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Dissertação de Mestrado
Rio de Janeiro
Abril de 2018
Laerte Tardeli Hellwig Voss
Ficha Catalográfica
CDD: 200
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1613118/CA
À minha esposa Diani e aos nossos filhos Nina e Benjamin, quem já enchem a
minha vida de amor e a Sara, quem ainda não nasceu, mas não tarda em chegar
para completar nossa família.
Agradecimentos
vir.
Resumo
Palavras-chave
Tensão já e ainda não; Temporalidade Escatológica; Oscar Cullmann;
Missão da Igreja; Escatologia.
Abstract
The tension already and not yet in Oscar Cullmann - possibilities and
implications to the mission of the Church – is a research that proposes a dialogue
between the Eschatology and the Missiology, in which the main goal is to analyze
the classic paradox in theology known as the already and the not yet of the
Kingdom of God. The essay starts by exploring the question about the temporal
nature of the hope that God’s people have nurtured. It begins in the Scripture,
passes through different epochs in the record of the Church up to the state of the
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issue in our days, perceiving how the people’s expectation for the fulfillment of
God’s promises has alternated throughout history. Sometimes it displayed a more
futuristic and celestial emphasis. In another period, it pointed to a more present-
day and worldly orientation. The research discovers then, in Oscar Cullmann, a
significant proposal to solve the dilemma of any eventual polarization. Cullmann,
from his exegetical work in the New Testament, see how God’s Kingdom and its
promises have a double timing application: an aspect already inaugurated by the
person and work of Jesus Christ, already present among us, and another not yet
consumed, which is still awaited in the future, in the breakthrough of the
parousia. Afterwards, this dissertation will show how Cullmann’s thesis was
received and reverberated across the thought of various theologians. And lastly,
this reflection will focus in the dissertation subtitle, which seeks to address how
the tension already and not yet informs the missional message and affects the
missional attitude of the Church.
Keywords
Tension already and not yet; Eschatological temporality; Oscar Cullmann;
Mission of the Church; Eschatology.
Sumário
1. Introdução 13
6. Conclusão 226
atual do Reino de Deus já havia sido articulada pelo primeiro professor. Mas de
alguma forma, o ainda não havia sobressaído na compreensão. Agora era o já que
reivindicava sua vez. E além do choque memorável, o novo enfoque também fez
suscitar uma ideia na hora certa. Eu que havia ingresso no mestrado sem projeto
de pesquisa definido, não precisaria mais pensar a respeito. Havia encontrado o
tema. Exploraria a tal tensão já e ainda não do Reino de Deus. Tentaria encontrar
suas raízes, seus desdobramentos, suas alternativas. De certa forma, essa questão
fica nítida no próximo capítulo.
Mas nem só de motivações de cunho mais intimista foi construída essa
pesquisa. Também o ministério pastoral, ao qual tenho estado dedicado desde
2004, estimulou-me a seguir por esse viés. A carência de uma teologia
escatológica mais equilibrada na paróquia, que os hinários, as liturgias, as
homilias e os planejamentos por aí atestam, bem como a desesperança ou a falta
de propósito na práxis da esperança em parte de boa parte dos irmãos e irmãs na
fé, também mexeu com a gente. O esgotamento de se observar alienação e
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obsessão com o céu, por um lado, e ativismo e promessas fakes, por outro, estava
incomodando e nos orientando a lidar com o assunto.
Ainda dentro dessa linha pastoral, outra preocupação que os temas de
escatologia despertam é quanto ao testemunho ao mundo. Num contexto cada vez
mais líquido, cansado, onde nada mais parece encantar, sensibilizar, confrontar,
como falar de fazer parte, de esperançar, construir e se engajar num movimento
contrário aos valores dominantes para construir uma realidade nova? Como falar
de trabalhar em prol do Reino de Deus? Numa sociedade cada vez mais cética,
cínica, desconfiada e hostil a Deus, como falar de perdão, cura, renovação, de
ressurreição, de vida eterna? Como falar sobre um Deus real que está a caminho,
para consertar o mundo e pôr todos os pingos nos i’s? Como comunicar o
Evangelho para pessoas que quando escutam a velha interrogação evangelística
“Você está pronto para a volta de Jesus?”, respondem “Não, tô de boa”. E não só
falar para esse ser humano, mas falar com. Esperar junto dos que esperam
sozinhos ou nem mais motivos possuem para esperar. Responder às perguntas que
eles fazem. Essas questões atormentam, se não todos os missionários e líderes
cristãos, pelo menos àqueles que estão em ambientes mais carentes, social ou
espiritualmente. Do envolvimento que temos com a Igreja, do amor que sentimos
por ela e pelos que estão à margem do amor de Deus em Cristo, também nasceu
15
nosso ímpeto desta pesquisa. Nosso capítulo conclusivo e o enfoque principal que
decidimos dar ao trabalho estão em sintonia com essa motivação particular. A
escatologia, por si só, é apaixonante. Mas quando a juntamos à missiologia, então
temos um cenário comovente, e fértil.
Um último comentário nesta introdução é o componente acadêmico. Dentre
as várias abordagens que poderíamos ter utilizado para a relação escatologia-
missiologia, ou para o paradoxo temporal-escatológico entre o passado-presente-
futuro de Deus, escolhemos uma, bem específica: A tensão já e ainda não no
teólogo Oscar Cullmann. Ela se deu por duas razões: Em primeiro lugar, uma
tentativa de descobri-lo, (re)apresentá-lo e aprofundá-lo na reflexão
contemporânea, especialmente no Brasil, onde não muito se conhece do professor
teuto-francês. Quando começamos a pesquisa tínhamos uma suspeita de sua
relevância para a questão escatológica-missiológica, e para a teologia em geral.
Depois de investigá-lo com um pouco mais de atenção, o que era uma suspeita se
tornou certeza. Esperamos mostrar o valor de sua teologia, especialmente de seu
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1
SUSIN, Luis Carlos. Assim na Terra como no Céu: Breviláquio sobre escatologia e criação.
Petrópolis: Vozes, 1995, p.11.
2
“O termo escatologia origina-se de duas palavras gregas, eschatós e logos, e significa „doutrina
das últimas coisas‟. Geralmente, tem sido entendido como referindo-se a eventos que ainda virão a
acontecer, relacionados tanto com o indivíduo como com o mundo. No que se refere ao indivíduo,
pensava-se que a escatologia se ocupava de assuntos tais como a morte física, imortalidade, e o
assim chamado „estado intermediário‟ – o estado entre a morte e a ressurreição geral. Com relação
ao mundo, a escatologia era vista como tratando da volta de Cristo, da ressurreição geral, do juízo
final e do estado final das coisas.” HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro: A Doutrina Bíblica
das Últimas Coisas. Trad. Karl H. Kepler. São Paulo: Cultura Cristã, 1989, p.9. Ainda sobre o
vocábulo no grego e seu uso bíblico-teológico: “Se procurarmos compreender o termo
„escatologia‟ a partir das raízes do mesmo na língua grega, então toparemos com três nuances de
significado: a) O ensino ou doutrina sobre o último – entendido como uma pessoa (masc. sing.), a
saber, sobre Jesus Cristo como o Primeiro e o Último, o Alfa e o Ômega, aquele que ontem, hoje e
eternamente é e permanece o Senhor. De acordo com esta nuance do termo, todos os temas da
escatologia estão, de alguma forma, diretamente ligados à pessoa e à obra de Jesus Cristo, não
podendo ser abordados de forma isolada da Cristologia e da Soteriologia. A ligação com a pessoa e
a obra de Jesus Cristo mostra, também, a conotação estritamente soteriológica da escatologia
cristã, em diferença para com a teologia da criação (Protologia). Escatologia tem a ver essencial- e
restritamente com salvação que veio, vêm e virá a nós graciosamente através de Jesus Cristo. b) O
ensino ou doutrina sobre a última coisa – entendida como acontecimento, fato, situação, estado de
existência etc. (neutro singular, no grego). Poderíamos pensar em acontecimentos como morte,
ressurreição, juízo final etc. que trazem viradas significativas na dimensão pessoal, histórica ou
cósmica. Mas poderíamos pensar também em situações ou estados de existência que não se deixam
delinear muito bem a partir de nossa noção cronológica de tempo, como por exemplo, a existência
pós-mortal. c) O ensino ou doutrina sobre as últimas coisas – entendidas como o conjunto dos
eventos ou estados finais e derradeiros (masc. plural), haja visto que não é possível dilacerar o
corpo da esperança cristã em eventos isolados ou separáveis do todo da obra escatológica de Deus,
como se um não estivesse intrinsecamente ligado aos outros ou ao todo. Se nos orientamos no uso
grego do conceito, o termo „escatologia‟, quando utilizado, deveria sempre levar em conta
simultaneamente estas três nuances de significado, de modo que cada parte encontre o seu espaço
em um todo maior, o qual por sua vez não pode ser desvinculado dogmaticamente da pessoa de
Jesus Cristo”. SCHWAMBACH, Claus. Escatologia como categoria sistemático-teológica: Um
17
ensaio em perspectiva protestante. In Vox Scripturae. Revista Teológica Brasileira, São Bento do
Sul: União Cristã, v. XIV, n. 2, 2006, p. 136-137.
3
MOLTMANN, Jürgen. Teologia da Esperança: estudos sobre os fundamentos e as
conseqüências de uma escatologia cristã. 3. ed. rev. e atual. Tradução Helmuth Alfredo Simon.
São Paulo: Loyola, 2005, p.29.
4
LIBÂNIO, João Batista., BINGEMER, Maria Clara L. Escatologia Cristã. Petrópolis: Vozes,
1985, p.19.
5
“O termo „escatologia‟ é encontrado pela primeira vez como título do 5. volume da dogmática de
Ph. H. Friedlieb (1644). Da Escatologia fazem parte, segundo Friedlieb, seis temas: morte,
ressurreição dos mortos, juízo final, consumação do mundo, inferno ou morte eterna e vida eterna.
Embora ele não defina esta expressão artificial („escatologia‟), é provável que o pano de fundo
bíblico que serviu de base para seu uso do termo foi 1 Co 15.26. Johann Gerhard, teólogo da
Ortodoxia Luterana, ainda havia arrolado estes seis temas em sua dogmática sob o título „De
novissimis‟ – „Sobre as últimas coisas‟ [ou: Sobre os acontecimentos novíssimos][...] Embora
Gerhard ainda não tenha usado o termo „escatologia‟, o conteúdo de sua abordagem „Sobre as
últimas coisas‟ nos oferece um termo de conteúdo, em última análise, paralelo ao designado pela
expressão escatologia, introduzido por Friedlieb logo depois. Em Gerhard e Friedlieb, a
escatologia ainda figura no conjunto dos demais temas dogmáticos. Como complexo independente
de temas, o termo “escatologia” irá despontar apenas em 1677, com a publicação da Dogmática de
Abraham Calov”. SCHWAMBACH, Claus. Escatologia como categoria sistemático-teológica. Um
ensaio em perspectiva protestante. Vox Scripturae. Revista Teológica Brasileira, São Bento do Sul:
Editora União Cristã, v. XIV, n. 2, 2006, p.135-136. Em território católico, seguimos o
depoimento de Renold J. Blank. Além de confirmar que primeiramente o termo foi usado pelo
teólogo luterano A. Calov, ele vai dizer: “No contexto católico, o termo aparece primeiro na obra
de F. Oberthur, Biblische antropologie (Antropologia bíblica), publicada nos anos 1807-1810.
BLANK. Renold J. Escatologia do mundo: o projeto cósmico de Deus. São Paulo: Paulus, 2001,
p.77.
6
MOLTMANN, Teologia da Esperança, p.30-31.
18
7
Sobre essa linha de raciocínio, ver, por exemplo: LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã,
p.22-23. Ver também a nota de rodapé n.2.
8
Como por exemplo: Consequente (Schweitzer), Realizada (Dodd); Inaugurada (Florovsky),
Transcendental (Barth), Existencial (Bultmann), Atualizada (A. Althaus), Histórico Salvífica
(Cullmann), Proléptica (Pannenberg); Evolutiva (de Chardin), da Esperança (Moltmann), Política
(Metz), da Libertação (G. Gutiérrez), entre outras. Quase que a totalidade dos livros de escatologia
que se lançam na tarefa de resgatar a história da reflexão escatológica, especialmente nos últimos
séculos, trará contribuições sobre estas escolas, que nem sempre são classificadas da mesma forma
ou terão os mesmos teólogos como preceptores.
9
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.22-23, 64,68.
19
aquele passado. O presente nos traz apenas a confirmação e a validação daquilo que
já aconteceu de uma vez por todas em Cristo Jesus. E o futuro nos trará apenas a
revelação da abscondicidade da vitória passada e sempre presente de Cristo,
permitindo que aquilo que desde lá, por assim dizer, já vale em eternidade, se torne
em tempo, história e evento. [...] [Na escatologia presente] Tudo aquilo que
aconteceu por intermédio de Jesus Cristo não ficou preso e relegado ao passado,
mas tem conseqüências e implicações que marcam aquilo que chamamos de
“tempo presente” de cada época histórica post Christum natum.[...] No presente, o
velho mundo caído e a nova criação escatológica de Deus têm de conviver em
simultânea paradoxalidade. A escatologia presente se constitui, portanto, em um
campo de tensão entre o Já Agora e o Ainda Não da salvação, fé e esperança,
abscondicidade e revelação da salvação, fé e razão/experiência/visão, graça e
glória, simultaneidade da justiça e do pecado na vida do indivíduo, o gemido e a
esperança da criação (Rm 8.18ss) e assim por diante. [...] [Na escatologia futura] O
presente da salvação de Deus não anula o futuro e a consumação. O que temos já
agora pela fé, mas não ainda na visão, um dia se tornará plenamente visível e
palpável. [...] A escatologia futura abrange, dessa forma, os temas tradicionais da
escatologia em sentido mais restrito, seja em perspectiva individual ou universal-
cósmica, tais como: morte, existência pós-mortal, ressurreição dos mortos, juízo
final, parusia de Cristo, novos céus e nova terra, inferno ou morte eterna, vida
eterna, imortalidade, fim e consumação do mundo e do cosmos, superação da
abscondicidade do Deus Triuno, etc.11
Moltmann é outro quem chama à atenção para a temporalização da
escatologia. Logo no primeiro capítulo de seu livro A Vinda de Deus, descreve as
várias tendências da escatologia atual como propostas de solução para a “antítese
10
SCHWAMBACH, Escatologia como categoria sistemático-teológica, p.144, 155.
11
SCHWAMBACH, Claus. Escatologia como categoria sistemático-teológica, p.144, 145-150.
20
destaque inclusive para a faceta que é nosso objeto mais específico de pesquisa,
dentro dela: o paradoxo já e ainda não. Sobressaem-se os já mencionados artigo
de Schwambach, o livro de Moltmann e a seção An eschatological tension
between the already and the not yet, do livro Hope for the Earth: Vistas for a New
Century14, onde o autor, Ernst M. Conradie, afirma que a tensão já e ainda não
esteve no centro dos debates no século XX15 e prova sua afirmação elencando um
bom número de destacados teólogos que fizeram uso da índole escatológica
temporal.
A farta disseminação da tensão já e ainda não foi o primeiro dos achados de
nossa pesquisa. Quando começamos nossa investigação, não tínhamos a noção
exata de como este axioma tinha e tem sido importante na reflexão escatológica e
do quanto ele se desenvolveu e se abriu. Quanto mais avançávamos na
perscrutação, mais percebíamos seus efeitos e seus rendimentos. Tentaremos
mostrar esse fato, pelo menos parcialmente, de agora em diante.
12
MOLTMANN. Jürgen. A Vinda de Deus: Escatologia Cristã. Tradução Nélio Schneider. São
Leopoldo: Unisinos, 2003, p.22.
13
MOLTMANN. A Vinda de Deus, p.29.
14
CONRADIE. Ernst M. Hope for the Earth: Vistas for a New Century. Eugene: Wipf & Stock,
2000, p.124-136.
15
CONRADIE. Hope for the Earth, p.125.
21
2.1
A temporalidade escatológica na revelação bíblica
dos aspectos integrantes de toda a revelação bíblica. A escatologia não precisa ser
vista como algo encontrado apenas em livros tais como Daniel e Apocalipse, mas
como dominando e permeando toda a mensagem da Escritura. É o que nos
disponibilizaremos a fazer.
2.1.1
A escatologia hebreu-judaica do Antigo Testamento: A expectativa
por um futuro, que por vezes revela sinais no presente
16
William La Due e Mario Gutiérrez são dois teólogos que ressaltam os distintos períodos e as
várias fases de perspectivas sobre a expressão temporal da escatologia para o povo no Antigo
Testamento. Ver: LA DUE, William J. O Guia Trinitário para a Escatologia. Tradução Milton
Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2007, p. 11-14; GUTIÉRREZ, Mario. J. La esperanza de la
vida: Introducción a la escatología Cristiana. Bogotá: J Publicaciones,1986, p.55-77.
22
17
BRAKEMEIER, Gottfried. Reino de Deus e Esperança Apocalíptica. São Leopoldo: Sinodal,
1984, p.27.
18
LADD, George E. Presence of the Future: The Eschatology of Biblical Realism. Revised
edition. Grand Rapids: Eerdmans, 1996, p.52-53.
19
VRIEZEN, T.C. An Outline of Old Testament Theology. 2. ed. Tradução S. Neuijen. Oxford:
Blackwell, 1970, p.458. Apud HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro: A Doutrina Bíblica das
Últimas Coisas. Tradução Karl H. Kepler. 2.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1989. p.12.
20
VRIEZEN, An Outline of Old Testament Theology, 1970, p.123. Apud HOEKEMA, A Bíblia e o
Futuro, 2001, p.12.
21
Ver RAD. Gerhard von. Teologia do AT. Vol.II, São Paulo: Aste, 1973, p112ss.
23
libertadoras de Deus em favor do seu povo. Por isso, anunciam a ação eficaz dele
no presente e no futuro.22
Moltmann é outro quem enxerga o Antigo Testamento numa moldura
escatológica. Repetidas vezes aludirá ao mesmo reivindicando-o como
antecedente de uma esperança que é judaico-cristã. Sua noção de tempo é distinta
da de Ladd e da de Gutiérrez, mas ainda assim seus argumentos ajudam na
composição de nosso entendimento para uma escatologia veterotestamentária que
é futura, mas também tem aspectos preteristas e presênticos, sendo portanto, de
natureza histórica. Ele diz, por exemplo, que o Êxodo não era um evento mítico
de origem, mas um evento histórico que apontava para algo além de si mesmo, a
um futuro superior de Deus.23
Seguindo no raciocínio, Anthony Hoekema, um escatologista holandês de
tradição calvinista que alimentará substancialmente esta dissertação, em sua obra
A Bíblia e o Futuro, enxerga nada menos que sete conceitos específicos que
atestam o forte dado temporal escatológico no Antigo Testamento, a saber: a) a
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22
GUTIERREZ, Gustavo. Teología de la liberación: Perspectivas. 3. ed. Salamanca: Sígueme,
1973, p. 140-141.
23
MOLTMANN, Jürgen. The Experiment Hope. Londres: SCM, 1975, p.18.
24
24
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.12-21.
25
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.21.
26
WALTKE, Bruce K. The Kingdom of God in the Old Testament. In: MORGAN, Christopher
W., PETERSON, Robert. A. (ed). The Kingdom of God. Wheaton: Crossway, 2012, p.49-93.
25
2.1.2
A escatologia crística do Novo Testamento: O futuro visitou o
presente na pessoa e obra de Cristo.
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27
WALTKE, Bruce K. An Old Testament Theology: An Exegetical, Canonical, and Thematic
Approach. Gran Rapids: Zondervan, 2007, p.525.
28
WALTKE, An Old Testament Theology, p.525.
29
Credo Niceno.
30
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.119-124.
26
“presente na pessoa e obra de Jesus”31, que “cumpriu tudo o que havia sido
prometido pelos profetas”.32 O tema central da pregação de Jesus é o Reino de
Deus, o qual começa, torna-se efetivo e transforma a vida já agora.33 Esse dado
cristológico nos moveu a batizar a temporalidade escatológica neotestamentária
de crística.
Tal fato é depreendido por uma constelação de teólogos. Comecemos por
um exegeta do Novo Testamento que foi um dos precursores nesta apologia e é
nosso objeto focal da dissertação, Oscar Cullmann: “O elemento novo do Novo
Testamento não é a Escatologia, mas o que eu chamo de tensão entre o decisivo
„já cumprido‟ e o „ainda não completado‟, [...]. Toda a teologia do Novo
Testamento [...] é caracterizada por esta tensão”.34 Cullmann vê essa perspectiva
nos ensinos do próprio Cristo:
A escatologia de Jesus não é nem “realizada” nem “somente futura”. A tensão
existe já no ensinamento do próprio Jesus. O adiamento da parusia na igreja
nascente tem, quando muito, por conseqüência uma inexistência maior sobre o já
realizado. As palavras já mencionadas dos evangelhos sinópticos provam que o
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próprio Jesus admitiu um tempo de realização já cumprido durante sua vida, sem
deixar de esperar com intensidade a consumação final, muito próxima; porém, que
chegaria somente depois de sua morte.35
A afirmação foi feita em sua Cristologia do Novo Testamento. Sua reflexão
amadureceu e recebeu críticas, dentre as quais, uma que dizia que essa concepção
paradoxal de temporalidade escatológica, fundamentada em Jesus, não seria
realmente produto da mensagem cristã, mas um acréscimo posterior ao texto.
Cullmann considerou os contrapontos, todavia entendeu que eles não se
justificavam. Dez anos depois, numa outra obra, ele seguiu argumentando em
favor da sua tese:
[...] Ela [a expectativa de Jesus] não deve ser [...] considerada como puramente
futura ou puramente presente, mas como uma tensão no tempo entre o “já” e o
“ainda não”, entre o presente e o futuro [...] Os ensinos de Jesus somente podem ser
libertados dessa tensão [entre o presente e o futuro] por um método altamente
arbitrário e cientificamente questionável, no qual tantos os pronunciamentos sobre
31
ZABATIERO, Julio Paulo T. Reino. In: BROWN, Colin, COENEM, Lothar. Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento. v.II. 2.ed. Tradução Gordon Chown. São Paulo:
Vida Nova, 2000, p.2038.
32
VOELZ, James W. What Does This Mean?: Principles of Biblical Interpretation in the Post-
Modern World. Saint Louis: Concordia, 1995, p.245-262.
33
NOCKE, Franz-Josef. Escatologia. In: SCHNEIDER,Theodor. (org.) Manual de Dogmática.
Petrópolis: Vozes, 2002, p.383-384; BLANK. Renold. J. Escatologia do mundo: o projeto cósmico
de Deus. São Paulo: Paulus, 2001, p.205.
34
CULLMANN, Salvation in History. New York: Harper & Row, 1967, p.172.
35
CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. Tradução: Daniel de Oliveira e Daniel
Costa. São Paulo: Hagnos, 2008, p.71.
27
36
As escolas escatológicas de ambos os teólogos citados serão estudadas mais adiante neste
capítulo.
37
CULLMANN, Salvation in History. New York: Harper & Row, 1967, p.32, 175. Tradução
nossa.
38
GIBBS, Jeffrey A. Regaining Biblical Hope: Restoring the Prominence of the Parousia.
Concordia Journal. Saint Louis, v.27, n.4, October 2001, p.313-314.
39
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.314.
28
Marcos “o Reino de Deus se encontra tanto próximo (Mc 1.15; Mt 4.17; 5.10)
como distante (Mc 13; Mt 25.1ss,31ss).43 O erudito lucano Darrell L. Bock, num
estudo enraizado no tratamento dado por Werner Kümmel em Promise and
Fullfillment44, vai argumentar com diversos indicativos textuais, que o terceiro
evangelista também segue, com as devidas nuances, a linha temporal escatológica
dos sinóticos conservando tanto o já como o ainda não em sua biografia de
Cristo.45 E João também confirmará a questão: “Uma escatologia fortemente
presente é encontrada no Evangelho de João (3.15,18,36; 5.24 – embora João
também conheça uma escatologia futura: 5.27ss; cf. 1 Jo 2.28)”.46 Quem crê no
40
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.83.
41
ZABATIERO, Reino. In: BROWN, COENEM, Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento, 2000, p.2046.
42
ZABATIERO, Reino. In: BROWN, COENEM, Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento, 2000, p.2046.
43
SCHWAMBACH, Escatologia como categoria sistemático-teológica, p.148.
44
KÜMMEL, Werner. Promise and Fulfillment: The Eschatological Message of Jesus. London:
SCM, 1957.
45
Obtive acesso ao argumento do professor Darrell L. Bock através de uma preleção sua numa
conferência de escatologia, disponível em:
<http://ntresources.com/blog/documents/DSG2011_DBock_AlreadyNotYet.pdf>. Acesso em
14/02/2018. No entanto também temos conhecimento de que sua tese aparece na sua obra: A
Theology of Luke and Acts: God‟s Promised Program, Realized for All Nations. Grand Rapids:
Zondervan, 2012.
46
SCHWAMBACH, Escatologia como categoria sistemático-teológica, p.148.
29
Filho já tem a vida eterna, no evangelho joanino, mas “sua pregação de cunho
acentuadamente presêntico não se nega o futuro escatológico”.47
Também os demais autores do cânone neotestamentário combinam que o
Reino é presente e futuro, cristocêntrico e transcendente, dinâmico, e salvífico.48
Hoekema diz que, no fundo, “é impossível entender a teologia neotestamentária à
parte desta tensão”.49 E na companhia de outros, entenderá que o maior
responsável pela compreensão e comunicação da temporalidade escatológica fora
o apóstolo Paulo:
Essa tensão, mais tarde, também permeia os ensinos do apóstolo Paulo. Para esse
apóstolo, a vida de Jesus se auto-revela no tempo presente em nossa carne mortal
(2Co 4.10,11), mas a presença desta vida nova é provisória e imperfeita, de modo
que podemos falar dela tanto como revelada como escondida. (cp. Cl 3.3; Rm
8.19,23). Por causa disso, às vezes, Paulo escreve acerca da morada do Espírito
numa linguagem alegre e triunfante (Rm 8.9; 2Co 3.18), enquanto que outras vezes
ele fala acerca do crente gemendo intimamente e anelando por coisas melhores (Rm
8.23; 1 Co 5.2).50
As epístolas não-paulinas também não estão isentas desta escatologia: O
autor de Hebreus contrasta a primeira vinda de Cristo com a segunda, Pedro
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47
NOCKE, Franz-Josef. Escatologia. In SCHNEIDER,Theodor. (org.) Manual de Dogmática.
Petrópolis: Vozes, 2002, p.386.
48
ZABATIERO, Reino. In: BROWN, COENEM, Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento, 2000, p.2054.
49
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.83.
50
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.83,84.
51
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.84.
52
NOCKE, Escatologia. In SCHNEIDER, Manual de Dogmática, p.387.
30
2.2
A temporalidade escatológica na história da igreja
53
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.84.
54
KÜNG. Hans. El cristianismo: esencia e historia. Tradução Víctor Abelardo Martínez de
Lapera. 4.ed. Madrid: Trotta, 2006. Küng subdividiu a história do cristianismo em cinco
paradigmas: 1: O paradigma apocalíptico do cristianismo primitivo; 2: O paradigma helenístico da
patrística; 3:O paradigma católico-romano da idade média; 4: O paradigma protestante da
Reforma; 5: O paradigma moderno do iluminismo. Como ficará demonstrado, não mantivemos as
mesmas categorias, mas fomos sugestionados pelo esquema.
31
2.2.1
A escatologia apocalíptica da comunidade primitiva: O futuro está
logo ali, mas como já foi experimentado, ele mexe com o presente
já o vimos no passado - pelo menos, em parte - não há como não ser afetado por
ele, e perceber como ele afeta todas as realidades e as condições vigentes. As duas
verdades não se contradizem. O apocalipsismo tem dificuldades de desligar-se de
noções dualistas, mas o apocalíptico pode conviver com paradoxos como a
simultaneidade de presença e futuridade do Reino de Deus numa relação de tensão
dialética.
55
Assumiremos como período da igreja primitiva o tempo dos apóstolos, logo após a ascensão de
Cristo até o começo do século II, ao redor dos primeiros 100 anos do cristianismo.
56
O termo apocalíptico tem sido usado e explicado de diversas maneiras, por diversos teólogos,
como por exemplo, Libânio, que diferencia apocalíptico e escatológico numa nota de rodapé (n.1,
p 21) em seu livro Escatologia Cristã; e o próprio Cullmann, que faz o mesmo em Salvation in
History, p.78-83. Há riqueza de conteúdo nessa matéria (Por exemplo: “Visões de um novo dia:
cristianismo semítico primitivo e apocalíptica cristã”, em DALEY, Brian. E. Origens da
Escatologia Cristã: A esperança da Igreja primitiva. Tradução Paulo D. Siepiersky. São Paulo:
Paulus, 1994, p.19-39). Não investigaremos a mesma, por não se tratar de um dado que
explicitamente impacte esta dissertação. Apenas faz-se necessário esclarecer que quando
etiquetamos a perspectiva escatológica da comunidade primitiva com essa palavra, fazemos num
sentido menos rígido, não diretamente vinculada a literatura judaica ou a movimentos radicais do
contexto, mas tão somente nos referindo a ideia da expectativa ansiosa por uma parusia
dramática, real, iminente, que caracterizava em parte a índole esperançosa da igreja à época.
Estamos conscientes que o termo, pressupostos e conceitos subentendidos nele (que não são os
nossos) podem ser vistos de forma crítica e até depreciativa, em estudos muito sérios, como por
exemplo, em: BLANK. Renold J. Escatologia do mundo: o projeto cósmico de Deus. Escatologia
II, São Paulo: Paulus, 2001, p.39-70, 269-320. Por outro lado, há também quem peça uma
reavaliação do termo e do seu correto conceito, sustentando seu uso. Nenhuma destas situações é o
nosso caso. Não tencionamos nem criticar, nem defender, e nem polemizar com a escolha.
32
57
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.178
58
WERNER, Martin. Die Entestehung des christlichen Dogmas. Bern: Tübingen, 1954.
59
DALEY, Brian. E. Origens da Escatologia Cristã: A esperança da Igreja primitiva. Tradução
Paulo D. Siepiersky. São Paulo: Paulus, 1994, p.15.
60
BRAKEMEIER, Reino de Deus e Esperança Apocalíptica, p.6.
61
BRAKEMEIER, Reino de Deus e Esperança Apocalíptica, p.6.
62
A crítica de Cullmann a tese de Werner pode ser conferida em: Das wahre durch die
ausgebliebene Parusie gestellte neutestamentliche Problem. ThZ 3 (1947), pp.177-191; também:
CULLMANN, Oscar. Christ and Time. Traslation Floyd V. Filson. ed. rev. London: SCM, 1962.
33
63
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.304.
64
DALEY, Origens da Escatologia Cristã, p.15-16.
34
65
BRAKEMEIER, Reino de Deus e Esperança Apocalíptica, p.6-7.
66
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.278-279.
67
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.277.
35
68
DALEY, Origens da Escatologia Cristã, 1994, p.17; BLANK. Renold J. Escatologia do mundo:
o projeto cósmico de Deus. Escatologia II, São Paulo: Paulus, 2001, p.156-158; WRIGHT. N.T.
Surpreendidos pela Esperança. Tradução Jorge Camargo. Viçosa: Ultimato, 2009, p.285-290.
69
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.52-53.
70
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.45.
36
somente fariam as obras que ele fazia, mas outras, ainda mais grandes. (João
14,12).73
É verdade que há estudos que indicam a presença de movimentos mais
extremistas no seio ou nas margens do cristianismo primitivo, que quer seja por
um apocalipsismo mais exacerbado, quer por uma influência precoce do
gnosticismo, focalizavam quase que totalmente em promessas relacionadas ao
tempo futuro. Sem embargo, naquele primeiro momento, estes movimentos não
representaram a maioria paradigmática, e por isso não poderiam caricaturar nossa
análise. Preferimos concluir que a perspectiva marcante da escatologia da igreja
primitiva é apocalíptica, porque possui uma esperança pelo ainda não (parusia) à
flor da pele (o futuro está logo ali), e é tempo-paradoxal, porque está convencida e
vive a partir de sua realidade já (o passado foi testemunhado e ele mexe com o
presente).
71
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.88.
72
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.95.
73
BOSCH, Misión en Transformación, p.607.
37
2.2.2
A escatologia helênica e expansionista da patrística e da
cristandade: O futuro não chegou! É necessário que o presente o
redefina e o construa
74
BOSCH, Misión en Transformación, p.607.
38
75
WRIGHT. Surpreendidos pela Esperança, p.13-48.
76
GUTIÉRREZ, La Esperanza de la vida, p.152.
77
GUTIÉRREZ, La Esperanza de la vida, p.151-180.
39
como realidade presente e futuro ter sido mormente olvidada, ela pelo menos se
mantinha de pé nas diversas liturgias eucarísticas:
O ato central do culto cristão se impregna escatologicamente. Isto é muito
significativo, pois mostra que a Igreja reconhece um caráter irrenunciável na
parusia do Senhor. Em toda celebração eucarística a comunidade de fé reafirmava
sua esperança na vinda gloriosa de Cristo, ao mesmo tempo em que confessava sua
presença atual sob as espécies sacramentais.78
Poder-se-ia dizer: é pouco, se comparada com o vigor de esperança da
geração eclesial anterior, no entanto, é existente. A temporalidade escatológica
paradoxal do Reino de Deus se mantinha, no mínimo, nas ações celebrativas
comunitárias da Igreja. Nossa última averiguação tem o principal historiador que
nos foi possível acessar: Brian Daley.
Como mencionamos anteriormente, Daley fez uma pesquisa extensa e
minuciosa. Ele discorrerá com autoridade sobre padres e apologistas, orientais e
ocidentais, dos mais famosos aos menos conhecidos. Cita os textos destes,
variedades de fontes autorais e fórmulas litúrgicas, incluindo crenças populares,
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78
GUTIÉRREZ, La Esperanza de la vida, p.152.
79
As subdivisões do livro de Daley: 1) Visões de um novo dia: cristianismo semítico primitivo e
apocalíptica cristã; 2) Voltando à história inteligível: a escatologia e os apologistas; 3) recuperação
da luz: escatologia na crise gnóstica (150-200); 4) Senectus Mundi: escatologia do Ocidente (200-
250); 5) Uma escola para almas: a escatologia alexandrina e seus críticos (185-300); 6) O
alvorecer do conflito final: escatologia latina na Grande Perseguição (303-313); 7) Enfrentando a
morte com liberdade: escatologia oriental no período de Nicéia (325-400); 8) Redemptio totius
corporis: escatologia latina no século IV; 9) Graça presente e futura: escatologia grega no século
V; 10) Sinais de uma igreja triunfante: escatologia latina no século V; 11) Apokatastasis e
apocalíptica: escatologia oriental depois de Calcedônia; 12) O fim de toda a carne: escatologia
ocidental no século VI.
40
tirar esta conclusão, mas não temos certeza de que ele a aprovaria, uma vez que,
mostrou-se preocupado, desde a crítica inicial que fez de Werner, com leituras
parciais ou reducionistas. Não negamos que nossa perspectiva reduz, em certo
sentido, a vastidão de articulações do período para uma conclusão principal.
Também estamos cientes de que nossa assertiva não combina com o desenlace de
Daley, que arrematou fazendo uma defesa da escatologia do período e concluiu
que, apesar de desenvolvimentos cíclicos, ela foi satisfatoriamente “consistente”.
Tampouco afirmamos que a escatologia da patrística se perdeu completamente.
Porém, no objeto formal desta dissertação, a consistência não foi perceptível.
Em nosso título da seção, deixamos transparecer três causas principais para
esse deslocamento da esperança cristã: o atraso da parusia, que já havia
assombrado a fase primitiva inaugural, a helenização da fé cristã e a realidade da
80
DALEY, Origens da Escatologia Cristã, p.307.
81
Apesar de demonstrar a variação de ênfases e significados escatológicos nos primeiros sete
séculos do cristianismo, Daley, conclui seu livro indagando se, dentro daquela complicada
narrativa da esperança, não haveria “indicações de uma continuidade mais profunda”, uma
escatologia discernível para o período. Respondera mencionando alguns elementos unificadores: a
esperança no futuro escatológico, a insistência pela realização dentro da história linear enraizada
no plano e poder de Deus, uma doutrina comum dos temas morte, ressurreição, juízo, retribuição e
comunhão dos santos. Alguns campos de desacordo permaneceram mais ou menos abertos na
patrística: a) o tempo e a proximidade do fim do mundo; b) a materialidade e o caráter físico da
ressurreição; c) a extensão da salvação; d) a possibilidade de mudança e progresso para aqueles
41
cujo destino final fora determinado; e) a possibilidade de purificação do pecado após a morte.
DALEY, Origens da Escatologia Cristã, p.308-317.
82
DALEY, Origens da Escatologia Cristã, p.316.
83
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.20.
84
BOSCH, Misión en Transformación, p.607.
85
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.20-21.
42
francês Edgar Morin, que cunhou esta magnífica frase: “O maior inimigo de um
mundo melhor é o melhor dos mundos”.86
Não argumentaremos ainda mais sobre esta dimensão da cultura grega no
cristianismo, tanto devido à ausência de novidade, quanto à suficiente gama de
registros da opinião de teólogos nesse sentido.87 No entanto, vale dizer que as
expectativas escatológicas nutridas pela helenização foram canalizadas para duas
vias principais, as quais não eram mutuamente excludentes, como apontou
Bosch.88 Em primeiro lugar, existia uma tendência mística, que se manifestava em
várias formas, como por exemplo, a theosis da igreja oriental e a salvação como
felicidade individual da igreja ocidental. Em segundo lugar, havia-se a tendência
para o eclesiocentrismo. Aqui abordamos o impacto que o modelo da cristandade
teve na escatologia.
86
JUNIOR. Orivaldo Pimentel Lopes. Um outro mundo já começou: questões para a escatologia
cristã. Horizonte, Belo Horizonte, v. 10, n. 26, abr./jun. 2012, p. 641-642.
87
Para citar alguns: BOSCH, Misión en Transformación, 2005, p.248-252; DOBSCHÜTZ, E. von.
Christianity and Hellenism. Journal of Biblical Literature. v.33, n. 4, dec.1914, p. 245-265;
NOCK, Arthur D. Early Gentile Christianity and its Hellenistic Background. New York: Harper &
Row, 1964; VIVANO, Benedict T. The Kingdom of God in History. Eugene: Wipf and Stock,
1988; MCGRATH, Alister E. A Brief History of Heaven. Malden: Blackwell, 2003; VLACH.
Michael J. Platonism‟s Influence on Christian Eschatology. Disponível em <https://i-disp.com/the-
influence-of-platonism-on-christian-eschatology/>. Oscar Cullmann, NT Wright, Renold J. Blank,
João Batista Libânio, Leonardo Boff, dentre outros, também reconhecem a influência e são críticos
do platonismo e noção de tempo da religiosidade grega.
88
BOSCH, Misión en Transformación, p.608.
43
89
BOSCH, Misión en Transformación, p.608.
90
JUNIOR, Reinaldo; et al. Pseudo-esperança neopentecostal e esperança cristã. Revista Teológica
[Online], n. 7, 10 março 2016, p.193. <http://docplayer.com.br/19079100-Pseudo-esperanca-
neopentecostal-e-esperanca-crista.html>. Acesso em 16/02/2018.
91
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.21.
92
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.61.
44
Numa nota de rodapé, Libânio explicará o que quer dizer com o termo
desescatologização. Ele não significa, neste contexto, uma perda da dimensão
escatológica no seio da Igreja, porém uma diminuição do clima de iminente
expectativa do final dos tempos. E nessa desescatologização, o “fluxo
escatológico, ou desborda os limites da ortodoxia em seitas e grupos entusiásticos,
ou vai para as camadas profundas da religiosidade popular, ou se encastela na
espiritualidade da nascente Vida Religiosa”.93 Libânio ainda contribuirá com uma
valiosa leitura da teologia das duas cidades de Agostinho, como epítome,
diríamos, da confusão da natureza e do abandono da tensão temporal do Reino de
Deus. O futuro (irrupção do Reino) não chegou como se tinha expectativa. A
parusia demorara demais. A escatologia helênica e expansionista encarregar-se-ia
de oferecer um caminho: espiritualizá-la celestialmente ou materializá-la na
construção de um império na terra.
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2.2.3
A escatologia novíssima da Idade Média:
O futuro é tudo o que importa, prepare-se no presente
93
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.61.
45
perde sua dupla temporalidade e também sua feição cosmológica, para concentrar-
se na antropologia. Quando se chega a pensar na coletividade é, essencialmente,
numa dimensão missionária. Deveras, o interesse pelo próximo não convertido
não desaparecera, pelo menos não o interesse pela alma dele. A cristianização dos
povos e a salvação das almas são iniciativas identificáveis no período e ligadas à
escatologia, e elas, não raras vezes, possuem um caráter expansionista, onde o que
realmente importa é o alargamento das fronteiras e o controle de novos territórios
para a organização. Será a temporada das campanhas e cruzadas missionárias
diversas, as quais podem até diferir em conteúdo soteriológico ou eclesiológico,
mas apresentarão promessa escatológica similar. O céu desbancou os novos céus e
a nova terra na expectativa fundamental (quiçá única) do querigma escatológico
medieval.
Essa perspectiva traz realidades que tocam diretamente a temporalidade
escatológica. O sonho de consumo torna-se a vida após a morte (entendida como
ir para o céu), não tanto a vida que fora prometida para depois da vida após a
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94
Exegeta católico (1857-1940), em sua obra: L‟evangile et L‟Eglise. Citação conforme
BRAKEMEIER, Gottfriet. Reino de Deus e Esperança Apocalíptica. São Leopoldo: Sinodal,
1984, p.6.
46
95
BOSCH, Misión en Transformación, p.608.
96
PIAZZA, Orazzio Francesco. A esperança: lógica do impossível. Tradução João Carlos
Rosalino. São Paulo: Paulinas, 2004, p.13.
97
Com a ressalva de que a Igreja Ortodoxa, que surge após o 1º grande cisma, em 1054, e as
Igrejas oriundas da Reforma, por divergência nesta doutrina, nem sempre dedicam um espaço em
suas sistemáticas para tratar do tema.
98
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.36-39
99
Jean Delumeau (1923), historiador francês especialista em história da Igreja Católica, no livro
La peur en Occident, p.228, citador em LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, 1985, p.60.
100
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.21.
47
terreno. Fora das elites renascentistas, na verdade, imperava uma obsessão pelo
além, pela salvação das almas, pelo mérito e pela graça. Na área protestante,
acentuou-se ainda mais a interiorização, a graça: “Que passe o mundo e venha a
glória”. O protestantismo acentuou uma fratura entre Igreja e escatologia: as
instituições que administram as escadas entre céus e terra estavam apodrecidas, e a
Igreja dos eleitos é “escondida”. Então a mediação comunitária perdeu ainda mais
transparência: não há intercessão dos santos, não há sufrágios. O indivíduo fica
cada vez mais sozinho na escatologia.102
La Due também abordará a escatologia da reforma em seu livro. Sua tese é
de que ela não difere muito da promovida em Roma. Baseado em Paul Althaus103,
sumariza:
A escatologia de Martinho Lutero (1483-1546) é oposta a qualquer coisa parecida
com o purgatório, mas a orientação básica de seu pensamento geralmente segue os
padrões medievais. Ele descreve a morte como resultado da ira contra a
humanidade [...] O Evangelho, no entanto, dá aos cristãos uma nova abordagem da
morte. Lutero irradia uma vigorosa convicção de que uma nova vida surgirá da
morte em virtude da vitória de Cristo sobre a morte. [...] Lutero era muito crítico a
respeito da especulação medieval sobre o destino das almas após a morte, as
punições terapêuticas e as oferendas para libertar as almas de seus tormentos. [...]
Sua teologia deixa pouco espaço para a escatologia cósmica. Embora enfatize que o
fim do mundo está se aproximando, o interesse escatológico no destino do mundo
não ocupa muito sua atenção. No entanto, ele antecipa a restauração final do
101
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.64.
102
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.21.
103
Paul Althaus (1888-1966) teólogo luterano alemão. A pesquisa de La Due deu-se na obra The
Theology of Martin Luther, Philadelphia: Fortress, 1966, p.404-425. Conhecemos a obra e ela é
recomendada para se conhecer mais a escatologia do reformador alemão.
48
universo e sua conclusão no fim dos tempos, baseado em passagens como Romanos
8. Com freqüência ele aponta o papado como corporificarão do Anticristo [...].104
La Due também abordará a escatologia de Calvino, que pode ser conhecida
no livro 4 de sua Institutas, e a qual não está tão distante da de Lutero. Inclinamo-
nos a concordar com a interpretação de La Due, que coloca a escatologia da
reforma em sintonia com a escatologia católica no período da idade média,
especialmente na questão que norteia nossa dissertação, a temporalidade
escatológica. Ambos os arcabouços parecem estar consideravelmente dependentes
dos Novíssimos e, orientados por e para eles. Ainda que pretendamos continuar
essa pesquisa, em outro momento.105
Concluímos essa seção com um comentário final de La Due sobre a
escatologia novíssima da idade média, que não apresenta modificações na tese,
mas que, sem embargo, ajuda-nos a completar esta enorme fase histórica, com os
desdobramentos finais já adentrando na idade moderna:
No século XVII, a compreensão geral da fé cristã relativa às coisas últimas
permaneceu próxima das posições sustentadas na Europa ocidental após a Reforma.
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104
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia,, p.25-26.
105
A atenção dada por Lutero à temporalidade escatológica, é, particularmente um tema que ainda
pretendemos aprofundar, especialmente depois da leitura do artigo de SCHWAMBACH,
Escatologia como categoria sistemático-teológica. In Vox Scripturae, 2006. O teólogo luterano
defende a tese de uma perspectiva de tensão já e ainda não é possível de ser encontrada na
teologia/escatologia de Lutero, especialmente sendo ele um teólogo que entendeu a Revelação e
valorizou o esquema em paradoxos.
106
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.45.
49
2.2.4
A escatologia iluminista da Idade Moderna: Chega de futuro,
queremos o presente!
107
Karl Marx chegou a sugerir que se deixasse o céu para os passarinhos e se cuidasse da terra.
Citado de SUSIN, Assim na Terra como no Céu, 1995, p.22.
108
BOSCH, Misión en Transformación, p.609.
109
Citado em BOSCH, Misión en Transformación, p.606.
50
pecado, fé, esperança, Reino... Foram todos secularizados. Segundo Susin, num
exame de Delumeau, o grande problema foi o “medo escatológico”, mencionado
anteriormente, e que mantinha o querigma e a postura cristã “de joelhos”. O ranço
maior que a modernidade teria com o medievo, teologicamente falando, seria com
o (ab)uso de uma mensagem legalista sobre um Deus obstinado em julgar
pecadores. Os temores decorrentes de uma existência voltada para evitar o inferno
e alcançar o céu teriam sido a “tragédia da escatologia”.112 Libânio concordará
com ele, e agregará o coeficiente da “culpabilização”113, que normalmente se fazia
acompanhar. Também insistirá num tópico caro para sua teologia: a capacidade de
interagir e responder às perguntas que são postas.114 Libânio defende que a
escatologia perdera essa capacidade na modernidade. Ambos entendem que essas
situações não são intrínsecas ao cristianismo, mas se tratam de acréscimos nocivos
que foram sendo incrementados ao longo da história por diversas influências.
110
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.14-15,19.
111
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.15.
112
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.22.
113
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.27-28.
114
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.20-31.
51
115
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.45-46
116
KANT, Immanuel. What is the Enlightenment?, In: The Philosophy of Kant: Imannuel Kant‟s
Moral and Political Writings. ed. Carl J. Friedrich, New York: Randon House, 1949 (reimpr.1977),
p.132-133.
117
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.48. La Due não ressalta o movimento da
Ortodoxia Protestante, desenvolvido décadas após a reforma, e para o qual o Pietismo também
tencionou postular-se como alternativa. Não o mencionamos como relevante para nosso tema
tampouco, uma vez que entendemos que a Ortodoxia se manteve fiel à escatologia medieval.
118
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.49.
52
Cristo aos olhos dos crentes. A escatologia não era um campo de empreendimento
importante para ele, pelo menos não nas questões escatológicas relativas ao
futuro, como o julgamento e os destinos finais. Tampouco para outros que se
lançaram à época em projeto semelhante. A modernidade foi um tempo onde
afloraram publicações biográficas sobre Jesus, em sua maioria, escritas por
autores alemães e com um ponto de vista positivista. Evitavam as questões
metafísicas e focavam nos eventos e ensinamentos de Cristo. 122
Outro exemplo paradigmático que nos ajuda a entender o cenário que
alimentava a reflexão escatológica do mundo moderno é conhecermos a teologia
de Albrecht Ritschl (1822-1889), considerado um dos teólogos protestantes mais
influentes de sua época. Ele ensinou, surpreendentemente no período, que o
conceito mais importante para a teologia cristã era o do Reino de Deus. Porém,
concebia esse reino não primariamente como uma ação ou dom transcendente
divino, mas como uma tarefa humana.123. Para ele o Reino de Deus é feito de
119
SCHLEIERMACHER, Friedrich. The Christian Faith. 2.ed. Edimburgh: T&T Clark, 1986,
p.696-737.
120
SCHLEIERMACHER, The Christian Faith, p.705.
121
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.50-51.
122
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.53-54.
123
BERKOUWER, G.C. The Return of Christ. Traslation James Van Oosterom, Grand Rapids:
Eerdmans, 1972, p.25. Apud HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, 2001, p.339.
53
valores e alvos que os cristãos tentam alcançar neste mundo, aqui e agora. “O
reinado de Deus é comunidade perfeita com Deus, e rumo a esse fim ele energiza
um desenvolvimento intacto do amadurecimento da humanidade em direção da
perfeição moral.”124 Em sua lógica, a escatologia não desempenhara virtualmente
papel algum.
As posições de Adolf Von Harnack (1851-1930), outro proeminente,
conforme expressas em seu famoso livro What is Christianity?, são típicas desta
compreensão ritschliana de Jesus e do Reino. Segundo Harnack, a mensagem de
Jesus acerca do Reino de Deus abarcava dois polos: “em um polo, a vinda do
Reino parece ser um evento puramente futuro, e o reino propriamente dito parece
ser o governo externo de Deus; no outro, ele aparece como algo interior, algo que
já está presente e atualmente abrindo seu caminho”.125 A esperança dramática no
futuro seria a “casca” da mensagem de Jesus e o Reino de Deus que visita o
coração do ser humano seria o “cerne”. “Deste ponto de vista, qualquer evento
significativo, no sentido histórico e externo, foi subjugado, e também terminaram
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124
SAUTER, Gerhard. What Dare We Hope? Harrisburg: Trinity, 1999. p.27. Apud LA DUE, O
Guia Trinitário para a Escatologia, 2007, p.54.
125
HARNACK, Adolf von. What is Christianity? 3.ed. Translation R. B. Saunders. Nova York:
Putnam, 1904, p.53. Apud HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, 2001, p.340.
54
2.2.5
A escatologia efervescente do Século XX: De volta para o futuro, mas
um futuro com presente
126
HARNACK, What is Christianity? 1904, p.57 Apud HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, 2001,
p.341.
127
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.22.
128
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.17.
55
129
BOSCH, Misión en Transformación, p.606.
130
MARTIN, James P. Toward a Post-Critical Paradigm. New Testament Studies, vol.33, 1987,
p.272s.
131
BOSCH, Misión en Transformación, p.606.
56
132
ZWETSCH, Roberto E. Missão como com-paixão: Por uma teologia da missão em perspectiva
latino-americana. 2.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2015, p.59.
133
BOSCH, Misión en Transformación, p.609.
134
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.64.
135
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.341.
136
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.342.
137
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.342.
138
WEISS, Johaness. Die Predigt Jesu vom Reich Gottes. 2. ed. 1900, p.5. Apud HOEKEMA, A
Bíblia e o Futuro, 2001, p.341-342
57
homem, nem poderia ser desenvolvido pela obra do homem, mas seria
inteiramente obra de Deus.
Quando Jesus eventualmente parecia dar a impressão de que o Reino já
tinha chegado, Weiss continua dizendo, ele estava falando de modo antecipatório.
As passagens que parecem falar de um Reino presente foram interpretadas por ele
como indicando para o futuro. Weiss defendia que Jesus realmente pensou que o
Reino estava vindo muito em breve, e que após se decepcionar com as
circunstâncias, percebeu que teria que morrer por seu povo para alavancar o
evento.
Para Weiss, em distinção a Ritschl e Harnack, o elemento escatológico não
era a casca, mas o cerne do ensino de Jesus. Sua contribuição ao mundo teológico
deu-se no sentido de reconhecer a escatologia futura como central na mensagem
de Jesus. Ainda que talvez tenha ido longe demais ao sustentar que, para Jesus, o
Reino de Deus era exclusivamente futuro, e não presente de forma alguma.
As posições de Weiss foram endossadas e expandidas por outro teólogo que
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139
SCHWEITZER, Albert. The Quest of the Historical Jesus. 3. ed. Londres: A&C Black, 1954,
p.238.
140
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, 2007, p.55. Anthony Hoekema e outro autores
entendem que Schweitzer divulgou sua tese primeiramente na obra A Busca pelo Jesus Histórico, e
que O Mistério do Reino de Deus teria sido publicado posteriormente, em 1914.
58
estava enganado. Esta teria sido a primeira ocasião do assim chamado “atraso” ou
adiamento da parusia, problemática dramática assídua dentro da escatologia,
como já vimos. Naquele momento, conclui Schweitzer, iniciou-se “o abandono da
Escatologia” que marcaria a história posterior do Cristianismo.147 Schweitzer vai
além e conclui que aquele aparente engano somado aos eventos de aflição
messiânicos na cruz, epitomados no clamor “Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?” (Mt 27,46), teriam causado uma total desilusão em Jesus.
Segundo sua leitura, Jesus estava entregando sua vida numa tentativa derradeira
de introduzir o Reino e este não teria vindo. Schweitzer descreve o evento como
uma espécie de tragédia da morte de Jesus para as suas expectativas escatológicas:
[...] Sabendo que ele é o Filho do Homem vindouro, [Jesus] assume a direção do
mundo para fazê-lo mover na última volta que deverá encerrar a História comum.
O mundo se recusa a mover e Jesus se lança sobre ele. Então o mundo se move o
esmaga. Em vez de inaugurar as condições escatológicas, Jesus as destruiu. O
mundo continua a se mover e o corpo destroçado do único imensuravelmente
grande Homem, que era forte o bastante para considerar-se o governador espiritual
141
SAUTER, What Dare we Hope? p.32, Apud LA DUE, William. O Guia Trinitário para a
Escatologia. p.57.
142
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, 2007, p.55.
143
SCHWEITZER, The Quest of the Historical Jesus, 1954, p.398.
144
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, 2007, p.55.
145
SCHWEITZER, The Quest of the Historical Jesus,1954, p.365.
146
SCHWEITZER, The Quest of the Historical Jesus,1954, p.357.
147
SCHWEITZER, The Quest of the Historical Jesus, p.358.
59
Destaca-se o comentário de Holmström que viu que o suposto destaque dado por
Schweitzer à Escatologia, na verdade, se torna um extermínio da matéria.150
Contudo, nossa reconstrução da quota colaborativa de Schweitzer não
estaria completa se não lembrássemos a interpretação que o teólogo faz, num livro
posterior, da escatologia paulina. Ainda que a mesma ilusão que Jesus teria tido
também encontra eco no apóstolo, o destaque que Schweitzer faz e que é de
interesse particular para nossa pergunta pela temporalidade escatológica é que,
Paulo estaria convencido de que através da morte e ressurreição de Cristo, o
eschaton teria irrompido na era presente e, de certo modo, envolvido a Igreja e se
tornado disponível aos crentes, pelo batismo e mediação do Espírito Santo. 151 Não
se pode garantir que Schweitzer acreditasse na historicidade desses eventos, mas
sua apreciação da irrupção do eschaton no presente pode ser considerada um tipo
de precipitação do que viria a seguir na reflexão escatológica: a Escatologia
realizada, de Charles Harold Dodd (1884-1973).
A posição básica de Dodd era de que para Jesus, o Reino era presente, e
estava sendo realizada no seu ministério. “O eschaton moveu-se do futuro para o
148
SCHWEITZER, The Quest of the Historical Jesus, p.368-369.
149
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.56.
150
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.347.
151
SCHWEITZER, Albert. Die Mystik des Apostels Paulus. Tubingen: Mohr, 1930, p.59.
60
152
DODD, Charles E. The Parables of the Kingdom. Londres: Nisbet, 1935, p.50.
153
DODD, The Parables of the Kingdom, p.146-153.
154
DODD, Charles E. Apostolic Preaching, p.80-81, apud HOEKEMA, p.348.
61
bem lembra Bosch, esta “nova escatologia” estaria "longe de ser uniforme".156A
efervescência foi criativa.157 Vejamos como ela se desenvolveu a partir de alguns
dos mais representativos teólogos do século XX, dando especial atenção à nossa
chave de leitura da temporalidade escatológica.
Um dos primeiros teólogos a se aproveitar desse momentum escatológico foi
o suíço Karl Barth (1886-1968), por vezes denominado como o maior teólogo
protestante do século XX. Sua teologia é rica em diversas áreas e sua ascendência
extrapola o próprio campo teológico, como atesta, por exemplo, sua exposição
como capa da revista americana Time, em abril de 1962. Barth logo disse que não
admitia a escatologia como um mero “último capítulo, breve e inofensivo, da
teologia dogmática”.158 Segundo ele, toda a teologia está colocada em um molde
escatológico. Sua escatologia pode ser conhecida ao longo de 75 parágrafos
destinados a ela em um dos 13 volumes de sua extensa Church Dogmatics, talvez
a obra de maior expressão redigida em arraiais protestantes em um bom tempo.
Suas compreensões escatológicas são extensas e profundas, e admitem uma leve
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155
DODD, The Parables of the Kingdom, p.56
156
BOSCH, Misión en Transformación, p.609.
157
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.11.
158
BARTH, Karl. The Epistle to the Romans. Translation. E.C. Hoskyns. Londres: Oxford, 1933,
p.500.
159
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.364.
160
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.365.
62
Testamento. Segundo ele, há no texto evangélico muita coisa que poderia ser
descrita como mitológica. É necessário reconhecer, selecionar e retirar estes
dados. O foco deve ficar na proclamação que Cristo fez da vontade de Deus e nas
suas exigências de sacrifício, amor e decisão, informações que ainda conservavam
pertinência para o mundo moderno. Mas Bultmann não era um biblista a-
escatológico. Ele não argüia que apenas as demandas morais possuíam lugar para
a fé. A pregação escatológica também teria, desde que interpretada
existencialmente.
A escatologia mitológica, de acordo com Bultmann, antecipa o fim do mundo, o
julgamento de Deus e o início do tempo da salvação ou da punição interna. Para
ele, essas concepções mitológicas perderam todo o significado para os humanos
modernos e devem ser traduzidas para o ambiente contemporâneo. O significado
mais profundo da pregação mitológica de Jesus deve se abrir para o futuro de Deus,
porque este é iminente para cada um de nós. O momento da decisão está à mão, e
aqueles que crêem já possuem a vida eterna. 164
A escatologia proposta por Bultmann, que segundo ele, é a única capaz de
dialogar com a os padrões de pensamento da humanidade moderna é
161
BARTH, Karl. Church Dogmatics. V.II/1, p.635. Apud. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, 2001,
p.366 [em citação de BERKOUVER, G.C. Return o f Christ. Grand Rapids: Eerdmans, 1972,
p.29].
162
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, 2001, p.366; Também CULLMANN, Oscar: Cristo e o
Tempo e Salvation in History.
163
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.59.
164
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.61.
63
165
BULTMANN, Rudolf. Jesus and the Word. New York: Scribner‟s, 1958, p.52.
166
BULTMANN, Jesus and the Word, p.131.
167
BULTMANN, Rudolf. History and Eschatology: The Presence of Eternity. New York: Harper
& Row, 1957, p.151-152.
64
volume da referida obra. Além desse labor que lhe custou doze anos de trabalho,
também fora aclamado pela produção de O abalo dos fundamentos, Dinâmicas da
fé e O novo ser.
168
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.75.
169
TILLICH, Paul. Systematic Theology. v.3. Chicago: University of Chicago, 1967, p.298-418.
170
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.76.
171
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.76-77.
65
172
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.352
173
VOS, Geerhardus. Eschatology of the New Testament. International Standard Bible
Encyclopedia. Grand Rapids: Eerdmans, 1939, v.II, p.979-980.
174
VOS, Geerhardus. The Pauline Eschatology. Princeton: Princeton University, 1930, p.36.
66
perfeição final que ele finalmente herdaria, após a parusia, que ele considerava
sua salvação atual à luz daquela perfeição final.175
Então chega o momento de trazer ao repasso histórico da prolífica reflexão
escatológica do século XX, o teólogo Oscar Cullmann (1902-1999), protagonista
central de nossa pesquisa e definitivamente um dos principais pensadores cristãos
do século passado a dar voz e imprimir embasamento ao nosso foco de pesquisa: a
temporalidade do escatológico em tensão. Ocupar-nos-emos de Cullmann com
mais minúcias no próximo capítulo, dando atenção a particularidades de sua
escatologia que nos interessam no diálogo missional que estamos propondo. Não
obstante, para não deixar mutilada a romagem em busca das expressões que a
tensão já e ainda não tiveram ou deixaram de ter na história, faz-se mister, pelo
menos, algumas pinceladas sobre ele nesta seção.
Oscar Cullmann vai concordar com Dodd e Vos, (embora ele não pareça
estar familiarizado com os escritos deste último)176, em que a vinda de Cristo
significou o cumprimento das expectativas escatológicas do Antigo Testamento e,
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175
VOS, The Pauline Eschatology, p.60.
176
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.356.
177
CULLMANN, Christ and Time, p.83.
67
não se firmaria ainda mais através das reflexões de outros teólogos, dentre os
quais merecem ser lembrados: a) Joachim Jeremias (1900-1979), teólogo luterano
alemão, quem escreveu em seu livro The Parables of Jesus em 1947 a respeito da
"escatologia no decurso da realização"; b) Archibald Macbride Hunter (1906-
1991), professor na Inglaterra e Escócia, que em seu Interpreting the Parables, de
1960, deu força ao termo "escatologia inaugurada"; c) Herman Ridderbos (1909-
2007), erudito holandês, que em The Coming of the Kingdom, de 1950,
argumentou com muita desenvoltura, insistindo que os dois aspectos do reino
nunca devem ser separados mas tidos sempre como complemento necessário um
do outro; e d) George Eldon Ladd (1911-1982), que tanto em The Gospel of the
Kingdom, de 1959, como em The Presence of the Future, de 1974, tratou a tensão
temporal escatológica com muita maturidade.179
Embora a efervescência escatológica do século XX tenha estreado mais do
lado protestante, ela também atingiu e foi consideravelmente rica do lado católico,
primordialmente depois do Concílio Vaticano II. Documentos importantes foram
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178
GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p.260.
179
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, 2001, p. 64, citando LADD, GEORGE. The Presence of the
Future, p.218.
180
GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998, p.223
181
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.91.
182
RAHNER, Karl. The Hermeneutics of Eschatological Assertions. Theological Investigations.
Baltimore: Helicon, 1966, v.4, p.324.
68
183
LA LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.88.
184
RAHNER, Karl. Foundations of Christian Faith New York: Crossroad, 1986, p.431.
185
RAHNER, The Hermeneutics of Eschatological Assertions, in Theological Investigations,
1966, p.330.
186
RAHNER, Karl. Eschatology, Encyclopedia of Theology: The Concise Sacramentum Mundi.
ed. Karl Rahner. New York: Crossroad, 1975, p.434-435.
187
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.238.
188
VON BALTHASAR, Hans Urs. TeoDrammatica V, 1983, p.274
69
mas uma preocupação tanto pelo presente quanto pelo futuro escatológicos, pôde,
quase sempre, ser identificada.
2.2.6.
A escatologia pós-moderna e tendências contemporâneas: O futuro
e o presente liquidificados
Por fim chegamos ao final deste capítulo, onde a pergunta pelo estágio atual
da escatologia, e particularmente da esperança em sua manifestação temporal,
demanda um esclarecimento. Notamos que é atividade mais simples investigar o
nosso objeto de pesquisa em tempos passados, do que é traçá-lo em suas
manifestações contemporâneas. Muito pelo fato de que o contemporâneo
permanece em movimento, é dinâmico, passível de alterações e, por isso, só
podemos falar em termos de tendência. Mas também por tratar-se de uma época
extremamente peculiar da história, essa pós-moderna, abarrotada de nuances e de
189
SCHILLEBEECKX, Edward. Jesus, a história de um vivente. São Paulo: Paulus, 2008, p.134.
70
190
ROCHA, Aldo Fernandes; KUZMA. Cesar Augusto. Anúncio e práxis do Reino de Deus: Uma
percepção escatológica no pensamento de Edward Schillebeeckx. Dissertação de Mestrado
Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2015.
191
Zygmunt Bauman (1925-2017), filósofo polonês, em Liquid Modernity, 1999.
71
192
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.36.
193
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.36.
194
LIBÂNIO, BINGEMER, Escatologia Cristã, p.37.
72
terra que não gira em torno de um sol mas apenas sobre si mesma. E vamos
morrendo de frio. Esgotaram-se as energias, e há uma crise de potencialidades,
tanto nas instituições como nos indivíduos. Derivamos para uma sociedade de
consumo, desperdício e poluição. Aqui “nada se cria, tudo se copia”, e a palavra, a
imagem, a expressão, são retalhos tediosos do “já-feito”. Apagaram-se as luzes
dos projetos que iam em direção a uma escatologia que, se não era além da
história, ao menos era na “frente”, no futuro histórico. Chegamos a uma espécie de
“escatologia realizada” e a uma auto-regulação que se chamou ultimamente de
“pós-história”. Esgotou-se e até se contestou o “espírito novo” da potência
racional e das utopias e projetos. Decaiu a militância secular. Administra-se para o
aqui e agora, e cada um “contente-se com o que tem”. A “Grande Marcha da
História” está hesitante. Não há mais messianismos seculares, não há um “porto
futuro” para onde navegar. Importante é bailar sobre as águas. A moral
secularizada de princípios e projetos racionais desmoronou em “moral de
oportunidade”, em comportamento de conveniência.195
Susin atentou-se, como vemos, em demonstrar o fracasso das aspirações
feitas pela modernidade, que não conseguiu cumprir o que prometera nem
entregar o produto que oferecera. Após analisar como isso se manifesta no ser
humano em suas atividades sociais, educacionais e políticas, ele explora um
pouco mais a questão da religiosidade. Vai cunhar um termo interessante: a pós-
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escatologia.
A religião se dissemina como expansão e fortalecimento do psiquismo,
religiosidade psicológica e terapêutica, espiritualizante – light – mas não
encarnante. Chamemos isso de pós-modernidade ou “pós-história”, é também algo
como “pós-escatologia”: Não há sequer perguntas últimas. Nietzsche, em suas
visões contraditórias, pregou o super-homem, mas na “morte de Deus” –
fenômeno tipicamente moderno de antagonismo com o “Pai” – e nessa perda de
um centro fora de si, ele anteviu a “morte do homem”. Pois o homem que se
contenta com os seus iguais e perde a interlocução com Deus, já não se transcende.
Só “outro” pode lhe dar potência, palavra, caminho, ressurreição, resgate. Assim
também a terra sem os céus perde sua “alteridade”, e o afastamento das
potencialidades celestes deixou a terra sem fecundidade e deserta. A terra sem
face-a-face perde o rumo. O amor à terra “às custas” do céu traz uma escatologia
de morte para a terra.196
Susin também notara a irrelevância vigente e a necessidade de se ampliar a
reflexão escatológica para dialogar com as questões da atualidade. E reivindicara
também uma postura que levasse em consideração a reflexão teológica disponível,
em detrimento de um esforço obstinado com ineditismo.
Hoje reina um mal-estar e uma confusão de línguas em torna das grandes
perguntas. Há respostas que não correspondem mais às perguntas. Há respostas
demasiado prontas, como roupas padronizadas que não se ajustam ao corpo de
questões que a sensibilidade humana porta consigo hoje [...] O que fazer com as
respostas que temos hoje em mãos e que parecem ter se tornado obsoletas? Como
proceder com as perguntas vitais que se debatem com a falta de um caminho, uma
195
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.18.
196
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.18-19.
73
articulação de resposta? Sem dúvida, é necessário partir das perguntas, jamais das
respostas. Mas é atitude responsável fazer uma exegese das respostas tradicionais
para compreender seu contexto e depreender recursos que ajudem a articular novas
respostas. A velha sabedoria pode se mostrar mais sólida do que muitas
novidades.197
Roberto Zwetsch também oferece informações relevantes para a
compreensão do cenário escatológico líquido pós-modernos. Numa porção de seu
livro onde examina novos paradigmas para a teologia, falando especificamente
sobre a esperança, ele apresenta a reflexão do cientista social Boaventura de Sousa
Santos, resumidamente segundo sua interpretação:
[Sobre a dicotomia espera / esperança] Vivemos numa sociedade de riscos
individuais e coletivos sem qualquer segurança à vista. São eles os responsáveis
pelo retorno da ideia de tempo cíclico, de decadência, da escatologia milenarista.
Essa situação traduz-se sociologicamente por uma atitude de espera sem esperança.
É uma atitude sem esperança porque o que vem não é bom e não há,
aparentemente, alternativa à vista.198
Até então, resumidamente, trouxemos à baia os aspectos de um sistema
maligno que escraviza em algum nível, a todos, e de uma própria crise
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197
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.14.
198
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.62.
74
existência humana passa a não ter fim, objetivo e alvo concreto (escatologia), pois
vive-se eternamente o mesmo como um hamster correndo na roda de sua gaiola. 199
teológica acadêmica, nem vende tantos livros201 e filmes como fazia há alguns
anos, mas permanece viva na paróquia, nas espiritualidades da comunidade de fé,
tanto em núcleos católicos, como protestantes, e muito especialmente em países
do hemisfério sul, como o Brasil. Esta tendência pode se manifestar como o cerne
querigmático de determinado magistério, ocupando o centro das pregações
discipuladoras ou evangelísticas, mais evidente em segmentos pentecostais202, ou
pode se manifestar de forma suplementar, com menos ostentação, ainda em
199
ZACARIAS, William Felipe Zacarias. WESTPHAL, Euler Renato. A pós-modernidade como
processo de secularização do logos cristão. Vox Scripturae. São Bento do Sul, vol. XXIV,– n.1,
jan-jun 2016, p.172-173.
200
Não realizamos tal pesquisa para não fugir demais do escopo do trabalho e alargar ainda mais
nossa dissertação, porém, entendemos que uma avaliação mais pormenorizada de autores e
tendências pós-moderna poderia ter enriquecido esta seção e aprofundado melhor a questão da
liquidificação (ou não) da escatologia atual.
201
A comercialização de livros e filmes de tendência escatológica futurista, com interpretações das
profecias bíblicas, em especial do livro de Apocalipse, foi extremamente marcante, especialmente
entre a década de 70 e o começo dos anos 2000. A maioria foi produzida a partir dos Estados
Unidos, mas difundiram-se no mundo inteiro. Exemplo disso: Agonia do Planeta Terra (de Hal
Lindsey) e Deixados para trás (de Tim Lahaye e Jerry B. Jenkins).
202
Para alguns comentários sobre a presença desta escatologia de perspectiva futurista no
pentecostalismo no Brasil, ver: ALBANO, Fernando. Escatologia Pentecostal: Aspectos íntimos e
implicações públicas. Caminhos. Goiânia, v. 12, n. 2, p. 407-415, jul./dez. 2014; JÚNIOR,
Orivaldo Pimentel Lopes. Um outro mundo já começou: questões para a escatologia cristã.
Horizonte. Belo Horizonte, v. 10, n. 26, p. 638-649, abr./jun. 2012; CAMPOS, Leonildo Silveira. O
apelo messiânico-milenarista na pregação dos novos pentecostais brasileiros. In: AUGUSTO,
Adailton Maciel. Ainda o sagrado selvagem. São Paulo: Paulinas, 2010.
75
grandeza de anexo nos catecismos e homilias, como nas igrejas protestantes mais
históricas e no catolicismo. Independente do espaço e capacidade de aparição do
qual desfrute, a escatologia nesta vocação tende a descuidar da tensão temporal
escatológica e a negligenciar os aspectos inaugurados, já presentes, do Reino de
Deus. Esta tendência tem se mantido sólida nas camadas religiosas onde o
impacto do pós-modernismo não fez sentir vigorosamente, mas possui muita
dificuldade de penetração nas mentes e corações contagiados pelo espírito da
época. Sua fraqueza é a competência contextualizadora. Porém, possui ponto
forte, a saber, sua proximidade de conceitos com o vocabulário bíblico mais
comum, os dogmas clássicos e a teologia conservadora, que lhe permite ter ainda
considerável acesso. Quando articula seus temas, especialmente em seu formato
menos fantasioso, e fala explicitamente de céu, salvação, juízo e retorno de Cristo,
por exemplo, é passível de ser compreendida por muitos e pode estar
apresentando uma mensagem honestamente bíblica, salvaguardando a reserva
escatológica do ainda não.
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sendo gestado por Deus e foi prometido para a parusia de Cristo. É uma
perspectiva que tenciona, como teria pensado Moltmann alhures: nem o além,
nem o aquém. Mas ambos. E de alguma forma escatológica, simultaneamente.
Nem o imanente, nem o transcendente, mas uma transcendência imanente e uma
imanência transcendente. Pretendemos continuar esta dissertação explorando e
ensaiando caminhos para esta tendência.
2.3.
Síntese Conclusiva
filosóficas influenciadas por dualismos entre céu e terra, corpo e alma, profano e
sagrado, material e espiritual.
Após reparar nestas posições antagônicas e constatar algumas de suas
limitações e ofertas, importa-nos neste trabalho aprofundar uma das alternativas
entre os polos, àquela que se encontra na mira desta dissertação. Referimo-nos à
tensão já e ainda não. Nossa tese é de que ela se faz imperiosa, para orientar-nos a
evitar os abismos laterais e caminhar por um terreno mais razoável na missiologia.
Neste capítulo nos propomos a examinar, um pouco mais a fundo, esta proposta
escatológica que pensamos merecer uma nova chance de difusão e desdobramento
na academia e na paróquia. Escolhemos fazê-lo tendo o teólogo Oscar Cullmann
como referencial.
Vale dizer que a tensão já e ainda não, como transparecera no capítulo
anterior, tem sido assimilada, de uma forma ou outra, na teologia de uma miríade
de autores, que nem seria necessário abordá-la a partir de Cullmann. A grande
maioria dos escatologistas de hoje recorrem a esta categoria clássica em algum
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3.1
Relevos biográficos de Oscar Cullmann
1
CULLMANN, Oscar. An Autobiographical Sketch. Scottish Journal of Religion, v.14, n. 3, 1961,
p. 228.
2
CULLMANN, An Autobiographical Sketch, in Scottish Journal of Religion, p. 228.
3
CULLMANN, An Autobiographical Sketch, in Scottish Journal of Religion, p. 230.
4
CULLMANN, An Autobiographical Sketch, in Scottish Journal of Religion, p. 229.
5
STEGER, Carlos. Teólogos Influyentes del siglo XX. Entre Ríos: UAP, 2017, p.21.
6
STEGER, Teólogos Influyentes del siglo XX., p.22.
81
7
Para uma apreciação da relação destes dois teólogos, ver: An Autobiographical Sketch, 1961,
p.228-233.
8
BIRMELÉ, André. Oscar Cullmann: In the Service of Biblical Theology and Ecumenism.
Conferência Comemorativa aos 40 Anos do Ecumenical Institute de Tantur, Jerusalém, Outubro
2012. http://www.ecumenical-institute.org/wp-
content/uploads/2012/11/ActuelCullmannJerusalem2012English.pdf Acesso em 22/12/2017.
9
CULLMANN, An Autobiographical Sketch, p. 229.
82
Basiléia – a qual administrava junto de sua irmã Louise Cullmann.10 Sua relação
cordial e preocupada com seus alunos, provenientes de diversas raízes culturais e
teológicas do internato, é digna de menção. Ele morreu alguns dias antes do que
seria seu 97º aniversário, dia 16 de janeiro de 1999.
Sua protuberância no cenário mundial é atestada, por exemplo, pelo fato de
ter sido um dos escolhidos por vários teólogos historiadores que dedicam obras
tratando dos principais teólogos e teologias do século vinte, como por exemplo,
Rosino Gillenini11 e Battista Mondin12. Mesmo numa obra de maior amplitude
histórica, Bengt Hägglund13 também conclui sua História da Teologia
mencionando Cullmann. Eis como Mondin o descreve em sua notável composição
Grandes Teólogos do Século XX:
Oscar Cullmann é uma das figuras mais eminentes do protestantismo atual. Grande
estudioso da Sagrada Escritura e dos problemas da história da Igreja primitiva e
apaixonado pela causa ecumênica, ele ocupa um lugar de primeiríssimo plano entre
os teólogos contemporâneos por sua contribuição a constituição de uma nova
forma de teologia: a teologia bíblica.14
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1613118/CA
10
CULLMANN, An Autobiographical Sketch, p. 232-233.
11
GIBELLINI, A Teologia do Século XX. Tradução João Paixão Netto. São Paulo: Loyola, 1998.
12
MONDIN, Battista. Os Grandes Teólogos do Século Vinte. Tradução Jose Fernandes. São
Paulo: Teológica, 2003.
13
HÄGGLUND, Bengt. A História da Teologia. 6.ed. Tradução Mario Rehfeldt e Gladys
Rehfeldt. Porto Alegre: Concórdia, 1999.
14
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p. 209.
15
Neotestamentica et Patristica: Eine Freundesgabe, Herrn Professor Dr. Oscar Cullmann zu
seinem 60. Geburtstag überreicht, ed. W. C. van Unnik (Leiden, Holanda: E. J. Brill, 1962), para
seu 60º aniversário; Oikonomia: Heilsgeschichte als Thema der Theologie. Oscar Cullmann zum
65. Geburtstag gewidmet, ed. Felix Christ (Hamburg-Bergstedt, Alemania: Herbert Reich Evang.
Verlag, 1967), para seu 65º aniversário; Neues Testament und Geschichte: Historisches Geschehen
und Deutung im Neuen Testament. Oscar Cullmann zum 70. Geburtstag, ed. Heinrich
Baltensweiler y Bo Reicke (Zurich: Theologischer Verlag, 1972), quando completou 70 anos;
Testimonia Oecumenica: In Honorem Oscar Cullmann Octogenarii die xxv Februarii A.D.
MCMLXXXII (Tübingen, Alemania: Refo-Druck Hans Vogler, 1982) para celebrar seus 80 anos;
finalmente, a Revue d’Histoire et de Philosophie Religieuses 72, nº 1 (janeiro-março de 1992),
para honrar a Cullmann ao completar seus 90 anos.
83
3.2
As digitais de Cullmann no cenário ecumênico
inocente, e nem tão original, ainda que emblemática: que no contexto da semana
de oração pela unidade dos cristãos, fosse levantada uma oferta para os pobres que
pertenciam à igreja antagônica: dos protestantes para os católicos e vice-versa. Ele
apelava para o exemplo das congregações do Novo Testamento, o qual também
lhe apontava para uma compreensão das várias confissões como uma expressão
dos vários carismas existentes na igreja única. Cullmann, na ocasião, convocara
as igrejas a exercerem a paciência, o discernimento e o suporte mútuo, seguindo o
que Paulo havia pedido aos primeiros cristãos. Reconhecia ser a unidade dos
cristãos um dom do Espírito Santo e, que a aceitação dos outros com todas as suas
variedades como verdadeiros cristãos, requeria certo sacrifício, enquanto que
defendia que tais sacrifícios eram uma resposta à oração de Cristo pela unidade de
seus discípulos.16
Decisivo para a visão madura de Cullmann sobre a unidade dos cristãos e,
em certo sentido, apoteótico no cenário ecumênico fora, contudo, seu
envolvimento no Concílio Vaticano II, o evento mais importante de sua vida,
como Cullmann mais tarde admitiria.17 Talvez hoje em dia, em uma era de
16
BIRMELÉ, Oscar Cullmann.
17
BIRMELÉ, Oscar Cullmann.
84
Concílio! Perdoem-me o ponto de exclamação, mas penso que tem seu emprego
cabido. Cullmann foi solicitado, na conferência, na qualidade de observador com
potencialidade consultiva.20 Havia apenas alguns poucos hóspedes nesse nível, e
Cullmann foi o único, nessa categoria, a ser chamado para quatro das sessões
conciliares. Sempre era importante para ele ressaltar que estava ali em caráter
individual e que não era obrigado a se reportar para nenhuma igreja em particular.
Por causa dessa situação particular, a liderança romana teria tido uma atitude mais
aberta em relação a ele. Ele fora contado entre aqueles frequentemente chamados
para engajamentos e discussões mais privadas para o fim de oferecer seu conselho
pessoal e teológico.21
18
Para mais informações sobre a trajetória e a presente situação do diálogo ecumênico,
especialmente entre luteranos e católicos, recomenda-se a obra Do Conflito à Comunhão:
Comemoração Conjunta Católico-Luterana da Reforma em 2017. Relatório da Comissão Luterana
– Católico-Romana para a Unidade. 2015. Disponível em:
https://www.lutheranworld.org/sites/default/files/dtpw-from_conflict_to_communion_pt.pdf
19
Para conhecimento sobre as primeiras iniciativas da igreja católica em direção ao movimento
ecumênico, sugerem-se os artigos: WOLFF. Elias. O ecumenismo no horizonte do Concílio
Vaticano II. Atualidade Teológica Ano XV, n. 39, setembro a dezembro/2011; LOURENÇO.
Vitor Hugo. Sinais de uma caminhada ecumênica no Catolicismo. Teocomunicação. Porto Alegre,
v. 46, n. 1, jan.-jun. 2016, p. 83-103.
20
MARTIN, David. Vatican II: A Historic Turning Point: The Dawning of a New Epoch.
Bloomington: Author House, 2011, p.101.
21
BIRMELÉ, Oscar Cullmann.
85
22
Felix Courley, no obituário que redigiu para o jornal londrino Independent, alusivo a morte de
Cullmann, no dia 30 de janeiro de 1999, lembrou que Karl Barth costumava brincar com Cullmann
dizendo: ―Oscar, no epitáfio da tua lápide deverá dizer: ‗Aqui descansa o conselheiro de três
papas!‘‖. Barth se referia a abrangência de acesso que tinha Cullmann com Pio XII, João XXIII e,
sobretudo, Paulo VI. http://www.independent.co.uk/arts-entertainment/obituary-oscar-cullmann-
1077098.html.
23
BIRMELÉ, Oscar Cullmann.
24
O sacerdote e jornalista católico americano Ralph Wiltgen, famoso por seus escritos sobre o
concílio Vaticano II, como O Reno se Lança no Tibre, lembrou em sua outra obra, The Inside
Story of Vatican II: A Firsthand Account of the Council's Inner Workings, a entrevista coletiva
(press conference) que Cullmann participou após as seis primeiras semanas da primeira sessão, e
86
Sua contribuição ao Concílio foi das mais apreciadas. Tanto João XXIII como
Paulo VI expressaram-lhe seu vivo reconhecimento. De sua parte, Cullmann
dedicou o seu livro, O Mistério da Redenção na História, ao Secretariado para a
Unidade dos Cristãos, "em sinal de gratidão pelo convite para participar, na
qualidade de hóspede e observador, do Concílio Vaticano II, e como contribuição
ao diálogo entre os cristãos das várias confissões, na fé e na esperança de que
mesmo aquilo que nos divide contribua para o prosseguimento da história da
salvação‖.29
A participação no Concílio Vaticano II o levou a devotar-se ainda mais pela
causa ecumênica. Alguns anos após o episódio, Cullmann formulou a sua visão
em uma série de artigos que foram publicados em 1971 no volume True and False
na qual, entre outras coisas, Cullmann revelou que teve acesso a todos os textos do Concílio, a
oportunidade de participar de todas as sessões gerais, além de ter suas percepções ouvidas em
encontros especiais com o Secretariado e a possibilidade de encontros pessoais com os Santos
Padres, periti e outras personalidades da liderança de Roma.
25
MARTIN, Vatican II, p.99.
26
MARTIN, Vatican II, p.101.
27
MARTIN, Vatican II, p.101.
28
HOFFMANN. Manfred. Church and History in Vatican II‘s Constitution on the Church: A
protestant perspective. Theological Studies. v. 29, Issue 2, 1968, p.199.
<http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/004056396802900201>. Numa nota de rodapé,
Hoffmann sugerirá que sua tese sobre a influência de Cullmann nos teólogos católicos romanos
pode ser afirmada pelos seguintes escritos: Mysterium salutis: Grundriss heilsgeschichtlicher
Dogmatik, ed. Johannes Feiner and Magnus Löhrer, 1; Die Grundlagen heilsgeschichtlicher
Dogmatik, unter Mitarbeit von Hans Urs von Balthasar (Einsiedeln, 1965); 2: Die Heilsgeschichte
vor Christus, unter Mitarbeit von Hans Urs von Balthasar (Einsiedeln, 1967); Oscar Cullmann,
"Die Reformbestrebungen des 2. Vatikanischen Konzils im Lichte der Geschichte der katholischen
Kirche," Theologische Literaturzeitung n.92, 1967.
87
Ecumenism e, mais tarde, com a idade de 80 anos (20 anos após o Concílio),
Cullmann publicou um sumário sistemático de sua compreensão sobre a unidade
cristã em seu livro Unidade através da Diversidade, posteriormente intitulado
Unidade na Diversidade. Por todos estes fatores, fora também chamado de ―pai
do ecumenismo moderno‖.30
3.3
Produção literária
29
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, 2003, p. 209.
30
CAREY. Patrick W., LIENHARD. Joseph T. (ed). Biographical Dictionary of Christian
Theologians. Westport: Greenwood, 2000, p.139.
31
As obras de Cullmann foram publicadas em francês, alemão, inglês, espanhol, italiano,
holandês, japonês, islandês, húngaro e sueco, além do português. Uma lista destes escritos, de
1925 ao ano 2000 (portanto incompleta) contabilizava já 833 publicações. Esta lista foi compilada
pela biblioteca da Universidade da Basileia e pode ser acessada no seguinte endereço:
<http://www.ub.unibas.ch/digi/a100/kataloge/nachlassverzeichnisse/BAU_5_000085890_2_cat.pd
f>.
32
Le Problem Littèraire et Historique du roman Pseudo-Clementin (Alcan, Paris, 1930).
88
Jesus Cristo, afinal, nele está centrada e recapitulada toda a obra soteriológica.
O interesse de Cullmann na pessoa e na obra de Jesus não se daria apenas
em sua figura histórica, mas também no Jesus conhecido como Kyrios o qual,
segundo sua concepção, representava a crença da igreja primitiva. Cullmann
argumenta, fundamentado em suas pesquisas sobre a história eclesiástica, que a
esperança dos primeiros cristãos era o retorno de Cristo. Ainda na obra acima,
Cullmann defenderá que o testemunho cristão deveria ser entendido na
perspectiva da História da Salvação (Heilsgeschichte), uma de suas formulações
características, e a qual será destacada melhor no texto. Na verdade, a locução
História da Salvação já havia sido usada por teólogos do fim do século XIX,
especialmente em Erlanga35, e até promovida à categoria de ―escola de
pensamento‖; todavia foi Cullmann quem mais se apropriou do conceito,
33
Acessamos ―Cristologia do Novo Testamento‖ em sua edição mais recente, em português.
―Cristo e o Tempo‖ e ―Salvação na História‖ estão sendo citados a partir de suas traduções para o
idioma inglês (―Christ and Time‖ e ―Salvation in History‖). O primeiro, pela dificuldade que
encontramos em encontrar alguma cópia em português. O segundo pelo mesmo não ter sido
traduzido para esta língua até o momento. As traduções de ambos são nossas.
34
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.260.
35
RATZINGER, Joseph. Escatología: La muerte y la vida eterna. Tradução Severiano Talavero
Tovar, Barcelona: Herder, 1984, p.59. Para conhecer mais sobre a Faculdade de Teologia de
Erlanga, famoso reduto conservador da teologia luterana na Alemanha, e seus principais teólogos,
recomenda-se a obra: GREEN, Lowell C. The Erlangen School of Theology: Its History, Teaching,
and Practice. Fort Wayne: Lutheran Legacy, 2010.
89
36
Rosino Gibellini começa o oitavo capítulo da sua obra ―A Teologia do Século XX‖, reservado ao
tópico ―Teologia da história‖, com Oscar Cullmann encabeçando os representantes que se
entregaram a tal matéria. Ele abre espaço também para teólogos católicos, como Jean Daniélou, e
para Wolfhart Pannenberg. Chama à atenção como Gibellini descortina o capítulo chamando
atenção para a importância da Teologia da História que estes teólogos (e outros) se propuseram a
recuperar. Reproduzimos aqui: ―Quando, depois da derrota da Alemanha em 1945 [...] as
universidades alemãs reabriram as portas a estudantes retornados do front e da prisão, em
Heidelberg, na mais antiga universidade da Alemanha, um professor da faculdade (evangélica) de
teologia, Hans von Campenhausen, foi eleito reitor e, na oportunidade, deu uma memorável aula
inaugural sobre um tema histórico denso de significado por seu aspecto alusivo: Agostinho e a
queda de Roma. Nessa aula, o historiador da Igreja mostrava como os fatos daquele tempo, como o
saque de Roma em 410, haviam interpelado a consciência de Agostinho, que no De Civitate Dei
(426) soube interpretar o Evangelho na linguagem de seu tempo, desenvolvendo as linhas de uma
teologia da história, que contrariamente à predominante ideologia nacional dos historiadores e
filósofos pagãos, inseria a história de Roma no contexto mais amplo da história universal. A queda
do poder imperial romano oferecera ao grande pensador cristão a ocasião de uma profunda e
renovadora reflexão histórica e teológica [...]. E Von Campenhausen concluía sua aula convidando
os estudiosos a inspirar-se na obra de Agostinho e a aventurar-se no terreno da história universal,
para saber captar também o sentido de nossa época. A recuperação da história era a nova tarefa
confiada à teologia.‖ GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.255.
37
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.411.
90
3.4
O contorno da teologia de Oscar Cullmann
38
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.260.
39
HÄGGLUND, A História da Teologia, p.354.
40
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.260.
91
com algumas questões estruturais para melhor situar-nos à sua forma de fazer
teologia para, posteriormente, adentrarmos na substância.
3.4.1
O arcabouço
41
SAYÃO, Luiz. Prefácio. In: CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento.
42
CULLMANN, Christ and Time, p.XXVIII.
43
CULLMANN, Christ and Time, p.65.
44
CULLMANN, Christ and Time, p.66.
45
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.215.
92
e progredir teses relacionadas, a uma área diferente daquela que havia sido
dirigida inicialmente.
Destacamos, principalmente, o papel de Cullmann através de suas pesquisas
na área da história da igreja primitiva, onde tentava demonstrar como a discussão
entre querigma e história, candente em seu tempo, não só relacionava-se a
questões de vital importância para a interpretação do cristianismo, mas também a
discussões em que se enfatizava diferenças de opinião que já existiam no tempo
do Novo Testamento, as quais reapareciam em formas e épocas diversas no
decorrer da história da teologia.46
Particularmente em seu trabalho exegético neotestamentário, Cullmann foi
um partidário parcial da inquirição escriturística conhecida como Método
Histórico-Crítico e (se reconhecia em débito com tal forma de estudo.47 Apesar
disso, tinha convicção de que sua metodologia não era puramente dependente
deste sistema interpretativo – pelo menos não na forma como utilizavam os
teólogos das escolas liberais e existencialistas – e fazia questão de salientar que
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46
HÄGGLUND, A História da Teologia, p.355.
47
CULLMANN, Salvation in History, p.73.
48
CULLMANN, Salvation in History, p.74.
49
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.220.
93
50
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.256.
51
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.256.
52
Por exemplo, há quem veja o cristocentrismo e a valorização do papel da fé na revelação divina
provenientes das ideias do barthianismo. De Rudolf Bultmann, Cullmann teria tomado o método
exegético da crítica formal para aplicá-lo em sua reconstrução da história do Novo Testamento. E
de Dodd e Schweitzer, teria herdado o interesse pela escatologia.
94
3.4.2
O conteúdo
53
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.255-256.
54
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.216-217.
95
3.4.2.1
História da Salvação
55
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.223. Mondin ilustra sua afirmação com a
seguinte nota de rodapé: Dentre os numerosos textos em que Cullmann manifesta o propósito de
defender a tese de que a história faz parte da essência da Revelação, pode-se consultar os
seguintes: em Cristo e il Tempo, pp. 14, 16, 20-22, 23-24, 26-27, 55; e toda a primeira parte; em il
mistero detta redenzione detta storia, pp. 17-20, 23-28, 233-235, 242, 253-254.
56
CULLMANN, Salvation in History, p.74-78.
57
Ainda que o significado e origem de Heilsgeschichte remonta aos teólogos alemães do século
XIX, como Johannes.C.K. von Hofmann, Adolf Schlater e Johann T. Beck, de Erlanda e
Tübingen, o Dr. Cullmann é a pessoa que popularizou o termo no século vinte. Sua perspectiva
também foi associada, por Gibellini, com a ―teologia da aliança‖ do teólogo reformado Johannes
Coccejus (século XVIII) e até mesmo com o enfoque patrístico de Ireneu.
96
58
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.224.
59
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.224.
60
LA DUE, William. O Guia Trinitário para a Escatologia, p.73.
61
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.224.
62
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.256.
97
maldosos de Marcos 12; o próprio Cullmann nos fornece uma descrição sucinta da
história da salvação nestas palavras:
―O homem do Novo Testamento tinha certeza de que ele está continuando [como
um cooperador de Cristo na igreja] a obra que Deus começara com a eleição do
povo de Israel para a salvação da humanidade, que Deus cumpriu em Cristo, que
ele desdobra no presente, e que completará no fim.‖ 63
B. Mondin resume o modo como a história da salvação se desenvolve em
relação à Revelação:
Segundo Cullmann, a História da Salvação desenvolve-se, amplia-se e se constitui
em seu conjunto total de acordo com um módulo fixo, que se repete regularmente
em cada novo evento salvífico. Esse módulo é o seguinte: l) o novo acontecimento
é acolhido, com a respectiva nova Revelação, no kerygma antigo; 2) desse ponto de
vista, o antigo kerygma é reinterpretado; 3) os portadores da Revelação também
são, eles próprios, com a função que exercem, acolhidos no kerygma [...] Portanto,
no módulo que se repete no desenvolvimento da história da salvação, distinguem-se
três elementos: l) o simples acontecimento de que o portador da revelação deve ser
testemunha ocular e que também pode ser vivido pelos não-crentes, os quais,
porém, nele não podem ver qualquer Revelação; 2) a Revelação de um plano
divino, que é feita ao portador da Revelação no e através do acontecimento:
desígnio no qual ele próprio se insere, por meio da fé; 3) o relacionamento com
outras revelações feitas a outros portadores anteriores, relativas à história da
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salvação, e que agora são reinterpretadas. [...] Do suceder-se regular desse módulo
surge "um tipo de cadeia de conhecimentos e exposições histórico-soteriológicos,
na qual um novo acontecimento e a nova revelação respectiva são
progressivamente inseridos na revelação precedente, dando-lhe, ao mesmo tempo,
uma nova perspectiva. A visão de conjunto assim formada tornar-se-á, por seu
turno, objeto de uma reinterpretação sucessiva, habitualmente ocasionada por um
novo acontecimento e pela nova revelação respectiva.64
É básica para a posição de Cullmann, a sua convicção de que o grande ponto
central da História está às nossas costas. A própria datação dos calendários
ocidentais, que divide o tempo em dois períodos principais (antes de Cristo e
depois de Cristo) seria um testemunho deste fato.65 Em outras palavras, o grande
ponto central é o nascimento de Jesus Cristo – ou, antes, a totalidade dos eventos
associados com a encarnação, crucificação e ressurreição de Cristo. ―[...] No
evento central do Cristo Encarnado, um evento que constitui o ponto central dessa
linha [a linha inteira do tempo] não apenas tudo o que vem antes está cumprido,
66
mas, também, tudo o que é futuro está decidido.‖ Enquanto que para o crente
63
CULLMANN, Salvation in History, p.13.
64
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.227-228.
65
CULLMANN, Christ and Time, p.17-19.
66
CULLMANN, Christ and Time, p.72.
98
as duas histórias seja compreendido corretamente. Por esse motivo, faz questão de
enfatizar que, apesar de se constituir uma ―linha tênue‖, a história da salvação
realmente atravessa a história geral da criação à parusia, mas são radicalmente
distintas:
Portanto a história da salvação não é uma história ao lado da história (o que já me
acusaram de defender), mas transcorre na história e faz parte da história. [...]
Entretanto, existe uma diferença radical entre elas, pois não nos encontramos diante
de uma série ininterrupta de eventos: de acordo à fé do Novo Testamento, Deus
escolhe alguns acontecimentos especiais, ligados entre si por um nexo soteriológico
em progressivo desenvolvimento.‖69
O princípio Cullmanniano da História da Salvação representou, também,
um novo fôlego ao apreço pelo componente histórico. Ainda que não tenha sido o
único teólogo de sua geração a engajar-se em favor de uma real trajetória de
eventos divinos, com certeza foi um dos mais notórios influenciadores. Sua chave
de leitura se compromete a apregoar que a Bíblia é compreendida corretamente
através de categorias históricas, em distinção ao paganismo, o qual opera em
categorias espaciais.
Concluindo esse ponto, destacamos a avaliação de Mondin sobre como
Cullmann teria contribuído com sua História da Salvação:
67
CULLMANN, Christ and Time, p.81-82.
68
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.258.
69
CULLMANN, Salvation in History, p.203,223.
99
Antes de mais nada, com o conceito de "história da salvação‖ ele restituiu à Bíblia
a unidade essencial que lhe fora negada pelos teólogos liberais, que a tinham
reduzido a uma coletânea de idéias religiosas dos hebreus e dos cristãos. Ainda
contra os liberais, que tinham exagerado a helenização do cristianismo primitivo,
evidenciou o caráter fortemente hebraico do Novo Testamento. No debate com
Bultmann, em nossa opinião, Cullmann conseguiu provar definitivamente três
coisas: que, para compreender os autores sagrados, é preciso colocar-se em seu
lugar e ver as coisas como eles as viam, servindo-se de sua epistemologia, ou seja,
a epistemologia realista ou "objetiva"; que o componente histórico da Revelação
faz parte de sua essência e não da superestrutura mística; que o kerygma
"historicizou" os mitos do início e do fim e não o contrário. 70
3.4.2.2
Cristologia
70
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.237.
100
(efapax), mas não é o fim: é o início da vitória, mas não a sua conclusão. Entre o
início e a conclusão há um intervalo, que corresponde ao tempo presente, ao nosso
tempo. O seu significado soteriológico é a espera da realização final.72
Fiel à sua chave de leitura predominante, Cullmann argumenta que ―a
cristologia do Novo Testamento foi concebida na perspectiva da salvação. Ela é
essencialmente soteriológica, e não um mito que teria sido imposto de fora a um
querigma alheio à história da salvação.73 Contrário à tendência de alguns dos
principais teólogos protestantes da época, Cullmann afirma ainda que o
fundamento de toda a cristologia é a vida de Jesus. O problema de saber quem é
Jesus, diz ele, não se formula unicamente a partir da experiência pascal da
primeira igreja. De fato, a vida de Jesus já é o ponto de partida de todo o
pensamento cristológico; por um lado, em razão da consciência que o próprio
Jesus tinha sobre si próprio e, por outro, em razão das reações que a pessoa e a
obra de Jesus suscitaram em seus discípulos e no povo.74
71
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.230.
72
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.230.
73
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.413.
74
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.414.
101
3.4.2.3
Eclesiologia
Permanece ainda, ao mesmo tempo, um corpo terrestre, que não só pode ser
crucificado, mas que também participa das imperfeições do corpo terrestre. Isso
significa que o tempo da Igreja prolonga o tempo central, mas não é mais o tempo
central: prolonga o tempo de Cristo encarnado, mas não é mais o tempo de Cristo
encarnado e dos apóstolos, suas testemunhas oculares. A Igreja é construída sobre
o fundamento dos apóstolos e continuará a ser construída sobre esse fundamento
enquanto existir, mas não pode mais produzir apóstolos no tempo presente.78
Em sua eclesiologia, Cullmann introduz uma das teses que lhe são mais
caras e que se encontra também entre as mais características do seu pensamento: a
tese da diferença qualitativa entre Igreja apostólica e Igreja pós-apostólica.
Segundo o teólogo de Estrasburgo, a Igreja apostólica pertencia ainda ao
momento construtivo (ou da fundação) da história da salvação, tendo, portanto,
um valor soteriológico profundamente diverso do da Igreja pós-apostólica, a qual,
ao contrário, pertence ao momento de sua ampliação. Neste último momento, a
história da salvação tem apenas um desenvolvimento quantitativo; no primeiro
momento, ela ainda sofre um desenvolvimento qualitativo. A diferença qualitativa
entre Igreja apostólica e Igreja pós-apostólica manifesta-se, sobretudo, na
Tradição. A Tradição da Igreja apostólica se constitui sob a assistência
extraordinária do Espírito Santo e tem valor normativo para qualquer outra
75
CULLMANN, Salvation in History, p.301-302.
76
CULLMANN, Salvation in History, p.301.
77
CULLMANN, L’unité par la diversité, Paris: Cerf, p. 118.
102
78
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.232-233.
79
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.233.
80
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.234.
81
CULLMANN, Salvation in History, p.400ss.
82
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.235.
103
dizer, ou que, talvez, apenas se toquem ou cruzem de vez em quando. Também não
são idênticos. Devemos, ao invés, imaginar dois círculos concêntricos, que
possuem um centro comum em Cristo. A superfície circular toda (r1 + r2) é o reino
de Cristo; o círculo íntimo (r1) é a Igreja; e aquele que tem sua superfície entre os
dois (r2) é o mundo. O círculo íntimo está em relação mais próxima com Cristo do
que o círculo mais de fora, mas ainda assim, Cristo é o centro comum. Uma
alternativa entre as duas áreas não existe no Novo Testamento. A relação é mais
complexa. Isso se tornará mais claro especialmente na atitude da Igreja primitiva
para com o Estado.86
Cullmann faz questão de declarar que o círculo íntimo, isto é, a igreja,
também é composta de pessoas pecadoras. A diferença essencial é que a Igreja, de
posse do conhecimento e da fé na obra salvífica de Jesus, reconhece a governança
de Cristo sobre ela e sobre o mundo inteiro. O remanente visível e invisível do
mundo também é governado por Cristo, porém, neste momento, não sabe disso,
permanecendo em estado de inconsciência perante o reino de Deus. Diante deste
fato, a Igreja está posicionada por Deus nessa fase da história para proclamar ao
mundo que todos se encontram debaixo da mesma dependência e reinado do
Kyrios Christos, esteja a pessoa dentro da igreja ou não, consciente dessa
realidade ou não. ―Por tudo isso, a igreja deve estar permanentemente interessada
83
CULLMANN, Salvation in History, p.327.
84
CULLMANN, Christ and Time, p.186-187.
85
CULLMANN, Christ and Time, p.186.
104
em tudo o que acontece no mundo fora de suas fronteiras‖87, atitude que será
especialmente importante para a missiologia, pois dela depende o
desenvolvimento da história da salvação em nosso tempo88. Enxergar na Igreja
essa responsabilidade, e também, porque não dizer, grandeza missional, não era
problema para Cullmann. Mesmo entendendo que isso o colocava na linha de
frente dos críticos, dos quais alguns poderiam taxá-lo de ―pietista‖ ou mentecapto,
Cullmann ardentemente argumentava que seu posicionamento estava respaldado
pela narrativa neotestamentária, a qual não prevê uma compreensão, e uma fé na
mensagem da história da salvação afastada da membresia da Igreja. 89
É possível fisgar mais dados da eclesiologia Cullmanniana a partir dos
registros que este deixou de suas impressões sobre o Concílio Vaticano II.90
Baseamo-nos em seu aluno André Birmelé, e em sua preleção comemorativa que
deu no Instituto Ecumênico em Jerusalém, já citada anteriormente. Naquele dia,
Birmelé lembrou, entre outras coisas, do entusiasmo do professor que teve em
Basiléia, quando o Concílio Vaticano II referendou uma visão mais dinâmica da
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1613118/CA
86
CULLMANN, Christ and Time, p.187-188. No livro, Cullmann traz um gráfico dessa sua
ilustração.
87
CULLMANN, Christ and Time, p.188.
88
CULLMANN, Salvation in History, p.326.
89
CULLMANN, Salvation in History, p.327.
90
Para aprofundar o conhecimento sobre a percepção de Cullmann sobre o concílio Vaticano II,
recomenda-se: CULLMANN, Oscar. Vatican Council II: The New Direction. Translation James D.
Hester. New York: Harper and Row, 1968.
91
O historiador Giuseppe Alberigo confirma essa leitura. ―O documento [Lumem Gentium], de
amplo alcance espiritual e teológico, traçava a fisionomia da Igreja, sem limitar-se à dimensão
jurídico-institucional e respeitando a dinâmica de um corpo vivo e em contínuo crescimento.‖
ALBERIGO, Giuseppe. História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p.430.
92
CULLMANN, O. Zwischen zwei Konzilssessionen. Zurich: Polis, 1963, p.24, Apud BIRMELÉ,
Oscar Cullmann, 2012
105
Mesmo ciente do Decreto sobre Ecumenismo que afirmava que a Igreja Católica
seria a Igreja de Cristo em sua plenitude (UR 3), bem como de outras declarações
de viés mais patriotas, e contra muitos críticos protestantes, Cullmann valorizava
a herança e a caminhada histórica da igreja católica, o progresso obtido no
Concílio e, claramente, a afirmação conciliar de que muitas outras dimensões do
mistério da salvação existiam em outras formas eclesiásticas. Esse entendimento
lhe dava espaço para postular sua asserção, também muito conhecida e apreciada,
da unidade na diversidade.
Sobre esta última, resumidamente, Cullmann compreendia que as diferentes
vertentes cristãs poderiam ser expressões que mutuamente se corrigem. Cada
confissão seria uma necessária correção dos desequilíbrios de outras confissões
cristãs. Era a complementaridade das confissões. Não apregoava uma fusão, mas
convocava à aproximação. Seu argumento provinha da história da igreja
primitiva; lembrava que a diferença entre as congregações cristãs de origem
judaica e as congregações cristãs de origem pagã não as proibia de ser uma só
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3.4.2.4
Escatologia
93
BIRMELÉ, Oscar Cullmann.
106
94
Cullmann menciona a antiga dogmática do sistemático luterano Johaness Gerhard, referência na
teologia desta tradição no período da Ortodoxia (século XVII).
95
CULLMANN, Salvation in History, p.79.
96
CULLMANN, Salvation in History, p.79.
107
97
CULLMANN, Salvation in History, p.79.
98
CULLMANN, Salvation in History, p.36.
99
CULLMANN, Salvation in History, p.37.
100
CULLMANN, Christ and Time, p.83.
101
CULLMANN, Christ and Time, p. 89.
102
CULLMANN, Salvation in History, p.32, 181.
103
RATZINGER, Joseph. Escatología. La muerte y la vida eterna. Barcelona, p. 62.
108
Tudo que está associado com a ressurreição de nossos corpos e sua transformação
pelo Espírito (1 Co 15) e com a nova criação sobre-humana (Rm 8) ainda está por
vir [...] Somente na ressurreição futura nós teremos um corpo finalmente
transformado por Deus [...], quando o mesmo Espírito refizer toda a criação. Então
a vitória que já foi alcançada sobre a ‗carne‘ e o pecado, a conquista da morte pela
qual nosso homem interior já está sendo renovado (pelo Espírito) dia a dia (2 Co
4.16) produzirão seu efeito corporal. É uma modernização injustificada da
substância do pensamento paulino interpretar este evento de outra forma que não
algo que ainda esteja por vir no tempo.104
Em outras palavras, o futuro aguardado tinha estreita ligação com a
atividade salvífica de Deus. Cullmann se atinha à revelação e não se ocupava
tanto com especular sobre o ―Ser‖ de Deus. Nesse sentido, esperava que o que
está por vir é, na verdade, um novo ato de Deus, um futuro que é realmente
futuro.105 ―A história da salvação não era orientada para um ―mais além‖ (beyond)
da história, mas para um evento salvífico.106
Sobre a escatologia da pessoa, no ano de 1956, Cullmann publicou um livro
que teve grande impacto no mundo teológico: ―Imortalidade da alma ou
ressurreição dos mortos?”107 Apesar da conjunção adversativa no título da obra,
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ela na verdade é uma tentativa de construir uma síntese entre esses dois
conceitos.108 Essa questão não pertence diretamente ao escopo deste trabalho, por
isso, deixamos apenas um resumo do posicionamento de Cullmann na avaliação
de Santos:
Cullmann chega a admitir um estado intermediário para o justo. Afirma que,
quando este morre, o homem interior, despojado do homem exterior, ou seja,
desnudo de todo o elemento corpóreo, encontra-se numa situação que pode ser
qualificada de ―dormição‖, um estado que ressalta a imperfeição, inclusive no
campo da consciência, do estado intermediário. [...] Esse processo de pervivência
do homem interior não é algo natural, mas sim fruto da sua união com o Espírito
Santo. Cullmann afirma que o Espírito Santo é um dom que não perdemos ao
morrer. A união do Espírito Santo com o homem justo mantém-na, depois da sua
morte corporal, vivendo junto a Cristo, num estado de sono. Claro que isso diz
respeito somente à morte dos justos. Sobre a sorte dos ímpios, entre a morte e a
ressurreição final, Cullmann não diz nada: contudo promete voltar a esse tema em
outra obra que não chegou a escrever.109
104
CULLMANN, Salvation in History, p.177-178.
105
CULLMANN, Salvation in History, p.177.
106
CULLMANN, Salvation in History, p.166.
107
CULLMANN, Oscar. Immortalité de l’âme ou résurrection des morts? Neuchâtel; Paris:
Delachaux & Niestlé, 1956. Passim.
108
POZO, Cándido. Teología del más allá. 3.ed. Madrid : Biblioteca Autores Cristianos,1992,
p.167.
109
CULLMANN, Immortalité de l’âme ou résurrection des morts?, p. 75-84. Apud SANTOS, A
Escatologia em alguns teólogos protestantes do Século XX. In: Trim, p.544-545.
109
3.4.2.5
Missiologia
Cullmann não possui uma ampla e consagrada missiologia, a priori. Ele não
é conhecido como um especialista nesta matéria. O que encontramos, em termos
de dados no assunto, são até satisfatoriamente claros, mas nunca são os temas
prevalentes de seus escritos. Sua contribuição maior se dá no lugar e no papel que
ele confere ao empreendimento missionário para igreja, e na sua proposta de
aplicabilidade da escatologia na missão. Foi principalmente nesse sentido que sua
teologia inspirou um célebre time de missiologistas, dentre os quais, destacam-se
Walter Freytag, num primeiro instante, e David J. Bosch, posteriormente.
Chamamos à atenção para a influência de Cullmann em Bosch, por ser este, hoje,
considerado um dos maiores teólogos da missão, senão o maior, dos últimos
tempos. Sua influência nele foi atestada, por exemplo, na pesquisa de Kevin
Livingston.110 Bosch, que fora orientado por Cullmann em sua tese de doutorado,
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110
LIVINGSTON. Kevin J. A Missiology of the Road: Early Perspectives in David Bosch's
Theology of Mission and Evangelism. Cambridge: James Clark, 2013. p.269-270.
111
BOSCH, Misión en Transformación, p.609-612. Bosch cita Ludwig Wiedenmann, que em seu
livro Mission und Eschatologiae: Eine Analyse der neueren deutschen evangelischen
Missionsheologie (p.26-49; 55-91; 131-178), de 1965, distinguia quatro escolas escatológicas
principalmente no protestantismo alemão, cada uma tendo um impacto significativo no
pensamento missionário. As quatro escolas são as seguintes: a escatologia dialética, do jovem
Barth (que influenciou missiologistas como Paul Schutz, o jovem Karl Hartenstein, Hans Scharer e
Hendrik Kraemer), a escatologia existencial de R. Bultmann (que foi aplicada a missiologia por
Walter Holsten), a escatologia atualizada de AdolfAlthaus (que inspirou a Gerhard Rosenkranz) e
a escatologia da História da Salvação de Oscar Cullmann (da qual rastros podem ser detectados no
pensamento missiológico de Walter Freytag e do Hartenstein tardio). Para Wiedemann, as três
primeiras escatologias seriam ahistóricas. Unicamente o modelo de Cullmann levaria realmente a
sério a história e possibilitaria as pessoas fazerem frente aos desafios do mundo moderno.
110
ligados a eles, isto é, depositar a fé, a qual é concedida pelo Espírito Santo, nesses
eventos. ―Chegamos à fé quando somos tão inundados pela história de salvação,
que não podemos fazer outra coisa a não ser incluir-nos a nós mesmos nesta
história e conscientemente alinhar-nos com ela.‖ 112
Por que essa história de salvação continua até nosso tempo? Por que ela não
se concluiu com a ressurreição de Cristo? Cullmann declara que a resposta que o
Novo Testamento oferece a essa questão é uma só: para que Deus complete a sua
missão de salvar a humanidade. Esse é o significado do intervalo atual do qual a
Igreja participa: há precisamente uma tarefa missionária diante dela. 113 Na
verdade, a missão é a característica e a atividade mais importante durante este
período interino; enche o presente e mantém separado os muros da história, como
também expressou Hoekendijk, na famosa frase: ―a história se mantém aberta pela
missão.‖114 Nos escritos de Cullmann, a missão é uma preparação para o final e,
nos seus escritos mais iniciais, até uma pré-condição, uma vez que interpreta a
referência ao ho katejon e to katejon (―quem o refreia‖, ―o que o detém‖) em 2
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112
CULLMANN, Salvation in History, p.323.
113
CULLMANN, Salvation in History, p.307.
114
HOEKENDIJK, J.C. Kirche und Volk in der deutschen Missionswissenschaft. Munich: Chr.
Kaiser Veerlag, 1967, p.232.
115
BOSCH, Misión en Transformación, p.611.
116
CULLMANN, Christ and Time, p.39.
117
CULLMANN, Salvation in History, p.310.
111
desvantagens com respeito à salvação; sua existência deve ser vista como um
incentivo para a Igreja proclamar-lhes que somos redimidos em Cristo. A
eleição da Igreja somente significa que lhe foi confiada o cumprimento desta
tarefa, não que possui qualquer tipo de vantagem sobre os não-cristãos com
respeito à salvação. Esta tarefa da pregação é também prescrita para a Igreja
dos tempos atuais.118
Vemos uma preocupação com a atitude que o cristão sustentará no trato com
o não-cristão. A posição peculiar da igreja na história da salvação não deveria dar
a ela combustível para olhar ―de cima pra baixo‖ o seu semelhante que não
compactua de sua esperança. Não há vantagem, prerrogativa, honra intrínseca na
comunidade de fé com relação aos não adeptos. Esta, apenas, foi agraciada com a
consciência do senhorio e redenção realizada por Cristo em favor de toda a
humanidade. Então, levando em consideração o fato de se estar no mesmo nível
diante de Deus, a tarefa missionária, talvez estivesse sugerindo Cullmann, deveria
ser levada a cabo muito mais num encontro gentil do que numa cruzada
conquistadora.
Concluímos desse pensamento que missão era primordialmente vista por
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118
CULLMANN, Salvation in History, p.312.
119
CULLMANN, Salvation in History, p.308.
120
CULLMANN, Salvation in History, p.308.
112
121
CULLMANN, Salvation in History, p.307.
122
CULLMANN, Salvation in History, p.307.
123
CULLMANN, Salvation in History, p.310.
124
CULLMANN, Salvation in History, p.328.
125
CULLMANN, Salvation in History, p.329.
113
poder e de posse de seus valores, tem como motivação frontal não a ação em si,
ou mesmo o objeto desta ação, por mais nobre que sejam, mas o evento salvífico
divino realizado em favor do cristão. ―Todo ‗deve‘ recai sobre um ‗é‘. O
imperativo está firmemente ancorado no indicativo‖.126 Esta importante
conjuntura é notada por Cullmann em sua exegese, tanto do Antigo Testamento
quanto do Novo; ele lembra que, repetidas vezes, o chamado para agir vem
precedido de um recordar da ação de Deus.
A conexão entre mandamento com o evento salvífico é bastante óbvia no Antigo
Testamento. A combinação permeia todo ele como um fio condutor: ―Você tem
visto... portanto faça...‖ E não é diferente no Novo Testamento. Ética tem sua
fundação, por um lado, no evento decisivo de Cristo no ponto-central da história e,
por outro, no seu desenvolvimento cristológico. Poderíamos recordar Romanos 6.
A primeira parte indica a relação entre batismo e o evento realizado ―de uma vez
por todas‖ na cruz e ressurreição de Cristo. Na segunda, o imperativo (o que nós
temos que fazer) segue o indicativo (o que nós somos) contundentemente.
Colossenses 3.1-3 também links os grandes eventos de Cristo muito intimamente
com a vida do cristão: ―Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, procurem
as coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus. Mantenham
o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. Pois vocês morreram, e
agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus.‖ Uma imitatio Christi
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Uma vez que Cullmann esclarece de onde vem o impulso motor para a
tarefa missionária que acontece na práxis do discípulo de Jesus Cristo, ele avança
para dar alguns conselhos sobre como esta pode ser desenvolvida.
A livre decisão de nos alinharmos com os eventos da Bíblia abre a nós uma
variedade de tarefas e modos de vida nos quais nós devemos fazer uma escolha em
nosso caso específico e em nossa situação concreta. Esta variedade está relacionada
com a variedade de dons dados pelo Espírito Santo, e a variedade de dons é
126
CULLMANN, Christ and Time, p.224.
127
CULLMANN, Salvation in History, p.330.
128
CULLMANN, Christ and Time, p.225-226.
114
129
CULLMANN, Salvation in History, p.331.
130
CULLMANN, Christ and Time, p.227.
131
CULLMANN, Christ and Time, p.229.
132
CULLMANN, Salvation in History, p.334, 335.
115
3.5
O insight já e ainda não na teologia de Cullmann
aprofundar justamente o insight pelo qual Cullmann se tornou mais popular e que
é o objeto benjamim desta dissertação: a tensão já e ainda não.
A cultura grega não conhece a espera; o judaísmo vive só da espera; já o
cristianismo primitivo, tal como se encontra expresso no Novo Testamento,
conhece a tensão (Spannung) entre um ―já‖ e um ―ainda não‖, entre um ―já
realizado‖ (schon erfüllt) e um ―ainda não plenamente realizado‖ (noch nich
vollendet).134
Já comentamos um pouco sobre ela no capítulo 2, num repasso histórico que
focou a temporalidade presente e futuro da escatologia e, também, em relances
neste capítulo. A seguir tentaremos dissecá-la ao máximo, dentro do pensamento
Cullmanniano, para posteriormente explorar suas possibilidades aplicativas na
missão.
Para Cullmann, a era na qual o crente neotestamentário vive é marcada por
uma tensão contínua entre o ponto central (Cristo) e o fim (parusia), e ela
representa a chave para se abrir toda a história da salvação135:
O elemento novo do Novo Testamento [em comparação ao Antigo Testamento] não
é a Escatologia, mas o que eu chamo de tensão entre o decisivo ―já cumprido‖ e o
―ainda não completado‖, entre o presente e o futuro. Toda a teologia do Novo
Testamento, inclusive a pregação de Jesus, é caracterizada por esta tensão.136
133
CULLMANN, Salvation in History, p.338.
134
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.257.
135
CULLMANN, Salvation in History, p.335.
136
CULLMANN, Salvation in History, p.172.
116
137
CULLMANN, Christ and Time, p.71.
138
CULLMANN, Salvation in History, p.175.
117
3.5.1
A tensão já e ainda não e a metáfora do Dia D
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139
CULLMANN, Salvation in History, p.172, nota de rodapé.
140
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.357.
141
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.257.
142
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.257.
118
tenha sido travada a batalha decisiva contra os poderes do mal, e embora Cristo já
tenha conquistado a vitória, os crentes ainda têm de continuar a ―combater o bom
combate da fé‖ até que Jesus venha de novo para encerrar definitivamente a
guerra e a consumação final do seu reino. Portanto, o combate atual ocorre já na
certeza da vitória final. A ―espera cristã dos eventos futuros encontra, assim,
garantia nos eventos cristológicos do passado‖.143 Eles são o caráter ephápax (de
acordo com a terminologia da Carta aos Hebreus), caráter decisório para sempre,
de ―uma vez por todas‖.
A batalha decisiva duma guerra pode já ter acontecido em um estágio
relativamente inicial da guerra, e mesmo assim a guerra ainda continua. Embora
o efeito decisivo daquela batalha talvez não seja reconhecido por todos, mesmo
assim ela já significa a vitória. Mas a guerra ainda tem de ser levada adiante por
um tempo indefinido até o ‗Dia da Vitória‘. É exatamente esta a situação de que o
Novo Testamento está consciente, pelo fato de reconhecer a nova divisão do
tempo; a revelação consiste precisamente no fato da proclamação de que, aquele
evento da cruz, juntamente com a ressurreição que se seguiu, ser já a batalha
decisiva concluída. E nessa certeza da fé, que implica também, como
conseqüência, o desfrutamento dos resultados daquela vitória, que consiste a
participação da fé na soberania de Deus sobre o tempo.144
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143
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.257.
144
CULLMANN, Christ and Time, p.84.
145
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.258.
119
3.5.2
A sobreposição das duas eras e a preponderância do já
despertado tal sensação, e porque ele teria prevalecido sobre os outros [grupos e
seitas judaicas da época que possuíam apenas a dimensão escatológica futurista].
Certamente o Novo Testamento inteiro aceita a mensagem do Batista (Mateus
4.17): o reino está perto. Mas ao lado dela, e amarrado a ela, há uma nova série de
afirmações que são novas: ―Eu vi Satã cair do céu como um relâmpago‖ (Lucas
10.18); ―Mas se é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios, então chegou a
vocês o Reino de Deus.‖ (Lucas 11.20; Mateus 12.28); ―A morte foi derrotada‖ [...]
Todos os livros do Novo Testamento estão em acordo na justaposição do ―já‖ e do
―ainda não‖.146
É justamente esta superposição, presente no discurso de Jesus e dos
apóstolos, que agrega qualidade e peso à esperança da Igreja primitiva. No que
tange à expectativa futura (um lado da moeda), ela não era dramaticamente
diferente da cultivada pelo judaísmo tardio. Ela adquire novo e poderoso
significado à medida que precisamente se conecta ao presente. ―A proximidade
imediata do reino vindouro está agora baseada no presente que já foi realizado.
Aquilo que está por vir virá de fato porque o evento crucial ocorreu.‖147 A
esperança é ainda mais real e portentosa porque não descansa apenas em sinais do
fim, mas numa efetiva antecipação em Cristo.148 A tensão não é uma
conseqüência de uma (decepcionante) expectativa de um fim próximo. Pelo
146
CULLMANN, Salvation in History, p.172-173.
147
CULLMANN, Salvation in History, p.174.
148
CULLMANN, Salvation in History, p.179.
120
não‘‖. 150
Essa ―dominância‖ ou ―posição preferencial‖, do já, defende Cullmann, é o
caráter que permite à crença no ainda não nunca perder intensidade, mas
permanecer vibrante. Uma fé centrada no ainda não ―enfraquece‖ e ―relaxa‖ à
expectativa escatológica em qualidade. Por isso devemos caminhar sempre
orientados pelo passado concretizado por Cristo. Ora, por esse motivo, para a
consciência da Igreja primitiva, era tão significativo enxergar, em Cristo, o
―cumprimento das Escrituras‖ relacionadas às promessas de Israel. O já do
presente aponta e fortalece a ambas as dimensões temporais ao mesmo tempo.151
3.5.3
O já e ainda não, o conceito de tempo e o divórcio da filosofia grega
149
CULLMANN, Salvation in History, p.181-182.
150
CULLMANN, Salvation in History, p.183.
151
CULLMANN, Salvation in History, p.184.
121
152
CULLMANN, Christ and Time, p.39.
153
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.67.
154
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.361.
155
Esse conceito de tempo linear difere consideravelmente da concepção de Bultmann. Ver:
WILLIANS: Brett. Time, History, and the Kingdom in Twentieth Century Theology: Comparing
Bultmann and Cullmann. Disponível em: https://cbts.academia.edu/BrettWilliams; Para um crítica
desta concepção, ver: BRUNNER, Emil. La Esperanza del Hombre. Tradução J. Telleria. Bilbao:
Desclée de Brouwer, 1973, p.49-65.; e MOLTMANN, Jürgen. A Vinda de Deus: Escatologia
Cristã. Tradução Nélio Schneider. São Leopoldo: Unisinos, 2003, p.26-29.
156
CULLMANN, Christ and Time, p.51.
157
CULLMANN, Christ and Time, p.51, 53.
158
CULLMANN, Salvation in History, p.15.
122
159
CULLMANN, Salvation in History, p.78.
160
CULLMANN, Christ and Time, p.95.
161
CULLMANN, Christ and Time, p.53.
162
CULLMANN, Christ and Time, p.53.
163
CULLMANN, Christ and Time, p.69.
164
CULLMANN, Christ and Time, p.61.
165
RATZINGER, Joseph. Escatología, p. 60.
123
eon. Esse evento que separa os dois eons se situa no futuro. Jesus, com a sua
mensagem, mudou de modo decisivo esse conceito fundamental na partição do
tempo. A partir de Jesus, o centro do tempo deixa de situar-se no futuro e passa a
localizar-se no passado, ou no presente de Jesus e dos Apóstolos.
Cullmann defende que a metafísica fora uma transformação do
pensamento originário do cristianismo, que considerava a história da salvação
vinculada a uma linha temporal ascendente. Essa transformação, segundo
Cullmann, é a raiz da heresia escatológica que o cristianismo permitiu que fosse
disseminado em seu meio através do gnosticismo e do docetismo, por exemplo.
Sua teologia não pode ser desassociada da reafirmação do tempo e da história no
contexto da obra da salvação.166 Na cruzada contra a metafísica helênica,
Cullmann chega ao ponto de não aceitar que se aplique o conceito
―atemporalidade‖, nem ao próprio Deus, preferindo utilizar o termo
―temporalidade infinita‖.167
3.5.4
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1613118/CA
166
ILLANES J. L.; SARANYANA J.I., Historia de la Teología. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1995, p. 352.
167
RATZINGER, Escatología, p. 60.
168
Em suas ideias relacionadas ao culto, Cullmann apela para a erudição na matéria litúrgica de
outros teólogos de seu tempo, citando especialmente Theologie der Liturgie, de C. Vagaggini, e
Prophétisme sacramentel, de J.J. Von Allmen. CULLMANN, Salvation in History, 1967, p.313.
169
Para aprofundamento sobre esta interessante conexão entre a esperança escatológica e a
Eucaristia, sugere-se: BENATI, Rosemir Mauro. A Santa Ceia como um evento escatológico.
Igreja Luterana, São Leopoldo, v.72, Jun. 2013, n.1, p.5-45.
170
CULLMANN, Salvation in History, p. 313-315.
124
171
CULLMANN, Salvation in History, p.315.
172
CULLMANN, Salvation in History, p.315-316.
173
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.277-278.
174
CULLMANN, Salvation in History, p.184.
175
CULLMANN, Salvation in History, p.317.
125
3.5.5
O já e ainda não e a ética cristã
176
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.278-279.
177
CULLMANN, Salvation in History, p.334.
126
178
CULLMANN, Christ and Time, p.222.
179
CULLMANN, Salvation in History, p.335.
180
CULLMANN, Salvation in History, p.336.
127
ética δοκιμάζειν é o maior dom do Espírito que nós precisamos para aplicar
corretamente as normas dadas a nós. 181
Cullmann não elabora nem avança mais do que isso; oferece, outrossim,
estas diretrizes, mas deixa a questão, em última instância, em aberto, sem explorar
outras situações onde uma ética mais operante pudesse ser de grande valia para as
interações sócio-políticas. Poderíamos ver aqui algo de omissão que traria um
pouco de debilidade em sua teologia. Ou ainda, entendê-lo como exegeta que se
limitou ao objetivo de sua pesquisa sem explorar todas as possibilidades
sistemáticas que dela poderiam decorrer.
Essa mesma síntese é perceptível quando Cullmann se debruça a tocar na
relação da ética cristã com o que passou a ser chamado de valores culturais, os
quais são oferecidos na estrutura divinamente ordenada de mundo. Segundo
Cullmann, eles também precisam ser avaliados de acordo ao nosso conhecimento
do kairós na história da salvação.
A importante inferência que Paulo tira da ―brevidade do tempo‖ em 1 Coríntios
7.29, que aqueles que estavam casados deveriam viver como se não estivessem,
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que aqueles que choravam deveriam viver como se não chorassem, que aqueles que
se alegravam como se não tivessem do que se alegrar, e aqueles que compravam
como se nada possuíssem, contém a orientação mestra para toda ética caracterizada
pela tensão já e ainda não da história da salvação: ὡς μὴ [como se não, em grego].
O ponto aqui está no ―não‖, é claro. Mas há ainda casamento, há ainda luto, há
ainda festa, há ainda comércio, e tudo isso deve ser levado em consideração na
perspectiva ética de Paulo, como é demonstrado na maneira como ele aplica estas
exigências éticas em todas as suas cartas. Não ousemos desconectar os imperativos
de seus contextos temporais.182
A ética lúcida da tensão já e ainda não se faz útil para evitar duas
inferências do fato de que Deus deseja que essa estrutura ainda exista e, para
fortalecer e encorajar a caminhada como povo de Deus:
Por um lado, que não se busque nas estruturas do mundo as normas de vida. Estas
devem ser auferidas da história da salvação. Por outro, que nossa ciência do “ainda
não” ou mesmo do fato que o pecado humano está incluído no plano salvífico de
Deus, não nos sirva de pretexto para compromissos éticos. Pelo contrário, todos
nossos atos podem ser inspirados pelo ―já‖ do fim antecipado em Cristo. O
conhecimento do ―ainda não‖ linked com o conhecimento deste ―já‖ pode ter
influência ética somente se ele intensifica nossa consciência de sermos
cooperadores de Deus em levar a cabo seu plano salvador na história. É isto que
caracteriza as decisões éticas. Se essa consciência for realmente enraizada na
revelação da história da salvação que descrevemos, nosso fracasso em ver sucesso
não evocará nem complacência farisaica nem desespero em nós. Nós sabemos que
Deus está realizando seu plano salvador em nossa presença, ainda que os detalhes
de seus caminhos são escondidos de nós. Nós também sabemos que ele conta
181
CULLMANN, Salvation in History, p.336.
182
CULLMANN, Salvation in History, p.336-337.
128
conosco como seus companheiros na missão, ainda que o processo salvífico e sua
consumação não dependam de nós. Este conhecimento nos fortalece no que temos
que enfrentar para que possamos trabalhar com confiança. Também nos dá a
dignidade de trabalharmos na causa de Deus com fidelidade e perseverança, sem
ser distraído por êxitos ou fracassos.183
Vale ressaltar um último comentário, relacionado a uma afirmação de
Cullmann, a qual entendemos epilogar bem com sua filosofia de vida, enaltecendo
aquilo que lhe é mais característico da ética centralizada no paradoxo temporal:
imperativos firmados no indicativo.
Nós somos santos; isto significa que deveríamos nos santificar a nós mesmos. Nós
recebemos o Espírito; isto significa que deveríamos ―andar no Espírito‖. Em Cristo
já temos a redenção do poder do pecado; isto significa que agora mais do que
nunca temos de batalhar contra ele. 184
3.6.
Síntese Conclusiva
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183
CULLMANN, Salvation in History, p.337-338.
184
CULLMANN, Christ and Time, p.224.
4.
A receptividade e a reverberação do já e ainda não de Cullmann
1
O professor de sistemática e ética da Universidade de Western Cape, na África do Sul, Ernst M.
Conradie em sua obra Hope for the Earth: Vistas for a New Century (Eugene: Wipf and Stock,
2000), dedicou um capítulo para a tensão já e ainda não na reflexão escatológica do século 20,
onde elenca um vasto número de importantes teólogos (alguns fazem parte deste capítulo) que se
valeram do paradoxo em seus expedientes e debates, dentre os quais se encontram: Walther Kreck,
130
4.1.
George Elton Ladd
Carl Braaten, Walter Rauschembusch, Reinhold Niebuhr, Johann-Baptist Metz, Gerhard Sauter,
Richard Shaull, Ruben Alves, James Cone e Rosemary Ruether.
2
LADD, GEORGE E. The Presence of the Future: The Eschatology of Biblical Realism. Revised
edition. Grand Rapids: Eerdmans, 1996, p.218.
131
3
LADD, The Presence of the Future, p.118-121.
4
LADD, The Presence of the Future, p.112,114.
5
LADD, The Presence of the Future, p.122-123.
132
estava invadindo a história humana, não tanto como uma instituição, mas como
uma ação dinâmica divina nas pessoas, antecipando as realidades futuras.6
Aprofundando sua proposição, Ladd ainda aborda o Reino de Deus como
um poder futuro demonstrado no ministério de Jesus através de exorcismos e
curas; uma atividade exclusiva de Deus; uma incisão sobrenatural na história e na
pessoa de Jesus; e como salvação e vida eterna, no sentido de plenitude em todos
os aspectos do ser (perdão e justiça). O norte-americano ainda discute a relação
entre Reino e Igreja. Segundo o norte-americano, o Reino não deve ser
identificado com a Igreja, no que concorda com Cullmann; o Reino cria a Igreja e
a Igreja é a comunidade do Reino; por outro lado, a Igreja pode ser um
instrumento do Reino e dar testemunho deste Reino em palavras e ações, mas não
pode se tornar ou construir o Reino, ela “é o povo da era que virá, vivendo na era
presente [...] para trazer à humanidade as bênçãos da era do porvir.” 7 Nessas
concepções, Ladd concordava com o teólogo holandês Herman Ridderbos 8, quem
também, quase simultaneamente, espelhava a tensão temporal escatológica de
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Oscar Cullmann.
Apesar de concordar com a tensão já e ainda não de Cullmann, Ladd
também tinha pontos conflitantes relacionados ao seu entorno, como pontua
Thomas Hatina, professor canadense, num recente estudo que fez sobre a teologia
do Novo Testamento:
Diferentemente de Cullmann, que via revelação como um evento permanentemente
em andamento nas comunidades de crentes através do processo de reinterpretação
de tradições mais antigas da história da salvação, Ladd compreende história da
salvação (que ele chama de história redentora) como uma série de eventos
registrados na Bíblia onde Deus se revela a si mesmo. Para Ladd, cada geração de
crentes não pode “corrigir” ou “reinterpretar” o Novo Testamento para agregar
mais plenitude no avanço da história porque a revelação está fixada. O que a igreja
faz é engajar-se numa pregação que recita, não reconta, os atos salvíficos de Deus
na história como eles foram apresentados na Bíblia.9
6
LADD, The Presence of the Future, p.136.
7
LADD, The Presence of the Future, p.149-298.
8
RIDDERBOS, Herman. The Coming of the Kingdom. Kampen: Kok, 1950.
9
HATINA, Thomas H. New Testament Theology and its Quest for Relevance. New York:
Bloomsbury, 2013, p.143.
133
4.2
Wolfhart Pannenberg
10
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.270.
11
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.271.
12
Para conhecer mais sobre o profundo interesse de Pannenberg na história: Basic Questions in
Theology. London: SCM, 1970, especialmente o capítulo “Redemptive Event and History”; e
Revelation and History. New York: Macmillan, 1969.
13
PANNENBERG, Wolfhart. Rivelazione come storia. Bologna: Dehoniane, 1961, p.183.
14
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.276.
134
15
O próprio Cullmann notou a convergência e as diferenças com Pannenberg na valorização da
perspectiva histórica, como nos é conhecido pelo Prefácio à terceira edição de Cristo e o Tempo
(1962), assim como em Salvação como História (1965). Ambos foram importantes em realizarem
um deslocamento de eixo – da palavra à história – na teologia protestante, superando, sobretudo o
reducionismo da teologia existencial, que não demonstrava muito interesse por uma história da
salvação ou pela história universal, interessando-se quase que exclusivamente pela história
individual.
16
PANNENBERG, Wolfhart. Weltgeschichte und Heilsgeschichte. Geschichte – Ereignis und
Erzahlung, ed. Reinhart Koselleck and Wolf-Dieter Stempel, Munich: Wilhelm Fink, 1973, p.307
ff.
17
PANNENBERG, Wolfhart. Cristologia: Lineamenti fondamentali. Brescia: Queriniana, 1974,
p.548.
135
18
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.276-277.
19
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.142.
20
PANNENBERG. Wolfhart. Teologia Sistemática. v.2. Tradução Ilson Kayser. Santo André:
Paulus. 2009, p. 255.
21
LA DUE, O Guia Trinitário para a Escatologia, p.142.
22
ROLDÁN. Alberto F. La epistemología escatológica de Wolfhart Pannenberg. Teología y
Cultura. Año 1, vol. 2, diciembre 2004, p.4.
136
23
PANNENBERG. Wolfhart. Teologia Sistemática. v.2. Tradução Ilson Kayser. Santo André:
Paulus. 2014, alhures.
24
MOSTERT. Christiaan. God and the Future: Wolfhart Pannenberg's Eschatological Doctrine of
God. London: T&T Clark, 2002, alhures.
137
4.3
Jürgen Moltmann
25
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.281.
26
WYNNE, Jeremy J. Serving the Coming God: The insights of Jurgen Moltmann‟s Eschatology
for Contemporary Theology of Mission. Missiology: An International Review, Vol. XXXV, n.4,
Oct 2007, 439.
138
identifica pelo menos três aspectos nos quais a tese cullmanniana é, em suas
palavras, frágil. O primeiro deles é relacionado com o reiterado drama do atraso
da parusia e a clássica analogia do Dia D:
Quando o tempo entre a batalha decisiva e o victory day estende-se demais, surgem
dúvidas justificadas quanto a se ocorreu mesmo a batalha decisiva e se não se
subestimou o inimigo. Após a vitória da campanha na França em 1940, muitos na
Alemanhã acreditaram que a decisão já havia ocorrido. Seu erro foi fatal. 30
O segundo aspecto é o ponto de vista de tempo linear que Cullmann defende
como bíblico. Concordando com Pannenberg, para Moltmann, esse é um equívoco
que não pode ser sustentado:
A concepção de tempo linear não é bíblica, como pensa Cullmann, mas trata-se de
uma moderna concepção das ciências naturais, que, todavia, já pode ser encontrada
na Física de Aristóteles. Pelo fato de as épocas serem quantificadas com o auxílio
dela, torna-se impossível qualificá-la em termos histórico-salvíficos. Passado e
futuro são apenas períodos de um parâmetro indeterminado e são idênticos em suas
medidas. Somente quando uma seta é acrescentada, o tempo linear ganha uma
determinada direção temporal. Porque o futuro torna-se passado, mas o passado não
pode tornar-se futuro, o tempo “flui” do futuro para o passado. Não obstante,
contamos os anos a partir do passado para o futuro e, desse modo, declaramos
inconscientemente o futuro como passado vindouro. Cullmann imagina o futuro
histórico-salvífico de Cristo como tempo mensurável. O “juízo final” tem de ser,
27
MONDIN, Os Grandes Teólogos do Século Vinte, p.202.
28
MOLTMANN, A Vinda de Deus, p.28.
29
WYNNE, Serving the Coming God, p. 444.
30
MOLTMANN, A Vinda de Deus, p.28.
139
então, num prazo determinado, a última folha do calendário. Isso pode ser
designado, com suas próprias palavras, de “erro de perspectiva”, provocado pela
sua concepção de linearidade do tempo.31
Por último, Moltmann foca na questão da liberdade de Deus, a qual estaria
sendo tolhida na tese de Cullmann:
A teologia histórico-salvífica, que se baseia num “plano salvífico” pré-programado
de Deus, é teologia iluminista. Ela nada mais é que deísmo histórico. Deus torna-se
o relojoeiro da história universal e o forjador de um plano magistral da providência.
No momento em que se está estabelecido, ela não precisa mais intervir. O
calendário trará o “dia de Jesus Cristo”. Onde foi parar a liberdade de Deus? Onde
se experimenta a sua presença viva? Não seria o inverso: não é o “juízo final” que
traz a parúsia de Cristo, mas a parúsia de Cristo o “juízo final”? Cristo não vem
“com o tempo”, mas para transformar o tempo.32
Diante de tal distanciamento entre os pensamentos de Moltmann e de
Cullmann, podemos conjecturar que a receptividade que Moltmann concede à
tensão escatológica já e ainda não, dá-se muito mais numa dimensão variante e
abrangedora, do que meramente afirmativa e repetidora. Sua nuance fica explícita
em seus escritos:
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31
MOLTMANN, A Vinda de Deus, p.28-29. Particularmente nos inclinamos a preferir a
concepção linear Cullmanniana de tempo.
32
MOLTMANN, A Vinda de Deus, p.29
33
MOLTMANN, Teologia da Esperança, p.47.
140
4.4
NT Wright
pois mantém a noção chave de que, com a vida, morte e ressurreição de Jesus
Cristo, a “era vindoura” tem sido instaurada, enquanto o “presente século”
continua ao nosso redor.
Não há dúvidas de que NT Wright é familiarizado com a teologia de
Cullmann. Num de seus livros, Paul and His Recent Interpreters, recentemente
publicado em 2013, no segundo capítulo vemos o anglicano providenciar um
panorama dos teólogos que sugeriram interpretações paulinas relevantes no
campo nas últimas décadas. Ali, entre outros, cita o posicionamento de Cullmann,
pesquisando-o em suas duas obras principais, Cristo e o Tempo e Salvação na
História. NT Wright tem estado ocupado em oferecer uma “nova perspectiva em
Paulo” ultimamente e a correspondência com Cullmann poderia chegar a ser rica
nesse sentido, ainda que não entraremos nela, por não ser nossa preocupação.
Com efeito, como precavemos no capítulo dois, a teologia de Cullmann se presta
pra servir de bibliografia e dialética para inúmeras realizações.
Mais próximo de nossa temática verifica-se, outrossim, que NT Wright já
possuía um posicionamento harmônico ao de Cullmann nas questões relacionadas
141
trama pela qual Deus está agindo no tempo e na história, onde Jesus é o clímax da
história de Israel. Apesar de usar o termo meta, NT Wright não está propondo
nada do tipo metafísico, “além” da história.36
Lado a lado a Cullmann, o britânico sustenta a magnitude e a amplitude da
obra de Cristo como evento histórico salvífico na trajetória da humanidade. Em
especial, dá destaque à ressurreição, ainda que ressalte aspectos decisivos para a
escatologia na encarnação e na ascensão de Cristo. Afirma que nunca ocorrerá
algo no futuro que se compare, em importância, à ressurreição; ela é a garantia da
nossa ressurreição, a qual, por sua vez, é o coração da nossa esperança. Wright
dedica seu livro Surpreendido pela Esperança para tratar deste tema, partindo da
premissa que os cristãos estão substancialmente confusos sobre as promessas de
Cristo e, por conseguinte, sobre o que esperar – confusão esta que tem sua raiz na
filosofia grega-platônica, que teria adentrado o cristianismo em seu encontro com
o gnosticismo, traindo as expectativas concretas no tempo e no espaço que existia
na comunidade hebraica e, posteriormente, na igreja cristã primitiva. Nessa
34
CORNER, Mark. Death be Not Proud: The Problem of the Afterlife. Bern: Peter Lang, vol.46,
2011, p.119.
35
WOOD. Laurence W. Theology as History and Hermeneutics: A Postcritical Evangelical
Conversation With Contemporary Theology. Lexington: Emeth, 2005, p.52.
36
WOOD, Theology as History and Hermeneutics, p.53-54.
142
Assim como o Pai enviou o Filho, o Filho envia seus seguidores ao mundo, para
proclamar o reino em palavras e ações.
Também é possível perceber o entendimento da simultânea paradoxalidade
já e ainda não em NT Wright, quando ele discute posturas polarizantes que
amenizam uma ou outra dimensão temporal escatológica. O bispo de Durham
repele a corrente escatológica do evolucionismo otimista, com sua promessa de
progresso, criticando, até de forma ácida, desde Hegel e Darwin a Marx e Pierre
Teilhard de Chardin, entendendo que esta lhe rouba quotas significativas do ainda
não.
Deus será tudo em todos é uma das mais claras declarações do verdadeiro cerne da
visão de mundo voltada para o futuro apresentada no Novo Testamento. Nesse
sentido, o problema com o otimismo evolucionista de Teilhard de Chardin, bem
como de todas as formas de panteísmo, é que esse tipo de pensamento destrói todo
o futuro no presente, na verdade, no passado. Deus será tudo em todos. O tempo
verbal é futuro. Esse momento só irá chegar com a vitória final sobre o mal e,
particularmente, sobre a morte. Sugerir que ela já chegou é corroborar com o mal e
com a morte.38
E Wright também julga a escatologia desencarnada, maniqueísta e
puramente espiritualista, obcecada com o “céu”, que acredita ter tomado conta de
boa parte da tradição cristã desde a infiltração do platonismo. Tal “arremedo” de
37
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.161.
143
esperança não faz jus, segundo Wright, à realidade do que Deus já realizou no
passado, na obra de Cristo:
Como a ressurreição foi um evento que ocorreu dentro do nosso próprio mundo,
suas implicações e efeitos são sentidos dentro dele, aqui e agora. [...] O argumento
[...] é que a compreensão adequada da (surpreendente) esperança futura que nos é
concedida em Jesus Cristo conduz diretamente, e de modo também surpreendente,
a uma visão de esperança presente, que constitui a base de toda missão cristã [...]
As pessoas prestavam atenção no que Jesus dizia principalmente porque viam o
que ele estava fazendo [...] presente e futuro, no entanto, não estavam
desvinculados. O presente não era simplesmente uma “amostra” do futuro, ou um
truque para obter a atenção das pessoas [...] Seu propósito [de Cristo] não é nos
levar para longe desta terra, ma nos tornar agentes da transformação desta terra,
antecipando o dia quando, como nos foi prometido, “a terra se encherá do
conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Isaías 11.9) [...] O que os
evangelhos estão afirmando é que ele [o reino de Deus] já começou.39
Em muitos aspectos, N.T. Wright ecoa o já e o ainda não de Cullmann com
muito mais relevância que o próprio Cullmann. A relação que o primeiro faz da
escatologia com o lócus da criação, bem como a forma que a esperança cristã
afeta a vida do cristão, a missão da igreja e a relação com a cultura, serão
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4.5
José Míguez Bonino
38
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p. 117.
39
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p. 207-208,217.
144
40
BOSCH, David. Witness To The World: The Christian Mission in Theological Perspective.
Eugene: Wipf and Stock, 2006, p.234.
41
BOSCH, Misión en Transformación, p.612.
42
DAVIES. Paul John., GISPEN, W.H. Faith Seeking Effectiveness: The Missionary Theology of
José Míguez Bonino. Tese de Doutorado. Universidade de Utrecht. 2006, p.88.
43
SWETSCH, Missão como com-paixão, p.98.
44
Leitura baseada em MÍGUEZ BONINO, José. A fé em busca da eficácia: Uma interpretação da
reflexão teológica latino-americana sobre libertação. Tradução Getúlio Bertelli. São Leopoldo:
Sinodal, 1987. p.55-60.
145
a presença da terceira pessoa da Trindade, para que possa ter condições de reler as
ações de Deus, em Cristo, a partir de um novo tempo na trama histórico-salvífica
e em um novo contexto missionário. Assim como Cullmann, Bonino reivindica a
presença e a obra pneumatológica para empoderar e colorir a missão de
testemunhar o evangelho, sobretudo uma pneumatologia trinitária. Bonino quer
evitar o reducionismo cristológico e soteriológico, predominante num dos rostos
do protestantismo latino-americano. Advoga em favor do auxílio do Espírito
Santo em relação à Trindade para um caminho ecumênico dialogal com fins de
um empreendimento verdadeiramente colaborativo entre os organismos cristãos.
E essa concórdia missionária dentro do cristianismo talvez nem seja a parceria
mais sagrada possível. A pneumatologia trinitariana de Bonino também se
revelará numa perspectiva missional colaborativa entre o próprio Deus e seus
filhos, como já propunha o movimento da missio Dei. A Trindade convida o povo
a participar do envio testemunhal ao mundo e o Espírito é o agente habilitador
dessa dinâmica. “O próprio da Trindade é o diálogo, que prevalece sobre o
45
SWETSCH, Missão como com-paixão, p.142.
46
MÍGUEZ BONINO, José. Fundamentos bíblicos y teológicos de la responsabilidad cristiana. In:
ISAL Encuentro y Desafío; La acción cristiana evangélica ante la cambiante situación social,
política y económica; Conclusiones de la Primera Consulta Evangélica Latinoamericana sobre
Iglesia y Sociedad, Buenos Aires: La Aurora, 1961, p.22-23.
146
monólogo. A comunhão intratrinitária é de tal forma que ela „desborda‟, isto é, ela
não se esgota em si mesma, mas busca a relação com a realidade criada: o mundo,
o ser humano, a história.” 47
A pericorese divina convida os batizados para dançarem, em favor do
alcance evangelístico. Zwetsch pontuará48 que, para Míguez Bonino, missão
significa envio e, por sua vez, o envio da Trindade gera e admite o ser humano
como seu cooperador. Somos chamados na missão trinitária a participar desse
envio, o qual não cessa até a vinda da plenitude do reino.
São inúmeras as possibilidade de interação, mas nenhuma delas seria de
grande valia para nossa pesquisa se Bonino não endossasse Cullmann no coração
de sua teologia, a escatologia da História da Salvação e, mais especificamente, no
binômio que representa nosso objeto formal. Felizmente ele o faz e, com
indubitável amostragem, conforme menciona Davies:
A revelação de Deus a humanidade é dada em atos concretos de Deus na história,
atestados pela Bíblia. Por isso, não é possível desenvolver uma filosofia geral ou
cristã da história porque a Bíblia apresenta Deus agindo em eventos específicos, em
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47
SWETSCH, Missão como com-paixão, p.138.
48
SWETSCH, Missão como com-paixão, p.138.
49
DAVIES. Paul John., GISPEN, W.H. Faith Seeking Effectiveness, 2006, p.88.
50
MÍGUEZ BONINO, José. How does God act in history. In: VICEDOM, George. Christ and the
Younger Churches: Theological Contributions from Asia, Africa and Latin America. London:
S.P.C.U., 1972, p.22.
51
DAVIES. Faith Seeking Effectiveness, p.88.
147
52
MÍGUEZ BONINO, José. El Reino de Dios y la historia. in PADILLA, C. René (ed.). El Reino
de Dios y América Latina. El Paso: Casa Bautista, 1975, p. 75.
53
DAVIES. Faith Seeking Effectiveness, p.97.
54
SWETSCH. Missão como com-paixão, p.118.
55
MÍGUEZ BONINO, José. Nuestro Mensaje. In: Cristo, la esperanza para América Latina,
Buenos Aires: Confederación Evangélica del Río de la Plata, 1962, p. 74-75.
56
DAVIES. Faith Seeking Effectiveness, p.97.
148
4.6
Jean Daniélou & Gustave Thils
57
MÍGUEZ BONINO, José. How does God Act in History. VICEDOM, George. Christ and the
Younger Churches: Theological Contributions from Asia, Africa and Latin America. London:
S.P.C.U., 1972, p.31.
58
MIGUEZ BONINO, José. Who is Jesus Christ in Latin America Today? Faces of Jesus: Latin
American Christologies. MIGUEZ BONINO, José (ed.). Eugene: Wipf and Stock, 1998, p.2.
149
Cullmann. Ambos albergaram e repercutiram sua tensão temporal. São eles Jean
Daniélou e Gustave Thils.
O historiador Rosino Gibellini foi quem nos apontou na direção de
investigar o legado de Cullmann no debate católico das décadas de 40 e 50.
Segundo ele, a teologia do luterano teve “ampla repercussão no âmbito da
teologia católica” do período, devido ao fato da neo-escolástica ter negligenciado
a dimensão histórica.59
À época, a reflexão católica estava marcada pela disjunção escatologismo e
encarnacionismo. Representando, até certo ponto, a escola escatologista, Jean
Daniélou foi discípulo de Henri de Lubac, professor do instituto católico de Paris
e posteriormente cardeal. Daniélou vai ao encontro, sobremaneira, do universo
dos diálogos desta dissertação, em virtude da riqueza de seu pensamento em áreas
que interceptam nossa pesquisa, a saber, a teologia da história e a teologia da
missão. Ele não fica preso aos extremos do escatologismo ou encarnacionismo,
porém, com o tempo vai se tornando um escatologista encarnacional, que valoriza
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a ação sagrada feita pelos mirabilia Dei e pelas ações sacramentais da Igreja (e
também pelas respostas espirituais a essas ações), sem desprestigiar a presença e a
encarnação no mundo.
Em 1947, logo após Cullmann publicar sua obra prima Cristo e o Tempo,
encontramos Daniélou fazendo referência ao escrito, em seu artigo Cristianismo e
História. Ele o chama de “belo livro”60 e aproveita consideravelmente a tese do
autor que, entre outros, reivindicava o cunho decisivo do evento histórico da
ressurreição de Cristo, o qual Daniélou considerava o evento histórico inigualável
por natureza.61 Daniélou, enquanto teólogo historiador, apreciava a valorização da
história de Cullmann, a qual se coadunaria mais com a ênfase patrística, e fazia
mais justiça ao caráter não-platônico da fé cristã.62 Posicionou-se ao lado de
Cullmann em seu antagonismo às escatologias conseqüente, de Schweitzer;
realizada, de Dodd; e existencial, de Bultmann. Simpatizava com sua proposta da
escatologia inaugurada, ainda que preferisse batizar a sua versão de iniciada. A
influência de Cullmann é tamanha, que Hans Boersma crê que Daniélou
59
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.194.
60
DANIÉLOU, Jean. Christianisme et Histoire. In: Études, t.254, abril de 1946, p.10.
61
DANIÉLOU, Jean. Lord of History: Reflections on the inner meaning of history. Trad. Nigel
Abercrombie. Chicago: Henry Regnery, 1958, p.7.
62
DANIÉLOU, Lord of History, p.109-111.
150
“reduzir” a tensão para o ainda não em favor do já, “que fica sendo um corolário
do modo católico viver a experiência da Igreja.” 65
Nesta mesma fase, do outro lado da controvérsia, Cullmann também fora
acolhido pelo embaixador da escola encarnacionista, Gustave Thils. Este também
valorizava a história, mas enfatizava as realidades terrenas e procurava enfrentar
o tema da relação do evangelho com o mundo, considerando não só os aspectos
teológicos e sacramentais, como destacava Daniélou e os escatologistas, mas
principalmente os culturais. Numa época em que se lia Gide e Marx com boa
vontade, não tinha cabimento propor um cristianismo exclusivamente
“teocêntrico”, que se desinteressa do mundo, diria ele.66
Por realidades terrenas, Thils entendia as realidades históricas, como, por
exemplo, as sociedades humanas, a cultura, a civilização, a técnica, as artes, o
trabalho. Para o teólogo belga, estas realidades tinham por primeira finalidade
glorificar a Deus e estar a serviço dos homens e, em segunda instância, colaborar
63
BOERSMA, Hans. Nouvelle Théologie and Sacramental Ontology: A Return to Mystery.
Oxford: Oxford University, 2009, p.176. Para mais subsídios sobre a dependência de Daniélou em
Cullmann, ver BOYS, Mary C. Biblical Interpretation in Religious Education: A Study of the
Kerygmatic Era. Birmingham: Religious Education, 1980, p.103-107.
64
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.262.
65
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.263.
151
66
THILS, Gustave. Théologie des Réalités terrestres. In Préludes, Bilbao: Desclee de Brouwer,
1946, p.10.
67
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.266.
68
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.266-267.
69
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.267.
70
GIBELLINI, A Teologia do Século XX, p.267.
152
4.7
Vaticano II – Lumen Gentium
a consumação celeste.71
Podemos conhecer a interlocução de pensamento entre o documento e o
teólogo luterano a partir do trabalho de dissertação de Fantico Nonato Silva
Borges, sob o título: A índole escatológica da Igreja: um estudo do “já” e do
“ainda não” à luz do sétimo capítulo da Lumen Gentium.72 Em sua pesquisa,
Fantico Borges, orientado pela professora Lina Boff, defende a tese de que a
tensão já e ainda não faz parte da natureza da igreja, e fora recuperada, em certo
sentido, na teologia católica, pela escatologia desenvolvida no Concílio Vaticano
II. Segundo a pesquisa, fica clara a convicção dos Padres conciliares de que a
escatologia está na raiz da teologia, e mais adiante, de que a realidade salvadora
prometida por Deus já começou em Cristo, mas ainda não se consumou
plenamente, e de que a missão da igreja neste entretempo é levar a cabo a obra de
santificação do mundo, olhando para as duas realidades.
A novidade que o Concílio Vaticano II trouxe foi demonstrar que é possível viver
já aqui na Igreja Peregrina, mesmo que seja em fragmentos, aquela graça salvadora
de Cristo. Em outras palavras, não precisamos morrer para sentir os efeitos da
71
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.24.
72
BORGES, Fantico Nonato Silva; BOFF, Jenura Clotilde. A índole escatológica da igreja; um
estudo do “já” e do “ainda não” à luz do sétimo capítulo da Lumen gentium. Rio de Janeiro,
2010, 193p. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
153
santificação de Deus: o céu começa aqui! A Igreja celeste não é outra Igreja,
totalmente distinta desta aqui, vivida e sentida nos sinais sacramentais. Eles estão
em graus diferentes, mas não a mesma realidade salvadora, em que uma vive em
peregrinação da graça já alcançada pela outra, que vive na plenitude da salvação.73
Já aludimos que a reflexão teológica de Oscar Cullmann pode ter
influenciado em textos do Concílio Vaticano II, por sua representatividade no
encontro e participação nos debates. Neste trabalho não estaremos preocupados
em analisar, exatamente, em quais temas isso teria acontecido. Entretanto, não
podemos deixar de mencionar um ensaio em particular, que nos interessa pela
sintonia de matéria e importância de conteúdo: a Lumem Gentium. Tal
constituição dogmática, que versa sobre a natureza e a constituição da igreja, é
considerada um dos mais relevantes textos do Concílio.74 Especialmente no
sétimo capítulo, onde se manuseia o aspecto escatológico da igreja como povo
peregrino, é possível se afirmar que encontramos compilado o “arcabouço da
escatologia conciliar”75 – um arcabouço nitidamente conectado a dialética já e
ainda não de Oscar Cullmann.
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73
BORGES, BOFF, A índole escatológica da igreja, p.23.
74
Segundo Birmelé, em Oscar Cullmann, o próprio Cullmann viu no documento o momento
“coroador” do concílio.
75
BORGES, BOFF, A índole escatológica da igreja, p.49.
76
BORGES, BOFF, A índole escatológica da igreja, p.45.
77
BORGES, BOFF, A índole escatológica da igreja, p.46.
154
78
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. Petrópolis: Vozes, 1969,
48a.
79
KLOPPENBURG, Boaventura. A Natureza e a Missão da Igreja. In: REB – Revista Eclesiástica
Brasileira, fasc.4, Petrópolis: Vozes, 1969, p.801-812.
80
Lumen Gentium, 48b.
155
A igreja é vista, no capítulo VII da Lumen Gentium, como uma comunidade pascal,
em êxodo e peregrinação. À diferença do êxodo do Antigo Testamento e do
judaísmo, que caminhava em direção a uma salvação “futura”, a comunidade cristã
já experimenta as primícias antecipadas da salvação. Por isso pode ser sacramento,
sinal e primícia, do Reino de Deus, que, no entanto, permanece escatológico.83
4.8
Joseph Ratzinger
81
Lumen Gentium, 48c.
82
BORGES, BOFF, A índole escatológica da igreja, p.46.
83
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.78.
156
84
Acessado nesta dissertação a partir de sua tradução para o Espanhol: Escatología: La muerte y
la vida eterna.
85
RATZINGER, Escatología, p. 13.
86
RATZINGER, Escatología: p. 63.
87
RATZINGER, Escatología: p. 67-68.
157
88
RATZINGER, Escatología, p.68.
89
RATZINGER, Escatología, p.69.
158
90
RATZINGER, Escatología, p.72.
91
BENTO XVI. Carta Encíclica Spe salvi. São Paulo: Paulus, 2007, parágrafo 7.
92
BENTO XVI, Spe salvi, parágrafo 7.
159
4.9
Gustavo Gutiérrez
Não tanto pelas suas considerações escatológicas, é verdade. Mais pela sua leitura
da dimensão política de Cristo. Pretendendo evitar radicalismos, que já se faziam
presentes ao seu redor, Gutiérrez confessou que Cullmann, acima de tudo, com
sua obra Jesus and the revolutionaries (Jesus e os revolucionários), tê-lo-ia
persuadido a distanciar Jesus dos guerrilheiros zelotes.96 Jesus não era um rabi
alienado na Galiléia, mas também não incitou ninguém a pegar em armas.
Segundo o professor de economia da Universidade de Economia de Praga, Pavel
Chalupníček, numa análise deste relacionamento Gutiérrez/Cullmann a partir de
uma leitura crítica da Teologia da Libertação de Gutiérrez, não era o caso de que
Cullmann defendia um Jesus isento de postura sociopolítica, caso contrário não
teria influenciado tantos teólogos que se apaixonaram por essa matéria. Para
Cullmann, no que Gutiérrez apreciava, a mensagem e atividade de Cristo eram
destinadas tanto a indivíduos quanto às massas, tinha viés tanto soteriológico
93
VILLASEÑOR. Pastor Bedolla. La Teología de la Liberación: pastoral y violencia
revolucionaria. Latinoamérica: Revista de Estudios Latinoamericanos, Universidad Nacional
Autónoma de México. v. 64, 2017, p.188.
94
ALMEIDA. João Carlos. Teologia da Solidariedade - Uma abordagem da obra de Gustavo
Gutiérrez. São Paulo: Loyola, 2005, p.68.
95
SCHWARZ, Hans. Eschatology. Grand Rapids: Eerdmans, 2000, p.119.
96
JONES, Richard. G. Peace, violence and war. In HOOSE, Bernard (ed.). Christian Ethics: An
Introduction. London: Continuum, 1998, p.219.
160
como político, denunciava o caos do sistema presente e anunciava o que ainda não
chegou, mas chegará.97 Tudo isso sem precisar reduzir Cristo a um personagem
subversivo contra Roma que morrera, mormente, porque fora perseguido por
autoridades. Há algo maior na cruz do que a execução de um mártir, um sentido
vicário. A maior dádiva sendo oferecida ali era o perdão por que a maior opressão
que a humanidade amarga, origem de todas as demais, é o pecado.
Após mencionar esta simetria no viés político do Reino de Deus, convém
examinar a receptividade de Gutiérrez da História de Salvação e sua tensão já e
ainda não. O motif de Gutiérrez é a libertação. Articula e desembrulha a salvação,
principalmente com este termo. Entende a criação de Deus como um evento
libertador (do caos), o Êxodo e demais episódios extraordinários da caminhada do
povo como ações histórico-libertárias de Deus em favor dos seus. Eventualmente,
não se negará a usar a própria terminologia de Cullmann, bem como fará questão
de não camuflar o peso da parusia. “A Bíblia apresenta-nos a escatologia como
motor da história salvífica radicalmente orientada para o futuro”.98
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97
CHALUPNÍČEK. Pavel. Divine and Human Freedom in the Work of Gustavo Gutierrez. Janeiro
2010. <http://kie.vse.cz/wp-content/uploads/2009/11/WP_2_2010.pdf.> Acesso em 02/12/2108.
98
GUTIÉRREZ, Gustavo. Teología de la Liberación: Perspectivas. 3. ed. Salamanca: Sígueme,
1973, p.139.
99
GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación, p.275.
161
100
GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación, p.276.
101
NOEMÍ, Juan. Esperanza en busca de inteligencia: Atisbos teológicos. Santiago: Ediciones
Pontíficia Universidad Católica de Chile, 2005, p.23. Apud SANCHEZ, Leopoldo. Teología de la
Santificación: La espiritualidad del cristiano. Saint Louis: Editorial Concordia, 2013, p.169.
102
SANCHEZ, Teología de la Santificación, p.171.
103
Não conheço as minúcias do debate entre Gutiérrez e Moltmann ou entre os teólogos latino-
americanos e europeus sobre a questão da escatologia supostamente futurística e cripto-histórica.
Tampouco é do escopo desta dissertação analisar com mais atenção tais discussões, por mais
importantes que elas tenham sido. Por isso, não aprofundarei a conjuntura. Apenas a título de
sugestão, numa perspectiva de aproximação entre a Teologia da Esperança de Moltmann e a
Teologia Latino-Americana da Libertação no contexto atual, recomenda-se: KUZMA, Cesar. O
futuro de Deus na missão da esperança: uma aproximação escatológica. São Paulo: Paulinas,
2014, p.195-207.
104
SANCHEZ, Teología de la Santificación, p.172.
162
4.10
Leonardo Boff
105
GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación, p. 283-284.
106
ALMEIDA, Teologia da Solidariedade, p.69.
107
GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación, p. 142.
108
GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación, p.138.
163
109
Para se conhecer mais esta escatologia, recomenda-se a leitura de: LIBÂNIO, João Batista.;
BINGEMER, Maria Clara L. Escatologia Cristã. Petrópolis: Vozes 1985. Cf. também LIBÂNIO,
João Batista. Escatologia e Hermenêutica. Perspectiva Teológica. Ano 37, 1983, p.315-335.
110
SCHWAMBACH, Claus. Esperança no horizonte do pensar sacramental. Uma abordagem da
escatologia de Leonardo Boff em perspectiva protestante. Estudos Teológicos, ano 48, n. 2, 2008,
p.76.
111
BOFF, Leonardo. Vida para além da morte: O Presente - seu futuro, sua festa, sua contestação.
20. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
112
BOFF, Vida para além da morte, p.137.
113
BOFF, Vida para além da morte, p.116-117.
164
4.11
Síntese Conclusiva
120
SCHWAMBACH, Esperança no horizonte do pensar sacramental, p.103.
166
semelhantes aos de Cullmann, outros nem tanto. Alguns o fizeram mais próximos
geográfica e cronologicamente ao teólogo luterano franco-alemão, outros
articularam o já e ainda não a partir de um terreno e período mais distantes. Mas
cada um se deixou marcar, em algum nível, em sua trajetória de reflexão. E cada
um, também, aportou particular contribuição para a afirmação desse conceito
como um clássico na teologia, dando-lhe robustez e amplitude, e estimulando a
eventuais desdobramentos.
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5
Possibilidades e implicações missionais da tensão
escatológica já e ainda não
1
BOSCH, Misión en Transformación, p.606.
2
Por exemplo: WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança. 2009; CHESTER, Tim. Mission and the
Coming of God: Eschatology, the Trinity and Mission in the Theology of Jürgen Moltmann.
Milton Keynes: Paternoster, 2006; SILVA, Ricarte de Normandia; BOFF, Jenura Clothilde.
Dimensão escatológica da Evangelização: Um estudo teológico. Pastoral da exortação apostólica
Evangeli Nuntiandi do Papa Paulo VI. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, 2009.
3
A importância dos tempos intermediários para a missão do testemunho do Evangelho é uma tese
idiossincrática de Cullmann. Quem também escreveu sobre o tema foi John Stott: ―É desta forma
que a parusia de Jesus está ligada à missão da igreja. A parusia dará fim ao período missionário
que começou com o Pentecostes. Nós só dispomos de um tempo limitado no qual completar a
responsabilidade que nos foi confiada por Deus. Precisamos, portanto, resgatar a ansiosa
expectativa escatológica dos primeiros cristãos, juntamente com o senso de urgência que ela lhes
deu. Jesus havia prometido que o fim não viria antes que o evangelho do Reino tivesse sido
pregado através do mundo todo, a todas as nações. STOTT, John. Ouça o Espírito, ouça o mundo.
2. ed. Tradução Silêda Silva Steuernagel. São Paulo: ABU, 2005, p.164.
168
4
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.322.
5
PADILLA, C. René. Missão Integral: Ensaios sobre o reino e a igreja. São Paulo: Temática,
1992, p.83-87.
6
No capítulo primeiro de seu livro Missão como com-paixão, dedicado a análise histórica da
missão protestante na América Latina, Roberto Zwetsch, aborda exemplos de algumas iniciativas
missionárias que se provaram parcialmente infelizes e comprometeram indelevelmente o
testemunho cristão. É possível identificar motivações e noções escatológicas questionáveis por trás
de alguns destes empreendimentos.
169
7
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.322.
8
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.322.
170
escatológica-missional da Igreja.
5.1
A tensão já e ainda não informa a mensagem missional:
dimensão querigmática
9
Bosch é mais conhecido pelo seu livro Missão Transformadora, obra que se tornou uma espécie
de livro-texto no estudo da missão cristã, adotado por muitos Seminários e Faculdades de
Teologia, e foi considerada uma dos livros mais influentes do século XX pela revista Christianity
Today. O livro foi publicado originalmente em 1991, e foi acessado nesta pesquisa a partir de sua
edição em espanhol.
10
Segundo Livingston, em sua pesquisa sobre os primórdios da aventura missionária de Bosch,
―Cullmann teria influenciado Bosch em, pelo menos, dois pontos: Primeiro, provendo a Bosch sua
moldura teológica da História da Salvação, que Bosch usou até os anos 70. Cullmann
expressivamente diferenciou entre ―História da Salvação‖ e ―história mundial‖ e viu a obra
salvífica de Deus no mundo como uma continuidade do ministério da igreja [...] Cullmann também
influenciou Bosch com respeito ao conceito das dimensões ―já‖ e ―ainda não‖ do reino [...] Bosch
adotou esta perspectiva depois de ler Cristo e o Tempo de Cullmann, e reconhecendo que era ―um
dos poucos insights teológicos que permaneciam absolutamente constantes em seu pensamento‖.
LIVINGSTON, A Missiology of the Road, p.269.
171
tensão já e ainda não informa a mensagem missional (seu conteúdo, sua matéria,
sua substância)? Trataremos do teor do testemunho, da palavra que é pregada.
Pensamos, especificamente, em quatro possibilidades principais, que possuem
íntima relação entre si.
5.1.1
Uma mensagem cristocêntrica e pneumatológica
11
CULLMANN, Salvation in History, p.316.
12
BOFF, Vida para Além da Morte, p.23.
172
13
BOFF, Vida para Além da Morte, p.22.
14
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.427.
15
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.426.
173
16
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.427; CULLMANN, Salvation in History,
p.320.
17
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.426-427.
18
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.85.
174
19
CULLMANN, Salvation in History, p.334.
20
CULLMANN, Salvation in History, p.334.
21
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.297.
175
22
CULLMANN, Salvation in History, p.334.
23
CULLMANN, Christ and Time, p.72-73.
24
CULLMANN, Christ and Time, p.73-74.
25
CULLMANN, Salvation in History, p.332.
26
SÁNCHEZ, Leopoldo. Pneumatología: El Espíritu Santo y la Espiritualidad de la Iglesia. Saint
Louis: Concordia, 2005, p.127.
27
A cogitação exposta foi ligeiramente inspirada pelo seguinte pensamento de Luis Carlos Susin:
―Em termos de teologia trinitária, se diria que, depois do exacerbado patriarcalismo pré-moderno
do Pai celeste com a mediação das autoridades, e depois do exacerbado messianismo moderno do
Homem terrestre – cristologia secularizada – com a mediação da racionalidade e da militância, há
na pós-modernidade a exacerbação do pentecostalismo com a imediatez emotiva e a participativa
que dispensa autoridades e racionalidade, tradição e palavra. É impressionante a coincidência da
atual situação com as teses fascinantes do Joaquim de Fiore, ao menos em termos de análise da
história e de confusão teológica. [...] A escatologia, no alvorecer da terceira idade, fica tão
iminente ou imediata que acaba por ficar dissolvida: onde o ―espírito‖ perde a ―encarnação‖, a
emoção se sobrepõe à palavra e à razão, a participação confunde a diferença, toda realidade fica
dissolvida num imediato êxtase, mais precisamente no ‗quiliasmo‘ – quietismo – e numa kathársis
comunional e confusional, numa potência sem necessidade de projeto e portanto sem meta
escatológica, pois já chegou, se superou.‖ SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.23.
176
5.1.2
Uma mensagem basileica e soteriológica
28
Tanto em território protestante quanto em campo católico, a teologia do Reino de Deus como
uma esfera ou uma dinâmica distinta (mas não necessariamente separada) do organismo Igreja se
desenvolveu consideravelmente. No pensamento protestante, é possível que se encontre na
Reforma a raiz dessa distinção, mas há quem considere que realmente a teologia do Reino tenha se
emancipado posteriormente. Na teologia católica, esse discernimento parece ter sido sacramentado
a partir do Concílio Vaticano II. Outro dado importante é a variação de compreensões que tem sido
sugerida para o relacionamento que existe entre estas duas dimensões. Muito tem sido escrito
sobre a identidade, a missão e o vínculo de cada uma, com expressivas nuances. Importantes
teólogos se debruçaram sobre o tema (chegando a uma série de pontos de vista comuns), como K.
Rahner, W. Pannenberg, H. Küng, J. Moltmann, E. Schillebeeckx, G. Vos, G. Ladd, para citar
alguns. Também escritos de cunho mais prático-pastoral-missional tocam no assunto. KELLER,
Timothy. Igreja Centrada. Trad. Eulália P. Kregness. São Paulo: Vida Nova, 2014; McNEAL,
Reggie. The Present Future: Six Tough Questions for the Church. San Francisco: Jossey-Bass,
2003; SCHERER, James. Evangelho, Igreja e Reino: Estudos Comparativos de Teologia da
Missão. Trad. Getúlio Bertelli, Luís Dreher, Luís Sander. São Leopoldo: Sinodal, 1991; HIRSCH,
Alan. The Forgotten Ways: Reactivating the missional church. Grand Rapids: Brazos, 2006;
ENGEN, Charles E. van. God’s Missionary People: Rethinking the Purpose of the Local Church.
Apenas a título de semelhança elementar, normalmente o Reino é reconhecido como uma instância
maior que a Igreja, inclusive abarcando-a. Não é nosso intento aprofundar o estado desta questão,
nem mesmo esmiuçá-la na teologia de Cullmann. Para Cullmann, em suma, há uma diferenciação
essencial de identidade entre o Reino de Deus e a Igreja, ligada não ao tempo, mas ao espaço: o
domínio sobre o qual se estende o senhorio de Cristo não coincide com o da Igreja e esta diferença
espacial permite distinguir a soberania de Cristo sobre o mundo de sua soberania sobre a igreja.
Ver: CULLMANN, Christ and Time, p.185-190; CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento,
p.297. Parece-nos que Cullmann tinha seu entendimento baseado, pelo menos em parte, na
concepção de Lutero conhecida como ―Dois Reinos‖. Se houver interesse em aprofundar o estudo
desta concepção, sugere-se: ALTMANN, Walter. Lutero e Libertação. 2.ed. revista e ampliada.
São Leopoldo: Sinodal, 2016; BRAATEN, Carl. The doctrine of Two Kingdoms re-examined. In:
KLEIN, Ralf W. (Ed.) Currents in Theology and Mission. V. 15, nº 6. Chicago: Lutheran School
of Theology at Chicago 1988, p. 497-504; RIETH, Ricardo Willy. Doutrina dos dois reinos em
Lutero. Igreja Luterana, Porto Alegre, v. 45, p.125-139, 1989.
178
justiça expiatória? Até que ponto deve-se falar de valores, de graça comum29 e de
justiça social? Qual é o Cristo que será comunicado? O Messias Salvador, que
morreu para justificar o pecador diante de Deus ou o Logos, por quem todas as
coisas foram feitas e em quem todas as coisas subsistem e encontram sentido e
propósito? Em essência, o querigma é sobre a governança ou sobre a salvação?
Fazendo uso de expressões popularmente usadas em nossos dias em meios
cristãos, a mensagem missional deve ser ―Deus no comando‖ ou ―sorria, Jesus te
ama‖?
A problemática que estamos tentando debater não é nova, muito menos
desdenhável. Sobre seu histórico, poderíamos regressar até o começo do
cristianismo, quando a mensagem a respeito da pessoa e da obra de Cristo foi
enunciada com realces intencionais e acolhida com expectativas conflitantes. Aqui
estamos lembrando, por exemplo, as primeiras controvérsias envolvendo o
querigma e as primeiras apropriações que foram feitas da mensagem e da obra de
Cristo, seja em ambiente judaico, seja em contexto gentílico. Estudos históricos e
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o próprio texto bíblico atestam para o fato de que a mensagem missional fora,
desde seu princípio, tentada a amoldar-se às díspares esperanças dos diferentes
partidos político-religiosos do judaísmo da época, assim como às variantes
possibilidades filosóficas da religião greco-romana. Poderíamos explorar também
os retoques e teores acrescentados ao longo da trajetória eclesiástica para se
conseguir resultados ―missionários‖.
Até hoje a pergunta pela mensagem cristã permanece importante, uma vez
que diferentes ―jesuses‖ estão à disposição no cardápio de movimentos que se
identificam como cristãos. Alguns deles não são apenas distintos, mas quase
inconciliáveis. Exempli gratia, escatologias orientadas desproporcionalmente para
uma índole terrena e para o presente, têm concebido missiologias que apresentam
um Jesus fundamentalmente rebelde. A ênfase está na noção do Cristo radical,
revolucionário, do Messias que veio desafiar o status quo político-religioso e
liderar a humanidade com seu exemplo e disposição de mártir em direção a um
novo tempo mais favorável. A matéria a ser apresentada apontará para a
insubordinação do nazareno que teria como alvo maior os fariseus e os saduceus,
porque representavam as instituições de poder, os guardiões da cultura e religião
29
Conceito da teologia reformada de tradição Calvinista que se refere aos dons e bênçãos que
Deus concede as pessoas que não estão ligadas diretamente à salvação delas.
179
30
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.297-298.
181
chamados a imperar. Por isso, Cullmann será contrário a qualquer tipo de cruzada
evangelística. O anúncio ao mundo deve ser realizado a partir de outra
perspectiva.
Essa dinâmica pode ser aprofundada e, de fato, há muito material na teologia
que se dedica ao tema. Mas não é nossa intenção neste trabalho. Nosso argumento
aqui é verificar a plausibilidade do aspecto basileico de Cristo na proclamação
missionária em Cullmann, e ela existe. E, ao mesmo tempo, Cullmann confirmará
o conteúdo soteriológico do querigma. O caráter absoluto e amplo do Reino de
Deus não omite uma característica específica de sua natureza: o resgate. Deus está
interessado na salvação da humanidade, agiu para alcançar tal condição e fê-la
disponível. Escreve Cullmann:
Este título, Sotér, se bem que pode ser considerado, com justiça, como uma
variante do título Kyrios – do qual até é possível que provenha – põe em evidência,
contudo, uma ideia que aparece com menos nitidez na noção de Kyrios: a obra
expiatória de Cristo é condição essencial para sua elevação à categoria de Sotér
divino. Lembremos Filipenses 2.9: ―Por isso (isto é, por causa de sua obediência até
a cruz) Deus mais que o elevou‖ e lhe deu um nome, Kyrios, que ―está acima de
todo nome‖. É isto que, em solo cristão, está implicitamente contido no título Sotér:
Jesus é Sotér porque reconciliou Deus e o mundo por sua cruz. Um fato a mais o
demonstra: mesmo onde, como na doxologia de Judas 25 – conforme o uso do
31
BRATT, James D. (ed) Abraham Kuyper: A Centennial Reader. Grand Rapids: Eerdmans, 1998,
p.488.
182
Antigo Testamento – é Deus quem é chamado Sotér, as palavras ―por Jesus Cristo
nosso Senhor‖ remetem à obra expiatória de Cristo, fundamento de toda a
―salvação‖ divina.32
Cremos que as declarações de Cullmann, extraídas de sua análise do
vocábulo grego sotér, que fora brindado a Cristo pelo Novo Testamento e pela
Igreja primitiva, são suficientes para constatar o entendimento soteriológico,
reconciliador e expiatório de Cristo através de sua obediência e morte de Cruz, em
favor do ser humano. Cristo é um Rei que deixou o trono para salvar seus súditos,
quando estes eram ainda pecadores, parafraseando São Paulo em Romanos 5,8.
Deixou o trono deve ser compreendido na perspectiva teológica kenótica, que
afirma as duas naturezas de sua pessoa e a comunicação dos atributos entre elas.
Foi um deixar o trono, sem deixar de ser Rei.
Como enunciamos, temos em Cullmann, tanto a perspectiva do Reino de
Deus, como a remissão realizada por Cristo. Ambas não se contradizem. Ambas
podem ser harmonizadas e devem ser conservadas na mensagem missional. O
perdão precisa ser comunicado tanto quanto o senhorio de Cristo. Sua graça
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resistível ao lado de seu poder inevitável. Sua obediência no tempo ao lado de sua
autoridade eterna. Sua vitória na cruz relacionada à sua liderança no cosmos, sua
servidão voluntária concatenada com sua liberdade intrínseca. Seu Reino futuro
que ainda não foi consumado dialeticamente à salvação já obtida no Calvário e no
Gólgota e outorgada ―no batismo‖.33
5.1.3
Uma mensagem pessoal e cósmica
A mensagem missional que tem sido sugestionada até então pela tensão já e
ainda não Cullmanniana é cristocêntrica e pneumatológica em seus alicerces
mais básicos, e basileica e soteriológica em suas virtudes mais essenciais.
Cullmann fala de se anunciar justapostamente ―ao mundo não cristão‖34 tanto
nossa consciência do senhorio de Cristo aos nossos semelhantes que não
repararam nessa realidade35, quanto o fato de sermos ―povo redimido‖ pelo perdão
32
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.317.
33
CULLMANN, Christ and Time, p.222.
34
CULLMANN, Salvation in History, p.312.
35
CULLMANN, Salvation in History, p.307.
183
histórica para os seres humanos. Voltaremos a falar sobre isso, mas no momento
temos boas razões para não começar por aí. Nos últimos 200 anos, o pensamento
ocidental tem enfatizado exageradamente o indivíduo em detrimento do quadro
maior da criação de Deus. Além disso, a filosofia grega tem exercido notável
influência sobre a religiosidade no mundo ocidental, ao menos desde a Idade
Média, resultando em uma expectativa futura que se assemelha muito mais à visão
platônica de almas em êxtase do que a imagem bíblica de novos céus e nova terra.
Se começarmos pela esperança futura do indivíduo, correremos o risco de
considerá-la como o centro de tudo e trataremos a esperança da criação como algo
secundário. Isso já aconteceu outras vezes.43
O protesto em favor da perspectiva cósmica continua em outros teólogos. Se
manifestando sobre o proclamar e viver o evangelho de forma integral, René
Padilla defende:
O evangelho não se dirige ao indivíduo apenas, mas à humanidade, à velha
humanidade marcada pelo pecado de Adão, pecado que conduz a morte. É esta
humanidade caída e sem rumo que Deus chamou e chama para integrar-se à nova
humanidade iniciada por Jesus Cristo. [...] A obra de Deus em seu Filho não pode
ser reduzida a uma limpeza da culpa do pecado: é também um traslado ao Reino
messiânico que em Cristo se fez presente por antecipação (Colossenses 1.13).44
O teólogo equatoriano chega a esta conclusão ancorado em sua pesquisa e
labor teológico-pastoral de viés, poderíamos dizer, mais progressista. Num outro
cenário de trabalho, assentado em outra tradição teológica, que poderia ser
41
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.95-107.
42
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.107.
43
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.96.
44
PADILLA, Missão Integral, p.15,23.
185
esperança bíblica também nos convidará a refletir uma preocupação que o próprio
Deus tem pela criação. Uma escatologia bíblica implica e requer uma teologia
bíblica sobre a criação. Nosso amor e preocupação em Cristo podem atingir os mais
amplos temas da sociedade: pobreza, doença, vícios e todas as formas de abuso. O
ministério de Jesus, do reino de Deus, implicou cura e exorcismo, a salvação da
pessoa inteira. Não podemos nós encontrar uma aplicação para nosso ministério
também, assim que o evangelho do reino que proclamamos possa ser acompanhado
pelo desejo de trazer conforto àqueles que sofrem os efeitos da morte e do pecado?
Fiquei sabendo que o comitê que está trabalhando no novo hinário discutiu a
possibilidade de uma liturgia para um culto de cura. Isto é boa teologia; um dia
Cristo voltará e curará todas as nossas doenças para sempre. Talvez, em graciosa
resposta às orações de Seu povo, Ele dará uma antecipação daquela cura agora na
presente era má.46
Além do mais, o professor norte-americano fará uma crítica à mensagem
missional e ao modelo vigente de esperança que se prega relacionando estes a um
aspecto cultural de sua terra. Compartilhamos, porque o problema que ele levanta,
apesar de característico no American Way of Life, não é prerrogativa apenas de
uma sociedade particular, mas, tem se espalhado por várias, ao ponto de quase
produzir uma infecção generalizada na humanidade atual:
Terceiro, e tipicamente americano, fazer do estado intermediário nossa esperança
verdadeira e prática é pensar de forma egocêntrica e individualista. A esperança
tem a ver basicamente com minha alma, com a morte do meu corpo, com meu
―morrer e ir para o céu‖. Mas a esperança bíblica não é centrada em mim, nem em
45
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.313.
46
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.322.
186
confissões de fé nada sabe de uma distinção entre Deus como criador e Cristo como
Redentor, já que criação e redenção são inseparáveis, por serem ambas atos pelos
quais Deus se revela ao mundo. Se partirmos da obra humana de Jesus e formos até
o fim da reflexão sobre o problema da revelação, fica impossível separar redenção
da criação. A morte expiatória de Cristo tem consequências cósmicas (Cl 1.20; Mt
27.51), e o Kyrios Christos presente não se manifesta somente como Senhor da
Igreja mas também como Senhor do universo. [...] [Por outro, o lado pessoal]:
Porém, em especial, temos de relevar também o outro aspecto deste ‗reino‘ o que
supõe esta alta missão: cada qual deve ter consciência de ser escravo, servo, do
‗Senhor‘ Jesus Cristo (2 Co 4.5). Conhecer o senhorio de Cristo é, também, ter
consciência do domínio total e absoluto do ―Senhor‖ sobre nossa pessoa. Cristo não
é somente o Senhor do mundo, o senhor da igreja: é também o meu Senhor.
Experimentado e reconhecido como Senhor da igreja é também Senhor de cada um
dos que a compõem.53
O destino ainda não da pessoa é relevante para a mensagem a ser
compartilhada missionalmente: sua morte, sua existência pós-mortal, sua
ressurreição individual, o juízo final com seu duplo desfecho, sua eternidade. E
também a escatologia individual que não se restringe ao futuro deste sujeito, mas
abrange o já, a inauguração do Reino e da salvação no presente. O querigma
proposto por Cullmann não fugirá desta transmissão. E tampouco fugirá do
recipiente universal-cósmico com o seu respectivo eschaton escatológico de
52
Enxerto retirado da explicação de Lutero do segundo artigo do Símbolo Apostólico. Disponível
em: <http://www.luteranos.com.br/textos/o-segundo-artigo-do-credo-apostolico>. Acesso em:
14/02/2018.
53
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.302, 425.
188
plenitude (ressurreição, novo céu e nova terra), que inclui perspectivas ecológicas,
políticas, culturais e históricas. Desse modo, o ser humano em seu(s) drama(s)
pessoal(ais) é respeitado e valorizado pela palavra missionária tanto quanto a
história e a criação das quais faz parte, mas que o transcendem.
Importante é que não permitamos que surjam rupturas entre estas perspectivas, de
forma que a escatologia cristã seja reduzida somente ao seu aspecto individual ou
universal. Trata-se de diferentes perspectivas de uma mesma realidade maior, pois
não é possível falar de uma destas perspectivas sem que a outra esteja, de alguma
forma, envolvida. Também não deveria ser assim que o cumprimento da esperança
individual conduza a um desprezo da esperança pela renovação de todo o cosmos
(cf. Fp 1.23) – o que é a tendência em determinados círculos hoje – ou vice-versa –
o que era a tendência do cristianismo primitivo, que praticamente focava sua
esperança, de início, quase que exclusivamente na parusia em detrimento do destino
do indivíduo. Por fim, importa compreender que estas perspectivas se entrecruzam
com as demais perspectivas da escatologia.54
5.1.4
Uma mensagem monergista e sinergista
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54
SCHWAMBACH, Escatologia como categoria sistemático-teológica, p.151. [Fazendo uso de
embasamento teórico de: ELERT, Werner. Der christliche Glaube: Grundlinien der lutherischen
Dogmatik. 6. ed. Erlangen: Martin-Luther-Verlag, 1988, p. 498.
189
55
Lucas 2,1-20.
56
João 19,30.
57
CULLMANN, Christ and Time, p.84.
190
ressaltou esta verdade com o advérbio ευαπαξ (de uma vez por todas).61
Com respeito ao sinergismo da mensagem missional, queremos apontar para
o aspecto sequencial do processo: a vida cristã com todas as suas dinâmicas e
oportunidades que se descortinam para a pessoa que recebe o testemunho. Uma
vez que se comunique a ação exclusiva de Deus no projeto salvífico cosmo-
antropológico e que, por obra do Espírito Santo, a pessoa tenha acolhido a
mensagem, esta pessoa pode ser convidada a explorar todas as possibilidades de
viver a vida eterna, a salvação, a realidade do Reino de Deus, no já, nas suas
múltiplas vocações e em compasso de mordomia dos dons que recebeu.
O monergismo fala do senhorio e da salvação de Deus. O sinergismo fala da
co-participação da comunidade neste reinado e da vivência e prática dessa
salvação no tempo presente. O sinergismo está no âmbito da verticalidade da
salvação e do Reino, relacionado com o serviço ao próximo. O monergismo
propicia o restabelecimento do elo vertical, perdido no evento da queda. Na
perspectiva monergista do querigma o testemunho é: Deus fez (e fazendo uso da
categoria luterana, o feito está conectado com a justificação). Na perspectiva
58
CULLMANN, Christ and Time, p.224.
59
João 3,16.
60
SCHWAMBACH, Escatologia como categoria sistemático-teológica, p.146.
61
Hebreus 10,10. Termo enfatizado por Cullmann em Christ and Time, p.119-130.
191
concepção sobre a chance de associação que a Trindade cede aos seus filhos,
aproveitando-se de tese de Leonardo Boff:
A missão de Deus tornou-se, na história, chamamento à decisão para dela fazer
parte. Deus não age sozinho, mas em comunidade, de forma plural, dinâmica,
mostrando-se de forma diferentes ao longo da história. Seria essa uma forma de
entender a Trindade divina: uma comunidade que trabalha junto movida pelo amor
entre si e para com o outro, a humanidade. Quem é chamado é incluído nessa
missio, por amor. Difícil é ignorar o chamado. Por caminhos às vezes
desconhecidos, estranhos mesmo, todas as pessoas são chamadas. E quando nos
negamos a participar da obra de Deus, parece que Deus se cala e o ser humano
triunfa em sua autocentralidade.64
62
RATZINGER, Escatología, p.72.
63
MIGUEZ BONINO, A fé em busca da eficácia, p.124s. Apud ZWETSCH, Missão como com-
paixão, p.138.
64
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.89; cf BOFF, Leonardo. A trindade e a sociedade. 3.
ed. Petrópolis: Vozes, 1987. Série II: O Deus que liberta seu povo. (Coleção Teologia e
Libertação, v.5).
192
atuar, produzir a qualidade de existência pessoal e coletiva que tem futuro, que
possui realidade e densidade escatológica, que concentra a verdadeira história?
Trata-se das questões das mediações históricas de nossa participação na construção
do reino.65
5.2
A tensão já e ainda não afeta a postura missional:
dimensão performática
5.2.1
Uma postura fiducial e kenótica
65
MIGUEZ BONINO, A fé em busca da eficácia, p.111s. Apud ZWETSCH, Missão como com-
paixão, p.119.
66
SCHWAMBACH, Escatologia como categoria sistemático-teológica, p.148.
193
vemos em nossa vida muito do que se assemelha mais ao velho que ao novo. Pois
causa disso, fica um sentido no qual esta novidade sempre é um objeto de fé. Mas a
fé no fato de que somos novas criaturas em Cristo é um aspecto essencial da nossa
fé cristã.67
A postura fiducial é uma presença de fé. Que se posiciona diante das
circunstâncias da vida, e também diante da própria tarefa testemunhal, com um
comportamento confiante, crendo no já realizado e no ainda não por consumar-se.
A Igreja e o missionário reconhecem, antes de tudo, a natureza decisiva para
o presente e para o futuro que o evento realizado por Cristo no passado
proporcionou. Trata-se de uma repercussão da tese da preponderância do já, que
Cullmann apregoou, abordada no capítulo terceiro. ―O que está por vir virá
porque o evento crucial ocorreu‖.68 A certeza da vitória, da libertação, que
objetivamente foram conquistadas na morte e ressurreição de Jesus chama os seus
seguidores a se postarem neste tempo de transição não apenas com esperança do
porvir, mas ―ancorados‖69 no transcorrido, pois ele impactou qualitativamente
todas as circunstâncias do ser humano e da criação. O missionário que testifica
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67
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.87.
68
CULLMANN, Salvation in History, p.174. “Has occurred‖, que melhor traduz o sentido
intencionado por Cullmann, do efeito de um acontecimento no passado que permanece vigente.
69
CULLMANN, Salvation in History, p.179.
70
CULLMANN, Salvation in History, p.180-181. Tradução nossa.
194
possam soar triunfalistas do tipo ―não sou o dono do mundo, mas sou o filho do
dono‖ ou ―tudo acontece por alguma razão, Deus está no controle da história‖. No
entanto, essa confiança também não precisa assumir atitude derrotista e cética,
mas pode se deixar extravasar no gozo, na atitude celebrativa diante da vida,
porque o grande problema da humanidade já foi resolvido, e está em vias de ser
extirpado. A alegria que nasce da fé, o gozo do Senhor, também é bem-vindo (e
faz diferença) na atividade missional. Num outro contexto, mas aplicável ao
nosso, disse Oswald de Andrade que ―a alegria é a prova dos nove‖.71
Leonardo Boff, mesmo oriundo de ênfases diferentes de Cullmann, também
interage com ele nesse ângulo da alegria da postura fiducial que estamos tentando
demonstrar:
Porque o essencial já se realizou, o cristão deveria ser alguém de extrema
jovialidade, bom humor e alegria cordial. O horizonte está desanuviado. Os
monstros que engoliam nosso futuro foram banidos. O fim-meta está garantido.
Podemos celebrar e festejar antecipadamente a vitória do sentido sobre o absurdo e
da graça sobre o pecado. Pessimismo, profetas de mau agouro, lamúrias, humor
negro, irritabilidade e fanatismo conservador, tão presentes em alguns setores da
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1613118/CA
71
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropófago. 1928. In: < http://zonacurva.com.br/o-
manifesto-antropofagico-de-oswald-de-andrade/> Acesso em 14/02/2018.
72
BOFF, Vida para além da morte, p.117,141.
195
73
Sobre os argumentos da confiança que se desdobra em alegria e da postura em saída na missão,
recomenda-se a abordagem do Papa Francisco em Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho:
Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual).
https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-
francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html>.
74
Filipenses 2,5-11.
196
que tem seu olhar voltado aos céus, ―onde se aguarda o Salvador‖,75 o ainda não
tensiona esta postura de gozo e fé, acordando e cultivando nos testemunhas do
Evangelho a atitude do esvaziar-se, submeter-se, diminuir-se. Se antes os olhos
estavam na cruz e na tumba vazia de Cristo, agora, eles devem voltar-se ao
próximo. Se antes a cabeça estava ereta, pois a obra de Cristo retira dele todo o
medo e o empodera a caminhar confiante, agora esta cabeça é chamada a se
inclinar e enxergar quem está na superfície, e enxergando, se abaixar, pegar uma
toalha e lavar-lhe os pés. Se antes, na perspectiva fiducial, o missionário é forte,
agora na kenosis, ele se faz vulnerável. Se antes ele era livre de tudo e de todos,
porque a fé em Cristo o libertava de quaisquer amarras, agora, que o amor é
ativado em si, ele se faz escravo de tudo e de todos.76 Os mensageiros do
evangelho absortos e inspirados na kenosis crística, reconhecem e não fogem do
drama da experiência cristã missional sob a cruz. Entendem que a missão será
realizada através do serviço, e em meio ao sofrimento e ao oculto.
Cullmann nos permite inferir esta tese através de duas vias principais.
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75
Filipenses 3,20.
76
Argumento baseado na tese da liberdade cristã de Martinho Lutero, de 1520. Em: LUTERO,
Martinho. Tratado da Liberdade Cristã. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas. Trad. Ilson
Kayser, Vol.2, São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre: Concórdia, 1989, p.435-460.
77
CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, p.75-112.
197
humano, para viver a nossa história e fazer algo por ela. Essa postura nos
interessa.
Alguns teólogos propiciam um profícuo diálogo com Cullmann neste
quesito e incrementam significativamente nossa tese de uma postura missional
kenótica. Eles nos ajudam a perceber as diferentes facetas que esta kenosis pode
apresentar. Aludimos a Míguez Bonino, sobre os dilemas que a proposta do amor
historicamente situado pode trazer quando este tesouro é oferecido ao mundo por
intermédio de vasos de barro:
[...] temos de admiti-lo: nossa ação é imperfeita em sua concepção, em seus meios,
em sua motivação. Dificilmente podemos fazer um bem sem deixar outro maior por
fazer ou sem provocar a outro. [...] Foi diante dessa tímida escrupulosidade que
Lutero escreveu a Melanchthon as palavras que tão seguidamente foram mal
interpretadas: Pecca fortiter – peca forte – e acrescentou: sed fortius crede – porém
confia ainda com mais força. Crer é atrever-se a entrar no reino ambíguo da ação,
conscientes dos erros e das falhas que vamos cometer, porém confiados no amor de
Deus. O cristão não entra na luta ética a fim de assegurar-se com sua ação da boa
vontade divina; ele o faz seguro dessa boa vontade a fim de servir da melhor forma
possível a seu próximo [...] A ambiguidade da ação moral não é óbice para quem
confia no amor de Deus. Essa é a fonte da liberdade da pessoa crente.78
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78
MIGUEZ BONINO, José. Ama y haz lo que quieras. Buenos Aires: América, 2000, p.115s.
Apud ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.116.
198
79
Frase atribuída a Daniel Thambyrajah Niles, pastor e teólogo metodista cingalês.
80
SUSIN, Assim na terra como no céu, p.78.
81
SCHWARZ, Hans. Escatologia. In: BRAATEN, Carl E.; JENSON, Robert W. (Ed.) Dogmática
cristã. São Leopoldo: Sinodal, 1995, p.561.
82
Argumento baseado na theologia crucis em Lutero, em distinção à theologie gloriae.
Resumidamente: ―No começo de 1518, na obra Controvérsia de Heidelberg, Lutero apresentou o
que se tornou um programa inteiro para uma abordagem da teologia. Ele propôs esse programa
colocando em oposição dois tipos de teologia: uma ―teologia da glória‖ e uma ―teologia da cruz‖.
Esses dois diferem em seu tema, pois um está preocupado primariamente com Deus em gloria,
enquanto que o outro vê Deus como oculto em sofrimento.‖ GONZALEZ, Justo L. Uma História
199
missionários com todas as suas dádivas e bênçãos, porém por causa da presença
dos elementos ainda não extintos neste tempo de intervalo, o mal e o pecado,
eventualmente existirão fracassos, decepções, frustrações, limitações. O fruto já
está maduro em Cristo, mas para os seus aprendizes e para seu corpo, ele ainda,
em certo sentido, continua verde. O comportamento kenótico abraça e convive
com o mistério, o incompreensível, o incontrolável, com a dúvida, em suma, com
a abscondidade de Deus, resistindo à tentação de oferecer respostas e soluções
rasas para temas e dores profundas, mas fazendo-se próximo, exposto e acessível
mesmo assim.
5.2.2.
Uma postura peregrina e encarnada
do Pensamento Cristão: Da Reforma Protestante ao Século 20. Vol. 3. São Paulo: Cultura Cristã.
2004. p. 38.
83
Esta foi nossa tese na monografia de conclusão do curso de Especialização em Teologia –
Habilitação ao Ministério Pastoral, no Seminário Concórdia da Igreja Evangélica Luterana do
Brasil, em 2004, quando propomos intencionalmente uma reversão de ênfase de um tradicional
canto cristão comum ao repertório musical luterano. O título da monografia foi: Não somos do
mundo mas estamos nele: reflexões em Paulo para uma postura de inserção. (Orientador: Gerson
Luís Linden).
200
exercitar, desenvolver, compartilhar a vida que sua nova identidade lhe gerou. O
eschaton parcial que lhe visitou e o conectou ao Eschatos, pelo pneuma, causou-
lhe atração pela totalidade de sua manifestação, pelo aperfeiçoamento dessa visita
e conexão e desapegou-lhe da velha configuração e dos velhos arranjos que o
tinham enclausurados. As estruturas antropológicas, sociológicas e cosmológicas
que lhe eram tão naturais e lógicas, caducaram. Agora, parecem-lhe impróprias,
soam-lhe esquisitas. Mesmo dentro de um quadro ainda não absolutizado, levado
à perfeição, onde se sofre as influências dos resquícios de um tempo e de uma
carcaça de morte, o novo, o Eterno convida a ser explorado, reivindica afinidade,
na proposta da dimensão peregrina. Sabe-se que a cidadania, o lar, o ninho, a
liberdade e a vida, não é mais isso que se tem, isso que ainda acossa. Não pode
ser. Há, lembrando o poeta Renato Russo, uma ―saudade que eu sinto de tudo o
que ainda não vi‖.87 O já trouxe um sinal do ainda não, e este ainda não é onde a
natureza regenerada suspeita que estará em casa. É onde ela se satisfaz. Não seria
84
CULLMANN, Salvation in History, p.177.
85
Efésios 2,6.
86
2 Coríntios 5,17.
87
RUSSO, Renato. “Índios”. Álbum discográfico Dois. Rio de Janeiro: EMI, Lado B, faixa 6,
1986. [Trecho de música].
201
Também Bosch verá a dualidade dessas posturas como uma tensão criativa:
Vivendo na tensão criativa de, ao mesmo tempo, ser chamada para fora do mundo e
ser enviada ao mundo, ela [a igreja] é desafiada a ser o jardim experimental de
Deus na terra, um fragmento do reinado de Deus, tendo ―as primícias do Espírito‖
(Romanos 8.23) como penhor do que há de vir. 89
Schwarz atenta para a alienação e para a cooptação que são evitadas, sempre
que as posturas peregrina e encarnacional são assumidas e mantidas pela Igreja e
pelos missionários: ―A escatologia cristã não abandona o mundo para ficar
ocupada apenas com o céu, mas, também não absolutiza as estruturas políticas,
religiosas e econômicas do presente e, nisso, é muito útil‖.90 Bonhoeffer, pastor,
teólogo e mártir, poderia personificar uma postura de inserção, mas será chamado
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88
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.87.
89
BOSCH, Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na teologia da missão. Tradução
Geraldo Korndorfer e Luis Marcos Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2002, p.29, 593, 605ss. Apud
ZWETSCH, Missão como com-paixão , p.356.
90
SCHWARZ, Escatologia, p. 560-561.
91
BONHOEFFER, Dietrich. Letters and Papers from Prison. London: SCM, 1971, p.382.
92
STEUERNAGEL, Valdir. Introdução. In: STEUERNAGEL, Valdir (Org.) A missão da igreja:
uma visão panorâmica sobre os desafios e propostas de missão para a igreja do terceiro milênio.
Belo Horizonte: Missão, 1994, p.12s.
203
Mas para ser ouvida e encontrar credibilidade, ela precisará apresentar razoes,
argumentos e visões que tenham plausibilidade. Ela necessitará oferecer um
discurso que, da forma mais clara possível, demonstre uma fé que caminha com os
pés no chão de uma história plena de realizações as mais grandiosas, que ao mesmo
tempo marcada por tragédias e um nível de sofrimento humano difícil de
mensurar.93
N.T. Wright, também oferecerá sua posição sobre esta questão, como é de
costume em sua teologia, fazendo uso da moldura anastasiana e mostrando como
a Páscoa demanda uma postura encarnada:
A mensagem da ressurreição é: este mundo importa! As injustiças e dores do
mundo atual devem ser agora abordadas com a notícia de que a cura, a justiça e o
amor venceram. Se a Páscoa significa que Jesus só ressuscitou no sentido espiritual,
trata-se apenas de mim e de buscar uma nova dimensão em minha vida espiritual.
Mas se Jesus Cristo realmente ressuscitou dos mortos, o Cristianismo se torna a boa
nova para o mundo inteiro - uma boa nova que aquece os nossos corações
precisamente porque não diz respeito tão somente a aquecer corações. A Páscoa
significa que em um mundo onde a injustiça, a violência e a degradação são
endêmicas. Deus não está preparado para tolerar tais coisas, e que lutaremos e
planejaremos, com toda a energia de Deus, para implantar a vitória de Jesus sobre
isso tudo. Suprima a Páscoa e provavelmente Karl Marx estará certo ao acusar o
Cristianismo de ignorar os problemas do mundo material. Suprima a Páscoa, e
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93
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.52.
94
WRIGHT, N.T. For all God’s worth: true worship and the calling of the church. Grand Rapids:
Eerdmans, 1977, p.65-66.
95
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.45.
204
96
LEWIS, C.S. Cristianismo Puro e Simples. Tradução Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão
Cipolia. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.52,54.
97
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.22.
98
SUSIN, Assim na Terra como no Céu, p.29.
205
5.2.3
Uma postura expectante e militante
99
BOFF, Vida para Além da Morte, p.117-118.
206
presença não nervosa, não pessimista, não estressada em relação ao ainda não que
nos foi prometido. Cullmann não tratou do atraso da parusia como um calcanhar
de Aquiles, mas como uma oportunidade para que o cristão exerça esse fruto do
Espírito. ―Fiel é o que promete‖, e essa fidelidade pode ser examinada ao longo da
história e observada dependurada num madeiro romano na colina da Caveira.
Cullmann está convencido: o cristão tem todas as razões para externar uma
postura expectante.
Também aprendemos do professor da Basileia sobre a perspectiva da
militância. A palavra que escolhemos, parece hoje em dia denotar algum tipo de
associação com movimentos de cunho sócio-político, mas ela se presta, a rigor, a
uma variedade de significados teológicos. Nas dogmáticas luteranas, o termo é
usado de forma ampla, referindo-se aos distintos desafios que a Igreja enfrenta
enquanto aguarda a parusia, onde deixará de ser uma comunidade militante e
passará a ser uma congregação triunfante. Cullmann era, provavelmente,
conhecedor desse conceito.
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100
Para uma compreensão desse conceito em Lutero, indicamos as seguintes fontes: PFEIFFER,
Andrew. K. The place of Tentatio in the Formation of Church Servants. Lutheran Theological
Journal. Adelaide, v.30, Dez.1996, p.111-119; JI, Won Young. Significance of Tentatio in
Luther‘s Spirituality. Concordia Journal. Saint Louis, v.15, Apr.1989, p.181-188; KLEINIG, John
W. Como se forma um teólogo: Oratio, Meditatio, Tentatio. Igreja Luterana. São Leopoldo, v.61,
p.5-19, jun. 2002.
207
assim, sua teologia poderia resultar insuficiente para impactar essa discussão.
Cullmann poderia ser criticado e ter sua proposta militante considerada tímida.
Ele não articulou como Tillich, por exemplo, uma defesa de um princípio
protestante101. Mas cremos que tampouco foi isento. Não entraremos nesse debate.
Nesta dissertação nos estamos limitando a afirmar a viabilidade da ideia em sua
teologia, sem avaliar todas as questões que poderiam ser levantadas. Basta-nos à
conclusão de que há em Cullmann suficientes indícios para afirmar a postura
militante.
Voltando ao nosso ensejo inicial, o ajuste de atitudes que torna a postura
missional curiosa, e quem sabe instigante, é justamente o aspecto descansado da
expectação e insatisfeito da militância. Cullmann não é o único em confessá-los.
John Stott, um teólogo e bispo anglicano inglês que influenciou
consideravelmente o pensamento pastoral protestante na segunda metade do
século XX, discorre sobre esta postura expectante e militante com as seguintes
palavras:
Enquanto isso, [neste tempo entre o já e ainda não] precisamos aguardar, não só
"com ardente expectativa" mas também "com paciência". Como escreveu John
Murray: tentativas de reclamar para a vida presente elementos que pertencem à
101
VER TILLICH, Paul. A Era Protestante. Tradução Jaci Maraschin. São Paulo: Ciência da
Religião, 1992.
208
perfeição consumada são apenas sintomas dessa impaciência que iria interromper a
ordem divina. Expectativa e esperança não devem cruzar as fronteiras da história;
elas têm que esperar o fim, ―a liberdade da glória dos filhos de Deus‖. [...] Ao
mesmo tempo [que a nova era foi inaugurada por Jesus], a velha era continua. E
assim as duas se sobrepõem. "As trevas se vão dissipando e a verdadeira luz já
brilha." "Lado a lado... com a continuação desse esquema mais velho pode-se notar
o irromper de um novo sistema, que implica numa coexistência dos dois mundos ou
estados. Um dia a velha era chegará ao fim (que será o "fim dos tempos", a
"consumação dos séculos"), e a nova era, que foi inaugurada pela primeira vinda de
Cristo, se consumará em sua segunda vinda. Entrementes, enquanto as duas eras
continuam e nós nos vemos envolvidos na tensão entre elas, somos exortados a
"não nos conformarmos com este mundo", mas, pelo contrário, "transformar-nos"
segundo a vontade de Deus, ou melhor, a vivermos coerentemente como filhos da
luz.102
perguntar a cristãos [...] qual é sua esperança e seu objetivo, sua resposta
provavelmente será: ―Morrer e ir para o céu‖. Em outras palavras, ―entrar no estado
intermediário, a condição da presença da alma com Cristo quando o corpo morre.‖
Uma ênfase bíblica menor, sobre a qual pouco sabemos e a respeito da qual a Bíblia
dá pouca atenção suplantou a volta de Cristo como conteúdo da esperança cristã.
Entregamos a segunda vinda de Cristo para os ―calculadores‖, para os
dispensacionalistas. Digo que devemos tomá-la de volta. Não é suficiente negar o
ensino falso e especulações perigosas a respeito do último dia e do retorno de
Cristo – apesar de que temos de fazer isto também. Precisamos reaver para nós
próprios o poder e a alegria que brotam do entendimento verdadeiro e bíblico da
consumação da era.103
Gibbs fará uso do mesmo texto bíblico citado por Stott, advogando por um
detalhe de tradução que faz substancial diferença na forma como se espera.
Da maneira mais simples, diria desta forma. Os autores do Novo Testamento
pensaram, viveram e escreveram escatologicamente, com sua esperança voltada de
maneira completa, firme e intensa para a segunda vinda do Senhor Jesus Cristo.
Nossos corações e mentes, no entanto, não estão orientados desta forma, apesar de
que a nossa tradição, os Credos e a Bíblia nos ensinem de outra forma. Eles
viveram escatologicamente. Nós, em termos práticos, não o fazemos. Mas
deveríamos viver assim. Estou sugerindo que deveríamos aplicar Rm 12.2 (com a
devida tradução): ―Não vos conformeis com esta era – não é ‗mundo‘, mas ‗era‘! -
mas sede transformados pela renovação da vossa mente.‖104 Se quisermos crer e
102
STOTT, John. Ouça o Espírito, ouça o mundo. 2. ed. Tradução Silêda Silva Steuernagel. São
Paulo: ABU, 2005, p 164.
103
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p. 315.
104
Nota de rodapé no artigo de Gibbs: A tradução inglesa de τῷ αἰῶνι τούτῳ como ―este mundo‖
[assim traduz a New International Version, por exemplo] não deveria ser preferida, pois obscurece
o significado temporal, escatológico. Como Joseph A. Fitzmeyer (The Anchor Bible: Romans: A
New Translation with Introduction and Commentary, New York: Doubleday, 1992, 640-641)
209
comenta, ―Paulo alude à distinção judaica entre ‗este mundo/época/era‘ e o ‗mundo/época/era por
vir‘, uma distinção que foi adotada pela igreja antiga e recebeu uma nuance cristã. Para Paulo, o
‗mundo/época/era por vir‘ já iniciou; as ‗eras‘ se encontraram no início da dispensação cristã (1 Co
10.11). Ver também C. E. B. Cranfield, A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle to
the Romans, vol. 2 (Edinburgh: T. & T. Clark, 1979), 608.
105
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.310.
106
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.321.
107
WRIGHT, Surpreendidos pela Esperança, p.44-45.
108
MOLTMANN, Teologia da Esperança, p.36.
109
MOLTMANN, Teologia da Esperança, p.37.
110
MOLTMANN, Teologia da Esperança, p.36.
210
Quem espera em Cristo não pode mais se contentar com a realidade dada, mas
começa a sofrer devido a ela, começa a contradizê-la. Paz com Deus significa
inimizade com o mundo, pois o aguilhão do futuro prometido arde
implacavelmente na carne de todo o presente não realizado.111
A palavra de Molttmann é expressiva para o fechamento desta subdivisão.
Ela harmoniza com a ideia de uma ―comunidade alternativa e contestadora, num
mundo sem coração cujos ídolos apontam exclusivamente para os símbolos do
sucesso, da magia das luzes‖.112 Ela ataca a omissão e convoca a igreja missional
a ser uma igreja sem regalias, para poder preservar sua capacidade profética e
assim coerentemente realizar a tarefa missional. Concordamos com o peso que
Moltmann (e tantos outros) dá a este ângulo da equação, no entanto fazemos a
ressalva, que o outro lado da tensão também carece ser salvaguardado.
5.2.4
Uma postura cultual e cultural
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111
MOLTMANN, Teologia da Esperança, p.36-37.
112
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.356.
211
113
VEITH JR. Gene Edward. Espiritualidade da Cruz: O caminho dos primeiros evangélicos.
Tradução Paulo S. Albrecht. Porto Alegre: Concórdia, 2014, p.112-113. O autor comenta que a
concepção que tem do culto cristão foi aprendida do teólogo australiano John Kleinig.
114
WRIGHT, Surpreendidos pela graça, p.277-278.
213
115
WRIGHT, Surpreendidos pela graça, p.286-287.
116
WRIGHT, Surpreendidos pela graça, p.290-294.
117
WRIGHT, Surpreendidos pela graça, p.294-297.
118
WRIGHT, Surpreendidos pela graça, p.287-288.
214
119
Exemplos destas investigações: CARTER, Craig A. Rethinking Christ and Culture: A Post-
Christendom Perspective. Grand Rapids: Baker, 2007; CARSON, Douglas A. Cristo e Cultura:
Uma releitura. São Paulo: Vida Nova, 2012; SMITH, James K.A. Desiring the Kingdom: Worship,
Worldview, and Cultural Formation. Grand Rapids: Baker, 2009; KELLER, Timothy. Igreja
Centrada. São Paulo: Vida Nova, 2014.
120
HOEKEMA, A Bíblia e o Futuro, p.89.
215
121
NIEBURH, H. Richard. Cristo e Cultura. Tradução Jovelino Pereira Ramos. Série encontro e
diálogos, v. 3. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1967. Passim.
122
CULLMANN, Christ and Time, p.228-230.
216
pertencente ao nosso tempo, como algo que faz parte da vontade de Deus, e mais
negativamente, na medida em que nós sabemos que ela está condenada a
desaparecer, e que o Reino vindouro está já irrompendo. Nossa compreensão,
informada pela história da salvação, deve prevenir-nos de tirar duas falsas
inferências do fato de que Deus ainda deseja que esta estrutura exista. Por um lado,
nós não devemos nos permitir ser orientados a derivar nossas normas desta
estrutura ao invés da linha estreita da salvação, porque estas normas são
tencionadas tão somente para a estrutura. Por outro lado, conhecendo sobre o
―ainda não‖, e até mesmo conhecendo sobre como o pecado humano está incluído
no plano de salvação de Deus, que este pecado não seja em caso algum pretexto
para compromissos éticos. Pelo contrário, nossos atos devem ser inspirados pelo
―já‖ do final antecipado em Cristo.124
Deduzimos da posição de Cullmann alguns pontos: primeiro, ele não
trabalha exatamente com as mesmas categorias de Nierbuhr. Segundo, caso sua
visão pudesse ser percebida nos modelos de Nierburh, estaria mais inclinada para
a opção que fala da cultura em paradoxo com Cristo, ou com a sua história da
salvação. Nesse caso, Cullmann estaria posicionando-se em conformidade com a
teologia clássica de sua tradição luterana.125 Terceiro, seu entendimento combina
123
CULLMANN, Salvation in History, p.336.
124
CULLMANN, Salvation in History, p.337-338.
125
A perspectiva luterana de envolvimento com a cultura envolve a articulação particular de duas
teologias muito estimadas para esta tradição: a teologia das vocações, a qual confere significado de
sacralidade para o trabalho e para todas as outras atividades diversas as quais o cristão é chamado
a se dedicar na sua vida diária, e a teologia dos dois reinos, a qual reconhece a governança de Deus
tanto sobre a cultura como sobre a Igreja, mas de formas diferentes, e propõe um posicionamento
intermediário que recusa tanto o extremo do afastamento da cultura, como o extremo do controle
217
alguns vieses mais facilmente aceitos com outros mais disputados na reflexão
teológica. Por exemplo: quando Cullmann fala da cultura como um elemento
pertencente, de certo modo, à esfera da ingerência de Deus, e não como um
elemento diabólico e perverso, em si (como parece sugerir o modelo ―Cristo
contra a Cultura‖, de Niebuhr), Cullmann começa sua ponderação cultural ao lado
da grande maioria dos teólogos. Ainda que possam ser encontradas praxes
missionais que traduzem o pensamento da cultura como intrinsecamente inimiga e
nociva ao Cristianismo, que desembocam numa postura ascética ou belicosa, estas
noções estão sendo cada vez menos estimuladas pela teologia. No outro extremo,
quando Cullmann continua dizendo que a cultura coabita em paralelo com a fé
cristã dentro da história de salvação, pertencendo a outro âmbito (não maligna,
tampouco messiânica), não sendo as duas nem idênticas, nem sendo a cultura
outro veículo de redenção (como parece sugerir o modelo ―Cristo da Cultura‖),
Cullmann também continua sua caminhada acompanhado da grande maioria dos
teólogos. É cada vez mais rara, pelo menos dentro da pesquisa séria, a concepção
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127
WRIGHT, Surpreendidos pela graça, p.223.
128
WRIGHT, Surpreendidos pela graça, p.221-222.
219
5.3
A missão para um ainda não, no já e a missão do já, com um ainda
não.
que ele pode fazer. Acham que não aspirar à perfeição agora é uma humilhação
para Jesus. Seu otimismo, porém, pode facilmente virar arrogância e acabar em
desilusão. Além de ignorar o "ainda não" do Novo Testamento, eles esquecem que
a perfeição aguarda a parusia.129
diante do mal. Eles esquecem o "já" daquilo que Cristo fez através de sua morte,
ressurreição e dádiva do espírito, e também o que nós podemos fazer em nossas
vidas, e na igreja e sociedade, como resultado disso.130
E finalmente, Stott tenciona apresentar um comportamento mais condizente
com o cristão que assimila e aplica a tensão já e ainda não em sua vida. Aspectos
importantes ficam alheios, mas o profile sintetiza com propriedades algumas
características que julgamos genuínas:
Em terceiro lugar vêm os cristãos do "já-e-ainda-não". São os realistas bíblicos.
Eles tentam dar o mesmo peso às duas vindas de Jesus, àquilo que ele fez e ao que
ele irá fazer. Regozijam-se no primeiro e aguardam ansiosamente pelo último.
Querem ao mesmo tempo glorificar a Cristo e humilharem-se como pecadores. Por
um lado, eles têm grande confiança no "já", naquilo que Deus disse e realizou
através de Cristo, e um grande desejo de explorar e experimentar ao máximo as
riquezas da pessoa e obra de Cristo. Por outro lado, revelam uma humildade
genuína diante do "ainda não", humildade para confessar que ainda existe muita
ignorância e pecaminosidade, muita fragilidade física, infidelidade eclesiástica e
degeneração social — que, aliás, continuarão existindo, como sinais de um mundo
caído e "meio salvo", até que Cristo, em sua segunda vinda, venha aperfeiçoar
aquilo que começou na sua primeira vinda. É esta combinação entre o "já" e o
"ainda não", o reino inaugurado e o reino consumado, a confiança cristã e a
humildade cristã, que caracteriza o verdadeiro evangelicalismo [...] tão necessário
nos dias de hoje. As grandes proclamações acerca de Cristo sintetizam a nossa
posição como "cristãos contemporâneos": Cristo morreu! Cristo ressuscitou! Cristo
voltará! Sua morte e ressurreição fazem parte do "já" do passado, ao passo que sua
gloriosa parusia pertence ao "ainda não" do futuro. Seu triunfo supremo, no
129
STOTT, Ouça o Espírito, ouça o mundo, p.175.
130
STOTT, Ouça o Espírito, ouça o mundo, p.175.
221
entanto, é certo. Com efeito, "a esperança da vitória final", escreve Oscar
Cullmann, "torna-se ainda mais vívida diante da convicção firme e inabalável de
que a batalha que decide a vitória já se realizou."131
Como dissemos, Stott não menciona todos os aspectos possíveis em sua
personificação dos extremos. Mesmo o perfil traçado que deveria fazer justiça à
tensão escatológica está incompleto de conteúdos. Sua leitura da realidade, fruto
de pesquisa e labor pastoral, podem até soar simplistas em algumas passagens,
porém, mostra um pouco da realidade que está latente nas comunidades
missionais. Não são poucos os dados levantados por Stott que tipificam a
realidade paroquial do cristianismo. É plenamente possível identificar pontos de
contato com as diversas distorções que hoje percebemos nos cristãos, distorções e
exageros causados por má teologia, que por muito tempo alimentou o púlpito, o
cancioneiro, a piedade, a pastoral. Vimos em nosso repasso histórico um pouco da
teologia capenga que foi produzida ao longo da trajetória cristã. Só não havíamos
conferido o seu estrago. Stott tentou fazê-lo. Com ressalvas, acolhemos sua
manifestação.
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131
STOTT, Ouça o Espírito, ouça o mundo, p.176.
222
plenamente santificado, seu reino está vindo completamente e sua vontade está
sendo feita através de toda a criação? Não, ainda não.132
Também entendemos que a interpretação de Gibbs pode ser recebida com
condicionantes, ainda assim, chamamos à atenção para sua tese de se validar a
tensão, e ser sensível (ouvir) aos seus gemidos e promessas. Particularmente
destaco sua consideração: ―Jesus Cristo já veio. Ele [...] já alcançou a vitória, já
perdoou os nossos pecados. Não é isto o suficiente? Se temos fé, precisamos de
esperança? Sim, é suficiente, mas não é tudo‖. Entendo esse ser o ponto
nevrálgico em Cullmann: a centralidade da obra de Cristo já foi suficiente, mas
como ainda não se concretizou em plenitude, a fé nesta obra não é tudo, lhe
acompanham a esperança, e, também o amor, lembrando 1 Coríntios 13. Piazza
chama a atenção para o fato de a esperança ser citada no texto paulino como fator
intermediário, medial na relação entre as três virtudes:
É uma esperança cristocêntrica e teocêntrica, cujo ponto focal não é, em primeiro
lugar, a felicidade de cada indivíduo, mas a universal glória de Deus, que será
―tudo em todos‖ (1 Cor 15,28). Ao mesmo tempo, sua importância fica ainda mais
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132
GIBBS, Regaining Biblical Hope, p.311-312.
133
PIAZZA, A esperança, p.90-91.
134
Apocalipse 3,11.
223
135
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.374.
136
1 Coríntios 2,9.
137
2 Coríntios 6,2
138
Romanos 7,24.
139
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.374.
140
Marcos 9,24.
141
João 10,10.
224
142
João 14,12.
143
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.374.
144
Mateus 25,34.
145
Apocalipse 19.
146
ZWETSCH, Missão como com-paixão, p.374.
225
5.4.
Síntese Conclusiva
Hoje, ainda vivemos tempos de efervescência, mas não podemos nos dar ao luxo
de parar de nos deixar envolver com as perguntas do nosso tempo. E elas são
inquietantes. Há uma espécie de ressaca na cultura. Como não cair em discursos
reducionistas, mas seguir esperando e anunciando esperança para o aquém e para
o além é um permanente desafio à nossa frente.
Em terceiro lugar, o já e ainda não se comprovou polivalente. Vimos como
ele foi enunciado, de certa forma, antes de Cullmann, e principalmente depois
dele. Cremos que ficou suficientemente comprovada a tese de que esse axioma
não é um clássico na teologia nos dias de hoje, porque soa bem ou é simpático.
Antes, são as tantas e tão pesadas validações na teologia que apontam o indício de
que o caminho de se expressar a esperança cristã e enxergar o Reino de Deus
passa pela afirmação e desenvolvimento desta tensão.
E por último, para nossa maior grato regozijo, esse já e ainda não basileico,
como interpretado na teologia de Cullmann, se apresenta como originalmente
missional. Nossa chave de leitura foi posta para exercitar sua capacidade de
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http://zonacurva.com.br/o-manifesto-antropofagico-de-oswald-de-andrade/>.
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