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J . B .

Libanio
Afonso Murad
OBRAS DOS AUTORES NESTA EDITORA
J. B. Libanio
A rte de formar-se
Cenários d a Igreja
Discernimento espiritual
Educação católica: atu ais tendências
Educação p a ra uma sociedade ju sta
Estudos teológicos
Eu creio, nós cremos, tratado d a fé
Evangelização no mundo de hoje (A)
Fé e política
Gustavo Gutierrez
Igreja contemporânea: encontro com a m odernidade
Introdução à Teologia
Introdução à vida intelectual
João Paulo 11 aos jovens
Lógicas d a cidade
Mundo dos jovens
Olhando p a ra o futuro
Religião no início do milênio
Teologia da libertação. Roteiro didático p a ra um estudo
Teologia d a revelação a p a r tir da m odernidade
Utopia e esperança cristã
Vida religiosa na crise da m odernidade brasileira
Volta à grande disciplina (A)

Afonso Murad
Com M aria rumo ao novo milênio
E spiritualidade como caminho e m istério
Este cristianism o inquieto
Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas
Edifões Loyola
Capítulo

Tarefas da
teologia

“A T E O L O G IA A T U A L É T E O L O G IA DA A T U A L ID A D E ,

N Ã O N O S E N T ID O M E R A M E N T E C R O N O L Ó G IC O , MAS

S O B R E T U D O K A IR O L Ó G IC O . A A T U A LID A D E S IG N IF I­

CA U M A TA REFA C O N S T A N T E E IN IN T E R R U P T A NA

h is t ó r ia ”

(J. M oltm ann ).

m ergem , ao longo das reflexões anteriores, m uitas tarefas


E urgentes e im portantes para a teologia: a articulação com a
espiritualidade e prática pastoral, o “quefazer” dos novos enfoques
teológicos, o redim ensionam ento de sua lógica e de sua lin g u a­
gem.

As “tarefas” da teologia ultrapassam-lhe as funções estruturais


normais. Pretendem responder aos desafios de nosso tempo. Entre as
tarefas-gerais, excelem a herm enêutica, a crítico-construtiva e a '
dialógica. Entre as tarefas específicas, destacam-se a práxis, a unidade
intema, o aprim oramento dos instrumentais pré-teológicos e a form a­
ção de novos quadros eclesiásticos e leigos.

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T a r e fa s d a t e o l o g ia T a r e f a s g e r a is

I. TAREFAS GERAIS verdade não é inteiramente preexistente e objetiva. Já não se considera


o cristianism o como um depósito ou sistema objetivo de verdades *
prévias à realidade histórica. A verdade é busca, dependente de sua
1. Tarefa hermenêutica historicidade concreta, fundamentalmente processual e contextualiza-
da, sem deixar de ter valor universal; do contrário só existe como
A teologia sempre foi herm enêutica da fé. Faz parte de seu pró­ abstração conceituai.
prio conceito e identidade. Reinterpreta e organiza os dados revelados, A descoberta do valor das culturas e de seu condicionamento
vividos e compreendidos na/pela comunidade eclesial, em diferentes
(positivo e/ou negativo) na interpretação da fé confere à tarefa herm e­
contextos socioculturais e histórico. Caso não exerça essa missão, as
nêutica atualidade enorme. O cristianismo atual resulta de vários pro­
formulações de fé se tomam anacrônicas, reduzindo-se, com o tempo,
cessos de inculturação e sincretism o1. Nascido no meio da cultura
à recitação de fórmulas de pouca ou insignificante inteligibilidade.
oriental semita mediterrânea, expande-se para o ocidente. Faz a pas­
Se a tarefa herm enêutica sempre existiu, a consciência de sua sagem do horizonte judaico para o helênico. Já em seus inícios, realiza
utilização é relativamente nova. No esquema mental vigente até o reinterpretações múltiplas, como m ostram os escritos das Escolas de
advento da modernidade, pensava-se que o conhecer visava a alcançar Alexandria, Antioquia e Capadócia. Na Idade M édia, assim ila e pro­
de form a definitiva o sentido único do texto. A verdade estava já m ove as novas culturas da Europa. Hoje, quando se reconhecem os
fixada. Bastava ter acesso a ela, desobstm indo o olhar. Daí a concep­ valores das culturas autóctones e se aceitam os elementos positivos do
ção clássica de que a verdade é a adequação da mente com o objeto. pluralism o cultural da sociedade moderna, processa-se a reinterpreta-
Nesse contexto, até a palavra “interpretação” soava como estranha, ção dos dados de fé para novas situações e contextos. Não se renuncia
parecia desnecessária. Numa visão a-histórica, o problema hermenêutico ao núcleo do cristianismo, para fazê-lo palatável e “pronto para o
é bastante simplificado: as verdades abstratas, etem as possuem form u­ consum o”, no imenso supermercado de religiões e movimentos p s e u - 7
lações definitivas. Como as coordenadas culturais de tempo e espaço dom ísticos. A o contrário, busca-se fidelidade ao Evangelho, mantendo
não são conscientem ente levadas em consideração na form ulação dos seu caráter de “Boa N ova” compreensível, significativa e interpeladora.
dados da fé, não se pensa em reformulá-los, quando estas coordenadas
se modificam. As mudanças históricas, na organização da sociedade ou Qualquer ato de conhecer passa necessariam ente pela pessoa. Ao
no pensamento, são interpretadas como desvios da ordem cristã. Não ' interpretar, o sujeito cognoscente m anifesta sua identidade, imprime
podem, por isso, constituir fator de auxílio para elaboração teológica. A sua m aneira de ser. O conhecimento nunca é totalm ente objetivo.
“teologia perene” responde às questões centrais da fé. As formulações Quando alguém lê a realidade, interpreta-se a si e define-se diante
necessitam somente ser entendidas ou adaptadas, mas não reelaboradas. dela.

Vários fatores levam a perceber a necessidade da hermenêutica: a O teólogo ou qualquer outro cristão possui um a “pré-compreen-
descoberta da historicidade, a revalorização das culturas, o reconhecimen­ são” (“Vorverstãndnis”), derivada do somatório de experiências vivi­
to do sujeito cognoscente, a percepção do conflito social e a sem iótica.' das, refletidas e assimiladas. A pré-com preensão exerce efeito seletivo
sobre o conhecimento. Atua como um filtro, deixa passar alguns ele­
m entos e retém outros. Dirige a luz para uns aspectos e deixa na
a. H istoricidade, sujeito e sociedade

1. Sincretismo” tem aqui conotação neutra, aludindo às multiformes expressõe


A consciência da historicidade e a compreensão do processo de da fé cristã que foram tomadas do ambiente em que ela se inculturou, especialmente
conhecimento, no correr da história da humanidade, fazem ver que a a partir do contato com outras religiões e formas de organização social.

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T a refa s d a t e o l o g ia
T a r e f a s g e r a is

som bra outros. É função da teologia tanto levar em conta a participa­ A teologia recupera assim sua dimensão metacientífica. O ponto7
ção ativa do sujeito que conhece, faz, lê e ouve teologia, como evitar de impulso não reside na simples vontade de conhecer as coisas divi­
que ela se reduza a m era produção subjetiva. A reflexão teológica nas, mas no desejo de viver a caridade-solidariedade. J. L. Segundo
defronta-se com a pergunta de fundo: “Que sentido tem, para o ho­
denom ina este fator com o “ m om ento pré-teo ló g ico ” do círculo
m em /m ulher de hoje, determ inado tema? Em particular, que aspectos
herm enêutico da fé. O conhecimento começa com a indignação ética,
de sua existência podem ser iluminados pela fé?”
com o desejo de fazer-se irmão\irmã, de com partilhar um a história
O indivíduo não paira no ar. Seu espaço vital transcende a pura comum. Por vezes, tal sentimento se tom a visceral. O “pathos”, a '
subjetividade. A existência pessoal, de valor inegável e irredutível, paixão solidária im pulsiona o saber. ç
constrói-se na sociedade. Na Am érica Latina, verdadeiro abismo sepa­
Guardadas as devidas proporções, o princípio vale para qualquer
ra os mais ricos e os mais pobres. Pequena elite escandalosamente
teologia que pretende ser libertadora e inculturada. Impossível fazer teo­
consome o melhor do que se produz no mundo e uma multidão enor­
lo g ia fem in ista m ordente sem conhecer os efeitos n efasto s d o 7
me de famintos não tem acesso ao mínimo humano. Os “pobres” e
patriarcalismo, tanto no homem como na mulher. Inútil querer elaborar
“oprim idos” de ontem form am o contingente gigantesco da “massa
uma “teologia mestiça”, se o coração do teólogo não vibra com o povo
sobrante” dos excluídos, condenados a viver em condições aviltantes.
em suas festas e dores. Improdutivo é tentar fazer teologia para a “pós-
O perverso processo, que conduz ao empobrecimento, não deriva modemidade”, sem compreender e acolher, por dentro, sua lógica e suas
de calamidades imprevisíveis ou de carência de recursos naturais, mas linguagens.
de mecanismos definidos. Sustenta-se num a ideologia (forma de pen­
sar parcial, veículo dos interesses da classe dominante) que encontra
formas de expressão na religião, nos hábitos sociais, na escola e nos Círculo hermenêutico e teologia libertadora
meios de comunicação de massa. Nesse contexto, a herm enêutica teo­
lógica assume, em 'prim eiro lugar, função desideologizadora. Ajuda a “Penso que existem duas condições necessárias para termos um círculo
rem over as inferências da ideologia dominante, que entrou no discurso hermenêutico em teologia. A prim eira é que as perguntas que surgem
cristão. Realiza-se a “libertação da teologia”, tarefa preconizada por J. do presente sejam tão ricas, gerais e básicas, que nos obriguem a
L. Segundo. EmAegundo lugar, a fé se faz práxis humanizadora, criadora mudar nossas concepções costumeiras da vida, da morte, do conheci­
de relações sociais mais justas e fraternas, por meio da teologia da mento, da sociedade, da política e do mundo em geral. Somente uma
libertação e da prática libertadora. mudança tal ou, ao menos, a suspeita geral acerca de nossas idéias e
juízos de valor sobre essas coisas, nos perm itirão alcançar o nível
A teologia latino-am ericana tem atiza de form a ímpar a inter-re- teológico e obrigar a teologia a descer à realidade e colocar a si
lação entre reflexão sistem ática e ótica interpretativa à luz do clássico mesma perguntas novas e decisivas.
axioma: “O lugar social condiciona o lugar hermenêutico” . O teólo­
A segunda condição está intimamente ligada à primeira. Se uma teo­
go, próxim o do mundo dos pobres, ouvindo seus clamores e sentindo
logia chegar a supor que é capaz de responder às novas perguntas sem ■>.
a interpelação ética que surge de sua situação, vê o rosto de Deus no
mudar sua costumeira interpretação das Escrituras, já terminou o cír­
“reverso da história”. Faz a si mesmo perguntas em que seu colega “de culo hermenêutico. Além disso, se a interpretação da Escritura não
escritório” jam ais pensou. Encontra sinais de Deus onde parecia não muda junto com os problemas, estes ficarão sem resposta ou, o que
haver nada. Busca saídas concretas para a situação, pois o gemido do seria pior, receberão respostas velhas, inúteis e conservadoras.
sofrimento do povo não se apazigua com livros escritos, nem se silen­
Sem um circulo hermenêutico, sem aceitar as duas condições m encio­
cia por detrás de estantes de biblioteca.
nadas, a teologia será sempre uma maneira conservadora de pensar e
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de atuar. Não precisam ente p o r seu conteúdo, mas porque tal teologia am pliado revela-se não como entidade separável, mas codificado em
carece de critérios atuais para ju lgar nossa realidade, e isto se conver­ sistem a de signos que constituem o relato.
te sempre em pretexto para aprovar o que já existe, ou então para
Os textos religiosos, em especial, enquanto estruturação de sig-
desaprová-lo, p o r não corresponder a cânones ainda mais velhos.
nificantes e significados que geram sentido, são polissêmicos, com
Eu acho que a teologia mais progressista na América Latina está mais forte tendência a não se deterem no referente histórico. Contêm um
interessada em ser libertadora do que em fa la r de libertação. Em ou­ excesso de sentido, que estim ula o processo hermenêutico. A interpre­
tras palavras, a libertação não pertence tanto ao conteúdo quanto ao tação de um texto necessita partir do texto mesmo. M as, ao fazê-lo,
método que se usa para fa zer teologia frente à nossa realidade” (J. L. ela cria novo discurso, incorporando o texto nele. Desta forma, “toda ^
Segundo, Libertação da teologia, São Paulo, Loyola, 1978, p. 11). leitura de um texto é uma produção de sentido em códigos novos que,
por sua vez, geram outras leituras como produção de sentido e assim
sucessivam ente”. A interpretação, processo em cadeia, sempre ascen­
dente, explora sem nunca esgotar a reserva de sentido do texto.
b. Semiótica e hermenêutica
A leitura, como produção de sentido, implica também apropria­
A semiótica contribui enorm em ente para a hermenêutica. Tanto ção, porque tem em germe a pretensão de possuir todo o sentido do
os textos como os acontecim entos em item signos/sinais que necessi­ texto. Esta pretensão conota violência, por sua tendência totalitária e
tam de interpretação. Conforme a semiótica, o sentido do texto não é exclusiva. Surge daí o conflito das interpretações, pois cada um a crê
algo objetivo e palpável que nele reside em estado puro, como se ser a que melhor tematiza o sentido, inclinando-se a não aceitar outra. ^
alguém pudesse garimpá-lo com os instrumentos apropriados. Se fosse Esse fato, típico de textos que inspiraram grandes movimentos histó­
assim, o sentido do texto coincidiria com a intenção de seu autor e o ricos e/ou significativas cosmovisões, ganha relevância na atual plu­
leitor atual apenas repetiria a leitura que fizeram seus primeiros des­ ralidade de estilos e correntes no interior da Igreja.
tinatários, depois de retirar-lhes as impurezas. Tom ar-se-ia impossível Cada leitura pretende enclausurar o sentido. Pode provocar ou
fazer novas leituras criativas. N a realidade, a pretensão de fechar aguçar divisões. Por outro lado, as diferentes interpretações partem do
completam ente o sentido de um texto é vã e irreal. m esm o texto. De certo m odo convergem . As releituras, em bora
“Toda leitura é produção de um discurso e, portanto, de um sen­ conflitivas, no correr do tem po mostram força aglutinadora e acum u­
tido, a partir do texto ( ...) A linguagem mesm a com bina tantos ele­ lam sentido. Produzem, portanto, fecunda exploração da reserva de
sentido do texto.
mentos sêmicos que nenhum a análise pode m anifestá-la por com ple­
to.”2 A pluralidade de leituras advém não do fato de o texto ser am ­ Os princípios de sem iótica e da herm enêutica, aplicados à lingua- *
bíguo, mas de dizer muitas coisas ao mesmo tempo. Em todo texto, há gem, valem tam bém para a teologia. Então, as diferentes “releituras”
um “adiante”, o mundo de sentidos que se abre em virtude da polissemia dos dados da fé escapam do juízo temerário de “perigosas” e passam
(muitos sentidos) do texto, potenciado por sua condição de estrutura a ser reconhecidas como positivas e até necessárias.
lingüística e pela morte de seu autor. Busca-se o sentido a partir do
texto e não somente da mente do au to r/O sentido a ser explorado e
c. Desafios para a tarefa hermenêutica
2. J. S. Croato, H erm en êu tica B íb lica . P a ra uma teoria da leitura com o
p ro d u çã o de sign ificado, São Paulo, Paulinas, 1986, p. 23. Para o que se segue, Proclam ar a legitimidade e necessidade da tarefa herm enêutica
ver pp. 23-34. não resolve, de per si, um a série de problemas que toda nova leitura
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teológica enfrenta. Em primeiro lugar, as interpretações novas devem dem ser de ordem empírica, uma vez que a teologia tem p o r objeto uma
guardar relação filial com a Tradição viva da Igreja. Não podem pre­ realidade invisível. Mas ela tem como ponto de partida uma objetivi­
tender “descobrir o ovo de Colom bo”, ignorando, subestimando, redu­ dade histórica: os eventos fundadores do cristianismo. P or isso-úm dos
critérios de verificação do trabalho teológico consiste justamente em
zindo ou tentando aniquilar o patrimônio vivo, sapiencial, espiritual e
confrontar as novas expressões da f é com a linguagem inicial da reve­
intelectual, que a Igreja acumulou no correr dos séculos. A tradição,
lação referente a esses eventos fundadores e com as diversas lingua­
como imenso rio, recebe afluentes novos no decorrer de seu percurso, gens interpretativas que se encontram na tradição” (C. Geffré, Como
alargando a m argem e mudando até a cor das águas. fazer teologia hoje. Hermenêutica teológica, São Paulo, Paulinas, 1989,
Toda nova hermenêutica, ao querer ser duradoura na Igreja, es­ pp. 80s).

tabelece com plexa relação de ruptura e continuidade com a tradição.


Ruptura, porque propõe modelos, conceitos, idéias e comportamentos
C roato, J. S., H erm enêutica Bíblica. Para um a teoria da leitura com o produção de
que rom pem a calm a e a segurança do já estabelecido e tido como significado, São Paulo, Paulinas, 1986, pp. 23-34.
certo. Continuidade, porque passa a fazer parte da mesm a tradição, G effré,C., Com o fa ze r teologia hoje. H erm enêutica teológica, São Paulo, Paulinas,
recriando, aprofundando e acrescentando elementos ainda não presen­ 1989, cap. 3 (dogm ática ou herm enêutica), pp. 63-102.

tes ou perdidos durante o trajeto. Nova herm enêutica assemelha-se ao


filho adolescente, em conflito com o velho pai, de quem recebeu vida
e educação. M antendo-se na m esm a família, quer abrir caminhos iné­ 2. Tarefa crítico-construtiva
ditos. Por vezes provoca conflito inevitável, que, se vivido com amor
e respeito, é frutífero para todos. A tarefa crítico-construtiva reúne duas características. Enquanto
crítica, questiona, desinstala e purifica. Enquanto construtiva, justifica,
harm oniza e integra. A função crítica, se exercitada unilateralmente,
cria um vazio, insegurança insuportável a longo prazo. M ostrados os
Teologia como hermenêutica limites e escolhos, não se antevê ainda saída possível. A função cons- '
trutiva, se desprovida da crítica, tom a-se sujeita a manipulações de
“A teologia p ode ser definida como o esforço para tornar mais inte­
ligível e m ais significante para hoje a linguagem já constituída da toda sorte, servindo para consolidar o “status quo” . Cada elemento
revelação, que também é interpretativa. A teologia, como nova lingua­ tem seu momento de maior expressão, mas ambos cam inham juntos,
gem interpretativa, apóia-se nela para explicar as significações do se compreendidos como dois pólos de relação dialética. As duas fases f
m istério cristão em função do presente da Igreja e da sociedade. A do profetismo judaico ilustram bem esta relação.
linguagem teológica é necessariam ente interpretativa à medida que
No tempo do reinado, o profetismo se caracteriza especialmente
visa à realidade do m istério de Deus a p artir de significantes inade­
quados. E é próprio da teologia especulativa transgredir os prim eiros pela crítica. Relativiza o culto e a monarquia, denuncia a injustiça,
significantes da linguagem da revelação graças aos novos significan­ cham a à conversão. No tempo do exílio, o mesmo profetismo assume
tes que lhe são oferecidos p o r certo estado da cultura filosófica e outra face. Preferencialm ente consola o povo desesperado e triste,
científica. alim enta a esperança, resgata as experiências positivas do passado, ^
A teologia como hermenêutica não renuncia a uma lógica rigorosa das caídas no olvido. Valoriza as manifestações de resistência. Nas duas ' 0 "
verdades de fé, mas tem consciência do limite constitutivo de sua lin­ fases está presente o mesmo espírito profético, com seu zelo pela
guagem em relação a um ideal de sistematização conceptual/Á lingua­ aliança, a ira contra a idolatria e a promessa do novo tempo, mas com
gem teológica possui seus critérios próprios de verdade, que não po- acentos distintos. Os tempos próximos ao Novo Testamento testemu-

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nham a produção da literatura sapiencial, que se seguiu ao profetismo. ,' -A mento. Os dois termos, conversão e seguimento, tematizam, no nível
Ela intenta coonestar o valor da presença de Deus no cotidiano, ao 7 da espiritualidade, as dimensões de crítica e de construção.
tecer reflexões sobre a vida e a morte. Diferencia-se sobremaneira do 4U /
Como se mostrou no capítulo sexto, os enfoques teológicos atuais
prim eiro profetismo, mas bebe na mesm a fonte da aliança, buscando
se edificam a partir de postura crítica em relação à teologia dominante,
fidelidade a Deus. «
chegando até a exploração construtiva e transformação conceptual. O
Conforme os estudos de R. Schaeffler3, a consciência religiosa,
X
processo de vida das novas teologias comporta três momentos: nega-
nela mesma, constitui a form a mais prim igênia de consciência crítica - ^ ção-desconstrução, criatividade e construção, autocrítica e criticidade.
diante do mundo e de si mesma. O objeto da religião — o divino, o ■, ^ Função crítico-construtiva, portanto, significa mais do que julgar a
santo, a totalidade — se contrapõe ao mundo, m arcado pela finitude realidade e apontar os erros. Inclui “form a de pensar em profundida­
e manifestações contingentes e deficitárias da verdade. A consciência' ' >V . iv~ de” (Kant) até o fundo das coisas, “intelecção penetrante” (Habermas)
religiosa se percebe na diferença entre a grandeza de Deus e o mundo «N e engajamento criativo.
perecível e limitado. Aí reside seu poder crítico contra toda absoluti-
A teologia é cham ada a exercitar a tarefa crítico-construtiva espe- f-,
zação e divinização dos poderes finitos. A consciência do “Deus sem ­
cialmente em três âmbitos: intraeclesial, inter-religioso e ético-social.
pre maior” comporta, ao mesmo tempo, autocrítica. “Os próprios modos
de perceber e fazer patente essa diferença, desenvolvidos pela religião,
estão por sua vez submetidos à provisionalidade e insuficiência. As a. A m bito intraeclesial
formas como a religião fala de Deus e se com porta diante d ’Ele são
tam bém temporais (e portanto perecíveis, superáveis, sempre a refor­ A teologia exerce sua função crítico-construtiva diante das pre­
mar), na realização de uma tarefa interminável. Uma religião que não gações e de toda form a de discurso dirigido ao grande público. Cabe-
seja consciente de sua própria finitude e deficiência acha-se em contra­ -lhe acolher a pregação da Igreja, examiná-la à luz da Sagrada Escri­
dição com o que a caracteriza como tal. A tarefa crítica originária ou tura e da tradição e projetá-la para o futuro com form ulação melhor,
perm anente da religião consiste justam ente em pôr em vigor a diferen- > conforme as fontes contem porâneas. Não poucas vezes a pregação
ça entre as manifestações, das quais ela m esm a toma parte, e o m ani­ assume conotações m oralizantes e parcialmente superadas; carece de
festado nelas, em prol da qual ela existe.”4. fundamento teológico e veicula espiritualidade insuficiente ou alie-
A religião bíblica, em especial, caracteriza-se por seu vigor crí­ nante. Necessita, por isso, deixar-se corrigir e purificar pela teologia.
tico. Afirm a a grandeza e transcendência de Javé, denunciando toda Esta, por sua vez, fornece dados para as reflexões hom iléticas, empe- ,
tentativa de manipulação ou desvio de seu santo Nome. Move-se in­ nhando-se para realizar a “fusão de horizontes” entre a Palavra de
sistentemente contra idolatrias e cultos falsos. A Palavra de Deus, Deus e a m entalidade de hoje.
Kritikós (Hb 4,12), julga as intenções e o fundo dos corações. Religião A teologia cumpre papel positivo de ser a mediadora entre a
verdadeira e autêntica postula discernim ento crítico (Rm 12,1-2). O consciência cristã do povo e os pastores. Interpreta o magistério para ^
Deus de Jesus põe homens e mulheres “em crise”. A boa nova do o povo e capta o “sensus fidelium ” para o magistério. - ’ \
Reino, motivo de alegria, chama à conversão (Mc 1,15) e ao segui- V "
O teólogo desem penha a espinhosa missão de criticar e integrar
os ensinamentos do magistério. A posição crítico-construtiva da teolo­
3. R. Schaeffler, “Religión y consciência crítica”, 1973, citado por M. Seckler,
gia diante do magistério é dialética. Normalmente, o magistério signi­
“Reflexión sobre las tareas críticas de la teologia”, SelTeo 23 (1984), pp. 342-347.
4. M. Seckler, “Reflexión sobre las tareas críticas de la teologia”, SelTeo 23 fica a teologia do centro, consensual e sedimentada, capaz de ser
(1984), p. 343. comunicável aos fiéis. Cam inha ao ritmo da Igreja, um a instituição

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“de peso” e “pesada”. Apresenta o risco real de arrastar-se e esclerosar- mobiliza-se e intervém no momento em que emergem novos temas na
-se. A teologia dos teólogos provém de periferia, incita o centro e relação fé-vida.
estimula movimentos mais ágeis na Instituição eclesial. Ao mesmo
tempo, deixa-se criticar e corrigir pela hierarquia.
b. A m bito ecumênico e inter-religioso
A teologia segue e precede o magistério. Segue no sentido de
levar à frente a reflexão desencadeada pelos pastores; precede no sentido Quando se entra no domínio das outras igrejas e religiões, a
de abrir caminho e fornecer subsídios para o magistério. Enquanto função crítico-construtiva da teologia católica confunde-se com a do
tendência, pode-se dizer de form a lapidar que o magistério se renova diálogo, por ser precisamente a atitude norteadora dessa tarefa.
conservando-se e a teologia conserva-se renovando-se. Obviamente,
há muitas exceções: teólogos que sim plesm ente conservam e bispos A função crítico-construtiva da teologia católica, no diálogo ecu­
que se situam na linha de frente da renovação pastoral e teológica. mênico, isto é, no horizonte das igrejas cristãs, exerce-se a partir dos
valores comuns, consensuais, entre elas. A adoção da mesma tradução
A função crítico-construtiva da teologia exercita-se ainda na co­ da Escritura, o reconhecimento dos prim eiros concílios, a leitura não
munidade eclesial, ao submeter a juízo práticas atuais e ao auxiliar a
polêm ica dos princípios de Lutero (identificando seu alcance e lim i­
gerar novas práticas na vida sacramental, na liturgia, na devoção po­
tes) e a acolhida de autores de confissões distintas compreendem al­
pular, na catequese, nas estruturas pastorais e eclesiásticas. Ela puri­
guns dos procedimentos que sinalizam com o as igrejas cristãs, ao
fica a memória, desperta a amnésia, corrige exageros, omissões e
menos no campo da teologia, estão dando passos enormes. O Evange-X
posturas unilaterais e orienta a prática cristã. Em todos esses campos,
lho, vivido e interpretado dentro da respectiva “tradição”, constitui o
a crítica deve ser “sapiencial”, reconhecendo seu limite de aceitabilidade
ponto de partida da crítica, autocrítica e recepção humilde dos elem en­
e tolerância. Certas descobertas da teologia, quando dirigidas a públi­
tos, que somente um a versão do cristianism o não contempla.
co indevido ou transmitidas em linguagem e metodologias inadequa­
das, podem fazer mais mal do que bem. Não é justo abalar convicções A tarefa crítico-construtiva mostra-se mais complexa no diálogo
e destruir hábitos religiosos arraigados sem propor algo positivo que inter-religioso ou macroecumenismo. A fé cristã tem a pretensão de
ocupe seu lugar. A profecia, sem sabedoria, mostra-se inconseqüente. m aior ou mais intenso acesso à verdade de Deus do que as outras
Com ela, realizam-se feitos duradouros. tradições religiosas. De onde deve partir a função crítica? Do Evange­
lho, de Jesus Cristo, ou de um presum ido terreno comum, até hoje não
A articulação com a religiosidade popular constitui aspecto su- ^
codificado? O Deus cristão é o mesmo das outras religiões? O núcleo
mamente importante para o exercício da função crítico-construtiva no
da distinção entre as religiões está na experiência de Deus ou na
interior da Igreja latino-americana. Ela exige do teólogo grande sen­
tematização desta experiência? Toma-se difícil criticar e acolher princí-^
sibilidade hum ana e religiosa, para captar os sinais de Deus e os
pios e conceitos de religiões que têm longa e diversificada história, apre­
elementos teológicos nas práticas populares, e a utilização de instrumen­
sentando na atualidade ramos e tendência em conflito. Assim, por exem­
tais da antropologia cultural para compreender a fundo este fenômeno.
plo, na relação entre cristianismo e budismo, qual versão das duas reli­
/P o r fim , cabe aos teólogos acompanhar a cam inhada de nossas giões se privilegia? A versão cristã católica ocidental, a oriental ortodoxa
Igrejas particulares, ao elucidar situações confusas e fornecer critérios ou católica, ou ainda a evangélica? Que elementos tomar em considera­
para a reflexão pastoral em questões como articulação das CEBs e ção: os dos fundadores e grupos iniciadores ou a concepção hegemônica
pastorais com movimentos sociais e populares, relacionamento leigo- atual? O que dizer de suas versões medievais e modernas, oriental e
-hierarquia no atual momento histórico, sujeitos eclesiais emergentes, ocidental? Alguns afirmam, por isso, que só se pode fazer uma boa
espiritualidade dos leigos, adesão de fé e subjetividade etc. A teologia teologia das religiões a partir de um exaustivo estudo de suas h istórias/

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O atual consumismo místico, que atravessa o mundo inteiro, traz A ética cristã deve ser sapiencial, enquanto fom ece subsídios para
um a função urgente para a teologia católica: ajudar os fiéis a discernir, mediar a distância entre a situação real e a ideal (dever ser) das pes­
nas diversas experiências religiosas, dados positivos e espúrios. Cabe soas e da sociedade. Trata-se ainda de respeitar a “autonom ia relativa
à teologia denunciar claram ente toda e qualquer igreja ou religião, que das realidades terrestres” 5, servindo-se do melhor que as ciências e
se constitui a partir do desejo explícito e reconhecido de vender bens toda form a de conhecimento oferecem no momento. Declara, a este
simbólicos religiosos. Trata-se de verdadeira idolatria, profanação do respeito, o Concilio:
nome de Deus e exploração do sentimento religioso. Mas não se pode
deixar de reconhecer que, no interior destes grupos, há pessoas que “Para aumentar este intercâmbio (da Igreja com a humanida­
buscam sinceramente o Bem e, apesar de erros e limitações sérias, de), sobretudo em nossos tempos, nos quais as coisas se mu­
experim entam seriamente a Deus. Semelhantemente ao que acontece dam tão rapidamente e variam muito os modos de pensar, a
no cristianism o, há tensão e diferença entre experiência de Deus e sua Igreja precisa do auxílio, de modo peculiar, daqueles que, cren­
formulação. tes ou não-crentes, vivendo no mundo, conhecem bem os vários
sistemas e disciplinas e entendem a sua mentalidade profun­
A atitude crítico-construtiva exige grande hum ildade em reco­
da. Compete a todo Povo de Deus, principalmente aos pastores
nhecer que, em importantes aspectos da relação com Deus, nossa re-
e teólogos, com o auxílio do Espírito Santo, auscultar, discernir
* ligião revelada não é a única nem a melhor. Valores religiosos e hu­
e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las
manos positivos são veiculados por afirmações que, em nossa concep­
à luz da palavra divina, para que a Verdade revelada possa
ção, se consideram equivocadas ou insuficientes. Devemos aprender
sei• sempre mais profundamente, mais bem entendida e propos­
com os outros. Nossa identidade, porém, concedida como graça para
ta de modo mais adequado”.
ser difundida e recriada em todo o mundo, tem de evitar a adesão a
sincretismo barato ou adoção de relativismo nivelador. A teologia, por fim, sente-se chamada a exercitar sua função
crítico-construtiva no âmbito ético-social, pronunciando um a palavra
sobre o sistema capitalista neoliberal, que tem estendido suas raízes e
c. Âmbito ético-social
desenvolvido seus ramos por todo o planeta. Em bora o magistério
tenha já pronunciado algum parecer sobre as conseqüências do neoli-
A visão cristã sobre o mundo compreende a percepção da distân­
beralismo, a teologia carece de um estudo mais sistemático, ampla­
cia entre o que existe hoje na realidade e o projeto de Deus sobre a mente apoiado nas ciências hum anas, sobre este candente tema.
hum anidade e o cosmos. A função crítica exercita-se ao m ostrar pre­
cisam ente em que aspectos os seres humanos, em suas relações, estão
vivendo distantes ou contrários aos desígnios divinos. Assim, a teolo­
“Aqui, como em qualquer processo do pensar teológico concomitante
gia tem uma palavra a dizer sobre a economia, a política, a cultura, a
à religião, contrapõem-se dois tipos de teologia: a das afirmações
ciência e os costumes. No exercício dessa tarefa, devem-se evitar al­ doutrinais, das fixações dogmáticas, da produção de sistemas coeren­
guns escolhos como o m oralismo, o simplismo e a ingenuidade. tes, e a teologia como processo aberto e provocador de abertura de
O moralismo, aliado ao simplismo, consiste em carregar o dis­
curso crítico com um “dever ser” que não leva em conta a espessura 5. “Se por autonomia das realidades terrestres entendemos que as coisas criadas
e as próprias sociedades gozam de leis e valores próprios, a serem conhecidos, usados
da realidade, a com plexidade de fatores que nela interferem. Assim,
e ordenados gradativamente pelo homem, é necessário absolutamente exigi-la. Isto
por exemplo, faz-se discurso de legitimação ou condenação em bloco não é só reivindicado pelos homens de nosso tempo, mas também está de acordo com
à propriedade privada, ou sobre as relações sexuais pré-matrimoniais. a vontade do Criador” (Gaudium Spes 36, Concilio Vaticano II).
T a r e f a s g e r a is
T arefa s d a t e o l o g ia

elaboração da experiência com os p é s na terra. No jogo mútuo destas a. Requisitos para o diálogo
tendências contrárias se mostra e se dá crédito à vitalidade de uma
religião. O diálogo postula algumas condições básicas, sem as quais acon- *
tecerá somente desmotivante monólogo ou “diálogo de surdos”, em
Também na crítica das instituições e do culto se contrapõe a tendência
que todos falam e ninguém escuta. Pressupõe, entre outras, condições
para configuração e instrumentalização com uma tendência de crítica
epistemológicas, lingüísticas, psicológicas, sócio-históricas, espirituais
institucional que refunde todo o estabelecido num fogo crítico e devolve
e teológicas.
às evidências seu dinamismo simbólico. Toda religião tem uma tendên­
cia a reforçar a estrutura, a acentuar o seguro, a eludir a espontanei­ O requisito epistemológico é um a concepção dialético-histórica
dade. Essa tendência, que em si não é incorreta, levaria a religião a da verdade. Na visão especular, a verdade é percebida unicamente em
perder muito de sua vitalidade, de seu poder de renovação e salvação, sua vertente objetiva, cabendo ao sujeito apenas refleti-la como num
se impedisse brotar dela mesma o vigor da antitendência, da autocrítica, espelho. O indivíduo acolhe a verdade, considerada preexistente, im u­
da destrutividade (...) tável e eterna. Ora, quem possui a verdade objetiva não necessita
(A autocrítica da teologia) trata da disposição contínua de questionar dialogar. Deve somente transmiti-la. Na perspectiva eclesial, não cabe
e examinar as próprias disposições, os m étodos e objetivos próprios, nenhum diálogo ecumênico ou com o mundo, pois a verdade já está
incluindo a autocrítica da crítica. Uma teologia que não é capaz de dada, e não pode se com pactuar com o erro. A concepção especular-
questionar-se criticamente a si mesma, a seus próprios procedimentos, subjaz ao fundam entalism o, tanto bíblico quanto dogmático. A verda­
resultados e funções críticas, degenera rapidamente em ideologia. Mas, de na concepção dialético-histórica resulta do confronto entre sujeito
se ela se aprofunda nesta exigência autocrítica, aparece junto ao com­ e objeto, e entre sujeitos. Um sujeito não é capaz de apreender, de uma
ponente ético uma tarefa epistemológica” (Max Seckler, “Reflexión sobre vez para sempre, toda a verdade. Ele o faz de maneira lim itada, sujeita
las tareas críticas de la teologia” in: SelTeo 23 [1984] n. 92, pp. 345, à correção, aperfeiçoamento e aprofundamento, na relação com os
352. outros6. A própria verdade, na história, nunca é plena. O diálogo a
enriquece.
Em/Segundo lugar, sem o conhecimento das regras internas dos
G onzáles F a u s, J. I., “L a teologia, de los anos ochenta a los noventa” in: VV.AA., D e
cara al tercer m ilênio. L ecciones y desafios, Santander, Sal Terrae, 1994, pp. 59-78. jogos lingüísticos de cada interlocutor, entra-se no círculo de “mal-enten­
R a hn er, K „ “ M agistero e teologia” in: idem , D io e R ivelazione. N uovi Saggi, t. VII, didos”. As palavras não são compreendidas, ao ignorar-se a term ino­
R om a, Paoline, 1981, pp. 85-112. logia ou a relação significante-significado. No diálogo entre a fé cristã
J. M., “El m agistério y la libertad dei teólogo” in: VV.AA., Teologia y
R o v ir a B e l l o s o , e outros grupos religiosos, impõe-se clarificar para ambas as partes o
m agistério, Salam anca, Síguem e, 1987, pp. 205-226.
significado dos termos, tais como: Deus, salvação, meditação.
S eckler, M ., “R eflexión sobre las tareas críticas de la teologia” in: SelTeol 23 (1984), n.
92, pp. 341-352. Ao dialogar com a ciência, cada interlocutor propõe seu ponto de
vista específico. No diálogo entre ética cristã e medicina, por exem ­
plo, o teólogo deve conhecer tanto os termos técnicos básicos quanto
3. Tarefa dialogai a perspectiva desta ciência. O pesquisador, por sua vez, deve ser capaz
de compreender, mesmo que não aceite pessoalmente a linguagem
O Concilio Vaticano II reinaugurou o diálogo explícito e aberto ' religiosa que subjaz ao discurso cristão.
da Igreja com o mundo, rompendo longa interrupção que durou, no
m ínimo, três séculos. A teologia chamada à tarefa dialogai, em toda 6. Cf. O. Maduro, Mapas para a festa. Reflexões latino-americanas sobre a
sua amplitude. crise e conhecimento, Petrópolis, Vozes, 1994, pp. 161-184.

350 351
T arefa s d a t e o l o g ia T a r e f a s g e r a is

Fatores subjetivos exercem imensa influência num a discussão. verdade divina, que é de natureza escatológica. Só acontecerá plena­
Requisitos de natureza psicológica fazem-se necessários para um diá­ mente no final dos tempos. Cada geração cristã retém “m om entos”
logo produtivo, tais como posse de si e abertura ao diverso em são 1 dela. A verdade de Deus, que é Deus mesmo, ao mesmo tem po se faz
equilíbrio. Sem a necessária autoconfiança, segurança em suas capa­ acessível a nós (catafática) e nos escapa de qualquer m anipulação e
cidades e convicções, auto-estima, certeza de que se tem algo original controle (apofática), mantendo sua Alteridade Absoluta.
e que vale por si mesmo, não se dialoga. Indivíduos com complexo de
inferioridade e baixa auto-estima tendem a considerar os outros como
am eaça em potencial, que perturbam tanto as verdades que ele defen­ b. Interlocutores
de, como a sua própria pessoa. O diálogo degrada-se, neste caso, em
luta, em que cada um se entrincheira no próprio mundo. Evitando o A teologia estabelece com seus diferentes interlocutores tipos de
extremo da capitulação incondicionada ou perda de identidade, requer- 1 relação, dependendo da m atéria sobre a qual se trava a discussão. No
se a flexibilidade ao diferente e a abertura à alteridade do outro. âmbito da própria Igreja, a teologia dialoga com diferentes grupos de
fiéis, por meio de movimentos e pastorais, e com o m agistério em
E m 'quarto lugar, só numa sociedade livre do domínio férreo da linguagem eclesial. No diálogo com outras Igrejas cristãs, o teólogo
tradição e da autoridade, típico de sociedades pré-m odem as, existe fundam enta sua contribuição no Evangelho e na tradição comum,
diálogo. Num a palavra, sem tolerância não se dialoga7. Requer-se certo chegando a pontos consensuais. O diálogo com as religiões não-cris-
patam ar histórico-cultural possibilitador de diálogo, a saber, que a tãs. Os interlocutores se m ovem no terreno lingüístico do “sagrado” e
sociedade se liberte do domínio férreo da tradição e da autoridade, da “experiência religiosa”, apesar de os termos esconderem significa­
típico de culturas pré-m odem as. Quando a tradição e a autoridade dos distintos. Por fim, o diálogo com grupos da sociedade civil, como
(política e/ou religiosa) são sinônimo de “aceitável” e “certo”, reser­ cientistas, políticos, militantes de movimentos sociais e ecológicos,
vando a indivíduos e grupos um mínimo espaço de discussão e ino­ exige a adoção de outra linguagem e ponto de partida, como a ética.
vação, tom a-se extramente difícil dialogar. “Tolerância” é palavra ~ Em bora tenha amplo leque de interlocutores em potencial, realiza
dificilmente utilizada. Tal parece ser, por exemplo, a grande dificulda­ infelizmente muito pouco de suas possibilidades. Predominantemente
de da teologia católica em repúblicas islâmicas ou mesmo em algumas restringe-se ao corpo eclesial, deixando de dar sua contribuição ao
regiões católicas da Am érica Latina, fortem ente tradicionalistas. diálogo Igreja-M undo, em suas diferentes configurações.
' Por fim, o teólogo acredita no diálogo porque confia na ação do
Espírito de Deus, que enche a vastidão do universo, comunicando
seus dons a todos. Reconhece a atuação do Espírito Santo tanto na O Espírito Santo e o diálogo
hierarquia, como nos fiéis leigos. Desabsolutiza, sem deixar de reco-"
nhecer o devido valor, instâncias eclesiásticas, pois sabe que o cato­ “Se no lado divino — e a Igreja é sempre uma instituição humano-
licismo não é a única versão do cristianismo. Lança-se confiante na -divina, uma continuação um tanto estranha da Encarnação — é a
tarefa de perscrutar os “Sinais dos Tem pos”, as interpelações de Deus promessa do Espírito em nossas perspectivas fragm entárias que nos
relaciona com a totalidade da verdade, no lado humano essa relação
nos fatos e situações da atualidade. Com a m esm a humildade, pergun- r
é concretizada através do nosso diálogo uns com os outros. Onde todas
ta pelas “sementes da palavra” de Deus, que estão além das fronteiras
as expressões da verdade são históricas, fragm entárias e parciais, a
da própria Igreja. No diálogo, ele é m ovido pelo tem or reverenciai à
relação criativa com a verdade somente é realizada pelo diálogo, pelo
encontro de uma posição parcial com a crítica e complementação de
7. Ver: B. Hãring-B. Saldovi, Tolerância. P or uma ética de solidariedade e de outra, e não pelo isolamento e perpetuação petrificada de uma única
paz, São Paulo, Paulinas, 1995, pp. 13-40. perspectiva fragmentária.

352 353
T a refa s d a t e o l o g ia T a r e f a s e s p e c í f ic a s

Uma p o siç ã o teo ló g ica transform a sua un ilateralidade m eram ente Isto a reduziria a um pragm atism o empobrecedor. Faz-se, porém, ne­
fin ita em gra ve erro, caso não acolha o contrabalanço, o ju lgam en ­ cessário criar um “laboratório” para testar as novas formulações de fé,
to e o aprim oram ento que os pon tos de vista opostos costum am reelaboradas pela teologia, para aprimorar-lhe a função herm enêutica
trazer. Entre seres h istóricos, a verdade aparece no diálogo, nas­ e receber o retom o (“feedback”, retroalim entação) de sua contribuição
cendo dialeticam en te do confronto d os opo stos e do novo e m ais à comunidade eclesial. Um a cristologia recente, por exemplo, elabo­
rico consenso que p o d e surgir desse confronto no E spírito. A con­ rada com todo rigor científico, incorporando e rearticulando dados da
seqüência im ediata da verdade de nossa fin itu de histórica e da Escritura, Tradição e reflexão contemporânea, deve ser “provada” pelos
ação do E spírito Santo entre nós é que a condição essencial p a ra grupos cristãos, para conferir sua incidência e utilidade para a prática
a verdade dentro da com unidade é a liberdade de debate teológico. pastoral, espiritualidade e atuação no m undo secular. Do contrário,
A ‘o r t o d o x i a ’ r e p r e s e n ta um c o n s e n s o h i s t ó r i c o , a s e r corre-se o risco de tom ar-se saber estéril, voltado para si próprio,
contra b a la n cea d o , critica d o e a p erfeiçoado p o r m eio de debates narcisisticam ente enredado em suas elucubrações. 7
p o ste rio re s à m edida que as situações culturais se transform am , as
interpretações do Evangelho mudam e a relatividade até mesmo A tarefa da práxis, especialm ente na Am érica Latina, exige a
daquele consenso se torna evidente. Som ente na atuação dinâm ica “libertação da teologia”. Num prim eiro momento, captam-se os con­
do E sp írito Santo a tra vés de diferentes p ersp ectiva s da Igreja total ceitos teológicos e as expressões eclesiais que cristalizam práticas
é que a ortodoxia se torna ‘o rtodoxa’ — e não no absoluto de uma sociais conservadoras. Denuncia-se sua utilização ideológica a serviço
p e rsp e c tiv a dentro do to d o ” (L. Gilkey, “O E spírito e a descoberta do “status quo” . Num segundo momento, voltando às fontes da B íb lia '
da verdade através do d iá lo g o " , in: VV.AA., A experiência do Es­ e da Tradição, refaz-se o discurso teológico, mostrando sua dimensão
pírito Santo, P etró p o lis, Vozes, 1979, pp . 203s). libertadora. Por fim, resgatam -se elementos positivos da prática cristã,
em nível eclesial e social.
Elem ento característico da teologia da libertação, a relação com
A zevedo, M. C. de, E ntroncam entos e entrechoques, S ão Paulo, Loyola, 1991, pp. 197-
211 (“A incom unicação na com unicação das religiões”).
a práxis assume em nosso continente conotação precisa. A práxis liber­
L., “O E spírito e a descoberta da verdade através do diálogo” , in: VVAA, A
G il k e y ,
tadora implica o empenho de cristãos e da Igreja institucional em
experiência do E spírito Santo, Petrópolis, Vozes, 1979, pp. 191-205. promover, apoiar e fortalecer iniciativas que visem à superação da
F. L., “O cristianism o entre a identidade singular e o desafio plural” in: P ers­
T e ix e ir a , pobreza estrutural que assola nossos povos. Neste nível, a tarefa da
p ectiva teológica 27 (1995), pp. 83-101. teologia consiste em m ostrar a pertinência da opção pelos pobres, bem
A., “ El diálogo de las religiones” , C uadernos f e y secularidad n. 18,
T o r r e s Q u e ir u g a ,
como fazer que esta chave herm enêutica ilumine a própria reflexão
Sal Terrae, 1992.
teológica. Ademais, a práxis libertadora se expressa no empenho de
criar estruturas eclesiais em que o povo pobre exercite seu protagonis-
II. TAREFAS ESPECÍFICAS mo. Em breves palavras: luta pela nova sociedade e Igreja dos pobres.
Já se apontaram, no final do capítulo quarto, algumas tarefas especí­
ficas para a teologia da libertação no atual contexto sócio-histórico.
1. Tarefa da práxis

A teologia, como “ciência eclesial”, herm enêutica da fé a serviço “A nova orientação da reflexão teológica (se dirige para) uma teologia
da evangelização, confronta-se com a práxis eclesial e social. No da práxis. Isso justifica o interesse dos teólogos pelas ‘novas comuni­
entanto, a práxis não é o único critério de julgam ento para a teologia. dades’, que são como o laboratório desta teologia.

354 355
T arefa s da t e o l o g ia T a r e f a s e s p e c í f ic a s

1. Estas comunidades testemunham uma nova maneira de estar no são eclesial, a experiência pessoal de fé e a reflexão científica
mundo: rejeição do dualismo Igreja-Mundo como caduco e reivindica­ desta”8.
ção de uma integração na vida social, econômica e política. Ser cristão
é viver a mesma realidade de todos os homens, mas em referência a
A teologia cria e desenvolve eixos tem áticos que tentam estrutu­
Jesus Cristo e com opções evangélicas.
rar as distintas disciplinas da m esm a área — como cristologia, graça
2. Estas comunidades se compreendem a si mesmas como a instância e trindade na teologia sistemática — e articula diferentes áreas teoló­
crítica da linguagem tradicional e o lugar de invenção de uma nova gicas. Não raro produz saberes compartimentados, como gavetas de
linguagem. A linguagem se criará da prática, da experiência humana
um armário, que se abrem e fecham, sem comunicação entre si. O
e cristã ao mesmo tempo, do “fa zer a verdade” da comunidade.
/prim eiro aspecto da tarefa da unidade consiste em criar pontes de
3. E stas com unidades querem ser o lugar onde se invente uma p r á ­ contato e relação entre distintas disciplinas e áreas teológicas. “A in-
tica p ro fética nova com vistas à libertação do mundo e onde tom e terdisciplinaridade não é um a finalidade em si, mas o caminho que a
corpo a esperan ça. D a í seu com prom isso p o lítico concreto pela ratio teológica segue hoje para responder à sua exigência intem a e aos /
m udança da so cied a d e p a ra novas relações fra tern a s entre os ho­
contextos externos.”9
m ens” (F. Refoulé, “N uevas orientaciones de la teologia”, in: SelTeo
50 (1974), pp . 96s. O segundo aspecto da tarefa da unidade intenta conjugar os
emergentes enfoques teológicos: femininista, étnico-cultural, da liber­
tação, ecológico etc., sem unificá-los ou nivelá-los. A tom ada de co­
A lfaro, J., R evelación cristiana, f e y teologia, Salam anca, Síguem e, 1985, pp. 147-160 nhecimento, a troca de experiências, a leitura e discussão de diferentes
(cap. 6: H acer teologia hoy).
autores e obras, o confronto entre os enfoques contribuem para o seu
J. B . - A n t o n i a z z i , A . , 20 anos de teologia na A m érica Latina e no Brasil, Petrópolis,
L ib a n io ,
aperfeiçoamento, ao mesmo tempo que desabsolutizam perigosas pre­
Vozes, 1994.
R efou lé, F., “ N uevas orientaciones de la teologia” in: SelTeo 13 (1974), n. 50, pp. 93-97.
tensões totalitárias. Construir unidade diversificada entre os enfoques
requer, ao mesmo tempo, respeito e estímulo à especificidade de cada
um e estabelecim ento de pontes consensuais.
2. Tarefa de unidade interna na diversidade No curso acadêmico de graduação, o professor seleciona a con- *
tribuição significativa de determinados enfoques para o tem a em ques­
O saber teológico sistematizado tem crescido enorm emente em tão. No tratado da graça, por exemplo, reflete sobre o significado
produção, no mundo inteiro, de teses, de livros e de artigos. Im possí­ salvífico das religiões com a ajuda do enfoque macroecumênico; amplia
vel manter-se plenam ente atualizado em todas as áreas da teologia. U. até o âmbito social a percepção da ação salvífica de Deus, com o
Ruh assim descreve a situação: suporte da teologia da libertação; incorpora elementos poéticos e elimina
elementos patriarcais de seu discurso, a partir do enfoque feminista; busca
“Os métodos e tendências das distintas disciplinas teológicas se novas expressões para traduzir a experiência da autocomunicação salvadora
diversificaram tanto, que se perde de vista o conjunto da teo­ de Deus com a ajuda da teologia da inculturação.
logia. As questões candentes, as disciplinas se sucedem, em vez
A parte mais complexa da tarefa de unidade na diversidade con­
de perguntar-se geralmente como se deve expor a fé de maneira
siste em criar clima de respeito e processo de diálogo entre as corren­
atual e convincente. E não se trata de puras formalidades
teóricas, mas sim da orientação fundamental em matéria de
8. U. Ruh, “Teologia en evolución”, SelTeo 28 (1989), n. 108, pp. 222.
Escritura ou Tradição. Está em jogo interpretar o depósito da 9. A. Fortin-Melkevik, “Métodos em Teologia. Pensamento interdisciplinar em
fé à nossa compreensão atual, precisar a relação entre a confis- Teologia” in: Concilium 256 (1994), p. 141.

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T a refa s d a t e o l o g ia T a r e f a s e s p e c í f ic a s

tes teológicas em conflito. Especialm ente quando se entrincheiram em cada uma das partes está disposta a explicar à outra sua interpretação
suas posições e se anatematizam m utuamente, correntes excessiva­ e sua form a de procedimento prático, de form a que com isso se evite
mente polarizadas, denominadas “progressistas” e “conservadoras”, a progressiva ideologização da própria postura. Aqui se coloca um
criam mal-estar, ambiente de guerra, que depõem contra a própria fé momento interior insubstituível na form ação de cada uma das partes:
aqui está a práxis relacionai, indispensável à teorização teológica” (R.
cristã. A sabedoria e a caridade nos indicam possibilidades para admi­
Feneberg, “Misión de la teologia en la reforma da la Iglesia”, in:
nistrar o conflito. Dosa-se o rigor da crítica com a hum ildade de saber-
SelTeo 50 [1974], pp. 127s).
-se cada um peregrino no caminho da verdade. Sua m anifestação ple­
na está reservada para a consumação escatológica, onde o Senhor será
tudo em todos. Parcelas da verdade seguramente estão no lado oposto, E l iz o n d o , V., “C ondições e critérios para um autêntico diálogo teológico intercultural” in:
apesar das limitações de paradigmas e matrizes filosóficas. Segue válida Concilium 191 (1984), pp. 32-42.
a recom endação do Decreto Unitatis redintegratio do Concilio Vatica­ F eneberg, R., “M isión de la teologia en la reform a de la Iglesia” in: SelTeo 13 (1974),
n. 50, pp. 124-128.
no II:
A., “ M étodos em Teologia. P ensam ento interdisciplinar em T eologia”
M e l k e v i k - F o r t in ,
in: Concilium 256 (1994): 129-141.
“Resguardando a unidade das coisas necessárias, todos na
Ruh, U., “ T eologia en ev o lución” in: SelTeo 28 (1989), n. 111, pp. 222-224.
Igreja, segundo o múnus dado a cada um, conservem a devi­
da liberdade, tanto nas várias formas de vida espiritual e de
disciplina, quanto na diversidade de ritos litúrgicos, e até 3. Aprimoramento dos instrumentais pré-teológicos:
\mesmo na elaboração teológica da verdade revelada. M as em
tudo cultivem a caridade. Agindo assim, manifestarão, sempre
relação com as ciências
mais plenamente, a verdadeira catolicidade e apostolicidade
Conscientes de que a mediação herm enêutica pré-teológica de­
da Igreja”10.
sempenha papel decisivo em sua tarefa criativa, o teólogo necessita
servir-se de diferentes instrumentais, advindos de outros saberes hu­
manos. Além da filosofia, fazem-se úteis a antropologia social e cultural,
“Sempre que a comunidade crente atravessou alguma situação crítica,
a psicologia, a história e formas de conhecer que extrapolam a ciência.
foram aparecendo diversas interpretações sobre ela e, portanto, nasce­
ram distintas teologias. Tal situação — e a oposição que nela se fo i As ciências hum anas apresentam resultados parciais e reversí­
criando — resultou depois determinante para o desenvolvimento ulte- veis. Formadas por correntes antagônicas, podem chegar, a partir do
rior do povo de Deus. A autêntica teologia não consiste em sustentar mesmo dado, a conclusões opostas. Qual corrente escolher para subsi­
as fórm ulas de f é — com ou sem oposição — , mas na análise da diar a reflexão? Que precauções tomar, para que a mediação pré-teológica
situação da Igreja, interpretada à luz da história da fé, que está adotada não desvirtue o círculo herm enêutico da fé, condicionando
objetivada na revelação do AT e NT, e também na história da Igreja.
negativamente as conclusões da reflexão teológica? E as conclusões
Ora, a interpretação da situação presente, que com isso se obtém, pode
de determinadas ciências, que corroem por dentro a própria fé? Estes
ser diferenciada. D e fato, na atualidade, acontece que uns consideram
são alguns dos desafios que se apresentam a quem pretende se servir t
como ameaça o que outros consideram uma descoberta.
de novas mediações pré-teológicas. As ciências não se submetem mais
Da diversidade de interpretações se segue a diversidade de form as de ao domínio da teologia. Fazem do próprio fato religioso seu objeto de
proceder para controlar a situação. E isto não é mau, sempre e quando estudo, desfazendo a aura de sagrado que o envolve. Acontece como
o hom em que, buscando segurança e com panhia, trouxe para casa um a
10. Decreto Unitatis redintegratio, 4. fera, que mais tarde o am eaça de morte.
359
T a refa s d a t e o l o g ia T a r e f a s e s p e c í f ic a s

A ssm ann, H., “N otas sobre o diálogo com cientistas e pesquisadores” in: M. Fabri dos
A teologia é chamada, cada vez mais, a articular seu saber com
A njos, Inculturação. D esafios d e hoje, Vozes-Soter, 1994, pp. 139-156.
as ciências humanas, a serviço de um a reflexão mordente, que fale das
R., P ensam iento científico y pensam iento cristiano, C uaderno f e y secularidad
P a n ik k a r ,
realidades terrestres e divinas, na perspectiva da fé. n. 25, Sal Terrae, 1994.

“P o r p rin cíp io s m etodo ló g ico s, os fa to s humanos e, portan to, tam ­ 4. Algumas prioridades teológicas no Terceiro Mundo
bém as m anifestações relig io sa s são tra ta d o s (pelas ciências huma­
nas) como p rodu tos e sintom as que requerem explicação no nível Teólogos de várias igrejas cristãs, articulados em tom o da “A s­
do homem e da so cied a d e. Toda a religião é despojada de sua
sociação Ecum ênica dos Teólogos do Terceiro M undo” (EATWOT:
transcendência que ela reivindica, e o crente é p o sto ante sua p r ó ­
p ria humanidade. A s ciên cias humanas têm a preten são de fa ze r Ecum enical A ssociation of Third W orld Theologians), participam, des­
inteligíveis os fa to s religiosos e de dar-lhes um sentido, mas o sentido de agosto de 1976, de vários encontros, nos quais se discute a situação -r
que elas lhes reconhecem nega o que as religiões lhes atribuem . da teologia e suas tarefas. Constatam a insuficiência da teologia tr a - "
Nunca se havia lançado à teolo g ia um desafio sem elhante (...), dicional do Primeiro Mundo e estimulam a produção de novos enfoques,
(que se resolve) aceitan do e expondo-se às críticas da ciência, como de acordo com as realidades locais.
uma exigência de verdade interior.
Avaliando e sintetizando as tarefas emergentes das teologias do
Para além das semelhanças entre a teologia e as ciências do homem,
para não cair em engano, temos de clarificar duas diferenças funda­
Terceiro M undo, K. D avis11 destaca, entre outras:
mentais: a. Redescobrir a catolicidade da f é cristã e, ao mesmo tempo,
1. A ciência se encerra na imanência; a teologia, enquanto fa la de m anter o aspecto com unitário do pensar e agir, em contraposição ao
Deus, não p ode renunciar a Transcendência. O sentido cristão de uma individualism o ocidental. Esta catolicidade é capaz de integrar dina­
prática não lhe dá a prática mesma. Para que se possa descobrir as micamente, num novo sistema de relações, Norte e Sul, Leste e Oeste,
p eg a d a s de D eus no mundo, na p rá tic a , na experiência, é n ecessá­ antigos opressores e oprimidos.
rio que não se considere este mundo com o fech ado, com o se as
únicas explicações e realidades p o ssív e is fo ssem as em píricas e b. Informar as perspectivas e preferências teológicas na ótica da
imanentes... mundialização. O mundo atual se compreende e se faz como “povo
2. O cristianismo está inexoravelmente unido a Cristo, à Cruz e à universal”. Primeiro, Segundo e Terceiro M undos estão de tal maneira
ressurreição. Separar-se disso é perder-se a teologia a si mesma. Isto mutuamente imbricados que uma teologia demasiadam ente partícula-'
a une às Escrituras e à Tradição posterior. Nenhuma argumentação rizada corre o risco de visão curta, não compreendendo que o planeta
pode dizer-se cristã se não p o d e se unir a Cristo p o r meio da prim eira vive sinais dos tempos comuns. Interdependência cultural e econômica
linguagem que o interpretou. A ortopráxis não pode substituir aos
e esforços de engendrar uma ética mundial para a ecologia e relações'
demais critérios. (...) Como verificar as argumentações teológicas?
Há um caminho hermenêutico, isto é, estabelecer a continuidade de
político-econômicas estimulam maior interdependência das teologias.
sentidos p o r meio das interpretações. O critério não é a repetição, mas c. Aprofundar o recurso à Escritura, como fonte principal da
sim a identidade da relação p e la qu al os prim eiros intérpretes e
teologia. Os avanços da investigação bíblica não constituem exclu­
nós hoje nos referim os ao acontecim ento fu n d a d o r” (F. Refoulé,
“N uevas orientaciones de la te o lo g ia ” , SelTeo 13 (1974), n. 50, pp.
94, 96-98). 11. K. Davis, “Prioridades teológicas en el tercer mundo” in: SelTeo 27 (1988)
n. 108, pp. 259-268.

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T a refa s d a t e o l o g ia T a r e f a s e s p e c í f ic a s

sividade nem privilégio do Ocidente. Por outro lado, as iniciativas 5. Teologia e ecologia
herm enêuticas do Terceiro M undo devem “levar em conta tudo aquilo
que a tradição cristã, em seu conjunto, foi descobrindo sobre o seu No centro da questão ecológica está o planeta Terra. Grupos,
tesouro sagrado”. M aior concentração na reflexão bíblica e divulgação ( instituições e governos advogam nova mentalidade, novo paradigma.
“Ecologia” sintetiza um a meta que afeta o mundo inteiro.
dos estudos poderá ajudar a enfrentar o crescente neofundamentalismo,
que sufoca interpretações criativas e libertadoras da Escritura, freando, G. U ríbarri, com entando o prim eiro encontro dos teólogos
em sua raiz teológica, a opção pelos pobres. europeus, depois da queda do m uro de B erlim , realizado em se-
k tem bro de 1991, refere-se ao tem a ecológico e ao desafio posto à
d. Fomentar a participação do povo oprimido na form ulação de teologia:
sua própria opressão e dos sinais de libertação, tal como são perce­
bidos p o r ele mesmo. Os teólogos devem se acostum ar a expressar “O movimento ecológico é atualmente um autêntico potencial
mais o que ouviram do povo oprim ido e menos o que eles pensam que extra-eclesial de solidariedade. A partir do ponto de vista ecle­
sial se denuncia a sociedade ocidental pela falta de entrega e
reflete a situação do povo. Poder-se-ia utilizar, com m aior profusão,
escassa generosidade, que o individualismo capitalista produz.
a narração. Tal esforço não invalida, no entanto, a tarefa de elabora­
Por outro lado, constata-se que o movimento ecológico é capaz
ção de teologia acadêmica, com sua lógica e linguagem correspon­ de suscitar entusiasmo, entrega e generosidade em proporções
dentes. que hoje as Igrejas dificilmente provocam. Ademais, ináde nos
e. Explicitar as implicações éticas dos novos métodos adotados. hábitos cotidianos: o que se compra, o tipo de alimentação, a
forma de organizar o lazer, a maneira de vestir. E atinge alto
“As prioridades éticas dos que se entregam aos novos m étodos têm
j grau de plausibilidade social, especialmente entre os jovens,
tanta importância como as prioridades empregadas na identificação
com respeito aos fin s que propõe: conservar a natureza e não
das fontes e form ulações teológicas. Fazer teologia im plica intrinse- esgotar seus recursos.
camente aquilo que alguém faz com a teologia.” 12 Ao dizer que a
Não há dúvida que este movimento tenha propensão a certo
práxis libertadora é m om ento interno de elaboração teológica e não
i panteismo e divinização da natureza. Pode permitir a Igreja <
sim plesm ente conseqüência ou possível form a de aplicação, as teolo-
que estas reservas, do ponto de vista doutrinai, desqualifiquem
gias do Terceiro M undo questionam a pretensa neutralidade social da globalmente o movimento? Não se repetiria o que ocorreu com
reflexão teológica. Devem ir mais além, mostrando que a postura os movimentos de esquerda, condenados à vida de entrega,
ética de solidariedade com os empobrecidos, traduzindo a opção do generosidade e solidariedade fora da Igreja ? O movimento eco­
próprio coração de Deus, converte a teologia por dentro. lógico representa hoje uma força a cujo serviço estão muitas
mulheres e homens, com os quais a Igreja quer cooperar na
A ssm ann, H ., Crítica à lógica da exclusão. E nsaios sobre Econom ia e Teologia, São construção de uma sociedade melhor.
Paulo, Paulus, 1994, pp. 13-36.
Nesta linha, a reelaboração da teologia da criação e o diálogo ‘
C o m b l in , J., “A tarefa dos teólogos latino-am ericanos na atualidade in: idem , A fo rç a da
Palavra, P etrópolis, Vozes, 1986, pp. 375-406. com a ciência e as cosmologias procedentes da física moderna
D a v is , K., “Prioridades teológicas en el Tercer M undo” in: SelTeo 21 (1988), n. 108, pp. constituem hoje algumas tarefas urgentes”13.
259-268.

13. G. Uríbarrri, “Nuevos retos para la teologia y la Iglesia europea” in: SelTeo
12. Idem, ibidem, p. 276. 32 (1993), n. 128, pp. 301-302.

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T arefa s d a t e o l o g ia T a r e f a s e s p e c í f ic a s

As tarefas da teologia, neste âmbito, são imensas. Trata-se não cadores de cursos de teologia, além de constituir redes de com unica­
som ente de assim ilar os temas ecológicos nas disciplinas atuais, como ção entre diversas experiências, visando a enriquecer a qualidade de
na reflexão sobre a criação e salvação (antropologia teológica), mas conteúdo e didática dos cursos.
fundam entalm ente na adoção de novos paradigmas q u matrizes que
integrem a perspectiva da ecologia profunda. Desafia a teologia a
holística, como nova form a de acesso ao real, questionando as preten­ 7. Produção de teologia pastoral e comunicação
sões totalizantes do antropocentrismo, que m arca até agora a teologia
moderna. / U m a form a de especificação da tarefa hermenêutica da teologia
compreende a elaboração de linguagens compreensíveis e significati­
B o ff, L., D ig n itatis Terrae. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres, São Paulo, A tica, vas para diversos ambientes. A teologia deve ampliar seu leque de
1995.
ação para um público distinto do restrito círculo de seminaristas e
G ., “ N uevos retos para la teologia y la iglesia europea” , in: SelTeol 32 (1993),
U r íb a r r i,
raros estudantes leigos. Guardando o necessário espaço para o estudo
n. 128, pp. 299-305.
e pesquisa, a teologia pastoral, em especial, deve lançar pontes de ^
comunicação com grupos m inoritários no interior de categorias m aio­
6. Formação de leigos e sacerdotes res: jovens, cientistas, comunicadores, militantes políticos, trabalhado­
res rurais, técnicos e executivos de empresas, artistas, esportistas,
A teologia, desde o concilio de Trento, voltou-se quase exclusi­ agentes de pastoral popular e de classe m édia etc.
vam ente para a form ação dos futuros sacerdotes. Esta tarefa continua 'Ó utra concretização da tarefa herm enêutica consiste na reelabo-
atual e urgente, especialmente no Brasil, onde há muitos seminários e ração da teologia para massas. Com raras exceções, há pouco material
centros de form ação teológica e poucos professores especializados. teológico produzido para o grande público. Toma-se assim difícil tes- _ >
Faz-se necessário, para isso, m aior investim ento nos futuros professo­ tar se determinada interpretação é conseqüente em suas afirmações e
res de teologia, por meio de cursos de pós-graduação e/ou processos contribui para o crescim ento do senso com um dos fiéis (“sensus 7
de form ação permanente, como cursos intensivos e semanas teológi­ fidelium ”). Os conceitos-chave teológicos continuam para grande par- y
cas. N a form ação dos futuros padres, especialm ente do clero diocesa­ te dos cristãos leigos os mesmos de sempre. Tomam-se anacrônicos ou r
no, o curso de teologia vive a tensão, que pode ser produtiva, entre as se m antêm por inércia, na espera de que venha algo melhor. Assim
exigências de habilitação dos pastores, de caráter mais prático e por acontece com a percepção sobre o pecado, a graça, a salvação, a
vezes superficial, e o necessário espaço para a reflexão sistemática, imagem de Deus, o juízo e a vida após a morte etc. A vulgarização
científica e crítica. (difusão e sim plificação) da teologia exige, no entanto, o domínio de
muitos fatores, tais como linguagem de comunicação de massa, recur­
Prática mais recente, a teologia para leigos se tom ou um “boom ” sos gráficos e imagens, liberdade e ousadia para criar expressões e
na Igreja da Am érica Latina. Apresenta as mais diversas form as, desde imagens originais, não usuais.
os cursinhos de cultura religiosa, de caráter mais prático e pastoral,
passando por semanas de reflexão, com o os cursos de verão do Cesep,
até os cursos de teologia acadêmica. Cada vez maior quantidade de O teólogo e a comunicação
leigos se interessa pela teologia. Faltam , no entanto, professores e
m onitores que conjuguem adequadam ente domínio do conteúdo e “A teologia latino-americana procura a audiência das multidões que
m etodologia eficiente. Tarefa urgente consiste em form ar multipli- nunca ouviram a palavra da Igreja. Num continente de esmagadora

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T a r e f a s e s p e c í f ic a s
T a refa s d a t e o l o g ia

m aioria de batizados, multidões imensas nunca ouviram a voz da Igre­ 8. Articulação com a pastoral e a espiritualidade
ja . Camponeses, favelados, intelectuais, estudantes, uma pequena m i­
noria deles já ouviu alguma vez a Igreja falando-lhes. Mesmo assim, a No capítulo sexto já se apontaram os elementos imprescindíveis
Igreja não lhes falava na linguagem deles, eles não a entenderam ou para profícua relação entre teologia e pastoral, teologia e espirituali­
entenderam outra coisa. A teologia de hoje está à procura da palavra dade. Indubitavelmente, há imenso caminho a trilhar. Talvez a realiza­
viva que suscita interesse, desperta atenção, fa z nascer inquietação. ção desta tarefa específica seja a chave da vitalidade da comunidade
Enfim, uma palavra a serviço da evangelização. eclesial, especialmente neste tempo em que se pede novo ardor m is­
O teólogo é o homem da comunicação na Igreja. Ele carrega uma sionário.
linguagem religiosa tipicamente cristã, resultado de uma longa histó­ A tarefa de articulação da teologia com a pastoral está a exigirv;
ria. Conhece centenas de palavras e sabe usá-las. Quando fala, fa z com realização de maior produção teológica em nível pastoral, com aderência
que a língua da Igreja circule. e proximidade às questões existenciais, religiosas e prático-transformadoras,
Os teólogos são agente de comunicação: agem no duplo plano dos que hoje afetam os cristãos, especialm ente os leigos. Postula, ademais,
cristãos que se convertem à sua vocação e do mundo que está à espera linguagem teológica com m aior “pathos”, que transmita vigor e paixão
de uma palavra compreensível. Eles não são os condutores da evange­ pela evangelização, e seleção e distribuição de conteúdos mais signi­
lização, mas somente os especialistas em palavras. Porém, não se ficantes para a comunidade eclesial.
evangeliza somente com palavras. O Evangelho é levado p o r pessoas
A crescente aproximação da teologia com a espiritualidade pos­
vivas, nas quais a vida, os atos e os comportamentos esclarecem as
sibilita tanto a redescoberta da dimensão anagógica da reflexão siste- 1
palavras. Os discursos, as intervenções, os apelos recebem a sua força
mática sobre a fé quanto a necessária manutenção do aspecto intelectivo,
da pessoa. Os evangelizadores são pessoas comuns que vivem intensa­
“razoável” da expressão da experiência de Deus. Hoje, sobretudo, com
mente o Evangelho. Encontram-se entre os pobres na América Latina
o crescente misticismo, a religiosidade corre o risco de perder-se em
e os que com eles se solidarizam.
irracionalidades, subjetivismos ou mesmo enredar-se em fundam enta-
O conhecim ento de um lin guajar não dá aos teólogos o dom do lismos. A espiritualidade confere sabor à teologia, restitui-lhe o dina- V1
E vangelho. Contudo a sua m issão é im portante p a ra articular, or­ mismo intem o, pneumático, “da fé que busca compreender”. A teolo­
gan iza r desde dentro uma so cied a d e cristã, uma com unidade cristã gia, por sua vez, confere lucidez à espiritualidade, dá-lhe parâmetros
orien tada p a ra a evan gelização. A teologia fa z a ligação entre os de compreensão e interpretação da experiência religiosa.
evangelizadores e o mundo que evangelizam , entre os pró p rio s evan­
geliza d o res e entre estes e a tradição da Igreja de todos os tem p o s”
(J. Com blin, A força da Palavra, P etró p o lis, Vozes, 1986, p p . 382,
387, 392s).
Oração e teologia
“A teologia não é ciência de um objeto que lhe permanece estranho ou
indiferente: ela é, muito mais, sabedoria, conhecimento que se une à
B arth olom ãu s, W., “ Com unicação na Igreja. Aspectos de um tem a teológico” in: Concilium ’
experiência prazerosa e amante, iluminação que vem do fundamento e
131 (1978), pp. 114-130.
prorrom pe na busca e a abre à profundidade de Deus. Ela é ‘actio’ do
P. A., “ Inform atização, com unicação e evangelização inculturada” in: M . Fabri
G r a r e s c h i,
dos A njos (org.), Inculturação. D esafios de hoje, Vozes-Soter, 1994, pp. 175-196.
Espírito e ‘p a ssio ’ da criatura, e, justamente enquanto tal, torna-se
também ação do homem e paixão do M istério, que entra na humildade
M cF ague, S., M od elo s de Dios. Teologia para una era ecológica y nuclear, Santander,
Sal Terrae, 1994, pp. 26-107. das palavras humanas.

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T a r e fa s d a t e o l o g ia C onclusão

A teologia nasce da oração, dela se nutre, a ela conduz. Enquanto para O teólogo, no dizer de C. Boff, é um arquiteto, pois reorganiza
o cristão a oração é puro perm anecer em Deus p ela graça libertadora o material teológico até que se constitua num a construção orgânica.
acolhida do dom que vem do alto, a teologia encontra na experiência Contribui, com sua criatividade e competência, para que a com unida­
da oração a vivência do que ela é chamada a pensar. Orando em Deus, de eclesial faça sua m orada em diferentes contextos sócio-históricos e
no Espírito pelo Filho ao Pai, e não a um Deus estranho e longínquo, culturais. Cada casa terá sua form a e padrão, mas será o mesmo lar,
entra-se no mistério mesmo do encontro entre êxodo e advento, que a onde se vive a fraternidade e se anuncia a boa nova.
teologia quer levar à palavra.

A teologia vive da oração, sempre de novo alim entando-se nela atra­


vés da escuta obediente da Palavra do advento: orando, o teólogo DINÂMICA
conformar-se-á com Cristo, ao seu m istério de eterna acolhida do
Comentar 3 a 5 minutos uma das teses, depois de:
amor fontal. A teologia, pensam ento reflexixo da fé, tem constitutiva-
— 15 minutos em particular
mente necessidade da oração. A teologia, enfim, conduz à oração. Ela,
— 15 minutos em grupo de dois
pensam ento do encontro com a iniciativa do am or do Deus vivo, abre-
1. A tarefa hermenêutica pressupõe, na América Latina, conhecimento da nossa
s e , orando, às surpresas do Altíssimo e, orando, conhece sempre novos
realidade pluricultural, solidariedade ética com os empobrecidos, continuida­
inícios, na experiência vivificante da escuta religiosa da Palavra san­
de com a grande Tradição da Igreja e criatividade.
ta. E uma vez que a experiência de orar em D eus é p o r excelência a
2. A tarefa crítico-construtiva da teologia exercita-se no âmbito intra-eclesial,
da liturgia, pode-se dizer que a teologia nasce da liturgia, vive dela, ecum ênico e inter-religioso e ético-social.
desem boca nela. Na liturgia, o discurso teológico torna-se hino: na
3. Existem condições humanas e espirituais imprescindíveis para a realização
teologia, o canto litúrgico torna-se discurso, raciocínio e diálogo” (B. da tarefa do diálogo na teologia: concepção dialético-histórica da verdade,
Forte, A teologia como companhia, memória e profecia, São Paulo, domínio dos jogos lingüísticos dos interlocutores, equilíbrio entre posse de
Paulinas, 1991, pp. 195-198). si e abertura ao diverso, liberdade em relação ao domínio férreo da autori­
dade e tradição, reconhecimento da ação universal do Espírito Santo.
4. A tarefa de unidade da teologia compreende tanto a articulação interna das
C a t t in , Y., “ A regra cristã da experiência m ística” in: C oncilium 254 (1994), pp. 11-30. disciplinas e áreas de estudo com o a conjugação entre distintos enfoques
teológicos.
F orte, B., A teologia com o com panhia, m em ória e profecia, São Paulo, Paulinas, 1991,
pp. 193-203 (cap. 12: E piclese e doxologia). 5. Três áreas merecem especial atenção da teologia hoje:
— situação da mulher na sociedade e na Igreja,
— necessidade de uma nova teologia da natureza nesta época de crise eco­
CONCLUSÃO lógica provocada pelo industrialismo e pela tecnologia,
— enorme multidão de empobrecidos, reduzidos à situação de exclusão social.

A teologia é ciência fascinante. Seus protagonistas, longe de se 6. A teologia é chamada a desempenhar sua função de formação das lideranças
eclesiais, do laicato e da hierarquia.
verem sufocados por um saber anacrônico e rígido, sentem em si
7. A teologia no Terceiro Mundo apresenta algumas características e priorida­
mesmos os apelos do Espírito, para contribuir na grande tarefa de
des que a diferenciam da reflexão de fé elaborada no Ocidente centro-euro-
repensar e reinventar a fé cristã, em continuidade com a tradição viva v peu.
da Igreja. No interior dessa missão, algumas funções específicas apare­ Observações metodológicas:
cem no horizonte do teólogo com certa urgência. Outras serão as de a. preparar um esquema em particular
sempre. Importa responder a elas, de corpo e alma, intelecto e coração. b. confrontar esse esquema com o colega e daí construir um único esquema

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T a refa s d a t e o l o g ia

c. dividir a tarefa expositiva, atribuindo a cada um uma parte da exposição


d. na exposição seguir o seguinte esquema:
— definir bem o sentido da afirmação (recorrendo se necessário à afirmação
contraditória),
— explicitar rapidamente os termos principais da afirmação,
— localizar a questão dentro de um quadro mais amplo, i. é, explicar o texto
pelo contexto,
— dar sucintamente a prova principal da afirmação ou expor brevemente o
núcleo da problemática, Conclusão
— eventualmente, se sobrar tempo, apresentar alguma objeção contra sua
posição e respondê-la com modéstia.

BIBLIOGRAFIA
leitor terminou a viagem introdutória no continente da teo­
A lfaro, J., R evelación crístiana, f e y teologia, S alam anca, Síguem e, 1985, pp. 147-160
(cap. 6: H acer teologia hoy).
O logia. Alguns rincões deixaram -lhe certamente a impressão de
ser já conhecidos ao longo de sua experiência cristã. Outros tiveram
B o ff,L., D ig n itatis Terrae. E cologia: grito da terra, grito d o s pobres, São Paulo, Á tica a novidade das terras ainda não visitadas. Agora poderá aspirar fundo
1995.
G effré, C., C om o fa z e r teologia hoje. H erm enêutica teológica, São Paulo, Paulinas
o ar da teologia que lhe vai oxigenar os pulmões nos próximos anos.
1989, pp. 17-102.
A saúde teológica vai depender da pureza dos ares teóricos que
K üng, H ., P rojeto de ética m undial, S ão Paulo, Paulinas, 1992, pp. 132-186.
K üng, H., Teologia p a ra la postm odernidad, M adrid, A lianza E ditorial, 1989, pp 95-
se respirarão, da compleição física do organismo, do cultivo ecológico
166. do ambiente de estudos, do cuidado diário com a coerência teologia e
M cF ague, S., M od elo s de D ios. Teologia p a ra una era ecológica y nuclear, Santander, vida. As perguntas se levantarão, ora empoeirando os olhos do estu­
Sal Terrae, 1994, pp. 26-107.
N eufeld , K „ (org.), P roblem as e perspectivas de teologia dogm ática, São Paulo, Loyola,
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1993, pp. 307-420 (Terceira Parte: “A m issão da teologia dogm ática nas diversas tinência.
regiões do m undo”).
VV.AA., “ T eologia para q uê?” C oncilium 256 (1994). Estudar é sempre um a aventura. Estudar teologia é lançar-se em
jogo mais arriscado, já que está em questão o valor máximo de nossa
existência: seu sentido transcendente de ser. Não se arranha nenhum a
periferia da vida, mas toca-se o cerne mesmo de nosso existir.
Risco e fascínio caminham juntos. Se a pós-m odemidade ameaça
em botar a capacidade de ousadia e de maravilhamento das pessoas, o
estudante de teologia é chamado a sobrepor-se a essa conjuntura. Sem
entusiasmo, sem coragem, sem audácia não se penetra o universo da
teologia. M as, do outro lado, requer-se também humildade e docilida­
de à força cogente da Palavra de Deus para adentrar-se no mistério.
O estudo da teologia faz-se com inteligência, coração e com pro­
misso. A inteligência, com o “esprit de géom etrie” (Descartes), busca
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