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O Dom de Línguas em 1º Coríntios 14 –

Verso por Verso

Antes de tecermos os comentários verso a verso para estudar o dom de línguas em 1


Coríntios 14, vale lembrar que na primeira carta aos coríntios o objetivo de Paulo é
advertir a problemática igreja de Corinto, que vinha se dividindo e absorvendo diversos
costumes pagãos como: divisões e contendas (1:10,11) espírito mundano (3:3)
imoralidade sexual e prostituição (5:1 6:16, 7:2), idolatria e, obviamente, culto aos
demônios (10:14,20,21), glutonaria e egoísmo (11:21,22,33,34), ignorância e confusão
quanto aos dons espirituais (incluindo o dom de línguas) 12:1,2,7,31.

O leitor perceberá claramente que tal igreja estava se alienando de maneira absurda e,
por isso, perceberá a vital importância entender o contexto em que esta carta foi escrita
para que possa também compreender o que Paulo quis ensinar sobre o dom de línguas.

A seguir, comentarei verso por verso do capítulo 14 de 1 Coríntios. Não deixe de


comentar e dar suas impressões sobre o que foi escrito.
Segui o amor; e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de
profetizar.

A comunhão estava em declínio, a comunidade estava demasiadamente


desequilibrada… e havia sim manifestações espirituais duvidosas. Por isso, Paulo dá
preferência ao profetizar. Afinal, isso envolveria necessariamente em conhecer as
Escrituras e estudar as profecias, ou seja, ter como base a Palavra já revelada, pois
nenhuma revelação (por sonho ou visão) poderia desqualificar algo já ensinado outrora
por Deus nas Escrituras. Deus não se contradiz. O dom de profecia aliado ao
conhecimento bíblico tornaria possível identificar vários falsos profetas que viessem a
surgir no meio deles.

2. Porque o que fala em língua não fala aos homens, mas a Deus; pois ninguém
o entende; porque em espírito fala mistérios.

Ao se referir de pronto ao “Porque o que fala em língua…” percebemos que o tema que
gerava confusão na igreja de Corinto era o dom de línguas. Paulo quis organizar a casa e
enfatizar como o dom deveria ser ministrado adequadamente.

Há algumas interpretações viáveis para esse verso, entre elas:

a) O dom de línguas aqui é o mesmo dado no dia de pentecostes (At 2), ou seja, um dom
de idiomas. Sendo assim, Paulo estava dizendo que, uma pessoa estrangeira que
participava do culto em Corinto e que conhecia apenas um idioma, não compreenderia a
mensagem caso alguém usasse o dom de línguas (idiomas) para falar um idioma
totalmente diferente do dela. Desse modo, quando a pessoa exercesse seu dom espiritual
na adoração público sem que o ouvinte pudesse compreender o idioma falado, ela
estaria “falando mistérios” para quem tentasse entender. Afinal, qualquer coisa dita num
idioma que não é o nosso soa como “mistério”. Desse modo, o dom só seria
compreendido por Deus e a fala que falasse. Imagine alguns brasileiros que falam
apenas a língua portuguesa assistindo a uma reunião de russos.

b) Outra interpretação viável é a apresentada, por exemplo, por Vanderlei Dorneles em


sua obra Cristãos em Busca de Êxtase. Entre outras coisas, o teólogo explica que Paulo
não apoia o que ocorria em Corinto e nem mesmo está definindo o que é o dom ali
usado. Desse modo, Paulo estaria dizendo que a maneira como os Coríntios praticavam
o dom era errada, falando de coisas ininteligíveis e “misteriosas”, como se estivessem
falando apenas a Deus e “edificando” a si mesmos de maneira egoísta. O apóstolo
queria resgatar o propósito missionário e evangelístico do dom.[1]

c) Por sua vez, o teólogo Samuel Bacchiocchi em sua obra Popular Beliefs: Are They
Biblical? crê que 1 Coríntios 14:2 poderia estar realmente tratando de um “dom” de
línguas extáticas, porém, desaprovando-o: ele estaria corrigindo essa influência pagã
que levou alguns Coríntios a distorcerem o verdadeiro dom de línguas.[2]

3. Mas o que profetiza fala aos homens para edificação, exortação e consolação.

Considerando apenas a primeira das interpretações listadas acima, na congregação


aquele que ministrava a Palavra, dirigia o culto e pregava à comunidade normalmente
era alguém da própria comunidade e que falava o idioma da maioria dos membros
residentes naquela cidade. Portanto, uma vez que a cidade de Corinto era uma cidade
polo e também portuária, tinha que ministrar cultos com a participação de estrangeiros.
Com isso, pessoas que falavam outros idiomas deveriam atender à maioria, sem
desprivilegiar os visitantes.

4. O que fala em língua edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a


igreja.

Não podemos ignorar que o tom do apóstolo ao tratar das línguas no culto é de crítica,
jamais incentivo. Ele faz questão de mostrar quão egoísta é fazer algo para si apenas,
sem pensar nos outros. Podemos entender isso como um exibicionismo cultural. Por
isso, Paulo aconselha que haja intérpretes – e com ressalvas: dois ou três. Além disso,
Paulo privilegia o profetizar, pois isso envolvia revelar os desígnios de Deus de maneira
inteligível, ministrando às pessoas a Palavra de Deus.

5. Ora, quero que todos vós faleis em línguas, mas muito mais que profetizeis,
pois quem profetiza é maior do que aquele que fala em línguas, a não ser que
também interprete para que a igreja receba edificação.

Ao Paulo falar que gostaria que todos falassem em línguas, fica nítido o que desejava:
que todos pregassem o evangelho e alcançassem todas as nações em seus idiomas, pois
esta era a real finalidade, propósito e utilidade do dom de línguas (conf. Verso 21 onde
ele cita a profecia de Isaías 28:14 em conformidade com Atos 2:4 a 11). Agora, ao
contrastar o dom de língua com o de profetizar, ele (Paulo) está dizendo que o que
profetiza ministra a palavra de modo a atingir a maioria presente no culto,
diferentemente daquele que está falando a língua de um determinado grupo apenas. Por
este motivo ele ressalta que se a pessoa também interpreta a língua estrangeira, ou há
alguém que a interprete é algo válido, pois edifica a maioria presente na reunião
religiosa. A manifestação é dada para o que é útil (1 Coríntios 12:7). No caso das
línguas, a pregação do evangelho. Se não fosse assim, o dom não teria utilidade.

6. E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando em línguas, de que vos


aproveitarei, se vos não falar ou por meio de revelação, ou de ciência, ou de
profecia, ou de doutrina?

Neste verso segue sua crítica à igreja de Corinto, deixando claro que não há proveito
falar em línguas se isto não for para edificar a maioria das pessoas no culto. Paulo
falava cerca de 14 línguas diferentes. Portanto, era um poliglota e sabia pregar
fluentemente em outras línguas. Porém, deixa claro que seria um exibicionismo de sua
parte fazer isso. A preferência no culto deveria ser o ensino de forma compreensível e
racional por meio da ciência e da profecia, bem como através dos princípios
doutrinários exarados na Palavra de Deus. Aliás, em Romanos 12.1 Paulo afirma que
Deus deseja um culto racional que, obviamente, está intimamente relacionado à
adoração “em espírito e em verdade” proposta por Jesus Cristo (Jo 4:23,24).

7. Ora, até as coisas inanimadas, que emitem som, seja flauta, seja cítara, se não
formarem sons distintos, como se conhecerá o que se toca na flauta ou na
cítara?
Até um instrumento musical seja de sopro ou corda, deve emitir sua sonoridade por
meio de notas musicais nítidas, para que se possa saber a letra ou qual canção está sendo
tocada. O mesmo deve ocorrer com o dom de línguas! Esse é o argumento de Paulo.

8. Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?

Um soldado reconhecia uma ordem pelo som da trombeta, ou seja, as notas que se
emitiam a partir do instrumento. Até hoje isto é claro para os militares num quartel. Do
mesmo modo, só fazendo uso do dom de línguas corretamente, as pessoas poderão ser
edificadas.

9. Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem


inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Porque estareis como que
falando ao ar.

Todos com a voz humana devem se pronunciar/comunicar de maneira INTELIGÍVEL.


Nosso ensino deve ser claro, compreensível e deve poder ser ouvido nitidamente. Do
contrário, nossas palavras serão improdutivas, como se estivéssemos falando “ao ar”,
não para pessoas.

10. Há, por exemplo, tantas espécies de vozes no mundo, e nenhuma delas sem
significação.

Mais uma vez Paulo deixa claro que está defendendo o uso de um “dom de idiomas”
dado pelo Espírito Santo, ou seja, línguas nativas de diversos locais do mundo, e com
significado idiomático compreensível entre os que falam.

11. Se, pois, eu não souber o sentido da voz, serei estrangeiro para aquele que
fala, e o que fala será estrangeiro para mim.

Se eu ignorar o idioma da pessoa a quem quero me comunicar, infelizmente não me


comunicarei – e vice-versa.

12. Assim também vós, já que estais desejosos de dons espirituais, procurai
abundar neles para a edificação da igreja.

Fica claro que havia certa euforia na busca pelo dom de línguas, a ponto de Paulo
corrigir algo que não estava correto com o tipo de manifestação do dom naquela igreja.
Ou seja: haviam em Corinto manifestações verdadeiras e falsas.

13. Por isso, o que fala em língua, ore para que a possa interpretar.

Havia o que falava outra língua pelo poder do Espírito Santo e havia o que falava outra
língua, mas não pelo poder de Deus. Daí entendemos o porquê de Paulo dar esta ordem
“ore para que a possa interpretar”. Isso significa que se um indivíduo estivesse
manifestando o dom, mas ninguém presente conseguisse interpretar – nem ele mesmo
(depois de orar a Deus), ficava claro que aquilo não era um idioma ou língua conhecida.
Portanto, deveria calar-se conforme os versos 27 e 28.
14. Porque se eu orar em língua, o meu espírito ora, sim, mas o meu
entendimento fica infrutífero.

Este verso revela que os que manifestavam o falso dom queriam se afirmar (e aparecer)
usando uma linguagem apenas para eles mesmos, e que ninguém precisava entender ou
interpretar as sílabas ou verbalizações que eram produzidas por. Paulo educadamente
diz que a fala precisa ser usada para edificar os outros. O “espírito” (mente) desta
pessoa está transmitindo algo pelo som, mas algo vazio e sem fruto. Logo, subentende-
se que não é o Espírito Santo quem está produzindo.

15. Que fazer, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o
entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o
entendimento.

Mas uma vez Paulo chama a irmandade que estava tendo estas manifestações a
buscarem o Espírito Santo que sempre privilegia a razão e o entendimento com o dom
de línguas. Espiritualidade e razão não são excludentes nas Escrituras.

16. De outra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o amém sobre a
tua ação de graças aquele que ocupa o lugar de indouto, visto que não sabe o
que dizes?

Paulo está argumentando: “como o indouto (que não é doutor), pessoa sem escolaridade
ou formação em determinado idioma, vai dizer “amém” se ele não entende o que você
diz?”

17. Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado.

A pessoa pode até estar certa de que está dando uma mensagem abençoada, mas o outro
não está se beneficiando em nada com isso se não lhe for comunicado de modo
compreensível.

18. Dou graças a Deus, que falo em línguas mais do que vós todos.

Saulo de Tarso era um poliglota que falava cerca de 14 idiomas. Seu currículo: judeu,
membro do sinédrio e educado aos pés de Gamaliel. Além disso, possuía cidadania
romana.

19. Todavia na igreja eu antes quero falar cinco palavras com o meu
entendimento, para que possa também instruir os outros, do que dez mil
palavras em língua.

Paulo reconhece que precisava ser simples na igreja em sua comunicação mesmo
possuindo grande nível cultural. Mesmo dominando vários idiomas, preferia instruir os
outros com entendimento e não com idiomas incompreensíveis para a maioria. Isso é
uma regra básica da boa comunicação!

20. Irmãos, não sejais meninos no entendimento; na malícia, contudo, sede


criancinhas, mas adultos no entendimento.
Paulo exorta para que a ingenuidade e a capacidade de percepção sejam colocadas em
seus devidos lugares. Deseja que na malícia eles sejam meninos, mas, no entendimento,
adultos. Até hoje na igreja há essa grande necessidade, pois, muitos acreditam em tudo
o que é sobrenatural como se de origem divina, ignorando a advertência de Jesus em
Mateus 7.21-24.

21. Está escrito na lei: Por homens de outras línguas e por lábios de estrangeiros
falarei a este povo; e nem assim me ouvirão, diz o Senhor.

É maravilhoso notarmos neste texto que Paulo sempre faz uso do Velho Testamento
para sustentar seus ensinos. Aqui ele cita Isaías 28:11,12 que prediz o exílio do povo de
Deus, “para assinalar que a Palavra de Deus exposta em uma língua estranha ou não
conhecida pela audiência não caracteriza a benção, senão a maldição”.[3]

22. De modo que as línguas são um sinal, não para os crentes, mas para os
incrédulos; a profecia, porém, não é sinal para os incrédulos, mas para os
crentes.

Os não crentes, ou seja, os incrédulos no evangelho, ao observarem uma pessoa de outra


cultura falando em seu idioma sem nunca ter estudado para isso, poderá ser melhor
convencido por tal sinal e se tornar mais acessível ao evangelho. Já a profecia é sinal
para os que creem. Perceba também que a alegação dos irmãos pentecostais de que o
dom de línguas “identifica todos aqueles são batizados com o Espírito” não se sustenta,
pois, o dom é um sinal para os incrédulos, não para os crentes.

23. Se, pois, toda a igreja se reunir num mesmo lugar, e todos falarem em
línguas, e entrarem indoutos ou incrédulos, não dirão porventura que estais
loucos?

Mas uma vez percebemos a preocupação de Paulo com a ordem no culto. Se toda a
cristandade desta igreja cosmopolita (com pessoas de diversos lugares), tanto judeus
como gentios, ao adorarem no culto começassem a falar de maneira sobrenatural ao
mesmo tempo e no mesmo lugar, viraria confusão e os incrédulos e os sem formação
técnica em algum idioma (indoutos) iriam dizer abertamente que tais crentes era loucos.
Como consequência, uma enorme barreira seria criada entre a igreja e os incrédulos,
prejudicando todo trabalho de evangelização – algo que faz parte dos planos de Satanás
para atrasar a volta de Cristo e seu castigo no lago de fogo (Ap 14:11; 20:10; Rm
16:20).

24. Mas, se todos profetizarem, e algum incrédulo ou indouto entrar, por todos é
convencido, por todos é julgado

Paulo exaltou o dom de profecia colocando-o em posição de destaque em relação ao


dom de línguas exatamente porque o profeta sempre falava no mesmo idioma que seus
ouvintes, de modo que a mensagem era compreendida. Com isso, toda a igreja era
fortalecida e incrédulos convertidos. Para ele, qualquer profecia deveria estar
subordinada às Escrituras já dadas anteriormente, pois Deus jamais se contradiz e um
profeta sempre estará subordinado aos profetas bíblicos (v. 32). Daí a recomendação do
apóstolo para não ir além do que Está Escrito (cf. 1Co 4:6). Afinal, Deus não traz
confusão aos Seus filhos (v. 33).
25. Os segredos do seu coração se tornam manifestos; e assim, prostrando-se
sobre o seu rosto, adorará a Deus, declarando que Deus está verdadeiramente
entre vós.

“Isto podia ocorrer por que a consciência era despertada e os desígnios e motivações
reais do coração eram revelados pelo Espírito Santo. Também podia ser que fatos
secretos sobre os estranhos presentes na reunião seriam revelados sob inspiração do
Espírito Santo. Foi a revelação de segredos de sua vida que convenceu a mulher
samaritana de que Jesus era um profeta (Jo 4:19, 29)”.[4] Ao presenciar tal fenômeno
ele se prostra e adora ao Criador, reconhecendo que Deus está no meio daquela igreja e,
ao mesmo tempo, falando com ele.

26. Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo,
tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para
edificação.

Há um momento para cada coisa e deve-se respeitar uma liturgia que precisa,
obviamente, incluir a ordem e a decência (conf. Verso 40)

27. Se alguém falar em língua, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e cada
um por sua vez, e haja um que interprete.

Não podemos ignorar que o tom do apóstolo quanto às línguas no culto é de crítica e
repreensão, jamais um incentivo. Neste verso Paulo ordena que haja intérprete, e com
limite de no máximo três. Se esta língua fosse uma língua de anjo ou uma linguagem do
Espírito Santo, você acredita que Paulo teria esta ousadia de limitar o Espírito? Deus
permitiria Paulo limitar o Espírito Santo? Mandar em Deus? Jamais. Portanto, a
autorização e limitação era para idiomas que deveriam ser traduzidos (ou interpretados)
para a maioria.

28. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e
com Deus.

Paulo é firme com a questão das línguas. A ordem era clara: se ninguém entende o que
está sendo dito e não há interpretação para o idioma, cale-se.

29. E falem os profetas, dois ou três, e os outros julguem.

Acerca da revelação por sonhos ou visões (cf. Nm 12:6), Paulo também quer a mesma
ordem e decência. Além disso, pede para se fiscalizar: membros peritos nas Escrituras
deveriam julgar se as revelações estavam sujeitas e em conformidade com a Bíblia, uma
vez que Deus não se contradiz (v. 32)

30. Mas se a outro, que estiver sentado, for revelada alguma coisa, cale-se o
primeiro.

O culto era interativo e havia a oportunidade de participação, porém, uma pessoa por
vez deveria se manifestar. Enquanto um falasse, os outros deveriam ficar em silêncio.
Amigo leitor: sua igreja tem seguido essa e outras orientações do apóstolo Paulo?
31. Porque todos podereis profetizar, cada um por sua vez; para que todos
aprendam e todos sejam consolados

Outra vez mais o apóstolo ensina que todos poderiam participar, mas que isso deveria
ser feita de maneira organizada, de modo que todos realmente se beneficiassem com o
culto.

32. Pois os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas

“Devia haver pessoas que afirmavam não poder ficar em silêncio quando estavam sob
inspiração do Espírito Santo. Paulo rejeita essa pretensão. Os verdadeiros profetas
tinham controle de sua mente e podiam falar ou permanecer em silêncio. A inspiração
não elimina a individualidade e o livre-arbítrio. O agente humano expressa em seu
próprio estilo e pensamento as verdades reveladas a ele”.[5]

33. Porque Deus não é Deus de confusão, mas sim de paz. Como em todas as
igrejas dos santos.

Nada de confusão… um lugar de culto que é confuso, normalmente é um lugar onde


ninguém se entende e no qual há muita agitação e gritaria. Paulo diz que o Espírito
Santo se entristece com esse tipo de culto, o que obviamente acarreta desconforto para
os anjos de Deus em permanecerem atuantes nesse tipo de lugar (leia Efésios 4:30,31)

34. As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar;
mas estejam submissas como também ordena a lei.

A questão aqui com as mulheres era uma questão cultural. Paulo, ao contrário do que
muitos pensam, não está sendo machista, mas adotando uma postura estratégica para
evangelizar estrangeiros que visitavam a igreja de Corinto e que tinham seus próprios
usos e costumes. Devemos levar em consideração que este texto foi escrito há dois mil
anos, e nele estão retratadas vivências, acontecimentos da cultura daquela época.

Portanto, não poderemos ignorar este fato se quisermos interpretar devidamente o texto.
Outro elemento a ser considerado é que a posição da mulher cristã nos diferentes
ambientes da época (greco-romano e judaico), era de subordinação ao homem. A
estrutura família era patriarcal, o que limitava a participação da mulher dentro do seu lar
e excluía sua participação social e pública.

Naquelas culturas, era vergonhoso e falta de decoro a mulher falar em público. Na


história ocidental recente, a mulher só teve a liberdade para votar no Brasil no governo
de Getúlio Vargas a partir de 24 de fevereiro de 1932. Agora imagine a consideração
que se tinha pela mulher no primeiro século da nossa era, e ainda em uma cultura
oriental.

Não querendo criar uma barreira cultural para a pregação do evangelho, Paulo pede para
que as mulheres cristãs para que evitassem falar em público para não escandalizar tais
visitas no culto. O apóstolo sabia que aquelas pessoas eram muito limitadas e
compreendiam a submissão feminina de maneira muito equivocada. Todavia, perceba
que em outros contextos, Paulo apoiava o ministério da mulher (leia Romanos 16), tanto
que nos dias dos apóstolos haviam até mesmo profetisas (At 21:8,9).
35. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus próprios
maridos; porque é indecoroso para a mulher o falar na igreja.

Indecoroso significa quebrar o decoro, ou seja, o costume da maioria… O comentário


ao verso anterior também explica esse verso.

36. Porventura foi de vós que partiu a palavra de Deus? Ou veio ela somente para
vós?

Agora Paulo vai finalizando e em tom de sátira faz perguntas: O conhecimento da


vontade divina começa e termina em vocês? É isso que vocês pensam? E aí, vocês
discordam?

37. Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos
escrevo são mandamentos do Senhor.

Quem se considera profeta entre vocês? Quem entre vocês possui uma capacidade
espiritual especial? Se existe essa pessoa, reconheça agora que o que eu estou dizendo é
mandamento do Senhor.

38. Mas, se alguém ignora isto, ele é ignorado.

Se alguém ainda discordar, o jeito será deixar que permaneça em sua ignorância.

39. Portanto, irmãos, procurai com zelo o profetizar, e não proibais o falar em
línguas.

Procurem com zelo a revelação profética para poder proclamar com entendimento o
evangelho de salvação. Além disso, jamais proíbam o falar em línguas como dom
legítimo do Espírito para comunicar a mensagem de Deus em outros idiomas. Porém,
sigam os critérios já detalhados para evitar exageros, desordem e fanatismo.

40. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem.

Nada será para honra e glória de Deus se não for desta maneira. Espero que essa breve
análise o tenha auxiliado a fazer uma análise contextual e mais ampla do dom de línguas
em 1 Coríntios 14.

Prof. Jackson Baia


Grego Bíblico pela Universidade Hebraica de Jerusalém

E-mail: contato@jacksonbaia.com.br

Referências

[1] Vanderlei Dorneles, Cristãos em Busca do Êxtase: Adoração e Espiritualidade no


Cenário Atual (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 202-203.
[2] Veja Samuel Bacchiocchi em Popular Beliefs: Are They Biblical? (Berrien Springs,
Michigan: Biblical Perspectives, 2008), p. 302-322.

[3] Bíblia de Estudio Andrews (ACES: Asociación Casa Editora Sudamericana, 2014),
p. 1434. Ver 1 Coríntios 14.21.

[4] Francis D. Nichol e Vanderlei Dorneles (eds), Comentário Bíblico Adventista do


Sétimo Dia, vol. 6 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 870. Série Logos.

[5] Ibid., p. 872.

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