. Op. c it . } p . 812
O L IV R O D E AMÓS 111

gido pelo Governador do universo. No seu orgulho, o


homem pode construir as suas fortalezas de defesa que
considera indestrutíveis, mas o Senhor, no seu poder ir­
resistível, pode devastá-las. O Criador pode ocasionar a
destruição súbita do forte e destruir as suas fortalezas.
O particípio hifil do verbo balar, > que traduzi­
mos como o que faz vir súbitamente, consta apenas mais
quatro vêzes no Velho Testamento: Jó 9:27; 10:20; Sal.
39:14 e Jer, 8:18, traduzido de várias maneiras. Mas o
significado de vir súbita destruição, ou vir subitamente
a destruição, cabe bem no contexto, e dizem os eruditos
que concorda com o sentido do cognato arábico. O Se­
nhor tem o poder de trazer súbita destruição contra o
forte e sôbre as suas grandes fortificações.
O verso 7, segundo o Texto Massorético, concorda
com a descrição dos pecados de Israel, condenados em 10
a 13, e não tem ligação direta com o versículo seis ou oito.
As instituições estabelecidas para manter a justiça tinham
se convertido em veículos da injustiça.
O profeta continua com as denúncias das transgres­
sões estúpidas de Israel:
“Odeiam ao que repreende na porta,
e abominam ao que fala a verdade” (5:10) .
No hebraico o número da pessoa é mudada, às vê­
zes, incoerentemente da segunda para a terceira. A SBB
usa aqui a segunda pessoa, para concordar com a de­
claração seguinte, mas nós conservamos as formas he­
braicas. Os pecadores endurecidos odeiam a luz da ver­
dade. Os opressores ricos dominaram os tribunais da jus­
tiça que se assentavam no espaço em redor da porta da
cidade para ouvir as contendas entre o povo e dar as
suas decisões. Qualquer pessoa que tivesse a coragem de
levantar a voz em protesto contra a injustiça dos opres­
sores e dos juizes corrutos foi odiada e abominada. Êste
pecado de odiar a verdade e abominar a justiça é caracte­
112 A. R . CRA BTREE

rístico dos poderosos carnais que têm o poder, em muitas


circunstâncias, de impor a sua própria vontade para ga­
nhar o que êles cobiçam, sem qualquer compaixão para
com as vítimas. Ao que repreende na porta pode signi­
ficar o juiz honesto, o profeta, como Amos que foi de­
nunciado e ameaçado pelo sacerdote em Betei, ou a vítima
roubada pela decisão de um juiz injusto.
“Portanto, porque pisais aos pés o pobre,
e dêle exigis tributo de trigo,
tendes edificado casas de pedras lavradas,
mas não habitareis nelas;
tendes plantado vinhas desejáveis,
mas não bebereis do vinho delas” (5:11).
O profeta declara que aquêles què se enriqueceram
pela opressão dos pobres não terão o prazer de desfrutar
dos benefícios do seu despojo. Porque pisais o pobre e
edificais casas de pedras lavradas, ao custo das vítimas
roubadas, não tereis aproveitamento das riquezas assim
acumuladas. Não habitareis nas casas lavradas. Exigin­
do tributo de trigo do pobre refere-se à extorsão por par­
te do juiz injusto, ou de qualquer dono de terra que exi­
gia rendas exorbitantes do arrendatário (Lev. 25:37;
Deut. 23:19). Estas referências indicam abusos em dar
dinheiro à usura e víveres por amor de lucro.
Os que assim se enriqueceram pela prática constan­
te da injustiça construíram para si casas de pedras la­
vradas, sólidas, edificadas para durar eternamente. Es­
tas se distinguiram das casas comuns, edificadas dè quais­
quer pedras sôltas, ou de tijolos de barro sêco. “Os tijo­
los ruíram por terra, mas tornaremos a edificar com pe­
dras lavradas” (Is. 9:10) . Ao invés de habitar nas casas
confortáveis, e de desfrutar das riquezas acumuladas,
êstes ricos e poderosos serão exilados da sua terra. Ti­
nham plantado vides da melhor qualidade, na esperança
O LIV R O D E AMÓS 113

de ter bom vinho para aumentar a alegria da vida abun­


dante. Mas na linguagem forte que causava a maior
decepção possível, o profeta descreve o destino calami­
toso do povo infiel.
O versículo 12 é mais uma denúncia da venalidade
dos encarregados da administração da justiça e dos opres­
sores dos pobres.
“Porque sei quão numerosas são as vossas trans­
gressões,
e quão graves os vossos pecados:
vós que afligis o justo, e tomais suborno,
e rejeitais os necessitados na porta” (5:12).
O Senhor se apresenta como aquêle que conhece per­
feitamente a ignorância, a fraqueza e a iniqüidade de Is­
rael. Numerosas e multiformes são as vossas transgres­
sões, graves e poderosos os vossos pecados. Enquanto a
repetição é um paralelismo, as duas palavras significam
qualidades diferentes de iniqüidade. A transgressão é a
rebelião deliberada; o pecado é o desvio habitual da jus­
tiça. Os israelitas eram teimosos nas várias maneiras
de mostrar o seu desprêzo da justiça, e poderosos nos
modos de se desviarem do padrão divino de retidão.
Depois destas acusações gerais, o Senhor especifica,
por intermédio do seu mensageira, exemplos das trans­
gressões e pecados do povo infiel. Com o uso do particí-
pio, êle declara com ênfase que os transgressores e pe­
cadores perseguem habitualmente o justo. A palavra
afligir, IIU , é forte na sua larga significação: constran­
ger, apertar, afligir, perseguir, tratar com inimizade.- O
injusto aborrece o justo. O Garáter do justo serve de
repreensão à injustiça. O particípio do têrmo tomar,
"»IP?. indica que os juizes ficaram acostumados a exigir
dinheiro dos ricos antes de fazer as decisões contra ó
justo. A palavra traduzida para peita ou suborno,
geralmente significa resgate, redenção, ou o prêço de res-
L. A. 8
114 A. R . C R A B T R E E

gate, o prêço que o criminoso pagava pela redenção da


vida (Êx. 21:30; Núm. 35:31) . A palavra significa aqui
o prêço, o suborno oferecido ao juiz, como em I Sam.
12:3. Esta prática era contrária ao mandamento expres­
so na lei de Núm. 35:31.
O escritor passa da segunda para a terceira pessoa,
na declaração: êles rejeitam os necessitados na porta,
mas refere-se às mesmas pessoas. O pecado contra os
necessitados tornou-se mais grave pelo modo de os re­
pelirem quando desejavam defender os seus direitos. O
hifil do verbo H2D3 significa fazer curvar, desviar, abai­
xar, oprimir. Desprezaram não somente o direito do jus­
to, mas desprezaram também a sua dignidade, o valor
superior da sua pessoa.
“Portanto, o prudente guarda silêncio em tal tempo;
porque é um tempo mau” (5:13) .
O versículo é considerado difícil por alguns comen­
taristas. Fosbroke o considera como interpolação. É me­
lhor traduzir os verbos pelo presente. Fosbroke insiste
em que n y n significa naquele tempo, e não em tal
tempo.1* Mas refere-se ao tempo que o profeta está des­
crevendo. Êste é claramente o sentido do hebraico. A
tradução de Keil e Delitzsch: “Portanto, quem tiver pru­
dência neste tempo, guardará silêncio, pois o tempo é
mau”, concorda essencialmente com a da RSV. O tempo
era mau para o oprimido, mau para aquêle que hão fôsse
prudente, e mau para o profeta. É claro que o profeta
não está repreendendo o prudente. A prudência aconse­
lhava silêncio, porque a corrução prevalecia de tal manei­
ra que qualquer palavra dirigida aos malfeitores seria
contraproducente e despertaria nêles maior obstinação.
Mas o profeta Amós, como Jeremias, não podia dei­
xar de falar (Jer. 5:14) . O mensageiro de Deus em tal
í , Oy. ci t., p. 815
O LIV R O D E AMÕS 115

tempo não pode ser prudente, quanto ao cuidado da sua


própria vida, por causa da sua responsabilidade como pro­
feta, com a incumbência de entregar ao povo a mensa­
gem do seu Senhor. Tinha que falar a palavra do Senhor
quando o povo não quis ouvi-la, e quando os inimigos da
verdade procuraram silenciá-lo por ameaças, persegui­
ções, ou pela morte. A fidelidade ao Senhor, o amor da
verdade, e o interêsse na libertação do povo da calami­
dade impulsionam, impelem e obrigam o profeta a fa­
lar. Quando o homem prudente fica silencioso, torna-se
até maior a responsabilidade do profeta. Os oprimidos
prudentes guardavam silêncio, porque as suas queixas
poderiam trazer sôbre êles sofrimentos maiores da parte
dos injustos sem compaixão. A sociedade era tão incor­
rigível que não podia suportar a luz brilhante da palavra
do Senhor. Há circunstâncias em que o profeta, e até o
pastor, tem que falar, seja qual fôr a conseqüência, ou
o perigo pessoal.
“Buscai o bem e não o mal,
e assim o Senhor, o Deus dos Exércitos,
estará convosco, como dizeis.
Odiai o mal e amai o bem,
e estabelecei o juízo na porta;
talvez o Senhor, o Deus dos Exércitos,
se compadeça do restante de José” (5:14-15).
A Vida de Comunhão com Deus Ê Condiciona,l, 5:14-15
Aparentemente o profeta ainda tem certeza do cas­
tigo iminente de Israel como nação, e ao mesmo tempo
sente-se obrigado, como o anunciador de Deus, a pregar
ao povo a mensagem de salvação. A exortação de buscar
e amar o bem é quase a mesma dos versos 4-6, mas o
profeta acentua mais neste apêlo a necessidade imprete-
rível do arrependimento do mal, e do amor ao bem, como
condição de receber a graça salvadora do Senhor, o Deus
dos Exércitos.
116 A . R . CRA BTREE

Com a presunção de conhecer os limites do pensa­


mento de Amós, ou de impor-lhe o modo ocidental de ra­
ciocinar, alguns consideram todos os apelos e exortações
do livro, como os versos 4-6 e 14-15, aquém da mentali­
dade do profeta Amós. Teriam, portanto, sido escritos
por algum pregador depois do tempo do autor da profecia
que se teria limitado apenas às denúncias dos pecados do
povo, e à certeza da destruição de Israel. Mas não há ar­
gumentos justificáveis para negar ao profeta Amós ês-
tes apelos.
Os israelitas se julgavam em comunhão com o seu
Deus Javé, em virtude do Concêrto que êle mesmo lhes
concedera. Portanto, êles persistiam em pensar que as
ameaças proféticas não podiam atingi-los, porque o Se­
nhor ficava obrigado, pela eleição e pelo Concêrto, de
salvar o seu povo escolhido do perigo de todos os inimi­
gos. O profeta entendia perfeitamente a psicologia do
povo, e concordava com a opinião do povo sôbre a fide­
lidade do Senhor, mas possuía, além disso, um conheci­
mento da fidelidade do Senhor que o povo ignorava. O
Senhor pela sua própria natureza tinha que permanecer
fiel à justiça absoluta, e não podia» salvar o povo enquan­
to êste odiasse a justiça, e amasse ,a injustiça. O profe­
ta, como mensageiro do Senhor com o entendimento da
justiça divina, não podia deixar de pregar ao povo como
êste poderia ficar em harmonia e comunhão com Deus.
À mensagem é simples, mas Israel já ficara incapacita­
do para aceitá-la. Buscai o bem e não o mal, paru que
vivais. A fôrça do imperativo buscai é condicional, en­
cerra a ameaça da morte nacional, e concorda perfeita­
mente com a mensagem inteira do profeta. Se a nação
continuar a odiar o bem e a amar o mal, será destruída.
É clara a mensagem: “Se continuardes a proceder na
prática da injustiça, como estais fazendo, certamente
morrereis. Mas se recusardes a buscar o mal, e buscar-
O L IV R O D E AMÓS 117

des o bem, assim, e só assim, o Senhor, o Deus dos Exér­


citos estará convosco, como dizeis.”
Arrependei-vos dos vossos graves e numerosos pe­
cados e transgressões. Ao invés de odiar ao que vos re­
preende na porta, amai-o, porque êle é o mensageiro do
bem. Ao invés de roubar e extorquir os bens dos fracos,
mostrai-lhes compaixão. Para amar o bem é absoluta­
mente necessária uma mudança radical no vosso modo
de pensar, sentir e viver. Precisais amar a justiça. Is­
rael não podia buscar a Deus enquanto não entendesse
a natureza de Deus. Êles precisavam responder ao Se­
nhor com o cumprimento das promessas solenes que fi­
zeram quando aceitaram o Concêrto do Sinai, com o amor
e obediência, e com a entrega de si mesmos, sem reserva,
ao seu Redentor. Violentos, rapinantes, fraudulentos, êles
tinham que. abandonar tôdas estas práticas contra a jus­
tiça, e começar a fazer amoràvelmente o bem, se real­
mente quisessem receber o apoio e as bênçãos do Senhor.
Estabelecei o juízo na porta. Esta palavra juízo
não traduz o sentido de mishpat, que significa
aqui o julgamento legal absolutamente justo, (righteous
judgment, como se diz em inglês). Ê a justiça humana
que se distingue da justiça que vem de Deus, isto é, a
justificação, np-re. Os juizes de Israel ficaram encar­
regados de julgar retamente, como representantes fiéis
do Senhor. A palavra hebraica significa o padrão divino
da [justiça que os juizes tinham a obrigação de observar
em tôdas as suas decisões. Mas a corrução prevalecia
nos tribunais públicos que funcionavam na porta, e não
havia mais amor à eqüidade na administração da justiça.
O primeiro passo no arrependimento necessário pa­
ra Israel seria o aborrecimento do mal. É um passo in­
dispensável mas tem que ser completado pelo amor à
justiça, ao próximo e a Deus. Israel não podia abando­
nar a prática do mal, porque achou o seu maior prazer
118 A. R . CRA BTREE

nos bens que adquiria por opressão, roubo e outras for­


mas da injustiça. Não podia praticar o bem sem o ver­
dadeiro amor do bem. Israel precisava estabelecer a ad­
ministração da justiça nos lugares públicos e na vida so­
cial. A prática da justiça é a demonstração do arrepen­
dimento por obras positivas, motivadas pelo amor.
A palavra talvez indica que a medida da iniqüidade
de Israel é tão grande que seria difícil para Israel de­
monstrar a mudança radical da vida necessária para re­
ceber o perdão divino. O restante de José não se refere
à condição de Israel no tempo do profeta, porque a na­
ção se tinha recuperado das devastações que sofrera das
invasões de Hazael e Bene-Hadade (II Reis 10:32,33; 12:
3,7), e tinha reconquistado dos sírios o seu território
original (II Reis 13:23 e s e g .; 14:26-28). Amós apre­
senta, nestas palavras, a esperança de que pelo menos um
restante de José se arrependa e seja salvo.
O Julgamento de Israel pelo Senhor dos Exércitos, 5:16-25
Nesta secção o profeta discute a lamentação de Is­
rael com a vinda iminente do Senhor; o engano do povo
a respeito do Dia do Senhor, e a rejeição das ofertas
apresentadas ao seu Deus.
“Portanto, assim diz Javé,
o Deus dos Exércitos, o Senhor:
Em tôdas as praças haverá pranto,
em tôdas as ruas dirão: Ai! Ai!
Chamarão o lavrador para o pranto,
e pára o chôro os pranteadorès profissionais,
e em tôdas as vinhas haverá pranto,
porque passarei pelo meio de ti,
diz ò Senhor” (5:16-17).
O profeta declara que haverá pranto entre tôdas as
O LIV RO D E AMÓS 119

classes dos israelitas. Os habitantes das cidades, os la­


vradores e vinhateiros, e até os pranteadores profissio­
nais, levantarão a.s vozes em lamentação. Isto refere-se
ao desastre de Israel, que o profeta está anunciando pela
terceira vez. Os israelitas ouvem repetidas exortações do
mensageiro do Senhor sem qualquer sinal de arrependi­
mento. O profeta explica de novo as conseqüências da
rebelião e da infidelidade de Israel. Alguns pensam que
a palavra T ltf, Senhor, no versículo 16 foi originalmente
a primeira pessoa do hifil de 13“), e deve ser tra­
duzida como eu causarei pranto. Não há, porém, ne­
nhuma necessidade desta mudança. A tradução do tex­
to como está é clara, e o texto hebraico é característi­
co das declarações proféticas. Portanto, assim diz Javé,
rrin\ o Senhor, Deus dos Exércitos.
Nas praças de tôdas as cidades, onde a injustiça ti­
nha sido praticada, e em todos os mercados, onde enga­
navam e roubavam, haveria profunda lamentação. Os
pranteadores dirão “Ai! Ai!” ou “He! He!”, no hebrai­
co. Estas palavras que expressam a tristeza do deses­
pero variam em línguas diferentes. Mas sempre constam
de palavras curtas, em voz de profunda tristeza, da par­
te daqueles que não mjem a voz no côro dos pranteado­
res profissionais, pagos pelo serviço. Mas não haverá
nada profissional ou artificial no pranto sôbre a calami­
dade terrível de Israel. Os que sabem lamentar refere-se
aos profissionais, mas no desastre vindouro êles terão
motivo de chorar, sem qualquer esperança de receber di­
nheiro pelo pranto que surge do seu próprio sofrimento.
Haverá pranto, até nas vinhas, onde se ouve normal­
mente os cânticos de alegria. O profeta apresenta a ra­
zão porque tôdas as classes da sociedade vão prantear.
Ò Senhor vai passar pelo meio do povo. Normalmente,
não havia nada mais desejável do que uma visita do Se­
nhor ao seu próprio povo. Mas vai passar pelo meio de
Israel como o Deus da justiça. Parece uma alusão à pas­
120 A . R . CRA BTREE

sagem do Senhor pelo Egito quando matou os primogê­


nitos das famílias egípcias (Êx. 11:4; cap. 12) . Naquela
ocasião o Senhor passou por cima das casas de Israel,
e poupou os seus filhos. Mas nesta ocasião, o motivo do
Senhor, na passagem pela terra de Israel, é o de punir a
injustiça do povo que tinha recebido tantas bênçãos e
tantos favores do seu Deus. Pior ainda, êle recusou ou­
vir a mensagem do Senhor que lhes ofereceu a graça de
perdão, se se arrependesse de seus pecados e voltasse ao
Senhor. Portanto, receberão o castigo justo da sua obs­
tinada injustiça.
A Esperança Falsa de Israel no Dia do Senhor, 5:18-20
“Ai de vós que desejais o dia do Senhor!
Para que desejais o dia do Senhor?
Ê dia de trevas e não de lüz.
Como se um homem fugisse de diante do leão,
e se encontrasse com êle o urso;
oú se entrasse em casa, e encostasse a mão à
parede, e o mordesse uma cobra.
Não será, pois, o dia do Senhor trevas e não luz?
Não será completa escuridão, sem nenhuma
claridade?” (5:18-20).
Ós israelitas desejavam ardentemente a vinda do
dia do Senhor. Esperavam que neste grande dia o Deus
de Israel manifestasse o seu supremo poder sôbre os ini­
migos do seu povo Israel, e fizesse dêle a nação soberana
na terra. Esta esperança já se tornara em doutrina, ba­
seada no conceito do Senhor como o Deus supremo, e
na escolha de Israel para ser o seu povo e o seu repre­
sentante entre as nações da terra. Portanto, o dia tinha
que vir quando o Senhor se vindicaria, juntamente com
o povo da sua escolha, na destruição de todos os seus ini­
migos e no estabelecimento de Israel como o seu pode­
roso representante entre tôdas as nações da terra.
O X.IVRO D E AMÓS 121

Os ensinos teológicos de Amós, e o teor da sua pro­


fecia, indicam que êle concordava com as verdades bási­
cas da esperança messiânica. Êle, porém, apresenta um
ensino contrário à crença que prevalecia entre os israe­
litas. Israel, por causa da infidelidade para com o Se­
nhor, tinha perdido o direito de ser o representante de
Deus entre as nações. Ao invés de triunfar sôbre os seus
inimigos no dia do Senhor, Israel será castigado, devas­
tado, humilhado e entregue ao seu inimigo. Assim o Se­
nhor Javé, o Deus da justiça, ficará vindicado perante
Israel e perante as nações. Outras nações também serão
punidas no dia do Senhor, não meramente por serem ini­
migos de Israel, mas como transgressores da lei moral
do Deus de tôdas as nações.
Êste desenvolvimento da doutrina da justiça divina,
em relação a todos os povos da terra, resultou do conhe­
cimento cada vez mais profundo do caráter de Deus pelos
profetas, começando com Amós e Oséias. Os profetas
subseqüentes lutaram com o mesmo problema de aplicar
o seu conhecimento de Deus ao problema complicado do
cativeiro de Judá. Guiados pelo conhecimento cada vez
mais claro da revelação do caráter de Deus, os profetas,
seguindo os ensinos básicos de Amós, mostram como o
Deus dos. céus e da terra opera constantemente na his­
tória de tôdas as nações. Atua especialmente na vida dos
fiéis para o progresso do seu reino entre todos os povos
e para a realização do dia do Senhor, quando todos os
rebeldes serão vencidos e o seu povo dentre tôdas as na­
ções, regenerado pelo amor divino, se regozijará em ver
o dia de triunfo do reino de Deus no mundo-
Aquêles que desejavam o dia do Senhor no tempo de
Amós tinham que receber a informação sôbre o verdadei­
ro significado do dia para êles. Em certo sentido, o dia
do Senhor está sempre conosco, porque estamos sendo
julgados constantemente pela justiça de Deus. O julga­
mento divino é um aspecto básico do dia do Senhor da
122 A . R . CRA BTREE

justiça que os israelitas não podiam entender. A última,


e falsa esperança de Israel, baseada no Concêrto do Se­
nhor, já cancelado pela sua infidelidade, é claramente ex­
posta pelo profeta. Para Israel o dia do Senhor será tre­
vas, e não luz (Comp. Joel 1:13; 2:1; 3:4; Is. 5:30; 8:22;
9:2; 58:8; 59:9; Jer. 13:16).
Não se sabe se o profeta viveu para ver o cumpri­
mento da sua profecia, mas, poucos anos depois, os as­
sírios, a caminho para provar o seu poder na luta contra
o Egito, assolaram o reino de Israel, e levaram cativa,
a nação rebelde que desapareceu entre as nações, a pri­
meira da História que sofreu a terrível pena de genocídio.
Assim os versículos 19 e 20 descrevem a desilusão
de Israel sôbre o dia do Senhor. O profeta apresenta
ilustrações baseadas na sua ocupação de pastor na região>
de Tecoa. Quando vier o tempo do julgamento final de
Israel, não haverá mais possibilidade de escapar à des­
truição, a pena justa da injustiça. O desastre cairá quan­
do o povo não o espera. Será como o homem que foge
do leão e encontra-se com o urso, ou estando em casa, e
encostando a mão à parede é mordido por uma cobra.
Repetindo o versículo 18 no verso 20, na forma de per­
gunta, o profeta emprega outra frase ainda mais forte
para descrever as trevas do dia do Senhor para os seus:
ouvintes.
O Senhor Rejeita Sacrifícios e Exige Justiça, 5:21-25
“Odeio, desprezo as vossas festas,
e não tenho prazer nenhum com as vossas assem­
bléias solenes” (5:21).
Neste versículo o profeta representa o Senhor como
quem está falando, e declarando que êle detesta e des­
preza as festas religiosas e as assembléias solenes de Is­
rael. O culto formal e aparatoso, sem comunhão espiri­
tual com Deus, não pode fazer de Israel o povo de Deus.
O L IV R O D E AMÓS 123

Quantas vêzes êste livro condena as manifestações religio­


sas que não representam o desejo de praticar a justiça,
nem o querer de conhecer e fazer a vontade do Senhor.
A religião da beleza divorciada do amor de Deus e do
próximo não tem valor algum. As festas e as assembléias
solenes tinham desviado o povo da verdadeira adoração
do Senhor. A tendência de alguns teólogos modernos
de associar intimamente os profetas e os sacerdotes do
Velho Testamento, no seu ponto de vista sôbre a religião,
não tem nenhuma base na profecia de Amós. O profeta
visitou os santuários dos sacerdotes, não porque estives­
se em simpatia com êles, mas para condenar a sua influ­
ência na corrução do povo.
A palavra 111*1 significa cheirar. Os antigos pen­
savam que os deuses gostavam de aspirar o aroma das
suas ofertas, e nota-se a influência desta idéia em Gên.
8:21 e Êx. 29:41; 30:38. A tradução não tenho prazer,
ou não me agradarei é melhor do que não cheirarei de
KJV. A aceitação da oferta pelo Senhor não é motivada
pela qualidade da oferta, mas pela vontade do ofertante.
A palavra jH , festa, é a palavra que se refere geralmente
às grandes festas nacionais, como a Páscoa e Taberná­
culos, enquanto que rtTiy significa as assembléias para
o culto (Deut. 16:8; Lev. 23:36; Núm. 29:35) . É usa­
da aqui no sentido de Isaías 1:13.
“Ainda que me ofereçais holocaustos e as vossas
ofertas cereais, não me agradarei dêles,
nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos
animais cevados” (5:22) .
Não é o sistema de sacrifícios como tal que o profe­
ta condena, mas a uma formalidade apenas, que deixa
de lado a lei moral. No holocausto, T O . o animal foi
queimado no altar (Lev. 6:8-13). A oferta de cereais,,
nna», manjares, farinha, era originalmente um presente
(Gên. 32:13; 43:11; I Sam. 10:27), mas quando os ou­
124 A . R . CRABTREE

tros sacrifícios ficavam mais definitivamente indicados,


esta oferta limitou-se aos vegetais. Era oferecida fre­
qüentemente com os sacrifícios de animais. A oferta
pacífica. é um dos sacrifícios mais primitivos. O
sangue do animal era derramado no altar oü no chão; a
gordura e outras partes eram queimadas no altar (I Sam.
•2:15, 16; Lev. 3:1-6) .
Ê difícil traduzir o sentido forte do versículo 23.
“Afasta de mim o barulho dos teus cânticos;
pois não atentarei às melodias das tuas harpas”
(5:23).
Tira de cima de mim é deselegante mas expressa o
sentido do hebraico. A preposição composta significa de
cima de, O infinitivo hifü “©("T, fazer desviar, é uma
■ordem enfática. Pois à música, h*)ttí > das tuas harpas
não atentarei. A colocação do verbo atentarei ou escuta­
rei no fim da declaração, põe em relêvo o repúdio defini­
tivo do sistema de sacrifícios e festividades pelos quais
Israel pretendia estabelecer e manter a sua relação com
>o Senhor. A mentalidade do povo, revelada.no seu culto,
mostra que considerava o seu Deus quase que como um
dêles. Não entendeu, ou não quis entender, a soberania
do Senhor-Javé, o Deus dos Exércitos, nem o seu direito
absoluto de receber do seu povo a obediência perfeita.
Pouco se sabe da música do tempo de Amós. Cons­
ta somente aqui a palavra zimrah, que significa música
instrumental. A harpa, ou o saltério, até de dez cordas,
foi usada para a música secular (Is. 5.12; Amós 6:5),
e também para os cânticos religiosos (II Sam. 6:5; Sal.
33:2; 144:9).
“Antes corra a retidão como as águas,
e a justiça cpmo ribeiro perene” (5:24).
Há várias interpretações dêste versículo. Alguhs in­
O L IV R O D E AMÕS 12S

terpretam a declaração como ameaça da parte do Senhor,,


que na sua ira vai mandar sôbre o povo um julgamento
rápido e forte. Outros pensam que seja uma descrição da.
justiça vindoura do Messias. Alguns dizem que o Senhor
promete dar curso livre aos hipócritas que sejam since­
ros no seu culto . Outros pensam que os israelitas podem
alcançar o ideal da justiça pelos seus próprios esforços.
Do nosso ponto de vista, tôdas estas interpretações são
forçadas. É claramente uma exortação, aconselhando o-
abandono das idéias pagãs de comprar o favor divino,
para adotar a nova vida de retidão e justiça.
As duas palavras e PIpTi são sinônimas,
no significado de justiça moral ou ética. Mas a primei­
ra significa especialmente o julgamento reto dos tribu­
nais e a prática da ética em tôdas as relações sociais.
Êste conceito de retidão, ou de justiça, foi desenvolvido
pelos filósofos gregos, quatro séculos depois de Amós, e
sem referência aos seus deuses que freqüentemente eram
caprichosos quanto à justiça. A segunda palavra é de
origem bíblica, sempre associando o conceito da justiça
que vem de Deus com a justificação, quando aplicada ao
homem. A verdadeira justiça entre os homens tem que
receber o apoio divino. O característico impreterível do
homem justo é que tenha comunhão íntima com Deus, e
o desejo de fazer a vontade de Deus. Tem que ser limpo
de mãos e puro de coração (Sal. 24:4).
Esta distinção baseada na origem dos dois sentidos
da justiça (justice and righteousness ou retidão e justi­
ça) pràticamente não existe mais entre o povo em geral.
Mas há uma distinção teológica entre as duas idéias na
doutrina da justificação pela fé segundo o Novo Testa­
mento. É a diferença entre o homem moral, ético e justo
nas suas relações sociais e o homem cristão, justificado
pela fé e que pratica os ensinos do Novo Testamento,
movido pelo amor e gratidão.
A palavra no fim da declaração, ’píltf, significa pe-
126 A . R . CRABTREE

rené, não impetuoso. Os ribeiros da Palestina correm


impetuosamente no tempo das chuvas, mas nos períodos
da sêca êles ficam fraquinhos, ou sem água alguma. O
Senhor pede a justiça constante, perene. A religião sem
estas qualidades de retidão e justiça não é a religião bí­
blica. A religião bíblica é vigorosa, constante, fiel.
O versículo 25 é claramente uma pergunta que es­
pera a resposta negativa.
“Apresentaste-me sacrifícios e ofertas no deserto
por quarenta anos, ó casa de Israel?” (5:25) .
O Senhor tinha revelado o seu amor e o seu cuidado
carinhoso na direção de Israe] através do deserto, quando
o sistema elaborado de sacrifícios ainda não existia. Era
impossível observar o sistema de sacrifícios durante o
período de peregrinação no deserto. É mencionada apenas
uma vez (Núm. 9:5) a celebração da Páscoa, o sacrifí­
cio mais importante dos hebreus, estabelecido no Egito
para comemorar a libertação da escravatura. Talvez fos­
se o único sacrifício apresentado pelos hebreus ao seu
Senhor neste período de quarenta anos, não obstante as
muitas especulações na interpretação desta pergunta.
Amós não nega difinitivamente que os hebreus tivessem
oferecido sacrifícios ao Senhor no deserto, mas qualquer
sacrifício ou oferta ao Senhor no deserto era de impor­
tância secundária em relação com o verdadeiro culto do
coração.
O Exílio de Israel Ê Inevitável, 5:26-6:14
O profeta especifica e descreve a qualidade do casti­
go que vai cair sôbre o reino de Israel. Sossegados e
persistentes nas suas esperanças na vida de conforto, os
israelitas serão exilados da sua terra.
“Assim levará Sicute, vosso rei, e Quiüm, vosso
deus-estrêla, vossas imagens, que fizestes para vós
O L IV R O D E AMÕS 127

mesmos. Portanto, vos levarei cativos, para além


de Damasco, diz o Senhor, cujo nome é o Deus dos
Exércitos” (5:26-27) .
A declaração refere-se ao cativeiro de Israel, e o ver­
bo deve ser traduzido para o futuro, e não para o perfei­
to, como em Almeida e a SSB. O hebraico é difícil, co­
mo se vê pelas diferenças nas versões. O versículo 26 não
é a continuação do 25, mas o princípio de uma nova sec­
ção que trata mais especificamente do cativeiro e do cas­
tigo de Israel. É um caso em que a tradução determina,
em parte, a interpretação. Alguns pensam que as frases,
as vossas imagens e o vosso deus-estrêla foram acrescen­
tadas por algum leitor para ajudar na compreensão da
passagem, mas não ajudam.
Sem entrar na discussão das várias explicações e
interpretações, apresentamos ligeiramente o que nos pa­
rece o sentido mais plausível do versículo. Ê geralmente
reconhecido agora que 1TDD (Sicute), e fpD (Quium),
eram deuses da Assíria, e objetos de culto de Israel no
tempo de Amós.5 È claro que o profeta não está pen­
sando na idolatria de Israel no deserto, como alguns en­
tendem. Está falando ainda dos pecados de seus contem­
porâneos. É provável que tenha no seu pensamento o
período da peregrinação no deserto, quando o Senhor
tratava com amor e carinho especial o povo da sua es­
colha, não por causa de seus sacrifícios, mas em respos­
ta ao clamor da sua miséria (Êx. 3:1-14). No tempo da
Amós a impureza do culto dos eananeus, e de outras na­
ções vizinhas, exercia uma grande influência na corrução
da religião de Israel. O Deus da justiça está especialmen-
5. H arpsr m enciona seis outras in terpretações baseadas, em par­
te, na m odificação do texto, Op . c i t . , p . 139. Outros intérpre­
te s duvidam de que os isra elita s pudessem ter adorado deu­
ses da A ssíria . M as o rei A caz, pouco m ais tarde, adorava
qualquer deus em preferência ao Senhor.
128 A. R . CRA BTREE

te contra esta idolatria. Ê o culto que Israel está pres­


tando aos deuses da Assíria, Sicute e Quium, que o pro­
feta condena com sarcasmo neste versículo. Os pensamen­
tos e os sentimentos religiosos revelados no culto de Is­
rael às imagens e aos deuses da Assíria são uma das maio­
res causas do desprêzo e da ira do Senhor. Esta grave
infidelidade acrescentada à injustiça merece o mais se­
vero castigo.
Na libertação de Israel, do Egito o Senhor levou o
povo da sua escolha sôbre asas de águias (Êx. 19:4;
Deut. 32:11-12) . No cativeiro iminente, Israel carregará,
, os ídolos da Assíria que adora (Ver Is. 46:1 e
seg . ) . Todavia, devemos lembrar que Israel, depois do
libertamento do Egito, era sempre obstinado, no período
da peregrinação, no tempo dos juizes e através da Histó­
ria. Os profetas com o entendimento cada vez mais pro­
fundo do caráter de Deus compreendem melhor a ingra­
tidão e os pecados de Israel. Portanto, vos levarei cati­
vos para além, de Damasco. A fórmula solene, diz o Se­
nhor, cujo nome é o Deus \ãos Exércitos, põe em contras­
te notável o Senhor dos poderes dos céus e da terra com
os ídolos impotentes da Assíria. O Nome dêle no fim do
período hebraico fortalece a ênfase no contraste entre o
poder onipotente do Senhor e a inépcia dos ídolos.
A Corrução e a Indulgência Própria dos Chefes de Israel,
6:1-7

O capítulo 6 termina a segunda parte do livro de


Amós, com a série de condenações específicas de Israel,
nos caps. 3 a 6, e a reiteração do castigo divino de seus
pecados. No livro, The Book of the Twelve Prophets,
George Adam Smith faz uma distinção 6 entre os peca­
dos bárbaros das nações, nos caps. 1 e 2, e os pecados
6. V ol. I, 1* E d ., p . 175
O LIV R O D E AMÓS 129

da civilização de Israel, reconhecendo, todavia, que o


próprio Israel não ficava livre da culpa de pecados de­
sumanos praticados pelas nações. Ma,s dá ênfase espe­
cial aos pecados do povo infiel na observação dos altos
princípios da sua religião, os pecados da civilização. Ê
verdade que os pecados de Israel, citados por Amós, são
característicos da civilização moderna: a opressão dos
pobres pelos ricos, o suborno da justiça, o engano dos
inocentes, a impureza e a hipocrisia.
Os governadores e os líderes sociais de Israel, no
seu orgulho, na perfeita satisfação com a vida luxuosa,
na certeza da sua segurança nacional, na falsa esperança
de apaziguar o Senhor com ofertas e sacrifícios, vão se
achar na vanguarda dos desterrados de Israel.
“Ai dos que vivem sossegados em Sião,
e dos que se sentem seguros no monte de Samaria;
os homens notáveis da principal das nações,
aos quais vem a casa de Israel” (6:1).
O profeta dirige estas palavras aos membros da
aristocracia que depositaram a confiança numa seguran­
ça falsa. As frases vivem sossegados e se sentem segu­
ros dão ênfase ao estado moral dos homens privilegiados.
São êstes homens de responsabilidade especial que vivem
sossegados, satisfeitos, despreocupados, indiferentes, an­
dando tranqüilamente e à vontade (Ver Is. 32:9). Os
comentaristas, em geral, pensam que a palavra Sião se
refere à Jerusalém. É mais provável que ó têrmo, neste
contexto, signifique a nação eleita, o povo escolhido, in­
cluindo os privilegiados de Jerusalém e de Samaria.
Mas a referência à Sião é apenas um ponto de partida
para a condenação dos delitos dos poderosos aristocra­
tas de Israel na cidade de Samaria. Amós dirige-se a
êstes privilegiados que tinham providenciado para si
tudo que julgavam necessário para satisfazer aos seus
próprios desejos, especialmente ao conforto físico. In-
L. A. 9
130 A . R . CRA BTREE

teressados somente no seu próprio conforto, êles fica­


ram persuadidos de que estavam perfeitamente seguros
no monte de Samaria.
O profeta, porém, reconhece que êles, sendo os me­
nos preparados para o dia do julgamento, iriam ficar
na frente da procissão de Israel para o cativeiro. Êstes
homens notáveis, com/penetrados, distinguidos, 'Opl
são os cabeças do povo escolhido. Esta é a mesma pala­
vra de Números 1:17, que significa homens de renome,
ou conhecidos pelos nomes. A frase a principal das nar
ções refere-se ao fato histórico de que o Senhor esco­
lheu Israel, nação escravizada, dentre todos os povos
como a sua propriedade peculiar (Êx. 19:5) . As pala­
vras aos quais vem a casa de Israel definem com mais
precisão a posição dêstes príncipes entre o povo de Is­
rael. Os líderes desta categoria receberam antigamente
a honra de dirigir os negócios dos israelitas, juntamen­
te com Arão e Moisés. O profeta não está falando ironi­
camente. Está reiterando mais uma vez a responsabi­
lidade de Israel, como o povo escolhido do Senhor, es­
pecialmente a dos homens em posições de confiança.
Há opiniões diferentes sôbre o autor, o texto e a
interpretação do verso 2. Mas parece que o profeta está
falando ainda mais sôbre a proeminência de Israel en­
tre as nações, mencionando três cidades inferiores à ci­
dade de Samaria, quanto ao tamanho do território e à
prosperidade das nações que representam. Nenhuma ci­
dade conhecida por Israel era mais florescente do que
Samaria, mas os israelitas são ingratos e tratam com
negligência, e até com leviandade, ao Senhor, o seu pró­
prio Deus, que lhes deu a sua posição de honra entre as
nações.
“Passai a Calne, e vêde;
e dali ide à grande Hamate;
depois descei a Gate dos filisteus.
O L IV R O D E AMÓS 131

São êles melhores do que êstes reinos?


Ou melhor o têrmo dêles do que o vosso têrmo?”
( 6 :2 )

Calne talvez seja Calne de Is. 10:9, no norte dã


Síria. Hamate, no Orontes, ficava no reino da Síria (Ver
Gên. 10:18), no limite setentrional do território pro­
metido a Israel (Núm. 34:8). Nos reinados de Davi e
Salomão, Hamate pertencia ao reino unido (II Sam.
8:9) e também a Israel no reinado de Jeroboão II (II
Reis 14:25,28). Uniu-se à Síria e Israel contra Salma-
naser III, e foi derrotada na batalha de Carcar em 853
a.C . Gate, uma das cinco cidades dos filisteus, foi a
que ficava mais perto do território de Judá (I Sam.
17:52).
Estas cidades não tinham caído completamente no
tempo de Amós, e isto não é o ponto de vista na com­
paração delas com Samaria. Tinham perdido a sua gran­
deza, e os reinos que representavam não eram maiores
ou melhores do que os reinos de Judá e Israel. Portan­
to, não há nenhuma razão de se tratar êste versículo
como interpolação. São êles melhores ão que êstes rei­
nos? é a tradução correta do Texto Massorético. A ver­
são da SBB, sois melhores que êstes reinos?, baseia-se
no texto sugerido na margem de Kittel, e aceito por al­
guns intérpretes. A RSV prefere o Massorético. Na
versão SBB, êstes remos refere-se a Calne, Hamate e
Gate, mas o Texto Massorético concorda melhor com o
primeiro versículo. O argumento de Amós é que Israel
está desprezando a sua posição de honra entre as nações
pelo repúdio da responsabilidade perante o Senhor, de
quem tinha recebido as suas bênçãos.
“Vós que afastais o dia mau
e fazeis aproximar o assento da violência” (6:3).
O particípio piei, vós que afastais> dá ên­
132 A. R. CRABTREE

fase especial à mentalidade dos príncipes. No seu orgu­


lho, e na certeza de estarem seguros no monte de Sama­
ria, os líderes políticos e religiosos recusam acreditar
na mensagem profética e imaginam estar longe, muito
longe, o dja mau. Se há de fato um dia mau, não é para
êles; ou está no futuro remoto e não os atingirá. Mas
o profeta lhes declara que êste modo de rejeitar desde­
nhosamente a mensagem de Deus é mais uma prova da
sua perversidade e servirá apenas para fazer chegar
mais de perto o assento ãa violência. * Assim estão
preparando para si o trono de violência. A violência,
que os príncipes infiéis sofrerão, será mais severa
do que a opressão injusta que êles tinham praticado con­
tra os seus próprios patrícios.
“Que se deitam em camas de marfim,
, e se espreguiçam sôbre os seus leitos,
comem os cordeiros do rebanho,
e os bezerros do cevadouro;
que cantam à toa ao som da harpa,
e, como Davi, inventam para si instrumentos de
música” (6:4-5).
Estas acusações não são apenas expressões de des-
prêzo da vida luxuosa da parte de um pastor da clas­
se dos pobres. Os pecados de luxo e voracidade, que
menciona, são característicos do egoísmo dos ricos na
satisfação de seus apetites físicos a custa das vítimas
da sua. injustiça. Os ricos gostavam de ostentar a sun-
tuosidade do seu modo de viver como prova de sua su­
perioridade, confirmada pelas bênçãos e favores rece­
bidos do Senhor. Para êles as camas imbutidas de mar­
fim, e a comida dos cordeiros e bezerros escolhidos cons­
tituíam provas de que eram os favorecidos do Senhor,
* T alvez se refira ao assen to dós tribunais que p raticavam a
violência em v e z fla justiga,, ou aos, conquistadores, os a,ssírios,
que sera'o ainda m ais violen tos ria opressão do povo.
O L IV R O D E A M õS 133

em virtude das ofertas e sacrifícios que lhe apresenta­


vam. Outras referências de Amós mostram que esta vi­
da luxuosa foi acompanhada pelos pecados de lascívia
e depravação. Comentando sôbre êstê versículo, George
Adam Smith diz:
“Conhecemos esta estirpe de ricos. Estão sempre
conosco. Vivem bem, e imaginam que são pro­
porcionalmente sábios e cultos. São politicamen­
te zelosos, e ficam animados com a eleição dos
representantes do governo, especialmente quando
os interesses da sua classe estão em perigo.
Apresentam-se como exemplos de patriotas robus­
tos e exuberantes. Falam eloqüentemente do co­
mércio e do destino da pátria. Mas quanto à mi­
séria e o sofrimento dos pobres, o ordenado justo
dos operários, a dissolução, a imoralidade e a
embriaguez que ameaçam a vida nacional, êles
não se incomodam.” 6 . . .
Dedilham a harpa, e acompanham o instrumento
com cânticos imoderados. A palavra , falar imode­
radamente, é árabe, e não consta em qualquer outra
parte do Velho Testamento. Há um tom de desdém
na palavra do profeta. As palavras como Davi não
constam na Septuaginta. Alguns pensam que sejam uma
interpolação; outros julgam que fôsse originalmente
"n*1“ ; gritar, bradar, ao invés de TTÍ> Davi. Parece
que a referência à invenção de instrumentos de música
é inapropriada neste lugar. Todavia, Keil e Delitzsch
explicam o sentido do versículo da seguinte maneira:
“Como Davi inventou instrumentos de cordas para hon­
rar o Deus do céu, assim êstes príncipes inventaram o
método de cantar, com a música instrumental, para o
6. The B o o k o f the Tw elve Proph ets, V o l. I, 1? E d ., p . 175
134 A . R . CRÁ BTREE

deus dêles, a barriga. ” 7 É claro que Amós está conde­


nando o orgulho desmedido dos inventores, e não neces-
sàriamente a invenção como tal.
“Que bebem vinho em bacias,
e se ungèm com os óleos mais excelentes;
mas não se afligem com a ruína de José” ( 6 :6 ) .
Estes gulosos não quiseram beber de taças normal­
mente usadas. Usavam das bacias empregadas no Tem­
plo para esfalhar o sangue de sacrifícios. A palavra
P ltti , bacia, é a mesma que se encontra em Êx. 27:3;
Núm. 4:14 e Zac. 9:15.
Nos tempos antigos, os homens se ungiram não so­
mente durante as cerimônias de consagração, mas em
qualquer ocasião de alegria, ou para o seu próprio con­
forto (Sal. 23:5; 90:10; Is. 61:3; Ecl. 9 :8). Foi um
costume higiênico, pois o óleo refrescava a pele e ser­
via de proteção contra o pó e o calor. O povo negligen­
ciava a unção somente quando ficava entristecido (II
Sam. 12:20; 14:2). Os príncipes exigiam a melhor qua­
lidade de óleos.
Preocupados com o seu conforto e os seus prazeres,
os ricos de Israel não podiam ver nem entender a natu­
reza do desastre terrível que havia de cair sôbre a nação
infiel. Sé pudessem ter visto claramente como o mensa­
geiro que o Senhor lhes tinha enviado, certamente.-ter
riam ficado entristecidos e perturbados, sem o desejo de
ungir-se com qualquer qualidade de óleo. Preocupados
com os seus interêsses pessoais, não tinham tempo para
pensar no dia do julgamento. A ruína, ou a brecha de
José, não se refere a qualquer intriga política dentro
de Israel, mas à destruição de fora que ameaçava" a
nação.
7. M in o r Pro ph ets, V ol I, p . 300
O L.IVRO D E AMÓS 135

“Portanto, agora irão em cativeiro,


na vanguarda dos cativos,
e cessará a algazarra dos espreguiçadores”
(6 :7 ).
Aquêles que se julgavam os aristocratas entre o
povo, com recursos abundantes, e que podiam satisfazer
à vontade os seus apetites sensuais, vão manter ainda
a posição na vanguarda na ocasião do cativeiro. Vão
constituir as primeiras fileiras, logo na frente da pro­
cissão dos cativos aturdidos a caminho do exílio. Com
a partida dos espreguiçadores, cessará para sempre a
algazarra de seus banquetes.
A palavra algazarra, nHfà 7 descreve as gargalha­
das, a gritaria, dos banqueteadores nas suas comemo­
rações. O têrmo DTlTlD, espreguiçadores, tem aqui o
sentido moral, e pode ser traduzido devassos.
O Castigo do Orgulho de Jacó, 6:8-14
Israel, no seu orgulho, havendo tornado a justiça
em veneno, sofrerá o castigo da poderosa nação que 0
Senhor levantará contra êle.
“Jurou o Senhor Javé por si mesmo,
diz 0 Senhor, o Deus dos Exércitos:
Abomino a soberba de Jacó,
odeio os seus palácios,
e entregarei a cidade e tudo o que nela há” ( 6 :8) .
Jacó se ufanava das coisas que o Senhor abomina­
va. Afastara-se para tão longe do Senhor que não po­
dia mais entender a justiça divina, nem a qualidade da
fé que agrada ao Deus dos Exércitos. É aumentada,
neste versículo, a intensidade de expressão, e especifi­
cado mais definitivamente o afastamento de Israel, do
seu Deus, como também a sua revolta contra a retidão
e justiça. Assim 0 profeta termina os seus discursos,
136 A. R. CRABTREE

dando ênfase à justiça divina que exige a destruição com­


pleta de Israel. É deveras uma mensagem dura, mas
quando interpretada à luz da infidelidade de Israel e à
luz da consciência humana e do Novo Testamento, é cla­
ro que a nação tinha que sofrer as conseqüências da
sua revolta arrogante contra o Senhor, de quem tinha
recebido os seus altos privilégios. Fora de costume, o
profeta pronuncia aqui o castigo primeiro, e depois men­
ciona os pecados que determinaram finalmente a des­
truição da nação.
Jurou o Senhor por si mesmo. Em 4:2 o Senhor ju­
rou pela sua santidade. O sentido das duas declarações
é essencialmente o,mesmo. A própria natureza de Deus,
em todos os seus característicos e atributos, está contra
tôdas as formas da injustiça. Dêste ponto de vista o ju­
ramento do Senhor não era necessário, senão para dar
ênfase à soberania divina na execução da justiça contra
o povo arrogante que desprezava a prática da justiça
nas suas relações humanas e na infidelidade quanto ao
cumprimento dos compromissos, voluntàriamente acei­
tos juntamente com as bênçãos e os privilégios do Con­
certo . A santidade, a plenitude da natureza do Senhor,,
está contra a arrogância dos rebeldes.
Temos que reconhecer que a forte expressão, eu
abomino, e o pronome pessoal eu, como também o verbo
odeio são antropopatias, a atribuição de sentimentos
humanos ao Senhor. Temos que reconhecer a diferença
entre o sentimento do ódio humano e a justiça divina,
em perfeita harmonia com o seu santo amor. Pela sua
própria natureza perfeita Deus é eternamente contra tô­
das as formas de iniqüidade. As leis morais do mundo
representam a natureza de Deus. Elas apoiam e recom­
pensam o bem e condenam e castigam o mal.
A palavra significa, em outros lugares, a gló­
ria de Jacó (Êx. 15:7), mas é usada também no senti­
do de exaltação própria, soberba, arrogância (Ez. 16:
O LIVRO DE AMÕS 137

49; Prov. 16:18) . Esta glória de Israel, a sua escolha


e a sua missão, não lhe pertence como tesouro particular
(Is. 2:10; Sal. 47:4), que o exaltava acima de outras
nações. Foi escolhido para exercer o seu sacerdócio en­
tre as nações e fracassara no cumprimento da sua res­
ponsabilidade, e à medida qué se desvanecia a glória da
sua missão, aumentava o seu orgulho nacional de palá­
cios e cidades, que o levou à destruição (Is. 9:9; Os.
5 :5 ).
O uso do nome Jacó ao invés de Israel tem alguma
significação. Jacó, o egoísta, ganhou o nome Israel,
'príncipe de Deus, pela luta com o Senhor, mas Israel,
como nação, na sua soberba, não podia reconhecer a
necessidade imperiosa de lutar com Deus, e consigo mes­
ma, para a salvação da sua vida. Foi o velho Jacó quem
praticou a crueldade contra o seu irmão.
A cidade que tinha chegado ao auge de sua arro­
gância e suficiência própria seria entregue às mãos do
destruidor. O profeta descreve então os horrores e os
sofrimentos terríveis do sítio e da destruição de Sama-
ria.
“Se numa casa ficarem dez homens, também ês-
ses morrerão. E quando o parente de um homem,
o qual o há de queimar, toma os ossos para os
trazer para forá da casa, e pergunta ao que esti­
ver na parte mais interior da casa: Ainda há
alguém contigo? e êle responder: Não há, então
êste lhe dira: Cala-te, não devemos mencionar o
nome do Senhor” ( 6 :9-10).
Alguns pensam que esta descrição do sítio e da pes­
tilência, foi acrescentada por alguém que tinha sofrido
a experiência amarga da pestilência que acompanhou a
destruição de Samaria, e quis dar o seu testemunho para
o entendimento da profecia sôbre o grande desastre.
Mas o profeta Amós já mostrou que tinha entendimento
138 A . E . CRA BTREE

suficiente para apresentar esta descrição realística dos


horrores e sofrimentos que geralmente acompanham a
destruição da guerra. A cidade bem fortificada, arro­
gante e obstinada em recusar a ouvir as admoestações
divinas tem que conhecer pela experiência a verdade da
mensagem que desdenhosamente tinha rejeitado.
O hebraico do versículo dez é difícil de se entender
e traduzir satisfatoriamente. A versão SBB segue um
texto modificado, e apresenta uma versão pouco diferen­
te, mas não nos parece melhor do que o Massorético.
Todavia, a incerteza do texto não enfraquece a impres­
são cadavérica da cena. O parente mais achegado de um
morto entra na casa imunda a fim de cumprir o último
dever para com êle. Acha apenas uma só pessoa, es­
condida no canto mais interior da casa, apavorada, com
mêdo de fazer menção do Nome do Senhor, para que não
recaia sôbre êle um julgamento ainda mais severo.
Não há certeza sôbre se o Parente é aquêle que vai
queimar o cadáver, ou apenas incenso, ou se uma outra
pessoa estaria com êle para prestar êste serviço, visto
que as condições não permitiam o sepultamento. Os por­
menores da descrição, todavia, não podem ser tão hor­
ríveis como os sentimentos dos sobreviventes.
“Sucederá o mal na cidade, e o Senhor não o terá fei­
to?” Nos tempos de calamidade aumentou-se a crença
supersticiosa na vingança de Deus, no coração das mes­
mas pessoas que arrogantemente rejeitaram as admoes­
tações e os apelos proféticos. Outro característico da
religião superficial que o profeta tinha condenado, de
uma religião de rotina, é o de na hora de calamidade
não somente não ter valor, mas romper logo em pânico.
O conceito do Senhor que pudesse ser propiciado por baju­
lação na hora de maior necessidade do socorro espiritu­
al é o de considerá-lo como Deus tão irado e perigoso, que
nem se devia mencionar o seu nome.
O L IV R O D E AMÕS 139

“Pois eis que o Senhor ordena,


e será despedaçada em ruínas a casa grande
e a casa pequena em lascas” ( 6 :1 1 ).
Esta é mais uma predição do transtorno nacional
do povo infiel, A declaração liga-se com a última linha
do verso 8, uma indicação talvez de que os versículos 9
e 10 foram introduzidos por um escritor depois do tempo
de Amós, Segundo a expressão, qwcmdo o Senhor entre­
gará a cidade, e tudo que nela há (v . 8), êle dará ordem
à nação que vai levantar (v. 14), e esta destroçará as
casas grandes e pequenas, assim fazendo uma destrui­
ção total. Não há razão de se pensar, como alguns, que
a casa grande se refere a Israel e a pequena a Judá,
pois é claro que está-se falando do destino de Israel.
Com o uso do particípio está ordenando, o profeta con­
tinua a empregar particípios, como se estivesse acom­
panhando os acontecimentos que descreve.
“Correm cavalos no precipício?
Lavra-se o mar com bois?
No entanto, haveis tomado o juízo em veneno, e
o fruto da justiça em alosna” ( 6 :1 2 ) .
Os escritores do Velho Testamento não fazem dis­
tinção entre as leis físicas e as leis morais do mundo.
A corrução da justiça é tão perigosa, e traz desastres
tão grandes, como o esforço de fazer cavalos correr no
precipício, ou o de lavrar o mar com bois, como se
fôsse a superfície da terra.
É melhor dividir a palavra DTlpÜ em D11 “ipS.
e traduzir para lavrar o mar com bois ao invés de para
lavrar-se ela. Esta mudança importa apenas na mudan­
ça da pontuação, que data do século oitavo cristão, quan­
do as vogais foram inventadas. Israel vai experimentar
ò desastre de tomar o juízo em veneno, como tinha fei­
to sem escrúpulo nos seus tribunais e nas suas relações
sociais.
14.0 A, R., CRABTREE

“Vós que vos regozijais com Lo-Debar,


e dizeis: Não é por nossa própria fôrça
que nos apoderamos de Carnaim?” (6:13)
Refere-se ao orgulho de Israel no seu poder militar,
pois os príncipes se ufanavam das vitórias de Jeroboão.
II na reconquista do território que tinha perdido para
a Síria. Mas para o profeta, êste poder militar não tinha
significação diante do propósito do Senhor. Êle esco­
lhe dois dos lugares reconquistados, e relativamente in­
significantes, para expor a fraqueza militar de Israel, em
relação ao poder do inimigo que se levantará contra êle.
Lo-Debar é o nome de uma aldeia ao leste do Jor­
dão, aparentemente na zona de Maanaim (II Sam. 17:
27), reconquistada por Jeroboão II. Carnaim era o outra,
talvez Asterote-Carnaim (Gên. 14:5), na mesma região
de Lo-Debar. Aparentemente, êle escolheu estas duas
aldeias, entre os muitos lugares conquistados, para fa­
zer um trocadilho dos nomes, “coisa de nada”, e “poder
imaginário” . O profeta fala com ironia zombeteira do
poder de Israel diante do poder do inimigo vindouro. Os
chefes se ufanavam de nada e se gabavam do seu po­
der imaginário, mas não eram capazes de oferecer qual­
quer resistência contra o seu destino, já determinado-
pelas eternas leis da justiça.
“Pois eis que levantarei contra vós uma nação,
ó casa de Israel, diz o Senhor dos Exércitos;
e êles vos oprimirão desde a entrada de Hamate
até o ribeiro de Arabá” (6:14),. '
Terminam-se com êste versículo os oráculos prin­
cipais dos capítulos 1 a 6 . E’ um resumo geral dos en­
sinos do profeta sôbre as conseqüências da injustiça e
da infidelidade de Israel. Ê o Senhor dos Exércitos, na
sua irrevogável justiça, que levantará o inimigo destrui­
dor de Israel como nação. A frase desde a entrada, de
O L IV R O D E AMÓS 141

Hamate até o ribeiro de Arabá define as fronteiras, ou


os limites do território do reinado de Jeroboão II. Se-
rá destruído o território inteiro de Israel (II Reis 14:
25) . Nesta nota, profundamente triste, o homem de Deus
termina a explicação do desastre reservado para a na­
ção infiel.
O conjunto do território ocupado pelos dois rei­
nos, Israel e Judá, nesta época foi mais ou menos igual
à área ocupada no reinado de Davi. O limite setentrio­
nal do território de Israel foi a entrada de Hamate, tal­
vez o passo, ou o caminho, entre o Monte Hermon e o
Líbano, pouco ao norte de Dã. A palavra Arabá geral­
mente se refere à bacia do vale do Jordão até o golfo de
Aquabá. Provavelmente se refira aqui ao ribeiro de
el-Ashy que separava Moabe e Edom, e entra na extre­
midade meridional do Mar Morto. Jeroboão II ganhou
todo êsse território ao leste do Jordão na luta com o
reino decadente da Síria. Parecia incrível a profecia de
Amos de que Israel pudesse perder de repente o seu
grante território a qualquer inimigo.
III. UMA SÉRIE DE VISÕES, A CONTROVÉRSIA COM
AMASIAS, O FIM DO MINISTÉRIO DE AMÕS,
EPÍLOGO, CAPS. 7-9
Nestes capítulos o profeta explica o significado das
suas visões, descreve a controvérsia com o sacerdote
Amasias de Betei, repete alguns oráculos, e termina
com o epílogo de esperança. As visões descrevem as ex­
periências religiosas de Amós, a sua chamada ao minis­
tério profético, e apresentam em resumo a mensagem
do Senhor para o povo de Israel. Concordam com os en­
sinos dos capítulos 1 a 6 do livro. Aparentemente Amós
teve as visões antes de começar o seu ministério.
As primeiras quatro visões, capítulos 7 e 8, se dis­
tinguem da quinta pelas palavras da introdução: “As­
142 A . R . CRABTREE

sim o Senhor me fêz ver.” A última começa com as pa­


lavras, “E,u vi o Senhor” . São diferentes também no con­
teúdo. O grupo de quatro simboliza o julgamento do
Senhor já executado em parte contra Israel, e em parte
o castigo que ainda há de cair sôbre a nação. A última
visão (9:1-4) proclama a destruição completa do reino
de Israel.
Do grupo das quatro visões, as primeiras duas (7:
1 -6) se distinguem das outras duas (7 :7-9) pelo fato de
que as primeiras apresentam, em resposta à interces­
são do profeta, uma promessa de que o castigo mencio­
nado não seria executado, enquanto nas outras duas o
Senhor se recusa a modificar a punição, declarando:
“Nunca mais passarei por êle.” Assim os dois pares de
visões se distinguem um do outro pela mensagem e pelo
propósito em vista. Esta diferença tem importância em
relação com o significado, e o ambiente histórico das
visões. As primeiras duas indicam um julgamento dis­
ciplinar, enquanto a terceira e a quarta ameaçam a des­
truição iminente do reino. A terceira é relacionada às
primeiras duas pelas referências ao perdão. A quarta é
semelhante às outras três quanto à forma, mas apenas
confirma os ensinos das outras.
A quinta e última visão representa o destino final
de Israel, com a sua destruição completa. As primeiras
quatro visões constituem um prelúdio para esta. As­
sim se nota um progresso no significado das visões. Ê
claro que tôdas elas se relacionam intimamente com a
vida espiritual de Amós. Ao mesmo tempo testificam da
sua vocação profética, e constituem, em parte, as suas
credenciais perante o povo. Ele declara que não era pro­
feta até que o Senhor o tirou de após o rebanho e lhe
disse: “Vai e profetiza ao meu povo Israel.”
As visões têm importância também em relação com
os discursos proféticos. O significado das visões con­
corda perfeitamente com as proclamações do profeta
O L IV R O D E A M óS 143

nos capítulos 1 a 6 . Amós se apresenta nas visões co­


mo profeta, especialmente no capítulo 8 . O Senhor in­
terpretou explicitamente para o seu mensageiro o signi­
ficado da terceira e da quarta visão. O profeta declara
repetidamente através da profecia que está transmitin­
do ao povo a mensagem recebida do Senhor.
1. A Visão da Locusta, 7:1-3
“Assim o Senhor Javé me fêz ver: eis que êle
formava gafanhotos no princípio do rebento da
erva serôdia; e eis que era a erva serôdia depois
das ceifas do rei. E ao acabarem de comer a
erva da terra, disse eu:
Õ Senhor Deus, perdoa, rogo-te!
Como subsistirá Jacó?
Pois êle é pequeno.
Então o Senhor se arrependeu disso;
Não acontecerá, disse o Senhor” (7:1-3).
A visão profética era um modo de apresentar a ver­
dade religiosa, ou o ensino moral, na forma simbólica
que o povo pudesse entender. Nestas visões o Senhor
tomou a iniciativa e operou no espírito do profeta para
produzir o entendimento do julgamento divino, ou do
propósito das atividades de Deus na história do seu povo.
O particípio focaliza a atenção na atividade
do Senhor no processo ainda incompleto de formar lo-
custas, que talvez, segundo o entendimento do pr®feta,
ainda se achavam no estado larval. Havia várias espé­
cies de locustas, e as gobai, mencionadas aqui, são âs
mesmas de Naum. 3:17. A praga de qualquer uma das
espécies foi uma calamidade terrível, como se pode ve­
rificar pelas referências bíblicas (Êx. 20; Deut. 28:42;
Joel 2:35; Naum. 3:15-17). Segundo 4:9 o Senhor man­
dou a locusta a fim de despertar o povo para reconhecer
o êrro do seu caminho, e isto foi reconhecido pelo pro-
144 A . R . CRABTREE

feta como ato de misericórdia. Neste caso o Senhor mos­


trou misericórdia, detendo a praga em resposta à ora­
ção do seu mensageiro.
A frase, no princípio ão rebento da erva serôdia^
significa o segundo crescimento da erva que brotava de­
pois de acabarem as ceifas do re i. Alguns entendem que
o primeiro crescimento da erva foi reservado como tri­
buto do rei, como forragem para os seus cavalos e mu­
las (I Reis 18:5). Não há qualquer referência a esta
forma de impôsto, mas o rei tinha o poder cie exigi-lo,
se quisesse. Depois de levantar várias objeções contra
esta interpretação, Keil e Delitzsch explicam que o rei
é Deus. “O rei, que tinha ceifado a primeira erva, é o
Senhor; e a ceifa da erva indica o julgamento que já ti­
nha executado contra Israel .” 1 Também surgem dúvi­
das sôbre esta interpretação. Convém lembrar que os
pormenores da visão, como os da parábola, são de im­
portância secundária. O ensino principal da visão é cla­
ro. "A praga era mais um sinal do destino do reino se­
tentrional .
As locustas vieram na primavera, justamente quan­
do as chuvas estavam regando os campos e a erva esta­
va florescendo. O profeta viu na praga um sinal do pro­
pósito do Senhor.
Há uma dificuldade no texto traduzido como ao
acabarem de comer a erva da, terra, ou Tendo eles co­
mido de tôãa a erva ãa terra. Kittel sugere uma pe­
quena modificação do Texto Massorético. Ao invés de
ÍTTTI. êle traz SílH “’(Tl» quando esta­
vam acabando. Mas a diferença não é importante. Se
as locustas tivessem comido a erva tôda, com a sua re­
tirada, e com as chuvas, a erva teria crescido ràpida-
mente de novo. A palavra traduzida para erva, encon­
tra-se em Gên. 1:11, e significa tôdas as plantas verdes.
1. O p . c i t p . 307
O L IV R O D E AMÓS 14S

A oração intercessória de Amós é mais uma demons­


tração do seu amor ao povo. Eu te peço no hebraico é
apenas uma partícula, quase o equivalente de por favor.
O profeta assim se identifica com o povo de Israel. Amós
se revela nesta oração como verdadeiro profeta. Éle viu
o povo, não como nação poderosa, com recursos sufici­
entes para qualquer emergência, mas como nação po­
bre, fraca, indefesa. Apesar do orgulho, da arrogância e
da vida luxuosa, Jacó era pequeno. Os recursos nacio­
nais e as riquezas materiais eram insuficientes para a
nação fazer face ao desastre, na decadência moral.
O Senhor é sempre imutável nos seus eternos pro­
pósitos. As declarações do seu arrependimento são an-
tropopatias, como em 5:6. É de acôrdo com a fidelidade
e o propósito eterno do Senhor em responder às orações
oferecidas em harmonia com a sua vontade. Amós re­
cebeu a certeza de que Deus tinha respondido à sua ora­
ção. A praga da locusta foi detida em virtude da ora­
ção intercessória.
Deve-se interpretar a visão literalmente, ou consi­
derar as locustas simbólicas das hordas dos assírios ? A
interpretação mais natural é a de que Amós, com a ori­
entação do Espírito do Senhor, estava interpretando a
significação de uma praga real de gafanhotos, para o
povo de Israel.

2. A Visão do Fogo Devorador, 7:4-6


O profeta declara, com ênfase, que o Senhor lhe
mostrou a visão do fogo devorador, como lhe mostrara
a visão de locustas. Então procede!
“Assim o Senhor Javé me fêz ver: eis o Senhor
Deus estava chamando para contender com fogo,
e êle devorou o grande abismo, e teria consumido
a terra. Então disse eu:
Õ Senhor Deus, cessa, rogo-te;
L. A. 10
146 A . R . CRABTREE

Como subsistirá Jacó?


Pois êle é pequeno.
Então o Senhor se arrependeu disso;
Isto também não acontecerá, disse o Senhor
Javé” (7:4-6).
Assim Deus se apresenta como o Juiz que pede o
comparecimento de Israel perante o tribunal, para con­
tender com êle (Comp. Is. 3:15; Jer. 2:9; Os. 4:1;
Miq. 6 :1).
O particípio &$“jp, chamando, dá ênfase ao fato de
que a nação está enfrentando a necessidade imperiosa de
entender-se, quanto antes, com o Senhor. O infinitivo
, para contender, encerra a idéia de que Israel terá
ocasião de defender-se ou pleitear a sua causa, perante
o tribunal da justiça (Comp. Is. 1:18) . Mas, neste caso,
a nação não tem defesa, e o profeta, falando em favor
do povo, pode apenas pedir que o Senhor cesse de in­
fligir o castigo merecido.
Qual é a natureza do castigo pelo fogo? Deus po­
dia chamar o povo, para contender com êle, por meio
de peste e sangue (Ez. 38:22); com fogo e com, a es­
pada (Is. 66:16). Parece que o fogo nesta visão pro­
fética é simbólico, mas o símbolo é terrível. O fogo de­
vorou o grande abismo, ünn> e ia comer a porção da
terra entregue a Israel como herança, p ^ n n . terra (Miq.
2 :4 ). O fogo já tinha secado o abismo subterrâneo que
supria as fontes e correntes dágua (Comp. Gên. 7:11;
Deut. 33:13), e já começara a consumir a terra.
Mais uma vez o Senhor remove o castigo em res­
posta à intercessão do profeta. Há a variação de ape­
nas uma palavra na segunda oração do profeta. Na pri­
meira êle pediu perdão de Jacó; nesta êle pede que o Se­
nhor cesse ou faça parar o fogo. O Senhor respondeu
^essencialmente com as mesmas palavras que tinha usa­
do na resposta à primeira oração.
O L IV R O D E AMÓS 147

As primeiras duas visões correm paralelamente com


as aflições mencionadas em 4:6-11. Elas são típicas dos
esforços feitos para desviar a nação de seus maus ca­
minhos .

3. A Visão do Prumo, 7:7-9


“Assim o Senhor Javé me fêz ver; e eis que o Se­
nhor estava junto a um muro feito a prumo; com um
prumo na mão. Então o Senhor me disse, Que
estás vendo, Amós? E eu disse: Um prumo.
Então o Senhor disse:
Eis que estou colocando um prumo
no meio do meu povo Israel!
nunca mais passarei por êle.
Os altos de Isaque serão desolados,
e destruídos os santuários de Israel;
e levantar-me-ei com a espada contra a casa
de Jeroboão” (7:7-9) .
Nas primeiras duas visões é posta em relêvo a ini­
ciativa do Senhor. Mas aqui o profeta declara que o
Senhor não somente lhe mostrou a visão, mas também
se apresentou como o elemento principal dela. Israel
está sendo provado pelo prumo da justiça. O muro feito
ao prumo é simplesmente um elemento essencial da vi­
são. O Senhor não se apresenta como o construtor do
muro. O muro simboliza apenas uma obra perfeita.
Pode-se considerar Israel, segundo a eleição e o Concêr-
to de Sinai, salvo e vocacionado, como representante ideal
do Senhor entre as nações.2 Todavia, êste conceito do
Israel ideal não se apresenta explicitamente na visão.
O muro perpendicular e o prumo na mão do Se­
nhor simbolizam apenas o conceito de retidão. O profe-

2. A E sp e ra n ça M essiân ica, do a u to r, C ap. II


148 A . R . CRABTREE

ta não compreendeu logo o ensino, ou a verdade que a


visão apontava.
A palavra prumo, , não se encontra em qual­
quer outra parte do Velho Testamento, e por algum tem­
po os tradutores não entenderam o sentido da palavra.
Em outras línguas semíticas a palavra significa chum­
bo. Com esta definição do têrmo, associada com o muro,
depreende-se que, neste contexto, a palavra significa pru­
mo .
O profeta estava fitando os olhos no prumo na mão
do Senhor, aparentemente no esforço de compreender a
sua significação, quando o Senhor lhe perguntou: Que
estás vendo, ntn, Amós? O particípio indica a intensi­
dade do olhar do profeta. Há um contraste notável na
menção suave e pessoal do nome do profeta e a calami­
dade de Israel, prevista no singnificado da visão. Que
estás vendo com a vista natural, Amós? A pergunta é
preparatória, e'desperta no espírito do profeta o desejo
ardente de compreender a verdade que a visão estava
proclamando. Então o Senhor lhe esclarece o entendi­
mento, dizendo ao seu espírito: “Estou colocando o pru­
mo no meio do meu povo Israel.” Ai de Israel! Um pa­
drão de justiça divina pôsto no seu meio! Que falta de
retidão neste povo da escolha divina, que o prumo vai
revelar!
Nas visões anteriores o Senhor permitiu a interces­
são do profeta, e atendeu ao seu pedido em favor de Is­
rael. O prumo é para provar e para decidir. O Senhor
da justiça não permite mais intercessão em favor de Is­
rael. O seu destino está determinado. Então sabia Amós
que Israel seria pôsto à prova, achado em falta, e sen­
tenciado à destruição. A nação tinha caído além da pos­
sibilidade de ser levantada. O Senhor nunca e jamais
perdoará a perversidade e a infidelidade de Israel.
O prumo servia não somente para provar a exati­
dão do muro. Usava-se também como o prumo de ruína
O L IV R O D E AMÕS 149

(Is. 34:11; 28:17; II Reis 21:13; Lam. 2 :8 ). O pru­


mo apontava não somente a perversidade, como também
o seu desastre iminente. Israel, como o muro, está pres­
tes a cair.
Convém lembrar, no estudo das visões, de que elas
concordam perfeitamente, no seu significado, com os
oráculos dos caps. 1 a 6 . O prumo de ruína revelou ao
profeta não somente o destino irrevogável de Israel, mas
também lhe abriu o entendimento sôbre o modo de des­
truição. O transtorno completo de Israel inclui os altos
de Isaque, e todos os seus santuários. O nome de Isa-
que é usado aqui, e no versículo 16, como sinônimo de
Israel, provavelmente para chamar a atenção ao grande
contraste entre a piedade do patriarca e a infidelidade
das dez tribos.
Havendo adotado os costumes dos cananeus na prá­
tica dos cultos nos lugares altos, os israelitas ficaram
cada vez mais influenciados pela corrução das idéias
falsas da religião pagã. Introduziram finalmente nos
cultos realizados em todos os santuários conceitos de
baalismo no modo de cultuar o Senhor Javé, pensando
que pudessem tratar o Senhor como bom colega, e assim
ganhar os seus favores, sem se conformar com as suas
exigências morais. Êle não se incomodaria com a reti­
dão e justiça do povo, se recebesse o culto assíduo com
ofertas generosas. Até hoje há pessoas, nominalmente
cristãs, que guardam em apartamentos separados ão
espírito o culto e a vida social.
Apresenta-se na primeira visão a locusta como o
castigo do povo infiel; na segunda o fogo devorador; na
terceira a espada. Mas nesta visão do prumo apon­
ta-se claramente a destruição da dinastia de Jeroboão
II. A destruição desta dinastia marcou definitivamente
o princípio da queda rápida do reino. B provável que o
profeta pensasse que a destruição da casa de Jeroboão
coincidiria com a ruína completa de Israel. Mas a na­
150 A . R . CRABTREE

ção permaneceu mais um pouco de tempo, na subjuga­


ção miserável ao Império Assírio, sofrendo pouco tem­
po depois a ruína prevista, a destruição completa como
nação, justamente de acôrdo com a profecia de Amós.
Assim Israel ganhou a distinção de ser a primeira na­
ção da História que sofreu o extermínio nacional pelo
inimigo.
4. O Conflito entre o Profeta e o Sacerdote de Betei,
7:10-17
Êste incidente biográfico é de profundo interêsse
no estudo da religião em geral, e da profecia em parti­
cular. Apresentam-se na narrativa os personagens re­
presentativos das instituições importantes da socieda­
de . Não obstante as várias mudanças na estrutura so­
cial dos povos, estas três instituições sempre se repre­
sentam em todos os estágios do desenvolvimento social:
o govêrno, o profetismo e o sacerdócio. Portanto, êste
incidente nos apresenta um dos acontecimentos dramá­
ticos e significativos da História. Há sempre rivalidade
potencial entre estas instituições, e às vêzes os confli­
tos rebentam na guerra. O govêrno é indispensável para
o regulamento da sociedade em geral, mas sempre se es­
força para controlar a religião em favor do Estado, e às
vêzes para limitar as influências da religião. O sacer­
dócio é sempre agressivo no esforço de usurpar funções
e poderes governamentais, e de subjugar, controlar ou
limitar a mensagem do profeta. O profetismo é o mais
independente, o mais fiel à sua missão, e o maior con­
tribuinte para o progresso moral e religioso da socie­
dade. Há no Velho Testamento uma tensão constante en­
tre o sacerdote e o profeta, e entre as idéias de sacrifí­
cios e ofertas e as .do serviço, segundo os ensinos profé­
ticos .
Amasias, o sacerdote de Betei, ficou assustado pela
O L IV R O D E AMÕS 151

pregação de Amós. Sem entendimento das condições so­


ciais e religiosas do povo, o sacerdote era incapaz de
compreender a mensagem do profeta. Do ponto de vis­
ta do seu entendimento limitado, e de seus próprios in-
terêsses, Amasias sentiu-se justificado em acusar o pro­
feta de conspiração contra o trono.
“Então Amasias, o sacerdote de Betei, mandou
dizer a Jeroboão, rei de Israel: Amós tem cons­
pirado contra ti, no meio da casa de Israel; a
terra não pode sofrer tôdas as suas palavras”
(7:10).
Sabendo das pregações abrasantes de Amós contra
a hipocrisia dos sacerdotes (3:14; 4:4-5; 5-5; 21-25) que
tinham corrompido a religião e trazido a nação ao pre­
cipício da ruína, foi êle quem não podia “sofrer tôdas
as suas palavras” . Não obstante o esforço de alguns
eruditos modernos de subestimar o conflito entre os
sacerdotes e os profetas do Velho Testamento, é bem
claro que Amós, Isaías, Jeremias e outros profetas acen­
tuaram muito claramente a diferença entre o, cerimo-
nialismo desmoralizado, e a mensagem de Deus revela­
da aos profetas.
Amasias acusou Amós de conspiração contra o rei
Jeroboão. A acusação é bastante grave. Pode signifi­
car que o profeta está chefiando uma revolução contra
o rei. Ê certo que o sacerdote representa Amós como
homem sedicioso, cuja pregação perigosa podia produ­
zir uma conspiração contra o govêrno do rei. A acusa­
ção é falsa, porque o sacerdote entendeu erradamente
a pregação do profeta, e interpretou erradamente o seu
motivo e a finalidade da sua mensagem. Falou a ver­
dade quando declarou que a terra não podia sofrer tô­
das as palavras de Amós. Na sua rebelião contra Deus,
Israel tinha chegado à condição de perversidade que nem
podia reconhecer a mensagem de Deus, ou o homem de
152 A. R . ; CRABTREE

Deus. Tinha permanecido nas trevas por tanto tempo


que não podia sofrer mais a luz brilhante da verdade.
Amós não era inimigo de Joroboão, nem do povo de Is­
rael, mas entendeu que o destino trágico do reino já se
tornara inevitável. O profeta não tinha a mínima idéia
de provocar uma revolta contra o rei. O povo, incluindo
o rei e o sacerdote, seria vítima da sua infidelidade pa­
ra com o seu próprio Deus.
“Porque assim diz Amós:
Jeroboão morrerá à espada,
e Israel certamente será levado cativo
para fora da sua terra” (7:11) .
Citando a mensagem que tinha recebido do Senhor,
Amós tinha dito, v. 9: “E levantar-me-ei com a espa­
da contra a cam de J e r o b o ã o Não há muita diferença
entre as palavras do sacerdote e as do profeta. Portan­
to, é difícil determinar se há sinceridade na acusação do
sacerdote. Mas é difícil de se acreditar que era sincero
em apresentar que Amós está aceitando a responsabili­
dade da morte do rei. O sacerdote atribuiu isto à ini­
mizade aberta do profeta contra o rei e contra o povo.
Deixou de mencionar que Amós estava condenando os pe­
cados da injustiça e da infidelidade do povo da escolha
divina. Recentemente os russos se recusaram a t c m -
tir a entrada de uma remessa de Bíblias na sua • V á ,
com a declaração de que “a Bíblia é um livro s j ; 1 -
v o .” A mensagem do Senhor é 'sempre subversiva para
os inimigos da verdade. O sacerdote citou corretamen­
te a segunda parte da mensagem de Amós, julgando
que estas palavras, juntamente com a ameaça contra a
vida do rei, seriam suficientes para incitá-lo contra Amós
e para expulsá-lo de Israel. Não há qualquer indicação
de que o rei se incomodasse com o relatório do sacerdo­
te sôbre o profeta perigoso.
Ê provável que o rei tivesse mais respeito para com
O L IV R O D E AMÓS 153

o profeta do que o sacerdote. Êle não podia esquecer-se


da influência benéfica do profeta Eliseu no reinado do
seu pai Jeoás, e indiretamente no seu próprio reinado
(II Reis 14:35) . Todavia, alguns pensam que Amasias
tinha recebido o apoio do rei, e assim transmitiu a or­
dem do trono ao profeta que foi expulso sem demora.
Mas é apenas uma suposição. Certamente Amasias teria
reforçado a sua mensagem dirigida ao profeta com a or­
dem específica do rei, se tivesse recebido o apoio de
Jeroboão.
“E Amasias disse a Amós: Õ vidente, vai-te, fo­
ge para a tua terra de Judá, e ali come o teu pão,
e ali profetiza; mas nunca mais profetizes em Be­
tei, pois é o santuário do rei, e um templo do rei­
no” (7:12-13) .
Amasias insinua, sem declarar abertamente, que
Amós estava falando com a autoridade do rei de Judá.
Para êle, Amós era um visionário, com idéias extrava­
gantes de males imaginários. Ao mesmo tempo, pode
se acreditar que houvesse mêdo no coração de Amasias
de que talvez Amós, apesar da sua extravagância, fôs-
se um verdadeiro homem de Deus.
As palavras dirigidas ao profeta são duras e insul­
tuosas. Vai-te. É difícil para o interesseiro reconhe­
cer o serviço sacrificial do homem honesto, para o in­
sincero acreditar na sinceridade do homem verdadeiro.
Sai de Israel que vai muito bem, e não quer saber nada
das tuas visões de calamidade. Foge, sem demora, para
a tua terra de Judá, e ali profetiza, e ali conta as tuas
visões sôbre a destruição de Israel. Ali come o teu pão,
pois não és apenas um interesseiro? Êste é o significado
da insinuação do sacerdote, que mereceu a resposta du­
ra de Amós.
Betei é o santuário do rei, e o templo do reino. As­
sim Amasias procurava abalar a coragem de Amós por
154 A . R . CRA BTREE

meio de uma ameaça velada da parte do rei. Mas se es­


tivesse transmitindo a mensagem recebida do rei, teria
reforçado as próprias palavras com a citação exata da
ordem real, de acôrdo com o costume em tais casos.
Mas, sendo Betei o centro da religião estadual, sob o
patrocínio do rei, era aconselhável que o profeta saísse
quanto antes, segundo a ordem do sacerdote.
Alguns comentaristas argumentam que Amós saiu,
ou fôra expulso de Israel antes que pudesse terminar a
sua mensagem profética, e a última parte da profecia
fôra escrita mais tarde em Judá .3 Embora apresentados
com habilidade os argumentos em favor desta opinião,
parece mais provável que o intrépido mensageiro do Se­
nhor terminou a sua missão antes de partir do reino de
Israel. A sua resposta a Amasias certamente indica que
não está disposto a seguir o conselho, carregado de amea­
ças, do sacerdote.
“Então respondeu Amós a Amasias: Eu não era
profeta, nem filho de profeta era eu, mas boieiro
e cultivador de sicômoros, quando o Senhor me
tirou de após o rebanho, e me disse: Vai, profe­
tiza ao meu povo Israel” (7:14-15).
Nenhuma forma do verbo ser consta no hebraico do
versículo 14, mas aqui é subentendido o verbo, e a for­
ma que é claramente subentendida é era, e não a forma
do presente, sou, de quase tôdas as versões. Parece
quase impossível, até para os eruditos na língua, reco­
nhecer que o tempo do verbo hebraico é determinado pe-
3. O D r. W atts, O p . c i t . , p . 50. «A história de B etei nos explica
por que tin h a que haver dois liv ro s. O m in istério de A m ós no
R eino S etentrional fo i interrom pido an tes que D eu s term i­
n asse a su a m en sagem concernente a Isra el. A s visões, p a ­
lavras e a secção b iográfica dos ú ltim os três cap ítu los fo ­
ram recolhidas por am igos aderentes, ou p ro feta s co leg a s
de qualquer santuário do su l.»
O L IV R O D E AMÕS 155

lo uso, ou pelo contexto, e não pela forma. Mas nem a


forma do verbo consta aqui, e é difícil compreender por­
que os trádutores usam sou que apresenta uma contra­
dição desnecessária na declaração do profeta. A pala­
vra boieiro, achada somente aqui, talvez fôsse co­
piada erradamente de noqued, “Ip*j, pastor. A palavra
d ? d , cultivador, talvez se refira ao costume de furar
o fruto do sicômoro para que amadurecesse, mas pode
ser uma referência ao costume de colher o fruto como
comida de pobres, e às vêzes de pastores.
Amós evidentemente se ressentiu com a insinuação
do sacerdote de que era profeta profissional, ou um dos
filhos dos profetas, treinados na técnica de êxtase, e
que tomaram parte ativa na revolução contra a casa
de Onri (I Sam. 10:5; II Reis 3:15; 9:1-10). Negando
que era um dos filhos dos profetas, Amós nega, com efei­
to, a acusação do sacerdote que estava conspirando con­
tra a casa de Jeroboão. Êle declara que estava ocupado
com o seu trabalho de pastor quando o Senhor apode­
rou-se dêle e lhe deu a mensagem para o povo de Israel,
e não podia deixar de transmiti-la. Nenhum dos profetas
do Velho Testamento teve uma convicção mais firme, ou
mais claramente definida, da chamada divina para pre­
gar a palavra de Deus ao povo, do que Amós.
Longe de obedecer à ordem do sacerdote, Amós re­
trucou com uma pavorosa predição que envolveu a pes­
soa e a família de Amasias.
“Ora, pois, ouve a palavra do Senhor.
Tu dizes: Não profetizes contra Israel,
e não pregues contra a casa de Isaque.
Portanto, assim diz o Senhor:
Tua mulher será uma prostituta na cidade,
e os teus filhos e as tuas filhas cairão à espada,
e a tua terra será repartida a cordel.
156 A. R. CRABTREE

Quanto a ti, tu morrerás na terra imunda,


e Israel certamente será levado cativo fora da
sua terra” (7:16-17) .
Ê especialmente impressionante a antítese entre as
palavras tu dizes e assim diz o Senhor. O hifil de
é usado aqui pela primeira vez no sentido de pregar
(Miq. 2:11; Ez. 21:2,7). Ê usado no sentido de soltar
a mensagem. A palavra do Senhor cai suavemente, co­
mo o orvalho, sôbre o servo obediente do Senhor, mas
sôbre o rebelde e desobediente, pode ser uma améaça
pesada.
A prostituição de mulheres, a matança de jovens,
a repartição das propriedades, e o exílio dos líderes eram
práticas comuns dos vitoriosos contra os conquistados.
O profeta não diz que a espôsa do sacerdote se tornará
prostituta voluntariamente, mas que será violada hor­
rivelmente por fôrça, pelos inimigos conquistadores. Os
filhos e as filhas de Amasias sofrerão o desastre ter­
rível da guerra. Ãs vêzes as filhas foram tomadas co­
mo esposas para os soldados, mas na conquista de Is­
rael pelos assírios cruéis, o castigo dos conquistados vai
ser excessivamente severo. A terra será medida a cor­
del e dividida entre os inimigos, de acôrdo com o costume
dos assírios depois do tempo de Tiglate-Pileser (Comp.
II Reis 17:24; Miq. 2:4; Jer. 6:12) . A política da As­
síria visava a destruição completa das nações que ela
conquistava. O sacerdote arrogante, que fechava os olhos
contra as condições perigosas da sua freguesia, morrerá
na terra imunda. Qualquer terra fora da Palestina, onde
não se podia oferecer sacrifícios ao Senhor, foi imunda
para os israelitas (I Sam. 26:19; II Reis 5:17) . Segundo
a idéia popular da época, o Senhor não podia estar pre­
sente onde não podia ser devidamente adorado (Os.
9:34).
O L IV R O D E AMÓS 157

Na declaração sôbre o cativeiro de Israel, o profe­


ta repete as palavras maldosas da acusação de Amasias.
Assim aceita, em parte, a acusação do sacerdote, mas de
um ponto de vista diferente do de Amasias. A citação
destas palavras que representaram a substância da pre­
gação de Amós, perante o acusador, demonstra a intre­
pidez do mensageiro do Senhor. O cumprimento da pro­
fecia, alguns anos depois, era tão maravilhoso que al­
guns comentaristas julgam que esta declaração, atribuí­
da a Amós, foi acrescentada por um escritor depois da
queda de Israel. Mas a afirmação concorda tão perfei­
tamente com a mensagem de Amós que esta opinião não
tem fôrça. O fato de que o sacerdote atribuiu a declara^
ção ao profeta indica que o corajoso mensageiro do Se­
nhor repetiu de novo as mesmas palavras.
5. A Visão do Cêsto de Frutos de Verão, 8:1-3
No símbolo do cêsto cheio de frutos de verão é a
madureza dos frutos que proclama a mensagem proféti­
ca a respeito de Israel. Como tinha chegado o fim dos
frutos, chegara também o fim para o povo de Israel.
“Assim o Senhor me fêz ver: e eis um cêsto de
frutos de verão. E perguntou: Que vês, Amós?
E respondi: Um cêsto de frutos de verão. Então
o Senhor me disse:
Chegou o fim para o meu povo Israel:
nunca mais passarei por êle.
E os cânticos do templo serão tiivos naquele dia,
diz o Senhor Javé;
muitos serão os cadáveres;
em todos os lugares serão lançados fora,. Silêncio!
(8:1-3)
A narrativa indica que esta visão veio ao profeta
depois do seu encontro com Amasias. Começa com as
158 A . H . C R A B T R E E ';

mesmas palavras que introduzem as primeiras três vi­


sões. Como no caso do prumo, o profeta evidentemente
estava olhando intensamente ao cêsto de frutos, no es­
forço de entender o que pudesse significar, quando o
Senhor Javé lhe perguntou: “Que estás vendo, Amós?”
O vidente respondeu, “Kelub qayits.” A palavra encon­
tra-se apenas uma vez fora desta passagem, em Jere­
mias 5:27, onde significa gaiola. O têrmo evidentemen­
te podia ser usado para significar receptáculo de vários
objetos. O cêsto é vaso especialmente apropriado para
conter frutos. A palavra Y 'p , qayç, significa verão ou
fruta de verão. É pronunciada quase como 'pp , qeç, que
significa fim. Então o Senhor lhe disse: “Já veio,
ação completa, o fim do meu povo Israel. ” Está
definitivamente determinado o fim de Israel como na­
ção. A frase, o meu povo Israel, relaciona-se com as pa­
lavras a vós somente conheci, de 3:2, e acentua a tragé­
dia do povo altamente privilegiado que desprezou a no­
bre missão de ser o povo do Senhor perante o mundo.
O Deus da justiça tinha que destruir o seu povo, que por
infidelidade deixou de ser o seu povo. Mais uma vez
segue a terrível sentença final: Nunca mais passarei
por êle. Não é mais possível perdoar a sua rebelião.
Os frutos de verão são os inferiores que amadure­
cem depois da colheita dos melhores, no fim da esta­
ção. Parece que Amós teve a experiência das visões
através do período do verão: as locustas na primavera,
o fogo no tempo do calor, e os frutos de verão no fim da
estação. •
A palavra chave desta visão é fim . Ê o fim do ano,
e o fim do povo de Israel como o povo do Senhor e co­
mo nação.
O v. 3 descreve alguns dos efeitos da destruição de
Israel pelo inimigo . Os cânticos do templo se tornarão
uivos naquele dia. A palavra no hebraico, helilu, é uma
onomatopéia. Os uivos do povo soarão como a pronún­
O L IV R O D E AMÓS 159

cia de helilu. De repente, os cânticos do povo no templo


serão mudados em uivos de agonia e miséria. Amós es­
tá falando do templo em Betei, dedicado principalmente
à idolatria, e aos cânticos que os israelitas tinham in­
ventado, julgando, no seu orgulho, que estivessem se­
guindo o exemplo de Davi.
Pensando na destruição terrível dos invasores, o
profeta declara que haverá muitos cadáveres em tôda
parte. O texto não está claro, mas acentua a agonia e
o desespêro do restante dos vivos. Na presença de tan­
tos mortos, até o silêncio será horrível.
6. Outro Discurso sobre a Iniqüidade e Destino de Israel,
8:4-14.
Apresentam-se nesta secção uma série de denúncias
semelhantes às que já tinham vaticinado nos caps. 3 a 6 .
Mais uma vez êle condena severamente a opressão dos
pobue.s pelos ricos.
“Ouvi isto, vós que pisais os necessitados,
e destruís os miseráveis da terra” (8:4) .
A SBB traduz: “Ouvi isto, vós que tendes gana contra
o necessitado, e destruís os miseráveis. ” Almeida diz:
“Ouvi isto, vós que anelais o abatimento do necessita­
do, e destruís os miseráveis da terra.” A RSV tem: “Ou­
vi isto, vós que pisais os necessitados, e trazeis ao fim
os pobres da terra.” O KJV: “Ouvi isto, ó vó,s que tra­
gais os necessitados, até fazendo esmorecer os pobres
da terra.” Não há muita diferença no sentido destas
várias versões, mas mostram a dificuldade de traduzir
o sentido exato do hebraico.
A palavra encontra-se no plural em 2:7, tra­
duzida por quase tôdas as versões por suspiram, mas a
RSV traduz a palavra pisam neste versículo também. A
Septuaginta traduz a palavra pisam em 2:7, e pisais em
160 A . R. CRABTREE

8:4. O infinitivo rTOtS^ significa fazer cessar, no sen­


tido de trazer ao fim ou destruir. O versículo dá ênfase
à condição miserável dos pobres e necessitados, causa­
da pelos gananciosos no poder.
“Dizendo: Quando passará a lua nova,
para que Vendamos o grão?
E o sábado,
para que abramos o mercado de trigo
(diminuindo a efa, aumentando o siclo,
e procedendo dolosamente com balanças engana­
doras, para comprarmos os pobres por dinheiro,
e os necessitados por um par de sapatos!),
e vendamos o refugo do trigo?” (8:5-6) .
As palavras do parênteses representam a acusação
dos negociantes pelo profeta, introduzida no meio da cita­
ção das palavras dos interesseiros. A lua nova e o sá­
bado, dias de culto e de descanso, em benefício dos ser­
vos e trabalhadores, desagradavam os negociantes por­
que prejudicavam o aumento das suas riquezas. “Co­
mo em tôdas as outras passagens relevantes do Velho
Testamento, temos aqui os interêsses do sábado ligados
ao bem-estar dos pobres. O quarto mandamento ordena
o dia de descanso para todos, mas em benefício especial
dos trabalhadores e dos servos. ” 4
A instituição do sábado está sendo desprezada por
êste grupo de interesseiros que pisavam os pobres devi­
do ao seu amor ao dinheiro. No seu amor insaciável pelo
dinheiro, os negociantes praticavam tôdas as formas pos­
síveis de fraude, diminuindo a efa, a medida oficial, para
obrigar o comprador a pagar por mais trigo, ou outra
mercadoria, do que recebeu. Ao mesmo tempo êles au­
mentavam o pêso do siclo oficial para assim extorquir
4. G eorge A d a m S m ith , Op. c it ., -p. 83
O LIVRO DE AMÓS 161

do pobre comprador dinheiro além do preço da medida


honesta (Comp. Gên. 23:16; Deut. 23:13-15),
As palavras aqui, “para comprarmos os pobres”,,
complementam a frase em 2:6, “vender os pobres.” Com
dinheiro na mão, podiam comprar barato o pobre deses­
perado, e depois vendê-lo caro, como vendiam o refugo
do trigo. O desprêzo do valor infinito do homem cria­
do à imagem de Deus é a raiz de muitos males.
“Jurou o Senhor pelo orgulho de Jacó;
Certamente nunca me esquecerei de tôdas as suas
obras” (8:7).
Em 6:8 o Senhor Deus jurou por si mesmo que abo­
minava a soberba de Jacó. Mas aqui a glória de Israel,
na sua própria excelência, é tão constante que o Senhor
jura pelo orgulho de Jacó. O orgulho de Jacó, ou de Is­
rael, ficou tão arraigado, e tão inalterável, que servia
de base para o juramento do Senhor. Mas alguns en­
tendem que o orgulho de Jacó, neste contexto, é sinôni­
mo de Javé. Neste caso, a tradução mais apta de
seria a excelência_, ou a glória de Jacó, como na SBB.
Assim a glória de Jacó se refere à eleição de Israel, 3:2.
Se o Senhor jurou pelo orgulho constante e inalterável
de Jacó, ou por si mesmo} com referência à eleição de
Israel, há certamente um tom de ironia na declaração»,
pois os israelitas tinham repudiado as responsabilida­
des da eleição, e ao mesmo tempo se ufanavam inalterà-
velmente da sua própria glória.
As obras de Jacó violavam tão arrogantemente a
justiça divina,'que a ameaça concorda perfeitamente com
a profecia de Amós. Portanto, não há nenhuma razão
para se atribuir a passagem a outro escritor admitindo-
se que teria acrescentado êste versículo à obra original
de Amós, simplesmente porque não é especificado o de­
sastre que Israel há de sofrer. A seguinte explicação de
George Adam Smith mostra como a passagem repre­
L. A. 11
162 A . R . G R A B TR E E

senta perfeitamente o pensamento e o estilo de Amós:


“A fonte principal da inspiração do profeta é o seu sen­
tido abrasador da indignação pessoal do Senhor contra
crimes tão abomináveis. ” 5
A frase, não me esquecerei de tôãas as suas obras,
significa que tais obras serão devidamente punidas, de
acordo com a justiça divina. A Septuaginta tem tuas
obras, para concordar com “Ouvi isto, vós”, no v. 4.
“Não estremecerá a terra por causa disto,
e não lamentará todo aquêle que habita nela,
e tôda ela se levantará como o Nilo,
e será agitada e abaixará como o Nilo do Egito?”
( 8 :8 ) .
Assim se representam as fôrças da natureza física
em perfeita harmonia com a justiça divina, indignadas
com a iniqüidade e a corrução de Israel. A frase por
causa disto apresenta o terremoto como o castigo da ava­
reza e da injustiça dos negociantes que pisavam os po­
bres e necessitados. A terra estremece por causa da re­
volta dos iníquos contra o Senhor, enquanto se ouve a
lamentação em tôda parte. O terremoto não é apenas um
tremor momentâneo. A palavra , no imperfeito, des­
creve o movimento da terra para cima e para baixo, com­
parado com o Nilo que vai se elevando por um período
de um mês, e se baixando no mês seguinte. O sofrimen­
to terrível do povo vai continuar, com grande lamenta­
ção, por muito tempo. A linguagem poética, ou figurati­
va, é necessária para descrever as convulsões do espírita
•do povo, no desastre nacional.
O sinal de interrogação no princípio da primeira
linha do hebraico, com a ligação de cada uma das três
linhas seguintes pela conjunção vave, indica que o ver­
sículo inteiro deve ser lido como uma só pergunta. Sur­
■5. Op,. cit., p . 184
O LIVRO DE AMõS 163

gem dúvidas, às vêzes, a respeito da pontuação do he­


braico. A SBB lê a primeira e a segunda linha como
perguntas; a terceira e quarta como declaração. O sen­
tido não é muito diferente. A pergunta retórica é mais
enfática do que a simples declaração.
“E sucederá naquele dia, diz o Senhor Javé,
Farei que o sol se ponha ao meio-dia,
e entenebrecerei a terra em dia claro.
Converterei as vossas festas em luto,
e todos os vossos cânticos em lamentações;
porei pano de saco sôbre todos os lombos,
e calva sôbre tôdas as cabeças;
farei que isso seja como luto por um filho único,
e o seu fim como um dia de amargura” (8:9-10) .
Êstes versículos descrevem o efeito do julgamento
divino sôbre os israelitas que desprezaram as leis mo­
rais do Senhor. No julgamento da revolta de Israel con­
tra a ordem moral da sociedade, o Senhor dos céus e da
terra põe em operação as leis da ordem natural. Além
do terremoto, com os seus horrores, vem também a es­
curidão, com o pôr do sol ao meio-dia. Alguns pensam
que o profeta se refere ao eclipse do sol que ocorreu aos
15 de junho de 763 a.C ., no período do ministério de
Amós, mas a palavra entrar, significa claramente
a entrada do sol, ou o sol poente. O sol se põe ao meio-
dia para o homem quando morre de repente no meio da
vida, Assim, a noite virá, com o sol poente, para Israel
ao meio-dia, no meio da sua prosperidade material e
do seu orgulho . Na escuridão desnaturai haverá gran­
de lamentação, O profeta tinha falado em 5:16 e 17 do
pranto de tôdas as classes do povo de Israel, nas pra­
ças, nas ruas e nas vinhas. Em:5:18 e 20 êle declara que
o dia do Senhor será um dia de trevas, e não de luz co­
mo o povo esperava. Descreve também nestes dois ver­
164 A . R . CRÀ BTREE

sículos o castigo da infidelidade de Israel que lhe so­


brevirá no dia do Senhor .
Vai cair de repente o julgamento divino sôbre a na­
ção, e tôdas as suas festas de alegria se converterão em
luto e os seus cânticos de júbilo em uivos e lamenta­
ções. O povo punha pano de saco sôbre os lombos, e
fazia calva a frente da cabeça quando ficava desespera­
do. (Ver Is. 3:24) . Em Deut. 14:1 é proibido fazer
calva por causa de algum morto, porque muitos pagãos
praticavam o costume, e Israel deve ser um povo sepa­
rado, um povo santo (Deut. 14:2) . Descreve-se a la­
mentação por um filho único em Jer. 6:26, como pran­
to de amarguras.
“Eis que vêm os dias, diz o Senhor Javé,
quando enviarei fome sôbre a terra;
não a fome de pão, nem a sêde de água,
mas de ouvir as palavras do Senhor.
Perambularão de mar a mar,
e do norte até ao oriente;
correrão por tôda parte,
procurando a palavra do Senhor,
mas não a acharão” (8:11-12).
Os versículos apresentam uma visão do julgamento
do Senhor quando o povo não terá mais a luz e o con­
forto da palavra de Deus. No seu sofrimento, o povo de­
sejará ardentemente uma mensagem do Senhor para con­
fortá-lo nas aflições e oferecer-lhe de novo à orientação
que tinha rejeitado. Mas a sua amargura no tempo da
' punição será intensificada pela falta da revelação divina.
O povo de Israel freqüentemente desprezou e rejei­
tou a orientação de seus mensageiros espirituais, mas o
profeta Amós tinha sido para êles intolerável. Portan­
to, um dos elementos trágicos do castigo da sua infide­
lidade é que o Senhor lhe enviará a fome e a sêde de ou­
vir a palavra de conselho divino. Na sua miséria o po­
O LIV R O D E AMÓS 165

vo se dirigirá ao Senhor, mas não haverá a mensagem


divina para satisfazer a fome e a sêde do seu espírito.
No período de prosperidade, no orgulho da própria
sabedoria e na rejeição das admoestações incabíveis de
Amós, Israel julgava que estava passando muito bem.
Sobreviveu à fome de pão e à sêde de água e de novo
estava gozando dos frutos da própria sabedoria. Con­
firmado nas crenças falsas a respeito do Senhor, e do
profeta que lhe falava sempre do castigo do Senhor,
tinha certeza de que sabia apaziguar o seu Deus com
generosas ofertas e sacrifícios. Mas no tempo do jul­
gamento iminente, o sofrimento espiritual será tão in­
tenso, e tão agudo, que o povo ficará acordado para re­
conhecer que a necessidade do pão da vida é primordial,
mais profunda do que a fome e a sêde dos seus corpos.
Cambalearão, de mar a mar, isto é, desde o
Mar Morto até ao Mediterrâneo (Sal. 72:8; Zac. 9:10),
ou até às extremidades da terra, na procura de uma
mensagem do Senhor. Falhando na primeira busca, pro­
cederão do norte ao oriente, em tôda a terra, mas não
acharão a palavra do Senhor que tinham rejeitado ar­
rogantemente .
Alguns, sem argumento suficiente, negam ao pro­
feta êstes dois versículos, na base geral de saber julgar
os limites do pensamento de Amós. Dizem que êle não
podia ter desenvolvido a sua predição na profecia da
fome e sêde espiritual, mas que um profeta subseqüente,
reconhecendo que o homem não vive só de pão, teria de­
senvolvido esta mensagem espiritual.
“Naquele dia as virgens formosas
e os jovens desmaiarão de sêde.
Os que juram por Ãshima de Samaria,
e dizem, como vive o teu deus, ó Dã;
e, como vive o caminho de Berseba,
êsses mesmos cairão, e nunca mais se levanta­
rão” (8:13-14).
166 A . R . CRABTREE

Geralmente as virgens e os jovens, no vigor da ju­


ventude, pensam nos prazeres da vida e deixam para,
mais tarde o problema da sua relação para com Deus.
Mas naquele dia, êste grupo mais vigoroso do povo, sub­
mergido nas tristezas do desastre, desmaiará. Se os
mais fortes desmaiam de sêde, quanto mais os fracos.
Se os jovens tivessem participado do culto idólatra de
Samaria, sentiriam profundamente a severidade do jul­
gamento do Senhor.
O significado do vs. 14 não é muito claro. A flor
da sociedade de Israel tinha jurado por Ãshinva. Esta
palavra é geralmente reconhecida agora como o nome
de uma deusa da Siria, adorada em Samaria por alguns
judeus. Esta deusa foi conhecida pela colônia dos judeus
de Elefantina no Egito, no quinto e no quarto século
a .C .6 Conforme diz II Reis 17:30, Ãshima foi adorada
também pelos homens de Hamate. Com a mudança de
apenas uma vogal Ãshima toma o lugar de áshama que
significa “culpa” .
Como vive o teu deus, ó Dã, refere-se ao bezerro
de ouro naquele lugar, perto da base do Monte Hermon
(I Reis 12:29). Keil e Delitzsch7 argumentam que a
culpa de Samaria se refere à adoração do bezerro de ou­
ro de Betei, como a cláusula seguinte se refere ao bezer­
ro de Dã. Mas a palavra Âshima certamente significa
o nome de uma deusa adorada em Samaria, e a culpa,
áshama, de adorar uma deusa falsa, na infidelidade para
com o Senhor. Samaria, bem como Betei, era centro
da idolatria de Israel. Ê muito provável que o povo da
capital continuasse o culto no santuário de Betei. A
culpa dos adoradores do bezerro de Dã era também a
culpa dos idólatras de Betei, reconhecida por implicação.
O juramento pelo caminho de Berséba é geralmente
6. Arqueologia Bíblica do autor, p s. 59-61; 285
7. Op. c i t ,, p . 319
O L IV R O D E AMÓS 167

considerado semelhante ao juramento dos muçulmanos


pelo caminho de Meca. Mas alguns seguem a versão da
Septuaginta, “como vive o teu deus de Berseba”, mu­
dando r n , caminho, para T H , teu deus.
7. A Visão Final da Terrível Destruição ão Reino de
Israel, 9:1-4
Nesta quinta e última visão, o profeta declara que
o próprio Senhor lhe apareceu junto ao altar, e lhe apre­
sentou diretamente a mensagem que transmite ao povo.
Nas visões anteriores o Senhor lhe mostrou os objetos,
e no caso do prumo, e do cêsto de frutos} Deus lhe inter­
pretou a sua significação.
“Vi o Senhor que estava em pé junto ao altar,
e êle disse:
Fere os capitéis até que estremeçam os umbrais,
e os faze em pedaços sôbre a cabeça de todos êles;
e os sobreviventes matarei à espada;
nenhum dêles fugirá, nenhum dêles escapará.
Embora cavem até o Sheol,
de lá os tirará a minha mão;
embora subam ao céu,
de lá os farei descer.
Embora se escondam no cume do Carmelo,
de lá buscá-los-ei e os tirarei;
embora se escondam dos meus olhos no fundo do
mar, de lá darei ordem à serpente e ela os morderá.
Embora vão para o cativeiro diante de seus ini­
migos, ali darei ordem à espada, e ela os matará;
e porei os meus olhos sôbre êles
para o mal, e não para o bem” (9:1-4) .
Impressionante é a repetição das frases nestes ver­
sículos que descrevem a impossibilidade de escaparem
do julgamento divino.
168 A. K , CRA BTREE

O profeta viu ao Senhor junto ao altar de Betèl, o


santuário principal do povo de Israel. A profecia da vi­
são é dirigida contra o reino, contra a casa real, contra
os opressores injustos e também contra os santuários,
pois o fracasso da religião foi a base e o princípio do
declínio moral que resultou na injustiça e na infidelidade
do povo escolhido quanto a representar os princípios do
reino de Deus na terra.
No templo, como a habitação do Nome do Senhor,
os israelitas viram o penhor da presença do Senhor e
da permanência do reino de Israel. Portanto, a destrui­
ção do templo representaria o término do reino de Is­
rael como o povo do Senhor. A profecia da exterminação
repentina do santuário, onde o povo estava prestando os
seus cultos de costume ao seu Deus, foi recebida pelos
ouvintes como mensagem inexplicável, incrível, absurda.
O profeta declara concisamente: Vi o Senhor. As­
sim esta visão se distingue das outras, introduzidas pe­
las palavras, O Senhor me fêz ver. Não se apresenta,
como nos casos anteriores, qualquer objeto simbólico
do desastre vindouro. O próprio Senhor tinha tomado a
sua posição ao lado do altar para falar direta­
mente ao seu mensageiro. Foi o altar de Betei, o centro
do culto nacional do povo de Israel. Parece um tanto
forçado o argumento de Keil e Delizsch 8 de que a men­
sagem profética, apresentada nesta visão, é dirigida ao
reino de Judá bem como ao de Israel. É verdade que o
profeta tinha mencionado o reino de Judá em algumas
das mensagens de ameaça, mas não há nada nesta visão
para indicar que Amós viu a completa destruição re­
pentina de Judá. O reino de Judá resistiu maravilhosa­
mente ao poder militar de Senaqueribe, no esforço de
tomar a cidade de Jerusalém nesta mesma campanha da
Assíria (I Reis Caps. 18-19) . O rei Ezequias, encoraja­
8. Op. c it ., p . 320
O .L IV R O D E AMÓS 169

do pelo profeta Isaías, recusou entregar a capital de Ju-


dá ao exército formidável da Assíria, e o reino político
permaneceu por mais 135 anos, para ser tomado em cir­
cunstâncias diferentes, com resultados importantes para
a permanência do restante fiel e, por seu intermédio, o
reino de Deus.
Não é mencionado o nome da pessoa incumbida de
executar a ordem de ferir (ijn) os capitéis. A des­
truição do santuário ainda esta no futuro. A ordem é
evidentemente simbólica, e foi assim entendida pelo pro­
feta. Mas não pode haver dúvida sôbre o significado do
símbolo. O templo de Betei será completamente destruí­
do. Quando os capitéis das colunas que seguram o te­
to são esmagados, o edifício cairá. Estremecerão os
umbrais, e o templo ficará completamente desmoronado,
caindo em pedaços sôbre a cabeça de todos eles. As pes­
soas reunidas no edifício ficarão sepultadas nos escom­
bros. A fuga será impossível. A discrepância aparente
na declaração de que “todos serão esmagados pelas ruí­
nas” e “os fugitivos” é removida pela ênfase na destrui­
ção completa. Se, por acaso, < alguns conseguissem fugir,
Deus persegui-los-ia e os destruiria à espada. Não esca­
pará nenhum dêles. Não é possível fugir da justiça de
Deus.
Embora cavem, nnn, até o Sheol, a terra subterrâ­
nea, a habitação dos mortos (Is. 49:9-11; Jó 11:8, 26:
5 seg .), de lá os tirará a minha mão. Esta linguagem
da visão é hiperbólica para acentuar a impossibilidade
de fugir da onisciência do Senhor dos céus e da terra,
como também da certeza da destruição completa do rei­
no setentrional.
Se os sobreviventes do desastre do templo pudessem
subir até ao céu, de lá os faria descer o Senhor da jus­
tiça .
Se tentassem esconder-se no Monte Carmelo, de 550
metros de altura e cheio de cavernas, com florestas que
170 A. R . CRA BTREE

antigamente serviam de abrigo aos ladrões, o Senhor


os buscaria e os tiraria.
Se fôsse possível esconderem-se no fundo do mar,,
o Senhor daria ordem à monstruosa serpente, o leviatã.
tradicional, o monstro marinho (Is. 27:1; Jó 41:1; Sal.
104:26), e êle os morderia.
Se fôrem para o cativeiro diante dos inimigos, ali
o Senhor dará ordem, à espada, e ela os matará. Talvez
o profeta se refira à crença de alguns israelitas de que
Javé exercia autoridade sôbre o povo da Palestina, masr
em qualquer outra terra êles seriam sujeitos ao deus
que ali governasse. O exílio era considerado geralmente
como castigo o mais severo possível, mas aqui a morte-
como punição é pior.
Assim êste trecho descreve gràficamente a onisci-
rência e a onipresença do Senhor da justiça, uma amea­
ça terrível para os injustos e os revoltosos contra o seu
Deus. No Salmo 139 o cantor descreve com temor, e com
profunda reverência, êstes maravilhosos poderes do Se­
nhor.
Deus tinha pôsto os olhos sôbre o povo de Israel,
para dirigi-lo e orientá-lo na realização do seu propósito
de estabelecer o seu reino e o seu govêrno no mundo.
Mas Israel se revoltara contra o propósito divino, com
a conseqüência terrível de que o Senhor põe os oihos
sôbre êle, não mais para o bem, mas para o mal (n jn>
para o punir segundo os eternos princípios da justiça
divina. Em tôdas as circunstâncias o povo fiel do Se­
nhor pode ter certeza de que recebe a atenção especial
do Senhor. São mais ricamente abençoados do que o po­
vo do mundo, e também mais severamente punidos quan­
do desprezam os seus privilégios e se revoltam contra
a justiça divina.
O L IV R O D E AMÓS 171

8. O Terceiro Hino do L ivro de A m ós, 9:5-6

“O Senhor Javé dos Exércitos,


êle que toca a terra, e ela se derrete,
e todos os que habitam nela lamentam,
e tôda ela sobe como o Nilo,
e abaixa como o rio do Egito;
é êle que edifica as suas câmaras superiorés nos-
céus, e funda a sua abóbada sôbre a terra;
e o que chama as águas do mar,
e as derrama sôbre a superfície da terra;
o Senhor é o seu nome” (9:5-6) .
Êste hino, como os anteriores (4:13 e 5:8-9), des­
creve a majestade transcendente de Deus como o criador
e governador do mundo. Alguns comentaristas pensam
que a teologia dos três hinos é muito desenvolvida para.
êste período, e os tratam como interpolações na profe­
cia, algum tempo depois de Amós. Mas nestes últimos,
anos, estudantes eruditos como o Dr. John D. W. Watts3
argumentam que foram escritos algum tempo antes de-
Amós, e citados por êle. E contra a posição de muitos,
críticos, o Dr. Watts concorda com os arqueólogos W.
F. Albright e G. Ernest Wright,10 de que o monoteísmo«
foi desenvolvido antes do tempo de Amós, e que êstes hi­
nos tiveram a sua origem no período entre Elias e o.
profeta de Tecoa, para serem cantados durante os cultos
nos santuários. Neste caso, a citação dos hinos por Amós
concorda perfeitamente com a sua crítica severa dos cul­
tos formais nos santuários. A teologia, perfeitamente or­
todoxa, proclamada nos cultos, era desprezada na prá­
tica da infidelidade religiosa.
9. Op. cit.j pág. 64
10. G. E rn est W right, God Who A cts, Biblical Theology a s -
Recital, C ap. II . W . F . A lbright, Archaeology <md the'
Religion of Israel, p . 116
172 A. R . CRA BTREE

O v. 5 repete, em parte, 8:8 que representa as for­


ças da natureza física em perfeita harmonia com as leis
morais do Senhor. O Senhor Javé dos Exércitos, que
põe os olhos sôbre Israel, é aquêle que toca a terra, e ela
se derrete, aquêle que fica entronizado nos céus como o
criador, sustentador e diretor de tôdas as fôrças físicas
bem como das leis que operam na vida do homem e das
nações.
A cosmologia do v. 6 concorda com a de Gên. 1:8-8.
As câmaras superiores nos céus levantam-se acima da
•abóbada , aguda) cujas extremidades repousam
sôbre a terra. Esta cosmologia não concorda com a ci­
ência moderna, mas o ensino teológico do hino se har­
moniza perfeitamente com as leis da ciência já conhe­
cidas, ou que ainda possam ser verificadas, pois o Se­
nhor se apresenta como o criador das leis físicas que
encantam e preocupam os cientistas. É o Senhor Javé
dos Exércitos que chama as águas do mar e as derrama
sôbre a face da terra.
O vento, as águas, as montanhas, os corpos celestes
testemunham do propósito do Senhor. Como todos os
poderes recebem a sua direção do Senhor dos Exércitos,
assim também a vida e a esperança do homem repousam
nêle. Êstes três hinos, 4:13; 5:8-9; 9-5-6, concordam
perfeitamente com a teologia da mensagem do livro, e
testemunham da doutrina da criação e direção do cos­
mos pelo Senhor dos Exércitos dos céus e da terra.
8. O Senhor Ê o Deus de Todos os Povos, 9:7
A tendência de ufanar-se de privilégios especiais e
de julgar-se inerentemente superior em virtude de tais
regalias é um característico da natureza humana. Qua­
se todos os povos e tôdas as nações, bem como os gru­
pos religiosos, têm também a tendência de dar demasia­
da importância às suas experiências extraordinárias do
O L IV R Ó D E AMÓS 173

pas.?ado. Israel, talvez mais do que qualquer outra na­


ção, sofreu por causa destas tendências.
“Não sois vós para mim como os filhos da Etiópia,
ó filhos de Israel? diz o Senhor.
Não fiz eu subir a Israel da terra do Egito,
os filisteus de Caftor e os sírios de Quir? (9:7).
As duas perguntas levantam questões sérias sôbre
convicções obstinadas de Israel. O profeta está decla­
rando que todos os povos são iguais perante o Senhor?
Alguns dizem que tal propósito seria uma contradição
de 3:2: “De tôdas as famílias da terra somente a vós
vos escolhi.” Mas esta declaração não quer dizer que
Israel é superior às outras nações, senão no privilégio
de ser o povo escolhido do Senhor para uma missão es­
pecial. O teor da mensagem de Amós indica que os is­
raelitas mostravam-se inabaláveis na convicção de que,
em vista dos favores divinos recebidos no passado, era.
inconcebível a tese do profeta de que Deus pretendia
destruir o povo da sua própria escolha.
Que significa, então, a pergunta: “Não sois vós co­
mo os filhos da Etiópia para mim?” Significa, ao menos,
que a infidelidade de Israel tinha rompido e terminada
a sua íntima relação com o Senhor, e em conseqüência
disso Israel não tinha vantagem alguma sôbre os etíopes,
na sua relação com Javé. A pergunta não indica qual­
quer desprêzo dos etíopes, da parte do profeta, como di­
zem alguns. Isaías (18:1-2) fala favoràvelmente dos
etíopes. Considerando os ensinos teológicos de Amós, a
pergunta é retórica, e assim enuncia positivamente que
Javé é o Senhor de todos os povos e de todos os movi­
mentos da história das nações, e que todos os povos são
iguais perante êle. O profeta entendeu que a eleição de
Israel visava o estabelecimento do reino de Deus entre
todos os povos do mundo, mas não discutiu esta finali­
dade da eleição, como fizeram os profetas subseqüen­
174 A . R . CRA BTREE

tes, especialmente Isaías. Israel nunca poderia se es­


quecer do favor especial do Senhor em fazê-lo subir ao
Egito e dar-lhe a terra de Canaã. Mas Javé, o Deus de
Israel, também fêz subir os filisteus de Caftor e os siros
de Quir. Êstes dois povos tinham sido inimigos de Isra­
el, e na luta com êles Israel tinha sofrido. Foi, portan­
to, mais uma declaração desagradável do profeta, para
os seus ouvintes. Mas, com todos os favores divinos que
tinha recebido do Senhor, chegou o tempo de Israel re­
conhecer que já tinha sacrificado as vantagens e as
regalias da eleição por causa do repúdio das responsabi­
lidades morais que aceitara com o Concêrto recebido do
Senhor, por meio da infidelidade e revolta contra a ori­
entação divina.
Israel precisava de aprender que o. Senhor Javé, o
seu Deus, é também o Deus de todos os povos. Nenhum
povo, nem Israel, tinha o direito de pensar que era a
única nação que podia gozar da comunhão com o Senhor.
Q profeta Amós, na declaração de que outros povos,
além de Israel, foram guiados pelo Senhor, é apenas um
dos mensageiros divinos, embora o mais antigo dos pro­
fetas canônicos, que apresentam o conceito da universali­
dade do réino de Deus.
A soberania do Senhor na história humana é su­
bentendida em tôda parte da profecia, desde a ameaça da
punição divina dos pecados das nações vizinhas de Is­
rael. Até a nação cruel da Assíria será usada no poder
do Senhor soberano para castigar a Israel cujas trans­
gressões tinham cancelado a sua relação especial com
o seu Deus.
Contudo, convém notar que o profeta não declara
jque qualquer outra nação vai ter exatamente as mes­
mas relações com o Senhor que Israel tinha experimen­
tado. Nenhum outro povo servirá, por exemplo, como
veículo da revelação divina no mesmo sentido como o
povo escolhido. Mas outros povos podem gozar de ple-
O L IV R O D E AMÕS 175

iia comunhão com o Senhor, com as mesmas bênçãos e


os mesmos benefícios que Israel tinha experimentado, de
-acôrdo com a sua fidelidade aos princípios da justiça di­
vina .
9. O Julgamento Disciplinar de Israel, e a Restauração
do Reino Davídico, 9:8-15
Alguns comentaristas são dogmáticos em afirmar
que êstes versículos não foram escritos por Amós, por­
que não concordam com o tema da profecia de que Is­
rael será completamente destruído. Mas nestes últimos
anos um grupo de estudantes eruditos defende, com ar­
gumentos ponderados, a autenticidade do trecho.
A mensagem de Amós, nos oráculos e nas visões, é
que Israel, como nação, será destruído. Não há nenhu­
ma declaração no livro que contradiga os ensinos dêstes
versículos, ou negue a salvação de um restante de fiéis.
Nos oráculos e nas visões o profeta admoestava, prega­
va o arrependimento e intercedia em favor de Israel.
Devido à persistência das autoridades nacionais na de­
sobediência e rebelião, o Senhor suspendeu as funções
normais do Coneêrto, com as provisões de intercessão,
arrependimento e perdão. Portanto, o profeta tinha que
pronunciar a destruição do “reino pecador” (9:8), es­
pecialmente da casa real e dos responsáveis pelo declínio
moral e a infidelidade nacional. No cumprimento da sua
missão profética, Amós lutava com a questão da esco­
lha de Israel como o povo do Senhor. O castigo do repú­
dio das responsabilidades do Coneêrto será mais do que
a punição disciplinar: será a destruição completa.
Mas, além dêste ponto de vista dos oráculos e das
visões, o profeta lutava com as suas convicções a res­
peito da eleição de Israel. Embora não seja claro o fato
de como êle resolveu o dilema, aqui no fim da sua men­
sagem êle aparentemente percebeu que a solução do. pro-
176 A . R . CRA BTREE

blemà estava no arrependimento do restante dos fiéis


de Israel, a solução aceita e desenvolvida, com respeito
ao mesmo problema de Judá, pelos profetas subseqüen­
tes. Como diz o Dr. Watts:
“Nota-se que Amós precedeu o profeta Isaías com
o conceito do restante (9:8-10), e o da esperan­
ça da restauração davídica (9:11-12) . Um núme­
ro crescente de críticos eruditos está chegando a
reconhecer a autenticidade dêstes últimos versí­
culos.” 11
“Eis, os olhos do Senhor Javé
estão neste reino pecador,
e eu o destruirei de sôbre a face da terra;
mas não destruirei totalmente a casa de Jacó,
diz o Senhor” (9:8).
Os olhos do Senhor Deus estão neste reino pecador.
Õ uso da preposição 2 indica que o olhar do Senhor é
desfavorável. A SBB assim traduz: , contra
êste reino. Assim a declaração concorda com o ensino
geral da profecia. Vários comentaristas insistem em que
o reino pecador do versículo inclui o reino de Judá com
o de Israel, mas o artigo definido indica que o profeta
está se referindo ao reino de Israel, que tinha sido o
assunto da sua discussão através da mensagem. Ê for*
çado o argumento de que o profeta está falando dos dois
reinos, Israel e Judá, na frase êste reino pecador. Eu
o destruirei sôbre a face da terra significa a destruição
completa; o pensamento repetido muitas vêzes na pro­
fecia, e aqui pela última vez.
O profeta usava a frase, a casa de Jacó, várias vê­
zes, com referência ao reino de Israel (5:1,4,6; 6:8,14;
7:2,5,10,16; 8:7), e não há razão de se pensar que é
usada aqui no sentido dos dois reinos. Está falando
11. Op. c it ., p . 25
O LIV R O D E AMÓS 177

ainda do reino de Israel. A declaração, não destruirei


totalmente ta casa de Jacó, não é uma contradição abso­
luta da linha anterior. O hebráico freqüentemente üsa
superlativos para dar ênfase, e não no sentido absoluto.
Certamente a destruição do reino de Israel não significa
a destruição absoluta de tôdàs as pessoas do reino. Hou­
ve sobreviventes da destruição do reino de Israel, como
no caso da destruição do reino de Judá, mas não exata­
mente no mesmo sentido.
“Pois eis que darei ordens,
e sacudirei a casa de Israel
entre tôdas as nações,
assim como se sacode trigo no crivo,
contudo, não cairá sôbre a terra um só grão”
(9 :9 )v
Eis que eu estou dando ordens. O particípio inten­
sivo, estou damdo, com o pronome pessoal, dá ênfase à
mensagem do Senhor. A palavra Eis chama a aten­
ção pára a importância da ordem. Todos os israelitas,
fiéis e iníquos, têm que passar pela experiência dura.
Sacudirei a casa de Israel entre tôãas as nações. A ira"*
se entre tôãas as nações consta nas profecias de Jere­
mias (43:5) e Ézequiel (36:21), e talvez fôsse interpo­
lada na profecia de Amós, pois êle visava o cativeiro de
Israel pela nação poderosa da épóca, a Assíria.
Quando se sacode o trigo no crivo, a casca è os de­
tritos caem na terra, mas os grãos de trigo ficam no
crivo, limpos e separados das coisas que não prestam. Ô
cativeiro, na providência divina, será um processo dé
sacudir, disciplinar, purificar a nação de Israel. Todos
os iníquos, imprestáveis e corrutores, desaparecerão no
processo, mas nem um só grão de trigo perecerá. Os
bons ficarão no crivo, no exílio, e ao invés de pere­
cer, serão úteis no propósito e no plano do Senhor.
A palavra 1TÍÜÍ geralmente significa seixo, pederneira>
L. A. 12
178 A . R . CRA BTREE

pacote, e vários intérpretes procuram explicar o sentido


da passagem na base de uma ou de outra destas defi­
nições da palavra. Mas o sentido de qualquer palavra é
determinado, em parte, pelo uso do contexto. Aqui a
palavra significa caroço ou grão. Ê assim traduzida nas
melhores versões. A dispersão do povo de Israel é com­
parada ao movimento do crivo que separa o grão da
casca. O dia do julgamento será um tempo de prova,
de disciplina, de purificação. Os justos suportarão as
provas mais duras e serão preservados, mas os iníquos
perecerão.
Esta declaração de que os justos dos israelitas se­
rão salvos não contradiz, na psicologia dos hebreus, os
versos i a 4 que declaram a destruição completa de Is­
rael. Antecipando a esperança falsa dos iníquos, de que
êies’ poderiam, de qualquer maneira, achar um meio de
escapar da calamidade, o profeta esmagou esta confian­
ça ilusória, sem mencionar as exceções ou os justos que
serão salvos. /
Depois de apresentar a promessa de que a casa de
Israel não será completamente aniquilada, senão os iní­
quos' do govêmo nacional, o profeta promete que pela
misericórdia do Senhor os justos serão salvos.
A profecia foi cumprida pela queda de Samaria em
722, ou no princípio do ano 721 a- C., e pelo cativeiro
de Israel pelo poderoso exército militar da Assíria. O
povo judaico ainda está sendo sacudido no crivo das na­
ções, mas é muito provável que o profeta Amós visava
apenas o cativeiro assírio.
“Todos os pecadores do meu povo morrerão à
espada, os quais dizem: O mal não nos alcan­
çará, nem nos encontrará” (9:10) .
O Senhor, no exército da justiça perfeita, castiga­
rá com a morte violenta os pecadores, que tinham esca­
pado até então e no seu orgulho continuam a dizer: O
O L IV R O D E AMÓS 179

mal não nos alcançará, nem nos encontrará.. Todos os


pecadores que desprezam o juízo divino morrerão à es­
pada. Quando a longanimidade do Senhor é desprezada
na.prática contínua da injustiça, a sua justiça opera no
castigo do .pecador obstinado, como opera também o
seu amor na salvação do justo. Como nenhum só , grão
de trigo cairá ná terra quandò sacudido no crivo, ne­
nhum pecador escapará.
À frase os pecadores do meu povo mostra que o
profeta está falando aqui dos pecadores do povo da sua
escolha que desprezavam obstinadamente as condições
do Concerto e ao mesmo tempo confiavam cegamente
nos seus benefícios. Esperando o dia do Senhor, com
a certeza falsa de que ia trazer-lhes alegria e as bênçãos
do Senhor (5:18), ficaram sossegados (6:1), enquanto
se recusavam desdenhosamente a açeitar as admoesta­
ções do mensageiro do Senhor. A segurança falsa é
perigosa em todas as experiências da vida: na saúde,
na guerra e em tôdas as atividades humanas.
“Naquele dia levantarei
o tabernáculo caído de Davi,
repararei as suas brechas ;
levantarei as suas ruínas,'
e o reedificarei como nos dias antigos” (9:11.) .
Um grupo de comentaristas não pode entender que
Amós pudesse ter'dito estas palavras, porque a promes­
sa apresentada aqui, dizem êles, contradiz a mensagem
dós oráculos e das visões. Mas ftão há õontrâdição ne­
nhuma na teologia dos versículos do epílogo e o resto
do livro. Amós segue o costume geral dos profetas, e
conclui á sua profecia com uma mensagem de espèran-
ça-,/Depois de. destruir o. reino pecador,.’ o Senhor esta­
belecerá o reino novo, genuíno e fiel. O conhecimento
da psicologia do povo hebraico e da mentalidade dos
180 A. R . CRABTREE

veículos da revelação ajuda no entendimento e na in­


terpretação do Vélhõ Testamento.
Às déz tribos de Israel deixaram de existir como
nação, mas havia alguns grãos de trigo, alguns fiéis, que
ainda eram herdeiros da promessa. Israel e Judá são
reconhecidos entre os profetas e escritores do Velho Tes­
tamento como um só poVo, o povo escolhido do Senhor.
Com a destruição do reino pecador, ó futuro do reino de
Deus dependeria do grupo dos fiéis dos dois reinos que
tinham suportado as provas da destruição nacional, e
ficaram fiéis através de tôdas as vicissitudes e sofri­
mentos .
O profeta teve ainda para os fiéis uma mensagem
de esperança. Os grãos de trigo que não pereceram com
a cásca, purificados pela rigorosa disciplina, serão usa-
dôs ha realização do propósito do Senhor por intermé­
dio da casa de Davi. O profeta não fala da casa de Davi
em termos da sua grande política. Assim como os pa­
lácios magníficos representam a grandeza e o poder po­
lítico do reino de Da,vi, o tabernáculo, a tenda de Davi
caída, representa o estado espiritual do reino, e ao mes­
mo tempo a esperança para o futuro. A promessa de
levantar das suas ruínas a tenda baseia-se na promessa
de Deus feita a Davi quando êste desejava construir
urna casa para a habitação do Senhor (II Sam. 7:12-16).
A casa de Davi, no reinado de Uzias, contemporâ­
neo de Jeroboão II de Israel e do profeta Amós, era po­
liticamente forte. Mas, do./ponto de vista da fidelidade
ao Senhor, Judá não era muito melhor do que Israel. A
tenda caída de Davi estava em ruínas. Muitos dos reis
e do pòvo, desde a idolatria de Salomão, tinham se desvia­
do do Senhor. Mas os profetas de Judá, na sua prega­
ção poderosa e nos apelos baseados na promessa do Se­
nhor a Davi, conseguiram desenvolver um grupo (res­
tante) dos fiéis ao Senhor para a realização do seu pro­
pósito na eleição.
O L IV R O D E AMÓS 181

Nem no pensar de Amós, nem segundo o espírito de


qualquer outro mensageiro de Deus pode falhar o pro­
pósito do Senhor. O dia do Senhor tem para os fiéis
uma significação muito diferente da que teve na experi­
ência dos infiéis de Israel. Ê sempre o dia do julgamen­
to: o dia da destruição para os pecadores rebeldes, e o
dia da salvação para os arrependidos que confiam no
Senhor. A justiça do Senhor nunça deixa de operar na
história e na vida dos homens. Os efeitos da sua opera­
ção são eternamente diferentes no julgamento do peca­
dor obstinado e do homem fiel no esfôrço de fazer a von­
tade do Senhor. O Deus imutável não pode destruir com­
pletamente o seu povo escolhido, è assim abolir o seu
eterno propósito de estabelecer o seu reino na vida dós
homens.
Esta exposição não concorda com qualquer outro
dos comentaristas que tenho lido. Todos dizem, por
exemplo, que o tabernáculo caído de Davi não pode, de
maneira alguma, referir-se à época de Amós, no período
de grande prosperidade do reinado de Uzias. Amós, po­
rém, ou qualquer profeta subseqüente, podia testificar
da grande prosperidade política e material de Jeroboão
II, cujo reinado era mais próspero do que o do seu con­
temporâneo Uzias, de Judá.
Portanto, convém reconhecer que o profeta que es­
creveu êstes versículos está tratando das condições re*
ligiosas, e limita a sua discussão principalmente aos pe­
cados e à infidelidade do povo de Israel. O profeta re­
conheceu que a nação estava no precipício da destrui­
ção completa, e que a sua prosperidade material tmha
contribuído grandemente para o seu declínio moral e re­
ligioso .
Não se pode negar, à luz das profecias de Isaías e
Miquéias, que Judá éstava támbém no precipício da des­
truição, semelhante à de Israel. Quando Israel foi le­
vado à morte nacional pelo império da Assíria,. Judá
182 Á. R . C R Á B T R E E

àpehás éáeapou, graças ao poder da fé do profeta Isaías,


e graígaS á orientação que êstè deu ao rei Ezequias, que
se recusou a entregar Jerusalém, a última fortaleza de
Judá, ao rei Senaqueribe. A salvação era de fato um
milagre^
São os profetas Isaías e Míquéias que testificam
das condições morais de Judá,.
SIMABIBd SB|^ repararei as suas bre­
chas, há uma alusão ao fato de que o restante dos fiéis
dos dois reinos, Israel e Judá, é unido sob o novo rei,
Davi (Ver Os. 2:2; 3:5; Ez. 37:22). O sufixo prono­
minal da palavra VriDTJ, as rumm dêle, na segunda
cláusula, refere-se claramente a Davi, cuja tenda o Se­
nhor promete levantar com novo poder.
“Para que possuam o restante de Edom,
e tôdas as nações que são chamadas pelo meu
nome, diz o Senhor que está fazendo estas
coisas” (9 ;Í2) .
• Alguns, nao entendendo que o epílogo da profecia
é méãsiânico, insistem em que êste versículo revela o
antagonismo costumeiro de Judá para, com Edom, e fa­
la da conquista militar do restante dêste, e das nações
que Davi tinha conquistado em o: nome do Senhor. Mas
o profeta está falando da época messiânica, do reino es­
piritual na; vida dos homens. Ê provável que os profetas
do Velho Testamento nunca tenham chegado a pensar
que o reino messiânico do futuro seria completamente
separado do governo político do povo escolhido. Mas os
profetas e salmistas concordam e insistem em que o go-
vêrno messiânico do Senhor no futuro será justo e pa­
cífico no Coração dos súditos voluntários, homens è na-
çõès (Is. 2:1-4; Miq. 4:1-4; Sal. 72).
Fosbroke la e outros dizem que a frase tôdas as na-
Í2 . Op. c i i . , V . 6, p . 851. H a r p e r , Op. bit., p . 198.
O L IV R O D E AMÓS 183

ÇÕes significa apenas as nações que Davi tinha subjuga­


do, e a cláusula que são chamadas pelo meu nome refe­
re-se somente às nações que assim levaram o nome ãe
Dm>i. Cita as palavras de Joabe a Davi, II Sam. 12:28;
e Is. 4:1, para provar a sua declaração. Àssim êle põe
de lado o significado claro das palavras as nações cha­
madas pelo, meu nome, diz o Senhor que está fazendo
estas coisas. Àssim êle, Harper e outros negám o signi­
ficado messiânico da passagem. Êle declara também que
a Septuaginta, citada em Atos 15:16-18, não concorda
com o hebraico. Seria mais exato dizer que a Septuagin­
ta não concorda com a leitura errada do hebraico por
Fosbroke e Harper.
É fato que a Septuaginta não concorda exatamente
com o Texto Massorético na primeira linha do versículo,
mas concorda essencialmente quanto ao seu sentido. Diz
a Septuaginta: “Para que busquem o restante de ho­
mens”, ao invés de “Para que possuam o restante de
Edom.” As mudanças são dèvidas à Semelhançá de pa­
lavras: ao invês de a n # ; ttfTT ao invés de
A Septuaginta concorda perfeitamente com os
versículos seguintes que descrevem os característicos da
Idade Messiânica, indicação que representa o texto ori­
ginal. Fosbroke e outros rejeitam a versão da Septua­
ginta aqui, mas quase sempre dão preferência ao texto
grego quando concorda melhor com os seus preconceitos.
“Eis, vêm os dias, diz o Senhor, ;■
quando o que lavra alcançará ao que sega,
e o que pisa as uvas ao que lançava semente;
os montes destilarão mosto,
e todoé os outeiros se derreterão” (9:13).
Os escritores bíblicos descrevem a glória, da Idade
Messiânica em linguagem poética, usando têrmos con­
cretos para acentuar o rico sentido dos conceitos espi­
rituais. Por exemplo, a volta dos fiéis do cativeiro ba-
184 A . R . CRA BTREE

bilônico, “Os montes e outeiros romperão em cânticos


diante de vós, e tôdas as árvores do campo baterão pal­
mas” (Is. 55:12). O escritor descreve neste versículo
a produtividade maravilhosa da terra na época vindou­
ra. Tão abundante será a ceifa que levará todo o tem­
po da estação para recolher os produtos da lavoura, até
à época de lavrar a terra para a plantação no ano se­
guinte. Aquêle que lavra a terra em preparo para a plan­
tação seguinte alcançará os segadores ainda preocupa­
dos com o recolhimento dos produtos abundantes. Os
produtos das vinhas serão tão abundantes que o tra­
balho dos pisadores das uvas continuará até o tempo de
plantar as sementes para a próxima estação. Ver Lev.
26:5- Assim os poderes maravilhosos do Senhor Javé
vão se manifestar na operação das leis físicas da nature­
za, para trazer as suas bênçãos aos homens fiéis, como
se manifestaram na punição dos infiéis (4:6-11). O Se­
nhor Javé não se identificava com as fôrças produtivas
da natureza, como os deuses antigos. Êle é Criador e
Controlador de tôdas as fôrças dos céus e da terra, de
modo que domina e dirige estas fôrçás pára a realiza­
ção dos seus propósitos justos e eternos.
“Restaurarei a fortuna do meu povo Israel,
e êles reedificarão as cidades assoladas, e ne­
las habitarão;
plantarão vinhas e beberão o vinho delas,
e êles farão pomares e comerão o fruto dêles.
E eu os plantarei na sua terra,
e nunca mais serão arrancados
da sua terra que lhes dei,
diz o Senhor tèu Deus” (9:14-15).
Há duas opiniões sôbre o significado das palavras,
n p tf e Z W , Alguns pensam que significam “res­
taurar a fortuna” ou “mudar a sorte”, como em Jó 42:
O L IV R O D E AMÓS 185

10. Todavia, a palavra shebhuth significa cativeiro, e


a cláusula pode ser traduzida para “Farei voltm do car
tm eiro.” Não há muita diferença entre as duas tradu­
ções, pois os versículos que seguem concordam com qual­
quer uma delas.
Êles reedificarão as cidades assoladas. O pensamen­
to desta declaração liga-se com o conceito da grande
prosperidade no reino futuro do povo do Senhor, apre­
sentado no versículo anterior. Os súditos do reino re­
edificado de Davi não serão afligidos com a sêca, ou com
a destruição das vinhas e figueiras pela locusta (4:9).
Não ficarão privados de habitar as casas que edificam,
de comer dos frutos das plantações, ou de beber o vinho
das vides que plantam (5:11) . Receberão as copiosas
bênçãos da produtividade abundante do solo. Livres do
mêdo de calamidades punitivas, serão felizes no gôzo da
vida ricamente abençoada. Em perfeita paz e tranqüi­
lidade, êles gozarão das bênçãos materiais do seu labor,
bebendo o vinho das vides que plantam, e comendo o
fruto dos seus pomares.
O povo será plantado na terra que o Senhor lhes
deu, e nunca mais será arrancado dela. A nação é justa
em plena comunhão com o Senhor. O eterno favor de
Deus é lhes confirmado pela promessa, diz o Senhor teu
Deus.
S'

!■
il
PREGAÇÕES SÔBRE O LIVRO D E AMÕS

Todos os pregadores reconhecem as dificuldades na


pregação sôbre os profetas. O preparo de um sermão so­
bre qualquer assunto apresentado nas profecias exige
conhecimento do profeta, do seu ambiente histórico, das
condições religiosas de seus contemporâneos e dos des­
tinatários da sua mensagem. É preciso escolher os en­
sinos proféticos de eterno valor e de aplicação univer­
sal .
Quanto mais conhecimento o pastor tem dêstes as­
suntos, mais rico e mais interessante será a sua prega­
ção. Mas na pregação dos profetas, o pastor não deve
tentar transmitir aos seus ouvintes tôda esta informa­
ção. O resumo, em poucas palavras introdutórias, do
ambiente histórico do texto, deve despertar o interêsse
dos ouvintes pela profecia. O pastor deve focalizar os
ensinos práticos, as verdades de eterno valor e de apli­
cação especial para os seus ouvintes. O estudante cui­
dadoso ficará agradàvelmente impressionado com os nu­
merosos assuntos de imenso valor nas profecias para a
pregação pastoral e evangelística.
A Profecia de Amós é rica nos ensinos de profundo
interêsse para o pastor e para o treinamento religioso
dos seus membros. Apresentamos aqui apenas algumas
dm verdades eternas desta mensagem proferida para o
tfeinamento religioso dos seus membros. Apresentamos
aqui apenas algumas das verdades eternas desta mensa­
gem proferida para o povo de Israel, no período crítico
da sua história, oitocentos anos antes de Cristo.
A Vocação de Amós
“Eu não era profeta, nem filho de profeta era eu,
188 A. R . CRA BTREE

mas boieiro, e cultivador de sicômoros, quando o Senhor


me tirou de após o rebanho, e o Senhor me disse: Vai,
profetiza ao meu povo Israel” (7:14-15).
É fato de profunda significação o aparecimento dês-
te pastor de Tecoa no palco da História. Não se sabe
explicar a cultura literária e religiosa dêste pastor do
lugar solitário de Tecoa na região montanhosa da Ju-
déia. É claramente um gênio que evidentemente se apro­
veitou de todos os meios para treinar as suas faculdades
mentais e espirituais a serviço do Senhor.
I. A Chamada de Amós para o Ministério Profético.
A chamada divina de Amós é clara e definitiva. “O Se­
nhor me tirou de após o rebanho, e o Senhor me disse:
Vai, profetiza ao meu povo Israel.” O caráter da men­
sagem dêste pregador da justiça, proclamada ao povo de
Israel há 27 séculos e transmitida às gerações subse­
qüentes, é notavelmente apropriada para a sociedade
moderna de todos os povos do mundo.
II. O Homem de Tecoa Proclamou e Defendeu a
Justiça de Deus. Influenciado pela religião dos cananeus,
e pela sua prosperidade material, o povo de Israel jul­
gava que estava ganhando o favor divino por suas ofer­
tas e pelo culto cerimonial; que Deus não se interessava
nas relações humanas, enquanto recebia os sacrifícios e
o culto do seu povo. Assim os israelitas da época eram
muito religiosos, e pensavam que a sua religiosidade pa­
gava bem o privilégio de praticar a injustiça e cruelda­
de nas suas relações humanas para os seus próprios in-
terêsses. Era também o povo escolhido de Deus, e êle
não podia deixar de proteger e abençoar a sua própria
nação. No desenvolvimento destas falsas idéias sôbre
religião, Israel chegou a pensar que pudesse reduzir Deus
ao seu próprio nível de imoralidade e injustiça, e assim
blasfemava do Santo Nome do Senhor. Êste era o cúmu­
lo da sua infidelidade. O Senhor da justiça destruirá o
povo rebelde.
O L IV R O D E AMÓS J89

III. A Justiça Divina Exige a Justiça Social. Esta


não era uma nova doutrina. Desde a redenção de Israel
da opressão cruel do Egito, o Senhor tinha condenado,
por intermédio dos profetas, a injustiça, denunciando se­
veramente os reis e outros opressores dos pobres e in­
defesos. O coração justo ama a justiça divina, e tem
prazer em praticar a justiça com o seu semelhante. O
pecado corrompe o coração. O culto ritual de Israel re­
presentava a sua natureza pervertida. Cometiam o pe­
cado da blasfêmia nos seus cultos religiosos. “Os ver­
dadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em ver­
dade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem”
(João 4:23) . Não pode haver a verdadeira adoração do
Senhor, sem o espírito de amor e obediência.
IV. O profeta Amós Pregou ao Povo de Israel “que
o salário do pecado é a m orte.” “Por três transgressões...
e por quatro não revogarei a punição.” O que as naçõés
semeiam, isso também ceifarão. As leis espirituais de
Deus são imutáveis. Amós apresenta com fôrça a ver­
dade da justiça divina. A história e a experiência hu­
mana proclamam o castigo do pecado. Israel se re­
cusou a ouvir as admoestações do mensageiro de Deus
e a abandonar as suas falsas esperanças. Por causa dos
seus pecados, da sua infidelidade e da obstinada recusa
de arrepender-se e converter-se ao Senhor, a nação de
Israel foi completamente destruída.
O Profeta Amós Se Encontra com o Sacerdote Amasias,
7:10-17
Estes dois homens representam a tensão entre a
religião de serviço e a rèligiãio de sacrifícios em tôdas as
épocas da História. Para entendermos claramente êstes
dois pontos de vista, precisamos conhecer a mensagem
de Amós e as acusações que o sacerdote levantou con­
tra êle. O sacerdote representa a religião do povo, a
190 A. R . CRABTREE

religião nacional, que o profeta condena. A pregação de


Amós foi um desafio, uma afronta ao sacerdote e à sua
freguesia que incluiu a nação inteira, até o rei Jeroboão.
Amós prega o Deus soberano, o Deus imutável, o Deus
de justiça. O sacerdote de Betei representa o Deus do
povo, o Deus que não se incomoda com as relações hu­
manas enquanto recebe as ofertas generosas e a baju­
lação do povo, o Deus de boa camaradagem. Tão per­
turbadora era a pregação de Amós que o sacerdote sen­
tiu-se obrigado a defender o povo.
I. Primeiro de Tudo, Amasias Mandou uma Mensa­
gem Assustadora ao Rei Jeroboão. Como o representan­
te da religião oficial, o sacerdote desejava agradar ao
rei, a suprema autoridade da religião nacional de Israel.
A mentalidade do sacerdote era incapaz de entender a
verdade, na mensagem de Amós, de que a religião hi­
pócrita de Israel estava arrastando a nação para a des­
truição completa.
II. Apresentou ao Rei uma Acusação Falsa contra
Amós. “Amós tem conspirado contra t i . ” Do ponto de
vista do sacerdote, a acusação não foi falsa. Êle não
entendeu, ou não quis entender, que Amós era mensa­
geiro de Deus. Ê quase impossível para o homem de
preconceitos obstinados entender qualquer verdade que
contradiga o seu ponto de vista. Amasias reconheceu
que a mensagem da justiça proclamada por Amós amea­
çava a destruição de Israel, mas se recusou a acreditar
que fôsse a mensagem de Deus. Não era a mensagem
do Deus representado por Amasias. O Deus de Amasias
estava fazendo o povo de Israel prosperar em recompen­
sa do seu culto generoso. O profeta anunciador de de­
sastres deve ser expulso da terra. Quantas vêzes na his­
tória da religião os sacerdotes e eclesiásticos têm per­
seguido os pregadores do Evangelho. Desde 1948, os
sacerdotes e eclesiásticos da Colômbia mataram 116 pro­
testantes, simplesmente porque êstes pregaram o Evan­
O L IV R O D E AMÓS 191

gelho da salvação pela graça de Deus e não por inter­


médio dos sacerdotes e eclesiásticos.
- O Deus qwe Não Se Incomoda da Injustiça So­
cial: Àmasias estava a par da injustiça social de Israel.
Mas para o sacerdote que se aproveitava dos cultos ricos
e aparatosos do seu povo, a religião não se ligava cótu
as relações humanas. A religião era o meio de se ganhai*
o favor divino na aquisição de riquezas para a satisfa­
ção dos seus desejos egoísticos. O culto brilhante e mag-
nificente da Missa que manipula o corpo e o sangue de
Cristo para ganhar os favores divinos agrada à vista
dos homens, mas não representa o espírito humilde que
se manifesta em adoração, amor e serviço. O profeta
de Tecoa reconheceu que a religião de Israel, cultivada
e desenvolvida pelos reis e sacerdotes, resultou em abai­
xar o Deus dos céus e da terra ao nível da injustiça do
povo. O acúmulo do pecado de Amasias e de seu povo
era a hipocrisia e a blasfêmia do Santo Nome do Se­
nhor.

0 Julgamento Divino, 1:2


“O Senhor ruge de Sião, e de Jerusalém faz ou­
vir a sua voz.” O profeta Amós fala com franqueza e
energia. Não é o único modo de entregar a mensagem do
Senhor. Os profetas bíblicos não deixam de revelar al­
guma fôrça da sua personalidade e as condições e ne­
cessidades espirituais de seus ouvintes. O povo de Is­
rael, no seu declínio religioso e moral, no tempo do rei­
nado de Jeroboão II, precisava de um mensageiro do
Senhor, como o homem de Tecoa.
I. O Senhor Rugiu de Sião pela Bôca do Seu Pro
feta Amos. Deus levantou os grandes profetas do Ve­
lho Testamento para orientar o seu povo e realizar, por
intermédio dêles, o seu propósito na História. Assim
êle preparou o pastor de Tecoa, na região escabrosa da
192 a ; r . crabtree

Judéia, para entregar a sua mensagem ao povo pecami­


noso de Israel. O Senhor iá falando ao povo nà violên­
cia da natureza física, mas fala também ao povó nà pre­
gação dura e urgente do seu mensageiro Amós. As cir­
cunstâncias históricas e as condições religiosas de Israel
justificam a sinceridade do profeta nà exposição do pe­
rigo da infidelidade para com o Senhor.
II. O Senhor Fêz Ou/vir a Suá Voz. Deus fala de
muitas e várias maneiras (Heb. 1:1), de acôrdo com as
necessidades espirituais do povo. A arrogância, o orgu­
lho, a injustiça e a falsa esperança de Israel tinham fe­
chado o seu entendimento espiritual. Não havia outra
maneira de falar ao povo que se achava nestas condi­
ções, O profeta Oséias falou ao mesmo povo Còm bran­
dura e compaixão, mas o povo tinha perdido a capaci­
dade de entender e aceitar qualquer mensagem que con­
denasse a sua infidelidade para còm 0 Senhor. Preferiam
ficar fiéis ao Deus que tinham criado à sua própria
imagem,.
III. Esta Palavra, “Sião” Despertou as Lembranças
da Providência de Deus na História de Israel. Mas os
privilégios da eleição divina e as bênçãos récebidas
ao invés de despertarem a gratidão e o espírito de ar­
rependimento de Israel, tinham confirmado o povo no
seu orgulho e arrogância, na sua falsa esperança, è as­
sim êles fecharam o espírito nacional contra a mensa­
gem do profeta. O profeta reconheceu que o espírito de
infidelidade obstinada, firmado na falsa esperança da
eleição e na prosperidade material, estava determinan­
do a destruição inevitável de Israel como nação.
O Apêlo ao Senso Moral, 2:11
“Não é isto assim, ó filhos de Israel?” Todos os es­
tudantes da profecia de Amós ficam impressionados com
O L IV R O D E AMÓS 193

os seus apelos à inteligência, à lógica e ao senso moral


dos seus ouvintes. Êste observador cuidadoso de causa
e efeito estava preparado pela experiência para explicar
as conseqüências da avareza e injustiça de Israel.
I. O senso moral nos ensina que as leis espirituais
de Deus são igualmente uniformes e operantes como as
leis da natureza física. A operação das leis físicas é
mais evidente às nossas experiências diárias. Mas a cons­
ciência do bem e do mal não deixã de reconhecer a ope­
ração das leis morais de Deus na vida do homem, da fa­
mília, da sociedade e das relações nacionais e interna­
cionais.
II. O nosso senso moral nos ensina que Deus não
no,s deixa eternamente nas trevas da ignorância. Êle
fala à nossa consciência no poder do seu Espírito, mas
podemos nos recusar a ouvir a voz divina. Levantou os
seus profetas e apóstolos para nos ensinar o seu amor
e a sua vontade para a nossa vida. As Escrituras, in­
cluindo o apêlo de Amós ao povo de Israel, falam áos
nossos corações e nós ajudam a entender as nossas ne­
cessidades espirituais no preparo do nosso espírito pa­
ra receber o dom de perdão e da graça de Deus na Pes­
soa de Cristo Jesus.
III. O nosso senso moral nos ensina que Deus não
faz acepção de pessoas. Todos são recebidos na condi­
ção de fé e arrependimento. Esta condição de sermos
recebidos por Deus não se limita à nossa decisão mo­
mentânea, mas determina a nossa comunhão com Deus
durante a nossa vida inteira. O êrro fatal de Israel no
tempo de Amós foi duplo. Julgava que pudesse ganhar,
ou comprar as bênçãos do Senhor com a sua religiosi-
dâde. Tinha se esquecido das condições eternas e imu­
táveis para a comunhão com Deus: arrependimento e
fé, mãos limpas é coração puro.
194 A . R . CRABTREE

A Religião Meramente Cerimonial e a Religião


Verdadeira, 4:4-5
Não houve falta de religião no reino de Israel no
tempo de Amós. Pode-se dizer que não há falta de reli­
gião em qualquer parte do mundo em qualquer época da
História, porque o homem é incuravelmente religioso, O
povo de Atenas era muito religioso quando o apóstolo
Paulo visitou a cidade. O povo de Samaria e de Betei era
demasiadamente religioso quando o profeta Amós lhe
proclamava a mensagem do Senhor.
“Oferecei sacrifício de louvores do que é levedado, e
proclamai ofertas voluntárias, publicai-as; pois assim
gostais de fazer, ó filhos de Israel, diz o Sénhòr Deus”
(4:5). Estas palavras sarcásticas o profeta dirigiu ao
povo de Israel, zombando da sua religião. São palavras
graves que assim condenam a religião cerimonial do po­
vo infiel para com o Senhor.
I. A religião cerimonial de Israel procurou mane­
jar, manipular e influenciar m Senhor a fim de rece­
ber © auxílio divino na satisfação dps seus próprios in-
terêsses injustos. Não se interessava em conhecer e fa­
zer a vontade do Senhor. Queriam agradá-lo com ri­
cas ofertas e magníficos cultos para que não defendesse
os fracos e indefesos que êles oprimiam e roubavam.
II. As suas ofertas suntuosas agradaram aos seus
sentidos físicos, ao seu orgulho, à sua astúcia, ao seu
egoísmo, ao seu sentido de superioridade em relação ao
povo fraco em seu poder. Assim Israel degradou as suas
vítimas, mas no processo êle se degradou a si mesmo
ainda mais .
III. Êste povo, materialmente próspero, amãamdo nas
trevas do pecado e na prática da hipocrisia e blasfêmia,
precisava ouvir a voz do mensageiro de Deus da justi­
ça . .Escravizados pela injustiça, os israelitas tinham cria­
do o seu Deus de acôrdo com a sua» própria fé. “Forquè'
O L IV R O D E AMÓS 195

onde estiver o vosso tesouro, ai estará também o vosso


coração” (Mat. 6:2-1) .
IV. Amós pregava a religião -de comunhão com Deus,
com o Deus da revelação divina, com o Deus Santo e
Justo. “Andarão dois juntos, se não estiverem de acor­
do ?” A verdadeira religião é a comunhão com o verda­
deiro Deus. Para estar em comunhão com Deus, o nos­
so espírito tem que estar em harmonia com o Espírito de
Deus em amor e justiça.
O Encontro Inevitável com Deus
“Contudo, não vos convertestes a mim, diz o Senhor”
(4:6,8,10,11). “E porque isto te farei, prepara-te, o
Israel, para te encontrares com o teu Deus” (4:12).
O profèta nos apresenta o Deus da justiça, e nos de­
clara que não podemos fugir ao julgamento da justiça
divina.
I. Deus revela o seu propósito em nossas experiên­
cias. As experiências da vida nos oferecem conhecimen­
to sôbre o caráter de Deus e sôbre o propósito divino
em tais experiências. Como Israel foi admoestado por
fome, sêca, e outras pragas, assim também as nossas
experiências de sofrimento, doença e aflições podem ser
reconhecidas como admoestações divinas. Tais experi­
ências produzem queixas e rebelião contra Deus no co­
ração do incrédulo; mas enriquecem a vida dos homens
de fé.
II. O propósito de Deus em nossas experiências é
sempre benéfico. Recebemos constantemente as bênçãos
da providência divina. Tudo que sustenta a nossa vida
vem de Deus. Podemos reconhecer tôdas as experiên­
cias, agradáveis e desagradáveis, como manifestações da
providência de Deus, ou podemos fechar o nosso enten­
dimento contra a sua significação.
III. Israel se recusou a ouvir as admoestações di-
L. A. 14
196 A. R . CRA BTREE
jf %' J
vinas, mas não evitou'o encontro com Deus. Quantas
vêzes Israel se recusou a voltar a Deus em resposta às
admoestações de Deus nas suas experiências! Mas se
recusou ainda mais firmemente a ouvir a mensagem do
profeta que o Senhor lhe mandou. No encontro inevitá­
vel com Deus, Israel sofreu o castigo da sua desobedi­
ência e da sua infidelidade. Sofreu a destruição comple­
ta.
Privilégio e Responsabilidade

“De tôdas as famílias da terra, a vós somente co­


nheci; portanto, tôdas as vossas injustiças visitarei sô-
tíre vós” (3:2).
A eleição do povo fraco de Israel para ser a nação
sacerdotal entre todos os povos do mundo foi uma bên­
ção gloriosa e um privilégio supremamente honroso. Is­
rael sempre se ufanava da sua eleição, mas não quis lem­
brar-se das suas responsabilidades.
I. Israel desenvolveu o espírito orgulhoso em, vir­
tude da sua eleição. Os privilegiados têm a tendência
de ficar orgulhosos, e de julgar-se superiores aos outros,
esquecendo-se ao mesmo tempo que privilégio envolve
responsabilidade. Isaías ensinou êste princípio na pará­
bola da vinha (Cap. 5), e Jesus acentuou a mesma ver­
dade na parábola dos talentos (Mat. 25:14-30) . Israel
chegou a pensar que a sua escolha o exaltou acima de
outros povos. Êste é um perigo para todos os privile­
giados .
II. Isrwel desenvolveu também o espírito presunço­
so, por causa da sua eleição. Interpretou erradamente o
grande amor de Deus. Julgava que a sua escolha e o
concêrto de Deus para com êle lhe garantia incondicio­
nalmente as bênçãos divinas. Esqueceu-se de seus pró­
prios compromissos para com Deus. Assim perderam o
sentido da sua nobre missão perante Deus. Ficaram ce­
O LIV R O D E A M óS 197

gos quanto à gravidade das suas transgressões e à sua


infidelidade.
III. Israel verificou a verdade de que o salário do
pecado é a morte. A nação eleita, com a sua incumbên­
cia divina, ricamente abençoada na sua história, orgu­
lhou-se, desviou-se, afastou-se de Deus, e na sua avare­
za e amor próprio revoltou-se contra a justiça divina, e
finalmente sofreu as conseqüências da sua infidelidade.
Não se preparou para o encontro inevitável com Deus.'
“Buscai-me e Vivei”, 5.4
“Buscai ao Senhor, e vivei, para que não se lance
na casa de José como um fogo e a consuma, e não haja
em Betei quem o apague” (5:6).
Com as críticas irônicas da religiosidade de Israel,
e as ameaças duras contra tôdas as formas de transgres­
sões do povo, o profeta apresenta à nação infiel êste apê-
lo eloqüente do amor imutável de Deus.
I. Buscai-me. O profeta nunca vacila na certeza de
que está transmitindo ao povo a mensagem do Senhor.
Apesar do perigo terrível do afastamento de Israel do
seu Deus da justiça, o profeta, representando a ordem
do Espírito do Senhor no seu coração, apresenta nestas
poucas palavras o verdadeiro caminho de salvação. Is­
rael deve abandonar a falsa confiança no Deus de Betei.
“Não busqueis a Betei, e não entreis em Gilgal, nem pas­
seis a Berseba.” Mas “o Deus de Betei” é mais indul­
gente, mais camarada. Êle aceita as ofertas do povo,
e não condena a vida de luxo. Não se interessa pelas
relações sociais do povo, enquanto recebe as ofertas e
a adoração do povo. Esta falsa noção de Deus e da re­
ligião era tão agradável e tão atraente que Israel não
podia abandoná-la.
II. Para que não irrompa na casa de José como um
fogo que consuma. Estas são palavras de admoestação
198 A . R . CRA BTREE

contra os resultados fatais da carreira pecaminosa. O


pensamento sôbre o julgamento de Deus não é agradá­
vel, porque não podemos crer que a justiça e a injustiça,
o bem e o mal recebam a mesma recompensa.
III. Buscai a verdadeira vida com Deus. “Assim
o Senhor, o Deus dos Exércitos, estará convosco, como
diteis” (5:14). O Deus dos céus e da terra, na sua ma­
jestade e grandeza, quer a nossa vida, o nosso amor. O
Senhor quer viver em nosso coração para que tenhamos
a vida abundante, a vida de comunhão com êle, e de
amor e fraternidade com o povo dêle. “A vida eterna é
esta: que te conheçam a ti só por único Deus verdadei­
ro” (João 17:3).
O Rio Perene da Justiça
“Antes corra o juízo como as águas, e a justiça co­
mo ribeiro perene” (5:24) . Êste é um dos grandes tex­
tos do Velho Testamento. Todos os pregadores de ex­
periência reconhecem a dificuldade de pregar satisfa­
toriamente sôbre as mais profundas passagens da Bíblia,
mas não devem negligenciá-las. Amós morava na ter­
ra árida da Judéia, onde caíam as chuvas apenas em
certos meses do ano, quando trouxeram uma vida nova
para as plantas, para os animais e grande alegria e gra­
tidão para os homens. Amós fala do ribeiro perene ou
do ribeiro poderoso? Qualquer uma das versões é rica
na descrição da justiça verdadeira.
I. A vida de justiça liga-se com a justiça* divina
Como o amor de Deus é a fonte do amor humano, assim
a justiça de Deus é a fonte da justiça humana. Mais
de três séculos depois de Amós, os grandes filósofos gre­
gos desenvolveram o seu sistema filosófico da vida éti­
ca. Mas o pastor de Tecoa, inspirado pelo Senhor dos
Exércitos, criador das leis físicas e morais, entendeu que
a justiça perene e poderosa do homem recebe a sua ins­
O L IV R O D E AMÓS 199

piração e o seu poder dinâmico da comunhão entranhada


com o Deus da justiça.
II. A vida de justiça é uma vida de atividade pere­
ne e poderosa. A vida com Deus diminui tôdas as qua­
lidades de atividade injusta até ao mínimo, mas aumen­
ta grandemente as responsabilidades e atividades no ser­
viço da justiça divina, nas atividades da igreja, na obra
evangelística, missionária e benéfica. “Êle te declarou,
ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de
ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência,
e andes humildemente com o teu Deus” (Miq. 6:8) .
III. A vida da justiça é governada pelo amor. Na
exposição do amor no Sermão do Monte, Jesus explica
como o amor ao próximo se manifesta na prática da jus­
tiça. Alguns pensam que haja a falta de amor nos sen­
timentos e na pregação do profeta Amós, mas o valor
que êle dava à pessoa do pobre e necessitado e o seu
conceito da justiça social representam o mais profundo
entendimento do verdadeiro amor. É verdade que o pro­
feta condenou severamente a injustiça e a infidelidade.
Mas o nosso Senhor Jesus Cristo, que nos trouxe a mais
perfeita revelação do amor de Deus, condenou com a
mesma severidade a infidelidade e a hipocrisia (Luc.
11:37-52).
A Visão de Deus
“Vi o Senhor, que estava em pé junto ao altar” (9:
1) . Não se sabe onde se achava Amós quando teve esta
visão do Senhor, mas é muito provável que estivesse em
Betei na ocasião quando o povo oferecia os seus sa­
crifícios ao Senhor. O profeta reconhece em tôda parte
da profecia que o povo de Israel estava longe do Senhor,
até nos seus cultos. Em contraste com o ambiente hi­
pócrita de Israel, o Senhor se apresenta ao profeta na
majestade da sua inexorável justiça. Que aconteceria ao
povo reunido no seu culto na igreja, se o Senhor apa-
200 A . R . CRA BTREE

recesse? Quando Amós falava, Deus estava com êle.


Quem é êste Deus que se apresentou ao profeta na visão?
I. l o Deus severo. Ê sempre severo na condenação
da hipocrisia, infidelidade e tudo que é falso. O próprio
Jesus foi severo na condenação de Corazim, Betsaida e
Cafarnaum, que desprezaram tantas oportunidades de
ouvir o Evangelho e conhecer a verdade divina (Luc.
10:13-15) . Foi igualmente severo na censura da hipo­
crisia dos fariseus (Luc. 11:42-44).
II. É o Deus Poderoso. Ê o Deus que faz a Plêiades
e o Õriom. Ê o Controlador de tôdas as fôrças físicas do
mundo. É o Deus que recompensa a justiça e a fidelida­
de e castiga a injustiça e a infidelidade. A raiz da per­
versidade de Israel foi teológica. Perverteu o seu con­
ceito do caráter de Deus até ao ponto de pensar que pu­
desse comprar os favores divinos com ofertas, sacrifí­
cios e cultos, com o privilégio de continuar na prática
da injustiça cruel para a satisfação da sua avareza. Do
Deus poderoso não se zomba.
III. A justiça de Deus concorda com, o 'propósito do
seu amor imutável. A escolha de Israel como nação sa­
cerdotal do Senhor foi motivada pelo propósito do seu
amor imutável. Israel foi escolhido como o povo de Deus
na condição de que representasse o amor e a justiça
de Deus entre tôdas as nações. Na sua perversidade e
infidelidade, Israel perdeu a capacidade de entender o
propósito do Senhor na sua eleição. Nem podia entender
o propósito da providência de Deus na correção que vi­
sava o treinamento do povo para o cumprimento da
sua nobre missão.
IV. O propósito do Senhor na eleição de Israel será
realizado, apesar do fracasso de Israel como nação. O
amor imutável do Senhor continuará a operar no espí­
rito dos fiéis para a realização final do plano de esta­
belecer o reino dó seu amor entre tôdas as nações do
mundo.
O L IV R O D E AMÓS 201

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

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W. R. Harper, Amos and Hosea, International Criticai
Commentary, 1905
S. R. Driver, The Books of Joel and Am,ós (Cambridge
Bible), 1954
R. S. Cripps, A Critical und Exegetical Commentary
on Amos, Macmillan Co., 1959
George Adam Smith, The Booh of the Twelve Prophets,
Harper and Brothers, 1940
Roland E. Wolf, Meet Amos and Hosea, Harper and
Brothers, 1945
Norman H. Snaith, The Booh of Amos, Epworth Press,
1946
Keil and Delitzsch, Minor Prophets, Vol. I, Erdmans
Publishing Company, 1954
Hugbell E. W. Fosbroke, The Interpreter’s Bible, V. VI,
Abingdon Press, 1956
John D. W. Watts, Vision and Prophecy, E. J. Brill,
Leiden, Netherlands, 1958
um grande pequeno
livro da bíblia
O livro do profeta Am ós, im propriam ente cla ssi­

ficado, com outros m ais, entre os profetas menores, é

sem dúvida um dos grandes livros da B íb lia embora não


o seja péla extensão de suas páginas, apenas nove ca ­

pítulos. Cresce de vulto a im portância dêsse livro quan-


■■
do consideramos que seu autor era homem humU#e,

sem letras, deixando-nos, não obstante, um a das ptoVe- 1


K • •* — %), , Vj
c ias m ais vigorosas e candentes nas palavras fiéis e ye -,-; j* »

razes que nos com unica. Certam ente Deus mesmo'*o

chamou.

Am ós profetizou quando ain d a parecia que a pros­

peridade nacional não sofreria qualquer solução de

continuidade. Sendo natural do sul, de Tecoa, Deus o

cham ou para exercer o seu m inistério no norte, em

Israel, sendo este fa to 'u lïvd o s pretextos para a hostili­

dade com que foi tratado.


x
Sua mensagem é viva e vívida, ainda, em nossos

d ias, A iniqüidade dos grandes, as in ju stiças sociais, a

opressão dos grandes e outros fenômenos so ciais da

época se repetem em nossos dias e por isto sua mensa­

gem se a p lica muito bem aos dias em que vivemos.

O saudoso mestre da B íb lia, Dr. A . R .'Crabtree, dei­

xou-nos nestas páginas um dos melhores com entários

do g raride pequeno livro de Am ós, sem ser, todavia, dos '

m ais longos. É o m ultum in parvo que o leitor estudioso

e ansioso pode aproveitar* em horas esparsas do seu tra­

balho. A d q u ira-o e verá.

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