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Unidade V
Pentecostalismo

Capítulo I
Quem são os Pentecostais?

O movimento pentecostal teve três ondas durante o século XX 1. A primeira onda é


que deu início ao movimento nos Estados Unidos e espalhou-se para outras partes
do mundo. Enfatizava a experiência do batismo com o Espírito Santo, acompanhada
do falar em línguas. Sinais e maravilhas eram considerados como conseqüência
natural desta pregação. Nesse momento o movimento foi rejeitado pelas igrejas
organizadas e os crentes pentecostais organizaram suas próprias igrejas. No Brasil
os principais expoentes dessa linha são a Igreja Assembléia de Deus, a Igreja do
Evangelho Quadrangular, a Congregação Cristã, entre outras.
A segunda onda veio com a renovação carismática no meio do século XX. Diferente
da primeira onda, o movimento ocorreu dentro das principais denominações cristãs,
inclusive a Igreja Católica Romana. A Renovação Carismática Católica (RCC) surgiu
da leitura do livro A Cruz e o Punhal. Esta onda enfatizava também o batismo no
Espírito Santo, que podia incluir o falar em línguas. Os carismáticos, como ficaram
conhecidos, enfatizam todos os dons do espírito e a adoração exuberante, a
compaixão pelos necessitados e os relacionamentos interpessoais profundos. O
maior expoente da RCC no Brasil é o padre Marcelo Rossi.
A terceira onda é um fenômeno mais recente que começou a partir de 1980. Este
movimento, conhecido como neopentecostais, prefere não ser identificado com
nenhum dos dois anteriores. Ele enfatiza os milagres, a cura física, o exorcismo e a
cura emocional. Concorda com o ponto de vista do cristianismo tradicional de que o
batismo com o Espírito Santo acontece na conversão e considera o falar em línguas
coisa de menor importância. Tem uma forma de adoração menos entusiástica e se
assemelham com oculto praticado pelos evangélicos tradicionais. Sua mensagem é
impregnada pela Teologia da Prosperidade. Esse grupo e representado no Brasil
pela Igreja Universal do Reino de Deus (do pr. Edir Macedo), a Igreja Internacional
da Graça de Deus (do missionário R. R. Soares), da Igreja Renascer em Cristo entre
outros grupos.
A fé no poder do Espírito Santo envolve 500 milhões de adeptos em todo o mundo.

Na antiguidade
Uma das primeiras heresias da Igreja Cristã, o Montanismo defendia um culto em
torno do Espírito Santo. Montano, originário da Ásia Menor, foi um sacerdote
convertido do culto pagão a Cibele. Ele rejeitava as autoridades eclesiásticas, a
hierarquia em torno dos bispos e as estruturas das paróquias. Esta atitude estava
ligada ao fato dele acreditar que a Igreja deveria ser dirigida pelo Espírito Santo
diretamente. Nos cultos promovidos pelo montanismo havia a manifestação do falar
em línguas estranhas.
Outras manifestações do culto ao Espírito Santo apareceram no século XII, XIII e
XIV. Numa Europa consumida pela fome e a guerra, surgiam grupos de peregrinos
penitenciais, conhecidos como “flagelantes”. A pé, quase nus, cantando e orando,
auto-flagelando-se com chicotadas nas costas, percorriam os locais de peregrinação
da Europa, Para eles quanto maior o sofrimento maior seria a chance de receber o
perdão dos pecados e de ser possuído pelo Espírito Santo. Os flagelantes tinham
visões, êxtases e falavam em línguas, que diziam ser dos anjos.
Devido aos abusos e violências que se seguiram a chegada às cidades, os adeptos
desse culto foram perseguidos e dados como extintos apenas no século XVIII.
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O surgimento do movimento pentecostal moderno


O movimento pentecostal moderno teve início em 1906, nos Estados Unidos, sob a
liderança de Willian Joseph Seymour, um pastor sem formação teológica e que era
criticado por sua igreja por promover cultos que beiravam a histeria. Os
freqüentadores deste culto eram serviçais pobres, zeladores, trabalhadores diaristas.
O movimento logo ganhou adeptos entre outros grupos sociais, como os asiáticos,
brancos e mexicanos. O pequeno bangalô de madeira onde eram celebradas as
reuniões logo ficou pequeno e eles tiveram que alugar um antigo estábulo que
conservava o cheiro dos cavalos na Rua Azusa, 312, Zona Norte de Los Angeles.
Um púlpito foi improvisado sofre uma pilha de caixas de sapato vazias. O primeiro
culto foi celebrado no dia 14 de abril. Quatro dias mais tarde, São Francisco foi
destruída por um terremoto, no maior desastre em território americano até aquela
data. O acontecimento foi dado como um sinal do juízo de Deus e deu novo impulso
ao movimento que estava surgindo.
O movimento se espalhou por todo o país. Pouco tempo depois, as multidões não
podiam ser contidas em ginásios e estádios de futebol. Movimento adotou as novas
tecnologias de comunicação, fato que encurtou distâncias, maximizou as platéias e
potencializou a pregação.

No Brasil
No Brasil o movimento pentecostal começou na cidade de Belém do Pará, no ano de
1911. Em abril daquele ano, Gunnar Vingren e Daniel Berg, dois crentes suecos,
chegaram a Belém, e se uniram à igreja Batista local. A igreja estava passando por
uma grave crise, com disputas internas e sem um ministério estável. O missionário
Eurico Nelson havia assumido o pastorado há pouco tempo e precisava viajar
constantemente para atender o campo de trabalho. Por isso os dois suecos lhe
pareceram uma boa ajuda para o ministério.
Nelson precisou viajar para o Piauí e os dois missionários suecos começaram a
ensinar o batismo com o Espírito Santo e o dom de línguas, durante a sua ausência.
Isso provou divisão da igreja e a maioria dos membros colocou-se ao lado das novas
idéias e práticas. Entretanto, mesmo sendo a minoria os batistas conseguir expulsar
da igreja a maioria pentecostalizada. O grupo dissidente deu origem a Igreja
“Assembléia de Deus”.
Na década de 1950 cresceu, no Brasil, o movimento pró-avivamento das igrejas que
se vinha esboçando entre as várias denominações. Apesar de ter um início com
bons propósitos, o movimento desviou-se do verdadeiro avivamento para adotar
práticas pentecostais, como se ambas realidades – avivamento espiritual e
pentecostalismo – fossem uma e a mesma coisa.
Entre os líderes deste movimento, destacara-se o pr. José Rego Nascimento,
conferencista de prestígio entre os batistas, e o pr. Enéias Tognini, que liderava a
igreja Batista de Perdizes e era diretor do Colégio Batista, em São Paulo.
Estes grupos, para distinguirem-se das igrejas tradicionais, adotaram a designação
de “renovado”.
Nos anos 1980, surgiram as igrejas neopentecostais: a Igreja Internacional da Graça
de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus. Os seus fundadores, o missionário
R. R. Soares e o pr. Edir Macedo, começaram o ministério juntos, mas logo cada um
abriu a sua própria igreja.
No rastro do sucesso deles, surgiu a Igreja Renascer em Cristo, Sara a Nossa Terra,
entre outras.
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Capítulo II
O batismo com o Espírito Santo

Antes de estudarmos as passagens do Novo Testamento que tratam da glossolalia,


temos que analisar a base da doutrina pentecostal – a questão do batismo com o
Espírito Santo. Se entendermos este ponto, estaremos preparados para
compreender por que não podemos aceitar a alegação de que o Movimento
Carismático seja uma volta ao Cristianismo primitivo. Na teologia pentecostal
ortodoxa ensina-se que o cristão, depois de “nascer de novo”, deve buscar uma
experiência mais profunda com Deus. A ela dá-se o nome de batismo com o Espírito
Santo, ou segunda bênção. Ou seja, depois de recebermos Cristo como Salvador,
precisamos receber o Seu senhorio sobre a nossa vida. E qual seria o sinal visível
de que a pessoa recebeu esta bênção? O falar em línguas. “É possível receber o
batismo com o Espírito Santo sem falar em línguas estanhas?” perguntou-se à
revista A Seara, de bandeira carismática. Ao que ela respondeu “Não, não é
possível. O sinal do batismo com o Espírito Santo é falar em línguas estranhas, e
quem diz que o recebe sem este sinal está enganando a si mesmo, ou foi enganado
por alguém, ou está querendo enganar outras pessoas”. Desfazendo este equívoco,
Dale Bruner escreveu: “Os pentecostais crêem que o Espírito Santo tem batizado
todo crente em Cristo, mas que Cristo não tem batizado todo crente no Espírito.”
Esta posição pode ser questionada pelos seguintes fatos bíblicos:
1. No Novo Testamento não encontramos um Cristo dividido. Quando O recebemos
como Salvador, precisamos aceitá-lo como senhor. Ao dicotomizarmos a experiência
cristã criamos duas classes de crentes, e tal posição não é bíblica (Apocalipse
17.14; Mateus 7.21-23).
2. O batismo com o Espírito Santo, diferente do ensino pentecostal, nada mais é do
que o outro nome que a Bíblia dá para a conversão, regeneração ou novo
nascimento (leia Tt 3.4 e 5). Em 1 Co 12.13 Paulo escreveu: “Pois em um só Espírito
todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos,
quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.” Desta passagem
podemos depreender dois ensinamentos: o primeiro é que a experiência do batismo
com o Espírito Santo é para todos os crentes, não apenas para alguns mais
privilegiados. Quando Paulo diz “todos nós”, não podemos nos esquecer de que está
incluindo os cristãos de Corinto, que ele, alguns capítulos antes, acusa de estarem
agindo como carnais e infantis (1Co 3.1-3). Assim, entramos no segundo ensino
dessa passagem. E para entendeê-lo devemos fazer um paralelo com o batismo são
necessários quatro elementos – a água (onde se submerge o catecúmeno); o
batizando (o crente em cristo); o oficiante (o ministro); e o propósito (torná-lo
membro do povo de Deus) – no batismo com o Espírito Santo temos quatro
elemntos prestnes.Qual seria o elemento eem que seríamos submersos?Segundo
Paulo seria o Espírito Santo. O batizando? Todos os crentes. O oficiante? Jesus. O
propósito? Uni-lo ao corpo de Cristo, Sua Igreja. Fazendo uma releitura de 1 Co
12.13, nós seríamos batizados no Espírito Santo por Cristo, para unir-nos ao corpo
espiritual de Cristo. Quanto acontece isto? Na conversão.
3. Para confirmar que o perdão dos pecados é concomitante ao batismo com o
Espírito Santo, convém ler a descrição que João Batista faz da obra do Messias. Em
Jô 1.29 está escrito o que o Batista disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo.” Na continuação ele diz, no versículo 33: “E não O conhecia; Aquele,
porém, que me enviou a batizar com água me disse: ‘Aquele sobre quem vires
descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo’.” Observe que
Aquele que tira (versículo 29) é o que batiza (versículo 33). Os dois verbos, as duas
ações estão no mesmo tempo (presente). Essas duas obras são praticadas pela
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mesma pessoa, Jesus. Na mente de João Batista, quando Cristo tira o pecado Ele
batiza com o Espírito Santo.
4. Como vimos até aqui, para Paulo, quando o pecador ouve a pregação da fé (Rm
10.17), Jesus envia o Espírito Santo ao coração crente. O apóstolo dos gentios
repreende a facilidade com que os irmãos da Galácia se afastaram do Evangelho.
Entre os argumentos que usa para chamá-los à razão, pergunta: “Quero apenas
saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da Lei ou pela pregação da fé?”
Gl 3.2. Note que ele repete esta questão, em seguida, em um contexto de dons
espirituais: “Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre
vós, porventura o faz pelas obras da Lei ou pela pregação da fé?” (versículo 5). A
ambas as perguntas a resposta é a mesma: Deus nos concede o Seu Espírito
quando ouvimos e cremos na pregação do evangelho. Para o apóstolo não existe
uma experiência posterior, reservada a um grupo seleto de cristãos. Na teologia
paulina, após recebermos esse batismo espiritual, resta-nos apenas encher-nos do
Espírito (Ef 5.18), ou seja, andar no Senhor, pelo mesmo caminho da fé que marcou
o início da nossa jornada (Cl 2.6), até alcançarmos a estatura de Cristo (Ef 4.15 e
16; 2 Pe 3.18).
5. Quanto ao texto de Gálatas 3, podemos aduzir uma terceira questão, que é o
ponto fraco da teologia pentecostal. Ali Paulo está dizendo que existem apenas dois
caminhos para o recebimento do batismo com o Espírito Santo: o caminho da fé ou
das obras (leia novamente os versículos 2 e 5). Quando o Movimento Carismático
propõe a busca da segunda bênção, está escolhendo o caminho que Paulo diz
afastar-se do verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo. Por quê? Porque ao
pentecostal é ensinado que, se ele deseja receber esta segunda visitação especial
do Céu, precisa de muita oração, jejum e luta. Entre eles, esta experiência é
chamada de quebrantamento. Ou seja, isso é fruto do merecimento humano. Quer
dizer, eles exaltam a experiência subjetiva (o que Deus faz em nós) no lugar da
objetiva (o que Deus faz por nós, em Cristo). Jesus repreende os discípulos por
causa disso (Lc 10.20). Por isso dizemos, que, ao invés de ser um retorno ao
cristianismo bíblico, o Movimento Carismático, propõe uma volta ao princípio católico
da salvação por méritos próprios, não pela graça.
Com a abordagem realizada até aqui, não é difícil entender por que a Renovação
Carismática tem tido tão entusiástica aceitação no sistema papal. Existe uma
afinidade básica entre ela e o Movimento Carismático Pentecostal.

Capítulo III
Ocorrências de glossolalia no Novo Testamento

Durante a História da Igreja Cristã, nenhum outro dom tem causado maior polêmica
do que o de glossolalia – dom de falar em línguas desconhecidas (do grego glossa,
língua + lalia, ato de falar). O Movimento Pentecostal, que alega tê-lo restaurado em
nossos dias, acredita que a força da sua obra está no uso de todos os dons,
especialmente o de línguas. Além disso, diz que, se não aceitamos a manifestação
da glossolalia como legítima, estamos nos recusando a “voltar às origens do
cristianismo”. Mas esta afirmação leva-nos a um questionamento; é bíblico falar em
línguas estranhas? Que ensina o Novo testamento sobre este dom?
Analisemos as referências ao dom de línguas no texto sagrado:
1. Mc 16.17 e 18. Encontramos a primeira referência à manifestação do dom de
línguas no evangelho de Marcos. Esta passagem é usada para legitimar a prática
glossolálica atual. Alega-se que o dom seria um cumprimento das promessas de
Cristo à Sua Igreja. Deixando de lado as questões textuais e contextuais, basta
buscar no original a Expressão “novas línguas” para entender o que o Senhor queria
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dizer. No grego está glóssais laleosousi kanais, que aparece traduzida na Edição
Revista e Atualizada, de João Ferreira de Almeida, como “falarão novas línguas”.
Nessa passagem não foi usada a palavra néos, que apresenta o sentido de
“recente”, mas kainós, que se refere àquilo que já existe, porém é novo para quem o
tem. Ilustrando: se quiséssemos dizer que compramos um carro novo (0Km),
usaríamos o primeiro termo. Mas se fôssemos explicar que o carro foi comprado
recentemente, porém era velho, empregaríamos o segundo termo. Portanto, Jesus
está referindo-se ao falar em línguas já existentes, mas novas pra quem manifesta
possuir o dom de falá-las.
2. At 2.1-13. Este é um texto chave para entendermos as demais referências a esse
dom. Por ocasião da Festa do Pentecostes (do grego, cinqüenta, por que acontecia
cinqüenta dias depois da Páscoa). Lucas, nessa passagem, menciona dezessete
diferentes nacionalidades diferentes presentes à festa. Como muitos deles não
falavam a língua dos seus antepassados, isso se tornaria uma real dificuldade para
a pregação do Evangelho. O Espírito Santo solucionou este problema capacitado os
discípulos a falar nas línguas ali representadas, sem que eles as tivessem a
prendido previamente.
Alguns têm explicado essa manifestação como a capacidade dos estrangeiros
presentes de entender a pregação dos apóstolos. Mas esta interpretação esbarra
em dois problemas: em primeiro lugar, quem recebeu o Espírito Santo foram os
discípulos e não os estrangeiros. Portanto, quem deveria manifestar o dom eram os
primeiros e não os segundos. Por outro lado, esse não seria um dom de falar
línguas, mas de interpretar. Tal não é o caso. A confusão acontece porque Pedro
aparece discursando (versículo 14-34). Tem-se a impressão, com isso, de que
apenas ele está pregando. Porém, não aconteceu assim. Uma leitura atenta da
passagem em questão sugere um quadro em que cada um dos doze (caps. 1.267 a
2.14) recebeu a capacidade de falar em diferentes línguas (cap. 2.4). Ou seja, para
ilustrar, um apóstolo falou a um grupo de cretenses, outro a um grupo de árabes, e,
assim, todos ouviram, em suas próprias línguas, diferentes sermões sobre o mesmo
tema. Só depois da acusação, por parte dos que não entenderam o que estava
acontecendo, de que os discípulos estavam bêbados, foi que Pedro tomou a palavra
(versículo 14). Outros têm interpretado essa passagem como uma confirmação de
que o dom de línguas deve existir entre o povo de Deus. Entendemos que sim, mas
de que natureza deve ser esse dom? Falaram os apóstolos línguas estáticas, sem
sentido, ou elas eram semelhantes às faladas pelos homens, idiomas inteligíveis? A
simples leitura dessa passagem responde esta questão. Veja o versículo 6, em que
os perplexos estrangeiros comentam que “cada um os ouvia falar na sua própria
língua”, e o versículo 8, em que eles perguntaram de forma clara: “E como ouvimos
falar, cada um em nossa própria língua materna?” Veja também o versículo 11.
3. At 10.44-48. Nessa passagem há a descrição da experiência de Pedro com a
família de Cornélio. Antes de tudo, esse texto nega a tese básica dos carismáticos.
Conforme vimos, eles crêem ser o batismo com o Espírito Santo uma experiência
dada aos convertidos. Mas observe que, apesar de ser um prosélito piedoso e
temente a Deus (At 10.2), Cornélio não era salvo, pois o anjo disse-lhe que
procurasse Pedro, “o qual te dirá palavras mediante as quais será salvo” (cap.
11.14). Lucas conta que no meio da pregação “Pedro falava estas coisas quando
caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviram a Palavra” (cap. 10.44). Que
“coisas” eram essas? Segundo o versículo imediatamente anterior, “que por meio de
Seu nome, aquele que nEle crê recebe remissão de pecados” (versículo 43). Ou
seja, Cornélio e sua família receberam o Espírito Santo no momento da conversão.
Em segundo lugar, o “falar em línguas” (cap. 10.46) deve ser entendido como a
afirmação de que os gentios tinham direito aos privilégios da nova dispensação.
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Mesmo os que acompanhavam Pedro não acreditavam que “Deus não faz acepção
de pessoas” (cap.10.34), e esta experiência serviu para convencê-los do seu erro de
julgamento. Em terceiro lugar, o falar me línguas na casa de Cornélio em nada
diferiu do dom manifestado na Igreja, em At 2, pois Pedro, comentando sobre como
caiu o Espírito Santo sobre os gentios, disse que fora assim “como também sobre
nós, no princípio” (cap.11.15).
4. At 19.1-7. Paulo, em visita a Éfeso, encontrou um grupo de doze discípulos de
João (versículo 3), que não conheciam a cristo (versículo 4). Visto que Lucas usa a
mesma expressão de Atos 2 para classificar a manifestação que se deu de línguas
(versículo 6), devemos entender que ele está referindo-se ao dom idêntico ao de
Pentecostes.

Capítulo IV
Glossolalia em Corinto

Os capítulos 12 e 14 de 1 Coríntios são, no que diz respeito ao dom de línguas, das


mais difíceis passagens da Bíblia. Para explicá-los, três posições têm sido tomadas:
a primeira, de que a glossolalia em Corinto era idêntica à manifestação de Atos 2. O
que aconteceu, então, foi uma corrupção do uso do dom. A segunda defende a
posição de que Paulo estaria referindo-se a um dom completamente distinto do dado
em Pentecostes. E a terceira posição, que pensa que Paulo está falando de duas
manifestações de línguas onde uma ele condena e a outra ele apóia.
Tem sido a causa de muita confusão o uso da expressão “estranha”, junto a palavra
“línguas” em 1 Co 12 e 14. Ela não consta no original e está grafada em itálico nas
versões onde ela aparece. As traduções mais antigas inseriam a expressão
“estranhas” no texto bíblico com o sentido de “língua estrangeira”, tentando clarear o
seu sentido. No entanto, alguns pensaram tratar-se de uma língua desconhecida
para os humanos, por isso a maior parte das versões atuais resolveram excluí-la do
texto:
A Igreja de Corinto tinha vários problemas espirituais: dissensões (1.10); contendas
(1.11); imaturidade espiritual (3.1-3); julgamento do trabalho de Paulo (4.1-4);
fornicação (5.1); orgulho (5.2); processo de irmão contra irmão (6.1-6); separação e
divórcio (7.27); discussões sobre as carnes sacrificadas aos ídolos (cap. 8);
problemas na hora da Ceia do Senhor (11.18-22); entre outros. Não admira
revelarem ignorância a respeito dos dons espirituais (12.1) e houvesse problemas na
questão do culto e dos dons de línguas (cap. 14).
A raiz de muitos problemas da Igreja de Corinto era o ambiente pagão em que a
comunidade de crentes vivia. A questão do dom de línguas, na igreja, está
relacionada com esse fator.

Influência pagã
Para podermos entender a questão de línguas em Corinto precisamos estudar o
contexto cultural que a igreja vivia. Para Bittentcourt os corintos aprenderam línguas
estranhas no seu próprio meio entre os pagãos, não com os apóstolos. Primeiro
Corintios foi escrito antes do livro de Atos, portanto o que se sabia sobre o
pentecostes era a tradição oral. Isso podia criar vários maus entendidos.
O registro mais antigo não-cristão do falar em línguas remonta aos Oráculos de
Delfos. A cidade grega de Delfos ficava a menos de 80 km a noroeste do Corinto,
esses Oráculos floresceram no quinto século antes de Cristo e nos dias de Paulo
estavam em decadência. As pessoas tinham o costume de consultar os oráculos
para tomar decisões mais importantes. Os gregos acreditavam que o oráculo podia
saber a vontade dos deuses.
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O interessado nas predições deveria participar de um ritual de purificação e oferecia
sacrifícios. Depois era trazido para a presença de uma jovem mulher que era uma
sacerdotisa de Apolo. Ela dizia ser possuída por um espírito pitônico (nome de uma
serpente que tinha sido esmagada pelo deus Apolo). A jovem sacerdotisa sentia um
estado de frenesi emocional e começava a falar em línguas, pronunciando palavras
irreconhecíveis e estáticas. O sacerdote supostamente traduzia para um grego
inteligível e apresentava ao oráculo para que este respondesse ao interessado a
vontade dos deuses. A resposta era regularmente ambígua. O falar estático de
Delfos influenciou o falar em línguas na igreja em Corinto.
Nos templos pagãos, os gregos estavam acostumados a adorar os seus deuses na
forma de uma língua estranha, misteriosa, desconhecida e no momento em que eles
falavam eram dominados por suas emoções e um estado de euforia e alegria
tomava conta deles. Para ele esta era a forma mais elevada de adoração e ao
tornarem-se cristãos trouxeram esta prática para dentro da igreja.
“O apóstolo Paulo refere-se a dois tipos de línguas diferentes em 1 Corintios 14. Por
que ele cita dois tipos? A razão é porque um se referia à língua pagã e o outro ao
que foi falado no Pentecostes. Uma no singular e outra no plural. Ele escreveu para
a igreja de Corinto com o objetivo de orientá-los. A língua estática e misteriosa de 1
Coríntios 14 aparece no singular em contraste com línguas no plural no mesmo
capítulo. Este falar em língua no singular é a que tem origem pagã e está registrada
em 1 Coríntios 14 versos 2, 4, 13, 27 onde a versão King James Version (sic) traduz
por língua irreconhecível.... Assim ele expressa: ‘Vós bem sabeis que éreis gentios,
levados aos ídolos mudos, conforme éreis guiados’ (1Co 12.32). Paulo procurou
ordenar essa forma de adoração pagã que os coríntios, insistiam em continuar
praticando, mesmo após a conversão. No entanto, ele atribuiu primeiramente esses
costumes à ignorância dos que continuavam a praticá-los. ‘A respeito dos dons
espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes’ (1 Co 12.1). Podemos notar,
por esta declaração do apóstolo, que os cristãos da igreja de Corinto eram
totalmente ignorantes com respeito aos dons e entre eles estava incluindo o dom de
línguas. Qual é o sentido da palavra “ignorantes” usada nese texto? Significa que
eles não tinham conhecimento sobre o verdadeiro dom de línguas. Paulo queria
ajudá-los pois sabia que eles eram sinceros apesar dos seus erros. Por isso, a
seguir, em consideração à sinceridade dos que agiam desse modo, aplica-lhes os
princípios do amor descrito no capítulo 13: ‘O amor é paciente, é benigno..., tudo
sobre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta’ (1Co 13.4-7). Tudo espera. O quê? A
mudança de atitude dos coríntios.”2
Notamos claramente em 1 Coríntios 14 duas formas de falar em línguas:
A primeira expressão que aparece é falar em língua, no singular: 1Co 14.2, 4, 9, 13,
14, 19 e 27. Esta é a que era falada na igreja de Corinto e que Paulo
desaconselhou.
A segunda expressão é falar em línguas, no plural: 1 Co 14.5,6,18, 21, 22, 23, 39.
Foi aprovada por Paulo e também falada no dia de Pentecostes.
A única exceção, segundo MacArthur3, está em 1 Co 14.27, onde Paulo sem dúvida
fazia referência ao dom verdadeiro, mas mencionava um homem falando uma única
língua que demanda uma forma singular.

Fora do padrão bíblico


Além da questão da diferente entre o verdadeiro dom de línguas e o falso, devemos
destacar, após leitura atenta de 1 Co 12 e 14, em que pontos o movimento moderno
de línguas falha, ao fugir do padrão neotestamentário.
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Primeiro: Paulo recomenda que o falar em línguas seja acompanhado de
interpretação (1Co 14.27). Ele chega a condenar esta manifestação na igreja se este
conselho não for seguido (versículo 28).
Segundo: Para o apóstolo, este dom não era o sinal visível de que o crente havia
sido batizado com o Espírito Santo, pois para ele nele todos os que receberam o
Espírito Santo (cap.12.13) falam em línguas (versículo 30). Jesus disse que, ao
recebermos o batismo com o Consolador, O glorificaremos (Jo 16.14), não
falaríamos em línguas. Glorificar o nome de Jesus é o sinal do batismo com o
Espírito Santo.
Terceiro: nas cinco listagens de dons espirituais, o de línguas sempre aparece nos
últimos lugares, quando não é totalmente suprimido (1 Co 12.8-10; 12.28-30; 13.1-
3; Rm 12.3-8 e Ef 4.7-11). Isto destaca a sua importância secundária. Para Paulo, o
maior dos dons era profetizar (1Co 14.1). Ele esperava e desejava que todos os
manifestassem. Mas, mesmo no que diz respeito aos dons, existia algo mais
importante, que o apóstolo chama de “caminho sobremodo excelente” (cap. 12.31):
o amor (descrito com beleza e profundidade no cap. 13) , pois “o saber
ensoberbece, mas o amor edifica” (cap. 8.1).
Quarto: Paulo procurou argumentar sobre a inutilidade da glossolalia: “Prefiro falar
cinco palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras
em outra língua” (versículo 19). Leia com atenção o cap. 14.6-19.
Na verdade, é difícil determinarmos o que Paulo quis dizer quando escreveu estes
dois capítulos, pois não conhecemos exatamente a realidade de Corinto nem temos
cópia da carta-consulta escrita pelos crentes dessa cidade a Paulo (veja 1 Co 7.1).
Mas, do que podemos compreender, deduzimos que os pentecostais estão longe do
padrão bíblico.
O dom de línguas é maravilhoso, por seu caráter sobrenatural. Foi necessário
quando a Igreja tinha urgência dele na pregação do Evangelho. Quando for preciso
Deus o restaurará, mas sempre com este objetivo. Buscar no falar em línguas um
sinal para o batismo com o Espírito Santo é ir além do que está escrito. E mais, é
contrariar os princípios do Evangelho. É estar sob o anátema de Paulo.
1
Referêncais bibliográficas:
Jornal Mensageiro da Paz, julho de 1993, pág. 20.
2
O movimento Adventista da Promessa – uma exegese bíblico-doutrinária, págs. 63 e 64.
3
Os carismáticos, pág. 154.

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