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(2* edição)
NICHOLAS S. TIMASHEFF
NICHOLAS S. TIMASHEFF
NICHOLAS S. TIMASHEFF
TEORIA SOCIOLÓGICA
Tradução de
Antônio Bulhões
Revista por
José Augusto de Castro
Segunda edição
ZAHAR EDITÔRES
RIO DE JANEIRO
Titulo original:
SOCIOLOGICAL THEORY
Its Nature and Growth
Revisão tipográfica
Revitex
1965
Prefácio .............................................................................................................................. 9
Primeira Parte
INTRODUÇÃO
Seounda Parte
OS PIONEIROS
5
Marx: determinismo econômico %................................................................... .......£0
Tylor e Morgan: monismo tecnológico ..................................................................'3
Gobineau: determinismo racial .......................................................................
Buckle: monismo geográfico ............. ........................... ;.................................
Danilevsky: primeira alternativa para o evolucionismo ................................. ...... /9
Conclusão Ha Segunda Parte .......................................................................... ......8¾}
Terceira Parte
SURTO DE ESCOLAS EM DISPUTA
6
Mikhailovsky ................................................... ................................................ 164
Yuzhakov c Kareyev ..............................................................................................165
Subjetivismo em retrospecto ................................................................................. 166
Conclusão da Terceira Parte ............................................................................. .... 168
Quarta Parte
A VOGA DA SOCIOLOGIA PSICOLÓGICA
Quinta Paute
CONVERGÊNCIA
NAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS
7
Smart C. Dodd ............................ •••................................................................ 25?
\ ala matemática do neopositivismo .............. .................................................
William F. Ogburn e F. Stuart Chapin ............................................................
Resumo e apreciação .......................................................................................
Capítulo XVI: Ecologia Humana e Sociometria ..................................................... 276
Ecologia humana ............................................................................................. 1
Sexta Parte
CONCLUSÃO
Apêndice
Nota para os professôres ............ .......................................................................... 393
Sugestões para leituras posteriores .......................................................................395
Tabela cronológica ............................................................................................... 403
Sinopse geográfica ........................................................................................... .....407
8
PREFACIO
9
traiam com elas “duelos láS!cos” (para usar a expressão de
Gabriel Tarde) e ou demonstram a falência daí mais velhas
ou sucumbem ente a sua resistência ou com elas se amalga-
mam em sínteses de nível mais elevado.
Por outro lado, porém, os idéias são concebidas c ^ objcti-
vadas por criaturas humanes: a formulação de uma idéia nova
c uma espécie de "invenção ideológica” apresentada pelo autor
a seus colegas pensadores do mesmo campo. Muito freqüen
temente, um estudioso apto a criar invenções ideológicas é
capa: de chegar a mais de uma delas e, também, de aplicd-
-las a situações concretas.
Uma história das idéias deve ocupar-se de duas espécies
de causalidade: a lógica e a individual. Esta última prepon-
dera na jnaioria das apresentações e nesse caso a história se
transforma numa série de biografias cienltficas e no exame
das contribuições de autores individuais. A leitura sucessi
va de tais séries pode deixar no leitor um sentimento de con
fusão, visto que o foco de atenção varia cada vez que a nar
rativa passa de um autor para outro. Se, ao contrário, o
approach lógico é pSsto em realce, as idéias individuais são
isoladas do respectivo contexto e perdem boa parte do seu sig
nificado e encanto.
No presente volume fêz-se uma tentativa de encontrar o
meio-termo. Após um cuidadoso estudo do acervo de idéias
pertinentes à teoria sociológica, foram selecionados alguns tó
picos que têm preocupado, mais ou menos continuamente, os
estudiosos do ramo. As contribuições dos pensadores indi
viduais foram resumidas sobretudo na proporção em que se
relacionavam com aquiles tópicos selecionados, mas ainda as
sim foram apresentadas como contribuições de pessoas deter
minadas. Também foram traçadas, em breves linhas, as bio
grafias profissionais dessas pessoas. Mediante a preservação
do elemento pessoal, as contribuições não perderam sua singu
laridade nem se isolaram do fundo sociocultural de onde emer
giram. Fosse a Sociologia do Conhecimento uma disciplina
já desenvolvida, e essa fase da história das teorias sociológicas
poderia ter sido expressa em seus teoremas; na verdade, porém,
só muito raramente isso pôde ser feito.
Outrossim, na apresentação dos pontos de vista de certos
autores, limitou-se aqui dràsticamente a parte periférica dos
respectivos sistemas de pensamento organizados em tòrno ao
10
ponto central da teoria sociológica. Assim, ao longo da história
das teorias sociológicas, fêz-se ver que os mesmos problemas
tomaram a surgir em formas e combinações novas. Com isto
foi preservada a unidade dc perspectiva, condição essencial
da inteligibilidade.
Um livro escrito com essa orientação encerra conhecimen
tos que precisam ser aprofundados pelos estudantes de Sociolo
gia que terminam seus estudos numa época de revalorização
da teoria. A aquisição dêsses conhecimentos requer conside
rável esforço mental: o presente volume é dedicado aos estu-
(lantes que se dispõem a esse esfôrço e aos instrutores que sa
bem avaiiar a necessidade de provocá-lo.
A confecção deste livro levou muitos anos, durante os
quais o autor não cessou de ministrar um curso de Teorias
Sociológicas. Só aos poucos, baseando-se na própria experiência
de ensino, chegou cie às conclusões acima. Seu grato reconhe
cimento eleva-se em primeiro lugar à Fordham University,
da qual a administração, o corpo docente e os estudantes esti
mularam ininterruptamente o seu trabalho e lhe proporcio
naram toda a ajuda. Sobremodo encorajador foi o fato de
estudantes de vários departamentos se haverem matriculado
no curso de Teorias Sociológicas, a ponto dc, no debate com
êles e na leitura dos seus escritos, a inteligibilidade geral dêste
ensaio poder scr posta à prova e às vises aprimorada.
Além desse reconhecimento, dirigido a uma instituição,
o autor deseja expressar sua profunda gratidão a algumas
pessoas, cuja asistência lhe foi de gr anda valia: primeiro, ao
Professor Charles H. Page, do Smith College, que deu ao
texto a forma definitiva, comprovando seu excelente domínio
do idioma inglês, e que também fez uma série de sugestões
valiosas quanto ao tratamento a dar aos autores individuais;
ao Professor Paul W. Facey, do College of the Holy Cross,
que assistiu o delineamento dos primeiros esboços da obra; ao
Doutor Leopold Rosenmaycr, de Viena, e ao Doutor Victor
Willy, de Zurique, por lhe terem chamado a atenção para
diversas publicações européias recentes, e por fim, mas não
por menor importância, a Tânia, sua filha, que não apenas
datilografou o manuscrito e tornou a datilografar inúmeras
partes como também constituiu a "turma de uma aluna sff',
a quem deu o autor a primeira versão do seu curso de História
II
do Pensamento Sociológico, dc que eh necessitava para atin
gir o bacharelato fiances.
N. S. Timasheff
12
Primeira Parte
INTRODUÇÃO
CAPITULO I
15
Devemos, ainda, familiarizar-nos com a história dos esforços
feito* pela teoria sociológica — os nódulos que mudam, seus
sucessos e fracassos, c as promessas formuladas para o futuro.
Tais problemas constituem o assunto do presente volume.
Começaremos com uma definição dc Sociologia, fixada
mediante contraste com disciplinas que lhe são relacionadas,
e com uma explanação do significado da teoria no contexto
do empreendimento científico.
Que é Sociologia?
16
to à sua interdependência. A Anatomia e a Fisiologia huma
na estudam a estrutura e o funcionamento dos seres humanos
que se repetem cm todos os homens. A Antropologia Física
estuda a variabilidade da estrutura do corpo desses seres e
classifica as variações, extraindo grupos estatísticos ou nomi
nais de homens que revelam traços hereditários similares e
externamente reconhecíveis. A Psicologia (exceto o ramo
híbrido denominado Psicologia Social) estuda os processos men
tais que se passam na mente dos indivíduos, dkendo-nos de que
maneira um ser humano vê, ouve, sente, reage a sensações, etc.
A Sociologia não se interessa pela estrutura do corpo hu
mano, pelo funcionamento de seus órgãos, nem por seus pro
cessos mentais: interessa-se pelo que acontece quando o homem
encontra o homem; quando seres humanos formam grupos
ou massas; quando cooperam, lutam, dominam-se uns aos ou
tros, persuadem-se ou imitam-se, desenvolvem ou destroem cul
turas. A unidade base do estudo sociológico nunca é um indi
víduo, mas sempre, no mínimo, dois indivíduos de alguma forma
relacionados entre si.
Todavia, embora o objeto do estudo sociológico sejam
os homens em interdependência, o âmbito da Sociologia não
abrange todo e qualquer tipo de estudo dos homens em in
terdependência: esse mesmo assunto é também estudado em
outras disciplinas — como a Filosofia Social, a História, as
Ciências Sociais concretas. Qual a diferença entre estas disci
plinas e a Sociologia?
A Filosofia Social é uma disciplina muito mais velha do
que a Sociologia. Bem desenvolvida na Grécia antiga e cul
tivada na Idade Média, a Filosofia Social floresceu no século
XVI11, na Era do Iluminismo, que precedeu imediatamente o
nascimento da Sociologia. Nas obras dos velhos filósofos so
ciais encontram-se muitas proposições que poderiam ser fà-
cilmente reformuladas em têrmos de Sociologia contemporânea.
Não obstante, a Filosofia Social c a Sociologia são esforços
diversos da mente pesquisadora do homem. A diferença entre
as duas é semelhante à que, em geral, estabelece a separação
entre a Filosofia e a ciência empírica, diferença de graus de
abstração e de procedimento: ambas são tentativas de descre
ver e explicar a realidade, ambas se baseiam na observação
dos fatos e em generalizações derivadas dessa observação,
mas aí termina a semelhança entre a ciência empírica, inclusive
a Sociologia, e a Filosofia, inclusive a Filosofia Social
17
Na ciência empírica, as generalizações pertinentes a um
setor específico de investigações decorrem de fatos observados
nesse mesmo setor ou cm setores estreitamente ligados a ele.
T.iis generalizações são formuladas sem levar em conta (afir
mando ou negando) qualquer conhecimento no nível mais alto
da abstração relativa à realidade como um todo. Tôdas as
proposições que constituem uma ciência empírica formam um
sistema auto-suíicientc. Nâe se permite que nenhuma delas
desempenhe uma função no sistema, sc contiver conhecimento
que não seja empírico ou, em outras palavras, que não seja
formulado sob as limitações aludidas.
Ao contrário, a filosofia é antes de mais nada uma tentativa
de compreender a realidade cm sua totalidade. De uma va
riedade de fatos observados, a Filosofia extrai certos princípios
elementares que, tomados em conjunto, tentam explicar a rea
lidade como um todo. A maneira pela qual se derivam as
proposições sôbre a realidade total não é problema que inte
resse ao presente livro. Neste sentido, várias escolas de Filo
sofia divergem significativamente. Dos princípios elementares
da realidade total assim estabelecidos, o filósofo extrai certos
postulados e axiomas, e os utiliza para reinterpretar classes par
ticulares de objetos que distingue nos fatos observados. Assim,
enquanto o sociólogo explica a sociedade em têrmos de fatos
nela observados e, eventualmente, em setores dc conhecimento
empírico a ela relacionados, o filósofo social explica a socie
dade nos têrmos da interpretação que dá à realidade total:
ele pode falar cm causas primeiras, valores supremos, finali
dades últimas, mas o sociólogo não tem êsse direito.
Em princípio, a diferença entre Filosofia Social e Socio
logia é perfeitamente nitida; na prática, a linha divisória se
dilui, especialmente no plano da teoria — verdadeiro objeto
dêste volume. No desenvolvimento da Sociologia tem havido
muita confusão com a Filosofia Social: inúmeros sociólogos
cruzaram a fronteira entre os dois campos, pertencentes à
Filosofia Social. Isso há de ser visto com freqüência neste
livro.
A História é outra ciência que procura compreender os
homens em interdependência, ou, mais exatamente, nas pas
sadas configurações dessa interdependência. Nem a obra his
tórica do tipo biográfico pode deixar dc referir as relações entre
seu herói e outros homens. Qual então a diferença entre a
13
História e a Sociologia, estando esta, naturalmente, interessada
não só no presente, mas também no passado?
Em princípio, não é difícil estabelecer essa diferença. A
História estuda o passado humano como uma seqüência de
acontecimentos, situações c processos concretos e únicos. O his
toriador tenta reconstituir o passado com muitos detalhes em
píricos, exatamente como aconteceu. Tomem-se a Guerra
Americana da Independência, a Revolução Francesa, a Revolu
ção Comunista na Rússia, o New Deal nos Estados Unidos;
como se deram tais acontecimentos e quais os processos exn
que individualmente consistiram? Por que ocorreram? Estas
e outras perguntas parecidas jamais deixarão de interessar
à humanidade.
Mas a mente humana não se detêm na reconstituição de
acontecimentos singulares e irreversíveis. Além dêles, em sua
localização histórica no tempo e no espaço, a mente humana
tenta descobrir elementos de reversão, de repetição. Já ocor
reram muitas guerras: haverá ou não um elemento constante
cm suas origens, em seus impactos sòbre as sociedades por elas
atingidas, em seus efeitos? Verificam-se continuas flutuações
nos preços do mercado: haverá ou não um elemento comum
por trás dessas flutuações? Cometem-se crimes incontáveis:
não se poderão identificar elementos mais ou menos constantes
em todos, apesar da variabilidade efetiva do ato? Os elemen
tos constantes, observáveis na interdependência humana, cons
tituem o objetivo das Ciências Sociais do tipo a que pertence
a Sociologia: tais Ciências baseiam-se no postulado da ordem,
escapando ao plano da simples descrição a premissa lógica de
cada estudo.
As seqüências concretas estudadas pelos historiadores
são únicas e não se podem repetir. Nunca haverá outra
Guerra de 1812 ou outra Vitória de Outubro dos comunistas
na Rússia. Mas as mesmas seqüências concretas podem ser
analisadas em seus elementos, e entre êsses elementos podem-
-se estabelecer, de acôrdo com sua natureza, relações invariá
veis e necessárias.
Talvez seja útil, aqui, uma analogia com o estudo da
Química. São conhecidos noventa e seis elementos químicos
que se combinam formando milhões de compostos. O químico
explica a matéria analisando os compostos e descrevendo a
maior parte das respectivas propriedades à base do conheci
mento das propriedades invariáveis dos seus elementos. Na
19
vida real oco;icm inúmeras variedades de acontecimentos. Sub
jacentes a fees acontecimentos, repetem-se determinados cle
mente* que, quando percebidos, dão aos fatos unidade c signi
ficado. O historiador mostra o que há de variável; o sociólogo
destaca o que há dc constante c reversível. A História descreve
a multidão de combinações concretas em que homens interde
pendentes se encontraram; a Sociologia analisa essas variadas
combinações em seus elementos básicos, relativamente poucos,
e formula as leis que lhes regem a atuação. A descoberta dessas
iv*i*, ou a verificação das relações necessárias r invariáveis entre
certo número de elementos em que a realidade social pode ser
analisada, constitui o verdadeiro objetivo da Sociologia, em
contrapartida aos objetivos da Física, da Química, da Psicologia
c da Biologia.
Na prática, uma vez mais a linha divisória se dilui. Os
historiadores contribuem freqüentemente para a descoberta de
elementos reversíveis na realidade social: isto acontece quando
seu estudo dc processos concretos os leva a tentarem compreendê-
-los em suas causas. Trabalhos históricos a exemplo de A
Study of History (1934), de Arnold Toynbee, invadem visivel
mente o campo da Sociologia, enquanto estudos sociológicos,
a exemplo de A Ética Protestante e o Espirito do Capitalismo
(1920), de Max Wcbcr, Dinâmica Social e Cultural (1937/41),
de Pitirim Sorokin, contribuem grandemente paia a compreen
são histórica de passadas configurações da interdependência hu
mana. Estas obras trazem claramente à luz o misto dc singula
ridade e variedade dos fenômenos sociais. Há aí certa superpo
sição, que 6 tão vantajosa para a História quanto para a
Sociologia.
Finalmente, deve-se fazer distinção entre a Sociologia c as
Ciências Sociais concretas como a Economia, a Administração
e a Etnologia: tôdas estudam o homem em interdependência,
não no plano filosófico e sim no empírico. E não só estudam
fenômenos únicos e concretos (digamos: a Constituição norte-
-americana ou a atual organização do trabalho estrangeiro nos
Estados Unidos), mas também procuram descobrir leis, relações
necessárias e invariáveis entre os fenômenos, de acftrdo com
sua natureza. Qual a diferença entre tais ciências concretas
e a Sociologia? Mais exatamente: qual a tarefa da Sociologia
em relação às outras Ciências Sociais? Os sociólogos em dife
rentes épocas e no decurso da história desta disciplina, vêm
dando à pergunta quatro respostas principais:
20
Comtc acreditava que a Sociologia deve lançar mão de
todos os dados colhidos por essas ciências concretas e encam
pá-los, privando-os assim de sua razão dc existir.
Herbert Spencer considerava a Sociologia uma superciência,
que não rcaiiza por si mesma observações dos fenômenos sociais,
mas unifica as observações c generalizações feitas por outras
Ciências Sociais.
Georg Simmcl, sociólogo alemão de fins do século XIX,
insistia cm que a apreciação do conteúdo das ações humanas,
definido conforme os respectivos fins, constituía o objeto das
Ciências Sociais concretas. Assim, a Economia, por exemplo,
estuda os atos que visam à solução dos problemas materiais,
isto é, produção, distribuição, troca e consumo; a Política
estuda os atos que visam à aquisição c exercício do poder
político. Mas nenhuma dessas ciências — entendia Simmcl
investiga a forma de ação humana cm sociedade, a forma
comum a todos os tipos de esfôrço — como a formação ou a
dissolução dos grupos humanos, a concorrência, os conflitos.
Simmel reivindicava êste campo, ainda não ocupado por
nenhuma ciência social concreta, para a Sociologia, a nova
disciplina.
Pitirim Sorokin, sociólogo contemporâneo, ofereceu uma
linha dc demarcação geralmente considerada correta mesmo
pelos sociólogos que habitualmente se opõem ao conteúdo de
seus pontos de vista. Sorokin deriva a definição de Sociologia
de uma afirmação feita pelo erudito russo-polonês Lco Patra-
zhitsky. Segundo este último, sc existem, dentro dc uma classe dc
fenômenos, n subclasses, deve haver n -}- 1 disciplinas para
estudá-las: n para estudar cada subclassc e mais uma para es
tudar aquilo que é comum a todas, bem como a correlação entre
elas.1 Desenvolvendo essa idéia, Sorokin diz que a cada uma
das muitas classes de fenômenos sociais — econômica, política,
religiosa, e inúmeras outras — deve corresponder uma ciência
social particular: além delas, porém, é necessária mais uma
(a Sociologia), com o fim de estudar as características comuns
a tôdas as classes de fenômenos sociais c a intcr-rclação entre
as mesmas, porque as duas tarefas não podem ser latisfatòria-
mente realizadas pelas Ciências Sociais particulares. Muito sc
22
cm consideração as contribuições que eminentes antropólogo!
c etnólogos deram à teoria sociolégica, tanto quanto as dos
próprios sociólogos profissionais.
23
observação posterior. O conhecimento expresso nas genera-
lizjções é de nível superior ao das proposições singulares, mas
não representa ainda o mais alto nível alcançável pela ciência
empírica: o mais alto nível é o da teoria. Através dos esfor-
ços conjuntos de cientistas especializados em determinada dis
ciplina, formula-se grande número dc generalizações. Então,
experimentam os cientistas a necessidade de unificar os resul
tados dispersos, assim obtidos. Chega-se à unificação pelas ten
tativas de elaborar uma teoria.
Teoria é um conjunto de proposições que atendam ideal
mente aos requisitos seguir.tes: primeiro, apoiarem-se em ter
mos de conceito definido com exatidão; segundo, serem coc-
rentes entre si; terceiro, que se possam extrair delas, por de
dução, as generalizações cabíveis; quarto, produzirem frutos —
abrirem caminho para observações e generalizações posteriores,
aumentando o âmbito do conhecimento.
A teoria não se deriva de observações c generalizações
unicamente por meio de rigorosa indução. A elaboração de
uma teoria é um ato criador, não sendo, portanto, nada sur
preendente que bem poucos, dentre os que labutam no terreno
da ciência, estejam aptos a elaborá-la. Há sempre um salto
além da evidência, uma intuição correspondente ao trabalho
de criação. Mas tôda teoria assim elaborada precisa submeter-
-se à verificação. Pode-se considerá-la verificada, preliminar
mente, se não a contradisser aparentemente nenhuma generali
zação ou fato conhecido; se houver contradição, a teoria em
projeto deve ser rejeitada ou ao menos modificada.
Êsse teste, contudo, é apenas uma verificação preliminar.
Pois, muitas vêzes, duas ou mais teorias parecem explanações
plausíveis das mesmas generalizações e fatos conhecidos. Quan
do tal acontece, utiliza-se um processo denominado “experi
mento crucial” (ou “observação crucial”): êsse processo en
volve a suposição de uma situação para a qual as teorias ad
versas apresentariam previsões contraditórias; deve-se então
criar esta situação por artificio (experimentalmente) ou tentar
encontrá-la na realidade, c a observação decidirá se alguma
das teorias é compatível com a experiência testada. Todavia,
mesmo essa verificação não será final, porque no futuro podem-
-se descobrir fatos ou chegar a generalizações que invalidem a
teoria hoje vitoriosa. Na ciência empírica, a teoria nunca é
definitiva.
24
Em geral, as pessoas que trabalham com uma ciência
madura, como a Física ou a Química, sustentam uma única
teoria altamente abstrata ou um quadro de teorias inter-rela-
cionadas e mutuamente complementares. Essa maturidade, po
rém, só se alcança após longo e persistente esfôrço, durante
um período que se caracteriza pela coexistência de duas ou
mais teorias contraditórias: esta é a situação em que ainda
se encontra a Sociologia. Não há nenhum conjunto de pro
posições sustentado por todos os sociólogos, apoiado cm têr-
mos idênticos ou facilmente conversíveis, e que lhes permita
apresentar fatos e generalizações como manifestações de certos
princípios. Muito pelo contrário, o desenvolvimento da So
ciologia tem-se caracterizado pelo surto de um número espan
tosamente grande de teorias em conflito. Embora ainda não
se tenha ultrapassado êsse estado de coisas, a luta entretanto
já não é tão aguda quanto no fim do século XIX: hoje, os
sociólogos, cm sua maioria, concordam sôbre certo número
de proposições reunidas numa teoria sociológica ampla, ainda
que frequentemente defendam as mesmas proposições com ter
minologia diversa. (O leitor deve tomar cuidado com a exis
tência de expressões múltiplas para os mesmos conceitos e as
mesmas idéias, e, contràriamente, com a existência de uma
mesma terminologia exprimindo, às vêzes, conceitos e teorias
diversas.) Tem havido uma baixa nas fileiras da discordân
cia teórica e uma alta nas fileiras das concordância, como este
livro tentará demonstrar.
O exame das teorias sociológicas do passado e do pre
sente mostra que elas giram em tômo de uns poucos pro
blemas, os mais importantes dos quais são os indicados nas
seguintes perguntas:
Que são sociedade c cultura?
Quais as unidades básicas em que a sociedade e a cultura
devem ser analisadas?
Qual a relação entre sociedade, cultura c personalidade?
Quais os fatôres determinantes do estado de uma sociedade
ou cultura, ou de mudança na sociedade ou cultura?
Que é Sociologia e quais os seus métodos específicos?
Deve-se focalizar, nas diversas respostas a essas perguntas,
o estudo do desenvolvimento da teoria sociológica. Ê preciso,
entretanto, na apresentação das teorias individuais, ir além
dessas perguntas, pois inúmeras teorias pressupõem a existência
25
de problemas básicos não abrangidos por elas, ou expressos dc
ul maneira que se toma indispensável a abordagem de outros
problemas científicos mais ou menos relacionados com esses.
26
pedia sociológica, hão de escapar-lhe à amplitude muitas obras
importantes. São possíveis, no mínimo, três tipo» básico# de
disposição. Primeiro: podem-se classificar as teorias por es
colas, baseadas nos tipos dc soluções teóricas adotadas para os
problemas essenciais; este é o critério utilizado por Sorokin
no conhecido trabalho Teorias Sociológicas Contem por ancas
(1928). Segundo: podem-sc apresentar as teorias pela ordem
histórica dc aparecimento; este, aproximadamente, é o método
empregado por J. L. Lichtenberger em O Desenvolvimento da
Teoria Social (1923), e por F. N. House em The Development
of Sociology (1936). Terceiro: podem-se expor as teorias con
forme as áreas geográficas cm que os respectivos autores resi
dem; êste foi o plano seguido por G. Gurvitch e Wilbert Moore
em Twentieth Century Sociology (1945) e por Harry Elmer
Barnes em An Introduction to the History of Sociology (1948).
Para o presente volume, o autor sc propôs uma combinação da
primeira com a segunda solução.
O exame do desenvolvimento da teoria sociológica será
dividido cm quatro períodos. O primeiro período, estendendo-
-se do nascimento da Sociologia até cêrca de 1875, c o dos
pioneiros e dos esforços isolados. O segundo, grosso modo,
corresponde ao último quartel do século XIX, e é o período
da luta entre escolas e, simultaneamente, da predominância do
evolucionismo, muito tendo a ver essa luta com a questão do
fator (econômico, racial, geográfico, ou qualquer outro) que
determina a evolução social. O terceiro, abrangendo o pri
meiro quartel do século XX, é um período de indecisão, após
a demolição da teoria cvolucionista e uma crescente consciência
da carência de unidade nos estudos empíricos; concentram-se
então as atenções nos fundamentos psicológicos da Sociologia.
O quarto período, o atual, é o da luta entre quadros dc re
ferência ou dc convergência; caracteriza-sc pela crescente noção
da existência de uma grande massa de proposições em pi rica
mente estabelecidas (donde ser êste um período dc convergên
cia) e pela concorrência entre os ponto; de vista considerados
mais adequados para explicar a realidade social em seu conjunto.
Apresentaremos, de cada um desses quatro períodos, as
escolas mais representativas c as teorias mais influentes, tra
zendo à tona suas intcr-relaçõcs. Destacaremos ainda as so-
brcvivências e acumulações, tanto quanto os renascimentos teó
ricos (às vezes sob novas roupagens), numa completa escala
do desenvolvimento da teoria sociológica.
27
Segunda Parte
OS PIONEIROS
CAPITULO II
Augusto Comte
31
Tal seqüência de idéias pode ser retraçada até Blaise Pascal
1623-62), que sugeriu a semelhança entre a continuidade das
gerações humanas com a de um indivíduo que vivesse para
sempre e não cessasse dc acumular conhecimento. Charles
Montesquieu (1669-1753), na primeira frase de. seu famoso
VEsprit dês lois (1748), ofereceu uma definição das leis da
natureza que mcieceu aprovação geral: as leis, na mais ampla
acepção do termo — disse êlc —, são relações necessárias de
rivadas da natureza das coisas.
A idéia de progresso, desenvolveu-a Jacques Turgot (1727-
•81). Num memorial publicado em 1750 e no breve Discours
sur 1'Histoirc universelle tentou mostrar que o avanço humano
no conhecimento da natureza era acompanhado de uma eman
cipação gradual do espírito, libertando-se dos conceitos antro-
pomórficos, segundo um processo que, em sua opinião, passara
por três estágios: primeiro, os homens supunham que os fenô
menos naturais eram produzidos por sêres inteligentes invisí
veis, mas semelhantes a êles; segundo, começaram a explicar
tais fenômenos por expressões abstratas, tais como essência e
potência; terceiro, observando a ação mecânica recíproca dos
corpos, formularam hipóteses que poderiam ser desenvolvidas
pela Matemática c verificadas pela experimentação.
Outro protagonista da idéia do progresso, o Marquês de
Condorcet (1743-94), expressa seus pontos de vista na obra
intitulada Esquisse d’un tableau historique des progrès, de Fesprit
humain, escrita no cárcere pouco antes da própria execução
que êlc sabia inevitável; traçou aí o perfil do progresso huma
no através das idades e formulou a possibilidade dc uma ciência
capaz de antever o futuro da humanidade e, conseqüente
mente, acelerá-lo ou dirigi-lo. Para estabelecer leis que per
mitam aos homens a previsão do futuro, deveria a História
deixar de ser uma história de indivíduos e tomar-se uma his
tória das massas humanas. Sc c quando ocorrer essa transfor
mação, tomar-se-á possível antever o porvir com base no co
nhecimento dc leis necessárias e invariáveis. Não há motivo
para acreditar que não existem essas leis, governando os assun
tos humanos. A maior delas 6 desconhecida ainda, mas à base
da observação histórica pode-se afirmar que o progresso é ne
cessário c ininterrupto, dependendo da sucessão de explicações
antropomórficas, metafísicas e científicas dos fenômenos naturais.
32
A vida de Comte
3 33
A sociedade precisa, portanto, s*r reorganizada e,
neste sentido, fl humanidade entrari no terceiro período
de sua história: o primeiro, ou preliminar, terminou cm
Sócrates, e o segundo, ou conjetural, persistiu até a época
dos trabalhos dc Saint-Simon.
34
uma religião da humanidade. Apesar disso, encontram-se nessa
obra contribuições importantes e interessantes ao anterior
Court tie philosophic positive.
Premissas básicas
35
jsto c, sociológico, dos fenômenos sociais. Ein outras palavras,
“a grande dcscobcr:a do ano de 1822”» pensava Com te, de
veria tomar-se a idéia diretriz para a reorganização da socie
dade abalada pela Revolução Francesa.
Estava tão firmemente convencido da exatidão do seus pon
tos de vista que mandou um exemplar da Philosophic positive
ao Imperador Nicolau I, da Rússia, escrevendo-lhe uma carta
em que afirmava ter certeza de que o governante autocrático
(que, singularmente, possuía boa formação matemática) ini
ciaria reformas que levariam a Rússia à sociedade positiva.
Êste incidente revela que as pretensões de Comte, como as de
muitos inovadores, eram, às vêzes, ridículas.
Mas as premissas básicas de sua teoria sociológica mere
cem consideração c respeito. Sua lista dc ciências abstratas
ò incompleta. Omitiu a Psicologia, que tomou como um ramo
da Hsíoiogia, e a relação existente entre as ciências individuais
é mais complexa do que supôs. A divisão geral das ciências,
todavia, revelou-se em geral boa. A lei dos três estados, no
entanto, com o sentido que lhe emprestou seu inventor, ca
rece nitidamente do validez. Se as primeiras explicações da
natureza e do homem têm sido freqüentemente religiosas, se
guidas por explanações filosóficas e, enfim, pela ciência em
pírica, nem sempre o último approach elimina o primeiro; ao
contrário, ocorre a acumulação e, freqüentemente, a mistura
dos três. Mesmo sofrendo essa correção, tal lei comtiana não
resistiria à prova de fatos hoje cm dia conhecidos. Contudo,
pode-se vislumbrá-la, sob unia forma grandemente modificada,
em uma das teorias mais ambiciosas dos dias atuais, a de So
rokin (vide capítulo XX).
A Ciência da Sociologia
36
considerados sob o mesmo espírito que os fenômenos astro
nômicos, físicos, químicos ou fisiológicos, isto é, sujeitos a leis
naturais invariáveis, cuja descoberta constitui a meta especí
fica da investigação.” Mais precisamente, a finalidade era
"descobrir através de que séries fixas dc transformações su
cessivas, a raça humana, partindo de um estado não superior
ao das sociedades dos grandes macacos, gradualmente, atingiu
o ponto cm que hoje se encontra a Europa civilizada”.2
Comte relutou muito em substituir o nome da nova ciên
cia — Física Social — por Sociologia. Na última parte da
Philosophic positive explicou que inventara um nôvo nome
porque o antigo fora usurpado por um cientista belga que o
escolheu para título dc uma obra devotada a matéria tão vil,
qual fôsse a simples Estatística. A obra a que se referia era
o Ensaio dc Física Social de Quételet (vide capítulo IV), que
trazia às Ciências Sociais uma das contribuições mais vigorosas
do século XIX.
Em Politique positive Comte procurou dar mais vida à
definição um tanto formal de Sociologia, apresentada em Phi-
losophie positive. Por um lado, parecia identificar a Sociolo
gia coin o estudo da totalidade dos fenômenos do intelecto hu
mano e das conseqüentes ações dos homens. Por outro lado,
qualificava essa posição afirmando que a Sociologia não era
o estudo do intelecto como tal, mas dos resultados cumula
tivos de seu exercício. Embora, é fora de dúvida, não tenha
abandonado a concepção da Sociologia como uma ciência
teórica dos fenômenos sociais, identificava, agora, a soma total
dos últimos com os resultados cumulativos do exercício do in
telecto — concepção dos fenômenos sociais semelhantes ao con
ceito dc cultura, freqüentemente empregado pelos sociólogos
contemporâneos, que o tomaram da Antropologia Cultural. Era
germe, essa roncepção de cultura já estava presente na obra
de Comte muito antes de vir a ser encarada como de impor
tância estratégica pelos sociólogos e antropólogos modernos. •
Metodologia
37
métodos. Conseqüentemente, só é possível rcconstituir seus
pontos dc vista metodológicos pela reunião dc idéias disper
sas ein seus tratados.
A Sociologia precisa utili/ar o método positivo, o que
já estava estabelecido no próprio programa da nova ciência
c derivava das premissas básicas comtianas. Mas o que era
o método positivo? Em resposta, Comte pouco dizia, a não
ser que tal método exigia a subordinação dos conceitos aos
fatos c a aceitação da idéia dc que os fenômenos sociais estão
submetidos a leis gerais; do contrário, não se poderia estru
turar nenhuma ciência teórica abstrata relativa a tais fenô
menos. Dc acôrdo com sua compreensão da hierarquia das
ciências, admitia que o sistema formado pelas leis sociais era
menos rígido do que o das leis biológicas e este, por sua vez,
menos rígido do que o das leis físicas.
Embora de avançada formação matemática, negava Comte
que o método positivo pudesse identificar-sc com o uso da
Matemática ou da Estatística. “O projeto dc tratar a ciência
social como uma aplicação da Matemática a fim dc tomá-la
positiva originou-sc no preconceito dos físicos dc que, fora da
Matemática, não há certeza. Èsse preconceito era natural
na época em que tudo que fósse pusitivo pertencia ao domínio
da Matemática aplicada c, conseqüentemente, tudo que esta
não abrangesse era vago e cunjeiural. Mas desde a formação
das duas grandes ciências positivas, a Química e a Fisiologia,
onde a análise matemática não desempenha papel algum, e
que são reconhecidas como não menos certas do que as ou
tras, semelhante preconceito seria inteiramente inexplicável.”5
Certa vez, assinalou as "vãs tentativas de diversos geômetras
de levar avante um estudo positivo da sociedade mediante a
aplicação da ilusória teoria do acaso (probabilidade)'*. Mais
uma vez, tinha em mente a obra He Quételet. Ê digno de nota
que, nos dias atuais, exista uma escola ncopositiva (vide capítulo
XVI), que vê na quantificação o ideal dc tôda ciência, da
Sociologia inclusive. Quanto a isso, o neopositivismo dificil
mente se coaduna com as idéias do fur.dador do positivismo.4
38
Como então alcançar o conhecimento positivo, segundo seu
ponto de vista? Comte menciona quatro processos: observação,
experimentação, comparação e método histórico.
A observação, ou uso dos sentidos físicos, como acentuava,
com acerto, só podia ser desenvolvida, produtivamente, guiada
pela teoria. Quanto aos modos de observação, dedicava pouca
estima à introspecção, isto é, à observação dos fenômenos que
ocorrem na mente do observador. Algumas dc suas afirmativas
a êsse respeito antecipam as dos behavioristas contemporâneos.
Olhava em outra direção c acreditava que a Frenologia 9 podia
explicar melhor as variações do comportamento humano. Sabia
que o experimento real é quase impossível no estudo da socie
dade. Mas no idioma francês a palavra experiment freqüen
temente implica observação controlada. Comparação produtiva,
sustentava êle, podia ser desenvolvida entre as sociedades humana
c animal, entre as sociedades coexistcntes e entre as classes
sociais da mesma sociedade.
Por método histórico, entendia Comte a pesquisa das
leis gerais da variação contínua da opinião pública, ponto de
vista que reflete o papel dominante das idéias evidente na lei
dos três estados. O método histórico pouco tem em comum
com os métodos usados pelos historiadores que dão relêvo às
relações causais entre fatos concretos e que apenas incidental-
mente formulam leis gerais. Entretanto, Comte unicamente
indicava o que devia ser feito, sem, porém, demonstrar como
se poderia fazê-lo. Em seus tratados, registra certo número de
inferências de fatos históricos, raramente porém convincentes,
e às quais parece ter chegado mais por dedução da lei dos tres
estados do que pela autêntica inferência.
Cumpre ainda mencionar dois outros pontos dc signi
ficação metodológica. Primeiro: a sociedade, em sua opinião,
é, de certo modo, como um organismo em que o todo é mais
conhecido do que as partes.6 Desta proposição, derivou a
39
conclusão algo inconsistente de que os estudos especializa 0¼
a exemplo da Economia, são enganadores, porque jamais se
deveria introduzir na ciência qualquer fato social cncaiado
como fenômeno isolado. E mais, acusava os economistas da
época por sua má-vontade em reconhecer a possibilidade dc
outra ordem na sociedade que não fusse a que se estabelece
automaticamente. Comte achava que, além dessa ordem es
pontânea, podia haver uma ordem planificada, estabelecida à
base do conhecimento das leis sociais c dc sua aplicação ra
cionai a problemas e situações concretos.
Segundo: cm sua obra há uma sugestão que antecipa de
mais de cinqüenta anos uma relevante contribuição de Max
Weber (vide capítulo XIV). Ccmtc considerava os tipos
sociais “os limites de que a realidade social sc aproxima, cada
vez mais sem nunca conseguir atingi-los”. Nessa afirmativa,
percebe-sc a influência dc sua formação matemática c, tam
bém, de modo rudimentar, o tipo ideal de Max Weber, excelente
instrumento lógico para a análise sociológica. Corrobora essa
afinidade outra, afirmação de Comte, ao sugerir como utilizar
esses tipos no estudo dos fenômenos sociais. Os casos inter
mediários, isto é, os casos que não coincidem com nenhum
tipo ideal assinalava êlc, devem ser estudados através dc uma
análise exata dos dois casos ou tipos extremos. Isto quer dizer,
que um caso intermediário pode ser melhor compreendido uma
vez determinado quanto apresenta, de cada tipo extremo,
igualmente.
40
social, do desenvolvimento básico ou evolução da tociedade.
Mas ordem c progresso encontram-se intimamente relaciona
dos: nenhuma ordem social verdadeira pode ser estabelecida
se fôr incompatível com o progresso, e nenhum progresso dura
douro será possível se não se consolidar na ordem; devem ser
estudados em separado sòmcnte para fins analíticos. É preciso
unir, através de todo o sistema, as leis da estática e da dinâ
mica. Hoje, não sc aceita mais semelhante identificação oti
mista entre estática c ordem, entre dinâmica e progresso. Con
tinua em uso, porem, sua divisão básica da Sociologia, ainda
que expressa em têrmos diferentes, como estrutura social e
mudança social — conceitos familiares a qualquer estudante.
Estática: consenso
41
ca identificasse sociedade c organismo biológico. Insistia mesmo
em que há uma grande diferença entre ambos: os organismos
são essencialmente imutáveis, ao passo que a sociedade, se ori
entada por princípios científicos, e capaz de notável aperfei
çoamento. assertiva que reflete sua confiança no progresso e
sua convicção de que a sociedade humana só se pode aper
feiçoar baseada em uma ciência social positiva.
A divisão do trabalho social — prossegue Comte — é a
causa fundamental da crescente complexidade da sociedade;
portanto, precisa-se estudar cuidadosamente a solidariedade e
a cooperação. Daí, o relevo que dispensa ao altruísmo, outra
palavra por êle cunhada. Só muito mais tarde, embora ainda
no século XIX, quando outro grande sociólogo, Emile Dur-
khcim, analisou o fenômeno cm uma série de trabalhos im
portantes (vide capitulo IX), e que se prestou atenção ao
conselho do pai da Sociologia, recomendando o estudo da
solidariedade social.
42
diatamcntc as necessidades à base da simpatia. As famílias
podem existir em estado de isolamento, mas geralmente não
o fazem. Através de sua coordenação social surgem combi
nações, como as classes sociais e as cidades, apoiadas na coope
ração consciente. Das muitas combinações sociais, considerava
com cuidado apenas as dc tipo político — os Estados. Lasti
mava que a Revolução Francesa tivesse destruído os grupos
intermediários entre a família e o Estado, e desejava a sua
restauração.
A respeito do Estado, Comte pouco acrescentou às con
clusões já estabelecidas pelos filósofos políticos. A ordem po
lítica — asseverou — é um tanto artificial; mas, por outro
lado, é uma modificação da ordem natural para onde tendem
tôdas as sociedades humanas. A ordem política é natural
porque nenhuma sociedade pode existir sem Govêmo, e o
Governo é possível graças ao amplo desejo de comando e ao
fato de muitas pessoas quererem ser aliviadas do fardo de to
mar por si mesmas as necessárias decisões.
43
podem ser biolòi;icaincntc transmitidos à respectiva progenic,
Ich* sustentada pelo fisiólogo Chevalier dc Lamarck (1744-
-1829). A Biologia contemporânea, cxccto numa curiosa ver
são soviética, nega tal possibilidade.
Considerava, ainda, que o desenvolvimento progressivo não
segue uma linha reta; não somente ocorrem oscilações, como
também a interferência humana pode alterar a rapidez do
progresso.
A evolução social — ensinava — é uma continuação da
progressão geral que principia no reino vegetal. As grandes
séries sociais correspondem às grandes series orgânicas, e não
à sucessão dc idades dc um organismo simples Essa pro
posição constitui elemento essencial em um sistema de pen
samento que dá relêvo ao progresso contínuo, visto que a curva
correspondente às idades dc um organismo evidencia tanto o
dcsccnso quanto o crescimento.
No curso da evolução social, a natureza humana se de
senvolveu, mas sem que se acrescentassem quaisquer faculda
des humanas às originárias. Corolário disso, o estudo da evo
lução deveria principiar pelas noções referentes aos homens
primitivos, estabelecidas na Fisiologia, embora Comte fizesse,
na realidade, escasso uso desse material.
No curso da evolução social, diz Comte (repetindo uma
das afirmações prediletas de Saint-Simon), há um visível anta
gonismo básico entre os instintos de Inovação c dc conservação.
Essa idéia antecipa a doutrina de Vilfredo Pareto (vide capí
tulo XIII) sôbre a circulação das elites.
Finalmente, Comte destaca uma idéia que fundamenta em
grande parte o trabalho dos ovolucionistas posteriores: o estu
do do progresso é grandemente facilitado pelo fato de que
as mesmas leis governam o desenvolvimento de tôdas as socie
dades, de modo que o desenvolvimento de princípios gerais
pode começar com o estudo dos avanços realizados pela van
guarda da humanidade, vanguarda que, em sua opinião, era,
evidentemente, a França. Consequentemente, a história da
Filosofia tem uma enorme importância.
44
grcsso é observável cm todos os aspectos da sociedade. O pro
gresso é físico, moral (rumo a sentimentos mais nobres e ge
nerosos), intelectual, político. A fase intelectual é a funda
mental c a mais notável — o desenvolvimento das idéias co
manda a História — c, portanto, reveste-se de suma impor
tância a história da Filosofia. Muitas vêzes os homens pare
cem preocupados, acima de tudo, com a satisfação de suas
necessidades materiais, e, na realidade, c evidente o progresso
no domínio das fôrças da natureza. Entretanto — sustentava
o desenvolvimento intelectual produz e estimula o desen
volvimento material.
Sua análise dos fatores do progresso levou-o ao estudo
dos fatôres dc que depende o desenvolvimento intelectual. Êste
problema, todavia, ficou em larga medida sem resposta. Supõe-
-se que fatôres principais do progresso intelectual sejam o tédio
(que produz um esforço para a inovação) e o medo da morte.
Ao discutir, porém, os fatôres do progresso em geral (não ape
nas do intelectual), empresta especial relevo ao aumento da
densidade de população, que acarreta maior especialização na
divisão do trabalho social. Conseqüentemente, os indivíduos
são levados a despender maiores esforços a fim dc assegurarem
sua subsistência, e a sociedade é compelida a regular mais ener
gicamente situações resultantes de crescentes diferenças entre os
indivíduos.
Finalmente, Comte discute o problema da rapidez dife
rencial do progresso. Aqui, ele se revela consciente da insu
ficiência de suas provas e do caráter dc tentativa de suas
conclusões: os dotes diferenciais das raças c, presumivelmente,
a superioridade branca; o papel das diferenças climáticas, com
as condições mais favoráveis ao progresso na bacia do Maditer-
râneo; e a idéia de que a ação política é capaz, eventualmen
te, de acelerar ou retardar o progresso. Não negou o papel
dos gênios no desenvolvimento histórico; julgava-os, entretan
to, agentes de movimentos predeterminados.
45
à natureza humana. Isso poderia fazer-se facilmente acre
ditava ainda — visto que o desenvolvimento individual passa
pelos mesmos três estágios do desenvolvimento social.
No curso da demorada discussão a respeito do desenvol
vimento da vanguarda da humanidade — as sociedades mais
avançadas — Comte estabeleceu correlações entre os estágios
intelectuais básicos e os estágios do desenvolvimento da vida
material do homem, tipos dc unidades sociais, tipos de ordem
social c sentimentos predominantes.
Fetichismo A família
Politeísmo (impérios orienta is) O Estado, propriedade territorial
Politeísmo intelectual (Grccia) Contribuições intelectuais
Monoteísmo social (Roma) A pátria
Monoteísmo defensivo (o inundo Emancipação das mulheres e doi
católico) trabalhadores
Comte cm retrospecto
46
aliás, algo injusta. Sc é verdade que grande parte de tuas
afirmações reproduz, modificadas, idéias esparsas pela história
birnilenária da Filosofia Social, Comte recocnbinou-as de modo
a dar origem a um rápido e fecundo desenvolvimento do co
nhecimento referente às relações interpessoais, aos grupos so
ciais, à cultura, à estrutura e às transformações sociais. Cada
sociólogo sabe, ademais, que tôdas as invenções — a criação
dc uma nova ciência chamada Sociologia foi uina invenção
— são primàriamente a rccombinação de elementos já encon
trados na cultura.
Na obra de Comte, o leitor atento encontra uma enorme
riqueza de idéias que antcdpazn a maioria das tendências ve
rificadas na história da Sociologia até o presente, bem corno
um grande número de proposições relativas aos fins e aos
métodos da Sociologia, proposições essas freqüentemente reto
madas por sociólogos posteriores, que o fazem, muitas vezes,
sem qualquer alusão ao fundador da ciência sociológica. Além
disso, mostrou Comte o caminho para a moderna definição
da Sociologia e para suas divisões básicas. Ê verdade que,
sob a influência de Spencer, a Sociologia desviou-se da concep
ção formulada por Augusto Comte c sc tomou uma ciência
concreta (genética}, descritiva de um processo único, o da
evolução da sociedade humana. Com o declínio do evolucio-
nismo, porém, a Sociologia (pelo menos seu centro vital) re
tomou, ainda que com modificações, a seu ponto de vista sô-
bre qual seja o objeto dessa ciência.
Ê verdade que a Sociologia contemporânea não se limita
a repetir a definição dc Comte. Essa revelou-se ampla em
excesso, incluindo as partes teóricas de Ciências Sociais es
peciais (Economia, GovGmo, Jurisprudência etc.). Por outro
lado, a Sociologia não sc limitou à formulação dc proposições
teóricas; expandiu-se pelo âmbito da atividade prática e se
tomou a conselheira dos homens de boa-vontade desejosos
dc aprimorar a sociedade humana. (Comte inventou sua nova
ciência como um instrumento necessário para a reforma social.)
Finalmente, a Sociologia realizou ainda uma boa soma de tra
balho descritivo, em época em que não havia outra ciência
para cumprir a tarefa de descrever fenômenos sociais específicos.
Mas êsses diversos desenvolvimentos são significativamente in
tegrados apenas cm têrmos dc Sociologia teórica, tipo dc So
ciologia que se tomou gradualmente o que desejava Comte
que ela viesse a ser.
47
Mais especificamente, Coin te sugeriu soluções para os prin
cipais problemas da indagação sociológica. Nunca definiu so
ciedade, mas pode-se facilmente verificar que, para ele, a
sociedade consistia cm famílias c combinações sociais que cul
minam em nações e na humanidade. Aproximou-sc bastante
da formulação do conceito contemporâneo dc cultura: soma
votai de conquistas de mentes humanas interatuantes. Não ana
lisou isoladamente nenhuma unidade social, entendendo que,
em relação à sociedade, o todo era melhor conhecido do que
as partes. Percebeu corretamente a influência recíproca, pre
sente sempre, entre indivíduo c sociedade. Acreditou na exis
tência dc um fator preponderante na transformação social —
o desenvolvimento das idéias; portanto, pode-se considerá-lo
um dos deterministas ideológicos. Compreendeu ainda o im
pacto do crescimento da população c de sua densidade. Defi
niu a Sociologia, ao localizá-la cm sua hierarquia das ciências
teóricas abstratas, como ciência teórica abstrata da sociedade,
Utilizou o que denominou de método histórico, que era, na
realidade, sobretudo uma disposição dc fatos históricos sele
cionados à luz de seus pontos de vista sobre a evolução social.
Esse neveria ser, por muito tempo, o método da Sociologia, o
qual, é claro, apresenta várias falhas. A confiança na evolu
ção rumo ao progresso era a premissa básica de sua teoria.
Seu evolucionismo, entretanto, não pertencia ao tipo de
terminista afirmado, poucos anos depois, por Spcncer e que
logicamente conduziria à estrita adesão ao princípio do laissez-
-faíre. Pelo contrário, acreditava que se podia acelerar e faci
litar o progresso mediante a ação política apoiada no conheci
mento positivo. A esse respeito, abriu caminho para a idéia
da telesis social desenvolvida posteriormente por Lester Ward,
que reconheceu o quanto lhe devia.
Muitas afirmações e suposições dc Comte são comprova-
damente erradas. Era um metafísico fraco precisamente por
que acreditou que havia aniquilado a verdadeira possibilidade
da metafísica; era um pensador religioso fraco, embora acre
ditasse firmemente que a religião fôsse um dos pilares da so
ciedade. Quanto à sua teoria sociológico, pode-se considerá-
-la um salto prematuro do nível da observação e das inferências,
diretamente baseadas nela, para o nível da “teoria”.
Quando vivo, sua obra passou despercebida na França.
Os estudiosos ingleses, sobretudo John Stuart Mill (1806-73),
48
foram os primeiros a interessar-se por Comte, o homem e
a obra. Todavia, Spcnccr rejeitou-o com desdém. Através dói
autores ingleses, suas idéias penetraram na Alemanha e da
Alemanha voltaram à França, onde Durkhcim, o maior dos
sociólogos do fim do século XIX, deu à Sociologia nôvo ím
peto, em que se podem distinguir muitas formulações comtíanas.
Excrccu, ainda, grande influência na Sociologia russa (Kova
levsky, Sorokin) e na Sociologia americana (Ward espe
cialmente) .
É digno dc nota que um livro publicado nos Estados Uni
dos em 1953 tenta reviver a Sociologia de Comte: The Na
ture and Elements of Sociology, de MacQuilkin DeGrange.
As idéias comtianas sôbre a sociedade, expressas na Politique
positive, combinam-se a aquisições relativamente recentes da
teoria sociológica, especialmente à compreensão do papel da
cultura (acumulações coletivas) e à modificação da analogia
orgânica para o approach sistemático.
4 49
Herbert Spencer
As obras de Spencer
50
artificial nas relações que mantém com a sociedade. Essa
doutrina do laissez-faire tomou-se um tema constante em seus
trabalhos sociológicos e'"politicos. Em 1850 publicou o primeiro
livro, Social Statics, em que apresentava uma visão prévia de
sua teoria sociológica: tanto nos organismos quanto na sociedade,
o progresso é o desenvolvimento, partindo de condições em que
partes iguais executam funções iguais, para condições em que
partes desiguais executam funções desiguais, isto é, do uniforme
para o multiforme. Alguns críticos acharam que o titulo da
obra fôra tomado emprestado a Comte. Replicou indignada
mente que, ao escrever o volume, Comte era para êle um nome
apenas c que o titulo original fôra Demostatics.
Nos anos que se seguiram à publicação de Social Statics,
Spcnccr tomou conhecimento de várias contribuições importantes
à teoria biológica da época que destacavam o fato de que o
desenvolvimento de um organismo era assinalado pela mudança
da homogeneidade ou uniformidade de estrutura para a hetero-
geneidade ou multiíormidadc. Em plena década de 1850, con
forme observa na autobiografia, teve uma inspiração. Percebeu
subitamente que o avanço da homogeneidade para a heteroge-
neidade era a lei universal do progresso, quer nas ordens inor
gânica e orgânica, quer na supcrorginica (social).
Poucos anos após, nova percepção lhe revelou a base causai
dessa tendência: a instabilidade do homogêneo. Essa percepção
permitiu que desse um passo decisivo rumo ao que chamou de
estágio completamente dedutivo do sua investigação, ou, por
outras palavras, rumo à formulação de um teoria, que desde o
inicio apoiava-se na ciência física.
Em 1859, Charles Darwin publicou The Origin of Species,
Spencer assimilou prontamente os novos conceitos darwinianos,
que afinavam com seus próprios ensinamentos, e, caracterlsti-
camcnte, observou que fôra o primeiro a descobrir tais conceitos.
Referia-se a dois artigos publicados, em 1822, na Westminster
Review, em que escrevera: “Algumas divisões das espécie tor-
nar-se-ão ligeiramnte mais heterogêneas. Na ausência de suces
sivas alterações de condições, a seleção natural afetará relativa
mente pouco.’* Há aqui, evidentemente, uma antecipação das
idéias de Darwin. Nas últimas obras de Spencer podem-se en
contrar expressões como “sobrevivência do mais apto*', e afir
mações como a de que a vitória de um povo sôbre outro tem sidoj
fundamentalmente, a vitória dg social sôbre o anti-social, ou do
mais adaptado sôbre o menos adaptado.
31
Por volta de 186U, Spencer dedicou-se a um empreendimento
quase sobre-humano: escrever um sistema dc Filosofia sintética,
unificando ctkla-* as ciências teóricas de. então. O volume inicial,
intitulado Firs\ Principles, apareceu cm 1862. Conforme declara
na autobiografia, omitiu a parte seguinte, sôbre a evolução
inorgânica, com receio dc não ter tempo de terminar as partes
remanescen? es, e mais importantes, da iniciativa: Principles
of Biology (i864-67); Principles of Psychology7 (1870-72);
Principles of Sociology (1876-96); e Principles of Ethics (1879-
-93). A publicação de um livro independent. The Study of
Sociology (1873), o mais legível de seus tratados sociológicos,
precedeu a publicação dos Principies of Sociology*.
Em First PrinciplesJ Spencer desprezou a Teologia como
a ciência do incognoscível, o que satisfez tanto aos religiosos quan
to aos ateus. O livro trata, principalmente, dos fenômenos físicos.
Não obstante, o sistema sociológico de Spencer está aí quase
completo, sendo os Principles of Sociology essencialmente uma
elaboração dos pontos de vista publicados em 1862. Por isso
é que Spencer deve ser tratado como um dos primeiros sociólogos.
Em seguida à publicação dos First Piinciplcs, Spencer che
gou a novas percepções relativamente à conexão existente en
tre a crescente integração da matéiia e a concomitante dissspâ-
ção do movimento. Em 1867 estava pronto o seu sistema de
ideias que, desde então, não sc alterou. E as novas percepções
foram incorporadas às edições revistas dos First Principies e de
Social Statics.
A doutrina evolucionista
52
acôrdo com a qual a energia, embora passe de uma a outra
forma, persiste sempre. A essas leis acrescentou quatro pro
posições secundárias: a pcrmancncia de relação entre as forças,
ou a uniformidade da lei; a transformação e a equivalência de
fôrças; a tendência de tudo para mover-sc ao longo da linha
de menor resistência e maior atração; e, finalmente, o princípio
da altemação, ou ritmo, do movimento. Dessas proposições,
diversas foram tiradas da Física de então.
Spencer estabelecera sete leis e percebeu que precisava
exprimir o produto conjunto delas. A tendência da época
era reduzir inúmeras leis diferentes a algumas formas gerais.
Acreditava que o produto conjunto dessas sete leis devia ser
afirmado como a lei da evolução que, segundo imaginava, era
a lei suprema de todo vir-a-ser. Sua formulação de tal lei
resultou cm uma definição bastante tôsca, “A evolução” —
disse êle — “é uma integração da matéria c concomitante dis-
sipação do movimento; durante o que a matéria passa de uma
homogeneidade indefinida, incoerente, a uma heterogeneidade
definida, coerente; e durante o que o movimento retido sofre
uma transformação paralela.” 8
A essência dessa concepção — a tendência do homogêneo
ou do uniforme a se tomar heterogêneo ou multiforme — já fôra
estabelecida na Social Statics. Seria essa tendência uma neces
sidade? Acreditava Spencer que sim, e explicava que o ho
mogêneo é inerentemente instável, não podendo permanecer
nesse estado porque os diferentes efeitos de fôrças persistentes
sôbre várias partes do homogêneo têm dc causar diferenças,
as quais levam a um desenvolvimento futuro.
Tentou demonstrar sua fórmula evolucionista na ordem
sintética — sintética no sentido dc integrar tôdas as ciências.
Tentou demonstrar ainda a existência dc uma redistribuição
da matéria e movimento que resultava na mudança do uni
forme para o multiforme em tôdas as camadas do scr, nos
corpos celestes, nos organismos e nas sociedades, embora reco
nhecesse que o processo ocorre sob maneiras diversas. Apresen
tou várias ilustrações a íim de fortalecer seu argumento: as
sociedades ajustam continuamente as populações aos meios de
subsistência; lera Malthus c ficara muito impressionado pelo
Ensaio Sôbre População (1798); a oferta e a procura estão
53
usualmente ajustadas; as instituições políticas harmonizam-se
com os desejos do povo; a sociedade comercial resulta na prá
tica em uma união, onde a autoridade de um sócio é tàcita-
mente reconhecida como maior do que a do outro.
O estudo dos trabalhos de Spencer faz surgir inevitàvel-
mente a seguinte pergunta: acreditava êle que a evolução era
a lei do vir-a-ser rumo ao progresso, ou a lei dc todo vir-a-ser?
Negou algumas vêzes a necessidade da existência d* um pro
gresso. Na quarta edição dos First Principies, publicada cm
1880, escreveu: “Supõe-se erradamente que a doutrina da
evolução implica alguma propensão intrínseca, em cada es
pécie, para uma forma mais alta. Semelhantemente, muitos
têm a presunção errônea dc que a transformação que constitui
a evolução envolve uma tendência intrínseca a passar pelas
mudanças que a fórmula da evolução exprime.” 9 Mas — acres
centou — o progresso da evolução não é necessário; depende
de certas condições. A freqüente ocorrência de dissolução,
processo oposto à evolução, movimento do multiforme para o
uniforme, revela que onde não sc mantêm as condições essen
ciais dá-se prontamente, o reverso. O progresso de um organis
mo social em direção a estruturas mais heterogêneas e defini
das ocorre somente enquanto perduram as ações que produ
zem tais efeitos. Com base nessas constatações, pode-se justi-
ficadamcnte concluir que Spencer não defendeu nem a idéia
da presença eterna da evolução nem a necessidade de que ela
se dirija para o progresso. Mas vejamos algumas outras afir
mações suas.
Diz em The Study of Sociology: “Nisto, não mais do que
em outras coisas, a evolução não alterará sua direção geral:
ela continuará na mesma linha que até aqui.”10 Em outro
lugar declara: “As sementes dc civilização existentes no abo
rígine e distribuídas pela terra viriam certamente, com o cor
rer do tempo, a cair aqui e ali em circunstâncias adequadas a
seu desenvolvimento.”11 Em outras palavras, neste ponto acre
ditava êle que o homem, por sua natureza, estava predestinado
ao progresso.
» Pig. 481.
w Pág. 309.
11 Social Statics, edição revista, pág. 238.
54
Essas contradições, que emergem claramente de uma com
paração entre afirmativas dos First PrincipUs nas últimas edi
ções, com assertivas dc The Study of Sociology c de Social
Statics, talvez possam reconciliar-se. Em tese, podem ocorrer
condições que dirijam o processo de transformação rumo à
dissolução, contrária à evolução (do multifonnc para o uni
forme) ; mas de fato vêm prevalecendo as condições que diri
gem a evolução para o progresso. Contudo, a obra sociológica
de Spencer é dominada pela idéia dc que, através dos tempos,
dá-se efetivamente uma evolução social, c que essa evolução
sc processa firmemente do uniforme para o multiforme, isto
é, para formas sempre mais e mais progressivas. Parece não
haver dúvida de que Spencer era um destacado apóstolo da
evolução unilinear no sentido do progresso.
A Ciência da Sociologia
55
Sua concepção do superorgânico — termo ainda usado
por alguns autores — »' que tem havido continuidade na evo
lução: primeiro, evolução no mundo inorgânico da matéria
sem vida, depois, evolução no mundo orgânico e vivente e,
finalmente, evolução entre combinações de organismos vivos
em sociedade. Evolução superorgânica 6 um belo termo; só
tem sentido, porém, quando evidencia uma clara concepção
da natureza da sociedade — assunto que, infelizmente, Spcnccr
nunca esclareceu.
Também não definiu exatamente o parentesco existente
entre a Sociologia e as outras ciências. Acreditava que a So
ciologia devia empregar as generalizações das ciências parti
culares, como a Economia, a Administração e a Etnologia.
Assinalou também que a Sociologia difere da História. A His
tória era a narração de acontecimentos na vida das sociedades;
a Snriologia estudava sua evolução. Observou, ocasionalmente,
que a Sociologia, como em geral é concebida, relaciona-sc ex
clusivamente com os fenômenos resultantes da cooperação entre
cidndãos. Dificilmente pretenderia que essas observações fôs-
sem uma definição formal da Sociologia. Nem se aplicam elas
às suas próprias e volumosas obras sociológicas.
Que métodos empregariam os sociólogos? “Devemos apren
der, por inspeção, as relações de coexistência e seqüência cm
que os fenômenos sociais existem, uns cm relação aos outros.
Comparando sociedades de diversas espécies c sociedades cm
estágios diferentes, devemos averiguar que traços de tamanho,
estrutura e função associam umas às outras”12 — respondeu
Spcnccr. Êsse princípio, entretanto, não orientou suas próprias
pesquisas. Quanto ao material ilustrativo, usou sobretudo da
Etnologia, baseado na hipótese dc que o homem primitivo
revela estágios retardados de evolução. Observando contem
porâneos retardados — presumiu — podem-se reconstruir as
séries de transformações que produziram a avançada sociedade
atual. A importância que atribuía à Etnologia se manifesta no
fato dc que a primeira metade do primeira volume dos Prin
cipiei of Sociology intitula-se “Dados da Etnologia”, e é quase
inteiramente dedicada à reconstrução conjetural da vida do
homem primitivo: vida física, emocional, intelectual c, sobre
tudo, religiosa.
56
De fato, Spencer selecionou materiais de culturas diver
sificadas, largamente separadas no tempo c no espaço. Reco
lheu fatos, aqui c ali, e os reuniu dc modo a sustentar sua hi
pótese evolucionista; os materiais combinados por essa forma
arbitrária foram empregados a fim de confirmar essa hipótese.
Tal processo, evidentemente, está cm completo desacordo com
as normas da Lógica c os princípios do método científico.
A analogia orgânica
51
do que ::.i afinidade entre o desenvolvimento social e a suposta
seqüência evolutiva da vida orgânica. Os organismos primitivos
são simples, ao passo que os organismos mais altos são muito
complexos.
Terceiro: nas sociedades c nos organismos uma diferencia
ção progressiva de funções acompanha a diferenciação progres
siva de estrutura. Isto é quase tautológico: sc há um organismo
com órgãos complexos, cada órgão realiza uma função especí
fica; sc há uma sociedade subdividida cm muitas organizações
diferentes, estas exercem funções diferentes.
Quarto: a evolução estabelece para sociedades e organismos
diferenças de estrutura e função que os tomam reciprocamente
possíveis.
Quinto: assim como um organismo vivo pode ser conside
rado uma nação de unidades que vivem individualmente, assim
também um organismo pode ser considerado »ma nação de
sêrcs humanos. Spencer levou essa linha especial de raciocínio
a uma semelhança mais remota: tanto nos organismos quanto
na sociedade, a vida dos agregados é passível de destruição, mas
as unidades continuarão a viver ao menos durante algum tempo.
Spencer era individualista — condição difícil de conciliar-se
com o organicismo — e reconhecia diferenças importantes entre
sociedades c organismos. A primeira diferença é que num orga
nismo as partes formam um todo concreto; numa sociedade, as
partes são livres c mais ou menos dispersas. A segunda é que
num organismo a consciência concentra-se numa pequena parte
do agregado; na sociedade, ela se difunde através dos membros
individuais. E a terceira é que num organismo as partes exis
tem cm benefício do todo; na sociedade, o todo existe meramente
em benefício do individual (eis um importante exemplo de seu
individualismo).
Apesar do esfôrço despendido para estabelecer semelhanças
e diferenças entre a vida orgânica e a social, c apesar de utilizar
como tema central da segunda parte dos Principles of Sociology
a analogia orgânica, Spencer negava cue sustentasse essa doutrina.
Replicando a críticas, fez declarações do seguinte tipo: "Utilizei
as analogias, mas sòmente como um andaime para ajudar a
levantar um quadro coerente de indução sociológica. Retiremos
o andaime: as induções ficarão de pé sòzinhas.”13 Infelizmente,
38
contudo, empregou notória e consistentementc a terminologia
do organicismo. Além disso um capítulo dos Principles of Socio
logy intitula-se: “A Sociedade Ê um Organismo".
É claro que Spcnccr não foi o criador da analogia orgânica.
Usaram-na filósofos antigos, e ela esteve presente com freqüência
na ciência política e filosófica alemã, sobretudo durante a pri
meira metade do século XIX. Mas Spencer foi o primeiro a
dar a essa analogia o valor de teoria científica, e tomou-se
definitivamente prisioneiro do fantasma que evocou. Apesar de
compreender que a sociedade não era efetivamente um organismo
— desde que havia diferenças substanciais entre ambos —,
conservou a tese analógica; asseverou que a analogia não passava
de um andaime, mas, ao construir sua teoria, procedeu como
se o andaime constituísse o próprio edifício.
Hoje, toma-se clara a fonte das dificuldades de Spencer,
e a Sociologia abriu seu caminho fora das falácias que deturpam
a mente humana ao empregar a analogia orgânica. A Sociologia
dc hoje assevera que a socicdadc é um sistema c compreende
que o organismo também é um sistema. Êsse conceito de sis
tema c um dos conceitos-chave usados em ciência. Diz-se sis
tema em relação a muitas coisas distintas — sistema estelar,
de que faz parte o Sol; sistema solar, de que fazem parte a
Terra e outros planêtas. O átomo é um sistema consistente
em núcleos e cléctrons. E há um sistema em idéias: o sistema
da Filosofia de Platão, o sistema do Direito Romano, o sis
tema físico dc Newton. A palavra sistema designa tudo o
que possa ser concebido como um todo, consistente em partes
semi-autônomas e interdependentes. Isso é verdade quanto à
sociedade e ao organismo, na medida em que ambos formam
todos constituídos de partes interdependentes, cada qual semi-
-autônoma, possuindo algum ser e vir-a-scr próprios — c nessa
medida é válida a analogia. Mas é inadequado transferir, sem
nenhuma cvidcncia empírica, qualquer proposição biológica à
Sociologia, apenas porque o organismo c a socidadc são siste
mas. De igual maneira não poderia a Sociologia chamar a si
nenhuma proposição da física subatômica com base na simi
laridade sistemática. Em Sociologia, o problema do sistema
social foi focalizado da maneira mais sugestiva pelo sociólogo
italiano Parcto, cujos pontos de vista discutiremos no capitulo
XIII.
59
A sociedade e os degraus da evolução
60
A segunda linha de raciocínio desenvolve a tese de que
também ocorreu um tipo de evolução diferenciada: a da so
ciedade militar para a industrial (Comte já propusera tese
semelhante). Distingucm-sc os dois tipos de sociedade pela
predominância da cooperação compulsória na militar e da co
operação voluntária na industrial.
A esse respeito, é digno de nota que Franklin H. Giddings,
sociólogo americano do fim do século XIX e início do XX
(vide capítulos VI e XI) — que era, cm larga medida, se
guidor de Spencer, embora pertencente a outra seita do culto
ao evolucionismo —, deve ser responsabilizado pela generalizada
compreensão equívoca do evolucionismo spenccriano. Em uma
afirmação relativa às idéias de Spcnccr, Giddings negligenciou-
-lhe a principal linha de pensamento, concentrando-se exclusi
vamente na transição da sociedade militar para a industrial.
Submeteu o documento ao mestre, que então contava cêrca
de oitenta anos dc idade, e, obtendo seu endosso, publicou-o
em uma das próprias obras com uma referência à carta que
dele recebera. Subseqüentemente, a formulação de Giddings
foi aceita como oficial cm inúmeras apresentações das idéias
evolucionistas dc Spencer.
Êste asseverou, ocasionalmente, que as sociedades não pre
cisam passar, ncccssàriamen te, por idênticos estágios de evo
lução ou tomar-se exatamente iguais umas às outras, como
acreditaram os vulgarizadores dc suas idéias. Sustentou que
havia diferenças entre as sociedades individuais, devidas a
perturbações que interferiam na linha direta da evolução
Nos Principles of Sociology cita cinco perturbações possíveis.
Primeira, os diferentes dotes originais das raças; segunda, o
efeito resultante do impacto com o estágio imediatamente
precedente da evolução; terceira, as peculiaridades do hábito;
quarta, a posição de uma dada sociedade na estrutura de
uma comunidade mais ampla dc sociedades (quando, por
exemplo, uma sociedade está ccrcada por nações amigas ou
antagônicas); c, quinta, o impacto da mistura dc raças. Com
relação a êsse último ponto, deve-se assinalar que a Antropo
logia de que Spencer podia dispor ainda não estabelecera a
relativa não-importância da mistura dc raças e a preponderan
te importância do contato cultural na teoria da transformação
social. Fazendo-se essa correção indispensável, ficarão bem
estabelecidas as idéias dc Spencer sôbre a mistura de raças.
61
O princípio da nâo-intcrfcrcncia
62
uma espécie dc cscatologia vitoriana, tomando como clímax
o tipo laissez-faiu vitoriano da sociedade. Acreditava, entre
tanto, que poderia haver ainda algum desenvolvimento ulte
rior, com o qual desapareceria o pequeno resíduo de coerção
ainda existente. O estágio final da evolução — parecia acre
ditar — seria uma espécie de anarquia. Contudo, em 1884,
publicou um artigo onde admitiu que, embora essa concepção
fosse muito adiantada para a época, os futuros sociólogos
talvez pudessem utilizá-la.
Spencer em retrospecto
63
parte funcional. O investigador, ao usar êsse método, pnmei-
io compara as sociedades; depois, os itens individuais que vie-
tain à luz no estudo comparativo são explicados em termos de
sua importância para o conjunto da evolução. Mas, na rea
lidade, Spcnccr procedia por dedução. Começou com um
esqacma evolutivo a que chegara dedutivamente; daí derivou
a necessidade de certas fases, e, então, deu corpo a essas fa
ses abstratas, utilizando a ilustração, selecionando exemplos
aqui e ali que pareciam adaptados a seu sistema.
Apresenta seus tipos principais de sociedade — simples,
composta, duplamente composta c triplamente composta —
com subdivisões por um lado, e relativas à forma dc lideran
ça, ao tipo de vida semi-sedentário ou nômade, pelo outro.
Depois de localizar vários tipos de sociedade, que conhecia
através de pesquisa cm biblioteca, possivelmente afirmaria que
sociedades, digamos, duplamente compostas eram marcadas por
semelhanças cm política, religião, lei, arte, etc. Ê claro, no
entanto, que não alcançaria nenhum resultado positivo, pois,
como sc verifica de sua classificação, o mesmo tipo dc socie
dade, por exemplo a duplamente composta, pode não ter li
derança, ter liderança instável ou ter liderança mais estável,
o que significa as maiores diferenças possíveis cm sua política.
O povo será nômade, semi-sedentário ou sedentário, o que
significa novamente grande variação nas disposições econômicas.
De acordo com o princípio da diferenciação da estrutura
social, Spencer deveria ter compreendido que as sociedades
que se acham no mesmo estágio de evolução não são neccssà-
riamente semelhantes cm política, religião, moral, arte e outros
traços culturais, e que, ao contrário, encontram-se tipos simi
lares de governo e formas de religião entre diferentes tipos
estruturais dc sociedade. Mas ele não aplicou o teste empírico,
essencial ao processo científico.
Sua teoria, em contraposição à de Comte, não era uma
teoria sociológica tal como esta é hoje entendida. Comte for
mulara uma teoria básica que explicava o segmento social da
realidade e tentava descrever e elucidar fatos sociais em têr-
mos daquela teoria limitada. A ambição de Spencer era mais
alta. Criou uma teoria integral de tôda a realidade. Sua lei
da evolução ê uma lei cósmica. Sua teoria é, portanto, essen
cialmente filosófica, não sociológica, e, estritamente falando, os
filósofos é que deveriam averiguar sua validade. Contudo,
64
pode-se assinalar que essa Filosofia representa, bàsicamente, uma
sublimação da Física do tempo, que se encontrava em estado
de transição. A Física de hoje rejeitou muitas das idéias do
século XIX. Dado que a teoria de Spencer se apoiou nesta
última, é perfeitamente compreensível que muito de seu sistema
tenha sido também rejeitado. Este é sempre o perigo quando
se constrói um sistema de ciência empírica à base de uma teoria
filosófica, enraizada esta em conclusões empíricas temporárias,
alcançadas pelo homem cm determinada época.
Entretanto, as opiniões de Spencer, ao contrário das de
Comte, encontraram ^normè aceitação durante_sua '■ida, do-_
minando muitreespíntos, dê Especialistas ou não, de 1865 a
1895. No decurso de três décadas,jornou-se quase jmpossível
para um intelectual admitir que não havia Jido Spcncer. Teve
adversários, é claro^”mas toqo mundo foi oBngado a levá-lo
em conta. Deu-se isso especialmente na^ Inglaterra, nos Estados
UnTáos e_na^Bissia^ Sua influência se fez sentir menos na
França e na Alemanha.
A atração por Spencer era forte porque suas teorias cor
respondiam a duas necessidades do tempo: uma, o desejo de
unificar o conhecimento, Sle mesmo o reconheceu, em sua auto
biografia; outra, a justificação científica do principio do laissez-
-faire, nota dominante no clima ideológico de então, nos Estados
Unidos e na Inglaterra. Na Rússia, a atração nasceu da ênfase
que a teoria dava & liberdade, naqueles dias em que os russos
estavam lutando por ela.
Spencer atingiu o máximo da popularidade em 1882, quando _
visitou os Estados Unidos. Foijecebido com grandes aclamações,-
e foi com freqüência, proclamado, nas fileiras dos capitães-de-
-indústria, pois justificava a atividade dêles, o maior homem da
época. Em seguida a essa viagem triunfal, sua popularidade
ràpidamcntc declinou. Novas idéias surgiram no horizonte.
Muitos homens começaram a pensar que devia haver um con-
trôle político e racional da sociedade. Mais ainda, a Filosofia
pragmática principiava a ganhar terreno e logo substituiu a
Filosofia naturalista, de certo modo ingenua, de Spcncer. Este,
já velho, percebeu que_ as correntes do tempo corriam contra,
seus ensinamentos. * Morreu triste — tem-se afirmado —, sentindo
que o trabalho de sua vida não atingira o alvo desejado.
63
Outros Pioneiros
66
a então nova teoria da probabilidade, para a Matemática, c
sua aplicação aos fenômenos sociais. Em um ensaio publicado
cm 182D c depois em sua maior obra Do Homem e do De sen•
volvimento das Faculdades Humanas: Ensaio de Fisica Social
(1835), Quételet ressaltou a regularidade no reino do* eventos
sociais, especialmente nos fenômenos que se supõe reflitam o
livre arbítrio.
Com base em numerosos cálculos, realizados por êle pró
prio e por outros, como a medição das estaturas dos soldados
dc um regimento, concluiu que a curva normal de distribuição
prevalece comumente nos fenômenos sociais. Em outras pa
lavras, os casos próximos à média de uma série ocorrem neces-
sàriamente com muito mais freqüência do que os casos que
apresentam significativos desvios dela. Daí o conceito do ho
mem médio que ocupa uma posição central cm sua teoria.
Mas Quételct identificou errôneamente o médio com o de
sejável. Não levou em conta o fato de que médias idênticas
podem resultar de duas ou mais situações completamente di
versas, dependendo de diferenças na distribuição. Assim, por
exemplo, duas sociedades podem ter a mesma renda média per
capita, mas cm uma situação o povo tem rendas médias apro
ximadas, ao passo que, em outra, um giande número com ren
da muito haixa seria equUibrado por uma pequena maioria de
rendas muito altas.
Apesar dessas deficiências, é importantíssima sua contri
buição às Ciências Sociais, à Sociologia inclusive. Foi o pri
meiro a mostrar a possibilidade de empregar a estatística como
instrumento para a compreensão dos fenômenos sociais. Em
uma de suas obras, apresentou a idéia de que podemos julgar
a perfeição de uma ciência pela facilidade com que ela per
mite o approach pelo cálculo. Essa declaração tomou-se o
Leitmotif do neopositivismo atual (ver capítulo XV).
Quételet, ao contrário de certos estudiosos da época, era
homem de considerável prestígio e membro honorário de muitas
academias de ciências; e a casa real pediu-lhe que lecionasse a
seus jovens membros. Mas durante muito tempo os sociólogos
ignoraram ou desprezaram suas opiniões, como que alimentan
do a indignação que seus esforços haviam provocado em Com
te (ver capitulo II). Só no fim do século XIX é que a So
ciologia começou a empregar o método estatístico e só no
século XX é que apareceu o neopositivismo orientado pela
quantificação.
67
Le Play: primeiro estudo de caso
68
c às autoridades sociais (líderes locais, mas também religiosos
e políticos). Ambicionava uma sadia reconstrução de idéias
em geral e a preservação dos costumes.
O principal método de estudo de Le Play consistia na
observação cuidadosa dos fenômenos sociais em termos dc um
esquema unitário, o qual foi completado, em seus elementos
essenciais, em 1833. Êste approach incorporava o que hoje se
conhece como estudo de caso — c aqui temos uma de suas
contribuições relevantes à metodologia da ciência social. Con
cordando com Augusto Comte em que a família é a unidade
social básica, utilizou o orçamento familiar como uma expres
são quantitativa da vida dos fatos sociais. Uma das primeiras
funções da família é conseguir a subsistência para os membros
que a compõem através do trabalho e — entendia ele — o
modo de fazê-lo está determinado pelo lugar, isto é, pelas con
dições geográficas. Donde o conhecido relevo que Le Play
atribuía ao trinômio lugar-trabalho-família, como um foco de
estudo sociológico.
Ao selecionar uma família para observação, Le Play, com
a ajuda de autoridades sociais, procurava uma cujo habitat
e prováveis condições se aproximassem da média da localidade;
às vêzes, não conhecia o idioma local, mas habitando com a
família alcançava uma compreensão básica de seu modo de
viver. Assim, inaugurou uma técnica dc pesquisa social hoje
conhecida como observação participante. Tinha ele plena cons
ciência de que a observação sistemática 6 apenas o primeiro
passo na investigação científica. Compreendia que as verda
deiras Ciências Sociais precisam empregar não sòmcnte um
método, mas também a inteligência.
À base de observações numerosas e cuidadosas, Le Play
formulou uma concepção de prosperidade e sofrimentos que
contém o princípio, pelo menos, dc uma teoria geral da es
trutura social. “Em tôda parte” — disse êle — “a felicidade
consiste na satisfação das duas principais necessidades impostas
pela natureza do homem, o pão diário (coisas materiais) e os
mores** essenciais (coisas não-materiais).” Quando a estru-
69
tur.i social assegura citas necessidades, a raça (ele empregava
o tcr.no significando sociedade, talvez grupo étnico) é^ prós
pera; quando não, há sofrimento. As estruturas sociais que
induzem à prosperidade c evitam o sofrimento — segundo acre
ditava — coinpCcm-sc de sete elementos divididos cm três clas
ses: na primeira, dois princípios, a lei moral universal e a au
toridade paterna; na segunda, dois alicerces, religião e governo;
na terceira, três materiais, a propriedade comunal, a proprie
dade privada c o patronato. Das primeiras classes advêm
os mores essenciais; da terceira, o pão diário.
Le Play não acreditava na evolução, e menos ainda no
progresso. Seu ponto de vista sôbre a transformação social
era essencialmente cíclico: simplicidade, complicação, corrup
ção, e finalmente reforma ou ruína — eis o circulo vicioso
de que, até hoje, nenhuma raça civilizada foi capaz de exduir-
-se. Interessava-se especialmente pela fase de declínio da trans
formação, da prosperidade para o sofrimento. Citava diver
sas razões para o declínio da sociedade dc seu tempo: o es
pírito revolucionário e o desprezo pelos costumes nacionais; a
destruição da influência das autoridades sociais; a incessante
extensão da burocracia; a influência anormal dos literati; a
corrupção da língua, especialmente dc têrmos como liberdade,
igualdade e democracia; a crença de que a prosperidade de
pende de alguma forma particular dc govêmo. Como con
tribuições para o desenvolvimento da Sociologia, as conclusões
de Le Play, relativamente a esses assuntos, embora com fre
quência revelem discernimento e provoquem debates, dificil
mente alcançam o avanço que êle atingiu cm úteis métodos
de pesquisa.
70
grande parte de suas obras seja devotada à propagação d£se
movimento, algumas dc suas doutrinas são sociológicas, no mo
derno sentido da palavra.
A Filosofia de Marx era materialista — e o materialismo
constitui a base de sua Sociologia. De acôrdo com êle, sòmen-
tc a matéria existe, sendo a consciência um epifenômeno, ma
nifestação do movimento das células do cérebro — ponto de
vista que reflete a influência de Ludwig Feuerbach (1804-72),
filósofo hegeliano da ala esquerda. Como teoria sociológica,
pode-se reduzir o marxismo a dois postulados básicos e alguns
corolários.
O primeiro postulado é o do determinismo econômico,
especialmente a afirmação de que o fator econômico é o
determinante fundamental da estrutura e do desenvolvimento
da sociedade. Êste fator, consistindo especialmente nos meios
tecnológicos de produção, determina a organização social da
produção, ou seja, as relações que os homens precisam esta
belecer, e de lato estabelecem, para produzir bens mais efeti
vamente do que fariam se trabalhassem separadamente. Rela
ções que, de acôrdo com Marx, se desenvolvem independente
mente da vontade humana. Mas a organização da produção
(chamada por Marx a "infra-estrutura econômica da socie
dade”) não sòmente limita como também, na análise final,
molda tôda a superestrutura: organização política, lei, religião,
filosofia, arte, literatura, cicneia e a própria moralidade.
O segundo poslulado da Sociologia marxista refere-se ao
mecanismo da transformação. De acôrdo com êste ponto de
vista, é preciso compreender a transformação social cm têrmos
de suas três fases sempre presentes. Trata-se do esquema
dialético que Marx tomou emprestado ao filósofo idealista
alemão Georg Hegcl (1770-1831), orgulhando-se de tê-lo vi
rado de cabeça para baixo (aplicando o esquema, não ao es
pírito fundamental, como fêz Hegcl, mas à matéria). Tudo
no mundo, inclusive a própria sociedade, passa por uma es
pécie de necessidade dialética através dos três estágios dc afir
mação ou tese, negação ou antítese c reconciliação de opostos
ou síntese. Neste mais alto nível da síntese continua o pro
cesso com novos conflitos e acomodações, sempre assinalando o
processo histórico.
Uma combinação das duas proposições marxistas funda
mentais produz certos corolários. Cada sistema dc produção
71
econômica principia por ser uma afirmação, ao tempo a melhor
c a mais adequada possível das ordens. Qualquer sistema,
uma vez socialmente entrincheirado, toma-sc um obstáculo à
aplicação de novas invenções tecnológicas e ao uso de merca
dos recentemente descobertos *-e fontes de matérias-primas. O
desenvolvimento histórico não pode deter-sc nesse estágio; por
tanto, cumpre ultrapassar a ordem estabelecida por uma revo
lução social que cria a nova ordem de produção, síntese do
velho e do novo.
Em tôda sociedade há duas classes básicas, uma repre
sentando o sistema obsoleto de produção, outra o sistema nas
cente. A sociedade evolve de um estágio para outro através
da luta entre essas classes. A classe que emerge é finalmente
vitoriosa na luta e estabelece uma nova ordem de produção ______________
onde, em compensação, se encontram as sementes de sua pró
pria destruição, c, pois, mais uma vez o processo dialético.
Marx e seus seguidores aplicaram esse esquema dialético
à análise da sociedade ocidental contemporânea, a que cha
maram de capitalista. Nesta sociedade — disseram — a orga
nização social da produção que surgiu com a revolução indus
trial exprime-se na existência de duas classes: a burguesia, ou
os detentores dos meios de produção, c o proletariado, ou os
trabalhadores. É inevitável a luta entre as duas classes, e re
sultará, à medida que se desenvolvem a consciência e a mili
tância de classe, na superação do sistema existente. A herdei
ra do capitalismo será a ordem socialista, caracterizada pela
propriedade coletiva dos meios de produção e finalmente por
uma sociedade sem classes, e, portanto, sem Estado — meta
utópica longamente procurada pelos socialistas pré-marxistas, e,
de acôrdo com o próprio Marx, não-científicos.
A teoria sociológica de Marx aqui ligeiramente esboçada
merece crítica em vários terrenos. Em primeiro lugar, as cor
relações estritas entre as bases econômicas da sociedade e a
superestrutura não foram demonstradas por êle — nem po
deriam ser. Ao contrário, como freqüentemente se observa,
o mesmo sistema econômico essencialmente capitalista tem co
existido com várias instituições políticas, inclusive a monarquia
absoluta e a democracia. Similarmente, na era do domínio da
ordem capitalista, a Filosofia, as artes c outros fenômenos cul
turais vêm sendo altamente diversificados. Em segundo lugar,
vista històricamcnte, a transformação de um tipo de organiza
72
ção locial da produção para outro não í conseqüência necessá
ria da vitória da classe explorada. Na História européia, por
exemplo, a destruição do feudalismo foi muito maif o traba
lho da burguesia, relativamente pequena c poderosa, do que
dos servos. Em terceiro lugar, as previsões de Marx, como o
declínio da classe média e o triunfo inicial do socialismo nas
nações industrialmente mais desenvolvidas (tendo, portanto,
proletariado mais avançado), estão em contradição com os acon
tecimentos históricos reais.
A teoria marxista, entretanto, possui importância socio
lógica. Assim como as doutrinas de Comte e Spencer, é uma
doutrina evolucionista, estabelecida vinte c cinco anos drpois
da "descoberta do ano de 1822” comtiana, mas quase quinze
anos antes da publicação dos First PrincipUs de Spencer. Ê
digno de nota que, enquanto a teoria sociológica de Marx po
deria ter sido construída independentemente de suas premissas
filosóficas, à base do estudo empírico, esta não foi a sua gênese.
Embora seu autor levasse muitos anos documentando a teoria
com ilustrações históricas, sua concepção da estrutura social e
da transformação social era, na realidade, uma premissa lógi
ca mente necessária para demonstrar a proposição dc que o so
cialismo triunfará inevitàvelmcnte no mundo moderno.
No desenvolvimento da Sociologia, o pensamento marxis
ta é importante como tentativa de elaborar uma teoria sis
temática da estrutura e transformação sociais. Posteriormente
surgiram muitas outras teorias do mesmo tipo monístico, dife
rindo do marxismo na escolha do determinante básico, é claro,
mas compartilhando o approach monístico. Aqui simplesmen
te assinalamos que tais teorias, apesar do sua freqüente função
positiva de chamar a atenção para fatos sociais negligenciados
— e isso é verdade em relação ao marxismo —, supersimplifi-
cam c muitas vezes destorcem o complexo processo de trans
formação social e a complexa natureza da estrutura social e
dos padrões culturais.
73
Etnologia a esperar c a encontrar os mesmos resultantes fe
nômenos de cultura — sempre e quando há a presença de
causas similiares. Tylor buscou rncontrar uma forma dc medir
este desenvolvimento. Os principais critérios do ascenso cul
tural — segundo acreditava — eram o desenvolvimento das
artes industriais, a extensão do conhecimento científico, a na
tureza da religião e o grau de organização política c social.
Através da obra que escreveu, investigou o avanço humano ao
longo dessas linhas. Mas não acreditava que o progresso fosse
necessário no ascenso cultural, pelo contrário, citou, aprovando-
-as, declarações a respeito do fildsofo pessimista francês Dc
Maistre.
A contribuição mais duradoura de Tylor à teoria socio
lógica foi a definição de cultura que aparccc na primeira pá
gina dc sua principal obra, Primitive Culture (1871): “Cul
tura ou civilização... é aquele todo complexo que inclui co
nhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer ou
tras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro
da sociedade.'* Entretanto, só mais ou menos quinze anos de
pois c? que os sociólogos principiaram a fazer uso comum desse
conceito de cultura. Em décadas recentes, o ponto de vista
de Tylor sôbre cultura tomou-se não sòmentc um instrumento
conceptual quase padronizado para muitos sociólogos como tam
bém uma importante referência para descrever sisteroàticamen-
tc as complexidades, as intcrconcxões funcionais c as transfor
mações no mundo social c cultural do homem.
Lewis Henry Morgan (1818-81), um dos primeiros antro
pólogos americanos, formulou uma teoria da evolução social
que teve determinada influência nos círculos sociológicos du
rante vários anos. Sua teoria acentuava a significação-chave
dos fatores tecnológicos na sociedade e em suas transformações.
Desenvolveu este ponto de vista em uma série de estudos es
peciais publicados nas décadas de 1860 e 1870, que foram reu
nidos em volume sob o título de Ancient Society (1877). Mor
gan acreditava na existência dc estágios definidos dc evolução,
através dos quais os homens precisam passar, em tôda parte.
A experiência da humanidade — argumentava — correu cm
canais aproximadamente uniformes; as necessidades humanas,
sob condições similares, têm sido essencialmente as mesmas,
e a operação da mentalidade humana é uniforme através das
várias sociedades humanas.
74
Morgan dktinguia trés estágios principais de avanço cul
tural: sclvageria, barbárie c civilização. Subdividiu rada um
dos dois primeiros em três subestágios. Cada estágio e subestá-
gio iniciara-se, presumivelmente, por uma invenção tecnológi
ca importante. Assim, o segundo estágio da sclvageria aparece
ra com as artes de fazer fogo e da pesca, o terceiro coro o
arco c a flecha. A barbárie começara com a invenção da ce
râmica; o segundo estágio caracterizara-se pela domesticação
de animais e o terceiro pela técnica dc fundir o ferro. A civili-
zaçSo f o r a proclamada com a invenção do alfabeto fonético.
Segundo Morgan, cada um dê&scs estágios de evolução tecno
lógica se correlacionava a determinado desenvolvimento na re
ligião, na família, na organização política e na distribuição
da propriedade.
A Ancient Society dc Morgan produziu forte impressão
em Marx e seu colaborador, Friedrich Engels (1820-95). O
úldmo, seguindo o conselho de Marx, publicou em 1884 A
Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, em
que fêz extenso uso das teorias de Morgan e de suas ilustra
ções, tiradas amplamente da observação de sociedades indíge
nas americanas. Neste sentido, o trabalho de Morgan tornou-
-se parte da Sociologia marxista e, em certa medida, continua
a desempenhar um papel na Rússia comunista.
75
historiador Augustin Thierry (1795-1856),15 que, por sua vez,
devia algumas idéias a Comte.
A significação do fator racial do desenvolvimento social,
estabeleceu-a Gobineau eliminando arbitràriamente outras hi
póteses. Respondendo à pergunta de por que as nações de
clinam.. afirmou que nem o fanatismo, a decadência religiosa,
a luxúria. a licenciosidade, a corrupção ou a crueldade expli
cam êsses declínios, pois muitas nações continuam a florescer
apesar da presença de uma ou mais dessas condições. A causa
essencial variável — declarava — é a composição racial. As
circunstâncias raciais — prosseguia — dominam todos os pro
blemas fundamentais da História.
A desigualdade das raças, então, é suficiente para expli
car os destinos dos povos: as raças superiores são capazes de
progresso substancial enquanto outras, como os indios america
nos, são social c culturalmente limitadas por sua herança ra
cial. Assim, tôdas as civilizações principais têm sido realiza
ções de arianos (aliás, não uma divisão racial, de fato), que
formam o mais alto ramo da raça branca.
Gobineau nunca afirmou expressamente o que constitui
uma raça, e confundia elementarmente raça como divisão bio
lógica da humanidade com grupo étnico consistente em homens
integrados pela aceitação comum de uma cultura específica.
Falando em têrmos dc raça, asseverava que a conquista de
um povo por outro de raça superior é seguida de melhoramen
tos proporcionais às qualidades hereditárias do conquistador,
desde que preservada a pureza radal. Os conquistadores, porém,
freqüentemente se misturam com os conquistados, seguindo-se
a decadência racial e o declínio cultural. Portanto, a História
humana pode resumir-sc em uma scqüência das idades dos
deuses, dos heróis, c da confusão e da mediocridade durante as
quais as sociedades humanas degeneraram cm simples rebanhos.
Esta a teoria do retrocesso, oposta à do progresso.
A teoria dc Gobineau é um equivoco antropológico: não
há raças infeirores ou superiores. Em outras palavras, as capa
cidades inatas do homem não são determinadas pela raça. B
a teoria, sociològicamente, está errada: a mistura racial, tanto
quanto a interpenetração de culturas, resulta freqüentemente
em um florescimento da cultura. Ao tempo que em Gobincau
76
publicou a obra mencionada, a Antropologia c a Sociologia
ainda não possuíam esses fatos, hoje disponíveis, de modo que
sua fraqueza cientifica não pôde ser convincen temente demons
trada; pelo contrário, a teoria talvez tenha fascinado a imaginação
de muitos. Não obstante, passou despercebida durante o período
em que ele viveu, especialmente na França; isto porque contra
riava, de maneira direta, o ponto de vista então comumente
sustentado, notada mente as doutrinas de Turgot, Condorcet e
Comte, do progresso ilimitado.
No fim do século XIX suai opiniões foram amplamente
introduzidas na Alemanha através da obra de Houston Stuart
Chamberlain (1855-1927). Este publicou, em alemão, Os
Fundamentos do Século XIX (1899), que influiu profundamente
no Imperador Guilherme II e em inúmeros homens que o
circundavam. Embora seguindo as linhas principais da teoria
de Gobineau, Chamberlain supunha que a mistura racial não
era sempre culturalmente prejudicial; podia haver misturas
favoráveis que deviam ser preservadas. Tais doutrinas racistas
foram retomadas, posteriormente, pelo nacional-socialismo, o
nazismo dc Hitler. Também colaboraram para o aparecimento
do anglo-saxonismo, ponto de vista largamente espalhado nos
Estados Unidos no fim do século XIX e principio do século
XX, c que cxcrceu certo papel na formação da lei de restrição
à imigração, de 1924 (cujos dispositivos básicos são ratificados
na lei de 1952).
77
ciesee mais rapidamente que o consumo. Tal excedente é
essencialmente conseqüência de uma combinação favorável de
condições de clima, solo c alimento disponível. Na historia
primitiva a criação dc um cxccdente de alimento depende da
energia c da regularidade do trabalho humano, por um lado,
c da natureza ou do incio natural, por outro. A qualidade do
trabalho é determinada pelo clima: o clima temperado revigora,
o clima quente debilita; nas áreas frigidas emergem hábitos
inconstantes, enquanto a produtividade do trabalho humano
deper.de da fertilidade do solo. Buckle “testou” essas hipóteses
com suas observações gerais das condições sociais c geográficas
na Irlanda, na Índia, no Egito, na América Central c no Peru,
chegando à conclusão dc que essas observações sustentavam a
teoria.
Buckle também atribuiu algum significado sociológico ao
aspecto visual da natureza: sc o ambiente natural é sublime
ou terrificante, supcrdescnvolvc a imaginação; se é menos for
midável, a inteligência prevalece. Tentou demonstrar o teorema,
contrastando as civilizações da Índia e da Grécia.
Acreditava que a influência du meio geográfico é mais
direta e, portanto, mais forte sôbre os povos primitivos e que
declina com o avanço cultural. Sc tivesse completado sua obra,
tentaria provàvelmentc demonstrar como, nos últimos períodos
históricos, ocorreu o crescente contrôle humano dos fenômenos
naturais externos.
O estudo da influência das condições geográficas, empre-
enderam-no muitas vêzcs autores que antecederam a Buckle.
Entre seus predecessores situam-sc Aristóteles, Montesquieu e
diversos geógrafos alemães. Mas Buckle exprimiu a tese com
vigor excepcional. Durante algumas décadas os círculos inte
lectuais leram muito c sofreram a influência de The History of
Civilization in England. E seus pontos de vista tem sido freqüen
temente restabelecidos sob a forma de determinismo geográfico
unilateral. Esta doutrina não é mais aceitável, pois sabe-se
hoje em dia que a geografia antes limita do que determina o
desenvolvimento social e cultural. A presença das fontes naturais,
por exemplo, não garante que o homem venha a explorá-las,
mas sua ausência exclui numerosos desenvolvimentos. Opinião,
de resto, já estabelecida, mas infelizmente desafiada, ainda atu
almente, por algum ocasional determinista geográfica
78
Danilevsky: primeira alternativa para o rvolucionismo
80
Encontrar-se-ão algumas de suas idéias nas obrai dc Toynbee
c Sorokin, cujas teorias serão consideradas no capítulo XX.
81
formação social. A tendência era para o monismo, afirmação
de um demento básico ou pelo menos preponderante. Além
dos fatores ideológico, demográfico, econômico e tecnológico,
destacados pelos evolucionistas, Gobineau e Buckle salientaram,
respectivamente, o racial c o geográfico.
Duas dessas primeiras iniciativas foram importantes sob
o ponto de vista da metodologia. Quételet mostrou como apli
car o approach estatístico ao estudo dos fenômenos sociais, c
Le Play desenvolveu um trabalho excelente por um método
que, depois, se tomou conhecido como o estudo de caso. É dig
no dc nota que, cm relação a ambos os métodos, deu-se o fe
nômeno da ação retardada. Só no fim do século XIX foi o
método estatístico aplicado em estudos sociais especializados,
dc início no campo da Criminologia. E só em 1920 é que a
idéia de fazer da Sociologia uma ciência quantitativa ganhou
impulso. Por outro lado, os seguidores de Le Play usaram seu
método, desde o princípio, no terreno limitado dos estudos fa
miliares. Mas na segunda década do século XX é que, bas
tante independente da orientação dele, os sociólogos americanos
descobriram o estudo de caso c fizeram do mesmo um rival
da pesquisa estatística.
A maioria das obras examinadas não pretenderam seus
autores que fossem obras de Sociologia. Sòmente Comte e
Spencer, e, cm medida menor, Le Play, tiveram consciência
de que estavam construindo uma nova ciência. Quételct preo
cupava-se com a Estatística; Marx, Gobineau, Buckle c Dani
levsky teriam classificado suas obras como dc Filosofia ou His
tória; Tylor e Morgan contribuiam para a Etnologia. Ê de
resto compreensível que, durante o período dm pioneiros, a
Sociologia permanecesse um conceito vago. Os problemas cien
tíficos que constituem o centro vital da teoria sociológica eram
mais freqüentemente situados do que resolvidos. A metodo
logia, exceto na obra de Quételet e de Le Play, permaneceu
no plano do amadorismo. Mas houve muitas antecipações bri
lhantes, nestes primeiros anos, que provocaram o pensamento
e deram origem, no decurso das décadas seguintes, ao fruto
científico.
62
Terceira Parte
Darwinismo
Social
85
ciologia analítica acreditavam na evolução, que, entretanto,
representou um papel insignificante cm suas teorias.
A principal dentre as inúmeras escolas em que sc divi-
diu a teoria evolucionista dominante foi o darwinismo social.
Digno dc nota c que Charles Darwin, autor de A Origem das
Espécies (1859) c de A Descendência do Homem (1871) e
inventor da moderna teoria da evolução biológica, não era
um danvinista social. Não discutiu 61c problemas dc Filosofia
Social c inclinava-sc a afirmar o const raste existente entre OS
processos da evolução biológica c social.
Bagehot
86
então uma pergunta: quais as fôrças que mantêm o costume?
Bagehot responde que três. Primeiro, a religião do mêdo, do
tada de terríveis sanções contra os violadores. Segundo, a pro
pensão permanente a punir os desvios da ordem estabelecida.
Nenhum bárbaro — acredita Bagehot — tolera ver alguém de
sua nação desviar-se dos velhos usos e costumes da tribo. Ter
ceiro, a tendência do homem a imitar o que está diante de si.
A imitação não é consciente; é contagiosa, e mais forte entre
as crianças e os selvagens. A imitação explica a espantosa
identidade na sociedade selvagem e corresponde ao fato de
que os selvagens são copiadores mais rápidos e melhores. (A
ciência social moderna sabe, naturalmente, que êsses traços não
caracterizam necessàriamente a sociedade “selvagem”.) Neste
destaque dado à imitação, Bagehot antecipava Gabriel Tarde,
um dos criadores da Sociologia analítica, que contribuiu signi
ficativamente para o declínio do evolucionismo na Sociologia
(ver capítulo VIII).
A discussão sôbre o costume, acima esboçada, empreendeu-
-a Bagehot visando a esclarecer a assertiva de que a coesão
de grupo é o principal pré-requisito para a vitória na luta de
grupos. Como outro fator que possibilita a sobrevivência do
mais apto, tirou êle a Darwin a idéia da variabilidade. Sem a
variabilidade, a luta pela existência não teria sentido, não re
sultando cm nenhum melhoramento da organização biológica
ou social. Como Spencer, Bagehot acreditava no progresso, e
para explicar sua possibilidade apresentava, além da tendên
cia a imitar, a tendência oposta dos descendentes a diferirem
dos progenitores. O progresso é possível — entendia — sò-
mente se a fôrça da legalidade baseada na imitação é bastante
poderosa para unir a nação em um todo, mas não tão forte
a ponto de matar tôda variação c frustrar a perpétua tendência
natural à transformação. Sobrevivem os grupos em que o
equilíbrio entre essas fôrças assegura a maior eficiência do
grupo. Esse equilíbrio, em sua opinião, é característico das
sociedades dirigidas pelo govêmo mediante debate: nelas, a
porta está aberta às inovações e ao progresso.
Gumplowicz
87
O mesmo não se pode afirmar de outro rcpiwntante do dar-
winismo social, Ludwig Gumplowicz (1838-1909), judeu po
lonês. Ingressou na carreira acadêmica na monarquia atmro-
-húngara, onde era forte o anti-semitismo c os conflitost interim!-
cos dominavam a ccna política. Sofreu durante toda a vida
de um complexo de inferioridade c a tragédia assinalou seus
últimos anos. Em 1894, o filho suicidou-se; em 1909, Oum-
plowicz pôs fim à própria existência depois de ter assassinado
a mulher. A trinteza que envolvia sua vida foi iluminada,
mas não dispersa, pela visita, cm 1903, do sociólogo americano
Ward (ver capítulo VI) homem altamente otimista. Em con
seqüência dessa visita, pôde ele publicar um artigo era The
American Journal o/ Sociology (Volume IX). Aí, contràna-
mente a seus primeiros ensinamentos, admitiu que as leis fér
reas dos processos naturais podiam ser modificadas pela inte
ligência humana, também ela uma fôrça natural.
A carreira acadêmica dc Gumplowicz limitou-se à uni
versidade provinciana de Graz, onde foi a princípio conferen-
cista e, depois dc 1882, professor. Seu primeiro contato com
a Sociologia deu-se através da leitura dc Comte e Spencer.
Os principais volumes que escreveu são Rafa e Estado (1875),
Luta de Raças (1883) e especialmente Resumo de Sociologia
(1885). Produziu muitas outras obras que pouco acrescen
taram de importante às idéias expressas em Resumo de Sociologia.
Em todos esses trabalhos, Gumplowicz, embora destacan
do a necessidade de relacionar a Sociologia ao campo geral da
ciência, sustenta que o problema social constitui uma catego
ria única, distinta de todos os outros fenômenos por diversos
traços fundamentais. A Sociologia, na sua opinião, é a ciência
da sociedade humana e das leis sociais. Portanto, é a base de
tôdas as demais Ciências Sociais, devotadas a manifestações
particulares da vida social
Na opinião de Gumplowicz, a evolução social e cultural
resulta inteiramente da luta entre os grupos sociais. Esta luta,
análoga à luta entre os indivíduos, pela existência e pela sobre
vivência do mais apto, substitui, em sua teoria da evolução,
a luta individual. Sòmente o grupo é importante, pois o in
divíduo é produto do grupo. Apenas uma insignificante maio
ria de homens continua a educar-se recebendo impressões ori
ginadas de fora dos seus próprios grupos sociais. E a comuni
dade que pensa, pois a noção de que o homem pensa, como
mdMduo. é ilusória.
88
Por que, entretanto, precisam lutar os grupot? Gum-
plowicz apresenta duas hipóteses básicas: uma, a hipótese po-
ligenética, asseverando que a espécie homem evolveu de vá
rios antigos tipos, em muitas épocas e em muitos lugares dife
rentes, de modo que não ha, entre as raças, laços de sangue;
outra, a hipótese de que existe um ódio insuperável entre os
diferentes grupos e raças. Ambas as asseveraçÕes foram alcan
çadas dedutivamente e confirmadas por boa autoridade. Quan
to mais caminhamos para trás — diz Gumplowicz — tanto
maior é o número de pequenos grupos sociais que encontra
mos, caracterizada a horda pela promiscuidade sexual e pela
igualdade da posição social. O conflito (guerra) entre êles
resultava diretamente do desejo de condições econômicas me
lhores. (Aqui, como em muitos outros pontos, os ensinamentos
de Gumplowicz denunciam forte sabor marxista.) Nos pri
meiros tempos, a guerra resulta va no extermínio do grupo ven
cido. Depois os homens descobriram ser mais vantajoso escra
vizar os conquistados e explorá-los economicamente. Neste
processo de superimposição de um grupo a outro, via Gumplowicz
a origem do Estado. Essa teoria foi aceita, embora relutante
mente, por muitos sociólogos, mesmo nos Estados Unidos, à
falta, então, de outras hipóteses plausíveis.
Depois da formação do Estado, a luta de grupos bifurca-
-se: prossegue a guerra entre os Estados,' provocada pela ne
cessidade implacável de conquista, mas surge também a luta
de classes dentro dos Estados. Ainda que as classes em luta
e suas metas se modifiquem no transcurso da História, a classe
no poder sempre compreende que pode mais fàcilmcntc manter
e estender seu domínio estabelecendo instituições políticas e
legais. Tôdas essas idéias relativas ao Estado revelam afinida
des com o marxismo.
Gomo inúmeros pensadores alemães da época, inclinava-
-se Gumplowicz a distinguir Estado e sociedade. Para ele, a
sociedade era a soma total dos grupos cm conflito, cada grupo
centralizando-se em um ou mais interêsses comuns. Todos os
homens que se sentem estreitamente unidos por interêsses co
muns procuram funcionar juntos, como unidades na luta pela
dominação. Assim formam-se os grupos, e é implacável a luta
que se trava entre êles.
Contràriamente a outros evolucionistas, Gumplowicz mos
trava-se pessimista em relação ao progresso. Não podia aceitar
a idéia da evolução da humanidade como um todo, porque
89
para cie não existia essa coisa chamada humanidade. Seu ponto
de vista poligenetico excluía a possibilidade dc evolução um-
tária. A evolução, cm cada grupo — segundo acreditava ,
fora bastante esporádica c interrompida por vários retrocessos.
Em cada Estado houve progresso e evolução parcial; mas sem
pre houve bárbaros à espera do sinal para começarem^ o tra
balho de destruição. Embora seja certo que Gumplowicz não
se inspirou cm Danilevsky, há aqui algum paralelismo com o
ponto de vista do último (ver capítulo IV) sôbre o apareci
mento de determinadas culturas (não da cultura ampla da
humanidade) c sôbre a existência dc fôrças negativas e des
trutivas. A queda de mais de um Estado poderoso ante o as
salto de hordas bárbaras bastante pequenas — continua Gum-
plowicz, em uma antecipação interessante dos pontos de vista
de Toynbee — não pode ser compreendida a menos que re
conheçamos a existência dc inimigos sociais domésticos.
Resumindo, não há progresso nem retrocesso no decurso
da História, como um todo; só se observa progresso em pe
ríodos particulares e em países particulares. O ponto de vista
de Gumplowicz a esse respeito está muito mais próximo do
corrente nos dias atuais do que estavam as opiniões de seus
otimistas contemporâneos.
Ratzenhofer
90
Na opinião dc Ratzenhofer, a Sociologia é a ciência das
relações reciprocas entre os sêres humanos. Sua tarefa con
siste em descobrir as tendências fundamentais da evolução so
cial e as condições do bem-estar social dos sêres humanos. O
problema fundamental da Sociologia reside na determinação
do caráter único da regularidade social e em distingui-la da
regularidade dos fenômenos do mundo em geral. A Socio
logia precisa descobrir o princípio subjacente que governa to
dos os negócios sociais e, com êste guia, ajudar a resolver
todos os problemas sociais.
Êste princípio dominante, a fôrça propulsora, Urkraft, é o
interesse. O interêsse é a chave que abre o tesouro da Socio
logia. A vida social, de acôrdo com Ratzenhofer, é um con
junto de interesses enraizados na própria natureza dos homens.
O interêsse 6 a expressão de uma necessidade através da per
cepção que o homem tem dessa necessidade. Tais necessidades
são inatas ou instintivas, mas para se tomarem interesses pre
cisam ser percebidas pela mente humana c compreendidas como
necessárias.
Ratzenhofer classificava os interêsses da seguinte maneira:
procriativos, fisiológicos (nutrição), individuais (auto-afirmação),
sociais (baseados na consangüinidade, dirigidos ao bem-estar
do grupo) e transcendentais (religião). Cinco tipos de inte-
rêsses que são as forças reais que atuam por trás da ação do
grupo e individual. A sociedade só existe no processo social,
que é a soma total das relações sociais entre os homens; rela
ções, porém, que se baseiam no comportamento dirigido para o
interêsse, motivo de tôda a ação social.
Como era talvez natural para um militar da velha escola,
Ratzenhofer acreditava que o conflito predomina na ação do
grupo. A onjem social é a organização da luta pela existência.
O conflito prevalece devido à disposição inata do homem a
obedecer aos impulsos primitivos e a odiar todos os companhei
ros. O aumento da população limita essa disposição. Assim,
tomando-se necessária a obediência aos governantes, surge o
princípio da articulação social e do Estado. A expansão pos
terior leva à conquista de uns Estados por outros, processo
que leva à crescente complexidade e diferenciação. A luta e
a guerra geralmente consolidam as estruturas sociais, enquan
to a cultura e o comércio enfraquecem o laço social.
91
Small
Albion YV. Small (1854-1926), sem ter sido um pensador
cspccialmente original, talvez teaha mais do
contribuído que
outro qualquer para o avanço acadêmico da Sociologia
americana.
Small nasceu no Maine, estudou no Colby College c no
Seminário Teológico Newton, passando mais tarde dois anos
nas universidades de Berlim e Leipzig, onde adquiriu completo
conhecimento da ciência social germânica. Lecionou História
c Economia, durante dez anos, no Colby College, do qual íoi
diretor durante três anos. Em 1892 foi nomeado chcfc do
recém-criado departamento de Sociologia da Universidade de
Chicago, o primeiro no mundo a ser estabelecido. Ocupou essa
posição até à morte, desempenhando relevante papel no ensino
dc tôda uma geração de sociólogos. Em 1894, cooperando com
George E. Vincent, publicou o primeiro livro didático de in
trodução à Sociologia. No ano seguinte fundou o The American
Journal of Sociology, que editou até morrer. Em 1905 foi
publicada sua obra principal, General Sociology. Escrevendo e
ensinando, familiarizou seus compatriotas com o pensamento
europeu c promoveu o reconhecimento, na Europa, da Sociologia
americana, motivo suficiente para que ocupasse a presidência
do Instituto Internacional de Sociologia, em 1913.
Embora influenciado por Gustav Ratzenhofer, Small mitigou
o suave darwinismo social do último, reduzindo-o a uma teoria
de interesses e seus conflitos. Teoria afim com sua antecedente
concepção dos desejos como a verdadeira mola na ação humana
em sociedade, idéia tirada provàvelmente de Ward. Em General
Sociology, Small define o interêsse como “uma capacidade insa
tisfeita correspondente a uma condição irrealizada”. Essa fórmula
— disse êle — era uma tentativa de exprimir alguma coisa
existente por trás da consciência. A incerteza da afirmação ê
infelizmente bastante característica de suas obras, em geral.
O interêsse é o pivô da teoria sociológica de Small, Os
interêsses são os modos mais simples de movimento que se
podem traçar na conduta dos sêres humanos; o próprio ato
de viver é o processo de desenvolver, ajustar e satisfazer inte
rêsses. Êstes incidem em seis classes: saúde, fortuna, sociabi
lidade, conhecimento, beleza, correção. Subjetivamente enca
rados, são desejos; objetivamente, são carências.
92
O interesse domina a vida individual e social. O indivíduo,
cm qualquer tempo, é o produto da luta persistente por seus
interesses; e similarmente a sociedade é a conseqüência das
miríades de esforços dos indivíduos a fim de satisfazerem a
esses interesses. Small acentua as relações interdependentes dos
aspectos sociais e individuais da luta de interesses e diz: “o
indivíduo e a sociedade não foram feitos um para o outro, inas
defrontam-se. Uma sociedade é uma combinação das atividades
de pessoas. Uma pessoa é um centro de impulsos conscientes
que só se realizam completamente em sociedade”.
Neste contexto, Small empregou o têrmo sociedade, embora
depois o repudiasse em favor de associação, insistindo em que a
mudança não era apenas verbal. Sociedade sugere antes um
ponto de vista estático a respeito dos fatos sociais — declarava
— enquanto associação implica um ponto de vista dinâmico.
Small desejou estudar o processo da associação humana. Viu
neste processo o conflito como padrão primário, envolvendo a
colisão de interesses. De acôrdo com as própria preferências
éticas, entretanto, foi além e asseverou que o próprio conflito se
reduz a cooperação através da socialização.
Apesar da influência pessoal dc Small, seu pontos de vista
nem persistiram nem influenciaram grandemente a Sociologia
americana. Para tanto, há um motivo claro: formuladas no
início do século, as opiniões que sustentou pertenciam a uma
espécie de Sociologia que, a êsse tempo, já estava em declínio.
Todavia, contra ria men te à maioria de seus contemporâneos,
não dispôs as idéias cm tômo do conceito da evolução, embora
pressupondo a validade da teoria evolucionista, no conjunto.
Concebeu a evolução para o progresso exprimindo-se no movi
mento do conflito original para a pacificação através da sociali
zação, e acreditava que o processo social, por necessidade intrín
seca, produzia homens cada vez mais díspares, ponto de vista
acorde com a fórmula evolucionista de Spencer.
Mas a explicação de Small para as relações entre a Socio
logia, outras Ciências Sociais e a Psicologia está de acôrdo com
inúmeras idéias atuais. Êle insistiu na unidade das Ciências
Sociais, especialmente em The Meaning of the Social Sciences
(1910), e assinalou que cada ciência dá atenção, primàriamente,
a certos fragmentos ou aspectos da coisa isolada. Sôbre a
Sociologia e a Psicologia, escreveu; “O psicólogo toma a asso
ciação como o fato fixo e conhecido a fim de prosseguir na
93
investigação dos mecanismos dos agentes individuais. O soció
logo, pelo contrário, toma o indivíduo como um dado c promove
a investigação da associação.” Ê lamentável, na opinião do
autor, que sociólogos posteriores não tenham seguido mais
freqüentemente este excelente conselho.
Sumner
95
dos dado» da Etnologia. Sofreu pequena influência, c mesmo
pouco conhecimento possuía da teoria não-cvolucionista na So
ciologia americana e européia. Dc acôrdo com Keller, seu su-
cessor em Yalc, o método principal de Sumncr consistia em
reunir uma grande quantidade de fatos verificados, deixando-
-os falar por si, aplicando-lhes o senso comum, treinado c or
ganizado. Eis a opinião dc um admirador. Mais exatamente,
Sumner utilizou enorme quantidade dc material; a organiza
ção, porém, que lhe deu era bastante fraca.
Folkways é uma tentativa, no estilo do darwinismo social,
para explicar a origem evolucionista, a natureza, a função e
a persistência dos hábitos de grupo (costumes). Dado que a
primeira tarefa da vida c viver, o homem começa com atos
e não com pensamentos. Tentando c errando, nos vários modos
de agir, selecionam-se, sob condições particulares, os melhores e
mais aptos. Êsses métodos se repetem e sua repetição produz
o hábito no indivíduo e o costume no grupo. Assim, os
folkways, 1 7 isto é, os meios de fazer as coisas comumentc aceitos
em uma sociedade, desenvolvem-se inconscientemente. Surgem
não se sabe dc onde nem como, e crescem como que pelo exercí
cio da energia vital interna.
Sumner nunca foi bem claro quanto às fôrças que produzem
os folkways. Ofereceu três explicações diferente: interesse (sob
a influência de Small); pão e prazer (o par, hedonista); e
quatro motivos: fome, sexo, vaidade e medo (antecipando os
quatro desejos dc W. I. Thomas). Os folkways podem ser mo
dificados, mas só dentro de certos limites, pelo esfôrço objetivo
do homem. Podem com o tempo chegar a perder o poder, decli
nar e morrer, ou transformar-se. Sumncr nunca investigou as
condições sob as quais êles se transformam ou deixam de exercer
seu impacto sóbre o homem. Portanto, nunca chegaria a
formular aproximações de leis sociais.
Quando vigorosos, os folkways controlam amplamente os
empreendimentos individuais e sociais bem comq produzem e
alimentam idéias de filosofia mundana e política da vida. Quan
do pontos de vista elementares sôbre a verdade e o direito se
transformam em doutrinas de bem-estar, os folkways aí envol
vidos se tornam mores. A terminologia de Sumner é de certo
modo inconsistente. As vezes opõe êstes àqueles, mas em ou-
96
iras ocasiões usa o termo folkways paia designar oc mo
dos de agir aceitos, inclusive os mares. Atribuiu tie suprema
importância a ambos. Os primeiros dominam a vida social; a
vida da sociedade consiste em criar folkways e aplicá-los. As leis
refletem os mores, e para serem fortes precisam sempre estar
de acôrdo com os mesmos. Quando uns e outros se tornam
instituições ou leis, contudo, mudam de caráter.
O debate sumneriano das instituições antecipou o ensina
mento da escola institucional (ver capítulo XIX), approach ba
seado numa filosofia inteiramente diversa dos fundamentos
darwinistas de Sumner. "Uma instituição consiste em um con
ceito (idéia, noção, doutrina, interêsse) e em uma estrutura.
A estrutura é uma armação, um aparelhamento ou talvez ape
nas um número de funcionários postos a cooperar dc acordo
com normas prescritas cm determinada conjuntura. A estru
tura sustenta o conceito e fornece o instrumental para trazê-lo
ao mundo dos fatos e ações, de modo a servir aos interesses
dos homens.'*u Desde que as leis e as instituições aparecem
apenas em um alto nível de desenvolvimento, depois dos mores
terem evolvido de meros folkways, Sumner parece ter acredita
do que o modo irracional de desenvolvimento dos últimos é
gradualmente substituído por um mecanismo altamente racio
nal que cria estruturas ou organizações com o objetivo dc en
globar idéias específicas. Todavia, nunca explorou essa linha
de investigação.
A teoria de Sumner é evoludonista. Mas a apresentação
que faz de folkways e mores (teimos de uso comum entre os
sociólogos contemporâneos) pode ser encarada como uma con
tribuição à Sociologia analítica, à compreensão da estrutura
e do modo de operação dos grupos sociais. Deu êle ainda à
Sociologia analítica a diferença entre “nosso grupo** e “grupo de
fora”. Destacou a oposição entre nós mesmos, o we-group ou
in-group, em relação a todos os outros, isto e, o they-group ou
out-group. Cada grupo alimenta seu orgulho e sua vaidade,
ostenta a própria superioridade, exalta as próprias divindades
e olha com desprêzo os de fora. Cada grupo considera seus
folkways os únicos acertados, de modo que os de outros grupos
provocam a desaprovação e epítetos de desprêzo e abominação.
Enquanto os membros de um in-group se atêm a relações de
i 91
paz, ordem e lei, suas relações com todos os dc íora são de hos-
tilidade. Às atitudes dc superioridade relativas aos folkways ao
in-group c da comparação invejosa com as do out-group deu
Sumner o nome dc itnoccntrismo, termo hoje comumcnte
usado.
Sumner também sustentou que existe uma correlação en
tre o otnocentrismo e o crescimento da solidariedade de gru
po. “As exigências de guerra com os de íora é que estabele
cem a paz interna... A lealdade ao grupo, o sacrifício por
êle, o ódio e o desprezo pelos dc fora; a fraternidade interna,
livre de beliccsidade — desenvolvem-se juntos, produtos da
mesma situação.”20 Bagehot c outros haviam feito observa
ções parecidas muitos anos antes, mas só depois dc Sumner é
que tab pontos dc vista ganharam aceitação ampla.
Aspecto igualmente importante da obra dc Sumncr é que
êle originou o approach normativo (ou institucional, conforme
Parson; ver capítulo XVIII) do fenômeno social. Por outras
palavras, iniciou o estudo da origem c das funções das normas
sociais. Não há dúvida que Spencer e alguns dentre os pri
meiros etnólogos trataram dos costumes e usos dc várias socie
dades; limitaram-se, porém, a descrevê-los, pouco ou nada ana
lisando suas funções cm socicdadc. Sumner, entretanto, não
sc deteve nesse ponto. Na introdução a Folkways dcciara que
pretendera escrever um livro sebre Sociologia, mas que nessa
tentativa desviara-se, por necessidade intrínseca, para o estudo
da importância sociológica dc usos, modos, costumes, mores c
moral. Etnologia, observou, seria um têrmo adequado para
semelhante estudo. Têrmo que deriva da palavra ethos, que os
gregos aplicavam aos usos, idéias, padrões c códigos pelos quais
uin grupo se diferencia dos outros e se individualiza, em caráter.
A Ética, ou coisa pertencente ao ethos, são os padrões do direito.
Na opinião de Sumner era um fato estranho que as nações
modernas tivessem perdido êsses termos c menosprezassem as
98
significativas sugestões que encenavam. Seu trabaliio, assim,
foi uma tentativa, apenas parcialmente bem sucedida, de enri
quecer o estudo da vida social focalizando padrões dc diicito
comi; men te aceitos.
Suas contribuições à Sociologia analítica são mais impor
tantes do que seu conceito da origem e da permanência dos
folkways. A teoria da sobrevivência do mais apto ou dos folk
ways mais adequados está refutada pela existência de costumes
nocivos que freqüentemente conduzem à decadência e até à
destruição de grupos que a eles aderem.21 O ponto de vista
dc que os folkways são fôrças independentes dos homens tam
bém é insustentável; sabe-se agora que os fenômenos de apa
recimento, permanência, modificação e decadência dos costu
mes são redutíveis a complexos sistemas de ação e interação®
humanas. E sabe-se que, sob certas condições, a lei pode al
terar grandemente os próprios mores.
100
intragrupal. Bagehot vislumbrou a importância sociológica da
imitação. Gumplowicz compreendeu bem a vulnerabilidade da
doutrina do progresso e, independentemente de Danilevsky, viu-
-o confinado a segmentos da humanidade, não assinalando a
transformação da humanidade como um todo. Sumncr trou
xe uma nova perspectiva para o estudo sociológico, ao dar ên
fase ao aspecto normativo da vida social. Embora os princi
pais destaques do darwinismo social, como o evolucionismo em
geral, sc revelassem comprovadamcnte infrutíferos, alguns
de seus subprodutos foram autênticas contribuições à teoria
sociológica.
CAPITULO VI
Evolucionismo Psicológico
102
-se cm Botânica e Direito c recebeu o grau dc master of àm
cm 1872. Em 1881, nomearam-no assistente, em 1883. pale-
ontólogo-chefe no United States Geological Survey, onde em
preendeu pesquisas originais de Geologia c Paleobotânica.
O interesse dc Ward pela Sociologia despertou com as
leituras dc Com te e Spencer. Caiu sob o encanto dos gran
diosos sistemas dos dois fundadores da nova ciência e concor
dou em larga escala com o cvolucionismo cósmico do segundo.
Mas não pôde aceitar as conclusões tiradas pelo mestre inglês
do postulado de uma evolução impessoal, auto-orientado. A
própria origem humilde de Ward e o sofrimento que observava
cm tômo de si levaram-no a introduzir no esquema spenceria-
no um princípio que tomaria desejável e cientificamente justi
ficável a interferência humana consciente na evolução. En
controu-lhe o germe cm Augusto Com te. Pois não era o sis
tema dêste voltado para a reforma social fundada em leis so
ciais que deveriam scr descobertas pela nova ciência? Na so
ciedade humana — decidiu Ward — havia, além da evo
lução impessoal, ação proposital, ela própria fruto do pro
cesso evolutivo.
Essa idéia do propósito nos negócios humanos foi a mola
mestra, resultante dc doze anos de trabalho, na obra-prima
de Ward, em dois volumes, Dynamic Sociology (1883), que
durante algum tempo passou quase despercebida. Os Estados
Unidos atravessavam um período de rápido avanço, sob a ban
deira do principio da não-interferência; e a êsse tempo um li
vro atacando o princípio condutor de um progresso visível pa
recia retrógado e até prejudicial. Em 1890, contudo, Albion
Small, então presidente do Colby College, reconheceu os gran
des méritos de Dynamic Sociology. O interesse de Small, e
logo o de outros eruditos, encorajou Ward a escrever novos
volumes: Psychic Factors of Civilization (1893), Outline of So
ciology (1898), Pure Sociology (1903) e Applied Sociology
(1906). Êstes, na maior parte, ampliam, ratificam e modifi
cam em aspectos menores a primitiva opus magnum. Em Pure
Sociology, entretanto, há uma parte que reflete o impacto do
contato de Ward com os dois darwinistas. sociais austríacos,
Gumplowicz e Ratzenhofer. (Como se observou no capítulo
precedente, Ward, por sua vez, trouxe determinadas mudanças
nos pontos de vista do primeiro deles.) Notam-se outras influ
ências novas em Pure Sociology, especialmente a de Tarde,
sociólogo francês que sublinhou, independentemente dc Ward,
103
a importância do fator psiquico sobre a realidade social liber
tando-*. em conseqüência, quase completamente, do evolucao-
nismo (ver capítulo VIII). D« modo geral, a Sociologia de-
senvolvera-se ràpidamente nos anos decorridos entre a publi
cação de Dynamic Sociology c dc Pure Sociology. Utilizando
seu conhecimento de francês, Ward leu àvidamente as obras
principais do ramo. Em 1902, rntimerou os sistemas princi
pais de Sociologia c escreveu sôbre cies um ensaio clássico.®
Na época da puhliração das últimas obras que escreveu.
Ward gozava larga fama, não somente nos Estados Unidos,
mas em todo o mundo científico. Em 1903 foi eleito presi
dente do Instituto Internacional de Sociologia. Tomou-sc o
primeiro presidente da Sociedade Sociológica Americana, em
1906. No mesmo ano, renunciou ao cargo governamental qüe
ocupava e começou a ensinar na Brown University (anterior
mente, ministrara apenas alguns cursos dc verão, principal
mente na Universidade de Chicago); conservou ai suas fun
ções até morrer.
Postulados básicos
104
as forças sociais eram nitidamente psíquicas, mas, como fôrça
motriz dos fenômenos sociais limitavam-se ao sentimento, dado
que “a faculdade pensante não e uma fôrça”. Ward traba
lhou longamente no problema da classificação das forças
sociais. Sua classificação final apareceu cm Pure Sociology,
onde dividiu as fôrças cm ontogcnicas: uma positiva procurando
o prazer, outra negativa, evitando a dor; uma direta, sexual,
outra indireta, a afeição baseada na consanquinidadc; e sociogc-
nicas: uma tríade de fôrça moral (procurando a segurança e o
bem), fôrça estética (procurando o belo) e fôrça intelectual (pro
curando o verdadeiro e o útil). Fica-se imaginando de que ma
neira pôde Ward incluir a intelectual entre as fôrças sociais e
sustentar, ao mesmo tempo, que as idéias não são fôrças, mas
pode-se resolver o aparente paradoxo afirmando que a fôrça
intelectual aí não é a verdade como tal, mas o amor à verda
de, que é um sentimento.
Ward postula, cm quarto lugar, o princípio da síntese
criadora ou sinergia. Êste princípio, que a Dynamic Sociology
não toma explícito, é a espinha dorsal da Pure Sociology, ft
um princípio universal operando em cada ramo da natureza,
e através da sinergia é que se alcança, em todos os estágios da
evolução, a transição de um para outro. A sinergia social —
diz Ward em Pure Sociology, onde parece lamentar haver uti
lizado anteriormente o termo fôrça em vez de sinergia — apa
rece na sociedade em tôdas as direções; e, como uma tempesta
de ou uma torrente, é implacável. Os interêsses inatos do ho
mem trabalham em sentidos contrários, freqüentemente sem
nenhum propósito. Esta situação subsiste na natureza. Muitas
fôrças colidcm c entram cm conflito, mas desde que não se
perde nenhum movimento, alcança-sc um equilíbrio parcial,
de que se originam estruturas mais ou menos estáveis. Estru
turas que novamente colidcm, repetindo-se o processo, gerando
estruturas cada vez mais altas cm todos m domínios do ser.
E, cm todos os lugares, as estruturas assim criadas por siner
gia contêm mais do que a soma dos fatores tomados indepen
dentemente. Formulando o princípio da sinergia, Ward re-
conheda-sc devedor, cm parte, dc Wilhelm Wundt (1832-1920),
famoso filósofo alemão da época. 24 Noutra parte, afirma ele
105
que a síntese criadora é "a expressão cosmológica da trilogia
hcgeliana”.25
106
ditavam na açao social planificada. A* leis sociais são efeti
vamente inalteráveis — afirma Ward — mas os homens podetó
utilizá-las a fim dc atingir seus objetivos, identicamente ao que
fazem com as leis físicas.26 Como proceder, nesse sentido?
Sua resposta se encontra no desenvolvimento da doutrina da
telesis,
Ward dividiu a Sociologia em duas partes, genética e te-
leológica (de acordo com o segundo de seus postulados). Essa
classificação veio a se revelar comprovadamente imprópria,
pois cie nunca chegou a distinguir claramente entre fenômenos
genéticos e teleológicos e \iu-sc freqüentemente forçado a con
siderar determinados fenômenos cm ambas as divisões do sis
tema, contradizendo-se às vézes.
Posteriormente, dividiu ainda a parte da Sociologia de
votada à Genética, em estática e dinâmica, termos popula
rizados por Augusto Comte e Spencer. Mas Ward deu à
distinção uma precisão que faltou a seus prçdecessores. Pole
mizou contia os que entendiam que a estática deveria confinar-
-sc ao estudo das estruturas sociais, relacionando-se a dinâmica
ao funcionamento delas. A função — argumentava — e o
que as estruturas fazem. A estática abrange a estrutura e a
função; a dinâmica estuda as transformações das estruturas
Ward não se preocupou com o método da Sociologia,
assunto predileto de muitos contemporâneos seus. Acreditava
que o método principal devia ser a generalização, isto é, o agru
pamento dos fenômenos c o tratamento dos grupos como uni
dades. Procedimento, aliás, realmente muito vago. Na rea
lidade, ele introduziu, na maioria dos conceitos e teoremas so
ciológicos que formulou, afirmações cvolucionistas atinentes aos
domínios da Astronomia, Física, Química, Biologia c Antropo
logia. O esfôrço criador do autor transforma esses materiais
cm argumentos a favor de proposições sôbre os fenômenos so
ciais, presumivelmente parte da mesma evolução cósmica. Ward
chegava, habitualmente, a suas asserções sociológicas por in
tuição e, às vêzes, por uma aguda observação de eventos e si
tuações da época. Seria impossível enunciar qualquer metodo
logia articulada visando a esse resultado, motivo talvez pelo
qual tem êlc tão pouco a dizer a respeito.
107
Era um sentido, porém, Ward se mostrou muito firme c
explícito quanto ao inétodo: rejeitou a ideia, então ganhando
terreno, de que a Sociologia devia apoiar-se na Matemática.
“Nem sempre acontece” — escreveu cm Pure Sociology—“que,
devido ao fato dos fenômeno» abrangidos por uma ciência es
tarem sujeitos a leis uniforme*, possam os mesmos ser sempre
icdu/idos a fórmula» matemáticas. As leis e os processos uni
formes são a essência dc uma ciência. Sua expressão mate
mática não é essencial.”
Genesis i telesis
108
Que o progresso estava sendo alcançado, eis aqui, para
Ward, uma proposição evidente por si mesma. Não comprecn-
dia que alguém lesse História sem ver progresso. Em sua opi
nião, é supérfluo enumerar exemplos da superioridade das ci
vilizações modernas sobre as primitivas. Pure Sociology consi
dera o progresso cm referência à sinergia. Ward dizia que êle
resulta da fusão de elementos desiguais; fusão criadora ]>orque
resulta cm um terceiro elemento, nôvo e superior aos outros.
Em Dynamic Sociology, escrita antes do surgimento do princí
pio da sinergia, demonstra-se, dc uma forma especial, quase
geométrica, a necessidade interna do progresso. Apresentam-se
seis definições e cinco teoremas, todos ligados entre si. c inclu
indo uma de suas idéias prediletas, a da salvação pela educa
ção. As definições dc Ward são, ao menos, coerentes com sua
proposição básica: a felicidade é o excesso de prazer sôbrc a
dor; o progresso é o sucesso na harmonização dos fenômenos
naturais com vantagem humana; a ação dinâmica é o empre
go do método indireto dc conação; a opinião dinâmica é uma
visão correta das relações dos homens com o universo; o co
nhecimento é a familiaridade com o meio; a educação é a dis
tribuição universal do conhecimento existente. Os teoremas
asseveram que cada item subseqüente da lista é uma conseqüên
cia direta do que o precede imediatamente e indireta dos ou
tros. Assim, o progresso é conseqüência direta da felicidade,
enquanto o conhecimento e a educação são conseqüências in
diretas dela. Esses teoremas não estão, nem poderiam estar,
demonstrados. Em lugar da demonstração, Ward oferece arra-
zoados muito eloqüentes, dirigidos aos sentimentos dos leitores.
Não obstante, cm Dynamic Sociology, o evolucionismo psico
lógico de Ward, destacando o conhecimento c a antecipação,
aparece de forma bem mais pura do que cm Pure Sociology,
onde o progresso é discutido dentro da estrutura genética, e
não teleológica.
Em seu estudo da dinâmica. Ward utiliza o conceito de
tclesis, o segundo agente da transformação social. Esclarece a
diferença e a relação entre genesis e tclesis: os grandes agentes
da sociedade são o dinâmico e o diretivo. As fôrças sociais
(agente dinâmico) são fôrças naturais e obedecem a leis me
cânicas. São impulsos cegos. Isto é certo mesmo quanto a
fôrças espirituais. O agente diretivo (que aparece na tclesis)
é uma sensação, ou idéia indiferente. Não é uma fôrça, e tem,
ainda assim, grande influência. A mente é capaz dc formar
idci.vs de perfeição: ri*» a imaginação ciiadora. A mente não
pode fazer alguma coisa do nada. Mas com estes materiais
não somente pode reconstruir como construir.27
A faculdade racional do homem também é acentuada:
“O agonie diretivo 6 uma causa final... Uma causa final
sempre está mais ou menos distante do fim... O fim c
visto (conhecido) pela mcuie. Sabe-se também que existe al
guma propriedade ou força natural e compreende-se... sua
ação sôbre as coisas materiais. (O corpo ajusta-se) para ser
movido, dc tal maneira que a fôrça natural conhecida o impe
liu» até o fim pererbido.”29 Apesar do abuso da terminologia
filosófica, essa afirmação é uma formulação razoável, do senso
comum, da maneira pela qual as idéias (conhecimento) in
fluenciam a atividade humana em sociedade. Toma-sc, entre
tanto, difícil ver dc que modo poderia Ward considerar gené
ticos, c não teleológicos, princípios tais como inovações baseadas
cm invenção, conação ou esforço social. Deve-se esta conclusão,
provavelmente, cm parte à Psicologia deficiente do fizn do
século XIX, que tendia a dividir a mente em compartimentos.
Assim, as idéias, e entre elas os ideais de perfeição, tão impor
tantes na telesis, não podiam ser postas a funcionar no mesmo
sistema que sentimentos e conaçõcs. Essa concepção compli
cou desnecessàriamente c até enfraqueceu o sistema dc Ward.
Ward foi mais feliz, talvez, em expressão c classificação,
quando, cm Dynamic Sociology, distinguiu entre conação di
reta e indireta. A conação direta rcfcrc-se ao uso da fôrça mus
cular do organismo; suas leis são idênticas às do movimento.
Quando é indireta interpostas barreiras são flanqueadas por
circunlóquios (à base de especulação). A conação direta é
estéril de resultados; a indireta, muito mais eficaz. Ward
acreditara que havia visível progresso, no setor da administra
ção, dos métodos dc conação direta para os de indireta. A le
gislação compulsória, expressão da fôrça governamental bruta,
tende a ccder o passo à legislação atraente, cm que sc prome
tem recompensas à realização de atos que o Estado considera
benéficos. Dado que a conação indireta sc baseia no conheci
mento, a educação toma-a mais fácil e mais freqüente. Portan-
» Pig. 82.
* Pág. 467.
no
to — insiste Ward — a educação precisa ser universal e
compulsória.
Nessa discussão da tclesis, Ward aproximou-se muito da
idéia de cultura coino objeto relevante do estudo sociológico.
Viu na Sociologia o estudo da realização social. Chamou de
civilização a soma total de realizações humanas à luz cumula
tiva do conhecimento, rejeitando o termo cultura, que — acre
ditava — envolvia as humanidades. Para êle, a realização im
portava cm continuidade, dc modo que podia falar cm produ
tos da realização, entre os quais citava os bens materiais, sis
temas militares, sistemas políticos, sistemas legais, sistemas in
dustriais e instituições. Aqui, embora cm forma rudimentar,
estão alguns dos traços básicos hoje chamados dc cultura. A
este ponto antecipou Ward um dos importantes de envolvi
mentos da Sociologia do século XX, a saber, a ênfase atribuída
à cultura.
Ward cm retrospecto
111
Quarto, o problema üa relação entre personalidade, so
ciedade p cultura não foi nunca explicitamente colocado por
Ward. O homem está imerso no processo genético, mas ao
mesmo tempo influencia êsse processo pela tclais. "O ambien
te transforma o animal, enquanto o homem transforma o
ambiente." n
Quinto, a Sociologia, para Ward, c a ciência das ciências,
síntese ctiadora de tôdas as ciências. O difuso conteúdo de
seus tratados sociológicos está de acordo com êsse ponto de vista.
Qual o significado da Sociologia dc Ward cm perspectiva
histórica? O próprio Ward considerava como suas principais
contribuições as seguintes inovações: a lei de agregação, dis
tinta da evolução; a teoria das fôrças sociais; o contraste entre
as fôrças sociais e a influência do meio; a superioridade da pro
cesso teleológico sôbre o genético; a demonstração da necessida
de dc igualdade de educação. À luz dc desenvolvimentos sub
sequentes, pode-se esboçar uma lista diferente das conquistas
de Ward: a ênfase atribuída, nas relações inter-humanas, es
pecialmente na ação teleológica, ao elemento psíquico; o acento
sobre a realização humana como objeto adequado da Sociolo
gia; a afirmação da possibilidade do progresso humano racio
nal através do planejamento social e da educação; certo nú
mero de sugestivas formulações relativas à Sociologia pura e
aplicada, a respeito das relações entre estática c dinâmica (es
pecialmente as relações entre estrutura e função); a negativa
dc que a quantificação seja um requisito da ciência.
A teoria sociológica dc Ward era mais filosófica do que
empírica, chegando a compartilhar da crença, popular a seu
tempo, que via na evolução cósmica a lei suprema do vir-a-ser
social, e explicava os fenômenos sociais à base de uma teoria
sôbre a realidade total. Mas atenuou essa opinião dando des
taque às características únicas da evolução social enraizadas
na faculdade racional do homem. Sua teoria das fflrças
sociais incorporou o ponto dc vista de que a Sociologia pode
desenvolver-se partindo da concepção de uma interação me
cânica de ações humanas causada pelo sentimento, posição
hoje inaceitável. A falha psicológica da época empanou-lhe
as esclarecidas idéias a mprito da uUsis. Revelou-se com fre
quência inconsistente e os tratados que escreveu eram bem mal
* Pi*. 16.
organizados. Não obstante, devido ao discernimento e ao bri
lho que encerram, e à ampla erudição do seu autor, os volu
mes de Ward continuam mais legíveis quase do que qualquer
outra obra sociológica produzida no mesmo período.
i 113
seguida, leis de limitação social por um processo físico. Esta
posição toma a Sociologia dc Giddings bastante complicada.
Êle é forçado a alternar continuamente er.tre as leis psíquicas
c as físicas c a explicar a ação recíproca que cxcrcem. Giddings
achava indubitável que as leis sociais existem e podem ser es
tabelecidas com a mesma precisão das leis dos fenômenos
naturais.
Contudo, atribui destaque especial às leis dos processos
psíquicos básicos. Seguindo a trilha de Ward, acreditava que
a chave para a explicação dos fenômenos sociais deve encontrar-
-se na volição. Procurou ainda um motivo único ou um prin
cipio característico do indivíduo consciente como um ser social
e determinativo das relações sociais na medida em que são
volitivas. Semelhante princípio explicativo — asseverou —
não foi descoberto ainda. Avaliando livremente as contribui
ções de seus grandes contemporâneos, Novicow, De Grecf, Tar
de e Durkheim, afirmava que as explicações da sociedade por
cies formuladas eram ou muito amplas ou muito estreitas.
Desde que o contrato (acentuado por De Grecf] 30 e a aliança
(destacada por Novicow) são traços mais especiais da socieda
de, e que a imitação (lei básica de Tarde) e a impressão (as
sinalada por Durkheim) 31 são fenômenos mais gerais do que a
sociedade, é preciso encontrar ura principio intermediário. Êste
princípio é a consciência da espécie, expressão cunhada por
Giddings, embora rcconhecesse explicitamente que devia a res
pectiva idéia a Adam Smith, que, em Theory of Moral Senti
ments (1759), notara a importância da simpatia rcfletiva na
vida social.
A consciência da espécie — dc acôrdo com Giddings —
é um estado de consciência em que qualquer ser reconhece
outro ser consciente da mesma espécie. Pode ser um efeito
dc imitação ou imposição (constrangimento). Mas não é sim
plesmente efeito; também inicia o contrato e a aliança, e igual
mente outros fenômenos sociais. Portanto, ela atende às exi
gências do conceito intermediário que Giddings buscava. Além
fln mais, preenche a função dc dclincamento da conduta social
de tipos similares de conduta, nomeadamente a política, a
econômica ou a religiosa.
30
Guillaume dc Grecf, sociólogo belga (1842-1924), autor de
Introduction to Sociology (1886).
» Ver caps. VII, VIII e IX.
114
A consciência da espécie é tun estado mental aprazfvd
que inclui a simpatia orgânica (subconsciente), a percepção
da semelhança, a simpatia refletiva, a afeição e o desejo de
reconhecimento. Unidas através da consciência da espécie —
anuncia Giddings — as mentes individuais atuam umas sôbre
as outras de tal modo que sentem simult&neamente as mesmas
emoções, chegam aos mesmos julgamentos e, às vêzes, agem
da mesma forma. A mente social é gerada por essa interação.
A mente social, para Giddings, não é uma simples abs
tração ou ficção, mas algo concreto, embora existindo sòmente
nas mentes individuais. A mente social — assinala êle em
certo ponto — é a atividade mental simultânea de dois ou
mais indivíduos em comunicação um com o outro, o concerto
de emoções, pensamento e vontade de dois ou mais indivíduos
comunicantcs.
Embora Giddings pareça ter sido Influenciado por Durk-
heim (ver capítulo IX), não deu à mente social o lugar do
minante que o mestre francês assegurava à mente coletiva.
Os fatos sociais relatados por Giddings sob êsse titulo são usu
almente explicados hoje pela referência à cultura como um
sistema de maneiras padronizadas de pensar e agir, sem o
recurso ao conceito enganoso de mente social. A noção de
consciência da espécie, que estêve por muitos anos em voga, tam
bém foi abandonada. Mas no trabalho teórico de Giddings
a consciência da espécie era o conceito central cm tômo do
qual devia ser construído o sistema da Sociologia, considerando
indubitável o postulado subjacente do evolucionkmo.
J/J
Ciências Sociais. A Sociologia, para Gkldings, é uma cicncia
,eral da classe total dos fenômenos sociais, estudando os atri
butos comuns a lôdas as subclasses. (Esta, embora incompleta,
é uma notável antecipação da definição de Sorokin, citada no
princípio dêste livro.) Como ciência geral, a Sociologia é a
ciência dos elementos c primeiros princípios. Concepção —
devt o leitor rccordar-sc — quase idêntica à de nossa formulação
inicial da própria teoria sociológica.
A definição foruial de biddings pouco esclarece o que
a ciência realmente faz. E é suplementada por outra: a
Sociologia é a interpretação dos fenômenos sociais em têrmos
de ação psíquica, ajustamento orgânico, seleção natural e con
servação da energia. Dos quatro elementos aqui citados, sòmente
o primeiro sc relaciona ao processo psíquico — básico, de
acordo com Giddings, na vida social. Os três outros relacio
nam-se ao processo físico limitador; dois (o segundo e o
terceiro) concebidos em têrmos de darwinismo social, enquanto
o último relembra os pontos de vista de Spencer, expressos
em First Principles.
Desde que a Sociologia é primariamente o estudo da
evolução da humanidade, das origens até o presente estágio
civilizado, seu método principal é histórico ou retrospectivo.
Sério problema de método consiste cm como determinar aproxi
madamente as características dos homens piimitivos. Proeza que
só sc pode realizar grosseiramente, pela suposição de um pa
ralelismo entre os selvagens primitivos e os atuais. Diferente
mente de muitos outros evolucionistas, entretanto, Giddings
compreendeu que o problema não era simples, desde que êle
reconhecia diferenças substanciais de condições e a possibilidade
de decadência. Portanto, a dedução, bem como a acurada aten
ção dispensada às possibilidades psíquicas e à síntese psicoló
gica devem suplementar o retrospecto histórico. Giddings re
jeita expressamente um dos métodos utilizados por Spcncer, a
analogia orgânica.
Giddings interessava-se caractcristicamente pela divisão in
terna da Sociologia. Junta-se a Ward na recusa a iden ti Tirar
a estática social com estrutura c a dinâmica social com o fun
cionamento dos agrupamentos humanos. Êsse funcionamento,
argumenta êle, é outra parte da estática, a que se poderia de
nominar de cinética. A dinâmica prevalece apenas quando
a função se modifica ou a estrutura se transforma. Essas sá
bias observações parecem endereçadas a certo número dc so*
116
ciólogos contemporâneos que usam a expressão análise estrutural-
-funcional e se inclinam a identificar funcionamento com
dinâmica.
Estática c cinética
/17
Os pontos dc vista dc Giddings sôbre a tradição completam
sua teoria da estática. Idcntiíica-a com a memória social ou
as idéias herdadas e explica o fenômeno como a ocupação
simultânea das mentes de muitos indivíduos por certas crenças,
preceitos, máximas c fatos dc conhecimento facilmente adqui
rido pelas gerações precedentes. Como Ward, Giddings apro-
ximava-sc aqui do conceito atual dc cultura, sem usar o próprio
têrmo ou reconhecer claramente as peculiaridades da cultura.
No corpo inteiro da tradição vê ele três grande ordens: econô
mica, baseada na utilização; jurídica, apoiada na tolerância; e
política, enraizada na aliança e na obediência. Há também
ordens secundárias: pessoal (crenças sôbre o corpo c a alma),
estética e religiosa; e ordens terciárias: teológica, metafísica c
científica (que evolveu depois dai outras duas).
Giddings tentou, sem grande sucesso, sistematizar o conhe
cimento a respeito do que chamava cinética social. Como era
natural para um homem que vivia no clima intelectual do
darwinismo social, acreditava que o conflito é o modo universal
de ação. Mas o antagonismo é autolimitativo; os indivíduos,
em sua maioria, aproximam-se excessivamente em fôrça para
que um possa esperar vencer o outro. O equilíbrio da fôrça,
não obstante, é experimentado de tempos a tempos. Mas o
teste, necessariamente, acaba em um equilíbrio de tolerância.
Assim, a tolerância e a justiça tem sua origem na fôrça.
Dinâmica
118
h|
119
ção ctnogfnica, enquanto a associação demogênica refere-se ao
intfrcuiso, variado e organizado, que desenvolve grandes povos
civilizados. A civilização, portanto, corresponde ao estágio de-
inogênico da evolução humana. A base dc diversas escolhas,
três tipos de civilização surgem na experiência histórica: militar-
-religioso, libcral-lcgal e cconômico-ético. A civilização eco-
nômico-ética aparccc cm uma ou duas variedades: ou a in
fatigável busca de fins materiais (caminho perigoso)^ ou a pre
dominância social de objetivos morais e intelectuais ilustrada
pela democracia no início da colonização da América.
Segundo Giddings, não se deve discutir o fato do pro
gresso. Objetivamente, êle aparece na multiplicação das rela
ções, no incremento do bem-estar material, no crescimento da
população, na evolução da conduta racional. Subjetivamente,
pode-se percebê-lo na expansão da vida moral e intelectual.
Êsse ponto de vista afinava com o clima intelectual do fim do
século XIX, quando a crença otimista no progresso era um
dogma raramente desafiado.
A sociologia genética de Giddings foi aqui condensada
em algumas proposições. Êle próprio, tentando uma reconsti
tuição detalhada do passado social do homem, sobrepunha
conjetura a conjetura, tôdas plausíveis mas nenhuma capaz
dc prova ou de refutação. Responde mais à pergunta “Como
teria acontecido?” do que à pergunta "Que sabemos a respei
to do que aconteceu ?**. Cumpre reconhecer, entretanto, que
esse desvio do cânonc da cicncia ainda não desapareceu inteira
mente, mesmo nos diais atuais.
Giddings em retrospecto
120
Segundo, na Sociologia dc Giddings, a unidade dc investi
gação é o socius, ou o homem relacionado com outros homens
através da consciência da espécie.
Terceiro, o principal fator determinante do estado de uma
sociedade c da transformação na sociedade é psíquico; limitam-
-lhe o impacto, porém, as condições físicas da existência hu
mana, especialmente através dos processos de seleção c sobre
vivência.
Quarto, o problema das relações entre indivíduo e socie
dade não está claramente colocado. O destaque atribuído ao
fator psíquico parece assegurar ao homem o papel de criar e
moldar a sociedade, embora com as limitações dos mencionados
processos biológicos.
Quinto, define-se a Sociologia como a mais geral das
Ciências Sociais; não obstante, é uma ciência concreta, c não
abstrata. O método principal que utiliza 6 a reconstrução his
tórica que nas mãos de Giddings é, francamente» um proces
se de conjeturas. quase ilimitado, à base de pequeno conheci
mento estabelecido, por um lado, e da psicologia do bom-senso,
por outro.
No desenvolvimento geral da teoria sociológica, Giddings
deve ser classificado como um dos cvoiucxonistas mais capazes
e brilhantes. Dado que sua teoria está profundamente entre
laçada com o postulado da evolução, pouco lhe resta quando
se refuta esse postulado — o que é o caso, de acordo com
muitos estudiosos.
Não obstante, certas contribuições de Giddings perma
necem. Primeiro, cite-se o destaque atribuído ao componente
psíquico da sociedade e da cultura, e a demonstração da impos
sibilidade de alcançar a compreensão da sociedade humana e
suas realizações por analogia com sistemas mecânicos ou bio
lógicos. A êsse respeito Giddings continuou uma corrente de
pensamento iniciada per Ward e desenvolvida, com autonomia,
por Tarde. Assim, pode-se rctraçar essa linha de avanço, que
irá culminar nos trabalhos de Charles H. Cooley, W. I. Tho
mas e Talcott Parsons, entre outros, até Giddings, ao menos
em parte. Segundo, êle conseguiu uma sugestiva definição de
Sociologia, para muitos aceitável, e ofereceu sadios pontos de
vista sôbre a divisão da ciência cm estática e dinâmica. Ter
ceiro, foi um dos primeiros sociólogos a acentuar a significação
dos valôres na vida social do homem.
121
CAPÍTULO VII
122
rica. Em ambos os casos, enquanto a terra foi livre, não hou
ve divisão da sociedade cm classes, nem fôrças restritivas como
a moral, a lei ou a religião. Com o início da apropriação da
terra, a escravidão tornou-se a instituição dominante. O pró
ximo estágio, determinado pelo avanço do mesmo processo
apropriativo, caracterizou-o a organização compulsória do tra
balho — a servidão nas áreas rurais, as guildas e corporações
na cidade. Apropriada tôda a terra, ou quase tôda, emergiu,
marcado pela instituição do trabalho livre, o capitalismo. Loria
reconhece as inúmeras diferenças existentes entre as xnentalida-
des do mundo antigo e medieval e do mundo colonial. Argu
menta, entretanto, que essas diferenças, não tendo afetado o
desenvolvimento social, mostram apenas a superficialidade da
influência do fator psicológico.
O volume de Loria contém muitas outras assertivas dis
cutíveis. Em sua opinião, a obra de Dantc refletiu o estado
econômico e social das “velhas famílias” da burguesia floren-
tina, a de Petrarca a das “novas famílias”, a dc Boccacio a
plebe. Os diversos estágios no desenvolvimento da religião,
da moral è da lei refletem diferentes estágios na apropriação
da terra. A religião e a moral funcionaram para manter sub
jugados os escravos, suplementando-as o terrorismo não-organi-
zado. A supressão dc servos e artesãos exigiu um sistema de
moral dupla: uma, a das classes oprimidas, exortando a supor
tar a miséria e outros males da existência terrena; outra, a das
classes superiores, ensinando sòmentc a não ir muito longe a
fim de evitar uma revolta cm massa da plebe. O estágio do
capitalismo caracteriza-se por um mais completo desenvolvi
mento da lei e do Estado, c pelo aparecimento de mau uma
fôrça cocrciva. a opinião pública.
A definição de Loria da Sociologia relaciona-se estrei
tamente a êsses pontos de vista. A Sociologia é uma ciência
intermediária entre a Economia e as ciências da lei, da moral
e da política. Sua tarefa principal consiste em estabelecer
correlações entre as transformações havidas nas condições eco
nômicas básicas e as alterações da moral, da lei e da política.
Ainda que essa concepção ajude a trazer ao debate intcrcone-
xões existentes nos diferentes aspectos da sociedade freqüen
temente negligenciadas ou obscuras — sempre uma tarefa
importante da Sociologia comctc, não obstante, o engano de
identificar fenômenos econômicos com as próprias relações so-
123
ciais. Identificação infeliz que se encontra repclidamente nos
trabalho? dos evolucionistas econômicos.
124
dustrial, assume a fôrça mecânica o lugar da fôrça humana.
A nova tecnologia destrói a velha organização da
A inegável influência de Veblen sôbre outros autores —
especialmente sociólogos, historiadores e economistas — persis
tiu e continua ainda hoje. Contudo, seu evolucionismo tecno
lógico tem influído menos do que sua descrição irônica e in
cisiva do comportamento da elasse ociosa e da rivalidade que
ela desperta na restante maioria da socicdadc. Muitos estudio
sos encontraram caminhos sugestivos na discussão sistemática
que Veblen faz de instituições econômicas do capitalismo, tais
como propriedade para renda,32 e sua insistência sôbre os con
trastes básicos c o conflito existente entre as classes predató
rias (negócios, capitais empatados, classes conservadoras) e as
indusiríosas (homem comum, classes trabalhadoras). Segundo
Veblen, essas divisões enraizam-se nas condições tecnológicas.
Sua concepção da tecnologia na vanguarda c abrindo o cami
nho do processo evolutivo encontrou expressão na noção de
culture lag,33 desenvolvida por William F. Ogburn (ver capí
tulo XV) c popularizada por escritores como Harry Elmer
Barnes.
qu'ellt autorisê.
125
pulaçãoi refletida cm tipos dc aglomeração humana. Cinco es
tágios consecutivos dc evolução apresenta cie: o burgo, a ci-
dade, a metrópole, a cidadc-capital c a capjtal de uma fede
ração. A cada um desses estágios na evolução demográfica da
humanidade correspondem estágios definidos no desenvolvimen
to da administração, da produção econômica, da propriedade
e vários tipos dc associações humauas.
Costc compreendeu, porém, que sua teoria não explicava
tudo. Assim, tomou a ousada decisão científica dc isolar dos
fenômenos sociais os tipos gcnèticamentc inexplicáveis: a reli
gião, a filosofia, a literatura c as artes. Setores esses insuscetí
veis de análúc sociológica, deveria estudá-los a ciência ainda
embrionária da Ideologia. A Sociologia e a Ideologia — ra
cionava Costc — investigam duas classes distintas dc fenôme
nos. Por um lado, as descobertas no reino do pensamento abs
trato e os atos criadores nas artes ocorrem quase ao acaso; por
outro lado, a organização social desenvolve-se independente
mente dessas descobertas c dêases atos criadores.
Têm os críticos de Costc frequentemente demonstrado
que a independência das duas regiões é apenas relativa, não
absoluta. Não obstante, cie trouxe para a Sociologia uma
idéia que mais tarde seria explorada por Alfred Weber e Robert
M. MacIver, entre outros, que distinguem entre os dois do
mínios da civilização e da cultura e postulam diferentes prin
cípios para explicar seu desenvolvimento (ver capítulos XX e
XXI).
126
declara, em evidente oposição a Comte, que a razão não pode
ser a causa básica do progresso, pois toma o homem individua
lista e anti-social, ao passo que a evolução tem sido primaria
mente social, incrementando a coesão social. A única fôrça
que efetivamente conta para o progresso é a religião, dotada de
sanções sobrenaturais e uma consoladora moral altruísta. A re
ligião é que une as gerações, mantém juntas as sociedades e sal
va civilizações ameaçadas dc graves perigos. Foi o que impediu
a completa desintegração social nos primeiros séculos do cris
tianismo; foi cm base religiosa que se construiu a grandeza
final da Idade Média; foi ainda a religião, sob a forma do
protestantismo, que trouxe a liberdade econômica e política.
Somente ela permitirá o progresso social ulterior. O destaque
da religião como fator básico do progresso é o tema dc alguns
autores, em todos os tempos, hoje ilustrado, por exemplo, pelas
obras de Toynbee (ver capítulo XX).
Novicow
Versões do organicismo
12Q
dnco volume*, intitula-se Idfías Sôbre as CUncias Sociais do
Futuro (1873-81).
Lilienfeld assevera que a sociedade humana, como um or-
ganismo natural, é um ser real. A sociedade não passa de
uma continuação da natureza, continuação mais alta das mes
mas fôrças que se encontram na base de todos os fenômenos
naturais, o mais alto e mais desenvolvido de todos os organismos.
Embora reconhecendo que também há diferenças significati
vas entre os organismos e as sociedades Lilienfeld traça uma
série de analogias detalhadas. As células de um organismo cor
respondem aos indivíduos na socicdadc, os tecidos aos grupos
voluntários, os órgãos às organizações mais complexas, a subs
tância in tercei ular ao melo físico — incluindo os fios telegrá
ficos! As atividades econômicas, jurídicas e políticas são para
lelas aos aspectos fisiológicos, morfológicos e unitários de um
organismo. A mercadoria em trânsito é equivalente à comida
não-assimilada. As raças conquistadoras são masculinas, as con
quistadas femininas; a luta entre elas equipara-se à do esper
matozóide em tômo do óvulo. As pessoas que vão de uma so
ciedade a outra são análogas aos leucócitos.
Essas analogias sc tomam identidades, na teoria de Lilicn-
fold. Em socicdadc, afirma êle, encontram-se exatamente as
mesmas estruturas, órgãos e funções que em quaisquer outros
organismos. Portanto, chega-se à conclusão de que a Socio
logia não pode ser feita senão à base da Biologia.
Teoria orgânica muito mais moderada foi a desenvolvida
por Albert G. Schâffle (1831-1903). Nascido em Nürtingen,
sudoeste da Alemanha, Schâffle estudou Teologia na Univer
sidade de Tübingen. Lecionou Economia, em Tübingen mesmo
(1860) e em Viema (1868), onde permaneceu três anos. Depois
de uma breve incursão na política austríaca, foi para Stuttgart,
e aí devotou o resto da vida a estudar e escrever. Suas obras
principais, no campo da Sociologia, são Estrutura c Vida do
Corpo Social (1875-78), em quatro volumes, e Resumo de So
ciologia (póstuma, 1906).
Schâffle reconhecia-se substancialmente influenciado por
Comte, Spencer e Lilienfeld, Embora concordasse com Spencer
em que a sociedade não é, verdadeiramente, um organismo,
partiu com freqüência, como Spcncer, da analogia para a iden
tificação. Afirmava que a estrutura, a vida e a organização
dos corpos sociais (um de seus termos favoritos) se assemelham
bastante às dos corpos orgânicos. Embora atribuísse à analogia
orgânica alto valor heurístico, reconhecia que os corpos orgânico
e social não são idênticos. O corpo social, para êle, era uma
individualidade viva de natureza mais alta, o último c mais
complexo equilíbrio de forças em nosso planeta.
A obra de Scháffle, especialmente a primeira edição de
Estrutura c Vida do Corpo Social, apesar de suas afirmativas
moderadas, encerra muitas analogias discutíveis: os prédios c
as estradas são o esqueleto do corpo social; os gêneros armaze
nados, a substância intercelular; a economia é a nutrição; a
troca dc pessoas e gêneros, a locomoção; o equipamento técnico,
o sistema muscular; os símbolos c as comunicações, o funcio
namento do sistema nervoso; a mineração, a colonização e a
propaganda correspondem à auto-afirmação e ao crescimento
do organismo.
Se Schãffle apenas apresentasse essas analogias, seu tra
balho não mereceria nossa consideração. Mas cie tinha muito
mais a dizer. Sob a máscara falaciosa do organicismo, ajudou
a iniciar a análise da sociedade cm têrmos dc um sistema. A
Sociologia, declara êle, só pode produzir resultados valiosos sc
conceber a totalidade dos fenômenos sociais como um todo or
gânico. Substitua-se “todo orgânico*' por “sistema” e o resul
tado será uma proposição importante e comumente aceita na
Sociologia dc hoje.
De acôrdo com essa idéia básica, Schãffle dedicou seus
estudos ao todo social mais desenvolvido, os povos (os grupos
étnicos, cm terminologia moderna) e respectivas comunidades.
Um povo, para êle, c uma duradoura massa de pessoas, mental
mente ligadas umas às outras, estabelecidas num território defi
nido, e capazes de desenvolver uma cultura. Incluiu no conceito
de sociedade as posses materiais de um povo, ponto de vista
que, provàvelmente, reflete uma preocupação com a ciência
econômica. A soma total dê&ses povos, que se relacionam pela
comunicação c pelo contato, embora refletindo individualmente
diferentes níveis de evolução e crescimento, e possuindo peculiari
dades geográficas c etnográficas, é a sociedade, para Schãffle.
Schãffle interessava-se vivamente pelo problema do mé
todo sociológico apropriado de investigação, que se deve basear
na experiência externa e interna (introspecção). A tarefa da
Sociologia consiitc cm formular relações causais na vida social,
empMcamente cognoscíveis. A principal dificuldade para o
130
cumprimento dessa tarefa está na interferência de atos arbi
trários dos indivíduos. Mas cada ação proposital, declara êle,
é causalmcnte determinada, os motivos individuais representan
do parte da causa. A liberdade não devia ser concebida como
um comportamento ao acaso, mas antes como liberdade de
auto-expressão. Esta é a maneira pela qual os historiadores
explicam os problemas que estudam e os casos históricos cons
tituiriam o ponto dc partida das induções sociológicas. À base
de um número suficiente dc induções, toma-se possível a de
dução. Neste caminho, pode-se encontrar uma lei genética
unitária explicando o surgimento de uma civilização mais alta,
lei que o próprio Schãffle nunca formulou, aceitando, porém,
implicitamente, uma versão modificada do evolucionismo, ao
accntuar a evolução natural à maneira de Spcnccr.
Outro membro da escola organicista foi Alfred Fouillée
(1838-1912), francês autodidata que jamais cursou uma uni
versidade, durante muitos anos professor de escolas superiores
provinciais e por três anos professor na Êcole Normale Supé-
rieure de Paris. Sua fama decorre de uma série de volumes
em que expõe a idéia da sociedade como um organismo, con
quanto de um tipo especial, dado que é contratual. As obras
principais que escreveu incluem Ciência Social Contemporânea
(1880), A Evolução das Idéias-Fôrças (1890) e A Psicologia
das Idéias-Fôrças (1893).
A teoria de Fouillée é definitivamente organicista. Êle en
controu similaridades entre as sociedades e os organismos, In
timamente parecidas com as que Spencer acentuou. Mas
Fouillée sublinhou uma diferença básica: a unidade de uma
sociedade depende fundamentalmente da vontade dos indi
víduos que a compõem de partilhar as necessidades coletivas.
Não pode haver sociedade sem o acôrdo intimo entre seus
membros, sem a representação do todo a que os indivíduos
pertencem. Existe um contrato implícito entre os membros
de uma sociedade, e êste contrato se manifesta na conduta
humana.
A representação do todo é uma idéia-fôrça fundamental.
As idéias-fôrças são engendradas pela sociedade, não há dú
vida, mas locaÜ7am-se nos indivíduos. E têm sua própria he
reditariedade intelectual; por outras palavras, desenvolvem-se
de acôrdo com leis imanentes. Em compensação, entretanto,
influenciam a sociedade em que foram engendradas, processo
especialmente aparente na educação.
131
O organismo aparece moderadamente na obra dc Fouillcc.
O trabalho teórico de seu compatriota René Worms (1869-
-1920), entretanto, adota sua mais extrema forma. No volu
me Organisme et Sociiti (1896), Worms concebe a sociedade
como um agregado permanente de seres vivos, exercendo todas
as atividades em comum. Arrola quatro similaridades existentes
entre sociedades e organismos: as estruturas externas são va
riáveis no tempo e irregulares na forma; as estruturas internas
sofrem transformação constante através do processo de as-
símilação-desintegração; existe uma diferenciação coordenada
entre as partes; organismos c sociedades se reproduzem. Dado
que a analogia orgânica é profunda e estreita, os conceitos so
ciológicos deveriam desenvolver-se sob os mesmos títulos que
os biológicos. Não obstante, cumpre reconhecer que a socie
dade não é somente plástica, que está mais apta a substituir
seus membros do que o organismo, mas que também é mais
complexa — na realidade, um superorganismo. Essas diferen
ças, todavia, não são suficientemente importantes para forçar
o abandono da análise social na eslrutuia do organicismo.
Worms alterou seu ponto dc vista na sétima edição (1920)
da obra: “O estudo, a experiência c a reflexão ensinaram-nos
a abrandar o apoio que inicialmente demos à analogia orga-
niclsta.” As socicdadcs comcçam a existir no mesmo nível que
os organismos e funcionam inicialmente de acôrdo com as
mesmas leis. Mas depois avançam de uma forma humana tí
pica em direção a um ideal construído pela mente (justiça,
liberdade, esclarecimento). Nesse processo emergem a igual
dade e a solidariedade contratuais.
Res\smo
132
0 segundo grupo de teorias, versões diversas do orga-
nicismo, representa principalmente tentativas de responder a
outra pergunta: o que é a sociedade? A resposta de que a
sociedade é um organismo confunde claramente analogia com
identidade. Os pontos de vista de Lilienfeld e Worms repre
sentam a posição mais radical, enquanto os de Scháffle e Fouillée
indicam a consciência das sérias dificuldades da analogia e
importantes diferenças entre a vida social e a orgânica, que
tentam explicar. As idéias de Fouillée revclam-se mais ori
ginais do que as de Scháffle; o último, porém, aproximou-se
mais de uma teoria sistemática da sociedade, do tipo hoje
corrente.
Atualmente, exceto para o ramo econômico, está morto
o evolucionismo na forma do século XIX. Dado, entretanto,
que sua morte ocorreu no período seguinte do desenvolvimento
da teoria sociológica, a discussão das causas e circunstâncias
dêsse óbito será transferida à próxima parte do presente volume.
O tôsco organicismo declinou antes do evolucionismo —
os próprios Scháffle c Worms atenuaram substancialmente seus
pontos de vista orgânicos, nos últimos anos dc vida. A morte
dêsse approach também foi completa em quase todos os cír
culos sociológicos, embora persista êle ainda nos trabalhos dc
Oswald Spengler e outros, no século XX. De uma forma in
teiramente nova e acorde aos cânones da ciência empírica, a
moderna teoria funcional (ver capítulo XVII) utiliza a ana
logia orgânica, sem todavia apoiar-se inteiramente nela.
£ste capítulo, portanto, lidou com dois becos sem saída.
Na história das idéias muitas têm acabado assim. Ê preciso
conhecer as principais a fiin de evitar erros já corrigidos.
133
Primórdios da Sociologia Analítica
Toennies
134
ano dc sua morte) contêm mintas idéias excelentes, mas ne
nhum cxcrceu a influência de Gemcinschaft und Geseüschêft
(Uma tradução inglesa deste livro foi publicada em 1940, nb
o titulo Fundamental Concepts of Sociology: a tradução incluiu
alguns ensaios dc obrai ultcriores de Toennies.) Como inúme
ros tratados teóricos de autores alemães, Gemcinschaft und
GeseUschaft parece desncccssàrianicntc complicado. As idéias
básicas ai contidas, entretanto, podem ser prontamente resumidas.
Tôdas as relações sociais são criações da vontade huma
na, de que há dois tipos. O primeiro é a vontade essencial: a
tendência básica, instintiva, orgânica, quo dirige, por trás, a
atividade humana. O segundo é a vontade arbitrária: a forma
deliberada, proposital, de volição, que determina a atividade
humana cm relação ao futuro. A vonlndc essencial — acentua
Toennics — domina a vida dos camponeses, artesãos, pessoas
comuns, enquanto a vontade arbitrária caracteriza as atividades
dos homens de negócios, cientistas, pessoas de autoridade e
membros das classes superiores. As mulheres e as pessoas jo
vens inclinam-se por exibir a vontade essencial; os homens e
as pessoas idosas, a arbitrária.
£sses dois modos de vontade explicam a existência de
dois tipos básicos de grupos sociais. Um grupo social pode
vir a scr porque a simpatia entre os membros que o compõem
os faz sentirem que suas relações são um valor em si. Por ou
tro lado, um grupo social pode surgir como um instrumento
para atingir determinado fim. Ao primeiro tipo de grupo,
expressão da vontade essencial, chamou-o Toennics de Gmãns-
chaft, e ao grupo arbitrário, GeseUschaft. Nesta distinção en-
contrar-sc-á um desenvolvimento do contraste entre uníSp e
combinação social de Comte. (Em terminologia corrente, o
conceito de Gemcinschaft aproxima-se ao de comunidade ou
grupo comunal, e GeseUschaft refere-se a associação ou socie
dade associativa.) Em sua obra principal, Toennies estuda
os seguintes exemplos de Gemeinseherft: família, vizinhança (no
campo ou na cidade) e grupo de amigos; os dois casos maio
res de GeseUschaft que analisou foram a cidade e o Estada
Para Toennies, os conceitos de Gemcinschaft e Gtsetts-
chaft não se referem apenas aos tipos de agrupamento humano,
mas também aos estágios genéticos do crescimento. GeseUschaft
aparece com a separação de pessoas e serviços da estrutura de
Gemeinsehaft, especialmente quando bens e serviços chegam
a scr comprados e vendidos no mcrcado livre. Dado que Toen-
135
nies exprimiu claramente preferência pelos valores associados
com o tipo Gcmeinschaft, alguns autores36 interpretaram como
uma teoria de retrogradação os seus pontos de vista sôbre o
progresso histórico. Negou Toennics tal atitude; as pessoas,
disse cie, morrem de velhas, mas nenhum médico chegaria a
condenar a velhice. Em suas últimas obras, reconheceu a pos
sibilidade de inverter essa tendência (possibilidade tentada, cm
certo sentido, pelo nacional-socialismo de Hitler), mas não
pelos métodos superficiais da oratória e romantização do passado.
Dado que Gcmeinschaft e Gesellschaft correspondem a ti
pos dc vontade, Toennies trata as relações sociais como mani
festações dos mesmos. As vontades humanas podem entrar
em inúmeras relações, acentuando a preservação ou a destrui
ção da ordem social; mas somente a primeira, que c uma
relação de afirmação recíproca, devia ser estudada pelos soció
logos. A própria afirmação recíproca varia de intensidade.
Assim, existe um estado social quando duas pesoas querem
estar cm relação definida; relação, aliás, comumente reconhe
cida pelos outros. Quando um estado social se estabelece en
tre mais de duas pessoas, há um circulo. Se, entretanto, os
indivíduos são considcrados como formadores de uma unidade
devido a traços físicos ou naturais comuns, constituem eles um
coletivo. Finalmente, se há uma organização, atribuindo fun
ções especificas a pessoas determinadas, o corpo social se toma
uma corporação. De acordo com Toennies, todas essas forma
ções sociais podem basear-se na vontade essencial ou na von
tade arbitrária. Contudo, é difícil conceber de que maneira
um coletivo seria uma Gesellschaft, ou uma corporação uma
Gemeinschaft.
Toennies também apresentou uma classificação original de
normas sociais que, embora hoje invalidada, contém certo nú
mero de importantes esclarecimentos. A lei sustenta êle
— consiste naquelas normas sociais que, de acordo com seu
significado, devem ser aplicadas pelos tribunais. As normas
morais são as que, de acôrdo com seu significado, devem
ser aplicadas por um juiz ideal (pessoal, divino ou abstrato).
A concórdia consiste nas regulações que se estribam nas rela
ções do tipo Gemeinschaft e que se consideram naturais ou
necessárias. Os mores (Sitlen) são normas enraizadas nos cos
136
tumes enquanto as convenções se baseiam no asKntimento, ex
plicito ou implícito, que, por sua vez, se funda nos anseios
comuns para os quais as normas são consideradas meios ade
quados. Essa classificação de normas sociais está bem clara
mente ligada à distinção fundamental de Toennies entre os
tipos de grupo social. A lei e a convenção são características
de associações, a moral e a concórdia dc comunidades, c os
morej presumivelmente penetram ambos os tipos.
A principal contribuição dc Toennies à Sociologia foi a
introdução de uma sugestiva tipologia de grupos socias e mes
mo de tipos de sociedade. Com modificações, a distinção entre
Gemeinschaft e Gesellschaft é similar, em certos aspectos, is
dicotomias subseqüentemente desenvolvidas por alguns auto
res, como, por exemplo, o status e o contrato de Henry Maine,
e a solidariedade social mecânica e orgânica de Durkheim (ver
capitulo IX). Embora a dicotomia talvez seja uma supersim-
plificação das grandes variações que caracterizam a vida cm
grupo do homem, a formulação do Toennies ainda é usada
na análise sociológica.
Simmel
IS7
duos que a compõem; efetivamente, o verdadeiro significado
da sociedade revela-se no seu contraste com a soma dos indi
víduos. A sociedade (ou o grupo, Simmel não distinguiu cla
ramente entre os dois conceitos) e uma unidade objetiva ex
pressa nas relações reciprocas entre os elementos humanos que
a integram.
A reciprocidade entre os homens surge ou dc impulsos es
pecíficos (que podem ser, por exemplo, eróticos, religiosos ou
associativos) ou de propósitos humanos especiais, como a de
fesa ou o jôgo. As Ciências Sociais, argumentava Simmel,
só chegaram a estudar uns poucos tipos de relações recíprocas,
principalmente econômicas c políticas; todavia, há efetivamente
inúmeras variedades de relações interativas37 incluindo fenô
menos quotidianos como olharem-se uns aos outros, jantarem
juntos, a troca de cartas, ajudarem-se mutuamente c sentirem-
-se gratos pela ajuda. A sociedade, então, refere-se aos indiví
duos em suas múltiplas relações recíprocas; sua compreensão
exige a análise dc interação psíquica.
Muitas relações recíprocas podem não persistir no tempo,
enquanto outras se cristalizam como situações definidas, con
sistentes: o Estado, a igreja, ou mesmo um bando de cons
piradores, uma escola, uma associação econômica. Aqui, e
em outros lugares, Simmel ostenta um dom incomum para
manter juntos exemplos aparentemente tão díspares que poucas
inteligências teriam apreendido os traços comuns que lhe ser
viram de base para a abstração teórica.
Simmel preocupou-se grandemente com o ccnceito mesmo
da Sociologia. Nunca escreveu um tratado sistemático sôbre
a Sociologia, entendendo que esse esforço seria prematuro.
A nova disciplina — sustentava — estava na posição infeliz
de estabelecer por meio de fatos seu direito de existir. Mas —
acrescentava — a mente humana tende a criar superestrutu-
ras sôbre fundações ainda inseguras. Com esta desculpa, pôs
de lado a tarefa dc definir a nova ciência.
As primeiras tentativas dc criar uma Sociologia indepen
dente — proclamava Simmel — falharam porque seus auto
res não estabeleceram nenhum assunto não tratado ainda pe
las Ciências Sociais existentes. Enganosa afirmação, pois, como
87
N. do T. — De interação, no sentido especial já apontado
em nota anterior (nota 22, pág. 111).
138
clc próprio assinalou, há inúmeros tipos dc relações socíaíi
que não são estudados pelas disciplinas sociais concretas. Mas
essa inconsistência tem resultados compensadores: encorajou
Simmcl a chegar a um ponto de vista nôvo sôbre o material
apropriado à análise sociológica.
Para ser uma ciência — propôs Simmcl — a Sociologia
precisa ter um objeto bem definido que se deve estudar por
métodos científicos. Cada ciência se define por um conceito
abstrato central; a diversidade dêsses conceitos permite a di
ferenciação das ciências e a divisão de trabalho entre elas.
Sôbre essas bases conceptuais constroem-se a ciência política,
a Economia e as ciências dos vários aspectos da cultura. Não
há — sustentava êle — uma única ciência social com muitas
subdivisões, mas uma série dc ciências distintas. Coerente
mente, rejeitava a pretensão dc muitos contemporâneos de
que a Sociologia deve ser uma espécie de supercicneia.
O conceito definidor central da Sociologia era a forma da
sociedade. Por forma entendia Simmel aquele elemento da
vida social que é relativamente estável, padronizado, tão dis
tinto do conteúdo, qtie é visivelmente variável. A análise abs
trata das formas sociais consiste em um empreendimento le
gítimo porque exige o estudo da verdadeira estrutura da so
ciedade. Formas similares de organização existem com con
teúdos completamente distintos orientados para interesses di
versificados, enquanto interesses (conteúdos) sociais semelhan
tes são encontrados cm formas absolutamente dessemelhantes
de organização social. Formas como as relações de superio-
ridade-inferioridade, a concorrência, a divisão do trabalho e
a formação de partidos, são semelhantes apesar de infinitas
variações de conteúdo. Para qualquer uma dessas formas
sociais, portanto, poder-se-ia perguntar: O que significa em
seu estado puro? Em que condições emerge? Como se de
senvolve? O que acelera ou retarda sua operação? Se te
construir a Sociologia acompanhando estas linhas, chegar-se-á
a um nôvo approach dc fatos conhecidos. O estudo socioló
gico dos fatos sociais terá uma função parecida à da análise
geométrica dos fatos das Ciências Naturais, pois as formas
geométricas, como as sociais, podcm ser englobadas nas mais
diversas configurações de conteúdo.
Simmcl ansiava por traçar limites claros, não sòmentc
entre a Sociologia e as Ciências Sociais concretas como tam-
bés entre a Sociologia, por um lado, e a Psicologia, a Filo-
130
sofia Social e a História, por outro. As situações sociais estu
dadas pela Sociologia — disse ele — são o resultado de con
teúdos psicológicos específicos dos indivíduos envolvidos em
situações sociais. A Psicologia analisa tais conteúdos, mas não
vai além das existências individuais. Enquanto estas são os
sustentáculos da sociedade, as motivações individuais, cm si,
não são, efetivamente, sociais, e seu estudo não compete à
Sociologia. A Filosofia Social difere da Sociologia, pois inclui
valores e objetivos inacessíveis à Sociologia como ciência
empírica.
A História chega a um approach do foco sociológico, ao
procurar leis históricas. A teoria de Comte se inclui nessa ca
tegoria e é tanto Hostória quanto Sociologia; o mesmo se pode
afirmar de investigações que tentam provar que há uma ten
dência natural do poder político a dispersar-se gradualmente
de um para poucos, c destes para muitos, ou a tentar formu
lar estágios inevitáveis de desenvolvimento ecõnomico. De acôr
do com Simmel, tais esforços estão fadados ao fracasso, pois
não se pode comprovar a existência de leis históricas — leis
apenas precursoras de conhecimento científico. A Sociologia,
entretanto, precisa descobrir leis sociais, isto é, regularidades
relativas a formas de organização social. Sua tarefa é reali
zável mediante a comparação de situações similares, indepen
dentes de tempo e espaço.
Simmel tinha consciência da natureza altamente abstrata
de seus pontos de vista teóricos; portanto, freqüentemente in
troduzia ilustrações muito esclarecedoras. Por exemplo, a fim
de tomar clara a diferença entre os approaches psicológico
e econômico (êste representativo das Ciências Sociais concre
tas), utilizou a situação em que um número considerável de
trabalhadores, até então constantes, não aparece nas fábricas.
O psicólogo, de acôrdo com Siumiel, investiga os motivos e
emoções existentes por trás das decisões individuais dos traba
lhadores, de se manterem distantes do emprego. O sociólogo
analisa o fato como um conflito entre duas (ou mais) formas
de associação. O economista vê no episódio um sindicato cm
greve. Por mais concretas que sejam suas ilustrações, Simmel
empenhava-se fundamentalmente em estabelecer as tarefas da
Sociologia como a investigação das formas puras de associação,
abstraídas de seus conteúdos materiais, para descrever os di
ferentes tipos de formas sociais, c estabelecer as leis de acôrdo
com as quais agem reciprocamente os membros dos grupos.
140
Simmel julgava a Sociologia adstrita a métodos
O método principal, como cie o viu. devia ser comparativo,
embora em outro sentido completamente diferente do que evo»
lucionistas como Spencer ciavam ao têrmo. O sociólogo não
sc interessa diretamente pelas circunstâncias concretas dos casos
cm estudo, mas devia tentar selecionar para estudo casos em
que os conteúdos ou interesses diferem, permanecendo as iiicj-
mas as formas de interação. Simmel não ofereceu nenhuma
fórmula simples para o processo dc comparação. Sabia ainda
que êsse método às vezes conduz a prevenções subjetivas e
intuitivas.
O próprio Simmel era um agudo observador participante,
fato revelado em seus penetrantes e bem delineados ensaios
sôbre o conflito, a autoridade e a subordinação, o papel do
estrangeiro, a cidade moderna, e até sôbre um assunto como
a transformação na composição de um grupo dc dois ou três
membros. Contràriamcntc à própria advertência, mergulhava
com freqüência na discussão dc conteúdos — e muito
concretamentc.
A influência de Simmel na Sociologia foi considerável;
em certa medida, aliás, continua até hoje. No inicio do sé
culo XX, seus pontos de vista, especialmente sôbre o confli
to c a estratificação social, se refletiram nos trabalhos dos so
ciólogos americanos E. A. Ross e Albion W. Small e, um pouco
mais tarde, nos dos importantes sociólogos contemporâneos Flo-
rian Znaniecki (ver capitulo XVIII) e Howard Becker. Êste
último exerceu relevante papel na ação de chamar a atenção
dos estudantes americanos, nos últimos anos, para as concep
ções de Simmel, através de sua tradução da obra de Leopold
von Wiese, que sucedeu a Simmel, na Alemanha, como o mais
destacado expoente da Sociologia formalística (ver capitulo
XXI). Poucos hoje em dia concordariam com a insistência de
Simmel em confinar a Sociologia ao estudo das formas sociais
— e o próprio Simmel violava notoriamente êste principio. Não
obstante, seu estudo sistemático das formas sociais como tais
contribuiu significativamente para o desenvolvimento da teo
ria sociológica abstrata
Tarde
l#í
Toulouse c Paris. Durante vinte c cinco anos foi juiz de
instrução. Sua posição fê-lo dcfrontar-sc com muitos pro
blemas práticos para investigar c também lhe propiciou tempo
suficiente para meditar c escrever. Na década de 18S0 come
çou uma série de artigos promissores. Em 1894 foi chamado a
Paris e em 1900 nomeado professor ds Filosofia Moral na Sor-
bonne. As principais obras sociológicas que escreveu incluem
Leis da Imitação (1890;, LAgica Social (1894), Oposição
Universal (1897) e Leis Sociais (1898), breve atualização dos
volumes antecedentes.
Sua teoria sociológica gira cm torno do processo da imi
tação. A importância da imitação na vida social fôra assinalada
por Bagchot, muitos anos antes. Tarde reconheceu dc prefe
rência seu débito para com o grande matemático franccs A.
Cournot (1801-77), de quem aprendeu a importância da recor
rência dos fenômenos c a importância de medi-los e contá-los.
Em uma de suas obras, Coumot afirmara que em todo os
fenômenos da vida há uma tendência manifesta para a imitação,
a repetição de atos semelhantes. (Tarde não mencionou um
tratado que apareceu três anos antes do seu Lois de VImitation,
o La vie des Sociétés, de Bourdier, onde aparece esta frase:
“Assim como a difusão em uma mistura gasosa tende a equili
brar o volume dos gases, a imitação tende a equilibrar o
ambiente social”).
Ao longo do campo da investigação científica —■ assinala
Tarde — persistem três grandes processos: repetição, oposição,
adaptação. Tôdas as semelhanças são devidas à repetição que,
para Tarde, é uma lei cósmica quase no mesmo sentido cm
que a evolução o era para Spencer. A repetição aparece cm
várias formas: no mundo físico, é a ondulação; no mundo
biológico, a hereditariedade; e no nível psíquico e social, adota
a forma da imitação. Todos os fenômenos sociais podem redu
zir-se, em última instância, às relações entre duas pessoas, uma
das quais cxcrcc influência mental sôbro a outra. A própria
sociedade começou quando o homem, pela primeira vez, modelou
seu comportamento no dc outrem.
Mas por que um homem é modêlo de outro? Tarde res
pondeu â pergunta citando o estímulo da variação, a conse
qüência da iniciativa individual ou invenção. Invenção-imitação
é o modêlo básico do processo social. A invenção envolve
sempre algum elemento de transformação; habitualmente é
uma associação criadora dc elementos já existentes ou uma
142
combinação frutífera dc repetições (ou de imitações de invenções
antecedentes); rcdutívcl, entretanto, o último caso, ao primeiro.
O tempo dedicado às invenções cm uma sociedade é afetado
pela dificuldade relativa de combinar idéias, pelo nível da
capacidade mental inata de seus membros, e pelas condições
sociais que podem ser favoráveis ou desfavoráveis. A imitação
então é um processo através do qual uma invenção se torna
socialmente adotada. £ a sociedade é um grupo de homens
capazes dc imitarem-se uns aos outros, ou ao menos possuidores
de traços comuns que são cópias do mesmo modêlo.
Tarde tentou destacar a importância da imitação defi
nindo sua natureza em quatro setores: filos&ficamente, é um
exemplo do padrão universal da repetição; neurològicamente,
uma função da memória; psicològicamente, eqüivale à sugestão
(em certo ponto, afirma Tarde que a imitação é uma espécie
de sonambulismo); sociològicaiiicnie, suas leis respondem a
perguntas como, por exemplo, por que, entre cem invenções,
dez são adotadas e as outras ignoradas? As leis lógicas da
imitação incluem as proposições de que os indivíduos imitam
certo modêlo porque o consideram mais útil ou mais de acordo
com outros prèviamente estabelecidos, e de que a imitação
amplia-se do centro para a periferia da sociedade, mas que,
nesse processo, os modelos são modificados pela refração do
meio tal qual raios de luz atravessando a água. As leis não-
-lógicas incluem as seguintes generalizações: os modelos subje
tivos (idéias) são imitados antes dos objetivos; os exemplos
dados pelas pessoas ou pelos grupos superiores prevalecem nos
inferiores; às vezes o passado e às vezes o presente preponderant
como um modelo que na terminologia de hoje conduz à asser
tiva de que ora se acentua o costume (imitação do passado),
ora a moda (imitação de novos padrões). A teoria da imitação,
de Tarde, como Éste exemplo sugere, contém elementos que
se tomaram parte da teoria sociológica contemporânea. Mas
alguns de seus pontos de vista são hoje inaceitáveis, especial
mente a primeira das leis não-lógicas; e outros precisam ser
atenuados, como no caso da afirmativa de que os modelos
superiores são necessariamente mais influentes do que os
inferiores.
Menos sugestiva é a análise de Tarde da oposição e adap
tação. Mais uma vez, a oposição aparece como uma espécie
de lei cósmica, que alega ser disceroível em Matemática, Física,
Biologia, Psicologia e Sociologia. A oposição aparece em duas
143
formas. Oposição de conflito é o cncontro de ondas antitéticas
de imitação, encontrávcis na guerra, na concorrência e na polê
mica. A guerra, que sobrevêm quando a oposição c completa,
tende a desaparecer — ponto de vista otimista comum à época.
A concorrência caracteriza a atividade econômica, enquanto a
oposição verbal de polêmica prevalece na religião, na jurispru
dência e na ciência. A segunda forma, oposição dc ritmo, ê
a tendência dos fenômenos sociais a flutuarem periòdicamcnte.
Ilustram-na as ondas dc imigração, crime, a altemação dc
prosperidade e depressão, o ascenso e a queda de impérios e
civilizações. A descrição de Tarde de conflito c ritmo como
simples formas diferentes do processo único de oposição é alta
mente discutível, pois êsses dois aspectos da vida social parecem
ter muito pouco cm comum.
A adaptação sc manifesta na lei de agregação, na desco
berta de um novo equilíbrio depois da oposição. Precede a
adaptação um estágio pré-lógico e depois um estágio lógico
dc ocupações; durante o primeiro, as invenções não têm relação
entre si e a situação é confusa; durante o último as invenções
sc contradizem c, ou sc travam duelos lógicos, ou sobrevêm
uma união entre as invenções concorrentes. Em qualquer hi
pótese, suprime-se a discordância e constrói-se um nôvo sistema.
Cada nova adaptação é uma invenção, de modo que o processo
se repete continuamente. Inconfundível aqui é a influência da
dialética de Hegel. A adaptação 6 um movimento que seleciona
um pequeno número de realizações de um amplo grupo de possi
bilidades — movimento cm geral irreversível, mas que não tem
objetivo visível. Uma tendência, entretanto, é evidente. A
evolução dos fatos sociais — Tarde inclina-se, neste ponto,
ance o evolucionismo de seu tempo — consiste cm sua transição
gradual de um grande número de fenômenos pequenos para
um número menor de fenômenos maiores. Culminando êsse
processo pode antever-se o surgimento de uma única civili
zação que tudo abranja.
As implicações científicas da própria teoria da imitação,
Tarde nunca as formulou. Na realidade, êle produzira um
instrumento para a demolição do evolucionismo. Pois os
«rvolucionistas, conforme nos lembramos, consideravam as seme
lhanças entre as várias sociedades como um argumento decisivo
para sua teoria. Tais semelhanças poderiam ser agora explicadas
pela imitação; e os princípios da imitação formariam a base
144
para o aparecimento de uma teoria compreensiva da difuslo
da cultura (ver capitulo XVIII).
Tarde influenciou a Sociologia dc diversas formas. A
Sociologia americana sentiu-lhe o impacto através dos escritos
dc Ross c outros. Seus ensinamentos tomaram-se parte da
Etnologia moderna, e desta retomaram à Sociologia atual. A
ênfase que atribuía à imitação como processo individual colo
cou-o em oposição a Durkheim, para quem a coação social era
o aspecto básico da realidade social.
145
CAPITULO IX
Emile Durkheim
(1858-1917),
E m i l e . Durkh e i m de ascendência judaica, nas
ceu em Epinal, Lorraine, na fronteira nordeste da Franca. É
provável que seu nascimcuto, na região mais nacionalista do
aís, e seus contatos, muito cedo, com os desastres da Guerra
f Jranco-Prussiana e sua identificação com a minoria judaica,
fortemente coesa, tenham contribuído para lnteressá-lõ no es-
tudo da solidariedade do grupo.
Depois dc graduado na Êcole Normale Supêrieure, em
Pans, Durkheim viajou pela Alemanha, estudando Economia,
Folclore e Antropologia Cultural. Foi nomeado professor da
Universidade de Bordéus, em 1567, e em 1902 ingressou na
Universidade dc Paris. Fundou o Anrée Sociologique, em
1896, durante muitos anos o jornal orientador do pensamento
e da pesquisa sociológicos na França.
Comte foi o mestre professado de Durkheim. Durkheim ti
rou de Comte a ênfase positivista sôbre o exnpirismo e sôbre a
significação do grupo na determinação da conduta humana.
146
não lhe fossem familiares). Sua teoria opunha-se diametral*
mente ao individualismo e nominalismo de Spencer. Durkbcâm
sustenta que os fatos sociais são irredutíveis aos fatos individuais.
O qiie £ então um fato social? Designar assim qualquer
evento que sc relaciona com a sociedade ou que tem relêvo
social é usar o têrmo sem clareza ou resultado. Há alguns fa
tos na vida social — entende Durkheim — inexplicáveis pela
análise física ou psicológica; há maneiras de agir, pensar e
sentir externas. ao indivíduo e dotadas dc poder de coerção^
sôbre êlc. As ilustrações incluem máximas ac moralidade pú
blica r observâncias religiosas e familiares, normas de compor-
lamento profissional. Essas realidades são os fatos sociais dur
khcim ianos, que constituem o domínio apropriado ao estudo
sociológico. Os fatos sociais existem corno correntes sociais
mesmo na ausência de qualquer organização social claramente
definida, corno no caso dc ondas de entusiasmo e indignação,
que aglutinam indivíduos cm multidão^ Tais correntes são ver
dadeiramente sociais, pois têm realidade objetiva e um efeito
coercitivo sôbre o indivíduo.
Os fenômenos sociais enraízam-se nos aspectos coletivos
das crenças e práticas de um grupo. A universalidade não é
a marca distintiva dos fatos sociais; um pensamento quê está
cm cada consciência individual não sc toma social por êste
motivo. Pois há uma importante diferença entre as duas or
dens dc fatos, a individual e a social: certos modos dc
c pensar, realizados repetidamente, cristalizam-se como pa
drões distinguíveis dos eventos particulares que os refletem.
Durkheim assinala que estes padrões (fatos sociais) adqui
rem assim um corpo, uma forma tangível, c constituem uma
realidade própria, à parte de suas manifestações particulares
nos indivíduos. Aqueles representam fenômenos sociais sò-
mente em um sentido muito restrito do têrmo social. Desde
que as manifestações individuais, entretanto, pertencem a am
bas as ordens de fatos, são adequadamente citadas como aockv
psicológicas. Os eventos individuais, tais como um caso e*-
pecííico de suicídio quando contrastado com a proporção dos
suicídios em um grupo, interessam aos sociólogos apenas in
diretamente.
•,
Para Durkheim, então, a Sociologia é o estudo dos fatos
sociais. Mais do que isso, um estudo cuja natureza é deter
minada em parte por seu objeto. Os fatos sociais se manifes
tam dc duas maneiras: primeiro, por seu poder de coerçiq_
147
sôbre os indivíduos, 1 rc(|üentemente evidenciado nas sanções
ligadas aos vários tipos de comportamento; segundo, por sua
difusão geral dentro de um grupo. Durkheim assinala que
a imitação não é um verdadeiro fato social, como Tarde pro-
clamava, pois se trata de um processo individual que, apesar
de suas conseqüências sociais, se localiza no indivíduo como
tal. A imitação tem generalidade, por ccrto, mas não c obri
gatória e portanto não é social. As instituições, por outro lado,
quando compreendidas como crenças c modos de conduta es
tabelecidos pela vida coletiva do grupo, são verdadeiros fatos
sociais, dado que tem urna existência externa à parte do indi
víduo e o obrigam. Pode-se definir a Sociologia — conclui
Durkheim — como a _ciência das instituições, dc sua gênese
e dc seu funcionamento.
^Ôs fatos sociais devem ser tratados como coisas — de
clara êle. Observa que, antes, a Sociologia lidou mais ou
menos exclusivamente com os conceitos, não com as coisas.
Comte e Spencer, por exemplo, devotaram grande parte 3e
seus trabalhos a discussões sôbre o curso do progresso humano;
• v mas progresso é uma concepção mental c não um fato veri
ficável pela pesquisa empírica. Para Durkheim, uma coisa
difere dc uma idéia conceptual no mesmo sentido cm que di-
____ fere o que conhecemos de fora do que conhecemos de dentro»
""^As coisas incluem todos os objetos de conhecimento que não
podem scr concebidos pela atividade puramente mental, aque
les que exigem, para sua compreensão, dados exteriores à
mente, extraídos de observações e experiências, aquêles que
são reconstituídos partindo-se dos característicos mais exter
nos e imediatamente acessíveis para os menos visíveis e mais
profundos.” 38
Durkheim insiste em que o estudo dos fatos sociais não
pode repousar somente no discutível método da introspecção.
Ninguém tem certeza de que as idéias das coisas correspon-
dem às próprias coisas. O sociólogo deve procurar à objeti
vidade: ao estudar a sociedade, precisa admitir, como o cien
tista natural, que talvez esteja entrando no reino do desconhe
cido e do inexplorado. Ao iniciar a pesquisa, focalizará os
fatos observando fenômenos suficientemente externos para sc-
rem imediatamente visíveis, tais como filiação religiosa, estado
152
produto de integração de grupo relativamente fraca, prepon-
dera naqueles grupos em que se observa falta de coesão so
cial (por exemplo, entre solteiros e protestantes); e o suicídio
anômico, a que as quebras das normas sociais induzem, é en
corajado por bruscas mudanças características dos tempos mo
dernos. Durkheim também tomou claro que a solidariedade
social pode levai ao suicídio, afirmação ilustrada pelo tercei
ro tipo, o suicídio altruístico, que aparece em alta média, por
exemplo, em certas sociedades primitivas e em alguns exércitos
modernos. Êste breve delineamento de algumas de suas con
clusões faz pouca justiça a Suicide, freqüentemente citado como
um marco monumental de estudo, em que a teoria conceptual
c a pesquisa empírica são reunidas de forma admirável.
Infelizmente, contudo, nessa mesma obra Durkheim re
vela um extremo realismo sociológico. Fala de correntes sui
cidas como tendências coletivas que dominam indivíduos e,
por assim dizer, os agarram (ou antes, alguns dêles, os mais
suscetíveis) em sua passagem. Assim, interpreta às vêzes o
ato do suicídio como produto dessas correntes. A maior signi
ficação de Suicide — deve-se recordá-lo — reside em sua de
monstração da função da teoria sociológica na ciência empírica.
Representações Coletivas e Individuais (1699), em que
a consciência comum é encarada essencialmente como um pro
duto sociopsicológico da interação humana, pouco acrescen
ta às primeiras discussões de Durkheim. Entretanto, a obra
sugere, no pensamento durkheimiano, uma nova maneira de
ver, bilateral, que depois continuou a manter: por um lado,
uma crescente concepção idealista do grupo social; por outro,
a especulação sôbre a origem, social ou de grupo, da moral,
dos valôres, da religião e do conhecimento.
Ambas as tendências são evidentes cm Julgamentos de Rea
lidade e Julgamentos de Valor (1911). Aqui, Durkheim re
laciona a consciência coletiva a ideais, sustentando que um
processo recíproco liga os dois — as idéias sociais originam a
consciência coletiva e esta última, por sua vez, gera ideais
sociais. Nascem êstes da realidade, naturalmente, mas vão
muito além dela; a concepção de sociedade ideal é parte da
realidade social e, portanto, exige estudo sociológico. A reli
gião, a lei, a moral c a Economia — consideradas por Durk
heim como os principais sistemas sociais — são ao mesmo tem
po sistemas de valôres e ideais. Os ideais sociais constituem a
consciência coletiva, tal como existe independentemente de con-
MJ
ceitos individuais, enquanto os valores são manifestações da
consciência comum nos próprios indivíduos, Êsscs pontos dc
vista ilustram a nova fase do pensamento dc Durkheim. A cons-
ciência coletiva parece transferida do nível da psicologia do
grupo para o inundo das idéias, suprindo o conteúdo mesmo das
idéias dos indivíduos. Nesta obra há claramente o tom, se não
a intenção, da Filosofia idealista, especialmente hegeliana, que
impressionou Durkheim na juventude.
154
símbolo do princípio totcmico sagrado e do grupo (clã). A
vida dos Arunta estava Incisivamente dividida na perseguição
secular de pequenos grupos esparsos (uniformes, Janguescentes
e estúpidos) e nas reuniões periódicas sagradas do clã assina-
ladas pela exaltação, a euforia de grupo e mesmo a quebra
de tabus. Durkheim vê essas atividades coletivas como o lugar
de nascimento dos sentimentos e idéias religiosos.
Do estudo desse caso elementar, Durkheim desenvolve
suas teses fundamentais: dc que ã vida de grupo é a fonte ge
radora ou causa eficiente da religião; de que as idéias e prá
ticas religiosas rcfcrcm-sc ao grupo social ou o simbolizam; de
que a distinção entre o sagrado e o profano é universalmente
encontrada e tem conseqüências importantes para a vida social
como um todo.
" O sagrado, para Durkheim, refere-se a coisas postas à
jjarte pelo^ homem, incluindo crenças religiosas, ritos, deida-
des ou qualquer coisa, que socialmente definida exige trata
mento religioso especial. Diz êle: MQ círculo dos objetos
sagrados não pode ser determinado, então, de uma vez por
todas. Sua extensão varia infinitamente, de acordo com as
diferentes religiões.” O significado do sagrado consiste na sua
distinção do profano: “a coisa sagrada é por excelência aqui-
lo que oprofano não deve c não pode tocar impunemente”^
O hòmem sempre desenha essa distinção, embora sejam diversas
as designações dadas às duas ordens, em diferentes lugares e
tempos. A participação na ordem sagrada, por exemplo nos
__rituais ou cerimônias dá um prestígio social especial, ilustran
do uma das funções sociais da religião. A própria religião pode
ser definida como um sistema unificado de crenças e práticas
relativas às coisas sagradas. As crenças e as práticas sagra
das unificam o povo cm uma comunidade moral (uma igre
ja, no sentido mais geral), um compartilhar coletivo de cren
ças que, por sua vez, é essencial ao desenvolvimento da religião.
“A que se referem os símbolos sagrados de crença e prá
tica religiosas?” — indaga Durkheim Notando que êles desvir
tuam a realidade empírica, argumenta ele que não se podem
referir ao meio externo ou à natureza humana individual, mas
somente à realidade moral da sociedade. A fonte e o objeto
da religião são a vida coletiva; o sagrado é, no fundo, a socie
dade personificada. Esta secular explicação sociológica de re-
ligião (em que Durkheim negligencia grosseiramente a natu-
/55
reza não-empírica da religião) c sustentada por discussões da
similaridade das atitudes do homem para com Deus e a so
ciedade: ambos inspiram a sensação dc divindade; ambos pos
suem autoridade moral c estimulam a devoção, o auto-sacri-
fício e o comportamento individual exceptional. O indivíduo
que se sente dependente dc algum poder moral externo não
é, portanto, uma vítima dc alucinação, mas um membro da
sociedade, respondendo a ela própria. Durkheim conclui que
n função substancial da religião e a criação, o rcíôrço c a ma
nutenção da solidariedade social. Enquanto persistir a socie
dade, persistirá a religião.
Les Formes EUmentmres de la Vie Réligieuse inclui, além
da análise da religião, os começos de uma explicação das for
mas básicas de classificação e das categorias fundamentais do
próprio pensamento, representações coletivas que Durkheim
também enraíza na vida de grupo. Sua csixxulatjão quanto à
determinação social dc classificação c dc categorias não pode
ser discutida cqui, mas deve-se observar que ela situou Durk
heim perfeitamente no campo da Sociologia do conhecimento,
hoje uma importante divisão do estudo sociológico.
Contribuições à metodologia
156
fatos sociais. O sociólogo dcvc emancipar-se das idéias fala
ciosas que dominam o pensamento do leigo. Ou, como diz
Durkheim, “Livrar-se, dc uma vez por tôdas, do jugo daque
las categorias cmpirícas que se tornaram tirânicas em virtude
de hábito longamente mantido**. Segundo, o objeto de cada
investigação sociológica precisa compreender um grupo de fe
nômenos previamente definidos por certos caracteres externos
comuns. Isto é, o investigador necessita relacionar-se com fatos
sociais cuja existência pode inferir dos respectivos aspectos ex
ternos. Terceiro, deve considerar os fatos sociais como inde
pendentes de suas manifestações individuais. Deve ir além
dos atos individuais e procurar as bases duradouras dos hábi
tos coletivos; estudar as normas como tais — por exemplo,
normas legais, regulamentações morais e convenções sociais —
cm sua própria existência permanente.
A norma principal dc Durkheim deriva dessa indepen
dência dos fatos sociais. Desde que tôdas as explicações de
fatos Sociais cm têrmos psicológicos falham na apuração do
fundamental efeito coercitivo que os fenômenos sociais reais
exercem sôbre a vida do homem, é preciso procurar a expli
cação da vida social na própria sociedade. A sociedade não
é apenas uma soma dc indivíduos, mas um sistema formado
pela associação de indivíduos — uma realidade especifica (c
emergente) que tem características próprias. Conseqüente
mente — conclui Durkheim — sempre que se explica um
fenômeno social como produto direto de processos psicológi
cos, a explicação é falsa. A fonte de toda obrigação se acha
fora do indivSduo: piedade filial, amor, devoção religiosa,
lealdade marital. Êstes e outros sentimentos que surgem do
viver em sociedade são muito freqüentemente tomados como
causas de fatos sociais, atendendo a que na realidade resultam
da pressão dos fatos sociais sôbre a consciência individual.
Dado que a vida coletiva não decorre da vida individual,
Durkheim acredita que “a causa determinante de um fato so
cial devia ser procurada entre os fatos sociais que o prece
dem e não entre os estados da consciência individual”.
Discutindo normas para estabelecer provas sociológicas,
Durkheim diz que o experimento indireto (ou método com
parativo) é o único método adequado à Sociologia. A noção
de Com te de método histórico não é utilizável, pois a simples
seqüência de progresso em desenvolvimento não dá a chave
explicativa da causalidade. A causação é uma relação nece*-
/57
sária entre o estado anterior e o subseqüente do fenômenos,
e só a comparação dos dois estados pode determiná-la. Para
Durkheim, um efeito dado sempre tem uma causa correspon
dente única. Se, por exemplo, dcscobrc-sc que o suicídio apre
senta mais de uma causa, então a evidência indica a existência
de mais de um tipo dc suicídio. A fim dc explicar um fato
mais complexo, como a existência dc uma instituição, em qual
quer espécie social, o investigador precisa comparar suas di
ferentes formas não sòmcntc entre grupos dessa espécie, mas
igualmente entre as espécies precedentes.
Para Durkheim, a Sociologia comparada não é um ramo
da disciplina: à medida que deixa de ser apenas descritiva
e procura estimar fenômenos sociais, é Sociologia. O proce
dimento válido exige, entretanto, a comparação das sociedades
no mesmo período dc seu desenvolvimento evolutivo. (Aqui,
Durkheim testa seu próprio processo cm parte na presunção
da evolução progressiva de Comte c Spencer — não obstante
a opinião que tinha sôbre a insuficiência da metodologia dê-
les.) Mas estava ainda mais interessado em provar os méritos
do estudo a que Mills chamava dc variação concomitante, mé
todo que sustenta que sc uma transformação em um elemento
variável (por exemplo, a média dc suicídio) é acompanhada
por uma transformação comparável em outro (por exemplo, a
filiação religiosa), as duas transformações podem relacionar-se,
causalmente, ou diretamente ou através dc algum fato social
básico (digamos, o grau de solidariedade social cm um grupo).
Muito da própria obra empírica de Durkheim procura de
monstrar relações causais com êsse refinamento do método
comparativo.
Mas a relação causai entre os fatos sociais, tal como
Durkheim a entendia, é apenas uma espécie de indagação so-
ciològícamente importante. Assim, êle também formulou um
approach funcional para o estudo dos fenômenos sociais, approach
dc considerável interesse para os sociólogos dc hoje (ver capí
tulos XVII e XVIII). O funcionalismo durkhcimiano era
uma alternativa do método teológico, como o ilustraram os
escritos de Comte e Spencer, que supunham os fatos sociais
suficientemente explicados quando se revela sua utilidade em
termos de satisfação dos desejos humanos. Mas os próprios
desejos se transformam, fato que exige explicação sociológica.
E os fatos sociais freqüentemente persistem depois de perdida
sua utilidade original. Portanto, Durkheim sustenta que, além
158
da busca da causa eficiente que provoca o fato social, a So
ciologia precisa procurar a função social que êle prernche.
Aqui, inspirou-se na Biologia, denominando função ao signi
ficado de uma relação de correspondência entre o fato conside
rado c as necessidades do organismo. Em termos sociais, a
função de um fenômeno social é a correspondência entre êle
e alguma necessidade geral da sociedade. Por exemplo, a di
visão do trabalho funciona para integrar a sociedade moderna,
embora não viesse a ser estabelecida claramente para realizar
este papel, nem a função integrante da divisão do trabalho
resulte necessàriamente em beneficio para o indivíduo. A ta
refa da análise funcional, então, é tornar claro de que modo
as instituições e outros fenômenos sociais contribuem para man
ter o todo social. O cumprimento dessa tarefa metodológica,
de acôrdo com Durkheim e igualmente com muitos funciona-
listas modernos, é essencial à compreensão das persistências e
alterações da ordem social.
Tipologia social
159
como base a sociedade perfeitamente simples, espécie em que
os indivíduos estão em justaposição atômica. Formulada a con
cepção da horda ou sociedade de segmentos únicos, pode-se
desenvolver uma escala completa de tipos sociais. Um passo
além estão as sociedades polissegmentais simples, uniões de hor
das ou clãs, como em certas tribos iroquesas. A seguir, na or
dem de complexidade, as sociedades polissegmentais simples
mente compostas, agregadas, como a confederação iroquesa.
Em seguida as sociedades polissegmentais duplamente compos
tas, por exemplo, as cidades-Estado.
Semelhante especulação quanto à classificação de tipos
de sociedades, embora representando uma tarefa ainda tenta
da pelos sociólogos, tem produzido pequeno impacto sôbre os
estudiosos modernos, o que não se pode dizer das outras con
tribuições de Durkheim.
Durkheim em retrospecto
160
entretanto, que o evolucionismo não dominou nem obacureceu
o pensamento de Durkheim. Tivesse êle retirado o andaime
evolutivo, e a estrutura de sua teoria permaneceria.
O tratamento que Durkheim dispensou ara fatos sociais
e à consciência coletiva associa importantes verdades socio
lógicas a pontos de vista enganosos, se não falazes. Era cer
tamente inevitável que falhasse ao tentar explicar fenômenos
sociais exclusivamente à base de ações e motivações individuais.
A fim dc se tornarem fatos sociais, os atos humanos são sub
metidos a um processo análogo ao da composição de fôrças,
em que se envolvem princípios irredutíveis a princípios de
psicologia individual. Ninguém, por exemplo, quer ou pla
neja uma depressão econômica em larga escala, mas volta e
meia depressões têm resultado da composição de numerosas
ações individuais para as quais existe grande número de mo
tivações. Muitos fenômenos não-tencionados e não-desejados
— depressão, guerra, apatia política, talvez mesmo crescentes
médias de ansiedade neurótica — exigem interpretação social,
e não psicológica. Durkheim ensinou também essa importante
lição. Ao mesmo tempo, e com freqüência, especialmente em
discussões da consciência coletiva, alcançou um grau de rea
lismo sociológico que parecia negar a significação social da
volição ou decisão individual. A sociedade é real, natural
mente, mas também o indivíduo, e ambos, deve-se recordá-lo,
estão sempre em interação. Dar prioridade a um ou a outro
produz enganosos resultados, afinal.
Mas as exagerações de Durkheim exerceram, sem dúvida,
um papel positivo em suas contribuições principais para a
teoria e o método sociológico. Demonstrou êle convincente-
mente que os fatos sociais são fatos sui generis. Difundiu viva
mente a importância social e cultural da divisão do trabalho.
Analisou a natureza e muitas das conseqüências da solidarie
dade social. Indicou o papel da pressão social em setores da
atividade humana onde, até então, não fôra notada ainda
Com Max Weber (ver capitulo XIV) chamou a atenção dos
sociólogos para o significado dos valôres e ideais na vida social
Enfrentou complexos problemas metodológicos e demonstrou
com fatos a necessidade, para uma ciência da sociedade, da
pesquisa empírica.
Subjetivismo Russo
Lavrov-Mirtov
162
Matemática, préso cm 1868 por difundir idéias subversivas,
exilado para uma província remota c que finalmente fugiu
para Paris. A formação de Lavrov-Mirtov na Filosofia liege-
liana reflete-se em sua formulação da tríade dialética: soli
dai icdade-individualidade-progresso. Sustentou que os indi
víduos dotados dc espirito crítico são os agentes do progresso.
Sua* obras principais incluem Resumos de Filosofia Critica
(I860), Cartas Históricas (1870), Ensaios Sôbre a História
do Pensamento (1876) c Os Problemas da Compreensão da
História (1898).
A principal descoberta de Lavrov-Mirtov foi o método
subjetivo. Em Sociologia e História — afirmou êle — há al
gumas verdades tão inalteráveis e absolutas quanto as verda
des das demais ciências. Mas na Sociologia e na História há
outras verdades que não podem ser descobertas antes de de
terminados épocas virem a ser, porque sòmcnie em certas ida
des estão os membros de uma sociedade subjetivamente pre
parados para compreender questões fundamentais e formular
respostas a elas. A História não se repete; o processo da evo
lução histórica é progressivo, mas só pode ser percebido sub
jetivamente. O subjetivisino científico, então, é uma tendên
cia seletiva na História, que se deve relacionar à Ética e aos
ideais. Embora a própria Sociologia precise ser ideológica,
não se pode postular a priori seus objetivos; devem êles derivar
de um estudo indutivo da sociedade. Considerando que a
História procura entender o progresso no processo da evolu
ção, a Sociologia é o estudo da solidariedade de indivíduos
conscientes. O crescimento da solidariedade e o crescimento
da individualidade constituem processos paralelos. A solida
riedade brota na sociedade animal. Aparece nas relações entre
mãe e filhos. Perpetua-se pela imitação e dá origem ao cos
tume, que ê um dos seus mais importantes sustentáculos. A in
dividualidade, antítese da solidariedade, está, não obstante, es
treitamente ligada a ela, de modo que só anallticamcnte se po
dem separar êsses dois elementos. Os indivíduos conscientes
são produtos do processo social, e da sociedade recebe o indi
víduo motivos, conhecimentos e hábitos. Entretanto, desde que
no funcionamento da agregação social sòmente os indivíduos
deliberam e agem, toma-se impossível qualquer desenvolvi
mento sem o pensamento crítico dêles; os que se revelam, en
tretanto, dotados de espírito crítico formam sempre uma mi
noria em comparação com as massas. Todavia, a fôrça do
pensamento c a energia da volição atuam como agentes de de
terminação histórica. A História, então, é essencialmente uma
generalização de biografias individuais. Cumpre reconhecer
o papel decisivo da personalidade que o destino situou no cen
tro dc cada época — seja monarca, demagogo ou profeta.
O progresso não c forçosamente um movimento contínuo,
mas a participação no progresso é uma obrigação moral im
posta ao indivíduo que entendeu o seu significado. Uma teo
ria do progresso é necessária para a elaboração de um progra
ma de ação. Já que o crescimento da individualidade e o cres
cimento da solidariedade são essenciais ao progresso, a socie
dade melhor será aquela em que todos os indivíduos tenham
interesses c convicções semelhantes, vivam cm condições iguais
do cultura e proíbam tôda luta pela existência. O progres
so só é possível quando os indivíduos que formam a minoria
adiantada da população estão plenamente convencidos de que
os seus interêsses são idênticos aos interesses da maioria. Atra
vés da História, as minorias raramente se têm movido nessa dire
ção; cada geração, porém, é responsável pelo que poderia ter
feito, mas deixou dc fazer.
Mikhailovsky
164
na aproximação gradual para o desenvolvimento integral de
cada indivíduo e se exprime no rfocréscimo da divisão do tra
balho social. Considerava injusto e imoral tudo o que retarda
o movimento no sentido da integração pessoal. A luta pela in
dividualidade é inerente à própria situação que a natureza
atribuiu aos sêres humanos; luta contínua entre o indivíduo
c a sociedade. Olhando para seu próprio tempo, Mikhailovsky
escreveu que o trabalhador ocidental não é mais um indivíduo
independente porque a divisão burguesa do trabalho o degra
dou. A manutenção das comunidades agrárias pode poupar ao
povo russo essa degradação.
Na obra principal de Mikhailovsky, O Herói <r a Massa
(1882), o herói não é ncccssàriamente encarado como um gran
de homem, mas como alguém cujo exemplo atrai a multidão
para o bem ou para o mal. Os grandes homens são produtos
do meio que molda a multidão. Os homens suspiram por ideais
c seguem prontamente aquêles que, oferecendo-lhes ideais, exem
plificam o heroísmo. Finalmente, o herói é o que dá o primei
ro passo há muito esperado e será agora imitado pela mul
tidão. A imitação, lei geral do comportamento humano, é
comumente inconsciente. Dado que a consciência e a vonta
de são usualmente fracas, a tendência para imitar geralmente
prevalece.
Lavrov-Mirtov c Mikhailovsky empregaram o conceito de
possibilidade objetiva. A pessoa individual defronta sempre, na
vida social, com certo número de possibilidades objetivas com
diferentes oportunidades de realização. Uma complexa combi
nação de circunstâncias, só raramente compreendida, determi
na qual das possibilidades imanentes em uma situação concre
ta será materializada. Em muitas ocasiões, a confiança leviana
depositada no fácil advento da possibilidade deseja induzir os
homens e permanecerem inativos e a apoiarem-se no desdo
bramento natural dos eventos. Naturalmente, os indivíduos do
tados de espirito critico de Lavrov-Mirtov e os heróis de Mikhai
lovsky não cometem êsse êrro.
Yuzhakou e Kareyev
165
Estudos Sociológicos (1891), Yuzhakov declarou que o próprio
método subjetivo é inaplicável .* Sociologia. Entretanto, susten
tava a necessidade de apreciar os desenvolvimentos e processos
sociais com base cm uni ideal social (que identificava com a
Filosofia Moral); sôbre este fundamento construir-se-ia uma
teoria científica da sociedade. Mais do que estabelecer a
necessidade de um método particular — declarou cie — a
escola russa demonstrou um teorema importante: que o desen
volvimento social e impulsionado pelas personalidades. Para a
Sociologia, ignorar ês>o teorema é um êrro sério. Mas desde que
esse teorema é uma proposição substantiva, c não assunto de
procedimento lógico, não constitui base utilizável para a cons
trução dc um método particular.
Kareyev foi o único acadêmico membro da escola subje
tiva. lecionando nas universidades dc Varsóvia c São Peters-
burgo. Corno Yuzhakov, afinnou que seus predecessores incor
riam em erro cm uma proposição importante: antes deviam
ter lidado com o fator subjetivo na sociedade do que esposado
o método subjetivo. Similarmente, acentuou a Função do Jn•
divlduo na História (título dc uma dc suas obras principais,
1890). Em 1897 publicou uma valiosa Introdução à Sociolo
gia em que há um excelente exame sistemático das teorias socio
lógicas de seu tempo.
A Sociologia era para ele uma ciência nomotética à pro
cura de leis gerais da vida social, em contraste com a História,
que, sendo limitada a fenômenos concretos, é idcográfica. Ka
reyev também acentuou que o indivíduo não é um instrumento
passivo da História. Grandes homens são aquêles que possuem
a capacidade de planejar atividades complexas e induzir outroc
a executarem êsses planos. Definiu o progresso como a evolução
para um ideal social; definiu o ideal social como a elevação
gradual dos padrões de vida humana e uma justa divisão do
trabalho entre os homens.
O subjetivismo cm retrospecto
166
do indivíduo no processo social. Atribuíam aos indivíduos,
especialmente os de mais alto tipo, um papel ativo, que se
identificava com a obrigação de contribuir para o progresso.
Progresso para élcs era inteiramente diferente do que parecia
ser para a maioria dos sociólogos ocidentais, seus colegas. Pouco
interêsse dispensavam ao avanço material e à diferenciação
social. O ideal comum que sustentavam era uma sociedade
de iguais permitindo a auto-expressão para cada um de seus
membros.
Êsscs autores anteciparam, de vários modos, ou desenvol
veram, idéias que vieram a identificar-se com as descobertas de
outros homens. Assim, Lavrov-Mirtov e Mikhailovsky acen
tuaram o papel do indivíduo na vida social e na transformação
social, talvez antes de Ward tratar da matéria. Ambos desta
caram a importância da imitação, muitos anos antes de Tarde
lidar coin a relação de imitação de costume, e quase ao mes
mo tempo que Bagchot. Sofreram a desvantagem de escre
ver em russo, de modo que sua interação com os sociólogos
não-russos era unilateral. Embora os estudiosos russos lessem
àvidamente as obras dos colegas estrangeiros, fora da Rússia
poucos sociólogos se familiarizavam com as realizações deles.
A escola sofreu também a desvantagem da incompreen
são que cercou o chamado método subjetivo. Muito tempo e
energia foram despendidos em uma controvérsia essencialmente
terminológica antes dos membros mais novos da escola, espe
cialmente Kareyev, esclarecerem e corrigirem o método. A ra
zão principal do colapso da escola consistiu, provavelmente, em
que ela fez a Sociologia depender de um ideal social e acen
tuou juízos de valor como parte intrínseca da Sociologia. O sub-
jetivismo não poderia prevalecer contra a poderosa demonstra
ção de Durkheim (ver capitulo IX) e Weber (ver capitulo
XIV) de que os juízos de valor não devem ser introduzidos no
desenvolvimento da Sociologia teórica.
Todavia, outro aspecto da escola pode ter impressionado
favoràvelmcnte os sociólogos ocidentais: seu ponto de vista sô-
br* as possibilidades objetivas. Na forma mais sofisticada da
probabilidade, êste conceito reapareceu nos ensinamentos de
Weber e outros.
A escola subjetiva russa, então, não influiu significativa
mente no desenvolvimento da Sociologia. Mas muito do que
seus membros disseram sôbrc o papel do indivíduo na Histó-
167
iffilS it!;,»»!!;*
iin.msfmtt*
rlrílfl friillnltdtl
mens cm interação. Como também o teorema dc Durkheim
dc que oí fatos sociais são fatos sui generis, irredutíveis a pro
porções biológicas ou psicológicas (embora hoje êste ponto de
vista não esteja inteiramente fora dc controvérsia). A dico-
tomia do Toennies, dos grupos sociais, contribuiu para a possi
bilidade dc sua classificação científica c a identificação de
traços comuns a todos os tipos dc sociedade. Como contribui--
ção à compreensão do papel das fôrças culturais c sociais na
conduta humana, a persistente investigação dc Durkheim sô
bre a função da consciência coletiva foi, dc fato, um passo im
portante, dc um dos pioneiros da Sociologia de hoje.
Ademais, persistiu a ênfase atribuída por Simmel à inte
ração humana como unidade básica da pesquisa sociológica.
Toennies c Durkheim contribuíram significativamente para a
compreensão da interação cooperativa. O darwinismo social,
embora exagerasse o papel do conflito, lançou a base dc uma
teoria científica da interação antagonística. Os escritos dc No-
vicow ajudaram no desenvolvimento dc uma teoria do conflito;
c Sumner chamou a atenção para a correlação entre a soli
dariedade dentro dc um grupo particular e o antagonismo para
com os grupos de fora.
Pertence a Tarde a honra de ter compreendido a grande
importância da imitação na vida social. Contudo, ao tempo
em que escreveu, sua realização não foi plenamente com
preendida, em pane devido à declarada oposição dc Giddings
e Durkheim. Relembre-se também que alguns dos pontos de
vista de Tarde sôbre a imitação foram antecipados por Bagehot
c pelos subjetivistas russos.
Partindo de diferentes premissas, Sumner, Toennies e
Durkheim deram largos passos iniciais no estudo sociológico
do aspecto normativo da interação humana. Sumner esbo
çou uma explicação do aspecto transpcssoal das normas sociais;
Toennies delineou um método de classificar normas, sob o pon
to de vista sociológico; e Durkheim, usando a enganosa lin
guagem do realismo social, procurou demonstrar o papel bá
sico das normas dc grupo na vida social.
O segundo período na história da teoria sociológica foi
altamente fecundo em teorias sôbre as relações entre a socieda
de e o indivíduo. Ward, Giddings, Tarde c os subjetivistas
russos revoltaram-se em seus trabalhos contra o dogma das
fôrças sociais impessoais que sc impõem aos indivíduos e com
170
pelem os homens a serem espectadores, mais que atôrei, da
cena social. Entretanto, o elemento de valídez contido no i«*a-
lismo sociológico (a adscrição, à sociedade, de uma realidade
independente) foi hàbilmente apresentado por Gumplowic/.
Sumner, particularmente por Durkheim e respcitàvelmente pe
los organicistas (dc cuja obra a contribuição de Schafflc foi
a mais impoi lante).
Poucas definições formais dc Sociologia surgiram nc«se pe
ríodo. A dc Siimncl representou um claro avanço sôbre as
primeiras. Mas o problema da definição dificilmente existiria,
quanto à maioria dos evolucionistas; para cies, a Sociologia era
a ciência da evolução social como a viam Comte e Spencer.
Debateram-se com calor as questões de método, mas in
frutiferamente, muitas vêzcs; o método a ser provàv cimente
recomendado seria apenas o corolário do teorema sociológico
básico sôbre o determinante fundamental da transformação so
cial. Simmel, um dos maiores pensadores sociológicos de seu
tempo, confessou que não tinha nenhum método definido a
oferecer. Os russos pensaram que haviam inventado um nôvo
método, mas afinal simplesmente acentuaram o papel da per
sonalidade no processo social. Os métodos quantitativo e de
estudo de caso, defendidos por Quételct e Le Play durante o
primeiro período, continuaram largamente inaplicados, na cor
rente principal da teoria sociológica, até bem recentemente.
Somente Durkheim ofereceu uma metodologia bem desenvol
vida, acentuando as exigências de uma ciência empírica; suas
significativas contribuições, porém, foram parcialmente vicia
das por sua adesão à linguagem e, is vêzcs, à substância do
realismo social.
Em conclusão, pode-se dizer que a maioria das teorias aqui
examinadas são unilaterais ou responderam somente a poucas
perguntas básicas da teoria sociológica. Os organicistas c
Simmel dedicaram-se primàriamcntc à natureza da sociedade;
os vários tipos de evolucionistas estavam principalmente inte-
teressados no fator preponderante da transformação social; os
subjetivistas russos devotaram-sc à relação entre a sociedade e
o indivíduo. Dos sociólogos dêsse período, Durkheim foi o que
mais se aproximou dc uma teoria sociológica sistemática ainda
hoje utilizável.
/;/
CAPITULO XI
0 Declínio do Evolucionismo e a
Ascensão do Neopositivismo
176
Neste último estudo, dedicou-se largamente ao problema
dc demonstrar os estágios essenciais da evolução social. Espe
cificando melhor, Kovalevsky tentou identificar e correlacionar
estágios em diferentes áreas de vida sociocultural. Fugiu à
desavisada conclusão de que similaridades entre dois ou mais
processos concretos estabelecem entre êles uma relação de ne
cessidade evolutiva, reconhecendo a possibilidade de imita
ção e dc difusão cultural. Negou enfaticamente prioridade ou
supremacia a qualquer fator particular no desenvolvimento evo
lutivo, embora acreditasse que, nos primeiros estágios da evo
lução, as transformações na densidade da população tives
sem estratégica importância no estimulo a transformações pos
teriores. Reconhecia a existência de variações ou desvios das
linhas retas da evolução, mas achava que o respectivo estudo
devia scr adiado até que os sociólogos conseguissem estabelecer
as similaridades sociais e culturais c reduzi-las a leis gerais.
Finalmente, assinalava que as sociedades primitivas contempo
râneas são contemporâneas e, portanto, não representam ne-
cessàriamente estágios iniciais em crescimento evolutivo, fato
ainda hoje negado ás vêzes.
U 177
variações que refletem diferenças de grupo em reação mental
ao meio. E tais reações são seletivas, seguindo os caminhos
mais agradáveis aos homens. Keller localiza três tipos de se
leção social: a automática, não envolvendo nenhuma adapta
ção deliberada de meios a objetivos conscientes, e revelando-se
na guerra, na luta de classes, na concorrência; a racional, aná
loga à arte dos criadores e dando, assim, certa margem à ca
pacidade do homem de controlar o sentido da transformação
(margem todavia grandemente limitada); e a contra-seleção,
que, através de práticas como guerra, baixa fertilidade nas "clas
ses superiores”, casamento tardio, celibato, e indústria mo
derna, permite a sobrevivência dos bioldgicamente menos aptos.
A transmissão, terceiro princípio de Keller, considerando que
os mores não são biologicamente hereditários, refere-se ao papel
da imitação automatica e da educação artificial, na preservação
das tradições da sociedade. Os processos de variação, seleção c
transmissão tornam possível, finalmente, a adaptação nos mores.
Cada costume ou instituição, conquanto cm contradição com
outros (c, deve-se observar, Keller foi um dos primeiros a cha
mar a atenção para os desajustamentos provocados pelas mé
dias desiguais dc transformação nos mores), é o resultado da
adaptação do homem às condições ambientes.
Êstc breve resumo da aplicação de Kcller dos conccitos
darwinianos à evolução social não faz a devida justiça à ha
bilidade com que êle se desincumhiu de sua tarefa. O seu,
porém, foi o maior esforço final dêsse tipo. O conhecimento
sociológico tem progredido consideràvelmente desde a publica
ção do livro de Keller, mas poucos avanços (se algum) têm
sido feitos segundo a orientação de Societal Evolution, o que
sugere ao menos que o desenvolvimento cientifico se encontra
em qualquer outra parte.
178
é, adequada coordenação dc funções para fins especifico*) I
liberdade (considerada como o limite permissive! à indepen
dência de pensamento, caráter e imitação), e mutualidade de
serviço (ou a organização de relações sociais de modo que
cada um dos que servem a fins comuns também participe de
seus resultados). Como filósofo social, Hobhouse não só rejei
tou a concepção radical do desenvolvimento evolutivo, e a dou
trina extrema do laissez-faire, como advogou um coietivismo
modificado; acreditava que a própria evolução social repousa,
cada vez mais, no controle consciente. Tais convicções in
fluíram sem dúvidn em sua escolha dc critérios referentes ao
processo evolutivo. A aplicação desses padrões a materiais etno
gráficos comparativos, entretanto, representa um esfôrço subs
tancial para o teste objetivo das hipóteses (qualidade também
visível em Morals in Evolution, volume bem anterior, publi
cado em 1906). Embora as conclusões dc Social Development
sejam francamente inconseqüentes, elas indicam, conforme es
clarece Hobhouse, que as sociedadcs tanto podem retroceder
quanto avançar, ao longo de uma ou mais das quatro linhas
traçadas pelos critérios da evolução humana.
Essa afirmativa está de acôrdo com a prova oferecida
era The Material Culture and Social Institutions of the Sim
ples Peoples (1915), obra em colaboração de Hobhouse, Morris
Ginsberg e Gerald T. Wheeler; nela os autores examinaram o
princípio evolucionista de que o desenvolvimento das institui
ções sociais é correlato às transformações das condições econô
micas. Estudaram mais de quatrocentas sociedades, empre
gando técnicas estatísticas rigorosas na classificação dos está
gios dc avanço c das instituições políticas, familiares e militares,
entre outras. Enquanto certas correlações são evidentes nas
numerosas tabelas dêsse volume (por exemplo, entre o estágio
dos “caçadores inferiores" e as instituições políticas nascentes)
não sc demonstrou — ou argüiu — nenhum caso de primado
das condições econômicas ou de regularidade no processo
evolutivo.
17$
nasceram de estudos mais ou menos empíricos de hipóteses
tipicamente evolucionistas.
Lm dos colegas de Hobhouse, por exemplo, o estudioso
fino-sueco Edward A. Westermarck (1862-1939), levou anos
examinando materiais etnográficos numa tentativa de refutar
o postulado da promiscuidade sexual como primeiro estágio
da evolução da família humana; muitos evolucionistas (Mor
gan, por exemplo) sustentaram esse postulado, embora alguns
dos primeiros antropólogos, como Tylor, não o aceitassem.
As conclusões de Westermarck, publicadas em The History of
Human Marriage (1891), demoliram com êxito a hipótese
da promiscuidade original. Afirmou êle, com base em evi
dencias da vida dos antropóides bem como das sociedades hu
manas, que o homem foi originàriamente monogâmico e que o
tipo simples da íamília patemalística e o mais antigo e universal.
Embora os antropólogos modernos tenham abandonado a pes
quisa das origens das instituições, e tenhain produzido farta
documentação sôbre grande variedade de sistemas de família
culturalmente normais, concordam, via de regra, em que o
comunismo sexual não caracteriza nenhum estágio ou tipo de
sociedade humana e que todos os sistemas de família, por ex
tensos que sejam, envolvem combinações da família nuclear ou
conjugal de pais c filhos.
A refutação de Westermarck à promiscuidade primitiva
foi acompanhada, paralelamente, por investigações doutrinárias
sôbre a evolução econômica, a partir de um primitivo comu
nismo original (como o aceito, por exemplo, por Engels). Fa
zendo novamente uso de estudos etnográficos, demonstrou-se
que, enquanto a propriedade comum da terra era amplamente
difundida entre os povos primitivos, os direitos da proprieda
de privada — sôbre ferramentas, armas, roupas, etc. — tam
bém faziam parte de suas instituições. Ficou provada a in
coerência, entre os fatos conhecidos e o ponto dc vista evolu
tivo, sôbre uma série dc estágios econômicos de crescimento,
da caça à criação dc gado e à agricultura; houve um estudioso,
Hahn, por exemplo,41 que revelou a coexistência do exercício
da caça, pelo macho, e do recolhimento de produtos selvagens
da terra, pela femea. Descobriram-se campos em que a agri
180
cultura dc desenvolvera sem o suposto estágio intermediário da
criação de gado, como entre muitas sociedades indígenas
americanas.
Os pontos de vista evolucionistas, relativos ao progresso
das instituições políticas, mostraram-se mais consistentes do
que estas teorias econômicas. Os acontecimentos das últimas
décadas, porém — cumpre observai* —, deitaram um sôpro de
morte sôbrc a fase política do evolucionismo.
Também surgiram dúvidas quanto â justeza dos métodos
utilizados pelos evolucionistas: êles habitualmente pretendiam
estar empregando o método comparativo, embora na realidade
seu critério fôsse, geralmente, ilustrativo. Reuniam-se, com
freqüência, provas selecionadas de culturas muito diferentes,
com o fim de testemunhar os estágios evolutivos; fenômenos
que não se enquadravam no esquema cvolucionista eram dados
como sobrevivências de estágios mais antigos, e os casos indi
viduais eram asim classificados porque não alicerçavam esta
ou aquela teoria evolutiva. Freqüentemente, portanto, fechava-
-se num círculo o raciocínio dos evolucionistas. Maís ainda:
grande parte das provas que éles ofereciam não merecia con
fiança, baseando-se antes em relatórios de viajantes e missioná
rios do que nos de cientistas. Finalmente, imaginou-se que a
primitiva cultura contemporânea representasse os primeiros es
tágios do crescimento evolutivo.
Descontados esses erros, os evolucionistas ainda poderiam
ter mantido uma versão modificada de sua doutrina, apoiados
na habilidade que revelaram cm explicar surpreendentes si
milaridades, quanto a instrumentos, materiais, c instituições
sociais, entre povos separados por vastas distâncias. A expli
cação, entretanto, que deram as tais similaridades era que elas
englobam estágios de evolução pelos quais tôdas as sociedades
humanas hão de passar. A expansão dos conhecimentos sôbre
a difusão cultural à base dc imitação veio pôr em xeque essa
linha dc raciocínio.
O renomado geógrafo alemão Friedrich Ratze! (1844-
-1904), cio sua Anlhropogeographic (1892), havia ji notado
similaridades culturais em sociedades marcadamente dtssixni-
lares quanto ao meio, similaridades que só podiam, portanto,
ser explicadas como conseqüências do contato. £sy ponto de
vista coincide com o das Lois de limitation (1890) de Tarde,
em que o autor procura estabelecer o processo de imitação
como a mola do vir-a-scr social. A teoria era um exagero,
inas serviu para trazer à tona o importante papel da imitação
nos contatos humanos. No início do século XX, o etnólogo
alemão Fritz Graebner publicou uma série dc estudos culmi
nando com Métodos da Etnologia (1911), em que nega a ocor
rência dc muitas invenções independentes e declara que a di
fusão das invenções é um fenômeno muito cncontradiço. É cer
to que excessos c conjcturas infundadas marcam as obras dele
e da maioria de seus seguidores; mas a hipótese da difusão en
controu apoio considerável em certo número de descobertas
arqueológicas, a indicar que vários itens da cultura material,
pelo menos, tinham viajado do lugar dc origem até regiões
surpreendentemente distantes, nos períodos iniciais da Histó-
na humana. Conchas marinhas e ossos de peixe, por exemplo,
remanescentes da Antiga Idade da Pedra (palcolitica) foram
encontrados muito longe de praias marítimos, sugerindo a exis
tência de um comércio entre caçadores dc renas e tribos lito
râneas. Na Bélgica apareceram pederneiras produzidas na Fran
ça durante a Nova Idade da Pedra (ncolítica); conchas mari
nhas da mesma época viajaram para a Alemanha e a Tchccos-
lováquia. Descobriu-se que o trigo da Dinamarca c as ove
lhas ali criadas cm épocas posteriores vieram dc outra parte,
não sendo descendentes das espécies selvagens do Noroeste eu
ropeu; a obsidiana, usada no Egito e na Mesopotâmia, veio da
Armênia e de Meios; achou-se lápis-lázuli no Irã, usado muito
antes pelos egípcios e sumerianos.42 Os clássicos evolucionistas
não desconfiaram dc fatos como estes, cuja descoberta privou
a escola de uma de suas últimas linhas dc defesa.
Tal conclusão não quer dizer que nada sobrevivesse ao
colapso do evolucionismo: algumas cie suas contribuições con
tinuam a ser úteis na estrutura da Sociologia contemporânea.
As investigações dos evolucionistas estabeleceram paralelismos
parciais entre determinados costumes, crenças e objetos mate
riais. Embora não demonstrassem nenhum preestabelecido está
gio de avanço, apesar dos esforços monumentais realizados nes
te sentido, seus estudos corroboraram a sensata noção de que
certas coisas vieram antes e outras depois. As sociedades sem
organização política diferenciada, por exemplo, deram lugar
182
a chefes cuja posição se baseia a principio em qualidades pes
soais, mas tende a tornar-se hereditária. Os instrumentos sâo
simples, de inicio, c gradualmente se tornam mais complexos.
O transporte se faz inicialmente a pé; depois vêm técnicas
cada vez mais requintadas. Em resumo, pode-se dizer que os
estudos dos evolucionistas confirmaram a convicção de que hi
certa ordem na transformação social e cultural, e vieram mos
trar que uma teoria sistemática da transformação precisa in
cluir a noção das causas operativas do processo histórico.tt
A validez dessas contribuições explica amplamente algu
mas sobrevivcncias do evolucionismo até o dia de hoje; sobre -
vivências que serão tomadas em consideração ao estudarmos
o quarto período do desenvolvimento da teoria sociológica (ver
capitulo XXI).
As raizes do ncopositivismo
1am
184
regularidade nas impressões sensíveis, falamos de leis — soera»
constatações de periodicidade ou recorrência. A lei, portanto,
não acrescenta nenhum fator necessário a essas seqüências; a
necessidade é, na realidade, um conceito humano, só ilògicamen-
te transferido para o mundo das percepções.
185
altamente integrado, dc um organismo.”46 Não há nenhuma
certeza que os behavioristas radicais considerassem de acôrdo
com os seus cânones essa definição.
O quantitativismo impressionou grandemente Giddings, nos
últimos anos dc vida. Retomando a idéias e procedimentos
que aprendeu com Mayo-Smith47 c referindo-se às obras de
Quételet, Galton e Pearson, Giddings declarou que “a Socio
logia (c) uma ciência estatística em método” e sustentou que
“uma descrição verdadeira e completa dc qualquer coisa pre
cisa incluir sua medição”.48 Esperava que as estatísticas fos
sem aplicadas ao estudo da evolução social, especialmente à
determinação de tipos sociais c aos desvios dos mesmos. Parte
dos Scientific Studies sublinha certas técnicas estatísticas, en
tre elas o cálculo do coeficiente dc corrcluçuu, e aconselha sua
aplicação a dados sociais. Apresenta aí resumos dos resultados
de alguns de seus próprios experimentos na contagem e me
dição dos fenômenos sociais (totalmente inadequados do ponto
de vista da Estatística moderna), apresentando e fazendo su
gestões para estudos posteriores cm obediência a linhas seme
lhantes — por exemplo, medindo vaiôres sociais pelo cômputo
dos sacrifícios c avaliando pressões sociais pela análise do con
teúdo dc leis.
O bchaviorismo substituiu amplamente a Psicologia vo-
litiva das primeiras obras de Giddings. Êle descreveu a Socio
logia como Psicologia da sociedade e sustentou que seu objeto
é a conduta pluralística, expressão que cunhou juntamente com
o phtrel. O plurel 6 a contrapartida bchaviorista do grupo,
enquanto a conduta pluralística é a reação de um plurel a uma
situação estimulante. As reações dos indivíduos que formam
um plurel podem ser similares ou dissimilares, mas a conduta
pluralística tem suas próprias condições e formas, diversas das
da conduta individual. A Sociologia enfrenta duas tarefas:
primeiro, decompor situações estimulantes em fatores que pro
vocam a conduta pluralística; segundo, explicar a gênese, in-
/17
CAPITULO X11
Charles H. Cooley
198
A* principais obras dc Cooley incluem Human Slur*
and the Social Order (1902), Social OrQanUatinn (1909), e
Social Process (1918); a última é, cm boa pane, uma reafir
mação das duas primeiras. Morto Cooley, foi publicada uma
coletânea dc estudos seus, sob o título Sociological Theory and
Social Research (1930); apesar do titulo, aí só se encontra
um capítulo de importância para a teoria sociológica: “The
Roots of Sociological Knowledge".
O sistema de idéias de Cooley representa a fusão dc diver
sas tendências. Grandemente influenciado por figuras literá
rias, como Emerson, Thoreau c Goethe (Cooley falava da So
ciologia como de uma ciência “artística"), talvez tenha sido
Schãffle, mestre da escola organicista (ver capítulo VII), o
sociólogo que inicialmente mais o impressionou. De qualquer
maneira, Cooley denominou orgânico o seu ponto de vista,
embora tal organicismo, como adiante sc verá, não seja o
de Schãffle nem o de outros representantes dessa escola.
Naturalmente, tratando-se de uma pessoa cujas opiniões
se formaram no último quartel do século XIX. Cooley era
de certo modo um evolucionista. A primeira de tu&s obras
principais abre-se com esta frase: “Se aceitamos o ponto de
vista evolucionista..,” E vinte anos depois começou um ar
tigo, sôbrc hereditariedade e meio,40 observando: “Chegamos
recentemente a olhar para tôdas as questões sob o ponto de
vista evolucionista." A despeito dessas afirmações, nos livros
de Cooley dificilmente se encontra o evolucionismo no sentido
estrito do têrmo. Êle se atinha mais à evolução do ser social
individual — o eu social — do que ao desenvolvimento do pro
cesso histórico global Ao discutir História encara-a em rela
ção com o desenvolvimento do eu social, sem nenhuma preo
cupação em identificar estágios de evolução social. No artigo
acima citado, afirma, pitorescamente: “A História parece fluir
em dois canais bem distintos. Talvez como um rio c uma es
trada ao longo da margem, duas vias de transmissão: o rio é
a hereditariedade, transmissão animal; a estrada é a comuni
cação, transmissão social. Um flui através do plasma-embrião;
a outra vcui através da linguagem, do intercâmbio e da edu
cação. A estrada é mais recente do que o rio.** £sse artigo foi
m
escrito em meados de década de 1920, tomando seu autor
uma posição coerente com o ponto de vista cultural que vinha
então ganhando destaque na Sociologia americana.
Embora não se interessasse pelo estudo da grande curva
evolutiva da História, Cooley compartilhou da fé contemporâ
nea no resultado benéfico do processo cm curso. A crença no
progresso está implícita em todos os seus escritos c é muitas
vezes expressa, como na passagem seguinte: “O ponto dc
vista evolucionista nos anima a acreditar que a vida é um
processo criador, que estamos realmente construindo alguma
coisa nova... e que a vontade humana c uma parte da ener
gia criadora que faz isso.”50
Cooley sofreu ainda a influencia dos sociólogos de forma
ção psicológica do seu tempo. Embora não cite Ward muito
freqüentemente, as duas linhas de transmissão dc Cooley —
genética e cultural — poderiam ter derivado da concepção de
genesis c tclesis de Ward. Por outro lado, referiu-se muitas ve
zes a Tarde, incorporando cuidadosamente algumas das opiniões
em Social Organization, embora vituperasse a ênfase unilateral
dada por Tarde à imitação. Mais ainda, Cooley seguiu de
perto novos avanços da Psicologia, como demonstrou por re
petidas alusões às obras de William James, James M. Baldwin e J.
Stanley Hall. Rejeitou expressamente o instintivismo de Mac-:
Dougall e deu pouca atenção à teoria behaviorista dc Watson.
Enfim, e cm contraste agudo com os cânones do neo-
positivismo florescente, Cooley foi idealista, no pensar c es
crever. Viu a realidade social nas idéias pessoais dos homens,
uns perante os outros, e viu no estudo das relações sociais, como
reflexos de idéias, atitudes e sentimentos, a tarefa básica da
Sociologia. Examinaremos êsse ponto de vista no approach
orgânico de Cooley.
190
cistas infinitamente detalhadas. A sociedade, para 81c, é uin
todo vivo, constituído por segmento» diferenciados, cada um
com uma função especial. Também se pode considerá-la um
complexo de formas ou procesos que vivem e crescem por in
teração recíproca, sendo o todo tão unificado que o que ocorre
numa parte afeta o resto por inteiro.
O ponto de vista de Cooley acentua tanto a unidade do
conjunto quanto o valor peculiar do indivíduo, explicando um
pelo outro: “Um indivíduo separado é uma abstração desco
nhecida para a experiência, e assim também é a sociedade
vista como algo alheio aos indivíduos... A sodedadc c us in
divíduos não denotam fenômenos isolados, sendo simplesmente
o aspecto coletivo e o distributive de uma só coisa” (Human
Nature, págs. 36-37).
Uma das preocupações principals de Cooley era a solu
ção do que êle encarava como pseudoproblema nos fundamen
tos de sua teoria orgânica. Naquele tempo, a questão do pri
mado da hereditariedade ou do meio na determinação da con
duta humana ora agudamente debatida. Cooley respondeu:
“Quando nossa vida individual comcça, os dois elementos da
história — o hereditário c o social — fundem-se em um nôvo
todo e cessam de existir como fôrças isoladas— Hereditarie
dade e meio... são, efetivamente, abstrações; o que há é um
processo orgânico total” (Human Nature, pág. 15). Considera
va as discussões sôbre a importância absoluta ou relativa da
hereditariedade ou do meio tão fúteis quanto os debates sôbre
o domínio do espírito sôbre a matéria c vice-vcrsa. [Referia-
-se à mente pública ou social e parecia acreditar que esta mente
é um todo orgânico formado por indivíduo* co-atuantes; o que
resulta, naturalmente, em uma perigosa aproximação da teoria
organicista.)
Uma teoria orgânica da sociedade, segundo Cooley, devia
elucidar o mais claramente possível a relação entre o indivíduo
e a sociedade. Seus trabalhos, concernentes a essa relação, pro
blema sociológico fundamental, são de certo modo decepcio
nantes (exceto para a discussão de grupos primários, como
adiante se observa). A sociedade — diz êle — 6 mais do que
a soma dos indivíduos. A unidade da sociedade coincide com
a unidade da mente social, constituída não por acôrdos entre
indivíduos, mas por organização. Na tentativa de explicar a
natureza dessa organização, porém, Cooley pouco acrescentou
191
à afii inação dc que cia consistc na “unidade diferenciada en
tre vida social c mental". Considerava dc nenhum valor ten
tar uma definição inais elaborada: “Só temos que abrir os
olhos c ver a organização” (Social Organization, págs. 4-5).
Cooley voltou ao problema da organização ao discutir as
instituições. Aqui, novamente dispensa ao assunto um trata
mento bastante vago: “Uma instituição c apenas uma fase
definida c estabelecida da mente pública. As várias institui
ções não são entidades isolávcis, e sim organizadas atitudes da
mente pública, e só por abstração é que podemos olhá-las como
coisas cm si.” Nesse ponto, entretanto, Cooley revela que sua
visão da sociedade é, não apenas orgânica, mas também psi
cológica: “Nos homens, c em nenhuma outra parte, 6 que
se há de encontrar a instituição** (Social Organization, págs.
313-14).
A teoria orgânica de Cooley é, naturalmente, incompa
tível com o monismo sociológico, que envolve a escolha de
um fator particular, social ou não, como determinante básico
do estado da sociedade ou do seu desenvolvimento. Suas opi
niões a esse respeito estão elaramente expressas num documento
publicado em 190351: “A visão orgânica da História nega
a qualquer fator ou fatôrcs importância maior que a dos ou
tros. Nega, na verdade, que a mente, as diversas instituições,
o meio psíquico tenham existência real alheia a uma vida to
tal em que tudo compartilha, da mesma forma que os mem
bros do corpo compartilham da vida de um organismo animal.”
192
Cooley em duas obra* importantes. Em Human Nature and
the Sotial Order, apresentou o conceito influente do eu refle
tido ou “de espelho’* assinalado por três elemento* principais:
a imaginação de nossa aparência para a outra pessoa; a ima
ginação de seu julgamento dessa aparência; e uma espécie de
auto-sentimento, tal como o orgulho ou a mortificação.
Essa formulação e as discussões mais externas da natureza
social do eu indicam novamente o idealismo filosófico de Cooley
— as “imaginações” que temos um do outro “são os fatos só
lidos da sociedade" — e ilustram seu extremo subjetivismo.
Ao mesmo tempo, a exploração do eu social e de sua depen
dência da interação social representa uma antecipação im
portante do approach cultural de hoje para o estudo da
personalidade.
De maneira semelhante, a análise de Cooley do grupo
primário é um marco importante no desenvolvimento da ci
ência social. Os grupos primários são caracterizados pela as
sociação íntima, facc-a-face, cooperação direta e conflito, um
jôgo relativamente livre de personalidade e sentimento. A fa
mília, O grupo de recreio e a vizinhança íntima cram do maior
interêsse para Cooley, mas êle reconhecia a ubiqüidade dos
grupos primários (ou, como hoje freqüentemente se coloca,
informais), em tôdas as organizações sociais. Essas coletivida
des íntimas são primárias — elucidou — porque são o vivei
ro da natureza humana, provendo o indivíduo de sua experi
ência mais incipiente e mais completa da unidade social, e
porque essa experiência de grupo dá origem a ideais sociais
universalmente encontrados, tais como a fé, o espírito presta-
tivo, a bondade, a obediência ás normas sociais e também o
ideal da liberdade. Sòraente através dos grupos primários
podem êstcs ideais desenvolver-se, e à medida que se ampliam
através da maior sociedade se tornam marco* de progresso e
democracia.
O último ponto de vista ilustra a intromissão das con
vicções pessoais de Cooley em sua análise social, característica
manifesta na maior parte de sua obra. Não obstante, a des
crição que faz da natureza e das funções dos grupos primários
não sòmente abriu um campo nôvo e importante de investi
gação como representa uma contribuição substancial à tipologia
dos grupos sociais, campo investigado antes por Toennies. Mas
a distinção de Cooley entre grupos primários e secundários foi
uma inovação independente.
is 193
O fundamental dos grupos sociais mais inclüsivos, para
Coolcy, são as elasses c castas sociais. Rcconheccu ele a uni-
versai idade da estratificação social e correspondent implica
ções funcionais para a sociedade, acentuando que a herança
c a concorrência explicam, respcctivamcnte, a presença de al
guns elementos declarados dc casta c classe em tôdas as socie
dades. A este respeito, antecipou a obra de Robert E. Park e
sucessores atuais, especialmente W. L. Warner, assinalando os
aspectos “da casta” da estrutura étnica de grupo nos Estados
Unidos. A análise feita da estratificação mais uma vez combina-
-se com seus valores pessoais: uma forte simpatia pelas classes
baixas e a confiança no crescente desenvolvimento de uma so
ciedade sem classes.
Resumo e perspectiva
William I. Thomas
195
rcce não há dúvida que, der.ire ambos, Thoinas causou im
pressão mais profunda no pensamento dos modernos arquite
tos da teoria sociológica.
Nascido na Virgínia, Thomas estudou na Universidade de
Tennessee e nas de Berlim e Gottingen, na Alemanha. Duran
te os primeiros anos de estudo não se interessou pelas Ciên
cias Sociais. Mas em 1893 formou-se cm Sociologia no recém-
-criado departamento de Sociologia da Universidade de Chi
cago. No ano seguinte, começou a ensinar em Chicago e con
tinuou sua obra aí até 1918, quando renunciou à cadeira por
motivos pessoais. De 1923 a 1928 lecionou na New School
Social Research, em Nova York, e posteriormente, durante um
ano (1936-37), aceitou a posição de professor convidado
da Universidade de Harvard. Os anos intermediários e
os últimos de sua vida, passou-os pesquisando e escrevendo
independentemente.
As principais obras de Thomas incluem Source Book of
Social Origins (1909), que, consideravelmente modificada, foi
novamente publicada em 1937, sob o título de Primitive Be ha»
vion; The Polish Peasant in Europe and America, em colabo
ração com Znaniecki (cinco volumes, 1918-21); The Unadjusted
Girl (1923); e The Child in America (1928), em colaboração
com sua espôsa Dorothy Swaine Thomas. Depois de sua morte,
o Social Science Research Council criou uma comissão para
coletar os contribuições de Thomas à teoria e pesquisa sociais;
o resultado foi a publicação de Social Behavior and Personality
(1951), organizado por Edmund H. Volkart.
Metodologia
196
horizonte cientifico, embora nunca se deixasse envolver por
elas. Durante certo período ficou sob o encanto da Psicaná
lise, mas subseqüentemente rejeitou a formulação freudiana,
considcrando-a tao falaciosa quanto a teoria da superioridade
nórdica.
Apesar de suas mudanças de opinião, Thomas nunca
duvidou dc que a teoria social, termo que usava para de
signar a Sociologia e a Psicologia Social, precisa ser científica.
Era urgente — disse êle — desenvolver o estudo mais exato
e sistemático da conduta humana em uma escala e com um
método comparável aos das Ciências Físicas e Biológicas. Este
argumento, naturalmente, não é a mesma coisa que advogar
a adoção, pela teoria social, de generalizações ou leis esta
belecidas pelas Ciências Naturais, posição que Thomas rejei
tava. Entretanto, afirmava que, sc a Sociologia deve tomar-
-se científica, precisa aplicar à realidade social o tipo de ra
ciocínio usado nas Ciências Naturais.
Dado que a procura das relações causais entre os fenô
menos é a base dc tôda cicncia, a teoria social válida deve
consistir em leis demonstrando relações necessárias entre uni
dades da realidade social. Essa teoria é essencial para a análi
se social. Eis o tema central do famoso estudo The Polish
Peasant,, em que Thomas sustenta que as unidades fundamen
tais da realidade social são atitudes e valores (veremos adi
ante sua natureza c intcr-relação).
À medida que os anos passavam, Thomas se tomava me
nos confiante na possibilidade de encontrar leis sociais dessa
espécie. Nas últimas obras, adotou a opinião dc que o soció
logo deve satisfazer-se com inferências de menor exatidão do
que a das leis. Crescentemente influenciado por estatísticos mo
dernos (e provàvelmente por sua espôsa, ela própria estatística
proeminente), substituiu a meta das possibilidades por leis, ob
servando que quando a situação total se complica as inter-
-reloçõcs são numerosas e a medição necessária.
Em um de seus trabalhos, Thomas adatou uma posiçio
que, desde logo, rejeita inteiramente o approaeh causai para
o estudo dos fenômenos sociais. Ê essencial -— diz êle —
abandonar a idéia de “causação” cui favor de um critério que
investigue conseqüências específicas de antecedentes específi
cos. Assim formulou a relevante questão, no campo da per
sonalidade e da cultura: “Como c cm que circunstâncias rca-
197
gem diferentes indivíduos e cm que padrões dc conduta, c que
alterações de conduta se verificam quando se altera a situação?”
(pág. 296). Por trás dessa declaração, entretanto, parece ha
ver uma incompreensão que se tem verificado na história da
ciência empírica, incluindo a Sociologia. Incompreensão que
envolve a identificação infundada do approach causal com a
pesquisa da “causa” de um dado fenômeno. Encontrar a causa,
como declarou Thomas, c impossível. Mas sc o sociólogo pode
formular um sistema de proposições respondendo a tais pro*
blemas, como êle os colocou, essas proposições terão certamen
te valor causai.
No fim da vida, Thomas considerou várias técnicas que
ajudariam o sociólogo a aproximar-sc de seus objetivos cien
tíficos. Entre diversos procedimentos, insistiu na necessidade
dc usar grupos de contrôlc no estudo da freqüência estatís
tica dc fenômenos sociais, por exemplo, dos fatôrcs específicos
nas médias de conduta criminosa. Hoje o uso de grupos de
contrôlc é um processo comum, mas não o era nos dias em
que se batia pela adoção dêsse método na pesquisa social.
198
qualquer teoria que pretendesse explicar fato* sociais rrn têr-
mos biológinos (embora freqüentemente se referisse ao fundo
biológico da ação humana). Também rejeitou vários approaches
particularistas, incluindo a imitação de Tarde, o constrangimen
to social dc Durkheim, a consciência da espécie de Giddings.
Mas sofreu profundamente a influência do behaviorismo. Cita-
va Watson freqüentemente e usava quase indiferentemente os
termos approach situacional e approach behaviorista. Não obs
tante, nunca aceitou a principal assertiva do behaviorismo —
de que a ação humana é cientificamente explicável indepen
dentemente da mente dos agentes na cena social.
Entretanto, Thomas escolheu a conduta e depois especial
mente a conduta em adaptação, como o interesse central de
sua teoria sociológica. A ação em uma situação social — sus
tentou — 6 o fato social a ser explicado. A situação social
(freqüentemente citada como a situação totnl) consiste cm
três elementos intcr-rclacionados: condições objetivas, que in
cluem normas de conduta socialmente postas cm vigor; atitu
des preexistentes do indivíduo e do grupo; a definição da si
tuação pek> próprio agente, influenciado, todavia, pelo grupo.
Em The Polish Peasant, acentua-se o segundo dêsses ele
mentos,* dado que Thomas e seu colaborador, Znaniccki, acre
ditavam, ao tempo em que escreviam a obra, que se podiam
estabelecer relações causais entre atitudes c valores. Dos dois
conceitos, o de valor já fôra desenvolvido seguindo linhas de
certo modo diferentes, por Durkheim e Max Weber (ver cap.
XIV). Mas Thomas e Znaniccki intentaram refinar o con
ceito de valor, de modo que fôsse mais útil na teoria social,
c trouxeram para a própria teoria o conceito dc atitude. Na
Nota Metodológica de The Polish Peasant, freqüentemente ci
tada, aos dois conceitos são dadas definições bastante embara
çosas: “Entendemos por valor social qualquer dado que pos
sua um conteúdo empírico acessível aos membros de algum
grupo social e um sentido com referência ao qual seja ou possa
ser objeto de atividade... Entendemos por atitude um pro
cesso de consciência individual que determina a atividade real
ou possível do indivíduo no mundo social... A atitude é, as
sim, a contrapartida individual do valor social; a atividade,
em qualquer forma, o laço entre cies” (págs. 49-50). Em obras
subseqüentes, Thomas definiu mais simplesmente autude e va
lor: atitude é a tendência a agir, representando uma direção
ou desejo; o valor representa o objetivo ou meu do agente.
/99
Mais tarde ainda, Thomas combinou os dois conceitos na ati
tude frascológica com respeito ao valor.
A substituição das primeiras definições pelas últimas es
clarece, nitidamente, os pontos dc vista dos autores de The
Polish Peasant sôbre as relações causais entre atitudes e va-
lôrcs. Seu principal teorema é que a causa dc uma atitude
ou de um valor nunca é apenas uma atitude ou um valor, mas
sempre um combinação de atitudes e valôres. Por isso, os ho
mens não reagem da mesma forma às mesmas influências. Ilus
tram êsse teorema (talvez bastante inadequadamente) com o
caso dc dois filhos vivendo sob a norma tirânica do pai, mas
ícagindu diversamente. Se para um filho o valor da solida
riedade é forte, pode desenvolver-se a atitude de submissão;
se o outro prefere os valôres individualistas, a atitude dc re
volta pode ganhar o primeiro plano.
Thomas nunca rejeitou inteiramente os conceitos dc ati
tude c valor, mas em suas últimas obras não têm papel tão
importante como em The Polish Peasant. Mesmo, porém,
ai, não os estudou à parte do contexto da situação total. A si
tuação total, conforme já observamos, inclui elementos obje
tivos, de que os próprios valôres são uma parte decisiva. Entre
eles acham-se as regras de conduta, isto é, as normas sociais
mediante as quais o grupo mantém, regula e define como de
sejáveis tipos de ação mais gerais e freqüentes. Os sistemas es
tabelecidos dessas regras formam as instituições sociais, e estas
últimas, por sua vez, fazem a organização social. A organiza
ção social, sistema normativo, é o próprio objeto da Sociologia.
A Sociologia, focalizando valôres, diferencia-se portanto da Psi
cologia Social, ciência geral das atitudes (ou do aspecto subje
tivo da cultura). As duas disciplinas, juntas, constituem a
“teoria social”.
As condições objetivas — primeiro dos três elementos da
situação total, de acôrdo com o ponto de vista de Thomas
— eram pràticamente idênticas às normas e instituições que
moldam as atitudes de uma pessoa c, conseqüentemente, suas
definições de situações. “A definição da situação" — observa
Thomas cm um estudo —* “começa pelos pais... continua
na comunidade... e é formalmente representada pela escola, a
lei, a igreja” (pág. 8). Ao mesmo tempo, entretanto, a defi
nição da situação, como ponto de vista do agente no momento
de se decidir a agir, também se descreve como o terceiro ele
200
mento da situação total. Esta contém sempre fatôres subjeti
vos (atitudes). Pode-se compreender a conduta sòmente quan*
do estudada dentro de seu contexto integral — a «fruaçjfo não
lòmente como existe em forma objetiva, verificável, mas tam
bém como parece existir para a própria pessoa. Êsse último
fator subjetivo não deve nunca ser descontado na análise so
cial, dado que, para citar o conhecido teorema de Thomas,
“se os homens definem as situações como reais, elas são reais
em suas conseqüências" (pág. 81).
29/
t
nem individualmente desorganizados durante o período da de- t
sorganização social.
Essa idéia de desorganização c do grupo em equilíbrio
dinâmico, apresentada cm The Polish Peasant, é inteiramente
semelhante a alguns dos teoremas básicos do General Treatise
on Sociology, de Pareto (ver cap. XIII), que aparcceu poucos
anos antes. Entretanto, não há nenhuma razão para acreditar
que Thomas e Znaniecki tenham sido influenciados pelo so
ciólogo italiano, dado que os pontos dc vista acima foram ex
postos, cm embrião, por Thomas, nada menos do que em 1906.
202
tos c resíduos (ver cap. XII), c no mínimo incoerente com a
firme rejeição, por parte de Thomas, das explicações biológicas
da personalidade e dos fenômenos sociais, e cm pana a enérgica
ênfase que depositou na influência decisiva, sôbre a conduta*
da cultura c da experiência pessoal de vida.
A segunda série de conceitos adicionais refere-se a três
tipos dc personalidade. Thomas descreve-os como o filisteu,
o boêmio e a personalidade criadora. As atitudes do fitís-
teu são tão estáveis que a formação dc novas atitudes está
quase excluída; êle é o conformista. A personalidade do boêmio
se caracteriza por atitudes instáveis e não-relacionadas, que
tomam o indivíduo suscetível a uma variedade de influências;
os boêmios revelam um alto grau dc adaptabilidade, mas é um
ajustamento provisório sempre. A personalidade do homem
criador é assentada e organizada; envolve, porém, a possibilida
de e mesmo a necessidade dc evoluir, porque suas atitudes
incluem a tendência a mudar, implícita no planejamento da
atividade produtiva. Thomas explicou que oc três tipos não
exaurem as variações da personalidade humana; são tipos ideais
(têrmo que provàvelmentc tomou emprestado a Max Weber)
c, na realidade, todos os indivíduos, embora em proporções
diferentes, manifestam traços de cada um dos três.
Enquanto, cm geral, a experiência da vida molda a per
sonalidade na estrutura da definição social da situação (cul
tura), o indivíduo criador é capaz de influenciar a cultura por
meio da invenção. Thomas não aceitou, entretanto, a teoria
da invenção, do grande homem. Ilustra sua opinião a êsw
respeito uma declaração tirada de um dos seus primeiros
escritos: "A mente do indivíduo não pode ascender muito
acima da mente-grupo” (têrmo pelo qual Thomas significava,
então, grosso modo, cultura) “c a mente-grupo será simples se
as condições ambientes externas e as experiências de antece
dentes raciais*3 são simples. Aqui, é justo atribuir importan
tes movimentos c invenções a indivíduos sàmente em um sen*
tido atenuado" (pág. 221). Hoje, os teóricos da tranrformação
social aceitam, comumente, esta posição.
Os três tipo* de personalidade e os quatro desejos, desen
volvidos com aJguroa extensão em The Polish Peasant, foram
203
nos últimos anos mais ou menos completamente rejeitados pelo
próprio Thomas, embora alguns autores continuassem a utilizá-
-los, apesar dessa deserção por parte do criador original. A in
trodução, por parte de Thomas, de uma nova técnica de pes
quisa iniciou por outro lado uma tendência significativa na
investigação da ciência social.
A nova técnica envolvia o uso de documentos pessoais,
tais como cartas, diários e especialmente histórias de vidas e
autobiografias escritas por solicitação do investigador. (Recen
temente, batizavam-se os documentos desse tipo, apropriada
mente, de “biogramas”.) 54 Uma única história de vida cons
titui parte extensa dc um volume de The Polish Peasant, tendo
sido extensamente empregados na obra outros documentos pes
soais. Thomas e Znaniecki explicaram que esses documentos
trazem esclarecimentos inestimáveis à ação recíproca dc ati
tudes, valôres e condições objetivas cm uma situação social.
A significação de The Polish Peasant não se limita aos
conceitos, teoremas e sugestões de processos que relatamos.
Igualmente importante é o fato de que essa pesquisa repre
senta a primeira tentativa, em larga escala, de aplicar con
ceitos gerais de Antropologia moderna ao estudo da cultura
cm rápida transformação e à organização social das socieda
des avançadas. Numerosas obras que empregam semelhante
approach enriqueceram a Sociologia contemporânea, como, por
exemplo, os conhecidos volumes Middletown (1929, 1937) de
R. L. e H. M. Lynd e as séries Yankee City de W. L. Warner
e seus colaboradores (ver cap. XVII).
Mas Thomas nos interessa mais do que apenas como exem
plo da maneira pela qual a Sociologia pode utilizar o approach
comumente empregado na Etnologia: o estudo de culturas
totais. O Source Book on Social Origins (1909) acentua o
principio de que, nos estudos analíticos, nenhum fenômeno será
completamente compreendido quando separado da estrutura
integral de que faz parte, e nenhuma cultura será entendida,
quando considerados isoladamente os seus elementos. Em The
Polish Peasant, destaca-se a necessidade de considerar, em tôda
análise social, a vida de uma sociedade. Hoje, tanto a Antropo
logia Cultural quanto a Sociologia sustentam ésse ponto de vista.
204
Resumo e apreciação
205
Essüs críticas a The Polish Peasant são boas. Mas, natu
ralmente, não oferecem uma explicação satisfatória para o lu
gar que os escritos dc Thomas ocupam no desenvolvimento da
teoria sociológica. Quais as respostas de Thomas aos proble
mas fundamentais da teoria sociológica, estabelecidos no ca
pítulo IP Podem ser resumidas da seguinte maneira:
Primeiro, Thomas nunca definiu explicitamente a natu
reza da socicdadc. Ao revés, sustentou que a organização so
cial sc compõe dc instituições que, juntas, constituem um sis
tema de normas impostas pelos grupos sociais a seus membros.
Empregou a palavra cultura para designar os valôrcs mateiiais
c sociais de qualquer grupo dc pessoas.
Segundo, a socicdadc e a cultura precisam ser analisadas
em termos dc sua unidade fundamental que, para Thomas,
é a ação social. Esta consiste na ação dc um indivíduo em
uma situação social determinada pelas condições objetivas, das
atitudes c valôrcs do agente adquiridos durante sua experiência
dc vida e de sua definição da situação.
Terceiro, a relação existente entre sociedade, cultura e
personalidade e reciproca, a personalidade recebendo da cul
tura a parte principal de suas atitudes e valôrcs, dentro da
estrutura da organização social. A êste respeito, as personali
dades criadoras desempenham um papel relevante; não obs
tante, sua influência é limitada pelas condições culturais que
defrontam.
Quarto, não há um determinante preponderando no es
tado da sociedade e da cultura c de suas transformações. As
diferenças de conduta e de cultura são o resultado do diferen
ças na experiência de vida dos vários grupos hem como de di
ferenças na interpretação psicológica dessas diferenças {as con
seqüências das definições humanas são reais e importantes).
Quinto, define-se a Sociologia como a ciência das insti
tuições. Mas a Sociologia precisa da suplementa ção da Psicolo
gia Social, a ciência das atitudes ou o aspecto subjetivo da
cultura. Os métodos da Sociologia e da Psicologia Social de
vem ser científicos, baseados na mesma lógica das Ciências Na
turais. O objeto da Sociologia, entretanto, é único, assim como
no caso de cada ciência, e necessita, conseqüentemente, utili
zar procedimentos próprios. O mais adequado se encontra no
approach situacional, na análise das condições que determinam
as ações dos indivíduos em situações totais. Mais particular
mente,* cumpre determinar os efeitos combinados da diferen
ciação de indivíduos c dc situações, inclusive as transforma*
ções néles; método que, sempre que possível, envolverá medi
ção do impacto das variações nos fatôres e usará grupos de
contrôle. Para compreender a integração de fatôres diferen
tes na vida individual, os documentos pessoais são inestimáveis.
Estes, então, os principais elementos dos trabalhos teóricos
de Thomas. Em perspectiva histórica, quais os que mais con
tribuíram para o desenvolvimento da teoria sociológica? Talvez
seja muito cedo para empreender semelhante estimativa, mas
oc pontos seguintes parecem claros:
Primeiro, Thomas foi um dos primeiros sociólogos a re
jeitar a doutiina evolucionista c, juntamente cem Cooley, um
dos mais convictos e convincentes opositores às teorias monlsti-
cas que interpretam a sociedade, a cultura e suas transforma
ções, com base em algum fator único.
Segundo, paralelamente a Pareto, mas independentemente
dêlc e dos primeiros neopositivistas, Thomas sublinhou a ne
cessidade de empregar procedimentos científicos em Sociologia.
Sua própria obra ilustrou tanto as possibilidades quanto as di
ficuldades da pesquisa social empírica. O método hoje coixiu-
mente usado de comparar um grupo experimental com um
grupo de contrôle é devido em parte ás sugestões de Thomas.
Terceiro, foi um dos primeiros promotores de uma tendên
cia persistente na Sociologia contemporânea e que se pode de
nominar de normatsvismo. Tendência essa que acentua a im
portância central de normas ou regras de conduta na socieda
de, normas que exercem “pressão moral” sôbre o agente. En
tretanto, a obra de Sumner (ver cap. V), encerrando a mes
ma opinião, já era utilizável como fonte de inspiração antes
que us principais trabalhos de Thomas aparecessem.
Quarto, enriqueceu Thomas o tesouro teórico da Socio
logia com diversos conceitos importantes, entre os quais a si
tuação social, a definição da situação e a desorganização rr»»*
pmvaram ser aquisições duráveis. A distinção entre atitude
e valor, apesar de sua falta de precisão, ilustrou o problema
básico de tratar os elementos subjetivo c objetivo na análise
da ação, problema refletido, por exemplo, nas discussões mais
recentes de Maclver sôbre atitude e interesse (ver cap. XVIII).
Êste último conceito é estreitamente afim ao "valor** de Tho-
207
mas, que, por sua vez, tem alguma afinidade com o valor
como antes o encararam Durkheim e Max Weber.
Quinto, Thomas foi um dos primeiros a promover o que
se pode chamar o princípio da integração, insistindo em que
os fenômenos sociais devem ser encarados no contexto das cul
turas totais. The Polish Peasant abriu o caminho para certo
número de estudos dc sociedades modernas desse tipo. Hoje,
o princípio é parte central do approach funcional, em Sociolo
gia c Antropologia Cultural.
Sexto e finalmente, chamou Thomas a atenção para a
importância fundamental do estudo da relação existente entre
personalidade e cultura. Insistiu em que o problema principal
da teoria social a solucionar centraliza-se na interdependência
do indivíduo, da organização social e da cultura. Êsse proble
ma continua a ser do maior interêsse para a Sociologia, a
Psicologia Social e a Antropologia.
Não obstante essas importantes contribuições, os pontos
de vista de Thomas encerram perigosos elementos, perigosos
em sua capacidade potencial de levar a Sociologia para um
beco sem saída. Na formulação de Thomas, a unidade básica
do estudo sociológico não é a interação, mas a ação do in
divíduo em uma situação social. Dava êle destaque, persis
tentemente, à assertiva de que a situação social é em parte ob
jetiva na natureza. Mas a ênfase sôbre os fatores subjetivos
(juntamente com uma tendência originada com Max Weber,
que veremos no cap. XIV) encorajou alguns sociólogos ameri
canos contemporâneos a ultrapassarem amplamente a demar
cação convencional entre a Sociologia e a Psicologia; êles iden
tificaram a teoria social com a teoria da ação (ou parte dela),
atendendo a que a ação tem sido, até aqui, um dos temas
centrais da Psicologia. Assim, para alguns sociólogos, a dis
ciplina relaciona-se primàriamcntc à motivação da conduta
humana. Isto resulta em um objetivo confuso para a Socio
logia, dado que parece não haver nenhuma tendência a aban
donar os velhos problemas que ela apresenta, pertinentes à es
trutura e transformação sccioculturais.
Como já vimos anteriormente, muitas formulações de Tho
mas são passíveis de crítica. Os quatro desejos, por exemplo,
embora êle próprio destilasse o conceito, tomaram-se, em certo
momento, nas mãos de alguns autores, uma espécie de este
reótipo a fim de explicar a conduta, embora nem Thomas nem
208
seus seguidores pudessem estabelecer funções especificas dal
diferentes desejos sob condições determinant*. Os ts£ tipos
de personalidade, também descuidadamente usado* por uns
poucos autores, são conceito* antes essencialmente literários
do que científico*. A distinção entre atitude e valor nlo a de
lineou Thomas claramente: uma e outro parecem pessoais e
sociais, subjetivos e objetivos, cvittndo o estabelecimento de ra
lações causais entre êles.
Contudo, esses pontos fracos na teoria de Thomas foram
largamente expostos à base dos desenvolvimentos da ciência
social ocorridos anos depois de publicada sua notável obra,
especialmente The Polish Peasant. Na realidade, o próprio
Thomas formulou algumas dessas criticas, nos últimos anos de
vida. Não se pode utilizá-las como uma medida, para aferir
o valor dc suas realizações. Pois Thomas foi um arrojado ex
plorador científico, como pouco* na Sociologia americana.
Muito lhe devem a teoria e a pesquisa sociológicas.
m
209
CAPITULO X I I I
Vilfredo Pareto
210
(ado sobre problemas tcóricos e o estudo de Pareto permane
ceu vários anos ignorado.
O Tratado continha algumas declarações cáusticas sôbre
a democracia (que Pareto conhecia principalmente em suas
formas francesa e italiana, algo destorcidas). Essas partes da
obra atraíram a benevolência de Benito Mussolini, que, uma
vez no poder, ofereceu-lhe um lugar no Senado italiano. Deve*
-se reconhecer, para crédito de Pareto, que êle declinou da
oferta.
Em 1936, apareceu uma tradução inglesa do Tratado sob
o título Mind and Society, a muitos respeitos melhor do que
o original; retraçavam-se aí as fontes de tôdas as citações (tra
balho que Pareto negligenciara) e compilava-se um excelente
índice, altamente útil devido ao caráter difuso e não-sistemático
da obra. A tradução aumentou a onda de inteztoe relativa
mente a Pareto, que priápiara nos Estados Unidos no fim da
década de 1920. O interesse era especialmente forte entre cer
tos cientistas de formação não-sociológica, a exemplo do Pro
fessor L, J. Henderson, da Universidade de Harvard, fisiólogo,
que estimulou o interesse de jovens sociólogos, entre flct Parsons
e George Homans (ver cap. XVIII), pela teoria de Pareto.
211
O Tratado, porém, trata afinal de fenômenos que não
pertencem a este "inundo experimentar, mas que, não obstan
te, desempenham papel importante na vida social, como idéias,
alístiações, opiniões, crenças c sentimentos. Pareto concebia
como tarefa principal a redução desses fenômenos a fatos ob
serváveis pertencentes ao mundo da realidade, tal como 0 de
finia. Conseqüentemente, previne contra os procedimentos me
ramente verbais: “as Ciências Naturais nunca foram construí
das pelo estudo c classificação dc têrmos da linguagem coraum,
mas estudando e classificando fatos. Tentemos fazer o mesmo
com a Sociologia” (n.° 396).87
Pareto insistiu também em que os procedimentos cientí
ficos devera explicar o desconhecido pelo conhecido. O pas
sado, portanto, é mais bem explicado pelo presente do que o
presente pelo passado, princípio êsse freqüentemente violado
nas monografias e nos compêndios sociológicos. Finalmente,
acentua que os conceitos fundamentais de uma ciência devem
ser definidos com precisão e suas teorias formuladas era têrmos
exatos. Não é certo, entretanto, que seu próprio tratado cum
pra essas premissas metodológicas.
2/2
o 1 derivações” que são manifestações de “sentimento^ Dcshs
condições determinantes, Pareto submete a um estudo detalha
do sòmente os resíduos e derivações.
Nessa fórmula geral de equilíbrio, não há aparentemente
lugar para fenômenos culturais como a lei, a política, a refi»
gião ou a arte. Mas a ausência de tratamento explicito não
significa que Pareto falhasse no reconhecimento de sua impor
tância. Todos éles executam uma parte na manutençio dos
sistemas sociais, mas, segundo o ponto de vista que sustentava,
sòmente atendendo a que manifestam sentimentos básicos. O
papel dos sentimentos então é essencial à manutenção do equi
líbrio social.
A sociedade, para Pareto, é um ssstema em equilíbrio.
Isto significa que existem, dentro de cada sociedade, fôrças
que mantêm a forma (ou configuração) que a sociedade al
cançou ou que garantem mesmo uma transformação ininterrup
ta; no último caso, o equilíbrio é dinâmico. Segue-se um im
portante corolário: se o sistema social está sujeito à prrwio
de fôrças externas de intensidade moderada, as fôrças internas
impulsionam a restauração do equilíbrio, retornando a socieda
de a seu estado não-perturbado.19 Essas fôrças internas con
sistem principalmente no sentimento de reação contra qualquer
coisa que perturbe o equilíbrio interno. Sem este sentimento,
cada alteração incipiente do sistema social encontraria pouca
ou nenhuma resistência e cresceria impunemente. Essa situa
ção pode ocorrer, de fato, mas diminui sua probabilidade ante
o sentimento de resistência, independentemente do número de
indivíduos diretamente afetados, positiva ou negativamente, pe
las transformações propostas.
Êsse teorema da restauração do equilíbrio dos sistemas
sociais foi confirmado, em certa medida, pelo estudo da rea
ção social ao crime, do êxito das revoluções e do impacto da
guerra sôbre as sociedades. Nesses casos, como em
outros, uma farta evidência indica a natureza freqüentemen
te temporária de comoções sociais e a qualidade persistente de
arranjos sociais fundamentais.
A análise das fôrças internas baseia-se na distinção entre
ação lógica e não-lôgica. De acôrdo com Pareto, uma ação
?n
c lógica quando objetivamente atingível seu fim c se este
c ot meies usados sr unem objetivamente na estrutura do me
lhor conhecimento disponível; todas as outras ações, considera-
-as não-lógkas (o que não quer dizer que sejam ilógicas ou
contrárias à lógica) - As ações presumivelmente lógicas são
raras. No tratado de Pareto, aparecem sòmentc uns poucos
exemplos, incluindo a formulação da teoria científica, a ação
econômica (que de nenhum modo, na verdade, é sempre ló
gica) e a conduta dos advogados no tribunal. Mesmo, porém,
a atividade judicial é não-lógica porque o papel do juiz envol
ve mais do que a simples aplicação lógica dc normas legais
abstratas a casos concretos. Pareto argumenta que as decisões
judiciais manifestam, em larga escala, os sentimentos dos juí-
zes (que compartilham com outros membros do grupo] c que
a referência às leis escritas é uma explicação ex post jacto dc
uma decisão tomada de outra maneira. “As decisões do* tri
bunais" — escreve élc — "dependem grandemente dos inte
resses e dos sentimentos vigentes em uma sociedade em um
dado momento; e também dos caprichos individuais e das opor
tunidades; e ligeiramente — às vezes nem isso — de códigos e
leis escritas” (n.* 466). Esta é uma das muitas ilustrações que
Pareto usa para demonstrar seu teorema básico: a predomi
nância da ação não-lógíca na vida social.
A ação não-lógica se relaciona a resíduos e derivações —
ambos manifestações de sentimentos indefinidos, roas aparente
mente estados biopsíquicos básicos. Embora Pareto admita
que êsses estados não são diretamente cognoscívcis, indica a
natureza presumivelmente específica de sua expressão em re
síduos, derivações e conduta humana. Êle parece acreditar que
os sentimentos são instintos ou tendências humanas inatas; por
exemplo, denomina um dos mais importantes sentimentos “o
instinto dc combinação**. Por outro lado, admite que os re
síduos estão em correlação com as condições em transformação
sob as quais vivem o* sêres humanos, que as ações cm que os
sentimentos se exprimem reforçam êsses sentimentos e podem
mesmo despertá-los em indivíduos que déles careçam, que ns
sentimentos são engendrados ou acentuados pela persistência
dos grupos e que, por sua vez, podem ajudar os grupos a so
breviverem. Essas qualidades não constituem propriedades de
instintos inatos e imutáveis, mas antes características de con
duta aprendida. A teoria dc conduta aprendida estava-se dc-
214
scnvolvendo na Psicologia, k época de Pareto, fato Jf| pe
sou sem duvida em parte na ambigüidade de sua lermíaolcgia.
Alguns dos sentimentos, de acôrdo com Pareto, animam
05 homens a justificarem suas ações formulando teorias não-
- lógicas que os respectivos defensores consideram altamente
lógicas. O exame dessas “teorias” revela a distinção entre
elementos profundos, constantes e portanto importantes, os
resíduos, c elementos superficiais, variáveis, e portanto menos
importantes, as derivações. Podem-se descobrir os resíduos
estudando-se diversas constatações relativas ao mesmo asamto
e delas abstraindo os elementos constantes. O conhecimento
dos resíduos — mais próximos dos sentimentos do que as
derivações — permite uma penetração profunda na causali
dade das ações humanas. Todavia, os resíduos são também
manifestações, e finalmente e causalidade deverá ser procurada
na profundeza dos sentimentos. Conquanto discutível ou hi
potética esta formulação particular, devemos concordar com Pa-
rtto que explicar as ações pela simples aceitação do que os ho
mens dizem a respeito de sua conduta é, naturalmente, um pro
cedimento vazio de validade cientifica — principio há muito
reconhecido pelos estudiosos da vida humana.
Pareto deu ênfase especial à diferença entre seu ponto de
vista sôbre as ações humanas e a explicação racionalisia. Esta
presume que os homens primeiro pensam, primeiro formulam
idéias ou teorias e em seguida agem de acôrdo com elas. Na
opinião de Pareto, a conduta segue o processo contrário: a
ação precede a racionalização. Conclui êle, por exemplo, a
discusão de doutrinas populares do aparecimento da proprie
dade privada, declarando: “Uma família, ou algum gmpo
étnico, ocupa um pedaço de terra... O fato da pexpetuidade
da ocupação, da posse, é com tôda probabilidade anterior...
a qualquer conceito de lei da herança** (n.° 256). Para Paieto,
não há relação causai direta entre teoria e ação. Ambas são
causadas pelos sentimentos básicos, revelados na ação de um
modo bastante constante, mas quase por ycara na icoria ou
justificação. Cada modo de conduta é, naturalmente, justifi
cado por alguma teoria, mas em cada caso concreto o acidente
da invenção determina a justificação teórica e, portanto, não
terá grande importância na análise da conduta. Esta conclusão
constitui outro teorema fundamental da Sociologia de Pareto.
De acôrdo com Pareto há seb classes (e diversas sub
classes) de resíduos: primeira, o instinto de combinação» *
215
faculdade associar coisas; segunda, o resíduo da persistência
dc
dc agregados, a tendência conservadora; terceira, o resíduo da
manifestação de sentimentos através de atos exteriores (entre
a formulação de justificações; em termos simples, a auto-expres-
são); quarta, o resíduo dc sociabilidade, ou a tendência a com
por sociedades e a impor um comportamento uniforme; quinta,
o resíduo da integridade pessoal, levando a ações que restauram
a integridade perdida, como as que formam a origem da lei
criminal; sexta, o resíduo sexual. Éstes resíduos podem reu-
nir-se, na vida social, de formas diferentes. Através, por
exemplo, dc uma combinação dos resíduos do equilíbrio e da
persistência de grupo surgem forças compostas de grande im
portância social, correspondendo a sentimentos vigorosos e po
derosos do tipo vagamente denominado pelo termo “ideal de
justiça”.
A classificação de resíduos, feita por Pareto, não se encon
tra explicada ou justificada em parte alguma. A sexta classe,
o^ resíduo sexual, é heterogênea c lògicamcnte parece que exi
giria um complemento, como a feme. As classes terceira, quarta
e quinta relacionam-se à tendência dos sistemas sociais de per
manecerem em estado de equilíbrio, ou de o restaurarem. A
primeira e a segunda classes aparecem em sua distribuição entre
pessoas, como adiante se indica. Um grande admirador de
Pareto declarou que essa classificação era “o árduo trabalho
de um pioneiro'*. • Embora tenham sido sugeridas várias adi
ções e melhorias a êsse trabalho, parece improvável que os
estudiosos tentem desenvolver essa fase da obra de Pareto devi
do a suas inequívocas deficiências.
A classificação que Pareto íêz dos resíduos baseia-se em
parte em seu estudo de material tomado predominantemente
de autores clássicos. Sustentou êle que uma grande literatura
reflete grosso modo a vida real, que a concentração na litera
tura clássica evita as prevenções e que, sendo os resíduos pro
posições universais constantes, podem ser derivados da análise
cuidadosa da literatura clássica. (Não obstante, havia recortes
de jornal esparzidos entre as seleções dos clássicos.) Cada
item selecionado dessas fontes era interpretado, primeiro, como
a manifestação de um sentimento particular; depois, compa-
716
ravam-se os itens individuais, dispondo grandes números dos
semelhantes em classes e subclasses. Êste procedimento (difi
cilmente precursor da atual análise de conteúdo usada no estudo
empírico de comunicações, embora parecido nos propósitos) é a
aproximação mais Íntima, encontrada na obra de Pareto, com
o método indutivo.
A análise das derivações, feita por Pareto, é menos deta
lhada do que seu tratamento dos resíduos. As derivações,
conforme acima se observa, são concebidas como manifesta
ções de superfície — como explicações — de fôrças subjacentes
na vida social. Pareto primeiro considera as derivações sob
o ponto de vista do caráter subjetivo de tais explicações e, em
seguida, delineia quatro classes principais de derivações: pri
meira, as derivações de afirmação, incluindo as afirmações de
fato e sentimento; segunda, as derivações de autoridade, seja
de indivíduos, grupos, costumes ou divindades; terceira, deriva
ções que estão de acôrdo com (e portanto servem para manter)
sentimentos e princípio* comuns; quarta, derivações de prova
verbal, por exemplo, as várias metáforas e analogias. As muiias
ilustrações de Pareto a essas diferentes espécies de explicações
verbais de comportamento mostram as categorias se sobrepon
do. Entretanto, não há nenhuma conexão Íntima entre as clas
ses de resíduos (esboçadas acima) e de derivações; umas entre-
cortam as outras.
I
faculdade dc associar coisas; segunda, o resíduo da persistência
de agregados, a tendência conservadora; terceira, o resíduo da
manifestação de sentimentos através de atos exteriores (entre
a formulação de justificações; ein termos simples, a auto-expres-
são); quarta, o resíduo dc sociabilidade, ou a tendência a com
por sociedades e a impor um comportamento uniforme; quinta,
o residue da integridade pessoal, levando a ações que restauram
a integridade perdica, como as que formam a origem da lei
criminal; sexta, o resíduo sexual. Êstcs resíduos podem reu
nir-se, na vida social, dc formas diferentes. Através, por
exemplo, de uma combinação dos resíduos do equilíbrio e da
persistência de grupo surgem fôrças compostas de grande im
portância social, correspondendo a sentimentos vigorosos e po
derosos do tipo vagamente denominado pelo têrmo “ideal de
justiça”.
A classificação de resíduos, feita por Pareto, não sc encon
tra explicada ou justificada em parte alguma. A sexta classe,
o resíduo sexual, é heterogênea e logicamente parece que exi
giria um complemento, como a fome. As classes terceira, quarta
e quinta relacionam-se à tendência dos sistemas sociais de per
manecerem cm estado de equilíbrio, ou de o restaurarem. A
primeira c a segunda classes aparecem em sua distribuição entre
pessoas, como adiante se indica. Um grande admirador de
Pareto declarou que essa classificação era “o árduo trabalho
de um pioneiro”.* Embora tenham sido sugeridas várias adi
ções e melhorias a êsse trabalho, parece improvável que os
estudiosos tentem desenvolver essa fase da obra dc Pareto devi
do a suas inequívocas deficiências.
A classificação que Pareto fêz dos resíduos baseia-se em
parte em seu estudo de material tomado predominantemente
de autores clássicos. Sustentou êle que uma grande literatura
reflete grosso modo a vida real, que a concentração na litera
tura clássica evito as prevenções e que, sendo os resíduos pro
posições universais constantes, podem ser derivados da análise
cuidadosa da literatura clássica. (Não obstante, havia recortes
de jomal esparzidos entre as seleções dos clássicos.) Cada
item selecionado dessas fontes era interpretado, primeiro, como
a manifestação de um sentimento particular; depois, compa
2/6
ravam-se os itens individuais, dispondo grandes números dos
semelhantes em classes e subclasses. Êstc procedimento (difi
cilmente precursor da atual análise de conteúdo no estudo
empírico de comunicações, embora parecido nos propósitos) c a
aproximação mais intima, encontrada na obra de Pareto, com
o método indutivo.
A análise das derivações, feita por Pareto, e menos deta
lhada do que seu tratamento dos resíduos. As derivaç&s»
conforme acima se observa, são concebidas como manifesta
ções de superfície — como explicações — de fôrças subjacentes
na vida social. Pareto primeiro considera as derivações sob
o ponto de vista do caráter subjetivo de tais explicações e, em
seguida, delineia quatro classes principais de derivações: pri
meira, as derivações de afirmação, incluindo as afirmações de
fato e sentimento; segunda, as derivações de autoridade, seja
de indivíduos, grupos, costumes ou divindades; terceira, deriva
ções que estão de acôrdo com (e portanto servem para manter)
sentimentos e princípios comuns; quarta, derivações de prova
verbal, por exemplo, as várias metáforas e analogias. As muitas
ilustrações de Pareto a essas diferentes espécies de explicações
verbais de comportamento mostram as categorias se sobrepon
do Entretanto, não há nenhuma conexão Íntima entre as clas
ses de resíduos (esboçadas acima) e de derivações; umas entre-
cortam as outras.
217
uc% que não sc encontram em posições de mando. A distri
buição diferencial de resíduos entre os membros das elites é
muito mais importante para os assuntos sociais do que sua dis
tribuição entre as massas.co Dependendo da predominância de
resíduos respectivamente das classes um r. dois, surgem dois ti
pos de homens, designados pelos termos especulador o rendei-
ro.61 Quando a elite governante c dominada pelos especulado
res, a sociedade está sujeita a uma transformação relativamen
te rápida; quando os rendeiros dominam, a transformação ocor
re lentamente. Parcto sustenta que há uma tendência natural
nas elites de rodízio entre os dois tipos nas posições de poder
político. Se a elite de ura tipo governou durante algum tempo,
acumulam-se nas classes governadas elementos superiores e re
ciprocamente elementos inferiores se desenvolvem nas classes
governantes. Conseqüentemente, uma elite constituída de es
peculadores (digamos) comete erros que abrem o caminho ao
ascenso dos rendeiros; mas depois que êstes sc consolidam nas
posições do poder, tamblm cometem erros abrindo a porta
àqueles.
Introduz-sc, assim, uma teoria cíclica de transformação
social, com duas fases bem caracterizadas pela predominância,
respectivamente, de atitudes conservadoras ou progressistas.
A ^ História, entretanto, assevera Parcto, “é um cemitério de
aristocracias” (n.* 2053). Teoria que se aproxima de perto
do ponto dc vista de Sair.t-Simon da recorrência necessária de
períodos críticos r orgânicos, encontra ilustração na História
antiga c na literatura clássica. Mas a ilustração (conforme
observamos no caso da teoria de Spencer) não é uma demons
tração sistemática. Na ausência desta última, parece haver
poucos motivos, à base da própria obra de Parcto, para atri
buir validade uni venal a essa teoria.
Resumo e apreciação
2W
de referências são indivíduos expostos a um número fiiwSB
do que denomina fôrças. Fôrças — antes que tudo sentimen
tos e resíduos — que determinam a condição do sistema
Nesta concepção, parece pequeno o papel da cultura.
A unidade básica da análise sociológica, no esquema de
Pareto, é uma manifestação única dessas fôrças subjacentes e
persistentes. A análise deve relacionar-se primàriamente aos
resíduos, êles próprios manifestações de fenômenos biopsíquicos
incognojcíveis.
Para Pareto, o problema da relação entre o indivíduo e
a sociedade é um aspecto do problema geral da relação entre
a parte e o todo em qualquer sistema. Seu ponto de vista
a 6ssc respeito é essencialmente funcional; qualquer transfor
mação na parte afeta o todo, e vice-versa.
O último ponto de vista é coerente com a rejeição de
qualquer versão de monismo sociológico que pudese reduzir
explicações da vida «nriaI a fatôres ou causas únicos. Pareto,
não obstante, delineia um número limitado de fatôres que acre
dita determinem o estado da sociedade e a transformação so
cial. No caso de transformação êle acentua a natureza e a
distribuição de resíduos específicos, ou tendências a agir de
certas maneiras, na elite governante. As transformações nas
elites parecem ocorrer por necessidade imanente.
Pareto não define a relação existente entre a Sociologia
e as outras Ciências Sociais. Mas insiste em que a Sociologia
precisa basear-se no método lógico-experimental, método que
exige observação disciplinada e inferência lógica dessa obser
vação. Suas vigorosas recomendações a êste respeito são en
fraquecidas por sua própria inclinação a substituir a coleta
de constatações alheias sôbre fatos pela observação e abando
nar o procedimento indutivo por esquemas de classificação apa
rentemente intuitivos.
Essas características ajudam a tomar excessivamente di
fíceis o estudo e a interpretação dos escritos teóricos de Pareto.
Seu Tratado, não há dúvida, contém um grande núxuexo de
proposições plausíveis sôbre várias fases da realidade social e
cultural que representam uma fonte de sugestões e hipóteses
ao estudo atual da estrutura e transformação sociais. Todavia,
pouco uso tem sido feito, relativamente a êsse respeito, da
obra de Pareto, cora a notável exceção da marcante pesquisa,
219
no setor d.i Sociologia industrial do Management and the
Worker, dc F. J. Roethlisberger c W. J. Dickson.62
As principais contribuições de Pareto são a insistência
(embora, como vimos, não a prática) em que a Sociologia
deve ser governada por princípios estritamente científicos e a
concepção da sociedade como um sistema em equilíbrio im
perfeito. Cora relação a esta última concepção, as proposições
de Pareto concernentes à tendência dos sistemas sociais a res
taurarem o equilíbrio perturbado, os vários fatôres que contri
buem para a condição dos sistemas sociais, a significação da
ação não-lógica na vida social, e a natureza intermitente da
transformação social, assinalada por sucessivos períodos de al
terações lentas ou rápidas, são formulações sugestivas que se
aproximam de condições observáveis.
Muito menos útil é a análise de Pareto de fôrças internas
operando na vida social, especialmente a redução dessas fôrças
a resíduos. No balanço final, sua explicação (ela própria uma
derivação?) dos fates sociais repousa cm uma teoria biopsíqui-
ca de alguma coisa estreitamente afim aos instintos. Sabemos
hoje que qualquer dessas explicações da conduta individual ou
social é enganosa, devido ao papel ubíquo dos fatôres cultural
e institucional na conduta humana.
Mas mesmo se identificarmos 01 sentimentos e resíduos
de Pareto com a conduta aprendida, mais do que com os ins
tintos, seu procedimento no estabelecimento dessas fôrças é
bastante discutível. Em primeiro lugar, para citar o filósofo
F. S. C. Northrop, “em vez de ser o estado psíquico dado em
primeira mão, imediatamente, ao psicólogo introspective trei
nado”, os esboços psíquicos de Pareto são “características de
segunda ou terceira mão atribuídas a pessoas... que, ao tem
po em que Pareto fez suas “observações", existiam sòmente
em sua imaginação... Nem uma vez, ao obter seus “fatos",
deixou Pareto a cadeira de braços de seu gabinete".03 Em se
gundo lugar, o próprio Pareto propôs-se a difícil tarefa de pe
neirar resíduos presumivelmente fundamentais de inumeráveis
220
derivações, reconhecidamente enganosas. O cumprimento
sa tarefa exige a identificação de derivações ■«■nría^j» com “o
mesmo assunto"; todavia, os critérios para distinguir o* assen
tos não são esclarecidos em parte alguma. Ncm são especifi
cados os procedimentos utilizados na determinação de resíduos
particulares manifestados em derivações. Ôbviamente, a pró*
pria obra dc Parcto sai muito fora das exigências científicas
que éle mesmo anunciava tão forte c claramente.
Seu tratamento de resíduos e derivações, que ocupa gran
de parte do Tratado, é então o aspecto mais fraco da obra
que produziu. Espalhadas, entretanto, através déle, há muitas
observações penetrantes e indicações sugestivas para investi
gação posterior. E, como vimos, o remanescente da formula
ção teórica dc Pareto, particularmente sua concepção do sis
tema social como um equilíbrio dinâmico, continua a ser uma
contribuição importante para o desenvolvimento cumulativo da
teoria sociológica.
CAPITULO XIV
Max Weber
222
Durante os anos que passou fora das universidades, Weber
não cultivou o ócio. Recursos pessoais permitiram-lhe viajar
extensamente (visitou os Estados Unidos em 1904) e dedicar-
-se à pesquisa. Publicou assombram número de estudos e
ensaios, muitos dos quais apareceram no Archiv für Sozialwtsseni-
chaft und Sozialpolitik, que com êle se tomou uma das mais
importantes publicações alemãs de ciência social. Colaborou
também not jornais, com numerosos artigos, e militou ativa
mente na política. Era um liberal, refletindo o ponto de vista
que prevalecera na casa paterna. Protestou contra a guerra
submarina irrestrita, no primeiro conflito mundial, e bateu-se
pelas negociações de paz. Depois serviu na comissão que pre
parou o memorando sôbre culpa de guerra, submetido à confe
rência da paz de Paris, e na comissão que esboçou a Consti
tuição de Weimar. Pode-se dizer que sua vida se dividiu, igual
mente, entre a ciência c a política, sempre em alto nível.
Grande número dos escritos de Weber não pertence ao
campo da Sociologia; dos sociológicos, a maioria trata dc pro
blemas concretos e não de teoria geral. Mas a inteligência de
Weber era altamente analítica e, embora tratando dc proble
mas não orientados para a teoria, trouxe-lhe importantes
contribuições.
Ao morrer, deixou inacabada sua principal obra no setor
da teoria sociológica, um tratado monumental: Economia e
Sociedade. Foi uma grande tarefa preparar para publicação
(em 1922) os inúmeros fragmentos dessa obra que já se en
contravam bastante além do estágio preliminar. Mau nu me
nos ao mesmo tempo, suas colaborações em vários jornais e
outros trabalhos seus foram coligidos e publicados como Escri
tos Reunidos, dos quais três volumes versam sôbre Sociologia
da religião, um sôbre história social e econômica, um sôbre
Sociologia e Política Social, e um sôbre o que hoje denomina
mos Sociologia do conhecimento. Essa enumeração ilustra a
amplitude excepcional do interêsse cient'iico de Weber.
224
o objeto das Ciências Culturais está sujeito a alteraçio; por
tanto, sustentava Weber, está fora de dúvida uma dê§g§* da
cultura, sistemática ou generalizante. Cumpre que a dência
social seja uma ciência empírica da realidade concreta.
Essa conclusão exerceu efeito profundo nas pesquisas e
idéias cientificas dc Weber. Possuindo uma das mais bri
lhantes inteligências teóricas em Sociologia, raramente se per
mitiu afirmações de ampla generalização, transcendendo sis
temas culturais concretos. Seu interêuc fundamental repousa
no sistema da sociedade e da cultura em que viveu; seu esfôr
ço principal concentrou-se, assim, em esmerados estudas sâbre
a origem e o desenvolvimento das instituições políticas, econô
micas, jurídicas e religiosas do mundo ocidental. Mas não se
limitou a êsses assuntos, 'lendo chegado a certas conclusões
a respeito de interconexõcs entre o ascenso do capitalismo
moderno e o crescimento c a natureza do protestantismo, de
cidiu pôr à prova a validade dessas conclusões, examinando
situações comparáveis, a alguns respeitos, não todos, em ou
tras civilizações. Nesse empenho realizou brilhantes investi
gações das civilizações chinesa, hindu e judaica (em que os
sistemas filosófico e religioso variavam grandemente), cujos
estudos, ao que supunha, confirmavam as deduções que deri
vara Ho estudo do desenvolvimento ocidental. Essa análise
comparativa impeliu-o talvez a superar seu ceticismo origi
nal relativamente à possibilidade da Sociologia geral. No fim
da vida começou a escrever o tratado acima mencionado,
Economia e Sociedade. A primeira parte da obra, em consi
derável extensão, é uma teoria sociológica geral cm direção
de uma ciência teórica abstrata, e como o próprio Com te a
compreendera.
Há diferenças, conforme seria de esperar, entre os pontos
de vista expressos na obra mais madura de Max Weber c cm
seus primeiros trabalhos, mas não diferenças de princípio. As
primeiras obras foram precursoras das últimas; portanto, pode-
-se descrever o sistema de idéias de Weber à basg das obras so
ciológicas que escreveu, tomadas em conjunto.
Em seu sistema sociológico, Weber tentou tirar vantagem
das possibilidades oferecidas pela ciência natural e pela ciên
cia “espiritual". Alcança-se o mais alto nível da compreen
são dos fenômenos sociais — sustentou êle — quando essa
compreensão é causalmente adequada e adequada ao nível
dc v-jiificado. Es*a proposição exige a análise dc três ques-
toes: O que é compreensão carnalmente adequada? O que
o compreensão significativamente adequada? Como se inter-
-relacionam as duas?
226
bclcccu que na Alemanha contemporânea áreas predominan-
(emente protestantes eram mais ricas do que seções fundamen
talmente católicas da nação c, a seguir, demonstrou a corre
lação entre o crescimento do capitalismo maduro e o protes
tantismo.
Isto era raciocinar de acórdo com o método das variações
concomitantes, freqüentemente empregado pelos cientistas so
ciais dc então. Weber, porém, desejava estender essa conco
mitância à relação causai, aplicando o método da concor
dância c, como depois veremos, oferecendo uma explicação
adequada ao nível do significado. O capitalismo moderno ou
maduro, assevera êlc com base cm esmerado estudo histórico,
não surgiu simplesmente por necessidade econômica interna,
mas como se tivesse sido impulsionado por outra fôrça as
cendente, a ética religiosa do protestantismo, de nôvo o cal-
vinismo cspccialmcntc. Nessa discussão, os têrmos de compa
ração são o espirito do capitalismo moderno c o espirito do
protestantismo. O vocábulo espírito, neste contexto, significa
um sistema de máximas dc comportamento humano.
O capitalismo maduro não se baseia simplesmente na ne
cessidade aquisitiva. É uma atividade racional, dando ênfase
à ordem, à disciplina e à hierarquia na organização. Encara
a realização da conduta aquisitiva como uma espécie de apélo.
Acentua o sucesso como tal, não as alegrias que o sucesso eco
nômico pode comprar.
A ética protestante não sanciona diretamente a aquisição,
mas destaca a salvação. Em sua forma calvinista, a salvação
presume-se que dependa da predestinação, dc uma imutável
decisão de Deus e, portanto, nada se pode fazer para alcançá-
-la. Entretanto, desde que ela é o foco da vida religiosa da
pessoa, esta se encontra necessàriamente interessada em saber
sc está entre os escolhidos. Acredita-se que o sucesso no oficio
secular ou mundano constitua uma indicação quase infalível
de scr-se um dêles. Qualquer que seja o ofício, além do mais,
deve o indivíduo conduzir-sc de maneira disciplinada e ordeira.
Essas máximas de comportamento religioso e secular eram
tão coerentes, segundo acreditava Weber, que o nascimento
da orientação ética protestante pode ser considerado uma con
dição necessária, embora não suficiente, para a emergência
do capitalismo moderno. Em outras palavras, as máximas
de ação compreendidas na ética calvinista levam os crentes
227
a acreditarem no espírito do capitalismo maduro. (A ciên
cia moderna, bem como o capitalismo, era estimulada por
essa orientação ética, relação claramente estabelecida pelo so
ciólogo americano Robert K. Merton.) 64
A afirmação, embora apoiada em extensa pesquisa, não
bastava a Weber, Decidiu cie, portanto, estudar situações que,
semelhantes por outras maneiras, diferissem no fator parti
cular sob inquérito: a religião. Formulou a pergunta: o que
ocorrerá se as condições gerais forem tão favoráveis ao as-
censo do capitalismo maduro quanto eram na Europa à épo
ca da Reforma, excetuando a ética religiosa? Êste problema
exigia investigação de acôrdo com as linhas do método da
diicrença. Conseqüentemente, Weber desenvolveu na China
e na índia os detalhados estudos mencionados acima. Entre»
tanto, não supôs que a Europa, às vésperas do capitalismo ma
duro, por um lado, e a China e a Índia em certas épocas, por
outro, diferissem apenas com relação à presença ou ausência
de uma ética religiosa favorável ao surgimento do capitalismo
maduro. Esta aceitação do possível significado causai de ou
tros fatôres enfraquece substancialmente seus argumentos.
Não obstante, Weber toma claro que a combinação de
condições sociais não-religiosas c econômicas era propícia ao
surgimento do capitalismo na China, mas não assim o sistema
ético do confucionismo. Na índia, embora as condições ge
rais, especialmente o sistema de castas, não fôssem tão favo
ráveis quanto na China, ainda constituíam base suficiente para
o surgimento do capitalismo, exceto pela tradicional Karma,
crença na transinigração da alma, que era hostil ao desenvol
vimento econômico à maneira ocidental. À base destes e de
outros estudos, Weber pôde afirmar: condições econômicas
específicas não asseguram o surgimento do capitalismo; é
necessária pelo menos uma segunda condição, que pertença
ao mundo interior do homem; deve haver, em outras palavras,
um poder motivador específico, a aceitação psicológica de va-
iôres e idéias favoráveis à transformação.
Os dentistas sociais continuam a discutir se Weber pro
vou, ou não, êsse postulado central. Qualquer que seja a
225
resposta, a obra a que dedicou a vida mostra o tipo de opera»
çõcs científicas necessária* paia alcançar uma compreensão
causalmrnte adequada de seqüências históricas irredutíveis ao
tratamento estatístico. Fazendo awim, abriu o caminho para
o que hoje é conhecido como "experimento sociológico", mak
exatamente chamado "quase-experimento".
Weber compreendeu que o método comparativo sistemá
tico nem sempre é possível no estudo sócio-histórico. Neste caso,
permanece o “perigoso e incerto procedimento do experimento
imaginário que consiste cm abstrair certos elementos de uma
cadeia de motivação e trabalhar o curso da ação que provà-
velmente se seguiria na ausência dos fatôres abstraídos
Para ilustrar o procedimento êle indicou a obra dc um dos
mais notáveis historiadores do tempo, Eduard Meyer (1855-
-1930), que fêz essa espécie de experimento mental com re
lação à batalha de Maratona, delineando as conseqüências de
uma vitória imaginária dos persas e comparando-a com os
acontecimentos reais.M Usando a própria obra dc Weber
como ilustração do método, poder-se-ia perguntar: quais te
riam sido as conseqüências, para a sociedade ocidental, sem
o protestantismo? Ou, para citar uma situação mais recente
que preocupou muitos estudiosos, poderemos "abstrair" I>nin
da História russa e ainda prever o sistema soviético? Os exem
plos ilustram — deve-se observá-lo — um experimento men
tal excessivamente difícil, exigindo análise lógica e reconsti
tuição imaginativa dos acontecimentos, aliás freqüentemente
empregadas por historiadores c outros.
7»
das Ciências Espirituais fôbrc as Ciências Naturais. Vantagem
— argumentava — que se encontra na possibilidade de uma
espécie dc compreensão que sc baseia no fato dc que os seres
humanos são diretamente conscientes da estrutura das ações
humanas. No estudo dos grupos sociais, por exemplo, somos
capa?es de ir alem da simples demonstração das relações fun
cionais c uniformidades; podemos compreender as ações — e
as intenções subjetivas dos agentes — dos membros individuais.
Nas Cicncias Naturais não podemos compreender, neste sen
tido, os movimentos dos átomos, moléculas, etc., mas sòmentc
observar ou deduzir as uniformidades presentes cm tais movi
mentos. O contraste entre as Cicncias Sociais e as Naturais
. foi vivamente expresso por outro sociólogo, Maclver, nos se
guintes termos:
230
compreendemos. As únicas coisas que compretndetnos
são mutáveis t nunca inteiramente conhecidas.91
231
ocorre a ação. (Vemos aqui um paralelo perfeito entre a mc*
todolcgia de Weber c o destaque de Cooley da compreensão
complacente; ver cap. XII.) O observador não precisa par
ticipar dos pontos de vista teóricos ou dos fins últimos ou va
lôres do agente, mas intelectualmente compreende a situa
ção e a conduta correspondente. Em outras palavras, o ato
particular c localizado em uma seqüência dc motivos cuja com
preensão pode srr tratada como uma explicação do verdadeiro
curso do comportamento. Êssc procedimento 6 possível porque
o motivo tem um significado subjetivo que parece, ao pióprio
agente c ao observador, adequada base para a conduta cm
questão.
Theodore Abel, recentemente., refundiu engenhosamente
o approach subjetivo de Weber em uma psicologia mais obje
tiva. Dc acôrdo com Abel, a “operação ucrstefun'* ** (com
preensão) consiste na internalização dos fatôres observados,
um sendo o estímulo c o outro a reação, e na descoberta de
uma máxima de comportamento comuinente aceita que man
tem os dois ligados — procedimento aplicável a observações
de casos únicos, generalizações ou constatações sôbre regula
ridade estatística. Assim, por exemplo, a “pesquisa estatística
competente estabeleceu uma alta correlação... entre a taxa
anua] de produção das colheitas e a taxa de casamentos em
um dado ano... Usamos como itens de informação o fato
de que a baixa nas colheitas... materialmente diminui a ren
da dos granjeiros... e o fato de que se assumem novos com
promissos quando se casa... Intemalizamos então [o primeiro
fato] em sentimento de ansiedade... e [o segundo fato]... exu
receio dc novos compromissos... Estamos aptos agora a apli
car a máxima de conduta: As pessoas que experimentam an-
siedade recearão novos compromissos... Desde que podemos
enquadrar o fato da diminuição de casamentos quando as co
lheitas caem nessa norma, dizemos quç compreendemos a
correlação”.
Weber tinha em mente, é certo, casos mais simples do que
esse, quando apresentou a “operação verstehen”, Mas cm ca
sos mais complexos o procedimento permanece essencialmente
o mesmo. Precisamos imaginar as emoções despertadas nas pes
232
soas pc!o impacto dc uma dada situação ou acontecimento;
precisamos imaginar o motivo existente por trás da ação de
uma pessoa ou grupo, c precisamos encontrar ou construir uma
ináxima plausível de ação que deveria mostrar que o “estado-de-
-sentimento por nós atribuído a uma dada ação humana c di
rigido pelo estado-de-sentimento que presumimos evocado por
uma situação ou acontecimento superveniente”.69 Nas pala
vras de Maclver, ao analisar o comportamento humano preci
samos utilizar a "reconstrução imaginativa". 70
Pedirá êsse procedimento da compreensão ao nível do sig
nificado uma Sociologia que não sc distinga da Psicologia?
Weber negava-o, afirmando que o procedimento que recomen
dava não era de nenhum modo psicológico. A confusão, asse
vera, baseia-se no érro de presumir como psíquico tudo que
não seja físico. Além dos mundos físico e psíquico há o mun
do dos significados ou idéias. Quando um homem acredita
que 2x2 — 4, isso é um fenômeno psíquico; mas a idéia de
que 2 x 2 — 4 è independente do conteúdo do pensamento
de qualquer pessoa cm particular. Embora concordemos com
êsse ponto de vista, devemos observar que a questão inicial
ficou sem resposta. Pois, na opinião de Weber, o significado,
atributo necessário da ação, é subjetivo — significado que está
presente na mente do próprio agente ou que pelo menos pen
sou estar presente. De outro modo, a ação não é compreensí
vel e seu estudo não pertence ao campo da Sociologia.
Weber supera em parte a dificuldade, afirmando que,
além do significado de um ato para o indivíduo, há também
um “significado médio” atribuível a uma pluralidade de agen
tes, ou mesmo um significado para agentes hipotéticos em tipos
particulares de atividades. (Aqui, usa Weber o conceito do
“tipo puro” discutido adiante.) Entretanto, o significado mé
dio e o significado hipotético típico não são o mesmo que o
significado subjetivo. Se a Sociologia se interessa simples
mente pelo primeiro, seus problemas são diferentes dot pro
blemas de motivação individual. Mas se o significado médio
ou o significado hipotético diferem dos significados, experi
mentados concrclamente, de indivíduos, e ainda pertencem ao
233
reino ria Sociologia, não pode esta, enlão, scr encarada como
ciência da ação social, conforme Weber a definiu. Semelhante
dificuldade, ou inconsistência, precisa ser apontada; não é ne
cessário tentar revolvê-la aqui.
m
cm mera* imitações. (Aqui, diverge de Tarde e teus segui
dores.) Entretanto, não exclui da Sociologia esses modos de
conduta. Os processos c as uniíormidades na conduta huma
na que n?o sao compreensíveis (porque carecein dc significa*
do subjetivo) c não constituem, portanto, cbjeto imediato pata
a Sociologia não devem por isso ser negligenciados no estudo
da vida social, embora cumprisse estudá-los por métodos dife
rentes. Em outras palavras, o foco da Sociologia deveria lo-
calizar-sc na ação social que envolve significado subjetivo (ou
pelo menos significado médio ou hipotético), dado que as con
dições objetivas ou psicológicas que influenciam a ação social
são considerações periféricas, embora frequentemente relevan
tes, para a disciplina.
W
— padrões que sr podem localizar cm tipos ideais. Um tipo
ideal é um conceito limitador com que se comparam, no pro
cesso dc investigação, as ações ou situações da vida. Quando
assim estudada a realidade concreta — sustenta Weber — toma-
•se possível estabelecer relações causais entre seus elementos.
Economia e Sociedade, de Weber, fornece-nos uma ilus
tração. freqüentemente citada, de seu uso do tipo ideal, e tam
bém salienta as dificuldades desse procedimento. Aqui, Weber
formula um tipo puro de ação racional (cuja natureza adiante
se discute) e argumenta que, para os propósitos de uma aná
lise cientifica tipológica, é possível tratar condutas não-racionais
c irracionais como desvios do tipo racional ideal. Donde ficar o
sociólogo apto a estudar as maneiras em que o comportamento
humano real é influenciado por elementos irracionais e não-
-racionais. O método — conclui Weber — não implica que
a conduta racional predomine na vida social.
Êsse procedimento, entretanto, encontra grandes dificulda
des, evidenciadas na classificação quádrupla de Weber da ação
social — baseada, em cada caso, no modo de orientação da
conduta. Assim, há duas classes racionais dc ação, uma fa
zendo uso de meios adequados à consecução de fins racional
mente escolhidos, outra utilizando meios similares para reali
zar “valôres absolutos”, tais como os fins éticos e religioso*.
As outras duas classes de ação são os tipos tradicional e afetivo
acima mencionados. Agora, se o tipo ideal neste caso é um
sistema que se fundamenta na açEo social, como será possí
vel construir tipos ideais dc ação não-racional e irracio
nal? A interpretação de Weber não resolve essa dificulda-
do ou inconsistência.
Weber íêz abundante uso do procedimento do tipo ideal
ou puro cm seus escritos sociológicos. A Sociologia, que 61c
pretendia centralizar em tômo do conceito da ação social
envolvendo o significado subjetivo, tornou-se, em larga me
dida, um estudo do comportamento humano encontrado em
média ou mesmo cm circunstâncias hipotéticas.
Economia t Sociedade, em considerável extensão, é uma
tentativa de construir um sistema de tipo* ídcaís. Suas defi
nições são, por assim dizer, “impostas” pelo autor7*: êlé as
236
formula mais ou menos dogmaticamente e então as explica,
atributo por atributo, algumas vêzcs apresentando descrições
longas c detalhadas de situações históricas básicas que presu
mivelmente ilustrara as definições. Weber não constrói seus
tipos mediante um processo indutivo rígido; antes deriva os
respectivos traços característicos por indução informal baseada
no estudo extenso de materiais relevantes, e, ao que parece,
intuitivamente seleciona os traços a incluir nos tipos ideais.
Entre as numerosas definições de Weber de tipos ideais,
citam-se frequentemente as seguintes73: relação social, conceito
logicamente próximo ao de ação social, 6 a conduta de uma
pluralidade dc agentes, na medida cm que, em seu conteúdo
significativo, a ação de cada um interfere na dos outros. Um
grupo organizado é uma relação social na medida em que de
terminados indivíduos realizam regularmente a função de fa
zer cumprir a ordem no grupa Um grupo organizado cuja
ordem governante se relaciona em princípio com a validade
territorial é um grupo territorialmente organizado. Um grupo
organizado cujos membros estão, em virtude de sua qualidade
de membros, sujeitos ao exercício legítimo de contrôle impera
tivo 6 um grupo imperativamente coordenado. Um grupo im
perativamente coordenado 6 um grupo político se o seu corpo
administrativo estabelece a ordem dentro dc uma irca territorial
dada pela aplicação e ameaça de fôrça física. Um grupo po
lítico é um estado se o seu corpo administrativo reivindica, com
êxito, o monopólio do uso legítimo da fôrça física no estabeleci
mento da ordem. Eis uma seqüência de conceitos em que a
extensão de cada conceito sucessivo se estreita pelo acréscimo
de um ou mais traços nSo contidos na definição do conceito
prévio. A única exceção a esse procedimento ocorre na defi
nição do grupo organizado, que se estreita em duas direções,
para se tomar ou um grupo territorial ou um grupo imperati
vamente coordenado. Quando um grupo organizado é tanto
territorial quanto imperativamente coordenado, é um grupo
político, de que o Estado é o exemplo típico.
As definições de alguns dos tipos ideais acima reproduzidas
contêm, às vezes, atributos definidos em separado, freqüen
temente como tipos ideais adicionais. Assim, um subtipo do
2P
.',i upo organizado duiinc-sc pelo adicionamento do atribulo do
controle imperativo, O que, por sua vez, se define como a
probabilidade dc que uin comando específico será obedecido
por um grupo determinado dc pessoas. Em relação a isso,
Weber assevera que cada grupo organizado dotado dc con
trole imperativo tenta estabelecer c cultivar a crença da
legitimidade.
Uma das mais famosas ilustrações do procedimento do
tipo ideal é a descrição de Weber de três tipos de autoridade
legítima, cada qual repousando em um modo distinto de rei
vindicar legitimidade. Assim, há a autoridade em base racio
nal, estribada na crença em normas ou regras impessoais e no
direito dc comandar daqueles que adquirem autoridade de
acordo com essas normas; este tipo legal racional aproxima-se
da moderna sociedade ocidental. A autoridade tradicional
apóia-se na crença na santidade das tradições e na legitimidade
do status daqueles que possuem autoridade dc acôrdo com a
tradição, como no caso das monarquias estabelecidas. A au
toridade carismática, finalmente, repousa no devotamento à
santidade especifica c excepcional, ao heroísmo, ou no caráter
exemplar de um indivíduo c nos modelos normativos por êle
revelados ou determinados;74 ilustram êsse tipo líderes caris
máticos como Gândi e Hitler. Êsses três tipos ideais, prova
velmente, não esgotam as possibilidades de tipos de autoridade
legitima, probabilidade que Weber reconheceu. Sua intenção,
aqui, como em qualquer outro lugar, era formular, em uma
forma conceptuahnente precisa, alguns tipos sociològicamente
importantes. Mais ainda, deve-se lembrar que esses tipos pu
ros de autoridade são construções abstratas; os sistemas con
cretos de autoridade política incorporam dois ou mais elemen
tos dos três tipos. (Assim, a autoridade política nos Estados
Unidos, ainda que predominantemente legal, revela, às vêzes,
traços carismáticos e, especialmente nas máquinas politicas es
tabelecidas, é assinalada por elementos tradicionais.)
A maioria dos tipos ideais de Weber não se aplica dire
tamente a ações, mas a coletividades sociais (têrmo que êle
preferia a grupo social). Isso pode parecer o ponto de partida
da opinião dc que a Sociologia sc refere primacialmentc às
ações sociais. Entretanto, a relação social, o tipo ideal que
238
constitui o fundamento da pirâmide de tipos acima discutida
e dc muitos outros, é definida por Weber coino a probabili
dade de que ocorrerá a ação social. Essa definição behavio-
rista prende-se ao fato de que Weber estava perfeitamente cons
ciente do perigo da “materialização” das relações sociais e de
todos os tipos de grupos sociais. “Um Estado, por exemplo,
deixa dc existir em um sentido sociològrcamcme relevante sein-
pre que não houver mais a probabilidade de ocorrerem certas
espécies de ações sociais significativamente orientadas.”179 A
ação — insiste Weber — existe sòmente como conduta de um
ou mais seres humanos individuais, e é preciso tratar as cole
tividades sociais unicamente como resultantes e modos de or
ganização de atos praticados por indivíduos. Para a Sociolo
gia, conceitos como Estado, associação, parentesco e outros
designam categorias de interação humana. Por isso é tarefa
da Sociologia reduzi-los a ações compreensíveis dos indivíduos
participantes. Posição que representa o extremo nominalismo
sociológico, oposto ao realismo sociológico de Durkheim, que
encontramos no capítulo IX.
Probabilidade
239
também o conceito de probabilidade; “Podeinos falar dc uma
classe quando: 1) ccrto número dc pessoas tem em comum um
coinponcntc causai especifico das ocorrências dc sua vida, na
medida em que 2) este componente está representado exclu
sivamente por interesses econômicos na posse de bens c opor
tunidades de rendimentos c 3) c representado sob as condi
ções dos mercados dc produtos ou dc trabalho."19
A ênfase emprestada à probabilidade, como estas ilustra
ções c outras passagens de seus escritos revelam, e apesar do pe
netrante “idealismo” de sua obra, ajudou a atrair para a teoria
de Wcber a atenção de sociólogos empírica c estatisticamente
orientados, nos Estados Unidos. Pois as definições dêle, em
sua referência às probabilidades de conduta, são “operacionais’*
e podem ser aplicadas às operações de pesquisa empírica.77
rican Sociological Review, vol. 3, n.f 6, dezembro, 1938, esp. página 861.
n Teoria da Organização Social e Econômica.
740
tada pela exploração dc “processos compreensíveis” que afetam
o comportamento. A obra concreta dc Weber estava mais de
acôrdo com essa última concepção da Sociologia do que com
a primeira.
Ainda que haja incoerências de Weber, nesse terreno,
entre as definições formais (que êle não considerava, cm ne
nhum sentido, “finais”), suas investigações de muitas áreas
concretas têm produzido um impacto permanente na Sociolo
gia e cm outras Ciências Sociais. Já nos referimos aos estudos
comparativos que realizou da religião, inclusive o tratamento
dispensado às interconexões do protestantismo e capitalismo,
e à análise da autoridade política. Pelo menos três outros as
suntos — história econômica, estratificoção social e burocra
cia — ajudou êlc a esclarecer com seus esforços teóricos e dc
pesquisa (embora a obra que produziu nessas áreas nunca ar
completasse). Sua História Econômica Geral,19 baseada em
notas dc estudantes das séries finais das aulas que ministrou,
vera sendo encontrada cm inglês desde 1927, mas nem faz jus
tiça às amplas pesquisas dc Weber nem é de especial interêsse
sociológico. Seus cscritos, porém, sobre classe c status — fe
nômenos que distingue claramente — e respectivas inter-
-relações são largamente lidos hoje nos Estados Unidos, par
ticularmente desde a publicação, em 1946, de From Max Weber:
Essays m Sociology (tradução de Hans Gerth e C. Wright
Mills) e, no ano seguinte, de The Theory of Social and Eco
nomic Organization (traduzido por A. M. Henderson e Talcott
Parsons). A primeira obra contêm ainda uma grande parte
do estudo sistemático da burocracia. A burocracia, com sua
formalização, hierarquia e estandardização, ê um modo de or
ganização social congênito à economia monetária e à raciona
lidade do mundo moderno, como Weber acentua. Não se con
finando às esferas econômica e política, nem às sociedades “ca
pitalistas", esta “maior invenção social” do homem, a buro
cracia, captou inevitavelmente a atenção de muitos cientistas
sociais. Constitui um tributo rendido à obra pioneira dc Weber
que sua análise da burocracia continua a ser, nesse terreno,
um verdadeiro guia teórico.
10 241
Rrsumo e apieciaçao
242
que acentuando a necessidade de manter a ciência (fa
dc valores. Terceiro, demonstrou que muito se pode aWnçir
usando o procedimento do tipo-ideal na ciência social. Enfim,
contribuiu enormemente para a compreensão da c«*utaçSo ao*
ciai e de sua inseparabilidade do problema do significado uot
assuntos humanos.
Já criticamos certos aspectos da obra dc Weber. Tenden
do sempre a explicar a realidade social em têrmos de motiva
ção social, confundiu a linha divisória entre a Sociologia e a
Psicologia. Ponto dc vista que parece ter-se alterado ao apro
ximar-se do fim da vida é o da variabilidade insuperável dot
sistemas de valor c da resultante impossibilidade de construir
ura sistema sociológico de validade geral. Contrastando com
isto, é possível sustentar que há valores universalmente válidos,
por um lado, e que, por outro, a variabilidade social e cultural
pode ser estudada de modo generalizante.
Apesar dessas realizações, Weber não deixou uma “escola’*.
Talvez se possa atribuir isso, em parte, ao fato de que sua má
saúde lhe impediu uma carreira normal de ensino em insti
tuições do mais alto nível letivo, e, em parte, ao fato de que
a obra madura dc Weber foi publicada (pòstumamcnte) em
uma Alemanha encarada com suspeita, especialmente r.o cam
po das kléías sociais. A ausência de uma escola weberiana
também reflete o fato de que semelhante desdobramento nio
interessou ao próprio Weber. Dc acôrdo com as normas da
ciência e do estudo, êle procurava a verdade, e não seguidores.
Entretanto. Weber tem prosélitos entre os sociólogos ame
ricanos: Parsons, da Universidade dc Harvard, que traduziu
para o inglês algumas de suas obras, inclusive The Protestant
Ethic and the Spirit of Capitalism c The Theory of Social and
Economic Organization (Parte I de Economics and Socicty),
tornando essas contribuições mais acessíveis aos estudiosos anglo-
-americanos. (Apareceram outras traduções, nos últimos anos,
de modo que as idlias de Weber não são mais um mistério
apenas penetrávcl pelos que dominam o alemão.) Além disso,
Parsons publicou excelentes interpretações da obra de Weber, *
obra que influenciou grandemente as contribuições teóricas do
próprio Parsons, conforme veremos no capitulo XVIII.
243
A utilidade dos escritos do Weber cm tradução, o lugar
importante que posteriores estudiosos europeus, especialmente
alemães, conquistaram, nos últimos anos, nos círculos ameri
canos acadêmicos e intelectuais, a influencia de Parsons e de
seus alunos (dos quais vários se encontram, atualmente, entre
as primcúas figuras da Sociologia americana) c, mais relevan
temente, os desenvolvimentos teóricos c de pesquisas na Amé
rica, desde o fim da década dc 1930, convergiram para dar
à Sociologia de Max Weber posição proeminente nos Estados
Unidos de hoje.
246
tendência psicológica da Sociologia. O período precedente,
como se deve recordar, dera margem ao evolucionismo psico
lógico de Ward c Giddings c à teoria dc Tarde, que reduziam
o processo social i invenção c imitação consideradas principal
mente no plano da ação individual.
A maior dificuldade encontrada por seus sucessores do
século XX foi a ausência dc uma teoria psicológica comu-
mente aceita, situação que ainda existe. Em conseqüência,
cada tentativa para desenvolver uma teoria social geral era
capaz de basear-se em diferentes approaches psicológicos. En
quanto os neopositivistas adotaram o bchaviorismo c rejeita
ram a introspecçào, Cooley escreveu no estilo da Psicologia
do "senso comum” centralizada na introspecçào. A Psicologia
de Pareto ficava a meio caminho entre o instintivismo e a
emergente teoria da aprendizagem, com que, na melhor das
hipóteses, estava apenas superficialmente familiarizado. Thomas
flutuou entre um moderado bchaviorismo, a teoria psicanalttica
(que finalmente rejeitou), c uma Psicologia situacional que
acentuava a determinação da conduta humana pelas condições
objetivas, inclusive as normas c os valôres impressos na cultu
ra e na história da vida pessoal. Max Weber negou que sua
teoria fôsse psicológica; pretendia que a Sociologia se relacio
nasse ao mundo das idéias ou significados, mas, conforme de
monstramos, tinha em vista a experiência verdadeira ou hipo
tética dc significados, pelos indivíduos. Pode-se, assim, afirmar
que a teoria de Weber e essencialmente psicológica, acentuan
do especialmente os elementos racionais da conduta. Pareto,
pelo contrário, dava ênfase especial aos aspectos hão-iógicos ou
irracionais do comportamento humano.
A aceitação dessas duas ideias mestras, a de que a Socio
logia precisa ser uma ciência empírica e a de que cia precisa
desenvolver uma teoria da ação humana em sociedade, não
constitui por si uma teoria sociológica geral. Não obstante,
sôbre êsses fundamentos é que algumas das principais figuras
do período assentam algumas pedras para a const rução de tal
teoria.
A mais importante contribuição isolada foi talvez o teo
rema dc Pareto dc que a sociedade é um sistema, um todo
consistente em partes interdependentes e caracterizado por fôr
ças internas trabalhando pela restauração do equilíbrio contra
distúrbios moderados. Em linguagem menos precisa, Cooley,
246
autor do approach orgânico (não organicista) da sociedade
i-stabclcccu a mesma proposição. Mas a interdependência e a
integração do sistema social foram asseveradas, mais do que
exploradas, por esses autores. Ficou o estudo concreto para a
geração seguinte dc sociólogos, alguns dos quais desenvolve
ram uma ‘‘escola funcional”, c um, Sorokin, uma teoria da
integração sociocultural (ver caps. XVII c XVIII).
Outra contribuição importante consistiu no rapprochement
da Sociologia e Etnologia, ou, mais exatamente, a aplicação do
tipo etnológico dc exaine ao estudo da sociedade moderna. Esse
método foi empregado por Thomas, também um dos primeiros
sociólogos que compreenderam a importância fundamental da
cultura na determinação da conduta humana.
Finalmente, certo número dc valiosos conceitos socioló
gicos foi ou formulado ou rcdescobcrto. Coolcy, por exemplo,
especificou a natureza dos grupos primários, conceito que se
tomou parte integrante da Sociologia contemporânea, tanto
quanto certo número dc conceitos atinentes à formação da per
sonalidade que influenciaram grandemente a Psicologia Social
moderna. Thomas c Znaniecki esclareceram o significado de
organização e desorganização social e pessoal e deram defini
ções precisas aos conceitos de atitude c valor. Os valôres, em
bora em sentido um tanto diverso, foram acentuados também
por Max Weber e Durkheim, nas últimas obras que escreveram
(cronologicamente pertencentes ao período em exame).
Realizaram-se importantes progressos metodológicos. Como
acima sc observou, os neopositivistas c Max Weber atribuíram
um papel respectivamente dominante e significativo, na Socio
logia, ao método estatístico. Influenciado pelo Dr. William
Hcaly,81 Thomas trouxe para a dianteira o método do estudo
de caso, revivendo assim uma afirmação de Le Play. Max We
ber demonstrou a arte de usar o método quase-experimental;
secundou-o Thomas, cuja defesa do emprégo de grupos de
contrôlc na pesquisa social baseou-se em considerações lógicas
semelhantes. Mais ainda, Max Weber sugeriu o método, de
certo modo discutível, do experimento mental e tomou clara a
operação verstehen, que dá uma resposta à difícil pergunta:
243
Quinta Parte
CONVERGÊNCIA
NAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS
¥
Neopositivismo
251
segundo quartel do século XX se tomaram membros impor
tante* cia família de tendências que constituem a teoria so
ciológica.
Há também no período mais recente do desenvolvimento
sociológico sobre vivências de diversas tendências que floresce
ram no princípio, mas subseqüentemente declinaram. Entre cias,
mencionem-se o agonizante evolucionismo, o enganoso deter
minismo econômico, teimoso monismo geográfico, c a tendên
cia “formal”, bastante estéril, infeliz desenvolvimento do pro
missor approach dc Simmel à Sociologia analítica (apresenta
do no capítulo VIII).
A teoria sociológica, então, parece ter-se dividido mais
do que nunca. O que é verdade, a alguns respeitos. Mas as
relações entre as várias tendências não são mais as mesmas
que no fim do século XIX. O conhecimento efetivo da so
ciedade e da cultura acumulou-se gradativamente. Ademais,
ganhou aceitação um número substancial de inferências e ge
neralizações. empregadas na pesquisa por muitos sociólogos, em
bora as variações cm sua expressão formal ofusquem freqüen
temente sua concordância de conteúdo.
As tendências, entretanto, diferem largamente no que res
peita à escolha dos métodos mais úteis para a obtenção c dis
posição do conhecimento empírico, dos procedimentos adequa
dos para aumentá-lo, e dos esquemas conceptuais a empregar
como instrumentos de análise. Mesmo aqui, contudo, cvidcncia-
-se uma convergência gradual dc pontos de vista. Comparado
com o período da luta de escolas do último quartel do século
XIX, podemos denominar período de convergência ao atual,
ainda que assinalado pela concorrência dos esquemas de
referência.
George A. Lundberg
252
sustenta; sua obra principal até hoje é Foundations of Socioton
( 1939) .
253
icndêiuia dc certos ucoposítivistas { c lie muitos outros auto
res), bem à maneira de Spencer, a adotar comd modelos as
teorias da ciência natural correntemente cm voga.
As três raízes históricas do ncoposiiivismo, que foram dis
cutidas do capítulo XI, estão plenamente evidentes na obra
dc Lundberg. Já nos referimos a duas delas, o behaviorismo
e o pragmatismo. Êstc último, como adiante demonstraremos,
toma a forma de operacionalismo, ma* dá relevo principal ao
quantitativismo.
Em um dc seus primeiros trabalhos (1936), Lundberg es-
rrrveu que a generalização científica é sempre e necessariamen
te quantitativa;82 em um dos últimos, desacredita a separação
feita freqüentemente entre métodos qualitativo e quantitativo de
estudo.83 No conhecido compêndio, Social Research, declara
que “para a mais exata descrição exigida pela ciência, a cons
tatação quantitativa é necessária”.84 Esta obra acentuou a me
dição dc atitudes e a elaboração dc “escalas” dc atitude para
essa tarefa. Dentro disso, Lundberg nega que a manipulação
de unidades artificiais dc medição (comumcntc baseadas no
consenso entre peritos) difere fundamentalmente da manipula
ção de unidades físicas iniercarabiáveis, afirmando que tôda me
dição é “artificial”. Mais ainda, seu operacionalismo sustenta
que a “atitude” (como “inteligência”, “opinião”, etc.) preci
sa scr, para fins científicos, definida como aquilo que é me
dido por tais instrumentos de pesquisa. Êsse ponto dc vista
permanece cm aguda oposição ao dc muitos sociólogos e outros
estudiosos.
As idéias de Lundberg sôbre a medição são ventiladas em
uma controvertida polemica Uavada com Paul Furfey que,
em seu artigo “Value Judgments in Sociology”, cita o fato de
que há Ciências Naturais não-quantitativos, como a Biologia
e a Geologia. 83 Lundberg retrucou que a Biologia é essencial
mente quantitativa, pois suas generalizações se apóiaxn em ob
servações confirmadas. Furfey respondeu que a espécie c o
254
grau dc quantificação que Lundberg advoga (e que ieu dk*
cípulo Stuart Dodd aplica) não são característica essencial de
tôda ciência. Em carta posterior, Lundberg reitera sua de
claração inicial de que as generalizações que constituem as ci-
encias da Biologia, Geologia, etc., são o resultado de observa*
ção de muitos casos, e que esse tem sido sempre seu conieúdo
básico relativamente à quantificação na ciência. Acreditamos
qutü Furfey, em sua crítica final, demonstra, de maneira ©on*
vincente, que Lundberg fala de quantificação em dois dife
rentes sentidos: primeiro, a ciência é quantitativa, dado que se
baseia em observações múltiplas — afirmação bastante fraca e
que não satisfaz aos critérios fixados por Lundberg em suas
obras principais; segundo, a ciência é quantitativa, pois apre
senta resultados que sc podem quantitativamente constatar —
posição coerente de Lundberg. Essa linha de raciocínio reduz-
-se a um silogismo: porque tóda ciência i quantitativa no pri
meiro sentido, d*via ser quantitativa no segundo.
Como acima observamos, Lundberg considera o quanti-
tativisxno quase inseparável do behaviorismo. Opõe-se franca
mente à introspecção: têrmos como vontade, sentimentos, fins,
motivos e valores — afirma êle — são “o flogístico de todas
as Ciências Sociais”. Assevera que o cânone científico de par
cimônia exige, por exemplo, o desenvolvimento de um único
principio para a explicação de todos os objetos voadores, seja
uma fôlha voando ante o vento ou um homem voando à
frente de uma turba que o persegue. ••
Ê digno de nota que a posição inflexível de Lundberg,
sustentando o behaviorismo, não o impede de considerar o
estudo de valôres e ideais como uma tarefa importante da So
ciologia. Define êle valor, operacionalmente, como aquilo a
que as pessoas se conduzem de modo a conservarem ou au
mentarem sua posse do mesmo, ou, negativamente, como aqui-
255
Io a que as pesscas reagem dc modo a diminuírem ou evitarem
o “valor'* tin questão. Por outro lado, define as instituições,
a ccrta altura, como os mecanismos que os homens estabele
ceram a fim dc assegurar ou conseguir seus fins primários —
e aqui vemos a intrusão do conceito presumivelmente não*
•cientifico de “fim”. Lundberg propõe vários procedimentos
empíricos para estudar valôres e instituições, favorecendo espe
cialmente questionários dc atitudes que incorporam técnicas
quantitativas.
Concordando com Max Weber, Lundberg acentua que
a ciência como tal não pode ou não deve formular juízos de
valor; as constatações morais e científicas são irredutíveis umas
às outras. E a Sociologia precisa ser uma ciência. Rejeita a
análise funcional de valôres que repousa em seu significado
para a sobrevivência dc indivíduos ou grupos; mas deriva, bas
tante incoerentemente, valôres de “tôda a história evolutiva
e social”. Em sua longa experiência, “o homem descobriu que
certas formas de conduta são vantajosas, não só em seu todo
como em seu longo curso, e que outras condutas são desvan
tajosas, sob o ponto de vista de seus objetivos”. Essa formu
lação é coerente com a opinião de Sumner, mas em contraste
com êsse apóstolo do laissez-faire, Lundberg conclui: “A gran
de contribuição da ciência à Ética devia consistir em prover o
homem de um relatório c uma interpretação de sua experiência,
mais dignos de confianca*\w
O terceiro componente da Sociologia nt*opositivista de
Lundberg á sua insistência em definições operacionais, o que
está de acordo, como observamos inicialmente, com sua episte-
mologia pragmática. Sob este ponto dc vista, os fenômenos
são “objetivos” na medida em que satisfazem os critérios de
concordância, corroboração e previsão. Portanto, definições
a priori da "natureza essencial” da “sociedade", “cultura”,
“instituição” e outras semelhantes são — na opinião de
Lundberg — manifestações de lógica aristotélica cm desuso
e cientificamente inúteis. Para a ciência — sustenta ele — a
questão básica é a seguinte: quais as definições mais “úteis”
dêsses fenômenos? São as operacionais, que especificam os
procedimentos ou operações utilizados para identificar e me
dir os fenômenos em estudo. Conseqüentemente, espaço é
256
aquilo que é medidopela régua, ou outros instrumentos; tem
po, aquilo que é indicado por, digamos, um relógio; inteligên
cia, aquilo que é medido por testes de quociente de inteligência.
Podc-se perguntar: a população humana é aquilo que
se mede pelo Censo? E ainda: o que são estes instrumento*
padrão — réguas, relógios, testes de “inteligência etc.? Tais
planos foram desenvolvidos para medir determinados aspectos
ou fases da realidade total. Mas as definições conceptual que
levam a semelhantes desenvolvimentos técnicos altamente úteis
— sustentamos nós — são elas próprias formuladas de outras
maneiras, não-operacionais.
Não obstante, o operacionismo moderado realiza uma ta
refa científica essencial, exigindo que as definições se refiram
a atributos cmpiricamente verificáveis de tudo o que a ciência
estuda. Mas na forma extrema sustentada por Lundberg, e
certos membros de sua “escola**, o operacionismo freqüente
mente resulta cm dar forma embaraçosa e desastrada a pro
posições bem conhecidas e a cujo respeito quase não há
controvérsia.
A veemente adoção, por parte de Lundberg, de quantifi
cação, behaviorismo e operacionalismo, caracteriza um gran
de número de seus artigos, em menor extensão os compêndios
Social Research e Sociology (1954) e, especialmente» os pri
meiros capítulos de Foundations of Sociology. Entretanto, como
diversos críticos observaram, a maior parte de Foundations,
sua obra sistemática mais desenvolvida, difere muito pouco de
outros tratados gerais sôbre Sociologia. Assim, ao tratar de “di
nâmica social”, grupos sociais e transformação social, faz uso
freqüente das contribuições de autores (pré-científicos) como
Sumner, Vcblcn, Cooley, Park, Mead, Thomas e Sorokin.
Isso quer dizer que Lundberg, como a maioria dos sociólogos
contemporâneos, reconhece c emprega uma variedade de de
senvolvimentos na disciplina, dc acôrdo com a característica
geral do presente período de convergência na teoria sociológica.
Mais ainda, conforme declarou Furfey, seu amigo e opositor
intelectual, como um dos raros “entre os sociólogos america
nos, Lundberg tentou, franca e claramente, comprovar suas
definições, seus postulados e seus métodos, e segui-los, coeren-
meute*'.80
88
Paul Furfey, American Catholic Sociological Rtvicw, voL
9, março, 1947, pág. 48.
17
Stuart C. Dodd
256
aceleração. P° — nenhuma população. P1 _ plurels. P1
—■ grupos. Io — espécie de coisas chamada dólar. 10
^ B
— quocicnte dc inteligência de um indivíduo. Io — carac
terísticas qualitativas. 1 ± 2 — características correlatas.
Dessa maneira, então, elaboram-se as fórmulas quânticas.
Uma fôrça social, por exemplo, é simbolizada por T1 I P por
que, presumivelmente, envolve aceleração, não espaço, e po
pulação — para cada fator particular um símbolo caracterís
tico. Dodd insiste na idéia de estar traçando, com esse tipo de
formulação, o caminho para a quantificação de característi
cas qualitativas. Estas últimas são tratadas como se tivessem
grandeza 1.
Pode-se transformar uma fórmula quântica em um nú
mero quântico pela simples composição de um número de qua
tro algarismos correspondentes aos elementos da fórmula. Para
simplificar: se -2 é substituído por 8 e -1 por 9, a fórmula
quântica para “fôrça social” resultará no número quânuco
8011. Dodd acredita que tôdas as situações sociais suscetíveis
de representação pelo mesmo número quântico, devem pos
suir “alguma coisa” em comum.
O terceiro passo, no processo de Dodd, é o estabelecimen
to de uma “matriz intcr-relacional”, sendo matriz o nome ma
temático de uma disposição dc números em parcelas e colu
nas. Considera-se essa técnica a mais adequada à designação
de um grupo social. Assim, cm cada célula (formada pela
interseção de uma parcela e uma coluna) haveria de mostrar-
-se a observada grandeza de um indicador qualquer (por exem
plo, a atitude positiva ou negativa de uma pessoa em relação
a outra). A matriz pode ser então tridimensional, tetradi-
raensional, ou pentadimensional — possibilidades estas fora do
alcance da representação gráfica convencional.
A descrição da Teoria-S, feita assim de relance, talvez a
faça parecer uin simques sistema dassificador. Mas Dodd afir
ma que a teoria tem finalidades de análise e previsão. A seu
ver, a aplicação da matriz intcr-relacional pode auxiliar gran
demente o aprimoramento dc definições operacionais de concei
tos, tais como in-group, oul-group, isolamento, contato, inte
ração, líderes, estréias, plurcl, grupo, comunidade, processo eco
nômico, contrôle social, etc. Uma coluna de grandes entradas,
por exemplo, quando o indicador de célula tem prestigio, iden
259
tifica uma estiela c torna mensurável o grau de estrelato; se,
entretanto, a parcela e a coluna correspondentes contcm gran
des entradas, espccifica-sc o líder. A matriz inter-relaeional
permite a definição precisa dc um grupo, enquanto a agrega
ção de tais matrizes, uma para cada característica existente em
comum, define uma comunidade. A exploração dc fórmulas
quânticas em células não-ocupadas permite predizer proprieda
des dc situações ainda não observadas, tal como a tabela pe
riódica de elementos de Mendeleyev lhe permitia prever as
propriedades químicas de elementos ainda não isolados.
Essas vantagens da teoria-S, entretanto, só podem ser ob
tidas sc o sociólogo se limitar estritamente às definições opera
cionais. De acôrdo com Dodd, a definição é “operacional” na
medida em que especifica o procedimento para identificar ou
gerar os fenômenos em causa e satisfaz ao leste dc alta con
fiança. Enquanto a primeira parte da definição é similar à
formulação de Lundberg, a segunda exigência relaciona-sc ao
grau de concordância entre observações sucessivas dos mesmos
fenômenos, usando a mesma definição operacional. Êsse grau de
concordância precisa ser estatisticamente medido, o que, para
Dodd, é uma condição necessária a qualquer constatação
cientifica.
Dodd observa que essa apresentação da teoria-S pode
parecer predominantemente um exercício de dedução. Mas in
siste em que a teoria emergiu de amplo estudo indutivo. O pro
cesso indutivo é invocado, separando certo número de textos
sociológicos e monografias de conceitos básicos atinentes a
situações sociais, e aplicando-lhes fórmulas quânticas. Sòmente
13% dos conceitos que aparecem nessas fontes não são ca
pazes de representação simbólica (entre os quais o de “rea
lidade**, que o autor acredita ser irreal). Mas verificamos que
êle era capaz de traduzir em fórmulas quânticas 1 600 situa
ções sociais escolhidas nos campos mais diversos.
Dodd anuncia que sua teoria é inclusiva, digna dc con
fiança, precisa, parcimoniosa e fecunda. É inclusiva devido a
sua categoria residual sem fim, designando “tudo o mais” pelo
símbolo /. A confiança estabelece-se, presumivelmente, pelo
fato de que as classificações feitas por dois estudantes gradua
dos, cuidadosamente instruídos, concordaram com as de seu
mentor. Supõe-se que a teoria seja precisa desde que expressa
em conceitos e símbolos operacionalmente definidos. E é de
clarada parcimoniosa porque utiliza sòmente dezesseis símbo
260
los: quatro para os componentes básicos; quatro para as opera-
ções aritméticas; ^quatro referentes à agregação, clauificação re
cíproca, correlação, tanto quanto o expoente; e quatro últimoi
designando o número e a natureza das classes, intervalos de clas
ses c casos. Acreditamos, porém, que a parcimônia assim obti
da seja ilusória. O símbolo residual I é usado cora um grande
número dc “prescritos” e “pós-escritos”, necessários para con
cretizar as “características’* (por exemplo, como acima obser
vamos, para distinguir entre a filosofia budista, os ruídos ur
banos c a extensão de um desejo). Deve-se acentuar, entre
tanto, que não há mais justificativas para realizar operações
matemáticas coin o I dotado de vários “prescritos” e pós-escri-
tos” do que, na Aritmética, para somar o número de pés que
separa dois pontos e o número de pacotes carregados por al
guém entre eles. O próprio Dodd concorda em que a fecun-
didade dc sua teoria só pode ser provada depois que numerosos
sociólogos usarem seu sistema durante algum tempo e acumu
larem material abundante. É digno de nota que, durante os
doze anos que se passaram desde a publicação de Dimensions
of Society, não apareceu nenhuma obra extensa obedecendo
a essas idéias.
Há boas razões, acreditamos, para não nos abandonarmos
à teoria de Dodd. A fim dc estimar suas possibilidades, selecio
namos alguns exemplos de produtividade oferecidos por êle
próprio — que, à base de uma matriz inter-relacional, oferece
as seguintes definições de amor e concorrência: quando duas
pessoas começam a se amar intensificam o índice de relações
em suas duas células da matriz, para a exclusão de tftdas as
outras células representando seus contatos sociais; a concor
rência é o processo medido pelo cálculo do desvio-padrão da
porcentagem de lucros e perdas do desiderato V pelo qual as
pessoas P concorrem em um período D. Curiosamente, esta
última definição inclui o que está sendo definido: concorrên
cia é aquilo que aparece na concorrência.
261
sociológicos mais importantes dos Estados Unidos comprova
esta proposição. Entretanto, na obra da maioria dos autores
cujos escritos c pesquisas vão de encontro a isto, surgem escas
sos traços teóricos. Os trabalhos de três estudiosos cujas obras
são teoricamente desenvolvidas merecem atenção especial. Éstes
autores denominam-se George K. Zipf, Nicholas Rashevsky e
Homell Hart, todos pertencentes à ala matemática do neo-
positivismo.
A obra dc Zipf está projetada para “integrar teòricamen-
te determinado número de medições sociais” e para “elucidar
consíderàvelmente as molas reais da conduta humana” en
carada como um fenômeno puramente natural A obra re
pousa cm um postulado deduzido do raciocínio matemático
que se presume “governe a conduta dos indivíduos c do grupo
coletivo” e é sustentada pelo material empírico que presumi
velmente corrobora este raciocínio. A teoria de Zipf se de
senvolve no volume Human Behavior and the Principle of
Least Effort (1949), cujo enganador subtítulo é An Introduction
to Human Ecology. A natureza “ecológica” desta obra será
encontrada mais no tipo dc problemas concretos de que trata
do que na metodologia de Zipf. (Para uma discussão da teo
ria ecológica, ver o capítulo XV.)
O postulado central da teoria dc Zipf é o “principio do
menor esfôrço”. Êstc princípio, em forma simplificada, declara
que em situações que permitem alternativas os homens esco
lhem aqueles procedimentos que resultam no "menor índice
médio de trabalho provável”. Por outras palavras, os seres
humanos procuram minimizar o dispêndio dc energia, não com
relação a tarefas imediatas, mas antes em têrmos do trabalho
médio exigido a fim de atingir seus objetivos. Os homens cons
tróem, por exemplo, estradas ou túneis porque diminuem, dês-
se modo, a média de trabalho que provàvelmente despenderão
no transporte.
Demonstra-se o princípio aplicando*o à distribuição de
pessoas entre diversas comunidades. A população pode dis-
tribuir-sc de duas maneiras. Primeiro, as pessoas podem esco
lher viver em certo número de pequenas comunidades, pró
ximas às fontes de matéria-prima, como ocorre comumente
quando há poucas espécies de matéria-prima. Os homens fa
zem essa escolha devido à "fôrça” da diversificação de seu
habitat. Alternativamente, a população pode reunir-se em al
guns grandes centros, o que ocorre quando o número de ti
262
pos dc matérias-primas é grande c indispensável o transporte
para lugares de trabalho; neste caso, a economia no trabalho
exprime-se na diminuição dos esforços despendidos em condu
zir bens prontos para os consumidores. Chama-se “unificação’*
a fôrça existente por trás dessa segunda escolha. Zipí admite
que não se conhece nenhum método, até o momento, que ca
pacite o investigador a calcular as grandezas absolutas deuai
duas fôrças. Mas é possível estabelecer empiricamente a pro
porção dc suas grandezas — acredita êlc — dc uma maneira
a scr brevemente descrita.
Dc acôrdo com Zipf, o impacto das fôrças de diversifica-
ção e unificação (ambas derivadas do princípio do menor es
forço) leva os homens a reunirem-se em comunidades de ta
manho preestabelecido. O tamanho dc cada comunidade for
mada cm uma grande área, tal como uma nação, exprime-» na
fórmula 99
P
P —-----------------
» n«
264
menor do que a segunda. Êstes casos — e talvez muito* ou
tros — dificilmente se enquadrariam no apontado esquema
matemático.
Uma fonte de preocupações para Zipf é o fato de que o
“princípio do menor esfôrço” mi põe que os homens sempre agem
racionalmente c que seus padrões de conduta podem ser ana
lisados de acôrdu com isso. Esta suposição acompanhou a teo
ria social durante 150 anos ou mais, com maior clareza na Eco
nomia Política clássica; representa, porém, uma curiosa ano
malia na análise atual do comportamento humano. A obra de
Zipf mostra ainda uma espécie de “obsessão matemática". O
autor parece partir da certeza de que cada verdadeiro complexo
de fenômenos precisa, por alguma necessidade interna, obede
cer a uma fórmula matemática bastante simples. Pensamos que
a probabilidade de tal coincidência é aproximadamente idênti
ca à expectativa de que a linha do céu, que se admira nos Al
pes ou nas Rochosas, siga uma curva matemática.
Em obra do tipo de Humcm Behavior, de Zipf, não po
demos esperar respostas para as dúvidas básicas da teoria so
ciológica, exceto talvez a questão rciativa aos determinantes bá
sicos dos fenômenos sociais. A teoria de Zipf, ao que parece,
implica que o estado de uma sociedade é determinado pela
ação de uma lei matemática. Não obstante, sua obra i assi
nalada, aqui c ali, por várias “respostas** a perguntas sôbre a
sociedade c à relação entre sociedade e indivíduo. Lemos as
sim que “a sociedade humana pode ser encarada como um
campo que influencia os membros individuais e é influenciado
por êles...”.91 E novamente: “O sistema social é um gru
po de indivíduos que procuram cooperativamente objetos seme
lhantes por meios de normas semelhantes dc procedimento, sob
a presunção de que todo mundo dá a mesma soma de trabalho
e recebe a mesma recompensa, com um mínimo de trabalho." n
Isto, sustentamos nós, é na realidade uma suposição altamente
irreal.
Mathematical Theory of Human Relations (1947), dc
Rashevsky, supera a preocupação matemática de Zipf. Ras-
hevsky, porém — cuja obra citamos sòmente para ilustrar
esta orientação — tem plena consciência de que o tratamento
266
retrocessos na transformação cultural — interpretados como t>
brevivencias dc elementos pobremente integrados ru cultuei
tôda. Assinala cie a tendência (que não explica) dos ageo*
tes destrutivos a aumentarem em eficiência com uma aceieraçio
mui:o maior do que a dc qualquer outro tipo de transfouiiação
cultural. Hart nega a possibilidade de explicar a conformida
de de certos processos sociais com curvas matemáticas como uma
questão de puro acaso, proclamando que, além da tendénda
algébrica c outras, há alguma coisa He lei subjacente, na
natureza.w
Mas as leis da natureza são sempre proposições hipó-
teticas do tipo “sc A, então B”. Uma lei demográfica, por
exemplo, que afirma que o crescimento da população segue a
curva algébrica exige uma constatação das condiçõrs sob as
quais principia o movimento ascendente, tanto quanto uma ex
plicação das condições sob as quais a curva algébrica se “par
te”. Obscrve-se que o próprio Hart relata diverso* casos do
último tipo. Sustentamos que nenhum raciocínio matemático,
em si, pode produzir conhecimento dessas condições.
Enquanto Zipf e Rashcvsky geralmente negligenciam o
aspccto operacional do neopo&itivismo, Hart não o faz. Mas
sua defesa do “método operacional" é cautelosa e ponderada,
fcste método — escreve êle — “consiste em constatar verifi-
càvelmcnte observações e operações específicas, por meio das
quais as variáveis serão produzidas, identificadas ou medidas,
e cm determinar, com a maior aproximação possível, os grupos
específicos dc operações seletivas e causais, mediante as quais
as variáveis podem ser alteradas nas direções desejadas, va
riáveis cuja extensão pode assim ser controlada e cuja mar
gem de êrro se poderá provavelmente prever nas conclusões
precedentes”.M Sem dúvida, a maioria dos sociólogos pros
seguiria nessa constatação como um principio orientador na
pesquisa empírica.
Hart não é, ademais, à maneira de Zipf, um “determinis
ta matemático”. Tem estado na moda — declara êle — “fa
lar em determinismo tecnológico”. Mas Ma revolução indus-
268
ciais, especialmente pelo estabelecimento dc coeficientes de
relação entre seus vários aspectos, atribuindo ênfase —pf«ii| I
assuntos econômicos e tecnológicos. A conhecida pesquisa de
Ogburn, The Social Effects of Aviation (1946), aproxima-o
mais da ala matemática do nropositivismo do que aias obras
anteriores. Um dos temas do volume é a insistência na neces
sidade de elaborar métodos com os quais se prevejam, de ma*
neira a inspirar confiança, os desenvolvimentos sociais futurai.
A maior contribuição dc Ogburn para a teoria socioló
gica, entretanto, está em sua primeira obra, Social Change
(1923), que apareceu simultineamente com o* últimos traba-
lhos de Giddings e antes das recentes formulações dos neoposi
tivistas mais extremados. Pode-se considerá-la um prelúdio às
últimas contribuições de Ogburn, no estilo neopositivista, pre
lúdio importante e meditado que afetou significativamente o
pensamento social posterior.
A este livro se atribuiu a substituição do termo evolução
social por “transformação social”. Em uma edição de 1950
dc Social Change, Oghum acentua êste ponto e explica a es
colha do título por seu interêsse em ultrapassar o cvducionis-
mo psicológico que, ao tempo, ainda era forte. O livro tam
bém é descrito, às vezes, como o primeiro estudo a usar siste-
màticamcnte o conceito de cultura como a indicar os "produ
tos acumulados da sociedade humana”.* Esta interpretação,
entretanto, 6 discutível, dado que Thomas usou “cultura" nes
te sentido muitos anos antes (ver cap. XII), embora não tão
coerentemente quanto Ogburn.
Entre as diversas generalizações teóricas do livro a itspei-
to de transformação social e cultural (a relação entre as duas
não é claramente estabelecida por Ogburn), uma, particular
mente, mereceu atenção e provocou muita critica: a hipótese
do atraso cultural. (O autor afirma, na edição de 1950 de
Social Change que a hipótese não é absolutamente fundamen
tal para seu trabalho.) Esta hipótese é às vfees interpretada
como uma expressão do determinismo econômico ou tecnoló
gico, interpretação, aliás, explicitamente negada por Ogburn. 5
&
A hipótese do atraso cultural comcça com o fato de que
uina grande parte da herança social do homem c cultura ma
terial. I’.ira usar a última são necessários ajustamentos cultu
rais, que Ogburn chama de cultura adaptativa. As transfor
mações na cultura adaptativa são precedidas por transforma
ções na cultura material, os ajustamentos não podem come
çar antes que ocorra a transformação que os exige. Mas velhos
costumes (parte da cultura adaptativa prévia) persistem, ge
rando “atrasos” que podem perfeitamente ser danosos. Daí afir
mar — e nisto é que se revela a posição neopositivista do autor
— que se deveria medir, em cada caso, a extensão do atraso
e a severidade do desajustamento. Êste cálculo é da maior im
portância porque a cultura adaptativa está ligada a outras par
tes da cultura e as tensões sociais que refletem os atrasos
culturais podem ramificar-se através da ordem social. Assim,
muitos problemas acham-se enraizados na relativa lentidão da
transformação da cultura adaptativa — o atraso na legislação
de proteção aos trabalhadores cm seguida ao desenvolvimento
do sistema industrial, o atraso de disposições legais para repre
sentação política em conseqüência dos deslocamentos de popu
lação, hoje talvez o atraso da descentralização dc cidades após
o desenvolvimento das armas nucleares, etc. Essa interpretação
dos problemas sociais tem sido empregada por certo número
de sociólogos e outros, seguindo a formulação original, de
Ogburn, e mais extensamente por Barnes.
A teoria do atraso cultural, como vários estudiosos obser
varam, sugere as perguntas: “Que atrasos depois de quê?”
e “A cultura material está sempre na frente da não-material?”
Ogburn cuidou de evitar respostas estritamente unilaterais, afir
mando, na edição original de Social Change, que a transfor
mação pode ser feita em cultura não-material, mesmo adapta
tiva, embora permaneça constante a cultura material. Na edi
ção recente, a hipótese do atraso cultural é afirmada com espe
cial cuidado; reconhece êle o significado das invenções em
qualquer parte da cultura e acentua suas conseqüências rami-
ficantcs. Tal posição, claramente, não devia ser interpretada
como determinismo econômico ou tecnológico. Ogburn desta
ca de preferencia a necessidade de medir “atrasos" e seus
efeitos.
O outro neopositivista moderado, cujos pontos de vista
aqui discutimos, F. Stuart Chapin, devotou seu volume prin
cipal às Contemporary American Institutions (1953). Aí apre
270
senta cie o problema de como podem ser descritas e definidas
as instituições sociais de modo mais preciso do que na lingua
gem popular. Para Chapin, as instituições são essencialmente
modelos de conduta humana: teias de respostas condicionadas,
hábitos individuais c atitudes. Seu estudo é difícil, dado que
intangíveis as conexões em que consistem; não são distintas
das fôrças intangíveis subjacentes do universo visível das coisas
materiais. De nôvo é evidente a tendência do neopositivissno
para apoiar-se na ciência natural.
Método para definir mais precisamente as instituições é
o simbolismo gráfico. Muitas páginas da obra de Chapin es
tão ocupadas por gráficos que o autor acredita que ajudem a
visualizar modelos de relações invisíveis. Mas estas relações
também precisam ser medidas. Em Sociologia — constata pe
sarosamente Chapin — são ainda extremamente poucos os es
tudos de fôrça social comparáveis à pesquisa nas Ciências Fí
sicas utilizando unidades dc peso.68 A razão desta situação
— segundo acredita — é que o problema a estudar consiste
cm atitudes psicológicas, reações condicionadas, interações e
traços culturais. O sociólogo precisa inventar unidades e ins
trumentos de medida padronizados, que tomarão os fenôme
nos institucionais mais suscetíveis de acurada descrição e trans
missão do que hoje. Coerentemente, Chapin e seus discípu
los esboçaram, durante muitos anos, escalas para a men-
suração de várias formas de "conduta institucional", por
exemplo, o status social, efeitos dc moradia, meio fami
liar e “personalidade”.*
Aos procedimentos dc simbolismo gráfico e mensuração por
escalas, acrescentou Chapin outro, a que chamou de experi
271
mental, mas que, no máximo, c quase-experimental. A idéia
básica dêste procedimento, como a apresenta em Experimental
Design in Social Research {1947),100 é usar a lógica do ex
perimento de laboratório. No laboratório o físico mantém cons
tantes, ou controla, tôdas as condições menos uma c, variando
esta, observa os efeitos das transformações no fator variável.
Dado que o cientista social não pode controlar as transforma
ções sociais para fins de estudo, precisa estudar dois ou mais
estados de um sistema ou duas ou mais situações sociais que
diferem pela presença ou ausência da condição cuja significa
ção causai está sendo procurada. Assim, pode-se observar uma
população antes e depois do estabelecimento de novos lares c
aferir o impacto do mesmo na morbidez e na criminalidade.
Ou, para citar um caso mais complexo, podem-se estudar duas
populações com a mesma distribuição de idade, sexo, raça,
nacionalidade dos pais, e status ocupacional do pai, mas dife
rindo no número de anos dc escola; se ambos mostram uma
uma significativa diferença cm salários ou ajustamentos co
munais, o experimentador pode considerar que provável men
te estabeleceu uma relação causai.
Chapin descreve diversas aplicações engenhosas desse pro
cedimento experimental. Mas, raramente, abrem elas novos ho
rizontes. A concomitância de variações, com tôda a proba
bilidade, poderia ser descrita à base da observação participante.
Além disso acreditamos que a validade de medições de fenô
menos institucionais, ou mais exatamente, de sua expressão em
simbolos matemáticos, permanece sujeita a sérias dúvidas.
Dc acôrdo com o neopositivismo, Chapin endossa a im
portância de definições operacionais na ciência social. Entre
tanto, adota uma posição bastante moderada. “A chamada
definição operacional” — escreve ele — “não está colocada
como qualquer definição final ou absoluta, mas simplesmente
como um útil desenvolvimento em direção da objetividade.”101
A maioria dos sociólogos subscreveria hoje este ponto de vista.
272
Diversamente da maior parte dos neo positivistas, Chapin
demonstrou considerável interêsse pelo problema dc movimentos
de longo alcance, ocorridos em civilizações consideradas como
todos. Esta fase de sua obra será examinada no capítulo XX,
sôbre a Sociologia histórica.
Resumo e apreciação
it 273
tub a quais «* possível o desdobrannento não-verificado do
proccsso.
Acreditamos, porem, que o conhecimento assegurado es
tritamente d* acordo com os cânones neopositivistas permane
cei ú limitado; permanecerá à altura do nível dc causalidade
de Weber, sem alcançar o nível dc compreensão dc Weber.
Esta limitação é inerente ao verdadeiro approach dos neopo
sitivistas, que extraem o behaviorismo da Pisicologia, onde não
é mais preponderante, e adotam uma Filosofia pragmática que
leva em si um extremo nominalismo. Os neopositivistas acham
que, por esse ineio, st* libertam da metafísica, que entendem
incompatível com a ciência. Como um dos tipos de Molière
que não sabia que quando falava estava empregando a prosa,
os neopositivistas parecem inconscientes do fato de que seu ap
proach repousa neccssàriamcntc cm uma das possíveis posições
metafísicas.
O pragmatismo extremo também embaraça grandemente
os neopositivistas em suas respostas às seguintes perguntas:
O que é sociedade? O que é cultura? Como sc relacionam a
sociedade e os indivíduos? Êles identificam sociedade com
interação dentro da sociedade. Assim — para Lundberg, tal
vez o mais filosoficamente dotado dêsses autores — um grupo
social é a conduta interacional classificada sob o ponto de
vista estrutural. A sociedade, sendo urna construção mental,
dificilmente pode “interagir” com o indivíduo; no entanto,
Lundberg, Zipf e outros presumem a interação entre ambos.
A escolha dc unidade para a análise sociológica não é
imposta aos neopositivistas por seus pontos de vista básicos.
Mas há um denominador comum fundamental: a unidade de
análise é aquilo que é quantificável. A este respeito, Dodd
realiza um tour de force tomando tudo quantificável, c tra
tando características qualitativas como se fôssem iguais a 1.
Nenhum determinante especial da estrutura social ou da
transformação social aparece na obra dos neopositivistas, em
bora a teoria de Zipf se aproxime, perigosamente, do deter
minismo econômico.
A contribuição principal do neopositivismo foi metodoló
gica. Se não oferece garantia a confiança que depositam na
tríade quantitattvismo-behaviorismo-operacionismo (derivação
do pragmatismo), não obstante sua insistência em cada um
dêsses três elementos deu bons frutos. A maioria dos sociólogos
274
contemporâneos concorda em que as t^cnkaa de quntifitiflH
são altamente úteis, e deviam ser empregadas como uma pes
quisa auxiliar, sempre que possível;w e tamWm concorda cm
que as descrições introspcctivas dos fenômenos sociais deviain
ser suplementadas pelas behavioristas. Muitos sociologo* atual
mente dispensam grande cuidado a suas definições, formu
lando-as menos a priori e inais à base de fatos observáveis do
que os da geração passada. Por outro lado, o neopositivismo
ajudou, sem dúvida, a desperdiçar tempo e energia em es
tudos persuadindo alguns indivíduos a tentarem medir tudo,
com escassa idéia do possível significado dos resultados, e levan
do outros a formularem definições e proposições embaraçosas
e desastrosas, que muito complicaram coisas bastante simples.
Em conclusão, podemos comparar o neopositivismo ao po
sitivismo original dc Comte. Ambos exibem a tendência a só
atribuir a verdade à ciência. Ambos dão ênfase especial à
observação e à inferência. Mas o método histórico de Comte
é substituído pelo método estatístico, o realismo moderado dc
Comte deu lugar ao noiuiiialismo extremo, a analogia orgânica
temperada de Comte e sua “Física Social" cederam a vez a
uma confiança muito maior na metodologia da Física mo
derna. Finalmente, desapareceu a tese do progresso dos fun
dadores da Sociologia.
275
CAPllUl.O XVI
776
ccólogos dão ênfase 6 inteiramente diferente; ademais, a Ec
logia combina os approaches biológico e geográfico, estabe
lecendo correlações entre o fundo biológico dos fenômenos to*
dais e o meio geográfico.
A Sociometria moderna pode ser retraçada até o pene
trante estudo da comunidade, de Toennies, à análise dos pro
cessos sociais elementares dc Simmcl e ao tratamento dos gru
pos primários de Cooley. A Sociometria também tomou al
guns traços da Psiquiatria moderna. Êsses vários elementos se
têm entrelaçado com uma forte acentuação sôbre a medição,
esta última de inspiração neopositivista.
Ecologia humana
277
t.unbéin assinala que as pessoas com traços econômicos c
v i ;i.tis similares tendem a agregar-se em áreas específicas
da cidade e que as características sociais e culturais dc cada
área tendem a impor-se na vida dos habitantes. Os escritos
de Park c seus ensinamentos foram a origem de lima nova ten
dência determinista, desta vez dc natureza ccológica. De 1921
a 1923, R. D. MacKcnzie, com Park e Ernest W. Burgess, o
terceiro fundador da Ecologia moderna, levaram a cabo uma
investigação das áreas de uma cidade, à maneira de Galpin;
foi talvez o primeiro sociólogo a usar a terminologia conceptual
da Ecologia humana em pesquisa empírica sistemática. O têr-
ino ecologia humana empregou-o Park, em colaboração com
Burgess, seu colega em Chicago, no compêndio geral, An In
troduction to the Science of Sociology (1921).
O clássico artigo de Burgess, “The Growth of the City”,
apareceu cm 1923. Nesta obra, afirma-se a hipótese básica
da Ecologia urbana, ou seja, que a cidade se desenvolve, ca-
racteristicamentc, como uma série dc círculos concêntricos lo
calizados em tômo do núcleo do distrito comercial central.
Distanciando-se dessa área central, vem as zonas de transição,
assinaladas pela deterioração física e social, de casas operárias;
residências da “classe média”; e, finalmente, a franja dos
elementos commuter.103 Êsse tipo-modêlo básico ou ideal,
entretanto, é falseado, em casos concretos, pela topografia lo
cal, pelo sistema de transportes c outras condições.104 A exis
tência da zona dc transição explica-se pela expansão da área
central; cônscios dêste crescimento, os proprietários de prédios
no círculo concêntrico seguinte, zona de transição, não os
conservam cm bom estado, proporcionando cm conseqüência
residências deterioradas mas relativamente baratas para as ca
madas econômica e socialmente menos privilegiadas da socieda
de. Êste ponto de vista da estrutura espacial e social da ci
dade apóia-se, provavelmente, no crescimento inicial da maio
ria ou pelo menos de muitas áreas metropolitanas cm desen-
278
volvimcnto nos Estados Unidos, conforme o indica um gnn»
dc número dc investigações ecológica mente orientada*.m En
tretanto, o padrão de zonas concêntricas efetivamente carece
da validade universal que algumas vê/es lhe é atribuída lofi
insinuada por ecólogos urbanos.
No segundo quartel do século XX começaram a multi
plicar-se as obras de acôrdo com a orientação ecológica, de
modo que se poderia legitimamente falar em “escola” ecoló
gica. Na década de 1930 a distinção entre interação estri
tamente ecológica e interação social começou a merecer des
taque especial; ao mesmo tempo, declarava-se que as simples
descrições dos fenômenos humanos em termos dc distribuição
espacial não eram verdadeiramente ecológicas. A interação
estritamente ecológica, declarou James A. Quinn, notável re
presentante da escola, opera mediante a dependência de al-
alguns suprimentos limitados de recursos do meio; cada or
ganismo vivo afeta neccssàriamente outros, pelo acréscimo ou
decréscimo do suprimento de recursos de que o* outros de
pendem. O processo é impessoal, e, dado que não envolve
nenhuma troca de significados, é subsocial; mas seu estudo
constitui parte impoi lante da análise sociológica.106 Por ou
tro lado, Park, um dos fundadores da escola, argumentava,
em tômo de 1930, que nas sociedades humanas deviam dis-
tinguir-se dois níveis ecológicos (ou sociológicos): o simbióti-
co, fundamentado na concorrência impessoal, e o cultural, ba
seado na comunicação e no consenso. Êste ponto de vista in-
clusivo, entretanto, não é aceito por Quinn, que concebe a Eco
logia humana como provendo sòmente a um dos possíveis mo
dos de abstração da rêde indivisível de relações humanas, em
uma área da vida comum.
Começando com a obra inicial dc Park e Burgess, os eco
logistas correlacionaram vários fenômenos culturais c sociais
com as “áreas naturais" da cidade. Destacaram para estudo
280
da transformação das sociedades humanas.Ift Os
ecológicos, muitas vêzes era combinação com outras técnicas,
aplicam-se hoje, freqüentemente, a vários campos de pesquisa.
Parece não haver dúvida de que traços da vida urbana, como
as relações interétnicas, podem usar eficazmente dos conceitos
do habitat, simbiose, c invasão e sucessão — produtos da teo
ria ecológica.
Soeiometria
282
tão não são mais freqüentes ou intensas do que enUe imlívfclttOi
apanhados ao acaso. Outras estruturas, entretanto, aproximam*
-se do nível da coesão social ótima.
A fim de estabelecer o tele, ténno usado em Sociometria
para conotar as fôrças de atração e repulsão entre os indiví
duos, emprega-se um procedimento chamado teste tocíomé-
trico. O teste exige que cada sujeito em uma investigação
indique suas escolhas de companhias em várias situaçõrs, tais
como brincadeira, trabalho ou estudo. O número de seleções
ou rejeições dos sujeitos pode ser restrito ou ilimitado, depen
dendo do âmbito da pesquisa.
A fim de conseguir uma descrição total e genuína de um
grupo ou sociedade, todos os indivíduos que o compõem pre
cisam ser observados como agentes ativos. Tarefa importante
do sociomctrista é estimular as pessoas que estão sendo estu
dadas a agirem e a escolherem e rejeitarem-se umas às outras
de acôrdo com procedimentos sociométricos. Cumprida essik
tarefa, cada domfnio das relações humanas — econômico, étni
co, cultural — será "esticado1' c tra/ido para o quadro da pes
quisa. Portanto, os sociomctristas advogam um procedimento
caloroso, a fim de provocar a mais alta espontaneidade pos
sível das respostas às perguntas e sugestões do observador. Este
deve também co-atuar com o grupo; por outras palavras, deve
agir como um observador participante.
Os testes que essas técnicas utilizam proporcionam mate
rial para gráficos denominados sociogramas. Um sociograma
é uma espécie de mapa do grupo em que, por símbolos apro
priados, se representam as escolhas positivas e negativas dos
membros do grupo. Os sociogramas permitem o delineamento
dos átomos sociais, definidos como o soma total das relações
que circundam cada indivíduo, numerosas em alguns casos e
poucas em outros. Os átomos sociais, entretanto, são apenas
partes de um padrão maior, a rêde psicológica, representada
pelo entrelaçamento de certo número de átomos sociais. Este
procedimento gráfico revela um número limitado dc configu
rações típicas; a isolada, ou um número solitário, em tênues
de escolha feita por êle de outros, e dc escolha feita dfie por
outras; a parelha; o triângulo auto-suficiente; a cadeia [A es
colhe B, mas B escolhe C, etc.); e a estrela com sua conste
lação. Além dessas configurações, características de pequenos
grupos, os socioir.etristas anotam estruturas mais extensas: a
H»
comunidade composta dc redes psicossociais c a humanidade
composta dc comunidades. Embora Moreno ou outros desta
cados sociometristas não tenham estudado o assunto, outros (in
clusive Lur.dberg) 103 empregaram sociogramas para traçar mo
delos dc relações sociais em pequenas comunidades americanas.
Além da construção e análise dos sociogramas, os socio
metristas usam o método do átomo cultural, apresentando es-
quemàticamente os vários papéis sociais dc que os indivíduos
participam, ativa e passivamente, tão bem quanto a matriz
inter-relacional sugerida por Dodd.
As averiguações de numerosos estudos sociográficos enco
rajaram os sociometristas a chegarem às seguintes conclusões:
na vida social há concentração da escolha humana sôbre uns
poucos indivíduos, atuando isto para reduzir o total de esco
lhas gastas com outros. Esta situação produz um prole
tariado sociométrico, os bolados, o mais antigo c mais nume
roso proletariado da sociedade humana. Ademais, existe uma
correlação entre a inclinação do indivíduo a fazer escolhas po
sitivas e a aptidão a sc tomar objeto das escolhas de outros.
Os superescolhidos assumem facilmente a posição de liderança.
Conclusão posterior de Moreno é que o conflito e a ten
são social aumentam na proporção direta da diferença socio-
dinâmica entre a sociedade oficial e a matriz sociométrica (ex
primindo relações de atração-rcpulsão). Os sociometristas es
tudaram perturbações ocorridas cm grupos, por exemplo, ca
sas correcionais, e averiguaram as relações entre várias formas
de organização de grupo e diferentes tipos de perturbação.
Se, digamos, a maior parte dos interêsses emocionais de um
grupo familiar se dirige principalmente para indivíduos de
fora do grupo, o funcionamento do mesmo seri perturbado
pela falta de precisão no trabalho, pela superficialidade da
execução, etc. Se, ao contrário, o grupo ê grandemente in
trovertido, mas muitos des membros sc rejeitam uns aos ou
tros, surgirão perturbações de outro tipo, expressas no atrito
e no conflito entre os que estão presos à execução das ações
necessárias. Se muitos membros rejeitam a casa materna! mas,
284
por outro lado, sc atram reciprocamente, podem seguir-se a re
gressão no trabalho e a rebelião aberta.
À base de diversos estudos de conflitos intragrupais, os ao-
cioraetristas desenvolveram técnicas para reduzir essas tensões,
especialmente o psicodrama e o sociodrama. gmg* técnicas
também podem ser usadas com outros propósitos, tais como
a formação de indivíduos para a liderança de grupos.
Moreno e seus seguidores, como muitos inovadores, in
clinam-se a superestimar a significação das próprias conclusões.
Freqüentemente escrevem como se tivessem descoberto a chave
para a compreensão das relações interpessoais. Com tôda a
probabilidade, a afinidade seletiva entre membros de grupos,
a que eles dão ênfase especial, opera em combinação com
uma afinidade baseada no parentesco, proximidade espacial
e outros fatores. Além disso, os costumes tradicionais, as ins
tituições e a coerção também afetam as relações interpessoais.
Não obstante, os sociometristas abriram um promissor campo
de estudo. Recentemente, suas idéias encontraram acolhida
na França, onde se fundou um Instituto Sociométrico. Nesse
país, Georges Gurvitch apontou uma flagrante similaridade en
tre os pontos de vista dos sociometristas e sua própria Micrus-
sociologia (ver cap. XIX). As duas tendências começaram
independentemente e a similaridade que apresentam pode ser
considerada outro exemplo da tendência convergente na Socio
logia contemporânea.
Resumo e apreciação
286
CAPÍTULO XVII
A Escola Funcional
287
funcional, cm Sociologia e cm Antropologia Cultural, são atri
buídos sentidos diferentes e não-correlatos. As vezes, especial-
mente na obra de Sorokin, o termo função é usado no senti-
do matemático, significando uma variável cuja grandeza é
288
funções essenciais à pcrimêntia (eventualmente, à expansão ou
ao reforçamento) do todo e, portanto, são interdependente *
mais on mrom completamente integradas.
O approach funcional é mais antigo na Biologia, na Psi
cologia e na Antropologia Cultural do que na Sociologia. A
Biologia, como ciência, organiza-se em torno da idéia de que
cada órgão, ou parte do sistema denominado organismo, realiza
uma função ou funções essenciais à sobrevivência do organismo
e das espécies a que pertence, ou apenas das espécies; como
corolário, destaca o princípio da interdependência dos órgãos.
Em síntese, um organismo é compreendido como um sistema
de componentes funcionalmente inter-relacionados.
Em Psicologia, durante o fim do século XIX e no prin
cípio do século XX, várias escolas analiticas descreveram acu
radamente as partes componentes do processo mental (como
cognição, emoção e voliçõo), mas foram incapazes dc apreen
der sua unidade. Começando antes — desenvolvendo-se, porém,
nas décadas de 1920 e 1930 — surgiu a influente escola da
Gestalt (configuração), sustentando que qualquer elemento do
processo mental, se se deseja alcançar uma compreensão realista
do mesmo, precisa ser estudado no contexto do todo, porque
o significado de cada elemento varia de acôrdo com a configu
ração total de que êle é parte.
Em Etnologia ou Antropologia Cultural, Franz Boas (1858-
-1942) antecipou o approach funcional, escrevendo, em 1S87:
“A arte e o estilo característico de um povo só podem ser
compreendidos estudando-se seus produtos como um todo.** 111
Mas o funcionalismo* ná 'Antropologia desenvolveu-se muito
depois, em oposição ao evolucionismo e ao difusionismo. O
evolucionismo foi descrito em nossos primeiros capítulos, bem
como seu colapso quando emergiram teorias novas, inclusive
o funcionalismo. O difusionismo é a posição tomada por alguns
etnólogos que destacam a propagação ou difusão de invenções
de um número relativamente pequeno de centros culturais e
seu significado no desenvolvimento cultural. Contràriamente à
orientação histórica de ambas essas escolas, que explicam cada
item da cultura localizando-o seja no esquema evolutivo, seja
em um concreto processo histórico dc difusão, os fundonalistas
declaram que a explicação de cada item da cultura se encon-
10 289
ni> que cie representa para o todo, c, correlativamcnte, nos
1:.1
tcnnos de sua interdependência com os outros itens que formam
a cultura. Como ocorre freqüentemente aos inovadores, os
funcionalistas pecaram por exageros, parecendo às vezes afirmar
que cada item cultural é funcional no sentido em que contribui
positivamente para tôda a cultura, desprezando claramente os
costumes nocivos, à maneira de Sumner. Similarmente, os
antropólogos funcionais admitem, às vezes, que cada sistema
social é perfeitamente integrado, relegando a segundo plano o 7 .
bem conhecido fato da desorganização social.
As tendências existentes na Biologia, na Psicologia e na
Antropologia Cultural estimularam grandemente o surgimento
da Sociologia funcional. Mas os sociólogos funcionais podem
reconstituir a própria genealogia, igualmente, dentro de seu
disciplina. As idéias da integração de partes cm todos^ c da
interdependência dos diferentes 'elementos de uma sociedade
apareceram no consensus universalis de Comte, na preocupação
de Spencer com a integração compensando a diferenciação,
na teoria orgânica de Cooley e especialmente na concepção dc
Pareto da sociedade como um sistema cm equilíbrio. A ênfase
atribuída às contribuições feitas ao todo por estruturas sociais
particulares, criaram-na Durkheim e Thomas. É possível con
siderar The Polish Peasant, do último e de Znaniecki, o pri
meiro livro importante da Sociologia moderna escrito no es
pirito funcional.
290
provimento dc informações. A investigação, largamente reali.
zada mediante a observação participante, à maneira dos mo-
dernos estudos etnológicos, utilizou também, no entanto, do
cumentos históricos e dados estatísticos.
Os resultados convenceram os Lynd de que as maneiras de
satisfazer as necessidades surgidas em Middletown Indicavam um
tipo definido de estrutura social, ou seja, a divisão básica da
população era classes negociantes e trabalhadoras, cada uma
delas preenchendo de modo diferente, as funçõe-i iodas es
senciais. Não se verificou ã~ hipótese dê completa Integração
do sistema sociocultural, estando a vida da comunidade mar
cada por um labirinto de atividades institucionais entrelaçadas
e freqüentemente contraditórias. Os autores encontraram, exis-
tinto lado a lado, tentativas de empregar a Psicologia do sé
culo XIX na formação de crianças c a Psicologia do século
XX nos negócios, a confiança no laissez-faire do século XVIII I
c o uso de máquinas do século XX, etc. Entretanto, estabele- "
ceram algumas uniformidades na transformação social: por
exemplo, o fato de que as inovações materiais são voluntárias
c ràpidamentc mais accitas do que 35 novas Idéias- atinentes às
relações entre marido-c-mulherA_ entre pais e lilhos ou 'entre
classes sociais. Isto parece corroborar a hipótese do atraso
cultural, dc Ogburn.
Middletown, saudada por alguns comentadores como a
primeira demonstração importante da aplicabilidade dos mé
todos c teoria antropológicos às complexas comunidades mo
dernos, e citada por outros como uma “nova espécie de histó
ria”, foi amplamente lida nas universidades americanas na
década de 1930. Em 1937, os Lynd publicaram Middletown
in Transition, um estudo, em continuação, da cidade nos pri
meiros anos da depressão, onde, mantendo embora o ponto de
vista totalista da primeira obra, focalizavam mais agudamen
te te a estrutura de classes e as relações entre poder econômico
|'e político, em Muncie. Estes volumes estimularam certo nú
mero de estudos similares, na América e em outros países.
O mais conhecido dêsses estudos é a série Yankee Cky di
rigida por William L. Warner, informe em quatro volumes sft-
bre uma cidadezinha da Nova Inglaterra que destaca sua es-
. trutura de classes e status, seus padrões étnicos em transforma
ção c seu sistema industrial. O primeiro volume, The Social
Life of a Modem Community, apresenta a opinião funcional
dc \\amcr. nos teruios seguintes: quando a interação recípro
ca ó oi^anizada em relações definidas, produz sistemas dc agru
pamentos informais c formais denominados estruturas sociais
que regulam a conduta social dos indivíduos. Cada uma des
sas estruturas (a família, a organização econômica, a igreja,
etc.) sc manifesta cm normas padronizadas reforçadas por san
ções formais c informais. Finalmente, as diversas estruturas
sociais, dc tão inter-relacionadas, formam uma totalidade di
nâmica. Esta inter-relação integrada do sistema social cm tôdas;
as sociedades resulta da ênfase atribuída a uma estrutura, que
dá forma à sociedade total c integra as outras estruturas cm
uma unidade social, quase da mesma maneira que o esquele
to provê uma armação para as outras partes do corpo. Em
Yankee City e através da sociedade americana, a estrutura da
classe social exerce o papel do esqueleto.
Uma grande parte da série Yankee City, bem como di
versos outros volumes empreendidos por Warner, ou fazendo
uso de sua teoria e de seu método, descrevem detalhadamente
os sistemas de classe social e correspondentes inter-relações com
o status econômico e o genealógico, e os fatores étnicos, em
comunidades de várias partes dos Estados Unidos. Assim, re
presentam esta fase da Sociologia funcional por exemplo, Deep
South (1941), dirigido por Warner, Plainvillc U. S. A.
(1945), de James West, e Elmtown’s Youth (1949), de
A. B. Hollingshead.
Tentativa diferente para agir de acôrdo com o funciona
lismo foi a que realizaram Conrad M. Arensberg c Solon T.
Kimball em Family and the Community in Ireland (1940).
Êsses autores definem o funcionalismo como o destaque dado
à mtcrconexão da vida-social humana, declaram que um sis
tema social é um equilíbrio dc usos e concluem, no aludido
estudo de uma comunidade rural tradicional, que cada aspec
to da vida irlandesa sc integra no sistema todo. Arensberg
e Kimball escolheram, como ponto de partida para sua apre
sentação, a família e a comunidade, Da família imediata, pasj
saram a discutir a mais ampla estrutura de prentesco e outrotf
aspectos da associação e, finalmente, a recreação e as crenças
místicas. Os próprios autores assinalam que o rcajustamento
da obra, com, digamos, a igreja como foco, teria dado um
quadro completamente diferente da socicdadc. Confissão de
certo modo incoerente, em relação à crença na completa in
tegração social, pois, sc uma sociedade é perfeitamente integra-
292
da, o ponto de partida de sua descrição nSo devia afarar
descrição da totalidade.
296
Tais procedimentos representam apenas algumas das po»i-
bilidadcs metodológicas de uso potencial na análise funóooaL
(O experimento mental, o método comparativo e o estudo do»
efeitos da perturbação, naturalmente, têm sido e são empien-
dos por alguns representantes de outros approaches.) Diversos
estudiosos, talvez mais efetivamente Merton em Social Theory
otid Social Structure, acentuaram há pouco a interdependência
c a interação da pesquisa empírica de vários tipos, e o cres
cimento da teoria funcional.
No mesmo volume, Merton faz algumas contribuições im
portantes à teoria funcional. Tenta êle codificar sistemàtica-
mente um protocolo ou paradigma para o funcionalismo, es
forço destinado a apresentar “a própria essência de conceito,
procedimento e inferência na análise funcional*'.11* Nesse es
forço, Merton torna explícita a distinção entre função manifesta
c latente, distinção encontrada de forma implícita nas obras
de numerosos estudiosos. As funções manifestas referem-se às
conseqüências objetivas dc uma unidade social "õu cultural es
pecífica, que contribuem para sua adoção ou ajustamento c
que eram pretendidas pelos membros; as funções latentes re
ferem-se a conseqüências não-pretendidas e não-reconhecidas-
Assim, para citar uma notória ilustração de Merton, uma fun
ção manifesta do consumo econômico é o uso, enquanto uma
de suas funções latentes é (ou era em certa época), como Ve-
b!en acentuou, a manutenção ou o realce do prestígio. Nos pou
cos anos decorridos após a publicação da obra de Merton
(1949), esta distinção vem sendo extensamente empregada pe
los sociólogos americanos. Distinção que — conforme o pró
prio Merton o destaca c demonstra em um curto ensaio, po
rém de mestre, sôbre a máquina política urbana, cm que c»ta
organização é retratada como satisfazendo necessidades exis
tentes de vários grupos, não eficientemente preenchidas por
instituições oficiais — é especialmente válida porque chama a
atenção para funções latentes aptas a serem cxnminadas na
análise social.
A discussão de Merton da máquina política ilustra igual
mente o conceito das alternativas funcionais, essencial para a
análise “uma vez que abandonamos a presunção gratuita da
indispensabilidade funcional de determinadas estruturas sociais”;
Resumo c apreciação
298
m
ckttivo para a observação sociológica, mas aem próprio» estu
dos se relacionam primaciaiinente com as estruturai wciik
O problema da relação de indivíduo e sociedade não é
dccutido explicitamente, embora Thomas, conforme asmala-
mos no capitulo XII, realizasse importante obra pioneira sftbre
inter-rclações funcionais dc personalidade e cultura.
As questões sôbre os determinantes da estrutura social e
da transformação social são enfaticamente respondidas em favor
da causação múltipla. Muitos fatôres, mas funcionalmente I
intn-relacionados, determinam a configuração de uma socie
dade bem coino suas transformações — ponto de vista que
paicce largamente compartilhado.
Mas os funcionalistas não participam dc nenhuma definição
preferencial dc Sociologia. Alguns dêlcs, especialmente os não-
-sociólogos, incorporariam a Sociologia à Antropologia Cultural.
A metodologia da escola tem sido fraca, freqüentemente
apoiando-se na intuição ou na capacidade do observador para
“ver** funções realizadas por estruturas parciais, correlações, in-
kegrações, etc. Temos sugerido algumas idéias sôbre procedi
mentos mais precisos. Um tratamento mais compIcto dos <. Q#
problemas metodológicos encontra-se na obra de Merton.
A experiência relativamente curta do funcionalismo parece
indicar o fato dc que uma descrição significativa das estruturas
sociais c da cultura em termos funcionais exige um “tema central"
em tômo do qual seja possível organizar, inteligivelmente, o
resto do sistema sociocultural.l,# Além disso, conforme Sorokin,
Merton c ou tios acentuaram, deve-se reconhecer que a integração
social nunca é completa c que tôda sociedade e cultura contêm
clementes mal ajustado» dentro do todo. A falha em conceber
a sociedade como um equilíbrio dinâmico e imperfeito caracte
riza, infelizmente, a obra de alguns funcionalistas, especialmente
na Antropologia Cultural.
Finalmente, há boas razões para acreditar enganosa a
hipótese dc funcionistas extremos, de acôrdo com o» quais tôdai
as partes dc uma cultura têm funções positivas. As formulações L
299
mais realistas c mais cautelosas do antropólogo Ralph Linton,
quc pro ume a existência de “itens não-funcionais”,120 c as
dc Merton, que formula a hipótese das conseqüências121 não-
-funcionais e disfunções, devem encorajar o desenvolvimento
dc uma teoria funcional mais sofisticada.
O funcionalismo talvez seja antes uma promessa do quc
uma conquista. Mas 6 uma promessa importante. O neoposi-
tivismo, como vimos, reduziria a Sociologia à medição. O fun
cionalismo não a exclui (ou a outras técnicas dc pesquisa). A
análise funcional, porém, concentra sua atenção no significado;
procura responder à pergunta: O que significam fenômenos
| cspccíficos e diversos, sob o ponto de vista da ordem social
[ como um todo?
300
CAPITULO XV11I
Sociologia Analítica
W
tem tamlx-m suas predileções, mas via dc regra as subordinam
a tarefa dc construir tuna teoria unificada e ampla.
Segundo ponto introdutório, c relevante, é o fato de que
os esquemas dc referencia dos sociólogos analíticos refletem-
-se correntemente ein muitos compêndios e monografias dc pes
quisa. No presente estudo só poderemos mencionar semelhan
te* ramificações cm casos excepcionais. As contribuições ao
que chamamos Sociologia analítica são tantas que a seleção é
realmente imperiosa c necessária, c resulta obrigatoriamente
na omissão de obras de valor. Restringimos nossa discussão,
na maior parte, aos escritos dc quatro estudiosos contempo
râneos: Sorokin, Parsons, Znaniecki c MacIver. Enquanto a
qualidade analítica das obras desses autores está acima de dú
vidas e sua influência é notória, as contribuições de outros
sociólogos de hoje exigiriam um tratamento integral da So
ciologia analítica.122
Pitirim A. Sorokin
302
i
ticipou ativamente na luta contra o comunismo. Foi prfao,
julgado c condenado à morte; teve, porém, a pena comuudá
em exílio. Passou dois anos na Tchccoslováquia e radicou*
•sc cm seguida nos Estados Unidos.
Na América, tornou-se professor de Sociologia da Univer
sidade de Minnesota, cscrcvcndo aí duas obras relevantes, Social
Mobility (1927) c Contemporary Sociological Theories (1928).
Êste último volume é um estudo sistemático c critico das prin
cipais “escolas” de Sociologia, destacando os diferentes approa
ches do problema dos determinantes da estrutura da sociedade
c da transformação social. Em 1930, Sorokin passou a lecio
nar na Universidade de Harvard, onde fundou o primeiro de
partamento de Sociologia, que presidiu durante uma década.
Durante os anos de Harvard, numa fecunda atividade, publi
cou suas obras principais, inclusive a opus magnum, Social and
Cultural Dynamics (quatro volumes, 1937-41); a monogra/ia
Sociocultural Causality, Time and Space (1943), que sc pode
considerar um suplemento à anterior; e um tratado sistemáti
co de Sociologia, o único na Sociologia americana cm termos
dc compreensão c integração Society, Culture and Personality
(1947); cm 1950, com The Social Philosophies of an Age of
Crisis, fez um acréscimo substancial a Sociological Theories.
As publicações de Sorokin podem ser divididas nas que
contribuem fundamentalmente para a Sociologia analítica c
nas que tratam da Sociologia histórica. Neste capitulo consi
deraremos as primeiras; discutiremos no capítulo XX a Socio
logia histórica.
No capítulo I assinalamos que Sorokin definiu a Socio
logia de um modo que parece aceitável aos sociólogos de várias
tendências e que descreve acuradamente o objetivo da teoria
sociológica. Assim — declara êle — a Sociologia é o estudo
das características gerais comuns a tôdas as classes de fenô
menos sociais, da relação entre essas classe e da relação entre
os fenômenos sociais c não-sociais.18 Em Society, Culture
and Personality proporciona outro relinearaento para a disci
plina, indicando mais precisamente as áreas adequadas à inves
tigação sociológica: a Sociologia é a teoria generaltzadora da
estrutura e da dinâmica de: a) sistemas sociais e congeries
[elementos funcionalmente inconsistentes], b) sistemas culturais
SOI
e congeries, t c) peisonalidades cm seu aspecto estrutural, ti
pos principais, inter-relações e processos de personalidade.1,4
Alguns dos têrmos usados nesta definição exigem explicação,
que será dada nas páginas seguintes.
Em concordância com o ponto dc vista de muitos soció
logos, c voltando a Simmel, Sorokin escolhe a interação como
a unidade cm que os fenômenos sociais devem ser analisados.
“Em suas formas desenvolvidas'' — explica êle — “encontra-se
o superorgânico (têrmo empregado por Spcncer) exclusivamen
te no domínio dos scres humanos interatuantes e nos produtos
de sua interação”.125 Interação aqui abrange “qualquer even
to pelo qual uma facção influencia sensivelmente as ações pú
blicas e o estado da mente da outra”.126 Os sujeitos da inte
ração são ou indivíduos humanos ou grupos organizados de se
res humanos.
Limita êle o conceito de interação sustentando que “o mo
delo mais genérico de qualquer fenômeno sociocultural é a in
teração intencional de dois ou mais... indivíduos”.127 A razão
dessa limitação deve ser encontrada no conceito de Sorokin de
interação sociocultural Esta inclui três componentes inseparà-
vclmcnte inter-rclacionados: “1) personalidade, como o sujeito
da interação; 2) sociedade, como a totalidade das personalidades
interatuantes...; 3) cultura, como a totalidade das intenções,
valôrcs e normas possuídos pelas personalidades interatuantes,
e a totalidade dos veículos que objetivam, socializam c trans
mitem essas intenções.” 128 Cada um dos três aludidos compo
nentes é submetido a extensa análise, na obra de Sorokin. O tra
tamento da cultura, entretanto, constitui, de longe, sua contri
buição mais importante.
A sociedade está cristalizada em grupos sociais ou sistemas.
Dependendo do caráter da interação, podem os grupos ser or
ganizados, não-organizados ou desorganizados. Afirma Sorokin:
Um grupo social, como uma totalidade de indivíduos intera-
tuantes, se organiza quando o quadro central de valôrcs e in-
304
taxções, como a razão de sua interação, / de certo modo coe
rente em si mesmo e reveste a forma de noimas-lei definindo
precisamente todas as relevantes ações-reações dos indivíduos
interatuentes, em suas relações de um para outro, para os de fora
e para o mundo em geral; e quando tais normas são eficientes,
obrigatórias e compulsórias se preciso fôr, na conduta das pessoas
interatuantis.129
Esta afirmação bastante complicada pode decompor-se em
quatro proposições inter-relacionadai: 1) cada grupo organiza
do sc caracteriza por "um quadro central de intenções e valô
res”; aqui o têrmo "intenção" é quase sinônimo de “idéia”.
Esta proposição assemelha-se ao ponto de vista dos institucio-
nalistas (ver cap. XIX) de que um grupo social se constrói em
tômo de uma “idéia diretiva”, isto e, uma idéia que exprime
algum valor a ser conquistado pelo grupo;190 2) o quadro cen
tral de idéias e valôres deve ser coerente cm si mesmo: êste
princípio aproxima-se muito de um teorema defendido por
muitos funcionalistas; 3) essas idéias e valôres coerentes assu
mem a forma de normas a serem obedecidas pelos membros
do grupo; 4) tais normas, que Sorokin chama de “normas-
-lei”, precisam tornar-se efetivas c, portanto, eventualmente
compulsórias.
Observe-se que a identificação, com a lei, das normas de
conduta dos grupos, só é sustentável se usarmos o têrmo “lei"
em sentido muito mais amplo do que o usual. Seguindo o es
tudioso russo Petrazhitsky,m Sorokin define norma-lei como
a que atribui direitos a uma parte e correspondentes deveres
a outra parte. A formulação dá ao conceito um sentido mais
inclusivo do que o atribuído às normas legais, que exigem a
sanção da sociedade politicamente organizada.
Sorokin sustenta que, partindo de sua definição de inte
ração, a qual enfoca a conduta humana que influencia outros,
pode-se derivar a proposição de que “qualquer grupo dc indi
víduos interatuantes é antes de tudo uma unidade causai-
N 305
.funcional, cm que todos os componentes são mútua c sensi
velmente interdependentes”.132 Em outras palavras, cada gru
po social, para Sorokin, é um sistema social.
De que maneira trata file a cultura, que, como antes ob
servamos, é um aspecto tão importante de sua teoria? Em So
cial and Cultural Dynamics, ele define a cultura como “a soma
total de tudo o que é criado ou modificado pela atividade
consciente ou inconsciente dc dois ou mais indivíduos intera-
tuaudo um com o outro ou condicionando mutuamente sua
conduta”. m A cultura, cm Society, Culture and Personality,
conforme vimos, é descrita em termos das partes que a com
põem; nessa obra, o significado de cultura incorpora-se à de
finição de interação social, ficando cuidadosamente demons
trada a inter-relação dc todos os elementos, uns com os outros.
Primeiro, há “sistemas de cultura pura” — sistemas de idéias
ou intenções no sentido mais elementar; por exemplo, a pro
posição de que 2X2 — 4. Tais sistemas independem de sua
aceitação ou rejeição pelos homens. Segundo, pode-se “obje
tivar” ou exprimir um sistema de cultura de modo a tomá-lo
cognoscível para a maioria dos seres numanos. Terceiro, os
sistemas dc cultura podem ser “socializados”, transformando-se
em fatôres operativos na interação social. Um sistema de in
tenções expresso em têrmos comunicáveis e que constitua ele
mento relevante de uma área dc interação é um sistema socio
cultural, conceito chave na teoria sociológia de Sorokin.
A característica mais importante dos sistemas culturais e
socioculturais é sua tendência a se integrarem em sistemas de
níveis cada vez mais altos. O primeiro volume de Saciai
and Cultural Dynamics, por um lado, e o quarto volume da
mesma obra, bem como Society, Culture and Personality, por
outro, abordam algo diferentemente o problema da integra
ção da cultura. No tratamento inicial, “as numerosas inter-
-relações dos vários elementos da cultura” — declara Sorokin
— “reduzem-se a quatro tipos básicos”. Tais inter-relações
culturais são assinaladas pela adjacência espacial ou mecânica,
pela associação devida a algum fator externo, pela integração
causai ou funcional, ou, finalmente, pela integração interna ou
306
I
lógica-intencional.w Aqui, a integração causal-funcional dot
fenômenos socioculturais é identificada com as relações caunl-
-funcionais do domfnio dos fenômenos naturais, indicadas pela
uniformidade de relações entre as variáveis. O critério da in
tegração "lógico-intencional**, entretanto, é idêntico à intenção
central ou idéia.
No seu tratamento mais recente das in ter-relações cul
turais, Sorokin revela cena tendência a negar ou diminuir a
aplicabilidade do conceito de causação (pelo menos como é
usada nas Ciências Naturais) aos fenômenos socioculturais c
a identificar causalidade sociocultural e integração lógico-inten
cional. Assim, em Society, Culture and Personality afirma que
os “fenômenos culturais, em sua relação uns com os outros...
podem ser ou integrados (solidários), não-integrados (neutros),
ou contraditórios (antagônicos). São integrados... quando
dois ou mais fenômenos culturais interatuantes, isto é, causai-
mente ligados, ficam em coerência lógica ou, para os fenômenos
da arte, em coerência estética, nm com o outro”. Êstes, en
tão, formam os sistemas socioculturais. Sorikin prossegue:
"Não só as intenções, os valôres c as normas podem permane
cer, um para o outro, na relação de coerência lógica ou estéti
ca, não-relacionados ou em contradição, mas também as ações
públicas e outros veículos materiais, na medida em que
articulam e exprimem as respectivas intenções, valôres e
normas*'.135
Os trabalhos teóricos de Sorokin revelam seu interesse pela
hierarquia dos sistemas socioculturais e o grau dc sua corres
pondente integração. Concebe êle o sistema sociocultural to
tal dc uma "população” como um "supersistema’' que pode ser
mais ou menos integrado. Cada supersistema consiste em cinco
sistemas básicos, e funcionalmente essenciais, de linguagem,
religião, arte, ética e ciência. Cada um destes, por sua vez,
divide-se em sistemas, subsistemas, subsubsistemas etc., tam
bém mais ou menos integrados.
Sorokin acentua que o "supersistema'' não é de nenhum
modo identico à soma total dos itens de cultura encontráveis
em uma dada sociedade. Pois a cultura total dc uma socie
dade inclui, além de um supersistema, certo o número de con-
308
menos influente de sua obra, embora dois capítulo* inteiro#
de Society, Culture and Personality se relacionem diretamente
ao assunto, bem como numerosas passagens desse e de outrot
volumes. A seguinte citação sugere o approach sociológico de
Sorokin, francamente convencional:
309
fora do debate sociológico: “sua análise pertence à reli
gião e à metafísica".138
Os pontos dc vista metodológicos de Sorokin estão, na
maioria, completamente desenvolvidos no quarto volume dc
Dynamics e em Sociocultural Causality, Time and Space. De
clara-se adepto de uma “escola integralista'* em Sociologia, que
investiga os fenômenos sociais dc três maneiras. Estuda os fe
nômenos sociais em seu aspecto empírico, através da percep
ção dos sentidos c da observação scnsório-empirica. Segundo,
o aspecto “lógico-racional” dos fenômenos socioculturais pre
cisa ser compreendido através da lógica discursiva da razão
humana. Finalmente, a “realidade sociocultural tem seu as
pecto supersensorial, super-racional e metalógico. E o mesmo
representado pelas grandes religiões, éticas ahsolutistas e as
belas-artes verdadeiramente grandes... Esta... fase da rea
lidade sociocultural... deve ser apreendida através da verda
de da fé, isto é, através de um ato de intuição ou experiência
mística supersensorial, super-racional e metalógica". **
Eis uma afirmação realmente dúbia. A intuição não eqüi
vale a um ato de fé, o qual envolve a aceitação de alguma re
velação. O conceito dc Sorokin de intuição muito se apro
xima do procedimento fenomenológico da “abstração ideacio-
nal”, a ser discutido no capitulo XIX. Portanto, o pluralismo
metodológico dc Sorokin não c tão complcto quanto parece
inicialmente. Ademais, sustentamos que sua posição metodo
lógica não transforma sua teoria sociológica (no sentido defi
nido no capitulo I) em uma teoria filosófica.
Um dos aspectos mais desapontadores da metodologia de
Sorokin é a falta de precisão relativa ao que êle chama de
método lâgico-intencional. Na medida em que este método
é puramente lógico, é compreensível; c talvez o seja também
quando compara entre si os fenômenos da arte (embora al
gumas autoridades discutam este ponto). Mas a correlação
dos fenômenos intelectual e estético provoca um problema sé
rio. Como se poderá estabelecer firmemente, à base da conco
mitância dc tempo c espaço, que certas configurações de fe
nômenos intelectuais são “Intimamente” ou intencionalmente
integradas com configurações especificas de fenômenos esté
310
*
ticos. As ilustrações de Sorokin para esta integração »âo com
frequência perfeitamente plausíveis, mas a prova convincente
prima pela ausência.
Embora Sorokin discorde fundamente das pretensões dot
expoentes extremos do quantitativísmo em Sociologia, faz uso
abundante de métodos quantitativos. Assim, a fim de estabe
lecer o estilo de um dado subsistema sociocultural, por exem
plo a Filosofia, organiza listas dos fenômenos culturais que
mais claramente manifestam o subsistema (no caso concre
to, as obras dos filósofos da época), distribui cada item en
tre os três tipos principais de cultura e atribui, a cada um,
determinado peso (dependendo do número de seguidores dos
filósofos, últimas edições e traduções, e outros critérios objeti
vos) . Simples cálculos aritméticos resultam em conclusões
que tomam a forma seguinte: no século n, a por cento da Filo
sofia ocidental era sensual e b por cento idealística. Essas con
clusões sustentam a teoria de Sorokin da transformação so
cial, mas também revelam a limitada possibilidade de quan
tificar dados sôbre o estilo cultural. De maneira semelhante
medc-sc a intensidade variável dc fenômenos como a guerra e
a revolução. Medições rudes, sem dúvida, fato este reconhe
cido pelo próprio Sorokin; mas, com raras exceções, não le
vam a conclusões que se desviem grandemente dos pontos de
vista expressos em têrmos qualitativas por muitos historiadores.
As correlações de Sorokin abrem às vêzes perspectivas inespe
radas para regiões inexploradas do passado sociocultural do
homem.
Talcott Parsons
312
talvez, em certa medida, da obra dc Thoma». Era The
Structure of Social Action, Parsons apresenta uma teoria extre
mamente complicada da ação sociaÇ em quê sustenta que k
trata de
conduta voluntária. Ã~análise baseia-se largamente
no esquema meios-fins. Esta complexa formulação de urna teo
ria da ação social, representando, por parte de Panons, um
esfôrço ambicioso, mas inicial, entrelaça-se com uma análise
detalhada das teorias de Wcbcr^ LKirkhciina Pareto c Alfred
Marshall (c como tal constitui uma importante fonte secun
dária sobre êstes estudiosos), e, ainda mais, tem sido frequen
temente considerada difícil demais ou excessivamente abstrata
para utilização em pesquisa SoE a influência de Henderson.
Parsons reexpôs sua teoria dc forma mais apropriada para ser
aqui apresentada.
Formulada inicialmente em uma serie de artigos reuni
dos em Essays in Sociological Theory, Pure and Applied (1949),
a teoria reexposta se transformou depois cm The Social System
(1951). Enquanto Parsons escrevia o livro, certos pontos de
vista teóricos seus estavam em curso de modificação, parcial
mente sob a influência da cooperação com diversos colegas.141
A obra rcccntc de Parsons mostra-se especialmente próxima à
de Edward A. Shils, com quem escreveu um longo trabalho,
intitulado “Values, Motives and Systems of Actions”, publica
do em um simpósio editado por ambos c intitulado Toward a
General Theory of Action (1951). O ponto de vista teórico
expresso neste documento, uma das mats recentcs formula
ções de Parsons,142 é, a certo respeito, ainda mais complica
do em comparação com o original Structure of Social Action;
não obstante, aproxima-se em muitos aspectos da opinião so
ciológica geralmente sustentada. Entretanto, aqui a ação social
314
rência contínua à precedente análise da ação social. Os iads-
víduos são “motivado» por uma tendência i satisfação mási-
maü de necessidades que, como vimos, dominam a orunufSo
moliv acionai. Além disso, a relação dos indivíduos para com
suas sityaçpcjL sociais é definida em termos dc padrões cultu
rais específicos. Provàvelmentc, o têrmo “relação” refere-se ao
que é chamado cm outros lugares de “orientação" — caio em
que esta parte da proposição dc Parsons indica a orientação de
valor para os outros componentes principais da orientação do
agente quanto à situação. Aqui, na análise, o têrmo “valor**
não aparece explicitamente; mas pode-se presumir que oi pa
drões envolvem valôres. Êstcs padrões são culturalmente es
truturados c compartilhados. Este aspecto do sistema social
pode servir como uma espécie de ponte entre os sistemas so
cial e cultural: o sistema social inclui alguma coisa que per
tence à cultura.
Sistema social no sentido descrito no parágrafo anterior
e sistema socai como uma pluralidade de indivíduos interatuan-
tes sãcTduaT coisas diferentes. Muitas pluralidades dc indiví
duos interatuantes não possuem os traços descritos na primei
ra afirmação, mais complexa. Ê possível afirmar que Parsons
ainda não designou com firmeza os elementos dc um sistema
social, omissão que impede uma focalizaçõo incisiva, no estu
do sociológico. Cada caso de interação humana pode ser vis
to como um sistema social, nos têrmos da definição simplista dc
Parsons. Freqüentemente se refere êle a "sistemas sociais cs-
táveii”; com efeito, sua teoria do sistema iodai é antes uma
teoria do sistema social estável.iq Esta observação, feita por
diversos críticos, não diminui, entretanto, o esfõrço cm larga
escala, C talvez piomissor, dc Parsons, para distinguir conccp-
tualmcntc sistemas sociais, cultura e personalidade, c para fundi-
-los em um unicõ esquema teórico.
Parsons encara a cultura como “por um lado, o produto,
c, por outro, o determinante de sistemas de interação social
J/J
humana”.144 De acôrdo com a afirmação convencional an
tropológica, acentua que a cultura é transmitida, aprendida e
compartilhada. Seguindo seus três modos de orientação mo-
tivacional (descritos acima), distingue três grandes classes dc
padrões de cultura: 1) sistemas de idéias ou crenças, caracte
rizados pela primazia de interesses cognitivos; 2) sistemas de
símbolos expressivos, como as formas de arte, caracterizados pela
primazia de interêsses catéticos (adoção ou rejeição de obje
tos) ; e 3) sistemas de orientações dc valor ou “padrões inte
grantes”. Os padrões de cultura tendem a se organizar em
sistemas à base da consistência lógica dos sistemas de crença,
da harmonia estilística das formas de arte ou da compatibili
dade racional de um corpo dc normas morais. Parsons não
se dedica à análise dos sistemas culturais, parecendo considerar
essa tarefa como pertencente à Antropologia Cultural. Atém-se
fundamentalmente aos sistemas culturais, na medida em que
afetam os sistemas sociais e a personalidade.
O tema central da teoria sociológica de Parsons é “o
funcionamento das estruturas”. A análise cstrutural-funcional
exige tratamento sistemático do status e dos papéis jJos agentes
cm uma situação social bem como dos padrões institucionais.
O status reíerc-se ao lugar do agente cm um sistema de rela
ções sociais considerado como um estrutura; o papel, que em
cada caso concreto é inseparável do status e representa o seu
aspecto dinâmico (donde o conceito de ito/i/s-papel), refere-
-se à conduta do agente cm suas relações com outros, quando
encarada no contexto dc sua significação funcional para o
sistema social. Os padrões institucionais são concebidos como
expectativas padronizadas (ou “estruturadas”) que definem cul
turalmente a conduta adequada de pessoas que desempenham
papéis sociais variáveis. Uma pluralidade de padrões-papéis
interdependentes forma uma instituição.
Em outra formulação, Parsons identifica “instituições” com
um complexo de padrões institucionais que é “conveniente’* ana
lisar como uma unidade estrutural no sistema social. Esta for
mulação transfere o conceito de instituição do nível de uin
símbolo representando a realidade social para o de estudo da
realidade social porque essa conveniência é científica e não so
cial. Mas êsse ponto de vista, aparentemente nominalístico, pa-
316
recc ter sido modificado nos escritos mais recentes de PtrmÉ
pois neles uma “instituição" é declarada dc significado estra
tégico em qualquer sistema social em estudo. Afirmação <
provàvelmente, significa que a existência e o funcionamento
mais ou menos eficiente das instituições são pré-requisitos da
estabilidade que distingue uma estrutura, ou o sistema estável,
do sistema social em geral.
As instituições — sustenta Parsons — são o nódulo da
Sociologia. Define Sociologia ou teoria social (em oposição
à Antropologia que encara como a teoria da cultura) como o
aspecto da teoria dos sistemas sociais fjue se relaciona à
institucionalização.
“A institucionalização” — acentua Parsons — "pode ler
encarada como o mecanismo integrativo fundamental dos sis
temas sociais.”145 Pois envolve tanto a estruturação ou padro
nização das orientações de valor no sistema social quanto a
“interiorização” dos sistemas de valor na personalidade huma
na. A institucionalização é, então, o processo integrativo e es
tabilizador por excelência; forma um laço entre a sociedade
c a cultura, por um lado, e a personalidade e a motivação, por
outro. ‘TÔsto em termos dc personalidade isto significa que
há um elemento de organização do superego, correlativo a
cada padrão de orientaçSo-papel do indivíduo em questão. Em
todos os casos a “interiorização" dc um elemento de superego
significa motivação para aceitar a prioridade de interesses co-
letivosjôbre as pessoas, nos limites e ocasiões apropriados**.
Esta afirmação, cuja substância é longamente ilustrada em Va
lues, Motives and Systems of Action e em The Social System,
exemplifica por que a recente teoria dc Parsons é considerada
freqüentemente como sendo mais psicológica (e, em certa me-
dida, psicanalítica) do que sociológica.
Naturalmente, Parsons tem plena consciência dc que seu
tratamento do sistema social muito aproxima a Sociologia da
Psicologia. A afirmação seguinte indica a opinião que tem sô
bre a relação entre as duas ciências: “A relação da Psicolo
gia para com a teoria dos sistemas sociais aparenta ser extre
mamente análoga à que existe entre a Bioquímica e a Fisiolo-
318
Quanto a este approach normativo, pode-se remontar a linha
gem dc Parsons a Durkheim, Thomas e Sumner
Parsons, estudioso ainda jovem (cmra agora na casa dos
cinqüenta), mas influente, já produziu um corpo de traba
lho teórico que tem provocado extenso “ c intenso —co
mentário nos círculos soçiológicos. A crítica à obra de Par
sons inclui o^ seguinte: primeiro, sua teoria baseia-se na pre
sunção arbitrária (c, sob o nosso ponto dê vista,’ inconeta) dc
que a teoria sociológica é um aspecto parcial de uma teoria
geral da conduta humana; pode-se replicar que a “ação so
cial” (ou melhor, a “interação social’1) é simplesmente o ma
terial empírico a empregar na análise do grupo ou sistema
social e que o último constitui o verdadeiro objeto da Socio
logia. Segundo, a teoria sociológica dc Parsons, apesar dc
suas explicações modifications que acima observamos, é in
separável da teoria psicológica. Ademais, em sua obra inicial,
a Psicologia freqüentemente parece uma variedade de “senso
comum", ignorando a moderna teoria educacional e o approach
da Gestalt; nos últimos anos apoiou-se êle, muito pc**da*pe"t^
na teoria psicanalitica. De qualquer maneira, sua inclusão
da análise da motivação exige a transferência, para a Socio
logia, da confusão reinante na Psicologia relativamente a êste
complexo problema c toma incerta a delimitação entre as duas
ciências! A teoria sociológica, sustentamos nós, só pode ser
eficientemente construída “admitindo-se” as decisões dos indi
víduos (cujas motivações são psicològicamente da maior im
portância) e concentrando-se na composição das fôrças sociais
ou culturais que ajudam a determinar a conduta. Terceiro, o
cmprêgo desnecessário de novas palavras para conceitos anti
gos obscurccc às vezes assuntos bast an ie simples, bein como
marca as obras de Parsons, com frequência escritas era um
estilo dificílimo dc lcr, cspcciahncnte para o estudante não-
r-iniciado.
Os trabalhos dc Parsons provocam às vêzes, compreensl-
velmente, o comentário dc que êle reivindica apresentar o gK
tema teórico geral da Sociologia (se não de tôdas as “ciências
aa conduta”) 7 Esta impressão deforma a afirmação, expresu
| cm publicações recentes, de que seus esforços deviam ser en
carados como um programa para a construção de uma teoria
conceptual geraí! Resta verificar se seu programa particular
5c tomou um guia para os esforços sociológicos cm escala ver
dadeiramente grande — embora já se tenha realizado consi-
9Í
derávei trabalho fazendo uso da orientação teórica dc Par-
149 Ademais, comõ adíàntê veremós, o sistema teórico
dc Parsons não é, do modo algum, na Sociologia contempo
rânea, uma inovação única, apresentando, na realidade, afini
dades diversas com as obras de outros escritores, inclusive as
de seu colega e rival, Sorokin.
Florian Znaniecki
320
acôrdo com Znaniecki, 6 um conceito indutivo, simbolizando
religião, língua, literatura, arte, costume, mores, leis, organi
zação social, produção técnica, troca econômica, filosofia e
ciência. As sociedades são encaradas como todos separados,
territorialmente localizados, incluindo sêres humanos e cultu
ras sistemàticamente integradas.
Znaniecki, como Parsons, especifica a unidade da análi
se sociológica como ação. Ação definida como conduta “cons
ciente”, ponto de vista que contrasta com a posição behavio-
rista e, a êsse respeito, com a de Pareto. Entretanto, nem tô-
das as ações humanas são sociològicamente relevantes. A ação
social de interêsse primário para Sodologia é a conduta que
tende a influenciar sêres humanos conscientes, ou coletividades.
Em outro lugar, o têrmo “interação” é usado para conotar
aproximadamente a mesma dasse de fenômenos. Classifica as
ações sociais em tipos: criador, reprodutor e destruidor, clas
sificação baseada em obra muito anterior de Tarde.
Indivíduos interatuantes relacionam-se, freqüentemente,
pelo consenso ou acôrdo mútuo. Tal fato indica que os va
lores em que se baseia os julgamentos de indivíduos relacio
nados dessa maneira são compartilhados em certo grau. Tal
acôrdo pode enraizar-se na aceitação comum de modelos ideo
lógicos, caso em que as ações são “axionormativamente orde
nadas”. A observação mostra que a maioria das ações dos
participantes, em cada coletividade, segue, por compulsão, pa
drões culturais definidos. Znaniecki explica esta padronização
ubíqua do comportamento social mostrando que os padrões
culturais de ação tendem a satisfazer necessidades humanas
básicas. Por outras palavras, as ações são culturalmente pa
dronizadas de tal maneira que, seguindo-se os padrões, os pro
pósitos respectivos serão regularmente realizados. Esta expli
cação serve para prestar esclarecimentos à “ordem cultural
universal” postulada no princípio. Ordem cristalizada em “sis
temas limitados” (têrmo que Znaniecki prefere agora ao têr
mo “sistemas fechados” usado em suas primeiras obras). As
ações sociais, funcionalmente interdependentes de sêres huma
nos ou “agentes”, integram-se em sistemas axionormativamente
organizados. Assim, a ordem cultural tem um duplo signifi
cado: é uma ordem de conformidade (com as normas sociais) e
uma ordem de interdependência funcional.
Ponto de vista este coerente com o conceito de Znaniecki
da natureza da Sociologia (similar ao de Simmel). A Socio-
21
login — acentua ele — conccntra-sc nas relações sociais ou
humanai e nos grupos dentro dos quais ou entre os quais exis
tem tais relações.150 A limitação da Sociologia a relações e
grupos sociais é cm grande parte resultado do rápido avanço
da pesquisa social. Pois as conclusões da pesquisa capacitam
agora os sociólogos a generalizarem acerca dos fundamentos
sociais comuns de todas as categorias da ordem cultural. A im
portância da Sociologia para as outras Ciências Naturais —
susienta Znaniecki — cresceu na proporção em que ela se li
mitou ao estudo dos sistemas sociais dos quais depende a exis
tência dc cada domínio da cultura.
A posição metodológica dc Znaniecki não é explicada em
sua recente Cultural Sciences, Entretanto, suas primeiras pu
blicações, especialmente The Method of Sociology, situam-no
em um grupo de sociólogos cm que sc incluem Weber, Cooley
e Maclver. Como os dois últimos, Znaniecki opõe-se forte
mente à Psicologia behaviorista na análise sociológica, consi
derando o behaviorismo extremo como uma espécie de supers
tição científica. Revelou este ponto dc vista cm The Method
e repete o argumento em Cultural Sciences. De acôrdo com
êle, aqueles que condicionam a conduta humana assim agem
a fim dc fazer com que os objetos de sua atividade condicio-
nante se comportem como sc êlcs próprios fossem agentes cons
cientes, e tais atividades muitas vêzes se mostram altamente
eficientes. O sucesso dessas atividades condicionantes — de
duz Znaniecki — é um argumento forte em favor da propo
sição básica de que os objetos humanos do condicionamento
são eles próprios seres conscientes, com capacidade para com
preender ações simbólicas a eles dirigidas.
A metodologia, bem como a concepção da natureza da
ordem social, de Znaniecki, incorpora seu conceito do “coefi
ciente humaníftico”, que caracterâa relações sociais e traduz
a significação da consciência humana na vida do indivíduo
e da sociedade. Esta convicção apóia a defesa de Znaniecki,
do uso, na pesquisa, de autobiografias e outros documentos pes
soais — que revelam atitudes e estimativas das pessoas; também
apóia sua oposição a uma confiança absoluta nos métodos
322
quantitativos. Finalmente (e ainda aqui seus pontos de vis
ta assemelham-se aos de Cooley e Maclver), a ênfase que
Znaniecki atribui à ação humana consciente e seletiva o con
duz à opinião de que a Sociologia c a Psicologia Social são
disciplinas necessariamente relacionadas muito estreitamente, se
não interdependentes. Sua própria obra representa importan
te contribuição a ambos os campos.191
Robert M. MacIver
323
rnonstrou positivamente que o trabalho sociológico pode
ser belo, claro, artístico e literário.15*
324
d es com os pontos dc vista dc muitos teóricos, incluindo Spen
cer, Giddings, Small c Durkheim; entretanto, sua classificação
de interesses e sua análise das correspondentes implicações *>-
ciais vão além da obra destes primeiros estudiosos. Para to
mar uma ilustração final (há muitas outras), a distinção dc
Maclver entre interesses objetivos, os “objetos” para os quais
se orientam as pessoas (por exemplo, “amigo”, “inimigo”,
paz, dinheiro), e atitudes subjetivas, “estados de consciência
dentro do scr humano individual, com relação a objetos154
está conceptualmente muito próxima da distinção de Thomas
entre valôrcs objetivos c atitudes subjetivas (ver cap. XII).
Tanto Thomas como Maclver acentuam que as definições aca
badas de relações sociais precisam sempre incluir atitudes e
interesses ou valôres, e que conseqüentemente uma teoria com
pleta da conduta humana envolve necessàriamente as duas dis
ciplinas, a Sociologia c a Psicologia Social.
Observamos acima que a Sociologia de Maclver também
apresenta semelhanças com os pontos dc vista de Cooley. Não
há sòmentc similaridades metodológicas entre os dois, mas o
primeiro acentua c desenvolve o tema, do segundo, da inter
dependência do indivíduo e sociedade, sem, entretanto, fazer
desta relação fundamental e reciproca uma relação de harmo
nia completa. Assim, discutindo o aspecto normativo da vida
social, freqüentemente negligenciado, analisa em detalhe não
sòmentc a natureza das normas sociais e os “grandes códigos
sociais” (religião, moral, costumes, lei, moda), mas as rela
ções positiva e negativa entre o contrôle normativo social e a
vida do indivíduo.135
Em Society, onde se apresenta, de maneira mais com
pleta, sua teoria sociológica geral, o tratamento que Maclver
dispensa às normas sociais forma uma parte da prolongada
discussão da estrutura social (normas referidas como “fôrças
sus tentadoras do código e do costume”). O resto da análise da
estrutura social relaciona-se bastante com vários tipos de gru
pos sociais, incluindo família, comunidade, classe social e cas
ta, grupos étnicos, multidão, e as grandes associações econômi
cas, políticas e “culturais”. Ainda que Society, especialmente
325
na edição mais recente, seja designado como um compêndio
geral de Sociologia, Maclver utiliza largamente seu sistema
teórico e coerentemente aplica suas definições conccptuais bá
sicas a uma grande variedade de materiais extraídos da moder
na pesquisa social. Ademais, o destaque atribuído por êle ao
papel fundamental dos sentimentos subjetivos, aspirações e ati
tudes na vida social envolve sua interpretação, bem como sua
convicção, fundamente assentada, dc que o homem c um ser
tanto social e culturalmente criador quanto criado.
Convicção que se revela francamente em Social Causation,
obra negligenciada, porém a mais madura, talvez, de Maclver.
Acreditamos que, neste volume, encontrou êle o meio-têrmo
áureo entre a posição de muitos neopositivistas, que identificam
a causação social com a causação natural, e o ponto de vista
cético, recentemente propalado por Sorokin, entre outros, que
nega a aplicabilidade do conceito de causa aos fenômenos so
ciais. Maclver não sustenta que podemos conhecer as condi
ções ou causas determinantes de tôda a conduta do homem.
Entretanto, insiste era que é possível desenvolver um concei
to geral de causação que envolva as relações psicológicas e
sociais bem como as não-sodais. Mas estas últimas — por
exemplo, a relação causai entre vento e onda, solo e cresci
mento — é prcciso entendê-las como relações de “ordem inva
riável” de natureza externa, refletindo leis naturais, não so
ciais. As proposições e os métodos usados para estudar estas
relações (por cientistas físicos c biológicos) não são, como ar
gumentam os neopositivistas do tipo de Lundberg, suficientes
para compreender a causação dos fenômenos sociais. Pois es
tes últimos incorporam um elemento psicológico: há uma fun
damental “distinção entre o tipo de causalidade existente quan
do um papel voa ante o vento e o revelado quando um ho
mem voa ante uma multidão que o persegue... o papel não
sente mêdo, nem o vento ódio, mas sem mêdo e sem ódio o
homem não voaria nem a multidão o perseguiria”.186
Maclver assinala que a conduta humana é influenciada
por uma grande variedade de circunstâncias, sociais e não-
-sociais. Distingue três “grandes domínios dinâmicos”: o do
ser físico, o do ser orgânico e o do ser consciente. Embora cada
qual tenha atributos distintos (exigindo distintos métodos dc
investigação) inter-relacionam-se finalmente. Mas o “domf-
18* Social Causation, Boston, Ginn and Co., 1942, pág- 299.
326
mo do ser consciente', consistindo nas ordens cultura], txfVh
lógica c social, constitui o interêsse primário dc Maclver; aqui
é que se descobrem as peculiaridades da causação social. Escxt-
ve êle:
Em toda conduta consciente hi... um processo du
plo de organização seletiva. Por um lado, o sistema de
valôres do indivíduo, seu complexo cultural ativo, sua
personalidade, é focalizado em uma direção particular,
para um objetivo particular... Por outro lado, certos
aspectos da realidade externa são seletivamente relacio
nados às estimativas de contrôle, distinguem-se do resto
do mundo externo, são de certo modo extraídos dêle,
dado que se tornam agora, eles próprios, fatôres de valor,
meios, obstáculos ou condições relevantes para a indaga
ção de valor O sistema interno ou subjetivo é focalizado
por sua estimativa dinâmica; e o sistema de fora, ou ex
terno, i “refletido” nesse foco, sendo a parte que se acha
iluminada transformada de mera exterioridade em algu
ma coisa que também pertence ao mundo dos valôres,
eomo veículo, acessório, obstáculo e custo de realização
de valôres.187
327
individuais”, mas não envolvem nenhum objetivo consciente
de grupo. fcste é central no segundo tipo, o dos fenômenos co
letivos, t.»i* como movimentos sociais organizados, políticas ad
ministrativas e revoluções políticas. Finalmente, os fenômenos
conjunturais são persistências ou transformações, em larga es
cala, na estrutura social (por exemplo, flutuações do ciclo eco
nômico ou a transformação de uma sociedade agrária em in
dustrial), não planejadas pelos homens e que, não obstante,
representam conseqüências importantes dc miriades de con
tribuições individuais. Sem dúvida, o modo dc análise dêsses
três tipos de fenômenos varia, mas o papel fundamental da
ação coletiva conscicntc deve ser estudado em todos os três,
se pretendermos captar a dinâmica da causação social. De acôr-
do com semelhante destaque, atribuído à interdependência en
tre indivíduo e sociedade, Maclver afirma a tese-chave seguinte:
329
A própria Sociologia (embora mcno» do que ma teoria poB-
tica, igualmente famosa, e que não discutiremos aqui) apare
ce claramente colorida pelas convicções sodas e es
pecialmente pela vigorosa defesa da democracia potttica, e peia
filosofia social idealista de Maclver. Quaisquer que aejam
as limitações de sua obra, entretanto, permanece êle uma fi
gura rdevantc na Sociologia analítica de hoje.
329
cm parte resulta do fato de quc Sorokin passou muitos anos re
formando e experimentando teorias de numerosos eminentes
pensadores sociais antecedentes; sistematizou-as e enriqueceu-
-as com contribuições próprias. Parsons, mas recentemente,
entregou-se a empreendimento semelhante c apresentou propo
sições teóricas freqüentemente parecidas, em conteúdo, às dc
Sorokin, embora claramente diferenciadas na forma (e deci
didamente contrastantes em estilo). As contribuições criado
ras do próprio Parsons, embora não tão espetaculares quanto
as de Sorokin, são consideráveis, conforme assinalamos. Mas
as afinidades teóricas entre Sorokin c Parsons — e cm certa
medida entre seus pontos de vista e os dc Znaniccki e Maclver
— exigem estudo mais acurado do que têm tido.160 Os se
guintes parágrafos de resumo indicam brevemente a direção
que tal estudo poderá tomar.
Em primeiro lugar, os quatro estudiosos cuja obra exa
minamos neste capítulo concordam em um problema básico
para a teoria sociológica: o problema da natureza da socieda
de. Êstcs sociólogos analíticos (e muitos outros, vários dos
quais freqüentemente citados nas notas de rodapé do presen
te capitulo) concebem a sociedade como um sistema ou, mais
exatamente, um sistema de sistemas. Os componentes últi
mos dos sistemas sociais são agentes, personalidades humanas,
cuja conduta social envolve neccssàriamente seletividade ou
contribuição, mas que é também padronizada pelas expecta
tivas de outros e por valôres culturais. Entretanto, a unida
de básica da análise social não é o própria agente, mas sua
"ação” como situa Parsons (talvez, mais acuradamente, inte
ração) ; as “relações sociais” de Maclver também implicam
um approach interativo.
Sorokin, Parsons, Znaniecki e Maclver concordam em
que a cultura é um sistema de sistemas. Mas o conceito dc
cultura nSo se refere às interações sociais como tais, e sim
a seus produtos duráveis, materiais ou não. (Maclver iden
tifica a “cultura” com produtos humanos caracterizados por
valôres-fms, distinguindo a cultura, neste sentido, dos produ
tos utilitários ou instrumentais, como a tecnologia, a que de-
331
CAPITULO XIX
Escolas Filosóficas
332
■
nard, mas apoiou a própria teoria, fundamentalmente, na s»>
dcscobcrta dc uma afirmação dc Santo Agostinho: “Um povo
c uma assembléia de seres racionais unidos por um io6nio
comum quanto ao objeto dc seu amor." m
O ponto de partida de Hauriou é esta proposição bastan-
te platônica: “As idéias objetivas existem por antecipação no
vasto mundo que nos rodeia." Entre essas idéias estão as que
sc referem a tarefas a cumprir que não podem “vagar ao lar
go” na socicdadc amorfa; precisam ser apreendidas e corpo-
rificadas cm instituições.
Hauriou distingue dois tipos de instituição: o primeiro
consistindo de coisas que correspondem a sistemas dc noimas
de conduta, c o segundo composto de pessoas ou grupos sociais.
Interessava-se ele, primacialmente, pelas instituições do segun
do tipo.162 Portanto, seus escritos sociológicos constituem prin
cipalmente uma teoria do grupo social, campo surpreendente
mente negligenciado, à época, pelos sociólogos profissionais.
A instituição (ou grupo social), de acôrdo com Hauriou,
compreende três elementos: a idéia organizadora, o govémo
organizado e a comunhão mútua dos membros em tômo da
idéia. A idéia organizadora, a idéia da tarefa a cumprir, m-
troduz-se na mente de um número indeterminado de indiví
duos. Em estilo verdadeiramente platônico, Hauriou acentua
que, embora a idéia comum receba formas algo diferentes
nas várias mentes individuais, permanece “objetivamente” a
mesma. As idéias organizadoras conferem uma existência pró
pria às instituições e são significativamente diferentes das idéias
dos membros que constituem os grupos.
O segundo elemento institucional de Hauriou é a organi
zação, análogo ao govémo no Estado. O governo é manifes
tação da vontade humana. O exercício da vontade, portanto,
é um elemento essencial da realidade social de uma institui-
334
A ideia geradora’, de acôrdo cora Renard, prtxku axm
grau de solidariedade entre as pessoas que sustentam ou de
sejam sustentar o grupo social. O grupo ou instituição, **m,
une as pessoas — mas não elimina sua individualidade com
seres racionais. A estrutura interna de uma imütuiçio é com
posta de relações sociais. Mas ao passo que outras relações
mantêm juntas as pessoas, como indivíduos, de várias manei
ras, dentro das instituições o grupo resulta do fato de que os
membros compartilham de uma entidade que os domina.
No segundo volume da obra, que é mais filosófico do que
o primeiro, Renard desenvolve as seguintes idéias: cada pes
soa tem uma concepção de um eu distinto e uma crença na
ligação do eu com o nâs.m O próprio vinculo não é pura
mente lógico; é real ou existencial. O propósito do estudo so
ciológico da instituição é mostrar como êstes elementos indi
viduais e sociais se ajustam mutuamente. Segundo o ponto de
vista de Renard, a instituição, como um organismo, integra
seus membros em um todo, embora não tão completamente
a ponto de destruir as respectivas individualidades. Pelo con
trário, a instituição provê os sêres individuais de propriedades
que dc outro modo não possuiriam. Por outras palavras, o
grupo não é redutível à soma total de suas partes.
A vida interior de ura grupo social ou instituição — sus
tenta Renard — é caracterizada pela intimidade, autoridade e
objetividade. A intimidade institucional é um “laço de con
fiança*', mas confiança socialmente padronizada ou organizada,
c a este respeito difere da amizade individual. Certa espé
cie de autoridade é essencial em um grupo social; é de fato
a condição de sua existência, sua maneira de ser, inseparável
das exigências da vida social. (Gomo alguns dos críticos de
Renard observaram, ele passa por alto a possibilidade de agru
pamentos igualitários em que a autoridade é sustentada por
todos os membros, de acôrdo com um principio de justiça.)
A autoridade, imanente ao todo, é exercida por indivíduos na
medida em que servem ao “bem comum”, o qual, neste con
texto, é provàvelmente identificado com a idéia geradora de
uma instituição particular. As relações mútuas entre as pes
soas que compõem as instituições são essencialmente as rela-
336
tos podem ser materials, em natureza, ou podem conâstir de
fins ou idéias. A cicncia, por exemplo, é realidade objetiva,
embora imaterial, unindo estudiosos e estudantes.
Sob um aspecto, Delas corrige o que encaramos como um
engano comum a seus predecessores filosóficos na escola ins
titucional. Compreende êle que os grupos sociais não são sem
pre instituídos pela aceitação comum de idéias diretivas; em
alguns casos os indivíduos estão ligâdos uns aos outros em vir
tude dc influência exercida sôbre éles por um objeto, antes do
desenvolvimento de qualquer propósito consciente. Neste caso,
o propósito individual é conseqüência de alguma influência
objetiva, assim como o compartilhar solo a tradição comum.
Em grupos dessa natureza, o propósito coletivo domina o pro
pósito individual. Em outros casos, o propósito individual
precede o fato social e a formação de um grupo, üm ou al
guns indivíduos concebem a idéia de uma tarefa comum.
Propagam-na e conseguem aderentes. Uma vontade comum
se desenvolve, sem dúvida, mas o propósito individual a
precedeu.165
Recentemente, as teorias dos institucionalistas começaram
a penetrar em alguns tratados gerais de Sociologia. Dá-se
isso no Essay of Sociology (1946), do estudioso belga Jean
Hacsacrt, que, talvez significativamente, como os outros mem
bros da escola institucional, 6 um homem de formação jurí
dica. De acordo com Haesaert, as estruturas sociais que sur
gem do contato e da cooperação são "sistemas sinérgicos,\
Êstes sistemas podem ser estruturas simples ou complexas, as
últimas consistindo em certo número de sistemas mais simples.
O sistema sinérgico é um fenômeno inteiramente original,
transcendendo os indivíduos cujas atividades o criam. Tem
“realidade” própria, embora secundária e artificalrr.ente cria
da. Seus elementos básicos incluem uma idéia diretiva, os meios
para realizar esta idéia através das atividades dos membros do
grupo e os estabelecidos padrões de ação adequados a esta idéia.
Esta formulação das características das estruturas sociais
parece ter pouca influência sôbre o conteúdo do extenso en
saio sociológico de Haesaert, exceto em sua parte final. Aqui,
A escola fenomenológica
W
Originária da Alemanha, a Sociologia fcnomcnológica
espalha-se para a França. Aí, seu principal expoente foi Ge
orges Gurviteh (1896- ). Gurvitch nasceu na Rússia, vi
veu na Alemanha, Tchecoslováquia e Estados Unidos, fi
nalmente se fixando na França, onde é agora professor na
Sorbonne. É autor de muitos volumes, entre os quais seus
Ensaies de Sociologia (1936) pertencem ao setor desta in
vestigação. Em 1950 apareceu uma versão nova dos Ensaios,
sob o título A Vocação da Sociologia.
Gurvitch constrói uma “Sociologia em profundidade” em
que o ponto de partida consiste dc fenômenos imediatamente
dados e que passam a níveis cada vez mais profundos. Tais
níveis incluem: 1) as bases geográfica c demográfica da so
ciedade; 2) o nível simbólico manifestado, por exemplo, no
fato de que as pessoas reagem de maneira definida a símbo
los como bandeiras c sinais dc tráfego; 3) as “superestrutu-
ras organizadas” da sociedade; 4) os h&bitos (mais corre
tamente: costumes) e práticas sociais; 5) os fenômenos re
volucionários ou reformistas (sendo a relação entre este ní
vel e o precedente a mesma entre invenção e imitação do
ponto de vista de Tarde); 6) os valores subjacentes às ati
vidades observáveis no nível precedente; e 7) a realidade
social imediata ou mente coletiva — o que indica a aceitação,
por parte de Gurvitch, dc certos aspectos da teoria dc Durk
heim. A mente coletiva — sustenta êle — é sentida nas pro
fundezas da consciência individual, opera através das men
tes individuais e proporciona ao homem o mais intimo co
nhecimento da reciprocidade das relações de valôres na vida
social.
Assinalem-se ainda dois elementos ulteriores da Sociolo
gia de Gurvitch. Primeiro, a distinção que estabelece entre
Microssociologia e Macrossociologia indica dois tipos princi
pais da Sociologia, cada qual usando métodos de investigação
perfeitamente distintos. (Esta distinção metodológica é ne
gada por muitos sociólogos, inclusive neopositivistas e funcio
nalistas como Merton, que sustentam a necessidade de em
pregar a mesma lógica de procedimento no exame de todos
os fenômenos sociais.) Estuda a Microssociologia, por exem
plo, pequenos grupos informais, enquanto a Macrossociologia se
interessa por fenômenos de larga escala como Estados e ci
vilizações inteiras. Segundo, Gurvitch construiu uma com
plicada classificação das formas dc sociabilidade, um tanto
342
no estilo dc Von Wiese (ver cap. XXI); entretanto, ou des
crição dr nada mcnos de 162 tipos de soriahilidade c cm-
cinlmcnte um exercício cm materia de definições | oferece
pouco desenvolvimento teórico.
Outro representante francês da Sociologia fcnomenoSjgi]
ca é Julcs Monnerot, autor de Os Fatos Sociais São São Coi
sas (1946). O titulo do volume indica o ponto de vista anti-
durkheimiano de Monnerot.
Sòmente os fenômenos de atração que formas o ponto
de partida da Sociologia — sustenta Monnerot — podem ser
realmente compreendidos (no sentido da verstehen de Max
Weber ou, ainda mais, dc acôrdo com a “abstração ideado-
naT). Em geral, “compreendemos” certos acontecimentos, ao
passo quo “explicamos** outros. Compreendemos quando es
tamos na presença de evidência válida per se. Tal evidência
é encontrada na experiência imediata, e as tentativas de ba
sear a compreensão na induçio destorcem a própria evidência.
Contràriamentc ao ponto de vnta de Durkheim, Mon
nerot insiste cm que os fatos sociais não são coisas, pois apre
sentam-se à mente de maneira claramente diversa do modo
pelo qual as coisas o fazem; estai são “condições humanas",
localizadas e datadas. O material primário da Sociologia con
siste cm seqüências de tais condições, o que significa que os
dados fundamentais da Sociologia são os mesmos da História.
O objetivo da própria Sociologia é dar um nôvo significado
a fenômenos já estudados por outras ciências. A Sociologia,
então, é uma forma de olhar para outras Ciências Humanis
tic as, de comparar seus elementos, e de procurar uma nova com
preensão da vida social; mu não é a ciência da sociedade,
pois, de acôrdo com Monnerot, não hi “sociedades*’, e sim
apenas estados de sociedades, situações sociais experimentadas
pelos homens.
Os fatos sociais ou condições humanas (que na obra
de Monnerot parecem referir-ie à condição dos homens quan
do se defrontam com experiências imediatas) não explicam,
em si mesmos, fenômenos como os movimentos sodais. Para
compreender os últimos, por exemplo, deve uma pessoa pri
meiro sentir o toque do movimento particular e, em segui
da, libertar-sc dele; sòmente então pode alcançar a compre
ensão objetiva.
343
Essa* tentativas de descrever o ato da compreensão c
seus objetivos são suplementadas pelo exame que faz Mon-,
nerot do que chama representações fundamentais. A mais
importante delas é o fato de que cada indivíduo “transcende
seus limites naturais”, produzindo em conseqüência efeitos
na ordem sociaíT Efeitos que se encontram e se opõem; en
tram cm “duelos” (reminiscência dos “duelos lógicos” de Tar
de). Mas não há sociedade sem atração. Diz-se de fato que
a sociedade é primacialmente um agregado humano que de
senvolve laços de coordenação e cooperação (formulação ein
choque com a afirmativa de Monnerot, referida acima, ne
gando a própria existência da sociedade). Dentro dêsse agre
gado surgem padrões ou estruturas à base de proximidades es
paciais e afinidades. Distinguem-sc três grandes tipos de es
truturas sociais, que Monnerot designa pelos termos alemãs
Gemeinschaft, Gesellschaft e Bund, baseando-se o último em
afinidades e experiências afetivas comuns. As duas primei
ras categorias, como vimos tomaram-se quase conceitos-padrões
na Sociologia moderna.
A Sociologia fenomenológica também está representa
da, nos Estados Unidos, na pessoa de Friedrich Baerwald
(1896- ), nascido na Alemanha, e desde 1935 professor
na Universidade de Fordham. Podem-se resumir os pontos
de vista teóricos de Baerwald da seguinte maneira:168
A realidade social é equivalente à sociedade. A socie
dade não é um fenômeno psicológico manifestado na des
coberta de relações de reciprocidade na consciência da pes
soa. Os dados fundamentais incluem a existência real de
pesioas sJém de nós mesmos, c nossa dependência delas. Pre
cisamos, porém, compreender não apenas o fato da coexis
tência, mas seu modo geral. A dependência humana baseia-
-se na insuficiência do indivíduo para assegurar a própria
sobrevivência. Sua “estrutura temporal" é limitada k pró
pria existência e experiência; a “estrutura espacial” do indiví
duo também é similarmente limitada. Tais limitações são ven
cidas por meio da coexistência.
344
O processo da coexistência no tempo — explica Baennld
cria padrões de grupos sociais cm que se integram 1
indivíduos e através dos quais êJcs são colocados em coo-
diçces dc vincular seus esforços, uns aos de outros. A par
ticipação social integra o indivíduo em uma cadeia de re
levantes acontecimentos passados; no mesmo sentido leva-o
a participar na projeção para o futuro da existência do gru
po. Através desse envolvimento na estrutura transpessoal o
indivíduo experimenta uma ampliação de horizonte no tem
po e íntegra, na consciência, aptidões, costumes, significadas
e valôrcs desenvolvidos no decurso de longos períodos.
A coexistência também é um processo interatuante no
espaço. Gera a ampliação do horizonte do indivíduo estabe
lecendo sistemas transpessoais de “domínio espacial'1 em que
o indivíduo participa, de que se beneficia e para que contribui
As instituições sociais não representam as sociedades no
plano existencial, pois as instituições precisam enraizar-ie era
alguma coisa mais, e êste é o processo da própria coexistência,
a projeção contínua dc horizontes de tempo-espaço do* indi
víduos em sistemas transpessoais mais amplos. A coexistên
cia envolve a transformação contínua do tempo astronômi
co em um passado e futuro intencionais bem como uma trans
formação contínua do habitat geográfico em espaço social.
Ainda que a coexistência seja o modo de existência dos
indivíduos — prossegue Baeiwald —, os sistemas efetivos de
vida e cooperação não são nem automáticos nem instintivos.
A sociedade é um pré-requisito para a sobrevivência, sem
dúvida, mas exige ativação constante através do estabeleci
mento e da manutenção de extenso tempo social e estruturas
espaciais. A sociedade não continua por si própria, na me
dida em que são afetadas as formações sociais específicas.
Existe, portanto, inerente a tôda estrutura social, a possibi
lidade de deterioração e desintegração através de ura enfra
quecimento dos vínculos nas estmras sociais dc tempo e espaço.
Estas proposições, altamente abstratas, de BaerwaW, su
gestivas como são, não atraíram ainda a atenção de muitos
sociólogos na América nem têm sido submetidas a testes em
píricos. Êste último comentário é em larga escala aplicável
à escola filosófica em geral.
«
A escola fenomenológica: resumo e apreciação
346
CAPITULO XX
Sociologia Histórica
347
desarvorado de uma geração oprimida pela catástrofe da Pri
meira Guerra Mundial.169
Os pontos de vista de Spenglcr, postos em termos mais
ou menos adequados ao estudo da teoria sociológica, assim
se exprimem: não 6 possível descobrir o significado, seja
qual fôr, da história da humanidade como vm todo; ademais,
a divisão convencional da história universal em antiga, me
dieval e moderna, é altamente enganosa e não tem nenhum
uso interpretativo; grande significação tem o relato da vida
de culturas separadas, ainda que suas intcr-relações sejam
relativamente sem importância e acidentais; cada uma dessas
culturas independentes e propriedade dc um povo (ou dc um
grupo de povos) que compartilha uma Weltanschauung (fi
losofia da vida) comum.
Spengler insiste em que cada cultura possui seu próprio
estilo ou ethos, irredutível ao estilo de qualquer outra cultura
(situação que significa que homens pertencentes a culturas
diferentes não podem efetivamente entender-se mutuamente).
Entretanto, caracteriza os estilos apenas de algumas cultu
ras, e de maneira altamente impressionista. O símbolo da
cultura clássica, por exemplo, c a estátua despida, da cultu-
ra árabe (maga, cristã inicial) é a basílica, e da faustiana
(ocidental) é a música instrumental e o cálculo.
A própria cultura, dcscreve-a como um organismo. Seu
desenvolvimento é menos assunto dc causação do que dc
“destino”. A cultura passa pelos mesmos estágios de cres
cimento e declínio que os indivíduos; cada qual tem infân
cia, juventude, maturidade e velhice. Spengler às vêzes subs
titui esta imagem das quatro idades pela das quatro esta
ções — primavera, verão, outono e inverno. Também con
cebe, para o ciclo vital de uma cultura, um prelúdio e um
348
i
despertar, ou do coméço da primavera, as pessoas vivem em um
ostágio pré-cultural; de fato, a maioria das peams nunca
ge desse estágio. Uma vez iniciada a cultura, entretanto, os
quatro estágios se sucedem em ordem. O último dêsses está
gios, o inverno, toma-se impcrceptívelmente uma “civilização”
agonizante, termo depreciativo no vocabulário de Spengler. A
civilização é, assim, o epílogo de cada cultura: a morte seguindo-
-se à vida, a rigidez sucedendo à criação intelectual.
A longa tese de Spengler dedica-a amplamente a oito
culturas: egípcia, mesopotâmica, hindu, chinesa, clássica (ou
apolínea), árabe (ou maga), maia t ocidental (ou íaustia-
na).179 (Também considera uma nona, a cultura russa nas
cente, mas não afirma que a tenha tratado exaustivamente.)
Cada cultura, de acôrdo com Spengler, possui um período de
vida de aproximadamente mil anos. Para atender aos fatos,
nesta fase de sua concepção organicista da cultura, Spengler
organiza as culturas de modo muito artificial. A cultura
árabe ou maga, por exemplo, começa no tempo do cristia
nismo primitivo, continua em Biz&ncio e chega ao fim no
califado árabe, assim privando a cultura ocidental de qual
quer continuidade com o cristianismo primitivo.
Sòmentc uma dessas culturas, a maia (na fase mexi
cana), foi destruída por fatôres externos. As outras morreram
ou estão morrendo em virtude da senilidade da civilização
urbana. Spengler proclama que as invasões germânicas não
destruíram a cultura clássica, uma vez que, ao tempo, a
civilização greco-romana já morrera há muitos séculos. A cul
tura ocidental — sustenta êle — emergiu por volta de 900
D. C.; portanto, seu fim deve estar próximo. Donde o título
da obra, A Decadência do Ocidente, e a sensação que
provocou.
A popularidade dos volumes de Spengler atingiu o auge
na década de 1920. Desde entio, com a acumulação do co
nhecimento sociológico, sociólogos, antropólogos culturais c his
toriadores fizeram novas tentativas para formular teorias em
grande escala das flutuações de culturas ou civilizações. Duas
dessas tentativas mereceram atenção mundial, as de Toynbee
349
e Sorokin embora também tenham sido publicados numerosos
outros estudos similares.
Digno de nota é que as duas obras principais nesse ter
reno apareceram quase simultaneamente. O historiador in
glês Arnold Toynbee (1889- ), publicou seis volumes dc
seu Study oj History, em 1934-39; cm 1954 saíram mais qua
tro volumes. Social and Cultm/il Dynamics, do sociólogo
americano Sorokin, em quatro volumes, apareceu em 1937-41.
Sorokin tem, com freqüência, discutido criticamente a obra
de Toynbee, mas Toynbee parece ignorar as teorias de Sorokin.
Arnold Toynbee
350
dental, religioso no rusio; como na obra dc Spengler, entre
tanto, não sc elabora o conceito de estilo.
Mas a resposta de Toynbee à pergunta sôbre a unifor
midade no movimento da cultura é, de modo geral, RiDdiaa>
te à de seus dois predecessores. Em certa época e era certo
espaço — observa êle — emerge uma civilização. Sob con
dições particulares, cuja natureza vai descrita adiante, a ci
vilização cresce, se não é detida nem é um dos tipos aborta
dos, como a espartana ou polinésia. O crescimento, porém,
traz consigo uma “crise” seguida pelo declínio. Diversamente
de Spengler, Toynbee não usa as imagens bastante poéticas
Hat quatro estações ou das quatro idades do homem para
descrever êsse circulo. Mas adere a Spengler na crença de
que o curso de cada civilização (com as exceções menciona
das) é uniforme, que passa através de estágios predetermina
dos e se dissolve. Diferentemente, não atribui uma duraçio
definida às civilizações.
O estudo da origem e do crescimento das civilizações é
a parte mais brilhante da obra dc Toynbee. Uma dc suas
teses principais consiste* em que o paradigma de desafio-rração
domina os processos de origem c crescimento. O desafio
pode derivar de fôrças naturais, como um clima severo, ou
dos homens, especialmente de vizinhos belicosos. A civiliza
ção emerge e cresce quando, por um lado, o desafio não é
violento demais, e, por outro, se existe uma minoria ou elite
inteligente que encontra a reação adequada para o mesmo. m
Êste ponto de vista representa um melhoramento substancial
na concepção de Spengler do destino como explicação da
origem das civilizações.
As civilizações crescentes — de acôrdo com Toynbee —
exibem características definidas. Cada uma contém uma
minoria criadora que é seguida pela maioria do povo. Êste
consiste de um “proletariado interno** da mesma sociedade,
bem como de um “proletariado externo”, vizinhos bárbaros
influenciados pela civilização crescente. Cada civilização cres-
551
cente se expande como um todo, mais em têrmos qualitati
vos do que numericamente; tamanho não c de nenhum modo
sintoma de civilização cm desenvolvimento. O processo de
crescimento inclui os tiaços importantes de integração pro
gressiva e autodeterminação da civilização e sua diferencia
ção de outras através da aquisição de um estilo único.
Mas o crescimento da civilização é interrompido pela
crise, que ocorre quando a minoria não encontra a reação
adequada a um desafio sério. Desenvolvimento inexorável:
em nenhum caso histórico a minoria criadora encontrou res
postas apropriadas a todos os desafios enfrentados por sua
civilização. A crise comumente ocorre sòmente alguns sé
culos depois da emergência de uma civilização. Assim, a
maior parte da História abrange civilizações em declínio.
A crise — prossegue Toynbee — é seguida pela desin
tegração e dissolução. O declínio e a morte se manifestam
como uma “necessidade interior”, através da atuação de fôr
ças internas da própria civilização, tais como a dissidência
entre elite e proletariado e não pela ação de inimigos ou pelo
declínio da técnica ou por qualquer necessidade cósmica. Du
rante o período da desintegração da civilização a cultura já
não se desenvolve como um todo, mas em partes decompostas,
produzindo, por exemplo, desenvolvimentos na arte, na reli
gião e na economia. A minoria, não mais capaz de reações
adequadas e perdendo o poder criador, toma-se uma elite
governante, impondo-se pela força. O tamanho das unidades
políticas cresce, por exemplo, emergem impérios, processo que
Toynbee acredita prejudicial ao bem-estar da civilização. E
as guerras tomam-se freqüentes. O proletariado interno, en
tretanto, aparta-se da elite e se opõe a ela; os proletariados
externos estão aptos a atacar a civilização em declínio, ponto
que Gumplowicz formulara muito antes, conforme observa
mos no capitulo V. Depois de um “período de perturbações*',
que se pode prolongar, a minoria governante cria um “Esta
do universal”, universal no sentido de controlar tôda a área
da civilização particular; ao mesmo tempo, o proletariado
pode criar uma “Igreja universal” Aqui vemos o uso de
Toynbee da História clássica (seu campo dc estudo profissio
nal) o império político romano representando um Estado uni
versal e o emergente cristianismo uma Igreja universal.
Nessa fase, pode uma civilização viver séculos ou até mi
lênios. Assim, o sôpro mortal invadiu a civilização helênica
352
■
as 353
pias generalizações poderiam provavelmente não ter sido de
riva !as da História egípcia ou chinesa; na realidade, Toynbee
apresenta sòmentc constatações dispersas sôbre a maioria das
civilizações, que nem confirmam nem refutam sua teoria (no
caso da civilização árabe, êle reconhece que ela parte de um
paradigma geral). É evidente que a teoria de Toynbee não
emergiu (ou foi testada) pelo estudo indutivo, mas £_ essen
cialmente o produto de idéias recolhidas na investigação das
civilizações helênica e ocidental. Podemos concluir que a
teoria foi arbitrariamente superposta na História de outras
civilizações.
Tais críticas aplicam-se, em certa medida, à maioria das
tentativas de desenvolver uma teoria geral e inclusiva da trans
formação social. A autêntica imensidade dessa tarefa leva
a maioria dos estudiosos a não empreendê-la. É um crédito
indeclinável a favor de Toynbee que êle tenha produzido um
esforço sério a fim de localizar o padrão da transformação
social. O mesmo comentário se aplica ao outro grande so
ciólogo histórico, Sorokin.
354
i
grega como uma forma ideacional do século V I I I até o fim
do século VI A. O.; depots, no século e meio tegumte, idra-
Kstica, incluindo a Idade de Ouro ateniense. I>a úhww pMft
do século IV A. C. ao século IV D. C., durante as quais <
pérío romano emergiu e floresceu, a cultura foi sensual Am
dois séculos subseqüentes de cultura mista, seguiu-se um
período de cultura ideacional. Do fim do século XII ao início do
século XIV, a cultura revelou-se idealíitica; é a idade das cate
drais góticas, de Dante e dc São Tomás de Aquino. A partir do
fim do século XIV, a cultura tomou-se cada vez mais sen
sual, atingido o clímax cm décadas recentes. Hoje podem-te
perceber alguns sintomas de uma mudança na direção do
pólo ideacional.
Esta descrição, baseada em conscienciosos estudos reali
zados com a ajuda de vinte colaboradores, Sorokin a suple
menta com breves incursões na História egípcia, chinesa e
hindu. Os últimos materiais, entretanto, não são fundamen
tais para sua teoria, formando sòmente a base para algumas
afirmações muito cautelosas. Finalmente, Sorokin presume
que a polaridade entre o ideacional e o sensual pode ser atri
buída à cultura primitiva.
O salto do padrão de transformação acima descrito —
acentua Sorokin — localiza-se no próprio sistema da cultura:
é da natureza da culiura a transformação porque a transfor
mação é a lei de tôda vida. Isto não significa que a trans
formação da cultura não seja afetada por fatôres externos
como clima e lugar, mas que exercem papel menor. A (ram-
formação imanente é uma espécie de destino ou carreira de
qualquer sistema sociocultural; 6 um desdobramento das po
tencialidades imanentes do sistema. Embora a direção prin
cipal e as fases principais desse processo de desdobramento
sejam predeterminadas pelas fôrças íntimas de um sistema,
subsiste uma considerável margem de variação.
Conforme vimos, Sorokin declara que o movimento his
tórico em uma direção aproxima-se do limite que atingiria
se a cultura viesse a se tomar perfeitamente ideacional ou
perfeitamente sensual. Mas esta situação extrema nunca ocor
re: cada supersistema cultural é incompletamente integrada
Quando o desenvolvimento cultural se aproxima do limite
teórico há o reverso da tendência (embora a estagnação cul
tural seja uma possibilidade). Entretanto, a cultura, como
tal, não morre nunca; algumas partes são rejeitadas, outras
355
md absorvidas por diferentes culturas c sobrevivem. Aqui,
Sorokin mostra-se muito mais otimista do que Toynbee e
Spengler.
\ teoria de Sorokin da dinâmica cultural, de que apre
sentamos apenas um rápido esbôço, sujeita-se a diversas crí
ticas. Para começar, parece supcrsimplificar os fatos. Por
exemplo, a Idade Aurca dos gregos c a era de Dante foram
ambas presumivelmente idealísticas; mas diferem sensivelmen
te cm muitos aspectos. Em tais casos, elementos adicionais e
contrastantes deviam ser considerados, de modo a determinar
situações culturais concretas pela coincidência de fases espe
cificas cm processos diferentes. Êstc ponto não 6 ignorado
por Sorokin, mas continua pouco desenvolvido em sua
apresentação.
Em segundo lugar, a distinção entre os elementos cul
turais que mudam ou flutuam juntos ou interdependentemen-
te e os que não o fazem é o critério de Sorokin dos “siste
mas” socioculturais. Quando atribui propriedade de flutua
ção interdependente aos elementos de tais sistemas, pelo
menos em parte, raciocina em um círculo fechado.
Terceiro, a escolha da concepção cultural da verdade,
definida em têrmos sensuais, ideacionais ou idealísticos (ca
pítulo XVIII), como o determinante básico do desenvolvi
mento sociocultural, não 6 muito convincente. Pode-se ar
gumentar que é possível reescrever a obra de Sorokin, sele
cionando-se elementos alternativos como os determinantes
fundamentais do crescimento cultural, com resultados quase
similares.
Chapin e Kroeber
956
estabelecer ciclos de crescimento e decadência nacionais Cada
ciclo, finalmente, precisa scr entendido como o produto
um complexo de fôrças, consistindo nas fases individuais da
cultura, tais como a econômica, a política, a religiosa e a H
telectual. Êstes componentes individuais da cultura caracte
rizam-se, cies próprios, por um ciclo de crescimento e declí
nio. Quando os ciclos de diversas formas culturais são cro
nologicamente correlates, quando crescem juntos e alcançam
um elevado grau de desenvolvimento, ao mesmo tempo, o
resultado é uma era de maturidade da nação ou do grupo.
Apresentando essa concepção da maturidade cultural,
Chapin conclui que é impossível determinar os traços parti
culares da cultura ou o número de forma» sociais que com
põem todo o complexo, indispensáveis à produção e flores
cimento de uma cultura nacional. Entretanto, aplica sua
teoria a alguns desenvolvimentos concretos, por exemplo, ao
avanço da civilização da Grécia, à luta dc classes e aos pro
blemas agrários em Roma, a algumas mudanças na cultura
material da Inglaterra medieval, bem como a certos aspectos
da civilização ocidental de nosso tempo. Na ausência de
comprovações posteriores, a teoria de Chapin permanece mais
como uma brilhante sugestão.
Em 1944, Alfred L. Krocber (1876- ), antropólogo
proeminente, publicou Configurations of Culture Growth, in
vestigação sôbrc a maneira pela qual as culturas de alto ní
vel se transformam. Esta obra se baseia em um esmerado
estudo do crescimento e do declínio das fases individuais da
cultura, dentro de certo número de culturas, adicional
mente, dentro dc nações selecionadas que participaram dessas
culturas.
As conclusões de Kroeber, entretanto, não sustentam uma
teoria geral da transformação cultural. Afirma êle que não
existe “lei” que possibilite prever o crescimento (ou o declí
nio) de uma cultura. Em oposição aos pontos de vista dc
Spengler e Toynbee, declara que a mesma cultura pode flo
rescer muitas vêzes. Não encontra correlação estrita entre
o crescimento e os diferentes aspectos de uma cultura, embora
sustente que sc podem estabelecer períodos de um alto nível
de criação cultural em que diversas correntes culturais mos
trem desenvolvimento maduro ao mesmo tempo. Kroeber
argumenta que não se pode atribuir a determinação do cres
cimento ou declínio cultural a nenhum fator específico único,
957
cm conjunto de fatôres, excetuada, talvez, a tendência geral
di» movimentos a se exaurirem.
Alfred Weber
358
pela racionalidade e por considerações de utilidade. Desde
que transfcrívcis e cumulativo* o« produto» da civitiza^fco, o
processo de civilização é unilinear e progressivo,
segundo o ponto de vista dr Weber, o processo de civilização
é ainda irreversível e levará finalmente a uma ávifizaçio
unificada.
Mas a cultura é assunto diferente, de muitos modos dia
metralmente distinta da civilização. O processo cultural carac-
teriza-se pela criação. Os produtos culturais são exclusivos e
únicos c, pois, dificilmente transfcrívcis dc um a outro período
histórico. Fundamentalmente, a cultura é uma sintese do mun
do e da personalidade individual. Exprime-se na arte, na
religião e na Filosofia — campos de criação genuína. Neste»
domínios, não há paradigmas predeterminados, nem critérios
universalmente válidos e necessários (como na tecnologia da
civilização), nem leis geralmente aplicáveis de crescimento e
declínio. ™ Entretanto, podem-se observar, nesse terreno, pe
ríodos de produtividade e períodos de inércia, bem como “ida
des” culturais distintas e conflitos culturais.
Não obstante, os processos social e civilizacional entrelaçam-
-sc invariavelmente com movimentos culturais, e os influenciam;
de fato a criatividade e a espontaneidade dos últimos pela
realização do homem dr seu lugar no esquema social e civilizado»
nal das coisas e pelos diversos esforços individualizados feitos
por ele para interpretar e freqüentemente para transformar e
controlar o processo social. Os padrões cultura» de organizações
históricas e sociais especificas são fixados, muito cedo, em sua
história. Isto cria uma unidade de estilo cultura] que reflete
a religião, a Filosofia e a arte, c, cm troca, ajuda a moldar os
homens e as sociedades.
359
Em obra ulterior, Principles of Historical and Cultural
So i^logy (1951), Weber elaborou e elucidou êsses pontos dc
vista. Desenvolve ainda, o tema de que a cultura se desdobra
de acordo com um paradigma de ondas rccorrcntcs. Êsse con
ceito é de certo modo similar à teoria da dinâmica cultural de
Sorokin, embora, no uso de Weber, a cultura abarque uma
classe mais estreita de fenômenos do que nos dc Sorokin. O
processo cultural — prossegue Weber — só indiretamente é
afetado pelos dois outros processos básicos, o social e civiliza-
cional. Os produtos destes proporcionam continuamente ao
homem, como criador de cultura, novos materiais que podem
e devem ser espiritulmente “superados” (bewãltigt).
Resumo e comentário
360
cultural, entre a eficiência e a ineficiência econômica. O pa
radigma geral de transformação nesses cam é talv«z o formu
lado por Chapin e Kroeber: curvas semi-independente* de a6-
vidadc cm vários campos sociais e culturais que podem ou &>
sincronizar-se, mas que sugerem, durante períodos de alta
desenvolvimento, um florescimento interdependente da cultura
em geral. Entretanto, as condições sob as quais as tendências
de crescimento das várias fases da cultura se iniciaram e sob
as quais se harmonizam estão ainda por estabelecer. Conside
rável esclarecimento dèsses problemas se manifesta na obra
de Toynbee.
Por outro lado, Sorokin abriu um campo nôvo, chamando
a atenção para o ponto dc vista quantitativo, na Sociologia
histórica, e estabelecendo a teoria da flutuação ondular entre
os grandes estilos dc cultura. Sua teoria necessita de refi
namento c, como tôdas as teorias científicas, está sujeita a
correções. Mas os objetivos da dinâmica cultural e o esquema
de referência das investigações que realizou são um signi
ficativo avanço sôbre os de Danilevky, Spcngler e Toynbee.
Se estiverem certas as conjeturas dêsses diversos estu
diosos pode surgir uma teoria do desenvolvimento social e
cultural que permita a análise de cada configuração socio
cultural concreta, localizando-a em um esquema tridimensio
nal c envolvendo, primeiro, a fase da evolução tecnológica;
segundo, a fase do movimento cíclico nas atividades criadoras
e na organização política e econômica; e, terceiro, a fase da
flutuação ondular dos amplos estilos culturais. O segundo
talvez corresponda a um grupo de processos relacionados. Mais
provàvelmcnte encontrar-se-á uma interdependência entre os
vários processos. Sorokin já demonstrou que fases diferentes
na flutuação do estilo cultural determinam, com tôda a pro
babilidade, a intensidade da atividade criadora em campos es
pecíficos do esfôrço humano.
Por infelicidade, poucos estudiosos, relativamente, estão
hoje trabalhando de acôrdo com as linhas sugeridas pelas
investigações dos sociólogos históricos. Êste fato é especialmente
lamentável cm um mundo dinâmico como o nosso. A Sociolo
gia, não há dúvida, bem como a sociedade necessitam de uma
teoria geral da transformação social e cultural, cmplricamente
verificável, relacionada a uma teoria geral da estrutura e da
organização sociocultural que a suplemente.
367
Sobrevivência^ c Revivescências
Neo-euoltiçionismo
362
teoria da cultura como uma explicação psicovociológica em
termos do traços nitidamente humanos. A evoluçSo cultural
— declara — ocorre pela invenção que — quer física, quer
social — é impossível sem a fonnação de conceitos ou pa
drões mentais. Segue-se que os estágios que a cultura atra
vessa eqüivalem necessariamente aos estágios do proccao de
aprendizado. Reconhece, contrariamente aos ensinamentos dos
primeiros evolucionistas, a ausência dc uma única linhn típica
de evolução cultural, mas admite a existência dc estágios ine
vitáveis de aprendizado. Assim, o homem primitivo não era
apenas iletrado, mas não descobrira ainda a arte do cultivo;
no estágio seguinte, iletrado ainda, já descobrira essa arte; no
estágio mais recente, aprendeu a ler e escrever.
Elhvood sustenta ao mesmo tempo que a evolução cul
tural é um produto da evolução social, por sua vez unia fase
distinta da evolução universal. Identifica o crescimento cul
tural com uma “mutação” na evolução social, processo que
existe entre os animais não-humanos. Essas formulações co
incidem, de certo modo, com a teoria spenceriana da evolu
ção cósmica.175
Muito mais limitado é o ingrediente evolucionista na teo
ria sociológica de Madver, cujos pontos de vista sôbre a es
trutura e a causação social delineamos no capitulo XVIII.
Em Society (1931),1TO Maclver reelabora a doutrina de Spen
cer da diferenciação, liberando-a todavia das referências a
leis cósmicas, ao paralelismo com a evolução orgânica e ao
progresso inevitável. De acôrdo com Maclver, a evolução é
o desdobramento da natureza de uma coisa, processo em que
esta se adapta melhor ao meio, mas que não representa ne
cessariamente progresso, que é a aproximação de algum ideal
humano à realidade. Cada uma pertence a diferentes cate
gorias de pensamento: a evolução à ciência, o progresso às
humanidades — reino dos ideais humanos.
A evolução social — acentua Maclver —• existe onde
quer que a história da sociedade é assinalada por uma cres
cente especialização de órgãos ou unidades, dentro do siite-
M
tan , :e serve à vida do todo. Assim, a evolução social 6 es-
sc C -ilmente diferenciação, processo que sc manifesta cm
maior divisão do trabalho, crescimento dc número c varie
dade dr associações e instituições funcionais, e maior refina
mento c diversidade de instrumentos dc comunicação social.
A linha geral da evolução social procede da sociedade primi
tiva, caracterizando-a a fusão de usos políticos, econômicos,
religiosos e culturais, através dc instituições comunais diferen
ciadas (as instituições, no emprego de Maclver, são procedi
mentos estabelecidos), para associações diferenciadas, como o
Estado, a corporação econômica, a família, a escola e a igre
ja. A diferenciação de “grandes associações" da vida política,
econômica c “cultural” tem sido acompanhada por uma vas
ta diferenciação dentro das respectivas estruturas.
Maclver, entretanto, nega que a evolução abarque a trans
formação social em sua totalidade. Distingue entre civilização
que é “o mecanismo inteiro... que o homem imaginou no
esforço de controlar as condições dc sua vida * e que com
preende organização social, técnicas c instrumentos materiais,
c cultura como “a expressão da natureza do homem em seus
modos dc viver e pensar, na... convivência diária, na litera
tura, na religião, no divertimento e na alegria”.177 Somen
te a civilização está sujeita à evolução. A cultura — declara
Maclver — “só pode avançar se a expressão do espírito hu
mano é capaz de esforços mais finos, tem alguma coisa pró
pria a exprimir. A civilização é o veículo da cultura: sua
melhoria não é garantia da qualidade mais fina daquilo que
ela conduz”.17* Conforme observamos no capitulo XX, essa
distinção entre civilização e cultura lembra Alfred Weber.
Maclver reconhece a semelhança existente entre suas idéias
c as que Weber exprime em um dos últimos artigos que es
creveu e que apareceu antes de Society; mas reivindica “in
venção independente” com respeito a Modern State, em que
desenvolveu a distinção aludida antes de tomar conhecimen
to do documento de Weber.
A distinção de Maclver entre cultura e civilização (ou
tecnologia, têrmo que êle parece preferir, em publicações re
centes) destaca a qualidade última ou valor-fim dos produ
177 Sociêty, Nova York, Ray Long and Richard C. Smith Corp.
(1931), pág. 226.
pig. 228.
364
tos culturais e a contrastante natureza instrumental dot fo»
nômcnos da civilização. Empxega essa distinção de meios •
fins no tratamento dos tipos de grupos soc ia is e nas rlUrna^ft
da difusão dos produtos humanos e conseqüente transforme*
ção social bem como na análise da evolução social.
Reconhecimento limitado do evolucionismo é também o
que se apresenta em Human Group (1950), de George C
Homans. Êste volume, embora francamente uma análise de
talhada dos sistemas sociais dos pequenos grupos, conclui que
a sociedade não sòmente sobrevive, mas cria, ao sobreviver,
condições novas, que lhe permitem existir em um plano mais
elevado. Não será êsse excesso emergente — pergunta Ho
mans — o segredo da capacidade dc evolução tão característica
da vida orgânica?
Entre os antropólogos culturais, Malinowski, aliás expo
ente principal da escola funcional (ver capítulo XVIII), de
fendeu vigorosamente um moderado evolucionismo. As pre-
sunções principais do evolucionismo — sustenta — não são
apenas válidas, mas indispensáveis para o etnólogo. E o cor.-
ceito de estágios continua muito útil. “Certas formas prece
dem outras, definitivamente; um quadro tecnológico assim
como o expresso nos têrmos “Idade da Pedra", “Idade do
Bronze”, “Idade do Ferro”, ou os níveis de clã e organização
gentSlica, ou grupos numèricamente pequenos bem esparsos
como que em oposição às fixações urbanas ou semi-urbanas,
têm que ser encarados sob o ponto de vista evolucionis
ta..."17* Entretanto, Malinowski mesmo não desenvolveu
uma teoria da evolução.
Dois outros autores, porém, Leslie A. White e V. Gordon
Cliilde (1892- ), assim o fizeram. Em uma obra esti
mulante, The Science of Culture (1949), tenta White levar
avante o evolucionismo de Spencer, Tylor e Morgan, par
tindo dc onde o mesmo se interrompera, em 1900. Os antro
pólogos culturais e muitos sociólogos abandonaram — em sua
opinião — a Filosofia do evolucionismo, junto com os erros
de alguns evolucionistas.110 Ê preciso dar uma nova partida.
iaipis, 25.
366
guns milhares de anos, as grandes civilizações amigas emer
giram, no Velho e no Nôvo Mundo. Mas, em seg3dB*H|
período de rápido crescimento, a curva ascendente do pio*
gresso estabilizou-se, ate que nova revolução cultural ocorreu,
iniciando a Idade do Petróleo, por volta de 1800. E nova
mente, depois de rápido crescimento, a curva do deKnvol*
vimento cultural começou a declinar. Finalmente, (oi do
minada a energia atômica, que poderá — ou não — anun
ciar uma nova era tecnológica.
Cada estágio tecnológico — declara White — correspon
de a traços particulares do sistema social. Se o povo é de
caçadores nômades, precisa de um tipo de sistema social;
se leva vida sedentária, terá outro. As instituições socuô,
não há dúvida, relacionam-se à tecnologia de modo bastante
indireto; e as instituições de povos que alcançaram um alto
nível tecnológico variam tremendamente. Mas todos os sis
temas sociais que repousam sôbre a energia humana per
tencem a um tipo comum; tôdas as sociedades pastoris e
agrícolas dos primeiros estágios do desenvolvimento tecnoló
gico pertencem a outro. White apresenta uma revisão apres
sada das linhas principais da posterior evolução das institui
ções sociais, acentuando sua dependência das conquistas
tecnológicas.
Essa apresentação dificilmente supera as objeções nume
rosas e sérias formuladas contra o primeiro evolucionismo,
especialmente a crítica à crença na existência de estágios ne
cessários e corrclatos no desenvolvimento das sociedades e
culturas. Ademais, White não faz nenhuma tentativa para
relacionar o desenvolvimento ideológico ao avanço tecnoló
gico. Insiste êle cm que a ideologia é parte relevante da
cultura. Mas sc esta parte relevante da cultura não obedece
o qualquer lei evolutiva, fica desguarnecida sua reivindicação
de apresentar uro ponto de vista unificador sôbre a evolução
cultural.
Em Social Evolution (1951), Childe discorda da suges
tão dc White dc reviver, sob nova forma, as teorias dr Sprn-
cer e Tylor, mas, não obstante, valoriza algumas proposi
ções de Morgan (ver capitulo IV). O único tipo de evi
dência digno de confiança a respeito da evolução social e
cultural, o arqueológico, sustenta Childe, confirma a idéia
de que pelo menos o avanço tecnológico dot homens atraw-
367
otúgioe identic os cm lugares vários. Solvagcria, barbárie
e civilização — as categorias dc Morgan — representam de
fato os estágios do avanço humano. A civilização primitiva
escreve Chi Ide — foi concretamente muito diversa em
cada caso. Mas cm tôda parte sc encontra a prova efetiva
de grandes cidades a diferenciação entre produtores, a con
centração eficaz dc poder politico c econômico, o uso dc sím
bolos convencionais para relatos, medições de tempo e espa
ço, a cultura de ccrcais c a criação de alguns animais. O au
tor concorda, entretanto, cm que os estágios intermediários
não apresentam paralclismos nem mesmo abstratos. O fato
não invalida o uso do conceito de evolução para descrever o
desenvolvimento social como um processo racional e regular,
llá, no entanto, grande diferença entre evolução social e or-
gânica. A evolução orgânica se baseia na divergência e na
diferenciação; a evolução social ostenta êsses padrões, mas
também manifesta convergência através dc contatos culturais,
fato sem paralelo na evolução orgânica.
Apesar dessa diferença, Childe sustenta que a fórmula
darwiniana da variação — hereditariedade, adaptação e se
leção — pode ser transferida da evolução orgânica à social,
e que tem ate mais sentido na segunda do que na primeira.
A variação corresponde à invenção; a hereditariedade social,
ou a transmissão da cultura dc geração a geração, é uma
fôrça familiar. A adaptação sc dá muito mais ràpidair.cnte
na História humana do que na História natural; a seleção
exprime-sc no fato de que somente uma fração das invenções
sobrevive, como benéfica, a longo prazo. Nesta sobrevivência
seletiva, há afinidade com a seleção de mutações na natureza;
o processo seletivo na sociedade, porém, difere significativa
mente, pois caminha sem destruir ou substituir um tipo de
ser por outro.
Essas formulações enquadram-se no estilo da Societal
Evolution, de Keller, publicada 35 anos antes (ver capítulo
XI). Talvez as primeiras críticas feitas à interpretação de
Keller do darwinismo social sejam igualmente aplicáveis à teo
ria de Childe.
Apesar das deficiências dessas obras modernas, escritas
no estilo neo-evolucionista, podem-se incorporar alguns de
seus argumentos e proposições a uma teoria geral da trans
formação social. Apresentamos, no capítulo XX, como ten
tativa, um esbôço dc tal teoria.
368
Determinismo geográfico e demográfico
M
No progresso humano — sustenta Huntington — é básico
o vigor físico. Outras coisas sendo iguais, o progresso cul
tural é favorecido pela saúde, que resulta em alta capacidade
de trabalho. Enlre o* fatôres que influenciam a saúde, o
clima decididamente ocupa o lugar principal. A alta “efi-
c it-ncia climática” f rara c coincide com a eficiência econô
mica elevada. Portanto, Huntington submete a eficiência
climática a um detalhado estudo. Ilustra bem este ponto
sua afirmação de que a “humanidade como um todo parece
trabalhar melhor quando a temperatura, ao meio-dia, é de
cerca de 17 a 219 C.183 Huntington alega ainda que o cli
ma explica as variações religiosas e o caráter nacional dife
renciado. Resume suas conclusões xia declaração dc que a
eficiência climática exerce papel fundamental no estabeleci
mento do padrão geográfico da civilização.
Huntington hesita, porém, em entregar-se com armas e
bagagens ao monismo geográfico. Afirma, por exemplo, que
a invenção da máquina a vapor exigia, além dc clima ade
quado, as seguintes condições concomitantes: povo com uma
capacidade inata relativamente alta, motivo forte para agir
em direção a padrões de vida mais elevados e um grande
suprimento de combustível.184 Reconhece também a signi
ficação das diferenças dietéticas.
A comparação entre as obras de Huntington e Buckle,
embora noventa anos as separem, mostra que no ponto de
vista subjacente de ambas não há divergência substancial.
Clima e solo em Buckle, clima e alimentação (dependendo
do clima e do solo) em Huntington, cis os determinantes
principais do avanço cultural. A diferença na técnica, entre
tanto, é espetacular: Huntington faz uso abundante de grá
ficos e métodos estatísticos, ainda não desenvolvidos à época
de Buckle, e oferece uma evidência incomparàvelmcntc mais
diversificada. Não obstante» não prova mais do que Buckle
que o clima ou a geografia em geral sejam um dos impor
tantes elementos determinantes da cultura.
Uma das obras representativas entre as que acentuam o
monismo demográfico é a de Alexander e Eugene Kulisher,
Guerras e Migrações (em alemão, 1932). De acôrdo com
370
êsses autores, o traço mais visível da história humana é u
processo de migração (consideram a guerra uomi de MÉÍÉ
formas). À migração é ocasionada pela densidade diferencial 4a
população em diversas partes do mundo. Entretanto, a den*
sidade é importante não apenas em seu sentido mais simples,
aritmético, de população proporcional ao tamanho do terri
tório, mas principalmente em têrmos da relação do número
de habitantes para os meios de subsistência disponíveis. Cha
mam os Kulisher a isto de densidade social. A “tendência
natural” parece ser no sentido de igualar a densidade social.
Mas o processo sc complica pelo fato de que se têm de con
siderar não sòmente os meios de subsistência atuais, mas tam
bém os potenciais, isto é, os que estarão disponíveis após a
migração e a aplicação da técnica melhorada. Por outro lado,
o processo está sujeito às limitações impostas pela existên
cia de grandes reservatórios de água e pela resistência polí
tica e militar à migração. Não obstante, o mecanismo da
migração é uma fôrça tão natural quanto outra qualquer.
A teoria dos Kulisher destaca um aspecto significativo
da transformação social, mas não a explica em sua integri
dade. O maior defeito consiste aqui na impossibilidade de
estabelecer empiricamente a “densidade social**; os autores che
gam ao fenômeno a posteriori, baseados no fato de que a mi
gração ocorreu. Por outro lado, acentuam a importância da
disponibilidade imediata dos meios de subsistência. As na
ções podem viver trocando produtos industriais por alimento.
A recente literatura histórica freqüentemente sublinha o
fator da migração. Por exemplo, a proposição básica de Hen
ri Pirenne (1862-1935), afirmada em Viíles du Moyen-Áge
(1925), sustenta que a História européia, do século VII1 ao
XII, foi determinada pelo fechamento e subseqüente reaber
tura das rotas de comércio, como resultado das migrações.
E ainda Frederick J. Tcggart, em Rome and China (1940),
considera que as fases mais importantes da História romana
e da chinesa, nos primeiros séculos da era cristã, podem
reduzir-se à pressão diferencial das tribos fronteiriças como
resultado da migração de populações.
371
cecio dos institucionalistas e dc alguns fenomenologistas (ver
cap XIX), pode-se considerar que a Sociologia na França
continuou a inanter a tradição durkheimiana, especialmente na
forma que lhe deu em Les Formes Elémentaires de la Vie
Rêligiemc (ver cap. IX).
Os sociólogos franceses, cm sua maioria, se concentraram
no estudo da sociedade primitiva, c seriam classificados nos
Estados Unidos como antropólogos culturais. Sua obra ha
bitualmente vai além da simples descrição (não muitos se
empenharam em pesquisas de campo entre povos primitivos),
conccntrando-sc antes na interpretação teórica dos dados da
Etnologia. A este respeito, conservarain-se fiéis à crença de
Durkheim de que na sociedade primitiva os fenômenos so
ciais básicos aparecem na forma mais simples e são, portanto,
especialmente compreensíveis.
Mareei Mauss (1872-1950), o mais renomado adepto de
Durkheim, declara que a escola francesa de Sociologia isolou
para estudo “a história social das categorias básicas do espí
rito humano** — em um ensaio sôbre “O Conceito de Per
sonalidade** (1938),185 que trata, na maior parte, da histó
ria do conceito de acôrdo com a orientação habitual em
qualquer história de idéias. Mas os durkheimianos enfren
tam outro problema: a relação entre a Sociologia e a Psico
logia. Problema dràsticamente colocado pela afirmação de
Durkheim dc que os fatos sociais são “coisas” e assim irre
dutíveis aos fatos da Psicologia individual. Deu-se com esta
opinião uma transformação interessante. Em 1924, Mauss,
passando à ofensiva, disse aos psicólogos que havia muitas
outras coisas essenciais na sociedade, que não as “represen
tações coletivas**, que pertencem aos domínios da Sociologia.
Há também coisas materiais c homens, fenômenos morfoló-
gicos (estruturas sociais como a família c o clã), fatos esta
tísticos (digamos, o número de erros cometidos pelos correios
ou o número de crimes) c, finalmente, história, tradição,
linguagem e hábitos. A Sociologia — declarou Mauss — é
o estudo do homem total, enquanto a Psicologia estuda ape
nas seus processos mentais.
Vinte e cinco anos depois, em uma introdução a Sociolo
gia e Etnologia de Mauss, outro durkheimiano, Claude Lévi-
372
-Strauss, apresenta o seguinte ponto de vista: o fato social
total é real quando integra um sistema que transcende ot
aspectos particulares da vida social, como a família, a tec
nologia e a organização política. Deve-se incorpori-lo na
experiência pessoal de duas maneiras: em uma história de
vida concreta e única e na “dimensão físico-psíquica". Sòmen
te em um indivíduo essas duas dimensões e a sociedade ie en
contram; há aqui, talvez, uma reafirmação nebulosa do en
sinamento dos analistas americanos atinente à tríade intf-
ratuante dc sociedade-cultura-personalidade. Nunca — pros
segue Lévi-Strauss — podemos estar certos de que compre
endemos o significado c a função de uma instituição, a me
nos que estejamos aptos a verificar seu impacto sôbre a cons
ciência individual. Na ciência social, ademais, o observador
é parte do que está sendo observado. Essas afirmações apre
sentam muita semelhança com as opiniões de Max Weber
sobre a verstehen (ver capítulo XIV). Sòmente no fim do
debate é que o estudioso francês volta a uma proposição
autenticamente durkheimiana, sustentando que os objetos da
Sociologia são tanto as coisas quanto as representações.
Outro sociólogo francês, M. Duffrenne, o acompanha m:
A Sociologia — declara — divide-se entre a tendência a de-
sumanizar os fatos sociais, estudando-os de acordo com a “Fí
sica Social" c a tendência oposta a reintroduzir o homem no
social e assim compreender êste último elemento como uma
experiência humana. As duas tendências podem ser abrevia'
das como explicação c compreensão, outra idéia no estilo de
Max Weber. A tarefa principal da Sociologia contemporânea
consiste na reconciliação das duas tendências.
A fim de promover essa tarefa, Duffrenne volta-se para
o estudo da relação entre cultura e sociedade, sob a forma
de um comentário a recentes obras americanas de Antro
pologia Cultural. A cultura — diz êle — é o aspecto huma
no social. A sociedade e a realidade última devido a seu
caráter morfológico, externo c coercitivo — opinião nitida
mente de tradição durkheimiana. Na experiência individual,
a sociedade aparece como uma enorme máquina. E, neste sen
tido, a sociedade precede a cultura: a sociedade tem uma
373
cultura que só pode manter uma vida adequada no meio
daquela sociedade. Concebe uma cultura mai* ou menos
idêntica às instituições. A cultura — acentua Duffrenne —
pode ser entendida apenas em têrmos dc conduta humana:
a cultura é a sociedade integrada na conduta humana. Por
tanto, seu estudo dá à Sociologia um sabor psicológico, uma
concepção diferente da teoria dc Durkheim.
Pode-se extrair daqui a conclusão de que a Sociologia
francesa, no momento, se encontra em uma encruzilhada. O
realismo sociológico de Durkheim não c mais aceito sem con
testações. Várias fontes — inclusive as opiniões teóricas de
Max Weber, os sociólogos analíticos e os antropólogos cultu
rais americanos — estimulam novas orientações.
374
Von Wiese retomou o objetivo de Simmel: construir a
Sociologia como ciência independente. Como Simmel, vi
o aspecto especificamente sociológico da realidade na forma
de fatos sociais, mas, em desacôrdo com Simmel, deu à forma
uma interpretação bastante dinâmica ao concentrar-ie na
ação e no movimento. Novamente como Simmel, acredita que
a sociedade c uma abstração, um determinado ponto de vista
sôbre as ações humanas focalizando as relações humanas. Con
tràriamente a Max Weber e aos fenomenologistas, Von Wiese
limita seus estudos àquilo que é cognoscível através da
observação externa, um tanto k maneira dos behaviorista*
americanos.
Para Von Wiese, a unidade básica de investigação socio
lógica é a relação social ou processo social. O primeiro nível
da investigação sociológica ambiciona atingir a classificação
dêsses fenômenos. Podem ser reduzidos a dois tipos básicos,
associativo e dissociativo, e a um terceiro, misto, contendo
elementos de ambos. Comum a todos os processos sociais é
o fato de que êles afetam a distância social, aumentando-a
ou diminuindo-a (não se confunda distância social com dis
tância no sentido espacial). Cada uma das classes principais
de processos se divide em subclasses com base no grau do
efeito associativo' ou dissociativo do tipo particular de proces
so. Embora Von Wiese formule refinadas definições das sub
classes, estas são encaradas essencialmente como posições ao
longo dc uma linha contínua, do mais alto grau de associa
ção (ou amalgamação) ao mais alto grau de dissociação (ou
conflito). Von Wiese também classifica os processos sociais
de acôrdo com as categorias opostas de integração c diferen
ciação, c os processos construtivo e destrutivo.
À base de relações ou processos sociais emergem estru
turas sociais; seu estudo, de acôrdo com Von Wiese, forma o
segundo nível da investigação sociológica. Uma estrutura é
ccrto número de relações sociais tão ligadas na vida diária
que se pode considerá-las unidades ou substâncias — defi
nição que atesta a concepção nominalista de Von Wiese da
realidade social. As estruturas sociais são classificadas de
acôrdo com a duração e o grau de abstração. Formam-se,
assim, quatro tipos de estruturas básicas: multidões concre
tas, visíveis e de curta duração; multidões abstratas, invisí
veis e de duração indefinida (por exemplo, o público); gni-
pos, caracterizados pela presença pessoal de membros e pela
or^mização; e coletividades abstratas, como o Estado ou a
igreja, em que se dispensa relativamente pouca atenção aos
indivíduos concretos.
Von Wicse e seus adeptos aplicam essa classificação, às
vêzes multo sugestivamente, à descrição de configurações so
ciais diversificadas. Mas, em geral, parecem esquecer um
importante critério de adequação científica da classificação.
Uma classificação é adequada quando, com relação a cada
classe e subclasse, podem-se demonstrar proposições não-conti-
das na definição da respectiva classe ou subclasse, mas apli
cáveis a todos os itens compreendidos pela definição c não-
-aplicáveis a qualquer outro fora dela. Naturalmente, há di
versas proposições sociológicas estabelecidas relativas a con
corrência, conflito, etc.; proposições, entretanto, conhecidas
muito antes que Von Wiesc iniciasse suas tentativas de classi
ficação. Ademais, o exame das subdivisões de Von Wiesc
sugere um approach formalista bastante estéril. Relações e
estruturas são objetos importantes do estudo sociológico; en
tretanto, não abrangem o campo da Sociologia, e, desligadas
de considerações funcionais, normativas e dinâmicas, trazem es
clarecimentos mínimos à realidade social.
Entre os sociólogos de outras escolas, Gurvitch (ver ca
pítulo XIX), especialmente, deixou-se influenciar muito pelo
approach elassificador de Von Wiesc. As obras de Gurvitch
contêm inúmeras classificações complexas, mas, como Von
Wiese, raramente ele procura analisar os fenômenos sociais
representados pelas subclasses, além de suas definições formais.
Resumo
376
valiosas para o tesouro do conliecimento sociológico. Nlo hi
dúvida dc que as configurações tociais são significativamente
afetadas pelas situações ou processos geográficos ou demopé»
ficos. ou que deviam ser sistemàt ícamente descritos ot tipo* de
estruturas e relações sociais. Também c provável que, dentro
de limites definidos, o evolucionismo seja o ponto de vista
acertado de um aspecto fundamental do vir-a-ser social.
Os atuais representantes das idéias aqui tratadas, sob a
rubrica de “sobrevivencias e revivcscências”, compreendem,
crescentemente, as limitações dos respectivos approaches,
reconhecimento está especialmente claro entre os expoentes
do neo-evolucionismo, do estudo sociogeográfíco e da Socio
logia durkheimiana. A compreensão de tais limitações, en
tretanto, será imperativa quando essas tendências se toma
rem partes valiosas do todo que um dia formará uma teoria
sociológica geral utilizável.
Sexta Parte
CONCLUSÃO
CAPITULO X X I I
XI
ccdr aics podem ser rctraçados ate Comte, cuja dc que a
Sociologia se tornaria a ciência geral teórica dos fenômenos
sociais se desdobrou na definição amplamente aceita de
Sorokin.
Segundo, os íenômenos sociais, objeto da Sociologia, são
agora habitualmente icconhecidos como «ii generis, ou por
outra, como irredutíveis a fatos não-sociais (físicos ou psicoló
gicos, por exemplo). A êste respeito, prevaleceu o ponto de
vista dc Durkheim, contra o dos sociólogos psicológicos, que,
por sua vez, estavam certos em sua oposição aos que viam na
sociedade a simples interatuação dc fôrças impessoais, ou, por
assim dizer, super-human as. Os fenômenos sociais são sui ge
nt ris; resultam, não obstante, da composição das ações humanas.
Entretanto, observe-se uma opinião particular, derivada
de Max Weber e Thomas, e mais bem representada agora por
Parsons. Opinião que reintroduz a confusão entre Sociologia
c Psicologia devido a sua preocupação com a “ação”.
Por outro lado, como corolário da irredutibilidade dos
fenômenos sociais a qualquer outra classe dc fenômenos, a
opinião corrente entre os sociólogos rejeita as analogias bioló
gicas em tôdas as suas variações (organicismo, darwinismo
social etc.), bem como a compreensão dos fenômenos sociais em
têrmos de um modelo teórico, esboçado para estudo dos fenô
menos físicos, que entra em grande parte no sistema de pensa
mento dc Spenccr. A tentativa de Lundberg para compreender
a sociedade humana em têrmos da estrutura do átomo é um
visível anacronismo.
Terceiro, o fenômeno social básico, a unidade para aná
lise sociológica, é comumente identificado como a interação
entre dois ou mais seres humanos. A interação exige a depen
dência inteligível da ação de um ser humano sôbre a existência
ou ação — passada, presente ou antecipada — de outro ser
humano. A interaçãd é diretamente observável, dado que a
ação é movimento no mundo exterior. O elemento de depen
dência infere-se fàcilmence, seja pela interpretação de um ob
servador participante, utilizando a capacidade do homem de
fazer reproduções mentais dc progressos que lhe sugerem as
ações dc outros homens — a verstehen de Max Weber — seja
estabelecendo correlações estatísticas entre universos dc ações
consideradas como antecedentes e subseqüentes.
382
Onde há interação, diz-ie que ot participants estão em
relação social. A interação e a relação social, portanto, tão
dois pontos de vista relativos ao mesmo fato básico; a relafft»
é estática (ou estrutural), a interação é cinética (usual, mas
não corretamente, chamada funcional ou dinâmica.)
Quarto, quando as relações sociais duram, formam grupos
sociais em que os homens se dispõem sob múltiplas formas. O
grupo social é geralmente considerado um dot principais assuntos
do estudo sociológico, especial c explicitamente pelos sociólogos
analíticos, os institucionalistas e ot sociometristas. No estudo
dos grupos, as principais proposições que ficaram firmemente
estabelecidas incluem as seguintes:
O grupo social é um sistema, isto é, uma estrutura consis
tindo cm partes que, sem perder sua identidade e individuali
dade, constituem um todo que as transcende. Por outras pa
lavras, o todo possui propriedades que não se encontram em
nenhum lugar nas diversas partes. Esta concepção reflete o
realismo sociológico moderado que agora prevalece; distingue-
-se melhor nas obras de Pareto, dos institucionalistas e dot fun
cionalistas, bem como nas dos sociólogos analíticos contempo
râneos, à exceção, talvez, de Parsons. Os neopositivistas, cuja
posição nominalista apresenta estreita afinidade com Simmel
e von Wiese, não compartilham êste ponto de vista, o qual
também difere grandemente do extremo realismo sociológico dos
marxistas, de Gumplowicz e Durkheim, todos, é certo, sociólo
gos do século XIX.
Os indivíduo* que formam o grupo social permanecem
em relações padronizadas de modo que a cada pessoa é atri
buída uma posição social definida, às vêzes chamada status.
Papéis diferenciados são atribuídos aos indivíduos que ocupam
várias posições sociais.
A interação dentro dos grupos sociais visa à satisfação das
necessidades humanas. As realizações dos grupos sociais na
satisfação das necessidades são suas funções. As necessidades
que é preciso satisfazer dentro do arcabouço dos grupos sociais
distribuem-se entre vários grupos; existe um número quase ili
mitado de esquemas dessa distribuição. Esse aspecto da vida
de grupo foi evocado pelos funcionalistas, que, conforme vi
mos no capítulo XVII, tiveram alguns prcdccessores.
A interação dentro da estrutura dos grupos é regulada
por normas, ou proposições que determinam a conduta etpe-
383
í.uLl por p a t . j c scu> membros, sob condições especificas. As
normas do grupo são comumente accilas por seus membros,
mas são também reforçadas por sanções aplicadas em caso de
violação. O ponto de vista normativo dos fenômenos sociais,
promoveram-no, independentemente um do outro, Toennies e
Sumner. Entre os últimos sociólogos, Thomas, Parsons e Mac
lver deram o maior relevo a êsse aspecto da vida de grupo.
O sistema, que é o grupo social, possui a propriedade de
restabelecer seu equilíbrio, ou estado normal, se e quando
ocorrem distúrbios. Esta proposição deriva da teoria dc Pareto.
Os grupos sociais existem em muitas variedades. As dis
tinções mais import antes entre os tipos de grupos são as que
há entre comunidades c associações, e entre grupos primários
c secundários. A distinção entre comunidade e associação,
antecipada por Augusto Comte, ficou explicita cm Toennies,
Sorokin e Maclver. Recebeu um nôvo tratamento por parte
dos institucionalistas, cujos ensinamentos levam à identifica
ção da associação com os grupos sociais organizados em tômo
de uma idéia diretiva. A segunda distinção, entre grupos se
cundários c primários, foi acentuada inicialmente por Cooley
e posteriormente desenvolvida na teoria de Maclver.
Outra distinção básica, e crescentemente empregada pelos
sociólogos, é a que existe entre grupos informais e íoiznais.
Os sociometristas, certos sociólogos industriais e outros concen
traram-se no estudo dos grupos informais dentro de organi
zações formais; independentemente, Gurvitch trabalhou no mes
mo sentido. No momento, esta é uma fase da Sociologia em
rápido crescimento.
Os grupos sociais revelam a tendência a formar hierarquias
em que um grupo, o que inclui tôda a sociedade, forma o
ápice. Dentro de uma sociedade há uma visível tendência
dos grupos menores e dc seus membros a sc disporern em ca
madas horizontais, a que são socialmente atribuidas diferentes
participações na riqueza, poder e prestígio. Mas as sociedades
variam no grau de rigidez da distribuição de homens c gru
pos sociais, ao longo da escala social, e nos status diferenciais
dos grupos e pessoas. Hoje, a cstratiíicaçáo social, têrmo atri
buído a esses fenômenos, é outro setor de intensa pesquisa.
Quinto, outra área básica dc estudo, na Sociologia, con
siste nos processos sociais. Neste tipo dc investigação, os fenô
menos fundamentais de interação dispõem-se em um plano di
384
ferente do usado no estudo da estrutura iodai. Os prow»
sos sociau são classificados de acôrdo com as orientações finais
das ações que os compõem.
Entre os processos sociais, a cooperação ê básica na vida
social. A cooperação é a interação orientada para a *&ííaaÊfm '
de objetivos comuns e flui da própria natureza dos laços que
mantêm unidos os membros dos grupos sociais. Manifesta-se
na solidariedade intragrupal, usualmente reforçada pelo anta
gonismo a outros grupos sociais. O fenômeno básico da coope
ração era conhecido de Comte; Durkheim desenvolveu nota
velmente seu estudo, que agora Sorokin vem especificamente
promovendo. A correlação entre a solidariedade inti agrupai
e o antagonismo externo foi salientada por Sumner e tomou-
-se um conhecido princípio em Sociologia.
O contrário lógico da cooperação, o antagonismo, apare
ce sob duas formas principais, a concorrência e o conflito. Em
alguns casos, elementos da cooperação e do conflito sc entre
laçam tão estreitamente que o estudo sociólogico exige o con
ceito de “processo misto1*.
Além desses processos básicos, observa-se certo número
de processos sociais secundários. Os processos básicos foram
examinados por alguns estudiosos, inclusive Simmel e os ecó*
logos sociais. Mas a análise dos processos secundários não
avançou bastante, tendo sido as maiores contribuições, aqui,
feitas por von Wiese e Gurvitch.
Sexto, o terceiro ponto fundamental do estudo sociológico
é a cultura, usualmente considerada como a soma total de
modos de pensar e agir em uma dada sociedade, relativa
mente estáveis e padronizados. Estabeleceram-se pelo menos as
seguintes proposições básicas, atinentes à cultura:
Todos os elementos da cultura são funcionalmente inter
-relacionados; por outras palavras, os itens culturais individuais
integram-se em sistemas. Esta integração, entretanto, nunca
é perfeita, como ficou demonstrado, particularmente por Soro
kin e por funcionalistas moderados como Merton.
Os inúmeros determinantes da cultura incluem o duna,
a densidade de população, o nível dc progresso tecnológico e
a “vizinhança social”, isto é, o tipo de cultura que prevalece
na sociedade ou nas sociedades com que a cultura dada se
acha em contato. Mas não há nenhum determinante isolado
da cultura a que se possa atribuir predominância. Êste ponto
de vista representa uma transformação decisiva das idéias que
ainda prevaleciam no início do século. As Sociologias mo-
msiicas, ou de um único fator (econômico, racial, geográfico,
demográfico, ctc.), estão mortas, ou quase. Reconhece-se que
a maio. ia dêsses latôres predominantes exerce papel definido
na formação e no desenvolvimento da cultura; papel, entre*
tanto, desempenhado em complexa interação com outros. Acres*
centou-se fator ecológico aos vários determinantes já acentua*
dos no século XIX.
Entretanto, êsses diversos determinantes da cultura não
implicam uma determinação estrita da vida social. As socie
dades possuem uma larga margem de liberdade, embora não
dc escolhas ilimitadas. As escolhas, realizadas nas fases iniciais
do desenvolvimento de uma cultura, estreitam a margem de
liberdade relativa a outras escolhas; as escolhas relativas a
uma fase da cultura estreitam a margem dc liberdade rela
tiva às outras fases.
Os traços que constituem uma cultura são instrumentos
para a satisfação de necessidades social e culturalmente reco
nhecidas, dos membros da sociedade correspondente c dos vá
rios grupos que a formam. (Porém, como destacam Merton
e outros, a investigação pode revelar certos traços não-funcio-
nais ou disfuncionais.)
Os sociólogos assinalam geralmente uma espécie de inte
ração circular entre o indivíduo e sua cultura (bem como a
sociedade). A personalidade de um indivíduo é moldada pela
cultura que assinala a sociedade a que ele pertence; essa mol-
dagem ocorre através de agentes de socialização, dos quais a
família é o mais importante. Mas a socialização nunca é com
pleta. Ademais, a maioria das culturas — se não tôdas, em
certa medida — deixa aos indivíduos determinada margem de
liberdade e iniciativa. À base desta os homens praticam ações
que redundam em transformações na cultura.
Sétimo, a transformação na cultura e na estrutura social
constitui uma quarta área principal de estudo, desenvolvida em
Sociologia.
Os mecanismos da transformação social e cultural são bem
conhecidos desde os tempos de Gabriel Tarde e consistem em
invenção, aceitação da invenção c difusão. Algumas proposi
ções detalhadas relativas às condições de invenção e à aceita
386
ção e difusão das invenções pertencem ao domínio comum 4»
Sociologia e da Antropologia Cultural contemporâneas.
Pode definir-se cada cultura como uma nmnmitfc
invenções — tecnológica ideológica e social. Em cada toda»
dade esta acumulação é seletiva e portanto fmio, nunca re
petindo exatamente as acumulações feitas em outras socieda
des. Por isso, cada cultura tem teu próprio estilo, assim como
cada homem tem uma personalidade que o distingue.
Nenhum acôrdo geral existe quanto às uniformidade* que
caracterizam as tendências a longo prazo da transformação
cultural e social. Mas um ponto está definitivamente esta
belecido: o arcaico evolucionismo, que exigia o estudo de um
processo básico e irreversível consistente em estágio* prede
terminados, desapareceu das cogitações sociológicas. Entre
tanto, é possível uma fusão de pontos de vista expresso* por
diversos sociólogos, a saber: as fases tecnológica e econômi
ca da cultura se desenvolvem de acôrdo com um padrão de
acumulação, que é interrompida por recuos; outros aspectos
da cultura, especialmente o intelectual e o estético, estão su
jeitos a flutuações quantitativas do tipo ascendente-descenden
te e flutuações qualitativas em estilo. A obra de Sorokin,
Alfred Weber e outros, discutida no capítulo XX, é que su
gere essas generalizações.
Oitavo, as afirmações acima não constituem uma teoria
sociológica. Simplesmente delineiam uma área de concordân
cia que, cm alguns aspectos, incorpora o* pontos de vista da
maioria dos sociólogos importantes de hoje, mas que, por
outro lado, apresenta sòmente uma opinião da maioria, não
compartilhada pelas minorias, às vêzes influentes.
Mesmo dentro dessa área de concordância há muitas
divergências na apresentação das conclusões básicas. Os qua
tro setores principais do estudo sociológico acima delineado*,
e suas subdivisões, formam um sistema integrado, de modo
que a compreensão completa de qualquer parte é impossí
vel sem o conhecimento das outras. Entretanto, é pocsivel
destacar algumas fases ou setores do sistema, à custa de ou
tras, digamos a interacional (cinética) ou normativa, ou fun
cional ou uma combinação de duas entre as três; ou, como
fazem muitos antropólogos, pode-se partir da cultura como
conceito-chave. Assim, emergirão variedades de teoria so
ciológica que, ao primeiro vislumbre, têm pouco em comum,
387
mas jue, sem grande dificuldade, são redutiveis umas às
outras.
Ademais, persiste a confusão na terminologia. Os mesmos
termos são empregados para designar diferentes aspectos da
realidade social e cultural; por outras palavras, os mesmos
termos servem freqüentemente a conceitos diversos, e o mesmo
aspecto da realidade sociocultural c designado às vezes por
dois ou mais têrmos. Confusão terminológica encontradiça
até nos trabalhos do mesmo autor. Além disso, raramente
os conceitos são definidos de acôrdo com as exigências ló
gicas: aparecem nas definições muitos traços redundantes. Em
inúmeros casos, ainda, é difícil decidir se o autor está ofe
recendo uma definição a ser usada como instrumento para
identificação c análise dos fenômenos socioculturais ou se está
enunciando as propriedades de fenômenos definidos cm al
gum outro lugar.
Essas dificuldades terminológicas poderiam ser fàcilmcnte
vencidas. Mais sérias são as discordâncias atinentes aos mé
todos. Até o momento, não se resolveram as querelas entre
os quantitativistas e seus oponentes, e os argumentos mencio
nados entre os behavioristas e seus antagonistas. Ainda mais
acentuam o impasse os problemas relativos às definições opera
cionais e ao procedimento da verstehen. Diferenças, todavia,
que não parecem insuperáveis.
Muito poucos sociólogos negam hoje que a enumeração,
a medição e os requintados procedimentos estatísticos sejam
técnicas desejáveis a empregar em qualquer investigação —
quando se pode aplicá-las razoavelmente. Os quantitativistas,
com raras exceções, concordariam também que uma fórmu
la matemática, ou um coeficiente de correlação, não consti
tui objeto de pesquisa. Nas Ciências Sociais, como nas Ciên
cias Naturais, é preciso interpretai* conclusões envolvidas nes
ses termos. Aqui, segundo acreditamos, a esplêndida análise
de Max Weber, da compreensão ao nível de causalidade e
da compreensão ao nível do significado, poderia realizar a
reconciliação, sc fôsse compreendida e amplamente conhecida.
Muito poucos sociólogos subestimam a importância das des
crições behavioristas das ações humanas, na medida em que
sociològicamente relevantes. Hoje, porém, apenas uma mino
ria de sociólogos discorda da proposição de que, através do
processo de comunicação simbólica, os estados mentais estão
388
abertos um para o outro, reciprocamente, ponto brittumrmcn-
te sustentada por Znaniecki. Sempre que os estados nmttah
forem sociològicamcnte relevantes e puderem ter revelados com
clareza em forma verbal, parece quase absurdo valer-se de
subterfúgios behaviorístas.
O operacionalismo extremo 6 raro. Muito» sociólogos,
porém, concordam em que as definições sociológicas deviam
ser moderadamente operacionais, consistindo em traços direta
ou indiretamente observáveis, ao nível da conduta externa ou
da introspecção.
É provável, portanto, que, com boa-vontade e firmeza,
sc possa formular, em futuro n£o muito remoto, uma teoria
sociológica geralmente aceitável. Isto não significa que che
gará o dia em que todos os sociólogos concordarão uns oom
os outros. Tal situação não ocorre nas Ciências Naturais —
nem é desejável em ciência alguma. Não devr estar longe,
porém, o dia em que todos os sociólogos falarão a mesma lín
gua e, portanto, compartilharão um verdadeiro universo do
discurso — o que c uma exigência de qualquer ciência.
Mesmo agora, a despeito do fato dc não se ter tomado ainda
uma ciência completamente madura, a Sociologia teórica já
progrediu bastante para proporcionar fundamentos muito me
lhores para a pesquisa nos campos especializados do que os
de há cinqüenta anos. Novas especialidades apareceram, como
a Sociologia do conhecimento, a Sociologia da religião, a So
ciologia jurídica e a Sociologia industrial. O fato de que
emergiram como ramos da Sociologia, e não como itens novos
na lista das Ciências Sociais concretas, atesta a existência de
um núcleo central dc conceitos, de um ponto dc vista geral
mente reconhecido, de uma promissora perspectiva. Essas es
pecialidades conservam-se unidas pela teoria sociológica.
389
APÊNDICE
Nota Para os Professôres
393
melhor r - interesses individuais, como este proccdimcnto ajuda
a resolver o problema técnico dc prover a todos os estudantes
do material de leitura — dado que poucas bibliotecas possuem
um número suficiente de exemplares, mesmo dos clássicos, para
satisfaver às necessidades dos membros de uma classe.
Aj “Sugestões Para Leituras Posteriores”, que se seguem a
esta nota, contêm certo numero dc indicações de leitura, tanto
nas fontes originais, quanto secundárias.
Dado que a teoria sociológica e um assunto difícil de es
tudar, torna-se altamente desejável a recapitulação. As vêzes
c aconselhável organizá-la em ordem diferente da utilizada no
curso — cronológica, geográfica ou sistcmàticamente. A fim
de facilitar as recapitulações, adicionamos a este volume duas
sinopses. Pode-se utilizar a tabela cronológica a fim dc orga
nizar debates de tópicos, a exemplo dos seguintes: que idéias
novas apareceram no horizonte dos sociólogos, de 1901 a 1905?
ou de 1946 a 1950? À base da sinopse geográfica, pode-se
interrogar o aluno, digamos, para que relacione as opiniões
sociológicas com as condições de vida dentro das diferentes
nações em que elas surgiram e persistem.
Especialmente com estudantes adiantados, é possível con
seguir excelentes resultados, examinando o desenvolvimento his
tórico das idéias atinentes aos problemas básicos da teoria so
ciológica apresentados no capítulo I. Pode-se usar, com bons
resultados, o índice, para preparar tais deveres.
394
Sugestões Para Leituras Posteriores
395
Herbert Spencer (1916); J. Rumney, Herbert Spencer's Socio
logy (*934); R. Hofstadtcr, Social Darwinism in American
Thought (1944), págs. 18-36.
396
Sumner (1933); C. H. Page, Clast and American Sociology
(1940), pigs. 73-110, c Hofstadter, op. cit., pigs. 37-51. A
coleção póstuma dos Essays, de Sumner (1934), é de
teórico relativamente pequeno.
397
iia na forma mau c Iara, enquanto Les Lois Sociãles dá um
conhecimento mais completo da teoria como um todo; ver
também a obra excelente, mas infelizmente difícil de encon
trar, Gabriel Tarde (1906), dc M. M. Davies, depois incor
porada a Psychological Interpretation of Society (1909), do
mesmo autor.
398
discussão da obra de Thomas, cm H. Blumcr, Q/m|9HH
Rcsearch in the Social Science: I (1939) é altamente «da•
rccedora.
400
Capitulo XVIII (Sociologia Anaiílua)
vista teóricos de Sorokin são desenvolvidos, anpktiM^
em sua Social and Cultural Dynamics (4 volumes) « Mé|
Culture and Personality (1947); esta última foi popuboMW
resumida em sua The Crisis of Our Age (1941), ainda que Sflr
kin aprovasse a excelente condensação dc F. R. Cowell, History,
Civilization and Culture (1952). As avaliações da obn de
Sorokin incluem: L. J. Maquet, The Sociology of Knowledge
(1951); H. Speier, em Barnes, op. cit., e R. L. Simpsoo, “Ptó-
rim Sorokin and His Sociology”, Social Forces, dezembro, 1953.
Os Essays in Sociological Theory (1949) contem as opiniSei
de Parsons sôbre diversos problemas sociológicos, enquanto Tht
Social System (1951) talvez seja, até esta data, sua obra teó
rica mais completa; entre as criticas correntes de sua teoria, ver
o artigo de G. E. Swanson, na Am. Soc. Rev., vol. 18 (1953),
págs. 125 e segs. A opinião teórica de Znaniecki é apresentada,
provàvelmente na forma mais adequada, em The Method of
Sociology (1934), Social Actions (1936) c Cultural Sciences
(1952). A teoria sociológica de Maclver está mais bem exposta,
dentre os muitos volumes que escreveu, em Society (1931 e
1937; revisto com C. H. Page em 1949) e Social Causation
(1942); e é rapidamente apresentada por H. Alpcrt em Freedom
and Control in Modern Society (1943), de M. Berger, T. Abel
e C. H. Page. Os pontos de vista de Parsons, Znaniecki e
Maclver foram accrtadamentc resumidos por R. e G. Hinkle,
em The Development of Modern Sociology (1954).
401
21Ó-J3. c P. Geyl, Can We Know the Pattern of the Past?^
(1949). Cultural Change, de Chapin, e Configurations of
Culture Growth, dc Kroebec, devem ser consultados direta-
mente, assim como Cultural History as Cultural Sociology,
de A. Weber, para cuja avaliação, ver N. Neuman, em Barnes,
op. cit-, págs. 353-61. Critica excelente & Sociologia histórica
ú a do capítulo de Becker sôbre o assunto, em Barnes e Becker,
op. cit.
402
Tabela Cronológica
403
glish Aten o/ Genius. 1875- Gumplowicz, Raça t Estado. 1876:
Spencer, Principies o/ Sociology, vol. I. 1877: t Ba gr hot. 1878:
Schiifflc, Estrutura t Vida do Corpo Social; Morgan, Ancient
History, 1879: Spcncer, PrincipUs of Ethics, vol. 1. 1880:
Fouiliéc, Ciência Social Contemporânea.
404
/9//-29. 1911: Durkheim, Julgamentos de Realidade e Julga
mentos de Valor; Gracbner, Métodos de Etnologia: f Gthoa.
1912: t Novicow: t Fouillée; Durkheim, As Formas EUmen-
lares da Vida Religiosa. 1913: t Ward. 1915: Pareto, Trata*
do de Sociologia (depois traduzido c ampliado como The Mind
and Society); Keller, Evolução Social; Hobhouse et al., The
Material Culture and Social Institutions of the Simpler Peoples;
Galpin, The Social Anatomy of a Rural Community* 1916:
t Kovalevsky. 1917: t Durkheim: t Tylor; Maclver, The
Community. 1918: t Simmel: Spengler, A Decadência do
Ocidente; Thomas e Znaniecki, The Polish Peasant, vol. 1;
Cooley, Social Process. 1919: Sorokin, Sistema de Sociologia
'em russo ); Litt, Individual and Society; Mackinder, The
Eurasian Heartland. 1920: t Worms: t Max Weber.
405
1-111' Paisons, Structure of Social Action; Lynd e Lynd,
Middletown in Transition. 1959: Lundberg, Fundamentos de
Sociologia; Lynd, Knowledge lor What? 1940: Mannheim,
Alente e Sociedade no Tempo da Reconstrução.
406
Sinopse Geográfica
407
surgimento da Sociologia analítica: Tarde e Durkheim. Os
pomos <ic vista de Durkheim tftm dominado o ambiente fran
cês até hoje. Entretanto, adicionou-se, desde 1925, à Socio
logia durkhcimiana, uma original cscola institucional que. em
bora nascida (la fenomenologia alemã, invadiu a França,
nas pessoas de Gurvitch (também de ascendência russa) e
Monnerot.
A Inglaterra deu o segundo fundador, Spencer, cujo im
pacto sôbre o movimento da Sociologia foi por muitos anos
inigualado. Símultâncamente com a obra inicial de Spencer,
Buckle produziu uma obra clássica, no estilo do determinismo
geográfico, enquanto Tylor, etnólogo, abriu o caminho ao de
terminismo tecnológico. Apenas alguns anos depois da publi
cação dc First Principles, de Spencer, Bagchot inaugurou o
darwinismo social. Durante o século XX, as contribuições
da Inglaterra foram de importância menor. Entretanto, o evo-
lucionisino religioso de Kidd e o evolucionismo modificado
de Hobhouse e Ginsberg exerceram alguma influência. Ainda
que polonês de nascimento, Malinowski deve ser considerado
um líder inglês na Sociologia c na Antropologia, especialmen
te na tendência funcional. A obra dc Toynbee, na Sociologia
histórica, 6 uma contribuição fundamental para o pensamento
social.
Na Rússia , a “escola subjetiva" apareceu na década de
1£60. quase ao mesmo tempo em que sc publicava Firt Principies,
de Spencer; concorrentemente, Danilevsky prestou significativa
contribuição ao approach não evolutivo da Sociologia histórica.
F., no fim do século XIX, os pontos dc vista de Kovalevsky
somaram-se à ala moderada do evolucionismo. O empreen
dimento sociológico foi interrompido pela revolução comunista,
após a qual só se permitiu a teoria marxista. Não obstante, é
facilmente reconhecível o fundo russo na obra de dois estu
diosos, de ascendência russa: Sorokin, que se tornou um emi
nente sociólogo americano, e Gurvitch, que usufrui destacada
posição na Sociologia francesa.
A Sociologia americana começou com a Dynamic Sociology
(1883), de Ward. Logo Sumner, grande darwinista social,
aderiu a Ward, criador do evolucionismo psicológico. Giddings,
que pertenceu a uma geração mais jovem, começou como evo-
lucionista psicológico, mas depois combinou esse approach com
idéias que, mais tarde ainda, tornaram-se conhecidas como o
408
r.copostivismo. Não se devem eiqueccr at cootnbuiçfa
ciais de Morgan e Veblen, ambos defensores da ínSfeM^^H
tecnológica. No princípio do século XX, Goolr) 1 TboM»
iram eminentes representantes da Sociologia psicológica (nls
confundir com evolucionismo psicológico). O segundo quand
do século testemunhou um florescimento sem precedente fl
produção sociológica, dividida em escolas: durante cae perío
do, além do neopositivismo predominante, desenvolveratn«§e a
cscola ecológica, a escola sociométríca (criada por Moreno,
emigrante austríaco), o approach funcional, e a Sociologia
analítica, bem representada por Sorokin, Parsons, Znaniecki
e Maclver (de origem escocesa). Sorokin também deu uma
contribuição brilhante à Sociologia histórica. Ademais, Keüer,
White e Maclver representam o neo-evoluck>nismo, e Hun
tington foi, durante muitos anos, o porta-bandeira do deter
minismo geográfico.
A Sociologia alemã começou pràticamente com Marx,
que influenciou profundamente certo número de sociólogos que
não compartilhavam de sua Filosofia básica, entre os quais,
por exemplo, Gumplowicz, darwinista social, Toennies e Mu
Weber. O darwinismo social desenvolveu-se, ulteriormente, nos
trabalhos de Ratzenhofer e Oppcnheimcr, ao pano que, além
de Toennies, frutificava a Sociologia analítica ainda na obra de
Simmel. Lilienfeld e Schâffle representaram o approach or-
ganicista. Max Weber, cuja posição na Sociologia quase de
safia uma classificação, exerceu sôbre a Sociologia, na Alema
nha, a maior influência. Novas tendências também se desen
volveram, como a Sociologia formal de \on Wiese, a teoria
fcnomenológica de Litt e Vierkandt, e o approach histórico dc
Alfred Weber. Hoje, a Sociologia alemã parece ansiosa de
aprender com a americana, visando a libertar-se da preocupa
ção filosófica e expandir-se na pesquisa empírica.
A It ilia produziu o grande sociólogo Pareto, cujas idéias
influenciaram enormemente a Sociologia americana. Entre
outros sociólogos italianos, talvez sòmente A. Loria deva ser
incluído na história do desenvolvimento da teoria sociológica
tal como é apresentado neste volume.
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Catlin, Tratado de Politico
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Dou», A Evolução do Capitalismo
DuvEfíCER, Ciência Política
Eaton, Manual dê Economia Política
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