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Ronaldo
Humanística
1. Introdução à vida intelectual, João Batista Libanio
2. Norma linguística, Marcos Bagno
3. A inclusão do outro — Estudos de teoria política, Jürgen Habermas
4. Sociologia da comunicação, Philippe Breton, Serge Proulx
5. Sociolinguística interacional, Branca Telles Ribeiro, Pedro M. Garcez [orgs.]
6. Linguística da norma, Marcos Bagno [org.]
7. Abismos e ápices, Giulia P. Di Nicola, Attilio Danese
8. Verdade e justificação — Ensaios filosóficos, Jürgen Habermas
9. Jovens em tempos de pós-modernidade
— Considerações socioculturais e pastorais, J. B. Libanio
10. Estudos em filosofia da linguagem, Guido Imaguire, Matthias Schirin
11. A dimensão espiritual — Religião, filosofia e valor humano, John Cottingham
12. Exercícios de mitologia, Philippe Borgeaud
13. Paz, justiça e tolerância no mundo contemporâneo, Luiz Paulo Rouanet
14. O ser e o espírito, Claude Bruaire
15. Scotus e a liberdade — Textos escolhidos sobre
a vontade, a felicidade e a lei natural, Cesar Ribas Cezar
16. Escritos e conferências 1 — Em torno da psicanálise, Paul Ricoeur
17. O visível e o revelado, Jean-Luc Marion
18. Breve história dos direitos humanos, Alessandra Facchi
19. Escritos e conferências 2 — Hermenêutica, Paul Ricoeur
20. Breve história da alma, Luca Vanzago
21. Praticar a justiça — Fundamentos, orientações, questões, Alain Durand
22. A paz e a razão — Kant e as relações internacionais:
direito, política, história, Massimo Mori
23. Bacon, Galileu e Descartes — O renascimento da filosofia grega, Miguel Spinelli
24. Direito e política em Hannah Arendt, Ana Paula Repolês Torres
25. Imagem e consciência da história — Pensamento figurativo
em Walter Benjamin, Francisco Pinheiro Machado
26. Filosofia e política em Éric Weil — Um estudo sobre a ideia de
cidadania na filosofia política de Éric Weil, Sérgio de Siqueira Camargo
27. Si mesmo como história — Ensaios sobre
a identidade narrativa, Abrahão Costa Andrade
28. Da catástrofe às virtudes — A crítica de Alasdair MacIntyre
ao liberalismo emotivista, Francisco Sassetti da Mota
29. Escritos e conferências 3 — Antropologia filosófica, Paul Ricoeur
30. Violência, educação e globalização — Compreender o nosso
tempo com Eric Weil, Marcelo Perine, Evanildo Costeski (org.)
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO
E GLOBALIZAÇÃO
compreender o nosso tempo
com Eric Weil
Marcelo Perine
Evanildo Costeski [org.]
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ricoeur, Paul
Escritos e conferências, 3 : antropologia filosófica / Paul Ricoeur ; tradu-
ção Lara Christina de Malimpensa ; textos reunidos, estabelecidos, anota-
dos e apresentados Johann Michel e Jerôme Porée. -- São Paulo : Edições
Loyola, 2016.
Título original: Écrits et conférences, 3 : anthropologie philosophique
ISBN 978-85-15-04358-3
1. Antropologia filosófica I. Michel, Johann. II. Porée, Jérôme. III. Título.
16-01082 CDD-128
ISBN 978-85-15-04386-6
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2016
Sumário
Introdução.................................................................................................. 9
Marcelo Perine
Evanildo Costeski
Marcelo Perine
Evanildo Costeski
9
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
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Introdução
3. Ibid., p. 86.
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1. A teoria weiliana da mundialização
Patrice Canivez1
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
I. A sociedade: mundialização
e competição anárquica
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1. A teoria weiliana da mundialização
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
ela poderia resolver o problema das crises cíclicas. Seria uma sociedade
mais racional que a sociedade capitalista.
Para regrar o problema das crises cíclicas, a organização mundial do
trabalho social deveria proceder à igualização relativa dos níveis de vida
entre as diferentes sociedades, isto é, entre os diferentes setores dessa so-
ciedade mundial. Essa igualização dos níveis de vida em escala mundial
seria una das tarefas fundamentais da administração dessa sociedade, não
por razões morais, mas por razões funcionais, para alcançar seu máximo
de eficácia. A sociedade mundial que Weil visa é, portanto, também pós-
capitalista em outro sentido: os problemas são regrados por uma admi-
nistração, não pelo livre jogo da concorrência. E essa administração de-
verá tomar as medidas necessárias para reduzir as desigualdades globais,
particularmente as desigualdades entre países “desenvolvidos” e os outros.
Dito de outro modo, a administração mundial do trabalho social deverá
tomar medidas de justiça global. Ela deverá assegurar os direitos huma-
nos fundamentais, deverá assegurar também a participação de todos nos
benefícios do trabalho social. Por benefício do trabalho social não se deve
entender apenas o acesso aos bens e serviços de base, é preciso entender
também o gozo do tempo livre. Pois o tempo livre, o tempo subtraído à
pressão do trabalho, é o principal bem social: “uma abundância de pro-
dutos permitiria distribuir com maior igualdade e equidade o principal
bem produzido pela luta com a natureza, a saber, o tempo livre”4.
4. Ibid., 83.
5. Cf. E. Weil, Filosofia política, § 40.
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1. A teoria weiliana da mundialização
tima ratio regum. Dito isso, esta descrição deve ser nuançada. Com efeito,
a guerra “nunca é impossível, mas é sempre menos provável”6. Esse é o
caso, pelo menos, da guerra generalizada, do tipo dos conflitos mundiais.
Pois na medida em que os Estados são Estados modernos eles calculam a
relação entre o custo de uma guerra e os benefícios que se pode esperar
dela. A forma clássica desse cálculo é a possibilidade da derrota. Uma guer-
ra perdida é sancionada pelas perdas humanas, econômicas, territoriais
etc. Mas é preciso também que a vitória não seja obtida a um custo exor-
bitante, que pesaria por muito tempo como um fardo sobre as costas do
vencedor. Numa palavra, Weil tirou as lições da Primeira Guerra Mundial.
Mas há ainda duas modalidades desse cálculo particularmente dignas de
interesse. Vitória não significa apenas conquistar um território e submeter,
vale dizer, destruir, o Estado do adversário. Pois após a conquista vem a
administração dos territórios conquistados. O custo da administração não
deve ultrapassar as vantagens extraídas da conquista. Enfim, os Estados
estão em relações de interdependência crescente. Forma-se uma espécie
de “sociedade de Estados”, o que é um dos aspectos da mundialização da
sociedade. Essa sociedade dos Estados é um bem comum, é ela que torna
possível as trocas não somente de bens e serviços, mas também de capitais
e de tecnologias. Ora, todo uso da violência desorganiza essa sociedade
e provoca, da parte dos outros membros da sociedade, uma resistência,
uma ruptura das relações, medidas de represália. Todo Estado tentado a
usar a violência deve contar com essa reação do resto dessa “sociedade in-
ternacional”. Pouco a pouco cria-se assim, para os Estados, uma situação
análoga à do indivíduo no interior da sociedade: o indivíduo “preferiria
usar de violência para alcançar seus objetivos naturais”, mas ele renuncia
a isso porque “o que ele pode esperar de uma sociedade que trabalhe pa-
cificamente é superior à expectativa que poderia ter de conservar o que
adquiriu violentamente numa sociedade desordenada”7.
Essas análises estão em sintonia com a época de redação da Filosofia
política. O prefácio é datado de 21 de junho de 1955. Menos de um mês
depois o encontro de Genebra entre Khrouchtchev e Eisenhower8. Pela
6. Ibid., 280.
7. Ibid., 275 s.
8. Conferência em julho de 1955 entre os dirigentes dos Estados Unidos, da Rús-
sia, da França e da Inglaterra. Durante essa conferência sobre a segurança na Europa, a
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1. A teoria weiliana da mundialização
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1. A teoria weiliana da mundialização
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tre seu conceito e sua realidade empírica. Segundo seu conceito, o Estado
é a institucionalização de uma comunidade ética. Na sua realidade em-
pírica, o Estado é a institucionalização do poder, da dominação. Em um
mundo em que não houvesse mais nem lutas de classes, nem rivalidades
internacionais, o Estado poderia progressivamente deixar de ser institui-
ção do poder e da dominação, para se tornar na realidade o que ele é se-
gundo seu conceito, a saber: a institucionalização de uma forma de vida
sensata. Esse Estado repousaria exclusivamente na adesão dos cidadãos
e seria uma verdadeira democracia. Desse ponto de vista, a realização de
um verdadeiro Estado coincide com a realização de uma verdadeira de-
mocracia — por oposição às democracias mais ou menos truncadas que
são os Estados constitucionais nos quais vivemos.
O que é chocante é que a realização do Estado verdadeiro passa por
uma espécie de decomposição do Estado contemporâneo em suas diferen-
tes “dimensões” e a reconfiguração sob uma forma totalmente diferente
dessas diferentes dimensões. Com efeito, os Estados-nação existentes têm
uma tríplice função: (1) eles administram uma sociedade, gerenciam uma
economia nacional; (2) encarnam certa forma de Sittlichkeit; (3) exercem a
dominação sobre um território e uma população. Na concepção normativa
que Weil propõe da mundialização, esses três aspectos são dissociados. De
início, acabamos de ver, o Estado como exercício da dominação desaparece.
Mas sobretudo o Estado-nação como unidade de uma sociedade, de uma
comunidade histórica e de uma organização política desaparece também e
dá lugar a duas formas de Estado: o Estado mundial, que é a administração
da sociedade mundial, e a pluralidade dos Estados como formas de vida,
cujo tipo não é mais o Estado-nação, mas a polis ou a comuna16.
Por consequência, a tese de Weil é que a centralização da adminis-
tração do trabalho social deve tornar possível a descentralização ético-
política. Pode-se, ademais, compreendê-la de duas maneiras. Ou isso
quer dizer que os Estados-nação atuais vão perdurar transformando-se,
ou isso quer dizer que a descentralização ético-política, em favor da cen-
tralização administrativa, será buscada para se alcançar um pluralismo
maximal. Nesse caso, isso equivaleria a dizer que os Estados-nação atuais
poderiam se descentralizar até dar lugar a comunidades não só de tipo,
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1. A teoria weiliana da mundialização
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É igualmente possível que a solução racional (…) não seja encontrada por
meio do cálculo racional, os fatores históricos prevaleçam no imediato e uma
organização mundial surja de um conflito das grandes potências, decidido
em favor de uma delas sem que a sociedade mundial seja por isso demasia-
damente empobrecida. Pode ser, enfim, que uma das potências avance tanto
com relação a todas as outras, que elas não seriam mais capazes de empreen-
der a luta contra aquela23.
21. Ibid.
22. Ibid., 292.
23. Ibid.
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1. A teoria weiliana da mundialização
Mas, ademais de uma teoria dos cenários possíveis, uma teoria da ação
é também uma teoria dos riscos. A teoria dos cenários possíveis mostra
que a mundialização pode se fazer de várias maneiras diferentes, sobre-
tudo se ela é buscada de modo competitivo. Se houvesse uma guerra
nuclear entre as duas superpotências, a mundialização se fazia sob a for-
ma de um Estado mundial dominado pelo vencedor (supondo que o
resultado não seja a destruição recíproca). Weil evoca outros tipos de
riscos, sempre ligados às diferentes modalidades possíveis da mundiali-
zação. Há, primeiro, o risco já apontado pela teoria kantiana do cosmo-
politismo, de um Estado mundial que seria autocrático, vale dizer, tirâ-
nico24. Weil usa os dois termos, mas eles não são equivalentes. A autocra-
cia é um poder político sem controle parlamentar e jurídico. As decisões
do governo autocrático são imediatamente executórias. Tem-se, portan-
to, a hipótese de um Estado mundial que não se limitaria à organização
do trabalho social, mas que seria a transposição, em escala mundial, das
formas contemporâneas de Estados autocráticos. Quanto à tirania, Weil
não explica em que sentido a usa. Pode-se imaginar que ele a entende
em sentido aristotélico de um poder exercido em vista de um interesse
exclusivo dos governantes, sem consideração dos interesses da sociedade
em seu conjunto. O importante é que, num caso como no outro, o risco
é real sem ser considerável. Para que uma tirania ou uma autocracia
mundial consiga se impor, seria preciso que os cidadãos como os gover-
nantes tenham tolerado essa evolução a despeito de seus próprios inte-
resses. É preciso, portanto, supor que uns como os outros tenham per-
dido a faculdade do cálculo racional. Uma vez instalado, esse poder au-
tocrático suscitaria uma revolta — ativa ou passiva — e acabaria por
desmoronar de um modo ou de outro. Ademais, é preciso se interrogar
sobre as condições de aparecimento ou de manutenção da autocracia.
Esta está ligada às tensões internacionais, que ela toma como pretexto e
sustenta para se manter. A independência e a unidade da nação tornam-
se então um motivo de restrição das liberdades. Uma lealdade incondi-
cional é exigida dos cidadãos. Quanto mais as tensões e os conflitos são
vivos, mais forte é a exigência de lealdade nacional. Mas esse mecanismo
torna difícil de conceber que uma autocracia mundial possa se manter
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1. A teoria weiliana da mundialização
a ideia da dignidade do homem, de todo homem, ideia do direito que todo ho-
mem tem de participar, enquanto ser razoável e que se submete à necessidade
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
27. Ibid.
28. Ibid., 295.
29. Ibid., 304.
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1. A teoria weiliana da mundialização
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2. Sociedade mundial e
estado mundial segundo Eric Weil
Jean Quillien1
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2. Se se quiser uma análise mais aguda do fenômeno em si, pode-se, certamente, ser
levado a distinguir e considerar com a OCDE que a globalização envolve três etapas: a inter-
nacionalização, entendida como o desenvolvimento dos fluxos de exportação; a transnacio-
nalização, com o significativo desenvolvimento dos fluxos de investimento e, finalmente, a
globalização, entendida como a instalação de redes globais de produção e de informação. A
globalização seria, então, um momento de mundialização. Cf. sobre isso Sylvie Brunel, geó-
grafo e economista, “Qu’est-ce que la mondialisation?”, In Sciences humaines, Dossier “Dix
questions sur la mondialisation”, n. 180, mars 2007, 29. Outro geógrafo, Laurent Carroué,
propõe reservar o termo mundialização para designar a difusão do capitalismo a todos os
espaços geográficos e chamar globalização todos os fenômenos que agem no conjunto do
espaço terrestre compreendido como globo. Cf. La mondialisation. Genèse, acteurs et enjeux,
Paris, Editions Bréal, 2005. Esta distinção, por importante que seja num outro contexto, pode
ser deixada de lado aqui, numa análise que se concentra sobretudo em colocar em perspec-
tiva a sociedade mundial e o Estado mundial, de um lado, e a globalização, de outro.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
que de que tinham certeza era que uma época da história chegava ao fim.
Eles não sabiam disso3.
3. E. Hobsbawm, The age of Extremis: The Short Century XX, 1914-1991, London,
Michael Joseph, 1994, 558-559. L’âge des extremes, trad. P. E. Dauzat, Bruxelas, Complexe,
1999; André editor Versalhes, 2008, 718. Esta última edição fornece uma tradução ligeira-
mente diferente: “Os cidadãos do fim do século XX, caminham rumo ao terceiro milénio,
em meio ao nevoeiro global que os envolve, a sua única certeza é a de que uma era da his-
tória está completa. Eles não sabem muito mais”. Hobsbawm chama de “Breve século XX”,
o período que vai da Primeira Guerra Mundial, entendida como o colapso da civilização
ocidental do século XIX, da qual um dos traços fundamentais era o lugar central da Eu-
ropa à queda do comunismo soviético e os Estados Unidos substituindo a Europa como
o poder dominante. O século se caracteriza de forma essencial pela oposição, chamada
“Guerra Fria”, de dois blocos, um capitalista e outro comunista. Cada um considera o outro
como inaceitável e aguardava o seu fim tido como inevitável. Mas seja qual for a escolha de
cada indivíduo, o conflito estrutura a sua compreensão do mundo. Desaparecido um dos
blocos, resta apenas um, por um tempo, pelo menos até agora, indeterminável, são todos
marcos candentes. Aquele que acreditava num mundo futuro radiante sabe agora que foi
apenas um sonho bonito e que ele deve, necessariamente, voltar a cair talvez o que ele tão
criticado. Ao contrário, aquele que optou pelo capitalismo não tem certeza de onde está,
pois se este realmente triunfa, o faz pelo desaparecimento do outro bloco. E, mais uma vez,
este triunfo está longe de ser glorioso. Com efeito, a sucessão ininterrupta de crises desde
o final da Idade de Ouro (o boom do pós-guerra) mostra que Marx estava certo quando
afirmava que o capitalismo é, intrinsecamente, uma força de revolução permanente. Este
movimento, irreversível, não pode ir contra a sua própria natureza, contrafazer seu próprio
ser, certamente nos leva a algum lugar. Mas para onde? Esta é a pergunta que agora nos é
imposta. E ela é lancinante, como não pode deixar de ser todo começo que, por definição,
não conhece fim. Hobsbawm escreveu em 1994: “Este século termina mal” (38). Gostarí-
amos de dizer a mesma coisa com o novo: ele começa mal. E nós ainda não o vemos com
muita clareza, exceto que China chegou ao segundo no ranking mundial e se aproxima
dos Estados Unidos. E ela o faz isso perturbando os pilares do século passado. Nós esta-
mos habituados a opor os regimes capitalistas que reconhecem as leis do mercado como
essenciais aos regimes comunistas com uma economia dirigista e planificada. No entanto,
a China se define como comunista e reconhece o papel do mercado.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
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10. Cf. W. Sombart, Der moderne Kapitalismus. Leipzig, Duncker & Humblot, 1902.
L’apogée du capitalisme, trad. S. Jankélévitch, Paris, Payot, 1932.
11. Cf. F. Braudel, Civilisation matérielle et capitalisme. Paris, Colin, 1967. ID. La
dynamique du capitalisme. Paris, Payot, 1983.
12. E. Weil, Philosophie et réalité I. Capítulo XI, “Qu’est-ce qu’une percée en histoi-
re?, op. cit., 193-223.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
13. E. Kant, “Idée d’une histoire universelle au point de vue cosmopolitique”, pro-
position VII (1784), in La philosophie de l’histoire, Paris, Aubier, 1947, 70. Nós mantemos
aqui a tradução de A. Renaut in Kant aujourd’hui, Paris, Aubier, 1997, 465. Sobre a ques-
tão dos dois cosmopolitismos e sobre a diferença das interpretações entre G. Vlachos e
T. Ruyssen, cf. ibid., 467 ss.
14. Cf. E. Weil, “Politique; 1; La philosophie politique, § 5. La philosophie politique
moderne”, Encyclopaedia Universalis, XII, Paris, 1968, 229-230.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
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17. Diogène Laërce, Vie, doctrines et sentences des philosophes illustres. Livre 6, “Les
philosophes cyniques”, 14; “Quando se perguntava sobre sua terra natal, ele dizia: “eu sou
cidadão do mundo”. [Trad. R. Genaille]. Paris, Garnier-Flammarion, II, 30.
18. E. Kant, Idée… proposition IX, op. cit., 76. A. Renaut fez, da maneira mais se-
gura, o estado da questão, in op. cit. (nota 9), 456-491.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
19. U. Beck, Qu’est-ce que le cosmopolitisme?, trad. A. Duthoo, Paris, Aubier, 2006, 11.
20. Cf. Discours, violence et langage: un socratisme d’Eric Weil, Le Cahier du Collège
international de Philosophie, n. 9-10. Paris, Osiris, 1990, 194-195.
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
21. Para esta problemática do fim da Filosofia política veja-se a análise de P. Canivez,
especialmente em Le politique et sa logique dans l’œuvre d’Eric Weil, Capítulos V (L’Etat)
e VI (La réalisation de la polis). Paris, Kimé, 1993, 173-267; ID. Eric Weil. Paris, Ellipses,
1998, 24-32; ID. Weil, “L’Etat et la démocratie”, Paris, Les Belles Lettres, 1999, 175-209.
22. Cf. E. Weil, Encyclopaedia Universalis, XIII, Paris, 1968, 230, 3º col.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
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aquele que é, deve-se repetir, o seu maior discípulo24. Se, com efeito, Marx
permanece fiel à análise hegeliana, se desvia dela num único ponto, mas
verdadeiramente decisivo, compreendendo que o Estado, neutro segun-
do Hegel, está efetivamente a serviço da classe capitalista e, consequen-
temente, se transforma em instrumento de exploração do proletariado,
isto é, da massa dos trabalhadores forçados a vender sua força de trabalho
nas condições do mercado e, ao fazê-lo, se transformar em mercadoria25.
Ora, Marx — lembramos que a Ação, na Lógica da filosofia, é a última
categoria concreta — defende o advento, depois de uma revolução que
pode ser pacífica, de uma sociedade mundial de produtores, que não é
mais que a versão marxiana do reino dos fins segundo Kant, enquanto
para Weil, “o ‘Estado mundial’ não será justamente o reino dos fins” (Fp
304, grifo de Weil). Sobre este ponto importante, somos obrigados a re-
conhecer que a história deu razão a Hegel. De fato, os sistemas políticos
que se estabeleceram no espírito do marxismo em nada figuraram um
enfraquecimento do Estado, antes o contrário.
Se olharmos o caminho percorrido, primeiro com a mundialização tal
como se mostra efetivamente, em seguida, com o Estado mundial tal como,
com a Filosofia política, se dá ao pensamento, podemos ter a sensação de
estarmos parados num impasse. Com efeito, designamos a mundializa-
ção efetiva como uma nova etapa do capitalismo — leitura, parece-nos,
geralmente admitida. Ora, ocorre que a palavra capitalismo está ausente
da Filosofia política, o que não deixa de surpreender à época do antago-
nismo entre países capitalistas e socialistas e dado que Weil a isso se refe-
re em vários artigos. O primeiro a atentar para essa ausência e a ter ten-
tado encontrar a significação segundo uma argumentação rigorosa, que
subscrevemos de bom grado, foi André Tosel em uma comunicação ao
colóquio de Pisa dedicado ao pensamento de Weil em novembro de 197926.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
Pisa, serie III, vol. XI, 4, Pisa, 1981, 1157-1186. Mais recentemente, em 7 de julho de 2003, A.
Tosel proferiu uma conferência intitulada “Les philosophies de la mondialisation”, na qual
distingue na França quatro direções de pensamento, que apresenta, sobre a mundialização e
desenvolve, o que aqui nós confirmamos, que Marx é o maior pensador da globalização no
século XIX. Association “L’Université de tous les savoirs”, DVD, CERIMES, Vanves.
27. A. Tosel, op. cit., p, 1176.
28. Ibid.
29. A. Tosel, op. cit., 1184.
49
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
É este ponto comum que deve ser analisado em primeiro lugar. Interro-
gar-se-á, em seguida, sobre a forma de Estado mais razoável e, conse-
quentemente, mais apropriada para conduzir a uma mundialização
bem-sucedida, obedecendo, para falar como Kant, a um direito cosmo-
polita, que exige a instauração de uma legalidade internacional, com o
estabelecimento de tribunais internacionais (Fp 276 s.). Patrice Canivez
formulou com clareza o problema: “O decisivo é a maneira com que se
efetuará a mundialização, seja pela violência, seja por uma ação concer-
tada entre os Estados”.30 Acrescentamos que os fóruns mundiais que
mencionamos, se são efetivamente informais, não deixam de ser lugares
de diálogo no sentido entendido por Weil31.
Assim, reencontramos Davos e Porto Alegre. Qual seria a posição
Weil hoje? Temos uma indubitável aquisição: um Estado mundial seria
necessariamente despótico (esta é também a posição de Kant). É uma
hipótese a excluir absolutamente. Mas ambos os fóruns mundiais ci-
tados se colocam sob o patrocínio da razão, o que deve ser saudado. O
objetivo anunciado do primeiro é o de melhorar o estado do mundo.
Assim, Bill Gates, em 2008, procurou definir o que ele chama de Crea-
tive Capitalism, isto é, uma forma de capitalismo que tanto gera lucros
quanto busca superar a injustiça no mundo e usa as forças do mercado
para vir em socorro dos mais desprovidos. Mas, ainda assim, sempre se
reprovou a este Fórum o fato de justificar na prática a mundialização li-
beral, à qual se opõe o espírito de Porto Alegre. O participante típico do
Fórum de Davos é o empresário, o de Porto Alegre é o cidadão. Este úl-
timo, aliás, se define a como a reunião de organizações cívicas do mundo
para a altermundialização, isto é, para uma mundialização controlada e
solidária. A tarefa é designada: o estabelecimento e, uma vez estabeleci-
das, a defesa de organizações internacionais suscetíveis de assegurar um
“planejamento mundial, um governo mundial, a liberação das naciona-
lidades (como organizações culturais autônomas)”, únicas organizações
capazes de garantir a paz e, portanto, se não de suprimir, de pelo menos
canalizar a violência. Entende-se que esta garantia só pode ser feita por
30. P. Canivez, Le politique dans l’œuvre d’Eric Weil, op. cit., 236.
31. Cf. E. Weil, Philosophie et réalité, I, Capítulo XV, “La vertu du dialogue”, op. cit.,
279-295.
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2. Sociedade mundial e estado mundial segundo Eric Weil
32. E. Weil, Essais et conférences II, Capítulo V, Le sens du mot Liberté. Paris, Vrin,
1991, 111.
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3. O sentido da justiça.
Eric Weil e a mundialização
Corneliu Bilba1
Introdução
A Filosofia política de Eric Weil constitui uma das mais originais re-
construções filosóficas da política moderna. Weil, que considera a
política como ciência filosófica da ação razoável e universal, pensa que
esta deve visar “a totalidade do gênero humano”2. Segundo esta defini-
ção, a política não se reduz somente à realização dos interesses legítimos
de uma comunidade/sociedade; esses interesses podem estar em opo-
sição com os interesses de outras comunidades/sociedades, interesses
cujas morais históricas são fonte de legitimidade. Consequentemente,
a política deve considerar a realização dos interesses legítimos da hu-
manidade inteira. Ela deve perseguir o objetivo da paz perpétua — o
fim da violência. Deste modo, Patrice Canivez observou:
a ação deve eliminar a violência social e política dentro do Estado, a da guer-
ra e dos conflitos internacionais no exterior; ela visa assim à unificação do
gênero humano, vale dizer, a supressão dos conflitos que dividem a huma-
nidade em grupos antagônicos3.
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3. O sentido da justiça
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Quando Weil elaborava sua filosofia política, havia sinais que anun-
ciavam a realização de uma tendência na vida internacional. A nova or-
dem mundial se mostrava na fundação de organizações internacionais
(a ONU, a OTAN, o OECE, o UEO, o Conselho da Europa, a CECA) que
foram designadas para assegurar a paz e a segurança em plena guerra fria.
A fórmula a paz e a segurança, seguidamente empregada na linguagem da
diplomacia internacional, é sustentada pela conjunção de duas lógicas, a
da sociedade e a do Estado. A paz é o desejo da sociedade, dos indivíduos;
a segurança é o objetivo dos Estados9. Quando se fala de paz e de seguran-
ça, depois da Segunda Guerra Mundial, trata-se da sociedade, do Estado
e de suas relações recíprocas. Não é “a sociedade contra o Estado”: é, ao
mesmo tempo, a sociedade e o Estado; no mundo ocidental, cada um dos
dois tem sua própria palavra de ordem.
O início da institucionalização da vida internacional10 dá a Eric Weil,
filósofo pós-kantiano e pós-hegeliano ao mesmo tempo, a esperança de
que se chegue, talvez, “a um estado de coisas em que […] não haja mais
lugar para um governo”11. À época, foi mais em escala europeia que mun-
dial que se mostraram, com maior clareza, o confronto e a conjunção das
duas lógicas, a da sociedade e a do Estado. De um lado, a Europa, depois
da guerra vê como se instaura sobre o continente a hegemonia americana.
A criação da OTAN no plano militar e a ajuda para o desenvolvimento no
plano econômico e social criaram claramente uma dependência dos paí-
ses europeus em relação aos Estados Unidos, e esta constituía um desafio
licada de como pensar a hegemonia mundial de uma democracia liberal; a resposta foi que
a guerra feita pela democracia é uma espécie de cruzada. Cf. V. M. Walzer. Just and Unjust
Wars: A Moral Argument with Historical Illustrations, New York, Basic Books, 1977, 110.
9. A palavra “segurança” é tomada aqui no sentido estrito das teorias clássicas das
relações internacionais, que compreendem mais o seu caráter militar que econômico, polí-
tico, social ou ambiental tratados por B. Buzan, People, States, Fear: The National Security
Problem in International Relations, Brighton, Wheatsheaf Books, 1983, 75-83. A aborda-
gem de Buzan constitui um “discurso alternativo” sobre a segurança representando uma
“transformação do indivíduo em objeto de referência, ao mesmo tempo, do desenvolvi-
mento e da segurança”. B. Stefanachi, “Human Security: A Normative Perspective”, Meta:
Research in Hermeneutics, Phenomenology and Practical Philosophy, III: 2 (2011) 405.
10. Cf. R. O. Keohane, “Institutional Theory and the Realist Challenge after the Cold
War”, in Baldwin, D. A. (ed.), Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary Debate,
New York, Columbia University Press, 1993, 269-300.
11. E. Weil, Filosofia política, 238.
56
3. O sentido da justiça
12. Os dois tratados de Roma instituem a CEE e a Euratom não serão assinados antes
de 1957, portanto, depois da aparição da Filosofia política de Weil. Mas o espírito do supra-
nacional reinava já na Europa no início dos anos 50: depois do Tratado de Paris instituir
a CECA, houve a tentativa de fundar uma Comunidade Europeia de Defesa, por um se-
gundo tratado de Paris (1952). Este projeto teve de ser abandonado em razão da não ra-
tificação do tratado pela França.
13. Com esta expressão, Charles de Gaulle designa a política de segurança comum
que foi proposta pelos monedistas logo após a guerra da Coreia, sob o nome de Comu-
nidade Europeia de Defesa. O projeto ratificado por outros países da Europa teve de ser
abandonado devido à oposição gaullista na Assembleia Nacional.
57
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
14. Para uma análise da importância da Revolução Francesa, de seu mito e de seu mé-
todo para o processo de modernização do terceiro Mundo, cf. J. A. Goldstone, Révolutions
dans l’histoire et histoire de la révolution, Revue française de sociologie, 30 (1989) 405-429.
58
3. O sentido da justiça
que Weil exprime seu temor de que a humanidade poderia retornar à vio-
lência mais selvagem. Ou ainda, quando ele fala da construção das orga-
nizações mundiais, diz que esta construção é imperfeita, porque foi obra
de Estados imperfeitos. Segundo Weil, não é a mão invisível que realiza
o fim da história: os fatos são imperfeitos, mas perfectíveis, e a tendência
não se realizará sem a ação consciente e preocupada em não a deixar fra-
cassar. É por esta razão que Weil pensa que o nascimento dos
59
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
16. Como diz Weil: “a unificação começou há muito tempo”. Filosofia política, 298.
60
3. O sentido da justiça
balho”); (c) o sistema de troca permaneceu único desde 1500; (d) sempre
houve o detentor da hegemonia mundial; (e) sempre houve contestações
dessa hegemonia; (f) a luta teve constantemente como efeitos o desen-
volvimento, o progresso e a injustiça, de um lado, e a institucionalização
crescente da vida internacional, de outro.
Mas a característica mais notável da última fase da globalização foi o
fato de que ocorreu um discurso e que esse discurso teve alcance univer-
sal. A presença desse discurso — pode-se chama-lo ideologia se se quiser
— está ligado ao fato de que a exploração do liberalismo no mundo não
podia se fazer sem a mundialização das instituições liberais, portanto, sem
alguma preocupação pela legitimidade. Por essa razão, pode-se dizer, como
Tocqueville, que a democracia é irresistível17. Consequentemente, a insti-
tucionalização da vida internacional depois da Segunda Guerra Mundial
pode ser vista como o resultado do esforço de democratizar as relações
internacionais por uma preocupação cada vez maior pela legitimidade.
Essa legitimidade é dada, de um lado, pelo paradigma legalista, pela in-
venção de uma espécie de direito positivo internacional e, por outro lado,
por uma discussão sobre os direitos naturais dos homens. Essa discussão
ainda não está completa, mas nem por isso deixa de ser discussão.
É sobre este último ponto que o discurso da globalização notadamente
insistiu, praticando a intrusão da visão desenvolvimentista no discurso
dos direitos humanos. Certos autores pensam que a ideologia desenvol-
vimentista foi igualmente praticada pelos adversários do liberalismo, na
sua versão da modernização e na sua interpretação dos direitos do ho-
mem18. Depois de 20 anos da queda do muro de Berlim, haveria razões
para crer, parece, que o comunismo apenas acelerou o processo da trans-
17. Esta ideia é um lugar comum na De la démocratie en Amérique, mas parece que é
no “Avertissement de la dixième édition” que Tocqueville lhe dá a expressão mais notável:
“Este livro — diz ele — foi escrito há quinze anos, com a preocupação constante de um só
pensamento: o evento próximo, irresistível, universal da Democracia no mundo”. Cf. A. de
Tocqueville, De la démocratie en Amérique, Tomo I, Paris, Institut Coppet, 2012, 11.
18. Segundo Immanuel Wallerstein, a política mundial liberal dos Estados Unidos
teve como resposta da parte dos bolcheviques uma estratégia militar similar: na sua polí-
tica internacional de contato direto com países subdesenvolvidos, eles utilizaram “o con-
ceito de desenvolvimento prometido pelos Estados Unidos”, o que os transformou em
“asa esquerda do liberalismo global”. Cf. I. Wallerstein, “Restructuration capitaliste et
le système-monde”, Agone, 16 (1996) 219.
61
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
19. Cf. J. E. Stiglitz, Making Globalization Work, New York, W. W. Norton and
Company, 2006.
20. E. Weil, Filosofia política, 94.
21. CF. Stiglitz, Making Globalization Work, 25-60.
22. Ibid.
23. E. Weil, Filosofia política, 248.
62
3. O sentido da justiça
63
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
25. Isto vale também para Kant, onde é necessário que o direito internacional co-
exista com o direito cosmopolita — porque o direito cosmopolita só é formulado de
maneira negativa.
26. E. Weil, Filosofia política, 296.
64
3. O sentido da justiça
lado, o que torna possível sua coexistência é o fato de que sua relação se
diversifica em função dos diferentes níveis nos quais ocorre a ação. Em
outras palavras, o conceito de razão em Weil não se reduz à distinção
entre o racional (a eficácia) e o razoável (o justo), que constituem ape-
nas os dois polos entre os quais toma lugar toda uma diversidade de
formas da razão — e aqui não se considera a categoria da Ação! Pode-
se tomar como fio condutor essa observação de Patrice Canivez: “na
Filosofia política, Weil percorre sucessivamente os planos da moral, da
sociedade e dos Estados modernos. Sobre cada um desses planos, as
questões da justiça, da educação, da lei se põem de maneira específica,
em função de certa forma de discurso e de um regime de argumentação
que lhe é próprio”27. O objetivo de Weil consiste aqui em mostrar como
se passa de um regime de racionalidade a outro: se na Lógica da filosofia
há um movimento entre as diferentes atitudes e categorias da filosofia,
na Filosofia política há um movimento entre os diferentes níveis da única
categoria da ação, tendo como fio condutor a relação entre o justo e o
eficaz28. Assim, no que concerne à Modernidade, pode-se seguir este
movimento pela análise do processo de racionalização e de organização
da vida dos Estados. Este processo segue de perto o movimento que teve
lugar no plano da sociedade. No interior de cada Estado houve — e
ainda há — uma luta permanente pelo reconhecimento entre os grupos.
Essas lutas, por vezes, levaram a guerras entre Estados (pensemos nas
guerras de religião e no processo de racionalização da vida internacional
no fim da guerra dos 30 Anos). Estas guerras evidenciaram que as mo-
rais vivas transgridem a soberania dos Estados e, consequentemente,
que a lealdade ao soberano não é dada pela simples promessa de sub-
missão concedida ao vencedor, de que fala Hobbes no Leviatã. Este “mé-
todo” de formação dos Estados valia para a Idade Média, quando os
Estados operavam segundo o princípio da honra da aristocracia. Mas a
Idade Moderna conhece, simultaneamente, a multiplicação das confis-
sões religiosas, o declínio da aristocracia e a ascensão de uma nova ca-
mada social: a burguesia. Daí a necessidade, no fim das guerras de reli-
65
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
66
3. O sentido da justiça
67
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
29. Mas pode ser que esta exigência se aplique também a épocas passadas se se tem
em conta a ideia de Weil sobre a historicidade do que se chama “direito natural”.
30. Os mongóis foram, à época de Gengis Khan, grandes guerreiros, mas não foram
vencedores porque, não sendo educados, eles não tinham um discurso. Os nazistas pode-
riam destruir o mundo, não conquistá-lo, porque eles bloquearam o discurso na eficácia
da violência pura: a educação à violência pura é, em si, um projeto demoníaco.
68
3. O sentido da justiça
31. Cf. R. Gilpin, War and Change in World Politics, Cambridge, Cambridge University
Press, 1981; G. Modelsk, The Long Cycle of Global Politics and the Nation-State, Compa-
rative Studies in Society and History 20 (1978) 214–235; W. R. Thompson, On Global War:
Historical-Structural Approaches to World Politics, Columbia, University of South Carolina
Press, 1988.
32. Cf. J. S. Goldstein, Kondratieff Waves as War Cycles, International Studies Quar-
terly 29 (1985) 411–444, ver também: Long Waves in War, Production, Prices and Wages,
Journal of Conflict Resolution 31 (1987) 573–600.
69
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
70
4. Sociedade mundial/estado mundial.
Eric Weil e a questão da
universalidade dos direitos
Giusi Strummiello1
71
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
72
4. Sociedade mundial/estado mundial
cesso sempre mais inclusivo, e tornar visível seu caráter aporético, nunca
propriamente pacífico ou pacificado. Significa, talvez, como acréscimo
ou consequência disso, fazer vacilar a nossa fácil e superficial crença na
universalidade e nos processos de universalização e pôr seriamente em
discussão, para repensá-la, a própria noção de universal.
Desse modo, o peso da questão é colocado, essencialmente, sobre a
determinação dos nexos entre globalização e universalização. Perguntamo-
nos, de fato: até que ponto é verdade que os processos de globalização, ao
coincidir com a criação de um espaço sem fronteiras, sem algo externo, sem
qualquer resíduo, apontam na direção do fim de toda exclusão e da realiza-
ção da ideia moderna de uma cidadania universal? De fato, em um mundo
privado de delimitações, parece impossível pensar e organizar práticas de
exclusão: se não há um fora, o que se exclui e, sobretudo, onde se exclui?
Ou, antes, não é verdade justamente o contrário, isto é, que a dilatação do
espaço corre o risco de tornar sempre mais frágil e evanescente o espaço
público e, portanto, menos seguras as pretensões das dinâmicas inclusivas
sobre as excludentes? Com efeito, o fenômeno da globalização altera os
confins políticos e as identidades, as pertenças: ela põe em crise a forma
do Estado moderno, do Estado-nação e a visão territorial da soberania
estatal. O processo de globalização engatilha movimentos de expropria-
ção e deslocação que geram, por contragolpe, o que Derrida define como
“o retorno regressivo e inquietante dos fantasmas do solo e do sangue,
racismos, xenofobias, guerras e limpezas étnicas”2. A globalização parece
decretar o fim da conexão, individuada por Schmitt, entre ordenamento
(Ordnung) e localização (Ortung): ela assinala a desconstrução daquilo
que Derrida, de maneira eficaz, chamou o “topolítico”, ou seja, o reenvio
à circunscrição do político ao lugar. O Estado-nação é posto radicalmente
em questão, e uma crise sem precedentes assalta os conceitos de confim e
de fronteira: o fechamento, a coesão e a identidade de um povo, de uma
comunidade, se encontram constantemente abertos por um movimento
que torna os seus confins sempre mais voláteis. Parece não ser possível
deter este despregar-se da sistematização jurídico-política do caráter es-
tatal: a sua crise nos põe diante de uma passagem epocal ineludível rumo
73
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
3. Sobre estas questões, ver particularmente C. Schmitt, Der Nomos der Erde im
Völkerrecht des Jus Publicum Europaeum, Duncker & Humblot, Berlin, 2011, e, J. Derrida.
Politiques de l’amitié, Paris, Galilée, 1994.
4. Sobre a relação entre globalização, ordenamentos estatais e universalismo dos
direitos, veja-se, entre outros, J. Habermas, Die Einbeziehung des Anderen. Studien zur
politischen Theorie, Frankfurt, Suhrkamp Verlag, 1996; O. Höffe, Demokratie im Zeitalter
der Globalisierung, Beck, München, 1999; S. Benhabib, The Rights of Other. Aliens, Resi-
dents and Citizens, Cambridge-New York, Cambridge University Press, 2004.
74
4. Sociedade mundial/estado mundial
II
75
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
76
4. Sociedade mundial/estado mundial
77
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Como para Arendt, parece que também para Weil os direitos hu-
manos sejam os que dizem respeito ao cidadão, isto é, a um indivíduo
pertencente a uma comunidade, a uma organização, a um Estado: de
fato, a perda de um direito não comporta simplesmente a absoluta falta
de direitos. Está-se privado dos direitos humanos sobretudo quando se
é privado de um lugar no mundo, quando não se é reconhecido como
6. E. Weil, Filosofia política, trad. M. Perine, 2ª ed. revista, São Paulo, Loyola,
2011, 234 nota 9.
78
4. Sociedade mundial/estado mundial
79
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
80
4. Sociedade mundial/estado mundial
III
81
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
convencido de que talvez valha a pena corrê-lo, se não por outras razões,
pelo fato de que com a criação de um Estado mundial seriam eliminadas
justamente as causas da involução em sentido autocrático das formas de
governo, ou seja, a ameaça e a possibilidade de agressões externas.
As preocupações que orbitam ao redor da proposta de um Estado
mundial não devem impedir de considerar seriamente um futuro para
a humanidade, de se propor como meta a alcançar o desaparecimento
da competição entre as sociedades particulares e a luta entre os Estados
históricos. Nisto não haveria nada de autoritário, porque, aliás, cada um
se sentirá imediatamente chamado a aderir à administração dos interesses
comuns da sociedade mundial: cada um se sentirá garantido e respeitado
nos seus direitos de membro desta sociedade, direitos que são os do ho-
mem e do cidadão e que encontram o seu fundamento na organização
mundial da sociedade do trabalho:
82
4. Sociedade mundial/estado mundial
dade moral para com uma tradição viva: um grupo humano será coeso
não por força das necessidades e do medo da violência, mas pela adesão
a um sentido. Só assim as livres associações de indivíduos que operam
pela criação de uma única sociedade, segundo as respectivas tradições
morais, segundo as próprias virtudes, substituirão o anonimato das mas-
sas da sociedade global.
83
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
rão, desse modo, dar a todos os homens a possibilidade (…) de serem satis-
feitos na dignidade da sua liberdade razoável e concreta, na vida virtuosa15.
84
4. Sociedade mundial/estado mundial
livre e moral. Tarefa difícil, observa Weil, porque vivemos ainda divididos
em dois planos, entre sentido vivo e racionalidade, moral inconsciente dos
seus fundamentos e lealdade imposta, cálculo e dimensão histórica: o plano
da sociedade que oferece ao indivíduo os bens necessários para levar uma
vida humana e o da moral, que oferece a possibilidade de uma vida sensata,
digna de ser vivida. No tempo presente, nenhum estado parece oferecer a
reconciliação dessas duas exigências da vida humana (do indivíduo na-
tural e passional, do homem violento) e da vida sensata (em vista da vida
humana sensata, de uma vida não apenas vivida, mas pensada).
E, todavia, o homem sem o Estado permanece um animal ou uma má-
quina. O fim do Estado é justamente o indivíduo livre e satisfeito na razão.
O homem se realiza mediante uma evolução que só pode acontecer dentro
do Estado: nele o homem está protegido da violência da natureza exterior,
da necessidade natural, da paixão; no Estado o homem pensa a sua moral e
se sabe livre, portanto, é do Estado que ele pode partir para se afirmar como
ser livre e razoável, finalmente capaz de uma vida sensata e digna.
Em outros termos, somente no Estado o indivíduo se humaniza. Logo,
só no Estado razoável o homem pode ser homem no sentido autêntico, isto
é, homem que alcançou a plenitude da sua humanidade. Mas, de novo, esta
condição da universalização do homem deve ser pensada como condição
necessária e não suficiente. Como poderia ser de outra forma, pergunta-se
Weil, a liberdade como exigência do homem? Desse pondo de vista, a uni-
versalidade não implica o sacrifício, a absorção e a anulação da individuali-
dade: “O indivíduo só é razoável no interior do universal. Porém, universal
e vivendo no interior do universal, ele é e permanece indivíduo”16.
IV
85
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
86
4. Sociedade mundial/estado mundial
O universal não está no início, ele se encontra, por particular que seja, no
fim de uma história. (…) antes que houvesse uma França, ninguém queria
ser francês: passou-se a querer ser francês a partir do momento em que essa
universalidade já existia nos fatos (…)22.
87
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
88
5. Religião e relações
internacionais em Eric Weil
Evanildo Costeski1
89
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
90
5. Religião e relações internacionais em Eric Weil
7. Ibid., 299-351.
8. E. H. Carr, Vinte anos de crise 1919-1939. Uma introdução ao estudo das Relações
Internacionais, trad. L. A. F. Machado e Prefácio de E. Sato, Brasília, Editora UNB, 2001.
9. Cf. J. P. Nogueira; N. Messari, Teoria das Relações Internacionais: correntes e
debates, Rio de Janeiro, Elsevier, 2005, 3-4.
10. Ibid., 4.
11. H. Morgenthau, A Política entre as Nações, trad. O. Biato e Prefácio de R. W.
Sardenberg, Brasília, Editora UNB, 2003.
91
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
92
5. Religião e relações internacionais em Eric Weil
traços dos autores desta Escola nos textos políticos de Weil. Mais próxima
de Weil encontra-se a teoria francesa das Relações Internacionais, que
tem em Pierre Renouvin e em Jean-Baptiste Duroselle os principais re-
presentantes, além, é claro, de Raymond Aron, amigo parisiense de Weil.
Falaremos depois sobre Raymond Aron. No momento, gostaríamos de
destacar o importante conceito de forces profondes, desenvolvido pelo
historiador francês das Relações Internacionais Pierre Renouvin. Será
esse conceito que nos permitirá falar da função positiva da Religião nas
Religiões Internacionais, a partir da filosofia weiliana.
Pierre Renouvin elaborará de forma sistemática o conceito de forces
profondes no livro Introdução à história das Relações Internacionais, pu-
blicado com seu discípulo Jean-Baptiste Duroselle em 196416. Contudo,
é importante frisar que esse conceito já está presente em seu livro sobre a
História da Primeira Guerra Mundial publicado em 1934, quando diz:
Vale dizer que este importante livro de Renouvin era certamente conhe-
cido por Weil, pois há um exemplar do mesmo no acervo de sua biblioteca
pessoal18. Ademais, é interessante observar que Jean-Baptiste Duroselle,
discípulo direto de Renouvin, ensinou na Universidade de Lille nos anos
de 1957-5819, onde já se encontrava Weil.
Mas o que seriam as forces profondes? Além das relações propriamente
ditas dos Estados, centralizadas principalmente nos homens de governo e
na diplomacia, existem forças que determinam os povos e, enfim, as pró-
93
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
prias tomadas de decisões dos homens de Estado. Essas podem ser tanto
“forças materiais” — fatores geográficos, condições demográficas, forças
econômicas — como “forças espirituais” — sentimento nacional, senti-
mento pacifista e o próprio sentimento religioso —. Eric Weil, no início da
quarta parte de sua Filosofia política, cita claramente as forças profundas
“materiais”, ao dizer que os Estados nacionais consideram “como elemen-
tos perturbadores as condições exteriores, as forças relativas dos Estados,
a situação geográfica, os dados econômicos, demográficos etc.”20.
O que temos que esclarecer, de acordo com o nosso tema, é se as re-
ligiões podem de fato ser consideradas como forças profundas determi-
nantes nas Relações Internacionais. É verdade que Renouvin evitou clas-
sificar a religião como um tipo de force profonde específica. Ele até ad-
mite que o sentimento religioso tem sua importância para se compreen-
der, por exemplo, os movimentos nacionalistas e pacifistas, todavia, ele
confessa ser praticamente impossível classificar o discurso religioso, pelo
fato de o mesmo se referir a um mundo transcendente, inacessível ao pon-
to de vista do historiador:
94
5. Religião e relações internacionais em Eric Weil
95
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
A filosofia das relações internacionais não visa elaborar uma lei ou indivi-
dualizar regularidades suscetíveis a dar lugar a generalizações científicas. Ela
consiste, sobre a base de uma antropologia e de uma definição da natureza
humana (…), em conduzir uma reflexão geral sem referência a um apare-
lho metodológico ou a um recurso de hipóteses destinadas a ser verificadas.
Trata-se de representar o mundo internacional em um caráter normativo
ou puramente contemplativo27.
27. Cf. F. Ramel, Philosophie des Relations Internationales, Paris, Presses de Sciences
Po, 2002, 11 nota 4.
28. Cf. E. Weil, Filosofia política, 348-349.
96
5. Religião e relações internacionais em Eric Weil
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
34. Cf. E. Weil, Religion and Politics, in Confluence: An International Forum, IV,
n. 2 (1955) 202-214; tradução francesa de L. Nguyen-Dinh, in Le temps de la réflexion II,
Paris, Gallimard, 1981, 184-195; depois publicado in Cahiers Eric Weil IV, Lille, Presses
Universitaires de Lille, 1993, 103-114.
35. Ibid., 108-109.
98
5. Religião e relações internacionais em Eric Weil
que os homens não podem viver sem uma crença subjetiva, sem qualquer
valor que não seja apenas um meio, mas um fim em si. É necessário, por-
tanto, estabelecer um acordo.
Esse “acordo” pressupõe uma base comum, pensada já por Santo
Agostinho: o conceito de paz. Santo Agostinho, que conheceu a pax roma-
na, levou esse conceito para o mundo cristão. Todas as nossas discussões
políticas e religiosas giram em torno desse ponto. É a paz que dá sentido
aos projetos políticos e aos movimentos religiosos36.
A partir desse ponto, Weil apresenta, no final do artigo, uma importante
distinção — essencial para a relação Religião e Política e, em particular,
para a Teoria das Relações Internacionais —, entre a religião tradicional,
teológica e dogmática, e a que ele denomina de religião formal, seculari-
zada. Na verdade, a religião é formal apenas para a sociedade moderna.
Em si mesma, ela é sempre dogmática e teológica. Entretanto, é um fato
que as religiões almejam ser reconhecidas pela sociedade. Por isso, que-
rem que seus conteúdos tradicionais sejam razoavelmente válidos. Ao ní-
vel formal, elas estabelecem a paz, a verdade e a liberdade como critérios
razoáveis últimos da comunidade.
A questão é saber até que ponto a religião está realmente propensa
à paz. Devemos relembrar aqui uma das principais conquistas da paz de
Westphália: a prática da tolerância ou, mais precisamente, o direito à to-
lerância. Não se pode ter tolerância com quem não exerce a tolerância. A
tolerância só é possível quando ela é recíproca. A tolerância significa que
a discussão é o único método pela qual os grupos ou religiões poderão
eventualmente mudar suas convicções. Se um indivíduo ou um grupo re-
ligioso não está pronto para se submeter à discussão segundo as leis bem
conhecidas e determinadas pela sociedade e pelo Estado que o representa,
ele pode até ser tolerado, mas não tem nenhum direito à tolerância.
Nota-se, então, que o conceito formal de religião não é assim tão formal
como parece. Apesar de visar a paz universal e de tê-la como instrumento
principal para a transmissão de sua mensagem, toda religião possui um
conteúdo particular. Este pode, em alguns momentos, descambar para a
intolerância e a prática da violência. O mesmo pode ser dito em relação
99
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
100
5. Religião e relações internacionais em Eric Weil
Estado e sem Igrejas. Enquanto isso não acontecer, temos de ter atenção
para não usar de meios violentos em vista de fins que não escolhemos.
Os homens religiosos têm direito de usar da violência para defender
sua religião, mas não podem em nenhum caso utilizar da violência para
alcançar fins religiosos, ou seja, buscar impor conteúdos particulares a
todos os homens e mulheres, religiosos ou não37.
Weil pensa a partir da religião cristã. Mas os princípios são os mesmos
para as demais religiões. A Teoria das Relações Internacionais pode e deve
acolher a reflexão religiosa em seu meio, como um tipo de força subjacente
ou força dinâmica, agindo sobre as consciências individuais dos atores in-
ternacionais. Ademais, o Estado moderno não pode simplesmente destruir
os sagrados religiosos das comunidades, como almejou fazer o tratado de
Westphália. A diferença, em relação ao mundo pré-westphaliano, é que
não existe nas comunidades modernas espaço para uma religião única,
para uma nova cristandade ou califado mundial. O que deve ser defen-
dido aqui, do ponto de vista formal, é o pluralismo religioso e moral, em
vista da paz e da justiça. Esse é um dos principais desafios para a Teoria
das Relações Internacionais e para a filosofia política no século XXI.
101
6. O Estado à prova dos
novos discursos da Obra
103
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
104
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
105
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106
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
discursos tipo, permite acolher, se encontra dobrada por uma não menos
significativa ponderação do lugar que, em geral e em cada categoria/atitude,
cabe à violência, incluindo aquela que resulta do próprio exercício da razão.
Reflexão sobre a coerência requerida pela vontade de construir um mundo
razoável, a filosofia de Weil não o é menos sobre essa alternativa desrazoá-
vel, da qual, por vezes, a razão depende, como condição necessária do seu
devir, outras vezes, gera, no seu afã de reduzir o curso próprio da história
à utopia das suas expectativas discursivas, mas, sempre, tem de considerar,
para poder ser mais do que um angelismo inconsequente. É que, como
estabelece o autor, “a razão é uma possibilidade do homem: possibilidade,
isso designa o que o homem pode, e o homem pode certamente ser razo-
ável, ao menos querer ser razoável. Mas isso é apenas uma possibilidade,
não uma necessidade, e é a possibilidade de um ser que possui ao menos
outra possibilidade. Sabemos que essa outra possibilidade é a violência”8. A
tomada de consciência desta dualidade, radicada na liberdade fundamental
do humano, implica uma responsabilidade por parte do filósofo. Como
resume Giusi Strumiello: “Consequentemente, o filósofo não se limita a
interpretar o mundo, para parafrasear Marx, mas age e opera para mudá-
lo, para neutralizar, pelo menos parcialmente, a violência. E a filosofia é
também e sobretudo a reflexão (logo: um metadiscurso) sobre o sentido
e sobre a possibilidade dessa intervenção e dessa prática”9.
A Lógica da filosofia oferece-se, consequentemente, como uma lógica
da luta contra a violência, no que esta tem de não razoável, na dupla acep-
ção de irracional e de insensata, e, por isso, leva a cabo, mais ou menos
explicitamente, em paralelo, uma “Lógica da Violência”, dessa violência
que se relaciona dialeticamente com a razoabilidade, porque ambas são
possibilidades do homem que pode, a qualquer momento, escolher uma
ou outra. Como o autor esclarece:
8. Lf 87. Para uma análise circunstanciada deste tema, vide M. Perine, Filosofia e
violência. Sentido e intenção da filosofia de Éric Weil, 2ª ed. totalmente revista, São Paulo,
Loyola, 2013.
9. G. Strummiello, Filosofia e Metafilosofia in Eric Weil, in A. Vestrucci (ed.), Eric
Weil: Violenza e Libertà. Scritti di morale e politica, Milano, Mimesis, 2006, 109.
107
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
discurso técnico que serve sem se perguntar para quê, o silêncio, a expressão
do sentimento pessoal e que se pretende pessoal10.
10. Lf 99.
108
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
11. Lf 34.
109
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
assim, apostada, por completo, em fazer valer a força bruta dos atos ou
das palavras, independentemente de uma orientação que transcenda a
mera e constante afirmação da vontade de domínio, pode chegar a for-
mar uma certa ordem que valha, em determinadas circunstâncias, como
modo de vida, individual e/ou coletivo? Pode o que, segundo um critério
de racionalidade, carece de sentido, fazer de alguma forma sentido, desde
que enunciado e pensado como violência escolhida?
Ora, se Weil não trata diretamente do terrorismo, em contrapartida,
prevê, na sua Lógica da filosofia, uma categoria/atitude que dá conta da
coerência dessa possibilidade de escolher a violência, não na ignorância
da razão filosófica, nem em consequência de um anacronismo histórico,
ou por via da recusa da modernidade, mas em si mesma, no que há de
puramente violento na violência escolhida, tanto no que respeita ao dis-
curso, quanto no que cabe ao agir, “uma violência total, não menos total
que o discurso, e que nada conhece fora dela mesma”12. Esta categoria/
atitude de “uma violência presente”13 é designada pelo autor como a Obra
e surge, significativamente, em espelho com aquela que leva a filosofia até
ao extremo da sua coerência discursiva e institucional, o Absoluto. Se o
Absoluto induz uma espécie de autocracia do pensamento, que tende a
asfixiar os indivíduos na sua individualidade, ao subsumir toda a parti-
cularidade numa figura da dialética da razão, a Obra corresponde a um
totalitarismo do obrar que supõe a criatividade suprema da violência,
enquanto violência, fazendo do indivíduo, na absoluta afirmação da sua
individualidade, expressa na unicidade de cada gesto e de cada enuncia-
do, o obreiro14, líder ou mártir, a cuja criação imediata tudo o mais se
deve vergar. Como escreve Weil, nela, por conseguinte, “a violência está
presente — oculta, confessa, estampada, preconizada, dissimulada —,
mas sempre consciente de si mesma”15.
A pertença desta categoria à Lógica da filosofia, apesar de que a atitude
que lhe corresponde “não é apenas afilosófica, mas antifilosófica, ciente-
12. Lf 500.
13. Lf 515.
14. Uso propositadamente o termo “obreiro” para designar o mentor da Obra, di-
ferentemente de Weil que se refere ao “criador”, para evitar qualquer confusão com a ati-
vidade criativa dos poetas da Consciência, da Personalidade ou do Finito.
15. Lf 499.
110
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
16. Lf 509.
17. Cf. E. Costeski, Atitude, Violência e Estado Mundial, Sobre a filosofia de Eric
Weil, São Leopoldo-Fortaleza, Editora Unisinos-Edições UFC, 2009, 28.
18. G. Kirscher, La philosophie d’Eric Weil, Paris, PUF, 1989, 324 nota 5.
19. Lf 511.
20. Lf 501-502.
111
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
ouvida sob estas últimas, longe disso: ela é falsa ou absurda, ou criminosa,
ou ímpia, ou revolucionária etc.)21.
21. Lf 506.
22. Lf 514.
112
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
mito, moderno, diríamos nós, não deve ser confundido com o da cate-
goria/atitude da Certeza:
23. Lf 506.
24. P. Canivez, Weil, Paris, Les Belles Lettres, 1999, 64.
113
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
que sois”25. Trata-se, então, a de saber como se estrutura esse mito que
quer impor-se como a versão dominante, e que, para o efeito, deverá valer
para os sequazes como aquela que corresponde efetivamente à realidade. A
exposição de Weil aponta para quatro processos, cuja combinação, numa
narrativa unificada, produz esse resultado, ao mesmo tempo, mitificador
e mistificador: metaforização, vitimização, promessa e injunção.
Por via da metaforização, o mito substitui os significados convencio-
nais, por outros cuja fecundidade é proporcional à sua distância relativa-
mente a fatores como a realidade, a pertinência ou a plausibilidade, para
que tudo seja tido, direta ou indiretamente, como símbolo da obra, do
obreiro e do obrar. Este processo de transferência de significações é pos-
to a funcionar por um processo generativo, a partir do reconhecimento
da centralidade da Obra e da consequente necessidade da sua efetuação,
da qual decorre o tipo de metaforização, e não em consequência de uma
qualquer hermenêutica, por mais genérica ou orientada. Weil sintetiza,
assim, esta particularidade do mito moderno:
A contradição não o [ao obreiro] incomoda, ela não tem sentido para ele,
pois tudo o que se pode dizer do criador e da sua obra não passa de metáfo-
ra, e a escolha depende exclusivamente do efeito sobre os homens. Quanto
a estes, eles tomarão a metáfora como metáfora e recebê-la-ão sem julgá-la
conforme o raciocínio, e mais justificadamente ainda sem recusá-la por seu
caráter metafórico: aqueles que raciocinam não são em caso algum, utilizá-
veis pela obra e devem ser tratados como inimigos26.
25. Lf 506.
26. Lf 505-506.
114
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
115
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
ções discursivas a uma zona sentimental que, como Weil esclarece, tem
“o caráter do que é imediato”30, porquanto visa apelar à emotividade em
estado puro, sem a interferência da reflexão sobre os sentidos do que
está a ser sentido. Em consequência, tal como o obreiro procura estabe-
lecer, e o próprio mito proclama, “o discurso é refutado pelo fato; nada
é compreendido ou compreensível diante do fato criador, a história não
está terminada: não há história, não há compreensão nem discurso que
contem diante do sentimento da obra”31.
Por sua vez, o mito liga-se à emotividade numa outra dimensão, a do
sentimento de insatisfação que, sendo mais ou menos generalizado nas so-
ciedades modernas, pode tornar-se paroxístico em determinados contextos.
Ora, esse sentimento, antes de ser enquadrado discursivamente, é difuso,
pelo que tende a não ultrapassar a esfera individual. O que o mito também
oferece é uma orientação dessas várias formas de descontentamento para
uma espécie de comoção, que não é psicológica, mas política, por via de
uma espécie de discurso que diz aos indivíduos o que é que eles realmente
sentem, quer o saibam ou não, de modo a que esse sentimento injungido
apareça relacionado com o imperativo da obra e com a versão metafórica
da história que foi partilhada; porque é que o sentem, as causas apontadas
sendo consequentemente externas e situadas no campo do agir; e que esta-
tuto corresponde a esse modo comum de sentir. Como escreve Weil:
A obra produz, então, sua linguagem própria, uma linguagem na qual ela
se apresenta e se impõe aos homens que, por sua vez, não têm obra. Do
ponto de vista deles, o essencial da obra está presente nessa linguagem; eles
aprendem que sua vida não teve sentido até aqui; que seus valores não eram
autênticos, que eles não eram livres, que eram suficientemente ingênuos
para se deixarem capturar por um interesse concreto que, erroneamente,
se pretendia único, que eles se entregavam à fadiga e ao tédio de uma vida
cujo sentido estava estabelecido acima deles…32.
30. Lf 500.
31. Ibid.
32. Lf 503-504.
116
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
33. Lf 504.
34. Lf 507.
117
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
35. Lf 504.
36. P. Canivez, Weil, op. cit., 66.
37. Lf 504.
38. Ibid.
118
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
39. Lf 505.
40. Ibid.
41. Lf 504.
119
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
120
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
46. Lf 89.
47. E. Weil, L’Etat et la violence, Essais et conférences II, op. cit., 381.
48. Ibid.
49. Ibid., 377.
121
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
50. Lf 513.
51. Ibid.
122
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
e político do agir, que podem e devem ser a base de uma coexistência por
regressão ao estado de natureza, à violência primacial, prévia ao contrato
social e, logo, à forma constitucional do Estado moderno. A promessa,
portanto, não de um futuro, mas de um eterno presente, fixado num pas-
sado abstrato com valor de um illo tempore, tal como o “era uma vez” do
conto, só que posto a valer como mundividência real, sem qualquer laivo
de ficção. Em suma, o terror advém da percepção de se tratar duma vio-
lência organizada, tal como aquela que está na base da coerência relativa
que permite ver na Obra uma categoria/atitude.
É, assim, de absoluta relevância, para a nossa hipótese, entender que
se trata de uma categoria/atitude específica, isto é, irredutível a qualquer
outra, pelo que esta apropriação de elementos de outras categorias não
significa que ela seja uma espécie de dobra violenta incita em cada uma
das outras, ou numa consequência de uma versão extrema de algumas
delas, como, por exemplo, da Condição, associada à sociedade mercantil
do trabalho moderno. É que, se não há dúvida de que o obreiro, na medi-
da em que quer intervir no mundo, se apropria das virtualidades práticas
e discursivas da sociedade laboral, seja em termos de recursos, seja no
que respeita à exploração dos sentimentos de insatisfação e de injustiça
que esta inevitavelmente origina, essa contemporaneidade, como lembra
Weil, “é um parentesco histórico que aproxima duas atitudes, não duas
categorias”52. Na verdade, o que o obreiro
52. Lf 493.
53. Lf 498.
123
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
54. Lf 514.
55. Lf 497.
56. Lf 498.
57. F. Guibal, Le sens de la réalité, Paris, Le Félin, 2011, 165 nota 1.
58. P. Canivez, Weil, op. cit., 66.
59. F. Guibal, Le sens de la réalité, op. cit., 164.
60. A relevância deste conceito pode ser devidamente avaliada em L. M. A. V. Ber-
nardo; P. Canivez; E. Costeski (orgs.), A Retomada na Filosofia de Eric Weil, Cultura
124
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
— Revista de História e Teoria das Ideias, vol. 31 — 2013/II Série, Vila Nova de Famalicão,
Húmus/CHC.
61. Lf 123.
62. Ibid.
63. Lf 515-516.
125
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
64. Lf 516.
65. Ibid.
66. Lf 515.
67. Lf 518.
68. Lf 517.
126
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
69. Lf 516.
70. Lf 517.
71. Lf 265.
127
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
72. Lf 517.
128
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
73. Lf 488.
74. Lf 517.
129
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
130
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
79. Lf 391.
80. Lf 565.
81. Lf 560.
131
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
82. Lf 561.
83. Lf 578.
84. Lf 567.
85. Lf 570.
132
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
86. Lf 568.
133
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
134
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
135
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
136
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
137
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
seja destruído ou se torne insensato para uma humanidade que vive na vio-
lência, que luta com a violência91.
91. Lf 126.
92. M. Perine, Eric Weil e a compreensão do nosso tempo. Ética, Política, Filosofia,
São Paulo, Loyola, 2004, 47.
93. E. Weil, L’Etat et la violence, Essais et conférences II, op. cit., 380.
138
6. O Estado à prova dos novos discursos da Obra
139
7. O Estado como instituição
moral e educativa:
traços do aristotelismo de Weil1
141
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
II
O artigo de 1946 diz que existe um rico material para o estudo acerca
da antropologia aristotélica, pois “a Retórica, a Ética, a Política, a Psicolo-
gia falam do homem”7, por descrever o homem em suas várias dimensões:
o homem como ser agente, pensante, passional, possuidor de alma, moral
e político. A “Retórica”, constata Weil, oferece em seus doze livros, um
tratado sobre as paixões do homem, ressaltando seus aspectos positivos.
Paixão é o que faz o homem trocar de atitude e se comportar de modo
diferente em relação a uma decisão, seguido de prazer ou de desprazer.
Para Aristóteles, segundo Weil, “é necessário estudar as paixões dos ho-
mens para exercer sua influência sobre eles”8.
O orador, para convencer os homens, deve levar em consideração o
princípio que reconhece “o homem, como todo ser vivente, procura o pra-
ção, Aristóteles se baseia para construir sua política nos seguintes elementos que compõe
o Estado: “a sociedade organizada … é constituída pela célula familiar… com os interesses
do Estado…”, vale dizer, a população, o território e a autoridade política.
6. É oportuno dizer que foi na Grécia de Homero e de Aristóteles que surgiu um
modo diferente de se fazer política. Aí os gregos, que são os inventores da política, fizeram
que o rei paulatinamente partilhasse e disputasse o seu poder com os cidadãos. Assim,
pode-se dizer que a partir do século VI a.C., na Atenas de Sólon e Clístenes, é que surgiu
os fundamentos da civilização ocidental no concernente à política. Por isso, o historia-
dor e professor honorário do Collège de France Jean-Pierre Vernant afirma que foram os
gregos que inventaram o “mundo de onde viemos”. Sobre esse tema, ver J.-P. Vernant, As
origens do pensamento grego, trad. I. B. B. da Fonseca, São Paulo, DIFEL, 1972. Ver também
do mesmo autor, com P. Vidal-Naquet, Mito e tragédia na Grécia antiga, São Paulo, Duas
Cidades, 1977. Ver ainda J. M. Buée, Education, cosmos et histoire chez Eric Weil, Éric
Weil et la pensée antique, Lille, Presses Universitaires de Lille, 1988, 81-89.
7. E. Weil, Essais et conférences I, Paris, Vrin, 1991, 11 s.
8. Ibid., 12.
142
7. O Estado como instituição moral e educativa
zer (…). Os objetos desejados são vistos sob o ângulo do bem ou do bem
aparente, do prazer ou do prazer aparente”9. O importante, para o orador,
é conhecer o agir do homem que se revela pelo hábito, raciocínio, paixão e
desejo. Conhecendo o agir do homem, é possível fazê-lo agir e guiá-lo no
sentido pretendido. Esse esforço de compreensão do agir humano ajuda a
perceber que, na prática, todos os homens são “amantes de si mesmo” e,
por consequência, querem todos ser ricos e ocupar lugares de destaque.
Os homens, no fundo, querem o bem e seu próprio bem.
Para Aristóteles, o bem que o homem procura constantemente traduz-
se em contentamento, em felicidade. É praticando o bem que o homem
encontra a felicidade, a satisfação do seu ser. Porém, “o contentamento hu-
mano é assegurado àquele que vive e age segundo a virtude. Ele sentirá o
verdadeiro prazer que não o desiludirá, precisamente porque é humano”10.
Assim, o verdadeiro prazer faz que o homem aja corretamente, buscando
o bem. A discussão sobre o bem praticado pelo homem concentra-se na
problemática dos prazeres e dos desprazeres. “O homem de bem, o homem
que realiza a meta humana pela atividade humana e que também chega
ao contentamento, é aquele que sabe encontrar seu prazer e seu desprazer
onde sempre ocorre”11. Porém, há paixões e desejos que não são razoáveis
e devem ser contidos, pois é necessário evitar toda forma de excesso. Os
hábitos, para Aristóteles, são divididos em três grupos: atitudes virtuosas
— qualidades de caráter adquiridas pelo hábito —, virtudes da inteligên-
cia — que exige certa educação cultural — e o hábito do domínio sobre
si mesmo. Enfim, o homem deve dominar os prazeres e desejos que não o
conduzem a uma vida virtuosa. “O homem que deixa as paixões ou seus de-
sejos escravizar seu espírito é mais perigoso, mais terrível do que qualquer
animal. Só se é homem pela ação virtuosa, pela verdade agente”12.
Weil, ao comentar o pensamento moral de Aristóteles, diz que o ho-
mem não busca somente o prazer, mas também o contentamento. Viver,
segundo o contentamento, significa renunciar a uma vida vivida somente
a partir das paixões. Deve-se querer viver sempre a partir do bem. O ho-
9. Ibid., 13.
10. Ibid., 16.
11. Ibid., 17.
12. Ibid., 17.
143
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
mem é superior aos animais, visto que também não é um ser natural. “Ele
não é condicionado como qualquer outro produto da natureza (…) Há
uma diferença biológica que separa o homem do animal ‘cão’”13. Não se
pode reduzir o homem a um ser de simples necessidade material. Ele tem
necessidades, porém ela toma formas diferentes em cada homem. Assim,
o homem deve ser compreendido como indivíduo, como ser agente, sen-
do princípio de sua própria ação. Ele age em busca de realização dos bens
humanos. Porque possui faculdades, o homem é razoável, portanto, di-
ferente dos animais. A razão e o apetite fazem o homem agir. “O bem da
razão pura é a verdade. O bem da razão prática é a verdade conforme o
apetite justo. O ser da ação boa ou malvada se encontra na decisão, que
é o intelecto desejando ou o apetite razoável. O homem é esse princípio
mesmo”14. Ele é a união de intelecto e de desejo, mas a razão deve domi-
nar as paixões e os desejos. A virtude, como atitude humana, não é um
dom da natureza; ela se adquire pelos hábitos. O homem é livre para to-
mar decisões. No mundo, ele age e se realiza, sendo capaz de ser feliz.
Para tanto, é preciso que ele se eduque, a fim de que possa sempre mais
adquirir hábitos virtuosos. Assim, para Aristóteles, a problemática da re-
lação entre virtude e felicidade é resolvida na esfera da educação. O ho-
mem deve educar-se em vista do agir bem, isto é, “de ser justo, pois a
justiça é o resumo de todas as outras virtudes”15.
III
13. Ibid., 18 s.
14. Ibid., 20.
15. Ibid., 22.
16. Ibid., 22.
144
7. O Estado como instituição moral e educativa
homem condenado por Homero como ‘sem família, nem lei, nem lar’”17.
Assim, o homem é um animal feito para a sociedade civil. Mesmo que
os homens não tivessem necessidade uns dos outros, não deixariam de
desejar viver juntos. Na polis grega, a família apresenta-se como a pri-
meira comunidade e a vila como uma segunda comunidade mais ampla.
Essas duas realidades têm a finalidade de garantir a satisfação das ne-
cessidades vitais dos homens18. A propósito, Aristóteles escreveu que “a
cidade é composta por várias famílias. A administração da casa divide-
se em tantas partes quantos os membros que formam a própria família
que, desde que completa, é constituída por escravos e homens livres”19.
Contudo, não são capazes de garantir as condições de vida perfeita, de
uma vida que inclua a dimensão moral. Somente o Estado garante, pelas
leis e pelas magistraturas, o bem moral do indivíduo. Nele, o indivíduo
é obrigado a sair do seu egoísmo, por efeito das leis e das instituições
políticas, e a viver conforme o que é subjetivamente bom. Não é apenas
para viver juntos, mas sim para viver bem juntos que se fez o Estado. O
Estado se faz como a realidade que dá o verdadeiro sentido à família e à
vila. “O Estado é uma comunidade humana”20 feita de cidadãos.
Segundo Aristóteles, cidadão não é aquele que habita numa cidade,
nem tampouco aquele que goza do direito de empreender uma ação ju-
diciária; também não é cidadão o descendente de cidadãos. Para ser ci-
dadão, impõe-se a participação nos tribunais ou nas magistraturas; não
basta habitar o território porque os estrangeiros também têm essa possi-
bilidade. Assim, de acordo com Aristóteles o que constitui propriamente o
cidadão, sua qualidade verdadeiramente característica, é o direito de voto
nas assembleias e a “capacidade de participar na administração da justiça e
no governo”21. Cidadão é quem exerce uma função pública; é o indivíduo
que toma parte na administração da justiça e faz parte da assembleia que
legisla e governa a cidade, ou seja, que governa, ou que tem função no tri-
bunal, ou que participa das assembleias do povo. Para Aristóteles, existem
145
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
146
7. O Estado como instituição moral e educativa
147
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
148
7. O Estado como instituição moral e educativa
149
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Sendo assim, se o Estado visa ao bem, ele se faz educador. “Ele prece-
de em dignidade todo indivíduo e toda família. O bárbaro, que vive sem
Estado, não é um homem verdadeiro. Somente o ser cidadão realiza o ser
humano (…) o homem vive e se realiza no Estado”39. O Estado não serve
aos interesses particulares, mas tem como tarefa formar os cidadãos. “Ne-
nhuma educação faz um indivíduo nascido mal se tornar um homem no
sentido pleno, ela pode fazê-lo um bom cidadão”40. Assim, a lei educa o
indivíduo para a virtude, ou seja, virtude é boa disposição para agir corre-
tamente. Platão sabia dessa realidade, porém sua concepção de Estado utó-
pico pretendia crer em homens bons. Ora, a bondade do cidadão, segundo
Aristóteles, não é outra coisa senão a capacidade de dar uma opinião bem
fundada; igualmente, pode-se dizer que, para Weil, como para Aristóteles,
a política não é uma troca de mercadorias, mas refere-se à formação do
caráter do cidadão, isto é, a aprendizagem da virtude faz a boa conduta e,
consequentemente, educa o indivíduo para a prática da cidadania.
É o Estado que há de fornecer a educação aos indivíduos, começan-
do pela do corpo, que se desenvolve antes da razão, procedendo, depois,
à educação dos impulsos, dos instintos e dos apetites, e, concluindo com a
educação da alma racional. Trata-se, pois, de dizer que a educação tradi-
cional atlético-musical grega é assumida no Estado aristotélico, e a sua
descrição conclui a Política. Para Aristóteles, uma educação técnico-pro-
fissional, é um contrassenso, visto que educaria não tanto em benefício
da felicidade do homem, mas em benefício das coisas que servem ao ho-
mem. Por sua vez, essa educação, além de não gerar cidadania, construi-
ria homens pela metade. A verdadeira educação é aquela que tem em mira
fazer com que o homem seja de fato um cidadão, isto é, com que o ho-
mem aprenda, a partir da prática da virtude, o bem-viver.
IV
150
7. O Estado como instituição moral e educativa
a educação mostra assim toda sua importância em afirmar que Ética e Po-
lítica são uma e mesma coisa. A lei garante a educação, e a educação faz da
criança, que ainda é animal, um homem. É necessário, pois, homens for-
mados para formar as crianças, mas esta formação transcende o indivíduo:
é obra da Cidade42.
Daí ser que para Aristóteles, a verdadeira educação dada pelo Estado é
aquela que faz o cidadão, que aspira a ser “governante em potência”, apren-
der, a partir da prática da virtude, o bem-viver. Por conseguinte, cidadão é
o indivíduo virtuoso que exerce uma função pública — ou que tenha uma
função no tribunal — ou que participa das assembleias do povo.
Antes de concluir, é oportuno dizer que Weil no parágrafo 41 da Filo-
sofia política reconhece alguns aspectos da fraqueza da teoria aristotélica
do Estado. Ele diz que
ela não é o todo da verdade para nós… o mundo no qual ela se desenvol-
veu não conhecia a luta progressiva com a natureza exterior, a ideia de uma
sociedade mundial do trabalho aí não podia ser concebida, a libertação do
homem (…) da necessidade dependia do trabalho de outros homens con-
siderados (…) como forças naturais (…) a exclusão da vida interestatal do
seu campo de visão43.
41. Cf. H. Arendt, Essai sur la révolution, op. cit., 322. Para Hannah Arendt, a cida-
dania grega consiste não somente em gozar de certos direitos, mas sim no fato de ser o
cidadão um “coparticipante no governo”.
42. E. Weil, Essais et conférences I, op. cit., 26.
43. E. Weil, Filosofia política, 328 s.
151
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
152
8. Os enredos do poder e a theoria
Francisco Valdério1
153
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
O paradoxo do político
3. Bastaria lembrar que a filosofia ricoeuriana está sempre às voltas com o que
toma como pressuposto fundamental, o não filosófico, nesse caso a violência e o mal
como o que precede toda filosofia cf. D. Pellauer, Compreender Ricoeur, trad. M. Pen-
chel, Petrópolis, Vozes, 2009, 18.
154
8. Os enredos do poder e a theoria
155
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
156
8. Os enredos do poder e a theoria
âmbito da cultura, à função de hegemonia exercida pelo grupo dominante em toda socie-
dade e outra, do âmbito do direito, a expressão do comando jurídico do governo. Cf. A.
Gramsci. Cadernos do cárcere. v. 2, edição e trad. C. N. Coutinho, 2ª ed., Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2001, 12.
157
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
que não se depare e não tenha que escolher entre os meios tecnicamente
mais adequados no cumprimento de seu propósito. É dessa forma que
se pode definir a política como exercício do poder, seja na aquisição ou
conservação, seja na administração das coisas ou no governo das pessoas.
Esse costuma ser o temerário de certas análises do político que, situadas
fora do seu tablado e das coxias (ou mesmo quando lá inseridas), igno-
ram o funcionamento das molas do poder.
Ocorre que para evitar esse discurso moralista, a política deve ser con-
frontada primeiramente com o econômico-social — a fim de tornar evi-
dente sua autonomia diante dessa esfera —, e somente depois com a ética5.
Do político à política é que se compreende que o “idealismo do direito não
se mantém na história senão pelo realismo arbitrário do príncipe”, que “a
esfera política se divisa entre o ideal da soberania e a realidade do poder,
entre a soberania e o soberano, entre a constituição e o governo” (HV, 264).
Ricoeur lembra que é essencialmente para essa contradição que a crítica
de Marx ao Estado chama atenção: a denúncia de uma ilusão que pretende
fazer do Estado o verdadeiro mundo do homem, substituindo o mundo
real pelo irreal sem resolver as contradições reais nascidas pela aplicação
do direito fictício nas relações entre os homens (HV, 263).
O grande problema é que “sonhamos com um Estado em que estivesse
resolvida a contradição radical que existe entre a universalidade visada pelo
Estado e a particularidade e o arbitrário que a afeta na realidade; o mal é
que esse sonho está fora de alcance” (HV, 264). A alienação política é, as-
sim, algo constitutivo da existência humana, existência que comporta em
si mesma a cisão da vida abstrata do cidadão e a vida concreta do mundo
do trabalho (HV, 265). No entanto, para Ricoeur, o marxismo não deixou
espaço para uma problemática autônoma do poder na medida em que re-
duz toda e qualquer alienação à alienação econômica e social (HV, 265).
A questão é que o mal político só se torna grave porque supõe, ao invés de
negar, uma totalidade diretora das ações humanas na qual se realizaria o
Estado, caso contrário, o mal político não teria a menor importância.
Ricoeur concluirá seu artigo O paradoxo do político no sentido da im-
possibilidade de o Estado deperecer, como quer a proposição “desastrosa”
158
8. Os enredos do poder e a theoria
6. Não se trata aqui da defesa do Estado mínimo como é a proposição do chamado ne-
oliberalismo. Na tese do ultra liberalismo, o Estado é visto como um mal necessário por sua
natureza intervencionista e, nesse sentido, como algo que no fundo obsta o desenvolvimento
da sociedade. Para o estabelecimento de uma sociedade totalmente livre, segundo a pers-
pectiva do liberalismo econômico, seria melhor que o Estado desaparecesse. Rigorosamente
falando, socialistas e anarquistas — malgrado as amplas diferenças que mantém entre si e
com os liberais —, acabam, no limite, convergindo para tese do desaparecimento do Esta-
do. Para uma melhor caracterização destas semelhanças remetemos ao livro de P. Canivez.
Educar o cidadão?, trad. E. dos S. Abreu e C. Santoro, Campinas, Papirus, 1991, 15 ss.
7. Cf. M. Perine, Apresentação, in E. Weil, Filosofia política, 2ª ed. revista, São
Paulo, Loyola, 2011, 5. Doravante Fp. A mesma observação em J.-M. Buée, Éric Weil,
penseur de l’unité plurielle, Critique, 636 (2000) 390.
159
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
160
8. Os enredos do poder e a theoria
Weil chama atenção para o que toda abordagem filosófica (se se pretende
tal) dever observar: “só a totalidade estruturada pode ser verdadeira” (Fp
11), pois o particular não é senão uma abstração que, ao ver um aspecto
do todo, efetua um recorte mecânico tentando isolar um essencial, o que
toma por fundo dos fenômenos e, assim, podendo ser levado ao equívoco de
se refutar a moral pela política e vice versa, submetendo ao mesmo destino
lei e liberdade, sociedade e Estado, as ideias e as realidades (Fp 13).
Para Eric Weil, o indivíduo não está ausente da reflexão política, mas
também não é ele que constitui o fundamento da política. O indivíduo
que importa é aquele que acede ao universal. O universal não desconsi-
dera o indivíduo, antes, passa por ele (Fp § 6 e 7). Ricoeur é bem cons-
ciente disso quando afirma:
161
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
162
8. Os enredos do poder e a theoria
Por sua origem empírica, esta ação não visa ao indivíduo ou ao grupo
enquanto tal, mas à totalidade do gênero humano, mesmo sendo a ação
de um indivíduo ou de um grupo” (Fp 15-16).
Toda argumentação posterior de Weil, mesmo conduzida, preferen-
cialmente, pela forma, não deixa de advertir para possibilidades de o
Estado se desencaminhar, sobretudo, pelas céleres vantagens oferecidas
pela violência na execução de determinada política. Sobre esse ponto
convém destacar a percepção do grave problema de quem possa ser o
juiz, entre os indivíduos e grupos, para representar e encarnar o interesse
universal (Fp 175). O que se torna evidente nessa questão, assim como
é perceptível em Ricoeur, são os dois supostos: a forma da totalidade do
bem do corpo político e a força da violência empírica da individuali-
dade sempre aberta ao estabelecimento de uma classe dominante. Não
há assim nenhum descuido da Filosofia política no tocante aos perigos
que rondam o Estado.
Mas Ricoeur insiste que Weil tenda sempre eludir o paradoxo político,
permanecendo num formalismo político e moral (L1, 50). No tocante a
esta objeção Weil responde diretamente ao seu interlocutor:
163
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
14. P. Ricoeur, De l’Absolu à la Sagesse par l’Action, Actualité d’Eric Weil. Actes du
Colloque International. Chantilly, 21-22 mai 1982, Paris, Beauchesne, 1984, 421.
164
8. Os enredos do poder e a theoria
165
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
166
8. Os enredos do poder e a theoria
Conclusão
Mas após todos esses cruzamentos resta indagar sobre as razões dos
admiráveis questionamentos ao texto weiliano. Cabe saber o porquê das
críticas de Ricoeur a Weil em sua crônica. A hipótese que apresentamos não
é a de uma “correção” desta filosofia política cruzando-a com o pensamento
político de outro pensador, Hannah Arendt, por exemplo, tal como Ricoeur
procedeu em relação a Habermas e Gadamer — como é a proposição de
Roman17. Parece-nos que Ricoeur, ao imiscuir-se sobre as questões da in-
dividualidade e do formalismo, busca situar sua própria filosofia. É sua
postura filosófica, não necessariamente sua posição em relação à filosofia
weiliana, que ele confronta. Não se trata de querer reprovar ou “corrigir” a
posição adversária, mas aprofundar sua própria perspectiva de leitura.
As questões lançadas à Filosofia política neste texto são para, no seu
melhor estilo, fazer coincidir a “via curta” do conhecimento de si mesmo
com a “via longa” da interrogação pela história da consciência (HV, 37).
167
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
168
8. Os enredos do poder e a theoria
Mais uma vez é manifesto o degrau que nuança a orientação das fi-
losofias de Weil e Ricoeur. Portanto, longe de ser uma correção de rota, a
postura ricoeuriana sobre o texto de Weil é a leitura ou releitura refigu-
radora, aquela que busca a compreensão de si mesmo pela compreensão
do outro. Essa é razão pela qual sua confrontação com a Filosofia política,
conduzida por uma análise prospectiva do mal e do poder, termina por
reforçar em Ricoeur a convicção de que esse livro ganha robustez (L1, 57).
A prova de força desse texto lhe advém da constatação e confissão de sua
aproximação com a filosofia weiliana, uma vez que o pensamento é também
conduzido, pela ação, à theoria (L1, 58 e Fp 349). A confissão de Ricoeur é
emblemática, pois o situa no mesmo projeto filosófico que busca, através
da ação, a satisfação verdadeira no além da própria ação.
169
9. Democracia e linguagem
Introdução
171
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
A sociedade moderna e
a promessa de satisfação
172
9. Democracia e linguagem
173
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
deve lutar para ser homem, e que o impede de vir a sê-lo, uma pseudonatureza tão hostil
e ameaçadora quanto a própria natureza (…) Nenhum homem é aí ele próprio para si
próprio, nem para qualquer outro; ele é o que faz, o que produz, o que ele transforma. O
resto é luta entre os homens”. Cf. E. Weil, Lógica da filosofia, trad. L. C. de Malimpensa,
São Paulo, É Realizações, 2012, 566.
10. “Uma moderna sociedade econômica transforma, consciente e continuamente,
a sua tecnologia, bem como o seu modo de organização social com a finalidade de uma
utilização sempre mais eficiente dos recursos da natureza”. Cf. R. C. Reyes, Of things
moral and political: an adaptation of Eric Weil’s political philosophy. Philippine Studies
23 (1975) 108). Cf. também F. Guibal, Violence, discussion, dialogue. La responsabilité
politique du philosophe selon E. Weil, Archives de Philosophie 74 (2011) 306.
11. E. Weil, Lógica da filosofia, op. cit., 25-26.
12. Ibid., 21.
174
9. Democracia e linguagem
175
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Democracia e linguagem
15. E. Weil, Violence et langage, Cahiers Eric Weil I. Huit études sur Eric Weil, Lille,
Presses Universitaires de Lille, 1987, 29. Cf. P. F. Taboni, Libertà e cittadinanza. Saggi su
Eric Weil, Città del Sole, Napoli, 1997, 185-190.
16. E. Weil, Lógica da filosofia, 558.
17. E. Weil, Violence et langage, op. cit., 25.
18. E. Weil, Filosofia política, 86 s.
176
9. Democracia e linguagem
não faça esse exercício. Por que nós o fazemos? É o caso de ser verdadeiro
e não original:
o homem fala [livremente] da situação. Ele o faz porque não está satisfeito,
porque não se sente de acordo com ela. Se esse não é o seu caso, ele se cala
ou expressa sua satisfação, mas ele não precisa compreender, isto é, prender
juntas as contradições na unidade de seu sentido, num discurso que o con-
cilia com aquilo que é seu outro, e que só se torna mundo no discurso19.
177
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
27. Cf. J. Roy. La Philosophie Politique d’Eric Weil, in G. Leroux et al., Philosophies
de la cité. Montréal, Paris, Tournai, Bellarmin, 1974, 265.
28. E. Weil, Violence et langage, op. cit., 29.
29. Ibid., 30.
178
9. Democracia e linguagem
179
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
32. “Não pode haver democracia numa nação que não esteja unida por valores
comuns e que não reconheça alguns fins como desejáveis”. Cf. E. Weil, Limites de la dé-
mocratie, Evidences, 13 (1950) 36.
33. “A democracia, o desenvolvimento econômico e social só podem ser postu-
lados sem contradições procedimentais onde as condições existenciais, indispensáveis
à realização de tal desejo, são potencialmente existentes”. Cf. J.-B. Kabisa, Singularité
des traditions et universalisme de la démocratie. Étude critique inspirée d’Eric Weil, Paris,
L’Harmattan, 2007, 30.
180
9. Democracia e linguagem
não existe verdade definida uma vez por todas, que os valores estão em cons-
tante evolução, que as teorias e as técnicas políticas e administrativas devem
evoluir com a sociedade e as ‘ideias’ (ordinariamente da ordem dos senti-
mentos), que, numa palavra, ninguém pode pretender possuir a verdade,
dogmas dos quais as decisões resultariam por simples dedução34.
“Toda democracia supõe que todo homem, a menos que seja louco,
esteja pronto a se deixar convencer pela razão”35, ou seja, “que todos os
cidadãos sejam razoáveis”36. Esta disposição não é apenas um postulado
antropológico, mas também o fundamento filosófico e o horizonte em
vista do qual a experiência histórica da democracia se organiza. É desta
concepção antropológica, filosófica e — de certo modo — histórica, que
surge a necessária identificação da democracia com a defesa dos direi-
tos do indivíduo; o que, por consequência, a coloca como antípoda de
sistemas totalitários.
Finalmente, democracia significa, nas palavras de Eric Weil,
Este problema pode ser traduzido como a pergunta acerca das con-
dições para que os indivíduos e as comunidades participem de processos
democráticos, sobretudo num horizonte político marcado pela universa-
lização dos problemas. Na reflexão política se mostra, então, o segundo
181
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
As dimensões políticas da
linguagem e o sentido da ação
38. Sobre o Estado em Weil, ver P. Canivez, Le politique et sa logique dans l’oeuvre
d’Eric Weil, Paris, Kimé, 1993; E. Doumit, État et société modernes dans la “Philosophie
politique”, Archives de Philosophie, 33 (1970) 511-526; E. Costeski, Atitude, violência e
Estado mundial democrático. Sobre a filosofia de Eric Weil, São Leopoldo-Fortaleza, Edi-
tora Unisinos-Edições UFC, 2009.
39. E. Weil, Lógica da filosofia, 11.
40. Cf. A. Tosel, Action raisonnable et science sociale dans la philosophie d’Eric
Weil, Annali della Scuola Normale Superiore di Pisa, Serie III, XI/4 (1981) 1164.
182
9. Democracia e linguagem
41. “O discurso age através das pessoas que, com conhecimento de causa, fizeram
a escolha da justiça e da verdade contra a íntima barbárie existencial e os males derivati-
vos que eles sofrem na cotidianidade, pessoas que desejam a transfiguração total de seu
universo social”. Cf. S. G. Bobongaud, La dimension politique du langage. Essai sur Eric
Weil, Roma, PUG, 2011, 129.
42. Ibid., 137.
43. E. Weil, Philosophie et réalité II, Paris, Beauchesne, 1982, 105.
44. Ibid., 105. Em última instância, quer “realizar uma sociedade que tenha por cen-
tro o homem e não seu produto (…) fazer que o homem não seja mais tratado como uma
coisa mas possa se regozijar na sua individualidade concreta”. Cf. J. Quillien, Discours et
langage ou la “Logique de la philosophie”, Archives de Philosophie, 33 (1970) 428.
183
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
184
9. Democracia e linguagem
185
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
186
9. Democracia e linguagem
187
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Considerações finais
188
9. Democracia e linguagem
189
10. O sentido da oposição entre
razão e violência segundo Eric Weil
Mahamadé Savadogo1
***
Não parece difícil encontrar uma resposta à preocupação pela qual
se introduz a presente comunicação. Para o leitor de Eric Weil, razão e
violência remetem à primeira vista a duas possibilidades distintas e in-
conciliáveis expostas na primeira parte da introdução da Lógica da filo-
sofia, a obra emblemática do pensamento do nosso autor.
191
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
192
10. O sentido da oposição entre razão e violência segundo Eric Weil
é razoável quem não quer aquilo que não se obtém, isto é, que renunciou a
buscar o contentamento na perseguição, indefinida e interminável, de sa-
tisfações sucessivas, que admitiu que toda satisfação e toda eliminação de
um descontentamento dado apenas produzem outros dados, igualmente
insatisfatórios, apenas de outra maneira…3.
193
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
***
194
10. O sentido da oposição entre razão e violência segundo Eric Weil
195
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
196
10. O sentido da oposição entre razão e violência segundo Eric Weil
197
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***
198
10. O sentido da oposição entre razão e violência segundo Eric Weil
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200
10. O sentido da oposição entre razão e violência segundo Eric Weil
***
201
11. Mal radical e violência
203
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
204
11. Mal radical e violência
A paixão não terá ganhado terreno dentro dele, insidiosamente? Não terá
ele sido minado do interior antes de se encontrar face a face com a violência
exterior? Assim como os outros temem o que lhe acontece do exterior, não
deve ele temer o que o ameaça do interior? Estará ele alguma vez razoavel-
mente seguro de sua razão? (Lf 35)
7. Cf. M. Perine, Eric Weil e a compreensão do nosso tempo, op. cit., 47.
8. Cf. P. Canivez, Weil, Paris, Les Belles Lettres, 1999, 38 e ver também R. Caillois, 1984,
La violence pure est-elle démoniaque?, Actualité d’Eric Weil, Paris, Beauchesne, 1984, 214.
205
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
9. Cf. M. C. Soares, O filósofo e o político segundo Eric Weil, op. cit., 20-21.
206
11. Mal radical e violência
A existência do ser moral tem seu fundamento natural nessa natureza dos
naturalistas, mas não é a partir dela que o problema da moral será compre-
endido, como não é dela que ele nasce, embora ele nasça em seu seio, nem a
ela que ele poderá ser reduzido: o homem moral (o homem que pretende ser
moral) sabe que é animal, mas animal cuja animalidade, que tenta sempre
negá-lo na sua moralidade, é negada por ele mesmo em favor da positividade
de um sentido humano de sua existência animal. (Fm 41)
O desejo não é livre e não pode sê-lo, a vontade não pode não sê-lo: é ela que se
opõe a toda condição, é por ela, como razão-vontade, que existem condições,
dados, fatos, é ela que os descobre, os tira da simples possibilidade que lhes é
207
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
10. Cf. E. Costeski, Atitude, violência e Estado mundial democrático. Sobre a filosofia
de Eric Weil. São Leopoldo-Fortaleza, Editora Unisinos-Edições UFC, 2009, 192.
11. Cf. P. Gilbert, 2009, Violence et compassion. Essai sur l’authenticité d’être, Paris,
Cerf, 2009, 63.
208
11. Mal radical e violência
12. Cf. M. Perine, Eric Weil e a compreensão do nosso tempo, op. cit., 148-149.
13. Cf. M. C. Soares, O filósofo e o político segundo Eric Weil, op. cit., 19.
14. Cf. E, Costeski, Atitude, violência e Estado mundial democrático, op. cit., 126.
15. Cf. E. Weil: Filosofia política, trad. M Perine, 2ª ed. revista, São Paulo, Loyola,
2011, 27.
16. Fm 232.
209
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Nem sábio, portanto, nem santo, mas alguém que busca, trabalha, luta, livre
no âmbito do necessário, inserido num mundo que ele não criou, com uma
17. Cf. B. Pascal, Pensamentos, São Paulo, Abril Cultural, 1973, 79.
18. Cf. M. C. Soares, O filósofo e o político segundo Eric Weil, op. cit., 19.
19. Lf 73.
210
11. Mal radical e violência
211
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
não tem nada melhor para fazer, de modo que só lhe resta a afirmação
de sua particularidade no mundo.
Ele sabe, agora, o que quer falar, e que todo raciocínio desemboca na Razão,
ele sabe que já não tem nada a perguntar se quiser ser absurdo, sabe estar
satisfeito quando se trata de saber e de ciência, sabe que o Pensamento é a
própria honestidade, e sente que foi enganado e é infeliz. (Lf 491-492)
212
11. Mal radical e violência
lência do tédio a única questão que importa é o que fazer com toda essa
razão. O problema do sentido só aparece para aquele que se desobrigou
do problema da necessidade, do reino da total violência exterior; livre da
necessidade o homem se encontra diante de outra obrigação: o que fazer
com sua liberdade e universalidade, já que a razão por si só não redunda
na felicidade, de modo que pode acontecer a violência do tédio satisfeitas
as necessidades naturais, imediatas, e o homem, nesse sentido, satisfeito,
percebe-se ainda incompleto, vazio. “A liberdade, que, filosoficamente fa-
lando, é o primeiro fundamento da moral e da humanidade do homem,
mostra-se então sob as espécies do vazio e do insensato, como questão que
pergunta o que o homem pode e deve fazer da sua vida”. (Fm 274)
A violência do mal radical, por sua vez, é representativa daquela possi-
bilidade primeira que ainda não viu o florescimento do seu outro, a razão,
e que permanece radicada de maneira indelével na constituição do homem.
Esse mal preocupa porque permanece sempre inextirpavelmente radicado
no homem “Não somente os outros, mas também ele mesmo leva em si o
poder do mal, mesmo que este não passe, agora, ao ato” (Fm 38). Dizer que
o homem é livre significa dizer que ele é finito e razoável. Essa liberdade
que, em um movimento originário, pré-razoável, permite ao homem optar
pela razão, também deixa sempre como possibilidade aberta o retorno ao
outro da razão: a violência. No evento do mal radical não se dá conta da
liberdade, porque ela só se percebe na razão, de modo que ela se situa em
um sentido não-cronológico, anteriormente à razão. Como o homem é
razoável, entretanto também finito, ela segue sempre passível de ser atua-
lizada, porque ela é a violência realizada pela parcela não-racional do ho-
mem, o animal que vive em si, obstinado, irredutível. A opção pela razão
não anula esse constituinte humano radical. A paixão, as inclinações são
imediaticidade pertencente a parcela finita do homem, e como a liberdade
só se sabe liberdade com a razão, aquilo que ocorre à sua revelia pertence
à inseparável herança animal que o homem carrega, de modo que o ato
livre permanece oculto enquanto tal, no momento em que o sentimento
emerge e ganha a batalha com sua contraparte que é razão.
Nos aproximamos da conclusão com algumas considerações que vi-
sam ilustrar porque não há descanso para o ser moral. A violência, além
de ser a possibilidade humana que é realizada primeiro, segue sempre
213
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
214
12. Educação, razão e violência
em Eric Weil
Aparecido de Assis1
Introdução
215
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
216
12. Educação, razão e violência em Eric Weil
A violência é ilegítima quando as pretensões que a motivam não são gerais (ou
generalizáveis). Ao contrário, é justificável qualquer forma de violência que se
fundamente em razões universais: a que reage à violação de razões universais;
é justificável a violência que se opõe ao que nega a humanidade do homem,
a violência de quem reage a uma violência que o nega como homem3.
217
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
218
12. Educação, razão e violência em Eric Weil
mas também pôde ver o quanto a violência praticada pelos nazistas foi
injusta e desumana.
De um lado, havia a figura de Hitler, típica de um homem que fez sua
opção pela violência no pior sentido da palavra. De outro lado, encon-
trava-se Weil, de sangue judeu, o filósofo que, ao ler Mein Kampf (de Adolf
Hitler), optou por não apoiar o nazismo e lutar contra a violência pura. Em
poucas palavras, foi isso que motivou Weil a perceber o quanto é possível
seguir uma vida sensata e razoável contra a violência praticada pelos na-
zistas que desconsiderava completamente a humanidade do homem.
Constata-se, assim, que a filosofia de Eric Weil teve como subsídio
o momento histórico em que ele viveu. A atitude violenta contra o ser
humano (como foi o caso dos nazistas contra os judeus nos campos de
concentração), tornou-se uma categoria importante para a análise e a
compreensão da própria realidade histórica do homem. Portanto, é ne-
cessário entender que em Weil há uma dimensão dialética quando se
trata de “filosofia e violência”. Assim, os dois termos são compreendidos
numa relação dialética, em que um se opõe ao outro, mas que também
não deixa de ter um ponto de encontro.
Para entendermos essa relação entre esses dois termos, recorremos aos
tipos de violência que Callois apresenta em seu artigo “La violence pure
est-elle le démoniaque?”. Para Callois, é preciso distinguir três estados de
violência: primeiro, a violência natural, que consiste na agressividade es-
pontânea, um procurando destruir o outro num ataque de raiva. Segun-
do, a violência passional, que ocorre quando os indivíduos movidos pelos
seus desejos, crenças (morais e religiosas) e o uso de suas liberdades indi-
viduais, desobedecem às regras de sua comunidade. Terceiro, a violência
pela violência, que consiste na transgressão consciente da lei moral, do
universal e da razão. Callois acrescenta, nesse terceiro estado de violência,
a barbárie voluntária que é a destruição da alma humana8.
Os três estados de violência estão muito presentes na filosofia de Eric
Weil. No entanto, o terceiro, também chamado de “violência pura”, é o mais
contemplado pela Logique de la philosophie. Segundo Callois, a violência é
sido possível sem a experiência do terror totalitário…”. R. Callois, La violence pure est-
elle le démoniaque?, Actualité d’Éric Weil, Paris, Beauchesne, 1982, 213.
8. Ibid., 214.
219
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
9. Ibid.
10. A categoria da Obra é desenvolvida no capítulo XIV da Lógica da filosofia, trad.
L. C. de Malimpensa, São Paulo, É Realizações, 2012, 487-519. Doravante Lf.
11. Cf. R. Callois, op. cit., 214.
12. E. Weil, Filosofia política, trad. M. Perine, 2ª ed. revista, São Paulo, Loyola, 2011,
232-233. Doravante Fp.
220
12. Educação, razão e violência em Eric Weil
221
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
222
12. Educação, razão e violência em Eric Weil
15. Cf. Lf 22 s.
223
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
16. Essa crítica de Weil se volta a todo tipo de filosofia que se ocupava em apenas
definir o “Ser”, em definir a essência do “Ser” e dos “Entes” das coisas e do mundo, da
forma como faziam a metafísica e a ontologia. Mas a sua crítica não apresenta uma aver-
são total a essas ciências, mesmo porque elas apresentam importantes valores na busca
pela verdade que também é o grande marco da filosofia weiliana. A sua crítica se coloca
a todo momento em que a filosofia, no uso de sua abstração, procura se distanciar da
vida prática do homem, ou seja, do seu cotidiano. Nota-se que a Lógica da filosofia, a
Filosofia política e a Filosofia moral procuram estabelecer uma relação dialética entre o
pensamento e a ação e entre a reflexão e a vida prática do homem. O pensamento wei-
liano, portanto, constitui-se num esforço constante de unir filosofia com a política e
com a vida moral do homem.
17. E. Weil, L’éducation en tant que problème de notre temps, Philosophie et réalité.
Derniers essais et conférences, Paris, Beauchesne, 1982, 297-309.
224
12. Educação, razão e violência em Eric Weil
que ele quer; testar sua força, seja quando vence todas as resistências, seja
quando suporta corajosamente a adversidade, eis a única dignidade do
homem. (Lf 30)
225
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
20. Ibid.
226
12. Educação, razão e violência em Eric Weil
Considerações finais
Realmente, pode-se afirmar que Eric Weil foi um filósofo que se preo-
cupou com os problemas do nosso tempo. Isso faz com que o seu pensa-
mento sobreviva nos nossos dias atuais. As suas reflexões trazem à tona
o grande problema da violência, que foi marcante no nazismo, mas que
sobrevive em diversos contextos do mundo contemporâneo. Weil deixou
claro que a filosofia é partidária da razão contra a violência pura, nega-
tiva e desumana.
Para Weil a violência pura é negativa no sentido de negar a huma-
nidade do homem no próprio homem. Weil previa a existência de uma
violência positiva, mas que fosse concebida pela via do discurso razoável
contra a violência negativa e contra o vislumbre do não-sentido. No fundo,
apesar de a razão apelar pela violência positiva contra a violência negativa,
o objetivo do filósofo é que no mundo reine a não-violência.
227
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
228
13. As atitudes niilistas em questão:
a recusa do Absoluto
Introdução
O cenário atual tanto em nível mundial como local nos apresenta uma
realidade marcada por um desenvolvimento cientifico, tecnológico,
cibernético tão acentuado que já se pode falar de um novo paradigma
tecnológico, que mudou o mundo das coisas, como também o significado
das coisas e das pessoas. A relação do homem com a tecnologia encontra-
se no momento num desequilíbrio que padece tanto o homem como a
natureza. Chega-se assim ao máximo de uma satisfação produzida pela
técnica e pela ciência. Mas por outro lado, esse avanço técnico não foi
suficiente para mudar certas atitudes humanas no campo do fazer e do
agir. Vive-se num mundo mergulhado em infinitas crises e dilemas éti-
cos que vão diminuindo o desejo e a sabedoria do homem em busca do
verdadeiro contentamento, lançando-o em um estado de descrença, in-
diferença e de um vazio existencial.
Esse avanço tecnológico e o descontentamento do homem no mundo
problemático de hoje nos move a buscar novas reflexões e orientações no
pensamento, na ação e na linguagem. Pois na história e na filosofia o agir
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
2. Cf. Weil, E., Lógica da filosofia, trad. Lara C. de Malimpensa, rev. téc. M. Perine,
São Paulo, É Realizações, 2012. Doravante Lf.
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13. As atitudes niilistas em questão
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13. As atitudes niilistas em questão
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
mem progrida mais para algo de fora, mas para retornar sobre si e sobre
toda a realidade.
A partir desta nova identidade as posturas e as palavras das atitudes
anteriores assumem conotações diferentes, perdendo seus valores originais.
A Certeza passa a ser evidência. O evidente, o experimentável é o campo
da ciência. Tudo passa pelo nível do visível e do relativo, perdendo assim
seu caráter de absoluto. Os termos mudam de sentido, uma vez que só são
conservados por sua função. “As palavras têm um sentido, assim como o
objeto tem uma realidade, ambos relativos à condição” (Lf 293). Por con-
seguinte, a linguagem torna-se a transmissão do pensamento técnico.
Portanto o homem na atitude da Condição é dividido. Como indi-
víduo, ele permanece no anonimato, mudo — porém o homem-espécie
pensa todas as coisas: “o pensamento técnico pensa as condições, não pode
nem quer pensar a condição, porque o próprio pensamento é condiciona-
do” (Lf 295). Pois o homem trabalhando, conhecendo, filosofando, nunca
é diferente por essência dos objetos de sua atividade. Ele não é para si, mas
qualquer coisa, um fator natural na rede dos fatores naturais. A finitude
neste sentido não reenvia mais ao infinito, mas adquire a capacidade e os
meios de prosseguir seu trabalho, de se perpetuar a si mesmo.
234
13. As atitudes niilistas em questão
atitude moderna. Eles querem trabalhar e levar a vida a sério, mas também
querem se divertir. É neste contexto que aparece a função da arte como di-
vertimento: o homem quer um tempo agradável, onde a música e a poesia
têm o seu lugar, sem serem transformados em teses e propagandas.
A arte passa a ser uma necessidade social real. Provinda de épocas pas-
sadas, permanece no mundo moderno com outras conotações. As artes
diferem e têm efeitos e valores específicos, como o caso da música e da
literatura. O que atinge especialmente a música? A música torna-se muitas
vezes excitante ou calmante para o sistema nervoso; como também exerce
uma disciplina pela cadência do seu ritmo. Já a literatura atinge mais a
inteligência e a imaginação passando a ser uma arte instrutiva.
A segunda função da arte, talvez a mais importante, é a de representar a
sociedade tal qual é, mostrando ao público seu mecanismo social, levando
a sério os problemas nobres e injustos do momento presente. Acredito que
neste momento da arte descobre-se o mal que pervarde uma sociedade im-
perfeita, com seus vícios e virtudes, alegrias e sofrimentos. Neste segundo
sentido — que é o do realismo — o escritor é verdadeiramente o mestre
da sociedade. É notável como os filmes e as novelas têm influência sobre
o comportamento da maioria das pessoas e aqui, mais uma vez, está à res-
ponsabilidade de quem assume o papel de representar uma sociedade.
Esta representação interessa a todos, exceto àqueles que vivem da ciên-
cia ou do trabalho social. Mas infelizmente os meios de comunicação se
deixam influenciar e ser determinados pela elite do consumismo da ex-
ploração em nome do progresso. Por outro lado, o escritor ainda assume
um papel relevante porque satisfaz as áreas que ainda não são prejudi-
cadas pelos efeitos do progresso e da ciência e, ao mesmo tempo, pode
contribuir para a educação.
Nesse universo da categoria da Condição onde o homem desapareceu
na sua individualidade para dar lugar a uma sociedade e a uma nova ciên-
cia, o elemento histórico, por exemplo, a tradição, não importa e não conta.
Tudo é pensado pela sociedade e trabalhado pela matemática, exigindo o
sacrifício total do ser humano. Deus é trocado por uma divindade que não
se satisfaz de sentimentos e intenções e em troca não oferece nada, nem dons
e nem forças. Ao passo que o homem desaparece, sendo encarado como um
elemento natural semelhante a qualquer molécula da água. “O homem é o
que ele faz, e só é na medida em que faz alguma coisa”. (Lf 323)
235
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13. As atitudes niilistas em questão
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13. As atitudes niilistas em questão
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VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
à sua ordem. Os homens passarão a ser o material da Obra. Para ele não
se trata mais de educar, mas de utilizá-los para impor os seus mitos. Ele
será o chefe, o guia da massa. Desde então a Obra toma necessariamen-
te uma dimensão coletiva e histórica, porque esta massa não é a soma
de indivíduos, mas a sociedade e o Estado, prometendo-lhes algo novo
e inaudito quando a Obra for realizada. O criador deve dispor do poder
total para criar outro mundo. Ela devora o seu material, sacrificando toda
realidade e toda particularidade: “Seu mito, é verdade, não consola, nem
diverte, nem educa os homens, mas promete aos fiéis uma dignidade
nova (…): eles serão os senhores do progresso”. (Lf 507)
E os homens convictos desta promessa colocar-se-ão à sua disposi-
ção, não vendo nele o mestre, mas o chefe. Aqui certamente está implícita
uma forma de governo semelhante aos regimes totalitários. Conseguiu
que toda a organização política estivesse sob o seu poderio, na ilusão de
criar uma nova sociedade fundada no sentimento de uma tradição do
progresso, pelo desejo do melhor. É tão imoral este comportamento que
o criador não pode enganar-se e nem induzir ao erro. Se os homens são
enganados, isto não depende do criador, mas da sua falta de compreen-
são a respeito do criador e da obra. O criador só deseja uma coisa: que a
linguagem seja útil à Obra.
A atitude da Obra recusa o discurso, a compreensão, o universal, a co-
munidade, para estabelecer-se no fazer e na unicidade. Com esta situação
ela permanece uma atitude que não é “apenas afilosófica, mas antifilosófica,
cientemente antifilosófica” (Lf 509). O homem da Obra será evidentemen-
te o inimigo do homem do discurso, isto é, do filósofo, que considera um
elemento nocivo. De fato, o filósofo julga as coisas antes de agir e se não
usa o juízo renuncia à ação, contentando-se de compreender o que é. Ao
homem da Obra não importa o julgamento, mas o operar, o criar.
Qual será então a importância que esta atitude terá para a filosofia? A
relação entre o homem da filosofia e o homem da Obra não é muito clara,
porém apesar de o homem da Obra não querer pensar, nada impede que
seja pensado pelo filósofo. Portanto poder-se-ia dizer que o homem da
Obra recusa o filósofo, mas este o transforma em categoria do seu discurso.
Isto significa dizer também que o filósofo pensa a possibilidade de sua
recusa, ou seja, a categoria da Obra. Porém outra dificuldade apresenta-se:
242
13. As atitudes niilistas em questão
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13. As atitudes niilistas em questão
nho do não sentido. Mas que significa não “acreditar” na obra? Significa
exatamente pensar, demonstrar?
Diante do insucesso da Obra, o homem volta para si mesmo, para
sua condição de finito, o que equivale a dizer, projeta-se para o mundo
da satisfação, da coerência, da presença. Ele é um ente, um ser entre os
seres, consciente da sua insuficiência.
Diante dessa insatisfação com a coerência discursiva e o sentimen-
to criador o homem finito descobre um elo que o mantém na abertura
e no mistério; esse algo é a linguagem criadora como ela se apresenta na
poesia. A linguagem é mais rica que o discurso. Em outras palavras, essa
relação entre a filosofia e a poesia é que mantém a unidade do discurso e
da vida e com isso Weil na Lógica da filosofia libera a filosofia para outros
saberes, conjugando a filosofia com a poesia. O homem do finito mer-
gulha no mar da linguagem superando o discurso formal e voltando-se
para sua insuficiência.
Com a recusa de Hegel (o Absoluto) e da Obra as coisas foram con-
duzidas ao desenvolvimento do sentido histórico e de sua legitimação
teórico-científica. Havia então uma recusa ao pensamento calculador, ao
cálculo e à medição ao pensamento que encobre e reprime as questões
acerca da própria compreensão da existência e de sua finitude como ser
para a morte. Com essa compreensão a questão posta é a possibilidade da
metafísica na era da ciência. Como é possível relacionar o ser e o sujeito?
O ser se tornou tempo, fato, dasein, é existir, estar presente, o ser (Sein),
era o ser como ser do aí. Como esse ser do aí pode ser pensado? Que es-
trutura de temporalidade, que estrutura de produtividade, do ser-aí em
sentido coerente. O certo é que o ser revela o sujeito e o sujeito revela o
ser, mas diante do Ser infinito o homem finito reconhece a sua radical
insuficiência para falar positivamente do Ser.
É fácil notar o confronto entre a categoria do Absoluto e a do Finito,
isto significa dizer também o conflito entre a coerência e a incoerência.
A coerência é própria do discurso tradicional, cuja meta é a categoria do
Absoluto com a sua linguagem formal, já o Finito manifesta uma lingua-
gem poética. Duas linguagens que se encontram e se rejeitam. Como bem
afirma Costeski: “Enquanto a retomada do Absoluto procura a ideia da
coerência, o Finito procura reduzir todas as atitudes-categorias à incoe-
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Considerações finais
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14. Lógica da filosofia:
sagrado, violência e sentido
Introdução
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14. Lógica da filosofia
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14. Lógica da filosofia
1. Os círculos exteriores
A metáfora dos círculos19, já tornada referência nos estudos da obra
de Weil nos guiará até certo ponto na progressiva apreensão do conceito
do sagrado.
Segundo a metáfora, a obra de Weil pode ser compreendida como
círculos concêntricos, dos mais externos ao mais interno, em referência
às críticas e recensões como mais exterior até a Lógica da filosofia, como
círculo mais interior.
17. Nesse sentido, podemos citar textos como “La Sécularisation de l’action et de la
pensée politiques a l’époque moderne” ou “Christianisme et politique”, Cf. Essais et con-
férences II. Politique, Paris, Vrin, 1991, 22-44 e 45-79 respectivamente.
18. Sobre a categoria Deus, bem como a discussão das inúmeras interpretações que
ela suscitou: G. Kirscher, La Philosophie d’Éric Weil. Systematicité et ouverture, Paris,
PUF, 1989. 257-266. M. Perine, Éric Weil e a compreensão do nosso tempo. Ética, Política,
Filosofia, São Paulo, Loyola, 2004, 227-263.
19. G. Kirscher, op. cit., 5.
253
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
20. “L’égalité ne doit pas choquer le sentiment moral des citoyens ni provoquer ainsi
la plus grave des révoltes, celle dans laquelle les révoltés luttent pour le sacré, leur sacré,
à qui ils sont prêts à sacrifier leur vie parce que la mort à leurs yeux serait moins grave
qu’une vie sans sacré, sans dignité, qu’une vie insensée”. Cf. E. Weil, Le Concept de droit
naturel, Philosophie et Realité II, Paris, Beauchesne, 2003, 123.
21. “Il y a certes choses plus importantes à défendre dans une tradition, des choses plus
importantes en vertu de cette tradition. Tout ce qui tient à la fibre de notre être, tout ce qui est
sacré pour notre foi, tout ce sans quoi la vie ne vaudrait pas la peine d’être vécue, n’acquiert
cette importance décisive que par la tradition”. Cf. E. Weil, Essais et conférences II, 12.
22. E. Weil, Filosofia política, trad. M. Perine, 2ª ed., São Paulo, Loyola, 2011. Do-
ravante Fp.
23. E. Weil, Filosofia moral, trad. M. Perine, São Paulo, É Realizações, 2011. Do-
ravante Fm.
254
14. Lógica da filosofia
não ser o maior dos males. Ela decide-se em função do que nós chamamos
o seu sagrado, que é o conceito (que não existe necessariamente como con-
ceito formal na sua consciência, mas, por exemplo, sob a forma de tradição,
regra de conduta, mito) daquilo que lhe permite distinguir o essencial do
não-essencial, o bem do mal, e que não pode ser contestado porque qualquer
contestação, por ser tal, situa-se do lado do mal24.
24. Fp 83 s.
25. A PP apresenta uma séria discussão sobre o sagrado. Weil apresenta o sagrado
vivo como “influenciado e modificado por uma tomada de consciência que se dá através
e por ocasião da compreensão do passado” (Fp 84). O sagrado não é um conceito está-
tico e inacessível, mas vivo e que se transforma numa interação com a tradição e a reali-
dade. O sagrado também é apresentado em seu processo de transformação conforme se
apresenta na atualidade para Weil. O sagrado de nossa sociedade a distingue na história.
“O que torna a nossa tarefa ainda mais complexa é que a nossa sociedade, comparada às
comunidades do passado, apresenta-se como comunidade que considera sagrado o que
todas as outras consideravam contrário a ele. Pois a luta com a natureza jamais foi sagra-
da” (Fp 84 s.). Dizer que a luta contra a natureza, o trabalho, é sagrado para a sociedade
contemporânea, significa dizer que esse é o “valor a partir do qual (não: sobre o qual) ela
reflete e graças ao qual se orienta”. (Fp 86)
255
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
26. Fm 22.
27. Ibid., 23.
28. A Introdução apresenta o problema da Lf sendo, praticamente, um livro à parte.
Cf. J.-F. Robinet, O tempo do pensamento, São Paulo, Paulus, 2004, 278. “A introdução da
Lógica da filosofia tem como título geral “Filosofia e Violência”. Para bem compreender
essa introdução é importante ter sempre presente que não se trata propriamente de uma
introdução à Lógica da filosofia, mas de um texto que serve de introdução a um outro
texto que se chama Lógica da filosofia. Essa introdução não é uma obra dependente do
livro que ela introduz, mas uma espécie de obra autônoma, uma espécie de posfácio co-
locado no início, não para introduzir a lógica da filosofia, mas para iniciar o filosofar”.
Cf. M. Perine, Filosofia e violência, op. cit., 125.
29. H. Bouillard, Philosophie et Religion dans l’oeuvre d’Éric Weil, Archives de
Philosophie, 40 (1977) 545.
256
14. Lógica da filosofia
Eis por que tudo o que é essencial à vida da comunidade traz a marca do
sagrado — ou, traduzido em outra linguagem, pertence ao âmbito das coi-
sas que não podem ser modificadas por uma decisão da comunidade e que,
consequentemente, não podem ser submetidas a uma discussão. Mas esse
257
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
258
14. Lógica da filosofia
34. Não queremos dizer com isso que haja um encadeamento necessário das ideias
de Weil, mas apenas a dinâmica dialética que há na Introdução mostra a importância do
conceito pelo lugar que ocupa. Na discussão sobre a sucessão das categorias, Weil é explí-
cito sobre ela não ser necessária, a não ser quando se veja do fim ao início do processo.
No presente momento, ao tratar com a dialética da Introdução, pretendemos expor a es-
trutura que organizou o texto e não a determinação necessária dos elementos histórico-
filosóficos tratados.
35. Segundo Sichirollo, a logicidade da dialética segundo Hegel, tem três aspectos:
o abstrato ou intelectual, o dialético ou negativo e o especulativo ou positivo racional.
Essa referência à posição do sagrado e sua relação com a dialética é ilustrativa. Segundo
o autor: “Aquela coisa, fato ou acontecimento que pretendemos considerar em si, como
algo de absoluto e de separado e, portanto, como um finito, não pode subsistir como tal
e é incompreensível. Tudo está sujeito ao devir e se transforma, coisas, fatos e aconteci-
mentos, que são o que existe, que podemos estudar, discutir e de que podemos falar com
os outros, exatamente porque se tornaram aquilo que são e não algo de diferente, isto é,
suprimiram e superaram a sua própria abstração e a sua finitude, evoluindo”. Cf. L. Si-
chirollo, Dialética, Lisboa, Editorial Presença, 1980, 155 s.
259
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
260
14. Lógica da filosofia
39. M. C. Soares, O filósofo e o político segundo Éric Weil, 2ª ed., São Paulo, Loyola,
2015, 141.
261
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Considerações finais
262
15. O que é sentido?
Nas pegadas de Eric Weil
Andrea Vestrucci1
263
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
2. Por exemplo, não tem sentido resolver um problema científico com conceitos
religiosos, mas isso não significa que os conceitos religiosos não tenham sentido: não o
têm no âmbito ao qual o problema pertence (a ciência).
3. Cf. E. Weil, Lógica da filosofia, trad. L. C. Malimpensa, São Paulo, É Realiza-
ções, 2012, 594-595.
264
15. O que é sentido?
265
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
palavras, de tal forma que não subsistem mais fatos que não sejam “fatos”,
fatos-ditos, isto é, fato-sentidos. Com linguagem, na linguagem e enquan-
to linguagem, os fatos do mundo têm sentido, e o sentido está no mundo
e é o mundo. A palavra e a linguagem estão em toda parte e são “em toda
parte”, este “em toda parte” tendo sentido justamente em função da lingua-
gem8; tudo é iluminado de sentido, este “tudo” e este “é” estando apenas e
exclusivamente na linguagem, como linguagem; tudo é dito pela, com e na
linguagem — o que significa: tudo tem sentido enquanto tudo é sentido,
sentido de toda coisa enquanto dita, enquanto “dito”.
Na realidade, porém, este dito é uma pluralidade de “ditos”: o sentido
se explica numa pluralidade de discursos, todos sensatos, mas cada um
tendo o próprio sentido segundo o tipo específico de pertença (ou segundo
as próprias coordenadas lógicas de genus proximum e differentia specifica).
Isto implica o fato de que um discurso sensato segundo um tipo não o seja,
necessariamente, no âmbito de outro. Portanto, todo discurso, justamente
porque (e não “embora”) sensato a seu modo, tem sentido: o princípio sobre
o qual essa pluralidade de discursos recebe unidade formal, sobre o qual a
pluralidade de sentidos (científico, artístico, cotidiano, moral, psicológico
e outros) é compreendida como expressão da especificação de uma função
geral, é, segundo Weil, o “Sentido” formal, a função sobre a qual todos os
sentidos concretos estão construídos como sentido: enquanto forma da lin-
guagem, o “Sentido” formal é inexprimível, inefável, pode ser compreendido
apenas indiretamente, pelo seu reflexo, como o rosto da medusa — ou no
que vai além da linguagem. Mas sobre isso falaremos no fim.
Em todo caso, essa identidade de sentido entre os vários discursos
vale somente em termos formais. Em termos empíricos, não existe o dis-
curso, mas os discursos, todos sensatos, como se disse, em base à própria
forma metodológica. Naturalmente, um discurso pode acusar um outro
de insensatez, dando lugar a um Streit der Begriffe. Mas este conflito sub-
siste justamente em força da identidade formal dos beligerantes, do seu ser
conceitos. Não há nada além do conceito: não há sentido conceitual do
sentido dos conceitos, não há critério sobre o qual determinar de modo
último e definitivo a sensatez ou a insensatez de um conceito (novamente,
isto significaria saltar além da própria sombra, ver o mundo e ao mesmo
266
15. O que é sentido?
tempo vivermos9). Todo conceito é sensato; é o mesmo que dizer que não
há conceito que possa (darf) ser juiz de outros conceitos. Portanto, os prin-
cípios gerais — dentro dos quais os conceitos se conectam entre si — ou os
tipos formais dos discursos — as sínteses específicas de genus proximum e
differentia specifica, que Weil chama as “categorias” — são igualmente vá-
lidas enquanto funções (f) de uma determinação do sentido (f(x)). Logo,
o esforço de uma lógica destas categorias, destes métodos, como a Lógica
da filosofia de Weil, pode “apenas” ser uma classificação destas categorias
num sistema — certamente não um confronto entre elas.
Segundo Weil, a determinação da forma de uma tipologia formal do
discurso (ou de uma “categoria”) coincide com a história. De fato, se o
conceito de um tipo (“categoria”, “sentido”) de discurso é determinado, o
discurso, a sua lógica, o seu ser sentido imediato já está superado. Trata-
se, obviamente, de uma mediação de segundo grau, a partir do momen-
to em que o conceito já é uma mediação entre homem e mundo (como
instrumento do mito adâmico da posse do mundo): a conceptualização
do sentido implícito de um discurso significa que este é objeto de (meta)
discurso. É esta “objetivação” (novamente de segundo grau) conceitual do
sentido, do método de um discurso, que é história: o discurso procede de
um sentido imediato à explicitação deste sentido e, portanto, a um novo
sentido imediato (o primeiro sentido sendo explicitado e conceitualizado
pelo segundo, sendo este o princípio implícito de conceptualização daque-
le), e assim por diante. A partir do momento em que todo evento é um
evento-dito, esta explicitação do sentido implícito é a forma sobre a qual
os eventos estão numa sucessão sensata, é o princípio sobre o qual não
há nem eterna fixidez do próprio momento (“faustiano”, também sobre
isso falaremos depois), nem uma miscelânea desordenada de eventos,
mas uma ordem nos eventos, no seu sentido, chamada “história”.
Finalmente, é a conceptualização que funda este sentido-história na
modalidade de uma progressão de um sentido (não-conceitualizado) a
um sentido (conceitualizado)10, de uma imediatez do sentido dos eventos
9. Cf. W. Goethe, Maximen und Reflexionen, Frankfurt, Insel, 1979, n. 124. “Der
Handelnde ist immer gewissenlos, es hat niemand Gewissen als der Betrachtende”.
10. O mesmo processo idêntico está presente em Weil na passagem da atitude ao
discurso (sobre a atitude, ou seja, na passagem da “Certeza” relativa a certo conteúdo sacro
267
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
268
15. O que é sentido?
269
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
do conceito (de outra forma, a história seria sempre a mesma, e, por con-
seguinte, não haveria história); a história é compreensível e tem sentido à
luz da constância categorial-formal, e é compreensível como história à luz
da novidade conceitual-material: o sentido formal é o princípio sobre o
qual os eventos da história são eventos conceituais, e os eventos concretos
enquanto “ditos” têm sentido como eventos históricos; concomitantemen-
te, a pluralidade dos sentidos concretos dos vários discursos é o princípio
sobre o qual um período histórico é definido na sua diferença e continui-
dade a respeito dos outros períodos históricos.
É assim confirmada a relação sentido-linguagem. O sentido é todo
discurso possível, é a mediação imediata da linguagem diante do mundo,
é a totalidade dos eventos conceitualizados e categorializados, e, conse-
quentemente, historicizados. A história é o sentido, o sentido é a história,
e todo evento tem sentido e é sentido enquanto inserido nas coordenadas
formais da linearidade do conceito e da circularidade categorial. Existe um
sentido que não coincida com a linguagem, que seja anterior, posterior ou
que esteja além da linguagem? A própria pergunta, seu sentido e o sentido
de toda resposta possível, jazem inexoravelmente na linguagem, existem
graças à linguagem e, sobretudo, têm sentido enquanto linguagem.
II
15. É esta a segunda parte do célebre dáctilo: “Stat rosa pristina nomine, nomina
nuda tenemus” que conclui o Nome da rosa de Umberto Eco.
270
15. O que é sentido?
o desconforto pela queda do jardim das coisas ao reino dos nomes, o des-
concerto pelo sentimento de perda da dingendes Ding e do weltende Welt
anterior, posterior e além da palavra. Esta aura de vã nostalgia (vã porque
não é sequer possível saber o que foi perdido ou se algo se perdeu, dado que
todo saber é devedor da linguagem), este “nuda”, faz dizer o poeta: “So lernt
ich traurig den verzicht:/Kein ding sei wo das wort gebricht”16.
Mas as perguntas sobre um “sentido” para além da linguagem têm um
valor formal e não apenas psicológico — e é este valor que nos interes-
sa. Sendo formal, ele informa não apenas toda posição psicológica, mas
cada expressão poética sobre os limites da natureza total e totalizante da
linguagem17. Formalmente, estes limites não são mais interpretados como
um dano a uma suposta liberdade do poeta, mas reconhecidos como au-
tolimitações da linguagem, relativas ao fato de que a linguagem, como já
foi acenado, não tem acesso a si mesma: dado que ela é o princípio que
funda o objeto e que todo objeto possível existe como objeto do conhecer18
(e, assim, do conhecer linguístico), a linguagem não pode ser objeto de si
mesma19. Isto implica que só uma “outra” linguagem a respeito daquela
conceitual e nominal pode ter acesso a ela, pode dizer o que a linguagem
é e, ao dizê-lo, exprimir suas condições e seus limites.
Esta “outra” linguagem assume numerosas formas, o que Weil resu-
me sob o conceito de poésie indicando, com esta locução, “não a arte das
rimas”20, mas o princípio criador da linguagem, a sua própria fonte. A
referência ao segundo Heidegger é evidente21: “poesia” é tudo o que con-
sente um acesso imediato ao mundo, aquilo em que o palpitar do coração
16. S. George, “Das Wort”, in Id, Das Neue Reich, Stuttgart, Klett-Cotta, 2001, 13-14.
17. Ou melhor, toda expressão linguística deste “totalitarismo” da linguagem (além
de ser uma contradição em termos) termina por ser poética, mesmo se não há nenhuma
vontade de ser poéticos, mesmo se se usa a linguagem argumentativa. E vice-versa, a uti-
lização desejada da linguagem para fins (além)linguísticos na poesia corre o risco de fazer
decair o poema no clichê ou na caricatura.
18. Cf. H. Rickert, Der Gegenstand der Erkenntnis. Einführung in die Transzenden-
talphilosophie, Tübingen, Mohr, 1928.
19. Tudo pode ser visto, pode ser objeto de teoria, pode ser objeto através da lin-
guagem. Portanto, a linguagem não pode ver a si mesma, não pode ser teoria de sim, pois
isto implicaria dizer a linguagem sem a linguagem.
20. Cf. E. Weil, Lógica da filosofia, 594-595.
21. De fato, a poesia conclui a categoria do Finito, marcada pela figura de Heidegger.
Cf. E. Weil, Lógica da filosofia, 550-552.
271
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
272
15. O que é sentido?
24. Cf. T. Mann, Joseph und seine Brüder, vol. I, Berlin, Aufbau, 1955, 391-399.
25. O formalismo opera uma redução do belo aos elementos objetivos e quantificáveis
de uma música, tornando o belo dependente destes (cf. E. Hanlisck, Vom Musikalisch-Schö-
nen. Aufsätze. Musikkritiken, Leipzig, Reclam. 1982, 137-138). Isto implicaria a possibilidade
de afirmar um belo objetivo e universalmente reconhecido, mas assim, o juízo estético se-
ria determinante e nãos mais reflexivo. A discordância entre juízos estéticos e a identidade
formal dos juízos na sua discordância (ou seja, a inteligibilidade da prevalência de um juízo
sobre os outros) são as melhores falsificações das precedentes implicações. Um formalista
poderia objetar o seu desinteresse pelo belo; deveria então explicar porque aquele determi-
nado som-música e não um outro seja o objeto da sua investigação. O método de seleção
analítica implica o fato de que o objeto de análise seja uma “música”, um tipo especial de som.
As conclusões do formalismo são então ou incoerentes ou irrelevantes do ponto de vista do
belo (e, assim, é absurdo falar de Musikalisch-Schön). Todavia, excluir o problema do belo
não significa resolvê-lo, ao contrário, significa tornar mais agudo o problema da diferença
da música dos outros sons. Sobre este complexo tema, cf. A. Vestrucci, Music, analogy and
the beauty of everydayness, e, Music, wandering, and the limit of any method, Knowledge
Cultures, Numero Speciale Aesthetic knowledge, a cura di P. Murphy. In mimeo.
26. Por exigência de brevidade tive de resumir numa frase toda a análise que Her-
mann Cohen propõe da específica legalidade do belo e dessa para a música. Cf. H. Cohen,
Werke, voll. VIII. Ästhetik des reinen Gefühles I e II, Hildesheim, Olms, 1982, 47-78; Ibid.,
Voll. IX, Ästhetik des reinen Gefühles I e II, Hildesheim, Olms, 1982, 135-138.
273
VIOLÊNCIA, EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
27. E. Weil. Filosofia moral, trad. M. Perine, São Paulo, É Realizações, 2012, 291.
28. O genitivo é, seja objetivo, seja subjetivo, desde que o sentido que a revelação
revela seja (enquanto sentido total e absoluto) o sentido que a revelação detém: a revela-
274
15. O que é sentido?
ção é revelação de si mesma (tem a si mesma como conteúdo, é a sua própria verdade), e
a revelação da palavra divina é a palavra divina.
29. Cf. E. Weil, Lógica da filosofia, 597.
30. Com um sincretismo talvez um pouco otimista demais, recordo Ecl 1,1, o Va-
nitas vanitatum.
31. “Antes” porque “além”: só enquanto fora da realidade o Brahman pode ser a
fundação da realidade (cf. Chandogaya Upanishad VI, 1,4-2.3): “além” porque “antes”:
enquanto princípio do sentido da realidade, a estranheza do Brahman da realidade é o
geral ser-realidade, o seu ultrapassar o sentido é o ser-sentido-presente.
32. Chandogaya Upanishad VI, 8.1, 12.1, 13.1.
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III
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vista do mundo dos sentidos, não há um sentido (concreto) no sentido (formal) a partir
do momento em que o sentido formal é o vazio conceitual, nenhum sentido concreto
podendo ser o seu sentido.
45. I. Kant, Immanuel Kants gesammelte Schriften, Akademieausgabe, respectiva-
mente vol. IV (Prolegomena), Berlin, de Gruyter, 1968, § 58; Ibid., vol. IV (Kritik der reinen
Vernunft 1781), Berlin, de Gruyter, 1968, A 179-180 e B 222-223.
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46. Esta verdade é o limite além do qual o olhar daquele que investiga a verdade — do
pesquisador — não pode estender-se enquanto fundamento deste olhar e do seu sentido.
Este é o caso não só da verdade do belo e da palavra de Deus, mas também de todo tipo de
verdade que se coloca como auto evidente fundando assim toda evidência, toda verdade,
ou a demonstração da verdade ou falsidade de determinados assuntos. Este é, então, o caso
dos postulados da geometria, como fundamentos de toda verificação de teoremas.
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15. O que é sentido?
quer outra verdade48. Porém, essa relação só vale para o filósofo, porque é
o filósofo que a formula no contexto de uma busca e de uma fundamen-
tação sistemática da verdade. Em si — e a verdade revelada é sempre em
si na qualidade de presença, é sempre sentido an sich — a revelação não
precisa de nada mais do que essa presença. Em suma, como em toda re-
lação analógica, o que é idêntico não são os elementos, mas a sua forma:
embora igualmente sem método, o não-método da “poesia” não é o não-
método da filosofia, e a relações entre estes é possível justamente à luz da
sua não-identidade. Rebus sic stantibus, pode também acontecer que as
coisas não sejam como se espera: justamente como presença e conceito,
porque equiprimordiais formas do sentido, se enfrentam às vezes como
Castor e Pólux; assim, pode ocorrer que algo não vá bem entre “poesia” e
filosofia, que uma pretenda reduzir a outra a si, a revelação tornando vã
todo esforço de fundamentar a verdade, a busca da verdade duvidando do
estatuto da presença. Em suma, ocorre às vezes que o sentido não entenda
a si mesmo, que uma forma de verdade não entenda a outra — como Jesus
e Pilatos, um diante do outro, um declarando-se ao outro como verdade
em sua totalidade e presença nua, o outro, em troca, perguntando o que
é a verdade, qual o seu fundamento, esta pergunta ecoando na história e
como história, e assim não encontrando resposta (Jo 18,37-38).
IV
48. Isto é verdade não só no suscitado caso da geometria porquanto concerne aos
seus postulados, mas também no caso da religião: a revelação divina é o fundamento au-
tofundaste de todo discurso não apenas sobre Deus, mas sobre tudo, sobre toda verdade
— toda verdade, sendo devedora do seu ser verdade à verdade revelada.
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e vive o sentido. Isto significa que o homem não é o sentido, e o sentido não
é o homem. Por isso, tem sentido a pergunta “O que é o sentido?”.
Existiu, quem sabe, um Paraíso no qual esta pergunta não tinha sen-
tido, porque o sentido simplesmente era? Se existiu, agora está perdido,
e nos encontramos reduzidos a mendicantes do sentido (da sua presen-
ça) ou peregrinos do sentido (da sua expressão). Mas, se mendigamos é
porque esperamos receber, e se esperamos receber é porque já recebemos
algo, antes de perdê-lo. E se peregrinamos é porque buscamos uma casa,
e se buscamos uma casa é porque já havia uma casa antes de partir. É jus-
tamente porque o mendicante continua a estender a mão que se recebe (o
sentido), é justamente porque o peregrino continua a buscar uma casa que
a casa (o sentido) está sempre lá: o Heimat está já em todo Heimweh. Pouco
importa o que se recebe, pouco importa onde está a casa, pouco importa
que sentido que se busca, pouco importa qual é a resposta à pergunta. A
pergunta está formulada, a mão estendida, o pé avança, e isso já é suficiente:
o sentido já está lá, já se fecha a mão, já se está voltando para casa.
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8. E. Weil, Lógica da filosofia, trad. Lara C. de Malimpensa, rev. téc. M. Perine, São
Paulo, É Realizações, 2012, 219. Doravante Lf.
9. Também chama a atenção, pelo gênero literário de uma obra de 442 páginas,
que a Lógica da filosofia tenha escassas 92 notas de rodapé.
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16. Platônicos sem mito e sem deus
é preciso opor “aquilo que é”18 ao discurso da discussão. Saber que algo é
assim não é mais suficiente para não recair na luta das certezas concre-
tas: “é preciso saber por que é assim”19. Por isso, “uma verdade concreta
deve tomar o lugar da verdade formal do acordo, o discurso irrefutável
deve receber um conteúdo”20. Trata-se de constituir “a ciência, não mais
formal, e sim a um só tempo concreta e razoável, uma visão total da to-
talidade dos seres em sua unidade, uma teoria”21. E essa ciência pode ser
constituída porque “existe razão” e porque “a razão do mundo e a razão
no homem são uma única e mesma razão. Existe observação, existe aná-
lise, existe síntese, porque o discurso é o mundo que se tornou palavra e
porque o mundo é o discurso realizado”22.
Fundada na razão, essa ciência deverá se elevar a um fundamento dos
fundamentos e considerar tudo o que aparece como aparições desse fun-
damento, realidade real, verdadeiro “objeto da razão”23. Mas não basta dar-
se conta de que a razão é o fundamento da ciência: “É preciso recuperar
a razão não como faculdade do homem, não como base da ciência, mas
como presença real”24. Esta é a tarefa da filosofia, entendida como busca
da sabedoria, presença da razão no homem, “tentativa feita pelo homem
de superar a si mesmo para alcançar a realidade total, una, única, que é a
razão — tanto nele como no mundo”25. A realidade é contraditória, o dis-
curso é múltiplo, mas é possível conciliar o que está em luta, porque existe
o objeto da razão, isto é, existe aquilo que conclui a discussão ao se reve-
lar, existe aquilo que se mostra “por trás das coisas” e “que é visado através
delas”, não como distinto daquilo que visa: “a razão pensa, mas ela pensa
a si mesma”26. Na categoria O objeto, isto é, com Platão, pela primeira vez a
filosofia se compreende como “busca da compreensão total”27.
18. Lf 202.
19. Lf 203.
20. Lf 204.
21. Lf 205.
22. Lf 206.
23. Lf 209.
24. Lf 208.
25. Ibid.
26. Lf 209.
27. Lf 219. Segundo Kirscher, em Platão, pela primeira vez a filosofia “é pensada
como caminho”. Cf. G. Kirscher, op. cit., 250.
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28. Lf 214.
29. Eis o parágrafo: “A categoria é, assim, o ponto de virada do devir filosófico, a mais
moderna das categorias antigas, a mais antiga das modernas. Nela, trata-se da compreensão
do homem; para nós, o homem aí é tudo, mas justamente nessa atitude o homem não é nada
(porque, para ele próprio, ele é apenas reflexo). O que está em jogo é sua ação, mas sua ação,
para ele, não é sua. O que está em jogo é seu sentimento, mas, para ele, esse sentimento não
é criador. O que está em jogo é sua vontade, mas, para ele, essa vontade é depravada. Ele se
libertou do cosmos que o encerrava, mas não construiu um mundo. Sabe que tudo que é
deve ser julgado, mas não tomou o juízo em suas mãos” (Lf 268, ênfase minha).
30. Todas as referências entre aspas são extraídas na nota 4 (Lf 268 s.).
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o acesso à verdade que está no fundo, não pode ser ensinado; a faísca é
transmitida de homem a homem graças ao amor”.
Não é, portanto, surpreendente que Platão “reencontre as ideias do
Deus criador, do Deus objeto de amor e, sobretudo, sujeito amoroso no qual
o homem pode depositar uma confiança absoluta, do destino que expressa,
no entanto, a escolha livre do homem, da ciência da natureza que busca
reencontrar a lei divina, da eternidade que se opõe à duração infinita do
tempo, da fórmula do mundo que se explicita no que é, da essência que é o
fundamento da existência”. O lugar ocupado pelo mito na filosofia de Platão
é uma comprovação disso: a “poesia” de Platão nada explica, “porque essa
poesia expressa o que não pode ser explicado no plano da discussão ou do
objeto”. Nas profundezas da filosofia de Platão “se encontra sua atitude de
homem crente. A essência que é dada por uma visão transcendente, para
além de toda reflexão teórica, está presente em seu sentimento, e é essa
presença do Ser que fala ao sentimento do homem moderno por meio do
mito e por seu intermédio”. Isso explica também que, ao contrário do que
ocorreu com Aristóteles, não tenha havido uma “escola de Platão, exceto
por equívoco. Para criá-la, seria preciso uma religião positiva, e Platão não
quis criá-la (…); nele, o mito permanece separado do discurso, e embora
todo discurso humano desemboque no mito, a fé permanece indetermi-
nada e a vida, ao menos a do filósofo, deve dela prescindir”.
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Assim, tudo o de que a vida humana é feita nasceu desses primeiros passos;
quando os homens, como disse, viram-se privados da vigilância divina, de-
vendo conduzir-se sós e zelar por si mesmos, tal como o universo, pois tudo
o que fazemos é imitá-lo e segui-lo, alternando, na eternidade do tempo,
estas duas maneiras opostas de viver e nascer34.
Platão parece estar desejoso de sugerir aqui que a política não ocorra nem
num universo ideal onde o nous de deus teria tanto poder, nem em seu opos-
to sob a predominância da necessidade (ananke), mas em nosso mundo real
onde coexistem nous e necessidade35.
32. Para uma visão de conjunto do diálogo e da complexidade dos temas nele tra-
tados ver o excelente comentário de M. Migliori, Arte politica e metretica assiologica.
Commentario storico-filosofico al “Politico” di Platone, Pref. Hans Krämer, Milano, Vita
e Pensiero, 1996. Para o texto do Político, cito a tradução de J. Paleikat e J. Cruz Costa, Os
Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1972.
33. Pol. 268 D-276 E.
34. Pol. 274 D.
35. Cf. G. R. Carone, A cosmologia de Platão e suas dimensões éticas, trad. E. Bini,
São Paulo, Loyola, 2008, 210.
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2. Filosofia e política
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dos termos entre si, mas às suas relações com a exatidão. Esta segunda arte
de medir, não quantitativa, mas qualitativa, aplica-se exclusivamente às rea-
lidades sujeitas ao devir, como é o caso das ações e dos discursos humanos.
Assim, se a arte política consiste em produzir a justa medida na organiza-
ção da cidade, essa tarefa tem o caráter de uma ação intermediária entre a
ordem imutável do cosmo e a ordem mutável da práxis humana.
O verdadeiro político é o que sabe misturar na medida exata as vir-
tudes e as partes da virtude, opostas entre si por natureza, atribuindo a
uma o lugar da urdidura, por sua rigidez, e à outra o lugar da trama, por
sua flexibilidade57. A função própria da política é entrelaçar os opostos,
para que a mistura seja exata. Para Platão, a virtude dessa arte consiste
na mistura adequada de dois princípios opostos — a energia e a mode-
ração — que não podem ser suprimidos, mas devem ser entrelaçados
para que o conflito dos temperamentos não se torne a enfermidade mais
perigosa para as cidades58.
Surpreendentemente, a decadência das cidades não é atribuída à
deficiência de virtude, mas ao seu excesso: não é a falta de energia ou de
moderação que leva os temperamentos e as cidades à ruína, mas o seu
excesso. De fato, é o desenvolvimento isolado de cada uma dessas virtudes
e, portanto, o seu caráter desmedido, decorrente da ausência de mistura
entre elas, que leva os temperamentos a cair na ferocidade bestial ou na
humilhante fama de tolos59, provocando a degeneração da energia em
loucura furiosa e da moderação em excesso de fraqueza, e levando a ci-
dade a um “estado de completa enfermidade”60.
A verdadeira virtude consiste na mistura de duas tendências naturais
opostas, em perfeita simetria com o que ocorre no cosmo, que também
se constitui de uma mistura de princípios opostos em permanente po-
laridade61. Assim, a “política verdadeiramente conforme a natureza”62,
de que fala o Estrangeiro, consiste em imitar a inteligência que governa
298
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Conclusão
67. Lf 580.
68. Lf 214.
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69. O chamado “excurso filosófico” da Carta VII (342 A-344D) confirma plena-
mente essa leitura de Weil.
70. Não cabe aqui uma discussão sobre o diálogo faltante — o Filósofo — na tri-
logia anunciada no início do Sofista (217 A). Assumo que a pergunta pelo filósofo está
respondida no Político. Para uma excelente exposição do estado da arte, que assume que
o Filósofo deve ser buscado na República, ver: P. P. De Marchi, Chi è il filosofo? Platone e
la questione del dialogo mancante, Prefazione di G. Reale, Milano, Franco Angeli, 2008.
71. Na Lógica da filosofia o locus em que se explicita claramente essa compreensão
da dialética como a ciência inaugurada por Platão se encontra no item 2 da categoria O
objeto: A theoria, a tradição e a discussão. — A ciência do Ser (Lf 203-205).
72. Cf. G. Casertano, Definição, dialética e logos. Apontamentos para um estudo
sobre a dialética de Platão, in: M. Migliori; A. Fermani (orgs.), Platão e Aristóteles. Dia-
lética e lógica, trad. I. C. Benedetti, São Paulo, Loyola, 2012, 55-71 (57 s.).
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uno: por trás das coisas, existe o que é visado através delas, e o que é visado
é distinto daquilo que visa: a razão pensa, mas ela pensa a si mesma”87.
Na Lógica da filosofia a unidade de filosofia e política só é alcançada
na categoria Ação, na qual a política pensa a si mesma, e só depois que a
unidade do discurso foi estabelecida pelo Absoluto. Só então a política
pode se tornar a realização da filosofia88. Entretanto, o sentido da categoria
Ação é apreendido sob a categoria O objeto, porque aqui “a ação perma-
nece reservada ao filósofo”, que deve se tornar rei, “porque os homens não
poderiam ser livres e felizes, mas somente livres ou felizes”89. Mas somente
o filósofo vê que o homem e o Estado são razoáveis: “O homem comum
situa-se entre o animal, que está na natureza, e a razão, que está além da
natureza”90. Ao filósofo compete “pensar o Estado para salvá-lo”91, por-
que o Estado perfeito só existirá pela ação do filósofo que, na qualidade
de filósofo, é razão: “Em última instância, o Estado razoável existe para a
realização da razão pelo filósofo, para que o sábio possa viver”92.
Embora a retomada da Ação sob O objeto tenha ocorrido pela mediação
do mito, é inegável que esse outro caminho do filósofo para comunicar ver-
dades filosóficas foi trilhado em função da dialética, mediante a qual Platão
alcançou a compreensão total. A relação entre mito e dialética, para Platão,
é de união sem confusão: se é verdade que “o mito é a língua da alma” e os
mitos “são mitos da ‘alma’, isto é, mitos de um mundo interior e não mais de
um mundo exterior e dividido”, é igualmente verdade que, “na sua ascensão,
a dialética só excepcionalmente alcança seu próprio limite. A regra quer
que a dialética se inverta em mito”93, como vimos ocorrer no Político.
Tendo aferrado o nervo da história pela apreensão do princípio da
compreensão total, a filosofia de Platão se compreende “como ascensão
ao objeto”94. Entretanto, segundo Weil, “se o caminho para o objeto se
desenrola no terreno do devir e dos seres separados, seu término não é
87. Lf 209.
88. Cf. Lf 579.
89. Lf 580.
90. Lf 214.
91. Lf 216.
92. Lf 218.
93. Cf. K. Reinhardt, Le mythes de Platon, traduit de l’allemand et présenté par
Anne-Sophie Reineke, Paris, Gallimard, 2007, 161, 35 s. e 163, respectivamente.
94. Lf 209.
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16. Platônicos sem mito e sem deus
95. Lf 209 s.
96. Cf. E. Weil, L’anthropologie d’Aristote, op. cit., 41.
97. Cf. A. MacIntyre, Depois da virtude. Um estudo em teoria moral, trad. J. Simões,
rev. téc. H. B. A de Carvalho, Bauru, EDUSC, 2001. Ver também a excelente exposição da
posição de MacIntyre em: H. B. A. de Carvalho, Tradição e racionalidade na filosofia de
Alasdair MacIntyre, 2ª ed. revista, Teresina, EDUFPI, 2011, espec. 20-34.
98. Cf. E. Weil, L’anthropologie d’Aristote, op. cit., 42.
99. Lf 269 nota.
100. Lf 209.
101. Lf 210.
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Se Weil está certo ao afirmar que, com Hegel e depois de Hegel, nós
aferramos o nervo da história, que consiste na compreensão do homem
como subjetividade pura, como transcendência102; se é verdade que, com
Hegel e depois de Hegel, alcançamos a unidade da filosofia e da política na
categoria Ação, na qual “a política pensa a si mesma”103; se, finalmente, é ver-
dadeira a afirmação weiliana de que, em certo sentido, somos todos hege-
lianos104, então o que somos senão platônicos sem mito e sem Deus?
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