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ΚΑΤΑ

ΜΑΘΘΑΙΟΝ, segundo Mateus

por A.R.Dias

2º ediçã o
São Paulo
sem editora
2022
Agradecimentos
Agradeço a minha esposa que tanto se esforçou para me permitir algumas horas
a mais de estudo. Agradeço a meus Cilhos que abriram mã o de algumas horas
com seu pai, para que ele se dedicasse a escutar a palavra de Deus.

Dedicatória
Ao Pastor Marcos Granconato. Pois o mestre nos ensina pelo que faz e nos inspira
até pelo que nã o faz.

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INndice
Apresentaçã o ...................................................................................................................................... 4
Estrutura e contexto do livro ....................................................................................................... 6
Analise do capı́tulo 1 ..................................................................................................................... 35
Analise do capı́tulo 2 ..................................................................................................................... 49
Analise do capı́tulo 3 ..................................................................................................................... 63
Analise do capı́tulo 4 ..................................................................................................................... 79
Analise do capı́tulo 5 ..................................................................................................................... 92
Analise do capı́tulo 6 .................................................................................................................. 127
Analise do capı́tulo 7 .................................................................................................................. 150
Analise do capı́tulo 8 .................................................................................................................. 160
Analise do capı́tulo 9 .................................................................................................................. 176
Analise do capı́tulo 10 ............................................................................................................... 183
Analise do capı́tulo 11 ............................................................................................................... 190
Analise do capı́tulo 12 ............................................................................................................... 198
Analise do capı́tulo 13 ............................................................................................................... 213
Analise do capı́tulo 14 ............................................................................................................... 238
Analise do capı́tulo 15 ............................................................................................................... 247
Analise do capı́tulo 16 ............................................................................................................... 254
Analise do capı́tulo 17 ............................................................................................................... 262
Analise do capı́tulo 18 ............................................................................................................... 272
Analise do capı́tulo 19 ................................................................................................................278
Analise do capı́tulo 20 ............................................................................................................... 283
Analise do capı́tulo 21 ............................................................................................................... 288
Analise do capı́tulo 22 ............................................................................................................... 301
Analise do capı́tulo 23 ............................................................................................................... 306
Analise do capı́tulo 24 ............................................................................................................... 319
Analise do capı́tulo 25 ............................................................................................................... 329
Analise do capı́tulo 26 ............................................................................................................... 336
Analise do capı́tulo 27 ............................................................................................................... 354
Analise do capı́tulo 28 ............................................................................................................... 369
Algumas consideraçõ es Cinais ................................................................................................ 374
BibliograCia ..................................................................................................................................... 375
Apê ndice .......................................................................................................................................... 381

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ΚΑΤΑ ΜΑΘΘΑΙΟΝ, segundo Mateus

Objetivo
Este material tem por objetivo apresentar o ponto de vistas do apó stolo Mateus, ao
retratar a vida de Jesus. Procuro revelar os traços originais do autor e assim demonstrar sua
busca incessante em provar que Jesus de Nazaré é o Messias prometido no Antigo Testamento.
Um Comentá rio Bı́blico tem o objetivo de elucidar o texto da Escritura, nã o aplicá -lo ao
“sitz em leben” do leitor atual, sendo essa tarefa reservada ao pastor local de cada igreja.

Foco da obra
“Mateus, um homem obstinado” esse poderia ser o resumo de sua obra.
Alguns escritores desenvolvem um grande enredo, criam magnı́Cicos personagens, tudo
para apresentar, aos poucos, o tema central de seus livros. O apó stolo nã o se prende a tais
amenidades, seu objetivo é claro e objetivo desde a primeira frase do livro: “Jesus Cristo, 1ilho de
Davi, 1ilho de Abraão”. Tudo o que ele escreve tem o mesmo propó sito, mostrar que Jesus é o
Messias a tanto tempo esperado. Existe també m a maneira que o livro foi organizado, pois trata-
se de um paralelo entre a obra de Jesus e a obra realizada por Moisé s. Assim Mateus apresentava
o Messias, de uma maneira bem conhecida, o que minimizava o rompimento com o judaı́smo
tradicional.

Podemos perceber diversos detalhes estilı́sticos, tais como a genealogia de Jesus ou o


modo como os cinco discursos estã o organizados, ambos inseridos no texto com um objetivo e
nã o por acaso. Atento-me aos recursos literá rios, as pausas e muitas vezes ao silê ncio sobre
determinado acontecimento; assim como algumas palavras estrategicamente utilizadas pelo
autor. Mateus utiliza recursos incrı́veis para dar um “close” em uma determinada açã o; em outros
momentos ele desacelera o ritmo, para transmitir noçã o do tempo e da intensidade. Como
costuma dizer o Pr. Marcos Granconato (Igreja Batista Redençã o-SP): “Mateus utiliza uma técnica
quase cinematográ1ica em seu texto”. Em nossos dias perdemos muito de nossa capacidade de leitura,
nã o por falha de alfabetizaçã o, mas porque outros meios de comunicaçã o surgiram, como a
televisã o e a internet, por isso o impacto da leitura nã o é o mesmo do que acontecia com as
geraçõ es anteriores. Some-se a isso o fato de que os textos originais eram normalmente recitados
em voz alta, pois havia muita limitaçã o no processo de se fazer có pias; e as que existiam custavam
muito caro. Assim, devemos imaginar o texto de Mateus sendo lido dentro de uma casa, e que a
pessoa que fazia a leitura inseria intonaçõ es vocais para enfatizar os pontos que o autor inseriu
em seu texto. No texto mateano encontramos inú meras as Ciguras de linguagem (utilizadas para
criar uma proximidade entre o ouvinte e o texto), assı́ndotos (utilizados para acelerar ao extremo
a narraçã o), hendı́ades (uso de dois termos para descrever o mesmo objeto ou sentimento) e o
recurso mais comum da retó rica judaica, a repetiçã o (você irá ouvir falar muitas vezes disso
durante este livro).
Tais recursos, ainda que maravilhosos, sã o perceptı́veis apenas aos estudantes mais
esforçados dos textos bı́blicos. Por esta razã o, procuro colocar de forma compreensı́vel algumas
destas passagens. Nada pode superar o estudo pessoal da Palavra de Deus, por isso incentivo
você a acompanhar este estudo junto de sua traduçã o favorita das escrituras. Acostume-se com o
estilo do autor, com sua forma de descrever os acontecimentos, e aos poucos os detalhes irã o se
tornar evidentes para você també m.
Existem alguns trechos de difı́cil traduçã o e outros onde esse trabalho é quase
impossı́vel. Por vezes algumas das traduçõ es mais conhecidas sã o negligentes no trato com o
texto original e se afastam bastante do que realmente foi escrito; e em casos extremos acabam
parafraseando e nã o traduzindo o texto, por nã o conseguirem lidar com o texto em si. Quando
isso ocorreu, fui obrigado a propor uma traduçã o direta do texto grego.
O cerne deste material vem de anos de pregaçã o em nossa igreja, a Igreja Batista
Redençã o – Sã o Paulo-SP, atravé s de nosso pastor, Marcos Granconato. Foram aproximadamente
de quatro anos de ensino contı́nuo, com apenas duas pequenas pausas. Uma vez que o ensino no

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pú lpito toma certos contornos conforme a necessidade do corpo de Cristo, muitas vezes
abrangendo ê nfases diferentes, algumas partes do texto nã o foram expostas, o que me levou a
desejar conhecer ainda mais sobre as intençõ es originais do autor. Havia també m a questã o de
algumas partes que nã o foram tratadas em nossa igreja, principalmente os dois capı́tulos iniciais
do livro. Se a falta de apenas dois capı́tulos impactaram tanto a minha vida, a ponto de eu passar
cinco anos escrevendo esse livro, imaginem o quanto que os vinte e seis capı́tulos pregados na
igreja nã o Cizeram por mim e pela minha congregaçã o.
Todo este rico material expositivo, pregado durante os cultos em nossa igreja está agora
disponı́vel on-line, no site da Igreja Batista Redençã o, e pode ser baixado livremente no link:
http://igrejaredencao.org.br/index.phpoption=com_content&view=category&id=50&Itemid=162
Uma fonte alternativa, em vı́deo, foi o excelente material do Dr.Mark Bailey, do Dallas
Theological Seminary, que está disponı́vel on-line (em inglê s) atravé s do Itunes U; o curso
denominado Gospels.
Fiz uso de diversos comentá rios bı́blicos, sendo que eles estã o descritos na bibliograCia
deste livro. Outro material ilustrativo/teoló gico muito importante sã o os escritos dos pais da
igreja, entre eles Irineu de Lyon, Agostinho de Hipona e Eusé bio de Cesaré ia; como é precioso ter
acesso a um material tã o antigo e formidavelmente valioso. Você pode encontrá -los na internet e
se preferir uma versã o impressa, nada supera a coleçã o Patrı́stica da editora Paulus.
Utilizei durante o processo de estudo, o texto original, e diversas traduçõ es, quase
sempre atravé s do software Logos Bible Study, versã o 5 (agora em 2020, o Logos chegou a versã o
9). Essa é uma excelente ferramenta para todo estudante das escrituras, nã o importando seu grau
de conhecimento da palavra de Deus.
O traduçã o da bı́blia utilizada durante este estudo é a LEB (Lexham English Bible), com
apoio da NKJV (New King James Version) e a versã o do texto grego utilizada é o NA/28 (Nestlé -
Aland versã o 28), o Majoritá rio (ou Bizantino) editado por Zane C. Hoges e Arthur L. Fastard e em
casos especı́Cicos o SBLGNT lançado pela Society of Biblical Literature. Para as citaçõ es, quando
possı́vel, foi usada a ARA (Almeida Revista e Atualizada) devido a sua Cluidez de linguagem e
estilo amigá vel, quando a citaçã o utilizar outra versã o da Bı́blia ou for uma traduçã o direta, será
indicado na passagem.
Apesar de todos os materiais utilizados, um recurso superou em muito todos os demais:
a direçã o do Espı́rito Santo. Louvo a Deus por ele ter escolhido se revelar a mim.

A.R.Dias

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Estrutura e contexto do livro
Qual é a importâ ncia de uma introduçã o em um material de estudo como este que vos
apresento agora? Por que nã o podemos pular direto para o estudo do texto?
Na realidade você pode sim ir direto para o texto, poré m nesse caso, corres o risco de
chegar a conclusõ es precipitadas ou entã o perder toda uma camada de informaçõ es que o
Espı́rito Santo inseriu na mensagem para você . Lembre-se que o Evangelho segundo Mateus foi
escrito em uma é poca muito diferente da sua, em um idioma distinto e que revela fatos ocorridos
em uma sociedade totalmente dı́spar da nossa. Louis Berkhof propô s um modelo para o estudo
sé rio do texto bı́blico, ao qual ele deCine como: O que se exige do Exegeta. Este mé todo é
composto por quatro etapas: 1) Procure conhecer o autor que deseja interpretar, 2) Reconstrua, tanto
quanto possível a partir de dados históricos disponíveis e com o auxílio de hipóteses históricas, as
circunstancias em que esses escritos surgiram, 3) É de fundamental importância que considere as várias
in1luencias que determinaram mais diretamente o caráter dos escritos que consideras, 4) Além do mais, deve
transportar-se mentalmente ao primeiro século d.C e às condições de vida orientais.(75) Muito do que
estudaremos segue essa linha delineadora proposta pelo irmã o Berkhof.

1.1 Autoria
Em nenhuma parte do material encontramos o nome do autor ou alguma indicaçã o do
local e data de sua autoria, trata-se de um documento puramente anô nimo. Ainda assim, nunca
foi questionada sua legitimidade, ortodoxia, antiguidade ou aceitaçã o no Câ non Bı́blico.
Apesar da falta de assinatura do documento (o que era bem comum na antiguidade,
como por exemplo muitos livros de Platã o e Aristoteles) existem abundantes evidê ncias externas
que nos ajudam a ligar a autoria ao apó stolo Mateus Levi. Em diversos manuscritos antigos
(muitos datados entre 200-400 d.C.) encontramos o seguinte inscriptio ou sobre-tı́tulo: ΚΑΤΑ
ΜΑΘΘΑΙΟΝ - KATA MATTHAION, segundo Mateus (1)(2), sendo que ao contrá rio do que acontece
hoje, esse sobre-tı́tulo era inserido ao Cinal do livro e nã o no começo. Na capa do livro que você lê
agora, existe um belo exemplo dessa inscriçã o retirado do có dice B (Vaticanus), escrito
provavelmente por volta do ano 400 d.C, e que é considerado um dos mais completos e bem
conservados testemunhos para os evangelhos. Vale notar que nas có pias mais antigas que
chegaram até nó s nã o o livro de Mateus nã o costumava ser denominado de “evangelho”, sendo
sua descriçã o apenas “segundo Mateus”. Apenas no sé culo II é que encontramos registros de que
"segundo Mateus" começou a ser identiCicado pelo termo "evangelho". Isso nos dá a impressã o
que os leitores, e copiadores, daquele perı́odo tinham plena convicçã o de que o trabalho do
apó stolo Mateus nã o fala de outro assunto a nã o ser as boas novas da salvaçã o, ou como
chamamos, Evangelho. Os livros sinó ticos, Marcos, Lucas e també m Joã o, começaram desde cedo
a conter a descriçã o de “evangelhos” talvez por conterem um tipo de ensino muito similar os do
livro de Mateus; ou seja, o livro de Mateus representava o padrã o.
O pró prio inscriptio foi evoluindo com o passar do tempo, o que nos permite, com alguma
segurança, conseguir voltar a forma mais antiga de descriçã o do livro. Acompanhe:

.

1. Século III O pergaminho 𝔓1 que representa a có pia mais antiga que podemos
analisar, nã o conté m inscriptio algum.
2. Século IV O códice Vaticanus contém o seguinte inscriptio ΚΑΤΑ ΜΑΘΘΑΙΟΝ
3. Século V O códice Bezae contém uma evolução do inscriptio ΕΥΑΓΓΕΛΙΟΝ ΚΑΤΑ
ΜΑΤΘΑΙΟΝ, sendo que um manuscrito copta (do Alto Egito) conté m uma citaçã o
semelhante EUAGGELION KATA MATHTHAION a qual é considerada por alguns como
a primeira citaçã o neste formato.(76)
4. Século IX O códice Campianus possui uma versão ainda mais estendida do inscriptio
ΑΓΙΟΝ ΕΥΑΓΓΕΛΙΟΝ ΚΑΤΑ ΜΑΘΘΑΙΟΝ

No estudo da Crítica Textual existe um consenso de que dificilmente se elimina uma parte de
um texto muito antigo e valioso, mas por vezes se acrescenta algo a ele. Assim podemos perceber que a
versão do Pergaminho 𝔓1 é possivelmente a mais correta, sendo as demais fruto de acré scimos

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posteriores por parte dos copiadores proCissionais. Existem duas explicaçõ es geralmente aceitas
para a inclusã o do tı́tulo no material de Mateus: 1) Uma resposta ao câ non proposto pelo herege
Marciã o, o qual amputava diversos livros inspirados, ou 2) necessidade editorial, pois com a
proliferaçã o das có pias dos evangelhos, tornava-se necessá rio identiCica-los adequadamente.
Ainda cedo na histó ria da igreja esse livro foi identiCicado como sendo de autoria de
Mateus, apó stolo e discı́pulo de Jesus. Eusé bio de Cesaré ia(3), em sua Histó ria Eclesiá stica datada
do sé culo IV, descreve que Mateus foi seu autor. Outros pais da igreja concordam com essa
opiniã o ainda que lidem com ela de maneira mais breve: Pá pias de Hierá polis sé culo II (o qual
fora discı́pulo de Joã o e companheiro de Policarpo), Orı́genes de Alexandria sé culo II e Irineu de
Lyon (que fora ouvinte de Policarpo), també m no sé culo II.
Pá pias, muito possivelmente tenha sido o primeiro a falar do registro de Mateus a
respeito dos ensinos de Nosso Senhor, poré m tal informaçã o estava contida no livro "Exposiçã o
dos orá culos do Senhor" mas como esse livro se perdeu, Cica difı́cil conCirmar a informaçã o. A
tradiçã o da igreja aCirma que desse livro perdido veio o ensino de que Mateus registrou os
ensinos (logia) do Senhor em sua lı́ngua natal, o hebraico, e que cada um o traduzia da melhor
maneira que podia. Essa informaçã o, de forma alguma exclui Mateus como o autor do texto grego
que temos hoje, aCinal ele mesmo seria capaz de traduzir as anotaçõ es iniciais feitas em hebraico/
aramaico para o grego. O apó stolo, por força de sua proCissã o, era versado em diversas lı́nguas,
entre elas o Grego, lı́ngua franca no oriente, Latin, idioma de seus dominadores romanos, o
Aramaico, que era falado pelo povo comum e o Hebraico, linguagem utilizada nos afazeres
religiosos. Assim nã o é difı́cil imaginá -lo anotando as palavras do Mestre, originalmente ditas em
Aramaico, e posteriormente traduzindo-as para o grego. Por falar no grego utilizado por Mateus,
percebemos uma polidez muito superior à quele empregado por Marcos, o qual muitas vezes é
descrito como "grego de mercado" tamanha sua simplicidade e rusticidade. Da mesma maneira
que é tangı́vel pensar que um homem, cuja proCissã o era anotar dados Cinanceiros, nã o tivesse
diCiculdade alguma de ir anotando os dizeres de seu Professor enquanto os sermõ es eram
proferidos. Dentre os doze originais, Mateus Levi era o mais estudado, e talvez fosse o ú nico que
costumasse caminhar com seus pergaminhos, penas e tintas, seguindo o Messias. Existe um
segundo aspecto que corrobora com essa ideia, o fato que na religiã o judaica existia a Lei escrita,
representada pela Torah, e a Lei oral, descrita no que veio a ser chamado de Talmude. Tal pano de
fundo judaico já seria bastante para sustentar o conceito de que Mateus ia anotando a logia que
seu Mestre proferia ao caminhar, e discursar, pela Palestina.
Como curiosidade, atualmente os judeus que creem no Messias chamam o Evangelho
segundo Mateus de ‫ ספר מתיתיהו‬ou seja Sefer Matitiyahu.

Concomitante a questã o externa, existem també m algumas evidê ncias internas no livro
que colaboram nessa direçã o, conCira Mt 9.10 “Estando Jesus em casa, foram comer com ele e seus
discípulos muitos publicanos e "pecadores". Os outros evangelhos sinó ticos descrevem que Jesus estava
na casa de Levi (cp. Mc 2.15 e Lc 5.29), que era o segundo nome de Mateus; parece que o autor
preferiu omitir esse detalhe, talvez por modé stia. Por ser um texto bem ordenado e detalhado,
parece-nos ser algo que um ex-cobrador de impostos escreveria; um exemplo disso é a expressã o
τα„ ο† φειληŒ ματα - tá ofeilemata em Mt 6.12, que se refere a perdã o de dı́vidas pú blicas, e que nã o é
encontrada em nenhum outro trecho do NT. O uso do termo “publicano”, que para o leitor
original possuı́a um cará ter pejorativo, nã o aparece nos outros evangelhos; talvez seja uma
espé cie de auto-expiaçã o pelo seu passado de aliado dos dominadores romanos. As diversas
referê ncias monetá rias no texto, també m favorecem a autoria de um especialista em Cinanças. c.f.
Mt 17:24 “imposto das duas dracmas”, Mt 17:27 fala de uma moeda equivalente a quatro dracmas ou
Mt 18.24 “os talentos” (talentos eram uma unidade de medida naquela é poca). Enquanto Marcos e
Lucas, ao se referirem ao imposto a Cé sar (Mt 22.15) denominam a moeda apenas como δηναŒ ριον
"dená rio", Mateus utiliza um termo mais preciso νοŒ μισμα τοῦ κηŒ νσου "moeda para pagar taxas".

A moeda de duas Dracmas - διŒδραχμα - també m pode ser importante para revelar onde o
livro foi escrito, pois esse termo "duas Dracmas" era utilizado apenas na regiã o de Antioquia e
Damascus; enquanto o uso mais comum seria "stater" no restante do impé rio romano. (43)

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Moeda de duas Dracmas – The Bible reader’s companion – p.619

Sendo coletor de impostos, Mateus estava habituado a esmiuçar os dados Ciscais de seus
co-cidadã os, e na redaçã o do seu evangelho, seus talentos de investigador Cinanceiro se voltaram
para o Antigo Testamento. Chegará a hora de Moisé s e os Profetas pagarem o imposto a Mateus, e
a moeda será as promessas referentes ao Messias, pois nada escapou aos olhos do ex-publicano
(cobrador de impostos para os romanos). No livro de Mateus encontramos 55 citaçõ es bem
diretas dos textos do Antigo Testamento, enquanto os outros 3 evangelhos juntos trazem cerca de
65 referê ncias, sendo muitas delas repetidas nos trê s livros. Aproximadamente 20 desses trechos
sã o exclusivos de Kata Matthaion.
Existe um ú ltimo argumento a favor da autoria de Mateus que é : por que algué m daria o
nome de um apó stolo pouco conhecido a essa obra? Lembre-se que o ú nico trecho da bı́blia que
fala do autor é o seu chamado, mais nada se diz sobre ele. Se ele nã o é o autor, por que nã o forjar
a autoria usando o nome de algué m mais proeminente? Ok, esse nã o é o melhor argumento, mas
ainda sim serve como referê ncia.

A primeira vista pode-nos parecer muito estranho que Mateus nã o tenha inserido uma
introduçã o em seu material assim como Paulo costumava fazer, mas essa percepçã o é errô nea.
Caso consideremos a grande maioria das obras publicadas, sejam na antiguidade (Platã o,
Aristoteles) seja na era antiga de igreja (Plotino, Agostinho), na idade mé dia (Aquino), na é poca
dos reformadores (Luthero, Calvino) e mesmo hoje em dia, quase todas seguem o mesmo padrã o
de "nã o assinatura" por parte de seus autores. Assim sendo, deveriam todos esses livros serem
denominados anô nimos, ou terem sua autoria questionada?
Um argumento levantado pelos que atacam a autoria apostó lica é que uma testemunha
ocular dos fatos jamais se serviria de materiais redigidos por terceiros na composiçã o de seu
trabalho.(81) Que tolice sem tamanho, já que era, e ainda é , muito comum nos basearmos em
relatos paralelos; eu mesmo o faço neste estudo. A diferença é que hoje temos o saudá vel costume
de indicar a fonte utilizada em nossas citaçõ es ou argumentos. No caso de Mateus, que buscava
apresentar os fatos com um enfoque particular, nã o reconta-los, tal uso de Marcos e outras fontes
disponı́veis a ela é perfeitamente aceitá vel.

Por que Jesus não escreveu, ele próprio seu evangelho?


Com excessão do texto escrito no chão, mais precisamente no pátio do templo (cf. Jo 8.2-11)
não temos relato de nenhuma outra coisa que Jesus tenha escrito. E ainda assim não sabemos o que
eles escreveu naquele momento.

O ministério do Messias é dirigido pelo Espírito Santo (cf. Is 11.2, Mt 4.1 e 12.18), assim
coube a Igreja a compilação, formatação e comunicação (até os confins do mundo) do ensino de
Jesus. Por isso acreditamos que o texto bíblico é inspirado plenamente pelo Espírito Santo.

1.2 Onde, quando e para quem esse evangelho foi escrito (qual o público alvo?)
1.2.1 Onde - Se já é á rduo designar o autor do material, ainda mais custoso será deCinir
o local de sua composiçã o, mas devemos apresentar alguma proposta explicativa.
Tradicionalmente duas localidades recebem o apoio da comunidade teoló gica: Galilé ia (cidades
de Tiberı́as ou Sepphoris) ou Sı́ria (cidade de Antioquia). A favor da autoria antioquina, trê s
argumentos se destacam:

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1. Citações antigas: As citaçõ es mais antigas que temos do Evangelho segundo Mateus
sã o oriundas de obras fortemente conectadas a regiã o de Antioquia, na Sı́ria. Entre
elas estã o as cartas de Igná cio, um dos lı́deres daquela igreja no inı́cio do sé culo II;
nelas encontramos ao menos quatro referê ncias a material exclusivo do evangelho
mateano.(69)
2. Papel de Pedro no relato: Segundo Gl 2.11-14 vemos que Pedro, ali chamado de
Cefas (outra foné tica para "Pedra") exercia um papel de autoridade entre os irmã os.
E por todo o relato de Mateus encontramos uma grande dignidade concedida a
Pedro, mesmo em seus momentos mais tenebrosos.
3. Referência a Síria: Uma pequena descriçã o contida em Mt 4.24 que diz: "E a sua fama
correu por toda a Síria" pode revelar o Sitz im leben de Mateus, caso aceitemos que eles
estivesse em Antioquia, na Sı́ria. O interessante é que Jesus nã o havia ido à Sı́ria e o
contexto do versı́culo relata os atos realizados por ele na Galilé ia. Essa referê ncia a
Sı́ria nã o aparece no relato paralelo de Marcos.

1.2.2 Quando - També m é custosa a tarefa de estabelecer uma data aproximada para a
formataçã o deste material por seu autor, principalmente porque os estudiosos se dividem em
grupos opostos quanto a especulaçã o desse momento. Assim como acontece com alguns livros do
Antigo Testamento, existem duas possibilidades, uma defendendo uma composiçã o mais antiga e
outra salvaguardando uma possibilidade mais tardia. Vejamos como estas posiçõ es argumentam:
• Autoria mais antiga (entre 37 d.C e 69 d.C.) Acreditam seu defensores que pouco
tempo se passou entre a assunçã o de Nosso Senhor e a redaçã o do livro por Mateus. A
grande maioria desses teó logos acredita també m que este tenha sido o primeiro
evangelho a ser escrito, por isso da necessidade de uma data tã o primeva. O principal, e
recorrente, argumento deles se baseia no fato do livro nã o fazer referê ncia direta à
destruiçã o do templo no ano 70 d.C. Nã o sei se tal pensamento seja correto, mesmo
porque o enredo do livro trata de acontecimentos anteriores a tal acontecimento e por
isso nã o haveria a obrigaçã o de lidar com esse tema. Outro argumento proposto é que
Mateus se refere a Jerusalé m como "a Cidade Santa", o que na opiniã o deles exigiria que
ela ainda estive intacta (Mt 4.5; 27,53). Entre os que aceitam uma data bem antiga está
C.I.ScoCield, autor da conhecida bı́blia de estudo que leva seu nome, propõ e o ano de 37
d.C como data(70), assim como os teó logos que seguem a linha do DTS (Dallas
Theological Seminary)(71) argumentam veementemente a favor do ano 50 d.C. Já
Campbell, I.D. propõ e uma data nã o distante da destruiçã o de Jerusalé m, algo como 65
D.C(72)
• Autoria mais recente (entre 70 d.C e 99 d.C.) Os teó logos que postulam uma data
mais recente, baseiam suas opinõ es em grande parte no argumento de que o texto
reClete a fase Cinal de separaçã o entre a Igreja e a sinagoga, o que ocorreu provavelmente
por volta de 85 d.C. Ao contrario do que acreditam os defensores da redaçã o mais
antiga, a quase totalidade dos estudiosos que creem na redaçã o recente, entendem que
o livro de Mateus depende fortemente do material composto por Marcos, o que impede
que ele tenha sido o primeiro evangelho a ser escrito. Notavelmente essa posiçã o é a
mais aceita atualmente, ainda que nã o seja a mais só lida em bases textuais. Dale C.
Allison Jr(73) está entre os que admite a possibilidade mais antiga, mas que segue
propondo uma data localizada no ú ltimo quarto do primeiro sé culo.

Os argumentos a favor das duas faixas de data sã o bem conscientes, mas pouco
conclusivos, por isso me parece inviá vel uma deCiniçã o com os dados que temos no momento. A
ú nica proposta exequı́vel é dizer que o evangelho foi escrito entre 40-100 d.C., sendo qualquer
opçã o mais precisa que essa, imatura.

1.2.3 Para quem? - Outra questã o fundamental a ser compreendida é : Para quem
Mateus escreveu seu livro? Caso assumamos que Jesus morreu em 33 d.C e quarenta dias depois
subiu aos cé us, e o evangelho fora escrito por volta do ano 50 d.C (possibilidade mais antiga de
redaçã o) já havia se passado no mı́nimo 17 anos, talvez 20 anos (caso contemos desde o inı́cio de
Seu ministé rio) entre a ocorrê ncia dos fatos contados por Mateus e a redaçã o de seu livro. Se
observarmos a possibilidade de redaçã o mais tardia, esse hiato de tempo pode chegar a mais de

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50 anos. Tempo suCiciente para metade de uma geraçã o ter se passado, tempo para costumes
terem mudado e a pró pria percepçã o do ocorrido, pelos ainda vivos, ser diferente.
EN para os judeus que nã o conheceram Cristo em carne que o autor escreve e por extensã o
para nó s, agora 20 sé culos depois; nã o para os contemporâ neos diretos de Jesus que o Evangelho
fora compilado. Claro que muitos ainda estavam vivos e possivelmente na igreja, mas este nã o era
o pú blico primá rio. Ainda mais porque poucos, ou quase nenhum dos que participaram dos
eventos ao vivo, estiveram presentes em mais de um acontecimento registrado no livro, já que
com exceçã o dos discı́pulos, poucas pessoas acompanharam um longo perı́odo dos ensinamentos
de Jesus. E nem mesmo os discı́pulos estiveram com Jesus na cruciCicaçã o, na fuga para o Egito, e
muito menos durante os eventos que envolviam a gestaçã o de Maria. Ou seja, o relato selecionado
por Mateus, apresentava certos aspectos que poucos conheciam, ou compreendiam em sua
totalidade.
Uma vez que aquelas pessoas nã o podiam mais responder aos ensinamentos messiâ nicos
de maneira direta, aCinal nã o participaram dos mesmos, seu ú nico contato com o acontecido era
atravé s do texto selecionado pro Mateus. Em termos especı́Cicos, o texto foi compilado para a
igreja, naquele momento formada basicamente por ex-judeus. E estes hebreus necessitavam
encontrar uma maneira de harmonizar sua criaçã o judaica com a nova fé cristã , aCinal: "Em
Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos." At 11.26 Para esse Cim o Espı́rito
Santo conduziu o apó stolo na redaçã o de um material que permitisse a sua igreja caminhar
passo-a-passo pelas promessas cumpridas em Jesus e ainda assim nã o perderem a conCiança em
toda a Escritura anterior.
Com o passar do tempo e o crescimento da Igreja mediante a entrada, cada vez maior, de
gentios no grupo, tornava o grupo mais heterogê neo. E como os apó stolos estavam cada vez mais
ausentes (devido a viagens e perseguiçõ es) eles, alé m de estabelecerem presbı́teros,
documentaram por escrito a doutrina cristã atravé s de uma variedade de gê neros literá rios:
evangelhos, cartas entre outros. Como descreve Augustus Nicodemus:
.
“O objetivo deles era não somente suprir a sua ausência das muitas igrejas mediante epístolas que funcionassem
como substitutos deles, mas também preservar, de maneira mais e1iciente e segura do que a tradição oral, os seus
ensinamentos e os ensinos de Jesus Cristo”(4)

Se, para sua audiê ncia judaica o apó stolo precisava descrever de que maneira a aliança
abraâ mica evoluirá para a aliança no sangue do cordeiro, para os crentes gentios ele buscava
mostrar que o Cristo nã o era apenas mais um deus, em um panteã o de outras divindades, mas
sim o Deus do Shemá , que agora estendia sua aliança a todos os povos e naçõ es. O evangelho de
Mateus també m servia de material de instruçã o para a comunidade nã o-judia (a qual era na
maioria das vezes hostil aos judeus), que crescia cada vez mais dentro da igreja, conhecer
aspectos importantes do judaı́smo e a maneira como tudo se resume na Cigura de Jesus.(77)
Cabal é a deCiniçã o de Scroggie, G: "Mais que qualquer outro, o evangelho de Mateus está aliado
às Escrituras hebraicas em termo e tom; os assuntos dele são seus assuntos: o Messias, Israel, a Lei, o reino, a
profecia. Ideias e termos judaicos caracterizam todo o registro. Seu testemunho não teria impressionado nem
romanos, para quem Marcos escreveu, nem gregos, para quem Lucas escreveu, mas aos judeus sua importância
seria certeira."(80)

O fato de uma material originalmente focado em judeus do primeiro sé culo ter se
cristalizado como, o instrumento mais eCiciente de catequese da Igreja no decorrer dos milê nios,
é realmente notá vel. Ainda que o evangelho escrito por Marcos tenha sido o primeiro a circular
entre as igrejas, sua maneira resumida de apresentar a teologia cristã acabou por elevar o
material de Mateus como instrumento fundamental da igreja.

1.2.4 Processo de compilação - Antes dos evangelhos começarem a circular entre as


igrejas, a tradiçã o de Jesus era mantida atravé s de ditos e histó rias contadas oralmente, algo que
chamamos de perı́cope. Esse modelos de ensino, que já era bem comum aos judeus, durou por
cerca de trinta ou quarenta anos, até o surgimento do primeiro evangelho, escrito por Marcos.
Muito assertiva foi a maneira de Paul Herting descrever o objetivo do texto: “Mateus procurou
plantar 1irmemente o cristianismo judaico no solo do judaísmo para o bem dos judeus, ao mesmo tempo em que
exibia a natureza universal do cristianismo judaico em prol dos gentios.”
Ainda dentro do tema referente ao pú blico original, vale a pena tratarmos do contexto
histó rico envolvido na redaçã o da obra de Mateus. Conforme descrevem Gordon D. Fee e Douglas

10
Stuart, em seus livro “Entendes o que lê s?” pá gina 157, os evangelhos reCletem dois momentos
diferentes:
1. Contexto histórico de Jesus – aqui vemos uma preocupaçã o puramente histó rica, a
qual pretendia preservar os ensinos e atos do Messias, assim como haviam ocorrido a,
talvez, 30 anos antes da redaçã o do texto. Inclui tanto uma consciê ncia da cultura e da
religiã o do sé culo I d.C, do judaı́smo palestino em que o Mestre vivia e ensinava, quanto
o registro inspirado do que realmente aconteceu naqueles momentos. Atravé s dos ditos
podemos conhecer mais intimamente a Cristo, podemos perceber sua compaixã o, sua
habilidade como mestre das hipé rboles (exageros propositais) e como ele se relacionava
com seus discı́pulos e seus opositores. Atravé s dos atos, podemos conhecer o poder e
autoridade do Messias.
2. Contexto histórico do evangelista – cada um dos quatro evangelistas escreveu
bastante tempo apó s os eventos, utilizou um idioma diferente daquele empregado
originalmente (os fatos ocorreram em Aramaico e foram registrados em Grego) e visou
uma audiê ncia especı́Cica. No caso de Mateus a audiê ncia era formada por judeus, talvez
recé m convertidos ou talvez que viessem a ser evangelizados atravé s de sua obra.
Justino Má rtir, autor do sé culo II disse que os evangelhos “são as memórias dos apóstolos”.
Na formaçã o de seu material, Mateus utiliza cerca de 9% do texto de Marcos e quem
sabe, pode ter sido esse texto que o ajudou a formatar seu material. Falando a respeito
desse material marcano, o Dr.Daniel Wallace do Dallas Theological Seminary, escreveu:
“No entanto, Mateus não apenas copiou Marcos, mas ele também o mudou. Mateus removeu as redundâncias e
suavizou as frases incomuns, limpou a gramática e colocou Jesus sob uma luz diferente”(5) vejam també m a
descriçã o de Green, M: "De fato, Marcos carrega muitos sinais de um substrato Aramaico de
antigos pregadores, Pedro e outros, que 1icam abaixo de seu relato. Estes sinais são quase todos
removidos por Mateus, juntamente com as palavras em Aramaico ocasionalmente encontradas em
Marcos"(41) Alé m do material comum ao livro de Marcos, foram incluı́das experiê ncias
pessoais de Mateus como apó stolo e també m informaçõ es que os demais apó stolos, e
seguidores do Mestre, lhe transmitiram diretamente. Outras razõ es mostram que
Mateus seguia construindo sobre a base de Marcos. A primeira razã o é que Mateus e
Lucas nunca discordam simultaneamente de Marcos. A segunda razã o é que Marcos
revela a ordem cronoló gica dos eventos, enquanto Mateus segue uma abordagem
temá tica. A terceira razã o é que existem certas lacunas no relato marcano,
principalmente no tocante ao Sermã o do Monte e a falta de um Cinal em seu relato, o que
motivaria ainda mais a Mateus para preenche-las, assim formatando seu material.

Atualmente costuma-se dividir as etapas de formataçã o do texto em quatro fases:
.
1. Registro ocular - trata-se do registro que aconteceu logo que o ensino ou evento
ocorreu, tais informaçõ es estavam restritas à queles que lá estiveram no momento
exato do evento. Até este momento todo o conhecimento, em forma de memó rias,
estava preservado em Aramaico.
2. Registro mental/oral e as primeiras coletâneas escritas - perı́odo logo apó s a
ressurreiçã o e assunçã o do Cristo, onde os judeus-cristã o espalhavam os ensinos de
seu mestre pela palestina. O registro existia exclusivamente em Aramaico.
Possivelmente a essa fase é que Pá pias se referia.(20)
3. Formatação do registro, por escrito, para uso missionário - com o avanço do
trabalho missioná rio “até o Cim do mundo” tornava-se necessá rio encontrar um meio
efetivo de levar o registro ocular e mental/oral a pessoas que nã o compreendiam o
Aramaico. Iniciando-se por volta de 40 anos apó s a assunçã o de Jesus, surgem os
primeiros registro em grego. Possivelmente a essa fase é que Irineu se referia.(21)
4. Os evangelhos inspirados, em formato literário - Neste momento os evangelistas
compilaram seus materiais visando objetivos especı́Cicos. Apesar de seguirem a
Grande Comissã o de ir por toda a terra, percebe-se que aquela primeira geraçã o
tinha como objetivo o mundo de fala grega, pois nã o existe nenhum material
canô nico em Latin, que era a lı́ngua imperial.

Existe um outro grupo de leitores dessa obra e nó s estamos incluı́dos entre eles, poré m
devemos lembrar que Mateus nã o pensava em nó s ao escrever seu livro. Ainda assim o livro é

11
parte das escrituras sagradas, é inspirado por Deus e útil para o ensinamento. Mas devemos estar
atentos ao modo como o texto foi redigido, devemos praticar uma saudá vel hermenê utica e o
mais importante, sempre buscar a verdade com um coraçã o humilde. O Espı́rito Santo nos guiará
neste trajeto, aCinal ele é o inspirador do texto que temos em mã os.
Como dica Cinal de como se deve interpretar um texto, bı́blico ou nã o, lembre que a
aná lise deve respeitar trê s etapas: 1) a estrutura dentro da pró pria narrativa, 2) o discurso entre
o autor e seus leitores originais, e 3) o discurso entre o autor e o leitor contemporâ neo.(42)

1.3 Estrutura literária



1.3.1 Qual o estilo literário do livro?
O termo "evangelho" só começou a ser utilizado muito tempo depois dos livros de
Marcos, Mateus, Lucas, Joã o terem sido redigidos, embora o livro de Marcos deCina seu registro
como "evangelho de Jesus Cristo". No caso de Marcos, a palavra se refere a uma aplicaçã o
gené rica do termo e nã o como a deCiniçã o do tipo redaçã o do livro em si. Certamente a aplicaçã o
deste vocá bulo por ele, assim como o uso na LXX para Is 52.7 "Que formosos são sobre os montes os pés
do que anuncia as boas-novas" formem uma base só lida para a igreja cristã de fala grega.
Ao buscarmos deCinir o relato de Mateus em termos literá rios, uma sé rie de
possibilidades foram propostas: um tipo de biograCia mediterrâ nea, Midrash(23) (ensino judaico
que apresenta um tema/evento e as interpretaçõ es a respeito dele), Pesharim (comentá rio dos
atos de Jesus à luz do AT), uma Antologia grega (retrata os feitos dos deuses pagã os entre os
homens), material didá tico/catequé tico para uso nas sinagogas. O estudioso M.Green escreveu: "A
vinda de Jesus desencadeou uma forma literária inteiramente nova, o Evangelho. Isso não é biogra1ia, embora
contenha isso. Isso não é história, embora re1lita isso."(40) enquanto Erasmo Leiva-Merikakis escreve que
os Evangelhos comunicam “a realidade objetiva da história, mas oferecida como kerygma”. Dentro do
evangelho uma narrativa interpretada, amalgamada com o relato histó rico, formam uma espé cie
de apologia, conCissã o de fé e até mesmo propaganda polı́tica. O evangelho nã o é imparcial, ou
desinteressado, possuindo um objetivo claro da parte de seus autores.(49) Alguns chegaram a
tentar defender que o tipo de literatura que chamamos de evangelho se trata de um gê nero ú nico
e que pertence com exclusividade ao cristianismo, poré m parece-me um certo exagero(10).
O livro de Mateus, junto com os outros trê s evangelhos (Marcos, Lucas e Joã o), nã o pode
ser classiCicado como uma biograCia no sentido tradicional, uma vez que existem muitos fatos da
vida de Jesus que nã o sã o relatados, enquanto outros eventos recebem forte evidê ncia. Por
exemplo, nenhum deles nã o retrata a infâ ncia, juventude e uma descriçã o fı́sica detalhada do
Cristo. Ainda que o professor Craig S. Keener seja um pueril defensor da tese da biograCia como a
melhor deCiniçã o para os evangelhos(59) nã o existem termos para manter essa linha de
pensamento, nem mesmo no sentido de "biograCia encomiá stica"(60). Percebe-se claramente um
objetivo teoló gico dos evangelhos nã o uma preocupaçã o com aspectos literá rios especı́Cicos.
Talvez o que chamamos de “evangelho” seja uma condensaçã o das propostas anteriores já que
podemos encontrá -las, ainda que em parte, por todo o relato mateano. Um termo contemporâ neo
que pode ser aplicado aos autores evangé licos é conhecido como "spin doctor" o qual se refere a
pessoas que colocam outras pessoas, eventos ou discursos, sob uma ó tica particular "spin".(47)
Esse procedimento é o mesmo que um advogado (ou assessores de imprensa, ou relaçõ es
pú blicas) utiliza para defender um acusado ou para tentar condenar algué m; por si só essa
atitude nã o é nem boa nem má , mas apenas reClete a inclinaçã o do autor. No caso de Mateus Cica
evidente sua decisã o aCirmar que Jesus de Nazaré é o Messias prometido.
Ainda que nã o possamos deCinir o “evangelho” como um gê nero literá rio especı́Cico,
existe sim um certo arcabouço que pode ser percebido neles; talvez a melhor deCiniçã o seja: um
relato selecionado da vida e dos ensinamentos de Jesus. Quando nos referimos ao Evangelho
segundo Mateus, devemos pensar nele como sendo o “relato das boa notı́cias” (ευ† αγγεŒ λιον –
euangelion) que o autor desejava comunicar; neste caso especı́Cico a "boa notı́cias" é que Jesus de
Nazaré cumpre as professais sobre o Messias. O livro conté m genealogias, narrativas, grandes
discursos e alguns trechos sapienciais (as pará bolas), promessas a respeito de um Reino que viria
dos Cé us e até trechos escatoló gicos; ou seja, é uma obra rica e complexa. Mateus nos relata a vida
e ensinos de Jesus seguindo um roteiro geográ Cico, ainda que nã o exatamente cronoló gico; isso o
diferencia grandemente dos demais autores. Ele nos apresenta os movimentos dos pais de Jesus
(dentro de Israel, a fuga para o Egito e o retorno para Israel), o inı́cio de seu ministé rio na Galilé ia,

12
o retorno para a regiã o Norte, o ministé rio na Judé ia e na Peré ia caminhando para Jerusalé m e
por Cim, seu ministé rio na Cidade Santa. Vemos Jesus em constante movimento e sempre
realizando algo em prol das pessoas necessitadas, das ovelhas perdidas da casa de Israel. A
narraçã o segue um ritmo veloz, e em certos momentos frené tico, de modo que quase nã o se
percebe que o livro relata o acontecimento de mais de trê s anos de ministé rio.

Talvez o grande mé rito literá rio de Mateus tenha sido sua aptidã o em formatar um livro
que conciliou plenamente o estilo judaico de escrever com o modo helenista de expor ideias.
Dessa maneira seu evangelho é plenamente funcional no ambiente judaico e no mundo ocidental
em geral devido a sua estrutura grega.

1.3.2 Porque o evangelho de Mateus, é o primeiro livro do Novo Testamento se ele


não foi o primeiro livro a ser escrito?
Mateus é de certa maneira a conexã o entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento,
principalmente para aqueles que conheciam muito bem os textos da Antiga Aliança. No contexto
teoló gico, vemos o cumprimento da aliança Sinaı́tica atravé s de Jesus e a instituiçã o de uma nova
aliança, feita com o sangue do Cordeiro. Outro ponto que favorece essa posiçã o é a declaraçã o de
Jesus, de que “a Lei e os Profetas duraram até João Batista” Mt 11.13.
Desde cedo na vida da igreja havia a necessidade de se conectar o cristianismo com as
escrituras do Antigo Testamento, que aquela altura era a ú nica escritura existente. Some-se a isso
o fato de que, a quase, totalidade dos cristã os vinha de origem judaica e que eles pró prios nã o se
viam como uma nova religiã o. De acordo com o renomado estudioso da histó ria da igreja Justo L.
Gonzá les, existiram algumas listas de “testemunhos" ou seja, listas de citaçõ es das passagens dos
profetas, da Torah e dos demais livros sagrados judeus, que continham profecias a respeito do
Messias(17). Sendo assim, podemos imaginar Mateus tendo acesso a alguma versã o deste tipo de
material, quem sabe até a quase mı́tica fonte Q, e inspirado pelo Espı́rito Santo iniciar a
compilaçã o de seu pró prio material. Uma diferença bá sica aqui, alé m da direçã o divina, é que o
apó stolo foi testemunha ocular de grande parte dos acontecimentos referentes a vida e obra de
Jesus.

1.3.3 O tema central do livro


No capı́tulo 16 deste evangelho, Nosso Senhor faz uma pergunta fundamental: "Mas vós,
continuou ele, quem dizeis que eu sou?" Naquela ocasiã o a resposta veio de Pedro, poré m por todo este
livro, será o apó stolo Mateus que buscará provar que Jesus Cristo é o Messias prometido.
Normalmente dizemos que Mateus apresenta Jesus na forma do Rei ungido (Messias),
enquanto os outros evangelistas possuem focos diferentes. Certamente esta é uma visã o vá lida
ainda que bem resumida, e sobre isso Matos, A.S. diz: “Como tal, a teologia não é uma atividade
meramente especulativa de pensadores isolados numa torre de mar1im. Toda crença cristã relevante surgiu por
razões urgentes e práticas, em resposta a desa1ios internos e externos. Além disso, toda obra de teologia e
história da doutrina é um re1lexão das pressuposições teológicas do escritor”(8) Todo evangelista tinha um
objetivo claro quando compô s seu livro, esse objetivo ou tema dominante é chamado de Alvo
Cristoló gico, no caso de Mateus o tema é : Jesus o Rei prometido, o Messias que fora predito na Lei
e nos Profetas e que veio instaurar o Reino dos Cé us.
Os primeiros sé culos da religiã o cristã foram fortemente inCluenciados pela mentalidade
oriental, e esta por sua vez dava muita atençã o a simbologia e outras formas menos diretas de
pensamento. Por isso é muito comum encontrarmos nas igrejas orientais mais antigas, sejam
romanas ou ortodoxas, na parte baixa da cú pula imagens de Sã o Mateus, como um homem alado
(ou até mesmo como um anjo). Esse costume é baseado em alguns textos bı́blicos (Ez 1.5-10, Ez
10.19-22 e Ap 4.7) e é explicado como uma maneira de aludir cará ter humano à Cigura do Cristo.
(65)
Assim como aconteceu nos demais evangelhos, foram selecionadas passagens especı́Cicas
da vida e do ministé rio de Jesus Cristo, as quais reforçavam o alvo Cristoló gico do autor. Por isso,
o evangelho de Mateus é cristocê ntrico, e qualquer tratamento responsá vel da teologia de seu
evangelho deve enfatizar a cristologia de Mateus. Os evangelhos representam quase um terço do
Novo Testamento inteiro, ainda assim registram apenas 52 dias do ministé rio do Messias; desse
modo Cica evidente que o registro bı́blico é seletivo, nã o exaustivo. Lembre-se de que a revelaçã o

13
nos foi concedida para a transformaçã o pessoal, nã o para nossa informaçã o ou para satisfazer
nossa curiosidade. Nessas passagens Mateus se preocupa em garantir que Jesus era realmente o
Messias prometido e apresenta o programa do Reino para aquela geraçã o. Ou seja, a apresentaçã o
inicial aos judeus, sua rejeiçã o, a morte e ressurreiçã o, a criaçã o da igreja (representada na
mensagem evangelı́stica), e por Cinal o que acontecerá no futuro. Essa seleçã o de eventos nã o
deve ser vista como algo nocivo, aCinal nã o foram excluı́das passagens que pudesse denegrir a
imagem de Jesus, e sim como uma caracterı́stica textual que ajudava a expressar o objetivo do
autor. O material compilado por Mateus é fortemente tematizada e compartimentado. Temos
longos trechos de narrativas, longos discursos, distribuiçã o controlada das pará bolas
(majoritariamente nos trechos do capı́tulo 13, capı́tulo 18, capı́tulos 20-22 e capı́tulos 24-25), as
quais seguem um crité rio temá tico em seu agrupamento.
Mateus, junto com Lucas, sã o por vezes chamados de Evangelhos da Infâ ncia, por serem
os ú nicos a lidarem com a fase pré -ministé rio do Messias.

O Reino dos Céus no evangelho de Mateus


O Messias viria para instituir um novo tempo, um novo domı́nio mundial sob a direçã o
do Senhor, por isso deste ponto deriva-se outro tema importante, “O Reino dos Cé us”; que é o
tema mais complexo do livro. Seria impossı́vel lidar com essa tema neste livro devido a sua
complexidade e as diversas maneiras como ele é apresentado. Literariamente falando, o tema do
Reino é a perfeita conexã o entre as profecias do Antigo Testamento e as prediçõ es do Novo
Testamento; sendo possivelmente o tema central da Escritura. O professor Carlos Osvaldo Pinto,
em sua monumental obra Foco e Desenvolvimento do Antigo Testamento e Foco e
Desenvolvimento do Novo Testamento propõ e que o tema uniCicador da bı́blia seja a “soberania
mediada da criaçã o”. Como um bom aluno que segue os passos de seu professor, penso que o
Reino seja a aplicaçã o Cinal dessa soberania mediada sobre a criaçã o. Considerado por muitos
como o tema mais complexo de todo o livro, e suas referê ncias estã o entrelaçadas por todo o
enredo. Uma boa deCiniçã o é apresentada por Pennington, J.T.: "Um exame atento de Mateus revela que
este tema é tecido profunda e habilmente em todo o Primeiro Evangelho e interage com várias outras ênfases
teológicas ali."(84) Por estar conectado com diversos temas teoló gicos é necessá rio sabermos lidar
adequadamente com o tema, para nã o cometermos erros terrı́veis.
Os estudiosos costumam concordar que a palavra aramaica para Reino fosse malkutha(25)
e que sua traduçã o mais correta fosse “reinado”, e em sua aplicaçã o composta seria malkutha
d’elaha (Reino dos Céus)(26). Apesar da tradiçã o cristã estar muito arraigada ao conceito de “reino
fı́sico”, pensar em um sentido mais amplo pode ser correto, pois malkutha implicaria no domı́nio
religioso/Cilosó Cico/moral e nã o apenas no controle territorial como a palavra “reino” pode
sugerir. Ainda que a vinda plena do Reino esteja intrinsecamente conectada com a escatologia
cristã , quanto mais o curso do tempo avança, o tema menos se torna um apê ndice, e mais e mais
move-se para o foco primá rio da doutrina cristã .(28)
O contraste entre "Cé u" e "Terra" possui muitas implicaçõ es, neste caso especı́Cico o
"Reino dos Cé us" em oposiçã o ao "reinos do mundo" de maneira que o primeiro represente o
divino e o segundo o humano caı́do. Lembremos da fala do Tentador no deserto: "Levou-o ainda o
diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te
darei se, prostrado, me adorares." Mt 4.8-9 Atravé s das Escrituras, o emparelhamento "Cé u" e "Terra"
ocorre cerca de de 200 vezes, e em sua quase totalidade representando o Bem X Mal, ou o Divino
X Mundano. Entretanto com o surgimento do Messias, o termo "Reino dos Cé us" era interpretado
como um domı́nio real no mundo em que vivemos e nã o apenas um conceito Cilosó Cico/moral. Os
leitores originais esperavam o Cristo se assentar no trono e dominar o mundo, por isso a
mensagem de Jesus era tã o atraente; aCinal ele é quem libertaria os judeus do julgo romano.

Uma vez estabelecido que Jesus de Nazaré era o Messias, que viria instaurar o Reino dos
Cé us na Terra, uma pergunta obvia surge: onde entã o está o Reino? Já que todas as peças estavam
distribuı́das no tabuleiro: Joã o, o batizador, como o arauto que preparava o caminho, Jesus, de
Nazaré , como o descendente davı́dico com poderes divinos, só faltava um acontecimento.
O teó logo Oscar Cullmann, reCletindo acerca do tema da escatologia cunhou a expressã o:
Já e ainda nã o. A qual representa que a partir da vida, morte e ressurreiçã o de Jesus Cristo, nó s
vivemos numa tensã o entre o já realizado e o ainda nã o plenamente concluı́do, ou seja, somos
salvos, poré m, ainda nã o vivemos toda plenitude dessa salvaçã o. O mesmo pode, e a meu ver

14
deve, ser aplicado ao Reino dos Cé us, uma vez que já existe o Rei, já existem cidadã os desse reino,
poré m o reino em si nã o está plenamente instaurado aqui.

Para lidar com essa questã o, Mateus insere na metade temá tica de seu livro (capı́tulos
12-13) o tema da rejeiçã o do Messias, que culminaria com a postergaçã o da oferta do Reino e o
assassinato do pró prio Messias. Por essa razã o alguns chegam a aCirmar que Mateus possui um
propó sito duplo em seu livro(48), os quais seriam: o Messias e o Reino. Entretanto preCiro lidar
com um ponto ú nico na mensagem, que é Jesus o Messias, e ver o desenrolar desse tema (o Reino,
a Igreja, as ú ltimas coisas) apenas como uma consequê ncia obvia da rejeiçã o por parte dos
judeus.

Uma vez que acredito em uma escatologia dispensacionalista, onde o texto de Mateus,
assim como o do Apocalipse de Joã o, descrevem um reino futuro, e milenar, do Messias na esfera
terrena, Cica mais simples explicar onde está o Reino dos Cé us neste momento.
Enquanto o Messias nã o retorna para instaurar seu reino fı́sico, vivemos em um
maravilhoso intervalo de tempo onde a Igreja se desenvolve e prega os ensinos do rei. Essa
mensagem tem atingido os eleitos ao longo desses dois milê nios e os preparado para reinar
Cisicamente com o Cristo atravé s do arrebatamento e da ressurreiçã o.
Poré m, em hipó tese alguma, a Igreja assume hoje o papel de reino divino aqui, nem tã o
pouco substitui o povo judeu em relaçã o à s promessas ainda nã o concretizadas do Antigo
Testamento.

Temas subjacentes
Outros temas també m aparecem de forma nã o central, sã o eles: quem é Deus o Pai, quem
é Deus o Espı́rito-Santo e por ú ltimo a Igreja. Sendo que este evangelho é o ú nico que menciona a
igreja (ainda que para o ouvinte original a idé ia de igreja fosse um tanto diferente da nossa,
lembrando mais um assemblé ia de cidadã os), no capı́tulo 16.18 e no capı́tulo 18.17. Fato esse,
chamado por Paulo de: “mistério não revelado no antigo testamento” Ef 3.5-6.

1.3.4 Paralelo entre Jesus e Moisés
Para um Judeu, nã o existe uma maneira de discorrer sobre o tema da entrada em um
novo reino sem se lembrar do ocorrido com Israel e a entrada na Terra Prometida. Nunca se
esqueça que Mateus escreveu para esse pú blico, Ok? A pró pria saı́da do Egito, a Pá scoa, a
passagem pelo Jordã o e muitos outros temas representavam uma sombra, um Cigura, do que
aconteceria com o Messias. E como Moisé s foi o condutor do povo de Deus até Canaã , Jesus é o
nosso guia deCinitivo até o Reino dos Cé us. Para caracterizar Nosso Senhor como um lı́der
legı́timo para esse processo é que, para Mateus, era fundamental provar que Ele era o Messias. O
apó stolo Paulo, viria a discorrer sobre esse tema em suas cartas, principalmente na epı́stola aos
Romanos; onde ele compara a Antiga Aliança e a Nova Aliança.
Existe certo debate entre os estudiosos sobre qual era a intensidade original que os
apó stolos conferiam a transiçã o entre a Aliança Mosaica e a Nova Aliança, e por consequê ncia
qual a relevâ ncia do ministro da Aliança do Sinai, Moisé s, em comparaçã o com o ministro da
Aliança da Cruz, Jesus o Cristo. Poré m é quase unâ nime que os evangelhos apresentam essa
questã o; e sendo o livro de Mateus fortemente dirigido aos judeus, o tema é melhor detalhado
aqui. Essa transiçã o é pacı́Cica e inspirada por Deus, por isso repare que em momento algum do
livro, o nome ou o legado de Moisé s sã o desmerecidos; pois o fato do Messias ser superior a
Moisé s de maneira alguma tornava Moisé s indigno ou repreensı́vel. Parece que Mateus honra o
legado de profeta ao mesmo tempo que deCine a supremacia messiâ nica, assim, ao invé s de
desmerecer Moisé s, ele obrigava o leitor a elevar a importâ ncia Jesus toda vez que fosse dado
mé rito a Moisé s. O resultado seria o seguinte: se Moisé s é bom, Jesus é muito melhor; se Moisé s
levou o povo a Terra Prometida, Jesus leva o igreja ao Reino dos Cé us. Percebemos assim um
modo muito honroso do autor lidar com objeto central da religiã o que ele, e seus leitores
originais, seguiram durante a maior parte de suas vidas.

Sob essa ó tica transicional, veja algumas comparaçõ es traçadas pelo autor entre Jesus e
Moisé s:

15
• Ambos escaparam de uma ordem real para assassinar todos os meninos. (cf. Ex 1.15-17 e
Mt 2.16-18)
• Ambos foram chamados para sair do Egito. cf. Ex 3.10 e Mt 1.20-23 (citando Is 43.1) + Mt
2.15 (citando Os 11.1)
• Ambos passaram 40 dias e 40 noites sem comer nem beber, na presença de Deus. cf. Ex
24.18 e Mt 4.2
• Ambos tiveram seus rostos brilhando como o Sol. Sendo que no caso de Jesus o brilho era
pró prio e em Moisé s, apenas reCletido. (cf. Ex 24.1 e Mt 17.2)
• Ambos apresentaram a forma que o povo deveria de comportar no novo reino. Moisé s
com a Torá dividida em 5 livros (Gê nesis, E• xodo, Levı́tico, Nú meros e Deuteronô mio), e
Jesus com o Evangelho dividido em 5 grandes discursos
• O sucessor de Moisé s foi Josué Dt 31.7 sendo que o nome Jesus é uma forma helenizada
de Josué .
• Ainda que nã o executado diretamente por Moisé s, mas contido na conclusã o de seu
ministé rio, está a travessia do Rio Jordã o, pré -Cigurando um batismo. Jesus també m foi
batizado no mesmo local
• Ambos instituiram uma Aliança entre Deus e o povo. Moisé s no Sinai e Jesus, atravé s da
Ceia, em Jerusalé m cf. Ex 24 e Mt 26.28
• Assim como houve trevas no Egito antes da Pá scoa, houve trevas no mundo todo antes da
morte de Jesus na cruz. cf. Ex 10.21-23 e Mt 27.45
• O Cinal do ministé rio e a passagem da tarefa dos dois ocorre no alto de um monte. cf. Dt
31.14-15 e 31.23; Js 1.1-9 e Mt 28.16-20
• Alé m das semelhanças existe um contraste interessante. Moisé s subiu ao monte sem
nada e desceu com a Lei para o povo (recebendo-a de Deus), enquanto Jesus sobe ao
monte já com a mensagem divina (ele é Deus). Cf Mt 5-7 e Ex 24.

Sendo que o ministé rio de Jesus vai muito alé m, aCinal apenas Ele foi capaz de carregar
nossos pecados na cruz, ressuscitar e ser entronizado em gló ria; enquanto Moisé s faleceu antes
de entrar na terra prometida e continua morto aguardando a segunda volta de Cristo.
Mateus apresenta o tema do Rei a muito aguardado, mas nã o seria um rei de contos de
fadas, seria um rei sofredor; este conceito em si já era suCiciente para causar espanto; aCinal como
poderia haver um Messias sofredor. Para os que estavam aguardando que o Messias fosse nã o só
restaurar, como també m ampliar o reino de Davi, o fato de Rei ser rejeitado e morrer era muito
surpreendente. A idé ia era tã o absurda que o pró prio apó stolo Pedro, no capitulo 16, disse: “Isso
jamais irá acontecer contigo”. Nem os discı́pulos compreendiam essa proposta tã o inusitada; eles só
tiveram entendimento de tudo apó s a ressurreiçã o de Cristo.

Um pequeno detalhe estilı́stico, conforme apontado por Frankemolle, H., é a maneira de


Mateus encerrar os discursos de Jesus; pois ela em muito se assemelha ao modo empregado pelo
autor de Deuteronô mio ao falar de Moisé s. Como por exemple Dt 31.1 e Dt 32.44-45.

Leitura obrigatória – Isaías e Daniel


Para poder entender grande parte da teologia envolvida no evangelho de Mateus é
fundamental estudar os livros de dois grandes profetas: Isaías e Daniel. Apesar de pertencerem ao
Antigo Testamento, os dois livros são profundamente messiânicos (falam do Messias que haveria de
vir) e também são escatológicos (pois tratam das coisas futuras, ligadas ao final dos tempos).

Em todo o livro de Isaías encontramos promessas de um futuro livramento messiânico; são


tantas passagens, que seria inviável trata-las neste livro. Para uma referência rápida, busque a
segunda parte do livro, entre os capítulos 40 e 55; chamado por alguns de Deutero-Isaías,
principalmente as passagens do entre 52.13 e 53-12.

Por sua vez o livro de Daniel possui forte contexto escatológico, falando de reinos e eventos
futuros, lembre-se que Mateus fala da iminente chegada do Reino dos Céus. Outro ponto importante é
que nesse livro se encontra a expressão que Jesus atribui a sim mesmo, em grego ὁ υἱὸς τοῦ
ἀνθρώπου (hó huios tu antropou), “O Filho do homem”, veja Dn 7.13 “Na minha visão à noite, vi alguém
semelhante a um 1ilho de um homem, vindo com as nuvens dos céus”.

16
Segundo evidencias históricas, esses dois livros, Daniel e Isaías, estavam entre os mais
populares daquele período.(32) O que reflete a proximidade que o leitor original teria com as
expressões, profecias e teologia geral contida nos mesmos.

1.3.5 Referências ao Antigo Testamento


O Antigo Testamento conté m muitas promessas messiâ nicas, e o evangelho segundo
Mateus é um livro que retrata o cumprimento de muitas dessas promessas; a começar por Gn
3.15 “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a
cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar”. Assim conectando Jesus ao jardim do EN den, e mostrando que
toda a histó ria humana se relaciona com o Messias. Ou como disse Bloomberg, C.L:
.
“A Escritura hebraica — também chamada Antigo Testamento (AT) pelos cristãos — permeia todo o
Evangelho de Mateus. Só nesse Evangelho, cerca de 55 remissões textuais apresentam uma redação com um
grau tão grande de semelhança com o texto hebraico, que em geral os comentaristas podem assim rotulá-las de
“citações”.”

O cumprimento das promessas vetereotestamentá rias é tã o importante que aparece 15
vezes nessa evangelho, quase sempre emolduradas pelo termo plē roō , que representa uma
fó rmula literá ria que descreve o “cumprimento” de algo. Sempre apontando para que tudo
culmina em Jesus de Nazaré ; e nesse processo, Mateus faz cerca de 129 citaçõ es e alusõ es ao
Antigo Testamentos. No decorrer de sua narrativa, o apó stolo tende a reconhecer o uso das
Escrituras Hebraicas, por Marcos, e busca deCini-lo com mais precisã o. Por exemplo, quando
Marcos menciona o “Quando, pois, virdes o abominável da desolação” no discurso do Monte das
Oliveiras (Marcos 13.14), Mateus aponta que se trata de uma referê ncia a Daniel (Mateus 24.15).
(64) Um exemplo muito evidente é Mt 2.15: “E assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta: "Do

Egito chamei o meu 1ilho", onde o autor cita Os 11.1. Já a referê ncia a Mq 7.6 (Pois o 1ilho despreza o pai,
a 1ilha se rebela contra a mãe, a nora, contra a sogra; os inimigos do homem são os seus próprios familiares),
presente em Mt 10.36, é menos evidente. A esse respeito G.K. Beale diz:

“Em linhas gerais, … Mateus fez, sim, uso da tipologia; mas meu objetivo é demonstrar que a perspectiva de
Mateus não era exclusiva de sua postura carismática da revelação. Portanto, a interpretação de Mateus não teria sido vista
por ele como acessível apenas em retrospecto, por meio da obra de revelação do Espírito após a vinda de Cristo. Antes, até
certo ponto, aquilo que Mateus percebeu, Oséias já havia enxergado.”(11)

Desde o retorno dos judeus a Terra Santa apó s o exı́lio na Babilô nia o tema escatoló gico
sempre atraiu a atençã o, e o desejo, dos religiosos e mesmo das pessoas comuns. Temos um
registro, encontrado na caverna 4 de Qumran, de uma extensa lista de promessas bı́blicas e seus
cumprimentos, ou esperanças de cumprimento. Devemos lembrar que o leitor original,
provavelmente um judeu do sé c. I, conhecia as escrituras muito melhor que nossos maiores
estudiosos, sendo seu contato com a Palavra de Deus diá rio, continuo e parte fundamental de seu
dia-a-dia. Por essa razã o detalhes menores e alusõ es a outros textos, que para nó s nã o sã o tã o
distintos, eram muito nı́tidos para aquelas pessoas. Alguma destas citaçõ es vã o alé m do texto
original, em certos casos parafraseando o autor original e em outros casos mudando um pouco
mais o sentido primevo. Entretanto, nem todas as citaçõ es ou referê ncias utilizadas pelo autor
sã o claras para nó s, poré m aos leitores originais elas seriam muito mais evidentes. Trench, C.R.
escreveu: "Escrevendo como ele faz para os convertidos hebreus, que estavam familiarizados com o Antigo
Testamento, que viveram e cresceram nele dele desde a infância, ... Para quem portanto, a menor sugestão seria
su1iciente. Ele nem sempre considera necessário se referir em tantas palavras ao tipo ou profecia que agora se
cumpriu; sendo o bastante con1iante de que não sentiriam falta dela, e 1icariam apenas mais satisfeitos em ter
algo deixado para si, alguma a1irmação feita sobre sua própria atividade mental."(34) Fazia parte da didá tica
judaica ensinar apenas até certo ponto, e incentivar o aluno a chegar à conclusã o Cinal por si só .
Você pode encontrar esse costume em quase todas obras do judaı́smo antigo, como referê ncia vos
cito RAMBAN "O guia dos Perplexos".
Um caso relevante é Mt 3.3 onde existe uma alteraçã o no texto de Isaı́as 40.3 O modo
como o autor lida com os textos do AT nã o deve ser medido pelos padrõ es hermenê uticos

17
modernos, e sim de acordo com o modo interpretativo do judaı́smo do primeiro sé culo conhecida
como pesher ou pesher midrash. Por vezes essa interpretaçã o se traduz em comparaçõ es entre
eventos/prediçõ es do AT e algum evento relacionado a vida e obra de Jesus. Seja como for,
acreditamos que o autor, ao produzir um texto inspirado, tinha direito de realizar uma
interpretaçã o ú nica e exclusiva, a qual nã o devemos repetir.

As citaçõ es claras que Mateus inseriu em seu texto sã o: 1.23a citando Is 7.14 segundo a
LXX, 1.23b citando Is 8.8,10 segundo a LXX, 2.6 citando Mi 5.2, 2.15 citando Os 11.1, 2.18 citando
Jr 31.15, 3.3 citando Is 40.3 segundo a LXX, 4.4 citando Dt 8.3, 4.6 Sl 91.11-12, 4.7 citando Dt
6.16, 4.10 citando Dt 6.13, 4.15-16 citando Is 9.1-2, 5.21 citando Ex 20.13 e Dt 5.17, 5.27 citando
Ex 20.14 e Dt 5.18, 5.31 citando Dt 24.1, 5.33 citando Lv 19.12 e Nm 30.2, 5.38 citando Ex 21.24
e Lv 24.20 e Dt 19.21, 5.43 citando Lv 19.18, 8.17 citando Is 53.4, 9.13 citando Os 6.6, 10.35-36
citando Mq 7.6, 11.10 citando Ml 3.1, 12.7 citando Os 6.6. 12.18-20 citando Is 42.1-3, 12.21
citando Is 42.4 segundo a LXX, 12.40 citando Jn 1.17, 13.14-15 citando Is 6.9-10 segundo a LXX,
13.35 citando Sl 78.2, 15.4a citando Ex 20.12 e Dt 5.16, 15.4b citando Ex 21.17 e Lv 20.9, 15.8-9
citando Is 29.13 segundo a LXX, 18.16 citando Dt 19.15, 19.4 citando Gn 1.27 e Gn 5.2, 19.5
citando Gn 2.24, 19.7 citando Dt 24.1, 19.18-19 citando Ex 20.12-16 e Dt 5.16-20, 19.18-19
citando Lv 19.18, 21.5 citando Is 62.11 e Zc 9.9, 21.9 citando Sl 118.25-26, 21.13 citando Is 56.7
e Jr 7.11, 21.16 citando Sl 8.3 segundo a LXX, 21.42 citando Sl 118.22-23, 22.24 citando Dt 25.5,
22.32 citando Ex 3.6 e Ex 15-16, 22.37 citando Dt 6.5, 22.39 citando Lv 19.18, 22.44 citando Sl
110.1, 23.39 citando Sl 118.26, 24.30 citando Dn 7.13, 26.31 citando Zc 13.7, 26.64a citando Sl
110.1, 26.64b citando Dn 7.13, 27.9-10 citando Jr 32.6-9 e Zc 11.12-13 e por ú ltimo 27.46
citando Sl 22.1.

Até mesmo citaçõ es a textos extra-canô nicos aconteciam, sendo que o pró prio Jesus
parece ter feito uso desse recurso em Mt 26.52: “Disse-lhe Jesus: "Guarde a espada! Pois todos os que
empunham a espada, pela espada morrerão.” Estudiosos da literatura antiga descrevem esta citaçã o
como sendo parte de um famoso romance do sé c. I chamado: José e Azenate. Algumas fontes até
aCirmam que esse romance podia ser comprado junto com a có pia do Antigo Testamento em
grego, chamada Septuaginta ou como LXX (12). EN possı́vel que o apó crifo Livro de Enoque també m
tenha certa participaçã o no pano de fundo do trabalho de Mateus e em alguns termos utilizados
por Jesus, o Cristo. Tais detalhes nã o sã o fundamentais para termos conhecimento da obra
redentora de Nosso Senhor, ainda assim esses detalhes enriquecem muito a leitura e sã o um
presente do Espı́rito Santo para nó s.

Em se tratando de referê ncias do Antigo Testamento utilizadas no Novo Testamento, o


trabalho de G.K. Beale e D.A. Carson publicado no livro “Comentá rio do uso no Antigo Testamento
no Novo Testamento” editora Vida Nova, é uma grande referê ncia; ainda que o "The use of the Old
Testament in St.Matthew", de Gundry, R.H seja bem mais profundo. Outro texto de grande valor,
ainda que em inglê s, é The New testamento use of the Old Testament, de Robert L. Thomas,
publicado The Master Seminary Journal, 2002.

1.3.6 Formato geral do livro e detalhes de estilo


Falando de estilo literá rio, o texto de Mateus nã o chega a ser considerado um exemplo do
Koiné Literá rio (mais rebuscado, como o livro de Hebreus), mas, certamente é bem superior ao
Koiné Vulgar (aquele utilizado pela populaçã o em suas comunicaçõ es quotidianas). Talvez a
melhor maneira de classiCicar o Grego utilizado seja como a ú ltima etapa na transiçã o entre o
Grego Coloquial e o Grego Literá rio. Essa caracterı́stica, por si só , já torna o Evangelho segundo
Mateus, um exemplo ú nico e digno de um estudo mais detalhado. (13) Em sua estrutura geral e no
modo como os temas sã o conectados existe um certo alinhamento com os escritos de Philo de
Alexandria, que eram conhecido em todo o mundo judaico-cristã o e respeitado como a referê ncia
para a teologia/CilosoCia da é poca. Alé m do que, o material redigido pelo apó stolo Mateus, que
hoje conhecemos no formato de um livro com seu capı́tulos e versı́culos, no momento em que foi
concebido mais parecia um manual para se contar histó rias. Nã o digo com isso que o texto
inspirado foi alterado por cristã o subsequentes (ou até inconsequentes) mas que o modo como as
informaçõ es eram compartilhadas era bem diferente. Hoje temos o Kata Matthaion impresso ou

18
em formato eletrô nico na palma de nossas mã os, mas no primeiro sé culo as có pias escritas
manualmente eram rarı́ssimas, por isso o material era lido em voz alta para a comunidade
reunida. Com essa visã o deCinida, Cica mais compreender certos aspectos embutidos no texto que
parecem nã o ser tã o bem elaborados por escrito, mas que possuem um impacto muito grande
quando utilizados para narrar uma histó ria.

Quando um autor avança na histó ria que está contando normalmente ele insere alguns
pontos de mudança na narrativa, por vezes para deCinir as unidades literá rias, por vezes para
produzir um resultado esperado em sua audiê ncia. Tais pontos podem ser: um evento histó rico
(assim como em E• xodo), por vezes um relato cronoló gico, um marco literá rio, uma biograCia
(assim como em Gê nesis 12-50), ou em alguns casos uma mudança geográ Cica. Fica evidente a
capacidade literá ria de Mateus no fato dele utilizar a fó rmula narrativa-discurso-narrativa-
discurso, e ainda assim colocar na estrutura original certas marcas textuais que deCinem
claramente as partes do livro. Um dessas marcas literá rias é a expressã o “a partir daquele momento”
ΑŸπο„ τοŒ τε ο¡ ΙŸησοῦ ς (apo tote ho Iesous) em Mt 4.17 e Mt 16.21. No caso de 4.17 e 16.21
concomitante ao marco textual encontramos o marco geográ Cico, pois 4.17 o Mestre está na
Galilé ia (inicialmente em Nazaré posteriormente Cafarnaum) e em 16.21 o palco das açõ es se
mudará para Jerusalé m. Seguindo está proposta, podemos criar um esboço bem simples, poré m
totalmente natural, e vá lido, para este evangelho. Veja a seguir:
• Introdução 1.1 a 4.16 A pessoa do Rei. Quem ele é , de onde veio e qual era seu direito ao
trono de Davi.
• Oferta do Reino dos Céus 4.17 a 16.20 Expressã o chave “A partir daquele momento
• Rejeição, Martírio e Ressurreição 16.21 Os acontecimentos Cinais da histó ria do
Messias. Aqui novamente encontramos a expressã o chave “a partir daquele momento”

Sã o trê s atos de uma peça, trê s movimentos de uma sinfonia. Personagens surgem e
personagens saem de cena, como grande autor que é , Mateus, ainda guarda reviravoltas para o
Cinal. Seguindo a divisã o proposta acima, será mais fá cil compreender o ritmo e o tom do texto,
assim como desvendar certas passagens que parecem desconexas, mas que condizem com cada
parte de livro. O esboço nã o foi artiCicialmente imposto ao texto, pelo contrá rio, do texto grego
retiramos os “marcadores” que deCinem o esboço.

Entre a oferta do Reino e a rejeição dinal o autor ainda acrescenta uma subdivisã o
apresentando cinco grandes discursos de Jesus, sendo a ligaçã o entre eles composta por cinco
trechos de narrativa descrevendo muitos do milagres feitos por nosso Mestre. Bacon. B.W. sugere
que Mateus propositalmente dividiu seu material em 5 partes + introduçã o e conclusã o(44),
enquanto Dale C. Allison Jr defende que: “Embora o Sermão do Monte e os outros quatro grandes
discursos mateanos re1litam uma artística e bem ordenada mente, não é de todo evidente que o evangelho
como um todo ainda esconda algum tipo de estrutura oculta a ser descoberta”.(24) Aqueles que rejeitam a
estrutura de cinco partes aCirmam que dessa maneira o relato do nascimento (na introduçã o) e
do martı́rio (epı́logo) sã o desmerecidos e deixados em segundo plano. A primeira vista este
pensamento pode parecer correto, mas nã o é , pois o evangelho tem como objetivo transmitir o
ensino do Cristo e nã o, ser um biograCia. Alé m disso o fato do relato da ressurreiçã o estar fora dos
cinco discursos em nada diminui sua importâ ncia magna, prova disso é o espaço textual
reservado para toda a narrativa do martı́rio de Jesus, a qual ocupa todo o trecho Cinal do livro.
Seja como for é inegá vel que o autor formatou seu registro fazendo uso dessas cinco
partes. Gosto muito da deCiniçã o de Davies e Allison: “A alternância em Mateus entre narrativa e
discurso está 1irmemente estabelecida, assim como o número de discursos principais, em cinco. Essas duas
certezas constituem a pedra fundamental sobre a qual toda discussão adicional deve se basear.”(61) Talvez
Mateus tenha apenas seguido um roteiro ló gico atravé s de nascimento/batismo/ministé rio na
Galilé ia/subida a Jerusalé m/Paixã o/Ressurreiçã o ainda que o registro dos ensinos nem sempre
segue uma ordem tã o restrita. Para caracterizar essas cinco partes, Mateus, faz uso de um
marcador literá rio, a expressã o “Quando Jesus terminou de …” ou alguma variaçã o da mesma.
Essa divisã o aparentemente possui o propó sito de reforçar a comparaçã o entre a obra de Moisé s
e a obra de superior de Jesus; lembre-se que Moisé s escreveu os 5 livros fundamentais do
judaı́smo, chamados de Pentateuco.

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Acompanhe as referê ncias:
1º A apresentação formal do Reino - Sermão do Monte 5.1-7.29 Ao Cinal da primeira
grande sessã o de discurso-narrativa, no capitulo 7.28 “Quando Jesus acabou de dizer essas coisas, as
multidões estavam maravilhadas com seu ensino,” Esse discurso nos apresenta o modo de vida no Reino
vindouro, o qual será marcado por uma atitude virtuosa oriunda do coraçã o e nã o baseada em
aparê ncias externas. També m podemos compreende-lo como a maneira que o Messias
interpretava a Lei.
2º O Reino apresentado pelos apóstolos - Ensinar e Pregar 10.5-11.1. “Depois que
terminou de instruir seus doze discípulos, Jesus saiu para ensinar e pregar nas cidades da Galiléia.” A pró pria
escolha dos Doze é um paralelo a organizaçã o das doze tribos de Israel antes da entrada em
Canaã . Sendo que aqui a missã o nã o é mais a conquista da terra prometida e sim, levar as Boas
Novas (ou seja, a mensagem do Reino dos Cé us) onde quer que houvessem judeus. Aqui
encontramos a mensagem do Messias sendo espalhada por Israel atravé s de seus apó stolos
(enviados), sendo este momento quase que uma continuaçã o do sermã o anterior (somado ao
poder de operar fatos extraordiná rios entre o povo escolhido).
3º O mistério do Reino através das parábolas 13.1-13.53 També m encontramos a
mesma aCirmaçã o no capı́tulo 13.53 “Tendo terminado de contar estas parábolas, saiu dali.” Aqui vemos
muito a respeito do Reino e da maneira como ele se desenvolverá , ainda que a linguagem seja um
pouco mais complexa e indireta. As pará bolas sã o pequenas histó rias, com temas de
conhecimento do pú blico, e tinha por objetivo serem acessı́veis até aos mais simples. Devido a
rejeiçã o continua da oferta do Reino, Jesus passou a utilizar as pará bolas para confundir seus
opositores, enquanto mostrava seu plano original, constituir a Igreja. Esse misté rio começa a ser
revelado em Mt 16.18: “E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edi1icarei a minha igreja, e as
portas do Hades não poderão vencê-la" Se os judeus rejeitavam a oferta que vinha sendo feita pelo
Messias, atravé s da Igreja o mundo receberia a oferta do Reino eterno.
4º Os relacionamentos e a ética do Reino 18.1-19.1 No versı́culo 19.1. “Tendo acabado
de dizer essas coisas, Jesus saiu da Galiléia e foi para a região da Judéia, no outro lado do Jordão.” O Reino dos
cé us apresenta a criaçã o de um novo povo, de uma nova comunidade de eleitos, a qual supera o
chamado dos judeus; ainda que estes possam fazer parte da Igreja e que a Igreja nã o anule as
promessas incondicionais de Deus aos judeus. Neste discurso nosso Senhor ensina quem seriam
os membros mais importantes do novo reino, a maneira como esses cidadã os iria interagir entre
si e o qual autoridade esse grupo de pessoas teria no mundo presente e no porvir. A ó ptica do
Reino exige uma é tica muito elevada e altruı́sta, nã o se colocando o individuo acima do coletivo e
nã o buscando satisfazer nossos desejos. Amar ao pró ximo e faze-lo atravé s do serviço continuo é
o padrã o do reino que o Messias veio inaugurar.
5º A revelação dos acontecimentos futuros- O Reino virá 24.3-26.1 Em 26.1, “Tendo
dito essas coisas, disse Jesus aos seus discípulos” Por Cim, vemos o destino terreno do Reino, pois ele
seria espalhado por toda a terra levando consigo as boas novas da salvaçã o. Somos ensinados
sobre quando virá o Cim e quais sinais o seguirã o, e por ú ltimo, como será o retorno do Senhor.
Este segmento do discurso possui forte cará ter escatoló gico e uma forma literá ria apocalı́ptica
que se assemelha a trechos de Daniel e ao livro da Revelaçã o do apó stolo Joã o. Podemos, de uma
maneira propositalmente exagerada, que se o leitor tiver apenas o livro de Mateus para ler, ele
terá acesso a tudo o que é fundamental para a fé cristã . (atente que nã o estamos diminuindo a
importâ ncia dos demais livros inspirados).

Atravé s destes cinco discursos, o autor nos leva por uma viagem atravé s da histó ria
bı́blica e mostra Jesus se relacionando e sendo profetizado pelo Antigo Testamento. Este processo
era muito importante para a audiê ncia de judeus do primeiro sé culo, que conheciam a fundo as
tradiçõ es da Lei e do Talmude (a Lei nã o escrita) e que precisavam de uma base mais só lida para
compreender o cristianismo. Temas como: O que vai acontecer com a Lei? O que vai acontecer
conosco? O que vai acontecer com o Reino? O que signiCica “igreja” e por Cim, o que acontecerá no
Cinal de tudo?
Durante a histó ria da igreja alguns estudiosos chegaram a discordar dessa subdivisã o em
cinco partes(18), apesar de encontrarmos os “marcadores” no pró prio texto. A respeito dessa
oposiçã o, que considero equivocada, ofereço duas consideraçõ es: 1) Nenhum dos outros
evangelhos possui uma construçã o que se aproxime da que Mateus formatou, assim a estrutura
subdividida foi uma decisã o do pró prio autor 2) Podemos perceber que outros autores bı́blicos,

20
també m padronizavam seus trabalhos de modo a reforçar um propó sito central. Veja como Lucas
desenvolveu Atos de forma parecida, visando apresentar a expansã o do evangelho, enquanto o
objetivo de Mateus era mostrar Jesus como o Messias e seu ministé rio como superior ao de
Moisé s. Ao material de Lucas també m podemos propor um esboço em trê s partes (1-7 Jerusalé m,
8-10 Samaria e Judé ia, 11-28 até os conCins da terra). Lucas insere pequenas seçõ es onde a
narrativa faz uma pequena pausa, antes de tomar outro rumo, equivalente ao que Mateus fez com
seus “marcadores”, e assim é possı́vel analisar o livro, de maneira mais detalhada, em seis partes:
1.1-6.7, 6.8-9.31, 9.32-12.24, 12.25-16.5, 16.6-19.20 e 19.21-28.30. Cada discurso está
emoldurado entre um comentá rio inicial e um ponto conclusivo do que fora exposto, o que
reforça a percepçã o de um propó sito na formataçã o do texto. E ainda que muito do material
relatado seja encontrado també m nos outros evangelhos sinó ticos, a construçã o temá tica de
Mateus é ú nica e proposital. Diversos teó logos atuais seguem este pensamento, entre eles estã o
Bacon, B. W. (1930 Studies in Matthew) que talvez inCluenciou muito dos pró ximos que citarei neste
livro, entre eles J. D. Kingsbury, D.A.Carson e Meier, J.P. (Matthew). Dizia Bacon: “Mateus reprime a
audácia dos judeus, veri1icando-os em cinco livros, por assim dizer, com freios”.
Existe ao menos um exemplo de literatura judaica antiga que també m fora compilado na
forma de 5 trechos e que busca revestir-se de alguma autoridade se aproximando do Pentateuco,
trata-se do Livro de Enoque. Uma obra de literatura anô nima, possivelmente o conjunto de
diversos autores mais antigos ainda e que pertence ao grupo dos livros apó crifos do Antigo
Testamento.(31) O livro canô nico que mais se utiliza de marcadores textuais é Ezekiel, o qual
utiliza a fó rmula "veio a mim a palavra do Senhor, dizendo..." como uma fó rmula distintiva em seu
desenvolvimento textual.

Apó s a entrega dessa “nova Torah”* o autor nos descreve o maior ato de todos, que foi a
cruciCicaçã o e ressurreiçã o de Nosso Senhor. Concluindo com outro paralelo entre Jesus e Moisé s,
dessa vez a pá scoa. Em Moisé s ela foi celebrada pouco antes da saı́da do Egito, na noite em que os
primogê nitos foram mortos. Em Jesus, vemos novamente a cena da celebraçã o pascoal, poré m
agora apenas O Primogê nito haveria de morrer em favor da libertaçã o nã o só de Israel, mas de
toda a humanidade.
Alé m de apresentar a Jesus, conhecido como profeta de Nazaré , como sendo o Messias
prometido nas escrituras sagradas desde a primeira frase do livro, Mateus també m revela muito
de sua humanidade, amor e compaixã o. Tanto que é o ú nico evangelista a registrar, nã o só uma,
mas duas vezes o Senhor dizendo "Misericórdia quero, não sacri1ícios" (Mt 9.13 e 12.7), alé m disso
mostra ele "tocando no leproso" (Mt 8.3) e muitos outros exemplos. Para Mateus Jesus é o Deus-
Homem encarnado, mas també m algué m que se preocupou conosco.

* O nome Torá ou Torah (que em hebraico significa “instrução) representa os cinco primeiros livros da bíblia, os quais foram escritos
por Moisés. São eles: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Na tradição cristã temos o costume de denomina-los
“Pentateuco”, onde “Penta” em grego significa 5.

Um aspecto textual poucas vezes observado é que existem outras ocorrê ncias deste
padrã o de cinco alternâ ncias, uma bem no inı́cio do relato e outra, bem no Cinal.(82) Devido a sua
localizaçã o nas molduras do livro, é muito assertivo dizermos que Mateus as inseriu
propositalmente e també m que esse recurso fazia parte de seu arsenal como escritor. A primeira
utilizaçã o está ligada ao nascimento de Jesus e a segunda ao seu sepultamento; ambos momentos
marcantes e dramá ticos do livro. Acompanhe como esse padrã o ocorre:

1º ocorrência 2º ocorrência
- José (Mt 1.18-25) - Jesus (Mt 27.57-61)
- Herodes (Mt 2.1-12) - Guardas (Mt 27.62-66)
- José (Mt 2.13-15) - Jesus (Mt 28.1-10)
- Herodes (Mt 2.16-18) - Guardas (Mt 28.11-15)
- José (Mt 2.19-23) - Jesus (Mt 28.16-20)

21
1.3.7 Representação grádica do livro
Proponho uma representaçã o grá Cica do principais tó picos do livro de Mateus, para que
você consiga se localizar, sempre que for necessá rio. As partes em vermelho representam a
introduçã o e a conclusã o do livro. A parte central é representada pela cor amarela, onde estã o os
cinco grandes discursos, os quais sã o conectados atravé s de cinco quadros azuis, equivalentes aos
trechos de narrativa.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Legenda
1. Introduçã o - 1.1-4.25
2. Primeiro grande discurso “A apresentação formal do Reino - Sermão do Monte” -
5.1-7.29
3. Trecho de narrativa - 8.1-10.4
4. Segundo grande discurso “O Reino apresentado pelos apóstolos - Ensinar e Pregar” -
10.5-11.1
5. Trecho de narrativa - 11.2-12.50
6. Terceiro grande discurso “O mistério do Reino através das parábolas” - 13.1-13.53
7. Trecho de narrativa - 13.54-17.27
8. Quarto grande discurso “Os relacionamentos e a ética do Reino” - 18.1-19.1
9. Trecho de narrativa - 19.2-24.2
10. Quinto grande discurso “A revelação dos acontecimentos futuros- O Reino virá” -
24.3-26.1
11. Conclusã o: rejeiçã o, martı́rio e ressurreiçã o de Cristo - 26.2-28.20

1.3.8 Palavras e expressões características


Como todo escritor, Mateus Levi, deixou em seu texto traços de sua personalidade, de seu
tempo e de sua regiã o geográ Cica. Quando pensamos em palavras ou expressõ es especı́Cicas,
podemos buscar por temas que se repetem em um mesmo texto. Tais repetiçõ es podem
representar um modo particular de escrever, podem representar um modo regional ou temporal,
e podem até mesmo serem classiCicadas como um vı́cio de linguagem. Os especialistas em escrita
costumam chamar isso de idiotismo quando se relaciona a um ú nico escritor, ou regionalismo
quando demais escritores, da mesma á rea, repetem a mesma construçã o continuamente. Vejamos
algumas das caracterı́sticas marcantes de Mateus:

a) Palavra chave: idou


Nos escritos de Mateus existe uma palavra que se destaca e é fundamental para uma
compreensã o adequada de sua obra, trata-se do verbo grego idou (ι†δουŒ ) cujo equivalente
hebraico se escreve: hin-nê(h). Ele pode signiCicar: Olhe! (como um ordem para prestar atençã o),
repentinamente (para dar a idé ia de susto ou supresa por algum acontecimento), agora
(mostrando que algo importante acabou de acontecer). Ele també m é utilizado como um
marcador, instrumento para avivar a narrativa (algo muito usado nos escritos Hebreus), enfatizar
uma idé ia ou chamar a atençã o para algum detalhe. EN um recurso, que em linguagem
cinematográ Cica, é chamado de zoom. Quando nos deparamos com um idou em Mateus, devemos
prestar atençã o.

22
Em todo o Novo Testamento o verbo idou aparece 200 vezes, sendo que no Evangelho
segundo Mateus ele aparece 62(14), assim superando em muito qualquer outro escritor. No texto
que estaremos estudando ele é usado normalmente no tempo Aoristo, de forma ativa e
imperativa. Muitas vezes o idou pode ser descrito como uma interjeiçã o(15), o que signiCica uma
palavra de exclamaçã o (que pode estar sozinha gramaticalmente). Em Mt 2.13 para enfatizar a
participaçã o do anjo. Um possı́vel paralelo em portuguê s, seria a expressã o “tcham, tcham, tcham,
tcham!”. Esta passagem na boca de um orador há bil, produziria um grande efeito. Outra aplicaçã o
do termo idou é no sentido de “Veja!” ou entã o “Olhe aqui!” De qualquer maneira, sempre que
acharmos um idou por aı́, é melhor prestar atençã o.
No Antigo Testamento, a mesma interjeiçã o acontece por 1006; e normalmente do
mesmo modo como Mateus a utiliza. Um livro cuja forma literá ria pode ser vista ressoando neste
evangelho é Ezequiel, nele a palavra hinnêh aparece por 112 vezes. Um bom exemplo é Ez 40.3 “E
ele me levou lá, e veja (hinnêh)! Lá estava um homem cuja aparência era como a aparência do bronze, …”
(traduçã o direta do hebraico)
Ao contrá rio de Pedro, Lucas, Paulo e Joã o, no caso de Mateus nã o temos outro
manuscritos de sua autoria para comparar, por isso Cica difı́cil uma analise mais precisa de seu
produto literá rio. Mesmo assim é evidente o uso do idou, seja para imitar propositalmente o estilo
de escrita profé tico/apocalı́ptico do Antigo Testamento, seja por um costume de escrita do autor.
Particularmente acredito na primeira opçã o; ainda mais se acreditar em Eusé bio de Cesaré ia e
assumirmos essa como a traduçã o de uma obra anterior escrita em aramaico, o que demonstraria
grande capacidade linguı́stica e literá ria.

b) Palavra “reino”, quase sempre, de modo composto


Existe uma segunda caracterı́sticas pouco mencionado do texto mateano que é o uso do
substantivo “reino” sempre de modo composto. Para Mateus demonstrar que o reino oferecido
por Cristo nã o era meramente humano, ele sempre aplicava uma palavra modiCicadora, ou
qualiCicadora, ao termo. O uso mais comum é “reino dos cé us”, pois també m havia a preocupaçã o
de nã o utilizar o nome divino de maneira ofensiva ao leitores judeus, e que també m faz referê ncia
a Daniel 7. O autor utiliza este termo 32 vezes em seu relato, por 5 vezes ele se refere ao “reino de
Deus”, 3 vezes como “reino do Filho do Homem”, 2 vezes como “reino do Pai” e apenas 6 vezes ele
diz apenas “o Reino”.
Este tema será importante ao analisarmos o versı́culo Mt 6.33 do evangelho segundo
Mateus.

c) O adjetivo pejorativo “hipócritas”


A palavra “hipó crita” υ¡ ποκριτηŒ ς -hypokritēs ocorre exclusivamente nos evangelhos,
sempre relacionada a alguma acusaçã o de Jesus. Assim podemos perceber que se trata de um
termo muito peculiar de Nosso Senhor. Encontramos a palavra 13 vezes no livro de Mateus (6.2,
6.5, 6.16, 7.5, 15.7, 22.18, 23.13, 23.15, 23.23, 23.25, 23.27, 23.29, 24.51), 1 vez no de Marcos e 3
vezes no de Lucas. O termo é utilizado sempre em momentos de grave acusaçã o por parte de
Jesus, e assim nos serve de indicador para a mudança no tom do discurso.

d) A expressão “vosso Pai Celestial”


A expressã o ο¡ πατη„ ρ υ¡ μῶν ο¡ ου† ραŒ νιος - hó pater himon hó ouranios - traduzida por “vosso
Pai celestial” é muito rara, acontecendo apenas 9 vezes no Novo Testamento, sendo 7 no
evangelho segundo Mateus (5.48, 6.14, 6.26, 6.32, 15.13, 18.35 e 23.9), 1 no evangelho de Lucas
(2.13) e 1 no livro dos Atos dos Apó stolos (26.19), també m escrito por Lucas.
Na LXX a expressã o é encontrada apenas em Es 6.14, (2 Macc 7.34), (2 Macc 9.1), (3 Macc
6.18), (4 Macc 9.15), (4 Macc 11.3). Como a igreja protestante considera os livros dos Macabeus
como nã o inspirados, podemos dizer que a expressã o “vosso Pai Celestial” acontece apenas uma
vez no Antigo Testamento.

e) A expressão “E ele respondeu dizendo”


ο¡ δε„ α† ποκριθει„ς ει¨πεν - Ho de apokritheis eipen. Está frase despretenciosa é importante no
estilo mateano de escrever, normalmente traduzida por "Ele respondeu" como faz a ARA ou "E
este respondeu" segundo a NVI, seria melhor traduzida se respeitasse o estilo de Mateus que diz
"E ele respondeu dizendo". Claro que parece um tanto redundante em nosso idioma, poré m é
caracterı́stico do apó stolo essa construçã o, tanto que ela ocorre 16 vezes em seu livro (12:39.48;

23
13:11.37; 15:3.13.24.26; 16:2; 17:11; 19:4; 21:29.30; 24:2; 25:12; 26:23), enquanto os outros
evangelhos sinó ticos a utilizam apenas 3 vezes em Lucas (8:21; 10:27; 15:29) e 2 vezes em
Marcos (6:37; 10:3); enquanto Joã o jamais a utilizou.

f) Ênfase nos dualismos e nos contrastes


Mateus, mais que todos os demais autores neotestamentá rios, tem uma forte queda pelos
contrastes e pelos dualismos em sua redaçã o do ensino do Messias. Ele descreve Jesus falando do
contraste entre duas portas, uma larga e outra estreita em 7.13, contrasta a importâ ncia das aves
do cé u contra a importâ ncia dos cidadã os do reino dos cé us em 6.25, constró i a pará bola dos dois
Cilhos em 21.29, entre os convidados para o banquete e os que mendigavam pelas ruas. O que
dizer entã o da pará bola do Trigo e do Joio (13.40-43) e a rede lançada ao mar que traz peixes
"bons" e peixes "ruins" (13.47-50). Kingsbury, J. chegou a aCirmar que o conClito ocupa o foco
central da obra de Mateus.(43) Por diversas partes deste livro você encontrará pontos onde esses
contrastes e dualismos sã o importantes. Fique atento a eles.

g) Parábolas
Nosso Senhor era um grande contador de pará bolas, e Mateus um grande apreciador
delas. Em resumo, uma pará bola é um texto narrativo breve, Ciccional, que se relaciona com a
realidade conhecida dos ouvintes e que, atravé s de sinais implı́citos ou explı́citos, sugere que o
signiCicado da narraçã o deve ser diferenciado das palavras literais do texto. Sendo que, em sua
estrutura de apelo desaCia o leitor a compreender de metafó rica a proposta sugerida. Muito
assertiva é a deCiniçã o de Dunn, J.D.G. "Jesus foi evidentemente lembrado por usar parábolas para ilustrar
ou iluminar o que ele tinha em mente quando falou do reino"(67)
Jesus utilizava de forma recorrente as pará bolas, fossem elas meras similitudes, como
dizer aos pescadores "venham e vos farei pescadores de homens", até as mais complexas e que
exigiam uma explicaçã o de sua parte, como a pará bola das sementes ao longo do caminho
(cap.13). E parece que Mateus també m era um grande admirador dessa arte retó rica, uma vez
que ele, mais do que qualquer outros, fez questã o de registrá -las ao longo de seu evangelho. O
estudioso Mü nch, C. ressalta a essa peculiaridade e acrescenta que Mateus demonstrava
pronunciada consciê ncia do gê nero parabó lico, principalmente no modo como ele emprega esses
tipo de texto em seu evangelho, e na forma como constró i suas introduçõ es e conclusõ es.(66)
Dependendo do crité rio que usemos para deCinir o que é uma pará bola, o nú mero delas
dentro deste evangelho pode chegar até a 53. Bem, se isso nã o reCletir a predileçã o mateano por
elas, nã o tenho mais argumentos para lidar com esse tema.

O modo como Mateus compilou seu material sobre a vida e os ensinos de Jesus de Nazaré
nos leva a um centro doutriná rio contido no que hoje chamamos de capı́tulo 13 (lembre-se que
na é poca de sua composiçã o, nã o haviam divisõ es por capı́tulos nem versı́culos), no qual o Mestre
fala quase que exclusivamente por pará bolas. EN como seu o aluno Mateus desejasse nos mostrar a
obra prima que o Professor dele pronunciou, por meio de pará bolas, naquele dia a beira do mar.
Alé m do capı́tulo 13 podemos identiCicar outras concentraçõ es de pará bolas entre os
capı́tulos 21.28-22.14 (3 pará bolas) e també m entre 24.28-25.33 (8 pará bolas). Isso sem contar o
Sermã o do Monte que é quase todo baseado em pará bolas e comparaçõ es, e onde podemos
identiCicar 13 ocorrê ncias deste tipo de texto.

A importâ ncia ú ltima das pará bolas reside no fato delas nos instigarem a pensar,
ponderar e reagir ao que está sendo dito. Por isso a utilizaçã o de elementos comuns é
fundamental, pois eles transportam as pessoas para dentro do mundo da pará bola e isso as
permitem vivenciar plenamente o ensino.
Todo ouvinte, ao ser confrontado por uma pará bola precisa lidar com ela de alguma
maneiro, por isso aCirmo que: Nã o existem ouvintes passivos de pará bolas. Talvez venham de um
grande opositor do ensino ortodoxo a melhor deCiniçã o sobre as pará bolas: “As parábolas de Jesus
(...) nos desa1iam a agir e a viver a partir do dom que nelas é vivido. Mas não queremos parábolas. Queremos
que elas (as parábolas) nos digam exatamente o que fazer e elas se recusam a responder"(68)

h) anacronismo no uso de Εκκλησία - Ekklesia (muitas vezes traduzida como


"igreja")
O evangelho de Mateus é o ú nico a utilizar essa palavra grega que deCinia a principal

24
assembleia ateniense, onde todos os homens maiores de 25 anos, e que tivessem prestado serviço
militar, eram considerados iguais. Seria o equivalente a “sinagoga” para o judeu palestino. Essa
palavra ocorre em Mt 16.18 e 18.17 Durante o desenvolvimento do Novo Testamento essa palavra
foi sendo adaptada e transformada até assumir o signiCicado de "igreja". Poré m o sentido de
assemblé ia de pessoas iguais nunca deve ser esquecido, pois como diz 1Co 12.13 "Pois, em um só
Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos
nós foi dado beber de um só Espírito." Dentro da "assembleia do iguais" diferenças socioeconô micas,
nacionalidades, sexo, deixam de ser levadas em consideraçã o, pois em Cristo é o lugar: “Onde não
há grego, nem judeu, circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em
todos” ( Cl 3:11 ).
Uma percepçã o tã o antiga quanto equivocada sugere que ΕκκλησιŒα signiCica "chamados
para fora", ledo engano. Apesar de ser constituı́da dos radicais καλεŒ ω "chamar" e ε† κ "fora" nã o
podemos simplesmente decompor qualquer palavra e tentar impor um signiCicado a partir de
seus componentes. A explicaçã o de Cara, R. deCine a questã o: O que ocorre com o termo ‘ekklēsia’ é
similar ao que ocorre com a palavra em inglês "butter1ly" (borboleta), termo que surgiu da junção de duas
outras palavras "butter" (manteiga) e "1ly" (mosca). "Butter1ly" não signi1ica que borboletas são ‘manteiga de
moscas’ ou ‘moscas de manteiga’.(79)

i) Anacronismo na utilização de kyrios (senhor)


Trata-se da mesma situaçã o da palavra “igreja”, já que kyrios possui o sentido geral de
“senhor” como modo respeitoso de se dirigir a algué m mais velho ou importante. Obviamente
com o passar do tempo, e o desenvolvimento teoló gico da doutrina cristã , essa palavra assumiu,
em grande parte, a descriçã o divina.

k) As multidões, os fariseus/líderes religiosos, e os discípulos. Seus papeis neste


evangelho.
Orígenes, de Alexandria, talvez tenha sido o primeiro teólogo a escrever especificamente
sobre esse tema. Em seu "Commentarius in Matthaeum", escrito a quase 1750 anos atrá s, ele dedica
uma seçã o para analisar o papel das οª χλος "multidõ es" dentro da trama mateana e sua relaçã o
com outro grupo recorrente "os discı́pulos".(83) Durante o desenrolar do ministé rio pú blico de
Jesus encontramos diversos relatos de como as pessoas reagiam a tã o grande maravilhosa obra,
alguns se admiravam, alguns rejeitavam, e alguns criam e se convertiam. O autor geralmente
classiCica os que se admiravam como "as multidõ es", como por exemplo no encerramento do
Sermã o do Monte: "Ora, descendo ele do monte, grandes multidões o seguiram." Mt 8.1 O grupo que
obstinadamente rejeitava o Messias geralmente é descrito de duas maneiras "Mas os principais
sacerdotes e os anciãos persuadiram o povo a que pedisse Barrabás e 1izesse morrer Jesus." Mt 27.20 ou como
"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas" Mt 23.13 E por Cim, existe um terceiro grupo recorrente em
Mateus, aquele dos que criam verdadeiramente em Jesus: "Então, entrando ele no barco, seus
discípulos o seguiram." Mt 8.23
O texto que melhor deCine o tema é Mt 23.1-2 onde podemos ver os grupos organizados e
contrapostos. No versı́culo 1 estã o os simpatizantes e os seguidores, enquanto no versı́culo 2
encontramos os opositores: "Então, falou Jesus às multidões e aos seus discípulos: Na cadeira de Moisés, se
assentaram os escribas e os fariseus."

Gramaticalmente falando é notá vel o fato de Mateus usar indiscriminadamente a forma


singular οª χλος e a versã o plural οª χλοi, sendo que ele utiliza na maioria das vez o plural (62%). Já
Marcos emprega o plural em apenas uma ocasiã o (Mc 10.1 equivalente a Mt 19.2).

l) Referências variadas
Algumas outras característica podem ser observadas também como o uso recorrente do toté
(então), proskyneo (curvar-se) e também o homooio (é como). Também é característico a maneira do
apóstolo iniciar uma sentença servindo-se de um particípio.


1.3.9 Impacto posterior na literatura cristã e no mundo
Os escritos do Antigo Testamento haviam provocado, com notó rias excessõ es (cf.2Cr 9),
pouco impacto fora do mundo judeu, enquanto os Evangelhos mudaram o mundo ocidental por
completo. Conforme disse Boehner, P: "O que os evangelhos acrescentam de novo à ideia de Deus - sem

25
derrogar nada à antiga - é que Ele, sobre ser o ente por excelência, é também amor, e que seu verdadeiro nome
é Pai"(54)

O documento mais importante da era pó s-apostó lica, e pré -patrı́stica, que chegou até nó s
é chamado de Didaquê , que em traduçã o livre seria “O ensino dos Doze”; onde os “doze”
claramente se refere aos apó stolos. Esse livreto Cicou perdido por quase 1.500 anos, sendo
reencontrado apenas em 1859 como encarte em uma antiga bı́blia sinaı́tica. Até a descoberta do
pergaminhos do mar morto no sé culo XX nada criara maior alvoroço na comunidade cristã . Em
seu conjunto literá rio, modo de escrita e escolha de palavras, o Didaquê reClete quase que
exclusivamente o evangelho escrito por Mateus. O anô nimo autor empresta de Mateus nã o menos
do que vinte passagens, algumas quase que copiadas integralmente, outras menos diretas. Dentre
essas assimilaçõ es repetiçõ es, a Oraçã o do Senhor é a mais pró xima; seguindo quase todas as
palavras do texto mateano.
Alé m do Didaquê , encontramos proliferas citaçõ es do Evangelho segundo Mateus nos
escritores do Cinal do sé culo I e inı́cio do sé culo II. Entre as citaçõ es mais conhecidas estã o as
duas cartas de Clemente, as quais conté m ao menos 11 referê ncias apenas na primeira delas (I:
81-98 d.C, II: 100-140 d.C.), a Epı́stola de Barnabé conté m quase 20 conexõ es diretas (70-132
d.C.) e as cartas de Iná cio de Antioquia contendo 16 referê ncias nessas comunicaçõ es (98-117
d.C.). Todas revelam só lida base literá ria no Evangelho de Mateus. O irmã o Clemente em 2Cle 2.4,
ao se referir a Mt 9.13 claramente cita o evangelho como Escritura: "Mais uma vez diz outra escritura:
eu não vim chamar justos, mas pecadores."(63) Podemos encontrar um estudo detalhado sobre a
inCluê ncia deste evangelho no livro "In1luence de l’évangile de saint Matthieu sur la littérature chrétienne
avant saint Irénée" de EN douard Massaux(78), onde ele caminha pelas apariçõ es de Mateus na
literatura cristã o desde o perı́odo apostó lico até os escritos de Irineu de Lyon.
Na era patrı́stica o evangelho mateano ocupou grande destaque, sendo talvez o mais lido,
citado e estudado material do câ non. Irineu de Lyon (130-202 d.C.) foi um grande utilizador de
Mateus em suas obras apologé ticas e devocionais, assim como Agostinho de Hipona (354-430
d.C.) o fez.
Durante a idade mé dia existiu uma versã o judaica apologé tica (contra o cristianismo),
criada por um rabino/polemista espanhol chamado Shem-tov ben Sharput (1385 d.C.) que visava
ensinar os judeus a se defenderem dos ataques anti-semitas valendo-se do texto do apó stolo
Mateus. Sua obra mais conhecida chama-se The Touchstone, a qual se encontra hoje no Museu
Britâ nico, seçã o oriental(55). Desta obra, em seus primeiros doze capı́tulos, provem o Evangelho
segundo Mateus em Hebraico, junto a notas explicativas, muito parecido com nossas bı́blias
apologé ticas modernas. O esforço da comunidade judaica em utilizar o escrito de Mateus para se
defender revela o quã o fundamental é esse livro.
Uma descriçã o da importâ ncia desse livro foi dada por Iliam Barclay e diz:

“Quando nós nos voltamos para Mateus, nós nos voltamos para um livro que pode muito bem ser chamado de o
mais importante documento individual da fé cristã, pois nele temos o mais completo e sistemático relato da vida e dos ensinos
de Jesus”(9)
O Ciló sofo francê s Voltaire, ao comentar sobre o evangelho de Mateus disse: "trata-se do
evangelho mais circunstancial que possuímos"(56)

O texto de Mateus també m é de fundamental para seita dos Mó rmons, a qual deCine a
pará bola do "pé rola de grande valor" (cf. 13.26) com um de seus textos fundamentais. Assim com
o movimento dos Quakers vê como um de seus grandes diferenciais a aplicaçã o da Mt 5.34 que
restringe os juramentos.

1.4 O texto autógrafo de Mateus


O termo autó grafo refere-se ao primeiro texto redigido pelo pró prio autor. Devido ao
tempo decorrido desde a publicaçã o do Evangelho segundo Mateus, possivelmente no Cinal do
primeiro sé culo da era cristã (algo entre 50 a.D. e 99 a.D.), a versã o original já nã o existe mais.
Uma vez que o livro retrata o sistema sacriCicial ainda em funcionamento, sem fazer mençã o a
destruiçã o da cidade, é reforçada a idé ia de uma data limite anterior ao ano 70 a.D. Outro dado
interessante é revelado por Eusé bio de Cesaré ia, em seu livro Histó ria Eclesiá stica 5:8:2, onde ele
cita Irineu de Lyon aCirmando que Mateus escreveu seu livro na é poca em que Pedro e Paulo

26
estiveram em Roma. A tradiçã o cristã aCirma que ambos foram mortos na perseguiçã o iniciada
por Nero, a qual terminou em 68 a.D. Assim temos uma data limite ainda mais antiga para a
confecçã o do texto original.
Apó s a publicaçã o do original, as igrejas, principalmente onde haviam colô nias judaicas
maiores, desejavam possuir o material para seu uso, assim có pias do texto foram feitas; costume
esse comum nas sinagogas. Nã o sabemos exatamente como o processo transcorreu, trê s
possibilidades existem: a) as pró prias igrejas copiaram o texto, b) foram utilizados copistas
proCissionais para a tarefa, e c) um misto das duas anteriores, onde algumas có pias foram feitas
pelas igrejas e algumas outras contaram com apoio especializado. Como o material usado naquele
perı́odo era o papiro, que custava caro e nã o era tã o fá cil de se manusear, e que poucas pessoas
sabiam escrever, e dentre este ú ltimo grupo, um nú mero muito mais restrito teria acesso a papiro
e tinta, creio que a possibilidade do uso de escribas proCissionais seja favorecida; mas trata-se de
uma opiniã o pessoal minha.

Existe certa discussã o a respeito da lı́ngua original usada nestes manuscritos, pois alguns
pais da igreja especularam que houve um texto inicial redigido em hebraico, sendo essa opiniã o
baseada em um material, nunca encontrado, escrito por Pá pias. Alguns pais da igreja, entre eles:
Irineu de Lyon no sé culo II(50), Orı́genes de Alexandria no sé culo III(51) e Eusé bio de Cesaré ia IV (52)
seguiam essa linha. A testemunha mais plausı́vel desse material vem do sé culo XIV, atravé s de um
mé dico judeu castelhano chamado Shem-Tob ben-Isaac ben-Shaprut Ibn Sharput, que incluiu em
um livro apologé tico judeu uma suposta versã o completa do Evangelho de Mateus em hebraico.
(74) Ainda que essa versã o, segundo os estudiosos, contenham um hebraico condizente com o

utilizado no quarto/quinto sé culo, nada nos garante que seja um material apostó lico; podendo
ser apenas uma versã o formatada pelo pró prio Shem-Tob.
Parece-nos possı́vel que tenha existido alguma espé cie de coletâ nea dos ensinos de Jesus
em hebraico antes da formataçã o mais formal do evangelho no formato que conhecemos, poré m
nada indica que o texto original do apó stolo nã o tenha sido escrito em grego. Para isso basta
entender que, fora da palestina, os pró prios judeus falavam grego e també m que nunca foram
encontrados fragmentos deste livro, ou de qualquer outro evangelho, em hebraico. Corrobora o
fato deste evangelho ter sido composto possivelmente em Antioquia, cidade de fala grega.
Interessante é o fato de Epifâ nio, no sé culo IV, relatar que: "E eles [seitas judaicas] próprios
também aceitam o evangelho segundo Mateus... Mas eles o chamam 'segundo os Hebreus’."(53) Poré m esse
material, do qual nã o temos evidê ncias hoje, era algo chamado de pseudo-epigrafo, ou seja, um
texto atrelado ao nome de um autor famoso, para assim trazer-lhe alguma credibilidade.

Seja como for, já no ano de 96 a.D. encontramos Clemente de Roma fazendo alusã o ao
Evangelho de Mateus, em uma carta enviada a igreja em Corinto, e no ano 110 a.D, Igná cio de
Antioquia, cita claramente Mt 3.15 em uma carta enviada a igreja de Esmirna. Dessa maneira
podemos ter certeza que algumas có pias do livro já circulavam entre as igrejas antes mesmo da
virada do primeiro sé culo. Contudo nã o podemos aCirmar se o manuscrito original foi destruı́do,
perdido ou se está escondido em algum lugar, mas podemos aCirmar que todo o conteú do que
temos acesso hoje é oriundo das có pias que foram feitas a partir do original. E acreditamos que
ainda assim, a verdade revelada por Deus permanece no texto ao qual temos acesso em nossas
bı́blias.
Desde a invençã o da escrita até o advento da prensa de tipos mó veis por Gutenberg e sua
publicaçã o da Vulgata Latina, conforme a ediçã o de Jerô nimo, em 1450-1456(16), os textos eram
escritos manualmente. O proCissionais que realizam essa tarefa eram chamados de Escribas
(durante grande parte da antiguidade) e já na idade mé dia passaram a ser conhecidos por
Copistas. Dentre os copistas que lidaram com o texto sagrado, os mais conhecidos sã o os
Massoretas judeus, que preservaram o texto do Antigo Testamento até os dias de hoje. Esse
trabalho manual por vezes resultou em pequenas discrepâ ncias nas có pias, sendo que 95% sã o
praticamente insigniCicantes. O que realmente importa sã o os 5% restantes que sã o
potencialmente complexos e podem gerar distorçõ es teoló gicas. No caso do livro de Mateus as
variaçõ es sã o do seguintes tipos: troca na posiçã o de uma letra ou preposiçã o (quase 90% dos
casos), assimilaçõ es (quando um texto assume uma passagem de outro livro), interpolaçõ es
(quando um texto é misturado a outro) e a inserçã o de algumas palavras nã o constantes no texto
“original”, ou nas versõ es mais antigas que temos daquele texto (com o intuito de completar o
texto).

27
Para minimizar essa questã o a igreja cristã foi Ciltrando os textos e utilizando as versõ es
consideradas mais corretas. Dois conjuntos de ediçõ es do Novo Testamento sã o utilizados como
base dos estudos atuais, o Texto Receptus (TR) e sua variaçã o chamada de Texto Majoritá rio, e do
outro lado encontra-se o Texto Crı́tico (TC) e algumas variaçõ es, entre elas a SBLGNT que
també m utilizo nesta obra. Uma terceira coleçã o de manuscritos, tã o importante quanto as
demais e muito utilizada na revisã o do meu estudo, é conhecida como NA-28 (Nestlé -Aland, 28º
ediçã o). EN importante compreender as peculiaridades de cada compilaçã o e utilizadas com a
sabedoria do Espı́rito Santo para realizar a melhor traduçã o possı́vel. O estudo deste tema é
chamado de Crı́tica Textual, e é um campo muito abrangente e que requer treinamento extensivo
para ser realizado. Louvo a Deus por ter capacitado homens brilhantes para tã o á rdua tarefa.
Durante este livro você irá encontrar algumas anotaçõ es sobre alguns versı́culos mais
problemá ticos. Nã o se assuste. Nosso objetivo é apresentar as variaçõ es e oferecer uma opçã o
viá vel para cada necessidade. Tradicionalmente as versã o da bı́blia colocam esses trechos dentro
de colchetes [ e ] para que o leitor possa analizar por si mesmo tais detalhes; uma vez que existe
muito estudo antes de se tomar a decisã o de excluir ou adicionar qualquer versı́culo ao texto que
temos hoje. Um bom caminho para te guiar neste processo é utilizar mais de uma traduçã o da
Bı́blia, e assim acompanhar como diversos times de tradutores lidaram com cada questã o.
Para ilustrar esse ponto no apê ndice deste livro você pode encontrar uma lista de alguns
textos variantes ao lado da lista dos manuscritos onde sã o encontrados. Caso você deseje
visualizar cada um deles, um bom lugar para iniciar é o site www.csntm.org que possui uma
enorme coleçã o de documentos digitalizados em alta qualidade.

1.5 Resumo da obra


Caso você nã o consiga se lembrar de mais nada do que vai ler neste livro, se esforce para
guardar em sua memó ria estes trê s pontos chave:
1. Objetivo do livro Mateus escreveu seu livro para provar aos judeus que Jesus de Nazaré
é o Messias prometido no Antigo Testamento.
2. Método utilizado O autor formatou sua obra fazendo uma comparaçã o entre Jesus e
Moisé s. Assim temos 5 grandes discursos contrastando com os 5 livros da Torah.
3. Instrumento preferido O instrumento mais utilizado por Mateus sã o referê ncias do
Antigo Testamento as quais ele mostra sendo cumpridas em Jesus

28
(1) Pinto, C.O. – Foco e Desenvolvimento do Novo Testamento - p.18
(2) Existem outras descriçõ es també m, por exemplo nos manuscritos: D, K, W, D, G, 33., 565., 700., bo, “euaggelion
kata MatQaion” e nos manuscritos ƒ1, boms possui a seguinte variaçã o hagion euaggelion kata MatQaion
(3) Cesaré ia, Eusé bio – História Eclesiástica - p.137 (3 e 4)
(4) Nicodemus, Augustus – Apóstolos: a verdade bíblica sobre o apostolado - p.189
(5) Wallace, D. – Youtube acessado em 01/02/2017 https://www.youtube.com/watch?v=Hz9rQY6L_Fs
(6) Robertson, A.T. – An introduction to the textual criticism of the New Testament - p.79-95
(7) Skeat, T.C. – The oldest manuscripts of four Gospels - p.1-34
(8) Matos, A.S. – Fundamentos da teologia histórica - p.19
(9) Utley, B. – The First Three Gospels – p.19
(10) Bultmann, - History of the Synoptic Tradition – p.374
(11) Beale, G.K. – O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento e suas implicações hermenêuticas – p.76
(12) Granconato, Marcos – Sermã o sobre o Evangelho de Mateus 26.47-56 disponı́vel em http://
igrejaredencao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1807:mateus-2647-56-tres-
pequenos-discursos-de-jesus-pr-marcos-granconato&catid=50:sermoes-em-video&Itemid=162
(13) Wallace, Daniel B. - Gramática Grega, uma sintaxe do Novo Testamento - p.83
(14) No apê ndice deste livro apresento todas as ocorrê ncias do verbo idou encontradas no livro de Mateus.
(15) Heiser, M.; Setterholm Vicent M. - Glossary of Morpho-Syntactic Database Terminology
(16) Metzger, B. – The text of New Testament 4th Edition - p.137
(17) Gonzá les, Justo L. - Uma breve história das doutrinas cristãs - p.27-28
(18) Kingsbury, J. D. - Matthew: Structure, Christology, Kingdom - p.1-39 - Bauer, D. R. - The structure os Matthew’s
Gospel - p.73-108
(19) Bloomberg, C.L - Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento - p.50
(20) Eusé bio de Cesaré ia - História Eclesiástica - Livro III, cap.39
(21) Eusé bio de Cesaré ia - História Eclesiástica - Livro IV, cap.8
(22) Herting, P. - Matthew’s Narrative Use of Galilee in the Multicultural and Missiological Journeys of Jesus - p.45
(23) Gundry, R. - Matthew: a commentary on his literacy and theological art. - p.639 (para ele a forma da Midrash
implica em uma nã o literalidade do fato, poré m o uso normal do tema nã o possui essa conotaçã o. Por isso o
leitor deve estar atento ao ler algum texto de Gundry a esse respeito)
(24) Allison, D.C. - The structure of the sermon on the mount
(25) Drane, J. - Introducing the New Testament - p.113
(26) Fiensi, D.A. - The College press NIV commentary - New Testament introduction - p.116
(27) Peters, G.N.H. - The theocratic kingdom - proposiçã o 81, p.563
(28) Lange - Commentary on Luke - p.326
(29) O termo ocorre duplamente em 12.34
(30) Albright, W. - From the stone age to Christianity - p.291
(31) Sanders, I.L. - The origin and signi1icance of the title “Son of the man” - p.50
(32) Murphy, R. E. - The dead sea scrolls and the Bible - p.26
(33) Tertuliano de Cartago - Contra Marcião - 4.10
(34) Trech, R.C. - The Star of the Wise Men - p.37
(35) Burkett, D - The Son of men debate - p.123
(36) Casey, M - The solution to the "Son of man" problem -
(37) Black, M - An aramaic approach to the Gospels and Acts - p.310-330
(38) Hurtado, L - Son of Man - p.16
(39) Quin, K - The Son of a Man in 1 Enoch
(40) Green, M - The message of Matthew - p.12
(41) Ibid - p.13
(42) Green, J.B. - The role of autoria intention in the theological interpretation of the scripture - p.175-176
(43) Streeter, B.H. - The four gospels - p.500-523
(44) Bacon, W.B. - Studies in Matthew - p.265-335
(45) Kingsbury, J.D. - Matthew: Structure, Christology, Kingdom - p.36
(46) Kingsbury, J.D. - Matthew as story - p.3
(47) Fowler, J. - A commentary on the four Gospels - p.5
(48) Toussaint - Behold the King - p.13-14
(49) Clarke, H - The Gospel of Matthew as its readers - introduçã o xvii
(50) Irineu de Lyon - Contra heresias - 3:1:1
(51) Orı́genes de Alexandria - Comentário sobre Mateus
(52) Eusé bio de Cesaré ia - História da Igreja - 3:39:116
(53) Epifâ nio de Salamis - Panairon - 30:3
(54) Boehner, P. - História da 1iloso1ia cristã - p.17
(55) SchonCield, H. - An old Hebrew text of St.Matthew gospel - p.11
(56) Voltaire - “Apostles,” Philosophical Dictionary (New York: Coventry House, 1952 [trans. 1901]), 1:120
(57) Steiberg, P - Celebrating the Jewish Year: The Fall Holidays: Rosh Hashanah, Yom Kippur - p.42
(58) Neusner, J - The Formation of the Babylonian Talmud. - p.9
(59) Keener, C.S - NT309 Critical issues in the synoptics gospels - Segmento 2
(60) Neyrey, J. - Honor and shame in the gospel of Matthew - Ele deCine o termo "encomiastic biography" como aquela
biograCia escrita para exaltar um heró i em particular e/ou para defende-lo de ataques posteriores contra sua
honra.
(61) Davies, W.D e Allison, D. - A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel according to Saint Matthew - p.61

29
(62) Witherington, B - Matthew - p.1
(63) 2 Clemente - 2.4
(64) Lo, J.W. - The Appropriation of Isa 6:9-10 to the Parables of Jesus: Implications for the Synoptic Problem - p.11
(65) Sá nchez, T.P - Quatro facetas de Jesus - p.9
(66) Mü nch, C. - Gleichnisse (n. 11), pp. 129-160 (Gleichniseinleitungen); pp. 249-290
(67) Dunn, J.D.G. - Jesus Remembered - p.385
(68) Crossman, J.D. - In parables - p.82
(69) Iná cio de Antioquia - "Para Esmirna" 1:1; “Aos Filipenses” 3:1; “Aos Efé sios” 19:1-3; "Policarpo" 2:2.
(70) C.I. ScoCield in the original ScoCield Reference Bible
(71) Barbieri, L. A., Jr. - Matthew. In J. F. Walvoord & R. B. Zuck (Eds.), The Bible Knowledge Commentary: An
Exposition of the Scriptures (Vol. 2, p.16)
(72) Campbell, I. D. - Opening up Matthew - p.14
(73) Allison, D.C. Jr - Matthew (in The Gospels) - p.27
(74) Howard, G. - Shem-Tob's Hebrew Matthew and Early Jewish Christianity, in Journal for the Study of the New
Testament - vol. 70, p.3-20.
(75) Berkhof, L - Princípios de interpretação bíblica - p.120-121
(76) Coogan, M.D. - The Oxford Encyclopedia of the books of the Bible - p.3
(77) Paget, J.C - Jewish Christianity, in Cambridge History of Judaism, vol. 3, The Early Roman Period - O autor analisa
mais profundamente o relacionamento entre os cristã os judeus e os gentios.
(78) Massaux, E - "In1luence de l’évangile de saint Matthieu sur la littérature chrétienne avant saint Irénée"
(79) C a r a , R - h t t p : / / w w w . m i n i s t e r i o C i e l . c o m . b r / a r t i g o s / d e t a l h e s / 7 1 5 /
Cuidado_com_o_SigniCicado_Oculto_da_Raiz_de_uma_Palavra> acessado em 13/01/2021
(80) Scroggie, G - A guide to the gospels - p.248
(81) Brown, R.E. - The birth of the Messiah - p.46
(82) Fenton, J.C. - Inclusio and Chiasmus in Matthew - p.174-179
(83) Orı́genes de Alexandria - Commentarius in Matthaeun - XI. 4-5
(84) Pennington, J.T. - Heaven and Earth in the gospel of Matthew - p.10
(85) Leiva-Merikakis, E. - Fire of Mercy, Heart of the Word: Meditations on the Gospel According to Saint Matthew, vol.
2 (San Francisco: Ignatius Press, 2004) - p.45

30
O Filho do Homem - como uma expressão usual em aramaico(36)(37) se tornou um
título próprio em grego.

A expressão ὁ ὑιός τοῦ ἀνθρώπου não é usual no idioma grego, sendo encontrada apenas em
texto relativos a LXX ou fortemente influenciados pela cultura judaica. Falando a respeito da LXX
(Septuaginta), nela o termo "o filho do homem" ou "filho dos homens" aparece cerca de 166 vezes.
Na literatura judaica extra-bíblica antiga, o único uso claro do termo “Filho do Homem” com a
mesma conotação empregada pelo Cristo, encontra-se no apócrifo Livro de Enoque(39), mais
claramente no trecho 46.1-5. Ainda assim parece que o termo fosse de conhecimento geral, afinal
Jesus nunca precisou explicar, o por que, de seu uso recorrente do mesmo.

Tertuliano de Cartago talvez seja o primeiro teólogo a nos deixar um comentário por escrito sobre
a utilização dessa expressão por Nosso Senhor, isso ainda no segundo século da era cristã. Em seu
livro Contra Marcião 4.10 ele diz: “Não era esse o desejo, por este título, filho do homem do livro de Daniel de
voltar a denunciá-los de tal forma que provasse que aquele que perdoava os pecados era tanto Deus como o
homem - aquele e único filho? do homem em termos da profecia de Daniel, que obteve poder para julgar, e é
claro que o poder de perdoar pecados (pois aquele que julga também absolve)”

O termo “Filho do Homem” é o modo favorito de Jesus se referir a si mesmo em terceira pessoa,
sendo que sua utilização ocorre por 69 vezes nos evangelhos.(29) Vale notar que esse titulo é utilizado
apenas mais uma vez no Novo Testamento, lá em At 7.56. Tal utilização demonstra que se tratava
algo muito próprio e pessoal do Messias. Repare que a igreja raramente utiliza esse termo para se
referir ao Nosso Salvador. O estudioso Delbert Burkett, sugeriu que a falta de uso do termo pelos
autores dos demais livros do Novo Testamento, excluindo-se os evangelistas e a primeira parte de
Atos, deve-se ao fato deste termo estar intimamente enraigado no cristianismo palestiniano, com
sua forte descendência judaica, enquanto os demais autores estivessem mais conectados com o
cristianismo gentio.(35) Ainda assim parece-nos que a melhor maneira de entender o uso da
expressão, quase que exclusivamente por Jesus, é que esse era o modo que o Cristo se referia a si
mesmo. O estudioso Larry Hurtado segue a mesma linha de pensamento, dizendo: "Isto é,
provavelmente Jesus fez ‫ בר אנׁשא‬sua auto-designação preferida, que formou uma característica saliente de sua
própria prática de discurso, sua "voz" ou maneira de falar, em termos linguísticos, seu "idioleto"."(38)

Como discutido pouco acima, ao analisarmos a importância de se estudar o livro do profeta


Daniel, normalmente traçamos a origem do titulo ao capítulo 7 versículo 13, porém isso levanto
certos questionamentos. Acompanhe: “Na minha visão à noite, vi alguém semelhante a um filho de um
homem, vindo com as nuvens dos céus.” Em Daniel a expressão empregada é, em hebraico ‫( אֱנָׁ֖ש בַ֥ר‬ḇǎrʹ
ʾěnāšʹ), porém ela é empregada de maneira genérica, não como um titulo próprio e muito menos
como símbolo de algo importante. Em nossa linguagem quotidiana equivaleria a dizer “um réles
mortal” ou em uma interpretação mais literal “um filho da humanidade”; o que segue tipicamente o
uso do termo semita ben ʾadam.(30) Naquele versículo, a utilização serve para enfatizar de fato a
fragilidade e a pequinês da personagem em questão. Vejamos o que o Salmo 8.4 fala: “pergunto: Que
é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes?”

Resta-nos ponderar em por que Jesus optou pelo uso desse título em vez de qualquer outro
com base mais sólida no Antigo Testamento. Talvez a melhor explicação deva ser dividida em duas
partes: A) caso ele utilizasse um termo mais nacionalista, como “Filho de Davi” isso levaria a uma
noção apenas terrena e imediata; além de leva-lo diretamente contra as autoridades romanas e B) ao
optar por “Filho do Homem” (o qual vem dos céus) reforça-se um conceito sobrenatural e as
realidades espirituais conectadas ao “Reino dos Céus”. Esse termo é de fundamental importância do
desenvolvimento teológico do livro. George N.H. Peters, em seu livro chamado The theocractic
Kingdom, publicado no século XVIII, discorre sobre a aplicação do termo pelo próprio Messias
dizendo: “O Reino é primária e exclusivamente prometido ao Filho de Davi, embora insinuações sejam dadas de
que o Divino deva ser unido com o humano na figura do Filho”(27) Assim sendo, por um lado o uso de termo
“Filho do Homem” não evocava nada de especial em seu sentido usual, na língua aramaica, o que
ressaltava a humanidade de Jesus, e por outro lado trazia um forte aspecto divino e sobrenatural.
Toda essa teologia só se completaria no discurso de Pedro, registrado em At 2.29-35 "Irmãos,
posso dizer-lhes com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu túmulo está entre nós até o
dia de hoje. Mas ele era profeta e sabia que Deus lhe prometera sob juramento que colocaria um dos seus
descendentes em seu trono. Prevendo isso, falou da ressurreição do Cristo, que não foi abandonado no sepulcro
e cujo corpo não sofreu decomposição. Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos testemunhas desse fato.
Exaltado à direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vocês agora vêem e
ouvem. Pois Davi não subiu ao céu, mas ele mesmo declarou: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha
direita até que eu ponha os teus inimigos como estrado para os teus pés”

31
Textos religiosos judaicos

Durante a leitura deste livro você irá se deparar com diversas citações, e referências, a textos
religiosos judeus que não fazem parte da Escritura Sagrada. Por esta razão creio que seja propício
fazer-te uma explanação geral do tema.

Os judeus afirmam a existência de outro códice de leis além daquele que chamamos de Antigo
Testamento, enquanto o cristianismo protestante defende o lema dos Reformadores de Solo
Scriptura, ou seja, apenas a bíblia. Para eles o tratado do Talmud ‫ ּתַלְמּוד‬palavra que significa
"ensino" ou "instrução", representa o cerne da religiosidade rabínica(57), aquela que é tão
veementemente combatida por Jesus, pois nele se encontram a Halakha que lida com as leis
religiosas criadas/desenvolvidas pelos rabinos, as bases de sua teologia ética e moral, além de
folclore.(58) Em seu formato mais aceito (Talmud Babilônico), o Talmud, possui duas partes a Mishnah
(hebraico: ‫משנה‬, c. 200), um compêndio escrito da Torá Oral do Judaísmo Rabínico; e o Gemara
(hebraico: ‫גמרא‬, c. 500), uma elucidação da Mishnah e dos escritos tannaíticos relacionados que
freqüentemente se aventuram em outros assuntos e expõem amplamente a Bíblia Hebraica. O termo
"Talmude" pode se referir apenas à Gemara, ou à Mishnah e Gemara juntas.
Sendo a Mishna a parte mais antiga do Tamuld, e que teria se originado no próprio Moisés. Tais
religiosos postulam que aqueles ensinos estavam descritos em Ex 24.14, que segundo eles deve ser
lido assim: "Então, disse o Senhor a Moisés: Sobe a mim, ao monte, e fica lá; dar-te-ei tábuas de
pedra (o decálogo, ou 10 mandamentos), e a lei (a Torah, ou Lei escrita), e os mandamentos (a
Mishna) que escrevi (livros proféticos e poéticos da bíblia), para os ensinares (a Gemara)." Os
detalhes em negrito demonstram a interpretação proposta por eles.

Não é nosso desejo desrespeitar as convicções de ninguém, mas qualquer leitor, com um
mínimo de bom senso, perceberá por si só que o texto não diz nada disso. Toda essa teologia
rabínica surgiu no período do segundo templo, o que demonstra que ela não é tão antiga como
gostariam os mestres judeus. Na realidade a própria Mishna (1º parte do Talmud) só começou a ser
formatada com a ajuda do conhecido rabino Hilel, que fora presidente do Sanhedrin durante o
governo de Herodes, o Grande. Seu trabalho ganhou forma através do rabino Akiba, o qual definiu
uma divisão em seis partes e que posteriormente aprimorada pelo rabino Meir. Essa etapa aconteceu
já no início do século 2, sendo finalmente cristalizada por Yehuda Hanasi perto da virada para o
terceiro século.

A divisão da Mishna em seis partes é importante para nosso estudo pois, sua quarta divisão (ou
quarto Seder) contém, em seu quarto tratado (Masechta), o detalhamento das leis chamadas
"danos" (Nezikin). Este trecho lida com grande parte das leis civis e criminais, e será de suma
importância durante o julgamento de Jesus.

Hoje em dia, a cópia mais antiga conhecida é datada de 1342 e denominada Munich Talmud.
Você pode acessá-la digitalmente em https://daten.digitale-sammlungen.de/~db/bsb00003409/
images/index.html (acessado me 20/06/2020).

32

Imagem retirada do livro Novum Testamentum de John Mill, publicado em 1707 pela Universidade de Oxford e digitalizada pelo projeto CSNTM.org

33
34
Mateus 1
Primeira parte do livro: Introdução Mt 1.1-4.16

Na introduçã o deste material analisamos a questã o da autoria do livro, o que é deveras


importante aqui na abertura do livro pois os escritores judeus, bem como grande parte das
culturas do oriente mé dio, nã o costumavam intitular seus trabalhos; sendo a pratica usual utilizar
as primeiras palavras do livro para denominá -lo. Esse costume ocorre por quase todo o antigo
testamento e nã o é de se estranhar o fato de Mateus seguir o mesmo modelo de redaçã o.
Gramaticalmente falando, chamamos isso de Nominativo Absoluto, e que por regra, nã o deve ser
interpretado como uma sentença, dessa maneira reforçando a ideia de tı́tulo para a obra em
analise. Por esses motivos, as primeiras palavras do registro de Mateus podem, e recomendo que
sejam, observadas como o verdadeiro tı́tulo do evangelho:
.
“ΒιŒβλος γενεŒ σεως ΙŸησοῦ χριστοῦ υι¡οῦ Δαυι„δ υι¡οῦ ΑŸβρααŒ μ”
(Bı́blos gené esos Iesou Christou huiou David huiou Abraá m)

v.1-17 Genealogia de Jesus (qualidicação legal do Rei)


Atravé s da forma de redigir seu livro, Mateus deixa evidente diversas conexõ es, ou
“links”, com o Antigo Testamento; nenhum deles por acaso. Certas conexõ es sã o mais evidentes
como Mt 1.22 “Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta:” outros
exigem um estudo mais profundo como o contraste entre duas lista genealó gicas, Mt 1.1-17 e Gn
5.1 A frase de abertura do livro BιŒβλoς γενεŒ σεως é encontrada na LXX (Septuaginta, tradução grega
do AT utilizada nos dias de Jesus) em Gn 2.4 durante o “relato da origem” dos cé us e da terra, e
també m em Gn 5.1 para a “lista dos descendentes” de Adã o. A frase nã o ocorre em nenhum outro
lugar da LXX, o que reforça o ı́mpeto de Mateus em mostrar a Jesus como a conclusã o do Antigo
Testamento.
Vejamos mais de perto o exemplo de Gn 5.1 escrito por Moisé s “Este é o registro da
descendência de Adão: Quando Deus o criou, a semelhança de Deus o fez;”, mostrando a triste histó ria da
famı́lia de Adã o, e o efeito do pecado sobre eles. Enquanto isso Mateus inicia o Novo Testamento,
apresentando Jesus (o ú ltimo Adã o, cf. 1Co 15.45) e a maneira com a qual ele redimiria a
humanidade, descendente de Adã o. O autor vai mais alé m, enquanto a genealogia de Gn 5.1 é
marcada pela expressã o και„ α† πεŒ θανεν “e morreu”, a genealogia de Mt 1.1-17 enfatiza a expressã o
ε† γεŒ ννησεν “gerou” enfatizando o nascimento, e nos mostrando a esperança da vida. Que belo
contraste! Outro contraponto é o fato de Adã o nã o ter genitores, enquanto Jesus nã o tem
descendê ncia. També m vale ressaltar que o livro de Gê nesis, cujo nome pode ser traduzido
livremente por “inı́cios”, é segmentado em alguns novos começos para a humanidade, alé m de
possuir uma subdivisã o muito conhecida chamada de “unidades Toledôt” as quais apresentam as
geraçõ es dos grande homens da histó ria inicial do mundo.(18) Assim, quando Mateus registra
ΒιŒβλος γενεŒ σεως ΙŸησοῦ χριστοῦ (livro da genealogia de Jesus Cristo) existe muita similaridade
como a descriçã o de Gn 5.1 segundo a LXX βιŒβλος γενεŒ σεως α† νθρωŒπων (livro da genealogia do
homem). No Antigo Testamento, em hebraico, encontramos a mesma descriçã o, a qual na lı́ngua
original é : zě (h)ʹ sē ʹ·p̄ ě r tô·leḏōṯʹ ʾā ·ḏ ā mʹ (repare que em hebraico, a palavra “homem” é a mesma
que “Adã o”).

Existe uma diCiculdade recorrente quando lidamos com a genealogia apresentada por
Mateus e a comparamos com a lista contida no Evangelho de Lucas; aCinal elas sã o distintas. Para
solucionar a questã o duas soluçõ es tem sido propostas: 1) Mateus, focando no leitor judeu,
apresenta a linhagem de José assim cumprindo todas necessidades legais em relaçã o a Ciliaçã o, 2)
Mateus descreve a linhagem dos reis de Israel (e daqueles que teriam direito ao trono apó s o
exı́lio) enquanto Lucas apresenta os ancestrais diretos de Jesus.

Tendo o propó sito de comprovar que Jesus era o Messias prometido, Mateus inicia o livro
mostrando as origens, o inı́cio da vida e do ministé rio de Cristo. E nã o há forma melhor que
iniciar apresentando sua linhagem, atravé s de uma genealogia selecionada que o liga diretamente

35
a Moisé s e ao rei Davi. Assim oferecendo base bı́blica para os judeus recé m convertidos, e aos que
ouviram a narrativa posteriormente, conCiarem que Jesus era realmente o Rei prometido. Atravé s
deste recurso literá rio, a genealogia, Mateus nos apresenta a qualiCicaçã o legal para o reinado do
Messias. Falando a esse respeito WarCield, B.B diz:
.
“Essas genealogias devem ser consideradas dignas de valor somente para o propó sito ao qual foram
registradas; elas nã o podem ser adaptadas para uso em outros Cins para os quais nã o foram destinadas, e para os quais
nã o sã o adequadas. Em especial, Cica claro que o objetivo genealó gico dessas genealogias nã o requeria um registro
completo de todas as geraçõ es pelas quais passava o descendente das pessoas a quem foram atribuı́das; só uma indicaçã o
adequada da linhagem particular de onde procedia o descendente em questã o. Portanto, um exame melhor das
genealogias da Escritura mostra que elas sã o aplicadas livremente para toda sorte de propó sitos e nã o se pode aCirmar
com segurança que contenham um registro completo de todas as sé ries de geraçõ es, embora quase sempre seja ó bvio que
muitas delas foram omitidas. […] O ponto estabelecido pelo registro nã o é que estas sejam todas as ligaçõ es diretas
ocorridas entre o inı́cio e o Cim dos nomes, mas que é uma linhagem onde se pode traçar a ascendê ncia ou descendê ncia
de uma pessoa”(1)

Para nó s, é importante compreender que Mateus ancora a promessa, a vinda e a essê ncia
do Messias ao Antigo Testamento; desta forma Cica impossı́vel entender Jesus, sem entender o
Antigo Testamento. Por outro lado, podemos perceber que Jesus é a chave para a compreensã o
adequado dos textos do Antigo Testamento. Um fato curioso para nó s cristã os e que muitas vezes
passa desapercebido até mesmo aos estudantes de teologia é que na é poca em que Mateus
redigiu seu livro ainda nã o havia um Novo Testamento escrito, e que o conjunto de livros que
costumamos chamar de "Antigo Testamento" naquela é poca era o ú nico "Testamento" que existia.
Os leitores originais conheciam aquela coleçã o de livros pelo nome de Tanakh, o qual representa
as primeiras letras das divisõ es utilizadas pelos judeus para dividir as escrituras sagradas. Sã o
elas: 1) Torah, ou seja, os cinco livros de Moisé s, 2) Nevi'im, os profetas, 3) Kethuvim, livros
poé ticos (Salmos, Prové rbios e Jó ) e pergaminhos menores (Ruth, Ester, Câ nticos, Lamentaçõ es e
Eclesiastes).
Uma questã o importante é saber de onde Mateus retirou as informaçõ es contidas nos
capı́tulos 1 a 3, uma vez que ele nã o fora testemunha ocular delas. Outro evangelista, o colega de
Paulo, chamado Lucas, registrou: “Sua mãe, porém, guardava todas essas coisas em seu coração.” Lc 2.51
Assim é bem aceitá vel imaginarmos Mateus escutando essas histó rias durante o tempo em que
viajou com o Mestre pela terra de Israel ou talvez da boca da pró pria Maria. O importante é que
Mateus esteve com o grupo desde muito cedo e interagiu com todos de maneira muito ı́ntima e
duradoura, o que basta para aceitarmos seu registro como Cidedigno e conCiá vel.

v.1 Direto e reto


“Genealogia de Jesus Cristo (Messias em hebraico, e em português Ungido), 1ilho de Davi, 1ilho de
Abraão:”

Em apenas uma frase ele aCirma que Jesus é :


a) Messias o Rei ungido prometido
b) Filho de David herdeiro legı́timo ao trono
c) Filho de Abraão o descendente atravé s de quem todas as naçõ es seriam
abençoadas. (cf. Gn 12.3; 18.18; 22.18)
Depois disso podemos parar de ler o livro, pois tudo já foi dito. Brincadeira, tá ! EN apenas
uma forma de falar, por favor continue lendo o livro.
A forma de apresentar essas informaçõ es é tã o sutil quanto um soco direto, dado por um
campeã o de boxe peso-pesado. EN quase uma declaraçã o de guerra a religiã o daquela é poca. No
Novo Testamento existe apenas uma outra abertura de livro tã o dramá tica como essa, Jo 1.1, onde
o Apó stolo Joã o afronta a CilosoCia grega aCirmando que o Logos era Deus.

Digno de nota é o fato do autor desejar Cixar a conexã o entre Jesus e Abraã o, pois no
decorrer do livro veremos que a naçã o de Israel constantemente é apresentada como distante de
seu pai. Por exemplo Mt 3.9 "e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu
vos a1irmo que destas pedras Deus pode suscitar 1ilhos a Abraão." e Mt 8.11-12 "Digo-vos que muitos virão do
Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os
1ilhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes." No modo como
Mateus usa o termo "Cilho de Abraã o", parece haver um desejo implı́cito de nos lembrar da

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promessa magna feita a Abraã o: "nela serão benditas todas as nações da terra, porquanto obedeceste à
minha voz." Gn 22.18

Por ser descendente direto de David, Jesus pertencia a famı́lia real, o que o qualiCicava
como candidato ao trono. Todos judeus sã o Cilhos de Abraã o segundo a carne, mas poucos sã o
Cilhos de David geneticamente. O apó stolo apresenta logo no inı́cio de seu Evangelho a conexã o de
Jesus com dois segmentos da comunidade cristã do primeiro sé culo: Jesus é herdeiro das
promessas feitas a Davi e por isso conectado aos judeus; enquanto també m é herdeiro de uma
promessa mais ampla de bê nçã os, focalizada nos gentios, feita por meio de Abraã o.

1.2 a 1.17 Genealogia


Apó s um inı́cio tã o forte, com aCirmaçõ es muito profundas e entregues de forma muito
rá pida, Mateus quebra o ritmo e apresenta uma das mais belas composiçõ es poé ticas das
escrituras. Um começo que aparentava a sutileza de uma marreta, surpreende ao mostrar a
delicadeza das pinceladas de um pintor renascentista.
Nos pró ximos 16 versı́culos o autor utiliza de mé trica poé tica para apresentar uma
genealogia selecionada (de forma alguma exaustiva) de Jesus. Usando como fundamento as letras
do nome do rei Davi em hebraico, cuja raiz é ‫ ּדָ וִ֔ ד‬D-V-D (o Dr.Mark Bailey diria “por favor, nã o
confunda com digital vídeo disk”)(2), onde Dalet é a quarta letra do alfabeto e Vav a sexta. Assim:

D (dalet)=4
V (vav)=6
D (dalet)=4

D+V+D=14

No Hebraico, assim como em outras lı́nguas antigas, as letras podem assumir um valor
numé rico em determinadas situaçõ es (gematria); um exemplo bem conhecido está nos
algarismos romanos. Para ilustrar esse ponto, veja o que o renomado site de estudos judaicos
Chabad.org fala a respeito da palavra hebraica “Echad” (que signiCica “O Um”) conforme utilizada
no Shemá Israel (cf.Dt 6.4):

“A ú ltima palavra do primeiro versı́culo ("Echad"), composta de trê s letras hebraicas, deve ser pronunciada com
ê nfase especial, enquanto se reClete sobre seu signiCicado: a primeira letra, Alef, com valor numé rico 1, diz respeito ao
D’us UN nico; a segunda, Chet, com valor numé rico 8, signiCica que Ele tem soberania absoluta sobre os Sete Cé us e a Terra; a
terceira, Dalet, com valor numé rico 4, lembra que Ele també m domina os quatro pontos cardeais.”(3)

O apó stolo Mateus utiliza esse recurso ao dividir a genealogia em trê s partes de 14
ascendentes, desta forma reforçando a idé ia de que Jesus era Cilho de D-V-D (ou David). Parece-
me que o autor faz apenas o uso de uma forma apenas poé tica na redaçã o da genealogia do Cristo,
sem procurar comunicar alguma mensagem oculta com isso. Outro apó stolo fez uso do mesmo
tipo de analogia para descrever uma personagem importante escatologicamente. Vejamos o que
Joã o descreve em seu livro Apocalipse 13.18: "Aquele que tem entendimento calcule o número da besta,
pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis."
Claro que existe linha muito tê nue entre a poesia e a gematria, e um limite ainda menor
entre a gematria e o misticismo da Cabala judaica, a qual tende a perverter todo o sentido das
palavras, sentidos e nú meros. O estudioso H.H. Milman, em seu livro History of Jews publicado
pela primeira vem em 1800 diz: “A Cabala não era apenas a mais vasta alegoria da bíblia, na qual o
sentido literal fora deixado de lado, e onde um outro sentido selvagem e arbitrário fora anexado em cada
história e doutrina, mas uma superstição é adicionada a cada letra e número …” (17)

Que virada abrupta de estilo, veja quanto recurso literá rio o autor possuı́a e sobretudo,
veja que bela obra inspirada pelo Espı́rito Santo. De um inı́cio um pouco truculento, chegamos a
um oá sis de graça e beleza, de mé trica e tradiçã o. Infelizmente alguns estudantes se preocuparam
em procuram algum signiCicado oculto no nú mero catorze e assim deixaram de atentar para o que
o autor desejava comunicar.
Mateus apresenta a genealogia como o concretizaçã o da histó ria de Israel; de seu
chamado até Cristo. Essa lista engloba cerca de dois mil anos de histó ria, e nos apresenta trê s

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divisõ es, cada uma com 14 nomes escolhidos; nã o apenas os mais nobres, mas provavelmente
alguns dos mais conhecidos da histó ria bı́blica. Assim o pú blico estaria familiarizado com as
pessoas descritas. També m existe um fator mnemô nico, utilizado para ajudar o ouvinte a se
lembrar do que estava sendo ensinado. Tenhamos em mente que o autor desejava mostrar que
Jesus possuı́a direito a sentar no trono e nã o fazer um levantamento genealó gico completo.
Acompanhe as trê s partes da genealogia de Jesus:
1. De Abraão a David (cerca de mil anos) - aqui tendo ê nfase na aliança
Abraâ mica. També m podemos ver aqui a conquista da terra prometida e o
estabelecimento do reino. De um inı́cio á rduo, saindo do Egito, até o auge no
reinado de Davi.
2. De David ao cativeiro babilônico (cerca de quatrocentos anos) - aqui tendo
ê nfase na aliança Davı́dica. També m vemos o auge do reino e sua destruiçã o
completa do reino e da monarquia. Do auge com Davi até o fundo do poço moral
e religioso.
3. Do cativeiro babilônico a Jesus (cerca de seiscentos anos) - aqui apresentando
a nova aliança em Jesus. Na conclusã o de todas as coisas é apresentada a
chegada do Reino dos Cé us (o reino eterno). De um reinı́cio ainda mais á rduo,
voltando da Pé rsia, até a plenitude dos tempos em Jesus.

Havia també m a questã o literá ria, neste caso a mé trica poé tica, assim alguns
personagens Cicaram excluı́dos da relaçã o Cinal. Por exemplo, de Davi até o cativeiro houve
dezessete reis e nã o catorze, sem contar que Uzias era tataraneto de Jorã o e nã o seu Cilho. Na
literatura judaica se utiliza o termo "Ben" para designar a Ciliaçã o, poré m o mesmo termo é
amplamente utilizado para deCinir um ancestral, seja avô , bisavô ou até um parente mais distante.
(19) Nã o é difı́cil perceber esse tipo de construçã o, aCinal o primeiro versı́culo do livro já

demonstra o mesmo efeito, aCinal "1ilho de Davi, 1ilho de Abraão" nã o pode ser entendido como
uma linha direta no sentido "pai" e "avô ". O estudioso K.A. Kitchen em seu livro “Ancient Orient
and Old Testament” diz:
“Essa mistura da genealogia contínua e seletiva não é, de forma nenhuma, incomum. Além do óbvio exemplo de
Mateus 1:1-17, a lista do Rei Abydos, no Egito, tranquilamente omite três grupos inteiros de reis (da Nona para a Undécima
Dinastia, da Décima Terceira para a Décima Sétima, e os faraós Amarna) em três pontos distintos, no que seria, de outra
forma, uma série contínua; outras fontes nos ajudam a saber disso”(4)

A escritura sagrada nos apresenta outros exemplos de genealogias onde alguns membros
nã o sã o apresentados. Vejamos por exemplo Esdras 6, que apresenta geraçõ es de sacerdotes, mas
que se a confrontada com 1 Crô nicas 6.3-15 revela a falta de seis representantes.

Os que nã o foram contados sã o: Acazias, Joaz e Amazias, todos descendentes de Jorã o.
Nã o se sabe exatamente porque Mateus optou por excluir esses nomes. O Dr. Wilbur N. Pickering,
em uma palestra realizada no Brasil e disponı́vel gratuitamente atravé s do Youtube (https://
www.youtube.com/watch?v=fAcPQqPjHw8 por volta de 1:25:40 – acessado em 02/01/17), traz uma
sugestã o bem plausı́vel:

“Acazias tinha por mãe Atalía, que fora 1ilha de Acabe e Jezabel, os quais representam o pior momento da história
da monarquia Israelita. Por sua vez Acazias era genro da casa de Acabe, referindo-se a mãe de Joaz. O que o tornava ainda
mais ligado geneticamente ao terrível rei inimigo e impactava negativamente em Amazias seu 1ilho.”

Em sua busca incessante para provar que Jesus é o Messias, Mateus nos apresenta uma
genealogia que se inicia em Abraã o e se conclui em Jesus. A mensagem implı́cita é que Abraã o foi
o começo e Jesus a conclusã o de tudo o que signiCica ser judeus. Já o evangelista Lucas, em seu
livro, inicia sua genealogia em Jesus e retrocede até Deus criando Adã o; assim a mensagem
implı́cita é que Jesus era Deus. Apesar das genealogias serem seletivas, ou seja, escolherem quais
antepassados seria incluı́dos, e dessa escolha se motivar por questõ es de nobre ou notoriedade
dos escolhidos, Mateus faz uma opçã o muito inusitada incluindo pessoas com uma histó ria nã o
tã o nobre.

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v.2 Existe um cuidado especial por parte de Mateus em destacar que "Abraão gerou a
Isaque; Isaque, a Jacó; Jacó, a Judá e a seus irmãos;" pois como a genealogia segue a partir de Judá , os
descendentes das demais tribos poderiam se ofender profundamente.

Ainda mais raro é aparecerem mulheres neste tipo de lista, quanto mais mulheres com
uma histó ria passada tã o marcante, e que, com excessã o de Maria, nem eram judias de origem.
També m é notá vel que a genealogia mais importantes de todas termine com o nome de uma
mulher, Maria: “Jacó gerou José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo.” Mt 1.16
Talvez fossem modo do autor avisar que Jesus transcendia a linhagem de homens pecadores e
limitados, sendo fruto, atravé s de Maria, do Espı́rito Santo.(13) Todas as escolhidas tiveram papel
fundamental na histó ria de Israel, nã o foram meras coadjuvantes nos acontecimentos. Para que
nã o houvesse dú vida da importâ ncia daquelas mulheres, o autor acrescenta uma pausa dramá tica
no texto ao fazer a seguinte construçã o: “gerou, de Tamar, …” A inclusã o dessa pausa, em nossa
lı́ngua representada pela virgula, obrigava o leitor/narrador original a fazer uma pausa e citar o
nome da pessoa escolhida. Acompanhe:

• v.3 “Juda gerou, de Tamar, …” Tamar a nora de Judá que se disfarçou de prostituta e dormiu
com seu sogro, e de quem gerou Perez. cf. Gn 38.24
• v.4 “Salmon gerou, de Raabe, …: Raabe era uma prostituta proCissional que traiu seu povo
escondendo os espiõ es. cf. Js 2.1 (os escritos no NT, e da igreja primitiva, a descreverã o
como um exemplo de fé , cf Hb 11.31 e 1 Clemente 12.1)
• v.5 “Boaz gerou, de Rute, …” Rute de origem Moabita (cujo povo era proibido de entrar na
assemblé ia do Senhor conforme DT 23.3) casada com o Cilho da prostituta traidora.
Imagine contar que sua tatatatataravó dormiu com o pró prio pai (Ló ) e deu origem ao
seu povo. cf. Rt 2.1
• v.6 “Davi gerou, daquela que havia sido mulher* de Urias, …” Bate-Seba, mãe de Salomão
“Filho da mulher de Urias” este era um termo utilizado em relaçã o a Salomã o. O Cilho
direto de Davi, era conhecido como o Cilho da mulher de outro homem. E era ainda pior,
Salomã o era Cilho da mulher que teve seu marido assassinado, a traiçã o, por Davi. Onde
Salomã o fosse, ele seria a lembrança viva dos crimes hediondos de Davi. cf. 2 Sm 11.2-5
*o texto grego nã o apresenta o adjetivo “esposa”. També m exista uma vislumbre de
justiça a favor de Urias, que possui o direito legal de gerar Cilhos de Bate-Seba. Assim, ao
fazer mençã o dele, Cicou eternizado que també m faz parte da histó ria do Messias. Assim
se assemelhando a José , que també m tinha direito exclusivo de gerar Cilhos em Maria.
• v.16 “José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, …” Maria, descreve a histó ria de gravidez
juvenil e fora do casamento. Repare que o texto excluı́ José da geraçã o de Jesus, aCinal nã o
foi dele que o Cilho fora gerado. cf. Mt 1.16

Jerô nimo, teó logo e historiador cristã o do sé culo V, mais conhecido por sua traduçã o da
bı́blia para o latim, ao estudar o tema propô s que as quatro mulheres do Antigo Testamento eram
reconhecidas como pecadoras; e sua inclusã o preCigurou para os leitores de Mateus o papel de
Jesus como o Salvador dos homens pecadores.(21) Creio que essa observaçã o seja perfeita em
relaçã o a Tamar, Raabe e Bate-Seba, poré m nã o descreve adequadamente Rute, cuja ú nica falha
era ser originá ria de um povo espú rio.
Algo que podemos elencar interligando as quatro personagens femininas do Antigo
Testamento, e que també m é encontrado em Maria, é o fato de todas terem relacionamentos fora
do padrã o, ou até mesmo irregular em suas uniõ es matrimoniais. E ainda que essas uniõ es
possam ter sidas consideradas escandalosas para os os padrõ es da é poca, o evangelista fez
questã o de relaciona-las como fazendo parte da linhagem abençoada do Messias.

Atenção Caro leitor, antes de fazermos a pró xima observaçã o, peço que você tenha em
mente que o Evangelho segundo Mateus foi escrito a quase 2.000 anos atrá s, visando educar uma
populaçã o especı́Cica em um lugar especı́Cico. Assim nã o devemos impor ao texto conceitos
modernos, os quais nã o existiam na é poca da redaçã o do livro.
Apó s essa necessá ria explicaçã o, voltemos aos fatos. Note que, Jesus teve antepassados
problemá ticos (você verá a analise de um deles logo no quadro abaixo), mas na genealogia
selecionada pelo autor, apenas as mulheres aparecem como sendo fonte de algum

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questionamento. Lembre-se, o autor inspirado nã o está sendo machista; ele tem um propó sito
santo em mente. Talvez o motivo nã o seja perfeitamente explicitado, mas é possı́vel fazermos as
seguintes ponderaçõ es: 1) mesmo que as mulheres fossem pouco valorizadas naquela é poca,
para Deus, elas tinham o mesmo nı́vel de importâ ncia na geraçã o do Messias, 2) ainda que a
situaçã o delas, excluindo-se Maria, fosse digna de repreensã o, o Cristo nã o se envergonhava
delas, aCinal era o redentor de todos, fossem homens ou mulheres, 3) apesar das diCiculdades
relacionadas a cada uma dessas mulheres, sem elas, Jesus nã o teria nascido e nó s nã o seria sua
igreja.

Jeconias – Aquele cujos descendentes não sentarão no trono


Dentre todos os inclusos na genealogia de Nosso Senhor, nenhum traz desafio maior que o
quase desconhecido Jeconias. Conforme escrito em Mt 1.11 “e Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no
tempo do exílio na Babilônia.” Uma das questões levantadas é que ele possui nomes diferentes em
certos textos, como 1 Cr 3.17 “Estes foram os 1ilhos de Joaquim, que foi levado para o cativeiro: Sealtiel,” De
qualquer maneira, existe uma profecia de Jeremias contra ele, veja Jr 22.30 “Assim diz o Senhor:
"Registrem esse homem como homem sem 1ilhos. Ele não prosperará em toda a sua vida; nenhum dos seus
descendentes prosperará nem se assentará no trono de Davi nem governará em Judá". Para solucionar essa
questão, Mateus deixa claro que Jesus é filho de Davi e em Davi deve ser traçada sua raiz. cf. Mt 1.1
“Registro da genealogia de Jesus Cristo, 1ilho de Davi, 1ilho de Abraão”. Irineu de Lyon, em seu livro “Contra
as heresias” lida com esse tema no livro III, capítulo 21,9(5) O evangelista Lucas, no capítulo 3,
versículo 23 em diante, também apresenta uma genealogia de Jesus, porém ele traça sua raiz a partir
de Maria. Seja como for, Jesus também estava ligado a Davi, por parte de sua mãe).
.

Seria essa a melhor maneira de apresentar a famı́lia de Jesus a uma audiê ncia de judeus
ortodoxos? Uma linhagem nã o cheia de heró is, como seria de se esperar; mas de pessoas comuns,
com todos seus pecados e defeitos. Ainda poderı́amos falar de Abraã o que mentiu dizendo que
Sara era sua irmã , Jacó que enganou o irmã o para roubar a bençã o de seu pai. E os reis antes do
cativeiro, algum era digno de estar nesta linhagem?
A conclusã o é obvia, sã o todos pecadores, pecadores miserá veis. Mas para apresentar a
Cristo isso nã o era um problema, aCinal Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Essa é a gloriosa conclusã o da mensagem inicial, nã o importa sua origem, seus pecados do
passado, o perdã o atravé s de Jesus chega até você .

Se teologicamente a genealogia de Cristo o qualiCicava para ser Rei de Israel,


literariamente falando sua funçã o é outra: demonstrar uma passagem de tempo. Se Cizermos uma
comparaçã o cinematográ Cica, assim como o Pr.Marcos Granconato fez, podemos imaginar uma
rá pida sucessã o de imagens, cobrindo desde o chamado de Abrã o, até o inı́cio do Cilme em Mt
1.18. Esse é Mateus, um grande autor, cujo escrito foi inspirado pelo Espı́rito Santo.

v.7-8 Existe um ú ltimo aspecto a ser comentado sobre a genealogia de Jesus, sendo este
um detalhe exegé tico. Enquanto a quase totalidade dos texto gregos diz “ΑŸβια„ δε„ ε† γεŒ ννησεν το„ ν
ΑŸσαŒ φ, ΑŸσα„ φ δε„ ε† γεŒ ννησεν το„ ν ΙŸωσαφαŒ τ” (e Abias gerou Asafe, e Asafe gerou a Josafá ) e essa
descriçã o leva a um problema gigantesco, pois nã o existe um rei chamado Asafe na linhagem
davı́dica. O registro que temos de algué m chamada Asafe é ligado ao autor dos Salmos 50 e 73-83.
Seria essa uma falha de có pia? Sendo uma falha, teria sido ela inserida por copistas em
qual momento da transmissã o textual? Os antigos Unciais B, C e ‫ א‬já conté m a palavra Asafe em
seu registro.
Alguns estudiosos chegaram a propor que Mateus tivesse uma có pia do AT com um erro
de traduçã o, mas tal proposta nã o se sustenta. Veja por exemplo o caso de 1Cr 3.10 na LXX, ΑŸβεια„
αυ† τοῦ υι¡ο„ς ΑŸσα„ αυ† τοῦ υι¡ο„ς ΙŸωσαφα„ τ neste trecho a maioria esmagadora dos manuscritos traduz
a palavra ‫ אָסָ֥א‬por Asa, e ao menos um manuscrito a traduz por Asab.(23) Outros (Schniewind e
Gundry) tentaram propor que a mudança fosse uma tentativa deliberada de Mateus em evocar a
imagem do salmista, poré m falham em busca uma justiCicativa para tal prá tica.
O fato dos tradutores hebreus saberem bem como traduzir essa palavra para o grego, o
que reforça a tese de erro de có pia posterior. Parece-me muito difı́cil imaginar o texto inspirado

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por Deus conter uma discrepâ ncia tã o grande, por isso vejo o erro de có pia como a melhor
explicaçã o.
Uma vez que as genealogias sã o oriundas do livro de 1 Crô nicas 3.10, e seu paralelo em
1Rs 15.9, Cica evidente que o nome do rei referido é realmente Asa. Nã o podemos deCinir em que
momento o erro apareceu no texto grego, sendo que existem duas possibilidades: 1) ortodoxa
tradicional o erro foi inserido por copistas posteriores, possivelmente gregos de origem e que
nã o conheciam a genealogia dos reis de Israel, e 2) liberal defende que o autor pode ter utilizado
uma lista de genealogias onde o erro já estivesse inserido. Certamente preferimos a primeira
alternativa.
O texto Majoritá rio tenta solucionar a questã o mudando as palavras gregas (ele troca o
nome ΑŸσα„ φ-Asafe por ΑŸσα„ - Asa), o que é quase que uma caracterı́sticas nı́tida dessa compilaçã o.
Poré m as compilaçõ es mais antigas (texto Alexandrino e texto Ocidental) optam por deixar a
palavra como está . O modo mais correto de lidar com a questã o é manter Asafe, e inserir uma
nota explicativa no rodapé da traduçã o. Entre as traduçõ es modernas para o portuguê s apenas a
ARA continua por traduzir como “Asafe”.
No versı́culo 10 acontece algo muito similar entre o nome de “Amon” (correto segundo
1Cr 3.14) e “Amó s” encontrado em diversos manuscritos gregos.

O valor da uma boa genealogia


Em uma época em que não existiam cartórios para se registrar os recém nascidos, saber que
foram seus antepassados tinha um valor muito grande. A própria estrutura dos nomes refletia essa
preocupação, sendo a construção “filho de …” quase dominante. No caso do povo Judeu a palavra
utilizada é “bar” que significa “filho de”. Outros povos também utilizam esse sistema, podemos
destacar: Britânicos (sufixo Mac, como na famosa rede lanchonetes McDonalds) ou os Escandinavos
(sufixo Son, como na empresa se telefonia Ericsson) e na Italia Medieval (sufixo Bon, que muitos
confundem com a qualidade de ser “bom”).

As genealogias antigas, das quais as que temos registrada na bíblia se fazem incluídas, não
tinham por objetivo manter o registro cronológico dos acontecimentos. Para esse fim existiam os
calendários e registros oficiais governamentais, veja por exemplo o que diz 1Rs 19.14 “Quanto ao mais
dos atos de Jeroboão, como guerreou, e como reinou, eis que está escrito no livro das crônicas dos reis de Israel”
Conhecer sua linhagem mostrava quem você era, apontava seu lugar no mundo e o direito a
herança, e uma definição de status dentro da sociedade; principalmente para o povo judeu que se
preocupava com sua tribo de origem e todas as implicações envolvidas (possessão de terras, serviço
religioso). Por essa razão Mateus, que se propôs a provar que Jesus era o Cristo prometido, se dedica
tão minuciosamente a essa tarefa. Veja o contraste com outro evangelista, Marcos, que se propôs a
mostrar Jesus como o Servo, e assim diz apenas Mc 1.1: “Jesus Cristo, o Filho de Deus”. Para descrever
um servo era mais importante mostra do que ele era capaz ao invés de explicar de quem ele
descendia.

1.18 a 1.25 O nascimento de Jesus (qualidicação dísica para ser rei)


v.18 "Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim" Encontramos aqui uma moldura literá ria
bem deCinida pelo escritor, e que propõ e o assunto que vai ser abordado neste trecho. A segunda
desta moldura se encontra no capı́tulo 2.1 onde o autor diz: "Tendo Jesus nascido"; dessa feita, Cica
enquadrada toda a narrativa da encarnaçã o do Cristo nestes parcos nove versı́culos. Nosso autor
parece nã o se importar com os pormenores do parto nem com os primeiros instantes de Nosso
Senhor neste mundo. Mas isso tem um motivo.
Mateus no revela assim o que pode ser chamado de pivô cristoló gico do evangelho.(15) Seu
tema será repetido, e repetido, por toda a obra: Jesus Cristo é o messias profetizado. Como propus
na introduçã o deste livro, Mateus é um homem obstinado.

"estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida
pelo Espírito Santo." Antes de tudo é importante compreender que o autor apostó lico relata os
acontecimentos do ponto de vista de José , diferente de do evangelista Lucas que foca em Maria
sua narrativa.

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Jerô nimo fez uma notó ria observaçã o sobre o fato de Maria ser ao mesmo tempo
"esposa", "virgem" e "grá vida". Disse ele: "Em primeiro lugar, que pela descendência de José, a família de
Maria pode ser dada a conhecer; em segundo lugar, para que ela não fosse apedrejada pelos judeus como
adúltera; em terceiro lugar, que em sua fuga para o Egito ela pudesse ter o conforto de um marido. O Mártir
Inácio (vid. Ign. Ad Ef. 19) acrescenta ainda uma quarta razão, a saber, que seu nascimento poderia ser
escondido do Diabo, esperando que Ele nascesse de uma esposa e não de uma virgem."

Quem foi a mulher escolhida para carregar Deus em seu ventre? ΜαριŒα - Maria - é a
forma helenizada de ‫ מְַריָם‬- Mar-iam (aramaico) ou Mirian em uma traduçã o livre para nosso
idioma. EN muito possı́vel que ela fosse uma jovem entre 14 e 16 anos quando a histó ria aconteceu,
muito diCicilmente ela seria mais velha do que isso. Outra informaçã o que temos é que ela estava
kidusshin que em hebraico/aramaico signiCica "separada" ou "consagrada", e neste caso em
especı́Cico "separada para um homem"; em nosso linguajar atual, chamamos essa situaçã o de
noivado. Mateus utiliza o termo grego μνηστευθειŒσης - mnesteutheı́ses, que possui a mesma
conotaçã o para a sociedade de fala grega. Esse perı́odo de separaçã o durava cerca de um ano, ou
em alguns casos até que a noiva tivesse idade suCiciente para cumprir seu papel como esposa e
futura mã e. Havia també m um perı́odo mı́nimo de noivado que é de quarenta dias (mas que na
prá tica durava cerca de um ano inteiro), pois segundo o Talmud, no tratado Sotá 2a: "Quarenta dias
antes da concepção é decretado nos Céus que a 1ilha desta pessoa está prometida ao 1ilho daquela outra''
Alguns estudiosos descrevem o processo de noivado como um tempo de transiçã o, onde a mulher
continuava na casa dos pais (a pátria potestas ou a autoridade paterna), enquanto era educada
para se portar como esposa. Passado esse perı́odo, ela era recebida na famı́lia do noivo e
acontecia a cerimô nia do casamento(14) a qual é parcialmente descrita em Mt 25.1-12 A seriedade
do noivado era, e é , tã o grande que ainda hoje é feito um contrato de noivado, e quando é
assinado, as mã es dos noivos quebram um prato de porcelana indicando que assim como o prato
nã o pode mais ser consertado, se o contrato for rompido, danos irrepará veis irã o acontecer a
todos os envolvidos. Desde o sé culo XVI o noivado e o casamento judaico sã o realizados no
mesmo dia, para assim minimizar os serı́ssimos problemas que ocorriam no caso de rompimento
do noivado.

Durante esse perı́odo, sem maiores explicaçõ es, ela se achou grá vida "pelo Espírito Santo" EN
interessante que o autor nã o deixa margem alguma para especulaçõ es a respeito da gravidez
dela, e faz questã o de aCirmar que isso se deu pela atuaçã o direta do α¡ γιŒου πνευŒ ματος ou seja, do
Espı́rito Santo. EN interessante o termo escolhido por Mateus para descrever o evento ε† ν γαστρι„
εª χουσα - en gastrı̀ echousa - signiCicando literalmente "e segurando em seu ventre". Com quantas
semanas ela estava quando a gravidez foi descoberta? Quem percebeu o ocorrido pela primeira
vez? Muitos detalhes nã o nos foram revelados, apenas o mais importante está registrado: "achou-
se grá vida pelo Espı́rito Santo". Isto sendo o cumprimento das profecias de Isaı́as 7.14 “a virgem
1icará grávida e dará à luz um 1ilho, e o chamará Emanuel”, sendo que aqui ocorre o que chamamos de
“duplo cumprimento” pois a profecia se cumpriu, de maneira resumida na vida do profeta, e de
maneira mais ampla em Jesus. Existe alguma discussã o a respeito do termo hebraico ‘almâ
utilizado no texto de Isaı́as, pois na lı́ngua original ele pode ser traduzido por “virgem” ou por
“jovem na idade de se casar”; mas para a aplicaçã o em Mateus isso é irrelevante, pois o apó stolo,
inspirado na redaçã o do texto, poderia interpretar a palavra da maneira que o Espı́rito Santo lhe
concedesse, e ainda assim o texto estaria 100% correto.

Imagine a pressã o emocional que uma garota jovem, de talvez com 14 anos ou algo
pró ximo a isso, como Maria teve de suportar. Houve uma concepçã o e um nascimento virginal,
mas nã o imaculada, uma vez que Maria era uma pecadora assim como nó s. Para um judeu
daqueles dias, esse era um tema bem polê mico; ao contrá rio das pessoas de cultura grega, uma
vez que suas religiõ es contemplavam diversas concepçõ es “divinas”. A diferença fundamental
entre elas é que em Maria, nã o houve relaçã o sexual, nem mesmo alguma participaçã o dela.

42
També m encontramos aqui um eco de Gn 16.11 onde um anjo aparece a Hagar, serva de
Sarai (esposa de Abrã o); “Disse-lhe ainda o Anjo do Senhor: "Você está grávida e terá um 1ilho, e lhe dará o
nome de Ismael, porque o Senhor a ouviu em seu sofrimento.” Esse formato será visto novamente quando
o anjo falar com José em Mt 1.19
Alguns se perguntaram sobre a participaçã o do Espı́rito Santo na concepçã o. Parece-me
nã o haver grandes complicaçõ es, aCinal um dos propó sitos do Espı́rito Santo é criar a vida; assim
foi no inı́cio de tudo quando Ele envolvia toda a criaçã o Gn 1.2 “e o Espírito de Deus se movia sobre a
face das águas.”.

O ministério do Espírito
A descrição da obra do Espírito Santo, revelada por Mateus é fundamental para a
compreensão do texto.

Atente que o precursor do Messias, João Batista (e os pais de João) já estava cheio do
Espírito Santo dentro do ventre materno, para realizar sua obra inicial cf. Lc 1.15, Lc 1.41 e Lc 1.67.
Talvez o texto mais emblemático da direção do Espírito seja Is 61.1-3 “O Espírito do Soberano
Senhor está sobre mim porque o Senhor ungiu-me para levar boas notícias aos pobres. Enviou-me para cuidar
dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos
prisioneiros, para proclamar o ano da bondade do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; para consolar
todos os que andam tristes, e dar a todos os que choram em Sião uma bela coroa em vez de cinzas, o óleo da
alegria em vez de pranto, e um manto de louvor em vez de espírito deprimido. Eles serão chamados carvalhos
de justiça, plantados pelo Senhor, para manifestação da sua glória.”
Esta passagem, Mt 1.18-20, mostra o Espírito Santo participando no ministério de Cristo,
desde a sua concepção. Outro texto bem conhecido em que o Espírito Santo realiza sua obra é Mt
4.1 que diz: “Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo”. Assim como as
obras maravilhosas que Jesus realizava (cf. Mt 12-28), sua morte (cf Hb 9.14) e o mais importante, sua
ressurreição (cf. Rm 8.11 e I Pe 3.18), todos foram por intermédio do Espírito Santo).
.

Mateus se preocupa em mostrar dois aspectos importantes, o primeiro que Jesus era
Deus, fato ressaltado pela concepçã o sobrenatural; o segundo fato é que apesar da concepçã o
extraordiná ria, ele nasceu de uma mulher, igual a todos nó s, e por isso era també m humano. Com
estas colocaçõ es, o autor já refuta algumas heresias tolas (proto-agnó sticas e proto-arianas), tais
como dizer que Jesus era um anjo ou entã o dizer que ele nã o possuı́a um corpo humano.

v.19 “Por ser José, seu marido, um homem justo” O texto descreve José como um homem justo,
διŒκαιος (dikaios) a mesma palavra grega utilizada para traduzir ‫ צַּדִיק‬do hebraico, o que era raro
tanto naqueles dias como hoje; e que serve de testemunho eterno a favor daquele homem. Mesmo
sendo justo, José tinha o direito de recusar Maria, uma vez que a lei judaica lhe dava essa
prerrogativa, em caso de adulté rio. Mateus nã o descreve se ele conversou com algué m a esse
respeito, mas diz que quando ele Cinalmente tomou a decisã o de divorciar-se dela, José teve um
sonho. José podia decidir como aplicar a lei judaica contra Maria, ele podia exigir um julgamento
pú blico ou dar-lhe carta de repú dio em segredo. O tratado da Mishnah, conforme deCinida em
Sanhedrin 7.4, impunha ao homem que teve relaçõ es com uma mulher noiva de outro, o mesmo
castigo exigido daquele que dormisse com a pró pria mã e, ou seja, apedrejamento. Como
referê ncia, o mesmo Sanhedrin, no trecho 7.1, estipula quatro execuçõ es para a pena de morte em
ordem decrescente. Eram elas: apedrejamento (o mais sé rio), ateamento de fogo, decapitaçã o, e
por ú ltimo estrangulamento (ou algum tipo de enforcamento). També m vale ressaltar que a
execuçã o por cruciCicaçã o nã o fazia parte da legislaçã o judaica. Isso será relevante ao chegarmos
ao martı́rio de Jesus nos ú ltimos capı́tulos deste livro.
A justiça de José é demonstrada no fato dele aplicar a justiça da lei com amor, nunca com
rancor; mesmo tendo sido profundamente ofendido em sua honra. José vive a lei com o mesmo
tipo de atitude que o evangelho nos ensina

43
Uma vez que naquela é poca o Câ non da Escritura ainda nã o existia no formato deCinitivo
que conhecemos hoje, e mesmo os livros já escritos eram muito caros e raros de se possuir,
quando Mateus descreve que José teve um sonho, signiCica que o Senhor conversou com ele
“atravé s do sonho”. Equivaleria a dizer que Deus falou conosco atravé s do estudo da bı́blia e nã o é
apenas a descriçã o de um acontecimento aleató rio, ou resultado do personagem ter dormido de
barriga cheia. Para uma pessoa simples e sem treinamento religioso, essa maneira de
comunicaçã o seria mais sutil do que uma apariçã o completa de um ser angelical. José nos parece
uma pessoa com profunda percepçã o espiritual e comunhã o com Deus.
v.20 “pois o que nela foi gerado é do Espírito Santo” José , assim como os judeus do perı́odo pré -
Pentecostes, nã o imaginavam um Deus trino (Pai, Filho e Espı́rito Santo) da maneira como o
compreendemos hoje. Entã o o que o José entendeu quando o anjo falou do “Espı́rito Santo” ou na
lı́ngua hebraica "Ruach HaKodesh"? Para aquelas pessoas, naquela é poca e lugar, esse tipo de
expressã o representava o pró prio Deus, nada alé m disso. Seria apenas uma manifestaçã o do
Senhor conforme apresentado no Shemá, ou seja, “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor” Dt
6.4

José um homem que ouvia Deus através de sonhos


(Ἰωσηφ, Iōsēph) Não sabemos muito a respeito da vida de José, tão pouco sobre seu
relacionamento com Deus. Apenas os evangelhos de Mateus e Lucas descrevem o marido de Maria.
Em Mt 13.55 nós encontramos a descrição de que ele era tekton - normalmente traduzida como
"carpinteiro" – mas que também pode descrever um artesão de pedras ou metal. (Como curiosidade,
o conhecido rabino Shammai, também era descrito como tekton, o que mostra ser uma profissão
razoavelmente comum daquelas pessoas)(12). O evangelista descreve que o Senhor falava com ele
através de sonhos e nos descreve quatro deles que são relacionados a vida de Jesus. E interessante o
fato de o pai terreno de Jesus não foi o primeiro José com quem Deus falava em sonhos, temos o
relato do filho de Jacó, também chamado José. C.f. Gn 37.5

1. Primeiro sonho Mt 1.19 Um anjo o orienta a não rejeitar Maria e adotar o filho dela.

2. Segundo sonho Mt 2.13 Orientação para fugir para o Egito.


3. Terceiro sonho Mt 2.19 Retornar para Israel, já que o Herodes estava morto.
4. Quarto sonho Mt 2.22 A orientação para ir morar na Galiléia, mais precisamente na cidade
de Nazaré.

v.20-23 A participação divina


Um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho, dando instruçõ es fundamentais e que
Mateus relata fortalecendo sua descriçã o do Messias. Disse o anjo: “José, 1ilho de Davi”. Ora, a
saudaçã o mais usual seria Cilho de Abraã o ou Cilho de Jacó ; mas aqui Mateus cria mais uma ponte
ligando Jesus (atravé s de seu pai José adotivo) a Davi.
A seguir o anjo explica que José nã o deveria rejeitar Maria e també m deixa claro que o
bebê em seu ventre fora gerado pelo Espı́rito Santo. Assim chegamos ao á pice, onde José deveria
dar, ao Cilho que Maria daria a luz, o nome de Jesus. Sendo o signiCicado do nome: O Senhor Salva
(ou redime).
Adoção - O fato de dar nome a algué m era muito importante naquela sociedade, pois
quando uma pessoa dava nome para algué m era també m um sı́mbolo de adoçã o. A base para isso
é Is 43.1 “Mas agora assim diz o Senhor, aquele que o formou, ó Israel: “Não tema, pois eu o resgatei; eu o
chamei pelo nome; você é meu.” A palavra de Isaı́as, por sua vez, encontra respaldo em Gn 2.19 “Depois
que formou da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, o Senhor Deus os trouxe ao homem para
ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a cada ser vivo, esse seria o seu nome.” Assim José
estaria adotando Jesus com todos os direitos e privilé gios de um Cilho seu; de maneira que Jesus
era Cisicamente Cilho de Maria e legalmente Cilho de José . O entendimento deste trecho é
fundamental para aliviar a pressã o que diversos estudiosos do passado tiveram em relaçã o a
genealogia de Jesus. Com a adoçã o, por José , Jesus tinha o direito legal de fazer parte daquela
genealogia e assim, tinha direito ao trono.
A pró pria lei judaica trata de um assunto semelhante, na chamada “lei do levirato”
descrito em Dt 25.5-6: “Se dois irmãos morarem juntos, e um deles morrer sem deixar 1ilhos, a sua viúva não
se casará com alguém de fora da família. O irmão do marido se casará com ela e cumprirá com ela o dever de

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cunhado. O primeiro 1ilho que ela tiver levará o nome do irmão falecido, para que o seu nome não seja apagado
de Israel.” Sendo que o tema també m está representado na histó ria de Judá e Tamar, em Gn 38 e na
sé rie de complicaçõ es desse caso, que representa o quã o aceitá vel (e importante) era a adoçã o de
um herdeiro.
v.21 Existe um destaque muito importante neste versı́culo, onde o anjo destaca que o
nome da criança deveria ser Jesus. O fato do nome da criança ter sido escolhido antes do
nascimento revela que nã o foi uma gravidez por acidente.(16) Sendo uma ampliaçã o do signiCicado
tradicional do nome, uma vez que Jesus é a forma grega do nome Joshua; e Joshua signiCica “o
Senhor salva”. Para um estrangeiro havia muita similaridade entre a escrita e a pronuncia do
nome Jesus/Joshua. Tanto que em um dos escritos mais antigos da era pó s-apostó lica chamado
de “Primeira carta de Clemente aos Corı́ntios” ao citar Josué 2, e o envio dos espias, traduz o
nome Josué por Jesus.(6) Para os judeus, o nome de uma pessoa tinha profunda conexã o com o que
se esperava dela. Explica o anjo: “porque ele salvará seu povo do pecado”. O sermã o nº1434 de Charles
H. Spurgeon, talvez o mais belo que ele proferiu, trata exatamente desse tema, você pode escutá -
lo atravé s do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=u6RYbWTYzsE (acessado em
10/02/2016) Sendo esta uma mençã o a Sl 130.8 “Ele próprio redimirá Israel de todas as suas culpas”.
Que doce nome, que riqueza encontramos nele. Bernardo de Claraval, sé c. XI, dizia: “O nome de
Jesus é mel para a boca, melodia para o ouvido e alegria para o coraçã o.”(7)
Alguns estudiosos chegaram a perceber que a inclusã o do nome pessoal de Deus, dentro
do nome de Jesus, revela a conclusã o de uma revelaçã o que se iniciou na sarça ardente com
Moisé s e agora atinge seu á pice teoló gico. Se no Horebe o SENHOR disse “Eu sou o que Sou” agora
em Jesus ele nos diz “Eu salvo meu povo dos seus pecados”.
v.22 Ainda que Mateus utilize o verbo πληροŒ ω plēroō - "cumprir, concluir" em outras
situaçõ es, seu emprego principal se concentra nas fó rmulas de cumprimento da Escritura (Mt
1.22; 2.15, 2.17, 2.23; 4.14; 8.17; 12.17; 13.35; 21.4 ; 26.56; 27.9; cf. 26.54).
v.23 O autor do livro, o apó stolo Mateus, faz uso de um arsenal de recursos literá rios para
formatar seu material; entre eles o seu favorito é o idou. Essa palavra grega serve para trazer
nossa atençã o para um acontecimento em especial. Repare que no trecho entre os versı́culos
20-23 estamos diante de um acontecimento sobrenatural, o que por si só já é algo extraordiná rio,
ainda assim, atravé s do idou Mateus focalize em algo ainda mais surpreendente: a gravidez da
virgem. Hoje nó s possuı́mos recursos grá Cicos para produzir o mesmo efeito, por exemplo,
podemos pular uma linha e destacar o trecho em negrito, poré m naquele tempo o criterioso uso
das palavras cumpria a mesma funçã o. Teologicamente se trata do cumprimento da promessa
feita 700 anos antes em Is 7.14 que diz: “A virgem 1icará grávida e dará a luz um 1ilho, e lhe chamarão
Emanuel, que signi1ica Deus Conosco”. Já a segunda parte do versı́culo “Emmanuel, que signi1ica Deus
conosco” é uma alusã o a Is 8.8 (ou vv.10 na LXX).
Encontramos um link para esta passagem no Cinal do evangelho, mais precisamente em
Mt 28.20, onde Jesus reaCirma “E eu estou com vocês”. Esse é o Nosso Senhor, presente conosco até
hoje. Amé m. Ora, se a profecia dizia que o nome da criança devia ser Emanuel, e o anjo disse que
o nome seria Jesus, entendemos que ambos os signiCicados sã o equivalentes. Sendo Jesus, Deus
conosco, ele nos livra do pecado.

v.24-25 A atitude de José


Existe uma questã o textual no versı́culo 25, onde a maioria das traduçõ es diz: “enquanto
ela não deu à luz um 1ilho”, aquelas que seguem o texto Majoritá rio apresentam “enquanto ela não deu
ao primeiro 1ilho”. Essa variaçã o parece ter sido inserida em manuscritos posteriores buscando
uma harmonizaçã o com Lucas 2.7 que apresenta o seguinte “e ela deu à luz o seu primogênito" (8)

Ao acordar do sonho, José cumpriu o que o anjo ordenou, ou seja:


1. Recebeu Maria (mesmo estando ainda no perı́odo de noivado) Que atitude nobre desse
nobre judeu, que viria a ser responsá vel pela educaçã o do Messias. EN possı́vel també m
que este versı́culo se reCira ao casamento em si, pois o uso da palavra γυναῖκα - gynaika -
precedida do artigo τη„ ν acusativo leva-nos a uma construçã o de posse. E assim a
traduçã o mais adequada seria "como sua mulher".
2. Nã o a tocou até o nascimento, virginal, da criança. A tradiçã o Cató lica insiste que José
jamais tocou em Maria, assim preservando-a imaculada. Nada no texto apoia essa idé ia,

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da mesma maneira que nada o nega. Mesmo quando o autor fala dos irmã os de Jesus, nã o
podemos aCirmar que eles eram Cilhos de Maria e nã o apenas de José .
3. Deu nome (com tudo o que esse ato envolvia) a criança de Jesus. José concedeu a Jesus
uma genealogia, um direito de assumir o trono e um pai terreno.

v.25 "Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um 1ilho" Para desespero dos
cató licos, o texto é bem claro, e diz que eles nã o tiveram relaçõ es matrimoniais apenas até no
perı́odo antes do parto. Caso o autor, desejasse registrar que Maria e José nunca tiveram uma vida
de casal, a frase seria bem diferente.

O que mais podemos falar de um homen tã o honrado e que creu Cirmemente na revelaçã o
do Senhor, atravé s de um sonho? Bem, o tratado Mishnah diz "se algué m diz 'este é meu Cilho'
deve receber cré dito"(20) De nossa parte, da parte de Mateus e do Espı́rito que inspirou o texto,
José recebe a honra de ser chamado de justo.

Curiosidade
Incapazes de aceitar a revelação divina, os fariseus desde muito cedo elaboraram histórias
mentirosas sobre o nascimento de Jesus, a quem chamam de Yeshu. Segundo o estudioso Peter
Schaffer, fantasiavam eles que a mãe de Jesus, Miriam (Maria) era uma adúltera (stada na língua deles)
que engravidou de um suposto soldado romano chamado Pandera(9). Existe uma refutação a essa
calúnia, feita por Orígenes de Alexandria, em sua obra “Contra Celso” escrita em 248 d.C(10) Essa
perseguição irá continuar até os dias de hoje, tendo sido cristalizada no Talmud Babilônico e no
Toledoth Yeshu. Uma prova da inveracidade de tais afirmações está na grande quantidade de
contradições contidas no próprio Talmud. Para demonstrar essas variações veja o que diz o
Tratado  Shabat  104b do Talmude Babilônico, eles se envolvem nas seguintes dúvidas e confusões:
“Ele era o filho de Stada e não o filho de Pandera? Rabino Hisda disse: o marido era Stada e o amante Pandera.
Mas, não era o marido Pappos ben Yehuda e sua mãe Stada? Sua mãe era Miriam, a mulher que deixou o cabelo
crescer. Isto é o que dizem sobre ela em Pumbeditha: Esta foi expulsa de casa por ter sido infiel ao marido”. Existe
uma real possibilidade que a calúnia judaica seja baseada em um conto romano chamado de “ A
sedução de Paulina” ou simplesmente “Mundus e Paulina”, conforme descrito por Flavio Josefo em
“Antiguidade dos judeus Livro.XVIII, capítulo III, seção IV.(11)

46
A infância e juventude de Jesus
Muitas possibilidades já foram levantadas sobre o que aconteceu durante a infância e
juventude de Jesus. Pelo fato de nenhum autor neotestamentário falar a esse respeito,
podemos perceber que não havia nada de relevância teológica a ser dito. Podemos ver o
mesmo efeito literário na história de Moisés, que ficou quarenta anos apascentando
rebanhos, sem nada de especial ser apontado naquele período. Ainda que não possamos
afirmar categoricamente que ele fez, ou deixou de fazer algo, podemos, seguindo
princípios lógicos e dados conhecidos, fazer uma pressuposição com alta possibilidade
de ser verdadeira.

O pai adotivo de Jesus é descrito por Mateus (13.55) como sendo um τέκτων (tekton),
ou seja, uma espécie de trabalhador com habilidades na área de construção, fosse em
madeira, pedra ou edificações. (Como curiosidade, o conhecido rabino Shammai,
também era descrito como um tekton também, o que mostra ser uma profissão
razoavelmente comum daquelas pessoas)(7) Segundo a tradição daqueles dias o ofício
era passado de pai para filho, assim não temos como propor que Jesus tivesse alguma
atividade muito diferente da de José.

Durante o período em que o Mestre crescia, uma cidade próxima a Nazaré, chamada
Sepphoris(5)(6), estava sendo remodelada pelo governo. Tal projeto teria absorvido quase
a totalidade dos trabalhadores qualificados da região, sendo esse um projeto de longo
prazo, que perdurou até pouco antes do início do ministério público do Senhor. Então não
seria absurdo algum imaginar José levando seu filho para ajudar no trabalho e assim ir se
adaptando mais e mais a profissão da família.

Ainda que os evangelhos não descrevam o falecimento de José, o simples fato dele
nunca ser mencionado leva-nos a crer que ele já não estivesse vivo quando o ministério
de Jesus de iniciou. Tal fato nos leva a pensar novamente em Jesus, como o filho homem
mais velho, trabalhando como teknon para trazer o sustento para sua casa.

A cidade de sua residência não era propriamente um “cidade" sendo que o termo
“vilarejo" seja o mais correto par descrevê-la. Localizada em uma região desprezada do
país, chamada Galiléia do Gentios, Nazaré não consta em nenhum registro oficial da
época; nem mesmo no restante da escritura ela é mencionada. Mesmo assim Jesus
recebeu algum tipo de educação formal, visto que ele sabia ler em hebraico (Lc 4.16-20).
Esse treinamento possivelmente fora provido na sinagoga local, que além de centro
religioso servia como polo de preservação da cultura judaica.

Sendo Nazaré um local nas bordas do país, ela estava em constante contato com
estrangeiros de diversas origens, fossem de cultura grega, romana ou oriental. Dessa
forma não seria nenhum absurdo supor que o Mestre tivesse conhecimento da língua
grega e também da romana. No futuro o veremos conversando com o procurador romano
em sua língua, sem a necessidade de qualquer interprete. Conhecendo o orgulho romano,
e o desprezo deles pelos judeus, é muito provável que o dialogo tenha acontecido
totalmente em Latin (ainda que Mateus, ao formular seu material, tenha optado pelo
grego).

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Como a formatação atual da bíblia surgiu?
Na é poca em que os rolos ainda predominavam, dificilmente se encontravam mais de um
livro por estrutura; veja o exemplo de Jesus lendo o rolo do profeta Isaı́as em Lc 4.17 (a palavra
grega é βιβλιŒον, que significa exatamente rolo e dessa maneira deve ser traduzida), e assim a
ordem de catalogaçã o nã o era tã o representativa como é para nó s. Seja como for, os primeiros
leitores conheceram o livro original na forma de rolo e possivelmente avulso, ou seja, sem estar
conectado a nenhum outro. Um rolo permitia o registro má ximo de 20.000 palavras, e Mateus
possui 18.305 delas, assim ficaria inviá vel anexar outro texto junto a ele.(62)
Por volta do sé c. IV iniciou-se formaçã o dos primeiros có dices(6) de peles de animais
(estrutura igual a de um livro, o que permitia a junçã o de muito mais informaçã o em uma ú nica
unidade; alé m de facilitar a procura de dados pelo fato de estar tudo dividido em folhas) e o
abandono do uso de rolos de pergaminho. Assim tornou-se possı́vel colocar diversos livros
sagrados em um mesmo documento, o que por sua vez levou a estrutura na forma que
conhecemos hoje. O que també m levou-se a necessidade de definir uma ordem em que os livros
seriam montados, algo que chamamos de editoraçã o. Durante ao primeiro 1000 anos houve
alguma variaçã o na forma como essa organizaçã o era feita, poré m na totalidade dos có dices
que conhecemos, o livro de Mateus é colocado em primeiro lugar, o que mostra sua ı́ntima
conexã o como a transiçã o entre o Antigo e o novo Testamento(7).

(1) WarCield, B.B – Biblical and Theological studies – p.240


(2) Bailey, M - Itunes U – Dallas Theological Seminary – Gospels BE105v2-02-02 acessado em 10/15/2015
(3) Chabad.Org http://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/1216847/jewish/Shem-Israel.htm?
g c l i d = C j w KC A i A m 7 LS B R B B E iw Av L 1 - L - o Z r X 5 d 7 0 Y B Rt 4 G k 4 m _ W RC _ b l S N w O 0 g 8 o B -
lfrIr1MDdoXLW0U1vxoCSRIQAvD_BwE acessado em 03/01/18
(4) Kitchen, K. – Ancient oriente and old testament (Chicago: Inter-Varsity Press, 1966) p.38
(5) Irineu de Lyon – Contras as heresias – p.348
(6) Clemente de Roma - Primeira carta aos Corı́ntios - livro 12, v.1
(7) (mel in ore, in aure melos, in corde iubilum) Sermones in Cantica Canticorum XV, 6: PL 183, 847
(8) Alford, Henry. Alford’s Greek Testament: An Exegetical and Critical Commentary. Bellingham, WA: Logos Bible
Software, 2010
(9) Schaffer, Peter – Jesus in the Talmud
(10) Orı́genes: Contra Celsum – cap XXXII
(11) Josejo, Flavio – Antiguidade dos judeus – livro 18, capı́tulo 3, seçã o 4.
(12) Sab. 31a
(13) Ratzinguer, J. - A infância de Jesus - p.17
(14) Gnilka - Das Matthausevangelium I/1 - p.17
(15) Kupp, D.D. - Matthew's Emmanuel: divine presence and God’s people in them 1irst gospel - p.58
(16) Ibid p. 54 e p.58
(17) Milman - History of Jews - vol.3, p.443
(18) Granconato, M - Pregaçõ es sobre Gê nesis -
(19) Stern, D.H - Comentário Judaico do Novo testamento - p.26
(20) Bava Batra 134a
(21) Jerô nimo - In Matt. 9; PL 26:22
(22) Jerô nimo, citado por Thomas de Aquino em - Catena AN urea: Commentary on the Four Gospels, Collected out of
the Works of the Fathers: St. Matthew. - Vol. 1, p.40
(23) Metzger, B. - Textual Commentary - p.1

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Mateus 2

Este capı́tulo bem poderia ser chamado “a grande viagem” pois ele começa em Belé m,
ruma até o Egito, e se encerra em Nazaré , na Galilé ia. Seu conteú do també m perfaz uma histó ria
completa em si mesmo, sendo auto-suCiciente e auto-explicativo. Ele conté m visitas inesperadas,
eventos sobrenaturais, uma linda cena de adoraçã o, tramas, fuga na calada da noite, e o trá gico
assassinato das criancinhas. Bem completo nã o?

Com excessã o do relato da cruciCicaçã o, morte e ressurreiçã o do Cristo, o qual


denominamos "Paixã o", é bem possı́vel que a visita dos sá bios orientais seja a parte mais
conhecida dos evangelhos. Este é mais um trecho onde Mateus apresenta provas de que Jesus era
realmente o Messias prometido ao povo judeu, já que anteriormente o autor provara que o
Messias vinha da linhagem correta, agora ele assegura que ele vinha do lugar correto; exatamente
como havia sido profetizado.
Mateus nã o descreve o nascimento propriamente dito, tampouco a manjedoura onde o
Rei do Universo foi colocado, isso nã o aconteceu por acaso ou esquecimento de sua parte. Ele
també m nã o descreve o decreto de Cé sar Augusto para o recenseamento da populaçã o, o que
levou a famı́lia de Nazaré para Belé m. Parece que Nosso Senhor reservou esses detalhes para uma
obra posterior, conhecida como Evangelho Segundo Lucas.
Aproveitando a apariçã o dos “homens sá bios” Mateus cria um contraste entre os sá bios e
Herodes, o “homem tolo”. Pode-nos parecer pouco ó bvio, mas para as pessoas daquela é poca nã o.
Havia muito desprezo em relaçã o ao rei imposto pelos dominadores romanos. Outro contraste
sutil é o fato dos homens sá bios terem se curvado diante da sabedoria divina encarnada na forma
de um menino judeu, enquanto a tolice humana retratada em Herodes temeu deveras o menino,
temeu tanto que tentou matá -lo.

Herodes, Os Magi,
o tolo X sá bios

Repare que no versı́culo 1, o autor já frisa que Jesus nasceu em Belé m; e nos versı́culos
de 4 a 6, ele nos apresenta as profecias que se cumpriram nEle. Esse é Mateus, um autor cujo
ú nico propó sito é provar a messianidade de Jesus de Nazaré .

2.1 a 2.6 A chegada dos sábios do oriente


v.1 “Tendo Jesus nascido em Belém, da Judeia” Τοῦ δὲ Ἰησοῦ γεννηθέντος ἐν Βηθλέεμ τῆς
Ἰουδαίας
O momento da visita Este versı́culo possui o importante papel de nos revelar a cena que
será descrita a seguir, o momento em que ocorreu, onde ocorreu e quem foram seus
participantes.
Dentro da cronologia do livro um bom tempo havia se passado, é necessá rio colocar os
eventos dentro da perspectiva correta. Os fatos descritos neste trecho, acontecerem “depois que
Jesus nasceu”. Repare na descriçã o do tempo, aCinal coloca a visita “depois” do nascimento e nã o
quando ele nasceu. Tal construçã o literá ria revela a intençã o de Mateus de ressaltar que ambos
eventos ocorreram dentro de um certo espaço de tempo, ainda que cronologicamente houvesse
uma distâ ncia razoá vel entre os mesmos.

49
“nos dias do rei Herodes” Para situar o evento dentro do calendá rio histó rico, o autor insere
a informaçã o de que tudo se sucede “em dias do rei Herodes” o que nos permite calcular uma
data bem aproximada. ACinal sabemos que Herodes reinou sobre a Judé ia de 40 a 4 c.C.

O capı́tulo primeiro termina com José dando continuidade ao noivado com Maria, e este
segundo capı́tulo se inicia com a criança já tendo nascido, ou seja, no mı́nimo, do mı́nimo, algo
entre 30-40 semanas se passaram desde Mt 1.25. Poré m nã o podemos esquecer de somar o
tempo que os Magos revelarã o a Herodes no versı́culo 7, e que Herodes só irá nos contar no
versı́culo 16; ou seja, cerca de dois anos teriam se passado entre Mt 1.25 e Mt 2.1.

O local da visita Apesar da primeira parada dos visitantes ter sido a capital da provı́ncia,
o sı́tio fundamental da passagem é Belé m da Judé ia. O emprego do adjetivo “da Judé ia” fazia-se
fundamental para nã o haver possibilidade de confusã o com outra cidade de mesmo nome
localizada a cerca de 11 quilô metros, ao noroeste, de Nazaré .
Belé m(4) (‫ ּבֵ֧ית לֶ֣חֶם‬beith lechem) signiCica “casa do pã o”, sendo prová vel um signiCicado
mais amplo, possivelmente “casa dos alimentos”. Essa possibilidade é reforçada pelo segundo
nome da cidade Efrata, que signiCica “frutı́fera”. Pode haver alguma ligaçã o com a aCirmaçã o de
Jesus “Eu sou o pão da vida” descrita pelo evangelista Joã o em Jo 6.48.
Tratava-se de uma cidade geopoliticamente irrelevante, poré m deveras relevante
historicamente, aCinal, os antepassados de David, de quem Jesus é descrito como Cilho, vieram de
lá . Haviam també m profecias divinas sobre essa cidade, e o tú mulo de Raquel, a principal da
matriarcas se encontra lá até os dias de hoje. Você pode assistir um belo vı́deo sobre o tú mulo
dela no canal Israel com Aline, e nela perceberá quã o afetiva é a conexã o do povo judeu com esse
local tã o antigo.(26)
Ali existe hoje a conhecida Bası́lica da Natividade, que supostamente marca o local exato
one Maria deu a luz a Jesus; poré m nã o existe comprovaçã o alguma disso. Essa estrutura foi
construı́da por ordem de Helena, mã e do imperador romano Constantino em 333 d.C.

Os participantes da visita "eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém." Mateus os
descreve como Magos μάγοι, sendo que este termo pode ser muito abrangente, o mais prová vel é
que fossem estudiosos do oriente; ainda que algumas traduçõ es os chamem de “homens sá bios”.
Naquela é poca o termo “magos” tinha um signiCicado diferente daquele que nos dias atuais,
nenhum leitor original imaginaria os magos usando chapé u pontudo de feiticeiro, tampouco
sendo um personagem de algum Cilme de Harry Potter(1). Quando Mateus diz que eles vieram do
oriente, o autor podia estar se referindo a uma regiã o que se iniciava na Palestina e compreender
até a INndia. O mais prová vel é que eles fossem originá rios da Pé rsia, uma vez que de acordo com
Aristoteles, Sociã o e Dió genes de Laé rcio, o termo “mago” seria uma referencia aos sá bios/
pensadores/estudiosos/religiosos daquela regiã o(2)(19). Joã o Crisó stomo també m defendia a
mesma tese, já que em seus dias, era dito que a religiã o dos antigos persas se chamava Magian.(11)
Existe també m o relato de que durante a invasã o persa à Palestina em 614, a estrutura foi
mantida intacta porque, segundo a histó ria muçulmana, seu comandante foi comovido pelas
imagens pintadas no interior da igreja dos Trê s Reis Magos vestindo trajes tipicamente persas,
ordenou que o edifı́cio fosse poupado da destruiçã o.(27) A partir da referê ncia citada pelos
Ciló sofos antigos, alguns estudiosos, entre eles Mills, M. S. buscaram fontes persas antigas nas
quais encontramos o termo magu sendo usado para representar aquele tipo de personagem
pertence a classe sacerdotal.(3) Durante o primeiro sé culo, os μάγοι representavam na cultura
popular europé ia o á pice de sabedoria e conhecimento espiritual que os povos do oriente
pró ximo possuı́am. Corrobora com esse ponto de vista o fato do pró prio Herodes te-los recebido
imediatamente, aCinal seriam pessoas muito nobres e distintas. Este tipo de comitiva vinda do
oriente nã o era de todo desconhecida naquela regiã o e perı́odo; existem alguns relatos oCiciais
romanos descrevendo a visita de uma procissã o que foi prestar homenagens ao imperador Nero
por volta do ano 66 d.C.
Por terem vindo seguindo uma estrela, é bem aceitá vel que eles tivessem algum
conhecimento de astronomia, ainda que quase todo estudioso da antiguidade també m fosse
versado no estudo do movimento dos astros. Seja como for, nã o temos muito mais informaçõ es
sobre eles. Alguns teó logos chegaram a propor que os visitantes teriam vindo da Ará bia, baseados
no fato de terem trazido incenso(12), entretanto a penı́nsula ará bica Cica ao Sul da terra santa nã o
ao Leste, o que contradiria o texto escrito. Outro ponto que levou alguns estudiosos a continuar

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postulando uma origem sulista dos magis é o texto de Sl 72.9-11 "Inclinem-se diante dele as tribos do
deserto, e os seus inimigos lambam o pó. Que os reis de Társis e das regiões litorâneas lhe tragam tributo; os
reis de Sabá e de Sebá lhe ofereçam presentes. Inclinem-se diante dele todos os reis, e sirvam-no todas as
nações." Poré m um estudo cuidados do texto demonstrará que esse trecho é ainda escatoló gico,
pois nem todos os governantes descritos se curvaram ao Cristo; entã o nã o devemos desmembrar
o versı́culo e utilizar apenas a parte que mais nos agrada. Talvez o teó logo mais conhecido a
defender essa tese seja Tertuliano de Cartago(13) que dizia: Nam et magos reges fere habuit Oriens (Na
verdade, ele tinha quase todos os reis sá bios do Oriente) Infelizmente a proposiçã o de Tertuliano
nã o se sustenta biblicamente, apesar de ser uma das bases para tradiçã o cató lica; a qual na idade
mé dia se tornou a festa da Epifania ou como mais é conhecida Festa dos trê s Reis Magos.
Um dado geopolı́tico que é pouco observado é que naquela é poca haviam dois grandes
impé rios cuja fronteira se encontrava pró xima a Israel, do lado ocidental estava o impé rio
romano, enquanto do lado oriental estava o impé rio parto. Como os magos vieram do lado
oriental, nã o seria nenhum absurdo imaginá -los como originá rios de onde hoje é o Iraque, o
mesmo lugar onde um dia foi a Babilô nia. Quando eles perguntam sobre um rei profetizado, que
iria expulsar os romanos, eles de uma maneira polı́tica, buscavam se aliar à quele que seria o novo
dominador da regiã o. Assim os magos poderiam ser uma espé cie de diplomatas estrangeiros e os
presentes um sinal de boa vontade polı́tica.

Infelizmente, atravé s da histó ria cristã , muito foi inventado a esse respeito. Alguns
diziam que eles eram reis (Tertuliano de Cartago talvez seja o primeiro de quem temos registro
sobre essa prá tica), nã o Mateus. Tal percepçã o deriva-se do texto de 72.10 "Que os reis de Társis e
das regiões litorâneas lhe tragam tributo; os reis de Sabá e de Sebá lhe ofereçam presentes." poré m uma
aná lise breve do versı́culo mostrará que os magos vieram do Oriente e nã o do Sul da penı́nsula
ará bica. Grande parte dos teó logos cató licos diziam saber até mesmo quantos eram, diziam ser
trê s (baseados no fato de terem trazido trê s presentes), outros, como Joã o Crisó stomo sugeriram
um nú mero de 14 magos; novamente especulaçã o. Alguns vã o até mais longe e dizem saber o
nome dos visitantes, o que parece mais Cicçã o cientı́Cica que exegese bı́blica. Uma antiga traduçã o
latina do sé culo VI, conhecida por Excerpta Latina Barbari (em nossa lı́ngua: Trechos em Latim
ruim) denomina os Magi como Bithisarea, Melchior, e Gathaspa; enquanto uma versã o Armê nia
di sé culo XIV propunha os nomes deles como Balthasar, Melkon, e Gaspar.

Teriam esses sá bios recebido a promessa atravé s dos ensinos deixados por Daniel na
Mé dia? Uma vez que em 586 a.C, os babilô nios saquearam Jerusalé m e levaram os judeus ao
exı́lio, a Babilô nia continha uma forte colô nia judaica, e o conhecimento das profecias judaicas de
um Salvador-Rei pode ter sido bem conhecido pelos babilô nios e pelos magi. Essa linha de
pensamento é bem possı́vel, ainda que nã o tenhamos base bı́blica para ensiná -lo.
Porque os homens sá bios nã o foram diretamente até Belé m? Porque ao invé s disso
entraram em Jerusalé m? Conforme Mt 2.16, já fazia cerca de dois anos que a estrela havia
aparecido na terra natal dos visitantes, por isso eles pressuporam que o Rei deveria estar na
capital. Quando voltaram a encontrar a estrela, ela os levou nã o só até Belé m, mas diretamente a
casa onde Jesus e seus pais estavam (Mt 2.9).

Como explicar a estrela descrita pelos magos?


Eis um tema que chama a atenção dos estudiosos e ao qual não temos uma resposta
definitiva. Na antiguidade da igreja alguns propuseram de maneira até poética que o evento mais
importante de todos os tempos na terra devia ser acompanhado de uma contraparte nos céus, porém
essa construção não elucida a questão do fenômeno em si. Jesus, em sua Revelação capítulo 22.16
descreve a si mesmo como "a resplandecente Estrela da Manhã"; o que reforça a ideia de uma
conexão celestial com sua pessoa. A palavra grega utilizada para “estrela” é ἀστὴρ (aster) e não
apresenta grandes dificuldades exegéticas, afinal trata-se de um termo usual para descrever os corpos
luminosos no céu noturno. Ela aparece 31 vezes no Novo Testamento, sendo 5 vezes em Mateus, e
em todas ocorrências o significado é o mesmo “estrela”. Ainda assim, resta a pergunta sobre qual
estrela, dentre tantas conhecidas pelo homem desde a antiguidade, o autor está se referindo. Seria ela
uma estrela em seu sentido clássico ou algum outro tipo de fenômeno no céu?

Dentre os teólogos ortodoxos diversas propostas surgiram com o passar dos séculos,
acompanhe algumas:

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• Um cometa de baixa altitude – Joã o Calvino, Jamienson, R. – Fausset, R. A. – Brown, D. – O
problema desta proposta é que existe uma palavra grega para “meteoro” ela é μετεωριŒτη
(meteoriti), ou seja, Mateus nã o deveria ter utilizado a palavra “estrela” para descrever o
fenô meno. Alguns, entre eles Calvino(17), rebatem a questã o textual dizendo ser o mesmo caso do
livro de Jonas, o qual descreve um grande peixe, que hoje sabemos se tratar de uma baleia
(mamı́fero); esse princı́pio defende a simplicidade de leitura da escritura.
• Glória Shekinah – Zuck, Roy – Walvoord, John – Estes estudiosos perguntam se nã o se tratava da
mesma coluna de fogo que guiou o povo durante o E• xodo do Egito. A diCiculdade é que mesmo na
LXX as palavras sã o totalmente diferentes, já que “coluna de fogo”, a qual eles relacionam com a
Shekinah, se escreve στύλῳ πυρός (stilo piros) e não aster.
• Alinhamento do planeta Júpiter com alguns outros – Ryken, Phil – Em seu livro “He speaks to
everywhere” p.144 Ryken defende que Deus havia premeditado um alinhamento ú nico de toda a
criaçã o para testemunhar o nascimento de Jesus. Tal pensamento segue a linha proposta pelo
grande astrô nomo Kepler, que em 1604 testemunhou um alinhamento semelhante.(14)
• Um anjo – Mills, M. S. – Defende que se trata de uma Cigura de linguagem, assim como acontece em
Ap 1.20. Apesar de muito atraente, pois resolveria todas as questõ es, essa proposta esbarra no fato
do texto de Mateus nã o possuir caracterı́sticas apocalı́ptica, onde as metá foras e Ciguras de
linguagem sã o bem claras. Alegorizar o texto é sempre muito tentador, o risco é darmos
signiCicados diferentes do que o autor tinha em mente.
• Uma nova estrela - Trench, R.C. - Trench sugere que uma nova estrela se formou no cé u para
anunciar um evento tã o singular. Existe certa concordâ ncia com os escritos de Eusé bio (Demons.
Evang, 1.8 e com Agostinho (Contra Fausto 1,2 e 5 "Novo Virginis partu novum sidus apparuit: non
ex illis erat haec stellis, quae ab initio creaturae itinerum suorum ordinem sub creatoris lege
custodiunt."). Outra possibilidade astronô mica seria o surgimento de uma “supernova” o que fora
registrado por astrô nomos chineses e coreanos no ano 5 a.C.
• Fenômeno visual EN possı́vel que se trate de um fenô meno luminoso que aos olhos humanos
pareceria com a luz de uma estrela distante. Seguindo o princı́pio da linguagem comum, ou seja, a
maneira natural de se interpretar o texto, podemos entender o uso da palavra "estrela" para
descrever algum fenô meno luminoso no cé u a noite. Sendo este o mesmo caso do que acontece
com Jonas e o “grande peixe). Sendo um fenô meno visual, a “estrela” nã o interferiria na ordem
astronô mica dos planetas, na gravidade e em outras questõ es fı́sicas em escala global.

v.2 "perguntando: "Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos
adorá-lo"". Existe aqui uma palavrinha muito maltratada pelos tradutores ao longo dos sé culos:
λεŒ γοντες Ela signiCica "perguntando" pois é um verbo e se encontra no tempo presente ativo.
Infelizmente alguns tradutores deliberadamente alteram se tempo para o passado, o que nã o é
correto em uma traduçã o, principalmente em um texto de tã o simples compreensã o. Por isso é
importante que você tenha mais de uma traduçã o da bı́blia e procure, sempre que possı́vel, a
ajuda de comentá rios e demais materiais de apoio.
O sentido pretendido pelo autor ao empregar λεŒ γοντες é nos passar a noçã o de um ato que
acontece continuamente no presente. Dessa maneira devemos imaginar a comitiva perguntando
por todos o caminho "onde está o rei menino?" Por essa razã o a notı́cia se espalhou tã o rá pido e
chegou ao conhecimento de Herodes, o grande. O texto nã o deixa claro quanto tempo levou até
que o rei, imposto pelos romanos, fosse devidamente notiCicado, mas é possı́vel que tenha se
passado mais de um dia, talvez dois, para que πᾶ σα Ι¹εροσοŒ λυμα "toda Jerusalé m" Cicasse
alarmada.

Eles vieram para adorar o recé m nascido rei dos judeus, cujo nascimento foi anunciado
por um evento astroló gico (a apariçã o de uma estrela). A estrela é teologicamente importante por
causa da profecia em Nm 24.17 “Eu vejo, mas não agora; eu avisto mas não de perto. Uma estrela surgirá
de Jacó; um cetro se levantará de Israel”. Muitos especularam a respeito da maneira com a qual os
sá bios do oriente tomaram conhecimento da profecia; infelizmente o texto nã o diz nada. Teriam
eles alguma có pia do Pentateuco (os cinco livros originais de Moisé s), teriam ouvido a tradiçã o
atravé s de judeus exilados? Nã o sabemos. Seja como for, é notá vel a compreensã o daqueles
homens de que a estrela metafó rica de Nú meros tinha uma conexã o real com um fenô meno
extraordiná rio na forma de algo similar a uma “estrela”, o qual eles puderam seguir até a estrela
metafó rica que era Jesus.

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"Vimos a sua estrela" Como bem disse Trench, R.C.: “O nascimento do Senhor da Glória na terra
teve seu sinal correspondente nos céus.”(29)
O conhecimento da astronomia era uma ciê ncia de alta tecnologia para aqueles povos,
sendo que até mesmo Platã o, em seu livro mais famoso, a Repú blica, a deCine como um
conhecimento fundamental.(20) De semelhante modo, o estudioso judeu do primeiro sé culo, Philo
de Alexandria, declarou que o estudante de astronomia percebia "sinais oportunos de eventos
futuros", já que "as estrelas eram feitas para sinais"(21)
As palavras do sá bios orientais eram muito contundentes e sua mensagem afetava
diretamente a Herodes pois, ao perguntarem sob o paradeiro do "rei dos judeus" eles
indiretamente diziam que o "tã o poderoso" Herodes nã o era o rei de direito. E para dar mais peso
ainda ao acontecimento, os magos aCirmam acompanhar um evento có smico que atestava a
realeza do recé m-nascido. Ou seja, a criança era o rei por direito, um rei com apoio divino,
enquanto Herodes devia ceder lugar na histó ria. Podemos imaginar Herodes aClito, imaginando se
os sá bios de Roma teriam recebido a mesma notı́cia, e se o imperador romano enviaria ordens de
destroná -lo.

"no Oriente" Uma curiosidade linguı́stica interessante acontece aqui, pois os termos
"oriente" e "ocidente" nã o existiam naquela é poca, sendo que a palavra utilizada por Mateus é
α† νατολῇ . A traduçã o usual para anatole é "levante" no sentido de se mover para cima, sendo
aplicado normalmente para falar do "levantar" do Sol sob o horizonte. Poré m, desde é pocas
imemoriá veis, os romanos, gregos e palestinos já usavam este termo para falar dos paı́ses
distantes ao leste de suas localizaçõ es. Uma prova disso é que os romanos e os gregos chamavam
as partes distantes da Turquia de "Anató lia", no sentido de "Cim do mundo". Vejo no uso do plural
o objetivo de expressar “o leste”, o qual se repete sem ambiguidade em Mt 2.1 e 8.11; 24.27.
Existe o registro de um pergaminho Mé dio, presumivelmente o lar de estes Magos, chamado de
P Saʽı́d Kahn 2a. 8 (a.C. 22), onde lemos ο¼ ρια και„ γειτνιŒαι α† πο„ τῶν α† νατολῶν.(22)
Outro aspecto relativo a estrela é o fato dela ter aparecido "no Oriente" o que passava a
ideia de que até os conCins do mundo havia chego a mensagem de que o novo rei havia nascido.
Essa percepçã o em relaçã o à estrela surgida no oriente é tã o importante que o pró prio Senhor
Jesus utilizará os mesmos termos para explicar a magnitude de seu retorno em gló ria. ConCira Mt
24.27 "Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda do
Filho do Homem." Existem evidencias vindas dos dois primeiros sé culos que revelam na
mentalidade dos religiosos daquela é poca esse tipo de sinal era deveras signiCicativo. O conhecido
rabino Akiva (50d.C a 135d.C?) na ansia de encontrar um candidato alternativo a messias,
intitulou o lı́der rebelde Simon ben Kosevah como "bar Kokhba" ou seja "Cilho da estrela" em
aramaico.(16)

POSSÍVEL JORNADA DOS MAGOS ATÉ BELÉM 53


"e viemos para adorá-lo." Antes de avançarmos, é preciso falar algo a respeito da motivaçã o
daqueles sá bios do oriente, pois a expressã o προσκυνῆ σαι αυ† τῷ - proskenesai auto - é
usualmente traduzida como "adorá -lo", pode ter nuanças importantes. Ela ocorre por 13 vezes no
livro de Mateus e em muitos casos Cica a dú vida, se o fato de algué m "se curvar" perante uma
autoridade representa realmente uma adoraçã o a um ser divino. Neste caso em particular,
contrariando a estatı́stica, me parece que o sentido mais adequado seja compreender que os magi
vieram prestar uma homenagem e o cumprimento usual seria "se curvando" em reverê ncia. Um
exemplo para isso, guardadas as devidas proporçõ es, seria a saudaçã o que se realiza a rainha da
Inglaterra; e nã o me parece que algué m sugira que nesse fato haja algum tipo de adoraçã o
religiosa e heré tica. Assim sendo, a traduçã o mais coerente seria “e viemos homenagea-lo”.

O tradicional presépio de natal


Caso nos baseamos no relato de Mateus (autor, cujo escrito foi inspirado) fica difícil
concordar com a tradicional montagem natalina que chamamos de presépio. Veja os motivos:

1. Os “magos” chegaram depois do nascimento (Mt 2.1) e pelo tempo que relataram a Herodes,
é possível que fosse até dois anos após o nascimento (Mt 2.16 onde Herodes manda matar
todas as crianças com dois anos ou menos). Existe também uma questão linguística
importante em Mt 2.9. Nesta passagem Mateus descreve Jesus como criança, do grego
paidion e não como um recém nascido, que em grego seria brephos.

2. Não existe evidencia que defina a quantidade de “magos”, portanto é errada a imagem de
três reis magos. Obviamente também não podemos dizer que eles eram reis.

3. Seria muito difícil afirmar que Jesus continuava deitado na manjedoura, uma vez que o texto
o coloca em uma casa. O erro é baseado no relato de Lucas 2.7, porém este texto relata
outro momento. A prova disso é que Lucas não descreve a visita de nenhum “mago” do
oriente.

4. Talvez a única parte correta seja a descrição dos presentes que foram oferecidos a criança:
ouro, incenso e mirra.

Havia també m um componente polı́tico muito forte em toda essa questã o. O pró prio
Herodes nã o era um rei por direito, e só estava no poder porque fora lá colocado pelo imperador
romano. Tudo o que ele tinha era oriundo do imperador. Sem o apoio romano ele nã o era nada.
Na verdade o povo se recusava a aceitá -lo. Temos o relato de Flavio Josefo que seis mil fariseus se
recusaram a prestar juramento de lealdade a Herodes, mesmo com isso arriscando suas vidas.(15)

O nome do imperador romano naquele momento era Cé sar Augusto (cf. Lc 2.1), e foi este
soberano que ordenou o recenseamento do povo, o qual acabou por levar José , Maria e Jesus
(ainda na barriga de sua mã e) até Belé m. O que poucos sabem é que Augusto desejava criar sobre
si uma mitologia na qual ele seria um governador divino e que teria salvo o mundo do caos. Existe
o relato de um historiador chamado Priene, que no ano 9 a.C, registrou: “Conferiu uma 1isionomia
diversa a todo o mundo. Este teria ido a ruína se naquele que nasceu agora não tivesse brilhado uma felicidade
comum (…) A providência, que divinamente dispões nossa vida, cumulou neste homem, para a salvação dos
homens, de tais dons que o mandou a nós e as gerações futuras como salvador (…) O dia do nascimento do
deus foi para o mundo o início dos evangelhos com ele relacionados. A partir do seu nascimento deve começar
uma nova contagem de tempo.”(8) Já no ano 27 a.C o senado romano o havia declarado como Augustus
ou seja “o adorá vel”. Para o mundo greco-romano o termo “salvador” era utilizado para diversas
divindades, poré m para o povo judeus, essa palavra era utilizada apenas para se referir ao Deus
da bı́blia (ao menos ele é assim utilizado na LXX). O imperador erigiu um altar lindı́ssimo a deusa
Pax, para ser sempre lembrado como o autor humano, e responsá vel ú ltimo, pela pax romana.(9)
Agora imaginem como Cicaria irritado o homem, que se considerava o salvador do
mundo, ao saber que uma caravana de estudiosos, vinda do Cim do mundo, alegava que havia
nascido o Salvador. E que o Salvador nã o era Cé sar Augusto! Imagino Herodes já vislumbrando as
legiõ es romanas marchando sobre Jerusalé m e destruindo tudo, inclusive ele.

54
Alguma coisa precisava ser feita.

v.3-6 "Quando o rei Herodes ouviu isso, 1icou perturbado, e com ele toda a Jerusalém." A reação de
Herodes e da cidade toda
Naquela é poca as pessoas nã o viajavam de aviã o, com pouca bagagem (para nã o pagar
uma taxa absurda por excesso), e por curtos perı́odos. Vindo de tã o longe, e trazendo presentes
tã o especiais, aqueles homens nã o estavam sozinhos e deviam ter muita bagagem. EN muito
prová vel que fosse uma grande caravana, com dezenas de animais (cavalos, camelos, jumentos e
até vacas para prover leite) e possivelmente contando com proteçã o militar. E por serem
oriundos de outro impé rio, suas vestes, lı́ngua e costumes deviam ser muito diferentes dos que o
povo estava acostumado a ver. O impacto de tal grupo entrando na cidade, procurando pelo Rei
recé m nascido, deve ter sido bem grande. E Herodes que nã o era herdeiro legı́timo ao trono,
aCinal era descendente de Esaú , Cicou muito incomodado com a notı́cia. A bı́blia é muito clara
dizendo que Herodes, e toda a Jerusalém Cicaram perturbados.
Para elucidar a questã o, Herodes convoca todos (repare que foram todos, nã o apenas
alguns ou os que puderam vir) os sá bios e os principais sacerdotes esperando por algumas
explicaçõ es. Mateus, usando sua habilidade usual, retrata Herodes conectando “o rei nascido”
com o “Messias”, e nã o os magos. Para todos os Cins, foi Herodes o primeiro a confessar Jesus
como Messias.
Deve ter sido uma reuniã o muito interessante, imagine só :
Herodes gritava: Como ninguém me avisou disso? Como até os inimigos de outro império sabem disso e eu não?
E os sacerdotes replicavam dizendo: Não nasceu ninguém e se houvesse tal coisa não seria aqui.
Herodes um pouco menos nervoso perguntava: Então, onde a1inal, esse tal Rei Ungido (Messias) deveria de
nascer?
Sacerdotes: Existe uma profecia dizendo que ele há de nascer em Belém (Mq 5.2). (Belé m era um vilarejo
vizinho a Jerusalé m)

Aqui está mais um exemplo da genialidade de Mateus enquanto escritor. Ele poderia ter
apenas colocado uma pequena nota dizendo o local de nascimento do Messias e a profecia
correspondente (mais ou menos como os comentaristas modernos fazem); poderia, mas nã o fez.
O Autor prefere relatar a entrada majestosa da caravana dos sá bios do oriente, prefere descrever
a comoçã o que este fato causou e por Cinal apresentar a profecia existente.
Seguindo o exemplo de Mateus, apresento, por ú ltimo, o texto base da profecia: Mq 5.2
“Mas tu, Belém-Efrata, embora sejas pequena entre os clãs de Judá, de ti virá para mim aquele que será o
governante sobre Israel”. E aqui existe um peso teoló gico muito grande, uma vez que a segunda
parte do versı́culo aCirma que: “Suas origens estão no passado distante, em tempos antigos” Jesus
encarnou em Belé m, mas é o Eterno Filho de Deus. Aqui encontramos uma diCiculdade teoló gica,
pois o texto de Miqué ias entra em conClito direto com o de Mateus; uma vez que Miqueias diz que
"Belém-Efrata é pequena entre os clãs de Judá", enquanto Mateus aCirma "de forma alguma és a menor
entre as principais cidades de Judá". Teó logos antigos, entre eles Jerô nimo, chegaram a aCirmar que se
tratava de uma imprecisã o intencional por parte de Mateus, mas hoje tal posiçã o ofende a
inerrâ ncia bı́blica. Creio que faltou a Jerô nimo, a quem devemos tanto em relaçã o ao estudo da
escritura, dar uma passo alé m e compreender que Mateus, como apó stolo inspirado, estava
expandindo o texto de Miqué ias e mostrando que, apesar de pequena e insigniCicante, Belé m,
atravé s do evento ocorrido em seu territó rio, passava a ter uma importâ ncia maior a partir
daquele momento.
També m podemos ver o ministé rio redentor de Cristo na histó ria de Belé m.
Anteriormente conhecida como a cidade onde morreu a esposa favorita de Jacó Gn 35.16-20, hoje
é conhecida como a cidade do nascimento do Redentor da humanidade. De cidade da tristeza
tornou-se um lugar de alegria e peregrinaçã o até hoje, pois muitos desejam conhecer o local de
nascimento da Alegria dos homens.

v.7-8 O desfecho da reunião


Apó s tã o acalorado debate entre os sá bios, os principais sacerdotes e o rei Herodes, os
magos foram secretamente chamados. Repare que Mateus coloca um suspense no ar. Teriam eles
sido chamados na calada da madrugada, ou teriam vindo ao encontro escondidos?

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O motivo de tanto segredo é que Herodes nã o queria que a notı́cia se espalhasse. O falso
rei nã o podia arriscar uma rebeliã o contestando a legitimidade de seu governo. Tudo precisava
acontecer em segredo.
Antes de informar onde o rei menino estava, Herodes procura saber a quanto tempo a
estrela havia aparecido. O motivo deste interesse é mostrado no versı́culo 16. Entã o Herodes os
encaminhou para Belé m, com a seguinte ordem: “Assim que encontrarem a criança me avisem, para que
eu também possa adora-la.” Dessa maneira, mais uma vez, Herodes atesta que a criança era o
Messias, aCinal, nenhuma outra criança era digna de ser adorada. Em sua maldade, o rei falso,
aCirma que Jesus era o Rei Messias verdadeiro.

v.9-12 O encontro com o Rei criança


Obedecendo (do grego akouo - obedecer) ao que Herodes falou, os sá bios e toda sua
caravana, seguiram em direçã o a Belé m que Cicava a cerca de 8Km ao sul de Jerusalé m.
Possivelmente esses fatos ocorreram durante a noite, aCinal eles seguiram a estrela que se
levantou no cé u e acompanharam seu trajeto, até que ela parou sobre o local onde a criança
estava. Outro detalhe curioso é que as estrelas percorrem o cé u noturno de Leste para o Oeste,
mas neste caso ela os levou para o Sul. Quando a estrela parou sobre uma casa, houve grande
alegria da parte deles. E nã o seria para menos. Se pensarmos na distâ ncia percorrida desde sua
terra de origem, nos custos da viajem e do risco de ir de um paı́s a outro, sem mapa, sem guia,
seguindo apenas uma estrela.
v.10 "Quando tornaram a ver a estrela, encheram-se de júbilo." Podemos meditar um instante
sobre o que Mateus desejava ressaltar quando escreveu "tornaram a ver a estrela", pois durante a
histó ria da igreja alguns irmã o se dedicaram a esse estudo. Teria a estrela desaparecido quando
eles entraram na cidade? Por ser um fenô meno astroló gico, será que ningué m em Israel (fosse
judeu, romano ou grego) havia percebido uma estrela nova se aproximando de sua cidade?
Considero muito poé tica a proposta de Euthymius, pai oriental da igreja, que disse: "quando eles
escolheram andar sob a luz dos homens, perderam a luz do céu" (Euthymius deseja falar que os sá bios,
enquanto ouviam Herodes e os religiosos, nã o escutavam mais a Deus), poré m nos parece pouco
prová vel que assim o tenha sido.
Algumas observaçõ es devem ser feitas. 1) Os Magi viram a estrela em sua terra natal, o
que condiz com o v.2 "Vimos a sua estrela no Oriente", poré m a estrela nã o os acompanhava por todo
o caminho (como costumamos imaginar). De alguma maneira eles sabiam que o rei dos judeus
havia de estar na capital do paı́s, e por isso se dirigiram a Jerusalé m. Isso explicaria porque o
povo local nã o esperava por um evento tã o excepcional. 2) O pró prio conhecimento dos Magi era
limitado, uma vez que nã o conheciam as escrituras a fundo, nem sabiam que o Messias havia de
nascer em outra localidade. 3) aparentemente eles se decepcionaram ao nã o encontrar o rei-
ungido e esse sentimento se manteve até que eles milagrosamente voltaram a ver a estrela
"encheram-se de júbilo". Penso que os viajantes, apó s nã o terem encontrado o rei-criança, voltaram a
vasculhar o cé u até que reencontraram a mesma estrela; percebendo entã o o posicionamento real
da mesma.
Imagino o anticlı́max ocorrido quando os viajantes descobriram que ningué m na cidade
sabia do que eles estavam falando. Deve ter sido um passo de fé muito grande o fato de terem
seguido a orientaçã o dos religiosos e de Herodes, e terem partido para Belé m. Por isso é tã o
importante o fato de terem novamente encontrado a estrela, o que se reClete na celebraçã o por
parte deles.
Aqueles que defendem a teoria da estrela em movimento, de maneira que a estrela vista
no oriente de alguma maneira guiava os magi pelo caminho, enfrentam um diCiculdade extra, pois
o texto diz que apó s deixarem Jerusalé m a estrela se localizava sob Belé m. A questã o é que Belé m
Cica cerca de 2,5km ao sul de Jerusalé m, e o caminho natural da estrelas no cé us noturno vai de
leste para oeste. Dois pontos sã o importantes para elucidar essa questã o: 1) a astronomia
descreve um movimento de nosso planeta chamado precessã o, onde acontece um deslocamento
vagaroso do eixo planeta, e que no perı́odo entre dois ou trê s desde o alistamento original da
estrela no Oriente, seriam mais do que suCiciente para justiCicar o alinhamento mais ao sul da
estrela. 2) ainda que o ponto 1 seja descartado por estudos posteriores dos astrô nomos, resta
compreender que uma distâ ncia de 2,5km terrestres em comparaçã o com distâ ncias
astronô micas é ı́nCima, e assim nã o seria necessá rio defender um movimento para o sul da
estrela, e sim, somente um ajuste de rota por parte dos viajantes.

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v.11 και„ ε† λθοŒ ντες ει†ς τη„ ν οι†κιŒαν "E entrando eles na casa" Você já reparou no hiato que
existe entre o versı́culo 10 e o 11? Lembre-se que o autor, Mateus, está nos contanto uma histó ria
com propó sitos evangelı́sticos e nã o apenas para nos entreter. Entã o porque em uma cena,
descrita no v.10, ele mostra a Carvana dos sá bios em um estado de alegria muito grande e na cena
seguinte eles já estã o entrando na casa? EN deveras importante o verbo elthontes que é traduzido
por entrando, pois nele encontramos o sentido de quase perdemos o acontecimento. Essa
construçã o nos passa a impressã o de quer nos distraı́mos por um instante e que por pouco nã o
nos perdemos na histó ria. Este é Mateus, ele quer prender nossa atençã o, e o versı́culo 11 mostra
uma das armas que ele usará para isso.
Por Cim encontraram o Messias. Nesta passagem Mateus descreve Jesus como sendo uma
criança, do grego paidion e nã o como um recé m nascido, que em grego seria brephos. O que
demonstra que algum tempo havia decorrido desde o nascimento.
Aqui se cumpre outra profecia, Is 60.3 “Nações virão para a sua luz, e reis para o fulgor de seu
alvorecer”.
Finalmente os sá bios entram na casa e encontram a criança deitada com sua mã e, eles se
curvam e o adoram. Apó s prestarem adoraçã o ao Messias, os magos abriram seus tesouros e
ofereceram trê s presentes ao menino: ouro, incenso e mirra. Fazendo assim referê ncia a Salmos
72.10. O ouro era um presente digno para um rei, o incenso um presente digno de um sacerdote
(pois tinha forte conotaçã o de levar as oraçõ es aos cé us) e mirra, uma especiaria para
embalsamar os mortos (presente estranho para uma criança). Um Rei-Sacerdote que haveria de
morrer por um propó sito, que grandeza teoló gica essa.
Existe uma profecia em Is 60.6 "Manadas de camelos cobrirão a sua terra, camelos novos de
Midiã e de Efá. Virão todos os de Sabá carregando ouro e incenso e proclamando o louvor do Senhor." a qual
descreve caravana vindo até o Messias, poré m esse trecho se refere ao milê nio escatoló gico, nã o
ao nascimento humilde do Rei de todo o universo.
v.12 "Sendo por divina advertência prevenidos em sonho" E a participaçã o dos magos/sá bios
termina com outro sonho, no qual sã o avisados a nã o voltarem a presença de Herodes, mas
tomarem outro rumo para seu paı́s de origem. EN relevante o fato do aviso ter acontecido por meio
de um sonho, pois neste trecho inicial do livro, o Senhor, revela seus planos dessa maneira. Foi
exatamente o que aconteceu com José em relaçã o a gravidez de Maria.
"regressaram por outro caminho a sua terra." A rota tradicional de retorno para o leste os
levava direto a Jerusalé m, para dali descerem a Jericó , poré m o texto nos mostra que outro
percurso fora tomado. Um possı́vel caminho alternativo seria ter continuado a sudeste, passando
pelo Herodium e Tekoa, descendo até En Gedi e depois cruzado o Lisan (a faixa de terra seca que
divide o Mar Morto em duas partes) e por Cim à estrada do rei na Transjordâ nia.

A criança sempre em primeiro lugar


Um recurso literário que Mateus utiliza, nas passagens envolvendo Jesus e sua família, é
descrever a criança em primeiro lugar. Veja Mt 2.10, 2.13, 2.14, 2.20 e 2.21 O autor faz assim para
chamar a atenção para a criança, afinal o livro conta a sua história. Hoje em dia estamos habituados
com a linguagem televisiva que utiliza o recurso do “close” para enfatizar algo importante, nosso autor
faz o mesmo, colocando o menino a frente dos demais personagens.

v.13-18 A fuga para o Egito e o massacre dos infantes


"Tendo eles partido, eis que apareceu um anjo do Senhor a José, em sonho" Utilizando a expressã o
ΑŸναχωρησαŒ ντων δε„ αυ† τῶν, ι†δου„ Mateus acelera o texto, deixando a açã o cada vez mais
interessante, e assim prendendo a atençã o de seus ouvintes. Aqui o "idou" desempenha um papel
fundamental criando o espanto com a apariçã o do anjo.
"tomou de noite o menino e sua mãe e partiu para o Egito;" Avisado em sonho, de que Herodes
buscava matar a criança, José se levanta, e imediatamente pega a criança e sua mã e e fogem para
o Egito. Isso tudo sem saber o quando iriam retornar “Fique lá até que eu lhe diga”. O termo pheugo
(fugir, escapar), mostra a urgê ncia com que José saiu da casa e se mudou para outro paı́s. Temos a

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impressã o de uma Pá scoa invertida, uma vez que aqui a pressa é para entrar no Egito e nã o para
escapar dele. A extrema pressa é reforçada pelo fato de José se levantar no meio da noite (νυκτὸς)
e partir; isso em uma é poca onde nã o havia iluminaçã o pú blica e as estradas eram precá rias.
També m percebemos um sú til mençã o ao chamado de Abrã o na terra dos caldeus: “Então o Senhor
disse a Abrão: "Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe
mostrarei.” Gn 12.1
Aqui temos o cumprimento de outra profecia, agora em Os 11.1 (o qual, por sua vez
evoca Nm 23 e 24) “Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu 1ilho” Atravé s dessa
passagem, Mateus conecta Jesus com o ê xodo de Israel e a obra de Moisé s ao sair do Egito, sendo
que dessa vez o Cilho chamado do Egito era Deus-Filho. Tal aCirmaçã o possuı́a um peso muito
grande para um judeu do primeiro sé culo. Em um ú nico versı́culo, Mateus mostra Jesus
continuando a obra redentora do Antigo Testamento. Um ponto de vista importante é
compreender o uso de Osé ias 11.1 em Mateus como um exemplo clá ssico de pura tipologia
bı́blica, “o reconhecimento de uma correspondência entre fatos do AT e do NT, baseado na convicção do
caráter imutável dos princípios da atividade de Deus” (France 1985, p. 40). Como a citaçã o de Osé ias é
um tanto complexa, alguns estudiosos se debruçaram sobre esse versı́culo e produziram muito
material a esse respeito. Uma questã o secundá ria é compreender como a famı́lia pode fazer uma
viagem tã o longa com tã o pouca preparaçã o. EN muito prová vel que José tenha pago pela viagem e
sustentado sua famı́lia no Egito, vendendo os presentes que os magos trouxeram.

Os judeus possuı́am uma histó rica conexã o com o Egito, desde Abraã o, e mais tarde Jacó ,
os quais desceram ao Egito para encontrar alı́vio das fomes que haviam atingido a terra de Israel,
passando por Jeroboã o que encontrou refú gio no Egito depois de perder o favor de Salomã o (1 Rs
11:40), e perseguiçõ es dos dias de Jeremias (Jr 42–43). Em meados do sé culo VII aC (durante o
reinado de Manassé s), uma comunidade judaica começou a se formar na ilha de Elephantine,
perto de Aswan.

A rota da famı́lia pode te-los levado até a capital do Egito, Alexandria, uma vez que lá
havia uma grande colô nia judaica. Caso este tenha sido o destino deles, a famı́lia teria percorrido
mais de 560km, o que demandaria cerca de 45 dias de viagem a pé ou 15-20 dias montados em
jumentos. Poré m é bem possı́vel que a viagem tenha sido feita de barco, o que reduziria sua
duraçã o para poucos dias. Existem outras possibilidade de destino mais pró ximas a fronteira com
Israel e ao leste Delta do Nilo, tais como Pelusium ou Avaris, poré m a Alexandria se manté m como
a possibilidade mais aceita.

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. O filho do homem não tem onde repousar a cabeça
Em Mateus 8.20 Jesus diz: “As raposas tê m suas tocas e as aves do cé u tê m seus ninhos, mas o
Filho do homem nã o tem onde repousar a cabeça.” Tais palavras podiam parecer teóricas para o mestre
da lei que falava com Jesus, mas não eram. Desde seu nascimento o Filho do homem não encontrou
lugar onde repousar. Foi assim na hospedaria, onde o único lugar para ele e sua mãe foi a manjedoura.
Ainda menino, precisou fugir para o Egito, pois em sua terra procuravam mata-lo. Quando estava se
adaptando lá, precisou voltar a Israel, porém para uma cidade da distante Galiléia, chamada Nazaré.

Até morrer por nós, Jesus não encontrou descanso, diz Isaías 53 8-9 “…E quem pode falar dos
seus descendentes? Pois ele foi eliminado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo ele foi
golpeado. Foi-lhe dado túmulo com os ímpios…”
.

v.16 "Vendo-se iludido pelos magos, enfureceu-se Herodes grandemente e mandou matar todos os
meninos de Belém e de todos os seus arredores” Ao descobrir que os sá bios o haviam enganado,
Herodes Cica furioso e manda assassinar os meninos menores de dois anos em Belé m. Teria essa
atitude surpreendido algué m que conhecesse Herodes?
Vejamos uma pequena parte da Cicha criminal dele: mandou matar seu cunhado
Aristó bulo III (que ele tinha imposto como sumo-sacerdote), sua pró pria esposa Mariana I (a que
acusou de tramar o assassinato do seu avô Hircano), sua sogra Alexandra (que teria conspirado
contra ele), executou també m dois Cilhos que tivera com Mariana I, e já no Cinal de sua vida,
assassinou a Antı́patro (Cilho de sua segunda esposa). Temendo ser punido por ordenar a morte
de mais um Cilho, dessa vez a Antı́patro, Herodes pediu permissã o, ao imperador Octá vio Augusto,
para seguir com seu propó sito. Ao que o imperador teria proposto um jogo de palavras na lı́ngua
grega, que “preferiria ser porco [hys] de Herodes do que seu 1ilho [hyios]”. Existe aqui també m a
implicaçã o de que os judeus nã o matavam porcos, por os considerarem animais impuros, ou seja,
mesmo esses animais sujos teriam mais estima por parte de Herodes do que sua prole.
Agora que nã o resta dú vida alguma sobre os escrú pulos do monarca, devemos atentar
para o tamanho que o massacre pode ter atingido. Tal perspectiva é importante, pois muitos a
imaginam maior do que pode ter sido na realidade. Belé m, como todas as vilas adjacentes, nã o
deveria ter mais de 1.500-2.000 habitantes naquela é poca. Mesmo se quisermos propor uma
populaçã o exageradamente alta, no má ximo chegarı́amos a umas 4.000 pessoas; algo alé m disso
seria inviá vel. Qual seria o nú mero de meninos, com dois anos ou menos de idades, dentro deste
grupo de pessoas? Dez, vinte, trinta no má ximo. E se somarmos os arredores narrados por
Mateus, chegarı́amos a mais alguns casebres de fazenda, talvez a uma ou outra casa de um senhor
de terras, e nada mais. Ou seja, muito diCicilmente o massacre chegou à casa das 50 vı́timas.
Levantar essa aproximaçã o de dados é importante, pois muitos alegam ser essa passagem
facciosa, apenas por ela nã o constar nos registros romano. O que se explica pelo tamanho do
crime e pela irrelevâ ncia da regiã o onde ocorreu; claro que isso do ponto de vista do impé rio.
Nã o digo que tal nú mero descreva sua insigniCicâ ncia, apenas reClito sobre o tamanho
geográ Cico da questã o. Certamente para as famı́lias que passaram por este momento horrendo, o
crime foi gigantesco.

“conforme o tempo do qual com precisão se informara dos magos” Este versı́culo també m conté m
a chave para sabermos quando a estrela surgiu para os magi e assim criarmos uma faixa de
tempo para o nascimento de Jesus; aCinal, Herodes, deu ordem de assassinato apenas para os
meninos com uma idade aproximada daquela que Jesus teria. Muito importante aqui é a palavra
η† κριŒβωσεν - ekribosen, a qual signiCica “inquirir com precisã o” e ocorre exclusivamente aqui no
Evangelho segundo Mateus. Infelizmente muitas traduçõ es mais atuais, como a NAA e a NVI,
perdem a intensidade deste vocá bulo em seus textos.
v.17 "Então, se cumpriu o que fora dito por intermédio do profeta Jeremias" Desta vez cumprindo
a profecia de Jr 31.15 “Ouve-se uma voz em Ramá, pranto e amargo choro; é Raquel que chora por seus
1ilhos e recusa ser consolada, porque os seus 1ilhos já não existem”. Localizada a uns 16 quilô metros ao
norte de Belé m, essa vila é citada em diversas passagens do Antigo Testamento, conCira Jz 4.5 no
relato da juı́za Dé bora, ISm 1.19 e ISm 25.1 onde conta a histó ria de Samuel. No entanto, o profeta
Jeremias nã o menciona a cidade para relembrar um evento passado, em vez disso, ele se refere a
Ramá porque foi ali que os babilô nios reuniram todos os judeus antes de deporta-los em massa

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para Babilô nia (cf. Jr 40.1). Para compreender melhor esta referê ncia devemos estudar todo o
capı́tulo 31 do profeta Jeremias, pois ele relata como seria a futura restauraçã o do reino
messiâ nico inaugurado pela Nova Aliança tema tã o querido de todos os cristã o e repetido por
Jesus na ú ltima ceia (cf. Lc 22.20; ICo 11.25). Os versı́culos 31-35 sã o citados em Hebreus 8.8-12 e
novamente em Hb 10.16-17 mostrando seu cumprimento em Jesus. Diante desse cená rio
glorioso, um ú nico versı́culo lembra os leitores dos sofrimentos enfrentados durante o cativeiro,
mais precisamente aquele citado por Mateus. Aqui Raquel representa o sofrimento por amor, a
tristeza pela perda e um sentimento que só seria curado no Reino futuro.

Existe uma importâ ncia muito elevada no fato de Mateus retratar Ciguras histó ricas
notó rias, pois dessa maneira ele ancora os acontecimentos de seu evangelho dentro de um espaço
de tempo bem delineado. Dessa maneira ele nã o correu o risco de seu relato poder se tornar
aná logo ao livro de Jó , cuja é poca dos acontecimentos foge ao nosso conhecimento. Escrevendo
assim, qualquer leitor daquele perı́odo saberia muito bem do que se tratava o relato e que eram
as pessoas descritas. Esse relacionamento entre Ciguras notó rias e acontecimentos teoló gicos foi
perfeitamente descrita por Benedict XVI: "Ancorando a história de Jesus em pessoas históricas como
Tibério César, Pôncio Pilatos e Herodes, Lucas [ou em nosso caso Mateus] deseja que seu público entenda a
atividade de Jesus não como ocorrendo em um mítico "a qualquer hora" (que pode signi1icar sempre ou nunca),
mas sim como algo que acontece apenas uma vez na própria história humana."(25)

2.19 a 2.23 O retorno a Israel


Sabendo que o texto de Mateus possui um nı́vel de elaboraçã o altı́ssimo, é importante
notar cada pequena nuança no registro. Neste trecho especı́Cico a utilizaçã o de verbos no aoristo
particı́pio salta aos olhos, revelando a intençã o do autor de mostra uma lembrança ou algo que
conhecemos como 1lashback. Em nosso linguajar quotidiano, este trecho Cicaria algo pró ximo a:
• v.19 “Tendo morrido, porém, Herodes. Vejam! (recurso do idou para chamar a atenção do leitor/
ouvinte) Um anjo do Senhor em sonho a José no Egito” A caracterizaçã o da lembrança aparece
no verbo inicial “tendo morrido” que remete ao passado, em contraste com os dois
pró ximos versı́culos.
• v.20 “dizendo: Levante-se, tome a criança e a mãe dela, e vá para a terra de Israel. Mortos estão os
que procuravam pela vida da criança.” Aqui vemos uma açã o muito mais presente e
imperativa. A anjo diz “levante” , “tome a criança”, “vá para a terra”.
• v.21 “Ele então, tomou a criança e a mãe dela, e foi para a terra de Israel” O versı́culo 21
basicamente repete o 20, mostrando a obediê ncia plena; mas també m reforçando na
cabeça do leitor o acontecimento descrito. Lembre-se que a repetiçã o possui papel
fundamental na vida dos judeus.
• v.22 “Ouvindo, porém, que Arquelau reinava na Judéia, no lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá.
Além disso, tendo sido divinamente avisado através de sonho, retirou-se para as regiões da Galiléia”
Outra vez temos um verbo colocando a açã o em um passado distante “tendo sido”. O
reinado de Arquelau foi muito breve, tendo durado de 4 a.C (quando seu pai Herodes
morreu) até 6 d.C (quando foi exilado para a Gá lia, pelos romanos).


Eis outro contraste interessante pois, aquele que desejava matar o Rei Eterno, agora estava
morto. A morte de Herodes ocorreu em 4 a.C, quando ele tinha setenta anos de idade.
Aqui existe uma interessante conexã o com Ex 4.19 “Disse também o SENHOR a Moisés em
Midian: Vai, volta para o Egito; porque todos os que queriam te matar, estão mortos”. Mais uma vez
mostrando um ê xodo invertido, o texto diz “volta” para o Egito e no caso de Jesus o chamado é
para “sair’ do Egito. Mateus nã o entra em detalhes sobre o Cim da vida de Herodes, o que levou
alguns estudiosos a buscarem maiores informaçõ es sobre isso. Entre eles está o primeiro grande
historiador do cristianismo, Eusé bio de Cesaré ia, que em sua Histó ria Eclesiá stica propõ e: "Pelo
sacrilégio que Herodes cometera contra o Salvador, e seu massacre perverso dos bebês da mesma época, a
vingança divina apressou seu 1im; e seu corpo, como Josephus relata, foi atacado por uma doença estranha; de
modo que os profetas declararam que não eram doenças humanas, mas visitas da vingança divina. Cheio de
fúria louca, ele ordena apreender e aprisionar as cabeças e os nobres de todas as partes da Judéia; ordenando
que, assim que ele respirasse pela última vez, todos fossem mortos, para que Judéia, ainda que relutantemente,

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pudesse lamentar sua morte. Pouco antes de morrer, ele matou seu 1ilho Antípater (além de dois meninos
mortos antes, Alexandre e Aristóbulo.) Esse foi o 1im de Herodes, observado nas palavras do evangelista,
quando Herodes estava morto, e o castigo in1ligido."(24)
Existe uma similaridade a 1Rs 11.40 “Salomão tentou matar Jeroboão, mas ele fugiu para o Egito,
para o rei Sisaque, e lá permaneceu até a morte de Salomão.” Mesmo que essa passagem nã o fosse a
referê ncia do autor, ela nos serve como ilustraçã o para o modo como José e sua famı́lia reagiram
diante da ameaça de morte.

Um detalhe interessante ligado ao nosso calendá rio é que temos registros da data em
que Herodes morreu, 4 a.C, o que nos leva a uma data de nascimento de Jesus entre 5 a.C e 6 a.C.
Ou seja a era cristã começou um pouco antes do ano 1. Isso ocorre porque um monge, chamado
Dionı́sio, o pequeno, cometeu um pequeno erro de cá lculo ao relacionar o nascimento de Jesus
com a fundaçã o da cidade de Roma (Ab Urbe Condita, que na é poca somava 1278). Em seus
estudos e cá lculos o monge Dionı́sio aCirmou que Jesus possivelmente teria nascido no ano 753 da
fundaçã o da cidade de Roma (referê ncia do calendá rio usado naquela é poca) quando deveria ter
encontrado as datas de 747 e 749. Sendo assim, o ano em que estes estudos foram feitos deveria
ter sido os anos de 529 a 531 d.C., mas Cicou marcado deCinitivamente como o ano de 525 d.C.

v.22 "Tendo sido avisado em sonho, retirou-se para a região da Galiléia" E assim, José tem seu
último sonho inspirado, e no texto de Mateus, sua última aparição em cena. No sonho, fora avisado
para não voltar para a Judeia, e sim ir para a Galiléia, mais precisamente para a cidade de Nazaré.
v.23 "e foi viver numa cidade chamada Nazaré" Nazaré nã o aparece em nenhum relato
romano (nem no AT, no Talmud ou nos registros de Josefo) e nã o possui nenhum registro
arqueoló gico relevante, o que demonstra sua insigniCicâ ncia aos olhos do mundo. Nã o seria
exagero imagina-la como um diminuto amontoado de casa, onde 20 ou 30 famı́lias residiriam,
tentando sobreviver da agricultura e da prestaçã o de serviços manuais.
Hoje a cidade de Nazaré é o maior centro urbano da Galilé ia, e muito deste
desenvolvimento ocorreu no ú ltimo sé culo, para explorar o turismo religioso. Claro que existem
algumas ruı́nas mais antigas, poré m ainda estas se distanciam do vilarejo de Jesus por centenas e
centenas de anos.

Didiculdade exegética "Assim cumpriu-se o que fora dito pelos profetas" Mateus parece ter se
esforçado para conseguir lidar com a questã o da mudança de domicı́lio da famı́lia, pois nã o
haviam referê ncias claras a essa questã o. Seguindo seu estilo literá rio, o autor aCirma que esta
passagem cumpriu "o que fora dito pelos profetas", poré m nã o há um verso correspondente no
Antigo Testamento. Para complicar ainda mais o assunto, a palavra “Nazaré ” ou o termo
“Nazareno” nã o aparecem no Antigo Testamento.
Algumas resposta foram propostas para essa questã o. 1) Pode ser uma referê ncia a
palavra hebraica ‫ נֵצֶר‬- Netzer, que em portuguê s signiCica “ramo”. Se seguirmos esse caminho,
podemos chegar a Is 11.1 “Porque brotará um rebento do tronco de Jessé, e de suas raízes um ramo
brotará”. Desta vez Mateus podia ter sido um pouco mais explicito, nã o? O fato da palavra
προφητῶν (profeton), traduzida por profetas, estar no plural reforça a idé ia de uma citaçã o mais
gené rica por parte do autor, inspirado em seu texto. 2) Talvez ele se referisse a Is 53.3 “Foi
desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de tristeza e familiarizado com o sofrimento. Como alguém de
quem os homens escondem o rosto, foi desprezado, e nós não o tínhamos em estima.” somado ao Sl 22.6-9
“Mas eu sou verme, e não homem, motivo de zombaria e objeto de desprezo do povo. Caçoam de mim todos os
que me vêem; balançando a cabeça, lançam insultos contra mim, dizendo: "Recorra ao Senhor! Que o Senhor o
liberte! Que ele o livre, já que lhe quer bem! " Contudo, tu mesmo me tiraste do ventre; deste-me segurança
junto ao seio de minha mãe.” Essa possibilidade parece bem real a luz de Jo 1.46 “Perguntou Natanael:
"Nazaré? Pode vir alguma coisa boa de lá?” Caso esta seja a explicaçã o intencionada por Mateus,
Cicaria explicado que o fato do Messias ser chamado de Nazareno era relacionado com a condiçã o
sofredora que o Deus-encarnado assumiu. Contudo parece-me que a soluçã o engloba ambas as
propostas anteriores, de maneira que o broto que nasceu fosse desprezado e rejeitado.

Nos despedimo-nos de José , o pai adotivo, e aguardamos a entrada de Joã o, o primo de


Jesus. Assim percebemos da parte de Mateus a criaçã o de um contraponto na criaçã o de seu
evangelho, sendo que na primeira parte José é o foco da açã o, Cicando o Jesus criança em segundo

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plano. No pró ximo capı́tulo, o mesmo procedimento acontece com Joã o Batista, sendo que Jesus
assume o centro do relato apenas apó s vencer o tentador no deserto.

Quatro personagens com nomes iniciados pela letra “I”

Um pequena curiosidade pode ser percebida ao se analisar os nomes de alguns dos


principais personagens do livro. Comecemos pelo Deus-Filho, Jesus, cujo nome em grego se escreve
Ἰησοῦς (Iesoûs), seguido por seu pai adotivo José, Ἰωσὴφ (Ioséf), seu primo João, Ἰωάννης (Ioánes);
sem nos esquecer do vilão da trama, Judas Iscariotes, cuja grafia grega é Ἰούδας (Iúdas) Ἰσκαριώτης
(Iscariótes). Até hoje nenhum estudante encontrou alguma profecia que validasse essa questão, sendo
que nos parece tão somente uma curiosidade literário; como um bônus escondido o qual apenas
alguns notaram, mas que não implica em alguma questão teológica.

(1) Personagem de livros infanto-juvenil criado por J.K.Rowling


(2) Dió genes de Laé rcio – Vidas e doutrinas dos Ciló sofos ilustres – p.31
(3) Mills, M. S. - Life of Christ – parte 1 pará grafo 25
(4) Para mais informaçõ es sobre Belé m, consulte The Lexham Bible Dictionary
(5) Drane, J. - Introducing the New Testament - p.46-51
(6) https://www.bibleplaces.com/sepphoris/ acessado em 02/06/2018
(7) Tratado do Sab. 31.a
(8) Stoger, A. - Das evangelium. Nach Lukas - p.74
(9) https://pt.wikipedia.org/wiki/Ara_Pacis (acessado em 20/08/2018)
(10) Craig, C. - The star of Betlehem
(11) Trench R.C. - Star of the Wise man - p.7
(12) Esse pensamento se baseava no texto de Plı́nio, o Velho, registrado em seu livro Histó ria Natural XII .30. Poré m hoje sabemos
que o incenso era produzido em diversas outras partes do mundo, principalmente mais o Oriente (na linguagem mateana: o
leste).
(13) Tertuliano de Cartago - Adv.Jud c.9 e Contra Marciã o 1,3 e 13
(14) A respeito do pensamento de Kepler, Trench escreveu: "Ele observou que sua aparê ncia ocorreu simultaneamente, e na
vizinhança imediata de uma notá vel conjunçã o dos planetas Saturno, Jú piter e Marte, no signo do Peixe, uma conjunçã o como,
ocorrendo em intervalos mais raros, ainda deve ter ocorrido como considerado os dois primeiros planetas em 747 d.C, e todos
os trê s em 748 d.C em anos ou seja, qualquer um deles provavelmente teria sido, e provavelmente o mais prová vel, o verdadeiro
Anno Domini. Essa era uma junçã o, cuja antecipaçã o precisava manter todos os astrô nomos ansiosos, como acontecia em seus
pró prios dias; e assim ele foi induzido a conjecturar que tal estrela poderia entã o també m ter se mostrado exatamente no
mesmo quadrante do cé u, quando nã o poderia ter deixado de despertar a mais profunda atençã o de observadores sá bios dos
cé us como temos o direito de Suponha que esses Magos tenham sido." Star of the Wise Men - p.32
(15) Josefus, F. - Antiguidade dos judeus - 17, 2, 4
(16) https://en.wikipedia.org/wiki/Simon_bar_Kokhba - acessado em 03/02/2019 e Eusé bio de Cesaré ia - História Eclesiástica -
livro 14, cap.6
(17) Calvino, J. - Harmony of the evangelists - p.130
(18) Wright, P.H - The Birthplace of Jesus and the Journeys of His First Visitors - p.7
(19) Herodotus 1:101
(20) Platã o - A república - p.529
(21) Philo de Alexandria - De opi1icio mundi - p.22 e Mendelson, A. - Secular Education in Philo of Alexandria - p.15-24
(22) Tacitus - Ann. 16:23 e Dia Cassius - Historia - 63.1 e Suetô nio - Nero - 13 e 30
(23) Minns, E.H. - Greek parlamentes from Avroman in Media, discovered by Said Kahn - p.22-65
(24) Eusé bio de Cesaré ia - História Eclesiástica - Livro 1, cap.8
(25) Benedict XVI - Jesus of Nazareth: From the Baptism to the Trans1iguration, 11.
(26) Canal do Youtube, Israel com Aline - ONDE ESTÁ RAQUEL? O túmulo polêmico da matriarca Raquel! - acessado em 23/10/2021
(27) Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bas%C3%ADlica_da_Natividade acessado em 23/10/2021
(28) Trench, C.R. - The star of the wise men - p.3
(29)

62
Mateus 3

O que Mateus não fala


Entre Mt 2.14 e Mt 3.1 existe um hiato de possivelmente 28 anos. Sabemos disso devido
ao texto paralelo em Lc 3.23 “Jesus tinha cerca da trinta anos de idade quando começou seu ministério”.
Devemos ser prudentes ao continuar a ler seu evangelho, lembrando que basicamente uma
geraçã o havia se passado entre o espaço de poucos versı́culos. Em uma é poca onde a expectativa
de vida girava em torno dos 45 anos, o perı́odo que o autor nã o registra representa um espaço
gigantesco de tempo.
Com a morte de Herodes, o grande, houve uma serie de rebeliõ es por toda a Judé ia, as
quais foram severamente reprimidas pelos Romanos. Cidades foram completamente destruı́das,
regiõ es inteiras devastadas; um impacto psicoló gico muito grande aconteceu sobre a populaçã o.
Existem relatos de que em uma ú nica ocasiã o, cerca de duas mil pessoas foram cruciCicadas,
apenas na Judé ia. Nã o pense que ser cruciCicado é um fato restrito ao martı́rio de Jesus.
Em uma é poca de tamanha tribulaçã o e sofrimento, a esperança messiâ nica era
elevadı́ssima, ainda mais se levado em conta a profecia de Dn 9.25 “Saiba e entenda que a partir da
promulgação do decreto que manda restaurar e reconstruir Jerusalém até que o Ungido, o líder, venha, haverá
sete semanas, e sessenta e duas semanas. Ela será reconstruída com ruas e muros, mas em tempos di1íceis”.
Uma vez que a profecia dizia que quatrocentos e oitenta e trê s anos depois de ter sido feito um
decreto para reconstruir Jerusalé m, o Messias apareceria. Já que Artaxerxes fez dois desses
decretos, o primeiro em 457 a.C e o segundo em 5 de março de 444 a.C depois dos setenta anos
de exı́lio que Jeremias profetizou, o tempo havia se cumprido, e o Messias surgiria a qualquer
momento. Essa realidade era tã o marcante que há registros de quase cinquenta supostos
“messias” surgidos por volta do tempo de Jesus.(1)

Curiosidade

. O recorde de crucificações registradas, em uma única ocasião, pertence a revolta de Espártaco(2),


que aconteceu por volta de 71 A.C. Essa rebelião de escravos, quando reprimida, resultou em seis mil
crucificações simultâneas. Todas colocadas entre a cidade de Cápua e a cidade de Roma, na famosa
Via Apia (a principal estrada do império). Foram quase 200km de estrada com pessoas crucificadas
lado a lado. O famoso filme da década de 1960 (dirigido por Stanley Kubrick) retrata a revolta de
Espártaco.

O retorno de José e sua famı́lia, relatado em Mt 2.19-23, possivelmente ocorreu quando a


ordem já estava restabelecida, aCinal diz o texto: “Arquelau estava reinando na Judéia em lugar de seu
pai Herodes”.
Mateus parece nã o ter se preocupado em relatar nenhum evento no perı́odo entre o
retorno de Jesus e sua famı́lia e o surgimento de Joã o e o batismo de Cristo. Para os propó sitos de
Mateus, nã o haviam fatos relevantes acontecidos e que merecessem ser incluı́dos. Da mesma
maneira, seguiremos para o pró ximo evento.

v.1-12 João prepara o caminho


Existe muita teologia envolvida neste capı́tulo 3 do livro, por isso peço-lhes um pouco de
esforço para nos acompanhar. Mateus introduz um novo personagem que irá compor o pano de
fundo para a revelaçã o do Messias; ele se chama Joã o. O mesmo personagem reaparecerá nos
capı́tulos 11 e 14.

v.1 “Naqueles dias surgiu João, o batizador, pregando nas regiões selvagens da Judéia”
O que Mateus chama de “naqueles dias”? A que ele se refere? ACinal houve um perı́odo
muito longo desde que aconteceu o ú ltimo evento relatado no livro. Se formos procurar no texto

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uma resposta, uma soluçã o viá vel é que Mateus esteja se referindo à passagem seguinte, a qual
relata o batismo de Jesus. Em outras palavras, o autor diz: “mais ou menos na é poca que Jesus se
batizou, surgiu Joã o” outra possibilidade é “pouco antes de Jesus se batizar, surgiu Joã o, o
batizador”. Tal construçã o se faz necessá ria porque ao relatar o retorno da famı́lia a terra de
Israel, o autor, atravé s de tempos verbais especı́Cicos, colocou a narrativa em um tempo muito
distante. Agora ele aproxima a narrativa, e ao nã o detalhar as datas e os momentos, ele acaba por
fazer algo que os cineastas chamam de fade-in, um modo suave de introduzir outra cena.
Dentro da literatura judaica encontramos essa maneira de apresentar acontecimentos
signiCicativos, de modo que o leitor se situasse em um cená rio já conhecido. Um exemplo é Ester
1.2: "naqueles dias, assentando-se o rei Assuero no trono do seu reino".

Uma questã o mais sutil envolvendo a expressã o “naqueles dias” se relaciona com a
mentalidade judaica tradicional, a qual acreditava que nos dias que antecediam a vinda do
Messias (a quem eles denominam Mashiac) o povo judeu voltaria ao Senhor e escutaria toda a sua
Lei. Vale notar també m que os estudiosos judeus chamam esse perı́odo de Ékev - “calcanhar” ou
“calcanhar do Messias” fazendo alusã o ao fato de quase poder tocá -lo.(11)

João, o batizador
Ἰωάννης ὁ βαπτιστὴς – Ioánnes hó baptistes (João, aquele que batiza) Em aramaico tzabe’a
(Hebrew tabal). As traduções em português não são muito felizes ao lidar com o texto, chamando o
personagem de João Batista. Tal lapso, levou muitos a pensarem que “Batista” era o sobrenome de
João, ao invés de compreender que se tratava de um apelido, ou complemento nominal, que ele
recebeu devido a sua atividade de pregação e ministério. É bem plausível pensar no nome real de
João como sendo: João Bar Zacarias. Uma vez que o termos Bar, significava “filho de” e Zacarias era
o nome de seu pai. Em aramaico o nome era Johanan (YHWH é gracioso) e em grego Ioánnes. Assim
como aconteceu com Jesus, cujo nome original era Jesus bar José (Jesus filho de José), o
complemento pelo qual eram tratado acabou sendo incorporado como parte do nome. Tecnicamente
não se trata de um adjetivo, mas sim de “simples aposto”. O professor Daniel Walace o explica da
seguinte maneira: “Um aposto, estritamente falando, é um substantivo, não um adjetivo. Logo, adje-
tivos ou particípios em uma segunda posição atributiva não são, geralmente, apostos, pois possuem
uma ênfase adjetiva.”

No caso de João, incorporou-se o sufixo Batizador, e no caso de Jesus, o Ungido (que em


grego se escreve Cristos). Ele era um sacerdote por parte de pai (cf. Lc 1.5-17). João é considerado
pelo próprio Jesus o último dos profetas do Antigo Testamento (Mt 11.9), sendo que não havia existido
profeta em Israel desde Malaquias em 430 a.C. Quando conectamos texto de Malaquias 4.5 “Eu vos
enviareis o profeta Elias, antes que venha o grande e temível dia do Senhor” com o as palavras do anjo
ao pai de João em Lc1.17 “irá adiante do Senhor no espírito e poder de Elias” fica mais fácil entender
a importância deste profeta. Mais uma vez se ressalta o caráter apocalíptico do personagem, pois
depois de quatro séculos, novamente a voz do Senhor se fazia ouvir em Israel. O texto paralelo no
evangelho de João 1.25 traz um detalhe que reforça a características profética de João Batista, o povo
daquela época esperava que o chamado ao batismo fosse feito apenas pelo Ungido, por Elias ou por
um profeta. Repare como havia uma hierarquia onde o ungido tinha preeminência, seguido por Elias e
em terceiro lugar outro profeta.


Onde ou o que eram as “regiões selvagens de Judéia”? Muitas versõ es traduzem o palavra
grega eremos por deserto, o que nã o é de todo errado; poré m é mais correto traduzir por região
selvagem. O motivo é que Mateus nã o descrevia regiõ es de dunas de areia ou pedras desoladas, e
sim as regiõ es nã o cultivadas entre as cidades. Mesmo porque Joã o batizava no rio Jordã o, sendo
prova suCiciente de que nã o era um deserto. A palavra eremos també m pode ser traduzida por
“lugares desolados” ou “abandonados”.

v.2 A mensagem usada na preparação do caminho “Ele dizia: arrependam-se, porque o


Reino dos céus está próximo!”
Existem dois temas teoló gicos muito importantes no clamor joanino, o primeiro é
soterioló gico “arrependam-se”, e o segundo escatoló gico “o Reino está pró ximo”. Alguns aCirmam

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que uma renovada obediê ncia a Torah seria o evento catalizador para a chegada do messias e o
encerramento dessa era de sofrimentos.(13)
A palavra grega Μετανοεῖτε - metanoeite - "arrepender-se", també m signiCica mudança
de mente ou atitude. Aqui parece que os dois signiCicados sã o igualmente vá lidos, uma vez que
Joã o propunha um arrependimento que exigia uma mudança de há bitos (ou mente). A
necessidade dessa mudança era imediata pois o Reino dos cé us estava chegando até aquelas
pessoas. O verbo “arrependam-se” está no imperativo, o que demonstra uma ordem direta. Este
tema é fundamental para a entrada no Reino, tanto que Jesus repetirá o ensino em Mt 4.17 “Daí em
diante Jesus começou a pregar: "Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo" e os discı́pulos sã o
enviado com a mesma mensagem em Mt 10.7 “Por onde forem, preguem esta mensagem: ‘O Reino dos
céus está próximo”.

O que signidica “o Reino dos céus” em Mateus?


A resposta para essa pergunta é suCiciente para ocupar um livro inteiro e mesmo assim
nã o poderı́amos dizer tudo. Essa expressã o está conectada com Dn 7, mais precisamente os
versı́culos 13 e 14, veja: “Na minha visão a noite, vi alguém semelhante a um 1ilho de um homem, vindo com
as nuvens dos céus. Ele se aproximou do ancião e foi conduzido a sua presença. A ele foram dados autoridade,
glória e reino; todos os povos, nações e homens de todas as as línguas o adoraram. Seu domínio é um domínio
eterno que não acabará, e seu reino jamais será destruído.” O leitor original esperava a chegada do reino
atravé s de algo grandioso, um evento universal, aCinal o “Reino dos Cé us” seria instaurado nã o
paciCicamente, e sim atravé s de julgamento, fogo e destruiçã o no esperado “Dia do Senhor”. Essa é
a razã o de tantos responderem ao apelo de Joã o; muitos desejam tã o somente fugir da irá
vindoura, nã o mudar de atitude. Veremos isso nos pró ximos versı́culos.

Ainda a respeito da mensagem de Joã o, precisamos falar a respeito do ponto mais


conhecido: o batismo. A pró pria idé ia de um batismo por imersã o nas á guas já existia antes, nã o
fora algo novo trazido por Joã o. O batismo em si nã o fazia parte do sistema religioso judeu, ainda
que fosse encontrado em outras religiõ es da antiguidade, por haviam certos banhos
puriCicadores, muitos relacionados com a pureza cerimonial e o serviço no templo. O livro de
Levı́tico mostra algumas referê ncias a essas limpezas rituais, como por exemplo os capı́tulo 15 e
16. Existem evidê ncias extra-bı́blicas de certo tipo de piscina onde os monges de Qumran
realizavam banhos puriCicadores diversos, e o Talmud apresenta uma divisã o inteira chamada
Taharot (limpezas).
Os Judeus batizavam os Gentios que se convertiam a religiã o dos israelitas. O processo
consistia em trê s etapas: (1) circuncisã o dos homens, (2) batismo por imersã o, na presença de
trê s testemunhas e (3) sacrifı́cio no templo(3). O que era revolucioná rio no batismo praticado por
Joã o é que ele batizava Judeus. Seria uma grande humilhaçã o para um Judeu se batizar assumindo
seus pecados e se assemelhando a um gentio, a quem eles tanto desprezavam. Ambró sio de
Milano, bispo do sé culo IV, fala de outros batismos que aconteciam naquela é poca:
“ Há muitos tipos de batismos, mas há um só batismo, clamou o Apóstolo (Ef 4.5). Por que? Existem os batismos
dos pagãos, mas não são batismos. São abluções , mas não podem ser batismos. Lava-se a carne, mas não se desfaz a culpa;
antes, contrai-se a culpa com essa ablução. Existiam os batismos dos judeus, alguns supér1luos, outros em 1igura. E essa
1igura nos é de proveito, pois é anunciadora da realidade”(4)

Batismo cristão X batismo de João Note que o batismo de João não é exatamente o
mesmo que realizamos hoje em dia. Nós batizamos, segundo ordem do próprio Jesus, em nome do
“Pai, do Filho e do Espírito Santo” Mt 28.19. João batizava para remissão dos pecados (de quem já
era judeu) e para o comprometimento com uma vida justa antecipando a chegada do Messias. Os
pecados em questão, descritos em Hebreus 6.1 como “arrependimento de obras mortas” se referia a
buscar uma justificação através da Torah. No livro dos Atos dos Apóstolos, no capítulo 19.1-5, vemos
Paulo chegando a Éfeso onde ele encontra um grupo de discípulos de João Batizador. Acompanhe o
texto: “Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo, atravessando as regiões altas, chegou a Éfeso. Ali encontrou
alguns discípulos e lhes perguntou: "Vocês receberam o Espírito Santo quando creram? " Eles responderam:
"Não, nem sequer ouvimos que existe o Espírito Santo"."Então, que batismo vocês receberam? ", perguntou
Paulo. "O batismo de João", responderam eles. Disse Paulo: "O batismo de João foi um batismo de
arrependimento. Ele dizia ao povo que cresse naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus". Ouvindo isso, eles

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foram batizados no nome do Senhor Jesus.”. Podemos perceber que havia uma nítida diferença entre os
dois batismos. O primeiro batismo, realizado pelo profeta João, não garantia a entrada no corpo de
Cristo, ou seja, a igreja. (Eis aqui uma evidência importante entre a diferença Igreja x Israel) Caso os
judeus não tivesse rejeitado a oferta do Reino, talvez o batismo joanino fosse suficiente; porém após a
nação não ter aceito o Messias, a única maneira de ser salvo é através do arrependimento, aliado a fé
em Jesus como seu Salvador. E isso tudo é evidenciado no batismo cristão.
.

Podemos ver novamente a esperança da chegada do Reino na oraçã o do Pai Nosso, Mt


6.10 “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”. Tal esperança nã o foi
introduzida por Jesus, e sim, representava o desejo de todo judeu piedoso. No Reino a vontade de
Deus se cumpriria na vida de seus cidadã os, e os judeus se consideravam os legı́timos herdeiros
desse reino eterno. Nã o seriam mais os romanos os governantes conquistadores, e sim o
SENHOR, o dono legı́timo daquela naçã o. Muito mais pode ser dito a respeito do Reino dos cé us,
poré m nã o sejamos precipitados; continuemos acompanhando o texto e outras informaçõ es
surgirã o. Lembre-se que este é o tema mais complexo do livro de Mateus, e ainda provoca
discussã o entre os teó logos mais sé rios da igreja.

O Dia do Senhor
Durante o período em que o Novo Testamento foi escrito havia um forte sentimento
escatológico por parte dos judeus, sentimento esse que foi assimilado pela Igreja. O termo grego
eschaton é utilizado para definir o pensamento o de estar vivendo nos final dos tempos. O livro de
Isaías traz diversas promessas de juízo contra os inimigos de Israel (o povo de Deus), sendo que o
capítulo 2 traz uma forte imagem do que acontecerá Is 2.11-12 “Os olhos do arrogante serão humilhados
e o orgulho dos homens será abatido; somente o Senhor será exaltado naquele dia. O Senhor tem um dia
reservado para todos os orgulhosos e altivos, para tudo o que é exaltado para que eles sejam humilhados”. Eis
uma forte promessa escatológica que todo judeus conhecia, desde o exílio para a Babilônia, o Dia do
Senhor. Esse tema é abundante nos profetas que se seguiram: Zc 14.7, Jl 2.1 Como dito
anteriormente, “o Dia do Senhor” estava conectado com a chegada “Reino dos céus” na terra.

Reino dos Céus X Reino de Deus


Uma nota textual, que reflete o público a quem Mateus escrevia, é o fato dele descrever a
oferta do Reino que está chegando como o “Reino dos Céus” enquanto Marcos e Lucas o denominam
de “reino de Deus”. A razão disso é que os Judeus se ofenderiam caso fosse usada a palavra “Deus”,
pois teria uma conotação do nome pessoal de Deus. Já os gentios, entendiam a palavra “Deus” como
uma simples descrição de divindade, não como algo pessoal.(5)

v.3 O cumprimento de Is 40.3 e Ml 3.1


Mateus apresenta Joã o como o cumprimento de uma profecia de Isaı́as, poré m aqui o
autor faz uma pequena mudança, uma sú til adaptaçã o. Como apó stolo e autor inspirado, lhe era
permitido faze-lo.
Veja o que diz Isaı́as: “Uma voz clama: No deserto preparem o caminho para o Senhor, façam no
deserto um caminho reto para o nosso Deus.” Aqui, uma voz diz para preparar o caminho no deserto.
Nã o se diz de onde vem a voz. Compare com o que diz Mateus: “ Voz do que clama no deserto:
Preparem o caminho do Senhor, façam veredas retas para ele.” O apó stolo diz que a voz vem do deserto e
apresenta uma ordem aos ouvintes: “endireitem os caminhos”. O texto de Isaı́as possivelmente se
refere a "trabalhadores da construçã o rodoviá ria" os quais foram convocados para preparar o
caminho no deserto para o retorno do Senhor como Seu povo, os exilados, retornaram a Judá do
cativeiro babilô nico em 537 a.C. Existe també m conexã o com o texto de Malaquias 3.1 “enviarei
meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim…”. O evangelista Lucas faz questã o de ir mais a
funda nesse aspecto estrutural do trabalho do arauto: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas

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veredas. Todo vale será aterrado, e nivelados todos os montes e outeiros; os caminhos tortuosos serão
reti1icados, e os escabrosos, aplanados” Lc 3.4-5

Novamente Mateus nos conecta com a esperança messiâ nica, pois os versı́culos
anteriores de Isaı́as sã o bem claros “Consolem, consolem o meu povo, diz o Deus de vocês. Encorajem a
Jerusalém e anunciem que ela já cumpriu o trabalho que lhe foi imposto, pagou por sua iniqüidade, e recebeu
da mão do Senhor em dobro por todos os seus pecados.” Is 40.1-2 Fica evidente que o autor mostra o
cumprimento das semanas de Daniel na apariçã o de Joã o, o batizador. Em outras palavras, o
tempo estava certo, o chamado estava certo e o arauto estava certo. Só restava o Rei surgir.
Dentro dessa mentalidade escatoló gica (cumprimento de profecias) que imperava no
momento em que os eventos relatados aconteceram, surgiu Joã o, clamando que o Cim havia
chegado. Havia chego o Dia do Senhor, e com isso ele provocou uma convulsã o religiosa em
Jerusalé m. Sua mensagem, apesar de poderosa e transformadora capaz de atrair judeus de todas
as partes, entretanto nã o era de todo iné dita ou ú nica; a maior prova disso é que o povo da é poca
recebeu a idé ia de maneira ortodoxa e muitos iam até ele para receber o batismo. Veja o texto de
Lv 16.30 "Porque, naquele dia, se fará expiação por vós, para puri1icar-vos; e sereis puri1icados de todos os
vossos pecados, perante o Senhor." Ainda que para aquela populaçã o, o batismo proposto por Joã o
fosse muito mais um ba'al t'shuvah que na religiã o judaica representava uma cerimô nia de
arrependimento apó s um perı́odo de vida em estilo nã o ortodoxo. Essa mensagem pertence a um
entendimento escatoló gico onde no Cinal dos dias viria o Messias e em seu Reino o Espı́rito Santo
seria derramado sobre todos. Essas prediçõ es estã o distribuı́das por todo o Antigo Testamento,
veja alguns exemplos:
• Ezequiel 11.19 “Darei a eles um coração não dividido e porei um novo espírito dentro deles;
retirarei o coração de pedra e lhes darei um coração de carne”.
• Ezequiel 36.27 “Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a
obedecerem 1ielmente as minhas leis”.
• Joel 2.28 “E, depois disso, derramarei o meu Espírito sobre todos os povos”
• Isaías 4.4-6 “Quando o Senhor tiver lavado a impureza das mulheres de Sião, e tiver limpado por
meio de um espírito de julgamento e de um espírito de fogo o sangue derramada em Jerusalém, o
Senhor criará sobre todo o monte Sião e sobre aqueles que se reunirem ali uma nuvem de dia e um
clarão de fogo a noite. A glória cobrirá tudo, e será sombra e abrigo para o calor do dia, refúgio e
esconderijo contra a tempestade e a chuva.”
Nos textos acima encontramos algumas (existem outras citaçõ es que poderiam ser
incluı́das nesta lista) das bases para o discurso que Joã o, o Batizador, irá realizar entre os
versı́culo 7-12.

Outra questã o fundamental e que muitas vezes passa desapercebida é que existe um
forte apelo a divindade de Jesus. No texto de Isaı́as o termo “o Senhor” é escrito com o tetragrama
sagrado “JHWH”, e Mateus o substitui pelo nome de Jesus. Para nó s nã o parece algo muito grande,
mas para os judeus tinha um peso teoló gico gigantesco. Lembre-se que esse é o objetivo do autor.

v.4 “Usava João vestes de pelos de camelo e um cinto de couro; a sua alimentação eram gafanhotos e
mel silvestre.” Descrição de João
Mateus nos apresenta Joã o com caracterı́sticas bastante similares a de Elias, um profeta
que pregou durante um momento muito crı́tico da religiã o judaica. Mais adiante, o pró prio Jesus
fará a mesma comparaçã o Mt 17.12-13. Suas roupas, seu há bitos alimentares, tudo o conectava ao
antigo profeta. Veja em 2 Rs1.8 "Ele vestia roupas de pêlos e usava um cinto de couro". O rei concluiu: "Era
o tesbita Elias". També m é um reClexo de Ml 4.5-6 "Vejam, eu enviarei a vocês o profeta Elias antes do
grande e terrível dia do Senhor. Ele fará com que os corações dos pais se voltem para seus 1ilhos, e os corações
dos 1ilhos para seus pais; do contrário eu virei e castigarei a terra com maldição.” Esta promessa fora feita
400 anos antes desses acontecimentos apontava para o inı́cio da restauraçã o de Israel.
Apó s Moisé s, o profeta Elias era o favorito de todo judeu piedoso; sendo que essa
preferê ncia existe até os dias de hoje. Tanto que dentre os curiosos costumes judaicos, existem
dois que sã o ligados a Elias: 1) seu nome é recitado ao Cinal de cada Havdalá , que marca o Cinal do
Shabat, pois segundo a tradiçã o de que o “dia do Senhor” poderia começar logo apó s a oraçã o e
seria precedido pelo profeta, 2) durante a celebraçã o do Pessach, a pá scoa judaica, uma cadeira
vazia é deixada na mesa exclusivamente para o profeta Elias, pois existe novamente uma grande
possibilidade dele voltar naquele momento.

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Os dois representavam um contraste entre o ideal divino e os costumes corrompidos dos
fariseus, dos saduceus e demais religiosos; ambos simbolizavam um modo de protesto duro e
direto. Joã o se alimentava de produtos silvestres e de itens que apenas os pobres ingeriam (Lv
11.21), ele se vestia como um nô made, ou seja, um habitante das regiõ es remotas. μεŒ λι αª γριον -
méli agrion. “vestes de pelos de camelo” Muito possivelmente se reCira a uma pesada capa feia com a
pele de camelo, a qual o protegeria das intempé ries do clima palestino, e era comum aos pastores
e outros trabalhadores braçais do campo. O alimento que traduzimos por "mel silvestre"
possivelmente nã o fosse mel de abelhas, mas sim um subproduto das Tâ maras maduras. A razã o
para isso é que nas regiõ es á ridas nã o existem abelhas, alé m de que na regiã o pró xima a Jericó ,
onde Joã o vivia, até hoje existem pequenos oá sis onde se cultivam tâ maras. Apó s elas serem
prensadas, muitas vezes escorre um lı́quido viscoso, e muito nutritivo, ao qual se denomina "mel
de tâ maras".
Tal atitude lembrava ao judeu de sua origem peregrina, de um tempo mais simples e
conectado a Deus. Um detalhe sutil é que a descriçã o de Mateus de que "As roupas de João eram
feitas de pêlos de camelo, e ele usava um cinto de couro na cintura" faz um contraste com o visual
rebuscado dos sacerdotes no templo, veja o texto de Ez 44.17 que explica como os sacerdotes no
templo futuro sã o proibidos de vestir lã "E será que, quando entrarem pelas portas do átrio interior,
usarão vestes de linho; não se porá lã sobre eles, quando servirem nas portas do átrio interior, dentro do
templo" Repare que nã o existia nenhuma profecia ou exigê ncia para que Joã o se vestisse daquela
maneira, por isso nos parece que era um modo do profeta mostrar sua indignaçã o com os
religiosos dominantes; seria uma espé cie de contracultura da é poca. Torna-se importante
perceber que outras pessoas també m haviam se revoltado contra o status quo do judaı́smo, e
muitos desses també m haviam se mudado para as regiõ es selvagens de Israel. Dentre esses
grupos, talvez os mais famosos sejam os Essê nios, cujos registros foram encontrados em Qumran.
Nã o podemos aCirmar que Joã o fazia parte integral de algum desses movimentos, mas podemos
perceber que o sentimento de indignaçã o já existia entre as parcelas mais religiosas daquela
sociedade. Mas algo tornava o Batizador algué m ú nico, apenas ele havia vindo no “espírito e no
poder de Elias” Se esse ponto de vista for vá lido, seu peso teoló gico é ainda maior, pois Joã o estaria
chamando os sacerdotes de “profetas de Baal” assim como Elias havia feito.

De tempos em tempos surgem alguns teó logos sugerindo que Joã o fosse algum tipo de
membro da comunidade dos Essê nios, isso se deve a razã o da doutrina da puriCicaçã o pela á gua e
pela vida semi-eremita nas regiõ es selvagens. Poré m uma diferença teoló gica fundamental existe,
Joã o oferecia o Reino dos Cé us a todos, enquanto os essê nios a restringia apenas aos adeptos da
seita.
EN certo que alguns dos discı́pulos de Joã o se mantiveram como uma seita distinta da
igreja durante um bom tempo, poré m ao que tudo indica, com uma visã o messiâ nica clara. Tanto
que At 19.1-7 relata o modo como eles prontamente abraçaram a fé e foram imediatamente
inseridos no Espı́rito Santo.

v.5-10 Falsos religiosos vem até João para serem batizados


O fato dos religiosos estarem vindo até Joã o e nã o Joã o estar indo atrá s deles, reforça
duas percepçõ es: 1) eles haviam aceitado o fato de que o Reino estava chegando, 2) que a ideia do
batismo de arrependimento nã o ofendia o senso religioso deles.
Para compreender corretamente o trecho que se inicia no versı́culo 5 e só termina no
versı́culo 12 é fundamental visualizar o local onde tais fatos ocorreram. Essa parte do estudo é
chamada de Hermenê utica, e é importante para nos revelar aspectos quotidianos da vida dos
personagens e sua percepçã o do mundo/tempo em que estavam inseridos.
O profeta escolhera um ponto estraté gico para sua pregaçã o pois, tanto a localizaçã o
perto de Salim quanto de Betâ nia se encontram ao longo de importantes encruzilhadas leste-
oeste que teriam transportado trá fego signiCicativo de autoridades religiosas, militares alé m de
pessoas comuns se dirigindo até a capital. O vau do outro lado de Jericó ligava Lı́vias, capital de
Peré ia, a Jerusalé m, capital da Judé ia.

Joã o estava em uma regiã o remota, pró ximo a um rio. Podemos imaginar que esse tipo de
regiã o, naquela é poca, nã o tinha caminhos pavimentados, e a beira do rio nã o possuı́a um deck
para as pessoas sentarem. També m nã o seria absurdo imaginar a localizaçã o do rio como sendo o
lugar mais baixo da regiã o; aCinal é por onde os rios correm. Joã o estava lá embaixo, talvez com os

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pé s tocando as á guas do rio, e ao olhar para a regiã o mais alta ele podia ver pessoas descendo das
cidades para encontrá -lo. Essas pessoas seguiam pequenas trilhas atravé s do mato, e assim como
acontece hoje, trilhas que nã o eram retas. Esses pequenos caminhos seguiam serpenteando
atravé s de rochas, á rvores e demais detalhes geográ Cicos. Ao ver os religiosos da é poca, pessoas
que representavam tudo o que Joã o combatia, se aproximando por aquelas trilhas, veio-lhe a
mente a imagem de cobras rastejando atravé s da vegetaçã o rasteira. Por isso ele os chama de
“raça de vı́boras” no versı́culo 7. Nã o era apenas um modo grosseiro de tratá -los, mas uma
representaçã o de tudo de ruim que eles simbolizavam.

Geração de serpentes
Existe outro motivo para João chamar os falsos religiosos de “raça de víboras”, acompanhe o
texto de Gn 3.15 “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este
lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar". O registro bíblico revela a fala de Deus contra a serpente
e descreve que haveria hostilidade entre os descendentes dela e os descendentes da mulher. João
interpreta esse texto ao chamar os Fariseus e Saduceus de “geração de víboras” ou seja, filhos de
Satanás. É importante compreender que na linguagem arcaica o termo “geração” simbolizava
descendência, ou seja, ser da mesma família, ao contrário de nosso uso contemporâneo com o
sentido “de uma época específica”. Hoje costumamos falar da “geração da 2º guerra” ou da “geração
dos anos 70”, mas no texto bíblico não é essa a aplicação correta.

Jesus fará o mesmo em Mt 12.34 e Mt 23.33 Compreendendo essa conexão, podemos


perceber uma dramaticidade imensa na declaração de João, o batizador.

Continue com essa imagem em mente, pois ela é a chave para compreender o que vem a
seguir nos versı́culos 11 e 12. Nesses versı́culos Joã o expande um pouco mais a Cigura de
linguagem, agora representando um campo de grã os. Mais precisamente um campo de trigo.
Para nó s, cidadã os urbanos do sé culo XXI, é pouco evidente o que Joã o está dizendo,
entretanto, para quem vive em regiõ es rurais nã o é . Uma das plantaçõ es que mais atraem cobras
é a cultura de grã os; isso se deve ao fato de haver muita fartura de alimento, lugar para se
esconder e um clima propı́cio. Calma, nã o estou dizendo que as cobras comem os grã os, mas elas
se alimentavam do principal consumidor dos grã os, os ratos. No caso de Mateus, ele descreve a
cultura do trigo, onde ao Cinal da colheita, para se livrar da palha e desse indesejá veis animais, o
agricultor colocava fogo no campo. Assim ele matava uma grande quantidade de pragas,
espantava outras e limpava o lixo (palha) que a colheita gerou.

Veja que Joã o descreve todas essas etapas:


• Mt 3.7 “quem os orientou a fugir da ira vindoura” aqui ele fala do fogo que será ateado no
campo.
• Mt 3.12 “ele traz a pá em sua mão e limpará a sua eira” o agricultor vai limpar o campo.
• Mt 3.12 “ele juntará o trigo e queimará a palha” os valiosos grã os sã o guardado e o restante é
queimado em um fogo eterno.

Compreendendo esse ponto geográ Cico/cultural é muito mais fá cil aprender os ensinos
de Joã o, registrados por Mateus. Podemos entender claramente que o “fogo” na passagem
representa a ira de Deus e nã o alguma forma especial da presença do Espı́rito Santo.
Agora temos condiçã o de voltar ao estudo do texto. Obrigado pelo seu esforço em
acompanhar essa longa explicaçã o.

v.5 De onde vinham as pessoas?


Mateus nos descreve trê s grupos de pessoas que vinham até Joã o:
1. Aqueles vindos de Jerusalém, representando a elite do povo que tinha mais
proximidade com os ensinos religiosos e com o templo.
2. Aqueles vindos de toda a Judéia, e que possuı́am um grau de instruçã o religiosa
intermediá rio.

69
3. Aqueles vindos de toda a região do Jordão, esse grupo composto de pessoas mais
humildes e iletradas. Possivelmente com estrangeiros em seu meio e pessoas com outras
religiõ es.

v.6-12 O que acontecia no rio Jordão


As pessoas confessavam seus pecados e eram batizadas (Mt 3.6)
Ao ver os religiosos, fariseus e saduceus, se aproximando, Joã o se enfureceu, uma vez que
aquelas pessoas se consideravam donas da religiã o e superiores aos demais. Um ponto
importante é que os dois grupos religiosos nã o costumavam se misturar, e aqui vemos ambos
vindo até o Batizador. O teó logo Merrill Tenney descreve os fariseus como os puritanos de seu
tempo; isso no sentido de se considerarem mais “separados do que os demais.(6) Esse orgulho é
reCletido em At 23.6, onde Paulo conta do orgulho que, no passado, sentia por ser um deles:
“Irmãos, sou fariseu, 1ilho de fariseu.” Enquanto os fariseus, descendentes de Zadok o sumo-sacerdote
nos dias de Salomã o, eram corporativistas, alicerçados em seu trabalho no templo para tentar
justiCicar alguma preeminê ncia religiosa, o restante da populaçã o era direta, ou indiretamente,
considerados como inferiores no quesito religioso.
v.8 O Batizador brada: “produzam fruto que mostre arrependimento!” (Mt 3.8), aCinal é disso
que se trata o meu batismo (Mt 3.11a) Era esperado uma demonstraçã o pú blica da mudança, e
nã o apenas interna; por isso Joã o clamava: “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” O verbo
grego ποιηŒ σατε - poiesate - se encontra no aoristo, ativo, imperativo o que reClete uma ordem
rı́spida, e pode ser traduzido por “façam” ou “produzam de modo ativo”. Assim era esperado um
envolvimento ı́ntimo do candidato ao batismo e sua verdadeira mudança de atitude.
v.9 "Não pensem que vocês podem dizer a si mesmos: ‘Abraão é nosso pai'" Nesse ponto Mateus
apresenta uma reviravolta teoló gica para o povo judeu, nã o bastava ter nascido judeu, era
necessá rio se arrepender de seus pecados, para entrar no Reino dos Cé us. Uau! Para um judeu
essa passagem era dinamite pura já que o maior orgulho do judeu e ser Cilho de Abraã o. Joã o
aCirma enfaticamente que isso nã o valia nada, pois até das pedras Deus geraria Cilhos a Abraã o
(Mt 3.9). Lembre-se que Israel era uma terra ocupada por um exé rcito conquistador, e que o povo
judeu era desprezado por nã o assumir a cultura greco-romana, nem a cidadania romana; sendo
que nem no exé rcito eles podiam entrar, alé m de pagarem pesados impostos. Ter a cidadania
romana era tã o importante que o apó stolo Paulo, sendo cidadã o romano nã o foi açoitado quando
preso em At 22.25-29 “Enquanto o amarravam a 1im de açoitá-lo, Paulo disse ao centurião que ali estava:
"Vocês têm o direito de açoitar um cidadão romano sem que ele tenha sido condenado? " Ao ouvir isso, o
centurião foi prevenir o comandante: "Que vais fazer? Este homem é cidadão romano". O comandante dirigiu-
se a Paulo e perguntou: "Diga-me, você é cidadão romano? " Ele respondeu: "Sim, sou". Então o comandante
disse: "Eu precisei pagar um elevado preço por minha cidadania". Respondeu Paulo: "Eu a tenho por direito de
nascimento". Os que iam interrogá-lo retiraram-se imediatamente. O próprio comandante 1icou alarmado, ao
saber que havia prendido um cidadão romano.” Alé m disso, em At 25 ele apela para ser julgado pelo
pró prio imperador, e por isso é levado preso até Roma. Todos esses direitos lhe eram concedidos
nã o por ser apó stolo, mas por ser cidadã o romano. Já os judeus eram desprezados e rejeitados
por terem costumes pró prios, lhes era permitido apenas regulamentar assuntos religiosos. Assim
um dos poucos orgulhos que aquelas pessoas podiam ter era serem descendentes diretos de
Abraã o. E de um momento para o outro aparece Joã o colocando abaixo o ú ltimo baluarte de
dignidade judaica.
Certamente essa é a passagem mais forte e controversa do livro, ao menos até o batismo
de Jesus, pois na mentalidade daquele povo havia o conceito de salvaçã o corporativista, onde
bastava ter nascido do povo da aliança para ser salvo. Ou como disse Edersheim, A: "Eles
imaginavam que, de acordo com a noção comum na época, a ira seria derramada apenas sobre os gentios,
enquanto eles, como 1ilhos de Abraão, certamente iriam escapar - nas palavras do Talmud, aquela "noite" (ref.
a Is 21.12) era "apenas para as nações do mundo"" (12) De repente surge um pregador independente,
sem vı́nculo com o templo (saduceus) nem com os interpretes da lei (fariseus e escribas) e
propõ e um termo muito mais duro para aqueles que almejam o Reino.
Joã o aCirma que apenas uma mudança interna seria capaz de levá -los ao reino do
Messias. Claro que acreditamos em um ú nico modo para a salvaçã o e é claro que qualquer
sugestã o diferente seria bastante estranha a hermenê utica bı́blica, mas ainda assim devemos ser
honestos e compreender o que o texto nos fala. EN usual explicarmos que a salvaçã o no Antigo
Testamento també m se dava pela fé , poré m o conceito cristã o nã o é exatamente o mesmo que
aqueles homens tinham. A fé salvı́Cica deles focava no SENHOR que se revelou a Abraã o, o mesmo

70
que os tirou do Egito e entregou a Lei no Sinai. Os santos do AT nã o compreendiam a revelaçã o
futura de Jesus, mas crendo no SENHOR buscavam a ele praticando a Lei mosaica. Como era
impossı́vel cumprir a Lei plenamente e mesmo se fosse, isso nã o seria suCiciente para justiCicá -los
diante de Deus, restava crer Deus, de acordo com seu amor Ciel, o hesed ‫( חֶסֶד‬ḥě·sěḏ), os salvaria.
"destas pedras Deus pode fazer surgir :ilhos a Abraão." Alé m da compreensã o que a leitura
natural do texto nos apresenta, existe um detalhe textual que poucas vezes é percebido. No
aramaico/hebraico existe um trocadilho nesta frase; ele se baseia em banin (Cilhos) e abanim
pedras. EN importante considerar esse jogo de palavras, pois no capı́tulo 16 o Mestre fará
novamente uso de uma analogia envolvendo pedras, e assim podemos imaginar que tal analogia
fosse de uso comum naquela comunidade.

Antes de João, o batizador Depois de João, o batizador



Não salvos = gentios Não salvos = gentios e judeus
nã o arrependidos

SALVOS SALVOS

Todo o Israel Judeus convertidos

Hoje temos uma visã o ainda mais completa do quadro da salvaçã o. Veja a ilustraçã o
criada pelo Pr.Thomas Tronco:

71
v.10 Joã o utiliza outra metá fora da vida agrı́cola, dessa vez dizendo: “ e toda árvore que não
der bom fruto será cortada e lançada ao fogo.” Para um correto entendimento dessa passagem é
necessá rio compreender o local onde ela foi proferida. Lembre-se que Israel é uma terra com
limitaçã o de á gua, ainda que no primeiro sé culo tivesse mais vegetaçã o que hoje em dia. Ainda
assim para aquele povo as á reas cultivá veis eram limitadas e por isso devia-se escolher muito
bem o que plantar. Por isso uma á rvore que nã o dava frutos era um desperdı́cio de terreno, á gua e
tempo para o agricultor. Jesus ensinará a mesma coisa em Mt 21.19, na passagem da Cigueira sem
frutos. Aqui també m ecoa a passagem de Ml 4.1: "Pois certamente vem o dia, ardente como uma
fornalha. Todos os arrogantes e todos os malfeitores serão como palha, e aquele dia, que está chegando, ateará
fogo neles", diz o Senhor dos Exércitos. "Nem raiz nem galho algum sobrará.”

Ilustraçã o mostrando como as raı́zes eram arrancadas naquela é poca. Retirado de


Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary 11º edição

João e Malaquias, uma conexão muito próxima


Como vista acima, uma boa parte da mensagem de João está fundamentado no livro do
profeta Malaquias. Veja as referências:

• O mensageiro João foi enviado a frente de nosso Senhor, para preparar seu caminho, sendo
uma referência a ML 3.1

• A ira vindoura A visão do fogo que queima a palha e das raízes sendo arrancadas que João
apresenta, tem origem em Ml 4.1

Mais uma vez Joã o proferia palavras durı́ssimas contra aqueles que representavam a elite
espiritual da Israel, os Fariseus e Saduceus. Estes que se consideravam os alicerces da fé judaica,
foram chamados pelo Batizador de “á rvores inú teis”. Podemos conhecer mais do orgulho dos
fariseus atravé s do exemplo do apó stolo Paulo, o qual antes de sua conversã o, se orgulhava de ser
“fariseu, Cilho de fariseu” At 23.6 Veja també m Filipenses 3.6 “quanto ao zelo, perseguidor da igreja;
quanto à justiça que há na lei, irrepreensível.”
v.11 Nos versı́culos 11 e 12 Joã o continuou seu discurso contundente e voraz, poré m
revela o que aconteceria a seguir. Dizia ele: “Eu os batizo com água para arrependimento. Mas depois de
mim vem alguém mais poderoso do que eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas sandálias” Para
enfatizar a grandeza daquele que estava por vir, Joã o se rebaixa a posiçã o mais humilhante da
sociedade daqueles dias; ele se compara ao escravo que lavava os pé s dos visitantes. Apenas o
escravo mais inú til e indesejado da casa realizava tal tarefa. E Joã o vai mais alé m, dizendo que ele
pró prio, nem era digno desse serviço, diante da grandeza daquele que viria. Talvez essa fosse a
posiçã o da criada do sumo-sacerdote que se dirigiu a Pedro durante o julgamento religioso de
Jesus (Mt 26.69) Eis um exemplo par todo aquele que se diz discı́pulos de Jesus, o Cristo.
“Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo.” Joã o utiliza novamente uma Cigura agrı́cola,
um retrato do Cinal da colheita do trigo, onde o grã o começava a ser processado, sendo separado
da palha. Um erro comum cometido pelos irmã o pentecostais é entender a palavra βαπτιŒσει -
baptísei como "derramar" e nã o como "introduzir em" ou "imergir dentro de". Pode parecer
pouco a diferença, mas toda a doutrina do batismo de fogo é erroneamente baseada neste tipo de
falha gramatical. Veja como voltaremos a esse tema no versı́culo seguinte.

v.12 "A sua pá, ele a tem na mão" A descriçã o do dono da plantaçã o vendo com a sua "pá " na
mã o, revela a urgê ncia dos eventos a seguir. Mediante essa construçã o, Joã o, deseja adicionar
dramaticidade a sua discurso, o que revela uma forte habilidade orató ria da parte dele.

72
A palavra grega πτυŒ ον - ptyon, pode ser
melhor traduzida como "instrumento de
peneirar" do que como "pá ". O complicador com
essa opçã o é que ela pode ser aplicada a dois
instrumentos distintos utilizado na separaçã o
da palha, o primeiro com um formato de garfo
(utilizado na etapa inicial do processo) e o
segundo parecido com um cesto empregado na
parte Cinal do processo. Apesar desse
desdobramento, nos parece muito melhor usar a
palavra adequada, e posteriormente trazer uma
elucidaçã o didá tica, do que simplesmente
chamar de "pá " e seguir adiante. A imagem ao
lado ilustra bem a questã o.
"e limpará completamente a sua eira" Algo
inusitado na Cigura proposta é o fato do proprietá rio estar a frente de todo o trabalho realizado,
nã o apenas supervisionando, mas liderando ele mesmo a açã o.
"recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível." O dono da eira irá
batizar (introduzir) no Espı́rito Santo e també m no fogo, sendo que o trigo seria colocado no
celeiro (batizado no o Espı́rito Santo) e a palha seria queimada (batizada no fogo). ει†ς τη„ ν
α† ποθηŒ κην - eis ten apotheken - "Dentro do celeiro" aqui está a conclusã o do que falá vamos sobre
batizar, como "introduzir" ou "mergulhar" iniciada no versı́culo 11. O idioma grego se assemelha
ao nosso nessa construçã o sintá tica, sendo que o sentido é de colocar o trigo dentro de algo nã o o
contrá rio. Da mesma forma a palha, pois ela será "introduzida no fogo" e nã o o fogo "introduzido"
nela.

Trigo Palha

Baptizo = introduzir
Celeiro Fogo

Fica bem claro que havia apenas duas possibilidades para aqueles ouvintes, nã o havia
meio termo; era entrar no Espı́rito ou cair no fogo. Assim a doaçã o do Espı́rito representaria um
sinal de propriedade ou uma garantia de que aquela parte da colheita pertencia ao Senhor. A
pró pria Cigura de um “sinal” divino nã o era de toda nova para os ouvintes judeus, o mesmo havia
acontecido com Caim apó s ele ser expulso da presença de Deus. ConCira Gn 4.14-15 “Hoje me
expulsas desta terra, e terei que me esconder da tua face; serei um fugitivo errante pelo mundo, e qualquer que
me encontrar me matará". Mas o Senhor lhe respondeu: "Não será assim; se alguém matar Caim, sofrerá sete
vezes a vingança". E o Senhor colocou em Caim um sinal, para que ninguém que viesse a encontrá-lo o
matasse.”
O batismo com o Espı́rito Santo fazia referê ncia a Joel 2-28-29 "E, depois disso, derramarei
do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus 1ilhos e as suas 1ilhas profetizarão, os velhos terão sonhos, os
jovens terão visões. Até sobre os servos e as servas derramarei do meu Espírito naqueles dias.” Já o batismo
com fogo, fazia referê ncia a Ml 3.2-5: “Mas quem suportará o dia da sua vinda? Quem 1icará de pé quando
ele aparecer? Porque ele será como o fogo do ourives e como o sabão do lavadeiro. Ele se sentará como um
re1inador e puri1icador de prata; puri1icará os levitas e os re1inará como ouro e prata. Assim trarão ao Senhor
ofertas com justiça. Então as ofertas de Judá e de Jerusalém serão agradáveis ao Senhor, como nos dias
passados, como nos tempos antigos. "Eu virei a vocês trazendo juízo. Sem demora vou testemunhar contra os
feiticeiros, contra os adúlteros, contra os que juram falsamente e contra aqueles que exploram os
trabalhadores em seus salários, que oprimem os órfãos e as viúvas e privam os estrangeiros dos seus direitos, e
não têm respeito por mim", diz o Senhor dos Exércitos.” Devemos compreender que ambas as referê ncias

73
possuem implicaçõ es diferentes, uma de bençã o e outra de juı́zo divino, por isso os textos nã o
podemos ser utilizados sem crité rio ou sem respeitar a intençã o do autor original. O apó stolo
Pedro reClete sobre o mesmo texto de Joel em seu discurso no dia de Pentecostes, sendo que ele
faz uma pequena adaptaçã o dizendo: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu
Espírito sobre todas as pessoas…” (At 2.17) Pedro vê o cumprimento de Joel e també m do Joã o Batista
havia falado, no momento em que o Espı́rito foi derramado sobre a Igreja como um todo; mas o
apó stolo de maneira alguma faz mençã o ao fogo do juı́zo. Essa fato reforça a idé ia de serem dois
eventos diversos, destinados a dois grupos distinto de indivı́duos.
Apesar de simples e objetiva, essa ú ltima passagem tem sido mal interpretada em nossos
dias. Por falta de uma analise dos versı́culos anteriores e posteriores, muito entendem errado os
dois batismos propostos. Alguns chegam a defender que o batismo com fogo é uma espé cie de
superbatismo com o Espı́rito Santo. O texto deixa muito claro que sã o dois batismos distintos,
uma para os que irã o para o celeiro e o outro para os que serã o condenados eternamente. Como
poderia um dono de eira colher e processar todo seu trigo e posteriormente colocar fogo em
tudo?(7) Os irmã os que pretendem utilizar esse texto para defender a doutrina pentecostal devem
rever seus conceitos e se submeterem ao ensino bı́blico, abdicando de concepçõ es pessoais. EN
muito claro que o “fogo” nesse trecho signiCica juı́zo e condenaçã o. Nã o há dú vida de que 'fogo' é
um sı́mbolo de julgamento e de ira. EN amplamente utilizado no Antigo Testamento e na literatura
intertestamentá ria.(17)

Duas vozes que clamam


.

É interessante notar que o texto nos fala de duas vozes que clamam.

A primeira é João que clama no deserto: Arrependam-se! É chegado o Reino dos Céus.
Quem não se arrependesse seria impedido de entrar no reino do Messias.

A segunda voz a clamar é a do próprio Deus, que confirma o que João já havia dito a
respeito de Jesus, que ele não precisava se arrepender de nada. O Senhor todo-poderoso
atesta a respeito de seu filho: “Este é meu filho amada, em que me agrado.” Ou seja, Deus já
se agradava plenamente de Jesus, mesmo antes dele passar pelo rito do batismo joanino.

De maneira sutil, ao equiparar os dois autores do clamor (Deus e João) o autor atribui um
ar de autoridade divina a mensagem joanina; afinal, quem fala no mesmo tom do Senhor
presumisse que tenha o mesmo grau de importância.

Distâ ncia entre Nazaré e o vale do Rio Jordã o pró ximo a Jericó .

74
v.13-17 O batismo de Jesus
O primeiro grupo, composto pelos fariseus e Saduceus, nã o era digno de ser batizado,
entã o aparece Jesus que nã o precisava ser batizado; eis o paralelismo hebreu que é uma das
marcas literá rias que Mateus utiliza durante todo o seu relato. Contrastando com a forte
condenaçã o dos versı́culos anteriores, somos apresentados a uma realidade mais elevada, diz o
texto: “Então Jesus veio da Galiléia ao Jordão para ser batizado por João.” Como você pode ver no mapa
acima, a distâ ncia entre a cidade de Nazaré e o vale do Jordã o é de aproximadamente 128km o
que demandaria cerca de 26 horas continuas de caminhada. Seria impossı́vel percorrer todo este
caminho em apenas um dia, por isso é muito natural que Jesus, e os demais viajantes,
acampassem por uma noite antes de alcançarem seu destino.
Ao descrever os acontecimentos a seguir, o monge Remı́gius, ainda no sé culo VIII, fez
uma descriçã o muito condizente com os aspectos corporativos atuais: "Nestes versos está contida
pessoa, local, horário e cargo."(14)

v.13 "Então, dirigiu-se Jesus da Galiléia para o Jordão, a 1im de que João o batizasse." O texto grego
é muito interessante em sua estrutura original, acompanhe “ΤοŒ τε παραγιŒνεται ο¡ ΙŸησοῦ ς α† πο„ τῆ ς
ΓαλιλαιŒας ε† πι„ το„ ν ΙŸορδαŒ νην προ„ ς το„ ν ΙŸωαŒ ννην τοῦ βαπτισθῆ ναι υ¡ πʼ αυ† τοῦ ” (Toté paraginetai hó Iesous apó
tes Galilaias epi ton Iordanen pros ton Ioannen tou baptistenai hipe autou) A palavra traduzida por
“entã o” no original grego é “tóte” o que passa uma idé ia de continuidade; assim podemos
entender que Jesus veio ao Jordã o apó s o ú ltimo discurso de Joã o. Mas alé m disso percebemos
que Mateus continua a acelerar o ritmo de seu discurso, por essa razã o creio ser fundamental
respeitar o tempo verbal de παραγιŒνεται pois o autor utliza o tempo presente, mé dio-passivo, no
indicativo; o que traz o relato para o momento atual. A traduçã o mais adequada, e que nã o se
encontra nas traduçõ es para o portuguê s é : “Então vem Jesus …” Outro ponto a ser observado é
como o autor vai aproximando o foco dos acontecimentos atravé s da descriçã o da viagem de
Jesus, veja a progressã o: da Galilé ia (distante) para o Jordã o (pró ximo) direto para Joã o (o autor
principal da passagem).
Completa-se a imagem do “arauto” algué m que ia correndo a frente do rei, dizendo para
todos se prepararem. A lı́ngua inglesa tem uma traduçã o muito boa para o trabalho de Joã o
“forerunner” aquele que corre adiante. Veja Ml 3.1: "Vejam, eu enviarei o meu mensageiro, que
preparará o caminho diante de mim. E então, de repente, o Senhor que vocês buscam virá para o seu templo; o
mensageiro da aliança, aquele que vocês desejam, virá", diz o Senhor dos Exércitos.”
Outra questã o importante para o “entã o” é que essa passagem encerra um hiato de cerca
de 30 anos nos quais Jesus esteve em Nazaré . ACinal desde seu retorno do Egito, nã o havı́amos
sido informados de mais nada a respeito da vida de Jesus. Talvez você se pergunte por que os
leitores originais nã o se incomodavam com a falta de informaçõ es a respeito de tantos anos da
vida de nosso Salvador; mas existe uma explicaçã o bem simples. Veja como é relatada a histó ria
de outro libertador judeu, chamado Moisé s Ex 2.11 : “Certo dia, sendo Moisés já adulto, foi ao lugar
onde estavam os seus irmãos hebreus e descobriu como era pesado o trabalho que realizavam.” Nesse
pequeno trecho o autor bı́blico engloba um perı́odo de quase 40 anos da vida de Moisé s. O que
realmente interessava para aquelas pessoas eram os momentos mais importantes dos relatos e
nã o pequenos detalhes. Isso acontecia nã o por causa de preguiça ou desleixo, mas sim porque
quase a totalidade do conhecimento era guardada na memó ria e nã o em papel (e hoje em dia
computadores). Lembre-se que poucos possuı́am livros, e que os mesmos eram escritos a mã o (o
que encarecia muito seu processo de produçã o); alé m disso grande parte da populaçã o era
analfabeta.
"dirigiu-se Jesus da Galiléia para o Jordão, a 1im de que João o batizasse." A natureza do servo
humilde é evidenciada no fato de Jesus ter feito uma longa viagem até Joã o, e nã o Joã o ter ido até
ele.
Atravé s do batismo, Mateus reintroduz o personagem principal do livro, Jesus, agora um
homem e nã o mais uma criança; e també m marca o local e o conteú do de seu ministé rio
messiâ nico. O bispo e teó logo anglicano J.C.Ryle, em seu livro Expository Thoughts on Matthew, e
baseado em tradiçõ es talmú dicas, fez a seguinte observaçã o sobre o batismo do Senhor:

"Quando os sacerdotes judeus assumiram seu cargo aos trinta anos, eles eram lavados com água.
Quando nosso grande Sumo Sacerdote começa a grande obra que Ele veio ao mundo para realizar, Ele é
batizado publicamente."(15)

75
Um Messias sofredor, uma idéia difícil de compreender
Como podia o grande rei Ungido ser um humilde cumpridor da lei, ou como poderia Deus
encarnado sofrer na cruz e morrer? Os judeus tinham ideias diferentes sobre como seria o Messias,
alguns esperavam um rei-general ao estilo de Davi, outros ansiavam por um sumo-sacerdote
milagroso que fosse uma mistura de Moisés com Elias; mas ninguém esperava que o Messias
assumisse a forma de um frágil servo, filho de carpinteiro e oriundo de Nazaré. São ideias difíceis para
nós, assim como eram para os leitores originais. E pelo texto percebemos que pessoas próximas a
Jesus também não compreendiam a ideia do Escolhido para libertar Israel ser simples, humilde e
humano, no sentido emocional da palavra, no sentido físico e espiritual. O profeta Isaías também trata
do mesmo tema, principalmente entre os capítulos 40-55. O professor Richard Mayhue reforça a
questão dizendo: “Baseado no que eles sabiam do material profético do A.T., a comunidade judaica do primeiro
século não estava esperando pelo primeiro advento de Cristo como o apresentado no evangelhos”

Em Mt 3.14 João, o batizador e primo de Jesus, não compreendia a totalidade de sua missão
e por isso tentou dissuadi-lo: “João, porém, tentou impedi-lo, dizendo: "Eu preciso ser batizado por ti, e tu
vens a mim?" Mas não foi apenas João que pensou assim, Pedro disse algo parecido alguns anos mais
tarde, quando Jesus falou de sua morte: Então Pedro, chamando-o à parte, começou a repreendê-lo,
dizendo: "Nunca, Senhor! Isso nunca te acontecerá!" Jesus virou-se e disse a Pedro: "Para trás de mim, Satanás!
Você é uma pedra de tropeço para mim, e não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens".
.

v.14 "Ele, porém, o dissuadia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?" A
surpresa de Joã o se revela em sua fala: "Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?" ACinal o
objetivo do batismo de Joã o era para o arrependimento dos pecados e Jesus nã o tinha nenhum.
Aqui encontramos uma informaçã o implı́cita, Joã o conhecia a vida de Jesus; aCinal de que outra
forma ele saberia que Jesus nã o tinha do que se arrepender?
Mateus insere um ensinamento fundamental a respeito de Jesus, mostrando sua
obediê ncia e humilhaçã o ao se deixar batizar por Joã o: "Deixe assim por enquanto; convém que assim
façamos, para cumprir toda a justiça". Jesus nã o estava aqui para reclamar o trono de Davi e sim para
cumprir toda a lei. També m existem outros pontos a serem percebidos no batismo de Cristo:
1. Um exemplo para seus seguidores. Mt 28.19 “Portanto, indo vocês, façam discípulos de todas as
nações, batizando-os…”
2. IdentiCicaçã o com as necessidades dos crentes. Mt 1.21 “… e você lhe dará o nome de Jesus,
porque ele salvará o seu povo de seus pecados.”
3. Uma amostra do que aconteceria com Ele, sua morte, sepultamento e ressurreiçã o. Rm
6.4 “Portanto, fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a 1im de que, assim como
Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova.”
Veja també m Cl 2.12 “Isso aconteceu quando vocês foram sepultados com ele no batismo, e com ele
foram ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos.”
4. A comprovaçã o, via Joã o, de que ele nã o possuı́a falha alguma

Mateus apresenta uma ı́ntima ligaçã o entre a obra de Jesus e o trabalho da Igreja. De uma
forma ou de outra, a igreja é a continuaçã o, e també m a ampliaçã o, do ministé rio terreno de
Cristo. Veja as semelhanças:
• Envio O Pai o enviou e Jesus nos enviou ao mundo. Jo 20.21
• Batismo Jesus foi batizado e nos envia a batizar. Mt 28.19
• Presença Ele sempre está conosco Mt 28.20 e a igreja apresenta (e representa)
Cristo vivo ao mundo. Mt 5.14

v.15 "Então, ele o admitiu" A admissã o ou rejeiçã o dos candidatos ao batismo estava a cargo
do profeta Joã o, por isso foi importante para Mateus registrar a aceitaçã o formal por parte dele.
Isso apresenta um contraste entre a elite religiosa vinda de Jerusalé m, a qual fora rejeitada pelo
profeta, e por Jesus, de Nazaré , que até aquele momento era um completo desconhecido.
v.16 Imediatamente apó s ser batizado Jesus sai da á gua e algo surpreendente acontece:
“Naquele momento os céus se abriram, e ele viu o Espírito de Deus descendo como pomba e pousando sobre

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ele. Então uma voz dos céus disse: "Este é o meu Filho amado, em quem me agrado" Sendo essa uma citaçã o
clara de Is 42.1 “Eis o meu servo, a quem sustento, o meu escolhido, em quem tenho prazer. Porei nele o meu
Espírito, e ele trará justiça às nações” onde Deus atesta diante da humanidade que Jesus de Nazaré é o
servo em quem ele se agrada. Nunca nos esqueçamos do objetivo de Mateus que é aCirmar que
Jesus de Nazaré é o Messias esperado por Israel. A visã o do cé u se abrindo nos remete
diretamente a Ez 1.1 "Abriram-se os céus, e eu tive visões de Deus.” E todo judeu sabia que Ezequiel
representava restauraçã o do Israel e o reino do Messias.

"e eis que se [lhe] abriram os céus" Uma questã o textual importa acontece aqui, uma vez que
alguns manuscritos nã o conté m a palavra αυ† τοŒ ς - autós - que signiCica "para ele". Por essa razã o o
texto grego do NA28 insere a palavra entre colchetes. Pode ser uma adiçã o posterior cujo intuito
fosse harmoniza-la com a frase seguinte que aCirma que "ele" viu o Espı́rito Santo descendo. Toda
essa complicaçã o reside no fato do cé u ter se abrindo apenas para Jesus (e apenas ele ter visto a
descida do Espı́rito) ou se todos os presentes presenciaram a cena.

"e ele viu o Espírito de Deus descendo como pomba e pousando sobre ele" Dentro do escopo de
Mateus é importante frisarmos o fato do πνεῦ μα θεοῦ - pneuma theou - descer sobre ele, pois isso
nos conecta com a unçã o de Davi descrita em 1Sm 16.13 "e, daquele dia em diante, o Espírito do Senhor
se apossou de Davi".
A Cigura da pomba é deveras signiCicativa, veja o porque. Cada escritor utiliza um certo
conjunto de palavras e expressõ es comum em seus trabalhos, sendo o idou talvez o termo mais
reconhecı́vel de Mateus. O mesmo serve para as Ciguras de linguagem, assim quando Mateus
descreve a descida do Espı́rito “como uma pomba” ele deseja informar que o “Espı́rito”, o qual por
deCiniçã o nã o possui um corpo, pousou sobre Jesus de maneira semelhante ao pouso de uma
pomba. Os evangelistas Marcos, Lucas e Joã o fazem o uso da mesma Cigura da pomba para
representar a descida do Espı́rito. E nã o poderia ser diferente, pois existe uma certa coerê ncia na
linguagem utilizada. A incoerê ncia surge na tentativa de alguns irmã o justiCicarem um pseudo-
batismo no Espı́rito Santo com fogo, o que iria contra o testemunho dos quatro evangelistas e
principalmente contra a Cigura de linguagem utilizada em Mt 3.12. Volte uma pá gina e lei a
explicaçã o sobre a Cigura do “batizar com fogo” conforme aplicada por Mateus. Veja como o “fogo"
na linguagem mateana signiCica condenaçã o e sofrimento, nunca a presença consoladora de Deus.
Nosso autor deseja transmitir a ideia de um movimento pacı́Cico e gracioso na descida do
Espı́rito, por isso o uso da “pomba" e nã o de outra ave mais imponente como um falcã o ou uma
á guia. Mateus voltará a descrever a pomba como sinal de mansidã o ao descrever o envio dos
discı́pulos “como pombas” em Mt 10.16. Assim você pode perceber a uniformidade no uso de
uma Cigura dentro do mesmo livro e por muitas vezes dentro de todos os escritos do mesmo
autor, como no estudo do trabalho do apó stolo Paulo, que possui uma obra muito extensa.
Para adicionar dramaticidade ao evento, o autor inspirado, utiliza novamente o recurso
και„ ι†δου„ , assim enfatizando o acontecido e dando um ritmo acelerado a cena apresentada. EN como
se o Pai nã o pudesse esperar nem um segundo para declarar o prazer que o Filho lhe
proporcionava. E o Espı́rito Santo, que imediatamente desceu sobre Jesus, é importante atentar
para o fato de que toda a Trindade aparece ao mesmo tempo nesta passagem. Esta passagem é
muito importante para rebater antigas (e modernas) heresias que aCirmavam que a Trindade
seria apenas trê s manifestaçõ es diferentes da mesma pessoa. Essa doutrina falsa é chamada de
Sabelianismo ou Modalismo. Aqui també m podemos rejeitar outro erro, chamado Docetismo ( e
grego a palavra doke signiCica “parecer”), o qual aCirmava que Jesus nã o era 100% humano, mas
que apenas parecia humano. Em um ú nico momento o Filho se levante, o Espı́rito desce e o Pai
fala. Que momento maravilhoso deve ter sido.
Assim como as trê s pessoas da Trindade estiveram presentes no batismo de Jesus, nó s
fomos ordenados a realizar nossos batismos atravé s da mesma forma trinitá ria, conforme o
pró prio Mestre mandou em Mt 28.19 “Portanto, indo vocês, façam discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.

Ainda existe um ú ltimo ponto a destacar: o inı́cio do ministé rio de Jesus e o Cinal sã o
iguais. Aqui vemos o batismo representando a morte e a ressurreiçã o Cigurada, e no Cinal do livro
vemos a morte e a ressurreiçã o literais.

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Mateus Cinaliza esse trecho com o discurso de Deus, o Pai, aCirmando a divindade de
Cristo: "Este é o meu Filho amado …” Lembremos que o objetivo de Mateus ao escrever seu evangelho
foi apresentar Jesus como o Messias Divino prometido a Israel. Nascido em uma manjedoura,
refugiado no Egito, crescido em uma vila obscura da Galilé ia, mas ainda assim, atesta o Deus todo
poderoso: “Este é o meu Filho amado…”
Um detalhe que sempre me chamou a atençã o é o fato de Mateus escrever “Então uma voz
dos céus disse …” Ele nã o diz que foi o SENHOR que falou. Nó s concluı́mos isso pelo fato de Jesus ser
chamado de “1ilho amado” Mas antes que você me considere um Testemunha de Jeová , me permita
propor uma explicaçã o. Em minha opiniã o isso aconteceu pelo mesmo motivo que o autor se
refere ao Reino dos Cé us e nunca ao Reino de Deus, ou seja, para evitar um confronto
desnecessá rio com o judaı́smo tradicional. Claro que em algum momento seus ouvintes deveriam
aceitar a Jesus como Deus-homem, mas o apó stolo vai lidando com essa questã o durante o livro
todo e assim permitindo ao Espı́rito Santo trabalhar na mente e coraçã o, de seus ouvintes.

A aposta de Pascal(8)

É evidente que o propósito de Mateus é provar que Jesus de Nazaré é o Messias divino,
ou seja, que ele é Deus; e pode parecer pouco provável que alguém negasse a existência
de Deus. Mas desde a antigüidade sempre houve aqueles que negassem a existência do
espiritual.

O filósofo e matemático francês Blaise Pascal, século XVII, postulou um pensamento


simples que diz: 1) se você acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho infinito,
2) se você acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda finita; 3) se você não
acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho finito; 4) se você não acredita em
Deus e estiver errado, você terá uma perda infinita.

O mesmo pensamento é válido sobre a divindade de Jesus, e sua superioridade em


relação a Moisés. Caso alguém consiga se justificar através da Lei, o que é impossível,
terá um ganho momentâneo, já que voltará a pecar. Aquele que recebe a Jesus como o
Cristo, terá o benefício eterno da justificação.

(1) Mills, M. S. - The Life of Christ: A Study Guide to the Gospel Record (Mt 3:1–Lk 3:6). Dallas, TX: 3E Ministries.
(2) Wikipé dia – Espártaco https://pt.wikipedia.org/wiki/Espá rtaco
(3) Utley, B – The First Christian Premier – Matthew p.18
(4) Milano, Ambró sio – Sobre os sacramentos – livro II, p.39
(5) Alguns acreditam que o termo “Reino de Deus” é inspirado em Dn 7, que descreve o Filho do Homem vindo dos
Cé us. Baylei. M – aula: Gospels BE105v2-3-09
(6) Merrill, T. - New Testament Survey (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1961), p. 110.
(7) Você entende esse versı́culo? – IBR - https://www.youtube.com/watch?v=AEyWI2tsa1w acessado em
10/04/2016
(8) Pascal, Blaise - Penseé s (1669, livro pó stumo)
(9) Mayhue, R. - Os planos proféticos de Cristo - p.62
(10) Walace, D. - Gramática Grega: uma sintaxe exegética do NT - p.48
(11) Tsemach Tsé dec (baseado em Likutei Sichot, vol.9, p.71)
(12) citado por Randolph, A.D.F - The Life and times of Jesus the Messiah - vol I, p.271
(13) Taylor, J.E. - The Immerser: John the Baptist within Second Temple Judaism - p.147
(14) Remı́gius - conforme citado por Thomas de Aquino em Catena AN urea - v.01 p.108
(15) Ryle, J.C. - Expository Thoughts on Matthew - p.21 e Lightfoot, J. - A Commentary on the New Testament from the
Talmud and Hebraica, Matthew-1 Corinthians, Matthew-Mark - Vol. 2 p.79–80
(16) A imagem do garfo e da peneira foi retirada de https://steemit.com/christianity/@yeshua777/god-s-cleaning-
tool (acessado em 28/06/2020)
(17) Campbell, R.A - Jesus and his baptism - p.4

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Mateus 4

Alé m do conteú do teoló gico, o apó stolo inseriu uma estrutura literá ria muito pró pria ao
evangelho que redigiu. Na introduçã o deste livro você pode ver algumas dessas caracterı́sticas,
como o idou e o modo especı́Cico de falar sobre o Reino do Messias, o chamando de Reino dos
Cé us. Alé m disso, agora no capı́tulo quatro você pode encontrar outro traço mateano: um ritmo
frené tico na descriçã o dos acontecimentos.
Se você prestar atençã o as palavras empregadas, irá notar que o termo “entã o”, traduçã o
da palavra grega τοŒ τε (tó te), a qual aparece cinco vezes em um trecho muito curto. Acompanhe os
versı́culos 1, 3, 5, 10 e 11; e mesmo no versı́culo 8 onde ela nã o aparece, a expressã o “o levou
ainda” serve ao mesmo propó sito. Cada açã o do pará grafo é emoldurada por um “entã o” o que
acelera o texto e nos deixa sem tempo para considerar cada acontecimento detalhadamente.
Assim o autor procura nos manter focados no texto, sentindo a pressã o dos acontecimentos.

4.1-11 A tentação de Jesus


v.1 O local “Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.”
O autor utiliza a mesma palavra para descrever o local do batismo (3.1) e o local da
tentaçã o de Jesus (4.1), o vocá bulo utilizado é εª ρημον. Havia entre os judeus mais mı́sticos a
expectativa de que, do deserto, viria a restauraçã o de Israel. Existe uma rica histó ria do deserto
da Judé ia, onde Jesus foi batizado e tentado, a qual imprime nesses eventos inaugurais de seu
ministé rio com um simbolismo poderoso. Muitas vezes associado à atuaçã o maligna, as á reas
selvá ticas propiciavam um cená rio ideal para o primeiro confronto entre o bem e o mal; sendo
que aqui, fazendo uma metá fora futebolı́stica, a vantagem de jogar em casa estava a favor do
adversá rio.
Talvez At 21.38 fale de um movimento espú rio acontecido daquela é poca, acompanhe o
que perguntaram a Paulo: “Não é você o egípcio que iniciou uma revolta e há algum tempo levou quatro mil
assassinos para o deserto?” O estudioso Roth, C. em seu livro sobre a guerra judaico-romana especula
que esse “egı́pcio” pode ter sido o lı́der mencionado no comentá rio de Habacuque Apócrifo como
o "pregador de mentiras”(5) Flavio Josefo, em De Bello Judaico, també m fala de outros ativistas do
mesmo perı́odo, os quais se aliaram ao movimento zelote na tentativa de repetir o sucesso dos
Macabeus(4). Os Essê nios e as demais comunidades separatistas religiosas també m seguiam, ao
menos em algum grau, o mesmo tipo de esperança messiâ nica. K.Schubert, em seu livro “The
Dead Sea community” fala de um grupo chamado Covenanters, os quais teriam fugido, segundo
1Macabeus 2.29-31, para o deserto fugindo da perseguiçã o mas també m por esperarem a
chegada do Messias na regiã o desé rtica.(6) Existe um antigo documento chamado “O pergaminho
da guerra” encontrado na caverna 1 de Qumran, onde na coluna i, seçã o I.2 eles se
autodenominam “A dispersã o do deserto” (golath hammidba) e aqueles que iniciarã o a guerra
contra os Cilhos das trevas (bnê hô shek) O pró prio Jesus nos adverte sobre os falsos profetas
vindos do deserto; veja Mt 24.26 “Assim, se alguém lhes disser: ‘Ele está lá, no deserto! ’, não saiam; ou: ‘Ali
está ele, dentro da casa! ’, não acreditem.”

Um detalhe interessante é que a tentaçã o ocorre logo apó s o discurso do Pai, em que Ele
aCirma: "Este é o meu Filho amado …” Assim temos a impressã o do inimigo mais uma vez estar
tentando desaCiar a vontade de Deus, ainda que ele acabe por provar que Jesus era realmente o
Filho amado. aCinal, se Jesus pecasse, ele nã o seria mais o Cilho perfeito que tanto agrada o Pai
eterno, e como ele nã o pecou, a ú nica resposta possı́vel é aCirmar a Jesus é o Filho amado.
També m vemos a dignidade do Cristo atravé s da importâ ncia de quem veio tentá -lo
pessoalmente: o diabo (τοῦ διαβοŒ λου - tú diabolú ). O evangelho de Mateus utiliza ainda outros
dois termos para se referir ao diabo, τοῦ πονηροῦ (tu porenú ) traduzido por “o maligno” em 6.13,
e ο¡ ε† χθρο„ ς (hó echthros) traduzido por “o inimigo” 13.24.

Mostrando que o Espı́rito guiava passos do Cristo, Mateus o mostra sendo levado ao
deserto, para ser tentado pelo diabo. Aqui a palavra eremos, que em portuguê s foi traduzida por

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deserto, signiCica uma regiã o selvagem e nã o cultivada; e nã o propriamente um deserto de dunas
brancas. O signiCicado é o mesmo que na referê ncia ao local onde Joã o batizava. A tradiçã o diz se
tratar de uma regiã o pró xima a Jericó , que por sua vez nã o era tã o distante do local onde Joã o
batizava. Existe aqui um link com Dt 8.2, onde o Senhor levou o povo ao deserto, diz: “Lembre-se de
como o Senhor, o seu Deus, os conduziu por todo o caminho no deserto, durante estes quarenta anos, para
humilhá-los e pô-los à prova, a 1im de conhecer suas intenções, se iriam obedecer aos seus mandamentos ou
não.” Assim podemos notar a participaçã o fundamental do Espı́rito Santo na concepçã o de Jesus
(1.20), atestando sua divindade (3.16-17) e agora o guiando para iniciar seu ministé rio.


Um aspecto fundamental da disposiçã o de Cristo em ser um servo humilde está nessa
passagem até certo ponto difı́cil de imaginar, aCinal diz Tiago 1.13: “Ninguém, sendo tentado, diga: De
Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta.” Aqui podemos ver o
quanto Jesus se esvaziou de sua gló ria, para ser um de nó s a ponto de ser tentado pelo inimigo.
Expandindo um pouco essa questã o devemos podemos dizer que Deus, sem a incarnaçã o nã o
pode ser tentado de maneira algum, e Deus encarnado pode ser tentado em todos os aspectos
que um ser humano comum é tentado. O autor da carta aos Hebreus explica o porque Jesus devia
ser tentado, veja Hb 2.17-18: “Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos
em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e 1iel com relação a Deus e fazer
propiciação pelos pecados do povo. Porque, tendo em vista o que ele mesmo sofreu quando tentado, ele é capaz
de socorrer aqueles que também estão sendo tentados.” Por nó s Jesus se esvaziou de tal maneira que
pode ser tentado pelo diabo. Foi por nossa causa e nã o para provar algo para quem quer que
fosse, nem para o Pai, muito menos para o inimigo.
També m existe o contraste entre a comunhã o com o Pai e o Espı́rito, seguida pela solidã o
no deserto, só quebrada pela participaçã o do diabo. Essa progressã o é muito interessante, pois o
primeiro a atestar a divindade de Jesus foi o Pai, o segundo o Espı́rito Santo. E o pró ximo a
conCirmar essa revelaçã o foi o diabo, atravé s da tentaçã o.

Peirazo (πειράζω) que é traduzido por “ser tentado” também significa “ser testado” ou “ser
colocado a prova”. Aqui existe uma sutileza que não é percebida em português, mas que podemos
perceber na língua original. Trata-se do fato que o o próprio diabo foi usado para provar que Jesus é o
Filho de Deus. Como Tiago disse em sua carta 1.13 Deus não tenta nem é tentado, pois a tentação
possui o objetivo de levar ao fracasso. Mas isso não implica em dizermos que Deus nos coloca sob
provas, pois a “prova” tem o objetivo de mostrar aptidão para vencer o desafio. Um exemplo clássico
disso foi Jó, que ao mesmo tempo em que era tentado pelo inimigo era aprovado por Deus.

v.2 Uma conclusão óbvia “Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome.”
A primeira vista este pode parecer um dos versı́culos mais ó bvios da bı́blia inteira, aCinal
apó s quarenta dias jejuando, certamente Jesus teria fome. Na verdade ele estaria quase que
desmaiando de tanta fraqueza. Perceba també m o contraste na apresentaçã o do Messias, pois
Joã o o havia anunciado como uma Cigura de grande poder (aquele que ceifará a colheita e
condenará ao fogo os que nã o se arrependeram) cf. Mt 3.12 “Ele traz a pá em sua mão e limpará sua
eira, juntando seu trigo no celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga", pouco adiante em
Mt 3.17 o SENHOR brada dos cé us “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado”. Agora o autor o
demonstra como um ser humano faminto.
Um aspecto importante é o perı́odo de 40 dias, pois faz referê ncia ao tempo que Moisé s
passou com Deus no monte, sem comer pão ou beber água. Ex 34.28 "Moisés 1icou ali com o Senhor
quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão e sem beber água"; e o mesmo perı́odo de 40 dias
aparece també m na histó ria de Elias, quando caminhou até Horebe, o monte de Deus. cf. 1Rs 19.8
"Fortalecido com aquela comida, viajou quarenta dias e quarenta noites, até que chegou a Horebe, o monte de
Deus." Dessa maneira o há bil autor conecta Jesus a dois grandes personagens do Antigo
Testamento, Moisé s e Elias. A diferença bá sica entre os trê s é que apenas Jesus se encontrou com
o Diabo apó s o jejum. A conexã o entre Jesus e Moisé s també m é evidenciada como aquele que
traz a Lei divina para o povo. Apó s 40 dias e 40 noites com Deus, no monte, Moisé s trouxe as

80
tá buas da Lei e outras ordenanças. Apó s 40 dias e 40 noites, em jejum no deserto, Jesus iniciou a
pregaçã o no Evangelho do Reino, trazendo as boas-novas da salvaçã o.
Muito se especulou a cerca de que maneira Jesus pode Cicar tanto tempo sem comer, nem
beber. Chegou-se a duvidar de sua completa humanidade, dizendo que apenas sua forma divina
poderia suportar um perı́odo tã o prolongado. Bobeira! Como vimos acima, Moisé s, com mais de
80 anos, també m suportou o mesmo perı́odo de jejum. A maneira exata nã o posso deCinir, mas
pode ser que um momento muito profundo de comunhã o com Deus afete o metabolismo humano.
Talvez seja a aplicaçã o literal de Deuteronô mio 8.3: “nem só de pão viverá o homem, mas de toda
palavra que sai da boca de Deus”.

Cada uma das trê s tentaçõ es possui um foco diferente, a primeira buscava ser relevante e
nı́vel pessoal, a segunda visava ser espetacular a vista do povo e a terceira propunha uma
demonstraçã o de poder na esfera celestial.
Um ponto que deve ser considerado é porque Mateus optou por inserir o episó dio da
tentaçã o, se seu objetivo era mostrar Jesus como o Messias prometido. Ao contrá rio do que possa
parecer a primeira vista, o fato de Nosso Senhor ter sido tentado, e, nã o ter cedido, demonstra seu
poder, nunca fraqueza. Pensando ainda um pouco mais a frente em termos teoló gicos, Cica
explicitado que o Cristo como nosso representante legal, venceu a tentaçã o e se colocou como o
novo Adã o. Um sutil contraste aparece aqui, já que Adã o, um ser criado do barro, foi testado no
mais belo jardim de todos, enquanto Jesus, o Filho amado de Deus gerado pelo Espı́rito, foi
tentado numa regiã o desolada. Adã o tinha tudo a sua disposiçã o, enquanto Jesus estava sozinho e
jejuando por 40 dias. Adã o falhou e por consequê ncia trouxe o pecado para a humanidade; Jesus
venceu e se tornou digno de trazer-nos o perdã o.
Um ú ltimo detalhe textual pode ser observado no texto do apó stolo: ordem dos
acontecimentos. Normalmente percebemos que Lucas é o mais cronoló gico dos evangelistas,
poré m nessa passagem em especı́Cico, o texto demonstra que Mateus registrou-nos os fatos na
ordem em que aconteceram, enquanto Lucas seguiu um crité rio temá tico. A base para essa
compreensã o está contida no versı́culo 5 “Então o diabo o levou à cidade santa …” e no versı́culo 8
“Depois, o diabo o levou a um monte …”.

Durante a primeira metade do sé culo XX diversos teó logos de postura liberal chegaram a
aCirmar que o relato de Mateus era apenas uma versã o Cloreada do relato marcano, poré m tais
dú vidas caı́ram em descré dito apó s a publicaçã o de “L’Arriè re-fond Biblique du Ré cit des
Tentations de Jé sus” por J.Dupont em 1956-57(3). O argumento de Dupont se baseia na brevidade,
e até ambiguidade, de Marcos o que indicaria um conhecimento de seus leitores sobre o fato. Isso
explica a nã o necessidade de se detalhar mais o acontecimento. Particularmente concordo com
isso, pois o evangelho compilado por Marco tem como caracterı́stica marcante ser bem resumido,
quase que como sendo uma sé rie de anotaçõ es.

Quem tentou a quem?


.

Um detalhe que muitas vezes passa desapercebido nessa passagem é: quem tentou a quem na
bíblia? Como falamos do Deus-homem como sendo um novo Adão, o qual foi tentado pelo diabo e
não sucumbiu, logo nos vem a mente os acontecimentos que levaram a queda do primeiro Adão.

Se lermos o trecho de Gn 3.1-6 veremos que a serpente (que era uma figura do próprio diabo) se
aproximou de Eva, a tentou e conduziu ao pecado. Por sua vez Eva tentou a Adão e o levou a queda.
Assim o correto é dizer que quem tentou o primeiro Adão foi Eva (ainda que indiretamente o diabo) e
que tentou a Jesus foi o diabo pessoalmente.

v.3-4 A primeira prova (independê ncia incorreta)


“O tentador aproximou-se dele e disse: "Se você é o Filho de Deus, mande que estas pedras se
transformem em pães". Jesus respondeu: "Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra
que procede da boca de Deus’"

81
Objetivo da tentação: utilizar seus atributos divinos, deixando de fazer a vontade do Pai

A primeira tentaçã o ocorre de uma maneira bem intimista, no sentido de que estavam ali
apenas Jesus e o tentador, em um local longı́nquo, afastado de tudo e de todos.
O inimigo sabia com quem estava falando, assim nã o se preocupou em tentar Jesus com
questõ es triviais da vida, tais como cobiça, sensualidade ou outros pontos que nos aCligem
diariamente. Até Joã o Batista sabia que tais pecados nã o aCligiam a Jesus, por isso Cicou tã o
surpreso quando o Mestre pediu para ser batizado. Ao invé s disso, o tentador buscar levar Jesus
ao engano, apresentando motivos até mesmo razoá veis, aCinal qual o pecado de satisfazer sua
fome? Bem, lembre-se que estamos falando de Jesus, que era Deus encarnado, assim ele devia se
comportar como homem, sem usar seus predicados divinos, e submeter-se a vontade do Pai.
Parafraseando William Shakespeare, a questã o nã o era: comer ou nã o comer. Existe uma sutileza
aqui, aCinal o ponto era fazer algo fora do alcance humano e em desacordo com a vontade do Pai,
nesse caso, transformar pedras em pã o. Era mais importante obedecer a vontade de Deus do que
satisfazer sua necessidade humana. Nã o que Cristo nã o pudesse transformar pedras, ou qualquer
outra coisa em pã o, tanto que ele o fez por duas vezes; veja Mt 14.13-21 e Mt 15.29-33. EN
importante compreender a fundo essa tentaçã o, pois ela nos ensina muito sobre cristologia, ou
seja, que é o Cristo. Esta é um dos trechos que nos permitem aCirmar que Jesus era 100% homem
e 100% Deus, pois nenhum homem já foi tentado a transformar pedra em pã o. Assim percebemos
que o diabo atacava tanto a face divina quanto a face humana de Nosso Senhor.
Outro ponto que deve ser corretamente compreendido é a expressã o: “Se você é o Filho de
Deus”. A traduçã o para nossa lı́ngua nã o consegue expor a intençã o do original grego, onde o
sentido da frase é : “Já que você é o Filho de Deus, nã o tem problema algum fazer pã o dessas
rochas”. Assim Cica mais evidente o objetivo do tentador, fazer Jesus utilizar seus atributos
divinos, para satisfazer uma necessidade pró pria. Os gramá ticos chamam essa construçã o de
“sentença condicional de primeira classe” ou de “tempo presente geral”, onde o “se” apresenta
uma certeza e nã o dú vida. Existem outras passagens nas escrituras onde essa mesma construçã o
ocorre, veja Rm 3.3 “Que importa se alguns deles foram in1iéis? A sua in1idelidade anulará a 1idelidade de
Deus?” O uso do “se” mostra que o autor a considera verdadeira do seu ponto de vista, ou para seu
propó sito literá rio. O mesmo ocorre em Mt 8.30 quando Jesus expulsa os demô nios e eles entram
nos porcos, Mt 12.26, Mt12.27, Mt 12.28.
A primeira resposta de Jesus: Dt 8.3
“nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca do Senhor.”
Talvez a liçã o mais importante a ser aprendida nessa passagem é que Jesus rebateu as
tentaçõ es utilizando-se exclusivamente da palavra de Deus. Todas as citaçõ es foram extraı́das do
livro de Deuteronô mio, possivelmente porque nele há uma repetiçã o das ordenanças contidas por
toda a Torah. Aqui pode haver també m certa relaçã o com Hc 2.4 “O ímpio está envaidecido; seus
desejos não são bons; mas o justo (‫ צַּדִ֖יק‬- ṣǎd·dîqʹ) viverá pela sua 1idelidade.” O tema do justo será muito
importante durante o Sermã o do Monte, principalmente ao falar da assistê ncia ao necessitado (cf.
Mt 6.2-4).
Moral da história é melhor obedecer a Deus que satisfazer as necessidades humanas.
Vale notar que Nosso Senhor nã o transformou a pedra em pã o em benefı́cio pró prio, mas tornou-
se em pã o em prol da igreja (Mt 26.26). Jesus ainda ouviria a provocaçã o do mundo durante sua
cruciCicaçã o “Você que destrói o templo e o reedi1ica em três dias, salve-se! Desça da cruz, se é Filho de Deus”
Mt 27.40 E por amor a nó s, mais uma vez deixou de usar seus predicados divinos em favor
pró prio.
O impacto dessa primeira tentaçã o é tã o grande no ministé rio de Jesus que podemos
perceber ecos dela em duas petiçõ es da Oraçã o do Pai Nosso: “Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia.” e
“E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do maligno” Nosso Pai nã o deseja que passemos pelo
que ele passou.

v.5-7 A segunda prova (dependê ncia incorreta)


“Então o diabo o levou à cidade santa, colocou-o na parte mais alta do templo e lhe disse: "Se você é o
Filho de Deus, jogue-se daqui para baixo. Pois está escrito: ‘Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, e com as
mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra’".
Jesus lhe respondeu: "Também está escrito: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus’".
Objetivo da tentação: colocar o Senhor a prova, mostrando uma dependê ncia incorreta

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a ele.
A segunda tentaçã o acontece distante do local da primeira, neste segundo ato eles estã o
no centro da maior cidade do paı́s, no edifı́cio mais importante do mundo para um judeu. Agora a
tentaçã o seria em â mbito nacional, pú blica, para todos verem. També m é interessante ver que
aquele cujo ministé rio seria marcado pela atuaçã o do Espı́rito Santo, nesse momento era “levado
pelo diabo”.
Chegamos ao “segundo round” da batalha, onde o tentador levou Jesus até a parte mais
alta do templo de Jerusalé m, a qual as traduçõ es mais antigas chamavam de Piná culo. Alguns
questionam se o acontecimento foi real ou foi apenas uma visã o. Ainda que a logı́stica para chegar
até a cidade, entrar no templo e subir até a parte mais alta fosse bem difı́cil de se executar, isso
nã o nos dá o direito de aCirmar que nã o poderia ser feito. Assim, é melhor deixar “em aberto” a
possibilidade de ter sido um fato 100% real. Evidê ncias arqueoló gicas demonstram que existia,
no canto sudoeste do Monte do Templo, uma estrutura onde os sacerdotes tocavam a trombeta
para anunciar a chegada do Shabat. Parece-nos muito prová vel que seja a essa estrutura, em
forma de balcã o, que Mateus esteja se referindo. Graças ao trabalho de estudiosos judeus e
estrangeiros, hoje temos muita documentaçã o sobre esse fato, inclusive uma maravilhosa rocha
sobrevivente da destruiçã o de Jerusalé m que possui a inscriçã o: "Para o lugar da trombeta para ..."(7)

Canto sudoeste do Monte do Templo (Beitzel 2010 Israel 169 )

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Pedra da trombeta - Ekeidar (own work) / CC Attribution-ShareAlike (Logos Software)


Tendo sido vencido durante primeiro round por uma citaçã o da bı́blia, agora o tentador
busca usar a mesma estraté gia usada contra Eva, ou seja, distorcer a palavra de Deus. Ele cita o
Salmo 91.11: “Porque a seus anjos ele dará ordens a seu respeito, para que o protejam em todos os seus
caminhos;” A maneira como o inimigo age baseia-se um pensamento simplista conforme o esboço
abaixo:
1. Se na primeira tentaçã o fui vencido pela dependê ncia de Jesus ao Senhor,
2. Agora vou tentá -lo baseado em sua dependê ncia a Deus.

A intençã o do tentador nã o era fazer Jesus cair no chã o e morrer, aCinal ele sabia
exatamente quem Jesus era e sabia que os anjos o serviriam de qualquer maneira. O objetivo
nefasto por trá s de tudo isso era colocar Deus a prova, o que é um pecado gravı́ssimo. Para
entender melhor, vejamos a resposta de Jesus. E mais uma vez o inimigo utiliza a expressã o “se
você é o Filho de Deus” o que já explicamos anteriormente.
A segunda resposta Dt 6.16
Replicou-lhe Jesus: “Não ponham à prova o Senhor, o seu Deus, como 1izeram em Massá”
Agora basta descobrirmos o que aconteceu em Massá e estará tudo claro. Está passagem
está contida em Ex 17.7: “E chamou aquele lugar Massá e Meribá, porque ali os israelitas reclamaram e
puseram o Senhor à prova, dizendo: "O Senhor está entre nós, ou não?" (existe uma citaçã o secundá ria
em Sl 106.32-33 “Provocaram a ira de Deus junto às águas de Meribá; e, por causa deles, Moisés foi
castigado; rebelaram-se contra o Espírito de Deus, e Moisés falou sem re1letir.”) Aqui está a resposta, os
Israelitas colocaram o Senhor a prova. Todo judeu sabia que nã o devia tentar ao Senhor, tanto que
ao se referir a ele, ainda hoje, os judeus piedosos excluem uma letra (escrevendo D’us, no lugar de
Deus), para nã o “invocar o nome de Deus sem razã o”. Veja que o maligno rei Acaz se recusou a
pedir uma prova a Deus quando o profeta Isaı́as o confrontou em Is 7.11-12 “Pede para ti, ao
SENHOR teu Deus um sinal; pede-o, ou embaixo nas profundezas, ou em cima nas alturas. Acaz porém disse:
Não pedirei, nem tentarei ao SENHOR.”
Moral da história: nã o devemos colocar o Senhor a prova. O inimigo sabia que um
acontecimento espetacular levaria os incré dulos judeus a crerem nele como o Messias, a
pegadinha estava em incitá -lo a uma dependê ncia incorreta de Deus. Assim como aconteceu na
tentaçã o anterior, a mesma provocaçã o seria repetida contra Jesus em Mt 27.42 “Salvou os outros,
mas não é capaz de salvar a si mesmo! E é o rei de Israel! Desça agora da cruz, e creremos nele.” Naquele

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momento os incré dulos judeus aCirmavam que apenas uma demonstraçã o espetacular os levaria a
crer em Jesus como sendo o Messias.

v.8-10 A terceira prova (adoraçã o incorreta)


“Depois, o diabo o levou a um monte muito alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e o seu
esplendor. E lhe disse: "Tudo isto lhe darei, se você se prostrar e me adorar".
Jesus lhe disse: "Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus e só a ele preste culto’"
Objetivo da tentação: levar Jesus a submeter-se ao inimigo, da mesma maneira que
Jesus se submete ao Pai.

A ú ltima tentaçã o ocorre a nı́vel mundial (até mesmo celestial), aCinal todos os reinos do
mundo lhe foram oferecidos. Esse tema de “subir a um alto monte” para avistar a regiã o, aconteceu
com Moisé s (Dt 34.1 “Então, das campinas de Moabe Moisés subiu ao monte Nebo, ao topo do Pisga, em
frente de Jericó. Ali o Senhor lhe mostrou a terra toda”) e com o profeta Ezequiel (Ez 40.2 “Em visões de
Deus ele me levou a Israel e me pôs num monte muito alto”), sendo que no segundo caso vemos o
inimigos tentando ocupar o lugar do Senhor nas açõ es. E na visã o do Cinal de tudo, conforme
descrito em Ap 21.10, o apó stolo Joã o passa pela mesma situaçã o: “Ele me levou no Espírito a um
grande e alto monte e mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus.” Ap 21.10
EN interessante compreender a progressã o dos acontecimentos durante os testes de Jesus.
No primeiro teste o inimigo queria que ele atuasse independente da vontade do Pai, no segundo
teste o inimigo buscava levá -lo a exigir que o Pai Cizesse algo. Era com se ele falasse: Já que você
insiste em fazer a vontade do Pai, entã o ao menos exija que Ele a faça na hora que você quiser.
Seria uma maneira de perverter a vontade do Senhor. Como tais estraté gias nã o funcionaram, e
Cicou evidente que Jesus era Deus encarnado, o inimigo faz uma ú ltima tentativa de conseguir
algo. O tentador busca levar o Deus Filho a se submeter a ele, assim como Jesus se submete ao Pai.
Como o tentador pode mostrar “todos os reinos do mundo”? Essa questã o importante só
pode ser respondida com ajuda do texto paralelo em Lc 4.5 “O diabo o levou a um lugar alto e
mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo”. Assim abre-se a possibilidade de uma
atuaçã o sobrenatural momentâ nea.
Que proposta ú nica, algué m lhe oferecer algo que seria seu por direito, a ú nica exigê ncia
seria você deixar de adorar a Deus e começar a adorá -lo. E no caso de Jesus, ele ainda escaparia
da cruz maldita, de carregar nosso pecado sobre si e de pagar o preço do pecado: a morte.
v.10 Algo muito interessante pode ser observado na palavra grega ΥÀπαγε normalmente
traduzida por "vá embora" ou como "retira-te" nas versõ es mais antigas. Caso observemos seu
uso pelos escritores gregos Heró doto e Xenofonte, a ordem de Jesus (deCinida pelo uso do modo
imperativo) por ser entendida como "vá indo embora" ou "parta devagar". O lé xico de James
Strong propõ e como descriçã o "retirar-se (como se afundasse fora de vista)" Dessa maneira
podemos imaginar sataná s se afastando aos poucos, de maneira que ele pudesse ver os anjos que
imediatamente vieram para servir Jesus. Quã o dramá tica deve ter sido essa cena.
A resposta: Dt 6.13 “Temam o Senhor, o seu Deus, e só a ele prestem culto, e jurem somente pelo
seu nome” e també m em Dt 10.20 “Temam o Senhor, o seu Deus, e sirvam-no. Apeguem-se a ele e façam os
seus juramentos somente em nome dele”.

Jesus inicia a resposta decretando sua vitó ria e expulsando o inimigo, pois somente o
Senhor deve receber nosso louvor. Nã o importa o que passemos para prestar tal adoraçã o, ainda
assim esse é nosso objetivo nesse mundo. Observaçã o: em Hebraico e na LXX está escrito:
“somente ao Senhor temerás”; mas aqui o autor inspirado explica o mesmo tema, poré m com uma
abordagem diferente.
Moral da história: Nã o importo o que passemos, somente o Senhor é digno de nosso
louvor. Durante o Pai Nosso ouviremos Jesus dizendo: “Seja feita a tua vontade …” e ao invé s do reino
ofertado pelo diabo, Nosso Senhor dirá ao Pai “venha o teu reino”

Consideração dinal sobre a aprovação do Mestre no teste do deserto (trecho


normalmente conhecido como as tentaçõ es)
Existe uma tê nue, poré m importante, conexã o entre o Teste do Deserto e a teologia
ensinado atravé s da oraçã o modelo do Pai Nosso. Apontei alguns pontos no trecho acima, poré m
deixo-vos um pequeno resumo aqui: tentaçã o (4: 3; 6:13), o diabo ou o maligno (4: 5; 6:13), pã o
(4: 3-4; 6: 11), O reino de Deus ou os reinos do mundo (4: 8; 6: 9), obediê ncia à vontade de Deus
(4: 8-10; 6:10).

85
v.11 O poslúdio da tentação
Tal logo o tentador foi expulso, os anjo vieram e o serviram. Dessa maneira Jesus
recebeu, de Deus, o que o inimigo propô s durante primeira tentaçã o. Assim: “os anjos vieram e o
serviram”. A palavra “serviram” que no original grego é minister é normalmente associada ao
serviço de alimentos. Dando impressã o de um banquete celestial servido ao Rei.
Um pouco mais a frente no livro, em Mt 27, Jesus voltaria a cidade, passaria pelo templo e
iria a um lugar alto chamado Gó lgota, de onde ele se lançou para a morte. E mais adiante ainda,
em Mt 28.18, apó s ressuscitar Ele recebeu “toda a autoridade no cé u e na terra”. Isso adorando
apenas ao Pai e obedecendo-o em tudo. Haleluia por isso.

A estratégia do inimigo contra Eva e contra Jesus (distorcer a palavra de Deus) É


interessante notar um similaridade na estratégia adotado pelo inimigo, nesses dois momentos
fundamentais da história da humanidade, ainda que não seja um paralelo tão óbvio. Também existe
uma degradação do local onde ocorrem as provas, sendo que a tentação de Eva ocorreu dentro do
mais belo jardim que já existiu, enquanto Cristo foi tentado em um lugar selvagem e abandonado.
Apesar desses detalhes a fórmula é basicamente a mesma:

1º tentação Gn 3.1 2 Mt 4.3 “Desobedeça o Pai e coma pois será bom para ti” Para Eva ele
oferece o fruto e a Jesus ele sugere transformar as pedras em pão.

2º tentação Gn3.4 e Mt 4.6 “faça o que estou dizendo, pois você não será ferido” Para Eva
ele diz “você não morrerá ao comer” e para Jesus ele diz “você não irá se ferir, se pular”.

3º tentação Gn 3.5 e Mt 4.8-9 “oferta de glória e majestade” Para Eva ele diz “você será
como Deus” e para Jesus ele diz “todos os reinos serão seus”.

Ainda nos dias de hoje, o inimigo, segue o mesmo modo de atuaçã o, veja o que o apó stolo
Joã o diz em 1Jo 2.16 “Pois tudo o que há no mundo — a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação
dos bens — não provém do Pai, mas do mundo”.
O Mestre foi reconhecido por Deus no Cinal do capı́tulo 3 e agora foi aprovado pelo
inimigo, ao passar pelas trê s provas propostas. Mesmo planejando o mal, Sataná s acabou por ser
mais um a comprovar a divindade de Jesus. Nunca se esqueça, caro leitor, que Sataná s opera
somente sob a permissã o de Nosso Senhor, assim como ensina o livro de Jó .

Início da segunda parte do livro: A oferta do Reino dos Céus 4.17 a 25.46

v.12-17 O início do ministério de Jesus


Aqui termina a parte inicial do livro, ou sua introduçã o, conforme propusemos na
primeira parte deste estudo.
Mais uma vez o autor nã o se preocupa muito em detalhar as passagens de tempo, já que
seu objetivo é comprovar a messianidade de Jesus e nã o criar um cronograma detalhado do que
ele fez. Mateus apresenta os acontecimentos por tó picos, enquanto o evangelista Joã o, no ú ltimo
evangelho, detalha melhor essa passagem de tempo. Ainda assim, alguma pista temporal
precisava ser inserida, por isso o apó stolo diz: “Quando Jesus ouviu que João havia sido aprisionado…”
Segundo o historiador Flavio Josefo (judeu do sé culo I), Joã o fora encarcerado em um dos
palá cios de Herodes, chamado de Maquero, e ali Cicaria por dez meses antes de ser morto
cruelmente. Josefo també m relaciona a derrota do exercito de Herodes frente a Aretas IV, rei da
Nabateia, com a prisã o e morte de Joã o Baptista – um homem, segundo ele, consagrado e que
pregava a puriCicaçã o pelo Baptismo.

A prisã o do arauto do Rei, implicava que a etapa de preparaçã o havia se encerrado, e que
chegará a hora do Deus que se auto-esvaziou a ponto de se fazer carne humana (ou seja pó )

86
deixar a regiã o mais desprezada do reino e iniciar de maneira plena seu ministé rio em nosso
favor. Essa percepçã o é reforçada pelo fato do autor frisar que o Senhor assumiu a pregaçã o da
mesma mensagem trazida por Joã o. Vejam só como o sentimento de "passagem do bastã o" é
nı́tido aqui:
• Mt 3.2 Joã o exclama: "Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus."
• Mt 4.17 "Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o
reino dos céus."

O foco do autor aparece logo a seguir onde ele explica que a partida de Jesus, de Nazaré
para Galilé ia, indo viver em Cafarnaum se dava em cumprimento da profecia de Isaı́as 9.1-2:
“Terra de Zebulon e terra de Naftali, caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios; o povo que vivia nas
trevas viu uma grande luz; sobre os que viviam na terra da sombra da morte raiou uma luz.“ Note-se que
Cafarnaum era a cidade onde moravam Pedro e Joã o e que o nome da cidade signiCica “Vila de
Naum”; sendo possivelmente o local onde o profeta morava, ou alguma referê ncia a algum outro
personagem histó rico. Este dado geográ Cico é muito valioso e por vezes passa desapercebido. Ao
invé s de iniciar seu ministé rio vindo do deserto, assim como os falsos messias Cizeram, Jesus
começa a pregar bem ao norte. Uma questã o pode ser levantada entã o a respeito a pregaçã o de
Joã o, o batizador, pois ele pregava oriundo do deserto. Seria ele entã o um farsante? A resposta é
nã o. O ministé rio de Joã o, como arauto do Rei, era preparar o caminho daquele que viria apó s ele,
nunca atrai a atençã o para si pró prio. Tenha em mente que Joã o preparava o caminho e Jesus
cumpria as profecias respeito de si pró prio. O importante para Mateus era destacar que tudo
acontecia de acordo com as profecias e sob a direçã o do Espı́rito Santo.
Ainda que o auge do ministé rio terreno de Jesus fosse acontecer anos mais tarde em
Jerusalé m, é importante entender a profecia de Isaı́as e assim compreender porque tudo se inicia
em uma regiã o remota, habitada por muitos gentios. A terra de Zebulon e Naftali foi a primeira a
cair sob domı́nio Assı́rio e seria a primeira a ouvir as boas novas da salvaçã o. Dessa maneira
podemos vemos o amor incondicional de Deus por seu povo, o hesed expresso tantas vezes no
Antigo Testamento. A tá tica de domı́nio assı́ria costumava realocar os povos conquistados para
outras regiõ es, assim diminuindo a identidade nacional das populaçõ es. Foi o que aconteceu
nessa regiã o, assim desde antes da queda de Samaria, no reino do norte, essa regiã o já era
habitada por gentios; que haviam sido assentados ali pelos assı́rios. Estes fato está registrado na
bı́blia em 1Rs 15.20 “Ben-Hadade aceitou a proposta do rei Asa e ordenou aos comandantes das suas forças
que atacassem as cidades de Israel. Ele conquistou Ijom, Dã, Abel-Bete-Maaca e todo o Quinerete, além de
Naftali.” (ou 1Rs 15.29 existe uma possibilidade de ter acontecido nas duas datas) Por essa razã o o
profeta utiliza a expressã o “Galilé ia dos gentios”. Aqui vemos o autor mostrando a regiã o dos
gentios como o centro, inicial, da pregaçã o de Jesus. Assim vemos que desde o inicio a mensagem
do evangelho chegou aos nã o-judeus. Para um judeu religioso que partisse de Jerusalé m para o
norte, a primeira etapa seria deixar a Judé ia e entrar em Samaria, um lugar que praticava uma
religiã o diferente (ainda que com toque de judaı́smo). E, caso a viagem avançasse ainda mais,
essa pessoa chegaria a um lugar ainda mais desprezı́vel, tanto que eles o chamavam de “terra dos
gentios”, ou seja, podia fazer parte do territó rio, mas nã o havia uma mesma populaçã o lá .
Assim, quando se fala de Galilé ia, estamos descrevendo um lugar “no Cim do mundo”
habitado por pessoas as quais desprezamos e de onde nã o se espera que nada bom surja.

Nota geográfica Na descrição da Galiléia (‫ּגְלִיל‬, gelil), o autor cita Isaías e chama a região
de “além do Jordão”. Aqui devemos entender como a região a Oeste do Jordão, onde “além” é
descrito sob o ponto de vista daqueles que entravam na terra santa.

Existe aqui uma pequena variaçã o na citaçã o de Isaı́as 9.2, pois nela o profeta descreve
que o povo “caminhava em trevas”, o que mostra certa transitoriedade; algo passageiro. Enquanto
Mateus, inspirado pelo Espı́rito Santo, diz que o povo “vivia em trevas”, dando a conotaçã o de algo
permanente. Com a ampliaçã o desse sentido podemos entender que as “trevas” que deveriam ser
passageiras acabaram por se tornar permanentes na vida de um povo que continuamente pecava

87
contra Deus.
v.17 A mensagem central da pregação de Jesus
“Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo” Esse seria o tema da pregaçã o do Messias,
até que os judeus rejeitassem a oferta que ele lhes fazia. Interessante notar o senso de
continuidade entre a obra Joã o e Jesus, aCinal o Mestre inicia seu ministé rio com o mesmo
chamado que o arauto utilizou. Outro ponto a ser observado é a exclusividade dessa mensagem,
pois nã o existe o termo “reino dos cé us” no Antigo Testamento, tampouco tornará a ser usada
pelos apó stolos.(1)
Seria um exagero, apó s compreender que Joã o Batista fora o ú ltimo profeta do Antigo
Testamento (e que o Antigo Testamento se conclui com o advento do Cristo), aCirmar que a
mensagem Cinal do AT é : “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo” ? Na primeira porçã o da
bı́blia cristã encontramos o relato da criaçã o, a queda do ser humano, o dilú vio e novamente o
retorno ao estado caı́do, o modo como uma naçã o foi eleita para mediar a soberania do Senhor na
terra e como essa naçã o falhou. E por Cim, ao fechar das cortinas, no ú ltimo evento desse relato, o
ú ltimo profeta clama e també m é rejeitado. Agora o pró prio Messias assume para si a mensagem.

Aqui se encontra um dos “marcos” literá rios mais importantes do livro “A partir daquele
momento” o que deCine uma das macro-divisõ es do evangelho. També m podemos deCini-lo como o
inı́cio da segunda divisã o, chamada “A oferta do reino”.
Um aspecto fundamental desta passagem, que hoje nos passa desapercebido, é a
importâ ncia do texto original grego. Durante mais de 1000 anos a igreja cristã ocidental teve
apenas uma versã o da bı́blia para estudar, a chamada Vulgata Latina; a qual ainda é a base da
versã o cató lica da bı́blia. Essa versã o foi criada por um grande teó logo chamado Jerô nimo ainda
no sé culo V, e continha uma serı́ssima falha de traduçã o. Ele traduziu a palavra grega Μετανοεῖτε
(metanoiete) que signiCica “arrependei-vos” (verbo, presente, ativo, imperativo, segunda pessoa
do plural) por “fazei penitê ncia” (poenitentiam). Esse pequeno detalhe foi usado pela igreja
cató lica para justiCicar todo um sistema de penitê ncias em busca da salvaçã o. Tal erro foi
percebido apenas quando Erasmo de Roterdã , em 1516, imprimiu sua versã o do Novo
Testamento grego.

18-22 A chamada dos primeiros discípulos


“Caminhando junto ao mar da Galiléia, viu dois irmãos” Duas informaçõ es interessantes surgem
aqui, a primeira é o verbo grego peripaton, que nos da a impressã o de Jesus passeando a beira do
mar, e a segunda informaçã o é que a palavra “Jesus” nã o consta nos manuscritos mais aceitos,
sendo que esse detalhe pode mostrar uma ediçã o posterior (inserida com o intuito de elucidar o
texto a leitores nos sé culos seguintes), ainda que normalmente aceita, pela comunidade cristã .
θαŒ λασσαν τῆ ς ΓαλιλαιŒας - Thalassan tes Galilaías O mar da Galilé ia també m é chamado
de Mar de Quinerete em Nm 34.11, Lago Genesaré em Lc 5.1 e Mar de Tiberı́as em Jo 6.1. Tal
variedade de nomes reforça o sentimento de pluralidade cultural que aquela regiã o tinha e
porque era chamada de "Galilé ia dos gentios" por muitos.
Essa nã o era a primeira vez que Jesus se encontrava com eles, veja a informaçã o
complementar de Jo 1.35-42, pois atravé s desse texto sabemos que Simã o e André eram
discı́pulos de Joã o o batizador e que eles mesmos haviam seguido Jesus naquela ocasiã o. Uma vez
que Joã o havia sido preso, seus discı́pulos voltaram a seus afazeres, nesse caso a pescaria; talvez
com medo de serem presos, ou talvez decepcionados pelo fato do Messias nã o ter reclamado seu
trono com autoridade e poder. Seja como for o Mestre os chama para voltar a ativa, aCinal a
proclamaçã o do Reino estava apenas começando.
Uma questã o literá ria interessante é o fato de Mateus utilizar os versı́culos de 12 a 22
para preparar o palco para o ministé rio pú blico de Jesus. Assim podemos ver que o autor possuı́a
a capacidade de redigir um texto cativante e nã o apenas um amontoado de referê ncias do Antigo
Testamento.

Simão, a rocha
Parece que colocar apelidos nos outros era um costume bem comum naqueles dias. Mateus
já nos apresentou João, o batizador e nosso personagem principal, Jesus, o Messias. Agora ele nos

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traz Simão, a rocha; talvez representado uma aparência externa ou seu modo de se relacionar com os
outros. Assim, Simão ficou conhecido como Pedro (rocha) Ao conhecê-lo como “A Rocha”, temos a
impressão de ser uma pessoa durona em seu caráter e decisões. Ainda que em diversos momentos,
antes de receber o Espírito Santo, ele não tenha se mostrado tão sólido assim. Esse apelido será
eternamente ratificado no trocadilho que Jesus faz com ele Mt 16.18

v.19 A descrição do cargo “E disse Jesus: "Sigam-me, e eu os farei pescadores de homens””.


Com a expressã o “sigam-me”, Jesus, à maneira rabı́nica, estava formalmente chamando
aqueles homens para serem seus discı́pulos. Essa expressã o já era conhecida e usada por Ciló sofos
Gregos e Romanos, com a mesma conotaçã o: fazer discı́pulos. Repare que o Rei do universo dá
um ordem explı́cita à queles homens; nã o se trata de um convite, mas sim de uma convocaçã o
solene para servir a um propó sito claro. Poderiam eles dizer nã o a um chamado tã o direto?
No mundo corporativo é usada a expressã o “descriçã o do cargo” para determinar o que
se espera que um funcioná rio realize dentro da organizaçã o. Aqui vemos Jesus fazendo algo
similar, já que é muito clara e objetiva é a missã o daqueles que seguem a Cristo, ser “pescadores
de homens”. O Mestre nã o lhes ofereceu algum tipo de promoçã o no trabalho, ou alguma
esperança de ascensã o social, aCinal continuariam ele sendo pescadores e nada alé m disso. Na
igreja de nossos dias existem muito que procuram ser ministros de louvor, professores,
pregadores e por mais impossı́vel que seja, alguns se auto-intitulam “apó stolos”. Mas quase
ningué m aceita o chamado para pescar. Talvez a ú nica vertente cristã o que leva tal chamado a
sé rio, seja a Igreja Cató lica Romana, onde seu lı́der supremo utiliza o “anel do pescador”
simbolizando o chamado para buscar o perdido, ou em outras palavras “pescar homens”(2). Nã o
defendo todos os costumes cató licos, mas nesse ponto eles acertaram.
Vemos aqui uma clara conexã o com Jr 16.16 que diz: "Mas agora mandarei chamar muitos
pescadores", declara o Senhor, "e eles os pescarão” Como podemos ver neste versı́culo do Antigo
Testamento, Jeremias, muito tempo antes já profetizará a respeito do Senhor utilizar pescadores
para reunir seu povo.

Temos registro escrito, de um hino escrito por volta de 200 d.C., pelo irmã o Clemente de
Alexandria, que reClete sobre esse momento:
.

“Pescador de homens, ó abençoado,


chamando-nos fora do mundo agitado,
fora do mar perturbado, mar de pecado,
tomando-nos, ó Senhor, para ti.

Fora das ondas da contenda,


com isca da vida bem-aventurada,
puxando suas redes à praia,
com peixes especiais, tesouro bom.”

v.20 A prontidã o na resposta deles “No mesmo instante…” De uma maneira literá ria, o autor
manté m o ritmo dos acontecimentos, assim como ele fez por diversas vezes até aqui. Percebe-se
um senso de urgê ncia se acumulando, e assim o escritor nos levará a um acontecimento é pico que
será a proclamaçã o dos estatutos do Reino.
v.21-22 Aqui vemos o chamado de outra dupla de irmã o, sendo que esses estavam
trabalhando com o pai, um homem chamado Zebedeu. Mateus mostra-nos um senso de urgê ncia
nos acontecimentos aCinal “imediatamente” eles seguiram Jesus. Aqueles homens deixaram seus
trabalhos e famı́lia para obedecerem ao chamado do Rei. Você cristã o també m sabe como é ouvir
o chamado do Mestre, nã o é ?

Zebedeu
(Ζεβεδαῖος, Zebedaios) Que figura intrigante esse pescador do Mar da Galiléia chamado
Zebedeu. As escrituras não trazem detalhes sobre ele, mas muitas vezes Simão e André são
chamados de “filhos de Zebedeu” ao invés de seus nomes próprios. No episódio em que a mãe dos
apóstolos, chamada Salomé, chegou a Jesus para pedir em favor de seus filhos, Mateus a chama de

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“mãe dos filhos de Zebedeu”. Uma pessoa que tem seu nome eternizado pela escritura sagrada deve
ter sido bem especial.

v.23-25 A transição até o Sermão do Monte


Segue-se uma transiçã o entre o chamado dos primeiros apó stolos e o primeiro grande
sermã o de Cristo. Lembre-se que o livro de Mateus segue trechos de narraçã o mesclados com
grandes discursos de nosso Mestre.

v.23 “Percorria Jesus toda a Galileia” Mateus nos registra que, ao menos, grande parte do
ministé rio inicial de Jesus aconteceu pró ximo de sua cidade de residê ncia, ao norte de Israel.
“ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e
enfermidades entre o povo.” Em seguida o evangelista nos apresenta um relato conciso de como o
Mestre trabalhava. Esse modo de trabalho perdurará por toda a vida de Jesus.
Um ponto que deve ser lembrado em todos os relatos de prodı́gios e milagres realizados
por Jesus é todos tinham um objetivo imediato e outro didá tico. Com objetivo direto, desejo me
referir ao benefı́cio trazido diretamente sobre a pessoa que recebeu a dá diva (cura, libertaçã o,
etc…), já o benefı́cio didá tico é termos recebido os relatos que comprovam o poder do Messias.
Quando o apó stolo Mateus selecionou o material para compor seu livro, ele escolheu os eventos
que provavam que Jesus de Nazaré era o Messias esperado por Israel, e aqui revela-se seu o
objetivo apologé tico. O apó stolo Pedro reforça essa idé ia em At 2.22 "Israelitas, ouçam estas palavras:
Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus diante de vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais, que Deus fez
entre vocês por intermédio dele, como vocês mesmos sabem.” Vemos claramente o pensamento de que
ningué m poderia realizar os feitos que Jesus fez se ele nã o fosse Deus.

v.25 "Grandes multidões o seguiam, vindas da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e da região do
outro lado do Jordão." Pessoas do paı́s inteiro vinham em busca do profeta da Galilé ia.
Estamos vivenciando a apresentaçã o inicial do Reino e uma descriçã o do que seria o
ministé rio terreno de Jesus, onde ele curava a todos, indo à s Sinagogas e pregando as Boas Novas.
O anuncio padrã o seguia um processo de trê s etapas: ensino, pregaçã o e cura. O pú blico daqueles
dias, assim como o de hoje, parecia estar mais interessado nas curas; sendo que as curas eram
apenas um sinal de autenticaçã o para os outros aspectos e nã o o principal objetivo. EN interessante
notar que o evangelho distingue entre doenças fı́sicas e doenças provocadas por espı́ritos
demonı́acos.
Nesse trecho encontramos també m uma referê ncia a Dt 18.15-19 “O Senhor, o seu Deus,
levantará do meio de seus próprios irmãos um profeta como eu; ouçam-no. Pois foi isso que pediram ao Senhor,
ao seu Deus, em Horebe, no dia em que se reuniram, quando disseram: "Não queremos ouvir a voz do Senhor, do
nosso Deus, nem ver o seu grande fogo, se não morreremos! " O Senhor me disse: "Eles têm razão! Levantarei do
meio dos seus irmãos um profeta como você; porei minhas palavras na sua boca, e ele lhes dirá tudo o que eu
lhe ordenar. Se alguém não ouvir as minhas palavras, que o profeta falará em meu nome, eu mesmo lhe pedirei
contas.”.

Mateus, com toda sua maestria literá ria, insere aqui uma pequena cá psula onde compara
o quã o superior é o trabalho do Messias se comparado ao de seu arauto Joã o. Repare como o
alcance da pregaçã o de Jesus atinge regiõ es ainda mais distantes do que o raio de açã o inicial do
Batizador.

João Jesus
•Jerusalé m •Galileia
•Judeia •Decá polis
•Vizinhança do •Jerusalé m
Jordã o •Judeia
•dalé m do
Jordã o
90
(1)Ainda que Dn 2.14 fale de um “Deus do cé u” certamente com objetivo bem diferente em seu contexto e que 2Tm
4.18 fale de um “reino celestial” també m com conotaçã o diferente da mensagem de Joã o e de Jesus.
(2)Anello Pescatorio (em italiano) signiCica “Anel do Pescador” - O anel de ouro apresenta um baixo-relevo de Pedro
pescando de um barco. https://pt.wikipedia.org/wiki/Anel_do_Pescador (acessado em 20/03/2016)
(3)Dupont, J. - L’Arrière-fond Biblique du Récit des Tentations de Jésus - p.287-304
(4) Josefo. F. - De bello judaico - ii, 13, 4ff
(5) Roth, C. - The Zelots in the war of 66-73 - p.339
(6) Schbert, K. - The dead seu community - p.32-33
(7) Beitzel, B.J e Lyle, K.A - Lexhan Geographic commentary on the gospels - p.60
(8) Benjamin Mazar - "Hebrew Inscription from the Temple Area in Jerusalem,” Qadmoniot 12.4 (1970): 142–44;
Aaron Demsky - “When the Priests Trumpeted the Onset of the Sabbath: A Monumental Hebrew Inscription from the Ancient
Temple Mount Recalls the Sacred Signal,” BAR 12.6 (1986): 50–52.

Local tradicionalmente conhecido como o Monte das Bem-aventuranças em Israel.


(Imagens of the Holy Land - de Hanan Isachar - Logos bible software)

91
Mateus 5
O PRIMEIRO GRANDE DISCURSO DE JESUS

Na introduçã o deste livro, parte 1.3 onde tratamos da estrutura literá ria, chegamos a
ponderar se o “evangelho” deveria ser aceito como um estilo literá rio especı́Cico ou nã o. Ainda
que me falte conhecimento no campo das Letras para me aprofundar na questã o, teologicamente
posso propor algo muito evidente no trecho que se inicia a seguir. Enquanto na entrega da Torah
no Sinai, o SENHOR falou entre raios e escuridã o assustadora, aqui o Cristo fala de maneira suave.
Na base da montanha o povo tremia de medo, e seria morto caso se aproximasse, aqui no monte
de Jesus, todos se assentam calmamente e sã o confortados pelas palavras. E por Cim, o aspecto
que mais diferencia os dois eventos é que na entrega da Lei lá em Deuteronô mio ressalta o
aspecto punitivo de estar em aliança com Deus, e aqui, na planı́cie-monte Jesus, o Cristo, revela o
lado positivo da mesma Lei. A isso chamamos de Evangelho, as boas novas da salvaçã o. Nosso
Deus é o mesmo Deus do Sinai, poré m agora, por amor dele, foi-nos revelada sua eleiçã o e a
expiaçã o atravé s de seu Filho, Deus-homem encarnado.

5.1-7.27 O sermão do monte


Chegamos ao discurso mais famoso de Jesus, nã o que os outros sejam menos
importantes, mas sendo este o primeiro e mais tocante de todos, o Sermã o do Monte tem um
apelo universal. Esse é o primeiro dos cinco grandes discursos registrados por Mateus e nos
apresenta o modelo é tico de vida no Reino dos Cé us. EN també m comparado como um grande
discurso inaugural (dando inı́cio aos trabalhos legislativos), assim como acontece no parlamento
de diversos paı́ses, tais como Inglaterra e USA. Sendo o trecho mais conhecido do ensino de Jesus,
o Sermã o do Monte ainda assim é pouco compreendido e poucos sã o os que se dispõ e seguı́-lo
integralmente.
Trata-se de um sermã o longo e que talvez tenha acontecido em momentos distintos e nã o
em uma sequê ncia ininterrupta. Nada disso nos permite assumir uma postura pouco ortodoxa e
pensar que o Sermã o nã o tenha acontecido em um ú nico dia. Grandes teó logos do passado
analisaram essa questã o, chegando alguns a propor que parte do sermã o foi proferida aos pé do
monte e outra parte na encosta do monte. Sob qualquer ponto de vista o Sermã o do Monte possui
uma estrutura bem judaica, com sentenças curtas e rá pidas, o que facilitava sua gravaçã o na
memó ria.
O primeiro a utilizar o termo “Sermã o do Monte” foi Agostinho de Hipona, em seu
comentá rio escrito em latim chamado “De sermone Domini in monti” constituı́do por dois livros e
escrito bem no inı́cio de seu ministé rio pastoral (precisamente entre 393 e 394 d.C). Falando da
importâ ncia do sermã o e do motivo que o levou a escrever o livro, Agostinho disse: “Quem quiser
meditar com piedade e recolhimento o sermão que Nosso Senhor Jesus Cristo pronunciou na montanha, tal
como lemos no evangelho segundo Mateus, encontrará aí, um programa perfeito de vida cristã destinado à
direção dos costumes”(1) Para as bı́blias em lı́ngua inglesa, o termo teve origem na bı́blia da
Coverdale A.D.1535(2). Este trecho do evangelho de Mateus talvez seja a parte mais estudada e
conhecida da bı́blia, sendo interessante o que disse D. J. Harrigton: “A história da interpretação do
Sermão do Monte é uma miniatura da história do Cristianismo”(33) A este respeito muito assertiva é a
descriçã o do teó logo John Donne, realizada durante um sermã o em 1629, a qual diz:

"Todos os artigos de nossa religião, todos os cânones de nossa igreja, todas as injunções de nossos príncipes, todas
as homilias de nossos pais, todo o corpo da divindade, estão nesses três capítulos, neste Sermão da Montanha."(3)

Devemos lembrar que esse é o momento inicial da oferta do reino e pela primeira vez
uma grande multidã o se reune para escutá -la. Podemos ver alguns ecos do Antigo Testamento
nesse cená rio, com o grande profeta Jesus ensinando o povo de Deus as regras divinas. Tal relato,
em muito, lembra Moisé s trazendo a lei para os escravos saı́dos do Egito, veja essa semelhança
em Ex 20 e Dt 5. Aqui o Rei apresenta os planos gerais e explica como o Reino funcionará , alguns
chamam esse primeiro discurso de “Carta Magna do Reino”, ou algo pró ximo ao conceito moderno
de constituiçã o. O estatuto do Reino é encabeçado por nove bem-aventuranças, seguidas por

92
comentá rios sobre a Lei do Sinai, aplicaçõ es para uma vida religiosa e advertê ncias Cinais. Em
certo ponto, o Sermã o do Monte, lembra o discurso de bençã os e maldiçõ es feitos por Moisé s em
Dt 27-29.

Conforme bem apontado por Dale C. Allison, o Sermã o do Monte possui uma estrutura
evidentemente proposital, onde a introduçã o (4.23 a 5.2) e a conclusã o (7.28-8.1) equivalem uma
a outra. Esse tipo de recurso literá rio é chamado de Inclusio e revela uma mini histó ria dentro da
narrativa principal.(51) Some-se o uso da expressã o “e abrindo sua boca” (5.2) e “quando Jesus terminou
de dizer essas palavras” (7.28) e percebemos que existe uma moldura perfeitamente arquitetada
pelo autor do livro. Isso mais uma vez demonstra o talento do apó stolo na redaçã o do texto
inspirado pelo Espı́rito Santo.
Acompanhe uma comparaçã o entre a introduçã o e a conclusã o do sermã o:

Introdução (4.23-5.2)
Conclusão (7.28-8.1)

.
.

4.25 “E grandes multidões o seguiam”


8.1 “grandes multidões o seguiam”

5.1 “As multidões”


7.28 “As multidões”

5.1 “subiu ao monte”


8.1 “desceu do monte”

5.2 “começou a ensinar-lhes” 7.28 “maravilhadas com seu ensino”

Para ajudar a visualizaçã o do sermã o, que é muito extenso, optei por dividi-lo em cinco partes:

.

1. As Bem-aventuranças 5.1 a 5.16- Ensinos inovadores que vã o alé m da Lei


2. Antíteses 5.17 a 5.48 - O cumprimento e ampliaçã o da Lei
3. Pratica religiosa 6.1 a 6.18 – Aplicaçã o quotidiana da Lei
4. Ilustrações 6.19 a 7.12 – Ilustraçõ es e aplicaçõ es relativas aos discı́pulos
5. Conclusão sapiencial 7.13 a 7.28 - Advertê ncias escatoló gicas

Sermão do Monte, parte 1

v.1-2 Onde aconteceu o sermão? Qual o público alvo?


O texto de Mateus é bem direto “Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus
discípulos aproximaram-se dele, e abrindo sua boca ensinava-os, dizendo” Pode-nos passar desapercebido,
mas o autor está montando o palco para um grande evento solene. O fato dos eventos se
passarem em um monte nã o implicam em improvisaçã o ou algum grau de insigniCicâ ncia, pelo
contrá rio, descrevem a grandiosidade do acontecimento. Alé m disso existe um detalhe no texto
que oCicializa o evento, se trata da descriçã o em trê s etapas do trabalho proclamativo: 1) o Mestre
sentou-se, 2) seus discı́pulos se aproximaram, e 3) ele abriu a boca e ensinou. Vemos nesses trê s
movimentos a solenidade do discurso de um governante ao seu povo, percebemos a dignidade
daquele que abria sua boca e todos pararam para ouvı́-lo. Caso você tenha diCiculdade em
visualizar a cena em sua mente, imagine o discurso de um presidente ao parlamento. O teó logo
francê s Joã o Calvino meditou muito sobre a expressã o “ele abriu sua boca e ensinava-os” O motivo é
que em muitas lı́nguas a expressã o parece desnecessá ria, quase como um pleonasmo, ele
explicou que esse tipo de construçã o é muito comum na lı́ngua hebraica.(26)
A diCiculdade se revela quando comparamos o relato do apó stolo com o de Lucas, pois o
mé dico diz “Jesus desceu com eles e parou num lugar plano.” (Lc 6.17) Para equalizar esta questã o
parece-me que o argumento de Jerô nimo seja o melhor, pois dizia ele: “O cimo do Hatim era
considerado o lugar tradicional do sermão do monte; e este lugar corresponde exatamente com a circunstância
– um planalto no monte onde as multidões podiam congregar-se com facilidade”(4) Seguindo a linha de
Jerô nimo o estudioso D.A.Carson explica que o termo utilizado por Lucas (anebe eis to oros) se
refere a um planalto encontrado em regiõ es montanhosas.(5) Hoje em dia é quase que um

93
consenso entre os teó logos cató licos chamar o discurso de “Sermã o da montanha/planı́cie”, sendo
esse termo quase desconhecido entre o protestantismo em geral. Ponderando todas as
possibilidades, me parece que o registro do sermã o realmente se reCira a um ú nico discurso e que
contenha as palavras exatas proferidas por Jesus, o Cristo de Deus. Existe um termo té cnico
chamado Ipsissima vox (que em Latin signiCica: a exata voz [a ideia original], ainda que nã o com as
mesmas palavras ipsissima verba) e que é muito propı́cio ao se referir ao livro que o apó stolo
Mateus nos deixou como legado. Assim reconhecemos como inspirado por Deus o texto escrito
por Mateus, mesmo este sendo uma traduçã o feita pelo autor das palavras originais do Senhor
Jesus.
Os teó logos antigos conhecidos como Pais da Igreja, valorizavam muito o fato de Jesus ter
subido ao monte já com o ensino, e a autoridade divina, enquanto Moisé s "desceu” do monte
Sinai, apó s receber do Senhor a autoridade. Pode parecer-nos uma sutileza quase imperceptı́vel,
poré m aos leitores antigos o paralelo brilhava com cores mais vivas; e sabendo da maneira
intricada como Mateus formatou seu texto, acredito que seja vá lida tal comparaçã o. Um Segundo
contraste pode ser percebido na apresentaçã o do ensino, pois Moisé s trouxe a “lei” enquanto
Jesus levou ao monte "as bem-aventuranças”. També m percebemos a autoridade do Messias pelo
modo como ele inicia seu discurso, pois ao contrá rio dos pregadores de seus dias que buscavam
transparecer uma dureza exterior, Jesus inicia de maneira doce e sublime. Nosso Senhor nã o
precisava impressionar ningué m para que suas palavras fossem ouvidas, bastava a autoridade
que era inata do Deus-Filho encarnado.

Curiosidade - Martinho Lutero

Ao meditar sobre as três etapas de preparação para o sermão no monte, Martinho


Lutero fez um observação séria, porém com um certo toque de humor eclesiástico. Disse
ele: “Estas são as três coisas, normalmente ditas, que marcam um bom pregador;
primeiro que ele tome sua posição, segundo, que ele abra sua boca e diga algo; terceiro,
que ele saiba quando parar.

Outro ponto a ser observado é : a quem o sermã o foi dirigido. Atente que na teologia, e na
CilosoCia, a resposta mais rá pida e ó bvia nem sempre é a mais correta. Claro que o texto é muito
claro e objetivo relatando que: “Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus discípulos
aproximaram-se dele, e ele e abrindo sua boca ensinava-os, dizendo:” Precisamos pensar por alguns
instante a respeito de que tipo de “discı́pulos” Mateus se refere; pois em uma leitura apressada
tendemos a considerá -los crentes, igual a nó s. Mas seria essa a referê ncia proposta pelo autor?
Alguns estudantes da bı́blia chegaram a propor que o texto fala dos apó stolos, mas essa
possibilidade é eliminada quando Jesus muda o pronome na 9º bem-aventurança. Agora nos resta
deCinir quem eram “os discı́pulos”.
Atravé s dos versı́culos 23-25 do capı́tulo 4 somos informados que durante algum tempo
o Mestre percorreu “toda a Galilé ia”, que sua fama se espalhou até a Sı́ria e que a ele vinham
pessoas de toda a regiã o da Judé ia, Decá polis, Jerusalé m e até do outro lado do Jordã o. Nã o
podemos considerar que todas essas pessoas fossem crentes verdadeiros, pessoas realmente
convertidas. Parece-nos que o termo “discı́pulos” utilizado por Mateus se refere a esse grupo
heterogê neo de pessoas que já haviam escutado os sermõ es anteriores, e talvez tivessem até
recebido algum milagre.
Podemos aceitar que o sermã o é um exemplo que deve ser seguido pela igreja? Sim.
Podemos aCirmar que o sermã o foi dirigido a igreja, representada pelos “discı́pulos”? Creio que
nã o.
També m é interessante observar a maneira como o autor descreve a transmissã o do
ensino dizendo: "e abrindo sua boca ensinava-os, dizendo”. Sendo que tal forma de falar se referia ao
ato do Senhor abrir a boca dos profetas no Antigo Testamento. Veja o exemplo de Jr 1.9 "O Senhor
estendeu a mão, tocou a minha boca e disse-me: "Agora ponho em sua boca as minhas palavras.” Um outro
momento que a escritura registra o Senhor abrindo a boca é em Gê nesis 1.3 onde: "Disse Deus:

94
"Haja luz", e houve luz.” Neste momento Jesus-Deus abre a sua boca e deCine como será o mundo
futuro, deCinido pelo Reino das Cé us. Ali, os discı́pulos, o povo em geral, os seres espirituais e toda
a criaçã o aguardavam o que o criador iria dizer. Diante deles estava aquele quem Paulo disse:
“Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas” Com apenas uma palavra Jesus poderia fazer cais
fogo do cé u e consumir todos os incré dulos, mas ao contrá rio, ele opta por “abrir a boca” e dizer:
bem-aventurados. Nã o penas por um vez, mas por nove vezes consecutivas; assim reforçando ao
má ximo a bençã o sobre aquele que herdariam o Reino.
Ressalto també m que, infelizmente, a maioria das traduçõ es brasileiras omitem essa
expressã o.

v.5-13 As bem-aventuranças – A descriçã o do cará ter cristã o


Um inı́cio doce e sublime que encanta a todos. Quem nã o se identiCica com alguma das
bem aventuranças? Quem nã o sente o Rei do Universo ali, bem pró ximo e ı́ntimo, atravé s dessas
palavras consoladoras. Aqui encontramos a base moral e legal do Reino que estava a porta, nas
bem-aventuranças está o fundamento da promessa divina. Já que, desde a pregaçã o de Joã o
Batista no Jordã o, Cicará claro que ter nascido judeu nã o garantia o salvo conduto até o Reino, era
necessá rio que alguns esclarecimentos fossem feitos.
Ainda que de maneira doce, nosso Senhor faça sua declaraçã o inicial, podemos perceber,
imediatamente, uma diferença entre o Reino e o mundo em geral: o que é felicidade. Na presente
era, uma pessoa bem-aventurada é aquele que possui tudo o que deseja, tem saú de, famı́lia
grande, ou seja, uma vida bem tranquila. Poré m ao nos apresentar o cará ter dos cidadã os do
Reino, Jesus mostra que os atormentados, os sofredores e perseguidos é que sã o os verdadeiros
“mais que felizes”. Acompanhemos a o discurso de nosso mestre.
Alguns chegaram a se perguntar se as bem-aventuranças apresentam exigê ncias para a
entrada no Reino ou se, na verdade, expressam bençã os escatoló gicas e descriçõ es do cará ter dos
cidadã os sob o domı́nio do Messias. G.Guelich explica com grande riqueza de detalhas as diversas
implicaçã o desse tema em um texto chamado “The Matthean Beatitudes: entrance requeriments or
eschatological blessings” Recomendo essa leitura.

Mais uma vez encontramos formatos conhecidos da audiê ncia, pois as Bem-aventuranças
repetem a fó rmula encontrada na abertura do livro dos Salmos, veja Sl 1.1”Bem-aventurado aquele
que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos
zombadores!”. Trata-se de um ensino em duas partes, sendo que na primeira se apresenta uma
caracterı́stica a ser alcançada, e na segunda parte uma recompensa para que cumprir a primeira
parte. Mensagens profundas que eram transmitidas de forma simples e acessı́vel, quase poé tica,
a todo o tipo de ouvinte, desde os camponeses até os doutores da lei. A palavra grega ΜακαŒ ριοι
(makarioi), traduzida por “bem-aventurados” possui um correspondente hebraico (’asrê ).
As bem-aventuranças formam um conjunto de nove ensinamentos, curtos e objetivos.
Elas representam uma pureza de cará ter que a justiCicaçã o dos fariseus jamais poderia produzir,
uma vez que aquele grupo se preocupava com a aparê ncia externa de piedade e relacionamento
com Deus. Ao invé s disso, no discurso do mestre percebemos uma inversã o de valores, pois o
“mundo” valoriza os ricos, poderosos e os arrogantes. Logo de “cara” vemos que no Reino dos
Cé us as coisas seriam bem diferentes, pois os que aqui sã o desprezados, no Reino seriam mais
que felizes, ou seja, bem-aventurados.
A fó rmula de ensino é bem direta e acessı́vel, sendo que o Mestre faz uma descriçã o do
cará ter do cidadã o do Reino, em seguida descreve como seriam recompensados. Um aspecto
fundamental e que passa despercebido é que nã o existem verbos nas bem-aventuranças, elas sã o
exclamaçõ es, uma testiCicaçã o de algo que já existe. Assim Jesus nã o exige que se cumpram o que
está sendo dito, ao contrá rio, ele apenas aCirma o resultado do viver piedoso e que agrada ao
Senhor. Aqui o Mestre ressalta como sã o os que irã o entrar no Reino e nã o demonstra um
caminho para alcançá -lo. O texto deCine um conjunto de caracterı́sticas que todo o crente precisa
compreender, pois nos deCine como aqueles que irã o herdar o reino celeste. Um modo també m
interessante de compreender as bem-aventuranças e vê -las como uma descriçã o geral do cará ter
cristã o, enquanto o restante do discurso apresenta situaçõ es especı́Cicas, quase que uma
aplicaçã o do modo de vida do Reino.
As bem-aventuranças formam um conjunto de aCirmaçõ es 9, poré m parece-nos melhor
descrevê -las como 8+1, uma vez que as oito primeiras foram proferidas de forma agrupada e a
ú ltima nã o. Existe també m uma mudança drá stica no foco, ou seja, a quem a nona bem-

95
aventurança foi dirigida, o que é demonstrado nos pronomes utilizados. Falaremos mais a
respeito apó s a aná lise do texto. Aqui devemos podemos um crité rio de estudo que é vá lido para
toda a Escritura “observar o todo para não perder nenhum detalhe”. Ainda que cada cristã o se
identiCique mais com uma ou outra bem-aventurança, o cará ter do crente deve conter todas as
caracterı́sticas descritas. O estudioso R.Meynet, ao analisar a questã o textual interna, ou seja a
conexã o entre as palavras e nã o seu conteú do teoló gico, disse: “ […] o problema está na organização
interna dos versículos 3-12; por outras palavras, a questão é o número das “bem-aventuranças" em Mateus:
sete segundo a predileção do autor, oito se contarmos as que exibem a mesma composição (bem-aventurados -
porque), ou nove se considerarmos o número das ocorrências da palavra “bem-aventurados”"
Outro ponto a ser observado é conexã o que existe entre cada uma delas, pois Nosso
Senhor as proferiu em ordem especı́Cica e com um objetivo pedagó gico em mente. Talvez pelo fato
de acreditar em uma abordagem histó rico/gramatical no estudo bı́blico, me sinto pouco
confortá vel com o modo de pensar de alguns estudiosos que acreditam que as bem-aventuranças
se assemelham a um caleidoscó pio teoló gico(34), onde suas aplicaçõ es e implicaçõ es variam
aleatoriamente. Para nos guiar neste objetivo, o texto apresenta uma caracterı́stica interessante,
onde apenas a 1º e a 8º bem-aventurança possuem seu cumprimento expressas por verbo no
tempo presente, neste caso o verbo ε† στιν (estin) “é ". Aqui encontramos uma boa dose de
parallelismus membrorum, que nada mais é do que o formato tı́pico da retó rica hebraica, ao que
M.A. Powell chamou de: “Um dos passos mais cuidadosamente arquitetados do evangelho”(28)
Podemos até imaginar uma espé cie de kenosis humana, ou seja, um auto-esvaziamento
voluntá rio. Uma possı́vel explicaçã o para isso é que a posse do Reino é garantida, mas o benefı́cio
completo deste fato, descrito entre a segunda e a sé tima bem-aventuranças ainda será
consumado. També m é possı́vel perceber uma circularidade no ensino, sendo que a primeira e a
ú ltima descrevem a posse do Reino de Deus; onde o ú ltima grau a ser atingido é equivalente ao
primeiro grau, ou seja, que chegar até Cinal, estará , na melhor das possibilidades, ao mesmo nı́vel
dos que estã o iniciando a jornada. Como é surpreendente o ensino de Jesus, pois nele o objetivo
Cinal é se tornar servo e nã o senhor, é servir e nã o ser servido. Os cidadã o que herdarã o o Reino, o
receberã o por mé rito de seu Senhor e nã o por algo que tenham praticado. Como disse Agostinho
“São, pois, sete as bem-aventuranças que conduzem a perfeição. A oitava, tudo termina e manifesta. Os
primeiros graus vão recebendo uns dos outros a sua perfeição para, no oitavo, retornar ao ponto de partida.”(6)
A literatura sapiencial judaica, e principalmente o livro de Isaı́as, serã o o arcabouço do
das declaraçõ es introdutó rias sobre o Reino do Messias. O formato de bençã os agrupadas é
encontrado també m eu outras tradiçõ es judaicas, sendo conhecida uma tradiçã o da escola do
rabino R. Esaiah Ben Korcha, que estabelecia 20 bençã os a serem pronunciadas durante a leitura
dos Salmos e 20 problemas na leitura de Isaı́as.(44)
Existe uma obra fundamental sobre as bem-aventuranças, escrita em francê s, chamada
Les Béatitudes de J.Dupont; nos ú ltimos 50 anos nada mais profundo foi escrito a respeito deste
tema.

Uma vez que as bem-aventuranças descrevem o cará ter do cidadã o do reino celeste, elas
descrevem també m o seu rei, ou seja, nos revelam Jesus. Ou poderı́amos imaginar algué m que
tenha esvaziado mais do que o Deus-eterno que se fez a semelhança de homem pecador. Abaixo
descreverei e analisarei cada uma das bem-aventuranças; depois de lê -las, peço que calcules se
algué m poderia ser melhor descrito por elas do que Jesus, o Cristo.

Bem-aventurado

Essa palavra vem do Latin beatus e significa “mais do que feliz” e em grego se escreve
makarioi. Na época de Cristo esse adjetivo não era usado para indicar pessoas comuns, pois as
dificuldades da vida nos impedem de atingir tal estado de felicidade. Normalmente a expressão "bem-
aventurado” era utilizada para descrever algo relativo aos deuses pagãos ou a vida pós-morte de
heróis; assim sendo um estado acima do que o ser humano comum podia esperar em seu quotidiano.
Jesus traz tal realidade para a população em geral, mesmo os mais humildes.

Aqui existe uma diferença clara entre o ensino de Jesus e o de uma seita filosófica grega
chamada Estóicos. Para aquele grupo havia uma série de paradoxos (contrastes) entre os sentimentos
e percepções humanas, chegando eles a dizer que não havia distinção entre dor e prazer. Não é disso
que se trata o termo bem-aventurado. O uso por parte do Cristo é no sentido de demonstrar que

96
apesar do sofrimento, que é real, existe uma felicidade superior que será consumada no com a
chegada do Reino dos Céus.
.

• v.3 Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus (ΜακαŒ ριοι οι¡
πτωχοι„ τῷ πνευŒ ματι, ο¼ τι αυ† τῶν ε† στιν η¡ βασιλειŒα τῶν ου† ρανῶν). Que bela abertura para
um grande discurso. Ser pobre em espı́rito é ser humilde, ter pouco ou nenhum orgulho
de suas pró prias obras, ser pobre em espı́rito é ter consciê ncia da falê ncia moral do ser
humano perante a Deus. Para uma audiê ncia de pessoas simples, que viviam em uma
regiã o desprezada do paı́s, iniciar o sermã o bem-dizendo os pobres tinha um grande
impacto em sua empatia para com Jesus. ACinal, de pobreza eles entendiam. Tal
aCirmaçã o ia diretamente contra os fariseus e demais religiosos da é poca, que se
orgulhavam de cumprir a lei mosaica, e nisso se consideravam ricos, dignos e
merecedores de louvor. Assim como os pobres da terra precisam de ajuda, pois nada tem,
també m nó s devemos precisar de Deus, e no ó tica de Jesus esses que nada possuem, sã o
os que tem por herança o Reino dos Cé us. També m é interessante notar que o Mestre
deCine que o estado de pobreza devia ser espiritual e nã o algum tipo de voto de pobreza
como os teó logos cató licos procuram defender. Em ú ltima instâ ncia, ser “pobre em
espı́rito” é se colocar em estado de dependê ncia divina, trata-se de um estado de auto-
esvaziamento. Veja o que diz o texto de Is 66.2: “mas para esse olharei, para o pobre e abatido
de espírito, e que treme da minha palavra”, veja també m o conhecido texto de Is 61.1 “O Espírito
do Senhor está sobre mim porque o Senhor me ungiu para levar boas notícias aos pobres (πτωχοῖς, a
mesma palavra na LXX)” Todo o ensino de Jesus está conectado com os preceitos
veterotestamentá rios, nunca os opondo, mas por vezes os levando alé m do que os
autores, como Isaı́as, compreendiam em seus dias. Existe uma lenda envolvendo o
imperador romano Juliano (332-363), responsá vel pela negaçã o do cristianismo e pelo
restabelecimento do paganismo em Roma, supostamente disse que iria tomar as
propriedades dos cristã os para que todos eles se tornassem pobres e entrassem no reino
dos cé us. Existe uma variaçã o entre o registro de Mateus e o de Lucas, sendo que Mateus
apresenta uma forma alongada “pobres em espı́rito” enquanto Lucas diz apenas “pobres”.
Durante muito tempo os estudiosos procuraram descobrir qual versã o seria a mais
acurada, ou qual teria sido escrita primeiro(32), entretanto hoje em dia existe um
consenso de que cada autor formatou seu relato com objetivos especı́Cicos em mente.
Esse modo de pensar elucida que Mateus escolheu uma forma mais completa, ainda que
textualmente os dois adjetivos sejam plenamente intercambiá veis.(31) Uma observaçã o foi
levantada a respeito de um grupo de judeus piedosos do sé c. I chamados de Anawim
(pobres em hebraico) que talvez fossem uma referê ncia para os ouvintes originais;
infelizmente nã o temos muito material a respeito desse grupo e nã o nos parece que fosse
esse o objeto do ensino de Jesus.
• v.4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. (μακαŒ ριοι οι¡ πενθοῦ ντες
ο¼ τι αυ† τοι„ παρακληθηŒ σονται) Em grego o verbo pentheo signiCica lamento, choro em alta
voz; lembrando os que choram por um ente querido que morreu. Aqui o alto choro se
refere à consciê ncia de nossos pecados e a promessa que o motivo do choro iria terminar.
Ainda assim nã o podemos excluir que esta aCirmaçã o també m nã o se reCira, ainda que de
maneira secundá ria, aos sofrimentos quotidianos decorrentes do pecado. (cf. Gn
3.14-19) Nã o deixa de ser interessante a contradiçã o proposta por Jesus, aCinal “ser feliz”
é bem diferente de “prantear em luto”; mas como sempre, o Mestre vai mais alé m das rasas
consideraçõ es humanas. Some-se o que fora dito na bem-aventurança anterior e teremos
o quadro de um herdeiro que alé m de se colocar na condiçã o de pobreza em espı́rito
(algo ı́ntimo) agora chora copiosamente (algo externo) a sua condiçã o espiritual
miserá vel. O pranto é alto, pois a pobreza em espı́rito é enorme e a convicçã o do pecado
inCinita, já que quando pecamos contra o Deus inCinito cometemos um pecado inCinito.
Enquanto ser pobre em espı́rito é uma atitude racional, o chorar em alta voz demonstra
um sentimento profundo; é uma progressã o onde a consciê ncia de nossas necessidades
passa de um aspecto moral/racional, a uma emoçã o incontrolá vel. Vemos aqui um eco de
Isaı́as 61.2-3 “para proclamar o ano da bondade do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus; para

97
consolar todos os que andam tristes, e dar a todos os que choram em Sião uma bela coroa em vez de
cinzas, o óleo da alegria em vez de pranto, e um manto de louvor em vez de espírito deprimido.” A
conexã o mais profunda é entendida quando o ser humano pranteia por seu pecado e o
Senhor o consola atravé s de sua presença divina como o Espı́rito consolador. Para uma
pessoa em tamanha aCliçã o, apenas palavras nã o seriam suCicientes, o consolo precisaria
ser muito mais efusivo. Textualmente a palavra παρακαλεŒ ω (parakaleō ) um verbo no
tempo futuro do indicativo, na terceira pessoa do plural, traduzido por “serã o
consolados” pertence a mesma raiz utilizada para descrever o Espı́rito Santo Consolador
παραŒ κλητος (paraklē tos). Existe també m uma promessa escatoló gica que irá se cumprir
em Ap 7.17: “E Deus enxugará de seus olhos toda a lágrima”. *A NVI elimina o pronome “eles”
(αὐτοὶ) de maneira errônea. Alguns estudiosos, principalmente J.Dupont, chegaram a
questionar se o versı́culo 5 estava originalmente conectado ao versı́culo 3, poré m hoje, a
totalidade das traduçõ es segue o modelo tradicional.(29) A melhor resposta a este
questionamento foi apresentada por Bruce Metzger, que disse: “Se os versos 3 e 5 estivessem
originalmente juntos com sua antíteses retóricas de céu e terra, seria muito unusual um escriba
enxertar o versículo 4 entre eles. Por outro lado, é mais provável que um copista do início do século II
tenha revertido a ordem das duas bem-aventuranças com o intuito de produzir a antítese e
aproximar πτωχοὶ de πραεῖς(30)
• v.5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. (μακαŒ ριοι οι¡ πραεῖς ο¼ τι
αυ† τοι„ κληρονομηŒ σουσι τη„ ν γῆ ν) Esta é uma citaçã o do Salmo 37.11 Para o povo judeu a
posse da terra era o equivalente a continuidade de sua existê ncia; sem a terra eles nã o
eram ningué m, sem a terra nã o havia Israel. Veja as alianças de Deus com Israel e
perceba a importâ ncia do “herdar a terra” para aquele povo (cf. Dt 4.10). E mais uma vez
Jesus mostra o verdadeiro cará ter dos que entrarã o no Reino (aqui descrito como
herdeiros da terra), sendo essa caracterı́stica marcante a mansidã o. O texto de Isaı́as
66.2 descreve a mansidã o: "A este eu estimo: ao manso e contrito de espírito, que treme diante da
minha palavra." Nã o em um sentido pejorativo, como sinal de fraqueza ou pobreza, mas
sim como uma força sob controle. Veja que tanto Jesus quanto Moisé s foram descritos
como sendo mansos e humildes Nm 12.3 2 Mt 11.29. A palavra grega praeis é
normalmente associada a um cavalo adestrado, mostrando força sob controle e nã o
fragilidade. Ser manso é um ato de força e nã o de limitaçã o fı́sica ou intelectual. Ainda
que algumas traduçõ es para o portuguê s, por vezes traduzam praeis por “humildes” a
traduçã o mais correta é “mansos”. Aqui percebe-se uma progressã o ló gica, pois primeiro
tem-se o ato de conscientemente colocar-se em uma posiçã o de pobreza em espı́rito, no
segundo momento, desesperar-se devido as suas falhas e por consciê ncia de seu pecado,
e agora, na terceira bem-aventurança chegamos a uma consequê ncia ó bvia: mansidã o
controlada condicionada por nossa pobreza extrema. Sendo esta atitude a expressã o
maior das convicçõ es anteriores, as quais eliminam qualquer possibilidade de um auto-
senso de justiCicaçã o. ACinal de que se orgulharia uma pessoa que consegue compreender
sua falhas de maneira clara? Por Cim, percebe-se um doce contraste entre a ó tica do
Reino e a visã o do mundo corrompido, aCinal aos olhos seculares, os fortes, os poderosos
e os conquistadores herdam a terra; mas no ensino do Mestre, sã o os mansos, nã o os
brigõ es, que conquistam a posse Cinal. Para os gregos e os romanos a conquista de novas
terras era tarefa para os heró is e para os exé rcitos, uma tarefa para os bravos e corajosos.
Como escreveu Rudolf Stier “auto-renuncia é o caminho para o domínio mundial”(7) No
capı́tulo 11.27-28 de Mateus encontramos uma declaraçã o de Jesus a esse respeito:
"Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas
almas.” E ali vem o cumprimento de Is 42.2-3 "Não clamará, não se exaltará, nem fará ouvir a
sua voz na praça. A cana trilhada não quebrará, nem apagará o pavio que fumega; com verdade
trará justiça.” Em resumo, o manso é aquele “Não se deixa vencer pelo mal, mas vence o mal com
o bem” Rm 12.21.
• v.6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão satisfeitos.
(μακαŒ ριοι οι¡ πεινῶντες και„ διψῶντες τη„ ν δικαιοσυŒ νην ο¼ τι αυ† τοι„ χορτασθηŒ σονται) Aqui
podemos ver como duas necessidades bá sicas do ser humano sã o usadas para ilustrar o
quanto devemos almejar a justiça do Reino que está por vir. Nã o signiCica apenas um
desejo intelectual ou um ideal social, mas um desejo primal o qual nã o podemos ignorar
ou refrear. Sendo o ser humano um ser sociá vel, nosso desejo inato é pela harmonia e

98
equilı́brio nas relaçõ es, ou em resumo "justiça". Existe també m uma incompatibilidade
entre o modo de viver daquele que é herdeiro do Reino e daqueles que vivem alheios a
vontade divina. Assim uma indignaçã o santa é despertada nos crentes contra a injustiça
deste mundo caı́do. Atravé s da hendı́ade, uma Cigura de linguagem onde dois conceitos
ou substantivos sã o coordenados para reforçar um propó sito, Jesus nos aponta para a
energia envolvida neste desejo por justiça. A “fome"e a “sede" serã o saciadas de maneira
plena, mostrando a extensã o da promessa divina. Devemos imaginar a cena de um
banquete onde os convidados nã o conseguem comer mais nada, de tã o cheios que já
estã o. O verbo empregado aqui chortazo é comumente usado na descriçã o de gado bem
engordado para o abate, no sentido de que sermos cheios até o ponto de quase explodir.
Podemos ver um reClexo dessa esperança no Salmo 17.13-15, cujo linguajar é muito
semelhante e diz: “Levanta-te, Senhor! Confronta-os! Derruba-os! Com a tua espada livra-me dos
ı́mpios. Com a tua mã o, Senhor, livra-me de homens assim, de homens deste mundo, cuja
recompensa está nesta vida. Enche-lhes o ventre de tudo o que lhes reservaste; sejam os seus Cilhos
saciados, e o que sobrar Cique para os seus pequeninos. Quanto a mim, feita a justiça, verei a tua
face; quando despertar Cicarei satisfeito ao ver a tua semelhança." Existe també m uma conexã o
com Isaı́as 55.1-2 em um trecho conhecido como “convite aos que tem sede”. Repare
també m na dimensã o pessoal neste ensino, pois o verdadeiro crente anseia em se tornar
livre do pecado; assim receberemos o livramento completo da injustiça pró pria que nos
aClige. Era essa sede e essa fome que atormentaram Lutero por tantos anos, até que ele
descobriu que a saciedade era concedida por Deus e nã o por obras. Diz Pv 2.21: “Pois os
justos habitarão a terra, e os íntegros nela permanecerão”. *A NVI elimina o pronome “eles” (αὐτοὶ)
de maneira errônea. Em nı́vel textual é interessante notar que a parte introdutó ria desta
bem-aventurança possui uma forma notavelmente mais longo que todas as demais; isso
representa uma quebra de ritmo no discurso, o que por consequê ncia atrai a atençã o do
ouvinte ao que está sendo dito. O Mestre utiliza dois particı́pios (os que tem "fome" e os
que tem “sede") e os qualiCica atravé s de um terceiro (justiça), algo que revela a
unicidade de Jesus como orador.
• v.7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. (μακαŒ ριοι οι¡
ε† λεηŒ μονες ο¼ τι αυ† τοι„ ε† λεηθηŒ σονται) Ser misericordioso nã o é um motivo para se
conhecer a Deus, e sim um sinal daqueles que o conhecem. Apenas diante de tal
conhecimento entendemos que tudo o que somos vem dEle e que nã o somos
merecedores de nada. Essa atitude nos leva a ser mais tolerantes com o pró ximo, sendo
a empatia e a misericó rdia os passos seguintes deste trajeto. També m percebemos uma
textura muito singela nesta aCirmaçã o, pois os sentimentos de “fome” e “sede” descritos
anteriormente poderia levar-nos a uma atitude de intolerâ ncia contra os injustos. A isso
Jesus refuta aCirmando, sempre dentro de uma progressã o ló gica, que a “fome” e a “sede"
devem ser sentimentos internos nossos, deixando para o exterior nã o o julgamento, mas
a misericó rdia. Em termos jurı́dicos, a misericó rdia é obtida nã o atravé s de provas de
defesa, mas depende exclusivamente daquele que possui a autoridade para executar a
pena. Ou como disse A.W. Pink: “A misericórdia é aquele adorável atributo de Deus pelo qual ele
tem compaixão dos miseráveis e os alivia.”(55) O crente que conhece sua misé ria, conhece
també m a misericó rdia daquele que o escolheu; ainda que almejando a justiça, deixa a
execuçã o da lei para o seu Senhor, e em direçã o ao pró ximo, exerce apenas a
misericó rdia. O estudioso Richard Lenski traz uma explicaçã o cabal para o tema: "O
substantivo eleos (misericórdia) ... sempre lida com o que vemos de dor, miséria e angústia, esses
resultados do pecado; e charis (graça) sempre lida com o pecado e culpa em si. O estende o alívio, o
outro perdão; O único cura, cura, ajuda, o outro limpa e restaura.”(8) Esse fundamento é tã o
importante que o vemos repetido na oraçã o que Jesus nos ensinou: “Pai, perdoe nossas
dívidas, assim como perdoamos nossos devedores…”, assim como em Mt 6.12 e Mt 18. E na
conclusã o do ensino aprendemos que no Reino, essas pessoas receberam misericó rdia e
nã o julgamento. Misericó rdia nã o parece ser um traço marcante dos religiosos daquela
é poca, basta ver o que aconteceu diante de Pilatos, onde eles exigiam a morte e nã o
clemê ncia. Podemos sentir um Cluxo no ensinamento de Jesus, assim aqueles que sã o
pobres em espı́rito, pranteiam por sua falhas e vivem em mansidã o esperando a graça do
Senhor, agora seriam misericordiosos na medida que esperam por receber o mesmo
tratamento, seja do pró ximo, seja de Deus. E devemos manter em vista que se trata de
uma atitude ativa, assim como na “mansidã o”, ou seja, ser misericordioso é diferente de

99
ser complacente ou indiferente. A verdadeira misericó rdia se revela quando, apesar da
falha concreta do outro, optamos por nã o imputar sobre ele a extensã o de seu erro. Um
escrito cristã o do primeiro sé culo chamado 1 Clemente, no capı́tulo 13.1 resume bem a
questã o: “A recompensa não é misericórdia demonstrada pelos outros, mas por Deus”. (22) *A NVI
elimina o pronome “eles” (αὐτοὶ) de maneira errônea.
• v.8 Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. (μακαŒ ριοι οι¡ καθαροι„ τῇ
καρδιŒᾳ ο¼ τι αυ† τοι„ οª ψονται το„ ν θεο„ ν) Talvez essa seja a bem-aventurança com uma
conexã o mais ó bvia, ao menos do ponto de vista espiritual; aCinal aqui vemos a ligaçã o
entre santidade e conhecimento de Deus em termos mais diretos. Ou como disse
Rudolph Stier: “Portanto, a pureza do coraçã o é entã o mencionada como o teste da verdadeira
misericó rdia; nã o o contrá rio, como se essa presunçã o de misericó rdia fosse "a garantia da pureza
no coraçã o”.” Novamente o Mestre aborda um aspecto interno do cidadã o do Reino,
havendo muita similaridade com a primeira bem-aventurança. O ensino nã o aborda
algum tipo de limpeza ritual levı́tica, algo que seria muito simples de ser executado pelos
religiosos fariseus, tanto que no capı́tulo 15.2 os fariseus acusam os discı́pulos de Jesus
de nã o seguirem certos costumes que buscavam uma limpeza religiosa externa. A
“pureza de coraçã o” é uma Cigura de linguagem que contrasta com a imundı́cie da raça
humana caı́da; ainda que o "em espı́rito” pudesse ser imaginado como algo abstrato, a
pureza “de coraçã o” era uma Cigura muito mais tangı́vel. Sendo o coraçã o um ó rgã o
situado, do ponto de vista Cilosó Cico, no centro do corpo humano, ele també m
representava o centro das emoçõ es. Da mesma maneira que a mansidã o, a pureza de
coraçã o nã o é um ato lú dico ou ingê nuo, na realidade é um ato ativo e consciente. O tema
da pureza de coraçã o já era conhecido na literatura veterotestamentá ria, principalmente
nos Salmos 24.3-4; 51.6, 10; Sl. 73.1 ainda que, textualmente falando, a passagem mais
pró xima seja Sl 73.1 “Certamente Deus é bom para Israel, para os puros de coração.” Onde a
expressã o ְ‫( לֵבָֽב בֵָר֥י ל‬l ḇā·rêʹ lē·ḇāḇʹ - aqueles puros de coraçã o) equivale ao καθαροι„ τῇ
καρδιŒᾳ empregado por Mateus Ou poderia algué m, que conhece as escrituras, se
esquecer de Jeremias 17.9-10 "O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença
é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?"Eu sou o Senhor que sonda o coração e examina a
mente, para recompensar a cada um de acordo com a sua conduta, de acordo com as suas obras.“ O
mesmo é dito em Dt 10.16 “Sejam 1iéis à sua aliança em seus corações, e deixem de ser obstinados”.
Assim o pú blico que ouvia o sermã o conseguia compreender o que o Mestre falava, ainda
que para os Fariseus, e demais religiosos, houvesse um recado implı́cito. A religiosidade
superCicial disfarçava uma pecaminosidade interior, a qual, em outro momento, Jesus
equiparou a “sepulcros caiados” Mt 23.27. Devemos estar atentos ao uso de uma boa
quantidade de hipé rbole, aCinal ningué m pode ter o coraçã o puro e ningué m pode ver a
Deus. Aqui Jesus compara o ato de conhecer a ter entendimento a respeito do Pai. Por
Cim, vê -se novamente a conexã o com as bem-aventuranças anteriores, aCinal como pode
algué m ter um coraçã o puro sem ter consciê ncia de sua condiçã o espiritual deplorá vel e
que nã o impõ e sobre o pró ximo sua auto-justiça. Assim parece-me impraticá vel que este
ensino estivesse em outra ordem, assim mostrando que o ensino é preciso e deve ser
entendido em seus mı́nimos detalhes. Na histó ria humana o ú nico judeu que chegou
perto de ver a Deus foi Moisé s, que era o grande heró i daquele povo, agora Jesus promete
que qualquer um no Reino teria o mesmo privilé gio. Veja a referê ncia do ocorrido com
Moisé s em Ex 34.6. Ou como diz um antigo hino cristã o: “um coração em tudo renovado, cheio
com divino amor. Direito, puro, bom e aperfeiçoado, cópia do teu coração Senhor” *A NVI elimina o
pronome “eles” (αὐτοὶ) de maneira errônea.
• v.9 Bem-aventurados os paci:icadores, porque eles serão chamados :ilhos de Deus. (μακαŒ ριοι
οι¡ ει†ρηνοποιοιŒ ο¼ τι αυ† τοι„ υι¡οι„ θεοῦ κληθηŒ σονται) Vemos uma forte conexã o com as duas
bem-aventuranças anteriores, onde os misericordiosos e puros de coraçã o agora sã o
descritos como paciCicadores. Seria difı́cil algué m se candidatar a vaga de paciCicador
sem ter um profundo senso de misericó rdia e um coraçã o puro, ou que ao menos busque
a pureza divina. ACinal a origem dos conClitos humanos é maldade e a cobiça de nossos
coraçõ es, assim sendo impossı́vel que algué m de coraçã o sujo pudesse se tornar um
paciCicador. Para haver paz é necessá rio que haja reconciliaçã o, pois o conClito já está
instalado dentro do coraçã o das pessoas atravé s do pecado. Existe uma orientaçã o a este
comportamento expressa no Sl 34.14: “Afasta-se do mal e faça o bem, busque a paz com
perseverança” Aqui Jesus descreve aqueles que se preocupam com os demais e assim

100
proclamam a justiça do Reino. Esse conjunto de qualidades só pode ser atingido atravé s
de uma só lida comunhã o com Deus, sendo que podemos ver novamente um contraste
com os Fariseus e sua justiça superCicial. Os religiosos se auto-intitulavam Cilhos de Deus,
lembre-se do que Joã o disse a eles durante o batismo no rio Jordã o. Existe també m um
aspecto de que os Fariseus eram encrenqueiros, brigõ es e maldizentes, o exato oposto do
que os paciCicadores devem ser. Os judeus esperavam um messias guerreiro, que fosse
expulsar os dominadores romanos e restabelecer o trono davı́dico, algo diametralmente
oposto ao proposto, aqui, pelo Rei. Divergindo dessa mentalidade, o profeta Isaı́as já
profetizava a respeito de Messias dizendo: “E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus
Poderoso, Pai Eterno e Principe da Paz” Is 9.6 Se formos honestos com as qualidades descritas
nas demais bem-aventuranças, nã o poderı́amos esperar outro tipo de atitude vinda dos
cidadã os do Reino dos Cé us. Caso os cató licos tivessem compreendido esta mensagem,
nã o teriam acontecido as Cruzadas, a guerra contra os Protestantes e muitas outras
calamidades cometidas em nome do suposto “reino sendo instaurado na terra”.
Concluindo, o homem que é pobre em espı́rito, pranteia devido ao seu pecado, se
manté m sob uma atitude mansa ansiando pela libertaçã o pecado interno, exerce
misericó rdia para com o pró ximo e possui, ou ao menos, almeja possuir um coraçã o
puro, nã o pode se tornar um conquistador, assassino e dominador. Seria impossı́vel
conciliar as duas atitudes. Por isso, os cidadã os do Reino, aqueles que serã o chamados de
Cilhos de Deus, levam a paz onde quer que vã o. Ser um paciCicador demonstra uma
atitude ativa da pessoa, onde acontece um esforço para produzir certo resultado. Nã o
podemos confundir uma personalidade pacata com uma atitude paciCicadora. E
novamente cito Isaı́as, que no capı́tulo 52 fala dos paciCicadores: "Como são belos nos montes
os pés daqueles que anunciam boas novas, que proclamam a paz, que trazem boas notícias, que
proclamam salvação, que dizem a Sião: "O seu Deus reina! “" *A NVI elimina o pronome “eles” (αὐτοὶ)
de maneira errônea.
• v.10 Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos Céus.
(μακαŒ ριοι οι¡ δεδιωγμεŒ νοι ε¼ νεκεν δικαιοσυŒ νης ο¼ τι αυ† τῶν ε† στιν η¡ βασιλειŒα τῶν ου† ρανῶν)
Certamente essa nã o é uma defesa aos criminosos, pois aqui nã o se fala do sistema
judiciá rio. A justiça que os levaria a serem perseguidos é o modo de viver correto, o
modo que os cidadã os do Reino viveriam e que foi descrito nas bem-aventuranças
anteriores. Pessoas que vivessem sob esse padrã o de retidã o certamente se destacariam
da imoralidade e falsa religiosidade dominantes. Esse foi o caminho percorrido pelos
profetas do passado, os quais foram perseguidos e mortos. E aqui vemos como que uma
repetiçã o, uma aCirmaçã o ou um resumo de tudo o que foi dito nas bem-aventuranças:
“deles é o Reino dos Céus.” Muitos descrevem essa 8º bem-aventurança, nã o como uma bem-
aventurança nova e sim como a conclusã o das 07 anteriores. Veja que a primeira e a
oitava bem-aventuranças terminam da mesma maneira: “deles é o Reino dos Céus”, ambas
utilizando o verbo no presente e assim trazendo a realidade do reino mais pró ximo dos
ouvintes. Compare com as bem-aventuranças de 02 a 07, onde o tempo verbal está no
futuro. Assim podemos ver que o Reino possui um cará ter real, ainda que muitas das
consequências ou recompensas sejam futuras. Lembre-se que em Mateus esse tipo de
mé trica, ou modo de delimitar os registros, possui importante papel. També m nã o é de
estranhar o fato da sociedade incré dula e vil perseguir os estrangeiros, ou seja, os
cidadã os de outro reino, aqueles que vivem em justiça. Nã o que eles seja perfeitos, ou
justos, mas sim que procuram com todas as forças viver de acordo com os ensinamentos
de seu Senhor e Rei.


Alé m do conteú do teoló gico, existe també m uma sonoridade poé tica nas bem-
aventuranças, principalmente entre a 1º e a 7º. Infelizmente isso é impossı́vel de ser reproduzido
em portuguê s. Ainda assim reClete muito da genialidade do autor, que ao buscar em suas
memó rias os dizeres originais, proferidos em aramaico, conseguir transportá -los para o grego
koiné com tanta beleza. Na lı́ngua helê nica surgem rimas, surgem contrastes, e percebe-se quã o
especial era o irmã o Mateus, que de coletor de imposto se tornou uma das nossas melhores
fontes a respeito de Jesus, o Cristo.
No apê ndice deste livro inseri as bem-aventuranças em grego, para que você possa
analisar a sonoridade do texto em sua lı́ngua original. Ainda que seu conhecimento da lı́ngua

101
original seja zero, será possı́vel acompanhares atravé s de cores as repetiçõ es propositalmente
inseridas no texto. Sempre lembrando que o autor foi inspirado pelo Espı́rito Santo durante a
composiçã o do material que estamos estudando.

A 9º bem-aventurança
Nesta nona e ú ltima bem-aventurança encontramos o desenvolvimento da oitava, assim
como uma aplicaçã o de todas as demais. Aqui percebemos uma forte conexã o entre os “perseguidos
por causa da justiça” e os “perseguidos por causa” de Jesus. Atravé s dessa construçã o, o leitor é levado
a associar a “justiça” a "Jesus", uma vez que pelos dois motivos, ou devo dizer pelo mesmo motivo,
o crente será perseguido.
Enquanto as oito primeiras sã o dirigidas a um pú blico maior, a nona, e derradeira,
mensagem é claramente direcionada a um grupo mais pró ximo. A mudança é evidenciada na
troca do pronome utilizada, que nas oito primeiras é “eles" e agora se torna “vó s". EN como se
Mateus utiliza-se o moderno recurso visual chamado zoom, o que reduz drasticamente o enfoque
da mensagem. Tomemos por exemplo a primeira bem-aventurança, ela diz: “Bem-aventurados os
pobres em espírito…” O pronome correspondente é “eles” (terceira pessoa do plural), deCinido pelo
adjetivo “pobres em espı́rito”, e o complemento é “deles é o Reino dos Cé us”. Já a nona bem-
aventurança é dirigida a um grupo menor, deCinido pelo pronome “você s” (segunda pessoa do
plural). Creio que quem melhor explicou essa questã o foi Agostinho de Hipona, quando disse: “As
sentenças precedentes estavam expressas de modo geral, pois o Senhor não declarou: Bem-aventurados os
pobres em espírito, porque vosso é o Reino dos Céus” mas porque “deles é o Reino dos Céus”. Tampouco disse:
“Bem-aventurados os mansos, porque vós herdareis a terra”, mas “porque eles herdarão a terra”. Da mesma
maneira continua até a oitava bem-aventurança, quando diz: “Bem-aventurados os que são perseguidos por
causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus”. Contudo, daí por diante, começa a dirigir-se diretamente aos
presentes. Não obstante, todas aquelas coisas já a1irmadas igualmente aos que ali o escutavam. E as que diz em
seguida, embora sejam especialmente dirigidas aos que ouviam, atingem também os ausentes e a quantos
vierem a existir”. (9)

• v.11-12 Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem,
e, [mentindo,] disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso
galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. Para o
grupo de pessoas que se enquadrasse na descriçã o das oito primeiras bem-aventuranças
propostas pelo Messias, existia mais um promessa, nã o do tipo alegre. A eles restaria o
insulto, a perseguiçã o e as calú nias; quanta diferença em relaçã o as primeiras promessas.
EN certo que tal grupo se destacaria da maioria, principalmente pelo fato de terem
aceitado o Messias; e terem assumido um estilo de vida condizente com essa verdade. O
resultado Cinal nã o é tã o escuro como pode parecer, na parte Cinal do ensino vem uma
ordem de Jesus: “Alegrem-se e regozijem-se…” Aqui o tempo verbal é o presente do
indicativo, no modo imperativo; sendo que hoje utilizarı́amos o ponto de exclamaçã o
para dar destaque a essa construçã o gramatical. Tais diCiculdades mostram que estamos
caminhando no rumo certo, que estamos seguindo no mesmo trem que os profetas
enviados por Deus. Existe també m certa conexã o entre o Cristo e os profetas do Antigo
Testamento, sendo que ambos foram perseguidos e mortos; e o destino dos discı́pulos
nã o seria diferente do destino de seu Professor. Na conclusã o do ensino, o Mestre
evidê ncia uma caracterı́stica que acompanhará seu ministé rio, e que també m
acompanha a vida do cristã o: sofrimento por causa dEle.
• EN importante notar que o particı́pio grego ψευδοŒ μενοι - pseudomenoi, traduzida por
"mentindo" é questioná vel em sua origem, sendo que na tradiçã o ocidental ela
praticamente nã o aparece neste trecho. Uma vez que se trata de uma questã o em que nã o
podemos aCirmar, ou negar, com certeza sua originalidade, o procedimento correto é
inseri-la em colchete. Infelizmente as traduçõ es para o portuguê s, ou a assumem como
original ou simplesmente a excluem (NVI).

Aqui Jesus faz uma clara distinçã o entre o grande pú blico, formado por pessoas que
desejavam entrar no reino vindouro e um grupo mais especı́Cico, que estava disposto a sofrer por
causa dEle. Este é um ponto fundamental para a continuidade deste estudo, pois a seçã o que vem
a seguir é destinada ao segundo grupo.

102
O paradoxo nas afirmações de Jesus
.

Um ponto muito interessante na afirmações de Jesus é o tempo verbal que ele emprega ao
se referir a aspectos espirituais e a aspectos terrenos. Normalmente quando utilizamos termos
associados “aos céus” pensamos em uma realidade futura e espiritual, enquanto as conexões “a
terra”nos levam a fatos reais e no presente.

Porém no ensino das bem-aventuranças ocorre o oposto, repare nos versículos 3 (pois deles
é o Reino dos céus) e 10 (pois deles é o Reino dos céus), onde o tempo verbal é presente, ainda
que conectado a uma realidade espiritual.

Agora analise os versículos 4 (pois serão consolados), v.5 (pois receberão a terra por
herança), v.6 (pois serão saciados), v.7 (pois obterão misericórdia), v.8 (pois verão a Deus); em
que os verbos da promessa estão no tempo futuro, ainda que se refiram a realidade físicas e
terrenas.

Também podemos notar um emolduramento entre o versículo 3 e o versículo 10, onde estão
contidas as primeiras oito bem-aventuranças. A estrutura fica nítida ao lermos que a primeira e a
oitava se encerram com o a mesma expressão: “pois deles é o Reino dos Céus”, enquanto a
parte interna, composta pelos versículos 4-9, se relaciona a benção terrenas. Por essa razão é-
nos tão óbvia a estrutura proposta como 8+1 para as bem-aventuranças. Falaremos da questão
dos pronomes utilizados mais a frente, porém tal detalhe também reflete o enquadramento
proposto para este trecho do discurso.

Teologicamente falando, existe uma alternância por todo o discurso entre os “céus” e a
“terra”, o que nos mostra o caráter ambíguo do Reino do Messias. Existem bençãos futuras e
bençãos presentes, existem bençãos no “céu" e existem benção terrenas. A isso, foi-se
instituída uma expressão chamada “Já, e ainda não” que é utilizada por diversos teólogos. Não
se pode definir detalhadamente em que ponto foi instaurado o Reino, mas também não se pode
negar que ele já exista. A maior prova disso é que seu cidadão já existem e vivem entre, a eles é
dado o nome de Igreja.

v.13-16 Duas ilustrações: sal da terra e a luz do mundo


Tradicionalmente as bem-aventuranças se encerram no versı́culo 12, ainda que alguns
estudiosos mais recentes incluam os versı́culos de 13 a 16 na descriçã o(27). Poré m ainda que tais
trechos sejam intimamente conectados com as bem-aventuranças, eles nã o sã o necessariamente
um delas, sendo melhor compreende-los como ilustraçõ es do que fora dito anteriormente. Esse
modo de enfatizar algo acontece em diversos ensinos de Jesus Cristo que foram registrados pelo
autor do evangelho.

Como seria recebido o grupo que seguisse o caminho dos profetas do Antigo Testamento
fora elucidado por Jesus no trecho anterior, agora o mestre nos ensina a maneira como o grupo
deveria reagir, de forma ativa, em um mundo que nã o os aceita. Em outras palavras, agora que já
sabemos o cará ter moral dos cidadã os do Reino, somos orientados em como devem ser as
atitudes deles. Pois ainda que o cristã o nã o seja um cidadã o deste mundo, ele deve cumprir um
papel aqui. Duas Ciguras sã o utilizadas por Jesus no intuito de elucidar seu ensino, ambas sã o bem
conhecidas por todos cristã os, assim como eram dos ouvintes originais. Essas metá foras
domé sticas eram bem simples de serem seguidas mentalmente por qualquer pessoa que
estivesse no monte, fosse um doutor da lei ou um simples trabalhador braçal. No futuro Jesus irá
fazer uso de recursos mais complexos, mas por hora, seu objetivo é ser o mais simples possı́vel.
O tema do sal e da luz nã o é exclusivo da literatura cristã , sendo conhecido e admirado
pelos estudiosos da é poca. Entre eles é famosa a obra “Histó ria Natural” de Plı́nio, o velho,
publicada por volta de 77 d.C e 79 d.C, na qual ele diz que: “Nada é mais importante que sal e luz (em
latim: sale et sole).(10) Isso demonstra que o ensino de Jesus, apesar de ser inovador, nã o era de todo
desconectado da realidade de seus ouvintes nem de seus seguidores. Na tradiçã o judaica
cristalizada no Talmud, o ensino da lei é por vezes descrito como “sal”, enquanto alguns rabinos
se autodenominavam luz para os gentios; assim mostrando mais uma vez que essa terminologia
já era bem documentada naquela é poca.
Percebemos també m quã o elevada é a é tica do Mestre e o papel esperado de seus
discı́pulos. Repare que no trecho anterior, entre os versı́culos 10-12, somos informados que os
seguidores de Jesus seriam rejeitados e perseguidos, e agora, logo em seguida, nos é explicado

103
que nosso destino segue em direçã o do mundo que nos rejeita. Assim percebemos quã o grande é
o amor de Deus, o qual ningué m descreveu melhor que o apó stolo Joã o em seu evangelho no
capı́tulo 3 versı́culo 16, que talvez seja o versı́culo mais conhecido dos evangelhos: "Porque Deus
tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida
eterna.” Lembre-se que Joã o, ainda muito jovem, estava entre os discı́pulos que ouviram essas
palavras ao vivo.
Gosto muito de uma citaçã o do teó logo alemã o Rudolf Stier, que viveu no sé c. XVIII, disse
ele a respeito da rejeiçã o do mundo para conosco e nossa atitude de amor para com o mundo:
“Essa deve ser sua única retaliação, amor e verdade por ódio e mentiras.” (11)

1º Metáfora Atravé s da utilizaçã o enfá tica do pronome “vó s" Cica evidente que o que será
dito se conecta exclusivamente ao grupo apresentado na 8º bem-aventurança, o qual també m é
apresentado pelo “vó s".
A primeira ilustraçã o utilizada é o "sal", sobre o qual muito já foi especulado, ainda que
Jesus deixe a questã o bem clara. Devemos entender o sal como sendo Cloreto de Só dio (cuja
fó rmula quı́mica é NaCl), do mesmo tipo que utilizamos em nossas cozinhas.
Na religiã o judaica o sal (‫ מלח‬em hebraico) tinha importante papel como sı́mbolo
puriCicador, tanto, que alguns costume judeus sã o mantidos até hoje pelos cató licos tradicionais
quando colocam grã os de sal na boca dos recé m-nascidos que estã o sendo batizados(35). Por outro
lado o sal també m fora utilizado como sı́mbolo de juı́zo divino, como no caso da mulher de Ló ,
veja o que diz Gn 19.24-26 "Então o Senhor, o próprio Senhor, fez chover do céu fogo e enxofre sobre
Sodoma e Gomorra. Assim ele destruiu aquelas cidades e toda a planície, com todos os habitantes das cidades e
a vegetação. Mas a mulher de Ló olhou para trás e se transformou numa coluna de sal.” Atravé s destas
evidê ncias podemos estar seguros de que os ouvintes originais compreendiam muito bem a
metá fora proposta pelo Senhor Jesus. Ainda que em grande parte dos textos o sal estivesse
conectado com julgamento divino e maldiçã o (Sf 2.9 "Moabe se tornará como Sodoma e os amonitas
como Gomorra: um lugar tomado por ervas daninhas e poços de sal, uma desolação perpétua”) aqui Jesus faz
uma aplicaçã o positiva da Cigura do sal. * Uma notá vel aplicaçã o positiva do sal na Antigo
Testamento é Nm 18.19 "Tudo aquilo que for separado dentre todas as dádivas sagradas que os israelitas
apresentarem ao Senhor eu dou a você e a seus 1ilhos e 1ilhas como decreto perpétuo. É uma aliança de sal
perpétua perante o Senhor, para você e para os seus descendentes"

Para a populaçã o da Galilé ia, a conexã o com o sal era muito nı́tida, pois aquela á rea
exportava peixe salgado para muitos lugares do paı́s e até do exterior. O centro dessa industria
era a cidade de Magdala (de onde vinha Maria Magdalena), a qual era també m chamada por seu
nome grego Tarichae, que signiCica "peixe seco"(. Segundo Alexander, V.H. "De qualquer ponto de
vista ao longo da costa norte, a área de Magdala é facilmente visível, principalmente devido à sua localização
ao longo da costa abaixo do impressionante per1il do Monte Arbel."(64) Este Monte Arbel é considerados
por muitos o ponto central da regiã o, ou seja, era um lugar que todos sabiam muito bem onde era
e o que se produzia lá . Assim, os ouvintes assentados no Monte das Bem-Aventuranças poderiam
esticar os pescoços na direçã o de Magdala, dessa forma vivenciando muito melhor a metá fora
proposta pelo Mestre.

EN comum ver alguns expositores fazendo longas listas enumerando as utilidades do sal,
sendo algumas bem exó ticas. Veja uma pequena lista compilada a partir de diversas pregaçõ es
que ouvi ao longo dos anos:

1. Moeda corrente (de onde vem a palavra salá rio)


2. Remé dio
3. Conservaçã o de alimentos
4. Fonte de sabedoria (alguns rabinos usavam o termo “sem sal” para designar pessoas
tolas)
5. Retardar a putrefaçã o
6. Arma quı́mica. Os romanos utilizaram sal para destruir a terra de Cartago
7. Fonte de absorviçã o de calor para usinas de energia solar. Eu disse que algumas
explicações eram bem criativas, rsrsrsrs
8. Curtiçã o de couro e outras peles de animais

104
9. Em pequenas dosas usado como fertilizante
10. Clarear papel
11. Produçã o de salmoura para os pé s

Admiro a dedicaçã o e a pesquisa aprofundada desses pregadores, mas se nos atermos ao


texto sagrado Cica fá cil perceber qual aplicaçã o Jesus tinha em mente: “se o sal perder o seu sabor…”
Jesus ensina que devemos trazer sabor a esse mundo pouco agradá vel, devemos tornar esse lugar
um pouco mais tolerá vel. Se, anteriormente Jesus havia chamado seus discı́pulos para serem
pescadores de homens, agora ele vai alé m e expande as funçõ es esperadas deles. O sal que é
aplicado sobre algum alimento difere em sua essê ncia do alimento, assim nossa tarefa nã o nos
equipararmos ao mundo, nem transformá -lo em substâ ncia, mas apenas dar um toque do Reino
nesta terra consumida pelo mal. O livro de Jó já descrevia a utilidade do sal, veja o que diz o
capı́tulo 6 versı́culo 6: "Come-se sem sal uma comida insípida? E a clara do ovo, tem algum sabor?"
Lidando com uma metá fora, devemos buscar compreender de que maneira ela deve ser
aplicada, pois os cristã o ao trazerem sabor a este mundo, o fazem de maneira metafó rica, nã o
literal. ACinal, ainda que nosso suor possa ser salgado, nó s nã o somos realmente feitos de sal e o
mundo també m nã o é um grande prato de comida. Ainda que diversos estudiosos tenham
proposto aplicaçõ es diferentes, ao levarmos em conta a questã o textual, nossas opçõ es Cicam bem
restritas. Assim a aplicaçã o mais adequada é entender a Cigura do sal como atitudes sá bias
baseadas na Palavra de Deus. A base para essa aplicaçã o é o fato da palavra α¼ λας (halas)
traduzida por sal també m ser aplicada como atitude sá bia na literatura judaica. Veja como o
apó stolo Paulo, que havia recebido treinamento formal como rabino, trata do tema em Cl 4.6 “O
seu falar seja sempre agradável e temperado com sal, para que saibam como responder a cada um.” Da
mesma maneira, quando Jesus fala a respeito do sal perder suas propriedades, a palavra grega
usada é μωρανθῇ - moranthe, traduzida por “perder o sabor”, també m pode, e em diversas
situaçõ es era, traduzida por “tornar-se um tolo” ou “perder a sanidade mental”. Você pode
encontrar essa deCiniçã o em diversos dicioná rios gregos, entre eles o DBL Greek, NASB, Strongs e
o PLGNT, alé m de ser vá lida també m na LXX (cf. Is 19.11 e Jr 10.14). Esse jogo de palavras parece-
nos um tanto distante, mas nã o era assim para os leitores originais pois no aramaico há uma
grande proximidade entre lpt(tâ pê l, “tolo”) e lbt(tabel, “salgado”)(21)

Parece-me errô nea a interpretaçã o que alguns teó logos fazem da aplicaçã o metafó rica do
sal dizendo que ele serviria, dentro da ilustraçã o de Jesus, para retardar o apodrecimento do
mundo. Ainda que a igreja cumpra esse papel em nossa sociedade podre e corrompida, existe
uma questã o textual que impede essa aplicaçã o: o sal sem sabor, serve perfeitamente para secar
alimentos (assim impedindo sua deterioraçã o). Claro que podemos pensar que atravé s da
sabedoria de Deus, trazendo sabor ao mundo, um efeito colateral seria o retardamento da
putrefaçã o, só nã o devemos entender essa aplicaçã o como alvo primá rio. Nã o foi essa a Cinalidade
usada pelo Mestre, aCinal diz ele “Mas se o sal perder o seu sabor” nã o é a capacidade de saborizar o
alimento que o impede de estragar. Caso o sal perdesse sua propriedade saporı́Cica, todas as
demais propriedades se manteriam intactas.

Apesar de tamanha importâ ncia para o mundo, o sal representado pelos cristã os, nã o é
intocá vel, e podia tornar-se inú til. A construçã o grega ε† α„ν δε„ (ean de) formada por duas
conjunçõ es seguidas, denota uma forte incerteza ou baixa probabilidade de algo acontecer. Assim
podemos compreender que o crente/sal pode perder seu propó sito, mas esse caso seria raro,
como que beirando uma impossibilidade matemá tica. Caso o sal perdesse sua propriedade de
realçar sabor, serviria apenas para ser descartado, sendo “jogado fora e pisado pelos homens”.
Note bem que na visã o do Mestre os que serã o pisados nã o sã o os perseguidos e injustiçados, mas
aqueles que perderam o sabor, na visã o do Cristo, os perseguidos e injustiçados sã o bem-
aventurados. Quem tem sua vida e objetivos Cixados no cé u, está acima deste mundo e nã o pode
ser tocado por ele, nã o será pisado por ningué m. Nos paı́ses onde neva bastante é comum se
utilizar sal de baixa qualidade, ou insı́pido, para impedir que se forme gelo nas ruas apó s a neve
ser retirada. EN interessante que mesmo hoje em dia o sal sem sabor ainda é utilizado da mesma
maneira que Jesus descreveu em sua metá fora a 2000 anos atrá s. Caso você nunca tenha visto
essa aplicaçã o do sal, segue um link interessante para você aprender mais: http://
mundoeducacao.bol.uol.com.br/quimica/por-que-se-joga-sal-nas-estradas-lugares-frios.htm (acessado em

105
05/04/2018). Outra aplicaçã o contemporâ nea é apresentada pelo estudioso Deatrick, Eugene
que aCirma que hoje em dia em Israel o sal ainda é usada para tapar rachaduras na lajes das casas,
e como esse espaço é usado para reuniõ es familiares, o sal continua sendo pisado pelos
homens(20)
Atravé s de qual poder sobrenatural os crentes poderiam trazem sabor a vida de pessoas
que nã o tem contato com Deus? De acordo com o texto sagrado sendo: pobres em espı́rito,
pranteando pelos nossos pecados, sendo mansos e sedentos por justiCicaçã o, misericordiosos,
puros de coraçã o e paciCicadores, ainda que em face da perseguiçã o dos demais que nã o temem a
Deus. Devemos ser diferentes, mas ainda assim devemos estar inseridos neste mundo. Talvez
você nunca tenha percebido, mas o sal é o produto utilizado na cozinha que custa mais barato; a
ponto de quando acontece alguma arrecadaçã o de alimentos para caridade, os organizadores
pedirem para nã o se levar apenas sal. O contraste mais interessante é que devido a suma
importâ ncia na culiná ria, o sal, poderia custar cem vezes mais do que custa e todos iriam pagar
por ele assim mesmo. O mesmo acontece com os cidadã o do Reino aqui neste mundo, eles valem
mais do que o pró prio mundo, poré m sã o depreciados por todos.
Um ú ltimo ponto a ser observado é que naquela é poca nã o havia descarte seletivo de
lixo, e assim, descartar o sal inú til era um verdadeiro problema. Ele nã o podia ser derramado
sobre a terra, pois torna-lá -ia esté ril, nã o poderia ser guardado em casa, pois acumulava
humidade e apodreceria os vasos de barro, alé m de trazer mau cheiro. Assim, a alternativa
proposta por Jesus era jogá -lo ao chã o, a Cim de que os resı́duos fossem se dissipando com o
tempo. Em ú ltima instâ ncia, o discı́pulo que perde o sabor se torna um problema com o qual a
igreja deve lidar, assim como o sal insosso. També m é duro perceber a profundidade do
sofrimento do crente sem sabor/sabedoria, pois nã o a ele nã o bastaria ser descartado, ele seria
pisado pela humanidade inimiga de Deus, nunca seria aceito por ela como um dos seus. Assim,
essas pobres pessoas se encontram em uma situaçã o muito triste, pois sã o, ao mesmo tempo,
inimigos do mundo e inimigos de Deus.

2º Metáfora A segunda Cigura utilizada é a luz, que dissipa as trevas e nos permite
enxergar claramente. Desde o princı́pio da criaçã o a luz tem um papel fundamental, tanto que foi
uma peça chave na estruturaçã o ordenada da criaçã o, veja o terceiro e quarto versı́culos da bı́blia
que mostra o inı́cio de tudo "Disse Deus: "Haja luz", e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz
das trevas". Agora o Senhor, de certo modo, inverte a ordem inicial e nos envia, como luz, em
direçã o daqueles que estã o em trevas, para que essa luz que dissipou as trevas seja a luz que nos
permite enxergar, tanto que diz a escritura: “Tua palavra é luz para os nossos caminhos.” Nã o que ele
deseje que nos tornemos parte das trevas, mas que a delineemos e assim mostremos as
diferenças entre o reino dos homens e o Reino dos Cé us. A promessa da luz como fonte de justiça
era conhecida da literatura judaica, presente em Ml 4.2 "Mas para vocês que reverenciam o meu nome,
o sol da justiça se levantará trazendo cura em suas asas”.
Jesus coloca o segundo grupo, o grupo dos discı́pulos, na mesma posiçã o de destaque,
nã o para a criaçã o do mundo, mas para a conclusã o de tudo, a saber: a revelaçã o do Messias. Veja
a importâ ncia e a responsabilidade dos que seguem a Jesus vai crescendo conforme ele nos revela
seu plano. Outro efeito da luz é que ela incomoda aqueles que estã o nas trevas, a funçã o dos
discı́pulos chega até esse ponto. Em certos momentos a luz deve produzir uma reaçã o forte entre
os que estã o perdidos, ainda que nem sempre seja reconfortante.
A declaraçã o de Cristo dizendo: "Vós sois a luz do mundo.” por si só já é muito forte, aCinal
caberia a um grupo de pessoas simples iluminar toda a populaçã o mundial. Nã o seria uma tarefa
pequena e secundá ria; ainda assim o Mestre deixa a nosso cargo cumpri-la. No inicio da criaçã o o
Senhor dissera “haja luz” e a luz surgiu dissipando as trevas, agora o Deus-Filho diz “sois a luz do
mundo”. Acredito que o poder nessas palavras seja o mesmo que teve no inicio da criaçã o, tanto
que a luz da igreja nunca se apagou, nem durante a idade das trevas.
Para detalhar ainda mais a Cigura da luz, o Mestre a divide em trê s partes, utilizando
novos exemplos: luz do mundo, cidade na montanha e lâ mpada dentro de casa. Ainda falamos da
Cigura principal, a luz, poré m aqui mostra-se a á rea de atuaçã o dos discı́pulos; é como se Jesus
mostra-se um campo bem amplo, depois reduzi-se um pouco e por ú ltimo delimita-se bastante a
regiã o. Nunca é demais lembrarmos que na literatura/retó rica hebraica a repetiçã o de um termo,
ou tema, é fundamental para enfatizar o que está sendo apontado. Por trê s vezes somos
informados que nossa missã o é inCluenciar as á reas ao nosso redor.

106
Veja no grá Cico abaixo:


Luz do mundo 1.Luz do Mundo devemos ser um exemplo para toda
a humanidade, um farol que possa guiar aqueles a
quem o mestre chamar. Nossa mensagem deve ir
por toda a parte.
2. Cidade sobre a Montanha, devemos
impactar nossa regiã o, assim como um
Cidade sobre a montanha
grande castelo faz com a paisagem onde foi
construı́do. O objetivo ao se construir uma
cidade sobre uma montanha é que ela
domina a paisagem circundante.
3. Lâmpada devemos ser discı́pulos dentro de
Lâmpada casa també m. Nã o adianta ter uma aparê ncia
cristã , é fundamental ser luz dentro de nosso lar,
com as pessoas que manté m um relacionamento
ı́ntimo conosco.

A Cigura da cidade é bem intrigante, ainda que nã o iné dita nas escrituras (cf. Sl 48.2 "Como
as alturas do Zafom é o monte Sião, a cidade do grande Rei”). Das trê s ilustraçõ es utilizadas, a 1º (luz do
mundo) e a 3º (lâ mpada) falam de luz, e apenas esta segunda nã o. Talvez haja algo implı́cito na
Cigura da cidade que represente o brilho, quem sabe o fato de uma estrutura tã o grande sobre a
montanha “brilhar"sobre o vale abaixo. Poré m o motivo mais prová vel possa ser descrito como
uma pausa proposital, onde mudando a Cigura para depois voltar a ela trouxesse ainda mais
atençã o sobre o tema da luz. Sendo um pregador de alto gabarito, Jesus, fazia uso de contrastes,
assonâ ncias e instigava seus ouvintes a prestarem atençã o no que estava sendo dito. Nã o muito
distante do local do sermã o, mais ou menos na metade do caminho para a costa leste do lago,
havia uma cidade antiga que fora fortiCicada pelos romanos, chamada Hippos. Certamente sua
posiçã o geográ Cica atestava que o impé rio romano dominava toda a á rea circunvizinha. Estaria o
Mestre se referindo a ela ao construir essa metá fora? No apê ndice deste livro anexei uma
imagem das ruı́nas de Hippos.
Enquanto a Cigura da lâ mpada era conhecida da mentalidade judaica e utilizada pelo seus
rabinos, normalmente emprega para se referir ao estudo das escrituras sagradas. ConCira o que
escreveu o rabino da idade mé dia chamado Maimô nides a esse respeito: “Os rabinos dizem: Se um
homem perde uma moeda pu uma pérola em sua casa, ele acende uma vela cujo valor é um único centavo e
encontra a pérola. Assim, as alegorias em si mesmas não são de grande valor, mas através delas tu
compreendes as palavras da Torá”(63) Perceba a importâ ncia que eles davam para a utilizaçã o da
“lâ mpada” para vasculhar algo de valor, e que metaforicamente representa o estudo da Escritura.

O ensino de Jesus també m pode ser compreendido da seguinte maneira: o ensino fala de
sermos luz para o mundo, e a continuaçã o se trata de uma ilustraçã o do que fora dito antes. Ainda
que essa nã o seja a maneira tradicional de se entender a passagem, uma analise textual favorece
esta segunda possibilidade. Repare que o Mestre diz apenas uma vez Υ¹μεῖς ε† στε (vó s sois) se
referindo a “luz”, nos dois exemplos seguintes nã o é empregado o mesmo pronome.
Sendo assim, os exemplos posteriores servem para aCirmar a improbabilidade da luz perder
sua utilidade. EN como se o Mestre dissesse que ningué m constró i uma cidade no alto da montanha
para depois tentar esconde-la, e que ningué m ascende uma lâ mpada dentro de casa para
esconde-la també m. Nã o chega a ser uma hipé rbole, mas cumpre quase que a mesma funçã o. Os
dois temas apontam para a aplicaçã o inicial e para a conclusã o que vem no pró ximo versı́culo:
"Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens” Mt 5.17

Por Cim, existe um certo contraste entre o destino do “sal" e o destino da “luz" pois o “sal”
corre o risco de perder sua utilidade e ser desprezado por isso, enquanto a “luz" nã o poderia ser
contida, como reaCirmam as duas sub-ilustraçõ es da “cidade" e da “lâ mpada”.

107
O evangelista Joã o registra no capı́tulo 8.12 de seu livro uma aCirmaçã o semelhante do
Mestre: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida”. Dessa
maneira podemos ver o quã o importante é o ensino de que devemos ser a luz do mundo, pois
quando brilhamos, estamos revelando Jesus ao mundo. També m existe um aspecto negativo na
mesma aCirmaçã o, pois a luz revela o pecado da humanidade, principalmente quando as pessoas
percebem no crente os aspectos descritos nas bem-aventuranças. Por vezes incomoda mais ao
incré dulo, uma pessoa paciCicadora, que uma pessoa briguenta; e o mesmo podemos dizer do oito
aspectos que Nosso Senhor expô s em seu discurso.
E ainda existe um apelo Cinal a todos nó s, passando a impressã o de que seria mais esforço
esconder nossa luz do que deixá -la brilhar. Disse Jesus: "Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para
que vejam as vossas boas obras e glori1iquem vosso Pai que está nos céus.” Fica muito claro que a aplicaçã o
do “brilhe vossa luz” é realizar as boa obras descritas nas bem-aventuranças, sendo objetivo do
brilho é a gloriCicaçã o do Deus trino, nunca a da pró pria igreja. Como exemplo dessa luz que
brilha, o apó stolo Joã o, ao escrever seu relato sobre o ensino de Jesus registrou o Mestre dizendo:
"João era uma candeia que queimava e irradiava luz, e durante certo tempo vocês quiseram alegrar-se com a
sua luz.” Jo 5.35
Gosto muito do que o teó logo Dietrich Bonhoeffer disse: “Voar para o invisível é negar o chamado.
Uma comunidade de Jesus que procura esconder-se, deixou de seguí-lo”(18) Assim reforçando a importâ ncia
da luz brilhar com força plena como o Sol ao meio dia, e nã o de maneira comedida e reservada.
Sejamos como uma grande cidade que domina toda a paisagem a seu redor, sejamos a lâ mpada
brilhando dentro de casa a noite. Sejamos o que Cristo espera de nó s, pois o resultado disso é ,
segundo o texto: "glori1iquem ao Pai de vocês, que está nos céus”. Alé m do irmã o Bonhoeffer, outro
teó logo meditou muito sobre o fato da Igreja ser a luz deste mundo, o nome dele é Agostinho de
Hipona. Agostinho escreveu o livro cristã o mais conhecido e editado de todos os tempos chamado
ConCissõ es, um clá ssico que foi reeditado ininterruptamente nos ú ltimos 1600 anos. No livro 13,
capı́tulo 19 ele escreve: “Mas vós, geração escolhida, fracos aos olhos do mundo, que tudo deixaste para
seguir o Senhor, caminhais após ele, confundi os fortes; segui-lo com vossos pés resplandecentes, e brilhai no
1irmamento para que os céus cantem suas glórias, … Correi por toda a parte, chamas sagradas, fogos
admiráveis. Vós sois a luz do mundo e não estais debaixo do alqueire. Aquele a quem vos unistes foi exaltado e
ele vos exaltou. Correi e dai-vos a conhecer a todas as nações”.(19)

Curiosidade Irineu de Lyon interpreta Gn 15.5

Um dos pais da teologia cristã, Irineu de Lyon, via uma conexão entre a promessa feita a
Abraão em “sua descendência será como as estrelas dos céus” e a ordem de Jesus aos discípulos “sejam a
luz do mundo”. Dizia ele: “Realizou-se, assim, a profecia feita por Deus a Abraão, segundo a qual a sua
descendência seria como as estrela do céu. Cristo cumpriu a promessa, … convertendo em luminárias do mundo os
que nele acreditam”(12) (retirado do livro Demonstração da pregação apostólica cap.38) Nosso modelo
hermenêutico atual segue por um caminho diferente, mas ainda assim vale destacar essa curiosidade.
Lembre-se que Irineu viveu no final do séc.II e por isso seu modo de lidar com as escrituras é um
tanto diferente do nosso.

O fato de Jesus utilizar duas metá foras para falar do mesmo tema é justiCicado pelo
costume judaico de enfatizar um tema atravé s da repetiçã o do assunto. Assim, quem ouvia a
histó ria entendia que existia alguma ê nfase no que estava sendo ensinado.
Ambas ilustraçõ es foram construı́das com uma estrutura similar. Jesus primeiro faz uma
aCirmaçã o ("Você é o sal da terra", "Você é a luz do mundo”), entã o ele acrescenta um marco
delimitador, a condiçã o da qual depende a aCirmaçã o (o sal deve manter seu sabor, a luz deve
brilhar). Ainda assim é interessante notar a importâ ncia que o Mestre atribui ao um grupo quase
insigniCicante de palestinos desprezados e oprimidos. Atravé s do evangelho, a luz e o sabor do
mundo estava representada naqueles que nã o tinham valor algum ao mundo.
També m devemos pensar por um minuto no motivo pelo qual Jesus proferiu as duas
ilustraçõ es nesta exata ordem, aCinal tinha um propó sito eterno em mente ao fazê -lo. Por que
primeiro falou do “sal da terra” e por ú ltimo da “luz do mundo” e nã o vice-versa? Uma possı́vel
resposta é que o “sal” cumpre sua missã o de forma passiva, ou seja, estando naquele meio social,

108
o crente acaba por “salgar" aquelas pessoas; ainda que isso nã o seja suCiciente para levá -las a
salvaçã o. Já o “brilhar" possui um funçã o mais ativa, como que expulsando a escuridã o de
maneira ativa, e assim podendo levar as pessoas ao conhecimento de Jesus, o Cristo. Talvez
possamos pensar que o “sal" representa o que o verdadeiro discı́pulo é , enquanto a “luz"
demonstra o que ele faz em nome de sua cidadania celestial.
Como ú ltima consideraçã o devemos ter em mente que quando “salgamos” este mundo, o
sabor que o mundo recebe é o sabor de Nosso Senhor; e quando iluminamos o mundo em trevas,
a luz que brilha é a do Nosso Senhor, nunca a nossa.

Sermão do monte, parte 2

5.17-48 As antíteses - O cumprimento da Lei: Jesus revisa a Lei mosaica e a amplia


para o Reino dos Céus
Durante a proclamaçã o das bem-aventuranças, podemos sentir o ritmo aumentando a
cada exposiçã o, quase como um “crescendo” musical. Agora Mateus apresenta uma quebra de
ritmo, fazendo uma bem vinda pausa para respirarmos, enquanto Jesus reinterpreta a Lei
apresentada na aliança Palestiniana. ACinal, o Reino que estava sendo oferecido precisava de um
regimento, um conjunto de leis que guiasse o modo de vida seus cidadã os enquanto estivessem
neste mundo, e que servisse de parâ metro para aqueles que estavam se candidatando a entrar no
Reino. Durante a parte anterior o Rei constró i a auto-estima da audiê ncia, consolando-os e
encorajando, aCinal dos fracos, mansos e humildes é o Reino dele. Poré m nem só de palavras
doces é feita a apresentaçã o inicial do Messias, agora chegamos a uma parte mais intensa e
té cnica, um estudo sobre a aplicaçã o da Torah.
Lembre-se que Mateus escrevia para um pú blico especı́Cico composto por judeus do
sé culo I; e essas pessoas tinham preocupaçõ es e curiosidades muito particulares, que podem nã o
ser as mesmas que temos hoje. Os leitores originais haviam passado a vida inteira sob a Lei de
Moisé s e principalmente os ensinos Cictı́cios dos rabinos do perı́odo do segundo templo, por essa
razã o precisavam compreender muito bem como fazer a transiçã o para a nova aliança. Para
aquelas pessoas, naquele momento, aceitar a Jesus nã o implicava em uma mudança de religiã o,
mas apenas um passo adiante em sua fé . Devemos tomar cuidado para que nó s, que vivemos fora
do contexto judaico, nã o imponhamos ao texto uma visã o distorcida, ou demasiadamente
cristianizada. Desde o inı́cio do ministé rio de Jesus os fariseus o acusavam de nã o cumprir a Lei,
acusavam-o de trabalhar no Sá bado (curando enfermos e expulsando demô nios) e de permitir
que seus discı́pulos Cizessem o mesmo (colhendo espigas no campo). Com essas informaçõ es em
mente, podemos compreender a mudança de tom no meio do sermã o e a razã o pela qual o autor a
registrou com tanta riqueza de detalhes. ACinal para Mateus apenas uma coisa interessava: provar
que Jesus era o Messias.
No trecho inicial de seu discurso, Jesus utiliza das bem-aventuranças para reforçar seu
ensino de maneira dó cil e acessı́vel, agora ele fará uso de outro recurso, a Antı́tese, para mostrar
que seu ensino també m é superior ao de Moisé s. As bem-aventuranças podem ser vistas de uma
maneira mais lú dica e geral, enquanto as antı́teses apresentam um aspecto mais té cnico e
especı́Cico, da vida dos cidadã os do Reino. Pois, se, na outorga da lei sinaı́tica, Moisé s deCinia o
modo de vida que o povo teria na Terra Prometida, agora Jesus, o Messias, lapidava a legislaçã o
para preparar o povo para entrar no Reino dos Cé us. Costumamos denominar este trecho como
“as antı́teses” pois ele apresenta uma sé rie de argumentos e contra-argumentos a respeito da Lei
mosaica (o argumento inicial), poré m esse modo de observar o texto é contemporâ neo nosso e
nã o do autor do livro. O pró prio conceito de Tese/Antı́tese/Sı́ntese é moderno, tendo sido
difundido pelo Cilosofo Hegel no sé culo XVIII. Sua utilidade para Cins de estudo é vá lida, mas nã o
devemos impor ao texto uma construçã o que nã o lhe é original.
Neste texto encontramos 6 antı́teses (ou contrastes literá rios) no formato de: “Vocês
ouviram o que foi dito … Mas eu lhes digo ...” Elas se encontram em Mt 5.21-26, 5.27-30, Mt 5.31-32,
5.33-37, 5.38-42, 5.43-48 Assim continuamos a ver Jesus disferindo sequê ncias de golpes, como
um exı́mio pugilista, contra o sistema religioso corrompido. Em nenhum momento Jesus nega a
autoridade imposta pela lei de Moisé s, ele tã o somente a toma por base e vai muito alé m dela.
Veja o que diz o texto: "Nã o pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; nã o vim abolir, mas cumprir.” De

109
certa maneira é como se nas bem-aventuranças o Senhor mostrasse o cará ter do cidadã o, e que
atravé s da metá foras do sal e da luz ele deCinisse como aquelas pessoas iriam levar sua
mensagem atravé s do mundo. Agora o Rei detalha a mensagem, ou assim por se dizer, o modo de
vida que deveria ser exposto diante dos homens deste mundo.

Uma proposta alternativa à s antı́teses é emoldurar os os ensinos na forma de duas


trı́ades midrashicas, ou seja, dois grupos de comentá rios sobre um tema religioso. Sendo que este
seria o modelo mais aplicado na é poca em que o livro foi escrito por Mateus. Rudolph Stier
comentou: “Pregando, porém, como um Evangelho, desde que começa com a promessa mais graciosa, com
bênçãos pronunciadas sobre os pobres e aqueles que têm fome de justiça; mas se aprofunda em uma
interpretação espiritual e rigorosa da letra da lei”. Sob essa ó tica, a subdivisã o natural do texto em dois
grupos de trê s ensinos (trı́ade), baseada em elementos gramaticais seria:
.

Primeira tríade
1. 21-26 ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη (hekousate hoti errethe) “Escutaste o que fora dito”
2. 27-30 ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη (hekousate hoti errethe) “Escutaste o que fora dito”
3. 31-32 ΕŸρρεŒ θη δεŒ (errethe dé ) “e escutaste”

Segunda tríade
1. 33-37 ΠαŒ λιν η† κουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη (palin hekousate hoti errethe) “Novamente, escutaste
o que fora dito”
2. 38-42 ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη (hekousate hoti errethe) “Escutaste o que fora dito”
3. 43-48 ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη (hekousate hoti errethe) “Escutaste o que fora dito”

Podemos notar alguns dos recursos que o apó stolo utiliza para levar os ouvintes a
prestar atençã o no que o Mestre ensinava. O primeiro e o segundo ensino possuem a mesma
introduçã o ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη enquanto o terceiro ensino possui uma versã o reduzida. O
objetivo que era deixar o texto mais dinâ mico, pois com a ú ltima introduçã o mais breve, Cica na
mente do ouvinte uma ideia de brevidade. Nã o algo que diminuı́sse a importâ ncia do terceiro
ensino, mas apenas um recurso para nã o tornar a leitura maçante.
O segundo grupo, ou trı́ade, se inicia com uma introduçã o mais enfá tica, marcada pelo
adverbio ΠαŒ λιν, o qual pode ser traduzido por “novamente” ou “alé m do mais” ou “també m”. Tal
adverbio aparece apenas nessa sentença dentro do sermã o pode monte, o que por si só já é
suCiciente para chamar à atençã o do ouvinte/leitor. També m devemos sempre lembrar que na
literatura/sabedoria judaica, a ê nfase se encontra na repetiçã o de uma ideia, nã o no aumento do
tom de voz como em nossa cultura latina. Assim, quando o Cristo diz palin ele insere um maior
peso no que será dito a seguir.
Reforçando a percepçã o de que o autor sugere a divisã o em dois grupos, podemos notar
que apenas nos dois ensinos que encabeçam os grupos encontramos a expressã o “ouviram o que foi
dito aos seus antepassados”
Ainda que o objetivo deste livro é ajudar os irmã os a compreenderem melhor a maneira
como Mateus redigiu seu livro, acredito que a maior contribuiçã o que meu material possa vos
trazer e introduzi-los de maneira mais pró xima ao ensino de Jesus, o Cristo. Por essa razã o opto
por manter o seccionamento do trecho a seguir no formato de Tese x Antı́tese, e assim permitir-
lhes acompanhar um padrã o de estudo que já se manté m por quase trê s sé culos.

v.17-20 Apresentação inicial: o cumprimento e a ampliação da Lei


O trecho aqui descrito representa a tese do Sermã o, ou seja, o motivo central do que esta
sendo dito por Jesus. O Mestre nã o estava apresentando um concorrente a Lei de Moisé s e as
palavras dos Profetas, ele estava oferecendo o cumprimento das mesmas, uma vez que tudo
apontava para ele. Como Cica evidente no capı́tulo 24.20 “Orem para que a fuga de vocês não aconteça
no inverno nem no sábado.” o Mestre sempre teve muito cuidado pelo Shabat e pela lei mosaica.
v.17 “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir.” Esta é uma tremenda
reivindicaçã o que apenas o Messias poderia fazer. O vocá bulo “cumprir" precisa ser analisado
com bastante crité rio pois pode levar o cristã o a duas posiçõ es teoló gicas muito dı́spares. A
primeira posiçã o entende “cumprir" como “levar a sua conclusã o ou Cinal”, e se conecta com o
texto da carta aos Romanos (o qual em grande parte lida deste mesmo tema); sendo o versı́culo

110
Rm 10.4 emblemá tico para a defesa dessa posiçã o pois diz claramente: “Porque o 1im da Lei é Cristo”.
A segunda posiçã o entende que a Lei mosaica ainda impera. Sendo que essa opiniã o os leva a
outros desdobramentos que necessitam ser explicados, entre eles o conceito de Lei tripartite, ou
seja, dividida em trê s partes (a saber: lei moral, lei cerimonial e lei judicial). O texto de Mateus
nã o responde, nem serve de base para justiCicar alguma dessas posiçõ es; a ú nica mensagem do
autor é que a profundidade da Lei era muito maior do que os religiosos pressupunham. Como
disse Anthony Saldarini: “O Jesus de Mateus contesta inúmeras posições e práticas de grupos de liderança
judaica mas ele não nega a validade da lei. Ele a1irma a lei dando sua própria interpretação dela.”(59) Assim
como fez Justino Má rtir em seu “Diá logo contra Trypho” onde reconhece a importâ ncia do sá bado
e de vá rias outras prá ticas judaicas comuns, mas as rejeita como regras temporá rias, ao contrá rio
do objetivo real da Bı́blia, um descanso Cinal e escatoló gico.(60) També m interessante é a
explicaçã o de Klassen, W: “uma questão crítica da descontinuidade e continuidade entre Jesus e o judaísmo
dos seus dias”(62) Ou seja, existe sim um forte conteú do continuista nos ensinos messiâ nicos, aCinal
ele é o Messias judeu, e ao mesmo tempo existe uma linha disruptiva revelando a essê ncia do
Reino dos Cé us.
O termo “Lei e os Profetas” representava a totalidade do Câ non judaico, o que hoje
costumamos chamar de Antigo Testamento. Ao atestar a canonicidade dos livros escritos por
Moisé s e també m dos escritos dos profetas, Jesus demonstra, por incrı́vel que pareça, uma
teologia semelhante a dos Fariseus e contrá ria a dos Saduceus, já que os ú ltimos aceitavam
apenas a Torá (Gê nesis, E• xodo, Levı́tico, Nú meros e Deuteronô mio) como inspirados por Deus. O
sentido de ampliaçã o pode ser observado em diversos trechos, sendo mais evidente na utilizaçã o
da expressã o “mas eu vos digo” 5.22 e 5.28. A palavra de Jesus é bem clara, a Lei existirá enquanto
houver “cé us e terra", e aqui vemos a conexã o permanente entre o Senhor e o povo de Israel;
jamais os abandonando. Entretanto, sabemos atravé s do Apocalipse de Joã o, que um dia haverá
novo cé u e nova terra, o que em ú ltima instâ ncia eliminaria a existê ncia da Lei. Esse detalhe pode
parecer irrelevante para um leitor cristã o, mas para um judeu nã o era.
Existem algumas promessas feitas na Torá e nos Profetas que ainda nã o foram
cumpridas; e que serã o cumpridas no retorno do Messias. Isso sem falar promessas e esperanças
contidas nos Salmos e nos demais livros do Antigo Testamento; as quais nã o podem ser
canceladas ou transferidas para a Igreja. Alguns cristã os, erroneamente, pensam que a Igreja é o
Novo Israel, mas isso nã o pode ser sustentado biblicamente. E Jesus diz: “quem ensinar isso será
chamado o menor no Reino dos Céus”.
Muito interessante notarmos a tensã o entre “cumprir plenamente a Lei” e esclarece-la
atravé s da antı́teses. Ao mesmo tempo que aCirma que nem o menor detalhe pode ser alterado,
Jesus, aCirma que devemos ir alé m. Nossa justiça deve exceder, em muito, a dos fariseus. Pode
parecer contraditó rio para nossa mentalidade latina, que busca sempre o caminho mais rá pido
em um pensamentos, mas para o modo de pensar oriental haviam diversos graus, ou pequenas
variaçõ es, que podiam ser percebidas sem necessariamente negar a posiçã o inicial. Esse modo de
raciocinar é o que nos permite aCirmar que existe apenas um Deus, mas que ao mesmo tempo
esse Deus é trino (trê s pessoas distintas). Assim podemos sobreviver a ideia, nã o tã o ó bvia, da
multiplicidade no uno. Antes de você se desesperar com esse assunto, lembre-se de que a
sabedoria de nosso Deus é multiforme: "A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a
multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais,” Ef 3.10
Nã o estamos fazendo um estudo Cilosó Cico, mas, caso você se interesse pelo tema, um
bom começo é você estudar a diferença entre o pensamento de Herá clito e o de Parmenides, dois
Ciló sofos gregos antigos.

Diversos estudiosos tentaram harmonizar o sentido real do texto, que aCirma uma é tica
muito mais rı́gida que a exigida na Torah, com o conceito de “graça” e “salvaçã o somente pela fé ”.
Entre eles, estã o obviamente Luthero e Calvino. Poré m esses irmã os tã o estimados falham ao
tentar relacionar o texto com suas necessidades pastorais. A diCiculdade deles era como conectar
um texto tã o rı́gido, e legalista, ao conceito da graça e do evangelho em si. A falha deles foi nã o
compreender que o Sermã o, apesar de falar do futuro dos cidadã o do Reino dos Cé us, está sendo
declarado ao uma audiê ncia judaica pré -igreja, e nã o a cristã os. Tenha em mente que naquele
momento Jesus ainda nã o havia sido rejeitado/traı́do/cruciCicado/ressuscitado.
Sendo plenamente honestos com o texto e seu contexto, chegaremos invariavelmente a
uma posiçã o que Cicou conhecida como Posiçã o Perfeccionista(49), termo que descreve o modo
como Jesus demanda de seus seguidores uma sé rie de comportamento's buscando uma estado de

111
perfeiçã o moral. Isso Cica muito evidente durante as antı́teses e se segue pelo capı́tulo 6 e mais
adiante no capı́tulo 7 també m. Entretanto, para nã o cairmos na armadilha da “salvaçã o pelas
obras” alguma soluçã o precisava ser dada, para que a hermenê utica do texto nã o fosse
desCigurada pela tensã o teoló gica. A isso nosso irmã o Hans Windsch, no inı́cio sé culo XX,
apresentou a resposta cabal:

.

“Se é certo que Jesus deu mandamentos simples no Sermão da Montanha, e se ele esperava que seus discípulos os
guardassem, então devemos perguntar: isso não é pensamento legalista? Isso não é perfeccionismo ético? Windsch responde:
Sim, é sim. Seja honesto; libertemo-nos de uma vez por todas dessa exegese idealista e paulinizadora! Devemos admitir que a
ética do Sermão da Montanha é tão ética de obediência quanto a ética do Antigo Testamento. Nada é dito no Sermão sobre a
incapacidade do homem de fazer o bem; nem há nada a ser lido aqui do o1ício de Jesus como mediador, ou da redenção pelo
seu sangue.
O Sermão da Montanha está totalmente no contexto do Antigo Testamento e do Judaísmo. Pois é isso que o Antigo
Testamento repete incansavelmente: Obedeça, então você viverá! Exatamente da mesma forma, o tema central da teologia do
judaísmo na época de Jesus era a natureza inexorável da lei de Deus. No Talmud podemos ler, reconhecidamente lado a lado
com uma grande quantidade de casuística, a mesma condenação da luxúria, do ódio, da vingança, que se encontra no Sermão
da Montanha.”(48)

Talvez a maneira adequada de compreender a progressã o entre lei e graça, seja perceber
a lei como uma descriçã o preparató ria para a vida na graça. Uma vez que a lei demonstrava um
caminho para se chegar a graça, mas que na prá tica apenas ressaltava o pecado (cf Rm 7.7), ainda
assim a lei era divina e devia ser respeitada. Do outro lado está a graça, a qual garante a
justiCicaçã o atravé s do ato de Jesus na cruz, sem exigir nada do agraciado. Como conclusã o, aquele
que recebeu a justiCicaçã o pela graça nã o vive em desacordo com a vontade divina, e o judeu,
vivendo sob a lei, nã o deve esperar dela a justiCicaçã o que vem apenas pela fé em Cristo. Parece-
me muito oportuna a observaçã o de D.A. Carson: “A abordagem do problema da continuidade e
descontinuidade — o que permanece imutá vel do có digo mosaico? — em algum outro termo representa
importar categorias estranhas ao pensamento de Mateus e a seu testemunho distintivo de Jesus”(40)

“Não suponham que…” (Μη„ νομιŒσητε) Jesus, de maneira direta e incisiva, deixa bem claro
como os ouvintes deveriam compreender o que viria a seguir. “Nã o suponham que …” , “Nã o
imaginem nem por um instante” , “Nã o criem imagens ilusó rias em vossas mentes de que …”
Talvez essas possam ser outras possibilidades ao que Jesus estava aCirmando. Assim nenhum
ouvinte desatento, ou algum fariseu desonesto, poderia dizer que o Messias blasfemava contra a
Torah. Nossas traduçõ es normalmente optam por usar a palavra “pensem” para explicar νομιŒσητε
- nomisete, sendo essa uma boa possibilidade, poré m existe outra possibilidade ainda mais
excelente que é “suponham" pois para a mentalidade grega o ato de pensar implicava em um
estudo criterioso do assunto; aqui Jesus diz o oposto, o Mestre aCirma que a audiê ncia nã o devia
perder sequer um segundo pensando naquilo.
Mas por que Jesus iniciaria esse trecho de seu discurso inaugural com essa aCirmaçã o?
Por que ele começaria com uma dupla negativa “nã o vim destruir a Lei” ao invé s de fazer uma
aCirmaçã o positiva como de costume? EN possı́vel, ainda que pouco documentado, que houvesse
uma expectativa de que o Messias pudesse “abolir" ou “revogar" a lei trazida por Moisé s. A
palavra usada por Mateus καταλῦ σαι - katalisai, signiCica destruir, arrasar, deixar em ruı́nas. E por
essa razã o Jesus acalma os â nimos fazendo um discurso de continuidade, ao menos até a
consumaçã o de seu ministé rio na cruz e sua ressurreiçã o ao terceiro dia. Esse pensamento
abolicionista judaico está eternizado no escrito canô nico de Hebreus, no capı́tulo 7, versı́culo 12:
"Pois quando há mudança de sacerdócio, é necessário que haja mudança de lei.” Poré m, como o Cristo nã o
estava realizando uma revoluçã o, e sim a conclusã o do que fora profetizado, era fundamental
garantir que nada estava sendo abolido. Ou seja, todos deveriam continuar a sacriCicar no templo,
fazer sua oraçõ es e cumprir o que fora estabelecido na Escritura disponı́vel; só nã o podemos
aCirmar que os costumes rabı́nicos estivessem na mesma posiçã o de preeminê ncia. A expressã o
ε† γω„ δε„ λεŒ γω (é go de lé go) traduzida por “eu porém vos digo” pode passar uma interpretaçã o
errô nea se for lida apenas de maneira adversativa. Na realidade, o contextualizaçã o ideal seria
enfatizar a autoridade de quem fala e nã o alguma deCiciê ncia na pratica existente.
Da mesma maneira percebemos que o discurso de Jesus era em fortalecimento das
exigê ncias da Lei e nã o de algum tipo de afrouxamento. Isso Cica bem claro nos versı́culos 19-20.
Veja como no versı́culo 20 temos a impressã o de que houvesse algum movimento de ensino que
ensinava a nã o cumprir alguma parte das normas, "e ensinar os outros a fazerem o mesmo” Hoje em
dia poucos meditam sobre essa questã o, talvez por se preocuparem em servir-se do texto para

112
defender posiçõ es teoló gicas que nã o existiam quando o texto foi registrado. Joã o Calvino, um
dos maiores teó logos de todos os tempos, chamou tais ensinos de “mé todos tortuosos”(24).
Postulava ele que na é poca de Jesus, os fariseus defendiam um abrandamento da lei, a qual era
denominada por eles de “jugo" e “fardo”. Pelo contexto da passagem tenho a mesma impressã o de
Calvino, pois as antı́teses nada mais sã o que uma interpretaçã o/aplicaçã o severa das Lei Mosaica.
Compreendendo essa questã o, ao ouvirmos Jesus dizer "Nã o pensem que vim abolir a Lei ou os
Profetas; nã o vim abolir, mas cumprir” sentimos quase um tom de ameaça. Se por um lado o ensino
dos rabinos afrouxava a Lei, o Messias aCirmava “vou levar a Lei à s ú ltimas consequê ncias”. Os
fariseus haviam obscurecido a Lei; Jesus a restaurava ao brilho original.(25) Ou como disse Ulrich
Luz: “se esta for, de fato, uma intensi1icação da Torah, Jesus o faz alinhado com a verdadeira intensão do
outorgador da Lei” (56) E Craig Keener vai mais adiante sobre o pensamento de Ulrich, e sugere a
seguinte interpretaçã o do ensino messiâ nico: “Vocês entenderam que a Bíblia signi1ica apenas isso, mas
eu ofereço uma interpretação completa”(57)
Existem pequenos detalhes textuais, que em uma traduçã o muitas vezes se perdem.
Neste caso especı́Cico, Cica ainda mais complicado porque em portuguê s, normalmente utiliza-se
apenas a palavra “nã o" para descrever uma negativa. Neste versı́culo Mateus, inspirado por Deus,
utiliza dois advé rbios de negaçã o, o primeiro é Μη„ (Me) e o segundo é ου† κ (ouk). EN interessante
que Μη„ é utilizado quando a resposta, ou conclusã o, do que está sendo dita é negativa; enquanto
o uso do Oυ† κ pode ser utilizado quando a resposta é positiva. Dessa maneira, quando o Mestre diz
“nã o vim para destruir a Lei” Cica evidente que ele nã o veio para isso; e quando ele diz novamente
“nã o vim para destruir a Lei, mas …” espera-se algo positivo dessa sentença.

v.18 “Digo-lhes a verdade…” (α† μη„ ν γα„ ρ λεŒ γω) Tal aCirmaçã o perde muito de sua força na
traduçã o para o Portuguê s, já na lı́ngua original existe um peso muito grande, sendo essa uma
aCirmaçã o que está entre as mais fortes do idioma grego. Nã o existe outra forma ortográ Cica para
traduzir o termo, com o peso correto; uma possibilidade seria: “Garanto o que estou dizendo”. A
palavra original é amém, que deriva do hebraico ’āman e que traz a idé ia de “ser Cirme e
verdadeiro” o que se está dizendo; trata-se da mesma palavra que costumamos utilizar para
encerrar nossas oraçõ es. EN uma declaraçã o solene a platé ia, lembre-se que estamos em um
evento solene. Apenas no livro de Mateus essa palavra ocorre 31 vezes. Com essa aCirmaçã o tã o
forte, Jesus declara que iria cumprir os mı́nimos detalhes da Lei de Moisé s e das prediçõ es dos
Profetas. Ele faz uma ilustraçã o dizendo que, mesmo pequenos pedaços das letras hebraicas
seriam plenamente cumpridos. O texto diz que nenhum ι†ῶτα (iota - letra “i”) e nenhum κεραιŒα
(keraia - pequeno traço, algo parecido com o sinal que diferencia a letra “O” da letra “Q”), seriam
deixados sem cumprimento. Por consequê ncia subentendesse que todas as exigê ncias seriam
plena, e legalmente, satisfeitas. Seria até mesmo estranho pensar em Jesus negando alguma parte
da Escritura, pois todo seu ministé rio foi marcado por citaçõ es, alusõ es e cumprimentos de
trechos do Antigo Testamento. Como poderia entã o, de uma hora para outra, o Mestre negar
alguma parte da Palavra de Deus? Como poderia Deus se contradizer?
EN importante o tema do cumprimento de “toda" a Lei em conexã o com a entrada no
Reino dos Cé us porque no passado algo pró ximo a isso já havia ocorrido com o povo de Israel.
Veja o livro de Josué , que relata a conquista da Terra Prometida, conCira Js 21.45: “Nem uma palavra
falhou, de todas as coisas boas que o SENHOR falara a casa de Israel. Tudo se cumpriu” Ou seja, na mente
daqueles ouvintes originais já existia um paralelo entre reino e cumprimento do que fora dito
pelo Senhor. Nosso Mestre mostra sempre um sentido mais profundo em seu discurso, isso pode
ser percebido aqui na escolha das palavras empregadas. O texto de Josué usa o vocá bulo hebraico
‫( ּדָבָר‬dā·ḇār) traduzido na LXX por ρ¡ ημαŒ των (rematon), ambos signiCicando “palavra”, já Mateus
registra o uso dos termos ι†ῶτα e κεραιŒα descrevendo pequenos traços de uma letra. Assim
percebe-se a minuciosidade do que estava sendo dito.
No versı́culo anterior falamos sobre dois advé rbios de negaçã o, o Μη„ e o Oυ† κ, agora
vemos a conjunçã o de ambos na forma de ου† μη„ , o que demonstra um grau mais profundo de
negaçã o, o qual traduzimos rotineiramente por “nem” ou em linguagem mais formal “sequer".
Assim, podemos perceber que o Mestre é ainda mais enfá tico a respeito da impossibilidade de
algo parte da a Lei ser esquecida.
Ao vermos a utilizaçã o de termos tã o especı́Cicos do idioma hebraico, Cica evidente que o
discurso era exposto a pessoas que conheciam o que estava sendo dito, ou seja, judeus. Como
aquela populaçã o falava o Aramaico em seu quotidiano, o Hebraico era normalmente reservado

113
aos estudos religiosos em casa, mas principalmente na sinagoga. O mesmo acontece hoje em dia
com os judeus que vivem entre nó s na diá spora. Por essa razã o, quando Mateus descreveu o
ocorrido atravé s do idioma grego, foi impossı́vel contextualizar a questã o na lı́ngua universal
daquele tempo, o grego. Assim, considero errô nea as traduçõ es para o portuguê s que adaptam os
termos ditos por Jesus, traduzidos por Mateus, de maneira diferente. O pastor e teó logo Joã o
Crisó stomo, ainda no sé c. III, durante suas homilias sobre o evangelho de Mateus disse os
prové rbios de Jesus nã o eram a revogaçã o do primeiro (da Lei), mas a extraçã o e preenchimento
dela.(23) O irmã o Joã o, citado acima, foi considerado o maior expositor da Escrituras depois dos
apó stolos. Isso devido a sua eloquê ncia e dedicaçã o ao estudo da palavra divina, tanto que
recebeu o apelido de “Crisó stomo" que signiCica “boca de ouro”. Nã o existe possibilidade de Jesus
estar falando algo diferente, pois para o judeu, a conexã o com a Terra da Promessa era
evidenciada atravé s da Cidelidade a Lei; se o Messias, que era por si só um cumprimento do pacto,
propusesse abolir a Lei, a ló gica toda cairia como um castelo de cartas. Entenda o que estou
dizendo, para o judeu existe uma ligaçã o direta entre a Lei e a posse da terra, Jesus oferece a
chegada do Reino (de modo terreno) entã o como ele poderia oferece-lo sem o cumprimento
pleno da Lei. Para haver Reino era necessá rio cumprir até o menor traço da Lei. Desde o cativeiro
babilô nico, e a perda da monarquia em Israel, o povo sabia que só haveria um rei no trono de Davi
se houvesse obediê ncia a Lei; assim, como poderia o Cristo ser esse rei e ao mesmo tempo negar
a Cidelidade a Lei. Existe um ditado rabı́nico moderno que diz que se o povo judeu cumprir o
Shabat corretamente apenas duas vezes, o Messias virá . Isso revela o modo como eles, ainda que
erradamente, entendem a relaçã o entre cumprir a Lei e a fé .
Uma maneira sé ria de se compreender a relaçã o Graça x Lei é perceber que o autor
humano do livro, o apó stolo Mateus lidava com um pú blico que em sua quase totalidade viera do
contexto judaico. Dessa maneira, quando o escritor evidencia os ensinos de Jesus a uma audiê ncia
exclusivamente judia, era mais do que ó bvio que o contexto mosaico seria fundamental. Poré m
lebre-se de que teologia nã o pode ser feita baseada em apenas um trecho das escrituras; ou pior,
apenas no trecho que nos agrade mais. Nesse momento do livro o Evangelho era oferecido
exclusivamente ao judeus. Ainda acontecerá a rejeiçã o progressiva, a qual levará ao assassinato
do Messias, no terceiro dia ele ressuscitará e apó s quarenta dias será assunto ao cé u; depois de
alguns dias haverá o derramamento do Espı́rito e a fundaçã o da Igreja. Apó s isso acontecerá toda
a formataçã o do Novo Testamento. Entã o nã o devemos basear toda nossa crença apenas em uma
passagem, OK. Um estudioso cristã o chamado Graham Stanton ponderou muito bem sobre esse
tema e escreveu: “o evangelho de Mateus como um todo poderia re1letir um período na história da relação
entre a igreja e a sinagoga quando o debate interno estava se tornando cada vez mais fragmentado ou,
alternativamente, no rescaldo das separações dos caminhos.” (58)
v.20 E Jesus Cinaliza sua explanaçã o sobre a importâ ncia da Lei exortando aqueles que
desejavam entrar no Reino dos Cé us a observarem a justiça. Sendo que essa justiça devia ser
superior a dos religiosos da é poca, que mostravam apenas uma aparê ncia de piedade, enquanto
possuı́am coraçõ es impuros e maus. Talvez o peso da exigê ncia feita pelo Messias passe
desapercebido ao seus olhos, por isso gostaria de me ater um instante neste ponto. Poucos
grupos na histó ria da humanidade buscaram se separar tanto do mundo, e cumprir seus
mandamentos religiosos tã o intensamente quanto os fariseus. Tanto que o pró prio vocá bulo
“fariseu” signiCica “separatista”. Aqueles homens cometiam absurdos em nome de uma auto-
justiça e para quem os conheceu, fosse difı́cil imaginar um modo de vida mas ascé tico que o deles,
ainda assim Jesus aCirma "se a justiça de você s nã o for muito superior à dos fariseus e mestres da lei”. Em
outros momentos do livro reconhecemos o uso, por parte do Mestre, de certas hipé rboles
(construçã o que leva certo assunto a beira do absurdo) mas neste caso nã o se trata disso. O
Mestre é enfá tico e exige muito daqueles que serã o cidadã os do Reino dos Cé us. Se uma pessoa
comum olhava para os fariseus e já pensava ser impossı́vel imitá -los, qual nã o seria a diCiculdade
de superá -los em muito. Um trecho que reClete essa situaçã o é a oraçã o do fariseu e do publicano
(assim como Mateus fora) no templo (cf. Lc 18.914) Fica aqui evidente que a doçura das bem-
aventuranças estava Cicando para trá s, e que o assunto era muito sé rio para os pretensos
discı́pulos que cercavam o monte.
Certamente este preceito é vá lido para nó s hoje.

114
v.21-26 1º antítese - O relacionamento com o próximo
ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη τοῖς α† ρχαιŒοις (hekousate hoti errethe tois archaios) Por todas as
antı́teses encontramos um formato introdutó rio similar, ainda que com pequenas variaçõ es,
trata-se do formato: "Ouvistes que foi dito aos antigos” Assim como em outros momentos do
discurso, faz-se necessá rio uma estrutura formal, aCinal tratava-se de uma assunto extremamente
sé rio. O fato de se falar dos “antigos" evoca os antepassados e sua sabedoria ancestral.
Encontramos uma forma similar no Salmo 119.100 "Entendo mais do que os antigos” Em quase todas
as culturas, modernas ou antigas, recorresse aos antepassados como uma forma mais nobre de
viver e pensar.
v.21 “Não matarás” Eis o sexto mandamento do SENHOR expresso no decá logo (Ex 20.13 e
Dt 5.17). Ainda que esta seja a traduçã o mais conhecida para nossa lı́ngua, ela nã o descreve
adequadamente o o sentido original. O mais correto seria traduzir por “Não cometeras assassinato
(φονεύσεις)”, a princı́pio pode para quase o mesmo, mas nã o é . A questã o é que em outros trechos
da mesma Lei, é instituı́da a pena capital (morte como puniçã o por alguns crimes) e també m o
extermı́nio de populaçõ es pagã s inteiras durante a conquista da palestina. Mesmo no perı́odo
anterior a entrega da Lei, no que chamamos de era pré -diluviana, já existia uma pena de morte
contra quem cometesse assassinato. Cf. Gn 9.13 "Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem
se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem”.
A partir do versı́culo 21 podemos perceber melhor o sentido de ampliaçã o que Jesus
apresenta a seus ouvintes. Para a Lei Mosaica o homicı́dio era um crime passı́vel de puniçã o sé ria,
enquanto para o Reino de Deus o simples fato de se ofender um co-cidadã o era passı́vel da
mesma puniçã o. E ele nã o para por aı́! Até mesmo a adoraçã o a Deus devia ser deixada para um
segundo momento caso houvesse alguma discó rdia entre irmã os. A profundidade desse
ensinamento se completa ao tratar de questõ es judiciais, onde somos orientados a entrar em
acordo com nossos adversá rios. EN de se pensar o quã o surpreendente foi para os religiosos o fato
de Jesus orientar a multidã o a “deixar" a adoraçã o no templo em segundo plano e concertar seus
relacionamentos como prioridade. Nenhum religioso do mundo gostaria dessa sugestã o, mesmo
no meio evangé lico atual.
v.22 “Eu, porém, lhes digo que todo aquele que se irar contra o seu irmão” EN importante atentar
para o fato de que os judeus eram, em sua quase totalidade, parentes; aCinal eram descendentes
de Abraã o e dos doze Cilhos de Jacó . A literatura judaica reClete uma grande preocupaçã o em
deCinir que era realmente um irmã o (neste caso pessoas da linhagem de Abraã o) um prosé lito
(convertido ao judaı́smo, mas diCicilmente aceito plenamente), um vizinho (aqueles que
habitavam paciCicamente entre eles, respeitando seus costumes) e os pagã os (que viviam
plenamente em desacordo com a Lei de Deus). Existe um livro do sé c. XVI chamado Shulkan
Arukh, escrito pelo rabino Yossef Caro que fala bastante sobre essas diferenças.(45)

“estará sujeito a julgamento” A partir daqui, Jesus nos apresenta alguns detalhes
muitı́ssimo interessantes sobre o sistema judicial judeu (daqueles dias) e intercala seu ensino
moral com ele. Trata-se de uma estrutura em trê s etapas, cada uma mais sé ria que a outra. Veja:
1º Nível de julgamento “todo aquele que se irar contra o seu irmão estará sujeito a julgamento”
Este julgamento mais brando, normalmente ocorria na sinagoga local, a qual, segundo Josefo, era
composta por sete homens (outros historiadores preferem o nú mero de 23 homens). ConCira Dt
16.18 “Juízes e o1iciais constituirás em todas as tuas cidades que o Senhor, teu Deus, te der entre as tuas tribos,
para que julguem o povo com reto juízo.” O apó stolo Paulo, durante a apariçã o inicial de Jesus a ele,
revela um pouco mais sobre os castigos impostos nas sinagogas locais: “eles bem sabem que eu
encerrava em prisão e, nas sinagogas, açoitava os que criam em ti.” At 22.19
2º Nível de julgamento “qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá’, será levado ao Sinédrio” Já esta
segunda ofensa deveria ser julgada pelo Supremo Tribunal judeu, composto por 71 membros
dentre os mais iminentes doutores da Lei, o que revela o grau de seriedade envolvido. O pró prio
Senhor Jesus virá a ser julgado por essa corte, conforme descrito em Mt22.23. O vocá bulo “Racá !”
(Ρ¹ακαŒ ) descrito por Jesus é de origem aramaica e possui o sentido literal de “vazio”, e que como
expressã o popular possuı́a a conotaçã o de “cabeça vazia”. Se pararmos para analisar friamente,
chamar algué m de “abobado" nã o é uma ofensa tã o grave assim. E é exatamente isso que o Senhor
Jesus deseja transmitir, que mesmo um pequeno grau de ofensa, ou desprezo, já é passı́vel de
puniçã o. Este tipo de ofensa verbal era bem comum entre os judeus daqueles dias e até hoje é
utilizado, ainda que em menor escala.

115
3º Nível de julgamento “e quem falar: Seu tolo!, estará sujeito ao fogo do gehenna” Essa
terceira forma de julgamento envolve a ser executado no fogo do lixã o da cidade.
Para compreendermos o que seria essa puniçã o horrenda é fundamental exercitarmos
nossa hermenê utica bı́blica e assim lembrar dos costumes, crenças e esperanças dos leitores
originais. Nã o me parece correto traduzir γεŒ ενναν (gehenna) por "inferno" pois para o leitor
original o signiCicado da palavra era muito diferente do que é para nó s. Os judeus de fala grega
comumente utilizavam a expressã o Gehinnon, para descrever o lugar dos condenados. EN certo que
o vocá bulo remete a um vale, o vale de Hinon ao sul-sudoeste de Jerusalé m (Js 18.16), onde
naquela é poca o lixo da cidade era queimado e que no passado moná rquico houve sacrifı́cios de
crianças ao deus pagã o Moloque (2Rs 23.10). A visã o de tal lugar devia ser assustadora a
qualquer um. També m existe uma compreensã o metafó rica de que aquele lugar representava
uma condenaçã o futura no dia do Senhor (Is 30.33 e 66.24). Poré m de maneira alguma podemos
imaginar que aquelas pessoas compreendiam o inferno da mesma maneira que nó s,
principalmente aqueles que prové m de um ambiente cató lico repleto da Cicçã o de Dante Alighieri
e sua “Divina Comé dia”. Ao judeu daquele tempo nã o fora dada a percepçã o de que a maior
puniçã o seria estar deCinitivamente afastado do Senhor, sendo seu maior temor algum tipo de
puniçã o fı́sica até a morte. De maneira alguma um judeu imaginaria os demô nios sendo
atormentados naquele mesmo fogo, aCinal para eles o Gehenna era algo fı́sico e real, e os anjos
maus apenas espı́ritos. Proponho que a melhor traduçã o para “gehenna" seja nã o traduzir por
nada, deixando a cargo do expositor bı́blico fazer todas as consideraçõ es pertinentes; assim evita-
se o erro de traduzir de forma tendenciosa e induzir o leitor a uma concepçã o errado do que fora
dito por Jesus.
Como curiosidade, saiba que os judeus acreditavam, ainda que com base bı́blica muito
tê nue, que haviam trê s portas para o inferno: 1) uma no deserto (Nm 16.33) 2) uma no mar (Jn
2.2) e uma em Jerusalé m (Is 31.9).

Se este paragrafo de Mateus inicia falando de assassinato, em seu desdobramento aqui,


percebemos novamente que a ordem de valores no Reino é diferente da ó tica humana perversa. O
Mestre começa com algo reconhecidamente terrı́vel em qualquer sociedade e o contrapõ e a algo
aparentemente insigniCicante; e por Cim nos surpreende com a é tica do Reino. Perceba que Jesus
apresenta uma escada com trê s degraus Cilosó Cicos: 1) matar algué m, 2) irar-se contra o pró ximo,
e 3) desprezar o outro. E como que ilustrando este ú ltimo ponto, Jesus recorre a hipé rbole
(exagero proposital) e diz que o fato de chamar algué m de tolo é digno de estar a frente dos
juı́zes, entã o … uma ofensa mais sé ria, mas que ainda nã o fosse classiCicada como ira, colocaria a
pessoa em risco de ser punida de maneira horrenda.

v.23-24 Agora o Mestre apresenta uma aplicaçã o prá tica do ensino proposto, isso se
evidê ncia no uso das conjunçõ es ε† α„ν (se) e οϋν (portanto). Nossa ó tica cristã pode distorcer um
pouco a visã o do que Jesus estava falando, pois nó s podemos orar em qualquer lugar, e onde duas
ou mais pessoas estiverem podemos prestar um culto ao Senhor (Mt 18.20), mas com o judeu a
situaçã o era outra. Ele só podiam sacriCicar no lugar especiCicado pelo pró prio Deus, ou seja, no
templo em Jerusalé m. Poré m é evidente que nem todos os judeus podiam habitar na cidade santa,
sendo que alguns viajavam dias e mais dias, por vezes a pé , para poder chegar no templo. Agora
imagine só uma pessoa que apó s viajar por um mê s a pé , chega diante do altar e lembra que tem
algo contra o seu irmã o. Essa pessoa devia voltar, a pé , até a sua cidade original, se reconciliar
com a pessoa que o ofendeu e depois, viajar um terceiro mê s, novamente a pé , até Jerusalé m.
Com isso em mente podemos perceber o impacto da aplicaçã o do ensino que o Messias
estava trazendo. Obedecer ao Cristo exige grande comprometimento.

Perdoe-me se me alonguei demasiadamente, mas é importante compreender que Jesus


falava da possibilidade de ser condenado a uma puniçã o terrı́vel e fı́sica, mas nã o uma puniçã o
eterna que nó s compreendemos como o "inferno". Repare que o Mestre está falando daqueles que
entrarã o no Reino, aCinal o trecho trata do relacionamento entre essas pessoas; també m perceba
que o Mestre está proferindo uma hipé rbole e por isso as proporçõ es sã o exageradas. Se nada
disso te convencer, leia novamente e veja que em ú ltima instâ ncia Ele fala que a pessoa “corre o
risco” e nã o que ela será condenada assim; e tudo isso de maneira hipoté tica.

v26 “Em verdade lhe digo que você não sairá dali enquanto não pagar o último centavo.” Aqui

116
existe algo interessante na lı́ngua original, relacionado à moeda normalmente traduzida como
“centavo”. Enquanto Mateus, que normalmente utiliza uma linguagem direcionada ao judeus,
utiliza o termo κοδραŒ ντης - kodrantēs, que é uma moeda romana de latã o (quadrans), Lucas, que
normalmente escreve (Lc 12.58) em termos universais (e fortemente gregos), opta pela menor
moeda em uso entre os judeus, o Lepton (cujo valor era de 1/2 de um quadrans).

A Quadrans, de Nero, que possivelmente estava em uso enquanto os leitores originais de


Mateus tiveram contato com este evangelho. Apesar da inscriçã o SC normalmente ser associada
ao Senatus Consulto (senado romano) o imperador Nero as inseriu em sua cunhagem
possivelmente para lhe trazer algum tipo de autoridade perante a populaçã o.(67)

Aramaico, a língua original?


Aqui encontramos uma pequena cápsula contendo a língua original utilizada durante os
eventos, essa língua era o Aramaico. Na passagem acima Mateus preservou o termo utilizado por
Jesus: Raca; que em grego equivalia a “algo inútil ou sem valor”. Mt 5.22 Outro trecho do evangelho
que conserva o Aramaico é Mt 27.46 que contém a súplica “Eli, Eli, lema sabachthani” traduzida por
“Deus meu, Deus meus, porque me desamparaste?“ Certamente os acontecimentos selecionados por
Mateus, e que descrevem o ensino de Jesus Cristo, aconteceram em Aramaico, assim como é certo
que os textos do Novo Testamento foram registrados na língua franca daqueles tempos, o grego
koiné. Vale notar que, nem mesmo a carta de Paulo ao romanos fora escrita em latim, a língua oficial
daquela cidade, mas sempre em grego; e o mesmo pode ser dito da carta ao hebreus, que não foi
escrita em aramaico/hebraico. O Evangelho escrito por Marcos a partir das aulas que Pedro realizou
em Roma, também foi escrito em grego, nunca em latim. Assim parece que a língua que os ouvintes
originais, fora da palestina, utilizavam quotidianamente fosse o grego.

Dentre as provas documentais que chegaram até nós, as cópias mais antigas do evangelho
que possuímos são todas em grego e não em Aramaico/Hebraico. Ainda que Eusébio de Cesaréia,
265 D.C, em seu livro História Eclesiástica (livro 5, cap.8) cita Irineu de Lyon(13), e diz: “Mateus publicou
entre os hebreus, em sua própria língua, um Evangelho também escrito, enquanto Pedro e Paulo estavam
evangelizando e lançando os fundamentos da Igreja.” O mesmo Eusébio também cita outro escritor antigo,
esse chamado Pápias, o qual disse a respeito desse evangelho: “Mateus ordenou suas sentenças em
língua hebraica, mas cada um as traduzia como melhor podia”.(47) Não podemos comprovar as
informações de Eusébio, é triste que nenhuma cópia desse documento tenha sobrevivido até nossos
dias. Talvez o que Irineu diga com "publicou" possa se referir a pequenas partes do material ou até
mesmo algum trabalho de compilação de dados históricos. Alguns estudiosos atuais chegaram a
defender essa hipótese, entre eles: Dalman, Torrey, Burney, Black, R.H. Charles e M.Wilcox. Porém
existe uma séria dificuldade nesta posição, afinal não foi encontrado nenhum manuscrito do Novo
Testamento escrito em aramaico e seu correspondente traduzido para o grego; mesmo na literatura
secular praticamente não existem evidências desse tipo.

117
v.27-30 2º antítese - O adultério
ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη (hekousate hoti errethe) Com essa cá psula introdutó ria Jesus
marca novamente o tempo e o ritmo do discurso. Se nas bem-aventuranças o formato utilizado
era o μακαŒ ριοι οι¡ agora a fó rmula seria ΗŸκουŒ σατε ο¼ τι ε† ρρεŒ θη ou seja, "Ouvistes o que fora dito”.
Existe um detalhe textual aqui uma vez que alguns manuscritos posteriores inserem “aos antigos”
como complemento, isso provavelmente mostra a desnecessá ria tentativa de harmonizaçã o com
o trecho anterior em 5.21.
Enquanto a primeira antı́tese fala do relacionamento para com o pró ximo, aqui Jesus leva
o temo ao nı́vel mais ı́ntimo que um ser humano pode ter com outro, que é o contato entre o
casal, ou seja um homem e uma mulher. Essa descriçã o fora apresentada a tanto tempo, que ela
aconteceu antes mesmo do pecado, ainda no Jardim do Senhor, conCira Gn 2.24 "Por essa razão, o
homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne.” Nenhum outro tipo de
contato pode ser mais pró ximo do que aquele que existe entre um casal.
O tema do adulté rio era algo pró ximo a Jesus. Nã o pelo seu comportamento, é claro, mas
devido a histó ria da concepçã o divina em sua mã e Maria. Lembre-se do relatado no capı́tulo 2 e
de como suspeitas pairavam sobre a maneira que ela engravidou.

v.27 A mensagem é clara: “Não adultereis” e está expressa em Ex 20.14 e Dt 5.17 O verbo
futuro μοιχευŒ ω - moicheuo, signiCica “adulterar” e será muito importante na discussã o sobre o
divó rcio.
v.28 Eis mais uma ampliaçã o do sentido da Lei, onde Jesus estende a questã o do adulté rio
até o divó rcio. Jesus explica que o adulté rio acontece no ato de desejar (sexualmente) outra
pessoa e nã o necessariamente na consumaçã o do ato. Neste ponto existe uma sobreposiçã o entre
Dt 5.17 e 5.21 que lida da cobiça: "Não cobiçarás a mulher do teu próximo. Não desejarás a casa do teu
próximo, nem sua propriedade; nem seu servo ou serva; nem seu boi ou jumento; nem coisa alguma que lhe
pertença” O Mestre explica que o pecado acontece dentro do coraçã o e nã o apenas exteriormente.
Se no versı́culo 22 aprendemos que é possı́vel cometer um crime, equivalente ao assassinato, com
nossas palavras, agora somos chocados com o fato de que pode-se adulterar apenas com o olhar
desejoso. Um antigo ditado judeu diz: “ Aquele que olha acima do calcanhar de uma mulher, é como se
tivesse olhado para sua barriga. E o que olha para sua barriga, é como se tivesse se deitado com ela”. Como
aponta o teó logo Joã o Calvino, o olhar cobiçoso trata-se de uma siné doque (Cigura de linguagem
onde uma parte é tomada para representar todo o restante), pois o desejo e o pecado obviamente
nã o vê em apenas pelo olhar.(46) Em diversos pontos dos evangelhos encontramos Nosso Senhor
fazendo uso de Ciguras exageradas, conhecidas como hipé rboles, com Cins didá ticos.
Dessa maneira a é tica proposta para o Reino dos Cé us em muito superava aquela
reCletida na Lei do Sinai. Uma pergunta vá lida é : se o desejo (sexual) é algo interno, como
podemos deCini-lo como pecado, já que nã o prejudica o pró ximo e nem mesmo o cobiçoso? A
resposta é direta: porque o “desejar cobiçoso” revela uma vida em desacordo, e sem comunhã o,
com Deus. Em resumo: a Lei condena o adulté rio consumado, a Graça condena o adulté rio
desejado, mesmo que nunca se consume. Mais altos sã o os padrõ es do Reino dos Cé us que os
padrõ es humanos. Lembre-se que o Senhor entregou a Lei para Moisé s com o intuito de organizar
e reger a vida do povo de Israel na terra prometida, enquanto o Evangelho nos ensina como viver
eternamente no Reino de Deus.
v.29-30 Jesus atravé s de exemplos simples e prá ticos, reforça a mensagem apresentada e
suas implicaçõ es. Uma questã o hermenê utica interessante é : por que o Mestre fala do “olho
direito” e da "mã o direita" e nã o dos ó rgã os do lado esquerdo? Uma possı́vel resposta é que desde
a antiguidade os ó rgã os do lado direito (mã o, braço, olho) sempre foram considerados os
dominantes, possivelmente porque a ampla maioria da populaçã o é destra e nã o canhota. Essa
ilustraçã o é tã o importante nos ensinos de Jesus que ele a usará novamente em Mt 18.8-9. Dessa
maneira, implicava em um compromisso muito sé rio abdicar de algo tã o importante como a mã o
que se utiliza para escrever e trabalhar ou seu olho que enxerga melhor.
Certamente a linguagem aqui possui forte cunho hiperbó lico, e como sabemos, essa era
uma maneira judaica de enfatizar o que vinha sendo exposto. Durante a histó ria da igreja alguns
irmã o acabaram por nã o interpretar a mensagem corretamente, e no afã de cumprir o que fora
dito se auto-mutilaram. O mais conhecido desses irmã os possivelmente seja Orı́genes de
Alexandria, talvez o homem mais inteligente de seus dias. Para eliminar toda dú vida a esse
respeito, em 345 d.C o concı́lio de Nicé a, determinou que era errado esse tipo de prá tica bá rbara,
pois acabava por violar a imago Dei (a imagem divina no ser humano). O Mestre nos fala de

118
mortiCicaçã o, nã o de mutilaçã o.
Ao se analisar o texto levando em conta os aspectos literá rios, é possı́vel perceber uma
leve falta de uniformidade nestes dois versı́culos. Parece que o trecho nã o é tã o harmonioso com
o restante do ensino. EN bem possı́vel que a quase totalidade da cristandade nunca se atenha a tal
detalhe, mas que ele existe, existe. Para responder a essa questã o, algumas possibilidades foram
levantadas: 1) pode ter havido algum questionamento da platé ia, 2) o Mestre se antecipou a
algum questionamento que pudesse ser feito ou 3) era uma maneira de impedir os doutores da
Lei de criarem algum subterfú gio para escapar do julgamento. Todas as trê s possibilidades
podem estar corretas, e nenhuma auto-exclui a outra; ainda assim proponho uma quarta via:
trata-se de um recurso retó rico chamado de ad absurdum. Este é o tipo de argumento onde se
assume uma posiçã o, ou hipó tese, e a partir dela deriva-se conclusõ es ridı́culas e imprová veis/
impossı́veis. Partindo de qualquer um dos trê s pontos anteriores, onde algué m poderia defender-
se dizendo ser inato do corpo humano o desejo pelo pecado, o Mestre aCirma que seria justiCicado
amputar a parte cobiçosa. Poré m isso nã o resolveria a questã o, pois algué m que cobiçasse atravé s
do olho direito, mesmo tendo este arrancado, continuaria a deseja com o olho esquerdo; o mesmo
é vá lido em relaçã o as mã os. Dessa maneira chegasse ao absurdo de uma pessoa totalmente
deformada, mas ainda assim desejosa do pecado. Desse modo percebemos o dano que o pecado
causa em nosso corpo. A soluçã o é romper radicalmente com os há bitos pecaminosos, mesmo
que isso, metaforicamente, signiCique amputar algo extremamente importante de nossa vida.
Por vezes imagino se Jesus pensava neste ensino enquanto caminhava em direçã o ao
Calvá rio, pois lá , o que seria cortado do mundo era a vida dele. Este seria a amputaçã o deCinitiva
que nos daria liberdade do pecado. Ele seria desCigurado, Ele seria amaldiçoado, e ele nos livraria
do impé rio do morte. Obrigado Jesus!
Existe um antigo livro, escrito em 1656 pelo puritano John Owen, chamado “A
mortiCicaçã o do pecado” que trata deste tema de maneira muito objetiva e atual.

v.31-32 3º antítese – O divórcio


ΕŸρρεŒ θη δεŒ - Errethe de "E foi dito” Aqui encontramos uma versã o elı́ptica (resumida) da
fó rmula introdutó ria, ela é utilizada para acelerar o ritmo do discurso. Dessa forma, o que vem a
seguir adquire um peso maior, assim como é reforçada a idé ia de conexã o entre os dois
discursos.
Textualmente falando, existe uma mudança muito importante nesta terceira antı́tese.
Enquanto as duas primeiras começam com o formato de mandamento, “Nã o matará s” e “Nã o
adulterará s” aqui o texto se inicia com “Aquele que se …”. Assim Cica evidente que o divó rcio nunca
foi uma ordem divina, e sim, na melhor das hipó teses, uma permissã o para que algo pior nã o
acontecesse entre o casal. Nem poderia ser diferente, pois a pró pria escritura diz: “"Eu odeio o
divórcio", diz o Senhor, o Deus de Israel, e "o homem que se cobre de violência como se cobre de roupas", diz o
Senhor dos Exércitos. Por isso tenham bom senso; não sejam in1iéis.” Ml 2.16

Vemos o quã o profundo é o laço do matrimô nio, sendo que a mulher repudiada ainda
mantinha um vı́nculo com o ex-esposo; mesmo ambos estando separados fı́sica e legalmente.
Assim aquele que se casasse com ela estaria cometendo adulté rio, ainda que o novo marido
nunca tivesse se casado antes.
Vale ressaltar que entre os Judeus haviam duas linhas de pensamento sobre esse tema,
uma que seguia o Rabino Hilel(14), e dizia que um homem podia se divorciar por qualquer razã o;
já os que seguiam o Rabino Shammai(15), diziam que o divó rcio era admissı́vel em caso de uma
falha grave (hebr. ‘ervat dabar). Jesus vai alé m dos mestres humanos e diz que a uniã o realizada
atravé s do casamento era indissolú vel, nã o importando o motivo. Essas duas escolas rabı́nicas
discordavam sobre outros temas també m, como por exemplo como cumprir o Shabat, sobre se a
oferta de paz poderia ser feita em um sá bado ou festival e se algué m poderia colocar as mã os
sobre eles durante o Shabat.(61)
EN possı́vel que este ensino tenha sido incluı́do nesta exata posiçã o para evitar uma
tentativa de burlar a ordenança anterior. Existem alguns textos judaicos da é poca onde os
advogados judeus diziam: “ Se alguém vê uma mulher pela qual está encantado, e a considera superior a
sua esposa, que ele dispense a esposa e se case com ela” Esse modo de pensar levava a duas
complicaçõ es: 1) permitia dar vazã o ao desejo pecaminoso por qualquer outra mulher, 2)
permitia que algué m pego em adulté rio alega-se que já havia de divorciado de sua mulher, mesmo
que ela nem soubesse disso. Isso acontece em nossos dias, quando muitos se defendem do

119
adulté rio dizendo que ainda viviam juntos, poré m sem uma vida conjugal. Para eliminar tamanha
perversidade o Mestre defende veementemente a necessidade de uma documento oCicial de
divó rcio. Fiz questã o de grifar o verbo “vê " pois ali é que aconteceu o pecado, todo o resto é nossa
tentativa de cobrir a vergonha com folhas de plantas, como Cizeram Adã o e Eva.
Apesar disso, Jesus explica que o divó rcio poderia até ser aceito, poré m exclusivamente
em caso de πορνειŒας - pornéias, ou seja, vida sexual impura. Esse vocá bulo é o mesmo que dá
origem ao termo “pornograCia”. Repare bem que a palavra utilizada pelo Mestre aqui é diferente
daquela utilizada no trecho anterior, compare: πορνειŒας X μοιχευŒ ω. Assim é errado ensinar que o
divó rcio é aceito apenas em casa do adulté rio (μοιχευŒ ω), principalmente se levarmos em conta o
que estipulava a Lei de Moisé s (cf. Dt 24.1-4), porque nela o modo de lidar com o adulté rio era o
apedrejamento (pena capital) e nã o o divó rcio (uma medida administrativa).
Quando o Mestre se refere a santidade do casamento, ele retrocede até a prescriçã o dada
pelo Senhor muito antes da lei mosaica, ou seja, ele fala sobre as ordens proferidas ainda no EN den.
ConCira Gn 2.24 "Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma
só carne.” Implicitamente, ao fazer a alusã o a Gê nesis, o Senhor Jesus, conecta seu ensinamento a
algo que era superior a Moisé s, certamente mais vá lido que a tradiçã o dos religiosos. Nada mais
adequado para um trecho do sermã o que se baseia em mostrar que existe uma autoridade
superior a aquela que os fariseus defendiam. Como bem asseverou o reverendo Martin Lloyd
Jones: “O matrimônio não consiste de um contrato civil, e nem de um sacramento apenas. O casamento é algo
mediante o que duas pessoas, marido e mulher, se tornam uma só carne”(37).
Como o pró prio Jesus ensinou, o pecado acontece primeiro no coraçã o, independente do
ato ser consumado ou nã o. Claro que sempre existirã o tentaçõ es, mas nã o sobre isso que o texto
fala, o modo mais adequado de compreende-lo é imaginar uma pessoa que vive habitualmente
cercada por imoralidades sexuais e pornograCia. Mesmo que essa pessoa nunca tenha adulterado
Cisicamente; a cobiça e o desejo sexual impuro já sã o suCicientes para caracterizar o pecado.
Existe també m uma questã o hermenê utica importante, pois no mundo greco-romano era
aceitá vel a mulher se divorciar do homem, enquanto no contexto judaico, esse direito pertencia
apenas ao homem.
Alé m disso haviam duas situaçõ es onde o divó rcio era proibido pela Lei: 1) No caso do
marido acusar erroneamente a esposa de nã o ser virgem Dt 22.19 e 2) no caso de estupro antes
do casamento Dt 22.29. Ou seja, o assunto era muito complexo desde a antiguidade.
No caso da esposa que se divorciou, sua dignidade será mantida desde que ela nã o se
junte a outro homem enquanto seu marido legı́timo estiver vivo. Caso ela o faça, se tornara ré do
pecado de adulté rio. Esse vinculo é claramente descrito em Rm 7.2-3: “Por exemplo, pela lei a mulher
casada está ligada ao seu marido enquanto ele estiver vivo; mas, se o marido morrer, ela estará livre da lei do
casamento. Por isso, se ela se casar com outro homem enquanto seu marido ainda estiver vivo, será
considerada adúltera.”. O profeta Jeremias utiliza esse tema como ilustraçã o para a inCidelidade da
naçã o de Israel, veja Jr 3.1: “Se um homem se divorciar de sua mulher, e, se ela, depois de deixá-lo, casar-se
com outro homem, poderá o primeiro marido voltar para ela? Não seria totalmente contaminada?"
O assunto é tã o importante que o Mestre voltará a ele no capı́tulo 19 versı́culo 9. O
apó stolo Paulo trata do tema em 1Co 7.10-11: “Aos casados dou este mandamento, não eu, mas o Senhor:
que a esposa não se separe do seu marido. Mas, se o 1izer, que permaneça sem se casar ou, então, reconcilie-se
com o seu marido. E o marido não se divorcie da sua mulher”.
Um aspecto que chama a atençã o é que os trechos que lidam deste tema estã o sempre no
modo subjuntivo, que indica apenas uma possibilidade e nã o uma certeza. Repare no uso de “se”,
“caso isso aconteça …” Perante nosso Senhor, o pecado é tã o imundo que é posto como algo
distante e imprová vel, quase como dizer “a menos que chova canivete” ou outra construçã o
hiperbó lica assim. Claro que Jesus encarava o pecado como algo bem real, aCinal ele mesmo foi
duramente tentado no deserto, o importante é percebermos que o pecado deve ser algo distante
do povo santo. Todo este ensino se perderia caso nã o atentá ssemos ao uso do modo subjuntivo.
Textualmente falando, a utilizaçã o do modo da possibilidade (o subjuntivo) é importante pois em
nenhuma parte da Escritura existe uma ordem para o homem se divorciar. Caso Jesus tratasse do
assunto no modo indicativo, ou o enfatiza-se atravé s do imperativo, poderia se criar uma brecha
no ensino original aCirmando-se que o Mestre ordenava o divó rcio. Teologicamente isso seria um
absurdo e literariamente també m, pois repare no ensino anterior, que fala de nã o matar o
pró ximo, e repare no ensino a seguir, que ensina a honrar seus votos. Ou seja, o texto fala das
ofensas, mas principalmente da maneira como os cidadã o do Reino lidam com elas. Esse é o tema
Cinal deste trecho que chamamos de antı́teses.

120
Se devemos perdoar algué m estranho que nos ofendeu, muito mais devemos perdoar
aquele com quem somos apenas “uma carne”. Mas, se o ofendido se recusar a perdoar, Jesus deixa
aberta a possibilidade do divó rcio. Isso é importante em casos mais extremos, como os de
violê ncia domé stica ou risco sé rio de doenças sexualmente transmissı́veis.

A regulamentação do divórcio na Lei de Moisés – Dt 24.1-4


Todo o ensino de Jesus é oriundo do trecho abaixo, extraído de Deuteronômio 24.1-4:

“v.1 Se um homem casar-se com uma mulher e depois não a quiser mais por encontrar nela algo que
ele reprova, dará certidão de divórcio à mulher e a mandará embora. v.2 Se, depois de sair da casa, ela
se tornar mulher de outro homem, v.3 e o seu segundo marido não gostar mais dela, lhe dará certidão
de divórcio, e mandará embora a mulher. Ou também, se ele morrer, v.4 o primeiro marido, que se
divorciou dela, não poderá casar-se com ela de novo, visto que ela foi contaminada. Seria detestável
para o Senhor. Não tragam pecado sobre a terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança.”
Repare que Moisés apresenta duas condições, em um período condicional (tecnicamente
chamada de Prótase e Apódose(36)(37)). A primeira tem início no versículo 1 com a palavra “Se”, e a
segunda se inicia no versículo 2 e termina no 3, também contendo a palavra “Se”. Uma ordem é
apresentada no versículo 4, onde fica vedado ao primeiro marido retomar a vida marital com aquela
mulher. Essa consequência é conhecida por Apódose.
Existem duas lições no texto: 1) o homem que se divorcia-se era obrigado a dar um
documento comprovando sua atitude, e 2) não era permitido retomar o casamento, caso a ex-esposa já
tivesse sido desposada novamente.
O mais surpreendente é que aparentemente a Lei mosaica tolerava o divórcio e o posterior
recasamento, ficando apenas vedado o retorno ao ex-esposo. Por isso Jesus vai além do que era
exigido pela Lei e expõe uma ética muito superior.

v.33-37 4º antítese - Juramentos e a validade da palavra


Todo o discurso do Mestre está conectado e possui um ritmo, seguindo de perto a
tradiçã o judaica e o modo rabı́nico clá ssico. O uso da palavra ΠαŒ λιν (palin) que denota uma forte
repetiçã o e é traduzida por “novamente”, “també m" ou “mais uma vez”, reClete a ê nfase no
formato do ensino. Jesus reaCirma a determinaçã o contida em Lv 19.12 (ainda que em uma
citaçã o um tanto livre) a respeito dos juramentos feitos em nome do Senhor, poré m novamente
amplia o sentido da Lei. O verdadeiro problema dos juramentos é colocar como garantia algo que
nã o está sob seu controle, pois quando um juramento é feito “em nome do Senhor” o signiCicado é
que se o voto nã o for cumprido, o pró prio Senhor o cumprirá . EN como um Ciador ou um penhor, no
sentido de que algué m irá cumprir o que foi jurado. Em Mt 23.16-22 podemos ver que essa era
uma prá tica comum naquela é poca, e que os fariseus criavam subterfú gios ridı́culos para lidar
com os juramentos. No versı́culo 37, Jesus elimina qualquer possibilidade de se produzir brechas
na Lei, quando diz: "Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘nã o’, ‘nã o’; o que passar disso vem do Maligno”" E por
consequê ncia aCirma que os ensinos paralelos dos fariseus eram provenientes do Maligno.
Alguns estudiosos com entendimento aprofundado do hebraico e dos costumes judeus
chegaram a questionar se a forma dupla “sim sim” e “nã o nã o” poderia ser equiparada a um
juramento segundo o costume daquela é poca. Poré m, Cica claro se tratar de um recurso de
retó rica do narrador. Por interpretarem mal este versı́culo, algumas pessoas alegam que nã o se
pode realizar nenhum tipo de juramento. Os grupos mais conhecidos entre eles sã o os
Testemunhas de Jeová e os Anabatistas. Poré m se observarmos com crité rio o texto, podemos
perceber que ele trata de juramentos religiosos, em nada proibindo, por exemplo, um mé dico de
realizar seu juramento proCissional.
Existem registros muito antigos dos estudiosos essê nios que se refugiavam em Qumran,
que ao falar sobre os fariseus daqueles dias diziam: “são comentadores de coisas inúteis”(39) Ainda hoje
existem tratados judaicos muito elaborados a esse respeito, o que demonstra a seriedade do
assunto para aquelas pessoas.(41) Assim podemos ter a exata noçã o de como aqueles homens
embotavam a verdade da palavra de Deus.

v.34 μη„ ο† μοŒ σαι ο¼ λως (mé omosai holos) Eis uma negaçã o extremamente forte, o que
deCine o tom do que vem a seguir. Vemos a aCirmaçã o de autoridade do Rei, onde ele estende o

121
sentido da Lei mosaica: “Mas eu lhes digo: Não jurem de forma alguma …” Jesus se coloca como algué m
com autoridade superior a Moisé s e capaz expandir a revelaçã o anterior. Vale també m notar os
exemplos usados pelo Cristo ao proibir o juramento “pelo cé us”, “pela terra” ou por “Jerusalé m” os
quais representam respectivamente “a morada do SENHOR” o “estrado de seus pé s” e “a cidade
eleita”.
E, quando parece que a intensidade irá se esvanecer, Jesus vai ainda mais a fundo na
questã o. "Nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto" Como os
exemplos acima lidavam com a intensã o de colocar a Deus como Ciador do juramento, algué m
poderia pensar em um subterfú gio, colocando-se a si mesmo como Ciador do juramento. Para
evitar qualquer possibilidade, ele deixa claro que nã o temos controle nenhum sobre nosso
pró prio corpo, e por isso nã o podemos servir de penhor contra nossa dı́vida.
A conclusã o é : que sua palavra seja digna de conCiança. Assim o Mestre introduz a
expressã o tã o conhecida hoje em dia: “Seja seu sim, sim, e o seu não, não”. Tiago viria a reCletir sobre
esse tema em seu livro, conCira Tg 5.12 Para os que haveriam de entrar no Reino era exigido um
alto grau de integridade e conCiança, o qual nã o se baseava em expressõ es externas, mas na
pureza de cará ter.

Mas o Antigo Testamento nos relata casos de homens santos que Cizeram juramentos,
entre eles Abraã o quando enviou um servo para encontrar uma esposa para Isaac, José fez seus
irmã os jurarem e Davi que fez juramento a Jonatas. Estavam eles errados? Estaria o Mestre
revogando a Lei? Fica interessante o contraste revelado nas palavras do Mestre, já que aqueles
homens juravam em nome do Senhor e nã o cumpriam, enquanto Jesus aCirma que eles deviam
primariamente cumprir os votos que faziam ao Senhor, e nã o cumpriam. Ou seja, eles esperavam
que Deus honrasse as promessas vazias deles enquanto eles mesmos nã o honravam os
compromissos com Deus. Assim lembrando o estipulado em Nm 30.2 "Quando um homem 1izer um
voto ao Senhor ou um juramento que o obrigar a algum compromisso, não poderá quebrar a sua palavra, mas
terá que cumprir tudo o que disse.” E que també m é repetido em Dt 23.21. Analisando Nm 30.2,
conforme citado pouco antes, o versı́culo acima com crité rio e cuidado, percebemos dois pares de
conexõ es: 1) Voto x Senhor, 2) Juramento x Compromisso com Homens. Perceba que a Lei diz que
os votos sã o dirigidos ao Senhor, nã o os juramentos; e que cabe aos homens cumpri-los nã o Deus.
O que se espera aqui é que os homens cumpram seus deveres para com seu pró ximo e
que nã o blasfemem usando o nome de Deus em vã o.

v.38-42 5º antítese – Como lidar com o ofensor


ΟŸφθαλμο„ ν α† ντι„ ο† φθαλμοῦ και„ ο† δοŒ ντα α† ντι„ ο† δοŒ ντος "Olho por olho e dente por dente” O
pró ximo tema ligado ao relacionamento interpessoal é a vingança, ou seja, como lidar com aquele
que te ofender ou nã o cumprir o compromisso assumido anteriormente. Enquanto a Lei deCinia o
padrã o “olho por olho” (Ex 21.24 e Lv 24.20) que signiCica retribuir da mesma maneira (ou com a
mesma intensidade) o que foi recebido, seja por bem ou por mal, Jesus explica que nã o devemos
resistir aos que nos ofendem. No direito internacional essa lei é conhecida por Lex talionis(16) ou
Lei da Retaliaçã o e trata da rigorosidade da pena em relaçã o ao crime. Sua origem ocorreu na
antiga babilô nia tendo sido incorporada na Torah atravé s do termo ‫ עַ֚יִן ּתַ֣חַת עַ֔יִן‬,ainda que o texto
fala de diversos outros aspectos, e també m foi muito presente na lei romana. Na realidade o
Senhor vai mais alé m, ele nos orienta a “oferecer a outra face” e assim superar as possı́veis
exigê ncias da lei. Assustadora é a aCirmaçã o do mestre, pois aceitar uma ofensa é possı́vel,
perdoá -la seria um tanto mais difı́cil, e mostrar a capacidade de se entregar totalmente ao ofensor
é revolucioná rio. Seria como dizer ao agressor: Você nã o pode me machucar, nã o importa o que
faças. Esse tema segue por todo o restante da passagem.
Em uma é poca de ocupaçã o estrangeira, onde os maus tratos eram comuns, esse ensino
de Jesus era bem radical e inovador. Um soldado romano podia esbofetear algué m, sem que tal
ato fosse considerado exagerado; imagine quantos ouvintes do sermã o já haviam passado por
isso. Entre os direitos de um soldado romano se encontravam outros dois pontos explicitados por
Jesus: o direito de exigir que um cidadã o carregasse sua bagagem, a qual pesava cerca de 40Kg,
pela distâ ncia de até uma milha romana (cf. v.41), e em caso de chuva ou frio, havia o direito de
exigir que o cidadã o tirasse sua tú nica e a entregasse ao soldado (cf. v.40)(17). Um exemplo bem
conhecido da aplicaçã o dessa lei ocorreu durante o trajeto até a cruciCicaçã o de Jesus. Cf. Mt 27.
31b-32: “Então o levaram para cruci1icá-lo. Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e
o forçaram a carregar a cruz.” EN bem possı́vel que os soldados nã o quisessem carregar a trave da

122
cruz e nã o que estivessem pensando em ajudar o condenado a morte. També m devemos levar em
conta o objetivo inicial da Lei quando proferida por Moisé s, pois nada fora dito em vã o. O objetivo
principal nã o era estimular a puniçã o, pelo contrá rio, visava controlar o ó dio desenfreado, as
vinganças interminá veis e a perpetuaçã o da maldade. A esse respeito Piper, J. disse: “Deus fornece
por concessão uma regulamentação legal que funciona como um dique contra o rio de violência que 1lui do
coração maligno do homem”(42)

Para nó s, os exemplos dados pelo Mestre podem parecer meras ilustraçõ es de sua
sabedoria, mas para os ouvinte originais tratava-se de acontecimentos bem reais em seus
quotidianos. Claro que nossa aplicaçã o segue a linha interpretativa, aCinal nenhum soldado te
brigará a anda uma milha carregando seu pertences; mas devemos compreender com o má ximo
de precisã o possı́vel a cena Mateus estava construindo.
O apó stolo Pedro, que fora testemunha ocular do ensino, viria a falar sobre esse tema em
sua primeira epı́stola, veja 1Pe 2.23: "Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças,
mas entregava-se àquele que julga com justiça.”
v.39 "Se alguém o ferir na face direita, oferece-lha também a outra” Existem diversos detalhes
que podem ser observados nesse pequena sentença, e que infelizmente acabam por passar
desapercebidos. O primeiro aspecto de refere ao porque de Jesus citar a “face direita”, uma vez,
que um agressor destro, ao esbofetear algué m, normalmente acertaria sua face esquerda. A
explicaçã o pode estar contida em um ensino judaico chamado Mishnah Bava Kamma (8.6) que
explica que esbofetear algué m com as costas da mã o era considerado uma ofensa quatro vezes
mais grave.(43) Por isso a ê nfase na “face direita” implica em um insulto muito grande, e isso nos
leva a segunda parte da frase “oferece-lha também a outra”. Caso entendamos o ofensor como sendo
destro, e tendo ele desferido o primeiro golpe com as costas das mã o (assim atingindo a face
direita do agredido) ao oferecer-lhe a outra face, dessa vez a esquerda, o ofendido dizia: “pode
bater com mais força ainda”. També m Paulo, lida com esse tema de maneira detalhada em Rm
12.17-20 “ Não retribuam a ninguém mal por mal. Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos. Façam
todo o possível para viver em paz com todos. Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira,
pois está escrito: "Minha é a vingança; eu retribuirei", diz o Senhor. Pelo contrário: "Se o seu inimigo tiver fome,
dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele”.
Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem."

v.43-48 6º antítese – O amor ao próximo


Durante o sermã o Jesus ensina, nã o apenas a nã o odiar nossos inimigos, e sim fazer até
mais do que era exigido. Que inversã o de valores, se comparado ao “olho por olho” de Moisé s. E a
intensidade do discurso vai aumentando, agora citando Lv 19.18 "Nã o procurem vingança, nem
guardem rancor contra algué m do seu povo, mas ame cada um o seu pró ximo como a si mesmo”. Jesus
ensina que devemos amar nosso vizinho, ou seja, aquele com quem temos um relacionamento
pró ximo. Poré m reinterpretando Dt 23.3-6 "Nã o façam um tratado de amizade com eles enquanto você s
viverem", que ensina a nã o fazer paz com os inimigos, o Mestre vai novamente alé m e ensina que
devemos amá -los. Nesses trechos do sermã o do monte algo radical estava sendo proposto, uma
mudança total de paradigma. Em uma sociedade ocupada por um exé rcito estrangeiro, privada de
seus direitos, surge um mestre ensinando a se amar os ocupadores, muitos ouvintes devem ter se
recusado a aceitar tal concepçã o.

v.43 “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.” Aqui nos deparamos
com um tı́pico caso de ordenança que os fariseus acoplaram a Lei divina, já que Lv 19.18 diz
“amaras o teu próximo” mas a segunda parte do texto citado pelo Mestre fora acrescentada por eles.
A hostilidade dos judeus era notó ria no mundo antigo. Tá cito, em sua Histó ria, diz: “com
eles sua fé era obstinada e a misericórdia estava pronta; mas ódio hostil contra todos os outros”(66)
v.44 Algumas traduçõ es muito corretas, poré m um tanto desatualizadas como a ACRF e a
NKJV ainda manté m uma versã o ampliada deste versı́culo que diz: “Amai a vossos inimigos, bendizei
os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” Essa
variaçã o é encontrada em alguns poucos manuscritos antigos (repetidos em outras testemunhas
posteriores) e pode ter sido a tentativa de alguns escribas de harmonizar Mt 5.44 com Lc 6.27-28
“Mas eu digo a vocês que estão me ouvindo: Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam, abençoem
os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os maltratam”.

123
v.45 “Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos.”
Encontramos aqui uma concepçã o bem clara de que tanto o ı́mpio quanto o justo estã o debaixo
do controle do Senhor. O tema da chuva que cai sobre o justo e o injusto encontra um paralelo na
literatura judaica, onde no Talmud Babilô nico (Ta'anit 7a) o consta a seguinte expressã o: “O dia da
chuva é maior do que a ressurreição dos mortos, porque a ressurreição dos mortos só bene1icia os justos, mas a
chuva bene1icia tanto os justos como os injustos.”(50) (interessante notar que o autor, o rabino Abahu,
acreditava na ressurreiçã o Cinal dos justos ao contrá rio da grande maioria dos judeus de sua
é poca). Alé m de haver uma grande proximidade com a segunda bençã o da Shmonesh Esre (a
oraçã o da dezoito bençã os).
v.46 E chegamos ao ensino mais drá stico deste trecho: “Se você ama ao que te ama, que
mérito a nisso? Não fazem os coletores de impostos o mesmo… Até os gentios fazem o mesmo.” Muito é
esperado dos cidadã os do Reino dos Cé us, e este é um dos momentos onde uma diferença clara
deve existir. Este versı́culo devia ser particularmente difı́cil para Mateus, uma vez que ele pró prio
fora coletor de impostos (τελῶναι - telonai) antes de se tornar apó stolo.
v.47 “E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o
mesmo?” Como é triste saber que existem grupos que se dizem cristã o e reservam seus
cumprimentos apenas para seus membros isolacionistas.
A saudaçã o usual dos judeus era ‫ ׁשָלֹום‬Shalom, que representa nã o somente paz, mas sim
todo um voto de bem estar completo (fı́sico, emocional e espiritual). A versã o completa desta
saudaçã o é ‫ ׁשָלֹום עֲלֵיכֶם‬Shalom Aleichem, que é traduzida por “Paz seja convosco” é ser utilizada
pelo Cristo em Lucas 24.35, apó s sua ressurreiçã o.
v.48 E para Cinalizar Ele nos deixa o seguinte objetivo: “Sejam perfeitos, assim como perfeito é
vosso Pai celestial”. Só isso!

Analisando bem as antı́teses, podemos perceber que ela se agrupam de uma certa
maneira teoló gica. Proponho dois sub-grupos para compreende-las melhor:
• 1º Sub-grupo Relacionamentos pró ximos - Compreende a 1º, 2º e 3º antı́teses, onde
aprendemos a respeito de como devemos ter em alta estima nosso pró ximo, nã o
cobiçando a mulher do pró ximo e como devemos lidar caso as recomendaçõ es
anteriores sejam quebradas.
• 2º Sub-Grupo Relacionamentos comunitá rios - Compreende a 4º, 5º e 6º antı́teses.
Somos ensinados a cumprir nossos compromissos para com o pró ximo, nã o exigir
rigidamente restituiçã o pelos compromissos nã o cumpridos e amar os que falham
conosco assim como amamos aos que nos amam.

Uma vez que optei por seguir o modelo de Tese/Anti-tese, resta-nos apresentar a Sı́ntese.
Sendo honesto com o texto, a ú nica conclusã o que podemos chegar é : a Lei de Moisé s possui
implicaçõ es muito profundas na vida dos cidadã o do Reino dos Cé us.
Tudo se inicia com o amor ao pró ximo e se conclui com o amor ao pró ximo.

124
St.Matthew - The bible and its story, vol 8.

(1) Agostinho de Hipona - O Sermão da montanha - cap.I - p.1


(2) A bı́blia de Coverdale é considerada a primeira traduçã o das escrituras para a lı́ngua inglesa. Cf. https://
en.wikipedia.org/wiki/Coverdale_Bible
(3) Stott, J. R. W. - A mensagem do Sermão no monte (Mateus 5-7): contra-cultura cristã - p. 8-9
(4) Watson, S.L. e Allen W.E. – Harmonia dos Evangelhos - p.239
(5) Carson, D.A. – A exegese e suas falácias - p.40
(6) Agostinho de Hipona - O Sermão da montanha - cap.X - p.29
(7) Rudolf Stier - translated by William B. Pope, 1855 (T. And T. Clark, 1874) e citado em “The message of the
Sermon on the mount (Matthew 5-7): Christian counter-culture”Leicester; Downers Drove. IL. InterVarsity
Press.
(8) Lenski, Richard - The interpretation of St Matthew’s Gospel by R. C. H. Lenski (1943: Augsburg, 1964).
(9) Agostinho de Hipona - O Sermão da montanha - cap.10 - p.29
(10) Plı́nio, o velho - História Natural - xxxi, p.102
(11) Stier, Rudolf - The words of Lord Jesus - traduzido por William Pope em 1855 - p.121
(12) Lyon, Irineu - Demonstração da pregação apostólica - cap.38
(13) Cesaré ia, Eusé bio - História Eclesiástica (livro 5, cap.8)
(14) Hilel, o Anciã o (em hebraico ‫ )הלל‬https://pt.wikipedia.org/wiki/Hilel,_o_Anciã o acessado em 04/2017
(15) R.Shammai - https://pt.wikipedia.org/wiki/Shamai Veja també m: Zuch, Roy B. – A interpretaçã o bı́blica. p.33
(16) https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_taliã o
(17) Atravé s da reforma Mariana (Cinal do sé c.II A.C.), os exé rcitos romanos passaram a carregar uma boa
quantidade de bagagem em suas costas, alguns aristocratas os chamavam de “Mulas de duas pernas”. –
Goldsworthy, Adrian – The Complete Roman Army.
(18) Bonhoeffer, Dietrich - The cost of discipleship - p.106
(19) Agostinho de Hipona - ConCissõ es - Capı́tulo 13, livro XIX.
(20) Deatrick, Eugene - Salt, soil, saviour - p.47
(21) Black, Matthew - An Aramaic approach to the Gospels and Acts - p.166-167
(22) 1 Clemente - 13.1
(23) Crisó stomo, Joã o - Homilia 16 sobre o Evangelho de Mateus - traduzido por George Prevost e revisado por M.B.
Riddle. http://www.newadvent.org/fathers/200116.htm acessado em 30/04/2018
(24) Calvino, Joã o - John Calvin. Commentary on a harmony of the evangelists, Matthew, Mark and Luke, I. (William
Pringle, Trans.). Eerdmans. p.282 (1845)
(25) Calvino, Joã o - Institutas - I. viii. 7
(26) Calvino, Joã o - John Calvin. Commentary on a harmony of the evangelists, Matthew, Mark and Luke, I. (William
Pringle, Trans.). Eerdmans. p.228 (1845)
(27) Luz, U. - Matthew 1-7 p.212 - H.D.Betz The sermon on the mount p.155 - J.Dupont Les Béatitudes III: Les
évangelies p.315
(28) Powell, M. A. - Matthew’s Beatitudes: Reversals and Rewards of the Kingdom - p.364
(29) Hagner, D.A. - Matthew 1-13, World Biblical Commentary - p.33 - W.F.Albright e C.S.Mann - Matthew, Anchor Bible
26 - Dupont.J. - Les Béatitudes, I: Le texte - p.252
(30) Metzger, B. - A textual commentary on the Greek New Testament - p.12
(31) Davies, W. D. - The setting of the sermon of the mount - p. 251
(32) Jeremias, J. - The sermon on the mount - p.17 (defende que Lucas escreveu a versã o original) - Flusser - Blessed
are the Poor in Spirit - p.11 (aCirma que Mateus descrevera versã o correta, enquanto Lucas a simpliCicou).
(33) Harrigton, J. D. - The Gospel of Matthew (Sacra pagina v.I) - p.76
(34) McEleney - The beatitudes - p.13
(35) Cobra, R. Q. - Rito do batismo - acessado em www.cobra.pages.nom.br em 07/2018 - Diz assim o Rito do
Batismo antigo: “Põe na boca da criança um pouco de sal benzido - símbolo da sabedoria - preservativo, pela

125
doutrina evangélica, da corrupção dos vícios e obstáculo a que as más paixões cresçam na alma." Diz o sacerdote:
“Recebe o sal da sabedoria, que te sirva de proveito para a vida eterna”.
(36) Os termos “pró tase" e “apó dose" sã o originá rios do teatro grego, onde “pró tase" apresentava a primeira parte
de açã o dramá tica e “apó dose" a segunda parte, baseada na primeira parte. Gramaticalmente o termo apó dose
é utilizado como antô nimo ou forte contraste com o que fora dito antes. Nesse tipo de construçã o, a segunda
parte sempre se relaciona com a primeira e nunca com uma possı́vel parte posterior. Apódosis em grego e
Apó dose em Latim, ambas signiCicam “restituiçã o” o que reforça o sentido de conexã o com o que fora dito
anteriormente. Gramaticalmente a “apó dose" representa um perı́odo condicional ou hipoté tico (algo que
poderá ou nã o acontecer), originando-se dessa deCiniçã o o termo teoló gico “clausula de excessã o” amplamente
conhecido atualmente.
(37) Garcia, O.M. - Comunicação em prosa moderna - p.70-71. Neste livro você poderá encontrar um estudo profundo
e completo sobre “pró tase"e “apó dose”. Aconse-lho-te fortemente a estudar esse livro.
(38) Jones, M.L. - Estudos nos sermão do monte - p.240
(39) Carson, D.A. - Mateus - p.50
(40) Ibid - p.51
(41) M Sanhedrin 3.2 e Tosephta Nedarim 1
(42) Piper, J. - p.90
(43) Mishnah Bava Kamma 8.6
(44) Lightfoot, J. - Comentário bíblico dos evangelhos - p.40
(45) Caro, Y. - Shulkan arukh
(46) Calvino, J. - Harmonia dos evangelhos - p.253
(47) Cesaré ia, E. - História Eclesiástica - Livro III, cap.39
(48) Windsch, H. - The meaning of the Sermon of the Mount
(49) Outras posiçõ es també m foram propostas, tais como “Teoria do ideal impossı́vel” defendida pela igreja
Luterana e “Posiçã o da é tica interna” defendida por alguns durante o sé c. IXX; sem contarmos diversas posiçõ es
e entendimentos intermediá rios entre elas.
(50) Talmud Babilô nico - Ta’anit 7a
(51) Allison, D.C. - The structure of the sermon of the mount (Journal of biblical literature 106/3 - 1987)
(52) Guelich, R. - “The matthean beatitudes: entrance requirements ou eschatological blessings? - JBL 95 (1976)
(53) Stier, R. - The words of the Lord Jesus - p.103
(54) Ibid p.110
(55) Pink, A.W. - Deus é soberano - p.25
(56) Luz, U. - Matthew 1-7 - p.269
(57) Keener, C. - Matthew p.182
(58) Stanton. G.N. - A gospel for a new people: studies in Matthew -
(59) Saldarini, A. - Bulletin for biblical research 7 - p.198
(60) Justino Má rtir - Diálogo contra Trypho - cap.12-19-21-23-27-46-92
(61) m.Besa 2:4
(62) Klassen, W. - The eschatology of Jesus: is apocalyptic really the mother of Christian theology? In: Loren L. Johns
(Ed.), Apocalypticism and Millennialism: Shaping a Believers Church Eschatology for the Twenty-First Century,
p. 78.
(63) Maimô nides, M. - Guia dos perplexos - p.32 (citando Shir Hashirim Raba 1:1)
(64) Alexandre, V.H. - The Words and Teachings of Jesus in the Context of Galilee.
(65) Coimbra, A.V. - Questões pedagógicas: Noções de Numismática VI - p.474
(66) Tá cito - História- V,5

Curiosidade: R.Hilel x R.Shammai

Algo interessante sobre a maneira como os dois grandes rabinos do século I divergiam sobre
quase todos os assuntos pode ser visto na questão do Ano Novo das Árvores, hoje conhecido como
Tu Bi-Shevat.
Para o rabino Shammai a festividade deveria ser celebrada no 1º dia do mês de Shevat, enquanto
o rabino Hilel postulava que a data correta era o 15º dia do mesmo mês. Hoje a data proposta por
Hilel prevalece, tanto que o próprio nome da festa significa 15 de Shevat.
(Mishiná, Rosh Ha-Shaná 1:1)

126
Mateus 6

Sermão do Monte, parte 3

Sabemos que o texto do apó stolo Mateus é pontuado por diversas citaçõ es ao Antigo
Testamento, entretanto essa segunda parte do Sermã o nã o possui nenhuma ligaçã o direta;
restando apenas alusõ es e paralelos menos diretos. Por outro lado, como bem identiCicou o
estudioso Dennis Stoutemburg, em seu livro “With One Voice: The Sermon on the Mount and Rabbinic
Literature” existe um grande conteú do relacionado a literatura rabı́nica daquela é poca.(12)
També m é importante perceber quem sã o os sujeitos do texto, pois Jesus mostra um
grupo que realiza as prá ticas religiosas de forma errada, e um segundo grupo a quem ele orienta
a cumpri-las adequadamente. Outro tema fundamental é a utilizaçã o da palavra “ο¡ πατηŒ ρ” (ho
pater) traduzida por “O Pai”, ela é tã o importante que aparece 10 vezes entre o versı́culo 1 e o 18.

6.1-18 A prática religiosa


Baseado na garantia de que as bem-aventuranças (representando a Graça) e a
interpretaçã o da Lei (representando a Torah) nã o eram auto-excludentes, mas pelo contrá rio
eram complementares, o Cristo avança no ensino sobre a religiosidade que agrada a Deus. Ou
como diria o bispo Tiago: “a misericórdia triunfa sobre o juízo” Tg 2.13
Uma vez que as palavras de Jesus sã o as palavras de Deus, devemos perceber que elas
foram pronunciadas em uma certa sequê ncia, e que isso tinha um objetivo especı́Cico. Assim como
aconteceu no capı́tulo anterior com as bem-aventuranças, a descriçã o das prá ticas religiosas
listadas agora possuem um motivo direto. Assim como no trecho anterior, onde o Mestre ensinava
sobre a Lei, aqui a apresentaçã o dos tó picos també m aparece ordenada em uma trı́ade, a qual
possui um cabeçalho bem caracterizado. Encontramos o uso da expressã o ΟÀταν a qual pode ser
traduzida por “sempre que” ,“toda vez” ou “quando quer que” aplicados sobre ensinamentos e
prá ticas tradicionais que precedem os pontos positivos contrastantes.
Muitas vezes se deCine o judaı́smo atravé s de uma sigla chamada 3P, que signiCica: Povo,
Promessas e Praticas. O Evangelho segundo Mateus se dirige ao povo judeu falando do
cumprimento da promessa na Cigura do Messias, e este trecho em particular que descreve a
prá tica religiosa deles. Existe uma certa ligaçã o entre este trecho e Mt 5.20 o qual demanda que
nossa justiça seja muito maior que a dos fariseus. E como o discurso do monte apresenta as
caracterı́stica do cidadã o do Reino, é importante compreender que haverá uma vida religiosa
interior bem diferente do judaı́smo farisaico praticado no sé culo I. O assunto é tã o importante,
que conforme Agostinho registrou: “Até aqui, o Senhor discorre sobre a justiça de modo geral. Agora, ele
vai entrar nos pormenores”(11)
Aquele sistema hipó crita e externo se baseava na pratica de trê s pilares:

.

1. Ajuda ao necessitado (religiosidade dirigida ao pró ximo) v.v 2-4


2. Oraçã o (religiosidade dirigida a Deus) v.v 6-5
3. Jejum (religiosidade dirigida a si mesmo) v.v 16-18

Na tradiçã o judaica existe amplo registro do pensamento de que a ajuda aos necessitados
garantia que as oraçõ es fossem ouvidas (cf. b Sanhedrin 35a, Tannith 2.6) o que já nos fornece
uma boa noçã o do porque esta prá tica ser descrita antes das demais. Alé m da evidê ncia textual, o
contexto do Sermã o do Monte é també m importantı́ssimo, pois o Mestre está descrevendo como
serã o as relaçõ es só cio-religiosas dos cidadã os do Reino. Por isso a assistê ncia social, aqui
explicada, tem papel fundamental antes das demais. No capı́tulo anterior, ao falar das ofertas
levado ao templo, Jesus disse que era mais importante cuidar da relaçã o com um irmã o do que
realizar o sacrifı́cio. Isso reforça ainda mais a necessidade do contato com o pró ximo.
A oraçã o é nosso ponto de conexã o com Deus, nosso momento mais pró ximo a ele, por
isso se encontra no meio das descriçõ es. Assim podemos entender que a oraçã o deve ser o centro
de nossa religiosidade. Para aqueles que percebem um forte tom de comparaçã o entre Jesus e
Moisé s, assim como apontei na introduçã o deste livro, a Oraçã o do Senhor equivale aos Dez
Mandamentos mosaicos. Nela encontramos as direçõ es bá sicas para o relacionamento com Deus
e com os demais cidadã os do Reino.

127
Em terceiro lugar Nosso Senhor descreve o jejum, que é uma prá tica realizada pelo
indivı́duo, em sacrifı́cio do pró prio indivı́duo, ou seja, jejuamos para enfraquecer nossa natureza
e assim termos uma perspectiva mais correta de Deus. Jejum é um sinal de comunhã o com o Pai,
um sinal de que abdicamos de tudo por Ele.
EN interessante que Jesus nã o aborda outros temas do sistema religioso judeu, como as
ofertas feitas no templo, os dı́zimos ou as festas anuais, como a Pá scoa e o Pentecostes. Parece
que o ensino já visava a realidade futura da igreja.

Para ditar o ritmo, Jesus utiliza sempre a mesma palavra para dividir essa trê s seçõ es do
texto “quando vocês” que em grego é hotan. Veja de que maneira esses trê s tó picos aparecem no
texto de Mateus.

v.1 Introdução
Cuidado! (ΠροσεŒ χετε - Prosechete). Mateus inicia o texto com uma advertê ncia forte, um
aviso de perigo a frente; o mesmo tipo de expressã o que uma sentinela usaria ao avistar alguma
ameaça. O uso do sinal de exclamaçã o parece correto pois o verbo grego está no Imperativo, o que
demonstra uma ordem direta e enfá tica. Em portuguê s essa ê nfase se perde, por isso preferi
trazer tal observaçã o a você s. Sejam nas traduçõ es para o inglê s sejam nas para nosso idioma,
muitos estudiosos optaram por inverter a ordem das palavras originais, o que me parece causar
mais problemas do que soluçã o. O problema é que sem perde muito do peso do que será dito ao
se reorganizar o discurso. Acontece que da maneira tradicional, aquele que encontramos em
nossas bı́blias, parece que este pró ximo trecho é apenas um apê ndice sem grande relevâ ncia;
enquanto a estrutura original mostra que chegamos a um nı́vel mais duro do discurso. Um nı́vel
que sai do â mbito geral das bem-aventuranças, passa pelas antı́teses e agora conClita diretamente
com a pratica religiosa dos judeus do primeiro sé culo.
ΠροσεŒ χετε δε„ τη„ ν δικαιοσυŒ νην (Prosechete [de] ten dikaiosynen) Este seria o sentido
original do texto: “Cuidado! [E], a sua justiça não pratiquem na frente dos homens, para serem vistos por
eles” Existe muito mais autoridade na frase quando estruturada desta maneira; assim fazendo jus
ao tempo verbal usado em Prosechete (presente, ativo, imperativo). Trata-se de uma advertê ncia
contundente e nã o uma breve lembrança. O fato de colocarmos a letra “E” dentro de chaves [ ]
refere-se ao fato de que nem todos os manuscritos antigos tenham essa letra (que em grego é
uma palavra escrita como dé) em seu texto, e por isso existe grande possibilidade dela ser parte
do escrito original, mas nã o se pode garantir totalmente(6).

Quem sã o os hipó critas, contra quem o Mestre se dirige? Talvez, antes de buscar
informaçõ es sobre que eram, devamos compreender o uso dessa palavra. A palavra “hipó crita”
υ¡ ποκριτηŒ ς (hypokritē s) ocorre exclusivamente nos evangelhos, sempre relacionada a alguma
acusaçã o de Jesus. Assim podemos perceber que se trata de um termo muito peculiar de Nosso
Senhor. Encontramos a palavra 13 vezes no livro de Mateus (6.2, 6.5, 6.16, 7.5, 15.7, 22.18, 23.13,
23.15, 23.23, 23.25, 23.27, 23.29, 24.51), 1 vez no de Marcos e 3 vezes no de Lucas. O termo é
utilizado sempre em momentos de grave acusaçã o por parte de Jesus, e assim nos serve de
indicador para a mudança no tom do discurso.
Em sua aplicaçã o mais usual, o adjetivo hipó crita possui cará ter pejorativo; sendo uma
ofensa forte, mas nã o grosseira. O termo é originá rio do teatro grego, e representa o personagem
que simulava algo, ou algué m, assim Cicando associado a falsidade e a pessoa insincera.

ει† δε„ μηŒ γε Acredito plenamente que toda a Escritura é a Palavra de Deus e que os autores
foram inspirados em seus textos. Mas tal inspiraçã o nã o lobotomizou os autores, nem retirou
deles suas maneiras pró prias de escrever, sendo Mateus facilmente reconhecido pelo uso
recorrente do Idou. Aqui encontramos uma pequena pé rola, que a quase todos passa
desapercebida, trata-se da construçã o ei de me ge (conjunçã o adverbial condicional, conjunçã o
ló gica de contraste, advé rbio negativo, advé rbio enfá tico) a qual representa uma expressã o trivial,
em nada formal, de se dizer “por que se nã o…” Essa expressã o nã o é encontrada em nenhuma
outra parte da bı́blia; talvez por seu seu cará ter popular e corriqueiro. Podemos perceber que o
autor escrevia em linguagem comum, e para pessoas comuns.
“Guardai-vos de exercer a vossa justiça” Existe aqui a necessidade de uma diferenciaçã o de
termos. Existe a Justiça como força do estado de direito, aquela que te envia uma multa quando

128
você ultrapassa o farol vermelho, e existe a “justiça interna” no contexto religioso, que reClete atos
realizados para cumprir os desı́gnios de Deus. Pode parecer um pouco confuso, mas trata-se de
uma limitaçã o do idioma portuguê s que utiliza a mesma palavra em ambas situaçõ es. Atravé s do
texto, percebemos que sã o trê s as obras de justiça mais importantes: o auxilio ao necessitado
(esmola), a oraçã o e o jejum.
"com o 1im de serdes vistos por eles” E aqui está o motivo pelo qual o Professor nos adverte.
Pois bem, no caso da justiça, ou justiCicaçã o, interna, como o pró prio nome diz, ela deve ser
direcionada a Deus (em nosso interior) nã o aos homens (no exterior); e era exatamente isso que
os fariseus realizavam. Nã o se preocupavam com o aspecto divino, ı́ntimo e abstrato de seus atos,
mas sim com o que os outros fariseus iriam achar disso. A religiosidade externa espera
reconhecimento externo, e nã o existe nada pior do que isso. Esse tema é tã o importante que volta
a ser tratado em Mt 23.5-10.

Um ponto fundamental é restringir a que se dirigi a advertê ncia, pois o ensino do Mestre
nã o desaconselha a esmola, oraçã o e o jejum, ele tã o somente diz que nã o os devamos praticar de
maneira externa e hipó crita.
Preste bastante atençã o nesses trê s pilares pois Nosso Senhor irá explicá -los melhor a
seguir. E, apesar de haver um detalhamento maior no tocante a oraçã o, nã o parece existir algum
ideia de subordinaçã o entre os ensinos.

2-4 Esmolas (ou ajuda ao necessitado): a prá tica religiosa dirigida ao pró ximo, que os
Fariseus cumpriam de maneira errô nea.
Quando o Mestre proferiu esses ensinos ele falava diretamente à queles que iriam entrar
no Reino dos Cé us. Dessa maneira devemos entender que as esmolas eram dirigidas a outros
membros dentro do grupo cidadã o do Reino. Sendo assim a mensagem nos revela que devemos
assistir Cinanceiramente o necessitado, poré m nã o a qualquer mendigo ou pedinte, mas sim a um
cidadã o do Reino que estiver em necessidades. Um antigo costume judeu dizia que a caixa das
esmolas era a “caixa da justiCicaçã o pessoal”
Esse costume tem origem em Dt 15.7-8 "Se houver algum israelita pobre em qualquer das
cidades da terra que o Senhor, o seu Deus, lhe está dando, não endureçam o coração, nem fechem a mão para
com o seu irmão pobre. Ao contrário, tenham mão aberta e emprestem-lhe liberalmente o que ele precisar.”
Existe uma profunda conexã o com a mensagem dos profetas contra os religiosos da é poca do
primeiro templo. Veja o que Isaı́as disse: "Para que me oferecem tantos sacri1ícios? ", pergunta o Senhor.
Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos; não tenho nenhum prazer no
sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes! Quando lhes pediu que viessem à minha presença, quem lhes pediu
que pusessem os pés em meus átrios? Parem de trazer ofertas inúteis! O incenso de vocês é repugnante para
mim. Luas novas, sábados e reuniões! Não consigo suportar suas assembléias cheias de iniqüidade. Suas festas
da lua nova e suas festas 1ixas, eu as odeio. Tornaram-se um fardo para mim; não as suporto mais! Quando
vocês estenderem as mãos em oração, esconderei de vocês os meus olhos; mesmo que multipliquem as suas
orações, não as escutarei! As suas mãos estão cheias de sangue! Lavem-se! Limpem-se! Removam suas más
obras para longe da minha vista! Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem! Busquem a justiça, acabem
com a opressão. Lutem pelos direitos do órfão, defendam a causa da viúva." Is 1.11-17

Hoje temos uma noçã o errô nea do que é uma esmola, talvez isso tenha se originado na
pratica cató lica de doar algumas moedas como oferta durante suas missas. Nã o era essa a
mentalidade judaica, ainda que se pudesse dar uma moeda aleatoriamente a algué m que
precisasse. O ato de esmolar, ou seja dar esmolas, era um há bito regular do judeu temente ao
Senhor, e como vemos nas palavras de Jesus, tã o importante como orar ou jejuar. Hoje em dia
todas as vertentes cristã s falam muito de oraçã o, algumas poucas falam do jejum, mas é raro
ouvir algué m ensinando sobre a esmola. Talvez insistir em utilizar o termo “esmola” seja o maio r
erro. Seria perfeitamente correto seguir o que diversas traduçõ es inglesas fazer (LEB, NIV, ESB,
NKJV) e traduzir ε† λεημοσυŒ νην - eleemosínen, por “ajudar o necessitado” ou “caridade”. Dessa
maneira se elimina a ideia de assistir o pró ximo com recursos mı́nimos e que estejam sobrando e
sim, focar em suprir suas necessidades. A pró pria Escritura apresenta diversas bençã os que
podem sobrevir ao que doa ao necessitado, 1) recompensas de plenitude material (Pv 11.24,
11.25, 19.17), 2) segurança contra a necessidade (Pv 28.27, Sl 37.21), 3) socorro na necessidade
(Sl 41.1-2) e 4) honra (Sl 112.9). Por isso nã o podemos deixar esse assunto de lado.

129
Em hebraico palavra “esmola" é Tzedakah (normalmente signiCicando justiça, mas aqui é
usada como uma metonı́mia, uma Cigura de linguagem que demonstra a causa pelo efeito), sendo
originá ria da mesma raiz que Tzadik (‫ צַּדִ֖יק‬- ṣǎd·dîqʹ), a qual signiCica justo(8). Assim para o povo
judeu, fazer Tzedakah era um caminho para ser tornar Tzedek, ou seja, dar esmola era cumprir a
justiça divina e por Cim se tornar justo. Por isso os judeus gostavam tanto de serem vistos dando
esmola.
Quando um membro da aliança (judeu) pedia Tzedakah, ele nã o estava implorando, tã o
pouco suplicando por algo que ele nã o merecia; ele simplesmente exigia que fosse aplicada a
justiça social, aCinal eram todos irmã os consanguı́neos e membros de um mesmo pacto.
A implicaçã o do termo “justo” (‫ צַּדִ֖יק‬- ṣǎd·dîqʹ) é tã o grande que Mateus ao descrever José ,
o pai adotivo de Jesus, o chama de διŒκαιος (dikaios) a mesma palavra grega utilizada para
traduzir ‫ צַּדִיק‬do hebraico.
Um aspecto hermenê utico precisa ser observado: os pedintes daquela é poca eram
diferentes dos de hoje. Nenhum judeu estaria pedindo a beira do caminho apenas porque nã o
desejava trabalhar ou para gastar tudo em bebida. Aqueles que pediam eram os que possuı́am
defeitos fı́sicos incapacitantes, como cegos e aleijados, pois esses nã o podiam contribuir em uma
sociedade agrá ria. També m haviam as viú vas, mulheres mais velhas e que nã o tinham Cilhos para
ajudá -las. Haviam també m os leprosos e outros excluı́dos por motivos religiosos. Naquele tempo
nã o havia INSS ou algum serviço assistencial por parte do governo, assim os que nã o tinham
famı́lia como suporte, eram obrigados a contar com o auxı́lio da comunidade.

Ao dar esmolas ou qualquer outro ato realizado dentro do contexto religioso, devemos
ser discretos e buscar o reconhecimento do Senhor, nã o dos homens. Os Fariseus buscavam se
destacar dos demais atravé s de prá ticas religiosas pú blicas e preferivelmente bem escandalosas;
aCinal sua religiosidade era externa. Nossas “obras de justiça” podem envolver outras pessoas,
mas na realidade sã o um evento entre nó s e o Senhor.

Encontramos aqui uma severa advertê ncia representada pela expressã o α† μη„ ν λεŒ γω υ¡ μῖν
(amé m lego hymin), pois nos discursos de Jesus ela sempre é utilizada para se enfatizar
aCirmaçõ es importantes

v.3 Pela pró pria estrutura do discurso, Cica evidente que o Cristo considerava o ato de
praticar caridade algo corriqueiro, aCinal ele lida com o tema no tempo verbal presente ativo,
nunca no futuro ou no modo subjuntivo como ele fez na questã o do divó rcio. O verbo grego
ποιοῦ ντος - poiountos, se encontra em um modo chamado de “particı́pio” que o deixa como em
nosso inCinitivo, ou seja, em portuguê s o mais correto é traduzi-lo como “fazendo" o que ressalta
tanto a certeza como a repetibilidade desse ato.

Existe sim um modo correto de dar esmola, fazer caridade ou ajudar ao necessitado, seja
qual for a sua traduçã o predileta, esta deve ser realizada com discriçã o, visando o bem de quem
recebe a ajuda, nã o o de quem a provê . A maneira metafó rica de Jesus explicar o modo ideal é :
“que a sua mão esquerda não saiba o que está fazendo a direita,” Para o judeu piedoso, dar esmola é
praticar justiça social entre seu povo; sendo que mesmo os mais pobres devem faze-lo
regularmente. Um ensino do Talmud diz: “O Mandamento de praticar a caridade pesa tanto quanto os
outros reunidos. (...) O que dá esmolas em segredo é maior que Moisés”(9) Outro ponto que reClete
importâ ncia a respeito do tsadic (pessoa justa) na cultura judaica está expresso no estudo sobre
Dt 9 e 10, que relata a quebra das primeiras tá buas da Lei e a escultura do segundo par. Entre eles
existe um relato aparentemente discrepante, o qual relata a morte de Aarã o, o sacerdote. Tal
inclusio sempre chamou muito a atençã o dos estudiosos judeus, entre eles Rashi, Divrei David e o
texto de Likutei Sichot os quais explicam que a morte de um justo/tsadic é tã o trá gica para a
comunidade da fé quanto foi a primeira perda das tá buas da Lei. Dessa maneira podemos
compreender o porque ser conhecido como tsadic era tã o valioso para aquelas pessoas.

Os fariseus erravam ao buscar reconhecimento pú blico de seus atos, e a igreja atual erra
ao nã o ensinar essa doutrina tã o importante. Antes que muitos peguem pedras para arremessar
contra mim, percebam que a oferta doada na igreja nã o possui relaçã o alguma como o
eleemosínen, ou a assistê ncia aos necessitados da comunidade. A menos que seja pedida uma
oferta especı́Cica para esse Cim, nossas contribuiçõ es durante o culto (ou em outro momento) sã o

130
para a manutençã o do templo e dos missioná rios. Apenas lembrando que nossos pastores sã o
també m missioná rios.
v.4 “E seu Pai, que vê o que é feito em segredo” O tema do Pai que vê em segredo será repetido
em toda está seçã o do Sermã o. Ele nos remete a diversas Ciguras de linguagem do Antigo
Testamento, entre elas 2Cr 6.1, o formato do taberná culo e posteriormente do templo, onde Deus
habitava; sempre em segredo. Desta maneira, somos lembrados da incompreensibilidade de
Deus, do fato dele estar muito alé m de nossas vã s especulaçõ es, mas que mesmo tã o superior a
nó s, ele nos recompensa “em segredo”, ou “de maneira que nã o compreendemos plenamente”.

v.6-15 Oração: a prá tica religiosa dirigida ao divino que os Fariseus realizavam de
maneira errada.
Aqui temos as diretrizes de como devem ser nossas oraçõ es. Jesus repete a fó rmula de
advertê ncia utilizada no trato das obras assistenciais: “Não faça como fazem os hipócritas … eles já
receberam a sua recompensa.” O Mestre ensina-nos a orar de forma discreta e privativa, se possı́vel
em um local isolado, pois que deve ouvir a prece e o Senhor e nã o as demais pessoas. No versı́culo
8 encontramos outra ordem enfá tica: “Não sejam igual a eles…” disse Jesus se referindo aos fariseus.

A estrutura do ensino pode muito bem ser descrita da seguinte maneira:


.
1. Como nã o se deve orar v.5 (exemplo negativo)
2. 1º orientaçã o sobre como orar corretamente v.6 (exemplo positivo)
3. 2º orientaçã o sobre como orar corretamente v.7-8 (exemplo positivo)
4. Um exemplo prá tico v.9-15 (exemplo positivo)

v.5 Como não se deve orar Και„ ο¼ ταν προσευŒ χησθε (Kai hotan proseuchesthe) Existe
uma mudança de entonaçã o nesta segunda orientaçã o, a qual se evidencia no tempo verbal.
Enquanto na prá tica da assistê ncia ao pró ximo o verbo esta no presente ativo indicativo, aqui o
texto está no presente ativo, poré m do subjuntivo; o que demonstra uma possibilidade.
Entretanto percebemos um contraste no uso do hotan pois sua traduçã o usual é “sempre que”.
Dessa maneira, a interpretaçã o correta nos leva a compreender a possibilidade contida em
proseuchesthe, aCinal nenhuma pessoa pode passar o tempo todo orando. Um certo grau de
repetibilidade, e certeza, trazido pelo uso do hotan. Entã o a melhor traduçã o seria: “E sempre que
orardes…” O verbo “orar" se encontra na segunda pessoa do plural, por isso o traduzimos por
“orardes”.
Encontramos uma suave variaçã o contida na advertê ncia contida aqui. Enquanto no
ensino anterior o Mestre diz “συναγωγαῖς και„ ε† ν ταῖς ρ¡ υŒ μαις” (na sinagogas e nas ruas), aqui o
texto varia para “συναγωγαῖς και„ ε† ν ταῖς γωνιŒαις τῶν πλατειῶν” (nas sinagogas e nas esquinas
das grandes avenidas). Tal mudança demonstra que os fariseus buscavam, com mais ı́mpeto,
serem vistos orando em lugares de grande destaque.
O evangelista Lucas registrou uma pará bola de Jesus descrevendo esse costume errado
em. Lc 18.10-12 “Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu, e o outro, publicano. O fariseu,
de pé, orava consigo mesmo: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os outros homens, ladrões, injustos,
adúlteros, nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo o quanto
ganho.” EN importante ressaltar alguns pontos da religiã o judaica: 1) ele possuem o costume de
orar em certos horá rios regulares, e 2) ao contrá rio dos cristã s, que oram ajoelhados, eles oram
de pé . O costume de orar em certos horá rios nã o é uma exigê ncia bı́blica, tendo surgido
possivelmente durante o exı́lio babilô nico. Podemos ver isso em prá tica no livro de Daniel, veja o
que diz DN 6.10 “Quando Daniel soube que o decreto tinha sido publicado, foi para casa, para o seu quarto,
no andar de cima, onde as janelas davam para Jerusalém. Três vezes por dia ele se ajoelhava e orava,
agradecendo ao seu Deus, como costumava fazer.” Poré m, já no tempo de Jesus, essas oraçõ es
aconteciam costumeiramente, ou na sinagoga ou no templo, para aquele que moravam em
Jerusalé m. E o pecado acontecia no fato de alguns fariseus se esforçarem para estar, no horá rio da
oraçã o, nas esquinas das avenidas mais movimentadas da cidade; para assim serem vistos pelo
maior nú mero possı́vel de pessoas. Aqueles falsos religiosos transformaram um ato entre o
homem e Deus, em um ato do homem para o homem. Talvez a melhor deCiniçã o para essa
hipocrisia tenha sido dada por nosso irmã o Bonhoeffer: “É ainda mais pernicioso se eu me tornar um
espectador da minha própria performance de oração ... Eu posso fazer um show muito bom para mim mesmo

131
na privacidade do meu próprio quarto.”(29)

Curiosidade
O Talmud registra que na época do segundo templo haviam 394 sinagogas funcionando
apenas em Jerusalém. Assim não parece tão difícil um religioso encontrar um local adequado para
suas orações, sendo forçado a faze-las no meio da rua.

Outra curiosidade interessante é que o judeu, chama esse local de oração de Beit Haknesset,
ou seja, Casa de assembléia; sendo o termo “sinagoga” uma forma grega de descrever a palavra
original hebraica.


v.6 1º orientação sobre como orar corretamente
συ„ δε„ ο¼ ταν προσευŒ χῃ (sy dé hotan proseuche) “Mas você , sempre que orares” O Mestre
manté m o modo da açã o no subjuntivo, demonstrando um possibilidade, poré m uma mudança
drá stica ocorre na pessoa da açã o. Enquanto no versı́culo anterior é utilizada a segunda pessoa
do plural (vó s ou você s) aqui é empregado a segunda pessoa do singular (tu ou você ). Trata-se do
mesmo recurso utilizado em 5.11-12, o qual possui o objetivo de aproximar a açã o, quase que de
maneira semelhante ao moderno recurso do zoom. Assim percebemos que a repreensã o é
dirigida ao grupo maior, ou mais distante, e a recomendaçã o ao grupo menor (ou mais pró ximo).
A orientaçã o que o grupo menor recebe é de buscar um lugar reservado para orar. Pode-
nos parecer muito pró xima a Cigura de entrar no quarto e fechar a porta, mas naquela é poca era
um tanto diferente do que podemos imaginar. Primeiro pelo fato das casas normalmente
possuı́rem apenas um quarto, normalmente localizado no andar superior e que este quase
sempre nã o possuı́a uma porta. Um segundo ponto importante é que os judeus costumavam se
reunir na sinagoga para orar, ou no templo para os que habitavam em Jerusalé m; nã o era o
principal costume deles orarem em casa. Assim podemos perceber um esforço continuo em se
distanciar dos demais para ter um momento de oraçã o com o Senhor. O tema da privacidade
durante a oraçã o é em muito reforçado pelo duplo uso do termo τῷ κρυπτῷ - to krypto,) o qual
traduzimos por “em secreto”. Aqui encontramos um link direto com a histó ria do profeta Daniel, o
qual entrava em seu quarto para orar. cf Dn 6.10 alé m de ecos verbais de Is 26.20 “Vá, meu povo,
entre em seus quartos e tranque as portas” e certa lembrança de Eliseu e da viuva de Sarepta 2Rs 4.3.
Ainda que Daniel orasse de maneira pouco secreta, aCinal todos podiam vê -lo, inclusive seus
inimigos, o exemplo de se retirar para orar é o mais importante aqui.

Existe també m uma bela mé trica poé tica no registro de Mateus, o que normalmente se
perde nas traduçõ es. Nã o é o objetivo deste livro ensinar o idioma grego, mas preferi demonstrar-
lhes o talento de autor. EN possı́vel que essa construçã o tenha o objetivo didá tico de ajudar as
pessoas a memorizarem o texto. Lembre-se que naquela é poca os livros eram rarı́ssimos, alé m de
caros, e que poucas pessoas sabiam ler. Com isso em mente é mais fá cil entender a utilidade
dessas rimas(10).
Acompanhe:
.
• ειªσελθε ει†ς το„ ταμεῖοŒν σου
• και„ κλειŒσας τη„ ν θυŒ ραν σου
• προŒ σευξαι τῷ πατριŒ σου
• Τῷ ε† ν τῷ κρυπτῷ

v.7-8 2º orientação sobre como orar corretamente


També m aprendemos que fó rmulas prontas e vã s repetiçõ es nã o nos levam mais
pró ximos da resposta; uma realidade muito distante do praticado pelo Catolicismo Romano. Jesus
compara os que realizam tal prá tica aos pagã os, que nada sabiam a respeito do Deus Vivo.
Diversos cultos buscavam entrar em transe por intermé dio e mantras e palavras repetitivas, e é

132
muito prová vel que essa fosse a questã o levantada pelo Mestre. Os pró prios judeus acreditam em
algumas palavras com poderes sobrenaturais. Infelizmente os cristã os cató licos nã o
compreendem corretamente esta mensagem tã o clara e direta, e por isso manté m suas rezas,
rosá rios, terços e “pai nossos” mesmo que tal prá tica esteja em desacordo com a opiniã o do
Cristo. O Mestre nos mostra exatamente qual era o erro daquelas pessoas, diz o Senhor: “presumem
que pelo seu muito falar serão ouvidos” Outro escritor, inspirado em seu texto, chamado Salomã o
també m fala a respeito da oraçã o: “Não seja precipitado de lábios, nem apressado de coração para fazer
promessas diante de Deus. Deus está nos céus, e você está na terra, por isso, fale pouco. Das muitas ocupações
brotam sonhos; do muito falar nasce a prosa vã do tolo.” Ec 5.2-3 E boa é a preocupaçã o que Jó teve ao
dizer: “Como então poderei eu discutir com ele? Como achar palavras para com ele argumentar? Embora
inocente, eu seria incapaz de responder-lhe; poderia apenas implorar misericórdia ao meu Juiz.” Jó 9.14-15
Martinho Luthero disse a respeito da oraçã o: “Pela nossa oração ... estamos nos instruindo mais do que
instruindo a Deus”(31) O que o teó logo alemã o deseja transmitir é que pela oraçã o compreendemos
mais a nosso respeito e a respeito de nossa fé do que poderı́amos revelar a Deus sobre qualquer
assunto.
v.8 “porque o seu Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem.” Como deve o cristã o
lidar com a soberania plena e nã o cair em algum tipo de fatalismo esté ril e quase ateu? Se Deus já
sabe tudo, antes mesmo que algué m peça, para que pedir entã o?
Esta é uma pergunta fundamental e que por muitas vezes passa desapercebida ao
estudar as orientaçã o de Jesus a respeito da oraçã o. Facilmente podemos eliminar a possibilidade
de pararmos de orar, aCinal o trecho todo lida com a questã o da oraçã o, e em como podemos orar
errado ou certo. Assim Cica evidente que a oraçã o deve persistir.
Entã o sobre o que se deve falar na oraçã o? Na realidade a oraçã o verdadeira é um
momento de muita proximidade entre o crente e Deus, a oraçã o é um dos pilares da vida cristã .
Nela expressamos nossos sentimentos, pois temos um Pai que nos escuta. Na oraçã o abrimos
nosso coraçã o ao ú nico que nunca nos desamparará . O teó logo Joã o Calvino, ao meditar sobre
essa questã o escreveu: "Os crentes não rezam com a intenção de informar a Deus sobre coisas
desconhecidas para ele, ou de estimulá-lo a cumprir seu dever, ou de insistir com ele como se ele estivesse
relutante. Pelo contrário, eles oram para que possam se levantar para buscá-lo, para que possam exercer sua fé
meditando em suas promessas, para que possam aliviar-se de suas angústias, derramando-as em seu seio; em
uma palavra, para que possam declarar que somente dele esperam e esperam, para si e para os outros, todas as
coisas boas. ”(30)

Isso nã o signiCica que nã o possamos repetir nossa oraçã o, ou pedir pelo mesmo tema
mais de uma vez, aCinal o pró prio Senhor repetiu a mesma oraçã o por trê s vezes: “Então os deixou
novamente e orou pela terceira vez, dizendo as mesmas palavras.” Mt 26.44 O Salmo 136 també m
apresenta uma linda repetiçã o de palavras em estilo poé tico, e isso també m nã o é condenado por
Jesus. Sã o as rezas repetitivas que devem ser evitadas, pois elas nã o nos levam a uma conversa
real com o Pai. A explicaçã o clá ssica desse problema foi dada por Matthew Henry, no sé culo XVII,
na qual ele diz:
.
“O ensaio supersticioso como um conto de palavras, sem levar em conta o sentido delas, como os papistas
dizendo por suas contas tantos Ave-Marias e Paternoster; ou o esté ril e seco revolvendo as mesmas coisas repetidamente,
meramente para esticar a oraçã o a tal ponto, e para fazer uma demonstraçã o de afeto quando realmente nã o há nenhum.
Estas sã o as repetiçõ es vã s aqui condenadas.”(14)

E o Mestre insere algo muito importante: a oraçã o nã o é um canal de serviços divinos,
nã o é um meio para se solicitar algo; principalmente porque isso nã o é necessá rio. “porque o seu
Pai sabe do que vocês precisam, antes mesmo de o pedirem.” A razã o pela qual oramos é para darmos
gló ria a Deus, perdoar nossos irmã os e mantermos comunhã o com Ele. A oraçã o verdadeira deve
buscar o louvor do Senhor, sendo a adoraçã o o motivo ú ltimo e nã o os benefı́cios que podemos
alcançar atravé s dela. Claro que a Escritura nos ensina a clamar em momentos de aCliçã o e
apresentar a Deus nossas necessidades, mas esse nã o deve ser o motivo principal. Mesmo porque
nossas necessidades sã o passageiras e muito pequenas diante da eternidade.

133
O Pai Nosso
O primeiro a utilizar esse termo foi Cipriano de Cartago A.D. 250, sendo que antes dele
apenas se dizia apenas: a oração do Senhor. Um ponto normalmente esquecido é que na verdade
esse modelo descrito por Jesus não foi realmente uma oração, uma vez que foi dirigida aos discípulos
e não a Deus. O ideal é chamar de ensino sobre como orar. Outros nomes dados a esse ensino são: “A
oração do Avinu” e também “A oração Dominical”; ainda que o mais correto fosse chamá-la de
“oração dos discípulos”.

v.9-13 Um exemplo prático


A importâ ncia o Pai Nosso é inquestioná vel na vida prá tica e teó rica de qualquer cristã o,
poré m devemos ter em mente que se trata de um molde para as nossas demais oraçõ es, e nã o
algum tipo de reza má gica que devamos Cicar repetindo. O evangelho de Joã o, durante todo o
capı́tulo 17, registra uma oraçã o que Jesus fez ao Pai; poré m essa prece nã o nos foi passada como
um modelo a ser seguido, ela representa o coraçã o de Jesus apresentando sua missã o ao Pai. Você
consegue perceber a diferença entre elas?

Assim como todo o Sermã o do Monte, o exemplo de oraçã o dado por Nosso Senhor nã o é
de todo iné dito, ou fora do contexto de seus ouvintes originais; ele é revolucioná rio, e ú nico, em
sua autoridade e poder, mas nunca descontextualizado.
No judaı́smo existe um grupo de preces chamado Qaddish (a qual é realizada em
aramaico, enquanto quase todas as preces judaicas sã o feitas em hebraico), as quais possuem
diversas semelhanças com a oraçã o proposta pelo Mestre. Veja uma traduçã o grosseira que
elaborei:

.

“Que seja exaltado e santiCicado seu grande nome (congregação diz: Amém), no mundo que Ele
criou segundo sua vontade. Que Ele estabeleça seu Reino, faça vir sua redençã o e aproxime a vinda de seu
Messias (congregaçã o diz: Amé m) em vossa vida e em vossos dias e na vida de toda a Casa de Israel, pronta
e brevemente, e dizei amé m. (congregação diz: Amém)
Que seu grande nome seja bendito eternamente e por todo o sempre; que seja bendito.
Que Seu grande nome seja bendito eternamente e por todo o sempre. Que seja bendito, louvado, gloriCicado,
exaltado, engrandecido, honrado, elevado e excelentemente adorado o nome do Santo, bendito seja Ele
(congregação diz: Amém), acima de todas as bê nçã os, hinos, louvores e consolos que possam ser proferidos
no mundo, e dizei amé m (congregação diz: Amém).
Que haja paz abundante emanada dos Cé us, e bê nçã o de vida sobre nó s e sobre todo Israel; e dizei
amé m (congregação diz: Amém).”

Existe um livro fundamental sobre essa comparaçã o Qaddish/Pai Nosso de autoria de


Jakob J. Petuchowski e Michael Brocke, escrito em 1978(13). Caso você se interesse pelo tema,
recomendo leitura. Alé m do qaddish existem outras preces estruturadas na religiã o judaica: o
Shemá, a Shmonesh Esreh (as dezoito bençã os) e o Avinu Malkenu (Pai nosso, nosso Rei). A
Shmonesh Esreh era parte integral da liturgia cristã o primitiva, e só nã o continua até hoje porque
por volta de 110 d.C o rabino Gamaliel II (que pode, ou nã o, ser descendente do Gamaliel que a
bı́blia fala) forçou os judeus a incluir uma 19º oraçã o apenas para impedir que os convertidos ao
cristianismo continuassem a praticá -la. A formataçã o Cinal apresentada por Mateus se assemelha
muito a essa oraçã o, aCinal ambas possuem estrutura tripartite, uma parte central composta por
petiçõ es e um Cinal de açõ es de graça. A proximidade com os costumes judaicos era tã o grande
que o Didaquê registra que na aurora da igreja a oraçã o era praticada trê s vezes ao dia, assim
como os judeus faziam com a Shmonesh Esreh.(17) Tertuliano de Cartago també m aCirmou que
esse era o costume dos santos apó stolos.(18)
Essa redaçã o Cinal mais poé tica pode ter sido intimamente inCluenciada por Mateus no
intuito de aproxima-la dos costumes religiosos de seus leitores primá rios.(24)

Apó s nos ensinar onde os hipó critas erravam em suas oraçõ es, Nosso Senhor nos fornece
um exemplo positivo de como orar. O apó stolo Mateus em seu modo de escrever estruturado,
ainda que nem sempre cronoló gico, registrou a Oraçã o do Senhor bem ao centro do Sermã o do

134
Monte, seja em seu aspecto teoló gico ou no â mbito literá rio. Da mesma maneira que o Sermã o do
Monte é apresentado como a seçã o principal dos ensinos de Jesus. Ou seja, sob a ó tica do autor,
estamos no centro do centro do ensino do Messias.(16)

v.9 ΠαŒ τερ η¡ μῶν - Pai Nosso. Note també m que o inı́cio da oraçã o utiliza o pronome
pessoal, genitivo e plural “nosso” o que revela uma utilizaçã o coletiva da prece modelo. Em
aramaico a traduçã o prová vel seria ‘abînû (plural) bem diferente de ‘abba (singular).

Acompanhe como Mateus registrou o ensino do Mestre sobre a oraçã o:



.

ΠαŒ τερ η¡ μῶν ο¡ ε† ν τοῖς ου† ρανοῖς


α¡ γιασθηŒ τω το„ οª νομαŒ σου
ε† λθεŒ τω η¡ βασιλειŒα σου
γενηθηŒ τω το„ θεŒ λημαŒ σου, ω¡ς ε† ν ου† ρανῷ και„ ε† πι„ γῆ ς
το„ ν αª ρτον η¡ μῶν το„ ν ε† πιουŒ σιον δο„ ς η¡ μῖν σηŒ μερον
και„ αª φες η¡ μῖν τα„ ο† φειληŒ ματα η¡ μῶν, ω¡ς και„ η¡ μεῖς α† φηŒ καμεν τοῖς ο† φειλεŒ ταις η¡ μῶν
και„ μη„ ει†σενεŒ γκῃς η¡ μᾶ ς ει†ς πειρασμοŒ ν, α† λλα„ ρ¡ ῦ σαι η¡ μᾶ ς α† πο„ τοῦ πονηροῦ
.

Mesmo que você não seja fluente em grego, é possível reparar que existem certas rimas no
discurso, basta que olhes para os trechos que anotei em vermelho.

Como vimos acima Cica bem evidente que o ensino está dividido em dois grupos, o
primeiro contendo trê s verbos no aoristo (α¡ γιασθηŒ τω - hagiastheto, ε† λθεŒ τω - eltheto, γενηθηŒ τω -
genetheto), e o segundo iniciado pelo artigo acusativo το„ ν (ton) e seguido por duas utilizaçõ es da
conjunçã o και„. As trê s primeiras petiçõ es estã o na segunda pessoa do singular, enquanto as trê s
seguintes estã o na primeira pessoa do plural. Este recurso é utilizado para trazer a atençã o do
leitor para o que está sendo dito, e Cica fá cil perceber que o primeiro grupo fala a respeito de Deus
e o segundo fala de nossas necessidades.
Tradicionalmente os ensinos tem sido agrupados em nú mero de 6 (como crê a Igreja
Reformada, a ConCissã o de Westminster e os Pais Gregos da igreja) ou em 7 (como a Igreja
Luterana e os Pais Latinos da igreja). Neste estudo seguiremos o padrã o de 6 ensinos, os trê s
primeiros referentes a Deus e os seguintes trê s referentes as necessidade humanas, assim como
acontece nos Dez Mandamentos (onde os quatro primeiros sã o relacionados a Deus e os ú ltimos
seis referentes ao nosso pró ximo). Joã o Calvino talvez tenha sido o primeiro teó logo a comparar
sistematicamente o Pai Nosso como os Dez Mandamentos.
Outro ponto textual/gramatical interessante é que os ensinos relacionados a Deus
aparecem em ordem decrescente, partindo da essê ncia do Senhor até sua revelaçã o no Reino,
enquanto os ensinos relacionados a humanidade aparecem em ordem crescente, iniciando
com nossa necessidade bá sica e culminando com a derrota do Mal.
Se compararmos a oraçã o a uma carta, Cicariam bem evidentes seu elementos bá sicos:

.

• Destinatário: o Pai
• Endereço do destinatário: os Cé us
• Conteúdo: as petiçõ es
• Conclusão: o texto mais antigo nã o traz essa parte, poré m versã o posteriores
apresentam certa versã o estendida (que hoje denominamos doxologia); a qual pode ter
sido inserida posteriormente justamente para defender o “modelo de carta”.

v.9/b PREFACIO - Pai nosso, que estás nos céus. ΠαŒ τερ η¡ μῶν ο¡ ε† ν τοῖς ου† ρανοῖς
Aqui vemos referê ncias a Ml 2.10 “Não temos todos o mesmo Pai? Não fomos todos criados pelo
mesmo Deus” e Jr 3.19 “Pensei que você me chamaria de ‘Pai’ e que não deixaria de seguir-me” Duas
implicaçõ es surgem dessa abordagem relativa a Cigura de Deus: a) Logo na primeira sentença
Jesus já revoluciona o modo de se relacionar com Deus; mostrando como seria esse convı́vio no
Reino pois enquanto o judeu o chamava de “Adonai” traduzido por “O Senhor”, de “Deus de
Abraã o Isaque e Jacó ou de “Deus da aliança”, Jesus nos ensina a chamá -lo de Pai. Caso
perguntemos, ainda hoje, a um judeu "Quem é o seu pai?" ele responderá "Abraã o"; enquanto nó s
cristã o diremos "nosso pai é Deus". Tal pensamento será desenvolvido por Paulo em Rm 8.15
"Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o
espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai." Meditando sobre a graça envolvida no

135
processo de adoçã o originá rio da parte de Deus, Pseudo-Agostinho (uma coleçã o de tratados
teoló gicos erroneamente atribuı́dos a Agostinho de Hipona) diz: "A primeira palavra, quão graciosa é?
Você não ousa levantar o rosto para o céu e, de repente, você recebe a graça de Cristo. De um servo mau, você
foi feito um bom 1ilho. Portanto, não con1ie no que você mesmo pode fazer, mas na graça de Cristo. Pois, nisso,
não há arrogância, mas fé. Proclamar o que você recebeu não é orgulho, mas devoção. Portanto, levante seus
olhos ao Pai que o gerou pelo Batismo e o redimiu por seu Filho."(46) A proximidade e a intimidade com
Deus sã o tã o importantes nesse trecho referente a oraçã o que Jesus usa a termo “Pai” 10 vezes
apenas entre os versı́culos 1 e 18. Assim aprendemos que Deus é imanente, ou seja, se importa e
se relaciona conosco; b) Ao aCirmar que o Pai está nos cé us aprendemos que Deus é
transcendente, ou seja, ele nã o está contido na criaçã o, mas apesar de onipresente, Deus é maior
que tudo. Os propó sitos divinos sã o superiores as necessidades desse mundo em que vivemos,
mas ainda assim Ele é nosso Pai. Em resumo, busquemos primeiro ao Senhor e posteriormente
Ele atenderá nossas necessidades. Existe certo contraste nessa frase, uma vez que chamar a Deus
de pai mostra muita proximidade e aCirmar que ele está no cé u revela certa distâ ncia. Um dado
estatı́stico interessante é que entre o versı́culo 1 e o versı́culo 18 Jesus utiliza a palavra πατηŒ ρ
(pater) “pai” por dez vezes. Tomá s de Aquino, falando a uma igreja lotada em Ná poles no inı́cio de
1270, declarou: “De todas as coisas exigidas de nós quando oramos, a con1iança é de grande valor.”(45) sendo
isso possı́vel apenas se acreditamos plenamente que ele é nosso pai.

Fica també m evidente um senso de comunidade no fato de chamarmos o Senhor de


“nosso Deus” o que també m reClete o fato de diversas oraçõ es serem feitas comunitariamente.
Ainda que todos tenhamos o Senhor como pai atravé s da criaçã o, como diz At 17.28 “‘Pois nele
vivemos, nos movemos e existimos’, como disseram alguns dos poetas de você s: ‘També m somos
descendê ncia dele’.” Poré m aqui percebemos o uso do vocá bulo “pai” de maneira muito mais
intimista e pessoal.

Agostinho de Hipona, com sua usual profundidade poé tica disse: “Em toda a súplica, a
primeira coisa a ser procurada é a obtenção de benevolência daquele a quem é dirigida a petição. Costuma-se
ganha-la com algum encômio, colocando-se um louvor no início da petição. Para tanto, nada mais nos é
determinado por Nosso Senhor do que pronunciarmos estas palavras: “Pai nosso que estás nos céus””(22) Joã o
Crisó stomo explica porque devemos louvar o "nome divino" antes de prosseguir com a oraçã o: "a
pessoa que oferece uma oração digna a Deus não deve pedir nada antes da glória do Pai, mas deve fazer tudo
vir após o louvor a Ele."(47)

1. v.9/c Santidicado seja o teu nome. α¡ γιασθηŒ τω το„ οª νομαŒ σου (hagiastheto to onoma sú )
Um sentido de reverê ncia aparece no texto, e vemos nosso pecado em contraponto com a
santidade do Senhor. A conexã o mais direta com esse texto se encontra em Lv 19.2:
“Sejam santos porque eu, o Senhor, o Deus de vocês, sou santo.” Gosto muito do que diz o breve
catecismo de Westminster logo em sua primeira questã o: “Qual é o Cim principal do homem?
O Cim principal do homem é gloriCicar a Deus”(21) Essa expectativa se revela plenamente na
orientaçã o de santiCicar o nome do Senhor. Se no Sinai (cf. Ex.20) o Senhor exigiu
santiCicaçã o e exclusividade na adoraçã o de maneira assustadoramente majestosa, agora,
atravé s do Filho encarnado, e mediante a uma voz suave e sublime ele ensina a mesma
coisa: “Santi1iquem o nome do Senhor!” O objetivo aqui nã o é tornar o “nome” de Deus mais
ou menos santo, mesmo porque isso seria impossı́vel. O sentido correto desse pedido em
oraçã o é que nó s nos comportemos de maneira santa, para que aqueles que nos vê em
associem essa santidade ao nosso Deus. Lembre-se que para aquelas pessoas o “nome”
estava intimamente ligado ao cará ter do indivı́duo, alé m da percepçã o de que conhecer o
nome de algué m implicava em conhecer a pró pria pessoa. SantiCicar o nome de Deus é
santiCicar tudo o que está relacionado a Ele, sendo ele Deus e Pai, dupla honra lhe é
devida atravé s da Lei Mosaica, pois nela somos orientados a honrar a Deus e aos nossos
pais. Ex 20.12 “Honra teu pai e tua mãe, a 1im de que tenhas vida longa na terra que o Senhor teu
Deus te dá.” E aqui já está uma forte conexã o com a pró xima petiçã o. Veja alguns exemplos:
Sl 9.10 “Os que conhecem o teu nome con1iam em ti, pois tu, Senhor, jamais abandonas os que te
buscam.”, Ez 36.22 “mas por causa do meu santo nome, o qual vocês profanaram entre as nações
para onde foram.” e Jl 2.32 “E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”. Ainda que ao
lidar com o “nome” de Deus, Jesus nã o estivesse se referindo ao tetragrama sagrado
JHVH, mas ao conhecimento geral do Deus de Israel. Se na Torá encontramos a ordem é

136
nã o usar o nome de Deus em vã o (para nã o difamá -lo), aqui no ensino do Cristo a ordem
é santiCicá -lo atravé s do testemunho pessoal. Essa é uma das diferenças fundamentais do
ensino de Jesus, ele foca no exemplo positivo (os benefı́cios de se obedecer a Deus),
enquanto a Torá muitas vezes reClete o aspecto negativo (as consequê ncias de nã o
cumprir a ordem divina). Agostinho de Hipona, em seu livro “A correçã o e a Graça”
cap.VII-v10 trata desse tema, citando outro cé lebre teó logo africano chamado Cipriano
de Cartago (258 A.C.) e diz “E quando na Oração Dominical dizemos a Deus Pai: Santi1icado seja o
teu nome, não pedimos que seu nome seja santi1icado em nós? Mas como já foram atendidos nesta
petição na ablução do batismo, por que os 1iéis a renovam todos os dias? Não será para que
permaneça em nós o que em nós já se realizou? Assim entende o bem-aventurado Cipriano,
explicando a referida oração: “Dizemos: Santi1icado seja o teu nome, não porque desejamos a Deus
que seja santi1icado em nossas orações. Além do mais, por quem é Deus santi1icado, se ele é a fonte de
toda santidade? Mas como ele disse: Sede santos, porque eu sou santo (Lv 19.2), pedimos e suplicamos
para que, santi1icados no batismo, perseveremos no bem começado”
2. v.10/a Venha o teu Reino; ε† λθεŒ τω η¡ βασιλειŒα σου (eltheto he basilé ia sú ) Todo o
Sermã o do Monte gira em torno do Reino dos Cé us que está sendo oferecido, nada mais
natural que orar a Deus pedindo a chegada plena do mesmo. Com a vinda deCinitiva e
perene do Reino, havia a esperança de que todas as promessas contidas na Palavra de
Deus fossem cumpridas plenamente. Ao dizer venha o teu Reino, o judeu dizia: cumpra-
se plenamente o Hesed - ‫( חֶסֶד‬ḥ ě ·sě ḏ), o amor Ciel em sua expressã o má xima no Antigo
Testamento. Talvez o autor bı́blico que melhor deCine essa tema seja Daniel, quando em
Dn 9.4 diz o profeta: “Orei ao Senhor, ao meu Deus, e confessei: "Ó Senhor, Deus grande e temível,
que mantém a sua aliança (֙‫ )ּבְִרית‬e amor leal (‫ )חֶ֔סֶד‬com todos aqueles que o amam e obedecem aos
seus mandamentos,” Daniel ora pedindo o cumprimento da “aliança” e do “amor Ciel” algo
que equivale na linguagem do Messias ao Reino de Deus. A chegada do Reino fora
pregada por Joã o, o batizador, é o centro da mensagem do Messias e será a mensagem de
seus apó stolos apó s a ressurreiçã o. Nenhum outro tema é mais dominante no evangelho
segundo Mateus. Recapitulando o que estudamos no prefá cio e na primeira petiçã o,
agora, apó s santiCicarmos o nome de nosso pai, podemos pedir pela bençã o do Reino
prometido. Sem cumprirmos as etapas anteriores, de nada adiantaria seguir nesta
oraçã o. Ainda que o Reino dos Cé us seja o tema central do sermã o, deCinir exatamente
tudo o que isso simboliza é muito complexo, e nã o caberia no escopo desse livro.
Diversos livros foram escritos a esse respeito, igrejas muito sé rias discordam de maneira
profunda sobre o tema e suas consequê ncias; por isso procuro me ater ao que Mateus
registrou de Nosso Senhor dizendo sobre o assunto.
3. v.10/b Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu. γενηθηŒ τω το„ θεŒ λημαŒ σου
(genetheto to thelemá sú ), ω¡ς ε† ν ου† ρανῷ και„ ε† πι„ γῆ ς Seguindo um raciocı́nio ló gico,
assim como aconteceu durante a apresentaçã o das bem-aventuranças, Jesus nos
apresenta a terceira petiçã o, perfeitamente concatenada com as anteriores. Uma vez que
o Reino tenha vindo em sua plenitude a vontade do Pai será feita da mesma maneira que
hoje acontece no cé u, executada por nó s como Cilhos plenamente. Essa aspiraçã o pela
direçã o total pode ser vista també m no Salmo 67 1-7, onde o salmista suspira pelo
estabelecimento da vontade do Pai. O erro principal do ser humano é desejar cumprir
sua vontade pró pria e nã o a do Pai. Veja o alcance e a profundidade dessas palavras no
momento em que o Mestre está prestes a ser traı́do, já que lá no Getsê mani ele ora
utilizando as mesmas palavras cf.Mt 26.42: “E retirou-se outra vez para orar: "Meu Pai, se não
for possível afastar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade" No fazer a
vontade do Senhor també m se explı́cita uma caracterı́stica dos cristã o verdadeiros, assim
como Jesus falará no capı́tulo 12.49-50: “E, estendendo a mã o para os discı́pulos, disse: "Aqui
estã o minha mã e e meus irmã os! Pois quem faz a vontade de meu Pai que está nos cé us, este é meu
irmã o, minha irmã e minha mã e”."
4. v.11 Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia. το„ ν αª ρτον η¡ μῶν το„ ν ε† πιουŒ σιον δο„ ς η¡ μῖν
σηŒ μερον (ton arton himon ton epiú sion dos himon sı́meron) Uma referê ncia a Pv 30.8
“Não me dês nem pobreza nem riqueza; dá-me apenas o alimento necessário” Jesus sabe o que é
fome, sabe o que é necessidade, por essa razã o ele nã o nos deu um modelo de oraçã o que
fosse apenas teó rico; O Pai Nosso nã o era apenas uma aCirmaçã o de ideal religioso ou
algo té cnico, lembre-se da provaçã o que ele sofreu no deserto registrada no capı́tulo 4
por Mateus. Na oraçã o o Pai deseja ouvir nossas necessidades, e, alé m de respirar, nossa

137
necessidade mais bá sica é o alimento. Nesse momento o Mestre nã o fala dele mesmo
como “o Pã o da Vida”, aqui ele nos ensina a pedir ao Pai a provisã o para nó s e nossa
famı́lia. Em um pequeno paralelo com o “Maná ” (cf. Ex 16 13-21) que o povo de Israel
recebia no deserto como sustento, nosso pedido por pã o deve ser diá rio. Interessante
notar que ele nos ensina a pedir hoje, pelo sustento de hoje, nã o a pedir hoje o pã o para
os pró ximos dias ou para nossa velhice; assim nossa dependê ncia dele será diá ria e
nunca receberemos em excesso. Neste petiçã o surge o uso ú nico na Escritura (també m
em Lc 11.3 referindo-se ao mesmo ensino) da palavra ε† πιουŒ σιος (epiousios)(48); també m
nã o conhecemos outra utilizaçã o dessa palavra em livros da antiguidade. Alé m disso este
é o ú nico adjetivo dentro da Oraçã o do Senhor. Esse tipo de ocorrê ncia recebe o nome de
hápax legomena. A diCiculdade para lidar com essa palavra tã o ú nica é conhecida desde
Jerô nimo e seu trabalho para traduzir as Escrituras para o Latin, isso por volta de 382
d.C. Talvez a melhor explicaçã o para epiousios seja vê -la como um neologismo(19) por
parte de Mateus. Para isso basta lembrarmos que os ensinos de Jesus acontecerem em
aramaico, sendo posteriormente traduzido para o grego pelos autores bı́blicos; assim,
Mateus pode ter empregado uma palavra hı́brida (ousia signiCicando substâ ncia e ε† πιŒ
(epi) que traz a ideia de estar por cima) , ou quem sabe iné dita, para representar o termo
original usado pelo Mestre. Orı́genes de Alexandria, cuja lı́ngua nativa era grego koiné , e
viveu cerca de 150 anos apó s o livro ser escrito, propô s que a melhor traduçã o fosse “pã o
necessá rio para a existê ncia”(20)(27) Durante a histó ria da igreja houve muito debate a
cerca do signiCicado exato do termo “pã o”, pois os Pais Ocidentais da Igreja (Tertuliano,
Cipriano e Agostinho) o interpretavam como sendo o corpo de Cristo; daı́ se origina o
costume cató lico romano de servir o pã o em todos os cultos. A razã o para isso pode ser a
falha de Jerô nimo que traduziu epiousios por superstantialem (em portuguê s
supersubstancial), o que inclinava o leitor latino a imaginar algo sobrenatural envolvido
no “pã o”. No mesmo perı́odo, as igrejas orientais de fala grega interpretavam o texto de
maneira mais parecida com a nossa.(23) Luthero nos trouxe a interpretaçã o que, nó s
protestantes, utilizamos até hoje: “O pão é um símbolo para tudo necessário para a preservação
da vida, como comida, corpo saudável, bom tempo, casa para morar, um lar com esposa e 1ilhos, bons
governantes e paz” (26)
5. v.12 Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. και„
αª φες η¡ μῖν τα„ ο† φειληŒ ματα η¡ μῶν ω¡ς η¡ μεῖς και„ α† φηŒ καμεν τοῖς ο† φειλεŒ ταις η¡ μῶν (kai afes
himin ta ofeilemata himon hos himens kai afekamen tois ofeiletais himon) Eis o ponto
central do evangelho: perdã o. Pois sem perdã o nã o existe salvaçã o. Mateus descreve
nossas falhas como “dı́vidas” já Lucas, ao descrever o mesmo termo, utiliza a palavra
“pecados”. Essa diferença pode ser causada devido a uma maior proximidade com o
aramaico por parte de Mateus (hô bã seria a palavra aramaica para transgressã o) ou
talvez um modo metafó rico de lidar com a questã o. Ainda assim percebemos que aos
olhos do Messias uma falta contra o pró ximo tem o mesmo peso que uma falta contra
Deus. Antes de continuarmos é necessá rio explicar que as traduçõ es em portuguê s
omitem uma palavra fundamental para a compreensã o do texto. Essa palavra, em grego é
“kai” que traduzida para nossa lı́ngua seria “e”, uma conjunçã o com sentido cumulativo.
Ela conecta essa petiçã o a anterior e traz o sentido de somar-se ao que foi dito
previamente. O sentido correto é que ainda mais importante que o pã o é perdoarmos
nossos devedores; sendo colocados por Jesus como uma necessidade bá sica do ser
humano. Em outras palavras, de que adianta sermos bem alimentados para ir para o
Inferno? Sem perdã o de nossos pecados nã o podemos entrar no Reino e a medida que eu
posso almejar o perdã o é deCinida pelo quanto eu estou disposto a perdoar. O perdã o nã o
é um direito ao qual o homem mereça, pelo contrá rio, o inferno é a herança do pecador.
Poré m a misericó rdia, como aprendemos nas bem-aventuranças, é dada aos que nã o
merecem; assim seria quase que o contra-ponto da justiça. Dessa forma ao perdoar o
pró ximo estamos exercitando o que o SENHOR soberano praticou em nó s mesmos. Nã o
devemos compreender a expressã o “assim como perdoamos nossos devedores” como algum
tipo de justiCicaçã o pessoal, ou troca com Deus. Mas, como descreveu Henry, M: “ Isto não é
um pedido de mérito, mas um pedido de graça”(25) Percebemos que sob a ó tica do Messias,
perdoar a que nos ofende representa uma consequê ncia, do cará ter, dos cidadã os do
Reino, nunca uma obra a ser realizada com a Cinalidade de entrar no Reino. A ideia do
perdã o será desenvolvida no restante do livro e també m por todo o Novo Testamento;

138
assim como já havia sido ventilada na passagem de 5-25-26. Todas as trê s petiçõ es sã o,
mais ou menos, relacionadas com o pecado mesmo porque as petiçõ es seguintes ainda
que atendidas nã o nos livram de nossa natureza pecaminosa. O foco nas relaçõ es
pessoais é inegá vel, pois o uso da palavra “pecado” é normalmente relacionado a uma
falha contra o Senhor, mas aqui Jesus equipara o erro contra o pró ximo ao mesmo nı́vel
de crime contra o Todo-Poderoso. Gosto do que John Stott disse a esse respeito: “Uma vez
que nossos olhos foram abertos para ver a enormidade de nossa ofensa contra Deus, os danos que
outros 1izeram a nós parecem, por comparação, extremamente insigni1icantes” (28) Mais adiante, no
capı́tulo 18.21-35, veremos a aplicaçã o deste ensino na forma da pará bola do servo
impiedoso.
6. E não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do maligno. και„ μη„ ει†σενεŒ γκῃς η¡ μᾶ ς
ει†ς πειρασμοŒ ν α† λλα„ ρ¡ ῦ σαι η¡ μᾶ ς α† πο„ τοῦ πονηροῦ (kai mé eisenegkes rimas eis
peirasmó n age rusai rimas apó tú pourenú ) PreCiro lidar com a estrofe Cinal como sendo
uma ú nica petiçã o, sendo que a parte inicial a apresenta de maneira negativa e a parte
Cinal ressalta o aspecto positivo. A razã o para tal seria encerrar a exposiçã o de maneira
positiva, que é algo bem caracterı́stico de Nosso Senhor. Nessa passagem foi mantida a
conjunçã o “kai” que falta na anterior, assim Cica claro o sentido de continuidade e
acú mulo entre as petiçõ es. Apó s estarmos alimentados e de termos perdoados nossos
devedores, devemos orar pedindo para nã o errar novamente. Existem duas fontes de
tentaçã o, uma externa e uma interna; sendo a ú ltima muito mais difı́cil de escapar. EN
interessante notar que a aplicaçã o negativa do ensino é originá ria de nó s mesmos, repare
como a expressã o “nã o nos deixe cair” mostra como fonte da açã o o sujeito “nó s”. Veja a
semelhança com o Salmo 23.4 que diz: “Mesmo quando eu andar por um vale de trevas e morte”
Isso se harmoniza perfeitamente com o ensino de Tiago 1.13 “Pois Deus não pode ser tentado
pelo mal, e a ninguém tenta.” Por isso o Mestre nos ensina a pedir ajuda dEle para nã o
cedermos aos desejos pecaminosos. O cristã o verdadeiro, que compreende a gravidade
de seus pecados já perdoados, sempre estará assombrado pela possibilidade de errar
novamente. Vemos essa esperança no Salmo 19.13 “Também guarda o teu servo dos pecados
intencionais; que eles não me dominem! Então serei íntegro, inocente de grande transgressão.” Por
Cim Jesus encerra ensinando-nos que precisamos da ajuda do Pai para que ele nos livre
de todo o mal. A palavra grega poneros possui uma abrangê ncia muito maior que apenas
o pecado, podendo ser expandida, em seu signiCicado, a todos os aspectos de nossa vida.
E Jesus, como pai amoroso, nã o deseja que passemos pelo que ele passou no deserta da
Judeia, e assim encerra suplicando a Deus-pai: “livra-nos do maligno” Infelizmente muitas
traduçã o para o portuguê s traduzem α† πο„ τοῦ πονηροῦ de uma maneira vaga, impessoal,
e errô nea, como “livra-nos do mal” Essa construçã o é errada por dois motivos: 1)
gramaticalmente “livra-nos” pode ser dirigido por duas preposiçõ es α† πο„ ou ek, sendo
que apó é utilizada para falar de pessoas, enquanto ek lida com situaçõ es das quais ser
livrado. 2) teologicamente falando é bem ó bvio que o mal nã o é uma força impessoal,
mas obra “do maligno”, lembre-se de Jesus no deserto e veja se ele foi tentado por algué m
em especı́Cico ou apenas por um desejo gené rico e impessoal?

Podemos pensar nas trê s petiçõ es Cinais como uma pequena demonstraçã o do todo que é
o ser humano. Elas compreendem trê s aspectos fundamentais de nossa constituiçã o, sendo a
primeira ligada à s necessidades Cisioló gicas para a vida, e segunda conectada a parte espiritual do
homem e a terceira relacionada ao aspecto moral. Assim podemos compreender nossa
dependê ncia de Deus em todos os aspectos da vida. Por sua vez, as trê s petiçõ es iniciais possuem
uma conexã o espiritual e uma efeito eterno, aCinal o nome do Senhor, seu Reino e sua vontade
durarã o eternamente. A necessidade de pã o passará , o perdã o se completa na cruz e a tentaçã o
cessará quando o Inimigo tiver sido lançado no lago de fogo e enxofre, mas o Reino dos Cé us será
eterno,
Ainda assim, o modelo de oraçã o proposto pelo Cristo difere em muito da prá tica dos
fariseus. Da boca do verdadeiro Mestre aprendemos que o foco da prece deve ser Teocê ntrico, ou
seja, tendo o SENHOR como foco e objetivo Cinal. Enquanto isso os religiosos realizavam
repetiçõ es esté reis de palavras, de modo teatral, e buscando reconhecimento humano.

v.13 Doxologia ou não-doxologia? Existe uma certa divergê ncia a respeito do té rmino
do “Pai nosso”. ACinal, seria ele encerrado com “mas livra-nos do maligno” ou é acertada a

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inclusã o da “doxologia” que diz: “Porque teu é o Reino, o poder e a gló ria para sempre. Amé m.”? O termo
“doxologia” δοŒ ξα [doxa] "gló ria" + -λογιŒα [-logia], "palavra", é utilizado nas escrituras como forma de
louvor a personagens importantes, sobretudo a Deus.
Alguns argumentos podem ser levantados contra a inclusã o:
1) Boa parte dos manuscritos mais antigos (alexandrinos, ocidentais e os comentá rios
dos Pais da Igreja) nã o a incluem. Por exemplo se analisarmos o estudo de Agostinho de Hipona
sobre o Sermã o do Monte perceberemos que ele, ainda no sé c. IV, nã o incluiu a doxologia em seu
escopo de trabalho.
2) EN redundante o argumento que diz “porque teu é o Reino”, aCinal isso está explicitado
em todo o discurso no monte,
3) Parece ser uma tentativa de conciliaçã o com a doxologia de Davi em 1Cr 29.11 “Tua é,
Senhor, a magni1icência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e
na terra; teu é, Senhor, o reino, e tu te exaltaste por cabeça sobre todos.” (argumento defendido por
Metzger(1) e també m por Comfort(2)),
4) A doxologia possui papel marcante na adoraçã o cató lica desde a Idade Antiga, o que
explica a ampla inclusã o desse trecho para uso litú rgico. Reforça a tese da adaptaçã o o fato de
existirem diversos Cinais diferentes nas có pias mais recentes, entre elas: I) "pois teu é o reino, e o
poder, e a glória para sempre. Amém"; II) "pois teu é o reino e a glória para sempre"; III) "pois teu é o reino e o
poder e a glória do Pai e do Filho e do Espírito Santo para sempre. Amém".(49)

Como lidar com uma palavra única?


No estudo da Escritura, assim como no estudo dos clássicos gregos, denominamos uma
palavra única de α¼ παξ λεγοŒ μενα - hápax legómena. Uma vez que acreditamos que toda a Escritura é
inspirada por Deus, tais palavras se tornam objeto de um estudo mais criterioso por parte da igreja.
No sentido técnico da palavra, existem no Novo Testamento talvez apenas duas dúzias de hápax
legómenas. Essa lista diminui ao passo em que novas descobertas arqueológicas ocorrem, sendo
que Thayer, ao publicar seu léxico grego em 1889, indicar 300 palavras únicas naquela época.(44)

Talvez a hápax legómena mais debatida de Mateus seja a que ocorre aqui no capítulo 6, bem ao
centro da Oração do Senhor. Falamos sobre ela um pouco acima, trata-se do ε† πιουŒ σιος - epiousios.
Como essa palavra não ocorre em nenhum outro texto anterior a Mateus(41) e as utilizações
posteriores mais próximas se referem exatamente ao texto do Evangelho (a mais antiga contida no
Didaquê 8:2 escrito ainda no primeiro século)(42) torna-se inviável a busca por paralelos. Uma vez que
não temos base para determinar seu significado direto, resta-nos buscar o suporte da etimologia.

Uma série de possibilidade ortodoxas já foram propostas: 1) ἐπὶ οὐσία “necessário à existência”
2) ἐπὶ τὴν οὖσαν ἡμέρα “para o dia de hoje” 3) ἡ ἐπιοῦσα ἡμέρα “para o dia seguinte” 4) ἐπιέναι “pão
para o futuro”. Essa variedade de interpretações demonstra, como disse Rodney Decker: “etimologia
é uma ferramenta desajeitada para discernir significado”.(43)
Baseados na etimologia, e na linguagem conhecida de um autor, podemos ter uma boa ideia do
que tal escritor desejava comunicar, mas nada além disso. Especificamente no caso de Mateus, e
repetindo o que escrevi no estudo da Oração do Senhor, creio que se trate de um neologismo
mateano, criado para traduzir uma expressão aramaica empregada por Jesus, o Cristo.

v.14-15 Comentário sobre a 5º petição


Logo apó s ensinar-nos a estrutura de uma oraçã o adequada, nosso Mestre faz um
pequeno comentá rio sobre um trecho em particular contido na 5º petiçã o: “Perdoa nossas dívidas,
assim como perdoamos aos nossos devedores.” Se o pró prio Jesus enfatizou esse trecho, creio que seja
vá lido prestar um pouco mais de atençã o nele. Busquemos um pouco de ajuda no texto grego,
para que as ê nfases pretendidas nã o se percam; Mateus escreveu assim: gar ean, onde a primeira
palavra signiCica “porque” mostrando ser uma conjunçã o ló gica e a segunda palavra é també m
uma conjunçã o, poré m do tipo condicional. Utilizando essa “condicional” o texto ganha um peso
muito maior e o sentido é revelado com mais clareza. Jesus está deixando bem claro que nã o

140
podemos esperar o perdã o do Pai sem estarmos dispostos a perdoar os que pecam contra nó s.
Veja també m como na 5º petiçã o o Senhor usa a palavra “dé bitos” que pode ser interpretada de
um modo mais abrangente, e aqui a palavra é “paraptoma” que é traduzida por “transgressã o ou
pecado”.

v.16-18 o Jejum a prá tica religiosa realizada em direçã o a si mesmo, que os Fariseus
praticavam de maneira errô nea.
A prá tica do jejum foi explicada e regulamentada atravé s da Torah (a Lei) em diversos
trechos, como referê ncia veja Lv 16.29-31 que por sua vez evoca Ex 12) e també m nos Profetas,
veja Is 58.5 “Será esse o jejum que escolhi, que apenas um dia o homem se humilhe, incline a cabeça como o
junco e se deite sobre pano de saco e cinzas? É isso que vocês chamam jejum, um dia aceitável ao Senhor?” e Zc
7.5 “Pergunte a todo o povo e aos sacerdotes: Quando vocês jejuaram no quinto e no sétimo meses durante os
últimos setenta anos, foi de fato para mim que jejuaram?”. Vale ressaltar que no trecho de Levı́tico, está
escrito “a ainda uma última ordenança para vocês …” E é muito prová vel que por essa razã o Jesus
deixou esse aspecto por ú ltimo.
Outra vez o Mestre diz: “Quando vocês…” Segundo Lucas 18.13 os fariseus costumavam
jejuar ao menos duas vezes por semana; e també m segundo Lucas 5.33, os discı́pulos de Joã o
Batista jejuavam també m regularmente. E segue nos ensinando a maneira correta de orar, que
deve ser sempre discreta e buscando o relacionamento interno com Deus. Nã o se deve jejuar
como uma maneira de potencializar uma oraçã o ou de conseguir algum favor divino. O objetivo
do jejum é nos humilhar, mostrando nossa fraqueza fı́sica, e nos levar a buscar um contato maior
com o Senhor. A negaçã o de nossas necessidades humanas serve como lembrete de que nossos
apetites, quase sempre pecaminosos, nos afastam da comunhã o ideal com o Senhor. EN
interessante como a lı́ngua inglesa compreende o que é um jejum. A palavra inglesa para “café da
manhã ” é breakfast, pois nela se quebra (break) o jejum (fast) noturno.
A recomendaçã o fundamental é a mesma das duas anteriores (assistê ncia social e
oraçã o) ou seja, o jejum deve ser praticado de maneira discreta e pessoal.
v.17 A recomendaçã o para “ungir a cabeça com óleo e lavar o rosto” deve ser observada
atravé s de uma boa dose de hermenê utica, pois em nossa sociedade os costumes sã o bem
diferentes dos costumes da palestina no primeiro sé culo. Para o judeu, esse era uma prá tica
antiga e ligada a se arrumar, como que para um evento solene. Repare no que ensina a segunda
parte do Salmo 23, no versı́culo 5: “Preparas um banquete para mim à vista dos meus inimigos. Tu me
honras, ungindo a minha cabeça com óleo e fazendo transbordar o meu cálice.”

No tempos antigos, sempre houve grupos que buscavam jejuns extremados como
maneira de mostrar santidade e/ou um poder divino presente entre eles. Nos tempos de Jesus, a
escritura apresenta os, Fariseus, no sé c. II havia os Montanistas e já nos tempos de Agostinho de
Hipona sé c. IV, haviam os Manı́queus. No perı́odo medieval muito mosteiros praticavam jejuns
extremos em forma de penitencia e chegando no sé c. XVI, Martinho Luthero teve sua saú de
prejudicada devido ao excesso de jejuns em sua é poca de monge agostiniano. Todos sempre se
considerando um pouco melhores ou um pouco mais pró ximos de uma revelaçã o mais profunda.
Jesus é categó rico aos chamá -los de hipó critas.

Resumo do ensino
O verdadeiro Mestre tratou dos trê s costumes religiosos que deCiniam a prá tica religiosa
dos judeus naqueles dias. Nã o que essas praticas fossem errada, apenas o modo como os fariseus,
e demais religiosos, as praticavam é que estava em desacordo com a Palavra de Deus.
Ainda que fossem prá ticas distintas, veja como o Professor lida com ambas de maneira
muito semelhante:
• Acusação: Jesus os chama de hipó critas nas trê s ocasiõ es. Veja os versı́culos 2, 5 e 16
• Erro: A ostentaçã o pú blica de atoas religiosos ı́ntimos. Veja os versı́culos 1-2, 5 e 16
• Consequência: A recompensa viria dos homens, nã o do Senhor, assim tornando-os
inú teis e sem efeito. Veja os versı́culos 2, 5 e 16
• Como praticar corretamente: Com discriçã o. Veja os versı́culos 4, 6 e 18
• Recompensa: A recompensa viria do Pai que vê em secreto. Veja os versı́culos 4, 6, 8
-18

141
Curiosidade: Os rabinos da época de Jesus já haviam ampliado em muito o sentido do
jejum, sendo que a prática comum era jejuar as segundas e as quintas. E o mais curioso é que o
motivo do jejum da quinta é que, segundo eles, foi o dia em que Moisés subiu ao monte Sinai e na
segunda, porque foi o dia em que ele desceu. Não existe base textual alguma para esse ensino, pura
ficção teológica.

Sermão do Monte, parte 4

Chegamos ao arremate do sermã o. Por se tratar de um discurso de forte cará ter pastoral,
nã o podı́amos esperar um Cinal muito diferente deste apresentado por Mateus, aCinal, agora o
Messias explana sobre as consequê ncias de se praticar o que ele ensinara.
Os cineastas utilizam o termo “easter egg” para descrever pequenos detalhes das cenas,
que acabam passando desapercebidos pelo pú blico em geral. EN certo que Mateus nã o conhecia
esse termo, poré m como propus já na introduçã o deste livro, temos a impressã o de que o autor
utilizava certas té cnicas literá rias que nos lembram o cinema e a televisã o. Ao entrarmos nesse
trecho Cinal encontramos no versı́culo 7.12/b “pois esta é a Lei e os Profetas" o que nos conecta
imediatamente com 5.17 “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir.”
Esse construçã o forma mais uma vez um Inclusio o que nos orienta a repensar o trecho
emoldurado em seu contexto pró prio e també m no contexto geral do sermã o.
Ainda que essa estrutura proposta nã o seja uma unanimidade entre os estudantes da
Escritura, é certo que os versı́culos a partir de 7.13 tratam de um tó pico distinto (advertê ncias
escatoló gicas).

v.19-34 Objetivos e preocupações daqueles que almejam entrar no Reino.


Como o bom, verdadeiro e ú nico Pastor, Jesus encerra a parte didá tica do sermã o com
orientaçõ es a respeito do foco que os cidadã o do Reino deveriam ter em suas vidas. O pró ximo
trecho é comumente dividido em duas partes, a primeira tratando dos objetivos neste mundo e a
segunda, completando a primeira, mostra se, por abdicarmos das riquezas materiais, devemos
nos preocupar com alguma coisa.
Para viver de acordo com a ó tica do Rei-Jesus alguns compromissos deveriam ser
assumidos, alguns há bitos abandonados e escolhas levam a consequê ncias. Sobre isso trata a
seçã o a nossa frente. Nem tudo seria um mar de rosas, mas nem tudo será espinho. O Mestre em
seu modo doce de confortar explica onde devemos focar nossa atençã o e que nã o temos o porque
nos recear pela escolha feita.

v.19-24 Quais devem ser os objetivos dos cidadãos do Reino? Encontramos aqui uma
estranha proximidade entre os nossos modo de vida e o daqueles ouvintes de Jesus.
Normalmente a hermenê utica nos leva a compreender que existe um grande abismo entre nó s e
eles, poré m no modo de viver errado, a proximidade é assustadora. Mesmo em uma sociedade
pobre, agrá ria, localizada à s margens do centro do impé rio, parece que, mesmo ali, as pessoas só
se preocupavam com riquezas. Com o Reino sendo oferecido em primeira mã o, pelo pró prio
Messias, o que mais poderia chamar a atençã o daquelas pessoas?
Esse tema é repetido durante esse trecho inteiro da Palavra de Deus, e isso nos serve de
alerta contı́nuo. Jesus utiliza trê s Ciguras para ilustrar o ensino:

1. v.19-21 Onde está o seu tesouro?


2. v.22-23 A lâ mpada do corpo é o olho
3. v.24 Servir a apenas um senhor

Ambas as ilustraçõ es falam do mesmo assunto e tem por objetivo esclarecer e reforçar a
mensagem pregada: Nossa atençã o, dedicaçã o e desejos devem estar focados no Reino dos Cé us.
O ensino se divide entre dois tesouros, dois modos de enxergar e dois senhores; poré m apenas
uma escolha correta.

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Na primeira etapa percebemos uma suave transiçã o de um exemplo negativo para um
exemplo positivo. Jesus fala primeiro (v.19) sobre o como nã o lidar com as Cinanças e depois o
que fazer (v.20-21), já no segundo exemplo ele explica o modo correto (v.22) e conclui com o
errado (v.23). Isso serve para realçar o contraste entre as duas atitudes. O esboço segue a forma
abaixo:

Negativo Positivo Positivo Negativo


v.19-21 Figura 1 Onde está o seu tesouro?


O Mestre nos adverte a nã o dedicar nossa vida a busca de riqueza e bens materiais, aCinal
sua durabilidade é pequena e ainda existe o risco deles serem roubados. Essa orientaçã o reClete
diretamente o ensino de Pv 23.4: “Não esgote suas forças tentando 1icar rico, tenha bom senso!” Os
fariseus, assim como grande parte do povo na antiguidade, acreditavam que ser o Senhor
abençoava materialmente aqueles a quem ele amava, servindo a riqueza como uma espé cie de
medidor da espiritualidade de algué m.(33) Ledo engano o deles.
Atente para a repetiçã o da expressã o “onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões
não arrombam nem furtam.” Sempre que houver uma repetiçã o em um texto judeu, considere isso
como um aumento na entonaçã o de voz. Esse tipo de recurso repetitivo ajudava os ouvintes
originais a Cixar a mensagem por longos perı́odos; muitas vezes pelo resto de suas vidas. Pode-
nos parecer estranho associar riqueza a roupas, o que se evidê ncia no risco da traça destruir
essas posses. Poré m no tempo antigo, as roupas de alto padrã o eram valiosı́ssimas, repare no que
Jó 27.16 “Ainda que ele acumule prata como pó e roupas como barro, amontoe” Da mesma maneira,
encontramos exemplos da traça como sinal de justiça divina e da destruiçã o das riquezas, veja Is
50.9/b “Todos eles se desgastam como uma roupa; as traças os consumirão.” Entre os bens em forma
constituı́dos de tecido encontravam-se roupas, tapetes e até mesmo tendas. Seja como for, Nosso
Senhor reforça a transitoriedade deste tipo de propriedade.
Um pró ximo ponto a ser esclarecido é o que signiCica a expressã o “onde estiver seu coração”
pois para um judeu do sé c. I a percepçã o do termo “ o coraçã o” (η¡ καρδιŒα - he kardia) era um
pouco diferente da nossa. Para eles o coraçã o representava todo o conjunto do ser humano, ou
em outras palavras, nosso ser interior pleno, nã o apenas o afeto ou um sı́mbolo do amor. E
seguindo um mé todo interpretativo bem simples, podemos pensar em apenas dois lugares para
onde poderı́amos colocarmos nosso coraçã o, no cé u, conforme o versı́culo 20, ou na terra e em
seu tesouros efê meros, conforme o versı́culo 19. A essa altura, qualquer judeu já teria feito uma
associaçã o direta entre “onde estiver seu coração” e o Shemá, assim facilitando em muito a
compreensã o geral do tema.

A construçã o poé tica e ao mesmo tempo didá tica deste trecho chamou a atençã o de
muitos estudiosos durante a histó ria da igreja. Alguns como Hill, chegaram a dizer: “Esse ritmo e
equilíbrio sugerem que esses versículos contêm ensino dominical original” tamanha era sua certeza do uso
dessa passagem para o ensino da igreja. Existe coerê ncia nesse modo de pensar, mas isso de
maneira alguma a construçã o original do maior professor de todos, Jesus.
Todo o sermã o foi proferido em formato de ensino, e o objetivo do Cristo nã o era apenas
imediato, aCinal o sermã o nos ensina até hoje. Assim a percepçã o do texto ser formatado para
educar é correta, mas oriunda do pró prio Mestre.

v.22-23 Figura 2 A lâmpada do corpo é o olho


Chegamos ao segundo exemplo, o qual forma par com o primeiro na construçã o
negativo-positivo e positivo-negativo.
O tema da luz nos olhos, ou da luz dos olhos, merece algumas consideraçõ es de nossa
parte, muito pode ser dito, poré m pouco é plenamente assegurado a esse respeito. EN -nos
importante saber que as culturas antigas nã o possuı́am os conhecimentos anatô micos que temos
hoje, e portanto percebiam os ó rgã o do corpo humano de maneira um tanto peculiar. Por isso soa
um tanto estranha a aCirmaçã o do Senhor de que “Os olhos são a lâmpada do corpo” ou em grego Ο¹
λυŒ χνος τοῦ σωŒματοŒ ς ε† στιν ο¡ ο† φθαλμοŒ ς (hó lychnos tu somató s estin hó oftalmó s). A pró pria

143
sintaxe da frase é mais direta na lı́ngua original, acompanhe: “A lâmpada do corpo é o olho”. Fica bem
difı́cil nã o compreender o sentido dessa maneira. O que devemos ponderar é a que Jesus se
referia.
Para os povos daquela é poca já era evidente que a luz fosse fundamental para a visã o,
poré m muitos consideravam que os olhos produziam alguma espé cie de luminosidade ativa; algo
que se assemelha-se ao efeito de uma lâ mpada. Outros, no entanto, seguindo o pensamento
socrá tico percebiam duas habilidades no olho, uma ativa (pensavam que a luz do olhar tornava as
coisas visı́veis) e outra passiva (os olhos recebiam sua luz diretamente da luz do Sol). A partir daı́
os que pensavam como o Cilosofo Só crates construı́am toda uma doutrina do conhecimento
fazendo metá foras entre luz e treva, entre mundo sensı́vel e mundo inteligı́vel. Podemos aCirmar
categoricamente que Jesus tinha esse objetivo ao proferir suas palavras? Nã o. Poré m é bem
plausı́vel que grande parte dos leitores de fala grega pressupossem que esse fosse o tema.
Baseado na evidê ncia bı́blica podemos estudar Pv 15.30 que diz: “A luz dos olhos alegra o
coração, a boa notícia fortalece os ossos.” E, como na Figura 1 encontramos o “coraçã o” como Cigura
central, aqui temos o “olho”, e já que percebemos uma construçã o espelhada entre ambos
(negativo-positivo e positivo-negativo) Cica muito difı́cil procurar explicaçõ es muito dı́spares em
uma ou na outra Cigura. Sobre essas evidê ncias, esclarece-se que o Mestre faz um segundo
exemplo de onde focamos nossas vidas, ou de quais sã o nossos objetivos. Assim, o “coraçã o no
Cé u” do exemplo anterior equivale a “boa luz” dos olhos e o coraçã o nas riquezas faz conexã o
direta com “a treva” no olhar. Seguindo essa coerê ncia hermenê utica, també m devemos entender
que o objetivo central aqui é falar novamente sobre a busca desenfreada pelas riquezas dessa
vida. O expositor bı́blico deve se manter dentre deste contexto, senã o Cicará difı́cil conectar a
terceira Cigura de linguagem que vem a seguir.
Uma ú ltima consideraçã o a respeito do versı́culo 23. Repare que o Mestre enfatiza o
potencial para o mal que nossa natureza caı́da possui. Ao falar da luz, ele nã o faz algum
comentá rio a respeito da intensidade que ela pode produzir no ser humano, poré m ao nos alertar
sobre as trevas, uma advertê ncia é feita: “se a luz que está dentro de você são trevas, que tremendas
trevas são?” Equivocadamente grande parte das nossas traduçõ es insere um ponto de exclamaçã o
na advertê ncia, ainda que o pronome interrogativo ποŒ σον (poson) implique em uma
interrogaçã o. Assim o ideal seria inserir o sinal de interrogaçã o “?” para trazer a intonaçã o
correta a sentença.

v.24 Figura 3 Servir a apenas um senhor


Esta terceira, é ú ltima Cigura, possui o papel de eliminar a possibilidade de conciliaçã o
entre o foco nas riquezas e o foco em Deus. O uso da expressã o “Ninguém pode servir a dois senhores”
podia ser uma espé cie de ditado naqueles dias.(34) Uma escolha deve ser feita e devemos arcar
com as consequê ncias de mesma. Esse será o tema da seçã o a seguir.
Como disse McNeile: “O homem pode trabalhar para dois empregadores, porém nenhum escravo
pode servir a dois senhores”(36) Creio que essa seja a percepçã o adequada, pois Jesus fala de
escravidã o ao dinheiro e nã o ao ato de trabalhar e prover sustento para nossas famı́lias. Quem é o
seu senhor? Deus ou a riqueza? Veja o que diz Is 42.8 "Eu sou o Senhor; esse é o meu nome! Não darei a
outro a minha glória nem a imagens o meu louvor.”
Poré m antes de avançarmos junto com Mateus, existe uma questã o textual interessante
no versı́culo 24, ela se refere ao uso da palavra μαμωνᾷ (mamonã ). Usualmente traduzida por
“riqueza” , a palavra mamonã merece um cuidado especial. Primeiro por ser uma palavra de
origem Aramaica (‫)מָמֹונָא‬, com cognato hebreu e pú nico(33)(39), onde a raiz ’mn indica “aquilo em
que algué m acredita”, segundo por nã o encontrarmos paralelo na LXX e terceiro por ser usado
por apenas dois autores no Novo Testamento, Mateus a usa apenas aqui e Lucas a utiliza por trê s
vezes, sendo todas na mesma passagem (Lc 16.9, 16.11 e 16.13). Algumas traduçõ es mais antigas
ao transliterarem o termo, o tornaram em um nome pró prio inserindo letra maiú scula nele. Isso
levou alguns estudiosos a proporem que se trata-se de um deus pagã o, poré m nã o temos registro
da suposta divindade em parte alguma da arqueologia.
Atualmente a traduçã o mais usual é “riqueza”, ainda que alguns exagerem um pouco ao
utilizar “dinheiro”. Certos estudiosos chegaram a sugerir que o signiCicado de mamonã fosse
“aquilo em que você conCia”(35), poré m parece-me nã o haver base só lida para tal.

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v.25-34 “Por isso eu lhes digo…” Atravé s do uso da preposiçã o Δια„ (Diá ) e do pronome
demonstrativo τοῦ το (touto) temos a continuaçã o ló gica do ensino. Esse segundo trecho é de
grande interesse, principalmente para aqueles que aceitaram o desaCio proposto antes; aCinal se
dedicarmos nossa vida a juntar tesouros no cé u, o que será de nó s enquanto estivermos aqui.
Jesus traz grande conforto aos coraçõ es dos que sacriCicaram tudo por ele, ele promete que o Pai
nos sustentará . Nã o que esse ensino de base para nã o trabalharmos mais, mas nos conforta saber
que o Criador de todo o universo estará cuidando de nó s. EN interessante notarmos que Jesus fala
aqui apenas das necessidades bá sicas do ser humano, como alimento, abrigo e vestimenta, e nã o
de fortuna e ostentaçã o. O argumento que une as trê s ilustraçõ es é a “ansiedade”, em grego
μεριμνᾶ τε (merimnate). Intrigante saber que, segundo a Organizaçã o Mundial da Saú de,
atualmente 4 entre cada 10 brasileiros sofre com algum grau de ansiedade.(40)
Didaticamente, o ensino se encontra no versı́culo 25 e se resume a “nã o se preocupem com
suas pró prias vidas”, sendo o restante do versı́culo um complemento do pensamento. Poré m,
seguindo a prá tica judaica tradicional, o Mestre nos oferece aplicaçõ es praticas e conhecidas de
todos os seus ouvintes, mais uma vez utilizando-se de trê s ilustraçõ es, assim como o fez no trecho
anterior. Este é um exemplo de construçã o linguı́stica chamado “do menor para o maior”
(conhecido també m pelo em Latin “a minori ad maius”) e que é clá ssico dos ensinos rabı́nicos(37);
nela o Professor apresenta pontos de menor valor primeiro, para criar um forte contraste ao
chegar em seu argumento Cinal.

v.25 “não andeis ansiosos” A ansiedade é considerada por muitos como o grande mal de
nossos tempos (Cinal do sé culo XX e seguindo pelo XXI), e parece-nos que Jesus já explanava
sobre o tem 1800 anos antes de Sigmund Freud. Este tema será repetido por seis vezes neste
trecho entre Mt 6.25-34 o que reClete sua importâ ncia dentro do discurso. O verbo grego
μεριμναŒ ω - merimnaō, traduzido como “andar ansioso” reClete em si o fato de algué m permanecer
neste estado nocivo de tensã o emocional.
Encontramos aqui o uso do Imperativo em sua forma presente e ativa. Isso implica em
uma ordem direta e enfá tica por parte do Mestre no sentido de nã o nos colocarmos nesta posiçã o
ansiosa e torturante em relaçã o ao futuro. O salmo 37 parece ser uma referê ncia importante
durante todo o Sermã o no Monte, pois já fora usado nas bem-aventuranças e aqui possui conexã o
estreita com as palavras do Senhor. “O Senhor conhece os dias dos íntegros; a herança deles permanecerá
para sempre. Não serão envergonhados nos dias do mal e nos dias da fome se fartarão.” Sl 37.18-19
“quanto ao que haveis de comer ou beber” Uma boa dose de crı́tica textual deve ser aplicada a
este versı́culo pois o texto grego melhor reconstruı́do conté m apenas τιŒ φαŒ γητε - ti phagete, o
que é traduzido por “o que comer”. Apenas algumas famı́lias de manuscritos, normalmente
contendo muitas discrepâ ncias entre si mesmas, contem uma versã o estendida que diz “o que
comer ou beber”. Os especialistas em manuscritos gregos costumam aplicar nota C a estes
manuscritos posteriores.
ου† χι„ η¡ ψυχη„ πλεῖοŒν ε† στι τῆ ς τροφῆ ς - ouchi he psiche pleion esti tes trophes “não é a vida
mais que o alimento?” A comparaçã o entre “vida” e o “alimento” visa provocar uma conclusã o ló gica,
mas ainda sim emotiva, revelando a importâ ncia do crente para o Senhor do Reino.

Menor Maior
Aves do cé u O crente

Transição
Esticar a vida

Menor Maior
Lı́rio do campo O crente

145
Todas as ilustraçõ es repetem o mesmo tema e ressaltam nosso valor diante do Senhor:

1. v.26 Aves do cé u


2. v.27 Esticar a pró pria vida
3. v.28-30 Lı́rios do campo

Ilustração 1 v.26 - As aves do cé u


A primeira das ilustraçõ es apresenta uma preocupaçã o bá sica do ser humano: o
alimento. A verdade a ser aprendida é que nã o devemos nos preocupar, nã o que devamos parar
de trabalhar. O sustento atravé s de nosso esforço fora estabelecido ainda no jardim do EN den,
conforme ensina Gn 3.19 “Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra” e se
reClete por toda a escritura sagrada, conCira Sl 128.2 “Você comerá do fruto do seu trabalho, e será feliz e
próspero.” Assim Cica evidente que o ensino trata da ansiedade, da preocupaçã o e dos medos
relativos ao nosso sustento, e por isso a construçã o do-menor-ao-maior é mais que adequada
neste caso. Se com as aves (menos importantes) o Pai celestial tem cuidado, com o homem
temente a Deus (mais importante) esse cuidado será muito, muito maior. Outro Salmo, desta vez
o 136.25 també m nos fala da provisã o divina: “Àquele que dá alimento a todos os seres vivos. O seu amor
dura para sempre!” Aqui encontramos boa dose do exagero oriental em forma discursiva, ao que
costumamos denominar de hipé rbole. A comparaçã o entre cidadã o do Reino e as aves que voam
sã o importantes no ensino messiâ nico, tanto que serã o repetidas no capı́tulo 10.31 “Portanto, não
tenham medo; vocês valem mais do que muitos pardais!”
EN interessante a maneira ú nica como Jesus se refere ao Deus-pai neste ensino. A
expressã o ο¡ πατη„ ρ υ¡ μῶν ο¡ ου† ραŒ νιος - hó pater himon hó ouranios, traduzida por “vosso Pai
celestial” é muito rara, acontecendo apenas 9 vezes no Novo Testamento, sendo 7 no evangelho
segundo Mateus (5.48, 6.14, 6.26, 6.32, 15.13, 18.35 e 23.9), 1 no evangelho de Lucas (2.13) e 1
no livro dos Atos dos Apó stolos (26.19), també m escrito por Lucas. Ou seja, apenas dois autores
utilizam essa expressã o.

Ilustração 2 v.27 - Esticar a pró pria vida


O pró ximo tó pico proposto por Nosso Senhor funciona como uma transiçã o entre o
ensino a respeito do alimento e o ensino a respeito das vestimentas, e ao mesmo tempo atua
como certa reClexã o/comentá rio sobre o que fora dito antes, e o que será dito apó s.
Mais uma vez o tema é a ansiedade do ser humano. Nã o podemos inCluenciar na duraçã o
de nossa vida, seja para mais ou para menos. Claro que nã o iremos tentar ao Senhor fazendo
tolices mundo a fora baseados neste ensino, mas també m nã o podemos alterar o plano divino em
nossas vidas. Assim como é certo que nossa oraçã o possui papel fundamental no plano divino,
nossos há bitos alimentares e rotina de exercı́cios també m estã o arrolados no roteiro divino.
EN interessante pensar em como os povos antigos entendiam a duraçã o de suas vidas.
Aqui a expressã o utilizada por Nosso Senhor diz “δυŒ ναται προσθεῖναι ε† πι„ τη„ ν η¡ λικιŒαν αυ† τοῦ
πῆ χυν ε¼ να (dynatai prostheinai epi ten helikian autou pē chyn hena)” que em portuguê s seria
“quem é capaz de adicionar à duraçã o de sua vida um cú bito”. A palavra grega πῆ χυν - pechyn, traduzida
por cô vado ou cú bito, equivale a pouco mais de meio metro (descrita antigamente como a
distâ ncia do cotovelo até a ponta dos dedos na mesma mã o(50)), é usualmente utilizado como
unidade para distâ ncia, poré m pode també m ser aplicada para determinar tempo. Em linguagem
popular o exemplo teria a conotaçã o de “esticar” a vida um pouco mais. Veja como o Salmo 39.5
possui a mesma linguagem mé trica ao falar da vida “Deste aos meus dias o comprimento de um palmo”

CURIOSIDADE: A palavra cú bito vem do Latin cubitun o qual signiCica “cotovelo”. E a medida grega
empregada por Mateus, o pēchys, possuı́a quase que a mesma medida.

Ilustração 3 v.28-30 - Os lı́rios do campo


Ao se falar de lı́rio do campo a imagem mais usual que viria a um judeu do primeiro
sé culo seria a de uma Clor comum, sem nada de extraordiná rio nela. Ou como disse Søren
Kierkegaard: “Muitos vivem em grandes cidades e, por isso, jamais contemplam os lírios do campo; muitos
habitam no campo e passam por eles todos os dias sem considerá-los sequer uma vez. Ah! quantos de fato
contemplam os lírios do campo como Jesus contemplava?”(38) Há uma ê nfase no “olhai” já que o verbo
grego está no imperativo (καταμαŒ θετε - katamáthete), talvez pelo simples motivo das pessoas
nã o darem muita importâ ncia à quela Clorzinha que crescia no meio do mato. També m é bem

146
prová vel que, na encosta plana da montanha, onde Jesus discursava houvessem Clores desse tipo,
aCinal era um local hú mido e pouco explorado pela agricultura. Seja como for Nosso Senhor
percebia naquela Clorzinha a beleza suprema do Criador. Alé m disso existe uma promessa contida
em Os 14.5 que se refere a naçã o de Israel “Serei como orvalho para Israel; ele 1lorescerá como o lírio”
A respeito da riqueza, luxo e grandiosidade de Salomã o, muito pode ser encontrado em
1Rs 10 que relata a visita da rainha da Sabá ao monarca judeu.
E Jesus conclui seu pensamento explicando que a Clor, mais bem vestida que o mais rico
dos monarcas antigos tinha apenas uma gló ria efê mera; enquanto o cidadã o do Reino receberia
um cuidado muito mais pró ximo e perene de seu Deus.
v.30 “homens de pequena fé” ο† λιγοŒ πιστος (oligopistos) O adjetivo grego é de abundante uso
na literatura talmú dica.

v.31-34 Entre os versı́culos 31 e 34 encontramos a conclusã o do ensino iniciado no


versı́culo 19. Ouvimos trê s ensinos sobre o objetivo do cristã o, e em seguida trê s exemplos
ilustrados falando das consequê ncias em ter a Cristo como objetivo, agora encontramos trê s
rá pidas perguntas retó ricas, as quais darã o sequê ncia ao Cinal duplo do ensino.
Chamamos de Cinal duplo, pois o ensino se repete de forma espelhada, assim como
aconteceu com as Ciguras do tesouro e senhorio. Perceba como os versı́culos 31 e 34 se iniciam
com “portanto”, mostrando um claro exemplo do paralelismo hebraico. Restando aos versı́culos
32 e 33 o papel de comentá rios sobre seus pares versiculares.

v.31 μη„ οϋν μεριμνηŒ σητε λεŒ γοντες - me oun merimné sete lé gontes “Portanto, não andeis
ansiosos dizendo:” Gostaria de reCletir por um instante sobre a palavra λεŒ γοντες “falando”, pois pelo
modo como o texto nos é colocado, e reforçado pela exortaçã o de nã o agirmos como os εª θνη
“pagã os”, temos a imagem de uma pessoa desesperada perante as demais. Seria o equivalente, em
nosso costume ocidental, a colocar as mã os na cabeça e se lamentar pelo futuro incerto. Como o
livro de Mateus nos fala da certeza do Reino vindouro, era mı́ster que ele registra-se o ensino do
Mestre sobre a certeza que podemos ter pelo futuro.
Apó s aCirmar sua tese a respeito de nã o nos preocuparmos com as necessidades
materiais, e mantendo o padrã o usado neste trecho inteiro, Jesus conclui o pensamento fazendo
trê s perguntas retó ricas. As questõ es sã o retó ricas, pois o Mestre nã o esperava uma resposta a
elas, mesmo porque essas questõ es foram plenamente satisfeitas no trecho diretamente acima.
Eis as perguntas apresentadas:

.

1. O que vamos comer?


2. O que vamos beber?
3. O que vamos vestir?

Literariamente falando, o uso destas trê s perguntas visa acelerar o ritmo do discurso e
preparar o clı́max do pará grafo. Seria quase que uma espé cie de assı́ndoto expandido. Assim se
encurta o perı́odo, se elimina a necessidade de reClexã o sobre as perguntas e toda a atençã o se
dirige a conclusã o que será construı́da a partir do pró ximo versı́culo.

v.32 Segue-se mais uma aCirmaçã o de conforto, logo apó s outra advertê ncia contra a falta
de fé . Diz o Mestre “Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas” e em seguida “mas o Pai celestial sabe
que vocês precisam delas.” Assim com fora dito a respeito da oraçã o, podemos estar seguros uma vez
que Deus sabe que precisamos das bê nçã os materiais també m.
v.33 A conclusã o ó bvia é : “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, e as
demais coisas vos serão acrescentadas.” Este deve ser o objetivo de cada Cristã o, buscar o Reino e nã o
a gló ria pessoal ou objetivos egoı́stas. A questã o referente a “sua justiça” deve ser compreendida
em relaçã o ao modo de vida proposto por todo o sermã o, nã o como uma maneira de julgar e
punir os demais “em nome da justiça do Reino”. Pode-nos parecer desnecessá rio discorrer sobre
esse tema, mas na Idade Mé dia, no perı́odo das Cruzadas, milhares de pessoas foram
assassinadas em nome da aplicaçã o da “justiça do Reino”.
Este versı́culo possui uma variaçã o textual bem singular, pois de acordo com a
compilaçã o grega SBLGNT em concordâ ncia com o Texto Crı́tico, aqui acontece uma excessã o no
modo de escrita de Mateus. Repare que sempre que o autor fala do reino futuro ele o faz com
auxı́lio de um adjetivo, em uma construçã o composta, por exemplo: Reino dos cé us. A possı́vel

147
razã o era demonstrar um reino que excedia os limites terrenos, ou naturais. Pois bem, aqui o
texto diz: “τη„ ν βασιλειŒαν και„ τη„ ν δικαιοσυŒ νην“ SBLGNT (o reino e a justiça) e “τη„ ν βασιλειŒαν και„ αὐτοῦ
τη„ ν δικαιοσυŒ νην” T.Crítico (o reino e a sua justiça) Seja como for, aqui nã o encontramos a partı́cula
modiCicadora anexa ao substantivo “reino”. Os estudiosos que acreditam ser esta a forma
autografa de Mateus defendem que seria muito difı́cil um escriba posterior eliminar
propositalmente o adjetivo “dos cé us” ou “de Deus”. Aqueles que pensam ser a forma estendida a
correta, baseando-se na maneira usual de Mateus escrever, postulam que a eliminaçã o é devida a
algum erro cometido por copista bem antigos(5). Talvez a melhor alternativa de traduçã o seja
fazer uso dos colchetes para avisar o leitor comum dessa questã o em particular.
v.34 Ainda existe mais um ensino de grande profundidade, ligado a tudo o que foi dito
anteriormente: “Basta a cada dia o seu próprio mal”. Esta é a razã o de nossos dias terem apenas 24
horas e nã o perı́odos maiores; seria doloroso demais para nó s lidarmos com tanta pressã o. A vida
cristã é uma jornada diá ria, com suas lutas, derrotas e vitó rias; nã o existem reservas para o
futuro. Lembre-se que Jesus nos ensina a orar pelo pã o de cada dia e assim estar sempre na
dependê ncia de Deus. EN como se o Pai nos colocasse para descansar ao Cinal de cada dia, assim
como fazemos com nossas crianças.
Lembre-se alé m de tudo, o Senhor, é seu Pai. Boa noite.

Curiosidade
Liev Tolstoy, famoso escritor russo, acreditava firmemente que os preceitos do Sermão do
Monte podiam, e deviam, ser praticados na vida quotidiana. Ele expressou esta convicção através
do personagem Príncipe Nekhlyudov, o herói de sua última grande novela, chamada Ressurreição,
a qual foi publicada em 1899.(15)

Neste trabalho percebemos que Tolstoy compreendia a tensão entre o ideal divino e a limitação
humana, nossa depravação total. Se por um lado ele via as exigências do Sermão como uma
possibilidade de serem cumpridas, por outro lado seu comportamento falho lhe mostrava o
contrário.

(1) Metzger, Bruce M. A Textual Commentary to the Greek New Testament. 2 Revised ed. Peabody, MA: Hendrickson
Publishers, 2005.
(2) Comfort, Phillip W. New Testament Text and Translation Commentary. Carol Stream, IL: Tyndale House
Publishers, Inc., 2008.
(3) Didaquê 8.2-3
(4) Zuck, Roy B. – A interpretaçã o bı́blica. p.100
(5) Davies and Allison - A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew vol.1 - p.660
(6) UBD - The greek New Testament 5º Edition - p.7
(7) Henry, M -Commentary of the whole bible
(8) Tronco, T - em aula particular ministrada em 27/07/2018
(9) Talmud - Baba Batra 9b
(10) Enquanto eu fazia a exegese desse versı́culo, meu Cilho Noah, na é poca com trê s anos de idade, começou a
repetir as palavras de Jesus. Certamente ele nã o compreendia o conteú do teoló gico, tã o pouco falava grego, mas
a sonoridade poé tica atraiu sua atençã o.
(11) Agostinho - Sermão do Monte - p.109
(12) Stoutemburg, D - With one voice: The Sermon on the mount and rabbinic literature
(13) Petuchowski, J e Brocke, M - The Lord’s Prayer and Jewish Liturgy
(14) Henry, M. - Comentário sobre a bíblia toda em um único volume - p.1637
(15) Tolstoi, L - Ressurreição -
(16) Boring, M.E - Matthew, introduction, commentary and re1lections - p.202
(17) Didaquê - 8.2
(18) Tertuliano de Cartago - De ieiunio - 10
(19) Neologismo: 1) emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes, na mesma lı́ngua ou
nã o. 2) atribuiçã o de novos sentidos a palavras já existentes na lı́ngua - Dicioná rio do Google.
(20) Brown , C - The new international dictionary of New Testament theology - p.251
(21) Breve catecismo de Westminster - questã o 1º
(22) Agostinho - O sermão da montanha - p.115

148
(23) ibid - p.122
(24) Davies, W.D. - The setting on the sermon on the mount - p.310
(25) Henry, M - Matthew Henry’s commentary on the whole Bible: complete and unabridged in one volume - p.1638
(26) Luther, M. - The Sermon on the Mount by Martin Luther (1521: translated by Jaroslav Pelikan: in vol. 21 of
Luther’s works, Concordia, 1956).
(27) Moulton, J.H e Milligan, G. - The vocabulary of the greek Testament
(28) Stott, J.R. W. - A mensagem do Sermão da Montanha (Mateus 5-7): Contracultura cristã - p.149-150
(29) Bonhoeffer, L. - The cost of discipleship - p.146
(30) Calvino, J. - Commentary on a harmony of the evangelists, Matthew, Mark and Luke, vol.I - p.314
(31) Luthero, M. - The Sermon on the Mount - p.144
(32) Waldoorv, J., Zuck, R. - The bible knowledge commentary - p.33
(33) Cognato é uma palavra com raiz etimoló gica comum
(34) Henry, M - Commentary on the whole bible - p.1640
(35) Jamieson, R - Commentary critical and explanatory on the whole bible - p.
(36) McNeile - The Gospel according to St Matthew: the Greek text with introduction, notes and indexes - p.85
(37) Rabinos sã o os mestres e teó logos judaicos. A palavra hebraica rabbi signiCica literalmente “meu mestre”.
Infelizmente nas escrituras do Novo Testamento o termo é muitas vezes utilizado com sentido pejorativo,
motivado pela deturpaçã o da Palavra de Deus que aqueles mestres da Lei impunham ao povo comum.
(38) Citado por Jonas Madureira em http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=147 acessado
em 13/10/2018
(39) Agostinho de Hipona, ainda no sé c.IV traz a mesma explicaçã o para o uso da palavra mamonã - Sermão do
Monte - p.143
(40) Jornal Extra 05/06/2016, acessado em 14/10/2018 https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/
ansiedade-atinge-quatro-em-dez-brasileiros-entenda-doenca-do-seculo-19442459.html
(41) Metzger, B. - “How many times does ε† πιουŒ σιος occur outside the Lord’s prayer?” In Historical and Literary studies
- p.64-66
(42) Didaquê 8:2
(43) Decker, R - How do we use the biblical languages? - p.3
(44) Thayer, J. - Greek English lexicon of the New Testament- 1889 (2nd Edition)
(45) Barron, R. - In Praying with Con1idence: Aquinas on the Lord’s Prayer - introduçã o p. ix
(46) Pseudo-Agostinho (App. Sem.84) citado por Thomá s de Aquino na Catena AN urea - vol 12, p.127
(47) Joã o Crisó stomo - Homilia 19 sobre Mateus
(48) Metzger, B.M. - "Quantas vezes ἐπιούσιος ocorre fora da Oração do Senhor?" - Artigo publicado no The Expositor
69 [1957–58] pá ginas 52–54
(49) Omanson, R.L. - Variantes textuais do Novo Testamento - p.7
(50) Swanson, J. - Dictionary of Biblical Languages with Semantic Domains: Greek (New Testament) (electronic ed.)


Shemá Israel
Para nós cristãos, nossa afirmação de fé é: Jesus é o Messias (por isso o nome Cristo) e ele é
Deus-homem, entretanto para um judeu, a declaração mais profunda e direta de sua religiosidade é:
‫( ׁשְמַע יִׂשְָראֵל יְהוָה אֱֹלהֵינּו יְהוָה אֶחָד‬Shemá Yisrael, Adonai Elohim, Adonai Echad). Esse trecho é
oriundo de Dt 6.4-9.

Dentro do Shemá, mais precisamente no versículo 5 está contida a expressão que se conecta
mais diretamente com o trecho que estamos estudando em Mateus, confira: “Ame o Senhor, o seu
Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças.” Quando Jesus comenta a
respeito de “onde estiver seu coração” é sobre esse tipo de aplicação que um judeu estaria
imaginando. A intensidade é importante nessa sentença, ou seja, o Mestre não falava de
simplesmente trabalhar, ou buscar melhorar de vida, mas sim dedicar-se de corpo e alma a um
objetivo, neste caso, enriquecer.

149
Mateus 7

Jesus, logo apó s as bem-aventuranças, apresenta uma sé rie de ordens relativas a Lei que
ocupam o capı́tulo seis inteiro, agora, essas ordens sã o seguidas por advertê ncias e sugestõ es de
aplicaçõ es prá ticas. Perceba como elas confrontam a audiê ncia mateana atravé s de fortes
exortaçõ es as quais ressaltam a importâ ncia de se fazer a vontade do Pai no cé u assim como na
terra. Encontramos muita similaridade com nossas exposiçã o bı́blicas dominicais, onde a parte
Cinal normalmente conté m exortaçõ es e aplicaçõ es prá ticas para o uso quotidiano. Este grupo de
ensinos equivalem a uma convocaçã o para por em prá tica tudo o que fora proposto durante o
sermã o. E ainda que a olhares menos atentos o capı́tulo pareça uma compilaçã o de pará grafos
independentes e pensamentos nã o concatenados, o estudante perspicaz poderá perceber que
existe uma ordem ló gica e prá tica em todas as demandas. Durante o Cinal do sé culo XIX e a
primeira metade do sé culo XX alguns estudiosos chegaram a defender essa ideia de
desconexã o(12), poré m atualmente existe um consenso sobre a os ensinos Cinais e o corpo
principal do sermã o.O primeiro tó pico fala do relacionamento em relaçã o as demais pessoas,
enquanto o segundo fala de nosso relacionamento com Deus atravé s da oraçã o. Os outros quatro
nos revelam os detalhes Cinais para a entrada no Reino.

Estamos caminhando para o Cinal do Sermã o do Monte, e agora, atravé s de ensinos


curtos, muitos utilizando comparaçõ es para ressaltar seu conteú do, sentimos certa urgê ncia para
chegar ao Cim do sermã o. Nã o uma pressa preguiçosa, mas um tom de dever cumprido, como se
tudo o que houvesse a ser dito já fora esgotado. Nitidamente percebe-se o ritmo acelerando, as
comparaçõ es sendo mais tangı́veis e menos té cnicas (nã o existem citaçõ es da Lei de Moisé s ou
temas complexos) e as sentenças diminutas. Para compreendermos a intençã o do Mestre,
devemos atentar para uma questã o gramatical muito importante aqui: o uso de vá rios assíndotos
(que é a omissã o proposital de vá rias conjunçõ es). Esse recurso tem o intuito de acelerar o
discurso, criando uma expectativa e/ou enfatizando alguma convicçã o muito forte. Isso acontece
nos versı́culos 1, 6, 7, 13 e 15. Uma frase muito conhecida que utiliza esse recurso é o discurso de
Julio Cé sar em 47 A.C, apó s a batalha de Zela: Veni, vidi, vici (Vim, vi e venci).
Talvez as duas primeiras comparaçõ es se conectem melhor ao capı́tulo 6 do que ao Cinal
propriamente do sermã o, aqui no capı́tulo 7. Isso porque elas sã o comentá rios diretos sobre o
que vem sendo tratado ali, ou seja, o tema do julgamento e da oraçã o/necessidades. Por isso no
esquema de 5 partes que proponho para o estudo do sermã o, a parte derradeira se inicia no
versı́culo 13. (vale sempre lembrar que a divisã o por capı́tulos e versı́culos nã o é inspirada por
Deus e por isso conté m falhas e limitaçõ es inseridas pela limitaçã o humana dos redatores
posteriores).

v.1-6 Julgamento temerário Μη„ κριŒνετε - me krínete O padrã o do ensino de Jesus é


ressaltar os aspectos positivos da religiã o e do relacionamento com o pró ximo, por isso devemos
prestar atençã o quando a instruçã o se baseia em o que nã o fazer. Ao dizer “ Nã o julgueis” ele está
enfatizando o que está sendo proposto. Gramaticalmente isso Cica claro atravé s do uso do modo
imperativo da palavra grega κριŒνω (krinō ); lembrando que o imperativo demonstra uma ordem
enfá tica. Todo este pará grafo esta entrelaçado com o tema do krinō /julgar, a palavra ocorre cinco
vezes apenas nos dois primeiros versı́culos (v.1 κριŒνετε, κριθῆ τε, κριŒματι, v.2 κριŒνετε,
κριθηŒ σεσθε) A repetiçã o é tã o exagerada que alguns propuseram que pudesse se tratar de
alguma espé cie de ditado popular ou entã o um trocadilho didá tico, que visava ajudar na
memorizaçã o do texto. Essa possibilidade é reforçada pelo texto de M. Sotha 1.7 ainda que seus
usos sejam um tanto diferentes. Esse pensamento era plenamente conhecido na literatura bı́blica
e extra-bı́blica daquele perı́odo, ou como sugeriu Rudolf Stier: “no Antigo Testamento, e até mesmo o
Talmud judaico, em outros aspectos, a própria perfeição da perversão, manteve-o como um provérbio
indelével.”(16)
Esse vocá bulo é a origem de nossa palavra “crı́tica”. Isso sem contar a palavra “hipó crita”
que vem do mesmo radical, a qual implica em julgar a si mesmo de maneira mais branda e ao
pró ximo de modo severo. Assim existe uma conexã o direta entre os v.1-2 Μη„ κριŒνετε e o v.5
υ¡ ποκριταŒ , sendo que no primeiro Jesus apresenta o problema e no quinto apresenta uma severa

150
advertê ncia.
v.1 A expressã o “para que não sejais julgados” está formatada no aoristo subjetivo e na voz
passiva, o que normalmente acontece ao ser referir a um ato divino(3), talvez aqui possamos
encontrar mais um requinte estilı́stico de Mateus. Perceba um paralelo entre o que está sendo
ensinado aqui e o que Jesus falou a respeito de perdoar o pró ximo. Aqui vemos que nã o devemos
julgar o pró ximo e se o Cizermos, seremos julgados com o mesmo rigor, na “Oraçã o do Senhor”
aprendemos que seremos perdoados na medida que perdoarmos nossos devedores. Certamente
vemos um reClexo da atitude arrogante dos Fariseus, que se consideravam melhores que os
demais Judeus, sempre se julgando superiores e apontando as falhas dos outros. O Mestre está
nos ensinando a respeito dos relacionamentos entre os membros do Reino e nã o proibindo a
exortaçã o de algué m, da mesma maneira que o ensino de perdoar o devedor nã o estabelece uma
prá tica de caridade para se obter o perdã o divino. Nem poderia ser diferente, pois um pouco mais
a frente no livro ouviremos o Senhor nos ensinar repreender um irmã o que pecar contra nó s:
“Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão;” Mt
18.15 Devemos evitar ser hipercrı́ticos, mas ainda assim devemos ter um senso ló gico que nos
permita julgar o que é certo e o que é errado. O apó stolo Paulo em seu texto inspirado pondera
sobre esse tema ao falar: “Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.” 1Co 11.31
Talvez o tema implı́cito dessa seçã o seja “moderaçã o”. Veja o que Agostinho de Hipona escreveu a
respeito do juı́zo temerá rio: “Assim, existem certas ações ambíguas, das quais ignoramos com que intenção
foram feitas. Elas podem proceder de boa ou má intenção. Seria temerário julgá-las e, mais ainda condená-las.
Virá o tempo em que serão julgadas: Quando o Senhor puser às claras o que está oculto em trevas”(5)(6) na
mesma pá gina de seu livro diz Agostinho: “Limitemo-nos a julgar o que é evidente e deixemos de julgar o
que está oculto, deixando-o para Deus”
O erro ao julgar, já condenando o pró ximo, é cometer o erro tı́pico da religiosidade
farisaica, ao que A.B.Bruce descreveu como: “é um "vício farisaico, o de nos exaltar ao menosprezar os
outros, uma maneira muito barata de obter superioridade moral”(4) Essa postura errada Cica cları́ssima
no relato de Lc 18.9 “A alguns que con1iavam em sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou
esta parábola …” Apó s tirarmos a trave do nosso pró prio olho (o que deve ser feito com urgê ncia),
conseguiremos ver mais claramente e assim teremos condiçã o de ajudar o pró ximo. També m é
possı́vel entendermos o “retirar a trave” de nossa visã o o fato de abandonarmos a postura de
superioridade e auto-censura em relaçã o ao nosso pró ximo. Exercer a justiça do Reino é
necessá rio, aCinal trata-se se “justiça” e nã o de omissã o ou indiferença pelos demais; poré m tudo
deve ser executado a partir de uma visã o positiva dos fatos, da mesma maneira como Jesus
normalmente o fazia. O melhor comentá rio que já ouvi a esse respeito veio de John Stott: “a ordem
para não julgar não é uma exigência para sermos cegos, mas, antes, um pedido para sermos generosos. Jesus
não nos pede que deixemos de ser homens (suspendendo nosso poder de crítica o qual ajuda a nos distinguir
dos animais), mas que renunciemos à presunçosa ambição de ser Deus (arvorando-nos em juízo)”(13) Todo
esse pensamento é facilmente percebı́vel na ilustraçã o que o Mestre apresenta a seguir sobre com
quem nã o devemos compartilhar as boas-novas do Reino.
v.2 “e a medida que usarem, também será usada para medir vocês” Tradicionalmente duas
explicaçõ es vem sendo dadas para completar essa ilustraçã o:
1) contexto Cilosó Cico/religioso - alguns religiosos citam um texto chamado Lev R 29.3
dizendo que na mentalidade daquele povo o Senhor tinha duas medida para julgar o mundo, a
medida da justiça e a medida do amor (creio bonito e possível, mas pouco provável que Jesus se referia a
essa questão)
2) contexto agrı́cola - a segunda possibilidade se baseia no comé rcio de grã os. Como
naquele tempo nã o haviam unidades de medida com o nı́vel de precisã o que temos hoje, era
comum tanto o comprador como o vendedor medirem as transaçõ es utilizando a mesma bacia;
assim evitando descompasso na entrega do pedido. A palavra grega μεŒ τρῳ - métron, da qual
deriva nossa palavra “metro”, servia tanto para medidas de volume como de distâ ncia. Essa
compreensão é reforçada pela ideia escatológica descrita em Ez 45.9-12. “Assim diz o Senhor Deus:
Basta, ó príncipes de Israel; afastai a violência e a opressão e praticai juízo e justiça: tirai as vossas
desapropriações do meu povo, diz o Senhor Deus. Tereis balanças justas, efa justo e bato justo. O efa e o bato
serão da mesma capacidade, de maneira que o bato contenha a décima parte do ômer, e o efa, a décima parte
do ômer; segundo o ômer, será a sua medida. O siclo será de vinte geras. Vinte siclos, mais vinte e cinco siclos,
mais quinze siclos serão iguais a uma mina para vós.” Repare que. No reino messiâ nico existe uma
importâ ncia muito grande no uso adequado das medidas.
v.3 βλεŒ πεις difere muito de κατανοεῖς - Ao se estudar um texto oriental antigo,

151
principalmente os escritos judaicos, é muito importante atentar a cada mı́nimo detalhe
gramatical. O motivo de tal zelo reside no fato de que aquele povo, no perı́odo antigo, era
composto por exı́mios escritores, os quais eram dotados de talentos que sã o poucos perceptı́veis
a uma sociedade como a nossa que fora educada atravé s da televisã o (os mais jovens passam pelo
mesmo doutrinamento atravé s da internet). Pequenas pausas, mudança no tempo verbal,
entonaçõ es, requintes que causam grande impacto na leitura estã o contidos nos textos que
consideramos sagrados. Tais variaçõ es eram fundamentais na mentalidade do ouvinte original,
tanto que existe um texto do rabino RANBAM que explica as diferenças entre a aplicaçã o dos
verbos referentes a visã o, mais precisamente raá, hibit e chazá (ver, olhar e enxergar)(14) Com isso
em mente, voltemos nossa atençã o para a diferença entre os verbos gregos blepeis - (enxergar) e
katanoeis (considerar cuidadosamente ou entender completamente). Na realidade, existe sim um
trocadilho a respeito da visã o, mas o texto é mais profundo que isso. Conforme disse
M.Granconato: “trata-se da incapacidade mental de perceber sua falha, não apenas uma questão de visão”(15)
Ao observarmos a ilustraçã o como um todo, Cica claro que se trata de mais uma hipé rbole
empregada pelo Messias, aCinal ningué m poderia imaginar uma pessoa com uma viga de madeira
em seu olho. Seria essa ilustraçã o algo que Jesus aprendeu com seu pai José , que era marceneiro?
v.5 Talvez a medida certa entre a correçã o e a compreensã o tenha sido expressa tempos
antes por Salomã o no livro de Eclesiastes 8.3 “o coração do sábio conhece o tempo e o modo”. Ao sá bio é
demandado a ponderaçã o para saber como e quando ajudar seu irmã o a retirar a farpa do olho,
ou como disse o professor Carlos Osvaldo: “É necessário, todavia, que o discípulo utilize bem suas
faculdades críticas para não cair no erro de compartilhar as boas-novas do Reino com os inimigos do Rei”(18)
v.6 “Não deem aos cães o que é santo” Possivelmente represente a imagem de um sacerdote,
no templo de Jerusalé m, tirando parte da carne que deveria ser queimada no altar e a dando a
cã es vira-latas.
Eis o resumo do ensino: “não joguem pérolas aos porcos” ou em outras palavras “não
desmereçam o ensino que estou dando”. Essa é uma expressã o muito conhecida e utilizada até por nã o
cristã os, poré m poucos percebem a conexã o que essa expressã o tem com o tema do julgamento.
Uma vez que podemos ver realmente quem sã o as pessoas que buscam ao Senhor e aqueles que
sã o hipó critas, devemos saber a quem exortar. Essa é a certeza de que algum tipo de julgamento
pode, e deve, ser realizado para que se saiba que sã o os “irmã os” e quem sã o os “porcos/cã es”.
Por isso é importante compreender a diferença entre um julgar crı́tico, destinado aos irmã os, e o
julgamento deCinitivo destinado aos que rejeitam a Palavra.
Assim Jesus faz alusã o aos Fariseus sugerindo que os mesmos eram porcos e que nã o
mereciam ser ajudados. Lembre-se que para os judeus, o porco, era um dos animais mais
imundos e nojentos que eles conheciam. Existia um prové rbio entre os israelitas, o qual ainda é
utilizado entre os turcos, que dizia que “aqueles que sã o deixados de fora, sã o os cã es”, e que
reClete em muito a mentalidade no NT (cf. Mt 15.26, Fp 3.2 e Ap 22.15).(17) O pregador romano-
oriental Joã o Crisó stomo, conhecido como o maior expositor bı́blico da era imperial da igreja,
deCinia que os cã es eram pessoas que viviam em constante estado de impiedade(8); enquanto Joã o
Calvino os descreveu como: “os cães e os porcos são nomes dados não a todo tipo de homens devassos, ou
àqueles que são destituídos do temor de Deus e da verdadeira piedade, mas àqueles que, por claras evidências,
manifestaram um endurecido desprezo por Deus, de modo que sua doença parece ser incurável”.(9) A pró pria
Escritura nos adverte a este respeito dizendo: “Não repreenda o zombador, caso contrário ele o odiará;
repreenda o sábio, e ele o amará” (Pv 9.8)

Neste versı́culo encontramos um recurso literá rio bem comum nos textos antigos, essa
construçã o é chamada de Quiasmo. Nesta forma de poesia, a primeira parte está relacionada com
a quarta parte, enquanto a segunda e terceira partes estã o relacionados uma com a outra. Veja o
texto: “Não dêem o que é sagrados aos cães, nem atirem as suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as
pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão”. Assim, os cã es descritos no verso inicial,
estã o ligados ao risco de dilaceraçã o descrito na quarta parte. E o lançar pé rolas aos porcos,
exposto na segunda parte, está relacionado ao fato deles as pisotearem descrito na terceira parte.
A ordem das sentenças, para seu melhor entendimento, dever ser percebida como A-B-B-A, ou
seja: “Não dêem o que é sagrado aos cães, pois voltando-se eles, os despedaçarão; nem atirem suas pérolas aos
porcos, caso contrário, estes as pisarão”
EN interessante notar que os judeus de nossos dias absorveram a concepçã o proposta por
Jesus Cristo. Veja o que diz o tratado Sichat Shabat Parashat Devarin 5725: “Se, em algum caso, for
necessário repreender outro judeu - mesmo que por transgressões sérias, … - nós devemos fazer isso de forma

152
sutil e gentil, enquanto, ao mesmo tempo, aproximamos a pessoa com cordialidade e amor”

v.7-12 Pedir, buscar, bater a porta Apó s ouvirmos tanto a respeito do cuidado do
Senhor, de ouvirmos que devemos buscar a justiça do Reino e nã o bens materiais, pode parecer
que nã o existe mais razã o alguma para falar com Deus em oraçã o. Alguns podem pensar em uma
espé cie de fatalismo cristã o, o que é incabı́vel, pois apesar de acreditamos que o Senhor está no
controle absoluto de tudo o que acontece, isso nã o nos exime do processo. Para evitar qualquer
dú vida Jesus reitera a necessidade de orarmos, pois é a oraçã o que nos aproxima do Pai; ainda
que ele nem sempre realize seus planos da maneira que esperamos.
Uma sutileza pouco notada neste trecho é a necessidade de alto grau de humildade no
processo, pois o homem orgulhoso e arrogante nã o aceita pedir por ajuda. Por isso os trê s nı́veis
propostos pelo Mestre sã o tã o importantes.
v.7 Todos os exemplos dados (Αι†τεῖτε - pedir, buscar - ζητεῖτε e bater - κρουŒ ετε) estã o no
tempo verbal chamado Presente Imperativo, o que revela um ordem direta, do tipo: Faça! Mas
apesar de toda essa energia, é muito bonita a maneira como Jesus explica a oraçã o: para receber,
precisamos apenas, pedir e para entrar, precisamos apenas, bater. Existe uma ordem muito rı́gida
e direta para que peçamos, mas nã o existe esforço nenhum para receber, aCinal tudo o que temos
é uma dá diva do Senhor. A ê nfase está no pedir/buscar/bater nã o em exigir de Deus um resposta
que nos agrade; tampouco podemos “turbinar” a oraçã o atravé s de sacrifı́cios fı́sicos/Cinanceiros,
realizar grandes campanhas, vigı́lias de oraçã o ou pagar algo, basta-nos pedir. Cabe-nos orar com
ı́mpeto (lembre-se do verbo no imperativo) e esperar a resposta com humilde paciê ncia, aCinal
pedimos a algué m muito maior que nó s.
A respeito de pedir algo, veja o relato de 1 Rs 3.5 onde Deus apareceu, em sonho, a
Salomã o e disse: “Peça o que quiser, e eu lhe darei”. O tema de buscar també m era conhecido do
Pentateuco, mais precisamente em Dt 4.29 “Então dali buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando
o buscares de todo o teu coração e de toda a tua alma.” e de Jr 29.13 “E buscar-me-eis, e me achareis, quando
me buscardes com todo o vosso coração.” Encontramos aqui o exemplo do perfeito equilı́brio entre a
açã o humana e a resposta divina, e entre a persistê ncia exigida frente o cará ter responsivo do
Senhor. O pró prio Jesus aplicará esse princı́pio no jardim do Getsê mani.
Ainda que alguns estudiosos muito honestos tenham tentado distiguir as trê s ordens de
“pedir”, “buscar”e “bater” (o meio pentecostal chega a relacionar “pedir” a oraçã o, o “buscar” ao
batismo com Espı́rito Santo e o “bater” a campanhas de poder), parece mais correto entender as
trê s demandas como a tradicional forma de ê nfase judaica.(7) Você encontrará esse tipo de
construçã o por todo o livro, e em muitos casos iremos ressalta-las. Nó s latinos costumamos
enfatizar algo atravé s do aumento de tom de voz, poré m os povos do oriente mé dio, e
principalmente os judeus, colocam a ê nfase no fato de repetir o mesmo tema por diversas vezes.
O exemplo clá ssico dessa construçã o está aqui mesmo em Mateus, lá no capı́tulo 23 no trecho
conhecido como os “ais”. Neste versı́culo em especı́Cico, os trê s termos sã o equivalentes e
transmitem a mesma mensagem, ainda que um reforçando o outro. Ou como escreveu John Stott:
“Jesus procura imprimir suas promessas em nossa mente e memória pelos golpes de martelo da repetição”(10)
Ainda assim é possı́vel perceber uma certa gradaçã o nas açõ es, sendo o “pedir” o nı́vel

inicial, o “buscar” implicando um empenho maior e o “bater” mostrando necessidade urgente


para conseguir algo. Gosto da explicaçã o proposta por Glover, R. que diz: “uma criança, se sua mãe
está próxima e visível, pergunta; se ela não está, ele procura; enquanto se ela é inacessível em seu quarto, ele
bate”(11)

Pedir Buscar Bater

Um ú ltimo aspecto que chama atençã o nas trê s ordens de Jesus é o fato de que duas delas
dependem de um terceiro para se cumprirem e apenas uma nã o. Acompanhe:
• Αἰτεῖτε - Peça! kαὶ δοθήσεται ὑμῖν - e vos será dado. Ou seja, você pede e algué m lhe
dará o que foi pedido. O verbo está no tempo futuro, passivo, do indicativo e na terceira
pessoa do singular.

153
• Κρούετε - Bata! kαὶ ἀνοιγήσεται ὑμῖν - e vos será aberto. Ou seja, você bate na porta e
algué m abre a porta para você . O verbo está no tempo futuro, passivo, do indicativo e na
terceira pessoa do singular.
• Ζητεῖτε - Procure! kαὶ εὑρήσετε - e achará s - Ou seja, você procura e você acha. O
verbo está no tempo futuro, ativo, do indicativo e na segunda pessoa do singular.
a
A explicaçã o para esta construçã o parece ser mais uma questã o de orató ria do que
teoló gica. Como o hebraico nã o utiliza as entonaçõ es da mesma maneira que as lı́nguas latinas, é
bem possı́vel que essa mudança no verbo sirva como “quebra” no ritmo do discurso e
subsequente enfoque no que será dito a seguir. Sinto muito mas é bem difı́cil explicar essa
questã o por escrito a você s.
v.8 O tema da repetiçã o Cica ainda mais evidente neste pró ximo versı́culo, pois os trê s
temas sã o repetidos na mesma ordem “pedir”, “buscar” e “bater”. A melhor explicaçã o para uma
repetiçã o tã o tá cita é a necessidade de se enfatizar o que está sendo exposto. Uma ú nica diferença
existe entre o versı́culo 7 e o 8, o “tempo verbal”, que no versı́culo 7 está no “presente imperativo”
e aqui no 8º está no “presente particı́pio” o qual demonstra um misto de verbo e adjetivo. Pode
parecer apenas um detalhe té cnico, mas nã o é apenas isso, existe uma teologia imensa ligada a
essa Clexã o verbal. Devemos entender o verbo αι†τῶν - aiton, como a descriçã o de algué m que
realiza uma açã o e por ela é conhecido, ou seja, um “pedidor” e nã o apenas algué m que pede por
algo esporadicamente. O grande projeta judeu, Moisé s, era conhecido por seu uma pessoa
persistente na oraçã o, assim o tema de pedir continuamente nã o era iné dito a multidã o que
escutava o discurso. Veja alguns exemplos de Moisé s: 1) Dt 9.25 “Prostrei-me, pois, perante o Senhor e,
quarenta dias e quarenta noites, estive prostrado; porquanto o Senhor dissera que vos queria destruir.” Neste
caso o Senhor atendeu o pedido de Moshe. 2) Dt 3.23-26 “Também eu, nesse tempo, implorei graça ao
Senhor … Porém o Senhor indignou-se muito contra mim, por vossa causa, e não me ouviu; antes, me disse:
Basta! Não me fales mais nisto.” Neste segundo exemplo a oraçã o nã o foi atendida, e alé m disso o
Senhor manda que Moisé s para de pedir, o que reClete uma disposiçã o Cirme em continuar
pedindo.
v.9 “Ou qual dentre vós é o homem que …” A NVI faz um pé ssimo trabalho ao lidar com esse
versı́culo, pois elimina a palavra αª νθρωπος - anthropos (homem) de maneira absurda.
A comparaçã o entre o ser humano mau e limitado com o Deus perfeitamente amoroso
parece impossı́vel, mas parece que esse era o intuito de Jesus. Este tipo de recurso é conhecido
como reductio ad absurdum ou “reduçã o até o absurdo” e por isso o Mestre “exagera” nos
exemplos. Isso Cica nı́tido nas comparaçõ es entre pã o/pedra e entre peixe/cobra, pois nenhum
pai faria algo tã o absurdo contra seus Cilhos.
v.11 “se vós, que sois maus … quanto mais vosso Pai” Aqui encontramos, atravé s de uma
aCirmaçã o de primeira classe, a reversã o do “absurdum” ao vermos enfatizado que até mesmo o
homem mau presa pelo bem dos seus Cilhos, quanto mais o Pai eterno, que é puro e perfeito. O
Senhor é nosso Pai e nã o um estranho, e a oraçã o nos leva a conhecê -lo ainda mais. ACinal se um
pai humano trata bem de seus Cilhos, quanto mais nosso Pai celeste nã o fará por nó s.
v.12 Jesus engloba todos os ensinamentos, no que é conhecida como “A regra de ouro”(1).
Ela explica que devemos nos relacionar com o pró ximo da maneira que desejamos que ele se
relacione conosco. E nesse ensino se resume todo o AT, ou como o Mestre diz: “A lei e os profetas”, e
també m fora usado em 5.17.
Novamente devemos compreender que esse pensamento nã o era de todo desconhecido
da audiê ncia, pois partindo da Escritura como registrado em Lv 19.18 “Não te vingarás nem
guardarás ira contra os 1ilhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo”, e seguindo na
literatura da antiga, no livro apó crifo de Tobias 4.15 ou nos ensinos do rabino Hillel registrados
em b Shabat 31a e até o comentado por Philo de Alexandria, o tema de amar ao pró ximo já era
bem documentado naquele tempo. Poré m, como de costume, Jesus é o ú nico a ressaltar os
aspectos positivos desse pensamento. Durante o debate contra os especialistas da Lei, lá no
capı́tulo 22.34-40, Jesus apontará novamente para o que está sendo ensinado agora.
Lembre-se que Deus é um só , poré m em trê s pessoas, isso deCine o mais perfeito exemplo
de comunhã o e relacionamento que pode existir. Por isso o resumo de toda a Lei e de todos os
princı́pios se refere ao modo como lidar com aquele que está em comunhã o contigo.

154
O rabino e a Regra de Ouro
O Talmud relata a história bem conhecida do rabino Hilel (20 a.C), o mesmo que citei a pouco.
Ela descreve um gentio que desejava se converter ao judaísmo, assim se tornando um prosélito.

O gentio procurou primeiro o rabino Shammai, que era o maior concorrente do rabino Hilel e
pediu que ele lhe ensinasse toda a Lei enquanto ele pudesse se equilibrar em apenas uma perna.
Shammai, que era carpinteiro, pegou uma cajado e o expulsou dali.

O gentio então procurou o rabino Hilel e fez a mesma proposta a ele, ao que Hilel respondeu: Eu
posso fazê-lo. Eu posso, de fato, te ensinar toda a Lei no período em que você puder se equilibrar
em apenas uma perna. E então ele disse: “o que é detestável a você, não faça a ninguém. A Lei
inteira está contida nesta sentença. Todo o restante é apenas um comentário”(19)

É muito provável que Hilel estivesse se referindo ao conceito estóico de “lei não escrita” a fazer
o resumo apresentado ao gentio.


Curiosidade – “Não de o que é santo aos cães”(2)
O Didaquê ou como também é chamado “Instrução dos Doze Apóstolos”, um livro extra-
canônico escrito no séc. I e muito utilizado na igreja primitiva, aplicava esse versículo ao proibir os não
batizados de participar da Santa Ceia. cf 9.5

Sermão do Monte, parte 5 7.13 a 7.28

Agora nas ú ltimas consideraçõ es do sermã o, e vemos o Mestre deCinindo a ú nica maneira
de entrar no Reino: Ele mesmo. Esse tema se repete nas trê s comparaçõ es feitas por ele, as quais
seguem o estilo sapiencial judaico (cf. Dt 30.15 “Vejam que hoje ponho diante de você s vida e
prosperidade, ou morte e destruiçã o”). No Oriente Mé dio Antigo, ao oferecer-se opçõ es à quele
que entrava em um contrato concedia-se a ideia de que a parte menor teve a chance de optar por
seguir adiante ou nã o; e assim se diferenciava um reino/pessoa submisso e um escravo, pois ao
ú ltimo nã o era concedida opçã o alguma. Ou seja, Jesus convoca seu ouvintes para entrar nessa
aliança, mas nã o os obriga. Os teó logos costumam chamar esse trecho de: 2 caminhos, 2 profetas
e 2 casas. Seja como for que agrupemos os ensinos, o modo como eles se aplicam é bem simples;
Jesus mostra o certo X errado, luz X trevas, bem X mal e assim por diante. Nã o existe espaço para
Cilosofar ou criar soluçõ es alegó ricas, os termos sã o colocado “em preto e branco” nã o existe
“cinza”. Compare a semelhança entre as bê nçã os e maldiçõ es relacionadas com a lei em
Deuteronô mio 27-29 com Mt 7.13-14 (nos dois caminhos), Mt7.15-23 (sobre os falsos profetas)
Mt 9 e Mt 7.24-27 (nos ouvintes e praticantes da palavra).

• v.13-14 Porta larga X Porta estreita Aqui vemos uma comparaçã o entre o rı́gido padrã o
ensinado em todo o discurso e o ensino Clá cido e gené rico dos fariseus. Devemos
ponderar sobre a diferença entra os dois ensinos, pois Cica claro que a doutrina de Jesus
representava o caminho estreito e nã o as exigê ncias tolas dos fariseus. Faço essa
observaçã o pois o ensino corrompido dos religiosos judeus já era por si só
extremamente elaborado e difı́cil de seguir, ainda mais deturpado pelo pecado humano.
Veja o discurso do apó stolo Pedro durante um concı́lio em Jerusalé m descrito em At

155
15.10: “Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem
nossos pais puderam suportar, nem nós?” Ele é bem claro ao aCirmar que aquele sistema
religioso já era bem restrito e diCicı́limo de suportar, entã o como a proposta de Jesus
podia ser mais branda se o texto mostra que o caminho do Mestre é ainda mais estreito?
O texto fala da exclusividade na fé em Jesus para obter a salvaçã o e nã o de prá ticas
religiosas para tentar comprá -la, por isso o pró prio Mestre adverte que a Lei valia
plenamente no capı́tulo 5.17 “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para
revogar, vim para cumprir”. Nã o existe outra maneira do homem se justiCicar a nã o ser
atravé s do Cristo; nem toda a tradiçã o dos religiosos judeus poderia tornar o homem
digno de entrar no Reino. Como disse Irineu de Lyon: “Na realidade, para aqueles que
enxergam, não há mais que um único caminho ascendente, iluminado pela luz celeste; porém, para
aqueles que não enxergam, os caminhos são muitos, sem iluminação e em declive. O primeiro conduz
ao reino dos céus e une o homem a Deus; os outros levam à morte e o afastam de Deus.”(21) Alguns
perguntaram o quã o apertado era o caminho e a estreita a porta, a estes responderam os
apó stolos: é da largura do ombro do Mestre. Vemos aqui um belo exemplo do paralelismo
hebraico, onde “a porta” e “o caminho” se relacionam e aumentam a intensidade do que
está sendo ensinado. O tema dos dois caminhos era bem conhecido na antiguidade, seja
na literatura greco-romana ou mesmo na narrativa bı́blica (cf. Dt 30.15 “Vejam que hoje
ponho diante de vocês vida e prosperidade, ou morte e destruição” ou Jr 21.8 “Diga a este povo:
‘Assim diz o Senhor: ponho diante de vocês o caminho da vida e o caminho da morte” alé m do Salmo 1
que apresenta o mesmo tema). ο† λιŒγοι ει†σι„ν οι¡ ευ¡ ριŒσκοντες αυ† τηŒ ν “poucos são os que encontram
isso” Segue-se uma dura advertê ncia a toda a multidã o que maravilhada o escutava:
“poucos de vocês irão me seguir até o 1im”. Existe uma questã o textual nesta passagem a qual
é muito pouco comentada: muito provavelmente aqui exista uma exclamaçã o aramaica e
nã o uma comparaçã o. Isso se deve ao fato da expressã o enfá tica semı́tica ‫ מָה‬māh
("como!" ou "quã o!") ter sido difı́cil de compreender para os copistas de fala grega o que
os levou a mudar o τιŒ (quã o!) pelo ο¼ τι (porque). A expressã o ‫ מָה‬māh é encontrada no
Salmo 139.17 ‫ מַה־ּיְָקרּ֣ו‬exatamente com o sentido de pronome interrogativa "quã o?".
Sendo assim o texto ideal seria: "Quão estreita é a porta! ..." com o sentido exclamativo,
nã o aCirmativo.
• v.15-20 Verdadeiro profeta X Falso profeta ΠροσεŒ χετε - Prosechete O verbo traduzido
por “acautelai-vos” se encontra no tempo presente, ativo e imperativo, ou seja trata-se de
uma ordem direta. Em nosso idioma deverı́amos utilizar o ponto de exclamaçã o para
identiCicar a força empregada neste verbo. A advertê ncia aos “lobos roubadores” evoca
Ez 22.27 “Os seus príncipes no meio dela são como lobos que arrebatam a presa para derramarem o
sangue, para destruírem as almas e ganharem lucro desonesto.” Ao falar dos falsos profetas Jesus
manté m o tema da comparaçã o, poré m alguns estudiosos (Zuck e Walvoord)(26) pensam
ser dú bio se ele se referia a falsos messias ou aos fariseus. Uma vez que a rejeiçã o formal
contra o Cristo ainda nã o havia se levantado, parece-me claro que Jesus se referia a
enganadores tentando se passar por messias. O texto bá sico a respeito de falsos profetas
se encontra em Dt 13.1-3 “Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um
sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser: Vamos após
outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras desse profeta ou sonhador;
porquanto o Senhor, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o Senhor, vosso Deus, de todo o vosso
coração e de toda a vossa alma.” Sendo uma parte tã o importante da Torah, podemos ter
certeza de que todo judeu conhecia o tema em questã o. Alé m disso existe um lembrete
de Jeremias 23.16 “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas que
entre vós profetizam e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem
da boca do Senhor”, com seu aviso contra os Falsos Profetas. O tema principal na discussã o
a respeito da legitimidade do profeta envolvia a adoraçã o; seria ela focada no SENHOR ou
em outros deuses? Entretanto existe um modo muito simples de distinguir quem é o
profeta verdadeiro e o falso: veja os frutos de cada um. A mesma advertê ncia aparece no
livro de Mateus em Mt 3.10 e 12.33. v.16-17-18 Encontramos observaçã o tá citas de Jesus,
seu objetivo é mostrar o quã o obvia é a diferença de comportamento (frutos) entre os
falsos e os verdadeiros profetas. Este é um modo bem semı́tico de aCirmar algo mediante
conclusõ es ó bvias, onde a á rvore boa produz bom fruto e a á rvore má , mau fruto. Gosto
muito da ponderaçã o feita por D.A.Carson sobre os frutos: "AË distâ ncia, as pequenas bagas pretas
no espinheiro podiam ser confundidas com uvas, e as Clores em certos cardos podem enganar algué m, fazendo-

156
o pensar que Cigos estavam crescendo (v.16). Mas ningué m seria enganado por muito tempo."(27) Daqui a
poucas linhas iremos ver um grande relato de milagres, os quais autenticam os frutos de
Jesus. E o Mestre conclui o pensamento com a mesma ameaça feita por Joã o, o batizador:
“o machado está posto a raiz, toda a árvore que não der bons frutos será cortada e lançada no fogo”.
v.19 “Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e jogada no fogo.” Jesus ecoa as palavras
de Joã o Batista aqui (Mt 3.10). Espero que a essa altura qualquer irmã o pentecostal já
tenha compreendido que o “fogo” descrito na passagem signiCica juı́zo divino. Vale notar
algo interessante sobre botâ nica, pois uma á rvore ruim també m irá produzir frutos,
poré m tais frutos serã o ruins, pela fato dela ser ruim nã o quer dizer que ela nã o irá
frutiCicar; assim é impossı́vel o falso profeta esconder sua natureza interior.

• v.21-23 Falsos seguidores Nem só de falsos mestres fala o texto, aqui existe uma
subtrama dentro do discurso mais amplo onde o Mestre nos relata sobre os falsos
seguidores, que assim como os falsos mestres, tentam simular as atitudes do verdadeiro
cristã o. v.21 ΚυŒ ριε, ΚυŒ ριε Este vocá bulo grego normalmente é associado a Deus (na LXX é
empregado majoritariamente para ‫יהוה‬, mas també m como ‫ אָדֹון‬ou ‫ )ּבַעַל‬nas
escrituras, ainda que possa perfeitamente se referir a um rei ou um controlador de largas
á reas de terras e escravos. Nã o encontramos essa palavra empregada no sentido de
"mestre" ou "professor" mas sim, sempre conectada ao conceito de poder pleno. O uso da
repetiçã o, na expressã o “Senhor, Senhor”, pode implicar uma tentativa de mostrar um
relacionamento ı́ntimo que nunca existiu, já que os rabinos ensinavam que o fato de se
repetir um nome demonstrava afeiçã o, assim como em Gn 22.11 “Mas do céu lhe bradou o
Anjo do Senhor: Abraão! Abraão!” Existe uma transiçã o muito suave aqui, pois, mesmo um
profeta també m é um discı́pulo, mesmo que seja discı́pulo do inimigo. O discurso se
intensiCica com Jesus dizendo que nã o basta uma conversã o externa para entrar no
Reino, e sim é exigida uma mudança de coraçã o. Neste versı́culo, o Mestre faz uma
aCirmaçã o oblı́qua a conectar "o reino dos céus" com "meu pai, que está nos céus" pois assim
ele aCirma que seu pai é o rei dos cé us, ou seja, ele fala de um reino celestial onde O
SENHOR reina. v.22 "Naquele dia" ε† ν ε† κειŒνῃ τῇ η¡ μεŒ ρᾳ Trata-se do dia escatoló gico, o dia do
julgamento Cinal, conCira Ml 3.17-18 "Eles serão a minha propriedade peculiar, naquele dia que
prepararei, diz o Senhor dos Exércitos. Eu os pouparei como um homem poupa seu 1ilho que o serve.
Então vocês verão mais uma vez a diferença entre o justo e o ímpio, entre o que serve a Deus e o que
não o serve." ο¡ μολογεŒ ω - homologeō . Imagine a cena horrı́vel que o Mestre descreve, onde
no Dia do Juı́zo, muitos serã o deixados de fora. Retomando o tema dos frutos, conforme
aplicado aos falsos profetas, Jesus aponta sinais aparentemente bons, mas que no fundo
nã o mostram o verdadeiro cará ter do praticante. Os milagres e as libertaçõ es podem até
acontecer devido a misericó rdia do Pai e o uso do nome de Jesus, mas os que as praticam
nã o se tornam automaticamente membros do Reino. "Em seu nome não profetizamos, em seu
nome expulsamos demônios, e em seu nome praticamos muitos milagres?" Os falsos seguidores
buscarã o, em vã o, se defender dizendo que realizaram aquelas obras "em nome de Jesus"
ou seja, em favor dele; e implicitamente tentando se esquivar dos verdadeiros frutos.
Esperavam eles que o Cristo aceitasse isso em troca de uma conversã o de coraçã o e uma
vida devota a Ele? Ao ouvir sobre um “movimento de poder” ou um “novo apó stolo
milagreiro” antes de dar ouvidos ao que eles dizem, siga a orientaçã o do Mestre: veja
quais sã o seus frutos. Nã o digo para medir o tamanho de seus templos ou a riqueza que
ele retiram das pessoas, mas procure ver se existe o amor de Jesus entre eles. Se o estilo
de vida daquele que se diz “mestre das coisas de Deus” nã o combina com o ensinado pelo
pró prio Jesus, fuja dessa pessoa. EN um procedimento tı́pico do inimigo o mesclar a
Palavra de Deus com mentiras, foi assim no deserto, apó s Jesus jejuar por 40 dias e 40
noites. Gosto do que escreveu Tasker, R.V.G: “Não são apenas os falsos mestres que di1icultam o
caminho estreito e ainda mais di1íceis de trilhar. Um homem também pode ser gravemente auto-
enganado”(23) Outro fato importante é que nã o vemos falsos mestres realizando milagres
em nome de Maomé ou Buda; essas pessoas sempre tentam ocupar o espaço de Jesus.
v.23 ο¡ μολογεŒ ω (homologeō) O verbo grego, conjugado no futuro ativo, siginiCica "da
mesma forma direi", e assim demonstra uma resposta no mesmo tom da aCirmaçã o dos
falsos seguidores. Infelizmente essa palavra é muito mal traduzida em nossas versã o
para o portuguê s, mesmo que seja simples seu signiCicado. A declaraçã o Cinal de Cristo é
durı́ssima: “Eu nunca vos conheci.” sendo baseada no Salmo 6.8 “Apartai-vos de mim, todos os

157
que praticais a iniquidade”
• v.24-27 Casa bem alicerçada X Casa mal fundamentada Πᾶ ς οϋν - Pas oun "Todos,
portanto, ..." Uma conexã o Cinal sobre os temas apresentados antes, pois "todos" se refere
aos professores enganosos (fariseus), aos que se dizem profetas e aos que postulam ser
discı́pulos. Atravé s da ilustraçã o das duas casas chegamos ao ensino Cinal do Sermã o do
Monte, diz ela: aquele que aplica os ensinos de Jesus terá tranquilidade na hora do juízo
do Pai. O tema da casa sem fundamento é tratado já na literatura sapiencial no livro de
Jó 4.19 “quanto mais àqueles que habitam em casas de barro, cujo fundamento está na areia” onde
Cica bem claro a fragilidade da casa construı́da sobre a areia. Existe també m um
componente geográ Cico neste ensino, pois a Galilé ia é formada por planaltos e por vales
esculpidos pelas fortes chuvas de inverno, sendo essas mesmas chuvas as responsá veis
por expor o leito de rocha maciça e por levar a terra solta para os vales aluviais. Outro
modo de compreender a questã o das fortes, poré m inconstantes, chuvas é notar que
Londres e Jerusalé m recebem uma mesma quantidade de chuva por ano, cerca de
560mm, poré m Londres apresenta chuva quase 300 dias por ano, enquanto Jerusalé m
apenas 50 dias. Por isso o tema dos deslizamentos, fortes ventos e enchentes seria
muito claro para os ouvintes.(25) Ao analisar a geologia da regiã o Baly, D. aCirmou: "Um
galileu sábio construiria fora do vale, deveria optar pelos pés rochosos das colinas e cordilheiras"(24)
v.24 α† κουŒ ει μου του„ ς λοŒ γους “ouve estas minhas palavras” Existe uma certa similaridade
entre a aCirmaçã o do Mestre e o Shemá, sendo que essa proximidade Cica ainda mais
clara quando utilizamos a LXX que diz ΑÌκουε ΙŸσραηŒ λ. Uma declaraçã o formal, e muito
conhecida, para encerrar o discurso inaugural do Reino. v.25 Novamente encontramos
uma construçã o trı́plice, chuva/rio/ventos, a qual possui a funçã o de intensiCicar o
exemplo que está sendo trazido pelo autor. També m podemos observar que as chuvas
atingem a casa vindo do alto, a enchente dos rios atinge por baixo, enquanto os ventos
atravessam por todos os lados. Aos ouvintes originais, de nada adiantaria ter ouvido o
sermã o todo se tais ensinos nã o fossem vividos de forma plena; ou como dizia uma
antigo professor: “Ouvir sermões é um negócio perigoso se você não os coloca em prática”(22) O
mesmo serve para nó s, ainda que nunca tenhamos escutado a doce voz do Mestre com
nossos ouvidos fı́sicos, ouvimos apenas em nossos coraçõ es. Sobre qual fundamento
alicerçar nossa fé ? Sobre o ensino distorcido dos fariseus de nossos dias (por exemplo:
ensinos neo-pentecostais), sobre as revelaçõ es falsas dos que se dizem profetas (por
exemplo: Ellen G. White e seus Adventistas) ou sobre obras religiosas que encobrem um
coraçã o sujo e nã o convertido (basta ligar a televisã o para ver vá rios deles)? A resposta
é ó bvia: Apenas sobre o ensino verdadeiro de Jesus devemos depositar nossa fé .

v.28 Como resultado do ensino e dos sinais de poder realizados pelo Messias, as
multidõ es estavam maravilhadas (em grego exeplēssonto). Mateus utiliza essa palavra quatro
vezes em seu livro (7.28; 13.54; 19.25; 22.33). Outra caracterı́stica ú nica de Jesus é que seus
ensinos e aCirmaçõ es eram baseadas nele mesmo e nã o no que outros rabinos haviam falado
antes, o que contrastava fortemente com o modo de ensino tradicional de sua é poca.

O apó stolo Mateus deixou de registrar algum tipo de conclusã o formal do discurso, assim
nã o temos palavras Cinais de Jesus a esse respeito. Poré m, assim como o inı́cio do sermã o seguiu
uma ordem relativamente tradicional, com o Professor se sentando para ensinar “subiu ao monte, e,
como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los” Mt 5.1, seu Cinal també m é
um tanto trivial “Ora, descendo ele do monte, grandes multidões o seguiram.” Mt 8.1 Ou seja, o professor
se levantou e partiu, marcando o Cinal da aula. Estes dois versı́culos sã o a moldura Cinal que
Mateus nos entrega.
Teologicamente falando, podemos compreender o Sermã o do Monte como a explicaçã o
de Jesus a respeito de como serã o os relacionamentos, com Deus e com o pró ximo, no Reino dos
Cé us. Aprendemos que o Messias nã o aboliu a Lei, pelo contrá rio, nos mostrou que a é tica do
Reino é muito mais exigente que a Torah, e apesar disso nã o nos coloca em alguma espé cie de
hiperlegalismo, mas sim, atravé s da graça, nos apresenta a essê ncia do que signiCica Evangelho.
Gosto muito da deCiniçã o apresentado por Joachim Jeremias: “Pois esta, de fato, é a diferença entre a
Lei e o Evangelho: A Lei abandona o homem a sua própria força para tentar lidar com os desa1ios que cabe a
ele lidar. O Evangelho, por outro lado, traz o homem diante da dádiva divina e o desa1ia a tornar essa graça a
base para sua vida diária.”(20)

158
Aqui Mateus marca o té rmino do primeiro grande discurso de Jesus com a frase: “Quando
acabou de dizer essa coisas…” Seguindo a estrutura proposta no inı́cio desse livro sobre o evangelho
ser composto de uma estrutura de discurso-narrativa, entraremos agora na primeira, de cinco
sessõ es de narrativa.

A Septuaginta (LXX)
Existe uma versão grega do Antigo Testamento chamada de Septuaginta, ou como é
mais comumente citada LXX (número 70 em algarismos romanos). Ela foi formatada em
Alexandria, no Egito, por volta do século III a.C e do século I a.C; e foi traduzida por 72
rabinos, sendo 06 de cada tribo de Israel. Essa versão contém diversas falhas, além de
conter livros não inspirados por Deus, e por isso não é mais aceita pelos próprios judeus
desde o século I d.C.

Ainda assim essa era a versão mais usada na época em que o Novo Testamento foi
escrito e quase a totalidade de citações feitas pelos autores se referem a ela.

(1) Existe um comentá rio sobre a “Regra de Ouro” feito pelo Rabbi Hilel (o mesmo citado na questã o do
divó rcio) que foi incluı́do no Talmud – b. Shabat 31A, e outro comentá rio feito por Philo de Alexandria. Poré m os dois
autores judeus tem um enfoque negativo enquanto Jesus é o ú nico a mostra-lo de maneira positiva.
(2) Didaquê - 9.5
(3) Bob, Utley - The 1irst christiam premier: Matthew - p.63
(4) Bruce, A.B - Commentary on the synoptic Gospels - p.128
(5) Agostinho de Hipona - Sermão do Monte - p.60
(6) citando 1Co 4.5
(7) Agostinho de Hipona, seguindo o modelo alegó rico de interpretaçã o faz observaçõ es que nos parecem
quase cô micas sobre pedir/buscar/bater em seu livro Sermão do Monte p.72
(8) Joã o Crisó stomo - Homilies on the Gospel of St Matthew, Part I - p.348
(9) Joã o Calvino - Commentary on a harmony of the evangelists, Matthew, Mark and Luke, I - p.349
(10) Stott, J. - The message of the Sermon on the mount (Matthew 5-7): Christian counter-culture - p.184
(11) Glover, R. - A teacher’s commentary on the Gospel of St Matthew - p.70
(12) Jones, M. L - Estudos no sermão do monte - p.438
(13) Stott, J. - The message of the Sermon on the mount (Matthew 5-7): Christian counter-culture - p.177
(14) Maimô nides - Guia dos perplexos - p.48
(15)Granconato, M. - sermão sobre Mateus 7 - http://igrejaredencao.org.br/index.php?
option=com_sermonspeaker&task=singlesermon&id=10322&Itemid=110
(16) Stier, R. - The words of Lord Jesus - p.274
(17) ibid - p.279
(18) Pinto, C.O - Foco e desenvolvimento do Novo Testamento - p.23
(19) C. G. MonteCiore and H. Loewe - A Rabbinic Anthology - p. 200
(20) Jeremias, J. - This book is a translation of Die Bergpredigt, Number 27 in the series "Calwer Hefre" edited
by Theodor Schlatter and published by Calwer Verlag, Stuttgart, in 1959. The English version was Cirst published by The
Athlone Press, London, in 1961, then Fortress Press in 1963. - p.29
(21) Irineu de Lyon - Demonstração da pregação apostólica - p.1
(22) Robertson, A.T. - Word pictures in New Testament - p.63
(23) Tasker, R.V.G - The Gospel according to St Matthew - p.83
(24) Baly, D. - Geography - p.162
(25) Frick, F.S. - Climate of Palestine - p.119-126
(26) Zuck, R. E Walvoord, J. - The bible knowledge commentary - v.2 p.35
(27) Carson, D.A. - "Matthew" In F. E. Gaebelein (Ed.), The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke
- v.8, p.191

159
Mateus 8

Durante os capı́tulos 5, 6 e 7 acompanhamos o discurso de Jesus e ouvimos sobre o


padrã o de vida, justiça e fé esperado naqueles que desejam entrar no seu Reino dos Cé us. A força
daquelas palavras foi tã o grande que: “Quando Jesus acabou de dizer essas coisas, as multidões estavam
maravilhadas com o seu ensino, porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os mestres da
lei.” Agora, nos capı́tulos 8 e 9 nos deparamos com a autenticaçã o do Messias como Deus-Filho o
que o qualiCicava a oferecer o Reino, isso ocorre atravé s de uma coleçã o de relatos miraculosos.
Uma compreensã o quase unâ nime entre os estudiosos é que o Sermã o do Monte revela o poder
nas palavras do Messias e que os capı́tulos 8-9 revelam o poder nos atos do Deus-encarnado.
Atravé s o Sermã o do Monte podemos ver dez mini-mensagens e neste pró ximo trecho
Mateus nos apresenta 10 milagres, mostrando-nos o que Jesus disse e o que Jesus fez. O nú mero
10 é també m importante, uma vez que Mateus formatou seu livro como uma comparaçã o com a
Moisé s; e todos sabemos qual fora a obra mais marcante de Moisé s: os 10 mandamentos. Essa
percepçã o é fragilizada pelo fato dos 7º e 8º milagres estarem agrupados em um ú nico relato. Tal
diCiculdade leva diversos estudiosos a rejeitarem essa comparaçã o, de forma a se referirem ao
trecho de apenas como "os 9 milagres de Jesus".

Dentro do panorama geral do livro, os capı́tulos 8-9 possuem papel fundamental pois
conecta o Sermã o da Montanha e o Envio dos Apó stolos. Uma vez que o Sermã o apresenta a
doutrina e a moral do Reino dos Cé us, e o Envio dos 12 nos mostra a oferta do Reino em plena
açã o, o trecho entre 8-9 descreve a origem do poder dos apó stolos ao demonstrar o poder do
Messias em açã o. Por isso a seçã o de 9.35-11.1 apresenta as duas anteriores em plena açã o.

9.33-11.1
5-7 8-9
A doutrina e o poder
A doutrina do O poder do
do Messias atravé s
Messias Messias
dos Apó stolos

EN notó rio que o apó stolo Mateus formatou seu evangelho na forma de um material
catequé tico, quase que como uma cartilha. Heinz, H.J. aCirmou em um artigo chamado "Mateus
como um interpretador das histórias dos milagres" disse: "Mateus não simplesmente entrega a tradição à
medida que a recebe, mas a reconta."(2) Durante a apresentaçã o da estrutura deste evangelho (p.6)
falamos sobre a maneira como o apó stolo editou seu material no formato de cinco grandes
discursos e de seu objetivo teoló gico de comprovar que Jesus de Nazaré é o Messias prometido; e
aqui, neste trecho entre os capı́tulos 8-9 vemos essa questã o editorial em seu auge. Podemos
dizer isso porque Mateus deliberadamente modiCica a ordem em que esses atos de poder
ocorrem no livro de Marcos (e de Lucas), para assim atingir seu objetivo. Gosto muito do que
disse Dale C. Allison: "é essencial deixar o texto de Mateus falar por si"(3)
Essa liberdade editorial acabou por sacriCicar a linha do tempo e a geograCia dos eventos,
o que pode levar um leitor menos avisado a pensar que todos os eventos ocorreram no espaço de
apenas dois dias. O sentimento de urgê ncia, e o fato dos eventos sempre estarem em movimento
sã o caracterı́sticas marcante de Mateus, vemos isso aplicado aqui pois o apó stolo inicia todos os
relatos atravé s do uso de particı́pios, o que indica uma açã o já concluı́da.

Uma vez que consideramos o texto como Inspirado, e seu autor como um legı́timo

160
apó stolo, o fato dos eventos terem sido rearranjados em nada diminui seu valor teoló gico.
Alguns estudiosos chegaram a propor que a rearranjo dos eventos se deveu a uma "fatiga
editorial" (argumento de Gundry) (4) ou entã o com "escassez no reservató rio de
tradiçõ es" (proposta de Davies e Allison)(5). Infelizmente esses estudiosos, no afã de encontrar
algo que vai alé m do texto, acabam Clertando com a heresia de nã o respeitar a Inspiraçã o do texto,
independente de sua forma Cinal.

Milagre Mateus Marcos ou Lucas


Cura do leproso Mt 8.1-4 Mc 1.40-45
Cura do servo do centurião romano Mt 8.5-13 Lc 7.1-10
Cura da sogra de Pedro Mt 8.14-15 Mc 1.29-31
Diversas curas e libertações Mt 8.16-17 Mc 1.32-34
Silencia a tempestade Mt 8.23-27 Mc 4.35-41
Libertação dos Gadarenos endemoniados Mt 8.28-34 Mc 5.1-20
Cura de um paralítico Mt 9.1-8 Mc 2.1-12
O chamado de Mateus Mt 9.9-13 Mc 2.13-17
Questão do jejum Mt 9.14-17 Mc 2.18-22
Uma filha morta e uma mulher hemorrágica Mt 9.18-26 Mc 5.21-43
Cura de dois homens cegos Mt 9.27-31 Mc 10.46.52 Marcos
fala apenas de um cego.
Cura de um mudo endemoniado Mt 9.32-34 Lc 11.14-16
Jesus percorria as cidades curando e Mt 9.35-38 Mc 6.6
libertando a muitos

Um segundo tó pico que chama atençã o durante os capı́tulos 8-9 é a maneira como
Mateus apresenta os eventos, pois a maneira literá ria padrã o para este tipo de histó ria seria focar
nossa visã o nos eventos em si e nas demonstraçõ es de poder sobre-humanas. Mas nã o é assim
que nosso autor conduz nossa viagem, ao invé s disso ele transfere o piná culo da açã o para a
interaçã o de Jesus com alguma pessoa, principalmente para a conversa entre o Mestre e algum
necessitado.
Você pode perceber esse fato muito facilmente no relato da tempestade. Ali vemos a
natureza em fú ria, os discı́pulos desesperados e Jesus, dormindo; quando tudo parece perdido, e
a morte eminente, acontece a interaçã o entre o Mestre e "os necessitados". Logo em seguida, a
tempestade é silenciada por ele. Assim posto, o auge do drama ocorre na conversa entre os
discı́pulos e Jesus, nã o no evento que vem depois, ou seja, em fazer a tempestade se calar. Held,
H.J.(6) apontou 4 caracterı́sticas comuns nesses relatos:
.

• O reduçã o do elemento descritivo e o predomı́nio das expressõ es formais,


principalmente no inı́cio e no Cinal.
• A exclusã o de todas as pessoas secundá rias e açõ es secundá rias. [Entendo esse ponto,
mas nã o concordo plenamente em todos os momentos]
• O signiCicado crescente da conversa entre o necessitado e Jesus.
• O papel da fé , que se desenvolve na conversa.

Como é bom saber que Deus se importa com as pessoas. Nã o apenas de modo Cigurado
ou Cilosó Cico, mas em açõ es reais como Cica evidente nos eventos relatados neste trecho do
evangelho.
O foco de Jesus era sempre as pessoas, fossem elas israelitas, samaritanas ou
estrangeiras (comumente chamadas de "gentios"). Apesar da oferta do Reino, inicialmente ser
feita apenas aos judeus, o cuidado do Cristo sempre foi relacionado a todos que o procuravam; e
mesmo durante o evangelho veremos o foco da pregaçã o se expandindo até "os conCins da Terra".
Jesus residia em uma regiã o popularmente chamada de "Galilé ia dos Gentios" o que já
demonstra o cará ter multicultural de sua populaçã o. Logo abaixo iremos vê -lo ajudando a judeus,

161
romanos, gadarenos criadores de porcos, enCim, toda especie de gentios que existiam por ali.
Resumindo, ele sempre foi o deus Emanuel. "e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que
quer dizer: Deus conosco)." Mt 1.23

O trilema de C.S.Lewis
Originalmente publicada em 1846, por Mark Hopkins, essa questão foi popularizada por
C.S.Lewis (autor de livro como As crônicas de Nárnia), que em seu livro "Cristianismo puro e simples"
diz:
“Eu estou aqui tentando prevenir que alguém diga algo realmente idiota, do tipo que pessoas
usualmente dizem a respeito dEle: “Eu estou pronto para aceitar Jesus como um grande mestre de
moral, mas eu não aceito a sua afirmação de ser Deus”. Isso é uma coisa que nós não podemos dizer.
Um homem que era apenas um homem e que disse o tipo de coisas que Jesus disse não seria
um grande mestre de moral. Ou ele seria um lunático - ao nível com o homem que diz ser um ovo
poché - ou então ele seria o diabo do inferno. Você precisa fazer a sua escolha. Ou esse homem foi,
e é, o Filho de Deus, ou então um homem louco ou algo pior. Você pode tê-lo por um tolo, você pode
cuspir nele e matá-lo como um demônio ou você pode cair aos seus pés e chamá-lo Senhor e Deus,
mas não vamos vir com nenhuma bobagem paternalista sobre ele ser um grande mestre humano. Ele
não deixou isso aberto para nós. Ele não intencionava isso. ... Agora me parece óbvio que Ele não era
nem um lunático nem um demônio: e consequentemente, por mais estranho ou assustador ou
improvável que possa parecer, eu tenho de aceitar a visão de que Ele era e é Deus."
.

Essa é uma maneira pedagó gica de nos levar a uma conclusã o: Jesus é o resultado do que
ele disse e do que ele fez. Porque o que Jesus fez autentica o que Jesus disse e o que Jesus disse
autentica que ele é . No inı́cio conhecemos o Rei, depois a plataforma de governo do Rei e agora
iremos conhecer o poder do Rei.

Analisemos agora o formato escolhido e seu porque.


Sempre que encontro essas combinaçõ es de relatos imagino um grande boxeador que
disfere sequê ncias de golpes em oponente. Encontraremos aqui trê s sequê ncias de trê s milagres
(quatro no inı́cio na ú ltima sequê ncia) Veja como Cica um esboço dos capı́tulos 8 e 9:

• 8.2-4 A cura de um leproso


• 8.5-13 Cura do criado do centurião
• 8.14-15 Cura da sogra de Pedro

• 8.16-17 Transição 1 Explicaçã o teoló gica - porque Jesus realizara aqueles milagres
• 8.18-22 Transição 2 - Dois propensos discı́pulos. (Este texto contrastará com 9.9-13)
• .
• 8.23-27 O senhor acalma a tempestade
• 8.28-34 A cura de dois endemoninhados gadarenos
• 9.1-8 A cura de um paralítico em Cafarnaum
• .
• 9.9-13 Transição 3 - Um discı́pulo imprová vel é chamado por Jesus. O chamado de Mateus
• 9.14-17 Transição 4 - porque os discı́pulos de Jesus nã o se abstinham de comer
• .
• 9.18-26 Cura da mulher impura e cura da dilha de Jairo
• 9.27-31 A cura de dois cegos
• 9.32-34 A cura de um endemoninhado
• .
• 9.35-38 Transição até o próximo grande sermão

A estrutura geral é até fá cil de ser percebida, poré m alguns pontos podem e devem ser
ressaltadas sobre o modo como Mateus optou em agrupa-los.

162
O primeiro aspecto a analisarmos é o fato de termos 3 grupos de relatos no texto.
Conforme analisado na pá gina anterior sabemos que eles foram organizados de maneira temá tica
e nã o cronoló gica, mas resta a questã o de porque o apó stolo escolheu o formato trino. Confesso
que já ouvi pastor dizendo que o intuito era representar o Pai, o Filho e o Espı́rito Santo, mas é
obvio que nã o é essa a questã o aqui. O razã o mais prová vel aqui é que Mateus seguiu um modelo
clá ssico de exposiçã o centrado em trê s pontos, muito parecido com o esboço de uma exposiçã o
dominical. Dessa maneira, seus ouvintes poderiam se recordar com mais facilidade sobre o que
era dito durante a pregaçã o.

O segundo, e mais complexo, aspecto é entender o porque de cada relato ter sido
agrupado dessa maneira, ou seja, qual a relaçã o entre os milagres em cada um dos trê s grupos e
qual a relaçã o entre esse mesmos grupos. Analisemos cada grupo mais de perto:
.

1. Reconhecimento de sua autoridade pelas pessoas - O leproso se curva, o centuriã o


implora e aCirma que apenas uma palavra de Jesus era suCiciente, e por Cim a sogra de
Pedro "passou a servi-lo".
2. Reconhecimento de sua autoridade pelo mundo natural e sobrenatural - Uma
violenta tempestade se cala diante de sua palavra de autoridade (reforçando o que o
centuriã o havia dito pouco acima), os demô nios veem até ele para aCirmar sua
autoridade sobre eles, e no ato mais divino de todos, o Messias revela sua autoridade
para perdoar os pecados.
3. Reconhecimento de sua autoridade pela sociedade - A mulher reconhece que
apenas em toca-lo seria curada, o que reforça a ideia do pai da menina de que havia
poder em Jesus. Apó s curar a menina "a fama deste acontecimento correu por toda aquela
terra." em seguida os cegos, que agora enxergam, "divulgaram-lhe a fama por toda aquela
terra.". E por ú ltimo, mas nã o menos importante, "E, expelido o demônio, falou o mudo; e as
multidões se admiravam, dizendo: Jamais se viu tal coisa em Israel!"

Reconhecimento de sua autoridade pelos inimigos - Este trecho nã o cabe na


estrutura de 3 conjuntos apresentada pelo autor, mas pode ser percebida na conclusã o do
capı́tulo, pois Mateus fez questã o de registrar o que os fariseus pensavam sobre tudo isso: "Mas os
fariseus murmuravam: Pelo maioral dos demônios é que expele os demônios." Era plenamente impossı́vel
negar os atos de Jesus, o Cristo, e até seus mais ferrenhos desafetos sabiam disso. Por isso os
fariseus em um nı́tido sinal de despeito (aquela inveja incontrolá vel e cheia de maldade)
tentavam dizer que era pelo poder do maligno que tais coisas estavam ocorrendo.

Por essas razõ es Mateus incluiu em seu texto trechos de narrativa, para mostrar atravé s
de atos autoridade que Jesus mostrava em seus discursos. Domı́nio sobre as doenças, sobre
espı́ritos imundos e sobre a natureza; dessa maneira podemos conhecer sua soberania sobre o
Reino Natural (Clora, fauna e clima), sobre o Reino Humano e sobre o Reino Sobrenatural (anjos e
demô nios). No evangelho sã o descritos 35 milagres realizados por Jesus, e com exceçã o de um ou
dois, o foco é sempre a teologia envolvida e nã o o modo como o fato ocorreu. A variedade dos
milagres revela que nã o existe limite ou fronteira para o que Jesus pode fazer, aCinal ele é Deus
inCinito.

Existe ainda outro aspecto a ser revelado: a compaixã o. Muitas das curas que Jesus
realizou foram motivadas por sua compaixã o por pessoas que estavam sofrendo tremendamente.
Algumas sofreram durante a vida toda! E Mateus faz questã o de nos mostrar o Messias tendo
sentimentos humanos, o que se evidencia em desejo de tocar as pessoas e no modo como ele se
importa com os demais.

v.1 A descida do monte. Lembre-se que seguindo o tema de “Jesus o segundo doador da
Lei” o fato de descreve-lo descendo do monte é muito signiCicativo, pois lembrava a descida de
Moisé s do monte; sendo que para o povo Judeu esse ato representava sua concretizaçã o como
naçã o.

A trilogia de ensinos que vem a seguir visa aCirmar a autoridade divina que havia em
Jesus, a quem chamavam de Cristo. No primeiro relato o leproso se curva diante dele, no segundo

163
relato o poderoso oCicial romano reconhece a autoridade nas palavras dele e por ú ltimo, a sogra
do discı́pulo ao ser curada levanta e o serve.

v.1-4 O leproso se curva diante do Senhor


Imediatamente apó s ao termino do sermã o, uma grande multidã o de pessoas cercava
Jesus; aCinal, apó s ouvirem um discurso com tamanha autoridade, todos estavam espantados. Tal
cena torna ainda mais ousada a atitude do leproso, já que tais pessoas eram proibidas de se
misturarem aos demais. ConCiram Levı́tico 13.45-46 "Quem 1icar leproso, apresentando quaisquer
desses sintomas, usará roupas rasgadas, andará descabelado, cobrirá a parte inferior do rosto e gritará:
‘Impuro! Impuro!’ Enquanto tiver a doença, estará impuro. Viverá separado, fora do acampamento".
v.2 καὶ ἰδοὺ O texto se inicia a maneira mateana, ou seja, com um "e de repente..." Pena
que as traduçõ es para o portuguê s ignorem estas palavras iniciais apenas com a desculpa de
buscarem uma maior Cluidez no texto. Mateus sem idou nã o é Mateus.
"Um leproso aproximou-se de Jesus, ajoelhou-se diante dele" Acredito que o tema desta
passagem esteja inserido nessa frase inicial, principalmente na palavra προσεκυŒ νει a qual muitas
vezes é traduzida por "adorou", mas que poderia ser melhor explicada como "prostrou-se em um
ato de reverê ncia. Como é bem possı́vel que aquele homem nã o estivesse a Jesus como Deus
naquele momento, aCinal ele seria apedrejado caso Cizesse isso, parece-me que o leproso se
curvou diante do Mestre como algué m que se curvaria diante de uma pessoa de grande
autoridade.
"se quiseres, podes puri1icar-me" O homem, de alguma maneira dribla toda a multidã o
aproxima-se dele e ajoelha, em um ato que demonstra reconhecimento da autoridade da pessoa
que estava adiante dele. Existe certa discussã o entre os estudiosos no tocante a consciê ncia do
mendigo em relaçã o a divindade do Messias, embora todos concordem que ele se curvou por
admitir a importâ ncia de quem estava a sua frente. Jesus entã o realiza algo tã o ousado quanto,
ele toca no leproso, e em seguida diz uma das frases mais lindas do evangelho: “Eu quero, seja
limpo”.
v.3 "Imediatamente ele foi puri1icado da lepra." Essa nota editorial de Mateus també m é
notó ria em seu texto, e será utilizada novamente na pró xima narrativa. Sua funçã o estilı́stica e
enfatizar o acontecimento.
Implicação teológica: O Mestre podia apenas ter dado uma palavra, mas preferiu tocar
no homem leproso. Isso demonstra a vontade divina de vir ao nosso encontro, apesar de nossa
lepra espiritual chamada "pecado".
A lepra era considerada uma doença ligada ao pecado, e apenas Deus podia puriCicá -la.
Quando Jesus diz “eu quero” ele assume o lugar de Deus, e provando que era realmente Deus, o
homem Cicou curado.
O Mestre vai alé m e orienta ao homem a nã o contar a ningué m antes de se apresentar ao
sacerdote e oferecer os sacrifı́cios deCinidos na Lei. ConCira Lv 14.2-32. O motivo é que alé m de
cumprir a Lei, Jesus queria que o sacerdote comprovasse que Deus havia curado aquele homem,
aCinal apenas o Senhor poderia fazê -lo. Assim sendo, o sacerdote estaria comprovando que Jesus
era Deus, uma vez que foi Jesus quem curou o homem.

v.5-13 A autoridade nas palavras de Jesus.


Este acontecimento ocorreu em um momento posterior ao primeiro, assim devemos
compreender uma continuidade no relato, mas nã o de maneira imediata. Que pessoa especial era
esse Centuriã o, podemos saber disso devido as atitudes que ele tomou. Primeiro ele foi até Jesus,
sendo que como lı́der de um exé rcito dominante ele poderia ter mandado algué m trazê -lo a força.
Segundo porque ele se importava com um servo que estava sofrendo, o que era tã o raro quanto.
Terceiro porque ele demonstrou uma fé nunca antes vista, tã o grande era sua fé que deixou o
pró prio Jesus abismado. A atitude do Centuriã o ao dizer: “Diga apenas uma palavra e meu servo será
curado”, nos remete ao Salmo 107.20 “Ele enviou a sua palavra e os curou, e os livrou da morte”.

v.5-6 "Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, um centurião se aproximou dele, suplicando:"


Infelizmente os versı́culos 5-6 foi muito mal traduzido em nossas bı́blias, principalmente no que
diz em sua estrutura. Neste caso a NVI faz um trabalho mais adequado ao manter a estrutura do
versı́culo 6 intacta, começando com και„ λεŒ γων, o qual signiCica “e dizendo”. A traduçã o mais
correta seria:
“v.5 Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, um centurião se aproximou dele suplicando v.6 e dizendo:

164
— Senhor, o meu servo está na minha casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente.”

Καφαρναου„ μ - Kafarnaoú n - Considera-se que estivesse localizada a 4 quilô metros da


nascente do Rio Jordã o, em um local atualmente chamado de Tell Hum. A relevâ ncia dessa cidade
pode ser percebida no fato de haver uma guarniçã o romana instalada lá , e també m pelo relato de
haver uma coletoria de impostos també m, conforme descrito em Mt 9.9 “Partindo Jesus dali, viu um
homem chamado Mateus sentado na coletoria”
A Judeia era um paı́s ocupado pelos romanos, e sua populaçã o em geral era desprezada e
maltratada pelos conquistadores. Dentro da hierarquia dos conquistadores, a posiçã o de
centuriã o era muito importante e respeitada. Esta posiçã o foi introduzida no exé rcito romano
durante a reforma mariana, por volta de 107a.C.; e nem sempre implicava que o oCicial liderava
apenas 100 homens, sendo que o termo centuriã o era usado també m ao comandante de uma
coorte inteira, o que equivale a um batalhã o moderno inteiro (algo que variava entre 600 e 800
soldados + servos). Entã o a posiçã o daquele homem podia ser muito mais signiCicativa do que
normalmente se pensa. Levando isso tudo em conta, quã o admirá vel é a preocupaçã o daquele
homem com seu servo, e mais incrı́vel ainda o fato dele pró prio ter vindo pedir ajuda ao projeta
galileu.
v.7 “E disse para ele:
— Eu irei curá-lo"
EN importante reparar que grande parte das traduçõ es insere a palavra “Jesus” no inı́cio
da frase, mesmo que esse vocá bulo nã o exista no texto grego. Pode ser boa a intençã o dos
tradutores, mas ainda assim é errada.
v.8 "Mas o centuriã o respondeu:
— Senhor, nã o sou digno de recebê -lo em minha casa."
A fé do soldado já havia sido suCiciente para convencer o Mestre a ir até o servo dele para
curá -lo, mas aparentemente a fé daquele homem era ainda maior do que isso.
Muito interessante a resposta do centuriã o, ου† κ ει†μι„ ι¡κανο„ ς - ouk eimı́ ikanó s, a qual é
traduzido por “nã o sou digno”, pois essas mesmas palavras foram empregado por Joã o, o
batizador, lá no capı́tulo 3.11. Estaria Mateus buscando uma maneira de reaCirmar a dignidade de
Jesus ao mostrar pessoas de fé legı́tima, como Joã o e o Centuriã o, nã o ousando se aproximar
demais do Mestre? Me parece que sim.

O ú nico verdadeiramente
digno Ap 5.12

Jesus
“e nó s o reputá vamos por
aClito, ferido de Deus e
oprimido.” Is 53.4


Nã o sou digno

João Batista
Centurião
“Em verdade vos digo: entre “Em verdade lhes digo que nem
os nascidos de mulher, mesmo em Israel encontrei fé
ningué m apareceu maior do como esta.” Mt 8.10
que Joã o Batista” Mt 11.11

165
O centuriã o possuı́a uma consciê ncia espiritual elevada por isso sabia que seus há bitos
de vida e sua religiã o pagã nã o eram dignos da presença do Senhor. Durante seu ministé rio
terreno, por diversas vezes Jesus fora acusado por se aproximar de prostitutas, cobradores de
impostos e outras pessoas pouco estimadas pela sociedade judaica, entã o porque o centuriã o se
incomodou tanto com o desejo do Senhor de ir até a casa dele? Ao revelar a pecaminosidade
daquele homem, Mateus cria um contraste em relaçã o a santidade de Jesus. E tudo vai se
somando a narrativa e nos encaminhando ao grande ensinamento do texto que se encontra no
pró ximo versı́culo.
v.9 "Pois eu também sou homem sujeito à autoridade" Temos a tendê ncia de lembrar dessa
passagem por causa de grande fé do oCicial romano, poré m nã o é esse o ponto principal do
ensino. O ensino está registrado no livro para nos ensinar sobre a autoridade divina de Jesus.
v.10 ε† θαυŒ μασεν - ethaumasen Maravilhou-se. Este é o verbo aplicado por Mateus o qual
descreve a reaçã o do Mestre diante daquela atitude, sendo este o ú nico momento no relato do
evangelho em que Jesus é descrito como maravilhado por algo. A percepçã o que que este
acontecimento é algo singular e extremo se avoluma com a frase proferida por Jesus: ΑŸμη„ ν λεŒ γω
υ¡ μῖν - Amen lé go hymin - “Em verdade vos digo” O autor utiliza uma construçã o sem paralelos da
literatura grega que é aplicar o “amém” para iniciar uma sentença. E a razã o para isso é traduzir do
aramaico uma aCirmativa extremamente forte, poré m sem paralelos usais no grego Koiné .
α† νακλιθηŒ σονται - anaklithesontai Esta palavra, cuja raiz descreve o ato de se reclinar ou
se encostar, aqui é utilizada para descrever o ato de se achegar a mesa para uma refeiçã o. O
estudo da hermenê utica nos permite saber que naquele perı́odo nã o haviam cadeiras na sala de
jantar, e sim algo mais parecido com uma espreguiçadeira (ou um divã de psicó logo), onde as
pessoas sentava muitas vezes uma encostando nas outras. Isso demonstra um certo nı́vel de
intimidade entre os que compartilhavam a refeiçã o.
v.11 “Digo a vocês que muitos virão do Oriente e do Ocidente” Essa expressã o equivale a dizer
que viriam pessoas de todos os extremos do mundo. “e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e
Jacó no reino dos céus.” Vemos aqui a cena de uma celebraçã o, mas nã o qualquer cena, trata-se de
uma banquete junto a personagens importantı́ssimos para o povo judeu: os Patriarcas.
v.12 Devido a falta de fé por parte do povo escolhido, muitos gentios viriam para a
comunhã o com os santos enquanto à queles que tinham o direito de nascença a entrar no reino
(os judeus) o estavam rejeitando. Isso se evidê ncia nas frase "Mas os súditos do Reino serão lançados
para fora" Claro que os "sú ditos" expulsos do reino sã o aqueles que nã o receberam a Jesus como
seu salvador, e nunca algué m verdadeiramente convertido. Essa condenaçã o faz parte de um
inclusio entre o relato da fé do centuriã o e a demonstraçã o da autoridade divina da parte de Jesus.
Existe um peso gramatical enorme aqui, pois o emprego do artigos deCinido ο¡ , antes de
“choro” (ο¡ κλαυθμο„ ς) e antes de “ranger” (ο¡ βρυγμο„ ς), demonstra quã o intensa é a descriçã o do
drama sentido pelos rejeitados.(10)
v.13 Mateus nos leva novamente ao centuriã o, e agora vemos o Senhor o abençoando "Vá!
Como você creu, assim lhe acontecerá" E por ú ltimo encontramos um detalhe editorial muito
caracterı́stico de Mateus, "Na mesma hora o seu servo foi curado." Esta frase é o modo do autor
enfatizar a autoridade messiâ nica.
Implicação teológica: Mateus se utiliza da voz do Centuriã o para provar, à sua audiê ncia
judaica, que Jesus possuı́a uma autoridade vinda dos cé us. Entremeado a essa liçã o principal,
somos informados sobre o ato de fé ı́mpar do centuriã o romano, e també m aprendemos que dos
gentios viram pessoas com fé superior a dos judeus e que estes se assentariam a mesa com os
patriarcas; enquanto aqueles que deveriam estar a mesa, seriam jogados nas trevas. Vemos um
relato desse momento futuro em Ap 19.5-9 "Então veio do trono uma voz, conclamando: "Louvem o
nosso Deus, todos vocês, seus servos, vocês que o temem, tanto pequenos como grandes! "Então ouvi algo
semelhante ao som de uma grande multidão, como o estrondo de muitas águas e fortes trovões, que bradava:
"Aleluia! pois reina o Senhor, o nosso Deus, o Todo-poderoso. Regozijemo-nos! Vamos nos alegrar e dar-lhe
glória! Pois chegou a hora do casamento do Cordeiro, e a sua noiva já se aprontou. Foi-lhe dado para vestir-se
linho 1ino, brilhante e puro". O linho 1ino são os atos justos dos santos. E o anjo me disse: "Escreva: Felizes os
convidados para o banquete do casamento do Cordeiro! " E acrescentou: "Estas são as palavras verdadeiras de
Deus"."

166
Questão textual v.10 (παρʼ ου† δενι„ τοσαυŒ την πιŒστιν ε† ν τῷ ΙŸσραη„ λ ευÍ ρον) Existe uma
pequenas variaçã o textual relativa a este versı́culo, pois enquanto alguns manuscritos muito
antigos dizem “Encontrei uma fé tão grande com ninguém em Israel” outros manuscritos antigo,
somados aos registros posteriores dizem “Não encontrei uma fé tão grande, nem mesmo em Israel” Nã o
é uma grande mudança teoló gica, apenas destaco que a primeira variaçã o relaciona-se
diretamente com o povo de “Israel”, enquanto a segundo utiliza o termo “Israel” como deCiniçã o
da á rea geográ Cica.

Apenas como curiosidade uma legiã o romana contava com 09 coortes e uma coorte com 06 centú rias. Imagem retirada do
site www.romanoimperio.com (acessado em 27/08/2019)

v.14-15 A sogra de Pedro serve a Jesus


Aqui vemos Mateus utilizando sua té cnica “cinematográ Cica”, pois no versı́culo 1 ele nos
mostra o Mestre ao ar livre, descendo do monte, no versı́culo 5 Jesus entra na cidade, agora, no
versı́culo 14 temos uma cena mais intimista com Jesus dentro da casa de Pedro. Estas transiçõ es
de cena, quando percebidas pelo leitor, tornam o livro de Mateus muito mais atraente a leitura.
v.14 Enquanto o primeiro homem arrisca sua vida para se aproximar de Jesus e se
ajoelhar diante dele, e o segundo homem arrisca seu prestı́gio e posiçã o militar ao vir pedir ajuda
ao Mestre, essa mulher nã o faz nada. Ela nã o demonstra nenhuma atitude de fé , na verdade ela
sequer se levanta da cama para falar com Jesus. Por outro lado Jesus també m nã o realiza nada
anormal, nã o ora, nã o envia uma palavra; ele apenas a toca na mã o. Você nã o Cica intrigado com a
brevidade desse relato?
Na passagem anterior Mateus detalha tanto a conversa de Jesus com o Centuriã o, e o
mesmo acontecerá com o leproso; mas agora parece que faltou tempo para ele detalhar o
acontecido com aquela senhora. Bem, conhecendo o modo como o apó stolo escreve e a maneira
como ele usa o recurso de luz e sombra para nos trazer a verdade do ensino, o ú nico ponto que
podemos focar no texto é na atitude da mulher. "Então ela se levantou e passou a servi-lo." O texto
inspirado centraliza a açã o no fato se levantar e servir o Mestre. Mais nada. Entã o podemos
entender que o autor desejava ressaltar este fato. E Mateus assim o fez para, no contexto dessa
trilogia de ensinos, aCirmar que Jesus de Nazaré possui tamanha autoridade que ele era digno de
ser servido plenamente.
Implicação teológica: Jesus possui autoridade plena e merece ser servido. Seja para
curar algo impossı́vel, no caso da lepra, ou algo ordiná rio, como a febre da mulher, podemos
sempre contar com Jesus.


Este versı́culo, aqui no Brasil, é a fonte da piadinha mais conhecida envolvendo temas
bı́blicos. Ela diz o seguinte:
- Você sabe por que Pedro negou a Jesus?

167
- Nã o. Por que?
- Porque Jesus curou a sogra dele. Kkkkkk

v.16-17 Apó s tocar na mã o daquela senhora e a curar, vemos uma passagem de tempo, de
modo que em seguida vemos os acontecimentos daquela noite. E novamente encontramos Jesus
curando os enfermos e libertando os endemoniados; poré m dessa vez o relato de Mateus é mais
gené rico. Parece que este relato faz o papel literá rio de uma recapitulaçã o da trilogia inteira e
serve també m como transiçã o para o relato seguinte. "Ele expulsou esses espíritos impuros com uma
simples ordem" Repare como novamente o autor foca na autoridade das palavras do Senhor e "curou
todos os enfermos." e como seu poder curou "a todos os enfermos"
Implicação teológica: O pró prio autor nos explica a implicaçã o teoló gica dessa
passagem ao relatar que tais acontecimentos eram o cumprimento de Isaı́as 53.4 “Certamente ele
tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós o consideramos
castigado por Deus, por ele atingido e a1ligido.” A citaçã o original de Mateus foi realizada possivelmente
de memó ria, uma vez que nã o corresponde nem a LXX e nem ao texto Massoré tico. Infelizmente
essa passagem nã o signiCica que as doenças que os cristã o enferma serã o curadas. Sinto muito.
Mateus, como escritor do texto inspirado por Deus, reinterpretou aquela passagem, mostrando
seu cumprimento naquele momento; sendo um apó stolo inspirado Mateus podia fazer tal
associaçã o, nó s nã o.

v.18 "Quando Jesus viu a multidão ao seu redor" No versı́culo anterior fomos informados de
que Jesus curava a todos que vinham até ele, entã o porque a multidã o começou a importuna-lo?
Temos a impressã o de que aquelas pessoas vinha em busca apenas de uma cura, ou alı́vio
momentâ neo, e nã o em busca do Reino dos Cé us.
Textualmente falando, esse versı́culo é importante para passarmos por uma mudança
radical de cená rio, assim o tema també m irá mudar.

Questão textual v.15 (διηκοŒ νει αυ† τῷ) Dois manuscritos muito antigos conté m uma
pequena variaçã o do texto que diz “e ela se levantou e começou a servir ele.” enquanto a grande
maioria dos texto posteriores diz “e ela se levantou e começou a servir eles.”. Essa mudança para ser
uma assimilaçã o posterior implantada pelos escribas na busca de harmonizar a passagem com
sua correspondê ncia em Mc 1.31 e Lc 4.39. Uma vez que tais assimilaçõ es sã o encontradas em
outros lugares de do texto atual de Mateus, Cica mais fá cil perceber suas localizaçõ es, em muitos
casos motivadas pelo desejo de balancear artiCicialmente o relato dos evangelhos. Infelizmente
durante alguns sé culos se pensava que a pequenas variaçã o existente entre os relatos de Mateus,
Pedro, Lucas e Joã o fosse um defeito que precisava ser erradicado. Hoje em dia vemos as
variaçõ es como prova da legitimidade dos relatos.

Atravé s dos trê s primeiros registros de milagres relacionados a cura, aprendemos que
Jesus tinha autoridade sobre as doenças.

v.19-22 Dois propensos discípulos vem a Jesus Como que fazendo uma pausa nos
relatos de milagres, Mateus descreve duas pessoas que desejaram, ao menos nominalmente,
seguir a Cristo. Em comum, os candidatos, tem o fato de se oferecerem ao Cristo e també m de,
aparentemente terem o mı́nimo necessá rio para faze-lo. Quero dizer que eles eram judeus,
conheciam as Escrituras e até onde podemos perceber, nã o havia nada que desabonasse suas
condutas. Podemos argumentar sobre a conduta deles ser adequada pois Mateus costuma rotular
os personagens de seu livro, seja para bem ou para mal, mas aqui ele nã o denota nada contra
aqueles dois homens. Eles nã o eram cananeus, ou romanos, ou ladrõ es, ou leprosos.
Normalmente no relato de Mateus, os escribas sã o vistos sob uma luz negativa, poré m aqui o

168
texto é notavelmente neutro. Esse pequeno detalhe é importante para criar o contraste com seu
paralelo que virá pouco adiante, em 9.9-13.
Como grande escritor que era, o apó stolo apresenta uma riqueza de contrastes e
nuanças. Aqui vemos a comparaçã o entre duas atitudes erradas daqueles que pretendem seguir a
Cristo: pressa ao decidir segui-lo e procrastinaçã o, que é o ato de deixar algo para depois.

Adulto e Jovem e
Apressado Sossegado

1. v.19-20 Um mestre da Lei (o apressado): και„ προσελθω„ν ειÍς γραμματευ„ ς - kai


proselthon eis grammateus - A palavra γραμματευ„ ς normalmente é traduzida por
“escriba”, poré m no contexto judaico o escriba era um mestre da lei e nã o apenas um
proCissional especializado na produçã o de documentos. O fato dele ser um “mestre” já
nos indica que nã o se tratava de um jovem, mas ainda assim ele tomou uma atitude
impulsiva e um tanto precipitada. Bem ao estilo exagerado dos fariseus, aquele homem
se ofereceu dizendo: “Mestre, eu te seguirei por onde quer que fores” Essa frase representava
um pedido formal para ser aceito como aluno acadê mico. ΔιδαŒ σκαλε O Escriba chama
Jesus de Professor, o que automaticamente o rebaixava ao nı́vel de aluno e nã o mais
mestre da lei. Neste evangelho, normalmente os que se dirigem ao Senhor como
ΔιδαŒ σκαλε nã o sã o pessoas realmente convertidas; este é o caso aqui, em 12.38, 19.16,
22.16, 24,36. Jesus foi muito direto ao deCinir seu destino futuro, dizendo que ele pró prio
nã o teria repouso, e por consequê ncia aqueles que o seguissem també m nã o. A Cigura de
linguagem que utiliza as raposas e as aves é importante pois estes representavam os
animais mais insigniCicantes na ó tica daquelas pessoas. Ainda assim os animais
desprezados encontrariam algum conforto aqui; ele e os que o seguissem nã o.
Implicação teológica: Aquele atravé s de quem o mundo foi criado, haveria de ser
rejeitado pelo mundo que criou. Aqui vemos a primeira vez que Jesus se auto-intitula
Filho do Homem, um termo que aparece originalmente em Dn 7.13
2. v.21-22 Um outro discípulo (o sossegado): δε„ ε¼ τερος τῶν μαθητῶν - de heteros tom
matheton Muito interessante a frase composto pelo apó stolo, pois ela nos serve bem
textualmente, mas nos deixa com algumas dú vidas em relaçã o ao evento em si. Essa
pequena questã o levou alguns copistas (notoriamente atravé s do Texto Receptus) a fazer
pequenas adiçõ es em certos manuscritos antigos inserindo o αυ† τοῦ na frase. Toda essa
questã o se relaciona ao fato de Mateus ter deixado implı́cito em seu texto que os
discı́pulos eram "dele", neste caso o "dele"se relaciona a Jesus, claro. As traduçõ es mais
acuradas, caso optem por manter o "dele" em seu texto, devem mante-lo entre colchetes.
Deixando a questã o textual de lado, podemos compreender que mesmo na formataçã o
mais simples, Mateus falava de algué m que estava acompanhando os ensinos do Mestre.
Talvez aquele rapaz nã o fosse um membro permanente do grupo, o que contextualizaria
toda a conversa que vem a seguir. Talvez esse contexto pré vio do "outro discı́pulo" tenha
sido trazido à tona pelo anuncio tã o extravagante do escriba. Se algué m que nem fazia
parte dos seguidores do Cristo se dispô s a largar tudo por ele, por que ele, o discı́pulo
nã o devia fazer o mesmo? Pelo fato do discı́pulo ainda estar preocupado em esperar seu
pai morrer, temos uma noçã o de que ele fosse mais novo que o mestre da Lei. Vemos esse
contraste em sua atitude quando disse: “Senhor, deixa-me primeiro sepultar meu pai” Uma
diferença fundamental ocorre aqui, o que evidencia o rapaz como discı́pulo, ele chama
Jesus de ΚυŒ ριε, ou seja, Senhor; enquanto o escriba o chamou apenas de ΔιδαŒ σκαλε,
professor. Talvez o jovem discı́pulo estivesse fazendo mençã o ao chamado de Eliseu,
conforme descrito em 1Rs 19.19-21 "Então Elias saiu de lá e encontrou Eliseu, 1ilho de Safate.

169
Ele estava arando com doze parelhas de bois, e estava conduzindo a décima-segunda parelha. Elias o
alcançou e lançou a sua capa sobre ele. Eliseu deixou os bois e correu atrás de Elias. "Deixa-me dar
um beijo de despedida em meu pai e minha mãe", disse, "e então irei contigo. " "Vá e volte", respondeu
Elias, "pelo que lhe 1iz. "E Eliseu voltou, apanhou a sua parelha de bois e os matou. Queimou o
equipamento de arar para cozinhar a carne e a deu ao povo, e eles comeram. Depois partiu com Elias,
e se tornou o seu auxiliar." Jesus nã o foi menos direto ao lidar com ele quando disse: “Siga-
me, e deixe os mortos sepultarem os seus próprios mortos”.. Lembre-se que para os judeus
daquele tempo as passagens do Antigo Testamento eram muito vividas e presentes em
suas vidas, por isso tantas passagens fazem conexã o com textos mais antigos, seja direta
ou indiretamente. Existe uma diferença fundamental nos dois chamados, Elias esperou,
Jesus nã o; talvez porque no caso de Eliseu seu pedido fosse legı́timo e no caso do jovem
rapaz, apenas uma maneira de deixar o seu chamado para um momento posterior, neste
caso apó s a morte de seu pai. També m é possı́vel notar uma diferença entre a autoridade
do profeta e a autoridade do Messias-Deus, isso se faz notó rio quando Jesus diz
ΑŸκολουŒ θει μοι "Siga-me". O verbo está no modo imperativo, ativo e no tempo presente, o
que deCine uma ordem enfá tica e imediata. Implicação teológica: Uma mishnáh judaica
dizia que o ú nico fato que podia impedir um homem de cumprir suas obrigaçõ es
religiosas era enterrar um parente seu. A hipoté tica situaçã o de luto, conhecida por
shiv'ah, envolveria muitas outras pessoas, mais ou menos como o descrito no capı́tulo
9.23. Aqui Mateus mostra que Jesus tinha autoridade maior que a tradiçã o judaica e
maior do que Elias.

v.23 Nó s tendemos a pensar que tanto o Escriba quanto o outro discı́pulo desistiram
de seguir a Jesus apó s as pesadas consideraçõ es que ele fez; entretanto o texto sagrado nã o diz
nada a esse respeito. EN mais fá cil postular que o mestre da Lei arrefeceu seu â nimo, pois nunca
mais ouvimos falar de algué m como ele entre a comitiva do Messias, poré m contra o "outro
discı́pulo" nã o temos nada. Talvez esteja neste versı́culo uma resposta inserida por Mateus,
quando ele diz: "Entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram." EN bem possı́vel que o apó stolo
Mateus deseje comunicar a ideia que os apenas os discı́pulos de verdade o seguiram até o barco.

O Filho do Homem
Jesus escolheu para si essa designação, não havia profecias a esse respeito. Esse nome
sempre foi utilizado no Antigo Testamento para ser referir a pessoas, veja Sl 8.4 “pergunto: Que é o
homem, para que com ele te importes? E o 1ilho do homem, para que com ele te preocupes? Ez 2.1 “Ele me
disse: "Filho do homem, 1ique de pé, que eu vou falar com você" Apenas em Dn 7.13 "Na minha visão à noite,
vi alguém semelhante a um 1ilho de um homem, vindo com as nuvens dos céus. Ele se aproximou do ancião e foi
conduzido à sua presença.” é aqui que o termo passa a ter um contorno divino. Talvez seja a palavra que
melhor defina a união hipostática, que representas as duas naturezas de Jesus: 100% homem e 100%
Deus. Também era uma denominação que não invocava uma ameaça político-militar aos dominadores
romanos, e assim evitava um confronto. Em Mateus este termo aparece 29 vezes, daí podemos ver
sua importância.

Conforme o livro vai se desenrolando é importante nã o perdermos de vista alguns


princı́pios importantes:

1. Objetivo do livro Mateus escreveu seu livro para provar que Jesus de Nazaré é o Messias
prometido no Antigo Testamento.
2. Método utilizado O autor formatou sua obra fazendo uma comparaçã o entre Jesus e
Moisé s. Assim temos 5 grandes discursos contrastando com os 5 livros da Torah.
3. Instrumento preferido O instrumento mais utilizado por Mateus sã o referê ncias do
Antigo Testamento as quais ele mostra sendo cumpridas em Jesus

O autor nunca intencionou que seu livro fosse algo chato de se ler; aCinal isso é coisa de
teó logo escrevendo comentá rio bı́blico. Por isso, Mateus utiliza um diverso arsenal literá rio,

170
pausas, digressõ es, aCirmaçõ es, assı́ndotos (para acelerar o texto), entre outros.
Como a parte fundamental do ensino está contida nos discursos, neles Mateus permite
demonstrar todo o tempo do mundo. EN quase possı́vel sentir o cheiro da grama ou imaginar as
pessoas comendo do pã o multiplicado. Nos trechos de narrativa (aquela parte entre os discursos)
o ritmo é frené tico, diminuı́do apenas por algumas citaçõ es de cumprimento do AT.
Podemos sentir o ritmo á gil no trecho entre Mt 8.1 e Mt 8.34, ele quase nos faz perder o
fô lego. Em grego é utilizado uma conjunçã o ló gica transicional chamada de que em nossa lı́ngua
cumpre o papel da palavra “quando”. Infelizmente nenhuma traduçã o em portuguê s respeita essa
velocidade. Caso você tenha diCiculdade de ler o texto em sua lı́ngua original, indico a versã o em
inglê s NIV (New International Version) para acompanhar a intençã o original do autor. Repare nos
seguintes versı́culos e a palavra utilizada para iniciá -los:

• 8.1 - de “Quando Jesus desceu do monte …”


• 8.5 – de “Quando Jesus entrou em Cafarnaum …”
• 8.10 – de “Quando Jesus ouviu isso …”
• 8.13 – kai “Então, Jesus disse…” Aqui vemos um exemplo da pausa, quase como um platô em
meio a uma subida ı́ngrime; nossa ú nica chance de respirar até chegarmos ao topo.
• 8.14 – kai “Então (ou Quando) Jesus entrou na casa de Pedro.” No versı́culo 13 temos o inı́cio da
pausa e aqui o Cinal. (a NIV traduz por “quando” o que é possı́vel també m. Veja Strong’s
number 2532)
• 8.16 – de “Quando a noite veio…”
• 8.18 – de “Quando Jesus viu a multidão…”
• 8.23 – kai “Então ele entrou no barco…” Ufa! Agora podemos descansar um pouco. Ou nã o,
aCinal vem tempestade por aı́.
• 8.28 – de “Quando ele chegou do outro lado…”

Agora precisamos desacelerar um pouco e retornar ao estudo dedicado de cada


passagem. Temos uma viagem de barco a fazer.
Seguindo o relato inspirado do Evangelho segundo Mateus, chegamos agora a uma nova
trilogia de milagres. Lembrando que esta é a segunda, de trê s, trilogias contidas neste trecho que
estamos estudando agora; o qual se inicia em 8.1 e segue até 9.38

Quadro de Rembrandt “Christ in the Storm on the Sea of Galilee”

171
v.24-27 Jesus acalma a tempestade
Jesus e seus discı́pulos entraram em um barco com destino ao outro lado do Mar da
Galilé ia, para a regiã o dos Gadarenos. Mateus utiliza novamente o recurso do idou, que signiCica
“de repente” ou “subitamente”, e dessa forma procura causar um impacto no leitor.

v.24 Temos a impressã o que o tempo estava bom quando o grupo entrou no barco, por
isso o autor frisa que “De repente, uma violenta tempestade abateu-se sobre o mar, de forma que as ondas
inundavam o barco.”. Nã o se tratava de uma chuva forte, nem mesmo uma tempestade ordiná ria, o
autor descreve a tempestade como sendo um terremoto muito grande, em grego σεισμὸς μέγας -
seismos megas, uma utilizaçã o muito incomum para estas palavras. O estudioso Franz, G.
pesquisou a fundo como as tempestades se formam naquela regiã o e acima que o evento mais
comum é uma tempestade de ventos fortı́ssimos, poré m sem raiz e sem chuva torrencial. Neste
caso especı́Cico seria uma tempestade de ventos de inverno, as quais se originas nas colinas de
Golan e chegam seja viso algum. Diz Franz, G.: "Tais tempestades de vento vêm do leste, originadas nas
colinas de Golan, ao contrário das tempestades (de chuva) que vêm do oeste ou do norte. Devido à natureza de
como as tempestades se desenvolvem, é altamente improvável que os discípulos tenham sido pegos em uma
tempestade de chuva."(1) Pescadores experientes jamais teriam embarcado caso uma tempestade
forte estivesse se formando no horizonte. Uma chave para conCirmar essa explicaçã o de encontra
no versı́culo 27 "Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem". Talvez isso explique o porque do
evangelista ter utilizado uma expressã o tã o incomum para um evento usual.
Da maneira como a frase é construı́da, sentimos os acontecimentos se passando
rapidamente, muito concatenados um ao outro. A sequê ncia é : 1) Tempo bom, 2) Tempo ruim, 3)
Ondas fortes, e 4) Barco sendo inundado. Ou seja, tudo mudou repentinamente.
αυ† το„ ς δε„ ε† καŒ θευδεν - autos de eká theuden "Ele porém, dormia" O primeiro ponto a
destacar é que o texto inspirado descreve o sujeito da açã o apenas como "ele". Claro que Mateus
se refere a Jesus, mas é errado algumas traduçõ es inserirem o nome de Jesus no lugar da palavra
"ele". A construçã o da frase pelo autor també m é muito caracterı́stica. Aqui ele descreve o
problema, e, no intuito de enfatizar a açã o de Jesus, Mateus o resume ao má ximo. Dessa maneira o
contraste aumenta e o suspense també m. O contraste aqui está entre o mar agitado e o tranquilo
repouso do Senhor. EN quase como que se Mateus desejasse mostrar uma diferença absurda entre
as duas cenas.
Para qualquer ouvinte habituado com o Antigo Testamento a histó ria de um profeta
dormindo no barco, enquanto uma tempestade ameaçava a vida de todos a bordo,
automaticamente seria conectada com a de Jonas e sua malfadada fuga. Aproveitando-se disso,
Mateus insere um ensinamento implı́cito, pois em Jonas é o SENHOR que provoca e també m
acalma a tempestade, e aqui Jesus, que é o pró prio Deus-Filho fará o mesmo.
v.25 "E aproximando-se dele, o acordaram dizendo:" O texto grego mais aceito nã o conté m a
descriçã o de que os "discı́pulos" foram acordá -lo, mas apenas um sujeito oculto. Essa variaçã o
ocorre apenas em manuscritos mais recentes tais como C2, K, L, ƒ13 e nã o é reconhecida como
mateana autentica.
També m é muito singular como ele descreve os discı́pulos pedindo ajuda a Jesus: ΚυŒ ριε,
σῶσον α† πολλυŒ μεθα - Kyrie sozo apollymetha O texto na lı́ngua original mostra um desespero tã o
imenso, tã o urgente, que aqueles homens sequer puderam formular uma frase inteira.
Traduzindo o texto literalmente Cicaria mais ou menos assim: “Senhor, salva! (sendo) destruído” O
desespero se concentra no verbo sozo, que está no tempo aoristo, ativo imperativo e no modo
imperativo. Nã o havia tempo para amenidades, gentilezas ou qualquer forma de comunicaçã o
mais elaborada ou encô mio. Para os homens naquele barco a destruiçã o era eminente. Lembre-se
que muitos dos discı́pulos eram pescadores, ainda assim a tempestade foi tã o terrı́vel que mesmo
eles se desesperaram.
v.26 "Por que vocês estão com tanto medo, homens de pequena fé" Pelo tamanho da resposta do
Mestre, onde houve até espaço para uma dura repreensã o, percebemos que a situaçã o nã o era tã o
urgente para Jesus. ο† λιγοŒ πιστοι - oligopistoi A expressã o "pequena fé " utilizada pelo Senhor em
relaçã o aos desesperados apó stolos nos remete imediatamente ao texto do centuriã o romano
onde ele ressalta a τοσαυŒ την πιŒστιν "tamanha fé " daquele gentio.
Para o Senhor de toda a criaçã o, a tempestade nada mais era que um instrumento para
que sua divindade fosse ressaltada. Mateus nã o relata o que Jesus fez apó s a tempestade ser
acalmada, mas sempre me estimulou a imaginaçã o pensar no Mestre voltando para o canto do

172
barco e dormindo novamente. γαληŒ νη μεγαŒ λη - galene megále Como resultado da intervençã o
divina houve "grande calmaria" o que contrasta com o σεισμο„ ς μεŒ γας - seismos megas "grande
terremoto n'á gua" do versı́culo 24.
Implicação teológica: Dois pontos sã o muito importantes. Primeiro, Jesus tem
autoridade sobre toda a natureza; segundo, ele é 100% Deus provando isso ao dominar a
tempestade e é 100% humano e provou isso ao dormir para descansar. També m existe uma
conexã o com o Sl 93.4 que diz: “mais poderoso que o bramido das grandes ondas, do que os poderosos
vagalhões do mar”. DiCicilmente uma passagem do Antigo Testamento poderia ser tã o apropriado a
esta passagem, e que reforça novamente a tese do autor de que Jesus é o Messias-Deus. També m
vale destacar o contraste entre a fé dos discı́pulos Mt 8.26 “homens de pequena fé” e a fé do
Centuriã o Mt 8.10 "Não encontrei em Israel ninguém com tamanha fé", relatada um pouco antes dessa
passagem. Um gentio com fé monumental gera a sombra contra os apó stolos judeus.

v.28-34 A libertação de dois endemoniados


Passada a tempestade, Jesus e seus discı́pulos chegaram ao seu destino. Aqui precisamos
observar dois detalhes textuais:
1. Tradução: O original diz: “Kay autou elthontos”, que em portuguê s seria “E, ele chegou”. Em
nossa lı́ngua a traduçã o que melhor preserva o original é a ACR (Almeida Corrigida e
Revisada).
2. Variação textual v.28: Γαδαρηνῶν - Gadarenon - O lugar onde ele chegaram possui
nomes divergentes em alguns manuscritos, entre eles: Gadarenos, Gergesenos(11) ou
Gerasenos (possivelmente uma tentativa de harmonizar com Lc 8.26)(7). Entretanto a
leitura mais antiga, e em maior nú mero, defende Gadarenos como o correto. Alguns
chegaram a questionar essa primazia postulando que Gadara Cicava a uns 8 quilô metros
de distâ ncia do Mar da Galilé ia. Tal percepçã o é errô nea já que existem evidê ncias
arqueoló gicas mostrando moedas de Gadara com barcos estampados nelas(9); some-se o
relato de Josefo(8) que descreve o territó rio da cidade se estendendo até o litoral. Quando
Marcos e Lucas dizem Gerasa (a moderna Kersa), eles podem estar se referindo a uma
pequena vila dentro do territó rio de Gadara.
3. Variação textual v.31: Enquanto alguns manuscritos dizem “manda-nos entrar naquela
manada de porcos” (α† ποŒ στειλον η¡ μᾶ ς ει†ς) outros manuscritos també m antigos dizem
“permita-nos entrar naquela manada de porcos” (ε† πιŒτρεψον η¡ μῖν α† πελθεῖν). A questã o é a
imperatividade da açã o, como no primeiro caso, ou a passividade, no segundo caso. Para
complicar um pouco mais o tema, o evangelista Marcos escreveu “manda-nos” divergindo
de Lucas que descreveu “permita-nos”. Mais uma vez a multiplicidade de relatos atesta a
veracidade do fato; e teologicamente mostrar que ainda que sob permissã o do Senhor, os
demô nios estavam sob suas ordens.

Dois homens possessos por demô nios vieram até Jesus e o ele os liberta, permitindo (ou
ordenando) que os espı́ritos malignos entrassem em uma manada de porcos. Talvez a atitude
mais surpreendente tenha vindo dos porcos, que nã o aceitaram ser possuı́dos pelos demô nios. EN
importante lembrar que para os judeus o porco era o animal mais nojento que existia, o que
ressalta a malignidade dos demô nios. (cf Lv 11.7 “E o porco, embora tenha casco fendido e dividido em
duas unhas, não rumina; considerem-no impuro.”) Ao vermos a pró xima atitude relatada, dessa vez a
dos habitantes da cidade, percebemos que muita coisa estava errada. Nos lugares por onde Jesus
passava, e realizava seus discursos e obras miraculosas, grandes multidõ es o cercavam em busca
de algum sinal. Naquela cidade a reaçã o foi outra, eles se demonstraram mais preocupados com o
valor Cinanceiro dos porcos do que com o Messias podia fazer por eles.
Essa mesma passagem é descrita també m em Marcos 5.1-20 e Lucas 8.26-39.
Implicação teológica: Jesus era capaz de, nã o somente trazer a cura fı́sica, mas també m
uma libertaçã o espiritual aos necessitados e oprimidos. Os demô nios e todo o mundo espiritual
reconhecem e obedecem a autoridade de Jesus Cristo. Existe també m uma pequena nota
escatoló gica no fato dos demô nios terem medo que Jesus os destruı́ssem antes do tempo
esperado (assim aprendemos que os demô nios serã o destruı́dos um dia, algo que era iné dito para
os judeus); alé m de mostrar que os demô nios nã o sã o oniscientes, uma vez que apenas o Pai sabe
o dia e a hora. O “devido tempo” a qual os demô nios se referem no versı́culo 9 é possivelmente o
descrito em Ap 20.7-10 “Quando terminarem os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá para
enganar as nações que estão nos quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, a 1im de reuni-las para a batalha.

173
Seu número é como a areia do mar. As nações marcharam por toda a super1ície da terra e cercaram o
acampamento dos santos, a cidade amada; mas um fogo desceu do céu e as devorou. O diabo, que as enganava,
foi lançado no lago de fogo que arde com enxofre, onde já haviam sido lançados a besta e o falso profeta. Eles
serão atormentados dia e noite, para todo o sempre.”.

Mateus apresenta suas testemunhas


No trecho que lemos acima, Mateus descreve dois homens, enquanto Marcos e Lucas falam
de apenas um (cf. Mc 5.1 e Lc 8.26). O mesmo ocorre na passagem do cego de Jericó (cf. Mt 20.28,
Mc 10.46 e Lc 18.35). Um a possível solução para a questão, lembrando que Mateus escreve para os
judeus, é a regra da testemunha (cf. Nm 35.30, Dt 17.6 e Mt 18.16). Para cumprir essa norma, eram
necessárias duas pessoas para comprovar um fato diante da corte.

(1) Franz, G. - What Type of Storms Did Jesus Calm: Wind or Rain? In B. J. Beitzel & K. A. Lyle (Eds.), Lexham
Geographic Commentary on the Gospels (p. 177).
(2) Held, J.H. - "Matthew as interpretar of the miracule stories" - p.165
(3) Davis, W.D. e Allison, D.C. - "Matthew 1-7". ICC - p.2
(4)Gundry, R.H. - "Matthew: A Commentary on His Handbook for a Mixed Church under Persecution," 2nd ed. -
p.10.
(5) Davis, W. D & D. C. Allison - "Matthew 1-7". ICC - p.71.
(6) Held, H.J. - “Matthew as Interpreter,” - p.225
(7) Metzger, B. - Textual Commentary - p.18–19
(8) Josefo, F. - Life - 42 [9]
(9) Schü rer. E. - A History of the Jewish People in the Time of Christ - 2:132-136
(10) Turner, - Syntax - p.173
(11) Possivelmente tenha surgido mediante ao esforço de Orı́genes em defender essa hipó tese. cf.Baarda, Tj. -
“Gadarenes, Gerasenes, Gergesenes and the Diatessaron traditions” em Neotestamentica es Semitica, in honor of Metthew
Black - p.181-197

174
Grupos religiosos no tempo de Jesus
É incorreto imaginar o judaísmo como um grupo único e coeso de pessoas; pelo
contrário, eles eram muito fragmentados em seu modo de viver e em como viam seu papel
no mundo e na cultura, que os cercavam à época. A começar pela questão religiosa, onde
havia uma distinção nítida entre o judaísmo do templo e o judaísmo da sinagoga. A força
da sinagoga vem do tempo do exílio babilônico, onde ele se tornou a única maneira do um
judeu piedoso exercer sua religiosidade e aprender sobre as Escrituras. Já o poder do
Templo vinha da religiosidade ritual, de sua pompa cerimonial e da necessidade dos judeus
subirem a Jerusalém em festas específicas.

O grupo representante da religiosidade da sinagoga é o dos Fariseus (herdeiros


filosóficos dos hasidim, aqueles que lutaram contra a helenização durante a revolta dos
Macabeus). Por terem surgido como um movimento contrário aos costumes estrangeiros
(originalmente gregos) é que eles reverenciavam tanto as aparências externas e a tradição
oral de seus antepassados. Infelizmente eles se perderam em algum ponto do caminho e
começaram a valorizar mais a tradição humana do que a revelação divina. Ainda que
cressem em termos muito próximos aos nossos como por exemplo a predestinação, a
ressurreição e a vinda do Messias, foram os mais ferozes opositores de Jesus durante seu
ministério terreno. Eram muito populares e numerosos, seus membros vinham das classes
mais baixas da sociedade e encontravam naquelas práticas uma espécie de ascensão
social entre seus compatriotas.

No outro extremo estavam os Saduceus, compostos pelo crème de la crème da


sociedade, algo semelhante ao que existe entre os religiosos católicos do Vaticano (com
sua riqueza e pompa). Sobre os saduceus, Josefo afirmou: “Eles só atraem os ricos; o
povo não está ao seu lado”(1) Uma diferença socioeconômica tão absurda levava a uma
religiosidade distorcida, ao ponto deles aceitarem apenas a Torah, não crerem em anjos e
demônios, nem na imortalidade da alma. Na prática, seu único objetivo era se manter no
poder usufruindo dos recursos financeiros oriundos das atividades do Templo. Por isso
odiavam tanto a Jesus, que era contra ao ganho no templo, defendia uma vida pós-morte
e por diversas vezes falou sobre “destruir o templo e reergue-lo em três dias”.
Havia ainda um terceiro grupo, ou movimento religioso, chamado de Essênios, os
quais eram ainda mais radicais que os anteriores. É possível que eles tenham se derivado
dos hasidim, assim como foram os fariseus.(2) Pregavam uma separação total da sociedade
em geral, uma vida ascética (com banhos rituais, jejuns e penitencias) e viviam em
comunidades herméticas e pregavam fortemente a eminência messiânica. João Batista
apresentava muitas características deste grupo, mas não podemos defini-lo como um de
seus membros. Até mesmo Jesus, ao se retirar para uma caverna por 40 dias e 40 noites,
se alinhava em alguns pontos com os essênios; e nem poderia ser diferente, afinal Jesus é
o verdadeiro Messias. É bem provável que as cavernas de Qumran representem os
vestígios de um desses grupos essênios.

Dentro do espectro sócio-político também haviam grupos contrastante, os quais


sano citados no Novo Testamento. Os Herodianos, tradicionalmente considerados como
uma milícia armada a serviço de Herodes Antipas(3) a qual suportava ativa e militarmente a
ocupação romana; assim favorecendo o reinado fantoche de Antipas. Este se opuseram a
Jesus, primeiro na Galiléia e depois em Jerusalém, principalmente por receio dele romper a
tênue paz com os romanos (que permitia a Antipas se manter no poder).

O outro lado da moeda é representado pelos Zelotes, que formavam um secto


agressivo contra os romanos, chegando ao ponto de cometerem assassinatos e atentados
terroristas. Este comportamento os levou a serem chamado de Sicarii (homens de adagas,
em latin), sobre isso Jesus falará a Simão, o Zelote, durante os eventos no Getsêmani (Lc
22.50-51). Dados históricos revelam que um censo da Galiléia ordenado por Roma em 6
dC estimulou os zelotes a reunir a população ao descumprimento, alegando que o acordo
era um reconhecimento implícito pelos judeus do direito dos pagãos de governar sua
nação.(4) Foram eles também fundamentais na resistência final dos judeus em Masada (73
dC) onde cometeram suicídio coletivo para não serem capturados vivos pelos romanos.

(1) Josefo, F. - Antiguidades dos judeus - 13.10.6

(2) Lasor, W.S. - The dead sea scrolls, em The expositor’s bible commentary - p.398-399

(3) Jerônimo - Milites Herodes


(4) https://www.britannica.com/topic/Zealot acessado em 20/09/2021

175
Mateus 9

v.1-8 A cura e o perdão do homem paralítico


v.1 "Entrando Jesus num barco, passou para o outro lado e foi para a sua própria cidade."
Existe um pequeno detalhe neste versı́culo inicial, que pode gerar alguma dú vida no
leitor casual da Escritura, aCinal, Mateus relata que o Mestre fora "para a sua pró pria cidade". O
problema é que Jesus era de Nazaré , nã o Cafarnaum, entã o, como justiCicar essa informaçã o?
Bem, caso você analise o ministé rio do Senhor naquela regiã o irá s perceber que a Vila de Naum
(Cafar Naum) servia como base do trabalho evangelı́stico na regiã o do Mar da Galilé ia. O
abandono de Nazaré ocorreu em Mt 4.12 logo apó s o assassinato de Joã o, o Batizador; por isso
Mateus permite-se chama-la como "sua pró pria cidade". O pró prio apó stolo aCirma que essa
mudança aconteceu para cumprir uma profecia de Isaı́as. Veja mais a respeito no estudo co
capı́tulo 4.
v.3 “Mas alguns escribas diziam entre si:
— Ele está blasfemando.”
A aCirmaçã o dos γραμματεŒ ων - grammateon, os seja, escribas, tem conexã o com Is 43.25
“Eu, eu mesmo, sou o que apago as suas transgressões por amor de mim; dos pecados que você cometeu não me
lembro” E, em grande medida eles estavam corretos, pois ningué m, alé m de Deus, pode perdoar
falhas cometidas contra o pró prio Deus.
Dentre tantos relatos das curas que Jesus realizou, talvez esse seja o de maior conteú do
teoló gico; nã o pela cura do paralı́tico em si, aCinal o Mestre já havia curado muitos outros com o
mesmo tipo de enfermidade, mas pelo que foi dito ao homem. Certamente devemos ressaltar a fé
do paralı́tico e també m daqueles que o carregaram na maca e, apó s o barco atracar no porto, o
levaram até Jesus; poré m nã o é esse o cerne da passagem.
O crı́tico da passagem é o jogo de palavras que Jesus faz com os escribas, os quais eram
os mestres das palavras. O Mestre divino pergunta: “Que é mais fácil dizer: ‘Os seus pecados estão
perdoados’, ou: ‘Levante-se e ande’?” Lembre-se de que os fatos realizados por Cristo comprovam os
discursos que ele proferiu anteriormente. Os escribas diziam que apenas o SENHOR podia
perdoar pecados, o que traz inda mais peso à s palavras de Jesus. Para encerrar o assunto Jesus
diz: “Mas, para que vocês saibam que o Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados" —
disse ao paralítico: "Levante-se, pegue a sua maca e vá para casa". Aqui está o trocadilho. Ao mandar o
homem levantar, por consequê ncia ele també m estava perdoando os pecados dele. EN muito lindo
podermos conhecer a mente de Cristo em açã o.
v.8 “Vendo isto, as multidões, possuídas de temor” O termo ε† φοβηŒ θησαν - efobethesan,
representa medo real e concreto, por isso nã o devemos entender a expressã o como sendo um
sentimento respeitoso, mas sim, pavor.
“deram gló ria a Deus, que tinha dado tal autoridade aos homens.” Esta ú ltima frase é també m
um tanto desaCiadora, aCinal a que se referiam as multidõ es? O poder concedido estava
relacionado ao “Filho do Homem”, assim englobando a “autoridade aos homens” ou seria essa
uma frase escatoló gica relacionada a Igreja? Ainda que ambas as possibilidades sejam vá lidas, e
de forma alguma auto-excludentes, preCiro a segunda opçã o, principalmente pelo respaldo que Mt
16.19 e Mt 18.18 trazem a questã o.
Implicação teológica: Nã o há ningué m melhor que o pró prio Jesus para explicar essa
verdade: “Mas, para que vocês saibam que o Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados”.
O raciocı́nio apresenta a seguinte ordem ló gica: 1) apenas Deus pode perdoar pecados, 2) apenas
Deus poderia curar o paralı́tico, 3) Jesus cura o paralı́tico, portanto 4) Cica implı́cita a aCirmaçã o
de que Jesus é Deus.

Apó s mais trê s relatos de milagre (sobre a natureza, sobre os demô nios e sobre o pecado,
o autor nos oferece outra pausa, dessa vez relatando seu pró prio chamado.

176
v.9-13 O chamado de Mateus
v.9 “Quando Jesus saiu dali, viu um homem chamado Mateus sentado na coletoria e lhe disse:
— Siga-me!”
O autor inicia a passagem com mais um kai, e assim nos mostra um Cluxo continuo de
acontecimentos. Apó s curar o para lı́tico, Jesus, saiu daquele lugar e passou por um posto de
coleta de impostos. Em um paı́s, dominado por um exé rcito estrangeiro, um lugar como aquele
conseguia ser muito impopular; assim como os que trabalhavam lá . Os coletores de impostos
eram muitas vezes considerados traidores e pessoas indignas, uma vez que pressionavam o povo
comum a pagar taxas impostas pelos conquistadores.
Ao ver o homem chamado Mattaios, ou em portuguê s Mateus, Jesus o chama ao estilo dos
rabinos daquela é poca: “Siga-me”. EN o mesmo chamado que vemos em Mt 4.19; e novamente
vemos que o chamado do Mestre é irresistı́vel. “Ele se levantou e o seguiu.” Sem se importar com os
riscos que corria ao abandonar seu posto na Coletoria, Mateus deixou tudo e o seguiu.
O fato de Lucas e Marcos o designarem como Levi, que parece ser um nome de famı́lia,
apenas traz mais detalhes ao personagem.
v.10 “Estando Jesus reclinado à mesa, na casa de Mateus. E eis que, muitos publicanos e pecadores
vieram e foram se reclinando à mesa com Jesus e os seus discípulos” EN importante frisar que o texto grego
nã o traz as palavras “de Mateus”, as quais sã o muito comuns em nossas traduçõ es. Claro que pelo
contexto é quase certo que o evento ocorresse na casa de Mateus Levi. Assim como mediante o
emprego de mais um και„ ι†δου„ Mateus adiciona uma cota de surpresa no relato, deixando-nos com
a impressã o de que as pessoas foram chegando sem que Jesus, e seus alunos, esperassem por
isso.
O, recé m convocado, discı́pulo organizou um jantar em sua casa, talvez para oCicializar
sua exoneraçã o da Coletoria de Impostos. O cará ter solene é reforçado pela presença de os outros
coletores estarem presentes ao evento. Repare como o mesmo ocorreu com Zaqueu, outro coletor
de impostos, em Lc 19. Uma interessante informaçã o sobre Mateus é -nos contada por Clemente
de Alexandria (metade do sé culo II), o qual o descreve “um rigoroso asceta, que sobreviva a base de
ervas e sementes, sem nunca comer carne”(3) Caso aceitemos essa informaçã o, veremos uma mudança
radical no modo de vida do ex-publicano.
v.11 “Vendo isto, os fariseus perguntavam aos discípulos de Jesus:
— Por que o Mestre de vocês come com os publicanos e pecadores?”
Se na passagem anterior os Escribas questionavam a Jesus sobre suas aCirmaçõ es, agora
sã o os Fariseus que criticavam o Mestre por suas atitudes. Notemos que os fariseus se dirigem,
aos discı́pulos, e nã o ao Mestre; talvez fosse um estratagema para constranger os alunos diante
das pessoas presentes.
v.12-13 Concluindo a passagem vemos uma polarizaçã o de idé ias, como Mateus já
apresentou anteriormente, aCinal Jesus veio buscar os doentes (pecadores) e os Fariseus nã o se
consideravam enfermos. Cerca de quatrocentos anos antes, um Cilosofo grego já dizia: “Nem o
médico, que é capaz de devolver a saúde, pratica a sua pro1issão entre os sãos”(2)
“Vão e aprendam” Mais uma vez o enfrentamento com os falsos religiosos nã o passou em
branco. Quã o contundente foi essa frase aos ouvidos do fariseus? Para aqueles que se
consideravam os guias da naçã o, e guardiõ es das tradiçõ es orais, tal aCirmaçã o certamente foi
humilhante. ACinal, como os mestres dos mestres, poderiam nã o saber algo sobre as Escrituras?
Jesus os critica recitando Osé ias 6.6 e condena todo seu sistema religioso baseado em sacrifı́cios
de animais e nã o no amor ao pró ximo. Essa frase se inicia com o verbo no tempo Aoristo
Imperativo, o que demonstra uma ordem, e nã o uma sugestã o. EN uma expressã o utilizada pelos
professores ao dirigirem os estudos de seus aprendizes.
Implicação teológica: As palavras de Jesus explicam tudo: “Não são os que têm saúde que
precisam de médico, mas sim os doentes.” Jesus veio para os necessitados, para aqueles que precisavam
de ajuda e principalmente para os pecadores. Lembre-se do que o anjo disse a José em Mt 1.21: “e
você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados".

v.14-17 A questão do jejum


v.14 “Então os discípulos de João aproximaram-se dele perguntando:
— Por que nós e os fariseus jejuamos muitas vezes, mas os seus discípulos não jejuam?”
Os discı́pulos de Joã o, o batizador, vieram a Jesus com uma pergunta muito vá lida
naquele momento; aCinal eles tinham um mestre, que poré m ensinava que Jesus era o verdadeiro

177
mestre, entã o, qual costume deviam eles seguir.
Haveria neste questionamento algum tipo de animosidade? ACinal sua pergunta segue a
mesma fó rmula empregada pelos fariseus no trecho anterior. Inquirem eles δια„ τιŒ?
Aqueles que seguiam a Joã o Batista já eram considerados pessoas religiosas e com
inclinaçõ es extremistas, basta ver o modo de vida de seu lı́der; també m eram inimigos mortais
dos fariseus, basta lembrar o discurso de Joã o contra eles quando os mesmos quiseram se batizar.
cf.Mt 3.7 Poré m nesse momento os discı́pulos de Joã o se veem em pé de igualdade com os
Fariseus na questã o do jejum e da tradiçã o judaica. Este grupo de discı́pulos continuaria a
padecer com diCiculdades teoló gicas, e a estar distante de igreja, ao menos até At 19.1-7
Para elucidar a questã o, nosso Mestre utiliza a Cigura do noivo e ensina a razã o para se
jejuar: aproximar-se de Deus. Uma vez que Jesus é Deus encarnado, era desnecessá rio que seus
discı́pulos jejuassem; aCinal Deus já está pró ximo a eles. De qualquer forma Jesus contra-ataca
com mais dois exemplos: o vinho novo e o remendo novo.
Implicação teológica EN impossı́vel conciliar Jesus com o judaı́smo, mesmo com aquele
judaı́smo reformado, proposto por Joã o, o batizador. A explicaçã o é que aquela religiã o já estava
tã o corrompida que nã o suportaria os ensinos de Jesus (remendo novo) e era tã o rı́gida, que
arrebentaria com a expansã o que o Cristo estava trazendo (vinho novo). O contraste entre vinho
novo X vinho velho, e remendo novo X roupa velha, demonstram a novidade de vida que o
Messias estava propondo.

Como já era de se esperar, Mateus nos apresenta uma nova sé rie de milagres. Dessa vez
com uma diferença, encontramos 4 milagres agrupados em dois pares; assim perfazendo o
nú mero simbó lico 10 o que faz referê ncia as 10 leis de Moisé s. EN també m interessante o modo
como os eventos sã o agrupados, pois no primeiro grupo temos uma garota e uma mulher
(mostrando que Jesus valorizava as mulheres) e no segundo grupo temos dois cegos e um mudo/
endemoniado (mostrando seu poder sobre as limitaçõ es humanas).

Voltar a vida X Ressuscitar


É importante esclarecermos um conceito técnico aqui, na descrição do trecho a seguir, optei
por utilizar o termo “trazer de volta a vida” ao invés do termo “ressuscitar”. A razão é que a
ressurreição é um evento único, que acontecerá no retorno de Cristo e após o qual receberemos um
corpo novo e incorruptível. No caso da menina, e também em outros eventos semelhantes, os
envolvidos reviveram em seus próprios corpos, e, em algum momento futuro voltaram a morrer.

v.18-26 Enquanto ia trazer de volta a vida uma garota, Jesus cura/puridica uma
mulher, que todos sabiam que estava doente.
O Mestre ainda falava, ou seja, nã o houve intervalo algum entre os acontecimentos. O
autor descreve aqui a ressurreiçã o de uma menina, e insere dentro desse relato um outro
prodı́gio feito em relaçã o à mulher hemorrá gica.Trata-se do relato de um milagre dentro do
relato de outro milagre.
Este trecho da Escritura fala do poder do Messias sobre as impurezas cerimoniais.

Notemos a semelhança com o capı́tulo anterior onde, ao entrar na cidade Jesus foi
procurado por um lı́der militar, o Centuriã o romano, e aqui, ao entrar novamente na cidade, ele é
procurado por outro lı́der, (fosse civil, religioso ou ambos). Ou seja, as autoridades reconheciam o
poder do maior do Messias. Enquanto o militar pede apenas uma palavra, para curar um
paralı́tico, aqui o lı́der pede apenas um toque, para devolver a vida a quem falece.

v.18 "Enquanto ele estava* falando estas coisas a eles, eis que um chefe, aproximando-se" Alguns
pontos devem ser considerados neste versı́culo. O primeiro ponto a ser observado é que o verbo
λαλοῦ ντος - lalountos, traduzido no genitivo como falar, se encontra aqui no tempo presente,
ativo, e é fundamental mante-lo assim, já que sua funçã o é reforçar o encavalamento dos eventos

178
relatados. O verbo estava anotado na frase é inserido para trazer mais clareza em nosso idioma.
Mateus gosta de nos deixar eufó ricos, nã o? Logo em seguida ele insere mais um idou, aqui
traduzido por eis que.

O segundo ponto a reCletirmos é palavra αª ρχων - archō n, ou seja, um lı́der local (a


palavra pode ser traduzida como juiz, autoridade, magistrado, chefe ou oCicial), vem até o Senhor.
O texto grego nã o diz que ele era chefe da sinagoga, por isso falham as traduçõ es que
artiCicialmente inserem essa palavra. EN possı́vel que como o lı́der civil local, Jairo, també m fosse o
lı́der religioso, mas nã o cabe ao tradutor adicionar palavras ao Texto Sagrado. O fundamental é
percebermos que a liderança humana vem até o Messias em busca de socorro
"ajoelhou-se diante dele" O segundo ponto é que tal autoridade se ajoelhou προσεκυŒ νει
perante Jesus, algo que um judeu religioso jamais faria. Este verbo normalmente está associado a
adoraçã o religiosa, ainda que possa ser esporadicamente ao ato de se humilhar perante uma
pessoa muito mais poderosa. Observe como o livro de Daniel, no capı́tulo 3, relata o que
aconteceu com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, os quais foram lançados na fornalha, por se
negarem a ajoelhar perante a estatua do rei. Este era um exemplo muito vı́vido para os judeus. A
palavra grega utilizada na LXX em Dn 3.6 para descrever adoraçã o, é a mesma utilizada por
Mateus aqui: προσκυνηŒ σῃ Essa semelhança de linguagem reforça a ideia de que aquele homem
poderoso se humilhou diante da autoridade de Jesus.
O terceiro ponto é o conteú do do pedido, muito inusitado, uma vez que o homem nã o
pediu para Jesus orar pela menina, mas apenas tocá -la. Essa solicitaçã o parecia surreal, pois um
judeu nã o poderia tocar em um cadá ver, já que isso o tornaria impuro cerimonialmente (Lv
21.2-3). Este é um dos motivos porque na pará bola do Bom Samaritano, nenhum religioso se
dispô s a socorrer o necessitado (cf. Lc 10.25-37). Jesus sabia disso, mas ainda assim aceitou o
pedido, sem contestar ou propor alguma alternativa.
v.19 "Jesus levantou-se e foi com ele, e também os seus discípulos." EN como se Mateus dissesse:
E eu estava lá !

v.20 "Nisso uma mulher" Aqui temos um pequeno Inclusio, ou seja, uma histó ria dentro de
outra histó ria. Poré m, como já sabemos que Mateus escreveu seu livro com um propó sito
teoló gico muito claro, essa histó ria da mulher possui uma funçã o didá tica importante.
Ela sofria a doze anos de uma hemorragia. Bem, parece-nos que nã o era uma hemorragia
tã o grande, ou entã o ela já teria falecido, nã o? A questã o aqui é que essa hemorragia tornava
aquela mulher impura cerimonialmente e a impedia de estar em comunhã o com o restante da
comunidade. Veja como Levı́tico 15.25-30 legisla sobre o assunto: "Quando uma mulher tiver um 1luxo
de sangue por muitos dias fora da sua menstruação normal, ou um 1luxo que continue além desse período, ela
1icará impura enquanto durar o corrimento, como nos dias da sua menstruação. Qualquer cama em que ela se
deitar enquanto continuar o seu 1luxo estará impura, como acontece com a sua cama durante a sua
menstruação, e tudo sobre o que ela se sentar estará impuro, como durante a sua menstruação. Quem tocar em
alguma dessas coisas 1icará impuro; lavará as suas roupas e se banhará com água, e 1icará impuro até à tarde.
"Quando sarar do seu 1luxo, contará sete dias, e depois disso estará pura. No oitavo dia pegará duas rolinhas ou
dois pombinhos e os levará ao sacerdote, à entrada da Tenda do Encontro. O sacerdote sacri1icará um como
oferta pelo pecado e o outro como holocausto, e assim fará propiciação em favor dela, perante o Senhor, devido
à impureza do seu 1luxo." O banho ritual é conhecido como mikveh e é realizado ainda hoje pelas
judias religiosas. Assim percebemos o quã o sofrida era a vida daquela mulher.
A trama se complica com a frase seguinte do texto: "e tocou na borda do seu manto" Para te
explicar o peso do acontecimento preciso voltar a Lei de Moisé s, que diz em Nm 15.37-40 "O
Senhor disse a Moisés: "Diga o seguinte aos israelitas: Façam borlas nas extremidades das suas roupas e
ponham um cordão azul em cada uma delas; façam isso por todas as suas gerações. Quando virem essas borlas
vocês se lembrarão de todos os mandamentos do Senhor, para que lhes obedeçam e não se prostituam nem
sigam as inclinações dos seus corações e dos seus olhos. Assim vocês se lembrarão de obedecer a todos os meus
mandamentos, e para o seu Deus vocês serão um povo consagrado.”" A "borda do manto" que a mulher
tocou nã o era alguma parte aleató ria da vestimenta de Jesus, mas sim a parte mais signiCicativa da
veste de um judeu ortodoxo. Essa franja da roupa é conhecida como tzitzit. Até hoje os judeus
religiosos utilizam um sinto com essas franjas penduradas em sinal de obediê ncia ao texto de
Nú meros, seja atravé s do tallit gadol (um chalé utilizado na sinagoga para as oraçõ es) ou como
tallit katan (na forma de um cinto ou um sobre-tudo especialmente desenhado para carregar os
tzitziyot). Veja como Jesus descreve uma deturpaçã o desta prá tica do uso das franjas, ao criticar
os fariseus, no capı́tulo 23.5 "Eles fazem seus 1ilactérios bem largos e as franjas de suas vestes bem longas".

179
Já no caso da descriçã o Mateus, sua funçã o é reforçar que Jesus seguia adequadamente as normas
da Torah.
Em linhas gerais aquela mulher teria tornado Jesus impuro cerimonialmente, e ele teria
direito de mandar açoita-la por causa do ocorrido. Isso Cica mais claro no texto paralelo de
Marcos 5.30-33 "No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e
perguntou: "Quem tocou em meu manto? "Responderam os seus discípulos: "Vês a multidão aglomerada ao
teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim? ’ "Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem
tinha feito aquilo. Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés
e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade.”"
v.22 "Voltando-se, Jesus a viu e disse: "Ânimo, 1ilha, a sua fé a curou!" E desde aquele instante a
mulher 1icou curada." Aqui vemos detalhes importantes a respeito de nosso Salvador: 1) Ele a
puriCicou ao invé s de ter sido contaminado por ela, 2) ele a tratou com carinho, a chamando de
"Cilha", e 3) ele é Deus.

v.23 No versı́culo 23 temos a continuidade do versı́culo 19 com Jesus, Cinalmente,


chegando a casa do lı́der local. "Viu os 1lautistas e a multidão agitada" essa é uma referê ncia a mú sicos
proCissionais que eram contratados para tocar durante os funerais. Tal costume é descrito em 2Cr
35.25 "Jeremias compôs um cântico de lamento em homenagem a Josias, e até hoje todos os cantores e
cantoras homenageiam Josias com cânticos de lamento. Estes se tornaram uma tradição em Israel e estão
escritos na Coletânea das Lamentações." Já a "multidã o agitada" se refere tanto aos parentes da
falecida quanto a pranteadores proCissionais que també m eram contratados como parte do
cortejo fú nebre. Todos essas detalhes revelam que o veló rio estava em processo avançado.
v.24 "A menina não está morta, mas dorme" Estaria Jesus aCirmando que a garota sofrerá
algum tipo de catalepsia? Parece-nos que nã o. Trata-se de uma Cigura de linguagem empregada
pelo Mestre, talvez um eufemismo. Corrobora com essa concepçã o o fato de "Todos começarem a rir
dele" pois obviamente aquelas pessoas sabiam que a menina estava morta.
v.25 "ele entrou e tomou a menina pela mão, e ela se levantou." Jesus toca na morta, e ela volta a
viver.
Implicação teológica: Jesus puriCica os cerimonialmente impuros, traz de volta a vida os
mortos, e ainda assim cumpria todas as exigê ncias da Lei mosaica.

v.27-34 Dois cegos e um mudo que vale por dois


"Saindo Jesus dali, dois cegos o seguiram" Saindo da casa do chefe da Sinagoga, dois cegos
seguiam Jesus. Note que os cegos η† κολουŒ θησαν ativamente seguiam a Jesus, e isso apesar de sua
obvia deCiciê ncia fı́sica. Eis dois cegos que viam mais que muita gente sã .
"clamando: "Filho de Davi..." O autor nos fornece uma segunda informaçã o fundamental
sobre a atitude dos cegos. Essa aCirmaçã o reforça um dos pontos mais importante de todo o livro
e que está expresso logo no primeiro versı́culo: “Registro da genealogia de Jesus Cristo, 1ilho de Davi,
1ilho de Abraão” Assim o autor reforça seu objetivo de comprovar que Jesus é o Messias prometido
a Israel.

O Mestre toca nos olhos deles e ambos sã o curados.


v.30 “E os olhos deles se abriram.” Esta expressã o ocorre outras vezes no Antigo Testamento,
veja 2Rs 6.17 e Is 35.5; sendo que a primeira referê ncia diz respeito à visã o espiritual e a segunda
referê ncia alude a questõ es fı́sicas.
O sentido mais prová vel do aviso: "Vejam que ninguém saiba!", é que Jesus nã o queria ser
procurado apenas pelos milagres que podia realizar e sim por interesse no Reino dos cé us. Uma
curiosidade textual ocorre aqui, pois a palavra grega Ο¹ρᾶ τε - Horate, possui traduçã o usual como
“Veja”; o que é inusitado ao se referir a duas pessoas que, a um instante atrá s, nã o enxergavam.
Uma vez que o verbo está no Imperativo, sabemos que nã o se tratava de uma orientaçã o geral,
mas sim de uma ordem direta e enfá tica.
Implicação teológica: Jesus nos ensina que receberemos na medida em que crermos:
“Que lhes seja feito segundo a fé que vocês têm! "

v.32-33 "Quando eles saíram, eis que trouxeram a Jesus um mudo endemoniado." Em seguida
trouxeram um homem possuı́do por demô nios e que nã o podia falar; o Mestre o liberta de modo
que pessoa passa a falar normalmente. Note que a palavra grega κωφο„ ν é emprega como mudo
ou surdo em textos antigos, e no Novo Testamento ocorre, apenas nos evangelhos, por 14 vezes
(com o sentido de "mudo", "surdo" ou "incapaz de falar"). E nã o foi só o mudo que começou a

180
falar, repare que nesse momento o autor insere um comentá rio importantı́ssimo feito pelos que
testemunharam o evento: "Nunca se viu assim em Israel!" Aqui pode haver uma implicaçã o
subjacente, a qual serviu de catalizador para a reaçã o dos fariseus no pró ximo versı́culo, pois
quando o povo dizia "nunca se viu" havia a sugestã o de que nem Moisé s fora tã o poderoso diante
da naçã o.
v.34 οι¡ δε„ Φαρισαῖοι εª λεγον - hoí dé farisaioi elegon "E os fariseus estavam dizendo:" EN
importante notar que o verbo elegon se encontra no tempo passado imperfeito ativo do
indicativo, o que demonstra uma açã o sendo executada no passado. Dessa maneira devemos
compreender que eles repetiam essa desculpa por vá rias vezes.
Apesar de tamanha demonstraçã o de poder, os fariseus cometem um crime imperdoá vel:
ao atribuirem a obra realizada por Jesus ao maioral dos demô nios. E eles cometeriam o mesmo
erro por outras duas vezes no livro de Mateus (10.25 e 12.22-37) de forma que nã o haveria a
desculpa de terem dito algo de "cabeça quente". Essa calú nia era constante, sistemá tica e
proposital.
Implicação teológica Atravé s das declaraçõ es do povo, Mateus mostra que o ministé rio
de Jesus já havia superado o de Moisé s. Apó s comparar de uma maneira velada os dois grandes
libertadores do povo judeu, chega-se a um ponto em que Moisé s nã o pode mais acompanhar o
Filho de Deus; nã o por demé rito do ex-prı́ncipe do Egito, mas por mé rito dAquele por quem o
mundo foi criado.
Existe um enredo maior começando no versı́culo 27, pois ali o cego vê , em seguida o
mudo fala e seu demô nio possessor é expelido, enquanto isso os fariseus, que se consideravam os
guias da naçã o e os porta-vozes das tradiçõ es religiosas, nã o conseguem nem ver, nem ouvir a
mensagem divina. E o pior, ao invé s de verem Deus encarnado diante deles, quem eles vem, o
maioral dos demô nios. Mediante este contrastes Mateus nos revela que eram os verdadeiros
endemoniados.

Detalhe textual
Alguns manuscritos da tradiçã o Ocidental nã o conté m o versı́culo 34 em seu registro, o
que levou alguns estudiosos modernos a questionarem se havia sido ele copiado de 11.22-24.
Entretanto, como a maioria das tradiçõ es contenham o versı́culo, e que, se analisado sobre a
perspectiva correta, é perfeitamente reparar que esse comentá rio Cinal serve como contraste para
o trecho inteiro. Assim podemos ter bastante conCiança na autenticidade da passagem.

v.35-38 São poucos os trabalhadores


Este trecho do livro possui uma importâ ncia muito grande. Ele se inicia aqui, Mt 9.35 e
segue por todo o capı́tulo 10. Durante este longo trecho Jesus na fala da falta de trabalhadores,
seleciona e envia os 12 Apó stolos e explica o que eles deviam encontrar pela frente.

v.35 "E percorria Jesus todas as cidades e povoados" Encontramos aqui uma estrutura literá ria
muito pró xima a utilizada no capı́tulo 4.23, a qual cumpre a funçã o de transiçã o na narrativa. O
sentido de movimento é muito importante aqui, e Mateus nos mostra Jesus indo de cidade em
cidade, pregando nas sinagogas e curando as pessoas. Com o intuito de ressaltar esse dinamismo,
o apó stolo faz uso intensivo da conjunçã o kai, e assim manté m os acontecimentos em ritmo
acelerado. Essa conjunçã o é muitas vezes traduzida como “e” sendo utilizada, apenas nos
versı́culos 35 e 36, por cinco vezes. Uma outra palavra que será fundamental para unir os trechos
desta unidade de pensamento é παŒ σας - pásas, a qual traduzimos como "todas". Essa pequena
palavra, empregada como um adjetivo, faz o link entre os Mt 9.35a, 9.35b e 10.1-4 de modo que,
na mente do ouvinte, haja uma maior proximidade entre os apó stolos e o Cristo. A aplicaçã o
prá tica segue a seguinte ordem: 1) Jesus pregava em todas as cidades, 2) Jesus curava todas as
enfermidades e todas as doenças, 3) os apó stolos receberam autoridade para curar todas as
enfermidades e todas as doenças. Ou seja, aqueles doze homens receberam a mesma autoridade
que Jesus possuı́a.
O fato da palavras παŒ σας aparecer antes de "doenças" e "enfermidades" possui a funçã o
de intensiCicar o que está sendo exposto. Assim erram a NVI e a ARA ao suprimirem a expressã o

181
na segunda parte da frase.
Uma ú ltima observaçã o textual: alguns manuscritos posteriores conté m a as palavras
"entre as pessoas" adicionada apó s "curando todas as doenças e todas as enfermidades". Talvez
essa adiçã o posterior seja um esforço do escriba para harmonizar o trecho com Mt 4.23.(1)

Mas nem só de detalhes exegé ticos se faz um livro, vejamos os aspectos mais diretos da
mensagem inspirada. Jesus viu as multidõ es que vinham até ele e se compadeceu delas. A
principio pode nã o parecer, mas essa é uma aCirmaçã o extremamente forte; tanto que aparece
apenas nos evangelhos sinó ticos. Temos a impressã o que o sentimento expresso aqui é tã o forte e
difı́cil de se compreender, que apenas Jesus podia sentir algo dessa intensidade por nó s. O verbo
grego splanchnizomai que é traduzido por “compadecer-se” aparece cinco vezes no livro de
Mateus e todas as vezes descrevendo um forte sentimento de Nosso Senhor. Cf. Mt 9.36, 14.14,
15.32, 18.27 e 20.34. Teologicamente falando, este versı́culo é muito importante pois reaCirma
que nosso Deus é compassivo, ou seja, tem sentimentos em relaçã o à sua criaçã o.
v.36 Duas Ciguras bem conhecidas do povo sã o apresentadas, o pastor de ovelhas (cf. Nm
27.17, 1Rs 22.17 ou Ez 34.1-16) e o agricultor. Notá vel é que nas palavras do Senhor, a colheita já
está pronta, nã o cabendo aos apó stolos plantar, mas sim, apenas colher. Baseado em uma ligaçã o
assim forte com o povo perdido de Israel podemos compreender a continuidade do livro onde o
Mestre diz: “A colheita é abundante, mas os trabalhadores, poucos” (traduçã o direta do texto grego) EN muito
bonita a reproduçã o das palavras de Jesus, onde aparece um forte contraste entre “abundante” e
“poucos”.
v.37 "E, então, se dirigiu a seus discípulos" Aqui se inicia o comissionamento dos doze
apó stolos, o qual prossegue no pró ximo capı́tulo.
Implicação teológica: Existe muito trabalho a ser feito, poré m a parte que cabe a nó s é
orar pedindo e ao Pai cabe enviar os trabalhadores. No trecho a seguir vemos uma aCirmaçã o da
divindade de Cristo, sendo que é ele mesmo que envia os trabalhadores, ou seja, ele é Deus.

Evangelhos sinóticos
Este termo se refere aos três primeiros evangelhos encontrados em nossas bíblias, mais
precisamente: Mateus, Marcos e Lucas. Criado pelo estudioso alemão J.J. Griesbach no final do
século XVIII. O adjetivo “sinótico” é originário da palavra grega “synopsis” e significa “vendo juntos”.
Já que os três primeiros evangelhos possuem muitas semelhanças entre si, o termo “sinótico” é
perfeitamente aceitável; por isso ficou mundialmente aceito.

(1) Alford, H - Alford’s Greek Testament: An Exegetical and Critical Commentary. Descrito em The Lexham Textual
Notes on the Bible.
(2) Dió genes, o Cı́nico - Stobaeus Florilegium - III.462.14
(3) Berkhof, L - Introduction to the New Testament - p.32

182
Mateus 10

Dando continuidade* ao pensamento dos versı́culos 35-38, onde Jesus explana sobre a
carê ncia de mais anunciadores do Reino, o Senhor chama seus doze discı́pulos mais pró ximos e
os comissiona para suprir tal necessidade. Uma vez que os capı́tulos de 5 a 7 apresentam o ensino
de Jesus, e os capı́tulos 8 e 9 detalham suas obras poderosas, chegamos ao momento onde ambos
sã o outorgados a seus doze alunos.

v.1-4 O apostolado dos 12 discípulos


Muita informaçã o pode ser extraı́da desses poucos versı́culos:
1. De Discípulos a Apóstolos “E chamando seus doze discípulos…” No primeiro versı́culo
aqueles que conhecemos como os 12 ainda sã o chamados de Discı́pulos (mathetes em
grego) que signiCica aprendiz; uma posiçã o quase sem importâ ncia, tanto que haviam
muitos outros mathetes antes dessa separaçã o formal. Já no segundo versı́culo, os
mesmos 12 sã o agora denominados Apó stolos o que possui signiCicado de enviado
especial, um arauto que representa aquele que o enviou com os mesmos direitos e a
mesma autoridade. Em pouco espaço de tempo, os 12 foram promovidos, de meros
aprendizes, a ministros oCicias de seu Mestre. Desde que Jesus e todos os judeus de sua
é poca na Palestina falavam aramaico, é bem prová vel que ele tenha usado o termo
aramaico shaliah do verbo “enviar”, que foi traduzido por Mateus e demais autores como
apóstolo (α† ποŒ στολος)(1). "deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir" A
autoridade sobre espı́ritos imundos era direcionada a expulsá -los. Infelizmente vivemos
dias em que falsos pastores deturparam este ensino em nome de um espetá culo de
exorcismos. També m lhes concedeu poder para curar "toda doença e toda enfermidade",
o que nos conecta com a autoridade do pró prio Jesus e com todo o tema iniciado no
capı́tulo nove.
2. A quem foi dada essa autoridade especial: A palavra de Deus é bem clara em deCinir
quem foram as pessoas que receberam esse poder diretamente de Jesus: primeiro a Simão
(também conhecido como Pedro), André (irmão de Simão), Tiago (1ilho de Zebedeu), João (irmão de
Tiago), Felipe, Bartolomeu, Thomas, Mateus (o coletor de impostos), Tiago (1ilho de Alfeu), Tadeu,
Simão (o Zelote) e Judas Iscariotes. Existe uma razã o para que este pequeno grupo de
pessoas recebessem um poder tã o grande: Autenticaçã o da mensagem de seu Mestre,
para uma audiê ncia especı́Cica. Nas escrituras sagradas, vemos um padrã o constante
quando uma nova revelaçã o é trazida por Deus, milagres e sinais grandiosos acontecem.
Foi assim com Moisé s no Egito, foi assim na é poca de Elias e foi assim com Jesus
assumindo o lugar de Joã o, o batizador, agora seria o mesmo com os apó stolos(2). Note
como nosso autor insere um pequeno detalhe ao se referir a Simã o Pedro, diz o texto
πρῶτος - prōtos, traduzido por primeiro; o que revela a preeminê ncia de Pedro sobre os
demais.
3. O modo como são descritos: Repare que Mateus descreve os Doze em pares, o que nos
mostra um relance da maneira como eles atuavam. As duplas eram: os irmã os Pedro e
André , os irmã os Tiago e Joã o, Felipe e Bartolomeu, Thomas e Mateus, o outro Tiago e
Tadeu, e a ú ltima dupla era Simã o, o Zelote e Judas o Iscariote. Até aqui vemos um
recurso literá rio, nessa pequena rima entre o nome dos participantes da ú ltima dupla
descrita que conté m o Zelote e o Iscariote. També m vemos a importâ ncia do vı́nculo
entre as duplas, sendo que os irmã os foram enviados juntos. Nas listas descritivas dos
povos antigos havia uma forte inclinaçã o a inserir os personagens mais importantes no
inı́cio da lista e os mais irrelevantes no Cinal. Talvez esse costume explique o porque
Mateus descreve mais detalhadamente quem sã o os dois ú ltimos integrantes da relaçã o.
Fora esses, apenas um outro apó stolo recebe descriçã o de sua funçã o secular, aquele
chamado Mateus. Acreditamos que esta seja uma pequena pista que este Mateus seja o
mesmo que formatou o livro que estudamos agora.
4. Antecipação do que acontecerá no momento mais importante do livro Ficamos com
a impressã o de que Mateus entrega antecipadamente a principal trama de seu livro: a
traiçã o e cruciCicaçã o do Messias. Veja como ele descreve o ú ltimo integrante da lista: “e

183
Judas Iscariotes, aquele que o traiu”. Poré m já conhecemos a habilidade de escritor de nosso
Mateus, por isso tal hipó tese deve ser descartada. Ao que parece, Mateus queria enfatizar
na mente de seus leitores que Judas era um traidor. Essa atitude nã o é de se estranhar,
uma vez que Mateus foi companheiro de Judas Iscariotes por mais de trê s anos, e devia
sentir muita tristeza em lembrar que por ele o Messias foi traı́do.

*A continuidade é expressa atravé s da conjunçã o kai, e infelizmente, poucas traduçõ es evidenciam esse ponto.
A melhor maneira de compreender essa passagem é ignorar a divisã o de capı́tulo e ler o texto de Mt 9.35-38 e em seguida
Mt 10.1-4, sendo que o trecho só termina em Mt 10.5-15.

Didiculdades relacionadas à lista dos apóstolos


Um detalhes que normalmente passa desapercebido ao leitor da bı́blia é que cada
evangelho apresenta uma lista diferente dos Doze. Essas variaçõ es pertencem a duas categorias, a
primeira relacionada a diferença na ordem dos personagens, e a segunda, ao nome dos mesmos;
o que nos impinge a uma resposta. Vejamos graCicamente essa questã o:

Mt 10.2-4 Mc 3.16-19 Lc 6.13.-16 At 1.13


Simão Pedro Simão Pedro Simão Pedro Simão Pedro
André Tiago André João
Tiago João Tiago Tiago
João André João André
Felipe Felipe Felipe Felipe
Bartolomeu Bartolomeu Bartolomeu Thomas
Thomas Mateus Mateus Bartolomeu
Mateus Thomas Thomas Mateus
Tiago filho de Tiago filho de Tiago filho de Tiago filho de
Alphaeus Alphaeus Alphaeus Alphaeus
Thaddaeus Thaddaeus Simão o Zelote Simão o Zelote
Simon o Simon o Judas irmão Judas irmão
Cananeu Cananeu de Tiago de Tiago
Judas Judas Judas
[Vazio]
Iscariotes Iscariotes Iscariotes

Diferença na ordem de aparição


Um ponto já descrito acima é que Simã o Pedro tem a primazia em todas as quatro listas,
o que nos mostra nã o se tratar de apenas uma questã o estilı́stica, principalmente aqui no
Evangelho de Mateus. Alé m do Pedro, outros quatro apó stolos sã o relacionados exatamente na
mesma ordem: Felipe, Tiago (de Alfeu), e o traidor. Nã o sabemos dizer se havia uma lista oral, ou
algum outro manuscrito anterior, no qual este arcabouço tenha surgido, e posteriormente os
autores inspirados ajustaram as lista aos seus propó sitos; mas essa possibilidade existe e é -nos
muito atraente. Outro aspecto interessante é que Lucas e Atos foram escritos pelo mesmo autor, e
mesmo entre eles existe certa variaçã o na ordem dos nomes.
Espero que as cores que inseri te ajudem na visualizaçã o das posiçõ es de cada um.

184
Diferença nos nomes
Agora chegamos a parte mais complexa do texto, pois, segundo nossa premissa bá sica de
que “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a
educação na justiça, a 1im de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa
obra.” 2Tm 3.16-17 Entã o como explicar o fato de nomes tã o dı́spares serem encontrados nas
listas inspiradas pelo pró prio Deus?
Um ponto muito fá cil de ser percebido é que Lucas e Atos, foram escritos depois de
Marcos e Mateus; o que pode demonstrar uma necessidade posterior da Igreja em distinguir
melhor quem eram aquelas pessoas. Lembre-se que, mesmo para os leitores originais, os que
participaram do evento original, eram pessoas totalmente desconhecidas; o que demandava
maiores esclarecimentos. A fonte histó rica també m é importante, pois dentre os trê s autores
(lembre-se que Lucas e Atos foram escritos pela mesma pessoa) apenas Mateus esteve presente
durante o acontecimento, o que tende a trazer um peso maior ao seu relato. Nã o que isso diminua
os outros dois autores, mas apenas revela que, no momento do envio, a maneira como os
apó stolos eram conhecido era a que consta em seu texto.
Existe um aspecto interessante relacionado ao judaı́smo ortodoxo, que é o fato deles nã o
lidarem bem com nomes, e termos, em lı́ngua estrangeira; e isso limitava seu vocabulá rio
grandemente. Some-se o fato daquele idioma nã o conter vogais, e a diCiculdade na criaçã o de
novas palavras torna-se exponencial. Isso explica o fato de termos dois Simã o, dois Tiago e dois
Judas(?) em uma lista de apenas doze nomes.

Bem resta-nos entã o propor uma soluçã o para essa questã o. Iniciemos entã o pelo outro
Simã o; aquele nã o era Pedro.
ΣιŒμων ο¡ Καναναῖος - Simon, ho Kananaios, traduzido por Simã o, o Cananeu. O termo
“Cananeu” pode ser referir a cidade de Caná da Galilé ia ou a toda a extensã o da Palestina (antiga
Canaan). Ainda que atualmente muitos defendam que o adjetivo “cananeu” fosse derivado do
Aramaico, onde possuı́a a conotaçã o de algué m entusiasta pela terra de Canaan, ou seja, algum
tipo de faná tico.(5) Talvez essa fosse a mesma percepçã o que Lucas tinha do caso, e buscando
eliminar essa diCiculdade de explicaçã o, foi que ele optou por empregar um termo mais
compreensı́vel a quem nunca tivera contato com o Aramaico, daı́ o Zelote.

Θαδδαῖος - Thaddaios, traduzido por Taddeus. Enquanto Lucas o denomina de Judas, de


Tiago; que pode signiCica Cilho, neto ou até mesmo irmã o, de Tiago; nosso autor diz apenas
Taddeus. Nossa explicaçã o nã o é elegante, mas funcional, e baseia-se na simples eliminaçã o de
outras possibilidades para que se trate da mesma pessoa. Ou seja, nã o seria viá vel tentar
substituir algum outro apó stolo por esse Judas de Tiago, apresentado por Lucas, mesmo porque,
todos os demais já constam da lista. O fato de Lucas perceber a diCiculdade que isso traria ao texto
aparece no fato dele incluir o suCixo “de Tiago” para assim diferencia-lo do traidor, mas ainda
assim nã o explica muito. O que pesa contra esse raciocı́nio é complicaçã o adicional que ele traz ao
trocar o nome Taddeus por Judas, apenas para logo em seguida dizer que esse Judas nã o é o Judas
que traiu o mestre.
Devo admitir que nã o temos uma resposta derradeira para essa questã o, e que apenas o
Autor supremo, poderá nos explicar na eternidade. Me sinto confortá vel em propor que, com o
passar do tempo, é possı́vel que Taddeus fosse muito mais reconhecido como Judas de Tiago, do
que como Taddeus, sendo que o mesmo ocorreu com Simã o, que hoje conhecemos apenas como
Pedro.

O SEGUNDO GRANDE DISCURSO DE JESUS (10.5-11.1)

Teach and preach (ensinar e pregar)


O primeiro grande discurso de Jesus recebeu o nome de “O Sermã o do Monte” e assim o
conhecemos hoje. Já os outros quatro sermõ es nã o ganharam nomes tã o marcantes. Ainda que
nã o seja um consenso entre os estudiosos, muitos se referem ao segundo discurso como “A
comissã o dos Doze”; nã o considero esta a melhor deCiniçã o. Creio ser mais abrangente a
descriçã o dada por Mateus em Mt 11.1 (versã o Lexham English Bible): “he went on from there to
teach and to preach in their towns”. Em portuguê s a traduçã o seria “ensinando e pregando”. A

185
razã o para isso é que o envio dos Doze faz parte do “ensinar e pregar” assim como as repreensõ es
que o Mestre faz em seu discurso. ACinal ele fala do resultado negativo que aconteceu no projeto
“Teach and Preach”.

v.5-15 O envio dos 12 apóstolos


Dando sequê ncia a passagem que se iniciou em Mt 9.35, vemos por Cim o Mestre
enviando os 12 para o campo. Nã o cabia a eles escolher a mensagem ou o pú blico que a ouviria,
aCinal eram apenas apó stolos, mensageiros enviados com um propó sito deCinido. Em linhas gerais
a missã o seria um bençã o ou uma maldiçã o para aqueles que a ouvissem.
v.5 Aqui existe um pequeno trocadilho na lı́ngua original, já que a palavra "enviou" que
em grego é α† ποστεŒ λλω - apostellō, vem da mesma raiz que forma a palavra "apó stolo". Assim
reforça-se a ideia de um envio oCicial, principalmente dentro dos cı́rculos judaicos.(4)
.
1. A quem não deveriam pregar: Em quase todos os ensinos de Jesus vemos o aspecto
positivo da açã o ou do pensamento. Por exemplo, se ele fala a respeito de vida/morte o
ensino de Jesus normalmente diz “faça isso e viveras” e nã o “se Cizeres tal coisa
morreras”; poré m aqui a ê nfase é diferente. Dessa maneira vale a pena prestarmos
bastante atençã o na advertê ncia que é feita. O Mestre foi muito objetivo, os 12 nã o
deveriam ir ao encontro dos Gentios** nem dos Samaritanos***. Quando o autor fala de
“Gentios”, ele fala de nó s, uma vez que em sua maioria, a igreja é composta por nã o-
judeus. Nã o é usual se iniciar uma ordem com o que nã o se espera que seja feito, pelo
contrá rio. Assim podemos ver uma forte ê nfase na frase inicial e uma preocupaçã o muito
grande para que nada ocorresse fora do ordenado.
2. A quem foram enviados: Aos perdidos da casa de Israel. Aqueles que Jesus chamou de
ovelhas sem pastor. Aqueles que Cicaram presos entre o legalismo farisaico e o
sincretismo religioso.
3. Qual a mensagem a ser pregada: Uma ú nica mensagem devia ser pregada: “O Reino dos
Céus foi trazido para próximo de vocês” A ordem explı́cita de Jesus nã o envolvia nada
relacionado a teologia da prosperidade, melhora nas relaçõ es familiares ou satisfaçã o
pessoal.
4. A autenticação da mensagem: Assim como acontecia com o Mestre, a operaçã o de
milagres, curas e exorcismos eram uma maneira de autenticar a pregaçã o dos
mensageiros. Veja que até mesmo restaurar a vida aos mortos fazia parte da missã o
daqueles homens.
5. Só é Graça, se é de graça: Tã o linda a expressã o usada por nosso Senhor: “dorean elabete,
dorean dóte” que em nosso portuguê s seria “de graça recebeste, de graça concedam”. A
recomendaçã o de Jesus mostra que nã o se deve cobrar pelo Dom que é de Deus, nã o
nosso.
6. Sem grandes preparações: Os enviados nã o deviam montar uma grande expediçã o, ou
uma caravana, como aquela dos Sá bios que visitaram Jesus, ainda menino, em Belé m. Cf.
Mt2.1-12 A missã o devia ser rá pida, leve, como algo que fazemos quotidianamente; nã o
um evento excepcional. Os enviados deveriam impressionar seus ouvintes com sua
palavras e sinais, nã o com uma vestimenta elaborada. Onde quer que eles fossem haveria
algué m digno e disposto a recebê -los. Disse o Mestre: “Pois o trabalhador é digno de seu
salário” Mostra que os apó stolos nã o deviam esperar ser tratados como mendigos,
recebendo seu sustento como favor, mas com dignidade. Aqui vemos o ensino de Dt 25.4
“Não amordacem o boi enquanto ele debulha o cereal”, que é repetido em 1 Tm 5.8
7. Onde dicar e como se portar: Os apó stolos nã o deviam Cicar indo de casa em casa, mas
sim procurar um lugar receptivo a sua pregaçã o e lá Cicar enquanto durasse a missã o. Ao
entrarem na casa eles devia saudá -la com a Paz do Senhor (Shalon). Se a casa nã o fosse
digna, eles deveriam ir embora, levando a Paz com sigo. O evangelista Joã o descreve uma
cena muito ilustrativa em Jo 20.19, ele relata: “Após ressuscitar Jesus foi ao encontro de seus
discípulos, e ao entrar na casa e se colocar no meio deles disse: Ao cair da tarde daquele primeiro dia
da semana, estando os discípulos reunidos a portas trancadas, por medo dos judeus, Jesus entrou, pôs-
se no meio deles e disse: Paz seja com vocês!”
8. o destino dos que os rejeitassem Em sinal de desprezo, os apó stolos deveriam bater o
pó de suas sandá lias, mostrando nã o querer reter o menor contato com aquele lugar. Seu
destino seria pior do que o das cidades pecadoras da é poca de Abraã o, Sodoma e

186
Gomorra. Cf. Gn 18.20

** Gentios termo utilizado para descrever os povos que não eram judeus

*** Samaritanos povo de origem mista, parte judeu e parte gentio, que habitava a parte norte da Palestina.

v.16-42 O que os 12 deviam esperar durante o trabalho Mateus nos mostra Jesus
enviando seus discı́pulos para um destino que nã o seria diferente do seu pró prio. Podemos
subdividir a descriçã o do envio em quatro partes:

1. v.16-25 Prediçã o a respeito da perseguiçã o


2. v.26-33 Temam a Deus ao invé s das pessoas
3. v.34-39 Nã o vim trazer paz
4. v.40-42 A dignidade dos enviados

v.16-25 Predição a respeito da perseguição
Apó s receberem as diretrizes gerais a respeito do trabalho missioná rio, os apó stolos
ouvem um ensino mais profundo e que reCletiria o futuro do pró prio Mestre. Logo no inı́cio da
frase, encontramos mais um idou, utilizado aqui para chamar atençã o. Em nossa lı́ngua seria o
equivalente a: "Prestem atençã o!" ou "Estejam atentos!" Assim temos uma ê nfase maior no que
Jesus diz a seguir.
Vemos agora um exemplo da poesia Hebraica, com seu paralelismo clá ssico, mais
especiCicamente um caso de Sı́mile. Jesus utiliza quatro animais para ilustrar o destino, e o
comportamento dos discı́pulos. Vemos os apó stolos como sendo uma ovelha (animal frá gil e
vulnerá vel) em meio a lobos (caçadores astutos e crué is), por outro lado, eles deveriam ser
astutos como uma serpente (animal perigoso), mas sem perder a inocê ncia da pomba
(novamente um animal frá gil). Por Cim temos dois pares de animais dó ceis e dois pares de
animais perigosos, um contrastando com o outro.

IMAGEM DOS ANIMAIS

v.17 "E acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas
sinagogas;" Jesus os adverte a respeito da perseguiçã o que sofreriam por parte dos Judeus, sendo
que a lei mosaica lidava com esse tó pico. A acusaçã o contra os apó stolos seria de Mesith, ou seja,
aquele que incita pessoas ou cidades para longe de Deus; tudo isso baseado em Dt 13, sendo a
pena capital prescrita para os que incorressem em tal crime. Os "tribunais" descritos se referem
à s corte religiosas dos judeus, sendo que o Pequeno Siné drio seria a possibilidade mais aceita.
Uma variaçã o importante ocorre, pois a pena para o mesith é o apedrejamento, enquanto o
Mestre fala apenas de "açoites". Sabendo dessa legislaçã o mosaica, podemos compreender muito
melhor o que o Mestre predizia a seu enviados. Veja como existe um espelhamento bem
interessante entre Mt 10.19a + Mt 10.21 e Dt 13.6,9:

.
.

Mt 10.19a + 10.21 Dt 13.6-9


- "e, quando vos entregarem" - "não o pouparás, nem o esconderás"
- "Um irmão entregará à morte outro irmão" - "Se teu irmão, filho de tua mãe"
- "e o pai, ao filho" - "ou teu filho, ou tua filha"
- "filhos haverá que se levantarão contra - "ou a mulher do teu amor, ou teu
seus pais" amigo que amas"
- "e os matarão." - "certamente, o matarás"

187

v.18 Vemos um relance do que aconteceria com o pró prio Senhor, quando ele diz no
versı́culo 18: “Por minha causa vocês serão levados a presença de governadores e reis …” Sendo que em Mt
27.1-2 vemos Jesus sendo levado ao governador romano Pilatos e Lc 23.7-8 relata como pouco
depois ele foi levado até o rei Herodes.
v.19-20 E ainda diante de pessoas tã o poderosas e sofrendo tamanha pressã o, os
enviados nã o deviam se preocupar com o que haveriam de dizer. ACinal, “não serão vocês que estarão
falando, mas o Espírito do Pai de vocês falará por intermédio de vocês”. Que conforto podemos sentir
nessas palavras. Uma vez que em seu ministé rio terreno, Jesus, foi sempre movido pelo Espı́rito
Santo; os apó stolos teriam a mesma direçã o.
v.21 Perseguiçã o por todos os lados. Ainda que guiados em suas atitudes e palavras, nã o
havia garantia de que a mensagem seria bem aceita, pelo contrá rio, como podemos ver na
advertê ncia do Mestre. Haveria perseguiçõ es de todas as partes, fosse dos Fariseus, dos Romanos
ou de pessoas muito pró ximas. Irmã o perseguiria irmã o, pai se levantaria contra Cilho e Cilhos se
levantariam contra seus pais; e isso iria até as ú ltimas consequê ncias.
Aqui encontramos o cumprimento de Miqué ias 7.6 “Pois o 1ilho despreza o pai, a 1ilha se
rebela contra a mãe, a nora, contra a sogra; os inimigos do homem são os seus próprios familiares.”
v.22-23 Perseverança no serviço. Em meio a um cená rio tã o caó tico, Jesus traz uma
palavra de alento: “Aquele que persistir até o 1inal, esse será salvo”. EspeciCicamente nesta passagem, o
Mestre fala de persistir no trabalho de testemunhar, ou em outras palavras, continuar com a
missã o que eles receberam. Ainda assim, a passagem pode ser aplicada para os nossos dias,
mesmo que em um sentido mais amplo. Desde o inı́cio da igreja até hoje, o tema da “perseverança
dos justos” tem sido debatido pelos teó logos cristã os. Agostinho de Hipona, escreveu um dos
primeiros livros a respeito chamado “O dom da perseverança”, ainda no ano de 429 D.C.
v.24-25 Conexã o ı́ntima com o Mestre. Finalizando o ensino, o Mestre apresenta uma
ı́ntima conexã o entre os Apó stolos e ele pró prio; sendo que para nó s, basta nos tornarmos igual a
ele.

v.26-33 Temam a Deus, não as pessoas


A oposiçã o seria tã o sé ria e de certa forma tã o ı́ntima, que Jesus os adverte a nã o temer o
sofrimento fı́sico, nem mesmo a morte. Aqui existe um lembrete de Is 8.12-13 que diz: "Não
chamem conspiração tudo o que esse povo chama conspiração; não temam aquilo que eles temem, nem se
apavorem. Ao Senhor dos Exércitos é que vocês devem considerar santo, a ele é que vocês devem temer, dele é
que vocês devem ter pavor.”

Martinho Luthero, um breve poema(3)


O reformador do século XVI, ao tratar desse tema, nos deixou um breve, porém belo poema:

“Let goods and kindred go,


This mortal life also;
The body they may kill:
God’s truth abideth still;
His kingdom is forever.”

Era chegada a hora dos Apó stolos ensinarem publicamente o que haviam aprendido de
uma maneira privada. O Mestre ilustra a questã o utilizando o exemplo dos Pardais, que eram as
aves mais desprezadas e de menor valor Cinanceiro. Vemos assim uma repetiçã o do que foi
ensinado em Mt 6.25-34, onde aprendemos a nã o estar ansiosos pelo dia seguinte. A diferença é
que agora nã o se falava de teoria mas de sentir na prá tica como o cuidado do Senhor se mostra na
vida de cada um.
v.31 Aqui encontramos outra construçã o clá ssica: do menor para o maior. Dessa maneira
o ensino iniciado no versı́culo 29 tem seu á pice aqui, mostrando que para Deus, os discı́pulos
possuem um grande valor.
v.32-33 Um aviso importante dado pelo pró prio Cristo: quem assumi-lo como Salvador,
perante os homens, será assumido por Jesus diante do Pai. Aquele que negá -lo, será negado, por
ele, perante o Pai.

188
v34-39 Não vim trazer paz
Aqui vemos Jesus utilizando um recurso tradicional da literatura hebraica, a repetiçã o.
Essa era uma maneira de enfatizar algo que estava sendo dito e até hoje em dia é muito utilizada
pelos judeus. Repare que o Cinal do versı́culo 34 se repete: “Não pensem que vim trazer paz à terra;
não vim trazer paz”. Dessa forma o Mestre nos faz prestar muita atençã o ao que está sendo dito.
Da mesma maneira, o trecho inteiro repete o que foi dito um pouco antes em Mt
10.21-22, que fala da perseguiçã o entre os pró prios familiares. Dessa maneira didá tica o Mestre
ensinava seu discı́pulos e reforçava em suas mentes a mensagem. Vemos aqui um eco de Mq 7.6:
“Pois o 1ilho despreza o pai, a 1ilha se rebela contra a mãe, a nora, contra a sogra; os inimigos do homem são os
seus próprios familiares.”
v.38 “e quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” Quã o signiCicante é a
ordem do Mestre, quanta riqueza e profundidade. Dois aspectos importantes devem ser
observados aqui:
1. O destino - Os condenados carregavam a cruz, ou uma parte dela, apenas enquanto
caminhavam para sua execuçã o. Assim partiam os Apó stolos para a missã o de pregar
sobre a chegada do Reino, rumo a um territó rio inimigo.
2. Submissão – Quando um condenado carregava a cruz, ele estava admitindo a autoridade
do Impé rio Romano sobre ele. Da mesma maneira os Apó stolos, ao aceitarem a cruz de
Cristo, estavam se colocando sob seu domı́nio.
v.39 Concluindo seu pensamento, o Mestre reinterpreta o que foi dito antes e nos mostra
que a missã o dos Apó stolos nã o era um suicı́dio. De acordo com a ó tica de Jesus, perder a vida
neste mundo é equivalente a ganhar a vida eterna.

v.40-42 A dignidade dos enviados


Desde os tempos antigos até a é poca atual, a dignidade de um enviado, mensageiro ou
embaixador nã o é proveniente da pessoa em si, mas daquele que o enviou. Se algué m
desrespeitar um embaixador da Inglaterra, essa pessoa está ofendendo a pró pria rainha da
Inglaterra. Este principio é també m conhecido como, Federalismo, é de extrema importâ ncia em
toda a escritura. Atravé s dele entendemos como o pecado de Adã o se tornou nosso pecado e
como o sacrifı́cio de Jesus, na cruz, se tornou nossa redençã o.
Quem recebe um dos enviados, recebe també m Jesus, e que recebe Jesus, recebe també m
quem o enviou, o Pai. Veja que Jesus está falando de uma situaçã o totalmente real, aCinal ele
pró prio já era um enviado e por isso compreendia plenamente o que devia acontecer com aqueles
que ele estava enviando.
Para ilustrar a questã o, o Mestre, faz trê s comparaçõ es em ordem decrescente:

1. Profeta e sua recompensa.


2. Um Justo (uma pessoa que cumpria a Lei na sua perfeiçã o) e sua recompensa.
3. Um pequenino e sua recompensa. Na obra de Cristo, nã o é necessá rio ser um “profeta’,
també m nã o é necessá rio ser “perfeito/justo”, para ter valor, pois nosso valor vem
daquele que nos enviou. Durante a aCirmaçã o: “em verdade vos digo que de maneira alguma
perderá sua recompensa” ARA Encontramos novamente um marcador muito forte na lı́ngua
grega, a palavra amen. Usada para enfatizar fortemente algo que esteja sendo exposto.
També m vemos um link com Pv 14.31: “Aquele que oprime o pobre com isso despreza seu
Criador, mas quem ao necessitado trata com bondade, honra a Deus”

(1) Nicodemus, A. – Apó stolos: a verdade bı́blica sobre o apostolado. p.25


(2) MacArthur, J. – O caos carismá tico p.145-152
(3) Luther, Martim - The United Methodist Hymnal Number 110
(4) Utley, B - The 1irst Christian Premier - p.88
(5) Literalmente "o Cananeu", mas de acordo com o BDAG 507 s.v., este termo nã o tem nenhuma relaçã o com os
termos geográ Cicos para Cana ou Canaã , mas é derivado do termo aramaico para "entusiasta, zelote"

189
Mateus 11

A natureza do relato dos capı́tulos 11 e 12 é narrativa e faz a conexã o entre o discurso


que se encerra aqui no v.1, e o pró ximo grande discurso que se iniciará com capı́tulo 13. Bem ao
estilo mateano, este trecho é ordenado em passagens similares e que cumprem sempre uma
funçã o didá tica.

v.1 “Ora, tendo acabado Jesus de dar estas instruções a seus doze discípulos” O marco de
transição do livro
Aqui encontramos um dos marcadores que Mateus utilizou para deCinir as partes
principais de seu livro. Trata-se de: “Depois que terminou de instruir seus doze discípulos”. Com esta
aCirmaçã o sabemos que se inicia o segundo grande discurso de Jesus, conforme registrado pelo
autor. A NVI é muito infeliz ao traduzir a parte Cinal do versı́culo por: “ensinar e pregar nas cidades da
Galiléia” enquanto o texto grego diz: “ensinar e pregar em suas cidades”.
Perceba que o Mestre també m segue no trabalho evangelı́stico. O que nã o sabemos é se
ele seguia para as mesmas cidades onde os apó stolos haviam estado ou se rumava para outros
povoados.

v.2-6 Adirmação do ministério Messiânico “Poucos versı́culos para se dizer muita
coisa”, esse podia ser o tı́tulo dessa pequena sub-seçã o do livro. Permita-me organizar os fatos
para uma melhor compreensã o de tudo o que acontece no espaço de seis pequenos versos. O
trecho relata um dialogo, ainda que atravé s de emissá rios, entre Jesus e Joã o Batista.

v.2-3 “Quando João, no cárcere, ouviu falar das obras de Cristo, enviou {uma pergunta} através de
seus discípulos. Disseram para ele:
— Você é aquele que estava para vir ou devemos esperar outro?”

Joã o segui preso em maquero, a fortaleza/prisã o erigida por Herodes pai, nas fronteiras
da Peré ia. Pelo contexto, podemos perceber que, apesar das condiçõ es desumanas das prisõ es,
ele mantinha contato com alguns de seus discı́pulos.
A princı́pio a conversa parece sem propó sito, uma vez que em Mt 3, o Batizador já havia
reconhecido Jesus, como o Cristo, poré m existe um contexto maior envolvido aqui. Devemos
entender que Mateus tinha um propó sito teoló gico e nã o se afastava muito dele, por isso vemos o
autor, utilizando um questionamento, para comprovar o ministé rio de Jesus. O fato dele inserir
“as obras do Cristo” já é , por si só , uma aCirmaçã o da veracidade do ministé rio; aCinal apenas o
Cristo (ou seja, o Messias) poderia operar tias maravilhas.

A expressã o “aquele que havia de vir” é um tı́tulo messiâ nico e retirada de Sl 118.26:
“Bendito é o que vem em nome do Senhor.” Esse versı́culo será cantado na entrada triunfal do Cristo em
Jerusalé m. Cf. Mt 21.9
Estaria Joã o realmente em dú vidas ou se utilizava desse recurso para reaCirmar a
autoridade Messiâ nica? Esta é uma dú vida legı́tima que podemos ter, aCinal ambas as respostas
podem estar corretas, assim como é muito possı́vel que todas sejam vá lidas ao mesmo tempo.
Era a expectativa geral da populaçã o que o Messias viesse instaurar a era de ouro de
Israel, onde ele regeria o mundo e subjugaria as naçõ es, poré m nã o era isso que estava
acontecendo com Jesus, o primo de Joã o. Entã o nã o era de se espantar se o Batizador sofresse de
crises de conCiança, aCinal o Cilme nã o ocorria de acordo com o roteiro esperado. Caso este seja o
caso, ao menos a inclusã o da pergunta, por parte de Mateus, teve objetivo pedagó gico.

Uma pequena questã o textual. No versı́culo 2, Mateus faz uma pequena referê ncia a Joã o,
que em nossas traduçõ es nã o aparece. Nosso autor escreve: ‘O ’Ιωαννης com o sentido de “O
Joã o”; assim enfatizando que ele falava de Joã o Batista. Pode parecer um detalhe sem
importâ ncia, mas acredito que se o autor, atravé s da inspiraçã o divina, fez questã o de salientar
uma variaçã o tã o ı́nCima, alguma razã o, ou necessidade, ele tinha.

190
v.4-5 “E Jesus respondeu e lhes disse:
— Vão e anunciem a João o que estão ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos
são puri1icados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo pregado o evangelho.”
Os testemunhos de que cegos viam, surdos ouviam, leprosos eram limpos, bastavam para
Joã o Batista saber que Jesus era realmente aquele que esperavam chegar. O relato possui conexã o
com Is 35.5-6, que é um texto que falava do Messias: “Então se abrirão os olhos dos cegos e se
destaparão os ouvidos dos surdos. Então os coxos saltarão como o cervo, e a língua do mudo cantará de alegria.
Águas irromperão no ermo e riachos no deserto.” També m em conexã o com Is 29.18 “E naquele dia os
surdos ouvirão as palavras do livro, e dentre a escuridão e dentre as trevas os olhos dos cegos as verão”
Atente que a resposta do Senhor a Joã o reClete a autoridade dada aos apó stolos no
capı́tulo anterior “deu-lhes autoridade sobre espı́ritos imundos para os expulsar e para curar todo tipo de
doenças e enfermidades.” Mt 10 .1
v.6 “E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de escândalo.” Aqui encontramos
uma palavra de consolo a Joã o, e o que nos leva a acreditar que sua pergunta inicial era realmente
legı́tima e nã o algum recurso retó rico.
Se à multidã o no Monte foram dadas 9 bem-aventuranças, Joã o Batista recebe em
primeira-mã o a 10º.


v.7-19 Descrição do ministério e do caráter de João, o Batizador
Naquele momento, o Batizador, estava preso devido a sua pregaçã o, ou seja, o povo e
seus lı́deres já haviam rejeitado a mensagem dele. Agora, o pró prio Jesus enviou seus apó stolos,
poré m o resultado estava sendo o mesmo.
Tendo essas duas informaçõ es em mente, podemos ver uma perfeita transiçã o literá ria
entre o trecho de discurso-narrativa do Mestre. Veja como Jesus utiliza a Cigura de Joã o em
diversas ilustraçõ es e paralelos.

v.7-10 “E estes indo {embora}, Jesus começou a dizer à s multidõ es a respeito de Joã o:
— O que você s foram ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento?
— O que você s foram ver? Um homem vestido de roupas Cinas? Os que vestem
roupas Cinas moram nos palá cios reais.
— Sim, o que foram ver? Um profeta?”


O tom inicial deste discurso é bem diferente do primeiro. Lembre-se da doçura das “bem-
aventuranças”, da acolhedora apresentaçã o do Reino dos Cé us; bem agora as coisa sã o diferentes.
O Mestre instiga, adverte e pressiona as multidõ es que o cercavam.
Vemos um “crescendo”* na maneira como ele se dirige a massa de pessoas, por trê s vezes
Jesus endurecendo o discurso. Acompanhe:

1. “O que vocês foram ver?” “O que vocês foram ver no deserto?” Aquelas pessoas buscavam
assistir a um espetá culo ou desejavam se converter de seus maus caminhos? O que elas
esperavam de Joã o? Esse é um padrã o que se repete até os dias de hoje, muitos vã o até
uma igreja esperando ver algum milagre ou acontecimento sobrenatural, poucos vã o a
busca da revelaçã o de Deus na Palavra. “Um caniço agitado pelo vento?” Esta expressã o
denota um comportamento errá tico (agitado pelo vento) algo irregular, inconstante.
Jesus pergunta aos ouvintes se eles esperavam encontrar em Joã o, algum tipo de maluco
excê ntrico, gritando pelo deserto. Ao contrá rio, Joã o, o batizador, era uma pessoa que
sabia exatamente o que estava fazendo.
2. “Ou quem vocês foram ver?” “O que vocês foram ver? Um homem vestido de roupas 1inas? Os que
vestem roupas 1inas moram nos palácios reais.” O discurso endurece. O que o povo esperava
que Joã o fosse? Pensavam encontrar algué m semelhante a um anjo, ou um emissá rio de
Cinos trajes?
3. “A:inal, o que queriam ver?” Aqui Jesus atinge o á pice. EN quase possı́vel sentir o peso de
suas palavras, a entonaçã o de sua voz e a autoridade em cada som. Nã o pensem no
Messias humilde e servo falando, mas no Deus Todo-Poderoso cobrando explicaçõ es
daquelas pessoas. Eu tremo só de imaginar. v.9 “Um profeta? Sim, eu lhes digo, e mais que um
profeta.” Jesus responde a sua pró pria pergunta, e acrescenta que Joã o era muito mais do
que o povo podia esperar encontrar. Os profetas falavam de coisas que iriam acontecer e

191
transmitiam mensagem divinas, Joã o apresentava o pró prio Deus e o Reino que ele veio
oferecer. Infelizmente os judeus nã o conseguiram compreender. v.10 “Jesus cita Ml 3.1 Este é
aquele de quem está escrito: “Eis que eu envio adiante de você o meu mensageiro, que preparará o
caminho diante de você.”” para comprovar que Joã o era um enviado divino.
Implicação teológica Dois pontos devem ser compreendidos aqui. Primeiro: Jesus está
conCirmando o ministé rio de Joã o Batista, e assim conCirmando as coisas que ele disse e fez.
Fazendo isso, por consequê ncia, o que Joã o Batista falou a respeito de Jesus é atestado como
sendo verdadeiro. Podemos chamar isso de uma aCirmaçã o circular (você se lembra da
propaganda da bolacha que dizia: é fresquinha porque vende mais, ou vende mais porque é
fresquinha? Aqui é a mesma coisa).
Segundo: Vemos um aspecto fundamental de nosso Deus, Ele é passional. Repare como
ele se incomodou com o modo como Joã o, o batizador, foi rejeitado e preso. Repare nas trê s
perguntas e na maneira como a emoçã o foi crescendo. Esse é o nosso Cristo, algué m que se
compadeceu de Joã o e que també m se compadece de nó s. Aleluia!

* Crescendo – Palavra de origem italiana. Termo oriundo do universo musical e que expressa um crescimento gradual
durante a frase musical.

v.11-15 O maior homem nascido de mulher


“— Em verdade lhes digo: entre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João
Batista; mas o menor no Reino dos Céus é maior do que ele.”
Este é um trecho que nem sempre chama atençã o, mas ele apresenta algumas
diCiculdades interessantes. A principal razã o para nos debruçarmos sobre ele é a pró pria
aCirmaçã o inicial de Jesus: “Digo-lhes a verdade” que em grego é “Amen lego hymin”, pois como vimos
anteriormente o uso do adverbio amen demonstra uma aCirmaçã o muito forte. Se Jesus chama a
atençã o para essa informaçã o, nó s devemos atentar també m.
O conteú do do ensino també m é complexo. Jesus diz que nenhuma outra pessoa nascida
de uma mulher é mais importante que Joã o Batista. Em outras palavras, Joã o é o melhor ser
humano já nascido (aqui se exclui Adã o, pois esse foi criado diretamente por Deus). Se por um
lado é fá cil compreender que o Mestre estava exaltando a posiçã o e a dignidade de Joã o, por outro
lado Cicamos confusos com a extensã o dessa aCirmaçã o. A principal questã o que surge é : Como
Cica Jesus em relaçã o a isso? Algumas possı́veis soluçõ es sã o:
• Exclusão: Jesus estava se colocando fora da lista de pessoas nascidas de mulher. O que é
bem possı́vel, mas pode levar questionamentos quanto a humanidade do Cristo.
• Posicionamento: Jesus estaria dizendo que até ele pró prio nascer, Joã o era o maior
dentre os nascido de mulher. O problema aqui é que o texto nã o caminha nessa direçã o.
• Possível solução: Analisando a parte restante do versı́culo, podemos perceber que o
Mestre está fazendo uma comparaçã o entre os crentes da Antiga Aliança e os crentes no
Reino dos Cé us. Assim é mais fá cil compreender que mesmo o mais nobre do homens é
pequeno diante da dignidade daqueles que entrarã o no Reino. A idé ia da passagem entre
as Dispensaçõ es Cica mais clara no versı́culo 13. Lembre-se que Joã o era o ú ltimo profeta
do Antigo Testamento, e que sua mensagem inicial avisar sobre a chegada do Reino.
Jesus cita Malaquias 3.1 (em conexã o com Is 40.3): “Vejam, eu enviarei meu mensageiro, que
preparará o caminho diante de mim”. Assim, mais uma vez ressalta a importâ ncia de Joã o e
por consequê ncia sua messianidade.

v.12 “Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e os que usam de força
se apoderam dele.”
Uma traduçã o alternativa é possı́vel aqui, mas alteraria profundamente o signiCica da
passagem. Seria ela: “Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus tem avançado
forçosamente, e os que usam de força se apoderam dele.”

Segue-se outro trecho complexo e que envolve questõ es gramaticais importantes. A


diCiculdade aqui é deCinir de que parte vem a violê ncia descrita por Jesus. Sã o duas as
possibilidades(1):
1. Ameaça externa: O sentido mais natural do texto caminha nessa direçã o, onde a
violê ncia vem dos inimigos do Reino; que també m eram inimigos da pregaçã o de Joã o e

192
de Jesus. Esse é o tom da passagem como um todo e diCicilmente podemos sustentar uma
mudança tã o abrupta dentro de um mesmo discurso.
2. Conquista violenta: Talvez essa seja a posiçã o mais conhecida, uma vez que foi
incentivado por algumas traduçõ es nã o tã o boas para a lı́ngua portuguesa. Segundo essa
posiçã o, os que desejam entrar no Reino é que devem lutar e se esforçar para conseguir
atingir seu objetivo. Alguns chegam a citá -la ao lidar com o tema da perseverança do
justos; o que é ainda menos prová vel, uma vez que o texto nã o fala disso.

v.13-15 O dinal do Antigo Testamento


v.13 “Porque todos os Profetas e a Lei profetizaram até João.” Jesus aCirmou que a Lei e os
Profetas duraram até Joã o, o batizador. Baseados nessa informaçã o, podemos traçar na histó ria
de Joã o os ú ltimos acontecimentos do Antigo Testamento; sendo que essa transiçã o seria
concluı́da em At 2.1 com a descida do Espı́rito Santo e o inı́cio da Igreja.
Existe algo ú nico nesse dizer, pois no livro de Mateus, assim como na literatura judaica,
sempre encontramos referê ncias a “Lei” antes dos “Profetas”. Esse é o caso em Mt 5.17 e Mt 7.12.
Talvez o intuito aqui fosse o de reforçar o fato de Joã o ser um profeta pleno, em peso de igualdade
à queles do Antigo Testamento.
v.14 “E, se vocês o querem reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir.” Elias que havia de
vir? Em um pequeno trecho de seu livro, Mateus nos brinda com uma quantidade enorme de
detalhes semâ nticos, ortográ Cicos e tempos verbais. Aqui temos mais uma questã o a ser
corretamente compreendida: O que Jesus quis dizer com a frase “E se você s quiserem aceitar, este é o
Elias que havia de vir” Sendo esta uma citaçã o de Malaquias 4.5-6, que como sabemos, encerram o
Antigo Testamento. “Eis que eu lhes enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do
Senhor. Ele converterá o coração dos pais aos seus 1ilhos e o coração dos 1ilhos aos seus pais, para que eu não
venha e castigue a terra com maldição.”
Aqui vemos novamente uma Sentença Condicional de Primeira Classe, onde o “e se”
assume um papel de certeza e nã o de dú vida ou possibilidade. Assim, uma possibilidade de
traduçã o é : “Uma vez que vocês aceitam que este é o Elias que havia de vir”. O mesmo aconteceu na
tentaçã o de Jesus no deserto, quando o inimigo disse: “Se és Filho de Deus …”
Entretanto essa aCirmaçã o gera um problema secundá rio, pois em Jo 1.20-25 Joã o Batista
aCirma categoricamente que ele nã o era Elias. E aqui Jesus aCirma que Joã o era o Elias que havia
de vir. Como podemos conciliar essas duas passagens? A melhor resposta é que Jesus estava
reinterpretando a profecia e assim mostrando que, ainda que Joã o fosse uma outra pessoa, ele
cumpria o que for a prometido no Antigo Testamento.
v.15 “Quem tem ouvidos [para ouvir], ouça!” O complemento “para ouvir” nã o é aceito como
original dessa passagem, o que é reforçado pelo fato de Mt 13.9, onde a mesma expressã o ocorre,
nã o conter o complemento. Essa variaçã o tardia, e que ocorre em apenas manuscritos inferiores,
parece ser uma assimilaçã o de Mc 4.9, onde a versã o completa é legı́tima.
Este tipo de aCirmaçã o era conhecida nos tempos de Jesus, e era aceita como uma
advertê ncia forte sobre uma verdade que estava sendo exposta.

v.16-19 O desprezo do povo em relação a oferta do Reino


Buscando enfatizar o quã o cego era o povo de Israel naqueles dias, nosso Mestre utiliza
uma construçã o literá ria que mostra perplexidade em relaçã o ao que ocorria. Diz Ele: “A que posso
comparar essa geração?” Certamente Jesus sabia a que comparar aquelas pessoas, esta nã o é uma
expressã o de dú vida. Ele lança mã o desse recurso para chamar a atençã o do ouvinte e para
enfatizar o quã o absurda era a reaçã o do povo. Nosso Mestre apresenta a Cigura de alguns garotos
tocando Clauta na praça, e que reclamam contra seus ouvintes, pois eles nã o se importam com o
que ouvem, seja algo alegre ou algo triste. Aquelas pessoas eram apá ticas a mensagem que estava
sendo pregada, elas nã o se alegravam nem se entristeciam com o ensino a respeito do Reino dos
Cé us. Assim pode ser resumido a mensagem do evangelho: a oferta da graça e a iminê ncia do
juı́zo.
O povo, e principalmente os lı́deres religiosos, desprezavam Joã o por se isolar e Jesus por
se aproximar das pessoas. Ainda que as obras do Cristo comprovassem seu poder(2).
Assim se encerra esta parte inicial do Segundo Grande Discurso de Jesus, onde Joã o, o
batizador, é uma importante Cigura. Sigamos com o ensino do Mestre.

193
v20-24 O juízo pronunciado contra as cidades que não se arrependeram
v.20 “Então Jesus começou a repreender as cidades nas quais ele tinha feito muitos milagres, pelo fato
de não terem se arrependido:”
A partir deste ponto o foco da repreensã o de Jesus muda para algo mais especı́Cico: as
cidades que presenciaram os milagres. Como vimos anteriormente, os sinais de poder, serviam de
conCirmaçã o do mensageiro; poré m nem assim aquele povo aceitou o enviado do Pai, seu Filho
Unigê nito Jesus Cristo.
v.21 “— Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os
milagres que foram feitos em vocês, há muito que elas teriam se arrependido com pano de saco e cinza.”
ου† αιŒ σοι - ouaí soi, traduzida por Ai de ti, representa mais um lamento do que uma
condenaçã o direta. Nã o que isso signiCique menos, pois o lamento se dá por uma condenaçã o
irrevogá vel. O Senhor Jesus usará essa mesma expressã o outras vezes aqui em Mateus, veja as
seguintes referê ncias: 18:7; 23:13, 15, 16, 23, 25, 27, 29; 24:19; 26:24

As ruı́nas de ΧοραζιŒν - Chorazín, foram descobertas em 1842, e extensamente escavadas


na dé cada de 1960 e novamente na em 1980, Cicava a cerca de trê s quilô metros da antiga
Cafarnaum. Seu nome nã o é citado em nenhum outro texto bı́blico, apenas aqui e em sua
passagem irmã em Lc 10.13. No Talmude Babilô nico, em Menahot 85a, Corazim é mencionada
como produtora de grã os altı́ssima qualidade, poré m, por estar muito distante de Jerusalé m, seus
grã os nã o podiam ser usados como oferta do Omer para o Templo. Sua á rea cobria quase 1000
metros quadrados, o que era bem grande para aquela é poca.
Já ΒηθσαϊδαŒ - Bethsaida, era bem menor, com cerca de 200 metros quadrados de á rea. O
historiador judeu, e interprete do romanos, Flá vio Josefo, foi sepultado nesse povoado.
Ao citar Tiro e Sidon, duas grandes e importantes cidades da Fenı́cia, o Mestre evoca a
tradiçã o pecadora e orgulhosa delas, muito bem documentada no Antigo Testamento. Isaı́as
14.9-15 trata desse tema, conCira os versı́culo 13, 14 e 15: “Você que dizia no seu coração: "Subirei aos
céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto
mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo". Mas às
profundezas do Sheol você será levado, irá ao fundo do abismo!” E que tradicionalmente é associado a
queda de Sataná s. També m está ligado a Ezequiel 28.12-16 que fala diretamente a respeito do rei
de Tiro. Ambas as passagens sã o a base para o trocadilho que Jesus fez em relaçã o a Cafarnaum,
cidade onde ele habitou e pregou. O Mestre fala do subir aos céus e fala do descer a sepultura.
v.23 “— E você, Cafarnaum, pensa que será elevada até o céu? Será jogada no inferno! Porque, se em
Sodoma se tivessem operado os milagres que foram feitos em você, ela teria permanecido até o dia de hoje.”
ΚαφαρναουŒ μ - Kafarnaoún E dentre todas elas, a mais indesculpá vel era Cafarnaum, a
cidade escolhida por Jesus como sua base evangelı́stica. A conexã o do Cristo com essa localidade
é tã o ı́ntima que Mt 9.1 a deCine como “sua própria cidade”. Perceba que o Mestre conecta o pecado
de Tiro e Sidom descritos nos versı́culos anteriores, a saber “Subirei aos cé us”, e inverte essa
perspectiva em puniçã o rı́gida. Cafarnaum é a ú nica a receber a promessa de “ser jogada no
Hades(3)” o que implica em uma condenaçã o a morte. Essa foi uma maneira de Jesus enfatizar a
culpa da cidade e nã o propriamente uma promessa escatoló gica.

Vale a pena ressaltar que todas as trê s cidades que rejeitaram Jesus, foram destruı́das
literalmente e nã o foram reconstruı́das até hoje.

A tradução da palavra dynamis


No texto que estamos estudando, nossas versões descrevem a obra realizada por Jesus
como milagres. Essa traduções estão corretas e são perfeitamente aceitas, porém a palavra grega
dynamis pode representar algo mais. De acordo com o DBL Greek, ela pode ser traduzida como:
poder, ato de poder, maravilhas, obra poderosa. A versão NKJV, traduz por obras de poder.

Nós tendemos a pensar apenas na conotação religiosa que ela pode ter, como uma obra
divina, mas o sentido pode ser mais amplo. A palavra dynamis também era usada para descrever
grandes feitos. As obras que Jesus realizou demonstravam seu poder e atestavam sua autoridade.

194
v.25-30 Apesar da incredulidade, alguns aceitaram a mensagem pregada
Apó s um trecho longo e com duras repreensõ es, nosso Mestre volta a mostrar seu amor e
carinho, assim equilibrando as coisas.
v.25 ΕŸν ε† κειŒνῳ τῷ καιρῷ - En ekeino to kairo, traduzido como “Por aquele tempo” A frase
inicial deste trecho nos revela que os pró ximos acontecimentos se passam em um momento
diferente do discurso que se encerrou acima. E aqui vemos a maneira como Mateus foi
organizando seu material de modo temá tico, para assim enfatizar seus objetivos teoló gicos.
α† ποκριθει„ς ο¡ ΙŸησοῦ ς ει¨πεν - apokritheis ho Iesous eipen - “respondeu Jesus dizendo:”
Infelizmente nã o sabemos exatamente o que foi perguntado, ainda que pelo contexto
possamos ter algumas possibilidades:
.

1. Possibilidade 1: Algum dentre os discı́pulos perguntou: Mestre, serão todos condenados?


2. Possibilidade 2: Jesus viu a reaçã o de sua platé ia e “respondeu” aquela situaçã o.
3. Possibilidade 3: A “resposta” está compreendida por todo o trecho 25-30, sendo esta
primeira frase apenas a abertura do ensino, na forma de um desabafo de Jesus com o Pai.
.
Seja como for, o importante está na resposta que o Messias deu e sobretudo na maneira
que ele se expressou. Aqui vemos uma locuçã o fortı́ssima, apresentada na forma de uma breve
oraçã o. Este recurso é normalmente utilizado quando nã o é possı́vel enfatizar ainda mais uma
declaraçã o; assim o interlocutor ser dirige a Deus para traze-lo como testemunha de sua
aCirmaçã o. Nã o imagine que Jesus se ajoelhou e começou a ter uma conversa com Deus; lembre-se
que durante o Sermã o do Monte, ele havia orientado a nã o orarmos dessa maneira.
“— Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e
instruídos e as revelaste aos pequeninos. 26Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado.”
O ensino, em formato de oraçã o, nos mostra que nem tudo estava perdido; aCinal o
mundo é muito maior que aquelas trê s cidades e a graça de Deus muitos mais ampla que a
incredulidade dos judeus. Se os especialistas nas escrituras (escribas, que se consideravam
sá bios) e os religiosos faná ticos (fariseus, que se consideravam inteligentes) nã o conseguiam
compreender o ensino de Jesus, ainda existia um outro grupo de pessoas disposta a aceitá -lo: os
humildes (pequenas crianças) dispostos a prender do Mestre. Tudo isso motivado pela graça
soberana do Senhor.
O tema de “esconder a sabedoria dos sá bios” alé m de irô nica, pois a sabedoria é o que faz
algué m sá bio, reClete o ensino de Isaı́as 29.13-14 “O Senhor disse: “Visto que este povo se aproxima de
mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim, e o seu temor para
comigo consiste só em mandamentos ensinados por homens, continuarei a fazer obra maravilhosa no meio
deste povo. Sim, farei obra maravilhosa e um prodígio, de maneira que a sabedoria dos seus sábios será
destruída, e o entendimento dos seus entendidos desaparecerá.””

v.27 “Tudo me foi entregue por meu Pai.” O versı́culo 27 revela uma mudança no foco da cena,
pois agora Jesus se dirige ao povo diretamente e nã o mais ao Pai, em oraçã o.
Vemos aqui mais uma repreensã o contra os falsos religiosos, que acreditavam poder
possuir conhecimento do SENHOR e ao mesmo tempo rejeitavam a Jesus. O Mestre utiliza um
argumento circular para ensinar que só podemos atingir o conhecimento do Pai atravé s dele, e
nã o das tradiçõ es farisaicas. Talvez em nossa lı́ngua e em nosso contexto atual a aCirmaçã o de
nosso Senhor perca um pouco da profundidade original, aCinal os primeiros leitores
compreendiam a expressã o “conhecer” como algo muito mais profundo. Em diversos casos essa
expressã o era utilizada para descrever o ato sexual, que é o momento mais pró ximo que um
homem e sua esposa podem ter. Dessa maneira, conhecer a Deus, signiCica ter um profundo
relacionamento com ele, nã o apenas alguma compreensã o intelectual do fato.
“ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho quiser revelar” Este també m é
um forte argumento a favor da eleiçã o dos santos, uma vez que no texto, Jesus é que escolhe a
quem revelar o Pai. Mesmo que a mensagem fosse pregada a plenos pulmõ es a todos os que
estivessem presentes, a revelaçã o salvı́Cica, era dada a poucos. Esse é o caso tı́pico do traidor
Judas, que ouviu muito, mas a quem a salvaçã o nunca fora revelada.

v.28 “— Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu os aliviarei.”
Estes versı́culos sã o exclusivos do evangelho segundo Mateus. Como devemos lidar com
o convite “a todos os cansados” que aparentemente contrapõ e a frase anterior “aqueles a quem o Filho
quiser revelar”? Seria possı́vel algué m a quem Cristo quisesse revelar o Pai se recusar a receber tal

195
dá diva? O que pode parecer insolú vel a primeira vista, pode ser melhor percebido se nã o
lidarmos com fatores autoexcludentes, ou seja, nã o é porque Jesus deseja revelar o Pai somente a
alguns que ele nã o possa chamar a todos. Assim como o fato de ser chamado, nã o implica
exatamente em ser escolhido. Veja o que Mt 22.14 diz: “Porque muitos são chamados, mas poucos são
escolhidos.”

κα† γω„ - kagō, traduzida por “e eu” trata-se da contraçã o das palavras gregas καιŒ e ε† γωŒ.
Quando uma pessoa ajunta duas palavras dessa maneira, normalmente é porque ela deseja
expressar algo com maior intensidade, e velocidade. Neste caso especı́Cico, é como se Jesus
desejasse focar loga na soluçã o do problema, que é “vos aliviarei” e nã o em quem realizará a
tarefa, o “e eu”.

O tema de trabalho agrı́cola, principalmente a lavoura com o auxı́lio de animais estará


presente em todos este ensino. Começando aqui com os termos “cansados” e “sobrecarregados” o
qual será expandido a seguir. Todo esse trecho utiliza termos do trabalho no campo, mais
especiCicamente o uso de animais para trabalho. Jesus oferece um jugo** mais leve.
v.29“Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e
vocês encontrarão descanso para as suas almas.” Por Cim, recebemos um suave convite de nosso Senhor.
Essa proposta se opõ e diretamente ao ensino dos escribas e dos fariseus, os quais haviam criado
uma sé rie de exigê ncias, nã o inspiradas, e que geravam muito “peso” e sofrimento aos que
desejavam segui-los. Uma boa parte dessa exigê ncia está contida no Talmud, que é a tradiçã o oral
judaica; por alguns chamada de Torah nã o escrita(4).
Enquanto os fariseus eram arrogantes e duros na lida com seus irmã os, o Mestre é manso
e humilde de coraçã o. Aqueles que o aceitarem encontrarão descanso para suas almas. Cf. Ex 33.14
"Eu mesmo o acompanharei, e lhe darei descanso”.
v.30 “Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” Eis uma deCiniçã o perfeita da doutrina
do Messias. Ela nã o agrega peso, mas sim, traz a certeza e a segurança da salvaçã o aos coraçõ es
daqueles a que ele revelou o Pai.

“Jugo” é uma peça pesada de madeira,


usada para atrelar os animais a carroça ou
ao arado. – Traduçã o do Google.
I m a g e m r e t i r a d a d e : h t t p s : / /
br.depositphotos.com/stock-photos/jugo.html

No inı́cio deste trecho encontramos a informaçã o, Mt 11.1: “Jesus saiu para ensinar e pregar”
e no Cinal do discurso ouvimos dizendo, Mt 11.29: “tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim”.
Vemos o Mestre pregando a mesma mensagem, no inı́cio e no Cim do trecho que chamamos de
“Ensinando e pregando” ou “Teach and Preach”.
Com essas palavras de conforto encerra-se o Segundo Grande Discurso de Jesus. O fato
do povo de Israel nã o estar aceitando a mensagem do Messias, será fundamental para o
desenvolvimento do livro.

196

Curiosidade A palavra Pai, πατήρ (patēr), aparece cinco vezes entre os versículos 25 e 27.
O que revela muito a respeito do foco dessas passagens.

Algumas ironias relativas ao Messias


O estudioso D.A. Carson observou algumas ironias muito interessantes sobre a vida
do Cristo divino: Ele teve fome (4.2) mas alimentou a milhares (14.13-21 e 15.29-39), Ele se
sentiu fraco (8.24) porém oferece descanso para os outros (11.28), Ele é o Rei, mas paga
tributo (17.24-27), foi chamado de diabo, porém expulsava os demônios (12.22-32), teve a
morte de um pecador (27.33-52), mas veio para salvar seu povo do pecado (1.21), foi
vendido por 30 moedas, mas deu sua vida em resgate de muitos (20.28), e por fim, ele não
transformou pedra em pão para si (4.4), mas se fez pão em favor de nós (26.26). (5)

* Traduçã o direta do texto grego

(1) A questã o principal é como traduzir os verbos gregos biazo e harpazo. Para um estudo mais detalhado, consulte
o comentá rio Faithlife Study Bible neste mesmo versı́culo Mt 11.12
(2) Existe alguma variaçã o textual no versı́culo 19. A palavra grega ergon que normalmente é traduzida por “obras”
é encontrada na maioria dos manuscritos mais antigos. Essa traduçã o é seguida pela LEB e pela NVI. Já a
traduçã o da NKJV (New King James Version) segue alguns manuscritos mais novos onde aparece a palavra
teknon “crianças” no lugar de ergon. Para um estudo mais profundo, consulte Utley, Bob em The First Christian
Premier: Matthew.
(3) Hades - (α¼ͅ δης, hadēs) Palavra que na literatura grega podia se referir ao mitoló gico deus dos mortos Hades;
irmã o de Poseidon e Zeus. No contexto do Novo Testamento normalmente se refere aos mortos ou a sepultura.
Nã o devemos confundir com gehenna que signiCicaria “inferno”. – The Lexham Bible Dictionary
(4) Torah escrita (Torah she-Bichtav composta pelos cinco livros de Moisé s) se distingue da Torah Oral nã o escrita
(Torah she-Be’alpeh), ou Talmud. Apenas os judeus consideram o Talmud inspirado. – Kaplan, Aryeh – Guia do
Pensamento Judaico.
(5) Carson, D.A - Mateus - p.143-144

197
Mateus 12
Mateus nos conduz agora a um momento crucial da histó ria, onde a rejeiçã o do Messias,
por parte da naçã o de Israel chega ao seu á pice ao blasfemarem contra o Espı́rito Santo. Tudo se
inicia com a disparidade entre as tradiçõ es humanas e a verdadeira realidade do Shabat, sendo
que a questã o explode atravé s de um exorcismo.
Aqui vemos um dos trechos que nos fazem apreciar o texto do apó stolo Mateus, pois ele
nos apresenta um endemoniado (v.22) que era cego e mudo; o que faz referê ncia ao povo judeu
que estava perturbado espiritualmente, incapaz de ver o Reino tã o pró ximo a eles, e que por Cim
nã o gloriCicavam o Altı́ssimo por isso. A pessoa em questã o foi liberta e curada, enquanto os
religiosos se auto-condenaram, de maneira imperdoá vel. O povo é que tinha demô nio, e acusavam
Jesus de estar ligado ao maioral dos demô nios, essa é a moral do capı́tulo. Quanta ironia.

A contrové rsia se desenrola da seguinte maneira:


.

1. 1-8 1º Contrové rsia: O trabalho para subsistê ncia, durante o Shabat


2. 9-14 2º Contrové rsia: O trabalho em favor do pró ximo, durante o Shabat
3. 15-21 Interlú dio teoló gico
4. 22-32 O pecado imperdoá vel
5. 33-37 Exemplos ilustrativos
6. 38-45 Consequê ncias do pecado imperdoá vel e da rejeiçã o do Messias
7. 46-50 Um novo modo de ver as coisas

O capı́tulo 12 també m apresenta trê s aCirmaçõ es importantes que tem por objetivo
demonstrar a superioridade do Messias em relaçã o a religiosidade farisaica. A primeira aCirmaçã o
se encontra no versı́culo 6 e diz “aqui está o que é maior que o templo”, ou seja, o ensino de Jesus, a
segunda no versı́culo 8 "o Filho do Homem é senhor do sábado" onde ele aCirma ser maior que a
tradiçã o oral (representada pelas fá bulas talmú dicas a respeito do Shabat) e terceira no versı́culo
42 “E eis aqui está quem é maior do que Salomão”. A primeira conclusã o é que Jesus é maior que o
sistema religioso deles e a segunda conclusã o é que Jesus é maior que a sabedoria judaica e a
terceira é que Jesus é superior a monarquia.
Assim percebemos um atentado contra todo o sistema religioso judeu. Nã o é de
surpreender a reaçã o violenta dos fariseus e de seus seguidores.

Este capı́tulo demonstra muito bem o mé todo didá tico que Jesus utilizava. Repare como
ele utiliza conjuntos de trê s exemplos, ou argumentos, para reforçar o que estava sendo ensinado:
• A casa divida não subsistirá v.22-29 1º argumentos v.25-26, 2º argumento v.27 e 3º
argumento v.28-29.
• Algumas escolham deviam ser feitas v.33-37 1º Cigura v.33, 2º Cigura v.34 e 3º Cigura
v.35.
• Os religiosos pedem um sinal v.38-42 1º testemunho v.39-41, 2º testemunho v.42 e 3º
testemunho v.43-45.

O Shabat judaico(1)

(‫ׁשַּבָת‬, shabat) Um dia de completo descanso do trabalho secular seguido por seis dias de
trabalho; essa pode ser a melhor definição do Sábado judaico ou Sabbath, como é conhecido. No
período do Antigo Testamento era considerado um dia consagrado ao SENHOR, já no período Inter-
testamentário, tomou um aspecto legalista; na época de Jesus o sentido original já havia se perdido
totalmente. Nesse único ponto podemos ver muito da religião fantasiosa que os Fariseus seguiam,
eles até mesmo criaram uma legislação específica chamada Halakhah. O substantivo “shabat” é
proveniente da raiz “shavath” que significa descansar. Uma boa referência bíblica é Ex 20.11: “Pois em
seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou.
Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou.” Resumindo: Shabat era um dia para
descansar e buscar as coisas do Senhor. Infelizmente, devido a pecaminosidade humana, os rabinos
deturparam imensamente o sentido original do Shabat. A esse respeito David Hill afirma que “o
legalismo e fascinação do judaísmo a respeito do sábado podem ser vistos na Mišna Shabat (tratado
maior sobre o tema elaborado pelos mestres do judaísmo)”(10).

198
v.1-8 1º Controvérsia: O trabalho para subsistência, durante o Shabat
Os dois primeiros trechos, 1-8 e 9-14 falam do que era lı́cito fazer durante o dia de
descanso, poré m existe uma clara mudança de enfoque entre eles. Concomitante ao circuncisã o, e
as restriçõ es alimentares, a guarda do Sá bado era um dos pilares da religiosidade externa dos
judeus.

v.1 “Por aquele tempo, num sábado, Jesus passou pelas searas.” Mateus procura manter o ritmo
dos acontecimentos, uma vez que apó s um discurso tã o contundente do Mestre, seria natural o
ouvinte original desejar um descanso. O texto inicia dizendo: “Naquele tempo…” assim podemos
imaginar uma cena subsequente ao ú ltimo discurso; ainda que ela nã o tenha acontecido
imediatamente apó s.
També m é notá vel a construçã o em grego, a qual diz Ἐν ἐκείνῳ τῷ καιρῷ, pois a mesma
fó rmula é empregada em Mt 11.25 onde Mateus insere també m outro discurso que nã o havia
acontecido em um momento subsequente, poré m cujo contexto temporal equivalia ao ensino
anterior. Em nossa linguagem coloquial, seria o mesmo que dizer “naquela é poca”.
“Estando os seus discípulos com fome, começaram a colher espigas e a comer.” Parece evidente que
os campos produziam alguma espé cie de grã os, talvez trigo ou cevada), mas certamente nã o era
milho, uma vez que este só era conhecido na Amé ricas. A questã o do grã o colhido é fundamental
para compreendermos o nı́vel da fome daqueles homens, pois o trigo (ou a cevada) nã o
produzem espigas tã o vistosas, suculentas e saborosas como as que encontramos nas plantaçõ es
de milho. Alé m disso, o mastigar do trigo (ou cevada) seria á rduo, e até certo ponto insosso, o que
aumenta nossa percepçã o de que os discı́pulos estavam realmente famintos. A situaçã o é bem
diferente daquela descrita em Mt 21.18-22, onde a Cigueira deveria proporcionar deleite com seus
frutos maduros, doces e saborosos; e onde nã o se expressa estado de fome profunda nos
participantes. Por essas razõ es, o verbo πειναŒ ω - peinaō, traduzido por fome, é fundamental na
contextualizaçã o dos eventos.

EN possı́vel perceber a direçã o do Senhor em tudo, pois os discı́pulos colhiam espigas


exatamente como Dt 23.25 autorizava “Se entrarem na plantação de trigo do seu próximo, poderão
apanhar espigas com as mãos” Assim nã o havia espaço para os acusarem de nada, como poderia
acontecer caso os discı́pulos tivesse entrada em uma á rea de parreiras ou olivas. Até mesmo a
tradiçã o deturpada do rabinos aceitava o ato de colher espigas durante o Shabat, desde que fosse
para consumo pró prio; por isso Mateus fez questã o de registrar και„ ε† σθιŒειν - kai esthiein
“começaram a colher espigas para comê-las.” Dessa maneira Cica bem evidente que os discı́pulos nã o
Cizeram nada de errado, aCinal sua necessidade era a de se alimentar e nã o obter lucro com essa
colheita.
EN interessante notar que o Cristo nã o colheu das espigas nem comeu delas. O texto é bem
nı́tido quanto a isso, pois diz que “Jesus passava pelas searas” e “os seus discípulos com fome”.
Conhecendo o modo de Jesus se comportar e o modo de Mateus relatar os acontecimentos, Cica
evidente que existe um motivo para isso. O motivo mais prová vel é que existe uma progressã o na
troca de acusaçõ es, e sendo esse o primeiro round do embate, percebemos um inı́cio mais suave.
Assim, os fariseu acusam os discı́pulos e nã o o Mestre.

v.2 “Os fariseus, vendo isso, disseram a Jesus:


— Olhe! Os seus discípulos estão fazendo o que não é lícito fazer num sábado.”

Quando os Fariseus viram que eles realizavam alguma obra no dia de descanso, eles
repreenderam Jesus veementemente. Podemos aCirmar isso pois Mateus utiliza sua palavra mais
enfá tica, o idou, para descrever a maneira como os mestres da Lei se dirigiram a Jesus. Podemos
até imaginá -los apontando para os discı́pulos enquanto bravejavam contra o Mestre.
A acusaçã o errô nea se baseava em uma interpretaçã o falha de Ex 20.8-11 “Lembra-te do
dia de sábado, para santi1icá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o
sábado dedicado ao Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus 1ilhos ou 1ilhas,
nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis
dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o
Senhor abençoou o sétimo dia e o santi1icou.” EN importante notar que o sá bado para um judeu possuı́a
uma implicaçã o muito grande. Na quadro acima analisamos algumas questõ es referentes ao dia
de descanso, por isso seguiremos adiante. Um fato que podemos ressaltar é que raramente

199
Mateus pontua os dias, ou horá rios, em que os eventos de seu livro ocorreram, com excessã o da
mais notó ria das ocasiõ es que é a paixã o/ressurreiçã o, poré m nos demais eventos somos
abstraı́dos do calendá rio quotidiano. Por exemplo, em que dia foi proferido o Sermã o do Monte?
O jejum de 40 dias começou e terminou em qual dia da semana? E a transCiguraçã o, multiplicaçã o
dos peixes e etc. Assim, quando o autor faz questã o de pontuar claramente que os acontecimentos
ocorreram durante um Shabat, devemos prestar atençã o no que isso impacta no decorrer dos
fatos.

Algo interessante é que o texto descreve Jesus, e seus discı́pulos, atravessando algumas
plantaçõ es de grã os, o que por si só chamaria a atençã o de todos, aCinal no Shabat os
deslocamentos era rigidamente controlados. Veja o que diz a Mishiná 5.3 “Mil côvados devem ser
separados como uma área aberta ao redor da cidade, e os dois mil côvados são mencionados não para serem
dados aos levitas, mas para indicar o limite do Shabat, além do qual é proibido para viajar no Shabat. Este
versículo serve como fonte para o limite do Shabat de dois mil côvados.” Essa medida daria cerca de 900m
nas medidas atuais, e seria bem limitante a viajantes. Entretanto os fariseus optam por acusar
Jesus de um ato que seria muito mais justiCicá vel do que esse deslocamento acima do permitido.
Assim percebemos que o objetivo principal daqueles homens corrompidos era atacar o
Messias e nã o preservar suas leis e tradiçõ es sagradas.

Questão textual - Σαββάτῳ ou Σάββασιν


Agora que conhecemos os dias da semana em grego, podemos analisar uma questão muito
complexa e que normalmente passa desapercebida aos estudantes do evangelho.

Tudo começa porque o texto de Mt 12.1 apresenta a palavra σάββασιν que significa “sábados”,
atente que a palavra está no plural, enquanto o uso normal seria no singular σαββάτῳ “sábado”. A que
ele se referia? E em último caso por que Mateus a registrou dessa maneira? Como referência, Lucas
registra o ocorrido no singular, enquanto Marcos também utiliza o plural. Uma vez que seguimos a
interpretação histórico-gramatical do texto sagrado essa pequena mudança de número da palavra
gera implicações imensas. Então nos resta procurar uma maneira bíblica com a revelação escrita que
nos foi entregue.

Mateus 12.1 é bem direto Ἐν ἐκείνῳ τῷ καιρῷ ἐπορεύθη ὁ Ἰησοῦς τοῖς σάββασιν διὰ τῶν
σπορίμων - “Em naquele tempo foi Jesus nos sábados através dos campos de grãos”(tradução literal)
Sob essa afirmação de Mateus podemos seguir duas linha de pensamento:

1. O apóstolo utiliza o plural para relatar a data do acontecimento de maneira genérica,


como se ele dissesse “em um sábado qualquer daquele período” ou “em um dos
sábados, foi Jesus …”

2. A segunda explicação se baseia em uma possibilidade bem real, ainda que não 100%
confirmável, a de que os acontecimentos ocorreram durante o Pesach, que é a Páscoa
judaica. Todo esse argumento se baseia na possibilidade dos discípulos estarem
recolhendo espigas que foram deixadas no campo após a colheita. Infelizmente não
podemos afirmar categoricamente que isso seja correto ou não. Mas seguindo essa
possibilidade, os estudiosos afirmam que a colheita do milho acontece naquela região
entre os meses de Março e Abril. O próximo desdobramento desse raciocínio é dizer que
a Páscoa judaica ocorre nesse período também, assim como a festa de Pentecostes que
celebra justamente a colheita dos grãos. Entre a Páscoa judaica e o Pentecostes judaico
existiam sete sábados, contados a partir do segundo dia da Páscoa, então o evento
relatado por Mateus se refere ao segundo desses sábados por isso o uso do plural no
texto grego. Essa interpretação é pouco escutada atualmente, porém é possível que seja a
correta. Notoriamente ela foi defendida por Mills(7) e Jamienson(8)

200
v.3-4 “Mas Jesus lhes disse:
— Vocês não leram o que Davi fez quando ele e os seus companheiros tiveram fome? Como entrou
na Casa de Deus, e comeram os pães da proposição, os quais não era lícito comer, nem a ele nem aos que
estavam com ele, mas exclusivamente aos sacerdotes?”
As palavras do Mestre seguirã o um padrã o triplo sob a seguinte fó rmula “Vocês não
leram?”, e suas variaçõ es. Obviamente se trata de um recurso retó rico aCinal a pró pria questã o
implica no fato dos ouvintes conhecer bem o trecho a citado. Neste caso o trecho falava do Rei
Davi, um dos personagens favoritos de todo judeu; o que implicava que os religiosos tinham por
obrigaçã o de saber.
Jesus os refuta da mesma maneira que fez com Sataná s, citando a Palavra de Deus.
Vemos aqui um primeiro exemplo prá tico e direto, contido 1Sm 21.6: “Então, o sacerdote lhe deu os
pães consagrados, visto que não havia outro além do pão da Presença, que era retirado de diante do Senhor e
substituído por pão quente no dia em que era tirado.” A Torah ensina em Lv 24.5-9 sobre esses pã es
consagrados, que nã o seriam comidos por outros que nã o fossem sacerdotes, nem estivessem
num lugar santo. Entretanto a necessidade de sobreviver tornou lı́cito a David, e seus
companheiros, consumi-lo; e diversos rabis defendiam essa posiçã o.
Existe uma forte conexã o entre a situaçã o de Jesus e a de David naquele momento, já que
ambos eram ungidos de Deus, e ambos eram perseguidos pelas autoridades israelitas. Alé m do
fato do sentido espiritual em que o Messias era Cilho de David, sendo que assim o Mestre reaCirma
indiretamente sua messianidade.
v.5 "Ou vocês não leram na Lei" Pela segunda vez seguida vez vemos uma aCirmaçã o muito
contundente por parte de Jesus, pois ao levantar a possibilidade dos religiosos nã o conhecerem
uma parte da Torah, ele colocava sob suspeita toda a credibilidade deles. A repetiçã o de palavras,
ou termos, na cultura hebraica equivale ao aumento de tom em nossa linguagem latina; ou seja, o
Senhor endurecia seu discurso agora.
“aos sábados, os sacerdotes no templo profanam o sábado e 1icam sem culpa?” O serviço no templo
de Jerusalé m era ininterrupto, uma vez que servia como expiaçã o pontual/cerimonial pela culpa
permanente da naçã o judia; por isso ele se estendia també m durante o Shabat, perı́odo no qual
nã o se devia realizar nenhum trabalho. EN o que esta deCinido em Nm 28.9-10 “No dia de sábado,
ofereçam dois cordeiros de um ano, sem defeito, e quatro litros da melhor farinha, amassada com azeite, em
oferta de cereais, e a libação que a acompanha. Este é o holocausto de cada sábado, além do holocausto
contínuo e a libação que o acompanha.” Entretanto havia uma maneira té cnica de se lidar com isso,
pois o serviço religioso nã o era realizado em benefı́cio da pessoa que o realiza, nem a outro ser
vivo, mas apenas ao SENHOR da lei; assim sendo nã o violava as restriçõ es sabá ticas.
v.6 “Pois eu lhes digo que aqui está aquilo que é maior do que o templo.” Jesus conecta uma
aCirmaçã o messiâ nica fortı́ssima ao aCirmar ser ele maior que o templo. Obviamente o Mestre nã o
se referia a questõ es fı́sicas, mas sim à importâ ncia religiosa dele, aCinal era o pró prio Deus
encarnado ali. O templo era importante, mas apenas como sı́mbolo da obra expiató ria do Cristo.
O raciocı́nio é o seguinte: se os sacerdotes podiam trabalhar nas tarefas do templo, e já
que Jesus é maior que o pró prio templo, porque seus discı́pulos nã o poderiam colher espigas
durante o serviço a Jesus? Por isso essa é uma das aCirmaçõ es mais diretas da divindade que Jesus
realiza em todos os evangelhos.
Existe certa discussã o sobre a que Jesus se refere diretamente, se a ele pró prio, se ao
Reino dos Cé us ou se a obra que o Mestre realiza em comparaçã o à s tarefas do templo. Isso
ocorre porque o adjetivo μεῖζοŒ ν - meidzon, se encontra na forma neutra, o que impede a traduçã o
por “aquele”; o que faria referê ncia direta ao Cristo ali presente. Isso é verdade em grande parte
dos casos, mas també m é correto dizermos que a forma neutra, també m pode se referir a pessoas
quando alguma qualidade está sendo enfatizada, ao invé s do indivı́duo em si.(16)
v.7 “Mas, se vocês soubessem o que signi1ica: “Quero misericórdia, e não sacri1ício”, não teriam
condenado inocentes.” Pela terceira vez, e agora com mais intensidade devido a força da repetiçã o, o
Senhor contesta o conhecimento que os fariseus tinha sobre a Escritura. Eis uma das aCirmaçõ es
primordiais deste capı́tulo na qual o Mestre cita o profeta Osé ias, mais precisamente Os 6.6 “Pois
desejo misericórdia, não sacri1ícios, e conhecimento de Deus em vez de holocaustos” e diz que demonstrar
amor incondicional é superior ao sacrifı́cio de animais; e que se os Fariseus compreendessem
essa verdade nã o cometeriam o erro de condenar os inocentes.
v.8 “Porque o Filho do Homem é senhor do sábado.” Jesus nos apresenta outro exercı́cio de
ló gica a Cim de aCirmar sua divindade como Cristo. Se o Shabat é um dia devotado ao SENHOR, e
Jesus se auto-denomina senhor do Shabat, entã o ele só pode ser Deus. Em apenas alguns

201
versı́culos, Jesus se declara superior ao templo de Jerusalé m, e superior ao Shabat, ou seja, o
pró prio Deus. Encerrando assim o raciocino proposto pelo Mestre, já que o trabalho aos sá bados
era permitido para sobrevivê ncia, e també m era permitido no serviço divino, entã o seus
discı́pulos estavam duplamente isentos de culpa ao colher as espigas para comer enquanto estava
a serviço de Jesus.
E apenas para aplicar essa aCirmaçã o aos nossos dias, lembre-se que este é um dos
trechos que revelam quando demonı́aca é a seita herege do Adventistas do Sé timo dia, a qual
Cinge guardar o Sá bado e nega o sacrifı́cio vicá rio de Jesus na cruz.

Dias da semana (em grego) - ημέρες της εβδομάδας - eméres tes endomádas

É sempre interessante lembrar que o registro feito por Mateus foi realizado no idioma grego. E
uma vez que falamos tanto sobro o sábado, ou shabat hebraico, vale a pena entender como os
demais dias da semana ficam em grego:

Κυριακή - Kiriake - Domingo - possui o sentido de ser o dia líder da semana, ainda que alguns o
relacionem com o dia do divino (daí o uso de kiri ou do Senhor).

Δευτέρα - Deftéra - Segunda-feira - possui o sentido de o dia seguinte ou segundo dia

Τρίτι - Tríti - Terça-feira - oriundo da palavra trítos - terceiro

Τετάρτη - Tetárte - Quarta-feira - oriundo de tetra, ou quatro

Πέμπτη - Pémpte - Quinta-feira - da raiz pémtos, quinto

Παρασκευή - Paraskeve - Sexta-feira - significa preparado, sendo possivelmente ligado a


tradição judaica de santificar o dia seguinte

Σάββατο - Sávato - Sábado - mesmo em grego, sábado significa descanso.

v.9-14 2º Controvérsia: O trabalho em favor do próximo, durante o Shabat


v.9 “E saindo dali, veio em direção a sinagoga deles.” Este trecho aparentemente simples, possui
um substrato muito complexo o qual preciso descrever para que possamos compreender o
objetivo do autor aqui. Tudo se inicia com a informaçã o do evangelista Lucas, que aCirma que ter
isso ocorrido em um shabat posterior. Veja Lc 6.6: “Aconteceu que, em outro sábado…” Entã o como
devemos harmonizar essas duas perspectivas?
Um ponto notó rio, que por vezes Cica latente, é que Mateus optou por redigir seu texto de
maneira temá tica, nã o estritamente cronoló gica. Essa caracterı́stica nã o é tã o exclusiva, ou
extravagante assim, basta você lembrar de quantos livros e Cilmes já assistiu onde os eventos vã o
se intercalando durante o passar da histó ria. O fato de haverem lapsos temporais entre os eventos
nã o invalida sua veracidade. Por isso Mateus nã o erra, tã o pouco mente, ao construir sua frase
dessa maneira; e ainda assim se manté m Ciel ao seu estilo urgente e instigador. Esta passagem
demonstra um conectivo tipicamente mateano, cujo objetivo é mover a açã o do campo para a
sinagoga, sem referê ncia ao tempo.
Bem. Já que mergulhamos tã o fundo no texto grego, me permita relatar outro detalhe. O
texto grego nã o conté m a palavra “Jesus” que aparece erroneamente nas traduçõ es do tipo
Almeida. Optei por apresentar, acima, uma traduçã o direta grego para poder preservar melhor as
nuanças sintá ticas.

Mateus nos descreve o segundo round da batalha entre o Mestre e os fariseus. Jesus e
seus discı́pulos, apó s comerem, saı́ram daquele campo e foram direto para a Sinagoga daqueles
Fariseus. Podemos perceber isso atravé s da escolha dos verbos por Mateus. Primeiro ele utiliza
μεταβα„ ς - metabás, traduzido por “indo”, trata-se de um verbo, no tempo aoristo, ativo e
particı́pio, em segundo lugar vem o verbo η̈λθεν - elthen, traduzido por “chegar”, que també m é
um verbo, no tempo aoristo, ativo, poré m indicativo. Essa conexã o mostra a saı́da de um lugar e a
chegada a outro. Para completar a visã o dos movimentos, Mateus faz questã o de registrar ει†ς τη„ ν
συναγωγη„ ν αὐτῶν ou seja “na sinagoga deles”. Nã o era uma sinagoga qualquer na regiã o, era
exatamente aquela de onde os fariseus haviam vindo. E por ser um Shabat toda a populaçã o local
estaria reunida lá , assim haveria uma boa platé ia para os eventos que se seguiriam.

202
Vemos aqui um ato agressivo, um movimento contundente de Jesus contra a religiã o
equivocada daquelas pessoas. EN como se as peças do tabuleiro de xadrez se movessem com maior
celeridade.
v.10 “Achava-se ali um homem que tinha uma das mãos ressequida. Então, a 1im de o acusar,
perguntaram a Jesus:
— É lícito curar no sábado?”
Uma vez que Jesus estava dentro do campo inimigo, os fariseus aproveitaram a presença
de um homem com a mã o atroCiada, para prepararem uma armadilha contra o Mestre. No
pensamento deles, se na seara, Jesus já havia feito o que era ilı́cito durante um Shabat (ao menos
na opiniã o deles), caso ele repetisse o mesmo dentro da Sinagoga, eles poderiam declará -lo um
herege. Aos poucos, Mateus vai apresentando ao seu leitor, primariamente judeu, como Jesus, o
Cristo, lidava com as ordenanças a respeito do Sá bado sagrado. Como Cica evidente no capı́tulo
24.20 “Orem para que a fuga de vocês não aconteça no inverno nem no sábado.” o Mestre sempre teve
muito cuidado pelo Shabat. A esse respeito, é muito pertinente a aCirmaçã o de Benedicto Viviano,
que escreveu: Jesus é "contra o superdesenvolvimento farisaico da legislação do Shabat ao ponto de tornar-
se, em suas próprias palavras," montanhas penduradas por um 1io de cabelo, pois são muito pouca Bíblia e
muitas regras "(m.Hag 1) : 8)." Segundo Viviano, o Mestre contrasta desfavoravelmente os "comandos
simples da Bíblia para manter o sábado sagrado" com os 39 tipos de trabalho proibidos por m.Šabb. 7:
2.10(11) Grande parte dos ensinos acessó rios, aos quais os fariseus se referiam, foram estruturados
durante o perı́odo do segundo templo, e podemos ser encontrados també m na literatura
sapiencial daquela é poca.
“Eis que estava ali um homem” O texto inspirado nã o revela nada sobre aquele homem,
poré m, apenas pelo fato dele estar na sinagoga durante o dia santo podemos perceber que ele
fosse um judeu devoto. (Como curiosidade gostaria de citar um texto antigo, e apó crifo, conhecido
como “evangelho dos hebreus” o qual nã o é inspirado nem era usado nas igrejas palestinas, mas
apenas por duas comunidades, os Ebionitas e os Nazarenos. Nesse texto existe uma citaçã o
dizendo que o homem com a mã o atroCiada se chamava Melek, e que o mesmo era pedreiro.)(9)
“Procurando um motivo para acusar Jesus” Fica bem evidente a maldade daqueles falsos
religiosos, e Mateus faz questã o de apontar o cará ter dú bio deles. També m existe uma mensagem
implı́cita deixada por Mateus, aCinal, se eles procuravam um motivo para acusa-lo é porque nã o
havia motivo algum. Assim o autor aCirma de maneira velada que Jesus nunca esteve no erro.
v.11-12 Encontramos mais uma vez a aplicaçã o da construçã o do menor para o maior onde
Jesus contrapõ e a importâ ncia de ajudar uma ser humano e a assistê ncia a um animal. Essa
questã o já era debatida a pelo 200, desde o Documento de Damasco 11.13-14 que diz: “Se um
animal cair em uma cisterna ou buraco ele não deve ser levantado durante o Shabat”. Alguns rabinos
discordavam do Documento de Damasco, e acreditavam que em situaçõ es de vida ou morte era
permitido realizar algum trabalho durante o Shabat.(12) Assim, como quase tudo que envolve a
cultura e religiã o judaicas, havia uma discussã o sem Cim sobre o assunto.
Certamente um ser humano vale mais que um animal, o pró prio Mestre já o havia
aCirmado em Mt 6.26 “Observem as aves do céu, que não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros. No
entanto, o Pai de vocês, que está no céu, as sustenta.Será que vocês não valem muito mais do que as aves?” e
em Mt 10.31 “Portanto, não tenham medo; vocês valem mais do que muitos pardais!” Como conclusã o
ó bvia, diz o Nosso Senhor: “Portanto, é permitido fazer o bem no sábado” Fica evidente que Jesus
defende a ajuda ao ser humano, mesmo durante o Dia de Descanso; assim pondo Cim a discussã o
centená ria.
v.13 E mais uma vez Jesus mostrando sua autoridade e curou o homem, sem sequer fazer
uma oraçã o, tã o somente ordenando que ele esticasse sua mã o.
v.14 “Mas os fariseus, saindo dali, conspiravam contra ele, procurando ver como o matariam.” Existe
uma relaçã o muito interessante entre os versı́culos 13 e 14, pois percebemos um efeito de causa e
efeito imediatos. No 13 Jesus cura o homem e no 14 os fariseus se reunem em concı́lio para
tramar a morte de Jesus. EN basicamente uma reaçã o imediata ao que aconteceu. E mais uma vez
os Fariseus se enfureceram com o ato de bondade do Mestre.
O desejo de matar a Jesus precisava ser realizado no â mbito judicial, pois apenas os
oCiciais romanos possuı́am autoridade para realizar uma execuçã o sumá ria. Por outro lado, os
pró prios fariseus seriam expulsos da sinagoga caso emboscassem o Cristo e o assassinassem à s
escondidas. Estes aspectos sã o fundamentais aqui, já que demonstram como os eventos da
cruciCicaçã o serã o construı́do no Cinal do livro. Em resumo, para os religiosos matarem Jesus era

203
preciso conseguir uma condenaçã o religiosos, depois leva-lo a uma autoridade romana e
conseguir dela uma condenaçã o cı́vel; e ainda assim a execuçã o Cicaria a cargo dos romanos, nã o
deles. Gosto muito do que escreveu Harrison, E.F.: “Assim, na Galileia, como acontecera há pouco em
Jerusalém (Jo 5.18), o ódio assassino começou a tomar forma de1initiva.” (17)

Sinagoga
(συναγωγή, synagōgē) Era o local de encontro, ensino e adoração para a comunidade judaica
local; mais ou menos como uma igreja para os cristãos. Possivelmente surgiram durante o exílio
Babilônico e foram uma alternativa a destruição do templo em Jerusalém, com a excessão dos
sacrifícios sangrentos. Na época de Jesus, a sinagoga desempenhava um papel fundamental na vida
diária dos judeus e era o pivô de toda a comunidade, seja em Israel ou na Diáspora (2). Os membros
da sinagoga eram os Rabis (mestres, que podiam ou não ser escribas) e os membros da comunidade
(sendo que os Fariseus eram apenas extremistas religiosos, nada além disso). Uma parte do estudo
que era realizado nas sinagogas ficou preservado na Mishnáh, principalmente o que foi discutido entre
70d.C e 225d.C

v.15-21 Interlúdio teológico


v.15 “Mas Jesus, sabendo disto, afastou-se dali.” Sabendo das intençõ es assassinas dos fariseus,
Jesus optou por sair da sinagoga onde havia curado a mã o do homem. Bastava de confrontos
naquele Shabat. Essa frase é fundamental para o construçã o do ensino deste trecho, pois ela nã o
revela uma fuga medrosa, mas sim um ato consciente, e controlado, por parte do Mestre.
“Muitos o seguiram, e a todos ele curou” Apesar dos discursos rı́spidos de ambas as partes,
uma multidã o seguiu atrá s do Mestre, ainda que nã o possamos estabelecer se o seguiam apenas
por interesse ou se por interesse em seus ensinos. Seja como for ele curou a todos que estavam
doentes. EN muito signiCicativa a palavra utilizada por Mateus ao se referir as curas que Jesus
realizava, pantas (παŒ ντας) que é traduzida por “todos”. Jesus nã o deixa de atender aqueles que o
buscam.
v.16 “advertindo-lhes, porém, que não manifestassem amplamente sua identidade” Ele despediu a
multidã o orientando que nã o chamassem atençã o para o que aconteceu, o que també m se
entrelaça com o ensino proposto aqui, assim como o fato dele ter deixado os fariseus para trá s.
Tudo será explicado a seguir.
v.17-21 “Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito por meio do profeta Isaías:” Aqui Mateus
insere mais uma de suas conexõ es com o Antigo Testamento, cujo intuito é comprovar a
messianidade de Jesus, de Nazaré . A citaçã o se refere a Is 42.1-4, que é a maior citaçã o do livro, e
diz:
18  “Eis aqui o meu servo, que escolhi,
o meu amado, em quem
a minha alma se agrada.
Farei repousar sobre ele o meu Espírito,
e ele anunciará juízo aos gentios.
19  Não entrará em discussões,

nem gritará,
nem fará ouvir nas praças a sua voz.
20  Não esmagará a cana quebrada,
nem apagará o pavio que fumega,
até que faça vencedor o juízo.
21  E no seu nome os gentios

colocarão a sua esperança.”

Implicação teológica Nã o era necessá ria alguma promoçã o daquele evento, tã o pouco
um confronto contı́nuo com os religiosos, aCinal a profecia estava se cumprindo e por Cim: “Em seu
nome as nações porão sua esperança”.

204
A inserçã o deste trecho é fundamental pois revela que Jesus nã o se acovardou diante da
oposiçã o, mas, cumprindo a direçã o do Espı́rito Santo, desviou a agressividade do falsos
religiosos. Vemos o cará ter manso e humilde do Cristo, enquanto esteve aqui oferecendo o Reino
dos Cé us; sendo essa caracterı́stica um forte contraste com os fariseus, que eram sempre os
primeiro a gerarem contenda. Outro ponto importante é que o conteú do da mensagem pregada é
mais importante do que os milagres realizados; muito diferente do que acontece no cená rio
evangé lico atual.
Um detalhe a ser ressaltado sobre a citaçã o de Mateus é que ela nã o corresponde
exatamente nem a LXX nem ao AT Hebraico, o que pode revelar que o autor utilizou de sua
memó ria durante a redaçã o do texto, e nã o de alguma có pia escrito. Esse procedimento era bem
comum na antiguidade, pois as có pias escritas eram raras e carı́ssimas.

Belzebu – origem da palavra


(Do hebraico ‫ּבַעַל זְבּוב‬, ba'al zevuv e em grego Βεελζεβουλ, Beelzeboul). Originalmente era o
nome de um deus da cidade de Ekron, (c.f 2Rs 1.2-3). A palavra parece ser um trocadilho entre
Baalzebul (príncipe de Baal) e Baalzebub (divindade Filistieia significando: senhor das moscas), o que
remetia a “senhor da porcaria” ou “senhor do lixo”. De qualquer forma, trata-se de um adjetivo
pejorativo a quem quer que fosse dirigido. Na época de Jesus o termo era uma referência a Satanás,
ainda que não possamos esperar de um judeu do século I o mesmo grau de compreensão teológica
que nós temos hoje.

v.22-32 O pecado imperdoável


Mesmo que nosso autor já tenha mostrado Jesus, e grande parte do povo, distantes da
sinagoga aqueles homens, parece que eles també m o seguiram, ao menos a certa distâ ncia.
v.22 “Então trouxeram a Jesus um endemoniado, cego e mudo” Mateus segue o padrã o milagre-
aCirmaçã o-milagre para assim mostrar que atravé s dos milagres era comprovada a mensagem
apresentada. Assim vemos a seguinte descriçã o: “Então levaram-lhe um endemoninhado” A
importâ ncia do “Então” (ΤοŒ τε)’ é marcar o tempo e mostrar que existe uma ligaçã o com a
passagem anterior.
Como devia ser dura a vida daquela pessoa, pois alé m da possessã o demonı́aca, ela nã o
enxergava nem falava. Um detalhe que o autor nã o nos revela é quem teria trazido aquela pessoa
até Jesus, aCinal seria impossı́vel um cego e mudo faze-lo por si só . Alguns estudiosos chegaram a
postular que os fariseus estariam envolvidos no caso apenas para poder acusar o Messias de algo,
mas este nã o me parece o caso. A Cigura de algué m cego e mudo lembra a acusaçã o contra a naçã o
de Israel contida em Is 42.18-22: “Escutem, surdos, e vocês, cegos, olhem, para que possam ver. Quem é tão
cego como o meu servo, ou tão surdo como o meu mensageiro, a quem envio? Quem é tão cego como o meu
amigo, e tão cego como o servo do Senhor ? Você vê muitas coisas, mas não as observa; ainda que tenha os
ouvidos abertos, não ouve nada."
“Jesus o curou, e o homem passou a falar e a ver.” Apesar do texto nã o falar sobre a expulsã o do
demô nio, creio que esse fato esteja implı́cito no contexto.
v.23-24 “E maravilhavam-se as multidões e dizia
— Não seria este, por acaso, o Filho de Davi?
Mas os fariseus, ouvindo isto, diziam:
— Este não expulsa demônios senão pelo poder de Belzebu, o maioral dos demônios.”

Apesar da grandiosidade do milagre ocorrido, a cura/libertaçã o do endemoniado é


relatada brevemente pelo autor, aCinal o foco do ensino nã o estava lá , e sim, na reaçã o das
multidõ es. E foram duas as reaçõ es registradas:
.

1. Admiração contida As pessoas comuns, se admiravam com os atos de poder, e


começavam a compreender que Jesus era o Messias. Um detalhe que reforça o estado de
admiraçã o dessa parte da multidã o é o uso da palavra grega ε† ξιŒστημι - existēmi, a qual
ocorre apenas aqui no livro de Mateus. Pela construçã o da frase, no idioma grego, Cica

205
implı́cito que a resposta esperada seria “nã o”, ainda que houvesse uma ı́nCima
possibilidade de um “sim”. Seria como se o povo nã o conseguisse acreditar que aquilo
fosse verdade, mas lá no fundo desejasse que fosse.(15)
2. Rejeição agressiva Já os religiosos, representados pelos fariseus, alé m de nã o
compreenderem o que estava acontecendo, acusaram Jesus de coisas absurdas. Uma vez
que nã o podiam negam a grandiosidade do milagre, aqueles homens criam explicaçõ es
descabidas na esperança de que seu “castelo de cartas” teoló gico nã o desmorone. Essa
mesma acusaçã o já havia ocorrido em Mt 9.32-34. Vale notar que o ó dio, e
consecutivamente a acusaçã o deles, apenas conCirma que Jesus operava sinais
miraculosos aqué m do que qualquer um podia imaginar. Caso nã o fosse assim, por que os
fariseus inventariam uma imputaçã o tã o extrema?

Diante de tamanha agressividade, o Mestre pronuncia um ensino muito conhecido, que


costumamos chamar de “A casa dividida nã o subsiste”. A instruçã o ocorre atravé s de trê s
argumentos interconectados: 1º Sataná s expulsando a si mesmo v.25-26, 2º O exorcismo que os
judeus praticavam v.27 e 3º Jesus é maior que Sataná s v.28-29. Repare como o uso da conjunçã o
adverbial “se” manté m o pensamento unido e nos instiga a lidar com as questõ es propostas.
.

v.25-26 Primeiro argumento (Lógico) “Todo reino dividido contra si mesmo 1icará deserto, e
toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá.” Os Fariseus o acusaram de expelir o
demô nio pelo poder do maioral dos demô nios e Jesus utiliza uma argumentaçã o analı́tica simples
para ressaltar quã o absurda era aquela acusaçã o. Seria uma contradiçã o um demô nio expulsar o
outro, assim como um reino (ou cidade, ou casa) nã o poderia continuar a existir em luta contra si
mesmo, numa espé cie de guerra civil. Ele Cinaliza seu argumento dizendo: “E se Satanás a Satanás
expulsa, está dividido contra si mesmo. Como, então, subsistirá seu reino?” A palavra grega ε† κβαŒ λλει -
ekballei, é importante pois nã o permite que se supunha uma retirada simulada por parte dos
demô nios, seu sentido primá rio é o de “arremessar fora” com se lidá ssemos com o lixo.
v.27-28 Segundo argumento (Prático) “E, se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os
1ilhos de vocês os expulsam?” Este argumento é també m conhecido como Ad Hominem, situaçã o na
qual se critica o autor da acusaçã o e nã o o seu conteú do. Jesus pergunta em nome de quem os
judeus praticavam o exorcismo. Isso é interessante, pois muitas vezes tendemos a pensar que o
Mestre foi o primeiro a realizar esse tipo de libertaçã o. Uma vez que a pergunta nã o gerou
nenhuma estranheza dos que estavam presentes, é bem possı́vel que houvesse algum tipo de
conhecimento da pratica de exorcismo entre os judeus.(3) Em Atos 19.13 temos uma referê ncia a
isso: “Alguns judeus que andavam expulsando espíritos malignos …” Vemos uma forte condenaçã o da
parte de Jesus ao aCirmar que aqueles homens viriam a ser julgados por demô nios, no dia da irá
do Senhor. Triste destino, uma vez que aos crentes está destinado julgar os demô nios cf. 1Co 6.2-3
“Se, porém, eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o Reino de Deus
sobre vocês.” O Mestre, didaticamente, nos conduz a resposta esperada, e ainda nos premia com
uma revelaçã o surpreendente. Esta é uma das cinco vezes que Mateus deixa de utilizar a
expressã o “Reino dos Cé us”, a qual era menos ofensiva aos religiosos e utiliza o termo “Reino de
Deus”. Assim percebemos a entonaçã o que Jesus pretendia dar à frase.
v.29-30 Terceiro argumento (Teológico) “Ou como pode alguém entrar na casa do valente e
roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo?” Segue-se o derradeiro ponto, na argumentaçã o do
Mestre: para um expulsar o outro, nã o pode haver acordo entre eles, mas sim a subjugaçã o de
uma das partes. Jesus é muito superior a Sataná s, por isso podia expulsá -lo. Existem indicaçõ es
de que o nome Ba ̔alzebû l signiCique “Baal senhor da casa” em aramaico, o que reforçaria a
utilizaçã o da Cigura da “casa do valente”.(18)
Temos aqui uma bela referê ncia a Is 49.24-25 que diz: “Será que alguém pode tirar o despojo
de um valente? Será que os presos podem fugir do tirano? Mas assim diz o SENHOR: Certamente os presos serão
tirados do valente, e o despojo do tirano será resgatado, porque eu lutarei contra os que lutam contra você e
salvarei os seus 1ilhos.” Só Jesus é capaz de invadir a fortaleza inimiga, amarrar o “valente” e sair de
lá com domı́nio sobre as bordes do inferno. A vitó ria de Cristo já ocorrera de maneira deCinitiva
em Mt 4.1-11 durante as provas no deserto, apó s o jejum de 40 dias e 40 noites. Que ló gica
haveria caso Cristo expulsa-se em nome de Sataná s se Jesus é muito mais forte que ele. (Veremos
o diabo sendo amarrado e jogado no abismo no futuro, veja o trecho de Ap 20.1-10.)
“Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha.” E toda a argumentaçã o
se conclui com essa aCirmaçã o contundente de que nã o existe a menor possibilidade Cilosó Cica,

206
prá tica ou teoló gica, de um acordo entre Jesus e o inimigo.
v.30-32 A condiguração do pecado imperdoável
Frente a acusaçõ es horrı́veis feitas pelos Fariseus, vemos Jesus expressando sua
perplexidade pelo fato dos religiosos nã o verem a atuaçã o do Espı́rito Santo naqueles milagres. O
Mestre até admite uma ofensa contra ele pró prio – “Todo aquele que disser uma palavra contra o Filho
do homem será perdoado” – mas atribuir a obra do Espı́rito Santo ao inimigo era tã o inimaginá vel,
que nã o haveria perdã o aquelas pessoas. També m podemos perceber os efeitos da kenosis,
palavra grega que representa o ato de Jesus se esvaziar de sua divindade e assumir a posiçã o de
servo. Assim, mesmo sendo Deus em sua substâ ncia, Jesus se colocou de forma inferior ao Deus-
Espı́rito Santo, e por isso ele admitia as acusaçõ es contra ele, mas nã o contra o Espı́rito. Sobre
esse tema, disse Agostinho:
“Na forma de Deus, é igual ao Pai e ao Espírito Santo, pois nenhuma das pessoas é criatura, …, na condição de
servo, é inferior ao Pai, pois ele a1irmou: O Pai é maior do que eu. (Jo 14.28)”(4)

Por vezes pensamos na traiçã o de Judas Iscariotes ou na cruciCicaçã o, atravé s dos


romanos, como sendo o fundo do poço da raça humana. Nem a queda de Adã o, nem a dureza de
Faraó , nem a feitiçaria de Jezebel ou o cativeiro de Israel foram tã o deplorá veis. Nada! Nada se
assemelha ao crime que aquele punhado de homens, representando toda a classe religiosa,
cometeu. A queda começou no Jardim do EN den, mas atingiu o ponto mais baixo aqui, a beira do
mar (cf. Mc 3.7)
Implicação teológica: Naquele momento havia ocorrido a pior falha que um ser humano
cometeu, nunca antes e nunca depois o erro chegaria tã o longe. Ao atribuirem ao inimigo, uma
realizaçã o direta de Deus, aqueles Fariseus se tornaram tã o pecadores quanto o pró prio Sataná s,
sendo que para ambos nã o existe mais perdã o. Desde a ascensã o do Senhor, este pecado nã o pode
mais ser cometido, uma vez que era necessá ria testemunhar a atuaçã o do Espı́rito atravé s de
Jesus para se repetir aquela situaçã o. Outro ponto importante é que nã o haveria perdã o para a
naçã o de Israel, representado pela aCirmaçã o “nem nessa era” e nã o haveria perdã o individual
para aqueles indivı́duos, representado pela outra aCirmaçã o “nem na era que há de vir”.

Má interpretação do versículo 29 Alguns estudiosos que tentam defender o Amilenismo


(posição escatológica que acredita que o Reino Milenar de Cristo é representado pela era atual em que
vivemos e assim não haverá um futuro Reino literal com duração literal de 1000 anos) afirmam que
esse versículo ensina que Satanás já está preso. Infelizmente tais estudiosos não compreendem que
Jesus utiliza uma figura de linguagem chamada “pergunta retórica”, para ilustrar e enfatizar o quão
absurda seria a idéia dele expulsar demônios pelo poder do demônio.

v.33-37 Algumas escolhas deviam ser feitas


Apó s um pecado de tamanha magnitude a situaçã o nã o podia manter o mesmo rumo e
ritmo, algumas decisõ es importantes deviam ser tomadas. De agora em diante nã o seria mais
possı́vel conciliar os lı́deres religiosos e a oferta do Reino feita pelo Messias, nã o haveriam
simpatizantes do Reinos, apenas cidadã os ou adversá rios. Veja o versı́culo 30: "Aquele que não está
comigo, está contra mim; e aquele que comigo não ajunta, espalha”.
O capı́tulo 12 de Mateus possui um papel muito importante para a trama do livro, já que
aqui vemos se delinear a rejeiçã o da mensagem do Reino. No inı́cio do capı́tulo lemos que Joã o
Batista está preso, o que reforça a mensagem de que sua mensagem fora desprezada, agora
estamos num momento sobre o qual todo o livro pivoteará , a rejeiçã o do Messias. Quando os
fariseus acusaram Jesus de realizar milagres pelo poder do diabo, nesse exato momento houve
uma ruptura que nã o podia mais ser remendada. Todo o restante do livro depende do que
aconteceu durante estes versı́culos atrá s.
Jesus faz uso de trê s metá foras para fortalecer sua argumentaçã o: 1º AN rvore e seu fruto,
2º Abundâ ncia do coraçã o e 3º O conteú do do tesouro. Essa é uma maneira de reforçar o que

207
estava sendo dito, e é muito comum na literatura judaica.

v.33 Primeira digura: A árvore e o seu fruto “Considerem: Uma árvore boa dá fruto bom, e
uma árvore ruim dá fruto ruim, pois uma árvore é conhecida por seu fruto.” Este versı́culo apresenta certa
diCiculdade na traduçã o para a nossa lı́ngua, principalmente porque o sentido se perde em uma
transliteraçã o(5). A real diCiculdade aqui se encontra no verbo poiesate, o qual normalmente é
traduzido por “fazer”, o que nã o faria o menos sentido aqui. Creio que neste caso, a NVI, proponha
uma boa versã o alternativa à traduçã o.
Jesus já havia falado a respeito de á rvores e frutos no capı́tulo 7.16-20, sempre com o
sentido de diferenciar os crentes da geraçã o incré dula. Sua funçã o aqui é de pavimentar do
caminho o pensamento do ouvinte para o pró ximo versı́culo, poré m já tendo em mente que a
á rvore má (os fariseus) produz fruto (obras) mau.
v.34 Segunda digura: Abundância do coração “Raça de víboras! Como vocês podem falar
coisas boas, sendo maus? Porque a boca fala do que está cheio o coração.” Agora encontramos a acusaçã o
formal contra eles. O Mestre inicia com a mesma acusaçã o que Joã o havia feito a beira do Jordã o:
“Descendência de Víboras!” (c.f Mt 3.7) Em outras palavras, o que o Senhor dizia é : Você s sã o
descendê ncia do demô nio (aqui representado pela vı́bora), e a mim querem acusar de realizar
algo pelo poder do inimigo?
Por serem pessoas ruins, aqueles religiosos nã o tinham nada de bom dentro de seus
coraçõ es e assim nã o poderiam dizer nada de bom; repetindo a questã o anterior relativa à á rvore
e a seu fruto, sendo assim uma conclusã o ó bvia no exemplo utilizado.
v.35 Terceira digura: Itens do tesouro “A pessoa boa tira do tesouro bom coisas boas; mas a
pessoa má do mau tesouro tira coisas más.” Vemos a mesma ló gica aplicada aqui, onde do “bom
tesouro” saem coisas boas e do “mau tesouro” saem coisas má s. Assim passamos por trê s etapas
que reforçam umas as outras e se concluem da mesma maneira.
v.36-37 Conclusão “Digo a vocês que, no Dia do Juízo, as pessoas darão conta de toda palavra
inútil que proferirem; porque, pelas suas palavras, você será justi1icado e, pelas suas palavras, você será
condenado.” Prestaremos contas de todas as palavras que proferirmos, sejam grandes ou pequenas,
boas ou má s. A palavra grega α† ργο„ ν -argó n, traduzida por “inú til” ou “insigniCicante” e serve de
contraponto para a acusaçã o feita pelos fariseus. O pensamento é o seguinte, se mesmo pequenas
palavras serã o julgadas, quanto mais a absurda acusaçã o de que Jesus fazia sua obra mediante o
poder do maligno. Assim sendo nã o restaria aos falsos religiosos a desculpa de dizer que tal
horrenda acusaçã o fosse apenas um modo de falar sem tanta signiCicâ ncia.
Isso acontecerá no dia do julgamento, e ningué m escapará . Essa aCirmaçã o evoca alguns
textos: “É a sua própria boca que o condena, e não a minha; os seus próprios lábios depõem contra você.” Jó
15.6, “Os sábios acumulam conhecimento, mas a boca do insensato é um convite à ruína.” Pv 10.14 e “A
língua tem poder sobre a vida e sobre a morte; os que gostam de usá-la comerão do seu fruto.” Pv 18.21
Algo muito interessante ocorre no versı́culo 37, pois ali Jesus muda completamente a
entonaçã o do discurso. Durante a apresentaçã o das trê s metá foras ele utiliza uma linguagem em
terceira pessoa, e em sentido mais amplo, agora a questã o se aproxima muito do ouvinte, pois o
Mestre, usando a segunda pessoa do singular coloca a responsabilidade diretamente sobre os que
estavam ali.

Descendência de Víboras
Víbora (‫אֶפְעֶה‬, eph'eh; ἔχιδνα, echidna). O animal em questão possivelmente é a Víbora da
Areia, comum ainda hoje naquela região. Dificilmente alguém não compreenderia uma comparação tão
evidente, e que possuía caráter pejorativo.

Jesus utiliza uma linguagem muito dura, a forma mais contundente que temos nos relatos de
sua vida. É como se o Mestre quisesse provocar naqueles homens o mesmo tipo de impacto que ele
sentiu ao ser acusado de expelir demônios pelo poder do maioral dos demônios. O Messias repete a
acusação feita por João, em Mt 3.7, que por sua vez é uma metáfora originada no texto de Gn 3.
Veremos novamente falar da serpente do livro de Gênesis em Ap 12.9 e por fim em Ap 20.2

208
v.38-42 Os religiosos pedem um sinal
v.38 “Então alguns escribas e fariseus disseram a Jesus: — Mestre, queremos ver algum sinal feito
pelo senhor.” Reagindo a grave acusaçã o que Jesus havia feito, alguns dos escribas e dos fariseus
retrucaram (apokrinomai) dizendo: "Mestre, queremos ver um sinal miraculoso feito por ti".
EN possı́vel que eles o tenham dito de maneira a provocar ou mostrar desrespeito a Jesus,
ou entã o no sentido de: “Já que você é o Messias, prove com algo grandioso”. Ambos os sentidos
sã o possı́veis, mas o texto nã o é objetivo quanto a isso. Seja como for, nã o seria um absurdo o que
eles pediram, aCinal como vimos anteriormente os sinais que eram realizados tinham o propó sito
de conCirmar a palavra que havia sido ensinada. Jesus havia feito isso por diversas vezes. Veja o
relato do apó stolo Joã o em Jo 2.11 “Este sinal miraculoso, em Caná da Galiléia, foi o primeiro que Jesus
realizou. Revelou assim a sua glória, e os seus discípulos creram nele.”
O que motivou Jesus a responder de forma tã o rı́spida – “Geração adultera e perversa” - foi a
acusaçã o anterior de que ele expelia demô nios pelo poder do maioral dos demô nios, a qual
mudou o curso da histó ria e da oferta do Reino. De agora em diante o tom do discurso seria mais
duro. Bem mais duro.
No lugar de realizar um milagre, o Mestre apresenta trê s testemunhos contra a
incredulidade daquela geraçã o: 1º O sinal de Jonas, 2º A rainha do Sul e 3º Geraçã o incré dula.
v.39-41 Primeiro testemunho Os ninivitas se converteram diante da mensagem de Jonas
(Jn 3.5), enquanto os judeus estavam rejeitando a pregaçã o do Cristo, que é muito maior que o
profeta fujã o. Jesus ensina algo que nã o deve ter sido plenamente compreendido naquele
momento, aCinal nã o era tã o ó bvia a comparaçã o com Jonas, c.f Jn 1.17. Mas ele estava falando de
sua morte (no coraçã o da terra) e posterior ressurreiçã o, aCinal esse seria o ú nico (e deCinitivo)
sinal que eles receberiam. E por Cim ouvimos que os homens de Nı́nive se levantarã o e
condenarã o aquela geraçã o adultera e incré dula.
Justino Má rtir, no inı́cio do sé culo II comentou o texto da seguinte maneira: “Como ele havia
de ressuscitar ao terceiro dia apó s ser cruciCicado, está escrito nas Memó rias dos Apó stolos que os do vosso povo, ao
discutir com ele, lhe disseram: “Mostra-nos um sinal”. E ele replicou: “Esta geraçã o má e adú ltera busca um sinal, e nã o
lhes será dado nenhum sinal alé m daquele do profeta Jonas”. Embora o tenha dito de alguma maneira oculta, todavia os
Cié is puderam entender que, depois de ser cruciCicado, ressuscitaria no terceiro dia. Jesus pô s à s claras que vossa geraçã o
era mais perversa e adú ltera do que os habitantes da cidade de Nı́nive.”(19)
Implicação teológica: “E aqui está quem é maior do que Jonas.” Jesus é superior aos profetas.
Para os judeus ortodoxos existem duas partes principais das escrituras: a Torah (Lei) e os
profetas. No versı́culo 6 Jesus já havia declarado ser maior que o Templo, o qual representava a
Torah e o cerimonial envolvido.
v.42 Segundo testemunho A rainha do Sul, chamada em outros textos de rainha da Sabá
(2Cr 9.1-12), Reconheceu a sabedoria divina que estava sobre Salomã o e creu.
Implicação teológica: “E aqui está quem é maior do que Salomão.” Tratando-se do Antigo
Testamento, da maneira como os judeus o dividiam, ainda existia uma terceira categoria de textos
sagrados denominada Sabedoria, sendo Salomã o seu expoente má ximo. Mais uma vez o Mestre se
declara superior aos escritos judaicos.
v.43-45 Terceiro testemunho Para demonstrar o resultado da incredulidade, Cristo cita
o exemplo de uma pessoa que havia sido liberta da possessã o demonı́aca (talvez atravé s de um
exorcismo judaico c.f Mt 12.27). Seguindo essa visã o(6) do texto podemos entender que uma vez
que nã o houve uma conversã o genuı́na daquela pessoa que havia sido liberta, os espı́ritos maus
puderam retornar em maior nú mero.
Implicação teológica: Ao relacionarmos esse ensino com o tema aqui, podemos
perceber que os ministé rios de Joã o Batista e de Jesus Cristo estavam libertando a naçã o de
Israel, poré m devido a incredulidade deles, e a rejeiçã o do Messias, seu estado Cinal seria ainda
pior do que o primeiro.

v.46-50 A família do Reino


Este trecho possui algumas questõ es gramaticais interessantes e que devem ser
analisadas com um pouco mais de atençã o. A primeira palavra do versı́culo é de (δεŒ ) a qual
normalmente é traduzida por “e” (usada como conexã o com outro pensamento). Nã o é algo muito
complexo ou desaCiador, entretanto a maioria das traduçã o (NIV, NVI, ESV, NKJV, NRSV) optam por
nã o colocá -la no texto Cinal. A razã o para isso é que alguns manuscritos mais antigos nã o conté m
o de. Ainda assim parece ser mais adequado manter a palavra na traduçã o, uma vez que sem ela o
texto original Cica muito “solto”, e com ela sentimos o senso de urgê ncia que o autor desejava

209
transmitir-nos.
v.46 Sendo assim a frase Cicaria: “E (δέ) enquanto ele ainda falava às multidões, vejam (idou), sua
mãe e irmãos esperavam do lado de fora, procurando falar com ele.” Aqui existe també m a grande
importâ ncia do idou, utilizado para chamar atençã o para o fato descrito, pois sem ele perdemos a
intençã o original do autor. De maneira redacional, Mateus nos mostra que a famı́lia de Jesus
esperava algum tipo de prioridade para falar com ele, isso se evidê ncia no peso que ele dá ao fato
do Mestre ainda estar falando, ou seja, ensinando. Os “irmã os” aqui descritos podem tanto ser
Cilhos de Maria (com José ) ou apenas de José , no caso de um casamento anterior
“procurando falar com ele.” Dois aspectos devem ser percebidos aqui. O primeiro é que
havia muita gente ao redor do Mestre, o que ilustra Lc 8.19 “mas não podiam aproximar-se por causa
da multidão.” O segundo aspecto é qual o motivo de tanta urgê ncia. Podemos perceber duas boas
razõ es, uma é a intençã o aberta dos fariseus em leva-lo a julgamento, e a outra é que os pró prios
parentes de Jesus achavam que ele havia enlouquecido. Veja como Marcos descreve a situaçã o: “E,
quando os parentes de Jesus ouviram isto, saíram para prendê-lo, porque diziam: — Está fora de si.”
v.47 "Alguém lhe disse:" Interessante como o autor esvazia de importâ ncia que ousou
interromper o ensino do Senhor, pois Mateus o descreve en passant, apenas como "alguém". Ao
avisarem Jesus que sua famı́lia o aguardava, vemos a utilizaçã o do idou: “Veja (idou), sua mãe e
irmãos aguardam lá fora desejando falar com você”. Dessa maneira vemos Mateus chamando a atençã o
do leitor para o que estava acontecendo.
Este versı́culo també m merece uma averiguaçã o, pois em alguns poucos textos antigos
ele nã o está presente.(20) A razã o para isso é que o versı́culo 46 e també m o 47 terminam com a
mesma palavra, o que pode ter levado algum copista a elimina-lo pensando se tratar de um erro
conhecido como homeoteleuton (termo que signiCica piscada de olho) que se refere a repetiçã o da
mesma palavra ao Cinal de uma frase e no inı́cio da pró xima.(13) Hoje, a quase totalidade das
traduçõ es reconhecem este versı́culo integralmente; ainda que o NA28 o mantenha entre
colchetes.
v.48-50 O Mestre utiliza de uma pergunta retó rica ao dizer: "Quem é minha mãe, e quem são
meus irmãos?". Este recurso é utilizado para trazer a atençã o do espectador para a resposta que
será dada pelo autor da pergunta; nesses casos nã o se espera uma resposta por parte dos
ouvintes. O texto de Dt 32 era bem conhecido dos judeus, pois era recitado antes do Dia da
Expiaçã o, que era um dos feriados mais importantes daquela naçã o. Logo em seguida encontrasse
Dt 33 conhecido també m como "a benção de Moisés" o qual diz a respeito da tribo de Levi: "Levi
disse do seu pai e da sua mãe: "Não tenho consideração por eles’. Não reconheceu os seus irmãos, Nem
conheceu os próprios 1ilhos, apesar de que guardaram a tua palavra e observaram a tua aliança." Apesar de
ser um versı́culo um tanto truncado, seu sentido é que o vı́nculo importante entre os homens é
fazerem eles a vontade do Deus todo-poderoso. EN bem possı́vel que este seja o pano de fundo
sobre a declaraçã o rı́spida de Jesus.
Muito interessante é a maneira como a resposta foi construı́da. Repare que durante o
trecho que estamos estudando, Mateus registrou por duas vezes a palavra idou v.46 e v.47; agora
ele utilizará a mesma palavra na resposta de Jesus. Acompanhe o v.49: "Aqui (Idou) estão minha mãe
e meus irmãos!”
Implicação teológica: De qualquer maneira o objetivo do ensino de Jesus era mostrar a
importâ ncia daqueles que fazem a vontade do Pai. Em outras palavras, quem obedece a Deus
possui uma posiçã o muito relevante perante Jesus. A ê nfase do ensino a respeito do Reino dos
Cé us é que nele os valores é ticos e a maneira como interagirmos com o pró ximo possuem
importâ ncia muito maior que na sociedade da é poca de Jesus e de nossa pró pria era.
També m é importante frisar que Maria, mã e de Jesus, e merecedora de todo respeito por
parte dele e nosso, nã o possuı́a acesso especial ao Senhor. Isso inviabiliza a errô nea teologia
cató lica que descreve Maria como possuidora de poderes especiais de persuasã o sobre Jesus.

Em resumo, o capı́tulo 12 pode ser dividido em duas aCirmaçõ es, 1) a religiosidade nã o
garante posiçã o de mé rito diante de Deus, 2) relaçõ es familiares també m nã o trazem benefı́cios
especias perante o Pai.
Ao chegarmos a este está gio da narrativa é perceptı́vel o rompimento entre Jesus e os
judeus religiosos e corrompidos. Kelly, Wm diz: "Ele renunciou a toda ligação terrena para o tempo
presente. A única relação que ele reconhece agora é com o Pai celeste, formada pela palavra de Deus revelada à
alma. Assim, temos nesse capítulo o Senhor terminando o testemunho para com Israel. No capítulo seguinte
encontraremos o que surgirá, dispensacionalmente, das novas relações que o Senhor está prestes a revelar"(14)

210

A pelo menos 200 anos a palestina vinha encontrando movimentos que


eram contrá rios ao controle religioso por parte dos sacerdotes corrompidos. A
vilanice dos sacerdotes Cica clara em seu envolvimento com a farsa conhecida como o
"julgamento de Jesus". O que chamo de "farsa" é o fato do julgamento nã o ter amparo
legal, alé m de ter sido fraudulento, em hipó tese alguma sugiro que ele nã o tenha
acontecido. Grupos dissidentes haviam criado um templo paralelo no Monte Gerazin
(330-110 a.C), enquanto outro movimento construiu em Leontó polis (170 a.C - 70
d.C) mais um templo, isso sem falar nos Essê nios, que viviam nas cavernas de
Qumran (165 a.C - 70 d.C) como forma de protesto contra a religiã o formal.

(1) The Lexham Bible Dictionary


(2) Levine – Ancient Synagogue – p.381-412
(3) Na literatura judaica fora do câ none bı́blico, existiam encantamentos para exorcismo, alguns deles encontrados
no Talmud. A Biblioteca Estatal da Baviera guarda uma obra, quase completa, que estimasse ser do sé c. XIII
https://www.wdl.org/pt/item/8910/ As principais caracterı́sticas dos exorcismos judaicos eram a mençã o de
nomes que se acreditava serem eCicazes. Flavio Josefo, historiador Judeu, conta um caso de exorcismo realizado
diante do imperador Vespasiano (Quevedo, Oscar G. – Antes que os demô nios voltem).
(4) Hipona, Agostinho – A Trindade – Livro I, cap. 11, p.53
(5) Transliteraçã o é o ato de transcrever a escrita de um alfabeto, palavra por palavra, em outro. JORNAL DO
BRASIL. Normas de Redaçã o. Rio de Janeiro: Editora JB, 1988
(6) Outras soluçõ es foram propostas para esse versı́culo. Granconato, M. sugere que o ensino tem por objetivo
dizer que uma geraçã o se torna mais incré dula que a outra, em um cı́rculo progressivo – Pregaçã o sobre Mt
1 2 . 3 8 - 4 5 d i s p o n ı́ v e l e m ( h t t p : / / i g r e j a r e d e n c a o . o r g . b r / i n d e x . p h p ?
option=com_sermonspeaker&task=singlesermon&id=10376&Itemid=110). Já Utley, Bob propõ e que 3 outras
soluçõ es para essa mesma questã o. (c.f The First Christian Premier – Matthew p.111)
(7) Mills, M. S. - The life of Christ - §72
(8) Jamienson, R - Commentary critical and explanatory on the whole bible - capı́tulo 12
(9) Trimn, J.S. - The good news according to the hebrews - p.58
(10) Hill, D. - The gospel of Matthew - p.209
(11) Viviano, B. - The gospel according Matthew (in The new Jerome biblical commentary) - p.653
(12) Babylonian Talmud, Shabbath 148b.
(13) Loken, I e Brannan, R - The Lexham textual notes on the bible -
(14) Kelly, Wm - Lectures on the gospel of Matthew - p.262
(15) Utley, B - The 1irst Christiam Premier: Matthew p.109
(16) Tuner - Syntax - p.21
(17) Harrison, E.F. - Comentário bíblico Moody - Vol.2 p.61
(18) France, R.T. - The gospel of Matthew - p.448
(19) Justino Má rtir - Apologia contra Trifon - 107.1
(20) Este versı́culo nã o está incluı́do nos manuscritos gregos ‫ א‬ou B ou nas traduçõ es Peshitta e copta. Ele está
incluı́do nos manuscritos ‫ א‬c, C e D e na Vulgata e no Diatessaron.

211

.
Erasmus de Rotterdan – Novun Instrumentum. Editado por Basel em 1516 (mais ou menos ao tempo do
descobrimento do Brasil). Contém o texto grego e sua tradução para o Alemão. Digitalizada pelo projeto
CSNTM.org

212
Mateus 13
O TERCEIRO GRANDE DISCURSO DE JESUS

O capı́tulo 13 representa o centro temá tico do livro composto pelo apó stolo Mateus,
sendo por essa razã o uma das partes mais estudadas, debatidas e comentadas na histó ria da
Igreja; Cicando atrá s apenas do relato da cruciCicaçã o e do sermã o das bem-aventuranças. Em
minha proposta de uma organizaçã o em cinco discursos, talvez a centralidade deste tomo nã o
seja tã o aparente, mas certamente, junto com o capı́tulo 12 que descreve a parte da manhã do
mesmo dia, estamos diante do pivô central da trama. Aqueles que preferem enxergar o Evangelho
segundo Mateus como uma gigantesca estrutura quiá stica, veem aqui no capı́tulo 13 como um
quiasma dentro de outro quiasma maior(22) Podemos perceber os resultados que a rejeiçã o do
Messias, acontecido no capı́tulo 12, provocaram em sua mensagem e na oferta do Reino. EN
fundamental ter em mente a rejeição progressiva pois ela se acentua agora no capı́tulo 13, e
deCinirá todo o restante do relato. Caso analisemos o contexto anterior e posterior deste capı́tulo
veremos que em 12.48-50 Jesus rejeita sua famı́lia de criaçã o enquanto em 13.53-57 ele é
rejeitado em Nazaré imediatamente apó s o pronunciamento das pará bolas. Sendo assim, o
Mestre estava sem famı́lia, sem naçã o (até certo ponto rejeitado també m por sua pró pria
religiã o), restava-lhe apenas o Reino celestial. Como bem explicou Beachan, R.E. "As parábolas do
reino, então, não pretendiam de1inir o reino em sua oferta, mas explicar os efeitos de sua rejeição. O cenário
contextual que envolve as parábolas do reino (Mt 10: 1-16: 21) não deve ser ignorado em sua
interpretação."(20)

Diferente dos dois primeiros discursos, aqui Mateus optou por inserir o marco divisó rio
apenas no Cinal, mais precisamente no versı́culo 53: “Tendo terminado de contar estas parábolas, Jesus
saiu dali.” Mesmo assim é vá lido o esboço que divide a parte central do livro em cinco discursos,
equivalentes aos cinco livros de Moisé s. Este terceiro discurso possui um arcabouço bem
delineado, sendo que os versı́culos de 1 a 35 sã o dirigidos à s multidõ es à beira do mar e os de 36
a 52 sã o referentes aos discı́pulos de Jesus dentro da casa. Outro detalhe interessante é o fato dos
discursos anteriores serem quase que ininterruptos, enquanto este terceiro é multifacetado e
entrecortado, tanto por Jesus quanto por seus discı́pulos; e até mesmo por explanaçõ es editorias
inseridas pelo autor Mateus. Algo que se manté m unı́ssono por todo o discurso é o tema do Reino
dos Cé us.
Alé m das duas divisõ es bá sicas propostas acima, podemos perceber que cada trecho
descrito se inicia com a descriçã o do local (1-3 a beira do mar e 36a em casa), uma conclusã o
(34-36 e 51-52) e quatro pará bolas em cada parte. Existe certa discussã o entre os estudiosos a
respeito do nú mero total de pará bolas aqui, sendo que os mais antigos defendiam o nú mero de
sete, enquanto os estudos mais atuais as compreendem como sendo oito. Aqueles que possuem
uma compreensã o mais aprofundada de literatura, encontram aqui o que é conhecido como
estrutura quiá stica. O professor Mark Bailey pontuou o assunto da seguinte maneira: "Essas
quiasmas indicam que o capítulo inteiro representa não apenas o ministério autêntico de Jesus, incluindo as
parábolas e suas interpretações, mas também o produto literário intencionalmente estruturado do autor
humano, Matthew, que escreveu sob a inspiração do Espírito Santo para preservar um registro desse ministério
e para atender às necessidades de seu público do primeiro século"(16)

O primeiro grande discurso se inicia apresentando a doçura das bem-aventuranças, o
segundo grande discurso possui um tom mais objetivo com o envio das boas novas atravé s dos
apó stolos, já este terceiro discurso toma um rumo totalmente diferente. A partir de agora Jesus
falaria em pará bolas, ou como disse Maier, J.P: "O próprio fato de que Jesus agora se retira para uma
forma parabólica de ensino é um sinal de julgamento sobre Israel."(15) Essa mudança chama à atençã o do
discı́pulos (v.10) que lhe questionam a razã o de tã o abrupta mudança. Um detalhe importante
sobre modo como Mateus registra os acontecimentos é o fato de que, neste evangelho, o objetivo
Cinal da pará bola e trazido ao foco. Assim ele nunca se afasta de sua proposta literá ria, que é
provar que Jesus, chamado Cristo, é o Messias prometido a Israel. Ao menos dez pará bolas
descritas por Mateus conté m a frase introdutó ria "O Reino dos Céus é semelhante ..."
Antes do capı́tulo 13 a expressã o pará bolas nã o é utilizada, e entã o apenas neste trecho,
a palavra παραβοληŒ ocorre 12 vezes (13:3.10.13.18.24.31.33.34(2x).35.36.53), o que nos leva a

213
crer que o autor desejasse enfatizar este aspecto como a parte central da mensagem. A
notoriedade das pará bolas é tanto proeminente que John Dominic Crossan considera o Evangelho
de Mateus, como um todo, uma “pará bola”.(40) [discordo amplamente da abordagem geral de
Crossan em relaçã o ao evangelho segundo Mateus, mas aceito a importâ ncia em relaçã o à s
pará bolas]. Ainda que possamos identiCicar até treze "pará bolas" no Sermã o do Monte, o autor
opta por nã o designa-las assim; possivelmente para adicionar maior dramaticidade neste
momento de seu enredo. Apó s o capı́tulo 13 també m encontraremos trechos importantes de
ensino parabó lico, como por exemplo Mt 18 (duas pará bolas) e Mt 24.28-25.33 (com suas oito
pará bolas escatoló gicas).
Ainda que a deCiniçã o exata do que é , ou nã o é , uma pará bola seja muito difı́cil (para nã o
dizer impossı́vel) podemos entender com certa margem de segurança que o Evangelho segundo
Mateus apresenta cerca de 51 pará bolas(44) espalhadas por todo seu relato.

També m devemos observar que Mateus mudou a maneira como Marcos descreve os
ensinos, já que utiliza o termo ε† λαŒ λησεν - elalesen (falou) enquanto Marcos emprega ε† διŒδασκεν -
edidasken (ensinava). O fato de elalesen estar no tempo aoristo, o que implica uma açã o que
ocorreu no passado e foi completada, enquanto edidasken se encontra no passado imperfeito,
muda bastante o tom proposto. Mediante a narraçã o de Mateus, temos uma percepçã o maior de
algo sendo aCirmado, quase que uma proclamaçã o.(45)

Outro ponto a ser observado é a localizaçã o geográ Cica dos discursos. Se o primeiro
discurso aconteceu no monte (um lugar alto, muitas vezes associado a proximidade com o
divino), este terceiro discurso acontece a beira-mar (um ponto geograCicamente mais baixo,
principalmente naquela regiã o). Existe assim uma sú til impressã o de que a oferta do Reino havia
chegado ao seu ponto mais baixo; se distanciando cada vez mais da naçã o incré dula.

As quatro primeiras pará bolas foram proferidas em pú blico (para a grande multidã o) e
as quatro ú ltimas de maneira privada aos discı́pulos, poré m essa observaçã o, ainda que vá lida,
nã o é suCiciente para nos revelar plenamente a estrutura do sermã o. Claro que, como em todo o
debate acadê mico, existe certa contrové rsia sobre o nú mero total dessa pará bolas. Alguns
postulam que Mt 13.52, entre eles Roloff, J. (argumenta que sete é o nú mero da perfeiçã o e por
isso devemos excluir o versı́culo 52 do quadro geral)(42) e Scroggie, G. (defende que o versı́culo 52
é uma chave textual para interpretar as pará bolas anteriores em relaçã o a escatologia)(43), poré m
seus argumentos sã o oriundos de temas alheios ao texto e nã o subsistem à exegese adequada.
Diante de nossa proposta de estudar este livro, Cica claro que a formataçã o em 8 παραβοληŒ
parece o mais correto.
Podemos propor um esboço temá tico e progressivo deste trecho do livro, pois no
capı́tulo 12 os judeus rejeitaram ao Cristo, e agora ele explica que o Reino dos Cé us nã o estaria a
disposiçã o de todos os judeus é tnicos (v.9 Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça!). A primeira
pará bola (v.3-8 e o comentá rio em 18-23) destaca que apenas uma parte dos que ouviam a
palavra iriam entrar no reino, isso é representado em linguagem Cigurada pela descriçã o de gerar
frutos. Em seguida (v.24-30) vem a pará bola do Joio, onde Jesus restringe ainda mais a
quantidade dos que seriam salvos. A situaçã o se torna tã o dramá tica e desesperadora, que antes
que os ouvintes desfalecessem, o Senhor propõ es duas pará bolas gê meas (31-33) e nelas explica
que mesmo que os cidadã os do Reino sejam muito poucos no inı́cio, essa diminuto contigente
seria suCiciente para gerar um grande crescimento. Ao Cinal da tarde, já de volta a casa, o Mestre
propõ es outro par de pará bolas gê meas (44-46) e nelas explica que o valor de abraçar o ensino
do Messias vale todo o custo envolvido. Enquanto a pará bola da rede (47-50) repete a mensagem
da pará bola do Joio, aCirmando que no Cinal dos tempos haverã o dois tipos de pessoas,
aparentemente parecidas, embora muito diferentes em seu ı́ntimo. Por Cim chegamos a ú ltima
pará bola da lista (v.52), à quela que chamamos "Os tesouros do Pai de famı́lia", a qual certamente
é a mais enigmá tica de todas. Nela Jesus explica que seu novo ensino se harmoniza perfeitamente
com tudo o que ele havia pregado desde o inı́cio de seu ministé rio. També m podemos observar
que a primeira e a ú ltima pará bola nã o possuem a fó rmula introdutó ria contida nas demais
pará bolas aqui, isso ajuda a reforçar a percepçã o de que elas formam uma moldura a estrutura
desenhada pelo autor. Sã o quatro pará bolas grandes e quatro pará bolas pequenas. Se o leitor já
praticou Boxe ou tem conhecimentos de algum tipo de dança, poderá perceber um balé se

214
desenrolando aqui. Em termos pugilı́sticos seria assim: Direto, Cruzado, Jab, Jab, Direto, Jab, Jab,
Cruzado e Direto. Sendo que os “Jabs” sã o golpes curtos e velozes, muito utilizados para ajustar a
distâ ncia contra o oponente, os “Cruzados” sã o golpes potentes ainda que aplicados de forma
obliqua e os “Diretos” alé m de serem propriamente diretos contra o oponente, sã o os mais
potentes. Mesmo que as Ciguras se alterem em cada pará bola, o ensino geral parece imó vel,
representando sempre a atitude do ouvinte ao aceitar ou nã o os ensinos do Messias.

Seguindo este esboço, Cica nı́tida a estrutura em quiasma proposta pelo autor. E uma vez
que o quiasma possui a funçã o de evidenciar o tema central de sua estrutura(21) veja o que surge
ao centro do discurso das pará bolas do Reino:

.

A. Pará bola do Semeador (nã o possui fó rmula introdutó ria)


B. Pará bola do Joio (julgamento na era Cinal)
C. Pará bolas gê meas - Mostarda/Fermento
D. versículos 34-35 Explicaçã o de porque Jesus falava atravé s de pará bolas
E. Pará bolas gê meas - Tesouro escondido/Pé rola
D. Pará bola da rede (julgamento na era Cinal)
F. Pará bola do Chefe de famı́lia (nã o possui fó rmula introdutó ria)

*versículos 34-35 "Jesus falou todas estas coisas à multidão por parábolas. Nada lhes dizia sem
usar alguma parábola, cumprindo-se, assim, o que fora dito pelo profeta: "Abrirei minha boca em parábolas,
Proclamarei coisas ocultas desde a criação do mundo".

No aspecto esté tico/poé tico, a estrutura literá ria de Mateus 13 se rivalizaria apenas com
Mateus 1 onde encontramos o relato da genealogia do Messias.
A descriçã o sobre o quiasma, que Ciz acima, nã o é de todo exaustiva e possui o intuito de
revelar a estrutura poé tica, assim como seu ponto central. No apê ndice deste livro insiro uma
estrutura mais detalhada descrita pelo professor Mark Bailey, do Dallas Theological Seminary.

Uma transcriçã o prá tica, e funcional, da estrutura deste capı́tulo e també m de seu
conteú do teoló gico seria:
.

A. A rejeiçã o era esperada, pois apenas uma parte da semente se desenvolve.


B. Junto a semente que se desenvolve estará o joio do inimigo até colheita Cinal.
C. Apesar de serem tã o poucos, vosso crescimento será estrondoso
D. versículos 34-35 Mudei meu discurso para pará bolas nã o por birra, mas
para se cumprir a Escritura Sagrada.
E. Apesar da diCiculdade, vale a pena me seguir e entrar em meu reino.
D. Junto com os peixes bons estã o os peixes ruins, esperando a separaçã o Cinal.
F. A partir de agora, trarei ensinos novos junto com os ensinos tradicionais.

Ainda sobre a estrutura deste capı́tulo, existe um outro padrã o natural que é percebido
ao analisarmos as interpretaçõ es que Jesus fez de suas pró prias palavras. Repare como a
explicaçã o nã o ocorre de imediato, mas sim um pouco depois.

Pará bola do Pará bola do



semeador joio

Pergunta dos Pará bola do grã o de mostarda

discı́pulos e pará bola do fermento

Interpretaçã o Interpretaçã o
do semeador do joio

215
Parábola
(Greek, παραβολή, parabolē; Hebrew, ‫מָׁשָ֑ל‬, mashal) Uma história ou provérbio que ilustra uma
verdade utilizando de comparações, hipérboles ou similaridades; aplicadas em exemplos, modelos ou
analogias. Uma tradução literal da palavra parabolē é: colocar as coisas lado a lado(2) Eram usadas na
literatura grega antiga, porém foram cristalizadas no pensamento ocidental apenas após Aristóteles(13)
(antes dele παραβολή, ὁμοίωσις e εὶκών eram usados sinonimamente)(14). De acordo com Aristóteles
as parábolas serviam como provas indutivas (ou indiretas) e como um meio de ilustrar algum tema.
Acontecem também na literatura hebraico inspirada (e em alguns pesharim), vejam alguns exemplos
bíblicos: Is 28.23-29, Pv 1.6, 2Sm 12.1-15 entre outros. O estudo de uma parábola visa compreender o
ensino principal da história e não cada aspecto do texto. Jesus utiliza uma estrutura comum, que se
inicia com um aspecto familiar (muitas vezes utilizando exemplos da vida quotidiana), passa a revelar
algo inesperado e conclui o ensino com algo familiar do ouvinte(3). Na parábola, assim com em uma
ilustração, existe uma comparação entre uma verdade conhecida e uma verdade desconhecida. O
conhecido pensador grego Platão fazia o uso do mesmo recurso, ainda que o chamasse de “mito”,
mas sempre com o mesmo intuito de Jesus, tornar acessível um ensinamento difícil através de
exemplos conhecidos por seus ouvintes. Um ditado bem conhecido entre os cristãos diz que "as
parábolas de Jesus são história terrenas com implicações celestiais". Concordo plenamente.
.

Interpretação alegórica das escrituras (principalmente das parábolas)


Ainda cedo na história da igreja, muitos estudiosos sérios, tendiam a fazer uma interpretação
alegórica dos textos bíblicos, buscando um sentido oculto no texto ou uma verdade mais elevada.
Eles seguiam um método que hoje chamamos de “Alexandrino” e que foi muito usado, não apenas
para o texto sagrado, mas também para os escritos Homero e Platão. Seu maior expoente foi Philo
de Alexandria, um teólogo-filósofo judeu do século I. Hoje não usamos mais esse modo fantasioso
de lidar com a Escritura, sendo que preferimos outro método chamado “Histórico-Gramatical”, que
procura compreender o que realmente está escrito e como tais palavras interagem com o restante
do texto (e com a história). Existem muitos livros que lidam o com a interpretação da Palavra de
Deus, e que podem te ajudar a compreender melhor esse assunto. Um bom início para seu estudo
pode ser: A interpretação bíblica, de Roy B. Zuch – Ed.Vida Nova.

Existe uma diferença entre parábola e alegoria. Segundo Adolf Julicher, estudioso do século
XVIII, a parábola é a expansão de uma comparação, enquanto uma alegoria é a expansão de uma
metáfora. Sendo que comparação e parábola são utilizadas em linguagem literal, e assim são fáceis
de entender. Já alegoria e metáfora são utilizadas em formas não literais, e por consequência falam
uma coisa e significa outra(1). Para um estudo mais aprofundado do tema “parábolas de Jesus” nada
supera a obra de Klyne, R. Snodgrass – From allegorizing to allegorizing: A history of the
interpretation of the paraboles of Jesus.

Como curiosidade, veja como Agostinho de Hipona (que fora fortemente inCluenciado por
Ambró sio de Milã o, famoso por sua alegorias elaboradas e até certo ponto mı́sticas) interpretou a
pará bola do bom Samaritano encontrada em Lc 10.30-37. Perceba como pequenas aspectos da
passagem tomam um sentido jamais imaginado pelo autor: (1) o homem é Adã o; (2) Jerusalé m é
a cidade celestial; (3) Jericó é a Lua, que signiCica nossa mortalidade; (4) os ladrõ es sã o demô nios,
que roubam do homem sua imortalidade e batem nele o obrigando a pecar; (5) o sacerdote e o
Levita representam os ministros do Antigo Testamento; (6) o bom Samaritano é Jesus; (7) o
enfaixar as feridas é equivalente a resistir ao pecado; (8) o ó leo e o vinho sã o encorajamentos a
persistir no trabalho; (9) o burrinho é a encarnaçã o; (10) a hospedaria é a igreja; (11) o dia
seguinte representa a ressurreiçã o de Cristo; (12) o dono da hospedaria é o apó stolo Paulo e (13)
os dois dená rios sã o os dois mandamentos para amar. (Quaestiones Evangeliorum 2.19)
Em contraposiçã o aos estudiosos da antiguidade, costumamos buscar o sentido literal do

216
texto, sempre contextualizando-o, ou como disse Brad Young a respeito da Pará bola do
Semeador: "A única mensagem é clara: seja como o discípulo que recebe a palavra do ensinamento de Jesus
com um bom coração. A palavra semeada produzirá um retorno abundante. O quadro de palavras comunica a
força do ensino de Jesus na forma de uma ilustração grá1ica ... Parábolas devem ser colocados em uma
categoria separada e distinta. A abordagem alegórica das parábolas persegue o esforço intuitivo de resolver o
criptograma, atribuindo arbitrariamente signi1icado à palavra-imagem. Parábolas, no entanto, devem ser
estudadas para ouvir a mensagem do contador de histórias no contexto da situação. Apenas o signi1icado
atribuído pelo contador de histórias é aceito como uma correspondência entre a imagem (mashal) e a
realidade (nimshal). De fato, a alegoria muitas vezes deturpa a intenção original de Jesus. Se uma
interpretação for requerida, Jesus, o narrador das parábolas, dá clareza adicional ao seu exemplo."(9)

v.1-2 Introdução
Como de costume, Mateus manté m um ritmo acelerado em seu relato, e inicia o Terceiro
Grande Sermã o fazendo a seguinte declaraçã o: “Naquele mesmo dia …” Que era o mesmo sá bado
descrito em 12.2 no qual o confronto com os Fariseus ocorrerá e que a famı́lia de Jesus havia
tentado dissuadi-lo de sua mensagem messiâ nica. Quã o pesada deve ter sido a rotina para o
Mestre durante esses dias.

v.1 “Jesus saiu de casa e se assentou à beira-mar” Jesus sentou-se a beira-mar, nã o para
descansar ou observar a paisagem. Esta expressã o descreve o ato de um mestre ou professor se
posicionando para iniciar uma aula a seus estudantes; por isso tã o grande multidã o se dirigia a
ele. Essa explicaçã o é reforçada no pró ximo versı́culo, onde vemos que apó s subir no barco Jesus
novamente voltou a posiçã o de ensino “sentado”.
Uma nuança do texto grego revela exatamente o sentido de que muitas pessoas estavam
indo em sua direçã o; em nossa lı́ngua se perde um pouco do sentido de movimento. O mais
correto seria imaginar um grande grupo de pessoas caminhando para participar de um show de
mú sica ou de um grande jogo de futebol.
v.2 “E grandes multidões se reuniram em volta dele, de modo que entrou num barco e se assentou. E
toda a multidão estava em pé na praia.” Aqui existe uma pequenas pé rola escondida. Ao descrever as
multidõ es que se reuniã o em direçã o ao Mestre, nosso autor utiliza a palavra συναŒ γω (synagō) –
“reunir”, sendo essa a mesma palavra utilizada para descrever o local de estudos e oraçõ es dos
fariseus a “sinagoga”. Assim, se no capı́tulo anterior Jesus fora rejeitado e quase morto na
sinagoga dos fariseus, agora é a Sinagoga que vem atrá s do ensino do Messias. E eram tantas
pessoas que foi necessá rio colocar Jesus em um barco para que a aula pudesse começar.
“E toda a multidão estava em pé na praia.” Talvez os mais afoitos até estivessem com os pé s na
á gua, buscando se aproximar e ouvir melhor. Se o Primeiro Grande Discurso é conhecido como “o
Sermã o do Monte”, este Terceiro Grande Discurso bem que poderia chamar-se “o Sermã o da
Praia”.

v.3-9 Parábola do Semeador


Tradicionalmente a Igreja costuma denominar essa pará bola como "a pará bola dos
solos", como "a pará bola dos solos e das sementes" ou ainda "a pará bola da semente que caiu no
solo bom", entretanto o Senhor Jesus a deCiniu como "a pará bola do Semeador" veja o v.18 "ouçam
o que signi1ica a parábola do semeador" Ou como disse Bruner, F.D.: "O título de Mateus [melhor, Jesus]
lembra à igreja que o foco na parábola é o semeador, não nós mesmos."(17) Ainda que alguns teó logos da
antiguidade tenham visto a Cigura do semeador como o foco da pará bola, é -nos muito tentador
pensar no ponto central como sendo os solos onde as sementes foram depositadas.

v.3 "E falou-eles muitas coisas por parábolas, dizendo:” EN interessante o fato de Mateus
empregar duas palavras sinô nimas na mesma frase ε† λαŒ λησεν - elálesen e λεŒ γων - légon, ambas
com o signiCicado de “falar”; sendo a primeira no tempo aoristo e a segundo no presente. Ficando
assim segunda palavra (dizendo) com um tom mais enfá tico. Assim podemos perceber o recurso
literá rio que ele possuı́a e como a construçã o da frase é bem feita.
Pela indicaçã o do autor, temos a impressã o que o Mestre tratou de diversos temas
durante o dia, poré m a Mateus, mediante a inspiraçã o de seu texto, pareceu adequado registrar
apenas o assunto relacionado ao Reino "por parábolas". Hoje conhecemos todo o contexto do

217
ensino, poré m ao leitor original do texto, a informaçã o de que o ensino se daria por "pará bolas"
deve ter gerado uma grande curiosidade, aCinal, desde o inı́cio de seu ministé rio Jesus fora
reconhecido por este tipo de ensinamento. Por isso aos primeiros ouvintes do material de
Mateus, os quais em sua maioria nã o haviam tido contato pessoal com Jesus, esse seria um
momento de grande expectativa. A mudança do discurso direto para o indireto, ou parabó lico,
pode ser descrita como principal ponto de mudança no evangelho.(29)

Beira do Terreno Entre os


Terra boa
caminho pedregoso espinhos

"O semeador saiu a semear." ε† ξῆ λθεν ο¡ σπειŒρων τοῦ σπειŒρειν O apó stolo Mateus possui um
modo didá tico de escrever, o qual quando nã o é corretamente entendido, pode levar o leitor (ou o
ouvinte) a pensar que ele nã o possui habilidade como escritor. Atente bem como ele aCirma que o
"semeador" (σπειŒρων - speiron) saiu para "semear" (σπειŒρειν - speirein), a primeira vista parece um
vocabulá rio pobre, já que o autor poderia utilizar diversos sinô nimos para descrever o semeador.
Mas no caso do Evangelho segundo Mateus, essa repetiçã o de termos possui o cará ter de frisar na
mente do ouvinte a funçã o e o cará ter de quem realiza a açã o, assim seria mais fá cil de lembrar do
"Semeador que semeia" do que de "certo cultivador do campo que preparava sua terra". A Cigura
de Deus como o semeador já era conhecida na literatura judaica Is 55.10-13, Jr 31.27-28, Os 2.25,
estando presente até no apó crifo de 2 Esdras 4.26-32.
Como de costume encontramos um idou chamando nossa atençã o para o inı́cio da
histó ria, ele é traduzido por: Vejam! Sendo assim, Jesus descreve uma situaçã o muito corriqueira
para aquelas pessoas de sé culo I, o semear em um campo. Jesus apresenta quatro resultados
diferentes que o fazendeiro obteve ao lançar sua sementes (1) algumas caı́ram pelo caminho, (2)
algumas caı́ram em solo rochoso, (3) algumas caı́ram entre espinhos e (4) outras encontraram o
solo fé rtil.
Dentre vá rios aspectos que podemos observar, um normalmente passa desapercebido:
existe uma certa progressã o relacionada ao tipo de solo e o resultado Cinal da semeadura. No
está gio 1, a perda da semente é imediata, no está gio 2 a perda ocorre nas primeiras diCiculdades,
enquanto no está gio 3, parece que as sementes irã o frutiCicar, mas por Cim sã o sufocadas; e
apenas no está 4, obté m-se o resultado esperado.

v.4 "parte dela caiu à beira do caminho" Essa é a semente que teve menos chance de vingar
aCinal, nem ao campo ela chegou. "e as aves vieram e a comeram." Existe uma urgê ncia na descriçã o
deste primeiro está gio, já que a semente é rapidamente comida pelos animais do campo.
Devemos ter em mente també m que na cultura judaica, as aves, muitas vezes representavam a
atividade do inimigo. Veja alguns exemplos de livros nã o canô nicos, mas que representam o
pensamento daquele povo e perı́odo: Livro dos Jubileus 11.5-24 ou Apocalipse de Abraã o 13:14
Nã o devemos pensar que o verbo “caiu” representa algo inesperado ou fora de controle.
Sua implicaçã o é apenas a de deCinir a açã o das sementes se movendo em direçã o ao solo.
v.5 αª λλα δε„ εª πεσεν ε† πι„ "terreno pedregoso" As trê s pró ximas Ciguras começam da mesma
maneira no grego, o que destaca o efeito de comparaçã o entre elas.
Podemos entender o adjetivo "pedregoso" de duas maneiras, podendo se referir a uma
grande quantidade de pedras em cima da terra ou, o que é mais prová vel, que o "pedregoso" se
reCira ao leito de calcá rio logo abaixo de uma Cina camada de terra aproveitá vel. Essa camada
superCicial aquece rapidamente sob o escaldante Sol da Palestina, o que faz as sementes brotarem
rapidamente, mas o solo raso nã o consegue sustentar o crescimento das raı́zes, e da planta como
um todo. O segundo está gio també m revela uma velocidade em seu desenrolar, poré m aqui a
urgê ncia da semente em germinar é que leva a sua ruı́na.
"Por que não tinham raiz" A segunda semente recebeu uma breve oportunidade de se
desenvolver, mas nã o foi o suCiciente. A importâ ncia das raı́zes se evidê ncia quando os problemas

218
chegam, sendo essas diCiculdades Ciguradas pelo Sol escaldante.
v.6 αª λλα δε„ εª πεσεν ε† πι„ "entre espinhos" O está gio trê s é bem mais pró ximo do ú ltimo, pois
sua terra també m era boa, tã o boa que estava contaminada por "plantas espinhosas". Aqui o
grande problema é que os espinhos crescem muito mais que a semente boa, nã o a diCiculdade de
ambas em crescer. Nesse terceiro cená rio a semente iniciou seu processo, mas nã o chegou a
maturidade.
v.8 αª λλα δε„ εª πεσεν ε† πι„ “na boa terra" EN importe ressaltar a qualidade da terra, pois no
texto grego existe o artigo deCinido τη„ ν antes da palavra “terra”, sendo sua funçã o intensiCicar essa
caracterı́stica de qualidade.
No quarto e ú ltimo panorama, Cinalmente encontramos a condiçã o ideal ao
desenvolvimento da semente. Importante notarmos que mesmo entre a semente que caiu no solo
bom houve uma graduaçã o no crescimento que ela alcançou. Assim manté m-se a percepçã o de
graduaçã o no ensino do Mestre, o rendimento seria 100:1, 60:1 e 30:1 o que condiz
perfeitamente com a produçã o de grã os. E como é praxe em seu ensino, Jesus ressalta o melhor
cená rio possı́vel antes dos demais. Flavio Josefo, historiador judeu do primeiro sé culo, aCirma que
a regiã o de Genesaré era extraordinariamente fé rtil, o que valida a descriçã o de um rendimento
altı́ssimo para as sementes descritas pelo Senhor.(50)
v.9 “Quem tem ouvidos [[para ouvir]], ouça.” Mediante a esse recurso, o Mestre chama a
atençã o daqueles que realmente estavam acompanhando suas palavras, de que existe algo mais
profundo na ilustraçã o do semeador.
As palavras “para ouvir” nã o constam na grande maioria dos manuscritos, sendo um
acré scimo posterior de copistas. Por essa razã o o melhor seria nem incluı́-las no texto; ou em
ú ltimo caso mante-las entre duas chaves [[ ]].

v.10-17 O porque Jesus estava falando em parábolas


Dentro do material composto por Mateus, este trecho possui um valor incomensurá vel.
Sua importâ ncia teoló gica só é comparada com a diCiculdade de se lidar com ela, sendo que os
estudiosos mais acadê micos a tratam como uma Crux Interpretum. Uma Crux é uma passagem
textual corrompida a ponto de ser difı́cil ou impossı́vel de interpretar e resolver. Os cruxes sã o
estudados em paleograCia, crı́tica textual, bibliograCia e estudos literá rios; sendo considerado
mais sé rio ou extenso do que um simples deslize da caneta ou erro tipográ Cico. A palavra vem do
latim para "cruz", e é usada metaforicamente como uma diCiculdade que atormenta algué m.(27)
Todo esse peso teoló gico se condensa na aplicaçã o do trecho de Isaias 6.9-10. A
relevâ ncia da citaçã o de Isaı́as nos versı́culos 13-14-15 Cica explı́cita no fato dela ter sido
entalhada na forma de um quiasma. Isso possui valor ainda maior, pois já estamos lidando com
um longo trecho em quiasma, e que como já propus, representa o centro temá tico do Kata
Mattaion. Essa estrutura pode ser descrita da seguinte maneira:
.

A. Mt 13.1-9 Ensino pú blico da Pará bola do Semeador


B. Mt 13.10-17 Citaçã o, com alguma adaptaçõ es, de Isaı́as 6.9-10
A. Mt 13.18-23 Explicaçã o privativa da pará bola

Embora esta citaçã o esteja presente em todos os evangelhos sinó ticos, Mateus a aplica de
maneira a ressaltar o cumprimento de Isaias naquele momento. Enquanto Marcos cita Isaı́as de
maneira branda, Mateus aCirma ainda vigorosamente que a profecia de Isaı́as é cumprida entre os
que rejeitam os ensinamentos de Jesus e passa a recitar uma citaçã o mais completa e precisa da
mesma.(28)

v.10 “Então os discípulos se aproximaram de Jesus e lhe perguntaram:


— Por que o senhor fala com eles por meio de parábolas?"
Jesus estava sentado em um barco, possivelmente ancorado no porto ou muito pró ximo a
praia, de modo que é bem possı́vel que os discı́pulos també m estivessem embarcados. Outra
possibilidade é que o barco estivesse tã o no raso, que os discı́pulos estivessem em pé na á gua
formando uma divisã o entre o Professor e a grande multidã o.
E parece que os apó stolos sentiram imediatamente a mudança de tom no discurso, já que
o questionam de modo efusivo dizendo: Δια„ τιŒ - Dia tı́? Essa construçã o pode ser melhor
traduzida como "por que razã o?" ou "por qual motivo?" ou melhor ainda "por causa do que?". Ou
seja, para seus alunos mais pró ximos, a mudança havia sido radical; e o pior, diCicultaria ainda

219
mais a compreensã o dos ouvintes em geral. Para nossa sorte essa questã o será plenamente
elucidada no pró ximo versı́culo, mediante a explanaçã o do pró prio Cristo.

Como vimos anteriormente, o uso de pará bolas nã o era uma coisa iné dita para aquela
audiê ncia, uma vez que alguns textos do Antigo Testamento, e diversos ensinos rabı́nicos,
utilizavam esse recurso. Todavia o termo παραβοληŒ nã o fora utilizado sequer uma vez nos 12
capı́tulos anteriores.
As pará bolas possuı́am um cará ter duplo, pois por um lado revelavam algo desconhecido,
por meio de uma linguagem comum, e por outro lado ocultavam um conhecimento profundo
mediante ao mesmo recurso. Essa maneira obliqua de comunicar algo trata-se de um recurso de
alto nı́vel utilizado apenas pelos melhores oradores, sendo extremamente valorizada pelos
rabinos e pelos Ciló sofos da antiguidade. Uma vez que já eram conhecidas dos ouvintes, a
novidade aqui foi seu uso por Jesus, tanto que a pergunta dos discı́pulos quase parece uma
repreensã o? Ainda que já conhecidas como instrumento pedagó gico, aquela propostas por Jesus
eram, segundo a opiniã o de Ryken, L: "são únicas em estrutura e design. Eles exibem arte com relação à
unidade, coerência, equilíbrio, contraste, recorrência e simetria."(12) Apesar de todo o recurso literá rio
utilizado pelo divino Professor, a estrutura da pará bola normalmente é bem bá sica, consistindo
um ensino direto, ou do contraste entre duas pessoas ou dois grupos de pessoas; chegando, em
algum casos, ao má ximo de trê s personagens no enredo. Uma vez que a rejeiçã o ocorrido no
capı́tulo 12 causou uma fratura na relaçã o entre o Messias e seu povo, as pará bolas servem com
uma cunha que expande a fratura até a fragmentaçã o total ocorrer no Calvá rio. Gosto muito do
que disse Campbell, I.D.: "O sol que derrete a cera endurece a argila; e a palavra que abre o coração de
alguns para receber a Cristo con1irma os outros em sua rebelião, rejeição e incredulidade."(23)
També m é interessante o fato de que apenas os evangelhos sinó ticos trazem os relatos
parabó licos, enquanto Joã o nã o os inseriu em seu texto. Em certos aspectos Mateus registrou as
pará bolas diferente de Lucas, sendo que o relato mateano mais teoló gico enquanto lucano
detalha mais o plano de fundo e as nuanças do acontecimento em geral.(10)
v.11-12 "Ele respondeu dizendo a eles:
— Porque a vocês foi dado o conhecimento os mistérios do Reino dos Céus, mas àqueles não foi
dado. Pois ao que tem, mais será dado, e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será
tirado."
O verbo δεŒ δοται - dedotai, no passado perfeito, do indicativo, voz passiva, ocorre por
duas vezes na mesma frase. Ele pode ser traduzido como “dado” ou “concedido”, entretanto me
parece mais sá bio traduzir ambas as ocorrê ncias pela mesma palavra, assim evitando confusõ es e
distorcendo o sentido em troca de uma beleza literá ria diCicilmente pretendida pelo autor.
O termo grego μυστηŒ ρια - mistería rapidamente levava o ouvinte a se conectar com os
orá culos do Antigo Testamento, principalmente com os texto aramaicos de Daniel onde ‫ ָרזָ֖ה‬
acontece 8 vezes (2.18, 19, 27, 28, 29, 30, 47 e em 4.9). Nestas ocasiõ es vetereotestamentá rias a
palavra sempre estava relacionada com textos que careciam de interpretaçã o da vontade divina.
Uma acurada explicaçã o é trazida por Gladd, B.: "O termo é comumente entendido como referindo-se à
sabedoria que estava anteriormente oculta, mas foi revelada. Alé m disso, o no NT está conectado a questõ es
importantes, como a natureza do reino (Mt 13; Mc 4; Lc 8), a relaçã o entre judeus e gentios (Rm 11; Ef 3; Cl
1; 2), e o pró prio evangelho (Rm 16; Ef 6; Cl 4; 1 Tm 3), para citar alguns."(48) Sua aplicaçã o por Jesus nã o
possui conexã o alguma com as "religiõ es de misté rios" abundantes, entre os sé culos I-IV d.C., no
contexto greco-romano.(47)
Este termo també m será importante na literatura paulina, especiCicamente na carta aos
Efé sios, onde ocorre 6 vezes, e em Corı́ntios, onde aparece 5 ou 6, dependendo da variaçã o em
2.1. Ou seja, as palavras de Jesus se cumpriram, pois os "misté rios" continuaram a ser revelados
aos seus discı́pulos.

"Pois ao que tem, mais será dado, e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será
tirado." O ensino seria revelado plenamente apenas aos que creram na mensagem do Messias, aqui
representado pelos seus discı́pulos. E o Mestre completa dizendo que aqueles que haviam crido
(e por isso compreendido que ele era o Cristo) iram compreender cada vez mais, enquanto os que
nã o quiseram ouvir a mensagem iram Cicar cada vez mais desorientados. Esta é a dupla funçã o da
pará bola, elucidar e confundir, tudo ao mesmo tempo.
Talvez o leitor com alguma inclinaçã o marxista se indigne com a aCirmaçã o do Mestre a
respeito de favorecer que já tem algo e tirar até o pouco que os demais possuem, poré m devemos

220
concordar que o tema aqui nã o é economia ou sociologia e sim o fato de que os judeus iriam
compreender cada vez menos o caminho do Messias que lhes fora concedido.
v.13 “Por isso, falo com eles por meio de parábolas: porque, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem,
nem entendem.” Se no versı́culo 9 encontramos a advertê ncia de “Quem tem ouvidos, ouça.”, aqui o
mestre aCirma que à multidã o o apelo seria inú til. ACinal, alé m de nã o ouvir, eles també m nã o
criam nem no que testemunhavam com os pró prios olhos.
Tal mudança radical nã o era originada pela vaidade do Messias, como se ele estivesse
fazendo birra, muito pelo contrá rio, havia uma raiz profé tica para sua atitude e Jesus nos
apresenta a base bı́blica dela. A primeira citaçã o é proveniente de trê s versı́culos do Antigo
Testamento, Dt 29.4: “Mas até hoje o Senhor não lhes deu mente que entenda, olhos que vejam, e ouvidos que
ouçam.”, Jr 5.21: “Ouçam isto, vocês, povo tolo e insensato, que têm olhos mas não vêem, têm ouvidos mas não
ouvem.” e Ez 12.2b: “Eles têm olhos para ver, mas não vêem, e ouvidos para ouvir, mas não ouvem, pois são
uma nação rebelde.”
v.14-15 Assim, neles se cumpre a profecia de Isaías:
“Ouvindo, vocês ouvirão
e de modo nenhum entenderão;
vendo, vocês verão
e de modo nenhum perceberão.
Porque o coração deste povo

está endurecido;
ouviram com os ouvidos tapados
e fecharam os olhos;
para não acontecer que
vejam com os olhos,
ouçam com os ouvidos,
entendam com o coração,
se convertam
e sejam por mim curados.”

A segunda citaçã o é referente a Is 6.9-10 segundo a LXX, fazendo parte do
comissionamento de Isaias como profeta e descrevendo as agruras que o aguardariam durante o
ministé rio de pregaçã o a um povo de coraçã o duro. No futuro, o apó stolo Paulo, no Cinalzinho do
livro de Atos (At 28.25-28)s, fará a mesma citaçã o, ao encerrar a discussã o com os cristã o de
origem judaica que nã o aceitavam por completo a pregaçã o do evangelho aos gentios.

Ao introduzirmos este trecho falamos que sua importâ ncia literá ria é demonstrada no
fato de estar descrito como uma estrutura quiá stica dentro de um quiasma maior, poré m algo
faltou ser dito: o trecho de Is 6.9-10 també m é um quiasma. Talvez essa estrutura original tenha
inspirado Mateus na compilaçã o de seu material. Veja como estã o escritos os ensinos de Isaias:
.

A. Torna insensı́vel o coração deste povo


B. endurece-lhe os ouvidos
C. e fecha-lhe os olhos
C. para que nã o venha ele a ver com os olhos
B. a ouvir com os ouvidos
A. e a entender com o coração, e se converta, e seja salvo.
.

Dentro da teologia de Isaias, aqueles que tem coraçã o duro, ouvidos surdos e olhos
fechados se assemelham aos idó latras e por isso estã o condenados eternamente. Repare como Is
44.9-11,18 traz o mesmo tema. "Todos os que fazem ídolos não são nada, e as coisas em que se deleitam
não aproveitam; suas testemunhas não veem nem sabem. E assim eles serão envergonhados. Quem moldaria
um deus ou lançaria uma imagem que não pode fazer bem? Veja, todos os seus devotos serão envergonhados;
os artesãos também são meramente humanos ... Eles não sabem, nem compreendem; pois seus olhos estão
fechados, para que não possam ver, e sua mente também, para que não possam entender.”

Talvez o ponto mais relevante sobre a citaçã o de Is 6.9-10 seja que aquele texto faz
referê ncia a um texto muito mais antigo, e signiCicante, para a naçã o israelita. O texto em questã o
é Dt 29 que descreve a repetiçã o da aliança do povo com o SENHOR pouco antes da entrada na
terra santa. Veja por exemplo o que diz Dt 29.4 "porém o Senhor não vos deu coração para entender,
nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje." Grifo do autor Você consegue perceber

221
a reprise do tema teoló gico aqui? No momento da outorga da Aliança Sinaı́tica, no momento da
corrupçã o que levaria ao cativeiro, e agora, na oferta da Nova Aliança pouco antes da entrada no
Reino dos Cé us, entre o povo havia aqueles que rejeitavam a mensagem divina. O tema da oferta/
rejeiçã o se repete, sendo Is 6.9-10 uma ponte entre eles.

Dt 29 Is 6.9-10 Mt 13

Certamente os presentes diante de Moisé s, na terra de Moabe, nã o imaginavam a


extensã o das palavras que lhes eram propostas, poré m a nó s essa totalidade foi entregue. Atente
para o versı́culo 29 de Deuteronô mio 29 "As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém
as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos 1ilhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta
lei."

v.16-17 “Mas seus olhos são bem-aventurados porque veem, e seus ouvidos porque ouvem” ὑμῶν δἐ
μακαριοι οἱ ὀφθαλμοὶ Sempre que encontramos a palavra μακαριοι "bem-aventurados", somos
imediatamente transportados para o Sermã o do Monte, lá no capı́tulo 5.
Aqui existe um contraste em relaçã o aos trê s versı́culos anteriores (13-14-15), onde os
olhos e os ouvidos sã o incapazes de compreender; entretanto reCletem uma semelhança profunda
com os versı́culos 11 e 12. Este jogo de luz e sombra pode ser arranjado da seguinte maneira:
11-12 positivo, 13-14-15 negativo e 16-17 positivo.

Positivo

Negativo

Positivo

Jesus louva a Deus pelo fato de seus discı́pulos compreenderem a mensagem do Reino
(atravé s dos discursos e dos sinais que eram feitos).
v.17 Pois em verdade lhes digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vendes, mas não o
viram; e quiseram ouvir o que ouvis, mas não o ouviram.”
α† με„ ν γα† ρ λε„ γω "Em verdade vos digo" Segue-se uma aCirmaçã o forte da parte do Senhor, o
que chama imediatamente a atençã o dos ouvintes.
A grandiosidade dos eventos diante daquelas pessoas era em muito superior à s pragas
do Egito e ao E• xodo, e muitos homens justos do passado gostariam de estar vendo in loco a obra

222
do Messias. O autor da carta aos hebreus fala sobre esse assunto em Hb 11.13 “Todos estes ainda
viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-nas de longe e de longe as
saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra”. Assim como Pedro (I Pe 1.10-11),
já no Cinal de sua vida viria a reCletir sobre este assunto dizendo: "Foi a respeito dessa salvação que os
profetas que falaram da graça destinada a vocês investigaram e examinaram, procurando saber o tempo e as
circunstâncias para os quais apontava o Espírito de Cristo que neles estava, quando lhes predisse os
sofrimentos de Cristo e as glórias que se seguiriam àqueles sofrimentos."

v.18-23 A explicação da parábola do semeador


v.18 “Vocês, portanto, escutem a parábola do semeador.” Infelizmente algumas traduçõ es
inserem as palavras “o que signiCica” ou algo do gê nero nessa frase, sendo que tal adiçã o Cica por
conta dos tradutores, já que nã o consta no texto grego.
Como é valioso termos um texto interpretado pelo pró prio Jesus, assim podemos seguir
um exemplo de como lidar com esse tipo de texto. Nosso Mestre compara os quatro resultados da
semeadura a quatro respostas à oferta do Reino. Certamente esta pará bola conté m muitos
elementos de cará ter Cigurado, o que a torna um tanto diferente das demais. Nas palavras de
Jerô nimo: "Observe que esta é a primeira parábola que foi dada com sua interpretação, e devemos ter cuidado onde o
Senhor expõe Seus próprios ensinamentos, para que não tenhamos a pretensão de entender nada mais ou menos, ou de
qualquer outra forma que não o exposto por Ele." (46)
.
1. v.19 Semente que caiu à beira do caminho – “A todos os que ouvem a palavra do Reino e não
a compreendem, vem o Maligno e arrebata o que lhes foi semeado no coração. Este é o que foi
semeado à beira do caminho.” Aquele que ouve a palavra e nã o a entende, seja por nã o
querer aceitar a mensagem (como os fariseus Cizeram) ou por nã o compreenderem o
conteú do teoló gico, equivalem a semente roubada pelo maligno. Na regiã o da Galilé ia
ainda hoje é comum encontrar fazendas de grã os ao longo das estradas, isso acontece
pois as estradas seguem o caminho natural da chuva até o oceano. Tal detalhe geográ Cico
nos ajuda a contextualizar melhor as palavras do Mestre, uma vez que seria muito
prová vel encontrar grã os aguardando uma chance para brotar a beira do caminho,
poré m sendo devorados avidamente pelas famintas aves. Veja que Nosso Senhor aCirma
que o "caminho" é uma Cigura utilizada para retratar o "coraçã o" do ser humano. Assim é -
nos prudente seguir essa dica hermenê utica durante as pró ximas trê s etapas: solo
pedregoso, ervas daninhas e terra fé rtil.
2. v.20-21 Semente plantada no solo pedregoso “Semente plantada em solo pedregoso – O que
foi semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a palavra e logo a recebe com alegria. Mas ele não tem
raiz em si mesmo, sendo de pouca duração. Quando chega a angústia ou a perseguição por causa da
palavra, logo se escandaliza.” Sã o aqueles que se precipitam em aceitar com alegria a
mensagem, mas nã o perseveraram diante das diCiculdades. Atente que, diferente da
Cigura anterior, aqui a semente realmente fora plantada. O motivo da morte dessas
sementes é o medo da rejeiçã o e perseguiçã o por causa de Jesus. Voltando a falar sobre o
terreno das planı́cies aluviais da Galilé ia, dois aspectos sã o relevantes: 1) por ser uma
terra formada pelo transbordo das chuvas, aquela á rea era fé rtil, mas seu solo nã o era
profundo, 2) em muitos lugares, a mesma chuva que trazia os nutrientes se encarregava
de levar o solo fé rtil, e assim expunha o leito de rocha.
3. v.22 Semente que cresceu, mas foi sufocada - “O que foi semeado entre os espinhos é o que
ouve a palavra, porém as preocupações deste mundo e a fascinação das riquezas sufocam a palavra, e
ela 1ica infrutífera.” Equivale aos que, devido aos problemas ou a seduçã o das riquezas,
desistiram de seguir a Cristo. Um interessante contraste surge entre essa Cigura e
anterior, já que no primeiro exemplo uma tribulaçã o muito forte, enquanto o segundo é
uma citaçã o de bonança e plenitude de bens. Ambos os casos sã o capazes de levar uma
pessoas a perdiçã o. Este terceiro exemplo revela outra caracterı́stica comum da regiã o: o
crescimento de espinhos e cardos, os quais germinam rapidamente e competem com as
sementes boas pelo espaço fı́sico e pela á gua.
4. v.23 Semente que caiu em boa terra – Baseado no explicado acima, a terra boa nã o
refere apenas a sua fertilidade inata, mas també m ao fato de ser bem cuidada pelo
agricultor, o qual deve cuidar para que os espinhos e os cardos nã o dominem a á rea. EN
aquele que ouve e entende. Veja que sã o duas atitudes, dois atos que uma pessoa realiza
(1) ouvir, o que reClete uma açã o ativa e nã o simplesmente escutar algum barulho (2)
entender, que envolve uma açã o de submeter-se a mensagem. Tal atitude equivale a

223
semente que caiu em uma terra boa e que produz muito fruto. O fato de produzir a 100
vezes, 60 vezes e 30 vezes está relacionado ao modo como os antigos judeus
compreendiam a bençã o de Deus. Lembre-se que eles eram uma sociedade agrı́cola e que
vivia em uma regiã o semi-á rida, ou seja, se a colheita nã o vingasse eles poderiam morrer
de fome.. Um texto que ilustra essa expressã o é Gn 26.12: “Isaque formou lavoura naquela
terra e no mesmo ano colheu a cem por um, porque o Senhor o abençoou.” EN fá cil notarmos mais
uma vez a intervençã o, inspirada por Deus, de Mateus na compilaçã o deste evangelho,
pois enquanto Marcos descreve o rendimento em ordem crescente, que seria o mais
adequado, Mateus o faz de modo decrescente. Isso pode indicar que quanto mais atençã o
for dada a palavra, maior será o ganho proveniente deste ouvinte.(18) També m devemos
ponderar sobre o grande rendimento do grã o, pois por diversas vezes os inimigos da
literalidade da Escritura usaram esses valores como tentativa de mostrar um texto
Cigurado, distante do mundo real como conhecemos. Até mesmo alguns teó logos
respeitados nã o conseguiram aceitar a plena literalidade dessas palavras, entre eles
Joachim Jeremias e e Norman Huffman. Ainda assim este argumento pode ser refutado
textualmente de diversas maneiras, alé m da descriçã o que Ciz acima sobre se referir a
bençã o plena divina. Veja duas possibilidades bem diretas: A) Opção gramatical A
expressã o verbal "continuava produzindo" (ε† διŒδου v. 8) está no tempo imperfeito ο que
indica uma atividade usual de produçã o, ainda que com quantidades diferentes B)
Comparação textual Uma relató rio de Plı́nio, o Velho, ao imperador Augusto, indica
rendimentos superiores a 400x relativos a uma ú nica semente(19), o que nos revela que
essa maneira de calcular o rendimento dos grã os era plenamente compatı́vel com o sitz
in lieben daquelas pessoas. Por outro lado, segundo K. C. Hanson e Douglas E. Oakman, o
rendimento esperado para aquela tipo de solo e clima é de 15x, o que revela um
multiplicaçã o miraculosa proposta por Cristo.(26)
Implicação teológica: A ê nfase da pará bola está no solo bom, nã o nos ruins, por isso a
exposiçã o bı́blica deve ser focar no ú ltimo está gio, nã o nos trê s anteriores. Aquele que realiza os
dois atos, o ato de ouvir e o ato de entender a palavra do Messias, esse produzirá frutos, enquanto
aquele, que por diversos motivos, nã o se submete a palavra, se perderá . E mesmo que a
proporçã o da semente no solo bom seja pequena, ela é capaz de se multiplicar grandiosamente.

v.24-30 Parábola do joio semeado por um inimigo
Esta pará bola é exclusiva do livro de Mateus. Um ponto a ser observado é que a cena aqui
proposta ocorre no “solo bom” pois vemos que ambas as plantas crescem com pleno vigor.
Jesus continua utilizando a Cigura do fazendeiro o que pode levar-nos a idé ia de uma
continuidade entre os dois ensinos. Na pará bola anterior aprendemos que uma diminuta parte
das sementes chega até a terra boa para o cultivo, agora aprendemos que existe uma semente má
que é inserida para crescer em meio a semente boa. Para nã o correr o risco de que suas sementes
ruins caı́ssem à beira do caminho, sobre as pedras ou junto aos espinhos, o inimigo
cuidadosamente as plantou no campo da fazendeiro.
O cená rio descrito pelo Mestre nã o é tã o distante da realidade daquelas pessoas, sendo
que havia no impé rio Romano, uma lei que proibia o plantio de Joio no campo de um desafeto(5),
ou seja, nã o estamos lidando apenas com uma ideia hipoté tica aqui. O autor clá ssico romano
Virgı́lio, em seu livro sobre o trabalho agricultural Georgiche, publicado em cerca de 31 a.C, já
dizia: "Junto com o trigo nasce a cicuta, que, entre os alimentos, sabes que é nociva à vida e, se passar
desapercebida, pode prejudicar a saúde."(25) Alé m do joio ser nocivo a saú de, existe o problema dele
absorver muita á gua do solo e assim limitar o crescimento do trigo; e como a regiã o nã o recebia
tanta chuva assim, isso era um problema real.
v.24 Αλλε† ν παραβολε† ν παρε† θηκεν αυ† τοῖς λε† γων - "Outra parábola, diante deles, falou"
Mediante esta construçã o o autor nos transmite a ideia de que esta segunda pará bola fora
pronunciada imediatamente em seguida da primeira. E nunca é demais lembrar que a repetiçã o é
a forma do judaı́smo enfatizar um ensino.
Ὡµοιώθη, ἡ βασιλεία τῶν οὐρανῶν "Comparando, o Reinos dos Céus" Esta é a abertura formal
de muitas das pará bolas de Jesus.
v.25 “Mas, enquanto seus homens estavam dormindo, veio o inimigo dele, semeou o joio no meio do
trigo e foi embora.” Seria mais fá cil, e rá pido, ao inimigo tentar incendiar o campo, entretanto ele
preferiu plantar suas sementes malignas, para assim gerar problemas quando chegasse o

224
momento da colheita. Dessa maneira percebemos a maneira astuta do inimigo e como ele é
paciente em sua obra maligna.
O texto grego chama a erva de ζιζαŒ νια - zizá nia, ao que traduzimos por Joio. A diferença
entre o Trigo e o Joio é muito pequena; alguns bió logos aCirmam que o Joio é o ancestral selvá tico
do Trigo. É muito possível que o Joio seja uma erva daninha específica da agricultura do trigo, e que é
conhecida por diversos nomes em diversas culturas, entre eles estão: Darnel, Trigo Selvagem, Trigo
Falso e Azevém Venenoso. Existem registros do joio nas crônicas egípcias datadas de 3600 a.C(31) e
também nos escritos de Theophrastus(32), discípulo de Aristóteles, o qual estudou bastante sobre a
agricultura; e Virgílio a chamava em Latin de Infelix (infrutífera, desafortunada)(34). Tamanha
diversidade de nomes e de registros reflete o fato dessa praga ser considerada como uma das piores
pragas do mundo e que era muito recorrente na antiguidade.(30) É muito provável que se trate da erva
Lolium temulentum L., ainda que haja a possibilidade de ser a também nociva Cephalaria syriaca(33), a
diferença básica entre as duas é que o Lolium possui grãos escuros, enquanto o Cephalaria produz
grãos pretos. Uma vez que o foco de Jesus era alertar para o crescimento de falsos irmão no meio da
igreja, a definição exata da espécie não é fundamental, afinal ambas (Lolium e Cephalaria) causam o
mesmo dano e só podem ser identificadas com certeza na época da colheita.
Caso o Joio fosse consumido em grandes quantidades ele poderia matar tanto homens como
animais, o que demonstra o quão seria é essa questão. Charles Conervin, na universidade de Lyon
(1983), publicou um estudo afirmando que apenas 2kg de joio misturado na ração, podiam matar um
cavalo.(35) E mesmo no ser humano, ainda que não se consumisse o suficiente para matar, essa erva
daninha causaria muitos problemas como: respiração ofegante, vertigens, pulso baixo, frio nas
extremidades do corpo e até convulsões.(36)
Bioterrorismo. Assim seria classiCicada hoje a cena proposta por Jesus, poré m o que
pode-nos parecer extremamente atual, ou avançado tecnologicamente, já era amplamente
difundido no impé rio romano.
v.26-29 “E, quando as plantas cresceram e produziram fruto, apareceu também o joio. Então os
servos do dono da casa chegaram e disseram: "Patrão, o senhor não semeou boa semente no seu campo? De
onde, então, vem o joio?” Ele, porém, lhes respondeu: "Um inimigo fez isso.” Os servos da lavoura nã o
compreendiam o que havia ocorrido. Interessante notar que em nenhum momento eles pensaram
estar a culpa pelo surgimento do joio neles pró prios, pois perguntam "O senhor não semeou boa
semente em seu campo? Então, de onde veio o joio?". Do "Inimigo", é a resposta do senhor da lavoura,
em relaçã o a origem nefasta dos grã os.
“Mas os servos lhe perguntaram: "O senhor quer que a gente vá e arranque o joio?” O dono da casa
respondeu: "Não! Porque, ao separar o joio, vocês poderão arrancar também com ele o trigo.” Atravé s deste
simples ensino, Jesus nos mostra que sempre haverã o falsos religiosos entremeados aos
verdadeiros crentes.
v.30 “Deixem que cresçam juntos até a colheita. E, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: ‘Ajuntem
primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; mas recolham o trigo no meu celeiro.’” Nos Cinal
dos tempos, no dia escatoló gico, os servos do dono da lavoura (os anjos) irã o realizar a
derradeira separaçã o entre os que creem e os servos do maligno. "ajuntai primeiro o joio" Mediante
este pequeno detalhe, percebemos que o Senhor faz questã o de que os injustos sejam condenados
aos olhos dos cidadã os do Reino e apenas depois os salvos serã o recolhidos ao celeiro eterno.
Percebendo a importâ ncia na ordem dos acontecimentos, a questã o do julgamento se torna ainda
mais pesada.
EN -nos importante notar como a puniçã o Cinal ocorrerá , pois ela é exatamente igual ao
que Joã o, o batizador, falou do Messias lá no capı́tulo 3. Repare na semelhança:
.

• Mt 3.11-12 "Eu os batizo com água para arrependimento. Mas depois de mim vem alguém mais
poderoso do que eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas sandálias. Ele os batizará com o
Espírito Santo e com fogo. Ele traz a pá em sua mão e limpará sua eira, juntando seu trigo no
celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca se apaga".
• Mt 13.30 "Então direi aos encarregados da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no em
feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro".

Implicação Teológica Naquele momento especı́Cico o Senhor estava comparando os
fariseus e os discı́pulos, onde certamente os fariseus representavam o joio, com sua semente
amarga, escura e venenosa e os discı́pulos o trigo dourado.
Jesus nos orientou a nã o tentar retirar o Joio do meio do Trigo, pois seria impossı́vel
distinguir adequadamente a diferença entre duas espé cies tã o pró ximas. Algumas tradiçõ es
cristã s, como a Cató lica, se baseiam neste texto para defender o conceito de Cristandade, onde

225
crente e nã o-crentes vivem juntos dentro da igreja. Pode parecer nã o tã o ó bvio, mas o ensino
mostra que nã o é nossa responsabilidade impedir o plantio (o dono do campo nã o
responsabilizou seus empregados) e també m nã o está a nosso cargo separar os dois grã os. Essa
tarefa Cicou por conta daqueles que realizarã o a colheita para o senhor do campo no dia
escatoló gico. Durante a histó ria da igreja muitos utilizaram este texto para defender a tolerâ ncia
religiosa, entre eles: Wazo de Lié ge (c.985-1048 A.D) em uma famosa carta ao Bispo Roger de
Chalons, Martinho Lutero(6), entre outros.

Arbusto de mostarda na regiã o da Galilé ia CC-by-sa 3.0, H. Zell, Wikipedia


v.31-32 Parábola do grão de Mostarda


“Jesus lhes propôs outra parábola, dizendo:
— O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem pegou e plantou no seu
campo. Esse grão é, na verdade, a menor de todas as sementes, mas, quando cresce, é maior do que as
hortaliças, e chega a ser uma árvore, de modo que as aves do céu vêm se aninhar nos seus ramos.”

Tanto esta pará bola, quanto sua gê mea abaixo sobre o fermento, sã o conhecidas como as
pará bolas do crescimento. O motivo desse nome é bem simples de se compreender. Em ambas,
existe um inı́cio discreto, quase que insigniCicante, poré m seu resultado é grandioso, alé m de
rá pido.

Pode parecer que o Terceiro Grande Discurso de Jesus foi realizado em uma exposiçã o
agrı́cola, já que mais uma vez nos deparamos com o tema do fazendeiro e de suas sementes. A
primeira pará bola fala da diferença de local onde as sementes foram colocadas, a segunda
pará bola fala de sementes espú rias semeadas em meio as boas, agora vemos a questã o do
desenvolvimento das sementes boas. O mais interessante é o modo como as sementes sã o
interpretadas, pois as aplicaçõ es sã o diferentes. Acompanhe:

1. Parábola do Semeador – a semente representa a Palavra de Deus


2. Parábola do Trigo e do Joio – as sementes representam pessoas, alguma convertidas e
outras nã o.

226
3. Parábola do Grão de Mostarda – agora a semente se refere ao Reino dos Cé us e ao seu
crescimento.

També m existe uma mudança signiCicativa no foco sobre o fazendeiro:


1. Parábola do Semeador – como o pró prio nome dado por Jesus revela, o “semeador/
fazendeiro” é fundamental em seu desenvolvimento
2. Parábola do Trigo e do Joio – aqui o fazendeiro divide o protagonismo com o “inimigo”.
3. Parábola do Grão de Mostarda – nesta terceira pará bola, o Senhor diz apenas que “um
homem” e depois nã o se fala mais sobre ele. O evangelista Marcos, ao registrar essa
passagem, sequer cita o “homem” que lançou a semente.(Mc 4.30-32)

A costa do Mar da Galilé ia é uma regiã o propı́cia ao desenvolvimento do arbusto de


Mostarda, o qual sob condiçõ es ideais pode crescer até o tamanho de uma grande á rvore, ainda
que tecnicamente nunca chegue a ser uma. EN até possı́vel que Jesus avistasse alguns desse
arbustos enquanto proferia seu discurso. A espé cie que mais se desenvolve na regiã o pró xima ao
Mar da Galilé ia é a Brassica Nigra, ou seja, uma mostarda de grã o negros.(41)
Como você pode ver na imagem acima, o arbusto da Mostarda é denso, complexo e
atraente com suas Clores amarelas. Quando o Mestre fala de "as aves do céu vêm aninhar-se nos seus
ramos." e se refere a animais que se aninham sob a proteçã o dessa intrincada rede de ramos. Dessa
forma, para o ouvinte original a imagem do arbusto trazia a ideia de algo que cresce rá pido,
mesmo vindo de uma semente quase insigniCicante, e que possui essa forma ramiCicada e
descentralizada.

Existe uma certa diCiculdade com a aCirmaçã o de que “Embora seja a menor dentre todas as
sementes” pois um botâ nico pode argumentar que a semente de Manacá da Serra (ou que a
semente da Orquı́dea seja considerada por muitos como a menor de todas) é a menor que a da
Mostarda. Caso deseje averiguar por si mesmo você pode encontrar imagens de ambas na
Internet. A resposta para essa questã o é simples, basta seguir um princı́pio da Hermenê utica
Bı́blica que é entender quem sã o os leitores originais do texto; pois o texto fora formatado sob a
ó tica deles, nã o a nossa. Assim, devemos pensar em um Judeu do sé culo I, que vivia em uma
sociedade agrá ria e sob domı́nio romano. Para aquelas pessoas, o grã o de Mostarda era realmente
a menor semente que eles poderiam imaginar sendo plantada em uma horta. Lembre-se que as
pará bolas utilizam elementos conhecidos de seus ouvintes e nã o metá foras elaboradas. Alé m
disso, o professor J. Dwight Pentecost aCirma que no idioma hebraico, que possui a caracterı́stica
de ser interpretativo, utilizava a palavra "grã o de mostarda" para deCinir a menor espessura e o
menor peso que eles podiam medir naquela é poca. EN possı́vel que a expressã o “pequeno como um
grã o de Mostarda” fosse algum tipo de ditado popular. Veja a referê ncia existente em Mt 17.20 “Ele
respondeu: "Por que a fé que vocês têm é pequena. Eu lhes asseguro que se vocês tiverem fé do tamanho de um
grão de mostarda, poderão dizer a este monte: ‘Vá daqui para lá’, e ele irá. Nada lhes será impossível.”
Um segundo aspecto a ser compreendido sobre o grã o de mostarda é que seu
crescimento é muito rá pido e expansivo, podendo chegar a algo entre 3,5m e 4,5m em apenas um
ano de plantio.(24)
Qual seria o tamanho do Reino dos Cé us na terra quando Jesus pregou essa pará bola?
Joã o seu precursor já havia sido assassinado (Mt 14), dos doze apó stolos um era traidor e o
pró prio Mestre em breve morreria; entã o, de que tamanho seria a semente do Reino? 20 ou 30
pessoas, já contando os 11, Maria e alguns poucos seguidores verdadeiros? Hoje somos em
quantos no mundo? Bem parece-me que a pará bola fora extremamente acurada em seu
cumprimento.
Implicação teológica: O Reino dos Cé us pode ter tido um inı́cio pequeno, mas seu
crescimento seria, e foi, muito grande. Todas as pará bolas estã o intrinsecamente conectadas,
construı́das uma sobre o fundamento da outra. Dessa maneira percebemos que apesar da
diCiculdade da semente atingir o solo ideal, e de també m sobreviver em meio ao joio, aquelas
bem-aventuradas irã o crescer assombrosamente.
Alguns estudiosos questionam se a referê ncia a “aves do cé u” pode ser um sinal da
atuaçã o do maligno, isso porque na primeira pará bola deste discurso, esses animais representam
o Inimigo roubando as sementes antes delas terem chance de brotar. Infelizmente essa linha de
interpretaçã o, apesar de possı́vel, foge bastante do tema em questã o aqui, o qual se refere ao
enorme crescimento esperado para o Reino dos Cé us. Um outro modo de pensar nas “aves

227
aninhando sob os galhos” é conecta-la com as profecias de Daniel relativas a Nabucodonosor, em
especial Dn 4.12-21 que diz: v.12 “A sua folhagem era bela, o seu fruto era abundante, e nela havia
sustento para todos. Debaixo dela os animais selvagens achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos
seus ramos; e todos os seres vivos se alimentavam dela.” sendo o restante do trecho mostra a explicaçã o
de Daniel sobre a visã o do rei babilô nico. O profeta Ezekiel, em Ez 31.3-9 faz o mesmo tipo de
analogia ao descrever o esplendor da Assı́ria: v.5-6 “Cresceu mais do que todas as árvores do campo; os
seus galhos se multiplicaram e os seus ramos se alongaram, por causa das muitas águas durante o seu
crescimento. Todas as aves do céus se aninhavam nos seus galhos, todos os animais do campo dava cria
debaixo dos seus ramos, e todos os grandes povos se assentavam à sua sombra”.
AË vista de tanta evidê ncia bı́blica, nos parece que a Cigura dos grandes ramos e com as
aves se aninhando sob eles, representa a grandeza e a extensã o que o Reino alcançará .

v.33 Parábola do fermento


“Jesus lhes contou ainda outra parábola:
— O Reino dos Céus é semelhante…”
Mantendo o estilo de ensino dos rabinos, Jesus repete o que acabara de dizer, para assim
ajudar o ouvinte a Cixar a mensagem. A pará bola do Fermento é uma repetiçã o da pará bola da
Semente de Mostarda, sendo que ambas falam de um inı́cio pequeno e um resultado Cinal muito
maior. Muito se referem a ambas como sendo uma dupla ou um espelhamento. Ou como disse
Kistemaker, S. "A repetição de Jesus de parábolas similares em ocasiões separadas ilustra o seu objetivo de
dar ênfase a elas por meio de repetição."(11)
"fermento que uma mulher tomou e colocou dentro de três medidas de farinha" As trê s medidas de
farinha, cujo texto grego chama de σαŒ τα - sáta, as quais equivaleriam a quase 23Kg de farinha
(existem estimativas dizendo que o volume de apenas uma Sata podia chegar a 7-10 litros de
grã os)(49), o que, por sua vez, seria suCiciente para alimentar algo pró ximo a 120-150 pessoas.
Note que Sara, esposa de Abraã o, em Gn 18.6 preparou pã o com a mesma quantidade de farinha:
Por essa quantidade enorme de farinha, que demandaria muito mais do que apenas uma
mulher para amassar (talvez até 4 pessoas fossem necessá rias neste processo) o Senhor busca
despertar a noçã o de que o crescimento do Reino també m seria assim magniCico e esplendoroso.
Já que a tarefa de cozinhar no Oriente era deixada a cargo da mulher, e a té cnica de
fermentar a massa e assar o pã o estavam incluı́das nesse â mbito da vida quotidiana, a Pará bola
do Fermento possui uma conexã o maior com as mulheres, enquanto a pará bola do grã o de
mostarda atrairia maior atençã o dos homens, pois estes lidavam mais diretamente com a
agricultura.
ε† νεŒ κρυψεν - enekrypsen Existe uma sutileza gramatical ú nica no emprego desta palavra,
pois seu sentido bá sico é o de se misturar algo, escondendo-o dentro de um todo. No â mbito da
paniCicaçã o Cica simples compreender que um pouco de massa levedada seria inserida, e bem
misturada, à massa nova; trazendo benefı́cios muito grandes. Poré m outro sentido ligado a
enekrypsen é sua raiz ε† γκρυŒ πτω (egkryptō) a qual signiCica diretamente esconder ou embaralhar,
sendo ela a origem da criptogra1ia tã o alardeada nos meios da internet. Neste sentido, vemos
uma conexã o com Mt 11.25 “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas
dos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos.” com Mt 13.11 “Porque a vocês é dado conhecer os
mistérios do Reino dos Céus, mas àqueles isso não é concedido.” e por Cim, Mt 13.44 “O Reino dos Céus é
semelhante a um tesouro escondido no campo, que um homem achou e escondeu.”
Implicação teológica Mais uma vez o Reino dos Cé us é descrito como algo que no inı́cio
pode parecer insigniCicante, silencioso, mas que apó s iniciado nã o pode mais ser interrompido, e
cujo resultado ú ltimo é grandioso. Vale ressaltar que para um judeu, o fermento trazia referê ncias
ao Pessach (a Pá scoa), que é o evento religioso mais importante deles. Muitas vezes este ensino
foi mal compreendido ao longo da histó ria da igreja, já que em certas passagens (Ex 12.15, Lv
2.11, Lv 6.17, Lv 10.12,) o fermento supostamente teria uma conotaçã o negativa. Este
pensamento levou alguns inté rpretes a erroneamente a aCirmar que aqui ele representaria a
atuaçã o do inimigo. Falham eles na hermenê utica, pois a retirada do fermento no Pessach está
relacionada com a urgê ncia da fuga dos Israelita e nunca com algum tipo de superstiçã o em
relaçã o a massa fermentada. A pró pria Torah exige sua utilizaçã o, veja por exemplo Lv 7.13 “Com
os bolos trará, por sua oferta, pão levedado, com o sacri1ício de sua oferta pací1ica por ação de graças.” ou
entã o Lv 23.17 “De onde estiverem morando tragam dois pães para serem movidos. Os pães serão feitos com
quatro litros da melhor farinha, assados com fermento; são primícias ao Senhor”. Lembre-se de que o
contexto determina o signiCicado de uma palavra ou ensino.

228
Devemos ter em mente o discurso do Mestre por completo, pois assim podemos
compreender mais acuradamente a posiçã o de cada pará bola. As duas primeiras pará bola
descrevem quã o pequena é a proporçã o dos verdadeiros discı́pulos. Na verdade, tã o diminuta era,
que poderia levar os ouvintes originais a desfalecer em sua fé , já que a possibilidade de instaurar
o Reino dos Cé us aqui seria quase nula. Por essa razã o o Senhor insere as duas pará bolas gê meas,
primeiro para intensiCicar a mensagem proposta e segundo para garantir que mesmo aquele
pequeno grupo de Cieis seria capaz de mudar o mundo.

v.34-35 O ponto central do capítulo - Uma conclusã o editorial


“Jesus disse todas estas coisas às multidões por parábolas e sem parábolas nada lhes dizia. Isso
aconteceu para se cumprir o que foi dito por meio do profeta: "Abrirei a minha boca em parábolas; publicarei
coisas ocultas desde a criação do mundo.”
Seja seguindo a proposta de estrutura quiá stica, seja apenas fazendo uma leitura natural
do texto, chegamos agora a um ponto central. Fica bem evidentes que estes dois versı́culos sã o
interversã o do autor inspirado, e estã o inseridos no texto sagrada para enfatizar está açã o por
parte do Messias. Agindo quase como um narrador, Mateus interrompe o ritmo do Terceiro
Grande Discurso para apresentar o cumprimento de uma profecia encontrada em Salmos 78.2
(Salmo 77 na LXX) α† νοιŒξω ε† ν παραβολαῖς το„ στοŒ μα μου, φθεŒ γξομαι προβληŒ ματα α† πʼ α† ρχῆ ς - “Em
parábolas abrirei a minha boca, proclamarei o que está oculto desde a criação” (Traduçã o direta do texto
grego). Alguns manuscritos mais novos conté m uma extensã o do versı́culo dizendo “do mundo”,
poré m sua originalidade é bem imprová vel. Neste caso acerta a ARA ao manter as palavras dentro
de colchetes, o que avisa o leitor da falta de embasamento para o termo em questã o.
Assim, nã o me parece deveras arriscado dizer que o tema central deste discurso seja a
rejeiçã o de Israel apresentada na forma de pará bolas.

Uma curiosidade a respeito dessa citaçã o é que o conhecido manuscrito ‫( א‬Aleph), alé m
de Θ, ƒ1.13, 33, assim como os manuscritos gregos usados por Eusé bio de Cesaré ia e Jerô nimo
(autor da Vulgata Latina, a traduçã o da bı́blia para o Latin) ao falarem deste Salmo, apresentam a
seguinte descriçã o “através do profeta Isaías”. Tal modiCicaçã o pode ser rastreada inicialmente à Alef
o que reforça a percepçã o de ser uma alteraçã o intencional posterior, inserida na tentativa de
solucionar essa incomoda questã o. Os estudiosos especulam que a inscriçã o original era “através
de Asafe” a quem o Texto Massoré tico atribui a autoria do Salmo; seja como for, a vasta maioria dos
textos antigos nã o conté m tal citaçã o(7).
Ainda assim resta uma questã o a ser resolvida, aCinal Asafe era profeta? Uma vez que o
texto é claro ao dizer "o que foi dito por intermédio do profeta:" Bem, existe a percepçã o de que ao
termo "profeta", na linguagem mateana equivale ao moderno "inspirado" que aplicamos ao texto
sagrado. Alé m disso 2Cr 29.30 descreve Asafe como "vidente" o que equivalia naqueles dias a
"profeta" "Então, o rei Ezequias e os príncipes ordenaram aos levitas que louvassem o Senhor com as palavras
de Davi e de Asafe, o vidente.”. O pró prio Samuel fora chamado també m de vidente, veja 1Sm 9.9
“Antigamente, em Israel, quando alguém ia consultar a Deus, dizia: "Vamos falar com o vidente." Porque
antigamente o profeta de hoje se chamava vidente.” Este tipo de troca de linguagem acontece em nossas
igrejas hoje em dia, basta ver quantas vezes chamamos um irmã o de pastor, sem que ele ocupe o
cargo oCicial na igreja ou quando chamamos de irmã o a um visitante que ainda nã o é batizado.

v.36-43 Jesus interpreta a parábola do Joio


Uma vez que os versı́culos 34-35 representam o centro do Terceiro Discurso e de toda a
estrutura quiá stica, a inserçã o do comentá rio de Jesus, sobre a antepenú ltima pará bola, serve
como uma conexã o com tudo o que fora dito na parte pú blica da aula. Atravé s deste recurso,
Mateus, traz para dentro da casa a conversa que se iniciara à beira-mar.

v.36 ”Então deixou as multidões, indo para casa.” Em linhas gerais podemos postular que o
discurso terminou aqui, poré m Mateus, inspirado em sua redaçã o fez questã o de nos registrar o
ensino privado que ocorreu apenas ao discı́pulos mais pró ximos. O texto nos diz que Jesus deixou
a multidã o e entrou na casa (possivelmente a casa de Pedro. cf. 8.14 e 9.10). Lembre-se que no
versı́culo 2, o Mestre foi obrigado a subir em um barco, já que a multidã o o estava cercando;
assim podemos imaginá -lo desembarcando, saindo do pı́er e caminhando até a casa.

229
Algumas traduçõ es mais antigas, se baseando no Texto Majoritá rio, apresentam uma
ligeira variaçã o deste versı́culo inicial ”Então, despedindo as multidões, foi Jesus para casa.”. Caso
sigamos essa linha, o autor estaria descrevendo Jesus ativamente mandando as pessoas emboras
ao Cinal do estudo. Ambas as traduçõ es sã o possı́veis e bem prová veis, o que nos mostra que o
Inspirador do texto no educa sob diversos â ngulos.
Uma ú ltima questã o a ser observada é que os manuscritos mais antigos, e aceitos, nã o
trazem a palavra “Jesus”, o que revela ter ela sido inserida posteriormente por copistas.
“E, chegando-se a ele os seus discípulos, disseram: Explica-nos a parábola do joio do campo.”
Percebemos aqui que os discı́pulos ainda necessitavam de orientaçã o para compreender
adequadamente algumas pará bolas. οι¡ μαθηται„ - hoí mathetai, traduzido por “seus discı́pulos”
existe uma grande importâ ncia quando a lı́ngua grega insere o artigo antes de um substantivo,
pois dessa maneira o autor deseja enfatizar a quem ele se refere. Nesta caso, Mateus nos
comunica que eram apenas os discı́pulos mais pró ximos, possivelmente os doze, que se
aproximaram dele naquele momento.
v.37 A partir do versı́culo 37 Jesus explica alguns pontos da pará bola do Joio. Muito
importante para essa interpretaçã o é encontrarmos signiCicado apenas nos elementos
apresentado pelo Senhor. Nem mais, nem menos. Infelizmente durante a histó ria da Igreja
pendemos para dois extremos, o da Alegorizaçã o, com suas interpretaçõ es livres, e o do
Racionalismo, que buscava apenas um signiCicado breve, assim sacriCicando todo o restante. Por
essa razã o é inestimá vel termos o registro escrito do pró prio Cristo esmiuçando sua pará bola.
• Semeador é o Filho do Homem (Jesus).
• O campo é o mundo.
• A boa semente sã o os Cilhos do Reino.
• A má semente sã o os Cilhos do maligno.
• O inimigo é o pró prio diabo.
• A colheita é o Cim dos tempos (O dia do Senhor)
• Os ceifeiros sã o os anjos.

v.40 “Pois, assim como o joio é colhido e jogado no fogo, assim será no 1im dos tempos.” E o Mestre
prossegue na explicaçã o demonstrando como serã o os eventos daquele dia. Aqui vemos um
paralelo com Dn 3.6 “E qualquer que não se prostrar e não adorar, será na mesma hora lançado dentro de
uma fornalha de fogo ardente” E com o inı́cio do livro de Mateus, quando Joã o Batista explica o que
aquele que viria apó s ele faria em Mt 3.11-12: “Eu batizo vocês com água, para arrependimento; mas
aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de carregar as sandálias. Ele
os batizará com o Espírito Santo e com fogo. Ele tem a pá em suas mãos, limpará a sua eira e recolherá o seu
trigo no celeiro; porém queimará a palha num fogo que nunca se apaga.”
v.41-42 “O Filho do Homem mandará os seus anjos, que ajuntarão do seu Reino todos os que servem
de pedra de tropeço e os que praticam o mal e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de
dentes.” A promessa de “todos os que servem de pedra de tropeço” está conectada com Sofonias 1.3 que
diz “Destruirei tanto os homens quanto os animais; destruirei as aves do céu e os peixes do mar, os que causam
tropeço junto com os ímpios. Farei isso quando eu ceifar o homem da face da terra", declara o Senhor”
v.42-43 Os resultados da colheita seriam 1) choro e ranger de dentes, sendo uma alusã o a
uma grande angú stia, e 2) os justos irã o brilhar com o Sol, fazendo novamente mençã o ao livro do
profeta Daniel 12.3 “Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do 1irmamento; e os que
converteram a muitos para a justice, como as estrelas sempre e eternamente”.
Encontramos aqui a mesma moldura do v.9 “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.” a qual é
utilizada por Jesus para enfatizar seu ensino.

Atuação do inimigo: Algo que sempre me chama a atençã o nessa pará bola, e que é
reforçado pelas consideraçõ es que Cizemos sobre o versı́culo 25, é que devido a natureza
daniCicada pelo pecado humano, o Joio acabaria de uma forma ou de outra contaminando o
campo de trigo, mas ainda assim o inimigo fez questã o de contamina-lo. Pense comigo, o inimigo
selecionou sementes de Joio, o que por si só nã o era fá cil de fazer uma vez que nã o haviam lojas
para fornecer tal item, esperou o tempo correto da semeadura, esperou anoitecer e foi, ele
mesmo, plantar o Joio.
Implicação teológica: Certamente estamos diante de um ensino escatoló gico (relativo
ao Cinal dos tempos) o qual nos revela muito do mundo espiritual e do trabalho dos anjos.

230
Um ponto de debate é se a pará bola trata da Igreja ou do mundo em geral. Ambos os
conceitos possuem validade e consistê ncia ló gica, por isso é impossı́vel de assumir apenas uma
das posiçõ es. Se o trigo sã o os crentes, plantados, e o joio incré dulos misturados, entã o devemos
compreender que o Mestre fala da Igreja em geral; poré m se o campo é o mundo, e nã o a Igreja,
entã o devemos compreender que ele se reCira a humanidade com um todo. Certamente essa
passagem revela o modo de pensar dualı́stico do antigo oriente pró ximo, onde dois termos nã o
precisam ser auto-excludentes para serem vá lidos.
De qualquer forma, seja dentro da Igreja ou no mundo em geral, o julgamento dos
ı́mpios, que por hora parece insatisfató rio, será exemplar no dia do julgamento Cinal. Este é o
ensino mais profundo desta pará bola.

v.44 A parábola do tesouro escondido em um campo


“O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E,
transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.”
A partir de agora seguimos propriamente com o ensino privado, e mais profundo, trazido
pelo Senhor. Outra dupla de pará bolas gê meas nos é proposta: O tesouro e A pé rola. Uma
diferença temá tica existe aqui, pois onde o primeiro duo de pará bolas trata de crescimento, este
segundo lida com valor. A nossa frente temos um texto pequeno em tamanho, nã o em valor. Existe
uma bela conexã o com Pv 2.4-5 “se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a
procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus.”
Como que em uma progressã o, nosso Mestre apresenta agora uma pará bola dirigida
aqueles que eram a semente que chegou ao solo bom, e que també m foram representados como o
trigo. Apesar da rejeiçã o, perseguiçã o, e do inı́cio quase insı́pido, ainda assim valia vender todas
as suas posses, ou seja, trocar tudo o que tinham (religiã o, famı́lia e literalmente posses
materiais) por aquele tesouro que estava sendo oferecido por Jesus. Em Mateus 10. 39, durante o
discurso anterior, o Senhor já havia ensinado sobre o custo de se possuir o Reino: “Quem acha a sua
vida perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á.” EN importante ressaltar que isso
aconteceria com “alegria” e nã o por obrigaçã o ou ganâ ncia. A esse respeito Bob Utley disse:
“EN um paradoxo que a salvaçã o pela graça venha somente atravé s da graça de Deus e por isso seja
absolutamente gratuita (cf. Rm 3.24, Rm 5.15, Rm 6.23 e Ef 2.8-9) e ainda assim custe ao discı́pulo tudo” The First
Christian Prime: Matthew. p.121

Mesmo saindo do tema agrı́cola, esta pará bola nã o era muito distante de seus ouvintes
originais já que lida com campos e itens extrativos. Lembre-se que naquele tempo nã o existiam
bancos, nem maneiras mais eCicientes de se guardar os bens preciosos, por isso nã o era raro a
populaçã o enterrar suas posses no intuito de preserva-las; veja o que o Mestre disse em Mt 6.19
"Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam
e furtam."
Existe ampla evidê ncia arqueoló gica mostrando que em momentos de necessidade a
populaçã o da palestina romana enterrava suas moedas em formato agrupado, conhecido como
Hoard.(38) Uma boa explicaçã o do termo Hoard foi proposta por Rebecca Darley: “duas ou mais
moedas encontradas em um contexto que indica deposiçã o intencional em conjunto. Moedas de
baixo e alto valor foram acumuladas ao longo da Antiguidade Tardia para proteçã o”(39) O
Pergaminho de Cobre (3Q15), encontrado na caverna 3 de Qumran descreve diversos locais onde
tesouros judeus haviam sido enterrados, possivelmente antes da invasã o romana a Palestina.
Como por exemplo: “Na ruína do Vale de Achor, sob a escada que sobe para o leste [a uma distância de]
quarenta ladrilhos, há uma arca de prata e seus vasos, pesando dezessete talentos”(52)

A questã o aqui é saber se a pará bola ao tesouro em si (e nesse caso, se o tesouro seria
Jesus) ou se o foco do ensino é na atitude da pessoa que o encontrou.
Caso analisemos o texto dentro de seu contexto imediato, e principalmente sua pará bola
irmã que fala da pé rola, reforça-se a ideia de que a alegria ao encontrar o item valioso e a
disposiçã o para possuı́-lo é que sejam o objetivo na mente do autor. Essa posiçã o nos leva a
perceber que o tesouro seja Jesus, ou em ú ltimo caso, a mensagem do Reino.
Outra possibilidade menos prová vel de interpretaçã o é que Jesus esteja falando de si
mesmo ao se referir ao homem que vendeu tudo o que tinha (2 Co 8.9) e que o tesouro
encontrado equivalia a Israel (Ex 19.15 e Sl 135.4). Uma vez que as demais pará bolas deste

231
capı́tulo tratam do Reino dos Cé us e de sua relaçã o com as pessoas, é um pouco mais difı́cil
defender essa posiçã o.

Uma questã o é tica que sempre é levantada aqui esta relacionada ao fato da pessoa que
encontrou o bem nã o procurar devolve-lo ao seu dono original. Pois bem, antes de entrarmos nos
detalhes té cnicos, e jurı́dicos, alguns pontos precisam ser levantados:
.

1. O tesouro se referia a mensagem do Reino dos Cé us, e estava sendo oferecido
gratuitamente aos judeus, que eram os herdeiros legı́timos. Por essa razã o o
argumento de se apossar de algo que nã o lhe é devido cai por terra.
2. O tesouro produz uma riqueza interior, nã o externa; e aquele que o encontrou vende
tudo que tem para possuı́-lo Cicando assim pobre. Ainda assim nã o se torna rico
materialmente, pois se o Cizesse, estaria abrindo mã o do tesouro.

A lei romana fazia uma distinçã o entre propriedade (dominium) e posse (possessio), ou
seja, entre que é dono legı́timo de algo e que manté m o usufruto sobre o bem.(37) Aemilius
Papinianus, um jurista romano na segunda metade do segundo e no inı́cio do terceiro sé culo d.C.,
deixou registrado alguns discursos sobre esse tema, os quais podem ser lidos em Dig. 41.2.44 pr.
Papian in the 23rd book of his Legal Questions.

Essa argumentaçã o é importante, aCinal o Reino era dos judeus, os quais o rejeitaram, e
por isso foi oferecido e aceito, com alegria, pela igreja. Sob essa ó tica nã o negamos que o Messias
fora enviado aos judeus, tã o pouco aceitamos que a Igreja seja uma usurpadora do Reino.
Implicação teológica O tema de encontrar algo inesperado é fundamental nessa
pará bola, e será contraposto na pró xima. Uma pessoa sem estudo religioso pode se deparar com a
mensagem do Reino e se alegrar aceitando trocar tudo o que possui para poder possuir o que
encontrou.

Interpretação alegórica, pelo Papa Gregório Magno(51)


“De outra forma; O tesouro escondido no campo é o desejo do céu; o campo em que o
tesouro está escondido é a disciplina do aprendizado celestial; isto, quando um homem encontra, ele
se esconde, a fim de que ele possa preservá-lo; por zelo e afeições em direção ao céu, não basta
protegermos dos espíritos malignos, se não o protegermos dos louvores humanos. Pois, nesta vida
presente, estamos no caminho que conduz ao nosso país, e espíritos malignos, como ladrões, nos
cercam em nossa jornada. Portanto, aqueles que carregam seu tesouro abertamente, procuram pilhar
no caminho.”
.

v.45-46 A parábola da pérola de grande valor


“Novamente: O reino dos céus é também semelhante a um que negocia e procura boas pérolas; e,
tendo achado uma pérola de grande valor, vende tudo o que possui e a compra.”
Πάλιν ο¡ μοια ε† στιν ε¡ βασιλει†α τῶν ου† ρανῶν "Novamente, igual é o Reino dos Céus" Chama
nossa atençã o o uso da palavra grega palin pois ela é , até agora, exclusiva desta pará bola; sendo
que nas liçõ es anteriores Mateus utiliza a palavra algen, para sinalizar a repetiçã o. Palin será
usado novamente apenas mais uma vez no discurso, na pará bola que vem a seguir e que fala
sobre rede. Duas razõ es podem ser levantadas aqui: 1) houve uma mudança no modo do Mestre
falar, pois agora eles estavam dentro de uma casa e nã o mais ao ar livre, ou 2) o autor desejava
criar uma proximidade maior entre a pará bola da pé rola e a da rede.
EN -nos fundamental notar que as traduçõ es para o portuguê s, em sua quase totalidade,
simplesmente excluem essa palavra, o que priva o texto de sua engenhosidade e inspiraçã o. O
efeito prá tico do Palin é conectar Cirmemente o que fora dito anteriormente com o que se propõ e
agora. Sendo este mais um dos casos onde Mateus acelera o texto e nã o no deixa respirar nem por
um segundo durante a açã o. Mantido o sentido original, o qual os tradutores para o portuguê s
simplesmente rejeitam, o texto apresenta o efeito do martelar de um ferreiro, modelando o

232
discurso a golpes fortes e precisos. Em nossa linguagem coloquial, seria o equivalente a dizer: “De
novo, de novo e de novo.”

Continuando com o tema de “bens preciosos” o Mestre repete a pará bola anterior, dessa
vez utilizando-se da Cigura de uma pé rola de grande valor no lugar do tesouro. Como já dissemos
anteriormente, este recurso de repetiçã o é muito comum no modo de ensino dos judeus até os
dias de hoje, pois com a repetiçã o se reforça a idé ia do que estava sendo dito.
Devemos entã o pensar em porque Nosso Senhor escolheu o tema da pé rola nesta
segunda pará bola gê mea. Lembremos que ele já uso essa Cigura antes "Não deis aos cães o que é
santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos
dilacerem." Mt 7.6 O valor intrı́nseco das pé rolas parece ser eterno, aCinal até na Nova Jerusalé m
Celestial elas parecem como sinal de riqueza e majestade. ConCira Ap 21.21 “As doze portas são doze
pérolas, e cada uma dessas portas, de uma só pérola.” Seja como for, o importante é percebermos que
para o leitor original, havia uma valor altı́ssimo para essa jó ia de origem animal.

Existe uma pequena diferença entre as duas Ciguras de quem encontra o bem precioso,
sendo que na primeira, o personagem encontrou o tesouro, meio que por acaso, e por isso foi
surpreendido com o ocorrido, enquanto na segunda passagem vemos um mercador proCissional
que procurava por Cinas pé rolas, ou seja, ele estava buscando exatamente aquilo que encontrou.
Uma possı́vel explicaçã o é que o primeiro exemplo (aquele que encontrou o tesouro) represente o
ouvinte comum, enquanto o segundo exemplo (o mercador especializado) represente o estudante
judeu, quem sabe até fariseu. Parece certo que o fato que se repete é a alegria daquele que
encontra o bem e a sua disposiçã o de trocar tudo por ele.
v.46 "vende tudo o que possui e a compra" O apó stolo Mateus era provavelmente o mais rico
entre os discı́pulos integrais de Jesus, já que era coletor de impostos para os romanos e por isso
lidava com muito dinheiro. Para seguir a Cristo permanentemente, teria ele vendido suas posses?
Haveria na repetiçã o dessa frase, em ambas as pará bolas irmã s, um peso extra para o autor? Seria
este um sub-estrato para o que será dito no capı́tulo 19 quando Jesus fala sobre o que os
apó stolos receberã o "na regeneraçã o"?
Implicação Teológica Um judeu dedicado, estudioso e possivelmente proCissional no
ensino das escrituras, pode encontrar na mensagem do Reino um valor inestimá vel.

v.47-50 A parábola da rede dos pescadores


“O Reino dos Céus é ainda semelhante a uma rede que foi lançada ao mar e apanhou peixes de toda
espécie. E, quando já estava cheia, os pescadores a arrastaram para a praia e, assentados, escolheram os bons
para os cestos e jogaram fora os ruins. Assim será no 1im dos tempos: os anjos sairão, separarão os maus dentre
os justos e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes.”
Πάλιν ο¡ μοια ε† στιν ε¡ βασιλει†α τῶν ου† ρανῶν "Novamente, igual é o Reino dos Céus" Segue-se
exatamente a mesma abertura do ensino anterior.
E chegamos a penú ltima pará bola deste grande trecho o qual chamamos de “Terceiro
Grande Discurso de Jesus”, e vemos aqui uma repetiçã o da pará bola do Joio semeado por um
inimigo. Encontramos a repetiçã o de vá rios elementos como a rede representando o espalhar do
Reino, os peixes bons equivalem a semente do trigo e os peixes ruins a do joio, e os anjos que
realizarã o a separaçã o dos peixes ou a colheita na outra passagem. Esta pará bola é exclusiva do
relato mateano sobre o ensino de Jesus. A diferença mais marcante é que agora o Senhor nã o
culpa um inimigo pelo fato de alguns peixes pescados nã o serem bons para consumo. Existe algo
iné dito aqui, que é a explicaçã o por parte do Senhor acoplada ao ensino, isso evidê ncia que o
ensino privado seguia revelando mais e mais informaçõ es sobre o Reino.

v.47 σαγηŒ νῃ - sagéne, representa uma grande rede de arrasto, a qual é operada por
diversos pescadores, chegando-se a utilizar dois barcos para manobrá -la.
v.48 "E, quando 1icou cheia, os pescadores puxaram-na para a praia" Percebe-se o sentimento do
cumprimento da eras, a plenitude do bem e do mal totalizando o plano divino, nas palavras
"quando 1icou cheia". Por isso Cica evidente que o assunto é relativo ao momento Cinal de nossa
histó ria e nã o a era da igreja. Vemos aqui outro paralelo claro com a Joio.
"assentados, escolhem os bons para os cestos e os ruins deitam fora." Me chama a atençã o a
palavra καθιŒσαντες - kathisantes, traduzida como "sentados", pois nos revela que o trabalho de
seleçã o nã o seria realizado a esmo. Os pescadores nã o correriam o risco de desperdiçar algum

233
peixe bom, nem tã o pouco exporiam à contaminaçã o os peixes lı́citos por causa de um ú nico peixe
impuro. Na prá tica, os peixes ruins seriam aqueles sem escamas e barbatanas, pois estes eram
proibidos pela lei mosaica, veja o que estipula Lv 11.9-12 "De todas as criaturas que vivem nas águas
do mar e dos rios, vocês poderão comer todas as que possuem barbatanas e escamas. Mas todas as criaturas
que vivem nos mares ou nos rios, que não possuem barbatanas e escamas, quer dentre todas as pequenas
criaturas que povoam as águas quer dentre todos os outros animais das águas, serão proibidas para vocês. Por
isso, não poderão comer sua carne e considerarão impuros os seus cadáveres. Tudo o que vive na água e não
possui barbatanas e escamas será proibido para vocês." Aquelas pessoas que habitavam ao redor do Mar,
sabiam exatamente do que Jesus estava falando, pois em sua maioria dependiam da industria da
pesca, alé m de seguirem a lei mosaica com muito empenho.
Algué m pode questionar o porque da rede trazer peixes ruins junto com os bons. Para
ilustrar este ponto, inseri abaixo uma ilustraçã o da maneira como esse tipo de rede opera. Atente
que ela vai se arrastando pelo mar, e acaba por coletar todo o tipo de peixe e crustá ceo que esteja
em sua direçã o.
v.49 "Assim será na consumação do século" O Senhor deixa bem claro quando esse evento
ocorrerá e a quem caberá essa tarefa "sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos"
v.50 "e lançarão aqueles na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes" Segue-se a
formula condenató rio mediante o batismo com fogo e o arrependimento eterno.
Implicação teológica A funçã o dos discı́pulos como “pescadores de homens” já havia
sido proposta logo no inı́cio do chamado dos apó stolos em Mt 4.19 “E disse-lhes: Vinde após mim, e eu
vos farei pescadores de homens.”
Ainda que em nosso meio existam pessoas nã o realmente convertidas, o dever de separá -
las nã o é nosso, aCinal na passagem, o pescador é que separou os peixes e nã o os peixes que se
separaram uns aos outros. Alguns teó logos utilizam essa passagem para novamente sustentar o
conceito de Cristandade, entretanto parece-nos mais plausı́vel entendê -las como uma referê ncia a
falsos pastores e falsas denominaçõ es que pregam absurdos “em nome de Cristo”. No dia do juı́zo,
esses mercadores da fé serã o separados e jogados na fornalha (alusã o a Dn 3.6 "E qualquer um que
não se prestar e não adorar será lançado na mesma hora numa fornalha de fogo ardente”).


Imagem de Janaina Bannwart, compartilhada no site Research Gate

234
v.51-52 O arremate dinal com a parábola do Chefe de Família
“— Entendestes todas estas coisas?
Responderam-lhe: —Sim!
Então, lhes disse: Por isso, todo escriba versado no reino dos céus é semelhante a um pai de família
que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas.”

Algo interessante é que nã o existe nenhum tipo de introduçã o para a frase inicial. Essa
questã o é tã o notó ria que, diversos manuscritos antigos inseriram alguma espé cie de fó rmula
introdutó ria, como “Entã o disse Jesus”(NVI, NAA) ou entã o “Ele, entã o, disse a eles”(NKJV). Neste
caso a ARA faz um trabalho exemplar, sendo este o texto que cito acima.
Uma explicaçã o bem satisfató ria para Mateus ter registrado uma frase tã o resumida, é o
fato da conversa ter acontecido dentro da casa, com todos muito pró ximos, o que tornaria
desnecessá ria qualquer forma de rodeio ou formalidade. Assim sendo, Jesus tã o somente fez sua
pergunta em adiçã o ao que acabará de falar anteriormente. Gosto muito do que G.K.Chesterton
disse a respeito de comparaçõ es: “uma 1igura de linguagem muitas vezes pode entrar em um beco
pequeno demais para uma de1inição”(53) Este me parece ser o caso aqui, onde o Senhor serve-se da
Cigura do dona da casa para explicar o conteú do de sua mensagem messiâ nica.

Se ao té rmino do v.36 sã o os discı́pulos que pedem ao Senhor uma explicaçã o, aqui a
situaçã o se inverte, sendo Jesus que lhes pergunta: “Vocês entenderam todas essas coisas?” Vale notar
que a pergunta é bem especı́Cica, pois ele questiona sobre παŒ ντα - pánta, ou seja, sobre “todas” as
coisas tratadas durante o discurso pú blico e no privado.
Uma vez que seus alunos garantem ter entendido bem sobre a mudança no anú ncio do
Reino e sobre o tema de cada pará bola, o Mestre propõ e uma ú ltima comparaçã o, ao que no
contexto de tudo o que ocorrera naquele dia, diCicilmente podemos deixar de chamar de pará bola.

Por Cim Jesus Cinaliza o discurso com mais um ensino a respeito de πᾶ ς γραμματευŒ σ - pas
grammateús, normalmente traduzido por "todo escriba" ou "todo mestre da lei" que aprendeu
sobre o Reino do Cé us. Uma citaçã o do livro apó crifo de Sirach (també m chamado de Eclesiá stico
ou de Sabedoria de Ben Sirach), diz que um verdadeiro escriba pode “penetrar nas sutilezas das
pará bolas” e estar “em casa com as obscuridades das pará bolas” (Sir 39: 2-3 RSV).
Veja que o Senhor comenta sobre os estudiosos das Escrituras e nã o ao ouvinte
esporá dico. Isso revela que: 1) ainda que Jesus, até certo grau falasse de si pró prio, um escribas
poderia interpretar corretamente como Novo Testamento elucida e completa o Antigo
Testamento (o apó stolo Paulo seria um exemplo claro disso) e 2) nos incentiva a estudar ambos
os Testamentos. Assim o Mestre mostra que a oferta do Reino nã o contradiz a Torá e os Profetas,
mas sim amplia a revelaçã o anterior.
Nenhum dos ouvintes originais seria obrigado a deixar de ser judeu para seguir o Cristo,
bastava-lhe reagir adequadamente à oferta do Reino.

v.53-58 Jesus rejeitado em Nazaré


A partir de agora veremos um forte movimento de rejeiçã o ao Messias, que se inicia em
sua pró pria cidade e vai aumentando, até culminar no Calvá rio.

v.53 “Tendo terminado de contar estas parábolas, Jesus saiu dali.” Aqui encontramos o marco
utilizado pelo autor para deCinir Cinal do terceiro grande discurso de Jesus.
v.54 “e, chegando ele para sua cidade natal, ensinava-os na sinagoga, de tal sorte que se
maravilhavam e diziam: Donde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos”
“και„ ε† λθω†ν ει†ς τε„ ν πατριŒδα αυ† τοῦ - kai elthon eis ten patrída autou Com o intuito de
deCinir o pró ximo acontecimento, Mateus enfatiza que Jesus para sua cidade natal, ou pá tria, em
uma traduçã o mais rú stica. Ou seja, se os fariseus o haviam rejeitado, talvez seus conterrâ neos
tivessem uma atitude mais receptiva. A base ministerial do Senhor era Cafarnaum, ou vila de
Naum, poré m a cidade onde ele cresceu, apó s retornar do Egito, foi Nazaré .
O modo de ensinar do Senhor se manteve inalterado. Ele se dirigiu a sinagoga local, onde
qualquer homem judeu podia se levantar para ensinar. A primeira percepçã o das pessoas
també m foi semelhante, Cicaram elas ε† κπλεŒ σσεσθαι "maravilhadas". Por estar ensinando na
sinagoga, é quase certo que o dia em questã o fosse o sá bado, onde a populaçã o local estaria
reunida em assemblé ia buscando ao Senhor.

235
v.55-56 “Não é este o 1ilho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos, Tiago, José,
Simão e Judas? Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isto?” Da mesma maneira
que ocorrerá antes, a populaçã o começou a questionar a autoridade messiâ nica de Jesus.
Existe uma importâ ncia muito grande nesta passagem, pois ela contextua Jesus como
sendo uma pessoa real, que tinha famı́lia (pai, mã e, irmã os e irmã s) e que també m era
reconhecido por sua comunidade. Assim podemos refutar teorias absurdas como a que sugeria
que Jesus havia passado um longo perı́odo na India (aprendendo misté rios com os gurus
hinduı́stas) ou algumas heresias que diziam que ele nã o era 100% humano. Estes irmã os podem
ser meio irmã os do Senhor, tendo sido gerados por José e Maria apó s o nascimento de Jesus, mas
també m podem ser Cilhos de criaçã o de Maria, caso eles fossem oriundos de um matrimô nio
anterior de José . O texto nã o nos elucida este aspecto. Como de costume nas culturas antigas,
apenas os homens sano nomeados nesta lista: Tiago, José , Simã o e Judas. També m é bem possı́vel
a a lista esteja em ordem cronoló gica, onde Tiago seria o mais velho dentre os quatro citados.
Podemos perceber um certo conClito de sentimentos entre a populaçã o, por um lado ele
Cicaram "admirados e perguntavam: "De onde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos?” Uma vez
que Jesus cresceu naquela cidade, as pessoas sabiam que ele nã o havia tido treinamento formal
como Rabbi. Por outro lado os cidadã os de Nazaré nã o aceitavam que o Cilho do carpinteiro
aCirmasse ser o Messias.
v.57 "E 1icavam escandalizados por causa dele. Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta sem honra,
senão na sua terra e na sua casa.” Por Cim o sentimento de rejeiçã o prevaleceu, aCinal eles nã o
puderam ver Deus encarnado naquele jovem homem que havia crescido entre eles. E o repudio
era tã o grande que eles se "escandalizavam" por causa de Jesus, ou seja, o ó dio crescia a cada
ensino e a cada milagre. Nosso mestre profere um ditado que já era bem conhecido e ainda é
utilizado até os nossos dias: “Só em sua própria terra e em sua própria casa é que um profeta não tem
honra”. Aqui se cumpre Is 8.14-15 "Para os dois reinos de Israel ele será um santuário, mas também uma
pedra de tropeço, uma rocha que faz cair. E para os habitantes de Jerusalém ele será uma armadilha e um laço.
Muitos deles tropeçarão, cairão e serão despedaçados, presos no laço e capturados" e Jr 6.21 "Assim diz o
Senhor: "Estou colocando obstáculos diante deste povo. Pais e 1ilhos tropeçarão neles; vizinhos e amigos
perecerão"
v.58 “E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles.” Se no Cinal do capı́tulo 12, o
Senhor ensinara que o vı́nculo familiar nã o equivalia ao laço da fé , aqui percebemos que a
conexã o com a cidade natal e com as pessoas de sua infâ ncia també m nã o eram importantes no
que se referia à s coisas espirituais.

O capı́tulo 12, em sua grande parte, mostra a rejeiçã o em Cafarnaum por parte do
religiosos; e no seu Cinal aprendemos que as relaçõ es familiares nã o sã o determinantes no Reino
dos Cé us. Aqui, no capı́tulo 13 vemos o ensino messiâ nico assumindo um contorno novo, e em
parte, rejeitando aqueles que rejeitam o Senhor. E por Cim, neste derradeiro trecho, aprendemos
que as relaçõ es locais, també m nã o garantem uma melhor percepçã o do Reino. Ambos capı́tulos
se assemelham nessa formataçã o e na maneira como o ensino Cinal é apresentado.

O peixe como símbolo cristão

Desde muito cedo o peixe se tornou um símbolo na arte cristã, isso porque a palavra grega para
"peixe" (ichthys, ἰχθύς) fornece as letras iniciais das palavras em um credo cristão primitivo. A primeira
letra, iota, é a letra inicial na palavra grega para "Jesus" (Iēsous, Ἰησοῦς). A segunda letra, chi, é a primeira
letra da palavra para “Cristo” (Christos, Χριστός). A terceira letra, teta, é a primeira letra da palavra grega
para "Deus" (theos, θεός). A quarta letra, upsilon, representa a palavra grega para "filho" (huios, υἱός). E a
última letra, sigma, é a primeira letra da palavra grega para "Salvador" (sōtēr, σωτήρ). Juntas, as letras da
palavra grega para "peixe" simbolizam a mensagem "Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador".

236
(1) Gleichnisreden Jesu – Julicher, Adolf
(2) The New Bible Dictionary – Wood, D. R.
(3) The challenge os Jesus parables. – Longnecker, Richard N. p.287
(4) Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Lolium
(5) Craig, S. Keener – The Gospel of Matthew: A Socio-Rethorical Commentary. p.386-387
(6) The sermons of Martin Luther. p.100-106 (Grand Rapids: Baker Book House 1906).
(7) Utley, Bob – The First Christiam Premier: Matthew p.120
(8) Pentecost, J.D. - Aula ministrada no curso The Life of Christ, semana 4, aos 32 minutos- Disponı́vel em https://
courses.dts.edu/module-1/the-life-of-christ-4/ e acessado em 13/07/2019
(9) Young, B. - The Parables: Jewish Tradition and Christian Interpretation - p.271
(10) Kistemaker, S. - Jesus as story teller - publicado em The Master Seminary Journal 16/1 (primavera 2005) p.49
(11) Ibid.
(12) Ryken, L - The Word of God in English - p.161
(13) Scott, B.B. - Parables - p.19
(14) McCall - Ancient rhetorical theories - 6f.18
(15) Maier, J.P. - The Vision of Matthew: Christ, Church, and Morality in the First Gospel - p.90
(16) Bailey, M - citaçã o feita em THE PARABLE OF THE SOWER AND THE SOILS - p.4 (publicado originalmente em
Bibliotheca Sacra 155 (April-June 1998) 172-188)
(17) Bruner, F.D. - Matthew: A Commentary - p.489
(18) McNeile - The gospel according to Matthew - p.188-189
(19) Pliny the Elder - Natural History - 5.249 Descrevo este trecho em questã o no apê ndice deste livro
(20) Beachan, R.E. - Kingdom, Parables of the" - 232
(21) Dorsey, D. - The literary structure of the Old Testament - p.44
(22) Derickson, G - Matthew chiastic structure and its dispensational implications - Bibliotheca Sacra 163, p.423-437
(23) Campbell, I.D. - Opening up Matthew - p.77-78
(24) Walvoord, J e Zuch, R - The knowledge commentary - v.2 p.51
(25) Virgı́lio - Georgiche - II.152
(26) Hanson, K.C e Oakman, D.E - Palestine in the time of Jesus - p.105
(27) Oxford English dictionary
(28) Hultgren, A.J. - The parables of Jesus: a commentary - p.462-463
(29) Kingsbury, J.D. - Parables of Jesus in Matthew - p.31
(30) Holm, L.G. - The world's worst weeds: distribution and Biology - p.318-319
(31) A. G. El-Din Fahmy - ‘Evaluation of Weed Flora of Egypt from Predynastic to Graeco-Roman Times’, Vegetation
History and Archaeobotany - p.243-246
(32) Theophrastus (Hist. pl. 8.4.6)
(33) Musselman, L.J. - Zawan and Tares in the Bible, em Economic Botany 54 - p.152-156
(34) Virgı́lio - Georgia 1.153
(35) Cornevin, C. - Des plantes vénéneuses - p.76-77
(36) Clay, K. - Fungal Endophytes of Grasses: A Defensive Mutualism between Plants and Fungi, em Ecology 69 - p.11-12
(37) Riggsby, A.M. - Roman Law and the Legal World of the Romans - p.135-141.
(38) Bijozsky, G. - "Numismatic Evidence for the Gallus-Revolt: The Hoard from Lod" em Israel Exploration Journal 57
p.187-203 e DeRose, J.E. - The Coins and the Hellenistic, Roman, and Byzantine Economy of Palestine - p.55
(39) Rebecca Darley, Art. - “Hoards, coin”, em The Oxford Dictionary of Late Antiquity, vol., ed. Oliver Nicholson - p.734
(40) Crossan, J.D. - The Power of Parables: How Fiction by Jesus Became Fiction about Jesus
(41) G. dalMan, Arbeit und Sitte in Palästina. Bd. I/2. Jahreslauf und Tageslauf. 2. Hä lfte: Frühling und Sommer, p. 369
(42) Roloff, J. - Jesu Gleichnisse - p.4-5
(43) Scroggie, G. - Prophecy and history - p.123-125
(44) Zimmermann, R. - Kompendium der Gleichnisse - p.392–394 ali existe uma tabela com todas as 51 pará bolas
sugeridas pelo autor.
(45) Wilkens, W. - Die Redaktion des Gleichniskapitels Mark.4 durch Matth. Em Theologische Zeitschrift 20 [1964]:
p.305–327
(46) Thomas Aquinas - Catena Áurea: Commentary on the Four Gospels, Collected out of the Works of the Fathers: St.
Matthew. (J. H. Newman, Ed.) Vol. 1, p.482–483
(47) Brown, R.E. - The Semitic Background of the Term “Mystery” in the New Testament
(48) Gladd, B. - Revealing the Mysterion - p.1
(49) Carson, D.A. - The expositor’s bible commentary, vol 8 - notas sobre Mt 13.33 Aqui existe uma profundo estudo
sobre as medidas em questã o, e os achados arqueoló gicos relativos.
(50) Flavio Josefo - Guerras dos Judeus - III.10.8
(51) Hom. in Ev. xi. 1.
(52) Copper Scroll - Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Copper_Scroll#cite_note-52 acessado em 25/12/2021
(53) Chesterton, G.K. - Ortodoxia - p.27

237
Mateus 14

Encontramos uma continuaçã o da rejeiçã o a Jesus que se iniciou no capı́tulo 12, levou ao
Terceiro Grande Discurso, feito basicamente em pará bolas no capı́tulo 13, e que de agora em
diante toma ares de perseguiçã o. Havia o risco iminente do tetrarca Herodes mandar prender
Jesus, pensando que ele fosse Joã o, o batizador, por isso uma mudança de ares fazia-se necessá ria.

v.1-12 O relato da morte de João, o batizador


Apó s o relato do Terceiro Grande Discurso de Jesus, Mateus utiliza dois recursos muito
interessantes para, primeiro afastar o foco do leitor e segundo aproximar novamente o relato.
Para podermos acompanhar esse movimento, devemos atentar para o versı́culo 1 (inı́cio deste
trecho) e para o versı́culo 13 (onde o assunto muda). No primeiro momento o autor nos afasta
das atividades de Jesus, e de toda a agitaçã o ao seu redor, utilizando a expressã o “Naquele tempo”.
Assim Mateus nos leva a imaginar outro cená rio e outro ritmo. Já no versı́culo 13, vemos a
expressã o “E quando Jesus ouviu…” e assim voltamos o foco para o Mestre e retomamos o ritmo
acelerado.
Outro recurso interessante é o modo como o relato do assassinato de Joã o ocorreu, aqui
vemos uma prolapse que é uma Cigura de linguagem onde uma parte do discurso é deslocada. Tal
construçã o é bem evidente ao analisarmos o versı́culo 2, onde o rei especula se Jesus o Joã o
assassinado, e logo em seguida se desenvolve a histó ria de como Joã o foi morto cruelmente.

v.1-2 “Por aquele tempo, ouviu o tetrarca Herodes relato sobre Jesus e disse aos seus servos: Este é
João Batista; ele ressuscitou dos mortos, e, por isso, operam forças miraculosas nele.” A palavra α† κοη„ ν -
akoen, possui o signiCicado de “se escutar atentamente algo” o que pode muito bem ser traduzido
como “relato”; ela só nã o tem conexã o alguma com o sentido de “fama” empregado em traduçõ es
mais antigas.
Seguindo a temá tica de rejeiçã o, Mateus faz uma transiçã o entre os acontecimentos
referentes a Jesus e nos leva a conhecer o que acontecera com Joã o, o Batizador; aquele que era o
precursor do Messias. També m somos informados de que o tetrarca Herodes tinha conhecimento
do que vinha acontecendo na regiã o, ainda que de maneira confusa. A ú ltima vez que o autor nos
informara sobre Joã o, foi no capı́tulo 11. Parece-nos que esta maneira editorial de relatar o
covarde assassinato do primo do Messias seja uma modo de Mateus trazer o assunto a tona
novamente e també m ligar Herodes a histó ria do Cristo, pois isso será importante durante o
julgamento fraudulento de Jesus. cf Lc 23.7-12
Herodes Antipas era Cilho de Herodes, chamado “o grande”, e possuı́a o tı́tulo de tetrarca,
o que representava uma posiçã o hierarquicamente inferior do que rei. A palavra “tetrarca"
signiCica “rei sobre a quarta parte”, ou seja ele comandava apenas 1/4 do reino anterior de seu
pai. Este governante se manteve no poder por cerca de quarenta anos (4 a.C-39d.C), vivendo em
Tiberı́as, ao sudoeste do Mar da Galilé ia.

Vemos Herodes se assustando ao confundir Jesus com Joã o; é interessante que nã o exista
relato algum de que Joã o tenha realizado alguma manifestaçã o de poder durante seu ministé rio e
que o rei acredita que Joã o agora tenha poderes sobrenaturais por ter voltado a vida.
v.3-4 “Porque Herodes, havendo prendido e atado a João, o metera no cárcere, por causa de Herodias,
mulher de Filipe, seu irmão; pois João lhe dizia: Não te é lícito possuí-la.” Agora somos apresentados a
razã o da confusã o de Herodes, o fato dele ter mandado prender Joã o e aparentemente se sentir
atormentado por isso. A prisã o em si já havia sido relatada em Mt 4.12 e fora a razã o de Jesus
voltar para a Galilé ia, passando a morar em Cafarnaum. O motivo da prisã o foi a acusaçã o que o
profeta fez contra o casamento ilı́cito entre Herodes e sua cunhada. Essa acusaçã o é melhor
explicada pelo evangelista Lucas, no capı́tulo 3, versı́culo 19 “Todavia, quando João repreendeu
Herodes, o tetrarca, por causa de Herodias, mulher do próprio irmão de Herodes, e por todas as outras coisas
más que ele tinha feito,” A reprovaçã o por parte de Joã o era baseada na Lei, mais precisamente em
Lv 18.16 "Não se envolva sexualmente com a mulher do seu irmão; isso desonraria seu irmão.” Tanto
Antipas, quanto Herodias, já haviam se casado anteriormente, Antipas com a Cilha do rei Aretas

238
dos nabateus (de Petra) e Herodias com o meio-irmã o de Antipas, Herodes Filipe, o tetrarca de
Ituraea e Traquonite (Lucas 3: 1).
Aqui existe uma diferença fundamental entre essa lei e a lei do Levirato (Dt 25.5-6), pois
no primeiro caso o irmã o ainda estava vivo e no Levirato o irmã o já estava morto e nã o havia
deixado sucessores. Podemos assim aprender o quã o elevada é a é tica matrimonial perante o
Senhor.
v.4 A construçã o gramatical deste versı́culo, onde o verbo está tempo “passado
imperfeito” nos leva a entender que a acusaçã o contra Herodes ocorria de forma repetida. Pode
parecer que Joã o implicava com Antipas por questõ es pessoais, poré m como seu ministé rio era
focada em levar a naçã o ao arrependimento, suas repetidas acusaçõ es seria pertinentes.
v.5 "Herodes queria matá-lo, mas tinha medo do povo, porque este o considerava profeta." Devido a
reputaçã o de Joã o como arauto do Messias, e do grande respeito que o povo tinha por ele,
Herodes nã o ousava matá -lo. A mesma preocupaçã o surgirá diante dos lı́deres religiosos quando
eles discutirem com Jesus no capı́tulo 21.26. Assim podemos ver Mateus nos ensinando o quã o
digno fora Joã o batista. Antipas deve ter aprendido muito bem as artes polı́ticas com seu pai,
tanto que se manteve no trono por quatro dé cadas, e por isso sabia que um levante popular
obrigaria o procurador romano a intervir, o que resultaria em sua deposiçã o.
EN bem plausı́vel que o Batizador tenha Cicado preso por quase um ano nas masmorras do
tetrarca, onde ele podia receber seus discı́pulos e possivelmente alguns cuidados a mais. Isso já
Cicara evidente no relato anterior de Mateus sobre Joã o, contido no capı́tulo 11.2 "João, ao ouvir na
prisão o que Cristo estava fazendo, enviou seus discípulos" Por se tratar de uma prisã o estrangeira, nã o
romana, devemos compreender que a situaçã o de Joã o nã o era a mesma do apó stolo Paulo em
Roma, onde ele era cuidado, quase que integralmente, por seu colaboradores. Mas també m nã o
devemos ter uma visã o medieval do assunto, onde Joã o estaria acorrentado na parede, tratado a
á gua e pã o. Alguns acreditam que essa prisã o seja a mesma referida por Flavio Josefo em
“Antiguidade dos Judeus XVIII v.2”, conhecida como Machaerus, e que també m servia de palá cio
na regiã o leste do Mar Morto.
v.6-7 “Chegando o aniversário de Herodes" γενεσιŒοις δε„ γενομεŒ νοις τοῦ Η¹ρωÖͅδου - genesíois de
genomenois tou Herodou O que deveria ser uma data alegre, com muita comida, convidados e
divertimento, irá degenerar rumo ao nefasto muito em breve. O texto nã o deCine onde ocorreu o
evento, mas existe toda plausibilidade em pensarmos que todos os eventos tenham ocorrido em
Machaerus. A mentalidade judaica desprezava a celebraçã o dos aniversá rios, pois os
consideravam prá ticas pagã s.
"a 1ilha de Herodias dançou diante de todos, e agradou tanto a Herodes que ele prometeu sob
juramento dar-lhe o que ela pedisse." Este tipo de apresentaçã o já era conhecida do pú blico judeu,
pois reCletia o ato de Ester diante do imperador persa Xerxes, conforme descrito no livro dela.
Principalmente no 5.2-6 "Quando viu a rainha Ester ali no pátio, teve misericórdia dela e estendeu-lhe o
cetro de ouro que tinha na mão. Ester aproximou-se e tocou a ponta do cetro. E o rei lhe perguntou: "Que há,
rainha Ester? Qual é o seu pedido? Mesmo que seja a metade do reino, lhe será dado". Respondeu Ester: "Se for
do agrado do rei, venha com Hamã a um banquete que lhe preparei". Disse o rei: "Tragam Hamã
imediatamente, para que ele atenda ao pedido de Esther". Então o rei e Hamã foram ao banquete que Ester
havia preparado. Enquanto bebiam vinho, o rei tornou a perguntar a Ester: "Qual é o seu pedido? Você será
atendida. Qual o seu desejo? Mesmo que seja a metade do reino, lhe será concedido”.
Uma vez que a garota nã o era Cilha de Antipas, e sim sua enteada, e conhecendo o
histó rico familiar deles é muito possı́vel que sua dança tivesse propó sitos sensuais, e nã o
litú rgicos, como ocorreu com a rainha Esther.
“Pelo que prometeu, com juramento, dar-lhe o que pedisse.” Outra semelhança com a histó ria de
Esther é o juramento de Herodes, o qual segue a magnitude dos imperadores persas antigos.
Ainda que ele mesmo fosse muitı́ssimo mais limitado do que fora Xerxes.
v.8 “Então, ela, instigada por sua mãe, disse:” O autor faz questã o de ressaltar que a maldade
fora instigada por Herodias, a adultera, que era chamada ao arrependimento pelo profeta.
Podemos até imagina-la se sentindo mais poderosa que a pró pria Jezebel, esposa de Acabe, a
qual, mesmo sendo rainha de Israel, nã o consegui assassinar o profeta Elias.
O exó tico pedido da garota: “Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista” alé m do cará ter
cruel e sanguiná rio, possuı́a um aspecto religioso importante. Naqueles dias existia a crença de
que duas atitudes impediriam algué m de estar com Adonai apó s a morte: 1) cometer o suicı́dio, e
2) ter sua cabeça decepada (possivelmente baseado na lenda da Hidra de Lerna, que foi derrotada
pelo mitoló gico heró i Hé rcules)(1) Neste ponto continuamos a ver a histó ria se desenrolar,

239
enquanto acompanhamos a degradaçã o moral do rei humano e a razã o fú til pela qual ele cometeu
o crime de matar o ú ltimo dos profetas do Antigo Testamento. Uma vez que o ministé rio de Joã o e
o de Jesus sempre estiveram atrelados, vemos a descriçã o da crescente rejeiçã o a oferta do Reino
dos Cé us.
AË queles com conhecimento da histó ria romana, o caso lembra muito a histó ria de Fú lvia,
cujo terceiro marido foi Marco Antô nio, a qual era acusada pelo Cilosofo e orador Cı́cero. A qual
por Cim conseguiu que ele fosse executado e exigiu que sua cabeça fosse entregue em uma
bandeja.(2)(3) Teria Herodias se inspirado nela?
v.9-10 "O rei 1icou a1lito, mas, por causa dos juramento e dos convidados, ordenou que lhe fosse dado
o que ela pedia e mandou decapitar João na prisão." Imediatamente o monarca sentiu o peso do
absurdo que lhe fora solicitado, mas por vaidade nã o poderia voltar atrá s. Assim como o rei
Acabe, do Antigo Testamento, Herodes era tã o fraco moralmente quanto maldoso e submisso aos
jogos de sua esposa. Como muitos já disseram: "Herodes era um homem fraco de caráter, e como a
maioria dos homens fracos, temia deveras que pensassem que ele era fraco”. (1)
v.11 “Foi trazida a cabeça num prato e dada à jovem, que a levou a sua mãe.” Existe um afresco
muito famoso, pintado durante a Renascença (1435) por Masolino di Panicale, chamado "Salomé
con la testa de Giovanni Batista”, que retrata este infausto momento.
v.12 "Os discípulos de João vieram, levaram o seu corpo e o sepultaram." A importâ ncia dessa
informaçã o se encontra no fato de mostrar que o ú ltimo profeta do Antigo Testamento teve um
sepultamento digno de acordo com os costumes judeus, apesar de sua decapitaçã o.
"Depois foram contar isso a Jesus." Agora, apó s concluir-se o Terceiro Grande Discurso
encontramos a conclusã o da narrativa iniciada em Mt 11.2 (João, ao ouvir na prisão o que Cristo estava
fazendo, enviou seus discípulos), logo apó s o té rmino do Segundo Grande Discurso, quando os
discı́pulos de Joã o vieram a Jesus pela ú ltima vez. A diferença agora é que Joã o já havia se tornado
vı́tima em prol do Reino.
E nisto vemos novamente a capacidade literá ria de Mateus, pois mediante um trecho
imprová vel ele conclui a participaçã o de Joã o, o Batizador, na trama e reaCirma o tema do
enjeitamento do Messias.

O relato do historiador judeu Flavio Josefo, diz que pouco depois das mortes de Joã o e de
Jesus, o pai da esposa abandonada por Herodes (para que pudesse se casar com Herodias),
querendo vingar a honra de sua Cilha, marchou contra Herodes pelo deserto. Aquele rei, chamado
Aretas, era um há bil estrategista e profundo conhecedor das regiõ es inó spitas de Israel, e com
pouco esforço dizimou o exé rcito herodiano por completo. A esse respeito Flavio Josefo faz a
seguinte asseveraçã o: "Alguns judeus sentiram que a destruição do exército do Herodes provinha dá Deus e
que era algo muito justo, como castigo pelo que Herodes fazia ao João, a quem chamavam o Batista"(2)
Este é o mesmo rei Aretas citado em 2Co 11.32 "Em Damasco, o governador nomeado pelo rei
Aretas mandou que se vigiasse a cidade para me prender.", o que revela que Herodes Antipas nã o
dominava mais a regiã o.

Curiosidade O texto sagrado não diz o que Herodias fez com a cabeça de João, a qual ela
a recebeu em uma bandeja. Mas uma tradição antiga, citada por Jeronimo, no século IV, afirma que a
rainha puxou a língua de João e a prendeu com um alfinete, simbolizando que ele não poderia mais
condená-la. Não se pode comprovar tal história, mas vale pela curiosidade. Existe sim, um relato
histórico de uma situação semelhante onde a cabeça de Cícero foi levada a Fúlvia, esposa de Antônio,
e esta arrancou a língua do falecido e a prendeu com um alfinete.(2)(3) Talvez Jerônimo tenha se
inspirado neste relato para construir sua mitologia.

v.13-21 Jesus alimenta 5 mil pessoas


O texto grego é um tanto truncado no inı́cio dessa passagem, sendo que algumas palavras
em nossa lı́ngua precisam ser inseridas para que o sentido da frase Cique mais claro. Seja como
for, o autor diz que ao tomar conhecimento do que aconteceu com seu primo, Jesus tomou um
barco e partiu para um local isolado onde nã o havia ningué m por perto. Segundo o relato paralelo

240
do evangelista Joã o: “Ora, a Páscoa, festa dos judeus, estava próxima.” Jo 6.4 Este detalhe esclarece o
fato de tantos estarem disponı́veis para ir atrá s do pregador miraculoso (lembre-se que a grande
maioria nã o via Jesus como o Messias), e també m o porque da religiosidade estar tã o aClorecida
entre eles.
Percebemos nos relatos de sua vida, que o Mestre, em momentos especiais e
importantes, muitas vezes se retirava para lugar desertos (cf. Mt 4.1), isolados (como aqui) ou
que, ao menos, estavam vazios naquele horá rio (Mt 26.36). Percebemos algo de sua natureza
humana e que o torna muito pró ximo de nó s pecadores: Jesus sentia a dor e a pressã o de
acontecimentos tã o intensos. Nosso Senhor nã o é algué m impassivo e distante, ele sabe o que é
sentir medo, tristeza e solidã o.
També m notamos a crescente rejeiçã o ao Messias e a oferta do Reino. Agora que o arauto
havia sido morto, Cica claro que o destino de seu senhor nã o seria diferente. Em contrapartida
veremos Jesus operando sinais ainda maiores nos pró ximos trechos do livro. Acompanhem.

Portos ao redor do Mar da Galilé ia no tempo de Jesus

v.13 "Jesus, ouvindo isto, retirou-se dali num barco, para um lugar deserto, à parte" O Mestre
entrou em um barco, possivelmente de aluguel, para se deslocar com maior velocidade para uma
á rea isolada, enquanto isso "As multidões, ao ouvirem falar disso, saíram das cidades e o seguiram a pé."
Podemos imaginar Jesus e seus discı́pulos no barco e uma massa de pessoas se aglomerando a
beira do lago, e conforme a multidã o avançava, pessoas de outras cidades iam se juntando mais e
mais. Pelas caracterı́sticas descritas, o barco nã o devia estar longe da costa e nem indo muito
rá pido, senã o a multidã o a pé nã o conseguiria acompanha-lo.
Mateus é muito há bil ao nos revelar os dois lados do conClito. Se por um lado o rejeiçã o se
acirra, por outro as multidõ es ainda buscavam ao Senhor desesperadamente. Isso se ressalta
quando ele destaca que de imediato "ao ouvirem" e que mesmo a pé o povo o seguia.
v.14-15 “Desembarcando, viu Jesus uma grande multidão, compadeceu-se dela e curou os seus
enfermos. Ao cair da tarde, vieram os discípulos a Jesus e lhe disseram: O lugar é deserto, e vai adiantada a
hora; despede, pois, as multidões para que, indo pelas aldeias, comprem para si o que comer.” Aqui
encontramos mais uma cá psula do tempo, a qual conté m o relato de um dia na vida de Jesus. Os

241
capı́tulos 12 e 13 haviam nos apresentado dois dias intensos de ensino e rejeiçã o, agora veremos
sinais e maravilhas ainda maiores.
Nos deparamos com mais uma caracterı́stica marcante do Cristo: sua compaixã o. Mesmo
precisando de um momento para si, aos descer do barco ele se depara com uma multidã o a
aguardá -lo. E qual atitude o Mestre toma? Diz o texto inspirado: “teve compaixão deles e curou os seus
doentes.”. Jesus nã o pediu para eles esperarem um pouco, nem pediu para algum assistente atende-
los, ele pró prio curou os doentes que ali estavam. O trabalho deve ter durado bastante, pois o
versı́culo 15 mostra que o cair da tarde havia chegado, ou seja o dia estava terminando.
v.16 “Jesus, porém, lhes disse: Não precisam retirar-se; dai-lhes, vós mesmos, de comer.” Jesus
pronuncia um ensino belı́ssimo, que infelizmente é esquecido pela maioria dos crentes: “Eles não
precisam ir.” Pode parecer pouco, ou você pode até pensar que nã o signiCica nada, mas o que Jesus
disse tem um tamanho imenso. Nã o importa o tamanho da necessidade, nosso Senhor é a soluçã o
para qualquer necessidade. Eram cinco mil homens, o local era semi-deserto e sem estrutura para
atender tal pú blico. Seja como for, a palavra do Mestre dura para sempre: “Eles não precisam ir.”
Mesmo quando os 12 discı́pulos se desesperaram, mesmo que todas as probabilidades fossem
contrarias, ainda sim a soluçã o estava diante deles.
v.17-19 “Mas eles responderam: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes. Então, ele disse:
Trazei-mos. E, tendo mandado que a multidão se assentasse sobre a relva, tomando os cinco pães e os dois
peixes, erguendo os olhos ao céu, os abençoou. Depois, tendo partido os pães, deu-os aos discípulos, e estes, às
multidões.” O que você responderia no lugar daqueles discı́pulos? Nó s conhecemos o desenrolar
dos fatos, poré m eles nunca haviam visto algo assim. Na realidade, nenhum judeu, desde a
geraçã o que saiu do Egito, havia presenciado algo tã o grandioso em termos nutricionais.
O Mestre tã o somente abençoa os pã es e os parte, e nisso temos um vislumbre do que
acontecerá no cená culo durante sua ú ltima pá scoa (nossa primeira Ceia). Veja que os mesmos
verbos gregos (eulogeō, klaō, didōmi), na mesma ordem, serã o empregados em Mt 26.26.
Podemos ver uma direta conexã o com a tentaçã o que Jesus sofreu no deserto (cf. Mt
4.1-4) onde o inimigo o instigou a gerar pã o, sendo que aqui o Mestre o fez para alimentar as
pessoas que o seguiam e nã o para satisfazer uma necessidade sua. E aqui també m vemos o
cumprimento de Dt 18.15 “O Senhor, o seu Deus, levantará do meio de seus próprios irmãos um profeta
como eu; ouçam-no.” O evangelista Joã o explica melhor o ocorrido em Jo 6.14-15 “Depois de ver o sinal
miraculoso que Jesus tinha realizado, o povo começou a dizer: "Sem dúvida este é o Profeta que devia vir ao
mundo". Sabendo Jesus que pretendiam proclamá-lo rei à força, retirou-se novamente sozinho para o monte.”

Haveria algum simbolismo nos nú meros dos pã es e dos peixes? Creio que nã o, ainda que
alguns interpretes mais criativos tenham sugerido que o nú mero cinco representasse o
Pentateuco e o nú mero dois as duas tá buas da Lei. No pró ximo versı́culo veremos que sobraram
doze cestos cheios, isso nos proporciono alguma base para relacioná -los com as doze tribos de
Israel ou entã o aos doze apó stolos? Devemos ser muito cautelosos ao buscar signiCicados
alegó ricos onde o texto nã o o faz. Para uma analise mais detalhada dos possı́veis signiCicados do
nú mero doze na escritura, veja o trabalho de Utley, B., em The 1irst Christian Premier: Matthew
p.127(6)
v.20 “Todos comeram e se fartaram; e dos pedaços que sobejaram recolheram ainda doze cestos
cheios.” O Mestre multiplica 5 pã es, e alimenta a multidã o de tal maneira que ele se fartam ao
ponto de sobrar 12 cestos com pedaços de pã o. Uma questã o interessante aqui é pensarmos se o
que fora multiplicado consiste apenas do pã o, ou se os peixes també m o foram. Perceba que o
texto mostra Jesus abençoando apenas o pã o, e aqui aCirma ter sobrado doze cestos, normalmente
associados ao armazenamento de grã os e pã o.
v.21 “E os que comeram foram cerca de cinco mil homens, além de mulheres e crianças.” O modo
tradicional judaico de contar a quantidade de pessoas levava em conta apenas o nú mero de
homens adultos, o que nos leva a presumir uma multidã o entre 10.000 e 20.000 pessoas (se
somarmos mulheres e crianças). EN interessante que o garoto que trouxe os cinco pã es e os dois
peixes nã o estaria computado entre os cinco mil homens alimentados.
Devemos prestar bastante atençã o nesse milagre, aCinal este é o ú nico, dentre os 35
milagres registrado de Jesus que consta nos quatro evangelhos (Mt 14.13-21, Mc 6.30-44, Lc
9.10-17, Jo 6.1-14). Nã o sabemos a razã o pela qual os quatro autores foram guiados pelo Espı́rito
Santo a ressaltar esse evento em particular, mas sabemos que devemos estar atentos a mensagem
envolvida. (como curiosidade, sabemos que 11 milagres constam na lista de 3 evangelhos, 6 estã o
relatados em 2 evangelhos ao mesmo tempo, e 17 se encontram em apenas um dos evangelhos.)

242
v.22-33 Jesus anda sobre a água
Como se nã o bastasse a gigantesca demonstraçã o de poder criacional acima, Mateus
agora apresenta mais uma demonstraçã o da grandeza e da divindade de Jesus Cristo, agora o
veremos andando sobre a á gua em uma noite tempestuosa.
v.22 “Logo a seguir, compeliu Jesus os discípulos a embarcar e passar adiante dele para o outro lado,
enquanto ele despedia as multidões.” O autor destaca a urgê ncia com a qual o Mestre envia seus
discı́pulos para o barco, poré m nã o nos explica o real motivo de tanta pressa. A urgê ncia se
expressa na palavra η† ναŒ γκασεν - anagkasen, traduzida muito corretamente, por “compeliu”, na
ARA. Outra traduçã o bem possı́vel seria “forçou” no sentido de os obrigar a fazer algo a todo o
custo e com urgê ncia.
Para compreendermos melhor o que acontecia, devemos recorrer ao evangelista Joã o,
mais precisamente em Jo 6.14-15 “Depois de ver o sinal miraculoso que Jesus tinha realizado, o povo
começou a dizer: "Sem dúvida este é o Profeta que devia vir ao mundo". Sabendo Jesus que pretendiam
proclamá-lo rei à força, retirou-se novamente sozinho para o monte.” O povo queria coroá -lo por causa
demonstraçã o de poder que ele havia demonstrado e nã o por compreenderem que ele era o Filho
de Deus. Talvez esta tenha sido uma das maiores tentaçõ es pela qual o Mestre passou, era algo
pró ximo a oferta que Sataná s realizou no deserto, aCinal ele seria coroado rei sem passar pela
cruz. Caso aquilo ocorresse nã o haveria redençã o, nã o haveria propiciaçã o, em nosso favor,
perante Deus. Resumindo, tudo estaria perdido. Mas Jesus, como o Bom Pastor, estava disposto a
dar sua vida por nó s, nã o importava quanto sofrimento isso lhe traria. Por isso ele enviou seus
discı́pulos para que eles nã o fossem contaminados com aquelas ideias.
v.23-24 “E, despedidas as multidões, subiu ao monte, a 1im de orar sozinho. Em caindo a tarde, lá
estava ele, só. Entretanto, o barco já estava longe, a muitos estádios da terra, açoitado pelas ondas; porque o
vento era contrário.” Durante estes dois versı́culos, Mateus preparar a cena onde a demonstraçã o de
poder irá acontecer. O Mestre sobe no monte sozinho, vemos a noite chegando, o braço se
afastando ao fundo; a dramaticidade do momento cresce. Podemos imaginar o local, onde cerca
de 20.000 pessoas estiveram, agora vazio; talvez um ou outro resto de lixo quem sabe algumas
plantas que foram pisoteadas por tamanha multidã o. Algo equivalente a um grande show de
mú sica que havia se encerrado ali.
O texto diz: “Quando a noite chegou ele estava só” ACinal esse era seu objetivo, pois assim o
Senhor poderia orar em tranquilidade.
“o barco já estava longe, a muitos estádios da terra, açoitado pelas ondas; porque o vento era
contrário.” Acena volta para o barquinho, quase no Cinal do versı́culo 24 lemos que o ele era
açoitado pelas ondas, porque o vento lhe era contrá rio. O clima de suspense está criado.
v.25 “Na quarta vigília da noite, foi Jesus ter com eles, andando por sobre o mar.” Pró ximo do
amanhecer Jesus vai ao encontro deles andando sobre a á gua. Um homem andando sobre o mar,
só , e contra o vento, por si só já seria surpreendente o suCiciente para assombrar o mais corajoso
dos navegantes. Agora imagine está cena dentro da atmosfera criada por nosso autor. Esse
Mateus sabia mesmo criar uma cena dramá tica.

Nó s pró ximos versı́culos veremos trê s reaçõ es a apariçã o de Jesus
1. Reaçã o dos discı́pulos
2. Reaçã o do Mestre
3. Reaçã o daqueles que estavam no barco

v.26-28 “E os discípulos, ao verem-no andando sobre as águas, 1icaram aterrados e exclamaram: É


um fantasma! E, tomados de medo, gritaram.” Primeiro nó s vemos a reaçã o, nã o tã o corajosa dos
discı́pulos: “Cicaram aterrorizados e disseram: "EN um fantasma! " E gritaram de medo.”
Creio que qualquer um de nó s teria Cicado com medo ao presenciar um vulto vindo até o
barco, pouco antes do amanhecer e em meio a um mar cheio de ondas. EN interessante que a
palavra utilizada em grego, φαŒ ντασμα - phantasma, possui a mesma traduçã o e signiCicado em
nossa lı́ngua portuguesa. Dentro da cultura judaica, ainda hoje, existe muito misticismo,
superstiçõ es e crendices extra bı́blicas; agora imagine como devia ser naquela é poca. Enquanto
alguns criam que um demô nio feminino rondava a noite em busca de roubar e matar criancinhas,
outros, conforme descrito no Talmude Babilônico diziam: “É proibido saudar um amigo à noite, porque
pensamos que possa tratar-se de um demônio”(7)

243
“Mas Jesus imediatamente lhes disse: Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais!” A segunda reaçã o
vem de Jesus, que os encoraja fazendo uma das aCirmaçõ es mais fortes das Escrituras,: ” Θαρσεῖτε
ε† γωŒ ει†μι” (Coragem, Eu Sou). O modo de se apresentar nã o foi por acaso, tã o pouco um erro
gramatical de Jesus ou de Mateus ao compilar seu livro. Naquele momento Jesus aCirmava ser
Deus, e o fazia utilizando a forma clá ssica do Antigo Testamento; algo que todo judeu sabia
exatamente o que signiCicava. Sabemos nã o ser um erro interpretativo nosso, pois em outra
ocasiã o Jesus fez o mesmo tipo de aCirmaçã o e seus ouvintes, que naquele momento eram
opositores a ele, tomaram pedras e tentaram matá -lo devido a importâ ncia do que ele havia dito.
ConCira o que ocorreu no relato de Joã o 8.58-59 "Respondeu Jesus: "Eu lhes a1irmo que antes de Abraão
nascer, Eu Sou! "Então eles apanharam pedras para apedrejá-lo, mas Jesus escondeu-se e saiu do templo.” A
origem dessa expressã o se encontra em Ex 3, na passagem onde Deus diz a Moisé s como ele devia
explicar ao povo quem ele é . ConCira o texto: “Moisés perguntou: "Quando eu chegar diante dos israelitas
e lhes disser: O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: ‘Qual é o nome dele? Que
lhes direi? " Disse Deus a Moisés: "Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a
vocês"
ε† γωŒ ει†μι, traduzido por “Eu sou”, equivale ao tetragrama sagrado do Antigo Testamento
‫( יהוה‬yhwh)

Pedro será o primeiro a compreender que era Deus falando diretamente com eles, e em
uma atitude que lembra a de Moisé s diante da sarça ardente diz: “se és tu, manda-me ir ao teu
encontro por sobre as águas.” Aqui Mateus utiliza uma Sentença Condicional de Primeira Classe, onde
a pergunta é assumida como verdadeira do ponto de vista do autor ou para seus propó sitos
literá rios. Se o apó stolo nã o conCiasse que aquela entidade sobre as á guas fosse Jesus,
diCicilmente ele teria deixado o barco e ido ao seu encontro.
Tanto no versı́culo 28, quanto no versı́culo 29 encontramos uma pequena conjunçã o δὲ
que é traduzida por ”e”, com o sentido de continuidade. Esse recurso é utilizado habilmente pelo
escritor para dar velocidade aos atos que estã o sendo descritos. EN como se Pedro tivesse
retrucado imediatamente ao que o Mestre disse e que no versı́culo 29, o Mestre també m tivesse
respondido de prontidã o.
v.29-32 “E ele disse: Vem! E Pedro, descendo do barco, andou por sobre as águas e foi ter com Jesus.”
Agora podemos ver a atitude de Cristo. Imediatamente nosso Mestre responde a Pedro dizendo:
“Vem”. Pedro reage ao chamado de Cristo novamente, e vai até ele, realizando um dos maiores
atos de fé descritos em toda a escrituras sagrada. Durante o envio dos Doze, todos haviam
recebido a mesma autoridade, mas aqui, apenas Cefas é concedida a graça de andar sobre a á gua.
v.30-31 “Reparando, porém, na [força] do vento, teve medo; e, começando a submergir, gritou: Salva-
me, Senhor! E, prontamente, Jesus, estendendo a mão, tomou-o e lhe disse: Homem de pequena fé, por que
duvidaste?” O discı́pulo deixa o barco e caminha em direçã o ao seu Senhor, por se tratar de Pedro
(antes de receber o Espı́rito Santo) podemos esperar alguma oscilaçã o em sua fé . Ele passa a
reparar no vento e começa a naufragar, sendo que esse momento de incredulidade o leva a outra
atitude de fé ao pedir pelo socorro de Jesus. Quanta variedade de atitudes em um espaço tã o
pequeno de tempo.
Uma questã o textual importante é o fato da palavra ι†σχυρο„ ν - ischyron, traduzida por
“forte” nã o constar dos textos mais antigos e aceitos. Muito provavelmente se trate de uma adiçã o
posterior inserida por algum escriba desejando detalhar a narrativa.

No versı́culo 31 o Mestre imediatamente o socorre dizendo: “Homem de pequena fé, porque


você duvidou?" Apesar de ter duvidado, isso nã o impediu que Jesus o salvasse de imediato.
“estendendo a mão, tomou-o” Algo fundamental esta acoplado a estas frase, ligado a natureza do
Cristo: ele possuı́a um corpo humano. Neste momento o Senhor socorreu Pedro de maneira fı́sica,
agarrando-lhe pela mã o e puxando-o do mar que o engolia. Por isso Cica plenamente descartada a
hipó tese de que ele fosse algum tipo de ser espiritual e por isso pudesse Clutuar sobre as á guas.
A palavra grega ΟŸλιγοŒ πιστε - oligópiste, é muito exó tica, nã o sendo encontrada na
literatura grega clá ssica, e em todo o Novo Testamento, ocorre apenas em Mateus (6.30, 8.26,
14.31, 16.8) e uma ú nica vez em Lucas 12.28.
v.32 “Subindo ambos para o barco, cessou o vento.” Para completar tamanha demonstraçã o de
poder, ao retornarem ao barco o vento se acalmou. Toda a fú ria da natureza serve apenas de
coadjuvante diante da histó ria do Messias.

244
v.33 Por ú ltimo somos apresentado a atitude daqueles que estavam no barco e
acompanharam tudo: “Então os que estavam no barco o adoraram, dizendo: “Verdadeiramente tu és o Filho
de Deus”. Assim podemos compreender que a atitude tomadas por Jesus, ao andar sobre as á guas
tinha um propó sito (mostrar que ele é o Filho de Deus) e que esse propó sito foi plenamente
alcançado.

v.34-36 O que acontece do outro lado do Mar


Mateus novamente nos prepara a pró xima cena ao mostrar o barco chegando do outro
lado do Mar da Galilé ia. Enquanto nos versı́culos 34 a 36 vemos o povo da regiã o recebendo
alegremente a vinda do Cristo, logo no primeiro versı́culo do capı́tulo 15 vemos uma reaçã o
adversa com a chegada dos Fariseus e dos mestres da Lei. Os acontecimentos aqui iniciados irã o
perdurar durante todo o capı́tulo 15 e mostram os lı́deres religiosos mais uma vez se opondo a
açã o do Messias.
v.34 “Então, estando já no outro lado, chegaram a terra, em Genesaré.” Apó s o relato da noite
anterior, aqui Mateus nos apresenta o inı́cio da manhã e a comitiva chegando a fé rtil planı́cie de
ΓεννησαρεŒ τ - Gennesarét (em hebraico Kinnereth), localizada a 7,9 quilô metros a sudoeste de
Cafarnaum, onde Jesus havia sido fortemente confrontado pelos fariseus.

v.35 “Reconhecendo-o os homens daquela terra, mandaram avisar a toda a circunvizinhança e


trouxeram-lhe todos os enfermos;” Rapidamente a notı́cia da chegada de Jesus se espalhou por toda a
regiã o. Como veremos a seguir, nã o foram apenas os doentes que se interessaram por sua
presença ali.
v.36 EN interessante notar esse pequeno relato: “Suplicavam-lhe que apenas pudessem tocar na
borda do seu manto” Isso nos remete a algo que aconteceu no capı́tulo 9, versı́culo 20, que retrata
uma mulher hemorrá gica que tocou nas vestes de Jesus. Teria aquela ocorrê ncia inicial se
tornado famosa e espalhado a esperança de que se apenas tocassem no manto do Messias já seria
o suCiciente para que suas necessidades fossem atendidas?
EN sabido que os judeus acreditavam que as orlas de seus mantos fossem um sinal externo
de sua religiosidade, e talvez por isso Mateus descreva o desejo das pessoas de tocar nesta parte
tã o especı́Cica da vestimenta de Jesus. Uma traduçã o melhor para a palavra “borda” seria “franja”
(chamado Tzitziot em hebraico), que Cicam obrigatoriamente nos quatro cantos das vestes de
todo homem judeu, de acordo com as instruçõ es de Nú meros 15.37-41: “Disse o Senhor a Moisés:

245
Fala aos 1ilhos de Israel e dize-lhes que nos cantos das suas vestes façam franjas (‫ציִצת‬-zizit) pelas suas
gerações; e as franjas (‫ציִצת‬-zizit) em cada canto, presas por um cordão azul. E as franjas (‫לִציִצת‬-le zizit)
estarão ali para que, vendo-as, vos lembreis de todos os mandamentos do Senhor e os cumprais; não seguireis
os desejos do vosso coração, nem os dos vossos olhos, após os quais andais adulterando, para que vos lembreis
de todos os meus mandamentos, e os cumprais, e santos sereis a vosso Deus.”
Caso você deseje conhecer um pouco mais sobre a importâ ncia das franjas dentro do
judaı́smo, existe um excelente material no site https://www.judeu.org/pdfs/origenstora-
sissit.pdf

Milagres ocorridos no Mar da Galiléia


O texto sagrado nos descreve 4 grandes milagres ocorridos
no Mar da Galiléia:

1. Jesus acalma a tempestade (Mt 8.23-27)

2. Jesus anda sobre a água (Mt 14.22-23)

3. Pesca maravilhosa (Lc 5.4-11)

4. Segunda pesca maravilhosa (Jo 21.1-14)

(1) Plumptre, E.
(2) Enciclopé dia Britannica https://www.britannica.com/biography/Fulvia-wife-of-Mark-Antony acessado em
27/12/2021
(3) Cassius Dio (historiador romano) - 47.8.3-4
(4) Ogden, Daniel - Drakon: Dragon Myth and Serpent Cult in the Greek and Roman Worlds p.26-29
(5) Josefo, F. - Antiguidade dos judeus 18.5.2
(6) Utley, B., em The 1irst Christian Premier: Matthew p.127
(7) Talmude Babilô nico - Megella, fol 3.1

246
Mateus 15

Nã o sabemos quanto tempo o Mestre e seus discı́pulos estiveram naquela regiã o, mas
podemos especular que nã o fora uma visita relâ mpago. Repare como no Cinal do capı́tulo anterior
houve tempo para que as cidades vizinhas fossem avisadas de sua presença e alé m disso, houve
tempo para trazerem seus doentes até onde eles estavam. Bem, se você já saiu de casa com uma
pessoa idosa ou com algué m muito doente, é mais fá cil compreender que é necessá rio uma boa
quantidade de tempo para realizar toda essa operaçã o.
O capı́tulo tem inı́cio com os fariseus colocando Jesus a prova, assim como o povo de
Israel Cizera com o Senhor durante a peregrinaçã o do deserto (cf. Ex 17.1-7). E, assim como
aconteceu com a geraçã o do E• xodo, sucederá com os fariseus, eles verã o sinais, mas nã o será
suCiciente para converter seus coraçõ es e conduzi-los ao Reino prometido.

v.1-9 Afronta do religiosos vindos de Jerusalém


v.1 “Então, vindo a Jesus, de Jerusalém, alguns* fariseus e escribas dizendo:” Percebemos que a
notı́cia chegou até a capital do pais, Jerusalé m, e houve tempo para que se reunisse uma
delegaçã o de Fariseus e Escribas para ir até a Galilé ia afrontar o Mestre. *O artigo “alguns” é inserido
para completar o sentido em nosso idioma.
v.2 “Por que os teus discípulos transgridem a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos, quando
comem pão.” A preocupaçã o dos religiosos estava ligada a tradiçã o dos anciã os* e nã o com alguma
questã o referente a Lei. Acredita-se que tal conjunto de tradiçõ es tenha origem em comentá rios
de antigos rabinos sobre a Lei de Moisé s e que com o passar do tempo assumiram cará ter quase
canô nico. Pela reaçã o dos Fariseus podemos dizer que para aquele grupo as “tradiçõ es” eram
suCicientemente sagradas; podendo até superar o Texto inspirado. Atualmente o judaı́smo chama
isso de Torah oral (‫ תורה שבעל פה‬- Torah shebe-al peh), e seguem seus preceitos como que
vindos diretamente de Deus. Essa questã o é tã o arbitrá ria e fantasiosa, que o Rabino Joshua
b.Levi aCirma que todos os ensinos judeus foram dados a Moisé s no Monte Sinai, mesmo aqueles
que só foram promulgados milênios depois.(4) Ainda hoje esse povo pratica um ritual de se
lavar as mã os chamado de Netilat Yadayim ‫נטילת ידיים‬, cuja expectativa é retirar inCluê ncias
espirituais negativas.(5) e baseado em tradiçõ es contidas no Talmude: “Qualquer que come pã o sem
lavar as mã os tem a mesma culpa do que se tivesse deitado com uma prostituta.”(7)
Uma curiosidade textual ocorre aqui, já que poucas dentre as traduçõ es modernas
traduzem, ou manté m, a palavra ἄρτον (pã o) adequadamente. Algumas versõ es simplesmente a
ignoram, como é o caso da NVI e da ARA, outras a transformam (traduzida por refeiçã o) assim
como a LEB. Apenas a NKJV preserva a palavra original intacta.
v.3-6 “Jesus, porém, lhes respondeu:
— Por que também vocês transgridem o mandamento de Deus, por causa da tradição de vocês? Porque
Deus disse: “Honre o seu pai e a sua mãe.” E: “Quem maldisser o seu pai ou a sua mãe seja punido de morte.”
Vocês, porém, dizem que, se alguém disser ao seu pai ou à sua mãe: “A ajuda que você poderia receber de mim é
oferta ao Senhor”, esse não precisará mais honrar os seus pais. E, assim, vocês invalidam a palavra de Deus, por
causa da tradição de vocês.”
Jesus responde a desimportante acusaçã o dos religiosos demonstrando uma prá tica
erradı́ssima que eles cometiam baseado na tradiçã o oral. O pecado acontecia quando aquelas
pessoas feriam o quinto mandamento do Decá logo: “Honrará s teu pai e tua mã e” contido em Dt
5.16. A desculpa para tal crime era um costume chamado de Corbã (Mc 7.11 apresenta esse
termo, sendo que Mateus o omite) o qual era legı́timo em seu sentido original Lv 27.9,16.
Originalmente representava o ato de consagrar uma oferta que seria sacriCicada ao Senhor,
infelizmente o costume dos religiosos haviam deturpado sua essê ncia. Nã o é cabı́vel imaginar
como uma oferta expontâ nea poderia anular um dos Dez Mandamentos.
Contrariando todo o bom senso, os cató licos romanos utilizam este versı́culo para tentar
equiparar suas tradiçõ es humanas à autoridade bı́blica. Um absurdo!
v.7-9 — Hipócritas! Bem profetizou Isaías a respeito de vocês, dizendo:
“Este povo me honra com os lábios,
mas seu coração está longe de mim.
E em vão me adoram,

247
ensinando doutrinas que são preceitos humanos.”


Jesus aplica-lhes uma acusaçã o feita pelo profeta Isaı́as no capı́tulo 29, versı́culo 13 de
seu livro. Certamente um duro golpe contra aqueles que se orgulhavam de serem defensores da fé
judaica. Encontramos també m uma das acusaçõ es clá ssicas do Cristo, a palavra υ¡ ποκριταιŒ -
hypokritaí, usualmente traduzida por “hipó critas”.

* Infelizmente a NVI opta por uma traduçã o exó tica e pouco prová vel, traduzindo a palavra grega πρεσβυτεŒ ρων (anciã os)
por ”tradição dos líderes religiosos”

Tradições orais judaicas

A religião judaica atual é quase que inteiramente baseada em suas tradições, sendo que esse
processo começou a se cristalizar com a destruição do segundo templo pelo exército romano. Se na
época de Jesus a questão dos costumes já era complexa, e por muitas vezes herética, imagine o
que ocorreu quando os rituais que ocorriam no templo forma impedidos de continuar.

Desde aquele momento, os rituais estipulados na Torah, e executados no templo, passaram a ser
praticados de maneira alegórica e figurados por meio de rezas repetitivas e rituais arbitrários. Não
que isso fosse de tudo inédito, pois durante o exílio babilônico formaram-se as sinagogas
exatamente com o mesmo objetivo. Um detalhe porém torna esse momento diferente do primeiro,
pois os neo-babilônicos levaram grandes massas de judeus para habitarem, juntos, em outro lugar,
já com a destruição romana de Jerusalém, haveria não um cativeiro, mas sim uma fuga
descontrolada para todos os cantos do mundo conhecido. Desta forma ficaria muito difícil educar
religiosamente o povo, e mesmo o serviço mais básico que já era executado nas sinagogas corria o
risco de se perder ou então ser corrompido.

Visando garantir a sobrevivência de suas tradições, os rabinos daquela época aceitaram


quebrar uma de suas tradições mais valiosas: nunca registrar por escrito os ensinos da Torah Oral
(‫ תורה שבעל פה‬- Torah shebe-al peh). O próprio nome dessa tradição já é complexo, pois em uma
tradução livre seria “a lei indicada na palavra (al peh)”; sendo que o judeu insiste que a referência a
“na palavra” se refira exclusivamente a palavra oral. Superada essa primeira quebra de paradigma,
começou a ser registrado o ensino oral interpretativo de rabinos da época do segundo templo, o que
durou entre 516 a.C. e 70 d.C. (ainda que muitos judeus discordem um tanto dessas datas,
propondo que a duração deste período tenha sido de 352 a.C. – 68 d.C.)(6) EA respeito desses
ensinos, dos quais pouco registro existe de maneira completa, surgiu um comentário que recebeu o
nome de Mishnah que em hebraico significa ‫משנה‬, "repetição", originária do verbo ‫שנה‬, shanah,
“estudar e revisar”) Seu formato vem de um debate ocorrido após a queda do templo e finalizado por
volta de 189 d.C. por um grupo de sábios rabínicos conhecidos como “Tanaim” e redigida pelo
Rabino Judá HaNasi.

Uma vez que a teologia não é um estudo estático, outros debates foram surgindo com o
passar do tempo, e alguns séculos depois um comentário, sobre os comentários, sobre os ensinos
orais surgiu. Este é chamado de Gemará, oriunda do aramaico ‫ גמרא‬gamar; literalmente, "estudar"
ou "aprender por tradição”. O termo “gemará” é bem mais antigo que o livro que carrega seu nome,
o que revela que o habito de se debruçar ao estudo de comentários já existia entre o povo judeu a
muito tempo. Esses debates e estudos ocorreram de forma independente em duas região, a primeira
na antiga terra de Israel, e a segunda na antiga terra da Babilônia. Utilizo o adjetivo “antiga” pois,
apesar dos judeus as chamarem assim, naquela época tudo já fazia parte do império romano. A
primeira versão foi compilada primeiramente das academias de Tiberías e de Cesaréia e publicada
entre os anos 350d.C. e 400d.C.. A outra versão redigida mais ao oriente, inicialmente pelas
academias de Sura, Pumbedita e Mata Mehasia, só foi publicada um século depois, por volta de
500d.C. Na prática, a palavra Gemará refere-se ao domínio e transmissão da tradição existente, ao
invés de sevará, que significa a dedução de novos resultados através da lógica. Os rabinos da
Gemará são conhecidos como Amoraim (singular, Amora ‫ )אמורא‬e seu foco de estudo é a
clarificação das observações dos Tanaim.

A união da Mishnah à Gemará se dá o nome de Talmude, sendo que quando a versão da


Gemará é a palestina, denomina-se o conjunto de Talmude de Jerusalém, enquanto a versão que
utiliza a Gemará mais oriental e moderna, recebe o nome de Talmude de Jerusalém.

248
v.10-20 A corrupção é interna
Atravé s da narraçã o de Mateus podemos ver o controle que Jesus tinha sobre sua
audiê ncia. Acompanhe o assunto sendo transferido da fú til questã o com os fariseus para um
assunto verdadeiramente importante e revolucioná rio para aquele povo.

v.10-11 “E, convocando a multidão, disse a eles:


— Escutem e entendam! O que contamina a pessoa não é o que entra pela boca, mas o que sai
da boca; isto, sim, contamina a pessoa.”
Atravé s de uma pequena introduçã o o autor muda o foco da cena e conclama-nos a
prestar atençã o no que será dito. Ainda que o questionamento da delegaçã o de fariseus tenha
ocorrido em um lugar pú blico, parece-nos que a conversa ocorrerá de maneira um tanto quanto
privada. Ao menos o dialogo principal foi assim, pois neste segundo movimento o Mestre chama a
todos os que estavam ao redor, talvez esperando uma nova aula ou a realizaçã o de curas, para
participarem do debate.
Consideremos uma questã o secundá ria aqui. Se os fariseus do interior já eram
arrogantes, prepotentes e insuportá veis, imagine só um grupo de enviados teoló gicos especiais
vindo direto da capital e sob a autoridade do templo. Eles deviam se sentir quase que angelicais.
Agora atente para um detalhe importante, Jesus nã o chegou a responder diretamente à pergunta
que eles Cizeram. Talvez este tenha sido o ataque mais direto a autoestima dos religiosos
corrompidos. E no momento em que o Mestre convoca toda a multidã o a participar da conversa,
ele de maneira obliqua humilha os fariseus e os coloca na posiçã o de alunos ouvintes, e nã o mais
de mestres inquiridores.

α† κουŒ ετε και„ συνιŒετε - akouete kai syníete, traduzidos por “escutem e entendam” Ambos
os verbos se encontram no modo imperativo, o que deCine uma ordem enfá tica, quase que em tom
de repreensã o. Nã o seria errado você comparar essa fala a uma mã e advertindo fortemente suas
crianças.

“O que contamina a pessoa não é o que entra pela boca, mas o que sai da boca; isto, sim, contamina a
pessoa” Agora sim o Mestre propõ e um ensino realmente revolucioná rio, compará vel apenas ao
que ele havia explicado sobre o Shabat durante seu ú ltimo confronto com os fariseus.
Para alcançarmos a profundidade da questã o é fundamental nos colocarmos na posiçã o
de um judeu, habitante do interior, pouco instruı́do, e que o pouco que conhecia de sua pró pria
religiã o vinha direto da tradiçã o dos fariseus. Essa posiçã o pode até parecer um pouco
discriminató ria, mas era assim mesmo que ocorria; tanto que a elite religiosa formada pelos
saduceus e pelos sacerdotes, desprezavam abertamente essa camada da sociedade.
Tendo isso em mente, saiba que apenas trê s pontos fundamentais formavam a identidade
civil-religiosa deles: 1º a circuncisã o dos homens (as mulheres nem isso tinham), 2º a guarda do
Shabat, e 3º as restriçõ es alimentares (que nem sempre eram seguidas a risca). No capı́tulo 12
Jesus já havia colocado a guarda do Sá bado sob uma perspectiva correta, e agora ele discursa
abertamente contra as falsas percepçõ es relativas aos alimentos.
Ainda hoje essas restriçõ es alimentares existem e sã o encontradas nos alimentos
chamados Kosher, e que obedecem a regras de alimentaçã o denominadas kashrut. Para mais
informaçõ es sobre este tipo de alimento, existe um excelente site chamado https://
www.bdk.com.br, o qual é patrocinado pela comunidade judaica brasileira.

Por toda a Torah (mas principalmente Levı́tico 11) encontramos restriçõ es alimentares,
e no capı́tulo 5 o pró prio Cristo aCirmou que nã o veio para invalidar a Lei, mas sim para cumpri-
la, entã o como devemos lidar com essa aCirmaçã o tã o contundente?
O cerne da questã o, como será explicado mais adiante, é o que se encontra no interior do
ser humano, mais especiCicamente falando sã o suas emoçõ es e pensamentos. E neste caso,
alimento algum seria capaz de alterar a condiçã o interna boa ou má , nem mesmo á lcool ou
alucinó genos, os quais apenas confundiriam apenas momentaneamente a pessoa. Da mesma
maneira que um alimento estragado, mal processado ou que desperte alergias em algué m, pode
sim até matar, mas nã o tem algum poder mı́stico de mudar a mente e o coraçã o de quem quer que

249
seja. Da mesma maneira que palavras saindo de algué m teriam muito mais facilidade de
prejudicar o ouvinte e nã o aquele que as profere.
Baseado nessas consideraçõ es, nos parece que devemos entender a sentença de maneira
metafó rica, onde “boca”, “alimento” e “contaminaçã o” absorvem outras caracterı́sticas.

No livro de Atos, capı́tulo 10, o apó stolo Pedro receberá uma visã o extraordiná ria, e
fundamental para nó s como igreja gentı́lica, na qual a questã o dos alimentos será novamente
usada de maneira metafó rica por Jesus. Existem certas conexõ es entre elas, mas també m existem
muitas diferenças, principalmente em relaçã o ao objetivo da mensagem metafó rica. Por isso
devemos ter cautela ao buscar uni-las.
v.12 “Então, aproximando-se os discípulos, disseram a ele:
— Sabes que os fariseus, ouvindo o que o senhor disse, 1icaram escandalizados?”
Como era de se esperar os religiosos se ofenderam com o que o Mestre ensinou; nem
poderia ser diferente aCinal a mensagem foi plenamente contrá ria a de seus adversá rios.
Lembremos que o conClito entre os ensinos do Messias e a religiã o corrompida estava em pleno
desenvolvimento e nenhuma das partes estava disposta a recuar.
A pergunta dos discı́pulos é forte. Tã o forte que demonstra algo de dú vida e medo por
parte deles. Infelizmente algumas traduçõ es minimizam esse peso ao traduzir a palavra Οι¨δας -
Oidas (Sabes), que se encontra no tempo presente, como algo no passado, o que suaviza seu peso
aqui. EN como se os alunos cobrassem de Jesus algum tipo de contemporizaçã o ou amenizaçã o.
O que Cica implı́cito nessa frase é que nã o foram apenas os fariseus que se assustaram
com uma aCirmaçã o tã o contundente do Messias; os discı́pulos també m nã o entenderam sua
profundidade. Algo interessante é que Mateus nã o nos relata a reaçã o da multidã o que fora
convocada por Jesus. Teriam eles recusado as palavras ou teriam Cicados assustados, e curiosos,
como os discı́pulos?
v.13-14 “Ele respondeu e dizendo:
—Toda planta que meu celeste Pai não plantou será arrancada. Deixai-os! São cegos, guias de
cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão num buraco.”
O discurso de Jesus se intensiCica, e ao invé s de aliviar a tensã o, o Senhor é ainda mais
contundente agora. A palavra grega αª φετε - afete (deixai), se encontra no modo imperativo, o que
demonstra uma ordem direta de Jesus.
Como de costume, sã o usadas Ciguras de linguagem acessı́veis aos ouvintes, assim a
mensagem seria compreendida em sua totalidade. Duas acusaçõ es durı́ssimas sã o feitas:
.

1) Árvores não plantadas pelo Pai Celeste Jesus acusa os religiosos de nã o terem sido
estabelecidos por Deus. Alé m disso o destino deles seria horroroso, em uma comparaçã o com
á rvores, ouvimos que os religiosos seriam arrancados pelas raı́zes. A Cigura de uma á rvore bem
plantada é relacionada ao homem, ou a naçã o justa, conforme vemos em passagens do Antigo
Testamento. Por exemplo o Salmo 1.3: “Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no
devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido.”
Botanicamente falando, esse procedimento só acontece quando se quer ter certeza de
que nã o haverá mais vestı́gios daquela á rvore. Se voltarmos ao capı́tulo 13, veremos as pará bolas
do agricultor e a do joio, onde os temas das ervas daninhas sendo plantadas e arrancadas é
apresentado.
2) Cegos guiando outros cegos Em uma regiã o desé rtica e seca a incidê ncia de doenças
oculares é maior, devido as partı́culas de areia (e pó ) levadas pelo vento e ao Sol escaldante.
Mé dicos modernos reconhecem diversas doenças, entre elas a Sı́ndrome do Olho Seco, como
outro fator complicante em á rea secas(1), sem levar em conta que a medicina era pouco
desenvolvida naquela é poca. Por isso a Cigura dos cegos era conhecida naquelas regiõ es. Alé m
disso os cegos tinham muita diCiculdade para trabalhar e em muitos casos se tornavam mendigos;
o que os associava a pessoas dignas de pena. Quã o grande foi essa acusaçã o contra aquela
delegaçã o vinda de Jerusalé m; aqueles que se achavam uma elite espiritual foram comparados a
invá lidos e necessitados.
O texto de Isaı́as 49.12 apresenta a Cigura dos mensageiros cegos: “Quem é cego, como o meu
servo, ou surdo, como o meu mensageiro, a quem envio? Quem é cego, como o meu amigo, e cego, como o servo
do Senhor?”
v.15 Pedro faz uma de suas famosos interrupçõ es, o que permite ao autor aproximar
ainda mais um pouco o foco do texto. Agora podemos escutar todo o peso na voz de Jesus. Uma

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possibilidade para o pedido de Pedro é que os pró prios discı́pulos ainda eram conectados com as
tradiçõ es religiosas e por isso havia se surpreendido com tamanha severidade vinda de seu
professor
v.16-20 Nã o esperem suavidade nas palavras do Mestre, aCinal estamos em meio a uma
dura repreensã o. Aproveitando a pergunta de seu aluno, Jesus detalha os pontos que provocavam
sua severa condenaçã o.
v.17 As palavras de Jesus sã o tã o duras que os tradutores da NIV, erradamente, tentaram
amenizar o que fora pronunciado. O texto grego diz: “Vocês não entendem que tudo o que entra na boca
vai para o estômago e é evacuado na latrina?” Lembre-se que as lı́nguas semitas (e o Aramaico é uma
delas) sã o muito Cigurativas, assim o ouvinte logo procurava visualizar o que havia escutado.
Outra observaçã o é que as latrinas eram lugares muito sujos fedidos e que poucos as visitavam,
até mesmo por implicaçõ es religiosas. Agora junto essas duas informaçõ es e compreenda que
tipo de impacto nosso Senhor buscava despertar naquelas pessoas.
v.19 Outra acusaçã o fortı́ssima feita e que diferencia o Cristianismo de muitas outras
religiõ es é que “do coração vem planos malignos, homicídio, adultério, imoralidade sexual, roubo, falso
testemunho, blasfêmia” (grifo do autor) O que é revolucioná rio nessa frase é que a origem desse mal
nã o é o diabo ou qualquer outra fonte externa e sim o pró prio coraçã o. Devemos entender
“coraçã o” como a fonte dos sentimentos e nã o apenas como um mú sculo que bombeia o sangue.

Mateus 15.1-20 e a heresia adventista


As palavras de Jesus se renovam a cada dia, e sã o fundamentais para refutar uma das
heresias mais perniciosas de nossos tempos que é a falsa doutrina dos Adventistas do sé timo dia.
Este grupo baseia seu ensinamento na tradiçã o de uma falsa profetiza e a sobrepõ e
contra a pró pria bı́blia, o que por si só já fere o que Jesus ensinou nos versı́culos de 1 a 9. Um
breve estudo sobre os dogmas adventistas deixará você assustado. Eles negam a suCiciê ncia do
sacrifı́cio vicá rio na cruz, negam a consciê ncia dos mortos e tentam invalidar todo o ensino sobre
o ministé rio superior de Jesus conforme ensinado pela Carta aos Hebreus. Tudo isso baseado em
falsas tradiçõ es promulgadas pela profetiza dessa seita.
Seguindo esse caminho demonı́aco, eles ferem a segunda parte do ensino do Senhor ao
proibirem seus membros de comer alguns tipos de alimentos, aCirmando que eles tornam o
homem impuro. E é exatamente esse tipo de pensamento errô neo que o Mestre refuta durante os
versı́culos 10 a 20.

v.21-28 A grande fé da mulher Cananita


Realmente o relato que Mateus nos deixou da vida e ensino de Jesus é cheio de
contrastes, mudanças abruptas de cená rio e reviravoltas no discurso. Perceba que o local dos
pró ximos acontecimentos se afasta do centro religioso, que era Jerusalé m, e vai até divisa com um
paı́s idolatra. Ou seja, evidencia-se o contraste entre a religiosidade corrompida de Israel e a
imprová vel fé de uma mulher, que nem judia era.
v.21 O local para onde Jesus e seus discı́pulos foram, Cicava a quase 56km de distâ ncia;
isso se considerarmos a localizaçã o de Tiro, já que Sidon estava a 100km afastada da Galilé ia.
Para que sua percepçã o de espaço seja melhor calibrada, pense que uma pessoa gasta em mé dia
entre 10 e 12 minutos para percorrer 1km a pé .
v.22 O versı́culo se inicia com o marcador textual usado por Mateus para chamar atençã o
de seus leitores: idou. Assim a leitura correta deve considerar a intençã o original do autor em
enfatizar o que vem a seguir. E muita coisa é descrita em pouco espaço, entã o preste atençã o:
• Mulher Cananita Propositalmente o autor chama a mulher por um termo pouco usual
“cananita”; sendo que tal maneira de falar já havia deixado de ser usada desde o exı́lio do
reino do Norte quando os Assı́rios repovoaram toda a regiã o. Esse termo visa reforçar a
idé ia de que ela nã o compartilhava da fé judaica e que devia ser vista como os antigo

251
moradores daquela regiã o; ou seja, uma inimiga do povo de Deus. Aqui vemos uma
diferenciaçã o geo-polı́tica entre a mulher e a delegaçã o que veio de Jerusalé m acusar o
Messias. A mulher veio buscá -lo enquanto os religiosos repudiá -lo; ela se posta, eles
acusam.
• Reconhecimento da divindade de Jesus Em uma ú nica exclamaçã o a mulher
demonstrou mais fé que os Fariseus e os Escribas juntos. Ao dizer: “Senhor, Filho de Davi…”
E que nos remete ao primeiro versı́culo do livro de Mateus: ΒιŒβλος γενεŒ σεως ΙŸησοῦ
χριστοῦ υι¡οῦ Δαυι„δ υι¡οῦ ΑŸβρααŒ μ Vemos a utilizaçã o de um tı́tulo messiâ nico, o que
ressalta a credulidade dela; e sempre contrastando com a incredulidade dos religiosos
descritos no trecho anterior.

v.23-24 Apesar da recusa inicial do Mestre, a fé da mulher nã o se abalou, ao contrá rio,
percebemos que ela continuava a clamar. E clamava tanto que os discı́pulos já estavam
incomodados com a atitude dela.
v.25-26 Por uma segunda vez o Senhor se recusa a atende-la. Poré m a mulher se ajoelha e
suplica com mais fé ainda. Muito nos surpreende a perseverança de uma pessoa que pouco
contato tinha com as escrituras sagradas e muito menos ainda com Jesus. Esse exemplo Cicou
eternizado atravé s do relato do apó stolo, mesmo os gentios estavam sendo ouvidos pelo Messias.
v.27 Como se nã o bastasse a demonstraçã o de fé , repetida por duas vezes, agora a mulher
se humilha perante Jesus. Alé m disso, atravé s da cananita somos lembrados que o povo judeu era
o escolhido do Senhor e perto deles, as demais naçõ es, ainda que poderosas, eram equivalentes a
cã es vira-latas. Pena que o povo eleito nã o se prostrava diante de seu Salvador. Que diferença dos
Fariseus e Escribas que nunca reconheceram Jesus como Senhor.
v.28 Por Cim a fé da mulher é recompensada e sua Cilha é curada/liberta. Enquanto o
trecho anterior mostra a futilidade das tradiçõ es religiosas do judeus, aqui vemos que a fé produz
o mover de Deus. Existe um suave contraste no texto, onde os religiosos acusadores eram
conhecidos e a mulher nã o; assim o autor nos ensina que uma pessoa desconhecida, vinda do Cim
do mundo podia ser mais relevante que a religiosidade estabelecida.
O destaque do texto está na reaçã o que aquela pessoa, quase irrelevante na trama do
livro, causou no Senhor: ΩØ γυŒ ναι μεγαŒ λη σου η¡ πιŒστις - O gynai megále sou he pístis “Oh mulher! Sua
fé é grandiosa” Quando encontramos no texto grego um ΩØ (ô mega, seja maiú sculo ou minú sculo)
antes de um substantivo, devemos prestar muita atençã o, pois tal interjeiçã o reClete um contexto
emotivo profundo. Ou como diria Zerwick: "Apesar de ser uma partícula pequena, ela lança tal luz sobre
o estado da mente de nosso Senhor e de seus apóstolos, de modo que ninguém, certamente, ao ler as Escrituras,
deveria negligenciar suas indicações”(1) Assim devemos entender Jesus profundamente tocado com a
atitude daquela mulher.
Assim podemos perceber como a fé da desconhecida mulher mexeu com o ı́ntimo de
Nosso Senhor. Sua humildade desmedida e resposta perspicaz produziram resultado eternos, ela
Cicou anô nima para a histó ria, sua fé nã o.

v.29-39 A história se repete com a segunda multiplicação do pão


Mateus consegue nos levar por uma viagem atravé s do mar, chegando a divisa com outro
paı́s, e nos traz de volta ao ponto de partida; tudo isso para conCirmar que Jesus é Deus.
No capı́tulo 14, versı́culos 14-21, somos apresentados a um ato de poder incompará vel
feito por Nosso Senhor: a multiplicaçã o do pã o e do peixe. E no versı́culo 23 vemos Jesus sozinho
no monte: “Tendo despedido a multidão, subiu sozinho a um monte para orar. Ao anoitecer, ele estava ali
sozinho,” E agora, no capı́tulo 15, versı́culo 29, o Mestre refaz o caminho: “Jesus saiu dali e foi para a
beira do mar da Galiléia. Depois subiu a um monte e se assentou.” Esse tipo de construçã o linguı́stica
ocorre para reforçar uma idé ia, neste caso: o poder sobrenatural do Messias.
Acompanhe os eventos se repetindo, como em uma reprise:
1. Jesus no monte
2. O povo se aproxima
3. Ele cura as pessoas
4. O povo tem fome
5. Os discı́pulos se desesperam por nã o saber como alimenta-los
6. Jesus multiplica os pã es e peixes
7. Despede a multidã o e entra no barco.

252
Como se nã o bastasse haver multiplicado o pã o uma vez, Jesus repete o ato sobrenatural
e assim elimina qualquer possibilidade de levantarem falso testemunho sobre o ocorrido.
O relato de milagres relacionados a provisã o de comida estã o descritos, també m por
duas vezes, na histó ria dos dois maiores profetas do Antigo Testamento, Moisé s e Elias No caso de
Moisé s, o primeiro evento foi a descida do Maná descrita em E• xodo 16, e o segundo foi a provisã o
de carne registrada em Ex 11. Já com Elias, lemos em 2Rs 4.1-7 sobre a multiplicaçã o do azeite e
em 2Rs 4.42-44 com a multiplicaçã o do pã o (sendo que este trecho é desconhecido de grande
parte das pessoas que estudam a bı́blia).

v.31 Ao contrá rio dos religiosos incré dulos, aquela multidã o que era formada
possivelmente por gentios reconhecia o Messias e louvava ao Senhor. A pista de que eles,
possivelmente eram gentios está na forma distante como ele louvaram “ao Deus de Israel”. Temos
a impressã o de que essa expressã o demonstra certa falta de intimidade com o Senhor; é como se
a multidã o louvasse um deus que nã o era o deles.
v.32 O ministé rio ao pé do monte durou trê s dias e parece que o povo nã o voltava para
suas casas, mesmo que suas provisõ es já estivessem terminando. Para um judeu, a simples
mençã o de um povo esperando ao pé de um monte pela descida de seu profeta, já era uma
conexã o clara com Israel e Moisé s.
v.39 Por Cim eles entram novamente em um barco e parte para a regiã o de Magadã .
Parece-nos que Mateus nã o nos permite descansar enquanto acompanhamos Jesus e seus alunos
pregando atravé s da terra de Israel e seus arredores.

Como Jesus conseguia pregar para milhares de pessoas sem algum sistema de
som, e ao ar livre?
Eis uma aspecto que chama a atenção de estudiosos bíblicos, engenheiros e físicos ao redor
do mundo todo: Seria possível uma multidão de até 20.000 pessoas escutar alguém discursando ao
ar livre? E para piorar a situação, o discurso não aconteceu em um ambiente preparado para isso,
como o Coliseu romano ou os anfiteatros gregos.

Os projetistas de salas de cinema, música e até mesmo igrejas sabem que o som final que
chegara ao ouvinte depende de dois fatores básicos: 1) a qualidade do alto-falante e 2) como o
ambiente interfere no som projetado pelo alto-falante. Em sistemas unppluged ou “acústicos”
substitui-se o alto-falante pela voz do orador/cantor ou pelo som do instrumento musical.

A voz humana, em uma conversa normal, atinge cerca de 60dB enquanto um orador profissional
costuma atingir cerca de 75dB de pressão sonora (isso equivale a um aspirador de pó funcionando a
pleno vapor). Um dado interessante é que o evangelista do séc.XVIII George Whitfield atingia um
nível de 90dB, e é sabido que ele pregou a milhares de pessoas reunidas por mais de uma vez.(2)
Assim não é difícil imaginar Jesus discursando nesse nível ou até mais alto.

Outro aspecto interessante é a geografia do local onde os eventos ocorreram. Repare como
eles aconteciam nas encostas das montanhas, e por vezes a beira do mar. Esse dois aspectos
ajudam muito na propagação das ondas sonoras por longas distâncias. Em 1970 o arqueologista
Crisler, B.C. e o engenheiro sonoro Milles, M. realizaram uma série de testes na região do mar da
Galiléia e provaram o quão longe o som se propaga naquela área em geral.(3)

Também não podemos descartar algum grau de interferência divina permitindo que os ruídos
do ventos, animais e da natureza em geral não interferissem durante o evento em si.

253
(1) Zerwick - Biblical Greek - p.12
(2) Shurkin, J. - Orators Unplugged (Inside Science, 10 de dezembro de 2013) - https://www.insidescience.org/news/
orators-unplugged - acessado em 26/12/18
(3) Crisler, B.C. - The Acoustics and Crowd Capacity of Natural Theaters in Palestine - The Biblical Archaeologist 39.4
(1976): 128–41
(4) Joshua b.Levi - Jewish Encyclopedia - www.jewishencyclopedia.com Consultado em 07/01/2022
(5) https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/2816806/jewish/Lavar-as-Mos-Pela-Manh.htm Acessado em
07/01/2022
(6) Maimô nides - Questions & Responsa- responsum 389
(7) Talmude Babilô nico - Sota fol.4.2

Mateus 16

O capı́tulo anterior termina com o Mestre e seus alunos partindo para a regiã o de
Magadã , e dessa forma, os acontecimentos descritos no inı́cio deste capı́tulo acontecem quando
eles chegaram lá .
Um ponto a ser observado é que Jesus faz uso de uma sé rie de trocadilhos e jogos de
palavras nos trechos relatados no capı́tulo 16. Primeiro, entre os versı́culos 1-4, ele replica ao
pedido dos fariseus de um sinal do cé u, atravé s de um discurso sobre sinais meteoroló gicos, e
assim, tratando-os por tolos; aCinal até uma criança iletrada poderia observar aqueles sinais. Em
segundo lugar existe o trocadilho entre o ensino falso (fermento dos Fariseus) e o fermento
dentro dos pã es. Em terceiro lugar, vemos nos versı́culos 17-18 o, muito conhecido e estimado
pelos cató licos, trocadilho entre Simã o, Pedro e rocha. Infelizmente os cató licos tentam ignorar o
versı́culo 23, que é pouco elogioso para o apó stolo Pedro. E Cinalmente no versı́culo 25 ouvimos o
discurso sobre preservar a vida e perder a vida.

v.1-4 Prólogo
Os versı́culos iniciais servem de moldura, ou pró logo, do ensino que virá a seguir. Esse
recurso é importante para esclarecer o que virá em seguida e assim guiarmos na direçã o desejada
por Jesus.
Tudo é descrito muito rapidamente, com que de passagem, o que gerou dú vida em alguns
estudiosos de que seria esse um trecho adaptado de outro momento. Outro ponto que reforça
essa ideia é a resposta de Jesus avisando que o ú nico sinal que eles receberiam seria o sinal de
Jonas, a qual já havia aparecido no capı́tulo 12.39. Outros se perguntaram de os quatro primeiros
versı́culos foram inseridos por um redator posterior ao apó stolo. Ambas as propostas parecem
artiCiciais e é preferı́vel seguir uma linha ortodoxa, crendo que Mateus, propositalmente, abreviou
a descriçã o dos acontecimentos para assim chamar nossa atençã o para o que vem a seguir.

v.1 "Aproximando-se os fariseus e os saduceus" Novamente somos informados que as duas


facçõ es religiosas antagô nicas estavam mancomunadas contra Jesus. EN impressionante como o
mal se une contra o bem. "tentando-o, pediram-lhe" Os Fariseus e os Saduceus, buscando faze-lo
tropeçar, pedem que o Mestre opere um sinal vindo do cé u, algo que fosse uma demonstraçã o
milagrosa, sobrenatural e divina. "um sinal vindo do céu" Existe um duplo sentido no pedido feito
pelo religiosos já que a palavra ου† ρανοŒ ς - ouranos pode ser entendida com "cé us" no sentido
fı́sico ou "cé u/paraı́so" como local onde a divindade habita. Pelo contexto belicoso da conversa,
parece-nos que os inimigos demandavam um sinal sobrenatural e divino, e que Jesus lhes fornece
uma resposta obliqua de modo jocoso.
v.2-3 Para fundamentar sua resposta e maximizar o impacto em seus agressores, Jesus
responde com um joguinho de palavras, como se ele estivesse lidando com crianças pequenas; o
que deve ter irritado bastantes aqueles que se consideravam “mestres da Lei”.
"Hoje haverá tempestade, porque o céu está vermelho e nublado" Os habitantes da regiã o
nordeste do Mar da Galilé ia estã o habituados a encontrar o cé u com nuvens de poeira originadas
do extremo leste desé rtico e das colinas de Golan, sendo que este evento torna a luz solar
avermelhada e um tanto esmaecida. Cristo fala de sinais do cé u, poré m apenas de sinais
meteoroló gicos que acontecem no cé u, nã o de sinais espirituais. Com isso o Mestre ataca o

254
religiosos manifestando que de sinais bá sicos do clima eles conseguiam entender, mas os sinais
espirituais lhes eram indecifrá veis. Logo eles, que eram os guardiõ es da Lei, dos Profetas e dos
Escritos, ou como dizem os judeus, de toda a Tanakh; logo eles nã o percebiam os Cé us, nas forma
do Rei e do seu reino bem diante de seus olhos. O ú nico aspecto que poderia se equiparar a
vilanice daqueles homens era sua cegueira espiritual.
v.4 Os acontecimentos terminam com a repetiçã o da resposta encontrada no capı́tulo
12.39, de que o ú nico sinal que eles receberiam seria o sinal de Jonas. Para nó s leitores atuais
essa resposta faz bastante sentido, aCinal associamos Jonas e a Baleia com a ressurreiçã o de Jesus,
entretanto para aqueles que presenciaram a conversa, a resposta parecia ser bem truncada.

Uma história sempre em movimento

O capítulo 16 do Evangelho segundo Mateus, é um exemplo perfeito do dinamismo e do


ritmo frenético de como os ensinos nos são contados. O versículo 1, mostra o que aconteceu quando
eles chegaram a Magadã. O versículo 5 já mostra os discípulos se preparando para partir, enquanto o
versículo 13 conta o que aconteceu ao chegarem a Cesaréia de Felipe.

Temos a impressão de que a comitiva não parava nunca e que os acontecimento se


passavam de forma ininterrupta. (Lembrando que os primeiros cristãos tinham contato com esse livro
de forma oral, pois haviam poucas cópias do livro e era costume os alunos se assentarem para
escutar as leituras) Dessa maneira a sensação de velocidade é ainda maior.

v.5-12 O fermento dos Fariseus


Enquanto os discı́pulos se preparavam para partir novamente, Jesus os adverte a
“tomarem cuidado com o fermento dos fariseus”. Eles nã o entenderam o que estava sendo dito e
pensaram se tratar do fato de nã o estarem levando pã o.
v.8-11 Aqui vemos um recurso de orató ria chamado call-back que pode ser traduzido por
“trazer a lembrança”, neste caso sã o relembradas as duas multiplicaçõ es maravilhosas dos
capı́tulos 14 e 15. Isso é feito para reforçar uma mensagem na cabeça de seus ouvintes, neste
caso: o poder sobrenatural do Messias. EN muito interessante que um discurso que nã o se tratava
de “pã o” é ú til para lembrarmos de duas multiplicaçõ es do pã o.
v.12 Por Cim eles compreendem que o “fermento dos fariseus” se trata da doutrina
corruptiva e nã o de algo relativo a pã o ou seus ingredientes.

v.13-19 A condissão de Pedro


Nossos personagens aportam na regiã o de Cesaré ia de Felipe, cerca de 40km ao norte, à
base do Monte Hermon, pró xima à s Fontes de Banias (ou Pâ nias), que é uma das nascentes do Rio
Jordã o. O nome dessa fonte está ligado ao deus pagã o Pan, que na mitologia grega cuidava dos
pastores e de seus rebanhos, por isso havia um majestoso templo dedicado a essa divindade lá .
Aquela cidade, e sua regiã o circunvizinha, possuı́am um longo histó rico ligado ao paganismo(7),
por isso soa tã o propı́cia a declaraçã o sobre a divindade de Jesus ocorrer ali.
Caso você esteja disposto a pesquisar um pouquinho mais sobre o contexto dessa
passagem, principalmente sobre sua localizaçã o geográ Cica, encontrará diversas referê ncias a
uma fonte de á gua que transbordava de uma caverna, a qual levou os habitantes pagã os a
reverenciarem a Pan e assim nomearem sua cidade. Essa caverna, ao pé do Monte Hermon, ainda
existe, mas infelizmente devido ao desmatamento e outros fatores climá ticos, a á gua nã o brota
mais de seu interior. Se olharmos um pouco mais para a mitologia de Pan, veremos que ele era
considerado como um dos poucos deuses gregos capazes de atravessar o Hades e retornar, por
isso "sua" caverna era chamada de "porta do Hades". Essa informaçã o será fundamental para a
declaraçã o de Jesus sobre a igreja durante o versı́culo 18.
Joã o Crisó stomo, em suas homilias sobre o tema propô s que Jesus levou seus discı́pulos
para essa á rea distante do controle dos fariseus para que eles se sentissem livres para se
expressarem sobre esse tema tã o fundamental.(9)

255
Outro dado importante sobre Cesaré ia é que essa cidade era local de descanso do general
romano Vespasiano, um exı́mio apicultor, sendo que no ano 70 d.C ele seria encarregado do cerco
a Jerusalé m. Ele nã o concluiu a campanha militar pois voltou a Roma para ser coroado imperador,
mas deixou a conquista ao cargo de seu Cilho Tito. Pela importâ ncia de presença desse homem
que seria o regente do mundo ocidental, podemos perceber que a cidade devia ser bem ajeitada e
aprazı́vel.

Cristologicamente falando, iremos acompanhar agora o momento pé treo para a


determinaçã o de messianidade de Jesus de Nazaré . Claro que quando opto pelo adjetivo "pé treo"
o faço para enfatizar a importâ ncia do apó stolo Pedro em todo o desenrolar.

Seguindo o dialogo iniciado anteriormente, agora é o Mestre que deCine o tema da


conversa: “Quem os homens dizem que o Filho do homem é?”

v.13 "Quem diz o povo ser o Filho do Homem?" Entre os versı́culos 13 e 15 podemos perceber
um jogo de palavras entre: entre "o que dizem eles" (o povo em geral) e "o que dizem você s" (os
discı́pulos). Mesmo estando eles em uma das maiores cidades da regiã o, a conversa transcorre
apenas entre Jesus e seus discı́pulos, sem o relato de alguma multidã o ao seu redor ou algo
relevante ocorrendo. A possı́vel razã o para isso é que ele pretendia tratar de assuntos mais
profundos, como os que veremos a seguir.
v.14 "Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas." Algumas
respostas sã o dadas, poré m nenhuma chega perto do correto, ainda que se imaginasse Jesus
como um grande profeta, ao mesmo nı́vel de Elias, Jeremias ou no mı́nimo algum dos profetas. O
povo até entendia que o Mestre era algué m com autoridade espiritual, poré m nã o viam nada alé m
disso.
Este versı́culo nos revela algo interessante sobre Mateus já que ele faz questã o de incluir
uma quarta resposta em seu relato, enquanto Marcos se contenta com trê s. Ao falar sobre
"Jeremias" o apó stolo transparece uma aCinidade muito pró xima com os textos desse profeta e
porque nã o dizer uma predileçã o por ele. Atente que ele já o Cizera em outros trechos de seu
evangelho 2.17-18 e 27.9-10. Outro ponto a falarmos sobre Jeremias é que os rabinos ensinam até
hoje que este profeta escondeu a Arca da Aliança no monte Nebo e que ele a traria de volta bem
antes da era do Messias se iniciar.(8)
v.15 "Mas vós, quem dizeis que eu sou?" Aqui encontramos uma mudança drá stica no enfoque,
pois o Mestre demanda uma resposta pessoal de seus discı́pulos. EN o efeito lupa.
Pela construçã o da pergunta, Cica evidente que ele esperava uma resposta diferente de
seus alunos mais pró ximos.
v.16"Respondendo Simão Pedro" Este tema é conhecido como a ConCissã o de Pedro, e tem
seu nome originá rio de uma inscriçã o inserida na Vulgata que diz “Confessio Petri”.
Se, na resposta anterior, temos a impressã o de que mais de um apó stolo apresentou as
opniõ es do povo, talvez diversos deles tenham falado ao mesmo tempo, aqui, essa multiplicidade
de vozes nã o acontece. Na verdade, a resposta que Jesus desejava ouvir era oriunda da boca de
todos seus discı́pulos, poré m apenas uma voz se levanta agora. Por que?
Um detalhe interessante é que nosso autor faz questã o de especiCicar a seus ouvintes
que o "Pedro" dessa passagem nã o era outro senã o Simã o Pedro o apó stolo, por isso ele utiliza
seu nome de batismo Simã o e seu nome popular A Rocha (Pedro). Ou seja, todo o foco estaria
sobre ele e Jesus de agora em diante.

Pedro, assume novamente a liderança do grupo assim como ocorrera em outras


situaçõ es anteriormente e faz uma das declaraçõ es mais lindas do livro: “Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo” Isso nã o quer dizer que os demais apó stolos nã o estivessem lá ou que tivessem opniõ es
distintas, mas implica numa concordâ ncia geral de todos os envolvidos. EN bem possı́vel que,
naquele momento, nem todos tivessem a mesma elucidaçã o de Pedro e que um deles jamais a
teria, mas para efeito geral do discurso, a resposta representava o consenso geral do grupo.

EN tã o relevante essa aCirmaçã o que considero-a como o ponto mais importante do meio
do livro. A passagem é tã o bela que é vá lido você conhece-la na lı́ngua original: Συ„ ει¨ ο¡ χριστο„ ς ο¡
υι¡ο„ς τοῦ θεοῦ τοῦ ζῶντος (Sy ei ho christos ho huios tou theou tou zontos).

256
O apó stolo Pedro já havia escutado uma aCirmaçã o parecida quando Jesus fora batizado
por Joã o Batista, conCira Mt 3.16-17, onde o pró prio Deus diz: “Este é meu 1ilho amado …” Poré m
aqui percebemos que, atravé s da revelaçã o do Senhor, ele pode compreender a profundidade
daquela aCirmaçã o divina. Esta é a resposta que os judeus ainda nã o entenderam, mesmo dois mil
anos depois: Jesus de Nazaré é o Messias prometido.

Podemos destacar 3 aCirmaçõ es fundamentais de Evangelho segundo Mateus, sendo esta


a mais conhecida, e estudada, de todas:
1. Mt 1.1 “Jesus Cristo, 1ilho de Davi, 1ilho de Abraão”
2. Mt 16.16 “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”
3. Mt 28.20 Jesus dizendo: “E eu estou com vocês, até o 1im dos tempos”

v.17-19 Neste trecho, a questã o gramatical, principalmente os jogos de palavras sã o
fundamentais. Por isso podemos começar analisando a conexã o entre os versı́culos 16 e 17, pois
ela nos revela a velocidade entre as aCirmaçõ es de Jesus e de Pedro. Este trecho lembra muito o
dialogo entre Davi e Aquish em 1Sm 28.1-2 Acompanhe:
.

• v.16 α† ποκριθει„ς δε„ ΣιŒμων ΠεŒ τρος ει¨πεν


• v.17 α† ποκριθει„ς δε„ ⸃ ο¡ ΙŸησοῦ ς ει¨πεν

O verbo apokritheis, se encontra no tempo aoristo passivo particı́pio e pode ser traduzido
como "respondeu" ou "replicou". Por isso sã o muito infelizes as traduçõ es para o portuguê s, as
quais distorcem deveras o ritmo original do texto; sendo a traduçã o adequada: "Respondeu Simão
Pedro dizendo" e "Respondeu-lhe Jesus Cristo dizendo". Dessa maneira Cica preservado o senso de
velocidade em que Jesus replicou a fala de Pedro, quase que como se ele mal esperasse Pedro
terminar de falar, para iniciar sua declaraçã o.

Mais adiante, Jesus fará um jogo de palavras entre o nome de Simã o, Cilho de Jonas, cujo
apelido era Petros (pedra em grego) e o fato dele vir a ser a “pedra fundamental de igreja” (pedra
em grego se escreve como petra). Existe muita teologia e contrové rsia nesses trê s versı́culos, por
isso peço um pouco de atençã o. Fica mais uma vez evidente o desejo de Mateus de especiCicar de
qual Pedro estamos falando, pois agora ele registra a descriçã o do pró prio Senhor, a qual evoca
seu nome de famı́lia: Simã o BarJonas.

v.17 "Respondeu-lhe Jesus dizendo: Bem-aventurado és, Simão BarJonas, porque não foi carne e
sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus." A palavra inicial de Jesus é muito importante,
ΜακαŒ ριος ει¨, de maneira que podemos chama-la de "a Dé cima bem-aventurança", e dessa
maneira a conectando ao discurso inicial do Reino contido no capı́tulo 5, o Sermã o da Montanha.
Lá , encontramos 9 bem-aventuranças que reCletem o cará ter dos cidadã os do Reino e aqui
encontramos um complemento revelando a maneira pela qual a pessoa pode se tornar um desses
herdeiros. Diante de nó s se descortina uma tema de suma importâ ncia, que é a origem da
salvaçã o eterna, ao que os teó logos conhecem por soteriologia. E para surpresa de muitos, tanto
Joã o Calvino como José Armı́nio concordam inteiramente nessa questã o, pois o ser humano é
completamente caı́do e carece da graça divina para receber a salvaçã o, exatamente como Jesus
aCirma aqui.
"porque não foi carne e sangue que to revelaram" a consciê ncia que Pedro tinha a respeito do
Cristo, nã o era proveniente de sua perspicá cia ou sabedoria, mas de uma revelaçã o direta do
Deus-Pai. Nã o sabemos se o apó stolo compreendeu tudo naquele momento ou se ele já vinha
trabalhando com a idé ia a algum tempo, seja como for o resultado foi maravilhoso.

També m encontramos nessa aCirmaçã o o complemento do ensino contido em Mt 11.27


"Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho [e aquele a quem] o Filho o
quiser revelar." Os ensinos sã o como as duas faces de uma mesma moeda, a qual, a partir de agora
podemos observar por completo.

257

Pai Revelaçã o Filho

Aqui no versı́culo 17 Jesus chama seu discı́pulo de Simã o, Cilho de Jonas, que era seu
nome comum, o que, em aramaico soaria: Simã o bar Jonas (ΣιŒμων Βαριωνᾶ ), já no versı́culo 18
ele o trata por Pedro (ΠεŒ τρος), que até aquele momento parecia ser mais um apelido, e que dali
em diante foi absorvido como nome propriamente dito. No decorrer do livro, o apó stolo já havia
sido chamado de Pedro antes, mas lembre-se de que os relatos que temos em mã os foram escritos
muito depois dos acontecimentos originais e naquela é poca Simã o já era amplamente conhecido
como Pedro. Veja como o evangelista Joã o, logo no inı́cio de seu livro (Jo 1.42 “Jesus olhou para ele e
disse: "Você é Simão, 1ilho de João. Será chamado Cefas" ( que signi1ica Pedro)”) ensina que Jesus mudara o
nome do apó stolo para Cefas (‫כיפא‬, Kepha em aramaico).
Durante a primeira metade do sé culo XX alguns estudiosos chegaram a questionar a
mudança de nome proposta por Jesus, alegando que nã o existiam relatos de outra pessoa com o
nome de Kepha na antiguidade. Isso provaria que nã o haveria a possibilidade, dentro do contexto
judaico, de algué m ser oCicialmente reconhecido como “a Pedra”. Poré m em 1953, foi encontrado
em Elefantina, um texto datado do oitavo ano do rei Dario (da Pé rsia), ligando o nome Kepha a
nativos judeus.(4) Atualmente já possuı́mos registros de diversas pessoas com esse nome e nesse
perı́odo de tempo, muitas dessas fonte vindas de Qumran.(6)

v.18 Talvez o aspecto mais discutido e mal interpretado do texto seja a aCirmaçã o de
Cristo no versı́culo 18: “e sobre esta pedra edi1icarei a minha igreja”. De acordo com o texto, Jesus
estava se referindo ao apó stolo Pedro, e signiCica que Pedro seria um dos alicerces da igreja. Essa
profecia se cumpriu em At 2, com a pregaçã o no Pentecostes e At 10, com a inclusã o dos gentios.
Infelizmente o texto foi mal utilizado pela Igreja Cató lica visando alicerçar sua autoridade
“universal” no fato de Pedro, um dia, ter pregado lá . Chega a ser cô mica tal idé ia, principalmente
porque a igreja em Roma foi fundada por judeus convertidos e sem a presença de nenhum
apó stolo. Para minimizar essa questã o e prover uma base teoló gica para aquela comunidade, o
apó stolo Paulo escreveu a Carta aos Romanos.
Entretanto, diversos teó logos protestantes, no afã de desmascarar a ursupaçã o cató lica,
chegaram a aCirmar que o texto nã o falava da Pedro e sim de Jesus. A este respeito, Agostinho, em
seu livro Retrataçõ es aCirmou: "Eu disse em certo lugar do Apóstolo Pedro, que foi sobre ele, como sobre
uma rocha, que a Igreja foi construída. Mas sei que, desde então, muitas vezes expliquei estas palavras do
Senhor: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edi1icarei minha Igreja, signi1icando sobre Aquele a quem Pedro
confessou nas palavras: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo; e para que Pedro, tomando seu nome desta rocha,
representasse a Igreja, que está construída sobre esta rocha. Pois não lhe é dito: Tu és a rocha, mas tu és Pedro.
(1 Co 10.4) Mas a rocha era Cristo, a quem, por Simão assim confessar, como toda a Igreja o confessa, se
chama Pedro. Deixe o leitor escolher se uma dessas duas opiniões lhe parece a mais provável."(11) Um exame
cuidadoso da passagem nã o sustenta essa possibilidade, sendo que o sentido natural do texto nos
leva a compreender que a pedra, era Pedro.
O teó logo e professor de histó ria da Igreja, Alderi Souza de Matos, explica que toda a
igreja antiga considerava o texto como se referindo a Pedro, (ainda que a igreja oriental Cizesse
uma interpretaçã o errô nea e um tanto livre do tema; veja o que ele diz: “Desde Orígenes, os orientais
interpretaram a pedra sobre a qual Jesus edi1icou a Igreja como a fé de Pedro, e não o próprio apóstolo”(2))
Joã o Crisó stomo, arcebispo de Constantinopla, em 398 d.C aCirmou: "Ou seja, sobre esta fé e con1issão
edi1icarei minha Igreja. Mostrando aqui que muitos deveriam acreditar no que Pedro havia confessado, e
aumentando seu entendimento, e fazendo-o Seu pastor."(10)

258
Outro erro comum foi argumentar que a aplicaçã o proposta pelo Mestre buscava
diminuir Pedro o chamando de “pedrinha" enquanto Jesus seria a verdadeira “Pedra”. Tal
aCirmaçã o trata-se de um erro grotesco, pois a traduçã o da palavra. “pedrinha” é evna e nã o
kephas.(5) Por Cim analisemos um terceiro erro ligado ao nome do apó stolo que é aCirmar
erroneamente que a palavra πεŒ τρος possuı́a signiCicado diferente da palavra τῇ πεŒ τρᾳ o que
sustentaria, em grego, a distinçã o entre “pedrinha” e “pedra”. Infelizmente se trata de pura
ignorâ ncia em relaçã o a lı́ngua grega, pois naquela é poca nã o se utilizava a diferenciaçã o entre
letras maiú sculas e minú sculas como fazemos hoje, na realidade se escrevia apenas em
maiú sculo, no que é chamado de escrita Uncial. Assim, para diferenciar um nome de um
substantivo era necessá rio uma construçã o diferente, e é isso que Mateus fez. Enquanto πεŒ τρος se
encontra como “substantivo, nominativo, singular, masculino” o que representa um nome pró prio,
a palavra πεŒ τρᾳ é Clexionada como “substantivo, dativo, singular, feminino”. O modo “dativo”
fortalece a compreensã o de que o objeto indireto irá sofrer uma açã o sobre ele; assim “petra” nã o
pode ser algué m, mas algo sobre o que será realizado uma açã o; neste caso, a ediCicaçã o da Igreja.
Essa percepçã o é concluı́da atravé s do uso artigo τῇ (té ) també m no dativo. Assim Cica inviá vel
algué m tentar sustentar que Jesus falava de duas pessoas, e resta apenas aceitar o fato de que o
Mestre fala de Pedro e de uma açã o que ocorreria sobre, ou atravé s, dele.
Apó s tamanha polê mica sobre o tema, normalmente se perde um dos detalhes que
tornam esse texto peculiar: a profecia a respeito da igreja. Para nó s que lemos o texto atualmente,
e que em muitos casos somos parte de alguma igreja, pode nã o signiCicar muita coisa; agora
imagine os apó stolos ouvindo a aCirmaçã o pela primeira vez. Será que eles compreenderam o que
seria “igreja”? O mais prová vel é que os apó stolos perceberam a palavra grega τὴν ἐκκλησίαν (ten
ekklesían) que traduzimos por ‘minha igreja’ como uma assemblé ia ou reuniã o de pessoas (neste
caso especı́Cico, os pró prios discı́pulos). Este era o sentido comum utilizado na LXX (septuaginta)
para se referir ao povo de Israel (cf. Dt 18.16 ou 23.2 ) e portanto seria um termo de uso
conhecido por todos os ouvintes/leitores de fala grega.
Diante de tanta discussã o a respeito da “pedra” na maioria das vezes outro aspecto é
esquecido: O que signiCica prevalecer sobre as portas do inferno? Apesar de “inferno” ser uma
traduçã o usual para a palavra grega Hades (α¼ͅ δης) o mais correto seria “reino dos mortos”, pois
nã o havia naquele momento a noçã o de “inferno" como local de tormento dos condenados. Na
mentalidade antiga havia a crença de que existia literalmente uma entrada fı́sica para o
submundo dos mortos. A palavra hebraica para tal local era Sheol, como podemos ver na
descriçã o de Jó 17.16 "Descerá ela às portas do Sheol? Desceremos juntos ao pó?” Repare que o autor
hebreu també m descreve as “portas do Sheol” assim como o fez Jesus. Parece-nos que o termo
“porta" possui uma aplicaçã o metafó rica, representando o poder de reter a alma dos mortos sob
seu domı́nio. Veja o contraste apresentado no Salmo 49.15, onde a alma do justo escapa do
controle da morte: "Mas Deus remirá a minha alma do poder do Sheol, pois me receberá.” O poder sobre a
vida ou a morte nã o estaria mais sob o controle do Hades, mas nas mã os da Igreja.
v.19 Eis outra aCirmaçã o que provocou muitos desdobramentos na histó ria da igreja. A
interpretaçã o correta é , em seu sentido natural, diz que o apó stolo teria o poder de deCinir que
iria para o cé u ou nã o. Devemos ver essa autoridade sendo aplicada no contexto da igreja, onde o
lı́der da igreja local, que hoje chamamos de pastor (ou reverendo, ou presbı́tero), pode deCinir
quem terá comunhã o com a igreja ou nã o. Por consequê ncia se conclui que a pessoa que for
excluı́da da congregaçã o estará em pecado e por isso nã o poderá entrar no cé u.
Vale a pena ressaltar que essa autoridade nã o foi dada exclusivamente a Pedro. Veja o
que diz Mt 18.18 "Digo-lhes a verdade: Tudo o que vocês ligarem na terra terá sido ligado no céu, e tudo o
que vocês desligarem na terra terá sido desligado no céu.” Aqui a autoridade é entregue a todos os
apó stolos.
Os termos “ligar” e “desligar” sã o oriundos das decisõ es legais rabı́nicas, e mais deviam
ser de conhecimento de todos os envolvidos.

v.21-23 A repreensão de Pedro


A partir do versı́culo 21, Jesus inicia uma fase nova de seu ensino, sendo que os apó stolos
seriamos ú nicos a ouvi-la. Mateus faz uma pequena introduçã o dos temas que seriam tratados
daqui em diante:
“Jesus começou a explicar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse para Jerusalém e
sofresse muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei, e fosse
morto e ressuscitasse no terceiro dia.”

259
A mudança no tema das aulas foi tã o grande, que Pedro, nã o consegui acompanha-la. Se
alguns versı́culos atrá s ele, por intermé dio da revelaçã o do Espı́rito Santo, compreender que
Jesus era o Filho de Deus, aqui ele procurou compreender tudo de um modo mais natural. O
resultado foi desastroso.
v.22 Peço muito de sua atençã o para o que Pedro disse. Como sabemos a reaçã o de Jesus,
tendemos a considerar a declaraçã o do apó stolo como tola, afobada e até infantil. Nã o acredito
que tenha sido bem assim. Trata-se de um tema que até hoje nã o compreendemos plenamente:
Deus iria morrer. Nã o pretendo parafrasear o Cilosofo alemã o Friedrich Nietzsche, que no sé culo
XX escreveu um livro intitulado “Assim falou Zarathustra” o qual conté m a conhecida frase “Deus
está morto”. Mas ainda assim o tema é indigesto. Como poderia o apó stolo, que acabará de
compreender que Jesus era o Filho de Deus, aceitar que o Messias iria morrer nas mã os dos
judeus?
Nó s tendemos a julgar Pedro a partir de uma ó tica cristã , onde já conhecemos o Cinal da
histó ria e somo guiados pelo Espı́rito Santo. Pedro havia sido inspirado alguns momentos atrá s,
mas aqui, ele nã o estava sendo dirigido pelo Espı́rito, muito pelo contrá rio. Veja o que Jesus diz:
“Para trás de mim, Satanás!”

v.24-27 Explicações mais detalhadas sobre o tema


Por muitas vezes Mateus apresenta o apó stolo Pedro como um lı́der dos demais
discı́pulos, ou no mı́nimo como um porta-voz dos demais. Apó s uma repreensã o tã o pesada por
parte do Mestre, era necessá rio elucidar um pouco mais o tema da necessidade da morte e o que
isso representaria.
Se o destino do Messias era morrer, para assim conquistar a eternidade para seus
seguidores, seus discı́pulos nã o deveriam esperar um futuro muito diferente. O contexto judaico
daqueles apó stolos privilegiava uma visã o imediatista, com bençã o e maldiçã o no dia-a-dia;
pouco se esperava do futuro. Tanto que os apó stolos buscavam a restauraçã o do reino imediata,
pois de pouco valeria para ele um Reino futuro. Aqui Jesus reverte a esperança da humanidade,
começando pelo ensino sobre “ganhar a vida”.
v.24 Inicia-se com a palavra “entã o” o que nos leva a entender que o que vem a seguir a
diretamente conectado com o que aconteceu antes. O Mestre faz 3 exigê ncias aqueles que
desejassem segui-lo:
1. Negue-se a si mesmo – Claro que no judaı́smo já havia a necessidade de abrir mã o de
certos desejos, proibidos pela Lei, mas nada se compara ao que Jesus estava dizendo.
Agora nã o se tratava de questã o “legal” e sim de abrir mã o de todos seus objetivos
pessoais para poder seguir a Cristo.
2. Tome a sua cruz – A pena de morte por cruciCicaçã o era a mais humilhante que uma
pessoa podia sofrer, e aqui está o signiCicado do que Jesus exigiu: é preciso estar disposto
a suportar a humilhaçã o por ser sevo do Messias.
3. Siga-me – Nã o havia meio termo, ou a pessoa continuava na religiosidade ou ela diva
deixar tudo para trá s e seguir a Cristo. Era inconcebı́vel se manter nos há bitos dos
fariseus e se tornar seguidor do Messias.

v.25-26 E as exigê ncias nã o param por aı́. Com mais um jogo de palavras, o ensino sobre a
vida do seguidor de Cristo continua. Quem deseja conquistar sua vida, para si mesmo estará
vivendo; independente do sucesso que venha a obter nessa caminhada. Mas aquele que nega a si
mesmo, está disposto a carregar a sua cruz e deixa tudo para seguir o Mestre, pode nã o obter
sucesso imediato. Na realidade, pode ser que o discı́pulo chegue a ser morto por causa de Cristo.
Caso chegasse a tal ponto, a promessa de um ganho maior era garantida com a promessa “mas
quem perder a vida por minha causa, a encontrará”.
v.27 Para enfatizar um pouco mais os benefı́cios de ser abrir mã o de tudo para seguir ao
Cristo, o ensino do versı́culo 27 nos revela algo sobre o futuro. Sobre o que acontecerá no retorno
do Messias, e o que acontecerá com a humanidade.

v.28 Uma chance concreta de visualizar o Messias em seu Reino


Uma promessa muito provocante, essa que Jesus fez. Quais dos discı́pulos iram ver o
versı́culo 27 se cumprindo? Quanto tempo levaria para aquilo ocorrer? Mateus encerra o capı́tulo
com esse suspense. Nó s faremos o mesmo.

260
(1) Medeiro, Hilton – site pessoal, acessado em 22/11/17 http://www.hiltonmedeiros.com.br/clima-seco-
aumenta-a-incidencia-de-doencas-oculares/
(2) Matos, Alderi – Fundamentos da teologia histó rica – p.103
(3) Ridderbos, H.N. - Matthew - p.303
(4) Fitzmyer, J.A - The aramaic language and the study of the new testament - Brooklin Museum Aramaic Papers -
8:10 - p.7
(5) Lampe, P. - Das spiel mit dem Petrusnamen p.229
(6) 11Qjb Job 32:1, 4QEne 4iii, 4QEnc 4:3
(7) Hagner, D.A. - Matthew 14-28 - p.466.
(8) Utley, B - Matthew - p.139
(9) Joã o Crisó stomo - Homilias sobre Mateus n.54
(10) Aquino, T. - Catena Áurea: Commentary on the Four Gospels, Collected out of the Works of the Fathers: St. Matthew.
- Vol. 1, p.584
(11) Agostinho - Retratações - i.21

261
Mateus 17

Temos a impressã o de que Mateus nã o conseguiu controlar sua ansiedade em contar-nos
o desfecho da promessa que Jesus fez no versı́culo anterior Mt 16.28 “Garanto-lhes que alguns dos
que aqui se acham não experimentarão a morte antes de verem o Filho do homem vindo em seu Reino”.
O autor acelera o texto e pula diretamente para o que aconteceu seis dias depois.
Enquanto no capı́tulo 3 o autor manté m silê ncio sobre mais de 25 anos da vida de Jesus (talvez
fossem quase 30 anos), aqui ele detalha uma transiçã o muito curta de tempo. A razã o para isso é
que este trecho da narrativa é um desdobramento direto do que fora dito anteriormente. Seria o
desdobramento do suspense criado com a promessa de "não provar a morte”. Parece-me muito
interessante imaginar que por seis dias alguns dentre os discı́pulos eram “imortais”; aCinal
cremos que a palavra de Jesus se cumpriria e assim eles nã o morreriam em hipó tese alguma até a
realizaçã o plena da promessa.

EN importante ressaltar que o autor, apesar de ter seu texto inspirado pelo Espı́rito Santo,
era livre em suas decisõ es, e acabou por fazer um relato seletivo dos acontecimentos. Durante os
seis dias que se passaram o Mestre e seus alunos Cizeram outras coisas, nã o sabemos quais, mas
certamente eles nã o Cicaram congelados no tempo. EN bem plausı́vel que Jesus tenha ensinado
algo, assim como é admissı́vel que eles tenham comido, orado, descansado. Seja como for, para o
escritor do livro, apenas seu objetivo apologé tico merecia destaque.
Assim somos sempre lembrados de que o evangelho segundo Mateus nã o tem por
objetivo ser uma biograCia da vida de Nosso Senhor e sim um livro de forte conteú do teoló gico.
Em nossa bı́blia dividida em capı́tulos, algo que nã o fora inspirado por Deus, temos a impressã o
de que cada capı́tulo engloba uma nova etapa da histó ria. Isso é correto em certos momentos,
poré m bastante prejudicial em outros, como este em que estamos.

v.1-8 A visão do Cristo gloridicado


Neste momento, o autor do livro, o apó stolo Mateus, apresenta o relato de maior peso
escatoló gico até agora, pois podemos vê -lo como cumprimento do AT e como promessa do NT,
ambos juntos e ao mesmo tempo. A transCiguraçã o revela muito mais do que um poder
miraculoso de Jesus, ela nos revela a mais pura essê ncia do Deus encarnado. Ou como disse
D.Alisson:

.

"A trans1iguração de Jesus move os pensamentos para trás e para frente no tempo: é um replay do Sinai e uma
antecipação do que está por vir ... o monte da Trans1iguração era, para os evangelistas, incluindo Mateus, um segundo Sinai,
onde um milagre antigo é repetido.”(4)

No livro de E• xodo, capı́tulo 24 “Depois Deus disse a Moisés: "Subam o monte para encontrar-se
com o Senhor, você e Arão, Nadabe e Abiú, e setenta autoridades de Israel. Adorem à distância. Somente Moisés
se aproximará do Senhor; os outros não. O povo também não subirá com ele” e no capı́tulo 34 “Esteja pronto
pela manhã para subir ao monte Sinai. E lá mesmo, no alto do monte, apresente-se a mim. Ninguém poderá ir
com você nem 1icar em lugar algum do monte; nem mesmo ovelhas e bois deverão pastar diante do monte"
Estes dois trechos mostram o inı́cio formal da religiã o judaica e a deCiniçã o de Moisé s e Arã o
como os mediadores entre o Senhor e o Povo Escolhido. Todo judeu ao ouvir a respeito de uma
revelaçã o divina no monte iria se lembrar dessas duas passagens, por isso o suspense teoló gico
vai aumentando.
O livro favorito dos judeus, Deuteronô mio, inicia um comentá rio sobre o relato de E• xodo
descrito acima, usando a mesma construçã o que Mateus usará mais adiante, para encerar sua
descriçã o da TransCiguraçã o: “O Senhor, o seu Deus, levantará do meio de seus próprios irmãos um profeta
como eu; ouçam-no.” Dt 18.15 Preste bastante atençã o trecho Cinal ‫ ּתִׁשְמָעּֽון ָ֖יו אֵל‬- ʾē l ā ywʹ
tiš ·mā ·ʿû nʹ, ou segundo a traduçã o da LXX αυ† τοῦ α† κουŒ σεσθε - autou akousesthe, os quais
signiCicam “ouçam ele”.
Os acontecimentos no Horebe, conforme descritos em Ex 24 e 34 foram de tal forma
dramá ticos que “Pois foi isso que pediram ao Senhor, ao seu Deus, em Horebe, no dia em que se reuniram,
quando disseram: "Não queremos ouvir a voz do Senhor, do nosso Deus, nem ver o seu grande fogo, se não
morreremos!” Dt 18.16 Em resposta a isso o pró prio Deus falou: “O Senhor me disse: "Eles têm razão!

262
Levantarei do meio dos seus irmãos um profeta como você; porei minhas palavras na sua boca, e ele lhes dirá
tudo o que eu lhe ordenar. Se alguém não ouvir as minhas palavras, que o profeta falará em meu nome, eu
mesmo lhe pedirei contas.” Dt 18.17-19
Com este cená rio em mente podemos nos debruçar no texto de Mateus.
v.1 “Seis dias depois” Mateus e Marcos, dizem seis dias, enquanto Lucas (9.28) apresenta
oito dias. A aparente contradiçã o pode ser explicada em duas maneiras diferentes de se descrever
uma semana dentro da cultura semı́tica do primeiro sé culo. Com tanta tipologia envolvida nesse
trecho, é possı́vel que os “seis dias” façam referê ncia aos “seis dias” que Moisé s passou se
preparando no Monte Sinai. Cf. Ex 24.16 “Durante seis dias a nuvem cobriu o monte. No sétimo dia o
Senhor chamou Moisés do interior da nuvem.”
Uma liçã o muito especial está para acontecer, por isso Jesus escolhe alguns discı́pulos
mais pró ximos e os leva a um local privado, “a um alto monte”. Tudo isso reforça a idé ia de a visã o
que se seguiria nã o estaria disponı́vel a todos (o pró prio Mateus nã o estava entre os escolhidos);
a razã o para isso pode ser pedagó gica, pois ao dividir o grupo, o interesse sobre o que aconteceria
foi aumentado. (Nã o sei você , mas eu, como leitor, Cico muito interessado com essa construçã o
apresentada pelo autor do livro. Fico a pensar, porque esses discı́pulos e nã o algum outro, como
será que cada um deles lidaria com os acontecimentos.)
Alé m dessa ocasiã o, Pedro, Joã o e Thiago, estariam com Jesus em outros dois momentos
especiais: na casa de Jairo (cf Mc 5.37) e no jardim da agonia Mt 26-36-46.
"a um alto monte" Nã o sabemos exatamente em qual monte eles subiram, trê s boas
possibilidades sã o apresentadas pelos estudiosos:
1. Monte Hermon (localizado em Cesaré ia de Felipe) possui 2813 metros de altura, o
que indica que sua escalada (ida e volta) podia levar mais de um dia e demandaria
certa quantidade de provisõ es. Uma resposta a questã o da altura do monte é o fato
de que o texto, em momento algum, aCirma que o grupo subiu até o cume do monte,
eles poderiam simplesmente ter parado em algum platô . Algumas evidê ncias textuais
favorecem essa opçã o, alé m do fato do monte ser pró ximo a Cesaré ia, de modo que o
grupo chegaria facilmente até lá dentro de seis dias. O versı́culo 17.24 explica que o
grupo estará em chegando a Cafarnaum para o pró ximo acontecimento, o que
favorece uma localizaçã o mais ao norte e sempre na regiã o da alta Galilé ia.
Atualmente esta é a proposta da maioria dos estudiosos.
2. Monte Tabor (ao sul da Galilé ia), sendo este ú ltimo o preferido dos teó logos ao longo
da histó ria da igreja (Orı́genes e Cirilo de Jerusalé m(13) foram alguns dos primeiros a
defender essa localizaçã o). Seria necessá ria uma viagem de até quatro dias para eles
chegarem ao Tabor, alé m de mais um dia para subir, por isso a questã o logı́stica torna
um pouco mais difı́cil sua escolha para o evento. Existe um complicador a mais nessa
opçã o, pois, segundo Flavio Josefo havia uma fortaleza em seu cume, assim limitando
o trâ nsito de Jesus e seus alunos.(12) Hoje a industria do turismo israelita, por razõ es
econô micas, defende fortemente o Monte Tabor como o local do evento.
3. Monte Miron, com 1196 metros de altura, e que é a maior montanha nas fronteiras
daquele paı́s.(9)

v.2 μετεμορφωŒθη εª μπροσθεν αυ† τῶν “E foi trans1igurado diante deles” EN importante notar
que tudo ocorreu a vista dos discı́pulos, nã o atravé s de um truque de má gica ou mediante a
alguma espé cie de misté rio. Essa descriçã o é importante por que nos passa a impressã o de que o
acontecido, ainda que espetacular, nã o foi algo contra a natureza do Cristo, como se houvesse
algum esforço para ele se revelar plenamente como Deus. Existe uma grande diferença entre
“transmutaçã o” e “transCiguraçã o”, na primeira, a substancia do objeto se modiCica, nas segunda,
apenas a aparê ncia muda, Cicando inalterada a substancia. O termo “transCiguraçã o” é oriunda da
Vulgata Latina. Na encarnaçã o o Messias se esvaziou, para assumir a forma humana, já aqui nã o
acontece esforço algum para ele revelar sua natureza divina. Essa pequena sutileza possui um
grande peso teoló gico. Este versı́culo é o exemplo mais marcante de dupla natureza de Jesus,
100% homem e 100% Deus.
Apesar da simplicidade demonstrada, segue-se um evento profé tico ao estilo do Antigo
Testamento, uma visã o apocalı́ptica, com revelaçõ es, sons e a apariçã o do SENHOR; algo similar
ao visto nos relatos de Isaı́as, Jeremias, Ezequiel. Eis que um dos eventos mais maravilhosos de
todos os tempo acontece diante dos olhos daqueles trê s homens: Jesus aparece em sua forma
divina. Costumamos chamar esse evento de transCiguraçã o, pois signiCica que apenas a forma

263
externa foi alterada, sendo que a essê ncia interior é sempre a mesma. Como era essa forma
divina? Bem o texto nã o explica, e mesmo Pedro em suas memó rias posteriores, nem Joã o em
seus relatos, falam sobre isso. Ainda assim, naquele momento o ser humano pecador,
representado pelos trê s apó stolos, pode ver Deus, em sua forma divina, face-a-face. Este é o ponto
onde o AT e o NT se conectam, se cumprem e se expandem, pois, em Ex 33.20-23, está escrito “E
acrescentou: Não me poderás ver a face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá. Disse mais o
Senhor: Eis aqui um lugar junto a mim; e tu estarás sobre a penha. Quando passar a minha glória, eu te porei
numa fenda da penha e com a mão te cobrirei, até que eu tenha passado. Depois, em tirando eu a mão, tu me
verás pelas costas; mas a minha face não se verá.” Irineu de Lyon a esse respeito escreveu:

.

“SigniCica duas coisas, a saber, que é impossı́vel ao homem ver a Deus, e que o homem O verá nos ú ltimos
tempos no cume da rocha, graças à sabedoria de Deus: isto é , em sua vinda como homem. E é por essa razã o que ele
conferiu com ele face a face no topo da montanha [na TransCiguraçã o], enquanto Elias també m estava presente (como o
Evangelho relata), cumprindo assim no Cinal a antiga promessa (restituens in Cine pristinam repromissionem,
α† ποκαταστηŒ σας ε† ν τῷ τεŒ λει τῆ ν προŒ τεραν ε† παγγελιŒαν).”(5)

“Sua face brilhou como o sol, e suas roupas se tornaram brancas como a luz.” Aqui vemos um
paralelo muito importante com o que sucedeu a Moisé s no monte Sinai, sendo diferença bá sica
que o rosto de Jesus se torna como Sol e no caso de Moisé s, seu rosto també m brilhava, poré m o
brilho era apenas reCletido, tanto que desvaneceu aos poucos. Compare o relato de E• xodo em
contraste com 2Corı́ntios: “Ao descer do monte Sinai com as duas tábuas da aliança nas mãos, Moisés não
sabia que o seu rosto resplandecia por ter conversado com o Senhor.” Ex 34.29 “Não somos como Moisés, que
colocava um véu sobre a face para que os israelitas não contemplassem o resplendor que se desvanecia.”
2Co 3.13. O apó stolo Joã o teria uma segunda oportunidade de ver a gló ria do Senhor, conforme
ele descreve em Ap 1.16 “Sua face era como o sol quando brilha em todo o seu fulgor.” Viu quanta
semelhança nos dois relatos? EN muito possı́vel que o apó stolo Joã o, ao redigir seu evangelho,
falasse desse momento ao dizer: “Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai” Jo 1.14
v.3 και„ ι†δου„ Mateus gosta de nos empolgar com seu relato, ele acrescenta “E de repente”
para acelerar a cena e aumentar a dramaticidade do evento.
Dois personagens histó ricos/escatoló gicos aparecem a frente dos apó stolos, juntos a
Jesus: Moisé s e Elias. Seguindo os parâ metros adotados pelo autor, existe um motivo para esse
relato ter sido incluso no livro, mostrar que o Messias era superior a Lei, representada por
Moisé s, e superior aos profetas, representados por Elias. També m existe a questã o da exigê ncia
de duas testemunhas para que alguma aCirmaçã o você vá lida no sistema judaico, e assim, dois dos
personagens mais importantes do judaı́smo dã o testemunho da divindade de Jesus.
Outro aspecto literá rio bem interessante, é que o autor traz a cena, de maneira repentina,
dois personagens que haviam saı́do da histó ria humana de maneira abrupta, Moisé s em Dt 34 e
Elias em 2Rs 2. Para o leitor original do livro este relato teria atraı́do uma imensa atençã o, aCinal
tratavam-se de dois dos personagens mais importantes do Antigo Testamento. També m devemos
notar que os dois importantes homens de Deus estavam sob a autoridade do Deus-Filho em sua
forma divina, o que ressaltava a superioridade de Cristo.
Uma proposta alternativa foi apresentada por Barbieri, L.A: “Talvez esses dois homens e os
discı́pulos sugiram todas as categorias de pessoas que estarã o no reino vindouro de Jesus. Os discı́pulos representam
indivı́duos que estarã o presentes em corpos fı́sicos. Moisé s representa pessoas salvas que morreram ou vã o morrer. Elias
representa indivı́duos salvos que nã o experimentarã o a morte, mas serã o arrebatados para o cé u vivos (cf. 1Ts 4.17)”(8)
(10)

Uma outra observaçã o pode ser feita sobre a descriçã o dessa cena: o fato de Jesus
aparecer entre duas Ciguras, que ainda que humanas, representava a intervençã o divina. Segundo
o relato da LXX, Habacuque 3.2 relatando a apariçã o do Senhor diz no Cinal do versı́culo: ε† ν μεŒ σῳ
δυŒ ο ζωÖͅων γνωσθηŒ σῃ - en méso dyo zoo gnosthese (em meio a dois seres viventes). Essa frase
levou a diversos autores da antiguidade a conectarem a passagem de Habacuque com a de
Mateus, o que é bem possı́vel literariamente, ainda que de difı́cil sustentaçã o teoló gica. Talvez que
melhor tenha explorado esse tema seja Ataná sio, o Sinaı́ta, que escreveu:

.

“Jesus aparece “entre os dois seres vivos”, tanto na Montanha da Caveira (entre os dois ladrões, de uma maneira
condizente com a Cruz, σταυροπρεπῶς) e na Montanha. da Trans1iguração, entre Moisés e Elias, de maneira condizente com
Deus (θεοπρεπῶς)”(7)

v.4 “Se quiseres, farei três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias” Este
acontecimento profé tico foi tã o signiCicativo que Pedro viu nele a concretizaçã o da chegada do

264
Reino. Tanto que ele viu nele a realizaçã o da Festa dos Taberná culos, por isso sugeriu erigir trê s
tendas. A festa apontava para o tempo de peregrinaçã o no deserto, mas ao mesmo tempo
apontava para o Reino futuro, sendo esse um segundo ponto de junçã o/cumprimento do AT pelo
NT. Essa percepçã o estava fundamentada em Zacarias 14-16-19 “Então, os sobreviventes de todas as
nações que atacaram Jerusalém subirão ano após ano para adorar o rei, o Senhor dos Exércitos, para celebrar
a festa das Cabanas. Se algum dentre os povos da terra não subir a Jerusalém para adorar o Rei, o Senhor dos
Exércitos, não virá para ele a chuva. Se os egípcios não subirem para participar, o Senhor mandará sobre eles a
praga com a qual a1ligirá as nações que se recusarem a ir celebrar a festa das Cabanas. Sim, essa será a
punição do Egito e de todas as nações que não forem celebrar a festa das Cabanas.” Pelo tom pesado do
profeta é possı́vel perceber a relaçã o entre a celebraçã o da festa e o domı́nio completo do reino
messiâ nico. E na ó tica precipitada de Pedro, ele e seus dois colegas estariam no epicentro de
tudo.
Pedro gostou tanto da visã o do Reino que desejou permanecer mais tempo lá , mas ainda
nã o era chegado o momento. Todos nó s almejamos a chegada do dia onde poderemos
permanecer para sempre com o Jesus gloriCicado. O apó stolo estava correto quanto ao conteú do
do evento, apenas errara em compreender que aquele ainda nã o era o tempo certo. Com esses
fatos esclarecidos, podemos entender porque Pedro tinha diCiculdades para entender que seu
mestre devia morrer, nã o ser coroado. O mesmo havia ocorrido no capı́tulo anterior, versı́culos
21-23. Até certo ponto podemos comparar a transCiguraçã o com a tentaçã o no deserto, no sentido
de que Jesus poderia ter instituı́do o Reino ali mesmo, sem precisar suportar o opró bio da
cruciCicaçã o. Que bom que ele suportou o cá lice da ira de Deus até o Cim por nossa causa, nã o é
mesmo. EN fá cil imaginarmos o Cristo lembrando desse momento lá no jardim do Getsê mani.
v.5 εª τι αυ† τοῦ λαλοῦ ντος (eti autou lalountos) No texto de Mateus o timing(11) é
fundamental, pois ele nos deixa pressionados contra uma narrativa que nã o para de se desdobrar.
Aqui atingimos a velocidade má xima, pois o texto diz: “Enquanto ele falava…” ou seja, Deus nã o
permitiu que Pedro continuasse a falar. Claro que, para aqueles que tem acompanhado livro todo,
existe quase que um tom cô mico nas aCirmaçõ es equivocadas de Pedro, poré m aqui parece-nos
que o enfoque é na urgê ncia do Deus-Pai em aCirmar a dignidade do Deus-Filho. O ritmo frené tico
nã o arrefece, pois o pró ximo vocá bulo a ser usado é o tradicional ι†δου„ mateano e um pouco mais
adiante, neste mesmo versı́culo, temos outro ι†δου„ . Para o leitor original o cená rio de urgê ncia e
suspense estava montado e o que viria a seguir, esperava-se que fosse algo extraordiná rio. Talvez
este seja a o versı́culo mais frené tico de todo o livro do apó stolo Mateus.
φωτεινη„ νεφεŒ λη (foteine nefé le) “Uma nuvem brilhante” O autor faz questã o de aCirmar
que nã o se tratava de algum fenô meno meteoroló gico e sim algo sobrenatural. Seguindo essa
ó tica, podemos perceber o paralelo Cinal entre Moisé s e o Messias nesta passagem, pois o
SENHOR falou com ambos atravé s da nuvem.
De maneira que se algué m nã o se contentasse com a presença de Moisé s e de Elias, o
pró prio Senhor agora assume o centro das açõ es. Trata-se de uma teofania clá ssica do Senhor
atravé s de uma nuvem; foi assim com Moisé s no monte (cf. Ex 24.15-18 “Quando Moisés subiu, a
nuvem cobriu o monte, e a glória do Senhor permaneceu sobre o monte Sinai. Durante seis dias a nuvem cobriu
o monte. No sétimo dia o Senhor chamou Moisés do interior da nuvem. Aos olhos dos israelitas a glória do
Senhor parecia um fogo consumidor no topo do monte. Moisés entrou na nuvem e foi subindo o monte”), foi
assim na consagraçã o do templo por Salomã o (cf. 1Rs 8.10-11 “Quando os sacerdotes se retiraram do
Lugar Santo, uma nuvem encheu o templo do Senhor, de forma que os sacerdotes não podiam desempenhar o
seu serviço, pois a glória do Senhor encheu o seu templo”), foi assim no batismo de Jesus (cf. Mt 3.17
“Então uma voz dos céus disse: "Este é o meu Filho amado, em quem me agrado”). Um tema recorrente nos
escritos rabı́nicos é a nuvem que envolveu o monte e que protegeu o povo de Israel no deserto;
dizem eles que a nuvem se foi com a morte de Moisé s, alguns chegando a aCirmar que a nuvem
entrou na Arca da Aliança. Agora, a Nuvem da gló ria ressurge ratiCicando Jesus como o Messias.
Existe diversas citaçõ es e referencias a “nuvem” durante o perı́odo inter-testamentá rio, cf. 2Baruc
53.1-12, 4Ed 13.3, 2Mac 2.8, b Sanhedrin 98a em todos com cará ter escatoló gico.

Existe uma diferença entre o relato de Mt 3.17 e este de agora, pois aqui o Senhor
acrescenta uma ordem expressa a aCirmaçã o que já havia feito: “Este é o meu Filho amado em quem
me agrado. Ouçam-no!” Utilizamos o sinal de exclamaçã o para representar uma ordem enfá tica, que
no original grego se expressa atravé s do verbo no imperativo α† κουŒ ετε (verbo no tempo presente,
ativo e imperativo). A primeira parte da frase é uma clara alusã o a Is 42.1 “Eis o meu servo, a quem

265
sustento, o meu escolhido, em quem tenho prazer” enquanto a segunda lida com Dt 18.19 “Se alguém não
ouvir as minhas palavras, que o profeta falará em meu nome, eu mesmo lhe pedirei contas.”
Podemos compreender a ordem “ouçam-no” de duas maneiras, a uma especı́Cica e outra
geral. De modo especı́Cico a ordem falava em “ouvir”, o que deve ser entendido por “prestar
atençã o”, no tocante a necessidade do martı́rio do Messias e sua posterior ressurreiçã o. A prova
disso se encontra no versı́culo 9, o qual resume o assunto que os apó stolos ouviram. A ordem
expressa de maneira geral se relaciona ao fato de “ouvir” ao ensino completo de Jesus como
sendo a Palavra de Deus.
Na construçã o mateana de tipo e anti-tipo, profecia e objeto da profecia, e no recorrente
paralelo entre Jesus e Moisé s, existem nuanças que por vezes nã o notamos. Veja que o evangelho
em momento algum diminui a importâ ncia de Moisé s, seja como profeta, legislador ou lı́der,
apesar disso sabemos que prı́ncipe fugitivo do Egito nã o entrou na Terra Prometida (cf. Dt
34.1-4). A razã o para isso é que ele pecou, aborrecendo ao Senhor grandemente, e aqui existe o
paralelo expandido em Jesus. Nosso Senhor agradou a Deus, e o agradou até o Cim “pois ele,
subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou,
assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em 1igura humana, a si
mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” Fp 2.6-8 Outro ponto a ser
percebido é que enquanto no Sinai Moisé s reCletia a gló ria divina, aqui, na transCiguraçã o apenas
o Cristo resplandecia.
Fica claro que nã o basta acreditar que Jesus é o Cristo, mas é necessá rio ouvi-lo para
receber o Reino dos Cé us. Poucas passagens da Escritura poderiam servir tã o bem ao propó sito
do autor de provar que Jesus de Nazaré é o Messias. Temos a apariçã o de Moisé s, Elias e a
imensurá vel e assustadora participaçã o do SENHOR; em um linguajar jurı́dico, terı́amos uma
“prova cabal” do acontecido. Este versı́culo será repetido pelo apó stolo Pedro em sua segunda
carta: “Ele recebeu honra e glória da parte de Deus Pai, quando da suprema glória lhe foi dirigida a voz que
disse: "Este é o meu 1ilho amado, em quem me agrado”. Nós mesmos ouvimos essa voz vinda do céu, quando
estávamos com ele no monte santo.” 2Pe 1.17-18
v.6 O impacto psicoló gico foi tã o grande que a atitude dos apó stolos mudou radicalmente.
A poucos instantes Pedro estava tã o a vontade que interrompeu a conversa do Cristo gloriCicado
com dois dos personagens mais importantes da histó ria de Israel; agora ele Cica estarrecido.
Assim como aconteceu durante a consagraçã o do templo por Salomã o, com a descida da nuvem
luminosa, os apó stolos Cicam atemorizados; e por Cim prostraram-se com rosto em terra. Esse ato
é bem caracterı́stico dos encontros com a gló ria divina compare com Ez 1.28 “Tal como a aparência
do arco-íris nas nuvens de um dia chuvoso, assim era o resplendor ao seu redor. Essa era a aparência da 1igura
da glória do Senhor. Quando a vi, prostrei-me com o rosto em terra, e ouvi a voz de alguém falando”; Dan 10.9
“Então eu o ouvi falando, e, ao ouvi-lo, caí prostrado, rosto em terra, e perdi os sentidos”; Ap 1.17 “Quando o
vi, caí aos seus pés como morto”.
v.7 Quã o terrı́vel é a presença do SENHOR. Em contraste com a aterrorizante
manifestaçã o do Pai, Jesus, Deus-Emanuel, os convoca a nã o ter medo. Se por um lado a presença
de Deus era magniCica e inacessı́vel a eles, por outro lado, mediante a Jesus, Deus estava tã o
pró ximo que “tocou neles”. Durante o relato de Mateus costumamos encontrar os indivı́duos e as
multidõ es indo até Jesus, aqui acontece o inverso, ele vai até os amedrontados discı́pulos. Em
segui, com a autoridade do Senhor de todo o universo diz: “Levantem-se! Não tenham medo!”
Utilizamos o ponto de exclamaçã o pois se trata de uma ordem enfá tica, direta, o que se evidê ncia
no uso de dois verbos no imperativo ΕŸγεŒ ρθητε (levantem-se) e μη„ φοβεῖσθε (nã o temam).
v.8 Quando eles se levantam a visã o havia acabado. O apó stolo Joã o seria o ú nico a ter
uma visã o tã o espetacular novamente; isso aconteceria na revelaçã o do Apocalipse. A gló ria se
fora, mas Jesus continuava com eles.

Este foi o Monte da TransCiguraçã o, mas ainda haveria outro monte na vida de Jesus, o
Monte da Caveira. Onde ele seria desCigurado (cf. Is 52.14), nã o transCigurado. Sigamos com
Mateus nessa jornada Cinal até Jerusalé m e vejamos como ele descreverá os fatos derradeiros do
Messias-Deus.

v.9-12 Durante a descida do monte


Poucos eventos poderiam se equiparar ao que acontecera no alto do monte, e nã o
haveria muita coisa a mais a descrever, poré m Mateus, inspirado pelo Espı́rito Santo nos registrou
a conversa que aconteceu enquanto o grupo descia a encosta. Conhecendo o autor, podemos

266
saber que existe uma razã o teoló gica para isso.

v.9 “E, descendo eles do monte” O verbo grego καταβαινοŒ ντων (katabainó nton) traduzindo
por descendo, se encontra no tempo presente, o que reforça o movimento no texto e prende a
atençã o do ouvinte. Pode parecer um versı́culo sem muito peso, poré m existe muito embutido no
que está escrito.
Nosso Senhor ordena que seus trê s alunos nã o comentem com os outros nove, que
aguardavam ao pé do monte, e nem a ningué m, o que haviam testemunhado. O tempo para
divulgar o acontecido chegaria: “… até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”, sendo essa
a segunda vez que Jesus lidava com o binô mio morte/ressurreiçã o, a primeira ocorrera pouco
antes, em Mt 16.21 A razã o para isso é que poucos estariam prontos para compreender o que
havia acontecido, menos ainda o que viria a acontecer. O pró prio autor do evangelho nã o só veio a
ter conhecimento desses fatos apó s a ressurreiçã o de Jesus. Isso nos relembra que, apesar do
ritmo frené tico do livro, Mateus nã o escreveu seu texto no momento em que a açã o acontecia.
Μηδενι„ ειªπητε το„ ο¼ ραμα (medenı́ eipete to horama) “A ninguém conteis a visão” A que Jesus
se referia exatamente? Pois grande parte do que aconteceu no alto do monte já era de
conhecimento dos discı́pulos. Desde o inı́cio do livro vemos Jesus se referindo a si mesmo como
“o Filho do Homem”, evocando o linguajar Daniel; no capı́tulo anterior o Mestre já falara da
necessidade de ser entregue aos seus inimigos, morrer e ressuscitar, e até a voz divina já era de
conhecimento deles, pois havia acontecido no capı́tulo 3. Acredito que o pedido de silencio se
referisse ao conjunto de todos esse pontos somado ao aparecimento dos dois personagens do AT.
A pergunta que os apó stolos fazem a seguir nos serve de base para esse entendimento. Mesmo
que o acontecido no monte fosse excepcional, ainda sim seria irrelevante diante do sinal
supremo, o sinal de Jonas (cf. 12.40), que viria atravé s da ressurreiçã o de Jesus. Atravé s da vitó ria
sobre a morte, Jesus seria declarado Filho de Deus uma terceira vez, mas agora com “poder” Veja
Rm 1.4 “Declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santi1icação, pela ressurreição dentre os
mortos”

v.10-11 “Por que dizem, pois, os escribas ser necessário que Elias venha primeiro?” Os discı́pulos
nã o questionam a orientaçã o a respeito do sigilo, apenas pedem maiores explicaçõ es sobre a
escatologia envolvida nos eventos.
Existia uma idé ia de que Elias seria o precursor do Messias(12), tanto que perguntaram a
Joã o Batista se ele era o profeta(2). Essa idé ia é baseada em Ml 4.5 "Vejam, eu enviarei a vocês o profeta
Elias antes do grande e terrível dia do Senhor.” Quando os apó stolos viram Elias durante a
transCiguraçã o, o tema parece ter voltado a tona. (Interessante notar que a respeito de Moisé s
nada fora dito.) O cerne da questã o é a ordem dos acontecimentos, pois a aCirmaçã o dos mestres
da Lei é que 1º viria Elias e 2º o Messias, mas na percepçã o dos trê s alunos Elias só havia
aparecido agora enquanto eles já seguiam a Jesus por um bom tempo.
Uma questã o paralela percorre o texto, pois a vinda Elias era esperada para deixar o
caminho plano para o Messias reinar, e se, conforme Jesus asseverou Joã o Batista representava o
profeta, entã o haveria um reino de paz, nunca o sofrimento e morte do Messias.
v.12 Pela resposta do Mestre percebemos que o pensamento do povo era justiCicado.
Poré m para esclarecer a questã o ele faz um paralelo entre o tratamento que Elias recebeu dos
lı́deres de Israel e o que viria a acontecer com ele pró prio. Ou seja, a percepçã o deles nã o estava
tã o aguçada quanto eles podiam esperar, aCina nã o compreenderam que Joã o representava o
ministé rio de Elias e també m nã o percebiam que Jesus havia de sofrer por eles. Joã o podia ter
exercido o ministé rio de poder de Elias caso a naçã o tivesse aceitado sua mensagem, o que nã o
aconteceu. “Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas 1izeram-lhe tudo o que quiseram” Para
Jesus, Joã o cumpriu sua missã o como Elias, mesmo sendo morto nesse processe, e ele pró prio
cumpriria a sua, també m padecendo em sua extensã o má xima.
v.13 Por Cim os apó stolos compreendem que se tratava do já falecido Joã o Batista, ainda
que ele tivesse negado ser o profeta ressurrecto (cf. Jo 1.21 “E então, quem é você? É Elias? " Ele disse:
"Não sou". "É o Profeta? " Ele respondeu: “Não”), mas que, como Jesus esclareceu, representava o
espı́rito de Elias.

267
v.14-21 Epílogo da cena do monte
Apó s fatos tã o profundos terem sido revelados e os apó stolos mais ı́ntimos terem
passado por uma experiê ncia ú nica, o trabalho os aguardava lá embaixo. Uma multidã o, junto
com o restante dos apó stolos, os esperava á vida; cada um com sua necessidade e desejando algo
do Mestre. O teó logo Warren W. Wiersbe descreve a cena de forma brilhante: “Somos levados do
monte da gló ria, para o vale da necessidade”(3) Em termos mais contemporâ neos, eu diria: “Eles foram
diretos anos negócios”

v.14 “E, quando chegaram para junto da multidão” Pelo texto, temos a impressã o que Jesus
mal teve tempo de colocar os pé s na parte plana do lugar. Nem mesmo os nove discı́pulos tiveram
tempo de conversar com o Mestre e os trê s que com ele estava. Talvez a urgê ncia desta cena seja
explicada pelo fato de Jesus ter vedado aos trê s compartilhar a visã o da qual participaram.
v.16 Um homem aClito por causa do que acontecia com seu Cilho, já havia procurado os
nove discı́pulos que nã o haviam subido ao monte; poré m eles nã o puderam ajudá -lo. Pela
construçã o do texto temos a clara percepçã o de que eles tentaram ajudar o homem e seu Cilho.
Algumas traduçõ es se apressam a tentar deCinir a doença do rapaz (luná tico NASB e JB - epilé tico
NKJV, NRSV, TEV), poré m o texto nã o a especiCica e por isso nã o devemos tomar decisõ es
precipitadas. Outra razã o para nã o buscarmos um termo mé dico para o problema é que o caso se
tratava de uma possessã o demonı́aca e nã o uma patologia clı́nica.
v.17-18 Muito interessante é o modo como o Cristo lida com essa situaçã o, um desabafo
divino acontece agora: “Ó geração incrédula e perversa. Até quando estarei com vocês? Até quando terei que
suportá-los?...” Primeiro temos uma dura repreensã o, segundo uma alusã o ao Cinal do ministé rio
que se encaminhava e por ú ltimo um comentá rio de dupla interpretaçã o, pois “suportá -los”
implicava ao mesmo tempo “dar suporte, ajuda” e “tolerar” como o Servo Humilde. Com apenas
uma palavra do Deus-Filho, legiõ es inCinitas de anjos viriam a seu serviço, poré m ele suporta a
desobediê ncia do povo e suportará por nó s o martı́rio na cruz.
Percebe-se claramente que o foco dele já estava na paixã o que se aproximava, nã o estava
mais em oferecer o Reino a uma geraçã o que nã o creu em Joã o Batista e em breve faria o mesmo
com ele. Pode ser que Jesus estivesse fazendo uma alusã o a Dt 32.5 “Seus 1ilhos têm agido
corruptamente para com ele, e não como 1ilhos; que vergonha! São geração pervertida e transviada.” Ainda
assim Jesus se compadeceu do menino e o curou.

v.19 ΤοŒ τε - Toté A narrativa prossegue com um senso de urgê ncia que nos tira o fô lego.
Atravé s do advé rbio tote, o qual traduzimos por “entã o”, a percepçã o de continuidade e celeridade
é mantida vı́vida na mente dos ouvintes. Os nove discı́pulos parece que cercam o Mestre e lhe
perguntam de maneira privada: “Por causa de que não conseguimos expulsá-lo?”
Pela urgê ncia do texto e pelo fato dos nove nã o terem perguntado sobre o que aconteceu
no monte, nem sobre qualquer outra coisa, percebemos que o fato deles nã o terem conseguido
expulsar o demô nio os havia impactado deveras. Vale lembrar que, já no capı́tulo 10 do livro, o
Senhor Jesus já lhes havia outorgado autoridade sobre as doenças e os demô nios. ConCira 10.8
“Curem os enfermos, ressuscitem os mortos, puri1iquem os leprosos, expulsem os demônios” Na pergunta
deles está implı́cita a mentalidade de que eles havia errado em algum passo do exorcismo, isso
Cica claro na expressã o Δια„ τιŒ (Dia tı́) que denota a falta de algum componente ou erro em algum
passo.
v.20 O Professor explica a seus alunos que a incredulidade é que os impediu de expulsar
o demô nio, nã o o poder do demô nio e si ou alguma forma ritualı́stica nã o praticada
adequadamente. Nã o que fosse necessá ria muita fé , o que torna ainda mais sé ria a acusaçã o
contra a incredulidade dos apó stolos e també m da multidã o que o cercava.
α† μη„ ν γα„ ρ λεŒ γω - amem gar légo Encontramos aqui a tradicional forma de aCirmaçã o
usada por Jesus “em verdade vos digo” o que revela a importâ ncia do que será dito. Δια„ τη„ ν
ο† λιγοπιστιŒαν υ¡ μῶν - dia ten oligopistían himon “Por causa da pequenez da vossa fé” O tema da fé
grande versus fé pequena é també m tradicional do ensino de Mestre. Como exemplo positivo ele
já o usara em 8.10 no caso do centuriã o romano e també m em 15.28 com a mulher cananita,
enquanto como exemplo negativo em 6.30, 8.26, 14.31 e 16.8.
Ele explica que uma fé aparentemente pequena, como um grã o de mostarda, caso fosse
genuı́na, seria capaz de realizar o exorcismo e muito mais. No capı́tulo 13.31 já analisamos a

268
comparaçã o a respeito do grã o de mostarda. EN bem plausı́vel que ao falar a respeito de “mover
um monte” ele estivesse fazendo referê ncia ao monte do qual acabará de descer.
v.21 O versı́culo 21 é controverso, pois nã o está presente nas có pias mais antigas que
chegaram até nó s; acompanhe uma analise mais completa no quadro abaixo.
Baseados no conteú do adicionado a este versı́culo alguns chegaram a levantar uma
teologia relacionando a necessidade de jejuns e a presença de Jesus. Dizem eles que o fato de
Jesus estar longe dos nove é o que os impediu de expulsar o espı́rito mau, poré m isso vai contra o
pró prio ensino de Cristo.

Apenas aqui se encerra a cena da TransCiguraçã o.

Mt 17.21 Diversos manuscritos antigos não contém esse versículo, o qual aparentemente foi
adicionado posteriormente ao período apostólico, possivelmente no final do século III. Aparentemente
trata-se de uma tentativa de harmonização baseada em Mc 9.29 “Ele respondeu: "Essa espécie só sai pela
oração e pelo jejum". Entre esses manuscritos que inserem este trecho estão ‫( א‬Sinaiticus) e B
(Vaticanus). Pode-se perceber que o início da frase parece fora de contexto, uma vez que se inicia com
“mas” e a frase anterior não possui algo que seja explicado por esse texto. Nestes casos o
procedimento ideal é incluir esse versículo entre colchetes, que é o procedimento correto para trechos
duvidosos e não aceitos universalmente. O texto de Mateus possui uma parte substancial oriunda do
texto de Marcos e não existe problema algum com isso, desde que o próprio autor, através da
inspiração divina, tenha feito tal assimilação. Um pouco mais problemático é o fato de algum redator
posterior, sem a inspiração divina, ter inserido o versículo, mesmo que o versículo seja bíblico uma vez
que foi escrito por Marcos.

v.22-23 Um breve interlúdio


Talvez o capı́tulo 17 deste livro seja aquele onde podemos perceber mais a atuaçã o de
Mateus como editor deste conjunto de eventos na vida do Messias. Neste dois versı́culos percebe-
se um certo rearranjo, como que uma inclusã o posterior. Parece-nos que o autor inseriu esse
trecho em algum momento depois da primeira organizaçã o do material. Repare como o trecho é
muito sucinto, sem um desdobramento maior ou qualquer tipo de analise. EN como se ele tivesse
sido incluı́do para ser um lembrete de que algo aconteceu durante aquele perı́odo de tempo, mas
o autor nã o voltou ao texto para explicar melhor. Veja o contraste com o trecho anterior e o que
virá a seguir.

v.24-27 Jesus readirma sua divindade, mesmo pagando o imposto do templo.


Aqui somos apresentados a um imposto que os leitores originais conheciam, mas que
para nó s parece um tanto incomum: o imposto do templo. Ele é vagamente baseado em Ex 30.13
“Cada recenseado contribuirá com seis gramas, com base no peso padrão do santuário, que tem doze gramas.
As seis gramas são uma oferta ao Senhor.”, o texto de ê xodo é claro ao especiCicar que a taxa devia ser
cobrada durante um "recenseamento" o que nã o era o caso aqui. Trata-se de uma taxa anual de
“1/2 shekel” ou “2 dracmas” que todo judeu homem, maior de 20 anos e menor de 50 anos, devia
pagar para manter o funcionamento do templo em Jerusalé m. Sabemos que apó s o exı́lio o
imposto fora retomado, poré m na forma de 1/3 de shekel anual(14), e nos tempos de Jesus fora
elevado para 1/2 shekel anual. Encontramos registros desse imposto em Josefo (Antiq. III, 193-96
[viii.2]; XVIII, 312 [ix.1]) e Mishná (Shekalim).
Mateus devia estar bem familiarizado com o tema da cobrança de impostos, uma vez que
esta havia sido sua proCissã o anteriormente.
Tal ensino oferece base bı́blica para os pastores atuais que tentam justiCicar o dı́zimo
como necessá rio para o mantimento das igrejas (a qual, eles mesmos, chamam de “casa de
Deus”).

269
v.24 "Não paga o vosso Mestre as duas dracmas?" EN notá vel o contraste com os versı́culos
22-23 onde Jesus predissera sua morte atravé s "das mã os dos homens", onde ele iria entregar sua
pró pria vida por nó s, e a exigê ncia dos mesmos "homens" para que ele pagasse um tributo
pequeno. Como veremos a seguir, o Cristo nunca se negou a pagar qualquer preço.
Ao retornarem para Cafarnaum (a cidade onde Pedro morava), os coletores do imposto
do templo, que era um dos poucos que os judeus podiam cobrar para si mesmo, chegam
intimando o apó stolo e acusando Jesus de nã o pagar sua parte. Vale ressaltar que os coletores nã o
cobraram nada de Pedro, o que nos leva a crer que ele já tivesse pago sua parte em algum outro
momento fora do relato do evangelho, ou talvez por eles já o conhecerem e saberem de sua vida
religiosa. Como Jesus nã o morava naquela cidade, eles podem ter aproveitado para tentar colocar
o Mestre em uma situaçã o desconfortá vel. Seja como for, serviram ao propó sito divino de mostrar
que Jesus é o Messias prometido.
v.25-26 Prontamente Pedro aCirmou que Jesus pagava a taxa, mesmo sem estar certo
disso. Pelo texto de Mateus, temos a impressã o de que o apó stolo foi rapidamente para sua casa a
Cim de elucidar a questã o, ou ao menos avisar o Mestre da acusaçã o dos homens. Isso Cica
evidenciado no fato do autor frisar que “Jesus foi o primeiro a falar” ao invé s de Pedro contar antes o
que aconteceu, o que seria o mais usual.
O ensino fundamental da passagem é : Jesus era o senhor do templo, e por isso nã o
deveria pagar tributo a ele mesmo. Gosto muito da consideraçã o de Orı́genes de Alexandria a esse
respeito: "Este discurso tem um signi1icado duplo. Primeiro, que os 1ilhos dos reis da terra sejam livres com os
reis da terra; mas os estrangeiros, estrangeiros na terra, não são livres, por causa daqueles que os oprimem,
como os egípcios 1izeram com os 1ilhos de Israel. O segundo sentido é; visto que alguns são estranhos aos 1ilhos
dos reis da terra e, ainda assim, 1ilhos de Deus, são eles os que permanecem nas palavras de Jesus; estes são
gratuitos, pois conheceram a verdade e a verdade os libertou do serviço do pecado; mas os 1ilhos dos reis da
terra não são livres; pois aquele que peca é servo do pecado.(Jo 8.34)"(15)
v.27 Para nã o gerar contrové rsia, o Mestre opera um pequeno milagre mandando Pedro,
o pescador de homens pela fé e pescador de peixes por proCissã o, lançar linha e pegar o primeiro
peixe que Cisgasse. Assim ele cumpriu a Lei, por ele e por Simã o també m. Muito notá vel é o fato
deste ser o ú nico relato, em todo o Novo Testamento, onde ocorre a pesca com linha e anzol
(todas as demais pescas registrada sã o realizadas com redes).
Aqui vemos o Messias exercendo domı́nio sobre os peixes e a natureza, domı́nio esse que
o homem havia recebido no jardim do EN den (cf. Gn 1.26 e Sl 8.6-8) e perdido devido ao pecado.

1/2 Shekel (An illustrated history of the bible. - Logos Software)

(1) Comentamos sobre isso na analise a respeito de Mt 3.4


(2) Wiersbe, Warren W. - The Bible Exposition Commentary – Volume 1, p.63
(3) Alisson, D. The new Moses: a Matthean tipology - p.246-247
(4) Irineu de Lyon - Adversus haereses - 4.20.9
(5) O texto da LXX era a bı́blia utilizada na é poca dos acontecimentos, e que també m serviu de base pelos 200 anos
seguintes. Hoje em dia, utilizamos o texto hebraico oriundo do Texto Massoré tico, que nã o conté m esse trecho
Cinal do versı́culo.
(6) Guillou, A. - Le monastère de la Théotokos au Sinaï: Origines; épiclèse; mosaïque de la Trans1iguration; homélie
inédite d’Anastase le Sinaïte sur la Trans1iguration - p.239
(7) Barbieri, L. A. - The bible knowledge commentary - vol.2 p.59
(8) Utley, B. - The 1irst christiam prime: Matthew - p.145
(9) Wiersbe, W. - Wiersbe’s expository outlines of the new testament - p.66
(10) Machado, F. - Blog do Estado de Sã o Paulo 14/06/2009 - (timing é a ‘a relaçã o do indivı́duo com o tempo/
espaço’, o contexto em que algum fato acontece e a reaçã o que ele provoca em um cená rio especı́Cico.)
(11) Josefo, F. - War II, p. 573 [xx.6]; IV, p. 54-55 [i.8]
(12) Mishiná Eduyoth 8.7 (MISHNAH 7. R. JOSHUA SAID: I HAVE RECEIVED A TRADITION FROM RABBAN JOHANAN
B. ZAKKAI, WHO HEARD IT FROM HIS TEACHER, AND HIS TEACHER [HEARD IT] FROM HIS TEACHER, AS A

270
HALACHAH [GIVEN] TO MOSES FROM SINAI,41 THAT ELIJAH42 WILL NOT COME TO PRONOUNCE UNCLEAN
OR TO PRONOUNCE CLEAN, TO PUT AWAY OR TO BRING NEAR,43 BUT TO PUT AWAY THOSE BROUGHT NEAR
BY FORCE AND TO BRING NEAR THOSE PUT AWAY BY FORCE.)
(13) Orı́genes - Citando o apócrifo Evangelho segundo os Hebreus - e Cirilo de Jerusalé m - Catechetical Lectures -
12.16
(14) Carson, D. A. - Matthew. In F. E. Gaebelein (Ed.), The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke - Vol.
8, p.393

Imagem do Evangelho, segundo Mateus, na linguagem Có pta. Essa fotograCia se encontra no British Museum, em Londres. (a foto original é
em branco e preto). Retirada do livro Images from The Illustrated Bible Treasury, de Wrigth, William.

271
Mateus 18
O QUARTO GRANDE DISCURSO DE JESUS

O capı́tulo 18 conté m o que deCinimos como um dos grandes discursos de Jesus,


relatados por Mateus. Nesta caso, o quarto grande discurso, que trata de assuntos internos
relacionados ao Reino dos Cé us.

v.1-4 Quem é o maior no Reino dos Céus?


Para podermos iniciar o estudo desta passagem é preciso determinar quando ela
ocorreu, pois as traduçõ es em portuguê s nã o sã o muito precisas quanto a isso. O texto grego diz
“ ΕŸν ε† κειŒνῃ τῇ ω¼ρᾳ (En ekeine te hora)”, o que em uma traduçã o direta Cicaria “Por aquele perı́odo
de tempo” ou "naquela ocasiã o. Alguns tradutores, erroneamente, interpretaram a palavra “hora”
como o fazemos em nossa lı́ngua, o que altera o sentido original. A prova disso está na utilizaçã o
do pronome ε† κειŒνῃ - ékeine o qual é utilizado para descrever algo distante, ou mesmo ausente(5);
assim é inviá vel transliterar ω¼ρᾳ como "hora" pois em nossa lı́ngua tem o sentido de algo
imediato e contı́nuo. Ékeine també m pode representar algo grandioso(6), como é comum no
vocabulá rio joanino (cf. 1Jo), poré m nã o empregado por Mateus. Conhecendo o modo como o
autor usualmente descreve suas cenas, podemos ter a acurada percepçã o de que Mateus se
referia a um perı́odo do ministé rio de Jesus (muito possivelmente enquanto o Cristo ainda estava
en Cafarnaum) e nã o a um momento em especı́Cico. Essa posiçã o é reforçada pelo fato do
substantivo ω¼ρᾳ ser adjetivado por τῇ .
Outro argumento fundamental é que o conteú do da pergunta dos discı́pulos nada tem a
ver com o contexto do que aconteceu antes. Assim, o melhor modo de entender esse trecho é
pensar que ele ocorreu em um perı́odo de tempo pró ximo do eventos com os coletores de
imposto, e nã o em uma sequê ncia imediata.

v.1 "Quem, porventura, é o maior no reino dos céus?" A pergunta dos discı́pulos é referente ao
Reino futuro, o que nos leva a pensar que eles começavam a compreender que o estabelecimento
de reino nã o seria imediato e por isso desejavam obter mais informaçõ es sobre a realidade
celestial. Esse nã o é um sentimento constante e plenamente solidiCicado, uma vez que por vezes
os apó stolos compreendiam o Reino como futuro e por em outros momentos eles se
preocupavam apenas com o presente. Todo o desenrolar deste capı́tulo se baseia nas relaçõ es
entre os crentes no reino futuro.
Seja como for, eles especulavam a respeito dos postos que iriam ocupar sob as
autoridade do Ungido Rei. Essa preocupaçã o pode ter aumentado apó s Jesus escolher apenas trê s
deles para subir no monte, o que já denotava uma certa hierarquia, e pouco antes, o Mestre havia
declarado que sobre Pedro seria ediCicada sua assemblé ia. Humanamente falando, parecia a eles
que os principais cargos já estavam sendo deCinidos e por isso eles desejavam saber qual crité rio
seria utilizado pelo Senhor.
v.2-4 "Chamando uma criança, colocou-a no meio deles" Jesus toma uma pequena criança
(paidion), a qual nã o possuı́a direitos legal algum, seja entre os romanos ou os judeus, e a utiliza
como exemplo. O fato de colocá -la no meio deles, implica que a atençã o de todos se concentraria
nos ensinos que seriam propostos mediante aquele evento e nã o em relaçã o a criança em si.
Lembre-se do contexto da passagem, onde os discı́pulos inquirem sobre si mesmos, també m
impede que façamos alguma interpretaçã o diferente. Este pensamento se torna fundamental ao
lidarmos com o versı́culo 10 logo a seguir.
A resposta do Mestre inicia-se com “ΑŸμη„ ν”, o que demonstra uma entonaçã o forte ao que
será dito a seguir. No futuro Reino, o currı́culo de cada um, com seus grandes feitos ou conquistas,
nã o será o fator determinante, caracterı́sticas infantis serã o valorizadas: humildade de espı́rito,
dependê ncia, desejo de agradar, obediê ncia, amor incondicional e tantas quantas você puder
elencar. EN preciso uma mudança de conceitos e valores se você almeja ser importante no Reino
dos Cé us.

272
v.5-10 Segue-se um comentá rio/aplicaçã o sobre o que fora dito acima, a oque podemos
nos referir como: Armadilhas contra os cidadãos do Reino
Jesus prossegue na comparaçã o entre os cidadã os do Reino e uma criança, tanto que
aqui, no versı́culo 5, ele os identiCica claramente dessa maneira. Neste mundo teremos aCliçõ es e
passaremos por tentaçõ es, assim como aconteceu com o Mestre. No trecho que se segue
encontramos forte uso de hipé rbole, que é um recurso literá rio utilizado para se enfatizar
fortemente algum tema, algo como que na forma de um exagero proposital. Aqui ele nos ensina
que sã o duas as fontes dessas diCiculdades:
1. Fonte externa O mundo “Aí do mundo, por causa das coisas que fazem tropeçar!”
Perseguiçõ es, desprezo, humilhaçõ es e outras diCiculdades sã o oriundas de um
“mundo” inimigo de Deus. Existe uma belo encadeamento de ideias e palavras
entre os versı́culos 6 e 7, esta conexã o é expressa no uso da palavra grega
σκανδαλιŒζω - skandalizō. Ela classicamente é entendida como "fazer cair em
armadilha" ou "fazer tropeçar". No versı́culo 6, encontramos a palavra na forma
de um verbo no tempo aoristo, o que traz a ideia de "Cizer tropeçar" poré m nã o
vemos o agente da açã o, já no versı́culo 7 o mesmo termo skandalizō se encontra
como um substantivo genitivo, o que descreve o "Mundo" como o agente que
deseja levar os pequeninos a queda. Essa palavra faz parte do vocabulá rio usual
de Jesus, e é registrada em Mt 26.31 quando o Cristo prediz sua morte e alerta
que todos cairã o na armadilha do mundo e o negarã o. EN interessante o exemplo
empregado pelo Mestre a respeito de se amarrar uma pedra de moinho e se
atirar ao mar, pois muitos dos discı́pulos, ou eram pescadores, ou viviam
pró ximo ao mar interno de Israel, e por isso eles respeitavam muito a força
daquele elemento da natureza. O fato de "se lançar ao mar" implicava em se
render a uma morte terrı́vel. Tal construçã o leva ao clı́max, pois o Cristo avisa
que a esse suicı́dio por afogamento, tã o temido, nã o era nem de longe a
condenaçã o real que seria impingida contra os pecadores.
2. Fonte interna O indivíduo “Se a sua mão, ou o seu pé …” e "se o seu olho" Aqui somos
ensinados que nem toda tentaçã o vem do “mundo” ou dos demô nios, muitas sã o
originadas em nó s mesmos. O texto nã o ensina auto-mutilaçã o ou algo nesse
sentido, o que devemos fazer é evitar as tentaçõ es e as situaçõ es que nos levem
ao pecado. A repetiçã o da ideia, atravé s do uso de diferentes parte do corpo
como exemplo, possui o efeito de aumentar a ê nfase no que está sendo ensinado.
Já trecho anterior entre os vv. 6-7 a ideia é de explicaçã o ou continuidade do
tema. Se a palavra skandalizō deCine o tema acima, aqui το„ πῦ ρ το„ αι†ωŒνιον - to
pur to Aió nion - "no fogo eterno" no versı́culo 8 e τη„ ν γεŒ ενναν τοῦ πυροŒ ς - ten
geennan tou pyrós - "no fogaré u de inferno" no verso 9. Assim vemos també m
certa intensiCicaçã o no versı́culo 9.



Pequenisse
dos cidadãos X Grandeza
dos anjos

v.10 "os anjos deles nos céus estão sempre vendo a face de meu Pai celeste" Quando Jesus fala a
respeito "dos anjos deles no cé u” ele levanta uma questã o muito interessante, a qual gerou a
crença popular chamada “anjo da guarda”; ainda que exista pouquı́ssimo material na Escritura
para sustentar tal impressã o. Baseado no texto podemos aCirmar, sim, que existem anjos
trabalhando em prol dos cidadã os do Reino. A funçã o que eles exercem parece-nos ser mais
elevada do que a de simples "guarda costas", pois quando o Mestre aCirma que "estã o sempre
vendo a face do meu pai celeste" e por isso percebe-se que esses anjos possuem grande prestı́gio
e autoridade, já que na antiguidade poucos sú ditos tinha permissã o para se aproximarem do

273
imperador a ponto de vê -lo face-a-face. No livro de Ester temos um nı́tido relato deste tipo de
comportamento. O texto de Hb 1.14 é um bom exemplo: “Os anjos não são, todos eles, espíritos
ministradores enviados para servir aqueles que hão de herdar a salvação?” O texto termina com uma
advertê ncia para que as “criancinhas” do Reino nã o fossem desprezadas. Existe um contraste
poé tico entre a pequenisse irô nica, com que os cidadã os do reino sã o descritos e a grandeza dos
anjos que os assistem.

Extrapolaria o escopo desse livro tentar discorrer muito mais sobre esse tema
denominado Angelologia. Caso você deseje se aprofundar mais, sugiro o livro “Pequeno Manual
de Doutrinas Bı́blicas” de Granconato, Marcos, ed. Hermené ia.

Mt 18.11 Trata-se de mais um versículo claramente não Mateano, e provavelmente extraído


de Lc 19.10 por alguns copistas equivocados, ou com desejo de harmonizar os relatos. Sendo que as
testemunhas mais antigas não contém este adendo e as testemunhas mais recente divergem em pelo
menos duas versões bem diferentes uma da outra, o que revela uma tentativa ainda mais efusiva de
alterar o texto (ainda que com boa intenção por parte do copista ou de sua comunidade). É tácito o
comportamento de gerar um erro na tentativa de corrigir outro como no caso destes textos mais
recente e discordantes. Caso a tradução que você utiliza o contenha, verifique se ele se encontra entre
colchetes. Se não estiver, sugiro que você escolha outra tradução para adotar em seus estudos.

v.12-14 O Pai cuidará dos seus pequeninos


Ainda ilustrando os crentes como “crianças”, daı́ o uso do adjetivo τῶν μικρῶν τουŒ των
"pequeninos", nosso Senhor faz uma metá fora da vida rural para reforçar o que estava ensinando.
Para demonstrar quã o grande é o apreço do Pai por nó s, Jesus compara-o a um pastor de ovelhas
que deixa tudo para trá s e vai em busca de uma ú nica ovelha que se afastou. Ele també m nos fala
da alegria que aquele homem sentiria ao encontrar o que tinha, momentaneamente, se perdido.
Atravé s da expressã o ου¼ τως - houtōs “Da mesma forma…” ele nos ensina que Deus é Pai daqueles
que crê em (os pequeninos) e que ele nã o permitirá que nenhum de nó s se perca.
Para nó s que, em grande parte somos cidadã os urbanos, uma passagem envolvendo
pastores e ovelhas pode parecer um tanto bucó lica, mas para aquelas pessoas, o pastoreio era
uma das principais atividades econô micas. Assim, a proposta de Jesus mexia profundamente com
a vida de seus ouvintes, pois um pastor arriscaria todo seu rebanho em prol de uma ú nica ovelha.
v.14 Existe uma questã o textual interessante envolvendo este versı́culo, pois a maioria
dos manuscritos aceitos (principalmente o NA28 e o Receptus) conté m τοῦ πατρο„ ς υ¡ μῶν a qual é
traduzida por "vosso pai" e algumas poucas có pias antigas (Wescott-Horst) trazem uma variaçã o
τοῦ πατρο„ ς μου, o que muda o entendimento do texto. Pois na versã o alternativa, o pai se refere
apenas a Jesus e nã o ao grupo de discı́pulos que o ouvia.

Igreja – O que significava essa palavra para os ouvintes de Mateus

ἐκκλησίᾳ (Ekklēsia) – O termo vem da LXX, onde a palavra hebraica assembléia (‫ָקהָל‬, qahal)
foi traduzida por Ekklēsia, e significava uma assembléia ou reunião de pessoas para tratar de qualquer
assunto, fosse político, religioso ou comercial. Essa palavra ocorre 123 no Novo testamento, sendo
apenas 3 nos evangelhos. Para as pessoas que participaram dos eventos relatados no livro, essa seria
sua compreensão das palavra de Jesus. Porém, quando alguns anos depois Mateus compilou os
eventos da vida e do ensino do Mestre, a percepção para a palavra igreja já havia mudado, vindo a
representar o corpo de Cristo no mundo. Assim temos a consciência de que o ouvinte original da
passagem entendia o termo apenas como uma reunião de pessoas, muito possivelmente como o
grupo que se reunia para ouvir o Cristo falar naquele momento.

274
v.15-17 Estudo de caso: o que fazer se um irmão pecar contra você
Lembre-se que o capı́tulo 18 inteiro faz parte de um mesmo discurso, e por isso segue
uma ordem ló gica. Primeiro o Mestre explicou como seria deCinida a hierarquia do Reino, em
seguida ilustrou a importâ ncia dos cidadã os do reino para ele, agora ele explica como lidar com
as inevitá veis falhas que ocorreriam nos relacionamentos interpessoais. Aproveitando o tema da
ovelha perdida, Jesus faz a transiçã o para outro ensino valiosı́ssimo. Assim como o pastor fará de
tudo para resgatar a “ovelha” que se afastar, nó s devemos seguir esse exemplo e nos esforçar mos
para trazer de volta um irmã o que pecar contra nó s. Esse texto é muito utilizado para gerir o
modo como uma igreja bı́blica deve aplicar a disciplina a seus membros.
v.15 "Se teu irmão pecar [contra ti]" Existe uma interessante questã o textual neste versı́culo,
pois o trecho "contra ti" nã o está presente nas có pias mais antigas dos manuscritos
(notoriamente ‫ א‬e B). Apenas as versõ es mais recentes, exempliCicadas por D, L e W conté m essa
parte em questã o, o que denota uma adiçã o, ou correçã o, posterior. ΕŸα„ν δε„ α¡ μαρτηŒ σῃ [ει†ς σε„ ] ο¡
α† δελφοŒ ς σου "e, se pecando o seu irmão" (traduçã o do autor) Quando analisamos o texto na lı́ngua
original, Cica nı́tida a falta de necessidade, e até mesmo um problema, em se manter essas
palavras. Seguindo o texto mais antigo, o objeto do pecado nã o precisa ser necessariamente um
pessoa especı́Cica, pode ser a igreja como um todo, o que seria muito pior. Uma outra
possibilidade pode ser que o irmã o estivesse pecando contra um terceiro irmã o, e nã o contra a
pessoa em si.

Trata-se de um processo em quatro etapas:


.

1. Fale com ele a sós A primeira iniciativa de reconciliaçã o deve ser mais ı́ntima,
envolvendo apenas o agressor (aquele que está pecando) e o irmã o que foi ofendido, ou
que tenha tomado conhecimento do caso primeiro. Caso o indivı́duo se arrependa “você
ganhou o seu irmão”. Chama nossa atençã o que no modelo proposto por Cristo, o perdã o é
imediato, nã o envolvendo penitê ncias, suspensõ es ou qualquer tratamento.
2. Leve consigo mais um ou dois irmãos Se a primeira tentativa nã o surtir efeito, nã o
desista. Lembre-se que o Pai nã o deseja que nenhum de nó s se perca. Chame mais uma
ou duas pessoas, talvez um irmã o mais velho ou algué m mais pró ximo ao individuo que
está pecando. A razã o para isso é , que em caso de insucesso, estejamos fundamentando
um processo judicial para tratar da vida da igreja e també m da vida do pecador
obstinado. Esse procedimento é descrito em Dt 19.15 “Uma só testemunha não é su1iciente
para condenar alguém de algum crime ou delito. Qualquer acusação precisa ser con1irmada pelo
depoimento de duas ou três testemunhas”. Caso o indivı́duo se arrependa “você ganhou o seu
irmão”.
3. Conte a igreja o que está acontecendo Um ponto a ser respondido é : por que nã o
contar a igreja desde o princı́pio? Pela visã o do Mestre o problema deve ser tratado de
uma maneira mais privativa, assim resguardando a vida da pessoa em pecado, mas que
pode se arrepender. Quando se envolve a igreja como um todo, a situaçã o deverá ter
atingido um grau de urgê ncia absoluta. A assemblé ia dos santos poderá orar pelo que
está perdido, poderá sugerir modos de leva-lo ao arrependimento.
4. Se ainda assim o indivíduo não ouvir: expulse-o Se todos os esforços forem
infrutı́feros, infelizmente aquela pessoa deverá ser retirada do convı́vio com os irmã os e
ser tratada como “pagã o ou coletor de impostos” que eram pessoas rejeitadas por todos
os judeus. Aqui vemos Mateus se torturando por seu passado como coletor de impostos
para os romanos. Veja que ele faz questã o de ressaltar que tais pessoas nã o eram dignas
de entrar no cé u.

v.18-20 Que autoridade tem a igreja para expulsar uma pessoa e condená-la?
Na opiniã o de Jesus Cristo, Deus-Homem, a igreja tem toda autoridade. Mantenha sua
atençã o també m no tema geral do capı́tulo (relacionamento entre os cidadã os do Reino dos Cé us)
e també m com o trecho diretamente anterior, pois o que se desenrola a seguir nada mais é que
uma pró xima etapa do ensino mais geral. O estudiosos judeus chamam essa observaçã o constante
do ensino geral de P'shat, e ela de forma alguma invalida o ensino especı́Cica, pelo contrá rio. O
tema é tã o sé rio que o Mestre inicia a frase de modo enfá tico fazendo uso da aCirmaçã o α† μη„ ν
(amé m). Acompanhe a contundê ncia da palavra nesses trê s versı́culos, onde ele aCirma que:

275
• v.18 “Tudo o que ligarem na terra será ligado nos céu…” Aqui vemos uma repetiçã o do que fora
dito a Pedro no capı́tulo 16, versı́culo 19. Onde aprendemos que essa autoridade nã o foi
dada exclusivamente ao apó stolo, mas a igreja como unidade divina na terra. O sentido
dessa expressã o é que o indivı́duo que for excluı́do da igreja, també m será excluı́do do
cé u. O tema de ligar/desligar, ou no linguajar da é poca atar/soltar, é bem conhecido no
judaı́smo do primeiro sé culo. Um artigo clá ssico da Jewish Encyclopedia, chamado
"Binding and Loosing" explica que a expressã o hebraica asar ve-hittir se refere a
autoridade para "proibir e permitir" algo por parte dos lı́deres religiosos.(3) Assim como
diversas escolas rabı́nicas tinha o poder de "atar e soltar" ou seja deCinir questõ es
religiosas e mesmo cı́veis no meio da populaçã o.(4)
• v.19 “se dois de vocês concordarem na terra…” Seguindo a clá ssica maneira do rabinos, Jesus
repete o que fora dito anteriormente, assim reaCirmando a seriedade do que se falava.
Assim como para a acusaçã o eram necessá rias duas testemunhas, para a condenaçã o,
també m eram necessá ria a decisã o de dois juı́zes. Ou seja, se a igreja concordar em
retirar algué m de seu meio, tal pessoa será retirada do reino futuro.
• v.20 “onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou …” Pela terceira vez Jesus
reaCirma a autoridade da igreja ao aCirmar que ele pró prio estaria no meio de sua
assemblé ia; e assim ratiCicando suas deliberaçõ es. A igreja reunida tem o poder e o aval
de Jesus. Este versı́culo é muitas vezes utilizado para se explicar a necessidade de uma
espé cie de quorum mı́nimo para as reuniõ es da igreja, mais ou menos como o mynian
judaico de dez homens para oraçõ es pú blicas na sinagoga.(2) Existe uma certa percepçã o,
principalmente pelos cristã os orientais, que Malaquias 3.16 seja uma referê ncia base
para o que Jesus ensina, pois diz esse texto: "aqueles que temiam ao Senhor conversaram uns
com os outros, e o Senhor os ouviu com atenção" ou seja, quando existe uma assemblé ia
formal, o Senhor nos escuta. No judaı́smo tradicional eram dez pessoas necessá rias, no
ensino do Professor Jesus, apenas trê s se faziam necessá rias.

Existe ainda uma conexã o pouco percebida entre o ensino do v.16 e o do v.19-20. Em
ambos os casos o nú mero requerido para repreender (v.16) e para tomar decisõ es fundamentais
(19-20) é o mesmo: trê s pessoas. Acontece que no versı́culo 16 muitos nã o percebem que a
pessoa ofendida deve levar mais uma ou duas junto com ela, assim perfazendo um grupo que
pode chegar a até trê s, que é exatamente a mesma proposta do trecho dos vv.19-20.

CRENTE SEM COMUNHã O, é CRENTE SEM SALVAÇã O

v.21-22 Pedro pede mais explicações


O ensino sobre o perdã o é sempre muito impactante, ainda mais se vier diretamente do
“Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” cf. Jo 1.29. Pedro (e talvez os demais) nã o conseguiu
assimilar tudo de uma vez e por isso pede maiores informaçõ es a respeito de como perdoar que
pecasse contra ele. O Mestre já havia tratado desse tema durante o sermã o do monte, mais
precisamente quando ensinou-nos o “Pai Nosso” cf.Mt 6.14 Entã o Pedro já havia sido apresentado
a idé ia do perdã o, muito diversa do ensino rancoroso dos fariseus. O evangelista Lucas registra
em Lc 17.4 um ensino do Messias dizendo que devia-se perdoar um irmã o sete vezes por dia,
talvez os alunos já tivessem ouvido da boca do professor essa liçã o, que só agora é registrada por
Mateus. Ainda assim é perdoar por sete vezes já era uma ampliaçã o do ensino rabı́nico que
pregava um perdã o por trê s vezes(1), antes de rejeitar o irmã o.
Seja como for, para enfatizar o tamanho e a necessidade do perdã o, Jesus aumenta o
limite ainda mais. Agora o perdã o devia ser praticado 70x7 vezes, ou seja em 490 oportunidades,
no mesmo dia, o ofensor deveria ser perdoado, caso pedisse por isso. Pode ser que haja uma
conexã o com as 70 semana profé ticas de Daniel. Seja como for, o nú mero 490 possui até hoje uma

276
simbologia muito forte, ao qual os judeus mais mı́sticos chamam de “perfeiçã o”.

v.23-35 Uma ilustração para enriquecer o ensino


Para que o ensino nã o saı́sse mais da cabeça de seus alunos, Jesus nos apresenta uma
pará bola para ilustrar a questã o. O trecho a seguir é exclusivo do evangelho de Mateus. Parece-
nos que o ex-cobrador de impostos nã o pode deixar de compreender a fundo o valor desse
ensino. Essa Cigura de linguagem nã o trata da salvaçã o eterna, mas regula nossas relaçõ es
interpessoais. Podemos descrever o ensino em trê s fases:
1. O devedor Primeiro ouvimos de um servo que devia alguns milhõ es a seus senhor. Os
10.000 talentos (que normalmente eram de ouro) representam uma quantia que hoje em
dia seria pró xima a R$40.000.000,00. Alguns estudiosos estimam que a quantidade total
de impostos que a Palestina recolhia por ano fosse pró xima a 800 talentos por ano; assim
podemos perceber como Jesus elevou os nú meros a beira do absurdo, para assim trazer
mais luz a questã o. Apesar da dı́vida impagá vel, aquele servo recebeu perdã o de seu
senhor.
2. O ex-devedor se torna credor Apesar de ter sido perdoa de forma surpreendente, o
servo se mostrou incapaz de se comportar da mesma maneira que seu senhor. Ele cobra
e executa uma dı́vida muito inferior e inClige um castigo muito pesado por ela. A divida
do seu co-servo era de 100 dená rios, que equivalia a 100 dias de trabalho, ou seja, era
uma soma possı́vel de ser paga.
3. De credor, o ex-devedor, se torna prisioneiro Devido a sua atitude rude e totalmente
diferente da de seu senhor, quando a notı́cia chegou ao dono de tudo, o castigo foi
pesado. De um homem perdoado, aquele servo se tornou um prisioneiro indesculpá vel.

(1) O Talmude Babilô nico traz esse ensino. ConCira també m Am 1.3
(2) B'rakhot 6a
(3) Jewish Encyclopedia - 3:215
(4) Talmud - Chagigah 3b
(5) DBL Greek - palavra 1697
(6) A pocket lexicon to greek new testament - p.75

277
Mateus 19

v.1-2 Marco delimitatório


Aqui encontramos a expressã o usado por Mateus para deCinir o Cinal de cada Grande
Discurso de Jesus: “Tendo acabado de dizer essas coisas …” Assim os dois primeiros versı́culos
realizam a transiçã o do discurso, para um novo trecho de narrativa.
Vemos a contraposiçã o do discurso, que revela um momento onde os acontecimentos
ocorrem de maneira está tica, e um novo trecho descritivo, como muita movimentaçã o (seja
geográ Cica, seja em atitude). Neste caso, o grupo saiu da Judé ia para o lado leste do Rio Jordã o,
uma regiã o conhecida como Perea. Os capı́tulos 19 e 20 sã o conhecidos por tratar do ministé rio
Pereano, por causo do nome da regiã o.

v.3-9 Os fariseus questionam a respeito do divórcio


Esse tema já havia sido levantado anteriormente durante o Sermã o do Monte, conCira Mt
5.17-32. Poré m, os fariseus trazem novamente o tema ao debate, ainda que o intuito oculto deles
nã o fosse compreender a posiçã o do Mestre, mas colocá -lo contra alguma das duas posiçõ es
rabı́nicas reinantes. O debate segue o seguinte formato:
.
1. Pergunta (v.3)
2. Digressã o (v.4-6)
3. Embasamento (v.7-8)
4. Resposta (v.9)

v.3 Pergunta - Os adversá rios propõ e uma questã o a ser explicada: “É permitido ao homem
divorciar-se de sua mulher por qualquer motivo?” Duas respostas eram esperadas pela audiê ncia, sendo
que a primeira pendia para a “escola de Hilel” enquanto a segunda ressaltaria a “escola de
Shammai”; já explicamos melhor as duas no estudo no capı́tulo 5. Essa idé ia Cica evidente na
pergunta que eles Cizeram no versı́culo 3: “É permitido ao homem divorciar-se de sua mulher por
qualquer motivo?” Uma vez que essa era a posiçã o defendida por Hilel.
v.4-6 Digressão - Antes de iniciar a resposta, Jesus, de uma maneira contundente
pergunta aos “mestres da Lei" se eles já haviam lido um texto de Moisé s. Para nó s pode nã o
parecer muito, mas para aqueles falsos religiosos, que se gabavam de serem defensores dos
escritos da Torá , essa pergunta já seria suCiciente para acirrar os â nimos.
Sem se envolver na contrové rsia Hilel-Shammai, o verdadeiro Mestre cita Gn 1.27 e 2.24
(a versã o original da uniã o entre um homem e uma mulher antes do pecado entrar no mundo) e
nos apresenta o real signiCicado do casamento: “Assim, não serão mais dois, mas uma só carne”. Para
aqueles religiosos o casamento era apenas um contrato entre duas pessoas, o que contrasta com a
posiçã o defendida pela Messias. A parte mais signiCicativa do versı́culo é a segunda, que diz:
“Portanto, o que Deus uniu o homem não separe.” grifo do autor Quem deCine a uniã o nã o é a igreja ou o
estado, mas o Divino Soberano do Universo. Quando um homem e uma mulher se casam, eles se
casam perante Deus. Ao realizar esse pequeno desvio, com Cins ilustrativos, que chamamos de
Digressã o, Jesus traz mais elementos ao debate e se prepara para explicar a Lei de Moisé s.
v.7-8 Embasamento - Por se tratar de uma questã o jurı́dica, o Mestre lida com o texto de
maneira té cnica. Uma vez que os religiosos nã o estavam aptos a absorver o que estava sendo
exposto, citando Dt 24.1-4 eles buscam contra-atacar Jesus. Naquele texto Moisé s regula uma
prá tica errada que o povo realizava, ele nã o a estipula ou encoraja. O signiCicado do texto é que, já
que o povo de duro coraçã o iria abandonar sua esposa, agradando a Deus ou nã o, eles deviam ao
menos regularizar a situaçã o. “mas não foi assim desde o princípio” é isso que nosso Senhor explica
para eles, assim recapitulando o que fora mostrado durante a digressã o. Ao Cinal os argumentos
errados daqueles homens permitiu que o Mestre chegasse ao cerne da questã o: a dureza de
nossos coraçõ es e as consequê ncias que essa dureza nos traz. Muito interessante é o fato de
termos testemunhas escritas de diversos contrato de casamento/divorcio daquela é poca, o que
nos permite entender bem a cultura dominante daquelas pessoas. Na apê ndice deste livro coloco
um desses exemplos, denominado de Mur 20 escrito em Aramaico, datado como oriundo de 117
d.C e que foi encontrado Murabba’á t.

278
v.9 Resposta - “Mas eu vos digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por
imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério” Com a autoridade que
apenas o Messias podia ter, Jesus amplia o sentido da Lei, lembrando muito o modo como ele
lidou com a Torá no capı́tulo 5, logo apó s as bem-aventuranças. Essa expansã o é deCinida pela
expressã o: “Mas eu vos digo…” tradução da A21 em um formato que optamos por chamar de antı́tese.
O versı́culo 9 apresenta um dos temas mais controversos da atualidade: o recasamento de
crentes. Alguns até mesmo deram um nome a essa questã o textual, eles a chamam de “clausula de
excessã o”, derivada do que trecho “exceto por imoralidade sexual”; tudo para tentar justiCicar
outros casamentos. O texto é bem claro, diz que é permitido o divorcio mas nã o o recasamento.
També m é importante esclarecer o uso da palavra grega πορνειŒᾳ - porneia, que
normalmente é traduzida por imoralidade sexual, mas que nas traduçõ es mais antigas fora
traduzida por adulté rio (que em grego seria moicheia). O sentido da palavra implica em uma vida
de imoralidades e nã o apenas em um fato isolado, entre os termos compreendidos por porneia
podemos destacar: homossexualismo, incesto, prostituiçã o, comportamento indecente e relaçã o
sexual ilı́cita.(3) As implicaçõ es desse uso da palavra se alinham bastante com o ponto de vista dos
seguidores do rabino Shammai. A similaridade chega a ser tã o grande que alguns estudiosos
chegam a propor que a construçã o λοŒ γου πορνειŒας pode ter sido empregada de um modo pouco
usual (de maneira reversa) apenas para se aproximar ainda mais dos shamaitas.(4)
Nã o é o foco desse material se deter profundamente em apenas uma passagem, por isso
preCiro nã o evocar questõ es sintá ticas (pró tase e apó dose) e outras questõ es linguı́sticas
envolvidas. Para elucidar a questã o a melhor maneira é observar o contexto, assim como os
versı́culos anteriores. Veja como o Mestre, no versı́culo 6 foi muito claro ao dizer: “Portanto, o que
Deus uniu o homem não separe.” grifo do autor Se ao homem é vedado o direito de separar o que Deus
uniu, ainda mais proibido deve ser o recasamento, uma vez que a uniã o com a esposa só será
dissolvida com a morte. O apó stolo Paulo reaCirma esse ensino em Rm 7.2-3 “Por exemplo, pela lei a
mulher casada está ligada a seu marido enquanto ele estiver vivo; mas, se o marido morrer, ela estará livre da
lei do casamento. Por isso, se ela se casar com outro homem enquanto seu marido estiver vivo, será considerada
adúltera. Mas se o marido morrer, ela está livre daquela lei, e mesmo que venha a se casar com outro homem
não será adúltera”. As perguntas que os discı́pulos Cizeram no trecho que estudaremos a seguir, Mt
19.10-12, també m nos leva a compreender que eles mesmo entendiam que o recasamento era
uma impossibilidade.
A compreensã o natural do texto seria: “Mas eu vos digo que todo aquele que se divorciar de sua
mulher, (exceto por imoralidade sexual), e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério” O traço
entre parê nteses nã o signiCica o desprezo pelo texto inspirado ou a negaçã o de sua autoridade, tal
recurso serve para que você leia a frase pulando aquela parte. A parte marcada, entã o deve ser
compreendida como uma condiçã o do que fora dito antes, ou seja, ela mostra a razã o pela qual o
homem pode se divorciar (imoralidade sexual). Nada no texto, na gramá tica grega ou no bom
senso permite o recasamento; pois independente do motivo, o recasamento é um ato de
adulté rio. A tradiçã o Cató lica trata desse tema com muito mais seriedade do que a ampla maioria
das igrejas evangé licas.
A traduçã o em portuguê s que melhor reClete o sentido original do texto é a NVT, que diz:
“Eu lhes digo o seguinte: quem se divorciar de sua esposa, o que só poderá fazer em caso de imoralidade, e se
casar com outra, cometerá adultério.”

v.10-12 Os discípulos tecem alguns comentários


Da mesma maneira que Cizeram ao Cinal do quarto grande discurso de Jesus, os discı́pulos
vem ao Mestre para pedir alguns esclarecimentos, uma vez que o ensino ampliava em muito tudo
o que eles conheciam anteriormente como sendo a vontade de Deus.
v.10 Ao utilizarem uma “sentença condicional de primeira classe” ou de “tempo presente
geral”, onde o “se” apresenta uma certeza e nã o dú vida, os apó stolos demonstram que haviam
compreendido que nã o seria possı́vel o recasamento em hipó tese alguma. Tanto que eles chegam
a pensar que seria “melhor nã o se casar”.
v.11-12 Para que nã o houvesse algum mal entendido a respeito do que seus discı́pulos
estavam dizendo, o Mestre esclarece que nem todos aceitariam as exigê ncias é ticas que ele fez a
respeito do casamento e da proibiçã o do recasamento. “Nem todos tem condições de aceitar esta
palavra; somente aqueles a que isso é dado” Esta é a razã o porque tantos falsos cristã os nã o se
submetem a este ensino de Nosso Senhor, infelizmente muitos se surpreenderã o quando vier o
Filho do Homem.

279
Por Cim o Messias estipula a possibilidade do celibato, ainda que nã o fosse esta a ordem
dada por Deus a humanidade. cf Gn 1.28 e Gn 9.1
v.13-15 Devemos ser como as crianças
Apó s operar diversas curas e propor uma é tica matrimonial elevadı́ssima, parece-nos
que o evento estava chegando ao seu Cinal. Dessa maneira os que lá estavam levaram as crianças
para serem abençoadas pelo Messias. Nã o sabemos por qual razã o os discı́pulos repreenderam
aquelas pessoas, talvez por pensarem que o Professor estivesse cansado.
Jesus aproveita a situaçã o para relembrar a liçã o dada no capı́tulo anterior, onde explicou
que os discı́pulos deveriam ser como crianças para serem grandes no Reino dos Cé us. Depois de
impor as mã os sobre elas, seguindo o costume dos rabinos, “partiu dali”.

v.16-22 Um jovem rico subitamente faz uma pergunta


Segue-se um texto complexo, por isso peço-lhe um pouco de esforço para nos
acompanhar. A primeira questã o envolve o local e o tempo em que a conversa aconteceu. O trecho
anterior termina dizendo que Jesus havia partido daquele local, e o inı́cio desse trecho começa
com mais um dos famosos “idou” de Mateus o que nos leva a entender que o jovem surgiu de
repente. A cena talvez tenha ocorrido durante o trajeto que Jesus fazia e o jovem possivelmente se
aproximou abruptamente do Mestre. A segunda questã o envolve os textos originais e como as
traduçõ es do Novo Testamento foram feitas. Conforme deCinido na introduçã o deste livro, tenho
utilizado o Texto Majoritá rio como base da leitura, sendo que neste caso é um pouco difı́cil nã o
perceber alguma diCiculdade na passagem. Por isso, aqui, sigo o texto SBLGNT que parece estar
mais alinhado com a proposta do autor.

v.16 Conforme falamos na introduçã o, “de repente” surge um jovem, rico e importante, o
qual busca o Mestre para fazer algumas perguntas. Nã o é comum vermos pessoas importantes
correndo na rua atrá s de algué m, ainda mais se for um grupo de pregadores itinerantes. Aqui
podemos ver o quã o necessá rio era para aquele rapaz falar com Jesus.
A segunda parte do versı́culo é que apresenta uma boa dose de diCiculdade. Como vimos
anteriormente, em algumas ocasiõ es, certos versı́culos foram inseridos no texto que chegou até
nó s. cf Mt 18.11 e 18.15 A maneira como o texto está colocado parece um tanto desconexa, pois o
jovem pergunta: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?” e Jesus responde: “Porque me
perguntas sobre quem é bom?” Parece incoerente. Enquanto isso os evangelistas Marcos e Lucas
descrevem a pergunta do jovem com um diferencial, ambos colocam o adjetivo “bom” (ἀγαθε –
agate) antes do substantivo “mestre”. Assim o jovem pergunta ao “bom” mestre sobre o que ele
deveria fazer de “bom” e Jesus responde que a somente um “bom” de verdade, que é Deus. Assim
Cica mais evidente o trocadilho que é feito. EN possı́vel que alguns copistas tenham tentado
resolver essa questã o acrescentando “Bom Mestre” (ἀγαθε Διδάσκαλε) no texto de Mateus e assim
alterado algumas das testemunhas(1) que compõ e o Texto Majoritá rio. Este tipo de ocorrê ncia é
chamado interpolaçã o e acontece em alguns outros trechos do livro. Por esta razã o acredito, que
neste caso que o texto SBLGNT seja mais coerente.
Seja como for, aquela pessoa deseja saber quais obras boas deveriam ser praticadas para
que ele pudesse entrar no Reino dos Cé us. Esta era uma percepçã o comum naqueles dias em que
o cumprimento da Lei era condicionado a obras externas.
v.17 Quando Jesus responde que nã o a outro que seja bom em essê ncia a nã o ser o
Senhor, evidencia-se que nenhuma obra seria suCicientemente boa, ou justa, perante Deus. Assim
eliminava-se qualquer esperança de auto-justiCicaçã o por parte do rapaz. Mas o Mestre nã o o
deixa em desespero e mostra que para entrar na vida (no Reino futuro) é necessá rio cumprir os
mandamentos mediante a fé .
v.18-19 Muito interessante é que Jesus cita apenas os mandamentos que envolvem os
relacionamentos pessoais: nã o matará s, nã o adulterará s, nã o furtará s, nã o dará s falso
testemunho, honra teu pai e tua mã e, e amará s teu pró ximo como a ti mesmo. Percebe-se que a fé
no Deus da aliança era subentendida como requisito primá rio e aqui Jesus apenas ressaltava,
assim como no capı́tulo anterior, o relacionamento esperado entre os que haveriam de alcançar a
vida eterna.
v.20 O jovem, que era rico e algué m importante na sociedade, nã o se contentava em
entrar na vida eterna, ele desejava receber algum reconhecimento do Verdadeiro Professor.
v.21 A atitude soberba e arrogante do rapaz mimado leva o Messias a propor que ele
Cizesse algo alé m do imaginá vel para poder ser considerado perfeito por ele: “Se você que ser

280
perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois venha e siga-
me” Em outras palavras “se você quer ser tão perfeito assim, faça muito mais do que qualquer outro faria, aí
eu te aceito como discípulo”. Em momento algum o Cristo exige que vendamos nossas posses para
segui-lo, esse ensino foi para mostrar a arrogâ ncia do jovem riquinho e nos lembrar de como
devem ser nossos relacionamentos.
v.22 Como era de se esperar, aquele jovem nã o era perfeito. Por isso ele se afasta,
preferindo Cicar com suas riquezas e falsa santidade, a seguir o Cristo.

v.23-26 O Messias explica a seriedade da situação


Muitos dos presentes podem ter se espantado com as palavras do Messias e
presenciarem a retirada humilhada do jovem orgulhoso. Apesar disso, era necessá rio ir alé m para
elucidar quã o sé ria é a questã o do Reino dos Cé us.
v.23 O Mestre utiliza a expressã o enfá tica amém para chamar atençã o ao que ele iria
dizer a seguir. Sua aCirmaçã o de que diCicilmente um rico entraria no Reino dos Cé us, foi ainda
mais chocante. Lembre-se que eles viviam em uma sociedade pré -industrial e pré -capitalista,
onde a possibilidade de ascensã o social era mı́nima. Em outras palavras, raramente algué m
conseguia enriquecer, quanto mais se tornar parte da realeza. Assim, os ricos eram considerados
pessoas privilegiadas por Deus, e quando Jesus aCirma com todas as letras que diCicilmente algum
deles seria salvo, bem, era algo surpreendente.
v.24 O Senhor vai mais alé m e aCirma novamente, utilizando-se de uma comparaçã o, que
seria praticamente impossı́vel um rico entrar no Reino. Outro ponto que demonstra o quã o
incisivo Jesus estava sendo é que aqui é um dos poucos lugares onde está escrito “Reino de Deus”
no lugar da expressã o mais usual “Reino dos Cé us”. A razã o dessa escolha era evitar ofender os
judeus que tivessem contato com o material compilado pro Mateus e que se preocupavam
exageradamente com os ensinos de Ex 20.7 e Dt 5.11.
A expressã o utilizada “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha …” possui uma
interpretaçã o bem direta. O camelo é um animal de grande porte, imundo pela Lei (Lv 11.4) e de
difı́cil manejo (ele costuma dar coices, morder e cuspir quando nã o deseja fazer algo) o que
tornaria ainda mais absurda a idé ia de conseguir passá -lo por um lugar apertado como o olho de
uma agulha. Nã o algum tipo de porta ou portã o como alguns chegaram a pensar. A tentativa de
descrever uma porta hipoté tica tem seu primeiro registro em TeoCilacto(2), um teó logo do sé culo
XI, e serve apenas para tentar, erroneamente, suavizar a dureza do ensino do Messias.
v.25-26 Os discı́pulos Cinalmente percebem o quã o sé rio seu professor falava;
consequentemente concluem que seria virtualmente impossı́vel algué m ser salvo. Percepçã o
conCirmada por Jesus que deixa absolutamente claro que “Para o homem é impossível …” Somente
com um primeiro passo vindo de Deus é que pode haver salvaçã o, aCinal “para Deus todas as coisas
são possíveis”

v.27-30 O que seria daqueles que largaram tudo para seguir o Messias
Mais uma vez Pedro, agindo como que um porta-voz dos demais alunos, se aproxima do
Cristo com uma preocupaçã o sincera. Se até os ricos teriam diCiculdade de entrar no Reino, o que
seria deles, simples alunos que deixaram tudo para segui-lo. A preocupaçã o era tanta que Pedro
inicia sua pergunta utilizando o verbo idou, como que exclamando em voz alta.
v.28 Jesus responde no mesmo tom, fazendo uso de outro termo enfá tico “amén”. O
Mestre explica que na παλιγγενεσιŒᾳ (palingenesia), ou seja na restauraçã o do mundo durante o
milê nio, os apó stolos que o seguiram iriam reinar com ele. Aqui devemos excluir Judas, que
estava entre eles, mas na realidade nunca foi um seguidor autê ntico.
Existe um nú mero Cixo para os apó stolos, pois o trabalho futuro deles durante o milê nio,
seria julgar as doze tribos de Israel. Por isso eles “também se assentarão em doze
tronos“ representando o poder de julgar. Só existem doze tribos e só existem doze trono para rege-
las, dessa maneira Cica comprovada que a nova “onda” de apó stolos modernos é falsa e mentirosa.
v.29 A retribuiçã o seria muito grande, expressada pelo termo “100 vezes mais”. Muito
importante é perceber que ao garantir que seus seguidores seriam recompensados, Jesus faz
questã o de focalizar o mais importante: “e herdarão a vida eterna”. Pela ó tica do Mestre, os
discı́pulos nã o estavam fazendo sacrifı́cios, mas sim, investimento.
v.30 “Contudo, muitos primeiros serão últimos, e muitos últimos serão primeiros.” Ainda assim a
hierarquia no Reino dos Cé us nã o seria deCinida por “tempo de casa”, ou seja, por ordem de

281
entrada no grupo de alunos. Mesmo os que chegaram depois e poderiam ocupar cargos de
primazia quando o Reino for plenamente instaurado.
Para avançar mais neste assunto, no pró ximo capı́tulo veremos Jesus fazendo uso de
pará bola para reforçar o aprendizado de seus alunos.

(1) “testemunha” é o nome té cnico dado para os antigos manuscritos com trechos das escrituras sagradas.
(2) Fee, Gordon D. e Stuart, Douglas – Entendes o que lê s? p.33
(3) Blomberg, C. - Marriage - p.177-178
(4) Instone-Brewer - Divorce and Remarriage - p.159; 185-186

282
Mateus 20

O inı́cio do capı́tulo 20 apresenta a continuaçã o imediata do que Jesus vinha dizendo no


trecho Cinal do capı́tulo 19. Infelizmente essa divisã o, em certos casos é bem ruim; e aqui essa
falha Cica bem evidente uma vez que a pará bola dos trabalhadores pertence ao discurso que o
Mestre vinha fazendo. Antes que algué m tente me apedrejar, por estar duvidando da inspiraçã o
da escrituras, é bom lembrar que a divisã o põ e capı́tulos nã o faz parte do texto inspirado pelo
Espı́rito Santo. Na realidade a divisã o que conhecemos foi proposta por Hugo de Saint-Cher, um
abade dominicano, por volta do ano 1250 A.D.

v.1-16 Parábola dos trabalhadores na vinha


Esta pará bola é uma ilustraçã o apresentada pelo Messias com o intuito de reforçar o
ensino a respeito do que aconteceria com aqueles que tudo deixaram para segui-lo. Ainda que
possa parecer simples, talvez esta seja a mais difı́cil de todas as pará bolas, pois muito do que se
pode argumentar sobre ela é obscuro e, até certo ponto, insolú vel.
De acordo com o Rei, a ordem de chegada ao grupo de discı́pulos nã o é um fator
determinante para o serviço eterno no reino. Assim Pedro e seu irmã o André (cf. Mt 4.18), que
foram os primeiros a serem chamados, nã o deviam esperar por algum tipo de privilé gio. De
acordo com a pará bola, cabe ao senhor da vinha escolher qual será o pagamento de seus
trabalhadores; e essa decisã o nã o está baseada em horas de trabalho, mas na bondade do dono de
tudo.
O conteú do mais importante é descrito na aCirmaçã o do dono da vinha: “Não tenho o direito
de fazer o que quero com o meu dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?” O amor de Deus é
muito superior a nossa limitaçã o, por isso a medida do amor vem dele e nã o do que somos ou
fazemos. Caso ele opte por recompensar menos, algué m que foi chamado antes ou realizou mais
por sua vinha, ainda sim ele nã o se torna injusto por isso. Aqui vemos a base só lida, vinda da boca
de Nosso Senhor, de que Deus é livre para chamar e pagar (salvar) a quem ele quiser; e caso nã o
queira, isso em nada afeta a sua justiça.

Devido a sua simples complexidade, proponho o seguinte esboço para a pará bola:
.
• v.1a Introduçã o formal padrã o
• v.1b-7 DeCiniçã o do trabalho/remuneraçã o e cinco ondas de contrataçõ es
• v.8-10 Pagamento do valor combinado
• v.11-12 Reclamaçã o da parte de alguns
• v.13-15 Exposiçã o do direito e da justiça do dono da vinha
• v.16 Prové rbio de conclusã o

v.1 "Porque o reino dos céus é semelhante" Ὁμοία γάρ ἐστιν ἡ βασιλεία τῶν οὐρανῶν Para nã o
permitir alguma dú vida sobre as palavras que se seguem, Mateus faz questã o de registra-la de
modo, ou seja, trata-se de uma pará bola.
"um dono de casa que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha." Por que
o dono da casa precisou sair tã o cedo? Conforme sugere o Salmo 104.22-23 "em vindo o sol, eles se
recolhem e se acomodam nos seus covis. Sai o homem para o seu trabalho e para o seu encargo até à tarde." o
turno de trabalho se iniciava logo que os animais selvagens se recolhiam ao raiar do Sol e seguia
até o poente. Isso equivaleria a uma mé dia de doze horas diá rias de esforço braçal.
v.2 "E, tendo ajustado com os trabalhadores a um denário por dia, mandou-os para a vinha." Desde
o momento inicial, a remuneraçã o Cinal estava acordada entre ambas as partes. Essa remuneraçã o
era tã o importante para os trabalhadores avulsos que é defendida na Escritura em Levı́tico 19.13
"a paga do jornaleiro não 1icará contigo até pela manhã." e Deuteronô mio 24.14-15 "Não oprimirás o
jornaleiro pobre e necessitado, seja ele teu irmão ou estrangeiro que está na tua terra e na tua cidade. No seu
dia, lhe darás o seu salário, antes do pôr do sol, porquanto é pobre, e disso depende a sua vida; para que não
clame contra ti ao Senhor, e haja em ti pecado."
v.3-4 Temos a descriçã o do segundo momento de contrataçã o.
v.5 Eis o relato da terceira e da quarta onda de contrataçõ es.

283
v.6-7 "e, saindo por volta da hora undécima" E por Cim, na undé cima hora vemos o ú ltimo
movimento de contrataçõ es. O registro do horá rio da contrataçã o é importante, pois como
explanamos no versı́culo 1º, o dia de trabalho dura as doze horas de sol claro. "Responderam-lhe:
Porque ninguém nos contratou" Mateus nã o entra em detalhes a respeito do trabalho especı́Cico que
cada trabalhador recebeu na vinha, tã o pouco nos revela porque estes ú ltimo nã o foram
agregados nas levas anteriores de recrutamento. Poré m Cica a impressã o de que talvez estes
ú ltimos fosse menos capacitados, seja fı́sica ou tecnicamente, do que os primeiros, e por isso
foram preteridos até o ú ltimo momento.
v.8 "Ao cair da tarde, disse o senhor da vinha ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-
lhes o salário, começando pelos últimos, indo até aos primeiros." Eis um versı́culo verdadeiramente
inusitado. Veja algumas perguntas que ele nos levanta: 1) Já que o dono do empreendimento
possuı́a um administrador, por que ele mesmo levantou cedo para contratar trabalhadores? 2)
Por que ele mesmo nã o chamou os trabalhadores? 3) Qual a razã o de mandar começar pelos
ú ltimos e nã o por aqueles que chegaram logo de madrugada ao trabalho? Caro leitor, a resposta a
essas perguntas é mais complexa do que elas mesmas. Por se tratar de uma pará bola, ou seja, um
discurso de comparaçã o visando comunicar uma ideia, nã o é adequado levar cada detalhe até o
ú ltimo desdobramento possı́vel; lembre-se de que essa histó ria nem precisa ser real para ter
validade na comunicaçã o da verdade proposta por Jesus. A pará bola como um todo apresenta
aspectos tangı́veis aos ouvintes, ainda que propositalmente exagerados na busca de comunicar a
verdade pretendida. Por exemplo, o nú mero de idas a praça para contratar trabalhadores avulsos
para aquele dia é verdadeiramente exagerada.
Agora; a parte da resposta que nenhum estudioso possui é : até que ponto devemos
esmiuçar os detalhes de uma pará bola. Essa soluçã o eu nã o tenho para lhe propor. Posso dizer-te
que, assim como é errado alegorizar os aspectos da pará bola tentando apresentar alguma
realidade espiritual ou obscura, també m é errado tornar prá ticos cada trecho de uma pará bola.
Quando tentamos expor mais do que o texto nos apresenta, incorremos em explicaçõ es que sã o
piores do que as perguntas. Durante a histó ria de igreja, principalmente na idade antiga, a
tendê ncia a alegorizaçã o era enorme, e por isso a explicaçã o apresentada por aqueles irmã os
dizia que as cinco levas de contrataçõ es equivaliam a cinco perı́odos bı́blicos (de Adã o a Noé , de
Noé a Abraã o, de Abraã o a Moisé s, de Moisé s a Cristo, e de Cristo até o tempo deles)(3). Por
incrı́vel que pareça ainda encontramos alguns pastores que, na tentativa de soCisticar seus
sermõ es, trazem este tipo de informaçã o. Outra maneira fantasiosa de lidar com as ondas de
contrataçõ es é equipará -las conversã o cristã em diferentes etapas da vida (infâ ncia,
adolescê ncia, o auge da vida, maturidade e velhice).(4)
v.9-12 Aqui encontramos o relato do pagamento igual a cada leva de trabalhadores, e o
ó bvio descontentamento dos que chegaram primeiro à vinha. Enquanto os adeptos a
alegorizaçã o, junto com os compulsivos por esclarecer cada detalhe, se desesperam ao lidar com
um trecho que mostra uma atitude exó tica por parte do dono da vinha e com a reclamaçã o por
parte dos operá rios. ACinal, se o dono representa Deus, poderia ele ser um deus mau; e se os
trabalhadores sã o os convertidos ao cristianismo, poderiam eles se revoltar contra seu salvador?
Agora você percebe o problema de tentar impor um signiCicado em cada mı́nimo aspecto
do texto? Sim amigo ouvinte, este trecho leva a uma honesta incomodaçã o na interpretaçã o,
poré m este é o objetivo de Jesus aos propo-la. Sobre este sentimento de injustiça é que reside o
ensino, por causa dele é que a pará bola fora proposta.
v.13-15 "Mas o proprietário, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço injustiça; não
combinaste comigo um denário?" Dois pontos interessante merecem destaque no versı́culo 13: 1) o
proprietá rio responde a apenas um dos trabalhadores, 2) o uso da palavra grega Ε¹ταῖρε, - Amigo
ou Companheiro, a qual carrega um forte conotaçã o negativa no evangelho de Mateus, conCira
isso em Mt 22.12 durante a pará bola do casamento e Mt 26.50 na cena derradeira da traiçã o de
Judas Iscariotes. Isso nos leva a pensar se existiria alguma cutucada em Judas durante este relato.
v.16 O ensino se encerra assim como terminou a aCirmaçã o anterior de Jesus cf.Mt 19.30:
“… os últimos serão os primeiro, e os primeiros serão os últimos”. EN preciso ter alguma cautela ao se
interpretar esse versı́culo, pois ele nã o é uma aCirmaçã o de que todos os que vierem depois serã o
“primeiros” ou mais abençoados. A aCirmaçã o que é feita aqui se refere ao contexto da pará bola e
nã o a todos os tempos e pessoas. Este prové rbio levantou muita discussã o na histó ria da igreja,
sendo que temos relatos do sé culo IV, onde Joã o Crisó stomo já ponderava sobre sua funçã o e
autoria.(5) Parece-nos que o emprego do prové rbio por parte de Mateus possui a funçã o de

284
emoldurar o ensino e conecta-lo com 19.30; podendo até mesmo ser um nimshal, ou seja, uma
explicaçã o complementar sobre o assunto.
Existe també m uma questã o textual neste versı́culo, já que o texto Majoritá rio acrescenta
uma extensã o a ele dizendo: “porque muitos são chamados, mas poucos foram escolhidos”. Por razõ es
estilı́sticas, onde o Cinal da pará bola se assemelha do Cinal do discurso anterior, tendo a pensar
que esta parte Cinal nã o se trate de um texto Mateano.

v.17-19 Outra vez Jesus chama a atenção de seus discípulos a respeito de seu
martírio
Estamos caminhando para o Cinal do livro, e o personagem principal irá enfrentar seu
destino derradeiro; por isso Mateus nos descreve mais uma vez o Messias explicando o que iria
acontecer. O que estava a sua frente era dor e sofrimento, nã o honra e gló rias, assim que desejava
segui-lo até o Cim deveria estar preparado para tudo. Está é a terceira vez que vemos o Cristo
explicando seu futuro, as outras duas sã o Mt 16.21 e Mt 17.22; sendo que apenas agora ele revela
que iria morrer atravé s da cruz.

v.20-23 Mãe é tudo igual, muda apenas o endereço


Jesus já havia explicado como funcionará a dinâ mica interpessoal no Reino dos Cé us,
agora sua mente se preparava para os difı́ceis acontecimentos que estavam por chegar; mas
alguns dentre os que estavam entre seus alunos ainda nã o compreendiam o que vinha sendo dito.
Assim chega-se a mã e de dois dos apó stolos, a esposa de Zebedeu, e tenta conseguir uma boa
colocaçã o para seus meninos na corte do Rei. Esse ato lembra muito o que fez Bate-Seba diante de
Davi, conforme descrito em 1Rs 1.15-17: "E foi Bate-Seba ao rei na sua câmara; e o rei era muito velho; e
Abisague, a sunamita, servia ao rei. E Bate-Seba inclinou a cabeça, e se prostrou perante o rei; e disse o rei: Que
tens? E ela lhe disse: Senhor meu, tu juraste à tua serva pelo Senhor teu Deus, dizendo: Salomão, teu 1ilho,
reinará depois de mim, e ele se assentará no meu trono."
v.20 η¡ μηŒ τηρ τῶν υι¡ῶν ΖεβεδαιŒου - he méter huiõn Zebedaíou “A mã e dos Cilhos de Zebedeu”
Mateus utiliza uma construçã o gramatical exó tica para descrever uma situaçã o insó lita. Trata-se
do uso de dois genitivos, o primeiro relacionado a “mã e” indicando descendê ncia, enquanto o
segundo relacionado a “Zebedeu” implica em progenitura por parte dele. A este segundo Genitivo
chamamos de Genitivo de Relacionamento; o qual é muito raro nas escrituras gregas.
Existe a possibilidade de que essa estrutura implicasse em alguma forma de reprovar a
atitude da Sra.Zebedeu. Seria mais ou menos como diminuı́-la ao subordina-la apó s Zebedeu e os
Filhos de Zebedeu. Atente que a construçã o da frase descrevendo a pessoa que faz o pedido
acontece em trê s etapas, sendo a ú ltima a mais importante: 1) a mã e, 2) dos Cilhos, 3) de Zebedeu.
Isso sem contar que a mulher é anô nima, já que seu nome sequer fora registrado no livro. A
ê nfase na terceira etapa se revela pelo uso do genitivo e nã o de um simples adjetivo; ou como
disse Daniel B. Wallace: “Embora o genitivo tenha primaria mente uma força adjetival, é mais enfático que um simples
adjetivo” (2)
v.21 A senhora Zebedeu nã o queria qualquer cargo para Tiago e Joã o, ele desejava os
principais postos no governo. O historiador judeu do sé culo I Flá vio Josefo, descreve que naquela
é poca o ao lado direito do rei era reservado a seu Cilho mais velho e o posto ao lado esquerdo era
ocupado pelo lı́der dos exé rcitos.(1) Humanamente pensando, aquela senhora nã o estaria dizendo
nenhum absurdo, pois seus Cilhos estavam entre os trê s primeiros discı́pulos de Jesus, alé m de
terem subido com ele ao Monte da TransCiguraçã o (cf.Mt 17.1). Mas a ordem divina é diferente
dos reinos mundanos. Gló ria a Deus por isso.
v.22 A uma enorme disparidade entre o pensamento “terreno” dos alunos e a visã o
espiritual do Messias. Jesus diz: “Vocês não sabem o que estão pedindo”. Eles aCirmam estar
preparados para suportar “beber do cá lice” o que Jesus iria sofrer, e na realidade isso aconteceu
com Tiago (cf. At.12.1-2) e com Joã o, provavelmente EN feso, segundo relatos da igreja primitiva. O
tema do “cá lice” se referindo ao sofrimento era conhecido nas escrituras do Antigo Testamento,
tomemos por exemplo Sl 75.8 “Na mão do Senhor está um cálice cheio de vinho espumante e misturado; ele
o derrama, e todos os ímpios da terra o bebem até a última gota”, Is 51.22 “Assim diz o seu Soberano Senhor, o
seu Deus, que defende o seu povo: "Veja que eu tirei da sua mão o cálice que faz cambalear; dele, do cálice da
minha ira, você nunca mais beberá”, Jr 25.15 “Assim me disse o Senhor, o Deus de Israel: "Pegue de minha mão
este cálice com o vinho da minha ira e faça com que bebam dele todas as nações a quem eu o envio”, Lm 4.21
“Alegre-se e exulte, ó terra de Edom, você que vive na terra de Uz. Mas a você também será servido o cálice:
você será embriagada e as suas roupas serão arrancadas”; e també m no pró prio livro escrito por

285
Mateus, onde Jesus no Getsê mani, em seu momento de maior agonia exclama: “Meu pai, se possível,
afasta de mim esse cálice …”. O tema da reprovaçã o ao ato da mulher, assim como apontamos no v.20
se repete por parte de Nosso Senhor, pois o discurso e dirigido aos apó stolos Tiago e Joã o, e nã o a
mã e deles.
v.23 Voltamos ao tema da pará bola anterior e ao discurso que Jesu havia feito, sendo que
cabe exclusivamente ao dono da vinha/Deus deCinir o pagamento que os trabalhadores iriam
receber. Talvez seja uma surpresa quando chegarmos a eternidade e percebamos que as duas
principais posiçõ es do Reino pertencerã o a pessoas que ningué m conhece ou que foram
desprezadas.

v.24-28 A reação dos demais apóstolos e a repetição do ensino


Os outros apó stolos Cicaram indignados com a ousada, e quase absurda, atitude da mã e
de Tiago e de Joã o. E nã o era para menos, aCinal já a algum tempo que eles disputavam postos na
hierarquia do Reino. O que eles estavam com diCiculdades de compreender é que em Jerusalé m
haveria apenas sofrimento, nã o recompensas e gló ria. Ao menos nã o naquele momento. Gosto
muito do modo como Warren W. Wiersbe descreve a situaçã o:

“Jesus falava a respeito da cruz, mas eles estavam interessados na coroa”

v.25 Esta foi a oportunidade para o Mestre recapitular os ensinos sobre como seriam as
relaçõ es no Reino dos Cé us. Jesus os chama e mostra que o padrã o do mundo nã o se aplica ao
reino Messiâ nico: “Não será assim entre vocês”. Se nos governos humanos os maiores mandam nos
menores, a relaçã o entre os servos de Jesus seria outra: “quem quiser tornar-se importante entre vocês
deverá ser o servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser o escravo …” O autor utiliza a preposiçã o κατα
(kata), para enfatizar que seria um governo autoritá rio, nã o bené volo. Essa preposiçã o era usada
desde a LXX (cf. Ne 5.15, Ne 9.37) para trazer ê nfase ao verbo utilizado. Em nossa lı́ngua esse
"kata" foi embutido no verbo e traduzido por “dominam” o que parece correto, mas nã o esclarece
a profundidade desejada pelo autor. O mesmo kata aparece conectado ao segundo verbo da frase
κατεξουσιαŒ ζουσιν que reClete o ato de exercer autoridade de maneira autoritá ria.
v.26 Mais uma vez o Cristo rompe com os padrõ es humanos e impõ e uma é tica muito
superior aos que desejam servi-lo. “Não será assim entre vocês.”
v.27 Entre a parte B do versı́culo 26 e o versı́culo 27 encontramos um clá ssico exemplo
do paralelismo hebreus. Jesus apresenta dois pares negativos (tipos) em comparaçã o com dois
pares de atitudes positivos (anti-tipo). Observe també m que a exigê ncia se intensiCica, pois no
primeiro par, o preço e servir voluntariamente, e no segundo par, o custo é o da servidã o
permanente. O paralelo foi descrito assim:
• Grande x pequeno - Quem quiser ser “grande” (μεŒ γας – mega) no Reino, deve ser “o que
serve” (διαŒ κονος – diákonos)
• Primeiro x escravo – e quem quiser ser “o primeiro” (πρῶτος – protos) no Reino, deve
ser “escravo“ (δοῦ λος – doulos)
v.28 O exemplo maior foi ele pró prio que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos”. Jesus que é o ú nico verdadeiramente grande se fez servo, e aquele que é
o primeiro entre todos, se fez escravo.
Poré m a obra esperada de Jesus ia muito alé m daquela que se pode esperar de nó s. Ele
veio, se esvaziou e serviu, mas o que vem a seguir, ningué m mais poderia realizar: “dar a sua vida
em resgate por muitos” Desde o capı́tulo 16 do livro, Mateus registra o Mestre falando de sua morte,
poré m agora somos apresentados a razã o disso. A palavra grega traduzida por resgate é λυŒ τρον, e
signiCica o preço que era pago para libertar um escravo ou para quitar uma nota promissó ria. O
tema do resgate já era conhecido do Antigo Testamento (cf. Is 52.10-13 conhecido como o câ ntico
do servo, e també m o descrito em Ex 30.12 e Sl 49.7-9)

v29-34 Dois cegos reconhecem Jesus como dilho de Davi


O inı́cio deste trecho é ú til para nos localizarmos no espaço, uma vez que no trecho
anterior Mateus diz apenas que eles estavam a caminho de Jerusalé m. Agora sabemos que a
comitiva estava em Jericó (v.1 “Ao saírem de Jericó”), E este é o momento perfeito para reaCirmar
mais uma vez a autoridade do Messias antes de sua viajem Cinal a Jerusalé m.

286
v.29-30 Uma grande multidã o seguia a Jesus enquanto dois cegos que estavam a beira do
caminho, provavelmente pedindo esmolas, começaram a clamar: “Senhor, 1ilho de Davi, tem
misericórdia de nós!” EN muito importante o contraste aqui apresentado onde os cegos “viam” que
Jesus era Cilho de Davi, enquanto os lı́deres religiosos estavam cegos diante dessa realidade.
Quando os homem o chamavam de “Cilho de Davi” eles estavam reconhecendo-o como o Messias
prometido de Israel. (cf. Is 9.6-7 um texto que fala a respeito do Messias)
v.31 A multidã o tentava impedi-los, seja por pensar que eles estavam importunando ou
por nã o aceitar que eles reconhecessem Jesus como o herdeiro prometido ao trono. Isso nã o
importava aqueles cegos, já que clamavam cada vez mais alto. A razã o para isso é que os judeus,
mesmo os cegos, tinham um contato com a palavra de Deus muito ı́ntimo, e é bastante prová vel
que os dois homem estivessem se lembrando de outro texto messiâ nico de Isaı́as, agora no
capı́tulo 42.6-7 "Eu, o Senhor, o chamei em retidão; segurarei 1irme a sua mão. Eu o guardarei e farei de você
um mediador para o povo e uma luz para os gentios, para abrir os olhos aos cegos, para libertar da prisão os
cativos e para livrar do calabouço os que habitam na escuridão.”
v.32-34 Jesus para e tem uma breve conversa com eles: “o que querem que eu lhes faça” Pode
parecer uma pergunta ó bvia, aCinal o que dois cegos, pedindo esmola, poderiam desejar? Mas
para os propó sitos de Mateus era fundamental registrar os detalhes, pois seu objetivo foi sempre
apresentar Jesus como o Messias. Acompanhe: 1) os cegos reconhecem que Jesus é o Messias, 2)
existe uma promessa em Isaı́as dizendo que o Messias abriria os olhos aos cegos, 3) para deixar a
questã o bem clara, Jesus pergunta o que os cegos desejam, 4) os cegos respondem “faça o que o
Messias devia fazer”, 5) Jesus prova ser o Messias fazendo o que estava prometido em Isaı́as. O
autor nos leva a uma conclusã o racional e ló gica a respeito dos acontecimentos.
O evangelista Marcos relata a mesma cena em 10.46-52, poré m seu objetivo é mostrar a
autoridade de Jesus, enquanto Mateus constró i toda sua narrativa alicerçado em promessas e
trechos do Antigo Testamento, por isso o texto é mais elaborado. Repare que Marcos descreve
apenas um cego (aquele de mais destaque entre eles), enquanto Mateus faz questã o de descrever
ao menos dois, pois assim exigia a lei judaica. (cf. Dt 19.15 “Uma só testemunha não é su1iciente para
condenar alguém de algum crime ou delito. Qualquer acusação precisa ser con1irmada pelo depoimento de
duas ou três testemunhas.”)
v.34 “tocou nos olhos deles” Outro ponto importante aqui é o sentimento que Jesus
demonstrou por eles, compaixã o. EN bonito perceber que o Mestre fez questã o de “tocar” neles,
enquanto podia ter apenas ordenado que os homens enxergassem. Quando estudamos
Teontologia, que é maté ria da Teologia a respeito dos atributos de Deus, é fundamental saber que
Deus é passional, ou seja, possui sentimentos.
De qualquer maneira o que importa é que, o Filho de Davi, tocou naqueles homens e eles
foram curados.

(1) Josefo, Flavio – A antiguidade dos judeus – Capı́tulo VI.


(2) Wallace, D.B. - Gramática grega: Uma sintaxe exegética do NT - p.78
(3) Tevel, J.M. - The labourers in the Vineyard: the exegeses of Matthew 20.1-7 in the primitive church - p.356-380
e Wailes, - Medieval allegories of Jesus parables - p.137-144
(4) Blomberg, - Interpreting the parables - p.224
(5) Crisó stomo, J. - Homilies on Matthew - 64.3-4

287
Mateus 21

Estamos chegando ao á pice da histó ria e nosso autor tornará ainda mais eletrizante os
acontecimentos Cinais. Jesus Cinalmente se dirige para a Cidade Santa, onde o evento mais
importante da histó ria humana acontecerá . Os pró ximos capı́tulos nos apresentarã o drama,
paixã o e eventos sobrenaturais como nunca antes, e tudo se inicia com a entrada espetacular do
Messias em Jerusalé m. A partir deste capı́tulo e seguindo até o Cinal do livro, encontraremos
Mateus citando o Antigo Testamento com muita frequê ncia e clareza; assim como o Cizera nos
capı́tulos 1, 2 e 3, onde ele relata as origens do Messias e seu direito ao trono davı́dico.(6)

ELEVAÇÃO ENTRE JERUSALÉM E JERICÓ

v.1-10 A entrada dinal de Jesus em Jerusalém


Esta é uma das passagens mais conhecidas da histó ria do Messias, e possui bastante
teologia envolvida. Costumamos denominá -la de "A entrada Triunfal", ainda que esta expressã o
nã o seja oriunda do evangelho; alé m disso nã o podemos aCirmar que todos os envolvidos na açã o
soubessem o que estava acontecendo. O estudioso Brent Kinman chegou a aCirmar em seu livro
"Jesus 'triumphal entry' in the light os pilate's" que o acontecimento nã o tenha sido tã o
espetaculoso assim.(8)
Logo no inı́cio, Mateus, determina a localizaçã o da comitiva, eles estavam as portas de
Jerusalé m e fazem uma parada estraté gica em Betfagé (signiCica casa dos Cigos e era localizada
entre Betâ nia e Jerusalé m), mais precisamente ao pé do Monte das Oliveiras. Por ser é poca da
Pá scoa, era possı́vel que até 2 milhõ es de peregrinos estivessem nas cercanias de Jerusalé m,
sendo o grupo de Jesus apenas mais um dentre eles. O historiador judeu Flavio Josefo, em seu
livro Guerras dos Judeus, descreve que até 3 milhõ es de pessoas podiam participar das
festividades, poré m é sabido que Josefo em muitos casos aumentava signiCicativamente os
nú meros em seus livros.(12) Harber, S. També m fala sobre os exageros de Josefo, poré m aCirma que
no auge da peregrinaçã o, a populaçã o de Jerusalé m podia aumentar em até quatro vezes.(13) Estes
peregrinos estavam subindo até o Templo para cumprir os rituais da Pá scoa, e seriam oriundos
de todas as partes do mundo. Lembre-se que haviam colô nias judaicas muito expressivas no
norte do Egito, na regiã o da Babilô nia e até da capital do impé rio, Roma.

v.1 "Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram a Betfagé, ao monte das Oliveiras" Eis uma
descriçã o geográ Cica bem precisa por parte de nosso autor. EN como se ele desejasse que
soubé ssemos exatamente onde os acontecimentos se passavam. Este é o efeito de lupa que
Mateus já usara anteriormente e que nos faz prestar atençã o no local onde a cena se passa, nã o

288
apenas nas palavras ou nas atitudes humanas. Alguns estudiosos muito sé rios chegaram a ver
alguma conexã o entre este versı́culo e Zc 14.4, poré m, na melhor da hipó teses me parece apenas
um distante eco da profecia zacariana sobre o temı́vel dia do SENHOR. A parte inicial do
versı́culo, onde recebemos a descriçã o do percurso do Messias é compatı́vel com Zacarias, poré m
a segunda parte que descreve o partir do Monte das Oliveiras nã o ocorreu. Como você pode ver
na ilustraçã o acima, o trajeto entre Jericó e Jerusalé m nã o é plano, tã o pouco curto, e exigiria
muito Cisicamente, mesmo que as pessoas da é poca fossem habituadas a andar bastante. Essa rota
perfaz 23,3km em subida, com uma diferença de 1025m de altitude. Como dizemos por aqui:
seria uma bela ladeira. Existem diversos relatos aCirmando que a viagem durava entre 8 e 9 horas,
e que era realizada em apenas um dia.(14) Este trajeto é descrito de maneira inversa quando Jesus
conta a pará bola do bom samaritano, onde o personagem principal, um sacerdote, um levita e até
um samaritano já haviam adorado em Jerusalé m e agora retornavam por essa estrada até Jericó :
"Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe
roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia um
sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por
aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe
perto e, vendo-o, compadeceu-se dele." Lc 10-30-33
v.2-3 "Ide à aldeia que aí está diante de vós" Podemos pensar a respeito de qual vila o Senhor
se referia, pois existem duas possibilidades: Betfagé e Betâ nia. Poré m pelo relato mateano a
opçã o por Betfagé tem a preferê ncia, aCinal ele nã o cita a outra cidade durante este relato. "logo
encontrarão uma jumenta amarrada, com um jumentinho ao lado" O Mestre envia dois de seus alunos
para buscarem dois jumentos, sendo que pelo tom da conversa parece que Jesus já havia
combinado tudo com o dono dos animais. Nã o acredito que seguir essa linha de raciocı́nio
diminua a sobrenaturalidade da Escritura. Creio que a chave para a interpretaçã o esteja na
expressã o κυŒ ριος, traduzida por Senhor; o que demonstra que o dono dos animais, ou no mı́nimo
aqueles que cuidavam deles, reconheciam Jesus como o Messias.
A questã o da jumenta estar amarrada a um jumentinho faz alusã o direta a Gn 49.10-11
"O cetro não se apartará de Judá, nem o bastão de comando de seus descendentes, até que venha aquele a quem
ele pertence, e a ele as nações obedecerão. Ele amarrará seu jumento a uma videira e o seu jumentinho, ao
ramo mais seleto" Sendo que este trecho lida com as bençã os de Jacó a seus descendentes, e onde o
patriarca aCirma categoricamente "Ajuntem-se a meu lado para que eu lhes diga o que lhes acontecerá nos
dias que virão." O animal mais novo ainda nã o havia sido adestrado (cf. Lc 19.30) e é prová vel que
por isso o Mestre tenha pedido para que sua mã e fosse trazida junto. Aqueles que possuem
conhecimento sobre o adestramento de animais sabem o quã o imprová vel seria que o Cilhote
aceitasse ser montado longe de sua progenitora. No capı́tulo 6, versı́culo 26, Jesus nos fala do
cuidado que o Pai tem com as aves do cé u, e aqui ele nos mostra na prá tica o cuidado que ele teve
com o animalzinho. O professor Walvoord, junto com Roy Zuck, chegaram a aCirmar que o fato de
Jesus montar o potro signiCicava uma entrada pacı́Cica na cidade e nã o um ato militar(5), enquanto
Carson alega que Jesus utiliza o simbolismo do jumento para autentiCicar sua messianidade.(7)
"colocaram sobre eles os seus mantos" Aqui existe uma questã o antiga, fá cil de se perceber,
mas um tanto incomoda de responder: Jesus montou em quantos animais? Tudo se baseia na
construçã o do texto no plural, repare que os mantos foram colocados sobre "eles". Esta parte é
mais simples, pois é possı́vel que para mostrar ao animal que os mantos nã o lhe causariam dano,
eles cobriram també m sua mã e. A diCiculdade vem a seguir: και„ ε† πεκαŒ θισεν ε† παŒ νω αυ† τῶν - kai
epekathisen epáno auton - "E sentou-se sobre eles" Quando o apó stolo deCine que Jesus montou
sobre "eles" no plural, algo dissonante surge. Teria montado ele sobre os dois animais ou Mateus
se refere aos mantos? Bem, é possı́vel que ele tenha montado em cada um dos animais
alternadamente, talvez para nã o forçar o Cilhote, outra possibilidade é que o animal adulto tenha
sido usado para carregar os pertences da comitiva. Um aspecto textual pode ser levantado, pois
caso mudemos o Omicron (αυ† τoν) por um Ômega (αυ† τῶν) ou seja, apenas um modo de escrever
uma ú nica letra, o texto voltaria para o singular na questã o de sobre quem o Mestre montou.
També m é textualmente possı́vel que Mateus se reCira à s vestes quando diz "montou sobre eles" e
nã o aos animais; o motivo é que a palavra ι¡μαŒ τια possui gê nero neutro, o que permite o uso do
masculino na palavra αυ† τῶν (no caso de ser traduzida por "mantos" seria um vocá bulo
masculino e, sendo traduzida por "vestes" tornar-se-ia um vocá bulo feminina). Talvez, repito,
talvez, haja aqui alguma falha de có pia nos manuscritos que perdurou sobre os anos até hoje,
ainda que particularmente preCiro lidar com a questã o em nı́vel de traduçã o, acreditando que
aqui esteja nossa falha, nã o no manuscrito.

289
v.4-5 "Isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta:" Encontramos aqui a
formula tı́pica de Mateus fazer uma referê ncia ao Antigo Testamento se cumprindo em Jesus. O
motivo deste pedido um tanto incomum do Messias é uma profecia de Zc 9.9 "Alegra-te muito, ó
1ilha de Sião; exulta, ó 1ilha de Jerusalém; eis que o teu rei virá a ti, justo e Salvador, pobre, e montado sobre um
jumento, e sobre um jumentinho, 1ilho de jumenta." Na realidade todo o trecho de Zc 9.9-17 fala da
restauraçã o de Israel e da bondade do Senhor para com ela. A citaçã o em si possui uma redaçã o
que mistura Is 62.11 com Zc 9.9, o que demonstra a intençã o do autor de comunicar
explicitamente uma mensagem em particular.
Vale a pena ressaltar que e frase “Eis que o seu rei vem a você …” em grego, é iniciado com o
termo favorito de Mateus, o verbo idou.
v.6-7 E os discı́pulos Cizeram de acordo com o que lhes fora ordenado.
v.8-9 "Hosana ao Filho de Davi; bendito o que vem em nome do Senhor. Hosana nas alturas!" O
clamor do povo reCletia os Salmos de Peregrinaçã o, normalmente descritos com os de nú meros
113, 114, 115, 116, 117 e 118, os quais eram entoados todos os anos para receber à queles que
vinham celebrar a Pá scoa em Jerusalé m. A grande diferença aqui é que o foco das atençõ es estava
no profeta da Galilé ia e nã o na massa impessoal de peregrinos. Uma grande quantidade de
pessoas havia se ajuntado a comitiva do Messias, Mateus descreve que uma multidã o ia a frente
dele e outra multidã o ia atrá s. Eles colocavam seus mantos no chã o em sinal de submissã o e
forravam as ruas com ramos, para demonstrar a nobreza daquele que estava chegando. Existe
todo um signiCicado especial nas atitudes e expressõ es utilizadas. O cortejo clamava
repetidamente Hosanna!, isso Cica evidenciado no fato de Mateus registrar o ato utilizando o
verã o no ativo imperfeito εª κραζον. A palavra Ω¹σαννα„ (Hosanna!) é de origem Semı́tica (em
hebraico hôšî‘âh nā’) e é uma expressã o formal do socorro, normalmente utilizada em forma de
exclamaçã o (por isso colocamos a sinal de exclamaçã o nas traduçõ es)(1) Ao assumirem Jesus
como Cilho de Davi eles admitiam que ele possuı́a direito ao trono e ao governos de Jerusalé m. A
multidã o repete o pedido de ajuda ao citar Salmo 118.25-26: “Salva-nos, Senhor! Nós imploramos.
Fazê-Nos prosperar, Senhor! Nós suplicamos. Bendito é o que vem em nome do Senhor. Da casa do Senhor nós
os abençoamos.” Veja que os termos sã o os mesmos, temos o pedido de socorro e o reconhecimento
de que o Messias é enviado do Senhor. Por Cim o clamor é repetido uma terceira vez: “Hosanna!
nas alturas”.
A cena descrita pelo evangelista é similar a de um rei conquistador entrando em uma
cidade que fora dominada por seus exé rcitos. Alguns chegaram a comparar a entrada de Jesus em
Jerusalé m com a entrada de Alexandre, o Grande, na cidade da Babilô nia; poré m como Mateus
escrevia para judeus e nã o gregos, parece-me que o autor nã o tivesse essa imagem em sua mente
ao escrever. Ainda assim a comparaçã o seria vá lida, apenas devemos trata-lo como uma
ilustraçã o e nã o como fator a ser exposto. Existem outros exemplos semelhantes, Jeú em 2Rs 9.13
"Então se apressaram, tomando cada um a sua roupa puseram debaixo dele, no mais alto degrau; e tocaram a
buzina e disseram: Jeú reina!" e Simã o Macabeu. cf. 1Mb 13.51
v.10-11 "Quando Jesus entrou em Jerusalém, toda a cidade 1icou agitada e perguntava: "Quem é
este?"" Uma entrada espetacular, uma cidade agitada e perguntas sendo feitas por todas as partes;
este roteiro já havia se passado no capı́tulo 2 do livro quando os Magi chegaram com suas
caravanas. Veja os versı́culos de 1 a 3 descrevendo o ocorrido cerca de trinta anos antes: "Depois
que Jesus nasceu em Belém da Judéia, nos dias do rei Herodes, magos vindos do Oriente chegaram a
Jerusalém e perguntaram: "Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela no Oriente e
viemos adorá-lo". Quando o rei Herodes ouviu isso, :icou perturbado, e com ele toda a Jerusalém." Mais
uma vez Jesus era o motivo da agitaçã o da capital de Israel. Enquanto os magos estrangeiros
sabiam exatamente quem devia estar na cidade, o povo local questionava: "Quem é este?".

Magos, do oriente: Povo de Jerusalé m:


sabiam quem X nã o sabiam de quem
procuravam se tratava

290
EN muito interessante notar como a convicçã o da multidã o que seguia a Jesus mudou
abruptamente, pois ao entrarem na cidade os gritos de Hosanna! haviam sumido. E quando
perguntaram quem era aquele montado no jumentinho, a multidã o respondeu “Este é Jesus, o
profeta de Nazaré da Galiléia”, nada de "Bendito o que vem em nome do Senhor" foi ventilado. A
dú vida do povo local era até compreensı́vel já que Jesus pouco tempo passou em Jerusalé m
durante seu ministé rio, poré m a atitude do cortejo que cercava o Mestre mostra uma covardia
imensa. Nã o podemos culpá -los, em breve até o mais pró ximo dos apó stolos fará o mesmo.

Imagem retirada do maravilhoso: Holman Illustred Bible Dictionary

v.12-13 Os acontecimentos no templo primeira parte


"Jesus entrou no templo" Mateus é bem sucinto ao descrever a primeira parte dos
acontecimentos no templo, principalmente se comparado com outros evangelistas (cf. Mc
11.15-18 e Lc 19.45-47). Nã o temos aqui uma exata noçã o de tempo e Cica a impressã o que o
cortejo o deixou diretamente na porta do templo; sendo possı́vel que essa fosse a intençã o de
Mateus. Ainda assim a liçã o principal é revelada “transformaram a casa de oraçã o em covil de
ladrõ es”. Ainda que brevemente, podemos sentir a ira de Jesus contra aqueles que se
aproveitavam dos Cié is.
v.12a "também derribou as mesas dos cambistas" As moedas dos diversos paı́ses de onde vinham os
peregrinos muitas vezes continham imagens pagã s, por vezes deuses pagã o por vezes imperadores ou reis
humanos, o que ofendia a religiosidade judaica. ConCira Dt. 5.8 "Não farás para ti imagem de escultura, nem

291
semelhança alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra"
v.12b "e as cadeiras dos que vendiam pombas" Como os peregrinos vinham de todas as partes
do mundo, eram bem difı́cil trazerem os animais para os sacrifı́cios obrigató rios, por isso alguns
comerciantes ofereciam esses serviços no pá tio do templo. Tal atividade nã o seria ilegal, caso
praticada fora da á rea do templo, sendo até um bom serviço à queles que vinham de longe e nã o
saberiam onde comprar animais certiCicados para as atividades religiosas. O erro era praticar um
comé rcio mundano dentro do templo.

O texto citado pelo Cristo no inı́cio é Is 56.6-7 “E os estrangeiros que se unirem ao Senhor para
servi-lo, para amarem o nome do Senhor e para prestar-lhe culto, todos os que guardarem o sábado sem
profaná-lo, e que se apegarem à minha aliança, esses eu trarei ao meu santo monte e lhes darei alegria em
minha casa de oração. Seus holocaustos e seus sacri1ícios serão aceitos em meu altar; pois a minha casa será
chamada casa de oração para todos os povos”. Um trecho onde o profeta fala do reinado futuro do
Messias e que seria um tempo de paz. Uma conexã o importante é que o comercio estava
ocupando o trio externo do templo, o qual era o espaço destinado aos estrangeiros para
adorarem ao Todo-Poderoso.
Enquanto para provar a situaçã o degenerada daquele povo, nosso Senhor conclui a frase
citando Jr 7.11 “Esta casa, que se chama pelo meu nome, transformou-se para vós num antro de ladrões? E
eu, eu mesmo, vi isso, diz o SENHOR.”. Sendo este um claro atestado da malevolidade dos lı́deres
religiosos, uma vez que eles eram os responsá veis pelo que acontecia e també m os principais
beneCiciados.

Salmos Messiâ nicos


Existem diversos Salmos que tratam da vinda e dos
atos do Messias, os mais conhecidos sã o: Salmo 2, Salmo
8, Salmo 16, Salmo 22, Salmo 34, Salmo 35, Salmo 40,
Salmo 41, Salmo 45, Salmo 68, Salmo 69, Salmo 89, Salmo
102, Salmo 110, Salmo 118 e Salmo 132. Poré m aqueles
que sã o citados por Mateus sã o:
• Salmo 8 - citado em Mt 21.15-16
• Salmo 22 - citado em Mt 27.46
• Salmo 110 - citado em Mt 22.44
• Salmo 118 - citado em Mt 21.9


v.14-17 Os acontecimentos no templo, segunda parte.
Apó s atitudes tã o ferozes e palavras durı́ssimas de condenaçã o, a compaixã o de Jesus se
sobressaı́a. Repare que os cegos e mancos se aproximaram dele, dentro do templo, e ele os curou.
Pessoas com limitaçõ es fı́sicas eram normalmente desprezadas no templo, pois havia uma
concepçã o de que seus males eram derivados, ou de pecado, ou de puniçã o divina.
v.14 Και„ προσῆ λθον αυ† τῷ τυφλοι„ και„ χωλοι„ "E vinham até ele cegos e aleijados" Para os Cins
teoló gicos de Mateus (provar que Jesus de Nazaré é o Messias prometido de Israel) relatar os
milagres realizados é muito importante, pois serviam como prova da divindade de Jesus e da
chegada do Dia do Senhor. Por isso é importante a aCirmaçã o de que os cegos e aleijados vinham
até ele e nã o o contrá rio; pois assim reforça-se a imagem do cumprimento em larga escala do dia
profé tico. Apenas Mateus, dentre os autores sinó ticos, relata estes acontecimentos. Haviam
diversas profecias messiâ nicas que falavam da cura dos cegos, por exemplo: Is 29.18-19 "Naquele
dia os surdos ouvirão as palavras do livro, e, não mais em trevas e escuridão, os olhos dos cegos tornarão a ver.
Mais uma vez os humildes se alegrarão no Senhor, e os necessitados exultarão no Santo de Israel." e Is 42.7
"para abrir os olhos aos cegos, para libertar da prisão os cativos e para livrar do calabouço os que habitam na
escuridão.".

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v.15 ι†δοŒ ντες ... τα„ θαυμαŒ σια αÝ ε† ποιŒησεν "Vendo... as maravilhas que ele fazia" Com essa
aCirmaçã o, Mateus nos garante que os lı́deres do povo viam os sinais que comprovavam a
autoridade sobrenatural do Messias, e por essa razã o se tornavam culpados por nã o aceitar a
Jesus como o Cristo. A reaçã o dos meninos ao verem os milagres ecoava os brados dos peregrinos
durante a entrada do Messias na cidade. Outrora a multidã o se acanhara ao entrar em Jerusalé m,
talvez com medo da reaçã o dos lı́deres religiosos, e parara de gritar “Hosanna! ao Filho de Davi”.
Agora poré m as crianças clamavam a plenos pulmõ es, mesmo dentro do templo e na presença de
toda a liderança religiosa de Israel. Ao invé s de aceitarem esse testemunho, tal atitude despertava
o pior da parte daqueles homens vis. Mateus os descreve como aganakteo (indignados), sendo
que este verbo é usado apenas nos evangelhos sinó ticos, o que nos leva a acreditar que a reaçã o
deles foi ú nica.
v.16 "Não estás ouvindo o que estas crianças estão dizendo?" Esperando que Jesus desaprovasse
a atitude das crianças, os sacerdotes o instigam a fazer algo. Pela fala dos religiosos percebemos
que eles viam a açã o dos pequeninos como um absurdo que devia ser parado imediatamente.
"Respondeu Jesus: "Sim, vocês nunca leram?" A pergunta de Jesus envolve uma forte dose de
sarcasmo, pois ao postular que o maiores especialista nas Escrituras Sagradas nã o conheciam
uma passagem era por si só um forte ato de repudio. O Mestre poré m via nas crianças a pureza
divina, e por isso cita outra passagem, desta vez Sl 8.2 “Da boca dos pequeninos e de bebês 1izeste brotar
força [ou louvor], por causa dos teus adversários, para fazer calar o inimigo e vingador.” Grifo do autor. Ao
aceitar o louvor dos infantes, Jesus reivindicava a posiçã o de Messias e ao citar o Salmo, també m
atacava os chefes dos sacerdotes e os mestres da Lei, pois a continuaçã o do verso, diz: "para
silenciar o inimigo que busca vingança." OBS: a palavra traduzida por "força" no Salmo, també m pode
signiCicar louvor, o que justiCica o uso, por parte de Mateus, da palavra αι¨νον a qual exprime
"louvor" neste versı́culo.
Sendo está uma citaçã o de acordo com a LXX, já que os textos hebraicos posteriores
dizem “1irmaste o teu nome” ao invé s de “1izeste brotar força”. Nada ofendia tanto um religioso que
acusá -lo com seus pró prios textos sagrados.
Alguns chegaram a postular que muitas daquelas crianças talvez estivessem no templo
pela primeira vez, possivelmente celebrando sua chegada a maioridade religiosa. E por isso os
lı́deres religiosos se incomodaram tanto, pois eles podiam estar perdendo uma nova geraçã o de
devotos.(10) Isso é possı́vel, mas o texto nã o nos fornece informaçõ es suCicientes para sustentar
essa aCirmaçã o.
v.17 Και„ καταλιπω„ν αυ† του„ ς "E, deixando-os" EN possı́vel que Mateus deseje comunicar que
Jesus virou as costas aos sacerdotes e saiu andando enquanto eles ainda falavam
Por Cim Mateus acha por bem nos localizar um pouco melhor e nos avisa que Jesus
deixou a cidade para passar a noite em Betâ nia. EN bem possı́vel que o Mestre tenha passado a
noite na casa de Marta, Maria e Lá zaro.

Mt 21.17-22.14 O trecho que se inicia aqui e segue até Mt 22.1-14 apresenta uma sé rie
de reprovaçõ es que o Messias faz contra a naçã o e seus lı́deres. Ele també m é conhecido por sua
trilogia de pará bolas iniciadas em 21.28 com a pará bola dos dois Cilhos, seguida pela pará bola dos
trabalhadores maus em 21.33 e concluı́da com a pará bola da festa de casamento em 22.1
Nã o é de se estranhar que Jesus optasse por apresentar seu ensino corretivo na forma de
pará bolas, pois este é um dos modos mais facilmente reconhecidos de seu kerygma; ou como
disse Joachim Jeremias: "Quando lemos as parábolas é como se estivéssemos bem diante de Jesus"(4) As
pará bolas sã o tã o caracterı́sticas dos ensinos do Mestre que, em todo o Novo Testamento, apenas
o autor da epı́stola aos hebreus usa este termo novamente (Hb 9.9). Assim, é muito comum, ao
ouvirmos falar de "pará bola" nos lembrarmos de Jesus, o Cristo. Alguns estudiosos divergem na
questã o da rejeiçã o, o ponto central do debate se relaciona a quem estava sendo rejeitado: 1) os
lı́deres religiosos, 2) a naçã o incré dula, 3) ambos. Segue-se um esboço dos atos de reprovaçã o
realizados pelo Cristo de Deus:
1. Mt 21.18-22 1º ato de condenação – A Cigueira infrutı́fera
2. Mt 21.23-27 A origem da autoridade do Messias
3. Mt 21.28-32 2º ato de condenação - Pará bola dos dois Cilhos
4. Mt 21.33-46 3º ato de condenação - Pará bola dos trabalhadores maus
5. Mt 22.1-14 4º ato de condenação - Pará bola da festa de casamento

293
També m é fundamental notar que o contraste entre palavras e atitudes é a tô nica aqui, e
será cada vez mais evidenciado enquanto este trecho avança apó s o questionamento sobre a
autoridade do Cristo. O primeiro Cilho diz que nã o irá , mas vai, enquanto o segundo diz que irá à
vinha, mas nã o vai,. Os trabalhadores deveriam assumiram a responsabilidade de cuidar da vinha
para o dono quando a arrendaram, mas nã o o fazem e tentam usurpar a propriedade
assassinando o Cilho do dono. Já os convidados para a festa, que deveriam Cicar felizes com o
convite, rejeitam o chamado.

v.18-22 1º ato de condenação – A digueira infrutífera


Na manhã seguinte Jesus, seus apó stolos, e demais acompanhantes saı́ram de Betâ nia em
direçã o a Jerusalé m. No caminho eles passaram por Betfagé (‫ בית פאני‬ΒηθφαγηŒ , Bēthphagē) que
em Aramaico signiCica “lugar de 1igos jovens”(2), o que, como o pró prio nome indica, era uma regiã o
com muitas Cigueiras. Esta é a razã o do Mestre ter utilizado uma Cigueira como ilustraçã o de seu
ensino e nã o uma outras espé cie de á rvore frutı́fera. Enquanto o evangelista Marcos diz "Quando se
aproximaram de Jerusalém e chegaram a Betfagé e Betânia, perto do monte das Oliveiras", Mateus, cita
apenas Betfagé . Essa parece ser uma caracterı́stica redacional do autor, o qual costuma omitir
detalhes redundantes e que tornem a leitura mais morosa. Para o ex-coletor de impostos o ritmo
e a poesia se sobrepõ e a melodia da trama.
Thomas de Aquino fez algumas observaçõ es interessantes a respeito de Betfagé em seu
livro Catena AN urea(16), onde ele cita diversos teó logos da antiguidade, como por exemplo:
.

1. Orígenes de Alexandria por volta de A.D. 230: Donde Betfagé é interpretada: A casa
do ombro; porque o ombro era a porçã o do sacerdote na lei.
2. Remígius de Anxerre A.D. 880: Betfagé era uma pequena vila de sacerdotes.

Nã o podemos conCirmar as informaçõ es trazidas por Aquino, mas serve-nos ao menos
com curiosidade a respeito do tema.

v.18 "Jesus teve fome." Apesar do uso de Ciguras de linguagem possuir um cunho
pedagó gico, aqui encontramos uma pequena dica deixada pelo autor, que nos apresenta uma
situaçã o real da vida. Sua funçã o é mostrar que Jesus tinha necessidades humanas e assim servir
como refutaçã o a todo tipo de docetismo, pois sendo Jesus 100% homem, ele sentiu todas as
limitaçõ es que nosso corpo sente.
v.19 "Vendo uma 1igueira à beira do caminho, aproximou-se dela, mas nada encontrou, a não ser
folhas" Uma explicaçã o deve ser feita aqui, pois pode parecer que o Mestre intentava comer uma
fruta que nã o lhe pertencia, o que seria roubo. A Lei mosaica permitia que um viajante se
alimentasse de frutos a beira do caminho conforme diz Dt 23.24-25 "Se vocês entrarem na vinha do
seu próximo, poderão comer as uvas que desejarem, mas nada poderão levar em sua cesta. Se entrarem na
plantação de trigo do seu próximo, poderão apanhar espigas com as mãos, mas nunca usem foice para ceifar o
trigo do seu próximo."
Pela forma que o Mestre agirá percebemos que ele esperava realmente encontrar frutos
naquela á rvore, o que reforça a mensagem condenató ria contra Israel, pois era esperado que eles
produzissem frutos e compreendessem que Jesus era o Messias. Lembre-se da pregaçã o de Joã o,
o batizador, a qual ecoava no vale do Jordã o "Dêem fruto que mostre o arrependimento!" Uma questã o
textual pode ser observada aqui, onde o uso do adjetivo acusativo feminino μιŒαν - mian pode ser
traduzido como o numeral um ou como "ú nica" e assim dando um pouco mais de foco na á rvore
em si. Caso seja essa a traduçã o mais adequada, a qual já é utilizada pela LEB e pela NASB, surge a
percepçã o de que na "cidade dos Cigos" que é Betfagé , nã o tinha nenhum Cigo para aquele que é
dono do mundo todo. A referê ncia clá ssica do Antigo Testamento está contida em Jr 8.13 "Eu quis
recolher a colheita deles, declara o Senhor. Mas não há uvas na videira nem 1igos na 1igueira; as folhas estão
secas. O que lhes dei será tomado deles" Ainda que na lamú ria de Jeremias haja a descriçã o das folhas
estarem secas, e no caso de Mateus as folhas estã o bem vistosas, parece-me vá lida a referê ncia.
Caso você já tenha tido algum contato com uma Cigueira, saberá que a á rvore nã o tem
muitas folhas durante o ano, e em diversos casos ela tem até mais frutos do que folhas. Aqui em
meu quintal eu tenho uma Cigueira, com poucas folhas, e posso imaginar o quã o saudá vel e
especial seria aquela á rvore que Jesus visitou cheia de folhas. Dessa maneira podemos perceber
porque ele se incomodou tanto, pois era para aquela á rvore ter frutos. Pode haver aqui també m

294
uma repreensã o velada contra o farisaı́smo, o qual era notó rio por se mostrar como justo, mas
que carecia de frutos verdadeiros.
Sem rodeio algum, o Mestre profetiza ΜηκεŒ τι ε† κ σοῦ καρπο„ ς γεŒ νηται ει†ς το„ ν αι†ῶνα "Que
nunca mais dê frutos" Algumas traduçõ es equivocadamente acrescentam um ponto de exclamaçã o
nesta frase, poré m o texto grego nã o permite isso. A razã o é que o verbo γεŒ νηται está conjugado
na voz mé dia e no modo subjetivo, nã o no ativo imperativo. Assim, as palavras de Jesus nã o
soaram com uma ordem direta, mas sim como uma consideraçã o quase melancó lica tendo o povo
de Israel em mente. Na linguagem atual soaria mais ou menos como "que, de ti, nunca mais saia
fruto", onde o agente da açã o seria a pró pria Cigueira e nã o as palavras do Senhor.
“E a 1igueira secou imediatamente” Fica nı́tida a razã o de Mateus inserir a descriçã o da
á rvore secando tã o prontamente. Como Jesus nã o disferiu sua có lera contra a á rvore, nã o evocou
seu poder sobrenatural e sequer demonstrou sua autoridade divina determinando sua
deterioraçã o imediata; talvez por isso Mateus se sentiu compelido a nos destacar o quã o
extraordiná rio foi o acontecimento.
v.20 "Vendo isto os discípulos, admiraram-se e exclamaram: Como secou depressa a 1igueira!" Eles já
haviam visto Jesus cessar uma tempestade, expulsar demô nios e curar uma mirı́ade de enfermos;
entã o porque de tanta surpresa. "Como a 1igueira secou tão depressa" inquiriram eles? Uma leitura
superCicial poderia nos levar a crer que a atitude dos discı́pulos tivesse sido boa, mas o contexto
seguinte nos revela que nã o foi exatamente assim. Enquanto eles se admiravam com o fatı́dico
destino da á rvore, eles perdiam o foco na condenaçã o iminente de Jerusalé m; aCinal o motivo
deste evento nã o era mostrar que o Cristo podia secar á rvores, mas sim que a Cidade Santa nã o
tinha nenhum fruto santo para a apresentar ao Rei do Universo.
v.21 "Em verdade vos digo" ΑŸμη„ ν λεŒ γω υ¡ μῖν O texto traduzido normalmente nã o consegue
apresentar o peso original de algumas expressõ es, sendo que aqui o Professor chama a atençã o
de maneira bem efusiva atravé s do Amém légo hymin. Para trazer seu alunos de volta para a liçã o,
o Mestre tira o foco de sobre a pequena á rvore e mira em um alvo muito maior. Muito maior.
"se tiverdes fé e não duvidardes" Pautado no entusiasmo exagerado dos discı́pulos, Jesus
apresenta uma nova liçã o aproveitando-se de toda a atençã o que ele deram à s palavras de fé
proferidas pelo Messias. A partir de agora este será o cerne do ensino.
"se a este monte disserdes: Ergue-te e lança-te no mar, tal sucederá;" τῷ οª ρει τουŒ τῳ Tō (artigo,
dativo, singular, neutro) Orei (substantivo, dativo, singular, neutro) Touto (pronome,
demonstrativo, dativo, singular, masculino). Pela construçã o do texto Cica evidente que o Mestre
se referia a uma monte bem especı́Cico. Mas qual seria ele? Existe uma tendê ncia de Mateus
retratar montanhas especı́Cicas sem lhes dar nomes, veja os exemplos de Mt 4.8, 5.1, 17.1, 17.20 e
28.16. Devido a caracterı́stica ı́ngrime do caminho entre Jericó e Jerusalé m, uma sé rie de
montanhas podem ocupar o espaço deixado em aberto pelo autor. Para tentar elucidar essa
questã o, alguns sugeriram o Monte Siã o ou o Monte das Oliveiras como o alvo apontado pelo
Cristo, outros ainda mais ousados apontaram o pró prio Templo como o alvo. Poré m nã o nos
parecem ser soluçõ es viá veis, aCinal, porque Jesus sugeriria que lugar importantes na
religiosidade judia e cristã fosse destinados a destruiçã o? E, como nã o existe algum mar visı́vel
pró ximo dessas localizaçõ es, surgiria uma outra diCiculdade a ser explicada. Bem, existe uma
possibilidade que desperta minha curiosidade: o Herodium. Na verdade o Herodium era um
misto de montanha natural e fortaleza/palá cio de verã o que o rei Herodes, o Grande, mandara
construir na beira do deserto, a uns 12km de Jerusalé m e quase na metade do caminho para
Jericó . Do alto do Monte das Oliveiras era possı́vel vê -lo imponente sobre a paisagem uma vez que
seu formato a tornava ú nica no mundo antigo. Quando Jesus faz mençã o a "dizer a este monte:
Ergue-te" seus ouvintes se lembrariam que parte signiCicativa daquele outeiro tinha sido erguida
com material movido de outras montanhas da regiã o, daı́ sua forma arredondada (inclinada a
precisos 32º) e elegante simetria. Já a expressã o "lança-te no mar" possuı́a o cará ter expurgativo,
normalmente associado a puriCicaçã o da idolatria(15), por isso essa que montanha/fortaleza
representava tudo o que os judeus odiavam, ou seja, a ocupaçã o gentia, o rei usurpador e os
costumes pagã o, parece-me o candidato ideal.
v.22 "e tudo quanto pedirdes em oração, crendo, recebereis." Ele ensina para os apó stolos que a
fé é capaz de coisas inimaginá veis. Compreendendo a Cigura do monte, entenderemos que Jesus
ensina que pela oraçã o, até a ocupaçã o pagã da Terra Santa seria cessada. Apenas duas atividades
espirituais sã o demandadas para mudar o mundo: Oraçã o e Fé .

295
Logo adiante veremos os lı́deres do povo questionando a autoridade de Jesus, poré m
aqui, percebemos que a Cigueira foi mais sá bia que as maiores autoridades religiosas da cidade de
Jerusalé m.

v.23-27 A origem da autoridade do Messias


v.23 Apó s o episó dio com a Cigueira infrutı́fera, o grupo chega novamente ao templo, onde
Jesus inicia seu ensino diante de todos, e os lı́deres religiosos nã o se conformam com isso. Eles o
questionam veementemente buscando saber a origem de sua autoridade. "os chefes dos sacerdotes e
os líderes religiosos do povo e perguntaram: "Com que autoridade estás fazendo estas coisas? E quem te deu tal
autoridade" Pela dobra na pergunta do religiosos, Cica nı́tida a temá tica do trecho: a autoridade do
Messias. Atravé s desse recurso podemos imaginar uma sé rie de perguntas sendo feitas uma em
cima da outra.
οι¡ πρεσβυŒ τεροι τοῦ λαοῦ - hoí presbiteroi tou laou "os anciã os do povo" Muito
interessante també m é a forma peculiar de Mateus aCirmar que aquelas pessoas representavam
toda a naçã o. Essa construçã o é muito incomum e demonstra que o autor, inspirado em seu texto,
pretendeu enfatizar a representatividade dos anciã os presentes. Apenas lembrando que o termo
"anciã os" na cultura oriental antiga representavam aqueles que tomam as decisõ es pelo povo. O
texto de 2Cr 19.8 nos demonstra muito sobre como esses anciã o operavam: "estabeleceu aí Josafá
alguns dos levitas, e dos sacerdotes, e dos cabeças das famílias de Israel para julgarem da parte do Senhor e
decidirem as sentenças contestadas."
Essa observaçã o é importante para compreendermos a extensã o da trilogia de pará bolas
que virá nos pró ximos trechos do ensino.
v.24-26 Para lidar com essa pressã o, Jesus utiliza a mesma té cnica rabı́nica que os
fariseus tentaram usar contra ele durante o debate a cerca do divó rcio (Mt 19): assumir uma
posiçã o contrariando outra. Se naquela oportunidade eles queriam que o Mestre tomasse posiçã o
em relaçã o a um dos dois rabinos, Hilel ou Shammai; aqui vemos o Professor fazendo o mesmo, e
encurralando os “doutores” da lei. Eles tinham duas opçõ es: 1) admitir que Joã o era um profeta e
batizava em nome de Deus, ou 2) negar a inspiraçã o divina nos atos de Joã o. Caso eles admitissem
que o batismo joanino era divino, eles admitiriam que Jesus (a quem o povo reconheceu como
profeta) tivesse a mesma autoridade para expulsar os cambistas no dia anterior. Caso negassem a
espiritualidade de Joã o e sua funçã o como profeta, por consequê ncia eles també m negariam o

296
Cristo. Ambas as posiçõ es trariam consequê ncias difı́ceis de se lidar. No versı́culo 25 o verbo
διελογιŒζοντο - dielogízonto, normalmente traduzido por discutiam/discorriam se encontra no
tempo verbal imperfeito do indicativo e na voz mé dia/passiva, sendo que essa conjugaçã o nos faz
entender que aqueles homens nã o chegavam a uma conclusã o. Isso demonstra o grau de
complexidade da questã o proposta pelo Messias.
Com receio da reaçã o que a multidã o poderia ter, os religiosos nã o ousam tomar uma
atitude contrariando o ensino de Joã o, o Batizador, o qual o povo considerava profeta. Essa
reaçã o já havia sido descrita quando Herodes, o tetrarca, havia prendido o profeta. cf.Mt 14.5
"Herodes queria matá-lo, mas tinha medo do povo, porque este o considerava profeta." E uma vez que eles
nã o souberam responder, Jesus també m se recusa a responde-los.
Na redaçã o de Mateus podemos encontrar traços de seu talento literá rio, e este é um dos
exemplos mais harmô nicos do livro. Para formatar este inclusio o apó stolo utiliza no versı́culo 23
a frase "Com que autoridade estás fazendo estas coisas" e Cinaliza no versı́culo 27 com a mesma frase
"Tampouco lhes direi com que autoridade estou fazendo estas coisas"
O aspecto teoló gico també m precisa ser evidenciado por Mateus, assim apó s relatar a
condenaçã o de todo o Israel por nã o ter dado frutos de arrependimento (mediante o que
aconteceu à Cigueira), o autor ressalta que o Messias possuı́a a autoridade necessá ria para isso. E
com o relato da discussã o no templo e da trilogia de pará bolas que se segue, encontramos todo o
embasamento para a autoridade do Cristo.

v.28-32 2º ato de condenação – Parábola dos dois dilhos


Tenha em mente que Mateus está descrevendo um combate corpo-a-corpo ocorrido
dentro do templo de Jerusalé m. Os lı́deres religiosos atacaram primeiro, enquanto Jesus ao
mesmo tempo que se esquivava do ataque já se colocava em posiçã o de iniciar o contra-ataque. O
conClito era caloroso, com partidá rios de ambas as partes dispostos a atos extremos para tentar
impor seu ponto de vista. Os grupos estavam literalmente um de frente ao outro, com uma grande
multidã o de peregrinos a seu redor, faltava apenas uma faı́sca para o barril de pó lvora estourar.

v.28 ΤιŒ δε„ υ¡ μῖν δοκεῖ - Ti de himin dokei? “Que vos parece?” Pode nos parecer inofensiva, até
gentil, a indagaçã o do Messias, mas nã o era. Este é o inı́cio do contra-ataque. Agora é a vez do
Professor fazer as perguntas e direcionar a conversa. Seguindo um estilo clá ssico e muito
difundido entre todas as culturas antigas, Jesus apresenta uma sé rie de perguntas para conduzir
seus alunos a uma conclusã o. Jesus propõ e uma pará bola falando da atitude de dois Cilhos em
relaçã o ao seu pai. O evangelista Mateus é o ú nico a registrar essa liçã o a respeito do dois Cilhos.
També m é interessante notar que alguns manuscritos antigos variam a ordem em que os Cilhos
sã o apresentados na pará bola(9); mesmo assim o sentido de comparaçã o entre os dois grupos
permanece vá lido.
Somos instruı́dos que aquele pai possuı́a dois Cilhos, sendo que o fato dele ter "chegado ao
primeiro 1ilho" nã o implica automaticamente que um fosse mais velho que o outro. A palavra grega
πρωŒτῳ - pró to implica que ele era o primeiro em uma ordem descritiva, nã o cronoló gica. O pai
diz: "vá trabalhar hoje na vinha" Nã o sabemos qual era o trabalho, mas no contexto do ensino
parabó lico, essa informaçã o é irrelevante.
Talvez a informaçã o mais relevante deste versı́culo passe desapercebida pela maioria dos
leitores. "Filho, vá trabalhar hoje na vinha" Como bem descreveu Snodgrass, K.: "As parábolas sobre
vinhas levantam a expectativa de que seu tema seja Deus e o seu povo ..." A passagem clá ssica a respeito da
vinha plantada por Deus está contida em Is 5.1-4 "Cantarei para o meu amigo o seu cântico a respeito de
sua vinha: Meu amigo tinha uma vinha na encosta de uma fértil colina. Ele cavou a terra, tirou as pedras e
plantou as melhores videiras. Construiu uma torre de sentinela e também fez um tanque de prensar uvas. Ele
esperava que desse uvas boas, mas só deu uvas azedas. "Agora, habitantes de Jerusalém e homens de Judá,
julguem entre mim e a minha vinha. Que mais se poderia fazer por ela que eu não tenha feito? Então, por que
só produziu uvas azedas, quando eu esperava uvas boas? Pois, eu lhes digo o que vou fazer com a minha vinha:
Derrubarei sua cerca para que ela seja transformada em pasto; derrubarei o seu muro para que seja pisoteada.
Farei dela um terreno baldio; não será podada nem capinada, espinheiros e ervas daninhas crescerão nela.
Também ordenarei às nuvens que não derramem chuva sobre ela". Pois bem, a vinha do Senhor dos Exércitos é
a nação de Israel, e os homens de Judá são a plantação que ele amava. Ele esperava justiça, mas houve
derramamento de sangue; esperava retidão, mas ouviu gritos de a1lição." Assim os ouvintes facilmente
saberiam do que o Jesus estava dizendo, ou seja, o tema era o fruto que o povo de Deus deveria
produzir neste mundo. Este tema da vinha será em muito ampliado na pará bola que vem a seguir.

297
v.29-30 ο¡ δε„ α† ποκριθει„ς ει¨πεν - Ho de aporrinheis eipen Está frase despretenciosa é
importante no estilo mateano de escreve. Normalmente traduzida por "Ele respondeu" como faz
a ARA, seria melhor traduzida se respeitasse o estilo de Mateus que diz "E ele respondeu
dizendo". Claro que parece um tanto redundante em nosso idioma, poré m é caracterı́stico do
apó stolo essa construçã o, tanto que ela ocorre 16 vezes em seu livro, enquanto os outros
evangelhos sinó ticos a utilizam apenas 3 vezes em Lucas e 2 vezes em Marcos. Enquanto Joã o
jamais a utilizou.
Enquanto o primeiro Cilho recusa inicialmente e depois aceita, o segundo Cilho segue o
caminho oposto, primeiramente aceitando e posteriormente rejeitando.
v.31 "Qual dos dois fez a vontade do pai?" O Mestre conclui o ensino utilizando uma dialé tica
de pergunta e resposta, o que por si só já demonstra o desejo de deixar os ouvintes em uma
posiçã o incô moda. O texto do apó stolo Mateus nos passa a sensaçã o de que prontamente eles
responderam, podemos descobrir isso pois o autor registra primeiro a fala e depois nos avisa
quem a havia pronunciado. A resposta nã o poderia ser diferente, entã o os religiosos dizem: ο¡
πρῶτος "o primeiro" Entendendo a temá tica da vinha, Cica mais fá cil descobrir que Jesus se referia
a cuidar do povo da aliança, e o fato dos religiosos nunca terem realizado esse trabalho
adequadamente.
"Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de
Deus." Quando parecia que a conversa estava se normalizando de uma maneira acadê mica, o
Cristo faz um ataque furioso contra seu oponentes. Podemos ouvir o rugido do Leã o de Judá
ressoando ainda hoje.
O Mestre aCirma que dois grupos de pessoas desprezados pelos religiosos, os coletores
de taxas e as prostitutas, que eram considerados imorais, entrariam no Reino antes dos mestres
da religiã o. Seria o mesmo que aCirmar que todo o sistema religioso judeu era menos digno que os
piores membros da sociedade israelita do primeiro sé culo. Vale lembrar que nosso autor, Mateus,
anteriormente fazia parte do grupo dos coletores de impostos.
Como se nã o bastasse tal aCirmaçã o Jesus faz algo ainda mais contundente e utiliza o
nome de Deus, dentro do templo de Deus. Lembre-se que o pró prio autor do nosso livro procura
utilizar a expressã o “Reino dos Cé us” no lugar de “Reino de Deus” para dessa forma nã o ofender o
povo judeu. Existe apenas uma ú nica outra passagem onde o tema "Reino de Deus" é utilizado, Mt
12.28 "certamente é chegado o reino de Deus sobre vós", logo apó s os fariseus cometerem o pecado de
acusar Jesus de expulsar demô nios pelo poder do maioral dos demô nios. Perceba que nas duas
ocasiõ es em que Mateus registra o Mestre utilizando essa expressã o existe um forte confronto. E
como este será o derradeiro embate entre o Messias e os religiosos corrompidos, nos parece que
a reaçã o de Jesus é proporcional e coerente. Agora imagine o Cristo, falando em voz alta a
respeito de Deus dentro do lugar mais sagrado para a religiosidade daquele povo. O objetivo era
chocar seus opositores, desestabiliza-los antes de prosseguir com sua argumentaçã o.
v.32 "João veio para lhes mostrar o caminho da justiça" A expressã o "caminho de justiça", muito
utilizada no Antigo Testamento, se relaciona com a vida correta e a fé na Lei de Deus e condiz
plenamente com a pregaçã o do Batizador. Fazendo um call-back, Jesus volta a falar de Joã o, o que
por si só já seria o suCiciente para deixar seus algozes extremamente desconfortá veis. Ele
novamente compara os religiosos a prostitutas e a coletores de impostos, o que obviamente era
muito incisivo e até um tanto ofensivo a todos os ouvintes. Por vezes imagino Jesus olhando para
Mateus de relance e dizendo: "ao passo que publicanos e meretrizes creram".
A comparaçã o entre Joã o, o precursor, e Jesus, o que viria apó s, é inevitá vel. Sendo que
Joã o, homem imperfeito, rejeitava a vida em comunidade enquanto Jesus, Deus perfeito, buscava
ardentemente o contato com seu povo. Joã o representava o Cinal do Antigo Testamento, enquanto
Jesus acenava o inı́cio do Novo Testamento. Seja como for, ambos foram rejeitados, assassinados e
com seus atos condenaram toda aquela geraçã o incré dula.

v.33-43 3º ato de condenação – Parábola dos trabalhadores maus
Sem dar tempo de seus opositores se articularem, Jesus propõ e outra pará bola. Agora o
ataque se intensiCica e os sacerdotes sentirã o o peso da acusaçã o do Deus-Homem. Desta vez ele
vai ainda mais fundo e mexe com os sentimentos de toda uma naçã o ao evocar a conhecida
pará bola da vinha. Essa pará bola, contida em Isaı́as 5.1-7 (o Salmo 80.8-16 també m trata do
mesmo tema) é a representaçã o poé tica da naçã o de Israel. Acompanhe o texto do profeta:
“Cantarei para o meu amigo o seu cântico a respeito de sua vinha: Meu amigo tinha uma vinha na encosta de uma
fértil colina. Ele cavou a terra, tirou as pedras e plantou as melhores videiras. Construiu uma torre de sentinela e também fez

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um tanque de prensar uvas. Ele esperava que desse uvas boas, mas só deu uvas azedas."Agora, habitantes de Jerusalém e
homens de Judá, julguem entre mim e a minha vinha.Que mais se poderia fazer por ela que eu não tenha feito? Então, por que
só produziu uvas azedas, quando eu esperava uvas boas? Pois, eu lhes digo o que vou fazer com a minha vinha: Derrubarei
sua cerca para que ela seja transformada em pasto; derrubarei o seu muro para que seja pisoteada. Farei dela um terreno
baldio; não será podada nem capinada, espinheiros e ervas daninhas crescerão nela. Também ordenarei às nuvens que não
derramem chuva sobre ela". Pois bem, a vinha do Senhor dos Exércitos é a nação de Israel, e os homens de Judá são a
plantação que ele amava. Ele esperava justiça, mas houve derramamento de sangue; esperava retidão, mas ouviu gritos de
a1lição.”

Todo judeu sabia como a pará bola começava e como ela terminava; sabia que a cançã o
tratava do amor daquele que plantou a vinha e que lidava com a vilanisse daqueles que
representavam seus frutos. Aqui o Mestre faz uma alusã o ao profetas que vieram preparando o
caminho do Messias e que foram assassinados pelos lı́deres do povo, nã o por estrangeiros. E
vemos que ele se coloca como o Filho de Deus, ao falar do destino do Cilho do dono da vinha.
v.42 Aqui a citaçã o é oriunda de Sl 118.22-23 "A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio
a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos." e serve de base
para o que será dito a seguir. A multidã o de visitantes certamente reconhecia o texto uma vez que
o havia citado um dia antes durante a entrada triunfal de Jesus em Jerusalé m.
v.43 Este versı́culo possui muitas implicaçõ es teoló gicas. Duas posiçõ es sã o propostas
sendo que a primeira e mais aceita delas (e que possivelmente é a menos prová vel), tem efeitos
gigantescos em toda a humanidade.

1. O Reino de Deus foi retirado dos judeus Para os que defendem esta posiçã o, a Igreja é
o povo que tomou o lugar dos judeus no Reino de Deus; o que é uma aCirmaçã o muito
forte e traz muitas complicaçõ es. Eles se baseiam na palavra ethnei traduzida por
pessoas (també m signiCicando povo ou naçã o) que aqui aparece sem o artigo. Como
ethnei está no singular, os defensores desta posiçã o aCirmam que e o termo é referente a
um ú nico povo e nã o as naçõ es gentı́licas em geral. Indo um pouco mais alé m, e
certamente fora do texto de Mateus, eles buscam respaldo em Rm 10.19 (um texto
paulino) para aCirmar que a Igreja é a naçã o. O pró prio texto de Romanos, em 11.15,25 ,
aCirma que o Reino nã o seria tomado de Israel para sempre e que a Igreja nã o estaria
tomando posse do Reino de imediato.
2. O Reino estava sendo retirado, mas voltaria a ser oferecido no futuro Atravé s das
promessas incondicionais do Senhor, seria impossı́vel apagar Israel e transferir as
alianças feitas para um outro povo. A rejeiçã o, por parte de Deus, seria momentâ nea e
aqui entendemos a palavra ethnei no sentido de “geraçã o”. Uma base para essa
interpretaçã o é Mt 23.36, que é um texto mateano relatando palavras do pró prio Jesus.
Uma boa medida para se analisar um vocá bulo das escrituras é primeiro compreender
como um certo autor o emprega, pois existe variaçõ es entre o modo de escrever de
Mateus, Paulo, Pedro e Joã o. Por isso creio que seja mais correta essa segunda posiçã o,
que defende que no futuro o Reino voltará a ser oferecido e que as promessas
incondicionais, referente a Israel, serã o cumpridas por Deus
v.44 Seja como for, ao rejeitar Jesus, a Rocha, os lı́deres religiosos se tornavam ré us de
serem esmagados. Assim como a Rocha servia de alicerce para os que nele conCiassem, ela seria
uma arma de condenaçã o para os que rejeitavam a mensagem divina. De acordo com o relato
bı́blico, mesmo uma pequena pedra de rio pode destruir o maior guerreiro da antiguidade. cf.
1Sm 17.40
A respeito deste versı́culo, algumas questõ es textuais foram levantadas no passado. Um
conhecido manuscrito chamado D ou Bizantino, omite este versı́culo. Sendo que esse manuscrito
é uma das bases para o Texto Majoritá rio, uma consideraçã o mais elaborada se faz necessá ria.
Ainda assim, a pró pria compilaçã o do texto Majoritá rio, como a quase totalidade dos textos
antigos e mais reconhecidos (‫א‬, B, C, K, L, W & Z), inclui o versı́culo 44. Nos ú ltimos anos apenas
um estudioso levantou questõ es contra esse trecho, e com base em um ú nico fragmento do texto
de Mateus, conhecido por 𝕻104 (Papiro 104)(3).

299
A Rocha
Este substantivo, que em grego se escreve λίθος (lithos) e em hebraico ‫( ַסֽ ְל ִע‬se-la), possui
grande significado teológico. Ela em usada no Salmo 18 e Dt 32.4 para ser referir a Deus, em Isaías
28.16 é descrita como a fundação confiável, e como metáfora messiânica em Daniel 2.44-45. Em uma
sociedade que baseava suas construções em pedras, o simbolismo seria muito mais evidente do que
para nós que estamos acostumados a construções de alvenaria. Alguns capítulos atrás, o próprio
Jesus fez uma ilustração colocando Pedro como a rocha sobre a qual a igreja seria edificada.

v.45-46 "entenderam que era a respeito deles que Jesus falava;" A reaçã o dos sacerdotes e dos
fariseus
Sendo pessoas muito inteligentes e educadas academicamente no assunto, os sacerdotes
e os fariseus perceberam que Jesus os estava condenando publicamente. Parece que a multidã o
que os cercava nã o havia compreendido todas as implicaçõ es do que estava ocorrendo mas ainda
assim estavam do lado de Jesus. Seja como for, aqueles homens nã o podiam tolerar tamanha
afronta dentre de sua pró pria casa, aqui me reCiro ao templo. A rejeiçã o a oferta do Reino agora
atinge um novo patamar, passa a ser uma trama de morte.
Eles pensaram em prendê -lo, mas como a multidã o o considerava profeta e
aparentemente concordava com o que ele estava dizendo, os religiosos Cicaram com medo de
fazer algo. Como dito anteriormente, aquelas pessoas eram muito inteligentes e aprenderam com
o pró prio Jesus que o grupo que controlasse a multidã o controlaria a situaçã o. Essa mesma
estraté gia será utilizada por eles em breve durante o julgamento de Cristo. Por hora Jesus, estava
fora do alcance deles, nã o importa o quanto protestassem.

Assim como os sacerdotes, nó s nã o podemos chegar a outra conclusã o a nã o ser
compreender que existe uma linha de pensamento interligada por todo o capı́tulo. Ela se inicia
com a repreensã o à Cigueira, que representa Jerusalé m e seu povo, muito frondoso, poré m sem
frutos, passa pela pará bola dos Cilhos, mostrando que os religiosos haviam aceitado a funçã o de
cuidar da naçã o mas nã o o Cizeram, e por ú ltimo o relato de que dentro da vinha, aqueles homens
maus assassinaram todos os que foram enviados pelo Senhor.

(1) de acordo com o dicioná rio DBL Greek


(2) de acordo com The Lexhan Bible Dictionary
(3) Gregory R. Lanier, A Case for the Assimilation of Matthew 21:44 to the Lukan “Crushing Stone” (20:18), with
Special Reference to 𝕻104
(4) Jeremias, J - Gleichnisse - p.7
(5) Walvoord, J e Zuck, R - The bibe knowledge commentary
(6) Beale, G., Carson D. - Comentário do uso do At no Nt - p.78
(7) Carson, D - Comentário do uso do At no Nt - p.437
(8) Kinman, Brent - Jesus 'triumphal entry' in the light of pilate's
(9) Wescott, B e Hort, F - Introduction to the New Testament in the original greek: appendix - p.16 e Utley, B. - The 1irst
Christian Premier: Matthew - p.177
(10) Barbieri, L. A., Jr. - Mateus. Em J. F. Walvoord e R. B. Zuck (Eds.), O Comentá rio do Conhecimento da Bı́blia: Uma
Exposiçã o das Escrituras (Vol. 2, p. 69).
(11) Snodgrass, K - Compreendendo todas as Parábolas de Jesus" - p.60
(12) Josejo, F. - Guerras dos Judeus - 2.280 e 6.425
(13) Harber, S - Going Up - p.185-186
(14) Riddle, A.D. - The Passover Pilgrimage from Jericho to Jerusalem - In B. J. Beitzel & K. A. Lyle (Eds.), Lexham
Geographic Commentary on the Gospels - p.398
(15) A Mishiná Avodah Zarah 3:3, 9 descreve a seguinte situaçã o: utensı́lios com Ciguras pagã s ou madeira associada
ao culto pagã o devem ser descartados jogando-os no Mar Morto.
(16) Thomas Aquinas. (1841). Catena AN urea: Commentary on the Four Gospels, Collected out of the Works of the
Fathers: St. Matthew. (J. H. Newman, Ed.) (Vol. 1, p. 704)

300
Mateus 22

v.1-14 Parábola da festa de casamento


Em um debate entre judeus a ê nfase em algum assunto nã o é dada pelo tom da voz como
em nossa sociedade, muitas vezes o peso do que está sendo dito é demonstrado na forma da
repetiçã o. EN exatamente o que acontece aqui. Jesus refaz a mesma acusaçã o de que o povo
escolhido havia rejeitado sua posiçã o e por isso o lugar estaria sendo oferecido a outro povo.
Primeiro foi a pará bola do dois Cilhos, segundo a pará bola dos trabalhadores na vinha e por Cim
temos a pará bola do casamento.
Ainda que nã o seja ideal alegorizar uma pará bola, aqui Cica quase impossı́vel nã o
procurar interpretar diversos aspectos do texto. Uma vez que o pró prio texto diz, trata-se de uma
pará bola e dessa maneira devemos lidar com ela.
v.1 O inı́cio do versı́culo nã o é muito complexo de se traduzir, poré m as versõ es mais
utilizadas em portuguê s nã o sã o muito felizes em fazê -lo. O sentido mais correto seria: “E Jesus
respondendo, tornou a lhes falar por parábolas” Sendo honesto com o texto grego, somos colocados na
posiçã o de explicar “a que Jesus respondeu” mas esta nã o é a funçã o do tradutor e sim do
expositor bı́blico. Neste caso o verbo “responder” está relacionado ao que aconteceu
anteriormente, ou seja, a atitude que os sacerdotes tiveram de querer prende-lo. Percebe-se que o
Mestre nã o se sentiu coagido a parar de ensinar, mesmo diante da belicosa atitude dos
sacerdotes. Pelo contrá rio, ele volta a reaCirmar o que havia dito anteriormente e assim Cica claro
que tipo de resposta estava sendo dada.
v.2-4 Encontramos a fó rmula tradicional utilizada pelo Messias “O Reino do céu é semelhante
a …” ConCira o capı́tulo 13 e você irá se deparar com esta expressã o diversas vezes.
A Cigura do banquete é uma alusã o conhecida, e representa a restauraçã o que o Messias
havia de trazer. Podemos encontrá -la em Is 25.6 “Neste monte o Senhor dos Exércitos preparará um
farto banquete para todos os povos, um banquete de vinho envelhecido, com carnes suculentas e o melhor
vinho.”.
v.3 Aqui temos uma construçã o interessante no grego, pois o texto diz “chamar os
chamados” ou “reunir os chamados”. Alguns propuseram se tratar de uma base para o doutrinada
eleiçã o, mas parece nã o ser este o objetivo primá rio do texto. Uma questã o hermenê utica
importante a ser lebrada é que os convites naquele tempo eram feitos em duas etapas, primeiro
se convidava as pessoas, e segundo, no momento em que a festa iria se iniciar acontecia um
segundo chamado. O sentido mais correto é compreender que os judeus, que já eram a naçã o
chamada, estavam sendo chamado para comemorar a festa que estava para se iniciar na presença
do Messias. O que invalida a tentativa de justiCicar a eleiçã o salvı́Cico é no caso da pará bola, os que
já haviam sido “chamados” acabam por rejeitar a segunda convocaçã o e por consequê ncia o
Messias.
v.6 Nesta quarta pará bola de rejeiçã o vemos elementos de todas as anteriores. Repare
como o versı́culo 6 faz uma direta conexã o com a pará bola anterior, mais precisamente Mt 21.35
v.7 O convite fora feito para os que já haviam sido chamados, ou seja, os judeus. Como
eles rejeitaram sistematicamente todos os chamados, eles se tornaram inimigos daquele rei. A
retaliaçã o por parte do rei aos que rejeitaram seu convite se tornou real no ano 70A.D quando os
exé rcitos romanos destruiram a cidade e quase todos seus habitantes.
v.10 Os servos reuniram todos que puderam encontrar tanto os considerados bons
quanto os maus. Aqui vemos muito sobre o mé rito daquele que convida e compreendemos que o
chamado nã o é baseado nas qualidades das pessoas. O chamado nã o se baseia em algo praticado,
na realidade, o chamado tem como ú nico crité rio a vontade do rei.
v.11-12 Ainda que o convite tenha sido feito a todos, mesmo aos maus, isso nã o exime os
convidados de ser prepararem para o evento, aCinal é esperado que cada um se apronte para a
chegada do rei. Esse fato é demonstrado na Cigura do convidado que nã o trajava as vestes festivas.
Interessante é que nã o sabemos se esse convidado fazia parte do grupo dos “bons” ou dos “maus”.
v.13 Encontramos mais uma expressã o comum de Jesus “lancem-no para fora, nas trevas; ali
haverá choro e ranger de dentes’.” Podemos encontrá -la també m em 8.12; 13.42, 50; 24.51; 25.30.

301
v.14 Eis um resumo de tudo o que fora dito durante as 4 pará bolas da rejeiçã o “muitos são
chamados, mas poucos são escolhidos”. Muito fora dito durante o embate com os sacerdotes no pá tio
do templo, e nosso autor nos apresenta este resumo, para que o liçã o principal fosse melhor
exposta. Aqui, Jesus ensina que os judeus sã o o povo chamado pelo Senhor, mas nem por isso
todos eles sã o escolhidos. A principal razã o disso é que os pró prios judeus rejeitam
continuamente a Cristo, ainda que no futuro haja a promessa de restauraçã o a eles. O tema da
rejeiçã o é muito mais intenso se entendido como algo continuo e nã o como apenas uma decisã o
errada do passado. O ato daqueles lı́deres religiosos ainda eco em nossos dias, sendo que a
rejeiçã o dos judeus a Jesus é a mesma que a daqueles homens.
A parte triste dessa pará bola é que se tratava de uma festa, um momento de alegria e
celebraçã o. Devido ao desprezo e a maldade dos convidados originais o tema passa de alegre para
fú nebre, com rejeiçã o, choro e ranger de dentes.

Apó s tã o acalorado debate dentro do templo, acompanhamos a saı́da dos fariseus do
recinto; humilhados e derrotados na frente de toda a cidade. E assim se encerram os
acontecimentos, ao menos por enquanto.
Mateus aproveita para apresentar mais uma sé rie eletrizante de acontecimentos. Agora
acompanharemos o Mestre sendo atacado por trê s grupos de opositores: 1) fariseus c/ ajuda dos
herodianos, 2) saduceus e 3) o grande doutor da lei + todos os fariseus. Sã o trê s grupos de
religiosos que quase nada tinham em comum e que discordavam em pontos fundamentais do
judaı́smo, ainda assim eles se reunem para tentar derrubar o Cristo.

v.15-22 1º grupo de opositores – Fariseus + Herodianos


A mais arrogante e prepotente das facçõ es judaicas nã o toleraria a humilhaçã o sofrida
nos á trios do templo. Por isso uma resposta energé tica eles deviam apresentar em represá lia.
Veja como Mateus descreve que no exato momento em que eles saiam da presença de Jesus já
“começaram a planejar um meio de enredá-lo em suas próprias palavras.”

v.16 Talvez com medo de passar por mais um vexame, os fariseus enviam seus discı́pulos
para enfrentar verdadeiro Professor, de maneira que eles nã o fossem humilhados novamente.
Eles se aproximam com aparente reverê ncia e prestando honras ao grande Mestre opositor.
Atravé s de um tom sarcá stico eles chamam a Jesus de “mestre”, claro que era tudo hipocrisia e
que a estraté gia deles era nã o bater de frente com Jesus; ao menos naquele momento nã o. Para
mostrar que os enviados nã o tinham Cins tã o pacı́Cicos, eles levaram junto alguns dos Herodianos
que eram a guarda pessoal de Herodes Antipas. O mais surpreendente de tudo é que os fariseus e
os herodianos nã o eram aliados, tã o pouco se suportavam. Os fariseus eram contrá rios ao
imposto por algumas razõ es: 1) eles nã o aceitavam se submeter ao domı́nio gentio, 2) nas
moedas, o imperador era considerado um deus e 3) eles eram avarentos. Enquanto isso os
herodianos, defendiam Herodes que era um governante imposto pelos dominadores romanos e
que se sustentavam das taxas cobradas do povo. Uma combinaçã o perniciosa havia sido feita, pois
caso Jesus se posicionasse a favor de um dos grupos, o outro estaria pronto para condená -lo. O
modo de pensar dos fariseus era o mais comum, sendo abraçado por quase a totalidade do povo.
v.17 Em um momento de turbulê ncia polı́tica, qualquer atitude abrupta poderia levar ao
caos; e a histó ria mostra que os judeus eram propensos a esse tipo de atitude. Lembrando que
eles estavam na é poca da Pá scoa e que milhares de peregrinos tomavam cada centı́metro da
cidade. Se o Messias, de dentro do templo, conclamasse o povo a se rebelar contra o impé rio,
haveria guerra por toda a Judé ia. E aqui os fariseus procuravam enredar a Jesus utilizando-se de
uma pergunta capciosa, ainda que muito bem formulada: “Dize-nos, pois: Qual é a tua opinião? É certo
pagar imposto a César ou não?” Perceba que eles nã o fazem referê ncia a Lei de Moisé s, as tradiçõ es
ou a qualquer fonte externa, apenas uma coisa importa: “Qual é a tua opinião?” O objetivo real era
colocar Jesus contra uma das duas posiçõ es, a dos Fariseus/povo ou a dos Herodianos/governo
romano.
v.18 Jesus, sem rodeios, os chama de υ¡ ποκριταιŒ (hipó critas). Aqui temos um pronome
usado no Caso Vocativo, o que expressa uma acusaçã o direta aqueles homens, por isso algumas
traduçõ es, corretamente, utilizam o ponto de exclamaçã o aqui. Infelizmente a NKJV Cica muito
distante do sentido correto desta acusaçã o.
v.19-21 Vemos uma cena parecida com a relatada Mt 17.24-27, onde Jesus paga o imposto
do templo. A liçã o principal é que os cidadã os do Reino devem saber obedecer as autoridades e

302
cumprir seus deveres cı́vicos. A religiã o nã o deve ser usada para encobrir atos de desrespeito
civil. EN muito prová vel que eles estivessem falando da “poll-tax” ou taxa sobre a populaçã o, a qual
exigia que todo homem entre 14-65 anos e toda mulher entre 12-65 pagasse uma certa (algo
entre 1% e 3% de seus rendimentos) quantia diretamente ao imperador(1).
Ao aCirmar “dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” Jesus nã o está ensinando
que devamos pagar algo a Deus ou a igreja. A moeda era de Cé sar (mais precisamente o
imperador Tibé rio), pertencia a ele e ao governante deveria ser pago o valor estampado nela. Mas
na moeda nã o havia nada falando de Deus, assim nã o é vá lida a transposiçã o de que um cristã o
deve pagar algo monetá rio a seu Senhor. Pelo contrá rio, na outra face da moeda haviam inscriçã o
ressaltando a divindade do imperador romano. O que devemos “dar a Deus” é adoraçã o, uma vida
de servidã o e respeito, nã o algumas moedas. Se o que deCinia a posse da moeda era a imagem
estampada nela, entã o nó s, que somo a “imagem e semelhança” (cf. Gn 1.26-27) de Deus,
devemos retribuir a ele nossa vida. Em outras palavras, aquele que tem sua imagem colocada em
algo tem direito sobre aquilo, no caso da moeda a honra era de Cé sar em nosso caso a honra é do
Senhor.
v.22 Os jovens fariseus Cicam admirados com a profundidade do ensino do Messias e se
retiram. A causa de tamanha admiraçã o estava na profundidade das palavras de Mestre, sendo
que sutilmente ele estava deCinindo uma nova maneira de encarar a ocupaçã o romana na
Palestina. Enquanto os fariseus destilavam rancor e ó dio, o Cristo mostrava que a adoraçã o ´¨nica
seria ao Senhor, e o pagamento de tributos nã o afetava essa relaçã o. Pena que Mateus nã o
descreve a cena dos jovens aprendizes relatando a resposta de Jesus a seus mestres fariseus.

v.23-33 2º grupo de opositores – Saduceus


Estamos na terça-feira da semana da Pá scoa e parece que este seria um dia longo para
nosso personagem principal. Desta vez os saduceus viriam colocar Jesus a prova em uma de suas
crenças fundamentais: a nã o ressurreiçã o. Nã o sabemos exatamente como ou porque os saduceus
nã o criam em uma ressurreiçã o dos mortos ou na existê ncia de anjos ou de uma realidade
espiritual. cf. At 23.8, sabemos apenas que eles consideravam plenamente inspirado apenas os
cinco livros de Moisé s. Para eles, todo o restante da Escritura era menos divino.

v.23 “Naquele mesmo dia …” Mateus já nos deixa em ritmo acelerado em trechos triviais de
sua narraçã o, quanto mais agora, que os acontecimentos se sucedem quase ininterruptamente.
v.24 "Professor, Moisés disse: Se alguém morrer, não tendo 1ilhos, seu irmão casará com a viúva e
suscitará descendência ao falecido." Os saduceus se referem a Jesus como ΔιδαŒ σκαλε "professor",
talvez como uma forma cordial de interrogar um outro estudioso a respeito de uma questã o
té cnica sua doutrina. Podemos perceber uma reaçã o diferente de Jesus se comparada com a
inquisiçã o dos discı́pulos dos fariseus, já que parece que aqui existia uma questã o doutriná ria
real que deveria ser tratada de maneira honesta. A questã o era: Haveria ou nã o uma ressurreiçã o;
e caso houvesse, como seria a vida apó s aquele momento? Ainda que o tema levantado fosse um
tanto capcioso por parte dos saduceus, para os propó sitos de Jesus e de Mateus era um assunto
vá lido e importante.
v.25-28 Os opositores apresentam um estudo de caso, baseado na lei do levirato,
conforme descrito em Dt 25.5 "Se irmãos morarem juntos, e um deles morrer sem 1ilhos, então, a mulher do
que morreu não se casará com outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará, e a receberá por mulher,
e exercerá para com ela a obrigação de cunhado. O primogênito que ela lhe der será sucessor do nome do seu
irmão falecido, para que o nome deste não se apague em Israel.". Claro que eles utilizaram um recurso do
qual Jesus era mestre, a hipé rbole, ou seja, levaram o caso as ú ltimas consequê ncias em uma
situaçã o quase impossı́vel de acontecer.
Podemos compreender algo importante aqui: os saduceus revelam uma mentalidade
comum para os judeus do sé culo I, a de que na ressurreiçã o (ou na vida eterna) haveria uma
continuidade da vida terrena ordiná ria; ainda que eles pró prios nã o aceitassem esse conceito
popular.
v.29 "Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus." Jesus os
corrige, aCirmando que eles nã o conheciam adequadamente as Escrituras, nem o poder de Deus.
Certamente nenhum ser humano conhece o poder de Deus na intensidade de que Jesus fala, mas
o ponto central aqui é a acusaçã o de que os doutores da Lei nã o a conheciam de forma adequada.
Essa é uma acusaçã o muito aguda e ofensiva, aCinal os saduceus se consideravam o ú ltimo bastiã o
do legalismo judeu.

303
v.30-32 Nosso Mestre traz um ensino iné dito aqui, na ressurreiçã o nó s viveremos em um
estado diferente ao atual, algo semelhante ao dos anjos. E para garantir que haverá uma
ressurreiçã o, o Mestre, aCirma: “Ele não é Deus de mortos, mas de vivos.” Ou seja, sob a ó tica de Jesus
Abraã o, Isaque e Jacó estavam vivos e plenamente conscientes, ainda que de uma maneira
espiritual. Essa concepçã o Cica evidente no tempo verbal utilizado na frase, pó s Jesus diz que
Deus "é " (tempo presente) e nã o "era" (tempo passado) como seria no caso dos personagens
estarem mortos.
A passagem que Jesus cita é Ex 3.6, quando o Senhor aparece a Moisé s e se apresenta
com o deus dos patriarcas. Esse tipo de interpretaçã o nã o é comum em nossos dias, poré m era
bem conhecida dos escritos rabı́nicos.
Um dos maiores teó logos do sé culo XX, J. Dwight Pentecost viu uma questã o importante
embutida na resposta de Messias. Veja o argumento levantado por ele:
"A promessa vinculada à aliança é a base da refutaçã o do Senhor contra a incredulidade dos saduceus no
tocante à ressurreiçã o. AË queles que recusaram a possibilidade da ressurreiçã o o Senhor aCirmou que a ressurreiçã o nã o
só era possı́vel, mas necessá ria. Desde que Deus se revelou como o Deus de Abraã o, Isaque e Jacó , com quem estabeleceu
um relacionamento de aliança, e como esses homens morreram sem receber o cumprimento de suas promessas (Hb
11.13), e visto que essa aliança nã o podia ser quebrada, era necessá rio que Deus ressuscitasse esses homens para cumprir
Sua palavra" (5)
v.33 Durante o embate anterior contra os fariseus, temos o relato de que eles Cicaram
abismados com a sabedoria das palavras de Jesus; agora temos o relato de que já havia uma
multidã o ao redor deles, e que todos se admiraram muito. Mais uma vez o verdadeiro Mestre
havia se esquivado de uma armadilha até entã o infalı́vel.

v.34-40 3º grupo de opositores – primeira parte - O mestre da Lei


A notı́cia se espalhou rapidamente e chegou até os fariseus, que ouvindo que Jesus
humilhara os saduceus, se reuniram para articular um ataque utilizando seus melhores homens e
nã o mais os jovens discı́pulos. O texto diz que o homem era um νομικο„ ς (nomikos) “perito na Lei”,
um termo que aparece apenas aqui em todo o livro. Existem 2 possibilidades para o uso desse
termo: 1) houve um assimilaçã o, por parte dos copistas, sendo esse termo comum em Lucas e 2)
Mateus desejava enfatizar a importâ ncia daquela pessoa que se dirigiu a Jesus (talvez fosse o
mais respeitado dentre os estudiosos fariseus). A segunda hipó tese me parece a mais correta.
v.36 EN necessá rio alguma atençã o para o diá logo que se segue, pois as implicaçõ es nã o
sã o explı́citas. O mestre da Lei pergunta: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” Essa pergunta
nã o era tã o capciosa com as outras duas que foram feitas, na realidade era uma questã o muito
vá lida. Os rabinos ensinam, até o dia de hoje, que existem 613 mandamentos na Lei (mitzvots
(do hebraico ‫ תרי"ג מצוות‬ou Taryag mitzvot sendo TaRYaG um acrô nimo do valor numé rico
"613"), sendo 248 positivos e 365 negativos (alguns judeus dizem existir um mitzva negativo
para cada dia do ano).
v.37-38 Assim havia um amplo espectro de possibilidades para que Jesus escolhesse sua
resposta. Nosso Senhor responde com uma citaçã o de Dt 6.5 pertencente a um dos trechos mais
amados por todo judeu, o Shemá Israel(2), que representa a proCissã o de fé do monoteı́smo
judaico. O fato de Jesus ensinar que devemos amar a Deus de todo o coraçã o, de toda sua alma e
de todo seu entendimento nã o serve de base para justiCicar alguma forma de tricotomia(3);
lembre-se que no judaı́smo a ê nfase em um tema se dá pela repetiçã o e nã o por elevar-se o tom
de voz. Os membros da sociedade de Qumran, de acordo com o manuscrito 1QS V.8-9, faziam uma
exigê ncia de os membros de seus conselhos Cizessem o seguinte juramento: “dedicar-se a Lei de
Moisés, segundo tudo o que ele ordenou, com todo o coração e com toda a alma.”(4)

v.39-40 Antes que alguma questã o secundá ria fosse levantada, Jesus estende o tema e
apresenta o que seria o segundo maior mandamento de Lei: “Ame ao seu próximo como a si mesmo”
(cf. Lv 19.18). Pois sem esses dois pilares, toda a Lei e os Profetas perdem o signiCicado. Apó s
duas colocaçõ es tã o precisas e deCinitivas nã o haveria mais o que ser debatido. Mateus nã o relata
reaçã o alguma do mestre da Lei, entretanto Marcos registrou que o fariseu concordou com a
resposta recebida. cf Mc 12.32-33

304
Curiosidade Entre os não judeus, o mitzva mais conhecido é o
mandamento de gerar filhos, oriundo de Gn 1.28 “Então Deus os abençoou e
lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a …” Quando um
judeu cria seu filho, geralmente até a idade de 13 anos, ele o apresenta a
congregação realizando um evento chamado de BarMitzvá. Um judeu
ortodoxo acredita que essa ordenança só está satisfeita quando ele gerar 4
filhos, simbolizando a multiplicação do esposo e da esposa por 2.

v.41-46 3º grupo de opositores – segunda parte – todos os fariseus


Nã o consigo imaginar esses debates sem compará -los a uma luta de boxe. Jesus recebeu
um ataque, defendeu com uma sequê ncia de dois golpes e agora, com seu oponente "grogue",
parte para o nocaute.
v.41-42 Jesus aproveita a presença do grande doutor da lei e de seus companheiros
fariseus e faz uma pergunta incisiva: “O que vocês pensam a respeito do Cristo? De quem ele é 1ilho? "É
1ilho de Davi", responderam eles.” Seguindo um raciocı́nio natural, a resposta estava correta; mas
Jesus estava falando de algo muito mais superior.
v.43-45 O Mestre dos mestres encurrala os pretensos conhecedores das escrituras de
maneira que eles parecem criancinhas defronte de tamanha sabedoria divina, entã o disfere o
golpe fatal: “Se, pois, Davi o chama ‘Senhor’, como pode ser ele seu 1ilho?” Se você já assistiu uma luta de
boxe, poderá até escutar o gongo batendo (o que deCine o Cinal da luta).
v.46 De tempo em tempo Mateus nos apresenta algumas conclusõ es bem ó bvias, mas
aqui nã o havia espaço para descreve-la de maneira diferente. Diz o texto sagrado: “Ninguém
conseguia responder-lhe uma palavra; e daquele dia em diante, ninguém jamais se atreveu a lhe fazer
perguntas.” També m pudera, em um ú nico dia Jesus humilhou os discı́pulos dos fariseus junto com
os herodianos, os saduceus, um grande estudioso da Lei e por Cim toda a cú pula dos fariseus.
Permita-me usar uma expressã o popular para descrever o resumo dos combates: Vixi!

(1) http://www.unrv.com/economy/roman-taxes.php acessado em 02/02/2017


(2) Shemá Israel, em hebraico (‫ )ישראל שמע‬signiCica “Ouça Israel”. Sã o as duas primeiras palavras do trecho de Dt
6.4-9, o qual simboliza a declaraçã o de fé do povo judeu. A expressã o completa é “Shemá Israel, Adonai Elohin,
Adonai Echad” ou seja “Escuta Israel, o Senhor é Deus, o Senhor é um”. adaptado de http://
www.jewishencyclopedia.com/articles/13548-shema acessado em 04/02/2017.
(3) Tricotomia é a crença de que o homem pode ser dividido em trê s partes: corpo, espı́rito e alma. EN uma crença
muito comum nos Pentecostais, ainda que careça de fundamento bı́blico.
(4) Beale, G. K e D.A. Carson - Comentá rio do uso do At no NT - p.157
(5) Pentecost, J.D. - Manual de Escatologia - p.100

305

Este é um trecho do manuscrito P104 que contém o trecho mais antigo do Evangelho segundo Mateus, de que
temos registro atualmente. Os especialistas o datam do séc II. fonte csntm.org

Mateus 23

Apó s a triunfal batalha contra todos os representantes da religiosidade judaica, Jesus


aproveita a atençã o da multidã o, voltando-se para o povo e pronunciando o ú ltimo ato de
condenaçã o. Este discurso é muito duro, sombrio e deve ser analisado com bastante cuidado.
Enquanto no primeiro grande discurso somos consolados com as bem-aventuranças, aqui somos
assombrados com os “ais”. A este discurso podemos chamar de "A grande repreensã o contra a
religiosidade aparente”.
EN quase certo que Jesus, assim como os outros rabinos importantes, estivesse ensinando
ao pú blico na larga escadaria sul do complexo do templo. Existem registros do conhecido rabino
Gamaliel, o Anciã o (neto de rav. Hillel e professor do apó stolo Paulo) sentado na mesma escadaria
enquanto um escriba anotava seus ensinos.(5) Com essa informaçã o em vista podemos imaginar
uma polarizaçã o geográ Cica nessa cena, pois os sacerdotes, vindo da parte interna do templo, o
rejeitavam, enquanto o povo da cidade e os peregrinos, parados à entrada do templo acatavam
as palavras do ilustre "Jesus, o profeta de Nazaré da Galiléia" cf.Mt 21.11. Ou seja, havia um grupo
atrá s, Jesus e seu alunos no meio, e outro grupo abaixo das escadas tentando entrar no templo.
Lembre-se deste cená rio ao ler o primeiro dos Ais.
Um detalhe curioso sobre essa escadaria é que seus degraus foram construı́dos de
maneira assimé trica, de maneira que um possuı́a 89cm e o seguinte 30,5cm; isso nã o se deve a
imperı́cia de seus construtores, muito ao contrá rio.(6) O verdadeiro motivo para essa exó tica
organizaçã o é obrigar os passantes a quebrarem seu passo, obrigando-os a caminhar de maneira
lenta e reverente até alcançar o solo sagrado. O arqueó logo Benjamin Mazar, escavou o local por
10 anos e encontrou quinze degraus largos e quinze degraus estreitos o que levantou uma
interessante possibilidade: cada degrau largo pode corresponder a um dos ‫ ׁשִיר חַּמַעֲלֹות‬- shir
chamma'aloth - Salmos da Subida. Esse grupo especı́Cico de salmos 120-134 que possuem a
conotaçã o de "subindo" na lı́ngua original, eram repetidos na subida de Jericó para Jerusalé m(7) e
talvez repetidos uma ú ltima vez em cada um dos degraus largos, representando assim o Cinal da
peregrinaçã o até o Templo.
Os exemplos que Jesus utiliza em seu derradeiro discurso sã o retirados do local em que
eles estavam e, seriam facilmente interpretados pela multidã o. Atente para algumas dessas
ilustraçõ es: cargas pesadas, os teCilins alargados, tú mulos caiados, saudaçõ es nas praças, impedir

306
a entrada pelas portas, entre outros.

Toda essa passagem aconteceu na á rea que hoje conhecemos como o Grade Arco ou o
Arco de Robinson, o arqueó logo que em 1838 identiCicou seu propó sito de ligar as ruas abaixo ao
platô do Templo. Essa construçã o fora erguida por Herodes I durante a ampliaçã o do templo por
volta de 19 A.C. Existem relatos que o general romano Tito subiu essa estrutura para negociar a
rendiçã o de Jerusalé m no ano 70 D.C., infelizmente os judeus nã o se renderam.(10)

ARCO DE ROBINSON HTTPS://COMMONS.WIKIMEDIA.ORG/WIKI/


FILE:RECONSTRUCTION_MODEL_OF_ANCIENT_JERUSALEM_IN_MUSEUM_OF_DAVID_CASTLE.JPG


v.1-12 O ensino dos fariseus: teoria e prática
v.1 “Então, Jesus disse a multidão e aos seus discípulos …” Neste momento somos levados ao
uma cena mais ampla, onde os discı́pulos, e uma incontá vel multidã o de peregrinos, serã o o
pú blico deste ú ltimo grande discurso do Mestre.
Τότε - Este singelo, e quase insigniCicante, advé rbio passa quase que desapercebido aos
olhos da maioria dos leitores, poré m sua importâ ncia é imensa. Mateus o utiliza para marcar a
ú ltima mudança de enfoque do ministé rio de ensino pú blico do Messias. Embutido neste simples
"entã o" está tudo o que o Mestre realizou, todas as perseguiçõ es que sofreu e toda a educaçã o que
ofereceu gratuitamente aos israelitas. Todos os trê s anos e meio de ministé rio pú blico se
concentram neste advé rbio "entã o", o qual nos conduz a condenaçã o Cinal contra o sistema
religioso judeu.
v.2-3 “Os mestres da lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés” Esta expressã o signiCica
que aquelas pessoas davam continuidade à s funçõ es de Moisé s, que era o legislador e mediador
do povo em suas contendas. Nã o existe outra referê ncia à "cadeira de Moisé s" em nenhum outro
texto antigo, e na literatura rabı́nica posterior encontramos apenas uma vaga referê ncia(8), ou
seja, esta expressã o nã o era usual do povo judeu. Isso nos leva a pensar em porque o Mestre, que
usualmente utiliza Ciguras de linguagem conhecidas de sua audiê ncia optou por uma ilustraçã o
tã o exó tica. Uma possı́vel resposta pode ser encontrada em outro texto judeu chamado m. Pirqe
Avot 1.1 (o qual signiCica "Ditos a respeito dos pais") que diz: "Moisés recebeu a Torá do Sinai e a entregou a
Josué, e Josué aos Anciãos, e os Anciãos aos Profetas, e os Profetas a entregaram aos homens da Grande
Sinagoga."(9)
O ensino da Torah em si só era bom, aCinal era oriundo diretamente do Senhor, por esta
razã o Jesus aCirma que aquilo que eles ensinavam era correto. Aqui nos reconectamos com o

307
Sermã o do Monte, onde Jesus aCirmou: "Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir,
mas cumprir. Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a
menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra." Talvez haja també m alguma conexã o com o texto
de Dt 17.9-10 “Se para os seus tribunais vierem casos di1íceis demais de julgar, sejam crimes de sangue,
litígios ou agressões, dirijam-se ao local escolhido pelo Senhor, o seu Deus, e procurem os sacerdotes levitas e o
juiz que estiver exercendo o cargo na ocasião. Apresentem-lhes o caso, e eles lhes darão o veredicto. Procedam
de acordo com a decisão que eles proclamarem no local que o Senhor escolher. Tratem de fazer tudo o que eles
ordenarem.” Aqui percebemos que cabia as religiosos algumas das funçõ es de juiz e por isso eles
autoridades que deviam ser respeitadas neste aspecto. EN possı́vel que o versı́culo 3 tenha alguma
conexã o com Malaquias 2.7-8 que retrata a hipocrisia dos sacerdotes na é poca em que o profeta
realizou seu ministé rio, acompanhe: "Porque os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da
sua boca todos esperam a instrução na lei, porque ele é o mensageiro do Senhor dos Exércitos. Mas vocês se
desviaram do caminho e pelo seu ensino causaram a queda de muita gente; vocês quebraram a aliança de
Levi", diz o Senhor dos Exércitos.” Veja como ambos os textos se assemelham na escrita e no sentido
do que está está sendo dito.
"Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam." Hipocrisia, este sempre foi o
pior dos defeitos dos religiosos judeus. O grande problema estava na vida prá tica dos religiosos, a
qual se afastava muito dos preceitos divinos e do alto padrã o que se espera dos lı́deres de toda
uma naçã o.
v.4 "Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão
dispostos a levantar um só dedo para movê-los." Perceba o contraste entre "fardo pesado" e "levantar
um só dedo" por parte dos religiosos. Uma vez que o Grande Arco permitia uma vista privilegiada
das ruas de comé rcio no vale abaixo, seria plenamente normal ver pessoas carregando fardos de
todo o tipo de bens. Até os dias de hoje encontramos pessoas transportando mercadorias sobre
os ombros, ou cabeça, nas á reas de comé rcio popular e nos mercados centrais aqui no Brasil.
Existe també m uma conexã o que, para nó s passa desapercebida e que para um judeu
seria ó bvia, a qual se refere ao atar os teCilins nas testa e nos braços. O TeCilin ‫ תפילין‬cuja raiz
etimoló gica te1ilá signiCica prece, é a designaçã o dada à s duas caixinhas que os judeus atam ao
braço e a cabeça durante as oraçõ es; sendo que dentro delas estã o contidos quatro trechos da
Escritura (Shemá Israel Dt 6.4-9, Vehaiá Im Shamoa Dt 11.13-21 , Cadêsh Li Ex 13.1-10 e Vehayá Ki Yeviachá
Ex 13.11-16)(11). Quando Jesus fala de atar "fardos pesados" ele faz uma comparaçã o com o peso
que os carregadores levavam e com as exigê ncias supé rCluas e espú rias que os fariseus colocavam
sobre aqueles que buscavam seguir seus preceitos.
No capı́tulo 11.29-30 Nosso Senhor já havia tratado desse tema: "Tomai sobre vós o meu
jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma.
Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve."
v.5-7 "Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens" Novamente o tema se repete:
Hipocrisia. Aqui temos um detalhamento dos atos pecaminosos que a religiã o exterior produz,
sendo que em resumo, tal religiã o, é praticada para impressionar as pessoas, nã o para servir ao
Senhor Deus.
De um modo didá tico muito claro, nosso autor apresentou trê s costumes que os
religiosos praticavam:
1. "pois alargam os seus 1ilactérios e alongam as suas franjas." Já falamos a respeito dos
teCilins (Cilacté rios em grego) acima, por isso iremos analisar agora as "franjas" as
quais o Mestre se refere. Esse costume era estabelecido pelo pró prio Deus em Nm
15.38-40 "Fala aos 1ilhos de Israel e dize-lhes que nos cantos das suas vestes façam borlas pelas
suas gerações; e as borlas em cada canto, presas por um cordão azul. E as borlas estarão ali para
que, vendo-as, vos lembreis de todos os mandamentos do Senhor e os cumprais; não seguireis os
desejos do vosso coração, nem os dos vossos olhos, após os quais andais adulterando, para que
vos lembreis de todos os meus mandamentos, e os cumprais, e santos sereis a vosso Deus." O
problema é que os fariseus usavam roupas propositalmente exageradas, as quais
dariam uma aura de imponê ncia e/ou superioridade (talvez numa tentativa de
replicar as vestes dos sacerdotes).
2. "Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas" O primeiro
lugar em um banquete era reservado ao convidado especial ou aos noivos em uma
cerimô nia de casamento. Os fariseus buscavam ocupar as posiçõ es pró ximas ao
primeiro lugar, para assim passar uma mensagem de proeminê ncia diante das
demais pessoas. Uma vez que os acontecimentos se passavam no dia em que o
Seder, ou banquete da Pá scoa, ocorreria torna esse exemplo ainda mais relevante.

308
3. "as saudações nas praças e o serem chamados de mestres pelos homens" A palavra grega
ρ¡ αββιŒ, traduzida por "mestre" é de origem aramaica ‫ ַרּבִי‬e originalmente signiCicava
"meu senhor" no sentido de um escravo se dirigindo ao seu dono. EN interessante
que a NKJV, seguindo o Textus Receptus, apresenta a saudaçã o em dobro "Rabbi,
Rabbi" o que reforçaria ainda mais sua utilizaçã o. A aplicaçã o desse comprimento
solene pretendia avisar as demais pessoas que um grande mestre da Escritura
estava entre o povo e merecia ser reverenciado. Veja como todos os objetivos
daqueles religiosos eram mesquinhos e ligados a um instinto de superioridade
religiosa e social. A referê ncia à saudaçã o nas praças també m é relevante, pois do
alto do Arco de Robinson, Jesus veria logo abaixa pequenas praças de comé rcio,
parecidas com nossas feiras livre.

Nó s já ouvimos essa condenaçã o na inı́cio deste evangelho, mais precisamente no
capı́tulo Mt 6.1-2 "Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem
vistos por eles. Se 1izerem isso, vocês não terão nenhuma recompensa do Pai celestial. "Portanto, quando você
der esmola, não anuncie isso com trombetas, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a 1im de serem
honrados pelos outros. Eu lhes garanto que eles já receberam sua plena recompensa."
v.8-10 "Vós, porém" O enfoque é alternado dos fariseus/saduceus para os verdadeiros
discı́pulos do Mestre. O texto nos revela trê s tı́tulos ou modos de tratamento condenados, sendo
que todos expressam um orgulho latente e simbolizam a religiã o exterior. E vale sempre ressaltar
que na cultura hebraica a repetiçã o traz a entonaçã o ao que esta sendo descrito; ou seja, o Mestre
subiu a ton do discurso em trê s pontos.
1) “Vocês não devem ser chamados de ‘rabis’” – A palavra hebraica ‫( ַרבִּי‬rabbi) signiCica mestre,
de onde vem o termo rabino(1). Representava uma posiçã o social importante ser chamado de
“mestre”, para se atingir tal posto, eram necessá rios anos de estudo e um profundo conhecimento
das escrituras. Em um paralelo com nosso cultura, esse tı́tulo equivaleria a uma formaçã o de nı́vel
superior. Entretanto Jesus ensina que somos todos irmã os e só um é nosso Mestre, neste caso se
referindo a Deus. Aqui temos um eco de Ml 1.6 que fora distorcido pelos religiosos: “O 1ilho honra
seu pai, e o servo ao seu senhor …”.
2) “A ninguém na terra chamem ‘pai’” – Para simbolizar uma linha doutriná ria ou com que
haviam estudado, os religiosos costumavam se identiCicar como “Cilho do rabino fulano”. Jesus
també m condena a esse procedimento, ensinando que nosso Pai está nos cé us.
3) “Tampouco vocês devem ser chamado de ‘chefe’” – Seguindo o mesmo princı́pio usado nos
termos anteriores, Jesus ensina que temos um ú nico chefe “o Cristo”.
v.11-12 "Mas" Atravé s da conjunçã o ló gica δε„ , traduzida por "mas" Jesus encerra o ensino
ensina ao deCinir o comportamento daqueles que reCletem as caracterı́sticas do Reino “O maior
entre vocês deverá ser servo”. E faz uma advertê ncia aqueles que desejarem forçar um domı́nio sobre
os demais: “aquele que se exaltar será humilhado”. Pena que o papa cató lico nã o conhece esse
versı́culo, né .
Podemos perceber um contraste muito bem delineado entre as bem-aventuranças e os
“ais condenató rios” que virã o a seguir, já que no primeiro caso os pobres de espı́rito entrarã o no
Reino, enquanto no segundo caso os que se consideram “ricos” Cicarã o de fora.

Ensinos rabínicos extra-bíblicos Os estudiosos judeus (rabinos) desde muito tempo


haviam criados inúmeros códigos e comentários teológicos para o texto sagrado. Com o passar do
tempo esses ensinos tomaram uma posição mais elevada que o próprio ensino bíblico (aqui falando
do Antigo Testamento). Jesus por várias vezes reprovou esse mandamentos humanos e os orientou a
voltar para o ensino revelado. Veja um resumo de alguns desses códigos que cito durante o livro,
sendo que nenhum deles é considerado inspirado e não devem ser levados muito a sério por
conterem elocubrações fantasiosas, que por vezes beiram o ridículo:

• Mishnah 200 A.D. também conhecida como a Torá oral. Dizem os estudiosos judeus que
nem tudo o que o Senhor revelou a Moisés fora escrito no Pentateuco (os 5 primeiros livros
da bíblia) por isso existia uma “Lei paralela”. Basicamente apresenta comentários e
distorções sobre a Lei de Deus.
• Tosefta 200 A.D. uma espécie de versão revisada e ampliada da Mishnah. Parece que com o
surgimento e popularização da Mishnah alguns grupos de líderes judeus viram seus ensinos

309
perderem o valor. Por esta razão rapidamente, eles próprios, criaram uma variação da
coleção anterior que fosse mais favorável a seu ponto de vista.

• Talmud Palestino 425 A.D. uma coleção de interpretações da Mishnah feita por rabinos que
moravam na Palestina.

• Talmud Babilônico 525 A.D. talvez o livro com maior autoridade para os judeus de nossos
dias. Possui ensinos e comentários sobre a Mishnah feitos por estudiosos que habitavam a
Mesopotâmia.

v.13-32 Os “ais” contras os escribas e os fariseus


Uma mudança de enfoque muito grande acontece aqui, pois nos versı́culo 1-12 "falou Jesus
às multidões e aos seus discípulos" agora poré m as palavras sã o dirigida direto aos escribas e fariseus.
Estamos diante de um dos trechos mais duros encontrados nas escrituras sagradas. Um
momento de tamanha condenaçã o e repreensã o que sempre me deixam muito apreensivo.
Durante meus estudo deste trecho do livro, por vezes me sinto exaurido, constrangido e
ameaçado. Desculpe-me pelo desabafo, mas prepare-se para o que vem a seguir.
Mais uma consideraçã o, sem querer me tornar repetitivo. Lembre-se que na cultura
judaica a ê nfase de um ensino está calcada na repetiçã o do tema e nã o no aumento do tom de voz
como acontece conosco. Apenas neste pequeno trecho Jesus repete 7 vezes a mesma condenaçã o,
algo que nã o acontece em nenhum outro momento do livro, a frase condenató ria é : “Ai de vós,
escribas e fariseus hipócritas!” ARA. Neste ponto a traduçã o da NVI Cica muito longe do correto ao
utilizar termos que nã o sã o comuns aos textos de Mateus.
Uma caracterı́stica interessante é que nas duas primeiras condenaçõ es, o Messias
apresenta os efeitos da maldade dos religiosos em outras pessoas, e nas pró xima cinco
condenaçõ es o tema se volta inteiramente para açõ es dos lı́deres religiosos.
O primeiro grande discurso é aberto com a descriçã o dos ΜακαŒ ριοι - Makarioi, bem-
aventurados, enquanto este ú ltimo e derradeiro discurso encerra o ministé rio pú blico de Jesus
com a descriçã o dos Φαρισαῖοι - Farisaioi, fariseus hipó critas. E como que em uma demonstraçã o
implı́cita de que a graça é superior à condenaçã o, o nú mero das bem-aventuranças é 9 e o
nú mero dos "ais" sã o 7. Talvez o contraste entre os makarioi e os farisaioi nã o parece evidente
em nossa lı́ngua, poré m se você ler os dois discursos lado a lado, em sua lı́ngua original, a
semelhança brotara perante seus olhos. Alé m da questã o textual existe també m sua funçã o
dentro da narrativa, pois o primeiro grande discurso se inicia com os makarioi e o ú ltimo grande
discurso se encerra com os farisaioi, repare na bela moldura literá ria que essa construçã o nos
traz.

O primeiro Οὐαὶ - Ai.


v.13 “Mas, ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” Ου† αι„ δε„ υ¡ μῖν, γραμματεῖς και„ Φαρισαῖοι
υ¡ ποκριταιŒ
O adjetivo “hipó crita” está no caso genitivo o que demonstra uma acusaçã o direta e
enfá tica, por isso os tradutores utilizam o ponto de exclamaçã o, algo que nã o existe nos textos
originais. A expressã o grega Ου† αι„ (que se pronuncia Uai, como na expressã o que os Mineiros
tanto utilizam) traduzida aqui como "Ai", no Antiga go Testamento possui forte conotaçã o de
lamento sobre uma eminente condenaçã o, veja alguns exemplos conhecidos em: Is 5:8; Hc 2:6; Zc
11:17
Assim como aconteceu no versı́culo 23.1 com o advé rbio Τότε aqui no versı́culo 13 a
palavrinha δε„ , é de grande signiCicâ ncia. Esta conjunçã o ló gica de contraste, que deve ser
traduzida por "mas" possui a funçã o de focar toda a condenaçã o nos fariseus e nos escribas, nã o
no pú blico ouvinte. EN como que uma lente de aumento sendo colocada diante de nó s. Este
pequenino δε„ é fundamental para entendermos que o que virá adiante é o nı́vel mais forte de
condenaçã o imposto pelo Deus encarnado.
"Vocês fecham o Reino dos céus diante dos homens! Vocês mesmos não entram, nem deixam entrar
aqueles que gostariam de fazê-lo." Na introduçã o deste capı́tulo descrevi a cena de Jesus ensinando na
escadaria enquanto seus opositores permaneciam na parte superior e as multidõ es abaixo nas
escadas. Agora você compreende de onde vem a primeira ilustraçã o?
Naquele momento os religiosos impediam Cisicamente a entrada das pessoas, poré m com
suas tradiçõ es espú rias e distorçõ es que faziam da Lei divina, os fariseus e os escribas
praticamente impediam que algué m fosse salvo. Jesus deCine salvaçã o como a entrada no Reino

310
dos Cé us. Um outro aspecto em que os lı́deres religiosos impediam as pessoas de entrarem Reino
é que atravé s de seu antagonismo a Jesus ele impediam o povo de se converter, conhecer o
verdadeiro caminho e serem salvas.

Didiculdade com este versículo.


v.14 Grande parte dos manuscritos unciais(2), incluindo A, B, D e L nã o conté m este
versı́culo, já manuscritos posteriores, pró ximos ao sé culo IX, trazem este versı́culo. Para
complicar a questã o, sua inserçã o aparece ora antes do versı́culo 13, ora depois, o que diCiculta
ainda mais a defesa de sua originalidade como material mateano. Possivelmente trata-se de uma
assimilaçã o de Mc 12.40
As traduçõ es mais atuais, e assertivas, já nã o trazem mais este trecho; enquanto as
versõ es mais antigas o inserem entre [ ] mostrando ser um ponto sob disputa.

O segundo Οὐαὶ - Ai.


v.15 “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” Ου† αι„ υ¡ μῖν, γραμματεῖς και„ Φαρισαῖοι υ¡ ποκριταιŒ
"porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito" De que servia o empenho
“evangelı́stico” para converter um gentio ao judaı́smo se os pró prios fariseus criavam barreiras
para os impedirem de entrar no Reino dos Cé us. EN interessante que Jesus aponte primeiro para o
mar e depois a terra, pois os judeus nã o eram grandes navegadores e seus lı́deres diCicilmente
saiam da Palestina. A razã o para essa escolha de palavras pode ser o desejo de enfatizar o nı́vel de
esforço que eles estariam dispostos a desempenhar na busca por um novo convertido. Pode haver
aqui um eco distante de Jn 1.9 "Ele lhes respondeu: Sou hebreu e temo ao Senhor, o Deus do céu, que fez o
mar e a terra."
O procedimento para ser tornar um judeu convertido era composto por trê s etapas: 1)
circuncisã o, 2) auto-batismo e 3) apresentar um sacrifı́cio no templo. Por isso quando do
surgimento de Joã o, o batizador, o chamado ao batismo já era conhecido dos judeus que sabiam
se tratar de um convite ao arrependimento das má s obras.
O termo “duas vezes mais 1ilhos do inferno” implica que a pessoa que tinha como destino a
condenaçã o eterna, por nã o adorar ao ú nico Deus, agora seria també m condenado por nã o adorá -
lo da maneira correta, mas atravé s das tradiçõ es rabı́nicas dos fariseus.

O terceiro Οὐαὶ - Ai.
v.16-22 “Ai de vós, guias cegos!”
Nesta terceira acusaçã o, ouvimos a mesma condenaçã o apresentada em Mt 15.14 "Deixai-
os; são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco".
Ao chamar aqueles que se propunham a guiar os demais, de cegos, Jesus apresenta uma
bela metá fora sarcá stica. Parece-nos que o Mestre optou por trocar o pronome de tratamento
talvez como maneira de enfatizar o que seria exposto a seguir. Com essa variaçã o ele cria jogo de
luz-e-sombra, de modo que, sem chamar a atençã o para esse "ai", ele acaba por destaca-la.
Iniciemos o estudo com o paralelismo dos quatro primeiros versı́culos, o qual nos
conduzirá a conclusã o tripla encontrada nos versı́culos 20-21-22, desta que é a mais longa das
condenaçõ es em formato de "ai".

16

17 1º paralelo


18 2º paralelo

19

20 21 22 Conclusã o

311
v.16 e v.18 "Quem jurar pelo santuário" Essa acusaçã o é repetida em paralelo no versı́culo
18 "Quem jurar pelo altar". Aqui vemos uma sé ria condenaçã o a respeito de juramentos os quais
alé m de errados (cf. Mt 5.34), eram distorcidos pela ganâ ncia dos fariseus e dos escribas.
Aparentemente os religiosos hipó critas haviam desenvolvido um elaborado sistema de
juramentos, alguns mais vá lidos que os outros. A grande questã o envolvendo um juramento é que
implica-se no processo aquele por quem o juramento é feito. Quem é o ser humano para tomar o
Deus Altı́ssimo como Ciador de suas tolices? Em sua cegueira espiritual, os religiosos, profanavam
tudo o que estava relacionado com o Senhor.
v.17 e v.19 "Pois qual é maior: o ouro ou o santuário que santi1ica o ouro?" Encontramos o
paralelo desta acusaçã o no versı́culo 19 "Pois qual é maior: a oferta ou o altar que santi1ica a oferta?"
Dentro desta condenaçã o encontramos outra sé rie de repetiçõ es que visavam reforçar a
cegueira espiritual do lı́deres religiosos: v.16 guias cegos, v.17 tolos cegos e v.19 homens cegos (o
qual por sua vez é repetido por trê s vezes nos versı́culos 19, 24 e 26).
També m Cica evidente o apreço que os religiosos possuı́am pelos materiais como ouro e
as ofertas, enquanto pouco valoravam os locais sagrados como o altar e o santuá rio.
v.20-21-22 "Portanto" Atravé s da conjunçã o ló gica οϋν, traduzida em portuguê s como
"portanto" o Mestre nos conduz para a conclusã o do ensino. E esta nã o poderia ser outra que:
Deus é o á pice de tudo o que envolve a religiã o, por isso deve-se ter o má ximo de cuidado ao lidar
com tudo o que pode envolve-lo, principalmente as tolices humanas.

O quarto Οὐαὶ - Ai.


v.23-24 “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” Ου† αι„ υ¡ μῖν, γραμματεῖς και„ Φαρισαῖοι
υ¡ ποκριταιŒ
"porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais
importantes da Lei" Na quarta condenaçã o ouvimos uma dura repreensã o referente à obsessã o dos
fariseus por detalhes minú sculos da Lei (normalmente aqueles que podiam ser expressados em
frente dos demais judeus) enquanto rejeitavam o mais importante. A escolha dessas ervas para a
ilustraçã o pode estar relaciona da ao seu tamanho diminuto e ao pouco valor monetá rio
representado pelas mesmas. A base bı́blica para essa açã o é encontrada em Lv 27.30 "Todos os
dízimos da terra, seja dos cereais, seja das frutas das árvores, pertencem ao Senhor; são consagrados ao
Senhor." Assim como comentamos durante o estudo de versı́culo 3, Jesus estava diante de uma
á rea abaixo da plataforma do templo, onde haviam barracas de vendedores, algo bem parecido
com nossas feiras; por isso seria fá cil compreender o exemplo das verduras que ele emprega aqui.
"devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!" Repare como Jesus nã o despreza nem
invalida pedaço algum da Lei (cf. Mt 5.18), ele nos orienta a praticar justiça, a amar e crer, sem
desprezar os detalhes. Existe uma conexã o com Mq 6.8 “Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o
que o Senhor exige: Pratique a justiça, ame a 1idelidade e ande humildemente com o seu Deus.”.
O apó stolo Mateus é muito habilidoso na construçã o de contrastes, comparaçõ es e
paralelos durante todo o livro; veja como ele apresenta aqui trê s pontos nã o essenciais "hortelã ,
endro e cominho" e os contrapõ e com trê s pontos fundamentais "justiça, misericó rdia e fé ".
Atravé s dessa maneira espelhada Cica ainda mais ó bvio a magnitude daquilo que os fariseus e os
escribas negligenciavam.
v.24 Novamente vemos o Mestre usar do absurdo (hipé rbole) para demonstrar o quã o
errados estavam os falsos religiosos: “coais um mosquito, mas engolis um camelo”. Podemos observar
ao menos duas razõ es para a seleçã o desses dois animais: 1) Existe um jogo de palavras na lı́ngua
aramaica, onde galma signiCica mosquito e, gamla camelo(12), e 2) o mosquito é o menor animal
imundo descrito no AT (cf.Lv 11.23) enquanto o camelo é o maior dentre eles (cf.Lv 11.4). A
utilizaçã o do camelo como exemplo de um exagero agradava a Jesus, que já a usará aqui no
capı́tulo 19.24 e que també m fora registrado pelos demais autores canô nicos.

312
Questão textual
O evangelista Lucas descreve as ervas citadas por Jesus como: "Porque dais o dízimo da hortelã, da
arruda e de todas as hortaliças ..." enquanto Mateus registra: "Porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do
cominho ...". A resposta tradicional a essa questão é que cada autor, possuindo um enfoque diferente,
optou por detalhar o evento de maneira distinta; o que por si só é algo bom, pois é sabido que a
multiplicidade de um relato favorece sua autenticidade. Porém caso nos aprofundemos um pouco
mais na questão linguística, poderemos descobrir que a palavra "endro" em aramaico se escreve
como ‫ ׁשְבֵתָא‬enquanto "arruda" é registrada como ‫ ;ׁשַּבָָרא‬repare o quão próxima é a grafia de
ambas. Por isso o estudioso Nestlé, E., ainda em 1904(13), sugeriu que pode ter havido algum tipo de
confusão por parte de um copista e que isso gerou tal variação textual.

O quinto Οὐαὶ - Ai.


v.25-26 “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” Ου† αι„ υ¡ μῖν, γραμματεῖς και„ Φαρισαῖοι
υ¡ ποκριταιŒ
"porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e
intemperança!" Chegamos a quinta condenaçã o e podemos perceber uma mescla das falhas já
descritas. Temos a condenaçã o da religiã o aparente e da preocupaçã o com detalhes da lei atravé s
da Cigura dos utensı́lios de mesa (copo e prato) e temos també m a repetiçã o da repreensã o contra
o amor ao dinheiro. Aqui vemos um exemplo claro da mentalidade judaica, onde o pensamento
orbita ao redor de um tema e onde as repetiçõ es sã o fundamentais na ê nfase do discurso.
Segundo especialistas judeus e cristã os, os rituais de puriCicaçã o de objetos e do corpo, é uma das
caracterı́sticas mais marcantes do perı́odo do Segundo Templo.(16) Tal observaçã o nos revela até
que ponto chegava a obsessã o daquelas pessoas por detalhes pequenos e repetitivos, atravé s dos
quais eles buscavam a aprovaçã o de Deus. Nas regiã o á rida de Qumran, onde viviam os essê nios,
foram encontrados dezenas de tanques rituais de puriCicaçã o, o que representa bem esse tipo de
comportamento que beirava o transtorno obsessivo compulsivo.
v.26 "Fariseu cego" Φαρισαῖε τυφλεŒ Aqui o Mestre emprega novamente o adjetivo τυφλεŒ -
typhlé o qual descreve a cegueira espiritual de todos aqueles religiosos, agora representados por
uma ú nica palavra Φαρισαῖε - farisaie, ou seja fariseus. Ao descreve-los novamente como cegos, o
Senhor cria uma conexã o com terceira acusaçã o e assim segue aumentando o peso de seu
discurso.
"limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior 1ique limpo!" Encontramos
aqui certa conexã o com a mensagem de Joã o, o batizador, que se negou a batizar (limpar o
exterior) os mesmos "fariseus" antes que este produzissem fruto de arrependimento (limpar o
interior). Flavio Josefo, o historiador judeu do primeiro sé culo, descreve que os peregrinos
costumeiramente seguiam a rota sul para entrar no templo, a qual levaria ao Arco de Robinson; e
que antes de adentrar nos á trios sagrados eles precisavam se limpar exteriormente(14). Isso
poderia ser feito de sua maneiras: 1) miqveh um banho ritual privado, ou 2) mikva'ot um evento
pú blico e coletivo. Este pode ser um "pano de fundo" para o que Jesus ilustra neste momento ao
falar sobre limpeza exterior e interior.

O sexto Οὐαὶ - Ai.


v.27-28 “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” Ου† αι„ υ¡ μῖν, γραμματεῖς και„ Φαρισαῖοι
υ¡ ποκριταιŒ
"porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas inteiramente
estão cheios de ossos mortos e de toda imundícia!" Atravé s desta sexta comparaçã o somos apresentados
a um discurso tã o duro e sombrio que é capaz de fazer-te perder uma noite de sono. Ao tratarmos
do hebraico, e de seu parente pró ximo o aramaico, é importante saber que se tratam de lı́nguas
muito Cigurativas, onde a palavra buscava inspirar uma imagem na mente do ouvinte. Assim
quando Jesus descreve uma comparaçã o com tú mulos, por fora belos, mas repletos de corpos
humanos em podridã o, a reaçã o do pú blico de e ter sido estarrecedora. Alguns devem até ter
vomitado, tamanha a violê ncia da imagem proposta pelo Messias. Em nossa sociedade o poder da
palavra foi atenuado pelo impacto das imagens (Tv, cinema, internet), mas para a sociedade

313
judaica do sé culo I, tudo se baseava nas imagens que as pessoas cultivavam em suas mentes. Se
você já teve a infeliz oportunidade de encontrar um animal morto na estrada, sabe que o cheiro
da putrefaçã o é horrı́vel. Poré m saiba que o odor de um ser humano em decomposiçã o é o pior
cheiro que nosso sistema olfativo consegue detectar(3).
Some-se a isso o fato dos judeus se tornarem impuros para o serviço religioso caso
tocassem em algum morto, e a situaçã o se torna ainda mais dramá tica. Caso um dos peregrinos
passasse por isso, ele Cicaria impossibilitado de entrar na á rea do templo e assim toda sua viagem
teria sido em vã o. Temos o retrato disso na pará bola do bom samaritano descrita em Lucas
10.30-33 "Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois
de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente,
descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita
descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho,
passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele." e que por sua vez reClete Lv 21 1-3 “Um sacerdote não
poderá tornar-se impuro por causa de alguém do seu povo que venha a morrer”. Devido a busca pela
santidade ritual se desenvolveu o há bito, comum em outra culturas també m, de destacar os
tú mulos dos demais monumentos; para assim preservar os mais desavisados do que havia dentre
daqueles edifı́cios, mesmo se eles fosse estrangeiros. Enquanto os imperadores construı́am seus
tú mulos com má rmore branco, ao cidadã o menos abastado restava recobrir seus sepulcros com
uma mistura de á gua e cal, daı́ a expressã o usada em nossas bı́blias como "tú mulos caiados". EN
interessante que em uma cultura sem o costume de pintar suas ediCicaçõ es, a excessã o eram os
sepulcros; e ainda mais interessante é o fato de pintá -los de branco, a cor tradicional da pureza,
sendo que em seu interior, havia todo tipo de podridã o. O texto de Deuteronô mio 27.2 (e també m
Dt 27.4) mostra a orientaçã o divina de marcar um monumento com cal ‫ׂשיד‬, para que ele sirva de
aviso: "No dia em que passares o Jordão à terra que te der o Senhor, teu Deus, levantar-te-ás pedras grandes e
as caiarás." Essa referê ncia nã o se refere diretamente aos tú mulos, mas nos revela uma base
escriturı́stica para tal costume.
Se na acusaçã o anterior Jesus os compara a pratos e copos, aqui eles sã o comparados a
tú mulos; e se no exemplo anterior a culpa deles é a ganâ ncia, aqui é estarem “ cheios de hipocrisia e
maldade”. Nã o consigo imaginar uma acusaçã o mais terrı́vel. Eu me desespero ao imaginar os
restos humanos pú tridos dentro de mim. O apó stolo Paulo irá apresentar essa ilustraçã o diante
do sumo sacerdote em At. 23.3 "Então, lhe disse Paulo: Deus há de ferir-te, parede branqueada" o que nos
mostra o quã o duradoura fora essa imagem na mente dos cristã os do primeiro sé culo.

O sétimo, e último Οὐαὶ - Ai.


v.29-32 “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!” Ου† αι„ υ¡ μῖν, γραμματεῖς και„ Φαρισαῖοι
υ¡ ποκριταιŒ
"porque edi1icais os sepulcros dos profetas, adornais os túmulos dos justos e dizeis: Se tivéssemos
vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!" O que podemos
esperar da sé tima e ú ltima condenaçã o? Jesus torna a falar de tú mulos, você s se lembram da
repetiçã o? Assim ele nã o deixa o assunto esfriar na mente dos ouvintes.
Essa ilustraçã o seria bem vı́vida para os ouvintes originais, uma vez que no Vale de
Kidron, o qual podia ser visto do alto do Arco de Robinson, eles podiam ver alguns desses
tú mulos adornados. Ali estavam, entre outros, a coluna de Absalã o, o tú mulo de Zacarias e até o
tumba real de Davi, a qual havia sido restaurada por Herodes I. Estes monumentos eram bem
visı́veis e até mesmo visitados pelos turistas que vinham até Jerusalé m para as festividades.
Evidê ncias arqueoló gicas revelam que essas construçõ es continham també m inscriçõ es em cores
vivas, as quais podemos encontrar em forma vestigial ainda hoje(15), o que reforçava a imponê ncia
delas e nã o permitiram que um peregrino as confundissem com outro tipo de monumento.
"porque edi1icais os sepulcros dos profetas, adornais os túmulos dos justos" Esta era uma maneira
de mostrar respeito aos pregadores do passado, mas ao mesmo tempo eles se diziam superiores
aos seus antepassados, aCirmando ser uma elite religiosa sem precedentes na histó ria de Israel.
Por isso diziam eles que, caso estivessem no controle do estado na é poca dos profetas, a situaçã o
teria sido diferente. EN interessante notar que eles se agradavam de "sentar na cadeira de Moisé s"
aceitando fazer parte de uma linha ininterrupta de lı́deres do povo, poré m almejavam nã o arcar
com os erros e desatinos cometidos por seus antecessores.
Jesus os acusa diretamente dizendo que se tratavam de sucessores diretos dos assassinos
dos enviados do Senhor e que em breve dariam continuidade a sua sina homicida. Em poucos
capı́tulos veremos que a visã o que os fariseus tinham de si mesmo estava errada, aCinal, serã o um

314
dos grupos responsá veis pelo assassinato covarde de Jesus.
Termina a acusaçã o com um termo chocante: “Acabem, pois, de encher a medida do pecado dos
seus antepassados.”. EN como se Jesus falasse: “Pequem, se esbaldem de tanto pecar. Vocês já mataram João, o
batizador, o próximo serei eu; não importa, cumpram o que de vocês é esperado. Sigam os passos de seus pais e
se tornem ainda mais culpados.” Nó s ouviremos uma condenaçã o/desabafo semelhante quando
chegar o momento de Judas trair Jesus.
Aqui existe certa conexã o com o livro do profeta Ezequiel, pois nele, por diversas vezes, o
Senhor reprova o povo de Israel por sua “medida” de maldade. ConCira Ez 4.5 “Determinei que o
número de dias seja equivalente ao número de anos da iniqüidade dela, ou seja, durante trezentos e noventa
dias você carregará a iniqüidade da nação de Israel.”

Tumbas de Zacarias e de Benei Hezir, aos pé s do Monte das Oliveiras - https://commons.wikimedia.org

v.33-36 Terminaram os “ais” porém a acusação continua


v.33 "Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?" Podia-se esperar
uma atenuaçã o no discurso do Mestre, mas o que vem a seguir é tã o duro quanto. Logo no inı́cio
encontramos a acusaçã o de Joã o, o batizador, proferida as margens do rio Jordã o: “Serpentes! Raça
de víboras! Como vocês escaparão da condenação do inferno?” cf. Mt 3.7 A condenaçã o do inferno se
referia a palavra original gehenna a qual signiCicava “local de puniçã o eterna”.
v.34 Jesus prediz o destino de muitos personagens do livro, desde Joã o que já havia sido
morto, passando por ele pró prio que viria a ser cruciCicado e chegando ao destino futuro dos
apó stolos. Os homens de Deus estariam sendo enviados mais uma vez, e os religiosos fariseus,
assim como seus antepassados, iriam assassinar os enviados divinos mais uma vez.
v.35 O Mestre nos revela que a culpa sobre eles seria adicionada da culpa por todo o
sangue justo derramado na terra, desde Abel (Gn 4.8) até mesmo o sangue de alguns personagens
que sã o quase desconhecidos, aqui no caso Zacarias, Cilho de Balaquias 2Cr 24.20-22. EN notá vel
que algué m a quem os cristã os ignoram, quase que por completo, seja mencionado pessoalmente
por Jesus Cristo como sendo justo. O Talmude judaico considera que este assassinato seja um dos
principais motivos da destruiçã o do templo pelos babilô nicos. Que bela homenagem ao justo
Zacarias, Cilho de Balaquias. Vale ressalvar de que o livro que chamamos de 2 Crô nicas é o ú ltimo

315
na ordem dos livros na bı́blia hebraica, o que elucida a expressã o “do primeiro ao ú ltimo” justo
assassinado nas escrituras.
Existe alguma diCiculdade relacionada ao nome do pai de Zacarias, aqui chamado de
Balaquias, pois em Crô nicas ele é chamado de Cilho de Jehoiada. EN possı́vel que aqui o termo
“Cilho” esteja indicando descendente e nã o uma relaçã o mais pró xima. Um detalhe interessante é
que o manuscrito ‫ א‬famoso por suas ediçõ es arbitrá rias simplesmente eliminou a citaçã o da
Ciliaçã o de Zacarias. Isso demonstra que apesar de ser um có dex antigo e muito bem preservado,
o manuscrito ‫ א‬foi compilado visando eliminar qualquer dú vida que seus autores tivessem na
é poca.
v.36 α† μη„ ν λεŒ γω υ¡ μῖν "Em verdade vos digo" Encontramos aqui essa conhecida forma de
Jesus aCirmar categoricamente algo.
O julgamento era iminente, e tudo aconteceria ainda naquela geraçã o. Nã o adiantava
esperar que a ira do Senhor Cicasse para outra geraçã o, o Cim havia chegado. Nã o o Cim do mundo,
mas o Cim do judaı́smo naquele modelo.

Curiosidade
A tradição judaica conta uma lenda sobre a morte de Zacarias. Dizem que o sangue dele
jamais foi lavado do pátio do templo. Posteriormente acrescentou-se a lenda, que o sangue nunca
secava.(4)


v.37-39 Um lamento dinal
Apó s um momento tã o denso e sombrio nosso mestre profere um lamento sobre aqueles
que o rejeitaram. Sentimos como que um breve raio de sol atravessando a tempestade, sentimos a
compaixã o latente daquele que “amou o mundo de tal maneira …” Em meio a Ciguras de linguagem
horripilantes, podemos ver que o amor ainda estava lá . Estamos diante de um texto poé tico
carregado de emoçã o, sentimentos contrastantes e que faz o papel de ú ltimas palavras antes da
execuçã o.
v.37 “Jerusalém, Jerusalém” O nome daquela cidade nunca soou tã o doce. Era o lamento de
um homem apaixonado vendo sua amada rumando a destruiçã o. Entretanto junto ao mel havia
uma quantidade muito grande de fel: “que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados.” O
verdadeiro crime nã o estava no fato de apedrejar um profeta até a morte, a pró pria lei judaica
orientava como fazê -lo, caso se comprovasse que a profecia era mentirosa cf. Dt 18.20. O pecado
estava no fato de chamar os profetas, que haviam sido enviados por Deus, de falsos profetas. O
mesmo que estavam fazendo com Jesus. Ἰερουσαλη„ μ ἸερουσαληŒ μ, Por diversas vezes durante
este livro você leu que a ê nfase no discurso hebraico acontece pela repetiçã o de palavras (e
conceitos) e nã o pela alteraçã o do tom de voz como nó s latinos fazemos, poré m aqui acontece
uma notá vel excessã o. Repare para a mı́nima diferença de acentuaçã o existente na palavra
Jerusalé m, apenas um acento muda entre a primeira e a segunda, e quase ningué m se importou
com elas durante a histó ria da igreja; aCinal o sentido do texto permanece o mesmo. Poré m o
apó stolo Mateus, inspirado durante a redaçã o desse texto, tinha um objetivo claro ao inserir essa
pequena pé rola. Sua funçã o é esticar a pronuncia do segundo "Jerusalé m" e assim reforçar o
senso de lamento profundo das palavras do Messias.
A referê ncia ao assassinato dos profetas possui duas conexõ es: 1) lembrar da acusaçã o
que havia sido proferido um pouco antes, e 2) uma possı́vel referê ncia a um texto bı́blico
encontrado em Neemias 9.26: “Mas foram desobedientes e se rebelaram contra ti; deram as costas para a
tua Lei. Mataram os teus profetas, que os tinham advertido que se voltassem para ti; e te 1izeram ofensas
detestáveis.”.
"Quantas vezes eu quis reunir os seus 1ilhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas
asas, mas vocês não quiseram." A Cigura da ave que estende suas asas protetoras é bem consolidada
na literatura sagrada, iniciando-se em Genesis 1.2 onde o Espı́rito pairava sobre a face das á guas,
passando por Dt 32.11 "como a águia que desperta a sua ninhada, paira sobre os seus 1ilhotes, e depois
estende as asas para apanhá-los, levando-os sobre elas", Sl 17.8 "Protege-me como à menina dos teus olhos;

316
esconde-me à sombra das tuas asas", Sl 36.7 "Como é precioso o teu amor, ó Deus! Os homens encontram
refúgio à sombra das tuas asas" e també m Is 31.5 "Como as aves dão proteção aos 1ilhotes com suas asas, o
Senhor dos Exércitos protegerá Jerusalém; ele a protegerá e a livrará; ele a poupará e a salvará". Um outro
aspecto pode ser encontrado no uso de linguagem Cigurada, conhecida como sı́mile, em que uma
comparaçã o formal é realizada atravé s do conectivo "como". O Mestre emprega essa linguagem
altamente emotiva para contrastar seu desejo de salvar contra a obstinaçã o dos judeus. Devemos
estar atentos para esses pontos de dramaticidade encontrados no texto. Caso voltemos a fazer um
paralelo como a linguagem do cinema, este seria o momento em que a mú sica subiria e seria
levados ao á pice da emoçã o. Pena que Mateus nã o podia contar com tais recursos.
Veja o contraste entre a vontade do Pai expressa nas palavras "eu quis reunir" e na dureza
de coraçã o da cidade reCletida por "mas vocês não quiseram".
v.38 Encontramos mais um idou no inı́cio da frase: “Veja (idou), sua casa 1icará deserta” Como
já sabemos o idou serve para chamar a atençã o para o que está sendo dito ou acontecendo;
poderı́amos até utilizar um ponto de exclamaçã o aqui.
Houve alguma discussã o a respeito do que signiCicava exatamente a “casa” que Cicaria
deserta, sendo que a resposta mais equilibrada seja: referia-se em parte a cidade de Jerusalé m,
em parte ao templo e a religiã o judaica como um todo e em alguma proporçã o també m a dinastia
Davı́dica. Vemos aqui uma referê ncia a Jr 22.5: “Mas se vocês desobedecerem a essas ordens, declara o
Senhor, juro por mim mesmo que este palácio 1icará deserto”.
v.39 "Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis" Eis aqui o encerramento formal do
ensino pú blico do Messias, o qual foram inchado ainda no capı́tulo 5.1-2 com a expressã o "Vendo
as multidões, Jesus subiu ao monte e se assentou. Seus discípulos aproximaram-se dele, e ele começou a ensiná-
los, dizendo" Essa percepçã o é importante porque, tecnicamente, o Cristo ainda seria visto vivo por
mais um dia, e depois de sua ressurreiçã o por outros quarenta dias.
"até que venhais a dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!" Dessa forma Mateus cria um
link com o descriçã o da entrada do Senhor na cidade, 21.9 onde a multidã o també m dizia: "E as
multidões, tanto as que o precediam como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o
que vem em nome do Senhor" Esta moldura literá ria, alé m da funçã o estilı́stica, nos permite ter uma
percepçã o de que a globalidade do assunto se encerra aqui. Mesmo porque os pró ximos capı́tulos
lidarã o com o ú ltimo grande discurso, e por Cim, a narrativa de paixã o de Cristo.
Ainda assim, em algum lugar no futuro eles novamente entoarã o o câ ntico dos
peregrinos “Hosana ao que vem em nome do Senhor” desta vez poré m de maneira deCinitiva e para
todo o sempre. Entã o se cumprirá Zc 12.10: “E derramarei sobre a família de Davi e sobre os habitantes
de Jerusalém um espírito de ação de graças e de súplicas. Olharão para mim, aquele a quem traspassaram, e
chorarão por ele como quem chora a perda de um 1ilho único, e lamentarão amargamente por ele como quem
lamenta a perda do 1ilho mais velho.”

Vem Senhor Jesus!

Como Mateus enxergava o Antigo Testamento


O professor Carlos Osvaldo Pinto, fez uma excelente observação a respeito da maneira como
Mateus lidava com o texto do Antigo Testamento. Diz ele: 1) Mateus leu o Antigo Testamento
cristologicamente, encontrando o Messias como arquétipo do qual Israel e suas experiências eram
prefigurações históricas. 2) A ideia de cumprimento não se limita apenas a profecia preditiva, mas se
estende a relacionamentos de natureza ilustrativa, desde que o sentido histórico da passagem
histórica veterotestamentária não seja violado. 3) Alusão (tanto semântica, quanto fonética) e paráfrase
são meios legítimos de validar um argumento, desde que isso não viole o contexto histórico das
passagens aludidas.

317
(1) No judaı́smo Rabino é um tı́tulo usado para distinguir aquele que ensina, aquele que tem a autoridade dos
doutores da Torá ou aquele apontado pelos lı́deres religiosos da comunidade. Hoje os rabinos sã o os
responsá veis pelo ensino e aplicaçã o dos ensinamentos do judaı́smo. https://pt.wikipedia.org/wiki/Rabino
acessado em 05/02/2017
(2) Manuscrito Uncial é um termo utilizado para descrever có pias mais antigas e que foram escritas totalmente
em letra maiú scula.
(3) Por proCissã o eu sou Clavorista, ou seja, desenvolvo sabores para a industria alimentı́cia em geral. Em um dado
momento (o qual nã o posso especiCicar) fui consultor de uma empresa de armamentos que possuı́a um
projeto de armas nã o letais. Neste projeto o objetivo era sintetizar as principais substâ ncias que formam o
copound de um cadá ver humano em decomposiçã o e utiliza-lo em projé teis nã o letais.
(4) NTI, vol.1, p.553
(5) b.Sanhedrin 11b
(6) Mazar, B. - The archaeological excavations near the Temple Mount (in Jerusalem revealed: archaeology in the
Holy City) - p25-40 e Ritmeyer, L. - The quest: Revealing the Temple Mount in Jerusalém - p.60-101
(7) Mitchell, D.C. - The message of the Psalter: an eschatological programme in the books of Psalms (Vol. 252, pp.
66–73)
(8) Pesiqta de Rav Kahana 7b
(9) Charles, R.H. - m.Pirqe Avot 1.1 traduzido em Pseudepigrapha of the Old Testament - Vol. 2, p. 691
(10) Myers, R. - Logos bible images
(11) http://www.chabad.org.br/mitsvot/teCilin,passoApasso.html
(12) Utley, B. - The First Christian Primer: Matthew - Vol. Volume 9, p-190
(13) Nestlé , E. - Novo Testamento Suplementum - conforme descrito no Expository Time, August 1904, p-528
(14) Josefo, F - Antiguidades dos Judeus - 15-419
(15) Evans, C.A. - "Withewashed tombs" in Jesus's death and burial compared with jewish burial traditions - NT307
(aula em vídeo)
(16) Magness - Stone and Dung, Oil and Spit - p.54-76, Adler, Y. - Religion, Judaism: Purity in the Roman Period (in
The Oxford Encyclopedia of the Bible and Archaeology) - p.240.249

318
Mateus 24
O QUINTO GRANDE DISCURSO DE JESUS

Ao observarmos de maneira mais ampla o livro de Mateus, percebemos que os capı́tulos


24 e 25 encerram o ministé rio didá tico de Nosso Senhor, pois o pró ximo trecho do livro lidará
com o martı́rio de Jesus, e assim o ensino se dará muito mais na prá tica do que por palavras e
discursos. Aqui encontramos o ensino sobre o que acontecerá antes da instauraçã o do Reino dos
Cé us e també m nos deparamos sobre os cuidados que os discı́pulos devem tomar antes da
chegada inesperada daquele momento.
A primeira parte do ensino se refere aos sinais da vinda do Cristo triunfante e está
contida entre os versı́culos 45-51 com a pará bola do servo Ciel. A segunda parte é um
desdobramento da pará bola do servo Ciel, onde as noivas e os investimentos detalham um pouco
mais o mesmo tema. A expressã o "haverá choro e ranger de dentes" serve como conexã o textual entre
as passagens, ela será encontrada em 24.51, 25.30. Assim é possı́vel agruparmos as trê s
pará bolas dentro de uma ú nica unidade de pensamento. Essa mesma expressã o é encontrada em
Mt 13.41-42 onde temos uma indicaçã o de quem expulsará os que nã o pertencerem ao Reino: "O
Filho do homem enviará os seus anjos, e eles tirarão do seu Reino tudo o que faz tropeçar e todos os que
praticam o mal. Eles os lançarão na fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes."

v.1-2 Mudança de cena
A narrativa continua a acontecer e Mateus apresenta uma pequena mudança de cena,
onde Jesus vai deixando o templo apó s aquele momento de extrema tensã o. Para demonstrar a
brevidade da cena, o verbo sair (ε† ξελθω„ν) é empregado em um tempo verbal chamado de aoristo,
o qual possui a caracterı́stica de apresentar o evento de forma simples e ligeira, quase como uma
foto “instantâ nea” (ou como dizem os mais jovens um snapchat) do fato. Esta é mais uma
demonstraçã o da capacidade redativa do apó stolo Mateus.
Poré m, mesmo com tamanha brevidade o acontecimento nã o deixa de conter um forte
conteú do teoló gico. Os discı́pulos aparentemente ainda se mostram impressionados com a
magnitude da construçã o do templo, e por consequê ncia deixam vir a tona uma certa reverê ncia
em relaçã o a religiã o dominante. Ou seja, mesmo apó s as acusaçõ es e condenaçõ es que haviam
ocorrido a um ou dois minutos atrá s, aqueles homens ainda mantinham alguns pontos de contato
com a religiã o esfarrapada e deformada.

v.1 "Tendo Jesus saído do templo, ia-se retirando" Criando um pano de fundo para o trecho
escatoló gico que se seguirá , Mateus retrata os discı́pulos deixando uma das estruturas mais
magnı́Cicas de seu tempo, o templo construı́do por Herodes. Nas palavras de C.H.Spurgeon: "O rei,
tendo terminado seu discurso 1inal no templo, deixou-o para nunca mais voltar"(4)
"aproximaram dele os seus discípulos para lhe mostrar as construções do templo." Para um grupo
de pessoas que passou os ú ltimos trê s anos peregrinando pelo paı́s, dormindo muitas vezes ao
relento e sem conforto algum, a visã o de uma construçã o tã o bem elaborada devia ser ainda mais
extraordiná ria. O templo possuı́a tanto impacto sobre aqueles que o viam, que nos permitiu ter
diversos relatos de sua majestade. Veja alguns exemplos:
.

• b. Bava Batra 4a Ao falarem sobre o templo os rabinos declararam que quem nunca
vira a ediCicaçã o reformada por Herodes "nunca viu um belo pré dio em sua vida".
• Tácito - História 5.8 Falou sobre a o edifı́cio ser um "templo de imensa riqueza".
• Plínio, o velho - História Natural 5.15.70 aCirmou que Jerusalé m era “de longe a
cidade mais famosa, nã o apenas da Judé ia, mas do Oriente”, e isso sem dú vida por causa
da presença do Templo de Herodes.
• Philo - Volumes I-X Embaixada 294 - descreve que Marcus Agripa, ao visitar
Jerusalé m, Cicou tã o "encantado com o espetá culo do edifı́cio" que "ele nã o pô de falar de
mais nada com seus companheiros, a nã o ser a magniCicê ncia do templo e tudo mais
relacionado a ele ”.
.
A visã o que tanto maravilhava os discı́pulos aos olhos de Senhor, parecia triste e pá lida.
v.2 "Ele, porém, lhes disse: Não vedes tudo isto?" No capı́tulo anterior Jesus havia desmantelado

319
a corrompida religiã o judaica pedra por pedra, sem deixar nada sobre os escombros. Poré m ele o
fez no campo das idé ias, da CilosoCia, agora ele aCirma que o mesmo se repetirá de maneira fı́sica,
palpá vel, diante dos olhos de todos. O historiador judeu Flavio Josefo nos conta que Herodes, o
grande, utilizou-se de gigantescos blocos de limestone, localmente conhecida por Mezze (com
tamanho de 25x8x12 cú bitos o que equivale a 1275x408x612 centı́metros. Essa informaçã o nos
revela o tamanho da estrutura e, mais do que isso, o tamanho da condenaçã o que viria, o que
podemos perceber nas palavras "não 1icará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada." Acrescente
o peso da já conhecida aCirmaçã o α† μη„ ν λεŒ γω υ¡ μῖν, e a percepçã o de seriedade será percebida de
maneira adequada, ou seja, algo serı́ssimo está sendo relatado.
Existe aqui uma aCirmaçã o feita como dupla negativa, o que possui um enorme peso
gramatical: 1º negativa – “não 1icará pedra sobre pedra” e 2º negativa – “serão todas derrubadas”. Dessa
maneira o Messias aCirmava e reaCirmava que nã o existia possibilidade alguma daquilo nã o
acontecer.

Grandes pedras do Muro das Lamentaçõ es - https://commons.wikimedia.org

v.3-14 Quando as condenações seriam executadas


Ao partir da á rea do templo Jesus seguiu para um lugar muito apreciado por ele, o Monte
das Oliveiras (‫מַעֲלֵה הַּזֵיתִים‬, ma'aleh hazzeithim; το„ οª ρος τῶν ε† λαιῶν, to oros tōn elaiōn),
localizado logo ao leste de cidade de Jerusalé m. O Mestre já havia aguardado lá anteriormente, cf.
21.1, e novamente o veremos buscando um porto seguro neste lugar, cf.26.30, pouco antes de ser
entregue pelo traidor, sua ascensã o aos cé us ocorrerá ali cf. At 1.12 e no futuro escatoló gico, este
será o local de seu retorno triunfal 14.4. Nada mais adequado como cená rio do UN ltimo Grande
Discurso de Jesus.
O trecho que se segue é també m conhecido como o Apocalipse mateano, pois nele
encontramos grande parte da teologia escatoló gica que seria redigida pelo apó stolo Joã o durante
seu exı́lio na ilha de Patmos. Encontramos bastante linguagem Cigurada, profecias durı́ssimas e o
sentimento de que a desolaçã o é inevitá vel.

320
Curiosidade: Os rabinos judeus eram notórios por ensinarem detalhes fantasiosos como
sendo “palavra de Deus”. Um desses ensinos chamado de Midrash Bereshit Rabba 33, chega a
afirmar que a pomba solta por Noé após o dilúvio encontrou o ramo de oliveira exatamente lá. Tolice.
Outro ensino que, de tão fantasioso beira o ridículo, diz que todo judeu piedoso, morto longe de Israel,
irá um dia ressuscitar próximo ao Monte das Oliveiras. O mais incrível é que eles afirmam que essa
pessoas irão emergir do mundo dos mortos através de cavidades na rocha e que saem diretamente
neste monte(1).

v.3 "No monte das Oliveiras, achava-se Jesus assentado" Estaria Jesus pensando em que naquele
momento? Nã o seria difı́cil imaginá -lo com um forte sentimento de pesar, aCinal, sua rejeiçã o
estava conCirmada, e a pena para os rejeitares deferida. Bem, o texto nã o nos revela isso, apenas
sabemos que o tempo para pensar logo fora interrompido. "os discípulos dirigiram-se a ele em
particular" Seus discı́pulos, e apenas eles, vem até ele, possivelmente com uma percepçã o mais
apurada do que havia acontecido dentro e fora do templo. Parece que eles compreenderam a
seriedade da questã o, e grande parte de suas implicaçõ es, talvez por isso eles lhe fazem duas
perguntas de maneira privada:
.

1) Dize-nos, quando acontecerã o essa coisas?


2) E qual será o sinal da tua vinda e do Cim dos tempos?

A primeira resposta é tã o horrı́vel que foi dividida em duas partes, a primeira entre os
versı́culos 4-8 chamada de “inı́cio das dores do parto” e a segunda entre os versı́culos 9-14
chamada de “entã o virá o Cim”.

v.4-8 “Início das dores do parto”
Este trecho é composto por, uma ordem, dois avisos, e uma conclusã o terrı́vel.
v.4 "Vede que ninguém vos engane!" Aqui, o verbo grego ΒλεŒ πετε - Vede!, encontra-se no
modo imperativo e ativo, o que implica em uma ordem expressa. Por isso nã o devemos tomar
essas palavras como um conselho, e sim como a ordem do divino rei. Porque o Professor foi tã o
enfá tico nessa questã o? Bem, a sequê ncia do texto revela que esses falsos messias serã o bem
convincentes, aCinal o pró prio Senhor revela: "e enganarão a muitos."
v.5 Uma ordem - "Porque virão muitos em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a
muitos." Eis a primeira advertê ncia que o Mestre fez a seus alunos, cuidado com os falsos messias.
v.6 1º Aviso "E vocês irão ouvir" Agora o Senhor nos detalha um pouco mais sobre a
primeira parte da resposta. Pela construçã o do texto Cica evidente que os acontecimentos seriam
do conhecimento dos apó stolos, nã o por revelaçã o especial, mas por envolverem todos os
habitantes do planeta. "ouvireis falar de guerras e rumores de guerras." A descriçã o é bem clara, assim
como o motivo de ocorrerem "porque é necessário assim acontecer, mas ainda não é o 1im."
v.7 2º aviso "e haverá fomes e terremotos em vários lugares" Parece-me que este aviso nã o seja
necessariamente decorrente dos eventos anteriores, pois o fato de ocorrerem terremotos
diCicilmente seria uma consequê ncia "de guerras e rumores de guerras."
v.8 Uma conclusão terrível "porém tudo isto é o princípio das dores." Uma intervençã o divina
está relacionada a esse terrı́vel cená rio, o qual, para nossa tristeza, representa a etapa inicial do
Apocalipse. EN muito relevante o fato de Nosso Senhor compara os eventos à s dores de uma
mulheres em processo de parto, principalmente se lembrarmos de Gn 3.16 "Multiplicarei sobremodo
os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz 1ilhos". Muitas outras referê ncias bı́blicas
existem ao se usar este tipo de comparaçã o ao descrever o Dia do Senhor, veja por exemplo Is
13.8 "Ficarão apavorados, dores e a1lições os dominarão; eles se contorcerão como a mulher em trabalho de
parto" Jr 30.6 "Pode um homem dar à luz? Por que vejo, então, todos os homens com as mãos no estômago,
como uma mulher em trabalho de parto? Por que estão pálidos todos os rostos?".
Os eventos descritos aqui correspondem de alguma maneira com os selos descritos em
Apocalipse 6. Haveriam falsos “Cristos”, compare com o primeiro selo descrito em Ap 6.1-2.
Notı́cia de guerras e rumores de outras guerras, veja o segundo selo em Ap 6.3-4 (també m existe
uma direta conexã o com Is 19.2). Depois haverá fome, condizente com terceiro selo descrito em

321
Ap 6.5-6. Já o quarto selo (morte) e o quinto selo (martı́rio) Ap 6.7-11 nã o possuem paralelo
direto. Por Cim acontecerã o terremotos o que condiz com o sexto selo cf. Ap 6.12-14.

v.9-14 “Então virá o dim” Esta segunda lista de eventos descreve o Cim desta era, que
fazendo um paralelo com o primeiro trecho, completaria a metá fora do nascimento e assim
"dando a luz à era do Messias".
Perseguiçã o e morte, a quais remetem ao quarto selo de Ap 6.7-8; assim como a traiçã o e
martı́rio remetem ao quinto selo de Ap 6.9-11. Em relaçã o ao martı́rio por causa do “nome de
Jesus”, ou seja, pelo fato de serem cristã os, nos lembramos das Bem-aventuranças cf. Mt 5.10-12.
Em face a tanta diCiculdade ainda haverá esperança “aquele que perseverar até o 1im será salvo”.
v.11 "levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos." Aqui encontramos a
advertê ncia do versı́culo 5 acontecendo exatamente como Jesus havia dito. Perceba que ele usa a
palavra πολλοι„ - muitos, para destacar que nã o surgirã o apenas um ou dois falsá rios, mas sim
uma quantidade relevante deles. E o pior de tudo, o resultado do falso engano derrubará
πολλουŒ ς.
v.14 EnCim uma boa notı́cia, “este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo”. De
acordo com Ap 7.9-10 temos a boa notı́cia futura de que muitos aceitarã o essa pregaçã o.
Um ponto a ser ressaltado é o fato de Jesus se referir ao seu ensino como “evangelho”,
assim como em Mt 4.23 e Mt 9.35. Durante muito tempo esse versı́culo foi usado como base para
convocar a igreja ao evangelismo, pois se dizia que Jesus nã o poderia retornar até que fossemos a
todos os povos do mundo. Infelizmente o contexto nã o nos permite fazer tal aCirmaçã o, é o
retorno de Messias ao Cinal desta era que está sendo retratado aqui.
“Então virá o 1im.” O que é bom para os que entrarã o no Reino e pé ssimo para os que
rejeitaram a mensagem do Messias.

Apó s uma breve visã o geral de todo o perı́odo da Tribulaçã o, Jesus agora aponta para o
maior sinal observá vel nesse perı́odo, a abominaçã o que causa a desolaçã o. Temos agora a
resposta para a segunda pergunta feita: Quais sinais ocorrerã o na proximidade do retorno do
Messias?
v.15-28 Novamente alguns acontecimentos sã o elencados:
a) Abominá vel desolaçã o vv.15-22
b) Falsos messias vv.23-26
c) Sinal visı́vel a todos vv.27-28
Ao conjunto desses eventos é dado o nome de Grande Tribulaçã o.

v.15-22 Parte a) "Quando, pois, virdes o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no
lugar santo (quem lê entenda)" Abominável desolação. Este será o primeiro sinal que ocorrerá
antes da volta triunfal do Messias. Trata-se de um trecho complexo que se refere a Dn 9.27 “Com
muitos ele fará uma aliança que durará uma semana. No meio da semana ele dará 1im ao sacri1ício e à oferta.
E numa ala do templo será colocado o sacrilégio terrível, até que chegue sobre ele o 1im que lhe está decretado”
O termo hebraico para esta palavra é ‫ ׁשִּקּוצִים מְׁשֹמֵם‬shiqqutsim meshomem, e está intimamente
ligada com a devastaçã o de Jerusalé m no Antigo Testamento.
v.15 Houve certa divergê ncia em relaçã o a expressã o “quem lê, entenda”. Primeiro porque é
o ú nico trecho do livro onde este tipo de construçã o acontece. Segundo porque é difı́cil
determinar se foi um dizer de Jesus ou um comentá rio inserido pelo editor do texto, o livro
compilado por Marcos traz a mesma expressã o o que reforça a idé ia de que a origem seja algo
dito pelo Mestre. Assumindo o segundo ponto como correto, ainda resta uma terceira questã o:
teria Jesus dito “quem lê” ou haveria ele dito algo mais ló gico (por se tratar de um discurso e nã o
de um texto escrito) “quem ouve”. ACinal ele estava realizando seu quinto grande discurso e como
sabemos, nosso Mestre nã o nos deixou nenhum texto escrito. Baseado nisso, alguns estudiosos,
muito sé rios, acreditam que o apó stolo Pedro tenha adaptado as palavras de Jesus para um
contexto literá rio(3). Particularmente penso que exista uma possibilidade ainda melhor. Ao utilizar
a expressã o “quem lê, entenda” Jesus podia estar se referindo aqueles que leem o livro do profeta
Daniel, e por consequê ncia compreendem as profecias ali escritas e suas implicaçõ es. Lembre-se
de que existe uma conexã o muito pró xima entre o livro de Daniel e Jesus, sendo que a pró pria
expressã o escolhida por Jesus para se descrever “o 1ilho do homem” é oriunda dos trechos de
Daniel. Por esta razã o, no inı́cio deste livro que você tem em mã os apresentei como leitura
obrigató ria dois livros da Escritura, Daniel e Isaı́as.

322
Por uma questã o de escopo, nã o temos como tratar com a devida profundidade todo o
tema escatoló gico envolvido neste trecho do livro, ainda assim algo precisa ser esclarecido.
Diferente dos leitores originais, hoje sabemos que o templo fora destruı́do no ano 70 D.C e em seu
lugar existe a mesquita de Omar em Jerusalé m construı́da no sé culo VII(2). Sem entrar em
questõ es amilenaristas/pré -milenaristas/pó s-milenaristas podemos entender que em algum
momento do futuro o templo será reconstruı́do e os judeus poderã o novamente sacriCicar nele. cf
Dn 12.11. Apó s um perı́odo de trê s anos e meio o sacrifı́cio será novamente interrompido e
substituı́do por um culto ao pró prio anti-cristo. Este ato é o que Jesus chamou de “abominá vel
desolaçã o”. cf 2Ts 2.4 e Ap 13.14-15. O tema da “abominaçã o” nã o era iné dito para o leitor judeu,
pois o mesmo fora aplicado a Antı́oco Epifâ nio e sua tentativa de macular o culto no templo,
passagem esta que é documentada por historiadores estrangeiros e també m é relatada no livro
apó crifo de 1 Macabeus 6.7. Ao que parece, trata-se de uma profecia de mú ltiplo cumprimento.
Como consequê ncia, os judeus (a igreja já teria sido arrebatada – de acordo com a visã o
pré -tribulacionista) irã o fugir de Jerusalé m desesperadamente, a ponto de nã o voltarem nem
para pegar uma peça de roupa. Certamente as camadas mais frá geis da populaçã o irã o sofrer
mais, por isso se fala das grá vidas e das que amamentam. O clima será implacá vel contra eles, por
isso a oraçã o para que os eventos nã o ocorram durante o perı́odo mais frio do inverno. Existe
uma ú ltima recomendaçã o, agora tratando da limitaçã o para se deslocar durante o Shabat, o que
mais uma vez foca a profecia nos judeus, já que outros povos nã o se importariam com esse
detalhe religioso.
Vale a pena meditarmos um pouco sobre a expressã o "o profeta Daniel", pois na bı́blia
hebraica Daniel nã o pertence ao grupos dos livros profé ticos, sendo relegado a posiçã o de
"Escrito". Isso levou alguns a aCirmar que a comunidade para a qual o livro fora escrito utilizava a
LXX e nã o das versõ es hebraicas do texto. Embora quase todos os judeus da é poca utilizassem a
Septuaginta, este pequeno detalhe nã o serve como evidê ncia deste costume. O pró prio Mateus, no
capı́tulo 13.5, já havia dito que o Salmo 78.2 "cumprindo-se, assim, o que fora dito pelo profeta: "Abrirei
minha boca em parábolas, Proclamarei coisas ocultas Desde a criação do mundo"" e sabemos que este nã o
fora escrito por um profeta. Desta maneira parece que, em certos casos, o apó stolo chamava de
"profeta" um texto, ou personagem, escolhido por Deus.
v.16 A fuga da cidade possui certa semelhança com a saı́da urgente de Ló e sua famı́lia,
deixando Sodoma e Gomorra conforme escrito em Gê nesis 19.17 Assim que os tiraram da cidade, um
deles disse a Ló: "Fuja por amor à vida! Não olhe para trás e não pare em lugar nenhum da planície! Fuja para
as montanhas, ou você será morto!” Dê semelhante maneira fala Zacarias 14.5 descreve o Cim dos
tempos "Vocês fugirão pelo meu vale entre os montes, pois ele se estenderá até Azel. Fugirão como fugiram do
terremoto nos dias de Uzias, rei de Judá. Então o Senhor, o meu Deus, virá com todos os seus santos."
v.21 “grande tribulação, como nunca houve” Uma cena terrı́vel está sendo descrita, mesmo
para um povo que já viu sua cidade e seu templo destruı́do pelos babilô nicos, passará pelo
mesmo atravé s dos romanos, e no futuro será queimada e sufocada em campos de concentraçã o
nazistas. Ainda assim o que está para ocorrer, nã o tem precedentes na histó ria humana.

v.23-26 Parte b) Falsos salvadores. Diante de tantos acontecimentos sociais, naturais e


sobrenaturais é esperado que desperte no coraçã o a necessidade de ajuda. Neste contexto
surgirã o muitos “cristos”, sendo que o contexto revela que serã o pessoas que se apresentarã o
como potenciais salvadores e nã o necessariamente algué m dizendo ser Jesus de Nazaré . Os falsos
salvadores apresentarã o sinais e prodı́gios e enganarã o a muito. O Mestre descreve que a
capacidade ilusó ria dessas pessoas será tã o grande, ou seja, eles serã o tã o convincentes que
poderiam até enganar os eleitos, caso isso fosse possı́vel. A bı́blia já relatou outros servos do
diabo realizando obras fantá sticas, veja o que ocorreu quando Moisé s se apresentou a Faraó em
Ex. 7.9-12; ainda assim o que ocorrerá durante aqueles dias será ainda mais espetacular.
Este trecho é um verdadeiro festival de idou. Mostrando assim sua aplicaçã o mais
comum, a de ressaltar a açã o e chamar o leitor/ouvinte para o que ocorre. No Cinal deste livro
inseri uma compilaçã o de todas as vezes que a palavra idou aparece no texto de Mateus, de uma
olhada lá e veja quantas vezes vemos esse termo aparecendo em tã o pouco espaço.
No versı́culo 26 vemos Jesus fazendo uso costumas de hipé rbole (exagero proposital)
onde ele sugere uma cena onde o falso messias surgiria no deserto (algo que no caso dele
pró prio é plausı́vel) ou uma versa bizarra, onde o falso messias surgiria de dentro de uma simples
casa.

323
v.27-28 Parte c) Sinal visível a todos. Em contraste com as hipó teses ridı́culas que
enganarã o a muitos o verdadeiro Messias virá de maneira inquestioná vel e visı́vel a todo ser
vivente. Será um evento como nunca se viu antes, talvez vejamos um cortejo que atravesse o cé u e
cruze todo o planeta. Já aconteceu um sinal celestial que guiou os sá bios até o menino Jesus, desta
vez o sinal será ainda mais magnı́Cico e todos irã o percebê -lo.
O versı́culo 28 apresenta uma Cigura de linguagem um pouco estranha, mas Cidedigna,
que revela que as pessoas má s (abutres) serã o atraı́das pelos falsos salvadores (cadá veres). ACinal
é natural que isso aconteça. Existe uma ligaçã o entre essa aCirmaçã o e Jó 39.30 “Seus 1ilhotes bebem
sangue, e, onde há mortos, ali ela está.”

v.29-31 O retorno triunfal do Filho do Homem


O texto grego utiliza o advé rbio Ευ† θεŒ ως - eutheos, que signiCica “de uma ú nica vez“ ou “de
imediato“, assim compreendemos que “um piscar de olhos” tudo terá acontecido.
Eventos có smicos ocorrerã o, o Sol escurecerá , estrelas cairã o do cé u, vemos aqui um
clá ssico exemplo de linguagem apocalı́ptica do Antigo Testamento. Mais precisamente temos uma
citaçã o de Is 13.10 “As estrelas do céu e as suas constelações não mostrarão a sua luz. O sol nascente
escurecerá, e a lua não fará brilhar a sua luz.” Joel 2.31 traz o mesmo tema de Isaı́as. O que revela o
julgamento do Senhor contra a maldade e a iniquidade. Sugiro que você leia os versı́culos
anteriores e posteriores para compreender bem a que o profeta se refere.

v.29 A promessa de abalo nas estruturas có smicas é oriunda de Ag 2.6 “Assim diz o Senhor
dos Exércitos: "Dentro de pouco tempo farei tremer o céu, a terra, o mar e o continente.”
v.30 Entã o todos verã o o sinal do Filho do Homem e se lamentarã o profundamente. E se
cumprirá o que os anjos disseram em At 1.11 "Galileus, por que vocês estão olhando para o céu? Este
mesmo Jesus, que dentre vocês foi elevado ao céu, voltará da mesma forma como o viram subir"
Nã o sabemos ao certo como será o sinal, ou como ele será visı́vel a todas as tribos. Alguns
chegaram a sugerir algo que envolva a Shekinah, a mesma manifestaçã o de gló ria que cobriu o
primeiro templo. Outros especularam que talvez seja uma visã o da Nova Jerusalé m pairando
sobre as nuvens. Ainda existe um ponto de vista mais moderado e que busca respaldo em Is 11.12
“Ele erguerá uma bandeira para as nações a 1im de reunir os exilados de Israel; ajuntará o povo disperso de
Judá desde os quatro cantos da terra.” Apesar de pouco usual, é possı́vel que está ú ltima posiçã o
deseja vá lida e que a referê ncia ao “sinal no cé u” se assemelhe ao levantar de uma bandeira
mostrando a vitó ria de uma exé rcito.
"Todas as tribos" é o termo usado pelo Messias, mas podemos perfeitamente
compreender que se trata de todos os paı́ses e povos do mundo. A “lamentaçã o” dessas pessoas
fora profetizada por Zacarias veja Zc 12.10-11 “Olharão para mim, aquele a quem traspassaram, e
chorarão por ele como quem chora a perda de um 1ilho único, e lamentarão amargamente por ele como quem
lamenta a perda do 1ilho mais velho. Naquele dia muitos chorarão em Jerusalém, como os que choraram em
Hadade-Rimon no vale de Megido.” Enquanto a visã o do Filho do Homem vindo nas nuvens é o
cumprimento de Dn 7.13-14 "Na minha visão à noite, vi alguém semelhante a um 1ilho de um homem,
vindo com as nuvens dos céus. Ele se aproximou do ancião e foi conduzido à sua presença. A ele foram dados
autoridade, glória e reino; todos os povos, nações e homens de todas as línguas o adoraram. Seu domínio é um
domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais será destruído.”
v.31 O tema dos anjos reunindo os eleitos dos “quatro ventos, de uma a outra extremidade dos
céus” é uma alusã o a Zacarias 2.6 que diz: “porque eu os espalhei aos quatro ventos da terra", diz o
Senhor.”

v.32-35 Uma ilustração para condirmar o que foi dito


Joã o Crisó stomo descreve muito bem essa passagem: "Visto que Ele havia dito que essas
coisas aconteceriam imediatamente após a tribulação daqueles dias, eles poderiam perguntar: Quanto tempo
mais? Ele, portanto, dá-lhes um exemplo na parábola da 1igueira."(8)

Um dos muitos usos que uma pará bola pode ter é o de concluir um ensino de forma
elegante e acessı́vel aos mais humildes. Desta maneira Jesus utiliza a Cigura da Cigueira, ainda que
de uma maneira inteiramente diferente daquela usada em Mt 21.18, onde a á rvore era um
sı́mbolo do Israel infrutı́fero. Neste momento, o Mestre apresenta um enfoque diferente, mas que
ainda tem uma suave ligaçã o com a aplicaçã o anterior. Aqui a Cigueira é utilizada para ilustrar o
fato de que quando os sinais se completarem, tudo o que ele disse, inevitavelmente irá se cumprir,
assim como a chegada do verã o é inevitá vel. Existe també m um reforço positivo na pará bola da

324
Cigueira, aCinal saberemos que o verã o está chegando e o frio do inverno Cinalmente teria Cim. Em
uma sociedade rural, as estaçõ es do ano tinham uma importâ ncia muito maior.
Apesar de fazer uso de uma Cigura de linguagem, o discurso do Mestre continua duro,
aCinal neste momento ele está fazendo um discurso muito forte. EN uma garantia do Soberano Deus
de que suas palavras se cumprirã o. Nos versı́culos 34 e 35 encontramos uma dupla aCirmaçã o
positiva de tudo se acontecerá conforme fora dito.

v.32 "Aprendei, pois, a parábola da 1igueira:" Por diversos momentos durante seu ministé rio,
Jesus serviu-se de pará bolas para confundir seus ouvintes e encriptar o sentido do que estava
sendo apresentado, agora poré m ele insiste na importâ ncia de seus discı́pulos μαŒ θετε - mathete.
Este verbo grego, traduzido como "aprendei" já que está no tempo aoristo, se encontra també m
no modo imperativo, o que representa uma ordem direta. O Mestre demandava uma atençã o
grande ao que seria revelado atravé s da pará bola da Cigueira.
"quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão." O tema
aqui possui forte ligaçã o com Câ nticos 2.11-13 "Porque eis que passou o inverno, cessou a chuva e se foi;
aparecem as 1lores na terra, chegou o tempo de cantarem as aves, e a voz da rola ouve-se em nossa terra. A
1igueira começou a dar seus 1igos" Ainda que Jesus troque o "passou o inverno" por "está próximo o verão"
o tema é basicamente o mesmo. O tema proposto é o dia escatoló gico, onde o Senhor virá restituir
o reino de Israel, e todo o judeu estava, e até hoje está , a par dessa temá tica.
v.33 "Assim também vós: quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas." A
pará bola em si termina aqui, com a explicaçã o do Mestre: "Assim também" Ou seja, o ensino se
refere a clareza dos sinais que precedem o verã o e o dia escatoló gico.
"todas estas coisas" Podemos entender essa referê ncia de trê s maneiras distintas: 1) a
destruiçã o de Jerusalé m; 2) a transCiguraçã o (cf. Mt 16.27); ou 3) alguns desses sinais
apresentados anteriormente sobre a Segunda Vinda.
v.34 α† μη„ ν λεŒ γω υ¡ μῖν - amém légo himin Temos uma aCirmaçã o forte, iniciada por α† μη„ ν
(amé m) que na lı́ngua grega é sempre sinal de ê nfase. Em nossa lı́ngua nã o é simples traduzir
todo o peso da palavra “amé m”, sendo o uso comum a traduçã o por “Em verdade vos digo”. Sua
aCirmaçã o é tã o que o Dictionary of Biblical Languages with Semantic Domains: Greek deCine a
questã o assim: "verdadeiramente, de fato, em fórmulas de certeza e solenidade "é a verdade", formalmente
transliterado, amém geralmente no início de uma declaração da verdade".(7)
v.35 "O céu e a terra passarão, mas minhas palavras jamais passarão” aqui percebemos o
Messias equiparando sua palavra a Lei Mosaica no sentido de que tudo seria cumprido, veja Mt
5.18 “Digo-lhes a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor
letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra.”
EN uma declaraçã o formal respondendo a pergunta dos apó stolos: “Quais sinais ocorrerão
antes de sua vinda?”

Dificuldade exegética do versículo 34 A expressão “Eu lhes asseguro que não passará esta
geração…” gera certo grau de dificuldade, pois como podemos perceber por experiência própria, o fim
dos tempos ainda não ocorreu. Talvez a melhor solução para o questão seja compreender “geração”
como a humanidade, afinal somos todos descendentes de Adão. Outra possibilidade é pensar em
“geração” como as pessoas que ouviram a pregação de Cristo (ao vivo ou por meio do texto sagrado)
e que viverão entre a primeira e a segunda volta do Messias.

Agostinho de Hipona, de uma maneira alegórica escreveu: "Ou, pela figueira entende a raça
humana, em razão das tentações da carne. Quando seu galho é resguardado, ou seja, quando os filhos dos homens
através da fé em Cristo progrediram em direção aos frutos espirituais, e a honra de sua adoção como filhos de Deus
brilhou neles."(9)

v.36-44 Sabemos que o dim virá, mas não o momento exato


Apesar do detalhado plano apresentado por Jesus e de uma garantia de que daquele
modo ocorrerá , um detalhe nã o nos é revelado: o momento exato que tudo acontecerá . Para

325
enfatizar a importâ ncia do evento, o Mestre nos apresenta 3 ilustraçõ es:
1. Como nos dias de Noé vv.37-41 (a incredulidade em relaçã o a profecia)
2. Como um ladrã o na noite vv.42-44 (a surpresa com o evento)
3. Como o servo Ciel e sá bio vv.45-51 (a atitude correta até o evento)
v.36 Apenas um, o Pai, mais ningué m sabe o momento exato. Aqui vemos a submissã o do
Filho e a importâ ncia do momento em que esta era irá acabar.
v.37-41 A humanidade já passou por um momento semelhante aquele pré -anunciado por
Jesus, foi nos dias de Noé . cf. Gn 6.5 e 7.6-23. Aquele evento acabou com o Cinal do mundo
primevo e uma estrutura natural que nã o pudemos conhecer, mas sobretudo visava varrer a
iniquidade de sobre a terra. Apesar do anú ncio de Noé e do tempo que foi necessá rio para
construir a arca, ningué m acreditou, até que fosse tarde demais. Assim será no retorno glorioso
do Messias. O tema principal aqui é a incredulidade contra a palavra de Deus. Assim como nos
dias de Noé os que forem tirados (um eufemismo para a condenaçã o) sã o os inı́quos e que
sofrerã o o julgamento do Senhor. Neste momento da histó ria a igreja já terá sido arrebatada, por
isso o termo “tirar” nã o implica em um segundo arrebatamento, mesmo porque, como dito
anteriormente, os tirados sã o os ı́mpios e nã o os eleitos. A maneira ideal de compreender a
questã o é que o verbo “tirar” implica em puniçã o.
v.42-44 Apesar de todos os sinais revelados, o momento do retorno será surpreendente,
mesmo para os que serã o salvos. A Cigura do ladrã o que ataca a casa desprevenida é um alerta e
razã o para preocupaçã o no coraçã o dos que ouvem a palavra. O apó stolo Joã o na revelaçã o do
Apocalipse diz em Ap 16.15 "Eis que venho como ladrão! Feliz aquele que permanece vigilante…”

v.45-51 O arremate do discurso com a parábola do servo mau.


Encontramos um forte substrato do Salmo 37 aqui, principalmente os versı́culos 34-40,
que lidam com o tema do Justo x Injusto e as recompensas que o senhor lhes dará . Na realidade
este Salmo em particular é muito utilizado na teologia do reino, veja por exemplo o versı́culo 11,
que é reCletido nas bem-aventuranças "Mas os mansos herdarão a terra e se deleitarão na abundância de
paz."
Alé m disso, o mote do servo sendo colocado à frente de todo o patrimô nio de seu senhor
possui forte conexã o com José no Egito conforme relatado por Gn 39.3-4 "Vendo Potifar que o Senhor
era com ele e que tudo o que ele fazia o Senhor prosperava em suas mãos, logrou José mercê perante ele, a
quem servia; e ele o pôs por mordomo de sua casa e lhe passou às mãos tudo o que tinha." E que é
reverberado no salmo 105.21-22 "Constituiu-o senhor de sua casa e mordomo de tudo o que possuía, para,
a seu talante, sujeitar os seus príncipes e aos seus anciãos ensinar a sabedoria."
A interpretaçã o desta pará bola é tã o complexa quantas a das demais, aCinal existem
inú meros pontos de conexã o com o mundo real, e isso nos leva a buscar um signiCicado adicional
a elas. Para a comunicaçã o da mensagem em forma de pará bola, tais correspondê ncias sã o
fundamentais, mas nó s, como interpretes e expositores, nã o devemos ir alé m do que o texto nos
permite. Uma vez que esta pará bola, e a pró xima (das 10 virgens), estã o inseridas dentro do
discurso escatoló gico de Jesus, muito de seu conteú do lida com esse tema; poré m devemos
resistir à tentaçã o de alegorizar cada ı́nCimo aspecto delas em busca de revelaçõ es.

v.45 "Quem é, pois" ΤιŒς αª ρα ε† στι„ν Este é um descritivo para uma pará bola, talvez menos
reconhecı́vel que "o Reino dos Cé us é semelhante ..." mas ainda sim é bem nı́tido. Segundo Black,
M.: "Uma pergunta introdutória em uma língua semítica pode equivaler à prótase de uma oração condicional
(por exemplo Mt 12.11), e seria equivalente a "se um servo 1iel e sábio...""(5) Outras trê s pará bolas se
iniciam com uma pergunta: Mt 11.16, Mt 18.12 e Mt 21.28.
ο¡ πιστο„ ς και„ φροŒ νιμος δοῦ λος "o servo 1iel e prudente" O fato do Senhor utilizar dois
adjetivos de alto gabarito para descrever um servo, revela que o personagem proposto, talvez
fosse o administrador dos bens de seu senhor e nã o um ré les serviçal.
v.46 "Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor" μακάριος - makarios Esta palavra
acontece 13 vezes em Mateus, sendo muito conhecida por sua utilizaçã o no Sermã o do Monte,
onde ela representa os "bem-aventurados". EN muito representativo encontrá -la aqui, pois revela
ainda mais sobre o cará ter do servo proposto.
v.47 "Em verdade vos digo" α† μη„ ν λεŒ γω υ¡ μῖν Segue-se uma forma bem conhecida de
aCirmaçã o. O Senhor sempre a utiliza para dar ê nfase ao que virá adiante. "lhe con1iará todos os seus
bens." Tudo será entregue ao servo bom, quando da volta do seu senhor. Este tema será reprisado

326
no capı́tulo seguinte (Mt 25.21) durante a pará bola dos investimentos.
v.48-49 "Mas, se aquele servo, sendo mau" Podemos perceber o modo como Jesus constró i
uma imagem na mente de seus ouvintes. Aqui ele propõ e um contraste direto, poré m utilizando a
mesma Cigura do servo, o que nos revela a caracterı́stica Cictı́cia do mesmo. Os especialistas
descrevem essa passagem com uma sı́ncrese, já que ela apresenta uma antı́tese dupla. "e passar a
espancar os seus companheiros e a comer e beber com ébrios," O tema de fartar de comer e de se
embriagar fora tema da advertê ncia anterior do Mestre, quando ele fala da é poca de Noé "Pois
assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem. Porquanto, assim como nos dias
anteriores ao dilúvio comiam e bebiam"
v.50 "virá o senhor daquele servo em dia em que não o espera e em hora que não sabe" O senhor da
propriedade retornará sem sobreaviso, e encontrará o servo desprevenido. Dessa maneira nem o
bom servo, nem o mau servo poderã o disfarçar seus comportamentos. Poré m a recompensa do
servo bom será aquela descrita no versı́culo 47, e a recompensa do servo mau será descrita a
seguir.
v.51 "e corta-lo-á ao meio, lançando-lhe a sorte com os hipócritas; ali haverá choro e ranger de
dentes." Muito infelizes sã o as traduçõ es em portuguê s em relaçã o a este versı́culo. O problema
reside na palavra διχοτομηŒ σει - dichotomései, a qual signiCica cortar em duas partes, e que
aparece apenas duas vezes em toda a escritura. Talvez por terem diCiculdade por lidar com a
imagem proposta por Jesus, nosso tradutores, ao longo do tempo, tenham tentado suavizar a voz
de Deus. Tal comportamento me parece inaceitá vel. Para o ouvinte judeu essa possibilidade nã o
parecia distante ou impossı́vel, basta vermos o que diz o Talmude de Jerusalé m "Isaías foi morto
quando, ao ser perseguido pelo rei Manassés, se escondeu dentro de um cedro. As franjas de sua roupa, porém,
de1lagraram sua presença, e então o rei ordenou que o cedro fosse serrado ao meio, ocasionando sua morte"(6)
Sendo Cié is ao texto, podemos compreender que Jesus buscava enfatizar quã o terrı́vel seria o
destino fı́sico dos servos maus, de maneira que o fato deles serem lançados para fora, junto aos
hipó critas, implique em seu tormento eterno. Caso ainda tenhas alguma dú vida em relaçã o a esse
tipo de morte, basta ler Atos 1.18 e ver o que aconteceu com o apó stolo traidor "Ora, este homem
adquiriu um campo com o preço da iniquidade; e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas
entranhas se derramaram;"
"choro e ranger de dentes" Esta expressã o é utilizada por seis vezes neste evangelho Mt
8.12, 13.42, 13.50, 22.13, 24.51 e 25.30; e apenas uma vez no restante da Escritura (Lc 13.28)
Uma variaçã o interessante aqui é a utilizaçã o do adjetivo υ¡ ποκριτῶν - hipocriton, pois este faz
forte referê ncia aos fariseus.

327
As parábolas de Jesus registradas por Mateus Com sua função de elucidar, reforçar
ou ilustrar um ensino, as parábolas foram extensamente usadas por Jesus durante seu ministério
terreno. Acompanhe aquelas encontradas no livro escrito por Mateus (ainda existem outras, as quais o
autor não inseriu em seu texto, porém outros evangelistas o fizeram).

1) Parábola da lâmpada Mt 5.15-16

2) Parábola dos construtores Mt 7.24-27

3) Parábola do remendo novo em roupa velha Mt 9.16

4) Parábola do vinho novo em odre velho Mt 9.17

5) Parábola do semeador e dos 4 tipo de solos Mt 13.3-9

6) Parábola do joio e do trigo Mt 13.24-30

7) Parábola da semente de mostarda Mt 13.31-32

8) Parábola do fermento Mt 13.33

9) Parábola do tesouro escondido Mt 13.44

10) Parábola da pérola valiosa Mt 13.45-46

11) Parábola da rede Mt 13.47-50

12) Parábola do senhor da casa Mt 13.52

13) Parábola da ovelha perdida Mt 18.12-14

14) Parábola do servo que não perdoou Mt 18.23-35

15) Parábola dos trabalhadores na vinha Mt 20.1-16

16) Parábola dos dois filhos Mt 21.28-32

17) Parábola dos lavradores maus na vinha Mt 21.33-45

18) Parábola da celebração do casamento Mt 22.2-14

19) Parábola da figueira Mt 24.32-34

20) Parábola do servo fiel e do servo infiel Mt 24.45-51

21) Parábola das dez virgens Mt 25.1-13

22) Parábola dos talentos Mt 25.14-30

(1) H. Loewe and C. G. MonteCiore, A Rabbinic Anthology, 1938, pp. 660ff


(2) Mesquita de Omar https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%BApula_da_Rocha acessado em 23/02/17
(3) De acordo com Eusé bio de Cesaré ia, o evangelho escrito por Marcos é uma coleçã o dos ensinos de Pedro em
Roma.
(4) Spurgeon, C. H. - The gospel of the kingdom: a commentary on the book of Matthew - p.212
(5) Black, M. - An aramaic approach to the Gospels and Acts - p.118-119
(6) Hirsch, E.G.; Cheyne, T.K. -Isaiah www.jewishencyclopedia.com - acessado em janeiro/2017
(7) Swanson, J. - Dictionary of Biblical Languages with Semantic Domains: Greek (New Testament) (electronic ed.)
(8) Joã o Crisó stomo - Homilias sobre Mateus 77
(9) Agostinho de Hipona - Quæst. Ev. i. 39

328
Mateus 25

Seguindo o que fora dito anteriormente e enfatizando o ensino de que devemos estar
preparados para o retorno em gló ria do Messias, Jesus nos apresenta outras duas pará bolas
representando o mesmo tema: 1) Pará bola das 10 virgens e 2) Pará bola dos investimentos. Alé m
de uma ilustraçã o Cinal.
O contexto destas pará bolas é muito importante, pois ele nos permite compreender
melhor certos detalhes do texto sem a necessidade de criar alegorias. O trecho em questã o se
inicia em Mt 24.3 que diz: "Tendo Jesus se assentado no monte das Oliveiras, os discípulos dirigiram-se a ele
em particular" Ou seja, o discurso era realizado aos seus discı́pulos, e em particular. Dentro do
literatura sapiencial judaica, a Cigura do rei, do mestre, do pai e até de um homem, costumam
simbolizar a Deus.(2)
A primeira pará bola se refere ao grupo geral dos seguidores de Jesus e nos revela que
50% dentre eles nã o estará preparado para a volta do Senhor. A segunda pará bola demonstra que
entre aqueles que estiverem preparados, 33% nã o terá multiplicado o investimento feito por
Deus neles. Por Cim, o Mestre divide o grupo de uma maneira diferente, o primeiro grupo conté m
os que nã o estarã o preparados e os que nã o multiplicaram o investimento, e no segundo
agrupamento estarã o os que estiverem preparados e os que estiverem dando retorno.

v.1-13 Parábola das 10 virgens


Quando Jesus utilizava do recurso das pará bolas, ele nã o as aplicava fora de um contexto
muito claro e deCinido, seus temas nã o eram aleató rios ou escolhidos como uma forma de
entretenimento a seus ouvintes. Haviam dois objetivos principais, que eram reforçar a mensagem
atravé s da repetiçã o, e em segundo lugar torná -la mais acessı́vel para as pessoas de menor
compreensã o, as quais podiam nã o entender as citaçõ es do Antigo Testamento ou acompanhar
um raciocı́nio mais elaborado, mas que certamente iram se identiCicar com as cenas simples
reveladas. Até por isso a interpretaçã o alegó rica das pará bolas deve ser evitada, pois nã o havia
sentido escondido em um texto que visava explicitar o que já havia sido falado.
Claro que um ou outro aspecto das pará bolas acabam sendo alegorizados pelos
interpretes, poré m nunca o texto inteiro e menos ainda sua conclusã o, ou liçã o chave. Até mesmo
Adolf Jü licher, notó rio defensor da interpretaçã o literal, por vezes entendia a necessidade de um
sentido Cigurado em alguns textos.(1) Ainda assim a interpretaçã o histó rico-gramatical deve ser
mantida sempre que possı́vel.
Esta foi uma das pará bolas mais populares da Idade Mé dia, sendo que hoje encontramos
sua inCluencia na arte gó tica e na arquitetura de diversas catedrais alemã s e francesas, tais como a
Catedral de Magdeburg e a Catedral de Lü beck.
O Salmo 45 forma uma base bem só lida para a pará bola proposta, aCinal ele lida com a
Cigura de um rei e també m com sua noiva. Os versı́culos 14-15 sã o deveras relevantes: "Em
roupagens bordadas conduzem-na perante o Rei; as virgens, suas companheiras que a seguem, serão trazidas à
tua presença. Serão dirigidas com alegria e regozijo; entrarão no palácio do Rei." Alé m das referê ncias
bı́blicas, o tema do "ó leo para as lâ mpadas" també m é encontrado em outros livros e culturas. O
escritor grego Plutarco, que viveu no primeiro sé culo, cita em uma de suas obras pessoas que
preparam suas lâ mpadas, mas esquecem de derramar sobre ela ó leo, sã o tolas e imprudentes.(8)

v.1 Temos aqui a apresentaçã o formal de uma pará bola do Reino: ΤοŒ τε η¡ βασιλειŒα τῶν
ου† ρανῶν “o Reino dos céus é semelhante a…” Outro ponto a ser observado é que o tamanho da
pará bola també m revela sua importâ ncia em meio ao discurso que está ocorrendo. No Cinal do
capı́tulo anterior Jesus pronunciou uma rá pida pará bola falando da Cigueira, a brevidade mostra
que ela estava inserida a uma unidade de pensamento e nã o era, por si só , o principal argumento.
Já no caso da pará bola das dez virgens, ela encerra em si mesma um ensino completo.
Ainda que o tema seja um casamento, o foco está na celebraçã o e nã o no relacionamento
entre noivo e noiva. Dentro do universo da pará bola, as virgens estã o claramente em primeiro
plano; seus contratempos e sua visã o do casamento sã o o ponto principal da narraçã o.

329
Notavelmente, a noiva nã o é citada em parte alguma da pará bola.
Literariamente falando, encontramos uma clá ssica divisã o tripartite, bem ao modo grego.
Sendo os versı́culos 2-5 a apresentaçã o da cena (προŒ τασις), os versı́culos 6-9 trazem o
desenvolvimento do tema, com a chegada do noivo (ε† πιŒτασις) e 10-12 encerram o tema com uma
trá gica conclusã o (καταŒ στροφη). As peças gregas que tinham Cinal trá gico eram as mais
valorizadas, e despertavam reaçõ es mais intensas da plateia. Este tipo de drama era marcado por
profunda dignidade e seriedade, sendo utilizado para defender as causas divinas ou importantes
ou sociais.(17)

"dez virgens que, tomando as suas lâmpadas" Estas virgens, que també m podem ser
representadas por jovens moças, faziam parte do cortejo da noiva; algo parecido com as "Damas
de honra" de nossos dias. ‫ּבְתּולָה‬, bethulah (virgem, no sentido de nã o ter se relacionado
sexualmente); ‫עַלְמָה‬, almah (virgem, no sentido de ser uma jovem mulher); παρθεŒ νος, parthenos
(a traduçã o grega para os termos anteriores)
"e saíram para encontrar-se com o noivo." Outro ponto a ser observado é que no costume
palestino, os noivos seguiam o caminho mais longo possı́vel dentro da aldeia, e a razã o para isso é
que eles desejavam mostrar para toda a sociedade local que eles estavam se unindo formalmente.
Essa cerimô nia era tã o importante dentro da cultura judaica que os rabinos aceitavam que um
estudante até parasse de estudar a Torah para compartilhar da alegria dos noivos(3). Corroboram
outros textos judeus, tais como 'Abot de Rabbi Nathan 4, b.Berakot 50b e 59b, e b.Peshaim 49a, que
aCirmam ser uma obrigaçã o religiosa (mitzvot) tomar parte da cerimô nia de casamento.
Alguma especulaçã o já foi levantada em relaçã o a quantidade de virgens no cortejo. Por
que um nú mero de 10, nã o 12 ou 7? Apesar de já termos dito inú meras vezes que nã o é saudá vel
buscar signiCicado em cada aspecto de uma pará bola, podemos fazer algumas observaçõ es a
respeito deste numeral. O numeral dez costumeiramente representa plenitude ou perfeiçã o; veja
os dez mandamentos, as dez pragas, os dez por cento dos dı́zimos e do ditado rabı́nico o qual
aCirma que dez varõ es formam uma congregaçã o. Existe uma possibilidade real de que Jesus
falasse a respeito de um costume, nã o dos judeu, mas dos amalequitas, pois, R.Solomon (Rashba)
conforme registrado do Talmude: “É moda no país dos ismaelitas levar a noiva da casa de seu pai para a
casa do noivo antes que ela seja colocada na cama; e levar diante dela cerca de dez tochas de madeira, tendo
cada um no topo um vaso como um prato, no qual há um pedaço de pano com óleo e breu: estes, sendo
iluminados, carregam diante dela para tochas.”(10)
v.2-4 "Cinco dentre elas eram néscias, e cinco, prudentes." Independente do nú mero total,
parece-nos que o objetivo do Mestre era mostrar que metade das damas era prudente e a outra
metade tola. Ao Cinal do cortejo, as virgens entregam a noiva na tenda para receber o noivo, que
em instantes se tornaria seu esposo. Aqui temos a imagem da parte Cinal da cerimô nia de
casamento oriental antiga, onde o matrimô nio seria consumado atravé s do ato sexual. O fato
estranho aqui é que o noivo nã o se dirigiu imediatamente para a tenda da noiva.
Somos advertidos que metade das virgens estavam preparadas e que outra metade havia
desprezado a seriedade com que os preparativos devia ser feitos.
"ao tomarem as suas lâmpadas" Algo interessante ocorre com a palavra λαμπαŒ δας pois sua
traduçã o mais correta é "tocha" e nã o lâ mpada como costumamos imaginar. Na realidade nã o
existem relatos da antiguidade onde a palavra λαμπαŒ ς se reCira a "lâ mpada" ou "farol", sendo que
o uso grego comum para isso seria λυχνος.(19)
v.5 "E, tardando o noivo, foram todas tomadas de sono e adormeceram." Este versı́culo sempre
me intrigou, pois o Mestre aCirma que "todas" as noivas dormiram; ou seja, tanto as sá bias quanto
as tolas dormiram. Poré m o tema aqui nã o foca na prontidã o, mas sim nos preparativos feitos
com antecedê ncia. Como disse Linnemann, E: "A verdadeira prontidão para o Senhor não signi1ica se
apegar à expectativa de que ele deve vir“ em breve ”, mas signi1ica prudentemente levar em consideração a
possibilidade de que se atrase".(9)
χρονιŒζοντος - chronizontos - possui o sentido geral de "estar atrasado" ou "passado longo
tempo" A essê ncia desta pará bola reside sobre esta palavra, uma vez que é a demora que permite
se distinguir as damas sá bias e as tolas. Ou como bem explicou Meier, J.P.: "Na parábola anterior, o
servo mau percebeu que seu mestre estaria atrasado; infelizmente, a realização o levou a deixar de ser
responsável e vigilante. Aqui, pelo contrário, cinco das virgens não consideram a possibilidade de um atraso, e
sua falha em antecipar o atraso leva à sua falta de preparação. Portanto, Mt rejeita um sentimento de
irresponsabilidade decorrente do atraso da parusia e também um entusiasmo frívolo que não leva a sério o
comprimento do atraso."(11)

330
v.6 No meio da noite, em grego μεŒ σης νυκτο„ ς (mesos nyktos), o noivo aparece. Nã o é
correto traduzir por um horá rio especı́Cico como meia-noite, apesar da ampla maioria das
traduçã o o fazerem.
"ouviu-se um grito: Eis o noivo" Aqui encontramos mais um dos famosos idou de Mateus, que
pode ser traduzido como “vejam” ou “contemplem”. O texto de 1 Macabeus 9.39 descreve a
procissã o do noivo: "Eles olharam para fora e viram uma procissão tumultuada com uma grande
quantidade de bagagem; e o noivo saiu com seus amigos e irmãos para enfrentá-los com pandeiros e músicos e
muitas armas."
v.7 "Então, se levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas." Pela descriçã o
da cena, pelo menos no primeiro momento, todas as damas se consideravam preparadas para o
evento.
v.8-10 Estes dois versı́culos requerem cautela, principalmente daqueles que ainda nã o
compreenderam muito bem como funciona uma pará bola. Nã o adianta especular qual tipo de
azeite elas necessitavam, ou que tipo de estabelecimento estaria aberto no meio da noite para
lhes atender. Como disse um dos maiores estudiosos das pará bolas, Klyne Snodgrass, logo no
inı́cio de sua obra monumental sobre o tema: "Ao criar um mundo narrativo, as histórias estabelecem um
universo irreal e controlado. O autor nos abduz e - num ato quase divino - nos fala da realidade existente
naquele mundo da sua narrativa, do que ali acontece e dos parques dos acontecimentos"(12)
v.11-12 O tema de condenaçã o é repetidos aqui mediante o uso da expressã o "Senhor,
Senhor" utilizada na Escritura, normalmente para descrever os rejeitados, compare com Mt
7.22-23 "Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em
teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não 1izemos muitos milagres? Então, lhes
direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade." Merece ser
apontado també m o emprego da, usual, aCirmaçã o do Messias: ΑŸμη„ ν λεŒ γω υ¡ μῖν, (Em verdade vos
digo).
v.13 O tema é repetido: “Portanto, vigiem, porque vocês não sabem o dia nem a hora” Novamente
ouvimos o chamado para que todos estejam preparados pois ningué m sabe o momento exato do
retorno. Ao utilizar o recurso das hendı́ades, de modo que mediante a repetiçã o do tema "dia" e
"hora" o Senhor busca aCirmar que ningué m sabe, com precisã o, quando a volta ocorrerá .
Infelizmente muitos teó logos propuseram interpretaçõ es, por vezes até inteligentes, mas
que destoam da explicaçã o do Senhor Jesus. Para evitarmos o mesmo risco, basta contextualizar
essa pará bola com as duas anteriores, pois em 24.42-44 nos fala do retorno inesperado do
Messias, e 24.45-51 ensina sobre que um comportamento aceitá vel e o cumprimento das
atribuiçõ es apresentadas. Seguindo o raciocı́nio ló gico, 25.1-13 fala da demora no retorno do
Messias e da necessidade de estar preparado apesar da longa demora no retorno do Senhor. O
mesmo tema ocorre na pró xima pará bola 25.14-30 que lida com o tema do senhor das terras que
demora para retornar de uma longa viagem. Assim como Sherriff, J.M. asseverou: "A trama gira em
torno do atraso do noivo. As virgens loucas não se esquecem de trazer azeite; antes, a demora do noivo mostra que eles não
trouxeram o su1iciente. O óleo não pode ser facilmente aplicado a "boas obras" ou "Espírito Santo". É apenas um elemento na
narrativa que mostra que as virgens tolas não estavam preparadas para a demora e, portanto, excluídas no 1inal."(18)
O Didaquê , escrito um sé culo depois deste evangelho, reClete sobre o tema dizendo:
"Vigiai por amor às vossas vidas. Não se apaguem as vossas lâmpadas, nem estejam descingidos os vossos
lombos; mas estejais prontos, pois não sabeis a hora em que o Senhor virá"(20)

Existe uma variaçã o textual relativa a este versı́culo 13. Enquanto a compilaçã o do texto
Majoritá rio inclui a frase “na qual o Filho do Homem virá” (a qual possivelmente fora copiada de Mt
24.44). Sendo que alguns manuscritos muito relevantes nã o contenham esse adicional, entre eles
P35, ‫א‬, A, B, C, D, L, W, X, Y e diversas versã o traduzidas antigas como a Latina, Sirı́aca, Copta e
Armenia.

v.14-30 Parábola dos investimentos


ΩÀσπερ γα„ ρ αª νθρωπος - Hōsper gar anthrōpos "Será como, pois, um homem" A transiçã o
textual, e que també m é valida foneticamente, entre a pará bola anterior e esta agora nos leva a
perceber um desejo de usá -la como reforço da anterior. Seria o mesmo que dar dois exemplos
sobre o mesmo tema. Outra prova disso é que aqui nã o temos o cabeçalho formal "o Reino dos Céus
será ..." Segundo Charles, R.H., em seu magistral livro Pseudepigrapha of the Old Testament (1913)
esta pará bola se assemelha muito a lenda de Aḳ iḳ ar, cuja mais importante das Pará bolas e
Prové rbios está preservada em papiro, na coleçã o conhecida como Fragmentos de Elefantina.(13)

331
O relato de Mateus é muito bem estruturado e permite uma visualizaçã o bem clara de
cada ato. Podemos dividi-lo em trê s seçõ es principais, cada uma com trê s atos aná logos a cada
um dos trê s servo.

v.14 Está pará bola é tradicionalmente conhecida como “pará bola dos talentos”, e nã o há
nada de errado com essa descriçã o; ela apenas nã o representa o objetivo do ensino, o qual refere-
se ao retorno Cinanceiro sobre o investimento feito pelo senhor das terras e nã o a dons pessoais.
Principalmente por a palavra “talento” refere-se a uma medida de peso, neste caso cerca de 35kg.
Por ser uma unidade de peso, ela podia se referir a diversas substancias, mas seu uso mais
recorrente era para identiCicar uma quantidade de prata. Em nosso idioma a palavra “talento”
evoca a idé ia de habilidade ou capacidade pessoal, o que nã o é o foco do texto em questã o. A idé ia
do investimento é reforçada no versı́culo 27 onde se fala de aplicar o dinheiro no banco e receber
juros por eles.
v.15 "A um deu cinco talentos, a outro, dois e a outro, um" O valor de um talento, que podia
variar de metal para metal, em geral equivaleria a quase 20 anos de trabalho braçal; ou seja, era
muito dinheiro. Agora multiplique isso por cinco, e imagine a quantidade de recurso nas mã os do
servo mais capacitado. "a cada um segundo a sua própria capacidade" Ao contrá rio do que muitos
gostam de pensar, cada servo possuı́a um nı́vel de habilidade diferente, o que os diferencia. Por
outro lado, mesmo o servo menos competente recebeu uma grande quantia, o que demonstra que
a responsabilidade, mesmo do menos capaz, já seria enorme. "e, então, partiu." O texto mostra
pouca preocupaçã o do senhor em relaçã o ao que eles iriam fazer, aCinal todos eram capacitados.
v.16-18 Os dois servos mais capacitados tiveram uma atitude semelhante, enquanto o
terceiro seguiu um caminho totalmente diferente. Nossa leitura cristã do sé culo XXI muito
facilmente repreende a atitude do terceiro servo, isso ocorre por pura miopia. O costume de se
enterrar um tesouro, para preservá -lo, era algo comum no mundo antigo; o pró prio Jesus falou
sobre isso em Mt 13.44 "O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem,
tendo-o achado, escondeu" Dentre os achados de Qumran está um rolo de cobre que conté m uma
lista de tesouros escondidos.(14)
Alguma discussã o sobre o que representam os talentos investidos, e se eles podem ser
aplicados em nossa vida, aconteceu durante nossos dois mil anos de igreja. Agostinho de Hipona
aCirmava que se referiam a pró pria salvaçã o e ao perdã o dos pecados(7), Joã o Crisó stomo disse
que os talentos representam as habilidades de cada indivı́duo, enquanto Calvino disse que os
classiCica como dons do Espı́rito Santo(6). A linha geral para se interpretar uma pará bola diz que
nã o devemos buscar signiCicado em cada um dos aspectos do ensino, poré m aqui, acredito que
algo possa ser dito. Já que os ensinos estavam sendo apresentados apenas aos discı́pulos, parece-
me que o investimento feito pelo Senhor se referi a qual nı́vel de conhecimento relativo ao Reino
dos Cé us cada crente recebeu. Por terem recebido mais que as multidõ es em geral, o Cristo
espera que usemos essa revelaçã o para proporcionar mais lucro a ele, ou seja, devemos ensinar
mais sobre o Reino a medida que fomos aprendendo mais sobre isso. O apó stolo Paula fala sobre
isso em 1Co 4.1-2 "Portanto, que todos nos considerem como servos de Cristo e encarregados dos mistérios
de Deus. O que se requer destes encarregados é que sejam 1iéis."
v.19-23 "Depois de muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles." Alguns
interpretes se questionam sobre quanto tempo se passou, e se isso seria um sinal de que o
retorno de Cristo ainda demoraria muito. Esta expressã o μετα„ δε„ πολυ„ ν χροŒ νον - meta de polys
cronon - é necessá ria para criar o suspense no enredo e para certiCicar que os servos tiverem
tempo, mais que suCiciente, para realizarem as funçõ es deles esperadas.
O ajuste de conta com os dois primeiros servos nã o apresenta maiores complicaçõ es, e
eles tã o pouco argumentam algo com o patrã o. Interessante notar que cada um deles dobrou o
capital inicial, sendo que em outros trechos do evangelho encontramos fatores de multiplicaçã o
muito maior, tais como 30, 60 e até 10 vezes. Existe també m a funçã o narrativa de gerar uma
expectativa de que o terceiro servo també m tivesse multiplicado seu capital por dois, o que nã o
ocorre.
v.24-27 Vemos aqui a forte repreensã o que o terceiro servo recebeu, o qual, diferente dos
dois primeiros, busca justiCicar sua falha. Ele sabia como o seu senhor era, e ainda assim nada fez
a respeito. "que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste" Temos aqui uma conexã o direta
com Miqué ias 6.15, poré m de maneira inversa; pois em Miqué ias há a descriçã o do homem mau

332
que nã o colherá o fruto do seu trabalho e aqui, vemos a exaltaçã o da justiça do senhor que colhe
até o que nã o plantou.
"Cumpria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros, e eu, ao voltar, receberia com
juros o que é meu." Diversas leis judaicas proibiam a cobrança de juros nos empré stimos (por
exemplo Ex 22.25, Lv 25.35-37 e Dt 23.19-20) o que limitava um pouco o trabalho dos
banqueiros, poré m haviam duas possibilidades de remuneraçã o monetá ria: 1) Empré stimos a
juros para estrangeiros, conforme diz Dt 23.20 "Ao estrangeiro emprestarás com juros" e 2)
Remuneraçã o sobre o pró prio capital, regulamentado pelo m.Baba Mesi'a 5.1 entre outros
tratados do perı́odo.
v.28 "Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez." Uma curiosidade é o fato do talento,
retirado do terceiro servo, ter sido entregue integralmente ao primeiro, e nã o dividido entre os
dois servos bons.
v.29-30 "Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que
tem lhe será tirado. E o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes."
Palavras durı́ssimas sã o empregadas aqui. Tã o duras que alguns estudiosos chegaram a
questionar se elas seriam originais do Messias. O erro deles é se deleitar com a promessa de
conforto, mas rejeitarem a proporçã o do castigo.

Como disseram Walvoord e Zuck: "A Parábola das 10 Virgens enfatizou a necessidade de
preparação para o retorno do Messias. Esta Parábola dos Talentos enfatizou a necessidade de servir ao Rei
enquanto Ele estiver ausente."(4)
A funçã o teoló gica dessa ilustraçã o nã o é nos ensinar como fazer investimentos ou Cicar
ricos, e sim reforçar a mensagem de que o senhor de todas as terras: Nosso Senhor, irá retornar e
cobrar o que conCiou em nossas mã os. Ainda assim nem todos se prepararã o da mesma maneira,
mesmo dentro os que serã o salvos, por isso vem uma diferença entre os que multiplicaram mais
ou menos o dinheiro que receberam. Vale també m ressaltar que o dono do dinheiro deu mais
recursos aqueles que teriam maior capacidade de multiplicá -lo, ele nã o esperava muito do servo
que recebe menos investimento, mas ainda sim contava com aquela parte do dinheiro.

v.31-46 Um julgamento dinal


Nosso Senhor avança um pouco mais em suas revelaçõ es sobre o futuro, e nos adverte a
respeito de um julgamento Cinal, que ocorrerá quando ele estiver sentado no trono. Ali se
apresentarã o todas as naçõ es e ele mesmo fará a separaçã o entre os que entrarã o no Reino (as
ovelhas) e os que serã o condenados (os bodes). E mais uma vez somos advertidos dos crité rios
que irã o deCinir o futuro eterno daquelas pessoas, e que como princı́pio é o mesmo que para nó s,
o amor ao pró ximo. Os relacionamentos interpessoais sã o o maior sinal da eleiçã o salvı́Cica e
deCinem como cidadã os do Reino. Mesmo em pequenas coisas esses traços sã o revelados, seja em
um copo com á gua, um pouco de comido, abrigo ou uma visita no momento da diCiculdade. Nã o
temos relatos de grandes atos de fé , evangelizaçõ es ou sacrifı́cio Cinanceiro, pelo contrá rio, na
ó tica do Messias os pequenos gestos revelam a verdadeira natureza das pessoas. Revela que é
realmente é ovelha e que nã o o é .

v.31 "Quando vier o Filho do Homem" Nã o existe transiçã o alguma aqui, de maneira que este
tó pico é acrescentado sobre o anterior. Devido a falta da moldura parabó lica, corroborado pela
maneira como o assunto é descrito, parece-nos que este trecho seja uma revelaçã o do futuro
direta e nã o mais algum tipo de comparaçã o ou pará bola. A esse respeito, Joã o Crisó stomo
ponderou: "Ele não diz disso como nos outros: O reino dos céus é como... , mas se manifesta por revelação
direta, dizendo: Quando o Filho do homem vier em sua majestade."(16)
Se nos ensinos anteriores o Mestre utilizou termos gené ricos como "um homem", "o
noivo" ou "o senhor dos servos", aqui ele fala a respeito de si pró prio mediante a aplicaçã o de "o
Filho do Homem". ο¡ υι¡ο„ς τοῦ α† νθρωŒπου - ho huios tou anthropou - A ú ltima vez que Jesus utilizará
essa expressã o, para se referir a si mesmo, fora em Mt 24.27 quando ele revela qual será o sinal
de sua vinda. Dessa maneira temos uma conexã o entre a revelaçã o de seu retorno e, agora, o que
acontecerá quando ele já estiver estabelecido e sentado no trono. "na sua majestade e todos os anjos
com ele, então, se assentará no trono da sua glória;" Somos apresentados à honra e o poder do Messias,
de modo que os poderes celestiais acompanham seu cortejo. Existe uma forte conexã o entre a
promessa de retorno do Messias em gló ria com a profecia de Zacarias 14.5 “Vocês fugirão pelo meu
vale entre os montes, pois ele se estenderá até Azel. Fugirão como fugiram do terremoto nos dias de Uzias, rei

333
de Judá. Então o Senhor, o meu Deus, virá com todos os seus santos.” Esta é a ú nica vez que Jesus se refere
a si mesmo como reinando em gló ria e poder.
v.32-33 "e todas as nações serão reunidas em sua presença" Se até os anjos se reunirã o diante
deles, quanto mais as naçõ es humanas. Ningué m escapará da audiê ncia. παŒ ντα τα„ εª θνη - panta ta
ethene - Nã o existe consenso entre os tradutores sobre como lidar com a palavra ethene, uma vez
que ela pode signiCicar "naçõ es" ou "povos" em um sentido mais amplo, mas també m pode
representar "gentios" (aqueles que nã o sã o judeus) em uma aplicaçã o mais bı́blica. Pensando no
espectro bı́blico da palavra, temos sua utilizaçã o na LXX onde frequentemente substitui a palavra
hebraica ‫( ּגֹוי‬gô y) e possui sentido geral de "naçõ es"; apenas no Novo Testamento é que este
substantivo possui maior conexã o com os nã o-judeus, ou seja, gentios. Existe uma lembrança de
Joel 3.1-2 nessa aCirmaçã o: "Eis que, naqueles dias e naquele tempo, em que mudarei a sorte de Judá e de
Jerusalém, congregarei todas as nações e as farei descer ao vale de Josafá; e ali entrarei em juízo contra elas
por causa do meu povo e da minha herança, Israel, a quem elas espalharam por entre os povos, repartindo a
minha terra entre si."
"separará uns dos outros, como o pastor separa dos bodes as ovelhas;" Essa temá tica do pastor
separando os animais é conhecida de Ezequiel "‘Quanto a você, meu rebanho, assim diz o Soberano
Senhor: Julgarei entre uma ovelha e outra, e entre carneiros e bodes." Nã o existe no texto bı́blico algo que
caracterize os bodes como algo ruim, mesmo porque eles eram criados e pastoreados pelos
judeus. A descriçã o destas duas especies de animais é empregada literariamente para mostrar
que será fá cil distinguir um animal do outro e nã o por mé ritos ou defeitos de cada uma.
"E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda." O fato dos escolhidos irem para a
direita, enquanto os excluı́dos vã o para a esquerda, també m nã o merece maiores especulaçõ es
esoté ricas. O fato se baseia apenas em mostrar como seria feita a divisã o fı́sica entre as duas
espé cies.
v.34-40 "então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita" Segue-se o discurso do Rei aos
escolhidos. O Mestre mais uma vez embasa seu julgamento, mostrando que a condenaçã o nã o é
deCinida por caprichos pessoais. També m aprendemos sobre o cará ter e estilo de vida daqueles
que sã o os verdadeiros cidadã os do Reino dos Cé us. YHWH é descrito como o Rei em diversos
textos do AT, como por exemplo Is 44.6 "Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos
Exércitos", o que traz um signiCicado adicional a esse termo quando foi usado para Jesus. Essa
transferê ncia de tı́tulo era uma té cnica comum dos autores do NT para aCirmar a completa
deidade de Jesus de Nazaré .(15)
v.41-45 "Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda" Agora vemos o discurso
real contra os excluı́dos. Como que espelhando os versı́culos anteriores, encontramos o relato da
condenaçã o daqueles que nã o sã o verdadeiramente discı́pulos. Lembre-se que a repetiçã o é uma
das maneiras dos judeus enfatizarem o que está sendo proposto.
v.46 Por Cim é -nos mostrada a condenaçã o Cinal: “e estes irão para o castigo eterno, mas os
justos para a vida eterna”. Desde o inı́cio das escrituras somos advertidos de que a maior misé ria
que o ser humano pode enfrentar é a separaçã o de seu Criador. Como disse o profeta Isaı́as:
“Vossas iniquidades fazem separação entre vós e vosso Deus …” Is 59.2 O conteú do dessa pará bola nos
lembra a todo instante do cruel destino dos que nã o se submeterem ao Messias, uma eternidade
distante da fonte de tudo, longe do Criador.

Assim chegamos ao té rmino do Quinto Grande Discurso de Jesus, e o capı́tulo 26.1 nos
apresenta o marco delimitató rio utilizado por Mateus: “Tendo dito esta coisas …”
Mas o Cim do ciclo discurso-narrativa-discurso nã o implica no Cinal do livro. Agora
chegamos ao seu clı́max: A paixã o de Cristo.

334
(1) Jü licher, A. - Die Gleichnisreden Jesu, V.2 - p.481
(2) Evans, C. - "Parables in early judaism" contido em The challenge of Jesus Parables - p.67
(3) Barclay, W - Comentário Barclay Novo Testamento - p.740
(4) Walvoord e Zuck - The Bible Knowledge Commentary: An Exposition of the Scriptures - (Vol. 2, p. 80)
(5) Crisó stomo, J. - Homilia LXXVIII conforme contido em St.John Chrysosotom, Homilies on Matthew dentro da
coleçã o Nicene and Post-Nicene Fathers vol.10 - p.472
(6) Calvino, J. - Commentary on harmony of the evangelists: Matthew, Mark an Luke vol.3 - p.444
(7) Agostinho - Augustine, Sermons on selected lessons of the New Testament in Nicene and Post-Nicene Fathers
Vol. 6 - p.405
(8) Plutarco - Preceitos da arte de governar - 798B
(9) Linnemann, E - Parables of Jesus: Introduction and Exposition - p.127
(10) Solomon, R. - Citado por Maimô nides no Talmude - In Kelim, cap. 2. hal. 8.
(11) Meier, J.P - Matthew - p.294-295
(12) Snodgrass, K. - Compreendendo todas as parábolas de Jesus - p.1
(13) Charles, R.H. - Pseudepigrapha of the Old Testament - v.2 p.777
(14) 3Q15
(15) Utley, R.J. - The First Christian Primer: Matthew - p. 209
(16) Joã o Crisó stomo - Homilia LXXIX (Mateus 25.31-45)
(17) https://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia - acessado em 18/01/2021
(18) Sherriff, J.M. - “Matthew 25:1–13. A Summary of Matthean Eschatology?” in Livingstone, 2:301–5
(19) Veja Zorell, “De lampadibus”; Jeremias, “ΛΑΜΠΑΔΕΣ”; també m Luz, Matthä us, 469-71
(20) Roberts & Donaldson - The ante-Nicene fathers - p.382

Isaías 53 - O resumo do ministério do Messias


Os acontecimentos que serão descritos nos próximos capítulos podem ser encontrados na
antiga profecia contida no livro do profeta Isaías, porém, de maneira impressionante podemos ver
os acontecimentos detalhados no capítulo 53. Acompanhe o resumo chamado de “O servo justo
morrendo pelo culpado”:

v.1-4 A rejeição de seu ministério

v.5-8 Sua morte

v.9 Seu sepultamento

v.10-12 Sua exaltação

Sempre me chama a atenção o fato de Deus ter feito o Universo com seu dedos (termo
metafórico usado pelo salmista em Sl 8.3), ter livrado Israel do Egito com sua mão forte (Ex 13.3
"porque o Senhor os tirou dali com mão poderosa"), e para salvar os pecadores, o Senhor
empregar seu braço inteiro (Is 53.1 “ A quem foi revelado o braço do Senhor?”)

335
Mateus 26
Início da terceira parte do livro: Martírio, Rejeição e Ressurreição 26.1 em
diante.

O capı́tulo se inicia com o marco delimitató rio utilizado por Mateus para encerrar suas
cinco grandes porçõ es de ensino pedagó gico, as quais chamamos de Grande Discursos de Jesus.
v.1 “Tendo dito essas coisas, disse Jesus aos seus discípulos …”
v.2 "Sabeis que daqui a dois dias ..." Esta já nã o era a primeira vez que Jesus predizia sua
morte, ainda assim o anuncio tem um forte papel na trama que se desenrola. Atravé s deste
recurso literá rio, Mateus, nos traz mais para perto do que estava para acontecer. Se nas primeiras
vezes que o Messias revelará seu destino (cf. Mt 16.21, 17.9, 20.18-19) o tempo dos
acontecimentos ainda pertenciam a um futuro obscuro, agora a açã o se encontra no presente. A
descriçã o agora é nua e crua; chegando o Mestre a falar da pró pria cruciCicaçã o.

Existe um belo contraste temá tico ocorre entre os trechos 3-5, 6-13 e 14-16, sendo que o
primeiro e o ú ltimo trechos descrevem a maldade em açã o, contrastando fortemente como o
gesto de abdicaçã o e amor do trecho intermediá rio. Podemos perceber um certo toque de
paralelismo judaico nesta construçã o inteira. Veja graCicamente como foi construı́do o texto em
questã o:

Maldade Bondade Maldade

A partir deste modelo temá tico, onde a maldade sobressai à bondade, o autor nos dá o
tom de tudo o que será relatado a seguir. Desvendando-se, etapa à etapa, o enredo que culminará
na Paixã o se desenrola. Somos apresentados brevemente aos personagens que terã o papel
fundamental na histó ria, conhecemos um lugar chave (o pá tio do sumo sacerdote) onde
acontecerá um julgamento e a negaçã o de Pedro, també m descobrimos a artimanha para prender
Jesus as escondidas. Ou seja, em poucos versı́culos temos quase que o resumo de tudo o que
acontecerá até o Cinal do livro. Durante estes trê s trechos as cenas passam rá pidas, com cortes
abruptos; é como se Mateus fosse intercalando um acontecimento com o outro. Na primeira cena,
as palavras sã o escolhidas para que o leitor nã o tenha a impressã o de passagem de tempo, na
segunda cena até existe um introduçã o, mas a urgê ncia da aproximaçã o da mulher e o fato do
autor sequer parar para dizer seu nome, nos desvendam o dinamismo dos acontecimentos, e por
Cim, na cena derradeira, já encontramos Judas indo propor a traiçã o aos religiosos.

v.3-5 Cena 1: Maldade - Uma conspiração que será lembrada para sempre
v.3 "Então reuniram-se, o sumo sacerdotes e os anciãos" A cena 1 acontece no palá cio do sumo
sacerdote.
Pela maneira como Mateus compila seu texto, temos a impressã o que em quanto Jesus
ainda falava, em outra parte da cidade seus opositores se reuniam para tramar sua morte.
Algumas traduçõ es buscando intensiCicar o sentido de que os atos aconteciam quase que
simultaneamente, optam por traduzir a palavra grega ΤοŒ τε por "naquele tempo". Parece-me
desnecessá rio, ainda que possı́vel gramaticalmente, empregar essa opçã o já que Mateus utiliza
por 90 vezes essa palavra em seu texto, e em nenhum outro local, ela possua uma aplicaçã o que
nã o seja meramente adverbial. A urgê ncia está contida no texto sem a necessidade de ajuda dos
tradutores.
v.4 "e juntos planejaram prender Jesus à traição e matá-lo." A vilanisse dos sacerdotes é

336
reverberada quando Mateus relata como pretendiam capturar o Messias. Para nã o deixar nenhum
dos culpados sem ser apontado diz o autor: "e juntos" tramavam matar a Jesus. Asim nenhuma das
autoridades judaicas Cicou fora do conchavo perverso. Note bem que o objetivo dos religiosos nã o
era averiguar os fatos ou formular uma acusaçã o nos moldes exigidos pela lei judaica, ele
queriam apenas assassiná -lo. Nesta mesma descriçã o encontramos um toque de rancor por parte
de Mateus, o qual aCirma que eles desejavam realizar tudo isso "à traiçã o". A palavra grega δοŒ λος
(dolos), é normalmente traduzida como "traiçã o", "engano" ou "trapaça"(4) e condiz com sua
utilizaçã o na LXX onde substitui a palavra hebraica ‫ מְִרמָה‬mir-ma(h).(21)
Nem eu, nem você leitor, conhecemos a Judas Iscariotes, mas nosso autor conheceu; e
para ele a traiçã o cometida por seu colega de ministé rio deCine o tom deste capı́tulo inteiro.
v.5 "para que não haja tumulto entre o povo" Os religiosos nã o podiam arriscar uma rebeliã o
na cidade, que estava lotada de visitantes vindos para a Pá scoa, a qual poderia acabar
entronizando Jesus como o rei esperado. Alguns estudiosos especularam que os peregrinos, em
grande parte vindos do interior do paı́s, tinham há bitos menos reCinados que o dos habitantes da
capital; chegando até dizer que eles seriam mais propensos a distú rbios e tumultos.(13)

v.6-13 Cena 2: Bondade - Um gesto de amor que será lembrado para sempre
v.6 Betâ nia, a leste de Jerusalé m, aos pé s do Monte das Oliveiras. A segunda cena ocorre
na casa de um homem que havia sido curado de lepra chamado Simã o.
v.7 "aproximou-se dele uma mulher com um frasco de alabastro contendo um perfume muito caro"
Uma mulher se aproxima do Mestre. Pelo relato de Mateus nã o temos informaçã o se ela era
conhecida de equipe ou se era outra mulher, ao estilo da cananita que certa vez tocara nas vestes
sagradas. O apó stolo Joã o detalha que a mulher era Maria, irmã de Marta e Lá zaro, poré m Mateus
a deixa sobre um vé u de escuridã o. Por que? Ainda mais que ao Cinal do acontecimento o Mestre
nos ordena contar a histó ria da mulher onde quer que o evangelho fosse levado. Repito a
pergunta: por que? Tenho a impressã o que Mateus, ao nã o registrar o nome da mulher realiza um
jogo de luz e sombra, preferindo chamar nossa atençã o para o ato dela do que para a mulher em
si.
Agostinho de Hipona, um dos mais importantes teó logos do cristianismo, certa vez
pronunciou uma frase que Cicou marcada para sempre: “A medida de amar é amar sem medida”(1) Uma
aCirmaçã o tã o forte abrangente que mesmo pessoas nã o cristã s conhecem e citam essa frase.
Parafraseando ele, aqui no texto, parece que a medida do amor daquela mulher era um vaso de
alabastro repleto de perfume carı́ssimo. Este tipo de vaso era feito de um tipo de pedra
amarelada, vinda do Egito(14), com o mesmo nome (α† λαŒ βαστρον, alabastron) e normalmente
utilizado para guardar produtos que se perderiam/deteriorariam em vaso de barro ou em saco
de pele. Nã o sabemos o tamanho do vaso, mas podemos especular que fosse do tamanho que uma
mulher pudesse carregar com certa facilidade (visto que ela entrou na casa sem ser convidada e
se aproximou de Jesus sem ser interpelada por ningué m). Ela derramou o vaso sobre a cabeça de
Jesus enquanto ele estava na mesa de refeiçõ es, junto com seus apó stolos, isso é evidenciado pelo
fato dele estar "reclinado à mesa". O acontecimento foi deveras marcante para todos os presentes,
incluindo o autor do evangelho. Para descrever o quã o valioso era o perfume derramado sobre o
Messias ele utiliza uma hapax legomena, ou seja, uma palavra ú nica na Escritura: βαρυτιŒμου -
baratinou. Parece que Mateus se esforçou para encontrar uma palavra que pudesse expressar
com nitidez o acontecimento daquela noite.
O gesto de ungir a cabeça de algué m com perfume nã o era de todo incomum naqueles
dias, sendo que em jantares festivos era até corriqueiro. O Salmo 23.5 fala de uma unçã o na
cabeça ”Preparas um banquete para mim à vista dos meus inimigos. Tu me honras, ungindo a minha cabeça
com óleo e fazendo transbordar o meu cálice.” Assim como Eclesiastes 9.8 “Esteja sempre vestido com
roupas de festa, e unja sempre a sua cabeça com óleo.” e Ester 2.12 “Antes de qualquer daquelas moças
apresentar-se ao rei Xerxes, devia completar doze meses de tratamento de beleza prescritos para as mulheres,
seis meses com óleo de mirra e seis meses com perfumes e cosméticos.” A essê ncia de Mirra tem uma forma
espessa, muito similar a ó leo, o que condiz com as descriçõ es bı́blicas. Já ouvi muitas pregaçõ es,
emitias mú sicas, enaltecendo o cheiro que o perfume deixou em Jesus nos pró ximos dois dias;
chegando alguns a comparar a açã o da igreja levando o evangelho ao mundo. Uma cançã o muito
bela, mas nem tanto correta teologicamente repete: "ainda existe aquele perfume espalhado no ar"(15).
Se escutarmos o que o pró prio ungido disse "ela o fez a 1im de me preparar para o sepultamento."
saberemos que o cheiro que o cercava era de morte, nã o de festa. Algo fú nebre o perseguia, nã o

337
uma aroma româ ntico. E em uma é poca em que os banhos nã o eram tã o frequentes, podemos
estar seguros que até a cruz o perfume da mulher o seguiu.
Alguns chegaram a questionar a diferença entre o relato de Mateus e o Joã o 12.3, pois o
segundo descreve que a unçã o foi sobre os pé s do Mestre. Nã o vemos qualquer problema aqui,
sendo que Joã o apenas detalhou um pouco mais o ocorrido.
v.8-9 "Os discípulos, ao verem isso, 1icaram indignados" Um gesto de amor tã o forte
surpreendeu a todos, a ponto de provocar a repreensã o por parte de alguns. Por vezes pensamos
que apenas o traidor se incomodou com o fato, poré m Mateus admite que "os discı́pulos" se
incomodaram, nã o apenas Judas. Quem sabe esta nã o seja um mea culpa por parte do autor.
Talvez esta tenha sido a gota d’á gua para Judas Iscariotes, que nunca compreendeu a força e o
alcance do amor, decidir abandonar seu mestre.
v.10-12 "Por que vocês estão perturbando essa mulher?" Jesus repreende a falta de
compreensã o, e até mesmo a mesquinhez, de seus alunos citando Dt 15.11 "Sempre haverá pobres
na terra" em contraste com sua eminente partida. Reforçando a mensagem de que sua morte se
aproximava, o Mestre explica que aquela atitude fazia parte dos preparativos para sua morte.
Disse Jesus: "ela o fez a 1im de me preparar para o sepultamento” Teria a mulher plena consciê ncia de
que estava agindo Jesus para sua morte?
v.13 Atravé s de uma aCirmaçã o forte, utilizando da palavra grega amém, Jesus garante que
a atitude daquela mulher seria contada onde quer que o evangelho fosse levado. Pois bem,
obedecendo a ordem do Senhor, eu vos conto esta histó ria.

v.14-16 Cena 3: Maldade - Um gesto de traição que será lembrado para sempre
A terceira cena retorna para o pá tio do sumo sacerdote. Uma atitude como a daquela
mulher certamente teria um impacto em todos os presentes, aCinal um gesto de amor como
aquele seria suplantado apenas pelo do pró prio Jesus no Calvá rio. Ainda assim as reaçõ es ao
evento nã o foram todas iguais. Alguns receberam adequadamente a explicaçã o de Jesus, enquanto
Judas analisou tudo atravé s de uma ó tica inspirada, como aCirmou o evangelista Lucas, pelo
pró prio Sataná s. Ponderemos sobre as reaçõ es dos personagens. Por exemplo, Jesus se sentiu
honrado, os discı́pulos se impressionaram (por qual outra razã o eles irã o repetir essa histó ria
onde quer que o evangelho fosse levado?), poré m um deles achou aquele gesto imperdoá vel:
Judas Iscariotes. Claro que ele nunca tinha sido um crente, claro que era o Cilho da perdiçã o e
predestinado a trair Jesus, mas ainda assim a atitude da mulher foi o cú mulo para ele.
v.15 "Que me quereis dar?" Ele procura os lı́deres religiosos e pede algum pagamento para
entregar o Messias, em segredo, à queles homens. Veja que mesmo irritado e inconformado com a
atitude da mulher, Judas nã o demonstra isso aos sacerdotes, mas revela sua real falha: ganâ ncia. O
que mais o incomodava nã o era o gesto de amor da mulher, mas ela ter desperdiçado o dinheiro.
Fica claro que Judas havia se juntado ao grupo de discı́pulos pois desejava uma cargo no Reino
que era anunciado, mas se decepcionou com a trajetó ria do Messias Sofredor. Ele estava lá para
obter benefı́cios pessoais e nã o para adorar a Deus.
Interessante é o fato de que os sacerdotes, como havia sido explicado no v.5, nã o
desejavam prender Jesus naquele momento, mas a proposta de Judas era boa demais para se
deixar passar. Os religiosos desejavam prender o Mestre à traiçã o, veja o v.4, e Judas, o traidor, cai
como uma luva nesse plano macabro. Um traidor interno, o que poderia ser mais propı́cio as
corrompidos lı́deres judeus?
Nã o existe tensã o na negociaçã o do acordo, apenas pressa por ambas as partes. A
primeira parte, movida por desprezo cego, queria cometer o ato o mais rá pido possı́vel, e a
segunda parte, que nã o desejava realizar o serviço naquele momento, para aproveitar a janela de
oportunidade, nã o negocia o preço e alé m disso o paga adiantado. Caro leitor, converse com um
judeu a respeito de um serviço que você , pode ou nã o executar, e veja se ele aceitará te pagar
adiantado e em espé cie. O valor pago ao traidor foi 30 moedas de prata, o que é descrito como
oferta de redençã o em Ex 21.32 “Se o boi escornear um servo, ou uma serva, dar-se-á trinta siclos de prata
ao seu senhor, e o boi será apedrejado”. Assim, Jesus foi avaliado pelo preço de um escravo, seja pelos
sacerdotes como por Judas, que poderia ter pedido mais pelo serviço. Como curiosidade, o texto
grego descreve apenas “τριαŒ κοντα α† ργυŒ ρια“ (trinta pratas) sendo que o moedas é colocado pelo
tradutor. Encontramos també m uma referê ncia ao pastor traı́do de Zc 11.12-13 “Eu lhes disse: Se
acharem melhor assim, paguem-me; se não, não me paguem. Então eles me pagaram trinta moedas de prata. E
o Senhor me disse: "Lance isto ao oleiro", o ótimo preço pelo qual me avaliaram! Por isso tomei as trinta
moedas de prata e as atirei no templo do Senhor para o oleiro.”

338
Aqui existe um detalhe textual interessante. Lembre-se que Mateus Levi era coletor de
impostos, habituado a contar moedas de todos os tipos e de diversos paı́ses diferentes. Nó s até
usamos este argumento como uma das justiCicativas para defender sua autoria do texto, veja o
inı́cio deste livro. Entã o porque ele nã o registrou corretamente a quantia paga a Judas? Talvez
você pergunte: mas a quantia nã o foi trinta moedas? Nã o caro leitor. O texto nã o diz isso, e para
ser sincero ele é constrangedoramente relapso em detalhes. Mateus registrou apenas τριαŒ κοντα
α† ργυŒ ρια - triakonta argyria, o que pode ser traduzido por "trinta pratas", mas nã o sabem se eram
barras de prata, moedas de prata, e se eram moedas, de qual nacionalidade eram. E ser eram
moedas, seriam as moedas usadas para pagar os tributos no templo? Bem, duas propostas podem
ser oferecidas: 1) Mateus nã o desejou se aprofundar nestes detalhes só rdidos da histó ria, 2) com
o suicı́dio de Judas, e o medo das autoridades religiosas, nã o fora possı́vel especı́Cicas melhor este
detalhe monetá rio.
Mateus é um escritor muito habilidoso e costuma nos apresentar suas cenas, sempre
com um propó sito bem deCinido. Neste caso temos a comparaçã o entre Atitude de Amor X
Atitude de traição, Maria X Judas.

As profecias de Zacarias

Nesta parte final do livro, as profecias de Zacarias, contidas entre os capítulos 9-14 de seu
livro, assumem um papel de destaque nos acontecimentos. Acompanhe:

1. A entrada triunfal em Jerusalém Mt 21.4-5 cita Zc 9.9

2. A respeito de quando virá o fim Mt 24.3 cita Zc 12.10

3. No pagamento ao traidor Mt 26.15 cita Zc 11.12-13

4. A fuga dos apóstolos Mt 26.31 cita Zc 13.7

5. Novamente falando do pagamento ao traidor Mt 27.9-10 cita Jeremias em


conjunção com Zc 11.12-13

v.17-19 Preparação para a última Páscoa


O texto grego lida com o tema mostrando uma proximidade que nó s nã o temos,
principalmente por viver em uma sociedade nã o-judaica. O texto original diz que eles estavam no
inı́cio dos azymos, ao qual nó s denominamos “festa dos pã es sem fermento” (‫חָג ַהמַּצּוֹת‬, chag
hammatstsoth em hebraico) apenas para informar melhor o leitor a respeito do que acontece. A
expressã o original diz “no primeiro dos ázimos”. Como Mateus escreveu originalmente para um
pú blico judeu, tais explicaçõ es se tornavam desnecessá rias.
A cronologia da ú ltima semana da vida de Jesus é um tanto truncada. Sabemos se tratar
de uma festividade de 8 dias, sendo que o cordeiro pascal era comido no 15º dia do mê s de
Nissan (março/abril) ao cair da tarde. O dia da semana podia variar devido ao calendá rio lunar
adotado pelos judeus. Grande parte dos estudiosos acredita que os eventos ocorreram na Quinta-
feira da semana da Pá scoa, sendo que naquele dia o cordeiro era sacriCicado.
v.18 Assim como aconteceu no evento do jumentinho (cf. Mt 21.1-4) o Mestre envia seus
alunos a uma pessoa que possivelmente já sabia o que estava acontecendo. Mateus segue
marcando o tempo ao registrar as palavras ditas por Jesus “O Mestre diz: meu tempo está próximo”.

Contagem regressiva Mateus, inspirado pelo Espírito Santo, selecionou passagens


específicas da vida e obra do Messias para formatar seu livro. Podemos sentir a pressão aumentando,
como se pudéssemos ouvir um relógio em contagem regressiva. O autor não nos permite deixar de
sentir a opressão do tempo enquanto caminhamos rumos a morte certa do Cristo. É uma tortura
sermos lembrados a cada passagem do destino cruel que nos espera logo a frente.

1. Mt 26.2 “estamos a dois dias da Páscoa, e o Filho do homem será entregue para ser
crucificado”

339
2. Mt 26.12 “Quando derramou este perfume sobre meu corpo, ela o fez a fim de me
preparar para o sepultamento”

3. Mt 26.18 “O Mestre diz: meu tempo está próximo”

v.20-25 A última Páscoa/A primeira Santa Ceia, parte I – predição da traição


Atravé s da tradiçã o cató lica fomos habituados a chamar este evento de “A ú ltima ceia”,
sendo que o termo mais correto é “a ú ltima Pá scoa”. A razã o para isso é a existê ncia de um famoso
quadro de Leonardo Da Vinci(2) que reforça essa idé ia na mente de muitas pessoas. Infelizmente a
pintura nã o representa em nada os acontecimentos, sendo uma visã o de um pintor da Idade
Mé dia a respeito de fatos que ele pouco conhecia. A tradiçã o protestante costuma denominar o
evento de “ceia do Senhor” enquanto os cató licos ortodoxos a chamam de “ceia mı́stica”. Devemos
ter em mente, que independente do nome utilizado, esse evento foi ú nico, nã o sendo o “ú ltimo”
dentro de uma sé rie de eventos; e que apesar de ter sido uma ceia, o contexto mostra que se
tratava da celebraçã o da Pá scoa tradicional judaica, aCinal eram todos eles judeus.

v.20 "Ao anoitecer ele estava reclinado (à mesa) com os doze discípulos" EN interessante falarmos a
respeito do há bito de se reclinar sobre a mesa durante as refeiçõ es, pois havia uma sé rie de
signiCicados nas culturas antigas. Alé m do fato das mesas serem bem baixas, de maneira que nã o
cabiam as pernas abaixo delas, e que na verdade nã o haviam cadeiras no estilo que estamos
acostumados, mas uma espé cie de divã ou poltrona bem confortá vel. Na realidade os convidados
comiam bem reclinados, bem pró ximos uns dos outros e utilizando as mã os.
Na liturgia moderna da Pá scoa judaica, o homem mais novo presente à mesa realiza a
seguinte pergunta: "Em todas as outras noites nós comemos nossas refeições sentando ou reclinando; por
que nesta noite todos nós nos reclinamos? E o membro mais velho a mesa responde: "Na época em que
estas perguntas foram inseridas na liturgia do Seder (Páscoa), os escravos estavam sentados a distância ou de
pé, enquanto apenas os cidadãos livres se reclinavam à mesa" Dessa maneira Mateus, ao enfatizar que
todos se reclinavam à mesa, revela o fato de que todos eram livres, incluindo Judas, e que todos
eram plenamente aceitos pelo Mestre.
v.21 "E, enquanto comiam, declarou Jesus: Em verdade vos digo que um dentre vós me trairá." Eles
comiam, e se reclinavam, juntos, o que revela a plenitude da comunhã o entre o grupo; por isso o
anú ncio da traiçã o pegou a todos de surpresa. E a revelaçã o de Jesus foi muito contundente, pois
se inicia com a fó rmula ΑŸμη„ ν λεŒ γω - Amém légo. Dessa maneira vemos o ritmo aprazı́vel do jantar
ser rompido por uma declaraçã o e grande importâ ncia.
v.22 Os discı́pulos em muito se entristeceram com aquele anú ncio. Eles se perguntavam
sobre que haveria de ser o traidor utilizando uma forma retó rica “Certamente não sou eu, sou?”
Temos uma construçã o negativa, tentando provocar uma resposta negativa.
v.23 Seja como for, o foco principal é mostrar que um dos doze iria traı́-lo. Para enfatizar
a intimidade que eles possuı́am com Jesus, vemos a expressã o “aquele que coloca a mão na tigela
comigo”. Pode parecer irrelevante para nó s, mas em uma cultura onde a higiene era precá ria, devia
existir muita intimidade para colocar a mã o diretamente na mesma refeiçã o. Dessa maneira se
tornava ainda mais nefasta a traiçã o que estava sendo predita. Jesus cita Sl 41.9 “Até o meu próprio
amigo íntimo, em quem eu tanto con1iava, que comia do meu pão, levantou contra mim o seu calcanhar.” ACRF
v.24 “O Filho do homem vai …” O “ir” na frase representa morrer e faz referê ncia a Is 53.4-8
“Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós o
consideramos castigado por Deus, por ele atingido e a1ligido. Mas ele foi transpassado por causa das nossas
transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e
pelas suas feridas fomos curados. Todos nós, tal qual ovelhas, nos desviamos, cada um de nós se voltou para o
seu próprio caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós. Ele foi oprimido e a1ligido,
contudo não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado para o matadouro, e como uma ovelha que diante
de seus tosquiadores 1ica calada, ele não abriu a sua boca. Com julgamento opressivo ele foi levado. E quem
pode falar dos seus descendentes? Pois ele foi eliminado da terra dos viventes; por causa da transgressão do
meu povo ele foi golpeado.” Quanta coisa esperava por ele, hein?
v.25 Os versı́culos 23 e 24 representam um hiato entre a discussã o dos apó stolos sobre
quem seria o traidor. Aqui voltamos ao assunto e chegamos ao momento onde Judas faz uma
pergunta a Jesus. EN interessante que Mateus parece nã o suportar a ansiedade e nos conta que
Judas seria o traidor, mesmo antes do assunto se desenrolar.: “Então, Judas, que haveria de traí-lo,
disse:”.

340
Repare que o enganador Iscariotes, nã o se dirige a Jesus chamando-o de Senhor (kyrios),
mas sim de Rabbi ρ¡ αββιŒ, o que mostra uma maneira diferente de se dirigir a ele, e uma certa
frieza no tratamento. No capı́tulo 23.8 Nosso Senhor já os havia advertido a nã o chamarem a
ningué m de Rabbi, “Mas você s nã o devem ser chamados ‘rabis’; um só é o mestre de você s, e todos você s
sã o irmã os.” Claro que o contexto do versı́culo implica que apenas Jesus podia ser chamada por
esse pronome de tratamento, mas aqui, a intençã o do traidor nã o era essa. Fica evidente uma
tentativa artiCicial a adular a Jesus, ou como tecnicamente chamamos um "encomio".
O Messias responde a Judas de uma maneira muito caracterı́stica: Συ„ ει¨πας (Sy eipas) “Tu
o disseste” ACRF EN como se ele dissesse: “Você mesmo se entregou”. Ou como disse S.J. Andrews: “Caso
estas palavras tivessem sido ditas em alta voz, Judas certamente seria revelado como o traidor”(11) Apesar de
uma aCirmaçã o tã o forte, os discı́pulos nã o compreenderam exatamente o que estava
acontecendo, por isso nã o tiveram nenhuma reaçã o mais forte. Sabemos disso atravé s do texto de
Joã o 13.28-30. EN bem possı́vel que Jesus tenha respondido em baixa voz ou se dirigindo apenas ao
traidor.
Esse modo obliquo de Jesus responder ao traidor será muito relevante quando ele
enfrentar o julgamento diante do sumo sacerdote. Fique atento quando chegarmos lá .

v.26-30 A última Páscoa/A primeira Santa Ceia, parte II – a instituição de um
memorial
Durante a celebraçã o da ceia pascal, Jesus institui uma nova celebraçã o fazendo alusã o a
seu sacrifı́cio substitutivo.
v.27-28 Ele abençoa o pã o, o parte e distribui a todos dizendo se tratar de seu pró prio
corpo. Em seguida o Messias toma uma taça de vinho, a abençoa e ensina que mediante seu
sangue faria uma aliança em favor de muitos e que lhes perdoaria os pecados. Aparentemente
Jesus usou os dois elementos para reforçar a idé ia do que estava para acontecer: seu sacrifı́cio,
onde sua carne seria partida e seu sangue derramado. Uma nova aliança já havia sido profetizada
por Jeremias 31.31-37 "Estão chegando os dias", declara o Senhor, "quando farei uma nova aliança com a
comunidade de Israel e com a comunidade de Judá.” e por Ezequiel 34.25-31 “Farei uma aliança de paz
com elas e deixarei a terra livre de animais selvagens para que possam, com segurança, viver no deserto e
dormir nas 1lorestas.” Esta nova aliança que substituiria a corrompida aliança mosaica seria uma das
bases do cristianismo e o evento que é comentado em 1Co 11.23-26.
τῆ ς διαθηŒ κης - tes diathekes - uma aliança. Atente para o fato de texto mateano falar de
"uma aliança" sem inserir o adjetivo "nova". Alguns textos antigos tentaram equalizar esse
versı́culo com Lucas, e por isso inseriram o "nova" ao texto de Mateus, poré m hoje temos amplo
material comprovando se tratar de uma alteraçã o tardia. Algumas traduçõ es mais antigas, como
por exemplo a ARA, ainda colocam a essa palavra entre colchetes [ ], poré m seria melhor elimina-
la assim como fazem traduçõ es mais té cnicas e modernas. O termo "aliança", aparece cerca de
300 vezes no Antigo Testamento, poré m apenas 33 no Novo Testamento e apenas 1 vez neste
evangelho.

Durante o jantar da Pá scoa, també m chamado seder, havia o o compartilhamento de 3


taças de vinho representando a bençã o do Senhor. Ao tomar a taça e propor uma nova bençã o,
Jesus, vinculava seu sacrifı́cio iminente ao cordeiro que do E• xodo.
Apesar de ser um dos eventos mais importantes realizados pela igreja do Senhor, essa foi
a ú nica vez que o Messias participou do evento, ao menos até que ele celebre a pró xima ceia no
Reino do Pai. EN interessante notar que o evento que tradicionalmente chamamos de “A ú ltima
ceia”, na realidade apresenta a primeira (e ú nica) ceia ministrada por Cristo. Talvez o melhor
nome para o famoso quadro fosse “a ú ltima Pá scoa” ou entã o “a Primeira ceia”.
v.28 Na declaraçã o do sangue existe uma forte conexã o com Zc 9.11 “Quanto a você, por
causa do sangue da minha aliança com você, libertarei os seus prisioneiros de um poço sem água.” A aliança
descrita em Zacarias era formada entre o Senhor e o povo, quando Jesus propõ e uma nova
aliança, por consequê ncia ele aCirma sua divindade també m.
v.30 Apó s cearem, o grupo canta um hino e parte para o Monte das Oliveiras, que era um
ponto central da rotina de Jesus e uma espé cie de porto seguro em meio a um territó rio hostil. EN
possı́vel que a hino que eles cantaram fosse um dos que ainda sã o entoados pelos judeus de
nossos dias(4).

341
Questão textual Alguns manuscritos bem reconhecidos não contém o adjetivo “nova” no
texto de Mt 26.28 que diz: “isto é o meu sangue da aliança” entre eles P 37, ‫א‬, B e L. Por outro lado
alguns manuscritos unciais(5) conté m o “nova” entre eles A, C, D e W.

v.31-35 Jesus prediz seu abandono iminente


Ao chegarem ao Monte das Oliveiras Jesus, sabendo que seu opositores logo chegariam,
adverte os discı́pulos sobre o que acontecerá a seguir.
v.31 Jesus é enfá tico “Ainda esta noite todos vocês me abandonarão …” Nenhum deles se
manteria ao lado do Mestre durante os eventos que se aproximam e assim se cumpriria a profecia
de Zc 13.7 "Levante-se, ó espada, contra o meu pastor, contra o meu companheiro! ", declara o Senhor dos
Exércitos. "Fira o pastor, e as ovelhas se dispersarão, e voltarei minha mão para os pequeninos.” Nã o poderia
acontecer de maneira diferente, ainda assim um peso muito grande cairia sobre os discı́pulos.
v.32 Uma palavra de consolo era necessá ria e o Mestre imediatamente ressalta que
apesar da traiçã o e do abandono por parte de seus alunos, ainda assim nã o seria o Cim para eles.
Haveria uma ressurreiçã o. EN importante també m a aCirmaçã o “irei adiante de vocês para a Galiléia” é
um como se ele disse que tudo daria certo e que ele estaria esperando por eles em casa.
v.33 Como visto em tantas outras ocasiõ es, Pedro assume um papel proeminente e aCirma
que mesmo que os outros caı́ssem, ele nã o deixaria Jesus. Proporcionalmente a declaraçã o de seu
aluno, o Messias garante que seria proeminente a negaçã o de Pedro; ela seria tripla. A ê nfase é
dada novamente pelo uso do amém ao inı́cio da frase.
v.34-35 Pedro e os demais nã o imaginavam o que aconteceria em poucos minutos, assim
todos dizem que jamais negariam seu Mestre.

O canto do galo

Parece-nos um texto extremamente familiar, visto muitas vezes em filmes, teatros e em


representações na igreja: Pedro nega Jesus pela terceira vez e então o galo canta. Mas é bem possível
que não tenha acontecido exatamente assim. Falo do que representava o “canto do galo”, para
aquelas pessoas. De acordo com uma lei judaica, chamada de Mishnah Bava Kamma 7.7(6), era
proibido criar galos na cidade de Jerusalém. Outro ponto a ser observado é que o fato de um galo
cantar seria algo bastante impreciso, não servindo como medida de passagem de tempo. Me refiro ao
fato dos galos cantarem no final da madrugada, porém isso acontece de forma aleatória, não regulada
a ponto de servir de referência temporal. E pela reação do próprio Pedro, parece que todos os
presentes sabiam ao que se referia a advertência de Jesus.

Assim duas possibilidades existem:

1. Opção possível, mas pouco provável É possível que os soldados romanos


tivessem algum galo dentro da fortaleza Antonia, que era seu lugar de guarda e
habitação, mesmo que isso pudesse gerar uma revolta popular. Outra questão é que
havia uma certa distância até a casa do sumo sacerdote, além do barulho causado
pela multidão reunida no pátio da casa; o que tornaria difícil escutar um galo a
distância. Ainda assim esta possibilidade existe, mesmo sendo pouco provável.

2. Opção mais provável, mas não definitiva A cidade de Jerusalém estava sob
domínio romano e por isso uma tropa de soldados controlava a região. Os romanos
eram notórios por controlar seus soldados através de toque de trombeta; sendo que
as “vigílias romanas” como eram denominadas partes do dia, eram literalmente
conectadas as vigílias dos soldados. Em uma época que os relógios não eram muito
comuns (ainda que houvesse relógio de Sol e as ampulhetas) eles determinavam o
andamento da noite com esse chamado de trombeta. Some-se a isso duas questões
textuais: a) a palavra grega utilizada (pelos quatro evangelistas) é phonéo significa
“chamar” o que é mais condizente com a possibilidade da trombeta do que com o
“cantar” de um galo. b) o evangelista Marcos, que escreveu seu livro em Roma e
para os romanos utiliza o mesmo termo “cantar do galo” ou em grego
α† λεκτοροφωνιŒας para se referir a uma etapa da noite (ou 3º vigı́lia), que por sua

342
vez era deCinida ao toque da trombeta. Atravé s de estudos concernentes aos
costumes romanos(7) sabemos que esta 3º vigı́lia era chamada de gallicinium e
originava-se no toque da trombeta dos soldados durante a noite. Assim um
sentido bem possı́vel para a aCirmaçã o de Jesus seja: “Ainda no meio desta noite você
me negará três vezes“.

v.36-46 O calvário emocional(8)


Ainda na á rea do Monte das Oliveiras, o grupo se dirigiu a um local onde as azeitonas
eram prensadas, chamado em aramaico como gath shemanim e em grego de ΓεθσημανιŒ
(Getsemane) e pede para o grupo esperar lá . EN sugestivo o nome do lugar, no qual Jesus seria
espremido emocionalmente até derramar gotas de sangue, nã o? Neste trecho o impacto
emocional é equivalente ao impacto fı́sico que ele sofrerá na tortura e na cruciCicaçã o.
As á rvores ali plantadas eram, e ainda sã o, da espé cie Olea europaea L. as quais estã o
entre as plantas de maior longevidade conhecida. O professor Mauro Bernabei, um mundialmente
conhecido especialista em botâ nica, realizou um detalhado estudo buscando identiCicar quando
as á rvores que, hoje se encontram no tradicional lugar do Getsê mani, foram plantadas. Seu estudo
revelou que os exemplares que hoje estã o lá foram plantados por volta do sé culo XII, quando os
Cruzados estabeleceram lá o Reino Latino de Jerusalé m.(16) O local tradicional do jardim, hoje é
protegido pela Igreja Cató lica e ao seu lado está a igreja de Todas as Naçõ es.
Assim como muitos sı́tios arqueoló gicos, o local exato onde Jesus esteve é impossı́vel de
ser determinado, mesmo porque, ningué m saberia dizer a extensã o da á rea cercada (Jo 18.) onde
ele orou, ou se o lagar era mais acima ou abaixo do monte. Como curiosidade, um antigo, e
anô nimo, documento do sé culo IV chamado Itinerarium Burdigalense aCirma que o local sagrado
se localizava do lado oposto do Monte das Oliveiras ao longo da estrada que leva a Betâ nia.(17)
v.37 Mateus nos transmite uma camada de sentimento muito intensa ao dizer “ele começou
a entristecer-se e angustiar-se”, nem mesmo o Deus encarnado conseguia mais suportar o fardo do
que estava para acontecer. Ele era 100% Deus, mas també m 100% humano e sentia cada faceta
do sofrimento que lhe sobreviria. Talvez por isso ele tenha escolhido Pedro e os dois Cilhos de
Zebedeu (Joã o e Tiago cf. Mt 4.21); trata-se do mesmo seleto grupo que subiu com o Mestre ao
monte da transCiguraçã o. cf Mt 17.1 Aqui també m encontramos um dos recursos literá rios de
Mateus, onde ao nã o tocar no nome dos outros dois discı́pulos, ele restringe nossa atençã o a
Pedro.
v.38 As emoçõ es vã o se avolumando e sentimos a paixã o (sofrimento) do Messias por
nó s. Nosso Senhor compartilha com seus alunos mais pró ximos “A minha alma está profundamente
triste, numa tristeza mortal.” nã o era possı́vel ser mais direto. Em busca de algum consolo de seus
amigos, ele pede para que eles Ciquem juntos com ele (vigiem comigo). Podemos perceber uma
vaga semelhança com a atitude angustiada do profeta Jonas, conforme descrito em Jn 4.9 “Mas
Deus disse a Jonas: "Você tem alguma razão para estar tão furioso por causa da planta? " Respondeu ele: "Sim,
tenho! E estou furioso a ponto de querer morrer"” Enquanto Jonas se descreve “furioso” a ponto de
querer morrer, Nosso Senhor “se angú stia” na mesma intensidade; a semelhança está na
intensidade e nã o no sentimento.
v.39 O peso é demais, mesmo para o Deus-encarnado. Ele dá alguns passos e “cai de rosto
em terra”, ele desaba emocionalmente. Nã o por desespero ou covardia, mas por ter de carregar
todos os pecados do mundo sobre ele e se oferecer como maldiçã o por nó s.
Ao invé s de chorar ou se lamentar, Jesus faz uma das oraçõ es mais bonitas que já foram
feitas e um exemplo para nó s “Meu Pai, se possível, afasta de mim esse cálice”. Infelizmente nã o era
possı́vel evitar o sacrifı́cio, por mais dolorido que tenha sido para o Pai dizer nã o. Na ocasiã o em
que Abraã o estendeu sua mã o opara imolar seu Cilho Isaac, “o anjo do Senhor lhe bradou desde os céus,
e disse: Abraão, Abraão! E ele disse: eis-me aqui. Então disse (o anjo): Não estendas a tua mão sobre o moço, e
não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu 1ilho, o teu único 1ilho.” cf.
Gn 22.11-12 Mas agora quem iria bradar, nã o havia nada nem ningué m que pudesse tomar o
lugar de Jesus, nã o havia quem pudesse tomar daquele cá lice. O universo criado estava atô nito
diante do que estava acontecendo, por um momento haveria uma separaçã o entre o Pai e o Filho.
A Cigura do cá lice é associada ao julgamento do Senhor, conCira Sl 75.8, Is 51.17 e Jr 25.15; e já foi
analisada a poucos capı́tulos atrá s.

343
Entã o o Messias diz algo que nos é inimaginá vel “todavia, não seja como eu quero, mas como
tu queres.” Em face de um destino tã o cruel e da necessidade de satisfazer a ira inCindá vel do
Senhor, ainda assim o Filho se submete a vontade do Pai. Ele se faria pecador por amor da
humanidade, conforme nos revela 2Co 5.21 “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para
que nele fôssemos feitos justiça de Deus.”
v.40 A solidã o se intensiCica, visto que Jesus volta e encontra seu amigos mais pró ximos
dormindo e pouco partilhando de sua dor. EN só mais um degrau em direçã o a solidã o inCinita que
o aguarda na cruz. O Mestre pergunta a Pedro, “Então, nem uma hora pudeste vigiar comigo?” Pense
bem, amigo leitor, para algué m que garantiu que jamais abandonaria o Messias, mesmo em face
da morte, toda Cirmeza de Pedro nã o durou nem uma hora. Percebemos uma conCissã o dos
sentimentos do pró prio Jesus nas palavras “o espírito está pronto, mas a carne é fraca”. Veja a citaçã o
deste evento em Hb 4.15 “Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas
fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.”
v.41 A orientaçã o do Cristo é se preparem atravé s da oraçã o, para que nã o caiam em
tentaçã o. A tentaçã o mais iminente para eles era negar que Jesus era o Cristo de Deus. E no caso
de Pedro o contraste seria ainda mais terrı́vel, aCinal ele mesmo confessara “Tu és o Cristo, o Filho do
Deus vivo”
v.42-44 A cena se repete por outras duas vezes, perfazendo um total de trê s os momentos
em que os discı́pulos deixaram Jesus sozinho. Esse seria apenas um prefá cio do que ocorreria
daqui para frente. O texto traz uma Cigura retó rica chamada de endiades, na qual dois adjetivos
sã o usados para reforçar o discurso, neste caso “dormindo” e “descansando”. O sentido é
demonstrar que eles dormiam pesado, enquanto Jesus, sozinho, sofria intensamente.
v.45 Seja como for, agora nã o havia tempo para mais nada. Talvez encontremos agora o
idou mais triste do livro todo. Diz o texto de Mateus: “Contemplem (idou) a hora está próxima e o Filho
do homem está sendo entregue nas mãos dos pecadores” EN importante perceber nas palavras de Jesus,
que para ele a açã o já está acontecendo.
Existe uma observaçã o interessante sobre o uso da expressã o grega το„ λοιπο„ ν - to loipon,
normalmente traduzida por “ainda”. Normalmente denotando um tempo futuro, neste caso
especı́Cico se refere tempo restante relativo a um perı́odo maior. Dessa maneira, seria uma
traduçã o bem té cnica e possı́vel: “neste tempo que nos resta dormis e repousais!”(12)
També m devemos observar o uso da hendı́ade, uma Cigura de linguagem que visa
reforçar o que está sendo dito. Por isso o Mestre usa “dormir” e “repousar” para se referir ao
mesmo evento.
v.46 A urgê ncia se multiplica ao encontramos outro idou, sendo este ainda mais
dramá tico “Levantem-se, vamos. Contemplem (idou) aquele que me entrega se aproxima”. Nos dois
versı́culos o idou é utilizado para acelerar o ritmo e para chamar nossa atençã o para o que
acontece a seguir.

344

Jardim do Getsêmani, visto de Jerusalém. Imagem retirada do material do professor Bernabei, segundo publicado em Journal of
Archaeological Science 53 (2015) 43 e 48

Existe um detalhe hermenê utico pouco observado na cena do Getsê mani, pois uma
tentaçã o jazia ao Clanco do jardim onde Jesus orava. Bem ali estava a estrada que leva a Betâ nia e
em seguida à s regiõ es á ridas; um caminho que ele conhecia bem. Essa mesma estrada proverá
espaço para Davi quando ele fugiu de Absalã o (2Sm 15.1-37) e també m para Zedequias, o ú ltimo
rei de Jerusalé m (2Rs 25.1-7); ou seja, era um destino conhecido para qualquer fugitivo ou pastor
de ovelhas peregrino. O pró prio Messias já havia sobrevivido nas regiõ es á ridas por quarenta
dias, entã o nã o seria impossı́vel para ele se esconder por lá até que o grupo liderado por Judas
Iscariotes desistisse das busca.
Tudo isso nos mostra que Jesus permaneceu no Getsê mani, mesmo podendo escapar
com bastante facilidade. Nosso salvador optou por tomar do cá lice da ira de Deus até a ú ltima
gota, permanecendo em oraçã o, seguindo até trá gico destino que o esperava. E o mais importante
de tudo isso, ele o fez por você e por mim.

Descendo os degraus da agonia


Através do texto de Mateus encontramos Jesus falando aos discípulos do destino que o
aguardava em Jerusalém e os advertindo de tudo o que aconteceria. Vemos isso desde Mt 16.21, logo
após Pedro ter declarado: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” E em nenhum das ocasiões
percebemos algum tom de pesar pelo que haveria pela frente. Mas a bíblia o profetizava como um
homen de dores (Is 53) e assim deveria ser. Agora, a partir de Mt 26.30-35 Mateus começa a nos
apresentar as emoções do Filho do homem aflorando. Isso é muito importante teologicamente, pois
para Jesus morrer em nosso lugar ele precisava ser 100% humano e ser tentado em tudo como nós.
Em nenhum momento Mateus descreve Jesus com medo da morte, a agonia estava relacionada a
receber a ira de Deus (cálice) acumulada desde a queda no Éden. Sua angústia estava relacionada a
carregar nosso pecado e não apenas a alguns momento de dor. Acompanhe o autor enquanto ele
descreve o Messias descendo os degraus da agonia:

1. Mt 26.30.35 Ao ouvir a bravata de Pedro, Jesus exprime muita assertividade ao dizer


que ele o trairia sim, e não uma, mas três vezes. Essa resposta não era apenas uma
lição mas um desabafo de quem sabia exatamente o que aconteceria dentro de um
período de poucas horas.

345
2. Mt 26.37 O texto é bem direto “começou a entristecer-se e angustiar-se”

3. Mt 26.38 Próximo passo: “A minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal” E
ele pede para que os amigos fiquem próximos, para minimizar a solidão infinita que
viria a seguir: “Fiquem aqui e vigiem comigo”.

4. Mt 26.38 Ele deu alguns passos a frente e “caiu de rosto em terra” uma expressão de
necessidade e súplica a Deus. O evangelista Lucas traz um detalhe chocante
“Estando angustiado, ele orou ainda mais intensamente; e o seu suor era como de gotas de
sangue que caiam no chão”.

5. Mt 26.41 Uma ordem que representava um sentimento próprio “O espírito está pronto,
mas a carne é fraca” Ele não tinha medo, para isso é que ele veio ao mundo, mas ainda
assim o corpo humano do Senhor não estava pronto. E nem podia estar!

6. Mt 26.45-46 Apesar de tamanha intensidade emocional, o Messias, enfrenta a dura


realidade com uma coragem reveladora.

v.47-56 A traição é consumada


v.47 Mateus acelera o ritmo e nos revela: “Enquanto ele ainda estava falando…” Temos a
impressã o de que o grupo opositor surge em um relance. Logo em seguida encontramos mais um
idou representando “vejam” o traidor chegou. Mateus faz questã o de frisar a perversidade da
traiçã o de Judas lembrando: “Judas, um dos doze” Ele nã o era qualquer pessoa, era um daqueles que
receberá autoridade para curar enfermos e expelir demô nios, era um dos que fora enviado de
cidade em cidade, era um dos que prometera estar com Jesus até o Cim. Aquele crá pula era um
apó stolo, e receberia o mesmo poder que os demais receberam quando descesse sobre ele o
Espı́rito Santo.
"grande turba com espadas e porretes" A defesa da ordem na cidade era de responsabilidade
do Capitã o do templo (cf. At 4.1) o que també m é reforçado pela m. Middot 1:1–2 a qual atribui a
ela a responsabilidade pela guarda do templo durante a noite. Por isso é muito possı́vel que ele
fosse o lı́der do grupo que acompanhava Judas, o traidor. Para a liderança judia, o risco de
permitir que Jesus continuasse com seu ensino e, por Cim, levasse o povo a uma revolta religiosa,
era o fato de que o governador romano iria intervir. E como essa intervençã o nã o seria nada
pacı́Cica, uma grande barbá rie ocorreria. Nã o que os religiosos se preocupassem com o bem estar
do povo em geral, mas eles mesmos seriam responsabilizados pelo distú rbio. Para que toda essa
situaçã o nã o viesse a ocorrer é que os romanos deram ao Sanhedrin uma limitada autoridade
policial para resolver questã o religiosas sem importunar os dominadores estrangeiros. A pró pria
Escritura nos relata um caso onde isso nã o ocorreu e o comandante da força de segurança
romana entrou em açã o. Tal relato se encontra em At 21.30-34 "Agitou-se toda a cidade, havendo
concorrência do povo; e, agarrando a Paulo, arrastaram-no para fora do templo, e imediatamente foram
fechadas as portas. Procurando eles matá-lo, chegou ao conhecimento do comandante da força que toda a
Jerusalém estava amotinada. Então, este, levando logo soldados e centuriões, correu para o meio do povo. Ao
verem chegar o comandante e os soldados, cessaram de espancar Paulo. Aproximando-se o comandante,
apoderou-se de Paulo e ordenou que fosse acorrentado com duas cadeias, perguntando quem era e o que havia
feito. Na multidão, uns gritavam de um modo; outros, de outro; não podendo ele, porém, saber a verdade por
causa do tumulto, ordenou que Paulo fosse recolhido à fortaleza." Todo essa confusã o ocorreu durante um
dia banal, agora imagine se o mesmo sucedesse durante o mais importante dos feriados
israelitas, a Pá scoa? Até por isso Mateus registrou a respeito dos religiosos em 26.3-5 "Então, os
principais sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram no palácio do sumo sacerdote, chamado Caifás; e
deliberaram prender Jesus, à traição, e matá-lo. Mas diziam: Não durante a festa, para que não haja tumulto
entre o povo." do traidor no versı́culo 16 "E, desse momento em diante, buscava ele uma boa ocasião para o
entregar."
Um segundo ponto que o autor faz questã o de ressaltar é a mando de quem Judas, e o
grupo opositor, realizava essa açã o; assim reaCirmando a culpa pelo ocorrido: “enviada pelo sumo
sacerdote e pelos anciãos do povo” Ou seja, o sumo sacerdote e os anciã os do povo haviam assumido
responsabilidade civil e religiosa pela prisã o do Messias.
v.48-49 O traidor havia combinado um sinal para identiCicar o Messias a seus
perseguidores: um beijo. O texto diz: “Ele veio direto até Jesus …” Havia pressa, medo e ansiedade na
atitude daquele que estava entregando o Cristo. Entã o, o ritmo é refreado abruptamente e “e
disse, “Saudações mestre”, e o beijou carinhosamente” grifo do autor O cumprimento de Judas parece
extremamente falso e forçado, ao estilo dos fariseus. A palavra grega empregada para “beijo” aqui

346
é κατεφιŒ λησεν (kateCilesen), que signiCica um beijo demorado e carinhoso. Assim, no momento de
mais perfı́dia, Judas deixa de estar apressado e demora-se ao beijar Jesus; assim tornando seu
gesto mais duradouro.
v.50 Jesus, sendo sarcá stico responde: Ε¹ταῖρε - hetaire, “Amigo …” Lembre-se que no
versı́culo 46 ele já havia declarado que “aquele que o estava entregando havia chegado”, ou seja,
de amigo Judas nã o tinha nada. Assim temos a impressã o de uma cena caná strica, com pessoas
atuando de forma exagerada. Outro ponto interessante é que esta palavra ocorre apenas trê s
vezes no Novo Testamento e todas no livro de Mateus. cf Mt 20.13, 22.12 e aqui (todas com
conotaçã o sarcá stica).
A seguir temos a declaraçã o mais difı́cil de se traduzir de todo o livro: “ ε† φʼ οÝ παŒ ρει ” (ef
hó parei). Onde a preposiçã o ef normalmente é traduzido por “sobre” ou “a respeito”, o pronome
(relativo, nominativo, singular, neutro) hos signiCica “o que” ou “aquilo” e o verbo parei (presente,
ativo, indicativo, na segunda pessoa do singular) é tradicionalmente traduzido por “ter vindo”,
“estar presente” ou “ter chego”. A traduçã o que considero mais correta necessita que insiramos
duas palavras para dar sentido a frase, o que por si só deixa de ser uma traduçã o, uma vez que
nã o sigo exatamente o texto. Ainda assim parece-me que o sentido seja: “Amigo, faça aquilo pelo que
você veio” Sendo que o “faça” é a inserçã o ao texto grego. Mas existem outras possibilidades,
també m muito sé rias e ortodoxas: a) alguns entendem como uma pergunta “Amigo, o que você veio
fazer? ou “Amigo, por que você veio?” b) també m é possı́vel que fosse uma expressã o livre, algo do
tipo: “Amigo, o que te trazes aqui?” ou “Amigo, é para isso que você veio?”
De qualquer maneira, o grupo enviado pelos lı́deres judeus lança-se sobre o Cristo e o
prende.
v.51 Mateus parece querer nos matar do coraçã o. Texto diz: "E de repente (idou)” Já
sabemos que algo dramá tico irá ocorrer, nã o? Um dos que estava com Jesus, saca uma espada e
corta a orelha do servo do sumo sacerdote. Atravé s de outro evangelista (cf.Jo 18.10), sabemos
que o autor da façanha nã o foi outro senã o Pedro que havia acabado de acordar, mas aqui Mateus
que dar agilidade e um certo ar sombrio a cena; assim tudo acontece muito rá pido e sem
sabermos exatamente o que ocorre. Mais uma vez Pedro havia tomado uma atitude impulsiva,
sem compreender o que estava acontecendo diante dele.
v.52 "Então, Jesus lhe disse: Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à
espada perecerão." Nosso autor coloca Jesus novamente como o centro dos acontecimentos,
enquanto ele manda seu aluno guardar a espada. Estudos em textos antigos revelam que a
expressã o “guarda a tua espada” pode estar associada a um texto conhecido na é poca chamado
José a Asenet(9), o qual narra uma cena de batalha onde Asenet refreia a ira dos agressores. A
mesma expressã o ocorre em Ap 13.10 “Se alguém leva em cativeiro, em cativeiro irá; se alguém matar a
espada, necessário que a espada seja morto” ACRF Assim temos a impressã o se ser esta uma expressã o
comum na é poca.
v.53-54 Detendo uma batalha campal que se iniciava, Jesus explica que os esforços de seu
aluno para defende-lo eram desnecessá rios, pois bastaria o Mestre pedir e o Pai enviaria 12
legiõ es de anjos (cerca de 72.000 soldados). O nú mero 12 possui duas implicaçõ es: a)
representava um exé rcito romano inteiro, b) simbolizava a organizaçã o e plenitude, sob o
misticismo judeus.
Mas tudo isso seria contra a vontade do Senhor, pois a profecia estava sendo cumprida.
Temos aqui referê ncia a Isaı́as 50.6 “Ofereci minhas costas para aqueles que me batiam, meu rosto para
aqueles que arrancavam minha barba; não escondi a face da zombaria e da cuspida.” Alé m de tudo o havia
sido profetizado sobre sua morte na cruz.
v.55 "Naquele momento" ἐν ἐκείνῃ τῇ ὥρᾳ - en ekeine te hora - Quã o importante sã o estas
palavras para a construçã o do acontecimentos. Atravé s delas, Mateus, nos mostra o Messias no
controle de tudo. Ele sabia que eram seus perseguidores, sabia porque nã o o haviam prendido
antes, e se entregava voluntariamente. Aos olhos de Jesus nã o havia confusã o alguma, estava tudo
ocorrendo de acordo com o roteiro escrito antes da fundaçã o do mundo.
v.56 Mediante ao trabalho do apó stolo, sentimos que o Filho do homem encontrava força
e coragem para enfrentar seu destino nas profecias divinas. "Tudo isto, porém, aconteceu para que se
cumprissem as Escrituras dos profetas" Aqui temos uma vaga referê ncia a Lamentaçõ es 4.20 “O ungido
do Senhor, o próprio fôlego da nossa vida, foi capturado em suas armadilhas” Ainda que mais uma vez,
todas as profecias estivessem relacionadas a este fatı́dico momento. Por Cim, todos os discı́pulos
abandonam a luta e fogem como predito em Zacarias 13.7 “Fira o pastor, e as ovelhas se dispersarão”.

347
v.57-68 O pseudo-julgamento religioso
Tenha em mente que outra cena nos é apresentada. Agora o palco é o pá tio do sumo
sacerdote, onde duas histó rias paralelas se desenrolarã o, a primeira demonstrando a Cidelidade
do Senhor e a segunda revelando a inCidelidade do servo oscilante. Eis que uma estrutura
interessante é revelada e nos serve de guia para as narrativas que serã o apresentadas:
.

v.57 Introduçã o ao julgamento de Jesus


v.58 Introduçã o à negaçã o por parte de Pedro
v.59-68 Descriçã o do julgamento de Jesus
v.69-75 Descriçã o da negaçã o por parte de Pedro

v.57 "E os que prenderam Jesus" EN interessante o jogo de luz e sombra utilizado pelo autor,
pois ele nã o revela detalhe algum sobre aqueles que aprisionam o Mestre, poré m enfatiza "o
levaram à casa de Caifás, o sumo sacerdote" Veja que nã o era qualquer Caifá s, mas O Caifá s sumo
sacerdote.
Existe um pequeno hiato entre o versı́culo 56 e o 57, pois Mateus nã o descreve a maneira
como o Cristo fora preso. Ele termina o 56 dizendo que todos fugiram e inicia o 57 com Jesus já
preso e sendo entregue na casa do sumo sacerdote Caifá s. Vale notar que tudo já estava
preparado, pois na casa de Caifá s estavam reunidos “os escribas e os anciões”. Uma vez que a
suprema corte judaica, chamada de Grande Siné drio (do hebraico ‫ סנהדרין‬sanhedrı̂n; em grego
συνεŒ δριον synedrion, em nossa lı́ngua "assembleia sentada") era composto por setenta e um
membros (quase todos anciã os), deve ter havido uma grande correria pela cidade para agrupa-
los na casa do sumo sacerdote. Um dado curioso é a explicaçã o dada pela Mishna a respeito de
porque o grande concı́lio devia ter setenta e um membros: "O Grande Sanhedrin consistia em setenta e
um e o pequeno em vinte e três. De onde deduzimos que o Grande Conselho deve ter setenta e um? De Nm 11.16
'Reúna para Mim setenta homens;' e acrescente Moisés, que era o chefe deles - portanto setenta e um."
Outro detalhe a ser considerado é que tudo ocorreu durante a noite do Pessach (Pá scoa)
onde aqueles senhores estariam celebrando junto com suas famı́lias; entã o a convocaçã o urgente
deve ter alvoroçado um nú mero enorme de cidadã os. Guardas as devidas proporçõ es, o Pessach
equivale à nossa Ceia de Natal.
v.58 "Mas Pedro o seguia de longe" Duas histó rias correm paralelas aqui: a) o julgamento
religioso, b) a negaçã o de Pedro. O texto mostra um Pedro receoso, mas que ainda nã o havia
abandonado seu professor totalmente; os outros discı́pulos sumiram por completo neste
momento. Existe um paralelo muito interessante entre as trê s vezes que Jesus orou e as trê s vezes
que Pedro negou. Assim como existe um paralelo entre o modo como o Messias encontrou forças
diante da agonia extrema e o modo como Pedro foi se rebaixando durante suas negaçõ es.
Em uma atitude de coragem, Pedro entra no pá tio da casa e se senta junto a alguns assistentes
(possivelmente empregados livres, que nã o eram escravos). Sentimos que ainda havia alguma
solidez na “pedra” representada por Pedro.
v.59 “Os principais sacerdotes e todo o Sinédrio …” Um dado muito relevante é fornecido e que
nos permite ter uma percepçã o mais ampla do que acontecia. Ao dizer que “todo o Sinédrio” estava
presente, Mateus revela que: a) haviam muitas pessoas envolvidas, pois o Siné drio era composto
por 71 e ainda haviam "os principais sacerdotes", b) aquele homens representavam todo o senso de
justiça de uma naçã o, fosse para assuntos civis ou religiosos, c) o evento vinha sendo organizado
a algum tempo, uma vez que demoraria um tempo considerá vel para reunir todas aqueles
homens. Essa preparaçã o para o mal nos lembra do Salmo 37.12 "Trama o ímpio contra o justo e
contra ele range os dentes."
"procuravam algum testemunho falso contra Jesus, a 1im de o condenarem à morte" O julgamento
avança, e ainda que nã o seja descrita a acusaçã o, segue-se a pró xima etapa chamando as
testemunhas de acusaçã o. Encontramos forte conexã o com o Salmo 27.12 "pois contra mim se
levantam falsas testemunhas e os que só respiram crueldade."
Mateus é um autor brilhante, ele mostra que Jesus era inocente desde o inı́cio. Repare
como ele deCine a busca dos acusadores: “estavam procurando um depoimento falso contra Jesus …” De
acordo com Dt 17.6 "Por depoimento de duas ou três testemunhas, será morto o que houver de morrer; por
depoimento de uma só testemunha, não morrerá." Por essa razã o é tã o importante o que é descrito no
pró ximo versı́culo, onde Cinalmente aparecem duas pessoas fazendo a mesma acusaçã o.

348
v.60-61 "E não acharam, apesar de se terem apresentado muitas testemunhas falsas" Nã o havia
como acusar um homem que nunca pecou. Todo este procedimento é retratado na Mishna em seu
tratado sobre o Sanhedrin.
"Mas, a1inal, compareceram duas, a1irmando:" Por Cim, sem que alguma acusaçã o verdadeira
fosse encontrada, surgem duas pessoas (uma exigê ncia da Lei mosaica cf.Dt 19.15) apresentando
algo que Jesus realmente disse. "Este disse: Posso destruir o santuário de Deus e reedi1icá-lo em três dias."
Existe muita informaçã o implı́cita na acusaçã o daquelas duas pessoas, permita-me expô -las
1. Blasfêmia Dentro da mentalidade judaica a existê ncia do templo estava intimamente
ligada a existê ncia do pró prio Deus, por isso quando as testemunhas disseram que
Jesus aCirmou poder destruir o templo, o impacto se referia a pró pria religiosidade
da naçã o. O impacto da destruiçã o do templo seria tã o devastador que o pró prio
sentido de judaı́smo será mudado deCinitivamente. A prova plena disso é que os
romanos Cizeram exatamente isso durante a revolta do ano 70, e seu objetivo fora
aniquilar a alma dos judeus, nã o apenas os combatentes revoltosos.
2. Bruxaria Como poderia um simples homem reconstruir sozinho, e em apenas trê s
dias, um edifı́cio que levou 46 anos para ser reformado e contou com o serviço de
milhares de trabalhadores? Para aqueles homens a ú nica possibilidade seria atravé s
de bruxaria e do poder das trevas. Lembre-se que eles já haviam acusado o Cristo de
realizar sua obra mediante o poder do inferno (cf. Mt 12.24); e posteriormente
també m, pois em diversas partes do Talmud encontramos os rabinos buscando negar
a divindade de Jesus acusando-o de ser apenas um competente má gico.(22)
3. Sacrilégio Ao dizer que ele mesmo reconstruiria o templo, uma outra mensagem era
enviada junta, pois caso isso acontecesse, o acusado assumiria o controle sobre o
sistema religioso e sobre o sacerdó cio. Aqui o perigo era a apropriaçã o do serviço
cú ltico por outra pessoa, o que para eles seria um sacrilé gio. Pode-nos parecer pouco
prová vel essa acusaçã o, mas o autor da carta aos Hebreus lida exatamente com este
tema ao dizer em Hb 7.12 "Pois, quando se muda o sacerdócio, necessariamente há também
mudança na lei" Ou seja, havia o risco daquele prisioneiro també m colocar por terra
toda a Lei mosaica; por isso a acusaçã o era deveras grave.

v.62 "E, levantando-se o sumo sacerdote" Aparentemente, diante da aCirmaçã o de duas


testemunhas, Caifá s se sente conCiante para tomar as ré deas da acusaçã o. "perguntou a Jesus: Nada
respondes ao que estes depõem contra ti?"
v.63 "Jesus, porém, guardou silêncio" Diante da acusaçõ es, Jesus mantem o silê ncio, em parte
por ser inocente e em parte porque as acusaçõ es nã o eram suCicientes para condená -lo.
Para nã o perder novamente o controle do julgamento o sumo sacerdote reage de uma
maneira um tanto difı́cil de compreendermos, ele diz: “Conjuro-te pelo Deus vivo que nos diga se tu és o
Cristo, o Filho de Deus” ARA (infelizmente a NVI é extremamente infeliz nesta passagem) O termo conjuro-te
expõ e a idé ia de colocar algué m sob juramento, mesmo que o juramento nã o parta do acusado. EN
possı́vel que essa prá tica seja oriunda de Lv 5.1 “E quando alguma pessoa pecar, ouvindo uma voz de
blasfêmia, de que for testemunha, seja porque viu, ou porque soube, se o não denunciar, então levará a sua
iniqüidade.”
v.64 “Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste” Para nã o permitir que sua postura fosse percebida
como um ato pecaminoso ou covarde, Jesus rompe o silê ncio e atravé s de seu falar demonstra que
aquela acusaçã o de nada servia. Aqui temos a conexã o direta com o que estudamos no versı́culo
25, veja o que o texto grego diz: Συ„ ει¨πας - Sy eipas. Na linguagem do Messias essa frase
signiCicava uma aCirmaçã o obliqua, ou seja, indireta; mas era uma aCirmaçã o.
E entã o pronuncia algo muito forte: “digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do homem
assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu.” Todos sabiam que ele se auto-intitulava
Filho do homem; assim, quando ele aCirmou que se assentaria a direita (a posiçã o de maior
honra) do Poder(9) (cf Sl 110.1 “Disse o Senhor ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha
os teus inimigos debaixo dos teus pés.”) e que viria sobre as nuvens (cf. Dn 7.13), Cicou claro que ele se
declarava como o Cristo. O professor Dean Luckock, explica a situaçã o da seguinte maneira
"Percebendo toda a iniqü idade do julgamento, a visã o de outro assalto brilhou diante de Sua
vista. Ele viu o que Daniel tinha visto por antecipaçã o - o Anciã o dos Dias chegando a julgamento,
e Ele mesmo (o assessor do juiz), e declarou à corte atô nita: "Daqui em diante vereis o Filho do
homem sentado à direita do poder, e vindo sobre as nuvens do cé u". Dessa maneira é como se o

349
Messias dissesse que aquele julgamento era fraudulento, mas em breve, ele é que estaria na
posiçã o de acusar, e seu pai (Deus) seria o juiz, nã o Caifá s.
v.65 "Então, o sumo sacerdote rasgou as suas vestes" Reagindo a uma declaraçã o tã o forte
como essa, o sumo sacerdote tomou a atitude mais extrema que ele conhecia, rasgando suas
vestes em sinal de agonia. Este era um costume nas culturas orientais e que era aplicado quando
se recebiam notı́cias horrı́veis ou em sinal de luto. Vale ressaltar que pela Lei mosaica o suma
sacerdote era proibido de se comportar dessa maneira, o que demonstra ambiçã o politica, e pura
carnalidade, em suas atitudes. Veja o que diz Lv 21.10 “O sumo sacerdote entre seus irmãos, sobre cuja
cabeça foi derramado o óleo da unção, e que for consagrado para vestir as vestes sagradas, não desgrenhará os
cabelos, nem rasgará as suas vestes” Neste momento o acusador de Jesus havia cometido um sé rio
erro e nã o poderia mais continuar no exercı́cio de suas funçõ es.
v.66 O sumo sacerdote baseia sua condenaçã o, errô nea, no texto de Lv 24.15-16 “Diga aos
israelitas: Se alguém amaldiçoar seu Deus, será responsável pelo seu pecado; quem blasfemar o nome do
Senhor terá que ser executado. A comunidade toda o apedrejará. Seja estrangeiro, seja natural da terra, se
blasfemar o Nome, terá que ser morto.” Nenhuma outra evidê ncia fora julgada, nenhuma testemunha
de defesa chamada "Que vos parece? Responderam eles: É réu de morte." Vejam como todo o rito é
deixado de lado e as decisõ es sã o tomadas apenas pela emoçã o. Outro aspecto fundamental é que,
pela lei judaica a execuçã o deveria acontecer por apedrejamento, nã o por cruciCicaçã o.
v.67-68 De imediato começam a bater no Messias e a xingá -lo, mesmo que o julgamento
ainda nã o tivesse sido encerrado. Isso contrariava todas as leis judaicas e todas as leis romanas,
pois caracterizava um linchamento e nã o um processo penal. A suprema corte de Israel se tornara
um grupo de bá rbaros sanguiná rios e sem Lei. Atravé s do texto de Mateus temos a impressã o de
que aqueles homens estavam se deliciando em agredir a Jesus. E ainda assim o Cristo nã o
revidava nem respondia, cumprindo assim Is 53.7 “Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca;
como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a
boca.”

Ilegalidades cometidas pelo Sinédrio durante o julgamento


do Senhor Jesus.(18)
1º Não se deveria levantar falso testemunho. Ex 20.16 e 11QTemple 61:10

2º Não deveria ocorrer um julgamento capital durante a noite. m.Sanhedrim 4.1(19)

3º O tratado do Sanhedrin no capítulo 4 é claro ao exigir "Primeiro ouça de si


mesmo" ou seja, o acusado deveria falar primeiro e não seus acusadores. Porém os
versículos 59-62 mostram que o rito não fora cumprido.

4º Era proibido ao sumo sacerdote rasgar suas veste (cf. Lv 21.10) o que aconteceu
durante o versículo 65.

5º O julgamento e a execução não deveriam ocorrer no mesmo dia.

6º Não deveriam acontecer julgamentos durante os dias festivos ou durante suas


vésperas. Moed Katon, 5.2

7º A manhã seguinte ao Pessach estava reservada para as orações no templo e para


o uso dos filactérios por parte dos homens. Dt 11.18, Berac. cap.1, hal.2. Eles deixaram
de cumprir esse ritual para poder acelerar o julgamento do Messias.

8º A manhã seguinte também seria o momento de apresentar ofertas no templo em


obediência a Ex 23.15

9º Quando o condenado fosse conduzido para a execução, o mesmo deveria ser


precedido por um arauto declarando sua ofensa e conclamando qualquer que soubesse
algo a favor da absolvição a se apresentar. m.Sanhedrin 6.1

350
v.69-75 A negação do discípulo seguidor
Lembre-se que aqui, Mateus nos apresenta duas histó rias em paralelo, a primeira
mostrando a farsa do julgamento e uma segunda sub-histó ria onde Pedro é o ator principal.
També m atente para que essa passagem deve ser lida em contraste com Mt 27.3-10 que descreve
as atitudes de Judas em face ao julgamento de Jesus, o Cristo.

v.69 Ο¹ δε„ ΠεŒ τρος - ho dé Petros - Com estas palavras, Mateus, nos conecta com versı́culo
58 onde existe a introduçã o para o relato que se segue.
Enquanto os sacerdotes rasgavam suas vestes e os membros do Siné drio agrediam a
Jesus, parece que os â nimos no pá tio da casa estavam bem calmos, alheios ao que acontecia lá
dentro. Veja como a cena é descrita: “Pedro estava sentado no pátio e uma criada, aproximando-se falou
…” Quanta tranquilidade, hein. O apó stolo sentado, os criados batendo papo, tudo tranquilo ali no
pá tio. Neste ritmo ameno, talvez para puxar conversa, a criada diz: “Você também estava com Jesus, o
galileu”.
v.70 1º negação O Mestre estava sendo interrogado agressivamente diante das
autoridades enquanto Pedro també m encarava sua provaçã o Cinal, poré m ele estava diante de
pessoas inferiores a ele e nã o estava sendo ameaçado. A παιδιŒσκη - paidíske - ou "a escrava"
aponta para ele dizendo ... Jesus era acusado e ameaçado, enquanto Pedro, no má ximo fora citado
por uma ré les escrava. Ainda assim Pedro, a pedra, nã o era mais tã o duro e conCiante, e se
incomoda muito com a colocaçã o da moça. "o negou diante de todos" Diante de todos os
empregados, ele nega que o conhecia dizendo: “Não sei do que vocês estão falando” Ου† κ οι¨δα τιŒ λεŒ γεις
- Ouk oida tí légeis - Pelos textos escritos por Pedro, percebemos que ele nunca se esqueceu
destas palavras covardes.
v.71 2º negação De tã o incomodado que Cicou, Pedro se levanto abruptamente e se dirige
a saı́da do pá tio. Ali estava outra escrava, que talvez você a responsá vel por lavar os pé s dos
visitantes (o que era o trabalho mais degradante naquela sociedade). Como a primeira negaçã o
fora em voz alta, aquela escrava sabia o que estava acontecendo e vendo-o de mais perto replica
para que todos també m ouvissem que ele realmente era seguidor de Jesus. Pedro reage de
maneira ainda mais nefasta, jurando que nã o o conhecia; sendo que ao jurar ele se tornava ainda
mais culpado. Primeiro ele negou, agora ele negou e jurou em falso; parece que o apó stolo se
afundava cada vez mais. Por Cim ele nega a pró pria divindade do Messias ao dizer: “Não conheço
este homem”. Assim ele termina o segundo está gio com as seguintes atitudes: negou que o
conhecia, jurou em falso e negou a divindade do Messias.
v.73-74 3º negação Nã o Cica claro se Pedro saiu da casa, uma vez que ele se dirigiu
truculentamente em direçã o a porta do pá tio, mas tudo nos levar a entender dessa maneira.
Assim os pró ximos acontecimentos devem ter ocorrido em frente a casa do sumo sacerdote.
Parece que as atençõ es se voltaram para outro assunto, pois Mateus diz que “Pouco tempo depois” o
que indica que houve, ao menos, alguns instantes para Pedro tomar fô lego.
Estes breves momentos de alento lembram o “olho de um furacã o” que é sereno e suave,
mas revela que em breve viria a parte mais pesada da tempestade. Assim, alguns dos homens que
presenciaram as duas primeiras negaçõ es continuaram a analisar Pedro. Eles virã o como ele se
comportava e como falava, e assim concluı́ram que ele era realmente galileu, o que reforçava a
idé ia de que ele estivesse com o Cristo. E aqui presenciamos uma declaraçã o tã o pavorosa que é
proporcionalmente inversa a declaraçã o feita em Mt 16.16 (a diferença é tã o constrangedora que
me recuso a colocar a primeira frase aqui). Segue-se o relato da terceira negaçã o: “ele começou a se
amaldiçoar e a jurar: "Não conheço esse homem!” Veja o resumo do crime: ele amaldiçoou, jurou
falsamente, negou conhecer a Cristo.
Atente para os trê s degraus da negaçã o de Pedro:
.

1. Negação v.70 diante da escrava que cuidava da porta e de todos no pá tio .
2. Negação com juramento v.72 perante outra escrava.
3. Negação com juramento e praguejamento v.74 diante dos que estavam ao redor
da entrada.

"E imediatamente cantou o galo." Para marcar a cena, Mateus volta nossa atençã o para o fato
do “galo cantar imediatamente” marcando exatamente a profecia feita por Jesus. ευ† θεŒ ως - eutheos
- Nesta palavra grega, traduzida por "imediatamente" está contido todo o drama da cena. Repare
como ela se conecta com o pró ximo versı́culo.

351
v.75 “Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus havia dito” “E, saindo dali, chorou amargamente”
Nada restou da “pedra”. Pedro estava esfarelado emocionalmente; um homem reduzido a nada.
Em Pedro vemos integralmente se cumprir Gn 3.19 “porque você é pó e ao pó voltará”.

O julgamento de Jesus pode ser retratado da seguinte maneira

1) Julgamento religioso Mt 26.57-68

a) Mt 26.57-61 Instrução inicial e testemunhas

b) Mt 26.62-64 Acusação

c) Mt 26.65-66 Sentença (culpado)

d) Mt 26.67-68 Tortura/início da execução

2) Julgamento civil Mt 27.11-37

a) Mt 27.11-14 Instrução inicial, acusação e testemunhas

b) Mt 27.15-16 Um precedente legal

c) Mt 27.17-23 Júri popular

d) Mt 27.24-26 Sentença (culpado pelo júri)

e) Mt 27.27-54 Execução

A kenosis de Cristo
Na teologia cristã existe um termo fundamental no que se refere a Cristo, este conceito
denominado por kenosis é oriundo da palavra grega ἐκένωσεν (ekenosen) e significa esvaziar. O
texto que explica o acontecido é Filipenses 2.5-11. Nele podemos compreender a extensão do
que é ser pobre em espírito, mesmo que Jesus fosse o dono do mundo todo. Para não nos
desviar do objetivo deste livro, deixo-vos um link de Igreja Batista Redenção, o qual contém um
d e l a t a d o e s t u d o s o b r e o t e m a . h t t p : / / w w w. i g r e j a r e d e n c a o . o rg . b r / i n d e x . p h p ?
option=com_content&view=article&id=810:estudo-29-o-autoesvaziamento-de-
cristo&catid=37:teologia-basica&Itemid=147

352
(1) Citado por Severo, bispo de Milevi, em carta a Agostinho, epı́stola 109.
(2) Pintura realizada em 1498 e hoje preservada no Convento de Santa Maria della Grazie, em Milano.
(3) https://pt.wikipedia.org/wiki/A_%C3%9Altima_Ceia_(Leonardo_da_Vinci) acessado em 06/01/2018
(4) Segue uma lista de cançõ es tradicionais entoadas durante o jantar de Pá scoa judeus: https://en.wikipedia.org/
wiki/Passover_songs acessado em 28/02/2017.
(5) Uncial é um termo té cnico utilizado para descrever manuscritos antigos escritos utilizando-se apenas de letras
maiú sculas. O termo é derivado de uma citaçã o feita por Jeronimo no prefá cio de sua ediçã o para o Latin do
livro de Jó “uncialibus, ut vulgo aiunt, litteris”.
(6) Insiro no apê ndice deste livro uma transcriçã o deste texto.
(7) https://en.wikipedia.org/wiki/Roman_timekeeping acessado em 28/0/2017 e Magalhã es, Ana Maria e Alçada,
Isabel – Em Roma Sê Romano. p.110
(8) Calvá rio emocional é um termo utilizado pelo Pr.Marcos Granconato e que representa muito bem o que
acontece nessa cena apresentada pelo apó stolo Mateus. Você pode ouvir o sermã o original em http://
igrejaredencao.org.br/index.php?option=com_sermonspeaker&task=singlesermon&id=10889&Itemid=110
acessado em 03/03/2017
(9) Citado por Granconato, Marcos em uma pregaçã o expositiva sobre essa passagem http://
igrejaredencao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1807:mateus-2647-56-tres-
pequenos-discursos-de-jesus-pr-marcos-granconato&catid=50:sermoes-em-video&Itemid=162 acessado em
03/03/2017
(10) Uma referê ncia ao Senhor todo Poderoso. Sendo esta a ú nica vez no NT em que Deus é denominado desta
maneira.
(11) Andrews, S.J. - Matt. xxvi.64 - in Journal of the exegetical Society (1887) p.90-93
(12) Chase, Thomas - in Journal of the exegetical Society (1886) p.129-131
(13) Tasker, R. - Mateus: Introdução e comentário - p.191
(14) Utley, B. - The 1irst christiam primer: Matthew - p.214
(15) Crivella, M. - mú sica Perfume Universal, do disco Perfume Universal de 1997
(16) Bernabei, M. - The age of the olive trees in the Garden of Gethsemane
(17) Fraser, M.A. - The Feast of the Encaenia in the Fourth Century and in the Ancient Liturgical Sources of Jerusalem
(PhD thesis).
(18) Adaptado de Utley, B. - The 1irst christiam primer: Matthew - p.221
(19) m.Sanhedrin cap.4 hal.1 - ‫ דיני נפשות דנין ביום וגומרין ביום‬- "Eles lidam com causas capitais durante o dia e
terminam com elas durante o dia"
(20) Swanson, J. - Dictionary of Biblical Languages with Semantic Domains: Greek (New Testament) (electronic ed.)
(21) Lexhan Press - The Lexham Analytical Lexicon of the Septuagint.
(22) Herford, R.T. - Christianity in Talmud and Midrash - p.54-62

353
Mateus 27

v.1-2 Ao amanhecer o julgamento continua


v.1 Πρωΐας δε„ γενομεŒ νης - "Ao romper o dia" Para marcar o Cinal do julgamento religioso e o
inı́cio do julgamento civil, Mateus constró i um pequeno interlú dio deCinido por esses dois
versı́culos iniciais. Aqui somos informados que na chegada de um novo dia os lı́deres religiosos
haviam chego ao consenso de condenar Jesus a morte. Uma importâ ncia implı́cita nessa abertura
se refere ao fato do lı́deres judeus terem cometido um crime contra sua lei processual, a qual
dizia explicitamente: ‫ דיני נפשות דנין ביום וגומרין ביום‬- "Eles lidam com causas capitais durante o dia e
terminam com elas durante o dia"(14) Ou seja, era vetado ao supremo tribunal hebreu manter um
julgamento durante a noite; o que nã o fora respeitado no caso do Messias.
Um outro aspecto da lei cı́vico-religioso fora transpassado pois, conforme descrito em
Moed Katon, cap.5, hal.2(15), nã o deveriam ocorrer julgamentos à s vé speras das grandes festas
religiosas, e como o dia descrito por Mateus era o primeiro dia do Pessach, mais uma ilegalidade
era cometida. Ainda mais um pormenor pode ser levantado contra os hipó critas fariseus e os
sacerdotes, pois de acordo com Ex 23.15 "Guardarás a Festa dos Pães Asmos; sete dias comerás pães
asmos, como te ordenei, ao tempo apontado no mês de abibe, porque nele saíste do Egito; ninguém apareça de
mãos vazias perante mim." Aquele homens deveriam apresentar ofertas no templo em sinal de
agradecimento por sua saı́da do Egito. Poré m eles, que se consideravam a elite religiosa da naçã o,
rompiam mais uma lei, apenas para saciar seu ó dio contra o Cristo. Eles abdicaram que estar com
suas famı́lias em um dia tã o importante apenas para fazer o mal a algué m. Um outro texto judeu
diz: “Quando o conselho tiver decidido que alguém morra, não provem nada naquele dia."(16)
Teria sido um exagero por parte do autor empregar a expressã o "ao romper do dia"?
ACirmo que nã o, pois no mundo romano os julgamentos civis ocorriam logo ao surgir do primeiro
raio de sol. A principal razã o para isso era a necessidade de que as apuraçõ es nunca chegassem
até o Cinal da tarde, e, como nã o era permitido continuar o processo noite a dentro, o caso
permaneceria insolú vel. O problema do caso nã o se deCinir é que isso implicava na incapacidade
da justiça, o que para eles era problemá tico, aCinal a justiça era um ato divino. Sê neca(19), em seu
livro De ira 2.7.3 relata que a pessoas se apressavam "para o fó rum no inı́cio do dia" porque os
julgamentos começavam logo ao amanhecer, enquanto Suetô nio em "A vida dos doze Cé sares",
descreve que o imperador costumava levantar-se antes do amanhecer para iniciar seus pareceres
no fó rum(18). Apenas como curiosidade, esse Vespasiano é o mesmo que, enquanto general, fora
designado em 66 d.C para conduzir a guerra contra os judeus, a qual foi concluı́da por seu Cilho
Tito com a destruiçã o do templo de Jerusalé m.
v.2 "e, amarrando-o, levaram-no e o entregaram ao governador Pilatos." A descriçã o de Jesus
sendo levado "amarrado" demonstra que os religiosos já o tratavam como culpado das acusaçõ es
levianas realizadas na calada da noite. Como Israel era um estado dominado por Roma, eles eram
impedidos de executar a pena capital (cf.Jo 18.31), por isso eles levam Jesus até o governador
romano chamado Pontius Pilatos. Existe um substrato importante aqui que explica outro aspecto
sobre o motivo da pressa para entregar Jesus à s autoridades romanas. Annas, o sogro do sumo
sacerdote Joseph Caifá s, havia reinado entre 7 a.D. e 14 a.D, mas fora deposto por Valerius Gratus
justamente por executar sentenças de capital sem ter obtido previamente a sançã o ao procurador.
(27) Desde entã o Annas se manteve como uma eminê ncia parda em Jerusalé m, continuando a

enriquecer da exploraçã o dos peregrinos, indicando cinco de seus Cilhos como sucessores e por
Cim, seu genro Caifá s; mas ele mesmo, nunca mais voltou a ocupar o cargo má ximo no templo,
nem tornou a entrar no santo dos santos durante o Yon Kipur. Por essas razõ es, Cica fá cil perceber
porque os religiosos Cizeram tanta questã o de enviar o Cristo para as mã os romanas.
Sob qual acusaçã o o Messias fora entregue? De acordo com fontes rabı́nicas, o crime do
qual os religiosos indiciaram a Jesus foi o Mesith, o que sob a ó tica bı́blica representa algué m que
leva o povo a idolatria (cf. Dt 13), mas que para os governantes romanos soava como um
enganador do povo e levantador de rebeliõ es. Esse obscuro detalhe explica porque Pilatos,
durante todo o processo, apenas indaga se o Senhor se auto-denominava "rei dos judeus" e nunca
lida com as questõ es levantadas durante o julgamento religioso perante o siné drio.

354
Pôncio Pilatos - ΠοŒ ντιος Πιλᾶ τος - Pontios Pilatos
Quem foi, e o que representa para o cristianismo, esse homem chamado Pilatos? Até a
descoberta da "Pedra de Pilatos" em 1961, na cidade de Cesaré ia Marı́tima, pelos arqueó logo
Antonio Frova(19) muitas dú vidas pairavam sobre a real existê ncia desse personagem. Essa pedra,
escrita em Latin, continha a seguinte descriçã o: Pontius Praefectus Iudea (Pô ncio, governador da
Judé ia). Ela estava em um antigo anCiteatro dedicado ao imperador Tibé rio Cé sar, possivelmente
entre os anos de 26-32 d.C.; e hoje se encontra no Israel Museum, em Jerusalé m. Corroborando
com a evidê ncia histó rica, em 1968, foi encontrado um anel que pode ter servido como selo
oCicial do magistrado romano.(20) Seu governo durou entre 26d.C e 36/7d.C, e foi marcado por
forte repressã o à s reivindicaçõ es judias, sendo repreendido por seu superior Vitellius e enviado a
Roma para se apresentar diante do imperador.
Existe certa variedade sobre o tı́tulo de Pô ncio, já que a descriçã o em latim é Praefectus,
enquanto em grego encontramos η¡ γεμω„ν - hegemon (governador), poré m na prá tica ambas
possuem o mesmo signiCicado. Já Philo(31) e Flavio Josefo(32) utilizam o termo eparchos que nada
mais é que a transliteraçã o do termo latino.

A tradiçã o cristã diverge em sua maneira de interpretar esse oCicial romano; sempre
oscilando entre dois extremos, ora retratando-o como um santo ora como um monstro. Perante a
antiga igreja Ocidental, ele é tratado com docilidade e até com reverê ncia, como acontece com os
Coptas do Egito que o canonizaram. Existe até mesmo um livro apó crifo chamado Atos de Pilatos
que o apresenta como um cristã o; alé m disso existem os favorá veis comentá rios de Agostinho(21),
Tertuliano(22) e Hippolytus(23).
Por outro lado, a igreja Oriental, seguindo a percepçã o dos escritores judeus, colocam
Pilatos sob uma luz muito diferente. Philo de Alexandria, uma Cilosofo judeu descreve seu governo
como corrupto, desonesto e assassino; mas Philo, por ser muito tendencioso nã o se trata de uma
fonte tã o conCiá vel. (cf. Pilho, Gaium 302). Parece-nos que com o passar do tempo a pró pria igreja
romano passou a olhar para Pilatos com menos benevolê ncia. Isso se evidê ncia em textos do
terceiro e quarto sé culos que procuram descrever a desgraça do ex-governador. Veja por exemplo
o que diz A morte de Pilados, aquele que condenou Jesus, que descreve como demô nios ocuparam o
corpo morto de Pilatos.(24) Ou a descriçã o de Eusé bio de Cesaré ia em sua História Eclesiástica:
"Também é digno de nota que a tradição relata que o mesmo Pilatos, ele da época do Salvador, nos dias de Caio,
cujo período que descrevemos, caiu em tanta calamidade que foi forçado a se tornar seu próprio matador e a se
punir. com sua própria mão, pois a penalidade de Deus, ao que parece, seguiu com força depois dele."(25)

355
"entregaram ao governador" Existe uma importâ ncia singular no pontual uso da palavra
η¡ γεμοŒ νι - hegemoni, por Mateus. Traduzida normalmente como "governador", ela é empregada
aqui e nos versı́culos 14, 15, 21 e 27, e nos conecta com a prediçã o do pró prio Senhor em Mt
10.18 "por minha causa sereis levados à presença de governadores e de reis"
Outra questã o relevante é o fato de que os governadores romanos nã o viviam em
Jerusalé m, mas em Cesaré ia Marı́tima, disso surge o interesse em saber porque Pontius Pilatos
estaria presidindo o tribunal justo naquele momento. Algumas possibilidade podem ser
elencadas: 1) ele estava na cidade para acompanhar o principal dos eventos religiosos do povo
que ele dominava(29), 2) a visita fazia parte de uma demonstraçã o de poder por parte dos
romanos(28) ou 3) concomitante com a possibilidade 2, já houvesse marcada alguns julgamentos
para aquela data, por isso tanto o oCicial romano, como todos os envolvidos no julgamento já
estivessem preparados para a corte(30).

Questão textual versículo 2 O ponto em questão é o primeiro nome do governador


romano, Pontius Pilatos. Alguns manuscritos muito antigos, e muito respeitados, contém o primeiro
nome dele, entre eles estão: A, C, W e a Vulgata. Por outro lado alguns outros manuscritos, também
muito antigos e respeitados não contém o primeiro nome do governador, entre eles: B, L e ‫ א‬. Dois
pontos pesam muito aqui: a) os manuscritos ‫ א‬e B são notórios por extirparem muitas passagens, b) o
testemunho dos pais da igreja é unânime em citar o primeiro nome do governador. Por isso me parece
mais correto o texto Majoritário aqui.

A seguir Mateus fará uma pausa no relato do julgamento para nos contar sobre um
segundo julgamento, e sua respectiva execuçã o; a cena de Jesus ante Pilatos será retomada no
versı́culo 11. Agora escutemos o Cinal trá gico de Judas, o traidor.

Uma tê nue estrutura pode ser delineada aqui no quesito sobre a responsabilidade sobre
a morte de Jesus, o Cristo. Segundo Helen Bond(33), já que Jesus era inocente algué m devia sofrer
as consequê ncias de seu assassinato, neste caso "os judeus". Por isso encontramos trê s cenas a
seguir, e nelas vemos os judeus assumindo a culpa e os romanos sendo isentados. Acompanhe:
.

• Judeu assume a culpa v.3-10 Judas assume seu ato de traiçã o e se auto-executa
pendurado num madeiro.
• Romano se isenta de culpa v.11-24 Mateus faz questã o de retratar Pilatos se isentando
de culpa.
• Judeus assumem a culpa v.25 O texto fala por si só : "E o povo todo respondeu: Caia sobre
nós o seu sangue e sobre nossos 1ilhos!"

v.3-10 O remorso do discípulo traidor
Acabamos de ver os sentimentos do discı́pulo que negou a Cristo por trê s vezes seguidas,
agora somos apresentados a reaçã o muito mais intensa do discı́pulo que havia traı́do e entregado
Jesus. Enquanto Pedro chorava amargamente, Judas tem um impulso muito mais sinistro e
deCinitivo, se as lá grimas de Pedro mostravam o arrependimento interno, o desespero externo de
Iscariotes revela apenas remorso. Muito importante é perceber a conexã o entre esses dois
eventos, pois eles estã o relatados juntos para que vejamos a diferença na reaçã o dos dois
discı́pulos.

v.3 "Então, Judas, o que o traíra" Mateus nã o perde uma chance de apontar o crime cometido
por seu ex-colega apó stolo; por isso, sempre que pode, enfatiza que Judas é um traidor.
"vendo que fora condenado, tocado de remorso" Judas realmente percebe a extensã o do seu
crime, e sente um profundo remorso. Mateus, com toda habilidade que lhe é caracterı́stica, e
inspirado divinamente em seu texto, seleciona a palavra μεταμεληθει„ς - metameletheis (sentir
remorso) no lugar da expressã o mais usual metanoeo (mudança de mente, ou arrependimento

356
verdadeiro); e assim deixa bem claro que Judas apenas sentiu remorso, jamais se arrependendo
verdadeiramente.
"as trinta moedas de prata" Todo este trecho do livro é marcado pelo destino das trinta
moedas e, bem ao estilo mateano, sua apariçã o ocorre em trê s etapas:
1. vv.3-5 onde temos o relato do que Judas fez com as trinta moedas
2. vv.6-8 descobrimos o que os lı́deres religioso Cizeram com as trinta moedas
3. vv.9-10 revela a profecia bı́blica sobre as trinta moedas
"aos principais sacerdotes e aos anciãos" EN muito revelador o fato de Judas ter ido ao encontro
dos inimigos do Messias em busca de perdã o e nã o ao encontro do pró prio Cristo. Tal atitude
reforça a percepçã o de que o Iscariote, estava com medo dos desdobramentos que seu ato traria
sobre si e nã o que ele houvesse se arrependido de sua só rdida perfı́dia.
v.4 Buscando redençã o pelo seu desprezı́vel ele devolve o dinheiro que receberá dos
lideres religiosos. Confessa o traidor: “Pequei, pois traí sangue inocente” Poré m para os lı́deres de um
sistema religioso corrompido, o perdã o era um termo abstrato e distante.
v.5 "atirando para o templo as moedas de prata" Buscando livrar-se do objeto de sua culpa,
Judas arremessa as moedas contra o templo, o que possui um peso simbó lico grande, aCinal com
essa açã o ele buscava compartilhar sua culpa. Aqui existe um conexã o muito clara com Zc 11.13
"E tomei as trinta moedas de prata e as arrojei ao oleiro, na Casa do Senhor." Existe certa similaridade
entre a atitude de Judas e a de Aitofel, um outro traidor notó rio da Escritura, veja o que diz 2Sm
17.20-23 "Chegando, pois, os servos de Absalão à mulher, àquela casa, disseram: Onde estão Aimaás e
Jônatas? Respondeu-lhes a mulher: Já passaram o vau das águas. Havendo-os procurado, sem os achar,
voltaram para Jerusalém. Mal se retiraram, saíram logo os dois do poço, e foram dar aviso a Davi, e lhe
disseram: Levantai-vos e passai depressa as águas, porque assim e assim aconselhou Aitofel contra vós outros.
Então, Davi e todo o povo que com ele estava se levantaram e passaram o Jordão; quando amanheceu, já nem
um só havia que não tivesse passado o Jordão. Vendo, pois, Aitofel que não fora seguido o seu conselho,
albardou o jumento, dispôs-se e foi para casa e para a sua cidade; pôs em ordem os seus negócios e se enforcou;
morreu e foi sepultado na sepultura do seu pai." O texto nos mostra o infame Aitofel tramando o mal
contra Davi, e quando seu plano falha, ele busca ajustar suas posses terrestres e depois se
enforca. Teria Judas essa passagem na mente ao buscar os sacerdotes na tentativa de organizar
alguns aspectos de sua vida e depois se enforcando? EN prová vel, mas nã o podemos aCirma-lo.
Em mais uma atitude desesperada, Judas sai rapidamente e se enforca. Vemos o texto de
Mateus acelerando o ritmo da narrativa para assim, para isso ele faz uso de um assı́ndoto, que é
um recurso muito forte literariamente. Percebemos assim uma linha de açã o muito rá pida e
direta, diz o texto sagrado: “α† νεχωŒρησεν και„ α† πελθω„ν α† πηŒ γξατο” (anechoresen kai apelthon
apegchato) que em nossa lı́ngua seria “partiu, e foi, enforcou-se”.
v.6-8 A cena retorna para o interior do templo onde os sacerdotes tem uma conversa
mesquinha a respeito do que fazer com as moedas que o traidor devolveu. Em nenhum momento
eles falam a respeito da vida dele ou da traiçã o contra Jesus. A decisã o encontrada é nã o devolver
o dinheiro ao tesouro, por se estar relacionado ao preço de um assassinato, entã o o utilizam para
comprar um campo, usando como desculpa que seu uso era necessá rios para se enterrar
estrangeiros. "Por isso, foi chamado aquele campo, até ao dia de hoje, Campo de Sangue." O que Mateus
quer dizer com "até ao dia de hoje"? Possivelmente o autor se reCira à é poca em que redigiu seu
material, e que essas informaçõ es tenham sido colhidas pela igreja durante os anos que se
seguiram entre a assunçã o do Senhor.
v.9-10 Aqui temos um trecho de difı́cil explicaçã o, pois a citaçã o se aproxima muito do
texto de Zacarias 11.12-13 "E eu disse-lhes: Se parece bem aos vossos olhos, dai-me o que me é devido e, se
não, deixai-o. E pesaram o meu salário, trinta moedas de prata. O Senhor, pois, me disse: Arroja isso ao oleiro,
esse belo preço em que fui avaliado por eles. E tomei as trinta moedas de prata e as arrojei ao oleiro, na Casa do
Senhor." enquanto Mateus diz que a profecia fora predita por Jeremias. Possivelmente Mateus
tivesse ambos os profetas em mente e citou apenas o mais proeminente entre eles. Um apoio para
esta possibilidade encontra-se no Talmude Babilô nico, mais precisamente Baba Bathra 14b, que
apresenta Jeremias como o primeiro entre os profetas e como uma representaçã o de todos os
demais. Este versı́culo já gerou uma enormidade de explicaçõ es diferentes por parte de alguns
dos teó logos mais importantes da igreja cristã . No apê ndice deste livro coloco algumas destas
versõ es.

v.11-14 O julgamento civil – 1º parte (Instruçã o, acusaçã o e testemunhas)


Deixamos a cena de Judas enforcado, e voltamos nossa atençã o a Jesus que já estava

357
diante do governador romano.
v.11 "Jesus estava em pé ante o governador; e este o interrogou" Ao ser questionado pela
autoridade civil Jesus responde a mesma pergunta feita pelos religiosos, poré m sem precisar ser
colocado em posiçã o de juramento. Essa atitude tem duas implicaçã o: a) mostrar o respeito as
autoridades, b) desestabilizar emocionalmente os adversá rios (imagine a raiva que eles Cicaram
ao ver o Messias respondendo prontamente a mesma pergunta que eles Cizeram anteriormente e
a qual ele custou a responder).
"És tu o rei dos judeus" Havia um crime prescrito na legislaçã o romana chamado de
majestas (traiçã o contra o imperador), o qual se referia a um individuo que se auto-denominasse
rei e pleiteasse tomar a posiçã o de cé sar. O problema era usurpar o poder imperial e nã o ser rei
de uma cidade ou regiã o distante dos domı́nios romanos, tanto que Herodes era rei e isso nã o
representava problema algum para os dominadores. Como Jesus havia declarado tantas vezes que
seu reino nã o era deste mundo, para o procurador romano essa aCirmaçã o beirava uma
brincadeira infantil. Infelizmente a mente romana era muito cartesiana e nã o acompanhava o
abstratismo oriental.
v.12 De imediato houve uma reaçã o ené rgica por parte dos lı́deres religiosos, a qual Jesus
se manteve impassivo.
v.13-14 Mateus nã o detalha as barbaridades que os judeus disseram, mas pela reaçã o do
soldado romano Pilats, podemos perceber que nã o foi coisa boa: “Você não ouve a acusação que eles
estão fazendo contra você?” Um soldado que na batalha já assistira atrocidades, que como
governador estava habituado a decretar a morte por motivos mais banais, ainda assim a postura
do Cristo o surpreendia. “Mas Jesus não lhe respondia nenhuma palavra, de modo que o governador 1icou
muito impressionado”. Aqui temos uma relaçã o com Is 53.7 “Ele foi oprimido e a1ligido, contudo não abriu
a sua boca; como um cordeiro foi levado para o matadouro, e como uma ovelha que diante de seus
tosquiadores 1ica calada, ele não abriu a sua boca.”.

v.15-16 O julgamento civil – 2º parte (Um precedente legal)


De acordo com o versı́culo 18 somos informados de que Pilatus percebia que nã o havia
culpa em Jesus e sentia-se incomodado em condená -lo. Por isso nos versı́culos anteriores (vv.
15-17) Mateus nos informa de um costume que havia na é poca da Pá scoa de soltar um
prisioneiro. Nã o temos muitos relatos a respeito deste costume alé m do de Mateus e do descrito
pelo historiador judeu Josephus em Antiguidade dos Judeus 20:9:3. Aproveitando-se disso, o há bil
governador transfere a responsabilidade para o povo de Jerusalé m: “Qual destes vocês querem que eu
solte?” A opçã o a Jesus era um criminoso chamado Barrabá s.

v.17-23 O julgamento civil – 3º parte (Jú ri popular)


v.17 Na tentativa de livrar o Cristo, Pilatus evoca o precedente legal de poder libertar um
prisioneiro durante a Pá scoa; e para favorecer seu ponto de vista ele coloca ao lado de Jesus um
criminoso que nenhuma pessoa gostaria de ter no convı́vio social. Assim a decisã o nã o seria mais
administrativa, mas via jú ri popular onde a populaçã o decidiria.
v.19 Para reforçar a mensagem da inocê ncia de Jesus, é inserida uma pequena histó ria
paralela, onde a mulher de Pilatus lhe envia uma mensagem. Em sonho (o que naquela é poca era
ligado a revelaçõ es divinas) ela fora advertida da inocê ncia do acusado.
v.20 Era chegada a hora dos principais sacerdotes e lı́deres religiosos utilizarem a mesma
té cnica que Jesus utilizou durante os debates teoló gicos dentro do templo. cf.Mt 21.46 Quem
controlasse a multidã o controlaria a situaçã o.
v.21-23 "Qual dos dois quereis que eu vos solte?" Muito interessante a maneira como o
governador romano se expressa. Ele em momento algum impõ e um tom negativo em sua
mensagem, pelo contrá rio, sua pergunta se refere a libertar algué m, nã o condená -lo. Isso se
reforça no versı́culo 22 onde ele mais uma vez nã o ventila a possibilidade de puniçã o, mas pede a
plebe que proponha uma soluçã o.
Dali em diante a massa popular se submeteu ao controle dos religiosos corrompidos, e
até o Cinal do julgamento, todos clamaram pelo sangue inocente. "Por quê? Que crime ele cometeu? ",
perguntou Pilatos. Mas eles gritavam ainda mais: "Cruci1ica-o! " Imagina você , amigo leitor, uma multidã o
cada vez mais inClamada, buscando a morte de um pseudo-inimigo de sua religiã o
fundamentalista, e tudo isso durante um feriado religioso que celebrava sua liberdade da
escravidã o (lembre-se que era a Pá scoa conforme descrito em Ex 12.21). Eis o cená rio para o

358
desastre. Para evitar o conClito armado, o tribuno romano permite que seja executado aquele a
quem o povo escolheu.
Uma questã o hermenê utica importante incomodou os estudiosos até a segunda metade
do sé culo XX: já que o contexto da passagem mostra uma condenaçã o judaica, onde até o oCicial
romano segue esse Cluxo, por que entã o a massa nã o exigiu uma condenaçã o tipicamente judia, do
tipo "apedrejem ele" ou entã o simplesmente "matem ele"? Por que exigiriam uma condenaçã o
tipicamente romana? Uma luz sobre esse texto fora trazida com a publicaçã o do Pergaminho do
Templo, um achado de 1956 ao norte do Mar Morto, onde existe uma halakhah ou seja, uma
interpretaçã o legal/religiosa, de Dt 21. Este pergaminho provavelmente originá rio do sé culo II
A.C. apresenta a interpretaçã o sacerdotal de que algué m condenado por traiçã o, ou por blasfê mia
direta, deveria ser pendurado em um madeiro.(9)

v.24-26 O julgamento civil – 4º parte (A sentença)


v.24 "Vendo Pilatos que nada conseguia, antes, pelo contrário, aumentava o tumulto," A turba
estava a beira de uma revolta, tamanho o desejo pela morte e a maldade espalhada entre eles.
Para nã o piorar a situaçã o e també m para se eximir de culpa, o governador realiza o cé lebre ato
de lavar as mã os; dizendo nã o ter culpa pelos eventos que se seguirã o. Ainda mais notá vel é que
este nã o era um costume romano, mas sim judeus. (cf. Dt 21.6-7 "Todos os anciãos desta cidade, mais
próximos do morto, lavarão as mãos sobre a novilha desnucada no vale dirão: As nossas mãos não derramaram
este sangue, e os nossos olhos o não viram derramar-se." e Sl 26.6 "Lavo as mãos na inocência e, assim,
andarei, Senhor, ao redor do teu altar,"). Dessa maneira Pilatus dizia sublinarmente: estou fazendo de
acordo com vosso costume, não o meu.
v.25 O texto sagrado é muito assertivo ao descrever a resposta maligna que aquela
sociedade deu: Todo o povo respondeu: "Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos 1ilhos!" EN
importante prestar atençã o a palavra “todo” pois assim a naçã o toda, incluindo as futuras
geraçõ es se tornavam ré us do sangue inocente que estava para ser vertido. Tal atitude nã o
poderia ser mais extrema diante da cultura do AT, na qual havia todo um sentido de culpa ou
bençã o corporativa. (cf. Ex 20.5-6)
v.26 Por Cim o criminoso é solto e o inocente enviado para a execuçã o.
v.27-54 O julgamento civil – 5º parte (A execuçã o)
Por se tratar de um trecho longo, e com algumas digressõ es, optei por subdividi-lo:
a) 27-31 A tortura
b) 32-37 A crucidicação
c) 38-44 Os ladrões crucidicados
d) 45-50 O maior ato de amor de todos os tempos
e) 51-54 Resultados imediatos ao sacridício vicário

a) 27-31 A tortura
Apó s o governador, fazendo as vezes de juiz, deferir sua sentença o condenado Jesus foi
levado ao Pretó rio, que era uma á rea militar onde os soldados Cicavam acampados. Nã o se sabe
exatamente seu local, mas é muito prová vel que fosse dentro da Fortaleza Antonia, que por sua
vez era pró xima do local do julgamento.
v.28-29 Jesus e seus discı́pulos provavelmente se vestiam de maneira simples, assim
como a quase totalidade da populaçã o. Assim para zombar do fato dele ter sido condenado por se
auto-denominar rei dos judeus, os soldados colocam nele uma capa vermelha, a qual apenas os
nobres utilizavam. Nã o havia rei sem coroa, por isso puseram sobre ele uma coroa de espinhos,
possivelmente encontrados no pró prio pá tio onde eles estava acampados no perı́odo das festas
judaicas. Por Cim colocam uma vara em sua mã o, a qual simbolizava o controle do rei e se
ajoelham Cingindo uma reverê ncia.
v.30 Cuspiram nele, o que demonstrava extremo desprezo, e o espancaram. Talvez para
nã o prender nossa atençã o a tamanha brutalidade, Mateus, é muito sucinto ao relatar este
momento terrı́vel. Imagine se você , amigo leitor, precisasse descrever a tortura e morte da pessoa
que você mais amou na vida; você seria breve e objetivo ou se deleitaria com os requintes de
crueldade? Confesso que hesitei por alguns dias antes de estudar este trecho, pois os eventos me
abalavam emocionalmente. Veja como o profeta Isaı́as descreveu a cena em Is 52.14 “Assim como
houve muitos que 1icaram pasmados diante dele; sua aparência estava tão des1igurada, que ele se tornou
irreconhecível como homem; não parecia um ser humano;”.

359
v.31 Por Cim eles o vestem novamente com sua roupas simples e o enviam para ser
cruciCicado.


O Salmo 22 e o relato da morte do Messias

Existe uma estreita relação entre o Salmo 22, composto por Davi, e o relato da crucificação
do Messias composto pelos evangelistas. As citações serão estudadas uma-a-uma por todo este
capítulo, porém aqui podemos encontrá-las agrupadas:

• Mt 27.35 corresponde a Sl 22.18 "Dividiram as minhas roupas entre si, e tiraram sortes pelas
minhas vestes"

• Mt 27.39 corresponde a Sl 22.7 "Caçoam de mim todos os que me vêem; balançando a


cabeça lançam insultos contra mim"
• Mt 27.43 corresponde a Sl 22.8 "Recorra ao Senhor! Que o Senhor o liberte! Que ele o livre, já
que lhe quer bem"
• Mt 27.46 que corresponde a Sl 22.1 "Meu Deus! Meu Deus! Por que me desamparaste?

b) 32-37 A crucidicação
v.32 "Ao saírem, encontraram um cireneu, chamado Simão, a quem obrigaram a carregar-lhe a cruz."
Apó s ter sido torturado por um esquadrã o de brutais soldados romanos, cumprindo assim o que
fora profetizado por Isaı́as, podemos perceber que Jesus estava muito debilitado Cisicamente, por
isso os soldado escolhem um homem que estava de passagem e o obrigam a carregar a cruz. EN
mais correto pensar que o homem carregara apenas a trave superior da cruz, sendo que a estaca
vertical já estivesse Cixa no local de execuçõ es. Conforme descrito no estudo sobre Mt 5.41 existia
uma lei romana que permitia um soldado obrigar um cidadã o local a carregar, por uma certa
distâ ncia, aquilo que ele portava. Mateus é claro ao descrever que o nome daquele homem era
Simã o e que ele era de Cirene (provavelmente para nã o confundir com o apó stolo Simã o/Pedro).
Esse fato reforça a percepçã o de que o local da execuçã o fosse pró ximo a uma estrada, aCinal
Simã o trafegava por lá "vindo do seu país" cf. Mc15.21 O espetá culo cruel da cruciCicaçã o fazia parte
de uma tá tica para desencorajar outros de cometer o mesmo crime, da mesma maneira como os
enforcamentos na idade mé dia ou a guilhotina durante a revoluçã o francesa. Flavio Josefo diz que
aquela era “mais miserá vel das mortes”(12), enquanto o famoso orador romano Quintiliano
declarou(13): “Sempre que cruciCicamos os culpados, sã o escolhidas as estradas mais
movimentadas, onde a maioria das pessoas pode ver e ser movida por isso. medo. As penalidades
nã o se relacionam tanto à retribuiçã o, mas ao seu efeito exemplar ”
v.33 "um lugar chamado Golgota, que signi1ica Lugar da Caveira," Por Cim eles chegam ao local
da maior tragé dia de nossa histó ria, o Calvá rio. O texto chama o local de Γολγοθᾶ - Golgotha que
signiCica ‫ּגָלְּגָלְּתָא‬- Galgaltah “caveira” em Aramaico, enquanto Calvá rio tem o mesmo signiCicado,
poré m em Latin. Por se tratar de um nome estrangeiro para seus leitores de fala grega, o autor fez
questã o de inserir uma explicaçã o para eles ε† στιν ΚρανιŒου ΤοŒ πος λεγοŒ μενος⸃ "que signi1ica lugar do
Crânio".
Este nome era proveniente de geograCia do lugar, que naquela é poca lembrava, ainda que
vagamente, um crâ nio humano. Os estudiosos acreditam que é muito possı́vel que o local dos
eventos esteja soterrado onde hoje existe a Igreja do Santo Sepulcro, fora dos muros da cidade.
v.34 Os pró ximos eventos seriam tã o dolorosos e desumanos que os soldados
responsá veis por eles procuram de alguma maneira aliviar o sofrimento dos que seriam
cruciCicados. A razã o fosse para que nã o houvesse gritos e gemidos em excesso. Por isso lhe
ofereceram vinho misturado com fel, para que service como uma espé cie de alucinó geno. Ao que
Jesus recusa, pois precisava estar 100% no controle de seus pensamentos e emoçõ es para
suportar o que ainda viria pela frente. Aqui existe uma conexã o com Sl 69.21 “Puseram fel na minha
comida e para matar-me a sede deram-me vinagre.”

360
Thomas de Aquino escreveu: "Deixe sua santidade considerar o que é o poder da cruz. Adão
desprezou o mandamento, tirando a maçã da árvore; mas tudo o que Adão perdeu, Cristo encontrou na cruz. A
arca de madeira salvou a raça humana do dilúvio das águas; quando o povo de Deus saiu do Egito, Moisés
dividiu o mar com sua vara, dominou o Faraó e redimiu o povo de Deus. O mesmo Moisés transformou a água
amarga em doce, jogando madeira nela. Pela vara, o riacho refrescante foi tirado da rocha; para que Amalech
pudesse ser vencido, as mãos estendidas de Moisés foram apoiadas em sua vara; a Lei de Deus é con1iada à arca
de madeira da aliança, para que assim, por esses passos, possamos 1inalmente chegar à madeira da cruz."(35)

v.35-36 "Depois de o cruci1icarem, repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte." Existe um
ponto a ser observado aqui já que o costume romano e o judeu conClitam nessa questã o. O há bito
romano era o de cruciCicar os condenados inteiramente nus, sendo que as vestes lhes Cicavam
como parte do pagamento, como Cica implı́cito no texto sagrado. Por outro lado, a lei judaica em
M Sanhedrin 6:3 diz: "Quando o condenado se encontra a quatro côvados do local do apedrejamento, eles
tiram suas roupas. Eles cobrem os genitais de um homem na frente, e uma mulher é coberta tanto na frente
quanto nas costas; esta é a declaração do Rabino Yehuda." (34) A pergunta é : teriam os executores
romanos coberto a genitá lia de Jesus para evitar um atrito ainda maior com o judeus? Nã o temos
essa resposta, mas a curiosidade permanece. Ao repartirem as roupas de Jesus os soldados
estavam cumprindo o que fora dito no Salmo 22.18 “Dividiram as minhas roupas entre si, e tiraram
sortes pelas minhas vestes.”
Novamente o autor é muito breve na descriçã o dos eventos, ele apenas diz que os
soldados o cruciCicaram: “e sentando-se vigiavam-no ali”. Ao contrá rio de outros evangelistas, o foco
de Mateus é mostrar que Jesus de Nazaré é o Messias prometido, e ele detalhará essa importâ ncia
um pouco mais a frente. Ainda assim existe tanta teologia envolvida nessa breve frase que
necessitamos detalhar um pouco mais o que acontecia. Ao ser cruciCicado Jesus se tornou
maldito, conforme o descrito em Dt 21.22-23 “Se um homem culpado de um crime que mereça a morte
for morto e pendurado num madeiro, não deixem o corpo no madeiro durante a noite. Enterrem-no naquele
mesmo dia, porque qualquer que for pendurado num madeiro está debaixo da maldição de Deus. Não
contaminem a terra que o Senhor, o seu Deus, lhes dá por herança.” Assim, por nó s, o Deus-Homem se fez
inCinitamente maldito.
O que o texto deuteronô mico aCirma é que o condenado deveria ser ‫ ּתָלָה עַל עֵץ‬- talah
al ets "pendurado numa á rvore" sendo que a palavra transliterada com ʿē ṣ ou ets pode signiCicar
"á rvore", "madeira" ou "poste". Nas fontes rabı́nicas a expressã o "pendurar numa á rvore"
signiCica primariamente a execuçã o via pendurar em um poste.(8) A cruciCicaçã o propriamente
dita fora desenvolvida pelos Persas (cf. Et 9.25 onde os conspiradores sã o pendurados em um
poste), em seguida absorvida pelos Gregos e posteriormente pelos Romanos, os quais
massiCicaram e aperfeiçoaram este tipo de execuçã o.
v.37 "Por cima da sua cabeça puseram escrita a sua acusação: Este é Jesus, o Rei dos Judeus." Sobre a
cruz colocaram uma placa zombando dele, mas també m alCinetando os judeus, já que acabavam
por ressaltar a realeza do condenado. EN interessante que cada evangelista descreveu essa frase
com pequenas variaçõ es.
Outro aspecto interessante é que esta sentença revela algo sobre a estrutura da cruz.
Uma vez que a placa contendo a acusaçã o estava "por cima da sua cabeça" torna-se necessá rio que o
formato da cruz seja o tradicional reconhecido pela igreja (onde duas traves se cruzam) e nã o o
formato em "T" conforme alguns chegaram a especular.

Questão textual vv.35-36 A grande maioria das testemunha textuais antigas não contém o
trecho entre os versículos 35-36, que foram introduzidos em nossas traduções a partir do Texto
Receptus. Esse trecho, possivelmente uma assimilação de Jo 19.24, não constam nas versões latinas,
s i r í a c a s n e m n o s m a n u s c r i t o s u n c i a i s ‫א‬, A , B , D , L , o u W .

361
c) 38-44 Os zombadores do Messias crucidicado (e uma histó ria paralela de
conversã o)
Mostrando o estado de humilhaçã o pelo qual Jesus passava, Mateus descreve trê s grupos
de zombadores/blasfemadores envolvidos na cena: 1) a populaçã o ordiná ria, 2) a liderança civil e
religiosa, 3) os ré les criminosos també m sendo executados. Enquanto alguns, ao verem a placa
que estava pendurada na cruz do Messias tentavam humilhá -lo ainda mais por nã o o aceitarem
como seu Ungido e Salvador prometido. Aqui temos uma alusã o a Is 53.12 “porquanto ele derramou
sua vida até à morte, e foi contado entre os transgressores” EN muito interessante notar entre quem Jesus
estava, pois a progressã o descendente é assustadora:

.

1. Na eternidade - Jesus estava, em perfeita comunhã o e harmonia, entre o Pai e o


Espı́rito Santo
2. No monte da transdiguração - O Mestre esteve entre Moisé s e Elias, representantes
má ximos da lei e dos profetas
3. Na crucidicação entre dois ré les ladrõ es
4. Na morte sozinho.

Como diz Filipenses 2.5-8 “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo
Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo
a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si
mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!”

A respeito da cruciCicaçã o, Gilbert, G (2) diz: “No mundo romano, a cruci1icação nunca era um
acontecimento privado. Era sempre aberto e intensamente público. Era assim, porque o seu propósito era
aterrorizar as massas, para mantê-las em submissão as autoridades. Os romanos se asseguravam de que as
cruzes que segurariam os corpos debilitados e contorcidos dos que estavam morrendo – ou os corpos putrefatos
dos mortos – estivessem frequentemente em linha, ao longo das principais estradas que conduziam as cidades.
Eles até agendavam cruci1icações públicas em coincidência com festas civis e religiosas para garantir que um
número máximo de pessoas testemunhassem o horror”

v.39-40 1º grupo: O povo em geral - "Os que iam passando blasfemavam dele" A sú til forma com
que Mateus descreve o primeiro grupo de zombadores é importante, pois irá compor a totalidade
da naçã o blasfemando e rejeitando seu messias. Temos aqui o retrato de pessoas comuns,
seguindo com suas vidas simples e sem estarem tã o preocupadas com a polı́tica nacional ou as
profundezas da teologia judaica. Este primeiro grupo nã o era organizado e nem havia se
deslocado para lá apenas para por esse propó sito, mas ainda assim nã o perderam a oportunidade
de zombar daquele que se entregava pelos nossos pecados. Essa populaçã o passava por eles
zombando e “balançando a cabeça” o que era um sinal de desprezo (cf. Sl 22.7 “Caçoam de mim todos
os que me vêem; balançando a cabeça, lançam insultos contra mim”). "Salva-te a ti mesmo, se és Filho de Deus"
Mediante esta condicional de primeira classe escutamos a voz do tentador do deserto ecoando:
"Então, o tentador, aproximando-se, lhe disse: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em
pães." (Mt 4.3)
v.41-43 2º grupo: Os líderes civis e religiosos - Entre os zombadores estavam os lı́deres do
povo e os principais sacerdotes, assim simbolizando toda a populaçã o de Israel. E por suas
palavras percebemos que eles conheciam o conteú do da pregaçã o messiâ nica (por exemplo
citando o Salmo 22.8), o que apenas os torna ainda mais culpados.
v.44 3º grupo: A ralé dentre os condenados Para ressaltar o fundo do posso onde ele
chegou (ou neste caso no topo da cruz) o autor destaca que os pró prios presos, que estavam
cruciCicados junto a ele, zombavam de Jesus. Até pessoas na mesma situaçã o dele, e que eram
realmente culpadas e merecedoras de estar lá , humilhavam ao Deus-Filho.
Alguns teó logos enveredam por uma caminho desconexo onde tentam dizer que os
λῃσται„ - lestai, talvez fossem insurgentes contra o domı́nio romano, outros vã o ainda mais longe e
aCirmam que ele eram "zelotes"(36) enquanto outros chegam ao á pice da Cicçã o teoló gica ao
especular que ele Cizessem parte do bando de Barrabá s e que a cruz central fosse destinada
à quele condenado.(37) Nada, absolutamente nada, no texto nos dá margem para tais elocubraçõ es,
sendo que o uso de λῃσται„ revele que eram, aqueles dois outros condenados, "bandidos" sem
explicar nada sobre seus crimes. Essa percepçã o é importante para mostrar o fundo do posso
onde o Cristo desceu, nã o tendo recebido privilé gio de prisã o especial ou tratamento como preso
polı́tico.

362
d) 45-50 O maior ato de amor de todos os tempos
v.45 A natureza criada e sustentada atravé s de Jesus parecia nã o compreender o que
estava acontecendo, “E houve trevas sobre toda a terra, do meio dia às três horas da tarde.” Se o primeiro
ato da criaçã o foi o surgimento da luz, agora havia trevas sobre toda a terra. cf. Dt 28.29 Assim
como houve trevas no Egito antes da Pá scoa (cf. Ex 10.21-23), o mesmo aconteceu durante o
sacrifı́cio do Messias. Muito assertivo també m é o texto de Amó s 8.9, o qual descreve a hora exata
em que o Sol se esconderia: “Naquele dia”, declara o SENHOR, o Soberano: “Farei o sol se pôr ao meio-dia e
em plena luz do dia escurecerei a terra.” O tema da escuridã o como sinal de juı́zo existe
abundantemente nas culturas semitas e també m encontra paralelo no pensamento grego.(39)
Tal σκοŒ τος - skótos "escuridã o" nã o pode ser explicado por meios naturais, já que os
eventos ocorrem em uma é poca do ano com pouca chuva, e nã o houve nenhum eclipse solar
naquele perı́odo (e seria mais difı́cil ainda tentar justiCicar que um eclipse total durasse mais de
trê s horas contı́nuas em seu má ximo). A refutaçã o à possibilidade do eclipse surgiu muito cedo
na histó ria da igreja, sendo proposta por Jú lio Africano, ainda no sé culo III. Nesse trabalho, o
irmã o Jú lio responde a um trabalho de algué m chamado Talo (nã o sabemos nada sobre ele ou sua
obra) que atribuı́ra essa escuridã o a um simples eclipse solar.(38)
v.46 "bradou Jesus em alta voz, dizendo:" O apóstolo faz uso de certa redundância para descrever
o brado de Jesus, afinal ele diz "bradou - ἀνεβόησεν" e "em alta voz, dizendo: - φωνῇ µεγάλῃ λέγων".
A razão é que através desta hendíade (bradou + em alta voz) o autor reforça o peso do ato e chama a
atenção do leitor para o que ele deseja frisar. Por que o uso da palavra "brado" é fundamental? Porque
ele define Jesus no controle de suas ações e não apenas uma expressão de dor e desespero. Também é
importante porque durante as crucificações, a morte normalmente ocorria por asfixia(1) Assim, podemos
imaginar um brado poderosíssimo ecoando por todo o Gólgota e em seguida o próprio Senhor entrega
livremente sua vida.
Quando realizamos a traduçã o de um texto para outro idioma sempre existem
expressõ es difı́ceis de se transcrever. Parece que aqui Mateus nã o conseguia imaginar palavras
gregas que fossem capazes de descrever a intensidade e profundidade do que o Messias estava
gritando naquele momento. Possivelmente por isso que ele manté m a versã o em Aramaico,
poré m escrita em caracteres gregos “Elí, Elí, lama sabactâni” e logo em seguida a explicaçã o em
grego, sendo que essas palavras sã o a abertura do Salmo 22 ‫“ אֵלִ֣י אֵ֭לִי לָמָ֣ה עֲזַבְּתָ֑נִי‬Meu Deus! Meu
Deus! Por que me abandonaste”(3) Sendo que este Salmo descreve a cruciCicaçã o como se fosse o
enredo para um Cilme que se concretizou naquele momento.

Dois pontos de vista devem sem entendidos na proporçã o correta aqui:



.

1) Contexto imediato dos acontecimentos Ao analisarmos a passagem Cica claro que


Jesus se sentia terrivelmente só e por isso citou a passagem do Salmo 22. Imagine um ser inCinito
se sentindo inCinitamente abandonado. Por isso devemos compreender uma verdade imediata
ligado a citaçã o que ele fez.
2) Contexto geral da passagem citada Claro que existe um aspecto mais amplo, e que
nã o deve ser desprezado ao se estudar uma citaçã o. Neste caso em especı́Cico: uma expressã o de
fé na conCiança de que o Senhor o justiCicará no Cinal de tudo.(7)

Aqui aconteceu o impossı́vel, o Pai virou seu rosto para o Filho, houve uma separaçã o
inimaginá vel, impensá vel e inexplicá vel dentro da Trindade. Ali todo nosso pecado estava sobre
ele, todo o pecado da humanidade desde o jardim até o ú ltimo dos dias. Se a ofensa é
proporcional a dignidade do ofendido, nossa ofensa contra Deus era inCinita e apenas o Deus-
Filho inCinito podia saciar a exigê ncia de reparaçã o. A sentença de morte pronunciada no EN den
atingiu a profundidade má xima, atingiu uma medida inCinita, aCinal quem estava morrendo em
nosso lugar era o Deus inCinito. E assim ele o fez. Sem descontrole, sem remorso, bebendo
integralmente do cá lice da ira do Senhor, gota por gota até o Cim mais amargo de todos. Por mim e
por você ele o fez.
A declaraçã o de amor mais bonita de todos os tempos foi: ΗŸλι„ η† λι„ λεμα„ σαβαχθαŒ νι “Elí,
Elí, lemá sabactáni” O abandono divino demonstrou o maior amor do mundo, que incoerê ncia,
nã o.
Uma antiga explicaçã o judaica para Dt 21 se faz vá lida aqui: "'Qualquer um que seja
pendurado num madeiro é amaldiçoado por Deus.' Que signi1ica: por que foi ele pendurado? - Porque ele
amaldiçoou o nome de Deus, e além disso, aquele que está pendurado ofende o nome de Deus somente por estar

363
nessa situação."(10) Ou seja, apenas por estar pendurado na cruz já fazia de Jesus uma ofensa contra
o pró prio Deus, mesmo que ele nunca tenha pecado. Para ilustrar o quã o terrı́vel era essa
situaçã o o rabbi Meir, no sé culo II D.C., propô s a seguinte pará bola: "Dois gêmeos idênticos viviam na
mesma cidade, um era justo o outro um canalha. O primeiro foi feito rei da cidade o outro virou assaltante.
Então o rei ordenou que ele fosse pendurado num madeiro como punição. Mas quando ele ouviu que todos os
que passavam pelo executado gritavam angustiados "O [nosso] rei está pendurado no madeiro" ele
imediatamente mandou que o corpo fosse abaixado de lá. Disso nós aprendemos que quando o seu humano se
sente mal com aquela cena, muito mais o próprio Deus sente. Pois o próprio Deus diz: 'Isso é uma desgraça para
Minha cabeça e Meu Braço' (uma alusão a Imagem e Semelhança) porque o que está pendurado é uma afronta
a Deus."(11) O que Meir expõ e é que para um ser humano ver outro ser humano, com o qual ele se
identiCica, naquela degradante, ele mesmo se sentiria degradado moral e emocionalmente. Assim
podemos tentar imaginar o que Deus-Pai sentiu naquele momento, aCinal "O Filho é o resplendor da
glória de Deus e a expressão exata do seu ser" Hb 1.3
v.47 Os soldados presentes nã o compreendiam o que estava acontecendo, alé m de nã o
falarem tã o bem o aramaico, e pelo proximidade entre as palavras “Eloı́” e “Elias” pensaram que
Jesus chama-se pelo profeta.
v.48 O texto revela uma grande agitaçã o em um soldado, repare em como Mateus
descreve o ocorrido: “E imediatamente um deles correu e pegou uma esponja …” Uma segunda vez
tentaram dar a mistura vinho e fel, para tentar dopar o prisioneiro e evitar mais resmungos, ou
talvez para que ele molhasse suas cordas vocais e eles pudessem compreender melhor o que ele
estava dizendo. Aqui vemos o cumprimento do Sl 69.21 "Deram-me fel por mantimento, e na minha
sede me deram a beber vinagre.” O Mestre rejeita, mesmo em meio a dores excruciantes; ele nã o
podia se dar ao luxo de nã o sentir toda a nossa culpa, nem um mı́sero pedacinho podia Cicar de
fora.
v.50 Depois de bradar novamente “Jesus entregou o espírito”. Novamente vemos o Messias
no controle de tudo, ele pró prio entregou o espı́rito, assim morrendo.
Quando o leitor original pensava em um pai oferecendo seu Cilho em sacrifı́cio, o que lhes
vinha a mente era Abraã o prestes a oferecer Isaac, conforme descreve Gn 22. Sendo que naquele
momento o pró prio SENHOR clamou: “Mas o Anjo do Senhor o chamou do céu: "Abraão! Abraão! " "Eis-me
aqui", respondeu ele."Não toque no rapaz", disse o Anjo. "Não lhe faça nada. Agora sei que você teme a Deus,
porque não me negou seu 1ilho, o seu único 1ilho." Poré m neste momento em que seu pró prio Cilho
estava sendo sacriCicado o SENHOR nã o bradou do cé u, mesmo Jesus sendo o “Filho amado em que
me comprazo”. O ú nico brado aqui é o de Jesus indo alé m do que fora Abraã o. Para Deus nó s
representamos muito. Como disse o pastor inglê s Willian Temple: “o meu valor é o que eu represento
para Deus, e isso é maravilhoso, pois Cristo morreu por mim” Para Deus, você vale a vida de Jesus. Se só
houvesse você no mundo todo, Cristo se entregaria por você do mesmo jeito.
També m vale ressaltar que a redençã o só foi possı́vel atravé s da encarnaçã o. Blaise
Pascal, pensador francê s do sé culo XVIII expressa muito bem o motivo de tamanho ato de amor:
“A encarnação mostra ao homem a grandeza de sua miséria pela grandeza do remédio que necessita”(5) O
termo “encarnar” oriundo do latim “in carnare” signiCica em nossa lı́ngua coloquial “tornar-se
carne” e está biblicamente conectado ao fato de Jesus ter se feito homem. Para a fé cristã a
encarnaçã o é tã o importante que o apó stolo Joã o aCirma que qualquer um que a negar pertence
ao anti-cristo (cf. 1Jo 4.2-3). Para poder redimir o ser humano era fundamental que Jesus fosse
100% humano. Poré m a ofensa do pecado contra o Deus inCinito nã o poderia ser suprida por um
ser humano. Apenas um sacrifı́cio inCinito poderia suprir nossa necessidade inCinita de perdã o,
pois ao pecar contra o Deus inCinito, nossa culpa era proporcional a dignidade do ofendido; ou
seja, inCinita. O primeiro teó logo a desenvolver esse tema foi Anselmo de Cantuá ria, que viveu no
sé culo X. Em sua é poca estava em andamento uma corrente teoló gico/Cilosó Cica chamada
Escolasticismo, a qual buscava defender a fé atravé s de argumentos racionais (por vezes até de
maneira bastante radical), sem recorrer exclusivamente as Escrituras. Ele deCiniu sua tese como
“A visã o da satisfaçã o na teoria da Expiaçã o” onde explica que apenas Jesus, podia prover a
propiciaçã o por nó s. O conceito foi publicado no livro "Cur Deus Homo”, ou “Por que Deus se fez
homem?” escrito entre 1094-1098.(6) Veja, de maneira bem resumida, o que diz o irmã o Anselmo:

"Ninguém, pois, poderá satisfazer pelo pecado, por menor que seja, a não ser quem puder resgatar
pelo pecado do homem com algo que seja maior do que tudo o que não é Deus.
Ora, somente poderá dar algo de seu a Deus que seja maior do que tudo o que há debaixo de Deus
aquele que for maior do que tudo aquilo que não é Deus.
Ninguém, porém está acima de tudo o que não é Deus senão Deus.

364
Portanto, não poderá satisfazer pelo pecado do homem ninguém, senão só Deus. Mas também não o
poderá fazer, se não for homem, caso contrário não será o homem que dará a satisfação.
É necessário, portanto, que esta satisfação venha do Deus homem."

Questão textual v.49 Existe muita dificuldade em relação a originalidade deste versículo
como um texto mateano ou se ele é uma assimilação de Jo 19.34. Este texto está ausente dos textos
gregos A, D e K, bem como das citações de Orígenes, Jerônimo e Agostinho. Por outro lado está
presente ‫א‬, B e C que são notórios por excluirem versículos duvidosos e não por incluí-los, o que
torna ainda mais importante sua presença.

e) 51-54 Os efeitos imediatos da crucidicação


Diante do acontecimento mais importante de todos os tempos alguns efeitos ocorreram
imediatamente, alguns se dariam num perı́odo de 40 dias e outros durariam até a segunda vinda
do Messias. Entre os efeitos imediatos estã o:

1. v.51a O véu do santuário rasgou-se de cima para baixo Esse vé u estava
colocado no lugar mais importante do templo de Jerusalé m, ele dividia o lugar
santo do lugar santı́ssimo, no qual se acreditava que a presença do Senhor
estava. Ao se rasgar do alto para abaixo, temos o simbolismo de o pró prio
Senhor estava retirando a separaçã o que havia entre ele e o povo.
2. v.51b A terra tremeu, e as rochas se partiram Houve uma mudança geoló gica
em todo o mundo, aCinal a criaçã o nunca mais seria a mesma. Pode-nos parecer
pouco este relato, mas seu impacto no planeta é em muito superior ao do
dilú vio. O mesmo ocorrerá quando Moisé s recebeu a Lei no Sinai. cf. Ex 19.16
3. v.52-53 Muitos santos voltaram a vida Um acontecimento tã o extraordiná rio,
pena que Mateus nos fala tã o pouco sobre ele. Talvez o foco teoló gico fosse
demonstrar que o poder da morte nã o era mais absoluto e habituar o leitor ao
fato de que mortos podiam tornar a viver atravé s do poder do ato do Messias. O
que complica a situaçã o é que o versı́culo para estar fora de ordem, aCinal uma
leitura rá pida dá a impressã o de que aqueles irmã os se levantaram
imediatamente. Para nos dissuadir dessa ideia, Mateus diz: "depois da ressurreição
de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos." Resta a questã o
fundamental, para que tratar deste assunto aqui, se ele só ocorrerá trê s dias
depois? Carson, D.A. sugere que sob a ó tica literá ria, esse relato "quebraria" o
capı́tulo 28 e, estando junto narraçã o da morte na cruz, reforçaria a mensagem
que o apó stolo propunha, a saber: que a morte do Cristo nos trouxe vida aos
outrora mortos.(42) EN possı́vel que haja um hiato aqui, de forma que as tumbas
tenham se fendido em decorrê ncia do terremoto, poré m os santos só reviveram
apó s Nosso Senhor ressuscitar, aCinal: "Cada um, porém, por sua própria ordem:
"Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda." 1Co 15.23 Este ponto de
vista é muito bem explicado por Wenham, J.W. que descreve a ocorrê ncia como
eventos gê meos e subsequentes: "O rasgar do véu e a abertura dos túmulos juntos
simbolizam o primeiro dos focos gêmeos na morte e ressurreição de Jesus. Por um lado, a
morte sacri1icial de Jesus apaga o pecado, derrota os poderes do mal e da morte e abre o
acesso a Deus. Por outro lado, a ressurreição vitoriosa e a vindicação de Jesus prometem a
ressurreição 1inal daqueles que morrem nele."(41) Uma ponto subsequente seria
especular se esses irmã o havia tornado a viver com corpos pecadores (e por isso
sujeitos novamente a morrer) ou com corpos transformados (a semelhança de
Jesus). J.F.Walvoord argumenta que: "Naquela ocasião, como sinal da colheita que se
aproximava, o povo trazia um punhado de grãos ao sacerdote. A ressurreição desses santos,
ocorrendo depois que o próprio Jesus ressuscitou, é um sinal da colheita vindoura, quando
todos os santos serão ressuscitados”(40)

365
4. v.54 Reconhecimento do líder dos soldados A patente do soldado romano era
Centuriã o o que demonstra que ele comandava um esquadrã o de 100 homens
(centú ria), ou seja, ele era algué m importante, nã o um ré les serviçal. Diante de
tamanhos acontecimentos (escuridã o, terremotos, mortos se levantando) o
centuriã o e seus comandados “1icaram aterrorizados e exclamaram: Verdadeiramente
este era o Filho de Deus”. Era impossı́vel negar o que havia acontecido ali.

v.54 ΑŸληθῶς θεοῦ υι¡ο„ς η̈ν ουÍ τος - Alenthos theou huios en houtos - “Verdadeiramente Filho
de Deus este era” Seria essa uma declaraçã o de conversã o do oCicial romano? Creio que nã o, mas
nã o podemos aCirmar categoricamente se ele creu ou nã o; aCinal pouco antes um dos ladrõ es creu
dizendo muito menos do que isso. A expressã o do oCicial romano é bastante lembrada ao
falarmos da morte do Cristo, poré m um pequeno detalhe apologé tico existe aqui. Se você reparar
na traduçã o bem literal que coloquei acima, irá s reparar que nã o existe um artigo antes do
substantivo “Filho”. Essa construçã o por parte de Mateus levou algumas seitas diabó licas, como
os “testemunha de Jeová ” a proporem traduçõ es distorcidas do texto grego. Entretanto uma
analise mais pró xima do idioma grego mostra que a omissã o do artigo é bem comum quando o
predicado é claro na sentença. Diferente do portuguê s e do inglê s, a lı́ngua grega é mais Clexı́vel,
principalmente no uso de genitivos e isso Cica ainda mais evidente quando tratamos de um
discurso inClamado e contundente. EN exatamente o que aconteceu em Mt 14.33 ΑŸληθῶς θεοῦ υι¡ο„ς
ει¨, logo apó s Jesus fazer cessar a tempestade que quase matara a todos os discı́pulos, aqui nã o
existe o artigo, poré m é indubitá vel que se referiam apenas a Jesus e de maneira bem deCinida.
Outra questã o que pode ser levantada é se o centuriã o falava de Jesus sob a ó tica
politeı́sta do mundo romano, ao dizer que aquele homem cruciCicado era Cilho “de Deus”. Fica
difı́cil ponderar se o evento da morte de Cristo levou ou nã o o centuriã o à conversã o. Seja como
for, o objetivo de Mateus nã o é apresentar as crenças do soldado e sim aCirmar que até mesmo o
romano percebeu que Jesus é Filho de Deus.

v.55-61 O sepultamento do Mestre


A morte na cruz podia demorar até alguns dias, durante os quais o condenado ia
deCinhando aos olhos da populaçã o em geral; cumprindo o objetivo deste castigo que era gerar
medo, e nã o somente executar um prisioneiro. No caso de Jesus o processo foi diferente, talvez
por ele ter sido torturado em demasia, no meio da tarde ele “entregou o espírito” e morreu. Em
condiçõ es normais o corpo Cicaria lá até começar a apodrecer ou precisarem do espaço para
outro condenado, mas este era um caso especial.
v.55-56 Nosso autor insere um detalhe muito tocante aqui, enquanto a maioria dos
discı́pulos fugira, um negara e outro se suicidara, muitas mulheres permaneceram ali. E assim o
Espı́rito Santo, ao inspirar o texto sagrado, fez questã o de eternizar a coragem que algumas delas
tiveram, principalmente: Maria Madalena (que fora liberta, por Jesus, de sete demô nios cf.Lc 8.2),
Maria mã o de Tiago e José , e a mã e dos Cilhos de Zebedeu. Literariamente falando, essa mulheres
irã o providenciar a transiçã o entre a cena da cruz e o sepultamento do Mestre.
v.57-59 “Ao cair da tarde” simbolizava o momento pró ximo ao inı́cio da noite, o que nã o
seria nada demais caso estivé ssemos falando de um dia qualquer, mas por se tratar de uma sexta-
feira, o cair da tarde marcava o começo do Shabat. Assim sendo, um problema sé ria haveria, já
que nenhum trabalho deveria ocorrer naquele perı́odo; por isso a urgê ncia de José de Arimateia.
"veio um homem rico de Arimateia, chamado José, que era também discípulo de Jesus. Este foi ter com
Pilatos" Este homem devia ser muito rico e inCluente, aCinal, foi recebi diretamente pelo
governador, e isso em meio ao principal evento do religioso do paı́s e apó s a execuçã o de um
preso importante. Chamado José , e originá rio da cidade de Arimateia (localizada a uns 32km ao
noroeste de Jerusalé m), vai até Pilatus e pede para enterrar o corpo do Mestre. De maneira muito
unusual, o governador aceita o pedido (teria José citado Dt 21 para conseguir ser atendido?). Ele
prepara o corpo, envolvendo-o em um lençol de linho e leva o corpo para um sepulcro novo.
Mateus faz questã o de descrever José , de Arimateia, como um homem rico, assim
mostrando o cumprimento de Is 53.9-12: "Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico
esteve na sua morte, posto que nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca. Todavia, ao Senhor
agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua
posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do
penoso trabalho de sua alma e 1icará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justi1icará a

366
muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si. Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os
poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os
transgressores; contudo, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu."
v.60 "e o depositou no seu túmulo novo, que 1izera abrir na rocha" Possivelmente aquele tú mulo
tivesse sido preparado para a famı́lia da José , o que demonstrava que ele era realmente muito rico
(cf. Is 53.9). Na imagem contida na pá gina 262 você pode ver alguns tú mulos escavados na rocha
do Monte das Oliveiras. Claro que um tú mulo perto da entrada principal da cidade valia, e vale,
muito mais, mesmo assim essa referê ncia serve para mostrar que, se em seu nascimento nã o
havia lugar para Jesus, na sua morte ao menos ele recebeu toda a dignidade que José tinha para
oferecer. Ao primeiro José (pai adotivo e esposo de Maria) coube a honra de coloca-lo na
manjedoura, e ao segundo, sepulta-lo em um tú mulo recé m escavado. A atitude de José foi muito
ousada e traria consequê ncias muito sé rias a ele: 1) ele publicamente se associou a um criminoso
condenado e executado, b) ao tocar em um cadá ver ele se tornara impuro para participar da
Pá scoa junto de seus familiares, c) ele seria repudiado pelos religiosos.
Talvez com a ajuda de alguns soldados, ou de funcioná rios seus (Jo 19.39 revela que
Nicodemos o ajudou no preparo do corpo), ele rola uma grande pedra selando o tú mulo. E por
Cim, retira-se.
Como certo teó logo disse: "Seu túmulo representava a sepultura do mundo antigo e o berço do
novo"(26)
v.61 Mesmo já sendo noite, duas mulheres continuam a velar pelo Mestre, Maria
Madalena e a outra Maria. Todos já tinham deixado o cemité rio, mas elas ainda estavam lá .
Perceba que, mesmo entre os judeus do sé culo I, apó s o sepultamento nã o havia mais veló rio, ou
seja, as pessoas voltavam para seus lares e deixavam o cadá ver em seu lugar de repouso.

v.62-66 Os religiosos corrompidos acabam provendo evidências da ressurreição do


Cristo
Com medo de que algué m rouba-se o corpo de Jesus, os religiosos corrompidos,
procuram a Pilatus advertindo-o de que caso o corpo nã o estivesse lá , o problema seria muito
maior. O termo “dia da preparaçã o” é uma referê ncia ao Shabat

v.63 Para ir nos preparando para o grande momento que se aproxima, o autor relata a
frase que aCligia os fariseus e os lı́deres dos sacerdotes: “Depois de três dias ressuscitarei”.
v.65 Para evitar algum distú rbio o governador diz: “Levem um destacamento” ou seja,
façam o que for preciso, mas nã o me tragam mais problemas. Um “destacamento” era uma parte
de uma “Centú ria” e talvez fosse composto por 20 soldados. Para frisar a mensagem, o texto relata
novamente as palavras do governador, Mateus escreve: “Podem ir, e mantenham o sepulcro em
segurança como acharem melhor”. A utilizaçã o do tempo “aoristo mé dio” implica um certo tom de
sarcasmo nas palavras de Pilatus.
v.66 “Eles foram e armaram um esquema de segurança no sepulcro; e além de deixarem um
destacamento montando guarda, lacraram a pedra.” Sem perceber, os lı́deres religiosos estavam
provendo provas irrefutá veis de que ningué m poderia roubar o corpo.

παραδίδωμι - paradídomi Este verbo, que no inCinitivo signiCica "entregar" delimita toda
a narrativa do julgamento/execuçã o do Cristo. Ele parece em 26.45 quando Judas o "entrega" nas
mã os das autoridades religiosas, acontece novamente em 27.1 quando os religiosos o "entregam"
amarrado a Pilatos e, por Cim, ressurge em 27.26 quando o governador romano o "entrega" para
ser cruciCicado. EN notá vel como encontramos este tipo de conexã o por todo o evangelho segundo
Mateus, e a maneira como ele cria estruturas triplas por toda a narrativa.

367
1) O Dr.Leandro Boer faz uma excelente apresentaçã o dos efeitos da cruciCicaçã o sobre o corpo humano. http://
igrejaredencao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=159:palestra-sobre-a-cruciCicacao-dr-
leandro-boer&catid=26:videos&Itemid=155 acessado em 12/03/2017.
2) Gilbert, G – Quem é Jesus Cristo? - p.135
3) Um dado curioso é que o Salmo 22, na Septuaginta (LXX), é numerado como 21.
4) Temple, Willian – Citizens and Churchman - p.74
5) Pascal, B – Pensamentos - p.46
6) Anselmo de Canterbury - Cur Deus Homo or Why God was made Man - Oxford and London 1865
7) Trudinger, P.L. - Davidic links with the betrayal of Jesus: some further observations - p.235-238
8) Elgvin, T. - The Messiah who was cursed on the three - p.14 (Themelios 22.3)
9) Yadin, Y - The temple scroll I-III - p.373-379
10) Sifre e també m em Mishnah Sanhedrin 6:4
11) Ibid
12) Flavio Josefo - Guerras dos Judeus - 7.203
13) Quintiliano, Marco - Declamationes - 274
14) m.Sanhedrin cap.4 hal.1 - ‫ דיני נפשות דנין ביום וגומרין ביום‬- "Eles lidam com causas capitais durante o dia e
terminam com elas durante o dia"
15) Moed Kanton - cap.5 hal.2
16) Bab.Sanhedrin 63.1
17) Seutô nio - A vida dos doze Césares - Vespasiano 21
18) Sê neca - De Ira - 2.7.3
(19) https://www.acidigital.com/noticias/poncio-pilatos-existiu-de-verdade-evidencia-arqueologica-
demonstra-89451 (acessado em 08/05/2020)
(20) https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2018/12/23/anel-de-2-mil-anos-pode-provar-veracidade-de-
historias-dos-evangelhos.ghtml (acessado em 07/06/2020)
(21) Agostinho de Hipona - Sermão 201
(22) Tertuliano de Cartago - Apologia 21
(23) Hipó lito - Dan 1.27
(24) anô nimo - A morte de Pilatos, aquele que condenou Jesus - p.466-467 em ANF8
(25) Eusé bio de Cesaré ia - História eclesiastica - 2.7
(26) Buss, S. - The trial of Jesus illustrated from Talmud and roman law - citando Lamartine, na pá gina 15
(27) Buss, S. - The trial of Jesus illustrated from Talmud and roman law - p.46
(28) Kinman, B. - Pilate's assine and the timing of Jesus Trial - p.2
(29) Flavio Josefo - Antiguidade dos judeus - 20.5.2
(30) Cicero Att. 5.21; Epistulae ad Familiares 15.4.2 e Fontes Iuris Romani AnteIustiniani I (ed. S. Riccobono, 2nd ed.,
Firenze, Barbè ra 1941) §68.
(31) Philo de Alexandria - Legat - 299
(32) Flá vio Josefo - Guerras dos judeus - 2.169
(33) Bond, H. - Pontius Pilate - p.125-126
(34) m Sanhedrin 6.3
(35) Thomas Aquinas - Catena Áurea: Commentary on the Four Gospels, Collected out of the Works of the Fathers: St.
Matthew. - Vol.1, p.950
(36) Utley, B - The First Christian primer: Matthew - p.231
(37) France, R.T. - The gospel of Matthew - p.926
(38) Bruce, F.F. - Jesus and Christian Origins - p.29-30
(39) Strack e Billerbeck - Kommentar vein Neuen Testament aus Talmud and Midrash - p.1040-1042
(40) Walvoord, J.F. - Matthew: Thy Kingdom Come - p.236
(41) Wenham, J.W - When Were the Saints Raised?” JTS 32 [1981] - p.150–152
(42) Carson, D.A. - The Expositor’s Bible Commentary: Matthew, Mark, Luke - Vol.8, p.582

368
Mateus 28

Terminamos o capı́tulo anterior com o Senhor morto e enterrado. Guardando o tú mulo
estava uma escolta de soldados romanos veteranos, e é bem possı́vel que seu nú mero chegasse a
20 pessoas. Esta situaçã o perdurou por trê s dias: sexta, sá bado e domingo. E precisamente ao
amanhecer do domingo o texto prossegue.

v.1 Quem e quando?


O texto de Mateus foi preparado principalmente para uma audiê ncia judaica, por isso ele
diz: “Após o Shabat…” Para aquele povo o sá bado era seu dia festivo/religioso/descanso e havia
toda uma implicaçã o nisso; talvez por isso as mulheres foram ao tú mulo apenas no dia apó s o
Shabat que nó s chamamos de domingo.
Estavam lá as duas Marias, Madalena e a outra Maria.

v.2-7 Um evento divino


"No 1indar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram
ver o sepulcro." O "1indar do sábado" deve ser compreendido como o por-do-sol, ou seja, algo entorno
das 18:00, o que representava para os judeus o inı́cio do domingo. Poré m o "ao entrar o primeiro
dia da semana" ressalta a percepçã o de que os acontecimentos ocorreram na manhã do dia
seguinte.
Uma questã o pode ser levantada sobre quem era "a outra Maria" já que alguns teó logos,
principalmente os cató licos, postulam que se trata da mã e de Jesus. Nã o podemos determinar se
era a mã e de Jesus, no má ximo podemos dizer que isso é possı́vel, ainda que imprová vel; o mais
possı́vel é que fosse a mesma Maria de 27.56.
Atravé s de um de seus famosos idou o autor acelera o ritmo da narrativa e mostra um
terremoto, seguido de uma apariçã o celestial (uma teofania); com um anjo descendo do cé u e
rolando a pedra (que era grande o bastante para cobrir toda a entrada) e depois sentando-se
sobre ela, em uma atitude quase juvenil. O evento foi tã o assombroso que os soldados “tremeram
de medo e 1icaram como mortos” ou seja, desmaiaram. A descriçã o das vestes do anjo e de sua
aparê ncia nos remetem ao livro de Daniel, mais precisamente Dn 7.9 e Dn 10.6
Para acalmá -las, o anjo avisa “Não tenham medo! Sei que vocês estão procurando Jesus, que foi
cruci1icado. Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito” E para provar o que ele dizia, o anjo
completa: “Venham ver o lugar onde ele jazia”. Atente para o fato do anjo as chamar para examinar o
local, o que reforça a ideia de que nã o houve manipulaçã o das evidê ncias como os judeus
incré dulos poderiam sugerir. Caso tudo fosse um engodo, um truque de má gica, nenhum má gico
chamaria o pú blico para analisar o truque mais de perto.
Ainda assim o anjo nã o queria que elas se demorassem ali, pois notı́cia devia ser contada
aos demais discı́pulos. “Vão depressa …” diz ele, e conclui sua fala dizendo: “Ele ressuscitou dentre os
mortos e está indo adiante de vocês para a Galiléia. Lá vocês o verão” e para adicionar dramaticidade a
situaçã o o anjo arremata dizendo “Notem (idou) que eu já vos avisei” Esse era um modo de apressá -
las ainda mais, sendo quase uma ameaça.

v.8-10 Uma grata surpresa


Elas vã o correndo entregar a mensagem que lhes fora conCiada, quando idou (de repente)
Jesus aparece dizendo “Alegrem-se” Nada mais precisa ser dito, elas sabiam que era ele, entã o se
prostram aos seus pé s e o adoram.
v.10 Para que elas nã o Cicassem receosas de perde-lo novamente o Mestre diz para nã o
terem medo e repete a mensagem do anjo (creio que já esteja claro em sua mente a importâ ncia
da repetiçã o). Assim Cica claro que os discı́pulos deviam ir imediatamente para a Galilé ia.

v.11-15 A reação dos guardas e dos sacerdotes


Agora somos levados para uma outra cena, quando os guardas precisam contar ao
sacerdotes (lembre-se que eles estavam sob ordens deles, cf. Mt 26.65) o que ocorrera. Para
manter o ritmo frené tico, Mateus insere mais um idou aqui.

369
O mais interessante nã o é o suborno que os religiosos ofereceram para que eles nã o
contassem nada, mas sim o fato deles terem aceitado o fato da apariçã o do anjo e da ressurreiçã o
de Jesus sem questionarem nada.
v.15 Lembre-se que o livro foi escrito muitos anos depois dos fatos descritos, por isso a
expressã o “E esta versão se divulgou entre os judeus até o dia de hoje.” está relacionada a é poca em que
Mateus redigia seu texto. Como ilustraçã o para esta expressã o, Justino Má rtir a utiliza em seu
livro Diá logo contra Tristã o.

v.16-17 Os discípulos vão ao encontro de seu Mestre


Muito tocante deve ter sido o relato das duas Marias ao descrever o que ocorrerá , pois os
discı́pulos deixam tudo e vã o para a Galilé ia. Mais precisamente para a montanha que Jesus lhes
indicara; nã o sabemos exatamente qual montanha foi. Alguns especularam que se trata-se da
mesma montanha onde ocorreu a transCiguraçã o, o que nã o resolve nada, pois nã o sabemos qual
foi o local exato da transCiguraçã o. Jesus havia concluı́do seu ministé rio terreno, tendo vencido o
diabo, o pecado e a morte, e també m recebido toda autoridade sobre o cé u e a terra; mas ainda
assim decide ir para aquele Cim de mundo chamado Galilé ia dos gentios. Por que? Como o texto
nã o lida com essa questã o, podemos apenas imaginar as implicaçõ es, sejam literá rias sejam
teoló gicas. Teologicamente falando, caso Jesus tive ido direto para Jerusalé m haveria o sentido de
estar reclamando o trono davı́dico e instaurando o reino milenar naquele momento.
Literariamente falando, temos o sentido de retorno ao local onde tudo começou, aCinal Jesus veio
da Galilé ia quando ouviu que Joã o havia sido preso.
Em sua maneira á gil de escrever, Mateus resumidamente diz: “Quando o viram o adoraram;
mas alguns duvidaram.” Como se deu essa adoraçã o nã o sabemos dizer, ainda que nos desperte a
curiosidade. Lembre-se que a adoraçã o judaica acontecia no templo, e que em nada se assemelha
ao modo como realizamos em nossas igrejas hoje. Seguindo o objetivo cristoló gico, Mateus
ressalta a divindade plena de Cristo, aCinal umas das bases do monoteı́smo judaico era Dt 5.7-9
"Não terás outros deuses além de mim. "Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa
no céu, na terra ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque
eu, o Senhor, o teu Deus ..." Assim, se adoraram a Jesus, é porque ele é Deus.
O verbo grego ε† διŒστασαν - edistasan, tradicionalmente traduzido por “duvidar”, també m
pode signiCicar hesitaçã o ou indecisã o, o que pode dar uma conotaçã o diferente da de
incredulidade. Talvez algué m objete que relatar a dú vida, ou a incredulidade de alguns, colocou
sob questionamento a divindade de Jesus. Entretanto o efeito é exatamente o oposto, pois se
alguns duvidaram, mas no momento seguinte acreditaram, é porque apesar da incerteza inicial
eles se convenceram de divindade absoluta do Deus-Cilho.

v.18-20 A grande comissão e a grande promessa


Atravé s da maneira como Mateus formatou seu material, chegamos ao que podemos
chamar de epı́logo, ou seja, um breve desdobramento apó s a apresentaçã o do fato principal do
livro. Tradicionalmente este trecho é chamado de "A grande comissã o", poré m preCiro denomina-
lo como "A grande comissã o e a grande promessa" pois as ú ltimas palavras de Jesus sã o de grande
conforto e segurança para nó s. Trê s aspectos podem ser percebidos aqui:
.

1) Poder – “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.” Ao ressuscitar, Jesus recebeu
do Pai “toda” autoridade. Eis mais uma demonstraçã o de que Jesus é Deus.
2) Propósito – “Portanto, indo vocês, façam discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes
ordenei” Tradução do autor A ú nica ordem direta desta passagem é “façam discı́pulos”
uma vez que o verbo grego μαθητευŒ σατε (discipulando) está no Aoristo, Ativo,
Imperativo. Já o verbo ”ir” está no tempo aoristo, voz passivo (deponente?), e é um
particı́pio; o que reforça a idé ia de algo já consumado e em andamento. O fato da
tradicional versã o que diz “Ide” nã o ser a mais adequada nã o implica que a igreja
nã o deva ir pelo mundo, pelo contrá rio. A construçã o correta demonstra algo
inevitá vel e que na ó tica do Cristo todo-poderoso já estava em andamento, ainda que
alguns nã o tivesse se atentado disso. Assim, o “ir" é algo natural para a igreja, já o
“fazer discı́pulos” deve ser um ato coordenado e um esforço focado no objetivo
ordenado, enfatizado pela Voz ativa e pelo modo Imperativo do verbo μαθητευŒ σατε.
A ordem é discipular e se encontra emoldurada por trê s particı́pios: 1) "indo" (que
aparece antes da ordem de fazer discı́pulos), 2) "batizando" e 3) "ensinando".

370
Infelizmente em nossos dias ouvimos falar de cultos de missõ es, mas poucos falam
de cultos de discipulado. Outro ponto que ressalta a importâ ncia do discipulado é o
que Jesus disse na frase anterior; repare que a Ele foi dada toda a autoridade
(exousia) do universo, e ao invé s dele ordenar que os apó stolos ressuscitassem os
mortos, transformassem á gua em vinho ou Cizessem chover fogo do cé u, Jesus dá
apenas uma e ú nica ordem: “Façam discı́pulos!” Podemos entender esta construçã o
da seguinte maneira: Indo a igreja (o que na ó tica de Jesus era inevitá vel) obedeçam
a uma ordem, fazer discı́pulos, da seguinte maneira, batizando e ensinado.
3) Presença – E as ú ltimas palavras de Nosso Senhor sã o as que eu mais amo de todo o
livro “E eu estou sempre com vocês, até o 1im das eras” Nã o importa onde, nã o importa o
que estejamos fazendo, ele sempre está conosco. Amé m!

Existe um certo questionamento em relaçã o ao batismo trinitá rio, principalmente na


igreja oriental, ainda mais na palestina. Postulam eles que a expressã o: "em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo" tenha sido inserida pela igreja cató lica buscando criar uma base para explicaçã o
da trindade e para forçar a exclusã o dos judeus convertidos de seu meio. A pró pria igreja cató lica
nã o ajuda em nada na analise do texto, sendo que o papa Bento XVI chegou a aCirmar que tal
pratica foi originada em Roma, nã o sendo oriunda dos apó stolos(2) (Claro que como defensor da
supremacia papal, aqui, ele visa reforçar a proeminê ncia da igreja de Roma) Uma analise pró xima
ao texto nã o oferece nenhuma pista de adulteraçã o gramatical, alé m de que testemunhas antigas
como a Peshitta aramaica e uma antiga versã o de Mateus em hebraico chamada hoje de DuTillet
(redescoberta em 1553 pelo bispo Jean du Tillet)(1), as quais nunca passaram pelo controle
cató lico, possuirem o mesmo formato trinitá rio de batismo. Some-se a isso o fato de Didaquê , do
Diatessaron de Taciano, Justino Má rtir e Irineu de Lyon utilizarem a mesma expressã o desde a
metade do sé culo I.
Apenas um versã o polemista judaica editada por Shem-tov no sé culo XIV, elimina a
clausula trinitá ria; mas isso nã o surpreende, pois este material fora formatada para ofender a fé
cristã , nunca defende-la.

Como curiosidade, o texto da Peshitta aramaica diz: "Portanto indo, façam discípulos dentre
todos os povos [gentios], imergindo-os em nome do Pai, do Filho e da Ruach HaKodesh"

‫ܐ ܒ ܶܫܡ‬
݁ ‫ܐ ܐ ݂ ܳܒ‬
ܰ ‫ܐ ܘ ݂ܒ ܳܪ‬
ܰ ‫ܘܚ‬ ܽ
ܳ ‫ܐ ܘܪ‬‫ܘܕ ܳܫ‬ ݁ ‫ܘ ܗ ݂ ܺܟܝܠ ܙ‬
݂ ‫ܶܠܘ ܕ ܽܩ‬ ܳ ‫ܠܡ ݂ܕ‬ ܰ݁
ܶ ‫ܘܢ ܬ‬ ܽ ݁ ‫ܘ ܥ ݈ܡ ܶ̈ܡ‬
ܽ ‫ܐ ܟ‬
‫ܠܗ‬ ܰ ‫ܐܥܡ ݂ܕ‬
ܶ ‫ܘܢ ܘ‬
ܰ ܽ‫ ܐܢ‬
ܶ

v.20 Usualmente o versı́culo 20 tem sido mal tratado nas traduçõ es para o portuguê s.
Seja a NVI, KJA, ACR, A21 e ARA acabam por excluir uma das caracterı́sticas mais marcantes de
Mateus que é a utilizaçã o do idou. Sendo que o versı́culo 20 registra as ú ltimas palavras do Mestre
para nó s, acredito que o Espı́rito Santo que inspirou o texto deva saber a importâ ncia do idou
nesta ocasiã o. Uma traduçã o mais adequada seria: “ensinando-lhes a observar tudo o que ordenei, e
olhem! Eu estou com vocês todos os dias até o 1im das eras”. Nosso Senhor, atravé s do idou, chama nossa
atençã o para sua ú ltima fala; e aqui encontramos pela ú ltima vez o talento literá rio do apó stolo
Mateus. Ele está conosco e sempre estará .

ἐγὼ μεθʼ ὑμῶν εἰμι “Eu com vocês estou” Apenas a ordem das palavras segue uma ordem
truncada aqui, talvez porque as primeiras foram pronunciadas em hebraico antigo; poré m seu
signiCicado é acessı́vel e bem conhecido. O propó sito era destacar mais uma vez que Jesus é Deus
atravé s da expressã o ε† γω„ ει†μι que signiCica "Eu sou" e é a mesma utilizada por Deus ao se revelar
a Moisé s: "Disse Deus a Moisés: Eu Sou (ἐγὼ εἰμι) o Que Sou" Ex 3.14 Todo judeu sabia, e sabe até hoje,
que essa é uma aCirmaçã o divina, tanto que em Joã o 8.58-59 quando Jesus fez essa mesma
aCirmaçã o, os religiosos pegaram em pedras para mata-lo por blasfê mia: "Respondeu-lhes Jesus: Em
verdade, em verdade eu vos digo: "antes que Abraão existisse, Eu Sou (ἐγὼ εἰμι). Então, pegaram em pedras
para atirarem nele"" Essa declaraçã o possui uma grande proximidade com aquela registrada pelo
profeta Ageu no capı́tulo 1, versı́culo 13 de seu livro “Então Ageu, o mensageiro do Senhor, trouxe esta
mensagem do Senhor para o povo: "Eu estou com vocês", declara o Senhor.” Atente que o verbo “estar” é
conjugado no tempo presente, assim como na declaraçã o de Jesus. Ainda sobre o texto de Ageu,
podemos destacar que a aCirmaçã o do Senhor é trazida apó s o povo e seus lı́deres terem se
reconciliado com Deus, o que reClete a completude da obra do Cristo ressurrecto. Ainda que o
Espı́rito Santo nã o tivesse sido derramado, sob a ó tica de Jesus tudo já estava concluı́do; ele “já

371
estava” com os discı́pulos de maneira deCinitiva. Alé m disso Ageu aCirma que aquela mensagem é
originá ria do pró prio Deus, entã o, quando Jesus diz o mesmo, ele está aCirmando ser Deus. Da
mesma maneira este versı́culo é conectado com Mt 1.23 “e lhe chamarão Emmanuel" que signi1ica
"Deus conosco"”e a promessa do Deus presente.
As proximidades sã o muito grande no idioma grego, acompanhe:
• Mt 1.23 Μεθʼ ἡμῶν ὁ θεός “Conosco é Deus” A frase está composta como um discurso
indireto, poré m o sentido é o mesmo: a presença de Deus. O tempo verbal é “presente”.
• Ag 1.13 LXX Ἐγώ εἰμι μεθʼ ὑμῶν “Eu estou com vocês” Sendo que aqui a fala está na primeira
pessoa, o que implicava no nome sagrado do Senhor (‫ יְהוָֽה‬JHVH). O tempo verbal é
“presente”.

Uma ú ltima consideraçã o deve ser feita aqui pois infelizmente uma traduçã o para o
portuguê s erra fragorosamente na traduçã o da palavra εἰμι. Este verbo se encontra no tempo
presente, na voz ativa e no modo indicativo, o que descreve algo que acontecia já naquele
momento, nã o uma promessa futura ("estarei") como faz essa versã o equivocada. Pode parecer
um mero detalhe de estilo, mas nã o é . Quando Jesus diz "estou" ele nos garante sua presença, nã o
por mé ritos nossos ou alguma clausula condicional, e essa presença se iniciou na ressurreiçã o, foi
estendida pelo envio do Consolador, e será continuada na segunda vinda do Messias. Ao errar no
tempo verbal, os tradutores dessa versã o em portuguê s, abrem um precedente de que em algum
momento, ou por algum motivo, Jesus nã o estaria conosco. Cuidado.

A prova dinal de Mateus


Desde o inı́cio deste livro, nó s dissemos que o propó sito de Mateus era comprovar que
Jesus de Nazaré é o Messias prometido por Deus no Antigo Testamento. Essa era a tese proposta e
que foi disseminada por todos os capı́tulos. Enquanto nos Cinco Grandes Discursos, ele nos
mostra a doutrina e a autoridade do Cristo, nos trechos de narrativa Mateus nos demonstra o
poder divino que apenas o Ungido de Deus poderia ter.
Mesmo seu mais ferrenhos opositores, os fariseus, admitiram que havia um poder
incalculá vel em Jesus. Eles erroneamente aCirmaram que o poder advinha do Inimigo, mas foram
obrigados a admitir que os sinais ocorreram. Nã o havia como negar o poder que havia naquele
homem, mesmo antes dele ressuscitar.
Na ressurreiçã o, Jesus Cristo, elevou o nı́vel da demonstraçã o de poder para um patamar
impensá vel; aCinal ningué m havia se auto-ressuscitado antes (e ningué m nunca mais o faria
depois). Ainda assim restava mais um está gio na gloriCicaçã o do Cristo: o Pai sujeitaria tudo a ele.
E chegamos ao argumento Cinal de Mateus, o qual també m deve ser o motivo de nossa pregaçã o,
evangelizaçã o e vida diá ria: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.” Em seu ú ltimo ensino,
Jesus aCirma categoricamente que toda autoridade lhe foi dada; autoridade sobre a vida e a
morte, sobre perdoar os pecados. Ao falar sobre autoridade no “cé u” ele aCirma que possui
domı́nio sobre os seres espirituais, entre eles os demô nios e seu lı́der. Ao aCirma sua autoridade
sobre a “terra” ele demonstra possuir o que o Inimigo lhe ofereceu, por meios falsos, durante sua
tentaçã o no deserto. (cf.Mt 4.8-10)
Quando falamos sobre a Grande Comissã o, tantas vezes nos atemos apenas no ato de “ir”
ou seja, na tarefa de pregar, evangelizar e abrir campos missioná rio. Em outros momentos nos
focamos no discipulado, que també m foi-nos ordenado na mesma ordem dada. Você pode
encontrar centenas de bons livros falando a respeito desses dois temas. Apenas peço que você
nã o se esqueça do motivo pelo qual continuamos a cumprir a ú ltima ordem dada pelo nosso
Mestre: Ele venceu o mundo e o Pai lhe deu toda a autoridade, sobre o cé u e sobre a terra.

Na descriçã o da ú ltima cena do livro temos també m uma ú ltima conexã o (tipologia)
entre Jesus e Moisé s, pois os dois passam sua missã o adiante no topo de um monte. Josué
assumindo a tarefa de levar o povo a Terra Prometida (cf. Dt 31.14-15 e 31.23; Js 1.1-9) e os
Apó stolos, levariam a Igreja até o Reino dos Cé us.

O material compilado pelo apó stolo Mateus nã o possui um Cinal está tico; assim como ele
nos manteve em constante movimento durante todo o livro, o Cinal do texto nada mais é do que
um convite a uma nova jornada, desta vez até “os con1ins da terra”. Se você já ouviu falar de Jesus

372
Cristo é porque aquelas pessoas obedeceram a Jesus e seguiram mundo a fora, ensinando e
batizando em nome do Pai, do Filho e do Espı́rito Santo.
E, em um ú ltimo toque de genialidade, Mateus, atravé s do silê ncio faz reverberar a
mensagem Cinal de Nosso Senhor; ele termina o livro ao estilo en passant, ou seja “de passagem.
Ao nã o dizer mais nada, Mateus dá maior volume as palavras de Jesus: “E eu estou convosco até a
consumação dos séculos”.


(1) Hegg, T. - DuTillet (Hebrew Matthew)


(2) Bento XVI - Introdução a cristandade - p.82-83

373
Algumas considerações dinais.
"Além de ser sábio, o mestre também ensinou conhecimento ao povo. Ele escutou, examinou e
colecionou muitos provérbios. Procurou também encontrar as palavras certas, e o que ele escreveu era reto e
verdadeiro. As palavras dos sábios são como aguilhões, a coleção dos seus ditos como pregos bem 1ixados,
provenientes do único Pastor. Cuidado, meu 1ilho; nada acrescente a eles. Não há limite para a produção de
livros, e estudar demais deixa exausto o corpo. Agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e
guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem." Ec 12.9-13

Caro irmã o, durante os sete anos de estudo para a formataçã o deste material um ponto
que foi de suma importâ ncia na maneira que Jesus me ensinou foi aprender a lı́ngua original do
Novo Testamento.
EN certo que ningué m precisa aprender grego para ler a bı́blia, na verdade nã o precisa
nem saber ler para crer na bı́blia e ser salvo. Assim como é certo que conhecer o texto grego te
permitirá perceber certas nuanças que se perdem na traduçã o. Se você fala mais de um idioma,
provavelmente já se deparou com a diCiculdade que é explicar uma piada para um estrangeiro; na
verdade é quase impossı́vel.

O trabalho do irmã o Mateus traz muita informaçã o histó rica, mas é sobretudo uma obra
teoló gica, tenha sempre isso em mente ao estudar esse livro. Em 2014 o PBC (Ponti1ical Biblical
Commission) declarou muito assertivamente que: "Em outras palavras, a intenção de anunciar Jesus, Filho de
Deus e Salvador de todos - intenção que se pode chamar de “teológica” - é difundida e fundamental nos evangelhos. A
referência aos fatos concretos que encontramos nos evangelhos se enquadra no quadro deste anúncio teológico. Isso signi1ica
que, enquanto as a1irmações teológicas sobre Jesus têm uma importância direta e normativa, os elementos puramente
históricos têm uma função subordinada."(2)

Quando optei por estudar o livro compilado por Mateus, minha maior motivaçã o era
poder compreender os recursos textuais que ele utilizava. Como disse na introduçã o deste livro, a
origem deste desejo foram as pregaçõ es de nosso pastor na igreja. Poré m Cicava muito distante
essa percepçã o quando eu tentava ler o texto em portuguê s, nã o por falha em nossa lı́ngua mas
por haver uma camada interpretativa entre eu e Mateus. Essa questã o se tornou mais sé ria
quando compreendi que o real valor do texto estava no que Jesus havia dito (sem desprezar o
restante do livro que é uma Escritura inspirada) pois já havia algué m entre eu e Jesus, esse
algué m era Mateus. Assim, cada vez mais distante estava a palavra de meu Senhor, mais baixinho
eu ouvia falar o meu amado.
Sem conhecer o grego, jamais eu teria compreendido a palavra chave do livro, o Idou,
sem o grego nã o teria compreendido certas mudanças de palavras que se perdem em portuguê s
ou certas intonaçõ es aplicadas pelo nosso Mestre. Sem o grego eu conheceria um pouco menos
à quele que é o objetivo e a razã o do meu viver.
O caminho para começar a entender o grego foi bastante complicado, mas como o premio
era extremamente valioso, o esforço se tornava cada vez mais compensador. EN a mesma sensaçã o
de poder ouvir uma mú sica em inglê s, ou ver um Cilme sem legenda, e compreender o que está
acontecendo. Caso o Espı́rito Santo desperte esse desejo em seu coraçã o, te aconselho a iniciar o
estudo do grego, mesmo que pareça que você nunca vá entender nada. A Escritura é Ciel e diz: "E,
se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e
ser-lhe-á dada."
Como ú ltima consideraçã o, deixo-vos a deCiniçã o de Filson, F. A respeito de porque o
Evangelho de Jesus, segundo Mateus ainda é tã o importante nos dias de hoje: "Sua força não está no
poder seu poder de narração, nem no apelo literário, nem mesmo em sua profundeza mística, mas em sua
comprovada e persistente capacidade de moldar o pensamento cristão e a vida da Igreja"(1)

(1) Filson, F - A Commentary on The Gospel According to St. Matthew - p.4


(2) PBC - The Inspiration and Truth of Sacred Scripture - p.142

374
Bibliogradia
Traduções da bíblia
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NIV – New International Version. 2011
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ACF – Almeida Corrigida Revisada Fiel. 2007
A21 - Almeida Sé culo 21 - 2012
NVT – Nova versã o transformadora. 2016
The Greek New Testament – according to the Majority Text – Zane C. Hodges, Arthur L. Farstand
SBLGNT – Holmes, Michael W.
The Greek New Testament Na28 - UBS

Comentários
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Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible – Jamieson, Robert; Fausset, A.R;
Brown, David.
The First Christian Primer: Matthew – Utley, Bob
The Bible Exposition Commentary – Wiersbe, Warren W.
Faithlife Study Bible – Barry, John D.; Magnum, Douglas; Brown Derek R.; Bomar, David; Heiser,
Michael S.; entre outros
Foco e Desenvolvimento do Novo Testamento – Pinto, C.O.P
Exploring the New Testament – Dunnet, Walter M.
Summarized Bible: Complete Summary of New Testament – Brooks, Keith
Holman Concise Bible Commentary – Dockery, David S.
Wiersbe’s Expository Outline of the New Testament – Wiersbe, Warren W.
Matthew Henry Commentary of the Whole Bible – Henry, Matthew
Opening Up Mathew – Campbell, Iain D.
Bible Readers Companion – Richard’s, Lawrence O.
The Gospel of Matthew: A Socio-Rethorical Commentary - Craig, S. Keener
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The gospel of Matthew - Robinson, T.H
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Dicionários
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Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary 11º Edition – Mish, Frederick C.
The Lexhan Bible Dictionary – Barry, John D.; Bomar, David; Brown, Derek; entre outros.
The New Bible Dictionary – Wood, D. R.
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Holman Illustred Bible Dictionary
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Sermões
Granconato, M. – Sé rie sobre Mateus, disponı́vel no site da Igreja Batista Redençã o http://
igrejaredencao.org.br/index.php?option=com_content&view=category&id=50&Itemid=162

Aulas em vídeo
• Escola de pregadores (Teologia Bı́blica do Novo Testamento) – Igreja Batista Redençã o,
disponı́vel no site da igreja Igreja Batista Redençã o: http://igrejaredencao.org.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=2652:teologia-biblica-do-novo-testamento-pr-marcos-granconato-
aula-1&catid=40:escola-de-pregadores-da-ibr&Itemid=151
• Gospels – Dr.Mark Bailey, Dallas Theological Seminary no Itunes U. Acessado em 2015-2016.
• The life of Christ - Dr. J.Dwight Pentecost - Dallas Theological Seminary - https://courses.dts.edu/
module-1/the-life-of-christ Acessado em 2019

379

380
Apêndice
Transcrição da Mishnah Bava Kamma 7.7

‫ ובמדברות שבארץ‬.‫אין מגדלין בהמה דקה בארץ ישראל אבל מגדלין בסוריא‬
‫ ולא כהנים בארץ‬.‫ אין מגדלין תרנגולים בירושלם מפני הקדשים‬.‫ישראל‬
‫ לא יגדל אדם את הכלב‬.‫ אין מגדלין חזירים בכל מקום‬.‫ מפני הטהרות‬.‫ישראל‬
‫ אין פורסין נישבים ליונים אלא אם כן היה‬.‫אלא אם כן היה קשור בשלשלת‬
:‫רחוק מן הישוב שלשים ריס‬
EN proibido criar pequenos animais de rebanho (ovelhas, cabras, etc…) na Terra de Israel, mas é
permitido criá -los na Sı́ria e nas regiõ es selvagens da Terra de Israel. EN proibido criar uma galinha
em Jerusalé m por causa das “Coisas Santas”, (uma galinha pode trazer impureza para os itens
sacriCiciais), nem podem os sacerdotes cria-los (em qualquer lugar) da Terra de Israel por causa
da (leis referentes) comida pura. EN proibido criar porcos seja onde for. Uma pessoa nã o deve criar
um cachorro sem prende-lo a uma corrente. EN proibido instalar armadilhas para pombos a menos
de 30 ris (medida de distâ ncia) de um lugar habitado.

Algumas variações textuais no livro de Mateus


Nã o se trata de uma lista exaustiva, sendo seu objetivo ilustrar algumas das variaçõ es
encontradas nos manuscritos que chegaram até nó s.
Mateus 2.18
κλαυθμος - ‫א‬, B, f1, vg, syrp, pal, copsa,bo
θρηνος και κλαυθμος - C, D, K, L, W, Δ, Π, f13 28, 33, 565, 700, 892, 1009, 1010, 1071, 1079,
1195, 1216, 1241, 1253, 1365, 1546, 1646, 2148, 2174, Byz
Mateus 5.25
ὁ κριτής - Αlexandrino mss f1 f13
δώσει – D
ὁ κριτής σε παραδῷ - K L W Δ Θ Π 28 33 565 700 Bizantino mss
Mateus 10.4
Θαδδαιος – Alexandrino
Λεββαιος – D, d
Λεββαιος ο επικληθεις Θαδδαιος – Bizantino
Mateus 14.12
σωμα - W 0106 0136 Byz lat syrh copsa
πτωμα - ‫ א‬B C D L Θ f1 f13 33 565 700 892 1010 1241 1424 e k syrs, c, p copbo
Mateus 15.6
η την μητερα αυτου - C L W Θ 0106 f1 Byz it vgcl syrp, h
και την μητερα αυτου - Φ 565 1241 copbo
Omitido - ‫ א‬B D pc a e syrc copsa geo1
Mateus 15.8
εγγιζει μοι ο λαος ουτος τω στοματι αυτων και - C W 0106 (f1) Byz
ο λαος ουτος - ‫ א‬B D L Θ 084 f13 33 700 892 1424

Artigo adaptado, original extraı́do de Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Byzantine_text-


type acessado em 04/04/2017.

381
Estrutura em formato de quiasma de Mt 13
Conforme proposto por Bailey, M em Bibliotheca Sacra 155 (pá ginas 172-188)
A. Pará bola do Semeador (1-9)
B. Perguntas e respostas (10-17)
C. Interpretaçã o da pará bola do Semeador (18-23)
D. Pará bola do Joio (24-30)
E. Pará bola do Grã o de Mostarda (31-32)
F. Pará bola do Fermento (33)
G. Cumprimento da profecia (34-35)
H. Interpretaçã o da pará bola do Joio (36-43)
I. Pará bola do tesouro escondido (44)
J. Pará bola do mercador de pé rolas (45-46)
K. Pará bola da rede de pesca (47-48)
L. Interpretaçã o da pará bola da rede de pesca (49-50)
M. Perguntas e respostas (51)
N. Pará bola do Pai de Famı́lia (52)

Explicações históricas para o texto de Mt 27.9


EN interessante analisar como grandes estudiosos das escrituras lidaram de maneira
diferente com este pequeno detalhe do texto. Na lista abaixo temos teó logos de todas as é pocas e
de linhas de pensamento diferentes.
1. Agostinho, Beza, Luthero, e Keil disseram que Mateus citou erroneamente Jeremias (o
que hoje parece uma opçã o muito pouco ortodoxa)
2. A Peshitta, uma traduçã o Sirı́aca do sé c.5 A.D assim como o Diatessarom simplesmente
removeram o nome do profeta.
3. Orı́genes e Eusé bio aCirmaram que o erro foi causado por um escriba.
4. Jerô nimo acreditava que a citaçã o era referente a um escrito apó crifo atribuı́do a
Jeremias.
5. Lightfoot e ScoCield seguiram o caminho do Talmude Babilô nico, onde Jeremias é
colocado como o primeiro dos profetas e també m como um representante de todos os
demais.
6. Hengstenberg disse que Zacarias citou Jeremias.
7. Calvino, seguindo Orı́genes e Eusé bio, disse que se tratava de um erro inserido
posteriormente no texto original.

As bem-aventuranças
Para que você acompanhe melhor os paralelismos, coloquei cores similares nos pontos mais
evidentes.

v.3 ΜακαŒ ριοι οι¡ πτωχοι„ τῷ πνευŒ ματι


ΟÀτι αυ† τῶν ε† στιν η¡ βασιλειŒα τῶν ου† ρανῶν
v.4 μακαŒ ριοι οι¡ πενθοῦ ντες
ΟÀτι αυ† τοι„ παρακληθηŒ σονται
v.5 μακαŒ ριοι οι¡ πραεῖς
ΟÀτι αυ† τοι„ κληρονομηŒ σουσι τη„ ν γῆ ν
v.6 μακαŒ ριοι οι¡ πεινῶντες και„ διψῶντες τη„ ν δικαιοσυŒ νην
ΟÀτι αυ† τοι„ χορτασθηŒ σονται
v.7 μακαŒ ριοι οι¡ ε† λεηŒ μονες
ΟÀτι αυ† τοι„ ε† λεηθηŒ σονται
v.8 μακαŒ ριοι οι¡ καθαροι„ τῇ καρδιŒᾳ
ΟÀτι αυ† τοι„ οª ψονται το„ ν θεο„ ν
v.9 μακαŒ ριοι οι¡ ει†ρηνοποιοιŒ
ΟÀτι αυ† τοι„ κληθηŒ σονται υι¡οι„ θεοῦ
v.10 μακαŒ ριοι οι¡ δεδιωγμεŒ νοι ε¼ νεκεν δικαιοσυŒ νης
ΟÀτι αυ† τῶν ε† στιν η¡ βασιλειŒα τῶν ου† ρανῶν

382
Documento Mur 20
Contrato de casamento aramaico, concluı́do em Hardona, a 5 km de Jerusalé m ”; possivelmente
datando de 117 C.E. - ou tã o cedo quanto 51 C.E. ou 65 C.E. Foi encontrado no Wadi Murabba'at
em 1952
Publicado pela primeira vez por: De Vaux, Roland, Jozef T. Milik e Pierre. Benoit Les Grottes de
Muraba'at. Descobertas no deserto da Judé ia II. Oxford: Oxford University Press, 1961.

Tradução do texto
1. [On] o sé timo de Adar, o ano ele [ve em Haradona, Yehuda Cilho de Yo ...
2. Filho de] Manassé s, dos Cilhos de Eliasibe [que vive em Haradona, disse a ... Cilha de ...]
3. tu será s minha mulher segundo a lei de Moisé s ... e eu alimentarei e vestirei você , a partir de
hoje para]
4. Sempre, da minha propriedade e sobre mim é o dever de / eu estou te dando o mohar da sua
virgindade ...
5. De boa cunhagem, a soma de [200] zuzin ... [
6. E] será vá lido. E se você se divorciar de mim eu devolverei o dinheiro de seu kethubah e tudo o
que você trouxe para minha casa.
7. Se você for para a casa da eternidade [diante de mim, Cilhos que você tem por mim herdarã o
sua kethubah ...
8. De acordo com a lei. E se houver Cilhas que tu tiveres comigo, elas viverã o em minha casa e
serã o mantidas longe de meus bens.
9. Até o casamento. Ou se eu [ir] para a casa [da eternidade antes de você , você vai morar ...]
10. E você será nutrida e vestida [todos os dias, na casa de nossos Cilhos durante o tempo de]
11. Vossa viuvez, depois de minha morte e até sua morte, você nã o pode ser impedido de viver
em minha casa. Todos os bens que tenho e que
12. Eu vou adquirir garantias e certeza [laços para o seu kethuba ...]
13. A favor dos seus herdeiros contra cada [contra-reclamaçã o ... E a qualquer hora que você me
pedir, eu renovarei]
14. Para você o documento enquanto eu estiver vivo

Tradução:
Lé onie J. Archer - Seu preço é além dos rubis: A mulher judia na Palestina greco-romana (ShefCield,
Inglaterra: Journal for the Study ofthe Old Testament Supplement 60. ShefCield Academic, 1990),
291-92.

Documento Mur 19
Um certiCicado de divó rcio escrito em aramaico encontrado em 1952 em Wadi Murabba'at datado
de 72 d.C.
Publicado pela primeira vez por: De Vaux, Roland, Jozef T. Milik e Pierre. Benoit Les Grottes de
Muraba'at. Descobertas no deserto da Judé ia II. Oxford: Oxford University Press, 1961.

Tradução de texto
1. No primeiro dia de Marheshwan, no sexto ano, em Masada
2. Eu me divorcio e repudio de meu livre arbı́trio, hoje eu
3. José , Cilho de Naqsan, de [...] ah, que mora em Masada, você
4. Miriam, Cilha de Jonathan [fro] Hanablata, vivendo
5. Em Masada, que era minha esposa até agora, para que você
6. EN livre da sua parte para ir e se tornar a esposa de qualquer
7. homem judeu que você deseja. E aqui da minha parte é o projeto de repú dio
8. E o mandado de divó rcio. Agora eu retribuo [70] E todos os arruinados,
9. E daniCicado (bens) e ... [eles serã o restaurados] como é meu dever por isto / por isso deixa
estar determinado
10. E eu vou pagar (eles) quatro vezes. E a qualquer momento que você me pedir, eu substituirei
por você
11. O documento enquanto eu estiver vivo

383
Testemunhas …

Tradução:
Lé onie J. Archer - Seu preço é além dos rubis: A mulher judia na Palestina greco-romana (ShefCield,
Inglaterra: Journal for the Study ofthe Old Testament Supplement 60. ShefCield Academic, 1990),
298-99.

Pliny the Elder - Natural history 5.249


.

"Pliny writes,

The deputy governor of that region [Byzacium in Africa] sent to his late Majesty Augustus—

almost incredible as it seems—a parcel of very nearly 400 shoots obtained from a single grain as

seed, and there are still in existence dispatches relating to the matter. He likewise sent to Nero

also 360 stalks obtained from one grain. At all events the plains of Lentini and other districts in

Sicily, and the whole of Andalusia, and particularly Egypt reproduce at the rate of a hundredfold."

Mishnah Bava Kamma 8.6

,‫ ַרבִּי י ְהוּדָ ה אוֹמֵר מִשּׁוּם ַרבִּי יוֹסֵי ַה ְגּלִילִי‬.‫ נוֹתֵ ן לוֹ ֶסלַע‬,‫הַתּוֹ ֵק ַע ַל ֲחבֵרוֹ‬
.‫אַרבַּע מֵאוֹת זוּז‬ ְ ‫ נוֹתֵ ן לוֹ‬,‫ לְאַחַר י ָדוֹ‬.‫ נוֹתֵ ן לוֹ מָאתַ י ִם זוּז‬,‫ ְסטָרוֹ‬.‫ָמנֶה‬
‫ פּ ַָרע‬,‫ ֶה ֱעבִיר ַטלִּיתוֹ ִממֶּנּוּ‬,‫ ָרקַק ְו ִהגִּי ַע בּוֹ ֻרקּוֹ‬,‫שׂעָרוֹ‬ ְ ‫ תָּ לַשׁ ִבּ‬,‫צ ַָרם בְּאָזְנוֹ‬
.‫ זֶה ַה ְכּלָל הַכּ ֹל ְלפִי כְבוֹדוֹ‬.‫אַרבַּע מֵאוֹת זוּז‬ ְ ‫ נוֹתֵ ן‬,‫ר ֹאשׁ ָה ִאשָּׁה בַּשּׁוּק‬
‫ רוֹאִין אוֹתָ ם ְכּאִלּוּ הֵם ְבּנֵי‬,‫שׁ ְבּיִשׂ ְָראֵל‬ ֶ ‫ ֲאפִילוּ ֲענִיּ ִים‬,‫אָמַר ַרבִּי ֲעקִיבָא‬
‫ וּ ַמ ֲעשֶׂה ְבּ ֶאחָד‬.‫ י ִ ְצחָק ְויַעֲק ֹב‬,‫שׁהֵם ְבּנֵי אַב ְָרהָם‬ ֶ ,‫שׁיּ ְָרדוּ ִמנִּ ְכסֵיהֶם‬ֶ ‫חוֹרין‬ ִ
‫אַרבַּע‬ ְ ‫ ְו ִחיּ ְבוֹ לִתֵּ ן לָהּ‬,‫ בָּאת ִל ְפנֵי ַרבִּי ֲעקִיבָא‬,‫שׁפּ ַָרע ר ֹאשׁ ָה ִאשָּׁה בַּשּׁוּק‬ ֶ
‫שׁמ ָָרהּ עוֹמֶדֶ ת עַל פֶּתַ ח‬ ְ .‫ ְונָתַ ן לוֹ זְמַן‬.‫ תֶּ ן לִי זְמַן‬,‫ אָמַר לוֹ ַרבִּי‬.‫מֵאוֹת זוּז‬
‫ ְו ָהי ְתָ ה‬,‫ ִגּלְּתָ ה אֶת ר ֹאשָׁהּ‬.‫שׁמֶן‬ ֶ ‫ וּבוֹ ְכּ ִאסָּר‬,ָ‫שׁבַר אֶת ַהכַּד ְבּ ָפנֶיה‬ ָ ‫ֲחצ ֵָרהּ ְו‬
‫ וּבָא ִל ְפנֵי ַרבִּי‬,‫ ֶה ֱעמִיד ָעלֶי ָה עֵדִ ים‬.‫ְמ ַט ַפּחַת וּ ַמנַּחַת י ָדָ הּ עַל ר ֹאשָׁהּ‬
ָ‫ ֹלא אָמ ְַרתּ‬,‫ אָמַר לוֹ‬.‫אַרבַּע מֵאוֹת זוּז‬ ְ ‫ לָזוֹ ֲאנִי נוֹתֵ ן‬,‫ ַרבִּי‬,‫ אָמַר לוֹ‬.‫ֲעקִיבָא‬
,‫שׁ ָחבְלוּ בּוֹ‬ ֶ ‫ ֲאח ִֵרים‬.‫ פָּטוּר‬,‫שׁאֵינוֹ ַרשַּׁאי‬ ֶ ‫ אַף עַל פִּי‬,‫ הַחוֹבֵל ְבּ ַעצְמוֹ‬.‫כְּלוּם‬
‫שׁ ָקּצְצוּ‬ ֶ ‫ ֲאח ִֵרים‬.‫ פָּטוּר‬,‫שׁאֵינוֹ ַרשַּׁאי‬ ֶ ‫ אַף עַל פִּי‬,‫ ְוהַקּוֹצֵץ נְטִיעוֹתָ יו‬.‫ַחיָּבִין‬
:‫ ַחיָּבִים‬,‫אֶת נְטִיעוֹתָ יו‬

384
One who shouts at his fellow, he gives him a sela (twenty zuz). Rabbi Yehudah in the name of

Rabbi Yose the Galilean says: "a maneh (one hundred zuz)". One who slaps his fellow, he gives

him two hundred zuz; with the back of the hand, he gives him four hundred zuz. If he split his ear,

plucked his hair, spit [at him] and his spit touched him, stripped his cloak from him, or uncovered

the head of a woman in the street, he gives him four hundred zuz. (This is the principle:) it is all

according to the person's honour. Rabbi Akiva says: "Even the poor of Israel, we see them as if

they are free people who have lost their property, because they are children of Abraham, Isaac

and Jacob." (And) there was an incident of someone uncovering the head of a woman in the

street. She came before Rabbi Akiva, and he required him to give her four hundred zuz. He said to

him, "Rabbi, give me time." So he gave him time. [The man] watched her stand at the entrance of

her courtyard, broke a pitcher in front of her, and in it was issar [eight prutot] of oil. She

uncovered her head and scooped [the oil], and rubbed her hands on her head. He placed

witnesses against her and he came before Rabbi Akiva. He said to him, "Rabbi, to her I gave four

hundred zuz?!" He replied, "You haven't said anything." One who injures himself, even though he

is not permitted, he is exempt. Others who wound him are liable. And one who cuts his own

shoots, even though he is not permitted, he is exempt. Others who cut his shoots are liable.

Pliny the Elder - Natural History - 5.249

RUÍNAS DE HIPPO - SOURCE: HTTPS://COMMONS.WIKIMEDIA.ORG/WIKI/FILE:


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%90%D7%95%D7%99%D7%A8.JPG - AVRAM GRAICER

385
Ocorrências do verbo idou no Evangelho segundo Mateus

Mateus 1.20 ταῦ τα δε„ αυ† τοῦ ε† νθυμηθεŒ ντος ι†δου„ αª γγελος κυριŒου κατʼ οª ναρ ε† φαŒ νη αυ† τῷ
λεŒ γων· ΙŸωση„ φ υι¡ο„ς ΔαυιŒδ, μη„ φοβηθῇ ς παραλαβεῖν ΜαριŒαν τη„ ν γυναῖκαŒ σου,
το„ γα„ ρ ε† ν αυ† τῇ γεννηθε„ ν ε† κ πνευŒ ματοŒ ς ε† στιν α¡ γιŒου·

Mateus 1.23 ΙŸδου„ η¡ παρθεŒ νος ε† ν γαστρι„ ε¼ ξει και„ τεŒ ξεται υι¡οŒν, και„ καλεŒ σουσιν το„ οª νομα
αυ† τοῦ ΕŸμμανουηŒ λ· ο¼ ε† στιν μεθερμηνευοŒ μενον Μεθʼ η¡ μῶν ο¡ θεοŒ ς.

Mateus 2.1 Τοῦ δε„ ΙŸησοῦ γεννηθεŒ ντος ε† ν ΒηθλεŒ εμ τῆ ς ΙŸουδαιŒας ε† ν η¡ μεŒ ραις Η¹ρωÖͅδου τοῦ
βασιλεŒ ως, ι†δου„ μαŒ γοι α† πο„ α† νατολῶν παρεγεŒ νοντο ει†ς Ι¹εροσοŒ λυμα

Mateus 2.9 οι¡ δε„ α† κουŒ σαντες τοῦ βασιλεŒ ως ε† πορευŒ θησαν, και„ ι†δου„ ο¡ α† στη„ ρ οÝ ν ει¨δον ε† ν τῇ
α† νατολῇ προῆ γεν αυ† τουŒ ς, ε¼ ως ε† λθω„ν ε† σταŒ θη ε† παŒ νω ουÍ η̈ν το„ παιδιŒον.

Mateus 2.13 ΑŸναχωρησαŒ ντων δε„ αυ† τῶν ι†δου„ αª γγελος κυριŒου φαιŒνεται κατʼ οª ναρ τῷ
ΙŸωση„ φ λεŒ γων· ΕŸγερθει„ς παραŒ λαβε το„ παιδιŒον και„ τη„ ν μητεŒ ρα αυ† τοῦ και„
φεῦ γε ει†ς Αιªγυπτον, και„ ιªσθι ε† κεῖ ε¼ ως αá ν ειªπω σοι· μεŒ λλει γα„ ρ Η¹ρωÖͅδης ζητεῖν
το„ παιδιŒον τοῦ α† πολεŒ σαι αυ† τοŒ .

Mateus 2.19 ΤελευτηŒ σαντος δε„ τοῦ Η¹ρωÖͅδου ι†δου„ αª γγελος κυριŒου φαιŒνεται κατʼ οª ναρ τῷ
ΙŸωση„ φ ε† ν Αι†γυŒ πτῳ

Mateus 3.16 βαπτισθει„ς δε„ ο¡ ΙŸησοῦ ς ευ† θυ„ ς α† νεŒ βη α† πο„ τοῦ υ¼ δατος· και„ ι†δου„ η† νεωÖͅχθησαν οι¡
ου† ρανοιŒ, και„ ει¨δεν πνεῦ μα θεοῦ καταβαῖνον ω¡σει„ περιστερα„ ν ε† ρχοŒ μενον ε† πʼ
αυ† τοŒ ν·

Mateus 3.17 και„ ι†δου„ φωνη„ ε† κ τῶν ου† ρανῶν λεŒ γουσα· ΟυÍ τοŒ ς ε† στιν ο¡ υι¡οŒς μου ο¡ α† γαπητοŒ ς,
ε† ν ωÍͅ ευ† δοŒ κησα.

Mateus 4.11 τοŒ τε α† φιŒησιν αυ† το„ ν ο¡ διαŒ βολος, και„ ι†δου„ αª γγελοι προσῆ λθον και„ διηκοŒ νουν
αυ† τῷ.

Mateus 7.4 ηá πῶς ε† ρεῖς τῷ α† δελφῷ σου· ΑÌφες ε† κβαŒ λω το„ καŒ ρφος ε† κ τοῦ ο† φθαλμοῦ σου,
και„ ι†δου„ η¡ δοκο„ ς ε† ν τῷ ο† φθαλμῷ σοῦ ;

Mateus 8.2 και„ ι†δου„ λεπρο„ ς προσελθω„ν προσεκυŒ νει αυ† τῷ λεŒ γων· ΚυŒ ριε, ε† α„ν θεŒ λῃς
δυŒ νασαιŒ με καθαριŒσαι.

Mateus 8.24 και„ ι†δου„ σεισμο„ ς μεŒ γας ε† γεŒ νετο ε† ν τῇ θαλαŒ σσῃ, ω¼στε το„ πλοῖον καλυŒ πτεσθαι
υ¡ πο„ τῶν κυμαŒ των, αυ† το„ ς δε„ ε† καŒ θευδεν.

Mateus 8.28 και„ ι†δου„ εª κραξαν λεŒ γοντες· ΤιŒ η¡ μῖν και„ σοιŒ, υι¡ε„ τοῦ θεοῦ ; η̈λθες ωÍδε προ„
καιροῦ βασανιŒσαι η¡ μᾶ ς;

Mateus 8.32 και„ ει¨πεν αυ† τοῖς· Υ¹παŒ γετε. οι¡ δε„ ε† ξελθοŒ ντες α† πῆ λθον ει†ς του„ ς χοιŒρους· και„
ι†δου„ ω¼ρμησεν πᾶ σα η¡ α† γεŒ λη κατα„ τοῦ κρημνοῦ ει†ς τη„ ν θαŒ λασσαν, και„
α† πεŒ θανον ε† ν τοῖς υ¼ δασιν.

386
Mateus 8.34 και„ ι†δου„ πᾶ σα η¡ ποŒ λις ε† ξῆ λθεν ει†ς υ¡ παŒ ντησιν τῷ ΙŸησοῦ , και„ ι†δοŒ ντες αυ† το„ ν
παρεκαŒ λεσαν ο¼ πως μεταβῇ α† πο„ τῶν ο¡ ριŒων αυ† τῶν.

Mateus 9.2 Και„ ι†δου„ προσεŒ φερον αυ† τῷ παραλυτικο„ ν ε† πι„ κλιŒνης βεβλημεŒ νον. και„ ι†δω„ν ο¡
ΙŸησοῦ ς τη„ ν πιŒστιν αυ† τῶν ει¨πεν τῷ παραλυτικῷ· ΘαŒ ρσει, τεŒ κνον· α† φιŒενταιŒ σου
αι¡ α¡ μαρτιŒαι.

Mateus 9.3 και„ ι†δουŒ τινες τῶν γραμματεŒ ων ει¨παν ε† ν ε¡ αυτοῖς· ΟυÍ τος βλασφημεῖ.

Mateus 9.10 Και„ ε† γεŒ νετο αυ† τοῦ α† νακειμεŒ νου ε† ν τῇ οι†κιŒᾳ, και„ ι†δου„ πολλοι„ τελῶναι και„
α¡ μαρτωλοι„ ε† λθοŒ ντες συνανεŒ κειντο τῷ ΙŸησοῦ και„ τοῖς μαθηταῖς αυ† τοῦ .

Mateus 9.18 Ταῦ τα αυ† τοῦ λαλοῦ ντος αυ† τοῖς ι†δου„ αª ρχων ειÍς ε† λθω„ν προσεκυŒ νει αυ† τῷ
λεŒ γων ο¼ τι Η¹ θυγαŒ τηρ μου αª ρτι ε† τελευŒ τησεν· α† λλα„ ε† λθω„ν ε† πιŒθες τη„ ν χεῖραŒ σου
ε† πʼ αυ† τηŒ ν, και„ ζηŒ σεται.

Mateus 9.20 Και„ ι†δου„ γυνη„ αι¡μορροοῦ σα δωŒδεκα εª τη προσελθοῦ σα οª πισθεν η¼ ψατο τοῦ
κρασπεŒ δου τοῦ ι¡ματιŒου αυ† τοῦ ·

Mateus 9.32 Αυ† τῶν δε„ ε† ξερχομεŒ νων ι†δου„ προσηŒ νεγκαν αυ† τῷ αª νθρωπον κωφο„ ν
δαιμονιζοŒ μενον·

Mateus 10.16 ΙŸδου„ ε† γω„ α† ποστεŒ λλω υ¡ μᾶ ς ω¡ς προŒ βατα ε† ν μεŒ σῳ λυŒ κων· γιŒνεσθε οϋν φροŒ νιμοι
ω¡ς οι¡ οª φεις και„ α† κεŒ ραιοι ω¡ς αι¡ περιστεραιŒ.

Mateus 11.8 α† λλα„ τιŒ ε† ξηŒ λθατε ι†δεῖν; αª νθρωπον ε† ν μαλακοῖς η† μφιεσμεŒ νον; ι†δου„ οι¡ τα„
μαλακα„ φοροῦ ντες ε† ν τοῖς οιªκοις τῶν βασιλεŒ ων ει†σιŒν.

Mateus 11.10 ουÍ τοŒ ς ε† στιν περι„ ουÍ γεŒ γραπται· ΙŸδου„ ε† γω„ α† ποστεŒ λλω το„ ν αª γγελοŒ ν μου προ„
προσωŒπου σου, οÝ ς κατασκευαŒ σει τη„ ν ο¡ δοŒ ν σου εª μπροσθεŒ ν σου.

Mateus 11.19 η̈λθεν ο¡ υι¡ο„ς τοῦ α† νθρωŒπου ε† σθιŒων και„ πιŒνων, και„ λεŒ γουσιν· ΙŸδου„ αª νθρωπος
φαŒ γος και„ οι†νοποŒ της, τελωνῶν φιŒ λος και„ α¡ μαρτωλῶν. και„ ε† δικαιωŒθη η¡ σοφιŒα
α† πο„ τῶν εª ργων αυ† τῆ ς.

Mateus 12.2 οι¡ δε„ Φαρισαῖοι ι†δοŒ ντες ει¨παν αυ† τῷ· ΙŸδου„ οι¡ μαθηταιŒ σου ποιοῦ σιν οÝ ου† κ
εª ξεστιν ποιεῖν ε† ν σαββαŒ τῳ.

Mateus 12.10 και„ ι†δου„ αª νθρωπος χεῖρα εª χων ξηραŒ ν. και„ ε† πηρωŒτησαν αυ† το„ ν λεŒ γοντες· Ει†
εª ξεστι τοῖς σαŒ ββασιν θεραπευŒ ειν; ι¼να κατηγορηŒ σωσιν αυ† τοῦ .

Mateus 12.18 ΙŸδου„ ο¡ παῖς μου οÝ ν ῃ¡ ρεŒ τισα, ο¡ α† γαπητοŒ ς μου ει†ς οÝ ν ευ† δοŒ κησεν η¡ ψυχηŒ μου·
θηŒ σω το„ πνεῦ μαŒ μου ε† πʼ αυ† τοŒ ν, και„ κριŒσιν τοῖς εª θνεσιν α† παγγελεῖ.

Mateus 12.41 αª νδρες Νινευῖται α† ναστηŒ σονται ε† ν τῇ κριŒσει μετα„ τῆ ς γενεᾶ ς ταυŒ της και„
κατακρινοῦ σιν αυ† τηŒ ν· ο¼ τι μετενοŒ ησαν ει†ς το„ κηŒ ρυγμα ΙŸωνᾶ , και„ ι†δου„ πλεῖον
ΙŸωνᾶ ωÍδε.

387
Mateus 12.42 βασιŒ λισσα νοŒ του ε† γερθηŒ σεται ε† ν τῇ κριŒσει μετα„ τῆ ς γενεᾶ ς ταυŒ της και„
κατακρινεῖ αυ† τηŒ ν· ο¼ τι η̈λθεν ε† κ τῶν περαŒ των τῆ ς γῆ ς α† κοῦ σαι τη„ ν σοφιŒαν
Σολομῶνος, και„ ι†δου„ πλεῖον Σολομῶνος ωÍδε.

Mateus 12.46 ΕÌτι δε„ αυ† τοῦ λαλοῦ ντος τοῖς οª χλοις ι†δου„ η¡ μηŒ τηρ και„ οι¡ α† δελφοι„ αυ† τοῦ
ει¡στηŒ κεισαν εª ξω ζητοῦ ντες αυ† τῷ λαλῆ σαι.

Mateus 12.47 ει¨πεν δεŒ τις αυ† τῷ· ΙŸδου„ η¡ μηŒ τηρ σου και„ οι¡ α† δελφοιŒ σου εª ξω ε¡ στηŒ κασιν,
ζητοῦ ντεŒ ς σοι λαλῆ σαι.

Mateus 12.49 και„ ε† κτειŒνας τη„ ν χεῖρα αυ† τοῦ ε† πι„ του„ ς μαθητα„ ς αυ† τοῦ ει¨πεν· ΙŸδου„ η¡ μηŒ τηρ
μου και„ οι¡ α† δελφοιŒ μου·

Mateus 13.3 και„ ε† λαŒ λησεν αυ† τοῖς πολλα„ ε† ν παραβολαῖς λεŒ γων· ΙŸδου„ ε† ξῆ λθεν ο¡ σπειŒρων
τοῦ σπειŒρειν.

Mateus 15.22 και„ ι†δου„ γυνη„ ΧαναναιŒα α† πο„ τῶν ο¡ ριŒων ε† κειŒνων ε† ξελθοῦ σα εª κραζεν λεŒ γουσα·
ΕŸλεŒ ησοŒ ν με, κυŒ ριε υι¡ο„ς ΔαυιŒδ· η¡ θυγαŒ τηρ μου κακῶς δαιμονιŒζεται.

Mateus 17.3 και„ ι†δου„ ωªφθη αυ† τοῖς Μωϋ σῆ ς και„ ΗŸλιŒας συλλαλοῦ ντες μετʼ αυ† τοῦ .

Mateus 17.5 εª τι αυ† τοῦ λαλοῦ ντος ι†δου„ νεφεŒ λη φωτεινη„ ε† πεσκιŒασεν αυ† τουŒ ς, και„ ι†δου„ φωνη„
ε† κ τῆ ς νεφεŒ λης λεŒ γουσα· ΟυÍ τοŒ ς ε† στιν ο¡ υι¡οŒς μου ο¡ α† γαπητοŒ ς, ε† ν ωÍͅ ευ† δοŒ κησα·
α† κουŒ ετε αυ† τοῦ .

Mateus 19.16 Και„ ι†δου„ ειÍς προσελθω„ν αυ† τῷ ει¨πεν· ΔιδαŒ σκαλε, τιŒ α† γαθο„ ν ποιηŒ σω ι¼να σχῶ
ζωη„ ν αι†ωŒνιον;

Mateus 19.27 ΤοŒ τε α† ποκριθει„ς ο¡ ΠεŒ τρος ει¨πεν αυ† τῷ· ΙŸδου„ η¡ μεῖς α† φηŒ καμεν παŒ ντα και„
η† κολουθηŒ σαμεŒ ν σοι· τιŒ αª ρα εª σται η¡ μῖν;

Mateus 20.18 ΙŸδου„ α† ναβαιŒνομεν ει†ς Ι¹εροσοŒ λυμα, και„ ο¡ υι¡ο„ς τοῦ α† νθρωŒπου παραδοθηŒ σεται
τοῖς α† ρχιερεῦ σιν και„ γραμματεῦ σιν, και„ κατακρινοῦ σιν αυ† το„ ν θαναŒ τῳ,

Mateus 20.30 και„ ι†δου„ δυŒ ο τυφλοι„ καθηŒ μενοι παρα„ τη„ ν ο¡ δοŒ ν, α† κουŒ σαντες ο¼ τι ΙŸησοῦ ς
παραŒ γει, εª κραξαν λεŒ γοντες· ΚυŒ ριε, ε† λεŒ ησον η¡ μᾶ ς, υι¡ο„ς ΔαυιŒδ.

Mateus 21.5 Ειªπατε τῇ θυγατρι„ ΣιωŒν· ΙŸδου„ ο¡ βασιλευŒ ς σου εª ρχεταιŒ σοι πραυâ ς και„
ε† πιβεβηκω„ς ε† πι„ οª νον και„ ε† πι„ πῶλον υι¡ο„ν υ¡ ποζυγιŒου.

Mateus 22.4 παŒ λιν α† πεŒ στειλεν αª λλους δουŒ λους λεŒ γων· Ειªπατε τοῖς κεκλημεŒ νοις· ΙŸδου„ το„
αª ριστοŒ ν μου η¡ τοιŒμακα, οι¡ ταῦ ροιŒ μου και„ τα„ σιτιστα„ τεθυμεŒ να, και„ παŒ ντα
ε¼ τοιμα· δεῦ τε ει†ς του„ ς γαŒ μους.

Mateus 23.34 δια„ τοῦ το ι†δου„ ε† γω„ α† ποστεŒ λλω προ„ ς υ¡ μᾶ ς προφηŒ τας και„ σοφου„ ς και„
γραμματεῖς· ε† ξ αυ† τῶν α† ποκτενεῖτε και„ σταυρωŒσετε, και„ ε† ξ αυ† τῶν
μαστιγωŒσετε ε† ν ταῖς συναγωγαῖς υ¡ μῶν και„ διωŒξετε α† πο„ ποŒ λεως ει†ς ποŒ λιν·

Mateus 23.38 ι†δου„ α† φιŒεται υ¡ μῖν ο¡ οι¨κος υ¡ μῶν εª ρημος.

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Mateus 24.23 τοŒ τε ε† αŒν τις υ¡ μῖν ειªπῃ· ΙŸδου„ ωÍδε ο¡ χριστοŒ ς, ηª · Ωãδε, μη„ πιστευŒ σητε·

Mateus 24.25 ι†δου„ προειŒρηκα υ¡ μῖν.

Mateus 24.26 ε† α„ν οϋν ειªπωσιν υ¡ μῖν· ΙŸδου„ ε† ν τῇ ε† ρηŒ μῳ ε† στιŒν, μη„ ε† ξεŒ λθητε· ΙŸδου„ ε† ν τοῖς
ταμειŒοις, μη„ πιστευŒ σητε·

Mateus 25.6 μεŒ σης δε„ νυκτο„ ς κραυγη„ γεŒ γονεν· ΙŸδου„ ο¡ νυμφιŒος, ε† ξεŒ ρχεσθε ει†ς α† παŒ ντησιν
αυ† τοῦ .

Mateus 26.45 τοŒ τε εª ρχεται προ„ ς του„ ς μαθητα„ ς και„ λεŒ γει αυ† τοῖς· ΚαθευŒ δετε το„ λοιπο„ ν και„
α† ναπαυŒ εσθε· ι†δου„ ηª γγικεν η¡ ω¼ρα και„ ο¡ υι¡ο„ς τοῦ α† νθρωŒπου παραδιŒδοται ει†ς
χεῖρας α¡ μαρτωλῶν.

Mateus 26.46 ε† γειŒρεσθε αª γωμεν· ι†δου„ ηª γγικεν ο¡ παραδιδουŒ ς με.

Mateus 26.47 Και„ εª τι αυ† τοῦ λαλοῦ ντος ι†δου„ ΙŸουŒ δας ειÍς τῶν δωŒδεκα η̈λθεν και„ μετʼ αυ† τοῦ
οª χλος πολυ„ ς μετα„ μαχαιρῶν και„ ξυŒ λων α† πο„ τῶν α† ρχιερεŒ ων και„ πρεσβυτεŒ ρων
τοῦ λαοῦ .
Mateus 26.51 και„ ι†δου„ ειÍς τῶν μετα„ ΙŸησοῦ ε† κτειŒνας τη„ ν χεῖρα α† πεŒ σπασεν τη„ ν μαŒ χαιραν
αυ† τοῦ και„ παταŒ ξας το„ ν δοῦ λον τοῦ α† ρχιερεŒ ως α† φεῖ λεν αυ† τοῦ το„ ω†τιŒον.

Mateus 27.51 και„ ι†δου„ το„ καταπεŒ τασμα τοῦ ναοῦ ε† σχιŒσθη α† πʼ αª νωθεν ε¼ ως καŒ τω ει†ς δυŒ ο, και„
η¡ γῆ ε† σειŒσθη, και„ αι¡ πεŒ τραι ε† σχιŒσθησαν,

Mateus 28.2 και„ ι†δου„ σεισμο„ ς ε† γεŒ νετο μεŒ γας· αª γγελος γα„ ρ κυριŒου καταβα„ ς ε† ξ ου† ρανοῦ και„
προσελθω„ν α† πεκυŒ λισε το„ ν λιŒθον και„ ε† καŒ θητο ε† παŒ νω αυ† τοῦ .

Mateus 28.7 και„ ταχυ„ πορευθεῖσαι ειªπατε τοῖς μαθηταῖς αυ† τοῦ ο¼ τι ΗŸγεŒ ρθη α† πο„ τῶν
νεκρῶν, και„ ι†δου„ προαŒ γει υ¡ μᾶ ς ει†ς τη„ ν ΓαλιλαιŒαν, ε† κεῖ αυ† το„ ν οª ψεσθε· ι†δου„
ει¨πον υ¡ μῖν.
Mateus 28.9 και„ ι†δου„ ΙŸησοῦ ς υ¡ πηŒ ντησεν αυ† ταῖς λεŒ γων· ΧαιŒρετε· αι¡ δε„ προσελθοῦ σαι
ε† κραŒ τησαν αυ† τοῦ του„ ς ποŒ δας και„ προσεκυŒ νησαν αυ† τῷ.

Mateus 28.11 ΠορευομεŒ νων δε„ αυ† τῶν ι†δουŒ τινες τῆ ς κουστωδιŒας ε† λθοŒ ντες ει†ς τη„ ν ποŒ λιν
α† πηŒ γγειλαν τοῖς α† ρχιερεῦ σιν α¼ παντα τα„ γενοŒ μενα.

Mateus 28.20 διδαŒ σκοντες αυ† του„ ς τηρεῖν παŒ ντα ο¼ σα ε† νετειλαŒ μην υ¡ μῖν· και„ ι†δου„ ε† γω„ μεθʼ
υ¡ μῶν ει†μι παŒ σας τα„ ς η¡ μεŒ ρας ε¼ ως τῆ ς συντελειŒας τοῦ αι†ῶνος.

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