• Os vários cristianismos • A igreja na casa – ou como funcionavam as comunidades
A mensagem de Jesus e aquela que foi propagada por seus
seguidores diretos, quando foi recebida, pode ter sido aceita, ou não, e de formas diferentes, gerando diversas expressões de simbologia e atitudes. OS DIVERSOS CRISTIANISMOS As comunidades cristãs do cristianismo nascente • A interpretação dos atos e ensinamentos de Jesus desenvolvida depois da sua presença e dos seus seguidores foi condicionada ao mundo e aos setores sociais de quem recebia a boa-nova do Reino de Deus. • A missão e expansão da nova mensagem durante os primeiros anos e décadas depois da morte de Jesus foi um fenômeno absolutamente desprovido de unidade. O resultado desses grupos de seguidores de Jesus em rápida expansão foi muito variado. • A missão paulina é a única sobre a qual dispomos de algumas informações diretas; mas a formação de outros grupos, com frequência também muito diferentes, não pode ser posta em dúvida, mesmo que possa ser reconstruída apenas por meio da análise crítica de materiais posteriores e informações em geral fragmentárias (KOESTER, 2005, p.110) Os grupos cristãos • De itinerantes galileus, passando por grupos que pensaram acomodar as instituições judaicas, a congregações independentes na Ásia Menor e Grécia (MÍGUEZ, 1995, p. 23). • Os cristãos formaram grupos sociais ao redor de tipos distintos de liderança com evolução própria. • Como não havia uma cartilha que guiasse os movimentos de Jesus em sua mista constituição e nem regras sociais definidas, as dinâmicas internas eram vivas, pois não havia homogeneidade na composição social das primeiras comunidades. Os conflitos aumentam conforme elas cresciam, pois passavam a conter pessoas de diversos estamentos e etnias, mas acontecia principalmente em torno da definição dos papéis de liderança em jogos de poder. • Os líderes dos grupos de cristãos podiam apelar para uma larga gama de fatores de legitimação: comissionamento, representação, habilidades hermenêuticas, sabedoria, demonstrações de carisma e experiência direta com o Espírito de Deus. Havia então problemas de conflito quando líderes de outros grupos se apresentavam ou mesmo rusgas internas aos grupos na disputa pela liderança. • Stegemann e Stegemann: divisão geográfica temporal: comunidades na terra de Israel ou nas cidades do Império Romano. • A protocomunidade de Jerusalém (ou comunidades de Deus na Judeia) formada por judeus e judias em Israel e por aqueles que vieram da diáspora, nos anos anteriores ao ano 70 d.C.. • Concomitante a esse grupo, continua existindo um seguimento de Jesus de característica itinerante, a quem os autores creditam a origem da fonte dos ditos. • A estas, acrescentam as comunidades messiânicas, surgidas após o ano 70, que são representadas nos Evangelhos de Mateus e João. • As “comunidades dos povos” são aquelas oriundas dos impulsos missionários das comunidades da Judeia, têm uma composição mista de judeus e não-judeus, relacionam-se ao judaísmo da diáspora em periferias de cidades majoritariamente não judaicas. • Mesters e Orofino (1995, p. 34-44) mostram a evolução do cristianismo em etapas. • Na primeira etapa, até o ano 44 d. C., os primeiros cristãos eram vistos como um movimento de renovação interno ao judaísmo. Eles se organizavam nas comunidades ao redor das sinagogas e à margem do judaísmo oficial. Já nessa etapa aparecem divergências entre dois extremos que refletiam conflitos do judaísmo: os que buscavam inculturar a mensagem no mundo helenístico, ligados aos judeus da diáspora, e os que defendiam a fidelidade à Lei de Moisés e à “Tradição dos Antigos”, ligados aos escribas e fariseus de Jerusalém. Entre esses dois grupos, havia outras tendências: as comunidades da Galileia, os ligados a Tiago e aos irmãos de Jesus, os ligados aos samaritanos. • A segunda etapa inicia com a mudança na forma política de governar a Palestina, tornando-a uma província romana, e vai até o ano 70 d.C. Por volta do ano 66, uma nova mudança na política imperial, com a centralização proposta por Nero, gera guerras e revoltas, como a revolução judaica de 66 d.C., e a morte dos apóstolos e das testemunhas da primeira geração, levando a uma nova fase da evolução cristã. Com a obrigatoriedade do culto ao imperador, as instituições do Império são mobilizadas contra os cristãos e as comunidades passam a se preocupar com sua manutenção em busca da sobrevivência. • Mack • os itinerantes na Galileia, são responsáveis pela fonte dos ditos (Q), • os Pilares em Jerusalém, • a Família de Jesus, • a Congregação de Israel, que seria responsável pelas histórias de milagres das tradições pré-marcanas, • os da Reforma da Sinagoga, que seriam os prováveis responsáveis pelas histórias de controvérsias com fariseus dentro do Evangelho de Marcos. • o culto de Cristo é um movimento helenizado que se desenvolveu no norte da Síria a partir do movimento de Jesus, o tipo de grupo a que Paulo pertenceria, seriam os responsáveis pelas narrativas da paixão e refeições • Bohn Gass – grupos que originaram os escritos • 1ª Geração – até o ano 67 • As comunidades do discípulo amado – primeiras tradições que comporão a literatura joanina – não são mencionados em At - galileus, batistas, samaritanos e gregos; protagonismo feminino • As comunidades de Marcos • As comunidades de Jerusalém: lideradas pelos apóstolos e familiares de Jesus • As comunidades Helenistas – oriundas das pregações dos missionários itinerantes – a igreja de Antioquia – Paulo – cartas autênticas • 2ª Geração – anos 70 – 90 • Herança das comunidades de Marcos: Ev de Mc • Herança das comunidades paulinas: 2Ts, Lc, At, Cl, Ef, 1Pd • Herança das comunidades de Tiago: Mt, Tg, Jd • 3ª Geração – 90-130 • Herança das Comunidades do discípulo amado : Jo, Ap, e cartas joaninas • Herança das comunidades paulinas: Hb, 1 e 2 Tm, Tt, 2Pd • Apesar dos conflitos internos e externos, os diferentes grupos cristãos tinham um grau de identidade e reconhecimento, mas formas institucionais e construções simbólicas distintas. • É possível dizer que “todos podem ter se formado em ajuntamentos para refeições [...] tinham estímulo em uma noção de forma social que alguns grupos chamaram de Reino de Deus e todos reconheciam Jesus como seu fundador” (MACK, 2006, p. 124). • Para Theissen (2009), os dois valores fundamentais do ethos cristão primitivo eram o amor ao próximo e a renúncia por status, como heranças do judaísmo, mas que eram conceitos novos dentro do mundo não-judaico onde o cristianismo se expandiu. As refeições e o batismo consistiam de novas formas rituais conectadas à vida e morte de Jesus. Esse novo formato ritual é fixado em comum pela formação dos Evangelhos A IGREJA NA CASA • “19 Saúdam-vos as Igrejas da Ásia. Enviam-vos efusivas saudações no Senhor Áquila e Priscila, com a Igreja que se reúne na casa deles” (1Cor 16,19). • “1 Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, a Filemon, nosso muito amado colaborador, 2 à nossa irmã Ápia, ao nosso companheiro de armas Arquipo, e à Igreja que se reúne na tua casa” (Fm 1,1-2). • “3 Saudai Prisca e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus, 4 que para salvar minha vida expuseram a cabeça. Não somente eu lhes devo gratidão, mas também todas as Igrejas da gentilidade. 5 Saudai também a Igreja que se reúne em sua casa“ (Rm 16,3-5a). • Paulo afirmou ter batizado “a casa de Estéfanas” (1Cor 1,16), indicou a mesma casa como representante das “primícias da Acaia” (1Cor 16,15). • Em Romanos são encontradas também referências a outros grupos, não necessariamente fundados por Paulo, identificados pelas casas a que pertenciam. É o caso dos membros da casa de Aristóbulo e de Narciso (Rm 16,10), assim como Asincrito, Flegonte, Hermes, Pátrobas e Hermas, ou Filólogo, Júlia, Nereu e sua irmã (Rm 16,14), que provavelmente eram membros de outras casas não especificadas. • Com as disputas nas sinagogas, a destruição do Templo de Jerusalém e ainda sob pressões do Império, os cristãos não contavam com instituições ou ambientes oficiais que os abrigassem e onde pudessem se reunir e vivenciar sua fé. A casa desponta como o lugar do desenvolvimento do movimento cristão. A casa é lugar de ficar, mas também de atuar em prol do Reino, no caso, através da cura, da comunhão e do ensino. Pela tradição, é o local onde Jesus instrui os discípulos, pois nas comunidades a casa era lugar das reuniões para catequese e culto • No Evangelho de Marcos, o espaço doméstico é caracterizado como uma base para o ministério, pois Jesus aparece várias vezes instruindo os adeptos do movimento em casas, e ela também é o lugar das refeições tão caras ao evangelho. Isso altera o valor da casa; o ambiente principal de atuação das mulheres, agora, é mais que o lugar da família, se torna um ambiente central em termos de espaço social e religioso • A casa é paradigma importante para compreender o movimento de Jesus e o desenvolvimento dos primeiros grupos cristãos. Ela é lugar de origem e desenvolvimento da missão de Jesus e a unidade a partir da qual a comunidade é construída. Casa é o lugar importante para o ensino e atuação de Jesus. Muitas curas acontecem no âmbito da casa. Jesus é apresentado como hóspede em diversas casas. [...] a casa é transformada num novo espaço social e religioso, pois o trabalho, e não as relações de poder, é paradigma para o Reino de Deus. O movimento de Jesus relativiza a casa como elemento fundamental e estabilizador da ordem social e ao mesmo tempo utiliza a casa como instrumento da missão e expansão do próprio movimento (STRÖHER, 1998, p. 55). • Seu significado está além de um lugar de moradia, visto que é, de fato, o centro produtivo da antiguidade, onde os membros da família são a mão de obra. Quando localizada no campo, confunde-se com a roça, quando na cidade, a casa e a oficina se entrelaçam. Ali os grupos familiares controlam o processo produtivo e dominam sobre o espaço. É na casa que as pessoas se relacionam, onde são mais evidentes as determinações da divisão do trabalho e do espaço por gênero. Ainda mais do que isso, a casa é, no cristianismo originário, o símbolo do novo sistema de relações de convivência em oposição aos espaços oficiais da religião judaica. Isso fica bem evidente nos evangelhos. • A organização do movimento cristão primitivo no geral constituiu uma estrutura fragmentada. Em primeiro lugar, porque várias εκκλησίαι domésticas poderiam reunir-se em uma cidade e, em segundo, porque a existência de diversos patronos impedia que um deles possuísse o monopólio da autoridade sobre as demais. • Segundo afirmou David. L. Balch em Paulo, as Famílias e as Casas (2003), “foi só na metade ou no final do século II da Era Comum que os cristãos começaram a transformar casas em edifícios especificamente adaptados para sua assembleia e seu culto” (BALCH, 2008, p. 226). • Em meados do século I EC, o οίκος representava para o movimento paulino muito mais do que o lugar das reuniões de convertidos. Assim como na configuração urbana, o οίκος era a célula base que estruturava toda a organização social das εκκλησίαι. • Seu ambiente foi basilar também para que Paulo estabelecesse paralelos referentes às relações interpessoais que pretendeu instaurar entre os convertidos. Por meio da proposta de abandono das referências familiares precedentes e da adoção de novos papeis sociais dentro de uma estrutura análoga, também familiar, o apóstolo regulamentou as εκκλησίαι assim como um pater familias ou um οικοδεσποτες faria em sua casa. • O desenvolvimento das comunidades nas casas abre a porta para o protagonismo das mulheres • Ao lado da crescente patriarcalização das comunidades, há a transformação das comunidades de igrejas domésticas em reuniões públicas. A casa deixa de ser espaço doméstico para ser público. • Isso leva ao crescente questionamento dos papéis e liderança das mulheres nos textos, desde os anos 60-70 (Cl) até os anos 90-110 dC (Ef, 1 e 2Tm, Tt).