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FACULDADE CATÓLICA DE BELEM

CURSO DE TEOLOGIA

SOLANO SANTOS PEREIRA

ANÁLISE DA PERÍCOPE Hb 7,1-28

Ananindeua – PA
2022
SOLANO SANTOS PEREIRA

ANÁLISE DA PERÍCOPE Hb 7,1-28

Exegese apresentada a Faculdade


Católica de Belém como requisito de
avaliativo na disciplina de Cartas
Católicas, ministrada pelo professor; Dr.
Pe. João Paulo de M. Dantas

Ananindeua - PA
2022
INTRODUÇÃO
No corpo canônico do Novo Testamento se encontra a “Carta aos Hebreus”, que além
do bom emprego do grego em sua forma bem estruturada em relação aos demais livros,
impressiona pela solida reflexão entorno do sacerdócio de Cristo e os demais temas que ajuda
na composição do livro. Por outro lado, segundo Reinaldo Fabris, a carta aos Hebreus é cercada
por certo ar de enigmaticidade por causa do anonimato daquele que a escreveu, do mesmo modo
se aplica ao destinatário.1, além de que não consta o destinatário para o qual teria sido escrita.
Por conseguinte, faz necessário adentrarmos em questões pontuais, visando introduzir
aspectos gerais que possam auxiliar o melhor entendimento da perícope em questão. Dessa
maneira, no que se refere a autoria da carta aos hebreus, por muito tempo se pensou que se
tratava de uma composição propriamente de Paulo, isso se explica pelo fato do uso da doutrina
e ideias que remete ao apóstolo dos gentios2; no entanto, estudo mais recentes mostraram que
que até o século IV era contestado à autoria de Paulo, ao passo que no oriente era mais aceito e
no ocidente nem tanto; só passou ser reconhecido quando Santo Agostinho e Jerônimo
compartilharam do mesmo entendimento dos orientais.3 Vale mencionar que, mesmo diante das
contestações acerca da autoria, pouco foram o que ignoraram a canonicidade desta carta, onde
ampla maioria sempre reconheceu que se trata de um livro canónico.
Sabendo que autoria da carta não é de Paulo, o que resta conhecer são ao menos as
características que distingue esse autor. A primeira é de que se trata de uma pessoa com alto
grau erudição, goza da cultura helênica, com uma linguagem grega refinada, conhece o método
exegético de sua época, está ligado a “tradição teológica e catequética cristã derivada de
Paulo,”4 demonstrando assim; era um judeu que estava no círculo dos hêgoumenoi, isto é,
aqueles que era tidos como mestres, líderes de uma comunidade cristã como se pode verificar
em Hb 13,7.17.
Em relação a data de composição, existe algumas hipóteses que divergem entre os que
defendem que se trata de uma composição antes e outras e depois da destruição Templo de
Jerusalém no ano 70 d.C. Aqueles que apontam que seja uma composição antes da destruição
do Templo, se justificam pelo modo como o autor apresenta o Templos e o culto hebraico com
ricos detalhes do qual fundamenta o seu discurso teológico, dando a entender que ele estaria
em plena atividade; e assim, o texto teria sido escrito dos anos 60. Além disso, afinidade de

1
FABRIS, Reinaldo. As Cartas de Paulo III. São Paulo: Loyola, 1992, p. 341.
2
BALLARINI, Teodorico et al. Introdução a Bíblia: Epístolas do Cativeiro, Pastorais, Hebreus, Católicas,
Apocalipse. Petrópolis: Vozes, 1969. Tradução de Frei Oswaldo Antônio Furlan. p.221
3
DANTAS, João Paulo. Cartas Católicas. Faculdade Católica de Belém. 2022, p.1.
4
FABRIS, 1992, p. 354.
Hebreus com “as cartas da Prisão” (Ef e Cl) apontam para uma data anterior a morte de São
Paulo. Já a hipótese de se tratar de uma composição tardia, é defendido pelos argumentos de
que as menções ao Templo e o seu culto estaria amparado no conhecimento mais bíblico do que
uma experiencia remota do autor, assim a orientação seja para os anos 80-905, pois nos anos de
95-96, período da composição da Carta aos Coríntios de Clemente de Roma, a carta aos hebreus
já é mencionada. Porém, a hipótese melhor aceita é justamente de que a carta teria sido escrita
nos anos 60-65 antes da destruição do Templo de Jerusalém.
O outro elemento importante é o do local de composição da carta, que segundo a
expressão de Hb 13,24, onde mostra que supostamente tenha sido escrito em Roma, justamente
pelo paralelo que se faz a At 18,2. Ademais, uma outra discursão é o gênero literário, pois,
sendo comumente designada como Carta, existem algumas particularidades que fazendo que
não trate de uma carta. A primeira observação é a de que não se tem no início do texto um
cabeçalho que apresente o remetente, destinatário e saudação, por outro lado, o único argumento
de que seria uma carta é por conta de Hb 13, 22-25; que contém elementos conclusivos,
informações e saudações. Dessa maneira, o gênero literário que melhor tipifica esse texto é de
uma homilia6, isto por causo do uso da retórica e oratória refinada de modo que possa prender
os seus ouvintes; 7 além disso, de modo mais preciso, seria uma homilia de caráter exortativo
“sinagogal-eclesial”, como é mencionado em Hb 13,22.
Partindo da estrutura do Texto e do seu conteúdo teológico, é evidente que o tema central
em que a homilia é escrita tem como temática nuclear o “Sacerdócio de Cristo”, mostrando ser
a única carta tratar esse aspecto cristológico de modo explícito entre os escritos do NT8. Sendo
Cristo o sacerdote da nova aliança 9 ele supera em tudo aquilo que lhe antecedia, por isso, se
encontra no texto as inúmeras menções a elementos que constituem essa aliança como “os
paralelos, anjos e Filho, Moisés e Cristo, sacerdócio levítico e sacerdócio de Cristo «segundo a
ordem de Melquisedec», sacrifícios antigos, múltiplos e ineficientes, e sacrifício novo, único e
universalmente suficiente”10.
Dessa maneira, em uma estruturação pode-se organizar a carta aos hebreus do seguinte
modo: 1, 1-4 um pequeno Exórdio; 1,5-2,18 a temática do nome superior aos anjos; 3,1-5,10 o
“Sumo sacerdote misericordioso e fiel; 5,11-10,39 o “sumo sacerdote de uma aliança nova e

5
FABRIS, 1992, p. 354.
6
BELLARINI, 1969, p.214.
7
Cf. Hb 3, 1.12; 6,9; 10,19; 13.22.
8
Ibidem, 1969, p. 245.
9
Cf Hb 8
10
Ibidem, 1969
superiora” aqui encontra-se o “coração do texto de Hebreus; 11, 1-12,13 o tema da “fé e o
combate”; 12,14-13,18 o “caminho pela via da retidão” e do 13,20-25 a conclusão da Carta.
Dessa maneira, diante dos aspectos gerais que compõe a Carta aos hebreus, detenhamo-nos a
tecermos um breve comentário do texto de Hebreus 7, 1-28, que de modo a priori, se encontra
no centro da homilia e que ao fundamentar a superioridade do sacerdócio de Cristo, busca na
os personagens de caráter sacerdotal do AT, dos quais se encontra o Melquisedeque, figura
misteriosa que era sacerdote e rei11

APRESENTAÇÃO DA PERÍCOPE DE HEBREUS (Hb 7,1-28) – “O sacerdócio de


Melquisedeque”
1
Este Melquisedec é de fato, rei de Salém, sacerdote de - Deus Altíssimo. Ele saiu ao encontro de Abraão
quando esse regressava do combate contra os reis, e o abençoou. 2Foi a ele que Abraão entregou o dízimo de tudo.
E seu nome significa, em primeiro lugar, "Rei de Justiça"; e, depois, "Rei de Salém", o que quer dizer "Rei da
Paz". 3Sem pai, sem mãe, sem genealogia, nem princípio de dias nem fim de vida! É assim que se assemelha ao
Filho de Deus, e permanece sacerdote eternamente.
4
Vede, pois, a grandeza deste homem, a quem Abraão, o patriarca, entregou o dízimo da melhor parte dos
despojos. 5Ora, os filhos de Levi, chamados ao sacerdócio, devem, segundo a Lei, cobrar o dízimo do povo, isto
é, de seus irmãos, embora sejam, também eles, descendentes de Abraão. 6Aquele, porém, embora não figure em
suas genealogias, submeteu Abraão ao dízimo, e abençoou o portador das promes sas! 7Ora, é fora de dúvida que
o inferior é abençoado pelo superior. 8Além do mais, os que aqui recebem o dízimo são mortais," ao passo que ali
se trata de alguém do qual se diz que possui a vida. 9E por assim dizer, na pessoa de Abraão submeteu ao dízimo
até mesmo Levi, que recebe o dízimo. 10Pois ele ainda estava nos rins do seu antepassado quando se deu o encontro
com Melquisedec.
11
Portanto, se a perfeição fora atingida pelo sacerdócio levítico - pois é nele que se apóia a Lei dada ao
povod que necessidade haveria de outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec, e não "segundo a ordem de
Aarão"? 12Mudado o sacerdócio, necessariamente se muda também a Lei. ¹³Ora, aquele a quem o texto citado se
refere pertencia a outra tribo, da qual membro algum se ocupou com o serviço do altar. 14É bem conhecido, de
fato, que nosso Senhor surgiu de Judá, tribo a respeito da qual Moisés nada diz quando se trata dos sacerdotes.
15
Mais claro ainda se torna isto quando se constitui outro sacerdote, semelhante a Melquisedec, 16não
segundo a regra de prescrição carnal, mas de acordo com o poder de vida imperecível. 17Pois diz o testemunho:
Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec... 18 Assim sendo, está ab-rogada a prescrição
anterior, porque era fraca e sem proveito. 19De fato, a Lei nada levou à perfeição; e está introduzida uma esperança
melhor, pela qual nos aproximamos de Deus.
20
Isto não se realiza sem juramen to. No entanto, não houve juramento para o sacerdócio dos outros. 21Para
ele, porém, houve o juramento daquele que disse a seu respeito: O Senhor jurou e não se arrependerá: Tu és
sacerdote para sempre... 22Neste sentido é que Jesus se tornou a garantia de uma aliança melhor. 23E além do mais,
os outros tornaram-se sacerdotes em grande número, porque a morte os impedia de permanecer. 24Ele, porém, visto
que permanece para a eternidade, possui sacerdócio imutável! 25Por isso é capaz de salvar totalmente aqueles que,
por meio dele, se aproximam de Deus, visto que ele vive para sempre interceder por eles.
26
Tal é precisamente o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos
pecadores, elevado mais alto do que os céus. 27Ele não precisa, como os sumos sacerdotes, oferecer sacrifícios a
cada dia, primeiramente por seus pecados, e depois pelos do povo. Ele já o fez uma vez por todas, oferecendo-se
a si mesmo. 28A Lei, com efeito, estabeleceu sumos sacerdotes sujeitos à fraqueza. A palavra do juramento, porém,
posterior à Lei, estabeleceu o Filho, tornado perfeito para sempre. 12

11
Cf. Gn 14,17-20; Sl 110.
12
BÍBLIA DE JERUSALÉM, Sagrada Bíblia Católica: Antigo e Novo Testamentos. São
Paulo: Paulus, 2002.
Ao iniciar sua exposição, nos dois capítulos anteriores, sobre o Cristo como sumo
sacerdote da nova e eterna aliança, gradativamente o autor vai colocando os alicerces para a
compreensão do tema. Recorrendo a realidade cultual e sacerdotal, o autor de Hebreus utiliza a
figuras sacerdotais sumamente importantes para o judaísmo para demostrara superioridade do
sacerdócio de Cristo. Nesse sentido, em Hb 6,13-20 recordando as promessase o juramento,
ambos procedentes de Deus, ao passo que a esperança cristã encontrasse em Jesus, meio pelo
qual a entrada no céu se dá por meio da sua morte expiatória, tornando-se o sumo sacerdote
segundo a ordem de Melquisedeque. 13
Seguindo a estrutura oferecida pela Bíblia de Jerusalém, pode-se de modo geral organiza
a perícope sobretudo em quatro momento, que ajudam para o desenvolvimento do texto e
compreensão do objetivo do autor em afirmar a superioridade do sacerdócio de Cristo. Pode-se
dividir da seguinte maneira: Do vv. 1-3 fala da figura do rei e sacerdote Melquisedeque; do vv.
4-13 apresenta a superioridade do sacerdócio de Melquisedeque sobre o sacerdócio de Levítico;
do vv. 15-19 aponta uma nova lei para o novo sacerdócio e dos vv. 20-28 reafirmam sacerdócio
de Cristo que é imutável e único.
Tendo anunciado que Jesus é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque no final do
capítulo anterior14,o capítulo 7 em sua primeira parte (vv. 1-3) começa então a descrever esta
figura enigmático, que aparece somente duas vezes no AT; tendo por base o texto de Gn 14,17-
20 e Sl 110,4. No primeiro texto narra o encontro Melquisedeque com Abraão que constitui a
trama da argumentação; dessa forma; o exegeta Rinaldo Fabris esclarece que se trata de um
comentário exegético tipicamente do ambiente rabínico e helênico, isto é; uma midrashim, que
se desenvolve da seguinte maneira: “ [...] Primeiro se explicam e interpretam os títulos de
Melquisedec, segundo o texto bíblico citado na Septuaginta, e depois comentam-se os seus
gestos, ou seja, o recebimento da decima parte dos despojos de Abraão e a benção que ele dá a
esse último.”15 Nesse sentido, o título rei de Justiça quer lembrar os títulos messiânicos que se
encontra em Jr 23, 6, já o título “rei de Salém”, remonta a “rei da paz”, isso porque o termo
Salém deriva de Shalôm, “paz”.
Além disso, nota-se que por se tratar de uma ênfase cristológico, o autor não dá muita
atenção ao título de “sacerdote do altíssimo” e nem menciona o fato do Abraão ter oferecidoe
um sacrifico a Deus por meio do sacerdote Melquisedec na oferta de pão e vinho; mas fala que

13
DATTLER, Frederico. A Carta aos Hebreus. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 109.
14
Cf. 6,20.
15
FABRIS, 1992, p.429.
esse rei não tem nenhuma “genealogia”, isto é, indicando o seu aspecto de um ser eterno, que
consequentemente é empregado ao Filho de Deus.
Jesus por ser Filho de Deus, tendo oferecido como oferta agradável si mesmo, é o único
sacerdote que permanece para sempre16. Em relação a atitude de Melquisedeque de ir ao
encontro de Abraão para abençoá-lo e o mesmo retribui com o seu dízimo, quer indicar a
superioridade de e a grandeza de Melquisedeque em relação a Abraão, em outras palavras, “no
fundo o confronto se dá entre o sacerdote de Melquisedec e os sacerdotes levitas, em última
análise, entre o sacerdócio de Cristo segundo a Ordem de Melquisedec e o sacerdócio judaico
da linha levítica.”17
Por conseguinte, retomando a linha argumentativa da homilia, o autor de Hebreus
reforça a compreensão da superioridade do sacerdócio de Melquisedeque por meio de duas
funções que são tipicamente empregados aos sacerdotes: o dízimo e a benção. Com isso, o
segundo momento da homilia (vv. 4-10) retoma o esclarecimento de que o “patriarca, entregou
a melhor parte dos despojos”; segundo tradição sacerdotal do período de Jesus, os levitas era
os da família de Aarão eram os únicos que tinham o direito de viver das oferendas e do dízimo18
e por isso não tinham uma terra na palestina, além de demonstra sinal de dignidade aos
sacerdotes, já que lhes era oferecido o dízimo reconhecendo a sua entrega no serviço do
santuário. Sendo Abraão o pai de Israel, inclusive de Levi e sua tribo, como portador da benção,
ao entregar o seu dízimo a Melquisedec que não pertencia a descendência de Israel, reconhece
a superioridade que tem Melquesideque sobre ele, e por isso, acaba sendo abençoado, já que “o
inferior é abençoado pelo superior” (v. 8).
Em relação ao ato de abençoar, Fabris indica que: Abraão não é só pai do povo de Deus,
mas também o portador da benção divina, o que significa eleição e promessa de salvação para
todos os povos, porém, em vez de dá a benção, acaba recebendo de Melquisedec a benção. A
ação de “abençoar” é também uma prerrogativa sacerdotal (Nm 6,22-27) Então, tendo por base
o texto bíblico, esse fato é um claro reconhecimento da superioridade de quem abençoa sobre
aquele que é abençoado e, consequentemente, sobre todos aqueles que Abraão representa, como
pai.”’19
Tocando no tema do sacerdócio, consequentemente o autor introduz o tema a da Aliança
nos vv. 11-14, argumentando que com um novo sacerdócio há também uma nova aliança, isto

16
Ibidem, p. 430.
17
Ibidem, p. 431.
18
cf. Nm 18,20-26
19
FABRIS, op. Cit. p. 432
é, o sacerdócio de Cristo do tipo mequisedequeano inaugura uma nova aliança superando a
aliança Abraão, dom mesmo modo se aplica a Lei. Assim sendo, se o sacerdócio de Levi fosse
tão eficaz, qual seria então a necessidade de um outro? Exemplo disso é o fato de o Sl 110, que
ao contrário de Gn 14 que fala de uma antes tribo de Levi, o referido salmo é posterior a Levir
e sua descendência e que insiste em um sacerdócio que seja segundo a ordem de Melquisedeque.
Nesse sentido Dattler argumenta dizendo:

Os eventos narrados em Gn14, certamente precederam Levi e as sua descendência. Se


o argumento apoiado na potencialidade geradora de Abraão mão é lá muito
convincente, resta ao autor outro cartucho, ou seja, o Sl 110. Este foi composto depois
de Levi e toda a sua linhagem histórica. A argumentação é de clareza mediana: se o
sacerdócio levítico trazido a salvação autêntica, para que então falar em sacerdócio?
Supõe-se que o sacerdócio faz parte integrante da Lei mosaica e de toda a economia
de salvação nela encerrada. Para Hb, tudo é precário e insuficiente; a instituição da
Lei n~~ao teve força, porque o seu expoente máximo, o sacerdócio, falhara
lamentavelmente pelos motivos e a serem expostos nos versículos seguintes.20

Um outro ponto relevante é o fato do sacerdócio de Jesus, que no plano histórico,


contradizer a instituição sacerdotal hebraica, pois fala no v. 14 que o Senhor nasceu em Judá,
sendo que para os judeus a linha sacerdotal é oriunda da tribo de Levi, assim no plano da Lei
mosaica, Jesus não poderia ter a função sacerdotal. Contudo, entende-se que o autor de Hebreus,
tendo por base o princípio hermenêutico, a fé em Jesus Cristo; afirma que essa virada história
está no fato de justamente o sacerdócio de Jesus ser diferente, tal como aquele que pertence a
ordem de Melquisedeque como aponta o Sl 110. Dessa maneira entende-se que “não se imagina,
simplesmente, uma situação salvífica sem o seu sacerdócio integrado. Se o cristianismo é uma
nova religião, diferente do judaísmo, ele necessariamente deve dispor de um sacerdócio novo
também.” 21
Adentrando na terceira parte da perícope (vv.15-19), o autor da homilia continua a
abordar acerca da Lei, se valendo do salmo 110, ao afirmar que o sacerdócio levítico é de
“prescrição carnal” e o do tipo meldequiseano é de “poder de vida imperecível”. Em outras
palavras, o sacerdócio do tipo levítico, embora ordenado por Deus; é uma instituição humana
que é constituída por pessoas imperfeitas, de homens carnais e mortais; com a continua
necessidade de purificação, no qual sendo sacerdote sua mediação era imperfeita22, assim do
sacerdócio levítico estaria sujeita a corrupção desse mundo. Por outro lado, é o sacerdócio
“semelhante a Melquisedeque”, do tipo eterno e celestial que é perfeito, cuja mediação é

20
DATTLER, 1980, p.114.
21
Ibidem
22
BORING, M. Eugene. Introdução ao Novo Testamento: História, literatura, teologia. Santo André (SP):
Academia Cristã; São Paulo: Paulinas, 2015, p. 784.
perfeita; pois sendo Jesus o sacerdote, somente ele pode exercer um sacerdócio perfeito e
perene.
Estando ligado a Lei mosaica, o sacerdócio levítico mostrou-se incapaz de ultrapassar a
instituição do qual fazia parte; com isso foi substituído pelo sacerdócio que possui perfeição e
garantia de que se poderá se aproximar de cada vez mais de Deus; logo, um sacerdócio novo,
uma lei também nova, por outro lado, o antigo sacerdócio é “ab-rogado” junto com a antiga
Lei. Em relação ao conceito de “insuficiência da lei”, Dattler argumenta que se tata de um
conceito que pertence a teologia Paulina, mas Hb não acaba não aprofundando-o.23
Dando continuidade ao desenvolvimento do texto, nesses nove versículos (vv. 20-28)
chega-se ao ponto culminante e conclusivo, onde Jesus é o sumo sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque. Partindo desse pressuposto, nessa última parte, tem dois temas nucleares, um
é a superioridade do sacerdócio de Cristo garantida pelo o “juramento” (vv. 20-25); o outro
tema é o de Cristo, sumo sacerdote celeste (vv. 26ss).
Ao continuar demonstrando a superioridade do sacerdócio de Jesus Cristo, Hb fala que
a garantia de que Jesus é uma aliança melhor e perfeita, está no fato do juramento que lhe é
conferido por Deus para aquele que pertence a ordem de Melquisedeque, isto é, de que será
sacerdote “para sempre”, dando por assim dizer, estabilidade eterna ao sacerdócio de Cristo.
Ademais, esse juramento é conferido somente na promessa contida no Sl 110,4; indicando
assim que o sacerdócio levítico não goza de tal promessa, por isso o seu caráter de temporal;
assim, Teodorico Ballarini afirma que:

O juramento divino é, portanto, o critério com que se mede (καθ οσον v.20 ... κατα
τοσουτο, v. 22) a nobreza de um sacerdócio, segundo o Sl 110,4. Usou-se de muitos
ritos (unção etc.) na consagração de Aarão e dos seus descendentes elevados a sumo
sacerdócio, mas com êles Deus jamais se comprometeu por um juramento, com que
fez com o misterioso personagem do Salmo, sacerdote segundo a ordem de
Melquisedec. A êle garante-se a imutabilidade do decreto divino, i. é, a
intransitoriedade do seu sacerdócio, declarado eterno própria fórmula jurada.24

É evidente que os sacerdotes levíticos faleceram e tiveram os seus sucessores, enquanto


Jesus é o único que detém um sacerdócio eterno, conferido pelo próprio Deus; por isso, Ele é o
único capaz de interceder junto do Pai, que pode salvar e nos aproximar de Deus (v. 25), por
causa da eficácia de seu sacrifício oferecido de uma vez por todas25 Assim sendo, Hb nos
últimos momento da perícope, em tom de conclusão, há uma pequena recapitulação dos temas

23
DATTLER, op. cit. p.115.
24
BALLARINI, 1969, p. 265.
25
Cf. Rm 8,34; 1Jo 2,1.
apresentados anteriormente e a afirmação de que Jesus sedo sumo sacerdote eterno, se encontra
acima dos céus (v.26); “mostrando uma evidente referência a Ascenção e à glória à direita do
Pai”.26
É importante ainda esclarecer os dois imbróglios que pode causar uma mal
entendimento do texto, cuja o primeiro é o fato de Hb mencionar a obrigação do Sumo
Sacerdote de oferecer sacrifícios por seus pecados e pelo o do povo (v.27), nesse caso pode-se
pensar: Jesus teria oferecido sacrifício por si? O autor sebe que a resposta é não, isso porque o
sacerdócio é de natureza divina que lhe é assegurada pelo o juramento, que é ainda reforçado
pelo o emprego do termo “Filho” no v.28; daí que mesmo sendo verdadeiro homem, “está isento
de toda necessidade pessoal de expiação e, graças ao sacrifício de si mesmo pelos pecados da
humanidade, conseguiu a perfeição consumada do seu próprio sacerdócio (cf. 2,10)27
A segunda dificuldade que surge, é fato de o autor mencionar que a função Sumo
Sacerdote seria de oferecer sacríficos expiatórios diários (v. 27); no entanto, sabe-se que
segundo o ritual levítico, esse sacrifício era realizado pelo Sumo Sacerdote na feta do Yom
Kippur. Nesse sentido, Ballarini esclarece que a ideia para justificar, é de que se trata de
“contaminatio”, assim ele esclarece:

[...] por essa contaminação conceitual, as características do sacrifício destinado por


excelência à expiação dos pecados (sacrifício anual) se refletiriam o seu sacrifício
cotidiano, pois era de fato cotidiana a necessidade e a exigência que tinham o sumo
sacerdote e o povo de expiar os próprios pecados, os quais nem o solene sacrifício do
kippur possuía em si pode de os apagar (10,1-4). A atribuição pessoal ao sumo
sacerdote poderia justificar-se tanto com a sua contribuição efetiva para a oferta
cotidiana [...] quanto porque podia atribuir-se idealmente a êle todo o ato de vida
religiosa de Israel, à qual êle presidia.28

Para o autor de Hb é muito claro que ao falar do sacrifício, ele quer destacar a eficácia
do único sacrifício de Jesus que se deu “uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo.
Dessa maneira, o capítulo 7 de Hb mostra como peça fundamental para a compreensão
do papel salvífico de Jesus na história da salvação, tal como o lugar que ocupa no contexto
religioso, logo sacerdotal; cujo os alicerces na própria páscoa de Cristo, como evento único que
anulou toda a organização judaica religiosa anterior a ele, já que n’Ele se encontra o novo e
verdade sacerdócio, que é capaz de estabelecer uma verdadeira aliança e mediação entre os
homens e Deus.

26
BALLARINI, op. cit. p.266.
27
Ibidem, p. 268.
28
Ibidem, p. 266.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA DE JERUSALÉM, Sagrada Bíblia Católica: Antigo e Novo Testamentos. São
Paulo: Paulus, 2002.

BALLARINI, Teodorico et al. Introdução a Bíblia: Epístolas do Cativeiro, Pastorais,


Hebreus, Católicas, Apocalipse. Petrópolis: Vozes, 1969. Tradução de Frei Oswaldo Antônio
Furlan.

BORING, M. Eugene. Introdução ao Novo Testamento: História, literatura, teologia. Santo


André (SP): Academia Cristã; São Paulo: Paulinas, 2015.

DANTAS, João Paulo. Cartas Católicas. Faculdade Católica de Belém. 2022, p.1.

DATTLER, Frederico. A Carta aos Hebreus. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 109.

FABRIS, Reinaldo. As Cartas de Paulo III. São Paulo: Loyola, 1992, p. 341.

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