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JOÃO PAULO THOMAZ DE AQUINO

UNIÃO COM CRISTO EM CALVINO

Monografia apresentada ao Centro Presbiteriano de


Pós Graduação Andrew Jumper, em cumprimento às
exigências da matéria de Introdução à Teologia de
João Calvino, ministrada pelo Prof. Rev. João Alves
dos Santos.

SÃO PAULO

2004

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Somente quando a alma se une a Cristo


pela fé começamos a cumprir os objetivos
da vida

(Ashbel Green Simonton, Diário de Simonton, Casa


Editora Presbiteriana, 1982, São Paulo, trad. D.R de
Moraes Barros)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO __________________________________________________ 04

1 – DEFINIÇÃO DE UNIÃO MÍSTICA ________________________________ 06

1.1 – Nomes e Figuras da Doutrina da União com Cristo ____________ 07

1.2 – A Economia da Trindade na União Mística __________________ 11

1.3 – Conclusão do Capítulo __________________________________ 14

2 – A UNIÃO MÍSTICA NA ORDO SALUTIS CALVINISTA ________________ 15

2.1 – A Fé e a União com Cristo _______________________________ 15

2.2 – O Arrependimento e a União com Cristo ____________________ 17

2.3 – A Santificação e a união com Cristo ________________________ 19

2.4 – A Justificação e a União com Cristo ________________________ 21

2.5 – Conclusão do Capítulo __________________________________ 24

CONCLUSÃO FINAL _____________________________________________ 25

REFERÊNCIAS _________________________________________________ 27

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INTRODUÇÃO

Os estudos em Calvino têm sido enriquecidos nos últimos anos com uma

atenção especial que os scholars têm devotado ao tema União com Cristo em

Calvino. Fazendo um rápido histórico, as publicações mais relevantes e recentes são

o artigo de Charles Partee, “Calvin’s Central Dogma Again” (1987); alguns anos mais

tarde o ótimo livro do estudioso franciscano Dennis Tamburello1, “Union With Christ:

John Calvin and the Mysticism of St. Bernard” (1994); Ronald Wallace em “Calvin’s

Doctrine of The Christian Life” (1997) e no ano seguinte o artigo de John Hesselink,

“Calvin, the Holy Spirit, and Mystical Union”. Ainda mais novas são as publicações

de Kevin Dixon Kennedy, “Union with Christ and the Extent of the Atonement in

Calvin” (2002) e de Craig B. Carpenter, no WTS Journal “A Question of Union with

Christ? Calvin and Trent on Justification”.

No entanto, o principal motivo que nos leva a reconhecer a necessidade de

darmos atenção a esta doutrina não é tanto a quantidade de estudos, mas as

propostas que têm sido feitas por estes estudiosos quanto à proeminência desta

doutrina em Calvino: Karl Barth escreveu em sua Dogmática que a doutrina da União

com Cristo “tem um significado abrangente e básico para Calvino, na verdade, nós

quase podemos chamá-la de sua concepção da essência do cristianismo” (BARTH,

Karl. 1957, II.1.149). Charles Partee, concordando com Barth e dando um passo à

frente, diz que a “união com Cristo pode ser proveitosamente tomada como a

afirmação central [das Institutas]” (PARTEE, Charles. 1987, p. 193). Tamburello

concorda com Kolfhaus, quando este diz que o enxerto em Cristo provê uma coesão

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interna indissolúvel no conceito calvinista de salvação. (cf. TAMBURELLO, Dennis.

1994).

O presente artigo visa trazer uma pequena contribuição à efervescente

Academia Teológica brasileira, trazendo aos estudiosos alguns conceitos e

discussões atuais sobre este relevante assunto. Definindo o escopo, devemos dizer

que é possível estudar União com Cristo em Calvino a partir da união da natureza

divina com a humana em Jesus Cristo2, enveredando pela união individual de cada

crente com Cristo3, culminando na doutrina da união com Cristo aplicada à Igreja,

com ênfase especial nos sacramentos4. Uma obra como essa exigiria maior

habilidade do escritor, bem como tempo e número de páginas maiores aos que ora

estamos limitados, portanto, limitaremos este artigo à definição calvinista da doutrina

da União com Cristo e seu lugar e inter-relações na ordo salutis calvinia.

1
Agradeço a preciosa ajuda do Prof. Fr. Dennis Tamburello que, solicitado, prontamente enviou-me
uma cópia eletrônica do quinto capítulo de seu livro Union With Christ: John Calvin and the Mysticism
of St. Bernard.
2
Institutas, livro II, capítulos 12 a 14.
3
Institutas, livro II.
4
Institutas, livro IV.

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1 – DEFINIÇÃO DE UNIÃO MÍSTICA

A doutrina da nossa União com Cristo é um assunto que permeia os livros

dois, três e quatro das Institutas, mas encontra-se principalmente no livro três: o

segundo livro começa falando da Queda e de suas conseqüências e segue

demonstrando que somente em Cristo há redenção para o homem, para isso, Cristo,

sendo Deus teve fazer-se homem, e pela sua obra, conquistou a graça de Deus para

a raça humana. É com o primeiro objetivo de responder como os benefícios

conquistados pela obra de Cristo são aplicados aos homens que vem o terceiro livro,

e a resposta deste livro é: através da União com Cristo efetuada pelo Espírito Santo.

Seguem-se, ainda no livro três, os frutos e efeitos desta graça aplicada. O quarto

livro mostra como vive a comunidade daqueles que tiveram a aplicação da graça de

Deus em suas vidas.5 Estabelecida a lógica da localização da União Mística no

terceiro livro das Institutas, veja-se como Calvino adentra ao assunto:

Antes de tudo o mais, devemos notar que enquanto Cristo está distante de nós e nós

permanecemos afastados dele, tudo que padeceu e fez pela redenção da linhagem

humana não nos serve de nada, nem nos aproveita o mais mínimo. Por tanto, para que

possa comunicar-nos os bens que recebeu do Pai, é preciso que Ele se faça nosso e

habite em nós. Por esta razão é chamado “nossa Cabeça” e “primogênito entre muitos

irmãos”; e de nós se afirma que somos “enxertados nele” (Rm 8.29; 11.17; Gl 3.27);

porque, segundo temos dito, nenhuma das coisas que possui nos pertence, nem têm

nada a ver conosco, enquanto não somos feitos uma só coisa com ele. (CALVIN, John.

1998, Institutes III.1.1)

5
Veja a organização proposta por Gaspar Olevian em seu Method and Arrangement, or Subject of the
Whole Work in Calvin, John. Institutes of the Christian Religion, 1800, Trad.. Henry Beveridge.

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A União com Cristo é a aplicação subjetiva da objetiva obra de Cristo. Para

Calvino, de certa forma, Jesus veio a este mundo com o objetivo de unir-nos a si,

prova disso é a sua interpretação do vigésimo terceiro verso do Novo Testamento,

que diz que o nome Emmanuel, Deus Conosco, significa muito mais do que a

presença da assistência e graça de Deus em nosso favor, mas sim que “fora de

Cristo estamos alienados dele [Deus] mas, através de Cristo nós, não somente

recebemos o seu favor, mas também somos feitos um com ele”. E termina dizendo

que na encarnação: “[...] Deus estava dando-se a si mesmo para nós, para ser

apreciado em Cristo”. (CALVIN, John. 1997, p. 107-109, Mateus 1.23).

1.1 – Nomes e Figuras da Doutrina da União com Cristo

A verdade é que, apesar do título deste presente capítulo, não há em Calvino

uma definição proposicional desta doutrina, o que se encontra são diferentes nomes

e figuras ilustrativas. Tamburello diz que “Ao menos por umas sete vezes nas

Institutas, Calvino usa a palavra arcanus ou incomprehensibilis para descrever a

união com Cristo” (TAMBURELLO, Dennis. 1994, p. 163). Outros nomes propostos

por Calvino:

O objetivo destas palavras é, mostrar que não podemos, por insolente especulação,

conhecer o que é a sagrada e mística união entre ele e nós e, novamente, entre ele e o

Pai; mas o único caminho de conhecê-la é tendo ele derramado sua vida em nós pela

secreta eficácia do Espírito, e este é o teste da fé, que mencionei anteriormente. (Calvin,

John. 1998, p. 490, João 14.20, grifo nosso) 6

6
João 14.20 Naquele dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós.

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Desde que, de qualquer forma, este mistério da união secreta de Cristo com o devoto é,

por natureza, incompreensível, ele mostra sua figura e imagem em símbolos visíveis

[santa ceia] melhores adaptados à nossa pequena capacidade. (Calvin, John. 1998,

Institutes IV.17.1, grifo nosso)

Além de União Sagrada e Mística, Mistério e União Secreta, alguns outros

nomes que Calvino dá a esta doutrina são: Comunhão com Cristo7, União

Espiritual8, União com Deus9, União com Cristo10 e Comunhão com Deus11, todos

eles, relacionados com alguma das pessoas da Trindade, o que faz evidente a

participação de cada pessoa divina na obra desta União, assunto que abordaremos

mais à frente.

Quanto às figuras utilizadas por Calvino para ilustrar a União com Cristo,

parece que a figura mais apreciada pelo reformador genebrino é aquela extraída da

agricultura:

O significado geral desta comparação é que nós somos, por natureza, estéreis e secos,

exceto na medida em que temos sido enxertados em Cristo, e recebemos dele um poder

que é novo e que não procede de nós mesmos [...] Eu estou mais disposto a pensar que

Cristo compara a si mesmo a um campo plantado com vinhas, e nos compara às

próprias plantas. (Calvin, John. 1998, p. 503, João 15.1)

Ao dizer que fora crucificado com Cristo, ele está explicando como nós, que estamos

mortos para a lei, vivemos para Deus. Enxertados na morte de Cristo, extraímos uma

energia secreta dela, como brotos [extraem vida] das raízes. [...] Lembremo-nos, porém,

7
Calvin, John. 1998, Institutes III.1.1
8
Calvin, John. 1998, Institutes II.12.7
9
Calvin, John. 1998, Institutes III.6.2
10
Calvin, John. 1998, Institutes III.11.10

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que somos libertados do jugo da lei somente quando somos feitos um com Cristo, como

brotos extraem das raízes suas seiva somente pelo desenvolvimento de uma só

natureza. (Calvino, João. 1998, p. 75, Gálatas 2.19)

Conseqüentemente, nós não o contemplamos fora de nós, à distância, a fim de que sua

justiça possa ser imputada a nós, mas porque nós nos vestimos de Cristo e somos

enxertados em seu corpo, em resumo, porque ele concede fazer-nos um com ele.

(Calvin, John. 1998, Institutas III.11.10)

Seng-Kong Tan, em seu bom artigo “Calvin´s Doctrine of Our Union With

Christ” (2003) diz que duas são as principais metáforas utilizadas por Calvino:

vestidos de Cristo, enfocando a justificação e, enxertados em Cristo, dando ênfase

na santidade como conseqüência da União com Cristo. A base desta ultima, vemos

no comentário de Calvino à epístola aos Gálatas:

“Ele emprega a metáfora de uma vestimenta, quando diz que os gálatas se revestiram de

Cristo. Sua intenção, porém, é que eles foram unidos a Cristo de maneira tal que, aos

olhos de Deus, levavam o nome e a pessoa de Cristo, e eram vistos nele antes que

fossem vistos em si próprios Tal metáfora ou similitude de vestimentas ocorre amiúde, e

já foi discutida por nós em outro passo”. (Calvino, João. 1998, p. 114, Gálatas 3.27)

Outra figura bastante citada por Calvino sobre a união com Cristo é a do

casamento, aliás, é quando comenta o trecho de Efésios 5.28-33 que Calvino nos dá

uma das melhores e mais diretas exposições sobre este assunto:

Eis aqui uma extraordinária passagem sobre a comunhão mística que temos com Cristo.

O apóstolo diz que somos membros dele, de sua carne e de seus ossos. Antes de tudo,

11
Calvino, João. 1999, p. 566, Institutas I.13.14

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não há aqui nenhum exagero, senão que é a pura verdade. Em segundo lugar, ele não

diz simplesmente que Cristo participou de nossa natureza, senão que quer expressar

algo mais profundo e enfatikoteron. Ele faz referência às palavras de Moisés em Gênesis

2.24. Então, qual é o sentido? Como Eva foi formada da substância de seu esposo,

Adão, e tornou-se, assim, parte dele, então, se somos os legítimos membros de Cristo,

crescemos em um só Corpo pela comunicação de sua substância. [...] Tal é a união

entre nós e Cristo, que em certo sentido ele se despeja em nós. Pois somos ossos de

seus ossos e carne de sua carne, não porque, como nós, ele seja homem, mas porque,

pelo poder de seu Espírito, ele nos enxerta em seu Corpo, para que dele derivemos

nossa vida. Eis um grande mistério. O apóstolo conclui com o milagre da união espiritual

entre Cristo e a Igreja. Pois ele exclama que esse é um grande mistério. Pelo quê ele

deixa implícito que nenhuma linguagem pode fazer-lhe justiça. (CALVINO, João. 1998, p.

173-175, Efésios 5.29-32).

Também nas Institutas há referência à figura do casamento aplicada à União

com Cristo:

A este mesmo propósito tende este sagrado matrimônio; por ele que somos feitos carne

de sua carne e osso dos seus ossos, e até uma mesma coisa com ele (Ef 5.30).

Enquanto Ele, não se une a nós senão por seu Espírito; e pela graça e poder do mesmo

Espírito somos feitos membros seus, para retermos junto a Ele, e para que nós assim

mesmo o possuamos. (CALVIN, John. 1998, p. 403, Institutes III.1.3)

Ainda haveria outras figuras da União com Cristo, estas, porém, são as mais

presentes e desenvolvidas na obra de Calvino.

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1.2 – A Economia da Trindade na União Mística

Calvino, refutando as teses de Osiander diz que “e esta é a razão pela qual com tanta

veemência defende que, não somente Cristo, mas também o Pai e o Espírito Santo

habitam em nós. Também eu admito que isto é assim, e no entanto, insisto em que ele

perverte isto de acordo com seu propósito. Porque há de distinhuir perfeitamente a

maneiar de habitar; a saber, que o Pai e o Espírito Santo estão em Cristo; e como toda a

plenitude da divindade habita nele, também nós, nele, possuímos Deus inteiramente.

(Calvin, 1998, Institutes III.11.5)

Por conseguinte, tanto a causa de nossa purificação como de nossa regeneração,

alcançamos no Pai; a matéria, no Filho; e no Espírito Santo, o efeito. (Calvin, 1998,

Institutes IV.15.6)

Destas citações e dos nomes usados por Calvino para a União Mística,

deduz-se que todas as pessoas da Trindade estão envolvidas nesta obra, resta

saber: qual é o papel de cada Pessoa da Trindade?

Começando pelo Pai. Foi ele quem nos elegeu em Cristo desde antes da

fundação do mundo (cf. Calvino, João, 1998, p. 25, Efésios 1.4) e há uma

perspectiva em que nossa união é com o Pai, tornando-se Cristo o mediador e laço

desta nossa união, nas palavras de Calvino: “Estas palavras lembram-nos que o

único laço de nossa união com Deus é sermos unidos a Cristo...” (CALVIN, John.

1998, p. 552, João 16.27) e “em outra passagem o apresenta como o vínculo com o

qual Deus, por seu amor paterno, se une a nós (Rm 8.3)” (Calvin, John. 1998,

Institutes, III.2.32). “Portanto” – em conformidade com a conclusão de Seong-Kong

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Tan – “Deus o Pai é tanto a primeira causa quanto o objetivo final de nossa união

com Cristo” (2003).

Se o “tempo” da participação do Pai na União com Cristo é antes da fundação

do mundo, podemos dizer que o princípio da participação do Filho é o tempo no qual

ocorreu a união hipostática (cf. CALVIN, John. 1998, Institutes II.12). O Filho fez-se

homem para unir a sua natureza divina com a humana, para então unir a natureza

humana de cada eleito com a divina. (cf. CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.5-10).

A segunda parte da obra de Cristo em nossa união mística é, para usar as figuras de

Calvino, ser o próprio campo, vestes ou marido com o qual o crente é unido e fique

claro que tal união não é apenas moral, judicial ou uma participação nas bênçãos

adquiridas por Cristo, que Calvino fale por si:

Precisamente a causa pela qual esperamos dele a salvação é que não se mostra longe,

senão, que incorporados em seu corpo, nos faz partícipes, não somente de seus bens,

mas também de si mesmo. Por tanto, volto contra eles seu próprio argumento desta

maneira: Se nos consideramos a nós mesmos é certa a nossa condenação; mas como

Cristos se nos tem comunicado com todos os seus bens para que tudo quanto Ele tenha

seja nosso e para que sejamos seus membros e uma mesma substância com Ele, por

esta razão sua justiça sepulta nossos pecados, sua salvação destrói nossa condenação

e Ele mesmo com sua dignidade intercede para que nossa indignidade não apareça

diante da consideração de Deus. (CALVIN, John, 1998, Institutes III.2.24)

É necessário agora, considerar a obra do Espírito Santo em nossa união com

Cristo. Frise-se que a consideração de sua obra será mais detalhada que as outras,

pois Ele é a pessoa da Trindade que aplica essa maravilhosa união.

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Na verdade é neste ponto que começa a exposição do terceiro livro das

Institutas. Como foi dito na Introdução, após o Livro dois terminar falando das

bênçãos que Jesus conquistou através de sua obra, o terceiro começa indagando

“de que maneira os bens que o Pai pôs nas mãos do unigênito chegam até nós”.

Ciente que a resposta é “pela fé”, Calvino, então, demonstra uma preocupação

pastoral de responder porque uns participam mais e outros menos da comunhão

com Cristo. Esta pergunta, o persuade a investigar “a oculta eficácia e ação do

Espírito Santo, mediante a qual gozamos de Cristo e de todos os seus bens”

(CALVINO, João. 1999, p. 401, Institutas III.1.1). Deixemos o próprio Calvino

resumir:

Resumindo, o Espírito Santo é o nó com o qual Cristo nos liga firmemente consigo. A isto

se refere quando expusemos no livro anterior sobre sua unção. (CALVIN, John. 1998,

Institutes III.1.1)

Tan chama o Espírito de o efetivo laço unitivo de nossa união mística (TAN,

Seong-Kong. 2003, p. 2). De fato, é o Espírito quem ilumina o crente ao ouvir a

palavra e quem começa e aumenta gradualmente a fé do homem salvo (CALVIN,

John. 1998, Institutes III.2.33). Tendo feito esta obra, é o mesmo Espírito quem

efetiva o mistério, unindo-nos a Cristo. Ouça-se, mais uma vez, Calvino:

Já está claramente explicado que Jesus Cristo está como inativo enquanto nossa mente

não está dirigida pelo Espírito; pois sem Ele não faríamos mais que contemplar Jesus

Cristo de longe e fora de nós como uma fria especulação. Mas sabemos que Cristo não

beneficia outros além daqueles de quem é Cabeça e Irmão, e estão revestidos dele (Ef

4.15; Rm 8.29; Gl 3.27). Somente esta união faz que Ele não se tenha feito em vão

nosso Salvador. (CALVIN, John. 1998, p. 403, Institutes III.1.3)

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[...] o ofício peculiar do Espírito é, fazer-nos participantes não somente do próprio Cristo,

mas também de todas as suas bênçãos (Calvin, John. 1998, p. 490, João 14.16).

1.3 – Conclusão do Capítulo

Em suma, para Calvino, a união com Cristo é aquela secreta, mística e

sagrada ação que tem como fonte e objetivo o Pai, é efetivada pelo Espírito Santo e

une os eleitos a Cristo Jesus fazendo-os recipientes de Cristo e de todas as bênçãos

conquistadas por ele; pode ser comparada a união vista nos brotos que retiram sua

seiva da raiz, às vestes que são vistas primeiro do que a pessoa que as usa e a

união de um homem com uma mulher que os torna uma só carne.

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2 – A UNIÃO MÍSTICA NA ORDO SALUTIS CALVINISTA

Conseqüentemente, ele [o Espírito Santo] pode corretamente ser chamado a chave que

abre para nós os tesouros do Reino do Céu [cf. Apocalipse 3:7]; e sua iluminação, a

sagacidade de nosso entendimento. Paulo, com ênfase, enobrece o "ministério do

Espírito" [2 Coríntios 3:6] por esta razão os professores poderiam gritar sem nenhum

efeito se o próprio Cristo, o mestre interior, não fosse, pelo seu Espírito, derramado

sobre aqueles que foram dados a ele pelo Pai. [cf. John 6:44; 2:32; 17:6 ]. Assim, da

mesma forma, como temos dito, na pessoa de Jesus se encontra a salvação perfeita. Em

conformidade com isso, para fazer-nos partícipes dele, nos "batiza no Espírito Santo e

no fogo" [Lucas 3:16], iluminando-nos na fé em seu evangelho e regenerando-nos para

nos fazer novas criaturas [cf. 2Corintios 5:17]; e, finalmente, limpando-nos de todas as

nossas imundícias, consagra-nos a Deus, como templos santos [cf. 1Corintios 3:16-17;

6:19; 2Corintios 6:16; Efésios 2:21]. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.1.4, grifo nosso)

Vê-se, neste trecho das Institutas, uma clara ordem dos passos da salvação,

o objetivo deste capítulo é analisar qual é a posição da União com Cristo na Ordo

Salutis de Calvino e deduzir disto as inter-relações da doutrina ora estudada com os

demais passos de nossa salvação.

2.1 – A Fé e a União com Cristo

A fé, a mais importante das obras do Espírito (cf. CALVIN, John, 1998,

Institutes III.1.4) é definida por Calvino como “um conhecimento firme e certo da

vontade de Deus a respeito de nós, fundado sobre a verdade da promessa gratuita

feita em Jesus Cristo, revelada a nosso entendimento e selada em nosso coração

pelo Espírito Santo” (CALVIN, John. 1998, Institutes III.2.7). Sendo um dos primeiros

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e principais passos em nossa salvação, a fé é relacionada com a união Mística da

seguinte forma:

Tenhamos, pois, por certo que o princípio de nossa salvação é como uma espécie de

ressurreição da morte para a vida; porque quando, por Cristo, se nos concede que

creiamos nele, só então e não antes, começamos a passar da morte para a vida.

(CALVIN, John. 1998, Institutes III.14.6)

Em resumo, Cristo, quando produz fé em nós pela agência do Espírito Santo, ao mesmo

tempo nos enxerta em seu corpo, para que sejamos partícipes de todas as suas

bênçãos. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.2.35, grifo nosso)

Porque tu me amaste. Estas palavras lembram-nos que o único laço de nossa união com

Deus é sermos unidos a Cristo, e nós somos unidos a ele pela fé que não é a rainha,

mas a fonte da sincera devoção que chamamos pelo nome de amor. (CALVIN, John.

1998, p. 552, João 16.27, grifo nosso)

Ele habita, diz ele, pela fé. O apóstolo expressa também o método pelo qual se obtém

um benefício tão imensurável. Eis um singular louvor da fé, ou seja: que através dela

podemos apropriar-nos do Filho de Deus e passa ele a ter sua habitação conosco. Pela

fé não só reconhecemos que Cristo sofreu por nós e por nós ressuscitou dos mortos,

mas também o recebemos, possuindo-o e usufruindo-o segundo ele mesmo se nos

oferece. Isso tem que ser observado criteriosamente. A maioria considera a comunhão

com Cristo e o crer em Cristo como sendo equivalentes; a comunhão, porém, que

desfrutamos com Cristo é o efeito da fé. A substância mesma consiste em que Cristo

deve ser visto através da fé, não, porém, à distância, mas deve ser recebido pelo

amplexo de nossas mentes, de tal modo que venha ele a habitar-nos, e é assim que

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somos plenificados com o Espírito de Deus. (CALVINO, João. 1998, p. 101-102, Efésios

3.17, grifo nosso)12

Às vezes, em Calvino, parece que a fé é colocada como furto da União

Mística, e por vezes a perspectiva é exatamente a oposta, outras vezes parece que

fé e união são distintas entre si, mas acontecem ao mesmo tempo. As duas últimas

citações acima acabam com quaisquer dúvidas; fica evidente que, para Calvino, a fé

é a causa da união com Cristo, ainda que isto seja uma ordem lógica e não

cronológica, pois ele diz também que ambas acontecem ao mesmo tempo. Deve

ficar claro, portanto, que para Calvino, a pregação da Palavra com a iluminação do

Espírito gera a fé (cf. CALVIN, John. 1998, Institutes III.2.6 e III.2.33), e esta, produz

a união do crente com Cristo. Esta é, também, a conclusão que chega Tamburello

após a análise detalhada de Calvino e dos estudos de Kolfhaus e de S. P. Dee:

Eu gostaria de sumariar o que eu tenho apresentado sobre a base da união com Cristo.

É certamente pela graça, através da fé, como Bernardo confirmaria. Eu sugeriria a

seguinte sentença para esclarecer os vários temas que Calvino inclui sob esse título: O

Espírito Santo traz o eleito à fé, através do ouvir o evangelho; ao assim fazer, o Espírito

o enxerta em Cristo (cf. TAMBURELLO, Dennis. 1994, p. 155).

2.2 – O Arrependimento e a União com Cristo

O próximo passo na Ordo Salutis calvinista é o arrependimento: “Que o

arrependimento não somente segue imediatamente a fé, senão que também nasce e

provém dela, é coisa indubitável” (CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.1). Este

12
Efésios 3.17 e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e
alicerçados em amor,

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arrependimento é definido como “uma verdadeira conversão de nossa vida a Deus, a

qual procede de um sincero e verdadeiro temor de Deus, e que consiste na

mortificação de nossa carne e do velho homem, e na vivificação do Espírito”.

(CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.5). Veja-se neste ponto que, ao mesmo tempo,

que é dito do arrependimento que é fruto da fé, sua definição é posta em termos de

União Mística: vivificação do Espírito, ou, como vemos mais a frente nas Institutas:

“Ambas as coisas [mortificação e vivificação] acontecem conosco pela nossa

participação em Cristo” (CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.9). Ao adentrar a este

assunto, fica clara a divisão calvinista do arrependimento em regeneração e

santificação:

“portanto, em uma palavra, eu interpreto arrependimento como regeneração, cujo fim é a

restauração da imagem de Deus que foi desfigurada e, por pouco, não completamente

obliterada na transgressão de Adão. [...] No entanto, esta restauração não ocorre em um

momento ou em um dia ou em um ano; mas de forma contínua e às vezes vagarosa,

Deus apaga em seus eleitos a corrupção da carne, limpando-os da culpa, consagrando-

os para si mesmo como templos renovados em suas mentes e verdadeiramente

purificados para praticar o arrependimento durante o todo de suas vidas e saber que

esta guerra terminará somente na morte.” (CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.9, grifo

nosso).

Portanto, até aqui temos a seguinte ordem: a pregação da Palavra, quando o

Espírito ilumina o homem, faz brotar neste a fé e, ao mesmo tempo, o une a Cristo

Jesus. Ambas, a União Mística e a fé, produzem no homem o arrependimento, que é

dividido em um ato de regeneração e um processo chamado de santificação.

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2.3 – A Santificação e a união com Cristo

Ao adentrar no campo da santificação, impressiona o quanto Calvino enfatiza

à União com Cristo:

Portanto, enquanto habitamos no cárcere de nosso corpo, devemos lutar continuamente

contra os vícios de nossa natureza corrompida, incluindo o que há em nós de natural.

Platão disse que a vida do filósofo é a meditação da morte. Com muito maior verdade

poderíamos nós dizer: a vida do cristão é um perpétuo esforço e exercício para mortificar

a carne, até que completamente morta, reine em nós o Espírito de Deus. Por isso, eu

penso que tem se adiantado muito, o que aprendeu a viver insatisfeito consigo mesmo,

não para permanecer estacionado, sem andar adiante, mas para ter mais pressa e

suspirar mais por Deus, a fim de que, enxertado na morte e na vida de Cristo se exercite

em um arrependimento perpétuo, como não podem fazer aqueles que ainda não

conceberam um ódio perfeito do pecado. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.20)

Que havendo-nos limpado e lavado com seu sangue, comunicando-nos pelo batismo

esta purificação, não devemos manchar-nos com novas manchas (Ef 5.26; Hb 10.10;

1Co 5.11,13; 1Pe 1.15-19). Posto que nos enxertou em seu corpo, devemos ter grande

cuidado e solicitude para não contaminar-nos de nenhum modo, já que somos seus

membros (1Co 6.15; Jo 15.3; Ef 5.23). Que, sendo Ele nossa cabeça, que subiu ao céu,

é necessário que nos despojemos de todas as paixões terrenas para pôr todo o nosso

coração na vida celestial (Cl 3.1-2). (CALVIN, John. 1998, Institutes III.6.3)

Ao contrário, a filosofia cristã manda que a razão ceda, se sujeite e se deixe governar

pelo Espírito Santo, para que não seja mais o homem que viva, mas sim Cristo que viva

e reine nele (Gl 2.2). (Calvin, John. 1998, Intitutes III.7.1)

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Que grande eficácia tem para mitigar toda a amargura da cruz saber que quanto mais

somos afligidos pela adversidade, tanto mais firme é a certeza de nossa comunhão com

Cristo, mediante a qual as mesmas aflições se convertem em bênçãos e nos ajudam a

progredir em nossa salvação. (CALVIN, John, 1998, Institutes III.8.1)

Sem mim nada podeis fazer. Esta é a conclusão e a aplicação de toda a parábola. Por

quanto tempo estivermos separados dele, não ostentaremos nenhum fruto bom e

aceitável a Deus, porque nós somos incapazes de fazer qualquer coisa boa. (CALVINO,

João. 1999, p. 506, João 15.5)

Finalmente, é de todo certo que estes tais são árvores más, pois não há santificação

possível sem a participação em Cristo. Pode ser que produzam frutos formosos e de

suave sabor, não obstante, tais frutos jamais serão bons. Por tudo isto, vemos que tudo

quanto pensa, ou pretende fazer, ou realmente faz o homem antes de ser reconciliado

com Deus pela fé, é maldito, e não somente não vale nada para conseguir a justiça, mas

ainda mais merece condenação certa (CALVIN, John. 1998, Institutes III.14.4)

Estas citações, ainda que muitas, são necessárias para demonstrar que para

Calvino é nossa União com Cristo que nos faz ter ódio do pecado, despojando-nos

das paixões terrenas e fazendo-nos ter o coração nas coisas celestiais. É a União

Mística também quem nos faz agüentar as adversidades e as transforma e

oportunidades de crescimento espiritual e é também a mesma união quem nos faz

apresentar diante de Deus algum fruto que lhe seja agradável, ou seja, que

verdadeiramente faz que nossas obras sejam consideradas boas.

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2.4 – A Justificação e a União com Cristo

Como se tivéssemos chegado ao final de uma linha descendente da ordo

salutis a partir da união mística, convém-nos agora subir novamente e ver a segunda

linha que da fé parte:

“Cristo vive em nós de duas formas. Uma consiste em ele nos governar por meio do seu

Espírito e em dirigir todas as nossas ações. A outra consiste naquilo que ele nos

concede pela participação em sua justiça, ou seja, que, embora nada possamos fazer

por nós mesmos, somos aceitos por Deus nele [Cristo].” (Calvino, João. 1998, p. 75-76,

Gálatas 2.19, grifo nosso)

Resumindo, podemos dizer que Jesus Cristo nos é presenteado pela benignidade do

Pai, que nós o possuímos pela fé, e que participando dele recebemos uma dupla graça.

A primeira, que reconciliados com Deus pela inocência de Cristo, em lugar de termos nos

céus um Juiz que nos condene, temos um Pai clementíssimo. A segunda, que somos

santificados por seu Espírito, para que nos exercitemos na inocência e na pureza da

vida. Enquanto da regeneração, que é a segunda graça, já tenhamos o quanto me

parece conveniente. (CALVIN, John. 1998, Intitutes III.11.1)13

A segunda vertente que flui da União com Cristo é a Justificação, “um dos

principais artigos da religião cristã” (CALVIN, John. 1998, Institutas III.11.1). Calvino

resumidamente define a justificação como “a aceitação com que Deus nos recebe

em sua graça e nos tem por justos, e dizemos que consiste na remissão de pecados

e na imputação da justiça de Cristo”. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.1).

13
Para ver outras citações que mostram este fato, ,consulate Dennis Tamburello, ,

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Para tratar do relacionamento de União Mística e Justificação em Calvino é

interessante trabalhar também com a heresia do teólogo luterano Ändreas Osiander,

combatida por Calvino, e através da qual ele chegou a uma definição mais precisa

das duas doutrinas. Podemos resumir as teses de Osiander sobre estes assuntos

como segue:

“Este homem de quem falo se imaginou algo não muito diferente que os erros dos

maniqueus, para transfundir a essência de Deus nos homens. [...] Diz Osiander que nós

somos uma mesma coisa com Cristo. Também o admito, no entanto, nego que a

essência de Cristo de mescle com a nossa. [...] se imagina que nós somos

substancialmente justos diante de Deus, tanto por essência [justiça essencial] como por

uma qualidade infusa. [...] tem introduzido uma mescla substancial, pela qual Deus,

transfundindo-se em nós, nos faz uma parte de si mesmo [...] somos feitos participantes

da justiça divina quando Deus se faz uma coisa conosco. (CALVIN, John. 1998, Institutes

III.11.5). Segundo ele, ser justificados não é somente ser reconciliados com Deus,

enquanto ele gratuitamente perdoa os nossos pecados, senão, que significa também

realmente ser feitos justos de tal maneira que a justiça seja, não a gratuita imputação,

mas a santidade e a integridade inspiradas pela essência de Deus que reside em nós.

(CALVIN, John, 1998, Institutes III.11.6)

Osiander cometeu, entre outros, o grave erro de con-fundir a natureza divina

com a humana, coisa que Calvino não admite em hipótese alguma. A refutação de

Calvino se compõem dos seguintes argumentos:

Mas, para nós que sabemos que estamos unidos a Jesus Cristo pelo secreto poder do

Espírito Santo, nos será bem fácil libertar-nos de tais enredos. (CALVIN, John. 1998,

Institutes III.11.5). Assim como Cristo não pode ser dividido em duas partes, da mesma

maneira a justiça e a santificação são inseparáveis e as recebemos juntamente nele. [...]

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Mas, se a claridade do sol não pode ser separada de sua luz, vamos dizer por isso que a

Terra é esquentada por sua luz e iluminada por seu calor?” (CALVIN, John. 1998,

Institutes III.11.6). Daqui se conclui que nós não tiramos de Cristo a virtude de justificar

quando ensinamos que é recebido primeiramente pela fé, antes de que recebamos a sua

justiça. Pelo mais, rechaço as intrincadas expressões de Osiander, como quando diz que

a fé é Cristo. (CALVIN, John. 1998, Institutas III.11.7). De nossa parte não dividimos

Cristo; dizemos que é o mesmo, ele que reconciliando-nos com o Pai em sua carne nos

justificou, e ele que é o verbo eterno de Deus. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.8).

Daqui eu deduzo que Cristo foi feito nossa justiça quando ‘ele tomou sobre si a forma de

servo’ [Filipenses 2:7]; em segundo lugar, que ele nos justifica naquilo que se mostrou

obediente ao Pai [Filipenses 2:8]. Portanto, ele fez isto por nós não através de sua

natureza divina mas de acordo com a dispensação colocada sobre ele. Pois, ainda que

somente Deus seja a fonte da justiça, e que nós somos justos somente pela participação

nele, contudo, por nós termos sido estrangeiros, a sua justiça pela infeliz escolha,

precisamos ter auxílio neste remédio mais baixo que Cristo pode nos justificar pelo poder

de sua morte e ressurreição. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.8).

Conseqüentemente, eu digo usualmente que Cristo é uma fonte, aberta a nós, da qual

nós podemos extrair o que de outra maneira se encontraria inutilmente escondido nessa

fonte profunda e secreta, que se torna visível na pessoa do Mediator. Neste sentido, eu

não nego que Cristo nos justifica como Deus e homem, e também que esta obra é uma

tarefa comum do Pai e do Santo Espírito; finalmente, que a justificação de que Cristo nos

faz participantes consigo é a justiça eterna do Deus eterno - que Osiander aceite as

firmes e claras razões que eu trouxe à lume. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.9 –

Todos os grifos nossos)

Após esta longa citação, há de se concluir que Calvino refutou com maestria

as teses de Osiander e, fazendo-o, sublinhou a importância fundamental que nossa

União com Cristo tem para a doutrina calvinista da justificação.

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2.5 – Conclusão do Capítulo

Agora, com base em tudo que foi exposto, pode-se arriscar um gráfico:

Em palavras, a conclusão deste capítulo é: a União com Cristo é a mais

importante fase subjetiva da salvação do homem. Ao mesmo tempo que o Espírito

Santo planta a fé no coração do eleito, iluminando-o para entender a Palavra, une-o

a Cristo Jesus, e desta união provém todo conteúdo prático e legal de nossa

salvação, ou seja, ocorre o ato da regeneração e o processo da santificação e

também os atos da remissão dos pecados e da imputação da justiça de Cristo.

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CONCLUSÃO FINAL

Repetimos aqui as conclusões dos capítulos:

Para Calvino, a união com Cristo é aquela secreta, mística e sagrada ação

que tem como fonte e objetivo o Pai, é efetivada pelo Espírito Santo e une os eleitos

a Cristo Jesus fazendo-os recipientes de Cristo e de todas as bênçãos conquistadas

por ele; pode ser comparada a união vista nos brotos que retiram sua seiva da raiz,

às vestes que são vistas primeiro do que a pessoa que as usa e a união de um

homem com uma mulher que os torna uma só carne.

A União com Cristo é a mais importante fase subjetiva da salvação do

homem. Ao mesmo tempo que o Espírito Santo planta a fé no coração do eleito,

iluminando-o para entender a Palavra, une-o a Cristo Jesus, e desta união provém

todo conteúdo prático e legal de nossa salvação, ou seja, ocorre o ato da

regeneração e o processo da santificação e também os atos da remissão dos

pecados e da imputação da justiça de Cristo.

No ocaso deste estudo, convém dialogar com aqueles que tem se

posicionado sobre o lugar da União Mística em Calvino: concordamos com Barth, de

fato esta doutrina “tem um significado abrangente e básico para Calvino, na verdade,

nós quase podemos chamá-la de sua concepção da essência do cristianismo”

(BARTH, Karl. 1957, II.1.149). No entanto, é um exagero de Charles Partee dizer

que a “união com Cristo pode ser proveitosamente tomada como a afirmação central

[das Institutas]” (PARTEE, Charles. 1987, p. 193). Ela é claramente, para Calvino,

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neste sentido “apenas”, uma conseqüência da fé. Ainda assim, junto com Dennis

Tamburello, afirmamos que de fato a União com Cristo é o nó da ordo salutis

calvinista (cf. TAMBURELLO, Dennis. 1994).

Finalmente, uma palavra de Calvino que talvez nos envergonhe ao final deste

estudo: Portanto, labutemos mais para sentir Cristo vivendo em nós, do que para

descobrirmos a natureza de tal comunicação. (CALVINO, João. 1998, p. 176,

Efésios 5.32). Devemos seguir este sábio conselho de Calvino. Tais verdades que

estudamos não podem ficar como que apenas em nosso intelecto, mas devem

arrebatar nosso coração e enriquecer nossa devoção. Em lugar do cristianismo

superficial do povo brasileiro e às vezes árido dos eruditos, devemos buscar que

Cristo cresça e nós diminuamos, que ele viva em nós e que nós morramos.

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REFERÊNCIAS

CALVINO, João. Gálatas. São Paulo: Edições Parácletos, 1998.

____________. Efésios. São Paulo: Edições Parácletos, 1998.

____________. Institución de la Religión Cristiana. Barcelona: FELIRE, 1999.

____________. Romanos. São Paulo: Edições Parácletos, 1997.

____________. The John Calvin Collection. Albany: AGES Software, 1998. CD-

ROM.

John Calvin on union With Christ, Disponível em

<http://www.2xtreme.net/~jwandro/Perspective/union.htm>. Acesso em: 25/05/2004.

CARPENTER, Craig B. A Question of Union with Christ? Calvin and Trent on

Justification. Westminster Theological Journal. Philadelphia: v. 64, n. 2, Fall 2002.

PARTEE, Charles. Calvin’s Central Dogma Again. The Sixteenth Century Journal,

Kirksville: v. XVIII, n. 2, Summer 1987. Disponível em:

http://www.pts.edu/partee2.html. Acesso em 25/05/2004.

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TAMBURELLO, Dennis. Union With Christ: John Calvin and the Mysticism of St.

Bernard. Westminster John Knox Press, 1994. (Columbia Series in Reformed

Theology).

TAN, Seng-Kong. Calvin´s Doctrine of Our Union With Christ. Quodlibet Journal,

Evanston: v. 5, n. 4, October 2003. Disponível em: <http://www.quodlibet.net/tan-

union.shtml>. Acesso em 25/05/2004.

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