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SÃO PAULO
2004
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________ 04
REFERÊNCIAS _________________________________________________ 27
INTRODUÇÃO
Os estudos em Calvino têm sido enriquecidos nos últimos anos com uma
atenção especial que os scholars têm devotado ao tema União com Cristo em
o artigo de Charles Partee, “Calvin’s Central Dogma Again” (1987); alguns anos mais
tarde o ótimo livro do estudioso franciscano Dennis Tamburello1, “Union With Christ:
John Calvin and the Mysticism of St. Bernard” (1994); Ronald Wallace em “Calvin’s
Doctrine of The Christian Life” (1997) e no ano seguinte o artigo de John Hesselink,
“Calvin, the Holy Spirit, and Mystical Union”. Ainda mais novas são as publicações
de Kevin Dixon Kennedy, “Union with Christ and the Extent of the Atonement in
propostas que têm sido feitas por estes estudiosos quanto à proeminência desta
doutrina em Calvino: Karl Barth escreveu em sua Dogmática que a doutrina da União
com Cristo “tem um significado abrangente e básico para Calvino, na verdade, nós
Karl. 1957, II.1.149). Charles Partee, concordando com Barth e dando um passo à
frente, diz que a “união com Cristo pode ser proveitosamente tomada como a
concorda com Kolfhaus, quando este diz que o enxerto em Cristo provê uma coesão
1994).
discussões atuais sobre este relevante assunto. Definindo o escopo, devemos dizer
que é possível estudar União com Cristo em Calvino a partir da união da natureza
divina com a humana em Jesus Cristo2, enveredando pela união individual de cada
crente com Cristo3, culminando na doutrina da união com Cristo aplicada à Igreja,
com ênfase especial nos sacramentos4. Uma obra como essa exigiria maior
habilidade do escritor, bem como tempo e número de páginas maiores aos que ora
1
Agradeço a preciosa ajuda do Prof. Fr. Dennis Tamburello que, solicitado, prontamente enviou-me
uma cópia eletrônica do quinto capítulo de seu livro Union With Christ: John Calvin and the Mysticism
of St. Bernard.
2
Institutas, livro II, capítulos 12 a 14.
3
Institutas, livro II.
4
Institutas, livro IV.
dois, três e quatro das Institutas, mas encontra-se principalmente no livro três: o
demonstrando que somente em Cristo há redenção para o homem, para isso, Cristo,
sendo Deus teve fazer-se homem, e pela sua obra, conquistou a graça de Deus para
conquistados pela obra de Cristo são aplicados aos homens que vem o terceiro livro,
e a resposta deste livro é: através da União com Cristo efetuada pelo Espírito Santo.
Seguem-se, ainda no livro três, os frutos e efeitos desta graça aplicada. O quarto
livro mostra como vive a comunidade daqueles que tiveram a aplicação da graça de
Antes de tudo o mais, devemos notar que enquanto Cristo está distante de nós e nós
permanecemos afastados dele, tudo que padeceu e fez pela redenção da linhagem
humana não nos serve de nada, nem nos aproveita o mais mínimo. Por tanto, para que
possa comunicar-nos os bens que recebeu do Pai, é preciso que Ele se faça nosso e
habite em nós. Por esta razão é chamado “nossa Cabeça” e “primogênito entre muitos
irmãos”; e de nós se afirma que somos “enxertados nele” (Rm 8.29; 11.17; Gl 3.27);
porque, segundo temos dito, nenhuma das coisas que possui nos pertence, nem têm
nada a ver conosco, enquanto não somos feitos uma só coisa com ele. (CALVIN, John.
5
Veja a organização proposta por Gaspar Olevian em seu Method and Arrangement, or Subject of the
Whole Work in Calvin, John. Institutes of the Christian Religion, 1800, Trad.. Henry Beveridge.
Calvino, de certa forma, Jesus veio a este mundo com o objetivo de unir-nos a si,
que diz que o nome Emmanuel, Deus Conosco, significa muito mais do que a
presença da assistência e graça de Deus em nosso favor, mas sim que “fora de
Cristo estamos alienados dele [Deus] mas, através de Cristo nós, não somente
recebemos o seu favor, mas também somos feitos um com ele”. E termina dizendo
que na encarnação: “[...] Deus estava dando-se a si mesmo para nós, para ser
uma definição proposicional desta doutrina, o que se encontra são diferentes nomes
e figuras ilustrativas. Tamburello diz que “Ao menos por umas sete vezes nas
união com Cristo” (TAMBURELLO, Dennis. 1994, p. 163). Outros nomes propostos
por Calvino:
O objetivo destas palavras é, mostrar que não podemos, por insolente especulação,
conhecer o que é a sagrada e mística união entre ele e nós e, novamente, entre ele e o
Pai; mas o único caminho de conhecê-la é tendo ele derramado sua vida em nós pela
secreta eficácia do Espírito, e este é o teste da fé, que mencionei anteriormente. (Calvin,
6
João 14.20 Naquele dia, vós conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós, em mim, e eu, em vós.
Desde que, de qualquer forma, este mistério da união secreta de Cristo com o devoto é,
por natureza, incompreensível, ele mostra sua figura e imagem em símbolos visíveis
[santa ceia] melhores adaptados à nossa pequena capacidade. (Calvin, John. 1998,
nomes que Calvino dá a esta doutrina são: Comunhão com Cristo7, União
Espiritual8, União com Deus9, União com Cristo10 e Comunhão com Deus11, todos
eles, relacionados com alguma das pessoas da Trindade, o que faz evidente a
participação de cada pessoa divina na obra desta União, assunto que abordaremos
mais à frente.
Quanto às figuras utilizadas por Calvino para ilustrar a União com Cristo,
parece que a figura mais apreciada pelo reformador genebrino é aquela extraída da
agricultura:
O significado geral desta comparação é que nós somos, por natureza, estéreis e secos,
exceto na medida em que temos sido enxertados em Cristo, e recebemos dele um poder
que é novo e que não procede de nós mesmos [...] Eu estou mais disposto a pensar que
Ao dizer que fora crucificado com Cristo, ele está explicando como nós, que estamos
mortos para a lei, vivemos para Deus. Enxertados na morte de Cristo, extraímos uma
energia secreta dela, como brotos [extraem vida] das raízes. [...] Lembremo-nos, porém,
7
Calvin, John. 1998, Institutes III.1.1
8
Calvin, John. 1998, Institutes II.12.7
9
Calvin, John. 1998, Institutes III.6.2
10
Calvin, John. 1998, Institutes III.11.10
que somos libertados do jugo da lei somente quando somos feitos um com Cristo, como
brotos extraem das raízes suas seiva somente pelo desenvolvimento de uma só
Conseqüentemente, nós não o contemplamos fora de nós, à distância, a fim de que sua
justiça possa ser imputada a nós, mas porque nós nos vestimos de Cristo e somos
enxertados em seu corpo, em resumo, porque ele concede fazer-nos um com ele.
Seng-Kong Tan, em seu bom artigo “Calvin´s Doctrine of Our Union With
Christ” (2003) diz que duas são as principais metáforas utilizadas por Calvino:
na santidade como conseqüência da União com Cristo. A base desta ultima, vemos
“Ele emprega a metáfora de uma vestimenta, quando diz que os gálatas se revestiram de
Cristo. Sua intenção, porém, é que eles foram unidos a Cristo de maneira tal que, aos
olhos de Deus, levavam o nome e a pessoa de Cristo, e eram vistos nele antes que
já foi discutida por nós em outro passo”. (Calvino, João. 1998, p. 114, Gálatas 3.27)
Outra figura bastante citada por Calvino sobre a união com Cristo é a do
casamento, aliás, é quando comenta o trecho de Efésios 5.28-33 que Calvino nos dá
Eis aqui uma extraordinária passagem sobre a comunhão mística que temos com Cristo.
O apóstolo diz que somos membros dele, de sua carne e de seus ossos. Antes de tudo,
11
Calvino, João. 1999, p. 566, Institutas I.13.14
não há aqui nenhum exagero, senão que é a pura verdade. Em segundo lugar, ele não
diz simplesmente que Cristo participou de nossa natureza, senão que quer expressar
algo mais profundo e enfatikoteron. Ele faz referência às palavras de Moisés em Gênesis
2.24. Então, qual é o sentido? Como Eva foi formada da substância de seu esposo,
Adão, e tornou-se, assim, parte dele, então, se somos os legítimos membros de Cristo,
entre nós e Cristo, que em certo sentido ele se despeja em nós. Pois somos ossos de
seus ossos e carne de sua carne, não porque, como nós, ele seja homem, mas porque,
pelo poder de seu Espírito, ele nos enxerta em seu Corpo, para que dele derivemos
nossa vida. Eis um grande mistério. O apóstolo conclui com o milagre da união espiritual
entre Cristo e a Igreja. Pois ele exclama que esse é um grande mistério. Pelo quê ele
deixa implícito que nenhuma linguagem pode fazer-lhe justiça. (CALVINO, João. 1998, p.
com Cristo:
A este mesmo propósito tende este sagrado matrimônio; por ele que somos feitos carne
de sua carne e osso dos seus ossos, e até uma mesma coisa com ele (Ef 5.30).
Enquanto Ele, não se une a nós senão por seu Espírito; e pela graça e poder do mesmo
Espírito somos feitos membros seus, para retermos junto a Ele, e para que nós assim
Ainda haveria outras figuras da União com Cristo, estas, porém, são as mais
Calvino, refutando as teses de Osiander diz que “e esta é a razão pela qual com tanta
veemência defende que, não somente Cristo, mas também o Pai e o Espírito Santo
habitam em nós. Também eu admito que isto é assim, e no entanto, insisto em que ele
maneiar de habitar; a saber, que o Pai e o Espírito Santo estão em Cristo; e como toda a
plenitude da divindade habita nele, também nós, nele, possuímos Deus inteiramente.
Institutes IV.15.6)
Destas citações e dos nomes usados por Calvino para a União Mística,
deduz-se que todas as pessoas da Trindade estão envolvidas nesta obra, resta
Começando pelo Pai. Foi ele quem nos elegeu em Cristo desde antes da
fundação do mundo (cf. Calvino, João, 1998, p. 25, Efésios 1.4) e há uma
perspectiva em que nossa união é com o Pai, tornando-se Cristo o mediador e laço
desta nossa união, nas palavras de Calvino: “Estas palavras lembram-nos que o
único laço de nossa união com Deus é sermos unidos a Cristo...” (CALVIN, John.
1998, p. 552, João 16.27) e “em outra passagem o apresenta como o vínculo com o
qual Deus, por seu amor paterno, se une a nós (Rm 8.3)” (Calvin, John. 1998,
Tan – “Deus o Pai é tanto a primeira causa quanto o objetivo final de nossa união
ocorreu a união hipostática (cf. CALVIN, John. 1998, Institutes II.12). O Filho fez-se
homem para unir a sua natureza divina com a humana, para então unir a natureza
humana de cada eleito com a divina. (cf. CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.5-10).
A segunda parte da obra de Cristo em nossa união mística é, para usar as figuras de
Calvino, ser o próprio campo, vestes ou marido com o qual o crente é unido e fique
claro que tal união não é apenas moral, judicial ou uma participação nas bênçãos
Precisamente a causa pela qual esperamos dele a salvação é que não se mostra longe,
senão, que incorporados em seu corpo, nos faz partícipes, não somente de seus bens,
mas também de si mesmo. Por tanto, volto contra eles seu próprio argumento desta
maneira: Se nos consideramos a nós mesmos é certa a nossa condenação; mas como
Cristos se nos tem comunicado com todos os seus bens para que tudo quanto Ele tenha
seja nosso e para que sejamos seus membros e uma mesma substância com Ele, por
esta razão sua justiça sepulta nossos pecados, sua salvação destrói nossa condenação
e Ele mesmo com sua dignidade intercede para que nossa indignidade não apareça
Cristo. Frise-se que a consideração de sua obra será mais detalhada que as outras,
Institutas. Como foi dito na Introdução, após o Livro dois terminar falando das
bênçãos que Jesus conquistou através de sua obra, o terceiro começa indagando
“de que maneira os bens que o Pai pôs nas mãos do unigênito chegam até nós”.
Ciente que a resposta é “pela fé”, Calvino, então, demonstra uma preocupação
resumir:
Resumindo, o Espírito Santo é o nó com o qual Cristo nos liga firmemente consigo. A isto
se refere quando expusemos no livro anterior sobre sua unção. (CALVIN, John. 1998,
Institutes III.1.1)
Tan chama o Espírito de o efetivo laço unitivo de nossa união mística (TAN,
John. 1998, Institutes III.2.33). Tendo feito esta obra, é o mesmo Espírito quem
Já está claramente explicado que Jesus Cristo está como inativo enquanto nossa mente
não está dirigida pelo Espírito; pois sem Ele não faríamos mais que contemplar Jesus
Cristo de longe e fora de nós como uma fria especulação. Mas sabemos que Cristo não
beneficia outros além daqueles de quem é Cabeça e Irmão, e estão revestidos dele (Ef
4.15; Rm 8.29; Gl 3.27). Somente esta união faz que Ele não se tenha feito em vão
[...] o ofício peculiar do Espírito é, fazer-nos participantes não somente do próprio Cristo,
mas também de todas as suas bênçãos (Calvin, John. 1998, p. 490, João 14.16).
sagrada ação que tem como fonte e objetivo o Pai, é efetivada pelo Espírito Santo e
conquistadas por ele; pode ser comparada a união vista nos brotos que retiram sua
seiva da raiz, às vestes que são vistas primeiro do que a pessoa que as usa e a
Conseqüentemente, ele [o Espírito Santo] pode corretamente ser chamado a chave que
abre para nós os tesouros do Reino do Céu [cf. Apocalipse 3:7]; e sua iluminação, a
Espírito" [2 Coríntios 3:6] por esta razão os professores poderiam gritar sem nenhum
efeito se o próprio Cristo, o mestre interior, não fosse, pelo seu Espírito, derramado
sobre aqueles que foram dados a ele pelo Pai. [cf. John 6:44; 2:32; 17:6 ]. Assim, da
mesma forma, como temos dito, na pessoa de Jesus se encontra a salvação perfeita. Em
conformidade com isso, para fazer-nos partícipes dele, nos "batiza no Espírito Santo e
nos fazer novas criaturas [cf. 2Corintios 5:17]; e, finalmente, limpando-nos de todas as
nossas imundícias, consagra-nos a Deus, como templos santos [cf. 1Corintios 3:16-17;
6:19; 2Corintios 6:16; Efésios 2:21]. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.1.4, grifo nosso)
Vê-se, neste trecho das Institutas, uma clara ordem dos passos da salvação,
o objetivo deste capítulo é analisar qual é a posição da União com Cristo na Ordo
A fé, a mais importante das obras do Espírito (cf. CALVIN, John, 1998,
Institutes III.1.4) é definida por Calvino como “um conhecimento firme e certo da
pelo Espírito Santo” (CALVIN, John. 1998, Institutes III.2.7). Sendo um dos primeiros
seguinte forma:
Tenhamos, pois, por certo que o princípio de nossa salvação é como uma espécie de
ressurreição da morte para a vida; porque quando, por Cristo, se nos concede que
creiamos nele, só então e não antes, começamos a passar da morte para a vida.
Em resumo, Cristo, quando produz fé em nós pela agência do Espírito Santo, ao mesmo
tempo nos enxerta em seu corpo, para que sejamos partícipes de todas as suas
Porque tu me amaste. Estas palavras lembram-nos que o único laço de nossa união com
Deus é sermos unidos a Cristo, e nós somos unidos a ele pela fé que não é a rainha,
mas a fonte da sincera devoção que chamamos pelo nome de amor. (CALVIN, John.
Ele habita, diz ele, pela fé. O apóstolo expressa também o método pelo qual se obtém
um benefício tão imensurável. Eis um singular louvor da fé, ou seja: que através dela
podemos apropriar-nos do Filho de Deus e passa ele a ter sua habitação conosco. Pela
fé não só reconhecemos que Cristo sofreu por nós e por nós ressuscitou dos mortos,
oferece. Isso tem que ser observado criteriosamente. A maioria considera a comunhão
com Cristo e o crer em Cristo como sendo equivalentes; a comunhão, porém, que
desfrutamos com Cristo é o efeito da fé. A substância mesma consiste em que Cristo
deve ser visto através da fé, não, porém, à distância, mas deve ser recebido pelo
amplexo de nossas mentes, de tal modo que venha ele a habitar-nos, e é assim que
somos plenificados com o Espírito de Deus. (CALVINO, João. 1998, p. 101-102, Efésios
Mística, e por vezes a perspectiva é exatamente a oposta, outras vezes parece que
fé e união são distintas entre si, mas acontecem ao mesmo tempo. As duas últimas
citações acima acabam com quaisquer dúvidas; fica evidente que, para Calvino, a fé
é a causa da união com Cristo, ainda que isto seja uma ordem lógica e não
cronológica, pois ele diz também que ambas acontecem ao mesmo tempo. Deve
ficar claro, portanto, que para Calvino, a pregação da Palavra com a iluminação do
Espírito gera a fé (cf. CALVIN, John. 1998, Institutes III.2.6 e III.2.33), e esta, produz
a união do crente com Cristo. Esta é, também, a conclusão que chega Tamburello
Eu gostaria de sumariar o que eu tenho apresentado sobre a base da união com Cristo.
seguinte sentença para esclarecer os vários temas que Calvino inclui sob esse título: O
Espírito Santo traz o eleito à fé, através do ouvir o evangelho; ao assim fazer, o Espírito
arrependimento não somente segue imediatamente a fé, senão que também nasce e
provém dela, é coisa indubitável” (CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.1). Este
12
Efésios 3.17 e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e
alicerçados em amor,
(CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.5). Veja-se neste ponto que, ao mesmo tempo,
que é dito do arrependimento que é fruto da fé, sua definição é posta em termos de
União Mística: vivificação do Espírito, ou, como vemos mais a frente nas Institutas:
santificação:
restauração da imagem de Deus que foi desfigurada e, por pouco, não completamente
purificados para praticar o arrependimento durante o todo de suas vidas e saber que
esta guerra terminará somente na morte.” (CALVIN, John. 1998, Institutes III.3.9, grifo
nosso).
Espírito ilumina o homem, faz brotar neste a fé e, ao mesmo tempo, o une a Cristo
Platão disse que a vida do filósofo é a meditação da morte. Com muito maior verdade
poderíamos nós dizer: a vida do cristão é um perpétuo esforço e exercício para mortificar
a carne, até que completamente morta, reine em nós o Espírito de Deus. Por isso, eu
penso que tem se adiantado muito, o que aprendeu a viver insatisfeito consigo mesmo,
não para permanecer estacionado, sem andar adiante, mas para ter mais pressa e
suspirar mais por Deus, a fim de que, enxertado na morte e na vida de Cristo se exercite
em um arrependimento perpétuo, como não podem fazer aqueles que ainda não
Que havendo-nos limpado e lavado com seu sangue, comunicando-nos pelo batismo
esta purificação, não devemos manchar-nos com novas manchas (Ef 5.26; Hb 10.10;
1Co 5.11,13; 1Pe 1.15-19). Posto que nos enxertou em seu corpo, devemos ter grande
cuidado e solicitude para não contaminar-nos de nenhum modo, já que somos seus
membros (1Co 6.15; Jo 15.3; Ef 5.23). Que, sendo Ele nossa cabeça, que subiu ao céu,
é necessário que nos despojemos de todas as paixões terrenas para pôr todo o nosso
coração na vida celestial (Cl 3.1-2). (CALVIN, John. 1998, Institutes III.6.3)
Ao contrário, a filosofia cristã manda que a razão ceda, se sujeite e se deixe governar
pelo Espírito Santo, para que não seja mais o homem que viva, mas sim Cristo que viva
Que grande eficácia tem para mitigar toda a amargura da cruz saber que quanto mais
somos afligidos pela adversidade, tanto mais firme é a certeza de nossa comunhão com
Sem mim nada podeis fazer. Esta é a conclusão e a aplicação de toda a parábola. Por
quanto tempo estivermos separados dele, não ostentaremos nenhum fruto bom e
aceitável a Deus, porque nós somos incapazes de fazer qualquer coisa boa. (CALVINO,
Finalmente, é de todo certo que estes tais são árvores más, pois não há santificação
possível sem a participação em Cristo. Pode ser que produzam frutos formosos e de
suave sabor, não obstante, tais frutos jamais serão bons. Por tudo isto, vemos que tudo
quanto pensa, ou pretende fazer, ou realmente faz o homem antes de ser reconciliado
com Deus pela fé, é maldito, e não somente não vale nada para conseguir a justiça, mas
ainda mais merece condenação certa (CALVIN, John. 1998, Institutes III.14.4)
Estas citações, ainda que muitas, são necessárias para demonstrar que para
Calvino é nossa União com Cristo que nos faz ter ódio do pecado, despojando-nos
das paixões terrenas e fazendo-nos ter o coração nas coisas celestiais. É a União
apresentar diante de Deus algum fruto que lhe seja agradável, ou seja, que
salutis a partir da união mística, convém-nos agora subir novamente e ver a segunda
“Cristo vive em nós de duas formas. Uma consiste em ele nos governar por meio do seu
Espírito e em dirigir todas as nossas ações. A outra consiste naquilo que ele nos
concede pela participação em sua justiça, ou seja, que, embora nada possamos fazer
por nós mesmos, somos aceitos por Deus nele [Cristo].” (Calvino, João. 1998, p. 75-76,
Resumindo, podemos dizer que Jesus Cristo nos é presenteado pela benignidade do
Pai, que nós o possuímos pela fé, e que participando dele recebemos uma dupla graça.
A primeira, que reconciliados com Deus pela inocência de Cristo, em lugar de termos nos
céus um Juiz que nos condene, temos um Pai clementíssimo. A segunda, que somos
santificados por seu Espírito, para que nos exercitemos na inocência e na pureza da
A segunda vertente que flui da União com Cristo é a Justificação, “um dos
principais artigos da religião cristã” (CALVIN, John. 1998, Institutas III.11.1). Calvino
resumidamente define a justificação como “a aceitação com que Deus nos recebe
em sua graça e nos tem por justos, e dizemos que consiste na remissão de pecados
13
Para ver outras citações que mostram este fato, ,consulate Dennis Tamburello, ,
combatida por Calvino, e através da qual ele chegou a uma definição mais precisa
das duas doutrinas. Podemos resumir as teses de Osiander sobre estes assuntos
como segue:
“Este homem de quem falo se imaginou algo não muito diferente que os erros dos
maniqueus, para transfundir a essência de Deus nos homens. [...] Diz Osiander que nós
somos uma mesma coisa com Cristo. Também o admito, no entanto, nego que a
essência de Cristo de mescle com a nossa. [...] se imagina que nós somos
substancialmente justos diante de Deus, tanto por essência [justiça essencial] como por
uma qualidade infusa. [...] tem introduzido uma mescla substancial, pela qual Deus,
transfundindo-se em nós, nos faz uma parte de si mesmo [...] somos feitos participantes
da justiça divina quando Deus se faz uma coisa conosco. (CALVIN, John. 1998, Institutes
III.11.5). Segundo ele, ser justificados não é somente ser reconciliados com Deus,
enquanto ele gratuitamente perdoa os nossos pecados, senão, que significa também
realmente ser feitos justos de tal maneira que a justiça seja, não a gratuita imputação,
mas a santidade e a integridade inspiradas pela essência de Deus que reside em nós.
com a humana, coisa que Calvino não admite em hipótese alguma. A refutação de
Mas, para nós que sabemos que estamos unidos a Jesus Cristo pelo secreto poder do
Espírito Santo, nos será bem fácil libertar-nos de tais enredos. (CALVIN, John. 1998,
Institutes III.11.5). Assim como Cristo não pode ser dividido em duas partes, da mesma
Mas, se a claridade do sol não pode ser separada de sua luz, vamos dizer por isso que a
Terra é esquentada por sua luz e iluminada por seu calor?” (CALVIN, John. 1998,
Institutes III.11.6). Daqui se conclui que nós não tiramos de Cristo a virtude de justificar
quando ensinamos que é recebido primeiramente pela fé, antes de que recebamos a sua
justiça. Pelo mais, rechaço as intrincadas expressões de Osiander, como quando diz que
a fé é Cristo. (CALVIN, John. 1998, Institutas III.11.7). De nossa parte não dividimos
Cristo; dizemos que é o mesmo, ele que reconciliando-nos com o Pai em sua carne nos
justificou, e ele que é o verbo eterno de Deus. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.8).
Daqui eu deduzo que Cristo foi feito nossa justiça quando ‘ele tomou sobre si a forma de
servo’ [Filipenses 2:7]; em segundo lugar, que ele nos justifica naquilo que se mostrou
obediente ao Pai [Filipenses 2:8]. Portanto, ele fez isto por nós não através de sua
natureza divina mas de acordo com a dispensação colocada sobre ele. Pois, ainda que
somente Deus seja a fonte da justiça, e que nós somos justos somente pela participação
nele, contudo, por nós termos sido estrangeiros, a sua justiça pela infeliz escolha,
precisamos ter auxílio neste remédio mais baixo que Cristo pode nos justificar pelo poder
Conseqüentemente, eu digo usualmente que Cristo é uma fonte, aberta a nós, da qual
nós podemos extrair o que de outra maneira se encontraria inutilmente escondido nessa
fonte profunda e secreta, que se torna visível na pessoa do Mediator. Neste sentido, eu
não nego que Cristo nos justifica como Deus e homem, e também que esta obra é uma
tarefa comum do Pai e do Santo Espírito; finalmente, que a justificação de que Cristo nos
faz participantes consigo é a justiça eterna do Deus eterno - que Osiander aceite as
firmes e claras razões que eu trouxe à lume. (CALVIN, John. 1998, Institutes III.11.9 –
Após esta longa citação, há de se concluir que Calvino refutou com maestria
Agora, com base em tudo que foi exposto, pode-se arriscar um gráfico:
a Cristo Jesus, e desta união provém todo conteúdo prático e legal de nossa
CONCLUSÃO FINAL
Para Calvino, a união com Cristo é aquela secreta, mística e sagrada ação
que tem como fonte e objetivo o Pai, é efetivada pelo Espírito Santo e une os eleitos
por ele; pode ser comparada a união vista nos brotos que retiram sua seiva da raiz,
às vestes que são vistas primeiro do que a pessoa que as usa e a união de um
iluminando-o para entender a Palavra, une-o a Cristo Jesus, e desta união provém
fato esta doutrina “tem um significado abrangente e básico para Calvino, na verdade,
que a “união com Cristo pode ser proveitosamente tomada como a afirmação central
[das Institutas]” (PARTEE, Charles. 1987, p. 193). Ela é claramente, para Calvino,
neste sentido “apenas”, uma conseqüência da fé. Ainda assim, junto com Dennis
Finalmente, uma palavra de Calvino que talvez nos envergonhe ao final deste
estudo: Portanto, labutemos mais para sentir Cristo vivendo em nós, do que para
Efésios 5.32). Devemos seguir este sábio conselho de Calvino. Tais verdades que
estudamos não podem ficar como que apenas em nosso intelecto, mas devem
superficial do povo brasileiro e às vezes árido dos eruditos, devemos buscar que
Cristo cresça e nós diminuamos, que ele viva em nós e que nós morramos.
REFERÊNCIAS
____________. The John Calvin Collection. Albany: AGES Software, 1998. CD-
ROM.
PARTEE, Charles. Calvin’s Central Dogma Again. The Sixteenth Century Journal,
TAMBURELLO, Dennis. Union With Christ: John Calvin and the Mysticism of St.
Theology).
TAN, Seng-Kong. Calvin´s Doctrine of Our Union With Christ. Quodlibet Journal,