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Helmar Junghans

Temas da teologia de Lutero

rSinoda! 2001 1e p g
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Fax: (51) 590-2664 Sumário

Capa: Editora Sinodal


Prefácio............................................................................................. 5
Tradução: Ilson Kayser, Ricardo W. Rieth, Luís M. Sander e Letícia Schacl As palavras de Cristo dão a vida.................................................... 7
1 - O ser humano que fala......................................................... 9
2 - Deus como orador................................................................. 13
Coordenação editorial: Luís M. Sander
3 - O ser humano que ouve........................................................ 20
4 - Retórica humanística ou teologia bíblica?........................... 24
Série: Lutero / Estudos sobre Lutero
A reforma litúrgica de Lutero: fruto de concepção ou
perplexidade?................................................................................ 27
1 - A concepção de Lutero acerca do culto.............................. 29
Publicado sob a coordenação do Fundo de Publicações Teológicas
2 - A implementação da reforma litúrgica por Lutero............. 35
/Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia (IEPG) da
3 - Improvisação, indiferentismo ou liberdade?........................ 42
Escola Superior de Teologia (EST) da Igreja Evangélica de Con­
fissão Luterana no Brasil (IECLB). Ética social em Lutero: pensamento e ação.................................. 45
1 - O método................................................................................ 47
2 - Estruturas da sociedade......................................................... 50
Impressão: Gráfica Sinodal 3 - A ação ético-social da comunidade..................................... 55
4 - Resultado........................................................... 59

CIP - BRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO Deus opera milagres........................................................................ 61


Bibliotecária responsável: Rosemarie B. dos Santos CRB10/797 1 - A escolha................................................................................ 61
2 - 0 tem a.................................................................................... 66
3 - A oferta milagrosa de D eus.................................................. 77
J95t Junghans, Helmar
Temas da teologia de Lutero / Helmar Junghans. Os últimos anos de Lutero.............................................................. 78
- São Leopoldo : Sinodal, 2001. 1 - A polêmica de Lutero............................................................ 80
188 p. & - As enfermidades de Lutero................................................... 87
Título original: Themen der Theologie Martin 3 - A morte................................................................................... 92
Luthers. Lutero e os judeus..................................................................... 97
ISBN 85-233-0642-0 1 - Antijudaísmo na Idade Média tardia e na época da Reforma 98
1. Religião. 2. Luteranismo. I. Título. 2 - A imagem que Lutero tinha dos judeus............................ 107
CDU 284.1 3 - 0 efeito dos escritos de Lutero referentes aos judeus 114
4 - Teologia reformatória e antijudaísmo................................. 116
46 Temas da teologia de Lutero
Ética social em Lutero 47
Quando Lutero, após muito relutar, resolveu tornar público o
conflito intra-evangélico com Tomás Müntzer no verão de 1524, Nesse escrito, Lutero partiu da idéia de que os camponeses
redigiu a “ Carta aos príncipes da Saxônia acerca do espírito revolto­ foram seduzidos por profetas assassinos, entre os quais ele contava
so’’. Destacou ali a contradição entre “ esgrimir com a palavra” e também Müntzer. Aqui é preciso fazer uma constatação decisiva: há
“ destruir com as mãos” : “ Nosso ofício é pregar e sofrer, mas não manifestações anti-Müntzer de Lutero que parecem conter uma re­
destruir com as mãos e defender-nos.” 2 Com isso Lutero se voltou núncia a todo e qualquer posicionamento ético-social. A quem se
contra o incêndio da capela de Mallerbach por partidários de Münt­ ocupa com o tema ‘‘ética social em Lutero’’ e se limita à controvér­
zer a 24 de março de 1524 e, por princípio, contra a destruição de sia entre Lutero e Müntzer, resta apenas a opção de, ou se decidir
imagens de santos e contra ações externas. Ele via sua tarefa em por Müntzer, ou fundamentar sua própria abstenção ético-social ape­
buscar imitar os apóstolos e conquistar corações com a palavra de lando para Lutero. Ambas as coisas têm acontecido desde o século
Deus. Para ele o que importava era a salvação das almas3. Lutero XIX. No luteranismo tem havido uma recepção funesta, unilateral do
também acolheu a acusação de que o anúncio do evangelho estaria Lutero anti-Müntzer, que impediu de preservar a riqueza das consi­
produzindo muito poucos frutos em Wittenberg. Ele admitiu isso, derações ético-sociais de Lutero e de seu ensinamento sobre o Espí­
mas mostrou-se contrário à idéia de tirar do modo de vida conclusões rito Santo.
acerca da doutrina: “ Pois o Espírito de Cristo não julga ninguém que
ensina corretamente e tolera, carrega e auxilia aqueles que ainda não
vivem corretamente, e não despreza o pobre pecador, como o faz 1 - O método
esse espírito farisaico.” 4 Ora, que deveria acontecer com as igrejas e
conventos que foram abandonados depois de a palavra de Deus Martin Volkmann, do seminário luterano de Ivoti, integra o
arrancar deles os corações? A resposta de Lutero é: “ Deixemos que grupo de luteranos brasileiros envolvidos no desenvolvimento de
os senhores territoriais façam com eles o que bem .entenderem.” 5 uma teologia da libertação. Ele chegou à constatação: “ Os europeus
Não confirmam esses textos a “ concentração mónomaníaca” de fazem teologia a partir de cima, nós a partir de baixo.” Essa contra­
Lutero no ceme interno, religioso? Um destaque da doutrina e uma posição entre uma teologia derivada de princípios teológicos e outra
negligência da vida? Não confirmam eles inclusive sua recusa de desenvolvida a partir da experiência social faz com que se pergunte
reordenar a Igreja? pelo ponto de partida de Lutero em seus escritos ético-sociais.
Lutero externou-se mais categoricamente ainda um ano depois Ao publicar seu “ Sermão sobre a usura” em 1519, ele confron­
em “ Exortação à paz: resposta aos Doze Artigos do campesinato da tou seus leitores diretamente com as exigências do Sermão do Monte
Suábia” , quando negou que os camponeses pudessem invocar o de Jesus. Réplicas violentas levaram-no a ampliá-lo no ano seguinte.
direito cristão em favor de seus empreendimentos. De acordo com A essa altura ficou mais claramente visível seu método de trabalho,
sua convicção, o direito cristão reza que “ (...) não se deve resistir a apontado por Gerta Scharffenorth em seu livro, no capítulo intitulado
nenhum mal e injustiça, mas sempre ceder, sofrer e permitir que “Passos de Lutero para a formação de juízo e a decisão” 7.
sejamos despojados de nossos bens” . Daí conclui: “ Acontece que o No começo de seus escritos sobre questões econômicas ou
evangelho não se envolve com assuntos seculares, mas fala da vida
políticas, Lutero colocou com freqüência sua percepção básica do
no mundo como sujeita a sofrimentos, injustiça, cruz, paciência e
problema, que, contudo, não oferecia sua hipótese de trabalho, mas
desprendimento de bens e vida temporais.” 6
sim o resumo de uma análise prévia da situação. Ele abriu a segunda
2 OSel ( - Obras selecionadas) 6, 296, 28 -297, 1 = WA 15, 219, 5s e15s.
A 5"8; 2 9 9 ’ 7' 10; 2 9 8 > 3 s
ó o !? ’ 2 9 7 ’ = W A 1 5 ’2 ] 9 , 16-18; 220, 30-33; 219, 29.
4 OSel6, 296, 12-14 = WA 15, 219, 21. 7 “ Luthers Schritte zur Urteilsbildung und Entscheidung” ; cf. Gerta SCHARFFENORTH,
5 OSel6, 297, 9s = WA 15, 219, 21. Die Bergpredigt in Luthers Beiträgen zur Wirtschaftsethik : Erwägungen zu einer Theorie
6 OSel 6, 317, 10s; 323, 8-10 = WA 18, 309, 9-11; 321, 12-15. ethischer Urteilsbildung, in: id., Den Glauben ins Leben ziehen : Studien zu Luthers
Theologie, München, 1982, p. 320-325.
48 Temas da teologia de Lutero
Ética social em Lutero 49
edição do “ Sermão sobre a usura” com a constatação de que a 3. O cristão deve emprestar voluntária e prazerosamente, sem
ganância e a usura não só se haviam expandido, mas além disso se esperar uma contrapartida.
tinham ocultado sob diferentes tipos de “ tapa-vergonha” *, ou seja,
Em seu escrito sobre a autoridade, ele elaborou sua exposição
teorias dissimulatórias de práticas vergonhosas. Justificou a publica­
ção de “ Da autoridade secular, até que ponto se lhe deve obediên­ sobre as tarefas da autoridade secular igualmente a partir de passa­
cia” dizendo, no começo do escrito, que a nobreza alemã não teria gens bíblicas.
seguido suas propostas apresentadas em ‘‘À nobreza cristã da nação O procedimento de Lutero se ampara na convicção anteposta
alemã, acerca da melhoria do estamento cristão” e teria deixado de por ele em 1524 ao escrito “ Comércio e usura” , uma versão amplia­
fazer sua obrigação. Daí ter ele então de escrever o que a nobreza da do “ Sermão sobre a usura” , ao qual foi anexada uma primeira
deveria permitir e não fazer, bem como no que os súditos não parte: “ Depois de ter vindo a lume, o santo evangelho pune e põe à
estariam obrigados a obedecer8. mostra toda sorte de obras, como as cita S. Paulo em Rm 13.12. Pois
Essas designações de problemas fundamentavam-se em análises é uma luz brilhante que ilumina o mundo todo e ensina quão más
da situação, como se depreende das descrições concretas de práticas são as obras do mundo, mostrando as obras justas a serem praticadas
contidas nos escritos. Assim, era do seu conhecimento que na Saxô- perante Deus e para com o próximo.” 10 Um ano depois escreveu aos
nia, em Lüneburgo e em Holstein não só se cobrava 10% ou mais de camponeses — como ouvimos acima — que o evangelho não se
juros, senão que por vezes o devedor recebia o montante do credor preocupa com coisas terrenas. Na realidade ele não se contradisse
não em dinheiro, e sim em mercadorias, como cavalos, vacas, banha, com isso, mas certamente não era e não é fácil compreender sempre
grãos, etc., cujo valor era fixado a um preço exageradamente alto. com exatidão sua respectiva intenção.
Para Lutero, tais credores eram ladrões de casas e propriedades, Depois de ter elaborado para si a base bíblica, Lutero partiu
gente sem temor a Deus9. No seu escrito sobre a autoridade, Lutero para o exame crítico das práticas existentes no sistema de crédito de
combateu a proibição imposta à circulação da Bíblia e de escritos seu tempo e, mais ainda, dos argumentos justificadores de um com­
luteranos pelo duque Jorge da Saxônia. O sempre crescente conheci­ portamento discrepante das exigências bíblicas. Com isso queria
mento de causa acerca das questões por ele tratadas toma visível o proporcionar a seus leitores a liberdade de uma decisão fundamenta­
quanto a análise da situação era importante para Lutero. da nos mandamentos de Deus, que não mais fosse dependente dos
A partir daí, o passo mais importante para Lutero era obter da costumes e do direito vigente, o qual permitia determinadas opera­
Escritura Sagrada critérios com cuja ajuda pudesse avaliar a situação ções de crédito.
constatada. Por isso, na primeira edição do sermão sobre a usura, ele Lutero sabia que situações diferenciadas exigem decisões tam­
trouxe diretamente as exigências do sermão da montanha de Jesus. bém diferenciadas, por isso lhe era importante capacitar o cristão
Tirou dele três níveis para o trato com a propriedade, considerando para decisões adequadas em cada caso. No entanto, também não se
o primeiro como o mais elevado: intimidava em apresentar sugestões próprias.
1. O cristão deve estar pronto, se forçado a tal, a abrir mão de O método de Lutero, portanto, consistia num exame crítico da
bens terrenos. situação à luz da Escritura Sagrada, não num desenvolvimento de
2. O cristão deve dar com liberalidade a toda e qualquer pessoa princípios ou normas. Uma teologia que queria construir a partir da
que necessite de algo. experiência pode aprender alguma coisa neste ponto.

* Schanddeckeln é o termo original (N. do T.).


8 OSel 6, 81, 22-24 = WA 11, 246, 17-31.
9 OSel 5, 427, 2-5 = WA 15, 321, 11-13.
10 OSel 5, 376, 15-19 = WA 15, 293, 1-7.

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