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Francisco de Assis, além do tempo e

do espaço, intitula-se coletânea FRANCISCO DE ASSIS:


moderna focando o oceano de POR UMA PEDAGOGIA HUMANISTA
valores dessa pessoa humana de tão
cativante mística (cf. Concilium,
n.169). "Parecia um homem de outro
século" - escreve seu primeiro
biógrafo Frei Tomás de Celano, em
1228 (1Cel 82,1).

Dante Alighieri celebra um hino a


Assis, "oriente dell'anima", e chama
Francisco de "sol de Assis" (Paradiso
XI, V. 52-54).

Em nossos dias, o notável historiador


medievalista Jacques Le Goff
confessa-se fascinado ("toujours
fasciné") pela figura de São Francisco
de Assis, "um dos mais
impressionantes personagens em seu
tempo e até hoje da história
medieval".
© 2005, Editora Universitária São Francisco - EDUSF
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Universitária São Francisco.

A
Dom Paulo Evaristo Arns,
37:271.3 Piccolo, Agostinho Salvador, Fr. Nosso Irmão Cardeal,
P663f Francisco de Assis : por uma pedagogia Franciscano,
humanista / Fr. Agostinho Salvador Piccolo. -­ sempre Mestre.
Bragança Paulista : Editora Universitária São
Francisco : Instituto Franciscano de Antropologia,
2005.
184 p. (Estudos franciscanos) Aos Educadores Franciscanos
ISBN 85-86965-77-4 Frei Constantino Koser,
ex-Ministro-Geral da Ordem;
1. Franciscanismo na educação. 2. São Francisco.
Frei Tadeu Hoennighausen,
3. Educação. I. Título. II. Série.
Orientador emérito;
Ficha catalográfica elaborada pelas bibliotecárias do Setor de Frei Caetano Esser, Historiador
Processamento Técnico da Universidade São Francisco. e pesquisador.
SUMÁRIO

SIGLAS E ABREVIATURAS .................... 1 3


PÓRTICO .................................... 1 5
INTRODUÇÃO ............................... 1 7
CAPÍTULO I - DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA
EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO XXI ........... 21
1.1 Macrocenários de mudanças na sociedade
pós-moderna ............................. 23
1.1.1 A sociedade da globalização ............ 23
1.1.1.1 Luzes .......................... 25
1.1.1.2 Sombras ........................ 26
1.1.2 A sociedade aprendente (do conhecimento)
e da informação ........................ 27
1.1.2.1 À. revolução informática ............ 29
1.1.2.2 O desequilíbrio mundial da
informação .......................... 3O
1.1.3 A condição da sociedade pós-moderna..... 31
1.1.3.1 Procurando entender a
Aprendi muito com meus Mestres. pós-modernidade ..................... 31
Aprendi mais com meus Companheiros.
Aprendi muito mais com meus Alunos e
1.1.3.2 Pós-modernidade, marcas de um mundo
minhas Alunas.
em veloz transformação ................ 32
Obrigado! 1.1.3.3 Perfil do Homem pós-moderno....... 33
1.1.3.4 O elemento religioso............... 3 4 2.2.1.3 Testamento ...................... 74
1.1.3.4.1 New Age e pós-modernidade..... 3 5 2.2.1.4 Cartas........................... 82
1.1.3.4.2 Aspectos dos Fundamentalismos.. 3 7 2.2.1.4.1 Carta a Frei Leão..............82
1.2 Envolvimentos Educativos.................. 38 2.2.1.4.2 Carta a um Ministro............83
1.2.1 Em relação à sociedade da globalização.... 3 9 2.2.1.4.3 Carta aos Governantes dos
1.2.2 Em relação à sociedade aprendente ( do Povos ............................ 84
conhecimento) e da informação ............ 4 2 2.2.1.4.4 Carta a Frei Antônio ...........86
1.2.3 Em relação à condição da sociedade 2.2.1.5 Orações e Louvor .................86
pós-moderna ........................... 4 4 2.2.1.5.1 Oração diante do Crucifixo ......87
CAPÍTULO II - PRINCIPAIS VALORES 2.2.1.5.2 Oração "Onipotente Deus" ......88
PEDAGÓGICOS ILUMINADOS PELOS ESCRITOS 2.2.1.5.3 Cântico do Irmão Sol ou Louvores
DE FRANCISCO DE ASSIS .................. 55 das Criaturas ...................... 90
2.1 Os Escritos .............................. 5 6 2.2.2 Ética transparente ..................... 96
2.1.1 Os Escritos escolhidos ................. 5 7 2.2.2.1 Regra Bulada..................... 96
2.1.1.1 Regras .......................... 58 2.2.2.2 Testamento ...................... 99
2.1.1.2 Cartas........................... 60 2.2.2.3 Cartas.......................... 100
2.1.1.2.1 Carta a Frei Leão.............. 60 2.2.2.3.1 Carta a um Ministro........... 100
2.1.1.2.2 Carta a um Ministro... : ........ 60 2.2.2.3.2 Carta aos Governantes dos
2.1.1.2.3 Carta aos Governantes dos Povos ........................... 101
Povos ..'.......................... 61 2.2.3 Essencialidade livre .................. 101
2.1.1.2.4 Carta a Frei Antônio ........... 61 2.2.3.1 Regra Bulada.................... 102
2.1.1.3. Orações e Louvor................. 62 2.2.3.2 Testamento ..................... 103
2.1.1.3.1 Oração diante do Crucifixo ...... 62 2.2.3.3 Cartas.......................... 104
2.1.1.3.2 Oração "Onipotente Deus" ...... 62 2.2.3.4 Orações ............... , ........ 105
2.1.1.3.3 O Cântico do Irmão Sol......... 63 2.2.4 Esperança idealista ................... 105
2.2 Palavras-chave à Luz dos Escritos............ 65 2.2.4.1 Regra Bulada.................... 105
2.2.1 A Comunhão Humana.................. 65 2.2.4.2 Regra não Bulada ................ 106
2.2.1.1 Regra Bulada..................... 65 2.2.4.3 Testamento ..................... 107
2.2.1.2 Regra não Bulada ................. 71 2.2.4.4 Cartas.......................... 107
2.2.4.4.1 Carta aos Governantes dos 2.2.7.2 Testamento ..................... 123
Povos ........................... 107 2.2.7.3 Cartas.......................... 12 3
2.2.4.5 Orações ........................ 107 2.2.7.3.1 Carta a Frei Leão ............. 12 4
2.2.5 Firmeza realista...................... 108 2.2.7.3.2 Carta a um Ministro........... 12 4
2.2.5.1 Regra Bulada .................... 108 2.2.7.3.3 Carta aos Governantes dos
2.2.5.2 Regra não Bulada ................ 110 Povos ........................... 12 4
2.2.5.3 Testamento ..................... 110 2.2.7.4 Orações ........................ 12 4
2.2.5.4 Cartas.......................... 112
CAPÍTULO III - PERFIL DE UM EDUCADOR
2.2.5.4.1 Carta a um Ministro........... 112 FRANCISCANO ........................... 12 7
- 2.2.5.4.2 Carta aos Governantes dos 3.1 A palavra de Pedagogos e Pedagogistas na
_Povos ........................... 112 pós-modernidade ......................... 12 8
2.2.5.5 Orações ........... ; ............ 112 3.2 A palavra de Alunos e Alunas .............. 13 2
2.2.5.5.1 Oração diante do Crucifixo ..... 112 3.3 A palavra de Francisco de Assis............. 13 4
2.2.5.5.2 Oração "Onipotente Deus" ..... 113 3.3.1 Uma pessoa bem humana, de afeto, de
2.2.6 Religiosidade transformadora ........... 113 testemunho por seu exemplo de vida ....... 13 5
2.2.6.1 Regra Bulada.................... 113 3.3.2 Uma pessoa que sabe acolher e ser presença
2.2.6.2 Regra não Bulada ................ 115 animadora ............................ 13 6
2.2.6.3 Testamento .............'........ 116 3.3.3 Uma pessoa de coração solidário e
2.2.6.4 Cartas.......................... 117 fraterno .............................. 13 7
2.2.6.4.1 Carta a Frei Leão ............. 117 3.3.4 Uma pessoa de sabedoria, competente na sua
matéria e atualizada..................... 13 7
2.2.6.4.2 Carta a um Ministro........... 118
3.3.5 Uma-pessoa de espírito comunitário, de
2.2.6.4.3 Carta aos Governantes dos
cortesia .............................. 13 8
Povos ........................... 118
3.3.6 Uma pessoa de idealismo, sonho e
2.2.6.5 Orações ........................ 119
esperança ............................. 13 9
2.2.6.5.1. Oração diante do Crucifixo ..... 119
3.3.7 Uma pessoa de misericórdia e vigor ...... 13 9
2.2.6.5.2 Oração "Onipotente Deus" ..... 119
3.3.8 Uma pessoa de paz ................... 14 0
2.2.6.5.3 Cântico do Irmão Sol.......... 12 0
3.3.9 Uma pessoa de vida interior ............ 14 0
2.2.7 Paz Universal ..................... , . 121 -- -

2.2.7.1 Regra Bulada.................... 12 1 CAPÍTULO IV - PROJETOS DE AÇÃO .......... 14 3


4.1 Esfera Internacional ...................... 14 3
4.2 No Brasil. .............................. 14 5
4.3 Esfera Franciscana ....................... 149
4.3.1Universidad San Buenaventura .......... 149
4.3.2 Escolas Franciscanas de São Paulo ....... 150
4.3.3 Projetos Sociais do Colégio Bom Jesus SIGLAS E ABREVIATURAS1
e da FAE ............................. 153
4.3.3.1 Pastoral Escolar .................. 154
4.3.3.2 Projetos Socioeducativos .......... 155
4.3.3.3 Projetos de Ação Comunitária ...... 157 Ad-Admoestações
4.3.3.4 Projetos de Extensão Comunitária ... 158 AnalFranc.-Analecta Franciscana sive Chronica aliaque va­
4.3.3.5 Projetos Especiais ................ 159 ria documenta ad historiam Fratrum Minorum spectantia,
4.3.3.6 Projetos do Voluntariado........... 160 edita a Patribus Collegii S.Bonaventurae adiuvantibus aliis
eruditis viris, Ad Claras Aquas, Florentiae. Quaracchi-Fi­
4.3.3.7 Parcerias e Convênios ............. 161
renze
4.3.4 Projetos Sociais da Universidade
Ant- Carta a Santo Antônio
São Francisco ......................... 162
Anton - Antonianum. Periódico filosófico-teológico editado
4.3.4.1A Pastoral ...................... 163
por Professores do Pontifício Ateneo Antonianum de Urbe,
4.3.4.2 A Extensão Universitária .......... 164 Roma
4.3.4.2.1 Projetos Extensionais BnL-Bênção a Frei Leão
Comunitários ..................... 165
CA- Compilação de Assis
4.3.4.2.2 Projetos Extensionais
lCel- Tomás de Celano, Vida I
Acadêmicos ...................... 167
2Cel-Tomás de Celano, Vida II
4.3.4.2.3 A Arte e a Cultura ............ 168
3Cel-Tomás de Celano, Tratado dos Milagres
4.3.4.2.4 O Esporte ................... 168
Cnt- (O) Cântico do Irmão Sol
CONCLUSÃO................................ 171 CorSourFran- Corpus des Sources Franciscaines
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............. 177

1. As abreviaturas bíblicas seguem as da edição brasileira da Bíblia Vozes; as


siglas dos Escritos de São Francisco, Legendas, Compilações, Florilégios,
assumo-as das siglas e abreviações de Fontes Franciscanas e Clarianas, nova
edição, Vozes/FFB, 2004; para outras abreviaturas, sigo: obras estrangeiras,
conforme a procedência; obras nacionais, de acordo com a ABNT.

13
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

2EP-Espelho da Perfeição (maior)


FF-Fonti Francescane
FFB-Família Franciscana do Brasil
FFC-Fontes Franciscanas e Clarianas
2Fi-Carta aos Fiéis (2 ª Recensão)
PÓRTICO
Fior-I Fioretti
Fontes -Fontes Franciscani
GE-Gravissimum Educationis - Sobre a Educação
Gv-Carta aos Governantes dos Povos Educadores são apóstolos do humano. Educadores elabo­
ram sendas para a humanidade; podem não ter respostas imedia­
Le-Carta a Frei Leão
tas, mas apontam caminhos para reencantar os valores que nor­
LM-São Boaventura, Legenda Maior teiam nossa vida. O que temos de humano e divino temos que
LTC-Legenda dos Três Companheiros recuperar; é preciso ser cada vez melhor este Ser que já somos.
Mn-Carta a um Ministro Quando a humanidade tem suas crises, quando em certas
OC-Oração diante do Crucifixo épocas avança em conquistas mas esquece do humano, nive­
OFM - Ordem dos Frades Menores lando por baixo seus valores, aí surge alguém para nos recon­
OFMCap. -Ordem dos Frades Menores Capuchinhos duzir à verdade de nós mesmos e nos ensinar novamente a ser
capazes de fazer uma releitura da vida. Tanto para o período
OFMConv. -Ordem dos Frades Menores Conventuais
medieval quanto para a pós-modernidade levanta-se uma es­
Onip-Oração "Onipotente Deus" trela guia: Francisco de Assis, fonte de inspiração para uma
Opusc-Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis nova Pedagogia Humanista!
Ord-Carta a toda a Ordem Francisco foi um homem cheio de encontro, de amor e bri­
PAA-Pontifício Ateneo Antonianum lho próprio; quis viver uma proximidade intensa com o Altís­
PN-Paráfrase ao Pai-nosso simo e nos revelou que quem está mais perto de Deus é mais
RB -Regra Bulada pródigo de humanidade. Francisco nos ensinou que é preciso
amar toda humana criatura e todo ser criado, sem mesquinha­
RE-Regra para os Eremitérios
rias. Ele investiu na fraternidade e com isso criou, no início da
RnB -Regra não Bulada Ordem, um grupo humano vigoroso. Mostrou que as virtudes
SelecFranc-Selecciones de Franciscanismo. Revista cuadri­ são a leitura onde vai-se firmando a vida.
mestral, Valencia, 1972 s
De uma boa obra depende o destino do mundo. Ao escre­
Test-Testamento ver uma boa obra cresce-se na capacidade de fazer aparecer
outras ações de maior grandeza. Esta é a finalidade deste livro

14 15
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

escrito corri empenho e paixão. Ele mostra para nós que ser
educador é um valor absoluto. Ele nos ensina a ler com serie­
dade as Fontes Franciscanas porque elas sustentam gerações, e
mostra todos os argumentos franciscanos como um grande
princípio de Nova Humanidade. O autor nos desvela o modelo INTRODUÇÃO
vivo de Francisco de Assis como mestre Educador; provoca a
pós-modernidade para um caminho seguro na educação e pro­
põe o perfil do Educador Franciscano.
Assim, Frei Agostinho retoma a nossa natureza, argila
fresca e natural a ser trabalhada com mãos de artista; e nós, en­ O fascínio de Francisco de Assis, desde o início, cativou os
cantados, lemos o seu texto para ver a vida mais presente em seus primeiros Companheiros, os seus contemporâneos, atra­
nós, com mais arte, com mais intensidade, pedagogicamente vessou os séculos, marcou a História. "Parecia realmente um
franciscana. homem novo e um homem de outro mundo" - escreve Celano.
"Novus certe homo et alterius saeculi videbatur';2• São Boa­
Frei Vitório Mazzuco, OFM
Ex-aluno e sempre discípulo de Agostinho
ventura repete os termos expressivos: "Aos que o olhavam ele
parecia homem de outro mundo"3•
Em nossos dias, o estudioso medievalista Jacques Le Goff
declara-se fascinado, duplamente fascinado pela personagem
de São Francisco de Assis, um dos personagens mais impres­
sionantes no seu tempo e até hoje da história medieval:
Depuis le presque demi-siecle ou j'ai commencé à
m'intéresser au Moyen Âge, je suis doublement fasci­
né par le personnage de saint François d'Assise. Fran­
çois 1cété l'un des personnages les plus impression­
nants en son temps et jusqu'aujourd'hui de l'histoire
4
médiévale •
Muitos franciscanólogos, por outro lado, referem-se aos tra­
ços de Francisco "mestre, pai e mãe", à sua "pedagogia". Zaval­
loni fala com freqüência e singular propriedade de Francisco

2. 1Cel 82, 1.
3. LM IV, 5,3.
4. Le Goff, J. Saint François d'Assise, Préface, p. 7.

16 17
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

"mestre, educador", de "rivisitare l' esperienza educativa de s. dagogos e pedagogistas contemporâneos de apoio: Antônio
Francesco", que, "com seus escritos e com o seu exemplo, propõe Nanni, Edgar Morin, Jacques Delors, Hugo Assmann e Paulo
um itinerário formativo altamente apreciável e sempre atual"5• Freire. De suas obras, busquei selecionar palavras-chave que
formassem um quadro de prospectivas educativas para hoje.
Motivado por essas razões, guiado pelo forte momento
São estas as palavras-chave extraídas, acompanhadas ora de
histórico da Igreja em seus constantes apelos a um redespertar
um adjunto adnominal próprio: Comunhão humana - Ética
humanista6, agradecido pelos anos que vivi na área da Educa­
transparente- Essencialidade livre- Esperança idealista- Fir­
ção, escolhi o tema que ora apresento aos nossos dedicados
meza realista - Religiosidade transcendente - Paz universal.
Educadores e Educadoras: Francisco de Assis: por uma peda­
gogia humanista. O capítulo II procura revelar um vulto diferente, mas real,
de Francisco: mestre educador, capaz de inspirar valores peda­
Divido-o em quatro capítulos:
gógicos e iluminar nova prática educativa neste período da
O capítulo I oferece-nos uma radiografia da paidéia na história.
pós-modernidade. Desdobra-se em dois âmbitos: o primeiro
Como fontes de inspiração e iluminação, sirvo-me direta­
focaliza os macrocenários das mudanças nesse período da his­
mente dos Escritos de Francisco, pois é neles que Francisco
tória; o segundo, os envolvimentos educativos.
em pessoa fala com suas próprias palavras - "ipse loquitur di­
Os macrocenários de mudança são: a sociedade da globali­ recte et ipsissimis verbis"1•
zação, com os seus aspectos positivos (luzes) e os aspectos ne­
Em cada parágrafo deste capítulo, visa-se revelar a vitalida­
gativos (sombras); a sociedade cognitiva e multimedial (fala-se
de positiva do "método franciscano": propor valores, defini-los,
sempre mais freqüentemente de sociedade virtual, do homo vi­
identificá-los e transformá-los em código comportamental.
dens, da criança-vídeo, do jovem multimedial); e a condição
pós-moderna, que seria a representação em uma imagem uni­ O capítulo III delineia, então, o perfil de um Educador,
tária de uma realidade mutável e polivalente. particularmente de um Educador Franciscano. Retoma, como
instrumento, o parecer de Pedagogos estudados, inclui uma
O segundo âmbito são os envolvimentos educativos. Para
sondagem ad hoc--realizada entre Estudantes de vários níveis, e
enfrentar os macrocenários das mudanças, a educação necessi­
engloba com destaque os textos mesmos dos Escritos.
ta elaborar e pôr em prática um novo paradigma pedagógico,
um novo modelo educativo. Nesse sentido, estudo alguns pe- O capítulo IV mostra como diferentes instituições pro­
põem projetos a realizar, e como Escolas Franciscanas já reali­
zam projetos sociais, programas de formação e ação francisca­
5. Zavalloni, R. Pedagogia franciscana - desenvolvimentos e prospecti­ na para seus Alunos, Professores e toda a comunidade educati­
vas, p. 11. va, sempre em vista de uma nova Pedagogia Humanista.
6. Paulo VI, na alocução de encerramento do Concílio Vaticano II
(7/12/1965), declarava enfaticamente: "Nós, Padres Conciliares, nós, mais
do que todos, somos os cultores do homem, da pessoa humana. Eis o nosso
humanismo" (Insegnamenti di Paolo VI, p. 721). João Paulo II repete que a
Igreja precisa ter e ser mais coração. 7. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 16.

18 19
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

Desenvolvo a obra conforme o seguinte método: como


ponto de partida, estudam-se os pedagogos contemporâneos
escolhidos, focalizando cada uma das palavras-chave catalo­
gadas das suas obras. Em seguida, percorrem-se sistematica­
mente os Escritos selecionados de Francisco, sublinhando CAPÍTULO 1
como se envolvem no argumento e como iluminam o conteúdo
pedagógico. DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA
Em opção pessoal, tomei os textos seguintes: a Regra Bula­
EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO XXI
da, a Regra não Bulada (cap. XXIII e XXN) e o Testamento; as
Cartas: a Frei Leão, a Frei Antônio, a um Ministro, aos Gover­
nantes dos Povos; Orações e Louvores: a Oração diante do Cru­
cifixo, a Oração "Onipotente Deus", o Cântico do Irmão Sol.
Reencantar a Educação.
As Regras e o Testamento apresentam um Francisco que
Reencantar a educação é o sugestivo título de obra do
orienta quando dá normas. As Cartas revelam o seu estilo pe­
Prof. Hugo Assmann8 • "A Educação se confronta - observa
culiar de comunicação: destinam-se a uma pessoa ou a um gru­
Assmann - com a apaixonante tarefa deformar seres humanos
po, com a finalidade de expor determinado assunto ou de ori­ para os quais a criatividade, a ternura e a solidariedade sejam,
entar oportunamente. Mediante as Orações, ele ensina quando ao mesmo tempo, desejo e necessidade"9•
busca interiorização ou inspiração para a ação.
Paulo Freire , notável por sua mensagem de libertação, de
10
O ano 2002 assinalou o 25 º aniversário da clássica edição compromisso, de crescimento humano, de diálogo e esperan­
crítica dos Escritos de Francisco, por K. Es.ser. Os Escritos, ça, de amor pela vida e à humanidade, fala da "pedagogia dos
vale salientar, vêm ultimamente merecendo estudos cada vez , · "11
sonhos poss1ve1s .
mais reveladores e divulgação cada vez mais ampla.
O presente trabalho significa modesta memória: desvelar, 8. Hugo Assmann é orientador de pós-graduação, mestrado e doutorado em
pelos mesmos Escritos, a convicção que Francisco tem de con­ Educação, na Universidade Metodista de Piracicaba-Unimep, São Paulo.
duzir, educando, de propor um caminho, diria, o caminho de 9. Assmann, H. Reencantar a educação-rumo à sociedade aprendente, p. 182.
reencantar a educação e de resgatar a Dignidade e a Nobreza 1 O. Paulo Freire criou o método que o notabilizou no mundo inteiro, fundado
do Projeto Humano. no princípio de que o processo educacional deve partir da realidade que cerca
o educando. Escreveu numerosos livros, traduzidos em 18 línguas. O clássi­
São Paulo, 15 de julho de 2004. co Pedagogia do oprimido, com dedicatória "aos esfarrapados do mundo e
Festa do Doutor Seráfico São Boaventura aos que neles se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles sofrem, mas
sobretudo, com eles lutam". É como seu projeto político-pedagógico.
11. A obra Pedagogia dos sonhos possíveis (2001), junto com Pedagogia
da esperança (1992) e Pedagogia da indignação (2000), identificam os
seus sonhos, a utopia de um mundo mais justo, solidário, resgatado por
uma educação libertadora.

20 21
Francisco d� Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

"A Educação: um grande tesouro". Com tais exultantes pa­ Neste capítulo, estudaremos os dois pólos sistematicamente.
lavras, Jacques Delors, Presidente, e os membros da "Comissão Em primeiro lugar, focalizando o que se denomina de macroce­
Internacional sobre a Educação para o século XXI" batizaram o nários de mudanças no mundo, na sociedade pós-moderna, com
Relatório final dos seus trabalhos entregue à Unesco 12 • os problemas que questionam. Em seguida, os envolvimentos
educativos, que pedagogistas e pedagogos de hoje indicam16 •
Trata-se, seguramente, de uma nova paidéia, de sonhos e
projetos educacionais para o século XXI, aurora deste novo Ora, proponho-me a apresentar um painel em que buscarei
milênio. destacar as várias iluminações de pedagogistas, pedagogos,
escolas, autoridades que, embora em diferentes dimensões de
Já em 1936, W. Jaeger brindava o mundo da Educação espaço e tempo, trataram de um ideal de vida e seus respecti­
com os seus estudos sobre a Paidéia 13 • A alentada obra tor­ vos valores pedagógicos.
nou-se clássica à mesa de quem vive no quotidiano o universo
da história da Educação.
Desde o mundo helênico e ao longo da história, a ars arti­ 1.1 Macrocenários de mudanCjas na sociedade
um tem deveras lançado constantes desafios. Hoje, mais acen­ pós-moderna
tuadamente. "Talvez - pondera Assmann - pelos tantos novos
conceitos emergentes, que têm tudo a ver com uma visão reno­ Três macrocenários merecem consideração no que respei­
vada da pedagogia" 14• E essa reflexão provoca a interrogação: ta a mudanças:
"Quem duvidaria que a Educação é hoje, mais do que nunca, a • a sociedade da globalização;
mais avançada tarefa social emancipatória?" 1 5
• a sociedade aprendente (do conhecimento) e da infor­
Toda época histórica teve a "sua paidéia", isto é, um qua­ mação;
dro global de inteligibilidade do mundo, uma prospectiva con­
dividida sobre realidade e tempo, e, ao mesmo tempo, uma • a condição da sociedade pós-moderna.
idéia de pessoa humana á formar e como formar.
A paidéia na pós-modernidade, a educação para o século 1. 1. 1 A sociedade da globalização
XXI, apresenta, de um lado, desafios inquietantes; doutro, es­
peranças entusiasmantes. O fenômeno da globalização desafia o mundo da educação.

16. Destaco inicialmente duas obras de M. Pellerey: 1) Educare, manuale


12. Delors, J. Educação: um tesouro a descobrir. Trata-se de precioso do­ di pedagogia come scienza pratico-progettuale, Roma, 1999. Em especial:
cumento, referência necessária para o educador hoje. Título original: Lear­ "Natura della Pedagogia come scienza pratica" (p. 14�17); "La Pedagogia
ning: the treasure within. Report to Unesco ofthe Intemational Comission come disciplina scientifica" (p. (9-20); "La Pedagogia come scienza pro­
on Education for the Twenty-first Century. Unesco, 1996. gettuale" (p. 25-26). 2) L 'Agire educativo - la pratica pedagogica tra mo­
13. Jaeger, W. Paidéia: a formação do homem grego, Prólogo, XXI-XXII; demità e postmodemità, Roma, 1998. Ver o cap. VI: "La circolarità tra azio­
Introdução, p. 1. ni e valori in prospettiva psicologica", particularmente n. 4: "11 processo di
14. Assmann, H. Reencantar a educação, Prólogo, p. 13. interorizzazione dei valori come obiettivo educativo" (p. 111-113) e "Mo­
15. Assmann, H. Reencantar a educação, p. 26. tivi, atteggiamenti e valori" (p. 113-116).

22 23
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

O pedagogista A. Nanni destaca que não se deve banalizar a Transnacionalização indica os fenômenos que se origi­
globalização, considerando-a como um simples potenciamento nam a partir de certas realidades nacionais e depois se difun­
do processo de internacionalização. Em verdade, não nos defron­ dem e tomam-se parte de outras realidades nacionais (moda, p.
tamos com um fenômeno quantitativo, mas qualitativo. Implica ex., vestes, músicas).
modalidades de pensamentos, formas com que representamos a
realidade e a ela nos referimos. Mais: não cabe também reduzir a A mundialização não significa nenhum dos três processos,
globalização à economia. Ela abrange a mundialização da econo­ mas compreende o conjunto dos três, com uma novidade subs­
mia e a velocidade espantosa da circulação da informação17 • tancial. Nos processos de internacionalização, multinacionali­
Globalização é, pois, um fenômeno de mundialização, ou zação e transnacionalização, o ponto de partida e de chegada é
seja, aquilo que é tomado ou computado em globo, no global, ainda o Estado nacional (a língua nacional, a cultura nacional,
por inteiro; ainda: integral, total, complexo; que interessa e pois a Weltanschauung é nacional, os parâmetros de referência
concerne a todo o globo terrestre. são nacionais). Na mundialização, ao invés, a referência ao es­
paço nacional não conta mais, nem como partida, nem como
R. Petrella, docente de Economia na Universidade de Lo­
vaina, distingue: a globalização, ou mundialização, diferen­ chegada. A impostação diferencia-se totalmente, desde o iní­
cia-se da internacionalização, da multinacionalização - em­ cio: There is the global car, the world car, the world music, the
pregadas promiscuamente, mas erroneamente. E explicita: world market 19 •
Internacionalização usa-se para explicar os fluxos que Em outras palavras, trata-se de um fenômeno típico, e sé­
existem, e a intensidade e a natureza desses fluxos, entre as vá­ rio, dos nossos dias. Poderíamos recordar a expressão planeta­
rias entidades nacionais. rização das consciências. E um agravante: o bombardeio da
Multinacionalização, por sua vez, é o conjunto de proces­ globalização agride e avança maciçamente no planeta, com
sos que caracterizam um agente nacional (empresas, igrejas, uma ética questionável. Reproduzo, no momento, para poste­
partido, sindicato, editora) que se multinacionalizam, isto é, rior avaliação pedagógica, uma súmula, que denomino luzes e
que vão operar em outros contextos nacionais 18 • sombras, da complexidade do fenômeno globalização.

1 . 1 . 1 . 1 Luzes
17. Nanni. A. Una nuovapaideia. Prospettive educative per il XXI secolo, p. 13.
18. Petrella, R. II bene comune. Elogio della solidarietà, Reggio Emília, • policentrismo, mediante intercâmbio generalizado de
1997, citado por Nanni, A. Una nuova paideia, p. 18. Em ótica distinta,
mas de forma atraente, Morin, E. Terra-Patria, p. 7-97, discorre sobre "A informações, de idéias, de produtos, um intercâmbio
era planetária", "O documento de identidade terrestre", até "A agonia pla­ tipo planetarizado;
netária". Refiro-me ainda a Robertson, R. Globalização: teoria social e • preocupação por uma espécie de governo mundial,
cultura global. Não cabe, no trabalho que desenvolvo, expansão maior do
tema. No entanto, vale ressaltar os "aspectos culturais da globalização" - sem fronteiras;
como escreve o autor na introdução à edição brasileira (p. 13), em vista da
transdisciplinaridade. Ver ad hoc: cap. 6 - "Teoria dos sistemas mundiais,
cultura e imagens da ordem mundial" (p. 91-121) e cap. 12 - "Globaliza­
ção: tempo-espaço e homogeneidade-heterogeneidade" (p. 246-268). 19. Nanni, A. Una nuova paideia, p. 17-18.

24 25
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

• mobilidade humana de um continente a outro: encur­ lação consomem 80% dos recursos do planeta, enquanto os
tam-se distâncias, pessoas se encontram; restantes 20 devem lutar pela sobrevivência, melhor: pela sub­
• redução do princípio de soberania dos Estados-nação, vivência.
em que se deve associar a noção de Gemeinschaft ("co­ Na sua Una nuova paideia, A. Nanni elenca ainda o que eu
munidade") e a Gesellschaft ("sociedade"); chamo de tentáculos da globalização, a megamáquina da eco­
• recuperação da memória histórica e defesa da identida­ nomia ocidental, com o séquito de seu novo colonialismo: a
de cultural: (re)valoriza-se o que é da terra, o passado, o mercantilização do mundo, a monocultura da mente, a unifor­
que é nativo. mização de culturas e comportamentos (o mundo à la McDo­
nald 's - como escreve G. Ritzer), o despertar do "local", o re­
tomo dos nacionalismos, a economia mais veloz que a políti­
1 . 1 . 1 .2 Sombras ca, a globalização das biografias, o viver de modo global, na
• concentração do poder nas mãos de poucos, sufocando simbiose "glocal"21•
os muitos outros, oprimindo os tantos "sem": sem-ali­ Eis a globalização.
mento, sem-teto, sem-emprego, sem-saúde, sem-edu­ Eis os desafios para uma nova ação educativa.
cação, sem-tudo, sem-nada;
• tendência à uniformização cultural, com o risco do
pensamento único; 1. 1.2 A sociedade aprendente (do conhecimento) e da
informação
• monopólio dos sistemas de comunicação, e a arbitrária
manipulação da informação; Um segundo macrocenário que se abre, ao lado da globali­
• desarraigamento cultural, com a perda da identidade e zação, é o da sociedade aprendente (do conhecimento) e da in­
das origens; formação.
• idolatria do mercado, primado do homo oeconomicus; Figuram e ocupam espaços livres termos quais sociedade da
• aumento das patologias da insegurança (perda da cons­ informação (SI), sociedade do conhecimento (knowledge society),
ciência, estresse, o medo que deprime, fundamentalis­ sociedade aprendente (learning society). Documentação da
mos, New Age, etc.)2°. União Européia acentua:
A resenha é fortemente preocupante. As sombras (basta re­ A mundialização dos intercâmbios, a globalização da
ver os itens 1, 3, 5) revelam um sistema global injusto, uma su­ tecnologia, em particular o advento da sociedade da in­
premacia imoral do hemisfério norte. Os números urram sinis­ formação, propiciaram aos indivíduos maiores chances
tramente. Vejamos: a renda das três pessoas mais ricas do de acesso à informação e ao saber. A sociedade do futu­
mundo supera o PIB dos 48 países mais pobres; 20% da popu- ro será uma sociedade aprendente (do conhecimento).

20. Nanni, A. Una nuova paideia, p. 19-25. 21. Nanni, A. Una nuova paideia, p. 22-27.

26 27
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Termos correlatos em uso: knowledge society - société Duas considerações cabem, ademais, antes de entrarmos
cognitive - società conoscitiva. "Sociedade do conhecimento é em perspectivas pedagógicas: a revolução da informática e o
terminologia mais rica" - observa por antecipação H. Assmann. desequilíbrio mundial da mesma informação.
"O conhecimento, e não os simples dados digitalizados - é e
será o recurso humano mais econômico e sociocultural mais de­
1 . 1 .2. 1 A revolução informática
terminante na nova fase da história humana que já se iniciou"22•
Paralelamente, comenta: "Com a expressão sociedade No mundo virtual, no mercado telemático, "o vídeo está
aprendente pretende-se inculcar que a sociedade inteira deve transformando o homo sapiens, produto da cultura escrita, em
entrar em estado de aprendizagem e transformar-se numa homo videns, no qual a imagem substitui a palavra. Tudo se
imensa rede de ecologias cognitivas"23• toma visualizado". Afirmação simples e certeira de G. Sartori
no seu livro Homo videns25 •
Assmann toma emprestada de E. Morin e P. Lévy a expres-
são ecologia cognitiva. Expõe: O universo da criança,_aliás, foi literalmente invadido pela
TV. São os pequenos escravos da TV. Hoje, sabemos, entre
As interfaces dos agentes cognitivos (humanos e/ou
maquínicos) são tantas que o próprio agenciamento ou
crianças brasileiras de classe média, crianças americanas ou
a ambientação dos potenciais cognitivos se transfor­ européias, não há praticamente diferença. São de três a quatro
mou em tarefa fundamental nas tecnologias e, por de­ horas por dia diante do screen, com os cartoons japoneses, ba­
24
corrência óbvia, dos contextos educacionais • ratos, ricos em violência e mediocridade. Cerca de 100 canais
só para crianças no mundo, mais de 50 nos últimos três anos.
De minha parte, acrescento: Na escola, a disponibilidade
Nos países ricos, ou até menos ricos, de classe média, TV no
de tecnoambientes (computadores, multimeios, Internet) está
quarto das crianças faz parte do mobiliário, é a baby-sitter de
sempre mais presente, e indispensável, mas não dispensará a
cada dia.
relação pedagógica, i. e, a presença do/a professor/a, com o
aprender humano. A revolução informática também se alastra vastamente.
Sondagem entre_meninas adolescentes inglesas, 8 a 15 anos,
revela-as campeãs no sms (short message systems). 70%
usam-no habitualmente, e 75% possuem seu celular. Mas mi­
22.Assmann, H. Reencantar a educação, p. 19. - O autor alude a Docu­
mentos da União Européia: Livro verde - Viver e trabalhar na SI: Priorida­ nimamente buscam um diálogo, uma comunicação ou confi­
de à dimens\io humana (2317/96); Prioridade à dimensão humana-Etapas dência com os pais. Mediante a imagem, que atropela a pala­
seguintes (julho de 1997); Construir a sociedade européia da informação vra, estabelece-se uma cultura juvenil, que experimentei amiú­
para todos - Relatório final do grupo de peritos de alto nível (abril de de nos últimos anos de Educador no quotidiano dos Colégios e
1997). Livro branco sobre A educação e a formação: ensinar e aprender -
rumo à sociedade cognitiva (29/11/95). De Portugal: Livro verde para a so­ na Pastoral da Juventude. G. Sartori, descreve-o assim:
ciedade da informação em Portugal (maio de 1997) in "Sociedade apren­
dente e sensibilidade solidária", 18, nota 1.
23. Assmann, H. Reencantar a educação, p. 19. 25. Sartori, G. Homo videns. Televisione e post-pensiero, citado por Nanni,
24. Assmann, H. Reencantar a educação, p. 151. A. Una nuova paideia, p. 44.

28 29
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Na escola, ouvem preguiçosamente lições que logo es­ Outrossim, a era das redes oferece características promis­
quecem. Não lêem jornais. Enchem o próprio quarto soras de furar as seleções das agências que não primam pelas
com pôsters de seus heróis, assistem a seus próprios es­ informações a serviço e ao bem de todos. São os recursos dos
petáculos, andam na rua e por estradas mergulhados na multimeios da hipertextualidade - interatividade - e transver­
própria música. Despertam apenas quando se encon­ salidades (hipertextuality- interactivity- e transversatility)21 •
tram em discotecas à noite. Quando, finalmente, sabo­
reiam a embriaguez de se comprimirem um ao outro, a
beatitude de existir como um único corpo dançante... 1. 1. 3 A condição da sociedade pós-moderna
Conclui Sartori, a meu ver, pesarosamente: Não sabe­
ria retratar melhor o garoto-vídeo. Non saprf:i raffigu­ O terceiro macrocenário: a condição da sociedade pós-mo­
26
rare meglio il video-bambino • derna, o pós-moderno, a pós-modernidade.
Eis, por outro lado, a abertura revolucionária, diria, de um
novo espaço do saber, do jovem multimedial, não só convi­
1.1.3.1 Procurando entender a pós-modernidade
dando mas convocando intensamente Família e Escola a des­
pertarem e, com criatividade, descobrirem valores da tecnolo­ O que é pós-modernidade?
gia da informação e da comunicação (TIC).
Refiro um texto de Paulo Freire. Impossibilitado de com­
parecer, enviou-o à Coordenação da Conferência Communica­
1.1.2.2 O desequilíbrio mundial da informação tion and Development in a Postmodern Era, promovida pela
Universidade da Malásia de 6 a 9 de dezembro de 1993:
Outro fator que merece atenção, no campo da informação,
é o desequilíbrio da mesma informação. A era das redes (net­
work), chegando embora até à admirável rede de alcance mun­
dial (worldwide web- www), peca pela exclusão. 27. Assmann explana concisamente: O hipertexto, texto eletrônico, como
os da Internet e CD-ROMs, admite subentradas, reenvios e múltiplas cone­
Por quê? Sabemos que a informação sofre cortes não técni­ xões. O mais profundo respeito a um texto se demonstra quando ele é tão
cos mas políticos. Três ou quatro agências do ocidente coman­ "invadido" pela capacidade criativa do intérprete-leitor/a que seu conteúdo
dam cerca de 90% de notícias que circulam pelo mundo. Num passa a ser transcrito por múltiplas apropriações e complementações. A
transversalidade, termo proveniente da geometria, tomou-se uma das me­
lugarejo perdido no interior do Brasil, nas megalópoles São táforas para não-linearidade. Trata-se de uma lógica do transitar/transmi­
Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires ou Tóquio, o caipira ou o grar; um modo de pensar e agir segundo uma mentalidade em trânsito. O
orgulhoso citadino engolem o mesmo menu que New York, conceito aparece em Reformas Educacionais (América Latina). No Brasil,
Londres ou Paris lhes preparam... Estamos longe de uma con­ ocorre a noção próxima, a transdisciplinaridade, enfoque científico e pe­
dagógico que toma explícito o problema de que um diálogo entre diversas
junção globalização+comunicação na aldeia global. disciplinas e áreas científicas implica necessariamente uma questão episte­
mológica. Admitindo que é importante que determinados conceitos fim­
dantes possam transmigrar através (trans-) das fronteiras disciplinares. Cf.
26. Sartori, G. Homo videns. ln: Nanni, A . Una nuova paideia. "La revolu­ Reencantar a Educação- glossário, 154, 183. E cap. 9: "Transdisciplinari­
zione informatica", p. 45. dade - por uma racionalidade transversal", p. 94-104.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

· Gostaria de acompanhar ativamente as discussões em 4. o freio ao progresso linear de secularização e o advento


tomo de se a pós-modernidade é uma província histó­ da New Age: fundamentalismos religiosos; fala-se de
rica em si, uma espécie de sui generis momento den­
de-secularização, re-sacralização neo-pagã, em ambíguo
tro da História a inaugurar uma nova História, sem
quas� continuidade, com o que foi e com o que virá,
mas imponente retomo do sacro, da desforra de Deus;
sem ideologia, sem utopias, sem sonho, sem classes so­ 5. o saber não é mais um bem espiritual, vira mercadoria
ciais, sem luta. Seria o império da neutralidade, da His­ de troca, fonte de proveito; devido às tecnologias da in­
tória mesma •
28
formação, perde a auréola, é jogado nas gôndolas do su­
E acrescenta a disjuntiva: "Ou, pelo contrário, se a permercado, em oferta, misturado com outros produtos.
pós-modernidade hoje, como a modernidade, como a tradicio­ Em suma, viver no pós-moderno significa coexistir com
nalidade, implica uma necessária continuidade que caracteriza situações de desordem, precariedade, oscilação, hibridação.
a História mesma enquanto experiência humana". Tudo ocorre no plural: os mundos, os tempos, os espaços, as
verdades, as éticas, as divindades, as salvações.
Na linha freireana, portanto, a pós-modernidade não estará
isenta de conflitos, de opções, rupturas, decisões, que incidirão
certamente na prática educativa. 1.1.3.3 Perfil do Homem pós-moderno

Quem é, afinal, o homem pós-moderno? Como parece na


1.1.3.i Pós-modernidade, marcas de um mundo em quotidianidade?
veloz transformação
A. Nanni, pesquisando em várias áreas do saber e rede de
O que particulariza, então, o pós-moderno em termos de autores, elaborou uma tabela em que justapõe 30 elementos
mundo em transformação? distintos, cómo valores do Modernismo x Pós-modemismo29 •

Alinho cinco marcas reconhecíveis: Descrevo, mais sinteticamente, seu perfil e o modo próprio
de agir:
1. a reação à modernidade, particularmente o de que se
jactava: a mistificação da certeza, o caráter estrutural 1. não seguirprojetos globais, caminhos certos, pontos de
harmonioso das ideologias, a organização e finalidade; chegada seguros, mas aceitar viver lia complexidade,
2. a ausência de organicidade e finalidade, a fragmenta­ no labirinto, no pluriverso;
ção, o processo de demolição das verdades e dos funda­ 2. não afirmar que possui a verdade, princípios absolutos,
mentos; fundamentos, mas reconhecer o próprio nomadismo
3. o surgimento de uma espécie de nomadismo cultural ' existencial, a mentalidade do viajor;
com as variantes de ecletismo e sincretismo·' 3. não ter um estilo único, mas exibir uma cultura combi­
natória;

28. Freire, P. Pedagogia dos sonhos possíveis, p. 157. 29. Nanni, A. Una nuova paideia, p. 67.
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

4. não se identificar inflexivelmente com nenhuma reali­ 1.1.3.4.1 New Age e pós-modernidade
dade social ou movimento político;
5. não se apoiar na força da demonstração, na polêmica New Age, religião da pós-modernidade?
dialética, mas de preferência numa ética da fragilidade; A esta altura, do elemento religioso, cabe um aceno ao fe­
6. não apreciar o que é árduo, rígido, unívoco, dogmáti­ nômeno New Age, com sua exuberante literatura. Seria a nova
co; ao contrário, prezar tudo o que é light, soft, como religião na pós-modernidade? A desafiante do Cristianismo?
dança, viagem, mestiçagem, vias de encruzilhada. Como aparece?
Do cúmulo de discursos, pinço alguns traços distintivos:
1.1.3.4 O elemento religioso 1. é uma forma de espiritualidade muito ambígua, um
tanto narcotizante, que se espalha por toda a parte, e
E o que dizer do elemento religioso? que representa insidioso desafio para o cristianismo;
Na compreensão da sociedade pós-moderna, não se pode 2. é uma religiosidade que aparece sempre repassada do ir­
prescindir do elemento religioso. Neste campo, ocorre tam­ racional, de sensações mais que de idéias, vontade mais
bém a mudança: o declínio da secularização, o processo da res­ que convicções, visões e perspectivas deformantes;
sacralizacão do social, a chamada revanche de Deus. Enquanto 3. é de pluralismos indefinidos, soltos, sem ligação a tra­
alguns se entregam ao consumismo, ao hedonismo, outros re­
descobrem os valores transcendentes, embora às vezes estra­ dições ricas do passado;
nhos às religiões tradicionais. 4. é uma espécie de sensibilidade cultural, antes que reli­
giosa, aberta a todos os produtos do espírito, da medici­
Fenômenos religiosos pululam em toda parte e múltiplas
na à ciência, da religião à ecologia, da música à arte;
formas30 • Sh opp ing centers ou Supermarkets religiosos, diria,
exibem denominações cristãs e movimentos à escolha: desde a 5. esquiva-se de disposições dogmáticas, para seguir expe­
justa, por vezes exagerada renovação carismática, o focolaris­ rimentações religiosas a seu talante e ao próprio gosto;
mo, o catecumenato, a pascoalização, o pentecostalismo (e 6. cada um toma-se seu próprio guia espiritual, rejeitando
neos), até candomblé, alquimias, religiões do bem-estar, Igreja normas morais, de religiões tradicionais, que valeriam
Universal do Reino de Deus (com seu money and power). E para todos;
mais: budismo/vejrayama, theravada, zen, com Hare Krishna, 7. é de mística natural e panteística; não há um deus pes­
Perfect Liberty Kyodan, Seicho-No-Ie e companhia oriental soa e, sim, um deus que se experimenta por intuição,
ilimitada... Tudo o qual retomo ao sacro, de fantástico sincre­
não por razão; com um mundo misterioso de ocultismo;
tismo exótico, ao lado de santo Ecumenismo, como os Encon­
tros das Religiões em Assis, coração das inspiradas Jornadas de sensibilidade por recuperar a harmonia homem+na­
de Oração pela Paz no Mundo. tureza, com o novo encanto diante da natureza, palavrea­
do e movimentos ambientalistas transformando-se em
temática religiosa, de busca duma civilização da socie­
dade feliz e da essencialidade.
30. Vale a pena folhear, ao menos de passagem, o Grande Dizionario delle
Religioni - dalla Preistoria ad oggi (2000).

34 35
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

New Age, no Mundo Novo, a Nova Era, é um pouco e/ou 1.1.3.4.2 Aspectos dos Fundamentalismos
muito disso tudo31 • Bem típica, a sentença de Chesterton: "Quan­
Cabe, por oportuno, ou necessário, um toque no Funda­
do as pessoas não crêem mais em Deus, não é que não creiam
mentalismo, muito presente e diverso.
mais em nada, antes crêem em tudo"32•
Nota predominante dos fundamentalismos é sempre o seu
Se o homem do século XXI for religioso - concluo com
Nanni - será um místico, envolto no mistério, porque totalitarismo. As variedades, clara e/ou disfarçadamente, figu­
isso o gratifica e lhe dá segurança. É o retomo da místi­ ram nas áreas todas do quotidiano da vida.
ca no coração da civilização ocidental. Retorno que se Vejamos:
explica também pelo fato de o homem do nosso tempo
não ter mais o senso nem da verdade (verdadeiro/fal­ 1. política e governo: o autoritarismo, a ditadura desones­
so), nem da ética (bem/mal), nem da prática (efi­ ta, sem chance para outros sistemas e idéias;
caz/ineficaz), mas só do estetismo (agradável/desagra­ 2. economia e comércio: a opressão, a imposição dos
3
dável) e do jogo3 • trustes dominantes;
Estamos, sem dúvida, num contexto plural intrincado para 3. meios de comunicação: manipulação da mídia,
a Educação. A passagem transitável será a de promover nos make-up da informação e dirigismo da opinião pública;
sujeitos a aquisição de uma identidade segura, mas não rígida, 4. educação e cultura: injunção do pensamento único, alie­
uma via mais sapiencial. nante; ensino massificado, de nível baixo e desmotiva­
dor, com exclusão de famílias pobres a escolas de me­
lhor porte e qualidade;
5. esporte: esquecimento do fair-play, a marginalização
31. Curiosas respostas de 100 universitários italianos sobre New Age: uma dos menos afortunados e a promoção dos fora-de-série,
nova corrente musical (40% ); terapias de bem-estar psicofisico (15% ); dolarização e vergonhosos dopings;
uma experiência do divino em nós (11% ). Cerca de 60% simplesmente não
sabem do que se trata; 33% ouviram falar e 7% sabem direito o que é. A. . 6. religião: fanatismo, ludíbrio dos simples, simonia, o
Nanni refere-o na sua Una nuova paideia (p. 71). E fala da gradual substi­ cúmulo das lavagens cerebrais.
tuição de New Age pela Next Age (Next Stage ou Next Edge), substancial­ No tocante à religião, o Fundamentalismo aparece em pa­
mente uma New Age sem grandes utopias de Idade de Ouro, mas também
de felicidade e bem-estar personalizado (p. 73).
navisão. O fanatismo conduz a gestos dramáticos e trágicos.
32. Fizzotti, E. Verso una psicologia de/la religione, II cammino della reli­ Exacerbam-se em nossos dias. Basta recordar o ataque às Tor­
giosità, vol. 2, p. 149-162. Delineia "I nuovi Movimenti Religiosi e la reli­ res Gêmeas, do World Trade Center, NY, catástrofe de 11 de
gione del benessere" e cita farta literatura (p. 173-202). Comenta sobre setembro de 2001; as cenas de destruição e desespero nos trens
workshops, seminários, maratonas, encontros de grupos, em que as pessoas metropolitanos de Madri, 11 de março de 2004, as repetidas
procuram "fare esperienze per ottenere um sollievo ad ogni costo" (p.
160-161). Compagina os aderentes dos Novos Movimentos com os clien­ ameaças de camicazes e as constantes manifestações de terro­
tes de psicoterapeutas, na tendência de final feliz, expresso significativa­ rismo, na matança de inocentes.
mente pelo hello-goodbye effect (p. 162). Sublinho tais aspectos porque en­
trarão no capítulo dos "Envolvimentos Educativos".
No Brasil, o ludíbrio aos simples, por parte de algumas
33. Nanni, A. Una nuova paideia, p. 73. facções religiosas, com promessas de curas miraculosas, de
37
36
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

bem-estares e felicidade suma, chega a revoltar e clamar ao Baseado na ciência de pedagogistas, na prática de pedago­
céu por vingança, como de sangue derramado (Gn 4,10), ou gos, na e:Xperiência+vivência pessoal de 35 anos no mundo da
por aplicar-lhes a lei do talião (Ex 21,23-25). educação, busco, nesta parte, perspectivas educativas, propos­
Em resumo, o Fundamentalismo tend� a isolar-se e fi­ tas de atuação para os nossos dias.
xar-se, eliminando todas as relações e influências mútuas entre Denomino-as de envolvimentos educativos. Motivo a es­
as culturas, gerando, ao mesmo tempo, o solipsismo das pessoas colha: o verbo de ação envolver, transitivo direto, significa: 1.
e a autofagia da sociedade. trazer em si, encerrar, conter; 2. abranger, abarcar; 3. implicar,
A Educação, mediante os valores da liberdade e dos sadios importar, enlear, comprometer35 •
pluralismos, deverá enfrentar valorosamente esse monstro a Vejamos, pois, seqüencialmente, os envolvimentos educa­
mais da pós-modernidade.
tivos.

1.2 Envolvimentos educativos


1.2. 1 Em relação à sociedade da globalização
Percorridos os macrocenários de mudanças do mundo, na
"Mudar é dificil, mas é possível" - sentencia Paulo Freire
pós-modernidade, abro outro cenário, ó dos envolvimentos
num estribilho convicto de educador. Continua: "Acho que
educativos, de valores pedagógicos34 •
nunca se precisou tanto dessa frase como hoje, no Brasil". E
remata: "Eu não deveria ser professor se não estivesse absolu­
tamente certo de que mudar é possível"36•
34. Valores Pedagógicos - Cumpre retomar os termos valor, valoração,
�m sentido ger�l, e em relação à Educação em particular. Limito-me ao que
No tocante à globalização, questão candente, pergunta-se:
importa propnamente ao trabalho em tela. De autores consultados ate­ mudar o quê e como?
nho-me a Valores Pedagógicos -Cumpre retomar os termos valor, vdlora­
ção, em sentido geral, e ém relação à Educação em particular. Em leitura sincrônica, compendio contribuições de vários
�a/ores humanos são os ideais a que a pessoa aspira na sua vida; aquilo que autores, que indicam roteiros possíveis de mudanças, a saber:
e bonum, pulchrum, verum, segundo um juízo pessoal, mais ou menos de
acordo com o da sociedade da época e o juízo mesmo (valor moral, estéti­
co, social-inclusão de todos os valores). Os valores só têm sentido a partir
de uma atividade valorativa real, possível e situada.
IJ_imensão axiológica da educação. A dimensão axiológica da educação 35. Outros termos válidos, sinônimos possíveis, seriam: 1. Convergência =
diz respeito às relações valorativas que se estabelecem de várias maneiras
ato de convergir: tendência a dirigir-se (para o mesmo ponto)-concorrer -
nos diferentes momentos do processo educativo, dentre e pelos elemento�
afluir; 2. Demandas = ato de demandar: ir em busca de-procurar-necessi­
nele envolvidos (aluno educando - professor educador - escola - família
tar de -precisar; 3. Entrelaces ou entrelaço, entrelaçamento = ato ou efeito
-sociedade). A dimensão axiológica da educação deve ser necessariamente
de entrelaçar (-se): prender -ligii:i--entretecer - entrançar; 4. Implicações:
detectada, analisada e reflexionada. Não termina com a descoberta dos va­
ato ou efeito de implicar(-se) -dar a entender -fazer supor -pressupor -
lores, mas representa uma abertura, um apelo para outras novas ações e cria­
envolver-comprometer-defuandar-requerer. Autores, pedagogos italia­
ções. Veja-se a propósito: Silva, Sônia Aparecida Ignacio. Valores em
nos empregam o termo implicazioni.
Educação - o problema da compreensão e da operacionalização dos valo­
res na prática educativa. Petrópolis, 2000. 36. Freire, P. Pedagogia dos sonhos possíveis, p. 166.
39
38
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

1. acionar uma cultura de resistência para superar o pen­ simplicidade, equilíbrio, essencialidade; modelada em dispo­
samento único do dado só econômico, a dita lógica do nibilidade a condivisão de bens, sem egoísmo, cordial.
mercado; A sobriedade é também ver o mundo com o olhar dos po­
2. motivar a participação responsável das pessoas na bres, dos simples. Na idéia de sobriedade, há um quid de sub­
construção do bem comum, de uma ética de valores ali­ versivo e profético, que é, ao mesmo tempo, uma denúncia do
cerçados na liberdade democrática e na fraternidade; esbanjamento e uma antecipação do que outros viverão ama­
3. partir de recursos simples, locais, e associá-los inteli­
nhã. "A sobriedade de hoje é um investimento sobre o futuro
gentemente a uma rede de ajuda mútua e alianças estra­
tégicas de comunidades conscientes, com vistas ao re­ de todos, sinal de respeito pelas gerações futuras e pela Terra".
verso, de globalizar a solidariedade; A Terra... Recordo as palavras inspiradas e emocionadas
4. reconstruir os valores do respeito à natureza, da solida­ do astronauta americano John Young, nas alvoradas da con­
riedade humana em escala crescente, mundial, do direi­ quista da Lua:
to dos povos à vida e à autonomia de cultura;
5. estimular as populações a participarem na construção Lá embaixo, bem embaixo, está a Terra, um planeta
de alternativas, apoiando uma mundialização das resis­ branco-azul, belíssimo, resplendente, a nossa pátria
tências e lutas sociais, no próprio lugar sociaVgeográfi­ humana... Da Lua, tenho-a na palma da minha mão. E,
co, estabelecendo redes de coligação e criando conver­ desta perspectiva, não existem brancos ou negros, divi­
gências na ação; são de Leste e Oeste, comunistas e capitalistas, Norte e
6. apoiar a resistência dos povos nativos e da sua cultura Sul. Formamos uma única terra (16 de abril de 1972).
local; recordar e encarecer aos Educadores das novas A mudança, mais que etiqueta, é uma ética, e deve partir da
gerações a informação sobre os povos nativos, capítulo
amiúde deletado na história nacionaVuniversal. consciência pessoal. Há de ser, acima de tudo, opção interior,
Mais particularmente, no âmbito educativo, vale ressaltar: dom, gramidade, de vontade livre, emancipatória, para, em se­
educar ao pensamento ·autônomo, criativo, divergente, formar guida, visibilizar-se nos comportamentos, nos gestos, nos esti­
nos sujeitos uma consciência cívico-política mediante práticas los de vida. Em suma, carregamos, aos olhos do coração, uma
de cidadania para transmitir confiança, luz, esperança. "Eu nova paidéia, humanista, humanizadora38.
queria deixar para vocês também uma alma de esperança" - Estamos diante de uma promissora perspectiva de valor
testemunha Paulo Freire. "Para mim, sem esperança não há pedagógico, um programa esperançoso de educação, um longo
como sequer começar uma educação..., as matrizes da espe­
processo de formação, porque mudar é difícil, mas é possível.
rança são matrizes da própria educabilidade ao ser, do ser hu­
mano"37_ Educar para uma cultura de sobriedade modelada em

37. Freire, P. Pedagogia dos sonhos possíveis, p. 171. Noutro livro seu, A 38. Cegolon, C. L 'occhio dei cuore, passim. O simples título do livro já se
educação na cidade (p. 144),já testemunhava: "Sou leal ao sonho... Conti­ mostra atraente e oportuno. Trabalha o valor da educação moral, para resti­
nuem contando comigo na construção de uma política educacional, de uma tuir à pessoa, junto com a competência técnica, também a competência éti­
escola com outra "cara", mais alegre, fraterna e democrática". Síntese de ca. Realço, entre outros textos: "A educação moral, problema do nosso
sua fala na despedida da Secretaria Municipal da Educação do Município tempo" (p. 250-258); "Por uma axiologia dos valores" (p. 277-285); "Edu­
de São Paulo, em maio de 1991. car à gratuidade" (p. 353-372).

40 41
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

1.2.2 Em relação à sociedade aprendente • unir a dinâmica da vida e a dinâmica do conhecimento;


(do conhecimento) e da informação • orientar a gostar da vida; o prazer é dinamizador do co-
Ao longo de minha vida no espaço da Escola, desde a Educa­ nhecimento.
ção Infantil até à Pós-graduação, vivi o quotidiano da metamorfo­ Vale a pena frisar que a educação - afirma o pesquisa­
se na Educação, a mudança de forma ou de estrutura, da alfabeti­ dor em Ciências da Religião Jung Mo Sung - não tem a
zação à rede de Informática de ponta. No início da década de 90, missão de colocar ordem em tudo, nem na cabeça
nossa Universidade São Francisco, câmpus em São Paulo, Bra­ dos/as estudantes, e muito menos no mundo inteiro.
Seu papel é, por um lado, o de possibilitar habilidades e
gança Paulista e Itatiba, SP, hoje ainda Campinas, SP, ocupava o
acessos mínimos para construir mundos de significa­
primeiro lugar de laboratório de informática entre as universida­ ção e, por outro, o de propiciar experiências humanas
des particulares, confessionais ou não, no Brasil. da capacidade desejante em relação a mundos relacio­
39
Verdadeira maré de linguagens novas, autóctones ou ad­ nais desejáveis •
ventícias assumidas, irrompeu no cenário pedagógico: socie­ Trata-se de um aspecto de renovação do discurso pedagó­
dade do conhecimento, sociedade aprendente, engenharia do gico, um educar para a esperança solidária.
conhecimento (knowledge society, learning society, knowled­ 2. Pistas especiais: convencer-se, no caso da escola, esta­
ge engeneering); mais: ecologia cognitiva, instâncias cogniti­ tal ou particular, que só manter metodologia e estilo tradicio­
vas, agentes cognitivos, sistemas multiagentes. nais não resolve. Importa implantar:
Por outro lado, no dia-a-dia, não faltam paradoxos. Por • uso sistemático dos multimeios;
exemplo: em casa, uma mãe não consegue acompanhar a filha
• organização didática renovada e renovadora;
adolescente, que navega horas na Internet e que julga ser over­
dose meia hora sentada para um tema de História. As próprias • atualização profissional dos docentes, por cursos de
relações pessoais perdem para as virtuais. Entra-se online a formação permanente;
distância, distancia-se, porém, uma saudação que seja a pessoas • acompanhamento crítico para a formação de personali­
do mesmo prédio, ignoram-se até vizinhos de apartamento. dade autônoma, livre, capaz de formar uma visão pró­
Que valores, então, nós, educadores, pedagogos, psicólo- pria do rrümdo;
gos, família, escola, instituições, poderíamos propor? • nova idéia de cidadania, na ótica de novo humanismo40•
Expresso-me, outra vez, em pistas de orientação.
39. Sung, J. M.; Assmann, H. Competência e sensibilidade solidária. Edu­
1. Pistas gerais: introduzir prazer e ternura na Educação: car para a esperança, p. 248.
• ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e 40. Orsi, M. Educare ad una cittadinanza responsabile, passim. O autor ofe­
rece parâmetros atuais e emiquece temas como "Tempo de responsabilida­
inventividade; de" (p. 87-95); "Educar aos valores da responsabilidade" (p. 159-171); "Edu­
• não inibir, mas propiciar sensibilização entusiástica de car para uma cidadania responsável" (p. 185s). No tocante à escola, acentua a
tarefa de "educar para a convivência civil e democrática", o direito particular
caráter plurissensorial, a mixagem dos sentidos, com
dos jovens à instrução e, não se olvide, a validade educativa e relacional que
música, expressão corporal, linguagem cênica; envolve também "un diritto ad essere educati ai dovere" (p. 202-203).
42 43
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista
Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

''Neste processo - observa o economista.:.pedagogo Marcos calor dos laços vitais, a proximidade do face a face e,
Arruda - a sociedade precisa superar a cultura da reivindicação portanto, relações interpessoais43 •
e da delegação por uma cultura do autodesenvolvimento, da
3. O sistema educativo deve visar à capacidade de argu­
auto-ajuda e da complementaridade solidária". E acrescenta:
mentação, à racionalidade sapiente e dialógica, que es­
Visualizamos para o século XXI este novo ator e sujei­ teja aberta também ao mistério, à admiração e à trans­
to de poder e de construção da História e da evolução cendência.
da consciência humana: a sociedade civil e cada um Ademais, observa que, no enfoque sociológico (com refle­
dos seus componentes, capazes de redefinir o papel do
41 xos na educação - acrescento), o pós-moderno é o tempo da in­
Estado - a isso chamamos cidadania ativa •
determinação, da fragmentação, desconstrução e descanoniza­
ção, da desmitificação, do vazio de si, da experiência das iden­
1.2.3 Em relação à condição da sociedade tidades múltiplas que jogam e recorrem em mais cenas e em
pós-moderna42 mais planos, categonas, s1tuaçoes44.
• • • �

Com sua competente autoridade, o pedagogista A. Nanni No envolvimento desse pluriverso, hoje, nessa espécie de
sublinha três diretrizes que as instituições educativas devem caleidoscópio, pessoalmente colho as seguintes pistas pedagó­
assumir. Acrescento, assumir hic et nunc. gicas:
1. aprender a ensinar, e ensinar a aprender a conviver
1. Vivificar um novo paradigma pedagógico, um modelo
com o diferente;
educativo menos árido, menos racionalístico, abstrato e
formalístico; ao invés, um paradigma narrativo, o que 2. cultivar sem medo um pensamento que alije parâme­
significa: mais coenvolvente, mais , evocativo, mais tros já fora de prazo, para renovar, inovar;
simbólico e emotivo. 3. valorizar a valiosa liberdade, no respeito ao agir plural,
2. A escola precisa de uma alma, isto é, cumpre valorizar considerando mais as suas luzes que as sombras.
as biografias de quem participa na vida da escola. Os Apontando para luzes, Andrea Mercatalli acentua:
computadores, a informática, as novas tecnologias da A verdadeira educação, a que toca as mais íntimas fi­
comunicação, por si sós não a fazem. Requerem-se o bras do coração humano, não negligencia em reavivar e
perpetuar o patrimônio de valores humanos, afetivos,
éticos e religiosos, que estão na base da própria cultura
45
sociai •
41. Arruda, M.; Boff, L. Globalização - desafios socioeconômicos, éticos
e educativos, 2001. Apresentam ''uma visão a partir do Sul". Destaco: 43. Valorizar as biografias. Os termos são próprios, precisos. Biografia é
"Educação e desenvolvimento na perspectiva da democracia integral" (I, ainda sugestivo: não é só a designação de pessoa ou vida, mas a própria
9-32) e "Globalização e sociedade civil- repensando o cooperativismo no descrição ou história da vida de uma pessoa.
contexto da cidadania ativa" (IV, 49-61; 69-84).
44. Narmi, A. Una nuova paideia, p. 74. As páginas 79-81, principalmente
42. Chamo a atenção sobre a valência do termo condição: é modo de ser, 81c, indica bibliografia correspondente.
estado, maneira de viver.
45. Mercatalli, A. Pedagogia- educare oggi, p. 197.
44
45
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Edgar Morin acena a uma "grande confluência" ao crepús- 2. de valores e objetivos pedagógicos a cumprir o plura­
culo de um milênio e à aurora de um novo. lismo como ponto de chegada, para que o itinerário de
Quase ao mesmo tempo - escreve - conseguiu-se al­ crescimento pessoal seja guiado pela educação ao plu­
cançar a possibilidade de múltiplas tomadas de cons­ ralismo;
ciência complementares: da unidade da Terra (cons'" 3. de métodos e meio a utilizar para traduzir operacional­
ciência telúrica) - da unidade/diversidade da biosfera mente, na busca e organização das seqüências didáticas,
(consciência ecológica) - da unidade/diversidade do o estabelecimento da proposta cultural, para que o currí­
homem (consciência antropológica) - do nosso dasein, culo todo se realize como educação com o pluralismo47 •
o fato de "estar aqui", sem saber por quê - da perda do A Escola, como sujeito educativo, quem sabe, terá dificul­
horizonte de nossas vidas, de cada vida, de éada plane­
dade e/ou atuará limitadamente para mudar o mundo. Mas,
ta, de cada sol - do nosso destino terrestre.
meritíssima, ajudará em mudar o modo de conhecer o m}llldo,
Conclui: em formar a consciência dos novos cidadãos do mundo. E a es­
E é através destas tomadas de consciência que já po­ piral da esperança.
dem convergir mensagens vindas de horizontes mais
E nenhuma instituição lhe dirá melhor sim que a própria
diversos, alguns da fé, outros da ética, outros do huma­
nismo, outros do romanticismo, outros das ciências... Comissão Internacional de Educação para o século XXI. Sua
Com o tempo, todas essas mensagens, nas instituições, manifestação final revela esperança e idealismo:
foram alteradas, degradadas, às vezes até transforma­ Atribuímos à Unesco um papel fundamental no desen­
das no contrário. Por isso, necessitam continuamente volvimento adequado das novas tecnologias da informa­
de serem regeneradas46• ção, postas ao serviço de uma educação de qualidade.
Concernente ainda ao pluralismo, à intérculturalidade - · Fundamentalmente, a Unesco estará servindo a cons­
truir a paz e a compreensão entre os homens, ao valori­
comenta de novo com justeza A. Nanni-, devem tomar-se um
zar a educação como espírito de concórdia, de emer­
valor pedagógico central nos projetos escolares. E o propõe gência de um querer viver juntos como militantes da
em três níveis: nossa-aldeia global que há de pensar e organizar, para
1. de premissas ético-filosóficas e de pressupostos antro­ bem das gerações futuras. Deste modo, e�tará contribu­
48
pológicos do processo educativo: o pluralismo como indo para uma cultura da paz •
ponto de partida, para que a educação da escola seja Jacques Delors, presidente da Comissão, recorda que, pa.ra
uma educação no pluralismo; dar um título ao relatório à Unesco, inspirou-se em uma das fá­
bulas de La Fontaine, O lavrador e seus filhos. Transcrevo-a:

46. Morin, E. Terra-Patria, p. 187-188. Morin apresenta, em Os sete sabe­


res necessários à educação do futuro, dois textos encorajadores: "Affron­
tare l'incertezza", uma grande ciência e disciplina (n. 5, p. 55-64); e "Al di 47. Nanni, A. Una nuova paideia, p. 78.
là delle contraddizioni", a missão do educador (n. 9, p.103-109). 48. Delors, J. Educação: um tesouro a descobrir, p. 31-32.

46 47
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Evitai (disse o lavrador) vender a herança, o ainda não sabido. É a que estimula a boniteza da pu­
Que de nossos pais nos veio. reza como virtude e se bate contra o puritanismo en­
s1
Esconde um tesouro em seu seio49• ~ da
quanto negaçao vrrtu
. d e .

Acrescenta Delors:
Jacques Delors -Aprender a ser
Modificando ligeiramente os versos finais do poeta,
que pretendia fazer o elogio do trabalho, e referindo-os J. Delors presidiu à Comissão Internacional de Educação
agora à educação, ou seja, a tudo aquilo que a humani­ para o século XXI, e com competência pode ensinar os quatro
dade aprendeu sobre si mesma, podemos pôr na sua pilares da educação:
boca estas palavras:
"Mas ao morrer o sábio pai Aprender a aprender ➔ priorizar as experiências da apren­
Fez-lhes esta confissão: dizagem.
O tesouro está na educação"50•
Aprender a fazer ➔ ênfase nas competências e habilidades.
Reencantar a Educação...
Aprender a viver juntos ➔ juntar competência e solida­
Ao fechar este painel, chamo à cena final uma trindade de
riedade.
Educadores, que expõem e testemunham, hoje, valores peda­
gógicos de esperança e luz: Aprender a ser ➔ realizar-se como indivíduo e ser social.
Tarefa da educação - escreve - é ensinar, ao mesmo
Paulo Freire - Missão, compromisso educador-educando tempo, a diversidade da raça humana e a consciência
da semelhança e interdependência entre todos os seres
No seu estilo sempre humano, em Pedagogia dos sonhos
·humanos.
possíveis, Paulo Freire orienta:
A educação em nível familiar, comunitário ou escolar,
Para mim, a prática educativa progressivamente deve levar à descoberta do outro, cultivar a empatia, o
pós-moderna - é nela que sempre me inscrevi - é a que aprend�r a viver junto, viver com os outros, tender a
se funda no respeito democrático ao educador como objetivos comuns, no debate, no diálogo, em projetos
um dos sujeitos do processo, é a que tem no ato de ensi­ gratificantes, instrumentos necessários para a educa­
nar-aprender um momento curioso e criador em que os ção do século XXI.
educadores reconhecem e refazem os conhecimentos
antes sabidos, e os educandos se apropriam, produzem Por outro lado, reafirmar com força o princípio funda­
mental: a educação deve contribuir ao desenvolvimen­
to total de cada indivíduo: espírito e corpo, inteligên-
49. "Gardez-vous (dit le laboureur) de vendre l'héritage,
Que nous ont laissé nos parents.
Un trésor est caché dedans."
50. "Mais le pere fut sage
De leur montrer avant sa mort 51. Freire, P. Pedagogia dos sonhos possíveis. "Discussões em tomo da
Que l'éducation est un trésor." pós-modernidade", p. 159.

48
49
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

eia, sensibilidade, senso estético, responsabilidade Assinalo, então, sete palavras-chave, de primeira grande­
pessoal, e valores espirituais - o aprender a ser52• za. Foram extraídas dos pedagogos e pedagogistas estudados
ao longo do trabalho. Acrescento-lhes um adjetivo adnorninal
Hugo Assmann - Formar seres humanos com urna qualificação específica. E agrupo termos afins for­
Educar não é, então, a mais avançada tarefa social li­
mando constelações. Usá-las-ernos com o objetivo de aplica­
bertadora, emancipatória? ção prática devida, para o envolvimento educativo hoje.
Parece-me inegável que o fato maior do mundo atual São as seguintes as palavras: comunhão humana - ética
são as lógicas da exclusão e do alastramento da insensi­ transparente - essencialidade livre- esperança idealista- fir­
bilidade que as acompanha. Como fazer frente a isso? meza realista- religiosidade transformadora - paz universal.
Imaginemos cruamente algo bastante previsível: no As palavras-chave formam as seguintes constelações:
plano mundial e nacional, não há no horizonte do pró­
ximo futuro políticas econômicas e sociais orientadas a
salvar todas as vidas humanas existentes. E isso quan­ 1. Comunhão Humana
do as condições científicas e técnicas para fazê-lo já es­ coração sensibilidade cortesia interpessoal
tão dadas. Nas condições atuais de produtividade, a
alma sinceridade cordialidade aberta
fome se tornou um absurdo inaceitável. Mas não exis­
tem os consensos políticos para eliminá-la de vez. A
ser afeto intercultural
benevolência
educação terá um papel determinante na criação da ser com ternura generosidadeinterdepen-
sensibilidade social necessária para reorientar a huma­ dente
nidade53 . ser para simpatia fraternidade convivial/
viver com
Urna sociedade onde caibam todos só será possível num solidariedade empatia amorosidade global
mundo no qual caibam muitos mundos. A educação se con­ serviço compaixão exemplos sem egoísmo
fronta com esta apaixonante tarefa: e exclusão
Formar seres humanos para os quais a criatividade e a ter­ alteridade minoridade biografias acolhedora
nura sejam necessidades vivenciais e elementos definidores altruísmo confiança antropológico responsável
dos sonhos de felicidade individual e social. gratuidade encontro humano atuante-
participativa
Reencantar a Educação. À aurora do século XXI, eis o de­
safio na busca e, agora, na atuação das novas e renovadas pers­
pectivas da Educação.

52. Delors, J. Educação: um tesouro a descobrir, p. 90-102.


53. Assmann, H. Reencantar a educação, p. 26.
50 51
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

2. Ética transparente 5. Firmeza realista


justiça moral fortaleza
criatividade pessoal coragem
integridade social vigor
pureza cordial perseverança
consciência superação
transparência equilíbrio

3. Essencialidade livre 6. Religiosidade transformadora


simplicidade transcendência
sobriedade espiritualidade
humildade sapiência
pobreza ardor
desprendimento mística
despojamento 7. Paz universal
alegria
serenidade compreensão mútua
liberdade reciprocidade
colaboração - participar
atuação - atuar junto
4. Esperança idealista convivência - viver junto
cidadania ativa
sonho
respeito
admiração
pluralismo
encantamento
diversidade
entusiasmo
misericórdia
paixão
perdão
cidadania ativa
universalidade
idealismo

Passo a mostrar agora, no capítulo II, como, face a um pro­


jeto educativo de século XXI, diante de uma nova prática edu­
cativa, Francisco de Assis pode inspirá-los e iluminá-los com
seus Escritos.
52 53
CAPÍTULO li
PRINCIPAIS VALORES PEDAGÓGICOS
ILUMINADOS PELOS ESCRITOS DE
FRANCISCO DE ASSIS

"Cada geração franciscana herdou uma tarefa e compromis­


so muito específico de revelar a figura real de São Francisco,
límpida e transparente". Assim se expressa Frei Caetano Esser
na Introdução Geral à sua histórica edição crítica dos Escritos
de Francisco. "Para alcançar tão alto objetivo, revelar a figura
real de Francisco, - acrescenta - nada mais valioso que os seus
Escritos mesmos. Neles, é Francisco em pessoa que fala, que se
manifesta diretamente com suas próprias palavras"54•
No capítulo em tela, buscarei, então, nos Escritos, as
suas próprias palavras, e procurarei mostrar-lhe uma face
diferente, mas real: Francisco, mestre educador, capaz de
reencantar, de inspirar uma nova prática educativa neste pe­
ríodo da história.

54. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 16.

55
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

2. 1 Os Escritos sua consciência religiosa e personalidade, e ainda o particular


valor na compreensão da visão do mundo de Francisco"59_
"Francisco é uma figura incomparável" - observa Joseph "Constituem a fonte mais clara e valiosa para descobri-lo- co­
Lortz55. "Admirável até pelo número significativo de textos menta por sua vez Annstrong- para conhecer sua sensitivida­
que possuímos sobre ele e dele mesmo" - complementa de poética, os limites dos seus estudos e a profundidade da sua
Esser56. visão centrada no Evangelho"60•
A figura de Francisco tomou-se conhecida e estimada, de Avulta a figura de Francisco escritor, não obstante decla­
fato, pelas antigas biografias, legendas, compilações e florilé­ rar-se ele homem ignorans, simplex et idiota ( Carta a toda a
gios, crônicas e testemunhos do primeiro século franciscano. Ordem, 39; Testamento, 19). Ao todo, contam-se 28 Escritos,
Algumas, mais completas, como as Vidas I e II de Tomás de mais vezes divididos em três grupos temáticos: Regras e
Celano (1228/9 e 1247), as Legendas, dos Três Companheiros Admoestações (e Testamentos); Cartas; Orações e Louvores.
(1246) e de São Boaventura (1266). Outras, episódicas, como A divisão temática, em si, é discutível, pois agrupa textos de
dos Primórdios ou Fundamento da Ordem, que foi comumen­ distintos gêneros literários. Esser, na celebrada edição crítica,
te conhecido como Anônimo Perusino (c. 1241/1242); a Com­ introduziu forma diferente ao elenco dos Escritos, a ordem al­
pilação de Assis, que se deve adotar, ao invés de Legenda Pe­ fabética: desde as Admoestações até à Última vontade escrita
rusina (1246/1247 ou entre 1247 e 1260); o Espelho da Perfei­ para Santa Clara61 •
ção (entre 1311 e 1318?). Outras ainda, diversas, por exemplo,
Quanto à autenticidade dos Opuscula, que selecionamos e
I Fioretti (entre a 3ª e a 4ª década do séc. XIV ou entre
ora estudamos, com pleno direito podem ser atribuídos a São
1390/1396)57. Ultimamente, os Escritos, via mestra para se
Francisco. Para aprofundamento, remetemos à obra de Esser,
chegar a Francisco, como afirma Paolazzi58, aparecem com vi­
com abali-zada pesquisa e segura referência dos códices ma­
gor inédito de estudos e divulgação. R. Mánselli já observa
nuscritos62.
que oferecem oportunida�e de "encontrar idéias que são caras
a Francisco, de extrair elementos úteis para reconstrução da
2. 1. 1 Os Escritos escolhidos

55. Lortz, J. Der unvergleichliche Heilige. Franziskus von Assisi, p. 19. Para o presente estudo, selecionamos algumas partes dos
Francisco é um mistério. Já o era para seus conterrâneos. E é ainda hoje Escritos e bem assim tipos variados de textos, a saber: a Regra
"Franziskus ist ein Geheimnis. Er was es schon für seine Zeitgenossen. Er
ist es noch heute."
56. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 17. 59. Manselli, R. San Francesco, p. 290-292.
57. Com relação a datas, sigo em geral a alentada obra de F. Uribe, OFM, 60. Armstrong, R. (OFMCap.)--f'rancis ofAssisi: Early documents, p.
Introdución a las hagiografias de San Francisco y Santa Clara de Asís (si­ 13 e 35.
glos XIII e XIV), 1991. 61. Esser, K, Gli Scritti di Slln Francesco d'Assisi, p. 123-137 e 586. FF
58.Paolazzi, C. Lettura degli "Scritti", p. 5-6. Cf. Écrits, p. 9. "Cómbien sa­ 25-36 e 235.
vent que François nous a transmis son esprit et son idéal dans des écrits dig­ 62. Esser, K. Opuscula Sancti Patris FrancisciAssisiensis, p. 19: "S. Francisco
nes de figurer à côté des oeuvres des plus grands spirituels?" pleno iure attribuenda enumerare possumus". Ver ainda: p. 19-21 e p. 23-25.

56 57
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Bulada (inteira), a Regra não Bulada (parcial), e o Testamen­ plicidade (Test 19,39), e contém a medula do Evangelho68,
to; as Cartas: a Frei Leão, a Frei Antônio, a um Ministro, aos ''fonte limpidíssima de vida espirituaf'69•
Governantes dos Povos; Orações e Louvor: Diante do Crucifi­
A Regra não Bulada não é propriamente a primeira, a que
xo, a oração "Onipotente Deus", o Cântico do Irmão Sol. Francisco fez escrever com poucas palavras - conforme anota
no Testamento7°. A Prato-Regra, aprovou-a o Papa Inocêncio
2.1.1.1 Regras III oralmente, em 1209, mais certo 1210.
O texto da Regra não Bulada é bem mais longo. Prescri­
As Regras mostram Francisco que orienta, quando dá normas. ções, nela contidas, supõem uma experiência de vida de mais
A Regra Bulada (completa, 12 capítulos) é o documento anos, até 122171• Conserva o fascínio e a densidade de uma ex­
normativo que o Papa Honório aprovou oficialmente pela Bula traordinária experiência evangélica que Francisco e a Fraterni­
Solet annuere, de 29 de novembro de 122363 • Trata-se da mag­ dade cultivaram de coração72 • Dela, focalizaremos somente os
na carta da vida dos Frades Menores. capítulos XXIII,7-11 e XXIV,1-4.

Ela é de fato a Regra Franciscana, pois o compromisso que O Testamento de Francisco data de 1226, das últimas se­
os Frades Menores assumem na Profissão é feito formalmente manas ou mesmo dos últimos dias de sua vida. É o texto de
sobre o texto que a Igreja sancionou com a sua autoridade64• É despedida, em que recorda a sua experiência de vida, desde a
gesta dos primeiros passos de conversão, entre os leprosos, até
sobre esta Regra, reconhecida como uma das quatro grandes
ao momento em que faz escrever as palavras finais, sempre por
Regras Religiosas, junto com a de Santo Agostinho, São Basí­
revelação do Senhor.
lio e São Bento, que a vida franciscana, a Ordem dos Frades
Menores se encaminhou desde 1223, através dos séculos65 • A É muito mais, porém. Trata-se de um mandatum, que ex­
Bula de aprovação Solet annuerre vem publicada junto com a prime muito bem o traço característico do documento. Nele,
Regra de 122366• Francisco exorta firmemente os seus seguidores, companhei­
ros e discípulos, a observarem fielmente e com perseverança o
Francisco é o seu autor no que concerne aos itens estrutura, que com simplicidade e transparência de coração escreveu73 •
locução e argumentos67• Ele declara havê-la escrito com sim-

68. Cf. 2Cel 208,2; 2EP 76,3.


69. Paolazzi, C. Lettura degli "Scritti"di Francesco d 'Assisi, p. 212, nota 27.
70. Test 15: Paucis verbis et simpliciter feci scribi.
63. Fontes, p. 171-181; FFC, p. 157-165. 71. Cf. Fontes. Introdução, p. 21; 185-212; FFC, p. 19; 165-186.
64.Fontes Franciscanas I, 1994, p. 127. 72. Paolazzi, C. Lettura degli "Scritti" di Francesco d'Assisi, p. 208-209.
65. FF, p. 64-65. 73. Praecipio firmiter, ut non mittant glossas... sed sicut dedit mihi Domi­
nus simpliciter et pure dicere et scribere regulam et ista verba, ita simplici­
66. Fontes, p. 171 e 181; FFC, p. 157-158 e 165.
ter et sine glossa intelligatis et cum sancta operatione observetis usque in
67. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 225. finem (Test 38-39).
58 59
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

2.1.1.2 Cartas acolhimento, para despertar confiança, como estabelecer em­


patia e relacionamentointerpessoaI76•
As Cartas revelam um estilo de comunicação peculiar de
Francisco. São ocasionais. Umas, tipo circulares, destinadas a
difusão maior. Outras, dirigidas a um grupo ou a uma pessoa 2.1.1.2.3 Carta aos Governantes dos Povos
determinada. Em todas, trata de expor um assunto que deseja e
de orientar devidamente. Francisco declarava-se habitualmente servus et subditus,
servus et parvulus77 • Na presente Carta, denomina-se pequeni­
no e desprezível servo78 • Não obstante, já desejara ir ao Impe­
2.1.1.2.1 Carta a Frei Leão rador79, e ousa agora escrever a governantes dos povos no
mundo inteiro. Sente-se co-responsável pelo bem comum,
O pergaminho desta carta guardou-se com muita honra, até pela sociedade em que vive, pelo destino do povo.
1860, no Convento de São Simão, dos Frades Menores Con­
ventuais de Espoleto. Desapareceu, por algum tempo, à secu­ Na Carta, data provável de 1220, chama a atenção dos go­
larização do Convento pela lei civil. Reapareceu por volta de vernantes ' pede ' aconselha, sugere medidas concretas de ação,
80
1890 entre livros de um pároco espoletano. Faloci Pulignani, e adverte-os seriamente sobre seu cargo e seus deveres .
estudioso do autógrafo de Francisco, teve a possibilidade de
mostrar o documento a Leão XIII, que o adquiriu e incorporou 2.1.1.2.4 Carta a Frei Antônio
à Biblioteca Vaticana. A pedido da administração comunal de
Espoleto, Leão XIII o restituiu em 1902 à cidade, com a cláu­ Data dos princípios de 1224, antes de Frei Antônio realizar
sula de ser conservado no tesouro da Catedral74 • O documento sua missão de evangelização no Sul da França.
aí se encontra em precioso relicário. É precioso também, por­
Significa importante opúsculo. Nesta Carta, Francisco
que revela a atitude de abertura e acolhimento de Francisco
propriamente nomeia Antônio como primeiro Professor dos
qual uma mãe, sicut mater75 • Data incerta.
Frades, e expõe claro sob que condições admitia e aprovava o
estudo da teologia81 •
2.1.1.2.2 Carta a um Ministro

Data aproximada de 1219-1220. A Carta apresenta dois


momentos: o primeiro respeita aos inícios da evolução e orga­
76. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 131; e Gli
nização da Ordem. O segundo, mais importante, mostra Fran­ Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 27.
cisco como orientador. Indica ao Ministro o método de melhor 77. 2CFi l; Ord 3.
78.Gv 1.
74. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 129-130; e 79. Cf. 2Cel 200.
Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 262. 80. Cf. Gv 3,6-7,8.
75.Le 2. 81. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 94-95.
60 61
Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

2.1.1.3. Orações e Louvor querer, fazer, seguir a vontade de Deus, iluminado e abrasado
pelo fogo do Espírito Santo (Ord 50-52).
Francisco foi um homem de oração, um homem transfor­
mado mesmo em oração. Vir oratio factus82 • Nas Orações, ele
ensina, quando busca interiorização e quando busca inspiração 2.1.1.3.3 O Cântico do Irmão Sol
para a ação. posto,
O Cântico do Sol ou Louvores das Criaturas, com
antigo, é con­
como a Oração diante do crucifixo, em italiano
a popular.
2.1.1.3.1 Oração diante do Crucifixo siderado importante documento literário da língu
, de mea­
O códice 338 da Biblioteca Comum de Assis (As)
Esta oração, conforme quase todos os manuscritos, Fran­ os louvores
dos do século XIII, relata sua origem: "Começam
cisco a recitou diante da imagem do Crucifixo na capela de compôs, para
das Criaturas, que o bem-aventurado Francisco
São Damião, ao receber a missão: "Francisco, vai e restaura a Dam ião". Ocor­
louvor e honra de Deus quando estava em São
minha casa, que, como vês, está toda destruída"83• s estigmas
reu nos primeiros meses de 1225. Enfraquecido pelo
de palha, da
Segundo os códices, o jovem Francisco rezou a oração em e enfermidades, quase cego, sozinho numa cabana
ou este canto
língua popular, e assim foi passada adiante, principalmente na alma de Francisco, para toda a humanidade, brot
ico dos três
Itália. Em outras partes, foi traduzida para o Latim. Data pro­ de amor ao Pai de toda a criação. É um novo cânt
para Tomás
vável de 1206. jovens na fornalha ardente (Dn 3,51s), como com
85
A oração oferece traço bem nítido da vida espiritual do jo­ de Celano •
o ação
vem Francisco: busca discernimento, pede luz para conhecer e O Cântico é, pois, uma oração de louvor, uma com
a humani­
fazer a vontade de Deus84• litúrgica, um ato de culto solene e universal, no qual
dade e toda a criação são. conv idadas a participar com a pala­
86
vra, com o ser e coma v1da .
2.1.1.3.2 Oração "Onipotente Deus"
a expres­
Vale destacar alguns traços: em primeiro lugar,
nove vezes.
Data provável: 1220. Encontra-se ao fim da Carta a toda a são muito pessoal, íntima: mi Signore. Repete-se
r as criaturas a
Ordem. A linguagem da oração é de tom elevado. O conteúdo Em seguida, o senso de fraternidade. Convida
revela o perfil espiritual de Francisco, sua piedade, e a alter­
nância pedagógica de ternura e vigor. Apresenta quatro atribu­
tos de Deus: onipotente, eterno, justo e misericordioso. E as
disposições da pessoa, mediante quatro verbos de ação: saber, 85. Cf. 1Cel 80.
86. Paolazzi, C. Lettura degli Scritti di Francesco_
r
d 'Assisi, 9 �. Le_clerc,
Franç01s d Ass1se,_ p.
E. Le Cantique des créatures - une lecture de Samt a
82. Cf. 2Cel 95. ncia de Deus domm
57 escreve: "Esta profunda aceitação da transcendê
cami nho das criatu ras para o louvor:
83. 2Cel 10; LM II,l. todo O Cântico do Sol. É ela que abre o Filho Deus".
à imitação do altíss imo
84. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 224. caminho de humildade e encarnação,
63
62
Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

louvar o Criador é comum nos Salmos87 • O original de Francis­ 2.2 Palavras-chave à Luz dos Escritos
co: chamá-las de irmãs. Mais: a presença de Cristo. Todo o
As palavras-chave são termos de primeira grandeza colhi­
Cântico é um vibrar de gratidão. A grandeza, porém, dessa
dos de obras de pedagogos e pedagogistas citados no cap. I.
�atidão não resulta só dos beneficios que as criaturas propor­ Passamos, ora, a estudá-las especialmente sob o foco das pala­
c10nam ao homem, mas do fato de sobre elas se projetar o ful­
vras e obras do próprio Homem de Assis.
gor do Dom maior que Deus nos fez: o Dom do seu próprio Fi­
lho. Outra nota ainda: o realismo otimista que ilumina todas as
criaturas. Estas são preciosas e belas, não em virtude de qual­ 2.2.1 A Comunhão Humana
quer simbolismo misterioso, mas simplesmente de serem o
que são: sol, estrelas, água, terra, fogo, etc. Finalménte, o per­ A comunhão humana é a primeira palavra-chave a receber
dão é um Dom por excelência, é forma de amor indispensável. as luzes dos Escritos. Por duas razões principais: sua amplitude,
que abrange constelação de 40 termos afins; e pela profundida­
O� Louvores das Criaturas não foram só um eflúvio de poe­
. de, porque toca nas raízes da nova impostação educativa, de
sia. Tiveram tam bém uma missão ap�tólica, evangelizadora.
acordo com pedagogos e pedagogistas contemporâneos. Seus
Foram o sermão que Francisco mandou seus frades pregarem
termos nucleares são coração, alma, ser, ser com, ser para.
pelo mundo inteiro, a conquistar esse mundo para o amor de
Deus, construir a paz88 • Escreve Merino:
El Cántico del poeta de Asís brota de una personalidad 2.2.1.1 Regra Bulada
equilibrada psicológicamente, reconciliada ontológi­
camente, liberada existencialmente, alegre espiritual­ Francisco escreve e orienta:
mente y poética afectivamente. Entre el Cántico pro­ 111,11: "Consulo vero, moneo, exhortor Jratres meos ...,
clamado y el comportamiento vivido de Francisco no quando vão pelo mundo, não discutam nem alterquem com pa­
· se da oposición o contradicción, sino que reina armo­
lavras, nem julguem os outros".
nía, coherencia y transparencia, como expresión clara
89
de la sinceridad de su autor • Francisco usa-três verbos, que são propriamente sinôni­
mos, qual figura retórica de repetição, e de ordem crescente:
aconselhar = indicar a vantagem ou conveniência, recomen­
87.Por exemplo: SI 9, 33, 64, 91, 99, 104, 112, 134, 145, 148, 150. dar; admoestar = repreender com brandura, concitar; exortar =
88. Fontes Franciscanas I, 1994, 50-51. encorajar, persuadir.
89. Merino, J. A. Humanismo.franciscano -franciscanismo y mundo actual, Destaca uma atitude convivia! harmônica: não entrar em
p. 208. -A título de ilustração da vasta literatura do Cântico do Irmão Sol
refiro Leclerc, E. no apreciado Le cantique des créatures -une lecture d�
briga com palavras, acusações e condenações.
Saint François d'Assise. Bajetto, F. in Selecciones de franciscanismo, 111,12: Mais: as pessoas deverão ser muito cordiais no re­
1976, 13/14, p. 173-220, publica rico artigo intitulado Treinta afíos de estu­
dios sobre el Cántico dei Hermano Sol, num total de 101 estudos e varia­
lacionamento com os outros: "Sejam. mansos, pacíficos e mo­
ções, com ci�ção de autores e bibliografia. Mérito, sem dúvida, pelo reali­ destos, brandos e humildes".
zado, e convite para continuação e atualização.
65
64
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

E concretamente o expressem ainda no modo de falar a to­ "Se a mãe nutre e ama a seu filho carnal, quanto mais diligen­
dos com respeito e dignidade, como convém, sicut decet. temente não deve cada um amar e nutrir a seu irmão espiritual?"
Interpreto: Francisco mostra bem (aconselha, admoesta e O amor de mãe aparece com :freqüência e pureza na litera­
exorta) que essa atitude faz parte da educação, é jeito de gente tura universal.
de boas maneiras, de uma pessoa humana educada, sinal de
sua grandeza de alma e nobreza. Com sensibilidade escreve Drummond de Andrade ( t
19 8 7), príncipe da poesia brasileira contemporânea, nos ver­
sos de Canção amiga:
IV,3: Cuidem diligentemente Eu preparo uma canção
Francisco escreve e orienta: em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
Os Ministros e Custódios exerçam diligente cuidado, e que fale como dois olhos.
através de amigos espirituais, para com as necessida­
Eu preparo uma canção
des dos enfermos e para vestir os demais Irmãos de
que faça acordar os homens
acordo com os lugares, tempos e regiões frias, como vi­
e adormecer as crianças.
rem que seja conveniente às necessidades.
Destaca-se a sensibilidade de Francisco: sollicitam curam A Sagrada Escritura mesma ressalta o papel da mãe (cf. Dt
gerant�Os Superiores hão de ser sensíveis, hão de se tocar e agir 6,20s; lSm 1,11; 2,1 8 -20; Dn 13 ,3 ; Tt 2,3 -5; 2Jo 4).
em relação aos que mais precisam, enfermos e outros, necessita­ O próprio Francisco repete a imagem do agir com ternura
dos de apoio material. Sublinho dois toques: o recurso a amigos de mãe: cf. RnB 9,13 -14; RE 1,4,6-7; Le 2; cf. ainda: lCel 9 8 ;
capazes de ajudar, superando a austeridade da pobreza (nullo 2 Cel 16-1-'7; 1 8 0; LM VIII,1.
modo denarios vel pecuniam recipiant), e a cordialidade de cri­ Francisco evoca, ademais, regra áurea de convivência: ser­
térios na avaliação da carência: como virem que seja convenien­
vir como gostaria de ser servido: "Tudo o que desejais qu� as
te à necessidade (sicut necessitati viderint expedire). pessoas vos façarri, fazei vós a elas" - na sentença do Cnsto
Mestre e do Apóstolo Paulo (Mt 7,12; 22,40; Rm 1 8 , 8 -10).
VI,8-9: "Os Irmãos mostrem-se mutuamente familiares
entre si . . . assim como a mãe ama ".
VIl,3-4: Com misericórdia... não se perturbar
Francisco escreve e orienta sobre a afabilidade, o afeto no
Francisco escreve e orienta:
trato mútuo, em que se manifeste a confiança. Para que seja
concreta essa cordialidade, invoca a figura da mãe, o amor, o Diante do erro de alguém, jamais perder o autocontrole, a
coração de mãe. A comparação é mais do que poética, é pro­ serenidade. A atitude de acolhimento é fundamental, a miseri­
funda de sentimento humano: córdia é ponte para restabelecer a comunhão, a harmonia: Cum
misericordia... porque a ira e a perturbação com a falha ou erro
de alguém impedem a caridade em si e nos outros.
66 67
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

VIII, 1 -2.5: Devem ter um ministro e servo da.fraternidade "Os Irmãos que são ministros e servos dos demais Irmãos
Francisco escreve e orienta: visitem e admoestem a seus Irmãos e corrijam-nos com humil­
dade e caridade".
Numa comunidade, é importante que haja um responsável
pela ordem e bem-estar, um coordenador, um superior. Deno­ No início deste capítulo, Francisco oferece três verbos de
mina-o ministro e servo da fraternidade. Em outras passagens, ação educativa:
escreve pormenorizadamente o que entende por ministe-r9º, seu 1. visitar - na educação é preciso estar presente, ser pre­
papel correspondente91 , como devem agir92 • Neste, salienta o sença; importante caminhar junto; cumpre agir com co­
estilo democrático, participativo: comparecer ao "capítulo"(= nhecimento de causa; não basta tomar medidas só por
assembléia); opinar, eleger; e mais, a co-responsabilidade em, "ouvir dizer";
eventualmente, depor até o ministro, se não dá mais conta do 2. admoestar - o verbo admoestar, o substantivo admoes­
serviço e da comum utilidade dos Irmãos"(= o bem comum), e tação ocorrem freqüentemente nos Escritos. Existe até
eleger outro.em seu lugar93 • um bloco de ensinamentos de Francisco com 28 Admo­
Trata-se de proposição de descortínio e determinação, pois estações. É· uma espécie de coletânea sapiencial, de
diretamente está em jogo a comunhão fraterna. data e circunstâncias incertas, oportunamente reunidas
e coordenadas segundo determinados temas, e consig­
Anoto outros ensinamentos no mesmo contexto: quando
nados em numerosos manuscritos. Representam uma
Francisco sugere aos ministros e custódios convocarem capítulo
espécie de espelho de perfeição (speculum perfectio­
(assembléia) em suas jurisdições, se lhes parecer conveniente94•
nis), onde Francisco retraça muitos aspectos particula­
Revela organização e dinâmica inteligente e de novo parti­ res do conceito que forma do cristão ideal95;
cipativa, para acompanhar e avaliar a vida e as atividades dos 3. corrigir - Francisco menciona a correção, a punição.
membros. Não se deve omiti-la, pois o erro rompe a comunhão,
gera desordem, desarmonia na comunidade, afronta a
"tranquillitas ordinis". Ao mesmo tempo, porém, Fran­
X, 1 -2: Admoestação e correção dos Irmãos
cisco indica o estilo pedagógico, como fazê-la: humili­
Francisco escreve e orienta: ter et caritative, isto é, sem arrogância, mas com man­
sidão, com caridade96 •

90.RnB 4, 1 -3.6; RB 1 0,2 .6-7; Ad 4,2 -3.


91.RnB 4, 1 ; RB 1 0, 1 ; RnB 1 8, 1 -2 ; RB 8,2 -6.
92. RnB 5,2 ; Mn 2 -12 ; RnB 2,2 -9; RB 2,2 -3.6- 12 . 95. Silveira, I. Escritos e biografias de São Francisco de Assis, p. 59, nota 1 .
93. RB 8,3-5. 96.Cf. RnB 5,5; Mn 9-11. D�anti, S. comenta a propósito: "Francesco, il
94.RB 8,3-6; RnB 1 8, 1 -2 . poeta, il santo, il piu cristiano dei santi, e anche educatore esperto e guida
sagace". Sua obra: Francesco ci parla, commento alie ammonizioni, p. 7.
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Por outro lado, quem recebe admoestação, receba-a sem e injustos". E remata: "Amai os vossos próprios adversários e
constrangimento, serenamente, com abertura de coração,puro orai pelos que procuram prejudicar-vos" (Mt 5,44-45).
carde (v. 10). Francisco assume-o exemplarmente e exorta: Não desani­
mem. Tenham coragem até o fim - usque infinem (Mt 10,22).
X,5-6: Confiança em recorrer e cordialidade em acolher
Francisco, em seguida, escreve e orienta sobre o diálogo, o XIl,1-2: Francisco escreve e orienta sobre missão e vo­
encontro entre súdito e superior. luntariado
O Irmão súdito que não se sentir bem na sua posição, com "Se alguns dos Irmãos por divina inspiração quiserem ir
problemas existenciais, pode e deve recorrer ao superior. O Ir­ para o meio dos sarracenos e outros infiéis, peçam licença a
mão ministro, por sua vez, há de acolhê-lo com cordialidade
' seus ministros provinciais." É o capítulo conclusivo da Regra
com ternura - caritative et benigne. Dessa forma se estabelece Bulada.
a necessária empatia, o diálogo, sem prepotência, sem inveja e
Trata-se de um gesto de solidariedade a cumprir com liber­
egoísmo, com simpatia e fraternidade.
dade. O ensinamento frisa um altruísmo de serviço, partir para
uma missão longínqua e árdua, atravessar o mar e seguir a r

X,8.10-12: Generosidade convivia! giões estrangeiras e gente estranha, que já havia recebido,� re­
ceberia ainda certamente com violência e morte. Francisco
Quase no final da Regra Bulada, sobressai uma qualidade mesmo, numa ocasião, aventurou-se intrepidamente a uma
muito atual da comunhão. Francisco escreve e orienta: missão de paz junto ao Miramolim de Marrocos (1211) e ao
"Admoesto, no entanto, e exorto a que os Irmãos tenham hu­ Sultão da Síria (outono de 1219)- como atestam os biógrafos
mildade e paciência na perseguição e na enfermidade, e perse­ (cf. lCel 56; 2Cel 30, 152; LM IX,6). Não logrou, pelas cir­
verem com amor até o fim". cunstâncias, estabelecer um tratado de paz, mas chegou a sen­
É a generosidade convivia!. A amorosidade atuante leva a sibilizar o coração do Sultão da Babilônia, convertido em
extremos de renúncia pessoal para criar abertura interpessoal. "grandíssima alegria". Veja-se o episódio pitoresco em 1 Fio-
Mediante uma atitude de minoridade, de solidariedade, de pa­ retti, cap. 24.

ciência face à agressividade do outro, retribuindo com amor de


perdão a quem persegue e hostiliza. Francisco se inspira e
2.2.1.2 Regra não Bulada
apóia na lei evangélica do Sermão do Monte: "Bem-aventura­
dos os que sofrem perseguição por causa da justiça" (Mt 5,10). A Regra não Bulada, que Francisco redigiu com seus
Tal comportamento converte a uma profunda fraternidade. O Companheiros da Fraternitas e apresentou no Capítulo Geral
grande Mestre proclamava: "Rezai por aqueles que vos perse­ de maio de 1221, é um dos textos bem fascinantes do cânon
guem para serdes filhos de vosso Pai que está nos céus. Pois dos seus Escritos. Focalizo dois trechos de valor pedagógico: o
Ele faz nascer o sol para bons e maus e faz chover sobre justos capítulo XXIII,7-11 e o capítulo XXIV,1-4.

70 71
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Ambos falam do universo das pessoas, em comunhão sem Universal de todos e cada um, Criador, Senhor da vida, de
distinção, formando um só coração, cor unum, uma só alma Bondade e Misericórdia.
(cf. At 4,32). É, em síntese, a comunhão em plenitude, a comunhão do
amor pleno de afeto e ardor, de idealismo e paixão, amor que
estreita, une e reúne.
XXIII,7-8: Universalidade
Francisco escreve e orienta: "Todos os que querem servir
ao Senhor (na santa Igreja católica e apostólica)..." Nesse "to­ XXIII,9-10: Fortaleza Mística
dos",ele inclui
'
todos os povos,em toda a face da terra' em todo Por fim, num arroubo de mística e encarnação, Francisco
o tempo. E notável a globalidade do seu elenco: todas as ordens exorta a aderir a esse Senhor mediante quatro verbos de ação:
eclesiásticas e todos os Religiosos e Religiosas - todas as pes­ desejar, querer, agradar, alegrar(-se).
soas, homens e mulheres - todas as faixas etárias, de crianças,
adolescentes,jovens,adultos a anciãos - todas as classes,de reis Qualifica este Senhor. mediante 18 diferentes atributos:
e príncipes a operários e agricultores, ricos e pobres, emprega­ único,verdadeiro,o bem pleno,todo o bem,o bem total,o ver­
dos e patrões, os pequenos e os grandes, sãos e enfermos. dadeiro e sumo bem,o unicamente bom,piedoso, manso, sua­
ve e doce,o unicamente santo,justo,verdadeiro,santo e reto,o
Insiste enfaticamente: Todos os povos, gentes, tribos e lín­ unicamente benigno,inocente,puro. Acrescenta que dele e por
guas,todas as nações e todos os homens em toda a face da ter­ ele provém toda a graça,o dom por excelência do perdão. Que
ra, os que existem e que existirão. nada nos impeça, nos separe, nada se interponha entre nós.
E a que exorta Francisco? E remata, enfaticamente, através de outros 12 verbos: que,
Que perseverem todos,sem exclusão, na busca da verdade sempre e em todo lugar, se deverá crer sinceramente e ter no
e do bem (7). coração, amar, homar, adorar, servir, louvar e bendizer, glori­
ficar e superexaltar, magnificar e render graças a esse altíssi­
E qual o sonho, qual a esperança? Simplesmente, o amor mo e sumo Deus,_ que é imutável, inefável, louvável, glorioso,
universal,total,global,o amor em cada coração humano. Suas sublime, excelso, suave, amável, deleitável e totalmente dese­
palavras o exprimem com maior alma, pureza e vigor: jável acima de todas as coisas.
Amemos todos, de todo o coração, com toda a alma,
Um Deus Tudo e Todos. Tatus super omnia desiderabilis
com todo o pensamento, com todo o vigor e fortale­
za, com todo o entendimento, com todas as forças, in saecula.
com todo o empenho, todo o afeto, com todas as entra­
nhas, com todos os desejos e vontades, no Senhor nos­
so Deus (8). XXIV,1-4: Comunhão humana
Francisco fraterniza a humanidade unida no coração de um Na conclusão da Regra não Bulada, Francisco volta a falar
ser superior,transcendente,o seu Deus,que poderia ser o Deus da comunhão humana: "Rogo a todos os Irmãos que aprendam

72 73
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

bem o teor e sentido destas coisas que foram escritas nesta for­ Vejamos ao longo do texto.
ma de vida"...(l).
Como mestre inteligente, emprega 5 verbos de caráter di­
dático: ensinar-aprender-conservar-recordar-praticar (2). 2: Feci misericordiam.
Como mestre paternal, recorre a outros 5 verbos exortativos: Francisco escreve e ensina:
beijando os pés, suplico que amem, protejam e guardem esta "O Senhor mesmo me conduziu para o meio dos leprosos e
Regra de vida (3). E, como mestre autoridade, prescreve: eu tive misericórdia com eles". "Feci misericordiam cum illis ".
Ordeno firmemente e imponho -firmiter praecipio et iniungo O tradutor das novas Fontes Franciscanas e Clarianas mantém
-que ninguém diminua nada destas coisas que foram escritas a força da literalidade: "fiz misericórdia com eles" (2).
nesta forma de vida, nem lhe acrescente qualquer escrito (4).
A palavra misericórdia é familiar nos Escritos, 23 vezes99•
Assim Francisco, nas duas Regras que escreveu para seus Francisco a coloca como atributo divino: "O Senhor nosso
Companheiros, de ontem e de hoje, revela aspectos importan­ Deus nos criou e nos reuniu e só por sua misericórdia nos sal­
tes da sua índole de guia e mestre, e ilumina o cenário pedagó­ vará" (RnB 23,8). Neste tópico do Testamento, fala da sua pró­
gico atual. pria misericórdia, da conversão do seu coração para o necessi­
tado, o excluído, o mísero: cor misero. E esse gesto o transfor­
2.2.1.3 Testamento ma. O que antes o repugnava, a simples vista do leproso, que
lhe parecia sobremaneira amargo, converte-se-lhe em doçura
"O Testamento de Francisco mostra com destaque o seu da alma e do corpo - "conversum fuit mihi in dulcedinem ani­
idealismo e o seu ânimo elevado, perseverante até o fim" -es­ mi et corporis" (3).
creve Esser. "Testamentum... insigniter denotai, ut patrimonium A misericórdia em Francisco - escreve M. A. Lavilla -
afratribus magni est aestimandum"97• Por isso, o Testamento é uma experiência centro-frontal em sua conversão,
deve ser estimado privilegiadamente como patrimônio pelos uma maneira de ser e atuar proposta por ele a todo ser
seus Irmãos. humano, é a sua pedagogia. Apresenta-se como uma
virtuãe, um valor e uma atitude, válida para a mulher e
Estudá-lo-emos agora como foco iluminador da constela­ , 100
o hornem de hoJe .
ção pedagógica que intitulamos "Comunhão humana", cunha­
da de textos pedagógicos de hoje. "A educação do futuro -ob­
serva E. Morin-deverá ser o ensino primeiro e universal, cen­
trado na condição humana"9 8•
99. Corpus des sources franciscaines apresenta todos os textos de Francis­
Francisco, há oito séculos, já o inspira. co onde ela ocorre. Lavilla, M. A- (OFM). La misericordia en San Fran­
cisco de Asis, in Selecciones de Franciscanismo. 1997, v. 26, p. 263-283,
desenvolve valioso artigo sobre essa virtude e sentimento do coração de
Francisco.
97. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 305.
100. Lavilla, M. A. (OFM). La misericordia en San Francisco de Asis, in
98. Morin, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro, p. 47. Selecciones de Franciscanismo. 1997, v. 26, p. 263.
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

O apaixonado jovem Francisco mesmo o confessa: dia como "forma de vida para toda pessoa, em suas relações
"Era-me de fato insuportável olhar para leprosos..." (Test 1). autênticas e justas com os demais" 102•
Supera-se, porém, e dá testemunho de seu afeto, ternura, sensi­
bilidade, compaixão, sua comunhão humana. "Aquilo que me Por fim, também como
parecia amargo se me converteu em imensa doçura" (3). Lavil­ proposta pedagógica, através de uma paciente humani­
la realça a antítese de "antes" e "depois" do "ter misericórdia" dade e intensa misericórdia, que busca o crescimento
para com o leproso como marco diferencial na vida de Francis­ da pessoa, com acolhimento de gratuidade, respeitando
co, não só de tempos diferentes como também de maneiras sua liberdade e responsabilidade, corrigindo fraternal­
opostas de ser e atuar (p. 264). mente (p. 281 ).
O leproso entrou profundamente na vida de Francisco. O Acrescento, ao estilo e no espírito evangélico - como bem
beijo do leproso é um marco excepcional, verdadeiramente avulta na Carta a um Ministro (Mn 4-5.9.a.11) 103 •
dramático; Os primeiros biógrafos o realçam. (cf. 1Cel 17; e
2Cel 9; LM 1,5; LTC 11).
20-21: Et ego manibus meis laborabam, et valo laborare
O serviço aos leprosos significou ainda um noviciado ge­
neroso, vivenciado por Francisco e seus primeiros Compa­ Francisco escreve e orienta:
nheiros: (cf. lCel 103; LM 1,6; 11,6; XIV,1; CA 9; 2EP 44). E eu trabalhava com as minhas mãos e quero trabalhar.
E quero firmemente que todos os outros Irmãos traba­
"Servia-os com dedicação e humanidade" - comenta São
lhem num oficio que convenha à honestidade. Os que
Boaventura (LM 1,6,2). Francisco, aliás, chamava os leprosos de não sabem trabalhar aprendam, não pelo desejo de re­
"meus irmãos em Cristo", ou "meus irmãos cristãos" (2EP 58). ceber o salário do trabalho, mas por causa do exemplo
Francisco teve misericórdia, fez misericórdia para com es­ e para afastar a ociosidade.
tas pessoas enfermas e marginalizadas. "Servia-os com benéfi­ Neste trecho, delineia-se um quadro do sentido e valor do
ca piedade e cuidava de suas necessidades, visitando-os fre­ trabalho, para o indivíduo e para a sociedade. Francisco colo­
qüentemente" - comenta São Boaventura (LM 1,6,2-3). Era ser­ ca-se, em primeiro lugar, como protótipo: "Eu trabalhava e
viço gratuito, generoso, de doação solidária - de comunhão hu­ quero trabalhar". Jovem, trabalhara na loja com seu pai, balco­
mana - que supera a simples atenção assistencial e temporal. nista atraente e simpático vendedor (cf. 1Cel 2) - razão tam­
Para Francisco, em suma, Deus é misericordioso, isto é, de bém porque o pai não queria perdê-lo. Depois, já noutro estil_o
coração compassivo, de sentimentos de misericórdia. Explana de vida, nos primeiros passos, trabalhou com suas mãos, ded1-
Lavilla significativamente: "Francisco adquire esta viva cons­
ciência da misericórdia de Deus através da escuta e leitura da 102. Lavilla, M. A. (OFM). La misericordia en San Francisco de Asis, in
Palavra e da celebração da Liturgia, e também por havê-la ex­ Selecciones de Franciscanismo, 1997, v. 26, p. 273-275.
perimentado em sua própria pessoa" 1º 1• E propõe a misericór- 103. Bazarra, C. (OFMCap). Francisco Pedagogo, in Cuadernos Francis­
canos. 1991, v. 99, p. 130, introduz sua reflexão enfaticamente: "Es lamen­
table que en tareas formativasJa misericordia es considerada la cenicienta
de las virtudes, una debilidad de los formadores y la ruina de la pedagogía.
101. Lavilla, M. A. (OFM). La misericordia en San Francisco de Asis, in Todos prefieren el autoritarismo y la inflexibilidad, olvidando el evangelio
Selecciones de Franciscanismo, 1997, v. 26, p. 268. y dando prioridad al jurisdicismo sobre la vida fraterna".
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

cou-se à restauração de igrejas: São Damião, São Pedro e da pecto dá ao trabalho a conotação de vocação: cada um perma­
Porciúncula "Seria longo e difícil narrar o quanto trabalham na
neça na arte e oficio em que estava quando "foi chamado"
citada obra" - nota a Legenda dos Três Companheiros
(7,21,11). Ao redigir o Testamento, quase rio fim da vida, in­ (ICor 7,24).
sistia: "Eu trabalhava e quero trabalhar" (2 0). No que toca à retribuição pelo trabalho realizado, não se
Por que trabalhar? fala de exigir, por direito, e sim poder receber as coisas neces­
sárias, exceto retribuição em dinheiro. De novo entra o critério
Em três passagens dos Escritos, Frei Fernando Uribe ex­ da pobreza.
põe o pensamento fundamental de Francisco a respeito do tra­
O texto da Regra Bulada (5,1 -4) enuncia outro ângulo:
balho e a sua função na forma de vida dos Irmãos 104.-Os textos,
na ordem de aparição cronológica, são: Regra não Bulada Os Irmãos, aos quais o Senhor deu a graça de trabalhar,
7,1-12; Regra Bulada 5,1-4; Testamento 2 0-22. trabalhem fiel e devotamente, de modo que afastado o
ócio que é inimigo da alma, não extingam o espírito da
Na Regra não Bulada, Francisco orienta: "Todos os oração e devoção, ao qual devem servir as demais coi­
Irmãos, em quaisquer lugares que estiverem para servir ou tra­ sas temporais (1�2).
balhar em casa de outros..." (1 ). Destaca, o autor, que o verbo Fernando Uribe ressalta a conotação teológica do trabalho,
"servir" associado ao verbo "trabalhar" dá ao tema do trabalho que é uma "graça".
uma conotação de sabor evangélico. Explicita o tipo de traba­ À luz dos advérbiosfideliter e devote- escreve - não se
lho: P�E de administrador, nem de diretor, isto é, cargo de su­ pode considerar o trabalho como atividade profana e
perior, de mando, de poder, em relação aos demais trabalhado­ indiferente. Ele entra na categoria da fé, comprometen­
res. Da mesma forma, nem aceitem algum ofício que provoque do a interioridade da pessoa e fomentando o espírito de
escândalo ou que cause dano à sua alma (2). Comenta Uribe contemplação em meio à ação.
que toda a exortação está dominada pela idéia de minoridade E remata: "Desta maneira, o trabalho integra-se na concep­
assim como pela honestidade e o bom nome dos Irmãos: "To­ ção unitária da pessoa humana" (p. 1 81).
dos sejam menores" e "estejam sujeitos" -na contraposição de No trecho do Testamento (20-22), Uribe destaca a expe­
domínio ou superioridade. Ademais, o binômio "servir" e "tra­ riência pessoal de- Francisco no trabalho: "Eu trabalhava com
balhar" reforça a idéia dominante da minoridade, e lhe acres­ as minhas mãos"; e a insistência em relação aos Irmãos: "E
centa ao mesmo tempo a tônica do espírito de fraternidade quero firmemente que todos os outros Irmãos trabalhem num
para fora, por tratar-se de um serviço "em casa de outros", ou ofício que convenha à honestidade; os que não sabem traba­
seja, não limitado aos Irmãos da mesma Fraternidade. lhar aprendam..." Trata-se do bom exemplo a ser dado aos de­
Em seguida, sublinha dois aspectos do trabalho: a inspira­ mais -como o destacariam os biógrafos. Anotam ainda como
ção bíblica: "comerás do fruto de teus trabalhos" (SI 127,2), e Francisco estigmatizava a preguiça, os ociosos, a .quem cha­
mava de "Irmão Mosca", "zangão ocioso e estéril, que nada
"quem não quer trabalhar, não coma" (2Ts 3,1 0). O outro as-
produz porque não trabalha" (cf. LM V,6,3; CA 62,8 e 97,2 9).
Quanto, de novo, ao salário pelo trabalho, o Irmão Menor não
104. Uribe, F. Significado del trabajo eri las primitivas fuentes francisca­ o exige como os demais trabalhadores. E quando não o recebe,
nas. Selecciones de Franciscanismo. v. 27, p. 172-194, 1998. entra o recurso à mendicidade como meio auxiliar de subsis-
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

tência- "a mesa do Senhor", pedindo esmola de porta em por­ da fraternalmente. O súdito, por sua vez, responderia por um
ta- onde se manifesta a gratuidade do amor que o Pai tem por seguimento dócil, pronto, humilde, desprendido, também fra­
seus filhos. ternalmente. É a vera obedientia, a caritativa obedientia (Ad
III,5-6) - como a chamou Francisco, que agrada a Deus e re­
Numa leitura atual, além dessas considerações (da humil­
verte a bem do outro.
dade, para o Frade), talvez se possa acenar a uma comunhão de
solidariedade de quem ofereça, num gesto de benevolência e Como se transforma, nesse senso, nessa ótica, o rapport, o
generosidade. As palavras do próprio Francisco: "Se porven­ entrelaçamento no dar e observar uma norma, uma orientação,
tura não nos pagarem pelo trabalho, recorramos à mesa do Se­ uma lei!
nhor- ad mensam Domini, pedindo esmola de porta em porta"
- ostiatim (solicitando ajuda de uma forma ou outra) (Test 22;
cf. RB 6 ,3-4; RnB 9,3-4). 30: O texto completa-se com referência abrangente:
"E todos os outros Irmãos sejam obrigados do mesmo
modo a obedecer aos seus guardiães". Portanto, de um lado,
27: Obediência, gratuidade universalidade na obrigação e, doutro, gratuidade de vontade
Francisco escreve e orienta: na aceitação.
"Quero firmemente obedecer ao Ministro Geral desta fra­
ternidade e a qualquer outro Guardião que lhe aprouver 34: Aderir, envolver-se
dar-me". "Et firmiter valo obedire ".
Francisco remata enfaticamente o Testamento.
Eis mais um novo estilo de relacionamento no tocante a
mandar (governar) e obedecer (seguir). A Ordem dos Frades Já no exórdio, salienta "O Senhor me concedeu" (1,4,6).
Menores, com suas características singulares desde o início, Depois, "o Senhor me revelou" (23). Acrescenta: "Mando fir­
constituiu umaforma vitae completamente nova para o direito memente" (25), "quero firmemente" (27). Por fim, declara que
canônico da época. Francisco negava-se a acomodar a organi­ o Testamento é a sua recordação, admoestação, exortação, o
zação de sua recente comunidade a formas anteriores das meum testamentUin, para que possam seus Irmãos observar
Ordens monásticas. As comunidades religiosas antigas, a aba­ mais catolicamente o que prometeram. Inclui-se como exem­
dia, o priorado ou a prepositura constituíam o núcleo de toda a plo: "Para que observemos mais catolicamente a regra que
vida religiosa. A nova organização dos Frades Menores prefe­ prometemos ao Senhor" (34).
riu congregar-se territorialmente em "províncias". Distin­ Parece-me significativo apelo de envolvimento educativo.
guia-se, ainda, por grande mobilidade e desconhecia a perten­ Trata-se de um ideal que lhe é inspirado. Não basta, pois, só
ça vitalícia ao mesmo mosteiro. Quanto aos cargos, inovou prometer, é preciso segui-lo, é preciso cumpri-lo. E cumprir
igualmente pelo estilo fraterno de relacionamento: os superio­
com totalidade (melius catholice), vale dizer, aderir plenamen­
res mesmos foram sendo denominados de ministro geral, mi­
te, envolver-se de coração.
nistro provincial, custódio e guardião. Pelo sentido do próprio
termo, portanto, aquele que acolhe, que serve, aquele que cui-

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

2.2.1.4 Cartas Francisco prova de novo amor de mãe e grandeza de espí­


rito pelas palavras: "Se precisares por motivo de conselho vir a
As Cartas de Francisco não são muitas em número, onze mim ..., se te for necessária outra consolação para tua alma e
ao todo, mais dois bilhetes autógrafos a Frei Leão ( Chartula: quiseres vir a mim, Frei Leão, vem". Et si vis, veni (4).
Louvores a Deus Altíssimo e Bênção). Por seu conteúdo, po:.
rém, ajudam a conhecer melhor a dimensão apostólica e frater­
na de sua vida. Ao mesmo tempo, revelam a profundidade e o 2.2.1.4.2 Carta a um Ministro 106
calor do seu relacionamento humano (e de fé) com as pessoas
A ocasião da carta é muito concreta: a respeito do estado
em particular e com multidões 1°5•
de tua alma-de facto animae tuae (v. 2). O Ministro (um Mi­
No presente capítulo, em curso, interessa-nos o último as­ nistro - não se pode provar que seja Frei Elias, o que muitas
pecto, o seu lado e trato humanos. Selecionamos as seguintes vezes é afirmado) 101 consultara Francisco como orientar sua
cartas: vida religiosa em meio a tantos compromissos inerentes ao seu
Carta a Frei Leão, Carta a Frei Antônio, Carta a um Minis­ cargo. Os Irmãos e outras pessoas fora da Ordem absorviam-lhe
tro, Carta aos Governantes dos Povos. Buscaremos destacar o tempo. Desejava, por isso, deixar seu oficio e retirar-se a um
seus traços de humanismo, seus valores pedagógicos para hoje. eremitério 108•
Continuamos com as palavras-chave Comunhão humana e Partindo desse "estado de tua alma", Francisco escreve e
a constelação correspondente. ensina página admirável de orientação, "o melhor que te posso
dizer com relação às dificuldades" (v. 2).

2.2.1.4.1 Carta a Frei Leão Divido-a em quatro segmentos:

Acolhimento humano
l. assumir com idealismo
Francisco escreve e orienta:
"Aquelas coisas que te impedem de amar o Senhor Deus,
1. a saudação clássica da paz: Frei Leão, teu irmão Fran­ bem como aqueles que te opuserem obstáculo, Irmãos ou ou­
cisco, deseja-te saúde e paz (1); tros, tudo deves ter como graça". "Omnia debes habere pro
2. mostra também sua familiaridade: "Teu Irmão" (1); grafia" (v. 2).
3. prossegue em tom confidencial: "Assim te digo, meu fi­
lho, como mãe", sicut mater (2). Francisco designa-se
agora mãe, e parece querer despertar a confiança do dis­
cípulo. Concede liberdade de acesso e de consulta a Frei 106. Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 279-282.
Leão, a quem atormentavam inquietações e incertezas. 107. Esser, K. Gli Scritti di SauFrancesco d'Assisi, p. 282-283 e Opuscula
Sancti Pratis Francisci Assisiensis, p. 131.
108.Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 274-275. Cf. ainda
105. Olgiati, F. Gli Scritti di Francesco e Chiara d'Assisi, p. 114. Silveira, I. Escritos e biografias de São Francisco de Assis, p. 90-91, nota 30.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Em outras palavras, enfrentar e procurar superar proble­ teiro" 109• Admite ser mais longa a formulação, talvez porém
mas com altruísmo, com elevado idealismo (v. 3); mais exata.
2. dar de si, dar do seu tempo No conteúdo, como tal, revela o coração, a alma de Fran­
"Ama aqueles que te fazem estas coisas. Não queiras dá cisco. Embora sejulgue ele e se diga "pequenino e desprezível
parte deles outra coisa, a não ser o quanto o Senhor te conce­ servo no Senhor", quer comunicar-se com todas as autoridades
der" (v. 5-6). no mundo inteiro, ubique terrarum, e com todos os outros nos
quais chegar a carta (v. 1).
Essa disponibilidade plena é que Francisco inculca. E ori­
enta: "Considera isto mais que um eremitério" (v. 8); Pode-se estranhar a ousadia. Como ele se permite, não
obstante o "com todo o respeito" (v. 3), chamar a atenção das
3. ser.misericordioso, saber perdoar autoridades leigas, aconselhar, propor e advertir em assuntos
Num terceiro momento, Francisco atinge um clímax de de ordem religiosa?
sensibilidade, ternura, de benevolência e gratuidade. Francisco escreve e orienta:
Escreve e orienta: 1. não se esquecer do Senhor nem se afastar dos seus man­
Não haja no mundo Irmão que pecar, o quanto puder damentos, mesmo em meio aos cuidados e preocupa­
pecar, que, após ver teus olhos, nunca se afaste sem a ções no século (v. 3);
tua misericórdia, caso busca misericórdia. E se não 2. receber com amor o santíssimo corpo e sangue do Se­
buscar misericórdia, pergunta-lhe se quer obter miseri­
córdia (9-1 O); nhor Jesus Cristo na celebração eucarística, "em sua
santa memória" (v. 6);
4. acolher sempre com amorosidade
3. anunciar por um pregoeiro ou por outro sinal, para que
Francisco encerra como guia e mestre a lição de comunhão todo o povo a eles confiado renda louvor e graças ao
humana: Senhor Deus onipotente (v. 7);
"E se depois ele pecar mil vezes diante de teus olhos 4. se não o fizerem, deverão prestar contas perante o Se­
ama-o mais do que a mim para trazê-lo ao Senhor, e tenhas nhor (8); se guardarem consigo o escrito e o observa­
sempre misericórdia desses Irmãos" (11). rem, serão pelo Senhor Deus abençoados (9).
Pode-se entender a carta como um exemplo de senso reli­
gioso e visão global de Francisco, de sentir-se co-responsável
2.2.1.4.3 Carta aos Governantes dos Povos pela sociedade, pelo bem comum, que o leva a atuar participa­
tivamente, ousando pedir e advertir, aconselhar e animar todos
Na análise inicial desta carta, Esser observa que o título pro­
os Governantes dos Povos. ---
vém de Wadding. Através das edições de Lemmens e Boehmer,
passou à maior parte das traduções, e pode-se mantê-lo. Co­
menta, por outro lado, que Cambell propõe intitulá-la "Car­ 109. Cambell, J. Les écrits de saint François d' Assise devant la critique, in
Franziskanische Studien, Münster/Werl. 1954, v. 36, p. 254. ln: Esser, K.
ta aospodestàs, cônsules,juízes e governantes no mundo in- Gli Scritti di San Francesco d 'Assisi, p. 324.
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2.2.1.4.4 Carta a Frei Antônio 2.2.1.5.1 Oração diante do Crucifixo


A Epistola ad Sanctum Antonium insere-se entre os opús­ O termo oratio ocorre doze vezes nos Escritos. Revela a
culos que nos são transmitidos não em uma coleção, mas como importância na vida de Francisco.
independentes110• Jovem, buscando luzes e discernimento para seu futuro,
No presente estudo, como aparece seu valor pedagógico? reza diante da imagem de Cristo na capela de São Damião, que
lhe fala e o incumbe de restaurá-la112 •
Pode-se apontar para o destinatário. Francisco "gostaria
Esta oração encontra-se como perícope independente em
muito" que alguém ensinasse aos Irmãos a sagrada Teologia.
mais manuscritos113 • Conservam-se também cópias do texto
Dirige-se, então, a "Frei Antônio, meu Bispo". O termo "Bis­ italiano original e traduções em outras línguas. Wadding de­
po" expressa o elevado respeito de Francisco no tocante ao signa-a Oratio b. Francisci in suae conversionis initio. A
cargo de professor de Teologia. O Concílio do Latrão IV "conversão" de Francisco não pode ser estabelecida com exa­
(1215) comissionava aos Bispos essa tarefa, além da própria tidão, mas o pode sim, certamente, a experiência de São Da­
pregação. Deviam exercê-la por si ou por pessoas idôneas: vel mião. E tal experiência, a recitação desta oração, imprimiu-se
per se ipsos vel per alias viras idoneos. particularmente em Francisco.
O Professor devia ensinar com unção, ser um exemplo Transcrevemo-la, por tratar-se de documento valioso, da
vivo, uma "biografia", verbo et exemplo. edição crítica de K. Esser.
Edição de texto latino114
Francisco reconhece-o em Antônio. Por isso coloca-o à
frente dos formandos. Escreve e orienta: "Apraz-me que ensi­ Summe, gloriose Deus, illumina tenebras cordis mei et
nes a sagrada Teologia aos Irmãos, contanto que nesse estudo, da mihi fidem rectam, spem certam et caritatem perfec­
tam, sensum et cognitionem, Domine, ut faciam tuum
não extingas o espírito de oração e devoção, como está contido
sanctum et verax mandatum.
na Regra"111 � orationis et devotionis spiritum non exstinguas.
Texto em italiano cod Lt115
2.2.1.5 Orações e Louvor AltisfilmO glorioso Dio, illumina le tenebre de lo core
mio et da me fede dricta, sperança certa e caritate per-
Prosseguindo no exame dos Escritos, na constelação que
denominamos de Comunhão humana, focalizamos agora tex­ 112. Cf. 2Cel 10; LM II,1.
tos de Orações e Louvor que apresentam valores pedagógicos. 113. Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 451.
Selecionamos: a Oração diante do Crucifixo, a Oração "Oni­ 114. Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 452-453.
potente Deus" e o Cântico do Irmão Sol. 115. Lt: Oxford, Bodleian Library, cod Lt, theol. d. 23, a. 1406/09; (67 s.).
Cf. Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d 'Assisi, p. 52. Hoje - expõe Esser
-pode-se precisar a datação tradicional do cod Lt (c. 1400): de fato, demons�
110. Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 178. trou-se que o Ministro Provincial Lorenzo da Rieti, por quem foi escrito, f01
seguramente de 1406 a 1409 Ministro da Província de Veneza (nota 14). Cf.
111. Cf. RB 5,2. Esser, K. Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, p. 224.
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. fecta, senno et cognoscemento, signore, che faça lo tuo são próprias do Seráfico Pai: "Le sécretaire eut ici un rôle à
santo e verace commandamento. Amen. rernplir. Les idées sont bien du séraphique Pere"116•
Neste conjunto, ao final da carta, avulta a oração "Onipo­
A oração em português tente, eterno, justo e misericordioso Deus", "pérola preciosa
Altíssimo, glorioso Deus, iluminai as trevas do meu no verdadeiro sentido da palavra" - na expressão do historia­
coração. Dai-me uma fé reta, uma esperança certa e ca­ dor franciscano Frei Ildefonso Silveira117 • A oração encon­
ridade perfeita, sensibilidade e conhecimento, ó Se­ tra-se no fim da carta, a ela unida. Não significa que seja corno
nhor, a fim de que eu cumpra o vosso santo e veraz conclusão, porém reassume muito bem as idéias fundamentais
mandamento. da carta. Anos após a Oração diante do crucifixo (c. 1206),
Francisco aperfeiçoa agora seu exemplo de comunhão, de
Vejamos, então, dois tons pedagógicos desta oração:
alma generosa (c. 1220). Assim reza:
1. sensibilidade e abertura de coração. Francisco pede:
Texto latino
"Iluminai as trevas do meu coração, concedei-me urna fé
Omnipotens, aeteme, iuste et misericors Deus, da no­
reta, urna esperança certa e caridade perfeita, sensibilidade e bis miseris propter temetipsum facere, quod scimus te
conhecimento"; velle, et semper velle, quod tibi placeat, et interius
2. disponibilidade e generosidade em servir: mundati, interius illuminati et igne Sancti Spiritus ac­
censi segui possimus vestigia dilecti Filii tui, Domini
"A fim de que eu cumpra o vosso santo e veraz mandamento". nostri Jesu Christi, et ad te, Altissime, sola tua gratia
Pode-se inferir, de ambos, o modo de ser e a amorosidade pervenire, qui in Trinitate perfecta et Unitate simplici
atuante que Francisco desejava viver. vivis et regnas et gloriaris Deus omnipotens per omnia
saecula saeculorum. Amen.

2.2.1.5.2 Oração "Onipotente Deus"


Texto em português
Depois da Regra Bulada e o Testamento, a Carta a toda a Onipotente, eterno, justo e misericordioso Deus,
Ordem é o opúsculo de Francisco mais bem testemunhado nos dai-nos a nós, míseros, por causa de vós fazer o que sa­
manuscritos. bemos que quereis e sempre querer o que vos agrada,
Na edição crítica dos Escritos, Esser expõe-na com a habi­
tual competência, sem omitir problemas da história textual. 116. Cambell, J. Les écrits de saint François d' Assise devant la critique, in
Revela-se, por outro lado, a linguagem em tom elevado e mes­ Franziskanische Studien. ln: Esser, K. Gli Scritti di San Francesco
mo solene, associada a um ritmo poético, diferente da maioria d'Assisi, p. 289. "Isso se compreende tanto mais facilmente - observa a
dos outros opúsculos. Carnbell nota-o e afirma a razão que o propósito Esser - quando se destaca que a carta era uma espécie de encícli­
ca a toda a Ordem".
secretário teve papel importante, na redação, mas que as idéias
117. Silveira, I. (OFM). Escritos e biografias de São Francisco de Assis, p.
92, nota 32.
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para que, interiormente purificados, interiormente ilu­ O Cântico do Irmão Sol - interpreta o humanista Eduardo
minados e abrasados pelo fogo do Santo Espírito, pos­ Fumagalli - apresenta duas características já apontadas por
samos seguir os passos de vosso dileto Filho, Nosso Celano em termos de leitura: uma, por assim dizer, ingênua,
Senhor Jesus Cristo, e, unicamente por vossa graça, isto é, de compreensão direta; outra, mais complexa, que leva a
chegar a vós, ó Altíssimo, que em Trindade perfeita e
investigações particulares e mesmo mais importantes sobre o
unidade simples viveis e reinais e sois glorificado
como Deus onipotente por todos os séculos dos sécu­
sentido do texto119•
los. Amém. O Professor Lehmann, OFMCap., comenta o fato de filó­
Quatro verbos de ação demonstram seu sonho amadureci- sofos, teólogos, psicólogos, poetas já terem se ocupado com
do: este texto da literatura universal. E refere, a propósito, Rénan,
que o considera "o mais belo trecho de poesia religiosa depois
1. conhecer a vontade de Deus - quod scimus te velle; do Evangelho" 120•
2. fazer esta vontade - propter temetipsum facere;
Leclerc, por sua vez, na releitura própria do Cântico, es-
3. querer sempre o que agrada ao Senhor - semper velle,
creve:
quod tibi placeat;
4. seguir os passos de Jesus Cristo - sequi vestigia Domini Fraternizar com todas as criaturas, como o fez Francisco
nostri Iesu Christi. de Assis, é definitivamente optar por uma visão do mun­
do em que a conciliação prevalece à ruptura; é abrir-se,
Remata com aspiração de confiança: chegar ao Altíssimo para além de todas as separações e todas as solitudes, a
unicamente, por sua graça - pervenire ad te, Altissime, sola um universo de comunhão onde "o mistério da terra al­
tua grafia. cança o mistério das estrelas", num sopro imenso de per­
dão e reconciliação. Experiência espiritual como esta é
certamente indizível na sua substância. Não pode expri­
2.2.1.5.3 Cântico do Irmão Sol ou Louvores das mir-se senão em símbolos: numa celebração do mundo
Criaturas onde a alma, fraternalmente, unida a todas as coisas,
121
toma da mesma a cor brilhante do sol •
K. Esser, na introdução do Canticum Fratris Solis vel Lau­
des Creaturarum, em sua edição crítica dos Escritos de São
Cântico do Irmão Sol
Francisco de Assis, escreve:
Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
Quem examinar atentamente a imensa bibliografia dos teus são o louvor, a glória e a honra e toda a bênção.
últimos trinta anos sobre o Cântico do Irmão Sol de
São Francisco, poderá facilmente constatar como não
existe problema relativo a este escrito que não tenha 119. Fumagalli, E. San Francesco� il Cantico, il Pater noster, p. 72. A pas­
118
sido já exaustivamente discutido • sagem do Celanense ocorre em 2Cel 107.
120. Lehmann, L. Francisco_,_ mestre de oração, p. 212. Título original:
Franziskus, Meister des Gebets, Werl, 1989.
118. Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 150. Note-se que o 121. Leclerc, E. Le cantique des créatures - une lecture de Saint François
autor escrevia em 1976. d'Assise, p. 235.

90 91
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Somente a ti, ó Altíssimo, eles convêm, Canticumfratris Solis vel Laudes Creaturarum [Cnt]
122

e homem algum é digno de te mencionar-te. Altissimu onnipotente bon signore,


Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, tue so le laude la gloria e l'honore et onne benedictione.
especialmente os senhor Irmão Sol, Ad te solo, altíssimo, se konfano
o qual é dia, e por ele nos iluminas. et nullu homo ene dignu te mentovare.
E ele é belo e radiante com grande esplendor, Laudato sie, mi signore, cun tucte le tue creature,
de ti, Altíssimo, traz o significado. spetialmente messor lo frate sole,
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Lua e as Estrelas, lo qual' e iorno, et allumini noi per loi.
no céu as formaste claras e preciosas e belas. Et ellu e bellu e radiante cun grande splendore,
Louvado sejas, meu Senhor, pelo imão Vento, de te, altissimo, porta significatione.
E pelo ar e pelas nuvens e pelo sereno e por todo tempo, Laudato si, mi signore, per sora luna e le stelle,
pelo qual às tuas criaturas dás sustento. in celu l'ài formate clarite et pretiose et belle.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã Água, Laudato si, mi signore, per frate vento,
que é muito útil e humilde e preciosa e casta. et per aere et nubilo et sereno et onne tempo,
Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão Fogo, per lo quale a le tue creature daí sustentamento.
pelo qual iluminas a noite, Laudato si, mi signore, per sor aqua,
e ele é belo e agradável e robusto e forte. la quale e multo utile et humile et pretiosa et casta.
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a Mãe Laudato si, mi signore, per frate focu,
Terra, per lo quale enn'allumini la nocte,
que nos sustenta e governa, ed ello e bello et iocundo et robustoso et forte.
e produz diversos frutos com coloridas flores e ervas. Laudato si, mi signore, per sora nostra madre terra,
Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam la quale ne sustenta et governa,
pelo teu amor, et produce diversi fructi com coloriti flori et herba.
e suportam enfermidade e tribulação. Laudato si, mi signore, per quelli ke perdonano per lo
Bem-aventurados aqueles que as suportarem em paz tuo amore,
porque por ti, Altíssimo, serão coroados. et sostengo infirmitate et tribulatione.
Beati-quelli ke 'l sosterrano in pace,
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a Morte ka da te, altíssimo, sirano incoronati.
corporal, Laudato si, mi signore, per sora nostra morte corporale,
da qual nenhum homem vivente pode escapar. da la quale nullu homo vivente pó skappare.
Ai daqueles que morrerem em pecado mortal: Guai a quelli, ke morrano ne le peccata mortali:
bem-aventurados os que ela encontrar na tua santíssi­ beati quelli ke trovarà ne le tue sanctissime voluntati,
ma vontade,
porque a morte segunda não lhes fará mal.
Louvai e bendizei ao meu Senhor, 122. Esser, K. Gli Scritti di San Francesco d'Assisi, p. 157-158. Este é o
texto mais antigo, do códice de Assis (cod-338), da metade do séc. XIII.
e rendei-lhe graças e servi-o com grande humildade. Composto em italiano antigo, precioso documento literário da linguagem
popular.
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

ka la morte secunda nol farrà male. Com coração cheio de admiração, Francisco introduz os
Laudate et benedicete mi signore, elementos no cenário do Cântico, declara a beleza de cada um
et rengratiate et serviateli cun grande humilitate. e a sua ação na natureza;
No trabalho ora em tela apresento, particularmente nestas 4. a amorosidade e confiança
Laudes Creaturarum, aspectos que sirvam à educação hoje,
valores de um novo humanismo. Inserindo esses valores já a Francisco escreve e ensina:
partir da primeira constelação de palavras-chave, colhidas no "Louvado sejas pela Irmã nossa, a Mãe Terra..."
estudo de pedagogistas e pedagogos atuais.
Revela, na expressão, afeto e ternura pela Terra. A terra
Sublinhamos, em análise pessoal do texto, os seguintes va- não é só irmã, é mais, chama-a de mãe, é mãe "que nos susten­
lores: ta e governa". E é respeitoso e grato, porque ela "produz diver­
Francisco escreve e ensina: sos frutos com coloridas flores e ervas".
1. a universalidade Eis uma visão humana, que se liga a um passado histórico
e se entrelaça com um sentimento de presente. O universo é
"Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas".
- como uma grande mãe, a Mater Mundi, a Magna Mater 123 •
_Note-se a ênfase: com todas as tuas criaturas. Uma abran-
Pode-se afirmar que o ser humano manteve sempre relação
gência plena, pleonástica, que sempre de novo encanta os ecó­
de veneração, temor e respeito face à "Mãe Terra", sentimento
logos hoje;
que nunca se perdeu totalmente na humanidade. Hoje, por feli­
2. a simpatia e fraternidade cidade, esse sentimento ressurge a partir das assim chamadas
Francisco escreve e ensina: ciências da Terra. Elas tendem a ver mais e mais a Terra como
Gaia, um -superorganismo vivo, altamente organizado e com
"Louvado sejas pelo Irmão Sol, pela Irmã Lua, pela Irmã um equilíbrio sutil, sempre frágil e sempre por refazer.
Água"...
Tal é a teoria de Gaia, proposta pelo cientista da Nasa, Ja­
O simpático tratamento de irmão, irmã realça a ligação com mes Lovelock, como uma nova forma de ver a Terra, qual orga­
o universo criado, confere dignidade a cada criatura. Dessa for­ nismo vivo. A partir de dados científicos e empíricos, ele e ou­
ma, estabelece uma como convivialidade de fraternidade; tros querem expressar o mesmo que os mitos originários ex­
3. a cordialidade e o respeito pressaram por via da intuição e da comunhão: a Terra é viva e
produz todas as formas de vida 124 .
Francisco escreve e ensina:
O Irmão Sol é belo e radiante, clareia o dia, com sua luz
123. Brandão, P. S. Dicionário mítico etimológico da mitologia grega, p.
nos ilumina. 271,490, 556-557. Cf. ainda: Brandão,P. S. Dicionário mítico etimológico
A Irmã Lua e as Estrelas são claras, preciosas e belas. da mitologia e da religião romana, passim.
A Irmã Água é muito útil e humilde e preciosa e casta. 124. Boff, L. Saber cuidar. Ética do humano - compaixão pela Terra, p.
O Irmão Fogo ilumina a noite, é belo e radiante e vigo­ 63-64. Cf. ainda: Moreira, A. 2000 anos do nàscimento de Cristo na terra:
roso e forte. Jesus Cristo - a Terra, p. 15-25.
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Sem pretender forçar, mas com sensibilidade e intuição Eu os admoesto e exorto [os Irmãos] a que não despre­
franciscana, não soa como de hoje, sereno e belo, o verso de zem nem julguem as pessoas que virem vestir roupas
comunhão humana de Francisco de Assis? macias e coloridas (cf. Mt 11,8), e usar comidas e bebi­
das finas, mas cada qual julgue e despreze antes a si
Laudato si, mi signore, per sora nostra madre terra, mesmo.
la quale ne sustenta et governa,
Observação judiciosa de Francisco, que destaca a transpa­
et produce diversi fructi com coloriti flori et herba!
rência do coração. Ninguém se ponha a fazer pouco de alguém
Louvado sejas, meu Senhor, e/ou condená-lo se age diferentemente de nossos critérios e
Pela Irmã nossa, a Mãe Terra, padrões. Ninguém pretenda impor normas a outrem, mas agir
Que nos sustenta e governa,
com lisura de consciência, o que poderá acarretar maior equilí­
E produz diversos frutos
Com coloridas flores e ervas.
brio social.

2.2.2 Ética transparente 111,10: Não sejam obrigados ao jejum


Embora recomende mais vezes o jejum, considerando-o
A segunda palavra-chave e conteúdo a serem estudados, à mesmo como imitação de Cristo 125 , Francisco revela uma ética
luz dos Escritos, é a Ética. muito pura em relação aos Irmãos. Prescinde da seriedade do je­
A concepção de Ética pode variar por pontos de vista filo­ jum, não obriga, até o dispensa: "Em tempo de manifesta neces­
sóficos. Mas pensar eticamente e porque agir moralmente im­ sidade, não sejam os Irmãos obrigados ao jejum corporal" 126•
plica juízos éticos universalizáveis, extrapolar o nosso ponto
de vista pessoal.
V,4: Recebam o necessário pelo trabalho
Educadores resgatam hoje o papel da Ética, uma Ética
transparente, na formação integral. Francisco escreve e orienta: "Quanto ao salário do traba­
lho, recebam para _si e para seus Irmãos as coisas necessárias
Integram a constelação em estudo os termos extraídos de ao corpo".
pedagogos e pedagogistas: justiça, criatividade, integralidade,
pureza, consciência. Pode-se considerar que o trabalho é uma obrigação da pes­
soa, corresponde-lhe em contrapartida direito de receber o que
O que logramos colher nos Escritos? é justo. Francisco, porém, não fala de retribuição por direito.

2.2.2.1 Regra Bulada


125. Cf. RnB 3,12; 2Fi 32. Os hagiógrafos o referem de vários ângulos: LM
Francisco escreve e orienta: 11,7; V,7; VIII,10; IX,2.
126. São Boaventura relata a propósito uma advertência de Francisco de
11,18: Não desprezar nem julgar equilíbrio muito ético e cordial: "Irmãos, sede modelos uns dos outros, não
pelos jejuns, mas por vossa caridade" (LM V,7).

96 97
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, ÓFM

Em tom de rninoridade, simplesmente declara: "Recebam para XII,5: Submissão devida e firmeza de compromisso
si e para seus Irmãos as coisas necessárias". Francisco escreve e orienta:
Sempre súditos e submissos aos pés da mesma Santa
X,4: Devem e podem recorrer a seus Ministros Igreja e estáveis na fé católica, observemos a pobreza e
a humildade e o Santo Evangelho de Nosso Senhor Je­
Em várias passagens da Regra, Francisco orienta seus sus Cristo que firmemente prometemos. - "Semper
Irmãos com firmeza: "Sejam recebidos à obediência, prome­ subditi et subiecti pedibus eiusdem sanctae Ecclesiae
tendo observar sempre esta vida e Regra" (11,12). "Ordeno fir­ stabiles in fide catholica evangelium observemus...".
memente a todos os Irmãos..." (IV,1). "Ordeno-lhes firme­ Na constelação da ética transparente, de que estamos tra­
mente que obedeçam aos seus Ministros em todas as coisas tando, estes últimos versos do capítulo final da Regra Bulada,
que prometeram ao Senhor observar" (X,4). poderiam sugerir:
Por outro lado, mostra um coração compreensivo e magnâni­ 1. a consciência de pertença a urna entidade, a urna organi­
mo, e aponta alternativa quando os Irmãos encontram dificuldade zação, a urna causa, à Igreja (ecclesia);
na observância da Regra: "Onde quer que estejam os Irmãos que 2. a firmeza no ideal (stabiles in fide). A perseverança em
souberem e reconhecerem não podem observar espiritualmente a relação a compromissos é valor de alto apreço. O pró­
Regra, devem e podem recorrer a seus Ministros". prio Francisco adverte em tom evangélico: "Ninguém
que coloca mão no arado e olha para trás é apto para o
XI,2: Relacionamento ético e idoneidade para funções Reino de Deus" 121;
Francisco escreve e orienta: 3. o empenho pessoal, moral e social de realizar esse ideal e
programa evangélico (sanctum evangelium observemus).
Ordeno firmemente a todos os Irmãos que não mante­
nham relacionamentos suspeitos ou conselhos com
mulheres, e que não entrem em mosteiros de monjas, 2.2.2.2 Testamento
exceção feita para aqueles aos quais foi concedida li­
cença especial pela Santa Sé Apostólica. 8-10: Julgamento justo e judicioso
"Praecipiofirmiter" - volta a expressão categórica. Parece No Testamento, Francisco ensina atitude ética muito judi­
indicar fortemente a postura ética de limpidez no trato. Para ciosa e justa. Escreve a respeito de sacerdotes (mesmo paupe­
não dar margem a interpretações dúbias e, positivamente, ele­ res,pauperculos): "A eles e a todos os outros quero respeitar,
var a dignidade respeitosa de relacionamento. No caso, refere­ amar e honrar corno a meus senhores". Sublinha que não quer
-se aos frades. Por extensão, ajustar-se-ia a todas as pessoas. considerar neles o pecado, os defeitos, por causa da dignidade
de seu oficio. E procede dessa forma com transparência, sem
Quanto ao "entrar em mosteiros de monjas", para eventuais
se perturbar com um "ouvir dizer" 128•
serviços religiosos, poder-se-ia inferir, no geral, a idoneidade
moral da pessoa para funções próprias e delicadas a se lhe atri­
buírem. Só a elas compete. 127. RB 2,14. Lc 9,62.
128. Cf. Is 7,10-14; 8,10.
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

20-22: Trabalhar, aprender um oficio e exercê-lo como A exortação é clara e revela sentimento muito humano e
exemplo íntegro.
Mais uma vez Francisco orienta sobre o trabalho. Escreve:
Eu trabalhava e quero trabalhar, e quero firmemente 2.2.2.3.2 Carta aos Governantes dos Povos
que todos os outros Irmãos trabalhem num ofício que
convenha à honestidade. Os que não sabem trabalhar Francisco mostra senso ético no seu modo de dirigir-se aos
aprendam, por causa do exemplo. Governantes, em dois momentos:
A lição pode ser cifrada nos seguintes pontos: 1. "Rogo-vos, com reverência, como posso, que não vos
1. importância e necessidade de todos trabalharem (firmi­ esqueçais o Senhor por causa dos cuidados que tendes e das
ter volo); preocupações deste mundo, e não vos afasteis de seus manda­
2. seja um oficio que convenha à honestidade, isto é, dig­ mentos" (3). Note-se sua consciência de posição diante dos so­
no, ético; beranos. Fala-lhes claro, mas com o devido respeito.
3. aprenda-se um oficio para ser exemplo - não se trata de 2. "Aconselho-vos firmemente, meus senhores, que deixeis
mero ganho de salário, mas transparência de exemplo de lado todo o cuidado e preocupação e recebais benignamen­
pessoal, social, a pessoa toma-se tipo referencial, te, em sua santa memória, o santíssimo corpo e sangue de Nos­
exemplo, uma "biografia". so Senhor Jesus Cristo" (6).
Note-se mais uma vez a forma respeitosa de tratamento,
2.2.2.3 Cartas sem perder a força da exortação: "Aconselho-vos firmemente
e que recebais benignamente..."
Nas Cartas em estudo, o tema da Ética aparece de forma
muito sensível e delicada. 2.2.3 Essencialidade livre

2.2.2.3.1 Carta a um Ministro No termo "Essencialidade", com a qualificação "livre",


vêm compreendidas as seguintes palavras: simplicidade,
Nesta carta, Francisco escreve e orienta: sobriedade, humildade, pobreza, desprendimento, despoja­
mento, alegria, serenidade, liberdade. O tema é rico nas hagio­
15: "Todos os Irmãos que souberem do pecado (erro, fa­ grafias 129, que enfatizam o real unum necessarium. Basta che-
lha, defeito) de um outro, não lhe causem vergonha nem detra­
ção." Ainda acrescenta:
129. Cf. verbi grafia: pobreza por imitação de Cristo pobre, desprendido
"Tenham para com ele antes grande misericórdia e mante­ lCel 86; 2Cel 17, 55, 56, 85, 105, 200; LM VII,1; XII,1; CA 97, 114; por
nham muito oculto o pecado de seu irmão, pois não são os que amor a Cristo 2Cel 35, 44; LTC 33, 39, 45; humildade é uma graça do Se­
têm saúde que necessitam de médico, mas os doentes" (Mt 9, 12). nhor LM VI,6; CA 8,24; ensinada pelo Evangelho LM VI,5; simplicidade
é uma graça lCel 75; ausência de pretensão 2Cel 195; LM VIII,2; limpi­
dez, candura lCel 45, 78, 92; Lm III,6.
100 101
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

car, igualmente, nos Escritos, o número de ocorrência das pa­ V,4: Salário de trabalho
lavras que formam esta nova constelação: simplex, oito vezes; Em nova referência ao pagamento de trabalho, sublinha-se
simplicitas, quatro vezes; simpliciter, seis vezes130; humilis, a sobriedade: o que for necessário para si e seus Irmãos.
treze; humilitas, trinta e dois; humiliter, quinze131 ; liber, oito;
libere, dois132•
VI,2-3: Não ser proprietário
Focalizemos agora passagens próprias nos Escritos pro­
postos. O capítulo VI acentua com força o desprendimento: "Os
Irmãos não se apropriem de casa, nem de lugar, nem de coisa
alguma". E indica o modo de ser livre com mais radicalidade:
2.2.3.1 Regra Bulada "Como peregrinos e forasteiros neste mundo, sirvam ao Se­
nhor em pobreza e humildade".
11,5-6: Despojar-se e condividir
Francisco ensina e orienta:
Xll,2: Liberdade de escolha e missão
"Aos que quiserem assumir esta vida, digam-lhes os Mi­
nistros a palavra do santo Evangelho, que vão e vendam todos A liberdade serena de ação alcança até a escolha de missão
os seus bens e procurem distribuí-los aos pobres" (Mt 19,21). mais de ponta: partir para longe "para o meio dos sarracenos e
outros infiéis". Francisco orienta como agir, quais são passos:
1) por inspiração divina; 2) quem quiser; 3) com permissão
11,8: Dispor com liberdade dos Ministros Provinciais.
Francisco prossegue: "Cuidem os Innãos e seus Ministros para
não se preocupar com as coisas temporais deles, de modo que eles 2.2.3.2 Testamento
livremente façam de suas coisas o que o Senhor lhes inspira".
Em ambas as passagens, acentua-se o tom do despreendi­ No Testamento, pode-se alinhar as seguintes passagens
mento, do despojamento, com liberdade - ut libere faciant. próprias:
16: Despojamento, desprendimento
11,15-18; 111,13: A mesma simplicidade e sobriedade ori­ "Aqueles que vinham para assumir esta vida davam aos
enta Francisco no tocante a vestes, alimentos, meios de trans­ pobres tudo o que podiam ter. E estavam contentes com uma
porte, sempre com opção livre. só túnica, remendada por dentro e por fora".

130. Cf. Corpus des sources franciscaines V, 40. 17: Sobriedade, liberdade
131. Cf. Corpus des sourcesfranciscaines V, 26. "E mais não queríamos ter."
132. Cf. Corpus des sourcesfranciscaines V, 29.

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19: Simplicidade, humildade Na Carta aos Governantes dos Povos, recomenda-lhes o


que mais importa, o essencial:
. "Éramos iletrados e submissos a todos".
"Aconselho-vos firmemente, meus senhores, que deixeis
de lado todo o cuidado e preocupação" (6).
24: Desprendimento, pobreza
Cuidem os Irmãos para não receber de modo algum,
2.2.3.4 Orações
igrejas, pequenas habitações pobrezinhas e tudo o que
for construído para eles, se não estiver como convém à Na Oração diante do Crucifixo, depreende-se o despoja­
santa pobreza que prometemos na Regra, hospedan­
mento livre no pedido de iluminação das trevas do coração ( 1).
do-se nelas sempre como forasteiros e peregrinos.
Ao mesmo tempo, a essencialidade do propósito: sentir, co­
nhecer, cumprir o projeto do glorioso e altíssimo Deus (2).
25: Não querer privilégios
Francisco escreve e com firmeza orienta: 2.2.4 Esperança idealista
Mando firmemente por obediência a todos os Irmãos,
A quarta palavra-chave Esperança encerra no seu bojo
onde quer que estejam, que não ousem a pedir à Cúria
Romana qualquer tipo de carta, nem por si nem por tons de admiração, sonho, entusiasmo. Acompanha-a o qua­
pessoa intermediária, em favor de igreja nem em favor lificativo "idealista". Na constelação figuram: sonho, admi­
de outro lugar, sob pretexto de pregação. ração, encantamento, entusiasmo, paixão, cidadania ativa,
idealismo.
Francisco quer evitar sa'ivo-condutos papais, o que poderia
provocar ciúmes entre o clero e dificultar a pregação. Dos Escritos, colhemos as seguintes orientações:
Simplicidade, pobreza, essencialidade livre, esses sim são
títulos do frater minar. 2.2.4.1 Regra Bulada

Esperança de renovação
2.2.3.3 Cartas
VIII,5:
Na Carta a Frei Leão, Francisco como que dá espaço à li­ Se em algum tempo parecer à totalidade dos Ministros
berdade na busca do essencial. Escreve e orienta: "Qualquer Provinciais e Custódios que o mencionado Ministro
que seja o modo que te pareça melhor agradar ao Senhor Deus não dá conta do serviço e da comum utilidade dos
e seguir suas pegadas e sua pobreza, faze-o com a bênção do Irmãos, estejam obrigados os ditos Irmãos, aos quais
Senhor Deus e com minha obediência" (3). E ainda: "E se te compete a eleição, a eleger para si em nome do Senhor,
for necessária outra consolação para tua alma e se quiseres vir um outro como Custódio.
a mim, Frei Leão, vem" (4).

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

No Cântico do Irmão Sol, a admiração e o encantamento 111,11: Apelo ao equilíbrio


vêm por conta do v. 2: Francisco o faz mediante a tríade conhecida de verbos:
"Somente a ti, ó Altíssimo, eles convêm [o louvor, a glória "Aconselho, admoesto e exorto a meus Irmãos no Senhor Je­
e a homa e toda bênção], sus Cristo que, ao irem pelo mundo, não discutam, nem alter­
E homem algum é digno de mencionar-te." quem com palavras, nem julguem os outros".

2.2.5 Firmeza realista IV,2: Ordem firme sobre dinheiro

O quinto termo, extraído de pedagogos atuais a receber ilu­ "Ordeno firmemente - praecipio firmiter - a todos os
minação dos Escritos de Francisco, é Firmeza. Acresce-lhe o Irmãos que de modo algum recebam dinheiro ou moedas, nem
adjunto "realista", para qualificar uma firmeza de ação calcada por si nem por pessoa intermediária".
no concreto, no real. Compõem ainda a constelação as pala­
vras: fortaleza, coragem, vigor, perseverança, superação,
equilíbrio. VIII,2.5: Dever de participar e ser ativo

Prosseguimos segundo o método adotado, isto é, de buscar "Todos os Irmãos devem sempre comparecer às reuniões,
sua inspiração nos próprios textos de Francisco. onde quer que for estabelecido pelo Ministro Geral".
E se, em algum tempo, parecer à totalidade dos minis­
tros provinciais e custódias que o mencionado ministro
2.2.5.1 Regra Bulada não dá conta do serviço e da comum utilidade dos
Irmãos, estejam obrigados os ditos Irmãos a eleger para
Destacamos os seguintes passos em que Francisco escreve si um outro como Custódio.
e orienta:
11,12-13: Firmeza e perseverança no compromisso
IX,3: Determinação sobre ação
Terminado o ano de provação, sejam recebidos à obe­
diência, prometendo observar sempre esta vida e Re­ Absolutamente nenhum dos Irmãos ouse pregar ao
gra. E, segundo a prescrição do Senhor Papa, não lhes povo, se não tiver sido examinado e aprovado pelo Mi­
será permitido de modo algum sair desta Religião. nistro Geral desta fraternidade e se não lhe tiver sido
concedido pelo mesmo o oficio da pregação.
Francisco orienta sobre a observância de normas e hierar­
11,18: Admoestação de não julgar quia para o exercício da pregação, de alguma função e a res­
"Eu os admoesto e exorto a que não desprezem nem jul­ pectiva idoneidade da pessoa.
guem as pessoas que virem usar roupas macias e coloridas, e
usar comidas e bebidas finas".

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

X,4: Prescrição vigorosa 25: "Mando firmemente, por obediência a todos os


"Ordeno firmemente aos Irmãos -firmiter praecipio - que Irmãos, onde quer que estejam..." Praecipio firmiter. A pala­
obedeçam a seus Ministros em todas as coisas que prometeram vra firmiter ocorre vinte e três vezes nos Escritos; seis vezes
ao Senhor observar". no Testamento. No passo em questão, indica um espírito deci­
dido, vigoroso, de Francisco, em não pedir privilégios a autori­
dades. "Não ousem" - insiste.
X,8: Firmeza e equilíbrio nas atitudes
"Admoesto e exorto no Senhor Jesus Cristo a que os Irmãos 30-32: Cumprir ordem e compromisso assumido
se acautelem de toda soberba, vanglória, inveja, avareza, cuida­
do e solicitude deste mundo, detração e murmuração". Francisco escreve e orienta que, assumido um compromis­
so, seja ele cumprido com fiel perseverança: "Todos os Irmãos
Um autocontrole de superação parece que vai aí bem reco­ sejam obrigados a obedecer aos seus guardiães e a rezar o ofi­
mendado, para que a pessoa mesma se beneficie e apresente cio segundo a Regra".
comportamento humano conveniente.
Se houver algum infrator, "os Irmãos sejam obrigados por
obediência a levá-lo ao Custódio (Superior) mais próximo, o
X,12: Coragem e perseverança no bem qual, por sua vez, esteja firmemente obrigado por obediência a
guardá-lo fortemente como a um homem prisioneiro".
Francisco recorda o testemunho evangélico para aqueles
que procuram viver no bem, com firmeza e coragem perseve­ Note-se o vigor das palavras: "Todos os Irmãos estejam
rante: "Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor obrigados por obediência", "O Custódio esteja firmemente
da justiça, porque deles é o Reino dos céus" (Mt 5,44). obrigado por obediência a guardá-lo fortemente".

2.2.5.2 Regra não Bulada 35: Obrigação firme dos Ministros


Destaca-se um apelo de fortaleza e perseverança no amor O texto continua no mesmo teor forte. Agora, o foco passa
ao Deus e Senhor. aos Ministros, todos, que estarão "obrigados pela obediência a
nada acrescentar ou diminuir a estas palavras". Não se pode
XXIII,8: tergiversar e procurar rodeios face a um projeto de vida.
Amemos todos, de todo o coração, com toda a alma,
com todo o vigor e fortaleza, com todo o empenho, todo
o afeto ao Senhor nosso Deus; a Ele que nos deu e nos dá 38: Praecipio firmiter
a todos nós, todo o corpo, toda a alma e toda a vida.
Rematando, Francisco mais uma vez parece comprovar o
valor pedagógico da congruência e firmeza de ideal: "Ordeno
2.2.5.3 Testamento firmemente por obediência a todos os meus Irmãos que não in­
troduzam glosas na Regra hem nestas palavras". Compromis­
No Testamento, o tema de firmeza aponta em quatro pas­ so assumido tem que ser fielmente cumprido. É a determina­
sos prmc1pms: ção e firmeza que o Testamento inculca.
110 111
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

2.2.5.4 Cartas 2.2.5.5.2 Oração "Onipotente Deus"

2.2.5.4.1 Carta a um Ministro Francisco, mais tarde, decididamente retorna o estribilho


do vigor: "Dai-nos conhecer a vossa vontade, querer, fazer, se­
2-3: Esta seja a tua vontade. guir os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo" (50-51).
A mesma linha de pensamento parece derivar das orientações
ao Ministro que buscava discernimento. No entrechoque de op­ 2.2.6 Religiosidade transformadora
ção por urna vida na solidão do ermo ou na agitação do serviço,
na cidade, Francisco mostra-lhe a pista: "As dificuldades do teu A palavra-chave que entra agora em estudo é "Religiosida­
oficio, tudo deves ter corno graça. Aja por amor, por obediência a de", com o adjunto adnorninal "transformadora". Compõem a
Deus e para comigo". E conclui categoricamente: "Esta seja a tua constelação outras afins, colhidas sempre das páginas de peda­
vontade, queiras que seja desta maneira e não de outra". gogos consultados: transcendência, espiritualidade, sapiência,
ardor, mística.
2.2.5.4.2 Carta aos Governantes dos Povos Buscamos, então, conforme o projeto, a iluminação dos
Escritos de Francisco, na ótica de valores pedagógicos.
8: Haveis de dar conta
No exórdio da Carta, Francisco escreve: "Rogo-vos com 2.2.6.1 Regra Bulada
todo o respeito" (3). No desenvolvimento: "Aconselho-vos
firmemente" (6). Na conclusão, orienta já com advertência co­ V,2-3: O espírito de oração e devoção
rajosa: "Se não fizerdes isto, sabei que deveis-prestar contas no
dia do juízo diante de nosso Senhor Jesus Cristo" (8). A Regra Bulada acentua a espiritualidade e transcendência
no modo de trabalhar.
Vislumbra-se um estilo gradual de tratamento de acordo
com situações variantes, suaviter ac fortiter. Francisco escreve e orienta:
Os Irmãos, aos quais o Senhor deu a graça de trabalhar,
trabalhem fiel e devotadamente de modo que não ex­
2.2.5.5 Orações tingam o espírito da santa oração e devoção, ao qual
devem servir as demais coisas temporais. Laborent ji­
2.2.5.5.1 Oração diante do Crucifixo deliter et devote.
1: Dai-me cumprir Trata-se de um corno caminho da alma para Deus - itine­
Embora ainda no seu noviciado de conversão, Francisco rarium mentis in Deum, que confere mística à ação quotidiana
divisa e expõe firmeza de propósito: "Dai-me, ó Senhor, sensi­ mesmo simples.
bilidade e conhecimento, a fim de que eu cumpra o vosso santo
e veraz mandamento".
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

V,5: Como servos de Deus Pode-se entender que Francisco, aqui, escreve de coração.
O vocábulo servo, servus, ocorre sessenta e uma vezes nos Sublinha com ardor a necessidade, o valor educativo de uma
Escritos de Francisco 133 • Neste tópico, acena a um relaciona­ transcendência-a mística do coração, que transforma a reali­
mento superior, uma abertura de coração da pessoa a um Se­ dade em elevação da alma, uma quotidiana sursumactio.
nhor, a Deus, a fim de pautar seu comportamento com a devida
reverência: "Façam isso humildemente, como convém a ser­ 2.2.6.2 Regra não Bulada
vos de Deus".
Da Regra não Bulada, avulta o capítulo XXIII,9-11. Há
uma exuberância de espiritualidade, de sapiência, de ardor
X,10: Rezar sempre com coração puro místico.
Cor é outro termo muito presente nas Escritos, cinqüenta e Francisco escreve com inspiração. Analiso a pericope com
. . · atenção. Ocorrem:
cmco
• vezes 134. purus, dezesse1s vezes 135. 1nun
�"' dus, ad�etivo,
· � ·
como smommo de purus, nove vezes 136. As expressões puro 9:
carde, mundo carde são clássicas. Citamos apenas alguns
-4 verbos de sentimento: Nada mais desejemos, nada mais
exemplos: "Servir, amar, honrar e adorar o Senhor Deus de co­
queiramos, nada mais nos agrade ou deleite a não ser o nosso
ração puro (sincero) e mente pura" 137; Criador e Redentor e Salvador;
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão
- 18 atributos de Deus: único, verdadeiro, o bem pleno,
a Deus. Em verdade têm o coração puro os que, des­
prezando as coisas terrenas, buscam as celestes e todo o bem, o bem total, o verdadeiro e sumo bem, o unica­
nunca desistem de adorar e de procurar o Deus vivo e mente bom, piedoso, manso, suave e doce, o unicamente san­
verdadeiro com o coração e a mente puros 138 ; to, justo, verdadeiro, santo e reto, o unicamente benigno, ino­
cente, puro;
"[O Pai] quer que recebamos o Corpo de Cristo com o coração
puro -puro corde" 139•
10:
- 3 outros verbos que, em forma negativa, reforçam a
133. Cf. Corpus des sourcesfranciscaines, V, 40 e 209-210. união: nada portanto nos impeça, nada nos separe, nada se in­
134. Cf. Corpus des sourcesfranciscaines, V, 20 e 78-79. terponha entre nós;
135. Cf. Corpus des sourcesfranciscaines, V, 37 e 190.
136. Cf. Corpus des sourcesfranciscaines, V, 31 e 160.
11:
137. RnB 22,26.
138. Ad XVI, 1-2. - 6 adjuntos adverbiais: em qualquer parte, em todo lugar,
139. 2Fi 14.19. Cf. ainda: RB 10,10; Ord 22.42. a toda hora, em todo tempo, diária e continuamente;

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

- 12 novos verbos, no modo imperativo, 1ª pessoa do plu­ lou que eu devia viver segundo a forma do santo Evangelho" -
ral, convocando a uma enlevação ao altíssimo e sumo Deus secundum formam sancti Evangelii.
Trino e Uno: creiamos, tenhamos no coração e amemos, hon­
remos, adoremos, sirvamos, louvemos e bendigamos, glorifi­
quemos, superexaltemos, magnifiquemos e rendamos graças; 39: Inspiração na comunicação e redação
- 16 diferentes adjetivos qualificativos deste Deus Trino e "Como o Senhor me concedeu dizer e escrever de modo sim­
Uno, Criador e Salvador: sem início e sem fim, imutável, invi­ ples e claro a Regra e estas palavras, igualmente de modo simples
sível, inenarrável, inefável, incompreensível, insondável, ben­ e sem glosa, as entendais e com santa operação as observeis até o
dito, louvável, glorioso, superexaltado, sublime, excelso, sua­ fim" - cum sancta operatione observetis usque in finem.
ve, amável, deleitável e totalmente desejável.
Esta passagem da Regra não Bulada tem merecido apreço 40: A mística da proteção divina
por sua forma literária e seu âmago teológico. Permito-me
E todo aquele que estas coisas observar [a Regra e as
enaltecê-la, ainda, por seu valor educativo de religiosidade palavras do Testamento] seja repleto no céu da bênção
transcendente, de patentear o rosto de um Deus amabilis, de­ do altíssimo Pai, e na terra seja repleto de bênção do
lectabilis et tatus super omnia desiderabilis. seu dileto Filho em unidade com o Santíssimo Espírito
Paráclito.

2.2.6.3 Testamento A Religiosidade verdadeira faz ponte entre terra e céu, en­
trelaça e transforma.
O Testamento, embora de modo mais simples e direto, é
lúcido na dimensão de espiritualidade, transcendência e de en­ 2.2.6.4 Cartas
carnação na vida. Arrolo alguns versos exemplares:
12: Reverência ao sagrado 2.2.6.4.1 Carta a Frei Leão
Os santíssimos nomes e palavras dele [do Filho de Por causa da tua alma
Deus] escritos, se por acaso eu os encontrar em lugares
inconvenientes, quero recolhê-los e rogo que sejam re­ A palavra anima aparece 77 vezes nos Escritos de Fran­
colhidos e colocados em lugar honesto, decente. cisco, e ocupa o 51 º lugar no ranking do Corpus des sources
franciscaines de Lovaina 140 • São várias as acepções de anima
nos textos. Em Língua Portuguesa, a meu ver, poder-se-ia
14: A revelação do Senhor
"Depois que o Senhor me deu Irmãos, ninguém me mos­
trou o que eu deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me reve-
140. Cf. Corpus des sourcesfranciscaines, V, 16 e 55-56.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

traduzir por alma141, mente (espírito) 142, consciência143, cora­ sules, juízes e governantes do mundo inteiro, e a todos os ou­
ção144 e principalmente, vida145 . tros aos quais chegar a carta:
Na Carta a Frei Leão, Francisco se dispõe a acolhê-lo di­ 1. "Aconselho-vos firmemente, meus senhores, que rece­
retamente, em vista do bem espiritual e consolação do Irmão e bais benignamente o santíssimo Corpo e Sangue de
para "melhor agradares ao Senhor Deus e seguires suas pega­ Nosso Senhor Jesus Cristo" (6).
das" (3-4). 2. "Aconselho-vos que presteis tanta honra ao Senhor no
meio do povo a vós confiado que, todas as tardes, seja
anunciado por um pregoeiro ou por outro sinal, para
2.2.6.4.2 Carta a um Ministro que todo o povo renda louvores e graças ao Senhor
Deus onipotente" (7).
Conquistar para o Senhor
3. "Aqueles que gardarem consigo este escrito e o observa­
Francisco mais uma vez orienta no sentido de, com perseve­ rem saibam que são abençoados pelo Senhor Deus" (9).
rança, servir e amar a pessoa e estabelecer a ponte para o alto.
Escreve: "E se depois [o irmão] pecar mil vezes diante de teus
olhos, ama-o mais do que a mim para trazê-lo ao Senhor" (v. 11). 2.2.6.5 Orações

Nas orações, com naturalidade e maior brilho, surge o qua­


2.2.6.4.3 Carta aos Governantes dos Povos dro espiritual e místico.

Em três momentos procura Francisco comunicar espírito


religioso e um caminho de transcendência aos podestàs, côn- 2.2.6.5.1 Oração diante do Crucifixo

Já a própria invocação inicial: "Altíssimo, glorioso Deus,


141. PN 5: "Seja feita a vossa vontade... a fim de que vos amemos de todo o iluminai as trevas do meu coração" (1).
coraç�o, pensando sempre em vós, desejando-vos sempre com toda a
alma. E o ardoroso-desejo de se dedicar ao ideal sagrado: "a fim
142. Ad 16,2: "São verdadeiramente puros de coração os que desprezam as de que eu cumpra o vosso santo e veraz mandamento" (2).
coisas terrenas, buscam as celestes e nunca desistem de adorar e de procu­
rar o Deus vivo e verdadeiro com o coração e a mente puros."
143. RB 10,2: "Os Irmãos que são ministros e servos dos demais Irmãos vi­ 2.2.6.5.2 Oração "Onipotente Deus"
sitem e admoestem seus Irmãos e corrijam-nos com humildade e caridade,
não lhes ordenando nada que seja contra sua alma [consciência] e a nossa A prece toda é uma sinfonia de transcendência e encarnação.
Regra."
144. 2Fi 51: "Somos esposos, quando a alma [coração] fiel se une pelo Es­ Na invocação de exaltação: "Onipotente, eterno, justo e
pírito Santo a Jesus Cristo." misericordioso Deus..."{50).
145. Ad 3,1-3: "Diz o Senhor no Evangelho: ... Quem quiser salvar sua
vida, perdê-la-á (Lc 9,24). Abandona tudo o que possui e perde seu corpo E na comunhão de ação:
aquele que se oferece totalmente à obediência nas mãos de seu prelado."

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Dai-nos fazer o que sabemos que quereis e sempre querer 2.2. 7 Paz Universal
o que vos agrada, para que possamos seguir os passos de
vosso dileto Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, e, unica­ A última palavra-chave de estudo é Paz. O adjunto adequa­
mente por vossa graça, chegar a vós, ó Altíssimo (50-52). do: "universal". Formam a constelação os seguintes vocábulos
correlatos: compreensão mútua, reciprocidade, colabora­
2.2.6.5.3 Cântico do Irmão Sol ção/participar, atuação, atuar junto/convivência, viver junto,
cidadania ativa/respeito, pluralismo, diversidade, misericór­
O Cântico do Irmão Sol ou Louvores das Criaturas é como dia, perdão, universalidade.
uma nova escada de Jacó, subindo, descendo, entrelaçando Os Escritos são brilhantes na iluminação desta constela­
céu e terra. ção, sempre na ótica de valores pedagógicos.
É um concerto da criatura ao Criador sob a regência do maes-
tro Francisco:
2.2.7.1 Regro Bulada
"Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
teus são o louvor, a glória e a honra e toda benção" (1). 111,11-12: Sejam mansos, pacíficos
Vale assinalar, ainda que de passagem, os quatro movi- No tópico de "quando os Irmãos vão pelo mundo", Fran­
mentos de tal sinfonia: cisco escreve e orienta em estilo pessoal e com experiência de
mestre. Introduz o programa com os três verbos consagrados:
aconselho, admoesto, exorto.
1. "Senhor" - repete-se 1O vezes
(versos 1, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 14). E expõe:

2. "Altíssimo" - ocorre 4 vezes 1. o que não fazer quando vão pelo mundo: não discutam,
(versos 1, 2, 4, 11). nem alterquem com palavras, nem julguem os outros;
2. o que fazer, afirmativamente: sejam mansos, pacíficos e
3. "Louvado" - entra 8 vezes modestos, brandos e humildes;
(versos 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12) 3. sem distinção de pessoas: falando a todos honestamen­
e ainda "Louvor" (v. 1) e "Louvai" (v. 14). te, como convém.
4. O movimento final do Cântico do Irmão Sol, hino da re­ A paz é tema freqüente nos Escritos: 13 vezes, como ainda
ligiosidade, uma de suas obras-primas, Francisco o compõe in­ seguirá. Os hagiógrafos, por sua vez - refiro-os apenas de pas-
tegrando mais uma vez o valor educativo da contempla­ · ~ 146.
sagem -, expandem-se nas c1taçoes
ção-ação ou da mística encarnada no real:
"Louvai e bendizei ao meu Senhor, 146. Ver, p. ex.: Francisco, o-pacificador lCel 23, 36, 101; 2Cel 4, 52, 89;
e rendei-lhe graças e servi-o com grande humildade" (v. 14). LMProl. 1; III,2; XI,6,7; LTC 4,26. - Uma das missões da Ordem: anunci­
ar a paz lCel 24, 29; 2Cel 59; LM III,2,7. - Saudação e desejo: lCel 23, na
expressão emblemática Pax et Bonum: LTC 26.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

111,14: Paz a esta casa rar, rezar sempre a Deus com o coração puro... e amar a
Francisco ensina o voto de Jesus Mestre no evangelho: todos sem distinção.
"Ao entrarem em qualquer casa, digam antes: Paz a esta casa!"
(Mt 10,12; Lc 10,5). 2.2.7.2 Testamento

23: Saudação da paz


VII,3-4: Não se irritar
Francisco explicita claramente o compromisso com a paz,
Francisco orienta com perspicácia no sentido de não per­ ser mensageiro da paz:
der a serenidade, a paz: "Os Ministros acolham com misericór­
dia a quem os procura, e devem acautelar-se para não se irar ou "Como saudação, o Senhor me revelou que disséssemos:
se perturbar com a falha de alguém." O Senhor te dê a Paz!" 147

E dá uma grande razão para manter compreensão e a tran­


qüilidade interior: "Porque a ira e a perturbação impedem a ca­ 34: Viver junto, atuar junto
ridade em si e nos outros."
No epílogo do seu mandatum, do seu testamento, Francis­
co ratifica a recordação, a admonitio e a exhortatio de os
IX,4-5: Linguagem ponderada dos pregadores Irmãos viverem e atuarem juntos mediante o acolhimento e a
observância fiel da Regra, "para que observemos mais catoli­
Na admoestação aos pregadores, Francisco os exorta de camente a Regra que prometemos ao Senhor".
maneira fina como devem dirigir-se respeitQsamente aos ou­
vintes: "Seja a sua linguagem refletida e pura, de prudência e
circunspecção, para a utilidade e edificação do povo, porque o 2.2.7.3 Cartas
Senhor, sobre a terra, usou de palavra breve."
O tema da paz, de valor educativo ímpar, perpassa também
pela redação das Cartas.
X, 8.9-11: Cuidem de desejar o espírito do Senhor
Orientando sobre a serenidade e paz interior, recomenda
sabiamente: admoestar e exortar - moneo et exhortor:
1. que os Irmãos se acautelem de toda soberba, vanglória,
inveja, avareza, cuidado e solicitude deste mundo, de­
tração e murmuração; 14 7. Esser comenta a propósito do desejo-voto evangélico e da saudação
2. que, positivamente, cuidem de desejar e, acima de tudo, da paz. Pax huic domui seria um voto particular à família. Na saudação
Dominus det tibi pacem, a paz é comunicada a cada um/a, universali­
possuir o Espírito do Senhor e seu santo modo de ope- za-se a comunhão da paz. Cf. Esser, K. II Testamento di S. Francesco
d'Assisi, p. 151-152.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

2.2.7.3.1 Carta a Frei Leão 2. através dos operadores da paz:


Já no rosto da epístola, lê-se: "Frei Leão, teu irmão Frei "Bem-aventurados aqueles que as suportarem em paz
Francisco deseja-te saúde e paz" (1). porque por ti, Altíssimo, serão coroados" (11);
3. pela convivência harmoniosa com a natureza:
2.2.7.3.2 Carta a um Ministro "Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas" (3).
"Louvai e bendizei ao meu Senhor,
Francisco orienta o Ministro no sentido de encontrar a paz, e rendei-lhe graças e servi-o com grande humildade" (14).
mesmo numa convivência dificil e atuação diversa: "Considera
Diante da proposta deste capítulo, que é mostrar a força ar-
como graça aquelas coisas que te impedem de amar o Senhor
Deus, bem como aqueles que te opuserem obstáculo, Irmãos ou gumentativa dos Escritos de Francisco de Assis para uma nova
outros. E queiras que seja desta maneira e não de outra" (2-3). prática educativa, por uma nova pedagogia humanista, pode­
mos afirmar que existe a certeza que educar é reencantar a
Mostra, em seguida, que, agindo com amor e misericórdia, vida. É a arte de captar, unir, propor, encarnar e viver um con­
concedendo sempre o perdão, lhe refluirá a paz no coração. "E junto de valores para se chegar à inteireza do Ser.
nisto quero reconhecer se tu amas o Senhor e a mim, servo dele
e teu" (9). Os textos dos Escritos mostram a convicção, que Francis­
co de Assis tem, de estar conduzindo, de estar propondo um
caminho. Que caminho é este? De reencantar e recuperar a
2.2.7.3.3 Carta aos Governantes dos Povos dignidade e a nobreza do Projeto Humano. Para Francisco, o
Abre a missiva augurando diretamente a -paz: "A todos os ser humano está sempre em formação: "Comecemos, Irmãos,
podestàs e cônsules, aos juízes e governantes de toda a terra, a servir ao Senhor Deus, porque até agora apenas pouco ou em
Frei Francisco, vosso pequenino servo no Senhor, deseja saú­ nada progredimos!" 148
de e paz (1). Educar é desp_ertar e desenvolver, não abafar. Em cada li­
nha deste capítulo II, percebemos o dinamismo positivo do
2.2.7.4 Orações método pedagógico franciscano: propor valores, defini-los,
identificá-los e transformá-los num código de comportamen­
O Cântico do Irmão Sol encerra, em seus versos, valores to. A beleza do método pedagógico franciscano é que ele é to­
autênticos de paz: talmente voltado para a pessoa e direciona-a para Deus, para o
1. pelo perdão: Mundo, para a Fraternidade.

"Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam


pelo teu amor,
e suportam enfermidade e tribulação" (1O);
148. lCel 103,6: Incipiamus,fratres!
124 125
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

É uma Pedagogia Iniciática, isto é, leva a conhecer, fazer,


conviver e ser. Convoca o humano a existir para que ele se tor­
ne profundamente humano. Abençoa a grandeza do humano.
Nem sempre as Religiões e as Escolas cumprem este papel.
Uma Pedagogia Iniciática mostra um caminho, identifica para CAPÍTULO Ili
a pessoa a sua tendência e a lança ao encontro de tudo o que
puder ser como algo mais, como maravilhoso, como fraterno. PERFIL DE UM EDUCADOR FRANCISCANO
O iniciado passa por uma verdadeira transformação e jamais
vai descansar nesta busca.
A Pedagogia Iniciática, se nos faz um ser do Caminho, tam­
bém nos faz um ser do Encontro, isto é, consolida uma plena No capítulo I, numa radiografia da realidade, estudamos
atenção, uma forte presença, uma sensibilidade à flor da pele. desafios e perspectivas da Educação para o século XXI, pro­
Francisco de Assis nos mostra que ser Educador é ser o blemas e esperanças, sombras e luzes. Servimo-nos de obras
verdadeiro terapeuta, isto é, aquele que cuida do indivíduo e de pedagogos e pedagogistas na pós-modernidade.
cuida do comum, para que, em momento algum, eles se afas­
No capítulo II, percorremos textos dos Escritos de Francis­
tem dos caminhos do Amor. Com palavras de ordem, que tra­
co de Assis, buscando luzes suas, originais, para iluminar nova
zem confiança e vigor, afeto e espírito, comunhão, cordialida­
prática educativa.
de e método.
Neste capítulo III, baseados nas duas fontes precedentes,
Se Deus cria o mundo e os humanos, Francisco de Assis,
um pedagogo para os novos tempos, recria e reencanta! delineamos ora qual poderia ser o perfil de um/a Educador/a,
particularmente do/a Educador/a Franciscano/a, em vista de
uma nova pedagogia humanista.
Quais são as suas características, as notas marcantes? Qual
é a sua identidade?
Apresento os seguintes módulos:
1. A palavra de Pedagogos e Pedagogistas na pós-moder­
nidade.
2. A palavra de Alunos e Alunas.
3. A palavra de Francisco de Assis.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

3.1 A palavra de Pedagogos e Pedagogistas na 4. um trabalhador dos conhecimentos, um indivíduo que


pós-modernidade crê nas formas da educação para aprimorar a realização
das pessoas,a qualidade de vida,o desenvolvimento da
As facetas, que passo a enunciar neste momento, não sig­ sociedade,o encontro entre culturas em clima de convi­
nificam que estejam elas na moda. Graças, porém, às transfor­ vência e democracia.
mações da Escola, à revisão e reordenação dos projetos educa­ O Professor bem preparado aparece,pois, qual chave mes-
tivos e, por inclusão, à renovada importância do Professor tra de todas as inovações didático-pedagógicas.
Educador,exigem,sim,menção especial. Não se trata de fazer
A Educação - afirma o Prof. Nilson J. Machado - é,
um inventário exaustivo das competências dos Professores,
por natureza, o lugar da construção de uma arquitetura
mas delinear o seu perfil.
de valores, de um projeto que harmonize motivações e
Selecionei autores de diferentes proveniências e ideolo­ interesses individuais e coletivos. A Educação é o ca­
1 50•
gias, e sintetizo seus estudos. minho para a saída de todas as crises
Em sua Una nuova paideia, pergunta A. Nanni: Qual edu­ Dos vários artigos componentes de sua obra,destaco o que
cador? seria para ele hoje o tipo do Professor Educador:
Responde de imediato: "A figura do Professor, no projeto 1. uma pessoa de "ilusão",isto é,de ação,jogo de fato,que
educativo, aparece verdadeiramente como elemento central. tem projetos, sonhos151 ;
Só um novo perfil de Educador poderá assegurar inovação sé- 2. uma pessoa de convivência,com relacionamento aberto
.
na profunda"149. (família,comunidade,meios de comunicação),impres­
cindível para a formação do cidadão.
Refere-se, em seguida, ao cooperative learning e enumera
traços característicos da nova figura do Professor na escola de E. Morin repete sua expressão cidadania terrestre, a iden­
amanhã: tidade humana de cidadãos da Terra-Pátria.

1. um operador qualificado e competente, com identidade Menciona novas correntes do século XXI, ou as "contra­
profissional bem definida; correntes", de que-o Professor Educador seria protagonista, a
saber:
2. uma figura de rede, capaz de trabalhar em equipe e de
administrar relações (ausculta,respeito...) com todas as
pessoas (alunos,colegas,autoridades,família,interme­
150. Machado, N. Epistemologia e didática - as concepções de conheci­
diários culturais) e as interfaces do sistema escola; mento e inteligência e a prática docente, p. 306. Ver, principalmente, os ar­
3. um operador multimedial que sabe utilizar a globaliza­ tigos componentes "Educação, valores, ilusão", p. 70-76, e "Educação: cri­
ção das mensagens; se, avaliação, valores", p. 284-305.
151. A palavra "ilusão" deriva-se do Latim illusio, substantivo procedente
do verbo illudere, forma simples ludere, do nome ludus = jogo. Ilusão rela­
ciona-se com o lúdico, e a analogia entre vida e jogo toma natural a associa­
ção entre a vida e a ilusão. Ter ilusão, pois, é estar no jogo, estar desiludido
149. Nanni, A. Una nuova paideia, p. 176. é não ter mais vontade de jogar.

128 129
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

1. a contracorrente ecológica que, com o crescimento das busca de novas perspectivas"-, podem-se anotar as seguintes
degradações e o surgimento de catástrofes técnicas/in­ qualidades:
dustriais, só tende a aumentar;
1. forte relação pessoal com o aluno· como cerne do pro­
2. a contracorrente qualitativa que, em relação à invasão cesso pedagógico;
do quantitativo e da uniformização generalizada, se
2. dedicação à missão educativa e abertura ao diálogo para
apega à qualidade em todos os campos, a começar pela
ajudar a desenvolver o senso crítico do aluno;
qualidade de vida;
3. inteligência e habilidade em contribuir para a formação
3. a contracorrente de resistência à vida prosaica puramen­
da capacidade de discernimento e do sentido das res­
te utilitária, que se manifesta pela busca da vida poéti­
ponsabilidades individuais dos alunos, para que pos­
ca, dedicada ao amor, à admiração, à paixão, à festa;
sam prever mudanças e adaptar-se a elas, continuando
4. a contracorrente de resistência à primazia do consumo pa­ a aprender ao longo da vida;
dronizado, que se manifesta de duas maneiras opostas:
4. autoridade e competência para responder a questões e
uma, pela busca da intensidade vivida ("consumismo"); a
desafios que o aluno coloca sobre o mundo, e situá-los
outra, pela busca da frugalidade e da temperança;
num contexto e perspectiva, de modo que o aluno possa
5. a contracorrente, ainda tímida, de emancipação à tirania do estabelecer a ligação entre a sua solução e outras inter­
dinheiro, que se busca contrabalançar por relações huma­ rogações mais abrangentes;
nas e solidárias, fazendo retroceder o reino do lucro;
5. exemplo transparente por sua formação permanente,
6. ; contracorrente, também tímida, que, em reação ao de­ suas qualidades humanas e transparência de vida 154•
sencadeamento da violência, nutre éticas de pacifica­
Paulo Freire, ao longo de suas obras e no seu estilo bem o­
ção das almas e das mentes 152 •
riginal, assinala as exigências para um educador verdadeira­
mente Educador 155•
"A importância do papel do Professor enquanto agente de 1. corporificação das palavras pelo "exemp1o";
mudança, favorecendo a compreensão mística e a tolerância,
2. competência profissional e generosidade de comprome­
nunca foi tão patente como hoje, e será ainda mais decisivo no
timento por e pró-humanização;
século XXI"- escreve J. Delors153•
Quem pode vir a ser bom Professor? Como descobrir uma
pessoa dessas?
154.Delors, J. Educação: um tesouro a descobrir, p. 157-159.
Examinando o capítulo 7 do Relatório para a Unesco da 155. Os conceitos expressos, eu os selecionei e colecionei dos seus livros:
Comissão Internacional sobre Educação - "Os Professores em l. Conscientização: teoria e prática da libertação, p. 80-83.
2. Pedagogia do oprimido, p. 72-73, 79-93, 184.
3. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, p. 38,
65, 108, 159.
152. Morin, E. Os sete saberes necessários à educação dofuturo, p. 72-73. 4. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos, p. 111,
153. Delors, J. Educação: um tesouro a descobrir, p. 152-153. 117-125.

130 131
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

3. querer bem aos educandos com amor profundo, funda­ O firmeza na disciplina/ético e justo
mento do diálogo; O idealista/pessoa de sonho e esperança
4. fautor de urna educação crítica, revolucionária e proféti­ O animador/aberto ao diálogo
ca, portadora de esperança e alegria; O acolhedor/capacidade de trabalhar em equipe
5. apaixonado pelo sonho e utopia, a denúncia da realidade O competente na matéria/atualizado metodologica­
e o anúncio de um mundo melhor; mente
6. fé no ser humano e na criação de um mundo em que seja
menos dificil amar.
As respostas indicam os seguintes resultados:
Alunos adolescentes de Escola particular franciscana,
3.2 A palavra de Alunos e Alunas
cursofundamental, bairro fabril-comercial, de classe média e
Na busca do perfil do/a Educador/a, procedi a urna sonda­ média baixa 156 :
gem em Escolas particulares de direção e orientação francis­ 1. Professor amigo, que quer bem ao educando/relaciona­
cana em São Paulo, mas de nível escolar e socioeconôrnico mento humano.
diferente:
2. Firme na disciplina/ético.
-Alunos adolescentes do curso fundamental (5ª-8ª séries)
em escola de bairro fabril e comercial, de classe média e média Alunos adolescentes de Escola particular franciscana,
baixa. cursofundamental, bairro residencial de classe média alta 157:
-Adolescentes do curso fundamental (Y-8ª séries) em es­ 1. Professor acolhedor/capacidade de trabalhar em equipe.
cola de bairro residencial de classe média alta. 2. Competente na matéria/atualizado.
-Estudantes de curso médio, pré-universitários, proceden­ Estudantes de curso médio, pré-universitários, proceden­
tes de variados bairros da Capital e escolas públicas, jovens, e tes de variados bairros da Capital e escolas públicas,jovens, e
jovens adultos, em geral afrodescendentes e carentes. jovens adultos, etn geral afrodescendentes e carentes 158:
A pesquisa, realizada em agosto e setembro de 2002, ver­
sou sobre a seguinte indicação:
Indique, na sua opinião, por ordem de importância (13, 2ª),
2 (duas) qualidades necessárias a um Professor Educador/urna 156. Colégio Bom Jesus- Santo Antônio do Pari, São Paulo, SP, da Ordem
dos Frades Menores.
Professora Educadora:
157. Colégio Nossa Senhora Aparecida, São Paulo, SP, da Congregação
O amigo, que quer bem ao educando/relacionamento das Irmãs Franciscanas de Ingolstadt.
humano 158. Educafro - Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes,
São Paulo (Rio de Janeiro, Salvador - BA). Os núcleos 1, 2 e 3 são de São
O exemplo de testemunho pessoal/religioso de convic­ Paulo, Capital, sob a orientação de Frades Franciscanos e Voluntários Lei­
ção e respeito a outras crenças gos, Professores e Coordenadores.
132 133
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Núcleo 1 luz dos que crêem, a fim de que preparasse para o Senhor a via
1. Professor competente na matéria/atualizado. da luz e da paz [que conduz] aos corações dos fiéis" - corno
declara São Boaventura 160 •
2. Acolhedor/capacidade de trabalhar em equipe.
Embora "pai, mestre e guia" 16 1, "pai e rnestre" 162, com seu
Núcleo 2 cor nobile- como gostava de repetir Gemelli 163 - não compôs
1. Acolhedor/capacidade de trabalhar em equipe. Francisco nenhum tratado de formação, nenhuma ratio studio­
rum, nenhum programa de prática educativa. No entanto, nos
2. Competente na matéria/atualizado. seus Escritos descobrimos um tesouro escondido, genuínos
Núcleo 3 valores pedagógicos.
1. Competente na matéria/atualizado. Assim corno descreveu o "Frade Perfeito" (2EP 85), Fran­
2. Acolhedor/capacidade de trabalhar em equipe. cisco poderia agora dizer: Seria um bom Educador Francisca­
no o que reunisse em si, na sua vida, as seguintes qualidades:
É notável como, apesar da diferença entre os Estudantes
consultados na pesquisa, as respostas se aproximam sensivel­
mente em tom humanista. 3.3.1 Uma pessoa bem humana, de afeto, de
testemunho por seu exemplo de vida

3.3 A palavra de Francisco de Assis De Francisco se escreveu que era tão humano que parecia
divino, e tão divino que parecia humano. Desse senso humano,
Na Carta de Greccio, datada de 11 de agosto de 1246, os afetuoso, e espelho de vida, o próprio Francisco escreve e pode
Irmãos Leão, Rufino e Ângelo, outrora éornpanheiros do orientar o Educador:
bem-aventurado Francisco, escrevem ao novo Ministro-Geral,
Frei Crescêncio de Iesi: Onde estão e onde quer que se encontrarem os Irmãos,
mostrem-se mutuamente familiares entre si. E um ma­
Pareceu-nos bem a nós que, embora indignos, havía­ nifest€ ao outro a sua necessidade. (RB 6,8-9)
mos convivido mais prolongadamente com ele, comu­
nicar à Vossa Santidade, tendo a verdade como guia, Cada qual ame e nutra a seu irmão, como a mãe ama e
um pouco dos muitos feitos que vimos com os nossos nutre a seu filho. (RnB 9,11)
[próprios] olhos ou que pudemos saber por outros san­
159
tos irmãos, [...] do bem-aventurado Francisco.
Por longo tempo eu também convivi com ele, com a figura
e os escritos de Francisco, a quem "o Deus excelso olhou com 160. Cf. LM, Prólogo 1,2.
tão benigna condescendência que, tendo-o tomado verdadeiro 161. Zavalloni, R. (OFM). Pedagogia franciscana, p. 84s.
professor, guia e arauto da perfeição evangélica, deu-o como 162. Mercatalli, A. San Franc_esco, padre e maestro: orientamenti pedago­
gici di san Francesco, in Antonianum, 1982, v. 57, p. 230-258.
163. Gemelli, A. San Francesco d 'Assisi e sua gente poverella, p. 93. A ex­
159. Cf. LTC, Carta 1,3-5. pressão "coração franco e nobre", ele a toma de lCel 120.

134 135
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Quero que todos aprendam um oficio por causa do Os Irmãos acolham as pessoas benignamente. O Minis­
165
exemplo pessoal (Test 21). tro acolha-as benignamente (RnB 2,1-3) •
A letra mata, o espírito, porém, vivifica (2Cor 3,6). São Nenhum Irmão se afaste de tua presença sem a tua mi­
vivificados pelo espírito da divina escritura aqueles. sericórdia e perdão (Mn 9-11).
que, pela palavra e pelo exemplo, atribuem e restituem
ao altíssimo Senhor Deus os dons que recebem (Ad
VII,1.4) 164 • 3.3.3 Uma pessoa de coração solidário e fraterno

O Educador, hoje talvez mais do que nunca, precisará cul­


3.3.2 Uma pessoa que sabe acolher e ser presença tivar um coração solidário, disponível para seus Alunos. Com
animadora perspicácia, descobrir os seus problemas e ajudá-los na solu­
ção, estar ao lado de cada criança, adolescente ou jovem que
Animar, estar junto, é característica de ser humano no aco­ lhe estão confiados.
lhimento, de identificar-se com o Educando nas diferentes si­
Francisco escreve e atinge o Educador no seu Testamento,
tuações existenciais.
designando-se "servo, o menor dos irmãos" -frater paniulus,
O Educador, mestre no quotidiano, empenhar-se-á em der­ vester senius" (41).
rubar barreiras de timidez, de inibições no relacionamento,
E ainda: "A todos os cristãos, homens e mulheres, a todos
preconceitos, da sua própria parte e do educando. que habitam o mundo inteiro, me apresento como servo e súdi­
Possa o Aluno descobrir um letreiro luminoso, bem irradi­ to de todos, pronto a servir a todos com reverente submissão e
ante, no coração do seu Professor: "Entrada franca". Para nun­ dedicação" (2Fi 1-2) 166 •
ca perder a esperança, jamais desencantar-se, não capitular,
mas sentir-se sempre acolhido, acompanhado, querido. 3.3.4 Uma pessoa de sabedoria, competente na sua
Neste sentido, Francisco orienta o Educador: matéria e atualizada

O Professor, na sua função-missão privilegiada de Educa­


dor, precisa sempre responder à altura, cuidar da formação

165. LTC 35, 1-2: "Decorridos poucos dias, vieram procurá-los outros três
164. l Cel 2,4: "Francisco era muito rico, não avarento, mas pródigo; era homens de Assis, a saber, Sabatino, Mórico e João de Capella, suplicando
homem que agia muito humanamente, habilidoso e muito afável". LM ao bem-aventurado Francisco que os acolhesse como Irmãos. E ele os rece­
VIII,5, 1-2: "Condescendendo também com admirável ternura e compaixão beu humilde e benignamente."
para com os afligidos por doença corporal, quando via alguma penúria ou 166. LM V,8,3: Francisco chamava de "irmão" a todo homem. E o retrato
necessidade em alguém, com a doçura do piedoso coração a remetia a Cris­ que faz de um líder e orientador é o de uma pessoa que tenha no coração
to. Na verdade, tinha uma clemência congênita que a piedade de Cristo, co­ amizade sem distinção, e que se coloque à disposição de todos inteira e ge­
piosamente infusa nele, duplicava". nerosamente (cf. 2Cel 185,1-2).

136 137
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

permanente. O estudo deve abrir-lhe a inteligência, o coração, 3.3.6 Uma pessoa de idealismo, sonho e esperança
o afeto que ilumina e unge o saber.
Na sadia educação, o olhar do presente descortina-se a ho­
Francisco escreve com sabedoria: "Os Irmãos, aos quais o
rizontes novos. O sonho-sorriso de jovens anos deve acompa­
Senhor deu a graça de trabalhar, trabalhem fiel e devotamente"
nhar o Educador maduro.
-jideliter et devote (RB 5,2). Orienta os ministros, os respon­
sáveis, a admitirem para encargos relevantes apenas os que fo­ Francisco o expressa pedagogicamente nos Louvores a
rem reconhecidamente idôneos (RnB 16,3-4; RB 12,2-3). E Deus, na Bênção a Frei Leão e na R egra Bulada:
recomenda que estejam todos possuídos da "rainha santa sabe­ Vós sois a nossa esperança,
doria" e da "pura e santa simplicidade, que confundem o erro e Vós sois a nossa Vida (LD 6).
a falsidade" (cf. SV 1.9-1O). O Senhor te mostre a sua face,
o Senhor volte para ti o seu olhar
e te dê a paz (BnL 1-2) 168•
3.3.5 Uma pessoa de espírito comunitário, de cortesia
Aconselho, admoesto e exorto a meus Irmãos no Se­
No mundo de hoje, saber viver juntos, com espírito comu­ nhor Jesus Cristo que, quando vão pelo mundo, sejam
nitário, cria relacionamento mais humano. E a cortesia apro­ mansos, pacíficos e modestos, brandos e humildes (RB
funda a empatia. 3,11-12).

Francisco tem uma palavra de orientação:


Guardai em todo o vosso coração os mandamentos do 3.3. 7 Uma pessoa de misericórdia e vigor
Senhor e cumpri os seus conselhos com a mente perfei­
ta.Proclamai-o, pois ele é bom, e exaltai-o em vossas A alma do Educador modela-se pelos sentimentos clássi­
obras. O Senhor Deus se oferece a nós como a seus fi­ cos de ternura e vigor, agindo suaviter ac fortiter.
167
lhos (Ord 7-8.11) • Francisco, mestre, ensina:
Mostrem por obras o seu amor (Ad IX,4). Ondená misericórdia, não há rigidez, não há dureza de
coração (Ad 27).
Não haja no mundo Irmão que pecar, mesmo que tenha
errado gravemente, que, após ter visto teus olhos, nun-

168. Francisco exortava os seus formandos: "Grandes coisas prometemos,


167. / Fioretti 37: "Deves saber, irmão caríssimo, que a cortesia é uma das maiores [nos] foram prometidas. Observemos estas, suspiremos por aque­
propriedades de Deus, o qual dá seu sol e sua chuva aos justos e aos injustos las" (2Cel 191,9). E remata: "Eu fiz o que é meu [dever], cumpri a minha
por cortesia. A cortesia é a irmã da caridade, a qual extingue o ódio e con- missão; que Cristo vos ensine o que é o vosso, para cumprir a vossa mis­
serva o amor. são" (2Cel 214,9).
138 139
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

ca se afaste sem a tua misericórdia, caso buscar miseri­ ra esperança de uma sociedade justa e solidária; que se consa­
córdia (Mn 9). gra com amor alegre à construção de uma ecologia transfor­
Todos os Irmãos sejam obrigados a obedecer aos seus madora, de um novo céu e uma nova terra, um mundo transfor­
guardiães... Ordeno firmemente por obediência a todos mado, humano-divino.
os meus Irmãos que não introduzam glosas na Regra Quem melhor do que Francisco o ensina?
nem nestas palavras (Test 30 e 38).
Perseveremos todos na verdadeira fé... e amemos to­
dos, de todo o coração, com toda a alma, com todo o
3.3.8 Uma pessoa de paz pensamento, com todo o vigor e fortaleza, com todo o
entendimento, com todas as forças, com todo o empe­
A falta de paz avassala a humanidade. A paz se perde pela nho, com todo o afeto, com todas as entranhas, com to­
falta de ligação espiritual com o Bem, com o Divino. dos os desejos e vontades ao Senhor Deus da vida. Por­
tanto, nada mais desejemos, nada mais queiramos,
Francisco, porém, vive a tranquillitas ordinis, a concórdia, nada mais nos agrade ou deleite a não ser o nosso Cria­
a cordialidade; ensina a paz que se constrói na justiça e que se dor, Redentor e Salvador, único Deus verdadeiro, que é
irradia no perdão e no amor: o bem pleno, todo o bem, bem total, verdadeiro e sumo
Quando os Irmãos vão pelo mundo, não discutam, nem bem, o unicamente bom (RnB 8-9).
alterquem com palavras, mas sejam mansos, pacíficos
e modestos, brandos e humildes (RB 3,11-12).
Vós sois santo, Senhor Deus único, que fazeis maravi­
Como saudação, o Senhor me revelou que dissésse­ lhas.
mos: o Senhor te dê a paz! (Test 23) 169
Vós sois forte, vós sois grande, vós sois altíssimo, vós
sois o rei onipotente, vós, ó Pai santo, [sois] o rei do céu
3.3. 9 Uma pessoa de vida interior e da terra.
Vós sois Amor, Caridade (LD 1-2.4).
No seu âmago, o ser humano é religioso.
O Educador, na vida pessoal e profissional, há de reli­
gar-se espiritualmente ao Transcendente, a Deus. Há de ser Ó santíssimo Pai nosso: criador, redentor, consolador e
salvador nosso.
necessariamente uma pessoa de fé, fiel, que interioriza, que
reza, que silencia, que medita, que mergulha no divino e respi- Venha o vosso Reino: para que reineis em nós pela gra­
ça e nos façais chegar ao vosso reino, onde a visão de
vós é manifesta, a dileção a vós é perfeita, a comunhão
169. lCel 23: "Em toda pregação sua, antes de propor a palavra de Deus convosco é bem-aventurada e a fruição de vós é eterna
aos que estavam reunidos, invocava a paz, dizendo: 'O Senhor vos dê a (PN 1.4).
paz!'" Dizia também Francisco aos seus Irmãos: "Assim como proclamais
a paz com a boca, assim em maior medida a tenhais em vossos corações"
(LTC 58,4).

140 141
CAPÍTULO IV
PROJETOS DE AÇÃO

Percorridos os caminhos da reflexão sobre inspirações da


Pedagogia Franciscana, sobre características principais de um
Educador Franciscano, segue-se naturalmente a pergunta: Quais
são agora os caminhos da ação? Que projetos e orientações
existem, que programas concretos já se efetuam em prol da
educação das novas gerações? 11º
Em primeiro lugar, cabe um aceno a propostas a realizar na
esfera internacional. A seguir, em esfera nacional. Por fim,
programas serão vistos em execução na esfera franciscana pro­
priamente dita.

4.1 Esfera Internacional

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a


Ciência e a Cultura - Unesco, fundada em 1946, no contexto
da reconstrução da Europa destruída pela guerra, assumiu em
tese a tarefa de cooperar no sentido de manter a paz e desen­
volver a colaboração entre a ciência e a cultura. Em anos re­
centes, 1996-1997, publicou o Relatório da Comissão Interna­
cional sobre a Educação para o século XXI, intitulado "Educa-

170. Cf. Augenti, A.; Amatucci, L. Le organizzazioni internazionali e le


politiche educative, passim.

143
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

ção - um tesouro a descobrir", coordenado por Jacques De­ Sobre a Educação Cristã173. "É maravilhosa e certamente im­
lors171. O documento aponta as tensões reinantes hoje e pistas portante - expõe o documento -a vocação de quantos, colabo­
de superação. Entre as tensões, lembra o problema entre o glo­ rando com os pais no cumprimento de sua tarefa e fazendo as
bal e o local: as pessoas devem tomar-se gradualmente cidadãs vezes da comunidade humana, assumem o dever de educar nas
do mundo e, ao mesmo tempo, não perder as raízes locais; escolas" (5,b). Essa vocação - continua a GE -"exige especiais
lembra também a tensão entre o espiritual e o material, de cuja dotes de mente e coração, uma preparação de alta qualidade,
solução dependerá a sobrevivência da humanidade. O docu­ capacidade disposta e constante em termos de renovação e
mento frisa, depois, os quatro pilares da educação: aprender a adaptação" (5,b).
conhecer -aprender a fazer - aprender a viver juntos, a viver O Papa João Paulo II, por seu turno, no discurso proferido
com os outros - aprender a ser172 • aos 5 de outubro de 1995, por ocasião do 50º aniversário de
Entre iniciativas da Unesco na área educativa, vale salien­ fundação da ONU, ressalta que o mundo deve aprender a con­
tar o "Ano Internacional para a Cultura da Paz" (2000), e o viver com a diversidade: "A realidade da diferença e a peculia­
"Decênio Internacional para uma Cultura de Paz e Não-violên­ ridade do outro podem tornar-se não uma ameaça e sim, atra­
cia para as Crianças do Mundo" (2001-2009). Trata-se, pois, vés de respeitoso diálogo, a fonte de mais profunda compreen­
de um movimento universal pela promoção da paz, sempre tão são do mistério da existência humana"114.
sonhada e sempre tão ameaçada. E a Escola marcará presença,
porquanto forma uma rede de 6.000 associadas à Unesco, em
150 países do mundo. 4.2 No Brasil

As seis vias de paz traçadas pelo Programa da Unesco me­ A LDB -Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
recem ser aplaudidas e percorridas pelos Educadores Francis­ (Lei nº 939-4/96) menciona especificamente, nos Artigos 2º e
canos, isto é: assumir o respeito pela vida; praticar ativamente 3º, aspectos relativos à cidadania e à solidariedade:
a não-violência; condividir o tempo e os recursos para elimi­ Artigo 2º - A educação, dever da família e do Estado,
nar a injustiça; defender e promover a liberdade de expressão e inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de so­
as diversidades culturais; promover o respeito pela natureza; lidariedade humana, tem por finalidade o pleno desen­
contribuir para o desenvolvimento da própria comunidade. volvimento do educando, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Documentos da Igreja em âmbito universal marcam pon­
tos essenciais de uma pedagogia humanista. Basta recordar, do
Concílio Vaticano II, a Declaração Gravissimum Educationis,
173. Cf. Tutti i Documenti dei Concilio, p. 496-512. Cf. Compêndio do Va­
ticano II, p. 579-596.
174. "It is a way ofgiving expression to the transcendent dimension ofhu­
171. Delors, J. Educação - um tesouro a descobrir, p. 9-10. Veja-se a man life. The heart of every Gtdture is its approach to the greatest of all
"Apresentação da Edição Brasileira" por Paulo Renato Souza, Ministro de mysteries: the mystery of God" (cf. Enchiridion Vaticanum 14, "It is a ho­
Estado da Educação e do Desporto, Unesco Brasil, Brasília-DF. nour for me", 50th Anniversary of the founding of United Nations, p.
172. Delors, J. Educação: um tesouro a descobrir, p. 89-102. 3247-3248).

144 145
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

O Artigo 3 º expõe que o ensino será ministrado com base ciências, etc.), dois são essenciais no tocante à cidadania e à
em vários princípios: solidariedade.
I. igualdade de condições para o acesso e permanência O primeiro Tema Transversal é Ética, que apresenta os se-
na escola; guintes objetivos:
II. liberdade de aprender, ensinar e divulgar a cultura, o • Reconhecer a presença dos princípios que fundamen­
pensamento, a arte e o saber; tam normas e leis no contexto social.
III. pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; • Refletir criticamente sobre as normas morais, buscan­
IV. respeito à liberdade e apreço à tolerância; do sua legitimidade na realização do bem comum.
V. coexistência de instituições públicas e privadas de • Compreender a vida escolar como participação no es­
ensino; paço público, utilizando os conhecimentos adquiridos
na construção de uma sociedade justa e democrática.
VI. gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais; • Assumir posições segundo seu próprio juízo de valor,
considerando diferentes pontos de vista e aspectos de
VII. valorização do profissional da educação escolar; cada situação.
VIII. gestão democrática do ensino público, na forma • Construir uma imagem positiva de si, de respeito pró­
desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; prio e reconhecimento de sua capacidade de escolher e
IX. garantia de padrão de qualidade; de realizar seu projeto de vida.
X. valorização da experiência extra-escolar; • Compreender o conceito de justiça baseado na eqüi­
dade, e empenhar-se em ações solidárias e sem discri­
XI. vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as
minações.
práticas sociais.
• Valorizar e empregar o diálogo como forma de escla­
Apesar de a presença do tema cidadania e solidariedade es­ 175
recer conflitos e tomar decisões coletivas •
tar claramente explicitada no texto legal, são os Parâmetros
Curriculares Nacionais, textos subsidiários para o trabalho es­ Além desses objetivos, são apresentados quatro blocos de
colar, que vão garantir sua entrada nas atividades didáticas conteúdos que deverão ser incorporados nas atividades didáti­
propriamente ditas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais cas dos professores: Respeito Mútuo - Justiça - Solidariedade
apresentam um conjunto de seis temas, cujo compromisso -Diálogo.
maior é com a construção da cidadania e tem como eixo norte­ O segundo Tema Transversal é Pluralidade Cultural, que
ador a ética. São chamados Temas Transversais. Sua inclusão
apresenta os seguintes objetivos:
no currículo, assim como o tratamento didático adequado ao
grupo de alunos, depende dos conhecimentos, habilidades e
iniciativas dos pedagogos e professores das escolas. Dentre os
temas que devem ser trabalhados e integrados às disciplinas 175. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação
Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF,
convencionais do currículo (língua portuguesa, matemática, 1998. p. 91.

146 147
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

• Conhecer a diversidade do patrimônio tecnocultural cas dos professores: Pluralidade Cultural e a vida dos adoles­
brasileiro, cultivando atitude de respeito para com as centes no Brasil - Pluralidade Cultural na formação do Brasil
pessoas e grupos que a compõem, reconhecendo a di­ -O ser humano como agente social e produtor cultural -Direi­
versidade cultural como um direito dos povos e dos in­ tos humanos, direitos.de cidadania e pluralidade.
divíduos e elemento de fortalecimento da democracia.
• Compreender a memória como construção conjunta,
elaborada como tarefa de cada um e de todos, que con­ 4.3 Esfera Franciscana
tribui para a percepção do campo de possibilidades in­
dividuais, coletivas, comunitárias e nacionais. 4.3. 1 Universidad San Buenaventura

• Valorizar as diversas culturas presentes na consituição Na esfera franciscana propriamente dita, referimos uma pri­
do Brasil como nação, reconhecendo sua contribuição meira pista de ação pedagógica que apresenta o "Proyecto Edu­
no processo de constituição da identidade brasileira. cativo" da Universidad San Buenaventura, da Colômbia. Nos
• Reconhecer as qualidades da própria cultura, valoran­ seus quatro câmpus, Bogotá, Medellín, Cartagena e Cali, desen­
do-as criticamente, enriquecendo a vivência da cidadania. volve programa coerente, de instituição inspirada por valores
• Desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade pedagógicos bonaventurianos, vale dizer, franciscanos 177 •
para com aqueles que sofrem discriminação.
O Proyecto assim se define:
• Repudiar toda discriminação baseada em diferenças El Proyecto Educativo Bonaventuriano es el instru­
de raça/etnia, classe social, crença religiosa, sexo e ou­ mento que disefia la Universidad San Buenaventura
tras características individuais ou sociais. como estrategia para que toda su comunidad universi­
• Exigir respeito para si e para o outro, denunciando taria se identifique con sus princípios y con ellos cons­
qualquer atitude de discriminação que sofra, ou qual­ truya y desarolle acciones que hagan factible el espiritu
quer violação dos direitos de criança e cidadão. de vida y formación bonaventuriano a través de sus tres
• Valorizar o convívio pacífico e criativo dos diferentes dimensiones: como Universidad, como Universidad
componentes da diversidade cultural. Católica, como Universidad Franciscana.

• Compreender a desigualdade social como um problema Falando de seus elementos gerais, expõe o Proyecto:
de todos e como uma realidade passível de mudanças. Los lineamentos generales se orientan al objetivo de
• Analisar com discernimento as atitudes e situações crear una cultura universitaria alternativa, en donde
fomentadoras de todo tipo de discriminação e injustiça con claros conceptos de calidad personal, se potenciali­
social 176• cen las capacidades de cada uno de los miembros de la
comunidad universitaria y se promuevan, desde la
Além desses objetivos, são apresentados quatro blocos de perspectiva del Franciscanismo, los valores fundamen-
conteúdos que deverão ser incorporados nas atividades didáti-

176.Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998, p. 143). 177. Cf. Proyecto educativo, p. 18.

148 149
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

· tales del respeto, la tolerancia, la corresponsabilidad, la nas Escolas da Família Franciscana do Brasil (FFB), Regio­
178
solidariedad, el amor per la vida y el saber • nal Sul 1, Estado de São Paulo. No momento, sob a coordena­
Sublinho expressões do texto: da perspectiva franciscana, ção do Colégio Pio XII e do Colégio Bom Jesus Santo Antônio
promover valores fundamentais de respeito, solidariedade, o . do Pari, agrupam-se 19 Escolas de diferentes bairros da Capi­
amor pela vida e o saber. tal paulista, com cursos desde a Educação Infantil até Univer­
sitária e de Terceira Idade ou Melhor Idade.
Na se�ão d�� "Processos Operativos", destaca a "Pedago­
. O "Projeto Educativo m81 , que se tem como uma "obra
gia Franciscana , com a tarefa de estabelecer o diálogo entre fé
e cultura, entre humanismo, ciência e tecnologia, onde as ciên­ aberta, para ser re-vista, re-pensadà, re-dimensionada no
_ dia-a-dia, aos sinais dos tempos", aplica-se nos vários níveis:
cias humanas respondam, a partir das diferentes disciplinas do
saber, às interrogações que a sociedade e o homem de hoje se do Professor, do Aluno, da Comunidade Educativa.
colocam. Como eixos da Pedagogia Franciscana, o Proyecto A formação do Professor começa no ato de sua contrata­
realça a pessoa concreta na sua singularidade, na sua forma­ ção. Os novos docentes recebem um exemplar do projeto edu­
ção e interação humana. Prestigia o quotidiano, no resgate de
cativo da escola, inspirado no carisma de São Francisco, e que
seu sentido e no cultivo da esperança. Salienta a relação dialó­
passa a ser seu livro de texto número um. Antes do início das
gica fraterna, com a conotação significativa de propiciar o res­
aulas regulamentares, em local próprio (centro de formação,
peito, a participação, o reconhecimento e a aceitação, em sín­
casa de encontro, seminário), participam de uma semana de
tese: a pedagogia dafraternidade179 •
planejamento e treinamento denominada Interfran - Interação
No item "concepto de calidad", valoriza o Professor subs­ Franciscana. Consta de temas didático-pedagógicos e de estu­
tancial no processo educativo; o Estudante, sujeito ativo na dos e reflexões sobre aspectos da vida e espiritualidade de
miss�o ?ªinstituiç�o, no seu modo de vida, na sua formação Francisco; de convivência em jogos, recreações, diálogos, re­
academ1ca, profiss10nal e humana (p. 93); os Funcionários, de
feições e celebrações litúrgicas. Durante o ano, semanalmente,
gestões acadêmica e administrativa; as Famílias, os Amigos e
Benfeitores, "todos empenh�dos em participar dignamente na em alguns colégios, realizam-se reuniões pedagógicas, gerais
construção de níveis de excelência, de educação integral e de ou por grupos especiais ou interdisciplinares, onde são incluí­
uma sociedade justa e solidária" 18º. dos temas de Franciscanismo. Em ocasiões próprias, da Esco­
la, das Famílias, civis ou religiosas, programa-se comemora­
ção de integração festiva e culto celebrativo.
4.3.2 Escolas Franciscanas de São Paulo
Na formação permanente, duas vezes ao ano, oferece-se
Outra experiência de esmero, na formação inicial e perma­ oportunidade de Retiro de três dias, grupo de 36 pessoas, em
nente de Professores ao espírito franciscano, desenvolve-se local apropriado, com temário franciscano. Após o segundo
Retiro, introduziu-se um curso mensal, em manhãs de forma-
178.Cf. Proyecto educativo, p. 25.
179. Cf. Proyecto educativo, p. 111-113
180. Cf. Proyecto educativo, p. 117, 124, 129. 181. Projeto educativo, p. 2.
150 151
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

ção, aos sábados, para voluntários, com texto base da Legenda 4.3.3 Projetos Sociais do Colégio Bom Jesus e da FAE
dos Três Companheiros.
No que toca aos projetos sociais, o Colégio Bom Jesus
Vale observar· que tais iniciativas e programas são bem (com sua rede de Colégios orientados, administrados, conve­
acolhidos e apreciados. Os resultados aparecem no quotidiano niados e adotados) e a Faculdade Católica de Administração e
da vida escolar. Economia (FAE-Business School), ora credenciada a Centro
Para os Estudantes, as modulações se apresentam de Universitário, dos Franciscanos, com sede em Curitiba-PR, e a
acordo com a faixa etária e o nível de curso. Desde a abertura
. .
Universidade São Francisco (nos seus câmpus de Bragança
do ano escolar ou acadêmico, os Alunos do curso médio ou Paulista, Itatiba, São Paulo e Campinas) oferecem ideal e pro­
do diretório acadêmico, mais os Frades, os Irmãos; Orienta­ gramas de fortes cores humano-franciscanas. Apresenta­
dores e Professores, aplicam dinâmicas e estratégias para mo-los para conhecimento oportuno e incentivo mútuo.
propiciar um ambiente de acolhimento no Colégio e na Uni­ O documento Bom Jesus Social expõe:
versidade. No tocante à formação, há empenho de permear o
Por meio do NAC- Núcleo de Ação Comunitária- são
paradigma do Ensino Religioso integrado e com motivação desenvolvidos diversos programas de ação comunitá­
franciscana. Para o grau infantil e fundamental, assumem pa­ ria e de extensão que buscam construir as bases para o
pel relevante o teatro, música e dança, passeios, excursões, exercício de uma cidadania consciente e participativa.
para contacto com a natureza, e camping, com eventual uso Seguindo a inspiração franciscana para a arte de edu­
do sadio-método scout. No 3 º ano do curso médio, já figurou car, os agentes comunitários, professores, funcionários
no programa a disciplina e alunos trabalham diariamente para transmitir valores
e partilhar experiências capazes de promover a trans­
"Cosmovisão Franciscana". No 2º ano do curso superior, formação das pessoas e do mundo. Desse modo, o Bom
para todas as Faculdades, leciona-se a matéria "Estudo do Ho­ Jesus Social trabalha com aproximadamente 30 proje­
mem Contemporâneo" ou "Ciências Religiosas", com capítu­ tos de ação social-comunitária, divididos em 7 princi­
los especiais de Franciscanis�o. Em geral, principalmente pais eixos temáticos, assim denominados: Pastoral
pela competente atuação do Professor, são de agrado dos Estu­ Escolar, Projetos Socioeducativos, Ação Comunitária,
dantes, superando certa reserva inicial ou preconceito. Cele­ Projetos de Extensão, Projetos Especiais e, Voluntaria­
brações, culto da Palavra e Eucaristia, são oferecidas ao longo do e Parcerias e Convênios. 182
da semana, com participação livre, no horário antes das aulas. A ação pastoral da Associação Bom Jesus compreende
Nas solenidades litúrgicas ou da Escola, realizam-se junto à dois diferentes horizontes de atuação: a pastoral escolar e a
comunidade paroquial. Cumpre enfatizar ainda, em relação pastoral universitária.
aos alunos e alunas das Escolas Franciscanas, a realização de Explicita o documento:
dias de formação em locais próprios, retiros, e a dinâmica
ocorrência dos Jogos Franciscanos, instrumento apreciado de
interações, sadias competições e fomento de amizade.
182. Bom Jesus Social, p. 2.

152 153
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

4.3.3.1 Pastoral Escolar 4.3.3.2 Projetos Socioeducativos


No Colégio Bom Jesus, a Pastoral Escolar concentra es­ Os Projetos Socioeducativos são desenvolvidos em parce­
forços no intuito de "animar" e "zelar" pelo cultivo da fé e dos ria com o Centro de Estudos e Pesquisa do Bom Jesus-CEP,
valores cristãos e franciscanos dentro de cada uma de suas uni­ com os gestores das unidades, assessores e professores. Têm
dades, através de várias atividades. Semanalmente, mais de por objetivo desenvolver a consciência crítica, ética, política e
1800 crianças e jovens recebem a formação cristã e humana a sensibilidade solidária dos alunos da Educação Infantil ao
por meio dos chamados "Encontros de Catequese". Um dos Ensino Médio, por meio da ação pedagógica, envolvendo to­
projetos que vem sendo desenvolvido pela Pastoral intitula-se das as áreas do conhecimento. Essas iniciativas estimulam a
"Tributo a Francisco". Trata-se de um dia dedicado ao estudo e responsabilidade social do jovem, uma vez que, através de lei­
formação sobre a vida de Francisco de Assis para os Educado­ turas da realidade social, os projetos socioeducativos articu­
res Bom Jesus. O evento tem como objetivo fazer com que os lam o saber científico com a prática da extensão comunitária.
participantes conheçam e reflitam sobre a trajetória de vida de Apóia, além do mais, entidades sociais, assistenciais e filan­
Francisco de Assis como um caminho para a educação. Na trópicas. Os projetos desdobram-se nas seguintes linhas:
área do Ensino Religioso, os professores ligados ao estudo e à • Ser Solidário. Consiste no desenvolvimento de estudos e
pesquisa da educação religiosa desenvolveram a coleção inti­ reflexões, enquanto ação pedagógica, sobre a proble­
tulada "Redescobrindo o Universo Religioso", que consiste mática da fome no país e no mundo. A ação solidária do
numa série de livros didáticos de formação religiosa voltada projeto culmina com a arrecadação de alimentos não
para os alunos desde a pré-escola até a 8ª série do ensino ftm­ perecíveis, material de higiene e limpeza.
damenteal. A Pastoral Escolar desenvolve, por fim, diversas
• Inverno Solidário. Os estudos sobre exclusão e solidarie­
ações evangelizadoreas diretamente voltadas 'para Pais e Alu­
dade, em todas as áreas do conhecimento, são o ponto
nos. Procura resgatar os valores cristãos, preparando crianças
principal desse projeto, que tem como ação solidária a
e adolescentes para os sacramentos da primeira eucaristia e
arrecadação e a doação de agasalhos, roupas em geral,
crisma. Dentre outras atividades, mantém um grupo de convi­
cobertoreS-e calçados, destinados às entidades assisten­
vência entre alunos, denominado de "Encontro de Jovens
ciais da Cidade de Curitiba e região, durante o rigor do
Amigos de São Francisco-EJASF".
mvemo.
A Pastoral Universitária, que congrega professores e ftm­ • Semana Franciscana. Anualmente, no fim do mês de se­
cionários cristãos, tem por objetivo geral anunciar o Evange­ tembro e início de outubro, as unidades do Colégio
lho à comunidade universitária. Seu objetivo específico é o de Bom Jesus se movimentam em tomo das comemora­
promover a formação do ser humano e a construção de sua ci­ ções da Semana Franciscana. O Projeto "Semana Fran­
dadania de acordo com os princípios franciscanos. A Pastoral ciscana" tem por objetivo proporcionar aos alunos es­
Universitária promove a evangelização através de eventos, tudos reflexivos sobre os valores da espiritualidade
campanhas de solidariedade, encontros, retiros e reuniões sis­ franciscana, de modo que estes assimilem e coloquem
temáticas. em prática, a serviço próprio e da comunidade, alguns

154 155
Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

princípios de São Francisco como: sentimento de parti­ • Educação Ambiental. Também denominado de "Somos
lha, solidariedade, fraternidade e o cuidado com a eco­ Todos Responsáveis", trata-se de um projeto socioedu­
logia. Várias atividades acontecem então durante o pe­ cativo, que tem como objetivo geral proporcionar aos
ríodo: produção de material e divulgação sobre a vida alunos do Bom Jesus/FAE a reflexão acerca das condi­
de São Francisco (literário e artístico), campanha de re­ ções atuais do ambiente, buscando novas orientações
ciclagem de lixo, apresentações artísticas como balé, que auxiliem a estabelecer uma relação de fraternidade
teatro e música, bênção dos animais, celebrações e en­ e sustentabilidade com a natureza. No decorrer do pro­
contros litúrgicos e encontros reflexivos sobre temas jeto, os jovens são despertados para a consciência am­
franciscanos. biental e a cultura do reaproveitamento e reciclagem de
• Projeto Valores. O "Projeto Valores" é uma iniciativa do garrafas PET (polietileno tereftalato), que é um mate­
Colégio Bom Jesus em parceria com o jornal Gazeta do rial utilizado como embalagem. para refrigerantes e
Povo, do Paraná, que tem por objetivo resgatar e desen­ água mineral. Os alunos e professores são também le­
volver a pesquisa, o estudo e a prática de valores funda­ vados a articular e viabilizar trabalhos e pesquisas de
mentais para a convivência humana na sociedade. Este inovação, estimulando o interesse pelo tema da recicla­
projeto conta com a participação de jornalistas, profes­ gem, educação e preservação do meio ambiente. O pro­
sores, pais e alunos do ensino fundamental do Colégio jeto "Educação Ambiental" é realizado em parceria
Bom Jesus, da Aldeia Franciscana. Os trabalhos "Valo­ com empresas do Paraná. As garrafas recolhidas pelas
res" se referem aos temas da solidariedade ' tolerância ' unidades são destinadas à Escola Ecológica Bom Jesus
honestidade, justiça, humildade, responsabilidade, res- da Aldeia, subsidiando outro projeto, o "Trabalho
peito e amizade. Construindo Dignidade", uma empresa formada por
portadores de necessidades especiais 183 •
Através de várias atividades (mutirões, limpeza de monu­
mentos públicos, acampamentos, entre outras), os participan­
tes são levados à reflexão dos valores fundamentais do ho­ 4.3.3.3 Projetos de Ação Comunitária
mem. O resultado deste estudo e é apresentado à comunidade
na forma de edições impressas de oito fascículos que com­ Os projetos de ação comunitária têm como objetivo princi­
põem uma coleção denominada "Valores Fundamentais do pal educar jovens e adultos de baixa renda em parceria com enti­
Homem", encartada no referido jornal, de ampla circulação. dades governamentais e não-governamentais. São, entre outros:
• Bom Natal. O Projeto "Bom Jesus, Bom Natal" marca o • Proalfa - Projeto Voluntário de Alfabetização de Jovens
fechamento dos estudos em tomo do tema da solidarie­ e Adultos. O público beneficiado é constituído por pes­
dade. Os alunos são motivados a participar da arrecada­ soas de baixíssima renda, coletores de materiais reci-
ção de brinquedos e a tomar parte dos festejos de Natal
que reúnem moradores de quatro comunidades caren­
tes da Cidade de Curitiba. O projeto também mobiliza o
trabalho voluntário de professores e funcionários. 183. Cf. Bom Jesus Social, p. 5-9.
157
156
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

cláveis; as turmas compõem-se de pessoas de todas as les que não têm acesso a estas oportunidades, seja por
idades. carência financeira, seja pelo grau de enfermidade.
• Projem - Projeto do Ensino Médio. Este projeto benefi­ • Aldeia Kuruguá. O Projeto Aldeia Kuruguá é desenvol­
cia, com bolsa integral, o estudo em nível de ensino vido pelos alunos da FAE Business School em conjun­
médio dos filhos de funcionários de baixa renda da Pre­ to com toda a comunidade acadêmica da F AE e do Co­
feitura, desde que os pais se comprometam com o pro­ légio Bom Jesus, incluindo professores, funcionários e
cesso de educação de seus filhos. entidades parceiras da comunidade. Consiste no apoio
• Bolsista FAE. O projeto beneficia alunos de baixa renda ' à comunidade indígena da Aldeia Kuruguá, localizada
proporcionando-lhes o acesso ao ensino superior, a for- numa área de proteção ambiental do Município de Pira­
mação acadêmica e profissional, o desenvolvimento da quara, PR. O objetivo principal do projeto é o de acom­
solidariedade e a promoção da cidadania. O projeto panhar a vida dos índios, envidando esforços para a so­
promove, desse modo, a formação de futuros profissio­ lução dos diversos problemas sociais enfrentados pela
nais e líderes com consciência e responsabilidade so­ aldeia, tais como: a preservação da cultura guarani, as
cial, além de contribuir para a mudança do quadro de dificuldades sanitárias do ambiente, a hostilidade de
acesso do jovem ao ensino superior no Brasil. grupos políticos locais, problemas de saúde da popula­
ção, entre outros. Os indígenas participam dos eventos
culturais do calendário escolar do Bom Jesus, apoiando
4.3.3.4 Projetos de Extensão Comunitária a formação dos alunos.
• Lideranças Comunitárias. Professores e alunos da FAE
O objetivo geral destes projetos é o de produzir e socializar
têm a oportunidade de pesquisar e difundir para a so­
conhecimentos, combinando qualidade acadêmica com o má­
ciedade os conhecimentos que vêm produzindo para
ximo de compromisso social, permitindo aos alunos de admi­
contribuir com a autonomia e a gestão da comunidades.
nistração, ciências contábeis e economia, em nível de gradua­
Projeto em parceria com a Prefeitura da Cidade de Cu­
ção e pós-graduação, transformar, com sabedoria, a aprendiza­
ritiba e a Eederação das Associações de Moradores da
gem teórica em resultados de alcance social.
Cidade e Região.
• Cultura Solidária. Desenvolvido pelos alunos da FAE
Business School e pelos alunos do ensino médio do Co­
légio Bom Jesus, o objetivo do projeto é desenvolver nos 4.3.3.5 Projetos Especiais
adolescentes e jovens, diferentes expressões do agir pes­
São projetos de cunho especial porque se constituem em
soal em função da ação social através da arte e da cultu­
iniciativas preferenciais de amplo alcance social, desenvolvi­
ra. Isso se realiza por meio de peças teatrais dos grupos
dos e cultivados no Bom Jesus.
estudantis, que são apresentadas em instituições assis­
tenciais, levando, assim, com a ajuda dos espetáculos, • Escola Especial Bom Jesus. A Escola Especial faz parte
mensagens educacionais, motivacionais e culturais àque- do complexo Bom Jesus da Aldeia, Município de Cam­
po Largo, PR, oferecendo atendimento educacional
158 159
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

para crianças e jovens com necessidades especiais. O habilidades que hoje são vitais na integração com o
programa da Escola é estruturado através de pequenos mundo como a comunicação, a criatividade, a capaci­
grupos de alunos, distribuídos segundo a a faixa etária dade de alocar recursos e de trabalhar em equipe. Poder
ou de acordo com a programação didático-pedagógica. contribuir para com a sociedade resulta em realização
Todo o planejamento curricular é individualizado, res­ pessoal e motivação verdadeira para o trabalho. O Pro­
peitando a necessidade de cada aluno. jeto Voluntariado Paz e Bem adota como princípio a
• Projeto Formação Humana. O Projeto Formação Huma­ responsabilidade social, mediante parcerias com orga­
na pretende redescobrir no educando a cultura do amor nizações governamentais e não-governamentais.
e da solidariedade, chamando a atenção para estes valo­ • Voluntariado Juvenil Paz e Bem. Este projeto tem por
res humanos, de certo modo esquecidos pela sociedade. objetivo trabalhar o protagonismo juvenil com os alu­
Seus trabalhos buscam promover a formação integral nos de 7ª e 8ª séries. Durante o ano, várias ações educa­
do ser humano e a construção da cidadania de acordo tivas fazem com que os jovens alunos sejam capacita­
com os princípios cristãos e franciscanos. O projeto dos para o desenvolvimento da cultura do voluntariado
consiste da participação dos educandos em encontros em todas as dimensões: afetiva, material, espiritual e
de grupos, realizados três vezes ao ano, assim como ati­ ambiental, como multiplicadores sociais. O voluntaria­
vidades afins: oficinas e dinâmicas de grupo voltadas do juvenil visa a sustentabilidade dos projetos socioedu­
para a interiorização, a reflexão e a ação comunitária. cativos desenvolvidos ao longo do ano.
Essa última se desenvolve através das visitas dos alu­
nos a uma comunidade, cuja realidade nem sempre lhes
é comum. As instituições que integram o projeto são 4.3.3.7 Parcerias e Convênios
creches, asilos, orfanatos, casas de apoio e escolas de Buscam, através de parcerias com entidades do terceiro se­
educação especial. tor, estabelecer ou ampliar redes de apoio comunitário, benefi­
ciando pessoas e comunidades menos favorecidas.
4.3.3.6 Projetos do Voluntariado • Centro Social Franciscano. Desenvolve, em parceria
com a Paróquia Bom Jesus, em Curitiba, projetos de
Buscam promover a cultura do voluntariado em geral entre cursos gratuitos de corte e costura e informática volta­
os professores, funcionários e alunos. De modo específico, de­ dos para a população menos favorecida. O NAC - Nú­
senvolvem ações concretas de voluntariado junto aos partici­ cleo de Ação Comunitária do Bom Jesus/FAE também
pantes adultos e a conscientização para o tema entre os jovens. atua nas atividades do Centro ministrando palestras nas
• Voluntariado Paz e Bem. O Projeto Voluntariado Paz e áreas de formação humana e cidadania, as quais inclu­
Bem visa incentivar professores, alunos e funcionários em temas variados como os da formação para a cidada­
a doarem competências, tempo e conhecimento às pes­ nia, para o empreendedorismo e para a cultura da paz.
soas mais necessitadas e às instituições assistenciais. • E�colas Municipais de Balsa Nova. As escolas da rede
As pessoas envolvidas em ações sociais desenvolvem municipal de Balsa Nova, PR, estão sendo adotadas
160 161
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

pelo Bom Jesus. Dessa forma, passam a contar com as­ bem como aponta para o caminho da formação ética e cidadã
sessorias em várias áreas, beneficiando alunos, profes­ de seus alunos. 184
sores e a comunidade em geral. O convênio de coopera­ Os Projetos são realizados por meio da Pró-Reitoria Co­
ção, firmado com a Prefeitura Municipal de Balsa munitária (PRC) e das coordenações dos cursos de graduação
Nova, foi iniciado com o fornecimento de uma propos­ nos vários câmpus, e aparecem divididos em quatro principais
ta pedagógica e de mobiliário para as escolas. O acordo eixos de ação, assim denominados: a pastoral, a extensão uni­
beneficia 1.250 crianças cursando entre educação in­ versitária, a cultura e o esporte.
fantil e 4ª série do ensino fundamental. Estão sendo en­
volvidos ainda 88 professores, 9 diretoras e equipe da
Secretaria Municipal de Educação de Balsa Nova. 4.3.4.1 A Pastoral
• As Instalações a serviço da Comunidade. A Associação
Bom Jesus disponibiliza gratuitamente algumas de Na Universidade, o termo "Pastoral" designa o trabalho
suas instalações para a realização de eventos de cunho daqueles que se acham empenhados em encher o ambiente
comunitário, social e pastoral, como diversas ativida­ universitário com o espírito do Evangelho, de forma a anun­
des com escolas da periferia, retiros, encontros de ter­ ciar e transformar em boa-nova a vida universitária, colocando
ceira idade, reuniões de Pastoral da Saúde, eventos da a produção e transmissão do saber científico a serviço da pes­
Pastoral Vocacional e encontros de Clero e Religiosas. soa humana (Estudos da CNBB, n. 56, § 224 e 320). Designa
também a busca da transformação da universidade e de seus
agentes em instrumento de justiça e fraternidade no mundo
4.3.4 Projetos Sociais da Universidade São Francisco concreto em que vivemos (Estudos da CNBB, n. 56, §228). As
Ações Pastorais desenvolvem-se nas seguintes linhas:
No que se refere aos Projetos Sociais da Universidade São
• Grupos de Reflexão - Consistem na reunião periódica de
Francisco, expõe Frei Vitório Mazzuco, quando Vice-Reitor e
grupos formados por alunos, funcionários e profesores,
Pró-Reitor Comunitário:
com vistas ao estudo e à partilha de reflexões sobre te­
A Universidade São Francisco (USF) promove a formação mas cristãos. Desenvolvem-se nos diferentes câmpus
do ser humano e a construção de sua cidadania de acordo com universitários e são compreendidos como oportunida­
os princípios cristãos, sob a inspiração de Francisco de Assis, des para uma vivência da fé. Os encontros de reflexão
sistematizando e socializando o saber científico, tecnológico e são semanais.
filosófico. Inspirada nesses princípios, a USF exerce a sua ex­ • Celebrações litúrgicas - São momentos de encontros
tensão universitária, educativa e transformadora, com uma com Deus, de expressão e fortalecimento da fé, assim
constante presença na comunidade. Nesse contexto, a exten­ como um anúncio de esperança cristã. Realizadas se-
são comunitária permite compreender a realidade social e aju­
da a atualizar as práticas de ensino e pesquisa na Universidade,
184. Mazzuco, V. (OFM). Projetos Sociais, p. 5.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

manalmente em cada câmpus e em solenidades especi­ o saber à prática, permitindo à comunidade acadêmica ampliar
ais da Liturgia. as formas de transmissão e aplicar seu potencial humano, ma­
• Cultos de Formaturas - Em ação de graças pelos dons terial e cultural, a fim de elevar o bem-estar da sociedade. O
recebidos e por todos que se empenham no processo da programa de extensão da USF inclui o nível comunitário e o
educação. nível acadêmico, mediante projetos extensionais aos cursos de
• Pastoral da Saúde - Desenvolvida por alunos voluntários gradução e de pós-graduação.
e pessoas da comunidade junto ao hospital universitário.
• Ação Solidária da Doação de Sangue - Consiste em 4.3.4.2.1 Projetos Extensionais Comunitários
campanhas de conscientização para a doação de san­
gue, que acontecem durante a semana dos calouros e • No Caminhar se faz o Caminho - Desenvolvido em par­
em outras ocasiões do ano letivo. ceria com a Prefeitura Municipal e com associações de
• Trote Solidário - Busca-se, por meio do trote no calouro, moradores de populações de baixa renda, o objetivo ge­
despertar o alunado para sua missão solidária no mundo. ral é promover a refação universidade-sociedade, colo­
A espiritualidade franciscana alimenta o princípio desta cando o saber a serviço da promoção social, visando o
ação. Os alunos são convidados a atuar nos diversos tra­ estabelecimento do exercício da cidadania e a promo­
balhos comunitários realizados na Universidade, a inte­ ção do ser humano 185 •
grar a ação pastoral da Universidade e a desenvolver a • Sorriso Feliz- Desenvolvido em pareceria com o curso
convivência acadêmica segundo a mística franciscana. de Odontologia, está voltado para formar consciência
• Grupos de Pastoral - São grupos ecumênicos de ação educativa sobre a saúde bucal entre crianças e adoles­
pastoral formados por alunos. Congregam-se periodi­ centes das escolas públicas da região.
camente à luz de um texto de inspiração, e procuram • Caminhada Interpretativa e Percepção Ambiental - Diri­
desenvolver ações concretas, no ambiente universitá­ gido ao grupo da Terceira ou Melhor Idade, promove o
rio, que visam despertar a atenção dos colegas para as contato e a conscientização dos participantes em relação
questões mais urgentes da sociedade. Promovem dife­ à preserva-ção do meio ambiente. Deste projeto partici­
rentes encontros, retiros, manifestações e atividades de pam os cursos de Hotelaria e de Turismo da USF.
lazer no âmbito universitário. • Encontro de Educação Ambiental - Em parceria com o
curso de Hotelaria e Turismo, o projeto volta-se para a
reflexão sobre o sentido de meio ambiente ecologica­
4.3.4.2 A Extensão Universitária
mente equilibrado, de modo que se possa criar condi­
A USF, fundada sobre o tripé do ensino, pesquisa e exten­ ções para a formação continuada e o desenvolvimento
são, procura justamente na sua ação extensional a promoção de ações que priorizem a qualidade de vida na região.
da socialização das conquistas acadêmicas e dos beneficios re­
sultantes da criação cultural gerada na Universidade. Assim, a
ação extensional da Universidade São Francisco procura aliar 185. Mazzuco, V. (OFM). Projetos Sociais, p. 12.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

• Alfabetização de Adultos - Em pareceria com o governo dadania, se integrem e colaborem com as ações exten­
local e governo federal (que oferece material didático), sionais desenvolvidas na Universidade.
objetiva o processo contínuo de aprendizagem e de alfa­ Além dessas ações, figuram nos projetos: Cursos de
betização dos funcionários da USF e comunidades de Extensão em Teologia para Leigos, Informática Básica, Ter­
baixa renda situadas no entorno da Universidade. A alfa­ ceira Idade. Acrescentam-se, ainda, os Projetos Extensionais
betização de adultos, realizada em todos os câmpus, res­ Acadêmicos.
ponde à proposta do Ministério de Educação. A Univer­
sidade também está inserida no "Programa de Alfabeti­ 4.3.4.2.2 Projetos Extensionais Acadêmicos
zação e Inclusão", do Governo do Estado de São Paulo.
• Ação Pluridisciplinar - Em parceria com a Pastoral da Os vários projetos extensionais acadêmicos desenvol­
Criança e diversas paróquias locais, consiste no atendi­ vem-se nas diferentes áreas. Vale a pena mencioná-los em face
mento da criança e do adolescente de bairros. As ações dos beneficios que prestam:
são múltiplas e divididas em três áreas fundamentais:
• Saúde - Hospital Universitário São Francisco (HUSF),
saúde, educação e direito. Nesses trabalhos, participam
que presta atendimento a toda a população de Bragança
os cursos das áreas respectivas.
Paulista e cerca de 28 municípios regionais, recomen­
• Fome Zero - É a inserção da Universidade São Francisco dando o nome da Universidade; Curso de Enfermagem
no programa federal "Fome Zero", favorecendo a parti­ em parceria com as Unidades Básicas de Saúde
cipação de alunos voluntários em projetos de transfor­ (UBSs); Fisioterapia com atuação na Universidade
mação social. Aberta da Terceira Idade; Fisioterapia aplicada às dis­
• Capacitação de Lideranças Comunitár_ias - O objetivo funções relativas à criança e ao adolescente; Núcleo de
geral do projeto é capacitar dirigentes de associações Apoio à população ribeirinha do Amazonas, um traba­
de moradores e lideranças comunitárias para que pos­ lho voluntário sob a responsabilidade dos cursos de
sam melhor gerenciar suas associações, bem como im­ Medicina, Odontologia, Fisioterapia, Enfermagem e
plementar ações comunitárias por eles desenvolvidas. Farmácia,-em parceria com outras instituições educa­
Esse trabalho já vem sendo desenvolvido por outras cionais como USP, Unip, Puccamp e Unicamp, e uma
Escolas Franciscanas. ONG já em formação.
• Educafro-Trata-se da parceria com o conhecido projeto • Direito - Em parceria com a Ordem dos Advogados do
Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes Brasil (OAB), visa ao atendimento dos que se encon­
(Educafro), o qual foi implementado em todos os câm­ tram em situação de pobreza e não dispõem de recursos
pus da Universidade. Além de colaborar em relação aos para assistência de advogado particular. Ocorre nos
objetivos fundamentais do próprio projeto Educafro, a câmpus de Bragança Paulista e São Paulo.
USF pretende colaborar no sentido de que os alunos • Psicologia - A Clínica-Escola do câmpus de Itatiba,
bolsistas do projeto, amadurecidos para o sentido da ci- além de desenvolver os estágios dos alunos da área, dá
à população da região atendimento qualificado do pon-
166 167
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

to de vista técnico e humano nas áreas de abordagem, cer oportunidades para a prática esportiva, sobretudo a coleti­
psicologia escolar, ludoterapia, psicomotricidade, téc­ va, significa educar o indivíduo para o exercício de valores éti­
nica comportamental, terapia familiar e triagem. cos universais da convivência humana: respeito mútuo, amiza­
de, trabalho em equipe, disciplina e companheirismo. Assim
4.3.4.2.3 A Arte e a Cultura se expressa pedagogicamente o documento Projetos Sociais
da USF187 • E lista os projetos desenvolvidos:
O racionalismo presente na nossa civilização e reforçado
• Atividades Esportivas Regulares- São projetos diversos
no ambiente universitário, não raro, toma relevante apen
as voltados a atividades nos câmpus universitários que
aquilo que é concebido logicamente, a partir de conceitos
já procuram integrar os alunos dos diferentes cursos, fim­
"prontos", "objetivos", sem levar em conta as característ
icas cionários e professores.
pessoais de cada um. A arte tem o potencial de propiciar o
de­ • Tai-chi-chuan - Procura-se desenvolver a educação cor­
senvolvimento da criatividade e de despertar a atenção para
a poral através da experiência da filosofia oriental.
maneira de sentir, sobre o qual se elaboram todos os outro
s • Oficinas Esportivas e Desafios - Proporcionando aos
processos racionais. A arte possibilita o acesso ao mund
o dos alunos uma experiência de conhecimento e participa­
sentimentos, e ainda os desenvolve e educa 186 •
ção em diferentes modalidades esportivas, o projeto
Projetos desenvolvidos: promove oficinas semestrais e envolve 50 pessoas por
• Coral da USF, integrado por alunos, ex-alunos, funcio­ turma. Entre outras: dança de salão, capoeira e judô.
nários e professores do Câmpus de São Paulo, promo­ Com o mesmo objetivo são propostos desafios esporti­
vendo o exercício da integração, da cidadania e da con­ vos como os de xadrez e tênis de mesa.
vivência harmônica através da músiéa e da expressão • Torneios-Além de constituírem mais uma opção para a
corporal. participação em atividades fisicas de sua preferência,
• Festivais de Teatro (adulto e infantil); Curso de Teatro; os torneios possibilitam momentos prazerosos de con­
Festival Universitário de Música. vívio entre professores, alunos e funcionários. Esten­
dem-se à comunidade, envolvendo em fair play estu­
dantes de ensino médio da região e torneios especiais
4.3.4.2.4 O Esporte entre Escolas Franciscanas.
E quais são os resultados desses projetos sociais e de tantas
O esporte é atividade educativa formadora do todo do ser experiências e tantos desafios que se colocam ao longo da for­
humano, que favorece seu equilíbrio, integrando corpo e alma, mação?
raciocínio e sentimento, inteligência e emoção, de modo a fa­
vorecer a plenitude de vida humana sadia e mais feliz. Ofere- O amadurecimento em dimensão humana, sobretudo, dos par­
ticipantes, é sentido e comentado por eles mesmos. Abre-se-lhes

186. Mazzuco, V. (OFM). Projetos Sociais, p. 27.


187. Mazzuco, V. (OFM). Projetos Sociais, p. 29.
168
169
Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista

um lado humano e franciscano,de que ouvem teoricamente em


aulas,conferências, encontros,e que assimilam ao vivo no "ser­
viço aos outros irmãos", principalmente os mais necessitados -
como ensina Francisco 188• Neste sentido, julgo que, além do
que já se realiza,deva-se implementar ainda mais fortemente o
trabalho que se faz em relação a estudantes de famílias caren­ CONCLUSÃO
tes e aos jovens afrodescendentes, ensejando acesso aos di­
versos graus das nossas Escolas. Igualmente, o acesso a Uni­
versidades de nível e, por extensão,a empregos e colocações
de maior categoria. Aumenta, por felicidade, a conscientiza­
ção e a participação voluntária de Professores e Professoras Dom Paulo Evaristo Ams testemunha, em seu livro Da es­
nesse campo. Considera-se,diria,como uma "restituição",numa perança à utopia, constante interesse pela Educaç�o. "Semp,:e
_
palavra bem ao gosto de Francisco, um dever de justiça sem­ me vem à mente - escreve a propósito - a advertencrn de Sao
pre mais exigente, para vencer a elitização, realizar a inclusão Francisco lembrando que seus filhos,nascidos da esposa Pobre­
e operacionalizar o projeto franciscano de fraternização. za' devem dedicar-se aos menores, aos que ainda não podem
. . ' .
servir-se dos estudos para integrar-se,como têm direito,a socie-
dade". E o Cardeal do Povo menciona, quando Arcebispo de
São Paulo,em 1988,junto aos Reitores da Universidade de São
Paulo (USP - a maior do Brasil) e da Pontificia Universidade
Católica (PUC/SP), sua "tentativa honrosa", de promover o tra­
balhador jovem e a formação de estudantes da periferia,"prepa­
rando-os para uma existência mais digna e elevada" 1 89•
A rede inteira das Escolas Franciscanas, que atuam no Su­
deste e Sul do Brasil, atinge o número de 50, com total arre­
dondado de 58 mil alunos, cerca de 3.450 professores e 2.260
funcionários 190•
Os dados já falam por si memos. E transformam em desa­
fio imperioso a missão de, no espírito franciscano, "in doctri-

189. Arns, Dom P. E. (OFM)"Da esperança à utopia, p. 296.


190. Os dados foram fornecidos pelos Colégios Pio XII (SPj, Bom Jesus
Santo Antônio do Pari (SP), Bom Jesus, Curitiba (PR) e Mana Imaculada,
188. Cf. 2Fi 47.
Porto Alegre (RS).
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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

na et sanctitate ", inspirar inteligentemente e viver de coração mostrar o sabor de todas as verdadeiras essências imor­
uma nova Pedagogia Humanista. tais, a luz, o fogo, a água, o ar, o som, a palavra. No
meio de uma sociedade áspera no ganho, veio mostrar
Por ocasião do 8 º Centenário de Nascimento de São Fran­ a delícia de não possuir. No meio do furor de todas as
cisco, o professor, escritor, filósofo, educador, o franciscanó­ violências, veio mostrar o milagre da paz e da fraterni­
filo Alceu de Amoroso Lima (pseudônimo: Tristão de Athay­ dade. No meio de uma era complicada, racionadora,
de), estampou maravilhoso artigo intitulado "O Segredo de cheia de hierarquias e preconceitos, veio mostrar a ori­
São Francisco". Apraz-me transcrever o texto, verdadeiro ginalidade das coisas simples. Contra os raciocínios in­
projeto de pedagogia do coração: termináveis, mostrou a eloqüência das soluções intuiti­
vas. Contra as rígidas hierarquias, a igualdade no bem e
Num mundo que se cristalizava em lutas, em abusos de na pureza da alma. Contra os preconceitos, a coragem
toda espécie, em indolência e ceticismo, Francisco não de agir desassombradamente, por uma causa mais alta
vinha trazer-nos nada de inédito, como originalidade que todos os mesquinhos interesses terrenos. Esse, tal­
de pensamento, como fórmula de restauração, como vez, o maior segredo de São Francisco de Assis.
remédio aos males do tempo.
Onde outros deram ou dariam o seu saber, a sua astúcia,
São acordes seus biógrafos em dizer que os seus dis­ a sua coragem, ele deu apenas isso: o seu coração.
cursos nada tinham de original. Procurando os seus
discípulos reproduzi-los, sentiam sempre a falta de Esse isso revolucionou a História191 •
qualquer coisa... mas que era tudo. Nesse mundo, em Encerrando todo este itinerário de reflexão pedagógica, re­
que a fama das universidades começava a espalhar-se, corro a outro grande Educador Franciscano, o Cardeal e Con­
e Bolonha, ali perto, já irradiava o seu saber de juristas frade Dom Paulo Evaristo Ams, OFM, que nos mostra o seu e
e teólogos, não vinha discutir teologia ou combater in­ nosso "São Francisco hoje":
fiéis. Vinha ap�nas, no meio das lutás em que se debati­
am as cidades e as famílias, em meio da grande deca­ Ser Franciscano não é apenas conteúdo. É espírito, ma­
dência de costumes e dos abusos dos grandes contra os neira de �er as coisas, de vivê-las, de assumi-las e de
pequenos, vinha apenas trazer essa dádiva simplíssi­ equacionar os grandes conflitos de vida e de morte.
ma: uma vida humana a serviço dos homens. Vinha vi­ Isto Francisco fez em sua época e o faria hoje, aqui e
ver, no meio dos homens, como se viera de um mundo agora. Por isso ele é grande e universal. Fascinará
superior a eles. qualquer pessoa em qualquer época, pelo seu jeito de
Quando todos se debatiam entre mil e um laços que os ser: pobre, serviçal, gratuito, fraterno e por conse­
prendiam a toda sorte de pequenos senhores na terra, guinte Menor.
veio esse filho fugido de casa dos pais, para entregar-se
ao Pai supremo, sem nome e sem instrução, mostrar
que a suprema felicidade estava em sacudir o peso de
todos esses pequenos barões terrenos, para se submeter 191. Lima, A. A. Recomeçar com Clara e Francisco. Coleção "Centenário
a um só Príncipe invisível. No meio de uma vida em de Santa Clara-1", p. 23-26. Originalmente publicado no Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, dia 4 de outubro de 1981. Cf., ainda, Piccolo, A. S. (Frei).
que se perdera a memória das coisas simples, veio
Perfil do educador franciscano, p. 89-91.

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Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista Frei Agostinho Salvador Piccolo, OFM

Francisco não teve nenhuma pretensão, a não ser Nunca se ouviu dizer que Francisco condenasse a socie­
dar-se. Quis estar junto do outro. Ser Menor, pequeno, dade de seu tempo, mas nunca se soube que ele deixasse
para entender a grandeza do outro, não o atropelando de melhorar o que estava errado. Para construir uma so­
em sua dignidade. ciedade fraterna, reformou sua própria vida, soube con­
fiar mais em Deus que em si e nos outros. "Meu Deus é
Viveria certamente hoje na América Larina uma busca meu tudo!" - foi de inspiração bíblica e exprimiu o mais
contínua de comunhão com Deus, através de tudo e de profundo de todos os seus anseios.
todos os seres criados. Tomaria o Evangelho vivo e en­
carnado, comprometido com o oprimido e o marginali­ Dele podemos ouvir: "O mundo está em suas mãos. Ou
zado de nosso tempo. você se salva com ele ou ele se perderá com você".
Daria sem dúvida sua adesão total às linhas de ação as­ Portanto, reler nossa realidade com os olhos de Fran­
sumidas pela Igreja. Incumbir-se-ia da tarefa de re­ cisco é perceber que a ação transformadora de Deus
constituição original da Igreja cristã. Cultivaria pro­ passa pelo coração dos homens.
fundo respeito para a pessoa humana, construindo a Sua mensagemcontinua vigorosa e irresistível!
192

fraternidade no amor, unindo os homens entre si, como


irmãos, numa igualdade de bens.
Correria ao encontro do "leproso" da América Latina,
na pessoa do analfabeto, desempregado, marginaliza­
do, oprimido, posseiro ou menor abandonado. Lutaria
pela união das Igrejas, reunindo forças, particularmen­
te as da juventude, para a renovação da única Esposa de
Jesus Cristo. Buscaria sem cessar a face deste mesmo
Cristo.
Viveria como um homem simples, fraco, o menor de
todos, e sempre atento, superando as próprias limita­
ções. Apareceria certamente como verdadeiro revolu­
cionário, homem de profunda fé, coragem, humildade,
amor e compreensão, em relação à conquista de verda­
deiros valores. Francisco seria capaz de ser muito, sem
ter nada.
Enfrentaria os problemas de conflito sempre sob o im­
perativo da bondade. Seguindo o caminho do pastor,
que toma nos ombros a ovelha fraca e a alimenta. Isto,
porque nele existe a percepção profunda de que em
cada pessoa há um brilho de Deus, que nenhum pecado
pode apagar. Nada é absolutamente perdido, nem o 192. Ams, Dom P.E. (OFM). São Francisco hoje. Publicação divulgada
pior dos pecadores. pela Pró-Reitoria Comunitária da Universidade São Francisco, 1996.

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