Você está na página 1de 279

MESTRADO

ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

Dr. Brian Kibuuka


Pós-Doutorando da Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana (NInA Antiqua)
Apresentação do curso
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

DOCENTE
MESTRADO

Brian Gordon Lutalo Kibuuka


bglkibuuka@uefs.br
http://lattes.cnpq.br/5276135301125711

1
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

EMENTA
O curso Teologia de Lucas e Atos explora completamente a teologia do
MESTRADO

evangelho de Lucas e o livro de Atos. Em seus escritos, Lucas registra a história


de Deus trabalhando por meio de Jesus para inaugurar uma nova era de
promessa e capacitação do Espírito para que o povo de Deus possa ser o povo
de Deus mesmo em meio a um mundo hostil. Este curso abrange os principais
temas de Lucas e apresenta a contribuição distinta de Lucas-Atos para o Novo
Testamento e o cânon das Escrituras, proporcionando aos estudantes da Bíblia
uma compreensão profunda e holística da teologia de Lucas no contexto mais
amplo da Bíblia.

2
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

PROGRAMA DO CURSO
INTRODUÇÃO
MESTRADO

UNIDADE I - Lucas
UNIDADE II - Atos

3
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

AVALIAÇÃO
Leitura e resumo da obra: MOREIRA, G. L., Lucas e Atos: Uma Teologia da
MESTRADO

Esperança. São Paulo: Edições Paulinas, 2004.

4
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL
ARENS, Eduardo. Ásia Menor nos tempos de Paulo, Lucas e João. Aspectos Sociais e econômicos para a compreensão do
MESTRADO

Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1997.


BROWN, Raymond E. Uma introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 2005.
FABRIS, R. O evangelho de Lucas. In: Os evangelhos. São Paulo: Loyola, 1992.
FABRIS, R., Atos dos Apóstolos. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
FITZMYER, J. A. El Evangelio según Lucas. Madrid: Cristiandad, 1987. 3 v
FITZMYER, J. A. El Evangelio Según Lucas. Madrid: Ed. Cristiandad, 1986.
KARRIS, R. J. O Evangelho segundo Lucas. In: BROWN, R. E.; FITZMYER, J. A.; ROLAND, M. E. Novo comentário Bíblico
São Jerônimo (NCBSJ): Novo Testamento e artigos sistemáticos. São Paulo: Academia Cristã / Paulus, 2011. p. 217-308
KURZINGER, J., Atos dos Apóstolos. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.
MESTERS, C; OROFINO, F. R.; Atos dos Apóstolos. São Paulo: Editora Paulus, 2002.
MOREIRA, G. L., Lucas e Atos: Uma Teologia da Esperança. São Paulo: Edições Paulinas, 2004.
PIKAZA, J., A Teologia de Lucas. São Paulo: Edições Paulinas, 1978.

5
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BERGANT, D.; KARRIS. R., Comentário Bíblico, vol. III –Evangelhos, Atos dos Apóstolos,
MESTRADO

Cartas e Apocalipse. São Paulo: Edições Loyola, 1999.


BOVON, F. El Evangelio Segun San Lucas. Salamanca: Siguene, 1995.
CASALEGNO, A., Ler os Atos dos Apóstolos: Estudo da Teologia Lucana da Missão. São
Paulo: Edições Loyola, 2005.
CONZELMANN, H. El Centro del Tiempo. La Teología de Lucas. Madrid: Fax, Tradução da
5. ed. Alemã em 1974.
DUPONT, J., Estudos Sobre os Atos dos Apóstolos. São Paulo. Edições Paulinas, 1974.
RIUS-CAMPS, J. O evangelho de Lucas. O êxodo do homem livre. São Paulo: Paulus, 1995.

6
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
INTRODUÇÃO
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

INTRODUÇÃO
O Evangelho de Lucas é o testemunho da aproximação e do
MESTRADO

distanciamento do cristianismo do seu contexto “judaico”. Se, por um


lado, ele reconhece que o cristianismo emerge em tal contexto, ele,
por outro lado, o submete a crítica e anuncia o vigor do cristianismo
que se estende em lugares em que ele amplia suas possibilidades e se
mostra importante para a transformação da vida dos que são
alcançados por Jesus.

7
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

INTRODUÇÃO
O Evangelho de Lucas é o primeiro volume de uma obra magistral
MESTRADO

sobre a história da Igreja. Ele é comumente dividido nas seguintes


partes: Prólogo (Lucas 1:1-4), Ministério de Jesus na Galileia
(Lucas 4:14-9:50), Narrativa de viagem a Jerusalém (Lucas 9:51-
24:53).

8 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

INTRODUÇÃO
Segundo Lucas 1:1, o autor fez uma pesquisa junto às testemunhas
MESTRADO

oculares sobre o ministério de jesus com o objetivo de transmitir a


Teófilo, o destinatário do Evangelho, para provar a veracidade da fé que
lhe foi transmitida. Mas Lucas também se utilizou do Evangelho de
Marcos e de Q. Provavelmente foi composto nos moldes das biografias
greco-romanas que tinham intuito propagandístico, e alguns já
levantaram a hipótese de ter sido escrito inspirado nas sagas épicas,
como “Ilíada” de Homero e “Eneida” de Virgílio (KÖESTER, 2005).

9
Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

INTRODUÇÃO
O Cânon de Muratori identifica Lucas como médico e companheiro de Paulo
MESTRADO

nas viagens missionárias e segundo Eusébio, originário da Antioquia. A


autoria lucana ainda é muito discutida (KÜMMEL, 1982). A principal objeção
contra a tese de que o Evangelista teria sido companheiro de Paulo são as
diferenças teológicas entre a obra lucana e as cartas paulinas. A questão é
secundária, o fato é que o autor do Evangelho não foi uma testemunha ocular
de Jesus.

10 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

INTRODUÇÃO
Muitos, como Brown, Kümmel, Köester e Vielhauer concordam com
MESTRADO

a tradição de que Lucas foi escrito fora da Palestina para o público


grego, baseando-se na semelhança com as obras literárias
helenísticas e as incorreções geográficas sobre a Judeia. Várias
sugestões de possíveis locais já foram dadas, Macedônia, Acaia,
Ásia Menor ou Roma. Ainda é difícil precisar exatamente o local
onde foi escrito o Evangelho de Lucas. A opinião majoritária é que o
Evangelho de Lucas foi escrito por volta de 80 d.C.

11 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

INTRODUÇÃO
Para Lucas, há uma continuidade entre a promessa de Salvação a Israel
MESTRADO

feita por Deus através dos profetas e Jesus Cristo com seu Evangelho
Universal. Para Schnelle (2017), a comunidade lucana vivia em crise e
era necessário refletir sobre a relação de Israel com os Cristãos, ricos e
pobres e com o Estado Romano. Jesus é o Senhor e Salvador de todos
os homens, principalmente dos pobres e dos excluídos. Em um contexto
cercado por magia e filosofia, Lucas apresenta Jesus como o “Novo
Caminho” que leva a Salvação.

12 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

A) O ESTILO DE LUCAS-ATOS
Marcantes no estilo literário de Lucas são os prefácios, as seções de abertura
MESTRADO

de narrativas, as seções conclusivas e os sumários do ministério de Jesus. Os


prefácios dos evangelhos neotestamentários contém um título descritivo
breve, cuja forma remonta aos prefácios veterotestamentários. O prefácio de
João, particularmente, é mais extenso, porém, é ainda alusivo ao Antigo
Testamento, ao prólogo do livro de Gênesis. O evangelho de Lucas, por outro
lado, apresenta em seu prefácio (Lucas 1.1-4) um estilo que remonta à
retórica grega, contrastando com o restante do texto lucano em estilo,
vocabulário e matéria.

13 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

A) O ESTILO DE LUCAS-ATOS
a expressão ἐγένετο δέ [aconteceu] (Lucas 6.6ª, 7.11ª, 8.1ª,40,
MESTRADO

9.28ª,37ª,51, 10.38, 11.1ª, 14.1, 17.11, 18.35ª);


ou contendo a cláusula [καὶ] ἐγένετο ἐν μιᾷ τῶν ἡμερῶν [(e) aconteceu
em um daqueles dias] (Lucas 5.17a, 8.22, 20.1) / [καὶ] ἐγένετο ἐν μιᾷ τῶν
πόλεων [e aconteceu em uma daquelas cidades] (Lucas 5.12a);
ou contendo a fórmula ἔλεγεν δὲ […] παραβολὴν [disse (…) uma
parábola] (Lucas 5.36a, 13.6, 14.7, 18.1);
ou introduzida pela fórmula sinônima εἶπεν [δὲ] […] παραβολὴν [disse
(…) uma parábola] (Lucas 4.23, 6.39, 12.16, 15.3, 18.9, 19.11, 20.19,
21.29).
14 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

A) O ESTILO DE LUCAS-ATOS
Em relação às seções conclusivas, elas contém em Lucas, distintamente dos
MESTRADO

outros evangelhos, cláusulas nominativas participiais com δοξάζων [glorificando]


(Lucas 5.25, 17.15, 18.43) ou com passivo δοξαζόμενος [glorificado] (4.15);
eventualmente elas podem apresentar o aoristo passivo de πίμπλημι [ser/estar
cheio] (Lucas 4.28, 5.26, 6.11), além de variadas expressões de louvor a Deus
(Lucas 8.37, 9.34, 43ª, 43b, 18.43, 19.37). Por fim, os vários sumários do
ministério de Jesus são fórmulas exclusivas a Lucas, que redaciona o material
traditivo, resumindo-o em passagens-chave do seu evangelho (Lucas 4.14-15, 31-
32, 37, 40-41, 5.15-16, 6.17-19, 7.17, 21, 8.1-4, 13.22, 14.25, 17.11, 19.28, 47, 48,
21.37-38).

15 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

A) O ESTILO DE LUCAS-ATOS
J. Cadbury propôs, em The Style and Literary Method of Luke
MESTRADO

(Cambridge: Harvard University Press, 1920, p. 4-39, uma relação


extensiva de termos não-usuais em Lucas e Atos. As escolhas lucanas
aproximam o autor de escritores áticos e pós-clássicos,
especialmente autores de literatura extrabíblica.

16 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

A) O ESTILO DE LUCAS-ATOS
Lucien Cerfaux produz uma lista de termos característicos que tornam Lucas e Atos
MESTRADO

representativos da comunidade cristã mais antiga de Jerusalém.[1] Alguma das expressões


destacadas por Cerfaux são hapáxeis legómenai, outras expressões exclusivas ou até mesmo
termos e expressões raros, conhecidos pelo epíteto “lucanismo”, são evidências do caráter peculiar
da literatura lucana. Os termos:
·ἀφελότης [simplicidade] (Atos 2.46);
·ἐνδεής [necessitado, destituído] (Atos 4.34);
·κτήτωρ [possuidor] (Atos 4.34);
·κλινάριον [pequena cama] (Atos 5.15);
·e πέριξ [redor] (Atos 5.16).
[1] Ver: Lucien Cerfaux, “La première communauté chrétienne à Jérusalem: Act. II, 41–V, 42”, ETL
16, 1939, p. 6-14; “La composition de la première partie du Livre des Actes”, ETL 13, 1936, p. 667-
691.
17 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

A) O ESTILO DE LUCAS-ATOS
Frans Neirynck e F. van Segbroeck, no texto “Caractéristiques stylistiques,” ETL 61, 1984, p. 304-
MESTRADO

339, fazem um inventário de obras que proporcionam uma análise vocabular de Lucas e Atos,
como:
Plummer, Luke, p. lii–liii, lix–lx; Hawkins, Horae Synopticae;
T. Vogel, Zur Charakteristik des Lukas nach Sprache und Stil: eine philologische Laienstudie, 2
ed., Leipzig: 1899, p. 61-68;
Adolf von Harnack, Lukas der Arzt, der Verfasser des dritten Evangeliums und der
Apostelgeschichte, Leipzig: 1906, p. 29-46, 51-54, 69-72, 138-150; Sprüche und Reden Jesu.
Die zweite Quelle des Matthäus und Lukas, Leipzig: 1907, p. 6-87;
Cadbury, Style and Literary Method; R. Morgenthaler, Statistik des neutestamentlichen
Wortschatzes, Zurique: Gotthelf-Verlag, 1958, p. 51, 181, 182-183;
J. Jeremias, Die Sprache des Lukasevangeliums: Redaktion und Tradition im Nicht-Markus-
Stoff des dritten Evangeliums, Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1980.
18 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

A) O ESTILO DE LUCAS-ATOS
Neirynck e van Segbroeck condensam o índice de Boismard–Lamouille,
MESTRADO

uma lista de 615 palavras e expressões típicas de Lucas – entre elas:


ἀγαλλίασις [grande alegria, exultação] (Lucas 1.14, 44, Atos 2.46);
βάπτισμα [batismo] (Lucas 3.3, 7.29, 12.50, 7.29, 12.50, 20.4, Atos
10.37, 18.25, 19.3s);
Γαλιλαῖος [galileu] (Lucas 13.1s; 22.59; 23.6, Atos 1.11, 2.7, 5.37);
ζηλωτής [zelote] (Lucas 6.15, Atos 1.13, 21.20, 22.3).

19 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

B) A AUTORIA COMUM DE LUCAS-ATOS


Manuscritos cristãos do segundo ao quarto século atestam a autoria comum para Lucas-Atos, atribuindo-a a Lucas:
MESTRADO

Papias de Hierápolis (citado em Eusébio, Hist. eccl. II.15.2; III.39.1-7,14-17);


Jerônimo, De viris illustribus 18;
Philippus Sidetes, Hist. eccl. fragmentos no Codex Barocci;
Codex vaticanus Reg. Lat. 14;
Georgius Monachus, Chronicon, Codex Coisl. 305);
Irineu de Leão (Adv. haer. III.13.3);
Clemente de Alexandria (Stromata 5.12.82.4);
Um fragmento do Cânon de Muratori;
Tertuliano (Adversus Marcionem 4.2.4);
Orígenes (Contra Celsum 6.11), Commentarii in evangelium Joannis (1.23.149, 150), Commentarium in
evangelium Matthaei (15.15, 17.25), Selecta in Psalmos (12.1632), In epistulam ad Hebraeos homiliae
(14.1309);
Eusébio (Hist. eccl. 1.5.3; 2.8.2; 2.11.1; 2.22.1, 6; 3.4.1, 4; 3.31.5).

20 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

B) A AUTORIA COMUM DE LUCAS-ATOS


Em relação à comparação entre o prólogo de Lucas, de Atos e de outros autores,[1] as evidências
MESTRADO

internas da autoria comum para Lucas-Atos são em majoritariamente estilísticas e teológico-


temáticas. Evidências estilísticas cobrem uma variedade de características linguísticas do texto,
que vão desde as semelhanças de dicção, gramática e sintaxe das sentenças até a ocorrência de
fórmulas funcionalmente elaboradas, que remontam ao grego clássico. As evidências teológico-
temáticas, por sua vez, abrangem um espectro de temas comuns, que vão desde os paralelos
possíveis de serem estabelecidos entre os ministérios milagrosos de Jesus, Pedro e Paulo, até a
simetria entre Lucas e Atos nas temáticas da história da salvação, da cristologia ou do Espírito. Uma
vez que a evidência da unidade dos temas teológicos opera em um nível mais interpretativo e
inferencial, a prioridade neste caso repousa sobre as evidências estilísticas.
[1] ALEXANDER, Loveday, “Formal Elements and Genre: Which Greco-Roman Prologues Most
Closely Parallel the Lukan Prologues?” in: MOESSNER, David P. (ed.), Jesus and the Heritage of
Israel: Luke’s Narrative Claim upon Israel’s History, Harrisburg: Trinity Press International, 1999.
21 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

B) A AUTORIA COMUM DE LUCAS-ATOS


Concordam com a autoria comum a partir da análise das evidências internas e externas, com prioridade
destas em relação àquelas:
MESTRADO

F. J. Foakes Jackson e Kirsopp Lake


David E. Aune
F. F. Bruce
Henry J. Cadbury
Hans Conzelmann
Frederick W. Danker
Martin Dibelius
Joseph A. Fitzmyer
Ernst Haenchen
John C. Hawkins
Alfred Plummer
Gerhard Schneider

22 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

B) A AUTORIA COMUM DE LUCAS-ATOS


Sobre o caso específico da relação entre os
MESTRADO

prólogos/proêmios de Lucas e Atos, ver especificamente:


·Conzelmann, Acts of the Apostles, p. 4; Fitzmyer, Luke I–IX,
p. 288.

23 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

B) A AUTORIA COMUM DE LUCAS-ATOS


Para uma visão mais abrangente das pesquisas em curso, ver:
MESTRADO

·Michael F. Bird, “The Unity of Luke-Acts in Recent


Discussion,” JSNT 29, 2007, p. 425-448;
·Luke Timothy Johnson, “Literary Criticism of Luke-Acts: Is
Reception-History Pertinent?” JSNT 29 ,2007), p. 159-162.

24 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

B) A AUTORIA COMUM DE LUCAS-ATOS


Uma síntese das pesquisas também pode ser consultada em
MESTRADO

Patricia Walters, The Assumed Authorial Unity of Luke and


Acts: A Reassessment of the Evidence, Cambridge:
Cambridge University Press, 2009.

25 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

C) A CRONOTOPIA DE LUCAS: UMA CHAVE


PARA A COMPREENSÃO DE SEUS CONTEÚDOS
Bakhtin é um autor cuja teoria de construção de narrativa auxilia na
MESTRADO

elucidação dos referentes muitas vezes empíricos utilizados nos


relatos desde a Antiguidade. Bakhtin destaca que as narrativas são
imbuídas de referências temporais e espaciais, que ele denomina de
cronotopos.

Lucas é, não acidentalmente, um evangelho que explora bem a


necessidade de situar a vida, ensino e obra de Jesus em um eixo
temporal e espacial com significado teológico.
26 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

D) TEMPORALIDADE NO EVANGELHO DE LUCAS


O evangelho de Lucas articula três temporalidades básicas – uma delas,
MESTRADO

a última, explorada de forma mais completa em Atos: o período que


antecede a Cristo e do período de sua infância, com atuação marcante
de judeus; o período de Cristo e seus discípulos; e o período após a
ascensão de Cristo.

27 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

I) A PRIMEIRA TEMPORALIDADE (LUCAS 1.5-4.30)

Εγένετο ἐν ταῖς ἡμέραις Ἡρῴδου βασιλέως τῆς Ἰουδαίας ἱερεύς


MESTRADO

τις ὀνόματι Ζαχαρίας ἐξ ἐφημερίας Ἀβιά, καὶ γυνὴ αὐτῷ ἐκ τῶν


θυγατέρων Ἀαρὼν καὶ τὸ ὄνομα αὐτῆς Ἐλισάβετ.

Houve, nos dias de Herodes, rei da Judeia, um sacerdote, por nome


Zacarias da divisão de Abias, e sua mulher [era] proveniente das
filhas de Arão e o nome dela [era] Elisabete.

28 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

I) A PRIMEIRA TEMPORALIDADE (LUCAS 1.5-4.30)

Ἐγένετο δὲ ἐν ταῖς ἡμέραις ἐκείναις ἐξῆλθεν δόγμα παρὰ


MESTRADO

Καίσαρος Αὐγούστου ἀπογράφεσθαι πᾶσαν τὴν οἰκουμένην.

Aconteceu naqueles dias que saiu um decreto junto a César Augusto


para registrar todo o mundo habitado.

29 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

I) A PRIMEIRA TEMPORALIDADE (LUCAS 1.5-4.30)

Ἐν ἔτει δὲ πεντεκαιδεκάτῳ τῆς ἡγεμονίας Τιβερίου Καίσαρος,


MESTRADO

ἡγεμονεύοντος Ποντίου Πιλάτου τῆς Ἰουδαίας, καὶ τετρααρχοῦντος τῆς


Γαλιλαίας Ἡρῴδου, Φιλίππου δὲ τοῦ ἀδελφοῦ αὐτοῦ τετρααρχοῦντος τῆς
Ἰτουραίας καὶ Τραχωνίτιδος χώρας, καὶ Λυσανίου τῆς Ἀβιληνῆς
τετρααρχοῦντος

No décimo quinto ano do governo de Tibério César, governava a Judeia Pôncio


Pilatos, e era tetrarca da Galileia Herodes, Filipe, seu irmão, era tetrarca da
Itureia e do território de Traconides, e Lisânio era tetrarca de Abilene.

30 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

I) A PRIMEIRA TEMPORALIDADE (LUCAS 1.5-4.30)

Mesmo essa estrutura temporal pode ser dividida em dois


MESTRADO

grupos temáticos fundamentais: as infâncias de João e Jesus


(1.5-2.52) por um lado, e, por outro, a preparação do povo por
João e a preparação de Jesus pelo Espírito Santo (3.1-4.30).

31 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

II) A SEGUNDA TEMPORALIDADE (LUCAS 4.31-24.53)

A segunda temporalidade da obra lucana começa com Jesus na Galileia anunciando


MESTRADO

a Boa Nova e a Salvação (Lucas 4.31-9.50). De fato, Lucas usa duas vezes a
expressão “para anunciar a Boa Nova do Reino de Deus” (Lucas 4.43 e 8.1). Nessa
seção, aparece eventualmente o verbo “salvar” relacionado às palavras “acreditar”
ou “ ter fé”. (Lucas 7.50, 8.12, 8.48, 8.50). Nessa parte, tem grande importância o
discurso na planície, que corresponde em parte ao sermão da montanha de Mateus.
Em Lucas, o sermão da planície é precedido da eleição dos Doze, que marca a sua
importância. Depois do sermão da planície, Lucas coloca Jesus e João em paralelo
pela última vez. Então vem uma seção em que a Palavra é central, com duas
parábolas, e depois outra seção em que o tema da fé se torna mais insistente.
Finalmente, Jesus forma o grupo dos Doze e anuncia a sua paixão duas vezes.
32 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

II) A SEGUNDA TEMPORALIDADE (LUCAS 4.31-24.53)

A segunda parte da segunda temporalidade aborda o caminho de


MESTRADO

Jerusalém e a salvação divina (Lucas 9.51-19.27). A longa viagem a


Jerusalém é uma composição particular de Lucas. Em Marcos e Mateus,
Jesus sobe para Jerusalém, mas a sua história é curta (Marcos 10 e
Mateus 19-20). Há dez capítulos na viagem de Jesus para Jerusalém.
Lucas coleciona material evangélico (histórias e discursos) retirados
em parte de Marcos, em parte da “compilação de palavras” (fonte Q) e
em parte de uma fonte própria.

33 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

II) A SEGUNDA TEMPORALIDADE (LUCAS 4.31-24.53)

Já que o material do evangelho fala abundantemente do Reino de


MESTRADO

Deus, é possível reconhecer três características do Reino nas


palavras de Jesus:
o Reino está próximo, já está aqui;
o Reino desconhece aqueles que ter direito a ele;
o Reino subverte valores demasiadamente humanos.

34 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

II) A SEGUNDA TEMPORALIDADE (LUCAS 4.31-24.53)

O grande tema que domina todo o caminho é que Deus salva aquele
MESTRADO

que está perdido. O verbo “salvar” aparece cinco vezes, e a palavra


“salvação” também aparece. Onde a longa história da jornada
termina? Alguns dizem que termina em Lucas 19.46, após a entrada
de Jesus no templo. Outros argumentam que termina em Lucas
19.27, pouco antes da entrada. A solução também está, sem dúvida,
no “link” usado por Lucas: os versículos 28-46 são a conclusão da
jornada e a introdução da próxima parte.

35 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

II) A SEGUNDA TEMPORALIDADE (LUCAS 4.31-24.53)

A terceira parte trata dos eventos decisivos da salvação (Lucas


MESTRADO

19.28-24.53). A chegada de Jesus a Jerusalém e sua entrada no


Templo (19.28-48) formam um elo entre a caminhada para Jerusalém
e a paixão. Depois da longa jornada do Salvador até a cidade santa,
Lucas narra agora o cumprimento de salvação em Jerusalém.

36 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

II) A SEGUNDA TEMPORALIDADE (LUCAS 4.31-24.53)

Lucas semeou os sinais no evangelho da infância e depois nas tentações de


MESTRADO

Jesus que esta é a capital da história da salvação. Ele marcou o caminho de


Jesus com refrões que levam à menção final da “ascensão” e a proximidade
da realização das profecias sobre o Filho do homem (Lucas 18.31). O início
da última parte leva à “subida”, e Jesus parece animado com o mesmo
espírito de decisão de Lucas 9.51, o início da viagem: “Tendo dito estas
palavras, Jesus caminhou à frente até Jerusalém” (Lucas 19.28). Não
haverá mais histórias de milagres, mas o mistério da Páscoa será precedido
por um ensinamento de Jesus e por polêmicas com seus adversários.

37 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

III) A TERCEIRA TEMPORALIDADE (ATOS)


A terceira temporalidade é marcada pela Igreja, que recebe o poder
MESTRADO

do Espírito para testemunhar em todo o mundo (Atos 1.8). Esse


tempo, tempo de testemunho, é tempo que termina em aberto, pois
Atos encerra sem se encerrar.

38 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

E) ESPACIALIDADES: DO MUNDO PARA JERUSALÉM,


DE JERUSALÉM PARA O MUNDO
Em Lucas-Atos, o primeiro movimento espacial é do mundo para Jerusalém.
Jesus é levado para Jerusalém para ser apresentado (Lucas 2.22). Os pais de
MESTRADO

Jesus vão para Jerusalém anualmente (Lucas 2.41). O trajeto de Jesus para
Jerusalém é anunciado (Lucas
9.31). Em seguida, Jesus faz um longo trajeto de dez capítulos para Jerusalém
(Lucas 9.51, 53, 13.22, 17.1, 18.31, 19.28). Após a ressurreição, os discípulos
que se dirigem para Emaús precisam voltar para Jerusalém (Lucas 24.13-35).
Por fim, após a ressurreição, Jesus ordena que os discípulos não se afastassem
de Jerusalém até a promessa do Pai se cumprir (Atos 1.4). Além disso, Atos 2
inicia com a descrição dos povos que vieram do mundo conhecido para
Jerusalém

39 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

E) ESPACIALIDADES: DO MUNDO PARA JERUSALÉM,


DE JERUSALÉM PARA O MUNDO

καὶ πεσοῦνται στόματι μαχαίρης καὶ αἰχμαλωτισθήσονται εἰς τὰ


MESTRADO

ἔθνη πάντα, καὶ Ἰερουσαλὴμ ἔσται πατουμένη ὑπὸ ἐθνῶν, ἄχρι


οὗ πληρωθῶσιν καιροὶ ἐθνῶν.

E cairão a fio de espada e serão levados para todas as etnias, e


Jerusalém será pisada pelas etnias, até que sejam completadas as
eras dos gentios.

40 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
UNIDADE I
Lucas
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.1 AS FONTES DE LUCAS


O consenso nos estudos de Lucas é que há três fontes que servem de base
MESTRADO

para o evangelho: o evangelho de Marcos, uma fonte escrita apelidada de "Q"


(de Quelle, que significa “fonte” em alemão), e uma terceira fonte contendo
matérias exclusivas de Lucas.[1]

[1] BARTHOLOMEW, C. G.; GREEN, J. B.; THISELTON, A. C. (eds.), Reading


Luke: Interpretation, Reflection, Formation, Grand Rapids, Zondervan
Publishing House, 2005; MOESSNER, D. P. (ed.), Jesus and the Heritage of
Israel, Harrisburg: Trinity Press International, 1999; DUPONT, J., The
Sources of the Acts, New York: Herder & Herder, 1964.
41 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.1 AS FONTES DE LUCAS


Tal hipótese, originalmente conhecida como “hipótese dos dois
MESTRADO

documentos”, foi originalmente publicada em 1924 por Burnett


Hillman Streeter na obra The Four Gospels: A Study of Origins.
Streeter observou que Mateus contém cerca de 90 por cento de
Marcos e Lucas mais de 50 por cento, conservando ambos, Mateus e
Lucas, uma linguagem similar ou idêntica a Marcos. Streeter também
observou ainda que a ordem relativa do material de Marcos é seguida
por Mateus e Lucas, e onde um diverge de Marcos, o outro concorda
com ele.
42 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.1 AS FONTES DE LUCAS


As partes em que Lucas é substancialmente diferente está nos
MESTRADO

capítulos 1-2, na grande seção da viagem de Jesus a Jerusalém (9.51-


19.27), e no final de Lucas (24.13-53).[1]

[1] Para maiores detalhes, ver FITZMYER, J. A., The Gospel According
to Luke: Introduction, Translation, and Notes, v. 1, Garden City:
Doubleday, 1981.

43 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.1 AS FONTES DE LUCAS


Observa-se, por fim, que Lucas editou o texto de Marcos para atender seu próprio
MESTRADO

estilo literário e estrutura. Em outras palavras, a comparação dos textos gregos desses
dois evangelhos sugere a probabilidade de que Marcos fosse uma das διηγήσεις
[narrações] (Lc 1.1) disponíveis para a consulta e apropriação de Lucas. Além disso, os
cerca de 230 versos comuns a Mateus e Lucas não encontrados em Marcos apontam
para uma fonte escrita, “Q”, fonte que continha lógiai sob a forma de discursos e
ensinamentos de Jesus. O terço que resta do evangelho, atribuído a uma fonte especial
“L”, trata do nascimento e da infância de Jesus (1-2), da cena programática de Jesus na
sinagoga de Nazaré (4.16-30), das parábolas familiares do bom samaritano (10.29-37)
e do filho pródigo (15.11 -32), da história de Zaqueu (19.1-10), e do aparecimento de
Jesus ressuscitado aos dois discípulos no caminho de Emaús (24.13-35).

44 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

Como se pode observar desde C. A. Heumann, “Dissertatio de


MESTRADO

Theophilo cui Lucas Historiam Sacram Inscripsit', Bibliotheca


Historico-Philologico-Theologica, Classis IV, Bremen, 1720, p. 483-
505, muitos comentadores extraem o contexto de enunciação e
recepção de Lucas do seu prefácio, que apresenta uma dedicatória a
Teófilo (Lc 1.1 - 4 ).

45 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

A presença de uma dedicatória no prólogo, contendo um nome grego, torna o


MESTRADO

mundo helenístico de língua grega um lugar natural para iniciar uma busca
pela audiência do evangelho. Pesquisadores tendiam a presumir que Teófilo
era um líder do grupo que Lucas tinha em mente quando escreveu seu
evangelho. Mas esta é uma presunção errônea. Como resultado de um
cuidadoso levantamento das convenções literárias de origem helenística na
composição prefácio, H.J. Cadbury, na obra The Making of Luke-Acts,
Londres: Macmillan, 1927, foi capaz de demonstrar que a relação de autor e
destinatário era geralmente formal e raramente afetava o conteúdo de uma
obra.
46 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

Ainda que a obra mencione um Teófilo e ainda que esse seja um personagem
MESTRADO

histórico, o público-leitor para o qual a obra se destina é encontrado apenas


mediante a investigação crítica do programa retórico-social de Lucas-Atos, uma vez
que o autor se dirige a um grupo cujas demandas e desafios exigem uma composição
que reapresente aquilo que eles já sabiam (ἵνα ἐπιγνῷς περὶ ὧν κατηχήθης λόγων
τὴν ἀσφάλειαν [para que saibas a segurança das coisas faladas acerca do que tu
foste ensinado oralmente] - Lc 1.4).[1]

[1] KLEIN, G., “Lukas 1,1 - 4 als theologisches Programm”, in DINKIER, E. (ed.), Zeit
und Geschichte. Dankesgabe an Rudolf Bultmann zum 80, Tübingen: Mohr, 1964, p.
193-216.
47 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

A natureza ambígua de muitos dos termos empregados em Lucas 1:1-4 é mais uma razão para
MESTRADO

cautela em vê-lo como referência para o reconhecimento do programa lucano.[1] No entanto, o


prefácio contém, em alguma medida, uma linguagem que indica o propósito de Lucas ao
escrever a obra, especialmente Lucas 1.4. Ainda assim, é necessário analisar o evangelho como
um todo para entender e acessar as características do público para o qual o evangelho foi
escrito. Sendo assim, uma questão de grande importância é observar a iniciativa do evangelista
de demonstrar em várias passagens do evangelho que o cristianismo era politicamente
inofensivo, ao mesmo tempo em que Lucas mergulha os seus leitores na atmosfera do judaísmo
e do Antigo Testamento desde o início do seu Evangelho até o final de Atos.

[1] FITZMYER, J., The Gospel According to Luke (1-IX), The Anchor Bible, Garden City:
Doubleday, 1981, p. 290-301.

48 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

Muitas vezes, Lucas-Atos faz alusão ao Antigo Testamento grego de uma forma opaca,
MESTRADO

e até mesmo ininteligível para alguém não-familiarizado com sua linguagem. Sendo
assim, não seria possível aos não-cristãos terem tanta familiaridade com o texto
lucano, numa clara indicação de que o público-leitor não seria os não-cristãos alheios
as particularidades do judaísmo. A.D. Nock, na obra Conversion: The Old and the New
in Religion from Alexander the Great to Augustine of Hippo, Oxford: The Clarendon
Press, 1933, p. 79, afirma que não há no mundo grego qualquer indicação de um
conhecimento profundo da Septuaginta, exceto quando ela era ouvida por aqueles que
frequentavam sinagogas ou estavam preocupados em escrever tratados polêmicos
contra o cristianismo, uma vez que a LXX era um livro volumoso, caro e inacessível.

49 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

Quanto a Lucas, ainda há resistência embora E. A. LaVerdiere e W. G. Thompson, em


MESTRADO

“New Testament Communities in Transition: A Study in Matthew and Luke”, TS, 37,
1976, p. 567-597, tenha, ao contrário de Mateus, muitas comunidades em vista ao
invés de uma única comunidade.[1] Mas os argumentos de LaVerdiere, W. G.
Thompson e O’Toole não apresentam as devidas comprovações textuais. Uma posição
preferível, no entanto, é que Lucas, assim como os outros evangelistas, tinha uma
comunidade cristã específica em mente.

[1] Igualmente, O’TOOLE, R. F., “Luke's Position on Politics and Society in Luke-Acts”,
in: CASSIDY, R. J.; SCHARPER, P. J. (eds.), Political Issues in Luke-Acts, Maryknoll:
Orbis Books, 1983, p. 1-17.

50 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

Μὴ φοβοῦ, τὸ μικρὸν ποίμνιον, ὅτι εὐδόκησεν ὁ πατὴρ


MESTRADO

ὑμῶν δοῦναι ὑμῖν τὴν βασιλείαν

Não temais, pequeno rebanho, porque o Pai se agradou em dar-


vos o Reino. (Lc 12.32)

51 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.2 O PRÓLOGO DE LUCAS, AUTORIA E DESTINATÁRIO

Este uso repetido da imagem rebanho sugere que Lucas achou a imagem
MESTRADO

apropriada às circunstâncias de seus próprios leitores. Em outras palavras,


eles eram membros de uma pequena comunidade cristã que passa por
dificuldades internas e externas. Mas, mesmo que Lucas tenha escrito para
mais de uma comunidade, esse fato não invalida as imagens e figuras
utilizadas. As relações particulares entre a teologia de Lucas e a sua
configuração social, política e religiosa, revelam a situação de tensão que os
seus membros vivem com o mundo exterior e com os desajustes internos.

52 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


Um grande desafio que temos ao ler um evangelho é observar, em seus muitos
MESTRADO

personagens, anônimos e nomeados, exempla, estereotipados, que servem, na


recepção de tais evangelhos, como critérios para a compreensão de atores sociais
concretos entre os ouvintes do evangelho. Cegos, surdos, mudos,
endemoninhados, hidrópicos, coxos e paralíticos, geralmente não-nomeados, ou
imbuídos de apelidos (Bartimeu – Marcos 10.46-52), evidenciam um mundo
fraturado, carente de “médicos”. A atividade de Jesus se volta para estes: eles são
os seus parceiros de caminhada, os seus companheiros, os que com ele
compartilham a vida cotidiana. Eles aparecem em toda a extensão dos
evangelhos, a sua voz é registrada, seus movimentos são mapeados.

53 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


Os discípulos nomeados, sejam os Doze ou aqueles que
MESTRADO

eventualmente assumem algum destaque na narrativa – Marta,


Maria, sua irmã, Lázaro, Maria Madalena, Suzana – esses também são
parceiros de Jesus na narrativa evangélica que dá significação para a
sua atuação. Sua existência e atuação está em um plano privilegiado,
tanto quanto as dos beneficiários das ações de Jesus como curador,
libertador e ensinador.

54 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


Raramente o leitor dos evangelhos observa que Jesus se relaciona
MESTRADO

com pessoas que de alguma maneira ilustram um círculo de convívio,


com expectativas, padrões que servem para que os ouvintes dos
evangelhos na época de sua composição soubessem os critérios para
viver uma extensão da presença do Cristo em suas relações. E tal
círculo deixa à margem muitos grupos, pessoas, situações. Se os
miseráveis moribundos estão por toda parte nos relatos, autoridades,
líderes religiosos, cidades e aldeias com status, líderes militares estão
ausentes ou são pouco citados.
55 Dr. Brian Kibuuka

Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)


Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


Eles estão à margem da narrativa – e quando aparecem, são
MESTRADO

constantemente alvos de crítica, ou são citados de forma imprecisa:


como Pilatos, praefectum da Judeia, que é chamado nos evangelhos
de governador (ἡγεμών [hēgemṓn]).

56 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


É raro, ainda, que um leitor contemporâneo dos evangelhos enxergue que
MESTRADO

Jesus transita em cidades nomeadas, se refere a sítios identificáveis, se


relaciona com movimentos religiosos, frequenta locais que têm sentidos que
podem ser mapeados. A arqueologia, a análise cultural, social, política e
econômica dos espaços em que Jesus atuava avançam cada vez mais na
direção de oferecer um quadro mais completo de Jesus e de seus
contemporâneos que com ele conviveram. Porém, quanto mais o nosso
conhecimento a respeito do contexto em que Jesus transitava aumenta,
crescem, silenciosos, aqueles espaços negligenciados pelos evangelhos,
provavelmente com alguma razão.
57 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


Uma vez que as pequenas cidades, aldeias e campos recebem foco prioritário
MESTRADO

nos evangelhos, bem como pessoas em vulnerabilidade de apartadas dos


espaços privilegiados da religião, da economia e da política, as cidades
maiores, os políticos, os líderes militares é que estão em segundo plano. A
perspectiva dos evangelhos é “from below”, e aqueles que os leitores
contemporâneos chamam de marginais não o são. Eles são os
deuteragonistas de Jesus, o protagonista dos evangelhos. Sua condição
precária é a razão de eles estarem presentes com destaque nos evangelhos.
Os sítios que Jesus visita não são marginais na ótica de Jesus: eles são o palco
de sua atuação e o espaço de seu cotidiano.

58 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


τίς γὰρ μείζων, ὁ ἀνακείμενος ἢ ὁ διακονῶν; οὐχὶ ὁ
MESTRADO

ἀνακείμενος; ἐγὼ δὲ ἐν μέσῳ ὑμῶν εἰμι ὡς ὁ διακονῶν.

Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura,


não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem
serve. (Lucas 22.27)

59 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


Esse deslocamento dos de vida precária e servil para a condição de
MESTRADO

beneficiários de Jesus, não de parceiros de sua atividade, abre espaço


para que os seus herdeiros contemporâneos sejam destituídos de seu
lugar de direito, sendo substituídos no imaginário de quem lê os
evangelhos por aqueles que nem sequer são mencionados; e quando
o são, aparecem como antípodas do ministério jesuânico.

60 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.3 O MUNDO FRATURADO DE LUCAS


Pode-se dizer, então, que os marginais dos evangelhos são os ricos, os
MESTRADO

religiosos, as autoridades galilaicas, os militares de alta-patente, os rabinos. E


os lugares marginais são aqueles muitos que os evangelhos suprimem, como
se fosse possível, por exemplo, que Cafarnaum, satélite da grande Magdala,
pudesse existir como ente autônomo. Em suma: tudo o que é pouco
enfatizado, omitido ou citado de passagem nos evangelhos é marginal, e
informa a respeito do que está apartado do centro da atividade jesuânica.
Não é de se assustar que ao fim da identificação, se note que aqueles que são
protagonistas da religião em nome de Cristo são análogos aos marginais das
narrativas evangélicas.
61 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.4 O EVANGELHO DE LUCAS


E A QUESTÃO DA DESIGUALDADE
Lucas:
MESTRADO

É o único Evangelho que se prolonga, para além do próprio relato


do Evangelho, num segundo livro, os Atos dos Apóstolos (cf. Atos
1.1-2).
A obra de Lucas pertence ao mundo helenístico por causa de sua
linguagem, seu estilo, sua forma de escrever, sua mentalidade.
As características que acabamos de indicar permitem vislumbrar
a personalidade de um autor.

62 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS

Se compararmos o Evangelho de Lucas com o de Mateus e


MESTRADO

especialmente com o de Marcos (que constitui uma das fontes do


Evangelho de Lucas), podemos facilmente perceber uma série de
características:
Seu idioma, muito variado. é muito mais grego do que os outros,
pelo menos nas histórias.
O evangelho de Lucas é muito mais semítico nas palavras de Jesus.
Parece que Lucas usa sistematicamente a linguagem da
Septuaginta em sua história de infância.
63 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS

Estas várias particularidades manifestam ao mesmo tempo a cultura


MESTRADO

e a arte de Lucas, que muda de estilo tendo em conta os vários temas


com que trata e, ao mesmo tempo, o respeito que tem pelas palavras
do mestre, que reproduz com muito menos liberdade que o outros,
outros dados da tradição.

64 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS

Lucas organiza claramente os elementos da tradição - histórias, milagres,


MESTRADO

parábolas... - às vezes dando-lhes suas próprias introduções e conclusões


que não se encontram nos paralelos de Mateus e Marcos (compare, por
exemplo, Lucas 3.15,18,20; 5.12,15-16 com seus paralelos),
acrescentando no início de suas histórias dados de grande interesse para
a compreensão do trecho (por exemplo, Lucas 5.17; 8.42).

65 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS

Mas talvez o mais interessante é que Lucas constrói todo o seu


MESTRADO

evangelho de uma forma original. Ele reagrupa, por exemplo, uma


grande quantidade de material recebido da tradição e dá-lhe a
forma de uma viagem a Jerusalém (Lucas 9.51–19.28), dividindo
assim seu evangelho em três seções.

66 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS

A própria "jornada", por outro lado, é dividida em três seções


MESTRADO

introduzidas pelas notícias de Lucas 9.51; 13.22; 17.11, sendo


antecedidas por parábolas (Lucas 13.18-21; 17.7-10).

67 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS

A terceira parte do evangelho está localizada inteiramente em


MESTRADO

Jerusalém, que é o propósito da viagem indicada desde Lucas


9.51, ao contrário do que acontece em Mateus e
provavelmente no início de Marcos.

68 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS

Lucas é o único dos quatro evangelistas que inicia seu livro com
MESTRADO

um prólogo (Lucas 1.1-4) no qual explica suas afirmações e


como realizá-las. No início do livro de Atos, outro prólogo mais
curto nos remete ao primeiro (Atos 1.1-2).

69 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.5 CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DA OBRA DE LUCAS


A essas três etapas correspondem três fases sucessivas do povo de Deus:
MESTRADO

o antigo Israel, portador de promessas, o grupo de crentes que


respondem ao chamado de Jesus e se reúnem em torno dele, a igreja que
os apóstolos convocam desde o Pentecostes e que graças à sua missão
vai se constituindo gradativamente até os confins da terra, superando a
antiga separação entre judeus e pagãos.

70 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.6 LUCAS CONTRA ROMA:


A MARGINALIZAÇÃO DO IMPÉRIO
As figuras políticas e instituições romanas são citadas em Lucas-Atos
MESTRADO

para serem marginais ao que de fato importa: o ministério de Jesus e da


Igreja.
A história do nascimento de Jesus começa com três informações:
Augusto foi o imperador, um censo foi realizado em todo o mundo e
Quirino serviu como governador romano da Síria (Lucas 2.1-2). Da
mesma forma, o ministério de Jesus começa com um aviso de que os
eventos ocorreram no reinado do imperador Tibério, quando Pôncio
Pilatos era governador da Judeia (Lucas 3.1).

71 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7 A RAZÃO DA MARGINALIZAÇÃO:


O IMPÉRIO ROMANO COMO UM IMPÉRIO DE DESIGUALDADE
A resposta à pergunta “quem são os marginais no evangelho de
MESTRADO

Lucas?” deve considerar um duplo contexto: o contexto do


movimento de Jesus, e o contexto da comunidade que recebe o
evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. Ambos, porém, parecem se
relacionar com os contextos citadinos do Império Romano no
Oriente.

72 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


Quando Roma começou a estabelecer províncias no Oriente, sua política era colocar grupos de
MESTRADO

comunidades autônomas em áreas específicas sob o controle militar dos magistrados romanos.
Essas comunidades foram chamadas de civitates, e cada um deles consistia em um centro
urbano ocupando uma área definida de terra, seu território. Comum a praticamente todas as
cidades do Império era o padrão geral de magistrados anuais eletivos, um conselho (cúria). Os
membros do conselho eram chamados de decuriões. Em cada cidade, os decuriões e os
magistrados (quase sempre eleitos entre os decuriões) constituíam a aristocracia local. Os
decuriões eram na verdade classificados como um ordo, ou seja, uma categoria social com uma
definição oficial. Os dois ordines por excelência eram os ordines senatorial e equestre em Roma.
Senadores e cavaleiros compreendiam, respectivamente, os estratos superior e inferior da
nobreza romana, enquanto os decuriões eram a pequena nobreza local nas cidades provinciais.
Apenas uma pequena porcentagem da população foi incluída nesses ordines.

73 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


De acordo com Ramsay MacMullen,[1] dos cerca de cinquenta milhões de habitantes
MESTRADO

do Império na época de Tácito, o estrato senatorial chegava a aproximadamente dois


avosagésimos de 1%, enquanto os cavaleiros provavelmente totalizavam menos de um
décimo de 1% . A proporção de decuriões nas populações das cidades provinciais sem
dúvida variava consideravelmente, mas raramente poderia ter sido mais do que 5%.
Ligado a todos os três ordines estavam as qualificações de propriedade. Um senador
romano tinha que possuir 250.000 denários e equivale a um pouco menos da metade
desse montante, enquanto um número típico para um decurião era de 25.000 denários.

[1] MACMULLEN, Ramsay. Changes in the Roman Empire: Essays in the Ordinary.
Princeton: Princeton University Press, 1990

74 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


A imensidão dessas quantias pode ser vista em comparação com o
MESTRADO

salário diário ganho pelos trabalhadores - um denário. O principal


fato para a compreensão do sistema social em Roma e nas cidades
provinciais é a imensa lacuna que existia entre a aristocracia - os
membros dos ordines, fossem eles senadores, cavaleiros, decuriões
ou o resto da população.

75 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


A estratificação social, pode ser avaliada em termos de três
MESTRADO

variáveis:
classe econômica (significando o acesso à riqueza e aos
meios de produção).
status (significando prestígio, nascimento nobre, etc.).
poder.

76 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


Essas variáveis foram maximizadas entre os aristocratas romanos e
MESTRADO

provincianos em um grau notável. A aristocracia, em comum com as elites em


praticamente todas as outras sociedades pré-industriais, preferia manter sua
propriedade na forma de terra. Embora normalmente residissem nas cidades,
possuíam propriedades rurais em grande parte trabalhadas por escravos,
cujo excedente lhes permitia viver uma vida de lazer e luxo na cidade. Vale a
pena notar que o bônus de reunião de um oficial das legiões romanas (um
centurião, por exemplo) era grande o suficiente para permitir que ele
entrasse no conselho de um grande provincial cidade.

77 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


Quanto à nossa segunda variável, status, romanos e gregos, como os membros de
MESTRADO

outras sociedades pré-industriais, não mediram esforços para anunciar sua


posição na escala social. Peter Garnsey[1] chamou a atenção para o fato de que os
privilégios dos decuriões nas províncias eram comparáveis aos dos senadores em
Roma. Sentavam-se em assentos especiais nos jogos e no teatro, jantavam às
custas do público, recebiam mais do que os outros na distribuição de presentes,
usavam roupas distintas e epítetos pomposos eram aplicados ao ordo como um
todo.

[1] GARNSEY, Peter. Social Status and Legal Privilege in the Roman Empire.
Oxford: Oxford University Press, 1970.
78 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


Quanto à nossa terceira variável, o poder político, a instituição do
MESTRADO

Principado por Otaviano privou amplamente o Senado da capacidade


de moldar os eventos conforme sua vontade. Não obstante, senadores
e cavaleiros individuais podiam ser investidos de considerável
autoridade delegada, e os decuriões e magistrados nas cidades
provinciais, embora sujeitos ao governador romano, exerciam um
poder significativo.

79 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


Essa minúscula elite mantinha sobre os recursos sociais de riqueza, prestígio e
MESTRADO

poder, estava seu desdém, muitas vezes beirando o ódio, pela massa da
população, que tinha pouco ou nenhum acesso a esses recursos. A elite se
considerava moralmente superior ao resto, atitude que é bem ilustrada pelo
uso da palavra boni para se referir a eles durante o final do período
republicano.

Durante o Império, as classes superiores passaram a se referir a si mesmas


como honestiores, possuidores de honos ou estima, enquanto o resto eram
simplesmente humiliores, aqueles de origem humilde e sem status.
80 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


A elite dominante da sociedade greco-romana desprezava a vasta massa da
MESTRADO

população, especialmente porque eles tinham que repor baseando-se no seu


trabalho manual ou no comércio para ganhar a vida. Casamentos mistos eram
considerados maus e propícios à degeneração. Povos migrantes eram
considerados de menor qualidade: 'degenerados e mestiços', degeneres sunt,
mixti (Tito Lívio 38.17.9-10) ou, na paráfrase posterior de Florus, mixta et
adulterata \ misto e impuro, bastardos (Florus 1.27.3-4). A crença de que o
casamento com estranhos produz descendentes de qualidade inferior está
arraigada na Grécia e também em Roma.

81 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


Este é o conflito entre judeus e sírios e egípcios e romanos, não
MESTRADO

sobre a questão de se a santidade deve ser colocada antes de tudo


e deve ser buscada em todas as circunstâncias, mas se o ato
específico de comer carne de porco é sagrado ou profano.
(Arrianus, Dissertationes 1.22.)

82 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.1 CIDADANIA E PRIVILÉGIO


Eles se sentam separados para as refeições e dormem separados
MESTRADO

e, embora como uma raça, sejam propensos à luxúria, eles se


abstêm de relações sexuais com mulheres estrangeiras; no
entanto, entre eles nada é ilegal. Eles adotaram a circuncisão para
se distinguirem dos outros povos por esta diferença. (Tácito,
Histórias 5.2).

83 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.2 A ASSOCIAÇÃO PARA SOBREVIVÊNCIA


DOS POBRES NO IMPÉRIO ROMANO
Quais grupos deviam ser encontrados na grande maioria da
MESTRADO

população que constituía os humiliores, as pessoas que Cícero


poderia descrever como sordes urbis et faex, “a sujeira e a escória
da cidade”? Os mais afortunados eram provavelmente os
mercadores e comerciantes mais ricos, que normalmente
ganhavam uma vida razoável, embora fossem impedidos de
participar dos conselhos municipais provinciais porque se pensava
que tinham um meio de vida degradante.
84 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.2 A ASSOCIAÇÃO PARA SOBREVIVÊNCIA


DOS POBRES NO IMPÉRIO ROMANO
Depois, havia os artesãos e aqueles que se dedicavam à indústria de serviços, como
MESTRADO

transportadores e barqueiros. Os membros desses três amplos grupos frequentemente formavam-


se em collegia que, em geral, tinham um papel social em vez de político ou econômico; raramente
pressionavam seus interesses comerciais. Normalmente, cada collegia tinha o nome de um deus e
tinha um patrono humano que havia beneficiado os membros de alguma forma, geralmente doando
dinheiro suficiente para eles construírem seu salão de reuniões, onde o colégio se reunia em várias
ocasiões especiais a cada ano para compartilhar refeições comemorativas. Os collegia tinham
vários oficiais a quem aplicavam títulos que muitas vezes imitavam os de oficiais municipais. Um
resultado desse sistema foi, como Meeks observou,[1] que os collegia deu àqueles que não podiam
participar da política da própria cidade um chance de se sentirem importantes em suas próprias
repúblicas em miniatura.
[1] MEEKS, Wayne A. O Mundo Moral dos Primeiros Cristãos, trad. João Rezende Costa. São Paulo:
Paulus, 1996.
85 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.2 A ASSOCIAÇÃO PARA SOBREVIVÊNCIA


DOS POBRES NO IMPÉRIO ROMANO
Outras áreas de emprego em cidades pré-industriais, como as do Oriente
MESTRADO

romano, incluíam carga, transporte de mensagens, condução de animais e


escavação de valas. Grandes setores da população devem ter ganho uma
subsistência escassa vendendo vários alimentos para os transeuntes,
assim como eles fazem em cidades por toda a Turquia e no Oriente
Médio hoje. Para os pobres livres que não podiam trabalhar, como os
cegos, os aleijados ou os mentalmente perturbados, o único meio de vida
era mendigar ou apoio de parentes.

86 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.2 A ASSOCIAÇÃO PARA SOBREVIVÊNCIA


DOS POBRES NO IMPÉRIO ROMANO
Havia outro grupo de pessoas nas províncias orientais cuja situação era particularmente
MESTRADO

infeliz - aqueles que haviam sido privados de sua liberdade por credores aos quais não
conseguiam pagar suas dívidas. Ste Croix aplicou proveitosamente o termo 'fiadores de
dívida' a devedores como esses e 'servidão por dívida' à sua condição.[1] Eles não eram
escravos no sentido técnico; se a dívida fosse paga, eles poderiam recuperar sua liberdade
sem a necessidade de alforria. Embora o credor pareça não ter o direito legal de fazer o
devedor saldar a dívida, esse deve ter sido o curso normal. Não haveria muito sentido em
apreender um devedor inadimplente e, em seguida, incorrer nas despesas de mantê-lo
ocioso, exceto se ele fosse considerado como tendo bens ocultos ou parentes compassivos e
endinheirados.
[1] STE CROIX, G. Early Christian attitudes to property and slavery. Oxford: Basil Blackwell,
1975.
87 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.2 A ASSOCIAÇÃO PARA SOBREVIVÊNCIA


DOS POBRES NO IMPÉRIO ROMANO
ὡς γὰρ ὑπάγεις μετὰ τοῦ ἀντιδίκου σου ἐπ᾽ ἄρχοντα, ἐν τῇ ὁδῷ δὸς ἐργασίαν
MESTRADO

ἀπηλλάχθαι ἀπ᾽ αὐτοῦ, μήποτε κατασύρῃ σε πρὸς τὸν κριτήν, καὶ ὁ κριτής σε
παραδώσει τῷ πράκτορι, καὶ ὁ πράκτωρ σε βαλεῖ εἰς φυλακήν. λέγω σοι, οὐ μὴ
ἐξέλθῃς ἐκεῖθεν, ἕως καὶ τὸ ἔσχατον λεπτὸν ἀποδῷς.

Quando fores com o teu adversário ao magistrado, esforça-te para te livrares desse
adversário no caminho; para que não suceda que ele te arraste ao juiz, o juiz te
entregue ao meirinho e o meirinho te recolha à prisão. Digo-te que não sairás dali
enquanto não pagares o último centavo.

88 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.2 A ASSOCIAÇÃO PARA SOBREVIVÊNCIA


DOS POBRES NO IMPÉRIO ROMANO
O último componente da população eram os escravos. Em termos de status, eles certamente estavam na base
MESTRADO

da escala social. Em termos de subsistência, no entanto, eles provavelmente estariam em melhor situação do
que os pobres livres: os escravos pelo menos tinham donos a quem poderiam procurar comida e abrigo. Uma
série de passagens dos autores clássicos mostram que ocasionalmente os pobres retribuíam o ódio que
recebiam da elite governante. Salústio, por exemplo, observa que a plebe romana favorecia a conspiração de
Catilina. Na maior parte, porém, os pobres aceitavam sua sorte, como podemos inferir de sua passividade, em
silêncio e deferência. Alguns deles, no entanto, tomaram cuidado para garantir que suas almas descansassem
pacificamente pelo menos na conclusão de suas lutas nesta vida, filiando-se a associações que proporcionassem
um enterro decente para seus membros. Essas associações cobravam uma taxa de entrada e uma pequena
assinatura mensal e não eram autorizados por lei a se encontrarem mais com os ricos no Oriente romano mais
do que uma vez por mês. Durante o primeiro e segundo séculos d.C., de acordo com Waltzing,[1] associações
desse tipo, que passaram a ser chamadas de collegia tenuiorum, eram encontrados em grande número em todas
as partes do império.
[1] WALTZING, J. P. Étude historique sur les corporations professionnelles chez les romains. Lovaina, 1895.

89 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Agora é necessário examinar um pouco mais de perto como era ser
MESTRADO

pobre em uma cidade helenística do Oriente romano. Então, como


agora, os pobres urbanos tinham duas necessidades básicas: comida e
abrigo.

90 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Nem as associações profissionais e funerárias mencionadas acima
MESTRADO

desempenharam qualquer papel significativo no alívio da pobreza urbana.


Embora realizassem reuniões regulares nas quais os membros desfrutavam
de um banquete pago com as taxas de filiação ou por algum patrono ou
benfeitor rico, tais refeições eram muito raras para serem uma solução
permanente para o problema da fome. A partir de um exame cuidadoso das
evidências, Waltzing mostrou, além disso, que nem o profissional nem o
colégio funerário tinham um propósito de caridade; não era sua prática
ajudar membros enfermos ou indigentes. Nenhuma das muitas inscrições dos
collegia fala de assistência sendo fornecida a tais membros per se.
91 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
A utilização dos fundos dos collegia tenuiorum para qualquer outro fim que
MESTRADO

não a realização de sepultamentos para os seus membros foi, de fato,


proibida pelo senatus consultum que permitiu a sua instalação.
Ocasionalmente, é claro, as distribuições a todos os membros foram
possibilitadas por benfeitorias, mas que tais distribuições não tinham
nenhum propósito de caridade é eloquentemente revelado pelo fato de que
muitas vezes aqueles que tinham menos necessidade, como titulares de
cargos em uma posição econômica mais afortunada, recebia uma parcela
maior do que era distribuído.

92 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Uma grande porcentagem das pessoas no Império Romano pode ter vivido suas
MESTRADO

vidas sem pelo menos uma vez se perguntar de onde viria a próxima refeição. Até
o momento, não existe um tratamento adequado e sistemático da fome no
Império Romano. Historiadores antigos, com algumas exceções notáveis,
mostraram pouco interesse neste assunto. Devemos agora delinear algumas das
razões para a frequência da fome e suas consequências para os pobres urbanos.

93 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Roma dependia de enormes importações de grãos do Egito, África e outras
MESTRADO

áreas para alimentar sua população. As cidades provinciais, via de regra, se


abasteciam da produção agrícola de seu próprio território, muitas vezes
deixando os camponeses locais na miséria. Mesmo em épocas de boas
safras, o interior das cidades mal produzia grãos suficientes, de modo que
em caso de quebra de safra, que acontecia com frequência, devido às
chuvas irregulares do clima mediterrâneo, os resultados tendiam a ser
catastróficos. É verdade que os grãos podiam ser importados de outro
lugar, mas isso não era tão descomplicado quanto pode parecer.

94 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
A importação de grãos do Egito, o celeiro mais próximo das
MESTRADO

cidades orientais, estava sujeita à licença imperial, que foi


concedida com muita parcimônia. Além disso, no interior e nas
cidades costeiras, os comerciantes de grãos locais e proprietários
de terras estavam muito dispostos a comprar todo o trigo
disponível em tempos de escassez, armazená-lo em seus armazéns
e apenas liberá-lo com um lucro enorme.

95 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Aqueles sem qualquer forma de renda, exceto o mendigar, provavelmente
MESTRADO

adotaram as práticas dos sem-teto urbanos que podem ser vistas até hoje nas
grandes cidades: tirar proveito de qualquer forma de cobertura, natural ou
artificial, que as autoridades cívicas permitiam. Durante as últimas décadas do
quarto século d.C., João Crisóstomo relatou que os sem-teto em Antioquia do
Orontes dormiam na palha nas colunatas de banhos e templos. Gregório de
Nissa escreveu sobre os mendigos que lotavam as cidades: “O ar livre é sua
morada, seus alojamentos são os pórticos e esquinas e as partes menos
frequentadas do mercado”. Há poucos motivos para acreditar que este também
não fosse o caso no primeiro século d.C. em todas as cidades do Oriente.
96 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Os membros um pouco mais abastados dos pobres urbanos
MESTRADO

podem ter vivido em pequenas cabanas de um andar construídas


nas partes das cidades mais distantes das seções centrais
comparativamente grandes onde os edifícios públicos e as
residências dos ricos estavam localizados.

97 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Os pobres urbanos que tinham dinheiro suficiente para alugar instalações mais
MESTRADO

próximas dos centros das cidades viviam em cortiços. Em Roma e em outros lugares,
especialmente em Óstia, havia cortiços de vários andares chamados insulae, contendo
vários apartamentos que eram alugados a inquilinos. A natureza dessas edificações e a
qualidade de vida de quem os habitava foram bem descritas por Homo. Algumas das
insulae eram bem construídas, mas as mais pobres não. Havia um perigo constante de
entrar em colapso ou serem destruídas pelo fogo. Aqueles usados pelos pobres eram
superlotados, escuros e insalubres, geralmente sem água encanada ou banheiros.
Parece que em Roma, onde a superlotação urbana era intensa, as insulae eram mais
altas do que em outros lugares, às vezes atingindo seis andares, ao contrário dos três
exemplares conhecido de outras cidades.

98 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
O fato de Lucas estar familiarizado com as casas de três andares é
MESTRADO

revelado na passagem que relata o infortúnio de Êutico, que caiu do


terceiro andar de um edifício em Trôade (Atos 20.9). Onde quer que os
pobres vivessem nas cidades provinciais do Leste - sob colunatas, ou em
cabanas ou cortiços -, podemos ter certeza de que eram atormentados
por problemas de saúde, assim como os habitantes mais pobres de
praticamente todas as cidades pré-industriais. A superlotação e água
frequentemente poluída eram problemas comuns.

99 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
Os pobres - e particularmente os filhos dos pobres - sofriam de alta
MESTRADO

morbidade e altas taxas de mortalidade. As expectativas de vida eram


baixas. Para os ricos, o panorama era muito mais brilhante. Nas cidades,
eles costumavam viver em domus, prédios baixos e de quatro lados
construídos em torno de um pátio aberto ao ar, que eram residências
muito mais saudáveis do que as ocupadas pelos pobres. Além disso, eles
podiam pagar uma dieta adequada e a melhor assistência médica, como
era, e se algum tipo de praga ameaçasse a cidade, eles sempre poderiam
se retirar para suas propriedades no campo.

100 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.7.3 A POBREZA E A FOME COMO


PROBLEMAS DO IMPÉRIO ROMANO
A partir deste breve levantamento da estratificação social e da experiência
MESTRADO

de pobreza nas cidades provinciais do império, fica claro que os pobres


urbanos sofreram formas extremas de privação econômica, social e política.
Para eles, a vida era um negócio muito sombrio. Mal alimentados, mal-
alojados, devastados pela doença, impedidos de qualquer acesso ao prestígio
social e poder sobre seus próprios destinos, e praticamente sem esperança
de melhora em sua condição, passaram pela vida com pouca ou nenhuma
confirmação que eles, tanto quanto a minúscula elite que os governava, eram
criaturas com dignidade e respeito pessoais, com direito a compartilhar os
frutos da terra.
101 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8 A RESPOSTA DE LUCAS: O BANQUETE DAS INVERSÕES

1.8.1 O jantar como palco das inversões


MESTRADO

O episódio sobre Jesus no jantar na casa de um governante está


localizado virtualmente no meio da 'seção central' de Lucas, a
chamada 'narrativa de viagem' ou 'grande inserção'. O modo de
composição do episódio parece ser a técnica de escrita de cena
dramática que caracteriza o estilo helenístico da historiografia
trágico-patética, isto é, o produção de narrativas históricas para
influenciar e guiar a vida no presente.

102 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


A narrativa tem:
MESTRADO

(a) a ausência de um fluxo narrativo contínuo e uniforme;


(b) a apresentação da história a ser contada em uma série de
episódios discretos que, embora estejam ligados entre si, são
independentes uns dos outros e, portanto, podem ser
compreendidos e apreciados por conta própria;
(c) cenas vívidas que enfatizam um estilo visual e teatral.

103 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES

Na seção central de Lucas, Jesus é descrito como um 'profeta-


MESTRADO

convidado itinerante' como Moisés, usando uma estrutura


teológica literária que mescla retratos de Moisés do
Deuteronômio com características da visão Deuteronomista
da história.

104 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


A oratória e a escrita visualmente orientadas eram um ideal cultural
MESTRADO

geral. Os episódios dramáticos na seção central de Lucas 13


provocam uma transposição de idéias ou temas abstratos em
discurso direto para aumentar o apelo ao leitor, até que Lucas 14.1-
24, uma cena com uma clara início e fim marcados, apresenta
detalhes descritivos suficientes para permitir que os leitores
visualizem o cenário e as circunstâncias e identifiquem os tipos de
personagens.

105 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES

Lucas 14.1-24 é um episódio unificado, em que 14.1 marca seu


MESTRADO

início com a fórmula típica de Lucana para a introdução de um


novo episódio: “e aconteceu” + um infinitivo articular, com
indicadores circunstanciais:
de tempo (sábado)
de lugar (casa de um governante)
de ocasião (refeição)

106 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


1 Aconteceu que, ao entrar ele num sábado na casa de um dos principais
MESTRADO

fariseus para comer pão, eis que o estavam observando.


2 Ora, diante dele se achava um homem hidrópico.
3 Então, Jesus, dirigindo-se aos intérpretes da Lei e aos fariseus,
perguntou-lhes: É ou não é lícito curar no sábado?
4 Eles, porém, nada disseram. E, tomando-o, o curou e o despediu.
5 A seguir, lhes perguntou: Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço,
não o tirará logo, mesmo em dia de sábado?
6 A isto nada puderam responder. (Lucas 14.1-6)

107 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


7 Reparando como os convidados escolhiam os primeiros lugares, propôs-lhes uma
MESTRADO

parábola:
8 Quando por alguém fores convidado para um casamento, não procures o primeiro
lugar; para não suceder que, havendo um convidado mais digno do que tu,
9 vindo aquele que te convidou e também a ele, te diga: Dá o lugar a este. Então, irás,
envergonhado, ocupar o último lugar.
10 Pelo contrário, quando fores convidado, vai tomar o último lugar; para que, quando
vier o que te convidou, te diga: Amigo, senta-te mais para cima. Ser-te-á isto uma honra
diante de todos os mais convivas.
11 Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado. (Lucas
14.7-11)

108 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


12 Disse também ao que o havia convidado: Quando deres um jantar ou
MESTRADO

uma ceia, não convides os teus amigos, nem teus irmãos, nem teus
parentes, nem vizinhos ricos; para não suceder que eles, por sua vez, te
convidem e sejas recompensado.
13 Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos
e os cegos;
14 e serás bem-aventurado, pelo fato de não terem eles com que
recompensar-te; a tua recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição
dos justos. (Lucas 14.8-14)

109 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


15 Ora, ouvindo tais palavras, um dos que estavam com ele à mesa, disse-lhe: Bem-aventurado aquele que
MESTRADO

comer pão no reino de Deus.


16 Ele, porém, respondeu: Certo homem deu uma grande ceia e convidou muitos.
17 À hora da ceia, enviou o seu servo para avisar aos convidados: Vinde, porque tudo já está preparado.
18 Não obstante, todos, à uma, começaram a escusar-se. Disse o primeiro: Comprei um campo e preciso ir vê-
lo; rogo-te que me tenhas por escusado.
19 Outro disse: Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las; rogo-te que me tenhas por escusado.
20 E outro disse: Casei-me e, por isso, não posso ir.
21 Voltando o servo, tudo contou ao seu senhor. Então, irado, o dono da casa disse ao seu servo: Sai depressa
para as ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos.
22 Depois, lhe disse o servo: Senhor, feito está como mandaste, e ainda há lugar.
23 Respondeu-lhe o senhor: Sai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar, para que fique cheia a
minha casa.
24 Porque vos declaro que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia. (Lucas
14.15-24)
110 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


Nesta passagem, a recusa do convite ao banquete por causa de negócios
MESTRADO

típicos de pessoas imbuídas de posses – comprar um campo, comprar


cinco juntas de bois e casar-se – faz com que o domus do anfitrião se
encha de pobres, aleijados, cegos, coxos e todos – tornando os que
rejeitaram o convite, ninguém. Logo, o evangelho de Lucas decreta
marginalidade aos que seguem cultivando as relações sob a mediação dos
valores romanos, e inclui os demais na fruição coletiva – repito, como um
collegium sem a exigência da contrapartida dos clientes diante da
generosidade do patronus.

111 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.8.1 O JANTAR COMO PALCO DAS INVERSÕES


14.1: Jesus vai jantar (literalmente, 'comer pão') na casa de um líder dos fariseus.
MESTRADO

14.7: Jesus vê o outro convidado convidados competindo pelos prestigiosos lugares


reclinados.
14.8: Jesus passa a dar aos comensais reunidos uma breve palestra sobre sua preocupação
com a disposição dos assentos quando convidados para banquetes de casamento: no
prestigioso lugar (14.8) ou o lugar mais baixo, distante (14.12).
14.13: Jesus se dirige ao anfitrião com conselhos sobre como preparar listas de convidados
para o almoço ou jantar, ou para uma recepção.
14.15: A bem-aventurança escatológica fala sobre as perspectivas daquele que comerá pão
no reino de Deus.
14.16 Isso evoca a história do homem que preparou um grande jantar e chamou convidados.
14.24 A história e o episódio da ceia terminam com a lição solene de que nenhum dos
homens convidados provará o jantar. É a inversão social e a marginalização dos honestiores.
112 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6
Platão, Críton 53a:
MESTRADO

[53a] nem de qualquer outra das cidades gregas ou dos estrangeiros, mas
você saiu desta cidade menos do que os coxos e os cegos e os outros
aleijados. Muito mais do que os outros atenienses, você estava satisfeito
com a cidade e, evidentemente, conosco, suas leis; pois quem ficaria
satisfeito com uma cidade separada de suas leis? E agora você não vai
cumprir o seu acordo? Você o fará se seguir nosso conselho, Sócrates; e
você não se tornará ridículo indo embora da cidade. Considere transgredir
dessa forma e cometer esses erros, você fará bem a si mesmo...

113 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6
Habet Trebius propter quod rumpere somnum
MESTRADO

debeat et ligulas dimittere, sollicitus ne


tota salutatrix iam turba peregerit orbem,
sideribus dubiis aut illo tempore quo se
frigida circumagunt pigri serraca Bootae.
Trebio já tem motivos para interromper o sono
e soltou os cadarços, preocupado com a turba
todos os clientes terminaram a rodada de saudações
quando as estrelas se apagam ou no momento em que
o carro gelado do preguiçoso boieiro completa uma órbita. (Juvenal, Sátiras 5.19-23)

114 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6
Os cínicos, gostavam de metáforas e comparações da medicina, um campo
MESTRADO

produtivo na Segunda Sofística. A descrição de Demonax por Luciano


fornece uma ilustração inicial:

Embora atacasse os pecados, ele perdoou os pecadores, pensando que se


deveria seguir os médicos que curam doenças, mas não sentem raiva dos
enfermos (Luciano, Demonax 7).

115 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6
Pois ele observou que um grande número se reunia em Corinto por causa dos
MESTRADO

portos e das hetairas, e porque a cidade era situada, por assim dizer, na
encruzilhada da Grécia. Consequentemente, assim como o bom médico deve
ir e oferecer seus serviços onde os enfermos são mais numerosos, assim,
disse ele, o homem de sabedoria deve morar onde os tolos são mais
numerosos a fim de convencê-los de sua loucura e reprová-los. (Dion
Crisóstomo, Orationes 8.5)

116 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

Esta imagem de Demonax e Diógenes como 'iatrosofistas' cínicos é típica de


MESTRADO

um conceito mais amplo tendência dos filósofos de se comparar a um


“médico administrando medicamentos”. A relevância das fontes cínicas para
o estudo do evangelho de Lucas dificilmente precisa de justificativas
elaboradas. Seu autor escreveu talvez no auge do renascimento do cinismo,
cuja influência se estendeu muito além daqueles propriamente conhecidos
como cínicos. A afinidade entre os primeiros cristãos e cínicos foi
reconhecida desde cedo pelos últimos (Luciano, Peregr.) e pelos primeiros
(Tertuliano, De Pallio 6).

117 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

A hidropisia aparece como metáfora cínica para uma paixão consumidora, (Plutarco,
MESTRADO

Moralia 561c), para os vícios e ignorância que somente a filosofia poderia curar,
sendo suas salas de aula, hospitais, e suas palestras como medicamentos. Dentro
desse campo mais amplo de analogias médicas, surge uma comparação,
especialmente popular nos círculos cínicos, do doença da hidropisia como o vício da
avareza. A comparação pode recuar até Antístenes, mas uma vez que a atribuição é
uma questão incerta e como Antístenes apenas implica a analogia hidropisia-
avareza, é melhor ver isso com cuidado (Diógenes Laércio 6,6). Antístenes foi o
fundador da Escola Cínica em Atenas, que disse ter falado da ganância dos tiranos
como uma 'doença grave e dolorosa' (Xenofonte, Symp. 4.37).

118 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

Assim como os hidrópicos, embora cheias de fluido, anseiam por bebida, os


MESTRADO

amantes do dinheiro, embora carregados de dinheiro, anseiam por mais, mas


ambos procuram o seu próprio mal. Pois, seus desejos aumentam ainda mais eles
adquirem os objetos de seus desejos. (Stobaeus, Florilegium 3.10.45)
Se alguém quiser se libertar da vontade e a escassez ou para libertar outra
pessoa, que ela não busque dinheiro para ela. Pois é, diz Bion, como se alguém que
deseja aliviar a sede de um homem que sofre de hidropisia não tratasse a
hidropisia, mas lhe desse fontes e rios. Pois o sofredor preferia se estourar com a
bebida do que se curar da sede. E este homem nunca poderia ficar satisfeito, pois
é insaciável, sedento de fama e supersticioso. (Teles ap. Stobaeus, Florilegium
4.33.31)
119 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

... em meus olhos, sua doença se assemelha à de uma pessoa que


MESTRADO

possuía abundância, mas por comer continuamente nunca poderia


ser satisfeita (Xenofonte, Symp. 4.36-1)

120 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

Aqueles... que não se separam de nada, embora tenham grandes posses, mas sempre querem mais,
MESTRADO

golpeariam aquele que se lembrava do que Aristipo disse como ainda mais absurdo. “Se um homem
come e bebe muito”, ele costumava dizer, “mas nunca fica satisfeito, ele vai a um médico, pergunta o
que o aflige, o que está errado com seu sistema e como se livrar da desordem; mas se o dono de
cinco sofás sai à procura de dez, e o dono de muitas mesas compra mais mesas, e embora ele tenha
terras e dinheiro em abundância, não está satisfeito, mas empenhado em mais, perdendo o sono e
nunca saciado por qualquer quantia, ele imagina que não precisa de alguém que lhe receite e
aponte a causa de sua angústia?” ... [Nós] presumimos que quem bebe sem parar precisa se aliviar,
não se encher. O mesmo ocorre com os que ganham dinheiro ... Aquele que tem mais do que o
suficiente e ainda anseia por mais, não encontrará remédio em ouro e prata [etc.]... mas se expulsar
a fonte do mal será purgado. Pois sua doença não é pobreza, mas insaciabilidade e avareza... e a
menos que alguém remova isso, como uma tênia de sua mente, ele nunca deixará de precisar de
supérfluos - isto é, de querer o que não precisa. (Plutarco, Moralia 524a-d)
121 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

[Scopas, o estratego dos etólios] desconhecia que, como no caso


MESTRADO

da hidropisia, a sede do sofredor nunca cessa e nunca é aliviada


pela administração de líquidos de fora, a menos que curemos o
quadro mórbido do próprio corpo, por isso é impossível saciar a
ganância de ganho, a menos que corrijamos raciocinando o vício
inerente à alma. (Políbio 13.2.2)

122 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

Se você tivesse problemas com a sede que a água não conseguia


MESTRADO

saciar, falaria com seu médico sobre isso; então, se, com os bens
acumulados, você sentisse apenas desejo por mais, você deixaria
de se aconselhar com alguém a respeito disso? (Horácio, Epodo
2.2.146-149)

123 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

Portanto, aquele cuja barriga se enche de hidropisia, quanto mais bebe,


MESTRADO

mais sede fica. Hoje em dia só conta o dinheiro: a fortuna traz honras,
amizades; o pobre homem em todos os lugares está baixo. (Ovídio, Fasti
1.215-16; no contexto de uma reclamação sobre o 'desejo frenético de
riqueza')

124 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

A comparação parece ter sido comum o suficiente para se tornar proverbial.


MESTRADO

Muito mais tarde, o compilador do Gnomologium Vaticanum a atribuiu até


mesmo a Platão. Assim, podemos supor uma familiaridade cotidiana com a
comparação, familiaridade que possibilitou aos escritores de narrativas
populares brincar com o duplo sentido do termo. Um episódio em Vida de
Apolônio de Filóstrato ilustra essa possibilidade, pois ele menciona a cura de
um hidrópico em apoio ao ascetismo pitagórico de Apolônio. Encontrando-se
no templo de Asclépio, Apolônio encontrou um jovem assírio que sofria de
hidropisia, uma condição explicitamente ligada à sua “vida de luxo” e “prazer na
embriaguez”.

125 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(1) 14.1-6

Lucas, portanto, podia se dar ao luxo de traçar a comparação oblíqua e elíptica. Pode-se
MESTRADO

afirmar que o cenário literário e o contexto temático da figura em Lucas 14 é uma cena da
ceia de elite, com críticas à gula e à ganância autoindulgente. O cenário evoca a grande ceia
greco-romana (cf. Lucas 14.16), uma marca registrada e símbolo do status dos ricos gregos e
romanos e que polemistas, satíricos e moralistas helenísticos frequentemente exploravam
em suas tiradas e paródias. Lucas conta com a familiaridade geral de seus leitores com essa
figura de comparação. Para que isso seja plausível, precisamos atestar que a figura era de
domínio público. A hidropisia como consequência de um jantar suntuoso pertence às críticas
convencionais ao banquete extravagante das classes altas. A relação do homem hidrópico
com os fariseus indica que a religião farisaica era rigorosa com prescrições rituais, mas
tolerante com a ganância e com a injustiça que relegava pessoas à pobreza, doença e morte.

126 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14
MESTRADO

127 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14

Lucas 14.7-11 consiste em três elementos distintos:


MESTRADO

uma introdução transitória (14.7)


o dizer sobre o primeiro e o último lugares em uma refeição de
casamento (14.8-10)
uma justificativa anexada na forma de um dito sobre a reversão do
humilde e exaltado (14.11).

128 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14

O dito sobre as posições na mesa de jantar (Lucas 14.8-10) é a


MESTRADO

própria versão de Lucas de um tópos recorrente que está


profundamente enraizado na literatura. Ele reflete a interconexão
entre a ordem dos assentos e a posição social no antigo Oriente
Próximo, costumes simpóticos gregos e romanos, e suas relações
sociais.

129 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14

Quando tomamos nossos lugares ... não devemos tentar descobrir


MESTRADO

quem foi colocado acima de nós, mas sim como podemos ser
totalmente agradáveis aos colocados entre nós, tentando
imediatamente descobrir neles algo que pode servir para iniciar e
manter a amizade... Pois, em todos os casos, um homem que se opõe
ao seu lugar à mesa está se opondo ao seu próximo e não ao seu
anfitrião, e ele se torna odioso para ambos. (Septem sapientium
convivium [Moralia] 149a-b)

130 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14

É ridículo para nossos cozinheiros e garçons estarem muito


MESTRADO

preocupados com quem eles devem servir primeiro, segundo, ou


terceiro, ou por último... se os convidados para a festa devem ser
alimentados em lugares determinados ao acaso: este arranjo não dá
nem à idade, nem ao posto, nem a qualquer outra distinção a posição
que lhe convém; não honra o homem que se destaca... Pois o homem de
qualidade não tem seu status e posição [no mundo], mas não recebe
reconhecimento no lugar que ocupa no jantar. (Quaestiones convivales
[Moralia] 616b)
131 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14

Quanto a Lucas 14.11, esse aforismo bipolar a respeito da sorte


MESTRADO

reversa do exaltado (honestiores) e do humilde (humiliores) lança


para a margem os primeiros, invertendo a lógica das honras do
mundo romano. Também em 1 Clemente e em Pastor de Hermas, a
humildade, o arrependimento e o jejum tem um lugar estabelecido no
cristianismo, constituindo a nova lex.

132 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14

O vocabulário de Lucas, sua forma antitética e a exploração por ele


MESTRADO

do tema de reversão, para não falar de seu contexto temático (14.1-


24), é altamente evocativo da experiência social de humildade como
o enfoque fundamental de Jesus, em que o sistema de recompensa
motiva o honestior a renunciar de suas posições exaltadas em apoio e
conformidade com os ideais de comunidade de Lucas, nos quais a
"humildade" está a caminho de ser redimida e transformada em
padrão, jogando os ricos, poderosos, políticos, líderes religiosos para
a margem.
133 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(2) 14.7-14

Os convidados inusuais e incomuns (14.12-14) subvertem os arranjos sociais e


MESTRADO

atitudes morais estabelecidos, tomando um assunto greco-romano tradicional e


familiar para romper com a etiqueta dominante. Em vez de ceder à gradação e à
segregação social, o esnobismo, bajulação e humilhação vão para o segundo plano.
Se em Luciano, “ ninguém convida um inimigo ou uma pessoa desconhecida, nem
mesmo um pouco conhecido para jantar” (Luciano, De Parasito 22); e se Plutarco
dedica um capítulo inteiro de sua “conversa à mesa” (Moralia 706f-10a) ao tema dos
convites para a ceia conforme a sua posição social aristocrática e preferências,
Lucas faz da ceia do Reino de Deus uma partilha de generosidade com coxos, cegos,
paralíticos, convidados habituais e incomuns que sofrem nas garras da fome
(Macróbio, Saturnália 31).
134 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

O tema do anfitrião irritado é um tópico recorrente na narração de


MESTRADO

convites para jantar desprezados (ver Xenofonte, Symp. 1.7;


Plutarco, Moralia 511D-E; a efusiva carta de desculpas de Plínio,
Epist. 9.37). O envio de um servo para as ruas, com o objetivo de
reunir substitutos para os convidados da ceia, que devem ser pobres,
paralíticos, coxos e cegos (Lucas 14.21) é uma versão ligeiramente
reorganizada do quarteto mencionado em 14.13.

135 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

A formação de um novo agrupamento social iniciado pelo esforço de um chefe de família rico,
MESTRADO

ao invés da exclusão dos hóspedes originalmente preferidos sugere a abundância, a


importância social do evento e, por implicação, da alta posição social de seu hospedeiro.
Como Jesus, que se reúne com os estropiados do mundo, para coloca-los em destaque, após
a religião ser transformada em uma reprodução da injustiça de seu contexto de inserção, o
convite secundário a fim de preencher a sala de jantar na parábola contribui para a
conclusão de que houve uma promoção no status econômico e na posição social de algumas
das dramatis personae; por outro lado, houve o rebaixamento correspondente dos outros na
escala econômica e social. Os Oberschichtmänner (“homens da classe alta”), que têm
interesse único e imperioso na aquisição de um imóvel ou, mais particularmente, estão
preocupados em tomar posse de uma compra, aquisição, negócios e riqueza em um sentido
grave.
136 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

Em relação às posses, na Palestina romana e no Oriente helenístico em


MESTRADO

geral, os proprietários de terras adquiriam status em parte por não


operarem eles próprios suas fazendas. Importantes proprietários de
terras viviam em cidades distantes social ou geograficamente de suas
terras. Logo, os grandes proprietários de terras que vão expandir e
consolidar propriedades, se negam o convite, também estão indicando
desdém pelo anfitrião.

137 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

Em relação às riquezas, sabe-se que era preciso um par de bois para trabalhar
MESTRADO

de 9 a 9,45 hectares de terra. Logo, o homem da parábola que vai cuidar de


bois possuía pelo menos 45 hectares, e provavelmente muito mais, e era,
consequentemente, um grande proprietário de terras. Uma vinha de 63 acres
ou 25 hectares na Itália precisava de dois bois e três burros, enquanto uma
vinha de 151 acres ou 60 hectares precisava de três pares de bois e quatro
jumentos. As condições mais precárias da Palestina, se for o caso, pode
indicar que dez animais de trabalho indica ser o grande proprietário de
terras, um latifundiário.

138 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

Em relação ao prazer, Demóstenes, em Contra Neera 59.122,


MESTRADO

afirma:
Amas que mantemos para nosso prazer, concubinas para
nosso bem-estar físico diário e esposas para gerar filhos
legítimos e ter guardiães de confiança de nossas famílias.

139 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

A negação do prazer como motivo para o casamento está


MESTRADO

codificada, de acordo com Plutarco, em uma das leis de casamento


de Sólon:
Ele [Sólon] prescreveu que um homem deveria ter relações
sexuais com sua esposa pelo menos três vezes por mês, não
por prazer, mas à medida que as cidades renovam seus
tratados entre si de tempos em tempos (Plutarco, Mor. 769A).

140 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

Procne, na peça perdida de Sófocles, Tereus, dá uma rara perspectiva


MESTRADO

feminina para o prazer sexual:


... muitas vezes ponderei sobre a condição das mulheres: não
somos nada. Como meninas pequenas na casa de nosso pai,
vivemos a vida mais prazerosa, porque a ignorância mantém as
crianças felizes. Mas quando chegamos à idade de maturidade e
consciência, somos expulsas e trocadas (Sófocles, Tereus 583).

141 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

Dionísio de Halicarnasso atribui a Rômulo a lei do confarreatio que


MESTRADO

obrigava ambas as mulheres casadas, por não terem outro refúgio, a


se conformarem inteiramente ao temperamento de seus maridos; e
obrigava os maridos a governarem suas esposas como algo
necessário.

142 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

No Diálogo sobre o amor, de Plutarco, a união sexual com esposas legais é o


MESTRADO

início da amizade e a partilha de grandes mistérios (Plutarco, Amat. 769a).


Esta é uma linguagem advinda do patronato, um contrato informal entre
pessoas de status desiguais, que as coloca sob diferentes obrigações mútuas.
O fato de o casamento ser referido ao lado da posse de um terreno ou de bois
indica que como a terra e os animais outrora selvagens, o conviva que
descarta o convite por causa do casamento vê sua mulher como um ser que
deve ser domesticado e cultivado na casa.

143 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

(3) 14.15-24

A relação entre pobreza e doença é citada por Sófocles, frag. 354, e


MESTRADO

explorada para fins cômicos em jantares (ver Ateneu, Deipnos.


10.453a). Diógenes Laércio, citando Diógenes de Sinope, afirma:
Perguntado por que as pessoas dão aos mendigos, mas não aos
filósofos, ele disse: Porque pensam que um dia podem ser coxos
ou cegos, mas nunca se espere que eles se voltem para a filosofia.
(Diógenes Laércio 6.56)

144 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.9 LUCAS E OS NÃO-MARGINAIS


1.9.1 Os mendigos, os doentes e os cativos
MESTRADO

Jesus começa seu ministério público em Lucas na sinagoga de


Nazaré (4.16-30). Suas primeiras palavras são uma citação de
Isaías:
O espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu
para proclamar boas novas aos mendigos ... (4.18a)

145 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.9.2 OS GENTIOS
As referências à viúva de Sarepta e a Naamã em Lucas 4.25-27 uma
MESTRADO

predição e autorização de Jesus de uma futura missão gentia, o que


devemos fazer com a viúva sendo contada entre os pobres que estavam
à beira da morte de fome (1 Reis 17.12)? A teologia lucana foi motivada
e influenciada pelas restrições sociais e políticas vividas por sua
comunidade, usando para falar delas, por exemplo, os estrangeiros, os
gentios, que são alvos da atividade de Jesus, desde o seu programa.

146 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.9.3 NÃO É LUCAS, É O EVANGELHO DE JESUS

Lucas ecoa no evangelho a noção de não-marginalidade em


MESTRADO

relação a Jesus de pobres e estrangeiros aquilo que ele herdou


de suas fontes, fontes essas que incluem algumas denúncias
inflamadas dos ricos, que são tornados marginais na tradição
evangélica e lucana.

147 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10 OS MARGINAIS
1.10.1 Os ricos
MESTRADO

o trecho de interpretação da Parábola do Semeador em que se menciona a tendência das


riquezas de sufocar o desenvolvimento da Palavra (Marcos 4.19; Lucas 8.14).
a instrução aos Doze para receber pouco ou nada em sua missão (Marcos 6.7-13; Lc 9.1-6).
o dito sobre ganhar o mundo mas perder a alma (Marcos 8.36; Lucas 9.25).
o jovem rico (Marcos 10.17-22 ; Lucas 18.18-23).
a imensa dificuldade dos ricos em entrar no Reino dos Céus (Marcos 10.23-27; Lc 18.24-27).
as recompensas que coroarão a renúncia dos discípulos aos bens e famílias (Marcos 10.28-
31; Lucas 18.28-30).
a condenação dos escribas que engolem os bens das viúvas (Marcos 12.38-40; Lc 20.45-47).
a eficácia da oferta da viúva pobre (Marcos 12.41-44; Lucas 21.1-4).

148 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10.1 OS RICOS
Lucas omite uma perícope que, em sua forma marcana, revela uma notável
MESTRADO

prodigalidade no que diz respeito aos bens. É o caso da mulher que ungiu Jesus com
o precioso unguento, enquanto ele era acolhido por Simão, o leproso, em Betânia
(Marcos 14.3-9). Os discípulos objetam que este unguento poderia ter sido vendido
por trezentos denários e o dinheiro dado aos mendigos. O poder de compra desta
soma de dinheiro pode ser convenientemente medido a partir de uma comparação
com Marcos 6.37, onde duzentos denários são especificados como a quantia
necessária para fornecer uma refeição para cinco mil homens. Mas Jesus ignora as
objeções de seus discípulos; ele diz a eles que eles têm os mendigos (ptochoí)
sempre com eles e que eles poderão ajudá-los quando quiserem.

149 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10.2 OS ESTRATOS SOCIAIS REPRESENTADOS


NA COMUNIDADE DE LUCAS
Descrevemos a intensidade da estratificação social nas cidades helenísticas -
MESTRADO

a imensa distância que separa a elite aristocrática e rica no topo da


totalmente destituída na base. Esse cenário social faz com que Jesus em
Lucas se refira à viúva de Sarepta e Naamã, o sírio, como exemplos de não-
judeus que haviam, no passado, experimentado a benevolência do Deus de
Israel (Lucas 4.25-27). Estes dois representam os dois extremos do espectro
social: a viúva, um dos pobres urbanos à beira da morte de fome (1 Reis
17.12), e Naamã, o rico e poderoso comandante do exército do rei de Aram (2
Reis 5.1-5).

150 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10.2 OS ESTRATOS SOCIAIS REPRESENTADOS


NA COMUNIDADE DE LUCAS
Em Lucas, Jesus adverte os ricos a consertar seus caminhos. Essas passagens
MESTRADO

incluem:
a parábola do Louco Rico (Lucas 12.13-21)
a ordem de vender suas posses e dar esmolas (Lucas 13.33)
a instrução de convidar mendigos, para banquetes (Lucas 14.12 -14)
o ditado sobre fazer amigos do injusto Mammon (Lucas 16.9)
a história do homem rico e Lázaro (Lucas 16.19-31)
o incidente do governante rico (Lucas 18.18-30)

151 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10.3 SITUAÇÕES CONCRETAS


DE DIFICULDADES DOS POBRES
A segunda característica desse tipo é o corpo de material que Lucas oferece
MESTRADO

como um comentário sobre a Oração do Senhor (Lucas 11.5-13). Uma oração


para 'dar-nos o pão de cada dia' (Lucas 11.3) teria sido proferida com muito
fervor pelos pobres.
A história do homem que pede pão ao amigo à meia-noite (Lucas 11.5-8)
também se passa entre os pobres, que muitas vezes não tinham comida em
casa para convidados inesperados. É razoável conectar a idealização de Lucas
dos arranjos de bem-estar social na comunidade cristã primitiva em
Jerusalém com a necessidade em sua própria congregação de que os
membros ricos ajudem os pobres.
152 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10.4 O GOVERNO MARGINAL EM LUCAS (2.1-5)


Não é por acaso que Lucas relaciona o nascimento de Jesus e o início de seu
MESTRADO

ministério com Augusto e Tibério, Quirino e Pilatos. Desde o seu início, o


movimento cristão estava firmemente enraizado na matriz do império. Com a
mesma firmeza, de acordo com Lucas, o movimento teve suas raízes no
Antigo Testamento. Enquanto Lucas denomina a anunciação, o nascimento e
a resposta à vinda de Jesus após o Antigo Testamento, o imperium fornece o
pano de fundo contra o qual esses eventos ocorrem.

153 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10.4 O GOVERNO MARGINAL EM LUCAS (2.1-5)


Parecia bom para os gregos da Ásia, na opinião do sumo sacerdote Apolônio de
MESTRADO

Menófilo Azanitus: "Desde que a Providência, que ordenou todas as coisas e está
profundamente interessada em nossa vida, estabeleceu-se em ordem perfeita, dando-
nos Augusto, a quem ela encheu de virtude que ele poderia beneficiar a humanidade,
enviando-o como um salvador, tanto para nós quanto para nossos descendentes, que
ele poderia acabar com a guerra e organizar todas as coisas, e desde que ele, César, por
sua aparência (superou até mesmo nossas antecipações), superando todos os
benfeitores anteriores, e nem mesmo deixando para a posteridade qualquer esperança
de superar o que ele fez, e desde o aniversário do deus Augusto foi o início das boas
notícias [εαγγλλι] para o mundo que veio pela razão dele”, que a Ásia resolveu em
Esmirna.

154 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

1.10.4 O GOVERNO MARGINAL EM LUCAS (2.1-5)


9 E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou
MESTRADO

ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor.


10 O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande
alegria, que o será para todo o povo:
11 é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor.
12 E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e
deitada em manjedoura.
13 E, subitamente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial,
louvando a Deus e dizendo:
14 Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem
ele quer bem. (Lucas 2.13-14)
155 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
UNIDADE II
Atos
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.1 A TRANSMISSÃO DO TEXTO DE ATOS


Devemos começar por apontar um fato notável sobre a transmissão do
MESTRADO

texto dos Atos dos Apóstolos. Há duas versões dele: o texto alexandrino,
contrastado por códices muito famosos, como o Sinaítico e o Vaticano, e o
chamado texto ocidental, representado principalmente pelo códice Beza
em Cambridge. Isso é normal para outros livros do Novo Testamento, como
os Evangelhos, e as diferenças entre as duas versões são muito pequenas.
Mas este não é o caso dos Atos dos Apóstolos, nos quais as duas versões
diferem consideravelmente.

156 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.2 A NARRATIVA DE ATOS


A narrativa contida na obra começa em Jerusalém, conectando-se
MESTRADO

diretamente com as aparições de Cristo aos discípulos após sua morte e


ressurreição. Segue-se o que se convencionou chamar de “Evangelho de
Pedro”, que abrange os capítulos 1-12, onde se desenvolve
preferencialmente a atividade de Pedro, sobretudo em Jerusalém, em frente
à igreja. São descritos os costumes da comunidade cristã e principalmente as
ideias básicas de suas crenças, bem como sua estrutura argumentativa,
principalmente por meio das orações, ou dos conselhos e discursos dos
apóstolos. As primeiras incursões apostólicas nas cidades da Judeia e
Samaria são narradas.
157 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.2 A NARRATIVA DE ATOS


A segunda parte dos Atos centra-se quase exclusivamente na figura de Paulo
MESTRADO

e abrange os capítulos 13 a 28. Aqui a cidade-base é Antioquia na Síria e dali


sai Paulo para as suas viagens apostólicas, que neste caso se estendem por
quase todo o oriente bacia do Mediterrâneo, principalmente pela Ásia Menor
e Grécia, para concluir em Roma. A par de Paulo aparecem outras figuras
mais ou menos secundárias como Barnabé, João Marcos, Silas e Timóteo,
entre outros, sem esquecer completamente Pedro e uma nova personagem,
Tiago, irmão do Senhor, que desempenha um papel preponderante na
comunidade de Jerusalém e que mal foi citado na primeira parte de Atos.

158 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


Atos mostra uma certa resistência de Paulo em se lançar
MESTRADO

completamente no mundo não-judeu, atrasando em iniciar a


viagem definitiva a Roma, que no final ocorre quase que
inesperadamente devido à sua prisão em Jerusalém.

159 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


Ἤγαγεν δὲ αὐτὸν εἰς Ἰερουσαλὴμ καὶ ἔστησεν ἐπὶ τὸ πτερύγιον τοῦ ἱεροῦ καὶ εἶπεν αὐτῷ·
MESTRADO

εἰ υἱὸς εἶ τοῦ θεοῦ, βάλε σεαυτὸν ἐντεῦθεν κάτω· γέγραπται γὰρ ὅτι τοῖς ἀγγέλοις αὐτοῦ
ἐντελεῖται περὶ σοῦ τοῦ διαφυλάξαι σε.
Então ele o levou para Jerusalém, colocou-o no beiral do templo e disse-lhe: Se você é filho de
Deus, jogue-se daqui de baixo, porque está escrito: Ele te encomendará aos seus anjos para te
guardar. E levar-te-ão nas mãos para que o teu pé não tropece em pedra alguma. (Lucas 4:9-10).

Ἐγένετο δὲ ἐν τῷ συμπληροῦσθαι τὰς ἡμέρας τῆς ἀναλήμψεως αὐτοῦ καὶ αὐτὸς τὸ


πρόσωπον ἐστήρισεν τοῦ πορεύεσθαι εἰς Ἰερουσαλήμ.
Aconteceu que, cumprindo-se os dias da sua partida deste mundo (assunção), confirmou a sua
vontade de ir a Jerusalém. (Lucas 9:51).

160 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


ὑμεῖς δὲ καθίσατε ἐν τῇ πόλει ἕως οὗ ἐνδύσησθε ἐξ ὕψους
MESTRADO

δύναμιν.

Permanecei na cidade até que do alto sejais revestidos de poder. (Lucas


24:49).

161 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


καὶ εἶπεν αὐτοῖς ὅτι οὕτως γέγραπται παθεῖν τὸν χριστὸν καὶ ἀναστῆναι
MESTRADO

ἐκ νεκρῶν τῇ τρίτῃ ἡμέρᾳ καὶ κηρυχθῆναι ἐπὶ τῷ ὀνόματι αὐτοῦ


μετάνοιαν εἰς ἄφεσιν ἁμαρτιῶν εἰς πάντα τὰ ἔθνη. ἀρξάμενοι ἀπὸ
Ἰερουσαλὴμ

E disse-lhes: Assim está escrito que o Cristo deve padecer e ressuscitar dos
mortos ao terceiro dia, e que em seu nome se pregaria o arrependimento
para remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém.
(Lucas 24:46-47).

162 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


Acontece, então, que Jerusalém não é para Lucas o ponto final para o qual
MESTRADO

converge toda a narrativa da história de Jesus, mas também, e sem interrupção, o


ponto de partida para a nova missão que consistirá em pregar o evangelho da
salvação ao mundo inteiro além dos estreitos limites do povo judeu. E este é
precisamente o tema dos Atos dos Apóstolos. Mas assim como Jerusalém
constituiu no Evangelho o lugar de chegada, simbólico e ao mesmo tempo real, ela
será substituída por uma nova cidade, Roma. Jerusalém com seu templo é o
símbolo do judaísmo; Roma, como capital do império, é o símbolo do povo que
"habita nas trevas e na sombra da morte" (Lucas 1:79), que será iluminado por
uma luz (Lucas 1:78; 2:31-32): Cristo e sua mensagem de salvação.

163 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


ἀλλὰ λήμψεσθε δύναμιν ἐπελθόντος τοῦ ἁγίου πνεύματος ἐφ᾽ ὑμᾶς
MESTRADO

καὶ ἔσεσθέ μου μάρτυρες ἔν τε Ἰερουσαλὴμ καὶ [ἐν] πάσῃ τῇ Ἰουδαίᾳ


καὶ Σαμαρείᾳ καὶ ἕως ἐσχάτου τῆς γῆς.

Recebereis poder quando o Espírito Santo descer sobre vós, e assim


sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e
até os confins da terra. (Atos 1:8).

164 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


Como pode ser visto, há uma gradação na designação dos lugares onde os
MESTRADO

apóstolos deveriam pregar. Começa com Jerusalém, a cidade santa; continua


com o resto da Judeia, onde havia cidades judaicas, mas também gregas,
especialmente na costa, como Gaza, Asquelon e Asdode; continua com uma
região da Palestina que era praticamente não-judaica naqueles tempos:
Samaria, onde os não-judeus abundavam em cidades como Samaria e a
própria Cesareia, ou em algumas aldeias onde viviam os "samaritanos",
crentes com diferenças religiosas e étnicas em relação ao povo judeu.

165 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.3 A CENTRALIDADE DE JERUSALÉM-ROMA


γνωστὸν οὖν ἔστω ὑμῖν ὅτι τοῖς ἔθνεσιν ἀπεστάλη τοῦτο τὸ
MESTRADO

σωτήριον τοῦ θεοῦ· αὐτοὶ καὶ ἀκούσονται.

Sabei, pois, que esta salvação de Deus foi enviada aos gentios; eles a
ouvirão. (Atos 28:28).

166 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


Tomando consigo os doze, disse-lhes: Eis que estamos subindo para
MESTRADO

Jerusalém, e se cumprirá tudo o que os profetas escreveram sobre o Filho do


Homem; insultado e cuspido; e depois de chicoteá-lo, eles o matarão; mas ao
terceiro dia ressuscitará. Eles não entendiam nada disso; não compreendiam
o significado destas palavras e não entendiam o que ele dizia. (Lucas 18:31-
34).

167 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


Pela terceira vez Jesus anuncia aos seus discípulos o significado da
MESTRADO

subida à cidade santa apesar da sua incompreensão, que, como diz


Marcos, o seguiram "admirados e assustados" (Marcos 10:32).

168 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


Καὶ νῦν ἰδοὺ δεδεμένος ἐγὼ τῷ πνεύματι πορεύομαι εἰς
MESTRADO

Ἰερουσαλὴμ τὰ ἐν αὐτῇ συναντήσοντά μοι μὴ εἰδώς, πλὴν ὅτι τὸ


πνεῦμα τὸ ἅγιον κατὰ πόλιν διαμαρτύρεταί μοι λέγον ὅτι δεσμὰ
καὶ θλίψεις με μένουσιν.

Vede que agora eu, impelido pelo espírito, vou a Jerusalém, sem saber
o que lá me acontecerá; Só sei que o Espírito Santo em cada cidade me
dá testemunho de que me esperam prisões e tribulações. (Atos 20:22-
23).
169 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


ἱκανὸς δὲ κλαυθμὸς ἐγένετο πάντων καὶ ἐπιπεσόντες ἐπὶ τὸν
MESTRADO

τράχηλον τοῦ Παύλου κατεφίλουν αὐτόν, ὀδυνώμενοι μάλιστα


ἐπὶ τῷ λόγῳ ᾧ εἰρήκει, ὅτι οὐκέτι μέλλουσιν τὸ πρόσωπον
αὐτοῦ θεωρεῖν. προέπεμπον δὲ αὐτὸν εἰς τὸ πλοῖον.

Então todos eles caíram em prantos e se jogaram no pescoço de


Paulo e o beijaram, lamentando sobretudo o que ele havia dito...
(Atos 20:37-38).

170 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


Ele se aproximou de nós, tomou o cinto de Paulo, amarrou as mãos e os pés
MESTRADO

e disse: Assim diz o Espírito Santo: Assim os judeus em Jerusalém


amarrarão o homem cujo cinto é este. E eles o entregarão nas mãos dos
gentios. Ouvindo isso, nós e os daquele lugar lhe imploramos que não
subisse a Jerusalém. Então Paulo respondeu: Por que você deveria chorar e
partir meu coração? Pois estou disposto não apenas a ser preso, mas
também a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus. Como ele não
se deixava convencer, deixamos de insistir e dissemos: faça-se a vontade
do Senhor. (Atos 21:11-14).

171 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


πάτερ, εἰ βούλει παρένεγκε τοῦτο τὸ ποτήριον ἀπ᾽
MESTRADO

ἐμοῦ· πλὴν μὴ τὸ θέλημά μου ἀλλὰ τὸ σὸν γινέσθω.

Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; mas não se faça


a minha vontade, mas a tua. (Lucas 22:42).

172 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


ὁ δὲ τρίτον εἶπεν πρὸς αὐτούς· τί γὰρ κακὸν ἐποίησεν οὗτος;
MESTRADO

οὐδὲν αἴτιον θανάτου εὗρον ἐν αὐτῷ· παιδεύσας οὖν αὐτὸν


ἀπολύσω. οἱ δὲ ἐπέκειντο φωναῖς μεγάλαις αἰτούμενοι αὐτὸν
σταυρωθῆναι, καὶ κατίσχυον αἱ φωναὶ αὐτῶν.

Não encontro nele nenhum crime que mereça a morte; então vou
dar-lhe uma lição e deixá-lo ir. Mas eles pediam em alta voz para que
fosse crucificado e seus clamores aumentavam. (Lucas 23:22-23).

173 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


παραγενομένου δὲ αὐτοῦ περιέστησαν αὐτὸν οἱ ἀπὸ
MESTRADO

Ἱεροσολύμων καταβεβηκότες Ἰουδαῖοι πολλὰ καὶ βαρέα


αἰτιώματα καταφέροντες ἃ οὐκ ἴσχυον ἀποδεῖξαι

Quando ele apareceu, cercaram-no os judeus que haviam descido de


Jerusalém, trazendo contra ele muitas acusações graves, que não
puderam provar. (Atos 25:7).

174 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


οὔτε εἰς τὸν νόμον τῶν Ἰουδαίων οὔτε εἰς τὸ ἱερὸν οὔτε εἰς
MESTRADO

Καίσαρά τι ἥμαρτον.

Não cometi nenhum crime contra a lei dos judeus, nem contra o
templo, nem contra César. (Atos 25:8).

175 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


καὶ οὔτε ἐν τῷ ἱερῷ εὗρόν με πρός τινα διαλεγόμενον ἢ
MESTRADO

ἐπίστασιν ποιοῦντα ὄχλου οὔτε ἐν ταῖς συναγωγαῖς οὔτε κατὰ


τὴν πόλιν

Nem no templo, nem nas sinagogas, nem na cidade me acharam


discutindo com alguém ou agitando pessoas. (Atos 24:12).

176 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


εἰ ἄνθρωπον Ῥωμαῖον καὶ ἀκατάκριτον ἔξεστιν ὑμῖν
MESTRADO

μαστίζειν;

É permitido açoitar um cidadão romano sem tê-lo julgado?


(Atos 22:25).

177 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


οὕτως ἀποκρίνῃ τῷ ἀρχιερεῖ;
MESTRADO

É assim que você responde ao Sumo Sacerdote? (João


18.22).

178 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


τὸν ἀρχιερέα τοῦ θεοῦ λοιδορεῖς;
MESTRADO

Você está insultando o Sumo Sacerdote de Deus? (Atos


23:4).

179 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.4 SÍNCRESE ENTRE JESUS E PAULO


Τῇ δὲ ἐπιούσῃ νυκτὶ ἐπιστὰς αὐτῷ ὁ κύριος εἶπεν· θάρσει· ὡς γὰρ
MESTRADO

διεμαρτύρω τὰ περὶ ἐμοῦ εἰς Ἰερουσαλήμ, οὕτως σε δεῖ καὶ εἰς


Ῥώμην μαρτυρῆσαι.

Na noite seguinte, o Senhor apareceu a ele e disse: Coragem! Pois,


assim como você me deu testemunho em Jerusalém, também deve dar
testemunho em Roma. (Atos 23:11).

180 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.5 A HISTORICIDADE DOS ATOS


Entre os críticos do século XIX havia autores que rejeitavam o valor histórico
MESTRADO

do livro dos Atos dos Apóstolos, tomando-o apenas como uma espécie de
romance apologético. Ainda hoje, alguns como R. Pervo (1987) falam de Atos
como um romance de aventuras, pelo menos no que diz respeito ao gênero
literário. No entanto, prevalece entre os estudiosos, independentemente de
sua filiação religiosa, que se trata de um livro realmente histórico, mesmo
com todas as contingências típicas de uma obra da Antiguidade.

181 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.6 O TÍTULO DE ATOS


O título grego Práxeis Apostólōn (Atos dos Apóstolos) responde ao de outras
MESTRADO

histórias e biografias da Antiguidade. Em latim também é equivalente à


expressão Res Gestae que dá título algumas obras históricas como:
a Res Gestae de Augusto, preservada no monumento de Ancira (14 d.C.);
Epitome de Gestis Romanorum pelo historiador Lucio Anneo Floro
(século II);
Res Gestae Alexandri Macedonis de Julio Valero Polemio (século IV).

182 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.7 O AUTOR DE ATOS


Ἐν ἔτει δὲ πεντεκαιδεκάτῳ τῆς ἡγεμονίας Τιβερίου Καίσαρος, ἡγεμονεύοντος
MESTRADO

Ποντίου Πιλάτου τῆς Ἰουδαίας, καὶ τετρααρχοῦντος τῆς Γαλιλαίας Ἡρῴδου,


Φιλίππου δὲ τοῦ ἀδελφοῦ αὐτοῦ τετρααρχοῦντος τῆς Ἰτουραίας καὶ
Τραχωνίτιδος χώρας, καὶ Λυσανίου τῆς Ἀβιληνῆς τετρααρχοῦντος, ἐπὶ
ἀρχιερέως Ἅννα καὶ Καϊάφα, ἐγένετο ῥῆμα θεοῦ ἐπὶ Ἰωάννην τὸν Ζαχαρίου υἱὸν
ἐν τῇ ἐρήμῳ.

No décimo quinto ano do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era
procurador da Judeia; Herodes Tetrarca da Galileia; Filipe, seu irmão, tetrarca de
Iturea e Traconítida, e Lisânias tetrarca de Abilene; Durante o pontificado de Anás e
Caifás, a palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto. (Lucas 3:1-2).

183 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.7 O AUTOR DE ATOS


τῷ δὲ πέμπτῳ καὶ δεκάτῳ ἔτει, ἐπὶ Χρυσίδος ἐν Ἄργει τότε πεντήκοντα δυοῖν δέοντα ἔτη
MESTRADO

ἱερωμένης καὶ Αἰνησίου ἐφόρου ἐν Σπάρτῃ καὶ Πυθοδώρου ἔτι δύο μῆνας ἄρχοντος
Ἀθηναίοις, μετὰ τὴν ἐν Ποτειδαίᾳ μάχην μηνὶ ἕκτῳ καὶ ἅμα ἦρι ἀρχομένῳ Θηβαίων ἄνδρες
ὀλίγῳ πλείους τριακοσίων ἡγοῦντο δὲ αὐτῶν βοιωταρχοῦντες Πυθάγγελός τε ὁ Φυλείδου
καὶ Διέμπορος ὁ Ὀνητορίδου.

No décimo quinto ano, quando Crisis, a alta sacerdotisa de Argos, estava no quadragésimo oitavo
ano de seu pontificado, Enéias era éforo em Esparta, e Pitódoro tinha sido arconte quatro meses em
Atenas, no décimo mês do noivado de Potideia, no início da primavera, na primeira vigília da noite,
uma força armada de cerca de trezentos tebanos entrou em Plateia, uma cidade da Beócia, que era
aliada de Atenas, sob o comando de dois beoarcas, Pitangelo, filho de Fileides, e Diemporo. , filho de
Onetorides. (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso 2.2).

184 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.8 FONTES DE ATOS


Διῆλθον δὲ τὴν Φρυγίαν καὶ Γαλατικὴν χώραν κωλυθέντες ὑπὸ τοῦ
MESTRADO

ἁγίου πνεύματος λαλῆσαι τὸν λόγον ἐν τῇ Ἀσίᾳ·ἐλθόντες δὲ κατὰ τὴν


Μυσίαν ἐπείραζον εἰς τὴν Βιθυνίαν πορευθῆναι, καὶ οὐκ εἴασεν αὐτοὺς
τὸ πνεῦμα Ἰησοῦ·παρελθόντες δὲ τὴν Μυσίαν κατέβησαν εἰς Τρῳάδα.

Atravessaram a Frígia e a região da Galácia, porque o Espírito Santo os


impediu de pregar a palavra na Ásia. Estando perto de Mísia, tentaram ir para
Bitínia, mas o espírito de Jesus não permitiu. Atravessaram a Mísia e
desceram a Trôade. (Atos 16:6-8).

185 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.8 FONTES DE ATOS


Ἀναχθέντες δὲ ἀπὸ Τρῳάδος εὐθυδρομήσαμεν εἰς Σαμοθρᾴκην, τῇ δὲ ἐπιούσῃ
MESTRADO

εἰς Νέαν πόλινκἀκεῖθεν εἰς Φιλίππους, ἥτις ἐστὶν πρώτη[ς] μερίδος τῆς
Μακεδονίας πόλις, κολωνία. Ἦμεν δὲ ἐν ταύτῃ τῇ πόλει διατρίβοντες ἡμέρας
τινάς. τῇ τε ἡμέρᾳ τῶν σαββάτων ἐξήλθομεν ἔξω τῆς πύλης παρὰ ποταμὸν οὗ
ἐνομίζομεν προσευχὴν εἶναι, καὶ καθίσαντες ἐλαλοῦμεν ταῖς συνελθούσαις
γυναιξίν.
Embarcamos em Trôade e fomos direto para Samotrácia e no dia seguinte para
Neápolis; daí para Filipos, que é a principal colônia da demarcação macedônia. Nesta
cidade paramos por alguns dias. No dia de sábado saímos do portão, para a margem
de um rio, onde imaginávamos que haveria um lugar de oração. Sentamo-nos e
começamos a falar com as mulheres que tinham vindo. (Atos 16:11-13).
186 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.8 FONTES DE ATOS


ἔδοξεν κἀμοὶ παρηκολουθηκότι ἄνωθεν πᾶσιν ἀκριβῶς
MESTRADO

καθεξῆς σοι γράψαι, κράτιστε Θεόφιλε,

Também eu, depois de ter investigado tudo diligentemente desde o


início, decidi escrevê-lo na ordem dele, ilustre Teófilo. (Lucas 1:3).

187 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.8 FONTES DE ATOS


Com referência aos discursos desta história, alguns foram feitos antes do início da guerra, outros enquanto ela
estava acontecendo; alguns eu mesmo ouvi, outros obtive de vários lugares; em todos os casos era difícil
MESTRADO

carregá-los palavra por palavra na memória, de modo que meu hábito foi fazer com que os falantes dissessem o
que, em minha opinião, lhes era exigido pelas várias ocasiões, naturalmente aderindo o mais próximo possível
ao sentido geral do que eles realmente disseram. [2] E no que diz respeito à narrativa dos acontecimentos,
longe de me permitir extraí-la da primeira fonte que me veio à mão, nem sequer confiei em minhas próprias
impressões, mas ela se baseia em parte no que eu mesmo vi, em parte no que outros viram por mim, a precisão
do relatório sempre sendo testada pelos testes mais rigorosos e detalhados possíveis. [3] Minhas conclusões
me custaram algum trabalho pela falta de coincidência entre relatos das mesmas ocorrências por diferentes
testemunhas oculares, ora decorrentes de memória imperfeita, ora de parcialidade indevida de um lado ou de
outro. [4] A ausência de romance em minha história, temo, diminuirá um pouco seu interesse; mas se for julgado
útil por aqueles pesquisadores que desejam um conhecimento exato do passado como um auxílio para a
interpretação do futuro, que no curso das coisas humanas deve se assemelhar se não o refletir, ficarei
satisfeito. Enfim, escrevi meu trabalho, não como um ensaio para ganhar os aplausos do momento, mas como
um bem para sempre. (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso 1.22).

188 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.8 FONTES DE ATOS


Essa técnica, no entanto, foi rejeitada como espúria por alguns historiadores famosos,
MESTRADO

como Políbio no século II a.C. No entanto, foi cada vez mais aceita por historiadores
gregos e latinos. É o caso, por exemplo, de Salústio em sua Guerra Jugurtina; ou de
Josefo em sua Guerra Judaica. Já no século II d.C. é o recurso utilizado por Tácito em
seus Anais. Lucas parece tê-lo usado nos Atos dos Apóstolos, de modo que tanto os
discursos de Pedro, como de Estevão e Paulo, onde a história da salvação é muitas
vezes sintetizada, ligada à de Israel, seriam reconstruções de Lucas segundo a
mentalidade, opiniões, formas de abordagem e expressões da igreja primitiva. Isso não
faz com que esses longos e repetidos discursos percam qualquer valor, nem do ponto
de vista histórico, pois reflete os sentimentos da comunidade cristã primitiva; nem do
ponto de vista teológico.

189 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
MESTRADO

ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

Dr. Brian Kibuuka


Pós-Doutorando da Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana (NInA Antiqua)
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.9 ESQUEMA CRONOLÓGICO DE ATOS


Adotamos aqui como mais bem fundamentada a tese tradicional de
MESTRADO

que a morte de Paulo não ocorreu antes do ano 64, em comparação


com outras cronologias propostas modernamente que a avançam e
até falam do ano 56.
O início de Atos, que ainda corresponde aos últimos momentos da
presença de Cristo no meio dos apóstolos, deve situar-se
provavelmente no ano 30 da nossa era, embora alguns autores
sugiram o ano 29, 31 e até 33.

190 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10 O IMPÉRIO ROMANO NO SÉCULO I


O livro dos Atos dos Apóstolos fala de todo um mundo por onde transitam os
MESTRADO

primeiros propagadores do evangelho, desde Jerusalém, na província romana da


Judeia, até Roma, passando por Antioquia, na província da Síria; Éfeso, na
província da Ásia; Filipos e Tessalônica, na província da Macedônia; Atenas e
Corinto, na província da Acaia, para citar apenas alguns dos lugares mais
destacados. É um vasto espaço geográfico que cobre bem mais de 2.000
quilômetros em linha reta de Jerusalém a Roma, e quase o dobro se traçarmos um
itinerário que pelo menos nos permita visitar essas grandes cidades.

191 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10 O IMPÉRIO ROMANO NO SÉCULO I


Mesmo para quem já está acostumado com o fenômeno da globalização e com o
MESTRADO

inglês como língua franca universal de todos os processos econômicos e


políticos, é difícil pensarmos em um ambiente tão homogêneo como era o
Império Romano. O império era governado pelas mesmas leis e marcado por
uma notável uniformidade cultural, cobrindo total ou parcialmente o território
do que hoje constitui 43 nações soberanas na Europa, Ásia e África, da Grã-
Bretanha ao Iraque, de Portugal às costas russas do Mar Negro, e das margens
do Reno, na Alemanha, aos desertos da Líbia. Estima-se que o número de
habitantes fosse de pelo menos 50 milhões, o que certamente é um número
extraordinariamente alto para aqueles tempos.
192 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


Como já dissemos, o período da história primitiva do cristianismo, que constitui o
MESTRADO

argumento dos Atos, compreende desde o ano 30 de nossa era até o ano 63.
Durante esses trinta e três anos, quatro imperadores se sucederam no Império
Romano. Seus nomes são:
Tibério
Calígula
Cláudio
Nero

193 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


Tibério é mencionado pelo próprio nome na obra de Lucas (Lucas 3:1).
MESTRADO

Não é o caso de Calígula, cujo nome é omitido dos Atos, apesar dos
conflitos do imperador com os judeus de Jerusalém, que darão origem a
um dos livros do judeu da época, Fílon de Alexandria, conhecido pelo
título De legatione ad Caium. Em vez disso, Cláudio é mencionado pelo
nome duas vezes em Atos (Atos 11:28; 18:2). Por sua vez, Nero só
aparece aludido com o nome genérico de César (Atos 25:8-12 e 21;
26:32; 27:24; 28:19) e duas vezes com o de Augusto, que em grego é
Sebastos. (Atos 25:21 e 25).

194 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


Calígula, esquecendo a natureza cidadã de seus antecessores, estabeleceu uma
MESTRADO

espécie de monarquia oriental, com um protocolo palaciano onde a reverência e o


tratamento distante e cerimonioso se tornaram as regras da corte. Por outro lado,
ele humilhou o Senado e governou de forma arbitrária e despótica. Na política
externa, tentou organizar uma campanha contra os alemães, colocando-se à
frente do exército que atravessava o Reno, mas, supersticioso e aterrorizado,
empreendeu novamente a retirada para os antigos quartéis de inverno na
margem esquerda do rio.

195 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


Cláudio reorganizou seu governo interno usando tecnocratas competentes, a
MESTRADO

maioria dos quais veio das classes mais baixas, principalmente libertos. Ele
estabeleceu uma administração praticamente nova, fundada no que chamaríamos
de quatro ministérios (scrinia): O Departamento de Finanças (a rationibus), o
escritório de correspondência e chancelaria geral (ab epistulis), o ministério de
apelações ou da justiça (a cognitionibus) e a preparação de documentos oficiais (a
studiis). Ele também estava preocupado em realizar muitas obras públicas, não
tão suntuosas quanto necessárias para o bem-estar do império, como as do novo
porto de Roma, mais ao norte da foz do Tibre.

196 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


[4] Iudaeos impulsore Chresto assidue tumultuantis Roma
MESTRADO

expulit.

Expulsou de Roma os judeus que continuamente causavam


tumultos, por causa de Chrestus (Cristo?). (Suetônio, Vita Claudii
25.4).

197 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


καὶ εὑρών τινα Ἰουδαῖον ὀνόματι Ἀκύλαν, Ποντικὸν τῷ γένει προσφάτως
MESTRADO

ἐληλυθότα ἀπὸ τῆς Ἰταλίας καὶ Πρίσκιλλαν γυναῖκα αὐτοῦ, διὰ τὸ


διατεταχέναι Κλαύδιον χωρίζεσθαι πάντας τοὺς Ἰουδαίους ἀπὸ τῆς Ῥώμης,
προσῆλθεν αὐτοῖς

e encontrou um judeu chamado Áquila, originário do Ponto, que acabara de


chegar da Itália com sua esposa Priscila, tendo decretado que Cláudio todos os
judeus saíssem de Roma (Atos 18:2).

198 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


[15] No nono ano de seu reinado, Cláudio expulsou os judeus de Roma. Tanto
MESTRADO

Josefo quanto Suetônio registram este evento, mas eu prefiro, no entanto, o


relato deste último, que fala o seguinte: “Cláudio expulsou os judeus de Roma
porque em seu ressentimento contra Cristo eles estavam continuamente criando
distúrbios”. [16] De fato, porém, ninguém pode dizer se o imperador ordenou que
os judeus fossem contidos e reprimidos porque eles estavam criando distúrbios
contra Cristo ou se ele desejava que os cristãos fossem expulsos ao mesmo
tempo, alegando que eles eram membros de uma religião aliada. (Histor 7.6.15-
16)

199 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


E assim morreu Tibério, no septuagésimo oitavo ano de sua idade. Nero era seu pai, e ele era de ambos os lados
MESTRADO

descendente da casa Claudiana, embora sua mãe tenha passado por adoção, primeiro para a família Liviana, depois
para a família Juliana. Desde a mais tenra infância, as vicissitudes perigosas eram seu destino. Mesmo exilado, ele foi
companheiro de um pai proscrito, e ao ser admitido como enteado na casa de Augusto, teve que lutar com muitos
rivais, como Marcelo e Agripa e, posteriormente, Caio e Lúcio César. Novamente seu irmão Druso gozou em maior
grau da afeição dos cidadãos. Mas ele estava mais do que nunca em terreno perigoso depois de seu casamento com
Julia, quer tolerasse ou escapasse da libertinagem de sua esposa. Em seu retorno de Rodes, ele governou a casa do
imperador, agora sem herdeiros, por doze anos, e o mundo romano, com domínio absoluto, por cerca de vinte e três.
Seu caráter também teve seus períodos distintos. Foi uma época brilhante em sua vida e reputação, enquanto sob
Augusto ele era um cidadão privado ou ocupava altos cargos; ele teve um tempo de reserva e astuta assunção de
virtude, enquanto Germânico e Druso estavam vivos. Novamente, enquanto sua mãe vivia, ele era uma mistura de
bem e mal; ele era famoso por sua crueldade, embora velasse suas libertinagens, enquanto amava ou temia Sejano.
Finalmente, ele mergulhou em toda maldade e desgraça, quando o medo e a vergonha foram expulsos, ele
simplesmente cedeu às suas próprias inclinações. (Tácito, Annales 6.51).

200 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


[1] Era de estatura proeminente, pele pálida, corpo enorme, pescoço e pernas extremamente
MESTRADO

esbeltos, olhos e têmporas côncavos, testa larga e grossa, cabelos ralos, mas nenhum perto
do topo, e o resto do cabelo estava desgrenhado. portanto, era considerado criminoso e fatal
para um transeunte olhar para ele de cima, ou chama-lo de bode por qualquer motivo. De
fato, a natureza trouxe um aspecto horrível e tétrico mesmo de propósito, configurando-o
como um espelho para todo terror e medo. Ele não era saudável no corpo nem no espírito. [2]
Ele não tinha saúde nem do corpo, nem da mente. Quando criança, foi afligido por uma
doença crônica, e a sua juventude foi tão aflita com trabalhos, que às vezes ele era incapaz de
entrar, ficar de pé, se recompor e suportar seu peso sem um súbito fracasso. Ele próprio
sentira necessidade de saúde mental, e de vez em quando, pensava em se aposentar e
purificar o cérebro. Acredita-se que ele estava embriagado com uma poção de amor de sua
esposa Cesônia, mas que se transformou em raiva. (Suetônio, Vita Caligulae 50.1-2).
201 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


Por sua vez, Cláudio mancava um pouco, gaguejava um pouco e era cheio de
MESTRADO

tiques nervosos. Em sua família, ele sempre foi considerado um tolo e inútil para a
vida pública, apesar de ser um intelectual e ter escrito vários livros de história. Ele
também gostava um pouco de beber. Era, no entanto, um homem de tratamento
afável e simples, embora mutável, evasivo no que diz respeito às honras e de
espírito democrático, apesar de ter sido por vezes acusado de proceder
impiedosamente.

202 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.1 OS IMPERADORES DO LIVRO DE ATOS


Seus biógrafos dizem que Nero era loiro e de olhos azuis, com um corpo bastante
MESTRADO

grosso com a pele cheia de manchas, barriga inchada e pernas finas. Seu
comportamento era o de um louco, especialmente em seus últimos anos. Ele
mandou matar sua mãe Agripina e sua própria esposa Otávia, neste caso para se
casar com Popeia. O tutor de Nero era o filósofo espanhol L. Aneo Seneca, e eram
seus amigos o seu irmão Gálio, o poeta hispânico M. Aneo Lucano, e o famoso
Petrônio, conhecido em Roma como o "árbitro da elegância ". Não nos resignamos
a deixar sem copiar aqui, mesmo que seja longo, o que o historiador Tácito deixou
escrito sobre ele, que viveu os fatos quando criança, tanto mais que se refere ao
assunto que nos interessa, ou seja, à presença da comunidade cristã em Roma.

203 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Devemos começar lembrando os limites cronológicos de nosso estudo


MESTRADO

(anos 30 a 63). O Império Romano variou muito na delimitação de suas


províncias e no regime de administração das mesmas ao longo de sua longa
história. Por vezes, observa-se em certos autores modernos uma grande
liberdade no manuseio de citações e documentos pertencentes a
diferentes épocas, como se o Império Romano fosse um “todo contínuo”
não sujeito às mudanças do tempo. Nada está mais longe da realidade.
Portanto, falaremos aqui apenas do século I d.C. e, dentro disso,
tentaremos nos adequar ao máximo às datas indicadas acima.

204 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O Império Romano tinha 36 províncias. Estas, durante o Baixo


MESTRADO

Império, ultrapassarão o número de 100, e isso não só pela


incorporação de novos territórios, mas principalmente por uma
posterior divisão interna das antigas províncias. Mas, como
dizemos, entre 30 e 63 d. C., só podemos falar de 36 províncias, às
quais devem ser adicionados os chamados reinos vassalos, ou
estados aliados do império, dos quais é necessário acrescentar aqui
algumas informações adicionais.

205 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Esses reinos ou protetorados aliados eram pelo menos uma dúzia, a maioria no leste. Nos planos de
MESTRADO

Augusto para a defesa do império, desempenharam um papel muito importante, pois serviram de
amortecedores contra invasões de inimigos como o poderoso império dos partos, que incluía
também os medos e elamitas, povos mencionados nos Atos dos Apóstolos (Atos 2Ç9). Estes eram
geralmente pequenos reinos, às vezes minúsculos como Abilene, Calcis e Olba. Embora realmente
pertencessem ao Império Romano, gozavam de grande autonomia. Eram governados por monarcas,
às vezes com o nome de rei, outras com o de etnarca ou tetrarca, que tinham administração própria
e até um exército mercenário. Raramente, e geralmente apenas em momentos de perigo, as legiões
romanas penetraram em tais estados satélites. Mas, por outro lado, seus monarcas tinham que ser
escolhidos ou pelo menos confirmados pelo imperador, tinham que se submeter às diretrizes
políticas do império e, o que era mais penoso, pagar pesadas homenagens à metrópole romana,
embora a exigência fosse executada por autoridades regionais.

206 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Os sucessores de Augusto, especialmente Cláudio, tenderam a transformar tais


MESTRADO

reinos em províncias romanas ordinárias sob a administração direta do império,


abolindo assim o caráter monárquico e autônomo que caracterizava esses
estados-satélites. No entanto, havia suas flutuações. Por exemplo, o que havia
sido o reino da Judeia, então governado por Herodes Agripa I, foi transformado
em província com sua morte no ano de 44. O que era a tetrarquia de Arquelau
(Judeia-Samaria) foi convertida em província da Judeia em 6 d.C. e só em 41
passaria a fazer parte dos territórios do rei Agripa, juntamente com a Galileia,
Pereia, Itureia e Traconitis, dando origem ao novo reino da Judeia, bastante
semelhante em suas fronteiras ao antigo reino de Herodes, o Grande.

207 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O estado-santuário de Olba na Cilícia era governado pelo Sumo Sacerdote e mais


MESTRADO

tarde por um príncipe do Ponto, e não se tornou parte da província romana até a
época de Galba (68-69 d.C.). Havia também outros estados-santuário na
Capadócia, que foram progressivamente absorvidos pela administração desta
província romana.

208 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O Principado de Cálcis foi incluído no pequeno reino de Abilene, Iturea e


MESTRADO

Traconite, bem como a margem ocidental do lago Genesaré no tempo de Agripa II.
Todo o conjunto, por ocasião da morte deste régulo por volta de 92 ou 93 d.C.,
passou a crescer de acordo com sua situação geográfica as províncias da Síria e da
Judeia.

209 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O reino de Comagene, entre o alto Eufrates e a cordilheira de Taurus, que havia


MESTRADO

sido incorporado à província da Síria no tempo de Tibério, retornando à sua


autonomia nos de Calígula, tornando-se definitivamente parte da província
romana da Síria no tempo de Vespasiano.

210 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Por outro lado, o reino nabateu, localizado na região semi-desértica


MESTRADO

Transjordânia, veio ocupar desde Damasco (2 Coríntios 11,32) até o golfo de


Akaba, sendo conquistado pelas armas romanas nos tempos de Trajano. No ano
105, tornou-se uma província que recebeu o nome de Arabia Petraea, enquanto
Damasco e sua região há muito passaram para a província da Síria. A mesma coisa
aconteceu, embora por pouco tempo, com a Grande Armênia, que caiu nas mãos
de Trajano em 114. Apenas o reino do Bósforo Cimério permaneceu como
protetorado.

211 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

A existência flutuante de todos esses pequenos estados autônomos complica


MESTRADO

muito a visão geral da administração imperial no Oriente, e seria impróprio aqui


entrar em mais detalhes sobre sua história.

212 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

As províncias romanas no primeiro século eram de dois tipos, senatoriais ou imperiais,


MESTRADO

dependendo se estavam ligadas diretamente ao senado ou ao imperador. As províncias


senatoriais coincidiam com regiões do império, tradicionalmente ligadas a Roma, em
processo de rápida romanização, ou seja, integrando-se plenamente ao mundo romano
tanto do ponto de vista político quanto cultural, não necessitando, portanto, da
presença de tropas legionárias. Seu governador era um alguém da ordem senatorial,
que recebia o título tradicional de "procônsul" e era nomeado pelo senado romano. Foi
o caso do leste da província da Ásia, na costa da Anatólia do mar Egeu, de que tanto se
fala nos Atos dos Apóstolos, ou das províncias gregas da Macedônia e Acaia, também
aludida profusamente em esse livro. É também o caso da própria ilha de Chipre,
visitada por Paulo e Barnabé em sua primeira viagem apostólica.

213 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Como dados de referência, digamos que na Espanha a única província senatorial


MESTRADO

foi a Bética. Outra província senatorial citada na obra de Lucas é a Cirenaica, no


norte da África (Lucas 23:26; Atos 2:10), que então formava uma única província
com Creta (Atos 27:7.12-13 e 21). A Sicília também era uma província senatorial e
Paulo estava lá, embora apenas a cidade de Siracusa seja mencionada e não o
nome da província como tal (Atos 28:12-13). Digamos que, juntando as
referências de Atos às de outros textos do Novo Testamento, principalmente as
cartas de Paulo, a província da Ásia é mencionada pelo nome 20 vezes; Acaia, 10
vezes; Macedônia, 22; e Chipre, 5.

214 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Conhecemos diretamente de Atos dois dos procônsules pelo nome. Um é de


MESTRADO

Chipre, Sérgio Paulo, que se diz ter sido um "sábio" (Atos 13:7) e que, ao que
parece, se converteu ao cristianismo. Lucas dá-lhe o título grego ἀνθύπατος, que
é tecnicamente o equivalente da palavra latina procônsul.

215 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Lucius Sergius Paulus é conhecido por pelo menos uma inscrição encontrada em
MESTRADO

Antioquia da Pisídia e provavelmente também por mais duas, embora nos últimos
casos não seja certo que seja a mesma pessoa. Os Sérgios eram uma das famílias
patrícias de Roma.

216 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O segundo procônsul, referido nos Atos, é Gálio, governador da Acaia no início dos
MESTRADO

anos 50 (Atos 18:12,17). De acordo com o que consta no texto bíblico, ele
desdenhosamente desconsiderou as tensões e tumultos causados pelas diferenças
entre judeus e cristãos, sem deixar Paulo falar, e até assistiu sem vacilar como, diante
do próprio tribunal, os próprios judeus espancaram o chefe da sinagoga. Este procônsul
é bem conhecido por fontes seculares, sendo seu nome completo L. Junius Anneus
Gallio. Ele era espanhol e irmão de Sêneca. Quando foi adotado pelo senador, também
de origem espanhola, L. Junio Gallión, mudou seu antigo nome: Marco Anneo Novato.
Ele menciona uma inscrição encontrada em Delfos, que parece ser datada do ano 51 ou
52 d.C. C. Seu irmão também fala dele, que lembra que ele teve que deixar seu posto na
Acaia por motivo de doença (Ep 104).

217 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

εἰ μὲν οὖν Δημήτριος καὶ οἱ σὺν αὐτῷ τεχνῖται ἔχουσιν πρός τινα λόγον,
MESTRADO

ἀγοραῖοι ἄγονται καὶ ἀνθύπατοί εἰσιν, ἐγκαλείτωσαν ἀλλήλοις.

Se, em efeito, Demétrio e os artífices que estão com ele têm queixa contra
alguém, há audiências e procônsules; que apresentem suas reivindicações. (Atos
19:38).

218 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O segundo tipo de províncias dentro do Império Romano era formado por aquelas
MESTRADO

que dependiam diretamente do imperador: as províncias imperiais. Seus


governadores, nomeados por ele, também deviam pertencer à ordem senatorial,
mas recebiam o título de "vice-propraetor Augusto" (legatus Augusti
propraetore). Eram províncias mais ou menos conflituosas e geralmente
localizadas em regiões próximas à fronteira imperial, onde era necessário o
acantonamento de tropas. Esses governadores tinham as legiões à sua disposição
e exerciam o comando sobre elas, o que lhes conferia grande responsabilidade; o
cargo, portanto, exigia experiência militar.

219 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

No Oriente, a província imperial mais importante devido à sua localização estratégica era a Síria,
MESTRADO

mas algumas da Anatólia também se apresentavam como províncias imperiais, como Capadócia,
Galácia, Bitínia-Ponto, Cilícia e Lícia-Pamphília. E a Macedônia e a Acaia haviam sido, antes que
Cláudio as passasse ao senado, como vimos antes. Na obra de Lucas, fala-se expressamente da Síria
e do seu governador (Lucas 2:2). Em Atos a província é mencionada cinco vezes (Atos 15:23 e 41;
18:18; 20:3; 21:3). Também aparece uma vez expressamente citada nas cartas de Paulo (Gálatas
1:21). A província da Cilícia, onde Paulo nasceu, aparece com seu nome seis vezes em Atos (Atos
6:9; 15:23 e 41; 21:39; 22:3; 27:5) e uma vez nas epístolas paulinas (Colossenses 1:21), enquanto a
Capadócia aparece apenas uma vez em Atos (Atos 2:9) e uma vez na carta de Pedro (1 Pedro 1:1);
Galácia, duas vezes em Atos (Atos 16:6; 18:23) e três vezes nas cartas (Gálatas 1:2; 1 Coríntios
16:1; 1 Pedro 1:1); Bitínia-Ponto, duas vezes em Atos (Atos 2:9; 16:7) e uma vez nas cartas (1 Pedro
1:1); finalmente Lícia-Pamphília aparece quatro vezes em Atos (Atos 2:10; 13:13; 15:38; 27:5).

220 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Como já indicamos, a província imperial mais importante de todo o Oriente era a Síria. Seu
MESTRADO

governador tinha o comando de quatro legiões, o que significa um exército pronto para a
guerra com mais de 30.000 soldados, se somarmos as forças auxiliares aos legionários. Era,
portanto, o centro vital da defesa militar dos limes orientais. Seus legados propretoriais
sempre foram figuras conhecidas da classe política romana. No ano 30, L. Elio Lamia, um
homem mais velho, que já havia sido cônsul no ano 3 d.C., e era o encarregado desta
província durante o império de Augusto e que, aparentemente, não residia realmente na
Síria. Ele foi nomeado prefeito da cidade de Roma no ano 32, segundo Tácito (Annales 6.27).
Naquele ano Tibério nomeou L. Pomponius Flaccus governador da Síria, que também havia
sido cônsul no ano 17. Morto pouco depois, o governo passou para as mãos de Lucius Vitélio
no ano seguinte ao exercício de um de seus consulados, ou seja, 35. Ele era um personagem
bem conhecido em Roma e foi o pai do futuro imperador Vitélio.
221 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Na primavera de 40, P. Petrônio já estava à frente da província, outro


MESTRADO

personagem bem conhecido na metrópole, enviado por Calígula para penetrar na


Judeia com seu exército e obrigar os judeus a erigirem uma estátua do imperador
divinizado na templo de Jerusalém. Mas, na realidade, ele não foi além da cidade
de Ptolemais e depois retirou-se com suas tropas para Antioquia, antes de uma
avaliação objetiva da situação do país. Isso poderia lhe custar a vida, mas a notícia
da morte de Calígula salvou a situação do governador (Josefo, Guerra dos Judeus
2.184-203; Antiguidades Judaicas 18.8.2-9).

222 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

No ano 41, Cláudio nomeou C. Vibio Marso como governador da Síria, que será
MESTRADO

seu conselheiro para os graves problemas do Oriente. Ele terá alguma influência
em obscurecer a amizade entre o imperador e Herodes Agripa I.

223 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

χρηματίσαι τε πρώτως ἐν Ἀντιοχείᾳ τοὺς μαθητὰς


MESTRADO

Χριστιανούς.

Foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos receberam


o nome de cristãos (Atos 11:26).

224 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Em 44 ou 45 surge um novo governador, que também havia sido cônsul substituto


MESTRADO

no ano 30. Chamava-se C. Cássio Longino, e era, segundo Tácito (Ann XII, 12), um
jurista conhecido. No ano 50 já existe um novo governador, C. Umidio Durmio
Quadrato, que anteriormente ocupava o cargo de Questor na Cidade. Seu
sucessor é Cn. Domício Córbulo, nomeado por Nero no ano 60, e que perdurou
em seu cargo até o ano 63. Foi um grande político e não menos famoso militar que
se distinguiu por suas brilhantes campanhas na guerra armênia (Tácito, Annales
14-15).

225 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Ainda existia um terceiro grupo de províncias, ou, se preferir, uma variante das províncias
MESTRADO

imperiais. Referimo-nos às províncias procuratoriais, igualmente dependentes do


imperador, mas cujos governantes não pertenciam à ordem senatorial, mas à classe dos
cavaleiros ou ordem equestre. Os equites ou cavaleiros constituíam uma classe média
abastada na sociedade romana que, em princípio, não tinha acesso a altas magistraturas,
mas à qual eram reservados cargos-chave na administração técnica, especialmente
financeira e fiscal. Uma das suas atribuições consistia no desempenho da função
polivalente de solicitadores (procuratores), normalmente vocacionados para funções de
administração econômica, mas também, em certas circunstâncias, de uma tarefa
essencialmente política. É o caso do governo dessas províncias de procuradoria, entre as
quais a Mauritânia, a Córsega e as províncias alpinas a oeste e a Judeia a leste. Estes eram
pequenos territórios ou regiões maiores, mas escassamente povoadas.
226 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O procurador (epítropos em grego) que estava encarregado de uma dessas províncias, não podia
MESTRADO

exercer o comando das legiões. Embora tivesse soldados ao seu comando, estes consistiam em tropas
auxiliares (auxilia), ou seja, coortes de infantaria e alas de cavalaria, compostas por conscritos que
ainda não eram cidadãos romanos, e por isso não estavam integrados nas legiões regulares. As tropas
auxiliares eram geralmente nomeadas de acordo com o local onde haviam sido originalmente
recrutadas, por exemplo, Coorte II dos Trácios (Cohors II Thracum), ou Ala I dos Hispânicos (Ala I
Hispanorum). No caso de os governadores dessas províncias não conseguirem resolver problemas
graves que surgiram inesperadamente, usando apenas suas poucas tropas, então eles tinham que
recorrer ao apoio dos legados propretores das províncias imperiais vizinhas, e se encarregaram da
situação usando suas legiões. Isso lhes deu de fato uma espécie de tutela real sobre os modestos
governadores das províncias da procuradoria. Sem esta chave, a história dos acontecimentos na Judeia
não pode ser compreendida, pois o exército regular romano e o governador da Síria intervieram em
mais de uma ocasião como árbitro supremo nos momentos de crises políticas.

227 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Os governadores da Judeia, no período que aqui nos interessa, foram os seguintes: Primeiro, Pôncio
MESTRADO

Pilatos, que tinha de 26 a 36 anos, e tinha constantes confrontos com os judeus. Certa vez, por introduzir
na cidade santa de Jerusalém as bandeiras imperiais que as tropas carregavam e que representavam
figuras odiosas aos judeus como a efígie do imperador divinizado (Josefo, Guerra dos Judeus 2.169-174;
Antiguidades Judaicas 18.3.1). Mais tarde, um novo confronto ocorreu quando Pilatos tentou pagar as
obras de abastecimento de água de Jerusalém com o dinheiro do templo. O tumulto terminou em uma
escaramuça em que os soldados participaram ativamente e que produziu muitos mortos e feridos (Josefo,
Guerra dos Judeus 2.175-177; Antiguidades Judaicas 18.3.2). Mais uma vez, e esta foi a última, pois custou
o cargo ao governador, o massacre ocorreu na região de Samaria, precisamente no monte Gerizim, porque
um indivíduo tentou proclamar-se Messias (Josefo, Antiguidades Judaicas 18.4.1-2). A esses
acontecimentos, devemos acrescentar aqueles que conhecemos principalmente dos Evangelhos, como o
massacre de alguns galileus que vieram ao templo de Jerusalém para oferecer sacrifícios ali (Lucas 13:1) e a
execução de Jesus de Nazaré junto com dois chamados bandidos, provavelmente nacionalistas e rebeldes
(Mateus 27:2 e 11-38; Marcos 15:1-28; Lucas 23:1-43; João 18:28-40; 19:1-22).

228 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Os sucessores de Pilatos no governo da Judeia foram Marcelo (anos 36-37) e Marullo


MESTRADO

(anos 37-41), se ambos não são do mesmo personagem como alguns historiadores
suspeitam. Se a comunidade cristã não sofreu nenhuma perseguição por parte de Pilatos,
essa situação favorável deve ter perdurado até o ano 41. As desordens que levaram à
morte de Estêvão pelas mãos de alguns líderes judeus provavelmente ocorreram de
forma descontrolada durante o interregno entre a demissão de Pilatos e a chegada de
Marcelo. Por sua vez, o período que corresponde ao governo de Marcelo e Marullo
coincide com a atividade de Pedro e do diácono Felipe em Samaria e nas cidades da costa
mediterrânea, bem como com a conversão ao cristianismo de um dos centuriões da era
romana. guarnição de tropas auxiliares, residentes na capital da província, isto é, em
Cesareia (Atos 10:1-48).

229 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Após o lapso de três anos, que corresponde à restauração do reino da Judeia na pessoa de
MESTRADO

Herodes Agripa I, o território volta a ser uma província romana, desta vez certamente
dirigido por um governador que levava oficialmente o nome de “procurador”, pois até então
parece que os governadores da Judeia recebiam a denominação de “prefeito”, conforme
consta na inscrição referente a Pilatos, encontrada em Cesareia em 1961. O novo
governador, que chegou no ano 44, chamava-se Cúspido Fado e ocupou a sede do governo
até o ano 46. Foi sucedido por A. Tibério Júlio Alexandre (46-48 d.C.), que era de origem
judaica alexandrina, mas convertido ao paganismo. Durante o primeiro desses mandatos, o
governo teve que reprimir sangrentamente a revolta de um partido de nacionalistas liderado
por Teudas e concentrado nas margens do Jordão, episódio descrito por Josefo
(Antiguidades Judaicas 20.5.1) e ao qual o Atos dos Apóstolos se refere (Atos 5:36),
colocando na boca de Gamaliel uma alusão um tanto anacrônica à atuação de Teudas.
230 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

No tempo do segundo procurador Tibério Júlio, Tiago e Simão, filhos do famoso bandido Judas, o
MESTRADO

Galileu, que se levantara muitos anos antes (6 d.C.) por ocasião da criação da cidade, foram
condenados à morte e crucificado, nova província da Judeia (Josefo, Antiguidades Judaicas 20.5.2).
Na realidade, é impossível saber se eram verdadeiros bandidos, ou melhor, nacionalistas, ou ambos
ao mesmo tempo, pois a palavra que os romanos usavam para esses casos era a mesma: bandido
(lat. latro, gr. lestés) . Isso era normal não apenas no caso da Judeia, mas em qualquer região do
império. Assim, para citar apenas um exemplo, Viriatus, o famoso líder lusitano, foi designado por
Estrabão com o nome de lestés (Geografia 3.4.5). Este Judas Galileu aparece também em Atos, por
ocasião do já mencionado discurso de Gamaliel (Atos 5:37). Durante o governo de Tibério
Alexandre, ocorreu uma grande fome no país, a que alude tanto Josefo (Antiguidades Judaicas
20.5.2), quanto os Atos dos Apóstolos (Atos 11:27-30). Barnabé e Paulo foram a Jerusalém para
entregar ali o produto da coleta coletada em Antioquia, a fim de aliviar as necessidades da
comunidade cristã.
231 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O próximo governador da Judeia foi Ventidio Cumanus (48-52), em cuja época a situação
MESTRADO

política interna do país se agravou rapidamente com o crescimento da opção nacionalista


extrema, que já começa a pressagiar os tempos da futura guerra. Em Jerusalém houve um
grave incidente, causado por um soldado romano que havia feito um gesto grosseiro contra a
multidão de judeus que assistia aos atos religiosos da festa da Páscoa no templo. Despindo-
se publicamente, ela mostrou seu traseiro aos presentes. Aparentemente , ele estava
ecoando um ditado antissemita vulgar e espalhafatoso, bem conhecido em Roma, que dizia
mais ou menos: “Judeus circuncidados peidando no sábado supremo”. Horácio refere-se a
esta frase em um de seus poemas (Sátiras 1.9.69-70). Os acontecimentos, como esperado,
terminaram em uma grande desordem pública, duramente reprimida pelas forças da
guarnição, que custou a vida de vários milhares de pessoas (Josefo, Guerra dos Judeus
2.224-227; Antiguidades Judaicas 20.5.3).
232 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Cumanus estava envolvido em mais um confronto sério com os judeus,


MESTRADO

porque um soldado, vasculhando uma das aldeias onde um oficial imperial


havia sido agredido, encontrou um rolo da Torá e o profanou na frente de
todos. O soldado acabou sendo executado por decapitação por ordem do
governador, mas a tensão política no país foi aumentando (Josefo, Guerra
dos Judeus 2.228-231; Antiguidades Judaicas 20.5.4).

233 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

O próximo procurador da Judeia foi Antonio Félix (52-60 d.C.), nomeado a pedido do Sumo Sacerdote e
MESTRADO

provavelmente de Agripa II, que, de sua posição privilegiada na corte de Roma na época, apoiou o
imperador Cláudio para o causa dos judeus. Félix era um liberto, promovido a cavaleiro, numa época em
que os libertos estavam na moda em Roma. Tremendamente ambicioso, ele conseguiu se casar
sucessivamente nada menos que três vezes com mulheres de linhagem real, uma das quais era Drusila, filha
do rei Herodes Agripa I e, portanto, da religião judaica. Durante o seu mandato, a situação na província
deteriorou-se progressivamente, apesar de o governador ter usado mão pesada, crucificando um grande
número de insurgentes nacionalistas. Entre esses desordeiros devemos mencionar o chamado "O Egípcio",
que conseguiu formar um partido de alguns milhares de seguidores no deserto. Estes foram finalmente
presos e muitos deles executados, mas o líder conseguiu escapar. Surgiram então os chamados
“matadores”, verdadeiros terroristas, que, do seu nacionalismo extremista e fanático, assassinaram
políticos e pessoas ilustres, sem excluir o próprio Sumo Sacerdote, que foi vítima de um dos seus ataques,
embora se dissesse que por trás desse ato concreto estava a mão do próprio governador (Josefo, Guerra
dos Judeus 2.252-270; Antiguidades Judaicas 20.7.1-3 e 8.1-7).

234 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

διαταξάμενος τῷ ἑκατοντάρχῃ τηρεῖσθαι αὐτὸν ἔχειν τε ἄνεσιν


MESTRADO

καὶ μηδένα κωλύειν τῶν ἰδίων αὐτοῦ ὑπηρετεῖν αὐτῷ.

Ordenou ao centurião que guardasse a Paulo, para lhe dar alguma


liberdade e não impedir que nenhum dos seus o ajudasse. (Atos
24:23).

235 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

ἅμα καὶ ἐλπίζων ὅτι χρήματα δοθήσεται αὐτῷ ὑπὸ τοῦ Παύλου· διὸ καὶ
MESTRADO

πυκνότερον αὐτὸν μεταπεμπόμενος ὡμίλει αὐτῷ. Διετίας δὲ πληρωθείσης


ἔλαβεν διάδοχον ὁ Φῆλιξ Πόρκιον Φῆστον, θέλων τε χάριτα καταθέσθαι
τοῖς Ἰουδαίοις ὁ Φῆλιξ κατέλιπεν τὸν Παῦλον δεδεμένον.

Ao mesmo tempo Félix esperava que Paulo lhe desse dinheiro; É por isso que ele
frequentemente o chamava e falava com ele. Depois de dois anos, Félix recebeu
Porcio Festo como seu sucessor e, querendo agradar aos judeus, deixou Paulo
prisioneiro. (Atos 24:26-27).

236 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Claudius, defunctis regibus aut ad modicum redactis, Iudaeam provinciam


MESTRADO

equitibus Romanis aut libertis permisit, e quibus Antonius Felix per omnem
saevitiam ac libidinem ius regium servili ingenio exercuit, Drusilla Cleopatrae et
Antonii nepte in matrimonium accepta, ut eiusdem Antonii Felix progener,
Claudius nepos esset.

Cláudio, depois que os reis morreram ou foram reduzidos em pequena medida,


concedeu a província da Judeia aos cavaleiros ou libertos romanos, dos quais
Antônio Félix, por toda crueldade e luxúria, exerceu o direito de realeza com um
gênio servil. (Tácito, Historiae 5.9).

237 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Foi o então imperador Nero quem nomeou o sucessor de Félix, que se chamava,
MESTRADO

como vimos, Porcio Festo, que ocupou o cargo por dois anos (60-62 d.C.). Ele foi
incapaz de parar os tumultos e o nacionalismo exacerbado dos judeus que
necessariamente levaria à guerra iminente e ao desastre total e ruína do povo
judeu. Festo morreu enquanto ainda estava no cargo, atrasando a chegada do
novo governador por vários meses. Em tais circunstâncias, ocorreu uma anarquia
na província, razão pela qual Tiago, irmão do Senhor, foi assassinado em
Jerusalém, fato não registrado no livro de Atos, mas em Flávio Josefo
(Antiguidades Judaicas 20.9.1) e na história de Eusébio de Cesareia (História
Eclesiástica 2.23.21-24).

238 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Festo, no entanto, aparece extensivamente nos Atos dos Apóstolos (Atos 25-26).
MESTRADO

Ele tenta resolver o problema de Paulo, convidando-o a subir com ele a


Jerusalém, para ser julgado ali perante o Sinédrio. Paulo se recusa e apela aos
tribunais imperiais em Roma. Festo lamenta expressamente quando convida o rei
Herodes Agripa II e sua irmã Berenice para uma audiência em Cesareia, onde o
prisioneiro será interrogado para coletar dados para a formulação do processo
que será enviado a Roma. Lá, Paulo se dirige ao rei Agripa expondo a história de
sua conversão e as ideias fundamentais do cristianismo.

239 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Falamos até agora das províncias romanas senatoriais, imperiais e procuratoriais; mas houve um
MESTRADO

caso excepcional no Império Romano, que escapou dessa classificação administrativa. Era a
província do Egito, adjacente à da Judeia, sobre a qual diremos apenas duas palavras, para não
deixar incompleta nossa visão do mundo romano oriental. O Egito, uma das províncias mais ricas de
todo o império, não pertencia a nenhuma das três classes estudadas até então. Fazia parte do
patrimônio pessoal do imperador e, portanto, não dependia diretamente do Estado romano como
tal. À frente dela, o imperador colocou livremente um prefeito (Gr. eparchós) da categoria social
dos cavaleiros com o título de Praefectus Aegypti. O mais curioso do caso é que ele tinha sob seu
comando, além das forças auxiliares, tropas legionárias, especificamente duas legiões. Essas forças
de cidadãos romanos eram teoricamente comandadas pelo próprio imperador, de quem o prefeito
era um simples subordinado. Porém, esse "subordinado" tinha um poder abrangente, quase de
natureza régia e muito superior ao de todos os magistrados romanos que estavam encarregados
das outras províncias.

240 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

A administração interna das províncias romanas no século 1 d.C. obedeceu a


MESTRADO

normas já bem estabelecidas. Por ora, um dos cargos mais importantes, abaixo do
governador, era o de encarregado da administração financeira e responsável
perante o Estado pela arrecadação essencial de impostos. Nas províncias
senatoriais era o questor, da classe alta, assistido por um procurador de categoria
equestre. Nas províncias imperiais ele era simplesmente um procurador, e nas
procuratorianas, um vice-procurador, que podia até ser um liberto.

241 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.2 AS PROVÍNCIAS ROMANAS E SEUS GOVERNADORES

Cada província tinha sua assembleia (lat. concilium; gr. koinón) composta pelos
MESTRADO

notáveis do país, que se reuniam para tratar de assuntos gerais e reivindicações. Mas
normalmente sua missão se reduzia a organizar o culto ao imperador, como símbolo de
obediência ao poder central. Os sacerdotes deste culto altamente politizado foram
escolhidos entre as figuras mais proeminentes da província e receberam o nome de
flamen no Ocidente, ou, sem mais delongas, sacerdos provinciale. Em algumas
províncias, como na Ásia e na Hispânia, havia distritos inferiores ou circunscrições
jurisdicionais que receberam o nome de conventus iuridici. No Egito, como sabemos,
tudo era especial. Havia um subgovernador, chamado iuridicus Alexandriae, e sob ele
os "epistrategistas", que atendiam aos vários distritos.

242 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Paulo disse para eles: Depois de nos açoitarem publicamente sem nos julgarem,
MESTRADO

apesar de sermos cidadãos romanos, eles nos jogaram na prisão; E agora eles
querem nos tirar daqui? Isso não; Deixe-os vir e nos tirar daqui. – Os oficiais de
justiça transmitiram estas palavras aos pretores. Eles ficaram com medo quando
souberam que eram romanos. Eles vieram, se desculparam com eles e, soltando-
os, imploraram que deixassem a cidade. (Atos 16:37-39).

243 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Depois que o estenderam com as correias, Paulo disse ao centurião que ali estava:
MESTRADO

É permitido açoitar um cidadão romano sem tê-lo julgado? Ao ouvir isso, o


centurião dirigiu-se ao tribuno e disse-lhe: O que vais fazer? Este homem é um
cidadão romano. O tribuno veio e perguntou: Diga-me, você é um cidadão
romano? -Sim, ele respondeu. -Eu, disse o tribuno, consegui esta cidadania por
uma grande soma. -Bem, eu, respondeu Paulo, eu tenho de nascimento. – No
momento, aqueles que iriam atormentá-lo se retiraram. O tribuno temeu quando
percebeu que estava acorrentado como cidadão romano. (Atos 22:25-29).

244 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Paulo respondeu: estou perante a corte de César, onde devo ser julgado; nada
MESTRADO

cometi contra os judeus, como tu sabes. Se sou culpado de algum crime ou cometi
algum crime que mereça a morte, não me recuso a morrer; mas se não há
fundamento no que me acusam, ninguém pode me entregar a eles: eu apelo a
César. – Então Festo deliberou com o conselho e respondeu: Você apelou para
César, você irá a César. (Atos 25:10-12).

245 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Na realidade, o que Paulo está fazendo, como homem culto e versado em leis, é,
MESTRADO

por um lado, reivindicar o direito de que nenhum cidadão romano não pode ser
punido sem antes ser submetido a julgamento; além disso, para forçar o
cumprimento estrito da Lex Porcia e da Lex Iulia, que proibiam açoitar os
cidadãos romanos; e, finalmente, valendo-se da figura jurídica conhecida como
provocatio ad Caesarem, aplicada exclusivamente aos romanos, para exigir que
qualquer processo iniciado em um tribunal provincial possa ser levado
diretamente aos tribunais imperiais da metrópole. A alegação fraudulenta de
cidadania costumava levar à sentença de morte do falsário.

246 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Os governadores romanos eram muito sensíveis ao estrito
MESTRADO

cumprimento das leis, quando se tratava de cidadãos romanos,


pois as consequências de um abandono da autoridade naquela
área poderiam ser muito graves.

247 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Para nós, distantes no tempo do mundo romano, pode parecer estranho que
MESTRADO

apenas alguns cidadãos do império usufruíssem de tais direitos. Neste caso, como
noutros, é necessário situar os acontecimentos no contexto cronológico preciso,
ou seja, em meados do século I d.C. C. Assim, por exemplo, no ano 212 d. C. O
imperador Caracalla estendeu a cidadania romana a todos os habitantes livres do
império, através do édito denominado Constitutio Antoniana.

248 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Mas nos anos do imperador Cláudio o número de cidadãos romanos era de cerca
MESTRADO

de 6 milhões, ou seja, pouco mais de 10% de toda a população. Os demais eram


peregrinos, isto é, estrangeiros, ou servi, isto é, escravos. Na verdade, o número
de cidadãos então já havia aumentado em 1 milhão em relação ao censo do ano 13
d. C. realizado coincidindo com a morte de Augusto.

249 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Acontece, então, que a grande maioria dos habitantes de um império tão vasto
MESTRADO

não tinha direitos plenos e poderia ser submetido, em certas circunstâncias, a não
poucas humilhações por parte das autoridades imperiais. Os peregrinos podiam
ocupar cargos importantes nas cidades provinciais, e certamente havia muitos
deles que possuíam riquezas maiores do que a maioria dos cidadãos romanos.
Mas, para gozar de pleno reconhecimento social e ser protegido pela lei em
qualquer circunstância, era necessário adquirir a cidadania romana, o que não era
fácil na época, apesar de a tendência da política imperial consistir em abrir
progressivamente as portas.

250 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Estes, é claro, foram deixados em aberto pelo alistamento no exército. Quem o
MESTRADO

fazia nas legiões – e isso já era de certa forma um privilégio – recebia a cidadania
imediatamente; aqueles que o fizeram nas tropas auxiliares não obtiveram a
cidadania até depois da dispensa. Mas em ambos os casos o tempo de serviço
militar variou entre 20 e 25 anos.

251 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Outra forma de passar de peregrino a cidadão era “comprar” a cidadania. É o caso
MESTRADO

do tribuno Lísias, aludido em Atos (Atos 22:28), citado anteriormente. O


procedimento não era legal em si e somente por meio de importantes benefícios
ao império, o prêmio da cidadania poderia ser recebido em reciprocidade. Isso
significa que quem insistisse em ser cidadão poderia finalmente alcançá-lo, mas
custaria muito dinheiro em doações ao Estado e, aliás, aos intermediários e
agentes das recomendações. Somente em casos notórios, bastante excepcionais,
a cidadania poderia ser adquirida para um verdadeiro serviço a Roma, mesmo que
não fosse uma doação.

252 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Naturalmente, em muitas cidades do império também havia cidadãos de uma
MESTRADO

determinada cidade ou nação, que ocupavam importantes cargos municipais e


desempenhavam importante papel social. Havia também outros que eram
considerados estrangeiros naquele país, chamados no Oriente de pároikoi. Os
verdadeiros cidadãos de tais lugares também poderiam eventualmente gozar da
cidadania romana, uma vez que ambas as cidadanias não eram incompatíveis
entre si. É o caso de Paulo, que era judeu e cidadão romano, e que, como tal, tinha
dois nomes: o judeu (Saulo) e o romano (Paulo).

253 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Todos aqueles que não eram nem cidadãos nem peregrinos formavam o grande bloco
MESTRADO

social dos escravos, ou seja, dos homens sem liberdade ou proteção legal. É muito
difícil determinar seu número, mas poderia ser estimado em quase 20 ou 30% da
população total do império. Isso depende de algumas regiões ou províncias, ou de
outras, pois o fenômeno social da escravidão, embora presente em todos os lugares,
não se espalhou uniformemente pelo território do império. Se até agora insistimos
quase incansavelmente que é necessário especificar os limites cronológicos de nossa
atenção ao falar do mundo romano, no que diz respeito ao tema da escravidão esta
advertência é essencial, pois é muito comum cair no erro de aplicando dados de épocas
muito diferentes, mas alheias, ao período que agora nos interessa, ou seja, em meados
do século I d.C. e, consequentemente, obter falsas conclusões.

254 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Todos sabem em que consistia a escravidão: o escravo era propriedade de seu
MESTRADO

senhor, como qualquer outro gado e, portanto, carecia de toda liberdade e


proteção civil. A origem desta condição dependia do nascimento de pais escravos,
da perda da liberdade por cair prisioneiro de guerra ou cativo de piratas, ou
simplesmente ter falido e ter que vender a si mesmo e os filhos para pagar a dívida
(Mateus 18:24-25). Além dessa condição desumana e humilhante, os escravos do
século I formavam uma classe social ampla e muito heterogênea, cujo estado de
bem-estar dependia de circunstâncias muito diversas.

255 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Devemos descartar como falso o conceito de que o escravo era desprezado,
MESTRADO

desesperado e vivendo na mais completa indigência. Digamos de início que


muitos escravos do primeiro século viviam melhor do que boa parte dos cidadãos
romanos. Exceto aqueles que eram escravos do Estado e submetidos a trabalhos
forçados em minas ou galés, que levavam uma vida miserável, os escravos
particulares que trabalhavam em fazendas ou em empresas industriais viviam
mais confortavelmente do que muitos colonos e trabalhadores livres.

256 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Atque ipse panis potionisque bonitatem gustu suo exploret; vestem, manicas,
MESTRADO

pedumque tegmina recognoscat. Saepe etiam querendi potestatem faciat de iis,


qui aut crudeliter eos aut fraudulenter infestent.

E ele mesmo explorará a bondade do pão e da bebida com seu próprio gosto; ele
examina as vestes, as mangas e as coberturas dos pés. Ele também muitas vezes
tem o poder de reclamar daqueles que os atacam de forma cruel ou fraudulenta.
(De re rustica 1.8).

257 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Libenter ex iis qui a te veniunt cognovi familiariter te cum servis tuis vivere: hoc
MESTRADO

prudentiam tuam, hoc eruditionem decet. 'Servi sunt.' Immo homines. 'Servi sunt '
Immo contubernales. 'Servi sunt.' Immo humiles amici. 'Servi sunt.' Immo conservi, si
cogitaveris tantundem in utrosque licere fortunae.

De bom grado, aprendi com aqueles que estiveram com você que você vive
familiarmente com seus servos: isso convém à sua prudência, esse aprendizado.
“São escravos”. E além disso, são homens. “São escravos”. E além disso, são
companheiros de casa. “São escravos”. E além disso, são humildes amigos. “São
escravos”. E além disso, são meus conservos, se você cogitar que a fortuna pode
ser tanto de um quanto de outro. (Ep 47.1).
258 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


É verdade que o sistema é inaceitável para nós e que, de fato, já houve excessos, mas
MESTRADO

os tempos das revoltas escravas do século I a.C., como a do famoso Spartacus, já


havia entrado na história. No ano 61 d.C. um escravo assassinou um personagem
importante em Roma, Pedanio Segundo, prefeito da cidade. De acordo com uma lei
antiga, todos os escravos do proprietário morto por um deles deveriam ser
condenados à morte. Quando tentou aplicar esta lei na cidade, em virtude da qual
400 escravos tiveram que morrer, o povo de Roma, indignado, quis impedi-lo pela
força e libertar os escravos ali mesmo. O assunto chegou ao Senado, onde havia
posições conflitantes. A lei só poderia ser cumprida recorrendo ao exército que, em
estado de emergência, deveria tomar as ruas e praças da cidade (Tácito, Annales 14).

259 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Apesar de tudo, sempre houve senhores que maltrataram seus escravos e, de
MESTRADO

qualquer forma, estes constituíam a classe mais baixa da sociedade, praticamente


sem qualquer proteção legal. No entanto, é um fato que no século 1 d.C. não era
muito difícil para o escravo sair de tal situação. Estava muito na moda então que
os senhores (paterfamilias) alforriassem ou devolvessem sua liberdade aos
escravos que se comportavam bem e sentiam afeto pela casa.

260 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


De qualquer forma, o número de libertos, ou seja, escravos que obtiveram a
MESTRADO

liberdade, aumentou notavelmente ao longo do século I. A preparação que muitos


deles possuíam determinou que, especialmente nos tempos de Cláudio,
passassem a ocupar os cargos-chave da administração na câmara imperial. O
liberto podia adquirir a cidadania romana e daí passar com relativa facilidade à
classe equestre, o que lhe permitia inclusive o governo de uma província, como
vimos no já mencionado caso de Félix, procurador da Judeia.

261 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Deve-se ter em mente, no entanto, que a fuga de um escravo – fato que ocorria
MESTRADO

com certa frequência – constituía crime gravíssimo, que permitia ao proprietário,


caso recuperasse o escravo, aplicar punições severas (em certos casos, pode
chegar a açoitamento, confinamento e até mesmo marcar o escravo com fogo
como se fazia com o gado). Também era crime abrigar um fugitivo. A razão última
era que o escravo era uma propriedade e um investimento. A fuga constituiu um
roubo de valor considerável, de acordo com os preços dos escravos no mercado.

262 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


εἰ δέ τι ἠδίκησέν σε ἢ ὀφείλει, τοῦτο ἐμοὶ ἐλλόγα. ἐγὼ Παῦλος ἔγραψα τῇ ἐμῇ
MESTRADO

χειρί, ἐγὼ ἀποτίσω· ἵνα μὴ λέγω σοι ὅτι καὶ σεαυτόν μοι προσοφείλεις.

Se ele te prejudicou de alguma forma ou lhe deve alguma coisa, ponha na minha
conta. Eu mesmo, Paulo, assino com o punho; Eu te retribuirei. (Filemon 18-19).

263 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Toda a carta está imbuída do espírito cristão de fraternidade, que está muito
MESTRADO

acima das relações jurídicas entre senhor e escravo. Mas nem Paulo, nem
qualquer outro personagem do Novo Testamento, nem os filósofos estóicos,
levantaram o problema da abolição da escravatura, que naquela época era
considerado um fato normal, consagrado por um costume que vinha de muitos
séculos atrás.

264 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Nesse contexto de reconhecimento dos escravos como pessoas, que já estava no
MESTRADO

meio do povo em meados do século I, é onde se encaixam as frases de Paulo,


segundo as quais, para um cristão, não há mais escravo ou livre, da mesma forma
que não há diferença entre judeu e grego, nem entre homem e mulher, pois todos
somos um em Cristo Jesus (1 Coríntios 12:13; Gálatas 3:28; Colossenses 3:11).

265 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Para tentar entender um pouco mais a fundo o que era a sociedade do Império
MESTRADO

Romano, na qual o cristianismo começou a ser implantado muito pouco a pouco, é


preciso também levar em conta as diferentes classes que estavam dentro da
classe privilegiada dos cidadãos romanos. Vamos expô-lo agora de uma forma
muito rápida e simplificada.

266 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Dentro da cidadania romana, a classe alta, dotada das mais amplas funções gerenciais
MESTRADO

na ordem social e política, era a chamada "senatorial". Era formado por famílias de
personagens que haviam ocupado as mais altas magistraturas do estado, pois após sua
atuação acessavam diretamente o Senado. No século I, a classe senatorial constituía a
verdadeira nobreza romana, embora entre os seus componentes estivesse a chamada
nobreza patrícia, descendente de famílias tradicionais desde tempos imemoriais, e a
nobreza ou aristocracia plebeia, fruto da incorporação a esta classe social pelos
méritos destacados de personagens – novi homines –, que não pertenciam a tais
famílias, embora no século I d.C. ainda levou algumas gerações incorporadas à ordem
senatorial. Já dissemos que, para ocupar certos cargos, como o de governo da maioria
das províncias, era preciso pertencer a essa classe social.

267 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Em um nível inferior estava a classe dos cavaleiros – equites –, pessoas tradicionalmente
MESTRADO

ricas, cuja denominação social adveio do fato de que nos tempos da Roma Antiga eles
prestavam serviço militar com seu próprio cavalo, de acordo com suas reconhecidas
possibilidades econômicas. A partir desta classe social, o acesso era relativamente fácil à
classe alta após o exercício de uma alta magistratura, para a qual só era exigido ser cidadão
romano de nascimento, ou ainda através da nomeação direta do senado para integrar um dos
seus cargos, como veio sendo mais frequente nos anos que nos preocupam. Uma vez que o
indivíduo adquiria o cargo de senador, a posição social, que não necessariamente o cargo,
passava para seus filhos por herança. Os cavalheiros, facilmente distinguíveis pelo uso de
seu anel característico, constituíam a fonte de onde vinha a maioria dos funcionários e
controlavam as finanças do Estado com acesso até mesmo ao governo das pequenas
províncias, chamadas procuratorianas.
268 Dr. Brian Kibuuka
Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Outra classe baixa era composta pelos chamados “decuriones”. Eram cidadãos com
MESTRADO

possibilidades econômicas confortáveis, que faziam carreira ocupando


preferencialmente cargos políticos municipais nas cidades da Itália ou naquelas outras
províncias que começavam a obter a cidadania romana. Mas os membros dos
conselhos (lat. curia, gr. boulé) das cidades do império, que ainda não gozavam da
cidadania romana, também costumavam receber o nome de decuriones. A este
respeito, lembre-se, por exemplo, que José de Arimatéia é citado nos Evangelhos, que,
dada a sua posição social, ousa apresentar-se a Pilatos para pedir o corpo de Jesus
após a sua morte. José foi, segundo Marcos (Marcos 15:43; cf. Mateus 27:57; Lucas
23:50; João 19:38), um "nobre decurião" (lat. nobilis decurio, gr. eyschemon
bouleytés), mas não pode ser deduzido, portanto, que ele tinha cidadania romana.

269 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Temos então a plebe, ou seja, os cidadãos de possibilidades econômicas limitadas,
MESTRADO

embora gozando dos direitos romanos. O gozo de tais direitos, que não era um
privilégio pequeno na maioria das províncias do império, regularmente reservado
a alguns ricos, era algo muito normal e, portanto, muito menos estimável na Itália
e em algumas outras províncias vizinhas, especialmente na Gália, onde a
cidadania romana havia sido concedida quase em massa no tempo de Cláudio.

270 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Havia cidadãos romanos que viviam no campo, dedicados às tarefas agrícolas e
MESTRADO

que normalmente exerciam o seu ofício como colonos ou arrendatários, já que a


pequena propriedade rural era cada vez mais rara naquela época. Alguns desses
colonos, como dissemos antes, viviam mais miseravelmente do que muitos
escravos. Era comum alguns proprietários favorecerem seus escravos e até
colocarem pessoas dessa condição como superintendentes de suas fazendas,
como se deduz de Columela (Re rustica I, 8) e o Novo Testamento alude
diretamente a isso (Mateus 24:45-51; ver Marcos 13:34).

271 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

2.10.3 CIDADANIA ROMANA


Nas cidades, principalmente em Roma, abundavam os cidadãos romanos, muitos
MESTRADO

deles pobres e integrados numa massa indolente que vivia praticamente às custas
do Estado, que distribuía trigo como subsídio (annona) e entretinha aquela massa
ociosa com espetáculos públicos; daí a frase de Juvenal: Panem et circenses
(Sátiras 10.81).

Tudo o que dissemos até agora foi uma tentativa de apresentar simplesmente a
estrutura social muito complexa do povo que compunha o Império Romano em
meados do século I d.C. C. Sem sequer espreitar esse mundo, uno e múltiplo ao
mesmo tempo, seria muito difícil compreender as origens do cristianismo.

272 Dr. Brian Kibuuka


Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Universidade Estadual de Feira de Santana
MESTRADO

ESTUDOS NA TEOLOGIA
DE LUCAS-ATOS

Dr. Brian Kibuuka


Pós-Doutorando da Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne (AnHiMA)
Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana (NInA Antiqua)

Você também pode gostar