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BÍBLICA LOYOLA

Sob a orientação da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teoloj


Belo Horizonte — MG

Introdução ao
Antigo Testamento
Erich Zenger |Georg Braulik
Herbert Niehr \ Georg Steins |Helmut Engel
Ludger Schwienhorst-Schönberger
Silvia Schroer |Johannes Marböck
Hans-Winfried Jüngling \Ivo Meyer
Frank-Lothar Hossfeld

Tradução
Werner Fuchs
T itu lo orig in a l:
Einleitung in das A lte Testament
© 1995 W. K ohlham m er G m bH
ISBN: 3-17-014433-2
A lle Rechte Vorbehalten

Sumário

Siglas e A breviaturas.................................................................... 11
Prefácio............................................................................................. 13

A Sagrada Escritura de judeus e cristãos


(E r ich Z e n g e r )

I. A im portância da Bíblia judaica para a identidade c ristã ....................... 16


Edição d e te x to : M arcos M arcionilo
í. O fundam ento do cristianism o..................................................................... 16
Preparação: Renato Rocha
2. O horizonte interpretativo do Novo T estam en to..................................... 18
D iagram ação: R onaldo H id e o Inoue
3. A ntigo Testam ento ou Prim eiro T estam ento?............................................ 19
Revisão: Rita d e Cássia M achado Lopes
4. M aneiras problem áticas de ler e com preender o
Antigo Testam ento no cristian ism o .............................................................. 21
5. H erm enêutica bíblica ju d e u -c ris tã ............................................................... 24
II. O Tanak: Escritura Sagrada dos ju d e u s........................................................ 28
1. A estrutura tripartida do T anak .................................................................... 28
2. A sistem ática herm enêutica do Tanak........................................................ 31
3. A form a do texto tra n sm itid o ....................................................................... 34
III. O Primeiro Testamento: Escritura Sagrada dos c r istã o s ......................... 36
1. O surgim ento do cânon cristão e x te n s o .................................................... 36
2. A estrutura quadripartida do Prim eiro T estam ento................................ 38
3. Prim eira parte da Bíblia cristã una b ip a rtid a ............................................. 41

Os livros da Torá/do Pentateuco


E dições Loyola Jesuítas
Rua 1822, 341 - Ipiranga
04216-000 São Paulo, SP I. A Torá/o Pentateuco com o um todo (Erich Zenger) ..................................... 45
T 55 11 3385 8500 1. A form a final com o pro g ram a te o ló g ic o ................................................... 46
F 55 11 2063 4275 2. O contexto histórico da redação constitutiva............................................ 51
e d ito ria l@ loyo la .co m .b r 3. A Torá com o livro ca n ô n ic o .......................................................................... 58
vendas@ loyola.com .br
w w w J o y o la .c o m .b r II. O surgim ento do Pentateuco (Erich Zenger) ................................................... 61
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser
1. Indícios de um processo de surgim ento em m últiplas c a m a d a s 63
reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer 2. Os três m odelos básicos de hipóteses de form ação
,
meios (eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação) ou do P e n ta te u c o .................................................................................................... 79
arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão
escrita da Editora. 3. Etapas im portantes na pesquisa crítica do P e n ta te u c o ........................... 81
4. Situação atual da pesquisa.............................................................................. 88
ISBN 978-85-15-02328-8
III. O livro do D euteronôm io (Georg Braulik) ....................................................... 96
R eim pressão: ja n e iro d e 2016 1. Nome, categoria literária, estrutura............................................................. 97
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2003
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mais percepção da atualidade de uma palavra de ordem como a de 51,5: "Nem em reproduzir o número total do alfabeto em 22 versos (cf. no Saltério, SI 33;
Israel nem Judá são viúvos de seu Deus". Na história da penetração de Jeremias 38; 50; 103). Esses chamados acrósticos já se comprovam na tradição acádica
refletiu-se, quando muito, sobre a palavra da "Nova Aliança" (31,31). (onde correspondem ao tipo de letra silábica e não alfabética) e na Bíblia po­
dem ser encontrados no Saltério (SI 9s; 25; 34; 37; 111 s; 119), no livro de Provér­
bios (Pr 31,10-31) e, de modo fragmentário, entre outros, em Na 1,2-8. É incerto
IV. LAMENTAÇÕES se a totalidade assim expressa possui ou originalmente podia ter possuído um
(Ivo M e y e r ) sentido mágico ou mnemotécnico. A seqüência provavelmente pode ser per­
cebida melhor na leitura que na audição e em todo caso constitui uma moldura
Texto: Jerem ias, Baruch, Threni, Epistula Jerem iae, ed. J. Ziegler (Septuaginta: Vêtus que protege o autor de extravasar ilimitadamente.
Testam entum G raecum XV), G öttingen, 2a ed. 1976.
A pontem os ainda para um a singularidade: talvez o desvio na ordem das letras
Comentários: W. Rudolph (KAT), 1962; O. Plöger (HAT), 2a ed., 1969; F. A sensio (BAC),
e, assim, das estrofes nos cânticos 2, 3 e 4 possa ser avaliado com o indício de um
1970; D. R. Hillers (AncB), 1972; H. J. K raus (BK), 4a ed., 1983; H. J. Boecker (ZBK), 1985;
núm ero m aior de autores.
H. L. Ellison (EBC), 1986; H. G roß (NEB), 1986; O. Kaiser (ATD), 4a ed., 1992.
Faz parte das peculiaridades da configuração literária, sobretudo nos prim eiros
M onografias: B. A lbrektson, Studies in the Text and Theology o f the Book o f L a m en ­
quatro capítulos, um desequilíbrio extraordinariam ente freqüente entre as duas
tations (STL 21), L und 1963; J.-D. Barthélém y, Les devanciers d'Aquila (VT.S 10), Lei­
m etades da linha, com o K. Budde o descreveu pela prim eira vez em 1882. Em vis­
d e n 1963; S. B ergler, T hreni V — n u r ein a lp h a b e tisie ren d e s Lied? V ersuch einer
ta de que a m étrica presum ida de 3+2 pode ser encontrada principalm ente em
D eutung: VT 27, 1977, pp. 304-320; R. B ran d scheidt, G otteszorn und M enschenleid.
poem as de lam entação, ela é cham ada de m étrica qinãh (qinãh = lamentação). Evi­
Die G erichtsklage des leidenden G erechten in Klgl 3 (TThS 41), Trier 1983; O. B runet,
dencia-se tam bém que Lm é constituído por textos poéticos por causa da freqüente
Les Lam entations contre Jérémie. Réinterprétation des quatre prem ières Lamentations,
Paris 1968; idem , La cinquièm e L am entation: VT 33, 1983, pp. 149-170; F. M. Cross, ocorrência de linhas e m etades de linha com estruturação paralela, bem com o em
Studies in th e S tru ctu re of H eb rew Verse. The Prosody of L am entations 1:1-22, in: articulação de palavras que — talvez em benefício do ritm o — divergem da ordem
FS D. Freedman, W inona Lake 1983, pp. 129-155; M. D ahood, New Readings in Lam en­ usual na prosa.
tations: Bib. 57,1976, pp. 174-197; E. G ersten b erger, D er klagende M ensch, in: FS G.
von Rad, M ünchen 1971, pp. 64-72; I. G. P. Gous, The Origin o f Lam entations, Pretoria
1988, pp. 130-143; W. C. Gwaltney, The Biblical Book of L am entations in th e C ontext 2. Surgimento
of N ear E astern L am ent L iterature, in: W. W. H allo/J. C. M oyer/L. G. P erdue (eds.),
Scripture in Context II, W innona Lake 1983, pp. 191-211; B. Johnson, Form and M essage Há documentação de lamentos sobre uma cidade destruída (ou um tem ­
in L am entations: Z A W 97,1985, pp. 58-73; B. Kaiser, Poet as "Fem ale Im personator". plo destruído) a respeito de Ur, Nippur, Eridu e Uruk desde o período de Isin
The Im age of d a u g h te r Zion as Speaker in biblical Poem s of Suffering: JR 67, 1987, Larsa (1950-1700 a.C.; cf. ANET 6,11-19). Mais tarde eram usados como textos
pp. 164-183; E. Levine, The Aram aic Version o f Lamentations, New York 1976; J. Ren- didáticos em escolas babilónicas de escribas. Era de esperar que o tema geras­
kema, The Literary Structure o f Lam entations (JSOT.S 74), Sheffield 1988, pp. 294-396;
se um desdobram ento comum, porém até o presente nenhum parentesco li­
W. H. Shea, The qin ah S tru ctu re of th e Book of L am entations: Bib. 60,1979, pp. 403-
107; C. W esterm an n , Die Klagelieder: F orschungsgeschichte und A uslegung, Neu- terário com o livro bíblico das Lamentações foi comprovado.
kirchen-V luyn 1990.
A tradição que considerava Jerem ias o autor das Lam entações perm aneceu sem
contestação até o séc. XIX. Na form a grega do texto ela é expressam ente form u­
lada num a espécie de nota introdutória: "Depois que Israel foi levado ao cativeiro
1. Estrutura
e Jerusalém foi destruída, sucedeu que Jerem ias se sentou aos prantos e lam en­
tou esse cântico de lam entação sobre Jerusalém , dizendo". E ssa visão retirava
Todos os cinco poemas, que podem ser nitidamente delimitados e por isso apoio de um a observação sobre a m orte de Josias (2Cr 35,25): "Jerem ias com pôs
coincidem com a subdivisão usual de capítulos, têm a ver, sob o aspecto formal, um a lam entação para Josias, e todos os cantores e cantoras falaram de Josias em
com o alfabeto. Lm 1 e 2 trazem 22 estrofes de três linhas, e Lm 4, estrofes de seus lam entos até o dia de hoje. Isso tornou-se um costum e em Israel, e esses can­
duas linhas, cada uma das quais começa com a letra seguinte do alfabeto. Lm 3 tos foram inseridos nas lam entações". A contece, porém , que o livro bíblico exis­
até faz iniciar as três linhas de cada estrofe com a mesma letra. Lm 5 contenta-se tente com o título de Lam entações pranteia a destruição da cidade e do tem plo,
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m as som ente com um único verso o destino de um rei, e mais precisam ente não do seu surgimento (após o Cântico dos Cânticos, atribuído a Salomão, e antes
sua m orte, mas sua deportação. Lm 4,20 diz: "O sopro de nossas narinas, o m essias de Daniel, situado no exílio), seja na seqüência das festas litúrgicas, em que
de Javé, nas m asm orras está cativo, ele, de quem nós dizíamos: sob sua proteção são lidos como os cinco nfgiUõt. na Páscoa, o Cântico dos Cânticos; na Festa
viverem os entre as nações". Tomada isoladam ente, a frase cabe tanto para Joa- das Semanas, Rute; no 9o Ab (dia em m em ória da destruição do templo), as
caz/Shalum (cf. 2Rs 23,33 e Jr 22,10-12), para Ioiakin (2Rs 24,8-17 e Jr 22,24-30), Lamentações; na Festa das Tendas, Qohélet; e em Purim, Ester. Essa trad i­
quanto para Sedecias (2Rs 24,18-25,7 e J r 39,4-10; 52,1-11). No entanto, um nexo
ção de leitura nos ofícios religiosos, contudo, pode ser com provada para as
com a destruição da cidade ocorre exclusivam ente no último. Em 597 Jerusalém
Lamentações apenas a partir do séc. VI d.C. Resta, pois, como suposição mais
não foi feita em ruínas, com o se d ep reen d e claram ente de 2Rs 24,8-17 e a crônica
neobabilônica confirm a com o um a fonte insuspeita.
plausível: quando o cânon dos profetas foi concluído, as Lamentações ainda
não eram consideradas como sendo de Jerem ias, mas já o foram na época
As reservas histórico-críticas contra uma autoria de Jeremias podem ser da tradução para o grego e, depois, para Flávio Josefo no séc. I d.C. (Contra
resum idas como segue: 2Cr 35,25 tem de se referir a outro livro desapareci­ Apionem, 1.8).
do. É plausível que Jeremias tenha lamentado a morte de Josias, a conside­ Uma vez que se tom a distância da idéia da autoria de Jeremias, a per­
rar pela maneira como contrapõe ao malogrado filho e sucessor ao trono dele, gunta se originalm ente os diversos capítulos surgiram em conjunto e, even­
Ioiakin (Jr 22,15), a figura do pai como exemplo contrastante. Contudo, afir­ tualmente, os indícios para a fixação cronológica devem ser analisados em
mar que, segundo Lm 4,20, ele teria dito acerca de Sedecias, depois de todas separado.
as experiências que teve com ele (Jr 21,1-10; 24,1-10; 32,1-5; 34,1-7.21; 37,1-
- No prim eiro cântico um(a) orador(a) fala inicialm ente do destino de Jerusalém
10.17-21; 38,1-6.14-28), que: "O sopro de nossas narinas, o messias de Javé,
(w. 1-11). No v. 5b ele é explicado teologicam ente. Cada vez nas últim as linhas
nas m asm orras está cativo, ele, de quem nós dizíamos: Sob a sua proteção
das três estrofes conclusivas (w. 9c.10c.Uc) Jerusalém é citada com súplicas dire­
viveremos entre as nações" — isso imputa dem asiada ideologia m onárquica
tas e indiretas a Javé. A p artir do v. 12 é a própria Jerusalém que tom a da pala­
a Jeremias. Ademais, é pouco provável que quem anunciara ao templo de Je­ vra, interp reta teologicam ente suas experiências, dá razão a Javé (v. 48), dirigin­
rusalém uma sorte como a de Shilô (Jr 7,14; 26,6) agora deva lamentar: "O ad­ do-lhe diretam ente a palavra nas últim as três estrofes e solicitando-o a castigar
versário estende a mão sobre todos os seus tesouros. Sim, ela vê as nações seus inim igos de acordo com suas ações. O texto pressupõe a destruição de Je ru ­
entrarem no seu santuário: os que ordenaste não entrar na assembléia que é salém em 586 (term ina a peregrinação, v. 4; profanou-se o tem plo, v. 10). Deve per­
tua" (Lm 1,10). E ainda: Jeremias, que no passado condenara com veemência m anecer aberto se um texto com o esse ainda podia ser escrito depois do D êutero-
as esperanças por auxílio político de fora (Jr 2,18: "E agora, o que te atrai rumo Isaías, depois da reconstrução do tem plo e depois da perm issão de reto rn o para
ao Egito, para te dessedentares na água do Nilo? O que te atrai rumo à Assíria os dispersos.
para te dessedentares no rio Eufrates?"), mais tarde, quando se evidenciou - No segundo cântico, um(a) orador(a) eleva nos vv. 1-9 um lam ento sobre Javé que,
que tinha razão, dificilmente poderia dizer cheio de frustração: "Quando nos­ furioso, tornou-se inimigo, e nos vv. 10-12 sobre a realidade em Jerusalém . A partir
sos olhos ainda se consumiam à espera de uma ajuda, era em vão. Em nossos do v. 13 ele(a) apostrofa a cidade, convocando-a nos w . 18s a clamar, lam entar e
postos de vigia vigiávamos pela vinda de uma nação que afinal não nos sal­ suplicar. Os vv. 20-22 acusam Javé — enquanto palavras do(a) orador(a) ou como
vou" (Lm 4,17; no entanto, não se pode excluir que, segundo a prática de ci­ clam ores colocados na boca de Jerusalém . Q uanto à época do surgim ento: o v. 2
tação bíblica, Jerem ias esteja citando uma voz alheia). Finalmente, é muito parte de destruições com provadas apenas depois de 586 (fortificações arrasadas).
improvável que uma confissão de pecado da boca de um crítico contumaz de O lam ento sobre o rei m antido preso entre nações pagãs, no v. 9, deve ter sido for­
seus contem porâneos e suas elites tenha soado: "Nossos pais pecaram, eles m ulado antes do tem po persa.
não existem mais. Nós é que carregam os suas perversidades" (5,7; contudo - O terceiro cântico, m ais longo, e destacado por sua colocação central, com um
tam bém nesse aspecto deve ser recordado, como relativização, que no m es­ orador m asculino fazendo uso da palavra, podia ser muito bem relacionado com
mo cântico os mesmos oradores dizem no v. 16b: "Ó infelizes de nós, nós p e­ Jerem ias, segundo a visão tradicional (cf., p. ex., o v. 14 com Jr 20,7). Ele com eça
camos!"). Essa argum entação em nível de conteúdo é convincente só em ter­ com um a enxurrada de acusações extrem am ente am argas contra "ele" (identifi­
mos. As contradições evidenciadas para Jeremias não excedem o quadro das cado só depois da prim eira terça parte, no v. 22!). Após um a m eia-linha com in­
que tam bém se alojaram dentro do livro de Jeremias. Justamente diante disso terpelação no v. 17a, o o rador se volta para a própria pessoa, desafia-se a prestar
chama atenção o argum ento de que as Lamentações não foram inseridas no declarações de confiança, anuncia a si próprio recom endações sapienciais (vv. 22-
cânon hebraico dos profetas, mas entre os "escritos", seja na ordem suposta 30). N esse m om ento o au tor utiliza duas vezes as restrições form ais do acróstico
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p ara com por um staccato im pressionante (bom... bom... bom..., nos w . 25-27, e nos que nos rejeites definitivam ente, em dem asia te irrites contra nós". Essa linha
sim... sim... sim..., nos vv. 31-33). Em seguida o au to r tom a im pulso para um a com sua polissem ia retórica não é suficiente para especulações de longo alcance,
teodicéia de g ran d e em penho retórico (w. 31-38), que transita para um a convo­ de que nela se estariam exteriorizando as prim eiras dúvidas na teologia deutero-
cação ao auto-exam e (coletivo!) (w. 40-42a). C ontudo, com suas descobertas e sua nom ista (tardia) do arrependim ento, motivo pelo qual seria im perioso supor um
teologia o auto r não alcança o "controle" de suas experiências. Ele não pode nem surgim ento tardio. O v. 18 pressupõe um a situação desolada do Sião, que term i­
enfeitar nem calar-se. Seu alfabeto ainda não chegou ao fim. R etorna ao lamento: na o mais ta rd a r com a construção do novo tem plo. Acaso será correto calcular a
"Tu não p e rd o a ste " (v. 42bss). Ele c o n tin u a in te rp ela n d o Javé. As condições partir do v. 7: "Nossos pais pecaram , eles não existem mais" um a distância de um a
coletivas perm anecem no prim eiro plano até o v. 51, em que o olhar se volta no­ geração = quarenta anos a partir de 586? Não se fala da m orte de um a geração
vam ente para a situação de perseguição pessoal, e em que, no estilo da lam entação toda. Tam pouco os deportados "não existem mais". Em parte algum a se lê que os
individual, as afirm ações de experiências de libertação, confiança, lam entos p e ­ últim os fam iliares da geração que vivenciou a destruição ten h am m orrido de ve­
los inim igos e súplicas finalm ente conduzem à certeza de que Deus retribuirá aos lhos. Nem m esm o é im periosa a hipótese de que os pais que pecaram perten ce­
inim igos (w. 64-66). Carecem os totalm ente de indícios externos referentes à épo­ ram precisam ente àquela geração. Por isso resta tam bém nesse cântico como mais
ca do surgim ento. Pode-se ten tar situar cronologicam ente esse cântico apenas no provável um a proxim idade cronológica com os acontecim entos em to rn o dos
contexto da história da teologia pós-exílica. Lm 3 pertence às cercanias dos poe­ acontecim entos de 586.
m as de p erso n ag en s que desem p en h am um papel ou carregam um problem a,
com o as cham adas confissões de Jerem ias, o livro de Jó ou os textos do justo so­
fred o r no Saltério. 3. Ênfases teológicas e relevância
- No quarto cântico, um(a) orador(a) no singular descreve nos w . 1-16, com im a­
gens que opõem o passado glorioso ao p resen te op resso r (tal com o existem so­ As Lamentações constituem cinco respostas autônomas para a situação
bretu d o em cantigas fúnebres), o te rro r e h o rro r de Jerusalém em cenas h o rripi­ após a catástrofe de 586. Estetas podem discutir se a opção pelos limites do
lantes, fu ndam entando-as teologicam ente nos w . 11 e 16. N os w . 17-20 acrescen­ acróstico alfabético tem efeito artificial ou artístico. Eles possivelmente são tex­
tam -se vozes lastim osas de atingidos, antes que nos w . 21 s, após um a sarcástica tos de leitura, mais destinados ao olho que ao ouvido. A partir de seu surgimento
convocação de Edom p ara alegrar-se, se anuncia, entre duas palavras de juízo à eles não foram previstos para o uso em celebrações religiosas, porém há séculos
filha de Edom, à filha de Sião que sua culpa findou. Pois "ele" não m ais leva ao
estão sendo em pregados no contexto da liturgia judaica no dia memorial da
exílio. O elem ento drástico assu stad o r proíbe recorrer, no intuito de torná-lo ino­
fensivo, a tópicos sim ilares de elegias e cenários catastróficos. Não obstante, é
destruição do templo e na liturgia católico-romana da Semana Santa.
im possível esquivar-se do conflito de interpretação: se o autor fala de um a cons­ Os traum as de 586 jamais cicatrizaram integralmente. Pelo contrário, fo­
tatação concreta, a asseveração de um a virada, por tudo o que sabem os, soa co­ ram sofridos por sempre novas gerações de judeus e, até os dias de hoje, por
mo prem atura. Por isso terem os de en ten d er o recurso às cores m ais chocantes sempre novos contingentes da humanidade. O que um povo marginal semita
com o fundo de legitim ação p ara o ataque m aciço contra Edom , cujo papel de do Noroeste experimentou há dois milênios e meio no âmbito da efêmera ex­
beneficiário traiçoeiro da catástrofe de 586 perm aneceu com o m em ória viva (cf. pansão do reino neobabilônico, seguramente não merece, na história mundial
SI 137,7 "Senhor, p ensa nos filhos de Edom, que diziam no dia de Jerusalém : 'A rra­ dos vencedores e bem-sucedidos, mais que uma nota de rodapé. Turistas de
sai, arrasai até os fundam entos!'". Q uanto à história rica em conflitos com Edom, catástrofes e voyeurs da miséria conhecem alvos mais compensadores. O deci­
cf. Gn 15,27-34; 32,2-22; Nm 20,14-21; 24,18; 2Sm 8,14; lR s 11,14-22; 2Rs 8,20-22; sivo é como desde então aquilo que naquele tempo foi quebrado está sendo
14,7; 16,6; SI 60,10s; 83,7; 108,10s; Is 34,1-17; 63,1-6; Jr 49,7-22; Ez 25,12-14; 35,1-15;
mantido inteiro, precária mas exemplarmente, nas tentativas de interpretação
Am 1,11 s; 9,12; J1 4,19; Ab 8-15; Ml 1,2-5).
de testemunhas bíblicas. Religião — não mais concebida como confirmação re­
- Todo o quinto cântico, conclusivo, concede a palavra a um a maioria, que fala no cíproca de uma divindade e veneradores(as) humanos(as), mas muito antes como
estilo da lam entação do povo. Ele principia com cham ados pedindo a atenção de lamentação. Isso tem pouco a ver com lamúria e autocomiseração, mas com um
Javé, apresenta-lhe nos w . 2-18 praticam ente o reverso detalhado de um a ordem apelo penetrante a Deus, para que veja essa miséria que ele causa por sua au­
econôm ica e social intacta, ocasião em que se reconhecem no v. 7 os pecados dos sência na sua Criação, a miséria do santuário, a miséria dos poderosos e das
pais e no v. 16 os próprios pecados. A exposição da m iséria term ina com o olhar
elites espirituais. E tudo isso porque ele permitiu que se deteriorasse o escabelo
p o r sobre o Sião devastado. A esses motivos de intervenção expostos perante Javé
segue-se um a confissão ao seu senhorio eterno (v. 19), assim com o a p erg u n ta
de seus pés, porque ele pisoteia pelo seu jardim, porque esqueceu suas festas.
acusadora pela duração de sua ocultação (v. 20) e o pedido de que ele retorne e Pela evidência desse livro, acontece algo espantoso no meio dessa lamentação:
provoque retorno e m udança (v. 21). O últim o versículo causa problem as: "A me- culpa é confessada. Evidentemente "poder confessar" tem a ver com "conso­
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lidar-se". É sob a pressão do sofrimento e da lamentação que se solidificam 0. Transmissão do texto


descobertas como, por exemplo, as de 3,25-30, sentenças que não soam como
sabedoria de vida retirada da estante do conselheiro. Os diamantes se formam Os mais antigos documentos textuais preservados do livro de Baruc são
não sob um cobertor de penas, mas sob a pressão de imensos pesos. Tenta- todos gregos. Permanece controvertido se o idioma grego com traços semiti-
se fazer teologia, teodicéia: ELE seja justo. Tenta-se dar-lhe tempo (3,31s: "Pois zantes representa a língua original, ou se cabe contar com uma versão origi­
Javé não rejeitará para sempre. Se ele afligiu, tam bém tornará a com pade­ nal hebraica, da qual os mais antigos textos siríacos podem ter preservado ves­
cer-se segundo sua grande bondade"). Avalia-se o seu bom gosto (3,33: "Não tígios. A segunda seção do livro, poética, idiomaticamente num grego mais
é de bom grado que ele humilha e aflige os humanos"). Declara-se que ELE homogêneo, provavelmente também surgiu em língua hebraica (também nessa
tem paixão pela justiça. Isso na verdade também consta nos manuais, mas ad­ parte se encontram erros de tradução) e deve sua melhor qualidade lingüística
quire uma relevância diferente nos lábios do lamentador. Brota da familiari­ a um melhor tradutor ou revisor parcial (cf. D. G. Burke e E. Tov).
dade com ELE e leva a que se cobre dele uma com pensação eqüitativa, retri­ A assim cham ada Epístola de Jeremias, em algumas edições da Bíblia
buição. Naturalmente, as descobertas não se encontram no final desses cân­ listada como 6o capítulo do livro de Baruc, é um texto originalmente indepen­
ticos de lamentação, de modo que enfim pudéssem os cortar-lhes a ligação dente. Igualmente essa epístola não foi preservada em língua hebraica, mas
umbilical de uma história anterior agora obsoleta. Elas se situam bem no cen­ somente em grego.
tro do lamento e podem reverter a qualquer momento. Reverter em lamenta­
ção reencetada.
1. O livro de Baruc

V. O LIVRO DE BARUC E A EPÍSTOLA DE JEREMIAS í.í. Estrutura


(Ivo M e y e r )
O livro, com uma introdução e a subdivisão em quatro blocos, torna-se
Texto: Jerem ias, Baruch, Threni, Epistula Jerem iae, ed. J. Ziegler (Septuaginta: Vetus compreensível como contraparte à carta que Jerem ias enviou ao grupo de
Testam entum G raecum XV), G öttingen, 2a ed. 1976. exilados na Babilônia em 597 (Jr 29).
Com entários: F. Asensio, Lamentaciones, Baruk, Carta de Jeremias (BAC 312), 1970; A.
H. J. G unnew eg, Das Buch Baruch. Der B rief Jeremias (JSHRZ III/2), 1980; J. Schreiner l,l-15aoí introdução cf. Jr 29,1-3
(NEB), 1986. l,15aß-3,8 oração penitencial cf. Jr 29,5-7
3,9-4,4 discurso de exortação cf. Jr 29,8s
Monografias: L. A lonso Schökel, Jerusalém inocente intercede. Baruc 4,9-19, in: Ge- 4,5-5,9 discurso de promessa cf. Jr 29,10-14
denkschrift A. Diez Macho, M adrid 1986, pp. 39-51; J. J. Batistone, An Examination o f
the Literary and Theological Background o f the W isdom passage in the Book o f Baruc,
Diss. Duke U niversity 1968; D. G. Burke, The Poetry o f Baruch. A Reconstruction and
A introdução l,í-í5 a a nomeia como autor o companheiro de Jeremias,
Analysis o f the Original H ebrew Text o f Baruch 3:9-5:9 (SBL Septuagint and Cognate conhecido biblicamente (e entrem entes tam bém a partir de inscrições pelo
Studies 11), Chicago 1982; D. Kellerman, A pokryphes Obst. B em erkungen zur Epistola nome do pai e com o título "escriba"). Foi a Baruc que Jeremias confiou os con­
Jerem iae (Baruch K. 6): Z D M G 129,1979, pp. 23-42; C. A. M oore, Toward the Dating of tratos da com pra do campo (cap. 32) para que os preservasse. Ditou-lhe de
the Book of Baruch: CBQ 36, 1974, pp. 312-320; W. N aum ann, U ntersuchungen über acordo com o cap. 36, no ano de 605, suas palavras ditas até então. Encarre­
den apokryphen Jerem iasbrief {BZAW 25), Giessen 1913; O. H. Steck, Das apokryphe gou-o da leitura pública no templo. Incumbiu-o de escrever um segundo rolo
Baruchbuch. Studien zu Rezeption und K onzentration "kanonischer" Ü berlieferung ampliado e lhe comunicou naquele tempo, segundo o cap. 45, uma promessa
(FRLANT 160), G ö ttin g en 1993; idem , Z ur R ezeption des P salters im a p o k ry p h en divina, de que ele conservaria sua vida "como despojo, aonde quer que fores".
B aruchbuch, in: K. Seybold/E. Z enger (eds.), Neue W ege der Psalm enforschung (HBS Em conjunto com ele Jeremias, conforme o cap. 43,6, foi "levado junto" ao Egito
1), Freiburg 1994; idem, Israels Gott statt a n d erer G ötter — Israels Gesetz statt frem ­
por Iohanan ben Qarêah e sua gente. Quem partia do postulado de que a pa­
der W eisheit. B eobachtungen zur Rezeption von Hi 28 in Bar 3,9-4,4, in: FS O. Kaiser,
lavra profética de Jr 43,8-13 tinha de ter sido cum prida (o que historicamente
G öttingen 1994, 457-471; E. Tov, The Septuagint Translation o f Jeremiah and Baruch
(HSM 8), M issoula 1976; idem , The Book o f Baruch, M issoula 1975; B. N. W am bacq. não aconteceu) tinha de pressupor que Nabucodonosor conquistou o Egito e
Lunité du livre de Baruch: Bib. 47,1966, pp. 574-576. "rebuscou os piolhos da terra do Egito como um pastor tira os piolhos de sua

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