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LADARIA
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O DEUS VIVO
E VERDADEIRO
O mistério da Trindade
TK<OLOGkA
Publicações de Teologia, sob a TOponsatiidxte d*
Faculdade de Teologia
CES — Centro de Estudos Superiores à Conpnkia de Jesus
C.P. 5024 (Venda Nova)
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Coleção Theologica
7. Eu creio, nós cremos. Tratado o $
J. B. Libanio, SJ
2. As lógicas da cidade
J. B. Libanio, SJ
3. Inculturação da fé. Uma abordagentedógica
M ario de França Miranda, SI
4. Nas fontes da vida cristã. Uma teologia d batismo-crisma
Francisco Taborda, SJ
5. Crer no amor universal. Visão históra, social e
ecumênica do uCreio em Deus to/"
Carlos Josaphat, 0P
6. Igreja, povo santo e pecadr
Álvaro Barreiro, SJ
7. O Deus vivo e verdadein
Luis F. Ladaria
8. A religião no inicio do miléio
J. B. Libanio, SJ
9. Olhando para o juturo
J. B. Libanio, SJ
10. uNum só corpo Tratado mistagógico sbn a eucaristia
Cesare Giraudo, SJ
11. O Cristianismo e as religiões. Do desenontfo ao encontro
Jacques Dupuis
12. A salvação de Jesus Cristo. A douma àa graça
Mario de França Mirana
13. Karl Rahner em perspectra
Pedro Rubens F. de Olhara
Claudio Paul
Luis F. Ladaria
0 DEUS VIVO
E VERDADEIRO
O mistério da Trindade
T ra d u ç ã o
Paulo G aspar de M eneses, SJ
T ítulo original:
El D ios vivo y verdadero — El mistério de la Trinidad
© E diciones Secretariado Trinitario 1998
Salam anca — Espanha
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ou banco de dados sem perm issão escrita da Editora.
ISBN: 85-15-02928-6 ;,
P R Ó LO G O ............................................. ....................................................... 11
ABREVIATURAS.......................................................................................... . 15
1. INTRODUÇÃO AO TRATADO............................................................. 19
Deus que se revela como objeto primário da teologia................. 19
A originalidade da noção cristã de D eus........................................ 23
O caráter central da fé no Deus uno e trino.................................... 27
O “esquecimento” da Trindade......................................................... 29
Sobre a estrutura do tratad o .............................................................. 33
O tratado sobre Deus na sistemática teológica........................ . 35
primeira parte
VISÃO HISTÓRICA
4. A PREPARAÇÃO DA REVELAÇÃO D O
D EU S TRINO N O A N TIG O TESTAM EN TO ....... ..............................123
A revelação d o nom e d e D e u s ................................................................124
A s fig u ra s de m e d ia ç ã o n o A n tig o T e s ta m e n to .................................127
segunda parte
DA “ECONOMIA” À “TEOLOGIA”
12. O C O N H EC IM EN TO “ NATURAL’ DE D EU S
E A U N G U AG EM D A A N A L O G IA ......................................................... 393
O co n h e cim e n to d e D eus a p a rtir d a c ria ç ã o ................................... 393
7. 0 conhecim ento de Deus a partir da criação na Escritura .... 394
2. 0 Vaticano I e o Vaticano II .............................................................. 396
A questão d a a n a lo g ia ........................................................................... 401
7. Algumas noções clássicas ..............................................................402
2. A crítica de K. Barth ea reação católica: a ‘analogia Christi” .... 408
3. A ‘m aior sem elhança’ segundo E. Jüng el..................................414
4. Conclusão: ‘m aior dissim ilitudo ’ na m aior proxim idade .........417
E P ÍL O G O ........................................................................................................... 421
ÍN D IC E O N O M Á S T IC O .................................................................................. 427
PROLOGO
11
O D EUS V IV O E VERDADEIRO
sua parte, comecem com facilidade a correr pelo vasto m undo em forma
de apontam entos de fiabilidade ao menos duvidosa. As conseqüências de
sagradáveis que podem derivar desse fato são evidentes. Assim, oferecer
um ponto claro de referência, em prim eiro lugar aos alunos, foi a primeira
finalidade que m e propus ao compor este texto. Dar-me-ei por satisfeito se
alcançar esse objetivo. Se o esforço resultar também ú til para outros, a
alegria será multiplicada.
Duas preocupações fundamentais guiaram-me na redação desta obra.
Em prim eiro lugar oferecer suficiente informação positiva, sobretudo dos
principais dados do Novo Testamento, da Tradição e do M agistério da
Igreja sobre o m istério do Deus imo e trino que se revelou em C risto, mas
tam bém das principais contribuições sistemáticas sobre o tema, que orien
taram na história a reflexão teológica ou exercem notável influência na
atualidade. A segunda preocupação foi articular esse abundante material
em um a síntese coerente que revele a relação intrínseca entre as diversas
questões estudadas. O mistério de Deus é incompreensível para nossa ra
zão humana, mas isso não impede que o ensinamento que a Igreja nos
oferece sobre ele seja profundamente harmônico. Tbda reflexão teológica
deve tentar pôr em relevo essa coerência interna, o nexus mysteriarum de que
falava o Concílio Vaticano I (DS 3016), embora não seja possível, em muitos
casos, eliminar o paradoxo. Isso nos servirá de perene lembrança de que o
esforço crente para dar razão da esperança (lP d 3,15) não pode jamais con
fundir-se com a pretensão de submeter tudo ao império de nossa razão.
Tomei do escrito mais antigo do Novo Testamento o título da obra (cf.
lTs 1,9). Esse é o Deus que, segundo Paulo, nós cristãos adoramos. A vida
e a verdade (veracidade) são propriedades divinas que já o Antigo Testamen
to destaca e que adquirem todo o seu significado na revelação de Jesus.
N ão é preciso insistir na importância que o dado bíblico, em especial
o neotestamentário, deve ter em toda exposição teológica, e em particular
na matéria que nos propomos a estudar2. 0 Novo Testamento dá testemu
nho de Jesus, que nos dá a conhecer o Pai e, depois de sua ressurreição e
exaltação, envia sobre seus discípulos o Espírito que repousou sobre ele.
Dediquei bastante espaço à evolução doutrinal dos primeiros séculos, de
capital interesse em nosso tratado. Colocando-nos na grande tradição
ocidental, embora muito boas razões ecumênicas nos obriguem a dirigir
nosso olhar também para o Oriente, não se podia de modo algum prescin
dir de dar amplo espaço à teologia trinitária de Sto. Agostinho e de Sto.
12
PRÓLOGO
3. C , por ex., ContraJulianum 1 3 ,9 (PL 44,645); II, 8,28 (693); TrinVl 10 11 (CCL
50, 241) Também Sto. TOM ÁS fez um uso abundante de H ilário em seu tratado sobre a
Trindade na Summa.
4. A. ORBE, El estúdio de los Santos Padres em la fbrmarión sacerdotal, In: R.
LATOURELLE (ed.), Vaticano II: balanceyperspectivas. Vemtkinco anos despues (1962-1987),
Salamanca, 1989, 1.037-1.046 (aqui 1.043): “Sem negar o valor a Sto. Ambrósio, sempre
será dogmaticamente mais instrutivo, embora mais difícil, Sto. H ilário. Q uem domina ao
bispo de Poitiers, adianta-se m uito na patrística. M uito mais do que se estendesse o campo
de estudos simultaneamente a todos os Padres ocidentais (exceto Sto. Agostinho)”.
5. Cf. A. AMATO (ed.) Trinhà in contesto, Roma, 1993; e também P. CODA; A.
TA PK EN (eds.), La Trinhà e il pensare. Figure, procorsi, prospettive, Roma, 1997.
13
O D E U S VIVO E VERDADEIRO
14
ABREVIATURAS
15
0 DEUS VIVO E VERDADEIRO
16
Questões preliminares
1
Introdução ao tratado
N ão parece difícil justificar que o tratado sobre Deus seja aquele que
mereça sobretudo e de modo mais estrito o qualificativo de “teológico”. E
claro que só a partir de todos os tratados teológicos podemos fazer uma
idéia global do mistério cristão, de Deus e da salvação que o Pai nos quer
outorgar em Jesus Cristo, seu Filho, e no Espírito Santo. Mas não há dúvida
de que, estando diretam ente ligadas a Deus mesmo as verdades que quis
revelar-nos para nossa salvação (cf. DV 2.6), corresponde a este tratado
uma prioridade sobre as outras questões que vão ser objeto de estudo da
teologia. Todas recebem sua luz do próprio Deus. N o estudo do tratado de
Deus, achamo-nos assim no centro da teologia.
Já no começo de sua Suma teológica*, Sto. Tomás pergunta sobre a
necessidade de uma doutrina fundada na revelação, distinta por conse
guinte das disciplinas filosóficas. A razão fundamental que apresenta para
justificar a e ris tê n ria dessa doutrina é o fim do homem. Com efeito, o ser
humano ordena-se para D eus, um fim que excede a compreensão da razão.
A esse fim devem os homens ordenar suas ações para que possam alcançar
a salvação. Tem de ser, por conseguinte, um fim conhecido de antemão,
praecognitus, pelo homem. Por isso faz falta a doutrina fundada na revela
ção, para que possam ser conhecidas pelo homem aquelas coisas que exce
dem a razão e que se referem a seu fim último. Contudo, a revelação foi
necessária por um segundo motivo: até mesmo as verdades que o homem 1
19
QUESTÕES PRELIMINARES
pode conhecer pela luz da razão são difíceis, requerem muita investigação,
não estão ao alcance de todos: não se chega a esses conhecimentos sem a
mescla de muitos erros. Por isso foi necessário que a revelação divina ins
truísse sobre eles. O Concílio Vaticano I, na Constituição Dei Filius, fez-
se eco dessas razões que Sto. Tomás já tinha aduzido (cf. DS 3.004-3.005).
No momento devido, voltaremos mais detidam ente a esse ponto.
A necessidade ou a conveniência da revelação funda-se unicamente no
fim a que Deus destina o homem. N ão se trata portanto de adquirir um novo
conhecimento por pura curiosidade. E um conhecimento, como diz o Con
cílio Vaticano II (DV 6), que tem por objeto o próprio Deus e os decretos
eternos de sua vontade acerca da salvação dos homens. A necessidade do
conhecimento de Deus, fundada na revelação, baseia-se portanto no que é
o único fim do homem, àquilo que o ser humano tende mesmo sem conhecê-
lo e que é o único que pode acalmar a intranqüilidade de seu coração2.
O conhecimento que vem da revelação, que o homem aceita pela fé,
é, segundo a terminologia de Sto. Tomás, sacra doctrina, que, embora dife
rente das demais disciplinas h u m an as, merece o nom e de “ciência”3. Essa
ciência especial tem a Deus por objeto, é theologia, “sermo de Deo”4. O
objeto dessa ciência tem a ver diretamente com a finalidade dela, isto é,
ajudar ao homem na consecução de seu fim, que é só Deus. A teologia tem
a ver, portanto, com Deus mesmo, porque embora se ocupe com outros
assuntos os estuda todos sub ratione Dei. Em todo caso, Deus é o tema da
teologia, seja porque ela trata diretamente do próprio Deus, seja porque se
ocupa das outras coisas enquanto se ordenam a Deus5. Portanto, o que nos
2. Agostinho, Conf. 11,1 (CCL 27,1) “Fedsti nos ad te et inquietam est cor nostrum
donee requiescat in te”.
3. STh, I 1,2: “E t hoc modo sacra doctrina est sdentia: quia procedit ex prindpiis
nods lumine superiore sdentiae, quae scilicet est sdentia Dei e t beatorum”. De novo a
referenda a Deus é fundamental para determ inar o caráter “científico” da teologia. N ão
entramos evidentemente agora no complexo problema do caráter dentífico da teologia. Cf.
P.CODA, Teo-logia. La parola di Dio nelleparole deWuomo. Epistemologút e metodologia teologica,
Roma, 1997,171-190.
4. STh. 1 1,7. A teologia tem a Deus por objeto, porém D eus, além disso, é de algum
modo seu “sujeito”. Parte da revelação, do que Deus mesmo nos diz, e tem como prindpio,
como recorda Sto. Tomás, a mesma d ê n d a de Deus.
5. STh 1 1,7: “Omnia autem pertractantur in sacra doctrina sub ratione Dei vel quia
sunt ipse Deus, vel quia habet ordinem ad Deum, u t ad prindpium et finem. U nde sequitur
quod Deus vere sit subjectum huius sdentiae. Quod etiam manifestum fit ex prindpiis
huius sdentiae, quae sunt articuli fidei, quae est de Deo” Bid. ad 2: “Omnia alia quae
determ inantur in sacra doctrina, comprehenduntur sub Deo”.
20
INTRODUÇÃO AO TRATADO
21
QUESTÕES PRELIMINARES
8. A G O STIN H O , Soliloquiorvm LIbid. 1 1,3 (PL. 32,870): “Deus, quem nemo quaerit
nisi admonitus”.
9. DV 4: “Com toda sua presença e manifestação, com suas palavras e suas obras,
sinais e milagres, e sobretudo com sua m orte e ressurreição gloriosa dentre os m ortos,
finalmente com o envio do Espírito de verdade, completa a revelação e confirma com o
testem unho divino que Deus vive conosco...”.
INTRODUÇÃO AO TRATADO
10. A teologia crista está sem pre mais consciente desse problema: vamos abordá-lo
no capítulo 10 sobre a unidade de Deus. Cf. A. MANARANCHE, II monoteísmo cristiam,
Brescia, 1988. Esse problem a não deveria ser passado por alto no diálogo com judeus e
muçulmanos.
11. CO N CÍLIO LATERANENSE, ano de 649 (DS 501): Si quis... non confitetur
trinitatem in unitate et unitatem in trinitate”. SCHEFFCZYCK, op. cit., 343ss.-344: a...
a fé cristã na Trindade entendeu-se sempre a si mesma como a forma mais elevada da fé em
um só D eus”. Cf. G regório NAZIANZENO, Or. 25,17 (SCh 284, 198).
23
Q UESTÕ ES PREUMINARES
12. Cf. VATICANO II, NA 2; AG 9,11; O T 16; JOÃO PAULO II, Redanptoris
Missio 28-29; 5S-S6; COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, El Cristianismo y
las Religiones,Citú dei Vaticano, 1997,40-45.
13. JOÃO PAULO D, na audiência de 25-09-1985; cf. btsegnamenti di Giovanni Paolo
II, 8, 2 (1985) 764.
14. H . U. von BALTHASAR, Ttodramática 3. Las personas dei drama: el bombre tn
Cristo, M adri 1993,486: “U m D eus puram ente transcendente (caso pudesse existir seme
lhante D eus) seria um m istério abstrato, puram ente negativo. Mas um D eus que em sua
transcendência pudesse ser tam bém im anente é um m istério concreto e positivo: na m e
dida em que se aproxima de nós, começamos a reconhecer quando está elevado sobre
nós, e na medida em que se nos revela em verdade começamos a com preender quanto é
incom preensível”.
24
INTRODUÇÃO AO TRATADO
santo que tudo abarca. Q uanto m aior é a revelação de Deus, maior é seu
mistério, m aior é o saber do não-saber, porque põe diante de nós a imensa
grandeza de Deus. £ tudo isso não é apesar da proximidade, mas justamen
te por causa dela. Isso podia valer, também, para a própria visão beatífica:
O que se sabe de Deus, sabe-se enquanto incompreensível: o que se sabe de
Deus é verdadeiramente sabido no último do conhecimento humano, só
quando seu caráter misterioso se sabe do modo mais alto; o supremo conhe
cimento é o conhecimento do mistério supremo enquanto talIs.
25
QUESTÕES PRELIMINARES
17. A impropriedade do term o é de todo evidente. Deus é por definição o “Ilim ita
do”, o que não conhece o limite. Assim, segundo Jo 44,24, Deus é espírito: a noção de
espírito nos indica predsam ente o incontrolável, o que o homem não pode abarcar. Segun
do ljo 1,5, Deus é luz, noção que claramente aponta também a plenitude sem lim ites.
18. C f. R. SCHNACKENBURG, Cartas de SanJüan, Barcelona, 1980,256-264, “El
amor como essenda de Dios”; T h SÖ D IN G , “G ott ist Liebe”, ljo h . 4,8.16 als Spitzensatze
Biblischer Theologie, in ID. (Org.) Der lebendige Gott. Studien zur Theologie des Neuen
Testaments (Festschrift W. Thüsing), M ünster, 1996, 306-357.
19. C f ARISTÓTELES, Metafísica, XU, 7-9,1072-1074 (ed. G. Reale, 562-584) [Edição
brasileira: Metafísica, XU, 7-9,1072-1074 (ed. G. Reale, 561-577), São Paulo, Loyola, 2002.]
20. Cf. E JÜ N G EL, Dias como mistério dei mundo, Salamanca, 1984,433 “A equipa
ração ‘Deus é amor’ é uma afirmação que preserva a divindade de Deus”.
26
INTRODUÇÃO AO TRATADO
Se a fé nos diz que Deus é o único fim do homem, e nos m ostra além
disso que a originalidade do conceito cristão sobre ele baseia-se em sua
característica última de ser o Deus amor, ou o Deus uno e trino, nada tem
de estranho que essa confissão constitua o centro da fé cristã. Segundo o
mandamento de Jesus em M t 28,19, o batism o é administrado em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Já esse fato mostra a relevância da fé
no Deus trino, pois em seu nome se entra na comunidade dos fiéis. As
antigas profissões de fé, os símbolos, têm em sua maioria uma estrutura
trinitária22. Pensemos em concreto no Símbolo apostólico e no niceno-
constantinopolitano. A confissão de fé no Pai, Filho e Espírito Santo pre
cede em todo caso a profissão de outras verdades, quando essas são
21. CEC 234, trad. do Cathecbismus Catbolicae Ecclesiae, C ittà dei Vaticano, 1997,71.
Repete-se a idéia de forma sintética no n° 261, acrescentando sigmfícadvamente a estrita
necessidade da revelação desse m istério para que possamos conhecê-lo. “O mistério da
Santíssima Trindade é o m istério central da fé e da vida cristã. Somente Deus pode dar-nos
a conhecer, revelando-se com o Pai, Filho e Espírito Santo* (Ibid. 79). O utras confissões
cristãs confessam também essa centralidade do m istério de Deus uno e trino. Assim,
o Conselho Ecumênico das Igrejas define-se a si m esm o com estas palavras: “O Conselho
Ecum ênico das Igrejas é um a sociedade fraterna (feüawsbip) de Igrejas que confessam ao
Senhor Jesus C risto como D eus e Salvador segundo as Escrituras e se esforçam por respon
der juntas a sua comum vocação para glória do único D eus, Pai, Filho e E spírito Santo” (cf.
J. VERCRTJYSSE, Introduzione atta teologia ecumenica, Casale M onferrato 1992, 51).
22. Igualm ente a “reg ra de féw apresentada pelos antigos escritores: cf. por ex.,
IR IN E U ,i4to. Haer. 1 10,1 (SCh 264,154-156); TER TU LIA N O , Adu. Prax. 2,2 (Scarpar,
144-146) etc.
27
q u e s t õ e s p r e l im in a r e s
23. Cf. os exemplos aduzidos em DS 1-64. Alguns desses símbolos têm uma forma
interrogativa, que reflete o mesmo esquema (cf. DS 36,61-64).
24. Cf. DS 71-75. Especialmente im portante entre esses símbolos é o chamado
Quicumque, DS 75, provavelmente da prim eira metade do século V
25. Segundo a antíga fórm ula do Concílio de H ipona (ano 393): “cum altari adsisntur
semper ad Patrem dirigatur oratio”. Cf. B. NEUNHAUSER, “Cum altari adsistitur semper
ad Patrem dirigatur oratio” Der Kanon 21 des Konzils vm Hippo 393. Seine Bedeutuag und
Nadrairkung, Aug. 25 (1985) 105-119.
26. C f. BASÍLIO de Cesaréia, De Spiritu Sancto, I 3 (SCh 17 bis, 256). Ambas as
fórmulas são corretas segundo o bispo de Cesaréia.
27. Cf. CIPRIANO, De orat. dom. 23 (PL 4.553); A G O STIN H O , Sermo 71 ,20-33
(PL 3 8 ,463s);João DAMASCENO, Ado. lconocl. 12 (PG 96,1.358). Ver N . SILANES, La
Iglesia de !a Trinidad. La Ss. Trmidad en el Vaticano U, Salamanca, 1981.
28
INTRODUÇÃO A O TRATADO
não podem ser respondidas sem uma visão adequada do mistério do Deus
uno e trino. Chegamos ao mistério de Deus através da história da salvação,
mas ao mesmo tempo a exigência de esclarecer esse mistério vem da pró
pria historia salutis, que ficaria sem fundamento sem essa consideração do
que é Deus em si mesmo.
O “ESQUECIMENTO” DA TRINDADE
29
Q U ESTÕ ES PRELIMINARES
30
INTRODUÇÃO AO TRATADO
31
Q U ESTÕ ES PRELIM INARES
38. Sobre esse conjunto de problemas ver G. A N G ELIN I, II tema trim táno nella
teologia scolastica, ScCat 116 (1990) 31-67.
39. Um exemplo desse esquecimento relativo. Sto. TOM AS (STh D l 23,2) chega a
afirmar que a invocação do “Pai nosso” dirige-se às três pessoas divinas e que convém à
Trindade inteira a adoção dos homens como filhos de Deus. Cf. AGOSTINHO, Trm V,
11,12 (CCL 50, 219).
32
INTRODUÇÃO A O TRATADO
33
Qu e s tõ e s p r e l im in a r e s
34
INTRODUÇÃO AO TRATADO
46. Assim em Th. SCH N EID ER (ed.) Handbuch der Dogmatik, Düsseldorf, 1992, 2
vols., a Trindade aparece no final, ainda que precedida p o r um tratado sobre D eus. A
coleção que se começa a publicar Katoliscbe Dogmatik de L. SCHEFFCZYCK e A.
ZIEGENAUS, coloca o tratado de Deus (cf. n. 7), o prim eiro publicado, no volume 2 da
série, depois da Introdução. Disposição semelhante adotaram em seu tempo J. AUER e J.
RATZINGER, Kleine katholische Dogmatik. O tratado de D eus aparece também no começo
da dogmática em Mysterium sakuis. W. PANNENBERG colocou-o também no começo da
dogmática em sua Systematische Theologie. G. I. M ÜLLER, Katholische Dogmatikfür Studium
und Praxis der Theologie, Friburg-Basel-W ien, 1996, coloca um capítulo sobre a relação de
Deus criador como o Deus de Israel e o Pai de Jesus, depois da antropologia e da criação;
seguem a cristologia e a pneumatologia, e depois desses tratados a Trindade vem a signi
ficar uma espécie de conclusão de um bloco teológico-cristológico, antes de mariologia,
escatologia, eclesiologia e sacramentos. Também W. BETNERT (ed.), Glaubenszugänge,
Lehrbuch der katb. Dogmatik, Paderbon-M ünchen-W ien-Zürich, 1995, coloca o tratado de
Deus no começo, combinando as m atérias dos tratados tradicionais (W. BREUNING,
Gotteslebre, v. I, 201-362). A coleção Sapienúa Fidei a coloca no começo dos tratados dog
máticos. O Corso di Teologia Sistemática a situa depois do volume introdutório e da teologia
fundamental. B. LAURET e F. REFOULÉ (eds.), Initiation à la pratique de la Tbéologie,
Paris, 1982, 5 vols., a colocam ao final da dogmática (vol. 3, 225-276). Sobre alguns aspec
tos da história da questão pode-se ver SCHEFFCZYCK, op. cit., 206-210.
47. Cf. G. COLOMBO, “Teocentrismo” e acristocentrism o,\ Teologia 6 (1991) 293-
306. “Não se pode falar do Deus cristão ignorando Jesus C risto, nem se pode falar de Jesus
Cristo antes que de Deus”.
48. Cf. o n. 44 especialmente nas páginas 379-380 da obra.
Q U ESTÕ ES PRELIMINARES
36
2
A relação entre a Trindade “econômica”
e a Trindade “imanente”
37
QUESTÕES PRELIMINARES
D eus uno e trino revela-se na “economia”, tal como é sua vida imanente:
através da revelação de Cristo tem os um verdadeiro acesso à “teologia”. A
formulação desse princípio e a discussão a que deu lugar produziram uma
renovada tomada de consciência na teologia dessa verdade já antiga: só a
partir da revelação acontecida em Cristo tem sentido que falemos do Deus
trino. Dissemos que a verdade é antiga: a Trindade é uma verdade de fé,
irredutível a partir de qualquer conhecimento de Deus que possamos ad
quirir a partir das coisas criadas: assim o considera explicitamente, entre
m uito outros, Tomás de Aquino5. E evidente que não podemos considerar
as coisas de outra maneira. Os esforços iniciados por Agostinho, e que
continuaram na teologia medieval, por encontrar nas realidades criadas
pegadas — vestigu? — da Trindade, que às vezes dão a impressão de ser
deduções racionais, são com freqüênda tentativas de explicação que su
põem o universo da fé, que certamente não podemos compreender com
nossas categorias atuais5. Podem contudo mostrar, à luz da fé em Jesus,
que o Deus uno e trino do qual tudo procede não está longe de nós nem
de nosso mundo: permanecendo o princípio da indedutibilidade da Trin
dade a partir da criação, podemos encontrar em nossa experiência humana
elementos que, ao ser iluminados pela fé, nos abrem ao menos inicialmen
te para o sentido profundo do que somos. As “sementes do Verbo”, os
fragmentos da verdade que o Logos derramou no mundo6 têm a ver cer-
tam ente também com a Trindade, ainda que não a dêem a conhecer expli
citamente.
“A Deus ninguém viu, o Filho unigénito que está no seio do Pai no-
lo deu a conhecer” (Jo 1,18; cf. lT m 6,16). A revelação do mistério de
Deus em toda a sua profundidade acontece unicamente em Jesus. Só pela
fé nele temos acesso a esse mistério, só se cremos nele como o Filho de
Deus podemos ver nele o Pai (cf. Jo 14,9). Essa revelação nos dá acesso ao
mistério de Deus enquanto o mesmo é o mistério de nossa salvação. O
Vaticano II estabelece uma clara conexão entre a revelação de Deus e a
revelação da verdade salvífica (cf. Vaticano D, Dei Verbum 2.6). Só Deus é
a salvação do homem. O conhecimento do Deus trino, enquanto verdade
38
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE 'E C O N Ó M IC A ' E A TRINDADE 'IM A N E N TE '
de fé, só nos é acessível portanto pela revelação feita por Jesus, porque nele
é o Deus mesmo que se revela. Isso implica que o D eus que se revela
mostra-se a nós tal como é. Senão, não havería revelação verdadeira. A
revelação cristã é a revelação de Deus e de seu desígnio salvífico. Ora,
segundo a Constituição Dei Verbum, esta revelação se realiza com as pala
vras e as obras, especialmente com as de Jesus: "... com o feto mesmo de
sua presença e com a manifestação que realiza de si mesmo as palavras e as
obras, com os sinais e os milagres, e especialmente com sua morte e ressur
reição dentre os mortos, e finalmente com o envio do Espírito Santo, cum
pre e completa a revelação” (DV 4; cf ib. 2). A revelação de Deus, enquanto
revelação salvífica em si mesma, acontece na realização mesma de nossa
salvação por obra de Jesus C risto. Os dois aspectos são inseparáveis7. Co
nhecemos a misteriosa e luminosa realidade do Deus trino pela revelação
salvadora que em Cristo faz de si mesmo. O modo como a Trindade se
apresenta a nós na economia da salvação deve refletir portanto como é em
si mesma8. Parece que essa reflexão se impõe. D o contrário, a salvação do
homem não seria Deus mesmo, deveria ser buscada em outro lugar, ou o
Deus que se revela e nos salva não é o que é em si mesmo; o que eviden
temente não concorda com a fé cristã.
N ão parece que a esse m odo de raciocinar possa opor-se o princípio
da ação unitária das três pessoas divinas frente ao mundo e aos homens, ad
extra, de tal maneira que essa atuação, enquanto unitária, não possa refletir
a Trindade em si mesma. Certam ente o princípio da atuação unitária de
Deus tem de ser mantido. N ão teria sentido que as pessoas divinas atuas
sem “separadamente” umas das outras. Mas ao mesmo tem po deve-se evi
tar dar a esse princípio explicações exageradas, que levem em conta que o
único princípio que é Deus tem sempre a distinção em si mesmo. Em toda
atuação de Deus fora de si, ad extra, agem unitariamente as três pessoas
divinas. Deus é um só princípio da criação e da história da salvação, não
poderemos nunca falar de três princípios. Mas daí não se pode deduzir que
39
QUESTÕES PREUMNAHES
9. Cf. Tomás de Aquino, STh I q. 39, a. 7, que define a apropriação como “a mani
festação da pessoa por meio de atributos essenciais”. A tributos essenciais são os que corres
pondem à única essência divina. Fique claro que tudo o que dizemos aqui sobre as apropri
ações não significa em absoluto questionar seu uso e sua legitimidade. Trata-se só de fazer
ver que só à luz do que é próprio das pessoas podemos “apropriar-lhes” o que corresponde
de seu aos três. Em nosso capítulo sobre a noção de pessoa voltaremos a falar das “apro
priações”.
10. Cf. o resumo da pneum atologia de Atanásio e dos Capadócios em H . U . von
BALTHASAR, Tbeologik m . Der Geist der Wabrbeit, Einsiedeln, 1987,114-116. É interes
sante notar que o CIC 2S8 assinala que cada pessoa realiza a operação comum segundo sua
propriedade pessoal. Funda-se para isso no H Concílio de Constantinopla (DS 421), texto
que analisaremos em seu momento.
11. Cf. RAHNER, op. cit., 372ss.
40
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE “ECONÔMICA” E A TRINDADE "IMANENTE"
41
Q U ESTÕ ES PRELIM INARES
mos por que colocar a questão se o Pai ou o Espírito Santo poderiam ter-
se encarnado, porque a revelação não nos oferece apoio suficiente para tais
especulações15. Mas alguma das razões aduzidas para afirmar a possibilida
de teórica da encarnação de qualquer uma das três pessoas pode dar-nos
ocasião para alguma reflexão. Com efeito, uma das principais razões pa
ra afirm ar a possibilidade da encarnação de qualquer das pessoas era, para
Sto. Tomás, o fato de que a ratio personalitatis é comum nas três pessoas,
ainda que sejam evidentemente distintas as propriedades pessoais de cada
uma delas16. M as, embora antecipando desde já questões que deveremos
desenvolver detidam ente mais adiante, podemos efetivamente duvidar que
o term o hipóstase, ou pessoa, signifique exatamente o mesmo quando apli
cado ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Os “números” em Deus são
sempre problemáticos, tudo nele é irrepetível17. E claro que a terminologia
das três pessoas, consagrada pela tradição, é sem dúvida não só legítima,
mas também necessária. De alguma maneira, temos de designar os “três”
que a fórmula batismal e as confissões de fé mencionam18. Mas devemos
ser conscientes da dificuldade que acarreta o uso dos plurais aplicados a
Deus. Se for assim, não é ilegítimo pensar que a comunicação de Deus ao
mundo pôde realizar-se em forma de união hipostática porque esse modo
convém ao m odo de ser “hipóstase” da segunda pessoa, enquanto a comu
nicação do Espírito Santo não ocorre nessa forma porque ela não cor
responderia à sua peculiaridade pessoal19.
de Alexandria: o Filho é o prosopon do Pai, Paed. 1,57,2 (FP 5,192) Strom. V 24,1 (Sch 278,
80); VH 58,3 (CGS 17,42) fiar. Tbeod. 10,5; 12,1; 23,5 (SCh 23,80; 82; 108) TERTULIANO
fala do Filho com o a “fácies” do Pai, Ado Prax. 14, 8-10 (ScarpaT 180-182), embora se
trate de um texto m uito difícil. Voltaremos a esses textos ao tratar especificamente da pes
soa do Filho (cap. 10).
15. Esse tem a não costuma ser m otivo de reflexão entre os autores atuais. Defende
a possibilidade teórica dessa encarnação G . M. SALVATI, Teologia trmitaria delia croce, Tbri-
no, Leumann, 1987, 98-104, na discussão com a opinião contrária de RHANER em MySal
n/1, 375-378; tam bém Grundkurs des Glaubens, Friburg-Basel-W ien, 1976, 213-214.
16. Cf. nota 12.
17. Cf. BALTHASAR, Tbeologik III. op. á t., 110-113, com abundantes citações
patrísticas sobre a questão. C f sobretudo BASILIO de Cesaréia, De Spiritu Soneto, 18,44-
45 (SCh 17 bis, 402-408); também J. M OLTM ANN, Trinität und Reich Gottes, Munique,
1980, 204, fida do princípio trinitário da irrepetibilidade, Einmaligkeit. Sem entrar aqui na
discussão do uso concreto do princípio, deve-se convir que se aponta para um verdadeiro
problema. Voltaremos a essa questão no nosso capítulo dedicado à noção de pessoa (c. 9).
18. Cf. A G O STIN H O , Trm, V 9-10; VH 4,7 (CCL 50, 217; 256-257).
19. Cf. RAHNER, op. cit., 374, que, em bora entre interrogações, usa expressões
mais fortes do que as que utilizamos: “a ‘peculiaridade’ dessa comunicação, enquanto está
determinada pela peculiaridade da segunda pessoa [...] depende do caráter próprio da ter
ceira pessoa”.
42
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE "ECONÔMICA" E A TRINDADE "IMANENTE"
20. Ibid., 378; cf. também do m esmo autor, Grundkurs des Glaubens, Friburg-Basel-
W ien, 1976, 211-225.
21. Cf. ibid., 376. làm bém W. KASPER, Der Gatt Jesu Christi, M ainz, 1982, 335.
22. Cf. nota 39 do cap. anterior. Também sobre a adoção filial cf. STb H l 32,1; 45,4;
1 33,3.
23. Cf. L. F. LADARIA, Teologia deipecado originaly la gracia, M adrid, 1993,231-266.
24. Cf. JO Ã O PAULO II, Dominum et Vivificantem, n. 10.
43
QUESTÕES PRELIMINARES
25. Embora seja verdade que esse último título se atribui em geral a Jesus, o N ovo
Testamento o refere também a Deus Pai (cf. lT m 1,1; 2,3; 4.10; T t 1,3; 2,10; 3,4; Jd 25).
26. COMISSIO TH EO LO G ICA IN TERN A TIO N A LIS, Theologia-Christologia-
Anthropologia, Greg 64 (1983), 5-34, 10.
44
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE “ECONÔMICA" E A TRINDADE “IMANENTE"
27. Assim o afirma claramente K . RAHNER, op. cit., 380: essa comunicação é “livre
e não devida”. A Comissão lèológica Internacional (cf. o texto ao qual se refere a nota
anterior) utiliza os mesmos termos. C f. também, para a discussão do axioma, KASPER, op.
cit., 333ss.; SCHEFFCZYCK, op. cit., 294-312, sobre a identidade e a distinção entre a
Trindade econômica e a imanente.
28. Cf. CO N CÍLIO VATICANO L Const. Da Filha (DS 3.002).
29. Distinção que o próprio R ahner reconhece ao assinalar que a Trindade econôm i
ca e imanente não se distinguem adequadamente. Cf. nota 8.
45
QUESTÕES PRELIMINARES
46
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE "ECONÔM ICA' E A TRINDADE ‘ IMANENTE"
47
Q UESTÕ ES PRELIMINARES
48
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE "ECONÔM ICA" E A TRINDADE "IMANENTE"
42. Claro que há uma diferença qualitativa entre nosso conhecimento de Deus na
visão beatífica na outra vida e nosso atual conhecimento; assim o mostram os textos bíbli
cos citados. Cf. também DS 1000 entre outros. (Poderíamos multiplicar as passagens da
Bíblia ou do magistério.) Mas ainda assim é possível afirm ar que mesmo então não podere
mos abarcar plenamente a Deus. Cf. Sto.TOMÁS DE AQUINO, Exposição sobre o símbo
lo dos apóstolos, 12, Opus tbeol. 2, que por sua vez dta AGOSTINHO: aTòtum gaudium non
intrabit in gaudentibus, sed toti gaudentes intrabunt in gaudium”. G . GRESHAKE, Der
dreieme Gott, 518: ttA dara manifestação de Deus como tal, pressupõe o fim da história”.
43. Cf. CONGAR, op. cit., 460. Do mesmo, La Parola e üsoffio, Roma, 1985, 131.
44. BALTHASAR, Teodramática UI. El bombre en Cristo, M adrid, 1993, 466.
45. Ibid., 467. Cf. também Teodramática IV. A ação, M adrid, 1996,295-296. Cf. tam
bém entre os recentes autores católicos, J. WERBICK, D outrina trinitaria, in T h . SCH-
49
Q U ESTÕ ES PRELIM INARES
N EID ER (ed.) Nuovo curso di dogmatica, Brescia, 1995, v. II, 573-683, 624-636; STA-
GLIANÒ, II mistero dei Dio vivente. Per uma teologia deWAssoluto trinitario, Bologna, 1996,
482-493; B. J. HILBERATH, Pneumatologia, Brescia, 1996,196-200; M . GONZALEZ, La
relation entre Trinidad económica y Trinidad 'mmanente. El “axiomafundamental” de Rahnery
su réception. Lineas para continuar la reflexion, Roma 1996; G . LAFONT, Peut-on connaître
Dieu en Jésus-Cbrist? Paris 1969. 171-228. N o curso de nossa exposição veremos como
colocaram a questão os teólogos protestantes.
50
A RELAÇÃO ENTRE A TRINDADE "ECONÔMICA" E A TRINDADE "IMANENTE"
etema em que o Pai diz ao Filho: “Tu és meu Filho, hoje te gerei” (SI 2,7; At
13,33; Hb 1,5; 5,5 e Lc 3,22)*.
46. Tbeologia — Cbristologia — Antbropologia (cf. nota 25), 10-12. U tilizo a tradução,
modificando-a em alguns pontos, de Documentos 1981-1985, 12-13.
47. HILÁRIO de Poitiers, Trin IX, 38 (CCL 62,412) já falava da dispematimis novitas,
a “novidade” que a economia salvífica causa às relações entre o Pai e o Filho. C f também
as reflexões de GRESHAKE, op. d t., 323ss., para quem a Trindade imanente se fez para
sem pre econômica. O mesmo Greshake adverte para o perigo de dissolver o ser de Deus
na H istória (ibid.). Se hão de salvar, ao mesmo tempo, a transcendênda divina e o fato de
que D eus permanece “afetado” pela encarnação.
51
Q UESTÕ ES PRELIMINARES
a vida divina da Trindade imanente; Deus não quis ser sem nós. Isso não
quer dizer que a Trindade seja aperfeiçoada pela economia ou que essa lhe
proporcione algo de que carecia. A novidade está em que nas relações
constitutivas da Trindade entrou o Filho enquanto homem, Jesus, que
nasceu, morreu e ressuscitou. Deus vive os mistérios salvíficos como pró
prios, não como alheios. A economia não constitui o D eus trino nem o
aperfeiçoa, mas isso não quer dizer que nada signifique para ele. A Trinda
de imanente, na soberana liberdade de seu amor, é o fundam ento da his
tória da salvação, mas por sua vez essa tem uma certa repercussão no ser
divino. Os mistérios salvíficos são mistérios próprios de Deus — ele mes
mo e só ele opera neles — e só eles podem dar-nos a conhecer Deus e
fazer-nos participantes de sua vida.
52
primeira parte
VISÃO HISTÓRICA
A
Arevelação de Deus em Cristo e
sua preparação no Antigo Testamento
3
A revelação de Deus na vida de Jesus.
Estudo bíblico-teológico
55
VISÃO HISTÓRICA
Pelo fato de ter enviado ao mundo Jesus seu Filho, e ter enviado
também a nossos corações o Espírito de seu Filho, Deus fez-nos filhos
seus, fez-nos participantes de sua vida; com isso nos abriu o m istério do
Deus uno e trino. Já notamos que nosso conhecimento de D eus vai unido
ao dom que ele nos faz. Deus se nos revelou vindo a nós, enviando-nos seu
Filho e seu Espírito Santo. O Novo Testamento feda-nos dessa dupla mis
são. Tanto o Filho como o Espírito Santo foram enviados por Deus, e o
texto de gálatas que acabamos de citar coloca em paralelo as duas missões.
Em diferentes momentos de nossa exposição recordaremos a dificuldade
que supõe aplicar a Deus o plural. Também nesse caso temos de estar
conscientes desse problema. Porém aqui, mais do que em outros momen
tos, é a linguagem do Novo Testamento que nos autoriza a esse uso e ainda
nos induz a ele. Emprega-se exatamente o mesmo termo para indicar o
envio ao mundo do Filho e do Espírito Santo (èÇairecrretX.ey). E claro,
por outra parte, que as características de uma e de outra missão são muito
distintas. Já alude a isso a mesma passagem de gálatas a que nos referimos
quando diz que o Espírito Santo foi enviado aa nossos corações”. Se a
missão de Jesus coincide com a encarnação, com sua entrada na vida hu
1. Tratamos de não repetir os conteúdos que são mais próprios dos manuais de cris-
tologia. De qualquer m odo, os pontos de contato são evidentes e as fronteiras não podem
ser sinalizadas com precisão.
56
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
Deus enviou Jesus, seu Filho, ao m undo. A idéia, com diversas formu
lações, repete-se com frequência no N ovo Testamento (além de G14,4 e,
sem pretensão a exaustividade, Mc 9,37; M t 10,40; Lc 4,43; 9,48; Rm 8,3;
Jo 3,17; 5,23; 6,57; 8,42; 17,18; tpasshn em jo ; ljo 4,9s.l4). Deus (o Pai)
tom a a iniciativa nessa missão. O amor de Deus pelos homens é a única
razão desse envio do seu Filho ao mundo: “Eis como se manifestou o amor
de Deus entre nós: D eus enviou seu Filho único ao mundo para que vivês
semos por meio dele” (ljo 4,9; cf. Jo 3,16). Esses textos de missão, que
estão em muitas ocasiões perto dos que afirmam a preexistência de Cristo,
implicam e pressupõem o conhecimento de toda a vida de Jesus. A partir
da vida de Jesus, de seus feitos e de suas palavras até sua m orte e ressurrei
ção, chegou-se à idéia de que ele é o Filho que foi enviado ao mundo pelo
Pai, e não ao contrário. Ao mesmo tem po, em Jesus, no Filho, se conhece
o Pai. Os dois term os são estritamente correlativos. Na aparição histórica
de Jesus, o Filho, tem lugar a revelação de Deus como Pai.1
já daram ente como conhecido, ao menos até certo ponto, é o que em Jesus
seu Filho se nos revela como “o Pai”. Por conseguinte, o Deus do Antigo
Testamento é antes de tudo o que nós cristãos chamamos o Pai. O Deus
que envia Jesus identifica-se como o único Deus de Israel (cf. Mc 12,26;
12,29 e paralelos. D t 6,4s; M t 4,10; IC or 8,6; lT m 2,5; Jo 5,44; 17,3). A
ele se refere na imensa maioria dos casos o Novo Testamento quando se
fala de Deus2. Ele é o Deus cuja proximidade anuncia Jesus ao proclamar
a iminência da chegada do Reino, ligada à sua mesma pessoa (cf. M c 1,15;
M t4,17; 12,28; Lc 11,20; 17,21 entre outras muitas passagens). Algo pa-
reddo observaremos no uso da Igreja antiga que ainda a liturgia segue em
grande medida. Fundados no uso de Jesus e em seu ensinamento explícito,
nós, cristãos, chamamos esse Deus de “Pai”. Antes de deter-nos no estudo
da idéia da paternidade divina no Novo Testamento, um rápido olhar no
Antigo Testam ento vai permitir-nos avaliar a originalidade desse modo de
dirigir-se a Deus, próprio de Jesus, e, consequentemente, do uso cristão
dessa denominação3.
Deve-se constatar antes de tudo que o Antigo Testamento utiliza re
lativamente pouco a idéia de paternidade para referir-se a Deus, talvez
porque esse motivo podia aparecer ligado a representações incompatíveis
com a fé de Israel4. Além dessa reserva geral, deve-se também ter presente
que são escassas as ocasiões em que a idéia da paternidade de Deus se
relaciona com a criação ou se considera fundada nela (cf. M l 1,6; 2,10, mais
claro; Is 45,10s; cf. também, muito mais de longe, SI 29[28],1; 89[88],7). A
idéia da paternidade divina ligada à criação pode perverter-se ao aplicar-se
aos ídolos: “disseram a um tronco: é meu pai, e a uma pedra: tu nos deste
à luz” Qr 2,27).
58
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA D E JESU S. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
5. Cf. GARCÍA LÓPEZ, op. cãt., 52ss; L. ARMENDARIZ, E l Padre m aterno, EstEcl
58 (1983) 249-275); S. dei CURA, D ios Padre/M adre. Significado e implicadones de las
imágenes masculinas y femininas en D ios, EstTrin 26 (1992) 117-154; J. BRIEND, Dieu
dans rÉcriture, Paris, 1992, 71-90; A. AMATO, Patem ità-m atem ità de D io. Problemi e
prospetive, in ID . (ed.) Trinità in contesto, Roma, 1993, 273-296; nesses estudos encontra-
se ulterior bibliografia. Cf. JOÃO PAULO H, Dhres in misericórdia, 4, n. 52, cf. AAS 72
(1980) 1.189s, com referenda ao vocabulário e aos textos do A ntigo lèstam ento. Já PAU
LO I expressara a idéia em sua famosa alocução de 10 de setembro de 1978: cf. Insegnamenti
di Giovanni Paolo I, Città dei Vaticano 1979, 61s.
59
VISÃO HISTÓRICA
60
A REVELAÇÃO DE DEUS N A V1DA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
8. Cf. JEREM IAS, op. c it, 37-73; SCHLOSSER, op. c it, 208s., e as outras obras
citadas na nota 3.
9. Cf. SCH LO SSER, op. cit., 130-139; 203-209.
10. Cf. a análise exaustiva de G . SCH N EID ER, El Padre de Jesus, Vision bíblica, in
W . AA. Dios es Padre, 59-100.
11. Cf. ibid., 205, que matiza a conhecida tese de J. JEREM IAS, op. c it, 66.
61
VISÃO HISTÓRICA
62
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BiBLICO-TEOLÓGICO
outro lado m ostra a novidade: o Deus criador é o Pai de Jesus, que tudo
realiza m ediante seu Filho (cf. também Cl l,15ss; H b 1,2-3; Jo 1,3.10). De
Deus Pai vem também a iniciativa da missão de Jesus a este mundo, como
também sua última vinda (lT m 6,14; At 3,20). A paternidade de Deus é
posta em relação de modo muito especial com a ressurreição. Paulo vê a
Deus como o Pai do Senhor ressuscitado (cf. 2Cor 1,13; 11,31; Ef 1,17; F1
2,11; Rm 6,4). Desde então o D eus cristão não é senão o Pai de Jesus (E f
1,2-3; lP d 1,3: “Bendito seja D eus e Pai de Nosso Senhor Jesus C risto”).
O título de “Pai” de Jesus fica assim incorporado definitivamente à confis
são do Deus cristão. Nossa profissão de fé começa por proclamar um só
Deus, Pai Tòdo-poderoso. N o final dos tempos, Jesus entregará a Deus
Pai o reino, e quando se lhe tenham submetido todas as coisas o próprio
Jesus se submeterá a quem tudo submeteu, para que Deus seja tudo em
todas as coisas (cf. IC or 15,24-28).
Na vida inteira de Jesus, e em particular em sua morte e ressurreição,
produz-se a revelação de Deus como Pai. Por essa razão não podemos
encerrar aqui o tratamento da questão, que apenas começamos. Em nosso
estudo dos mistérios da vida de Jesus devemos voltar inevitavelmente a
diferentes aspectos da revelação do Pai. Ele é, como já vimos, o que enviou
Jesus, mas também o ponto total e constante de referência de toda a vida
de Cristo. M as desde o primeiro instante nos encontraremos também com
a ação do Espírito Santo. A revelação das três pessoas divinas acontece de
modo simultâneo. Mas não será demais notar, antes de passar adiante, que
a revelação de Deus como Pai que envia Jesus equivale à revelação de Deus
como amor. Graças a essa revelação, Deus — prim ariamente o Pai, dado
o contexto — é definido como “amor” em ljo 4,8 e 16:
Queridos, amemo-nos uns aos outros, já que o amor vem de Deus e todo o
que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conheceu a
Deus, porque Deus é amor. Nisso manifestou-se o amor que Deus nos tem: em
que Deus enviou seu Filho único ao mundo para que vivamos por meio dele.
Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, senão em que
ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação por nossos pecados [...] Nós
conhecemos o amor que Deus nos tem e cremos nele. Deus é amor e quem
permanece no amor permanece em Deus e Deus nele (ljo 4,7-10.16).
63
VISÃO HISTÓRICA
morte para dar a vida aos homens”1 1435. Daí que esse amor passe a ser tam
bém o distintivo dos filhos de D eus, e sobretudo do Filho por antonomásia
que é Jesus. H á uma relação íntim a entre o amor e a filiação divina. Ainda
que a linha do pensamento joanino pareça mover-se aqui para a participa
ção do amor de Deus por parte dos homens, não há dúvida de que há uma
clara mediação cristológica. Precisamente com ela manifesta a relação es
pecial dessa revelação do amor com Jesus e como na entrega dele por nós
acontece essa manifestação do amor, “definição divina”. “Deus ama a pon
to de entregar o que lhe é tmis querido, a fim de salvar os homens. Nesse
dar e dar-se a si mesmo, nesse compadecer-se e querer salvar, está o ver
dadeiro amor, e é justamente esse amor o que constitui sua essência.”14N o
amor que se manifesta precisamente na doação de Jesus vislumbra-se um
novo modo de ser amor de Deus ad intra. O Novo Testamento, em con
creto essas passagens da primeira carta de João, abrem-nos o mistério da
vida intradivina a partir da revelação que teve lugar em Jesus.
64
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÓ GICO
65
VISÃO HISTÓRICA
17. É a úmca vez em que Paulo em p rep essa expressão; em geral fala do “Espírito
Santo”. Segundo H . SCHLIER, Der Rõmerbritf, Friburg-Basel-W ien, 1977,26s., a expres
são podia ser equivalente a espírito da glória”. Veremos em seu m om ento como essas duas
noções se relacionam no Novo Testamento e na tradição.
66
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS ESTUDO BÍBUC O -TEO LÓ G IC O
18. Esses são os textos que J. JEREMIAS, op. cit., 46-52, assinala como prováveis
palavras autênticas de Jesus. Em todo caso, para nós é relativamente indiferente saber até
que ponto nos achamos ou não ante a ipsissrma verba Jesu.
67
VISÃO HISTÓRICA
(G1 4,6), ou aquele que faz que nós mesmos o digamos (Rm 8,15). Um
aspecto importante da predestinação de todos os homens em Cristo desde
antes da criação do mundo é também a filiação divina (cf. Ef 1,5), que
certamente não se vive sem o dom do Espírito (cf. Ef 13). Jesus é explid-
tamente mencionado em outras passagens em que Paulo fida de Deus tam
bém como nosso Pai, o que indica a vinculação de nossa filiação com a de
Jesus (cf. 2Cor l,2s; G1 l,3s; lTs 1,1-3; 3,11-13; 2Ts 1,1; 2,16).
Também para os escritos de João, de modo especial sua primeira car
ta, os crentes nasceram de Deus ou foram engendrados por ele. Deus é
portanto também Pai dos que crêem em Jesus por esse novo título, por
terem sido engendrados por sua ação à vida da fé (cf. Jo l,12s; ljo 2,29; 3,9;
4,7; 5, 14.18; cf. também o nascimento do alto pelo Espírito em jo, 3,3ss).
A filiação divina, que já é real, será em sua plenitude um dom escatológico
(cf. ljo 3,2). Á vida e o amor que Jesus tem do Pai estão chamados a ser
transmitidos a seus discípulos. Deus é portanto Pai enquanto é o princípio,
de uma maneira muito real, da vida eterna dos homens mediada por Jesus
(Cf. Jo 6,57; 15,9, entre outras passagens). A relação e a distinção entre a
filiação de Jesus e a nossa exprime-se também em João (cf. Jo 20,17).
N ão é este o lugar para desenvolver com extensão o tema da paterni
dade de Deus a respeito dos homens, e a filiação divina desses19, que tem
seu lugar próprio nos tratados sobre a graça. Somente nos interessa, nessa
prim eira aproximação da revelação bíblica de Deus como Pai, destacar
como, a partir da paternidade, a respeito de Jesus abrem-se outras pers
pectivas. Em primeiro lugar, como veremos, a respeito do crente, mas em
segundo lugar a paternidade de Deus adquire, já no N ovo lèstam ento,
dimensões universais. Só a Deus convém a rigor o nome de “Pai”: “Não
chameis a ninguém de ‘pai’ na terra...” (M t 23,9). E em relação ainda mais
direta com a paternidade a respeito de Jesus dirá Paulo: “Por isso dobro
meus joelhos ante o Pai do qual toma nome toda paternidade no céu e na
terra” (E f 3,14). O Pai de Jesus é o único Deus de todos os homens, judeus
e gentios (cf. Rm 3,29-30), o criador de quem tudo provém (cf. IC or 8,6).
Se em um primeiro instante usam-se os nomes de Pai e Filho em um sen
tido analógico, a partir da realidade intram undana, em um segundo mo
m ento, tuna vez conhecido o mistério que Jesus nos revela, ressalta-se que
a paternidade divina é o analogado principal de toda noção de paternidade.
Tudo tem seu princípio no Pai de Jesus Cristo. Somente a ele, de um modo
19. Cf. L.F. LADARIA, Teologia dei pecado originaly de la gracia, M adri, 1993, 231*
266.
68
A REVELAÇÃO D E DEUS N A VIDA DE JESU S. ESTU D O BÍBLICO-TEOLÓGICO
69
VISÃO HISTÓRICA
a do Filho. P o r outra parte, tudo parece indicar que o Espírito Santo está
presente na humanidade de Jesus, criada pelo fato mesmo de sua assunção
pelo Filho na união hipostática21. Desse ponto de vista a presença do
Espírito há de ser considerada logicamente (não cronologicamente) "pos
terio r” à união hipostática por parte do Filho22. M as devemos notar ao
mesmo tem po que a atuação pública de Jesus movido pelo Espírito San
to e a doação ulterior do mesmo Espírito não são postas em relação nem
no Novo Testamento nem na antiga tradição da Igreja com este momento
da concepção virginal de Jesus por obra do Espírito, mas com a vinda do
Espírito sobre Jesus no Jordão23.42A esse m istério da vida de Cristo deve
mos dedicar agora nossa atenção.
70
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VID A DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓ GICO
25. Cf. F. LE N T Z E N -D E IS, Die TaufeJesu nach den Synoptikern, Frankfurt, 1970; R.
M cD O N N ELL, Jesus’ Baptism in the Jordan, TbeolSt 56 (1995) 209-236; E. YILDIZ, El
baudsm o de Jesus como teofanía trinitaria, Didlogo Ecuménico 31 (1996) 81-106.
26. Cf. I. de la PO T T E R IE , L’onction du C rist, NRTh 80 (1958) 225-252; R.
CANTÄLAMESSA, Lo Sptrito Santo neüa vita di Gern. 11mistero dell'unzione, M ilano, 41988,
15s: “O s Evangelhos sem o episódio inicial do batism o de Jesus seriam com o os Atos dos
Apóstolos sem o relato inicial de Pentecostes: faltaria a eles a chave de leitura para compreen
der to d o o resto”; M . A. CHEVALIER, Aliento de Dios. El Espirita Santo en el Nuevo Testa
mento, Salamanca, 1982, v. I, 151, relaciona também com o batismo a comunicação do
E spírito ao Messias: “M antém -se em um caso que o espírito divino intervém como criador
de vida [na Encarnação], no ou tro caso, como poder comunicado aos heróis de Deus em
geral, e ao Messias em particular”.
71
VISÃO HISTÓ RICA
27. Cf. também At 4, 26-27 (cf. SI 2,1-2), que igualmente parece referir a unção ao
batismo; por outro lado, em Hb 1,9, a citação do SI 45 [44], 8 parece se referir à ressurrei
ção de Jesus. Em nenhum momento se relaciona diretam ente a “unção” com a concepção
por obra do Espirito Santo.
28. Ffes. 17,1 (FP l,120s). Embora essa passagem refira-se à unção de Betânia, fala-
se do batismo de Jesus imediatamente depois em 18,2 (ibid.). C f AORBE, La unam dei
Verbo, Roma, 1996, 5-13.
^ ^ Haer' UI 9,6 (SCh 211,206-208). Ireneu d ta nesse contexto Is 61,ls; Lc
30. Cf. Ado. Haer. m 9,3 (SCh 211, 110s). Cf. ORBE, op. dL, 507ss.
31. ATANASIO, Serap. I 6 (PG 26, 541): “Quando o Senhor foi batizado como
homem, por causa da carne que levava... diz-se que o Espírito Santo desceu sobre ele. E
quando o deu a seus discípulos, disse... Qo 20,22)”, cf. ibid. I 4 (537).
32. N ão podemos entrar no detalhe do tem a da “não-indigência”, tão freqüente nos
Padres. Cf. ORBE, op.cit, 46-52.
72
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTU D O B lBUCO -TEO LÓ G ICO
Jesus há de receber a unção para poder cumprir sua missão, para evangelizar
os pobres. Ao mesmo tempo se observa que essa unção, como já ocorria
em Inácio de Antioquia, está destinada à Igreja, aos hom ens33. O mesmo
Ireneu verá no nom e mesmo de C risto em relação com o batismo do Jor
dão uma manifestação da Trindade: "N o nome de C risto se sobreentende
o que unge, o que é ungido e a unção com que é ungido. O Pai ungiu, o
Filho foi ungido, no Espírito que é a unção... significando assim o Pai que
unge, o Filho ungido e o Espírito Santo que é a unção”34.
Fica porém em aberto, nos prim eiros séculos cristãos, a questão da
“identidade” do Espírito em que Jesus foi ungido. N ão podemos presumir
que se trata sempre explicitamente da “terceira pessoa”, já que a noção de
espírito é, nos prim eiros tempos cristãos, ainda imprecisa. E claro, em
todo caso, que esse Espírito é uma força divina que procede do Pai e que
habilita Jesus, o Verbo encarnado, ao cumprimento de sua missão35.
Mas deve-se reconhecer que essa rica teologia da unção de Cristo vai
desaparecer da consciência da Igreja relativamente cedo. Predominará uma
corrente que tenderá a identificá-la ou a reduzi-la à encarnação, e assim o
fato de que sobre Jesus repousa o Espírito tenderá a confundir-se com a
união hipostática; não será considerado um aspecto relevante em si mes
mo. O perigo do adodanismo em suas várias formas Qesus seria ura mero
homem que pelo dom do Espírito Santo foi adotado como filho de Deus;
ou em certas correntes gnósticas um homem sobre o qual veio a força
divina no Jordão, que inclusive o teria abandonado no momento de sua
morte); depois os perigos do arianismo (Jesus teria necessidade do Espírito,
logo não é Deus); ou também as formas extremas da cristologia antioquena
(necessidade do Espírito do homem Jesus para sua união com a pessoa divi
na), propiciaram uma subvalorização da presença do Espírito Santo em Je
sus. Talvez essa corrente de pensamento se insinue já desde o instante em
que se deixa de acentuar a dimensão trinitária da unção (o Pai unge a Jesus
73
VISÃO HISTÓRICA
36. Cf. ATANÁSIO, Contra Arianos I 46-47 (PG 26, 108-111); embora continue
sendo claro que o dom do Espírito afeta a humanidade de Jesus para a santificação de todos
os homens.
37. Or. 30,21 (SCh 250, 272) também 30.2 (ibid. 228): ‘a divindade é a unção da
humanidade”. Cf. também O r. 10,4 (SCh 405,304). Bastante mais matinAn G REG Ó RIO
de Nissa, In iliud Time ipsejilms (PG 44, 1.320): “O Logos, unindo-se com a*carne, elevou-
a a propriedades do Logos pela recepção do Espírito Santo que o Logos possuía antes da
Encarnação”. A influência de G regório Nazianzeno nota-se emJoão DAMASCENO, De
fide ortbod. II3 (PG 94,989); U I 17 (1.070); IV 14 (1.161); 18 (1.185); porém mais matizado
em IV 6 (1.112); 9 (1.120).
38. Trin XV 26,46 (CCL 50A, 526s): “Nec sane tunc «nctus est Christus spiritu
sancto quando super eum baptizatum velut columba descendit; tunc enim corpus suum, id
est ecclesiam praefigurare dignatus est... Sed ista mystica a invisibili unctione tunc
intellegendus est unctus quando verbrnn D ei cxcofactum est (Jo 1,14.), id est quando huma
na natura sine ullis praecedentibus bonorum operam m eritis deo verbo est in utero virginis
copulata ita u t cum filio fieret una persona... Absurdissimum est enim u t credamus eu cum
iam triginta esset annorum... accepisse spiritum sanctum .” Ju to j prefiguração do que
acontece com a Igreja, a prefiguração do que acontece em nosse batismo; cf. G REG Ó RIO
NAZIANZENO, Or. 39,1; 14,17; 20 (SCh 358,151; 178-188; 194). AMBROSIO, De Spir
sane. I 3,44 (CSEL 79.33).
74
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESU S. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÓ GICO
As POSIÇÕES RECENTES
75
VISÃO HISTÓRICA
76
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO B ÍBUCO-TEOLÓ GICO
46. Cf. Tbeologik UI. Der Geist der Wahrheit, Einsiedeln, 1987, esp. 28-53 e 151-188.
47. Ibid. 156; cf. também 41ss.
48. E claro que se usa o termo com certa im propriedade. Segundo o Novo Testamen
to , só o Pai envia seu Filho ao mundo. M as deve-se notar a curiosa formulação do Concílio
X I de Toledo (DS 538) “M issus tarnen Filius non solum a P atre, sed a Spiritu Sancto missus
esse credendus est.... A se ipso quoque missus accipitur...”
49. Cf. Ibid. 41; 166-168; 187. C f. S. BULGAKOV, U Paradito, Bolonha, 1987,437: a
ordem da atividade das hipóstases no m undo é inversa à sua ordem in tra trinitária, à sua taxis.
50. BALTHASAR, Teodramatica 3. Laspersonas dei drama. Elbombre en Cristo, M adrid,
1993,477; nessa obra também fala da inversão trinitária, 173ss.
51. Cf. Der Geist der Wahrheit, 168s.
77
VISÃO H ISTÓ RICA
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A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA D E JESUS. ESTUDO B ÍBUCO -TEO LÓ G ICO
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VISÃO HISTÓ RICA
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A REVELAÇÃO D E DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO B BU C O -TEO LÓ G IC O
Jesus, ungido no Jordão, pode assim começar sua vida pública e sua
missão61. Parece portanto mais conseqüente, sem esquecer uma presença
do Espírito em Jesus e sua condição pessoal de Messias desde sua vinda ao
mundo, colocar no momento de seu batismo a unção messiânica que o
habilita para o exercício do ministério entre os homens.
O segundo ponto controvertido refere-se ao sujeito ativo dessa un
ção. E o Pai ou o próprio Filho que unge sua humanidade? Vistos os tes
temunhos do Novo Testamento e da primeira tradição cristã, não parece
suficiente considerar que o Logos unge sua humanidade com o Espírito
que possui e lhe é próprio. E antes de tudo o Pai que realiza essa unção.
Não parece que responda à mentalidade do Novo Testamento dizer que o
Filho unge sua própria humanidade no Jordão. Notem os, além disso, que
a descida do Espírito Santo sobre Jesus, sua unção messiânica, há de ser
vista em relação com a voz do céu que proclama Jesus Filho: “Tu és meu
Filho, o amado, em ti pus minhas complacências” (M c 1,11; Lc 3,22; M t
3,17), e inclusive: “Eu te gerei hoje” (SI 2,7; variante de Lc 3,22). A iden
tidade de Jesus como Filho põe-se nesse momento de manifesto, e a des
cida do Espírito Santo não pode ser separada da realização da obra que
Jesus, como Filho de Deus, levará a cabo por encargo do Pai. O momento
do batismo se faz assim capital para a revelação da filiação de Jesus, em
plena identificação pessoal com a missão que o Pai lhe confiou62.
Em relação com esse problema há de se ver também o da “identida
de” do Espírito que desce sobre Jesus. Aludimos às dificuldades da teologia
patrística nessa precisa identificação. E evidente que hoje não podemos te r
dúvidas sobre essa identidade. Sobre Jesus desce o Espírito Santo, o Espí
rito do Pai e do Filho. Mas com isso nem tudo está dito. Há uma história
da revelação do mistério de Deus, do mistério trinitário e, por conseguin
te, do m istério do Espírito Santo. No m omento do batismo, o Espírito
ainda não se manifesta plenam ente como o Espírito do Filho. Essa m ani
festação terá lugar no momento da ressurreição. Voltaremos oportuna
m ente a esse ponto. O Novo Testamento nunca se refere ao Espírito do
Filho ou de Jesus quando fala do Espírito que desce sobre ele no Jordão e
61. F. BOVON, op. d t., 180, sobre o batismo de Jesus: “Q ue o Espírito Santo tenha
operado no nascimento milagroso de Jesus não significa para Lucas que o Messias tenha já
alcançado sua perfeição. Para sua missão (mais do que para ele mesmo) recebe agora o
assentim ento e a assistência da foça divina”. Cf. ibid. 220, sobre Lc 4,18.
62. H . U. von Balthasar, Teodramãtica 3 (cit) 194, 205, a identificação de Jesus com
sua missão e a definição de quem está para Deus em relação com a voz do batismo; cf.
também 187;209.
81
VISÃ O HISTÓRICA
82
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS- ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
65. Cf. A.VANHOYE, L’E sprit étem elet le feu du sacrifice em H b 9,14, in Bit 64
(1983) 263-274. Observa a esse propósito JOÃO PAULO H, Dommutn et Vrotficantem, 40
“O Filho de Deus, Jesus C risto, com o homem, perm itiu ao Espírito Santo, que já tinha
im pregnado intimamente sua humanidade, a transformasse em sacrifício perfeito m ediante
o ato de sua morte, com o vítima de amor na cruz. O Espírito Santo atuou de maneira
especial nessa autodoação absoluta do Filho do homem para transformar o sofrim ento em
am or redentor”.
66. H á ampla informação sobre o tema em G . M. SALVATT, 7eologia uinitarta delia
croce, Tòrino, 1987; e N . CIOLA, Teologia trmitaria. Storia-Metodo-Prospetáve, Bologna,
1996,165-197. Cf. as considerações sobre a im portância do mistério pascal para a teologia
da Trindade em G. LAFONT, Peut-on connaître Dieu en Jésus-Christ?
67. El mistério pascual, MySal 3/2, 143-335. As notas seguintes referem -se a essa
obra, caso não se indique o contrário. Claro que não podemos fazer aqui uma exposição
exaustiva de seu pensamento, Centramo-nos sobretudo nos aspectos trinitários. Cf. G.
M ARCHESI, La cristologia trmitaria di Hans Urs von Balthasar, Brescia, 1997, 524-534.
83
VISÃO HISTÓRICA
68. Ibid. 212. Von BALTHASAR cita, nesse contexto, W. PO PK ES, Christus traditus.
Eme Untersuchung zum Begriffder Dabmgabe im Neuen Testment, Z ürich, 1967. Cf. também
BALTHASAR, Teodramdtica 4.1st action, M adrid, 1995, 294ss.
69. Cf. MySal, 207s.
70. Ibid., 218
71. Ibid., 220. C f. também BALTHASAR, Teodramdtica 3. Las personas del drama. El
bombre en Cristo. M adrid, 1993,485s.
72. Cf. MySal, 222s.
73. Ibid., 192.
84
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
tuna autêntica solidariedade no sbeol, não iluminado por luz salvadora al
guma, pois toda a luz da salvação procede exclusivamente de quem foi
solidário até o final; e se ele pode transm itir a luz é porque vicariamente
renunciou a ela”74. O autor observa: é “a experiência do pecado como tal”
que significa a total impotência e passividade:
Agora pertence Cristo aos refaim, aos impotentes. Agora não pode empreender
uma luta ativa contra as “forças do inferno”, nem pode triunfar subjetivamente,
porque ambas as coisas supõem vida e força. Mas sua extrema debilidade pode
e deve coincidir com o objeto de sua visão da segunda morte, que por sua vez
coincide com o puro pecado enquanto tal, não ligado a nenhum homem con
creto nem encarnado em uma existência viva, senão abstraído de toda
individuação e contemplado em sua realidade nua, enquanto pecado75.
74. Ibid., 256. Ver todo o contexto, esp. 253: “Se o Redentor, por sua solidariedade
com os m ortos, os poupou de toda experiência de estar m orto (enquanto à pena de dano)
fazendo que uma luz celeste de fé, esperança e amor iluminassem sempre o “abismo”, é
porque carregou vicariamente com toda essa experiência”. Porém , in BALTHASAR,
Tbeòlogik II. Wabrbeit Gottes, Einsiedeln, 1985,315 (nota 1, el A) parece abandonar o con
ceito de “solidariedade com os m ortos”.
75. MySal, 256. Ver M . K EH L; W. LÕSER (eds.), In der FüUe des Glaubem. Haas
Balthasar Lesebuc, Freiburg-Basel-W ien, 1981, 158. “Temos também no sábado santo, a
descida de Jesus m orto ao inferno, quer dizer (simplificando m uito) sua solidariedade no
não-tem po com os perdidos longe de Deus. Para eles, essa escolha — com a qual escolhe
ram seu “eu” em lugar do Deus d o amor desinteressado — é definitiva. A essa definitividade
da m orte desce o Filho m orto, de nenhuma maneira porém ativo, senão privado de todo
poder e iniciativa própria, com o aquele do qual se dispõe completamente, rebaixado até a
pura m atéria, totalm ente indiferente na obediência do cadáver, incapaz de toda solidarie
dade ativa e de qualquer “pregação” aos m ortos. Por am or está m orto juntamente com eles.
£ justam ente desse modo destrói a absoluta solidão pretendida pelo pecador: o pecador,
que quer ser “condenado” longe de Deus, encontra de novo a D eus em sua solidão, mas o
Deus da absoluta impotência do amor”. Cf. Também BALTHASAR, op. c it, 314-329.
76. C f. BALTHASAR, Teodramática, 4 , 220.224: o abandono é também um momento
da “conjunção” das pessoas. Essa conjunção subjaz sem pre à separação.
77. MySal, 279,287.
85
VISÃ O HISTÓRICA
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A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓ GICO
80. Der gekreuzigte Gott. Das Kreutz Christi als Grund und Kritik christlicher Theologie,
M unique, 1972. E também Trinität und Reich Gottes. Zur Gotteslehre, M unique, 1980. N ão
podem os seguir aqui o debate suscitado por essas obras.
81. Cf. Der gekreuzigte Gott..., 229-232.
82. Cf- Trinität und Reich Gottes, 165s, 168s, 275s, 178-193, com a distinção entre a
constituição da Trindade e a vida da Trindade.
87
VISÃO HISTÓ RICA
88
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
opõe. Tudo isso ocorre na cruz: nela Deus plenifica seu amor incondicio
nal e cheio de esperança. Assim, a Trindade “não é um círculo fechado em
si mesmo no céu, mas um processo escatológico, aberto para o homem no
mundo, que sai da cruz de Cristo”88. N ela Jesus é rejeitado pelo Pai, sofre
a m orte dos sem-Deus para que todos possam ter comunhão com ele.
M oltmann tem formulações muito fortes para o abandono de Jesus, que
chegaria em sua agonia até a experiência do inferno; chega inclusive a falar
de um “conflito” trinitário, na separação entre o Pai e o Filho: “N a cruz o
Pai e o Filho estão separados até o ponto de interrom perem suas relações.
Jesus m orre sem Deus”89. Mas nessa separação o Espírito Santo é o vínculo
de u n iã o, que une tanto a separação como a união do Filho e do Pai.
M oltm ann recolhe aqui a antiga tradição do Espírito Santo como amor e
vínculo de união do Pai e do Filho, e a aplica a sua concepção da cruz de
C risto como separação radical do Pai e do Filho, em que o Espírito Santo
continua sendo o vínculo de união. N a doação do Filho mostra-se assim a
figura da Trindade: o Pai entrega seu Filho único à m orte absoluta por
nós; o sacrifício comum de Pai e Filho acontece no Espírito Santo, que
une e liga ao Pai o Filho abandonado90.
Sem dúvida, a profundidade da vida trinitária manifesta-se na cruz de
Cristo, e não é um caminho equivocado ver nesse supremo momento de
amor o caminho para penetrar nos m istérios do ser divino. N a doação
de Jesus mostra-se a própria doação do Pai. Nesse sentido, não se pode
deíTar de ver o aspecto positivo do pensam ento de Moltmann. Devemos
questionar porém se o Deus contra Deus desse autor encontra suficiente
justificação à luz do Novo Testamento, que ao mesmo tempo que nos conta,
e não dissimula, a angústia e a escuridão que Jesus experimenta também
nos fala de sua obediência à vontade do Pai e sua entrega confiante a ele.
Por outra parte, levantaram-se dúvidas sobre a “constituição” da Trindade
na cruz91. Nossas reflexões posteriores nos obrigarão a voltar a esses temas.
M encionamos também Eberhard Jüngel como outro dos autores pro
testantes que querem contem plar o m istério de Deus a partir da cruz de
Cristo. Seu pensamento tem pontos de contato com M oltmann, embora
89
V ISÃ O HISTÓRICA
92. Gott als Geheimnis der Weh. 7m Begründung der Theologie des Gekreuzigten im
Streit zwischen Theismus und Atheismus, Tübingen, 1997 (Dios como mistério del mundo,
Salamanca, 1984).
93. Ibid. 15 (Dios como mistério..., 31).
94. Cf. F. RODRÍGUEZ GARRAPUCHO, La cruz deJesusy eiserde Dios, Salamanca,
1992,95.
95. Gott als Geheimnis, 52.25 (64.41).
96. Cf. RODRÍGUEZ GARRAPUCHO, op. d t, 99-100.
97. Cf. E. JÜ N G EL, Das dunkle W ort vom “Tode G ottes”, Evangelische Kommentare
2 (1969) 133-138; cf. RODRÍGUEZ GARRAPUCHO, 109-110.
98. Cf. Gott als Geheimnis, 470ss (esp. 438ss).
90
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÔGICO
ção do homem com Deus, porque o ser de Deus revela-se em toda a pro
fundidade de sua vida somente com a m orte de Cristo". Deus mostra-se
como Deus na vitória sobre a morte. “A fé anuncia e narra a tensão entre
vida eterna e morte temporal que determina o ser mesmo de Deus co
mo história de Jesus Cristo. Pensa e confessa essa história no conceito do
D eus uno e trino.”9 1900 Em outros lugares fala Jüngen da identificação
de Deus com o crucificado. A fé no homem Jesus, crucificado por nós
como o Filho de Deus, pressupõe a identificação de Deus com Jesus e a
autodiférenciação trinitária de Deus. U m a identificação na distinção, pois
se não se desse essa diferenciação Deus ficaria apanhado em sua própria
m orte. Mas Deus manifesta-se como vencedor nessa morte. Por isso Deus
é aquele que pode suportar em seu ser a força aniquiladora do nada, a
negação que é a m orte, sem nela ser aniquilado101.
O Deus cristão é o Deus capaz de expor-se ao nada, e assim se mostra
e se define como am or na cruz de Jesus. “O especial acontecim ento
escatológico da identificação de Deus com o homem Jesus é ao mesmo
tem po o mais íntimo m istério do ser divino. N o acontecimento especial da
identificação de Deus com o crucificado, Deus se expressa como aquele
que desde sempre é em si mesmo.”102301Q uer dizer, Deus não se converte em
am or no instante da m orte de Cristo, senão que nesse momento o amor
divino se manifesta. A frase “Deus é am or” (o risco da auto-entrega, o
risco do nada) é a interpretação da auto-identificação de Deus com o ho
mem Jesus crucificado102.
Jüngen fala da história de Deus explicando que essa história de amor
revelada em Cristo é justam ente Deus mesmo. D eus é ao mesmo tem po o
amante e o amado. Isso é possível pela distinção trinitária, Pai e Filho. Isso
porém ainda não é o am or mesmo104. Isso vem só quando o amor se abre
a um terceiro, o Espírito distinto do Pai e do Filho. O acontecimento do
am or dá-se quando o Deus Pai, separando-se do amado (Filho), não só se
ama a si mesmo, mas inclui o totalm ente diferente dele (mundo e homem)
por obra do Espírito. D eus se tem a si mesmo doando-se, sua autopossessão
é o evento de sua doação, a história de presentear-se a si mesmo. A essência
91
VISÃ O HISTÓRICA
92
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VID A DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
93
VISÃO HISTÓRICA
Será mesmo claro que eliminado o teísmo o D eus cristão vai fazer-se
mais compreensível aos homens? N o que se refere ao m istério pascal, é
claro que a cruz manifesta o am or de Deus, e nesse sentido é decisiva
para entender a Trindade. Jüngel fala do abandono do Filho pelo Pai,
mas não se expressou nos term os drásticos de oposição entre os dois que
vimos em M oltmann.
Dedicamos um pouco de espaço a esses autores porque sem dúvida
tiveram influência nos tempos recentes. Para com pletar nosso panorama
teológico, e antes de tirar brevemente nossa conclusões sobre esse ponto,
devemos fazer referência a um documento da Comissão Teológica Inter
nacional que, embora tenha aceito algumas intuições que vão na linha dos
autores supracitados, mostrou grande prudência e evitou qualquer extre
mo. O título do Documento é Questões seletas de cristologia, do ano de 1979,
e faz uma alusão marginal a esse problema; e para justificar o uso em
cristologia e soteriologia da noção de “substituição” afirma:
O homem foi criado para integrar-se em Cristo e com isso na vida trinitária,
e sua alienação de Deus, embora grande, não pode ser tão grande como a
distância entre o Pai e o Filho no seu aniquilamento kenótico (F12,7) e no
estado em que foi abandonado pelo Pai (Mt 27,46). Trata-se aqui do aspecto
econômico da relação entre as pessoas divinas, cuja distinção (na identidade
de natureza e do amor infinito) é máxima115.
115. COM ISSIO TH EO LO G ICA , op. cit. (tf. nota 58), 629.
116. Cf. BALTHASAR, op. cit, 471: “Especular sobre a finitude ou infinitude da dor
resulta empresa vã; o único claro é que a tortura expiatória deve situar-se na profundidade
insondável de seu abandono pelo Pai; e assim já se demonstrou que a ruptura trinitária supera
e inclui todas as distâncias que separam Deus dos pecadores”. Cf. também ibid., 466s.
94
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
REFLEXÃO CONCLUSIVA
117. A mesma Comissão voltou ao tema anos m ais tarde no documento Teologia —
Cristologia — Antropologia, que já conhecemos (Documentos dessa Comissão, M adrid, 1980-
1985, 7-26, 25s.). “Talvez se deva dizer o mesmo do aspecto trinitário da cruz de Jesus
C risto. Segundo a Sagrada E scritura, Deus criou livrem ente o mundo conhecendo na pres
ciência eterna — não menos eterna que a geração do Filho — que seria derramado o
sangue precioso do Cordeiro im aculado Jesus Cristo (cf. lP d 1,19; Ef 1,7). N esse sentido,
o dom da divindade do Pai ao Filho tem um a íntima correspondência com o dom do Filho
ao abandono na cruz. Mas, já que também a ressurreição é conhecida como o desígnio
etem o de Deus, a dor da separação sempre se supera no gozo da união, e a compaixão de
Deus trino na Paixão do Verbo entende-se propriam ente como a obra do amor perfeitíssimo,
da qual há de alegrar-se. Pelo contrário, há que excluir completamente de Deus o conceito
hegeliano de ‘negatividade’”. Texto latino em Greg. 64 (1983) 5-24. 23ss.
95
VISÃO HISTÓRICA
96
A REVELAÇÃO DE DEUS N A VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÓGICO
122. Cf. F. X. DURRW ELL, Le Père. Dieu en son mystère, Paris, 21988, 62ss.
97
VISÃO HISTÓ RICA
99
VISÃO HISTÓRICA
4,4-6; Rm 8,29), e por outra parte sua relação com o Pai é fundam ento do
senhorio de Jesus sobre tudo.
Em algumas passagens do Evangelho de João, parece atribuir-se ao
próprio Jesus a iniciativa da ressurreição. Assim em Jo 10,17: “O Pai me
ama porque dou minha vida e tom o a recobrá-la. Ninguém a tira de mim,
sou eu que a dou. Tenho o poder de dá-la e o poder de recobrá-la: esse é o
mandamento que recebi de meu Pai” (cf. também 2,19-21, a palavra sobre
a destruição do Templo). Mas no texto citado a referência ao Pai está bem
manifesta. Outros textos do Evangelho de João destacam a iniciativa do Pai
na glorificação de Jesus (cf.Jo 12,23.28; 13,31-32; 17,1.5 etc.). Para o quarto
evangelho, o mistério pascal é a ida de Jesus ao Pai, que pôs tudo em suas
mãos (cf.Jo 13,1.3; 14,28; 20,17). O Evangelho de João não constitui assim
uma exceção que se afaste da linha dominante do Novo Testamento.
A paternidade de Deus e a filiação divina de Cristo que se manifesta
na ressurreição, que por sua vez oferece a chave de compreensão de toda
a vida de Jesus, abrem a porta para a compreensão da Trindade imanente.
Fazem-no por intermédio da afirmação da preexistência de Jesus à sua
encarnação, quer dizer, sua vida divina no seio do Pai não depende da
economia da salvação, mas, ao contrário, constitui seu único fundamento.
A filiação divina que Jesus vive neste mundo, e manifesta-se em plenitude
na ressurreição, baseia-se por conseguinte no próprio ser divino, em uma
relação com o Pai prévia à sua existência humana. Só à luz da “geração”
à vida divina na ressurreição pôde o Novo Testamento, e a partir dele a
tradição da Igreja, falar da existência do Filho desde o princípio no seio do
Pai que o gerou etem am ente. (cf. Jo l,lss; 8,58; 17,5.24; Rm 8,3; F1 2,6;
G 14,4; E f l,3ss; Hb 1,2 etc.). Só com a existência divina de Jesus prévia à
encarnação pode ter a economia salvífica seu fundamento no ser mesmo
de Deus, e assim a comunicação da vida de Deus aos homens. Jesus é desde
sempre o Filho de Deus, não chegou a sê-lo na ressurreição ou em algum
momento prévio de sua vida m ortal127.
Vimos que o N ovo Testamento fida da ressurreição em term os de
geração. Dado que a vida humana de Jesus “afeta” a vida intratrinitária, ou,
em outras palavras, que a assunção da natureza humana por parte do Filho
é irrevogável, a plena incorporação de Cristo também em sua humanidade
na vida divina faz-se necessária. Só se é Filho de Deus em plenitude, tam
bém enquanto homem, pode ser o Filho realmente. Daí as profundas afir
127. Pode-se ver para todo esse âmbito de problemas. K. J. KUSCHEL, Generato
prima Ji ttttti i secoli? la controvérsia suWorigjne de Cristo, Brescia, 1996.
100
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
128. HILÁRIO de Poitíers, Tr. ps 2,27 (CSEL 22,57); cf. também de Trmitate IX 38
(CCL 62A.412); cf. LADARIA, D ios Padre en H ilário de Poitíers, EstTrn 24 (1990) 443-479.
129. C f. Yves de CONGAR, op. d t, Barcelona, 1983, 603; M-A. CHEVALLIER,
Soufflé de Dieu. Le Saint-Esprit dam le Nouveau Testament, Paris, 1990, v. ET, 277-308.
101
VISÃO HISTÓ RICA
Segundo o texto bíblico que nos tem servido de guia neste capítulo.
G1 4,4-6, “Deus enviou a nossos corações o Espírito de seu Filho”. Já
observamos o paralelismo entre a missão do Filho e a do Espírito, segundo
essa passagem. Mas agora podemos e devemos acrescentar algo mais: esse
envio do Espírito não se explica sem a glorificação do Filho. E precisa
mente o “Espírito de seu Filho”. Portanto essa missão está em relação com
102
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÓ GICO
132. Cf. BORDONI, op. cit., 208; também CHEVALEER, Aliento de DiosI, Salamanca,
1982,170s. No cap. seguinte tratarem os brevemente da ação do Espírito segundo o Antigo
Testamento.
103
VISÃO HISTÓRICA
se afirma com clareza em Jo 7,37-39: “Jesus gritou: Ése alguém tem sede
venha a mim, e beba o que crê em mim’, como diz a Escritura: De seu seio
correrão rios de água viva. Isso dizia do Espírito que haviam de receber os
que cressem nele. Pois ainda não havia Espírito porque Jesus não tinha sido
glorificado”. O Espírito estava já presente em Jesus durante o tempo de sua
vida m ortal (cf. Jo 1,32-33), mas até sua glorificação não estava para ser
dado. A doação do Espírito à Igreja e aos discípulos é conseqüênda insepa
rável da glorificação do Senhor. Jesus fala do Espírito sobretudo no discurso
da ultima ceia, portanto na proximidade da m orte e ressurreição, às quais
está ligada sua efusão. Os textos concretos que anunciam a vinda do Espírito
são também claros a respeito: é conveniente para os discípulos que Jesus vá
embora, porque do contrário não virá para eles o Paráclito (cf. Jo 16,7).
Quanto ao sujeito agente da missão do Espírito, essas passagens do discurso
de despedida oferecem algumas variações: o Pai o dará a pedido de Jesus (cf.
Jo 14,16) ou em seu nome (14,26); o Espírito procede do Pai, mas Jesus o
enviará de junto do Pai (15,26); receberá do que Jesus tem em comum com
o Pai (16,14-15). Não se pode portanto esquecer a intervenção de Jesus na
efusão do Espírito Santo, ainda que o Pai seja o último princípio dessa missão.
Como dissemos, esse dom do Espírito pressupõe a ida de Jesus ao Pai, sua
glorificação. E Jesus ressuscitado quem dá o Espírito, no entardecer do dia
da Páscoa, soprando sobre os discípulos (cf. Jo 20,22)133. Mas a teologia
peculiar da exaltação e glorificação de Jesus, que vê essas já iniciadas com a
morte de Jesus na cruz, levantado no alto sobre a terra (cf. Jo 3,13-14; 8,28;
12,32), perm ite também pensar que, no momento da morte, Jesus, além de
expirar, antecipa o dom do Espírito (Jo 19,30: TrapéSoKev tò Ilveupot)134.
A água e o sangue do lado do Senhor (cf. Jo 19,34) foram também interpre
tados como alusão ao batismo e à eucaristia: indiretam ente não se pode
tampouco excluir uma alusão ao Espírito que sai do corpo de Jesus (cf. Jo
7,38)13S, que foi seu receptáculo durante todo o tem po de sua vida136.
104
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO B ÍBUCO-TEOLÓ GICO
105
VISÃO H IS TÓ R IC A
Bastam esses poucos testemunhos para ver como a antiga Igreja teve
consciência clara não só da sucessão temporal, mas também da relação interna
entre a ressurreição de Jesus e o dom do Espírito Santo. As duas missões, em
suas diversas características, estão intrinsecamente unidas.
139. De prinäpiis, I 3,7 (SCh 252, 158): MSe et salvator noster post resurrectionem
cum vetera iam transmissent e t facta fuissent omnia nova, novus ipse homo e t primogenitus
ex m ortuis (cf. Cl 1,18), renovatis quoque per fídem suae resurrecdonis apostolis ait: Aceipite
Spiritum sanctum (Jo 20, 22). H o est nimirum quod e t ipse Salvator dominus in evangelio
designabat cum vinum novum in utres m itti posse veteres denegabat (cf. M t 9,17), sed
iubetat utres fieri novos, id est homines in novitate vitae ambulare (cf. Rm 6,4), u t vinum
novum, id est Spiritus sancti gratiae susdperent novitatenT. E também ibid. II 7,2 (Ibid.
328): “Video tarnen quod praedpitus Spiritus sancti adventus ad homines post ascensionem
C hristi in caelos magis quam ante adventum eius declaretur. Antea namque solis prophetis
et paucis, si qui forte in populo meruisse, donum sancti Spiritus praebebatur; post adventum
vero salvatoris scriptum est adim pletum esse quod dictum fuerat in propheta Iohel... (At
2,16; J1 3,1-5)”.
140. Tr. SI. 56[55],6 (CSEL 27.172): “Ex voto ergo propheta praenuntiat exaltari
super caelos deum. Et quia exaltatus super caelos impleturus esset in tern s omnia sancti
spiritus sui gloria subiecit: e t super omnem terrain gloria tua: cum effiisus super omenem
camem spiritus donum gloriam exaltati super caelos domini protestaretur”. Cf. LADARIA,
El Esphitu Santo en S. Hilário de Poitiers, Madrid, 1977, 157ss. Também NOVACIANO,
7 rin XXIX165-166 (FP 8 ,248ss): “Unus ergo et idem Spiritus qui in prophetis e t apostolis,
nisi quoniam ibi ad momentum, hie semper. Ceterum ibi non u t semper in illis messet, hie
u t in illis semper maneret; et ibi mediocriter distributus, hie totus effiisus; ibi parce datus,
hie large commodatus. N ec tarnen ante ressurrectionem Domini exhibitus, sed per
ressurrectionem contributus”.
106
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÓGICO
141. BASÍLIO de Cesaréia, De Spiritu soneto, 18,46 (SC h 17 bis, 410): “O E spírito
Santo leva o caráter (xapotKTT|pí£ei.) da bondade do Pai que o enviou”. Já ATANASIO,
Strop. 1 23 (P G 26, S65): “O selo leva a forma de Cristo que é o que sela, do qual se fazem
participantes os que são selados”.
142. Para mais informação: cf. C h. SC H Ü TZ, Introdución o ta pneumatologia, Sala
manca, 1991; CHEVALLIER, Aliento de Dios. El Espiritu Santa en el Nuevo Testamento.
Salamanca, 1982, v. L; Souffle de Dieu, Le Samt-Esprit dans le Nouveau Testament, Paris,
1990, v. II; CONGAR, o p .d t.; E LAMBIASI, Lo Spirito Santo: mistero epresenza. Per uma
sintesi de pneumatologia, Bologna, 1987; G. FERRARO, Lo Spirito e Crista nel vangelo di
Giovanni, Brescia, 1984; E W. H O R N , Das Angeld des Geistes. Studien zur paulmiscben
Pneumatologie, G õttinge, 1992; G. D . FE E , God's empowering presence. The Holy Spirit in the
Letters ofPaul, Peabody, Massachusets, 1994; T h . W EINANDY, The Father's Spirit ofSonsbip,
Edimburgo, 1995; J. C. N E IL , T h e H oly S p irit and th e Human S pirit in G alatians.
EphTbLov 71 (1995) 107-120.
107
VISÃO HISTÓRICA
Sinópticos e Atos
108
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTU D O BÍBLICO-TEOLÓGICO
145. CHEVALLIER, op. d t., 201; cf. G. H . PRATS. L'Esprit, font de l ’Église: Sa
nature et son activité d'après les Actes des Apôtres, Paris, 1975.
146. C f BO RD O N I, op. cit., 75.
109
VISÃO HISTÓ RICA
O CORPUS PAUUNUM
147. Considera-se em geral que segundo essa passagem o Espírito não opera propria
mente a filiação; mas é uma imediata conseqüência dela; e é necessário para a atuação da
relação com Deus que essa filiação com porta. Cf. R. PENNA, op. cit., 219ss.
148. Ou também: “O Espírito dá testem unho a nosso espírito de que somos filhos de
Deus”.
110
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÓGICO
Adquire-se o Espírito pela fé, não pelas obras da lei (G1 3,1-2.5.14).
E esse mesmo Espírito é o que nos permite confessar Jesus como Senhor
(IC or 12,2: “ninguém pode dizer que ‘Jesus é o Senhor’ a não ser em
virtude do Espírito Santo). O Espírito, por sua vez, faz-nos conhecer a
Deus, “sonda as profundezas de Deus” relacionadas com o mistério de
Cristo, desconhecido para a sabedoria do mundo (IC or 2,10-14). Também
o Espírito Santo garante a reta compreensão da palavra de Deus, cujo
sentido últim o foi revelado por Cristo, ao qual o mesmo Espírito nos con
forma (2Cor 3,14-18). O Espírito Santo é o princípio da vida em Cristo,
que se opõe à vida segundo a carne, a vida segundo o pecado que Cris
to venceu com sua morte; daí que o cristão não viva segundo a carne, mas
segundo o Espírito (Rm 8, 2-5.9.12-13; G1 5,14-25). As expressões “no
Espírito” e “em C risto” são equivalentes em Paulo (cf. Rm 8,1-14; 8,9;
ICor 6,11; Ef2,21-22;G 12,17 comparado com IC or 6,11; 2Cor2,17 com
ICor 12,3; F1 3,1 com Rm 14,17)149. Com isso mostra-se a relação íntima
entre Jesus e o Espírito Santo. Deus, dando-nos o Espírito Santo, infundiu
em nós o amor, manifestado no feto de entregar seu Filho à morte por nós
quando éramos ainda pecadores (Rm 5,5). Trata-se do am or com que Deus
nos ama, não do amor com que o amamos (cf. Rm 8,3 2ss). O Espírito dá-se
a nós no batismo (IC or 6,11; 12,13; T t 3,5), é por ele que nos identificamos
com Cristo morto e ressuscitado (Rm 6,3ss; Cl 2,12).
O Espírito opera no homem não como uma força exterior, mas de dentro
de nosso ser interior, porque habita em nós, foi dado ao crente. Em lTs 4,8
aparece pela primeira vez a idéia: Deus nos deu seu Espírito Santo. O Espí
rito é o dom de Deus por excelência, como adiante veremos com m a is de
talhe. A presença do Espírito em cada um de nós põe-se em relação com o
respeito que de cada um deve merecer seu próprio corpo, quer dizer, seu
próprio ser (lTs 4,4-8). Em IC or 6,19, em um contexto semelhante, se nos
diz que nosso corpo é templo do Espírito Santo; essa condição relaciona-se
com a união com Jesus, de cujo corpo somos membros e com o qual forma
mos um só “espírito” (cf. 6,15ss); o Espírito que habita em nós é, ao mesmo
tempo, a força de Cristo que nos une a ele150. Ser templo do Espírito San
to e ser membro de Cristo são, na realidade, uma e a mesma coisa. Segundo
ICor 3,16 somos templos de Deus porque o Espírito Santo habita em nós.
A presença do Espírito em nós equivale à de C risto (cf. Rm 8,9s).
Mas Paulo não considera somente a presença do Espírito em cada um
para seu bem pessoal. Essa presença tem também uma dimensão eclesial:
111
VISÃO H ISTÓ R IC A
OS ESCRITOS DEJOÃO
151. Cf. F. PORSCH, Pneuma und Wort. Ein exegetische Beitrag zur Pneumattdope des
Jobaimesevangelium, Frankfurt Main, 1974,405-407. Também em joão pode-se fazer a lista
de paralelos entre a ação de Jesus e a do Espírito Santo, cf. CONGAR, op. c it, 84
112
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
152. Não se trata de que a ação de Jesus não seja de si universal. A universalidade de
Jesus e a do Espírito encontram -se em relação m útua e não podem distinguir-se adequa
damente.
153. Cf. CARDEDAL,Jesttf de Nazaret. Aproxtmaàón a la cristologia, Madrid, 1975,558.
113
VISÃ O HISTÓRICA
todos, e a vocação última do homem em realidade é uma só, isto é, divina. Por
isso devemos sustentar que o Espírito Santo oferece a todos a possibilidade de
que, em uma forma que Deus conhece, sejam associados ao mistério pascal154.
154. Cf. também JOÃO PAULO H, Redemptoris Missio, 28-29, onde diz que se deve
distinguir— sem separação — uma ação peculiar do Espírito na Igreja e um a ação universal.
155. Cf. CONGAR, opxit., 16. Embora em algum lugar do Novo Testamento fale
diretamente: At 13,2. Pelo menos não diz “eu” perante o Pai e o Filho. Cf. DUKWELL,
L'Esprit Saint de Dieu, Paris, 1983,156.
114
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
156. Cf. a lista de CONGAR, op. cit., 67s. Cf. também L. W EH R , Das Heilswirken
von Vater, Sohn und G eist nach den Paulusbriefen und dem Johannesevangelium. Zu den
neutestamentlichen Voraussetzungen der THnitätslehre, MiinTbZ 47 (1996), 315-324.
115
VISÃO HISTÓ RICA
116
A REVELAÇÃO DE DEUS N A VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBLICO-TEOLÓGICO
comunhão plena com Deus, sentado à sua direita, que desde antes da cria
ção existe na glória do Pai.
Algo semelhante podemos dizer do Espírito Santo. Nesse caso não
temos nenhuma afirmação explícita do Novo Testamento que nos fale de
sua divindade. Certam ente alguns dos textos mencionados na exposição
precedente têm difícil explicação se não se pressupõe essa divindade; por
exemplo, o Espírito escruta as profundezas de Deus (IC o r 2,10-12); “o
Senhor é o Espírito”, que em geral se entende como referido ao Espírito
Santo (2Cor 3,17). Mas é de novo sua associação ao Pai e ao Filho na
realização do m istério salvífico o que o coloca com mais clareza da parte
de Deus e não da da criatura. A obra de salvação que C risto realizou, de
uma vez para sempre (cf. Hb 7,27; 9,12;10,10), só alcança seus frutos nos
homens pela ação do Espírito Santo.
Mais do que uma doutrina elaborada sobre a Trindade, o Novo Tes
tamento mostra-nos com clareza uma estrutura trinitária da salvação: uma
iniciativa que vem do Pai que envia Jesus ao mundo, que o entrega à morte
(nos termos que conhecemos) e que o ressuscita dentre os mortos; a obe
diência de Jesus que por amor se entrega a nós, o dom do Espírito por
Jesus da parte do Pai depois da ressurreição, que habilita o homem para a
vida noVa e para configurar-se com C risto em seu corpo que é a Igreja.
Sem a intervenção conjunta e, ao mesmo tempo, específica de cada um
desses “Três”, nem o mundo nem cada homem em particular podem al
cançar a salvação.
A essa linha que poderíamos chamar "descendente’, Pai-Filho-Espí-
rito Santo, de Deus ao homem, corresponde também no N ovo Testamen
to uma linha que cham aríam o s "ascendente”: o dom do Espírito enviado
a nossos corações une-nos a Jesus e por ele temos acesso ao Pai. Espírito-
Filho-Pai seria a ordem do caminho do homem a Deus, possibilitado por
que antes Deus, em seu Filho e em seu Espírito, veio a nós. Assim, no
Espírito Santo que a todos nos une por meio de Cristo, temos acesso ao
Pai: "Pois por ele [Cristo], uns e outros [judeus e gentios] temos acesso ao Pai
em um mesmo Espírito” (Ef 2,18). O Filho e o Espírito Santo aparecem
no Novo Testamento unidos ao único Deus. Isso veremos a seguir mais
explicitamente ao exam inar alguns textos de estrutura triádica, em que são
mencionados o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O utras passagens, ainda que não tenham esse caráter de confissão de fé,
m ostram uma estrutura triádica. Nelas o Pai, o Filho e o Espírito Santo
aparecem juntos. Esses textos, dentro do N ovo Testamento, são um ponto
de chegada mais que de partida. Ao juntar em uma breve fórmula as três
pessoas, mostram a peculiar unidade entre elas que já todo o Novo Testa
m ento atesta. Nesses textos exprime-se sinteticam ente a estrutura trinitária
da ação divina que encontramos em todo o N ovo Testamento e que é um
caminho que pode nos levar à reflexão sobre a Trindade em si. São nume
rosos os textos em que de algum modo se pode achar traços dessa estrutu
ra; m uitos deles foram já citados no curso da precedente exposição. Por
isso lim itam o-nos agora àqueles em que essa estrutura aparece de modo
mais explícito.
O primeiro lugar deve caber à fórmula batismal, segundo M ateus 28,19:
“Ide, pois, e fazei discípulos a todos os povos, batizando-os em nom e do
Pai e do Filho e do Espírito Santo”. N ão é preciso insistir na importância
que esse texto fundamental teve na tradição e na vida da Igreja. Afirma ao
mesmo tempo a pluralidade das pessoas e a unidade das três (o nom e, no
singular)1S8. Se o uso litúrgico da Igreja prim itiva pôde ter influído na for
ma definitiva desse versículo, é questão que aqui pode ficar em aberto. Em
contraste com as passagens que veremos em seguida, esse texto nos oferece
a ordem que se tom ará tradicional na enumeração das três pessoas, e que
por sua vez corresponde à ordem histórica salvífica “descendente” a que nos
referimos há pouco. O batizado, por esse feto mesmo, fica referido ao Pai,
ao Filho e ao Espírito Santo. E sse mandato batismal deve ser visto em
relação com o batismo de Jesus no Jordão159.
2C or 13,13: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o am or de Deus e a
comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós”. E, na carta, a despe
dida de Paulo, que em nossa prática litúrgica atual converteu-se em sauda
ção de acolhida160. A “graça” pode ser identificada com o próprio Jesus
Cristo. N o Novo Testamento o Pai é o prim eiro que nos ama e a fonte do
amor. O Espírito Santo é fonte de comunhão entre Deus e os homens, e
118
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VID A DE JESUS. ESTUDO B iBUCO-TEOLÓ GICO
também dos homens entre si; ambos os elementos podem estar presentes
na intenção de Paulo (gen. objetivo e subjetivo).
IC or 12, 4-7: “H á diversidade de carismas, mas o Espírito é o mes
mo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; diversidade de
operações, porém é o mesmo Deus que opera tudo em todos”. A ordem é
aqui descendente, a que nos referimos. Os carismas unem-se especifica
m ente ao Espírito Santo, os “ministérios” ao “Senhor” (notemos a corres
pondência serviço/Senhor), tudo procede em último term o de Deus Pai,
único princípio.
G1 4,4-6: o texto que nos serviu de guia neste capítulo também nos
oferece um bom exemplo de texto triádico. Do Pai vem a iniciativa de
missão do Filho e do Espírito, em sua ordem e mútua interação.
Poderíamos mencionar de novo os textos do Paráclito no Evangelho
de João. Outros textos paulinos mostram também, com maior ou menor
clareza, um ritm o trim táno: Rm 8,14-17; IC or 6,11; E f 2,18; 4,4-6; 2Ts
2,13-14; T t 3,4-7; também lPd 1,2 etc. N ão se trata de um elenco exaus
tivo. Todas essas passagens indicam que, na consciência dos autores do
Novo Testamento, o Pai, o Filho e o Espírito Santo acham-se unidos de
um modo especial. Caberá à reflexão posterior da Igreja explicitar o que
aqui se encontra in nuce e fazer ver como essa unidade dos Três não se opõe
ao monoteísmo, mas é sua mais legítima e genuína expressão.
Esses textos incipientemente trinitários não devem ser vistos como o
único ponto de partida da doutrina trinitária da Igreja. Somente têm sen
tido à luz da economia da salvação que Deus, revelado como o Pai de
Jesus, realiza com a mediação desse e no Espírito. É a experiência da vida
de Jesus161e dos prim eiros instantes da vida da Igreja que leva a juntar esses
“Três”. Por uma parte, Jesus nos revela Deus como Pai e nos dá o Espírito
Santo que repousou sobre ele. Por outra, só a partir de sua relação com o
Pai e da unção do Espírito, em virtude da qual desempenhou a missão que
o próprio Pai lhe confiara, sabemos quem é Jesus, o Filho de Deus, o
Senhor e o Cristo. A fé em Jesus não pode expressar-se portanto em todas
as suas dimensões se não for em associação de Pai, Filho e Espírito Santo.
N esse sentido, dizíamos, essas fórmulas são de chegada mais que de parti
da. M as enquanto presentes no Novo Testamento, e de algum modo sín-
119
VISÃO HISTÓ RICA
tese de toda a sua mensagem, são, especialm ente a fórmula batism al, um
ponto obrigatório de referência para a reflexão posterior, unidas e nunca
separadas do conjunto da história que lhes deu origem e da qual extraem
seu significado.
REFLEXÕES CONCLUSIVAS
Nosso intento neste capítulo foi realizar um estudo não somente bí
blico, mas bíblico-sistemático. Quisemos explicar não só o que nos é dito
sobre a Trindade no N ovo Testamento, mas como o mistério de Deus se
revela na vida de Cristo e na da primeira comunidade cristã. Essa revelação
do mistério de Deus não e uma “informação neutra, mas uma inserção do
homem na vida divina (cf. E f 2,18). Para isso utilizamos os dados bíblicos,
mas servimo-nos ramhém da tradição patrística e da reflexão sistemática sobre
esses dados. Tratamos de fazer uma teologia de alguns mistérios da vida do
Senhor, do ponto de vista da revelação de Deus neles. Tracemos agora, no
final deste extenso capítulo, um breve balanço dos resultados obtidos.
__^ revelação de D eus trino acontece não só com palavras, mas com
o envio ao mundo, por parte do Pai, de seu Filho e do Espírito.
Pois o texto de G 14,4-6, que nos serviu de guia, é especialmente
significativo. A salvação do homem consiste na “filiação”, e as mis
sões de Cristo e do Espírito vão ordenadas a tomá-la possível.
__Essas duas missões não são independentes entre si, mas estão in
timamente relacionadas. São dois momentos inseparáveis da rea
lização do desígnio salvífico de Deus. Sua articulação interna des
cobre-se na vida de Jesus.
__O Novo Testamento e a tradição da Igreja chegaram à conclusão,
fundada nos dados da vida, morte e ressurreição de Jesus, de que
o Filho de Deus veio a este mundo. Porém Jesus não é somente o
Filho de Deus, mas também o portador do Espírito. Daí toda nossa
teologia da unção. Indicamos que, durante muito tempo, essa unção
confundiu-se com a encarnação, e assim passou a um segundo
plano, na reflexão teológica, o dado bíblico de Jesus possuidor
do Espírito, no qual foi ungido. A teologia atual deslindou melhor
os campos, seguindo a antiga tradição dos Padres. Sobre Jesus,
que é pessoalmente o Filho, atuou o Espírito. Pela ação do Espí
rito, Jesus entregou-se à morte e ressuscitou. A iniciativa é em
última instância do Pai.
120
A REVELAÇÃO DE DEUS NA VIDA DE JESUS. ESTUDO BÍBUCO-TEOLÓGICO
1. Cf. D V 16, que alude à famosa sentença de Sto. A G O STIN H O . Quatst. in Hept.
2,73 (PL 34, 623) “Quamquam et in V etere Novum lateat, e t in Novo Vetus pateat”.
123
VISÃO HISTÓ RICA
124
A PREPARAÇÃO DA REVELAÇÃO DO DEUS TRINO NO ANTIGO TESTAMENTO
3. G. von RAD, Teologia dei Antiguo Testamento L Teologia de las tradidoms históricas de
Israel, Salamanca, 1969, 235; cf., tam bém , todo o contexto.
4. B. S. CH ILD S, Il libro delTEsodo. Cmmentario critko-teologico, Casale M onferrato,
1995, 91; ibid. 92: “Deus revelou-se a Moisés com seu nome eterno. Esse é o nome que,
a partir de agora, o povo recordará no culto por todas as gerações. O nome não é revelado
para satisfazer a curiosidade de Israel, senão para ser o instrum ento de uma adoração con
tínua”. W. ZIM M ERLI, Manual de Teologia dei Antiguo Testamento, M adrid, 1980, 18-19:
aO nome de Javé não se deve interpretar a partir do verbo isolado hyh, senão a partir da
figura de dicção: ‘Eu sou o que sou*. Essa figura deve com parar-se com a autoritária sen
tença de Ex 3 3,19: ‘Eu me compadeço de quem me compadeço e favoreço a quem favoreço’.
Nessa figura de dicção ressoa a soberana liberdade de Javé, que nem sequer no mom ento
de revelar seu nom e se deixa apanhar nem se situa ao alcance do homem. Segundo a afir
mação de Ex 3,14 até quando se designa por seu próprio nom e e o revela ao homem, Javé
continua sendo ‘o Livre’, o que só pode ser corretam ente com preendido na liberdade de
sua própria auto-apresentação”. Ibid. 19-20. “N a única passagem em que o AT tenta ofe
recer uma explicação do nom e de Javé, rejeita uma ‘explicação* do nome que o encerrasse
em uma jaula d e definição. O AT tenta expressar que só se pode falar de Javé observando
atentam ente com o se manifesta (em sua atuação e em seus preceitos)”.
5. Cf. R de VAUX, Historia antigua de brad, M adrid, 1975, 343.345; cf. também 330-347.
6. J. M . ROVIRA BELLOSO, Tratado de Dios uno y trino, Salamanca 1993, observa
que em M t 28,20, “eu estarei convosco dia após dia até o fim dos séculos”, Cristo cumpre
em plenitude esse programa que Deus traçou para si desde o começo. VAUX, op. cit., 347:
“Ex 3,14 contém em potência os desenvolvim entos que lhe dará a continuação da revela
ção, e nessa perspectiva de fé justifica-se o sentido profundo que nele lerão os teólogos.
Sem sair da B íblia, *Eu sou o existente’ encontra seu eco e com entário no último livro da
Escritura: ‘Eu sou o Alfa e o Omega’, diz o Senhor Deus, ‘o que é, o que era, o que há de
vir, o Tòdo-poderoso’ (Ap. 1,8). O próprio nome de Jesus (cf. M t 1,20) indica essa conti
nuidade: Deus está com seu povo para salvá-lo”.
7. Cf. B. Sesbõué, Jésus-Christ, Tunique médiateur, 2. Les récits du salut, Paris 1991,74.
Também U. von Balthasar, Gloria 6, M adri, 1988,58.
125
VISÃO HISTÓRICA
Esse Deus que revela seu nome a Moisés e, por meio dele, a todo o
povo é o único que libertará Israel, que manifestará seu poder em aconte
cimentos da história sucessiva. Com esse Deus, celebrará o povo de Israel
um a aliança solene, em virtude da qual será para sempre o povo de sua
propriedade e a porção de sua herança: “Quando o Altíssimo repartiu as
nações... fixou as fronteiras dos povos... M as a porção de Javé foi seu povo,
e Jacó a parte de sua herança” (D t 32,8-9). “Ele é nosso Deus e nós somos
seu povo, o rebanho que ele conduz” (SI 95[94],7). Isso exclui o culto de
outros deuses, como expressamente observa no Ex 20,2-3 a primeira pala
vra do decálogo: “Eu sou Javé, sou teu Deus, que te tirou do país do Egito.
D a casa da escravidão. Não haverá para ti outros deuses diante de m im ”.
Essa pretensão de Javé de ser o único D eus para seu povo está na base do
monoteísmo radical, que já afirma claramente a existência de um só Deus
(e não só que Israel não pode adorar mais do que a um só Deus), que
chegará a ser formulado nos profetas do final do exílio e no livro do Deu-
teronôm io; assim, por exemplo, no Dêutero-Isaías, com uma evidente re
ferência ao motivo da revelação do nom e de Javé no Êxodo:
Vós sois meus testemunhos — oráculo de Javé — e meus servos a que escolhi,
para que se me conheça e se me creia por mim mesmo, e se entenda que eu sou.
Antes de mim não foi formado outro Deus, nem depois de mim haverá outro.
Eu, eu sou Javé, e fora de mim não há salvador (Is 43,10-11)8.9
Reconhece pois e medita em teu coração que Javé é o único Deus, ali em
cima, no céu, e aqui embaixo, na terra; não há outro (Dt 4,39; D t 4,35;
6,4; 7,9)’.
8. Cf. também, entre outras passagens, Is. 42,8; 44,6-8: “Eu sou o prim eiro e o últi
m o... Vós sois testemunhas: há outro Deus fora de mim?”; 45,5-6: “Eu sou Javé, não há
nenhum outro...”; 45,18-19.21; 46,8. Afirmações que encontram seu prelúdio já em J r 31,35;
32,17.27: “Eu, Javé, sou o D eus de toda carne”. Sobre a relação desse monoteísmo explícito
com o desenvolvimento da fé na criação, cf. L. E LADARIA, Antropologia telogica, Casale
M onferrato-Rom a, 1 9 9 5 ,18ss.
9. As etapas da evolução do monoteísmo em Israel acham-se resumidas em H .
VORGRIM LER, Doctrim teológica de Dios, Barcelona, 1987, 59s: uma primeira fase mar
cada pela luta contra o deus Baal, no século IX a.C ., iniciada pelo profeta Elias; só se deve
adorar Javé. A segunda fase marcada por Oséias, por volta de 740 a.C.: deve-se adorar Javé
desprezando os outros deuses. Uma terceira fase é a reforma cultual de Ezequias (728-699)
caracterizada pela luta contra o culto às imagens no reino do N orte. A quarta fase é a
reforma de Josias (641-609) com a centralização do culto em Jerusalém; Sofonias, Ezequiel
e Jerem ias comprometem-se nesse movimento m onoteísta. A quinta e última fase, depois
de 586: com o exílio irrom pe o monoteísmo; não há outro Deus que Javé, em termos
absolutos; assim dizem o D euteronôm io e o D êutero-Isaías. Cf. Também S. SATTLER;
126
A PREPARAÇÃO DA REVELAÇÃO DO DEUS TRINO NO ANTIGO TESTAMENTO
T h . SCH N EID ER, D ottrina su D io, in T h. SCH N EID ER (ed.) Nuavo corso di dogmatica,
Brescia, 1995, v. 1 ,65-144, esp., sobre essa questão, 84-92; J. -M . van CANGH, Les origi
nes d’Israël e t la foi monoteüste, RtbLou. 22 (1991) 305-326; 457-487; ID ., Les origines
d’Israël e du monotrïsm e: instituitíon et/ou charisme, in A. M ELLO N I; D. M EN O ZZI;
G . RU G G IERI; M. T O SC H I (eds), Cristianesimo nella Storia. Saggi m onore di G. Alberigo,
Bologna, 1996,35-88; B. LA N G (ed.), Der Einzige Gott. Die Geburt desbiblischen Monotheismus,
M unique, 1981; E. HAAG (ed.), Gott der Einzige. Zur Enttstebung des Monotheismus in b-
rael, Frei bürg, 1985; A. STAGLIANÒ, II misten del Dio viviente. Per uma teologia delTAssoIuto
trinitario, Bologna, 1996, 129-163; P. CODA, Dio Uno e Trino. Rrvelazione, esperienza e
teologia del Dio dei cristiani. Cinisello Balsamo, 1993, 19-81.
127
VISÃ O HISTÓRICA
128
A PREPARAÇÃO DA REVELAÇÃO DO DEUS TRINO NO ANTIGO TESTAMENTO
129
VISÃO HISTÓRICA
Javé criou-me primícia de seus caminhos antes de suas obras mais antigas.
Desde a eternidade fui modelada, desde o princípio, antes da terra... Quando
assentou a terra ali estava eu... eu estava ali, como arquiteto... brincando com
o orbe da terra, e minhas delícias eram os filhos dos homens (Pr 8,22,31).
A Sabedoria edificou uma casa, lavrou suas sete colunas, cameou a rês, mis
turou o vinho... (Pr 9, 1-2).
130
A PREPARAÇÃO DA REVELAÇÃO DO DEUS TRINO NO ANTIGO TESTAMENTO
131
VISÃ O HISTÓ RICA
18. Uma das poucas passagens em que aparece a expressão no Antigo Testamento.
Cf. nota 143 do capítulo precedente.
19. N o entanto veremos que alguns Padres, por exemplo, Sto. Ireneu, uniram a Sa
bedoria com o Espírito Santo. O livro da Sabedoria, como já notamos é um precedente
dessa conexão.
132
B
Ahistória da teologia e o dogma trinitário
na Igreja antiga
5
Os Padres apostólicos
e os Padres apologetas
OS PADRES APOSTÓLICOS
135
VISÃO H ISTÓ R IC A
I. Clemente Romano
136
OS PADRES APOSTÓLICOS E OS PADRES APOLOGETAS
2. Inácio de Antioquia
137
V IS Ã O HISTÓRICA
3. Epístola do Pseudo-Bamabé
15. Cf. Efes. Insc; (102); 7,2 : “Deus feito carne” (110); Ram. 3,3 (152).
16. Efes. 17,2 (120).
17. Magn. 7,2 (132).
18. Magn. 8,2 (Ibid.): “Xó-yoç à-jrò 'irpoeXSúv”. Trata-se de lembranças da
teologia gnóstica, ao m enos na terminologia? Cf. A.ORBE, En losalboresde la exégesis ioburmea
Qob. 1,3), Roma, 1955, 37-40.
19. Efes. 18,1: “... o C risto, nosso Deus, da linhagem de Davi e do Espírito Santo...”;
cf. 17,1 (120). Já nos referim os a esses textos no capítulo 3.
20. Filad. 7,1-2 (164) nova coincidência no último ponto com Clem ente Romano.
21. Cf. Ep. de Bamabé, 5,5; 6,12 (FP 3 ,168; 176).
22. Cf. 3,6; 4,8 (160;164); cf. Inácio de Antioquia, Em. mscr. (FP 1,170); Hermas,
Pastar, Comp. IX 12,5 (FP 6,252).
23. Ep.de Bamabé 5,1 (168).
24. Ibid. 1,3 (150).
25. Cf. 6,14 (178); 9,7 (190): Abrãao viu a Jesus “em espírito”. M uitos Padres usaram
a mesma expressão. Cf. F. P. LADARIA, El Esprrrtu en ClementeAlejandrino, M adrid, 1980,
27s. Também Jacó viu “em espírito” a figura do povo futuro, 13,5 (208).
138
OS PADRES APOSTÓLICOS E OS PADRES APOLOGETAS
4. Didacbé
5. O “Pastor” de Hermas
139
VISÃO HISTÓ RICA
OS PADRES APOLOGETAS
31. Cf. um resumo do estado da questão em J. J. AYAN, Hermas, 0 Pastor (FP 6),
Madrid, 1995,35-41. Cf. também M. SIM O N ETTI, El problema delTunità di D ioa Roma,
da Clemente a Dionigi, in ibid., Studi detta cristologa deiUe IIIsecolo, Roma, 1993,183-215,
187ss; A. STEWARD-SYKES, T he christology o f Hermas and the interpretation o f the
fifth similitude. Aug 37 (1997) 273-285.
140
OS PADRES APOSTÓLICOS E OS PADRES APOLOGETAS
1. Jiistino
São Justino, filósofo e mártir, morto em Roma por volta de 165, deve
ser a primeira figura a ocupar nossa atenção. É sem dúvida o mais signifi
cativo dos apologetas. O monoteísmo é um ponto indiscutido, uma con
vicção que o filósofo compartilha com o judeu Trifon, seu interlocutor no
diálogo52. Deus é sempre do mesmo modo, invariável, e causa de tudo
quanto existe55. É ao mesmo tem po o “Pai do universo, ingênito
(à*yéwT)Tos), não tem nom e imposto, porque tudo o que leva um nome
supõe outro mais antigo que o impôs. Os (nomes) de Pai, Deus, Criador,
Senhor, Dono não são propriamente nomes, suas denominações tomadas
de seus benefícios e de suas obras”54.
Porém, a menção ao Pai está acompanhada pela menção ao Filho.
Assim continua o texto que acabamos de citar: “Quanto a seu Filho, aquele
que só p ro p ria m e n te se diz Filho, o Verbo, que está com ele antes das
criaturas, é gerado quando no princípio Deus criou e ordenou por seu
meio todas as coisas, chama-se Cristo por sua unção e por ter D eus orde
nado por seu meio todas as coisas”55. Encontram o-nos aqui com a idéia de
uma “geração”, metáfora a que remete o nom e de filho, que se recolhe do
N ovo Testamento. O Filho ou Verbo está com Deus antes das criaturas (cf.
Jo 1,1-3). Pode pensar-se que a geração está ligada à criação, quer dizer,
que o Verbo veio à existência quando D eus criou todas as coisas por seu
m eio. Assim vem à existência o Filho de D eus que é Deus. O nascido de
A laria não vem à existência naquele momento: o Filho do Fazedor do
universo preexiste como Deus (sendo D eus, 0eó<; õv) e foi gerado como*32
141
VISÃO HISTÓRICA
36. Cf. Dial. Trypb. 48,2 (BAC 116,381). Em outras passagens fala-se do Filho ou
Logos como Deus, em geral sem artigo: I Apol. 63,1$ (W ARTELLE, 186); Dial. 56,1.4
(394); 61,1 (409); 63,5 (414); 126,2 (523).
37. Cf. Dial, Trypb. 50, lss; 56,lss (385ss; 394ss). 1 Apol. 63, lss (184ss).
38. Dial. 63,3 (414): de novo a paternidade em relação à criação; parece que dessa se
passa à paternidade a respeito do Verbo.
39. 1 Apol. 23,2 (128); Ibid., 21,1 (126) o Verbo “irpwrov ■yéwrijm” primeiro re
bento de Deus. Sobre a Apologia, cf. Ch. M U N IER, Justin. Apologie, Fribourg, 1996.
40. •yevéwT|Ke SúvapAV Tvva é£ écnrroü Vyuci|v Cf. ORBE, Hacia la primera teologia
de laprocesión dei Verbo, Roma, 1958,565ss; SIM O N E T H , op. d t., Roma, 1993,75,81. Cf.
também Dial. Trypb. 62,4 (412) rebento em itido pelo Pai, 'npoflXiiOèv 'yéw eqpa. H a tal
vez influxos gnósticos na terminologia.
41. Dial. Trypb. 61,1-3 (409s).
142
OS PADRES APOSTÓLICOS E OS PADRES APOLOGETAS
de Deus, não é fruto de uma decisão contingente, sem que por isso dei
xe de ser livre. Por último, a geração não se produz por um corte ou excisão
material, não diminui o ser do Pai, como explica a metáfora de um fogo
que se acende em outro fogo. Notemos que, sem ser absolutamente idênti
cas, há uma semelhança entre essa metáfora e a da “luz de luz” do Concílio
de Nicéia. Esse fruto, 'yéwqijux, que estava com o Pai antes das criaturas, é
o destinatário das palavras de Gn 1,26, segundo a exegese do Pseudo-Bamabé
que já conhecemos42. H á portanto uma verdadeira distinção entre os dois, o
Filho é realmente distinto do Pai, não se confunde com ele.
Essa distinção das "pessoas” é sublinhada fortem ente por Justino, que
ao mesmo tem po acentua a unidade do Filho com o Pai:
Essa potência seria inseparável e indivisível do Pai, da maneira — dizem [os
adversários] — como a luz do sol que ilumina a terra é inseparável e indivisível
do sol que está no céu. E como esse, ao pôr-se, leva consigo a luz, assim...
quando o Pai quer, faz saltar de si certa potência, e quando quer, a recolhe a
si... Essa potência... não é só distinta pelo nome, como a luz do sol, senão
numericamente outra (àpi0|iÂ> STepóv)43, e ali eu disse que essa potência é
gerada pelo Pai por poder e vontade sua, não por excisão ou corte, como se
dividisse a substância do Pai... Dei o exemplo dos dois fogos...44.
42. Dial. Trypb. 62,lss (41 ls) C f. também sobre a passagem ORBE, op. d t., 699ss.
43. A m esm a expressão em Dial. Trypb. 129,4 (528).
44. Dial. Trypb. 128, 3-4 (526s) C f. ORBE, op. d t., 580ss.
45. Cf. Dial, 50,1; 55, 1-2; 56,3 (385, 392s; 394). Cf. sobre essa questão H E N N E ,
Pour Justin, Jésu s est-il un autre Dieu? RSPbTb, 81 (1997) 57-68.
46. Cf. 1 Apol. 31,1; 61,13 (136;184). Dial. 38,2 (364); 113,4 (499); Josué |á recebe a
força do E spírito de Jesus, 25,1 (341); o Espírito Santo clama pela boca de Isaías; 34,1
(356), dita um salm o a Davi.
47. Cf. 1 Apol. 35,5-6 (142); cf. Dial. 100,5 (479).
143
VISÃO HISTÓ RICA
batismo, sem ter Jesus necessidade disso, para que a partir dele o E spírito
pudesse derram ar-se sobre os cristãos48.*
Por últim o devemos aludir a algumas fórmulas triádicas que achamos
nos contextos doxológico e litúrgico, que m ostram que a fé trinitária se
desenvolveu no culto e na vida de fé da Igreja: “N ós prestamos culto ao
fazedor do universo... a Jesus Cristo... que aprendemos ser o Filho do
verdadeiro Deus, a quem pom os em segundo lugar, assim como ao Espí
rito profético que pomos em terceiro lugar”44. A tríade batismal aparece
também em algumas ocasiões50. Em um contexto eucarístico, aparece a
doxologia que tem por objeto “Deus e Pai do universo, pelo nome de seu
Filho e do Espírito Santo”51; Justino vê a Trindade inclusive nos escritos de
Platão, que “dá o segundo lugar ao Verbo que vem de Deus e que ele disse
estar difundido em forma de X no universo; e o terceiro ao Espírito que
adejava sobre as águas (cf. G n 1,2)”52. M as a reflexão sobre a unidade dos
três ainda não tinha se desenvolvido.
2. Taciano
48. Cf. Dial. 87-88 (458-462), Cf. ORBE, La unáón dei Verbo, Romae, 1961, 21-82.
4 9 . 1 Apol. 13,1-3 (112). Cf. também 6 ,1 -2 (104) com menção dos anjos depois de
Jesus.
50. C f. IApol. 65,3; cf. ibid., 11-13 (182-184).
5 1 . 1 Apol. 65,3 (188s>, cf. 67,2 (190).
5 2 .1 Apol. 60,5-7 (180); cf. todo o contexto. Sobre essas passagens, cf. M ARTIN, op.
d t., 243ss. M ais em geral AYAN, Antropologia de son Justino, Santiago de Com postela/
Córdoba, 1988; e também A. M EIS, La fórmula dt f t uCreo en el Esptru Santo” en el sigh D,
suformation y significado, Santiago de Chile, 1980, 157-179.
144
O S PADRES APOSTÓLICOS E O S PADRES APOUOGETAS
potênda do visível e do invisível, ele tudo sustentou consigo mesmo pela potên
cia do Verbo. E por vontade de sua simpliddade, sai (irporrneSÇ53) o Verbo. E
o Verbo, que não saía no vazio, resulta a obra primogênita do Pai. Sabemos que
ele é o princípio do mundo; mas não se produziu por divisão (àiró kotttjv) senão
por partidpação (pepurpóv). Porque o que se divide fica separado do primeiro;
mas o que se dá por partidpação, tomando o caráter de uma dispensação
(ôucovopía), não deixa carente aquilo donde se toma. Porque da maneira como
de uma só tocha se acendem muitos fogos, mas nem por acenderem-se muitos
diminui a luz do primeiro, assim também o Verbo, procedendo da pessoa do Pai,
não deixou sem razão (alogos) quem o tinha gerado... O Verbo, gerado no prin-
dpio, depois de fabricar a matéria, gerou nossa criação...54.5
53. Provavelm ente, segundo O RBE, Procesión dei Verho..., 592, Justino rejeitaria esse
“sair” porque pode dar a impressão de que se pode voltar atrás: vimos como Justino rejeita
essa possibilidade. P o r isso Taciano aceitaria provavelmente as comparações de lèrtuliano
a que nos referím os mais adiante (cf. ibid., 584ss.).
54. TA CIA N O , Ad Graecos 5 (BAC 116, 578s).
55. Ibid., 4 (577).
56. Cf. tam bém Ibid., 12, sobre os diversos “espíritos” (258s).
57. Ibid. 7 (580); cf. também a continuação do texto.
58. Ibid., 15 (593): “O Deus perfeito está isento de came; o homem porém é cam e.
O vínculo da cam e é a alma e o que a alm a retém é a came. E se semelhante constituição
é à maneira de um tem plo, D eus quer h abitar nele por meio do Espírito, que é seu legado”.
145
VISÃO HISTÓRICA
3. Atenágoras
146
O S PADRES APOSTÓLICOS E O S PADRES APOLOGETAS
62. Algumas expressões repetem -se em Leg., 24 (687s): “Afirmamos Deus ao Filho,
Seu Verbo, e ao E spírito Santo, unificados segundo o poder; ao Pai, ao Filho e ao Espírito,
porque o Filho é inteligência, verbo e sabedoria (oo<J>ía) do P ai, e o Espírito emanação
(àiróppota), com o luz do fogo...” Alguns acrescentam depois de “segundo o poder”, “dis
tintos segundo a taxis”.
63. Leg. 12 (663s).
147
VISÃO HISTÓRICA
4. Teófilo de Antioquia
64. Leg. 6 (655). Cf. também de modo mais velado, Ibid.5 (653s). SIM O N E T O , op.
d t., (cf. nota 40) 89, observa que quando o Espírito é introduzido na vida da Trindade
desaparecem essas funções cósmicas, que se atribui então só ao Filho. Assim ocorre real
mente nos textos dtados. Contudo há certas vadlações na teologia do Espírito.
65. C f. Leg. 7 (657).
66. Ad Autolicum 2,15 (805).
67. Aut. 2,10 (796); nesse contexto o Logos é também chamado “espírito”. União de
Verbo e Sabedoria também em 2,22 (813). Em ambos os casos se alude a ICor 1,24.30:
Cristo potênda e sabedoria de Deus. Cf, SIM O N ETTI, o p .d t., 92.
68. Ibid. 2,18 (808), Deus diz ao Logos e à Sabedoria: “Façamos o homem” (Gn
1,26); dá-se aqui a ampliação trinitária da interpretação inidada pelo Pseudo-Bamabé; cf.
1,7 (774,) onde se dá a mesma distinção no contexto da criação do mundo e comentando
SI 32[31],6, um dos lugares mais usados na patrística para afirmar a intervenção de toda
Trindade na criação. Parece portanto que se pode afirmar que há em Tèófilo uma fe trinitária
sufidentem ente assentada, senão perfeitam ente desenvolvida.
69. C f. Aut. 1,14; 2,9; 3,17 (781; 795; 857).
70. Cf. Ibid. 1,4 (786); 2,2 (814) o Pai do universo é o que gera o Verbo.
71. C f. AdAut. 1,6-7 (773-774); 1,11 (778); 2,28 (819).
148
OS PADRES APOSTÓLICOS E OS PADRES APOLOGETAS
Mas o aspecto que mais nos interessa destacar em lèófilo é sua doutri
na dos dois estados do Verbo, o Logos imanente (èvSu&OsToç), no seio do
Pai, antes da geração propriamente dita, e o Logos proferido (<npo<|>opiKÓ<;),
quando Deus o gera para criar o mundo por seu meio:
O Verbo está sempre imanente72no coração de Deus (evSuíOeTov ev KotpSía
6eoü). Porque antes de criar nada, tinha a esse por conselheiro, como mente
e pensamento seu que era. E quando Deus quis fazer tudo o que tinha deli
berado, gerou esse Verbo como proferido (<irpo<|>opiKÓv), primogênito de toda
a criação, não se esvaziando de seu Verbo, senão gerando o Verbo e conver
sando sempre com ele73.
149
VISÃO HISTÓ RICA
150
6
A teologia do final do século II
e do século III
IRENEU DE LIAO
151
VISÃO H ISTÓ RICA
1. C f. Ado Haer. 1,10 (SCh 264,154) IV 33,7 (SCh 100, 818); V 20,1 (SCh 153,254);
Démons. 3; 6; 10 (FP 2 56;62-64;75-77); reproduzimos uma dessas fórmulas, IV, 6,7 (SCh
100,454): "... in omnibus et per om nia unus Deus Pater et unum Verbum [Filius] e t unus
Spiritus et una salus credentibus in eum ”. Cf. J. FANT1NO La théologie d’Irmée. Lecture des
Ecritures en réponse à Vexégese gnostique. Une approche trmitaire, Paris, 1994, esp. 283-309.
2. C f., entre outras passagens, I 3,6 (SCh 264,62); H I 1,2 (SCh 264,62); E l 1,2 (SCh
211,24); 4,2 (46s); 16,6 (312); cf. M. SIM O N E T O , Studi sulla cristologia del U e II secolo,
Roma, 1993, 97ss.
3. Adv. Haer. IV 20,5 (SCh 100, 638s). Também ibid., 6 (644); Démons. 1 (FP 2,65s);
V 36,2 (SCh 153,460) “... et per huiusmodi gradus proficere, et per Spiritum quidem ad
Filium, per Filium autem ascendere ad Patrem”; IV 38,3 (954): “Pâtre quidem bene sentdente
et iubente, Filio vero m inistrante et formante, Spiritu vero nutriente e t augente...”
4. Cf. Adv. Haer. H 2,4 (SCh 294,38); 27,2 (266>, ffl 8,3 (SCh 211,94).
5. C£ Adv. Haer. W praef 4 (390); 7,4 (462s). Deus não predsou do m inistério dos
anjos para criar o homem; o mesmo em 20,1 (626). V 1,3; 6,1: cf. ORBE, Teologia de son
IrineOy M adrid-Toledo, 1985,1, 112ss; 266ss; Démons. 5 (60-62).
6. Cf. SIM ONETTI, op. d t., 100.
7. “Generationem dus quis enarrabit?”; c£ Ado. Haer II 28,5. (282); também Démons.
70 (FP 2,187). No original, essa frase nada tem a ver com o problema de que tratamos. A
tradução da Bíblia de Jerusalém é: “Quem se preocupa com sua causa?” Também se usou esse
152
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO « E D O SÉCULO III
153
VISÃ O HISTÓRICA
15. Ibid., V 17,1; cf. ORBE, Teologia de san Irrneo, M adri-Toledo, 1987, II, 121ss.
Todas as obras que D eus faz a título de demiurgo, ele as ama a título de Pai.
16. CLAdo. Haer. TV20,1,4-5 (625.635-641); Demons. 8 (69-70). Cf. ORBE, Pnceãán..., 129.
17. Cf.Ado. Haer. V 12,2: “... afflatus igitur tem poralis, Spiritus autem sempitemus”.
Cf. ORBE, Teologia..., I, 546s.
18. CÍAdv. Haer. IV 7 ,4(464). Cf. para o que segue, OHBE,Introducción..., 123-126.
19. Cf. Adv. Haer. TV 20,1 (626), a diferenciação das funções do Pai, do Filho e do
Espírito na criação.
154
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO II E DO SÉCULO III
155
VISÃ O HISTÓ RICA
TERTULIANO
156
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO IIE DO SÉCULO III
Deve-se pois afirmar a unidade divina, mas ela não significa que o
Pai, o Filho e o Espírito sejam o mesmo. A unidade divina de que aqui se
trata dá-se no desenvolvimento da "economia” (que aqui é antes de tudo
uma realidade intratrinitária, embora seja contemplada em relação com a
economia salvífica que dela deriva, começando pela criação). Deus é um,
porque tudo vem do um pela unidade da substância, e ao mesmo tempo se
guarda o mistério da economia que dispõe a unidade na Trindade, na ordem
dos três, o Pai o Filho e o Espírito; mas três não pelo estado, e sim pelo grau;
não pela substância, senão pela forma; não pela potência, mas pela manifes
tação; porém os três são de uma só substância, de um só estado e de uma só
potência30, porque um só é Deus do qual esses graus, formas e manifestações
se distribuem nos nomes do Pai, do Filho e do Espírito Santo31.
30. Já Atenágoras punha na dynamis a unidade dos três. Cf. ATENÁGORAS, Legatío
pro Cbristianis 10 (BAC 116, 659-661).
31. Prax 2,4 (146); cf. também 19,8 (198); sobre esses conceitos cf. a introdução de
SCARPAR à edição de Aàu. Prax., 84-98; G. URRIBARRI BILBAO, Monarquiay Trimdade. El
amcepto teológico “numarcbia” em la amtrvuérsia “monarqiúana1', Madrid, 1996,169ss. Fundamen
tais são os estudos de R. BRAUN, Deus drrisúanontm. Recbercbes sur le vocakndam doctridal de
Tèrtulien, Paris, 1962; J. M O IN G , La tbéologie trmhaire de Tertulien, Paris, 1965-1969,4 vols.
32. Prax. 3,1 (146s) "... expavescunt, quod oikonomiam numeram et dispositionem
trinitads divisionem praesum unt unita tis, quando unitas, ex semedpsa derivans trinitatem ,
non destruatur ab illa, sed adm inistretur”.
157
VISÃ O HISTÓRICA
158
A TEOLOGIA D O FINAL DO SÉCULO IIE D O SÉCULO III
Para explicar essa unidade dos três fazendo ver ao mesmo tem po sua
distinção, Tertuliano usou uma série de comparações que, com sua apro
vação ou sua rejeição, tiveram grande influência na tradição. É fundamen
tal uma passagem do c. 8 do Adversas Praxean:
O tronco não está dividido da raiz, nem o rio da fonte, nem o raio do sol, nem
tampouco a Palavra está separada de Deus. Portanto, segundo a imagem que
esses exemplos proporcionam, confesso que falo de dois: Deus e sua palavra,
o Pai e seu Filho, porque a raiz e o tronco são duas coisas, mas unidas: e a
fonte e o rio são duas manifestações (species), mas indivisas; e o sol e o raio são
duas formas, mas enlaçadas (cobaerentes). Tudo o que procede de alguma coisa
deve ser algo distinto daquilo de que procede, mas não separado. Porém,
onde há um segundo há duas coisas, e onde há um terceiro, três. O tercei
ro é o Espírito a respeito do Pai e do Filho, como o terceiro a respeito da raiz
é o fruto que vem do tronco, e o terceiro em relação à fonte é o arroio do
rio, e o terceiro do sol é a chispa do raio. De todas as maneiras, nada se aparta
da origem do que tem suas propriedades. Assim a Trindade, derivada do Pai
e através dos graus enlaçados e coesos, não é obstáculo à monarquia e protege
o status da economia42.34
42. Prax. 8 ,5 -7 (172): cf. todo o contexto, sobretudo o precedente. Cf. também 22,6
(206): “radius ex sole”, “rivus ex fonte”, “frutex ex sem ine”, só se fala do Pai e do Filho.
Igual em Apokgetiatm, 21,10-13 (CCL 1 ,124s).
43. Prax. 9,1 (162): “alium esse Patrem et alium Filium et alium Spiritum ”.
159
VISÃO HISTÓRICA
bém no salmo é cantado como inferior: Um pouco menos que os anjos (SI 8,6).
Assim o Pai é distinto do Filho ao ser maior do que o Filho, pois um é o que
gera e o outro o que é gerado; um o que envia, outro o que é enviado; um que
faz, e outro por meio do qual tudo foi feito44.
160
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO IIE DO SÉCULO III
48. Cf. Prax. 6, lss (154); tam bém 7,1 (156) cf. Adv. Herrn. 45,1 (CCL 1,434).
49. Prax. 6,3 (154) “Nam, u t primum D eus voluit ea quae cum sophia et ratione e t
sermone disposuerat in tra se, in substan tias e t spedes suas edere, ipsum primum protulit
sermonem, habentem in se indivíduas suas, rationem e t sophiam, u t per ipsum fierent
universa per quem erant cogitata atque disposita, immo et fe rn iam quantum in Dei sensu...”.
50. Prax. 7,1.0 texto continua assim: “ conditus ab eo primum e t cogitatum in nomine
sophiae — Domnus amdidit me initivm viarum (P r 8,22) — , dehinc generatus ad effectum
— am pararet caelum, aderam illi (P r 8,27) — , exinde eum Patrem sibi fariens, de quo
procedendo Filius foetus est..”.
51. Prax. 10,2-3 (164) “Atquin pater filium fedt e t filius... H abeat necesse est pater
filium u t pater sit, e t filius patrem u t filius sit”. Retenhamos essas idéias, que mais adiante
serão fundamentais para o desenvolvimento da doutrina da relação, tão central na teologia
trinitária. Prax. 11,1 (166): “... ilium sibi Filium ferisse sermonem suum ”. Fez Filho a sua
palavra, gerando-a. C f. ORBE, Estúdios..., 3ss.
52. Cf. Prax., 7,1-2 (156).
161
VISÃO HISTÓRICA
162
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO IIE DO SÉCULO III
Tèrtuliano diz-nos algo mais sobre o Espírito e sobre sua origem di
vina. O Espírito vem do Pai pelo Filho “non aliunde puto quam a Patre
per Filium ”59, como o Filho vem da substância do Pai. A palavra — o sermo
— subsiste, como já sabemos, no comum substrato divino, o espírito, que
viria a ser de algum modo a natureza divina. O ser sermo não se pode
comunicar, mas o substrato é de si comunicável. Daí a comunicação do
espírito que vem do Pai através do Filho60. 0 a Patre, do Pai, indicaria duas
coisas: a) o rem oto e universal princípio do Espírito Santo; b) o agente
principal na causalidade mesma do Filho. Deus Pai atua, como princípio
remoto, e também como agente principal, na processão do Espírito ex
Filio. Só do Pai deriva em últim o termo o “espírito” que o Filho é capaz de
emanar de si mesmo, como a água, que do rio vai ao arroio ou ao canal que
dele deriva, provém em últim o termo da fonte; ou como só do sol procede
definitivamente a luz que o raio é capaz de comunicar à chispa, para seguir
com as imagens tertulianas que já conhecemos61.
Também como em Ireneu a diferença entre Filho e Espírito pode-se
ver refletida na diferença entre a imagem e a semelhança divinas no ho
mem. A semelhança está para a imagem como o Espírito pessoal está para
o sermo. O Espírito Santo dispõe o caminho para a mediação do Filho, não
tem “form a”. Faz o homem em seu dinamismo e em sua vida semelhante
a Deus. O Pai realiza a criação primeira, amorfa. O Filho, fundado em sua
sabedoria, a criação segunda. O Espírito alenta e vivifica os seres configu
rados mediante o Verbo. Assim, por obra do Espírito, chega-se à perfeita
semelhança do Verbo encarnado, primeiro m odelo do homem segundo o
Africano. A criação do homem é assim obra da Trindade. Tèrtuliano, como
já fazia Tèófilo de Antioquia, estende ao Espírito Santo, terceira pessoa, o
“façamos” de Gn 1,26, que para o Pseudo-Bamabé se referia só ao Filho62.
163
VISÃO HISTÓ RICA
Vimos que o E spírito Santo é dom, munus. Devemos reter essa idéia,
que a tradição posterior recolherá amplamente. É o dom que Jesus faz. É
interessante para a relação Pai-Filho-E spírito ressaltar um paralelismo: o
Filho é chamado vicarius do Pai, porque o faz visível63. Aplica-se o mesmo
term o ao Espírito Santo, a respeito de C risto. E o que o faz presente,
realiza sua obra nos hom ens64.
lèrtnliano oferece-nos uma teologia trinitária já bastante elaborada. Se
quer manter a unidade divina, em que Praxeas tanto insiste, acentua igual
m ente que essa não se vê afetada pela economia intratrinitária, porque o Pai
comunica sua natureza divina, seu “espírito” ao Filho e, mediante este, ao
Espírito Santo. Esses três são um, por sua substância, seu “estado” e seu poder.
fflPÓLITO DE ROMA
63. Prax. 24,6 (216) “vicarium se Patris ostenderet, per quem Pater e t videretur in
feeds e t audiretur in verbis...”.
64. Cf. De virg.vel., 1,4 (CCL 2, 1.209); De praes. Haer. 13,5 (CCL 1, 198).
65. Sobre a datação dessa obra, cf. URIBARRI BILBAO, op. cit., 236-280. C ito o
Contra Noetum pela ed. de R. BUTTERW ORTH, London, 1977.
66. Cf. Contra Noetum 4,11 (55); cf. IC or 1,24; também Justino, l Apol. 14,5; 33,4.6
(WARTELLE, 114,142). C f ORBE, op. d t, lOOss.
67. Cf. C. Noet., 10,3 (69); 16,4 (83); cf. A. ZANI, Cristologú di Ippolito, Bresda, 1984,
62.76.
68. Cf. C. Noet., 10,2 (69).
164
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO IIE DO SÉCULO III
165
VISÃO H ISTÓ RICA
da luz, a água da fonte, o raio do sol; uma é a ôuvapxç que deriva do todo,
a dynamis-Logos que provém do Pai7S. Já vimos que H ipólito fala de dois
'irpóvomot em relação com o Pai e o Filho76,87mas nunca de três, de modo
que não aplica o nome de "pessoa” ao Espírito Santo. N o entanto refere-
se à trios11 e emprega também algumas fórmulas triádicas: "Por m eio dele
(do Logos) conhecemos o Pai, cremos no Filho e adoramos o Espírito
Santo”7®. N o Contra Noetum, a teologia do Espírito Santo está claramente
menos desenvolvida do que em lèrtuliano.
D epois do estudo desses autores ocidentais, devemos dirigir nossa
atenção a Alexandria, a fim de estudar a grande figura de Orígenes, que
marcará a pauta da grande escola teológica daquela cidade no que se refere
à teologia trinitária.
ORÍGENES
75. C. Noet. 11,1 (71); ZANI, op.cit., 141ss. Notem os o uso de comparações pareci
das com as de Tertuliano, embora neste estejam mais desenvolvidas.
76. Cf. C. Noet. 7,1 (61); 14,2-3 (75) onde se refere à graça do Espírito como “terceira
economia”.
77. Cf. C. Noet. 14,8 (77).
78. C. Noet. 12,5 (73); cf. também 9,2 (67); 14,6 (75s); “não podemos pensar no único
Deus se não cremos no Pai, no Filho, e no Espírito Santo”, dizem diversas fórmulas repe
tidas em todo o cap. 14 (75s).
166
A TEO LOG IA DO FINAL DO SÉCULO II E DO SÉ C U LO III
o Deus verdadeiro 0o 17,3), enquanto todo aquele que, com exceção de D eus
em si (otvroOeóç), é deificado por participação à sua divindade, seria m ais
justo não o chamar o Deus, senão Deus. Portanto, de modo absoluto, o p ri
mogênito de toda criatura (cf. Q 1,15), enquanto está junto com Deus e é o
primeiro que se impregna de sua divindade, é mais digno de honra entre
todos os que além dele são deuses..., porque lhes concede fazerem-se deuses,
tirando de Deus o princípio para deificar, e, em sua bondade, faz participan
tes dele aos outros com liberalidade.
Deus é portanto o Deus verdadeiro. Os outros deuses que se fizeram se
gundo ele são como as reproduções de um protótipo. Por outra parte, a
imagem arquetípica dessas múltiplas imagens é o Verbo que está ju n to
a Deus, e permanece sempre Deus, enquanto não seria Deus se não e sti
vesse junto a Deus e não perseverasse na contemplação ininterrupta d o
profundo do Pai79.
79. ORÍGENES, In job. H 2,16-18 (SCh 120, 216s). cf. Ibid. 149 (304s). Cf. o c o
m entário de G . PELLAND, A propos d ’une page d’O rigène in Joh. 2, 16-18, in A .
D U PLEIX (ed.) Recherches et Tradition. Mélanges patristiques offerts a Henri Crouzel, P a ris,
1992,189-198. Além dos estudos que iremos dtando, pode-se v er P. W IDDICOM BE, T b e
faterbood ofGod front Origen to Atbanasius, Oxford, 1994.
80. Com o também o princípio de toda bondade de que participam o Filho e o E s p í
rito. Princ. 1 2,13 (SCh 252, 140-142).
81. O segundo Deus aparece no C. Ceisum V 39 (SCh 147,118); In Job. V I 19, 2 0 2
(SCh 157, 280). C. Ceisum ibid. (120), o Filho é a razão em si, a sabedoria e a justiça: a
autobasiléia aparece em ln M t. XIV 7 (GCS, Or. W er X 289). C f. ORBE, Hacia ta prim era
teologût de le procesión dei Verbo, Romae, 1958, 420; também M . FÉDOU, La sagesse e t le
monde. Le Christ d'Origàte, Paris, 1995.
82. Cf. Princ. 12,13 (SC h 140s) cf. SIM O N ETTI, Sulla teologia trinitaria di Origene,
em ID ., Studi suUa cristologia..., 109-143.
167
VISÃO HISTÓRICA
83. In Job. X lll 25, 151 (SCh 222, 112-114): “N ós afirmamos que o Salvador e o
Espirito Santo não são comparáveis com todos os seres que foram feitos, mas que os supe
ram com uma transcendência infinita; porém eles, por sua vez, são superados pelo Pai,
tanto ou ainda mais do que o Filho e o Espírito Santo superam os outros seres”. Cf.
SIM O N ETTI, op. d t., 118.
84. Cf. Prmc.y I 5,5 (SCh 252, 192); nas criaturas a santidade é addental. Cf. J. Rius
CAMPS, Orígenes y su reflexion sobre la Trinidad, in La Trinidad en la reflexion pré-nicena,
Salamanca, 1973, 189-213, 199ss.
85. C f Princ. I 2,3s (112-116); I 2,9; (130); IV 4,1 (SCh 268, 400-402). C f ORBE,
Procesián..., 165s.
86. Princ. I 2, 2-3 (112-116); cf. ORBE, op. d t., 169.
87. Princ. I 4,4s (170-172): “In sapienda om nia facta sunt, cum sapientia semper
fuerit, secundum praefiguradonem et praefbrm ationem erant in sapienda ea quae prodnus
substandaliter facta sunt”. Cf. também I 2.2s (112-116).
88. Princ. I 2,7 (124).
168
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO II E DO SÉCULO III
89. Prmc. 1 2,7 (124). Cf. ORBE, Estúdios sobre la teologia cristiana primitiva, M adrid,
1994, 41ss.
90. Recordemos o texto: “A sabedoria é um hálito do poder de D eus, uma emanação
pura da glória do O nipotente. E um reflexo da luz eterna, um espelho sem mancha da
atividade de Deus, uma imagem de sua bondade”. O com entário de O rígenes a essa passa
gem encontra-se em Prmc. 1 2,9-12 (128-140). Como facilmente se pode adivinhar, a se
gunda série de termos, para O rígenes, refere-se ao Pai, a prim eira ao Filho ou Sabedoria
pessoal subsistente (cf. ORBE, op. cit., 44-52).
169
VISÃO HISTÓ RICA
força do Pai etc., o que não impede que essa Sabedoria tenha sua origem
em Deus mesmo; é certam ente D eus e não criatura. D eus emite a Sabe
doria com a mesma liberdade com que cria o mundo, sobre o qual a Sa
bedoria mesma vai exercer sua função mediadora.
N o texto com que dem os início a esta exposição sobre Orígenes,
encontramos a afirmação, estranha à primeira vista, de que o Logos é Deus
por estar sempre com o Pai e contemplá-lo91, lem o s que explicar um pouco
m ais o problema da geração do Logos, geração eterna como vimos, porém
livre, ligada à vontade criadora e divinizadora de Deus.
O Logos é D eus por geração. H á uma diferença essencial entre sua
participação na divindade e a que se concede às criaturas. O Logos é, além
de divino, uma hipóstase própria, como também insinuava o texto do co
mentário a João que nos serviu de guia. A individualidade do Filho, sua
idiotes, é distinta da do Pai. É o resplendor da luz, mas possui uma subsis
tência pessoal. P o r uma parte, o Filho é natural, não é adotivo. P or outra
parte, apontamos a liberdade de sua geração. Enquanto Deus, o Filho proce
de da m ente paterna; enquanto pessoa, de sua vontade. E Filho pelo que
rer de Deus, e isso é o título de sua subsistência pessoal92. Daí a fórmula
tamquam a mente voluntas, o Filho procede do Pai como a vontade da
mente93.Trata-se de um processo livre, dada a correlação do Logos com a
criação. O Pai é a simplicidade absoluta. Não assim o Filho, por causa da
pluralidade de suas relações com a criação. Sua personalidade está em fun
dão da economia livremente escolhida pelo Pai (cf. Cl 1,13). Subsiste pela
vontade de Deus, mas vem de sua mente. Nesse ponto estará a distinção
fundamental em relação aos arianos: a divindade do Filho não está em
absoluto comprometida por essa “vontade do Pai em sua geração94, já que
vem “de Deus” de modo completamente distinto de como vêm dele os
outros seres, que existem por criação do nada.
O Filho, para nós, é a verdade que nos revela o Pai95. Enquanto tal,
o “alimento” que lhe convém é fazer a vontade do Pai, e também desse
ponto de vista é sua imagem96. Tbdo o ser do Filho orienta-se assim para
os homens, para a manifestação do pensamento e da vontade do Pai. Tam-
91. Injo. II 2,12 (SCh 120,215): “O Verbo é Deus porque está voltado para o Pai”
0o 1,1).
92. C f. ORBE, Pncesiàn..., 499.
93. Cf. frag. em GCSIV,662; ORBE, op. c it, 388ss; CAMPS, op. c it, 205s.
94. Cf. Prínt. IV 4,1 (SCh 268,402); 1 2,6.9 (SCh 252, 122.130).
95. Cf. ORBE, op. d t , 420.
96. Cf. lnjob. X m 3 6 ,228ss. (SCh 222, 154ss) ORBE, op. d t., 420.
170
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO II E DO SÉCULO III
97. Cf. H . C RO U ZEL, Tbéologie de Fmuge de Dieu cbez Origine, Paris, i956, 91:
ORBE, op. cit., 427; 429: “Orígenes supõe que a comunicação total da vontade paterna ao
Filho explica sua subsistência pessoal por efeito da vontade do Pai, como sua divind: de por
efeito do Pensamento paterno... que passou para ele”.
98. Cf. ORBE, Estúdios, 36ss., que sigo na continuação.
99. ORBE, op. c it, 37-38: “A prim eira tem lugar ao projetar Deus na pessoa do Filho
as perfeições todas (epmoias) que o compõem: orientadas todas para fora com o dinamismo
chamado a atuar-se na Dispensação criada. A pessoa feita assim consistente, fora do seio de
Deus, não se separa dele; ao contrário, não seria D eus. Ao sentir-se pessoalmente consti
tuída — como quem olha para fora — e saber-se chamada a mediar deificamente entre
Deus e os homens, volta para Deus em busca de comunhão de vida com ele. O lha para Deus,
e sua vista recebe indivisamente o divino. Deifica-se em beneficio daqueles pelos quais foi
constituído pessoa. Sustenta o olhar de D eus porque somente de sua vista recebe o divino
que logo comunicará ao futuro universo”.
100. Ibid., 39; cf. CAMPS, op. c it, 205s.
171
VISÃO HISTÓRICA
101. Cf. ORBE, Ptoceãán..., 441. Mais matizado S1MONE1T1, La teologia trínitaria...,
111SS 102. Cf. Injob. H 23, 149 (SCh 120, 304-306). Cf. ORBE, op. d t , 440ss.
103. Cf. Injob. X 37 246 (SCh 157, 530).
104 C f SIM O N ETTI, op. d t., 122s. Citações de In Jdb. X E 36,228 (SCh 122,
154V cf C Celsum V E 12 (SCh 150,200), onde se feia da unidade por concórdia, harmo
nia, identidade de vontade etc. Cf. também CAMPS, El dinamismo trinitario en la divinisatión
de los seres racionales según Orígenes, Roma, 1970, que sublinha a preocupação fundonal da
doutrina trinitána do Alexandrino. Contudo, em alguns lugares fela-se da unidade de subs-
S r f t m r . I 2,6 (SCh 252, 122); IV 4,1 (SCh 268,402).
105. Cf. Injob. n 10,73ss (SCh 120,252ss) Princ. praef. 4 (SCh 252,82), que mos-
tram dúvidas sobre a “geração”.
172
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO IIE DO SÉCULO III
substancial do bem. É o prim eiro dos seres feitos mediante o Verbo, po
rém distinto das criaturas propriamente ditas, porque não passou do nada
ao ser. Sua existência é eterna, como a do Filho:
Quanto a nós, persuadidos como estamos de que existem três hipóstases, o
Pai, o Filho e o Espírito Santo, e crendo que nenhuma delas, exceto o Pai,
seja ingênita, pensamos que o Espírito Santo tem uma posição proeminente
sobre tudo o que foi feito mediante o Logos, e na ordem é o primeiro de
todos os seres derivados do Pai por meio de Cristo1“ .
173
VISÃO HISTÓ RICA
ticipação nele são chamados santos. Essa matéria dos carismas, de que fala
mos, proviria da atividade de Deus Pai (év8pTOV|iévqs àirò tou 6eou), seria
ministrada por Cristo (SiaKovovpévqs virò tou xpwttou) e teria sua própria
consistência no Espírito Santo (ú<|>e<rttixn)<; 8è KãtTÒt tò oryiov nvevpia)112.
112. Injob. H 10,77 (SCh 120, 256). Cf. S IM O N E T O , op. rit., 132ss; também
ORBE, La uncción dei Verbo, Romae, 1961, 533s, Uma passagem paralela em Princ. I 2,7
(160): “E st alia quoque Spiritus sancti grada, quae dignis praestatur, ministrara quidem per
Filium, inoperata autem a Patre, secundum meritum eorum qui capaces eius effiduntur”.
113. C f. ORBE, Unctión..., 533ss, para o que segue.
114. CAMPS, Orígenes..., 207. “A diferença do Filho, o Espírito não procedeu por via
generativa. Deus não o concebeu em seu seio mediante o germe de seu querer. D aí não
poder chamar-se com propriedade ‘Filho de Deus’. O Espírito Santo podia considerar-se,
todavia, com o a ‘feitura’ primordial do Pai, realizada m ediante o Logos, Filho de Deus. O
Espírito indefinido e amorfo da divindade foi moldado pior contato com a individualidade
do Filho, adquirindo, assim, forma e constituição próprias”.
174
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO II E D O SÉCULO III
NOVACIANO"7
115. lnjob. II 10,75 (SCh 120,254) persuadidos como estam os de que existem
três hipóstases, o Pai, o Filho e o Espirito Santo...”; Cf. também In M t X V II4 (GCS, Or.
Wer. X 624); também Com. ep. Ram. V III 5 (PG 14, 1.169), os três não são um a simples
apelação.
116. C£ SIM O N E T T I, op. d t , 135-138, refere-se entre outros a H om jer 8,1; In
Job, 32, 16,187-189; In Mt., 12,20; 12,42 etc. Igualm ente trata dos textos conservados em
latim dos quais não se pode exduir a base trinitária no original, embora adm itindo possíveis
modificações na tradução.
117. Cf. SIM O N E T T I, Uunità dt Dio a Roma: da Clemente a Dionigi, in Studi sulla
cristologia..., 83-215, esp. sobre N . 203-208.
118.7m 3,17 (FP8,80); 1,1 (58): “A regra da verdade pede que antes de tudo creiamos
em Deus, Pai e Senhor onipotente, quer dizer, criador perfeitíssimo de todas as coisas”. Sobre
o Deus único cf. tam bém 2,11-12 (72-74); 3,18 (82); 30,176 (260); 31,182 (264) etc.
175
VISÃ O HISTÓ RICA
119. Trin 31,187 (272); 31,189 (275): “...devendo sua origem a seu Pai, não pôde
causar discórdia na divindade quanto ao número de deuses, aquele que ao nascer teve o ri
gem de quem é o único Deus”.
120. Cf. Trm 26,145 (224); 27, 151 (236).
121.1bid., 31, 189(274).
122. Ibid., 27, 152 (236)
123. Cf. SIM O N EVil, op. d t., 183-215, 205: a subordinação parece critério da
distinção de pessoas.
124. Cf Trm 31,184 (268-270) também 31,185 (270), o Filho é “simul minor”.
125. Trin 31,186 (270-272). Parece que aqui se alude ao duplo estado do Verbo,
imanente e proferido, que já conhecemos. Também 31,183 (264) “Ex quo [Patre] quando
ipse voluit, sermo Filius natus est”.
126. Trin 27, 149-150 (230-234). Cf. também 28, 155ss (238ss) contra a interpreta
ção sabeliana de Jo 14,9.
176
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO IIE DO SÉCULO III
177
VISÃO HISTÓRICA
— Diz que o Filho é criatura do Pai (Troíqpa) que foi feito e portan
to “veio-a-ser”. Para estabelecer as relações do Pai com o Filho
usa comparações ambíguas: é como o agricultor em relação à vi
deira, ou o marinheiro em relação ao barco. O Filho, como cria
tura, não era antes de ser feito.
Trata-se de um tipo de teologia de matiz origeniano, que pensa em
três entidades individuais subsistentes (hipóstases) na Trindade, mais do
que na unidade entre elas. N o ponto da eternidade da geração do Filho,
parece voltar a uma etapa anterior à teologia de Orígenes.
132. ATANÁSIO, Desent. Dym. (O PITZ, Ath. Werke, II/1,46-67); cf. o resumo dessas
acusações em A. GRILLMEIER, Jesus der Christus, Freiburg-Basel-Wien, 1979,1,28S.
133. N ão deixa de ser curiosa essa acusação que de algum modo antecipa o vocabu
lário de Nicéia: o term o bcmomtsios não gozava de prestigio e tinha sido até rejeitado na
condenação de Paulo de Samosata; tinha um sabor modalista, que negava a personalidade
do Filho.
178
A TEOLOGIA DO FINAL DO SÉCULO II E DO SÉCULO III
134.0 texto foi transm itido tam bém por ÂTANÁSIO, De decretis Nicaenae Synodi, c.
26 (O P ltZ , op. d t., 22-23). Para maior facilidade citaremos DS. Cf. sobre ostatusquaestionis
atual, URIBARRI BILBAO, op. c it, 458-489.
135. Não se usam os mesmos term os para referir-se ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo, talvez para não forçar demais o argumento: cf. SIM O N E T O , op. d t., 211, n. 153.
136. Sobre a exatidão da atribuição dessas doutrinas a M árcio, cf. H . PIETRAS, La
difesa delia monarchia divina da j>arte dei papa Dionigi (t 268), Arcbivum Historiae Pmtificiae
28 (1990) 335-342, aqui 339.
179
VISÃO HISTÓ RICA
137. Cf. ATANÁSIO, De sent. Dyon; A. G RILLM EIER, op. d t , 287ss.; PIETRAS,
rU N IT Á D l Dio in Dionísio di Alessandria Gr 72 (1991) 459-490.
138. Cf. ATANÁSIO, De sent. Dyon., 15,1 (57).
139. Cf. Ibid., 2-5 (57).
180
A TEOLOGIA D O FINAL DO SÉCULO IIE DO SÉCULO III
140. Ibid., 21,2.3 (62); GRILLM EIER, op. d t , 288s; PIETRAS, op. d t., 478ss.
141. Cf. ATANÁSIO, op. d t., 18,2-3 (59-60).
142. IbiiL, 17,2 (58); cf. também os fragmentos transm itidos por BASILIO de Cesaréia,
De Sp. Sane. 29,72 (SCh 17bis, 504).
181
7
A crise ariana e o Concílio de Nicéia.
A luta antiariana no século IV
A DOUTRINA DE ÁRIO
183
VISÃO HISTÓRICA
1. Texto transm itido p o r HILÁRIO de Poitiers, Trin. IV 12^13; V I 5-6 (CCL 62,
112-124; 199-202); ATANASIO, Syn. 15,1 (O PIT Z I I /l, 242-243).
2. Sobre o “criar” e o “gerar” cf. M . S IM O N E T O , La crià ariana neílVsecoio, Roma,
1975,53: pressupõe-se a identidade entre os dois verbos, levando-a até o “criar”. Também
A. GRILLM EIER, Jesus der Cbristus m Glauben dtrKircbe, Freiburg-Basel-W ien, 1979, L
369 sobre a confusão entre fryéviyios (que não teve que chegar a ser) e õryéwnTos (não
gerado). Desse ponto de vista todo aquele que foi “gerado”, chegou a ser, foi criado em
últim o termo; cf. também R. P. C. HANSON, The searcb for tbe cbristurn doctrine o/ God,
Edimburgo, 1988, 203ss, sobre a confusão inicial dos dois termos.
184
A CRISE ARIANA E O CONCÍLIO DE NICÉIA. A LUTA ANT1ARIANA NO SÉCULO IV
3. Cf. SIM ONETTT, op. d t , 48ss.; também para o que segue. C f também a carta
a Alexandre já citada, ARIO, Ep. I, 2, in O PIT Z , U rkunden, 2. Sobre a voluntariedade da
geração do F ilh o pelo Pai, cf. também Ibid., 4 (3).
4. Cf. S IM O N E T n , op. d t , 50.
5. Cf. Ib id ., 52s.
185
VISÃO HISTÓRICA
como filhos de Deus (por exemplo, Is 1,2; SI 81 [80] ,6); assim intenta-se
estabelecer a paridade entre Cristo e nós. E claro que também são impor
tantes para os arianos os textos que mostram o sofrimento e a angústia de
Jesus: M t 26,38, “minha alma está triste até à morte”. Ao contrário, resulta
curioso que Jo 14,28, “o Pai é m aior do que eu”, que pareceria o texto
subordinacionista por excelência, não seja usado por Ario e seus seguido
res em um prim eiro momento; uma certa “inferioridade” do Filho en
quanto gerado pelo Pai era aceita por todos, e portanto o fato de que o Pai
era “maior” do que o Filho entrava perfeitamente, como já vimos, nos
esquemas ortodoxos. Alais ainda: esse versículo mostrava que entre o Pai
e o Filho pode-se estabelecer uma comparação (que seria impossível entre
grandezas de ordem diversa) e portanto estava a favor da consubstandalidade
dos dois. Em um segundo momento, quando existia na Igreja uma mais
clara consciência de que a divindade do Filho (e do Espírito) excluía qual
quer tipo de inferioridade, a discussão em tom o desse texto será essencial
na controvérsia.
N o fundo, a doutrina ariana significava interpretar o cristianismo à
luz dos esquemas helénicos im perantes no tem po, em concreto no
platonismo médio; com isso se desconhecia, ou se reduzia em grande
medida, a originalidade cristã. N ão faltaram investigações nesse sentido
nos últimos tempos6. São interessantes algumas passagens de Ário: “O Filho
de Deus tem de Deus sua idade, sua grandeza, o desde quando e o de
quem ”. “O Pai é alheio na essência ao Filho (Çévos k<xt’ ow rlav), porque
é sem princípio: deves saber que existia a purvàs, antes que viesse à existên
cia a ôúotç...”7. Essas frases são da Tbaleia de Ario, e mostram um notável
parentesco com modelos filosóficos conhecidos; podem explicar o fundo
ideológico de Ario e de seus seguidores: primazia absoluta do uno, a povòtç,
que se identifica com Deus, o Pai, de quem tudo procede. A Idéia ou Logos
é o segundo: é o Naus, o demiurgo8. Por último, em terceiro lugar, vem a
matéria que o demiurgo produz.
Esse esquema, ainda que não necessariamente nos mesmos termos,
encontra eco em Ario. Com a acentuação unilateral da divindade do Pai,
6. Cf. o resumo de HANSON, op. d t , 84-94; sobre a discussão mais recente, Ch.
STEAD, Was Arias a neoplatonist?, in Studia Patrística, XXXII, Lovaina, 1997, 39-52.
7. ARIO, Thaleia, in ATANASIO, Syn., 15 (242-243) cf. GRILLMETER, op. d t ,
362-363.
8. Cf. o texto de N um ênio aduzido por GRILLM EIER, op. d t , 364: “... o segundo
(Deus) que é duplo em si mesmo, forma em si mesmo a idéia e o mundo, porque é demiurgo”
(cf. EUSÉBIO de Cesaréia, Praeparatio Evangélica X I 22, 544; PG 21,905).
186
A CRISE ARIANA E 0 CO NCÍLIO DE NICÉIA. A LUTA ANT1ARIANA N O SÉCULO IV
187
VISÃO HISTÓRICA
188
A CRISE ARIANA E O CONCÍLIO DE N IC ÉIA. A LUTA ANTIARIANA N O SÉCULO IV
EUSÉBIO DE CESARÉIA
[O Filho] é cabeça da Igreja e sua cabeça é o Pai. Este é o único Deus, Pai do
Filho unigénito, e um só é também a cabeça do mesmo Cristo. Dado que um
só é o princípio e a cabeça, como podería haver dois deuses, e não ser um só
aquele que não tem nenhum acima de si e nenhum outro que seja causa de si
mesmo? Ele que possui como própria, sem princípio e ingênita, a divindade do
poder da monarquia e fez participar o Filho de sua divindade e de sua vida20.
18. Cf. Ep. 2,48.52 (27-28), o Pai é maior enquanto gera o Filho exatamente à sua
imagem.
19. C f Ep. 2,53 (28).
20. EU SEBIO de Cesaréia, Eccl. Theol. 111 (G CS, Eus.W . IV, 69-70). É interessante
a continuação do texto, sobre a encarnação e a exaltação de Jesus (70): "... quando lhe
subm eteu todas as coisas, quando o enviou..., lhe deu preceitos, lhe ensinou, quando tudo
lhe entregou, glorificou-o e declarou-o rei do universo, deu-lhe o poder de julgar... E o
Filho unigénito, obedecendo (a esse único Deus), despojou-se de si mesmo, hum ilhou-se,
189
VISÃO HISTÓ RICA
fez-se obediente... a esse Deus é ao qual suplica, obedece, dá graças... confessa que é m aior
que ele, ensina-nos a que creiamos nele como no único D eus...” Cf. idéias muito semelhan
tes em II 7 (104). Cf. SIM O N ETTI, op. d t , 61-66; GRILLM EIER, op. d t , 301-326,
também para o que segue.
21. C f entre outras passagens Dem. Ev. IV 6; V 1 (GCS Eus. W erke VI, 158-160;
210-213). Eccl. Tbeol. 1 1-2.10 (62-63; 68)
22. Dem.Ev. V 4 ,ll (225); cf. IV 2,2 (152).
23. Dem. Ev. V 1, 24 (214).
24. Ibid., 4 ,9 (225).
25. Pode-se ver um lista das denominações do Pai e do Filho em GRILLM EIER, op.
d t , 305
26. Dem. Ev. V 30,3 (249);cf SIM O N ETTI, op. d t, 62: GRILLMEIER, op. d t , 305).
27. C f Dem. Ev. IV 2,6 (151-160); V 6,13 (229-230; 236-237); Eccl. Tbeol. TL21 (130-
131); m 3 (146).
28. C f Dem. Ev., IV 3,7 (153); cf. GRILLM EIER, 310.
29. Cf.EccI. Tbeol lí 14 (115), em oposição a Marcelo de Anrira; Dem.Ev. V 1,11 (212).
30. C f Ecd. Tbeol. 1 8.9.12 (66.67.72).
31. C f GRILLM EIER, op. d t , 310; R FARINA, Ulmpero e 1'lmperatore cristiano m
Eusebio di Cesarea. La frima teologia política dei crisáaneàmo, Zurique, 1966, 39.
32. C f entre outros lugares, Dem.Ev. IV 2.3.6 (152.154.160); V 4,10-115 (225-260);
Eccl. Tbeol. II 7 (104) etc.
190
A C RISE ARIANA E O CONCÍLIO D E NICÉIA. A LUTA ANT1AR1ANA N O SÉCULO IV
MARCELO DE ANCIRA
33. Cf. Eccl. Tbtol. Hi 1-2 (138-149) c também Dem. Ev. V 1.6 (211).
34. Cf. Eccl. Tbeol. I 11; H 7 (70. 105).
35. Eccl. Tbeol. Dl 6 (164): “Som ente o Filho, honrado com divindade paterna... fez
todas as coisas... inclusive o Espírito Santo (cf. Jo 1,3; Cl 1,16)... O Espírito P arádito não
é D eus nem é Filho... é um dos que foram criados por meio do Filho”; cf. LADARIA, El
Spiritu Santo en san Hilário de Poitiers, M adrid, 1977, 322.
36. Op. d t., 300.
37. Conhecemos o pensam ento de Marcelo sobretudo pelo livro de EUSÉBIO, Contra
Marcelbm (G CS, Eus. W erke IV, 1-58) no mesmo volume podem-se ver os fragmentos de
M arcelo (185-215).
38. Cf. Frag. 75-78 (200-202).
39. Frag. 73 (198).
40. Cf. EUSEBIO, C. Marc. 1 1,5 (4).
191
VISÃO HISTÓRICA
192
A CRISE ARIANA E O C O N ClUO DE NICÉIA. A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV
193
VISÃO HISTÓRICA
51. Cf. sobre o texto e sua transmissão, G . L. D O SSETI, II simbolo di Nicea e di Cons-
tantinopoli, Roma, 1967. Além dessa, as obras a que nos vimos referindo, cf. B. SESBOÜÉ,
Le D ieu du salut, em Histoire des dogmes, Paris 1994,1, 103-120; sobre a estrutura dos
símbolos, com especial referência a peculiaridades do de N icéia, em 343ss.
194
A CRISE ARIANA E O C O N CÍUO DE NICÉIA. A LUTA ANT1ARIANA NO SÉCULO IV
52. Cf. EUSÉBIO de Cesaréia, Ep. 3,9-10, à Com unidade de Cesaréia (cf. O P IT Z ,
U rkunden, 45); SIM O N E T T I, La crisi ariana, 89.
53. Çf. G R ILLM EIER , op. cit., 407s.
54. Ário nega expressamente o bomoousios em Tbaleia-, c f ATANÁSIO Syn. 15,3;
O PIT Z , Ath., Werice, H/1 242): “N ão é igual (ao Pai) nem de sua substância”.
55. Cf. EU SEBIO , Ep. 3, 12-13 (45-46); cf. SIM O N E T T I, op. cit., 89; H A N SO N ,
164ss.
195
VISÃO HISTÓRICA
56. Cf. em SIM O N ETTI, op. d t., 89ss. um resumo da história da questão: O rígenes
usa-o segundo um fragmento conservado só na tradução de Rufino, que tratou de “norm a
lizar” em sentido niceno as afirmações de Orígenes. N a controvérsia dos dois Dionísios, a
coisa toma outro rumo. Acusa-se ao de Alexandria de não o aceitar, mas o de Roma não
recolhe a acusação. De todas as maneiras o primeiro defende-se dizendo que não aceitou
por perigo de sabelianismo. Dá-se conta da polissemia e depois o aceita pro bmo pacis, no
sentido de essência genérica, como um pai e um filho humanos. Sabemos que Paulo de
Samosata usava-o para negar ao Filho subsistência pessoal. N ão foi usado por Alexandre de
Alexandria. Era alheio à term inologia de Orígenes, que insistia na substância pessoal do
Filho, e à terminologia de seus seguidores, que sustentavam com ele as três hipóstases.
Dificilmente pôde vir dessa linha a proposta. Talvez tenha vindo do Ocidente, onde havia
menos preocupação em definir a subsistência pessoal do Filho. A possibilidade de interpretá-
lo em sentido genérico (Dionísio) pode te r induzido os origenistas a aceitá-lo.
196
A CRISE ARIANA E O C O N C ÍLIO DE NIC ÉIA A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV
57. Assim o tinha esclarecido C onstantino, segundo EUSÉBIO, Ep. 3,16 (OP1TZ,
op. d t., 46); cf. também SIM O N ETTI, op. d t., 93
58. SIM O N E T T I, op. d t, 94, aponta um a possível distinção en tre os usos de ousía
e de botnoousios. A prim eira entende-se sempre no sentido de essênda individual: o Filho é
gerado da essência do Pai, que assim se distingue do Filho. Ao contrário, o botnoousios
compreende o Filho na ousía paterna. A derivação do Filho da ousía paterna não implica
necessariamente que a sua seja distinta, senão que é partíripe da do Pai. D e lato, não se fala
de uma ousía do Filho.
197
VISÃ O HISTÓ RICA
nos m ostram que se está no início de um caminho que desde 325 nos
levará quase até os anos finais do século IV. É natural que só o tem po vá
contribuir para precisar os term os novos, usados para indicar uma deter
minada direção de pensam ento, mas ainda sem um conteúdo preciso bem
delim itado.
Podem os ver assim os pontos que Nicéia deixou claros, e ao mesmo
tem po os pontos que deixou em aberto. Além disso, pensemos que para ter
um a visão mais completa da situação teológica que imo se fixou ainda na
queles m om entos uma clara doutrina do concílio ecumênico, de sua auto
ridade m agisterial etc. Precisamente a partir do feto de Nicéia essa doutri
na começará a desenvolver-se. E claro qUe não podemos julgar somente a
partir de nossos critérios atuais as discussões, e inclusive a oposição a que
deu lugar o Concílio de Nicéia.
198
A CRISE ARIANA E O C O N C ÍU O DE N IC É IA A LUTA ANTIARIANA N O SÉCULO IV
nas Gabas, mas sua sorte é o exílio, como também a do papa Libério e de
Osio de Córdoba, já ancião. Seguem as sucessivas deposições de Atanásio.
Pelos anos 357-360, o triunfo ariano parece total61. O símbolo de Sírmio,
de 357, representaria o máximo triunfo da linha filoariana: não se menci
ona o bomoousios, insiste-se m uito em que o Pai é m aior do que o Filho em
dignidade, glória, majestade. O Pai não tem princípio, nada sabemos da
geração do Filho (cf. Is 53,8, usado aqui quase que em um sentido de
negação, não de silêncio reverente). Não se usa o term o substancia, por
que não está nas Escrituras.
3. Rumo a uma mudança de situação. Mas a partir de 358-360 esses
mesmos excessos produzem a cisão. No sínodo de Sírmio de 358 não se pro
duz uma formula da fé, mas triunfam as teses homoousianas, isto é, o Filho é
semelhante ao Pai” segundo a ausía. Sem que os termos correspondam exa
tamente aos de Nicéia, produziu-se uma aproximação com eles. Já no sínodo
de Ancira em 358, por obra de Basüio de Ancira, tinha-se proposto a fórmula
opourixrioç kolt oixnotv”. No quarto Concílio de Sírmio, de 359, chega-se
a um compromisso de fórmulas genéricas que a ninguém satisfaz.
Ainda no ano de 359 têm lugar os Concílios dos ocidentais e orientais
separadamente em Rimim e em Selêuda62. Enquanto os primeiros se mos
tram em uma linha próxima a Nicéia e aceitam o term o substantia, os se
gundos proscrevem o uso do equivalente grego “oíxría” porque não o en
contram nas Escrituras. No O riente vencem os filoarianos. E, como
consequência de uma série complicada de vicissitudes, propicia-se que tam
bém por parte dos ocidentais seja aprovada uma série de fórmulas ambíguas
que, com aparência de ortodoxia, não acabam por rejeitar de todo a tese
fundamental ariana da criação do Filho. Com efeito, enquanto se anatematiza
quem diz que o Filho não existe absolutamente antes de todo tempo (e não
só antes dos séculos), condena-se também a quem diz que o Filho é como as
outras criaturas. Conhecemos já a matriz ariana dessa afirmação.
Por txás desses acontecimentos estão as posições doutrinárias de seus
protagonistas. Os arianos mais radicais seguem com suas teses extremas,
chamadas anomeas porque queriam evitar toda menção da igualdade ou
semelhança entre o Pai e o Filho. Aécio e EunÔmio são os nomes mais
200
A CRISE ARIANA E O CONCÍLIO DE NICÉIA. A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV
63. Essa união foi m uito propiciada por HILÁRIO de Poitiers, que tratou de atrair
esses grupos mais m oderados para fazer frente comum contra os arianos mais radicais. Cf.
Desyn. 85-89 (PL 10, 536-542).
64. Adais adiante tratarem os brevem ente dos principais acontecimentos dos anos 360-
380, quer dizer, até a celebração do Concílio de Constantinopla.
201
VISÃ O HISTÓRICA
ATANASIO DE ALEXANDRIA
65. Cf. entre outras passagens, C. Asian. 1 20-21; 24; 27 (PG 26,53-56; 61;68); HI 3-
4 (328-329). Além das obras a que vimos nos referindo, pode-se ver Ch. KA N N EN G Œ S-
SER, Le Verbe de Dieu selon Atbanase d’Alexandrie, Paris, 1990; P. W IDDICOM BE, Tbe
fatherhood of Godfrom Origin to Athanasius, Oxford, 1994; B. SESBOÜÉ; B. M EU N IER,
Dieu peut-il avoir un Fils. Le débat trinitaire du IVsiècle, Paris, 1993.19-130.
66. Cf. C Ar. 1 19-20 (52-53).
67. Cf. C. Ar. H 29-31 (208-213). Cf. SIM O N E T O , op. d t , 268s.
202
A CRISE ARIANA E O CO N CÍLIO DE NICÉIA. A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV
68. Cf. C. Ar. 115 (44): o Filho é “ ck ouoías” do Pai, Ibid. 1 16 (45): “ck tt\<;
ouoíotç ourou 7 é w q ita ”; cf. I 20; 26 (53; 65); H l 6 (332s) no Filho está a plenitude da
divindade do Pai etc.; cf HANSON, op. c it, 438; SIM O N ETTI, op. d t., 279s.
69. C. Ar. II 3-4 (328-329): são um , na peculiaridade e propriedade de sua natureza
e na identidade da mesma divindade tq TotúrÒTCTi rqç ju as Ocótutos. Isso seria o mais
próprio de A tanásio para indicar a unidade. Cf. SIM O N ETTI, op. d t., 275s. Ainda não usa
term os técnicos para indicar a distinção das pessoas.
70. Cf. Contra Gentes, 46 (PG 25,93).
71. C. Ar. 1 14 (41); também 126.28 (65-68.69); Dedecr. Nic. Syn. 11-12 (OPITZ, op.
d t., 11/1,9).
72. Cf. C. An, I 39(92-93); H 59 (272-273) N ão somos filhos pbysei, mas tbesei. Cf.
SIM O N ETTI, op. d t., 271. A verdadeira filiação é a garantia de nossa salvação, já que essa
só pode suceder se Deus mesmo a realiza, Cf. Or. de Incar. Verbi, 13,54 (PG 25,120; 192).
73. Cf. CJÍr. H 66-67 (285-291).
203
VISÃO HISTÓ RICA
204
A CRISE ARIANA E O C O N ClUO DE NICÉIA. A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV
que o Pai quer o Filho é a mesma pela qual quer a si mesmo. A geração é,
pois, eterna e necessária, o que não quer dizer involuntária. Por outra par
te, sem a divindade do Filho não pode haver salvação das criaturas. Como
se relacionam a divindade do Pai e a do Filho segundo nosso autor? Co
mo articula a unidade e a distinção entre os dois? Q ue uso fez do term o-
chave de Nicéia, “homoousios”? Todos esses problemas especulativos da
teologia trinitária não estão ainda perfeitamente esclarecidos em Atanásio.
O homoousios parece significar para Atanásio "igual natureza”76. 0 bispo
de Alexandria não se serve ainda desse termo nos primeiros escritos, mas
explica e defende seu uso em De Decretis Nkaenae Synodf7. Em De Synodis
prefere-o ao homoiousios; o termo indica, ao mesmo tempo que a igualdade da
substância, a procedência da ousía do Filho, gerada da ousía do Pai78. A proce
dência e a união não devem ser entendidas de modo material, de separação,
mas como a metáfora do raio e do sol: "não falamos de dois deuses, mas de um
Deus que existe como uma forma de divindade, como relação entre a luz e o
raio”79. Para Atanásio, o homoousios significa que o Filho de Deus procede do
Pai, e por isso têm ambos a mesma essência. Há uma substância paterna da
qual provém o Filho como imagem perfeita; a unidade dos dois é assim explicada
nos termos da unidade da luz e do reflexo80.
Portanto, a única substância da Trindade que Atanásio defende é a
substância do Pai. Preocupa-o menos a questão da unidade de substância do
Pai e do Filho. Por isso não encontramos a linguagem técnica da distinção
das hipóstases na unidade da substância. Não eram essas as categorias em
que Atanásio se movia. Interessa-lhe mais a afirmação de divindade do Filho
(e do Espírito Santo) do que o “monoteísmo trinitário”81, isto é, a questão de
como os três são um só Deus, o que, ao contrário, vai ser a preocupação
principal dos capadócios. Mas é claro que isso não significa que a unidade da
Trindade estivesse completamente fora de suas perspectivas:
205
VISÃO HISTÓRICA
com diferenciação das pessoas, mostra que os três são inseparáveis. Essa
miiHade de ação dá-se na santificação e na criação86. O mais interessante
que nos diz do Espírito Santo é sua pertença ao Filho, de tal maneira que
se estabelecem relações paralelas: Pai-Filho, Filho-E spírito Santo87. O
Espírito é do Filho como o Filho é de Deus. Em algumas ocasiões diz-se
que é “próprio” (íSiov) do Filho ou do Logos, mas também de Deus (ou
do Pai)88. É consubstanciai (óptcxrikrujv) ao Pai e ao Verbo89, embora nunca
82. C. Ar. m IS (353); sobre o Pai no Filho também H l 16 (356-357). Cf. também
TTT3-5 (328-332) embora sem menção do E spírito Santo. D e novo, sem menção do Espí
rito Santo, fala da Trindade eterna em 1 17.18 (48-49).
83. Cf. Serap. 13ss (PG 26,536ss), sobretudo 1 21-27 (580-593); o Espírito escruta as
profundezas de Deus (IC o r 2,11), santifica e não é santificado, vivifica e não recebe a vida,
é unção, diviniza etc.; repetem-se os argum entos em Serap. UI (Ibid., 525-637).
84. C f entre outros lugares, Serap. 1 28-30 (596-600); U I 6 (633); IV 7-12 (648; 652-
653) etc.
85. Serap. I 14 (565): “... uma é a graça que, originada do Pai, por intermédio do
Filho, se cum pre no Espírito Santo. H á uma só divindade, um só Deus que está por cima
de todos, e em todos” (cf. E f 4,6); 116 (569): “Um a é a divindade e a fé da santa 'Irindade”;
cf. IV 7 (648) etc.
86. Assim prova-se a divindade do Espírito; cf. a nota anterior e Serap. I 12.20.23.28.30-
31 (561.577.584.596.601); III 5 (632), repetem -se com fieqüência as proposições do Pai
mediante o Filho, no Espírito Santo. Sobre o Espírito Santificador, cf. tamhém DÍDIM O o
Cego, De Sp. sana. 5,19; 53,231 (SCh 386,160; 352).
87. Cf. Serap. 1 20 (576-580) a unidade com o Filho como esse com o Pai; 121 (580),
sobre a 7 4nkns do Espírito em relação ao Filho, como esse em relação ao Pai; III
1 (525) a “propriedade” do Filho a respeito do Pai, como a do Espírito a respeito do Filho;
o Espírito Santo é imagem do Filho, 1 20; 1 24; IV 3 (577.588.641).
8 8 .1 25.32 (589-605) é próprio do Logos e da divindade do Pai, IV 4 (641); próprio
da substância do Verbo, e também próprio de Deus, não é estranho à substância e à divin
dade do Filho.
89. Cf. Serap. 1 27 (593).
206
A CRISE ARIANA E O CONCÍLIO DE NICÉIA. A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV
HILÁRIO DE POITIERS
90. Mas em Serap. I 31 (601) diz-se que é reconhecido como Deus (OeoXoyoú^evov)
junto com o Logos em 128 (596) usa-se o mesmo term o com referência aos três da Trindade.
91. Serap. I 20 (580); cf. I 22 (581).
92. Trin. II 1 (CCL 62.38).
207
VISÃO HISTÓ RICA
ser infinito, eterno; nele está, em últim o termo, o poder. O Filho é carac
terizado como imagem; é a revelação perfeita do Pai. E freqüente em Hilário
essa denominação, junto com outras semelhantes (forma, figura do Pai)93.
O Espírito Santo é caracterizado desde o início como dom. Voltaremos a
isso no final destas páginas.
O Filho, palavra do Pai, é o verbo consistente, não é um flatus voeis,
mas é real, tem em si um a verdadeira subsistência: “Esse Verbo é uma
realidade, não um som; uma substância, não uma simples expressão; é Deus,
não um vazio”94. Precisamente porque Hilário quer m anter a verdadeira
consistência do Filho, não considera suficientes as metáforas, tradicionais
desde 'Ièrtuliano, do rio e do raio de sol9S. Ao contrário, a luz que provém
da luz é a comparação preferida para assegurar a verdadeira subsistência
do Filho e ao mesmo tempo sua igualdade com o Pai de que nasceu96.
D iante dos arianos, que falam de “pai” e de “filho” sem dar a esses
nomes da Escritura seu autêntico valor, Hilário insiste em que refletem a
realidade. O Pai é Pai e o Filho é Filho, de maneira real, ainda que de
modo distinto do que ocorre na paternidade humana. Há entre os dois
uma unidade de natureza fundada em que o Pai gerou o Filho. Nosso
autor vê expressa a distinção dos dois em diversas passagens bíblicas, em
particular IC or 8,6, que segundo H ilário fala do “Deus ex quo” e do “Deus
per quem”. Essa distinção lhe servirá para ver em ação o Pai e o Filho, com
funções diferenciadas, na criação do mundo e do homem segundo G n
1,1ss97. Mas na criação mesma mostra-se ao mesmo tem po a unidade da
substância, porque o Pai e o Filho criam juntos o homem à imagem e
semelhança “nossa” (cf. G n 1,26), isto é, dos dois conjuntamente98. A ge
ração é assim o fundamento da unidade do Pai e do Filho, ainda que Hilário,
como antes dele já fazia Ireneu, escude-se em Is 53,8 (generationem eiusquis
enarrabitT) para evitar especulações de como se realiza essa geração99.
208
A C RISE ARIANA E O CONCÍLIO DE NICÉIA. A LUTA ANT1ARIANA N O SÉCULO IV
A geração, portanto, não significa nem ruptura nem diminuição por parte
do Pai. A razão disso está na simplicidade da natureza divina, que pode ser
comunicada na geração inefável de um modo total. O Pai pode dar tudo o que
tem sem ficar por isso privado do que dá. Tudo isso é devido à idéia da vida
divina (cf. Jo 5,26) que em sua plenitude exclui toda limitação:
... como o Pai tem a vida em si mesmo, deu ao Filho ter a vida em si mesmo.
Com isso [Jesus] quis indicar a unidade da natureza (;mitos naturae) que pos
sui em virtude do mistério de seu nascimento. Ao filar daquilo que o Pai tem,
quis dizer que tem em si o Pai mesmo; porque Deus não existe, como os
homens, como um composto de elementos, de tal modo que haja uma dife
rença entre o que possui e ele mesmo que o possui, senão que tudo o que ele
é, é vida, isto é, natureza perfeita, completa, infinita; não formada por ele
mentos díspares, senão que ela mesma vive em todo seu ser. E essa natureza
se dá como é possuída; e ainda que isso signifique o nascimento daquele a que
foi dada, não implica uma diversidade na substância, porque a natureza se dá
como é possuída (“cum talis data est qualis et habetur’’)1 1001.
100. Ibid., II 8 (46). H ilário reage aqui, com o se vê, contra a idéia da portio de
Tertuliano.
101. Ibid., V Ü I43 (356); sobre a definição de Deus como vida e to tal autopossessão,
e portanto doação plena, cf. também Ibid., V II 27 (294); Syn. 19 (P L 10, 495) entre
outras passagens. Cf. LADARIA, D ios Padre en H ilário de Poitiers, Estlrin 24 (1990)
443-479, esp. 454s.
209
VISÃO HISTÓ RICA
Deus em todo momento sabe ser somente amor, somente Pai. O que ama não
tem inveja e o que é Pai é Pai por completo... O Pai é Pai em tudo quanto nele
existe, possui-se inteiramente naquele para o qual mio é Pai somente em parte102.301
De maneira incompreensível, inenarrável, antes de todo tempo e toda idade,
procriou o Unigénito da substância ingênita que nele há, e deu a esse Filho
nascido dele, por meio de seu amor e de sua potência, tudo o que Deus é10}.
102. Trin IX 61 (440). Também I I 6 (43): “Pater tantum est”. A exclusão da inveja em
Deus na geração do Filho também em VI 21 (220) Cf. G REGÓRIO N azianzeno, Or.
25,16 (SCh 284, 194-196).
103. Trin m 3 (74).
104. Ibid., IX 36 (410); V ffl 41 (354).
105. Ibid., IX 54 (433) “Portanto, se por sua autoridade de doador o Pai é maior,
acaso pela confissão do dom o Filho é menor? Certam ente o que dá é maior, mas já não
é menor aquele a quem se concede ser uma só coisa com ele”; IX 56 (435-436): “O Pai é
maior enquanto é Pai; porém o Filho não é menor enquanto é Filho”. Veremos essa mesma
interpretação em outros autores. O utra interpretação do difícil texto na época foi que o
Filho era m enor do que o Pai enquanto encarnado. £ uma interpretação que oferece menos
interesse teológico. Cf. SIM O N E 'T U , Giovanni 14,28 nella controvérsia ariana em
Kyriakon, FestscbriftJ. Quasten, M ünster 1970,1, 151-161.
106. Trin IX 54 (433): “Assim pois o Pai é m aior que o Filho. E certam ente é m aior
porque lhe dá ser tudo o que ele mesmo é, e lhe concede ser a imagem dele m esmo... e
tendo nascido em sua glória C risto segundo o espírito (segundo a divindade) concede de
novo a Jesus C risto estar em sua glória como Deus segundo a cam e depois de ter m orrido;
cf. também IX 56 (436).
210
A CRISE ARIANA E O C O N C ÍU O DE NICÉIA. A LUTA ANTIARIANA NO SÉCULO IV
211
VISÃO HISTÓ RICA
significam já uma certa assunção por parte do Filho de uma realidade cria
da. Por isso, segundo Hilário, já no Antigo Testamento aparece a Sabedo
ria criada para as obras de Deus, isto é, para dar-se a conhecer aos homens
mediante as criaturas; essas “obras” teriam seu vértice na encarnação116.
Ainda que a teologia de H ilário sobre o Espírito Santo seja muito rica
no aspecto histórico salvífico, é pouco clara no trinitário. De qualquer
modo, fica bem estabelecido que o Espírito está unido ao Pai e ao Filho na
confissão, e que é Deus e não criatura117. Como vimos no texto com o qual
iniciamos estas linhas, o Espírito é caracterizado sobretudo como “dom ”.
E o dom da vida mesma de C risto ressuscitado comunicado aos homens.
H ilário apenas colocou os problemas dogmáticos acerca do Espírito que
Atanásio teve ocasião de abordar nas cartas a Serapião. M as é claro de
todas as maneiras que o Espírito não foi criado, embora não seja gerado.
É o Espírito de Deus e de C risto. Repete em diversas ocasiões, sem expli
car o sentido da fórmula, que procede do Pai mediante o Filho118.
Com Atanásio e Hilário a fé expressa em Nicéia foi não só difundida
mas também aprofundada e esclarecida. Sua contribuição para a manuten
ção da reta doutrina no Oriente e no Ocidente foi inestimável. Outros acon
tecimentos contribuíram para uma decisiva perda de influência dos arianos
nos anos 361-381. A seguir, vamos referir-nos brevemente a eles.
OS ACONTECIMENTOS PRINCIPAIS
DOS ANOS 361-381
212
A CRISE ARIANA E O C O N C ÍLIO DE NICÉIA. A LUTA ANT1ARIANA N O SÉCULO IV
213
VISÃO HISTÓRICA
Senhor Jesus C risto. Não pode ser separado do Pai e do Filho, perfeito em
tudo, em poder, honra, majestade, divindade; nós o adoramos juntamente
com o Pai e o Filho (Cf. DS 144-147)121. Já se fala das “três pessoas” e da
unidade delas.
A questão do Espírito Santo começou a colocar-se explicitamente por
volta de 360. Atanásio, como vimos, já lhe dera atenção122. A afirmação da
divindade do E spírito Santo e a discussão em tom o da fórmula trinitária
estão em íntima relação. O tema do Espírito coloca-se devido às doutrinas
de M acedônio, expulso de Contantinopla em 360, que afirmava que o
Espírito Santo é servidor de Deus, como os anjos, não bomoousios ao Pai.
Dos macedonianos distinguem-se, em um primeiro tem po, os “pneuma-
tômacos” (inimigos do Espírito Santo)123, mas os dois grupos terminam
por se identificar. Tanto na questão da divindade do Espírito como na
fórmula trinitária de uma essência e três hipóstases será fundamental a
contribuição dos capadócios. Com eles iniciaremos o próximo capítulo.
214
8
Os Padres capadócios.
A formulação do dogma trinitário
nos concílios I e II de Constantinopla
1. EU N Ô M IO , AjpoL 7 (SCh 305, 244s); cf. ibid., 8.9 (245s.250) pode-se ver sobre
essa questão B. SESBOUÉ; B. M EU N IER, Dieu, peut-il avoir un Fils? Le débat trrnitair* au
IVsiècky Paris, 1993, 147ss.
2. Cf. Apol. 8 (246s).
3. Ibid., 14-15 (260-264).
216
O S PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO N O S C O N C ÍU O S I E II
BASÍLIO DE CESARÉIA
4. Ibid., 22-24(278-284).
5. Ibid., 25 (284s); foi feito por vontade do Pai e pela energia do Filho.
6. Cf. C. Eun. I 14 (SC h 299,220). Cf. para o que segue, SESBOÜÉ; M EUNIER,
o p .rit., 163ss; sobre a teologia trinitária de Basílio: V. H . DRECOLL, Die Entmicklvngder
TrinitätsUbre des Basilius von Cäsaren, G öttingen, 1996; SESBOÜÉ, SamtBasiketkTrm hi,
Paris, 1998
7. C.Eun. 1 7 (SCh 299,188-192); cf. também DeSp. Sone. 8,17 (SCh 17bis, 302-304).
Pode-se ver nesses textos um a influência da doutrina origeneana das epihoiai, embora com
diferenças a respeito do Alexandrino; C f. A. ORBE, La Epinoia. Algunos preliminares histó
ricos de la distinción kat'epinoian (En tomo a la filosofia de Leoncio Bizantino), Roma 1955; H .
S. SIEBEN, Vom Heil in d er vielen “Nam en C h risti”, TeoPbil 73 (1998) 1-28.
8. C.Eun. 1 15 (224s): “ingênito” não pode se r o nome da substância porque é nega
tivo; ibid., 11 (210).
217
Por outra parte, os nomes que achamos na Escritura não são “ingê-
nito” e “gerado”, mas sim Pai e Filho. Levando adiante a idéia de Eunômio,
desaparece o vocabulário do Evangelho. Se Deus não é capaz de transm itir
sua natureza ao Filho que gera, o Pai e o Filho não são realmente tais, e
portanto as próprias palavras do Evangelho perdem seu valor. Se o Pai e o
Filho não têm a mesma natureza, não se entende como Jesus pode dizer,
por exemplo, que quem o vê vê o Pai (cf. Jo 12,45; 14,9)’. A semelhança do
Pai com o Filho não está, para Basílio, na atividade (como queria Eunômio),
mas em sua própria natureza divina. Se Deus Pai não tem forma nem fi
gura, a semelhança não está na forma e na figura, só pode estar na substân
cia mesma. N a igualdade do poder (cf. Jo 5,19; IC o r 1,24) manifesta-se a
identidade da substância9 10. D iante da objeção que. pode vir das palavras do
Senhor, “o Pai é maior do que eu” 0 o 14,28), Basílio segue a interpretação
já clássica dos representantes da ortodoxia nicena: o Pai é maior enquanto
é Pai, enquanto “causa” e “princípio” do Filho que dele foi gerado. M as o
fato de que o Filho realize as atividades de Deus mostra a identidade de
natureza11.
Mas depois dessa refutação, fundada no sentido dos textos bíblicos,
Basílio empreende outro tipo de argumentação especulativa que vai ter
grandes conseqüêndas na teologia trinitária posterior. Eunômio baseava
sua negação da divindade do Filho no fato de que ele é “gerado”, é um
“rebento” do Pai. Como gerado, não pode ter a mesma natureza do Pai
ingênito. Pois bem, responde Basílio, deve-se distinguir dois tipos de no
mes, os absolutos e os relativos. Uns indicam o que uma coisa é em si
(homem, cavalo, boi), outros o que é em relação a outro (filho, escravo,
amigo). E evidente que “yéw ep,a, rebento, é da segunda categoria. N ão
nos diz o que o Filho é em si, mas sua relação com o Pai. Por isso não pode
significar a essência do Filho, como ingênito não pode significar a do Pai.
Os nomes Pai e Filho, de modo análogo, aplicam-se a Deus e aos homens,
sendo Deus e os homens tão diversos entre si. Isso é possível porque esses
nomes, enquanto relativos, não indicam o que são em si mesmos aqueles
aos quais se referem, mas somente a relação que os une. Por isso podem
ser aplicados a seres tão diversos, e ninguém pensa que quando aplicamos
os mesmos termos a Deus e aos homens afirmamos que Deus e os homens
têm a mesma substância. Do mesmo modo também 7 éwep.ot, rebento, é
218
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO NO S C O N C ÍU O S I E II
12. Ibid., I I 9-10 (SCh 305,36-40); cf. M. SIM O N ETTI, La crisi ariana nelIVsecolo,
Roma, 1975, 464.
13. Conf. C. Eun. II 12.14-15 (44s.50-60); H ilário já tinha usado o mesmo argumen
to: Trrn. I I 13 (CCL 62, 50-51). Cf. L. F. LADARIA, D prologo di Giovanni nei primi libri
dei de Trinitate di Hario de Poitiers, in L. PADOVESE (ed.), A tti dei III convegno di Efesoy
Roma, 1994, 157-174, 166.
14. C.Eun. H 17 (66).
15. Ibid., H 27 (112-116).
16. Ibid., B 31 (128-132).
17. Ibid., DI (SCh 305, 144-174) Voltaremos depois ao tema do Espírito, desenvol
vido sobretudo no De Spiritu soneto.
219
VISÃO HISTÓRICA
se dar um passo adiante: como é que esses três, sendo distintos, possuem
a mesma divindade.
As três pessoas têm uma só natureza, são um só Deus. O s três são
incríados. O Pai não deriva de nenhuma causa. O Filho brilha como o
único unigénito da luz ingênita. Por sua vez, o Filho não pode ser compre
endido se não for pela iluminação do E spírito18. Não há três princípios
últim os, o único princípio é o Pai, que dá tudo sem receber em troca, e
sem perder nada; que cria mediante o Filho e aperfeiçoa a criação no Es
pírito19. O Pai e o Filho (e podemos afirmar, por nossa conta, o Espírito
Santo), segundo as propriedades das pessoas (ttjv l&uyrnra twv irpooümwv),
são distintos, são um e um (eis kou eis), mas segundo a comunidade da
natureza (kcctòi 8è tò koivòv rq s <jrixre<i>s) são um só20. H á portanto uma
unidade na substância (oúoíct). Mas propriedades distintas não rompem a
comum substância:
Se se quer aceitar o que é verdade, isto é, que o gerado e o ingênito são pro
priedades distintas consideradas na substância, que conduzem como pela mão
à noção clara e sem confusão de Pai e Filho, então se escapará do perigo da
impiedade e se guardará a coerência nos raciocínios. Pois as propriedades, como
características e formas consideradas na substância, fazem uma distinção entre
o que é comum graças às características que as particularizam, mas não rom
pem o que há de comum na essência. Por exemplo, a divindade é comum, mas
a paternidade e a filiação são propriedades (iôuójuxTa). E da combinação dos
dois elementos, o comum e o próprio, opera-se em nós a compreensão da
verdade. Assim, quando ouvimos falar da luz ingênita pensamos no Pai, e se
ouvimos falar de um a luz gerada compreendemos a noção do Filho. Enquanto
luz e luz, não há entre eles nenhuma oposição, enquanto gerado e ingênito, são
considerados em contraposição. Tal é, com efeito, a natureza da propriedade,
a de mostrar a alteridade na identidade da essência (oòoía)21.
A doutrina das relações (de que não se fala aqui diretam ente) e das
propriedades, em que já tocamos22, juntam-se nessa passagem; na unidade
18. Cf. De Spjmc. 26,64 (SCh 17bis,476); Ep. 39,4 (Ed. CO U K TO N N E, I, 84).
19. Cf. De Spjanc., 16,38 (376-378); ver todo o contexto. Em outros lugares fala-se
do Pai como raiz, fonte etc.; cf. HANSON, op. cit., 693.
21. C. Eun. I I 28 (118-120); cf. também entre outros lugares, Ep 38,3 (182s); 210, 3-
4 (D 192s).
22. Cf. também C.Eun. I I 4 (118-120), sobre a comum substância da humanidade e
a distinção das propriedades pessoais de Pedro e Paulo.
220
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO NOS C O N C ÍU O SIE II
221
VISÃO HISTÓRICA
27. Cf. de Spjanc.1-2 (250-262). Sobre esse tratado, H . DÖRRIES, De Spiritu Sancto.
Der Beitrag des Basilius zum Abschluss des trinitarischen Dogmas, G öttingen, 1956; E.
CAVALCANTI, Uesperienza di Dio nei Padri Greci. II trattato aSuüo Spirito Santo"di Basilio
de Cesareia, Roma, 1984; R LUISLAM PE, Spiritus vivificans, Grundzüge einer Theologie des
Hl. Geistes nach Basilius von Caesarea, M ünster, 1981; J.-R . POUCHET, Le traitéde S. Basile
sur le Saint Esprit. Milieu originei, RSR 84 (1996) 325-350; ID ., Le traité de S. Basile sur le
Saint Esprit. Stmcture etportée, ibid. 85 (1997) 11-40; Basilius von Casarea. Ü ber den H l.
G eist, Ü bersetzt und eingeleitet von H . J. Sieben, Fontes cbristiani 12, Freiburg-Basel-
W ien, 1993.
28. Cf., entre outras passagens, de Sp. Sanc. 4-5; 7-8 (268-284; 298-320).
29. Ibid., 10, 24.26 (332-336); 12,28 (344s); 27,67 (488).
30. Ibid., 25,53 (440s) koivcdvóv è o n tcjv évepyeutív: o Espírito é também difícil de
conhecer, como o são o Pai e o Filho (cf. Jo 14,17: o m undo não o pode receber porque não
o conhece).
31. Ibid., 16,38 (376-384) Basílio baseia-se sobretudo no SI 32[31],6.
32. Ibid., 16, 37 (376); 19.49 (418-422).
222
O S PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINÍTÁRIO NOS CONCÍLIOS I E II
33. Ibid., 9,23 (328). Outros textos sobre os efeitos do espírito que mostram indire
tamente seu caráter divino em 9,22 (322-326); 15,36 (370 -372).
34. Ibid., 19,49 (418-420); 12,28 (344) e sobretudo 16,39 (386).
35. Ibid., 13,30 (352). C f 16,38 (376) de novo sobre a Komovúx.
36. Ibid., 24,55 (450); koivüjvóv nas atividades, 22,53 (440) já citado, 27,68 (488).
37. Ibid., 18,45 (408) Basílio relaciona o Espírito Santo com o Filho, embora vaga
m ente, também quanto à origem. Toda a potência do Filho move-se para a hipóstase de
Espírito Santo, como a do Pai para a geração do Filho; cf. C. Eun. II 32 (134); cf. também
I I 34 (142). Cf. SIM O N E 1T1, op. c it, 497s. A capacidade santificadora e a dignidade real
vão do Pai m ediante o Filho ao Espírito: de Sp. sane. 18.47 (412); como consolador leva o
caráter da bondade do consolador a quem vem, 18,46 (410).
38. de Spione. 23,54 (444) 6etov T f j <|nxrei E provavelmente a afirmação que mais
se aproxima da confissão direta da divindade do Espírito. Cf. também Ep. 159 (II 86s).
39. Cf. de Sp. Sane. 18,46 (410) 25 (456-464) etc.
40. Cf. Ibid., 18,44.47 (402.414); cf C. Eun. m 1-2 (146-152).
41. Cf. a carta 71 de BASÍLIO (1166s) em relação com a 58 de GREGÓRIO N a-
zianzeno (GCS 53,52-54). Sobre as razões dessa reserva, cf. SIEBEN, Basilius von Caesarea.
Überden Hl. Geist, 42ss. A explicação tradicional era tática: Basílio não queria exasperar os
adversários. Sieben pensa antes que Basílio não considerava ainda a divindade do E spírito
como parte do kerigma vinculante. Bastava afirm ar que não era criatura.
42. De Fide, 4 (PG 31,688), e também o Filho consubstanciai ao Pai e ao E spírito
Santo, Ep. 90, 2 (1 196). M ais referências em HANSON, op. d t., 818s.
43. De Sp.Sane. 18,46 (408) é inefável o tropos tes byparcheos do Espírito Santo.
223
VISÃ O HISTÓRICA
GREGÓRIO NAZIANZENO
224
O S PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO D O DOGMA TRINITÁRIO N O S CONCÍLIOS IE II
o Pai é o único ingênito, e nem por isso é menor a honra do Filho por ser o
Filho de tal Pai49.
Gregório, como Basílio, recorre à categoria da relação para fundar a
unidade da natureza do Pai e do Filho; esses dois term os não definem a es
sência, nem tampouco uma ação (èvép7 eux), mas precisamente a relação
que há entre ambos. Os nomes de Pai e de Filho indicam a opo<|njía, a
natureza igual dos dois50.
O Filho é o unigénito, não só porque de fato é único, mas porque é
a única geração, já que em Deus nada se repete; o Filho é a “definição
breve da natureza do Pai”51. Diversas são as denominações do Filho: sabe
doria, potência, verdade, selo do Pai, imagem, luz, vida etc. Todas fondam-
se na consubstandalidade com o Pai52.*35P or outra parte, também o Espírito
é Deus e é bomoousios (com o Pai e o Filho)55. G regório não vacila em
aplicar-lhe esse termo.
O discurso 31 sobre o Espírito Santo (discurso teológico 5) oferece
alguns dos textos sintéticos mais ricos da teologia trinitária de Gregório, que
afirma a igualdade das três pessoas em oposição a todo subordinarionismo:
Que feita ao Espírito... para ser Filho?... Por outra parte, tampouco ao Filho
feita nada para ser Pai, porque a condição de Filho não significa uma carên
cia, e não por essa razão é o Pai... Essas palavras não indicam uma carência
nem uma distinção segundo a essência (tcarà rrjv owriav), enquanto o não
ter sido gerado, o ter sido gerado e o proceder indicam, o primeiro o Pai, o
segundo o Filho, e o terceiro aquele que se chama precisamente o Espírito
Santo — de maneira que se conserve sem confusão (âovyxuT0V) a distinção
das três hipóstases em uma única natureza (év rrj pia «jnkrei) e na única
dignidade da divindade. 0 Filho não é o Pai, pois o Pai é um só, porém é a
mesma coisa que o Pai; nem o Espírito é o Filho pelo feto de provir de Deus,
porque um só é o Unigénito; porém é a mesma coisa que o Filho. Os três são
49. Or. 29, 3.5.6.10-12 (SCh 250, 182.184.196-200). E também 30,20 (266-268).
50. Or. 29,16 (210).
51. Or. 30,20 (268).
52. Cf. Ib id .
53. Or. 31,10 (292) cf. também Or. 12, 6 (SCh 405, 360). G regório parece fazer
suas as críticas a Basílio (cf. nota 41) p o r não te r ousado um a form ulação mais clara; cf.
C. M O R E SC H IN I, Dios Padre en la especulación de G regorio N acianceno, in Dios es
Padre, Salamanca, 1991,179-202, aqui 192. Cf. também D ID IM O o C ego, De Sp. Sane.
17,81; 29, 130s; 32, 145; 53, 231 (SC h 386, 218; 266; 280; 352), o E spírito é D eus, e
consubstanciai a o Pai e ao Filho (deve-se saber que não possuím os o texto original dessa
obra de D ídim o).
225
VISÃO HISTÓ RICA
226
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO NOS CONCÍLIOS I E I I
227
VISÃO HISTÓRICA
GREGÓRIO DE NISSA
Também o irmão mais jovem de Basílio (morto por volta de 395) teve
que lidar com esse problema de Eunômio, sobre a diferença de natureza
entre o gerado e o não-gerado6 61.
0 A resposta será que a geração divina é
sempre um ato eterno, não há em Deus antes nem depois. Como seu irmão
Basílio, argúi a partir de Jo 1,1.2: no princípio existia o Logos e estava junto
a Deus. Os imperfeitos indicam a continuidade, mostram que o Logos nãn
começou a estar junto a Deus e portanto tampouco começou a existir62.36
Também G regório pergunta-se pelas características próprias de cada
uma das pessoas na única natureza divina. A distinção fundamental dá-se
entre os seres incriados e criados. Os primeiros são as pessoas divinas.
Nesse ponto não há diferença entre elas, o ser incriado é comum, é a única
natureza divina a que possui essa característica. Os próprios das pessoas são:
para o Pai, não ser gerado; para o Filho unigénito, ser gerado. O Espírito
Santo tem comunhão de natureza com o Pai e o Filho, Tqç <Jnxreü>s rqv
Koivotjvíotv, mas o signo distintivo que o caracteriza é não ser nem gerado
nem não-gerado. Distingue-se do Filho em que não tem a subsistência do
Pai como unigénito, senão que se manifestou por meio do Filho61.
Gregório de Nissa explica a única essência e as três hipóstases recor
rendo à comparação, certamente um pouco ambígua, com a unidade da
essência humana, que afirma com muita insistência. Pedro, Tiago e João
60. Or. 31,29 (332): “C risto é gerado, ele o precede; Cristo é batizado, ele dá teste
munho; Cristo é tentado, ele o conduz de novo (à Galiléia?); C risto fez milagres; ele o
acompanha”.
61. Cf. SIM O N ETTI, op. d t, 464s. C. Eun. m 67-72 (JAEGER II, 27-29). Eunômio
comete o erro de identificar essênria e geração. Sobre G regório, pode-se ver GREGÓRIO
de Nissa, Teologia trinitária, C. M ORESCHINI (ed.), Milano, 1994; B. P O T H E R , Dieu
et le Christ selon Grégoire de Nysse, Namur, 1994.
62. C. Eun., m 2 , 18ss (JAEGER n , 58).
63. Cf. C. Eun. 1 278-280 (JAEGER, 1 107-109). Cf. SIM O N ETTI, 517ss.
228
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO NOS CONCÍLIO S I E II
64. Já G regório Nazianzeno tinha utilizado esse argum ento, embora não com tanta
força, Gr. 31,15.16 (SCh 250, 304-306); cf. também BASÍLIO [GREGÓRIO de Nissa?],
Ep 38,4 (184ss).
65. Quad non sunt tns dei (JAEGER 111,1,54); cf. Ibid., (40).
66. Ibid., (39).
67. Ad Graecos (JAEGER H, 1,22).
68. Cf. Ref. Conf. Eun. 6,12.13 (JAEGER H, 314-315; 317-318). Cf. HANSON op.
d t , 725s. O D eus uno parece ser a Trindade, segundo Quod non sunt... (42). Sobre as
noções de ousta e hipóstase, cf. P O T H E R , op. tit., 95ss.
69. Cf. Quod non sunt... (42-48).
70. Quod mm sunt.. (46-53). Cf. tam bém BASÍLIO [GREGÓRIO?] Ep 38,4 a 86).
229
VISÃO HISTÓ RICA
H á uma ordem, um a taxis das pessoas. Mas essa ordem não afeta a
igualdade na divindade. O Filho está unido ao Pai, e não perde a digni
dade pelo fato de provir dele. A ordem na enum eração não significa di
versidade de natureza. O mesmo deve-se dizer do Espírito Santo71. A
natureza divina deste conhece-se por seus efeitos, que são os mesmos
que os do Pai e do Filho. Tem as mesmas propriedades que eles, pelo que
não pode ser criatura72. Afirma-se em m uitas ocasiões que é divino, ou de
natureza divina73. Como Basflio, G regório vê também uma geração ao
Filho na origem do Espírito, mas deve-se te r presente que nem sempre
podem os presum ir uma clara distinção entre o que depois se chamou
“processão” e “missão”. Assim, o Espírito procede do Pai e é recebido do
Filho74. O E spírito Santo tem sua causa no Pai através do Filho e com
ele75. A vida divina transm ite-se ao Filho pela geração, ao Espírito Santo,
m ediante o Filho, pela processão. Esse pode ser o resum o do pensam ento
de G regório sobre a questão.
O s capadócios insistiram na plena divindade do Filho e do Espírito,
sem adm itir nenhum subordinacionismo. Desde o momento em que a
geração do Verbo não é vista em função da criação, dá-se um passo de
cisivo para considerar a igual dignidade dos três na unidade da essência
divina. Os autores imediatamente posteriores ao Concílio de N icéia já ti
nham aberto esse caminho. As vezes pode-se dar a impressão de que a espe
culação trinitária a partir desse momento afasta-se um tanto da economia
salvífica, que é o único caminho para conhecê-la. M as, em último termo, a
realidade da salvação do homem só pode ser garantida com a reta confissão
da fé no Deus uno e trino. A contribuição dos capadócios à teologia trinitária
foi certamente da máxima relevância. Além disso, ao abordar o problema
71. C. Eun. I 197-204; 690-691 a 310-312; 464) cf. HANSON, op. d t , 729ss.;
P O T H E R , op. c it, 313-378.
72. Cf. Ado Eus. De Trm (J. m 1,7-11). Com o Espírito Santo foi ungido C risto, Ibid.
(14-16); De Fide (65-67); Adv. Mac. de Sp. Sane. (100); Ibid. (112) a mesma idéia da unção;
cf. H A NSON, 784 ss.
73. Ado. Mac. de Sp.Smc. (90.92.94.101): está unido em tudo ao Pai e ao Filho (100).
Tem Koivowía de natureza e de honra com o Pai e o Filho (90). O Espírito está unido ào
Pai e ao Filho na ação criadora e salvadora; são formulações semelhantes às de BASILIO
(cf. 100.106.109). ____
74. Ado. Mac... (97); é do Pai e de Cristo, Ibid. (89-90). Cf. PO 1TIER, op. d t , 357ss.
75. Cf. C. Eun. 1 378-379 (1 138;180); RefConf. Eun. 190-192 (H 392-393), contra o
modo eunomiano de entender a processão mediante o Filho; BASILIO [GREGORIO?],
Ep 38,4 (85.86). O Espírito com o a terceira lâmpada que se acende a partir da prim eira, por
meio da segunda, Ado. Mac... (93); Quod non sunt... (56), a mediação do U nigénito: cf.
SIM O N E 1'l í , op. d t , 499s.
230
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGMA TRINITÁRIO NOS CONClUO S I E I I
76. Cf. HANSOM , op. c it, 815-817; L. ABRAMOWSKI, Was hat das Nicaeno-
Constantinopolitanum mit dem Konzil von Konstantinopel zu tun? TbeoPbil 67 (1992)
481-513; SESBOÜÉ, op. c it, 273-277. Sobre o símbolo mesmo, R ITTER , Das Konzil von
Konstantinopel und sem SymbolG ottingen, 1985: G. L. DOSE l T l, II simbolo di Nicea e di
Constantmopoli, Rom a, 1967.
231
VISÃO HISTÓ RICA
77. De Sp. Sane., 18,45 (SCh 17 bis, 408). Sobre a pneumatologia do símbolo, cf. A.
de HALLEUX, La profession de l’E sprit Saint dans le Symbole de Constantinople, in
Patrologie et oecuménisme, Lovaina, 1990, 322-337.
78. Çf. BASÍLIO, de Sp. Sont. 21, 52 (434).
79. É assim em ATANÁSIO, Serap. 115 (PG 26,565), a processão do Pai contrapõe
o espírito às criaturas, aos anjos especificamente.
232
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGM A TRINITÁRIO NOS CONCÍLIOS I E II
80. C f. De Sp. Sane. 5; 10; 25; 27; 29 (272-284; 332-338; 456-464; 478-490; 500-
518) etc.
81. Outros credos fazem referência à descida do Espírito no Jordão e a outras ativações
mencionadas no Novo Testamento: falou nos apóstolos, habita nos santos, cf. DS 44;'46.
233
VISÃO H ISTÓ R IC A
82. O p. d t, 541.
83. RITTER, op. d t (cf. nota 76), 270ss.
84. HANSON, op. d t , 735ss., parece tender antes a uma forma genérica da Trinda
de. As analogias dos capadódos iriam do particular ao geral, embora essas m etáforas não
devam ser tomadas em sentido demasiado estrito. Mas ao mesmo tempo sublinha, seguin
do a G . L . PRESTIGE (God mpatristk tbougt, Londres, 1936,233), que a unidade dos três
não se fonda somente na pessoa do Pai, mas que os três, ainda sem levar em conta direta
mente a origem, em um sentido real são um em si mesmos.
85. A diferença do que dissemos até aqui, agora não trataremos do desenvolvimento
ulterior da “teologia” trinitária, mas só dos pronunciamentos doutrinais mais im portantes.
Reservamos o estudo dessa evolução teológica, em concreto do pensamento de Sto. Agos
tinho, para os capítulos sistemáticos a seguir.
234
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGM A TRINITÁRIO NOS CONCÍLIOS I E I I
86. C f. o texto de G . ALBERIGO (dir.) L a Condia oecumcniques, Paris 1994, D, 81; cf.
SIM O N E T T I, op. d t., 550; SESBOÜE, op. t i t , 301, observa que essa é a primeira vez que
aparece em um texto de caráter ofidal o que depois será a fórmula dogmática da Trindade
87. A equivalênda dos conceitos está já nos capadócios. Em concreto, G regório de
Nissa usa com m uita freqüênda prósopon.
235
VISÃO HISTÓRICA
88. Cf. SESBOÜÉ, op. cit., 417-428: A. GRILLM EIER, Jesus der Cbristus im Glauben
der Kircbe, Freiburg-Basel-wien, 1989,11/2, 469-484.
89. M uitos dos conceitos se repetem no Sínodo lateranense (649): “Si quis secundum
sanctos Patres non confitetur proprie e t veraciter Patrem et Filium et Spiritum Sanctum,
trinitatem in unitate et unita tem in trin itate, hoc est, unum Deum in tribus subsistentiis
consustantialibus et aequalis gloriae, unam eam dem que triu m deitatem , naturam ,
substantiam, virtutem , regnum... condemnatus sit” (DS SOI).
236
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO D OGM A TRINITÁRIO NOS C O N C iU O S I E I I
OS CONCÍLIOS MEDIEVAIS
90. Sobre a doutrina trin itária de Joaquim, cf. G . D l N A PO LI, La teologia trinitaria
de G ioachino da F iore, Divmitas 23 (1979) 281-312. Sobre Joaquim e Pedro Lom bardo, F.
C O U R T H , Trinität. In der Scholastik, Freiburg-Basel-W ien, 1985,77-86; F. FÖ SC H N ER ,
Der T rin itätsb eg riff Joachim s von Fiore, WiWt 58 (1975) 117-136.
237
VISÃO H ISTÓ R IC A
Portanto, ainda que o Pai seja um, outro o Filho, e outro o Espírito Santo,
não são outra coisa; senão que o que é o Pai o são também completamente o
Filho e o Espírito Santo, de tal maneira que se deve crer, segundo a fé católica
e ortodoxa, que são consubstanciais. O Pai que desde sempre gera o Filho
deu-lhe sua substância... (DS 805).
Também se observa que “a Santa Trindade não são três deuses, senão
um único Deus, onipotente, etem o, invisível e imutável” (DS 853).
Nesses textos, reconhecemos também idéias que foram abrindo ca
minho já desde o final do século IV. A tendência de acentuar fortem ente
a unidade divina, e menos a distinção de pessoas, sobretudo no que se
refere à sua atuação exterior, é clara. Mas ao mesmo tempo se insiste na
perfeita divindade de cada uma das pessoas e em sua identificação com a
essência divina.
D o Concílio de Florença, o segundo dos “Concílios da união” (1439/
1442), devemos destacar as afirmações trinitárias contidas no decreto para os
gregos (cf.DS 1.300-1.302); e o decreto para os jacobitas (cf. DS 1.330-1.333).
N o momento, recolhemos somente umas poucas frases deste último decreto:
238
OS PADRES CAPADÓCIOS. A FORMULAÇÃO DO DOGM A TRINITÁRKD NOS C O N C ÍU O S IE II
239
segunda parte
DA “ECONOMIA”
À “TEOLOGIA”
A
A reflexão sistemática
sobre o Deus Uno e Trino
9
“Trinitas in unitate”.
A vida interna de Deus: as processões,
as relações, as pessoas divinas
243
DA “ECONOM IA” À “TEOLOGIA"
rum Personamm”... La reflexión sistemática de Santo Tomás sobre el Dios cristiano, EstTrin
29 (1995) 443-472; também L. ABRAMOWSKI, Zur Trinitätslehre des Thomas von Aquin,
ZTbK 92 (1995) 466-480; P. VANIER, Théologie trmitaire chez samt Thomas d’Aqum, M on
treal-Paris, 1953; G. EMERY, La Trinité créatrice. Trinité et création dans les commentaires aux
Sentences de Thomas â*Aquin et ses prédécesseurs Albert le Grand et Bonaventure, Paris, 1995;
ID ., Existentialisme et personalisme dans le traité de D ieu chez saint Thomas d’Aquin,
RevTb 48 (1998) 5-38; H. Ch. SCHM IDTBAUT, Personarum Trmitas. Die trmitariscbe
Gotteslebre des heiligen Thomas von Aquin, St. O ttilien, 1995. Mais em geral, sobre os temas
que ora tratam os, cf. W. KASPER, Der Gott Jesu Christi, Mainz, 1982, 337-347; J.-M .
ROVIRA BELLOSO, Tratado de Dios um y trino, Salamanca, 1993, 569-614; A. STA-
GLIANÒ, U mistero dei Dios vivente, 534-543: L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der Offenbarung,
350-370, J. R. GARCÍA MURGA, El Dios dei amor y de la paz, 242-250.
2. C . STh 1,33, 3 ad 1
3. N a sistemática clássica, de maneira muito conseqüente, as missões ocupam o úl
timo lugar. Se considerarmos a Trindade imanente, as missões ad extra são conseqüências
da vida interna da Trindade. Cf. Tomás de AQUINO, STh. 1 43. Se ao contrário, preferi
mos a ordem de nosso conhecimento a partir da revelação neotestam entária das missões ad
extra do Filho e do Espírito, podemos entrar na consideração do que esses são, em relação
ao Pai, na vida interior de Deus. Cf. sobre esse ponto STh I 43, 7.
244
TR IN fTA S IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
245
DA "ECONOM IA” À -TEOLOGIA"
246
TR IN ITA S IN UNITATE*. A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
13. Sobretudo diz-se que essa processão não é: nem criação nem geração. Assim o
símbolo Quicumque (DS 75): “non factus, nec genitus sed procedens”.
247
DA -ECONOM IA“ À "TEOLOGIA"
analogias, é necessário para nós seu conhecimento. Sem ele não podemos
entender um capítulo decisivo da teologia cristã que continua ainda influen
ciando em nossos dias.
14. Cf. Trm V II 6,12 (266s). Antes dele já tinha sublinhado esse aspecto HILÁRIO
de Poitiers, Trm IV 17-19; V 8-9 (CCL 62, 119-122; 158-159).
15. Cfc Trm IX 2 ,2 (294).
16. Ibid., IX 5,8 (300); IX 12,18 (309): a m ente, o conhecimento e o amor, e esses três
são um só.
17. Ibid., X 11,18 (330). Cf. também Conf. X H I11,12 (CCL 27,247) a tríade do ser,
do conhecimento e da vontade.
18. Trm XIV 14,18 (445).
19. Ibid., XIV 12,15 (442s); também XIV 16,22 (451): a imagem deve ser reformada
por aquele que a formou; XV 20,39 (516s): a contemplação e a deleitação na Trindade
etem a hão de ser a vida de quem é criado à sua imagem.
20. Ibid., IX 7,12 (304).
21. Ibid., XV 14,23 (496).
248
“TRINITAS IN UNITATE’ . A VIDA INTERNA DE DEUS. AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES. AS PESSOAS D M NAS
249
DA -ECO NO M IA" À TEO LO G IA '
29. C f. Ibid., IX 22 (294s), embora Agostinho esclareça aí que ainda não fala da
Trindade divina.
30. Ibid., IX 3,3; 5,8 (296;300s) Cf. A. TURRADO, Agustin (San), in Dicátmario
teologia». El Dios cristúmo, 15-25 (com ulterior bibliografia); ROVIRA BELLOSO, La fé se
hace teologia refleja (S. Agustin), Estlrin 29 (1995) 419-441.
31. STb 1 27,3.
32. STb I 27,3 ad 3: “... nihil enim potest voluntate amari, nisi sit in intellect»
conceptum ... ita licet in Deo sit idem voluntas et intellectus, tarnen quia de ratione amoris
est quod non procedat nisi a conceptione intellectus, habet ordinis distinctionem processio
amoria a processione verbi in divinis”.
250
■TRINÍTAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, A S PESSOAS D M N A S
Mas a analogia com a alma humana que se conhece e se ama não foi
o único caminho que se seguiu na história da teologia para explicar a
fecundidade da vida divina ad intra. Também se seguiu, em bora em m enor
medida, a analogia do amor interpessoal. Santo Agostinho falava dos três
da Trindade igualmente em analogia com o amante, o amado, o amor mes
mo, embora referindo-se prim ordialm ente à m ente hum ana que se co
nhece e se ama334S. Mas não faltam indícios de que o amor interpessoal foi
tomado em consideração, pelo menos indiretam ente, pelo doutor de
251
DA "ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
H ipona36. Esse veio foi seguido mais decididam ente por Ricardo de São
V ítor (m orto em 1173), anterior em um século a Sto. Tomás. Vale a pena
que nos detenhamos brevem ente em seu De Trinitate para ver o utro modo
de colocar o problema da pluralidade em D eus e da fecundidade ad intra.
Em bora Ricardo não coloque de modo direto o problema das processões,
como Sto. Tomás, a explicação do prim eiro responde à mesma questão,
isto é, “justificar” a existência de uma pluralidade no Deus uno.
Ricardo busca esclarecer com a razão o mistério em que cremos, buscar
as rationes necessariae para explicar a Trindade37. O ponto de partida é que
em D eus tudo é uno, tudo é simples, todos os atributos são uma só coisa
e o mesmo, não há mais do que um Sumo Bem38. A diversidade em Deus
funda-se na perfeição da caridade: nada há m elhor nem mais perfeito do
que a caridade. Esta, essencialmente, tende ao outro; por isso o am or de si
não pode ser a realização perfeita do mesmo39. Para que haja caridade,
deve haver portanto pluralidade de pessoas. Para que Deus possa ter esse
sumo amor, é necessário que haja quem seja digno dele. Chega-se à mesma
conclusão partindo da idéia de felicidade. Esta vai unida à caridade: “como
nada há melhor do que a caridade, nada há mais gozoso do que a caridade”
(sicut nibil contate melius nibil caritate iucundius). Se a divindade é a suma
felicidade, precisa da pluralidade de pessoas para que o amor seja gozoso,
porque o que ama quer, por sua vez, ser amado por aquele a quem ama40.
Se D eus (o Pai) não quisesse comunicar a outro seu amor e sua felicidade,
seria por defectus benevolentiae. Se não pudesse, não seria onipotente. As
duas coisas devem ser excluídas nele. A pluralidade de pessoas, requisito
para o amor gozoso, pede que as pessoas sejam iguais, coetemas, “a suma
caridade exige a igualdade das pessoas” {caritas simrma exigit personarum
36. Trm V III 10,14 (290-291) “Q uid amat anim us in amico nisi animum? Ex illic
igitur tria sunt”. In Job, XIV 9; XXXIX 5 (CCL 36,148; 348). Não esqueçamos, por outra
parte, que Agostinho se opôs a que se considerasse imagem da Trindade a tríade formada
pelo m arido, a m ulher e a prole: TririXH 5,5ss (359ss).
37. RICARDO de São V ítor, De Trinitate, prol; 1,4 (SCh 63,52s; 70). Sobre sua teo
logia trinitária, cf. X. PTKAZA, Notas sobre la Trinidad en Ricardo de San Victor, EstTrin 6
(1972) 63-101; M . SCHNEIERTSHAUER, Consummatio Caritatis. Eine Untersueben zu
Richard von St. Victors De Trinitate, Mainz, 1996. Sobre as razões necessárias, cf. 88-91;
essas são tais porque se acham em Deus mesmo.
38. Cf. RICARDO, Trm, H 18 (142).
39. Ibid., R I,2 (168): N ihil caritate melius, nihil caritate perfectius... U t ergo phiralitas
personarum deest, caritas om nino esse non potest”.
40. Ibid., m , 3 (172).
252
TR IN ITA S IN UNITATE*. A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES. AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
253
DA “ECONOMIA" À "TEOLOGIA”
254
TR IN ITA S IN UNITATE- A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
AS RELAÇÕES DIVINAS
51. De fide ortbodoxa, 1 8 (PG 94, 822); cf. também 1 2 (793); I 7-8 (817-824).
52. Enumeramos alguns textos im portantes do m agistério sobre as processões divi
nas (alguns citados no final do capítulo anterior, outros mais adiante, em relação com a
questão específica da processão do Espírito Santo); DS 850; 851,853 (Concílio II de Lião)
1300-1302; 1330-1331 (Concílio de Florença). Como já insinuamos, o magistério, ao tra
tar das processões, não se comprometeu com nenhum m odelo especulativo de “explicação”
delas.
255
DA ■ECO NO M IA' À ■TEOLOGIA’
o que gera e o que é gerado; nomes relativos como “pai”, “filho” ou “reben
to” não indicam a substância de nenhum ser, mas uma relação: n o caso de
Deus a relação do Pai ao Filho e vice-versa. H á nomes que se aplicam às
pessoas e às coisas por si mesmas, outros que se referem à sua relação com
outras: homem, cavalo, boi pertencem às primeiras; filho, escravo e amigo,
às segundas: indicam somente a relação ao term o a que se contrapõem. Assim,
falar do pai e do “rebento” — no exemplo de Eunôm io — não tem por que
implicar duas substâncias, porque tanto um nom e como outro só têm sen
tido em relação com aquele a que se contrapõem na relaçãoS3.
256
TR IN ITA S IN UNUATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES. AS RELAÇÕES, AS PESSOAS D M NA S
257
DA "ECONOMIA” À “TEO LO G IA'
62. Ibid., (220): “Exit enim non quomodo natus sed quomodo d atu s...”.
63. Ibid., V 15,16 (224).
64. Cf. especialmente os três primeiros livros De Trmitate, em que m ostra uma dara
tendência de aplicar a Deus enquanto uno (Pai, Filho e Espírito Santo) uma série de pas
sagens do Novo Testam ento que daram ente se referem ao Pai. Mas ainda assim fica daro
que o Pai é o princípio de toda divindade: Trm IV 20,29 (200): “... totius divinitatis vel si
melius didtur deitatis princíphim pater est”.
258
"TRINITAS IN UNITATE". A VIDA IN TER N A DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS D M NA S
das pessoas sem que a unidade da essência fique afetada. Deve-se distin
guir entre o que se diz da essência divina e o que se diz em particular de
cada pessoa. O que se predica da essênda divina, que é comum a todas as
pessoas, é o que se predica a i se. O que se predica a i aliquid, em relação a
outro, pode referir-se a uma relação ad extra, a respeito das criaturas, e
então se afirma também de toda a Trindade (por exemplo, Deus é criador),
por ser essa um só princípio de todo o criado. Mas pode se referir também
às relações ad intra, e então se afirma de um a das pessoas em sua relação
com as outras. As afirmações absolutas que se faz de cada uma das pessoas
referem-se igualmente às outras: assim o pede a simplicidade da essênda
divina; do contrário, cairíamos no triteísm o. Assim Pai é luz, como tam
bém o Filho e o Espírito Santo; mas os três não são três luzes, mas uma só.
O mesmo digamos da sabedoria, e por últim o do próprio ser divino: os três
são Deus, mas um só D eus65.
Em tudo o que se diz de Deus ad se, exclui-se por conseguinte o nú
m ero plural. Isso não implica desconhecimento da distinção entre o Pai, o
Filho e o Espírito Santo. Agostinho serve-se, como já o fazia Tèrtuliano,
de Jo 10,30 para m ostrar a unidade e a distinção em Deus: “Ego et Pater
unum sumas... unum secundum essentiam, sumus secundum relativum”66.
O singular em Deus refere-se à única essência divina. Nesse plano está
excluído o plural, porque nos levaria, dada a simplicidade divina, ao triteís
mo. Pode-se fazer referência somente às relações, que não afetam a unida
de da essência.
Severino Boécio, seguindo a linha agostiniana, terá uma afirmação
curiosa e contundente: “a substância contém a unidade; a relação m ultipli
ca a trindade67. Boécio observa também que nem toda relação supõe uma
65. Trin. V II 3,6 (254): “Lumen ergo pater, lumen filius, lumen spiritus sanctus;
simul autem non tria lum ina, sed unum lumen. E t ideo sapiemia pater, sapientia filius,
sapientia spiritus sanctus; e t sim ul non tres sapientiae, sed una sapientia; et quia hoc est ibi
esse quod sapere, una essentia pater et filius et spiritus sanctus. N ec aliud est ibi esse quam
deum esse: Unus ergo deuspater etfilius et spiritus sanou?'. Cf. também VI 7,9 (237s) Deus
é trin o , mas não triplo. Ecos dessa idéias encontram -se no símbolo Quiaimque (DS 75); e
tam bém no XI Concílio de Toledo (DS 528).
66. Trin V II 6,12 (266); cf. outras citações do texto em V 3,4 (208); 9,10 (217); VI
2,3(231).
67. BOÉCÍO, Irin (P L 6 4 ,1.254s): “Sed quoniam nulla relatio ad se ipsum referri
potest, iddrco quod ea secundum seipsum est praedicatio quae reladonem caret, facta quidem
est trinitatis numerositas in eo quod est praedicatio relationis: servata vero unitas in eo
quod est indifferentia vel substantiae, vel operadonis, vel omnino eius quae secundum se
d id tu r praedicationis. Ita ig itu r substantia condnet unitatem , relatio m utiplicat trinitatem :
atque ideo sola sigillatim proferuntur atque separa tim quae relationis sunt...”.
259
DA "ECONOMIA” À "TEOLOGIA"
68. Ibid., (1255): “Sane sciendum est, non semper talem esse relativam praedicationem,
u t semper ad differens praedicetur; u t et servus ad dominum, differunt enim. Nam omne
aequale aequali aequale est, et simile simili simile est, et idem ei quod est idem, idem est:
et similis est in T rinitate relado, Patris ad Filium et utriusque ad Spiritum sanctum; u t eius
quod est idem ad id quod est idem”.
69. In I Sent, d.26,1,1
70. Cf. STb I 28,1.
71. Ibid., 28,2: “in Deo non est relatio realis ad creaturas”.
72. Ibid.: “Quidquid in rebus creatis habet esse acddentale, secundum quod transfertur
in Deum habet esse substandale: nihil enim est in Deo sicut accidens in subiecto. Sed
quidquid est in Deo est eius essenda... Relado realiter existens in D eo est idem essendae
secundum rem . E t non differt nisi secundum intelligendae radonem , prout in reladone
im portatur respectum ad suum oppositum, qui non im portatur in nom ine essendae”.
73. Cf. STb I 28,3.
260
TR IN ÍTA S IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
74. Ibid., 28,4; tam bém 29,4; 30,2. Também BOAVENTURA, op. cit., I 3,4.
75. Cf., sobre a relação da criação com a Trindade, LADARIA, Antropologia teológica,
Casale M onferrato-Rom a, 1995, 64 ss.
261
DA “ECONOM IA” À "TEOLOGIA”
AS PESSOAS DIVINAS
76. Costuma-se citar Sto. ANSELMO como precursor dessa fórmula. Deproc. Spiritus
sancti I (Opera [Obra com pleta], SCH M ITT (ed.), v. 2,180-181): “Sic ergo huius unitatis
et huius relationis consequentiae se contemperant, u t nec pluralitas quae sequitu r relationem
transeat ad ea, in quibus predictae simplidtas sonat unitatis, nec unitas cohibeat pluralitatem,
ubi eadem relatio significatur. Quatenus nec unitas am ittat aliquando suam consequentiam,
ubi non obviat aliqua relationis oppositio, nec relatio perdat quod suum est, nisi ubi obsistat
unitas inseparabilis”. Nem a unidade nem a distinção podem ser afirmadas uma em detri
m ento da outra. A formulação de Anselmo parece mais completa do que a do Concílio de
Florença. Sobre as relações em Deus, cf. também DS 528; 570; 573.
77. Cf. D er G ott..., 342.
78. Sobre a história do termo, A. M ILANO, La Trinità dei teologi e dei filosofi.
L’inteUigenza della persona in D io, em A. PAVAN; A. M ILANO (eds.), Persona epersonalism»,
N apoli, 1987, 1-286; do mesmo, Persona in teokgia, N apoli, 1984.
262
"TRINITAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS D M N A S
79. Cf. Trin V II 4,7 (C C L 50,255); também V 8,10(217). Agostinho dá por suposto
que há equivalência entre os term os gregos (que não cita no original), senão em tradução
latina {essentia, substantia), e os latinos, “uma essentia vel substantia, tres personae”.
80. Trin. V 9,10(217); cf. também V II 4,7 (255); cf. LADARIA, Persona y relation.
245-291; 268ss, também para o que segue.
263
DA ‘ ECONOMIA" À TEO LO G IA -
divinas, chamando Pai do Filho, e Filho do Pai, ou Dom dos dois. Com
isso m ostra-se que usamos term os relativos. Mas quando dizemos a pessoa
do Pai não falamos do Filho, m as do Pai mesmo. A conseqüênda é que o
conceito de pessoa nao se predica em relação a outro, senão uad se”*1.
Agostinho encontra-se com um a dificuldade insuperável. Foi dito antes
que a pluralidade em Deus vinha da relação, e que não cabia o plural em
tudo o que se diz ad sei mio são três deuses, nem três sábios, nem três
luzes... Agora nos encontramos com um plural que se diz ad se: três pesso
as. As três estão em relação enquanto Pai, Filho e Dom8 82,
1 mas não enquan
to "pessoas”. Agostinho não pôde ir mais além. Viu claramente que o plu
ral em D eus vinha das relações, mas o conceito de pessoa é para ele um
absoluto. D essa aporia não pôde sair83. Agostinho não tratou de d e fin ir
diretam ente a pessoa. Mas nesse contexto observa que é algo singular e
individual, “aliquid singulare atque individuum”84. N ão deixa de chamar a
atenção que use o neutro nessa aproximação da noção.
81. Cf. Trm VII 6,11 (261-26$); texto-chave para a noção agostiniana da pessoa. Cf.
LADARIA, op. cit., 217ss. Parece que Agostinho pensa ainda em um “ser” do Pai, de
algum modo anterior a seu ser “Pai”, e o mesmo das outras pessoas; tende a apoiar a relação
sobre um absoluto, um ser de algum m odo prévio a ela.
82. Cf. Trm. IX 1,1 (293) as três pessoas estão relacionadas ad hwicem.
83. Assim se vê obrigado a aceitar esse plural “absoluto”, além da pluralidade de
relações: cf. Trm V II 6,12 (262); VDI proem. 1 (268).
84. Trm. VH 6,11 (263).
85. Liber de persona et duabus naturis, 3 (PL 64,1.343).
264
TR IN ITA S IN UNITATE”. A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES. AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
265
DA “ECONOMIA" À "TEOLOGIA"
procede do Pai e tem outro que procede dele. O Espírito Santo procede de
outro e não há ninguém que proceda dele93. A propriedade pessoal é aquilo
pelo qual cada um é o que é, e por isso há em Deus tantas pessoas como
"existências incomunicáveis”94. D aí a definição da pessoa divina como “divinae
naturae incommunicabilis existentia”95. A partir dessa definição da pessoa
divina chegamos à definição da pessoa em geral que já conhecemos.
N a pluralidade de pessoas divinas dá-se uma "concórdia diferente” e
um a "diferença concorde”96. Dado que o am or é tão determinante no modo
de explicar as processões, as pessoas divinas, quanto a seu m odo de proce
der, caracterizam-se pelo modo de seu amor, já que um e outro pratica
m ente coincidem. Cada pessoa é o mesmo que seu amor, segundo o texto
que já conhecemos97. N o amor está a diferença, não na dignidade ou no
poder. Dessa maneira, a visão de Ricardo mostra-nos como a pessoa, em
sua identidade, e em sua incomunicabilidade, é ao mesmo tem po abertura
no amor. Mais ainda, o amor determina sua irrepetibilidade. Trata-se sem
dúvida de uma intuição muito rica: o irrepetrvel em cada um é o modo
com o sai de si no amor, o modo, poderíamos dizer, como se relaciona com
os outros; esse é o elem ento "incomunicável” mais do que a substância.
Isso vale antes de tudo para Ricardo em relação com as pessoas divinas,
mas podemos pensar que, com as devidas diferenças, também podemos
aplicar o princípio aos homens. N a qualidade do am or determina-se o que
somos: Agostinho, em outro contexto, tinha formulado já algo parecido98.
Em Deus há um só amor, mas distinto em cada uma das pessoas99.
N o receber e no dar o amor, o Filho expressa a imagem do Pai, que
é quem dá o amor originaríamente. Não assim o Espírito Santo, que, se
gundo Ricardo, não dá o amor ad hora. P or isso o Filho é verbo, sabedoria,
porque por ele temos notícia do Pai, fonte da sabedoria, já que por ele se
manifesta a glória paterna100. No Filho aparece a glória do Pai, "quão grande
seja, dado que quis e pôde ter um Filho tal, igual a ele em tudo”101. Ao
266
•TRINITAS IN UNITA TE' A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS D M NA S
Espírito Santo atribui-se propriam ente esse nome, que de si convém tam
bém ao Pai e ao Filho, porque é o que santifica, é o amor que é comum aos
dois. O Espírito Santo é dado ao homem quando o am or da deidade é
inspirado no coração humano (cf. Rm 5,5); “enquanto devolvemos a nosso
criador o am or devido, somos configurados segundo a propriedade do
Espírito Santo”102. As pessoas distinguem-se pelo amor com que estão
unidas. Com isso mostra-se que a unidade e a distinção em Deus não se
opõem entre si.
lem o s que nos deter especialmente em Sto. Tomás, porque sua defi
nição da pessoa divina como relação é especialmente feliz. Foi capaz de
resolver a aporia agostiniana a que já nos referimos. Tomás aceita substan
cialmente a definição boeciana da pessoa, que é aplicável a todos os seres
racionais103. Mas é bem consciente de que o term o não se aplica a Deus
como às criaturas, senão de maneira mais excelente; mais ainda, já que o
nome de pessoa indica a dignidade que é “subsistir na natureza racional”,
convém especialmente a D eus, dada a maior dignidade de sua natureza104.
Tomás passa em revista os elementos da definição boeciana para aplicá-los
a Deus. A natureza racional significa em Deus simplesmente a natureza
intelectual, já que nele razão não implica discurso. O princípio da indivi
duação em Deus não pode ser a matéria: por isso “indivíduo” em Deus
quer dizer incomunicável. A substantia convém a Deus enquanto significa
existir por si mesmo105.
Mas o passo decisivo para a teologia trinitária de Tomás dá-se quando
indaga se o nome de pessoa significa a relação106. Tomás é bem consciente
267
DA “ECONOM IA’ À “TEOLOGIA"
107. Ibid., corpus. Cf. também Ibid., 34,2; 40.2; 42,4: “Eadem essentia quae in Patre
est patem itas, in Filio est filiado”. Sobre a noção de pessoa e a teologia trinitária de lòm ás,
cf. G. GRESHAKE, Der dreiene Gott. Eme trmitariscbe Tbeologie, Freiburg-Basel-W ien,
1997,111-126.
268
"TRINtTAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES. AS PESSOAS DIVINAS
108. Cf. KASPER, op. d t , 343; A. MALET, Personne et amour dans la théologie de saint
Thomas d'Aquin, Paris, 19S6,84: “... saint Thom as concède que si on considère la relation
comme relation, elle suit l’hypostase”; Ibid., 92, com ritação de /» I Sent d 23, a.3.
109. Cf. MALET, op. d t., 87; GRESHAKE op. d t., 110s. Cf. en tre outras pesquisas
STh 1 33,1; 39,8: “o Pai é o prindpio que não vem do princípio’’.
110. C f S7M 30,1.
111. Ibid., 130,2.
112. Cf. HILÁRIO de Poitiers, Trin IX 36 (CCL 62A, 410): “[Deus]... neque in
solitudine neque in diversitate consistit”.
269
D A “ECONOM IA“ À ‘TEOLOGIA"
que os anjos e os santos estivessem com ele, D eus seria solitário se não
existisse a pluralidade de pessoas, porque a solidão não se elimina pela
associação com alguém de natureza estranha113, Também se diz que um
homem está só em um jardim, embora haja animais e plantas (C f G n 2,18ss).
A doutrina das pessoas e das relações de Sto. Tomás não é um a especulação
abstrata, preocupada só com a coerência lógica. M ostra a plenitude da vida
em Deus, incompatível com a solidão. D á a impressão, embora Sto. Tomás
não diga, que a solidão em Deus conotaria imperfeição. Na plenitude
da vida trinitária as três pessoas se “acompanham” mutuamente. A idéia da
com unhão interpessoal em Deus parece estar aqui presente, ainda que cer
tam ente de um m odo velado.
A pessoa não se diferencia da essência divina secundum rem. E sempre
a noção da simplicidade divina a que se opõe a uma tal diferenciação. As
relações em Deus não são acidentes, e portanto devem identificar-se com
a essência, embora as pessoas se distingam umas das outras de maneira
real. A relação, comparada com a essência divina, não difere na coisa, se
não que há somente distinção de razão. Mas quando a relação se compara
com a relação oposta, por causa da oposição mútua, dá-se uma diferença
real. Em virtude dela pode-se — e deve-se — afirmar de cada um a das
pessoas algumas coisas que se nega das outras114. Do contrário não seria
real a distinção entre as pessoas e se cairia no sabelianismo. Pela mesma
razão, tem sentido a fórmula trinitária habitual, de uma essência que é de
três pessoas, ou três pessoas da mesma essência, porque em Deus não se
multiplica a essência se se multiplicam as pessoas115.
As pessoas, p o r outra parte, identificam-se com a relação116. Em vir
tude dela distingue-se cada uma das outras. Nesse sentido, diz-se melhor
que as pessoas distinguem-se por sua relação do que por sua origem. Pois
origem, do ponto de vista ativo, significa que alguém procede de uma pessoa
subsistente, quer dizer, de algum modo a pressupõe como já constituída.
113. STb 131,3: “Licet angeli et animae sanctae semper sint cum D eo, tam en, si non
esset pluralitas personarum in divinis, sequeretur quod Deus esset solus vel solitarius. Non
enim tollitur solitudo per associadonem alicuius quod est extraneae naturae... Consociado
angelorum et animarum non exdudit solitudinem absolutam a divinis”.
114. Ibid., 139,1.
115. Ibid., 139,2. “Q uia in divinis, multiplicatos personis, non m ultiplicatur essentia,
dicimus una essentia esse trium personarum, et tres personae unius essentiae”. Deve-se
preferir essa fórmula a “tres personae ex eadem essentia” porque com o ex, que significa
procedência, poder-se-ia pensar que uma coisa é a pessoa, outra a essência da qual procede.
116. Ibid., I 30, 2; 40,1, além dos textos já citados.
270
TR IN ITA S IN UNITATE". A VIDA INTERNA D E DEUS. AS PROCESSÕES. AS RELAÇÕES. AS PESSOAS DIVINAS
117. Ibid., 140,2 ad 2: “Personae divinae non disdnguuntur in esse in quo subsistunt,
neque in aliqno absoluto; sed solum secundum id quod ad aliquid dicuntur. U nde ad eanun
distinctionem sufficit relatio”; Boaventura seguiu uma linha um tanto distinta, que acentua
mais a processão; cf., por exemplo, In Sent. I d. 27 q. 2; Brevüoquium 1 4,6.
118. Cf. F. BOURASSA, La 'Irinità, em K. H. N EU FELD (ed.), Problem e orientamenti
di teologia dognatica, Bresda, 1983, 337-372, 351.
119. Cf. STbl 32,2-3.
120. Ibid., I 32,2: “...e t huiusm odi sunt proprietates vel notiones in abstracto
significatae, ut patem itas et filiado. Essentia significatur in divinis u t quid, persona vero ut
quis, proprietas autem ut quo”.
271
D A ‘ E C O N O M IA ' A ‘ TEOLOGIA"
121. Ibid., 1 41,1; cf. também I 41,3. BOAVENTURA, Brtvüoquium I 3,1: “Para a
inteligência sã dessa fé (da Trindade) a doutrina sacra ensina que em D eus há duas emana
ções (processões), três hipóstases, quatro relações, cinco noções e... somente três proprie
dades pessoais”. C f também Ibid. 3,2ss.
122. Cf. STb I 39,7. Santo Tbmás nota que através das criaturas pode-se chegar ao
conhecimento das propriedades essenciais de Deus, mas não das pessoas. Mas, assim como
nos servimos de vestígios que Deus deixou nas criaturas para a manifestação das pessoas,
também nos servimos dos atributos essenciais para esse fim. As apropriações supõem por
tanto a fé na Trindade e o conhecimento do que é próprio das pessoas divinas.
123. Cf. BOAVENTURA, op. d t , I 6,1.
272
"TRINITAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
124. Cf. STb 1 39,8. Ver outros exemplos indicados no mesmo artigo. Coincidem em
parte com o que indica BOAVENTURA, op. cit., 1 6 ,lss. Esses exemplos já constavam de
PEDRO LOMBARDO, Lib. Sent. I d 32; 34, 3-4.
125. Santo lòm ás, na passagem citada na nota anterior, considera que o uso diversi
ficado das proposições ex, per e m é apropriado somente a cada uma das pessoas. Notemos
que o Concílio II de Lião usa as três proposições referidas indistintam ente para toda a
Trindade (DS 851). Mas vimos que não foi esse o uso nas etapas anteriores da tradição.
273
DA “ECONOM IA" À “TEO LO G IA 1
todas as suas atuações, ainda que isso não signifique que em todas elas
possamos ver um a revelação da Trindade126.
126. Devemos tomar nota nesse contexto da nova abordagem do conceito das apro
priações proposta por G. GRESHAKE, op. cit., 214-216, na qual, em lugar do conceito
clássico que parte da atribuição a uma pessoa do que é comum às três, propõe o caminho
inverso: a partir da unidade pericorética entre as pessoas, cada uma delas tem suas proprie
dades em comum com as outras, e por isso é que o próprio de cada pessoa se faz próprio
da comunhão divina, ou da essência divina; assim Deus é onipotente porque existe o Pai em
cujo dom tudo se funda; Deus é verdade e am or redentor porque existe o Filho etc. Creio
que esse caminho podia ser visto como um complemento, mais do que como uma alterna
tiva ao tradicional, se a unidade e a distinção em Deus devem ser vistas como igualmente
primárias e originais. O Pai dá realm ente ao Filho tudo o que é (e ambos ao Espírito
Santo), exceto a paternidade (e a filiação), e nesse sentido não está fora do lugar o discurso
de propriedades comuns às três pessoas, embora possuídas por cada uma segundo sua
especificidade pessoal. É claro que, como veremos mais adiante, se questiona o conceito
das relações de origem e das processões em Deus, o problema da unidade divina coloca-se
de outro modo. Ver o cap. seguinte.
127. Cf. Legpro Cbris. 10 (BAC 116,660); o contexto é o da geração do Verbo.
128. Cf. STb 1 42,5.
274
“TRINITAS IN UNITATE’ . A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
um e no outro uma coisa distinta. O Pai está no Filho porque o Filho nasceu
dele, o Filho está no Pai porque de nenhum outro tem ser o Filho... Assim
estão um no outro, porque como tudo é perfeito no Pai ingênito também o
é no Filho unigénito129.
Aquele em quem está Deus é Deus. Porque Deus não habita em uma natu
reza distinta e alheia a ele mesmo130.
275
DA “ECONOM IA" À "TEOLOGIA"
funda união e comunhão com as outras duas. Manifesta-se assim uma di
mensão fundamental da unidade divina: que essa unidade é a da Trindade.
A inabitação de cada pessoa nas outras respeita certamente a taxis ou ordem
das processões, mas ao mesmo tempo mostra a igualdade radical entre
elas, a comunhão perfeita em que cabe mais a distinção do que a diferen
ça154. A circumincessão não é algo que se junte a uma unidade e distinção
já preestabelecidas, não é só um estático uestar em” o outro que é simples
conseqüênda da unidade da essência divina; essa foi uma interpretação
freqüente, que pode apoiar-se certamente no Concílio de Florença. Mas,
sem excluir essa dimensão, podemos também considerar que a inabitação
mútua é ao mesmo tempo um elemento essencial dessa unidade, constituí
da também pela interação dinâmica das três pessoas. Nessa direção aponta
o sentido do term o grego155. A unidade e a distinção em Deus são tais que
implicam ser um no outro, não somente com ou junto ao outro. Junto à
relação (esse aã) que distingue na unidade divina, a pericorese (esse in) une
m antendo a distinção. A inabitação recíproca expressa e realiza na máxima
medida a unidade das pessoas em sua distinção. Ao mesmo tem po, essa
união mostra a que comunhão com Deus nós, os homens, estamos chama
dos. C om efeito, segundo Jo 17,21s, os que crêem em Jesus devem ser uma
só coisa no Pai e no Filho156. A pericorese intratrinitária mostra-se tam
bém, como todo mistério de Deus uno e trino, na economia: a atuação do
Filho e do Espírito no cumprimento do desígnio do Pai realiza-se em
profunda unidade, desde a encarnação de Cristo por obra do Espírito Santo,
até a ressurreição por obra do Pai, em que tampouco está ausente a inter
venção do Espírito Santo (Cf. Rm 1,4; 8,11). Em nosso capítulo sobre a
unidade de Deus, unitas in Trinitate voltaremos a alguns aspectos relacio
nados com essa questão.
276
"TRINUAS IN UNITATE" A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES. AS RELAÇÕES. AS PESSOAS DIVINAS
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DA "ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
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■TRINITAS IN UNITATEV A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES. A S RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
279
DA -E C O N O M IA ’ À "TEOLOGIA'
cabería outro uso dos pronomes para descrever as relações do homem com
Deus? N a economia salvífica, o Pai e o Filho, sendo certamente a mesma
coisa (cf. Jo 10,30), aparecem mais como um eu e um tu intercambiáveis do
que com o um “eu” repetido. E certo que devemos m anter a distinção —
não adequada — entre a Trindade imanente e a Trindade econômica. Mas
parece que a p artir da revelação cristã se tom a difícil conceber a relação
entre o Pai, o Filho e o Espírito como a repetição de um “eu”.
N o campo católico, K arl Rahner fez-se eco das preocupações de Karl
Barth. N ão se pode dizer, sem mais, que K. Rahner propugne uma simples
substituição do term o pessoa. Está bem consciente de que esse term o está
sancionado por um uso m ultissecular150.15Mas ao mesmo tempo está cons
ciente das dificuldades que derivam do fito de que, no modo norm al de
entender a noção, dada a evolução histórica das palavras que a Igreja não
pode controlar, a expressão “três pessoas” pode ser equivalente a três cen
tros distintos de consciência e de atividade, o que levaria a um entendi
mento herético do dogma. Deve-se evitar que se considerem as três pes
soas em Deus como três subjetividades, o que levaria ao tríteísmo.
A partir dessa preocupação de não cair no tríteísm o, mas respeitando
a peculiaridade de cada um a das pessoas, desenvolve K. Rahner seu esboço
de teologia da Trindade.
Conseqüente com seu axioma fundamental, Rahner parte da idéia de
que, caso Deus queira comunicar-se aos homens, é o Filho que há de apa
recer historicam ente na carne como homem, e tem que ser o Espírito o
que opere a aceitação da dita comunicação na fé, na esperança e no amor
por parte do mundo. Tudo isso pressupõe a liberdade de Deus, mas se
Deus livremente quer autocomunicar-se já não é “livre” para fazê-lo de
outro modo, porque então a autocomunicação não nos diría nada sobre o
Pai, o Filho e o Espírito SantoIsl.
D ado que a comunicação de Deus ao homem tem de tomar em con
sideração a estrutura deste últim o, pode-se assinalar quatro duplos aspec
tos (reduzidos depois a dois modos fundamentais) que deverão estar pre
150. El Dios trino como fundam ento..., MySal2/1,387: “O term o ‘pessoa’ é um feto:
encontra-se sancionado pelo uso de mais de mil e quinhentos anos; ainda não existe um
termo que seja realmente melhor, que todos possam entender e que se preste menos a felsas
interpretações. Portanto, será m elhor conservar esse nom e, embora sabendo que... não se
acomoda, nem m uito menos em todos os aspectos à expressão do que se deseja afirm ar”;
Cf. ibid., 341; também Trindade em SM VI, 758. Cf. B. J. HILBERATH, Der Personbegriff
m der Trmitãtstbeologjie in RMckjrage von Karl Rabner zu Tertulians “Adversas Praxean ”,
Innsbruck, 1986; W A A ., La teologia trmitaria de Karl Rabner, Salamanca, 1988.
151. El Dios trino como fundamento..., 419ss.
280
"TRINITAS IN UNITATE" A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
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D A “ECONOM IA" À “TEOLOGIA"
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“TRINITAS IN UNITATE”. A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES. AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
vería interpretar que o “tu ” que é o Pai para Jesus segundo os evangelhos
(cf. M t 11,25; Mc 14,36 par. etc.) é consequência da encarnação.
Segundo Rahner, por conseguinte, a subsistência como tal não seria
por si mesma “pessoal” no sentido atual da palavra, isto é, não seria centro
de atividade. O autor alemão inspira-se na definição de Sto. Tomás,
“subsistens distinctum in natura rationali” para propor a fórmula “o Deus
único subsiste em três modos distintos de subsistência” (em alemão,
Subsistenzweisé). A partir de seu axioma fundamental, que já conhecemos,
Rahner observa que “a autocomunicação única do Deus único tem lugar
em três modos distintos, nos quais se dá em si mesmo o Deus único e
idêntico... Deus é o D eus concreto em cada uma dessas formas de dar-se,
que naturalmente têm relações mútuas entre si, sem fusionar-se modalis-
ticam ente”*157. O que significa subsistir ilumina-se a partir daquele
ponto da própria existência em que nos encontramos com o primeiro e o
último dessa experiência, com o concreto, irredutível, inconfundível e
insubstituível... Aqui se confirma de novo nosso axioma fundamental: sem a
experiência histórico-salvífica do Espírito-Filho-Pai não poderá conceber-se
nada como o Deus único em seu subsistir distinto158.
283
DA "ECONOMIA" À -TEOLOGIA"
284
"TRINITAS IN UNITATE" A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
162. KASPER, op. cit., 366; M ILA N O , op. cit., 2 4 9 .0 m étodo transcendental, que
parte do sujeito hum ano, não ajuda Rahner a abrir-se aos três “sujeitos” em Deus. A influência
da doutrina psicológica da Trindade é clara. 'Ièria também contribuído essa teologia para
eliminar o “nós” da teologia trinitária? C f as observações de RATZINGER sobre Agosti
nho, e sobretudo Tbmás de Aquino, Zum Personverständnis in d er Theologie, in Dogma
und Verkündigung, M unique-Friburgo, 1973, 205-223,
163. Cf. KASPER, op. d t., 366; cf. também GRESHAKE, op. d t , 141-150.
164. Cf. KASPER, op. d t , 352; ROVIRA BELLOSO, op. d t., 626,634ss. As pro
postas term inológicas de Barth e de R ahner foram criticadas tam bém do ponto de vista
pastoral; assim KASPER, op. d t., 351: “N ão se pode invocar, adorar, glorificar um distinto
modo de subsistênda”. Cf. também J. O ’D O N N ELL, The mytery of the Triune God, London,
1988. 104.
285
DA “ECONOMIA" À TE O L O G IA "
165. Cf. Trinität und Reich Gottes. Zur Gotteskbre, M unique, 1980, 161.
166. Cf. Ibid. 154-166. W. Kasper foi notavelmente influenciado por M oltmann em
sua crítica a K. Rahner.
167. A palavra usada por M oltmann é Emigkeit (e também Vereinigung) e não Einheit.
Parece querer insinuar com essa term inologia um elemento dinâmico, p o r isso traduzi por
“união” e não por “unidade”. Seria possível também pensar em unificação.
168. Trinität und Reich Gates, 167.
286
"TRINITAS IN UNITATE*. A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS R EIA ÇÕ ES. AS PESSOAS DIVINAS
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DA “ECONOMIA“ À "TEOLOGIAr
288
TR IN ITA S IN UNITATEV A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DM NAS
289
DA "ECONOMIA" À "TEOLOGIA”
183. BOURASSA, op. c it, 719. Ver também para o que precede, 717;720; do mes
m o, La Trinità, em K. H . N EU FELD , op. cit., 337-372, esp. 352-353: “A consciência de
si exercida pessoalmente por cada uma das pessoas divinas é, por cada um a, a consciência
de ser Deus, e isso é comum com as outras pessoas e a consciência de si como distinta das
outras, mas em uma relação de toda a própria existência ao outro... Isso significa um a vida
divina vivida por cada pessoa, divinamente, portanto unicamente, infinitam ente e total
m ente para o outro”. “Essa consciência pessoal de uma existência vivida para o outro, em
uma reciprocidade tão total e infinita, é o ápice da unidade”.
184. Cf. H . M Ü H LEN , Der HeiUge Geist als Person in der Trinität in der Inkarnation
und im Gnadenbund, M ünster, 1963, esp. 100-168; cf., do mesmo, Una mystica persona, Mu-
nique-Paderbom -Viena, 31968,196-200: o E spírito Santo é uma pessoa em duas pessoas
no seio da Trindade, o que corresponde à fórmula edesiológica que o autor propugna: uma
pessoa em muitas pessoas.
290
TRINITAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
observa agudamente que “Nós” não pode ser nunca o plural da primeira
pessoa, porque esta, a rigor, não tolera o plural. “Eu” há um só, mas pode
haver muitos Vós, ou muitos eles. “N ós” é ao mesmo tempo o plural da
primeira e da segunda pessoa, o plural do Pai e do Filho. O matrimônio
dá uma imagem desse “N ós”: o m atrim ônio não é nem teu nem meu, mas
nosso. Mühlen coloca-se sem dúvida na tradição da teologia ocidental que
viu o Espírito Santo como o amor mútuo do Pai e do Filho e a expressão
de sua unidade, como já ocorre em Agostinho e em grande parte da tradi
ção ocidental. Embora reconhecendo a validade de sua intuição, alguns
críticos questionaram se Mühlen justificou a exclusividade da aplicação
dos pronomes ao Pai e ao Filho, e o que é que esses nos dizem sobre as
propriedades pessoais do Pai e do Filho. N ão poderia aplicar-se também
ao Espírito Santo? Além disso, se esse é o “N ós” do Pai e do Filho, não fica
desfigurada sua propriedade pessoal?185
Também J. Ratzinger usou uma metáfora parecida, introduzindo tam
bém a idéia da pluralidade de sujeitos e o diálogo em Deus:
O conceito de pessoa exprime desde sua origem a idéia do diálogo e a Deus
como a essência dialogai. Indica a Deus como a essência que vive na palavra
e subsiste na palavra como Eu, Tu e Nós. Desse conhecimento de Deus re-
vela-se ao homem, de modo novo, sua própria essência186.
185. Cf. por ex., MILANO, op. dt., 256s; GRESHAKE, op. d t., 163; 194. GONZÁLEZ,
op. d t., 198ss. Voltaremos sobre o tema ao tratar da pessoa do Espírito Santo.
186. RATZINGER, op. d t., 210.
187. Ibid. 213, cf. também RATZINGER, Introducdón al cristianismo, Salamanca,
1971, 151-153; 159: “O eu é ao mesmo tem po o que tenho e o que menos m e pertence...
Um ser que se entende verdadeiramente com preende que em seu ser mesmo não se per
tence, que chega a si mesmo quando sai de si mesmo, e volta a orientar-se com o referênda
à sua verdadeira originalidade”.
188. Cf. Personvertandnis..., 222.
291
DA "ECONOMIA" À "TEOLOGIA"
292
TRINfTAS IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES. AS RELAÇÕES. AS PESSOAS DIVINAS
193. Pode-se falar nesse sentido de um a certa linha de consenso. Ver, além dos autores
já citados, M ILANO, op. d t, 242-246; J. M . NICOLAS, De la Trrnití à la Trmité. Syntbèse
âognatique, Freiburg, 1985, 147s: há três conscientes e livres, m as uma só consdênda;
GRESHAKE, op. d t., 122: “H á em Deus uma consdênda, um amor, um agir livre, mas
todos esses atos não são realizações da natureza, senão dos sujeitos pessoais, isto é, os sujeitos
dessas ações são três autoconsdêndas, três centros do conhecimento, três liberdades...” Pes
soalmente, prefiro formular “três autoconsdentes, três livres etc.”, para dar mais relevânda
à pessoa. Pode-se legitimamente duvidar da oportunidade do uso das categorias de “sujeito”,
de eu e tu em Deus na Trindade imanente; bastaria falar da realidade em autopossessão; assim
se expressa GONZALEZ, op. d t , 194, inspirado nas categorias de X. ZUBIRI, embora
naturalmente acrescente que essa autopossessão dá-se em plena comunhão e na entrega total
de um as pessoas às outras. Ainda que bem consciente da dificuldade, prescindo em minha
exposição dessas precisões porque, se na economia da salvação as pessoas aparecem como um
eu e um tu, deve-se pensar que há algo na Trindade imanente que corresponde a esse modo
de dar-se a conhecer o Pai, o Filho e o Espírito na economia salvífica.
194. Cf. W ERBICK, op. d t,6 5 2 ; GRESHAKE, o p .d t, 184s; ROVIRA BELLOSO,
op. cit., 636; a intim idade e a relação são um e o mesmo.
293
DA “ECONOM IA” À “T E O L O G IA ”
294
TR IN ITA S IN UNITATE". A VIDA INTERNA DE DEUS: AS PROCESSÕES, AS RELAÇÕES, AS PESSOAS DIVINAS
196. “Quae non triplex, sed Trinitas et dici et credi debet. N ec recte dici potest, u t
in uno D eo sit Trinitas, sed unus Deus Trinitas” (DS 528): inspira-se em A G O STIN H O ,
Trm V I 7,8 (CCL 50,238); cf. V E 1,2 (249); o mesmo Concílio: “nec m inoratur in singulis
nec augetur in tribus” (DS 529); “nec recedit a num ero, nec capitur numero” (530). Tam
bém é interessante a precisão de PIO VI na bula Auctoremfidei de 1794: Deus é “um em três
pessoas distintas”, mas não “distinto em três pessoas” (DS 2.697). Numerosas intervenções
repetiram essas idéias: cf. E ntre outros lugares DS 470; 490; 501; 800; 803s., o Lateranense
IV, contra Joaquim de Fiore; 1880... Pode-se ver m aterial sobre a dificuldade que desde os
tem pos antigos suscitou o “núm ero” em Deus em BALTHASAR, Tbcologik III. Der Geist
der Wahrheit, Einsiedeln, 1987, llOss. Cf. AMBRÓSIO de Milão, De Spiritu Soneto I I I 13
(CSEL 79,189): “Quomodo pluralitas recipit imitas divinitatis, cum pluralitas numeri sit,
num erus autem non recipiat divina natura”; BASILIO de Cesaréia, de Sp. sane., 18,44-46
(SCh 17bis, 402-410), cada hipóstase é nomeada por si mesma.
295
10
O Pai, o Filho e o Espírito Santo
297
DA “EC O N O M IA " À TEO LO G IA "
dência das outras duas pessoas. Sabemos já tam bém que quando o Novo
Testam ento fala de Deus refere-se em geral, em bora não exclusivamente,
ao Pai1. Como não há um a essência divina anterior, é claro que se fala
sobretudo dele quando se fala do Deus infinito, eterno, onipotente (cf. o
C redo). W . Kasper acentua isso fortem ente2. Mas fizeram-se reparos a
essa concepção. C ertam ente, não para negar os dados bíblicos, mas para
fazer v e r que, à luz da revelação cristã, Deus Pai não existe nunca sem o
Filho e o Espírito Santo; as afirmações veterotestam entárias sobre Deus
não podem ser com preendidas como referidas de modo exclusivo à pri
meira pessoa3. D e todas as maneiras permanece a identificação pessoal
do Pai de Jesus com o D eus do Antigo Testamento. Tudo o que se diz de
Deus com o fonte última de tudo o que existe fala-nos sobretudo do Pai.
Mas não podemos considerar essas afirmações referidas exclusivamente a
ele, já que não é o princípio de tudo o que existe com independência da
mediação do Filho, e da perfeição que o Espírito Santo concede a tudo.
D eus manifesta-se como Pai, como já sabemos, na vida de Jesus, e
sobretudo em sua ressurreição dentre os mortos. Cremos que Deus ressus
citou Jesus e com esse fato m ostrou de modo definitivo e irrevogável sua
paternidade (cf. Rm 10,9; F1 2,11; At 13,32-33; entre outras passagens).
Nosso estudo das afirmações fundamentais do Novo Testamento, da teo
logia patrística e do magistério já nos puseram em contato com as princi
pais afirmações referentes ao Pai. Agora devemos recolher e com pletar
esses dados de modo mais sistemático4.
298
O PAI. 0 FILHO E O ESPÍRITO SANTO
5. GREGÓRIO N azianzeno, Or. 2,38 (SCh 247,140). Cf. A G O STIN H O , Trm IV,
20,29 (CCL 50,200): “to tíu s divinitatis vel si melius dicitur deitads principium pater est”.
6. GREGÓRIO N azianzeno, Or. 30,7 (SCh 250,240), o Pai é m aior (cf. Jo 14,28)
refere-se à causa, porém que o Filho é igual (cf. Jo 10,30) refere-se à natureza. Já nos
referim os em diversas ocasiões à interpretação de Jo 14,28 pelos autores nicenos. O Pai é
m aior enquanto princípio, mas o Filho não é m enor enquanto recebe tudo dele. A pater
nidade divina mostra-se precisamente na doação plena da divindade. Cf. tam bém AGOS
T IN H O , Trm IV 20,27; V I 3,5 (CCL 50 195.233). ATANÁSIO, C. Arian. 1 20; ffl 6 (PG
26, 53. 333), o Pai só o é em relação do Filho.
7. Cf. G REG Ó RIO Nazianzeno, Or. 30,2 (SCh 250,178). Cf. também BASILIO de
Cesaréia, de Sp. Sane. 18, 45 (SCh 17 bis, 404-406).
299
D A “ECONOMIA" À "TEOLOGIA”
8. GREGÓRIO de Nissa, Quod non sunt tres dei (JAEGER, UI, 156) Contra Eunomium
I, 497 (JAEGER, I, 170).Fala-se nesses textos do prós emai, do tropos tes bipartbeos. Cf.
também C IR ILO de Alexandria (PG 75,185B) o Filho ao existir como propriedade mesma
da essência do Pai, leva em si o Pai p o r com pleto.
9. Tomás de Aquino, STb 133,1 ad 2: “Quia licet attribuamus Patri aliquid auctoritatis
ratione principii, nihil tamen ad subiecrionem vel minorationem quocumque modo pertinens,
attribuimus Filio vel Spiritui Sancto”.
10. Cf. DS 490; 525; 568. Para os tempos mais recentes cf. LeãoX H I, enc. “Drvmum
Mud munus, do ano 1897 (DS 3.326).
11. Cf. DS 60; 75 (Quicumqne), 441; 470; 490; 525; 569; 572; 683; 800 (LATERA-
N E N SE IV ); 1330s (Florentino). Ver também 1862, Pnfessio fidei tridentina.
12. Cf. HILÁRIO de Poitiers, Trm II 6 (CCL 62,43): “Ipse ingenitus, aetemus, habens
in se semper u t semper sit” (Cf. LADARIA, Dios Padre en H ilario de Poitiers, EstTrin. 24
(1990) 443-479,446s. Já falamos dos capadócios no capítulo dedicado à história.
13. Cf. BOAVENTURA, In ISent. 29, dub. 1; Brtvüoquium 1 3,7: “Inascibilitas in Patre
ponit fontalem plenitudinem”. G . Y. CONGAR, EI Espiritu Santo, Barcelona, 1983 57 ls.
14. Cf. STb I 33, 4 ad 1.
300
O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
15. STb I 33,3: “Per prius patem itas dicitur in divinis secundum quod im portatur
respectus personae ad personam”.
16. STb 1 45,6: “Processiones divinanun personarum sunt causa creationis”.
17. STb I 33,2; a esse artigo refere-se já o que precede.
18. Ibid., corpus. Também 142,4 ad 2; 140,4 ad 1: “quia P ater est, générât”: a relação
é prévia ao ato nocional, como a pessoa precede à ação.
301
DA “EC O N O M IA ' À “TEOLOGIA"
302
O PAI, 0 FILHO E O ESPÍRITO SANTO
mento e da vontade. São atos nocionais, próprios de cada uma das pessoas.
Portanto, embora o Pai gere o Filho de sua substância (ou, mutatis mutandis,
expire o Espírito Santo), a geração e a expiração são atos do Pai. Devemos
recordar a esse propósito um texto fúndamenéd do Concílio IV de Latrão:
Em Deus existe só a Trindade, não uma “quatemidade”, porque qualquer das
três pessoas é aquela realidade (res), isto é, a substância, essência ou natureza
divina: a qual é o único princípio de todas as coisas, fora da qual não se pode
encontrar outro. Porém aquela realidade não gera, não é gerada e não pro
cede, senão o Pai é que gera, o Filho é que é gerado, e o Espírito Santo o que
procede, de tal maneira que haja distinções nas pessoas e unidade na natureza
(DS 804).
24. BALTHASAR, Tbeologik II. Wabrbdt Gotta, Einsiedeln, 1985, 123; cf. ROVIRA
BELLOSO, Tratado de Diosmoy trino, Salamanca, 1993, 593.
303
D A "EC O N O M IA ' À "TEOLOGIA*
Tudo isso tem seu interesse atual porque, por uma parte, a definição
da pessoa divina como relação foi contestada25. Além disso, em concreto,
a dificuldade aparece com especial gravidade em relação ao Pai. "O Pai...
não pode ser constituído a partir de uma relação. Tèm de ser constituído
por si mesmo.”26 A razão é que não procede de nenhuma outra pessoa. E
com efeito, como no Pai está a origem e a plenitude da divindade, à pri
meira vista parece coerente que essa posse original da divindade seja ante
rior a seu ser pólo de uma relação pessoal. Assim se expressa Y. Congar,
sem insistir especialmente nisso27. Outros autores católicos, com diferen
tes matizes, no legítimo intento de acentuar a posição do Pai como fonte
25. Recordemos o que foi dito a propósito de J. MOLTMANN, para quem a iden
tificação da pessoa com a relação de Sto. Tomás seria, no fundo, modalista: Cf. Trmitat und
Reicb Gottesy Munique 1980, 189.
26. M OLTMANN, op. cit., 182.
27. CONGAR, La Parola e il Soffio, Roma, 1985,138: aO Pai é a fonte da divindade,
antes de ser (logicamente falando) pólo de oposição pessoal. E o que confessa o Símbolo:
C reio em Deus (divindade fontal) Pai onipotente”. N aturalm ente podemos perguntar se o
Pai não é fonte da divindade precisamente enquanto pólo das relações. Cf. mais adiante.
304
O PAI, 0 FILHO E 0 ESPÍRITO SANTO
28. Cf. G . GIRONÉS, La divina arqueologia, Valência, 1991, 25: “A origem de tudo
é o Pai, não da Trindade em si mesma, como drcu lo fechado de sua própria reciprocidade.
Isso quer dizer que o Pai explica e justifica sua existência por si mesmo, sem referência ao
Filho e ao Espírito Santo”; 31: “A pessoa do Pai está pois constituída p o r sua livre abertura
a toda comunicação (de amor), a toda relação a outro. Tem essa faculdade originariam ente (sem
dependência alguma) mas não teria sido reconhecido se não se expressasse em um diálogo
com o Filho e o Espírito Santo, e com as mesmas pessoas da criação”; 43: "... o Pai eterno
é princípio de tudo de uma dupla maneira: absoluta e relativa. É o princípio absoluto en
quanto sua pessoa é a original identidade com a essência divina; é o princípio relativo
enquanto livremente se quis comunicar, constituindo os ‘O utros’ como term o de relação”.
Ver também 21-31; 37-44. Alguns teólogos ortodoxos falam do Pai em termos que ao
menos à prim eira vista são semelhantes. Ver Y. SPITERIS, La doctrina trinitaria nella
teologia ortodossa. A utori e prospettive, in A AMATO (ed.) Trinità in contexto, Roma,
1993, 45-69.
29. O pção não isenta de problemas, como já insinuamos. Cf. PANNENBERG, Teo
logia sistemática, M adrid, 1992,1, 353, que questiona em concreto (Ibid. n 204) se Kasper
leva suficientemente em conta que a idéia de Deus como Pai está condicionada desde o
princípio por sua relação com o Filho. Em seguida trataremos da posição de Pannenberg
sobre este ponto.
30. Cf. Der Gottjesu Cbristi, 195, também 192: Deus é a liberdade e a pessoa absoluta.
31. Cf. Ibid., 195-196.
305
DA ‘ ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
N esse panorama atual nos deparamos, com efeito, com alguma posi
ção que parece radicalmente oposta à que acabamos de expor. Assim, W.
Pannenberg opõe-se à diferenciação das pessoas em D eus segundo suas
relações de origem . Pensa que esse modo de proceder leva a posições
subordinadonistas, pois por uma parte coloca o Pai como princípio e fonte
da divindade, e, por outra parte coloca as outras duas pessoas cuja divinda
de está subordinada à do Pai e dela depende. Esse tinha sido o caminho
seguido pela patrística grega e também pela teologia ocidental, a partir de
Agostinho, que, com sua analogia psicológica, interpreta o Filho e o Espí
rito Santo como expressões da autoconsdênda e da auto-afirmação do
Pai32. P or outro lado, observa o mesmo autor, do ponto de vista bíblico a
noção de “geração” não mostra com clareza a pertença de Jesus ao mundo
de Deus; põe-se em relação antes com o momento do batismo de Jesus, em
que ele inicia sua atuação pública. Mais importância teriam nesse sentido
as passagens que se referem ao envio do Filho ao mundo por parte do
Pai33. Mas os term os de origem não dão conta com justiça da reciprocidade
das relações entre as pessoas divinas34. Pannenberg apóia-se sobretudo em
Atanásio, que insiste muito (mas evidentemente não é o único a fazê-lo)
em que sem o Filho o Pai não é tal: a divindade do Pai estaria por conse
guinte “condicionada” ao Filho35. Não podemos falar de Deus Pai sem
Deus Filho, e tampouco sem Deus Espírito Santo.
306
0 PAI, 0 FILHO E O ESPÍRITO SANTO
307
DA “ECONOMIA" À "TEOLOGIA"
37. Ibid. 354; também 358ss. PANNENBERG rejeita a idéia do devir em Deus na
história, mas na p. 359 escreve: “A divindade etem a do Deus trinitário, como também à
verdade de sua revelação, falta ainda sua confirmação na história”; e na p. 360: “a consu
mação da história é que decide sobre a dita verdade”. Sobre a concepção da história de
Pannenberg, que determ ina em grande medida essas idéias sobre a confirmação da verdade
de Deus, cf. entre outros escritos, La revelación como historia, Salamanca, 1977; D er G ott
der Geschichte. D er trinitarische G ott und die W ahrheit der G eschichte, in Grundfragen
systematischer Theologie, G öttingen 1980, vol. 2, 112-128.
38. ID ., Teologia sistemática, 1 424.
39. Cf. G. GRESHAKE, Der dreieine Gott. Eine trinitarische Theologie, Freiburg-Basel-
wien, 1997, 190ss.
308
O PAI, O FILHO É O ESPIRITO SANTO
unitário, mas hoje já não seria. Por isso Greshake mostra-se crítico em
relação à corrente fortem ente representada na teologia católica que fez
partir a teologia trinitária do Pai como princípio e fonte da divindade, do
qual procedem o Filho e o Espírito40. Não há na Trindade uma linha uni
lateralmente descendente, porque o Pai recebe do Filho o ser Pai, nenhum
dos dois existe sem o Espírito, que se recebe a si mesmo como relação do
Pai e do Filho e glorifica a ambos41. Contudo, Greshake está bem consciente
da peculiaridade da pessoa do Pai, que vê em ser ele dom original (Ur-Gabe),
o que significa que é o que dá à comunhão trinitária seu fundamento e sua
consistência, que a mantém e sustém como uma. Mas insiste que isso não
significa que o Pai seja o princípio de um processo genético, mas que essa
posição da primeira pessoa é pensável somente em relação com as outras
duas pessoas e nunca com independência delas42. De fato podemos indagar
se a concepção clássica das processões, enquanto se coloca em última re
lação com as relações constitutivas das pessoas, não acentuou também uma
posição permutável delas quanto às características de dar e receber de cada
uma delas. O Pai, como seu nome relativo indica, não pode ser pensado
sem o Filho (e sem o Espírito Santo).
Essas posições de teólogos ocidentais recentes, que tendem a reduzir
o valor das “processões” intratrinitárias, e portanto a relativizar a afirma
ção clássica do Pai como origem e fonte da divindade, têm de certa manei
ra um precedente no teólogo ortodoxo russo S. Bulgakov43. Para ele é um
erro falar das processões em termos de “produção”. N ão se deve colocar a
questão da origem, porque na Trindade ninguém a tem, todas as pessoas
são igualmente eternas, e por outra parte falar de origem lógica mas não
cronológica é para ele tuna solução que não convence. O Pai portanto
não é “causa” — essa noção não existe no divino. Cada pessoa se autodetermina
e produz a si mesma44. O s nomes designam as correlações concretas entre
as hipóstases: a paternidade não se limita à geração; além disso deve-se te r
presente que as relações são sempre trinitárias, não basta para definir o Pai
309
D A “ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
a relação com o Filho, senão que tem de entrar também o Espírito Santo41.
Assim o Pai é relativo ao Filho como o que o gera, e relativo ao Espírito
Santo como o que o expira. Bulgakov reage também contra a idéia de “co-
num erar” as processões: a geração e a expiração não têm um denominador
comum de processão. Cada uma delas é o que é. Só assim se vê que tudo
está em relação com os três; com as duas processões cinde-se um ato
trinitário único.
Mas, ao mesmo tem po em que reage contra essa questão de origem,
o teólogo russo insiste muito fortem ente na primazia do Pai e em seu
posto especial: é o centro ontológico e lógico da união que forma os três
centros hipostáticos da Trindade, é o que se revela nas outras hipóstases.
P o r isso a hipóstase inicial44, fundamental, é propriamente o sujeito, as
outras duas são predicado e cópula4 47.
645 O Pai tem assim um aspecto fixo, é
sem pre o primeiro, enquanto os postos da segunda e da terceira hipóstases
seriam reversíveis48. O Filioque sobre o qual Bulgakov mostra-se relativa
m ente aberto viria contudo privar o Pai dessa posição peculiar de ser o
único que se revela, enquanto os outros dois revelam-no a ele49.050 que são
a segunda e terceira hipóstases depende assim do que é o Pai e a outra
hipóstase co-reveladoraso. Naturalmente não é esse o momento de dar um
juízo sobre toda a teologia trinitária de Bulgakov, decerto hem complexa.
Ficamos com o fato de que não se pode entender o Pai sem as outras
pessoas, e portanto sem a relatividade que lhe é própria. A característica de
“hipóstase inicial’’ do Pai resulta claramente em relevo, e apesar da crítica
a certas maneiras de entender as processões divinas continua-se a usar as
noções de geração e de expiração.
45. Ibid., 291ss. O problem a das processões e das relações significa para Bulgakov o
prim ado da natureza sobre as hipóstases. Porém no ser tri-hipostático de Deus não há
nenhum neutro, não se dá o “isso”.
46. Cf. Ibid., 139; 136ss, contra a idéia de causalidade.
47. Cf. Ibid., 284, 356.
48. Ibid., 162s.
49. Ibid., 285ss.
50. Ibid., 303ss.
310
O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
51. "Quod enim Pater est, non ad se, sed ad Fîlium est: et quod Filius est, non ad se,
sed ad Patrem est; sim iliter et Spiritus Sanctus non ad se, sed ad Patrem et Filium relative
refertur, in eo quod Spiritus Patris et Filii praedicatur.” (DS 528). E também "... quia nec
Pater sine Filio, nec Filius aliquando existit sine Pâtre. E t tarnen non sicut Filius de Pâtre, ita
Pater de Filio, quia non Pater a Filio, sed Filius a Pâtre generationem acceptf...” (DS 526).
311
DA 'E C O N O M IA À “TEOLOGIA”
52. Cf. PANNENBERG, op. d t , 339; apesar das reservas sobre a idéia de processão,
resulta evidente a inidativa do Pai.
53. C f BALTHASAR, op. d t, 128. C f a continuação 130: esse amor não é cego,
senão mais sábio do que se possa pensar.
54. C f RAHNER, Grundkurs des Glaubens, Freiburg-Basel-W ien, 1976, 217-219.
55. COADSSIO TH EO LO G ICA INTERNATIONALIS, Teologia-C ristologia-
Antropologia, Greg 644 (1983) 5-24,23, há íntima correspondênda entre o dom da divin
dade do Pai ao Filho e o dom do pilho ao abandono da cruz. C f BALTHASAR, op. d t,
259; Tbeodramaúk IV. Das Endspiel, Einsiedeln 1982, 106s.
312
O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
56. BALTHASAR, Tbeologik III. Der Geia der Wabrbeü, 404: “O Pai divino é mais
que ‘benevolência’, ‘fidelidade’, ‘misericórdia’, isto é, é amor substancial em si mesmo (e
não só diante da criatura), para o qual necessita do amado gerado na autodoação, e para
demonstração do perfeito desprendimento da unidade dos dois necessita também do ‘ter
ceiro’, o fruto e o testemunho do amor que gera e agradece”. Cf. também Ibid., 406; Ibid.,
145: “A doação eterna dá-se a entender como um ato de amor impensável, que o Filho
como tal recebe, e não passivamente como o Amado, senão que, dado que ele como Amado
do Pai recebe sua substância, ao mesmo tem po é amante como o Pai, amante em corres
pondência que responde de todo ao amor do Pai, preparado para tudo no amor”. O Pai só
pode ser na eterna correspondência do Filho e do Espírito Santo.
57. V. LOSSKY, citado por B. BOBRINSKOY, Le mystíre de la Trinité, Paris, 1986,
268s.
313
DA "ECONOM IA" À “TEO LOG IA'
314
O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
59. Cf. por exemplo, In Job. X X X II10, 121 (SCh 385, 240) o Filho da bondade
paterna e de seu amor. C f A. ORBE, Hacia laprimera teologia de laprocesián dei Verbo, Roma,
1958. 398ss.
60. Trin V m , 10,14 (CCL 50,290s); a correspondência do amor por parte do Filho
expressa-se em V I 5,7 (236) “unus diligens eum qui de illo est e t unus diligens etim de quo
est e t ipsa dilectio”.
61. RICARDO de São Vítor, Trin. m 7 (SCh 63,180ss).
62. E chega a dar tudo para dar tudo com o Filho (processão do E spírito Santo, do
Pai e do Filho na visão ocidental). Cf. BALTHASAR, Tbeohpk U, 150s.
315
DA “ECONOMIA" À “TEOLOGIA“
63. Ibid., 130: "Desse amor abissal que tudo funda, deve-se dizer ao mesmo tem po
que é tudo menos cego; mais ainda que é o mais sábio e com isso o últim o sentido de todo
saber e de toda razão”.
64. Theodramatik IV Das Endspiel, 106ss: “Deve-se dizer que essa (kenose da obediên
cia),... encontra-se fundada na kenose das pessoas eternas, um as em relação às outras, como
um aspecto entre os infinitos aspectos reais da vida eterna”. Cf. também Teodramática IV, La
acción, M adrid, 1995, 300-304; Teodramática II, Laspersonas dei drama, 272 etc. Sobre esse
aspecto do pensam ento de von Balthasar, ver P. GILBERT, Kenose et ontologie, em M . M .
O LIV ETTI (ed.) Philosophie de la religjon entre étbique et ontologie, Pádua 1996, 189-200,
esp. 190-195. J. W ERBICK, G ottes D reieinigkeit denken? H . U. von Balthasar Rede von
den göttlichen Seihstentäusserung als M itte des Glauben und Zentrum der Theologie,
TbQ 147 (1996) 225-240; V. H O LZER, Le Dieu Trinkt dans Pbistoire. Le differend tbéologique
Bakbasar-Rabner, Paris, 1995, 238ss; P. MARTTNELLI, II mistero delia morte in H. U. von
Balthasar, M ilão, 1996,342-351. G . MARCHESL, La cristologia trmitaria de H. U. von Bal
thasar, Brescia, 1997, 516-535. Como ele mesmo indica, Balthasar tom a a idéia de BUL
GAKOV, Le Verbelncamé, Paris, 1943. Cf. Teodramática, IV, 253; 289ss. 300. Sobre Bulgakov,
cf. P. CODA, L’altro di Dio. Rivelazione e kenosi in Sergej Bulgakov, Roma 1998. làm bém
Evdokimov tinha exposto idéias semelhantes.
65. Teodramática Hl, 468.
316
O PAI. O FILH O E O ESPÍRITO SANTO
317
DA 'E C O N O M IA ' À "TEOLOGIA“
titui a vida divina da Trindade. Que o Filho morra na cruz, e nisso entregue-se a si mesmo,
está incluído em sua obediência etem a, pela qual se entrega ao Pai segundo todo o seu ser,
mediante o E spírito que recebe do Pai. A criação está salva e purificada na eternidade no
sacrifício do Filho, que é o fundam ento que a sustenta”.
72. Ibid.: “O Pai ama o Filho com amor paterno, que produz. O Filho ama o Pai com
um amor que responde, que se subm ete”. Cf. também GRESHAKE, op. d t., 208.
73. Cf. en tre outros, as observações que fazem às teses de von Balthasar, H . V O R-
GRIM LER, Doclrina teológica de Dios, Barcelona, 1987, 193-194; L. SCHEFFCZYCK,
Der GottderOffènbarung. Gotteslebre, Aachen, 1996,409-410; HOLZER, op. d t., 238; 257;
GRESHAKE, op. d t., 280s., que faz no tar também como em outros momentos de sua obra
o próprio von Balthasar relativiza essa tese. Creio que é m elhor, como faz o Novo Testa
m ento, reservar a terminologia da kenose ao esvaziamento de si do Filho na encarnação, sem
querer projetá-la em um evento trinitário original ao qual não tem os nenhum acesso direto
que nos garanta a perfeita correspondênda com e economia. Também aqui devia-se aplicar
o que foi dito sobre a “segunda parte” do “axioma fundam ental” de K. Rahner (cf. c. 2).
O utros usos analógicos do term o kenose referidos, por exemplo, ao certo ocultam ento de
Deus na criação, ou ao “anonimato” do Espírito que atua na Igreja sem fazer-se visível,
oferecem mais semelhança com a kenose histórico-salvífica do Filho a que explidtam ente se
refere o Novo Testamento.
74. COM ISSIO THEOLOGICAINTERNATTONALIS, op. d t., 19.
75. Ibid. 11; O texto continua: “Portanto, os grandes acontecimentos da vida de Jesus
expressam para nós manifestamente, e fazem eficaz de um m odo novo, o colóquio da ge
ração eterna em que o Pai diz ao Filho: ‘Tu és meu Filho, hoje te gerei’ (SI 2,7 cf. At 13,33;
318
O PAI. O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
H b 1,5; 5,5 e Lc 3,22)”. Também, ibid., 23: “o dom da divindade do Pai ao Filho tem uma
íntim a correspondência com o dom do Filho ao abandono da cruz”. Ver no ta 55.
76. Cf. R. SCHNACKENBURG, El evangelio según um Jutm I, Barcelona 1980,
306-308.
77. Cf. Der Gottjesu Cbristi, 230ss.
319
D A “ECONOM IA” À “TEOLOGIA”
320
0 PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
86. Ado. Haer. IV 6,6 (SCh 100, 450): “invisibile etenim Filii Pater, visibile autem
Patris Filius”; Ibid., 6,7 (452s): “Agnitio enim Patris Filius, agnitio autem Filii in Patre et
per Filium revelata”.
87. Ped. I 57,2 (FP 192-193): “O rosto de D eus é o Logos, por m eio do qual se faz
visível e é conhecido”. Também em Strom. V 34,1 (SCh 278,80); VH 58,3 (GCS 17,42);
Exc. Tbeod. 10,5; 12,1; 23,5 (SCh 23,80; 82; 108).
88. Cf. Adv. Prax. XIV 10 (SCARPAT, 182); cf. o conjunto Ibid, XIV-XV lss (178-
186). Cf. nota 14 do cap. 2.
89. HILÁRIO de Poitiers, Tr. Ps. 68,25 (CSEL 22,335): “Form a e t vultus et fades e t
imago non differunt”.
90. Cf. R. CANTALAMESSA, C risto “immagine di D io”. Le tradizioni patritri^hf
su Col. 1,15. Rivista di Storia e Letteratura Religiosa 16 (1980) 181-212; 345-380. SI-
M O N ETTI, Exegesi ilariana di Col 1,15, Vetem Cbristianorum 2 (1961) 165-182.
91. Cf. Um V 13,14 (CCL 5 0 ,220s); VI 2,3 (230s); VH 1,1-2 (245); 2,3 (249s)
92. STb I 35,2: “sicut Spiritus Sanctus, quam vis sua processione acdpiat naturam
Patris, sicut et Filius, non tarnen didtur natus... Q uia Filius procedit u t Verbum, de cuius
ratione est sim ilitudo spedei ad id de quo procedit”.
93. Como já vimos no capítulo 2, não temos p o r que pensar na possibilidade de outra
pessoa encamar-se.
94. Cf. RAHNER, Grundkurs des Glaubens, 213,225.
321
DA "ECONOM IA" À "TEOLOGIA*
95. É evidente que a consubstancialidade com os homens não pode ser numérica.
Jesus é um só Deus com o Pai, mas não é um só homem conosco, por mais que se tenha
unido intimamente a cada um dos homens (Cf GS 22).
322
O PAI, O FILH O E 0 ESPÍRITO SANTO
o ser hum ano, e em cujo seguim ento nos fazemos todos mais hom ens.
N a unidade de seu ser divino-hum ano, Jesus, enquanto ama inteira
m ente a D eus (enquanto é pura resposta de am or ao Pai no Espírito),
pode, de m odo insuperável, entregar-se aos hom ens, para assim fazer-
nos participantes do amor prim ordial com que o Pai o amou (cf. Jo
15,9; G1 2,20; Rm 8,39, entre outras passagens)96.
323
DA “ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
claro que este fato nada tira da maior dificuldade que desde sempre sus
citou o discurso sobre o Espírito Santo98.
Essa dificuldade não começou em nossos dias, e é também antiga a
consciência que dela se tem. Os Padres já advertiram sobre ela. H ilário de
Poitiers não queria comprometer-se para além da afirmação de sua exis
tência e de sua divindade, como também de sua doação aos homens99.
G regório Nazianzeno falava da revelação do Espírito Santo mais tardia do
que a do Pai e do Filho, de tal maneira que só no tempo da Igreja se teria
chegado à sua manifestação clara e distinta100. Para Basílio, o “tropos tes
hyparcheos”, o modo de ser, do Espírito Santo é inefável101.
Sem dúvida, essas dificuldades foram causa em parte do relativo esque
cimento do Espírito Santo e de sua função insubstituível em nossa salvação,
que de fato se produziu em certas épocas, tanto na reflexão teológica como
na piedade do povo cristão102. Essa situação, que se prolongou até tempos
relativamente recentes, não é mais a nossa. O interesse pela pneumatologia
é um signo de nossos tempos. Já tivemos ocasião de verificar que para a teo
98. Sobre o Espírito Santo, além da bibliografia citada, esp. a do capítulo 2, cf. B. H.
HILBERATH, Pneumatologia, Bresda, 1996; DURRWELL, UEsprhSamtde Dieu, Paris, 1983;
LEsprit du Père et du Fils, Paris-M ontréal, 1989; E LAMBIASI, Lo Spirito Santo. Mistero e
presenza, Bologna, 1987; C . E. LAVATORI, Lo Spirito Santo, dono deiPadre e deiFiglio, Bologna,
1987; C. GRANADO, El Spiritu Santo en la teologiapatrística, Salamanca, 1987;MOLTMANN,
Lo Spirito delia vita. Per unapneumatologia integrale, Bresda, 1994; M. WELKER, Spirito di Dio.
Teologia dello Spirito Santo, Bresda, 1995; G. COLZANI (ed.), Verso ima muwa età dello Spirito,
Padova, 1997; V MARALDI, Lo Spirito e la Sposa. Ilruolo ecdesiale dello Spirito Santo dal Vaticano
lalla Lumen Gentium dei Vaticano II, Casale M onferrato, 1997; COMISSÃO TEO LO G ICO -
STORICA dei Grande Giubileo delTAnno Duemila, Del tuo Spirito, Signore, è piem la terra.
Cinisello Balsamo, 1997; J. GALOT, LEsprit Saint, personne de communion, Saint Maur, 1997;
O . González de CARDEDAL, La entraria dei cristianismo, Salamanca, 1997,693-739.
99. Cf. Trin H 29 (C C L 62, 64).
100. Or. 31,26 (SCh 250,326): o Antigo Testam ento anundou manifestam ente o Pai,
enquanto o Filho foi anundado de modo mais obscuro. N o Novo Testam ento apareceu
com clareza a divindade do Filho, enquanto a divindade do Espírito som ente se deixou
entrever. N o tempo atual o Espírito se manifesta de maneira mais clara.
101. De Spiritu Soneto, 18,46 (SCh 18bis, 408). Segundo CIRILO de Jerusalém , Cot.
16, 24 (PG 33, 953) não há que investigar a natureza do Espírito Santo, pois não há que
investigar o que não está escrito. O utros dados obre essas dificuldades dos Padres encon-
tram -se em BALTHASAR, Theologk III, 106s.
102. Impressionante a lista de exemplos aduzidos por CONGAR, El Esphitu Santo,
188ss. Ver também H . M Ü H LEN , Um mystica Persona, M ünster, 1968, 473ss; HILBE
RATH, op. cit., 8ss. N a página 212 indica como causas desse esquecimento: a dificuldade
da Igreja com os movimentos espirituais; o pouco interesse teológico pela vida e a expe
riência espiritual; a acentuação unilateral da unidade da ação das pessoas na atuação história
salvífica; e a separação da Trindade econômica e da Trindade imanente que teria levado ao
“cristomonismo” na teologia ocidental. Igualmente se teria produzido um esquecimento
do Espírito no estudo da graça.
324
O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
logia católica atual é claro que sem a atuação do Espírito Santo não se expli
ca a vida de Jesus103, nem também a da Igreja (cf. L G 4) e a do cristianis
mo104. Nossa breve exposição da teologia do Novo Testamento já nos tinha
persuadido disso. O mais recente magistério da Igreja indicou além disso
que, em relação com a unicidade e a universalidade da obra salvadora de
Cristo, também o Espírito Santo, o Espírito de Jesus, exerce sua função
salvífica para além das fronteiras visíveis da Igreja, associando os homens ao
mistério pascal de Jesus (cf. GS 22; João Paulo D, Redemptcris missio 28-29;
56s; também Dvrnmum et vivificantem , 23; 53). Sem o Espírito Santo nem se
realiza nem produz seus efeitos em nós a salvação que Cristo nos trouxe. A
convicção cristã de que o Espírito Santo é Deus e não criatura funda-se
nessa base. O Espírito Santo acha-se unido ao Pai e ao Filho na fórmula
batismal e nas antigas confissões de fé da Igreja. Sem ele não podemos falar
da “Trindade”. Seguindo de perto o ensinamento do Novo Testamento, a
tradição apresentou-nos o Espírito Santo como o dom de Deus que é Deus
mesmo, o dom por excelência aos homens. Por conseguinte, é de algum
modo a pessoa divina mais “próxima” de nós105, a mais “exterior” de Deus.
Mas, ao mesmo tempo em que é esse transbordamento de Deus em nossa
direção, o Espírito Santo é a expressão da união e do amor do Pai e do Filho,
e, como tal, o mais íntimo do ser divino. O Espírito Santo como dom, o
Espírito Santo como amor foram os dois grandes temas da pneumatologia
no Ocidente106. Devemos ocupar-nos dos dois aspectos, que se encontram
em uma relação mais íntima do que à primeira vista pode parecer. Também
devemos dedicar alguma atenção à questão da “processão” do Espírito.
103. N ão é o momento de repetir tudo o que foi dito nos capítulos precedentes. M as
apontemos como um dado curioso que, segundo o Concílio XI de Toledo (DS 538), Jesus
não só foi enviado pelo Pai, senão tam bém pelo Espírito Santo (cf. Is. 48,16).
104. Evidentemente não podemos entrar aqui nos terrenos da eclesiologia e da teolo
gia da graça.
105. Cf. M Ü H LEN , Der Heilige Geist ab Person, M ünster, 1967, 279ss.
106. Cf. TOMÁS D E A Q U IN O , STb 1 37-38. Nossa exposição a seguir vai dar-nos
ocasião de aludir a muitas das declarações do Magistério sobre o Espírito. Um resum o
sistemático delas encontra-se em D S, 862. Cf. também RAHNER, op. d t., 405s.
107. Encontra-se m aterial sobre a questão ao longo da história em E. LAVATORI,
Lo Espmtu Santo dono dei Padre e dei Figlio, Bologna, 1987.
108. Cf., por exemplo, Jo 14,16; Rm 5,5; Lc 11,13: “... quanto mais o Pai do céu dará
o Espírito Santo aos que lhe pedirem”. O texto paralelo de M t 7,11 diz que dará “coisas boas”.
325
DA “ECO NO M IA" À “TEO LO G IA "
109. Assim A G O STIN H O , Injob. Ev. 15,16-17 (CCL 36, 156) Trrn. XV 19, 33
(CCL 50,509); CIRILO de Jerusalém , Cath. 16,1 (PG 3 3 ,931ss),
110. JOÃO PAULO ü , Dominion et vivificantesm 24: “A redenção é totalm ente rea
lizada pelo Filho, o ungido, que veio e atuou com o poder do Espírito Santo, oferecendo-
se finalmente em sacrifício supremo no madeiro da cruz. E essa redenção, ao mesmo tem
po, é realizada constantemente no corações e nas consciências humanas — na história do
mundo — pelo Espírito Santo, que é o outro Parádito”. Ver também n. 153 do cap. 3.
111. Cf. KASPER, op. cit., 278.
326
0 PAI, 0 FILH O E O ESPÍRITO SANTO
112. AGOSTINO, In Ep. Job. m 13 (PL 35, 2.004). Cf. Ibid. IV, 1 (2.005); cf.
CONGAR, La Parola e il Stffio, 35.
113. Não tratamos ainda no mom ento o problema intratrinitário da processão do
Espírito Santo.
114. Adv. Haer. I I 24.1 (SCh 211,472): o Espírito brota do corpo de Jesus; Ibid.: “de
corpore Christi procedentem nitidissimum fontem ” (474). C f 111,17 2-3 (330 ss., esp. 334):
“... quod Dominas acdpiens munus a Patre ipse quoque his donavit qui ex ipso participantur,
in universam terram mittens Spiritum Sanctum ”; conforme todo o contexto, como tam
bém m 9,3 (110s): “Spiritus ergo Dei descendit in eum, eius qui per prophetas prom iserat
uncturus se eum, u t de abundantía unctionis eius nos percipientes salvaremur”; EI 11,9
(170): V 20,1 (Cf. ORBE, Teologia de san Irmeo, ü , M adrid, 1987,304ss). A íntim a relação
do Espírito comJesus foi posta em evidência também por GREGO R IO de Nissa, Adoersus
MacedonianosdeSpiritu Soneto 16 (JAEGER H l 1,102-103): “A noção de unção sugere que
não há nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. De fato, como entre a superfície do
327
DA -ECO NO M IA“ À "TEOLOGIA"
corpo e a unção do azeite nem a razão, nem a sensação conhecem interm ediários, igual
mente é im ediato o contato do Filho com o Espírito. Portanto, o que está a ponto de entrar
em contato com o Filho mediante a fé deve necessariamente entrar antes em contato com
o azeite. N enhum a parte carece do Espírito Santo”.
115. De Sp. sane. 18,46 (SCh 17bis 410). Sobre o Espírito dom, cf. também ibid.
23,57 (452, 454), dom que vem de Deus. M as no mesmo contexto, comentando G1 4,6, a
voz do E spírito — Abbá, Pai — converte-se na voz dos que o recebem. Os bens vêm do Pai
pelo U nigénito com a ação do Espírito. P or outra parte, o conhecim ento de Deus segue
para Basílio o ritm o ascendente inverso: De Spir sane, 18,47 (412). Cf. AMBRÓSIO de
Milão, De Spinsanc 2,13 (CSEL 79,137). D ÍD IM O , o Cego De Spirsanc. 4,12 (SCh 386,154)
o Espírito é a plenitude dos dons de Deus,
116. A interpretação clássica de Joaquim foi posta em discussão recentemente por
MOLTMANN, Speranza cristiana: messianismo o trascendenza? In dialogo teologico con
Gioacchino de Fiore e Tommaso d’Aquino, in Nella storia dei Dio trinitario. Contribuaper uma
teologia trmhana, Bresda, 1993,147-173. N ão é este o momento de dar um juízo global sobre
a teologia trinitária de Joaquim, a que já nos referimos. Interessa-nos sublinhar a íntima
referência ao Pai e ao Cristo de toda a ação do Espírito. Cf. a n. 90 do cap. 8.
328
O PAI, 0 FILH O E 0 ESPÍRITO SANTO
329
D A ’ ECONOMIA" À TEO LO G IA"
dizer, originariam ente, para que por m eio dele o recebam os homens. Já
conhecemos a tradição patrística, bem clara nesse ponto. Para Sto. Tomás,
o Espírito é “unus num ero in Christo e t in omnibus”120. Já antes dele dizia
H ugo de São V ítor:
De igual maneira que o espírito da pessoa desce pela cabeça para vivificar os
membros, de igual maneira o Espírito Santo, por Cristo, vem aos cristãos.
Cristo é a cabeça... o cristão é o membro. A cabeça é uma, os membros são
muitos, e forma-se um só corpo com a cabeça e os membros; e nesse único
corpo não existe mais do que um só Espírito. A plenitude desse Espírito re
side na cabeça, a participação nos membros121.
O Espírito que Jesus possui em plenitude é o que nos foi dado e habita
em nós. N ão é em vão que a preposição que na tradição mais se une com o
Espírito Santo é “em ”. Já vimos como Basílio, justamente, mostrava como
não há nem pode haver uma associação exclusiva das preposições com cada
uma das pessoas divinas. Mas isso não obsta a que possamos indicar uma
certa “preferência” bem atestada no próprio magistério (cf. DS 421, Concí
lio II de Constantinopla). Aliás, podemos distinguir dois usos da preposição:
por um lado refere-se ao Espírito em que estão todas as coisas; assim o texto
que acabamos de citar. Mas porque o Espírito do Senhor tudo abarca (cf. Sb
1,7) pode ser o dom em nós, em nosso interior122.321Portanto pertence espe
cialmente ao Espírito ser “dom”, porque pode ao mesmo tempo estar em
todos, na cabeça e nos membros. E capaz de suscitar no homem a resposta
adequada à Palavra que é o Filho, porque o Pai se dirige a nós.
330
O PAI. O FILHO E 0 ESPÍRITO SANTO
124. STh 1 38,1, ad 4: “... donum non d id tu r ex eo quod actu datur; sed inquintum
habet aptitudinem u t possit dari. U nde ab aeterno divina persona d id tu r donum”. Cf. o
mesmo artigo para o que segue.
125. Cf. Ibid., I 38,2 ad 3.
126. Cf. Ibid., I 38,1.
127. Ibid., 1 38,1: “Et tarnen Spiritus Sanctus dat seipsum, inquantum est sui ipsius,
u t potens se uti vel potius frui...”
128. A idéia do Espírito Santo ativo no dom está presente em BASILIO de Cesaréia,
De Spir. sanc. 16,37 (SCh 17bis, 376): “quando recebemos os dons, pensamos prim eiro
naquele que os reparte...”; Cf. A G O STIN O , Trrn. XV 19,36 (513). “Tu qui dator es et
donum”, hino do ofído de leituras de Pentecostes, Liturgia bararvm. Editio Typica, Typis
poliglottis Vaticanis, 1977, vol 2. 799.
129. STb I 38,1.
331
DA ‘ ECONOM IA- À “TEOLOGIA"
332
O PAI, O FILHO E 0 ESPÍRITO SANTO
333
DA “EC O N O M IA ” À TEO LO G IA ”
com sua figura/deixou-os vestidos de formosura... Deve-se pois saber que só com a figura
de seu Filho Deus olhou todas as coisas, que foi dar-lhes o ser natural, comunicando-lhes
muitas graças e dons naturais, fazendo-as acabadas e prefeitas... Olhá-las m uito boas era
fazê-las m uito boas no Verbo, seu Filho. E não somente lhes comunicou o ser e graças
naturais olhando-as... mas tam bém com só essa figura do Filho as deixou vestidas de for
mosura, comunicando-lhes o ser sobrenatural...”
138. Cf. também BASÍLIO de Cesaréia, De Spir sane. 16,38 (376-384); G REG Ó RIO
deN issa, Quod non svnt tres dei 0A E G E R IH 1,47-48. 50)\DeSp. Soneto Ado. Mac (ib 100).
C f LADARIA, Antropologia teológica, Roma-Casale M onferrato, 1995, 64-69.
139. C f LEÃO X m , Divinum Ulud munas (DS 3.330).
140. IR IN EU de Lion, Aâv. Haer, III 24,1 (SCh 211,474): “Uni enim Ecclesia, ibi
et Spiritus Dei, et ubi Spiritus Dei, ibi Ecclesia et omnis grada. Spiritus autem veritas”;
JOAO CRISÓSTOM O, Hom. Pent. 1 4 (PG 49,459): “Se o Espírito Santo não estivesse
presente, não existiria a Igreja; se existe a Igreja, isso é um sinal aberto da presença do
Espírito”.
141. C f H IPÓ LITO , Trad. apost. prol (SCh 11,40), o Espírito ensina aos que estão
à cabeça das Igrejas; CONGAR, op. d t., 240; BAUTHASAR, Spiritus Creator, Einsiedeln,
1967, 97s.
334
0 PAI, O FILH O E O ESPÍRITO SANTO
142. HILÁRIO de Poitiers, Trm. II 1 (CCL 62,38), “usus in numere”; cf. Ibid. 35
(70-71). Agostinho Trm VI 10,11 (CCL 50,242): “Dia dilectio, delectatio, felicitas et bea-
titiido... usus ab illo (Hilário) apellatus est”; cf. o contexto.
143. TOMÁS D E AQUINO, STb I 39,8.
144. “O am or do Espírito”: provavelmente o amor que o Espírito põe em nós ou o que
o mesmo Espírito nos tem; cf. J.-AJTTZM YER, Romans, New York-London, 1992,725.
335
DA “ECONOM IA" À "TEOLOGIA’
336
O PAI, 0 FILHO E O ESPÍRITO SANTO
A união entre o Pai e o Filho não lhes vem por uma coisa alheia ou
por um princípio exterior, senão pelo dom deles mesmos; o Espírito San
to, que tem a mesma essência divina do Pai e do Filho, é o amor em que
os dois se unem. Parece que o Espírito Santo, dom ad extra, converte-se
aqui em dom m útuo, ad intra, em comunhão. Agostinho passa do Espírito
Santo como “dom” ao amor. O maior dom de Deus é o amor, e ao mesmo
tempo o maior dom de Deus é o Espírito Santo150. Por isso Espírito e amor
devem coincidir. Assim o amor {caritas) é, junto com o dom, o nome pró
prio do Espírito Santo151. Agostinho, como já vimos, chegou à idéia do
147. LADARIA, El Espíritu Santo en son Hilário de Poitiers, M adrid, 1977, 278ss.
148. Exp. Ps. CXVII1,18,37 (CSEL 62,441). Sobre os antecessores de Agostinho no ,
O riente, cf. L. ABRAMOWSKI, D er G eist als “Band” zwischen \foter und Sohn — ein
Theologoumenon der Eusebianer, ZNtWis 77 (1996) 126-132; segundo Abramowski, Ata-
násio teria combatido a idéia. A expressão “copula Trinitatis” encontra-se também em
Dídimo, o Cego, De Sp. Sane. 47,214 (SCh 386, 336).
149. TrinW 5,7 (CCL 50,235); também V 11,12 (219), o Espírito Santo é “ineffàbilis
quaedam patris et filii communio”. M uito inspirada em Agostinho é a fórmula do XI Con
cílio de Toledo (DS 527): “Quia caritas sive sanctitas amborum esse m onstratur”.
150. Trin XV 19,37 (513) “... si in donis D ei nihil maius est caritate et nullum est
maius donum dei quam spiritus sanctus, quid consequentius quam u t ipse sit caritas quae
dicitur et deus et ex deo”; Ibid., 18,32 (508) “Dilectio igitur quae ex deo est et deus est
proprie spiritus sanctus est, per queem infunditur in cordibus nostris dei caritas per quam
nos tota inhabitat trinitas. Quodrca rectissime spiritus sanctus, cum sit deus, vocatur etiam
donum dei (cf. At 8,20). Quod donum proprie quid nisi caritas intelligenda est, quae perdudt
ad deum et sine qua quodlibet aliud donum dei non perducit ad deum?”.
151. Cf. Trin XV 17,29 (504); 17,31 (506s) “... “ipse dilectio est”. Cf. também V I 5,7
(236) as três pessoas caracterizadas como o que ama, o que ama ao que o ama, e o amor
mesmo. Igualmente em VIII 10,14 (291); XV 3,5; 6,10 (465; 472). A partir de Agostinho
desenvolve-se a longa tradição que chegou até nossos dias que vê no amor o nome próprio do
337
D A -ECONOMIA" À TEO LO G IA ”
Espírito Santo. Assim G REG Ó RIO M A G N O , Hom. In Ev. II, 30 (P L 76,1.220) “Ipse
namque Spiritus sanctus amor est”. Cf. ANSELM O, Proslogion X X III (SC H M TlT, v.
1, 117).
152. Cf. Trin. V m 10,14.
153. Trin. XV 17,27 (513): “Q ui spiritus sanctus secundum scripturas sanctas nec
patris solitis est nen filii solius sed amborum, et ideo communem qua igitur invicem se
diligunt pater et filius insinuat caritatem ”.
154. Cf. In Job. Ev., 99,7; cf. também Ibid., 8-9 (CCL 36, 586, 587).
155. Tritt. XV 19,37 (513): “E t si caritas qua pater diligit filium e t patrem diligit filius
ineffabiliter communionem dem onstrat amborum, quid convenientius quam ut ille dicatur
caritas proprie, qui spiritus est commune ambobus ?”. Ibid. (514): “Q uia enim est commune
ambobus, id vocatuir ipse proprie quod ambo communiter”; cf. Ibid. 17,29 (507).
156. Ver o que foi dito no capítulo 9, 251-255; 265-267.
157. Com. ISent. d.. 10, a.1 q .l. Cf. CONGAR, op. d t , 116.
158. Cf. Com Sent. I d. 18, a .l, q.3 ad 4; Breviloquhim, 1 3,9: “cum proprium Spiritus
sancd esse donum, esse nexum seu caritatem amborum”
338
O PAI, O FILH O E O ESPÍRITO SANTO
159. Cf. STb 1,37, “D enom ine Spiritus sancti quod est amor”; na q . 38, trata do dom.
Antes, na 36, falou da pessoa do Espírito Santo; se preocupa sobretudo com sua “processão”,
de que em seguida tratarem os.
160. Ibid., 1: “In quantum vero his vocabulis (amor, diligere) utim ur ad exprimendum
habitudinem eius rei quae procedit per modum amoris, ad suum principium et e converso;
ita quod p er amorem intelligatur am or procedens; sic Amor est nomen personae, e t diligere
vel amare est verbum notionale, sicut dicere vel generare”.
161. Ibid.: “Im portatur in Spiritu sancto, prout est amor, habitudo Patris ad Filium,
e t e converso, u t amantis ad amatum. Sed ex hoc ipso quod Pater et Fílius se mutuo amant,
oportet quod mutuus amor, qui est Spiritus sanctus, ab utroque procedat. Secundum igitur
originem, Spiritus sanctus non est medius, sed tertia in Trinitate persona. Secundum vero
praedictam habitudinem, est medius nexus duorum , ab utroque procedens”.
162. Algumas alusões, além do texto supracitado, em STb I 37, 2: o Pai e o Filho
amam-se no Espírito Santo, o “amor procedente”; 39,8.
163. Cí, STb 1 27, 2-3, onde a idéia não aparece. Tampouco em STb 1 36,2, onde se
explica p o r que o Espírito Santo procede também do Filho (senão, não se distinguiriam a
segunda e a terceira pessoas) nem no Comp. Theol. 50. Cf. mais dados sobre a questão em
CONGAR, op. d t , 116-120S.
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DA 'E C O N O M IA ' À 'T E O L O G IA '
164. Por exemplo, H. M Ü H LEN , op. c it; CONGAR, op. rit., 2 18ss; BALTHASAR,
Tbeologik III, l_44ss.
165. JOÃO PAULO H, Dominum et Vivificontem, 10.
166. Ibid., 22.
167. Ibid., 23.
340
O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
168. C f KASPER, op. d t , 278: “O Espírito Santo expressa a essência mais íntima de
Deus, o amor que se dá a si mesmo, de tal modo que o mais íntim o seja também o mais
externo, isto é, a possibilidade e a realidade do ser de D eus fora de si. O Espírito é igual
mente o êxtase de Deus. E Deus no puro transbordamento, Deus na superabundânria de
amor e de graça”. fflLBERATH, op. d t., 205: “Espírito Santo é o acontecimento do en
contro amoroso, o espaço em que o Pai e o Filho se superam e os une no amor até cons
tituir uma unidade. Nesse sentido, espírito e amor, as características da vida divina, são ao
mesmo tempo os signos espedficos do Espírito Santo”.
169. Cf. JO Ã O PAULO D, op. d t , 14.
170. Cf. BALl HASAR, op. d t , 146-148; GRESHÀKE, op. d t , 211, no Espírito
Santo faz-se pessoalmente palpável a plenitude da vida divina.
171. Cf. DURRWELL, op. d t , 146: “tudo o que a linguagem teológica chama a
essênda divina, natureza divina, encontra-se hipostasiado nele”. Cf. também 148-149.
172. Cf. BALTHASAR, Teodramática 2,235. Várias vezes nos referimos à conhedda
tese de H . Mühlen sobre o Espírito Santo como o “nós” do Pai e do Filho. Cf. nota 184
do capítulo 9.
341
DA “ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
173. Sobre o Espírito Santo como fruto e expressão do am or do Pai e do Filho, cf.,
entre outros, GRESHÀKE, op. d t , 210: “Nisso mostra-se o duplo caráter do Espírito
Santo: Ele é 1) o resumo (Inbegriff') do am or mútuo e da união do Pai e do Filho, e ele é 2)
o fruto objetivo do amor e com isso, no sentido de Ricardo de São Vítor, com o ‘terceiro’,
é a garantia de seu amor. Contudo, esse duplo caráter não significa nenhuma dualidade”;
c£ também Ibid. 156; A l KEHL, Kirche-Sakrament des Geistes in KASPER (ed.), Gegenwart
des Geistes, Aspekte der Pneumatologie beute, Freiburg-Basel-W ien, 1979, 155-180, 159: o
Espírito Santo é ao mesmo tem po o pressuposto e o fruto da com unhão do Pai e do Filho.
Cf. BALTHASAR, op. c it, 130; A. G ONZALEZ, Trinidady Liberación, San Salvador, 1994,
202; GALOT, L’origine étem elle de l’E sprit Saint, Greg 78 (1997) 501-522, esp. 517. Cf.
o cap. anterior, 288-295.
174. Tritt XV 19, 37 (513): “communionem dem onstrai amborum”. Cf. a nota 154.
175. STb 1 38,2. Cf. 38,1. LEÃO XUI, Divinum iUvd (DS 3.330): “qui a mutuo Patris
Filiique amore procedens”. O Espírito Santo não é somente o am or do Pai e do Filho, mas
procede do am or de ambos.
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O PA I, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
176. BALTHASAR, Tbeologik II, 141: “A visão oriental contem pla nm últim o
autotransbordamento do Pai mediante o Filho na amplitude e liberdade do Espírito que
tudo abarca; a visão ocidental contempla no voltar-se em resposta do Filho ao Pai (que é
uma só coisa com o saber divino do Filho de que vem completamente do Pai e a ele há de
agradecer tudo) a processão do Espírito como o encontro frutuoso do am or que dá e que
recebe, que produz esse amor — absolutamente como Espírito do am or — no comum
alento que vai para lá de si mesmo”. C f a continuação do texto, 141-142.
177. Assim J. M . GARRIGUES, ElEspiritu que dite: “Padre!”, Salamanca, 1985,63:
0 tropos da terceira pessoa é o anonimato; BULGAKOV, op. cit, 336ss., falava do Espírito
Santo como a hipóstase desconhecida.
178. Cf. HILÁRIO de Poitiers, Trin. I I 30 (CCL 62,65); DÍD IM O o Cego, De Spir.
sane. 54,237 (SCh 386,356s); BASÍLIO de Cesaréia, De Sp. Sane. 19,48 (SCh 17bis, 416);
e sobretudo AGOSTINHO, Trin. V 11,12 (CCL 50,219); TOMÁS D E AQUINO, STb
1 36,1 ad 1, entre outros muitos.
179. Cf. AGOSTINHO, Trin. V I 5,7 (235) que põe em relação Deus como amor com
o Espírito, amor do Pai e do Filho. BALTHASAR, Tbeologik III, 148: “Assim a ‘ponta mais
exterior’ da essência divina, ao mesmo tempo idêntica com o ‘centro mais interior’, e quando
o Espírito for dado como dom à criatura, nesse dom está toda a essência da divindade e com
isso a ‘divinização’ da criatura”. Também ibid., 214, o dom do Espírito à criatura não «n«!«
nosso ser de criatura, e portanto não elimina o diálogo do homem com Deus.
343
DA “ECONOM IA* À TEO LOG IA"
180. JOÃO PAULO II, em sua hom ilia na solenidade de S. P edro e S. Paulo (29, jun.,
199S), ante o patriarca ecumênico de Constantinopla, expressou o desejo de que se expli
que “a doutrina tradicional do Filioque presente na versão litúrgica do Credo latino, de
modo que seja esclarecida a plena harmonia com o que o Concílio ecumênico de Cons
tantinopla, em 381, confessa em seu símbolo: o Pai como fonte de toda Trindade, única
origem do Filho e do Espírito Santo” (Cf. UOsservatore Romano, 30 jum/1 jul., 1995). O
esclarecimento pedido pelo papa teve lugar em uma Declaração do Pontifício Conselho
para a Promoção da Unidade dos Cristãos publicada no Osservatore Romano de 13 de setem
bro de 1995. Os dados que damos em seguida sobre a história do problem a podem-ser
completados com A. PAATFORD, Le Filioque dans la conscience de lEglise avant Ephèse,
RevTb 97 (1997) 318-354.
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O PAI, O FILHO E O ESPIRITO SANTO
345
D A “ECONOM IA" À -TEOLOGIA"
346
O PAI, 0 FILHO E O ESPÍRITO SANTO
195. Contra Em. 181 (JA EG ER1689): “Como o Filho está unido ao Pai e recebe sua
origem dele, sem ser posterior a ele... assim também o Espírito Santo a recebe, p o r sua vez,
do F ilh o , pois esse é considerado anterior à hipóstase do Espírito Santo, som ente em re
lação à causalidade, sem que nessa vida etem a haja lugar para intervalos tem porais”; GRE
GO R IO di Nissa, Teologia trimtaria (Tradução e introdução de C. M O RESCHINI), Milão,
1994, 189s.
196. Ado. Nest. IV 1 (PG 76,173) cf. CONGAR, op. d t , 479ss, também para o que
segue.
197. Cf. Tbesattrus (PG 75, 585; 608) o Espírito é da mesma ousta do Filho, realiza a
plenitude da santa Tríade.
198. h loel. 35 (PG 71, 377).
199. “Ex autou”; De S. Trin. Dial. 7 (PG 75, 1.093).
200. Assim, por exemplo, Injob. ev 2 (PG 71,212); Tbesaurus, PG 75,585; <508; 612);
Ado. Nest. IV 1 (PG 76, 173).
201. Cf. Quaestíones ad Tbalassium, 63 (PG 90, 672).
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DA “ECONOM IA" A “TEOLOGIA"
202. Cf. Defide ortbodoxa, 112 (PG 94,849); cf. 1 8 (832s) o Espírito não vem do (ek)
Filho, mas é chamado Espírito do Filho. Cf. J. GREGOIRE, La relation étemelle de l’E sprit
an Fils d’après les écrits de Jean de Damas, Revue d'Histoire Ecclésiastique 64 (1969) 713-755.
203. De fide ortbod. 1 8 (824); cf. CONGAR, op. rit., 484
204. Cf. LAD ARIA, El Esptrim Santa en S. Hilario de Poitiers, Madrid, 1977, 302ss.
HILÁRIO também vê um paralelismo entre o proceder do Pai e o receber do Filho, segun
do Jo 16,14.15 (7h». V m 20; CCL 62,33 ls). O Espírito não é gerado, mas também não é
criado.
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O PAI, O FILH O E O ESPÍRITO SANTO
349
DA 'E C O N O M IA ' À “TEOLOGIA"
Ricardo de São V ítor argúi a favor da processão dos dois devido ao fato da
com unhão de poder de todas as pessoas209. A processão do Espírito faz-se
pela comunhão de amor (o Espírito é o condilectus) como na do Filho entra
a comunhão da honra.
Santo Tomás observa a relação entre o nome do Espírito Santo e o
modo de sua processão. Como Agostinho e os autores que o precederam,
nota que o nom e próprio do Espírito Santo de si é comum: isso se deve a
que procede pela via do amor. A conveniência do nome vem portanto, em
prim eiro lugar, de ser o Espírito dos dois, do Pai e do Filho. O nome é
tam bém conveniente porque o amor, como o espírito, é impulso, moção:
isso também é próprio do Espírito Santo. Por isso à pessoa que procede
por am or convém o nom e de “espírito”. Também lhe convém o adjetivo
“santo”; atribui-se a santidade àquelas coisas que são ordenadas para Deus.
Se essa pessoa procede por meio do amor, pelo qual Deus é amado, “de
modo conveniente é chamado Espírito Santo210.
Porém, como foi notado, o amor do Pai e do Filho em Sto. lòm ás
desempenha um papel reduzido na processão do Espírito Santo do Pai e
do Filho. A razão fundamental pela qual se deve afirmar a intervenção do
Filho nessa processão são as relações opostas:
É necessário que o Espírito Santo proceda do Filho. Pois, se não viesse dele,
não se poderia distinguir pessoalmente dele de nenhum modo... As pessoas só
se distinguem entre si pelas relações. Ora, as relações só podem distinguir as
pessoas enquanto opostas... O Pai tem duas relações, das quais uma se refere
ao Filho, outra ao Espírito Santo, mas por não serem opostas não constituem
duas pessoas. Portanto, se no Filho e no Espírito Santo não se pudesse en
contrar mais que duas relações com as quais cada um deles se referisse ao Pai,
essas relações não seriam opostas entre si... Donde se seguiria que a pessoa do
Filho e do Espírito Santo seria uma só211.
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0 PAI, O FILH O E 0 ESPÍRITO SANTO
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DA "ECONOM IA" À "TEOLOGIA"
teologia oriental não deu esse passo, ao menos com igual clareza. Teve
mais em conta, ao contrário, que o Espírito vem sobre Jesus, o Filho en
carnado. A concepção teológica ocidental levou à introdução do Filioque
no credo, e às discussões que em tom o desse fato se suscitaram. A esse
problem a vamos dedicar agora nossa atenção.
217. Cf. PL 20, 246. Cf. GARRIGUES, op. rit., 1985, 91ss.
218. C f. J. N .D. KELLY, Primitivos endos cristianos, Salamanca, 1980,426-428, entre
outros o concílio de Toledo I do ano 400, mas com acréscimos à formula de 447.
219. Cf, também os símbolos dos Concílios de Toledo V I, IX e XVI (DS 490; 527,
569-70). Interessantes as formulações do último, “ex Patris Filliique unione procedit”, “a
Patre Filioque”.
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O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO
220. Mais dados ero GARRIGUES, op. cit., 105ss. Vimos que essas distinções ter
minológicas já se achavam também em Cirilo de Alexandria.
221. Cf. GARIJO GUEMBE, Filioque, em PIKAZA; SILANES, Diccionario del Dm
cristiano, Salamanca, 1992, 545-554, 547. CONGAR, op. tit., 496: “Tinha-se introduzido
o Filioque no símbolo na última década do século VI, e se acreditava de boa-fé que provinha
de Nicéia-Constantinopla, de maneira que muito tempo antes do fogoso H um berto, em
1054, os Ldbri carolini, por volta de 790, puderam acusar os gregos de tê-lo suprim ido do
símbolo í”. Cf. também Ibid., 496 ss., para o que segue.
353
DA “EC O N O M IA " À " T E O L O G IA ”
222. Cf. CONGAR, op. c it, 504: GARIJO GUEM BE, op. d t , 549s.
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0 PAI, O FILH O E O ESPÍRITO SANTO
A QUESTÃO NA ATUALIDADE
223. Cf. as teses de Bolotov, no final do século XIX, em CONGAR, op. d t., 627;
parece significativa a tese n. 3: “A opinião segundo a qual a expressão dia tou Hyiou nunca
teria contido outra coisa além de uma missão temporal do Espírito, obriga a violentar a
interpretação de alguns textos dos Padres”.
224. Cf. IlParaclitOy 208; 231. Ver p. 145: "... o Filho, na humilhação sacrifidal de si
mesmo, recebe também simultaneamente o Espírito, que procede do Pai sobre ele, que
sobre ele repousa e passa por meio dele, como redproddade, resposta, anelo do am or”
225. Assim BOBRINSKOY, op. d t, 298: “O Filho será pois a ‘razão de ser’ da
processão do Espírito que será ao mesmo tem po o Espírito do Pai e o Espírito do Filho.
O Espírito estará não menos ligado — inefavelmente — à geração paterna do Filho, repou
sando sobre o Filho que é pneumatófòro desde toda eternidade. Pode-se então conceber
que o Espírito procede do Pai somente, lembrando-se que se deve entender ‘Pai do Fi
lho’...”. Cf. também 300; 304: “O Filho eterno não é estranho à processão do Espírito
Santo. M as, acrescentará a teologia ortodoxa: a) de maneira inefável; b) sem fazer introdu
zir a noção de causalidade e c) sem pôr em questão o caráter intransmissível da propriedade
hipostática do Pai, de ser ele única Fonte e Princípio da divindade do Filho e do Espírito”.
Ver também os elementos positivos e as lacunas que encontra no “filioquismo”. M ais infor-
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D A -E C O N O M IA ' À TE O LO G IA "
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0 PAI, 0 FILHO E O ESPÍRITO SANTO
228. Cf. MOLXMANN, Trinität und Reich Gottes, 203. Cf. também, Lo Spirito delia
vita, in Per vma pneumatolgia integrale, Brescia, 1994, 347.
229. Cf. notas 180 e 226.
230. Segundo a mesma Declaração, o Espírito Santo não precede ao Filho, porque
o Filho caracteriza como Pai aquele do qual o Espírito Santo tem sua origem, o que cons
titui a ordem trinitária. Mas a expiração do Espírito a partir do Pai faz-se por m eio e através
(os dois sentido de dm em grego) da geração do Filho.
231. Cf.J. GALOT, op. d t., 501-522, esp. 516-517; do mesmo, UEsprit Samt, perstmne
de commvnum (cf. nota 98) esp. 122ss, e 150.
232. A necessidade de ver em relação sempre as três pessoas levou a colocar o pro
blema da presença do Espírito na geração do Verbo. Cf., por exemplo, DURRW ELL, op.
c í l , em esp. 154ss, idéias desenvolvidas também em Le Pire. Dieu en son mystère, 147ss.
Deus gera “no Espírito”. Cf. também CANTALAMESSA, “Utriusque Spiritus’’. L’attuale
dibattito teologico alia luce deli “Veni Creator”, Rassegna di Teologia 38 (1997) 465-484,
esp. 477ss, onde se refere à unção pré-cósmica do Filho pelo Pai em vista da criação, de que
conheceram os Padres. Cf. ORBE, op. d t , Roma, 1961. Mas deve-se ter presente que não
está sempre claro o caráter pessoal desse “espírito”. Alguns Padres, por ex., G REG O RIO
357
DA “ECONOMIA” À "TEOLOGIA"
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O PAI, 0 FILHO E O ESPÍRITO SANTO
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D A “ECO NO M IA" À “TEOLOGIA"
238. Balthasar propugna com força o Filioque, que vê unido à idéia de Deus amor e
do Espírito como o am or dos dois. Por outra parte, observa que Jo 15,26 deve entender-
se com referência à economia, não à vida intratrinitária. Cf. op. cit., 189-200. Também em
seu momento, K. BAKTH, Ksrcblkbe Dogmatik 1/1, M unique, 1935, 500ss, foi um grande
defensor do Filioque: se o Espírito dado pelo Filho não é na eternidade do Filho, desaparece
o fundamento de nossa união com Deus.
239. Cf. CONGAR, op. d t, 540-544, sobre as conseqüênrias edesiológicas do Filioque,
e se o problema do “cristomonismo” e o relativo esquecimento do Espírito Santo no Ociden
te devem ser considerados conseqüênda dessa doutrina. Há razões para pensar que se trata
de uma disputa “duvidosa”. Cf. ID ., La parola e il soffio, 142ss. BULGAKOV, op. d t, 277s.,
pensa igualmente que existe uma relação entre o Filioque e a idéia do papa como Vigário de
Cristo. Cf. também BOBRINSKOY, op. d t., 302-303, que insinua m uito mais suavemente
as repercussões eclesiólogicas. Só a título de curiosidade, vale a pena observar que Sto. Tomás
considerou erros similares negar o primado do papa e que o Espírito Santo procede do Filho.:
Contra errores graecorum, I I 32 (dtado por CONGAR, ElEsptritu Santo, 639s). Em todo caso
deve-se evitar conclusões predpitadas e exageradas. Cf. também as considerações de R.
CANTALAMESSA, op. d t , 470s: se as defidêndas da Igreja oddental se deveram ao Filioque,
também teriam de dar-se devido a ele suas virtudes e seus aspectos positivos.
360
11
“Unitas in trinitate”.
Deus uno na Trindade.
Suas propriedades e seus modos de atuação
1. Porém o ponto de vista mais econômico-salvífico que nos últim os anos abriu ca
minho na teologia católica fez que seja sempre mais seguida a disposição que aqui propo
mos. Cf. PORRO, Dio nostra sehezza, lntroduzione al mistero di Dio, Tòrino, 1994, 189ss;
235ss, e sobretudo G. GRESHAKE, Derdreiene Gott, Eine trinitariscbe Tbeologic, 184-185;
196ss entre outros lugares.
2. Cf. J. W ERBICK, Teologia trinitaria, em Th. SCHNEIDER (ed.), Nuovo corso di
Teologia Dogmática, Bresda, 1995, v. 2, 573-685; 659.
361
D A ‘ EC O N O M IA ’ À T E O LO G IA '
362
"UNITAS IN TRINITATE". DEUS UNO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E MODOS DE ATUAÇÃO
363
DA “ECONOM IA" À “TEOLOGIA"
9. Cf. CIC, 252; com esse term o indica-se a divindade comum às três pessoas; jun
tam ente com os term os, equivalentes no uso, de substância e de natureza, designa o ser
divino em sua unidade.
10. BALTHASAR, Tbeologik Iü , 199-200.
11. ORÍGENES, In Rom. IV (PG 14,997)"... podemos amar a Deus porque somos
amados por Deus. E de fato o próprio São Paulo fala do Espírito de amor (Rm 15,30). Deus
é chamado amor e C risto é chamado o Filho do amor (Cl 1,13) E se sabemos que o Espírito
é amor, o Filho é am or e Deus é amor, é obvio que de uma fonte da divindade paterna
conhecemos o Filho e o Espírito Santo, de cuja abundância se difunde a abundância do
amor no coração dos santos para fazê-los participantes da natureza divina, como ensina o
apóstolo Pedro (2Pd 1,4)”.
364
“UNHAS IN TRINITATE". DEUS U N O NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E MODOS DE ATUAÇÃO
2. O primado do upessoal”
365
DA -ECONOM IA" À “TE O LO G IA ”
366
“UNITAS IN TRINITATE'. DEUS U N O NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS DE ATUAÇÃO
3. A essência divina
367
DA "ECONOM IA" À TEO LOG IA"
desse m istério, que aparecerá cada vez maior quanto mais de perto se nos
m anifestar.
A Escritora já nos oferece uma base para esse intento. No N ovo Tes
tam ento, em particular nos escritos joaninos, apresentam-se diferentes
“definições” de Deus (é evidente a impropriedade com que usamos o ter
mo “definição”) que foram ponto de partida para reflexões ulteriores.
Conhecemos já algumas delas: sem dúvida a mais decisiva de todas é “Deus
é am or” (ljo 4,8.16), mas também: “Deus é Espírito” (Jo 4,24); “Deus é
luz” (ljo 1,5.7; cf. lT m 6,16); Deus é o vivente por antonomásia (cf. M t
16,16; 26,63; SI 18[17],47; Jo 6,51; ljo l,ls etc.). Algumas dessas expressões
aplicam-se também a Jesus: luz (Jo 1,4.9; 9,5); vida (Jo 1,4; 11,25; 14,6).
C ertam ente essas palavras não pretendem dar-nos definições metafísicas
de D eus; referem-se à manifestação salvadora de Deus em Cristo. Perante
o m undo de trevas, de m orte e de ódio apresentam-nos a ação de D eus que
nos oferece a salvação em Cristo. Mas, indiretam ente, algo nos dizem de
Deus mesmo. Em Jesus manifestou-se o que desde sempre é realidade na
vida divina, a vida que vem do Pai e que compartilham o Filho e o Espírito.
Essas expressões e outras semelhantes apontam para uma plenitude de ser2232
sem nenhuma dependência, para a totalidade de bem e de vida que não
conhece as limitações de toda ordem a que os homens estão submetidos.
Sugerem uma plenitude de ser pessoal, de total posse e conhecimento de
si, de inteira transparência, de infinita liberdade.
D e fato, ao ser “espírito” de Deus, a tradição da Igreja uniu, desde
tempos remotos, a absoluta simplicidade divina (cf. entre outras passagens
DS 566; 800; 3.001)25; daí deduziu-se a plenitude da vida em Deus “todo
razão, todo ouvido, todo olho, todo luz”24. Podemos portanto pensar a
única essência divina inefável, a partir dessas metáforas sem dúvida muito
distantes, como plenitude do ser que implica a plenitude de vida e de
22. Deus é o que é (cf. Ex 3,14) Somente ele É . C f. CEC 213. Cf. TOM ÁS DE
A Q U IN O , STb I 13,11, “o que é” é o nome mais próprio de Deus. I 12,14, D eus é o
“ipsum esse subsistens”.
23. Já TACIANO, Ad Graecos 5 (BAC 115,578); A G O STIN H O , De àv. Dei X I 10
(CCL 48,332): “Quae habet [Deus] haec et est”; cf. todo cap. 10 (330-332); De Trm 1 12,26
(66), entre outros lugares.
24. LRENEU, Adv. Haer, n 13,3 (SCh 294,116); cf. ulteriores exemplos dos Padres,
assim com o referências sobre a procedência dessas cláusulas em A. ORBE, Antropologia de
san Irineo, M adrid, 1969,95. N otem os que Sto. Tomás fala em primeiro lugar da simplici
dade quando começa a falar do que Deus é ou mais propriam ente, do que não é, STb I q.
3, Introd. Cf. também BASÍLIO, C. Eunom. I I 29 (SCh 305, 122).
368
'U N ITA S IN TRINITATE” DEUS U NO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS DE ATUAÇÃO
369
D A “ECONOMIA" À 'TEOLOGIA”
27. KASPER, op. cit., 364: “Assim a pessoa não existe de outro modo a não ser na
autocomunicação a outros e no reconhecimento por parte de outras pessoas. P o r isso é
impossível que a unidade e unicidade de Deus, precisamente porque desde o princípio
Deus é pensado como pessoal, seja entendida com o solidão. Aqui está o fundam ento mais
profundo pelo qual a concepção teísta de um Deus impessoal não se pode m anter”. No
mesmo sentido, L. SCHEFFCZYCK, Der Gott der Offenbarung, 433: “o Deus que em sua
essência é amor pessoal não pode propriam ente ser pensado senão como trinitário”.
GRESHAKE, op. cit., 198-200, o amor é ao mesmo tempo o que distingue e o que une;
cf., nesse contexto, a citação de BOAVENTURA (199): “Si omitas divina est perfectissima,
necesse est quod habeat pluralitatem intrinsecam” (Q. dis. de Trm,., 2,2s.).
28. KASPER, op. cit., 365; 372: “A unidade de Deois... como comunhão do Pai, do
Filho e do Espírito Santo determina-se como unidade no amor”.
29. A partir da revelação do Novo Testamento podemos corrigir um apofatismo
unilateral: A. MELANO, Analogia Christi. Sul parlare interno a Dio in ima teologia cristiana,
Rkercbe teologkhe 1 (1990) 29-73,72: “... de Deus podem dar-se nomes, e entre eles o mais
alto é o que lhe reconheceu João: agapé... A agapé é, na verdade, ‘id quo magis cogitari
nequit* e é portanto o nome mais próprio de D eus”.
30. Além dos autores que acabamos de citar, cf. BALTHASAR, Tbeologik II Wahreh
Gottesy 130: “o amor idêntico com a essência de D eus”; esse amor é que dá sentido a tudo;
cf. Ibid., 140-141, 163; SCHEFFCZYCK, op. cit., 413: Deus, em sua essência, é amor
370
"UNITAS IN TR IN ITATE’ . DEUS U N O NA TR IN D AD E. SUAS PROPRIEDADES E M O D O S DE ATUAÇÃO
371
DA "ECO NO M IA" À “TEOLOGIA"
M etodologicam ente poderá ser válido tom ar uma ou outra como ponto de
partida, mas sempre com a consciência de que não há prioridade de uma
ou outra, nem lógica nem ontologicam ente. O m onoteísm o cristão é o
m onoteísm o do Deus trino revelado em Jesus. Deus é em si mesmo uni
dade e pluralidade, e p o r isso, na superabundância de seu amor, do amor
que é em si mesmo, pode dar-se ao m undo, que não é necessário, e, ao ser
am or em si mesmo, pode ser am or para nós.
Em últim o term o, toda a doutrina trinitária pode converter-se em um
com entário a ljo 4,8.1634. O amor, em nossa experiência humana, é por
um a parte o que une35, mas por outra é o que deixa ao outro ser o que é.
C ria comunhão, mas não absorve nem elimina as diferenças. O que ama é
e deixa que o outro seja36. Se podemos aplicar a Deus analogicamente essa
experiência humana (e com consciência da diferença fundamental, a que já
aludimos, entre a unidade da essência divina possuída pelos três e a comu
nhão entre os homens, por íntim a que queiramos concebê-la), podemos
pensar como o amor funda ao mesmo tem po a máxima união na máxima
distinção das pessoas. Assim se pode falar de Deus que vem a nós e se fez
um conosco (Deus conosco), do Espírito derramado em nossos corações
(D eus em nós) sem atentar de nenhum modo contra a sua transcendência
e contra a incompreensibilidade de seu mistério (Deus Pai, Deus acima
de nós)37. D eus habita em uma luz inacessível (lT m 6,16), a Deus ninguém
viu, só o Filho único o deu a conhecer (Jo 1,18). A partir dessa revelação
em Jesus nos vemos confrontados com a luz de seu mistério. Por isso so
m ente no am or temos acesso ao conhecimento de Deus. O que ama nas
ceu de Deus e o conhece, e, ao contrário, o que não ama não pode conhecê-
lo (cf. ljo 4,7-8)38.
34. Cf. R. PREN TER, Der G ott, der Liebe ist. Das Vehältnis der G otteslehre zur
Christologie, ThLZ 96 (1971) 401-413,403: “Deus éamor. Por que não simplesmente Deus
nos amou...? P or que não simplesmente Deus nos tem um am or infinito, pois nos amou
tanto? Por que não simplesmente: D eus está cheio de amor por nós? P or que: Deus é
am or”? Citado por PANNENBERG, op. d t , 461; cf. também, T h. SÖ D IN G , “G ott ist
Liebe”. 1Joh 4,8.16 als Spitzensatz biblischer Theologie, in ID . (ed.), Der lebendige Gott.
Studien zur Theologie des Neuen Testaments (Festschrift W. Tbäsmg), M ünster, 1996,306-357.
35. AG O STIN H O , Irin. VIII 10,14 (290): “Quid est ergo amor, nisi quaedam vita
duo aliqua copulans vel copulare appetens, amantem sdlicet e t quod am atur?”
36. Deus criador, que cria por amor, dá à criatura sua própria consistência.
37. Cf. GRESHAKE, op. d t , 532. Cf. já ATANÁSIO, Serap. I 28 (PG 26, 596).
38. Cf. E. JÚ N G E L , Gott als Geheimnis der Welt, 446ss. Jüngel observa que re
conhecemos o Deus amor quando envia seu Filho ao mundo, com o que se expõe à falta de
amor. Assim Deus mostra-se não só como o que ama, senão como o acontecimento mesmo
372
■UNITAS IN TRINITATE". D EU S U NO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS D E ATUAÇÃO
do amor. Deus não quer amar-se a si mesmo sem amar o mundo. N a missão do Filho ao
mundo, Deus entra na carência de amor, e assim faz digno de am or o homem odioso. Á
identificação de Deus com o am or não perm ite a redução feuerbachiana: o am or só é ver
dadeiro quando vem de Deus. Cf. também a análise do amor m uito rica e sugestiva em
Ibid., 430-446.
39. Cf. KASPER, op. c it, 369ss. Inspiro-me nele para o que segue.
40. Adu. Haer. m 20,2 (SCh 211,388).
41. Cf. KASPER, op. cit., 373.
42. FuncUfbe nisso a relação intrínseca entre a criação e a Trindade. Só porque em
Deus existe a altjfcdade pode fazer surgir o outro, a criatura, sem fazer-se dependente dele.
Deve-se a firm # a unidade da ação divina na criação, porque, sendo as três pessoas
inseparáveis, Deus é um só princípio das criaturas. A G O STIN H O o formulou de modo
373
DA ‘ ECONOMIA” À “TEOLOGIA"
lapidar em Trin. 14,7 (CCL 50,36) "... sicut inseparabiles sunt, ita inseparabiliter operentur”.
Isso não significa que esse princípio não contenha em si mesmo a distinção, e que portanto
na ação inseparável das pessoas cada uma não participe do modo que lhe é próprio. Cf. L.
F. LADARIA, Antropologia teologica, Casale M onferrato-Roma, 1995, 64-69.
43. Cf. R. SCHNAKENBURG, EI evangeUo segun sanjuan, Barcelona, 1980, Hl,
238ss. A glória e a unidade vão também juntas em Rm 15,5-6. Sobre a relação entre a
unidade do Pai e do Filho e a dos homens, expressa na glória, D . M A RZO TTO , Lunità
degli uomoni nel vangelo di Giovanni, Brescia, 1977, 192; “Jesus e o Pai são uma coisa só,
expressa na glória que o Pai deu a Jesus, porque sempre o amou, mas Jesus concedeu essa
glória aos discípulos e esses creram nele. A unidade originária se abre no acolher aos ou
tros, que se tomam um a só coisa também eles ‘em nós', ‘como nós’, ‘a partir do momento
que somos uma coisa só'; cf. ibid., 198s. Ver Y. SIMOENS, La gloire d’aimery Structures
stylistiques et interprétatives dam le Discours de la Cène Qn 13- 17) Roma, 1981, 248: “‘Um ',
na relação ao Pai e a Jesus, eles recebem com o dom a glória que define a identidade mesma
de Deus”. Ver também GS 24, embora o texto não se refira diretam ente à introdução dos
homens na unidade divina.
44. Cf. C O N C ÍLIO VATICANO II, L G 1,4, com a famosa citação de S. CIPRIANO
de Cartago, De or. Dom. 23: “de unitate Patris et Filii et Spiritus Sancd plebs adunata”. Cf.
também TERTU LIA N O , De Bapt. 6,1 (C C L 1,282): “Ubi tres, id est pater e t filius e
spiritus sanctus, ibi Ecclesia, quae trium corpus est”.
374
“UNHAS IN TRINITATE'. DEUS UNO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E MODOS DE ATUAÇÃO
45. Cf. F. X. DURRW ELL, ÜEspritSamtdeDieu, Paris, 1983,22s; ID .,U Père. Dieu
en son mystère, Paris, 1988,28: “O poder, a glória e o Espírito são inseparáveis’.
46. Cf. JU ST IN O , Dial.Trypb. 49,2-3 (BA C116,383); cf. J. P. MARTIN, EIEspíritu
Santo en los orígenes dei cristianismo, 196-200, sobre a relação entre esses conceitos e também
com os de kbáris e dynamis; IR IN EU de Lion, Ado. Haer. IV 14,1-2 (SCh 100, 538-546).
Tanto a glória com o o Espírito Santo operam a comunicação com Deus; HILÁRIO de
Poitiers, In M t 2, 6-, 12,23 (SCh 254-110; 172). 7r.ft. 56,6 (CSEL 22,172); AMBROSIAS-
TER, Com. 2Cor 3,18 (CSEL 8 1 ,2 19s). A passagem mais interessante é a de GREGÓRIO
de N issa, Hom. in Cant. XV (PG 44, 1.117): “O vínculo dessa unidade é a glória (cf. Jo
17,22). P o r outra parte, examinando com atenção as palavras do Senhor se descobrirá que
o Espírito Santo é denominado glória. Diz assim, com efeito, Dei-lbes a glória que meétste
(Jo 17,22). Efetivamente tinha lhes dado aquela mesma glória quando lhes disse: Rccjki o
Espírito Santo (Jo 20,22)”.
47. A partir de consideração semelhante observa PANNENBERG, op. d t , 466, que
no Pai enquanto origem e no Espírito Santo como amor (essênda comum) é mais mani
festa a essênda divina, a “divindade em seu conjunto”.
375
DA “ECONOMIA" À TEO LO G IA "
376
'UNITAS IN TRINITATE". DEUS UNO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS DE ATUAÇÃO
52. Cf. C IC 233; já Catbecimus Romanus D 2,10; cf. KASPER, op. d t , 3S9.
53. O s manuais recentes diferem notavelmente na atenção concedida a esse tema.
Dedica-lhe espaço m uito considerável SCHEFFCZYCK, op. d t., 419-507, depois de ha
ver tratado dos problem as essenciais da teologia trinitária. M uito mais brevem ente
STAGLIANÒ, op. d t., 597-601; GRESHAKE, op. d t., 214-216; ambos sublinham o ca
ráter trinitário dessas propriedades
54. Cf. G REG O RIO de Nissa, Contra Eunomio, m ,l, 103 (JA EG ERII, 38). Vale a
pena reproduzir um texto de PANNENBERG, op. d t., I, 368: “Os grandes desvarios no
campo do conhecim ento de Deus não se produzem quando os homens são consdentes de
que seu entendim ento está sempre abaixo da grandeza desse objeto, mas quando tomam
equivocadamente suas limitadas idéias pela coisa mesma”.
55. STb I 2, começo. Mas de D eus podemos também fazer proposições afirmativas:
STb 1 13,12. Cf. JOÃO DAMASCENO, Defide ortbod. 1 2.4 (PG 94, 793. 799).
377
DA “ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
conhecê-lo perfeitam ente segundo sua essêndaS6. Talvez por essa razão
encontrem os freqüentem ente elencos de propriedades de Deus, longas
enum erações que indicam que com uma só expressão não se pode abarcar
D eus. Essas propriedades divinas deduzem-se na Escritura dos modos e
atuação de D eus e formam um todo com elas. Evidentem ente, tampouco
com muitas palavras se esgota a imensidade divina, mas não há dúvida de
que a enumeração e a diversidade de aproximações ajuda a dar a impressão
mais viva de que nos encontram os diante do que nos ultrapassa. Assim já
o fez a Escritura. E precisamente a riqueza transbordante do amor de Deus
a que se m anifesta na abundância das propriedades divinas, que não são
mais do que um a articulação daquela idéia central. D e modo algum deve
mos pensar que essas longas enumerações se oponham ao princípio da
simplicidade divina. E antes a impossibilidade humana de captá-la real
m ente que obriga a uma pluralidade de aproximações.
Nas páginas a seguir não pretendemos um estudo exaustivo dessa ques
tão. Contentam o-nos com algumas indicações sobre os ensinamentos da
Bíblia e da tradição, para depois passar a refletir sobre os problemas atuais
em tom o da imutabilidade e da impassibilidade divinas.
56. STb I q .l, a.2. Sobre a incompreensibilidade de Deus nos apologetas, pode-se ver
PANNENBERG, Die Aufhahme des philosophischen G ottesbegrifls ais dogmadsches
Problem der Érühchrisdlichen Theologie, in Grmdfragen systematiscber Tbeologie, G õttm gen,
1967, 296-346, 332ss; cf. também BASILIO de Cesaréia, De Fide (PG 31,681): “N em as
palavras podem descrever nem a mente pode abarcar a majestade e a glória de Deus; não
podem ser expressas nem com uma palavra nem com um conceito, nem podem ser com
preendidas com o são”.
378
"UNÍTAS IN TRINITATE". DEUS UNO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E MODOS DE ATUAÇÃO
tua juventude se renova como a águia. Javé é o que faz obras de justiça e
outorga o direito aos oprimidos... Clemente e compassivo, Javé, tardo para a
cólera e cheio de amor; não se zanga etemamente nem para sempre guarda
rancor...
vêem tudo, suas pálpebras exploram os filhos de Adão (SI 11 [10],4; cf.
14[13],4;Jr 23,24).
A permanente onisciênda de Deus é posta em relevo em Sr 42,18-20:
“Ele sonda o abismo e o coração humano, e penetra seus cálculos secretos.
Pois o Altíssimo penetra todo saber e fixa seus olhos nos sinais dos tempos.
Anuncia o passado e o futuro, e descobre os vestígios das coisas secretas...”.
Deus não passa, existe desde sempre e para sempre, diferentemente de suas
obras; SI 102[101],25-28: “De idade em idade duram teus anos. Desde os
tempos remotos fundaste a terra, e os céus são a obra de tuas mãos: eles
perecem, mas tu ficas. M as tu és sempre o mesmo, não têm fim teus anos”.
Por isso Deus é chamado com freqüênda a “rocha”, metáfora que exprime a
solidez do apoio que oferece ao homem (cf. SI 18[17],32, entre outras muitas
passagens). A eternidade do amor e o poder de Deus estão expressos no Salmo
136[135] que contempla em um olhar de conjunto a criação do mundo, a
libertação do Egito e o cuidado amoroso de Deus por suas criaturas57.
M uitos desses temas encontram-se reunidos em um texto do Ecle
siástico (Sirácida):
O que vive etemamente tudo criou por igual
Só o Senhor será chamado justo.
A ninguém deu o poder de proclamar suas obras
pois quem poderá rastrear suas maravilhas?
O poder de sua majestade, quem o calculará?
Quem poderá contar suas misericórdias?
Nada há que tirar, nada que acrescentar
e não se podem rastrear as maravilhas do Senhor.
Quando o homem crê acabar, então começa,
quando pára, fica perplexo...
A misericórdia do homem só alcança o seu próximo,
a misericórdia do Senhor abarca o mundo todo.
(Sr 18,1-7.12).
57. C f, para m aior inform ação, ROVIRA BELLO SO , op. cit., 253-292; E A. PAS
TO R , La lógica de lo inefable. Una teoria teológica sobre el lenguaje dei teísmo cristiano, Roma,
1986, 131-147; O , González de CARDEDAL, La entraria dei cristianismo, Salamanca,
1977, 43-59.
380
“UNITAS IN TRINITATE”. DEUS U NO NA TR INDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS DE ATUAÇÃO
mundo. Por isso convém a Deus. Mas essa separação implica a inexistência
de pecado e de impureza. Assim a santidade é a expressão do mistério
divino, é o bem e a bondade do mesmo Deus, que se converte em misté
rio de salvação enquanto essa santidade é comunicada. Duas vezes no livro
do Levítico (Lv ll,4 4 s; 19,2) diz-se que essa santidade deve ser imitada
pelo homem. Se em uma ocasião trata-se antes de preceitos de natureza
ritual (primeiro texto), na segunda passagem a imitação da santidade de
Deus identifica-se com o cumprimento dos mandamentos divinos: no res
peito aos pais, na observância do sábado, na abstenção da idolatria. Deus
jura por sua santidade, que parece assim identificar consigo mesmo. (cf.
Am 4,2). A santidade de Deus mostra-se sobretudo no am or e na miseri
córdia: Os 11,9: “N ão executarei o ardor de minha cólera, não tom arei a
destruir Efraim, porque sou Deus e não homem: em m eio de ti eu sou o
Santo e não gosto de destruir”. H á, pois, uma relação intrínseca entre a
santidade de Deus e seu amor misericordioso pelos homens. A santidade
tem relação com o poder e a majestade de Deus (Is 6,1-6) mas não se trata
de um poder destruidor, e sim de seu am or que salva perdoando. Por essa
razão, Deus enquanto salvador58 converte-se no santo de Israel (cf. Is 1,4;
10,20; 43,3.14)59.06
O Novo Testamento não nos oferece uma lista tão grande de pro
priedades divinas. Mas alguns desses elementos repetem-se. O rosto de Deus
deve ser visto em Jesus. Em suas palavras, em suas ações, revela-nos a bonda
de e a misericórdia de Deus (cf. por exemplo, as três parábolas em Lc 8,38-
49; Lc 15: da ovelha perdida, da dracma perdida e do filho pródigo); por isso
prefere os pobres e abandonados, os publicanos e os pecadores. Da miseri
córdia de Deus fala-se expressamente em Lc 1,45.78 (cf. também 6,36**,
entre outras passagens). Deus é “rico em misericórdia” (E f 2,4).
A onipotência de Deus está expressa também com clareza: “Tudo é
possível para Deus” (Lc 1,37; cf. M t 19,26). Deus faz valer sua onipotência
para salvar os homens. Deus é, segundo o Apocalipse, “o que é, o que era,
o que há de vir” (Ap 1,4.8; 4,8); são claras as reminiscências de Ex 3,1461.
As vezes, em conexão com as expressões do Apocalipse que acabamos de
mencionar, aparece repetido no mesmo livro o qualificativo pantocrator,
381
DA “ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
que a tradição usará com tanta freqüência (Ap. 1,8; 4,8; 11,17; 15,3; 16,7.14;
19,6.15; 21,22; cf. 2C or 6,18). Em alguns desses mesmos contextos Deus
é chamado o “santo” (Ap 4,8; 6,10; 3,7; 15,4; 16,5a ). Repete-se a expressão
em outras passagens do Novo Testamento, com referência a Deus (cf. Jo
17,11; lP d 1,15; ljo 2,20) e também a Jesus (Cf. Lc 1,35; M c l,24;Jo 6,29;
A t 3,14; 4,27). Deus Pai e também Jesus, segundo o Apocalipse, são “o
prim eiro e o último” (Ap 1,6; 1,17; 2,8; 21,6; 22,13); é uma expressão que
pode sem dúvida relacionar-se com a eternidade divina. Para Deus, “mil
anos são como um dia e um dia como m il anos” (2Pd 3,8; cf. SI 90[89],4).
A eternidade divina aparece também em Rm 16,26.
Deus é “invisível” ainda que dado a conhecer por Jesus: cf. Jo 1,18;
C l 1,15; lT m 1,17; 6,15s. É im ortal (cf. lT m 1,17; 6,16); incorruptível
(Rm 1,23, cf. Sb 2,2 3s). É igualmente o “Altíssimo”; assim, segundo Lc
1,32, Jesus é o “Filho do Altíssimo” e o Espírito é a força dele (cf. Lc
1,35; cf. também A t 7,48; M c 5,7 = Lc 8,28). A transcendência divina fica
assim firmemente acentuada. Mas ao mesmo tem po os hom ens podem
chegar a ser “filhos do Altíssimo” segundo a palavra de Jesus em L c 6,35
(cf. SI 82[81],6).
Além disso, Deus é “bom ”, mais ainda, é o único a quem convém
propriam ente esse q ualificativo (Mc 10,18). É veraz, o único que possui a
justiça (cf. Rm 3,4-5).
Poderíamos seguir ainda essa enumeração, mas facilmente poderia
tom ar-se um simples acúmulo de dados. E interessante notar que muitas
dessas características e propriedades de Deus, que indicam claram ente sua
transcendência sobre todo o criado, podem ser comunicadas aos que crêem
em Jesus sem que a transcendência divina se questione em absoluto. Em
Jesus podemos ser participantes da justiça de Deus (cf. Rm 3,26). Nele
temos acesso à vida que somente Deus é, à vida etem a que é participação
da eternidade mesma de Deus (cf. Jo 6,39s.54-58). Nele também partici
pamos do amor divino (Cf. ljo 4,7-21). Para o que crê “tudo é possível”,
como nada há de impossível para Deus, salvas todas as distâncias (cf. Mc
9,23; M t 21,21 = M c 11,23). Essas duas dimensões das propriedades divi
nas vão juntas no N ovo Testamento, que por uma parte continua subli
nhando, como o Antigo Testamento, a transcendência divina, mas ao mesmo
tem po nos fala da participação na vida de Deus (cf. Jo 10,34; SI 82 [81],6:
“sois deuses”) pela ação salvadora de C risto e pelo dom do Espírito. A
proximidade de Deus pode ser salvífica precisamente porque supera infirn-26
382
"UNHAS IN TRINITATE”. D EUS UNO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M O D O S D E ATUAÇÃO
63. CLEM ENTE Romano, Ad Cor. 60.1 (FP 3,148s); também Ibid. 59,3: “... para
conhecer-te a ti, o único Altíssimo nas alturas, o Santo, que descansas entre os santos, que
hum ilhas a soberba dos orgulhosos, que enriqueces e empobreces, que matas e fazes viver,
que crias a vida, que vês nos abismos, testemunhas as obras humanas, e socorres os que
estão em perigo...”. Notemos o caráter de invocação que têm essas enumerações das pro
priedades divinas, inspiradas nas orações bíblicas; cf. ROVIRABELLOSO, op. cit., 336.0
m esm o veremos em outros textos.
383
DA "ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
384
■UNHAS IN TR IN ITATE'. D E U S U N O NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS DE ATUAÇÃO
385
D A 'ECONOM IA" À 'TE O LO G IA '
386
"UNHAS IN TRIN ITATE'. DEUS UNO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M O D O S DE ATUAÇÃO
Falamos há pouco das limitações que nos faz sentir nossa experiência,
tanto na ordem física como na ordem moral. Deus está livre de umas e de
outras. Mas aqui devemos deter-nos brevemente. Com efeito, a tendência
legítima e justificada de negar em Deus qualquer limitação leva a pensar
que existe na perfeição pura, de que há de excluir-se toda mudança e todo
sofrimento. Vimos que segundo o Vaticano I Deus é imutável75 e perfeita
mente feliz, e não criou o mundo nem para adquirir felicidade nem para
aumentá-la. Deve ficar claro que todas essas afirmações têm um sentido
óbvio, são vinculantes para nós e portanto não são objeto de discussão. O
problema é se com elas se disse tudo. Porque se pode e se deve acrescentar
outras considerações, que de modo disperso já apareceram no decurso de
nossas exposições anteriores: em seu am or pelos homens, o Filho de Deus,
obediente à vontade do Pai, encam ou-se e sofreu a paixão e a morte igno
miniosa da cruz. N ão podemos duvidar de que o que sofre e morre é o
Filho de Deus, ainda que seja certam ente enquanto homem76. Essa é a
consequência inevitável que se deduz da unicidade do sujeito em Jesus, que
assumiu hipostaticamente a humanidade.
A reflexão patrística chegou à idéia da apatbeia de Deus para excluir
dele todas as paixões e todos os sofrimentos humanos, em clara oposição
à visão da mitologia grega. Mas essa não foi sua única palavra. Citam-se
com freqãência alguns textos de Orígenes, em que, partindo da kenose do
Filho, que sofreu por nós a “paixão da caridade”, chega-se a afirmar que
também o Pai, o Deus do universo, sofre de alguma maneira, toma sobre
si, como fez Jesus, nossa maneira de ser. Assim, ao compadecer-se de nós,
coloca-se por amor em uma situação incompatível com a grandeza de sua
natureza ao tomar sobre si, por nós, os sofrimentos humanos77. Claro que
75. Já o declarou o Concílio de N icéia (DS 126) e também o XVI de Ibledo, de 693
P S 569).
76. N otem os a fórm ula, referida certam ente a Jesus, de INÁCIO de Antioquia, Ad
Rom. 6,3 (FP 1, 156-157): “Perm ití-m e ser im itador da paixão de meu Deus”.
77. Hom. Ez. 6,6 (SCh 352,229-231). “Em primeiro lugar, sofreu porque desceu e se
manifestou. Q ual é portanto essa paixão que sofreu por nós? A paixão da caridade. E o Pai
mesmo, Deus do universo, cheio de indulgência, de misericórdia e de piedade, não é ver
387
DA “EC O N O M IA ” À “TEOLOGIA“
dade que sofre de alguma maneira? Ou ignoras que enquanto se ocupa de assuntos huma
nos experimenta uma paixão humana? Deus toma sobre si teus modos de ser, o Senhor teu
Deus, com o um homem toma seu filho sobre si (cf. D t 1,31). Deus toma portanto sobre si
nossos modos de ser como o Filho de Deus tomou nossas paixões. O Pai mesmo não é
impassível. E, se se roga a ele, tem piedade, se compadece, experimenta uma paixão de
caridade, e se coloca em uma situação incompatível com a grandeza de sua natureza, e por
nós tom a sobre si as paixões humanas”. C f, também, Hom Ez. 13,2 (SCh 352,411); Com.
Mt. 10,23 (SCh l62,259); Selm Ez. 16(PG 13,812). Vêr ainda o breve, porém substancial,
estudo de M . FÉDOU, La “souflrance de Dieu” selon O rigène, em E. A. LIV1NGSTONE
(ed.), Studia Patrística XXVI, Louvain, 1993, 24Ó-250.
78. C f FÉDOU, op. d t.
79. C f ORÍGENES, SeL In Ezecbielem 16 (PG 13,812); também HILÁRIO de Poitiers,
Tr. Ps. 149,3 (CSEL 22, 867-968), pensa que a imutabilidade divina se “tem pera” com a
mutabilidade humana, em concreto com a penitênria e a conversão.
80. C f Pmskgion V ffl (ed. SCHM ITT, 1 ,106).
388
"UNITAS IN TRINITATEV DEUS U NO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS DE ATUAÇÃO
389
DA “ECONOMIA" À "TEOLOGIA"
83. Cf. nota 7. Os textos citados se encontram nas páginas 24-26 do texto espanhol
e nas páginas 20-24 do texto latino.
84. DS 293: “Inclinatio fiiit miserationis, non defectio potestatis”. Refere-se o texto
diretamente à Encarnação. Mas parece justo tom ar desse acontecimento os critérios para
entender toda a atuação de Deus em relação aos homens. E meu esse com entário entre
parênteses.
85. Cf. João Paulo II, Dives m misericórdia, 7 AAS 72. 1980, 1.199ss.
390
“UNITAS IN TRINITATE". DEUS UNO NA TRINDADE. SUAS PROPRIEDADES E M ODOS DE ATUAÇÃO
Por isso, nas expressões da Sagrada Escritura e nas dos Padres, e nas tenta
tivas modernas que se deve purificar no sentido explicado, certamente há
algo a reter.
86. Domimtm et vivificantem, 39; ibid., antes da passagem citada no texto: “Ele ‘con
vencerá no que se refere ao pecado’ Qo 16,8)— N ão deverá revelar a dor, inconcebível e
indizível que, como conseqüência do pecado, o Uvro Sagrado parece entrever... nas profun
didades de Deus e, em certo modo, no coração mesmo da Trindade?”. Também, ibid., 41:
“Se o pecado gerou o sofrim ento, agora a dor de Deus em Cristo crucificado recebe sua
plena expressão humana p o r meio do Espírito Santo. D á-se assim um m istério paradoxal
de amor: em Cristo sofre Deus rejeitado pela própria criatura”. Cf. tam bém DM 4.5.8.
87. Por uma parte a revelação Bíblica deve corrigir as idéias que possamos formar
filosoficamente de Deus. M as o conhecim ento filosófico, já que a fé há de ser racional,
pode às vezes criticar tam bém as imagens apressadas que podem julgar-se legitimadas pela
revelação (cf. D . SATTLER; T h. SC H N EID ER , D ottrina su Dio, in T h . SCHNEIDER
(ed.), Nuovo corso di dogmatica, Brescia, 1995,1 65-144, 130.
391
12
O conhecimento “natural” de Deus
e a linguagem da analogia
393
DA “ECONOMIA" À TEOLOGIA"
2. Para uma análise detalhada do texto, v erj. VÍLCHEZ LÍN D EZ, Sabiduria, Estella,
1990, 348-362; mais brevemente, J. R. BUSTO, Lajusticia es mmortal. Una lectura dei libro
de la Sabiduria de Salomon, Santander, 1992, 115s; Ph. MÜLLER. W eisheit 13, 1-9 ais
“locus classicus” der naturalischen Theologie, MünTbZ 46 (1995) 395-407.
3. Também o Antigo Testamento conhece o caso daqueles para quem Deus não con
ta, que agem como se não existisse (cf. SI 10[9],3s; 14[13],1).
4. A seção seguinte será ocasião de aprofundar esse tmna.
5. AGOSTINHO, Conf. X 27,38 (CCL 27,175): “Retinham-me longe de ti aquelas
coisas que não teriam existido se não existissem em ti”.
394
O CONHECIMENTO "NATURAL” DE DEUS E A LINGUAGEM DA ANALOGIA
2. 0 Vaticano I e o Vaticano II
396
O CONHECIM ENTO ’ NATURAL" D E D EU S E A UNG UA G EM DA ANALOGIA
natural de Deus não existe, a fé mesma tom a-se impossível. A fé seria cega.
E claro que não se trata de que esse conhecim ento a partir da realidade
criada seja prévio cronologicamente ao contato com a revelação ou com a
fé. Antes, é a própria fé que inclui um certo conhecimento natural de Deus
que não precisa ser formulado expressa e reflexivamente11. Em segundo
lugar devemos ter presente que se trata da afirmação de uma possibilidade,
de uma quaestio iuris, e não de fato. Já vimos como os textos bíblicos, que se
situam em outro contexto, não são otimistas quanto aos resultados efetivos
dessa “revelação” de Deus na criação. O próprio Concílio Vaticano I parece
seguir essa linha quando, depois do texto citado, observa que há verdades
acerca de Deus que não são de si inacessíveis à razão, mas no estado atual da
condição humana não podem ser conhecidas por todos facilmente ou com
certeza ou sem mescla de erro (cf. DS 3.005)12.
A que se refere o Concílio quando fala da luz natural da razão e por
tanto, indiretam ente, da “natureza” humana? Trata-se de uma afirmação
abstrata, que não quer entrar no problema dos estados em que o homem
tenha podido encontrar-se e fazer uso de sua razão. Não se trata portanto,
em concreto, da natureza decaída, nem também da “natureza pura”. A
natureza, no contexto, parece identificar-se com a criação: é o Deus cria
dor, princípio e fim de todas as coisas, que pode ser conhecido pela razão
natural a partir das coisas criadas13. O conhecimento natural distingue-se,
portanto, nesse contexto, do que o homem adquire pela revelação que tem
lugar em Jesus, já preparada pelo Antigo Testamento. O Concílio distin
gue com clareza duas ordens de conhecimento (cf. DS 3025).
O Concílio afirma que com a razão natural Deus pode ser conhecido
com certeza, certo cognosci posse. Rejeitou-se expressamente o acréscimo et
demonstrar,i14. Preferiu-se uma formulação mais suave, embora com o certo se
excluísse um conhecimento meramente subjetivo, não repousando sobre uma
397
DA -ECONOM IA” À TEOLOGIA"
15. Cf. POTTM EYER, op. d t., 187,202; BALTHASAR, El comino de acesoa la realidad
de Dios, in MySal ü , 1, M adrid, 1969, 41-74, 57s. Faz amplo uso dos textos do Vaticano I
o CEC 36-38.
16. PO TTM EY ER, op. d t., 199, observa que nessas atas conciliares aparece com
freqüênda a expressão manifistatio naturalis. N o Vaticano II introduz-se também o tem a
neotestam entário da criação mediante o Verbo. Cf. também C l 1,15-18; lC or6,8; H b 1,2.
N o entanto se evita a terminologia “natural-sobrenatural”.
17. Com efeito, não sendo a criação como tal uma chamada à partidpação da vida
divina, por m eio dela não se pode conhecer a Trindade. A p artir da criação, Deus aparece
como um só printípio de todas as coisas. Por meio dela se conhece o que pertence à única
essência divina, não o que pertence à pluralidade das pessoas; cf. TOMAS DE AQ U IN O ,
STb 1 32,1.
18. Cf. Catecismo da Ignja Católica, 258 (nota 2 do capítulo 2) e também 290-292.
Sobre a história da questão L. F. LADARIA, Dios creador dei delo y de la tierra, em B.
SESBOÜÉ, Historia de los Dogmas, Salamanca, 1996, v. 2, 29-73.
398
O CONHECIM ENTO “NATURAL“ DE DEUS E A UNG UAGEM DA ANALOGIA
modo ao Deus que cria para salvar-nos, que cria m ediante seu Filho que na
plenitude dos tempos nos salvará, assumindo a condição humana.
Não se pode excluir (ao contrário, deve-se pensar) que o caminho que
leva ao conhecimento “natural” de Deus seja, ao menos em muitos casos,
um caminho guiado e orientado pela graça; por meio desse conhecimento
o homem é conduzido, embora de modo imperfeito, para seu último e
único fim19. Conhecimento natural de Deus não significa um conhecimen
to que nada tenha a ver com o Deus da salvação. A revelação de Deus na
criação e a revelação que culmina em C risto não devem ser confundidas.
Mas não devem ser separadas20. Devido à unidade do desígnio divino que
abraça a criação e a salvação do homem, e vê nesta últim a o sentido pro
fundo da prim eira, parece difícil pensar que a prim eira manifestação de
Deus na criação, de feto, nada tenha a ver com a últim a finalidade do
homem. Esse conhecimento funda-se em uma manifestação de Deus, em
uma iniciativa divina e não tem por que não estar guiado por Deus mesmo
em todo o seu processo. O conhecimento “natural” de Deus, na ordem
concreta em que nos achamos, não é, pois, o conhecimento de Deus na
hipotética “natureza pura”21. E o conhecimento ao qual, com todas as di
ficuldades que temos visto, aludem a Escritura e o M agistério da Igreja, é
no entanto possível a partir da criação. Essa é a prim eira manifestação de
Deus que, na ordem concreta em que nos encontramos, tende já para a
399
DA "ECONOMIA" À “TEOLOGIA"
22. Cf. Ibid., 7: essa prenoção em C risto se supera e alcança um cum prim ento que vai
além dos desejos do homem.
23. VATICANO I, Dei Filius (DS 3.008) “... plenum revelanti Deo intellectus er
voluntads obsequium fide praestare tenem ur”; (DS 3.009): “U t nihilom inus fidei nostrae
‘obsequium rationi consentaneum ’ (cf. Rm 12,1) esset...”; cf. também DS 3.035; Vaticano
II. DV 5: “Quando D eus se revela deve-se prestar-lhe a obediência da fé (Rm 16,26; cf. Rm
1,5; 2Cor 10,5-6) pela qual o homem se confia inteira e livremente a Deus, prestando ‘a
Deus que se revela a homenagem do entendim ento e da vontadem (Dei Filius). Cf. também
Vaticano IIA A 4: “Som ente com a fé... se pode conhecer sempre e em todo lugar a Deus”.
JOÃO PAULO II, op. d t , 13.
24. Cf. P. GELBEKT, Prouver Dieu e t espérer en lui, NKTb 118 (1996) 690-708.
25. X. ZUBIRI, Elbombrey Dios, M adrid, 1984,196: “Porém a fundamentalidade de
Deus é, segundo vimos, doação pessoal. Em sua virtude, o homem acede religadamente a
Deus em uma tensão que tem um caráter sumamente preciso: uma tensão que é o correlato
humano da tensão donante, a saber, a tensão em entrega. À doação corresponde a entrega.
A forma plenária do acesso do homem a Deus é ‘entrega’”; cf., também, ibid., 197; 209;
239; 258: “Todo conhecim ento de Deus é o traçado do âmbito de uma possível entrega,
porque Deus é realidade fundamentante do nosso Eu, e, portanto, seu conhecimento abre
em e por si mesmo a área de minha fundamentalidade. E ntre conhecimento e fé em Deus
existe, pois, uma unidade que não é de mera convergência, mas sim uma unidade intrínseca
e radical”. BALTHASAR, op. d t., 323: “O Espírito humano já está por natureza tão ple
namente sujeito e submisso a seu Criador e Senhor que seu ato fundamental, já na esfera
da natureza e antes de que se deva falar de revelação pela palavra, não pode ser nenhum
outro senão algo sem elhante à fé”. Por isso, quando se pede ao homem a fé ante a revelação
divina, não se lhe pede algo irradonal ou contrário à sua natureza.
26. C. AMBROSIASTER, Com. Ep. Rom., I, 19 (PL 17,57): “opus fe d t per quod
possit agnosd per fidem ”.
400
0 CONHECIM ENTO -NATURAL’ DE DEUS E A LING UAGEM DA ANALOGIA
A QUESTÃO DA ANALOGIA
27. A G O STIN H O , Stdil. I, 3 (PL 32,270): “Deus quem nemo quaerit nisi admonitus”.
Cf. também ANSELM O, Prvslogion, 1 1 (SCHMTTT, V. 1, 97-100).
28. Cf. M. SCHM AUS, Dogmatik I, M unique, 1948, 204, L. SCHEFFCZYC, Der
Gottder Offenbarung, Aachen, 1996,70. N esse pont» parece existir um notável consenso na
teologia católica. JO Ã O PAULO II, fárcare le sogfie delia speranza, M ilão, 1994,31, observa
também que a resposta à pergunta sobre a existência de Deus não é só questão de intelecto,
mas também da vontade do homem, e mais ainda de seu coração.
29. Cf. PLATÃO, Tmteu 31-32 (Plat. W erke 4,40-42); ARÍSTOTELES, Metafísica
IV 2 ,1.003a 32-b7 (E d., G. REALE, 130-132[Edição brasileira, Loyola, 2002, v. H, B I
OS]). C f, para todo o prim eiro segmento deste capítulo, GILBERT, La patience d'être.
Métaphysique, Bruxelas, 1996, 91-107.
30. TOMÁS D E AQUINO, Sunsmacontra Gentes, 2,18: “Creatio est ipsa dependentia
esse créa ti a principi a quo instituitur, et sic est de genere relationis”.
401
D A “ECONOM IA" À TEO LO G IA ’
31. Terminologia iniciada por Caetano e Suarez. Santo Tomás não a usa diretam ente,
mas fala antes que “ens est analogicum”, “nomina dicuntur de Deo et creatura secundum
analogiam, id est, proportionem ”, “ens analogice d id tu r”; c£ STh I 13, 5 corpus e ad 1;
ibid., 10, ad 4, entre outros lugares. A expressão foi popularizada no século XX na teologia
pela obra de E. PRZYWARA, Analoga entis, M unique, 1932; de novo em Analogia entis.
Metaphysik. Ur-Struktur und All-Rhytmus, Einsiedeln, 1962. A ele atribui-se erroneam ente
a paternidade da expressão. Cf. J. Tèrán DUTARI, Die Geschichte des Terminus “Analo
gia entis” und das W erke Przywaras. Dem D enker der “Analogia entis” zum achtzisten
G eburtstag. PhilosophischesJahrbuch 77 (1970) 163-179.
32. TOMÁS DE A Q U IN O , STb 1 13,5: “Iste modus communitatis medius est inter
puram aequivocationem e t simplicem univocationem”.
402
O CONHECIM ENTO ■NATURAL’ DE DEUS E A LINGUAGEM DA ANALOGIA
33. Cf. W. KASPER, Der Gattjesu Cbristi, 125; cf. (com um a referência direta à
relação do homem com Deus) K. RAHNER, Grundkurs des Glaubens, Freiburg-Basel-W ien,
1976,80.
34. ARISTOTELES, Metaßsia, op. d t. Santo Tomás serviu-se também desse exem
plo {STh 1 13,5): “sicut multa habent proportionem ad unum, sicut sanus dicitur de medi
cina e t urina in quantum utrum qque habet ordinem et proportionem ad sanitatem animalis,
cuius hoc quidem signum est, illud vero causa; vel ex eo quod unum habet proportionem
ad alterum , sicut sanus dicitur de medicina et de anim ali, in quantum m edicina est causa
sanitatis quod est in animali.... Significat proportionem ad aliquid unum; sicut sanum, de
urina dictum, significat signum sanitatis animalis, de medicina vero dictum, significat cau
sam iusdem sanitatis”.
35. GILBERT, op. d t., 93-94.
403
DA “ECONOM IA" À “TEOLOGIA"
são” se realiza de modo mais pleno. Mas em todos os casos há uma refe
rência à “saúde”, da qual participam de maneira diversa e relativa os sujei
tos concretos. A “saúde” não é um a realidade, mas um predicado ideal ou
máximo que se relaciona com muitas realidades, e se aplica mais ou menos
segundo os casos. O analogado não é um termo fixado definitivamente
cujo sentido se realiza para sem pre da mesma maneira. “O atributo análo
go une todos os sujeitos sob um a forma ideal, mas é significado de m aneira
proporcional a suas aplicações concretas. Não se trata portanto de um
conceito cujo sentido se realiza de uma vez para sempre.”56
Esse exemplo da tradição aristotélica é usado por Sto. Tomás, sem
tirar entretanto ulteriores conclusões, para justificar a linguagem “análo
ga” — não unívoca nem equívoca — sobre Deus:
Desse modo algumas coisas dizem-se de Deus e das criaturas analogicamente,
não de modo puramente equívoco nem também unívoco. Pois não podemos
falar de Deus senão a partir das criaturas... Tudo o que se diz de Deus e das
criaturas diz-se enquanto há uma certa ordenação da criatura a Deus, como
a seu princípio e causa, na qual preexistem de maneira excelente todas as
perfeições das coisas57.
404
O CONHECIM ENTO "NATURAL” DE DEUS E A LINGUAGEM DA ANALOGIA
405
DA "ECONOM IA” À "TEOLOGIA"
43. Cf. De Veritate, 2,3, ad 4, citado por GILBERT, op. d t., 106. BOAVENTURA,
In II Sent. 16, 1,1 ad 2: “in convenientia proportionis non est similitudo in uno, sed in
duabus comparationibus”
44. GILBERT, op. d t., 197: “Se o existir finito se exerce em uma essênda finita, o
existir infinito se exerce em uma essência infinita”.
45. Cf. PRZYWARA, op. d t., 137: “tudo reduz-se ao últim o e irredutível Prius de
Deus”. Cf. Ibid., 138ss; 210. Os três passos clássicos da linguagem humana analógica sobre
Deus são a afirmação em Deus das perfeições e bens deste m undo; a negação das lim itações
dessas perfeições em Deus; a eminência, as perfeições que observamos no mundo, livres de
suas limitações, existem em Deus em um grau em inente, que excede toda compreensão
adequada das mesmas por nossa parte; cf. TOMÁS D E A Q U IN O , De Potentia, q.2, a5.
46. Trata-se de uma propordonalidade misteriosa, “porque entre as grandezas que se
comparam, a segunda permanece ignota em sua essência: Deus e seu ser”: ROVIRA
BELLOSO, op. d t , 321.
406
O CONHECIM ENTO "NATURAL" DE DEUS E A U NG UAG EM DA ANALOGIA
47. DS 806: “Q uia inter creatorem et creaturam non potest similitudo notari, quin
inter eos maior sit dissim ilitudo notanda”. £ interessante o contexto em que essa frase se
situa, e os exemplos evangélicos que nele se aduzem: não podem reduzir-se a um denomi
nador comum a união dos cristãos com C risto e a união entre o Pai e seu Filho (cf. Jo
17,22). Nem tampouco a perfeição de Deus e a dos homens chamados a imitar a perfeição
divina (cf. M t 5,48). Cf. DS 803; 804, Deus é “incompreensível e inefável”. Cf. PRZYWARA,
op. cit., 251-261.
48. Já conhecemos a sentença de D IO N ISIO Areopagita, De Coei. Hier.y II 3 (ver
nota 69 do capítulo anterior): BASÍLIO de Cesaréia, Hom. DeFide (PG 31,464), cf. tam
bém a nota 56 do capítulo anterior; AGOSTINHO, De Trrn. V 1,2 (CCL 50, 207) “pie
tamen cavet, quantum potest, aliquid de eo sentire quod non sit”; Ibid. V II 4,7 (255); Sermo
52,6 (PL 38, 360). “Si ennim quod vis dicere, si cepisti, non est Deus: si comprehendere
potuisti, cogitatione tua te decepisti. Hoc ergo non est, si comprehendisd; “si autem hoc
est, non comprehendisti”. TOM ÁS DE A QUINO, STb I, 1,7; I 2, prol.: “primo con-
siderandum est an D eus sit; secundo quomodo sit, vel podus quomodo non sit”; I 13,1:
“...non tamen ita quod nomen significans ipsum , exprimat divinam essendam secundwn
quod est”; 1 13,2 etc. Mas não pode haver negação sem um certo conhecimento: Pot. q.7,
a 5; VATICANO I, Dei Filius (DS 3.016) “At ratio quidem, fide illustrata, cum sedulo, pie
et sobrie quaerit, aliquam Deo dante m ysterionun intelligentiam eamque fhictuosissimam
assequitur, tum ei eorum , quae naturaliter cognosdt, analogia, tum e mysteriorum nexu
inter se e cum fine hom inis ultim o; nunquam tamen idônea redditur ad ea perspicienda
instar veritatum, quae proprium eius obiectum constítuunt”. GREGORIO Nazianzeno,
Or 28,9 (SCh 250,118): “De igual m odo o que se esforça por invesdgar a natureza ‘daquele
que é’ (Ex 3,14), não poderá dizer somente o que não é, senão que, depois de ter dito o que
não é, terá que dizer também o que é”.
407
DA -EC O N O M IA ” À TEO LO G IA "
analogia do ser pode ter dentro do raciocínio teológico que deve partir da
revelação e da fé cristã49.05
49. Com efeito se pôde acusar a doutrina da analogia, e o seu uso teológico, por ter
parddo excessivamente da criação, mas não de Cristo; a relação da fé com a inteligência foi
estudada sem fixar o olhar em Jesus; Cf. A. M ILANO, Analogia C hristi. Sul parlare intom o
a Dio in uma teologia cristiana, Ricercbe Teologicbe 1 (1990) 29-73,29.32s.35.63.
50. Cf. Die Kinblicbe Dogmatik, 1/1, M unique, 1935, VÜI-IX: “Considero que a ana
logia entis é a invenção do Anticristo, e penso que por causa dela uma pessoa não pode
tornar-se católica. £ também me perm ito considerar que os outros motivos que se pode ter
para não se fazer católico são de visão estreita e pouco sérios’’.
51. Cf. Ibid., 40.
52. Ibid., 172s.
53. Cf. Ibid. 252. Barth parece pensar na analogia de proporção. N ão podemos en
trar aqui nos detalhes de seu pensamento. Cf. entre outros estudos, G . POHLM ANN,
Analogia entis oder Analogia fidei. Die Frage nacb der Analogie bei Karl Barth, G õttingen,
1965; H . CHAVANNES, L’analogie entre Dieu et le monde selon saint Thomas d’Aquin et selon
KarlBartíi, Paris, 1969; recentemente, J. PALAKEEL, The useqfanalogy in tbeologicaldiscourse.
An investigation in ecumenicalperspective, Roma, 1995,13-66; A. J. TORRANCE, Persons in
408
O CONHECIM ENTO "NATURAL" DE DEUS E A LINGUAGEM DA ANALOGIA
isso não significa que Barth não faça uso da noção de analogia* 54. À analogia
do ser opõe a analogia fidei. A expressão, como é bem sabido, procede de
Rm 12,6. lem os de lim itar-nos a algumas de suas afirmações fundamentais
sobre o assunto. Sem abandonar a idéia de dessemelhança total entre o
C riador e a criatura, Barth afirma que nessa total dessemelhança permane
ce a possibilidade humana de captar (ergreifen) na fé a promessa de Deus.
Essa capacidade humana não deixa de ter semelhança com a possibilidade
que Deus tem de realizar sua promessa. Essa possibilidade não a tem o
homem em si mesmo, senão a partir do destino que Deus nos deu. Em
virtude dessa capacidade podemos reconhecer a palavra de D eus de uma
maneira segura e clara, certam ente não igual, mas semelhante, à segurança
e à clareza com que D eus se reconhece a si mesmo em sua palavra. H á
portanto na fé uma correspondência do que é reconhecido no conhecer,
do objeto no pensamento, da palavra de Deus na palavra humana. Essa
analogiafidei coloca-se na linha das expressões paulinas que falam do conhe
cer Deus como somos por ele conhecidos (Cf. G14,8s; IC or 8,2s; 13,12).
O homem pode assim conhecer a palavra de Deus enquanto é conhecido
por Deus mesmo55. A fé acontece no homem, mas o seu fundamento acha-
se em Deus, objeto da fé, não no homem. O fato de que o homem creia é
ação de Deus. O homem é o sujeito da fé; não Deus; o homem é o que crê:
Mas esse ser sujeito do homem na fe é como posto entre parênteses, como
um predicado do sujeito Deus, posto entre parênteses do mesmo modo como o
Criador abraça a sua criatura, o Deus misericordioso ao homem pecador; mas
de tal maneira que permanece o ser sujeito do homem, e precisamente o Eu
do homem como tal existe somente desde o Tu do sujeito Deus56.
communion. An essay on trinitarian description and human participation with special reference to
volume one of Karl Barth's Church dogmatics, Edimburgo, 1996,120-212.
54. Cf. entre outros lugares, Kirchliche Dogmatik, 1/1, 252, 255.
55. Cf. Ibid., 256s.
56. Ibid., 258.
409
DA ‘ ECONOM IA’ À “TEOLOGIA’
410
O CO NHECIM ENTO “NATURAL" DE DEUS E A UNGUAGEM DA ANALOGIA
63. A questão foi bem posta em relevo por E. JÜ N G EL, a quem em seguida nos
referimos: Dios como mistério dei mundo, Salamanca, 1984, 367: “Se se tratasse somente de
respeitar a Deus como o-totalm ente-outro, nada seria mais apropriado para conseguir isso
com a reflexão do que a tão vituperada analogia entis. Precisamente por isso não pode convir
a uma teologia que responda ao Evangelho”.
64. Cf. esp., Analogia fidei. Die E inheit in der Glaubenswissenschaft, Catb 3 (1934)
113-136; 176-208; Analogia entis oder analogia fidei, WiWe 9 (1942) 91-100; mais recen-
tem ente, La sabiduria de la teologia p o r el camino de la dencia, M ySall/2, 995-1.070, esp.
1.017s, em que trata de reladonar a analogia do ser católica e a analogia da criação protes
tante na referenda de ambas à analogia da fé.
65. Cf. Karl Bartb... (nota 58).
66. Cf. SÖ H N G E N , Analogia fidei, 208; cf. CANISTRÀ, op. d t , 425.
67. Karl Bartb, 122, dtando KD 7 (m/3, Zurique, 2* ed., 1951) 98-99.
68. Cf. ibid„ 129s; 177.
411
DA “ECONOM IA" À "TEOLOGIA"
412
O CO N HEC IM EN TO “NATURAL” DE DEUS E A LINGUAGEM DA ANALOGIA
73. Cf. BALTHASAR, Theologik II. Die Wahrheit Gottes, 284-288, cap. Intitulado
Verbum-Caro und Analogie, Tbeodramãtica 3y 205ss, por ser a união hipostática a união
definitiva de Deus e do homem, Jesus é a “analogia entis concreta” mas de nenhum modo
pode essa analogia transbordar em direção da identidade (206). Deve-se sempre salvar o
inconfiuse de Calcedônia; cf. G. M ARCHESSI, Lacristologia trinitaria d iH.U. von Balthasar,
Brescia, 1997,219-251; V HOLZER, Le Dieu Trmitédans Phistoire, Paris, 1995,66; 74; 86;
202ss, entre outros lugares. M ILANO, op. cit., 65: MSe Jesus C risto tudo pensou, tudo
falou e tudo fez ‘de uma maneira conforme a Deus’, agora é dele, e não de outros, que se
precisa aprender com o pensar e ‘dizer as coisas divinas’. A estrutura formal da analogia...
só se pode pensar abertamente mediante a análise do discurso sobre Deus vindo em Jesus
de Nazaré, que doravante é o único discurso de fato correspondente a D eus...”.
74. Cf. já El camino de aceso a la realidad de Dios, MySalTUl, 41-74,61: aA analogia
do ser entre Deus e a criatura não perm ite nem a comparação a partir de um terceiro
membro neutro (o ‘conceito do ser*, pois, não se dá), nem a comparação baseada em uma
proposição formal que se mantenha igual entre ambos extrem os... nem a redução de um
(a criatura) ao outro (Deus), de sorte que nessa atribuição a criatura se achasse a uma
distância do Criador que ela mesma pudesse comprovar e medir, com o que também, in
versamente, pudesse abarcar o olhar a distância de Deus à criação. Em qualquer tipo de
comparação se evidencia a maior dissimilituddn (DS 806).
75. Cf. Tbeologik II, 288. Von Balthasar observa que nesse contexto a “proporcio
nalidade”, relação de relações, entre a relação Deus-criatura e a que existe entre o Pai, o
Filho e o Espírito Santo. Cf. HOLZER, op. d t., 181; 184.
413
DA "ECONOMIA" À "TEOLOGIA"
76. Cf. MILANO, op. d t., 67. £ a natureza capaz da graça que perm ite falar de uma
analogia enús, sempre com fundam ento na nova criação manifestada e atuada em C risto.
77. A G OSTINHO, En. in Ps., 62[61],16 (CCL 39,804): “Semper enim ille m aior est
quantumque crevimus”.
78. Cf., sobre a analogia em Jüngel, F. RO DRIGUEZ GARRAPUCHO, La cruz de
Jesusy eiserde Dios. La teologia del Crucificado en EberhardJüngel, Salamanca, 1992,182-193;
J. A. M ARTINEZ CAMINO, Recibirla libertad. Dospropuestas defitndamentacién de la teologa
en la modemidad: W. Pannenbergy E. Jüngel, M adrid, 1992,227-239; R GAM BERINI, Nel
legame del Vangelo. U analogia nel pensiero di Eberhard Jüngel, Brescia-Rom a, 1994;
CANISTRÀ, op. d t (n. 62).
79. Cf. JÜ N G EL, Gott als Geheimnis der Welt, Tübingen, 1977, 317-321.
414
O CO N HEC IM EN TO "NATURAL” DE DEUS E A LINGUAGEM DA ANALOGIA
80. Ibid., 381: “O uso tradicional teológico da analogia que pudemos observar em
K ant é predom inantem ente agnóstico, e precisam ente por causa da perfeição de D eus”.
81. Ibid., 381.
82. Ibid., 283. Cf. o contexto.
83. Ibid., 390.
84. Ibid., 391.
415
DA "ECONOMIA" À TEOLOGIA"
85. Ib id ., 371.
86. Ib id ., 394.
87. Ib id ., 395.
88. A G O ST IN H O , Confissões m 6 ,1 1 ; cf. Gott..., 402-404.
416
0 CONHECIM ENTO “NATURAL" DE DEUS E A LINGUAGEM DA ANALOGIA
89. Ib id ., 408.
90. JÜ N G E L vê um a relação fundam ental entre o sim de D eus a si mesmo n o seio
das relações trinitárias e p sim de D eus ao hom em , ao eleito em Jesus C risto: “E o sim do
livre am or divino, que o Deus trin o se diz a si mesmo, e portan to tam bém à sua criatura,
o qual se cria assim sua própria co rresp o n d ên cia1*. D ie M ö g lich k eit theologischer
Anthropologie au f der G runde d er Analogie. E in e U ntersuchung zur A nalogieverständnis
Karl Barths, in Barth-Studien, G üttersloh, 1982, 210-232, esp. 222.225; cf. CANISTRA,
op. d t , 442-443.
91. Pode-se observar aqui um a diferença d e acento com os teólogos católicos. E nquanto
estes sublinham a consistência, certam ente relativa, da realidade criada, Jüngel acentua a fun
damentação de tudo em Cristo e portanto a falta de fundam ento “em si”. Daí a tendência
entre os prim eiros a ver a analogia d o ser d en tro da analogia da fé (consistência natural da
criação em C risto) enquanto Jüngel tende antes a mostrar a incom patibilidade entre ambas.
92. C f. CA N ISTRA , op. d t., esp. 442-446. W. PA N N EN B ER G também m ostra-se
crítico quanto ao uso da analogia. P o d e existir, segundo ele, analogia do uso teológico com
o profano, m as não a respeito de D eus m esm o. D eus faz suas nossas palavras e dá a nosso
louvor seu significado definitivo: A nalogie u n d Doxologie, in Grundfragen systematischer
Theologie, G öttingen, 1967,181-202.
93. N ote-se o jogo de palavras, que os au to res de língua alemã usam constantem ente
ao tratar desses problem as, entre sprechen (falar) e entsprechen (corresponder).
417
DA “ECO NO M IA- À TEO LO G IA ”
94. BALTHASAR, El comino...» 63; ID ., Tbeologik IL .., 67: a ... m ostra-se com a
mesma clareza que Jesus, tam bém em sua plena hum anidade, continua sendo o totalm ente
outro, o irrepetível, com o in térp rete do Pai”.
418
o CONHECIMENTO ‘ NATURAL" DE D EUS E A UNGUAGEM DA ANALOGIA
semelhança com Deus (ou com Cristo) reserva-se para a consumação final.
“Seremos semelhantes a ele porque o veremos tal como é” (ljo 3,2). Ele
se fez o que nós somos para que nós pudéssemos chegar a ser o que ele é,
diz o conhecido axioma do “intercâmbio” dos Padres. Se a prim eira parte,
a descida de Jesus, se realizou, não assim a segunda, que espera a consuma
ção. Ele salva a distância infinita entre C riador e criatura, mas nós não. A
capacidade de salvar a distância é precisamente um a mostra a mais da maior
disshnilitudo. O ojjlooúctlos típáv de Calcedônia não nos deve fazer esque
cer de que Jesus é o opoow ux; t<ú TTotTpl. A grande semelhança (e aqui
tem talvez pleno sentido introduzir essa leitura do IV Concílio de Latrão)
mostra-nos uma m aior dessemelhança que só o am or de Deus salva, tam
bém nessa grande manifestação de proximidade, “dessemelhante”. A ana
logia que se funda no amor e na Uberdade encontra-se também com a
diferença entre Deus e o homem, ainda quando se sublinhe, com toda
legitimidade, o m om ento da semelhança devido à infinita condescendên
cia divina.
Esse tema tem a ver também com o da relação entre a Trindade eco
nômica e a Trindade imanente que nos ocupou desde o começo de nosso
tratado45. A vinda de Deus ao homem não esgota seu mistério. Mais ainda,
abre-o para nós em m aior profundidade. A incompreensibilidade de Deus
se nos manifesta em sua maior grandeza no acontecimento de Cristo, não
apesar dele. Vimos no capítulo 2 as reservas justificadas ante algumas pos
síveis interpretações do “vice-versa” da formulação do axioma fundamen
tal de K. Rahner. O ser de Deus não se aperfeiçoa nem se reaUza na eco
nomia salvífica, mas também não se “esgota” nela. Inclusive a partir de
C risto e, poderíamos dizer, sobretudo ante o abismo de am or que Cristo
nos revela, não nos resta senão considerar que em tudo o que possamos
pensar ou dizer de Deus, em tudo o que nós ou as criaturas somos, achamo-
nos a infinita distância do mistério de amor que se nos revela em Cristo
crucificado e ressuscitado por nós.
419
EPÍLOGO
nos convida a participar de sua vida como filhos em seu Filho ao comunicar-
nos o Espírito de filiação (cf. G14,4-6; Rm 8,14-15). Essa é a salvação a que
Deus nos destinou ao escolher-nos em Cristo antes da criação do mundo. O
Filho unigénito, pela condescendência de seu amor, faz-se primogênito entre
muitos irmãos, e ao unir-nos a si une-nos também entre nós. Fez-se o que
nós somos para aperfeiçoar-nos no que ele é1.
Somente porque Deus é ao mesmo tempo imo e trino é possível a
encarnação do Filho, e somente porque este pode com partilhar nossa con
dição podemos chegar a ser o que ele é. A Trindade, a encarnação e a graça
resultam assim, em sua mútua inter-relação, os mistérios centrais do cris
tianismo2,3 o eixo que integra em harmonia todas as outras verdades de
nossa fé. N a Igreja, corpo de Cristo, recebemos a superabundância dos
dons salvíficos, a palavra e os sacramentos. Enquanto peregrinamos nessa
vida, temos já as primícias do Espírito e dos bens futuros, que esperamos
gozar um dia em plenitude. A salvação que Cristo nos dá é a prolongação
da vida superabundante de Deus. Só com o ponto de partida da Trindade
divina têm sentido todos e cada um dos mistérios de nossa fé, e só a partir
dela fica definitivamente iluminado o mistério de nossa existência. Já não
são os dons de D eus o objeto de nossa gratidão e o estímulo de nosso
louvor, senão o dom que Deus nos faz de si mesmo, conseqüência do dom
mútuo de amor das três pessoas divinas. N o âmbito desse am or que, como
já vimos, é sempre o dom prim eiro, desenvolve-se toda a nossa vida. Só
porque Deus é trino pode criar, e só por isso pode receber-nos em seu seio.
Santo Ireneu expressou isso em term os insuperáveis:
0 Espírito dispõe o homem para o Filho de Deus; o Filho o conduz ao Pai,
e o Pai lhe outorga a incorrupção para a vida eterna, que a cada um lhe
sobrevém da vista de Deus. Assim como os que vêem a luz estão dentro da luz
e percebem sua claridade, assim também os que vêem a Deus estilo dentro de
Deus, participantes de sua claridade. A glória de Deus vivifica: participam
segundo isso da vida os que vêem a Deus’.
1. IR E N E U de L ião, Adv. Haer. V pref.; cf. A. ORBE, Teologia de san Irineo, M adrid-
Tòledo, 1 9 8 5 ,1, 48-51 en tre outras passagens.
2. C f. K . R A H N E R , Sobre el concepto de m istério en la teologia católica, in Escritos
de Teologia IV 53-101; 91ss; tam bém Reflexionesfundamentales sobre antropologiay protologia
en el marco de ta teologia, in MySal II 1, 454-468, 458; O. G onzález de CA RD ED A L, La
entram dei cristianismo, Salamanca, 1997, 8: “A Trindade prolonga sua própria vida nos
hom ens pela encarnação e pela graça. T rindade, encarnação e graça constituem o cerne do
cristianism o, com o expressões do único M istério, que é D eus existindo na im ensidade e
encerrando-se na pequenez do hom em ”.
3. Adv. Haer. IV 20,5; cf. ORBE, Teologia de san Irineo, M adrid, 1996, IV, 288-290.
422
EPÍLOGO
Por Cristo, com ele e nele, a ti, Deus Pai onipotente, na unidade do Espírito
Santo, toda honra e toda glória pelos séculos dos séculos. Amém.
423
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425
O D EU S VIVO E VERDADEIRO
426
Índice onomástico
A B
Abramowski, 231, 244, 337 Balthasar, H. U. Von, 2 4 ,4 0 ,4 2 ,46,49,77,79,
Agostinho, santo, 12,13,20,22, 28, 32, 34, 38, 81, 83-86, 88, 89, 94, 96, 102, 126, 276,
41, 42, 49, 70, 74, 98, 123, 187, 234, 245, 282,283,292,294,295,298, 303,309, 312,
249,250, 252, 257,261-268, 273,275-277, 313, 315, 316, 318, 324,329,334, 340-343,
279-281, 283-285, 292,294, 295, 299, 310, 359, 360, 363, 364,370,389,397-400,410-
311, 314,320, 322,326,327, 332,335,337, 413, 418
338,342, 343, 348-350,352, 353,356, 359- Barth, K., 39, 277-280, 283-285, 289, 290, 360,
362, 366-368, 372-374,377, 381, 383, 384, 366, 397, 399, 407-412,414, 415, 417
386, 389, 394, 395,401,407,413,414,416, Basílio de Cesaréia, são, 13,28,42,73,80, 107,
421, 423, 425 181, 213-215,217,235,265,275,283,295,
Akcva, J., 89 299, 330, 331, 334, 343, 378, 383, 407
Alberigo, G., 127, 244 Beinert, W., 35
Alexandre de Alexandria, 184, 188, 196 Bamabé (Ps.), 138
Alfaro, J., 21, 39 Bertuletti, A, 419
Alvarez Gomez, M ., 46 Birne, B., 58
Amato, A , 13, 59, 64, 305, 371 Blaumeiser, H., 86
Ambrosiaster, 375, 400 Boaventura, são, 41, 245, 253, 261, 271-273,
Ambrósio, 13, 348, 352 300, 370, 338, 406
Ambrósio de M ilão, 73, 80, 295, 328, 337 Bobrinskoy, B., 313, 355, 359, 360
Angelini, G., 32 Boédo, 264, 265, 267, 268
Anselmo, santo, 41, 262, 338, 349, 388, 401, Boff, L., 288
412 Bolotov, B., 355
Arias Reyero, M ., 186 Bonanni, S., 349
Ário, 175, 181, 183-193, 195-197, 199, 246 Bordoni, M., 69, 70, 75, 78, 80, 103, 109
Aristóteles, 26, 256, 403, 404 Bourassa, F, 271, 284, 284, 290
Armendáriz, L., 59 Bouyer, L., 298
Atanásio, santo, 40, 74,82, 107, 178, 180, 181, Bovon, E , 69, 81
184, 186, 195, 198-200, 202-206, 212-215, Braun, R., 157
222,232,237, 246,263,299, 306,307, 337, Breuning, W., 35
345, 346, 372 Briend, J., 59
Atenágoras, 146, 150, 155, 157 Bueno de la Fuente, E., 277
Auer, J., 33, 35, 386 Bulgakov, Sn 77,309,310,316,336,343,355,360
Ayán, J. J., 140, 144 Busto, J. R , 394
427
DEUS V IV O E VERDADEIRO
428
Indice onom ástico
277,283,285,288,291,293,308,309,318, K
341, 342, 361, 367, 370, 372, 376, 377 Kannengiesser, Ch., 202
Grillmeier, A., 86,178,180,184,186-188,190-
Kant, L, 30, 31, 415
192, 195, 236
Kasper, W., 21, 25, 34, 35, 43, 45-47, 64, 70,
96, 244,245, 262, 269,276, 279, 282, 285,
H 286,289,298,302, 305,309, 319, 326, 333,
Haag, E., 127 341, 342,359,362, 370,371, 373, 376, 377,
Halleux, A. de, 232 389, 403
Hanson, R. P. C., 184, 186-188, 193, 195, 198, Kehl, M., 85, 342
203,205,214,220,223,226,229,230,234 Kelly, J. N. D., 193, 198, 352
Haya Prats, G., 109 Kitamori, K , 389
Hegel, G. W. E, 46-48, 95 Kuschel, K J., 100
Hemmerle, K., 376
Hengel, M ., 65 L
Henne, Ph., 139, 143
Hernias, 138-140 Ladaria, L. E, 43,68, 70, 73,82,101, 106, 126,
Hilário de Poitiers, santo, 13, 51, 82, 101, 106, 129, 138,191,208,209,212,219,257,261,
184, 199-202,207,208,248,257,269,274, 263,264,300, 302,317,333,334,337, 348,
300, 321,324, 335-337, 343, 365, 375, 388 374, 398
Hilbeiatfa, B. J., 50, 130, 280, 292, 324, 341 Lafònt, G., 50, 83, 419
Hipólito de Roma, 105, 164, 165, 179, 334 Lambiasi, E, 107, 324
Holzer, V , 283, 316, 318, 413 Lampe, G. W. H., 75
Hormisdas, papa, 294 Lang, B., 127
Horn, E W., 107 Latourelle, R., 13, 31
Huculak, B., 276 Lauret, B., 35
Hugo de São Vítor, 330 Lavatori, E., 324, 325
Leão Magno, são, 70, 352
I Leão Xin, papa, 75, 300, 334, 342
Lentzen-Deis, E, 71
Inicio de Antioquia, santo, 72,73, 137,138,387
Léon-Dufòur, X., 104
Ireneu de Lião, santo, 72, 73,77, 84, 105,132,
Livingstone, E. A., 388
148, 151-154,160,162,163, 192,208, 320,
Lonergan, B., 282, 289
327, 334, 368, 422, 423
Löser, W., 85
Irineu, 153
Lossky, V , 313
Lucas, J. de S„ 21, 67,69,71, 81,95, 103, 105,
J 109
Jeirni, E., 128 Luislampe, P., 222
Jeremias, J., 58, 61, 67, 126 Lutero, M., 16, 86
Jerônimo, são, 200
João da Cruz, são, 333 M
João Damasceno, são, 28, 74, 255, 275, 276, Maggioni, B., 90, 118
348, 377, 384, 385 Malet, A., 269
João Paulo H, 16, 24, 38, 43, 59, 79, 80, 83, Manaranche, A., 23
114,292,325, 326,340,341, 344, 359,390, Maraldi, V., 324
391, 397, 400, 401 Marangon, A., 124
Joaquim de Flora, 237 Marcei D’ançyre, 192
Jüngel, E , 26,87, 89,90,93,94, 372,410,411, Marcelo de Andra, 189-191, 197, 199, 232
414-419 Marchesi, G., 83, 316
Justino, são, 38, 79, 141-147, 150, 152, 162, Mário Vitorino, 336
164, 375 Martin, J. R, 136, 375
429
D EU S VIVO E VERDADEIRO
430
ÍN D IC E ONOM ÁSTICO
Scheeben, M.J., 75, 292 Tertuliano, 27,42, 79, 145,151, 152, 156-166,
Scheffczyck, L., 21, 23, 33, 35, 38, 45, 128, 171, 174,176,177, 179,192,208,209,211,
244, 318, 370, 377, 386 246, 259, 262, 321, 345, 348, 365, 374
Schelle, U., 105 Theobald, Ch., 396
Schiersee, F. J., 99 Tomás de Aquino, santo, 13, 38, 40, 41, 49,
Schlier, H., 66 325,244,245,248,260,264,267,272,277,
Schlosser, J., 58, 61 285, 300,302,335, 343,368, 398,401,402,
Schmaus, Ai, 401 405-407
Schmidt, W. H., 128, 129 Tòrrance, A. J., 408
Schmidtbaut, H. Ch., 244 Torres Queiruga, A., 298
Schnackenburg, R., 26, 104, 116, 319 Toschi, M., 127
Schneider, G., 61 Turrado, A., 250
Schneider, Th., 35, 127, 289, 361, 391
Schniertshauer, M., 253, 265 u
Schoonenberg, R, 48, 282 Uribarri, G., 149, 158, 164, 177, 178
Schulte, R., 128, 298, 363
Schürmann, H., 69
Schütz, Ch., 107, 130
V
Seibt, K., 192 Van Cangh, J. M., 127
Sequeri, R, 393 Vanhoye, A., 83
Sesboül, B., 135, 194, 198, 202, 216, 217, 221, Vanier, R, 244
231, 235, 236, 396, 398 Vaux, R. de, 125
Sieben, H., 217, 222, 223 Vercruysse, J., 27
Silanes, N., 28, 46, 353, 405 Víctrírio de Rouen, 352
Simoens, Y., 104, 105, 374 Vílchez, J., 394
Simonetti, M., 140, 142, 148, 152, 167, 172, Vives, J., 389
173, 175-177,179, 184,185, 188,190, 192, Vorgrimler, H., 126, 318
193, 195-198,200,202,203,205,210,213,
214,219,221,223,226,228,230,234,235, w
321, 345 Wehr, L., 115
Simonis, W., 38 Weinandy, Th., 108
Smulders, R, 211 Welker, M., 324
Söding, Th., 26, 372
Werbick, J., 49, 292, 293, 316, 361
Söhngen, G., 411
Westermann, C., 128
Spiteris, Y., 305, 356, 371
Widdicombe, R, 167, 202
Splett, J., 46, 47
WiUonghby, B. Z., 128
Stagiiano, A, 33,50, 127,244,298,371,376,377
Wolinski, J., 135
Stanisloae, D., 371
Wollenweider, S., 329
Stead, Ch., 186
Steward-sykes, S., 140
Studer, B., 135
Y
Sullivan, F. A., 29 Yildiz, E., 71
Sykes, S. W., 75
z
T Zani, A., 105, 164, 165
Tadano, 144, 145, 146, 368 Ziegenaus, A., 35
Tapken, A., 13 Zimmerli, W., 125
Teöfilo de Antioquia, 147-150, 163, 246 Zizioulas, J., 371
Teran Dutari, J., 402 Zubiri, X., 293, 369, 400
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Este livro foi composto nas famílias tipográficas
Swis 721 e Janson Text
e impresso em papel Offset 75g