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Introdução
à fenom enologia
R obert Sokolow ski
Introdução à
fenom enologia
T ra d uçã o :
A lfre d o de O live ira M oraes
Edições Loyola
Título original:
Introduction to Phenomenology
© Robert Sokolowski 2000
Cambridge University Press, Cambridge
ISBN 052166792-5 SUMÁRIO
A gradecim entos..................................................................................... 7
O projeto de escrever este livro começou num a conversa que tive com
Gian-Carlo Rota na primavera de 1996. Na ocasião ele lecionava como profes
sor visitante de Matemática e Filosofia na The Catholic University o f America.
Rota chamava freqüentemente a atenção para a diferença entre mate
máticos e filósofos. Matemáticos, dizia ele, tendem a absorver os escritos de
seus predecessores diretamente em seus trabalhos. Eles não fazem comentá
rios sobre os escritos de matemáticos anteriores, mesmo quando muito in
fluenciados por eles. Simplesmente fazem uso do material que encontraram
em autores que leram. Quando avanços são feitos na matemática, pensado
res posteriores condensam o que foi encontrado e seguem adiante. Poucos
matemáticos estudam trabalhos de séculos passados; comparados com a ma
temática contemporânea, tais escritos antigos parecem a eles quase como
que trabalhos de crianças.
Em filosofia, por contraste, trabalhos clássicos freqüentemente são mais
valorizados como objetos de exegese que como recursos a ser explorados.
Filósofos, observava Rota, tendem a não perguntar: “Para onde iremos da
qui?”. Ao contrário, eles nos informam sobre as doutrinas dos maiores pen
sadores. São mais propensos a com entar os trabalhos antigos do que a
parafraseá-los. Rota reconhecia o valor dos comentários, mas pensava que os
filósofos poderiam fazer mais. Além de oferecer exposição, eles deveriam
abreviar escritos antigos e abordar os assuntos diretamente, falando a partir
de si mesmos e incorporando em seus próprios trabalhos o que seus prede-
cessores fizeram. Os filósofos deveriam extrair os conhecimentos tão bem Haverá um a cronologia da fenomenologia como apêndice deste livro.
quanto os anotam. No momento, recordemos simplesmente que Edm und Husserl (1859-1938)
Foi contra esse pano de fundo que Rota me disse, após um a de nossas foi o fundador da fenomenologia, e que seu trabalho Investigações lógicas pode,
aulas, enquanto tomávamos um café na cafetería da Escola de Direito da com justiça, ser considerado o ponto inicial do movimento. O livro apareceu
Universidade de Columbus: “Você deveria escrever um a introdução à feno em duas partes, em 1900 e 1901, assim a fenomenologia começou com o
menología. Apenas escreva-a. Não diga o que Husserl ou Heidegger pensa amanhecer do novo século. Portanto, do agora em que nos encontramos
ram, apenas diga às pessoas o que é a fenomenología. Sem título pomposo; temos mais de um a centena de anos da história do movimento. Martin Hei
chame-a de um a introdução à fenomenología”. degger (1889-1976), discípulo, colega e mais tarde rival de Husserl, foi outra
Isso me pareceu um conselho m uito bom. Há muitos livros e artigos das grandes figuras na fenomenologia alemã. O movimento também flores
que comentam Husserl; por que não tentar imitar alguma introdução que ceu na França, onde foi representado por autores tais como Emmanuel Lévi-
ele mesmo teria escrito? Pareceu a coisa certa a fazer, porque a fenomenología nas (1906-1995), Jean-Paul Sartre (1905-1980), Maurice Merleau-Ponty (1907-
pode continuar a oferecer um a importante contribuição para a filosofia atual. 1960) e Paul Ricoeur (1913-). Houve significativos desenvolvimentos na Rússia
Seu capital intelectual está longe de ter sido esgotado, e sua energia filosófi pré-revolucionária e na Bélgica, na Espanha, na Itália, na Polônia, na Ingla
ca permanece largamente inexplorada. terra e nos Estados Unidos. A fenomenologia influenciou muitos outros mo
A fenomenología é o estudo da experiência hum ana e dos modos como vimentos filosóficos e culturais, tais como: hermenêutica, estruturalismo,
as coisas se apresentam elas mesmas para nós em e por meio dessa experiên formalismo literário e desconstrutivismo. Durante todo o século XX foi o
cia. Tenta restabelecer o sentido da filosofia encontrado em Platão. É, além maior componente daquilo que se denom inou “filosofia continental”, em
disso, não só um a revivificação de antiquário, mas algo que confronta as oposição à tradição “analítica” que tipificou a filosofia na Inglaterra e nos
questões levantadas pelo pensamento moderno. Vai além dos antigos e m o Estados Unidos.
dernos, e se esforça por reativar a vida filosófica em nossas circunstâncias
presentes. Este livro está escrito, sobretudo, não apenas para informar aos
leitores sobre um movimento filosófico específico, mas para oferecer a pos A fenomenologia e a questão dos aparecimentos
sibilidade do pensamento filosófico em um a época em que tal pensar é seria
mente contestado ou largamente ignorado. A fenomenologia é um movimento filosófico significativo porque lida
Por ser este livro uma introdução à fenomenología, utilizou-se nele o m uito bem com o problema dos aparecimentos. A questão dos aparecimen
vocabulário filosófico desenvolvido por aquela tradição. Empregaram-se tos tem sido parte dos problemas humanos desde a origem da filosofia. Os
palavras como “intencionalidade”, “evidência”, “constituição”, “intuição ca- sofistas manipularam os aparecimentos através da magia das palavras e Pla
tegorial”, o “mundo-da-vida” e “intuição eidética”. Contudo, não faço co tão respondeu ao que eles disseram. Desde então, os aparecimentos têm sido
mentários sobre esses termos como estranhos a nosso próprio pensamento. multiplicados e aumentados enormemente. Nós os geramos não só por pala
Apenas os utilizo. Julgo que nomeiam fenômenos importantes e os quero vras faladas ou escritas de um a pessoa a outra, mas por microfones, telefones,
tornar acessíveis aos leitores deste livro. Não apresento, neste livro, o modo filmes e televisão, bem como por computadores e pela Internet, pela propa
como esses e outros termos se originaram nos escritos de Husserl e nos tra ganda e pela publicidade. Os modos de apresentação e representação prolife
balhos de Heidegger, Merleau-Ponty e outros fenomenólogos; uso as pala ram e questões fascinantes afloram: Como diferenciar um a mensagem de e-
vras diretamente porque elas ainda têm vida nelas. É legítimo, por exemplo, mail, de um a chamada telefônica e de uma carta? Quem se dirige a nós quando
falar sobre evidência enquanto tal, e não apenas sobre o que Husserl disse lémos um a página da web? De que modo são modificados os falantes, os ou
sobre evidência. Esses termos não necessitam ser explicados somente pela vintes e a conversação pela maneira como nos comunicamos agora?
demonstração de como outras pessoas deles se utilizaram. Nós não temos de Um dos perigos com o qual nos deparamos é que com a expansão tec
pregá-los na parede para poder tirar proveito deles. nológica de imagens e palavras tudo parece se reduzir a meras aparências.
INTRO DU ÇÃO
Partes e todos e força (watts). Todas essas dimensões são interdependentes: não pode haver
mom entum sem massa e velocidade, ou aceleração sem massa e força, ou
Totalidades podem ser analisadas em dois tipos diferentes de partes: corrente sem voltagem.
pedaços e momentos. Pedaços são partes que podem subsistir e ser presentadas Um item particular pode ser um pedaço em um a relação enquanto é um
até separadas do todo; eles podem ser destacados de seus todos. Pedaços momento num a outra. Por exemplo, um a bolota pode ser separada de sua
também podem ser chamados partes independentes. árvore, mas como um objeto de percepção não pode ser separada de um pano
Exemplos de pedaços são folhas e bolotas, as quais podem ser separa de fundo; para ser percebida, a bolota tem de ser vista contra um pano de
das de sua árvore e ainda presentar a si mesmas como entidades indepen fundo de um a espécie ou outra.
dentes. Até um ramo de um a árvore é um a parte independente, porque ele Há um a certa necessidade no modo como os m om entos são misturados
pode ser separado da árvore; quando assim separado ele não funciona mais juntos dentro de seus todos. Alguns momentos são fundados a partir de
como um ramo vivo e torna-se um pedaço de madeira, mas ainda pode exis outros, e um a distinção nasce entre as partes fundadas e a-fundação. O tom
tir e ser percebido como um a coisa independente. Assim também as partes está fundado na cor, enquanto, reciprocamente, a cor funda ou é o substrato
de um a máquina, um membro de um a companhia de atores, um soldado em do tom. A visão está fundada no olho, e o olho funda ou sustenta a visão.
um pelotão são pedaços dentro de seus respectivos todos. Tais coisas perten Além do mais, pode haver algumas camadas de fundamentos: a sombra está
cem, de fato, cada um a ao seu todo maior (a máquina, a companhia, o pelo fundada no tom, que por sua vez está fundado na cor. Nesse caso, a sombra
tão), mas elas também podem ser elas mesmas e presentar a si mesmas sepa é só mediatamente fundada na cor (via tom), enquanto o tom é imediata
radas daquele todo. Assim, quando separados, os pedaços tornam-se todos mente fundando na cor. Tom musical e timbre, contudo, são ambos imedia
em si mesmos e não são mais partes. Os pedaços, então, são partes que po tamente fundados no som.
dem vir a ser todos. Vamos acrescentar uma outra precisão terminológica: um todo pode
Momentos são partes que não podem subsistir ou ser presentados sepa ser chamado um concretum, algo que pode existir, presentar a si mesmo e ser
rados do todo ao qual pertencem, eles não podem ser destacados. Os mo experienciado como um indivíduo concreto. Um pedaço, um a parte inde
mentos são partes não-independentes. pendente, é um a parte que pode vir a ser um concretum. Momentos, contudo,
Exemplos de momentos são: a cor vermelha (ou qualquer outra cor), não podem vir a ser um concretum. Sempre que eles existem e são experiencia-
que não pode ocorrer separada de alguma superfície ou expansão espacial; o dos, arrastam junto com eles seus outros momentos; eles existem somente
tom musical, que não pode existir exceto quando m isturado com um som, e misturados com suas partes complementares.
também a visão, que não pode ocorrer exceto como dependente do olho. Tais Porém, é possível para nós pensar e falar de momentos por si mesmos:
partes são não-independentes e não podem existir ou ser presentadas por si podemos falar de tons musicais sem mencionar som; podemos nos referir a
mesmas. Um ramo pode ser cortado da árvore, mas o tom não pode ser iso tom sem mencionar cor; podemos falar de visão sem mencionar o olho.
lado de um som e um a visão não pode desprender-se do olho. Os momentos Quando consideramos momentos simplesmente por eles mesmos, eles são
não podem ser, exceto quando misturados com outros momentos. Os m o abstracta, estão sendo pensados abstratamente. A possibilidade de falar de
mentos são o tipo de parte que não pode tornar-se um todo. tais partes abstratas, a possibilidade de falar abstratamente, surge porque
Bons exemplos de momentos ou partes não-independentes podem ser podemos usar a linguagem; é a linguagem que nos permite tratar com um
encontrados nas dimensões que são distintas na física. Na mecânica, um corpo momento separado de seu complemento necessário de outros momentos e
em movimento possui os momentos de massa, velocidade, m om entum e de seu todo. Contudo, um perigo surge com esta habilidade: porque pode
aceleração; massa e aceleração, por sua vez, estão associadas essencialmente mos nos referir ao momento por si mesmo, sem mencionar seus momentos
com força. Na teoria eletromagnética, um a corrente elétrica possui a dimen associados, podemos começar a pensar que esse m omento pode existir por si
são de carga por unidade de tempo, que é medida em ampere, e esta dimensão mesmo, que ele pode vir a ser um concretum. Podemos começar a pensar so
está associada por seu turno com potência elétrica (volts), resistência (ohms) bre a visão, por exemplo, como se ela pudesse ser, separada do olho.
A distinção entre pedaços e momentos é muito importante na análise Há sempre o perigo de que separemos o inseparável, de que façamos do
filosófica. O que freqüentemente acontece em filosofia é que algo que é um abstractum um concretum, porque em nosso discurso podemos falar de um
mom ento seja tomado por ser um pedaço, tomado por ser separável de seu momento sem mencionar aquilo em que está fundado. Podemos falar “do
todo mais amplo e de outras partes; então, um “problema” filosófico artifi triângulo”, por exemplo, e depois de algum tempo começarmos a pensar que
cial surge, a respeito de como o todo original pode ser reconstituído. A solu existe um triângulo apartado dos triângulos encarnados. Quando permiti
ção verdadeira de tal problema não é adaptar algum novo modo de construir mos que isto aconteça, fazemos de um momento um pedaço, de um abstractum
o todo falsamente segmentado de tais partes, mas simplesmente mostrar que um concretum, e começamos a perguntar como seria possível encontrarmos
a parte em questão era um momento, não um pedaço, e que nunca poderia esse pedaço de fato, como poderia ele se presentar para nós. Deixamos a
ter sido separada do todo em primeiro lugar. Muitos argumentos filosóficos abstratividade de nosso discurso nos enganar pensando que as coisas de que
são simplesmente complicadas tentativas de mostrar que algo é um a parte falamos poderiam se presentar concretamente para nós. Introduzimos uma
dependente, não um a parte independente, um momento e não um pedaço. separação onde deveríamos simplesmente fazer uma distinção.
Este tipo de problema artificial surge com respeito à mente e seus obje O contraste entre pedaços e momentos é de grande ajuda em nossa
tos, por exemplo. Como vimos no capítulo I, as pessoas freqüentemente to introdução à fenomenología. Muitas questões que parecem muito complica
mam a mente por ser um a esfera fechada em si mesma, isto é, um pedaço que
das tornam-se simples quando formuladas em termos do tipo de partes que
pode ser separado do contexto m undano ao qual ela naturalm ente e essen
funcionam dentro delas. Uma análise filosófica usualmente consiste em al
cialmente pertence. Assim, elas perguntam como a mente pode até sair de si
cançar os vários momentos que vão formar um todo dado. A análise filosó
mesma e alcançar o que se passa no mundo. Mas a mente não pode ser sepa
fica da visão, por exemplo, mostrará como a visão está fundada no olho e
rada do exterior desse modo; a mente é um momento para o m undo e para
também na mobilidade corporal (no movimento rápido do olho, na habili
as coisas nele; a mente é essencialmente correlata com seus objetos. A mente
dade da cabeça ser virada, na habilidade do corpo todo ir de um lugar para
é essencialmente intencional. Não há “problema de conhecimento” ou “pro
outro, de um ponto de vista para outro), como tanto a visão quanto o que
blema do m undo externo”, não há problema de como alcançar a realidade
está sendo visto são momentos dentro de um todo, e como a visão está con
“extramental”, porque a mente, de princípio, nunca poderia ser separada da
dicionada por outras modalidades sensoriais, tais como o tato, a audição e a
realidade. A mente e o ser são momentos um para o outro; não são pedaços
sinestesia. Uma análise filosófica nos ajudará a evitar a tentação de trocar
que podem ser segmentados fora do todo ao qual pertencem. Igualmente, a
mente hum ana é freqüentemente separada do cérebro e do corpo como se momentos por pedaços, como podemos fazer, por exemplo, quando tenta
mos separar a visão da mobilidade.
fosse um pedaço e não um mom ento fundado neles; o problema “mente-
cérebro” também pode ser tratado como um a instância de confusão a respei Até a questão da alma humana, ou da alma de qualquer coisa viva, pode
to de partes e todos. ser clarificada apelando a partes e todos. A alma é um momento; ela mantém
Um outro exemplo da lógica de partes e todos pode ser encontrado em uma relação essencial com o corpo e está fundada no corpo que estimula e
nossa análise da percepção de um cubo. Os perfis, os aspectos e os lados, determina e no qual se expressa. Os seres humanos são corpos animados,
bem como a identidade do cubo mesmo, são todos momentos uns para os não espíritos materializados. Mas a alma é freqüentemente caricaturada ao
outros na apresentação do objeto. Não poderíamos ter a presentação dos la ser tornada um pedaço dentro de um a força vital, ou um a coisa que poderia
dos senão através dos aspectos, os quais por sua vez somente são presentados existir e ser presentada e entendida separada de sua base orgânica, até como
através dos perfis. O cubo mesmo, como um a identidade, não pode ser algo que pode preexistir a seu corpo. Naturalmente, a maneira na qual a alma
presentado perceptivamente senão através da multiplicidade de lados, aspec é um momento do corpo vivo é diferente do modo como o tom é um mo
tos e perfis. Seria um caso de extravio de concretude, de procurar pelo peda mento da cor, mas o primeiro passo para esclarecer a natureza da alma é
ço no lugar do momento, querer ter o cubo apenas em si mesmo, não como mostrar que ela não é um a coisa separável que pode ser compreendida sepa
fundado em suas múltiplas presentações. rada de seu envolvimento com o corpo.
Há um a necessidade no modo como os momentos, partes não-indepen- Q uando desejamos expressar algo, podem os sempre distinguir a expres
dentes, são arranjados dentro de um todo. Certos momentos servem de são do que é expressado, o experienciado. Se dizemos “a neve cobriu a rua”,
mediação para outros, os quais se juntam num todo só através do preceden “a rua está coberta de neve”, e “Die Strasse ist verschneit”, nós proferimos
te: na percepção do cubo, aspectos mediados entre perfis e lados, e lados três diferentes expressões, mas podemos considerar que todas as três expres
mediados entre aspectos e o cubo mesmo (perfis não presentam o cubo saram um e o mesmo sentido ou o experienciado, um e o mesmo fato ou um
mesmo, só seus aspectos e lados e deste modo mediatamente o cubo). Mos pouco de informação. As três expressões são como três aspectos de um e do
trar tais arranjos de momentos proporciona um a compreensão do todo em mesmo objeto, exceto que neste caso o objeto é complicado e seu status de ser
questão. O que freqüentemente acontece, contudo, é que enunciamos algu é diferente daquele do cubo. Poderíamos ainda ampliar a multiplicidade
mas das partes em um todo, mas negligenciamos outras; ou tentamos seg adicionando a entonação da sentença em modos diferentes: gritando a sen
m entar os momentos, tom ando como pedaços os momentos que temos tença um a vez, sussurrando-a em outra, dizendo-a em voz estridente e assim
destacado; ou tomamos um momento como sendo equivalente a outro, isto por diante. Todas essas seriam maneiras de apresentação de um a e da mes
é, falhamos em sustentar um a distinção. Podemos confundir o político com ma sentença, e ainda todas as expressões vocais e todas as sentenças (bem
o econômico, por exemplo, dentro do todo dos relacionamentos humanos, como muitas outras possíveis) presentarían! um e o mesmo sentido, e um e
ou podemos pensar que o econômico, que é realmente só um momento, é o o mesmo fato.
todo. Marx, por exemplo, elevou o econômico ao todo das relações sociais, e O ponto é que o fato idêntico pode ser expresso num a multiplicidade
Hobbes elevou as relações contratuais, que são só um a parte do todo social, de modos e o fato é outro para um a e todas as suas expressões. Assim como
o cubo pertence a um a dimensão diferente daquela dos lados, aspectos e perfis,
à condição de todo. A descoberta de partes e todos é central para o entendi
também o sentido ou o fato pertence a um a dimensão diferente daquela do
mento hum ano e filosófico.
sentido das expressões e elocuções através das quais é dado. Por esta razão,
Sempre que pensamos sobre algo, enunciamos partes e todos dentro
seria enganoso procurar por um sentido ou um fato como algum tipo de
dele. As partes e os todos constituem o conteúdo do que pensamos quando
sentença mental, um tipo de análogo fantasmagórico das expressões que
vamos além da simples sensibilidade e da um pouco m uda percepção. O es
publicamente proferimos; fazer assim seria o erro comum filosófico de extra
pecificar das partes é a essência do pensamento, e é im portante ver a diferen
vio da concretude, de tom ar um momento como um pedaço. O sentido é só
ça entre pedaços e momentos quando tentamos, filosoficamente, entender o
a identidade que está dentro e ainda por trás de todas as suas expressões.
que é o entendimento. Poderíamos também notar que o sentido idêntico é capaz de ser presentado
por meio de muitas outras sentenças ou expressões (em ainda outras línguas,
em linguagem de sinais, por meio de gestos e outros símbolos) que não fo
Id e n tid a d e em m ultiplicidades
ram e, na maior parte das vezes, não serão declaradas, da mesma maneira que
o cubo é um a identidade que seria percebida por meio de perfis que ainda
Já abordamos o tema da identidade em multiplicidades quando consi
não ativamos. O horizonte do potencial e o do ausente cercam a real presen
deramos a percepção de um cubo: o cubo como um a identidade mostrou ser ça das coisas. A coisa sempre pode ser presentada em mais modos do que os
distinto de seus lados, aspectos e perfis, e ainda era presentado por meio que já conhecemos; a coisa sempre guarda mais manifestações em reserva.
deles todos. O que podemos fazer agora é mostrar quão extensiva é esta for Como um outro exemplo de um a identidade num a multiplicidade,
ma de presentação e destacar algumas de suas implicações filosóficas. A es consideremos um evento histórico im portante, tal como a invasão da
trutura opera na percepção de todos os objetos materiais, como temos visto, Normandia na Segunda Guerra Mundial. Esse evento foi experienciado de
mas também opera em qualquer tipo de coisa que possa ser presentada para um modo por aqueles que dele participaram, de outro modo por essas mes
nós. Para começar, vamos examinar como funciona na presentação de senti mas pessoas quando o recordaram, de um outro modo por aqueles que le
do por meio da linguagem. ram sobre ele como relatado nos jornais, de um outro m odo por aqueles que
escreveram e aqueles que leram livros sobre ele mais tarde, de um outro modo blico, bem como as diferenças entre a visão de um espectador cultivado e a de
por aqueles que se juntaram num a celebração comemorativa nas praias da um mero apreciador. A pintura espera por seus espectadores a fim de ser
Normandia, de um outro m odo por aqueles que assistiram a documentários completada como trabalho de arte, mas o faz de um modo diferente de como
com imagens reais sobre o evento, de outro modo ainda por aqueles que uma sinfonia espera por suas performances a fim de existir como tal. A iden
viram documentários e programas feitos na televisão sobre o ocorrido. O tidade e a multiplicidade são diferentes em cada caso.
mesmo evento foi também antecipado por aqueles que o planejaram, e por Passando para eventos religiosos como exemplos adicionais, o Êxodo
aqueles que, do outro lado, planejaram resistir a ele. Há, indubitavelmente, foi presentado ao povo judeu que o vivia então, mas o mesmo evento é
ainda outros modos nos quais um e o mesmo evento pode ser intencionado presentado àqueles que leram sobre ele nas Escrituras e aqueles que celebram
e feito presente, e a identidade do evento é sustentada por meio de todos eles. a Páscoa. Para os cristãos, o evento da morte e ressurreição de Cristo foi expe-
Vamos voltar para objetos estéticos. Um e o mesmo drama, digamos, /1 rienciado pelos discípulos e é mais ulteriormente presentado, de diferentes
duquesa de Malft, é presentado em todos os palcos e em todas as leituras, com modos, pela leitura das Escrituras, pelo testemunho dos mártires e fiéis, por
' odas as suas várias interpretações, nas quais a peça é dada e, também, foi intermédio dos sacramentos e especialmente da eucaristia. Na realidade, para
presentada por John Webster quando ele escreveu a peça. Uma e a mesma os cristãos a celebração da eucaristia não é só um a presentação da morte e
sinfonia, tal como a Sinfonia Hafner de Mozart, é dada em todas as suas ressurreição de Cristo, mas também um a manifestação mediada da Páscoa e
execuções. A interpretação ciada por Bruno Walter é diferente daquela dada do Êxodo. Assim, até o sagrado é um a identidade dentro de um a multiplici
por Klaus Tennstedt, e, na verdade, o modo geral de interpretá-la no início dade de manifestações.
do século XX era diferente daquele comum em fins do mesmo período, mas A identidade que é dada por meio de suas múltiplas manifestações per
todas as interpretações são de um a e da mesma sinfonia. E interessante no tence a um a dimensão diferente daquela da multiplicidade. A identidade não
tar que a gravação de um a peça musical é diferente da performance ao vivo, é um membro da multiplicidade: o cubo não é um dos aspectos ou perfis, a
porque a gravação captura apenas um a das performances, enquanto cada proposição não é um a das sentenças articuladas, a peça não é simplesmente
performance ao vivo é diferente de todas as outras. Se fôssemos ouvir duas uma de suas performances. A identidade transcende suas múltiplas manifes
vezes a mesma gravação, ouviríamos a mesma performance em ambas as vezes, tações, vai além delas. A identidade não é meramente a multiplicidade de
não apenas a mesma sinfonia, e ainda assim nossa audição dela seria diferen suas manifestações; vê-la só como sua soma reduziria a um horizonte as duas
te cada vez: algumas dimensões e não outras viriam à tona, nosso hum or dimensões que devem ser distinguidas aqui. Tornaria tudo apenas um a série
poderia estar diferente, o dia mesmo poderia estar mais brilhante ou som de manifestações, tudo em um a dimensão, em vez de reconhecer a identi
brio. Quando um a gravação captura apenas um a performance, é como se um dade como além da dimensão de manifestações, como algo presentado por
filme capturasse só um aspecto de um cubo e só nos deixasse ver aquela meio de todas elas, e também por meio de outras possíveis manifestações.
manifestação particular do cubo mesmo. O ser desta identidade é bastante enganoso. Pensamos conhecer bas
Se passarmos das artes que requerem performances para aquelas que tante claramente o que é um a manifestação — um aspecto que vemos, uma
não as requerem, encon traremos totais diferenças na estrutura de identidade sentença que proferimos, um a performance que ouvimos —, mas a identida
em multiplicidades. Uma pintura não é executada por nada análogo a uma de parece não ser algo que possamos pôr em nossas mãos ou pôr diante de
performance de orquestra; é presentada diretamente quando é vista, não nossos olhos. Parece iludir nossa compreensão. E ainda sabemos que a iden
quando alguém a apresenta. Não deve haver artista entre os espectadores e a tidade nunca é redutível a um a de suas manifestações; sabemos que a identi
obra, como os músicos devem vir entre os ouvintes e a obra. Contudo, uma dade deve ser distinguida disto e de cada manifestação que dela apreciamos.
e a mesma pintura pode ser vista num momento e recordada em outro, aná A identidade presenta-se agora de um modo, também guarda um a reserva de
lises escritas da pintura podem ser dadas, cópias dela podem ser pintadas, e outros modos de ser dada e de reaparecer como a mesma coisa novamente,
impressas, “reproduções” da pintura podem ser feitas. Há também um a di para nós mesmos e para outros; em ambos ela sempre revela e esconde a si
ferença entre como a pintura apareceu ao artista e como ela aparece ao pú mesma. A coisa sempre pode ser dada novamente, talvez de modo que nós
mesmos não podemos antecipar. O que tentamos fazer em nossa análise fi outros observadores por meio de multiplicidades que são diferentes daque
losófica é assegurar a realidade de tais identidades, demonstrar o fato de que las diante das quais nos encontram os, e vemos o objeto precisamente como
elas são diferentes de suas múltiplas manifestações e mostrar que a despeito sendo visto por outros por meio de pontos de vista que não com partilha
de seu escorregadio status elas verdadeiramente são um componente do que mos. Percebemos que há facetas manifestas para outros que não estão sendo
nós experienciamos. manifestas para nós, e conseqüentem ente essas outras facetas estão co-
Finalmente, talvez a resposta mais fácil que alguém poderia dar à ques intencionadas por nós, precisamente não como as nossas mesmas. A identi
tão “O que é um a análise fenomenológica?” fosse dizer que ela descreve a dade da coisa não existe só para nós, mas tam bém para os outros, e, p o rta n
multiplicidade que é adequada para um dado objeto. Uma fenomenología to ela é u m a identidade mais p ro fu n d a e mais rica para nós. Há mais “aí” lá;
do sentido diria a multiplicidade através da qual os sentidos são dados; uma o ser e a identidade da coisa estão exaltados pela introdução de perspectivas
fenomenología da arte descreveria as várias multiplicidades pelas quais os intersubjetivas. As m uitas dimensões do ser aí para os outros e para nós acres
objetos de arte manifestam a si mesmos e são identificados; um a fenomeno centa-se ao ser e identidade da coisa.
logía da imaginação descreveria as multiplicidades de manifestações através O mesmo incremento de riqueza ocorre com respeito a outras identida
das quais os objetos imaginários são dados; um a fenomenología da religião des, tais como as do sentido de um texto, as de objetos artísticos e culturais,
discutiria as múltiplas manifestações adequadas às coisas religiosas. Cada de eventos humanos, de situações morais e de identidades religiosas. Uma
multiplicidade é diferente, cada um a é adequada à sua identidade, e as iden das possibilidades que se abre, por exemplo, é a capacidade de perceber que
tidades são diferentes em qualidade. “Multiplicidade de manifestação” e um objeto, digamos um texto, pode ser bem melhor compreendido por um
“identidade” são termos análogos; a identidade de um objeto de arte é dife outro do que j r nós. Podemos perceber que a identidade e a multiplicidade
rente da identidade de um evento político, e ainda ambos são identidades e dadas para nós são muito obscuras e confusas comparadas àquelas que são
ambos têm seus adequados modos de ser dados. Por dizer cuidadosamente compreendidas por nosso colega, que extrai do texto coisas que nós nunca
as diversas multiplicidades e identidades, a fenomenología ajuda-nos a pre seriamos capazes de descobrir por nós mesmos. Novamente, podemos estar
servar a realidade e distinção de cada. Ajuda-nos a evitar o reducíonismo por completamente confusos por urna particular troca humana, enquanto uma
dem onstrar o que é adequado a cada tipo de ser, não só em sua existência outra pessoa imediatamente capta e expressa o que está acontecendo; como
independente, mas também em sua força de presentação. Uma ação moral, então percebemos esse evento, nós o temos dado para nós como sendo me
por exemplo, será mais vividamente distinguida de um a conduta compulsi lhor percebido e melhor compreendido por outrem do que por nós, e mesmo
va se estivermos aptos a formular a multiplicidade de manifestações ade assim compreendemos o evento. Em sua obscuridade, e precisamente como
quada a cada uma. obscuro, o evento é dado para nós.
A maioria dos exemplos de identidades em multiplicidades que consi Como um exemplo final da estrutura de identidade em multiplicida
deramos foram relacionados a um único observador ou um único conhece des, vamos mencionar as muitas consciências que temos de nós mesmos.
dor. Quando introduzimos a presença de outras pessoas, quando incluímos Nossa auto-identidade é algo que se presenta por meio de um especial con
a dimensão da intersubjetividade, um a müito mais rica estrutura de m ulti figurar de manifestações. Enquanto identificamos cubos, proposições, fatos,
plicidade entra em jogo. Por exemplo, a multiplicidade de lados, aspectos e sinfonias, pinturas, mudanças de valores morais e coisas religiosas, nós tam
perfis presentes em um objeto corpóreo para nós, e a multiplicidade de bém, sempre, estamos estabelecendo nossas próprias identidades como aque
mudanças em resposta aos nossos movimentos no espaço. Porém, quando les para os quais todas essas coisas são dadas. Estabelecemos a nós mesmos
outros observadores são introduzidos num retrato, a mesma identidade toma como dativos de manifestação. Um importante constituinte de nossa identi
um a mais profunda objetividade, um a mais rica transcendência; vemos que dade pessoal está fundado nas interações de memórias, imaginações, percep
não só a coisa seria vista diferentemente se nos movêssemos desse ou daque ções e no fluxo de nossas consciências do tempo interior. Examinaremos
le modo, mas também que exatamente a mesma coisa está sendo vista, nesse essa estrutura em detalhe mais tarde. Nossa própria identidade não é obvia
instante, de um a outra perspectiva por outra pessoa. O objeto é dado para mente a mesma da de alguns dos objetos que nos são dados, mas é do mesmo
tipo da de outros si, da de outras pessoas. Contudo, até nesse contexto, até é simplesmente ter um a coisa presente para nós em oposição ao tê-la inten
na experiência intersubjetiva, permanecemos como o centro de nossa pró cionada em sua ausência. Quando o evento acaba, saímos do estádio e con
pria consciência. Até entre nossa própria espécie temos um a preeminência versamos e recordamos o jogo, um a vez mais por meio de intenções vazias e
especial inelutável; estamos no nosso centro de um modo que não podemos na ausência do jogo, mas num tipo diferente de ausência, o tipo que é
sequer escapar. Nós nunca nos tornamos um outro ou qualquer outra coisa; presentado pela memória, não o tipo presentado por antecipação. São au
não podemos deixar a nós mesmos para trás. sências diferentes. As ausências que se dão para nós depois de um a presença
Teremos ocasião de aplicar a estrutura de identidade em multiplicida são diferentes daquelas que se dão antes de um a presença.
des quando examinarmos outros temas na fenomenología. Vamos, por en Como um outro exemplo, imagine que você vai visitar Washington,
quanto, deixar esse tópico e mover-nos para a terceira das estruturas que capital dos Estados Unidos, e dizemos a você para ir ver a Ginevra de’Benci de
começamos a investigar, a de presença e ausência. Leonardo da Vinci na National Galery o f Art. No caminho para a galeria
falaremos a você sobre a pintura: tudo isto é feito em intenções vazias, ainda
que suas intenções vazias sejam diferentes das nossas. Você nunca viu a pin
Presença e ausencia e a identidade entre elas tura, enquanto nós a vimos, entretanto estamos todos na ausência daquilo
sobre o que falamos. Então, caminhamos até a pintura e continuamos deba
já observamos que o tema filosófico de presença e ausência, ou de in tendo sobre ela, com nossas intenções agora cheias. A pintura está presente
tenções cheias e vazias, é completamente original na fenomenología. Por al para nós; nós a intuímos. Ao deixarmos a pintura, ela estará ausente nova
guma razão, os filósofos clássicos não focalizaram na distinção entre presen mente e estaremos de volta às intenções vazias.
ça e ausência. Sugerimos que foi o recente ceticismo cartesiano sobre a rea Ainda outro exemplo é o seguinte: as “experiências internas” de uma
lidade do m undo o que provocou o exame desse tema na fenomenología. outra pessoa são sempre irredutivelmente ausentes para nós; não im porta o
Presença e ausencia são os correlatos objetivos para intenções cheias e vazias. quanto você possa conhecer o outro, seu fluxo de sentimentos e experiên
Uma intenção vazia é um a intenção que tem como alvo algo que não está aí, cias internas nunca poderá vir a ser verdadeiramente m isturado com o dele
algo ausente, algo não presente para quem o intenciona. Uma intenção cheia num modo que permitiria, por exemplo, que as memórias ou fantasias de
é a que tem como alvo algo que está aí, em sua presença física, ante quem o le de repente começassem a emergir dentro de sua consciência. Por outro
intenciona. Vejamos alguns exemplos para demonstrar essas estruturas. lado, um certo tipo de simpatia pode existir entre pessoas que conhecem
Suponhamos que desejamos ir a um jogo de basquete no Camden Yards bem um a à outra, e há um a diferença, digamos, entre meramente falar sobre
em Baltimore. A idéia de ir ao jogo nasceu de um a conversa com amigos. a raiva de alguém a um a outra pessoa em sua ausência e observar diretamen
Decidimos que John compraria os ingressos. Ele o fez. Falamos sobre o jogo te a pessoa enfurecida. Como outro exemplo, quando nos referimos às pri
e sobre quem poderia vencer. Dirigimos-nos até o jogo, ainda falando sobre meiras duas linhas ditas por Hippolyta em A Midsummer Nighfs Dream [So
ele. Entramos no estádio. Até agora, o jogo esteve ausente para nós, e ainda nho de um a noite de verão], nos referimos a elas em sua ausência, mas,
o estamos intencionando, mas só vagamente. Temos conversado sobre o jogo quando recitamos o texto “Four days will quickly steep themselves in night;
em sua ausência, imaginamos como será o jogo, antecipamos o jogo enquan Four nights will quickly dream away the time” [Quatro dias cederão depres
to caminhamos em direção aos nossos assentos. Tudo isso tem sido inten sa a outras tantas noites; quatro noites verão voar o tempo como um so
ções vazias. Agora, quando o jogo tem início e começamos a assisti-lo, exer nho.], oferecemos as duas linhas em sua presença atual. Quando nos referi
citamos intenções cheias; o jogo é gradualmente manifestado para nós. As mos a um a certa prova de matemática pelo nome, nós a expressamos va
intenções vazias, aquilo que dissemos e imaginamos sobre o jogo, tornaram- gamente em sua ausência, mas quando cuidadosamente efetuamos a prova,
se cheias pela presença real do jogo, a qual leva algum tempo para se desdo nós a tornamos presente. O jogo de presença e ausência pode funcionar para
brar. Nossa visão do jogo é nossa intuição do jogo. Isto é tudo o que a intuição diferentes tipos de coisas, e em cada caso os tipos de presenças e ausências
é no vocabulário fenomenológico. A intuição não é algo místico ou mágico; são específicos para a coisa em questão. Notamos antes que a análise filosó
fica ou fenomenológica consiste em atingir a multiplicidade que é própria a cão na presença e na ausência, que nos referimos quando usamos palavras
um tipo particular de objeto; é também verdade que a fenomenología tenta para nomear um a coisa.
dem onstrar a m istura de presenças e ausências, de intenções cheias e vazias, Nessa interação de presença e ausência, atenção especial deve ser dada,
que pertencem ao objeto em questão. filosoficamente, ao papel da ausência, da intencionalidade vazia. A presença
O conceito de intuição é filosoficamente controverso; é geralmente to tem sido sempre um tema na filosofia, mas à ausência não tem sido dada a
mado por ser algo privado, algo inexplicável, algo quase irracional, um tipo atenção devida. De fato, a ausência é geralmente negligenciada e evitada: ten
de visão que anula argumentos e não pode ser comunicada. Mas a intuição demos a pensar que tudo aquilo de que temos consciência deve estar atual
não precisa ser compreendida nesse modo misterioso. A fenomenología pode mente presente para nós; parece que somos incapazes de pensar que pode
dar um a explanação bastante clara e persuasiva do conceito: a intuição é sim mos verdadeiramente intencionar o que está ausente. Nós nos esquivamos
plesmente ter o objeto realmente presente para nós, em contraste com tê-lo da ausência até quando ela está toda em nossa volta e nos preocupa todo o
intencionado em sua ausência. A cuidadosa experiência de um jogo de baseball, tempo. Assim, quando queremos explicar como podemos falar de objetos
a visão de um cubo real, encontrar os óculos que procurávamos, são todas que não estão presentes, preferimos dizer que estamos tratando com uma
intuições, porque elas trazem um a coisa à presença. Tal manifestação é pra imagem ou um conceito do objeto, o qual está presente, e por meio dessa
ticadas contra as intenções vazias direcionadas às coisas em sua ausência. imagem ou conceito alcançamos a coisa ausente. Mas esta postulação de uma
Paradoxalmente, é em razão da fenomenología tom ar a ausência das coisas presença para substituir a ausência é altamente inadequada. Por uma razão:
tão seriamente que ela pode esclarecer o significado da intuição; a intuição, como poderíamos sempre saber que o que é dado para nós é somente um
com a presença que adquire, é feita para ser muito mais compreensível sendo conceito ou um a imagem se não tivéssemos um sentido da ausência da coisa
contrastada com intenções vazias e suas ausências. real, se já não tivéssemos intencionado a coisa em sua ausência? Por alguma
Há um a dimensão de presença e ausência, de intenções cheias e vazias, razão, os filósofos têm tendido a negligenciar o papel radical da ausência na
que ainda não examinamos. É o fato de que ambas, intenções cheias e vazias, consciência humana, e têm tentado esconder esse papel apelando a formas
estão dirigidas para um e o mesmo objeto. Uma e a mesma coisa está a um sub-reptícias de presença, pela inserção de estranhas presenças, tais como
tempo ausente e em outro presente. Em outras palavras, há um a identidade conceitos ou idéias, que substituirão a ausência.
“atrás” e “na” presença e ausência. A presença e a ausência são “de” uma e da Porém, nós intencionamos a ausência, é fenomenologicamente falso ne
mesma coisa. Quando antecipamos o jogo de baseball falando sobre ele, nós gar isso. Podemos necessitar do suporte das palavras ou das imagens men
intencionamos de modo vazio o mesmo jogo a que assistiremos. Não inten tais para nos ajudar a intencionar a ausência, mas essas presenças não nos
cionamos um a imagem daquele jogo ou algum jogo substituto que temos impedem de, verdadeiramente, intencionar o que não está aí diante de nós.
em foco agora antes de o jogo real mostrar-se. Intencionamos o jogo que não A ausência é dada para nós como ausência; a ausência é um fenômeno, e a ela
está aí, que ainda não existe. Se falarmos sobre um a pintura de Leonardo da deve ser dado o que lhe é devido. De fato, há muitas disposições ou emoções
Vinci, teremos em nossa intencionalidade um a e a mesma pintura, a mesma humanas que não podem ser compreendidas exceto como resposta a uma
que veremos diretamente quando nos dirigirmos para a sala onde a pintura ausência dada. Esperança e desespero, por exemplo, pressupõem que pode
está presente. A presença é a presença da pintura, a ausência é a ausência da mos intencionar algo bom que ainda não se obteve e se tem confiança ou
mesma pintura, e a pintura é um a e a mesma, na presença e na ausência. A dúvidas em o conseguir. O arrependimento só faz sentido porque estamos
pintura é identificada nas duas. A pintura pertence a uma dimensão diferen conscientes do passado, e como poderíamos compreender a saudade a não
te da presença e da ausência, mas não poderia ser exceto como capaz de pre ser pelo reconhecimento da ausência? Quando procuramos por alguma coi
sença e ausência de si mesma. A presença e a ausência pertencem ao ser da sa e não a encontramos, a ausência da coisa está também toda presente para
coisa identificada nelas. As coisas são dadas num a mistura de presenças e nós. Vivemos constantemente no futuro e no passado, no distante e no trans
ausências, da mesma forma como são dadas num a multiplicidade de manifes cendente, no desconhecido e no imaginado; não vivemos apenas no mundo
tações. Também poderíamos notar que é a essa identidade, a essa não-varia- que nos circunda como nos é dado aos cinco sentidos.
As ausências que circundam a condição hum ana são de diferentes tipos. ser preenchidas quando conseguimos intencionar o objeto em sua presença
Umas coisas são ausentes porque são futuras, outras porque são contempo real. As intenções vazias são correlatas com a ausência do objeto, as inten
râneas, porém distantes, outras porque são esquecidas, outras porque são ções cheias são correlatas com sua presença. Contudo, em acréscimo às in
escondidas ou secretas, e ainda outras porque estão além de nossa compreen tenções cheias e vazias, há também um ato de recognição, um ato de identifica
são e ainda são dadas para nós enquanto tais: sabemos que isso é algo que ção, que é correlato com a identidade do objeto mesmo. Esse terceiro ato
não compreendemos. As ausências chegam em muitas cores e sabores, e é transcende as intenções cheias e vazias, assim como a identidade do objeto
um a grande tarefa filosófica diferenciá-las e descrevê-las. Um dos insights mais transcende suas presenças e ausências.
originais de Husserl foi chamar nossa atenção para as intenções vazias, nos Nós assinalamos o fato de que há muitos tipos diferentes de ausências.
so modo de intencionar a ausência, e destacar sua importância na explora É também verdade que há tipos diferentes de presenças e presentares, cada
ção filosófica do ser, da mente e da condição humana. qual apropriada ao tipo de coisa em questão. O futuro vem à presença dei
As presenças parecem ser mais familiares para nós; parece mais fácil xando o tempo passar; algo distante é trazido à presença superando a distân
para nós pensá-las. Pensamos que elas são de longe menos problemáticas: cia; o outro lado do cubo é feito presente girando o cubo; um a difícil prova
pensamos saber o que significa para um a coisa ser dada para nós na carne, matemática torna-se presente pensando por meio de suas etapas; o sentido
por assim dizer. E ainda as presenças tam bém tom am um sentido mais pro de um texto estrangeiro é feito presente providenciando um a tradução ou
fundo quando são vistas, filosoficamente, quando são feitas contra a au aprendendo a língua; um perigo pode ser encarado só por tomá-lo como um
sência. Q uando apreciamos a presença de um a coisa, a apreciamos precisa risco. Em cada caso, a coisa em questão prescreve a m istura de ausências e
mente como não-ausente: o horizonte de seu ser possivelmente ausente deve presenças que lhe são próprias.
estar aí se estamos conscientes da presença. A presença é dada como cance Algumas vezes não mudamos diretamente de um a intenção vazia para
lando um a ausência. Às vezes o objeto presente é algo que procurávamos. uma cheia; algumas vezes se requer um a série de passos, ou ao menos se
Sua ausência era vividamente dada para nós enquanto o buscávamos por torna possível, para ir de um a cheia intermediária a outra, até que por fim o
meio de nossas intenções vazias (“Onde estão os óculos? Onde os deixei?”). objeto mesmo possa ser alcançado. Uma vez fui assistir a um torneio de golfe
Então, quando encontramos o objeto, sua presença vem à luz precisamente e queria ver Jack Nicklaus jogar. Havia lido sobre ele nas páginas esportivas.
como amortecida por essa ausência ainda-reverberada, O objeto vem à luz Tinha visto sua foto no jornal e um a entrevista com ele na televisão. Depois
precisamente como aquilo que foi procurado. Em outros mom entos o ob de ter ido ao torneio, caminhei pelo campo de golfe tentando achar sua tría
jeto pode não ter sido encontrado ou aguardado, mas aparece subitamente de. Finalmente, vi a placa de líder (a placa identificando os jogadores e dan
sem expectativa; ele nos surpreende. Ainda assim, ele aparece como cance do seus escores) com o nome dele; vendo o seu nome lá, mas ainda não o
lando um a ausência. vendo, eu o intencionava significativamente ou de maneira vazia, mas agora
Em nenhum caso, contudo, devemos enfatizar que a identidade do objeto estava mais perto de um a intenção cheia, porque não estava mais vendo seu
é dada só através da diferença de presença e ausência. A identidade não é dada nome apenas nos papéis ou nas revistas esportivas, mas em sua placa, a qual
só na presença. Até quando o objeto está ausente, nós intencionamos o ob era algo como um signo de indicação ou um sinal da presença dele. Então, vi
jeto mesmo, nós o intencionamos em sua identidade. Quando está presente, o rapaz que carregava seus tacos, a quem reconheci de outras fotos (e assim
nós intencionamos a identidade novamente, dessa vez em seu modo presen tinha um a indicação adicional de sua presença). Finalmente, vi Jack Nicklaus
te e precisamente como não-ausente. em pessoa. Nesse ponto entrei em percepção e deixei as intenções vazias, as
Quando falamos filosoficamente da presença e ausência, focalizamos intenções significativas, as intenções pictoriais, a associação delas e de todos
no lado objetivo da correlação entre o sujeito consciente e o objeto. O objeto os outros tipos intermediários. Uma vez que entramos em percepção, não
e sua identidade são dados através da presença e da ausência. Se nos voltás mudamos para nenhum outro tipo de melhor intenção cheia, mas podemos
semos para o lado subjetivo, diríamos que exercemos intenções vazias, que continuar a ter mais e mais percepções (e assim o fiz, seguindo Nicklaus,
intencionamos o objeto de modo vazio, e que essas intenções vazias podem enquanto ele jogava os próximos vários buracos). As percepções ulteriores
foram, contudo, não ainda uma mudança dentro de um outro tipo de inten explorar as diferenças entre intenções vazias e cheias. Podemos ficar tenta
cionalidade, mas simplesmente mais da mesma. A cadeia de intenções cheias dos a pensar que a intencionalidade é equivalente às intenções vazias, para
alcançou seu apogeu. nossa consciência da ausência. Isto não seria correto; até quando um a coisa
Podemos distinguir, então, dois tipos de preenchimentos das inten é dada para nós em sua presença, ainda a intencionamos. A intencionalidade
ções cheias. (1) um que segue por meio de muitos intermediários, de tipos como um termo genérico cobre ambas, intenções vazias e cheias, bem como
diferentes, e finalmente alcança a intuição. Podemos, por exemplo, ir de um os atos re-cognitivos que intencionam a identidade do objeto.
nome de alguma pessoa ao esboço de seu rosto, a um retrato de tamanho Poderíamos notar tam bém que o conceito de intencionalidade foi gradu
natural, a um a estátua, a um a imagem televisada, à pessoa mesma. Cada um almente enriquecido pelos temas desenvolvidos neste capítulo. A intenciona
desses estágios é qualitativamente diferente dos outros, e cada um preenche lidade pareceu trivial e óbvia quando foi introduzida no capítulo I, mas vemos
e completa o anterior, continua a remeter ao próximo. O final, porém, a agora que não só contraria o predicamento egocêntrico do pensam ento m o
intuição, não remete a nada mais. É o terminus, a evidência final. Vamos derno, mas tam bém responde por nossa habilidade para reconhecer identida
chamar a esse tipo de cadeia de enchimento gradual ou cumulativo. Nova des nas multiplicidades da experiência, tratar com coisas que estão ausentes e
mente, o preenchimento final, a intuição, nada tem de mágico ou de abso registrar as identidades dadas por meio de presença e ausência.
luto em si; simplesmente não aponta para nenhum outro tipo de intenção. Agora completamos nosso exame inicial das três estruturas que estão
Nisso difere dos estágios intermediários, que apontam para adiante. Pode presentes na fenomenologia. Sempre que desejarmos explorar um problema
ríamos notar também que a intuição final do objeto coleta o sentido de fenomenológico, deveremos perguntar o que são as partes e os todos, as iden
todos os estágios intermediários através dos quais foi antecipada: ela é, pre tidades nas multiplicidades e as misturas de ausências e presenças que estão
cisamente, não esses estágios — mas a completude deles. Ver Nicklaus não é em funcionamento no assunto em questão. Objetos emocionais têm um pa
ver seu nome ou sua fotografia ou seu carregador, mas é aquilo que todas drão, objetos estéticos outro, objetos matemáticos, objetos políticos, coisas
essas coisas apontavam. econômicas, objetos materiais simples, linguagem, memória e intersubjetivi-
(2) O outro tipo de cadeia de preenchimento não leva a um clímax. É dade, cada um tem padrões que lhe são próprios. As três estruturas virão à
simplesmente aditiva, fornecendo mais e mais perfis sobre a coisa em ques tona freqüentemente conforme procedermos com nossas próprias análises
tão. À medida que continuamos a observar Nicklaus jogar, vemos mais e no resto deste livro.
mais de sua pessoa e cie sua habilidade no golfe. À medida que a percepção A maioria, mas não a totalidade, de nossas notas foram até agora cen
aumentava havia mais, mas era “mais” num modo diferente do aumento qua tradas mais propriamente sobre formas simples de experiência, em coisas
litativo na proximidade alcançada num preenchimento gradual. Um outro como a percepção de um objeto material, tal como um cubo. Seria lógico
exemplo de um preenchimento meramente aditivo seria fornecer mais e mais mudar de tal percepção para formas mais complicadas de consciência, tais
definições do número 15: três vezes cinco, 16 menos 1, 12 mais 3, a raiz como a memória e a imaginação, e para a intelecção, para o tipo de experiên
quadrada de 225 e tantas outras. Então, quando alcançamos um a intuição cia que temos quando entramos na linguagem e nas estruturas sintáticas,
cíe algum alvo particular, nossa indagação não está terminada. Podemos ter quando começamos a registrar fatos e comunicar sentidos a outra pessoa.
passado por muitas manifestações intermediárias que nos guiaram até nossa Contudo, antes de m udar para esses tópicos, vamos interromper nosso pro
intuição, mas o alvo, mesmo agora, permanece por ser revelado. Podemos gresso por um momento a fim de esclarecer, de um a maneira inicial, o que
descobrir mais da coisa mesma, mas tal exploração não é um outro novo entendemos por análise filosófica. Poderíamos considerar, ao menos em es
estágio no preenchimento gradual. É um aprofundam ento de nossa compre boço (por agora), a natureza das análises que temos levado a efeito e o ponto
ensão do que trouxemos paro a presença intuitiva. de vista do qual temos trabalhado. Agora temos amostras de análise filosó
Permitam-nos concluir esse tratam ento de presença e ausência assina fica suficientes para nos permitir conduzir um a idéia inicial de como a filo
lando um ponto sobre a terminologia. No começo deste livro falamos sobre sofia, tal como compreendida na fenomenologia, difere da experiência pré-
a intencionalidade como o tema principal da fenomenologia. Acabamos de filosófica e da fala.
UMA DECLARAÇÃO INICIAL
DO QUE É A FENOMENOLOGIA
A atitude natural
O utra característica im portante da tentativa de duvidar é a seguinte. tidades que reconhecemos. Ele introduz o hábito do ceticismo que nos faz
Não podemos verdadeiramente duvidar de alguma coisa a menos que tenha tender a não acreditar em nada até que seja provado para nós. Porém esse
mos razões para duvidar. Suponhamos que sabemos que a porta para esta desejo por um a prova para tudo é irracional. A prova só é possível sobre o
sala é branca, e suponhamos que vemos um gato caminhando para a sala. fundamento de que algumas verdades não são demonstráveis, verdades que
Não podemos seguir dizendo que duvidamos que a porta é branca ou que o têm sua evidência em si mesmas e não precisam de provas. Não podemos
gato está caminhando pela soleira da porta a menos que tenhamos razões provar tudo; conhecemos muitas coisas que não precisam ser provadas. A
para duvidar se essas coisas evidentes são verdadeiras: podemos inesperada fenomenología restaura a validade das convicções que temos na atitude na
mente perceber que é a luz que faz a porta mais brilhante do que o normal, tural. Reconhece o que as nossas intenções fazem, em seus vários modos,
e que pode ser um a sombra de cor cinza; podemos repentinamente perceber alcança as coisas nelas mesmas. Distingue e descreve como as várias inten
que há um espelho próximo à porta, e que podemos realmente estar vendo ções são preenchidas e confirmadas. Também percebe que freqüentemente
somente um reflexo do gato caminhando em outra sala. De modo que como vamos além da evidência, que freqüentemente somos vagos no que intencio
um a das modalidades da atitude natural, a dúvida precisa ser motivada por namos, e que erros são comuns; mas a presença do erro não desacredita tudo.
razões. Não podemos apenas dizer que duvidamos das coisas. Somente mostra que devemos ser cuidadosos. Por esclarecer as várias inten
A tentativa de duvidar, contudo, está sujeita a nossa livre escolha. Pode cionalidades e distingui-las umas das outras, a fenomenología ajuda-nos a
mos tentar duvidar de alguma coisa, até do mais óbvio dos fatos diante de ser cuidadosos.
nós ou da opinião mais estabelecida. De um modo similar, estamos livres Finalmente, devemos perceber a diferença entre os modos de redução
para iniciar a neutralização que ocorre quando nos voltamos para a perspec ontológico e cartesiano. O m odo ontológico procede por incrementação.
tiva fenomenológica, a suspensão ou “o pôr fora de ação” de nossas inten Começa com efetividades científicas e acrescenta as dimensões a elas passo a
cionalidades, o pôr entre colchetes as coisas e o mundo; essas coisas estão passo, atingindo-nos a todos ao longo do caminho, até chegar na atitude
em nosso poder e sujeitas a nossa livre escolha. Podemos decidir que quere fenomenológica. O modo cartesiano tenta fazer tudo às pressas, em um pas
mos efetuar esse tipo de vida. Não precisamos ser forçados a isso por razões so. Suspende todas as intencionalidades de um a só vez. Realça um pouco
como aquelas que nos forçam a duvidar ou suspeitar. Assim, embora a dú melhor do que o modo ontológico o novo tipo de modalidade, a neutraliza
vida não seja um bom modelo a usar para nos ajudar no giro fenomenológí- ção, que entra em jogo na filosofia, mas como qualquer coisa feita às pressas
co, a tentativa de duvidar o é. A tentativa de duvidar nos dá um bom vislum ele pode nos enganar seriamente. Pode nos fazer pensar a fenomenología
bre do que é a neutralização fenomenológica e de como são nossas inten como cética e fenomenalista, e como nos despossuindo do m undo real e das
ções. Dessa maneira, o modo de redução cartesiano tenta nos “jogar” na coisas nele. Até parece guiar-nos ao solipsismo. O modo ontológico é lento,
atitude filosófica. mas seguro; o modo cartesiano é rápido, mas arriscado. A melhor aborda
Descartes introduziu um ceticismo radical na vida intelectual que con gem é usar a ambos, corrigindo a fraqueza de cada um pelo que o outro tem
tinua a contam inar o pensamento que ele inspira. Contudo, é útil adotar o de vigoroso. Em ambas as abordagens, contudo, a chave é ter sensibilidade
tema cartesiano e modificá-lo a serviço da fenomenología, como temos feito, para a diferença entre a atitude natural e a fenomenológica, entre nossos
porque o giro da atitude natural para a atitude fenomenológica é visto erro envolvimentos naturais e o afastamento filosófico.
neamente por muitos como um a recaída no cartesianismo. Até mesmo al
guns proeminentes intérpretes da fenomenología não compreendem bem
isso. E im portante para nós, por conseguinte, fazer a distinção entre o que Alguns termos especiais relativos à atitude fenomenológica
faz Descartes e o que a fenomenología efetiva.
Um dos efeitos seriamente perniciosos do erro de Descartes é que ele H á vários outros assuntos que podem nos ajudar a definir mais precisa
desacredita as intencionalidades da atitude natural. Ele enfraquece nossa mente a atitude fenomenológica. O tratamento deles será essencialmente uma
natural e válida crença na realidade das coisas que experienciamos, as iden explanação de vários termos do vocabulário fenomenològico.
Nossa experiência e análise da perspectiva do ponto de vista fenomeno- tado é que as afirmações fenomenológicas podem ser consideradas necessá
lógico produz asserções que são, em princípio, apodícticas. Afirmações apo rias (podemos ver que elas não podem ser de outra maneira), mas elas tam
dícticas expressam coisas que não poderiam ser de outra maneira; elas ex bém podem requerer mais esclarecimentos. E perfeitamente possível saber,
pressam verdades necessárias. Além disso, delas se espera a expressão de tais por exemplo, que o presente necessariamente envolve o passado e o futuro,
verdades necessárias. Vemos que o que elas dizem não poderia ser de outra mas não ser tão claro o significado mesmo do que sejam presente, passado e
maneira. Há necessidade filosófica nas evidências apresentadas à atitude fe~ futuro. Podemos saber apodicticamente que um objeto é identificado num a
nomenológica. Consideremos, por exemplo, a afirmação de que um mate- mistura d.e presença e ausência, mas ainda podemos ser vagos sobre a signi
rial, um objeto espacial como um cubo, somente pode ser dado num a m ul ficação plena do que é estar presente e do que é estar ausente.
tiplicidade de perfis, aspectos e lados, e que o cubo é a identidade dada em A redução fenomenológica e a atitude fenomenológica são com freqüên
tais manifestações. Consideremos também a afirmação de que um a identi cia denominadas transcendentais. Falamos da redução transcendental e da ati
dade é dada para nós num a m istura de presenças e ausências, ou a asserção tude transcendental. Podemos até mesmo nos deparar com frases bastante
de que só podemos ter um tempo presente posto contra o pano de fundo de desajeitadas: “a redução transcendental-fenomenológica” e “o ponto de vista
um passado ou de um futuro. Essas afirmações são apodícticas. Vemos que um transcendental-fenomenológico”. O que significa o termo “transcendental”?
cubo não poderia ser dado de nenhum outro modo, e que o presente nunca A palavra significa “ir além”, baseada na sua raiz latina, transcendere,
é ilusório, mas sempre envolve o passado e o futuro. elevar-se sobre ou ir além, de trans e scando. A consciência, mesmo na atitude
Alguém pode objetar que tais afirmações são apodícticas porque são natural, é transcendental porque ela vai além de si mesma, até as identidades
m uito óbvias, muito triviais, quase muito gratuitas; mas esse é exatamente o e coisas que lhe são dadas. O ego pode ser chamado transcendental à medida
ponto. As afirmações fenomenológicas, como em geral as afirmações filosó que é envolvido, em cognição, no alcance das coisas. O ego transcendental é
ficas, afirmam o óbvio e o necessário. Elas dizem-nos o que já sabemos. Elas o ego ou o si-mesmo como o agente da verdade. A redução transcendental
não são informações novas, mas mesmo se não nos dizem nada de novo elas é o giro em direção ao ego como o agente da verdade, e a atitude transcen
ainda podem ser im portantes e iluminadoras, porque com freqüência esta dental é a instância que assumimos quando exercemos esse ego e suas in
mos confusos justamente sobre trivialidades e necessidades. Quando pensa tencionalidades temáticas.
mos sobre o que a maioria das pessoas entende por memória (que seria um a Q uando entramos n a atitude fenomenológica ou transcendental temos
visão de retratos internos), ou sobre quão pobremente muitos filósofos têm de fazer modificações apropriadas nas palavras que usamos. O novo contex
descrito a percepção (como por exemplo, o influxo de impressões em algum to, um a vez que é tão único, requer ajustamentos em nossa linguagem natu
tipo de tela interna no cérebro), então a importância de exprimir o óbvio ral. Vamos chamar a nova linguagem que resulta dessas mudanças de trans
torna-se óbvia por si mesma. As asserções fenomenológicas reivindicam ser cendentalês, e vamos chamar a linguagem que falamos na atitude natural de
apodícticas porque são m uito básicas, m uito inevitáveis, e m uito inelutáveis. mundanês. As duas atitudes são constituídas pelos tipos de intencionalidades
Sua apodicticidade não se origina do fato de que as pessoas que as atingem adequadas a cada uma, e as linguagens faladas em. cada um a refletem as di
desfrutem de alguma revelação especial de verdades exóticas de que outras ferenças de perspectiva. O estudo das interações entre as duas linguagens,
pessoas nunca ouviram falar. transcendentalês e mundanês, é um bom modo de provocar as diferenças
Além disso, o fato de que as afirmações e evidências fenomenológicas entre a experiência natural e a filosófica.
são apodícticas não significa que nunca podemos melhorá-las ou aprofun Algumas das palavras em transcendentalês são sacadas do mundanês,
dar nossa compreensão delas. Uma afirmação filosófica pode ser apodíctica palavras tais como “identidade”, “manifestação”, “presença e ausência” e “ego”,
e ainda ser insuficiente em adequação. Adequação significa que todas as incer mas precisamos lembrar que os termos contraem um a sutil m udança no sig
tezas foram expurgadas da afirmação. Todas as dimensões da coisa foram nificado quando são absorvidos pela nova linguagem, filosófica. A palavra
postas em cena, todas as implicações foram delineadas. Praticamente nada “ciência”, por exemplo, adquire um sentido diferente daquele do da física e
pode ser apresentado tão plenamente para nós, mesmo na filosofia. O resul da biologia quando é dito que a filosofia é um a ciência rigorosa. Um novo
U M A DECLARAÇÃO INICIA L D O Q UE É A FENO MENO LO G IA
Recordação
não projetar nossos desejos nele. Não atingimos o passado por meio da me Quando recordo algo passado, também desloco a mim mesmo no passa
mória; trazemos de volta um m undo expirado e um a situação nele. Nós do. Uma distinção nasce entre mim aqui e agora, sentado num a cadeira num a
podemos viver no passado tanto como no presente. De fato, a menos que sala e percebendo paredes, janelas e sons a minha volta, e eu então, presenci
tenhamos um sentido geral do passado que chega para nós pela memória, ando um acidente ocorrer na esquina da avenida Wisconsin com a rua Macomb
como poderíamos interpretar um “quadro mental” como um a imagem de ontem, ou envolto em um a despedida dolorosa na semana passada. O recor
algo visto no passado? Como poderia o sentido de preteridade nascer sempre dar de minhas percepções antigas envolve um reviver de m im mesmo como
para nós? As muitas dimensões ou horizontes do passado são dadas para nós percebendo naquele tempo. Assim como o objeto do passado é trazido à luz
através da recordação, como a temos descrito fenomenologicamente. novamente, também meu si-mesmo do passado enquanto agente daquela
Na memória, o objeto que um a vez foi percebido é dado como passado, experiência é trazido à luz novamente. Através da memória um a distinção é
como recordado. Além disso, é dado como então foi percebido; se vimos um introduzida entre o si-mesmo recordando e o si-mesmo recordado.
acidente automobilístico, nós o recordamos do mesmo ângulo, com os mes Poderíamos ser tentados a dizer que nosso “si-mesmo real” é o do aqui
mo lados, aspectos e perfis desde os quais o vimos. Um e o mesmo aciden e agora, o que está recordando. O si-mesmo reativado é só um a imagem de
te é dado para nós novamente, e se temos de testemunhar sobre o acidente algum tipo. Mas isso seria inexato. Seria mais apropriado dizer que nosso
podemos ter de reprisar o evento algumas vezes para tentar trazer de volta os si-mesmo é a identidade constituída entre o si-mesmo agora recordando e
detalhes à mente. (“Tente recordar: o pedestre atravessou a rua antes ou de o si-mesmo então recordado. Nosso si-mesmo, o si-mesmo, é estabelecido
pois que o sinal de trânsito mudou?”). Quando fazemos a reprise do evento, precisamente n a interação que ocorre entre percepção e memória. Esse des
não inspecionamos um quadro interior; tentamos exercer novamente a per locamento do si-mesmo no passado introduz um a dimensão toda nova na
cepção que tivemos então, e trazer de volta a coisa que vimos, e agimos desse nossa vida mental ou interior. Não estamos confinados ao aqui e agora; não
modo quando recordamos as coisas. Naturalmente, os erros se insinuam; só podemos nos referir ao passado (e ao futuro, como podemos ver), mas
com freqüência projetamos na recordação coisas que queríamos ver ou coi podemos também viver nele por meio da memória.
sas que pensamos que deveríamos ter visto. Oscilamos entre a memória e a Algumas vezes essa vida no passado pode ser incômoda. Se tivermos
imaginação. As memórias são notoriamente elusivas; elas não m anipulam feito coisas das quais estamos profundamente envergonhados, ou sido víti
provas, mas essas são as limitações da memória. Por serem freqüentemen mas de acidentes traumáticos, poderemos ser incapazes de nos libertar da
te enganosas não significa que as memórias não existem, ou que são sempre experiência em questão. Elas ajudam a constituir nosso si-mesmo, e não
enganosas. Somente porque existem é que as memórias podem ser algumas podemos nos separar delas; não im porta o quão longe possamos andar, car
vezes enganosas. Além disso, seu modo genuíno de ser e seu modo enganoso regaremos elas conosco. Estamos colados nelas. O alpinista Peter Hillary,
de ser são diferentes dos modos genuínos e enganosos de ser da percepção. falando das lutas com a morte que ele experienciou no Himalaia, disse: “So
Uma nova multiplicidade e um a nova possibilidade de identidade são intro breviver é às vezes o mais doloroso papel a representar nessa vida. Você...
duzidas pela memória, e novas possibilidades de erros nascem daí. E a tarefa reinterpreta em sua mente aquelas cenas finais novamente, de novo e de novo”
da fenomenologia pôr em cena as estruturas em questão e distingui-las da (“Everest is mighty, we are fragile” [O Everest é poderoso, nós somos frágeis],
quelas que operam na percepção e em outros tipos de intencionalidade. New York Times, 25 de maio de 1996, A-19).Um homem envolvido no assassi
Até agora, neste tratam ento da recordação, nosso foco esteve dirigido nato de prisioneiros disse: “Tenho passado minhas noites dormindo nas pra
ao lado noemático, ao objeto recordado. Mencionamos o lado noético quan ças de Buenos Aires com um a garrafa de vinho, tentando esquecer. Arruinei
do dissemos que a recordação não é a percepção de um a imagem, mas um minha vida. Tenho de ter o rádio ou a televisão ligados todo o tempo ou algo
reviver de um a percepção. Porém, devemos caminhar um pouco mais na para me distrair. As vezes tenho medo de estar só com meus pensamentos”
subjetividade e falar sobre o si-mesmo que é o agente da recordação. Novas (“Argentine tells o f dumping ‘dirty war’ captives” [Argentina admite ter se li
dimensões do objeto nascem através da memória, mas novas dimensões do vrado de prisioneiros da “guerra suja”], New York Times, 13 de março de 1995,
si-mesmo nascem também. A-l). Um homem que teve um acidente de automóvel é citado dizendo: “Por
meses, eu revivi a colisão em câmera lenta”. Nós somos algo como espectado o m undo real a nossa volta permanece como o acreditado (aceito como certo
res quando restabelecemos coisas na memória, mas não somos apenas espec e verdadeiro), o contexto padrão dentro do qual imaginamos, do qual esta
tadores, e não somos como alguém que assiste a um a cena separada. Esta mos deslocados. Todas as coisas que imaginamos são penetradas por um
mos engajados no que então aconteceu. Somos os mesmos que estiveram sentido de irrealidade; eventos imaginados não nos prendem ao verdadeiro
envolvidos na ação; a memória nos traz de volta como atuando e experien- pesar ou terror que eventos horríveis de nosso passado podem infligir-nos.
ciando lá e naquele tempo. Sem a memória e o deslocamento que ela traz não Pode ser o caso de que um a imaginação demasiadamente ativa possa distorcer
seríamos completamente atualizados como si-mesmos e como seres hum a nossas memórias e nos fazer pensar que algumas coisas aconteceram sem
nos, para bem ou para mal. A síntese da identidade ocorre em ambos os la qtie tenham acontecido, mas tal ruptura de limite entre a memória e a ima
dos da memória — no noético e no noemático. ginação é possível somente se a imaginação e a memória são realmente dois
tipos diferentes de intencionalidades.
Contudo, mesmo quando imaginamos, a síntese de identidade que é
Imaginação e antecipação própria a toda intencionalidade permanece em vigor. Um objeto imaginário
permanece um e o mesmo por meio de muitas imaginações dele. Há um a
A memória e a imaginação são estruturalm ente m uito similares, e uma multiplicidade com um a identidade inalterável em sua essência, mesmo na
facilmente se imiscui na outra. O mesmo tipo de deslocamento do ego ou imaginação. Podemos tom ar coisas que temos percebido de fato e inscrevê-
do si-mesmo que encontramos na memória também ocorre n a imaginação. las em cenários imaginários, e as coisas permanecem as mesmas; ou pode
Em ambas as formas de intencionalidade, nós aqui e agora podemos m en mos fabricar coisas puramente imaginárias e pô-las num a rotina imaginária,
talmente viver em outro tempo e lugar: na memória o lá e então é específi e elas também permanecem as mesmas do começo ao fim. Obviamente, ob
co e passado, mas na imaginação é um tipo de nenhum lugar e “nenhum jetos imaginários não possuem a densa solidez dos objetos percebidos, dado
quando”, mas até na imaginação é diferente do aqui e agora em que real que podemos fantasiá-los em todo tipo de situações improváveis, mas não
mente habitamos. Estamos deslocados num m undo imaginário, mesmo somos totalmente livres mesmo em nossas imaginações; as coisas que imagi
que vivamos em um m undo real. Além do mais, um objeto na imaginação, namos põem algumas restrições sobre o que podemos fantasiar sobre elas.
um objeto imaginário, tanto pode ser tom ado da nossa percepção real como Se a coisa deve permanecer ela mesma, certas coisas não podem ser imagi
das nossas memórias, mas é agora projetado em situações e transações que nadas sobre ela; se pudessem, a coisa se tornaria algo outro. Podemos ima
não ocorreram. ginar um gato voando no ar (embora não possamos lembrar de um gato
A principal diferença entre a memória e a imaginação repousa na moda fazendo isso), mas não podemos realmente imaginar um gato sendo lido
lidade dóxica própria a cada uma. A memória opera com a crença. As memó como um poema, ou um gato sorrindo e falando conosco. Um gato não é o
rias que evocamos, ou que se intrometem em nós, são o que verdadeiramente tipo de coisa que pode ser lida em voz alta, e um gato que sorrisse e falasse
aconteceu e o que experienciamos e fizemos. Não é o caso de que primeira não seria mais apenas um gato. Não faz sentido misturar as “idéias” ou mesmo
mente temos as memórias e então acrescentamos a elas a crença; antes, elas as imagens desse modo.
originalmente chegam com a crença (de como era), assim como nossas per A imaginação opera então num a modalidade dóxica diferente daquela
cepções chegam com a crença (de como é). Temos de fazer um esforço para da percepção e da memória; ela é irreal, somente “como se”. Contudo, há
apagar a crença na memória, ou para deslocá-la para outra modalidade, tais uma forma de imaginação que tem de se tom ar realística, que tem de recuar
como a dúvida ou a negação. para o modo da crença. É o tipo de imaginação em que nos engajamos quan
A imaginação, por outro lado, é penetrada por um tipo de suspensão da do estamos planejando algo, quando imaginamos a nós mesmos em alguma
crença, um giro no modo de "como se”. Essa m udança modal é um tipo de condição futura que provocamos pelas escolhas que fazemos. Essa é um a
neutralização, mas diferente do tipo que entra em jogo na redução transcen forma antecipada de imaginação e nos traz de volta à terra, por assim dizer,
dental. Na imaginação deslocamos o si-mesmo num m undo imaginário, mas dos vôos da pura fantasia. Suponha que desejamos comprar um a casa. Olha-
mos várias casas, restringimos as opções possíveis a duas ou três, e então Alguém pode objetar que a deliberação de um a ação futura é mais inte
deliberamos sobre qual comprar. Parte de nossa deliberação envolve imagi lectual do que isso. Quando deliberamos, anotamos nossas metas, redigimos
narmos a nós mesmos vivendo em cada um a das casas, usando as salas, ca listas de vantagens e desvantagens, e figuramos os meios pelos quais pode
minhando do lado de fora, e assim por diante. Essas projeções voltam a um mos alcançar o que queremos. Pesamos os prós e contras e tomamos nossa
modo dóxico análogo ao da memória; voltamos ao modo da crença, correlato decisão. Tal cálculo racional é certamente parte da deliberação, mas o sentido
com um sentido de realidade no qual imaginamos. Se somos sinceros sobre total do ser da deliberação sobre o futuro é dado para nós antes de tudo por
comprar a casa, não nos imaginamos flutuando sobre ela como um balão ou nossa projeção imaginativa. A lista de prós e contras só se aplica se nos damos
rastejando pelas paredes como um cupim. Esse tipo de projeção imaginária conta de que essa informação tem relações com o modo que seremos no fu
é totalm ente correto para sonhos e fantasias, mas não é útil quando se está turo, e é a nossa projeção imaginativa que abre essa dimensão para nós. En
comprando um a casa. (E interessante notar como os comerciais de televisão saiamos por antecipação nosso próprio futuro. Imaginamos certas satisfa
tiram proveito da diferença entre fantasia e projeções sérias. Elas apresentam ções desejadas. Podemos em alguns casos achar que nossa antecipação foi
toda sorte de situações atrativas, mas totalmente irreais — um carro rodea totalmente equivocada; algumas coisas podem não decorrer como imagina
do de gente bonita, um caminhão voando sobre o Grand Canyon, um encon mos que seriam; mas tais erros são possíveis, em primeiro lugar, somente
tro romântico facilitado por um a pasta de dente —, com a intenção de fisgar porque estamos lidando com o futuro. Essa nova dimensão, de um futuro
o telespectador para imaginar realisticamente a si mesmo num futuro no que tem um conjunto de possibilidades que podem ser determinadas na rea
qual ele compra o produto.) lidade pelas escolhas que fazemos, é aberta para nós não por listas racionais,
A experiência antecipada de nós mesmos num a nova situação é um des mas pelas projeções imaginativas. Só porque podemos imaginar podemos viver
locamento do si-mesmo, mas é o reverso da memória. Em vez de reviver uma no futuro. E as projeções imaginativas também entram nas motivações que
experiência antiga, antecipamos um a futura. Uma vez que o futuro ainda não nos empurram nessa ou naquela escolha; sentimos-nos mais “confortáveis”,
foi determinado, podemos realisticamente antecipar a nós mesmos em vários como se costuma dizer, com um determinado futuro perfeito que com ou
possíveis futuros e não só em um; imaginamos como teria sido se a escolha tros, e assim estamos inclinados a fazer as escolhas que conduzem àquele. As
tivesse sido feita, e podemos nesse ponto ainda imaginar a nós mesmos em listas intelectuais definem-se no confronto com a antecipação imaginativa.
várias circunstâncias diferentes. Projetamos a nós mesmos no futuro perfeito
em diferentes modos. No empreendimento de compra de uma casa, projeta
mos a nós mesmos vivendo em três ou quatro casas diferentes; aferimos-lhes Deslocamento do si-mesmo
as medidas. Podemos agir assim enquanto realmente visitamos as casas ou
outras posteriormente, quando sonhamos acordados sobre o que seria. A estrutura formal do deslocamento, no qual podemos aqui e agora
Podemos tom ar tais projeções do si-mesmo por garantidas e assumir imaginar a nós mesmos ou recordar a nós mesmos ou antecipar a nós mes
que qualquer pessoa pode facilmente realizá-las, mas em algumas situações mos num a situação em qualquer outro lugar e em algum outro tempo, nos
se exige considerável força do ego para se ser capaz de executá-las efetivamen permite assim viver no futuro e no passado, bem como na terra de ninguém
te. Para algumas pessoas em algumas ocasiões o peso de imaginar a si mes da livre imaginação. Essas formas deslocadas de consciência são derivadas da
mas realisticamente em novas circunstâncias é grande demais; elas colapsam percepção, a qual fornece a matéria-prima e o conteúdo delas. Não é o caso,
emocionalmente e ficam confusas, e seus si-mesmos não têm mais flexibili além disso, de que vivemos, antes de tudo, na percepção, então em alguns
dade na identidade para projetar a si mesmas em circunstâncias que ainda momentos decidimos irrom per em deslocamentos; mais precisamente, a
não viveram. Elas podem entrar em pânico diante do pensamento de mudar percepção e o deslocamento mesmo são sempre feitos em contraste um com
para um novo lugar ou m udar de trabalho ou deixar um a certa pessoa. Parte o outro. Mesmo a percepção não pode ser o que é sem ser contrastada
do terror da morte repousa no fato de que nossa imaginação entra em bran com a imaginação, a memória e a antecipação. Todas essas formas se diferen
co em face dela. ciam de um a inicial condição indiferenciada de consciência. Também requer
alguma sofisticação introduzir as diferenças na modalidade dóxica associa rem para nós. Vemos que não há necessidade de pressupor um quadro como
da com cada forma. Saber que algumas experiências são verdadeiramente um tipo de substituto para o objeto do passado, e que, de fato, é impossível
passado, saber que algumas são apenas fantasia, não está ao alcance de todo agir assim. Essas imagens da memória, como agora podem os ver, são
mundo. Muitas pessoas pensam que sonhos e quimeras são percepções ver incoerências.
dadeiras de tipos íncomuns de coisas. Podemos observar também que a dimensão do passado na memória
Sempre que vivemos no tipo de deslocamento interior que acabamos de irradia luz sobre a experiência do presente que temos na percepção. Porque
descrever, vivemos, por assim dizer, em caminhos paralelos. Vivemos na íme- somos conscientes de que as coisas podem estar no passado, podemos cha
diatez de nosso m undo circundante, que é perceptivelmente dado para nós, mar a atenção para sua presença quando são dadas para nós: elas agora são
mas vivemos também no m undo do si-mesmo deslocado, o m undo recorda dadas como ainda não tendo expirado na ausência temporal. Elas não só
do ou imaginado ou antecipado. As vezes podemos vaguear mais e mais em estão presentes para nós; sua presença mesma vem a ser presente para nós.
um ou noutro deles: podemos estar tão absortos com o que está imediata Nós nos tornamos aptos a distinguir um a coisa da presença de um a coisa.
mente a nossa volta que perdemos todo distanciamento imaginativo dele, ou Uma vez mais, contudo, se tentarm os manusear essa presença a partir da
podemos vaguear mais e mais no devaneio e na quimera, tornando-nos pra perspectiva da atitude natural, nós a transformaremos em outra coisa (um
ticamente, mas nunca inteiramente, desconectados do m undo circundante. dado sensorio, um a imagem no cérebro), porque a atitude natural tende a
Além do mais, as intenções imaginativas que acumulamos dentro de nós ser substancializá-la se se ocupa dela. A presença (assim como a ausência) das
vem para se misturar com e modificar as percepções que temos. Vemos faces coisas é tão sutil e frágil, tão próxima ao nada, que só a atitude fenomeno
de um certo modo, vemos edifícios e paisagens de um certo modo, porque o lógica, com o seu sentido da delicadeza da presenciação, pode encontrar o
que vimos antes volta à vida quando vemos algo novo e colocamos um ponto termo adequado e a gramática para expressá-la. A atitude natural, norm al
de vista sobre o que nos é dado. O deslocamento permite que isso aconteça. mente desajeitada nesses assuntos, sempre procura por um a coisa substitu
Tanto o si-mesmo como o objeto, os pólos subjetivo e objetivo da expe ta para mediar entre nós como dativos e as coisas que estão presentes e au
riência, adquirem um a reserva muito maior de multiplicidades de manifes sentes para nós.
tação quando a memória, a imaginação e a antecipação são diferenciadas da
percepção. Todas essas estruturas e ampliações operam na atitude natural,
mas podem ser reconhecidas e descritas a partir da atitude transcenden
tal, fenomenológica.
Pode ser útil, ao final deste capítulo, m ostrar como as atitudes natural
e fenomenológica, que foram distinguidas no capítulo IV, abordam a memó
ria cada um a de um modo diferente. Para a atitude natural, o passado está
m orto e acabado; definitivamente não está lá e em outro tempo. A atitude
natural é absorvida pelo presente. Nessa atitude resistimos em atribuir algu
ma presença ao passado, e além do mais quando tentamos explicar a memó
ria somos inclinados a pressupor algo (uma imagem, um a idéia da memória)
como um substituto presente para o passado. Procuramos por algo para
substituir o evento que recordamos. Assim, tentar manusear o fenômeno da
memória desde a atitude natural nos leva a um a distorção filosófica de nossa
experiência do passado. Desde a perspectiva transcendental, contudo, com
sua mais refinada e diferenciada compreensão de presença e ausência, esta
mos aptos a reconhecer o tipo especial de presença que o passado ausente
PALAVRAS, RETRATOS E SÍMBOLOS
Se estivermos cam inhando ao longo de um a trilha e enxergarmos uma No capítulo III consideramos as identidades que são dadas para nós nas
pilha de pedras de aproximadamente dezoito polegadas de altura, tomá-la- multiplicidades de manifestação. Um simples cubo é dado para nós por meio
emos como um sinal de que ainda estamos na trilha. Olharemos adiante e de um arranjo de lados, aspectos e perfis. Agora que examinamos as modifi
tentarem os ver um a outra pilha ou um a marca num a árvore, para confir cações que a percepção pode assumir, vemos que as multiplicidades de lados,
mar a continuação da trilha. A pilha de pedras não é um a palavra, nem é aspectos e perfis são somente algumas das multiplicidades por meio das quais
um a imagem; é um outro tipo de sinal. Na fenomenología, tais sinais têm as coisas são presentadas para nós. Todas as intencionalidades que conside
sido chamados de indicações, mas tam bém poderíamos chamá-los símbolos ramos neste capítulo e no capítulo V expandem as multiplicidades de mani
ou sinais. Eles trazem à luz um outro tipo de intencionalidade, a simbólica festações. Vamos sumarizar as formas que examinamos. Em nossa vida inter
ou indicacional. na, a experiência pode ser modificada nos seguintes modos:
Sinais de indicação são como palavras, naquilo que as palavras têm de 1. Percepção
próprio no remeter-nos para um objeto ausente (uma mecha de cabelo recor 2. Recordação
da-nos alguém, um emblema com quatro estrelas representa um general de 3. Imaginação
exército), mas eles são diferentes das palavras na medida em que não especi 4. Antecipação
Um e o mesmo cubo pode ser não somente percebido por meio de muitas no após terem manifestado a si mesmos por meio de acontecimentos da vida
perspectivas, mas também imaginado, recordado e antecipado, e é um e o do que havia antes. A atualidade envolvida na verdade não aperfeiçoa somente
mesmo cubo em todas essas experiências. àquele que percebe, mas também a entidade que é manifestada.
Contudo, tais modificações “internas” de percepção pertencem mais As várias intencionalidades que investigamos são efetivadas enquanto
propriamente ao nível da sensibilidade. Tão importantes quanto são no es estamos na atitude natural. Percebemos, imaginamos, recordamos e anteci
tabelecimento da condição humana, também são encontradas, em formas pamos, e também significamos, visualizamos e simbolizamos, enquanto man
simples, em animais superiores: cães sonham e gatos vêem algum sentido em temos a crença no m undo e o foco mundo-dirigido que caracteriza a atitude
esperar a chegada de um rato. Os outros âmbitos de intencionalidades que natural. Todas as identidades que consideramos aqui são dadas para nós
estudamos neste capítulo são construídos sobre a percepção e são mais pro enquanto permanecemos na atitude natural: os marcadores de trilha, Fran-
priamente intenções racionais e humanas: cis Bacon e seu retrato, o parque Wyvenhoe e a pintura que o retrata, o Burritt
Hotel e seu nome são todos reconhecidos através das camadas de manifesta
1. Percepção ções que ocorrem para nós na atitude natural. Contudo, as descrições refle
2. Significação
xivas de todas essas atividades, multiplicidades e identidades são executadas
3. Formação de imagens
nas atitudes transcendental e filosófica. Nós, como filósofos, tomamos uma
4. Indicação
distância de todas essas intencionalidades e de seus objetos; nós os contem
Em cada grupo, todas as variantes são interdependentes. Não podería plamos, os distinguimos e os descrevemos de um ponto de vista diferente
mos ter memória sem imaginação e antecipação; não poderíamos ter o poder daquele no qual nós os efetivamos. Suspendemos nossas intencionalidades
para visualizar sem também ter o poder para levar a cabo intenções signifi naturais, colocamos entre parênteses as identidades correlatas com elas, e
cativas e o poder para estabelecer e reconhecer sinais de indicação. Nosso desvendamos as complexidades que compõem nossa condição como seres
intercurso perceptual com o m undo espalha-se em variações em nossa vida humanos racionais que têm um m undo e nele experienciam coisas. Prove
interna, nas quais deslocamos nós mesmos em situações recordadas, imagi mos um a análise noética e um a análise noemática e assim lançamos luz so
nadas e antecipadas, e em variações em nosso modo de apreender as coisas bre o que é sermos no m undo como dativos de manifestação, e clarificamos
no mundo: significar coisas particulares e estados de coisas, formar imagens o que é para os seres ser e ser manifesto.
de coisas que não estão presentes para nós, e simbolizar o que não pode ser
pintado ou posto em palavras.
Um e o mesmo objeto ou evento pode ser agora simbolizado, agora vi
sualizado, agora intencionado verbalmente e agora percebido; pode também
ser imaginado, recordado e antecipado. Por meio de todas essas permutações
permanece a mesma coisa. Não vemos muitas manifestações diferentes que
apenas relacionamos a um a e à mesma coisa, mas mais propriamente um a e
a mesma coisa é ela mesma dada em novos e variados modos. Nesse fluxo de
manifestações, a mesma coisa é reconhecida inúmeras vezes. Sua própria
identidade é incrementada e intensificada. Até poderíamos dizer que seu ser
é otimizado através do enriquecimento de suas multiplicidades de manifes
tação, desde que o ser de um a coisa não é desconectado de sua verdade, e
certamente a coisa desfruta mais verdade à medida que suas manifestações são
ampliadas. Há mais de Sonho de uma noite de verão após centenas de interpreta
ções e execuções do que havia antes. Há mais de um animal e de um. ser huma
INTENÇÕES E OBJETOS CATEGORIAIS
O tema que iremos abordar é um desenvolvimento das intenções signifi que a precedeu; esse destaque é qualitativamente diferente do que vinha sen
cativas introduzidas no capítulo VI. As intenções significativas, aquelas asso do feito continuamente antes. Contudo, não é ainda o estabelecimento de
ciadas com as palavras, praticamente sempre nos colocam na sintaxe e na for um objeto categorial. Até agora, estamos num ponto intermediário: conti
ma categorial. Quase nunca dizemos apenas uma única palavra, e quando o nuamos a experienciar as manifestações do carro, e continuamos a reconhe
fazemos a palavra normalmente serve mais como uma exclamação ou expletivo cer um e o mesmo carro em todas as manifestações, mas agora dirigimos
(“Harry!”, “Encrenca!” “Rápido!”) do que como um a unidade lingüística ope nossa atenção para um a das manifestações e a trouxemos para o centro do
rativa completa. Exercemos nossa humanidade mais completamente, agimos palco; ela distingue-se de todo o resto. Uma parte vem em primeiro plano
como animais racionais mais intensamente quando usamos palavras, e nossa contra o segundo plano geral do todo.
realização da verdade e do pensamento está implicada em nosso uso da lin (3) Mais um passo é necessário para estabelecer um objeto categorial.
guagem; a discussão sobre a intencionalidade categorial é, além disso, de grande Interrompemos o fluxo contínuo da percepção; voltamos para o todo (o car
importância na fenomenología, em nosso estudo do que é o ser hum ano e do ro), e agora o tomamos precisamente como sendo o todo, e simultaneamen
que é ser um dativo de manifestação. Além do mais, é especialmente no seu te tomamos a parte que destacamos (a abrasão) como sendo um a parte nesse
tratam ento da intenção categorial que a fenomenología provê recursos para todo. Agora registramos o todo como contendo a parte. Uma relação entre o
escapar do predicamento egocêntrico da filosofia moderna. Algumas das mais todo e a parte é enunciada e registrada. Nesse ponto podemos declarar, “esse
originais e valiosas contribuições da fenomenología para a filosofia são en carro está avariado”. Este acontecimento é um a intuição categorial, porque o
contradas na sua doutrina sobre intenções categoriais. objeto categorial, a coisa em sua enunciação, torna-se realmente presente
para nós. Não temos apenas o carro presente para nós; mais precisamente, o
ser do carro avariado é feito presente.
A gênese dos juízos a partir da experiência O que acontece nesse terceiro estágio é que o todo (o carro) é apresen
tado especificamente como o todo, e a parte (a avaria) é apresentada especi
Antes de examinarmos a importância das intenções categoriais, vamos ficamente como um a parte. O todo e sua parte são explicitamente distingui
tentar obter um a idéia mais completa do que elas são. Como as intenções dos. Uma relação entre eles é distintamente registrada. Uma articulação é
categoriais nascem da experiência de objetos simples? Para expor o processo, efetivada. Um estado de coisas se organiza. Movemos-nos da sensibilidade
devemos distinguir três estágios. para a intelecção, da mera experienciação para um a compreensão inicial. Mo
Suponha que estamos percebendo um objeto: suponha que estamos vemos-nos da intencionalidade unirradial da percepção para a intencionali
olhando para um carro: dade m ultirradial'do'juízo. Entramos no pensamento categorial.
(1) Primeiramente, apenas olhamos de um modo bastante passivo. Nosso No primeiro e no segundo estágios, o todo e as partes foram experien-
olhar se move de um a parte a outra, examinamos a multiplicidade de lados, ciados ou vividos sem interrupção, mas não foram tornados temáticos. Es
aspectos e perfis, examinamos a cor, a maciez, o brilho da superfície, seu tritam ente falando, não foram ainda enunciados. Mesmo no segundo está
toque de dureza ou suavidade. Tudo isso é um a percepção contínua, tudo se gio, quando a parte foi trazida à frente, ela foi destacada, mas não foi ainda
executa num único nível. N enhum pensamento particular é engajado en reconhecida explicitamente como um a parte. A parte foi trazida à frente, mas
quanto continuamos a perceber. Além do mais, enquanto examinamos as seu ser um a parte não foi trazido à frente. Nesse segundo estágio a parte está
várias multiplicidades de manifestação, um e o mesmo carro é continuam en sendo predisposta, por assim dizer, para tornar-se conhecida como um atri
te dado para nós como a identidade na multiplicidade. buto, mas não foi ainda identificada como tal. No terceiro estágio o todo e
(2) Agora, suponha que algumas abrasões na superfície do carro cha as partes são articulados de modo explícito.
mam nossa atenção. Nós concentramos a atenção nelas. Destacamos essa Deveríamos notar, contudo, que o terceiro estágio não seria alcançado
parte do carro; não apenas essa parte espacial, mas esse aspecto, essa abrasi- sem a preparação propiciada no segundo, sem o primeiro relance da estrútura,
vidade, n a parte espacial. Esse foco não é apenas mais da percepção dispersa a concentração sobre um aspecto, que vai além da simples percepção contí-
nua. O primeiro estágio não é diferenciado o suficiente para conceder direta foi dada na percepção. É um a unicidade salientada. É mais discreta e identi
mente um a estrutura categorial. O foco especial que ocorre no segundo está ficável. A percepção contínua apenas avançava e mais e mais perfis eram dados,
gio é necessário. Temos de começar a experienciar um a parte dentro do todo num processo que teria continuado indefinidamente. Agora, contudo, te
(a abrasão) antes de podermos enunciá-lo como tal (“o carro está avariado”). mos um único estado de coisas (“o carro está avariado”) que pode ser pego e
M uito material filosófico está contido no que acabamos de descrever. carregado ao redor, por assim dizer; pode ser destacado da imediatez da per
Descrevemos um a mudança de intencionalidade que ocorre quando vamos cepção e de nossa situação presente. Pode ser transm itido por alguém num a
da percepção simples para a intenção categorial, para o pensamento. A rea comunicação. (Em contraste, não podemos realmente transferir nossa per
lização intencional que descrevemos é a base reflexiva para a linguagem e a cepção ou nossa memória para outrem.) Pode ser logicamente relacionado a
fala humana. A linguagem não flutua por si mesma no topo de nossa sensi outros estados de coisas que registramos. O tema da identidade, que foi tão
bilidade; a razão pela qual podemos usar a linguagem é que somos capazes im portante mesmo na percepção, na qual um a identidade é dada através da
do tipo de intenção que constitui objetos categoriais. A sintaxe que define a multiplicidade, adquire um novo sentido e um novo nível de intensidade.
linguagem é fundada na enunciação de todos e partes que têm lugar na in Agora temos identidade na consciência categorial, o tipo de identidade que
tenção categorial. A sintaxe na linguagem expressa simplesmente as relações é apresentado, preservado e transportado através da fala.
de parte e todo que são postas em cena na consciência categorial. A razão Terceiro, a identidade do objeto categorial é manifesta toda de um a vez.
pela qual podemos comunicar, a razão pela qual podemos dizer a alguém: Na percepção temos um processo no qual perfis seguem-se uns aos outros
“aquele carro está avariado”, é porque temos o poder de ir da percepção ao seqüencialmente, mas no registro categorial o todo e a parte são dados si
pensamento categorial. Não é o caso de que podemos pensar porque temos multaneamente. Não é o caso de que primeiro temos o todo por si mesmo
a linguagem; ao contrário, temos a linguagem porque podemos pensar, por (“o carro”) e em seguida, como um a realização separada, a parte ou o predi
que temos a habilidade para efetivar intenções categoriais. O poder de cons cado (“avariado”), e então um a relação delineada entre os dois (“é”). Mais
ciência racional subjaz à capacidade para a linguagem. E verdade que a lin propriamente, mesmo enquanto registramos o carro como o todo, devemos
guagem que herdamos pressiona nossas atividades categoriais nessa ou na já ter a parte em mente. O todo-com-parte vem em bloco, sincrónicamente.
quela direção, nessas ou naquelas formas categoriais, mas a habilidade mes Quando temos um todo enunciado dado para nós, não temos o todo primei
ma da linguagem está baseada nos tipos de intencionalidade que desfruta ro e em seguida a enunciação. O todo como tal é manifesto somente como
mos no domínio categorial. enunciado. Essa simultaneidade do objeto categorial é um aspecto adicional
Consumiremos algum tempo desembrulhando as implicações dessa de sua discrição, o qual deve ser contrastado com o caráter contínuo da ex
transição da experiência ao juízo. Antes de tudo, notemos que o movimento periência perceptual.
no domínio categorial é obviamente descontínuo à expefienciação que o Na terminologia fenomenológica, o estabelecimento de objetos catego
precedeu. O deslocamento pelo categorial não é apenas de mais percepção; riais é chamado de sua constituição. O termo “constituição” não deve ser to
não é apenas um adicional desenrolar-se das multiplicidades que são dadas mado para significar algo como um a criação ou um a imposição de formas
na percepção. No terceiro estágio observado anteriormente, quando volta subjetivas sobre a realidade. Na fenomenología, “constituir” um objeto cate
mos para o todo e o registramos precisamente como o todo contendo a parte gorial significa trazê-lo à luz, enunciá-lo, trazê-lo para o primeiro plano, rea
em questão, interrompemos a continuidade da percepção. Começamos de lizar a sua verdade. Não podemos manifestar um a coisa de algum modo que
novo num novo nível; voltamos sobre o que tinha sido experienciado e ini nos seja agradável; não podemos fazer um objeto significar algo que deseja
ciamos um novo nível de identidade. Esse novo começo instala um novo tipo mos. Podemos trazer um a coisa à luz somente se a coisa oferece a si mesma
de consciência e um novo tipo de objeto, o estado de coisas, como o correlato num a certa luz. A coisa tem de mostrar-se com certos aspectos que podemos
objetivo daquela consciência. destacar se estamos aptos a declarar que ela tem certas características. Se não
Segundo, o estado de coisas que é registrado, o ser do carro avariado, é experienciarmos algo como as abrasões no carro, não estaremos aptos a cons
um a “unidade”, um a unicidade de modo que é diferente da identidade que tituir o carro como avariado. Naturalmente, podemos ser enganados por falsas
aparências, nas quais o carro meramente parece estar quebrado, e podemos e muitos outros aspectos gramaticais, todos que expressam os vários modos
erroneamente declarar que ele está avariado quando não está, mas então re que permitem a coisa ser enunciada. O âmbito do categorial é m uito amplo,
mediamos essa situação simplesmente por outra e mais próxima experiência tão extensivo quanto a gramática da linguagem humana.
do carro, ou por ouvir o que outra pessoa tem a dizer sobre ele, ou avaliando Todo esse domínio da enunciação categorial, em todas as suas varieda
o que deve realmente ser o caso; então, chegaremos a ver que estávamos en des e nuanças, baseia-se, junto com a formação de imagens e simbolização,
ganados. Temos de nos submeter ao modo que as coisas manifestam a si nas intencionalidades “mais baixas” da percepção, da imaginação, da recor
mesmas. Submeter-nos desse modo não é colocar limitações à nossa liberda dação e da'antecipação. A intencionalidade lingüística categorial humaniza
de, mas levar a cabo a perfeição de nossa inteligência, a qual está ajustada por nossas percepção, imaginação, recordação e antecipação; ela as eleva a um
sua natureza a abrir-se ao modo como as coisas são. Submeter-se desse modo nível mais racional do que elas alcançam no reino animal. A intenção catego
é ser levado ao triunfo da objetividade, que é o que nossas mentes estão predis rial introduz novas multiplicidades que suplementam e penetram as multi
postas a fazer. “Constituir” um estado de coisas é exercer nossa compreensão plicidades encontradas na experiência pré-predicativa.
e deixar um a coisa manifestar-se a si mesma para nós. A intencionalidade categorial é ela mesma um novo tipo de identifica
Algumas notas adicionais sobre a terminologia: o desenvolvimento de ção, um novo tipo de síntese de identidade, que também suplementa e pene
objetos categoriais a partir da experiência é chamado constituição genética, tra aquelas alcançadas na experiência pré-predicativa. Quando intenciona
devido aos estágios por meio dos quais objetividades mais elevadas chegam mos categorialmente o cubo, não temos apenas a identidade de um cubo que
a ser desde as mais inferiores. Objetos e intenções categoriais são obviamente é percebida por meio de um a multiplicidade de lados, aspectos e perfis, e
fundados em objetos e intenções simples. São partes não-independentes. A ativi através da multiplicidade de memória, imaginação e antecipação; temos tam
dade intelectual hum ana é baseada no sensível. Finalmente, a intencionali bém a identidade alcançada através das declarações que podemos fazer sobre
dade predicativa, na qual predicamos um a característica de um objeto e decla ele, as declarações que podemos ouvir dos outros a respeito dele, feitas desde
ramos que “S é p”, é a forma proeminente de atividade categorial; o termo seus pontos de vista, e os preenchimentos que podemos alcançar quando
pré-predicativo, em contraste, é usado para designar o tipo de experiência e ouvimos o que os outros dizem e então tentar confirmar suas opiniões indo
intencionalidade que precede a categorial. Um dos principais tópicos na fe e olhando e enunciando diretamente por nós mesmos. Uma totalidade nova
nomenología é o da experiência pré-predicativa, o tipo de experienciação que no âm bito da manifestação e da verdade é aberta no domínio categorial.
precede mas também conduz à realização categorial. Mesmo nossas imaginações, memórias e antecipações assumem um a com
plexidade categorial: podemos antecipar não só “água”, mas “a água fria da
primavera na m ontanha”. Na consciência humana, a percepção, a imagina
Novos níveis de identidade, novas multiplicidades ção, a recordação e a antecipação, todas mostram o efeito de ser determina
das para a sua conclusão no pensamento racional. O modo no qual exerce
Temos permanecido com a predicação em nossa análise da intencio mos essas formas de intenção é formado por seu envolvimento na intencio
nalidade categorial, mas há muitos outros tipos de enunciação que podem nalidade categorial.
acontecer à medida que nos movemos para o nível-superior dessa forma de O que acontece nas intenções categoriais é que as coisas que percebe
consciência. Além de dizer “o carro está avariado”, podemos enunciar outras mos tornam-se elevadas no espaço das razões, o domínio da lógica, do argu
características internas do carro: “o carro é grande”, “é velho”, “é um Ford”. mento e do pensamento racional. A experiência categorial é o ponto de tran
Podemos enunciar suas relações externas: “está na área de estacionamento”, sição que leva da percepção à inteligência, em que a linguagem e a sintaxe
“está próximo ao Flonda”, “é menor do que meu caminhão”. Podemos in entram em cena. Por meio da enunciação categorial, as coisas que percebe
cluí-lo num a coleção: “há cinco carros”, “três dos carros parecem estar avaria mos tornam-se registradas e admitidas no campo do raciocínio e da conver
dos”. Podemos introduzir orações independentes e subordinadas, conjun sação. A percepção simples é mais um processo fisiológico e psicológico,
ções, preposições, pronomes relativos e orações relativas, advérbios, adjetivos enquanto o registro categorial é o primeiro movimento no lógico.
Quando falamos, no capítulo III, sobre o objeto como uma identidade em identificação contínua de um e o mesmo objeto por meio de muitos perfis,
um a multiplicidade de manifestação, insistimos que a identidade mesma nun dá lugar a um registro do estado de coisas: “Isso não é apenas um a pedra; é
ca se mostra como um dos lados, aspectos e perfis por meio dos quais ela é dada. um fóssil no chão!”
A identidade dele pertence a um a outra dimensão. É essa identidade, contudo, Os exemplos que examinamos — o carro avariado, o comportamento
ã qual nos referimos quando nomeamos o objeto e o trazemos ã enunciação enganador, o fóssil e não a pedra — são enunciações de coisas que estão
categorial. Portanto, o cubo que é perceptualmente dado em e por meio de uma diante de nós. Não são entidades mentais, não são apenas significados na
multiplicidade de lados, aspectos e perfis é a identidade a que nos referimos mente; são modificações no modo como as coisas estão sendo manifestadas
quando pronunciamos as palavras “o cubo” e começamos a predicar caracterís para nós. Essas modificações, essas mudanças no modo de presentificação,
ticas dele. A identidade do cubo é a ponte entre a percepção e o pensamento. são “no m undo”, mas obviamente não são no mundo no modo no qual uma
árvore ou um a mesa é no mundo. Mais precisamente, elas são objetos de nível-
mais-elevado. São “lá fora” como modos mais complexos de manifestação,
Objetos categoriais modos mais intricados de ser manifestados. Os estados de coisas expressos
pelas palavras que usamos (“o carro está avariado”, “eles estão me enganan
Por meio de nossas intenções categoriais, estabelecemos objetos catego do”) são verdadeiramente partes do mundo. São como certos segmentos do
riais. Constituímos estados de coisas, tais como o fato de que o carro está m undo — esse carro, esse comportamento — podem ser enunciados.
avariado. Esses objetos categoriais são objetos de fato; eles não são apenas Os estados de coisas nesses exemplos estão aí diretamente diante de
arranjos de conceitos ou idéias. Eles não são objetos “intramentais”; eles são nós. Nós os intuímos. Na maioria das vezes que falamos, contudo, os estados
cristalizações inteligidas que tom am lugar nas coisas que encontramos. Na de coisas que expressamos estão ausentes de nós. Falamos do que não está
atividade categorial enunciamos o modo como as coisas são manifestadas presente: o jogo de futebol de ontem, como nosso congressista está votando,
para nós; expomos as relações que existem nas coisas no mundo. Temos esse o que aconteceu na batalha de Sharpsburg. A posse hum ana da linguagem
foco mundo-dirigido, quer intencionemos as coisas que estão presentes para nos dá um enorme alcance; podemos falar de coisas de há muito tempo e
nós ou as coisas que estão ausentes. Devemos enfatizar o fato de que os objetos de m uito longe, até de galáxias que estão incrivelmente distantes de nós e de
categoriais são modos nos quais as coisas apresentam-se; eles não são “coisas períodos de tempo de bilhões de anos atrás. A maioria de nossas falas não
na mente” subjetivas, psicológicas. alcança exatamente essa distância; a maioria delas é m uito mais local (“o que
Para apresentar a objetividade dos objetos categoriais, vamos examinar ela fez depois que você bateu à porta?” “O dentista era cuidadoso?”), mas
alguns outros exemplos. Já falamos sobre o estado de coisas expresso pela afir ainda alcançam largamente o que está ausente.
mação “esse carro está avariado”. Como outro exemplo, suponha que estamos Um ponto extremamente im portante é o fato de que quando falamos
envolvidos num a discussão com duas outras pessoas. A discussão progride, do ausente ainda estamos enunciando um a parte do mundo. Não estamos
mas então algo duvidoso começa a vir à tona; algo não cheira bem no que elas aproveitando-nos de nossas idéias ou conceitos como presenças substitutas
estão dizendo e no modo como o estão dizendo. Esse estágio intermediário é para as coisas que estão ausentes. Estamos constituídos de tal modo que
como o estágio, em nosso exemplo anterior, quando as abrasões no carro co podemos intencionar as coisas em suas ausências tão bem quanto em suas
meçaram a atrair nossa atenção. Então, subitamente, registramos a situação: presenças. A intencionalidade da consciência é tal que alcança o m undo ex
“elas estão querendo fazer a nossa cabeça!” O estado de coisas ficou com terior todo o tempo, até quando tem por alvo coisas que não estão diante
preensível de repente na situação, um a intuição categorial é alcançada, os to dela. Se nós proferimos um discurso sobre a batalha de Antietam, nós e nossa
dos e as partes são enunciados, a sintaxe é instalada no que experienciamos. audiência intencionamos aquela batalha, ainda que ela tenha acontecido mais
Novamente, suponha que estamos caminhando ao longo de um a trilha, de 130 anos atrás. Se nós aqui em Washington-DC falamos sobre o Empire
olhando as pedras que se estendem ao lado. Subitamente, percebemos que as State Building, é do edifício que estamos falando, não de algum significado
coisas ali não são pedras, mas fósseis. O antes passivo nível de percepção, a ou imagem que pode vir à mente durante nossa conversa.
Nosso discurso sobre o ausente, contudo, é entremeado por episódios e proposições pode ser encontrada em alguns pensadores medievais, em Des
nos quais falamos sobre o que está presente. Às vezes podemos apenas ter cartes, nos empiristas ingleses, em Kant, na ciência cognitiva contemporânea
algo a dizer sobre os objetos que estão à mão, objetos que podemos perceber. e em muitos filósofos da linguagem.
Outras vezes, nossa fala sobre coisas ausentes pode exigir que tenhamos de Além do mais, a questão da verdade parece requerer algum tipo de sig
ir e constatar se o que dissemos é verdadeiro ou não. Podemos ser questiona nificado ou conceito ou juízo entre nós e a coisa: quando reivindicamos ter
dos sobre o que dissemos, e por fim, em alguns casos, podemos resolver a dito a verdade, nós inferimos — ou não? — que o que dissemos, os signifi
questão indo ver qual é o caso, isto é, indo a algum lugar e registrando catego- cados que temos correspondem ao que está lá fora. Se não há significados ou
rialmente a situação em sua presença (“Viu só? Nós dissemos a você que uma proposições separadas das coisas que conhecemos, como podemos dizer que
coruja está se aninhando nesse celeiro”). Quando não podemos fazer isso, nossos juízos são conformes às coisas como eles são? O que há ali que pode
podemos recorrer ao testemunho de outros, por documentos, por relíquias e ria ser conforme aos fatos? Como poderíamos explicar o que é a verdade se
outras formas de confirmação indiretas, mas muitas dessas voltam a ser basea não pressupuséssemos significados e juízos como algum tipo de coisas men
das em registros categoriais diretos que foram executados por alguém. tais? O senso comum parece demandar que pressuponhamos significados
Assim, embora a nossa fala seja na maioria das vezes dirigida para as como algum tipo de entidade na mente.
coisas que estão ausentes, pode se voltar para as coisas que estão presentes E ainda, embora pareçamos forçados a pressupor significados e juízos
para confirmar ou não o que dissemos sobre as ausentes. Uma síntese de como coisas mentais ou conceituais, tais coisas tornam-se filosoficamente
identidades tom a lugar entre o estado de coisas que intencionamos em sua envolventes e desconcertantes. Nunca as experienciamos diretamente. Elas
ausência e o mesmo estado de coisas que agora intencionamos em sua pre são postuladas como algo sem o qual não podemos agir, mas também que
sença confirmativa. Identificamos a situação dada agora com aquela mesma ninguém nunca viu. São constructos teóricos menos do que entidades fami
que intencionamos quando apenas falávamos sobre ela. liares. São postuladas, não dadas, e são postuladas porque pensamos que
não podemos explicar o conhecimento e a verdade sem elas. Como existem?
Que tipos de entidades são? São na mente ou em algum tipo de terceiro
A eliminação dos significados como coisas mentais ou conceituais domínio entre a mente e o mundo? Como fazem seu trabalho de nos repor
tar aos objetos? Quantas delas temos? Entram elas na existência real e então
N a discussão da transição das ações categoriais que se ocupam com o saem dela, movendo-se do virtual ao atual e voltando ao virtual novamente,
ausente para aquelas que se ocupam com o presente, introduzimos a questão como as evocamos? Parecem ser duplicatas das coisas e estados de coisas fora
da verdade. Notamos que em nossa experiência m undana tentamos ver se as de nós; porque precisamos pressupô-las? Mas como podemos evitar agir as
afirmações feitas na ausência dos objetos são verdadeiras ou não. Mas parece sim? Proposições e significados como entidades mentais ou representacio-
estar faltando algo em nossa análise até agora. nais parecem ser au pis aller, um beco sem saída, um a aporia. Estamos encai
Onde existem “os significados” de nossas palavras? Onde estão os juí xotados nelas pelas confusões filosóficas.
zos que efetuamos? Tradicionalmente, o significado de nossas palavras, os Acreditamos que um a das mais sofisticadas e mais valiosas contribui
juízos ou as proposições que fazemos, as idéias que possuímos, todos têm ções da fenomenología para a filosofia repousa em seu tratam ento de juízos
sido tomados como algum tipo de coisa mental ou conceituai, algo mais e significados. A fenomenología está apta a mostrar que não precisamos
próximo de nós, algum tipo de coisas que nunca estarão ausentes. Por que pressupor juízos e sentidos como entidades mentais ou como intermediá
tais coisas sempre foram pensadas como estando diretamente presentes para rios entre a mente e as coisas. Não precisamos introduzi-los como filosofica
nossa mente, elas pareceram aptas a servir como um a ponte entre nós e o que mente desconcertantes, seres estranhos que têm o poder mágico de relacio
intencionam os, especialm ente quando intencionam os algo que estava nar nossa consciência ao m undo exterior. A fenomenología provê um a nova
ausente. Essas coisas explicariam como poderíamos estar direcionados para interpretação do status dos juízos, das proposições e dos conceitos, interpre
aquelas que não estavam próximas de nós. Essa compreensão de significados tação simples, elegante e verdadeira para a vida. E faz isso do seguinte modo.
Suponhamos que alguém nos diga que os talheres que está nos mos dos como misteriosas entidades mentais ou conceituais. Preserva a diretivi-
trando são de prata de lei. Primeiramente, simplesmente concordamos com dade ao m undo de toda intencionalidade; mesmo quando nos referimos a
o que a pessoa nos diz e os vemos como prata. Seguindo sua orientação, um juízo, estamos nos referindo ao mundo, mas ao m undo precisamente
registramos o estado de coisas, “esses talheres são de prata”. Então, começa como tendo sido proposto por outrem.
mos a ter dúvidas. A coisa toda nada acrescenta; como poderia ter tantos Essa análise fenomenológica do juízo também nos permite esclarecer a
utensílios de prata? Além disso, não se aparenta ou se assemelha a prata; é verdade como teoria da correspondência. Normalmente, o maior problema
brilhante demais, contém estanho demais. discutido na verdade na teoria da correspondência é como explicar é a “ade
O que acontece nesse ponto é que mudamos nossa atitude em relação quação” entre a proposição e o estado de coisas. Porém, de fato, um proble
ao estado de coisas que tínhamos constituído. Originalmente, intenciona ma mais profundo é, em primeiro lugar, a questão do que são as proposições;
mos os talheres como sendo simplesmente de prata; nós os intencionamos como elas vêm a ser? Qual o modo de existência delas? Antes de dizer como
ingenuamente e sem rodeios. Agora, começamos a hesitar. Entramos em um a elas podem corresponder às coisas, temos de dizer o que e como elas são.
nova atitude, reflexiva. Ainda intencionamos os talheres como de prata, mas Em vez de postular juízos, proposições e sentidos como entidades me
agora acrescentamos o qualificativo, “como proposto por esse alguém”. Já diadoras, a fenomenología os vê como correlatos de u m a atitude proposicio
não mais sim plesm ente acreditamos; suspendemos a crença., mas ainda in nal e um a reflexão proposicional. Eles surgem em resposta à nossa apreen
tencionamos a mesma coisa-e-feição. M udamos o estado de coisas, “esses são de um estado de coisas como sendo meramente proposto por alguém.
talheres são de prata”, no mero juízo ou significado, “esses talheres são de Nessa análise, não somente um estado de coisa é “no m undo”; mesmo uma
prata”. Não é mais um simples estado de coisas para nós; é agora, para nós, proposição é “no m undo”, mas no m undo somente como sendo projetada
um estado de coisas como sendo manifestado por outrem·', esse qualificativo suce por alguém. É como o m undo sendo projetado como sendo, por meio do que
de apenas no juízo desse alguém, não no fato simples. alguém está dizendo.
A m udança de ser um estado de coisas para ser um juízo ocorre em Alcançamos o seguinte ponto em nossa análise fenomenológica: move
resposta a um a nova atitude que adotamos. Vamos chamar nossa nova atitu mos-nos da intenção ingênua de um estado de coisas para tom ar reflexiva
de de “atitude proposicional’, e chamar a reflexão que a estabelece de “refle mente um estado de coisas “como estabelecido ou proposto por outrem ”. Os
xão proposicional (ou judicamental)”. Também pode ser chamada de refle talheres “são” de prata, mas só como algo estabelecido ou apresentado por
xão apofântica, porque se estabelece e se volta para o juízo, o qual é chamado outrem; nós não mais os intencionamos pura e simplesmente como tais. O
apophansis em grego. O juízo, a proposição, o significado, o sentido nascem que acontece em seguida? Neste ponto temos um estado de coisas como
em resposta a essa nova atitude. O juízo, a proposição ou o conceito não intencionado por outrem. Não temos ainda a verdade da questão resolvida.
estão lá à frente do tempo como um tipo de entidade mediadora antes da O que acontece em seguida é que voltamos aos talheres e os inspeciona
quilo sobre o qual se refletiu. Não estão lá de antemão fazendo seu trabalho mos mais de perto, olhamos a sua nota de compra, procuramos por inscri
epistemológico de relacionar-nos ao m undo real. Não estão lá já, esperando ções neles, talvez perguntemos a opinião de outras pessoas e assim por dian
por nós para voltar a eles ou para inferir sua presença. Mais propriamente, te. Então, após nossa própria e suficiente inspeção, podemos concluir, “sim,
são um a dimensão da manifestação, um a m udança no modo de manifesta afinal são de prata”. Se esse é o resultado de nossa pesquisa, então acharemos
ção, que nasce quando entramos na atitude proposicional por meio de um a que o juízo do outro corresponde ao modo como as coisas são. Nós já não
reflexão proposicional. Nasce quando mudamos nosso foco. A proposição tomamos o estado de coisas como apenas sendo proposto por outrem. Vol
não é um a entidade subsistente; é parte do m undo sendo enunciada, mas tamos a intenção diretamente para o “ser prata” dos talheres, mas nosso re
sendo tom ada apenas como manifestação de outrem: nesse caso, está sendo torno não é como a intenção ingênua original. Agora temos o estado de coi
tomado como manifestação desse outrem. É o juízo de alguém. sas como confirmado, como passado pelo ácido teste da reflexão proposicio
O benefício dessa nova explicação de como proposições e significados nal e confirmação. O estado de coisas é o mesmíssimo que originalmente
vêm a ser é que evita a necessidade de pressupor proposições e significa intencionamos, e o mesmo que tomamos como apenas proposto por ou
trem; mas agora tom ado como um a nova camada de sentido, um a nova di esse lado; também temos, digamos, as assertivas feitas por pessoas séculos
mensão noemática: agora é um fato confirmado e não apenas um estado de atrás, confirmadas ou não confirmadas pelas pessoas de agora, ou asserti
coisas ingenuamente intencionado. vas feitas por pessoas m uito diferentes de nós, vivendo em diferentes épo
Essa explicação da correspondência entre o juízo e o fato pode ser cha cas e lugares, ainda compreendidas e, em certo sentido, verificadas ou falsi
m ada um a teoria “de-cítacional” da verdade, porque envolve o passo de pri ficadas por nossa própria experiência reflexiva. Também temos as afirma
meiro meramente “citar” o estado de coisas (durante a análise crítica, quan ções feitas por nós que serão confirmadas ou não confirmadas por outras
do tomamos o estado de coisas como meramente proposto por outrem) e pessoas em outros lugares e épocas. A fala permite trocas intersubjetivas
então, removendo as aspas, anular a reflexão proposicional, deixando a ati que se estendem mais amplamente do que fazem as trocas baseadas nas
tude proposicional e voltando à aceitação direta. Contudo, é um a teoria “de- percepções comuns simples.
citacional” que trata de algo mais do que do mero fenômeno lingüístico de Os passos na intencionalidade que temos considerado — da ingênua
introduzir e remover aspas; a teoria provê mais do que um a explicação lin intenção categorial, da crítica reflexão proposicional, e do retorno à confir
güística, porque descreve as mudanças na intencionalidade que subjaz à ci mação ou não-confirmação — são todos exercidos na atitude natural. A te
tação e à de-citação. Começamos com o estado coisas simplesmente, então oria da verdade e do sentido fenomenológica analisa esses passos e seus ele
nos movemos para o estado de coisas como algo proposto, e em seguida mentos da perspectiva privilegiada da atitude transcendental fenomenológi
m udamos para o estado de coisas como confirmado. ca. Dessa posição elevada, ela reflete sobre as intencionalidades verdadeiras
Naturalmente, nossa investigação bem pode resultar na conclusão de e falsas que são exercidas em nosso engajamento pré-filosófíco e esclarece o
que os talheres não são de prata afinal; então, o “estado de coisas como algo que neles acontece.
proposto” continua permanentemente. Não de-citamos, não anulamos a re
flexão proposicional; os talheres nunca foram de prata, foram somente pro
postos para nós como tais. Por conseguinte, esse particular “estado de coi Notas adicionais sobre atos e objetos categoriais
sas” era e é somente um a proposição de outrem, somente um juízo de ou
trem, somente o significado de outrem, nunca o modo como as coisas são. O Obviamente, estamos mais ativos quando entramos nas intenções cate
estado de coisas veio a ser permanentemente desqualificado de ser verdadei goriais do que quando simplesmente percebemos, imaginamos, recordamos
ramente o caso; permanecerá sempre a opinião de outrem, e um a opinião e antecipamos coisas. H á algo como um novo “produto” na intencionalidade
que é falsa. É interessante notar, incidentalmente, que um a opinião ou um categorial, o objeto categorial, seja esse objeto tom ado como um estado de
juízo é usualmente vinculado a alguém de quem a proposição é, enquanto coisas ou um juízo (o qual é um estado de coisas tom ado como proposto). O
um fato não é a posse de ninguém em particular; está aí para todos. novo produto, o objeto categorial, pode ser destacado de seu contexto ime
Essa fenomenológica teoria da verdade, em vez de se mover entre enti diato e relacionado a algum outro pelo uso da linguagem. Falando podemos
dades mentais ou semánticas e entidades reais, opera inteiramente no domí “dar” a outrem o mesmo objeto categorial que vemos e enunciamos agora.
nio da manifestação. Distingue as variedades nos tipos de manifestação (a Essa outra pessoa pode enunciar esse objeto mesmo em sua ausência. Esse
simples, a categorial, a proposicional, a confirmatoria) e fala sobre as identi tipo de distanciamento é muito mais radical do que o que ocorre nos deslo
dades que são efetivadas dentro da nova multiplicidade que essas variedades camentos da recordação ou da imaginação, nos quais podemos presentificar
introduzem. O objeto perceptual, dado por meio de perfis, é agora mais iden coisas para nós mesmo na ausência delas. Recordar e imaginar nos propicia
tificado através da articulação categorial e elevado ainda mais como um objeto um sentido original da ausência, mas não permite o tipo de comunicação da
dentro das mudanças da reflexão crítica e da identificação confirmativa. ausência, e o tipo de controle que podemos ter sobre ela, que ocorre na fala.
A dimensão da verificação categorial lingüística também introduz gran A intencionalidade categorial eleva-nos a um a forma propriam ente
de riqueza e variedade. Porque envolve um a dimensão intersubjetiva. Não hum ana de verdade, a verdade que envolve a fala e o raciocínio. Mas, se ela
temos somente o outro lado do cubo que alguém pode ver enquanto vemos permite essa forma de verdade, também permite um abuso da verdade pro
priamente humano; torna possível erros e falsidades num a escala que torna objetos e estados de coisas é cham ada de ontologiaformal, enquanto a ciência
pequenos os erros de percepção, as falhas de memória e os equívocos de das estruturas formais dos significados e das proposições é cham ada apo-
imaginação das intenções reduzidas. Se podemos “dar” ao outro um estado fantica formal.
de coisas que ele não experienciou, podemos também “dar” a ele um a versão Façamos mais um comentário sobre a doutrina que tom a conceitos,
falsa desse estado de coisas em nossa fala, ou podemos “dar” ao outro um juízos, significados ou sentidos como entidades mentais ou conceituais, a
estado de coisas que afinal nunca aconteceu. Mais ainda, podemos até con doutrina que temos tentado refutar. Pensar que tais entidades são necessá
tradizer, isto é, falar contra, nosso próprio si. Podemos ter um a convicção e rias para explicar o conhecimento denuncia um a falha para reconhecer a
então ter um a outra que anula a primeira. Podemos defender como verdadei intencionalidade da consciência. E tom ar a consciência como simples, pura
ro o estado de coisas de que essa pessoa é boa companhia, e também defen consciência, consciente somente de si mesma, e assumir que a intenciona
der como verdadeiro o estado de coisas de que essa pessoa é um a companhia lidade deve ser acrescida a ela pela inserção de algum tipo de representação:
detestável. Podemos acreditar que “S é p ” e também defender, em última um conceito, um a palavra, um a proposição, um a imagem mental, um sím
instância, por implicação, que “S não é p”. Freqüentemente, tais contradi bolo, um sentido, ou um “noem a”. Nessa visão não é a consciência que é
ções são causadas por envolvimentos emocionais, nos quais desejamos duas essencialmente intencional, mas a representação. É o inserir que faz a cons
coisas que não podemos possuir juntas e não desejamos enfrentar o fato de ciência intencional e especifica o que a consciência intenciona e como ela o
que não podemos ter ambas; também podem ser causadas por confusão, intenciona: o inserir estabelece um a intenção, um a referência e um sentido.
desatenção e inabilidade para controlar o material intelectual das coisas à A representação nos relaciona aos objetos “exteriores” e lhes dá um certo
mão. Examinaremos essa origem intelectual da.contradição quando chegar- significado. Porém, como poderia tal aditivo colocar intencionalidade na nos
mos ao tópico da vaguidade. sa consciência? Como poderíamos saber que o que é dado para nós é um a
Entrar no domínio categorial também permite a introdução da lógica. palavra ou imagem ou um conceito, e que representa algo “além” de si mes
A lógica não pertence ao reduzido nível da percepção e suas variantes, mas mo? Como poderiam as muitas dimensões de um “exterior” surgir para nós
entra em cena no nível categorial. Uma vez tendo constituído objetos catego- se não estivessem aí desde o começo? Se a consciência não se pusesse em
riais, podemos formalizar esses objetos e prestar atenção à consistência ou marcha sendo intencional, nunca poderia figurar como ser assim.
inconsistência das formas que disso resultam. Em vez de lidar com o objeto
categorial, “o carro está avariado”, podemos lidar com a forma pura, “S é p”,
em que o conteúdo do objeto é representado indiferente e a sintaxe é manti O fenômeno da vaguidade (incerteza)
da no lugar. Em vez de lidar com “carro”, lidamos com “todo e qualquer objeto”
e, em vez de com “avariado”, lidamos com “todo e qualquer atributo”. Então, Vimos considerando as intenções categoriais e seus objetos correlatos,
podemos examinar as relações entre várias formas e ver, por exemplo, que a bem como a verdade, o significado, os juízos, os estados de coisas, a verifica
forma “S não é p” não é consistente com a forma “Sp ê q”. Se fôssemos afirmar ção e a lógica. A fenomenologia também trata de um outro tópico que joga
a últim a e em seguida afirmar a primeira (“essa casa vermelha é cara; essa casa um papel estratégico nessa rede de phenomena, tópico que é só rara e margi
não é vermelha”) estaríamos contradizendo a nós mesmos. A consistência nalmente tratado pela maioria dos filósofos. E o fenômeno da vaguidade. A
lógica é um a condição necessária para a verdade das afirmações; se as afirma vaguidade é im portante não só com respeito às questões mais científicas da
ções se contradizem em virtude de sua forma lógica, então a priori elas não lógica, do significado e da verificação, mas tam bém com respeito ao uso or
podem ser verificadas pela nossa experiência das coisas mesmas. dinário da linguagem e ao estabelecimento de um falante responsável.
Uma distinção é introduzida na fenomenologia entre dois tipos de sis Quando dizemos ou lemos algo, é usualmente assumido que pensamos
temas formais, uns pertencendo aos objetos e estados de coisas e ao lado o que dizemos ou lemos. Freqüentemente esse não é o caso. As palavras são
“ontológico” das coisas, e outros pertencendo aos juízos ou proposições e freqüentemente usadas sem pensamento. Podemos estar superficialmente
à região do sentido e do entendimento. A ciência das estruturas formais de lendo algo, ou podemos ouvir alguém falar, mas falhar em prestar atenção
ao que ele diz, podemos até dizer coisas a nós mesmos sem estar propria Nossa opinião não poderia se manter se fôssemos às coisas sobre as quais
mente conscientes do significado do que dizemos, ou podemos estar recitan estamos falando e tentássemos prová-las e registrá-las tais como estabelece
do algo mecanicamente. As vezes a matéria de que estamos falando está além mos que seriam. Nossas proposições seriam não-confirmadas. Em tal erro
de nós; realmente não compreendemos o que estamos dizendo. M uito do nós realizamos um pensamento distinto, e enunciamos um objeto catego
que as pessoas dizem sobre política, por exemplo, se enquadra nisso. Muito rial, mas o pensamento e o objeto são falsos. Devemos ter superado a va
do que dizem é vago: os slogans são repetidos, as idéias favoritas são alardea guidade e alcançado a distinção se estamos a ponto de incorrer em erro.
das, asserções feitas por outros são mencionadas verbalmente, mas sem com A vaguidade fica entre a ignorância e o erro. E pensamento incipiente.
preensão. A maioria das sondagens de opinião pública mensura um pensa É um a tentativa de pensar que não chega lá exatamente, mas usa as palavras
mento vago. O poder hum ano da fala, o nobre poder que nos dá nossa digni que geralmente indicam pensamento, e por essa razão dissimula, embora
dade como seres humanos, também torna possível para nós parecer estar involuntariamente. As palavras são ostentadas e dão a impressão de pensa
pensando quando realmente não estamos. Isso é um modo especificamente mento, mas há pensamento insuficiente por trás delas.
hum ano de falhar em ser o que se poderia ser, e é muito im portante nas Em alguns casos, é possível para o orador que começa com vaguidade
ocupações humanas. pensar por meio das coisas de que ele está falando e enunciar os estados de
O que ocorre na fala sem pensamento é que a atividade categorial que coisas e juízos que ele deseja enunciar. Neste caso, o orador m udou da vagui
deveria acompanhar a fala não é adequadamente exercida. Há uma atividade dade para a distinguibilidade. Ele alcança com êxito os objetos categoriais que
categorial, mas não à altura do ser do problema discutido ou asseverado. Há estava esforçando-se por constituir. Ele agora pensa claramente. Ele agora
um a sucessão de idéias, mas não um pensamento. Se falamos vagamente, al manifesta o estado de coisas ou o juízo que estava anteriormente tentando
guém que nos ouve e que é mais atento do que nós normalmente irá achar, presentar.
enquanto o tempo avança, que o que estamos dizendo não faz sentido. Está Quando o orador vai da vaguidade para a distinguibilidade, pode achar
deturpado. Irá nos pedir para esclarecer o que estamos querendo dizer, para que o juízo que finalmente alcançou é finalmente o mesmo que ele tinha
dar sentido à confusão que estamos apresentando. Se ele tentar argumentar vagamente afirmado; o juízo é o mesmo nos dois m odos de manifestação, o
conosco ficará continuamente frustrado; argumentar com alguém que fala vago e o preciso. Mas pode também achar que o juízo preciso não é o mesmo
vagamente é como tentar usar granadas de mão para dispersar um nevoeiro. que o vago; mais precisamente, ele pode achar que o juízo vago abrigava
Um ouvinte que não for mais atento do que nós, contudo, não perceberá que contradições dentro de si mesmo, e agora que a distinguibilidade foi alcan
estamos falando vagamente. Em sua própria vaguidade, ele sentirá, se gosta da çada as contradições ficaram conhecidas; elas tinham sido ocultas, precisa
posição que parecemos tomar, que estamos enunciando com êxito um a crença mente por causa da vaguidade. Portanto, a possibilidade de contradições
comum: “un fou trouve toujours un plus fou qui 1’admire”. Se o ouvinte não lógicas ou consistência dem anda que nós tenhamos trazido o juízo para a
simpatiza com o que parecemos estar lhe dizendo, ele ficará frustrado conosco distinguibilidade, que o tenhamos distintamente enunciado. Até que um
e expressará o que parece ser um outro ponto de vista. Mas, em tudo isso, nem juízo seja trazido à distinguibilidade, não podemos dizer realmente se ele é
sua mente nem a nossa estão verdadeiramente ativas; estamos expressando verdadeiro ou falso, ou mesmo se é consistente ou inconsistente consigo
algo como atitudes emocionais melhor do que opiniões distintas. Não há ar mesmo ou com outros juízos, porque ainda não sabemos o que realmente o
gumento real, somente um a colisão de pensamentos meio-formados. juízo é. Ainda não existe como um significado distinto, significado que po
A vaguidade seria distinta de duas outras falhas com respei to à verdade deria ser verdadeiro ou falso, consistente ou inconsistente. Temos de saber o
e aos objetos categoriais: a ignorância e o erro. Na ignorância nós simples que alguém está dizendo antes de podermos determinar se o que ele diz é
mente não tentamos enunciar os objetos categoriais em questão; apenas si verdadeiro ou falso.
lenciamos sobre o problema. Não fingimos pensar sobre ele, e não parece A vaguidade pode abrigar inconsistência, mas pode tam bém abrigar
mos estar pensando. Quando incorremos em erro, formulamos um a opinião incoerência. Inconsistência significa que um a parte do que dizemos contradiz
sobre algo, e assim fazemos explicitamente, mas ela m ostra ser incorreta. um a outra parte com respeito à estrutura lógica formal: dizemos ambos, “S
é p” e “S não é p”. Incoerência, de outra parte, significa que o conteúdo, como dessa conduta, seja em negócios pessoais, institucionais ou políticos, provo
oposto à forma, de nossos juízos não está adequadamente reunido. Significa cará ou piedade ou pesar no observador, dependendo de como ele será afeta
que estamos usando palavras-conteúdo que não fazem sentido quando pos do pela ação em questão.
tas juntas: podemos, por exemplo, dizer que, literalmente, a nação é uma
grande família, ou que a constituição política assegura um trabalho para
cada um, ou que o cérebro conhece quem está entrando pela porta (é a pes Objetos categoriais e inteligência humana
soa que conhece as coisas, não o cérebro). A contradição lida com a forma
dos juízos, a incoerência lida com seu conteúdo, e ambos podem ocorrer na Em vez de fechar este capítulo com o tema da vaguidade, que é um a
névoa da vaguidade. As palavras significam coisas, mas é possível pôr as pa deficiência no pensamento humano, vamos terminar num a nota mais posi
lavras juntas de m odo a que o todo não signifique coisa nenhuma. Algumas tiva e considerar algumas das excelências do domínio de objetos categoriais.
partes do todo “falam contra” outras partes, ou algumas partes não são mis A linguagem hum ana difere dos sons animais porque contém a sintaxe.
turadas adequadamente com outras partes (características que pertencem à A linguagem hum ana contém som, mas seu som é estruturado por padrões
família são misturadas com as da nação, características do todo da pessoa fonêmicos e por partículas gramaticais, inflexões e arranjos. É o ordenamen
são misturadas com as de um a parte orgânica da pessoa). to gramatical da linguagem que torna o sistema de sinal lingüístico acessível
Alguém sempre é vago em alguma ocasião, e não há nada de lastimável ao controle hum ano, que o torna um sistema de extraordinária complexida
nisso. Temos de começar com a vaguidade quando entramos em um novo de e refinamento, e que o deixa tornar-se o veículo do exercício da verdade. A
domínio do pensamento. As idéias que vêm à mente são, de início, quase sem sintaxe eleva sons animais em discurso humano. Na fenomenología, os ele
pre vagas e necessitam ser trazidas à distinguibilidade, quando as inconsistên mentos sintáticos da linguagem têm sido chamados de partes sincategore-
cias e as incoerências na idéia serão removidas. O estudante iniciante em ma máticas da linguagem, porque elas “vêm com” as expressões que meramente
temática é normalmente completamente vago sobre os objetos categoriais que nomeiam objetos e características, as partes categoremáticas da fala.
está enunciando. Se ele é um bom estudante, m uda para a distinguibilidade. As partes sintáticas da linguagem obviamente servem para ligar as pala
Algumas pessoas podem alcançar a distinguibilidade mais facilmente e mais vras. Elas são a gramática de um a linguagem. Esse trabalho lingüístico, con
rapidamente do que outras. Algumas pessoas podem nunca sair da vaguidade tudo, não é tudo o que elas fazem. Elas também funcionam na intenciona
em certos domínios. Enquanto outras dificilmente sairão da vaguidade em lidade: a sintaxe da linguagem está relacionada ao m odo como as coisas po
qualquer domínio. Elas apenas não pensam claramente e distintamente, em dem manifestar a si mesmas para nós, o modo como podemos intencioná-
bora utilizem um a linguagem, o que pode aparentar para os outros que estão las e enunciá-las. As partes sintáticas d a linguagem servem para expressar as
pensando adequadamente. Um tagarela é um exemplo vivo de vaguidade. A combinatórias da manifestação, o modo como as coisas podem ser manifes
opinião pública está inundada de vaguidade, demanda coisas contraditórias tadas para nós em várias relações de parte-todo. A fenomenología não con
das figuras públicas. O que “eles” dizem, o que “a gente disse”, o que “o ho sidera apenas o papel lingüístico da gramática, como estrutura lingüística;
mem disse”, tudo isso é notoriamente vago, mas é ainda o ponto de partida também relaciona a sintaxe à atividade de ser verdadeiro, para evidenciar.
para um pensamento autêntico. Nossos pensamentos, os objetos categoriais Os elementos não-sintáticos da linguagem (termos como “árvore” e
que constituímos, não chegam prontos e acabados desde o início. “verde”) simplesmente nomeiam as coisas e características, mas os elementos
Concluindo, nosso tratam ento da vaguidade lidou com seu aparecimen sintáticos expressam o modo no qual as coisas e características são mostra
to n a fala e no pensamento, mas a vaguidade também ocorre na ação. De das. As partes sintáticas das expressões têm correlatos objetivos. Na senten
alguém que cronicamente fala sem pensar é suposto que aja do mesmo modo, ça, “a árvore é verde”, os termos “árvore” e “verde” obviamente nomeiam as
saltando de um movimento incompleto para outro e fazendo um a enorme coisas e características que podem ser dadas para a percepção, mas a cópula
confusão das coisas. Nesse caso, a deliberação e a escolha é que são penetra “é” também tem referência objetiva, porque a sentença não apenas apresenta
das pela inconsistência e pela incoerência que a vaguidade traz. O espetáculo a árvore e a cor verde: apresenta o ser verde da árvore, ou o estado de coisas
de que a árvore é verde. O “ser característico” da árvore corresponde á cópula precisão e a distinguibilidade no pensamento não atomizam as coisas, mas
“é”. A cópula “é” não apenas liga as palavras “árvore” e “verde”, mas também permitem um a mais profunda apreciação da descrição do todo, possibilitan-
permite que o ser verde da árvore seja intencionado por nós, mesmo em sua do-nos apreender a floresta precisamente porque apreendemos as árvores.
ausência. Para tom ar outro exemplo, se fôssemos unir dois termos, tais como As partes sintáticas da fala expressam formas categoriais, e assim fazen
“pim enta e sal”, a partícula gramatical “e” poderia corresponder ao “ser jun do ajudam-nos a expressar o modo em que o m undo manifesta-se a si mes
tos” dos dois itens: os dois estão não apenas individualmente manifestados, mo para nós, mas elas também servem para um a outra função. Elas também
mas manifestados como sendo juntos, tomados como um. servem para indicar ou sinalizar que o falante está exercendo os atos de pen
Por conseguinte, o modo como as coisas podem ser enunciadas por nós, samento que constituem os objetos categoriais. Elas sinalizam que o falante
o modo como elas podem ser intencionadas ou na presença ou na ausência, o está falando e exprimindo um a opinião, e não apenas gemendo ou arrotando.
modo como elas “aparecem em pedaços” ou “aparecerá nos todos” para nós, Quando ouvimos alguém falar, ouvimos mais que os sons; também ouvimos
tornam-se possíveis através da sintaxe da linguagem, e o gênio gramatical de a ordenação gramatical dos sons. Em virtude dessa codificação temos o m un
cada linguagem provê um estilo de manifestação que é distintivo da cada lin do e as coisas nele expressas para nós, e também temos a presença dada, para
guagem. A fenomenología relaciona a sintaxe aos modos de manifestação. nós, de um falante que tom a a responsabilidade pelo seu ser expresso nesse
Quando registramos um objeto categorial, nós movemos da continui modo. A linguagem e a sintaxe são usadas para revelar um mundo e as coisas
dade da percepção para um a mais abrupta presença descontínua de objetos nele, mas elas também, num modo diferente, revelam o falante que está usan
intelectivos, com todos e partes sendo explicitamente reconhecidos. Apre do a linguagem e a sintaxe no momento. Elas revelam um ego transcendental,
sentamos o nivel-elevado, objetos categoriais, e tais objetos vêm em pacotes um agente responsável pela intencionalidade e pela evidência.
descontínuos. Há muitos deles, expressos nas muitas sentenças que fazemos,
Neste capítulo consideramos a intencionalidade categorial, a forma de
e são todos inter-relacionados. Os objetos dados à intelecção formam uma
intenção que sobrevêm da forma mais básica de percepção e suas variantes.
rede. Documentamos cada objeto categorial quando os expressamos; coloca
A intenção categorial é o domínio da razão ou do logos. Estabelece objetos
mos a nós mesmos na gravação, estabelecemos precisamente isso ou aquilo.
categoriais, objetos que são penetrados pela sintaxe, com partes e todos ex
Dizemos um a coisa, então outra, então ainda outra, mas enquanto nos
plicitamente registrados. Os objetos categoriais são encontrados no lado
movemos de um a sentença a outra fazemos a anterior permanecer em vigor,
ontológico das coisas (estados de coisas, coisas, atributos) e também no la
e o que dissemos subseqüentemente tem de ser consistente com o que disse
do apofântico (juízos, proposições, sentidos, sujeitos, predicados). A verifica
mos antes. As conexões entre todos esses objetos categoriais são lógicas e não
ção move-se entre esses dois lados, entre o ontológico e o apofântico. Os
apenas associativas. Podemos perguntar se esse objeto categorial ou sentido
estados de coisas e os juízos têm de ser trazidos à distinguibilidade antes de
é consistente com aquele; podemos instigar o falante a evitar a contradição
poderem ser confirmados ou não confirmados, e até antes de poderem ser
(isto é, evitar dizer algo “contra” o que disse antes). Podemos também insti
compreendidos (na verdade, trazê-los à distinguibilidade é precisamente
gar o falante a explicar o que ele enunciou, a dar razões e esclarecimentos
compreendê-los). Eles são trazidos à distinguibilidade fora da matriz de va-
sobre o que disse. O domínio categorial é o espaço das razões, e a fenomeno
guidade, a qual é um tipo de alicerce e fonte de categorialidade.
logía explora as intencionalidades intricadas que o constituem.
Nossa atenção foi dirigida aos objetos categoriais, mas, como assinala
Quando somos bem-sucedidos em alçar os objetos que experienciamos
mos, o domínio do categorial também envolve a emergência de um falante
na precisão de objetos categoriais, não os fragmentamos em pedaços desco
responsável. Requer um si elevado além do si constituído na percepção, na
nectados uns dos outros. Mais precisamente, tornamos disponível um a mais
memória e na imaginação. Objetos categoriais envolvem atividade catego
profunda continuidade entre as coisas. Em vez de um fluxo perceptual são
rial, a qual por sua vez requer um agente da verdade que a realiza. É para esse
dados estados de coisas inter-relacionados e, atrás deles, o sentido de um
si, o ego transcendental, que agora iremos nos voltar.
m undo ou de um cosmos. O domínio categorial traz um novo sentido enun
ciado do todo; não é o caso de que somente o pré-categorial é holístico. A
VIM
A F E N O M E N O L O G IA D O SI (SELF)
TEMPORALIDADE
Níveis de temporalidade
O M U N D O - D A -V ID A E A
INTERSUBJETIVIDADE
f|
I RAZÃO , VERDADE E EVIDÊNCIA
to a veracidade do ser como a veracidade do agente de descoberta (junto com Os significados são presentados especialmente em palavras. Por meio
a possível falsidade e confusão que vem em sua seqüência). No presente ca da linguagem torna-se possível para nós expressar o modo como as coisas
pítulo, consolidaremos e completaremos essas explorações. Investigaremos a são e transm itir esse modo de presentação para outra pessoa e para nós
fenomenologia da razão, a análise do pensamento racional. mesmos em outros lugares e outros tempos. Por meio das palavras m uda
mos a apreensão do modo como as coisas aparecem para nós, e se somos
competentes em nossas descobertas elas apreendem o modo como as coisas
A vida da razão e a identidade do significado são. Ao mesmo tempo, as palavras são temperadas pelo modo com o qual
temos descoberto as coisas em questão, assim elas indicam ao leitor ou ao
Quando passamos a raciocinar, elevamos-nos a nós mesmos além de ouvinte algo sobre nós mesmos também.
nossa vida biológica e psicológica. Vivemos a vida do pensamento. Isso sig Os físicos e os matemáticos não se preocupam com o fato de que a pro
nifica que nós, esses seres particulares, esses animais que somos, tornamo- posição pode retornar repetidas vezes como identicamente a mesma, ainda
nos aptos a fazer asserções sobre a verdade das coisas. Podemos provar ou que a física e a matemática não fossem possíveis se essas recorrências não
falsear tais asserções, podemos m udar significados e podemos glorificar ou acontecessem. Os filósofos, contudo, não podem deixar essa identificação
condenar-nos uns aos outros por termos sido melhores ou piores agentes da ser jogada no passado deles; é o tipo de coisa sobre a qual eles pensam como
verdade. Quando falamos com alguém e buscamos a vida racional, nos tor um ingrediente em nossa habilidade para viver a vida da razão.
namos aptos a dominar a fundo ausências de muitos tipos e enunciar pre
senças em modos extremamente complexos.
Um dos requisitos para esse tipo de vida é a identidade de um sentido Dois tipos de verdade
que trocamos entre nós mesmos e volta repetidamente em nossa própria vida
mental. Uma simples proposição retorna como identicamente a mesma re A identidade de significado torna a verdade possível. Há dois tipos de
petidas vezes: nós a dizemos para outra pessoa, a citamos como tendo sido verdade que ocorrem em nossa vida racional: a verdade da exatidão e a verda
mencionada por alguém, a usamos como um a premissa, a confirmamos ou de da descoberta.
negamos em nossa experiência, a situamos dentro de urna exposição siste 1. Na verdade da exatidão, começamos com um a enunciação sendo feita
mática de um campo científico, ou a anotamos para que ela possa ser lida ou um a proposição sendo considerada. Partimos então para a verificação de
mesmo quando não estejamos lá para dizê-la. A identidade de um significa se a enunciação é verdadeira. Faremos qualquer tipo de experimentação que
do ocorre até através das diferentes interpretações que as pessoas possam dar seja necessária para a confirmação ou a negação da enunciação. Se alguém diz
ao significado, e através das diferenças em incerteza e precisão que a propo que o telhado da varanda vaza quando chove, nós esperamos até que chova e
sição possa experienciar em várias mentes. A menos que ela fosse um a e a então vemos se o telhado vaza ou não. Se alguém faz um a proposta de proce
mesma afirmação, não poderíamos ver essas diferenças como sendo diferen dimento com um a certa reação química ou tratamento médico, defendemos
ças de fato; não poderíamos ter muitas interpretações se as proposições fos experimentos apropriados para confirmar ou negar a asserção. Se os resulta
sem elas mesmas diferentes, e não poderíamos falar da posse vaga de um dos confirmam a asserção, podemos dizer que a afirmação é verdadeira porque
significado a menos que um núcleo de sentido permanecesse o mesmo entre expressa o m odo como as coisas são. É um a afirmação exata. O sentido
sua enunciação vaga e sua enunciação precisa. Às vezes, é verdade, um signi de falsidade que é correlato ao de verdade da exatidão é óbvio: é a falsidade de
ficado ou proposição pode fragmentar-se em dois ou mais sentidos quando asserções que correm em sentido oposto ao modo como as coisas são, asser
o pensamos mais cuidadosamente, ou pode desintegrar-se em incoerências, ções que opõem resistência à manifestação das coisas.
em um nonsense em todo caso, mas essas desintegrações no domínio do sig 2. Há um a forma mais elementar de verdade que pode ocorrer até sepa
nificado são possíveis somente em contraste com os significados que estão rada da confirmação de um a asserção. Esse segundo sentido da verdade, a
sustentados e conformados em sua identidade. verdade da descoberta, é simplesmente a exposição de um estado de coisas. E o
simples presentar para nós de um objeto inteligível, a manifestação do que é exposto. Devemos introduzir outro termo, a palavra evidência, para nomear
real ou verdadeiro. Tal presença poderia ocorrer imediatamente durante nossa as atividades subjetivas que realizam a verdade. A fenomenologia usa o ter
experiência e nossa percepção normais: caminhamos para o carro e somos sur mo “evidência” para nomear a realização subjetiva, a posse subjetiva da ver
preendidos ao ver que o pneu está vazio. Não precisamos ter antecipado o dade, se em correspondência ou descoberta. A evidência como noésis é cor
pneu como vazio; nossa experiência dele como tal não é um a tentativa para relata da verdade como noema.
confirmar ou negar um a proposição que tivéssemos cogitado. Não estamos O uso da palavra “evidência” é incomum em inglês. (É menos estranho
lidando com a verdade de exatidão, mas com a verdade mais elementar da em alemão e francês.) Normalmente, “evidência” em inglês não significa uma
simples descoberta. Um objeto inteligível, um estado de coisas, é presentado realização subjetiva; significa, mais apropriadamente, um fato ou um dado
para nós, o objeto ou a situação simplesmente se mostra. Estamos surpresos que serve para provar um enunciado. A evidência pode ser um a pegada, uma
por um a nova relação matemática, percebemos de repente que John está men luva ensangüentada, um testem unho dado por um a testem unha ou um
tindo parajames, vemos porque Cézanne combinou as cores e linhas do modo documento, mas em cada caso é algo objetivo, um a coisa de algum tipo, que
que ele fez nessa pintura em particular. Tais presentações não são confirma é usada para provar algo outro. No uso normal em inglês, um a amostra.de
ções, mas exposições diretas A falsidade correlata com esse tipo de verdade é o evidência é como um a premissa que estabelece um a conclusão, não como
tipo que ocorre quando as aparências enganam, quando as coisas parecem ser um a intencionalidade que descobre um objeto. Quando o termo é usado
algo que não são: ouro de tolo, camuflagem, a simulação, a falsidade da inau- como um adjetivo, é quase sempre predicado do objeto que aparece, o qual
tenticidade, a falha em ser genuíno como oposta à falha em dizer a verdade. então é dito aparecer vividamente e claramente: um a vitória evidente, um
A verdade da exatidão depende da verdade da descoberta; a últim a pode esquema evidente, um a decepção evidente.
servir como inteligibilidade que confirma ou nega um a asserção. O que uma Na fenomenologia, contudo, “evidência” tom a o sentido da forma ver
proposição verdadeira “une”, m istura com, ou é medida por, não é um a en bal, “evidenciar”. É a realização da verdade, o produzir de um a presença. É
tidade inerte, mas um a coisa sendo descoberta. A asserção proposicional é um a performance e um a realização. A evidência é a atividade de presentar
de-citada em favor de um a mostra direta, a qual é reconhecida como sendo um a identidade num a multiplicidade, a enunciação de um estado de coisas,
identificável com a asserção cuja verdade estava sendo investigada. Como ou a verificação de um a proposição. É a efetividade da verdade.
vimos no capítulo VII, nossa experiência começa com a exposição direta de Há alguns significados para “evidência” nos dicionários que chegam
estados de coisas, do inteligível, de objetos categoriais. Essa exposição envol perto do significado que a fenomenologia dá à palavra. O Oxford English
ve a verdade da descoberta. O domínio do proposicional entra em cena quando Dictionary diz que “evidência” pode ser usada como um substantivo com o
nos tornamos sofisticados o bastante para tom ar alguns estados de coisas sentido de um a “testem unha”: diversas pessoas poderiam ser ditas “evidên
como sendo meramente propostos por alguém; eles se tornam “estados de cias” num caso, pessoas que podem esclarecer o que aconteceu. Podemos
coisas como propostos”, eles se tornam proposições, asserções ou juízos, eles dizer que alguém “tornou-se testem unha principal”, isto é, decidiu tornar-se
se tornam sentidos ou significados. São essas proposições, esses estados de testemunha de um evento. Há ainda um substantivo inglês obsoleto, evidencer
coisas como propostos, que se tornam candidatos para a verdade de exati o qual significa alguém que presta depoimento testemunhal: “Uma teste
dão, e adquirem tal verdade quando são vistos misturados.com o que é dado, m unha oficial e legal”. Também, a palavra pode ser usada como um verbo
mais um a vez, na verdade da descoberta. A verdade da descoberta, portanto, transitivo, e então significa “tornar algo evidente ou claro, mostrar clara
flanqueia a verdade da exatidão. Vem antes e depois. mente, manifestar algo”. Assim, poderíamos dizer, “ele evidenciou a futilida
de do plano”, ou “suas palavras evidenciaram a situação em que eles esta
vam”. Esses significados, ainda que antigos e raros, estão um pouco mais
Dois tipos de evidência próximos do sentido de “evidência” na fenomenologia, mas ainda não nos
dão um precedente óbvio para o uso filosófico. Teremos de tornar o signifi
Nos dois tipos de verdade que distinguimos, o predicado “verdadeiro” cado claro usando a palavra nos modos que colocarão em cena o fenômeno
aplica-se tanto a um a proposição como a um a entidade ou estado de coisas que é suposto que nomeie.
A evidência é a presentação bem-sucedida de um objeto inteligível, a meros recipientes. Não somos somente dativos, mas também nominativos
presentação bem-sucedida de algo cuja verdade torna-se manifesta ao evi de revelação (ego, e não apenas mihi). Outras palavras como “intuir”, “perce
denciar a si mesma. Tal presentação é um acontecimento notável na vida da ber” ou “registrar” parecem nos tornar passivos demais em aceitar o que
razão. É o mom ento no qual algo entra no espaço de razões, o m undo de aparece. “Evidenciar” torna mais claro que devemos agir como egos trans
inteligibilidades. Tal evento não é apenas um a perfeição do sujeito que a cendentais se as coisas nos são dadas. Essa ação é mais óbvia no caso da
realiza; não faz perfeita somente a pessoa que entende ou enxerga o que está atividade categorial, mas é necessária mesmo na percepção, com seu estágio
se passando. É também um a perfeição no objeto; o objeto é manifestado e inicial de inteligibilidade, e é obviamente requerida na formação de imagens,
sabido, ele revela a si mesmo. Sua verdade é atualizada, evidenciada. Quando na reminiscência e na deliberação. O termo inglês insight é um bom equiva
Heidegger usa um tropo poético mais adequado e chama o homem, ou Da- lente, ainda que não possa ser usado como verbo, mas parece limitado para
sein, o “pastor do ser”, ele entende que somos os únicos para os quais as coi presentação categorial; “evidenciar” parece cobrir um campo mais vasto. Não
sas podem ser descobertas em sua autenticidade, e que possuímos um lugar só conferencistas e cientistas, mas também pintores e dramaturgos e seus
privilegiado no plano das coisas porque somos dativos de manifestação. Nós públicos podem evidenciar o modo como as coisas são. Além do mais, insight
evidenciamos as coisas. Nós as deixamos aparecer. conota um a ação que é realizada de um a vez por todas, enquanto “eviden
O poder que temos de fazer isso não é a realização de algum plano que ciar” tem o sentido de continuidade e consolidação de si mesmo para além
concebemos, ou o resultado de um projeto de governo-consolidado, ou um do mom ento inicial.
talento que podemos tentar desenvolver; ele vem daquilo que somos antes Evidenciamos, então, de dois modos: na verdade da exatidão e na verda
mesmo de começarmos a fazer escolhas ou deliberar sobre o que deveríamos de da descoberta. Evidenciamos a exatidão de um a proposição pela observa
fazer. Ele vem do nosso modo de ser. Ele permite-nos deliberar e escolher. ção de como as coisas são e pela separação da asserção que delimitamos para
Nossa fala não é apenas um tagarelar entre nós mesmos; é também, se esca verificar. Mais fundamentalmente, contudo, evidenciamos um objeto inteli
pamos da névoa da vaguidade, a revelação das coisas, que vêm à luz naquilo gível por enunciá-lo em sua presença direta, quando realizamos a verdade da
que dizemos. Nós provemos um a luz na qual as coisas podem manifestar descoberta. Vemos que os quadrados de números pares são pares e que os
a si mesmas, um a clareira onde elas podem ser colhidas e recolhidas. Algo
dos ímpares são ímpares; vemos que inveja não é o mesmo que ciúme; vemos
de bom e im portante acontece em nossa vida da razão, mesmo se ocupar
que há somente cinco sólidos regulares no espaço tridimensional. Todos esses
mos só um pequeno espaço e tempo no desenvolvimento das coisas, mes
são fatos, objetos inteligíveis, e nós os registramos como verdadeiros: nós os
mo se o sol explodindo possa, algum dia no futuro remoto, consumir to
expomos em sua inteligibilidade. Eles são compreendidos. Podemos que
dos os planetas incluindo o nosso próprio. Essa atividade é nossa realiza
rer explicá-los mais e procurar as razões por que são verdadeiros, mas a busca
ção como egos transcendentais, não simplesmente nosso com portam ento
por mais compreensão não desqualifica a compreensão inicial que é dada na
como animais ou nossa reação como corpos incrustados num a rede de
evidência original. A evidência inscreve as coisas no espaço de razões.
causas materiais. A luz da razão abre o espaço das razões, o reino dos fins.
Nós somos reais como dativos de manifestação, e o que fazemos como tal
é evidenciar a verdade das coisas.
Por que deveríamos nos esforçar por adaptar o termo “evidência” para Dois modos de tentar fugir da evidência
nomear essa realização (efetividade)? Por que não usar alguma outra pala
vra? Uma razão é que o termo tem um sentido técnico na fenomenologia, Há dois modos pelos quais podemos tentar, na filosofia e na mentalida
tanto em alemão como em francês, nos quais esse sentido é mais natural. de popular, negar a existência da evidência como exposição direta das coisas.
Além disso, a palavra faz a apreensão de um fenômeno: ela expressa o fato de No primeiro, reduzimos a evidência a algo meramente psicológico. No se
que nós somos ativos quando as coisas presentam a si mesmas. Nós fazemos gundo, reivindicamos que nunca realmente temos evidência até podermos
algo quando objetos inteligíveis presentam a si mesmos para nós; não somos provar o que sabemos derivando-o de premissas ou axiomas.
1. Porque o evidenciar tem de ser feito por nós, podemos facilmente ensaiando para um a conversa hum ana e ainda não nos tornamos jogadores
passar a acreditar que é “apenas” um a ocorrência subjetiva, como um a dis habilitados nela. Qualquer ato de evidenciar, além do mais, pressupõe que o
posição de ânimo ou um a dor ou um sentimento de convicção. A evidência jogo completo da verdade, a conversa humana, já está em andamento; tem de
pode ser tom ada como um mero estado cognitivo, um a condição temporária estar lá para entrarmos nele. Somos elevados a essa vida não só pelo que
de nossa psique, a qual por sua vez pode ser reduzida a um a condição tem somos, mas também pela tradição racional na qual somos treinados, ambos:
porária do cérebro e do sistema nervoso. Nessa visão, as coisas são o que são, a tradição local na qual nascemos e a conversação hum ana como um todo.
elas são “lá fora”, e os estados cognitivos, incluindo o evidenciar, são em nós, Essa conversa e a vida intelectual podem ser “só” humanas, mas o ponto é
“aqui”. O estado cognitivo, digamos, de crença é um a condição na qual esta que ser hum ano é ser engajado na verdade, ser apto a descobrir o modo como
mos, condição em que poderíamos estar cônscios de nossa consciência-de-si, as coisas são e deixar a objetividade triunfar em nós. Somos mais nós mes
mas ele nos diz somente sobre nós mesmos, não sobre alguma coisa lá fora mos como seres humanos quando somos apanhados nessa atividade.
no mundo. 2. O segundo modo de tentar se evadir da evidência é reivindicar que a
Em alemão, um dos significados filosóficos da palavra Evidenz é “cons presentação ela mesma não é suficiente para estabelecer a verdade. Podemos
ciência de estar convencido de algo” (Überzeugungsbewusstsein). Esse sentido pensar que um a presentação nos dá apenas um a aparência ou um a opinião.
também pode facilmente ser psicologizado. Podemos tomá-lo para signifi Poderíamos, então, ter de sair em busca da verdade do que foi presentado, e
car que estamos conscientes de firmemente acreditar em algo, mas então o só o faríamos apresentando razões para tal. Temos de explicá-lo; isto é, te
algo de nossa consciência é apenas nosso estado subjetivo, o estado da firme mos de derivá-lo de outro, de premissas mais certas, até de axiomas, mostrar
convicção. E como a “crença” que David Hume e John Stuart Mill tomam porque ele tem de ser do jeito que é. Depois de tal prova, estaremos seguros
por ser o alvo de nossa percepção interior. do fenômeno. Nessa visão, não sabemos nada até termos provado; demanda
Tal interpretação de evidência seria incorreta. Aquilo de que somos mos um a prova para tudo. O evidenciar somente, portanto, não presenta a
conscientes subjetivamente quando estamos conscientes do evidenciar não é verdade. Dito de outro modo, não há tal coisa como o evidenciar. A única
um estado mental ou psicológico, mas um a exposição. Estamos conscientes
fonte da verdade é a prova.
de um a realização intelectual, um êxito em manifestação, não de um dado
Essa objeção reflete a crença de que a verdade é alcançada por meio de
interior. Se estamos conscientes de um a exposição, também estamos, essen
procedimentos metódicos. Nada é presentado diretamente para nós, mas nós
cialmente, conscientes do que é exposto: a exposição não é um a coisa interior
podemos alcançar a verdade raciocinando por meio de tais procedimentos.
contra a coisa exposta. O êxito na manifestação é alcançado em nossa vida
Descartes apelou para tal método no começo da modernidade, e pensou que
intelectual, não em nossa vida meramente psicológica. Pode haver aspectos
o método poderia substituir o discernimento (insigbt). Mesmo pessoas de
psicológicos em nossa realização (efetividade) intelectual, mas esses aspec
moderada habilidade intelectual, disse ele, poderiam seguir cada simples passo
tos não são a substância da ação. O ato de evidência é um evento no espaço
de um a prova e assim chegar a um a posse segura da conclusão, com um a
de razões, não um mero episódio psicológico.
certeza tão grande quanto poderia ser alcançada pela pessoa mais inteligen
Um ato de evidência é mais como um a mudança na lógica do que como
te. Mesmo a percepção requer prova, pensou ele, porque envolve um a infe
um sentimento ou um a dor. Um ato de evidência é um movimento para
dentro da lógica transcendental. Ele ajusta a rede de nossas proposições e rência das idéias que temos para as causas putativas “exteriores” a nós que
nossos significados. Pode ser um episódio, mas isso não o torna psicológico; devem ter produzido essas idéias sobre. Essa confiança no método é parte do
é um episódio de descoberta e verdade, um deslocar-se para a vida da razão, racionalismo da modernidade. Ela repousa na confiança que temos em larga
um a realização do ego transcendental. De fato, é movimento original para a escala nos projetos de pesquisa que prometem descobrir as verdades de que
vida da razão. Ele nos inicia naquela vida: até as coisas terem sido reveladas precisamos para tornar a vida mais fácil e melhor. A autoridade do sábio ou
por evidência direta e até entrarmos na presença de objetos inteligíveis, não da pessoa inteligente é substituída pelo projeto de método-dirigido patroci
tomamos ativamente um a posição no jogo da verdade. Até então, só estamos nado pelo governo, pela indústria ou pela academia.
Tal confiança no método e na prova é uma tentativa de assenhorear-se da Vivaldi por duas centenas de anos, ou de que não podemos realmente saber
verdade. E um a tentativa de trazer a descoberta sob controle e sujeitá-la aos quem foi Shakespeare, ou de que a escolástica sofreu um a superposição car
nossos desejos. Se conseguirmos o método correto no lugar certo, e se nossos tesiana nos séculos XVIII e XIX não são necessariamente um a tragédia. Mes
procedimentos metódicos puderem ser ajudados por computadores, estare mo quando pensamos que sabemos muito sobre alguma coisa, podemos estar
mos qualificados para resolver muitos problemas importantes. Ganharemos a perdendo algo central: um a abundância de dados históricos sobre um a pin
chave-de-braço sobre a verdade das coisas, a anuência de coagir a nós mesmos tura ou um texto ou um acontecimento, um a massa de informação sobre
e aos outros. O princípio filosófico por trás de nossa confiança no método é a um a doença ou um fenômeno celestial não garantem que podemos desvelar
idéia de que conhecemos as coisas provando-as, não realizando a evidência. a verdade das coisas em questão. As coisas podem estar esperando pelo
Em contraste com o controle sobre a verdade que o método parece nos mom ento certo para ser compreendidas. Como a hermenêutica nos ensinou,
dar, a evidência parece ser imprevisível e incontrolável. Parece depender de Verbergung é também Bergung, ocultamento é também preservação.
mais da gente que tem a habilidade para realizá-la. Parece depender de apa O ocultamento pode ocorrer de duas formas, como ausência ou como
rências, de como as coisas acontecem se mostrar para nós. Confiar na evidên vaguidade, e é a última, a vaguidade, a mais importante. A vaguidade ocorre
cia como oposta aos procedimentos metódicos pode parecer passivo demais, primeiro como presença obscura de um objeto, a matriz fora da qual o obje
não enérgico o bastante. O racionalista pode achar a contingência da evidên to pode distintamente vir à luz. Uma vez que um objeto tenha sido evidencia
cia inquietante e pode lastimar o fato de que não podemos controlar a verda do, contudo, é possível, e até inevitável, para ele m udar de volta para a va
de, mas esse é certamente o caso. Temos de esperar pela pessoa certa e pelo guidade novamente. Esse deslizamento ocorre porque temos de tom ar a evi
mom ento certo para a verdade aparecer, e devemos depender da mente habi dência adquirida por adm itida quando nos movemos para um a ulterior
tuada mais do que do método. Nem todo m undo é igual quando chega a evidência que está baseada sobre ela. A evidência original torna-se sedimenta
evidência; devemos estar preparados para ela, e devemos ter a habilidade da, como diz a metáfora fenomenológica. Torna-se um a pressuposição ocul
natural bruta para realizá-la. Não somos iguais quando se trata de revelar a ta que permite a algo mais elevado vir à luz, mas quando focamos na mais
verdade das coisas. elevada, na evidência mais nova, a mais baixa e mais original desaparece na
obscuridade. Cessa de ser autenticamente enunciada. Por exemplo, a trans
formação geométrica da natureza que tom ou lugar com Galileu e Newton
Obscuridade e verdade foi um evidenciar; trouxe à baila um a certa estrutura categorial. Com o pas
sar do tempo, os homens simplesmente tomaram por admitido que o m un
A evidência traz as coisas à luz, mas toda evidência emerge da ausência do era matemático na forma, e agora é necessário um esforço para reativar
e da vaguidade (incerteza), e o foco sobre um aspecto de um objeto geral ou reconstituir a evidência que está no centro da ciência moderna.
mente significa que outros aspectos passam para a obscuridade. A vida da Todas as nossas instituições culturais são assim. O sentido do que é o
razão não é um assunto de um a simples evidência, um a iluminação, seguin teatro também caiu num estado sedimentado; é dado por certo, mesmo que
do outra. Mais propriamente, a vida da razão é um empurra-e-puxa entre tenha sido originalmente gerado como um tipo específico de descrição e
presença e ausência, e entre claridade e obscuridade. enunciação categorial. O mesmo poderia ser dito da escrita ou mesmo da
Geralmente, consideramos que o presentar é bom, mas disso não se segue linguagem humana, com sua estrutura sintática. A própria atividade de con
que o ausentar e o ocultar sejam maus. Pode ser necessário e bom que as tar e os números que são constituídos nessa atividade podem perder sua
coisas entrem num eclipse. A obscuridade não é apenas perda; ela também direção e seu sentido originais. Além do mais, esses originais ocultos, essas
pode ser preservação e proteção. As coisas precisam de seus momentos certos formas categoriais e culturais sedimentadas, podem estar latentes ou despre
para ser vistas. Os fatos de que a pintura de Giorgione The Tempest foi guar zadas, mas elas são efetivas, e geram um campo de força cultural. São como
dada sem ser vista por muitas décadas, ou de que ainda não estamos seguros fortes magnetos enterrados no chão. Elas determinam o escopo do que faze
do que as figuras nela significam, ou de que ninguém sabia muito sobre mos e servem como premissas desconhecidas para muitas de nossas ativida-
des humanas. Aqueles que confiam no método podem desejar se iludir de fenômeno da obscuridade é a condição de possibilidade da luz e também a
que a evidência verdadeira nunca cai na obscuridade, de que nada sai de foco condição de possibilidade da filosofia, a qual reflete sobre o que a luz e a obs
quando algo novo entra em foco, porque os objetos estão sempre disponíveis curidade são. A obscuridade mesma vem à luz, tanto quanto pode, na filoso
para um a nova aplicação do procedimento. Essa expectativa de mudança na fia, mas a filosofia deve ter o bom senso de deixar a obscuridade ser. Se fôsse
presença, contudo, está condenada ao fracasso. A obscuridade e a perda são mos tentar eliminar a obscuridade, ela se tornaria um racionalismo, e poderia
tão reais qúando a clareza e a distinção. ser um a tentativa de substituir a atitude natural em vez de contemplá-la.
A filosofia busca recuperar o sentido original das coisas por meio de um
tipo de arqueologia, um a forma de pensamento que aceita as coisas culturais
e categoriais presentes em nosso m undo e tenta abrir caminho aos estratos Três níveis de estrutura de significado
de sua sedimentação categorial. Tenta seguir o passado das evidências que
foram postas em camadas umas sobre as outras na nossa história intelectual; Vamos retornar à verdade da exatidão, o tipo que ocorre quando come
tenta voltar ao ponto quando as diferenciações primitivas tom aram lugar e çamos com assertivas e proposições e a tentativa de verificar se elas são ver
estabeleceram o que agora nos é dado. Empenha-se em mover-se para trás dadeiras ou falsas. De acordo com essa verdade, é im portante distinguir três
para as constituições genéticas responsáveis pelas formações categoriais que níveis de estrutura que podem ser encontrados nas proposições. A discussão
herdamos. Compreender o essencial das coisas também significa compreen desses três níveis nos conduzirá de volta aos temas que examinamos no ca
der o arcaico e o original. pítulo VII, sob o título de vaguidade.
Essa arqueologia filosófica, além disso, não é um a forma de história Antes de desenvolver esses três níveis, contudo, devemos diferenciar entre
empírica, e não encontra suas fontes primárias em textos antigos, mesmo a sintaxe e o conteúdo de um a proposição. A sintaxe é a gramática lógica da
quando tem de fazer uso da história e dos textos. Suas fontes primárias são proposição; é expressa em termos como “e”, “mas”, “com” e “é”. A sintaxe é
as coisas culturais e categoriais que diretamente encontramos, e o que tenta o tecido conectivo dos juízos. Ela serve para acrescentar conteúdo aos ter
fazer é trabalhar com afinco nelas enquanto estão diante de nós, desemba mos das asserções e, como o “músculo” dos juízos, faz o trabalho pesado; ela
lando-as à vista de suas categorias elementares e até de suas antecipações empurra, puxa, aum enta e diminui as palavras que usamos para nomear as
pré-categoriais. Tenta “desconstruí-las”. Tomamos a linguagem, por exem coisas. As vezes a sintaxe é expressa em termos específicos, tais como essas
plo, e nos esforçamos em voltar às diferenciações para as quais a linguagem palavras que acabamos de mencionar, mas também pode ser expressa por in
emerge de outros tipos de sinais; tomamos a geometria e nos esforçamos flexões (tais como os vários casos de substantivos) e pela posição de palavras
por voltar aos tipos de intencionalidades que estabelecem a geometria en na sentença: na sentença “John bateu o carro”, podemos dizer qual substanti
quanto tal, como é diferenciada de outros fenômenos espaciais. Textos mais vo é o sujeito e qual é o objeto pela posição que ocupam na sentença; “o carro
antigos e formas primitivas são indispensáveis para compreender esses co acertou John” diz algo completamente diferente. Os termos sintáticos são tam
meços, mas tais textos e formas não nos dão as explicações que procuramos bém chamados de partes sincategoremáticas dos juízos (a fenomenología apro
em nossa investigação das origens das coisas, as diferenciações primitivas priou-se do termo tomando-o da lógica medieval). Essas partes são chamadas
que são mais um assunto de compreensão filosófica do que de compreensão de sincategoremáticas porque não aparecem por si mesmas como unidades de
histórica ou empírica. significado; elas devem ser anexadas a outras palavras, as palavras que elas
A filosofia depende, então, do fato de que alcancemos a verdade, mas não combinam; elas precisam ocorrer “com” outras palavras.
a verdade toda na atitude natural. Não haveria filosofia se não alcançássemos O conteúdo de um a afirmação, por contraste, serve não para ligar outras
alguma verdade, afinal. Se não tivéssemos um a opinião correta e ciência. A palavras, mas para expressar as coisas ou aspectos sobre os quais se está fa
filosofia reflete sobré o que significa essa realização racional. Porém, também lando. Para alcançar a noção de conteúdo, vamos imaginar a sentença “John
não haveria filosofia, nem busca da sabedoria, se soubéssemos tudo, se não acertou o carro” como sendo drenada de toda estrutura sintática. Se remo
houvesse nem obscuridade, nem vaguidade, nem erro e nem ignorância. O vêssemos toda a sintaxe, seriamos deixados com um resíduo de conteúdo
puro: “bateu, John, carro”. Teríamos de projetar isso para um extremo ideal 2. Uma vez tendo alcançado sintaticamente as proposições significati
e até imaginar que as palavras “John” e “carro” não são mais substantivos e vas, contudo, um segundo nível surge; aquele que está relacionado à consistên
a palavra “bateu” não é mais um verbo. Também teríamos de imaginar que cia das proposições. Duas asserções podem ser sintaticamente significativas
a posição relativa das palavras não tem qualquer significação. Se pudésse e ainda contradizer um a à outra: “ele chegou em casa às cinco horas; ele não
mos purificar a sentença desse modo, teríamos apenas os conteúdos sem estava em casa às cinco horas”. Até um a simples asserção, se é complexa o
qualquer estrutura. Teríamos apenas termos categoremdticos puros, palavras bastante, pode ser contraditória em si mesma ou inconsistente: “ele entrou
que simplesmente nomeiam as coisas, mas sem qualquer ordenamento ou no edifício branco que estava m arrom ”. Tais asserções são gramaticalmente
enunciação. Teríamos semânticos puros sem nenhum a sintaxe. aceitáveis, mas elas “falam contra”, elas contradizem a si mesmas. Numa con
Tal projeção na sintaxe pura e na semântica pura como separadas total tradição asseveramos um a coisa e em seguida a “desasseveramos” ou afirma
mente um a da outra é, naturalmente, puramente imaginária. De fato, toda mos sua negação. Nós temos de fato um a asserção significativa, aceitável
palavra que usamos tem um a sintaxe, e quase todas as palavras têm uma sintaticamente, porque se não fosse não poderíamos nem mesmo saber que
semântica vinculada a ela; as duas características são momentos de um a para um a contradição havia ocorrido; nossa fala satisfez o critério concernente à
a outra, não peças que podem ser separadas. Mais, é legítimo fazer a distin sintaxe. Contudo, ainda não temos dito “um a coisa”: temos dito duas coisas
ção entre a sintaxe e o conteúdo como duas dimensões de proposições e sob o modo de dizer um a e as duas são inconciliáveis. Não podemos asseve
palavrás. A distinção, além do mais, é muito útil em nossa fenomenología da rar a ambas. Estamos dizendo algo, mas também o estamos desdizendo. Há
razão, e permite-nos analisar os três níveis de estrutura que apresentamos um significado, mas lampejos dele que se acendem e se apagam; já na sintaxe
para examinar no começo dessa seção. falsificada não há significado de nenhum modo; lá o “significado” desinte
1. O primeiro nível trata dos tipos de combinações sintáticas que per gra-se. Uma afirmação inconsistente, ainda que significativa, não pode ser
mitem proposições significativas. Se fôssemos combinar um a seqüência de um a candidata à verdade da exatidão. Sabemos apriori que não há questão
termos tais como “portanto, é, e, X (o nome de algum objeto), com”, não difícil para a veracidade ou a falsidade de um a inconsistência.
teríamos um todo significativo. De outro lado, um a combinação como “por A inconsistência é um a falha diferente da falsidade sintática, mas ain
tanto, X veio com Y” é significativa e poderia ser usada num a situação apro da está relacionada mais à sintaxe do que o conteúdo de nossas asserções;
priada. A primeira seqüência é um a miscelânea sem um sentido unitário, e a tem a ver com as combinatorias de proposições, com o como elas são pos
deficiência repousa na sintaxe da seqüência. Essa seqüência de termos não tas juntas. A sintaxe lida com o modo pelo qual os termos se ju n tam para
seria apresentada como um todo de significado. Obviamente, tal seqüência formar um a proposição, e a consistência trata da maneira pela qual as pro
não atingiria a verdade da exatidão, porque não é nem mesmo um candida posições podem ser compostas em proposições complexas ou totalidades
to a verdade ou a falsidade. E simplesmente sem sentido. Estritamente fa mais amplas.
lando, nada está sendo dito, mesmo se alguém está falando. Além do mais, 3. O terceiro nível de estrutura, contudo, trata do conteúdo do que di
tal miscelânea sintática não é um constructo meramente filosófico; tal fal zemos. Trata da coerência das afirmações que fazemos. Podemos ter sucesso
sificação de seqüência de palavras ocorre às vezes quando as pessoas estão em fazer afirmações que sejam ao mesmo tempo sintaticamente corretas e
falando. Podem ocorrer quando os falantes estão sob tensão emocional, ou consistentes, mas falhar porque seus conteúdos não têm nada a ver um com
quando os falantes ou escritores estão extremamente confusos sobre o que o outro. Por exemplo, um a afirmação como “meus tios são ilegíveis” é inacei
estão tentando discursar. As pessoas incorrem em balbucios. Tais falantes tável, não por causa da sintaxe ou da autocontradição, mas por causa da
não apresentam um a afirmação que seja um a candidata à verdade, e a ra incoerência: os termos “tios” e “ilegíveis” não se associam um com o outro.
zão pela qual falham se encontra na inadequação sintática do que estão Eles pertencem a categorias diferentes ou jogos de linguagem diferentes, re
dizendo, e não na falsidade de seu discurso. O que eles dizem não é sequer giões diferentes do discurso e do ser. A afirmação é “absurda”, mas absurda
capaz de ser falso, poique falha em satisfazer a pré-condição da verdade e num modo diferente das afirmações que são deficientes na sintaxe. Não há
da falsidade. . nada errado com a sintaxe dessa proposição, mas seus conteúdos estão for
çados juntos erradamente. Outros exemplos dessas afirmações incoerentes Detectar um a inconsistência é um modo de criticar um argumento, mas
são: “esse livro é alto”; “meu gato é um pirata”; “aquela árvore é monoglota” outro modo é detectar um a falha sintática, falha que mostra em primeiro
e “a décima emenda foi grelhada”. lugar que o falante falhou formalmente em agregar um a proposição. Uma
A todas essas afirmações, incidentalmente, poderia ser dado um signi elocução com sintaxe falsificada nem mesmo se qualifica a ser testada pela
ficado se elas fossem tomadas metaforicamente, mas estamos presumindo consistência. Porém, a incoerência também desqualifica um a afirmação de
que elas estão sendo estatuídas literalmente. Na verdade, a natureza da me ser testada pela consistência. Uma afirmação incoerente, tal como “meu gato
táfora é pôr juntos termos de diferentes regiões do discurso a fim de enun é um pirata”, transcende a contradição ou não-contradição. Dizer do gato
ciar novos aspectos nas coisas de que se fala. Uma metáfora ostenta sua in que é e não é um pirata não é dizer nada contraditório, porque não há signi
coerência a fim de representar um ponto principal. ficado proposicional válido a ser contraditado. A incoerência do conteúdo,
Alguém poderia objetar que ninguém cometeria erros estúpidos como como a confusão na sintaxe, viola as precondições para a consistência.
esses; ninguém diria que seus tios são ilegíveis ou que um a árvore é mono Essas três deficiências no pensamento — sintaxe falha, contradição e
glota. E verdade que os exemplos dados foram escolhidos por causa da sim incoerência — podem atualmente ocorrer quando nosso pensamento é pe
plicidade, são forçados, mas há muitas áreas na vida nas quais as pessoas netrado pela vaguidade, e a vaguidade, como vimos no capítulo VII, não é
falam incoerentemente. A incoerência na fala não é um fenômeno raro. Muitas rara no discurso humano. É o que todos nós somos em algum momento e
das afirmações sobre assuntos políticos, por exemplo, falham nesse quesito, alguns de nós na maior parte do tempo quando falamos. O pensamento
e igualmente muitas das coisas ditas sobre religião, arte, educação, moralida indistinto, a confusão, é a fonte para todas as três confusões, mas especial
de, emoções hum anas e filosofia. Qualquer professor que se graduou em mente para a terceira, para a incoerência. É raro que sejamos sintaticamente
teoria política ou filosofia saberá que a maior dificuldade com composições negligentes; se cairmos assim tão baixo estaremos balbuciando antes que
fracas não é que as afirmações que se fazem nelas são falsas, mas que elas são falando. Porém, a incoerência é m uito comum, especialmente quando as
incoerentes: elas m isturam palavras que não são apropriadas juntas. É muito pessoas começam a falar sobre coisas que vão além dos simples e óbvios fatos
difícil com entar esses ensaios, porque não são proposições distintas que e entram mais nas questões reflexivas.
podem ser aperfeiçoadas ou corrigidas. Nada específico pode ser dito em
resposta. E mais geralmente, fora do domínio dos exames acadêmicos, é muito
difícil corrigir concepções errôneas que a pessoas têm a respeito de arte, po A experiência dos indivíduos como a evidência básica
lítica ou religião, não porque o que as pessoas dizem seja simplesmente errô
neo, mas porque é incoerente. A coerência dos conteúdos das proposições, por conseguinte, é um a
Os três níveis de estrutura proposicional que distinguimos — a forma precondição para a consistência e a verdade das proposições. De onde vem
sintática, a consistência e a coerência — ajudam-nos a atingir diversos pon tal coerência? Como obter as regras que nos dizem que conteúdos podem ser
tos im portantes a respeito do raciocínio humano. Com essas distinções po misturados com os outros?
demos, por exemplo, mostrar como a lógica formal opera na busca da verda Não é o caso de que nós simplesmente divisamos regras de relevância
de. A lógica formal provê as regras para o segundo nível, o da consistência. que nos dizem que o termo “tios” mistura-se com “masculino, alto ou baixo,
Ela não nos assegura da verdade das proposições, mas explica nos mínimos barbudo ou não, generoso ou sovina” etc., e que o termo não se m istura com
detalhes as condições para sua validade, condições que as proposições devem “ilegível, astronômico, felino, molecular” etc. Não é o caso de que a coerência
preencher se são mesmo candidatas à verdade. A lógica formal m ostra como venha só de regras lingüísticas que governam nosso vocabulário. Antes, a
as proposições podem ser validamente combinadas em todos maiores, em coerência dos conteúdos das proposições vem de nossa experiência dos obje
argumentos, sem colapsar em contradições. Se um conjunto de proposições tos, e especificamente de nossa experiência de objetos individuais. Vem do
é inconsistente, sabemos que não poderíamos confirmá-las evidenciando as fato de que em nosso encontro com as coisas particulares encontramos cer
coisas que expressam; tal evidência é excluída a priori. tos conteúdos ou categorias que pertencem em conjunto; enunciamos as
coisas como tendo tais características. As características emergem quando mos que a maçã é vermelha e a casa é branca, mas também vemos instâncias
trazemos os objetos do evidenciar pré-predicativo ao predicativo. Todas as de decepção, generosidade, utensílios, esporte, e no enunciar essas instâncias
proposições que formulamos derivam no final das contas das nossas pró nós nos exercitamos fora das características que essas coisas têm. Não é ver
prias experiências ou das que outras pessoas em nossa comunidade lingüís dade que os únicos indivíduos que experienciamos são simplesmente coisas
tica tiveram das coisas em questão. Para um a proposição como “meus tios materiais como pedras e árvores.
são calvos” ser verificável, a m istura de conteúdos “tios-calvos” deve ser pos Finalmente, a consistência e a coerência não são encontradas somente
sível, e sua possibilidade surge porque essa m istura particular pode, em prin em assuntos teóricos. O pensamento prático é também governado por elas.
cípio, ser enunciada da experiência pré-predicativa. Podemos encontrar esses Podemos criticar um programa público ou um projeto pessoal por ser incon
dois conteúdos misturados juntos. sistente ou incoerente; seus significados podem contradizer um ao outro ou
Na verdade da exatidão, partimos com a proposição e retornamos a ela os propósitos que eles pretendem servir; várias metas incompatíveis podem
para a evidência da experiência pré-predicativa. A proposição originalmente ser buscadas ao mesmo tempo (estamos agindo em propósitos que não se
surgiu do evidenciar pré-predicativo individual, e agora retorna à mesma fonte entendem); muitos dos sentidos dos significados e dos fins podem ser com
e é fundida efetivamente no experienciar pré-predicativo quando é confirma pletamente falsificados em nosso planejamento. As vezes um a inconsistên
da. Se a proposição é falsificada, achamos que nosso evidenciar resiste à in cia na ação pode surgir por causa das pressões inevitáveis postas no projeto;
tenção que tentamos preencher nela. Não encontramos a verdade das propo sabemos que o programa tem problemas, mas algo tem de ser feito, isso é o
sições apenas por examinar as afirmações nelas mesmas; as afirmações são melhor que podemos fazer e tentamos alcançar o objetivo de qualquer jeito.
engrenadas teleologicamente para confirmação ou desconfirmação pelas Outras vezes, contudo, as inconsistências e incoerências simplesmente reve
coisas mesmas, pelos objetos que encontramos em nossos vários modos de lam a incompetência do agente.
percepção. N a hierarquia de evidências, aquelas que são intrinsecamente
primeira e últim a são as da experiência direta das coisas. Todos os nossos
significados, com suas estruturas sintática e semântica, nascem da experiên A evidência e a beleza
cia e são engrenados para a experiência e os seres descobertos nela.
O discurso humano, portanto, está direcionado para as coisas em sua As coisas que evidenciamos não são apenas fontes de informação inútil.
inteligibilidade e a razão hum ana está determinada para a verdade como seu Nós não aprendemos apenas os fatos de que a árvore é alta e o sol é brilhante.
fim e perfeição. As estruturas formais não são fins em si mesmas, mas instru Antes, as coisas, além de ser verdadeiras, são também boas e admiráveis. As
mentos na descoberta das coisas. As estruturas lingüísticas podem formar coisas que conhecemos são preciosas. A razão por que continuamos a perce
todos de complexidade extraordinária, e podemos, às vezes, estar tão encan ber as coisas, a razão por que giramos o cubo para ver seus outros aspectos
tados por elas que pensamos que nada há senão o jogo de significativo e ou caminhamos no edifício para ver partes que não podemos ver a partir do
sintaxe, que elas são suficientes em si mesmas. Tanto os estruturalistas como lado de fora é que há algo im portante para nós descobrirmos. As coisas so
os desconstrucionistas acreditam nisso, pensando que não há “centro” além licitam nosso interesse e provocam nossa enunciação: elas agem assim
do jogo de significações. Mas a fenomenología vê os padrões formais da lin porque descobrir sobre elas satisfaz várias necessidades e diversos interesses
guagem como dotados de um a até maior dignidade e beleza: eles não apenas que temos (a maçã está m adura o bastante para comermos, a árvore pode ser
interagem um com o outro, mas servem para descobrir o modo como as escalada), mas também porque as coisas em si mesmas são belas e recompen
coisas são e o modo como as coisas podem ser. A mente que constitui o sig sam nossa curiosidade. As coisas que conhecemos não são apenas um rol
nificado e sua estrutura formal age assim, no final das contas, para eviden insípido de informação indiferente, mas fontes de manifestações maravilho
ciar a verdade das coisas. sas. Somos continuamente surpreendidos em ver o que um a coisa é e tam
As coisas que experienciamos, entretanto, não são apenas os objetos bém o que outra pode ser, o que “outros lados” podem nos oferecer. Não
materiais percebidos por meio de nossos cinco sentidos. É verdade que ve- im porta a quantos jogos de futebol um torcedor assistiu, ele ainda está curioso
para ver como este será e que face o jogo apresentará desta vez. Não im porta do. Todas essas manifestações pertencem à mesma coisa em questão. Qual
quantas vezes tenhamos ouvido as Variações Goldberg, estamos ansiosos para quer verdade que se realiza está sempre circundada por ausência e obscurida
ouvir esta interpretação e ver o que ainda mais a peça pode ser. Não im porta de, por mistério, desde que a coisa que conhecemos é sempre mais do que
quanto tempo dois amigos gastaram juntos, eles sempre procurarão um outro sabemos, a referência é sempre mais do que o sentido.
encontro para desfrutar as novas manifestações que virão à luz. Não nos A vida da razão caminha, assim, por meio de estruturas intricadas de ló
cansamos de ouvir sobre a ação hum ana (heroísmo ou covardia, generosida gica formal, de sintaxe combinatória, da coesão dos conteúdos proposicio-
de ou avareza) em sempre-novas situações. Tudo — um jardim ou um a árvo nais, e da interação de presença, ausência e vaguidade. Ela abriga a ambos,
re, um a peça de joalheria ou um passeio favorito — tem seu kalon e é belo ou descoberta direta e exatidão. Move-se entre sedimentação e revivificação. É
admirável desde sua feição própria. um a vida guiada pelo ego transcendental e orientada para evidenciar o modo
Dizer que um a coisa é um a identidade em multiplicidade não é dizer como as coisas são.
que ela apenas produz mais e mais dados, como muitas cópias de um e do
mesmo jornal. Mais apropriadamente, a coisa é como um a fonte radioativa
que se m antém emitindo diferentes tipos de energia, mesmo enquanto per
manecendo e sendo identificada como um e o mesmo objeto. A manifesta
ção não nos dá apenas fatos; revela a beleza peculiar da coisa em questão. E
ainda que fôssemos rude e grosseiramente utilitaristas e nos tornássemos
cegos à elegância das coisas em si mesmas, se nosso interesse nas coisas fosse
motivado só pelo fato de que as coisas podem servir-nos de algum modo,
mesmo assim, em nosso pragmatismo filisteu, poderíamos ainda reconhecer
um tipo de bem na coisa, um bem de utilidade. Mesmo assim, a coisa não
seria meramente um a fonte de informação.
Todos os elementos radioativos têm um a meia-vida; eles tornam-se exau
ridos com o passar do tempo, mesmo quando ainda podem continuar emi
tindo energia por milhares de anos. Uma coisa como um a fonte de manifes
tação, como um a identidade em multiplicidade, não tem um a meia-vida. Ela
gera novas manifestações, para um dativo que as apreciará, com maior e maior
intensidade, não com força decrescente. Ela é inexaurível, um a reserva sem
fim de descobertas surpreendentes. Nunca sabemos tudo o que pode ser dito
sobre um objeto. A coisa como um a identidade tem profundidade; por mais
que as manifestações possam ser presentadas para nós, há ainda outros seres
guardados na reserva, e todos eles pertencem a um a e à mesma coisa: como
parecerá o Empire State Building quando o virmos ao anoitecer da perspec
tiva do passeio nos altos do Brooklyn? Como foi Eisenhower como presiden
te? Como será o Hamlet na interpretação de Kenneth Branagh? Que realce
dará o açafrão a esse prato? Algumas das manifestações que já trouxemos à
tona, além do mais, podem voltar à obscuridade e ser vistas novamente só
num tempo posterior e em outras perspectivas, por falantes de outras lín
guas, para um a comunidade que pode recordar coisas que tivermos esqueci
INTUIÇÃO EIDÈTICA
Modernidade e pós-modernidade
A c
adequação n a análise fenom enològica, 66, 67 Cairns, D orion, 234
alm a, 35, 53 categorialidade, 121, 228
alucinações, 23, 24 cérebro, 18,19, 3 4 ,6 6 ,7 6 ,8 5 ,1 1 8 ,1 2 4 -1 2 7 ,1 5 8 ,
anim ais, 2 2 ,2 3 ,9 6 ,1 0 0 ,1 1 9 ,1 2 0 ,1 3 1 ,1 4 2 ,1 6 9 , 1 7 4 ,2 1 8 ,2 1 9
196, 221 ciência, 60-63, 67, 68,71, 72, 109, 114,115,124,
apofàntica, 110, 115,198 126, 132, 138, 157-160, 162, 163, 167, 177,
178, 197, 209, 214, 216, 221, 222, 227
Aristóteles, 31, 53, 62, 72, 166, 205, 235
citação, 112, 139, 204
arqueologia, 178, 183
citacional, 112
Arquivos de Husserl, 224, 2 3 1,237, 238
coerência, 181-183, 185
arrep en d im en to , 45
com binações, 180
a titu d e fenom enològica, 13, 51, 54, 56-60, 62-
67, 69, 8 5,133, 1 3 4 ,1 4 3 ,2 0 4 ,2 0 5 ,2 0 7 conceitos, 13, 14, 18, 23, 45, 106, 107,109, 115,
128, 162, 198, 213, 228, 236, 237
a titu d e n atu ral, 13, 51, 54, 56-61, 63, 64-68, 71-
73, 84, 85, 97, 113, 133, 134, 166, 178, 179, concreto, 33, 5 3 ,131
193, 1 96-198,201-208,211,220-222 consciência d o tem po interno, 142-145,150-156,
ausência, 12, 1 3 ,2 6 ,2 9 , 3 1 ,42-49,55, 67,75-77, 224, 237
84, 85, 89, 91, 108, 113, 120, 132, 134, 143, consistência, 114, 117, 181-183, 185
147-150, 153-155, 159, 164, 165, 176, 177, constituição, 10, 103, 104, 118, 126, 145, 217,
1 8 7 ,2 1 6 ,2 2 8 , 2 2 9 ,2 3 1 ,2 3 6 218
constituição genética, 104
corporalidade, 135-138
B crença, 54-57,63,6 4 ,7 2 ,8 0 -8 2 ,9 7 ,1 1 0 ,1 1 6 ,1 3 3 ,
174, 175,200-202, 2 0 5 ,2 1 1 ,2 2 7
Beckett, Sam uel, 19, 20
beleza, 184-186
biologism o, 124, 125 D
B rentano, Franz, 219, 223, 225 deliberação, 82, 83, 118, 138, 173
bricolage, 12 Derrida, Jacques, 221, 238
ÍNDICE REMISSIVO
Descartes, René, 2 9 ,3 1 ,6 3 ,6 4 ,7 1 ,1 0 9 ,1 5 7 ,1 6 0 , 1S5, 163, 167, 173, 178, 179, 182, 191, 193,
Ingarden, R om an, 225, 235 m em ória, 13, 43, 49, 66, 75-85, 87, 96, 99, 103,
175, 207, 211, 214, 226, 229, 232, 238 195, 197, 198, 201-209, 211, 213-221, 223-
227, 229, 230, 232-235, 237-239 intencionalidade, 10,12,1 4 ,1 7 -2 2 ,2 4 ,2 8 ,2 9 ,4 4 , 105, 114, 121, 134, 137, 142, 146-148^ 15o’
desconstrução, 235, 236
4 5 ,4 8 ,4 9 ,5 2 -5 4 ,5 6 ,5 8 -6 0 ,6 2 ,6 3 ,6 8 ,6 9 ,7 5 - 151, 154, 162, 195,203, 229
desinteresse em filosofia, 202 filosofia analítica, 233, 234
78, 80, 81, 87-92, 94, 99, 100-102, 104, 105, M erleau-Ponty, M aurice, 10, 11, 213, 232, 233
dúvida, 54, 57, 61, 63, 64, 80, 202 filosofia medieval, 220
107, 111-113, 115, 119, 121, 129, 138, 143, m etáfora, 59, 177, 182, 221
filosofia política, 1 5 ,2 11,213,214,216-218,237 150, 154, 157, 159, 160, 171, 189, 194-196,
m étodo, 63, 158, 161, 175, 176, 178, 212, 214,
física, 22, 32, 42, 61, 62, 67, 139, 158, 161, 162, 202, 203,205, 216, 221, 223,228, 229, 231 221,2 2 6
E 169 intenções significativas, 47, 89-92, 94, 96, 100
m odernidade, 7 ,1 5 ,1 7 5 ,2 1 1 ,2 1 3 -2 1 6 ,2 1 8 ,2 1 9 ,
educação, 182, 217, 219 Frege, G ottlob, 234 intenções vazias, 2 6 ,4 2 -4 4 ,4 6 ,4 7 ,4 9 ,5 2 ,6 9 ,8 9 , 221,222
ego, 1 4 ,5 3 ,5 5 ,5 6 , 6 7 ,8 0 ,8 2 ,1 2 1 ,1 2 3 -1 2 6 ,1 2 8 - fu n d a m e n to , 21, 65, 162 9 1 ,2 0 2 M ohanty, J. N., 234
139, 144, 163, 166, 167, 173, 174, 187, 216, intersubjetividade, 1 4 ,4 0 ,4 9 ,1 5 7 ,1 6 3 ,1 6 5 ,1 6 6 m undo, 10, 14, 19-24, 26, 34, 42, 45, 51-62, 64,
2 3 1 ,2 3 2 ,2 3 7 intuição, 1 0 ,1 4 ,4 2 ,4 4 ,4 8 ,9 0 ,9 1 ,1 0 1 ,1 0 6 ,1 8 9 - 65, 68-73, 76, 78, 80, 81, 84, 87, 90, 96, 97,
ego em pírico, 123, 129, 138 G 1 9 6 ,2 1 4 ,2 1 5 ,2 3 1 106, 107, 109-111, 120, 121, 123, 124, 129,
ego transcendental, 67, 121, 124, 126, 128-138, G adam er, Hans-G eorg, 225, 235, 236 in tu ição categorial, 10, 101, 106 131-137, 139, 141-145, 147, 149, 151, 155,
144, 163, 166, 167, 174, 187, 216, 237 G urw itsch, Aron, 232, 234 in tu ição eidètica, 10, 14, 189-191, 193-195, 196 157-165, 172, 174, 176-178, 192, 193, 195,
Einstein, Albert, 192 197, 199-202, 204, 205, 207, 208, 213, 216,
218,221, 225, 228, 230,23 3 ,2 3 4 ,2 3 6 , 237
Eliot, T. S., 152
epistem ologia, 15, 70, 211,2 1 3 , 214, 218, 238 H J m undo-da-vida, 14, 157-159
Hegel, G. W. F., 213, 214, 230, 232, 236 Jam es, William, 7, 147, 170, 234
epoché, 58, 69, 72
escola de fenom enologia de G öttingen, 224,225 Heidegger, M artin, 10,1 1 ,5 9 ,1 4 9 ,1 5 5 ,1 7 2 ,2 1 5 , N
escola de fenom enologia de M unique, 224, 225 223-231,234-237 κ neutralização, 58, 63-65, 80
esfera d a si-m esm idade, 165, 166 herm enêutica, 11, 177, 216, 227, 235, 236 N ew ton, Isaac, 157, 160, 177, 192, 195
Kant, Im m anuel, 109, 128, 214, 220, 223, 226,
essências, 126, 162, 189, 190, 195 H obbes, T hom as, 36, 195, 207, 211-214, 218 229, 230 N icklaus, Jack, 47, 48
E stado m od ern o , 212-214, 217 H ocking, W illiam E fnest, 233 N ietzsche, Friedrich, 2 1 5 ,2 3 0 , 236
evento histórico, 37, 38 Husserl, E dm tm d, 10-12, 31, 46, 61, 152, 155, noem a, 68-70,1 1 5 ,1 7 1 , 203-206, 2 0 9 ,2 3 2 ,2 3 4 ,
166 ,2 1 5 ,2 1 9 , 223-238 L
237
evidência, 10, 14, 15, 19, 48, 58, 65, 71-73, 91,
Lévinas, E m m anuel, 11, 231, 241 noesis, 68-70
121, 125, 129, 139, 156, 167, 170-178, 182-
185, 190, 193, 197-199, 202, 215, 216, 221, linguagem , 33, 36, 37, 49, 53, 67, 73, 95, 100,
228
I 102, 105, 107, 109, 113, 115, 118-121, 125,
129, 130, 1 5 4 ,1 5 5 ,1 5 8 , 165, 169, 177, 178,
O
experiência pré-predicativa, 104, 105, 184 idealização, 159-162
181, 184,189, 1 9 7 ,2 0 0 ,2 2 1 ,2 2 9 ,2 3 6 O akeshott, M ichael, 213, 238
expressão, 19, 37, 66, 218 identidade, 12-14, 27-29, 31, 34, 36-42, 44, 46,
47, 49, 53, 55, 59, 62, 66, 67, 75-82, 88, 91, lògica, 3 4 ,55, 105, 114, 115, 117, 125, 138, 154, objetos categoriais, 14, 99, 102-104, 106, 113,
95 ,9 6 ,1 0 0,102-106,123, 134,137-139,141, 156, 162,164, 174, 179, 182, 1 8 7 ,2 0 7 ,2 2 1 , 114, 116-121,134, 139,170, 207
143, 150-153, 155, 159, 161-164, 167-169, 224 objetos estéticos, 38, 49
F
171, 186, 189, 190, 216, 232, 236 ocultação, 40, 176-179, 186, 187
Faber, M arvin, 233
ilusões, 23, 24, 54
fenom enologia, 10, 11-15, 17, 1 8 ,2 1 -2 5 ,2 9 ,3 1 , Μ op in ião pública, 116, 118
im agem , 20, 44,45, 48, 76,78, 79,84, 85, 88, 89, O rtega y Gasset, José, 234
35, 40, 42, 44, 48, 49, 51, 58, 60, 62-65, 68- m anifestações, 37, 39-41, 44, 48, 57, 59-61, 66,
92-94, 107, 115, 131, 147, 207, 224, 228
73, 78, 90, 94, 99, 100, 103, 104, 109, 111, 71,75-77,95-97,101,123,134,185-187,194,
im aginação, 13, 17, 4 0 ,4 9 , 75, 78, 80-84, 87,88,
114, 115, 119, 120, 123, 125-129, 138, 140-
95,96, 99, 105,11 3 ,1 1 4 ,1 2 1 , 134, 151,154,
228 P
143, 145, 147, 154, 155, 158, 159, 162, 163, M aquiavel, 71, 211-214, 217
165, 168, 171, 172, 179, 180, 184, 189, 196- 160, 191-193, 195, 196, 203, 231 palavras, 1 0 ,1 1 ,1 3 , 14, 22-24, 2 7 ,4 4 ,4 5 , 53, 67,
M arx, Karl, 36, 213, 232 68, 70, 87-96, 100, 106-108, 115, 117-120,
198, 204, 206, 208, 211, 213-216, 218-226, im precisão, 163
230-235, 237-238 m atem ática, 9 , 1 5 ,4 3 ,4 7 ,5 8 ,5 9 ,6 8 ,7 2 ,1 1 8 ,1 3 8 , 130, 139, 142, 169, 171, 173,179, 180,182,
indexações, 129, 132-134, 138-140, 200, 208,
154, 157-159, 161, 162, 167, 169, 170,216, 1 9 4 ,1 9 9 ,2 0 6 ,2 2 9 ,2 3 7
filosofia, 9-15, 18, 20, 22, 31, 34, 45, 49, 58, 60, 2 0 9,216
2 2 1 ,2 2 4 ,2 2 9 ,2 3 3 p artes e todos, 1 2 ,1 3 ,3 1 ,3 2 ,3 4 -3 6 ,7 5 ,1 2 1 ,1 3 7 ,
61, 63, 65-68, 70-73, 90, 99, 100, 109, 134, indicações, 94
Mays, Wolfe, 234 1 4 3 ,1 5 2 ,2 3 5
Patocka, Jan, 235 religião, 40, 182, 226, 227, 230, 233 tem poralidade, 14, 141-145, 147-149, 151, 152,
percepção, 13, 21, 25-29, 33, 34, 36, 47-49, 56, retenção, 58, 147-149, 152-154 154, 165,227
Van Breda, H e rm án Leo, 230, 231
66, 75-81, 83-85, 87-93,95, 96, 99-103, 105, revelação, 12, 15, 66, 69, 172, 173, 218-220 teoria d a correspondência, 111
variação im aginativa, 191-193, 196
106, 114, 119-121, 125, 132, 134-136, 142, teo ria dos conjuntos, 55
Ricoeur, Paul, 11, 233 verdade, 12-15, 19,21, 23, 38, 44, 47, 52, 5 6 ,58,
146, 147, 151, 154, 160, 162, 170, 173-175, tipicalidade, 190
Rota, Gian-Carlo, 9, 10 61,67,70-7 3 ,9 5 -9 7 ,1 0 0 ,1 0 2 ,1 0 3 ,1 0 5 ,1 0 8 *
184, 191, 195, 196, 203-205, 216, 220, 228,
Tocqueville, Alexis de, 213 109, 111-116, 119, 121, 124-126, 128-136,
229, 231,2 3 3
to m ism o , 15, 219, 220, 235 139, 146, 152, 156-160, 166-185, 187, 193,
perfis, 25, 27-29, 34, 36, 37, 39, 40, 48, 52, 59,
66, 75, 78, 93, 95, 100, 103, 105-107, 112,
s transcendental, 51, 67-71,73, 7 6 ,8 0 ,8 4 , 90,97,
195, 197-204, 206-209, 211, 213-221, 228,
Sartre, Jean-Paul, 11, 213, 231-233, 236 229, 237
161, 163, 189 113, 121, 123, 124, 126, 128-138, 144, 145,
Scheler, Max, 224, 225, 230, 237 163, 164, 166, 167, 174, 187, 196-198, 203,
Platão, 10, 11,31, 1 5 5 ,2 3 0 ,2 3 6
Plotino, 155 Schutz, Alfred, 234 2 1 6 ,2 2 0 ,2 2 4 ,2 2 5 , 237 w
sedim entação, 178, 194, 202 transcendentales, 67, 68, 73, 197 Wojtyla, Karol, 235
p ô r e ntre colchetes o u e ntre parênteses, 58, 59,
64, 97, 203, 205, 207, 208 sentença, 26, 37, 39,88, 119,120, 129,130, 179,
pós-m odernidade, 15, 211, 215, 219, 221, 222 180
P ound, Ezra, 21 sentido, 10, 12, 14, 15, 17, 21, 28, 36, 37, 40,41,
pred icam en to egocêntrico, 1 8 ,1 9 ,2 1 ,2 2 ,3 1 ,4 9 , 45-48, 55, 60, 63, 67-71, 77, 78, 81-83, 85,
88-92, 95, 96, 99, 103, 110, 112-116, 118,
55, 100,218
120, 127-133, 135-137, 146-148, 151, 155,
presença, 12, 13, 26, 27, 29, 31, 37, 40, 42-49, 52,
162, 165, 166, 168, 169, 171-174, 177, 178,
5 5 ,6 5 ,6 7 ,7 1 ,7 5 ,8 4 ,8 5 ,8 8 ,8 9 ,9 1 ,9 2 ,9 4 ,9 5 ,
180, 187, 194, 198-200, 203-207, 209, 217,
108, 110, 120, 121, 128, 134, 143, 146, 147,
2 2 2 ,2 3 4 ,2 3 6
149, 153-155, 159, 163, 170, 171, 173, 174,
176-178,187,190,208,216,219,228,232,233 si, 9, 14, 19-21, 23, 24, 32-34, 39, 40, 42, 44, 48,
53, 55-63, 65-67, 70, 72, 73, 75, 78-80, 82-
presença e ausência, 1 2 ,1 3 ,2 6 ,3 1 ,4 2 -4 6 ,4 8 ,4 9 ,
8 4 ,8 9 ,9 7 ,1 0 2 -1 0 4 ,1 1 4 ,1 1 5 ,1 1 7 ,1 1 9 ,1 2 1 ,
67, 75, 8 4 ,9 1 , 1 3 4 ,1 4 3 ,1 5 5 ,1 5 9 ,1 7 6 ,2 1 6
123-127, 130-135, 137-140, 142-148, 150-
presente vivo, 145-150 153, 156, 162-167, 172-174, 179, 181, 184-
proposições, 1 3 ,14,21,41,99,108-111,114,115, 186, 190, 197, 198, 203, 205, 211, 213-215,
117, 121, 127, 168, 170, 174, 179-184, 198, 218, 220-222,227, 228, 230, 232
2 0 2 ,2 0 6 ,2 0 8 significado, 44, 67, 99, 107-110, 112, 115-117,
protensão, 147, 149-151, 154-156, 247 125, 126, 168, 169, 171, 179-184, 206, 208,
psicologism o, 125-127, 225 209, 237
sím bolos, 13, 14, 24, 37, 87, 9 4,95
R sincategorem as, 119, 120, 179, 180
sintaxe, 8 9 ,9 5 ,9 9 ,1 0 0 , 102, 105,106, 114, 119-
racionalism o, 71, 175, 179, 207, 214, 215,221
121, 125, 129, 154, 179-181, 183, 184, 187,
razão, 12, 14, 15, 19, 29, 37, 42, 44, 45, 69, 71,
2 0 0 ,208
7 2 ,8 9 ,1 0 2 ,1 1 7 ,1 2 1 ,1 2 3 ,1 2 5 ,1 2 8 ,1 3 0 ,1 3 1 ,
soberania, 212, 213, 217, 218
133, 153, 164, 167-169, 172, 174, 176, 180,
184, 185, 187, 193, 196-198, 200, 203, 209, Sócrates, 195
2 1 1 ,2 1 3 -2 2 0 ,2 3 6 Sofistas, 11, 193
realism o, 29, 225, 228, 229, 238 sonhos, 82, 84
realização, 1 0 0 ,1 0 2 -104,171,172,174,178,193, Strauss, Leo, 213
2 0 0 ,2 1 5 ,2 1 6 ,2 2 0 Ströker, Elisabeth, 224
reconhecim ento, 29, 45, 62, 137, 165
redução, 58, 60-65, 67-71, 73, 80, 145, 163, 166,
196, 1 9 8 ,2 0 1 ,2 0 3 ,2 0 4 , 218, 2 2 5 ,2 3 4 ,2 3 7 T
reflexão proposicional, 14, 110-113, 198-209 tem po interno, 14, 142-145, 150-156, 224, 237
S diçô es L o y o la