Você está na página 1de 119

INTRODUÇÃO

TEMPOS atrás fui convidado a dissertar sobre o tema "O santuário


do deserto"; mas ao tentar me documentar quase não pude encontrar
fontes de consulta em idioma espanhol. Procurei bibliografia em inglês,
mas descobri que eram muito poucos os livros que se escreveram sobre o
particular, com o agravante de que um bom número deles correspondiam
a reimpressões de obras cujos autores tinham vivido no século passado.
Dava-me conta de que a omissão era grave e que devia fazer algo
para remediá-la. As bibliotecas têm milhares de títulos que tratam dos
assuntos mais díspares, mas adoecem de uma pobreza franciscana quanto
a material adequado sobre o tema central da contínua mediação de Cristo
no santuário celestial (Heb. 7:25; 10:19-25) e sua relação com a doutrina
da salvação.
Aguilhoado pelo desejo de encontrar resposta às questões urgentes
que me inquietavam, decidi investigar as fontes bíblicas e as obras
eruditas que discutem o tema, e ao me fazê-lo encontrei comprometido
em uma aventura apaixonante. Logo descobri que o conjunto de
símbolos do santuário, ao ser analisados da perspectiva que oferece o
Novo Testamento, dão a solução à problemática que expõe a soteriologia
ou doutrina da salvação mediante Jesus Cristo (1 Tim. 3:16). Notei além
que a verdade do santuário – uma verdade religiosa singular, com
aspectos peculiares e características estruturais próprias – constitui um
meio muito eficaz para compreender o problema escatológico, que se
refere aos acontecimentos finais. Finalmente, cheguei ao convencimento
de que a doutrina do santuário está no próprio centro do complexo de
verdades cristológicas que lhe dão ao povo remanescente (Apoc. 12:17)
sua singularidade histórica e profética. Assim nas Escrituras Sagradas
encontrei a resposta às perguntas que me tinha formulado.
De uma perspectiva diferente, ao considerar o que sob inspiração
divina E. G. White escreveu com respeito ao tema do santuário, descobri
que ela faz quatro declarações notáveis sobre sua importância:
Introdução 2
1. "O assunto do santuário e do juízo de investigação, deve ser
claramente compreendido pelo povo de Deus".1
2. "O santuário no Céu é o próprio centro da obra de Cristo em
favor dos homens".2
3. "A intercessão de Cristo no santuário celestial, em prol do
homem, é tão essencial ao plano da redenção, como o foi Sua morte
sobre a cruz".3
4. "A compreensão correta do ministério do santuário celestial
constitui o alicerce de nossa fé".4

Em conclusão, devo antecipar que os capítulos que formam esta


obra não pretendem esgotar o tema, mas foram concebidos para
estimular o interesse do leitor e motivá-lo para uma busca mais
comprometida da mensagem divina que nos é comunicada nos símbolos
da estrutura, dos móveis e dos serviços do santuário. De qualquer
maneira, atrevo-me a prognosticar que a experiência religiosa que se
viva no encontro com Deus que "se fez carne e habitou entre nós" (João
1:14), não só será, qualitativamente falando, de uma importância além de
toda comparação, mas também além disso chegará a ser uma experiência
radicalmente criadora.

1
E. G. de White, O Grande Conflito (Tatuí: Casa Publicadora, 2000), p. 488. (A ênfase nesta citação e
em todas as demais é do autor, sendo também válido para todos os versículos da Bíblia.)
2
Idem.
3
Idem, pág. 489.
4
___________, Evangelismo (Tatuí: Casa Publicadora, 2000), pág. 221.
PREFÁCIO

CRISTO NO SANTUÁRIO, pelo Dr. Salim Japas, é uma obra que


gostaríamos de ter faz já vários anos em nossas mãos. A doutrina da obra
de Cristo no santuário celestial, exposta na Epístola aos Hebreus, tem
raízes profundas no serviço do santuário do Antigo Testamento. Pouco
se conhecem estas raízes e, em conseqüência, a mensagem de Hebreus
não resulta sempre claro para muitos cristãos do século XX. Esta obra
deve encher um importante espaço e resulta tão mais valiosa para os
cristãos de paises de fala portuguesa por provir da pena de um experiente
evangelista e professor de teologia hispano-americano.

O interesse do Dr. Japas na doutrina do santuário começou ao ele


dar seus primeiros passos no caminho da conversão. Então intensificou-
se enquanto realizava seus estudos iniciais de teologia, na Argentina, e
depois nas décadas de cuidadosa exposição da Escritura Sagrada diante
de congregações de muitos paises da América Latina, e também da
Espanha. Vários anos de trabalho no Próximo Oriente contribuíram para
aumentar esse interesse. Seus alunos de teologia foram também para ele
um constante estímulo no aprofundamento do tema. Tão intenso chegou
a ser este interesse nos últimos anos que, com seus alunos, fabricou um
modelo do santuário do deserto – em uma escala equivalente na metade
de seu tamanho original –, com todos seus móveis, mais as vestimentas
para o supremo sacerdote e para um número adequado de sacerdotes,
para fazer representações públicas do serviço do santuário, que foram
muito apreciadas por milhares de espectadores cristãos e não cristãos.

CRISTO NO SANTUÁRIO é uma obra escrita para benefício do


estudante da Sagrada Escritura que, não sendo um especialista, está
procurando uma informação que responda a suas indagações. Não
pretende ser exaustiva. Entretanto, sua linguagem singela é também
muito precisa, e vai acompanhado de constantes referências às línguas
Prefácio 2
originais e a obras de especialistas tanto cristãos como judeus. Por isso é
também indispensável para o pastor e para o professor de teologia.

CRISTO NO SANTUÁRIO não é uma análise estreita, limitada, do


serviço do santuário do Antigo Testamento. Cristo é, realmente, o ponto
focal da obra. O simbolismo rico e variado do santuário e seu serviço é
explorado para poder entender melhor as múltiplos dimensões do plano
da salvação por ele representadas. As implicações da missão atual de
Cristo no santuário são claramente expostas com o propósito de ajudar
ao cristão de hoje a conhecer melhor a seu Pontífice, que é também seu
Advogado, e que finalmente tem que vir do santuário do céu "a julgar
aos vivos e aos mortos". Com o calor e o carinho que fluem
espontaneamente de uma mente que não só se familiarizou intimamente
com o santuário mas também com o Senhor do mesmo, o leitor é levado
passo a passo em uma exploração cada vez mais profunda do mistério da
salvação.
Estamos seguros de que a inspiração e o estímulo que a leitura desta
obra significaram para quem assina, serão também o prêmio que
receberá tudo novo leitor.
Werner Vyhmeister
Universidade Andrews
Berrien Springs, Michigan
Janeiro, 1980
OS SANTUÁRIOS DE DEUS

NOSSO estudo do ministério de Cristo no santuário


necessariamente deve começar referindo-se ao santuário terrestre e à
razão pela qual foi estabelecido.
Deus ordenou construir o santuário do deserto para dar a seu povo
uma lição objetiva das verdades espirituais e eternas.1 O Eu "habitarei no
meio deles" de Êxodo 25:8 contém o vocábulo "habitar",2 que foi
traduzido da palavra hebraica shakan, a qual, embora se traduz "habitar",
"morar", "tabernacular", tem uma conotação ainda mais profunda, já que
nos comunica a idéia de que esse "habitar" é o de um vizinho, alguém
que quer estar perto e gozar de nossa amizade. Ainda em nossos dias,
para os israelitas um shaken é a pessoa cuja amizade se deseja.
O santuário do deserto foi o recinto sagrado onde Deus morava em
meio de seu povo, mas obviamente isto é um símbolo de uma verdade
superior: em vez de em templos materiais feitos pelo homem (Atos
17:24), Deus quer morar no templo da alma humana (1 Cor. 3:16-17)
para enchê-la3 com a glória do Espírito Santo, quem é o representante
pessoal do Senhor Jesus Cristo, porque é "Cristo em vós, a esperança da
glória" (Col. 1:27).
Essencialmente são três os templos ou santuários dos quais nos fala
a Escritura: (1) o do deserto (Êxo. 25:8); (2) o do céu (Heb. 8:1-2; Apoc.
11:19), e (3) o templo humano (1 Cor. 3:16-17; 2 Cor. 6:16; Sal. 114:2).
Como no santuário e seu serviço há uma quantidade de símbolos,
vamos referir-nos brevemente a seu propósito.

Valor do Símbolo

Alguém se surpreende ao descobrir que a Escritura é um livro


saturado de símbolos e ilustrações. O símbolo não é a linguagem dos
filósofos. A diferença das idéias abstratas que só podem ser
compreendidas por uma aristocracia intelectual, os símbolos constituem
Os Santuários de Deus 2
uma linguagem acessível a todos, a pessoas cultas e iletradas, a adultos e
a meninos.4
A Escritura Sagrada do começo ao fim nos dá uma mensagem de
significação eterna envolto no símbolo, que é acessível a toda
mentalidade. Os símbolos da Escritura assinalam a Cristo, que é o
coração e a periferia de toda mensagem apresentada tanto no Antigo
Testamento como no Novo.
A palavra hebraica shakan (habitar), da qual viemos falando, está
relacionada com outro vocábulo hebreu, Shekinah,5 que, embora não
aparece na Escritura, tem uma longa tradição nos escritos rabínicos.
Deriva da mesma raiz da qual se origina shakan, e é usada para expressar
a solene proximidade da presença de Deus entre seu povo. A idéia
original expressa na palavra Shekinah nasce do Antigo Testamento, mas
se amplia grandemente no Novo Testamento quando nos diz que o
"Verbo se fez carne'' (João 1:14) e "habitou" ou tabernaculou entre nós.
Deste modo atracamos à idéia de que o tabernáculo ou santuário foi
ordenado por Deus para nos dar uma revelação objetiva do Senhor Jesus
Cristo e de sua obra redentora. É na verdade a antecipação do
Evangelho, já que a pessoa de Cristo como plenamente Deus e
plenamente homem está delineada simbolicamente em todos seus
aspectos, até os menores, no "tabernáculo do testemunho", em seu
mobiliário e em seus serviços ou liturgia.

Tempo e Santidade

A palavra "santuário", que aparece na Escritura Sagrada 144 vezes e


é usada para expressar a idéia de "santo", "lugar sagrado", "morada do
santo",6 figura pela primeira vez em Êxodo 15:17, e se origina na palavra
hebraica miqtlash, a que a sua vez deriva da raiz hebraica qadash, que
comunica a idéia de "pôr à parte" algo, ou a alguém, separando-o assim
para um uso sagrado.
Os Santuários de Deus 3
Obviamente Deus é o Ser santo por excelência, e portanto tudo
aquilo que entre em relação com Ele ou culto que se Lhe oferece tem que
participar do atributo da santidade.
O escritor judeu Abraham Joshua Heschel7 assinala acertadamente
que uma das palavras mais significativas da Escritura é o essencial
qódesh (santo), uma palavra, insiste ele, que "mais que qualquer outra é
representativa do mistério e majestade do divino". Ora, na história deste
mundo, qual foi o primeiro objeto santificado? Foi acaso uma montanha,
um altar, uma pessoa? De maneira nenhuma. A primeira vez que se usa o
verbo qadash na Bíblia Sagrada é no Gênesis, em relação com a história
da criação, e quão significativo é o fato de que se aplique ao tempo: "E
abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou" (Gén. 2:3). "A santidade do
tempo veio primeiro, a santidade do homem depois, e no fim a santidade
do espaço. O tempo foi santificado por Deus; o espaço, o tabernáculo,
por Moisés".

Referências:
1. E. G. de White, Patriarcas y profetas (Mountain View: Pacific
Press, 1955), p. 372.
2. Véase The Interpreter's Dictionary of the Bible (New York:
Abingdon Press, 1955), t. 4, p. 498.
3. F. C. Gilbert, Practical Lessons (Nashville: Southern Publishing
Association, 1974), p. 153.
4. V. Fatone, El hombre y Dios (Buenos Aires: Columba, 1958), pp.
33-35.
5. Véase The Interpreter's Dictionary of the Bible, art. "Shekinah".
E. G. de White, El Deseado de todas las gentes (Mountain View:
Pacific Press, 1955), p. 705; y Patriarcas y profetas, p. 360.
6. Véase The Seventh-Day Adventist Bible Dictionary, pp. 1058-60.
7. Véase A. J. Heschel, The Sabbath (New York: Harper
Torchbooks, 1966), pp. 8-10.
OS MÓVEIS DO SANTUÁRIO

O Altar do Holocausto

AO CONSIDERAR os móveis do santuário é necessário lembrar


que este foi construído com base num esquema que contempla três
seções claramente discerníveis: o átrio, o lugar santo (qódesh) e o lugar
santíssimo (qódesh qodashim). Ao atravessar a primeira porta, a do átrio,
o objeto ou móvel com o qual nos enfrentamos imediatamente é o altar
dos holocaustos, que é designado de duas maneiras diferentes nas
Escrituras Sagradas.
1. É chamado "altar" (Êxo. 28:43; 29:12, 44; 30:20). A palavra
hebraica usada aqui (mizbéaj) significa "lugar de sacrifício", mas a
palavra latina da qual deriva o vocábulo português "altar" carrega a idéia
de "lugar alto".
2. Também é denominado "altar do holocausto'' (Êxo. 30:28; 31:9;
35:16; 38:1; 40:6, 10, 29; Lev. 4:7, 10, 18). O vocábulo "holocausto" não
expressa em nossa língua toda a riqueza de conteúdo que tem no
hebraico. Provém do original 'olah, que significa "o que ascende", e pode
comunicar a idéia de entrega total e sem reservas em "aroma suave" a
Deus, que por sua vez aceita a oferenda de consagração enviando o
"fogo divino" para consumi-la (Lev. 9:24).
Os Móveis do Santuário 2
O ALTAR DOS SACRIFÍCIOS

Símbolo Realidade
Sacrifício a Deus aceito como Cristo se deu como "oferenda e sacrifício
"aroma agradável" (Lev. 1:9). a Dios en aroma suave" (Efés. 5:2).
Deus se encontrava com seu "Somos santificados mediante a
povo e santificava o lugar oferenda do corpo do Jesus Cristo"
(Êxo. 29:38-43). (Heb. 10:8-10).
O corpo inteiro era consumido Devemos apresentar nossos corpos
no altar (Lev. 1:2-9,13,17). em sacrifício vivo, santo e agradável
a Deus (Rom. 12:1).
A oferta era derramada Cristo "derramou" seu sangue e sua alma
ante o Senhor (Gén. 35:14). (Isa. 53:12).
Uma oferenda adicional era Quem rende sua vida a Jesus, como
derramada sobre o sacrifício um sacrifício, glorifica a Deus
consumido no altar (Núm. 15:8-10). (Filip. 2:16-17).

Materiais e Dimensões do Altar

A madeira e o cobre ou bronze foram os materiais usados para


construir o altar (Êxo. 27:1-8; 38:1-7), e suas medidas eram: cinco
côvados de comprimento por cinco de largura e três de altura (o côvado
mede aproximadamente meio metro).
As dimensões do altar eram suficientemente amplas como para que
todos outros móveis e utensílios do santuário – nos referimos ao
santuário do deserto – coubessem dentro dele. Este fato parecesse sugerir
a idéia de que na cruz de Cristo se concentram todas as demais bênçãos
do Evangelho. No altar se vê a bondade e a severidade de Deus: bondade
para nós os pecadores, e severidade para a vítima vicária que leva nossos
pecados (Rom. 11:22). Além disso, o altar do holocausto nos ensina que
as demandas divinas e os direitos irrenunciáveis do Criador têm que ser
satisfeitos antes de o crente poder fruir da comunhão com Ele. Sua
Os Móveis do Santuário 3
posição como primeiro móvel do átrio sugere que não há acesso a Deus a
não ser por meio de um sacrifício. O altar antecipa simbolicamente a
mensagem evangélica de que Jesus é "o caminho, e a verdade, e a vida'',
e que "ninguém vem ao Pai'' a não ser por ele (João 14:6).

O Sangue e Sua Mensagem

É um fato básico da simbologia bíblica que o sangue relacionado ao


altar carrega a idéia de expiação (Rom. 5:9-10; Apoc. 12:11), visto que
fomos "resgatados ... com o sangue precioso de Cristo, como de um
cordeiro sem mancha e sem contaminação" (1 Ped. 1:18-20).
Na Epístola aos Hebreus se destacam dois usos principais do
sangue: (1) foi aspergido para confirmar o pacto (Heb. 9:19-20), e (2) foi
o meio para a expiação (cap. 9:22).
A palavra hebraica usada para expiação (kafar) comunica três
matizes de significação muito importantes:
1. Cobrir ou tapar, da maneira como a galinha cobre seus pintinhos
quando prevê um perigo; ou como no caso do Noé, betumando o arca
"por dentro e por fora" (Gên. 6:14).
2. Purgar ou limpar. Em Levítico 16:16 menciona-se que o sangue
é usado para purificar (kafar) o santuário das " impurezas" dos filhos de
Deus, simbolizando a Cristo, que "nos purifica de todo pecado" (1 João
1:7).
3. Finalmente kafar comunica a idéia de aplacar a ira. Por exemplo,
quando Jacó soube que seu irmão Esaú ia a seu encontro com
quatrocentos homens armados, disse: "Apaziguarei sua ira" (Gén. 32:20).
Aqui se usa a mesma palavra kafar. Quão maravilhoso é o amor de
Deus! É tanto, que permite que "sobre Cristo como substituto e fiador
nosso'' descarregue-se a justiça de Deus. Na cruz "o sentimento do
pecado, trazendo a ira divina sobre Ele... quebrantou o coração do Filho
de Deu".1
Os Móveis do Santuário 4
Usos do Sangue

Na verdade o sangue representa a vida do animal morto (Lev.


17:11), e tinha valor sempre que o animal tivesse morrido. Assim que o
pecador é "reconciliado pela morte" de Cristo, e é salvo "por sua vida", a
vida de perfeita obediência que Ele viveu antes de morrer (Rom. 5:10).
O sangue foi usado no santuário de três maneiras diferentes:
1. Aspergido. Por exemplo, no dia da expiação (Lev. 23) o supremo
sacerdote, vestido com sua roupa branca, entrava em lugar muito santo e
aspergia o sangue da expiação "diante" do altar do incenso, e "sobre" ele
(Lev. 16:15-16; 16:19).
2. Sobre os chifres. Em certos casos o sangue era posto nos chifres
do altar dos holocaustos e do altar do incenso para indicar o perdão do
pecado e o registro desse perdão (Lev. 4:7, 18, 25, 30, 34).
3. Derramado. O sangue restante do animal era derramado ao redor
do altar como uma indicação concludente de que Deus tem abundante
graça para cobrir a todo pecador (Lev. 4:7, 18, 25, 30, 34).
Ao falar dos holocaustos é interessante notar que duas vezes se repete
o mandato de que "o fogo aceso sobre o altar não se apagará", porque
"arderá continuamente no altar" (Lev. 6:12-13). Isto parecesse referir-se em
boa medida ao feito de que de dia e de noite, ao longo das 24 horas, havia
um holocausto consumindo-se sobre o altar. O povo podia repousar com
confiança porque o "suave aroma" do sacrifício atestava do cuidado
protetor de Deus. Por outro lado na simbologia bíblica, o fogo parecesse ser
o símbolo que melhor expressa a mensagem da ira e do julgamento de
Deus. No altar o fogo é uma antecipação do julgamento divino contra o
pecado, porque "nosso Deus é fogo consumidor" (Heb. 12:29) .

A Bacia de Bronze

O altar dos holocaustos e a bacia de bronze (Êxo. 38:8; 30:17-21)


eram os móveis que se encontravam no átrio do santuário. Não temos
Os Móveis do Santuário 5
informação bíblica quanto ao tamanho e à forma da bacia de bronze, mas
sabemos que foi construída usando os espelhos de bronze "das mulheres
que se reuniam para ministrar à porta da tenda da congregação" (Êxo.
38:8).
Aqui se introduz um novo metal, o bronze. O ouro era usado
exclusivamente no interior do santuário e nos móveis do lugar santo e do
santíssimo. A prata, o cobre e o bronze foram os metais usados no átrio e
com os quais se fabricaram os utensílios relacionados com o altar. O
bronze parecesse representar a firmeza, a solidez e a incorruptibilidade
dos mandatos de Deus. À medida que o crente vê refletidas as
deformidades de seu caráter no espelho de Deus – o qual corresponde à
Sua Palavra e Seus mandamentos (Tiago 1:23-25) –, o poder divino
penetra em sua vida e, avivando sua consciência, o conduz aos pés da
cruz, onde nosso Senhor nos transforma "mediante o lavar regenerador e
renovador do Espírito Santo" (Tito 3:5).

A BACIA DE BRONZE
Símbolo Realidade
"Farás também uma bacia de bronze ... A água representa ao Espírito
para lavar. Pô-la-ás entre a tenda da Santo (João 7:37-39)
congregação e o altar, e deitarás Representa a Palavra
água nela " (Êxo. 30:18). (João 13:10; 15:3; Efés. 5:26)
Ver Patriarcas y profetas, p. 359. Representa o batismo
(João 3:5; Rom. 6:3-6;1 João 5:8).
Os Móveis do Santuário 6
"Lavo as mãos na inocência e, assim, andarei, SENHOR, ao redor
do teu altar" (Sal. 26:6).
"Há diante do trono um como que mar de vidro, semelhante ao
cristal" (Apoc. 4:6).
"Então, me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal,
que sai do trono de Deus e do Cordeiro" (Apoc. 22:1).

Água e sangue

De muitas e diversas maneiras somos ensinados na Escritura que


um dos atributos de Deus é a santidade. O sacerdote da antiga
dispensação, da ordem aarônica, podia chegar-se a Deus pela água e pelo
sangue. No altar dos holocaustos o sangue fala da justiça de Deus, e da
justificação que é imputado vicariamente ao crente. Na bacia de água se
indica o passo seguinte, o da santificação. Mediante estes dois símbolos
se expressa claramente que Cristo nos é feito por Deus "justificação,
santificação e redenção" (1 Cor. 1:30).
Jesus veio com o fim de ser a fonte de pureza para o homem. Por
meio de Cristo, o pecador chega a formar parte do povo de Deus. E isso
é possível porque o Salvador veio "mediante água e sangue" (1 João
5:6).

A Mesa dos Pães da Proposição.

Não temos certeza se as dimensões da mesa2 que aparece no Arco


do Tito, em Roma, correspondem à realidade ou não. No entanto
sabemos que Tito Vespasiano, depois de derrotar os judeus na cruenta
batalha do ano 70 de nossa era, levou a Roma como troféu de sua vitória,
entre outras relíquias, a mesa dos pães da proposição, e a colocou no
Templo da Paz. Há informações que parecessem indicar que este móvel
sagrado, depois de passar à mãos dos vândalos, foi recuperado pelo
Belisário3 e devolvido a Jerusalém no século VI.
Os Móveis do Santuário 7

A MESA DOS PÃES

Símbolo Realidade
O pão da proposição sempre Cristo disse: "Eu sou o pão
estava ante a presença do Jeová de vida" (João 6:48).
(Êxo. 25:30).
Havia doze tortas feitas com flor Ao falar da igreja, Paulo diz:
de farinha (Lev. 24:5). "Porque nós, embora muitos,
somos unicamente um pão,
um só corpo; porque todos
participamos do único pão."
(1 Cor. 10:17).

Formas e Medidas

A Escritura Sagrada nos informa que a primeira mesa (Êxo. 25:23-


28; 37:10-15) foi construída de madeira de acácia e totalmente recoberta
de ouro. Media dois côvados de comprimento por um de largura e um e
meio de altura.
Os Móveis do Santuário 8
Vários autores, entre eles Edersheim, insinuam que os pés da mesa
tinham a forma das de um cordeiro, unidas em sua parte superior por um
prato de ouro, o qual estava rodeado de uma coroa de ouro. Na verdade,
segundo indicações bíblicas a mesa tinha uma dupla coroa de ouro que a
rodeava em todo seu contorno. A simbologia nos autoriza a supor que
esta dupla coroa assinala a Jesus que, como "rei e sacerdote" 4 (Heb. 7),
foi "coroado de glória e de honra" (Heb. 2:9). Por outro lado a madeira
de acácia simboliza a humanidade de nosso Senhor, e o ouro, sua
divindade, e o fato de que a mesa estava no lugar santo poderia assinalar
ao Cristo glorificado nos céus (Heb. 10:12-13; Filip. 2:8-11; Heb. 2:9).

O Pão

O sentido messiânico da mesa dos pães é testemunhado pelo Senhor


quando Se refere à experiência de Davi (Mat. 12:4; Mar. 2:25-26; Luc. 6:3-
4). Ao pedido de Davi, o sacerdote respondeu: "Não tenho pão comum à
mão, somente tenho pão sagrado" (1 Sam. 21:4). Então Abimeleque lhe
deu o "pão sagrado", pão que era renovado cada sábado (Lev. 24:5-8).
Agora, devemos recordar que uma mesa é um lugar de amizade e
comunhão onde a "fome de pão" fica satisfeita. Nesta mesa especial se
colocavam doze pães em duas pilhas, e sobre cada pilha ficava incenso
(Lev. 24:7). Isto representa o alimento espiritual que Cristo nos dá, o
qual se renova constantemente, assim como os pães da mesa do santuário
se renovavam cada semana, segundo já se destacou. Jesus é o "pão da
vida" que desceu do céu para alimentar a um mundo faminto de simpatia
(João 6:32-35).
O número de pães, doze, pareceria indicar que há alimento
suficiente para todos. A idéia de plenitude fica realçada pela coroa de
ouro que rodeava e protegia o pão. Os crentes são aceitos e alimentados
por Deus "no Amado". A "comunhão" da mesa não só é entre os crentes
mas também com o Senhor (1 Cor. 10:16-17).
Os Móveis do Santuário 9
O Pão e o Sábado

Uma das maravilhas da graça é que temos "comunhão ... com o Pai,
e com seu Filho Jesus Cristo" (1 João 1:3), e essa comunhão se converte
em dimensão existencial ao redor da mesa dos pães da proposição.
A expressão "pão da proposição" (Êxo. 25:30; 35:13; 39:36) vem-
nos da frase cunhada pela Vulgata, pães praepositionis. Uma tradução
mais próxima seria "pão de sua face" ou "pão da presença de Deus", esta
última expressão semelhante a "anjo de sua face" (Isa. 63:9).
O "pão sagrado" é um "pão contínuo" ou "perpétuo" (Núm. 4:7),
renovado5 cada sábado sem interrupção. Quem o renovava cada sábado
estabelece uma relação íntima entre o descanso espiritual (Gên. 2:1-3) e
o gozo da presença de Cristo em nós, que faz do tempo sabático uma
antecipação da eternidade.

O Candelabro

Sem que o tivesse proposto deliberadamente, Tito Vespasiano, o


conquistador romano que arrasou Jerusalém (70 d. C. ), contribuiu a que
o candelabro* chegasse a ser um símbolo distintivo do povo judeu. Não
temos forma de corroborar se as dimensões do candelabro que aparecem
em seu Arco de Triunfo em Roma correspondem com o original, mas
suas medidas são impressionantes: mais de um metro e meio de altura.
A Escritura não dá as medidas (Êxo. 25:31-40), mas sim informa
que entregou ao Bezaleel um talento de ouro e lhe indicou que fizesse
um candelabro usando fogo e martelo em sua construção. O artefato
resultou ser o mais elaborado e belo de todo o mobiliário.

*
Nota: Segundo o Aurélio, candelabro significa: Grande castiçal com ramificações, a cada uma das
quais corresponde um foco de luz. Por isso esta palavra "candelabro" para referir-se a este móvel do
santuário é preferível porque ela, por definição, corresponde melhor que candeeiro para descrever a
peça que estamos descrevendo.
Os Móveis do Santuário 10

O CANDELABRO

Símbolo Realidade
O candelabro de ouro estava no João viu o candelabro no céu
primeiro aposento (Êxo. 40:24). (Apoc. 1:12).
Tinha sete lâmpadas (Êxo. 25:37). João viu as sete lâmpadas
ardendo diante do trono de
Deus (Apoc. 4:2, 5).
O sumo sacerdote enfeitava João viu cristo nosso sumo
as lâmpadas pela manhã sacerdote, em meio dos
e ao entardecer (Êxo. 30:7-8). castiçais (Apoc. 1:12-18).
As lâmpadas ardiam O Espírito Santo ilumina a todos,
continuamente (Lev. 24:2). aceitem-no ou não (João 1:9).
"Eu sou a luz do mundo" (João 8:12).
"Vós são a luz do mundo" (Mat. 5:14-16).

Breve história do candelabro

O rei Salomão substituiu o candelabro original do Bezaleel com


outros dez (1 Rei. 7:49), cinco dos quais foram colocados ao lado direito
do lugar santo, e cinco ao esquerdo.
Os Móveis do Santuário 11
Com a invasão babilônica (século VI A. C.) e a posterior queda de
Jerusalém à mãos do Nabucodonosor, a riqueza do templo foi parar na
cidade de Babilônia. O rastro desses castiçais se perde na bruma da
história e o templo jamais os recuperou (Jer. 52:19).
No segundo templo, chamado de Zorobabel, há um só candelabro, o
qual passou à mãos do iníquo Antíoco IV Epífanes depois que este havia
profanado o templo (1 Macabeus 1:20-21). Apesar dessa tragédia, o
templo não ficou desprovido de candelabro já que Herodes o Grande o
repôs e reconstruiu o santuário levando seu esplendor a alturas jamais
superadas. Mas as vicissitudes da política fizeram que a lâmpada
colocado ali pelo rei idumeu fora parar às mãos dos romanos no ano 70
d. C. Este candelabro é o que foi perpetuado no Arco de Tito.

Simbolismo do candelabro

Todo móvel ao qual é dado um uso exclusivamente religioso e toda


atividade cúltica que encerre em sua estrutura ou em sua função um
significado espiritual presente, podem considerar-se simbólicos. Se além
do indicado projetam ou antecipam uma bênção futura, constituem um
tipo religioso, o qual, estritamente definido, é uma prefiguração da
economia da salvação do Novo Testamento nos fatos e nas pessoas do
Antigo Testamento.
Todos os móveis do santuário do deserto enquadram perfeitamente
dentro da dupla caracterização que demos que de símbolo e tipo.
Entretanto, ao longo desta obra preferimos usar o primeiro conceito por
ser mais compreensível.
O candelabro (em hebreu menorah) da antiga dispensação,
construído de ouro puro, tinha base e caule, e deste último saíam
simetricamente três braços de cada lado, os que, somados ao do centro,
completavam o número sete da perfeição. Cada braço de por si constava
de três cálices à maneira de flor de amendoeira, com seus globos e lírios.
Os Móveis do Santuário 12
Os sete braços rematavam em sete lâmpadas, que deviam permanecer
acesas dia e noite (Êxo. 25:31-40; 27:20; 37:17-24; Lev. 24:2-3).
Além de sua qualidade estética para o embelezamento do lugar
santo, a lâmpadas estava ali essencialmente para iluminar. A luz se
projetava em três direções:
1. Iluminava "diante do Senhor" (Êxo. 40:25), e nesse marco era o
símbolo da presença permanente de Deus em meio de Seu povo (Apoc.
4:5). Devia iluminar de contínuo, pois de haver-se apagado teria
comunicado uma mensagem de julgamento e de morte (1 Sam. 3:3).
2. Iluminava "defronte da mesa" (Êxo. 26:35), realçando o pão
como símbolo do alimento espiritual que Deus dá a Seu povo. A fome da
alma se satisfaz quando nos deixamos guiar pela luz do Espírito Santo.
"Ninguém pode chamar Jesus Senhor, a não ser pelo Espírito Santo" (1
Cor. 12:3).
3. Em terceiro lugar a lâmpada iluminava "defronte do candelabro"
(Núm. 8:2; Êxo. 25:37). A luz e o testemunho vão unidos. A luz aqui é
um símbolo da iluminação do Espírito Santo por meio do qual o templo
da alma humana fica iluminado para a glória de Deus. "Assim brilhe
também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas
obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (Mat. 5:16).

Avivando a Mecha

A ação diária de avivar a mecha6 era exclusiva do sacerdote.


Somente o sacerdote, um símbolo de Cristo, podia remover a parte
queimada. Só ele podia adicionar o azeite de oliva e atiçar a mecha para
que sua luz brilhasse melhor. O que se procurava ao avivar a mecha era
que a parte queimada desaparecesse para que o azeite pudesse fluir
livremente, e assim se enriquecesse e avivasse a chama.
Para cumprir com seu propósito, a mecha devia desprender-se
daquilo que, embora lhe era natural, não era útil segundo o plano de
Deus. Do mesmo modo se pode dizer que "não há limite para a utilidade
Os Móveis do Santuário 13
de quem, pondo de parte o próprio eu, dá lugar à obra do Espírito Santo
no coração, e vive vida inteiramente consagrada a Deus". 7 A vida e a luz
avançam da mão. A vida se apóia na luz, e a luz se identifica com a vida.
"Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens" (João 1:4).

O Altar do Incenso

Os altares estiveram relacionados com a atividade religiosa dos


povos, e há provas arqueológicas de seu uso em muitas culturas. Sobre
eles se ofereciam sacrifícios de animais ou se queimava incenso. Alguns
foram feitos de pedras ou de terra; outros, como no caso do santuário do
deserto, de madeira com revestimento metálico. Embora, dos começos
da história, a Escritura Sagrada fala de sacrifícios oferecidos a Deus, o
primeiro altar do qual temos informação é o que Noé construiu depois do
dilúvio (Gên. 8:20).

O santuário do deserto tinha dois altares, o altar do holocausto que


já descrevemos, e o do incenso (Êxo. 30:1-10). Este último, às vezes
chamado "altar de ouro" (cap. 40:5; 39:38), foi colocado no lugar santo,
diante do véu que separava o lugar santo do santíssimo (cap. 40:26). Foi
construído com madeira de acácia e foi totalmente recoberto de ouro.

O altar do incenso media dois côvados de altura, e sua coberta


quadrada tinha um côvado de lado. Rematava-o uma coroa de ouro e em
cada esquina tinha um chifre (cap. 37:25-27). Sobre os chifres se
colocava o sangue da expiação quando o sacerdote ou a congregação
pecavam e também no dia da expiação (Lev. 4:7, 18; 16:18). O incenso
que o sacerdote colocava sobre as brasas participava de certas
características especiais (Êxo. 30:34-38), e devia ser oferecido duas
vezes por dia, continuamente (cap. 30:7-8), em cerimônias estipuladas.
Os Móveis do Santuário 14

O ALTAR DO INCENSO

Símbolo Realidade

Este altar estava diante do Um altar de ouro diante do trono de


véu, no santuário terrestre Deus, no céu (Apoc. 8:3).
(Êxo 30:1-3; 40:26).
De manhã e à tarde o sumo Muito incenso é acrescentado às
sacerdote queimava incenso orações dos Santos
sobre o altar do incenso (Apoc. 8:3-4).
(Êxo. 30:7-8).
A pessoa que queimava incenso O que se cubra com o manto de
com fogo estranho era destruída justiça humana será finalmente
(Êxo. 30:9; Lev. 10:1-9). destruído (Isa. 64:6; Mat. 12:11-13).
"E, quando tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e
quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles
uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos
santos" (Apoc. 5:8).
Os Móveis do Santuário 15
A Queima do Incenso

Ao princípio o sumo sacerdote Arão estava encarregado da queima


do incenso (Êxo. 30:7-8), mas posteriormente, devido a que o número
dos sacerdotes tinha aumentado muito, as tarefas próprias do culto foram
distribuídas entre 24 ordens ou grupos (1 Crôn. 24), os quais deviam
servir nas atividades do templo8 duas vezes ao ano, uma semana cada
vez.
Como se distribuíam as tarefas entre os sacerdotes que estavam de
turno? O Evangelho de Lucas indica que isso se determinava lançando
sortes: a Zacarias havia tocado "em sorte" queimar o incenso (Luc. 1:9).
A queima do incenso era a tarefa mais sagrada de todas as que
podia realizar o sacerdote. Era-lhe dada a oportunidade de chegar até o
véu, atrás do qual se escondia o arca do pacto. No tempo de Zacarias se
interpretava como um favor superlativo da parte de Deus o ato de um
sacerdote poder oficiar na queima do incenso; não se concebia que o
fizesse pela segunda vez.9

Simbolismo do Incenso

A queima do incenso coincidia com o momento em que o povo


elevava suas preces. Davi dizia: " Suba à tua presença a minha oração,
como incenso, e seja o erguer de minhas mãos como oferenda
vespertina" (Sal. 141:2), e seu pensamento coincide com o registrado em
Apocalipse: "E da mão do anjo subiu à presença de Deus a fumaça do
incenso, com as orações dos santos" (Apoc. 8:4).
O altar do holocausto e seus sacrifícios nos comunicam uma
verdade fundamental: em Cristo há reconciliação perpétua, enquanto
que o altar do incenso, onde se oferece o perfume santo, insígnia que
Cristo intercede em forma perpétua. O altar do incenso representa a
Cristo como o meio eficaz através do qual elevamos a Deus nosso
louvor. Não há razão para duvidar: o louvor do crente e sua adoração
Os Móveis do Santuário 16
são, em seu sentido mais profundo, a oferenda de amor que em Cristo é
dado a Deus.10
No "mistério da piedade" os crentes constituem o "sacerdócio
santo" que oferece ao Criador "sacrifícios espirituais aceitáveis... por
meio do Jesus Cristo" (1 Ped. 2:5).
Portanto, os dois altares devem ser estudados e compreendidos
como a expressão multifacética de uma verdade essencial: o sacrifício é
a sala de espera do louvor (Heb. 13:13-15).

O Lugar Santíssimo

Uma auréola de mistério rodeia o desaparecimento do "arca da


aliança" (Núm. 10:33). No capítulo dois do segundo livro dos Macabeus
se conserva uma tradição segundo a qual o profeta Jeremias "mandou
levar" o arca até o monte Nebo e ali a escondeu em uma cova,"
tampando a entrada". A mesma tradição anuncia que Jeremias teria dito:
"O lugar permanecerá incógnito até que Deus realize a reunião do seu
povo, mostrando-se misericordioso" (2 Mac. 2:7, Bíblia de Jerusalém).
No segundo templo, o do Zorobabel, a única coisa que ficou no
lugar santíssimo foi uma pedra11 que se elevava uns três dedos acima da
superfície do chão e que veio a conhecer-se com o nome da "pedra
fundamental". Sobre ela o sumo sacerdote colocava o incensário de ouro
quando oficiava no dia da expiação (Lev. 16).

A Arca da Aliança

O lugar muito santo (qódesh qodashim), onde estava o "arca do


testemunho" (Êxo. 25:22; 26:33-34), ficava separado do lugar santo
(qódesh) mediante uma cortina chamada "o véu" (Heb. 9:3). Este véu
tinha dez côvados de altura, e o material usado era linho retorcido, estofo
azul, púrpura e carmesim. Tinha adornos de anjos bordados e estava
suspenso de colchetes de ouro. Os quatro pilares ou colunas que
Os Móveis do Santuário 17
sustentavam a estrutura do cortinado eram de madeira de acácia e
estavam revestidos de ouro, e as bases eram de prata (Êxo. 26:31-33).
Agora, segundo o registro bíblico (cap. 25:10-22; 26:33) a arca da
aliança era o único móvel que havia dentro do lugar santíssimo. Estava
construída de madeira de acácia e recoberto de ouro por dentro e por
fora. Media dois côvados e meio de comprimento por um e meio de
largura. A cobertura ou tampa, chamada o propiciatório – "assento da
misericórdia" –, era de ouro puro e tinha em cima dois querubins, os
quais formavam com o propiciatório uma só peça. O propiciatório estava
rodeado de uma coroa também de ouro. O arca foi o receptáculo das
tábuas da lei (Deut. 9:9, 11, 15), as que por sua vez eram testemunhas da
aliança que Deus tinha acordado com Seu povo.

A ARCA DA ALIANÇA

Símbolo Realidade
O arca se achava no lugar A arca foi vista por João no
santíssimo (Êxo. 26:33). santuário celestial (Apoc. 11:19).
A presença visível de Deus O Senhor dá Seu nome como
manifestava-se sobre o "misericordioso e piedoso"
"propiciatório" (Êxo. 25:21-22). (Êxo. 34:5-7).
Os Móveis do Santuário 18
Deus falava pessoalmente com Deus no céu está sentado
Moisés da arca para dirigir sobre um trono excelso (Isa. 6:1-5;
a Seu povo (Núm. 7:89). Jer. 17:12; Hab. 2:20; Sal. 11:4).
"Eu estava no Espírito; e hei aqui, um trono estabelecido no céu,
e no trono, a gente sentado" (Apoc. 4:2).

O Trono de Deus e o Propiciatório

O arca foi o lugar privilegiado onde Deus escolheu manifestar sua


presença perpétua em meio de Seu povo (Êxo. 25:21-22), e em certo
sentido também foi a sede do trono de Deus (1 Sam. 4:3-7) ou Seu
estrado (1 Crôn. 28:2). Tinha que ser um testemunho contínuo e
invariável de sua presença diária (Êxo. 33) conosco. É que devia ser um
símbolo de que Deus esteve e está "conosco" nAquele que é Emanuel
(Mat. 1:21-23).

Voltemos agora para propiciatório. A palavra hebraica kappóreth,


que leva implícita a idéia de "cobrir", traduziu-se como hilastérion na
versão grega dos LXX, como propitiatorium na Vulgata latina, e como
"propiciatório" em nosso idioma.

No Novo Testamento Jesus passa a ocupar o lugar do templo (João


2:19-22) e do arca porque ele em si é o único lugar na terra onde Deus
está presente em sua plenitude (Couve. 2:9), e, conseqüentemente, chega
a ser o instrumento da Onipotência para redimir ao mundo (2 Cor. 5:19).
Jesus, ao ser "enviado", chega a ser por decreto divino (Heb. 5:7-9) Rei,
Profeta e Sacerdote, mas fundamentalmente ele é o único (João 3:16)
hilastérion, a única propiciação ou oferenda expiatória (Rom. 3:25 ) da
eterna aliança, já que em Cristo se feito a única aspersão que tira os
pecados do mundo (Heb. 9:12, 22-28).
Os Móveis do Santuário 19
Sete Passos Fundamentais

Assim, na simbologia do santuário do deserto a "casa do


propiciatório" ou beth hakkappóreth (1 Crôn. 28:11) é o passo
culminante e final de uma série de sete passos no caminho da salvação:
1. Na porta do átrio se reconhece a necessidade de salvação. A
justiça humana é como "trapo de imundície" (Isa. 64:6).
2. No altar do holocausto, o "Cordeiro de Deus" (João 1:29), Cristo
Jesus, é devotado em sacrifício cruento e imolado por todos nós. A
justiça de Cristo nos é imputada.
3. Na bacia de bronze há limpeza e purificação. É-nos repartida a
justiça de Cristo no longo e penoso processo da santificação (Heb. 12:6-
11).
4. No altar do incenso há intercessão contínua. Jesus vive sempre
para interceder por nós (Heb. 7:24-25).
5. Na mesa dos pães há comunhão com Deus e com nossos irmãos.
Cristo é o "pão da vida" que nos alimenta (1 Cor. 10:16-17).
6. No candelabro de ouro temos a união da vida e a luz, e o Espírito
Santo atesta em favor de Cristo por meio da igreja (Mat. 5:14-16).
7. Na arca do pacto a justiça e a misericórdia se encontram em
Cristo. Se deixarmos que seu sangue nos limpe e vivermos em
obediência, algum dia veremos o Senhor face a face (Apoc. 22:3-4).

Referências:
1. E. G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 735.
2. A palavra hebraica para mesa é shuljon e provém de uma raiz que
significa "enviar". A mesma palavra aparece no João 9:7.
3. Alfred Edersheim, The Temple (Grand Rapids, Michigan: Wm.
B. Eerdmans, 1972), P. 183.
4. E. G. White, Atos dos Apóstolos, pág. 39.
Os Móveis do Santuário 20
5. O pão velho era distribuído entre os sacerdotes salientes, porém
no tempo de Cristo o sumo sacerdote tinha direito à metade dos
pães (ver Edersheim, Op. cit., P. 103).
6. A roupa velha dos sacerdotes era usada no tempo de Cristo para
fabricar a mecha do candelabro (Edersheim, Op. cit., P. 99).
7. Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 36.
8. Edersheim, Op. cit., pág. 158.
9. Ibid.
10. "O incenso que subia com as orações de Israel, representa os
méritos e intercessão de Cristo, Sua perfeita justiça". Patriarcas e
Profetas, p. 353.
11. Herbert Danby, The Mishnaah (London: Oxford University
Press, 1933), P. 16.
OS "VÉUS" DO SANTUÁRIO

NO "tabernáculo do testemunho"1 havia três "véus", e nos três


casos o véu pode ser um símbolo de nosso Senhor, cuja "carne" (Heb.
10:20) foi "rasgada" por nós e cujo "precioso sangue" (1 Ped. 1:19)
consagrou-nos um "novo e vivo" caminho2 para entrar na presença de
Deus.

Simbolismo da Cor

O primeiro desses véus, feito de linho torcido, era na verdade a


tapeçaria ou cortina que estava à porta do átrio e fazia as vezes de tal
(Êxo. 27:16). Suas cores eram os mesmos que os do véu que dava
entrada ao lugar santo: azul ou azul violáceo, escarlate e carmesim, e
transmitiam ao pecador uma mensagem muito significativa, a mensagem
das cores.3
Que verdade espiritual queria gravar nosso Senhor na mente dos
israelitas mediante a cor azul? Primeiro, que eles formavam parte do
povo de Deus, e segundo, que a fidelidade é a base de toda relação com o
Eterno. A cor azul, que é a cor do céu (Êxo. 24:10), fala-nos basicamente
do caráter de nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito na manifestação do
amor de Deus. Este amor põe a obediência como fundamento de toda
justiça já que, "como pela desobediência de um homem os muitos foram
constituídos pecadores, assim também pela obediência de um, os muitos
serão constituídos justos" (Rom. 5:19, Versão Reina-Valera).
Enquanto que a cor azul do santuário nos fala de Jesus, o
mensageiro celestial que devia habitar (João 1:14) com os homens, a cor
carmesim, por outra parte, ilustra o poder que há na "sangue precioso" do
Cordeiro (1 Ped. 1:18-19), derramado por nós para a redenção do
pecador. A cor púrpura, por sua vez, lembra que Jesus é Rei eterno e
Sacerdote imortal (João 19:5; Heb. 5:10).
Os "Véus" do Santuário 2
O derramamento do Espírito Santo no dia do Pentecostes foi para os
discípulos a evidência de que Jesus tinha sido "entronizado em meio à
adoração dos anjos";5 o sinal do céu para lhes anunciar que, "como
Sacerdote e Rei, [Jesus Cristo] recebera todo o poder no Céu e na Terra,
tornando-Se o Ungido sobre Seu povo".
Finalmente, a cor branca do linho representa a humanidade perfeita
do Salvador e de sua justiça, justiça que resulta de sua obediência (Apoc.
3:5, 18; 19:8) e absoluta lealdade a Deus.

O Primeiro e o Segundo Véus

A porta do átrio, formada pelo que chamamos o primeiro véu, era o


único acesso que tinha o pecador para entrar no átrio e participar dos
ofícios religiosos. Media vinte côvados de largura por dez de altura (Êxo.
27:16-18), e estava sustentado por quatro colunas. Da largura da porta
deduzimos que o amor de Deus para com o pecador é imensurável
(Efés.. 3:18-19), enquanto que por ser sua altura maior que a do homem,
inferimos que nos exige uma "justiça maior" (Mat. 5:20) que a
meramente humana, uma justiça que só o Senhor pode proporcionar.
A largura do véu do átrio era exatamente igual ao do véu que dava
acesso ao lugar santo, mas a altura deste era o dobro que a do véu do
átrio. Isto parecia indicar que o caminho se torna mais estreito e elevado
para os que aceitam a chamada divina. A porta do átrio é larga e é para
todos os que se aproximam em busca de perdão; a do lugar santo é para
os que foram chamados a cumprir uma função específica no "ministério
da reconciliação''. Os privilégios e as bênçãos derivados da relação
espiritual com Deus são exclusivos dos que foram redimidos e cujas
vidas se consagraram ao serviço de Deus; para eles a porta é "estreita" e
"estreito o caminho" (Mat. 7:13).6
Os "Véus" do Santuário 3
O Véu Interior

O "terceiro véu",7 que separa o lugar santo do lugar santíssimo


(Êxo. 26:31-35), tinha as mesmas cores do anterior e foi confeccionado
com os mesmos materiais. As maiores diferenças consistiam em que este
terceiro véu tinha figuras de querubins bordadas e tecidas delicadamente
no tecido – que não eram vistas pelo povo comum –, e no fato de que só
o sumo sacerdote estava autorizado a atravessar a cortina, e isto uma só
vez ao ano, no dia chamado "da expiação" (Lev. 23:27-28). Nesta
ocasião o pontífice protagonizava o ritual mais solene de todo o
calendário litúrgico judaico,8 o qual prefigurava a obra final de Cristo
em favor de Seu povo.
O Yom Kippur, como se denomina o dia de expiação entre os
crentes da fé judaica, está relacionado necessariamente com o "véu" e
com a "obra de juízo" (João 5:22-23) que nosso Senhor Jesus Cristo
realiza no lugar santíssimo ou qódesh qodashim.9
O crente que com olho espiritual visualize os véus do santuário,
recebe lições objetivas básicas para a interpretação da revelação divina.
Ao olhar para o véu do átrio descobre sua necessidade de uma "justiça
maior" que a que ele mesmo é capaz de proporcionar. Se exercitar sua fé
e transpuser o véu aceitando confidencialmente o sacrifício de Cristo em
seu favor – representado pelo ministério do sacerdote que oferecia o
cordeiro do holocausto contínuo (Êxo. 29:38-42) –, o crente é coberto
com a justiça de Cristo. Sem que ele o mereça é-lhe imputado ou
atribuído uma justiça que o céu mesmo proveu. Na verdade, todo o
mobiliário que está no átrio e as cerimônias que ali se realizavam
comunicam a necessidade dessa justiça divina. O pecador pode obtê-la
com apenas entrar pela porta, e a porta é Cristo (João 10:9).
No véu do lugar santo é comunicada uma segunda verdade
essencial, a da santificação pela fé. Como no caso anterior, este véu é um
símbolo de Cristo, que nos dá acesso à presença do Pai e à comunhão
com Ele. Observe-se que as cinco colunas das quais pendura o véu estão
Os "Véus" do Santuário 4
apoiadas em bases de cobre ou bronze (Êxo. 26:37), o mesmo metal que
se usou para fabricar a bebedouro onde os sacerdotes lavavam suas mãos
e pés cada vez que oficiavam. Essas bases de cobre fazem objetiva a
verdade de que, graças ao que Cristo carregou sobre Si mesmo o "pecado
de todos nós" (Isa. 53:6), podemos contemplar a glória do excelso Deus.
O importante aqui é que Deus não só justifica pela fé ao pecador, mas
também converte a esse pecador em um adorador ao qual santifica pela
fé no poder do Espírito Santo, preparando-o para a terceira e última
etapa, a da glorificação.
Assim chegamos ao véu interior, o véu do santíssimo, o qual com
sua arca da aliança, ocultava o lugar santíssimo do olhar furtivo dos fiéis
em geral, como também da vista dos sacerdotes que oficiavam no lugar
santo.
As quatro colunas de madeira de acácia, recobertas de ouro, das
quais pendurava o véu, apoiavam-se em bases de prata.
Tanto a humanidade de Cristo – representada pela madeira – como
sua divindade – representada pelo ouro – são aqui ensinados em forma
objetiva (Êxo. 26:31-33), mostrando-nos que o único caminho para
chegar à glorificação é o Redentor divino-humano, o Senhor Jesus
Cristo. Na hora de Sua crucifixão, o véu do lugar santíssimo se rompeu
"de alto abaixo" (Mat. 27:50-51), abrindo-nos assim um "novo e vivo
caminho" (Heb. 10:20) para que por meio dele entremos em qódesh
qodashim onde Cristo entrou como precursor, para "apresentar-se agora
por nós ante Deus" (cap. 9:24).
Concluímos dizendo que Cristo é o véu, a porta de entrada a cada
uma das etapas do crescimento cristão, e quando finalmente entrarmos
"véu adentro'' e vejamos sua glória, cumprir-se-á esta promessa
registrada nas Escrituras: "Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no
meu trono, assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no
seu trono" (Apoc. 3:21).
Os "Véus" do Santuário 5
Referências:
1. A Escritura designa o tabernáculo ao menos com sete diferentes
expressões. Consulte as seguintes passagens na Bíblia de
Jerusalém.
Êxo. 29:4 – "Tenda da Reunião"
Êxo. 38:21 – "Habitação do Testemunho"
Êxo. 39:32 – "A Habitação"
Núm. 17:7 – "Tenda da Reunião"
Núm. 19:13 – " Habitação de Yahweh"
1 Crôn. 6:33 * – "Habitação do Templo de Deus"
Lam. 2:4 – "Tenda da Filha do Sião"
2. Veja-se João 14:6; Atos 4:12; Efés. 2:18.
3. Para uma discussão mais ampla do tema veja-se S. Ridout,
Lectures on the Tabernacle (New York: Loizeaux Brothers, Inc.,
1973).
4. Uma discussão detalhada do tema aparece no The Tabernacle
and the Offerings, por Henry W. Soltau (Grand Rapids,
Michigan: Kregel Pub., 1972), p. 9 e seguintes.
5. E. G. White, Atos dos Apóstolos, págs. 38, 39.
6. __________ Primeiros escritos, págs. 13-15.
7. O apóstolo Pablo o chama "o segundo véu" (Heb. 9:3).
8. Veja-se The Jewish Festivals, pelo Hayyim Scuauss (New York:
Schocken Books, 1974). Na página 125 declara que "durante o
período tardio do segundo Templo, Yom Kippur era o dia mais
sagrado do ano para todos os judeus".
9. E. G. White, em The Spirit of Prophecy (Washington D. C.:
Review and Herald, 1869), vol. 3, p. 166, insiste em que o "véu
do templo, um cortinado formoso e forte, era renovado cada
ano".

*
Nota do tradutor: Na versão RA o texto equivale a 1 Crôn. 6:48.
O SACERDÓCIO AARÔNICO

DO ponto de vista da simbologia bíblica, o ofício sacerdotal em


Israel antecipa e proclama com nitidez três idéias soteriológicas, quer
dizer, referentes ao plano de salvação: a reconciliação, a mediação e a
santificação. A primeira idéia, ou seja a reconciliação, fica explicitada
no sacrifício diário dos animais, enquanto que a segunda se implementa
na ação sacerdotal de compadecer-se dos "ignorantes e extraviados"
(Heb. 5:1-2).
Merece notar o fato de que a palavra hebraica para sacerdote
(kohen) anuncia a idéia de mediação, porque o kohen é "alguém que
ocupa o lugar de outro e medeia em seu favor''.1
Em terceiro lugar a função sacerdotal abrange uma obra de
santificação, já que o próprio objeto da reconciliação divina é a santidade
de vida. Israel como nação escolhida devia ser um "povo santo" (Deut.
26:19), e o indivíduo incorporado a essa comunidade santa devia realizar
em sua vida privada e em suas relações o ideal ético-religioso antecipado
na "lâmina de ouro" (tsits)2 que o supremo sacerdote levava sobre seu
mitra (Êxo. 28:36; Lev. 8:9; Êxo. 39:30). A frase cunhada dizia:
"Santidade ao Senhor" (qódesh l'adonai).
As qualificações morais, espirituais e físicas que o sacerdote devia
reunir, a liturgia de ordenação e o traje típico que se exigiam dos
sacerdotes, porém, mais particularmente do sumo sacerdote, foram
estabelecidos por Deus para projetar de muitas e variadas maneiras o
ideal de que sem santidade "ninguém verá o Senhor" (Heb. 12:14).
Neste capítulo consideraremos basicamente estes aspectos do
sacerdócio aarônico, e deixaremos para capítulos subseqüentes o relativo
aos serviços do santuário.
O Sacerdócio Aarônico 2
A Roupa do Sumo Sacerdote

Moisés recebeu a ordem de fazer "vestes sagradas'' para Arão, as


quais seriam "para glória e ornamento" (Êxo. 28:2). Desde que Adão e
Eva usaram "folhas de figueira" para ocultar sua nudez (Gên. 3:7), o ser
humano jamais renunciou à confecção de roupa para cobrir-se. A roupa
pode satisfazer diversos fins: proteger dos rigores do tempo (1 Rei. 1:1);
identificar a pessoa que a leva (Gên. 27:15); preencher as exigências de
um ritual (Núm. 15:38).
No caso do Arão a veste era o motivo para expressar o valor
estético-religioso-funcional do sacerdócio. E já que essa roupa era
simbólica, tinha que ser perfeita porque "nada fora da perfeição poderia
representar devidamente a santidade do culto divino".3

O Colete Sacerdotal
[Êxo. 28:6, NV]

Para confeccionar o colete sacerdotal (Êxo. 28:5-8,; 28:28; 39:2-3)


utilizou-se o mesmo tipo de material empregado para as cortinas: linho
trançado, azul, púrpura e escarlate, entretecido com fios de ouro. Este
objeto exterior levava sobre os ombros as duas pedras de ônix (cap. 28:9-
12), nas quais se gravaram os nomes das tribos do Israel segundo suas
idades, seis em cada pedra (cap. 28:9-10, 21). Embora a Bíblia não dê
uma descrição detalhada da forma do colete sacerdotal, ela nos informa
dos usos e abusos que este objeto da veste sacerdotal sofreu ao longo da
história (1 Sam. 2: 28; 23:6, 9; 30:7).

O Peitoral

O peitoral do juízo, às vezes chamado peitoral (Êxo. 28:15-29;


39:8-21), era o objeto mais formoso e elaborado de todo o vestuário do
sacerdote. Colocadas em ordem sobre o peitoral, havia doze pedras
O Sacerdócio Aarônico 3
preciosas, e cada uma levava o nome de uma das tribos, atendendo à
ordem de marcha. Esta é uma figura que expressa o invariável amor de
Cristo por Seu povo: sobre os ombros Ele leva o fardo, sobre o coração
Ele os ama. "Assim Cristo, o grande Sumo Sacerdote, pleiteando com
Seu sangue diante do Pai, em prol do pecador, traz sobre o coração o
nome de toda alma arrependida e crente".4
Segundo Gesênio, a palavra hebraica para peitoral (jóshen) significa
"ornamento", e é usado na Bíblia uma única vez. A versão dos LXX usa
a palavra grega logéion.
No lado direito e no esquerdo do peitoral havia duas pedras
grandes, preciosas e de muito brilho chamadas Urim e Tumim. Mediante
elas se revelava a vontade de Deus ao supremo sacerdote. Por esta razão,
podemos afirmar que o colete sacerdotal com as pedras de ônix sobre os
ombros e o peitoral constituíam a roupa profética do sumo sacerdote.

Urim e Tumim

Como assinalamos no parágrafo anterior, aos flancos do peitoral


havia duas pedras preciosas grandes, chamadas em hebraico, Urim e
Tumim, literalmente, "luzes" e "perfeições"5 (Êxo. 28:30; Lev. 8:8).
A posse destas pedras era um dos grandes privilégios da família
sacerdotal (Deut. 33:8). O sumo sacerdote as usava para consultar a
vontade de Deus naqueles assuntos de difícil determinação que
comprometiam o futuro ou o bem-estar da nação (Núm. 27:21; Esd.
2:63).
Não sabemos com exatidão de que maneira Deus respondia as
perguntas, mas cada vez que a resposta era negativa "uma nuvem
obscurecia a pedra da esquerda", e se a resposta era positiva aparecia
"uma auréola de luz que rodeava a pedra preciosa à direita".6
Segundo Josefo,7 o Urim e o Tumim desapareceram do cenário
sacerdotal uns dois séculos antes da era cristã devido à impiedade que
prevalecia. Durante o reinado do Saul, em duas ocasiões ao menos, a
O Sacerdócio Aarônico 4
consulta feita pelo Urim e o Tumim não foi respondida (1 Sam. 14:37;
28:6). Davi o consultou por diferentes motivos (cap. 23:6-12). O Urim e
o Tumim reaparecem no tempo de Esdras e Neemias no século V A. C.
(Esd. 2:63; Nee. 7:65).
Note-se que em hebraico a palavra Urim começa com 'alef, que é a
primeira letra do alfabeto hebraico, enquanto que Tumim, com a tau, que
é a última. Entre o 'alef e o tau, ou se o preferimos entre o alfa e o ômega
(Apoc. 1:8, 11 ), está contido toda a linguagem humana, que é o veículo
para comunicar as idéias.
Agora, o sumo sacerdote com o Urim e o Tumim no peitoral se
transformou no veículo pelo qual Deus comunicou suas mensagens. O
peitoral era para a roupa do sumo sacerdote o que o propiciatório era
para o santuário. Nos dois casos Deus revelava Sua glória e para
conhecer Sua vontade.
Em Cristo, que é simultaneamente o propiciatório e o Urim e o
Tumim, Deus nos comunica três idéias básicas:
1. A primeira é salvação: Cristo é Emanuel, Deus conosco (Mat.
1:23), o "Verbo" divino (João 1:1-3) que devia habitar entre nós (v. 14) e
nos reconcilia com Deus.
2. A segunda é direção: Deus em Cristo conduz nossa vida, nos
guiando todo o tempo de nossa peregrinação.
3. A terceira é julgamento: há um "sim" e um "não" que nos é dito
em Cristo, mas para o crente, todas as promessas de Deus são nele "Sim"
e nele "Amém" (2 Cor. 1:20).

O Manto do Colete Sacerdotal


[Êxo. 28:31, NVI]

O "manto do colete sacerdotal" (Êxo. 28:31-34; 39:22-23), roupa


que conferia uma dignidade especial, era de cor azul e o sumo sacerdote
a levava posta sobre a túnica branca de linho trançado e debaixo do
colete sacerdotal. Era de uma só peça sem costura, tecida de cima
O Sacerdócio Aarônico 5
abaixo. Não nos é especificado a classe de material usado, mas se insiste
em que era azul. Como se sabe, o azul é a cor do céu e parecia
representar o caráter perfeito e sem mácula de nosso Sumo Sacerdote, o
Senhor Jesus Cristo (Heb. 9:11-28). Além disso, o azul parece antecipar
o sacrifício de nosso Senhor, quem com sua morte expiatória veio e nos
"anunciou as boas novas de paz" (Efés. 2:17).
A borda do manto do colete sacerdotal estava adornado com romãs
de fios de tecidos azul, roxo e vermelho; além disso tinha campainhas de
ouro que soavam quando o sumo sacerdote entrava e saía. Este não podia
ocultar sua presença nas dependências do santuário, pois o som das
campainhas o revelavam assim como suas boas ou más ações
manifestavam seu caráter. Algo semelhante ocorre conosco. Recordemos
que "um homem que é justo e que vive desse modo, tem mais poder no
silêncio que o que muitos têm em seus discursos. Seu caráter é como
campainhas que ao ser tocadas, mesmo acidentalmente, ressonam com
uma música que inspira e eleva".8

A Túnica Bordada

A "túnica" (Êxo. 28:39; Lev. 8:7) era feita de linho trançado e era o
primeiro objeto que o sumo sacerdote vestia. Note-se que a palavra
hebraica para túnica (kuttóneth) é a mesma usada em Gênesis 3:21, onde
se lê que Jeová fez ao homem "túnicas de peles, e os vestiu". A
desobediência de Adão e Eva os tinha transformado em pecadores e os
tinha despido de sua glória original. As folhas de figueira com as quais
fabricaram uma roupa precária, terminou em abafado. Em troca, com a
túnica de Deus se cobriram e avançaram para refazer suas vidas
arruinadas.
As túnicas foram confeccionadas por Deus, não pelo homem. Eram
couros de animais inocentes, mortos vicariamente em lugar do pecador.
Destaca o exegeta Soltau que no original a palavra "corte" está no
singular, provavelmente para assinalar o fato de que o único "Cordeiro"
O Sacerdócio Aarônico 6
que pode nos cobrir com sua perfeita justiça é Cristo (João 1:29), e essa
justiça de Cristo que lhe imputa ao pecador (Apoc. 19:8) está ao alcance
de todos nós.

O Cinturão

Temos que acentuar o caráter simbólico e típico do sumo sacerdote.


Em um sentido especial era uma figura de Cristo, e portanto representava
o povo diante de Deus e Deus diante do povo. A roupa que ele levava em
função de sua investidura sacerdotal, respondia a um valor estético e
projetava uma mensagem. devido às condições estabelecidas baixo a
nova aliança, pela qual os crentes chegam a ser "sacerdotes" (1 Ped. 2:9),
a roupa dos "seguidores de Cristo'' chega "a ser simbólica", e em "todos
os casos, até o estilo da roupa que levemos comunicará a verdade do
Evangelho".9
O cinturão (Êxo. 28:39; 39:29) ou faixa tinha as mesmas cores e os
mesmos materiais que se usaram para o véu, mas a ordem seguida era
diferente (cap. 36:35; 39:29). O "linho fino", símbolo da justiça de
Cristo, ocupava o primeiro lugar. Assim deveria ser com o crente, já que,
ao longo de sua vida, "a justiça será o cinto dos seus lombos, e a
fidelidade, o cinto dos seus rins" (Isa. 11:5).
A finalidade do cinturão era "cingir para servir". Na sala de espera
da cruz foi-nos exemplificada esta verdade, pois "sabendo este [Jesus]
que ... ele viera de Deus, e voltava para Deus, levantou-se da ceia, tirou a
vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela" (João
13:3-4). Na presença de Seus discípulos o Divino Mestre cumpriu o ideal
messiânico do "Ebed Yahweh". Aquele que está cingido deve ter a
"lâmpada acesa" (Luc. 12:35), e a luz consiste nas boas obras realizadas
pela graça de Deus manifestada em nossa vida.
O Sacerdócio Aarônico 7
A Mitra
A mitra que cobria a cabeça do supremo sacerdote (Êxo. 28:39;
39:28) representa a submissão que se deve a Deus. Aquele nunca devia
perder de vista que tinha sido chamado para o sagrado ministério. Não
temos informação suficiente quanto à forma da mitra, mas Josefo diz que
o sumo sacerdote levava "sobre sua cabeça ... um gorro sem pico, ... e foi
confeccionado assim, com a aparência de uma coroa que consistia em
uma cinta de linho bem ajustada".10
A palavra hebraica que se traduz por mitra (mitsnéfeth ) é usada
exclusivamente para o gorro do sumo sacerdote (há uma exceção em
Eze. 21:26). Deriva de uma raiz que significa "enrolar ou envolver", o
que possivelmente esteja indicando que a mitra rodeava a cabeça como
um turbante. Tinha uma lâmina de ouro fino que ele levava sobre a
fronte, e as palavras cunhadas nela diziam "Santidade ao Senhor".11
Observe-se que a palavra "diadema" de Êxodo 39:30, associada à lâmina
de ouro, provém do hebraico nézer, que em Números 6 suporta a idéia de
nazireato, consagração e separação. O sumo sacerdote devia ter
continuamente (tamid) a lâmina de ouro sobre sua fronte (Êxo. 28:36-38)
para levar "as iniqüidades dos filhos do Israel".
Assim como o holocausto era queimado continuamente (tamid)
sobre o altar, e o pão da presença estava continuamente (tamid) sobre a
mesa da proposição, e o candelabro de sete braços dava sua luz
continuamente (tamid) e o incenso queimado sobre o altar de ouro
ascendia continuamente (tamid), assim também o supremo sacerdote
estava continuamente (tamid) na presença de Deus, afastado para a
devoção, a santidade e o julgamento dos filhos do Israel.
No mesmo livro (Êxo. 29:9) manda-se que os filhos de Arão
ponham mitras, mas a diferença entre a mitra do sumo sacerdote e a de
seus filhos era grande:12 na primeira o ouro e o azul são adornos
exclusivos; a dos filhos, em troca, não tinha mais adorno que uma
espécie de pequena coroa formada do mesmo linho.
O Sacerdócio Aarônico 8
A ordenação do sacerdote

A liturgia de consagração do Arão e seus filhos foi muito solene e


requereu sete dias (Êxo. 29; Lev. 8). Os passos sobressalentes da
cerimônia foram os seguintes:
1. Vocação (Êxo. 28:1). A vocação sacerdotal do Arão teve sua
origem no próprio Deus, porque "ninguém, pois, toma esta honra para si
mesmo, senão quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão"
(Heb. 5:4).
2. Objeto da vocação (Êxo. 29:4). A cerimônia da consagração foi
realizada defronte da porta do santuário, na presença do Senhor e na
presença do povo. Arão devia estar perto de Deus e perto do povo; ele
era a ponte que unia aos dois.
3. Lavamento (Êxo. 29:4-6). Esta foi primeira e única ocasião em
que Arão como adulto foi banhado por outra pessoa. Ele não podia lavar-
se a si mesmo (Tito 3:5) porque este era um ato simbólico que
representava o lavamento espiritual que se opera no pecador quando
aceita ao Senhor (Efés. 5:25-26). Para ser banhado, Arão foi despojado
de suas antigas vestes, as quais foram totalmente desprezadas e nunca
mais voltou a usá-las.
4. Revestimento (Êxo. 29:5-6). Arão não colocou as roupas ele
mesmo. Foi Moisés quem o vestiu com essa roupa, que era um símbolo
da justiça de Cristo. Se ele próprio se vestisse, teria destruído a
mensagem (Isa. 61:10).
5. Unção (Êxo. 29:7; 30:30). A unção com o "óleo santo" era uma
antecipação da outorga do Espírito Santo (Atos 10:38; Luc. 4:18), com o
qual nosso Senhor seria ungido. Observe-se que enquanto que o azeite
foi aspergido sobre os móveis do santuário, sobre Arão foi derramado
(Lev. 8:10-12), o que indicava a plenitude do dom.
6. Consagração (Lev. 8:18-30; Êxo. 29:15-22). Os passos prévios
que descrevemos em forma resumida, eram preparatórios para o ato final
de consagração. Esta cerimônia final estava cheia de colorido e
O Sacerdócio Aarônico 9
significação, e acentuava de maneira vívida a dignidade da função
sacerdotal.
A liturgia exigia três coisas:
A. Pôr o sangue na orelha, na mão e no pé (Lev. 8:22-23).
B. Apresentar a oferta movida de pão e azeite (Lev. 8:24-30).
C. Aspergir o sangue e o azeite sobre o Arão e seus filhos (Lev.
8:30).
Com essa cerimônia grandiosa e impressionante o sumo sacerdote
ungido era afastado e feito partícipe da esfera divina. Chegava a ser o
"ungido de Jeová".13

Referências:
1. Edersheim, The Temple, P. 84.
2. Id., p. 99. Segundo Josefo, o tsits original de Arão ainda existia
no século I de nossa era, e os romanos se apoderaram dele como
troféu de guerra. Segundo Edersheim, o rabino Eliézer chegou a
ver o tsits no reino do imperador Adriano. Insiste em que se pode
seguir seu rastro até os tempos do Belizário (século VI d. C.).
Desde Bizâncio foi levado a Jerusalém onde se perde seu rastro.
3. E. G. White, Youth's Instructor, 7-6-1900.
4. E. G. White, Cristo em Seu Santuário, pág. 31.
5. H. W. Soltau, The Tabernacle, the Priesthood and the Offerings
(Grand Rapids, Michigan: Kregel Pub., 1972), p. 251.
6. E. G. White, Patriarcas e Profetas (CD-ROM), pág. 351.
7. Josephus, The Antiquities of the Jews (Grand Rapids: Kregel
Pub., 1974), III, 8. 9.
8. Raymond Calkins, El romance del ministerio (Buenos Aires: La
Aurora, 1947), p. 39.
9. E. G. de White, Testimonies (Mountain View: Pacific Press,
1948), t. 6, pp. 95-97.
10. Josephus, Op. cit.: III, 7. 3.
O Sacerdócio Aarônico 10
11. Segundo Edersheim, em The Temple, pág. 99, a lâmina de ouro
tinha só dois dedos de largura.
12. Algumas mitras chegaram a ser muito estilizadas como se pode
apreciar no comentário que se faz em Eze. 23:15.
13. Segundo Edersheim, na obra já citada, quando se ungia ao sumo
sacerdote com o "óleo santo", não somente era derramado sobre a
cabeça; também era aplicado sobre a testa acima dos olhos,
seguindo a forma da letra grega X. A coincidência não pode ser
mais significativa. Essa é uma das formas que tinha p tau
hebraico antigo (forma de cruz) que o anjo do Senhor devia
colocar sobre a fronte dos escolhidos em Jerusalém (Eze. 9:4).
O SACERDÓCIO SEGUNDO MELQUISEDEQUE

A IDENTIDADE do Melquisedeque,1 o extraordinário e ao mesmo


tempo misterioso personagem bíblico, foi motivo de discussão entre os
rabinos como entre os exegetas cristãos. A Escritura Sagrada, que é
nossa fonte primária de conhecimento, dá pouca informação sobre o
particular, mas suficiente para os fins da tipologia religiosa. As únicas
referências disponíveis são Gênesis 14:18-20, Salmo 110:4 e o que o
autor de Hebreus tem a nos dizer em sua epístola (caps. 5-7). É a partir
desta informação básica como nós sabemos que Melquisedeque
(hebraico, malki tsédeq, meu rei é justo ou meu rei é justiça) era rei de
Salém2 (hebraico, paz) e sacerdote do Deus altíssimo. A este sacerdote
Abram deu os dízimos de todo o conquistado na vitória que ganhou
contra os reis da Mesopotâmia (Gên. 14:18-20). Sendo que
Melquisedeque é rei de Salém – mais tarde Jerusalém – e sacerdote de
Deus, chega a ser um símbolo de Cristo,3 em Quem se unem ambos os
ofícios (Sal. 110:1-4; Heb. 6:20-7:21).
Nas passagens bíblicas mencionadas, nada se diz de seus antepassados,
antes se descreve a Melquisedeque como sendo "sem mãe" e "sem pai",
"sem genealogia", não tendo ''princípio de dias, nem fim de vida". Isto
não deve interpretar-se no sentido de anomalia biológica ou de que tenha
sido um anjo em forma humana, como erroneamente têm suposto
alguns.4 Como conseqüência Melquisedeque é "feito semelhante ao
Filho de Deus". Observe-se que foi feito à semelhança de Cristo e não à
inversa: não é o símbolo o que determina a realidade; pelo contrário, a
realidade determina o símbolo. O mesmo ocorre com o santuário
terrestre, que é feito de acordo ao modelo celestial, a verdadeira
realidade.
A superlativa grandeza do sacerdócio de Cristo se faz evidente aqui
(1) pelo significado do nome do Melquisedeque, (2) pela dignidade de
seu sacerdócio e de sua posição régia, (3) por sua falta de genealogia, e
O Sacerdócio Segundo Melquisedeque 2
do mesmo modo (4) pelo fato único de Cristo ser Oferenda e Sacerdote
ao mesmo tempo.

Singularidade de Seu Sacerdócio

Os sacrifícios do ritual levítico simbolizavam o sacrifício de Cristo.


Isto confirma a tese de que os aspectos básicos e essenciais do
sacerdócio aarônico e do de Cristo são os mesmos.
John Murray5 viu isso com claridade ao indicar que "devemos
interpretar o sacrifício de Cristo à luz do esquema levítico", e esse
esquema exige uma oferenda e um sacerdote.
Agora, o fato de Cristo oferecer-Se "a Si mesmo'' (Heb. 9:14) em
oferenda a Deus introduz uma verdade adicional6 que poucos percebem.
Cristo não foi dedicado por outro, mas sim "a Si mesmo Se ofereceu" em
um ato que não tem comparação; é que em Cristo se dá a singularidade
única de ser Ele, ao mesmo tempo e no mesmo ato, oferenda e
sacerdote.7 Isto atualiza e esclarece a absoluta unicidade qualitativa de
seu sacrifício (Heb. 10:12-14), a transcendência de seu ofício sacerdotal
segundo a ordem do Melquisedeque (cap. 7:16) e a perfeição de seu
caráter,
O estudo cuidadoso dos capítulos 4 e 7 da Epístola aos Hebreus
mostra que o autor está contrastando o sacerdócio aarônico ou levítico –
que estava regido fundamentalmente pela genealogia e a sucessão –, com
o sacerdócio do Melquisedeque ou vocacional, ao qual pertencia e
pertence nosso Senhor Jesus Cristo. O autor mostra convincentemente a
superioridade qualitativa e a duração eterna do sacerdócio de Cristo, em
agudo contraste com o caráter temporário e inferior do sacerdócio
levítico. Como se sabe, a profissão sacerdotal levítica dependia
basicamente da genealogia, e os sacerdotes exerciam seu cargo entre os
30 e os 50 anos (Núm. 4:1-3; 8:25; Esd. 2:61-62). Este sacerdócio caducou
com a morte de Cristo, quando "com ruído rompe-se de alto a baixo o
véu interior do templo, rasgado por mão invisível, expondo aos olhares
O Sacerdócio Segundo Melquisedeque 3
da multidão um lugar dantes pleno da presença divina". Assim era aberto
o caminho ao novo sacerdócio, "da ordem do Melquisedeque". "Daí em
diante, devia o Salvador oficiar como Sacerdote e Advogado no Céu dos
Céus"8 (ver 1 Tim. 2:5; Heb. 7:24-25; 8:1-2).

Perpetuidade do sacerdócio de Cristo

Embora seja verdade que o sacerdócio aarônico é descrito como


"sacerdócio perpétuo" (Êxo. 40:15; Jer. 33:18), em nenhum caso se
indica que algum dos sacerdotes individuais seja sacerdote eterno, e nisto
radica a "fraqueza" e "inutilidade" (Heb. 7:18) do sacerdócio em questão.
Eles foram muitos "porque são impedidos pela morte de continuar" (cap.
7:23); "este, no entanto” – adiciona o autor da Epístola aos Hebreus,
referindo-se a Cristo, – "porque continua para sempre, tem o seu
sacerdócio imutável" (cap. 7:24).
Antes de continuar com nossa análise é conveniente que
assinalemos a importância e também as limitações dos símbolos duplos
que aparecem nas Escrituras. Lembre o leitor que os objetos lançam
sombras diferentes conforme a luz incida sobre eles. Com freqüência no
mesmo símbolo encontramos representações de diferentes aspectos de
uma mesma verdade. No dia da expiação, por exemplo, usavam-se dois
bodes, um para o Jeová e outro para Azazel. Por outro lado, na Epístola
aos Hebreus temos dois sacerdócios, o de Arão e o de Melquisedeque,
contrapostos como símbolos que esclarecem o significado soteriológico,
ou referente à salvação, do sacerdócio do Senhor.

O Juramento Divino

A inauguração do sacerdócio aarônico foi possível graças a um


mandamento, a uma chamada divina (Heb. 5:4). "Faze também vir para
junto de ti Arão, teu irmão, e seus filhos com ele ... para me oficiarem
como sacerdotes" (Êxo. 28:1). Mas aqui não se faz menção de um
O Sacerdócio Segundo Melquisedeque 4
juramento divino como ocorre no Salmo 110:4, onde se introduz um
novo sacerdote "segundo a ordem do Melquisedeque". Este juramento
sugere a dignidade superior do sacerdócio do Melquisedeque. "Porque
aqueles, sem juramento, são feitos sacerdotes, mas este [Cristo], com
juramento" (Heb. 7:20, 21). Sendo que é um sacerdócio perpétuo e
indissolúvel, dado com juramento, a intercessão sacerdotal de Cristo nos
céus chega a ser eternamente suficiente (Heb. 7:24-25; Atos 7:56; Luc.
12:8).

Caráter Perfeito de Cristo

O último e mais sólido argumento esgrimido pelo autor de Hebreus


para estabelecer a superioridade da nova ordem sacerdotal é o caráter de
Cristo. O novo sacerdócio é melhor que o levítico, porque o novo
sacerdote é Jesus, quem é "santo, inculpável, sem mácula, separado dos
pecadores e feito mais alto do que os céus" (Heb. 7:26).
O supremo sacerdote da ordem levítica, embora não estivesse livre
de pecado nem imunizado contra a tentação, era afastado e santificado
mediante o elaborado ritual da ordenação e a purificação cerimoniosa.
Mas nosso Senhor Jesus Cristo não necessitou de nenhuma
cerimônia de purificação, já que a dedicação de sua vida ao ministério
sacerdotal se apoiava no juramento divino e na incontestável trajetória de
sua vida sem pecado.
E ali sentado "à destra do trono da Majestade nos céus" (Heb. 8:1)
Cristo vem a ser "ministro do santuário" (cap. 8:2), a quem podemos nos
achegar "com coração sincero, em plena certeza de fé" (cap. 10:22),
sabendo que "por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se
chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles " (cap. 7:25).

Referências:
1. Segundo uma tradição judaica longamente defendida,
Melquisedeque não é outro senão Sem o filho do Noé, que
O Sacerdócio Segundo Melquisedeque 5
naquele tempo todavia vivia, mas isto é só conjetura. Ver H. C.
Leupold, Genesis (Grand Rapids: Baker Book House, 1974), P.
465. Por outra tradição que Jerônimo atribui a Orígenes,
Melquisedeque seria um anjo. Epifânio por sua vez cita alguns
que viam em Melquisedeque o Filho de Deus. Ver Enciclopedia
de la Biblia (Ed. Garriga, Barcelona, 1969), vol. 5, pág. 42.
2. A palavra Salém provavelmente é uma forma abreviada de Jeru-
Salem como se indica no Salmo 76:2.
3. E. G. White, em Comentario bíblico adventista del séptimo día,
vol. 1, pág. 1107, esclarece que "foi Cristo que falou por meio do
Melquisedeque, o sacerdote do Deus altíssimo. Melquisedeque
não era Cristo, e sim a voz de Deus no mundo, o representante do
Pai".
4. As versões etiópica, siríaca e arábica de Hebreu 7:3 coincidem
em afirmar que "seu pai e sua mãe não foram achados na
genealogia". Ver Esd. 2:61-62.
5. John Murray, Redemption Accomplished and Applied (Grand
Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1961), p. 27.
6. F. F. Bruce, The Epistle to the Hebrews (Grand Rapids: Wm. B.
Eerdmans, 1977), P. 157.
7. E. G. White, O Desejado de Todas as Nações, pág. 25.
8. Id., pág. 757.
FESTAS DOS JUDEUS

O POVO judeu, apesar de sua longa história e sua rica experiência,


tinha poucos dias de festa em comparação com outras religiões de
origem mais recente. Um fato surpreendente é que os estudantes das
Escrituras prestam pouca atenção àquelas porções que informam das
distintas festividades, e isto é de lamentar porque todo o corpo ritual e
cerimonial do povo de Israel não só é extraordinário mas também está
muito estreitamente unido à história da revelação divina e a manifestação
de Sua graça. Além disso tem um conteúdo comemorativo e simbólico
muito apropriado para uma séria reflexão. A necessidade deste estudo se
justifica por diversas razões, algumas das quais mencionaremos a seguir:
1. O fato de que Deus tenha ordenado as festividades acentua sua
importância (16:16).
2. A utilização freqüente que fez Jesus da tipologia religiosa para
proclamar a realidade representada, reitera o valor daquela (Mat. 26:17-
19; Luc. 22:7-20).
3. Em mais de uma oportunidade os apóstolos se referiram às
festividades religiosas (1 Cor. 5:7-8; 11:23-26; 15:20).
É conveniente estabelecer que as festas dos judeus, qualquer que
fosse seu motivo original, podem-se classificar em quatro categorias:
1. O sábado (shabbath), sétimo dia da semana (Gên. 2:1-3; Êxo.
20:8-11).
2. O novilúnio (jódesh), primeiro dia de cada mês lunar.
3. As festividades anuais (jag), ou seja, três festas de peregrinação:
Páscoa, Pentecostes e as Cabanas ou Tabernáculos (Deut. 16:16).
4. Os dias solenes (mo'ed), que são principalmente os dias de "ano
novo" e "expiação" (Lev. 23:4, 37).
Neste capítulo consideraremos basicamente as festividades anuais
ou de peregrinação, e deixaremos para capítulos subseqüentes as outras
festas religiosas dos judeus.
Festas dos Judeus 2

Festividades de peregrinação e dias solenes

Há uma diferença marcada entre as "festividades de peregrinação" e


os "dias solenes". À primeira categoria (Deut. 16:16) pertencem:
A. A festa da Páscoa (pésaj) ou festa dos pães asmos (matstsoth).
Festas dos Judeus 3
B. A festividade das semanas ou Pentecostes (shabu'oth).
C. A festividade das Cabanas ou Tabernáculos (sukkoth).
Estas três eram as ocasiões mais festivas do ano e estavam
relacionadas com o santuário.
Ao segundo grupo, o dos "dias solenes" (Lev. 23:23-32),
pertencem:
A. O dia das trombetas (Rosh Hashanah) ou festa de Ano Novo.
B. O dia das expiações (yom hakkippurim).
Estes dois grupos se mantêm claramente separados no Pentateuco.
Os judeus designavam uma festividade com a palavra jag (em árabe
jayy). Dita celebração originalmente incluía uma procissão rítmica coral
que se realizava em um dia ou época de alegria. Edersheim1 assinala
corretamente que em hebraico se empregam duas palavras para referir-se
às festas religiosas: uma é mo'ed, aplicada a todas as convocações
religiosas, enquanto que a outra é jag, que provém de uma raiz que
significa "dançar" ou "estar contente", aplicada exclusivamente às três
festas já mencionadas: Páscoa, Pentecostes e as Cabanas ou
Tabernáculos. Os judeus chamavam a estas três festividades shalosh
regalim porque lhes recordava "uma jornada a pé", "uma peregrinação",
que é um elemento importante nessas três celebrações. O nome yamim
nora'im – reservado para as duas convocações já mencionadas, dia das
trombetas e dia da expiação, embora sem justificação bíblica –, usava-se
devido ao fato de que essas celebrações eram dedicadas mais que as
demais a uma reflexão fervorosa e a uma devoção solene.2
Em conclusão, as três festas de peregrinação chamadas shalosh
regalim participam de certas características em comum:
1. Comemoram eventos históricos da nação judaica:
A. A Páscoa (pésaj) recorda a liberação dos israelitas da
escravidão egípcia (Êxo. 12).
B. Pentecostes (shabu'oth ) recorda a proclamação da lei (os Dez
Mandamentos) no monte Sinai (Lev. 23:15-21), cinqüenta dias
depois da Páscoa.
Festas dos Judeus 4
C. As Cabanas ou Tabernáculos (sukkoth) recorda as
peregrinações dos israelitas nele deserto do Sinai (Lev. 23:34-
36).
2. Estão relacionadas com as várias etapas da colheita: colheitas da
cevada e o trigo, e colheita de uvas da uva.
3. São simbólicas no sentido de que antecipam verdades religiosas
essenciais com contido messiânico. Assim a Páscoa leva em seu seio o
princípio da redenção; Pentecostes o da revelação, e as Cabanas o da
restauração.
Os "dias solenes" ou yamim nora'im reclamam uma consideração
pormenorizada que faremos em um próximo capítulo. Enquanto isso
continuaremos a descrição detida das "festas de peregrinação".

A Páscoa

A Páscoa (em hebreu pésaj) é a primeira festividade do calendário


litúrgico e a mais antiga. É a festa da primavera que comemora o êxodo
do Egito na noite de 14 de Abibe, quando todos os primogênitos dos
egípcios foram mortos pelo "anjo" da destruição (Êxo. 12:1-29; Núm.
33:3-4). Deus instruiu ao Moisés para que Abibe fosse considerado o
primeiro mês do ano (mais tarde o chamou Nisã).
No dia 10 de Abibe cada família israelita devia separar um cordeiro,
e no dia 14 matá-lo, assá-lo e comê-lo sem quebrar seus ossos (Deut.
16:1-8). Os comensais deviam acompanhar a carne com "ervas amargas"
e "pão sem levedura", e comer todo isso em atitude de urgência como
escapando de um perigo iminente (Êxo. 12:29-33). O sangue do animal
devia ser posto nos batentes da porta e nos postes defronte da casa.
Ao pé do Sinai estabeleceram-se as condições para a celebração de
uma segunda Páscoa, a realizar-se em Zife, o mês seguinte ao Abibe (1
Rei 6:1), a fim de favorecer assim às pessoas que estavam de viagem ou
impedidas de participar da Páscoa por alguma impureza ritual (Núm.
9:1-14).
Festas dos Judeus 5
Em sua origem a festividade teve um caráter estritamente familiar e
não dependia do santuário para sua celebração. O pai da família fazia as
vezes de sacerdote. Com o tempo a Páscoa chegou a ser conhecida como
a festa dos "pães asmos" (em hebreu matstsoth).

No Tempo de Cristo

Desde sua própria origem a Páscoa judaica foi uma festa de


liberação, já que comemorava o momento quando os israelitas deixavam
de ser escravos no Egito e avançavam para a liberdade. Por milhares de
anos, a Páscoa foi para os filhos do Jacó "A Festa" em maiúscula ou
como o assevera Hayyim Schauss, "o festival da redenção".3
No tempo de Cristo a Páscoa era celebrada exclusivamente no
templo de Jerusalém, seguindo as instruções bíblicas (Deut. 16:2). Os
homens adultos tinham a obrigação de assistir (Êxo. 23:14-17), enquanto
que para as famílias a assistência era optativa.
O cordeiro pascal era sacrificado no átrio do templo na tarde do dia
14 e logo levado ao lar da pessoa que o havia trazido, para ser assado e
comido durante a noite.
Os rabinos do tempo de Cristo tinham elaborado um ritual
extremamente minucioso que incluía, entre outras coisas, a busca do pão
com levedura (jamets). O pai da família, usando uma vela acesa, revisa
cuidadosamente cada canto da casa, especialmente os lugares onde ele
suspeitava que houvesse levedura. Qualquer porção de pão levedo que
encontre é posto em um lugar seguro e logo destruído antes do meio-dia
do 14 de Abibe. É possível que o apóstolo Paulo tenha sido influenciado
por esta prática quando diz: "Lançai fora o velho fermento, para que
sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também
Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a festa
não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da
malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade'' (1 Cor. 5:7-8).
Festas dos Judeus 6
Esperança Messiânica

Segundo Hayyim, a esperança messiânica chegou à sua culminação


nos decênios que precederam à destruição do segundo templo. A
liberação final de Israel ficou associada nesse então com a primeira
liberação, a liberação do Egito.
''Os judeus criam, desde muito tempo, que na liberação futura Deus
poderia realizar o mesmo tipo de milagres que salvaram os judeus da
escravidão egípcia".4 Esta esperança cobrou vigor durante a ocupação
romana. Os judeus respiraram a ilusão de que o Messias seria um
segundo Moisés que libertaria os judeus na mesma tarde do 14 de Abibe,
coincidindo com o sacrifício do cordeiro pascal.5
Lentamente mas sem delonga a Páscoa veio a ser simultaneamente a
festa das duas redenções, a primeira e a última. Em todas as partes, mais
particularmente na Palestina, a esperança messiânica vibrava com
intensidade excepcional. Os judeus antecipavam6 que na noite da Páscoa
o Messias os liberaria da opressão romana assim como seus antepassados
tinham sido libertados da escravidão egípcia.7
Infelizmente os judeus se ofuscaram com a esperança de um
Messias revolucionário que os liberasse politicamente. A visão espiritual
ficou restrita a uns poucos. Estes escolhidos de Deus viram claramente
que a esperança messiânica antecipada na Páscoa judaica "cumpriu-se
quanto ao acontecimento e quanto ao tempo"8 na pessoa de Cristo.

Pentecostes

Cinqüenta dias depois de oferecer o 'omer ou o molho das primícias


da colheita da cevada (Lev. 23:10-15) celebrava-se a festa do
Pentecostes.
A palavra Pentecostes (qüinquagésimo) vem-nos do grego
pentékosté, e do hebreu shabu'oth, que significa semanas. Esse termo foi
Festas dos Judeus 7
usado para designar a festa de um só dia de duração que ocorria ao final
da colheita dos grãos, nos dia 6 do Sivã. No tempo de Cristo, nessa data
o verde das plantas e a fragrância das flores usadas para a decoração
litúrgica saturavam o ambiente, tanto nas sinagogas como nas casas.
Na Escritura se designa esta festividade de várias maneiras:
1. Festa das "semanas" (Êxo. 34:22)
2. Festa das "primícias" (Núm. 28:26)
3. Festa da "colheita" (Êxo. 23:16)
4. Festa de "Pentecostes" (Atos 2:1)
No hebraico há pelo menos três diferentes maneiras de designá-la:
jag bikkure qetsir (Êxo. 34:22) ou festividade das primícias da colheita;
jag haqqatsir ou festividade da colheita (Êxo. 23:16) e shabu'oth ou
semanas.
O momento culminante da celebração era alcançado com o
oferecimento dos dois pães com levedura9 amassados com farinha que
provinha da nova colheita (Lev. 23:17-20).
O Pentecostes é a única festa judaica para a qual não temos uma
data fixa. É um fato documentado que houve amarga contenda entre
saduceus e fariseus para determinar o significado da frase "o dia
imediato ao sábado" (Lev. 23:15). Por fim prevaleceu a tese do partido
farisaico, segundo a qual era necessário oferecer o 'omer no dia 16 de
Abibe. Para eles, então, a festa do Pentecostes se celebrava no 6 de Sivã,
que era o terceiro mês do ano religioso.10

A Proclamação da Lei

No tempo de nosso Senhor Jesus Cristo, o dia do Pentecostes


chegou a ser uma festa com duplo significado: estava relacionada com a
colheita dos grãos, e além disso comemorava a proclamação da lei no
Sinai.
Os judeus conservam uma tradição pela qual, no segundo dia do
Sivã, Moisés subiu à cúpula do Sinai; no terceiro se comunicou com o
Festas dos Judeus 8
povo; voltou a subir no quarto dia; o povo se santificou durante o quarto
e quinto dia, e no dia 6 de Sivã a lei foi proclamada 11 na cúpula. "Cristo
e o Pai, lado a lado no monte, proclamaram com solene majestade os
Dez Mandamentos".12
Assim foi como a festa do Pentecostes cobrou grande importância.
Já não estava conectado à agricultura; associava-se antes com o tesouro
cultural e espiritual do povo judeu, e se transformou no aviso da
revelação13 que Deus fez de si mesmo no Sinai (Êxo. 19:1-3) em forma
solene e majestosa.

Festa dos Tabernáculos

A festividade judaica mais alegre e buliçosa, a mais larga e, ao


mesmo tempo, a mais importante era a assim chamada "festa dos
tabernáculos" (em hebreu sukkoth). Era terceira e última convocação
anual, e como no caso das anteriores, todo homem adulto estava
comprometido a assistir a ela e participar de seu ritual (Deut. 16:16).
Esta festividade era celebrada entre 15 e 22 do Tishri (sétimo mês
do ano eclesiástico), imediatamente depois do dia da expiação (Lev.
23:34-43). Cinco dias depois da purificação e expiação do povo e o
santuário, e efetuada a reconciliação final com Deus, o povo participava
livremente desta celebração, a mais festiva de todas. Uma nação que se
santificou podia participar do gozo da vitória.
As Escrituras Sagradas designam a esta festa com nomes diversos:
1. Festa da colheita (em hebreu jag há'asif). Êxo. 23:16.
2. Festa dos Tabernáculos ou das Cabanas (em hebreu jag
hassukkoth). Lev. 23:34-43.
3. Festa solene. 1 Reis 8:2; 2 Crôn. 5:3.
Para participar da festa os judeus peregrinavam dos lugares mais
distantes, não só de seu país mas também do estrangeiro. Usavam-se
todos os meios de transporte disponíveis, mas os mais piedosos
Festas dos Judeus 9
preferiam viajar a pé. Sabemos que o famoso Hillel percorreu a enorme
distância que separava Babilônia de Jerusalém, inteiramente a pé.14

Características da Festa

Há três características que faziam da festa dos Tabernáculos uma


festividade singular:
1. O clima de alegria que saturava todas as atividades (Deut. 16:13-
17).
Nas portas da cidade os peregrinos eram recebidos com expressões
de louvor e gratidão. Havia uma atmosfera de muito júbilo, e por toda
parte se ouviam ou viam cantos, danças e saudações.
2. O uso de tendas de ramos (Lev. 23:42-43 ). Parece certo que os
ramos de árvores usadas para construir cabanas tinham o propósito de
lembrar aos israelitas as distintas etapas de sua peregrinação pelo
deserto. Indicam-se quatro espécies em Levítico 23:40:
A. Ramos de árvore que dá fruto
B. Ramos de palmeira (tamareira)
C. Ramos de árvore frondosa
d. Ramos de salgueiros
3. Os sacrifícios (Núm. 15:1-10).
Os rabinos tinham estabelecido, no tempo de Cristo, a seguinte
ordem para o ritual diário durante esta festa:
A. O sacrifício matutino (tamid)
B. A cerimônia da água
C. Sacrifícios adicionais
d. Oferendas voluntárias
E. Comida festiva
F. Estudo da lei
G. Sacrifício vespertino
H. Cerimônia das tochas
Festas dos Judeus 10
Cerimônia da Água

No tempo de Cristo, a chamada cerimônia da água ocupava um


lugar especial na festa dos tabernáculos. Dita cerimônia comemorava a
maravilhosa provisão de água no deserto.15 O sacerdote que dirigia a
procissão ia à fonte de Siloé para encher com água uma jarra de ouro, e
retornava ao templo entrando pela Porta da Água. No átrio interior uma
multidão o estava esperando. A sua chegada as trombetas de prata
rompiam o silêncio com seus estridentes sons, e os levitas e sacerdotes,
alinhados perto do altar, prorrompiam em cânticos de louvor em
harmonia com a exortação bíblica: "Tirarão com gozo águas das fontes
da salvação" (Isa. 12:3).
Imediatamente, o sacerdote que protagonizava a libação da água
avançava para o altar, onde havia duas bacias de prata destinadas a
receber a água e o vinho, cada uma com um pequeno orifício para
drenagem. Quando o sacerdote que levava a jarra de ouro estava para
derramar seu conteúdo na bacia, a multidão exclamava: "Alto, alto, mais
alto!"
Respondendo ao pedido, levantava a jarra por cima de sua cabeça e
lentamente vertia seu conteúdo, e em seguida derramava o vinho na
outra bacia. Lembre-se que do flanco de nosso Senhor brotaram duas
fontes distintas, de "sangue e água" (João 19:34).
Fazia parte da cerimônia a marcha dos sacerdotes ao redor do altar
cantando: "Oh! Salva-nos, SENHOR, nós te pedimos; oh! SENHOR,
concede-nos prosperidade!" (Sal. 118:25). O último dia da festa os
sacerdotes repetiam a procissão sete vezes.16
Foi nessas circunstâncias do "grande dia da festa" – conhecido pelos
rabinos como "dia do grande louvor" –, no momento em que o sacerdote
tinha em alto a jarra de ouro, que Jesus disse: "No último dia, o grande
dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a
mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior
fluirão rios de água viva" (João 7:37-38).
Festas dos Judeus 11
E assim fechamos o ciclo das três maiores convocações festivas
anuais. Da perspectiva neotestamentária, a primeira festividade anual – a
Páscoa –, com seu pão asmo dedicado como primícia, antecipava a
Cristo, que não só é a primícia dos mortos (Col. 1:18; 1 Cor. 15:20-23),
mas também o alicerce inicial e mais importante da igreja (Efés. 2:20; 1
Cor. 3:11). A segunda festa – o Pentecostes – tipificava o nascimento e o
avanço da igreja que, embora humana e imperfeita, é aceita por Deus no
Amado (Atos 2:41, 17; Efés. 1:6); ao mesmo tempo o triunfo da
proclamação final, que estava assegurado no Espírito Santo (Efés. 3:10-
12; 4:30). A vitória definitiva sobre o mal se antecipava jubilosamente
na festa dos Tabernáculos.

Referências:
1. Edersheim, Op. cit., P. 196.
2. S. Japas, Fiestas, nuevas lunas y sábado en Colosenses 2:16; y
The Jewish Encyclopedia (New York: Funk and Wagnalls Co.,
1903), t. 5, p. 376.
3. H. Schauss, Op. cit., págs. 38, 291.
4. Id., pág. 46.
5. Midrash Rabbah, Mejiltah e Yacut em seus comentários do
Êxodo 12:42.
6. H. Schauss, Op. cit., P. 46.
7. E. G. White, Patriarcas e Profetas, p. 278.
8. E. G. White, El Deseado de todas las gentes, p. 450.
9. A levedura dos dois pães indica que a primícia oferecida, embora
era santa, estava levedada com a imperfeição e o pecado, e
necessitava de uma expiação. Em troca o pão de cevada devotado
na festa dos asmos era sem levedura e representava a nosso
Senhor Jesus Cristo, perfeito em sua humanidade.
10. H. Schauss, Op. cit., pág. 88.
11. Edersheim, Op. cit., pág. 261.
12. E. G. White, Evangelismo, pág. 616.
Festas dos Judeus 12
13. Jacobo Gartenhaus, A mi pueblo (El Paso, Texas: Casa Bautista
de Pub., 1974), pág. 65.
14. H. Schauss, Op. cit., P. 177.
15. E. G. White, O Desejado de Todas as Nações, cap. 49. The
Jewish Encyclopedia, vol. 11, pp. 656-662.
16. The Jewish Encyclopedia, Ibidem.
O SÁBADO

A INSTITUCION divina que melhor e mais claramente assinala a


relação especial que Deus mantém com o tempo, quer dizer a relação da
Eternidade com o tempo histórico, é o dia de sábado. Há pelo menos
quatro razões que fazem desta afirmação uma verdade evidente:
1. Nenhum outro dia comemora melhor a criação de Deus que o
sábado (Gên. 2:1-3; João 1:1-3; F. 3:9; Apoc. 14:7). É que o sétimo dia
nos comunica a grande verdade religiosa de que o universo é obra do
Altíssimo. O sábado como culminação da criação, antecipa a paz e a
sorte que o crente desfruta ao fim de cada semana.1
2. O sábado é parte do governo de Deus (Êxo. 20:8-11), e implica
que todos os seres humanos são livres e iguais perante Deus. Em
conseqüência, as relações humanas devem reger-se pelo respeito que se
deve a toda pessoa pelo fato de ter sido criada à imagem de Deus.
É evidente que o sábado foi instituído por Deus com um duplo
propósito: primeiro, para aprender dEle e de sua Palavra, e segundo, para
descanso do espírito e do corpo (Êxo. 20:8-11).
3. O sábado nos introduz em uma nova dimensão ao descobrirmos
que é símbolo do descanso em Cristo (Heb. 4:1-9). A experiência de
Israel no deserto ao redor do santuário e registrada nos capítulos 3 e 4 de
Hebreus, é usada pelo autor da epístola como símbolo antecipador da
experiência cristã. O "descanso do cristão" inclui o perdão de seus
pecados, sua aceitação como filho de Deus, a fortaleza para viver à altura
das demandas do Evangelho, e a vida eterna. Este descanso está ao
alcance de todo aquele que, pela graça de Deus, exercite sua fé.
Observe-se que o sábado não só lembra e honra a um Criador que
trabalha (Gên. 2:1-3), mas também a um Criador que descansa. O sábado
comemora uma obra terminada no princípio, a criação, e uma obra
terminada no final, a obra de Cristo na cruz do Calvário, que ao pecador
que exercita sua fé lhe dá o direito a descansar (Luc. 23:54-56). De
maneira que o sábado não é só uma comemoração da obra de Deus na
O Sábado 2
criação e um reconhecimento de que Ele é nosso Senhor; é também e de
maneira mais autêntica, um símbolo do descanso no qual entrou Cristo
como comemoração de sua obra terminada, e do repouso espiritual que
experimenta o crente ao confiar plenamente em Jesus como seu Salvador
pessoal.
4. O sábado, cuja refulgência divina nos vem de dentro do lugar
santíssimo, onde se manifesta a gloriosa Shekinah, é a força coerente que
mantém unida a família de Deus (Gên. 1:27; 2:18; Êxo. 31:13-18). O
sábado original, o da criação, rechaça todo individualismo egoísta e nos
faz entrar no espírito da confraternidade dos filhos de Deus. Assim como
o vemos em sua relação com o santuário (Lev. 19:30; 26:2), na sábado é
um dia de devoção e instrução religiosa, e foi concebido para
proporcionar alegria e santidade especiais, tanto no lar do crente como
na comunidade. O sábado da criação não está abarrotado de
regulamentos farisaicos; pelo contrário, estabeleceu-se em um tempo de
liberdade quando o homem era o dono de seu futuro (só tinha a proibição
do conhecimento da experiência do mal; veja-se Gên. 2:17). Assim, o
sábado está no cruzamento de duas dimensões do saber espiritual: a que
olha para o passado e a que penetra o futuro.
O sábado como tempo histórico comemora o descanso de Deus por
ocasião da criação, quando o pecado ainda não tinha perturbado este
mundo (Gên. 2:1-3), e o de Cristo por ocasião da redenção. E como
tempo escatológico assinala ao "Israel de Deus" (Gál. 6:15-16) como
nação messiânica mediante a qual o Redentor restauraria a herdade
sabática que o pecado tinha pervertido (Isa. 58:13-14). Em relação com
isto é importante que consideremos as palavras do Ralf Waldo Emerson,
quem, no clímax de seu discurso à classe de graduandos da Escola de
Teologia do Harvard em 1838, disse: "O judaísmo nos legou duas
vantagens inestimáveis; primeiro o sábado, o jubileu do mundo inteiro,
cuja luz quando amanhece é bem-vinda tanto na sala do filósofo como na
choça do pobre e nas celas do cárcere, e que sugere em todas partes, até
aos incrédulos, a dignidade do ser espiritual..." E adicionou: "Que
O Sábado 3
permaneça sempre como um templo e que qual novo amor, nova fé e
nova visão, seja reintegrado à humanidade com um esplendor maior que
o que teve ao princípio".2
H. W. Richardson assinala que com estas palavras, Emerson oferece
um entendimento positivo quanto ao sábado como a revelação da mais
elevada dimensão da realidade, a "dignidade do ser espiritual".3
Assim, tanto na Escritura como no judaísmo posterior, na sábado é
um sacramento da vida que projeta, no tempo e no espaço, o "jubileu do
mundo". Na santidade4 do sábado se antecipa positivamente a presença
de Deus no mundo. Heschel o disse com uma fraseologia que merece
nosso respeito. Indica que, "enquanto a tradição judia não nos oferece
nenhuma definição do conceito de eternidade, diz-nos como
experimentar o sabor da eternidade ou vida eterna dentro do tempo". 5
Logo nos recorda a lenda segundo a qual, quando Deus entregou a Torah
disse: "Se guardarem a Torah e observam meu Mitzvot, dar-lhes-ei por
toda a eternidade uma das coisas mais preciosas que tenho em minha
posse.
"– E o que é esse algo precioso que você nos dará se obedecermos
sua Torah? – perguntou o Israel.
"– O mundo vindouro – foi a resposta.
"– Mostre-nos neste mundo uma antecipação do mundo vindouro.
"– O sábado é uma amostra do mundo vindouro – respondeu
Deus".6
Com efeito, a decadência da vida espiritual começa quando
deixamos de sentir a grandiosidade do Eterno no tempo.
E. G. White afirma "que o sábado nunca será anulado; antes, por
toda a eternidade, os santos remidos e todo o exército celestial o
observarão em honra ao grande Criador".7
Deve-se lembrar que o sábado é muito mais que uma questão
sociológica; no fundo faz parte da problemática teológica. Karl Barth, o
teólogo suíço da neo-ortodoxia, assinalou acertadamente que, o fato que
O Sábado 4
"Deus descansou no sétimo dia, e o abençoou e o santificou", é a
primeira ação divina que o homem teve o privilégio de presenciar; e que
ele próprio pudesse guardar o sábado junto com seu Criador, sem ter que
trabalhar, é a primeira palavra que lhe foi dita, a primeira obrigação que
lhe foi imposta".8

Referências:
1. Hyman E. Godlin, A Treasury of Jewish Holidays (New York:
Twayne Pub., 1952), pp. 2-3.
2. Citado por Herbert W. Richardson, Toward an American
Theology (New York: Harper and Row Pub., 1977), p. 116.
3. Id., p. 117.
4. É verdadeiramente sugestivo que a única vez em que se usa a
palavra "santo" no Decálogo, se refira ao sábado (Êxo. 20:8-11).
5. Abraham Joshua Heschel, The Sabbath (Cleveland, 1963), p. 74.
6. Id., p. 73.
7. E. G. White, Primeiros escritos, p. 217.
8. Church Dogmatics, III, I, p. 215.
A FESTA DA LUA NOVA

NOS tempos do Antigo Testamento, a festa da lua nova se


celebrava no primeiro dia de cada mês lunar com as seguintes práticas e
cerimônias:
1. Cessação de negócios.
2. Soar de trombetas (Núm. 10:10).
3. Sacrifícios especiais1 de animais, vegetais e libações (Núm.
28:11-15).
4. Comidas festivas (1 Sam. 20:18-24).
5. Visita ao profeta (2 Rei. 4:23).
6. Adoração no templo (Ezeq. 46:3).
7. Antecipação da futura redenção (Isa. 66:23).

Embora seja certo que antes do exílio o período da lua nova se


celebrava com suspensão do trabalho, o costume perdeu força durante o
exílio,2 e só as mulheres deixavam de trabalhar. Supõe-se que lhes foi
concedido este privilégio porque foram as mulheres as menos dispostas a
adorar o bezerro de ouro quando ocorreu a apostasia do Israel ao pé do
Sinai.3
A cerimônia da proclamação da lua, que com o tempo cobrou
grande significação, era inicialmente uma tarefa exclusiva do sumo
sacerdote e posteriormente foi do presidente do sinédrio.

Lua Nova e Redenção

A relação que havia entre a festa da nova lua e a "redenção de


Israel" foi expressa pelos judeus do exílio mediante orações recitadas
pelo leitor e respondidas pela congregação.4 Eis aqui o texto a cargo da
congregação:
A Festa da Lua Nova 2
"Que o Santo, bendito seja seu nome, renove-nos e a todo seu povo,
a casa do Israel, para vida e paz, para alegria e gozo, para a salvação
[messiânica] e a consolação! Digamos Amém!"
A mesma conotação messiânica se expressava na bênção proferida
pelos membros da haburah (associação de judeus que no tempo dos
macabeus se uniram para preservar a pureza das leis levíticas) na festa da
nova lua. A última parte da bênção dizia assim:
"Fez a lua para os tempos (Sal. 104:19), porque como os novos céus
e a nova terra que farei permanecerão diante de mim, diz Jeová, quem
renova a Israel e a lua".5
O reaparecimento periódico da lua devia ser reconhecida com
louvor e gratidão ao Criador, e a bênção da lua nova era recitada ao ar
livre. Hei aqui parte da oração:
"E ordenou à lua que se renovasse como coroa de beleza sobre os
que sustentou desde a infância (Israel), e como símbolo de que eles
também adorarão a seu Criador em seu reino glorioso. Bendito seja o
Senhor que renova a lua".6
De acordo com o exposto, vemos que a festa do novilúnio era (1)
um dia de alegria, (2) um dia de gratidão, (3) um dia para adorar a Deus,
(4) um símbolo da redenção de Israel, (5) um símbolo da consolação
futura, (6) um símbolo da imortalidade no reino futuro, (7) uma
antecipação da adoração a Deus no novo reino.

A Árvore da Vida e a Lua Nova

Parece que é possível estabelecer uma relação entre a festa da lua


nova e o "comer o fruto da árvore da vida" na nova Terra (Apoc. 22:1-3),
já que a árvore da vida produz doze frutos e dá seu fruto cada mês
(Apoc. 22:2), e na nova Terra os remidos irão adorar a Deus "de mês em
mês" (Isa. 66:23), o que coincide com a freqüência do reaparecimento da
lua nova.
A Festa da Lua Nova 3
É valioso lembrar que no livro do Apocalipse se usam imagens e
conceitos próprios da piedade judaica, e João esboça o gozo do cristão
no reino vindouro onde serão restauradas as glórias e privilégios que o
homem possuía antes da entrada do pecado. Daí que para o cristão o
reino vindouro signifique possuir tudo o que os profetas reclamavam e
desejavam para o povo judeu.
Ali todos têm acesso à árvore da vida, a qual é um emblema da
imortalidade. A árvore produz doze colheitas por ano; não doze tipos de
frutas na mesma árvore, a não ser cada mês uma colheita. A idéia é de
abundância e nem tanto de variedade. Assim como é impossível que haja
um mês sem lua nova, do mesmo modo é impossível comer do fruto da
árvore e perder a vida eterna.

Referências:
1. Patriarcas y profetas, p. 710.
2. The Jewish Encyclopedia, vol. 9, pp. 243-244.
3. S. Japas, Fiestas, nuevas lunas y sábado en Colosenses 2:16, p. 8.
4. The Jewish Encyclopedia, vol. 9, pp. 243-244.
5. Id., P. 244.
6. Ibid.
OS DIAS SOLENES

É IMPOSSÍVEL determinar com precisão a data em que os judeus


começaram a chamar "dias solenes" aos primeiros dez dias do mês de
Tishri,1 especialmente o primeiro e o décimo. Estes dois últimos são
conhecidos na Escritura Sagrada como a "comemoração ao som de
trombetas" e o "dia de expiação", respectivamente (Lev. 23:23-32).
Convém recordar a esta altura de nossa investigação que as "festas de
peregrinação" (às quais nos referimos no capítulo 6) exigiam de cada israelita
uma viagem ao santuário de Deus; e que os "dias solenes", por sua parte,
reclamavam a abstenção de trabalho e jejum completo.2
O dia das trombetas ou dia de ano novo (Rosh Hashanah) 3 e o dia
de expiação (Yom Kippur) eram tão diferentes de todas as outras festas
em seu conteúdo e em sua expressão, que estes dez primeiros dias do
Tishri foram caracterizados como "dias terríveis" e "tempo de
penitência". As outras festividades se distinguiam em grande medida por
sua atmosfera de exaltação e brilhante alegria, mas no Rosh Hashanah e
Yom Kippur não havia manifestações de alegria. Eram dias de penitente
seriedade e foram acompanhados por um sentimento de profunda
responsabilidade moral. Além disso, como corretamente o assinala
Schauss, estes "dias solenes" não se relacionam com atos históricos do
povo judeu e sim com a intimidade espiritual do indivíduo. 4 O ano novo
judaico, contrariamente ao que ocorre com outros povos, não é recebido
com ruído e algazarra; é esperado com um coração sério e contrito.
Assim, em sua projeção simbólica estes dias eram eminentemente
escatológicos, já que representavam a gloriosa culminação da obra de
Cristo em favor do pecador.

O Dia do "Som de Trombetas"

O Rosh Hashanah, que é o dia de ano novo, é denominado na


Escritura "dia para soar o shofar" (veja-se Núm. 29:1; Lev. 23:24).5 Em
Os Dias Solenes 2
suas orações para a ocasião, os judeus o designam como "dia de
lembrança" e "dia de juízo". Suspeitamos que a proximidade deste dia ao
de expiação é a razão pela qual era considerado como um dia de juízo.
No Talmude – que é o corpus juris6 dos judeus, formado
progressivamente durante o primeiro século antes de Cristo e os
primeiros quatro de nossa era – há uma série de declarações que
iluminam o significado do dia de ano novo e sua relação com o dia da
expiação. Transcrevemos algumas delas:
1. O homem é julgado no dia de ano novo enquanto que o decreto
final se promulga no Yom Kippur.
2. No dia de ano novo se realiza o julgamento de todo ser humano.
3. Faz-se soar a trombeta para anunciar ao povo que começou um
novo ano, e para adverti-los que cada um deve examinar sua vida
estritamente e corrigi-la.
4. Toda pessoa deve rever sua conduta e arrepender-se de seus
pecados antes do dia do juízo, e ter clara consciência do fato irrevogável
de que a justiça de Deus se aproxima.
5. O juízo fica em suspense desde o Rosh Hashanah até o Yom
Kippur; se o indivíduo se arrepende é colocado com os justos para gozar
de uma vida feliz; mas se ele se mantém indiferente, fica com os ímpios.
Na oração que os judeus rezam para a solenidade de Ano Novo,
comunica-se com aguda vivacidade a idéia de que Rosh Hashanah é o
dia em que Deus, sentado em seu trono no céu, inicia o juízo do mundo.7

O Dia de Expiação

Com o correr dos séculos o "dia da expiação" chegou a ser a


solenidade culminante, a maior e mais sagrada de todo o cerimonial
judaico. Diz a Escritura: Nesse dia "se fará expiação por vós, para purificar-
vos; e sereis purificados de todos os vossos pecados, perante o SENHOR"
(Lev. 16:30); e nele, os que tinham confessado seus pecados e se
mantiveram em conexão com o Criador, recebiam o perdão final e a
Os Dias Solenes 3
limpeza total. Para os judeus o "dia da expiação" era a ocasião quando o
homem fazia um acerto final de suas contas com Deus, e tanto o
santuário como o povo ficavam justificados e vindicados. O cerimonial
desse dia, cuja descrição aparece nas páginas seguintes, tem uma riqueza
simbólica excepcional. Nada do que se fazia era fortuito. Era um dia de
libertação concebido basicamente para beneficiar os crentes. A
singularidade do Yom Kippur fica sustentada nos fatos seguintes:
1. Era o único dia do calendário litúrgico em que se exigia jejum
total (Lev. 23:32). Provavelmente Atos 27:9 faça referência a esse dia.
2. Era o único dia, além do sábado semanal, em que se proibia todo
trabalho secular (Lev. 16:29-30; Núm. 29:7).
3. Era o único dia em que o sumo sacerdote entrava no lugar
santíssimo (qódesh qodashim).
4. Era o único dia do ano em que se efetuava a purificação do
santuário.
5. Era o único dia além do sábado semanal (Êxo. 31:15; 35:2), que
se designava com a expressão shabbath shabbathon (Lev. 16:31; 23:32).
Embora o Yom Kippur fosse um dia de jejum, confissão e lamento,
continuava sendo o dia que antecipava a vitória e o gozo. A pessoa não
devia comer, mas mesmo assim devia vestir roupa de festa.

Verdades Sobre o Dia de Expiação

O sumo sacerdote oficiava no elaborado ritual do dia da expiação


com roupas especialmente desenhadas para essa ocasião, e com isso
comunicava a idéia de pureza, separação e vindicação (Lev. 16:4, 17).
Ao cumprir com os detalhes do ritual para este dia, o sumo
sacerdote dramatizava quatro fatos notáveis:
1. A purificação do santuário. Nesse dia o santuário (Lev. 16:33)
ficava limpo de pecado; o sumo sacerdote tirava o pecado que se havia
acumulado com o passar do ano (Lev. 16:18-19). O santuário se poluía
com o pecado que os israelitas confessavam sobre a cabeça do animal
Os Dias Solenes 4
inocente, no átrio do santuário. O indivíduo era perdoado e limpo, mas o
santuário ficava poluído. Assim, a purificação do santuário era um tema
bem central no ministério sacerdotal do dia da expiação. Observe-se,
então, que havia duas purificações: uma individual e provisória que tinha
efeito no momento de o crente receber o perdão de seus pecados, e a
outra, de um caráter mais abrangente, que ocorria no dia da expiação
quando o próprio santuário e o povo eram purificados. Ambas eram
essenciais (Lev. 16:16-22). A purificação do santuário terrestre no dia da
expiação antecipava a purificação do celestial ao fim dos tempos (Heb.
9:21-23).
2. Uma obra de juízo. Na verdade, o dia da expiação era um dia de
juízo. Com respeito a cada crente era feita uma decisão irrevogável: a de
mantê-lo dentro do povo de Deus ou separá-lo dele. Se todos os pecados
individuais e coletivos foram confessado não era necessário temer, pois
já se concedera o perdão e agora o sumo sacerdote atuava em tirar o
registro desses pecados e pô-los, simbolicamente, sobre seu originador.
O instigador que tinha desatado a reação em cadeia do pecado tem que
carregar a culpa. "Visto que Satanás é o originador do pecado, o
instigador direto de todos os pecados que ocasionaram a morte do Filho
de Deus, exige a justiça que Satanás sofra a punição final".8
Note-se que os judeus chamam o dia de expiação yom haddin ou dia
de juízo. Nesse dia cada verdadeiro israelita renovava sua consagração a
Deus e confirmava seu arrependimento; em conseqüência, ficava
perdoado e limpo (Lev. 16:30).
3. Dia de erradicação do pecado. Embora imperfeitamente, no dia
da expiação ensinavam-se verdades essenciais. Nenhum símbolo é a
contraparte exata e definitiva da verdade espiritual que representa. A
obra expiatória do Senhor concentra tantos aspectos, que é impossível
encontrar paralelo perfeito a nível humano e terreno (Heb. 10:1-3).
A verdade mais destacada que se ensina mediante o ritual deste dia
solene era a da extirpação, a erradicação do pecado. A cerimônia do
bode por Azazel (Lev. 16:8, 10, 26) constituía a culminação do objetivo
Os Dias Solenes 5
central do dia da expiação, ou seja a erradicação do pecado. "A obra de
Cristo para a redenção dos homens e purificação do Universo da
contaminação do pecado, encerrar-se-á pela remoção dos pecados do
santuário celestial e deposição dos mesmos sobre Satanás, que cumprirá
a pena final".9
4. O selamento. Embora em páginas anteriores assinalamos o
caráter definitivo do dia da expiação, consideramos oportuno transcrever
um parágrafo de The Jewish Encyclopedia [A Enciclopédia Judaica] que
confirma o dito: "Em círculos judeus desenvolveu-se a idéia de que no
dia 1.° de Tishri, o sagrado dia de Ano Novo, os atos do homem são
julgados e seu destino decidido; e no 10.º dia do Tishri, o decreto do céu
selado".10 A idéia do selamento está conectada com o juízo, a
purificação do santuário e a erradicação do pecado.
Como se vê claramente, o dia da expiação antecipava a verdade
gloriosa de que o ministério de Cristo em favor do pecador vai além da
cruz do Calvário; introduz-nos no episódio final do drama dos séculos
quando o pecado será erradicado do universo, Satanás destruído e a sorte
dos filhos de Deus selada para vida eterna. O juízo divino revelará que,
mediante o Espírito de Deus, a estampa do caráter de Cristo foi colocada
sobre as vidas dos crentes redimidos.

Cerimônia do Dia da Expiação

A descrição que temos do dia da expiação em Números 29:7-11 e


Levítico 16:3-34, indica-nos que os sacrifícios oferecidos nesse dia
correspondiam aos seguintes tipos claramente definidos:
1. O sacrifício contínuo (em hebreu Tamid), que era um holocausto
repetido diariamente cada manhã e cada tarde, sem interrupção, com
suas libações e oferendas vegetais (Núm. 28:3).
2. Os sacrifícios exclusivos do dia de expiação (Lev. 16:3; Núm.
29:7-11), consistiam em animais que se ofereciam em holocausto e
animais que se sacrificavam em expiação pelos pecados.
Os Dias Solenes 6
3. O sacrifício culminante do dia, que consistia na cerimônia dos
dois machos caibros, um pelo Jeová e o outro pelo Azazel (Lev. 16:5-22).
No dia da expiação eram sacrificados 15 animais no total, mas o
dramatismo do cerimonial chegava a seu clímax quando o sumo
sacerdote saía do lugar santíssimo e colocava os pecados sobre a cabeça
do bode por Azazel. Azazel representava a Satanás, e "como o sumo
sacerdote, ao remover do santuário os pecados, confessava-os sobre a
cabeça do bode emissário, semelhantemente Cristo porá todos esses
pecados sobre Satanás, o originador e instigador do pecado".11
O bode emissário era levado a deserto "horrível e solitário", onde
era abandonado para que morresse. O desterro deste animal representava
a erradicação final do pecado. Azazel não expiava pecado algum porque
seu sangue não era derramado, e "sem derramamento de sangue não há
remissão [expiação]" (Heb. 9:22). Azazel recebia os pecados depois que
o sumo sacerdote tinha completado a expiação, e por isso representava a
Satanás, quem ao fim dos tempos receberá o juízo divino.
Na cerimônia do dia de expiação efetuada no santuário terrestre – e
o mesmo acontece na realidade celestial (Dão. 8:14; Heb. 9:22-24) –, a
verdade mais essencial que se comunicava era que Cristo vindica a Deus,
sua lei e seu povo; justifica a seus filhos, erradica o pecado e restaura o
planeta à harmonia universal.

Referências:
1. Tishri é o sétimo mês do calendário religioso judeu e de uma vez
o primeiro do calendário civil.
2. Ver Michael Friedlander, The Jewish Religion (New York: Pados
Pub. House, 1946), p. 400.
3. A única vez que a Bíblia usa o termo Rash Hashanah é em
Ezequiel 40:1, onde tem o sentido de "princípio do ano".
4. The Jewish Festivals, pp. 113-115.
Os Dias Solenes 7
5. Nos novilúnios que assinalam o primeiro dia do mês judaico, se
fazia soar o shofar como lembrete diante de Deus. No Rosh
Hashanah o som do shofar era de alarme e mais prolongado.
6. M. H. Harry, Hebraic Literature (New York: Tudor Pub. Co.,
1901), pp. 371-378.
7. Hugh Schonfield, A Popular Dictionary of Judaism (New York:
The Citadel Press, 1966), P. 109.
8. Patriarcas e Profetas, p. 358.
9. Ibid.
10. The Jewish Encyclopedia, vol. 2, p. 281.
11. O Grande Conflito, pág. 485.
AZAZEL

O TERMO "Azazel" (Lev. 16:8, 10, BJ) que aparece em diferentes


versões da Bíblia tem sido motivo de longas polêmicas. Em realidade é
um vocábulo que apresenta sérias dificuldades, e sua origem e
significado não são de todo evidentes. Entretanto, há duas razões, pelo
menos, que nos impulsionam a aceitar o termo como referido a um ser
pessoal, ao inimigo de Cristo, a Satanás: (1) A construção da frase "por
Yahweh ... por Azazel", na forma do tradicional paralelismo hebraico,
leva a pensar que assim como Jeová é um ser pessoal, também o é seu
contraparte, Azazel. (2) Alguns expositores e eruditos judeus vêem em
Azazel um ser pessoal.1

Azazel Simboliza a Satanás

Como já o assinalamos, a forma em que aparecem contrastadas as


expressões "por Yahweh" e "por Azazel", necessariamente requer que
Azazel designe a um ser pessoal, e nesse caso só pode referir-se a
Satanás. The Interpreter's Dictionary of the Bible, vol. 1, pp. 325-326
assinala que há três possíveis interpretações: (1) Azazel é o animal em
si; (2) Azazel é o lugar ao qual é levado o bode emissário; (3) Azazel é o
nome que designa o demônio que habita no deserto. Esta última parece
ser a conclusão mais lógica. Azazel não pode ser senão outro nome para
Satanás.
Uma rápida recapitulação da cerimônia dos dois bodes emissários
no dia de expiação nos ajudará a fundamentar com mais clareza a
posição que estamos defendendo. Deve observar-se que o bode por
Azazel está vivo, e em sua presença o sumo sacerdote mata o bode
emissário por Yahweh. Três vezes a palavra "vivo" está relacionada com
Azazel (Lev. 16:10, 20-21). Por outro lado, o bode emissário "por
Yahweh" é morto e com seu sangue se faz expiação pelo altar, pelo lugar
santo e pelo lugar santíssimo (Lev. 16:9, 15-16, 18, 20). O bode
Azazel 2
emissário por Azazel é levado ao deserto com a carga dos pecados o
sumo sacerdote coloca sobre ele, pecados estes que já tinham sido
confessados, expiados e perdoados por Cristo. Ao depositá-los sobre
Azazel, o que o sumo sacerdote faz na verdade é tirar a mancha, limpar
o santuário, e assim, a imundície que manchou o santuário é tirada e
depositada sobre Satanás, que é o originador da mesma. Azazel é levado
ao "deserto", um lugar que com referência à rota do êxodo é descrito
como "grande e espantoso'' (Deut. 8:15), de onde não se volta mais. É
expulso da presença do povo e da presença de Deus. Portanto não pode
representar a Cristo, já que o Redentor "volta", "ressuscita".
No tempo de Cristo a cerimônia de Azazel incluía a participação
dos israelitas, que insultavam o bode emissário, dizendo: "Vai embora,
rápido, rápido, vai embora!",2 e por temor a que voltasse, uma pessoa
encarregada o empurrava ao abismo. Ao morrer Azazel os pecados
depositados sobre ele não podiam voltar.
Para que seja mais claro vejamos em colunas paralelas as diferenças
entre os dois caibros.

"Por Yahweh" "Por Azazel"

1. Seu "sangue" é derramado. 1. É levado "vivo" ao deserto.


2. Sem derramamento de sangue 2. Não retorna mais e portanto
não há remissão (Heb. 9: 22). não pode referir-se a Cristo.
Não é um símbolo de ressurreição.
3. É uma expiação do pecado em 3. Em Azazel se faz a erradicação
sentido vicário (Lev. 16:5). final do pecado e de seu originador.
A justiça de Deus se descarrega sobre
ele em forma de juízo executivo.
4. Na expiação Cristo assume 4. Azazel, que é outro nome para
o lugar do pecador e chega a Satanás, em quem se originou o
ser "pecado" por imputação o pecado, deve perecer junto com
(2 Cor. 5:21; Lev. 4:3-12; 16:15-16). o pecado. O pecado não tem
Azazel 3
futuro, está condenado a desaparecer.
O juízo de Deus cai sobre ele e o aniquila.
5. Cristo o redentor único e suficiente. 5. Azazel carrega com a responsabilidade
Entrou no santuário celestial uma de ter originado o pecado e
vez e para sempre, e obteve redenção de ter feito pecar aos justos
eterna (Heb. 9:12-28). Azazel Os aspectos legais e judiciais
não é co-participante da redenção. Recaem sobre ele, que é o cérebro
que originou o mal.

Em conclusão, observe-se que os pecados depositados sobre Azazel


são pecados que já tinham sido perdoados e expiados por Cristo. No dia
da expiação o que se faz é eliminar a mancha (Deus tinha sido
''manchado" com falsas acusações, algumas das quais tinham sido cridas
por um número elevado de anjos), e pô-la sobre o verdadeiro culpado. A
calúnia lançada contra Deus, como o bumerangue, retorna ao que a
arrojou. A "mancha" não pode ficar no santuário, contra Deus, porque
chegou o tempo de justificar a Deus e vindicá-lo (veja Dan. 8:14). A
"mancha" não pode ficar mais sobre Cristo porque a "segunda vez, sem
relação com o pecado" será visto pelos remidos (Heb. 9:28).
A justiça divina culpará o único culpado da rebelião, que é Satanás.
Assim "quando Cristo, pelo mérito de Seu próprio sangue, remover do
santuário celestial os pecados de Seu povo, ao encerrar-se o Seu
ministério, Ele os colocará sobre Satanás, que, na execução do juízo,
deverá encarar a pena final".3
O pecado, que essencialmente é rebelião contra Deus, tem que
desaparecer primeiro da vida dos filhos de Deus; e isso é possível porque
Cristo os levou sobre Si mesmo: fez-se Fiador de Seu povo não só em
Sua morte mas também em Sua vida. Em segundo lugar, deve
desaparecer a própria presença do pecado e a incitação a cometê-lo, e
isso ocorre com o desterro e aniquilação de Satanás no fim do tempo
(Apoc. 20:1-4, 10).
Azazel 4
Assim como a sorte de cada israelita ficava solenemente decidida
no dia da expiação, da mesma maneira o destino do crente ficará selado
para sempre quando terminar o tempo da graça, já que Cristo não
intercederá mais em seu favor. O caráter de cada pessoa ficará "fixado"
em forma irrevogável; não poderá realizar mudança que não tenha
efetuado antes (Apoc. 22:11).

Referências:
1. Ver Seventh-Day Adventist Bible Dictionary, vol. 8, P. 97; The
Interpreter's Bible, T. 2, P. 77; Enciclopedia de la Biblia, vol. 1,
p. 959.
2. Schauss, The Jewish Festivals, p. 139.
3. O Grande Conflito, p. 422.
O HOLOCAUSTO CONTÍNUO

ANTES de descrever e analisar a significação tipológica do


holocausto contínuo propriamente dito, assinalemos cinco ensinos
básicos que se aplicavam aos sacrifícios em geral, ora se tratasse dos
holocaustos ora do sacrifício chamado expiação. Estes princípios, que
têm um valor permanente, são os seguintes:
1. Em Deus não há acepção de pessoas; pelo contrário, quanto mais
elevada era a pessoa que pecava, maior era o sacrifício que devia
apresentar. No caso dos animais maiores, apresentados por pessoas mais
ricas, o próprio pecador os matava; enquanto que no caso da pomba
(Lev. 5:7), que era oferecida por um pecador indigente, o sacerdote fazia
tudo ou quase tudo.
2. A ordem era a lei que governava o santuário. O animal devia ser
cortado em pedaços e logo reordenado cuidadosamente sobre o altar,
para ser consumido pelo fogo ( Lev. 1:7; 1 Cor. 14:33, 40).
3. A limpeza era requerida insistentemente em tudo o que se fazia e
da parte de todos (Lev. 1:9), o que antecipava a purificação total da fé do
crente.
4. Fogo, água e sangue davam testemunho da fé do crente.
5. Nenhum sacrifício era aceito se antes não fosse salgado com sal
(Núm. 18:19; 2 Crôn. 13:5), já que o sal (em hebraico mélaj) era um
símbolo da justiça de Cristo, a qual garantia a aceitação da oferenda.

Significado do Contínuo

A palavra holocausto (oferenda acesa; veja Êxo. 29:38-43; Núm.


28:1-14), cuja origem pode buscar-se na porta do Éden (Gên. 4:4; 8:20),
provém do grego holokáutoma, que significa algo totalmente consumido
pelo fogo. No hebraico o vocábulo correspondente é 'olah ("o que
ascende"), embora também algumas vezes se usa kalil ("tudo, inteiro").
O Holocausto Contínuo 2
O holocausto contínuo – também conhecido como o serviço diário1
(Êxo. 29:38-42) – efetuava-se duas vezes por dia, pela manhã e pela
tarde, e com ele se simbolizava a consagração diária da nação inteira a
Deus, e sua constante dependência do sangue expiatório de Cristo. Em
relação com isto, lembre-se que "diante do véu do lugar santíssimo,
estava um altar de intercessão perpétua [altar do incenso]; diante do
lugar santo, um altar de expiação contínua [altar dos holocaustos]".2
Com o sacrifício diário se provia uma expiação geral provisória
para a nação, já que o sangue do cordeiro, derramada ao redor do altar do
holocausto, "registrava" de maneira provisória os pecados, e assegurava
a expiação até que o pecador chegasse trazendo a oferenda individual
especifica para cobrir o pecado cometido.
O sacrifício individual trazido pelo pecador que vinha em busca do
perdão, registrava esse perdão. É como se fossem levados livros
contáveis nos quais se contabilizava o dever e o haver. O que ocorria
tinha por finalidade reafirmar a verdade soteriológica de que a graça
redentora de Deus em Cristo, que perdoa todo pecado, estava disponível
continuamente para redimir o pecador, e assim é como ensinava ao
pecador a apropriar-se dessa graça e dos méritos de Cristo. Quem
chegava ao átrio do templo e se colocava diante do altar do holocausto
contínuo, de fato estava adorando a Deus, consagrando-se por inteiro a
Ele e expressando sua gratidão pelo perdão recebido.
Os pecados não confessados eram "registrados" – por assim dizer –
ao pé do altar do holocausto, fora do tabernáculo propriamente dito. Em
troca, os pecados confessados eram registrados no lugar santo, ou sobre
os chifres do altar do holocausto. Em última instância, todos os pecados
confessados chegavam ao santuário por meio dos sacerdotes, já que eles
eram os encarregados de comer a carne do animal sacrificado em
expiação. Fica claro, pelo que foi dito, que só os pecados confessados
chegavam ao interior do santuário. No dia da expiação estes eram os
únicos pecados pelos quais o sumo sacerdote tinha que fazer expiação.
O Holocausto Contínuo 3
Os valores tipológicos envoltos no holocausto contínuo que
descrevemos podem ser sintetizados assim:
1. O holocausto provê uma expiação geral provisória para o
pecador (Jó 1: 4-5; Lev. 1:4).
2. Os pecados não confessados também contaminam o santuário
(Núm. 19:13, 20; Lev. 15:31).
3. O sangue do holocausto, derramado ao redor do altar, "registra"
o pecado não confessado e provê uma expiação provisória até que o
pecador traga o sacrifício específico para cobrir seu caso. A salvação é
oferecida a todos os homens, mas só chega a ser efetiva quando o
pecador se apropria dela (1 Tim. 4:10). A idéia em que se apóia o
holocausto e qualquer outro sacrifício mencionado no Antigo
Testamento, é a de substituição, em que vai implícita além disso a idéia
de redenção, expiação e castigo vicário.
4. O sangue de Cristo derramado ao pé do altar "clama por justiça''
(Heb. 12:22-29), mas ao mesmo tempo oferece perdão, e por isso é
melhor que o do Abel, o qual pedia só justiça (veja-se Gên. 4:10).
5. O sacrifício gasto pelo indivíduo registra os pecados confessados
por este, e registra também o perdão concedido. Esse perdão fica
registrado nos chifres do altar, ou no sacerdote mesmo ou sobre o véu, e
de algum jeito passa ao santuário. É o perdão desses pecados
confessados o único perdão que se registra no santuário.3
6. No dia da expiação esses são os únicos pecados pelos quais se faz
expiação (Lev. 16:15-16, 18-20).

Referências:
1. Para um estudo mais detido ver M. L. Andreasen, O Ritual do
Santuário (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira).
2. Patriarcas e Profetas, pág. 353.
3. O sangue se levava ao lugar santo quando pecava o sacerdote ou
a congregação (Lev. 4:5-6, 16-17). Quando uma pessoa comum
do povo ou um príncipe pecava, o sangue do sacrifício se
O Holocausto Contínuo 4
colocava sobre os chifres do altar dos holocaustos e a carne era
comida pelos sacerdotes (Lev. 4:25-34; 6:30).
O SANGUE REDENTOR

NINGUÉM que tenha suficiente iluminação espiritual poderia negar


que a fé cristã, assim como está expressa nas Escrituras, é uma "religião
de redenção, um resgate sobrenatural, uma operação de salvação".1
A figura central nessa "operação de salvação" é o Filho de Deus, o
Senhor Jesus Cristo, a personalidade mais atrativa e luminosa que jamais
se ofereceu à consideração dos seres humanos. Agora, o plano divino
para redimir o homem pecador contempla três aspectos essenciais: (a) as
promessas messiânicas, (b) o próprio ato da redenção, consumado na
cruz do Calvário, e (c) o ato final de vindicação e restauração, quer dizer
a obra do juízo.

Promessas Messiânicas

Se a Escritura Sagrada fosse lida e interpretada à luz que ela mesma


projeta sobre suas figuras e símbolos, seria descoberta uma verdade
central, sobressalente, que se entretece tanto nos livros do Antigo como
nos do Novo Testamento. Esta verdade é a do Messias, o Cristo, o Filho
de Deus (Luc. 24:25-27, 44-45; Gên. 3:15; 22:18; Núm. 21:9; 24:17;
Deut. 18:15, 18-19).
De todas as expressões usadas para referir-se antecipadamente a
Cristo, a da "semente da mulher" (Gên. 3:15), cujo sangue seria
derramado, parecesse ser a primeira e a mais repetida.
Logo após a entrada do pecado neste planeta, Deus prometeu:
"Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu
descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar", e ato
seguido fez "vestimenta de peles para Adão e sua mulher e os vestiu''
(Gên. 3:15, 21).
O primeiro cordeiro,2 que era símbolo do Cristo vindouro, tinha
sido sacrificado e seu sangue derramado, e "assim como a transgressão
de Adão tinha trazido miséria e morte, o sacrifício de Cristo traria vida e
O Sangue Redentor 2
3
imortalidade''. Após, ao longo de quatro milênios, "as ofertas sacrificais
foram ordenadas por Deus a fim de serem para o homem uma perpétua
lembrança de seu pecado, e um reconhecimento de arrependimento do
mesmo, bem como seriam uma confissão de sua fé no Redentor
prometido".4
Por isso os sacrifícios oferecidos no santuário constituíam uma
revelação maravilhosa da graça redentora de Deus. A Epístola aos
Hebreus identifica claramente esses sacrifícios em duas categorias: o
serviço diário (Heb. 7:27; 10:11 ), e o serviço anual (cap. 9:7; 10:3).
Uma cuidadosa análise desses sacrifícios e da liturgia do santuário
que os acompanhava permitirá compreender melhor o objetivo da
redenção e do juízo divino, o amor de Deus pelos pecadores, e a
persistente oposição do céu às forças do mal. É um fato que no santuário
encontramos uma chave básica para revelar os dois maiores mistérios da
soteriología, o da "piedade" e o da "iniqüidade" (1 Tim. 3:16; 2 Tess.
2:7), os quais reclamam a consideração cuidadosa de cada crente.

Eficácia do Sangue de Cristo

O santuário terrestre (primeiro uma tenda, adequada para ser


transportada de um lado a outro do deserto; mais tarde o templo de
Jerusalém) foi o centro do culto divino, durante 1500 anos, até que o
símbolo se encontrou com a realidade, o verdadeiro "Cordeiro de Deus"
(João 1:29) apareceu, e o santuário terrestre deu lugar ao celestial (Heb.
caps. 8 e 9). Em todos os casos, como já se indicou, o sangue é o
símbolo por excelência no plano da salvação. A razão está dada na carta
aos Hebreus: "Sem derramamento de sangue não há remissão" (cap.
9:22), e isto nos confronta com o fato inevitável: o único meio de
salvação é o sangue de Cristo.
Os israelitas conheceram o dramático significado do sangue (Êxo.
12:13) por ocasião da morte dos primogênitos egípcios. Pela aspersão do
O Sangue Redentor 3
sangue nas laterais e nas vigas superiores das portas alcançavam
segurança e amparo.
Andrew Murray5 narra a anedota comovedora de um ancião que
vivia na casa de seu filho primogênito; o ancião por sua vez era o
primogênito entre seus irmãos. Por outra lado, o filho com quem vivia
tinha também um filho varão que era o primogênito. Assim nessa casa
havia três primogênitos que morreriam essa noite se o anjo da morte
entrava. O ancião jazia prostrado por causa de uma grave enfermidade,
mas estava atento a tudo o que seu filho lhe contava sobre o mandamento
do Moisés. Ao entardecer, o ancião se inquietou ao pensar no perigo que
corria, então chamou a seu filho e lhe disse: "Filho, está certo de ter
aspergido o sangue?" "Sim papai, eu fiz tudo o que ordena o
mandamento". A resposta pareceu tranqüilizar ao ancião, mas aos
poucos minutos insistiu: "Filho, está completamente certo de ter
aspergido o sangue?" O filho voltou a lhe assegurar que tinha feito tudo
como ordenado Por Deus. Ao aproximar-se a meia-noite, o ancião se
excitou muito e gritou: "Meu filho, por favor, me leve afora agora
mesmo, para que eu possa ver o sangue com meus próprios olhos e ficar
tranqüilo!" Então, o filho levou a seu pai à porta. Ao ver o sangue nas
laterais e nas vigas superiores das portas, exclamou: "Agora sim estou
satisfeito. Graças a Deus porque sei que estou salvo!"
Mas é aqui onde alguém se pergunta com o Anselmo do
Canterbury:6 "Por que razão, a fim de salvar a raça humana, o Deus
todo-poderoso tomou sobre Si mesmo o pecado e a miséria dos
homens?" E por que – adicionamos nós – Deus Se fez homem? Por que,
tendo-se encarnado, morreu? E por que teve que morrer a morte de cruz?
A resposta a estas perguntas deve buscar-se na natureza de Deus,
em Seu amor infinito e em Sua justiça. Há aqui uma absoluta
necessidade de fazer as coisas como se fizeram porque ''ninguém, a não
ser Cristo, poderia redimir da maldição da lei o homem decaído, e levá-
lo novamente à harmonia com o Céu". "Se a lei pudesse ser mudada, ter-
se-ia podido salvar o homem sem o sacrifício de Cristo; mas o fato de
O Sangue Redentor 4
que foi necessário Cristo dar a vida pela raça caída prova que a lei de
Deus não livrará o pecador de suas reivindicações sobre ele".7
Forsyth assinala corretamente8 que o sacrifício de Cristo é o
resultado da graça de Deus e não sua causa. É uma oferenda de parte de
Deus e não uma oferenda oferecida a Deus. A base firme para a expiação
está na graça de Deus em favor do pecador e não em sua ira perante o
pecado.
O fato de que Cristo sofresse a pena da transgressão do homem é
para todos os seres criados um poderoso argumento em favor de "que a
lei é imutável; que Deus é justo, misericordioso, e abnegado; e que a
justiça e misericórdia infinitas unem-se na administração de Seu
governo".9
Notemos agora estas dez declarações bíblicas a respeito do sangue
do Jesus:
1. Somos remidos com o sangue precioso de Cristo (1 Ped. 1:18-19).
2. Obtemos o perdão de nossos pecados por seu sangue (Col. 1:14).
3. O sangue de Cristo nos limpa de todo o pecado (1 João 1:7).
4. Temos remissão de pecados por seu sangue (Heb. 9:22).
5. O sangue faz expiação (Lev. 17:11).
6. Temos acesso a Deus por seu sangue (Efés. 2:13).
7. Somos justificados em seu sangue (Rom. 5:9).
8. Há santificação no sangue de Cristo (Heb. 13:12).
9. Temos paz por meio do sangue (Col. 1:20).
10. Somos vitoriosos por seu sangue (Apoc. 12:11).

O valor de nossa adoração deve determinar-se principalmente por


nossa atitude para com o sangue de Cristo, já que sem sangue não há
Evangelho. Qualquer que rejeite a dádiva do sacrifício de Jesus fica
excluído da possibilidade de alcançar a salvação, porque além do sangue
de Cristo não há esperança. O sangue de Cristo derramado no Calvário é
o fundamento de toda esperança, e deveria estar à base de todo louvor.
Os coros celestiais, em antífonas jamais igualadas, elevam suas vozes
O Sangue Redentor 5
declarando que o Cordeiro nos comprou "para Deus" com Seu "sangue"
(Apoc. 5:9, 12; 1:5; 7:9, 14).

Referências:
1. Edward Heppenstall, Our High Priest (Washington, D.C.:
Review and Herald, 1972), pág. 13.
2. No livro do Apocalipse a palavra "cordeiro" aparece 28 vezes, e
em cada caso exceto um (Apoc. 13:11) refere-se a Cristo. Isto
parecesse indicar que o símbolo favorito para simbolizar ao
Senhor é o cordeiro (João 1:29).
3. Patriarcas e Profetas, pág. 66-67.
4. Id., pág. 68.
5. Andrew Murray, The Blood of the Cross (Grand Rapids:
Zondervan Pub. House, 1963), pág. 71.
6. John Murray, Op. cit., pág. 11.
7. Patriarcas e Profetas, págs. 63 e 70.
8. P. T. Forsyth, The Cruciality of the Cross (Memorial Hall, E. C.
4: Independent Press, 1957), pág. 89.
9. Patriarcas e Profetas, pág. 70.
SACERDÓCIO DE CRISTO NO CÉU

A OBSERVAÇÃO de Berkhof de "que a obra sacerdotal de Cristo


não está limitada à oferenda sacrifical que fez de Si mesmo na cruz",1
respalda a posição de que "Cristo é o verdadeiro sacerdote que serve no
verdadeiro santuário".
O que foi dito nos capítulos anteriores constitui o pano de fundo
para a magnífica verdade de que agora Cristo "é o sumo sacerdote das
coisas boas que vieram. O santuário onde ele serve de sacerdote é
melhor e mais perfeito, e não foi feito pelos homens, quer dizer, não é
deste mundo" (Heb. 9:11, Versión Popular). "Porque Cristo não entrou
em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu,
para comparecer, agora, por nós, diante de Deus" (Heb. 9:24).

O Santuário Celestial

Tanto o Antigo como o Novo Testamento declaram em forma


inequívoca que o santuário terrestre foi uma "sombra" ou imagem do
modelo original real que está no céu (Êxo. 25:40; Heb. 8:5). É
significativo o fato de que em Hebreus 8:5 se qualifique o santuário
terrestre como uma "sombra", e, como Franz Delitzsch o particularizou
em seu famoso comentário, o santuário terrestre era "sombra" da
realidade celestial, mas "não a sombra de outra sombra".2 É um fato
inegável, se tivermos que aceitar as evidências bíblicas, que há um
santuário celestial real. "Aquele santuário em que Jesus ministra em
nosso favor, é o grande original, de que o santuário construído por
Moisés era uma cópia".3

Por outro lado, como o assinalou James Zackrison em seu opúsculo,4


o propósito da doutrina bíblica do santuário é "compreender o
significado das verdades espirituais envoltas no grande conflito e o plano
da salvação", mas a Escritura não dá informação pormenorizada da
Sacerdócio de Cristo no Céu 2
estrutura material do templo-santuário celestial, já que só nos introduz
nos aspectos salvíficos de sua liturgia e seus serviços. Entretanto, é
reconfortante saber que "importantes verdades relativas ao santuário
celestial e à grande obra ali prosseguida em prol da redenção do homem,
deveriam ser ensinadas pelo santuário terrestre e seu cerimonial".5

Fases do Ofício de Cristo no Céu

Ao tratar de captar os aspectos sobressalentes do ministério de


Cristo no céu como nosso sumo sacerdote, encontramos que assim como
há um templo-santuário celestial, o qual tem basicamente duas partes, o
ministério de Cristo também deve contemplar duas fases ou funções. E
isto harmoniza com o conjunto de símbolos do santuário terrestre, no que
os sacerdotes e o sumo sacerdote cumpriam suas tarefas no serviço diário
e no serviço anual.6 A correspondência do ministério de Cristo no céu
com os dois aspectos do serviço no santuário terrestre é reconhecida
tanto nas Escrituras como na tipologia do santuário e sua interpretação
(Heb. 8 e 9). O capítulo 9 de Hebreus tem como tema central o acesso à
presença de Deus por meio do sacrifício perfeito e definitivo de Cristo. A
mediação de Cristo chega a ser assim única e insubstituível (1 Tim. 2:5;
Heb. 7:25; João 14:6; F. 2:18). "Como nosso mediador, Cristo trabalha
incessantemente; quer O aceitem quer não, obra incessantemente a favor
deles. Outorga-lhes vida e luz, e luta por meio de Seu Espírito para
desligá-los do serviço diabólico".7
A mediação contínua (tamid) de Cristo no santuário celestial,
simbolizada pelo serviço diário do santuário terrestre, pode caracterizar-
se como:
1. Intercessão contínua (Heb. 7:25; 9:24; 1 João 2:1).
2. Acesso contínuo a Deus (F. 2:18; 3:12; Heb. 4:15-16).
3. Purificação, santificação e justificação contínua (Heb. 9:14; 10:10).
4. Perdão contínuo (João 5:31; 1 João 2:1).
5. Direção contínua de sua igreja (Apoc. cap. 1).
Sacerdócio de Cristo no Céu 3
6. Sustento e proteção contínuos (Mat. 28:18-20).
Queríamos destacar o contraste que Pablo estabelece entre a
ineficácia do sangue dos animais no santuário terrestre e a eficácia do
sangue de Cristo. Com efeito, diz o apóstolo, o sangue dos animais dava
ao pecador um acesso parcial (ele só entrava até o átrio) e não podia
aperfeiçoar, enquanto que o sangue de Cristo dá um acesso ilimitado,
completo, até a própria presença de Deus no santuário celestial (Heb.
cap. 9).
E. G. White acentua em que "Cristo Se comprometeu a ser nosso
substituto e fiador, e não despreza ninguém. Ele, que não pôde ver seres
humanos sujeitos à ruína eterna sem entregar Sua vida à morte por eles,
contemplará com piedade e compaixão todo aquele que reconhece não
poder salvar-se a si próprio. Não contemplará nenhum trêmulo
suplicante, sem soerguê-lo. Ele, que pela expiação proveu ao homem um
infinito tesouro de força moral, não deixará de empregar esse poder em
nosso favor".8

A obra contínua de Cristo (serviço diário ou tamid) no santuário


celestial, deve entender-se em sua dupla dimensão: (a) como obra
realizada por nós, fora de nós e aplicada ou atribuída a nós
(justificação); e (b) como obra que Cristo realiza em nós por meio do
Espírito Santo (santificação).

Os israelitas da antiga aliança recebiam perdão contínuo (tamid),


mas seus pecados poluíam o santuário pela transferência que era feita
pelo sangue do sacrifício. E "como antigamente eram os pecados do
povo colocados, pela fé, sobre a oferta pelo pecado, e, mediante o sangue
desta, transferidos simbolicamente para o santuário terrestre, assim em o
novo concerto, os pecados dos que se arrependem são, pela fé, colocados
sobre Cristo e transferidos, de fato, para o santuário celeste".9
Sacerdócio de Cristo no Céu 4
Referências:
1. L. Berkhof, Teología sistemática (Grand Rapids: T.E.L.L.,
1974), pág. 475.
2. Commentary on the Epistle to the Hebrews (Grand Rapids,
1952), T. 2, pág. 34.
3. Patriarcas e Profetas, pág. 357.
4. El santuario y el sacrificio de Cristo (SDA General Conference,
Inter-American Division, 1977), pág. 4.
5. Patriarcas e Profetas, pág. 357.
6. Para maior informação ver G. F. Hasel, Christ's Atoning Ministry
in Heaven (Leominster, Mass.: G. C. of SDA The Eusey Press,
1975).
7. Review and Herald, março 12, 1901.
8. Parábolas de Jesus, pág. 157.
9. O Grande Conflito, pág. 421.
CRISTO E O SERVIÇO ANUAL

O SERVIÇO "anual" (yom hakkipurim), levado a cabo pelo sumo


sacerdote no dia da expiação, é um símbolo e uma antecipação da
segunda fase do ministério de Cristo no santuário celestial (Heb. cap. 9;
Lev. cap. 16).
Ao estabelecer tal relação, desejamos assinalar que esta segunda
fase do ministério de Cristo não descontinua a primeira, representada
pelo serviço diário. Como se sabe, no serviço figurativo do dia da
expiação, o primeiro sacrifício e o último do cerimonial eram os
cordeiros do serviço diário (Núm. 29:11). Ao iniciar sua obra final de
juízo, vindicação e selamento, Cristo a realiza simultaneamente com a
tarefa de intercessão e mediação.
Como já expusemos em capítulos anteriores, os aspectos
sobressalentes do "serviço anual" (dia da expiação) relacionam-se com a
purificação do santuário, o juízo e a extirpação do pecado, a vindicação
de Deus, e o selamento dos remidos (Dan. 8:14; Apoc. 7:1-3; 11:18-19;
13:5-6; 14:6-12; 15:5-8).
Se o pensamento do autor da Epístola aos Hebreus (cap. 9:22-23)
for aceito em todas suas conseqüências, então o santuário celestial
necessariamente tem que ser purificado. Não caiamos no absurdo de
supor que se trata de remover impurezas físicas. A purificação da qual se
fala aqui se efetua única e exclusivamente com os méritos do sangue de
Cristo.
O cerimonial do dia de expiação incluía a obra de purificação.
Mediante a aspersão do sangue (Lev. 16:15-30), o sumo sacerdote
"limpará e ... santificará" o santuário das imundícies dos filhos de Israel.
O vocábulo "limpará" provém do verbo hebraico taher, que indica
limpeza real e não só uma declaração de limpeza. Como
inquestionavelmente o documentou Hasel em sua exegese, 1 a palavra
hebréia kipper – que aparece dezesseis vezes no Levítico capítulo 16 –,
compreende a idéia de limpeza do santuário e do povo. Esta dupla
Cristo e o Serviço Anual 2
limpeza é simultânea, pois enquanto Jesus em sua função sacerdotal
continua a obra de limpar os pecados do santuário celestial, aqui "deve
haver uma obra especial de purificação, ou de afastamento de pecado,
entre o povo de Deus na Terra".2 Esta é uma verdade solene que deveria
nos comover profundamente e nos impulsionar a lhe dar a Deus a
lealdade e o ministério que seu amor eterno reclama de seus filhos, já
que, "enquanto Cristo ministra no santuário em cima, continua a ser, por
meio de Seu Espírito, o ministro da igreja na Terra".3

Características do Juízo

Em um capítulo anterior nos referimos extensamente ao fato de que


o dia da expiação era um dia de juízo. A pessoa que se negava a "afligir-
se" e não confessava nem abandonava o pecado, se fazia passível do
castigo e era "cortada de seu povo" (Lev. 23:29). Esse era na verdade um
dia muito solene, no que se decidia em forma definitiva, para bem ou
para mal, o pertencer os crentes ao povo de Deus ou sua separação do
mesmo. A sentença era irrevogável, e suas conseqüências, eternas.
Nas Escrituras temos um número considerável de passagens que
encerram a mesma idéia de juízo divino que tem o chamado dia da
expiação (Dan. 7:8-10; Heb. 9:27; Apoc. 14:6-12).
Chama poderosamente a atenção que Paulo tenha usado em
Hebreus 9:23 uma palavra que em grego é katharízo (limpar), e que em
português foi traduzida por "purificar". Este termo tende a expressar a
idéia de limpeza do pecado. A Septuaginta usou o mesmo verbo para
traduzir essa idéia em Levítico 16:19-20, 30, onde nos fala da
purificação do santuário no dia da expiação. A correspondência não
poderia ser mais sugestiva.4
Embora não se pode descrever a obra do juízo divino como se fosse
um processo contábil, devemos assinalar a existência de livros que
registram "nossas vidas exatamente delineadas como uma fotografia
sobre a placa do fotógrafo"; e "não somente somos tidos por
Cristo e o Serviço Anual 3
responsáveis pelo que temos feito, mas sim pelo que deixamos de
fazer".5
Observe-a sucessão de textos que falam de livros em relação com o
juízo divino:
1. "E os livros foram abertos" (Dan. 7:9-10).
2. "E os livros foram abertos" (Apoc. 20:12).
3. "me raspe agora de seu livro" (Êxo. 32:32-33).
4. "E em seu livro estavam escritos" (Sal. 139:16).
5. "O pecado do Judá está escrito " (Jer. 17:1).
6. "Sejam puídos do livro dos viventes" (Sal. 69:28).
7. "Todos os que se achem escritos no livro" (Dan. 12:1).
8. "O Senhor atentava e ... havia um memorial escrito" (Mal. 3:16).
9. "Não apagarei seu nome do livro" (Apoc. 3: 5).
10. "Cujos nomes não foram escritos no livro" (Apoc. 13:8).
11. "Nomes não estão escritos ... no livro" (Apoc. 17:8).
12. "No livro da vida do Cordeiro" (Apoc. 21:27)..

O Tempo do Juízo

Assim como o dia de expiação ocorria como culminação solene do


ano litúrgico, imediatamente antes do regozijo final centralizado na festa
dos Tabernáculos, algo semelhante acontece com a "segunda fase" do
ministério sacerdotal de Cristo, que tem lugar antes da triunfante e alegre
volta do Senhor. Esta seqüência dos acontecimentos, prefigurada
vigorosamente pelas festas religiosas judaicas, destaca o fato
significativo de que agora Cristo está ocupado em sua obra final de juízo
e selamento.
Conforme pode observar-se na sucessão de eventos escatológicos
que aparecem em Daniel 7, a cena de juízo é prévia ao momento quando
os reinos deste mundo são dados "ao povo dos santos do altíssimo" (Dan.
7:27). A seqüência indicada ali é guerra-juízo-recepção do reino. T.
Robinson viu este fato com singular clareza ao afirmar que "há um juízo,
Cristo e o Serviço Anual 4
invisível a nossos olhos, que está em sessão dentro do véu, que nos faz
visível por causa de seus efeitos e pela execução de suas sentenças".6
Em realidade, este juízo pré-advento de Cristo deveria conceber-se
como a primeira sessão das três que estão relacionadas com o juízo final
de Deus, o qual culmina na terceira sessão, que é a executiva, 7 e que tem
lugar depois do milênio (Apoc. caps. 20-22).

Vindicação do Caráter de Deus

A afirmação de que há um juízo pré-advento de Cristo que funciona


como primeira sessão, é válida em dois sentidos: (1) No que concerne ao
pecador, não cabe dúvida de que seus pecados lhe são perdoados (1 João
1:8-9), e ele deve aceitar esse perdão como final e definitivo (Miq. 7:18-
19). (2) No que concerne a Deus e à vindicação de Seu caráter, o registro
do pecado fica no santuário celestial como prova irrecusável da justiça
reivindicativa e retributiva do Todo-poderoso, até o dia quando a
culpabilidade do pecado recaia sobre quem o originou, o diabo (Apoc.
20:9-15).
Devemos acentuar, seguindo Heppenstall, que o registro do pecado
no santuário celestial se faz possível unicamente a partir da cruz, porque
não se pode dar por estabelecida a responsabilidade do homem até que se
tenha demonstrado que é responsável. Com a cruz, faz-se evidente a
responsabilidade do pecador porque lhe é oferecida a oportunidade de
salvar-se, e em caso de não aceitá-la, resulta culpado.
O homem não é responsável por seu nascimento nem da tendência
ao pecado que o acompanha, mas a cruz de Cristo acentua sua
pecaminosidade se decide permanecer no pecado. No juízo pré-advento
de Cristo, vindica-se a Deus perante a hoste angélica e perante o
universo, ao demonstrar-se convincentemente em Cristo que as
acusações diabólicas eram perversas, e que a solução única e absoluta
para o problema do mal está na cruz de Cristo (Apoc. 15:3; Rom. 3:4).
Cristo e o Serviço Anual 5
Seria absurdo supor que a guerra espiritual iniciada no céu e cujo
objetivo supremo é destruir a lei de Deus, paralise-se antes do fim do
tempo. Até que chegue esse momento, cada pessoa será submetida a uma
prova de lealdade a Deus, e o mundo inteiro terá que pronunciar-se.
"Cada qual tem um caso pendente no tribunal de Deus. Cada um há de
defrontar face a face o grande Juiz".8

Extirpação do Pecado

Heppenstall discerniu com clareza o fato de que o pecado não será


extirpado do universo até que o pecador redimido pela graça de Cristo
tenha aprendido a viver sem pecado. A extirpação final do pecado tem
uma dupla projeção: (1) Sua eliminação da vida do crente e da igreja, e
(2) sua eliminação do universo (Rom. 8:18-23; Apoc. 21:4-5; Naum 1:9).
Logo chegará o momento quando "o Universo todo terá sido
testemunha da natureza e resultados do pecado. E seu completo
extermínio, que no princípio teria acarretado o temor dos anjos,
desonrando a Deus, reivindicará agora o Seu amor e estabelecerá a Sua
honra perante a totalidade dos seres que se deleitam em fazer a Sua
vontade".9 Então, os remidos de todos os tempos unirão suas vozes em
glorioso louvor para entoar "o cântico do Moisés servo de Deus, e o
cântico do Cordeiro" (Apoc. 15:3-4).

Referências:
1. Christ's Atoning Ministry in Heaven, pág. 24.
2. O Grande Conflito, pág. 425.
3. O Desejado de Todas as Nações, pág. 166.
4. E. W. Dirksen, Taher and its Relationship to the Seventh-Day
Adventist Doctrine of the Investigative Judgment (The Southern
Baptist Theological Seminary, May 25, 1965).
5. E. G. do White, Review and Herald, setembro 22, 1891.
6. Christ's Atoning Ministry in Heaven, pág. 25.
Cristo e o Serviço Anual 6
7. Berkhof distingue, embora em outro sentido, também três
aspectos: a cognitio causae (conhecimento da causa), a
sententiae promulgatio (promulgação da sentença) e a sententiae
executio (execução da sentença) (Op. cit., pág. 880).
8. O Grande Conflito, pág. 488.
9. Id., pág. 504.
QUE É A PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO?

A HORA do juízo (Apoc. 14:7) está intimamente relacionada com a


purificação do santuário mencionada no Daniel 8:14, a qual por sua vez
equivale à chamada "segunda fase" do ministério sacerdotal de Cristo no
céu, ou a passagem do "lugar santo" do santuário ao "lugar santíssimo".
A proclamação desta mensagem foi privilégio exclusivo do povo
remanescente (Apoc. 12:17). Nem a igreja cristã dos primeiros séculos
nem a Reforma protestante, que alcançou sua máxima expressão a partir
do século XVI, encontraram razões suficientes para proclamar dita
mensagem como "verdade presente'' (2 Ped. 1:12). Não desconhecemos
o fato de que nos tempos apostólicos (Rom. 14:10; 2 Cor. 5:10; João
17:30-31; 24:25) e pós-apostólicos se anunciou que o juízo ocorreria nos
"últimos dias"; mas foi a partir do século passado quando a igreja
começou a pregar em forma vigorosa esta verdade, assinalando sua
relação com o sacerdócio de Cristo no céu.
Advirta-se que esse "esquecimento" de uma verdade essencial
ocorreu não obstante que o tema do templo-santuário está presente e
abundantemente documentado no Novo Testamento. Os livros de
Hebreus e Apocalipse são particularmente específicos. Analise-se, por
exemplo, a lista de passagens que oferecemos a seguir, a qual, embora
não esgota o tema, é suficiente para dar evidência da realidade de um
templo-santuário no céu, o próprio centro da ação salvífica de Deus em
favor do homem:
"Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu" (Apoc.
11:19).
"Para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo" (Apoc. 13:6).
"Outro anjo saiu do santuário" (Apoc. 14:15).
"Saiu do santuário, que se encontra no céu, outro anjo" (Apoc. 14:17).
"Abriu-se no céu o santuário do tabernáculo" (Apoc. 15:5).
"Os sete anjos que tinham os sete flagelos saíram do santuário"
(Apoc. 15:6).
Que é a Purificação do Santuário? 2
"O santuário se encheu de fumaça" (Apoc. 15:8).
"Ninguém podia entrar no templo" (Apoc. 15:8).
"Ouvi, vinda do santuário, uma grande voz" (Apoc. 16:1).
"E saiu grande voz do santuário, do lado do trono" (Apoc. 16:17).
Ninguém suponha que, por ser o Apocalipse um livro saturado de
simbolismo, anula-se a realidade do templo-santuário de Deus no céu, já
que nesse caso também terei que anular a realidade de Cristo. Para o
estudioso sem preconceito das Escrituras, é evidente que as realidades
celestiais são comunicadas aos homens mediante a linguagem das
analogias terrestres.

A fim de abranger em suas dimensões corretas a validez presente da


verdade da "purificação do santuário", pelo menos devemos considerar
três aspectos essenciais da mesma:
1. O templo-santuário no céu é o próprio centro da ação divina para
solucionar o problema do pecado e operar a salvação do pecador (Heb.
7:22-25).
2. O templo-santuário no céu é o objeto preferido dos ataques
sincronizados de Satanás para desprestigiar a Deus e destruir o Seu povo
e a Sua lei (Apoc. 13:5-6; Dan. 7:25-26; 8:11-14; 2 Tess. 2:1-7).
3. A mensagem de que "é chegada a hora do seu juízo" (Apoc.
14:7), inter-relacionado com a profecia: "até duas mil e trezentas tardes e
manhãs; e o santuário será purificado" (Dan. 8:14), anuncia a ação
divina prévia ao advento, a qual vindica o próprio Deus, aplica ao
pecador arrependido os benefícios da expiação feita na cruz, e erradica o
pecado do universo.

Profecia dos 2300 dias

O tempo da "purificação do santuário" (Dão. 8:14)1 foi calculado


com ajuda da profecia do Daniel 9:24-27.2
Que é a Purificação do Santuário? 3

Ao considerar este tema convém recordar que a cerimônia para a


purificação do santuário terrestre se repetia anualmente, enquanto que a
purificação do celestial se efetua de uma só vez e para sempre (Heb.
9:22-26; 7:23-25).
No santuário terrestre o sumo sacerdote passava do lugar santo ao
santíssimo, e ali, diante da arca do testemunho, ministrava na presença
de Deus. No santuário celestial nosso Senhor Jesus Cristo, o Sumo
Sacerdote da nova aliança, entra no "lugar santíssimo'' do templo-
santuário do céu para oficiar na segunda fase de seu ministério.
Negar que o "lugar" santíssimo onde nosso Sumo Sacerdote está
oficiando seja um lugar espacial, geográfico, seria negar a realidade e
objetividade do reino celestial, e isso nós não desejamos fazer.
Entretanto, deveríamos explorar uma possibilidade adicional que nos
permita lhe atribuir a categoria de tempo e pensá-lo como um lugar
temporal, histórico.
Que é a Purificação do Santuário? 4
Heschel observou que "a Bíblia se ocupa mais do tempo que do
espaço. Vê o mundo sob a dimensão do tempo. Presta maior atenção às
gerações, aos acontecimentos, que aos países, as coisas; concede maior
importância à história que à geografia".3 Este autor insiste no fato de que
o ritual judaico poderia descrever-se como "a arte das formas simbólicas
no tempo; como a arquitetura do tempo".4 É evidente que a Escritura
"percebe o caráter distintivo do tempo, porque não há duas horas
idênticas; cada uma é única e especial em um momento dado, exclusiva e
imensamente preciosa".5 O que é mais importante, Deus, o autor das
Escrituras, está instalado na eternidade, mas conhece os tempos e a
transcendência de cada instante.
Na história da redenção, a "hora do juízo" ou o início da purificação
do santuário no "lugar santíssimo" é uma ocasião histórica única,
irrepetível e de conseqüências eternas. Neste caso, a realidade e
objetividade do acontecimento não depende tanto dos lugares
geográficos, a quantidade e qualidade dos materiais usados, ou das
formas arquitetônicas adotadas. Antes reside na atividade redentora de
Deus que avança para a vindicação final do Criador e à aniquilação do
mal. A vindicação de Deus é a meta última da redenção, e embora seja
certo que no serviço ritual a culpabilidade final recaía sobre Satanás, o
que melhor vindica a Deus é a demonstração de que seu povo está limpo
pelo "sangue do Cordeiro" (Apoc. 7:14).
Sintetizando o exposto diremos que a "purificação" do santuário, de
Daniel 8:14, faz referência a:
1. A purificação do templo-santuário do céu, já que esta tarefa de
"examinar os caracteres e determinar os que estão preparados para o
reino de Deus corresponde ao juízo investigativo, a obra final que se leva
a cabo no santuário celestial".
2. A obra ou ministério de Cristo como Sumo Sacerdote no céu,
onde oficia na segunda fase de sua ação salvífica, qualificada como uma
"obra de juízo",6 a qual é prévia a seu segundo advento (Dan. 7:13; Mal.
3:1).
Que é a Purificação do Santuário? 5
3. A uma purificação real e efetiva do pecado, a qual se efetua tanto
no santuário celestial como no povo de Deus aqui na terra. O pecado é
removido, tirado, eliminado do universo, tanto na história como na
existência. "Não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá
memória delas não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá
memória delas" (Isa. 65:17; Apoc. 21:4).
4. À vindicação final da natureza de Deus e à justiça de seu
governo. O "juízo" é imperativo, já que terá que vindicar o Criador
perante o Universo; terá que justificar o homem; terá que erradicar o
pecado; vindicar o povo de Deus e a lei de Deus, e restaurar nosso
planeta à harmonia universal (Apoc. 22:1-5).

Referências:
1. Ver o diagrama explicativo dos 2300 dias.
2. Ver Fernando Chaij, Libertad del temor (Mountain View: Pacific
Press, 1964), pp. 417-418; E. Heppenstdl, Op. cit., pp. 157-217; El
conflicto de los siglos, pp. 533-545, 363-390.
3. Heschel, El Sabbat y el hombre moderno, p. 13.
4. Id., pág. 16.
5. Id., pág. 15.
6. Alguns exegetas como D. Hammerly Dupuy, por exemplo,
indicaram que o juízo divino abrange três fases: juízo investigativo, juízo
judicativo e juízo executivo.
A OBRA DA APOSTASIA

COMO já indicamos, o que está em jogo na visão escatológica de


Daniel 8 é a vindicação de Deus, a justificação de seu povo e a
destruição do pecado e seu originador. Mas na sala de espera dessa
vitória final da graça divina, está o ataque que o "chifre pequeno" (Dan.
8:9-11; 7:24-26) lança contra o santuário, tirando o contínuo e
engrandecendo-se contra o exército do céu. A apostasia representada
aqui sob o símbolo do "chifre pequeno" persegue tenazmente seus
objetivos, usando como método a "prevaricação", que é a substituição
das verdades divinas por meias verdades. Com efeito, anula-se a verdade
de Deus a nível humano, tanto quando se impede seu conhecimento
como quando a ensina pela metade.
Agora, a vindicação do santuário significa (1) que Deus consegue
demonstrar que as maquinações diabólicas e as acusações contra Sua lei
e Seu governo são falsas; (2) que o amor de Deus rege em forma
suprema e Sua graça é eficaz para salvar o pecador; (3) que a imagem de
Deus é restaurada em Seus filhos; (4) que a verdade redentora de Deus,
obscurecida pela apostasia, fica restaurada e o mundo a conhece; (5) que
há segurança de perdão e salvação, e que o pecado não se levantará outra
vez; (6) que Deus tomou em Suas mãos o destino e o juízo de Seu povo,
e expõe por sua vez a falsidade do sistema apóstata; (7) que Cristo, Sua
lei e Seu povo são vindicados.

O "Chifre Pequeno"

Chama a atenção o fato de que no livro do Daniel apareçam tantas


passagens para descrever o "chifre pequeno" e a obra estranha que
realiza. Em realidade, o símbolo do "chifre pequeno" é o mais usado
neste livro. No capítulo 7 há pelo menos sete referências a tal chifre e
sua obra (vv. 8, 11, 20, 21, 24, 25, 26); no capítulo 8 há nove referências
(vv. 9, 10, 11, 12, 13, 14, 23, 24, 25); no capítulo 11 há quinze (vv. 31,
A Obra da Apostasia 2
32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45); e no cap. 12
encontramos três referências (vv. 7, 11, 12).
Agora, a identificação do "chifre pequeno" dentro da história
dependerá em grande medida do sistema de avaliação profética que se
use ao analisar as características deste poder indicadas por Daniel. Nós
aplicaremos o sistema histórico,1 que é o que melhor harmoniza com a
maneira de interpretar que usaram nosso Senhor e os apóstolos. Em
Daniel 7, por exemplo, menciona-se que o chifre pequeno tinha "olhos" e
uma "boca que falava com insolência", e "parecia mais robusto do que os
seus companheiros". Além disso, que "fazia guerra contra os santos e
prevalecia contra eles"; que "cuidará em mudar os tempos e a lei", e que
agiria autoritária e inquisitorialmente durante "um tempo, dois tempos e
metade de um tempo".2
No capítulo 8 de Daniel, o "chifre pequeno" aparece claramente
como um símbolo do poder romano em seus aspectos civil e religioso.
Destaca-se este último aspecto de sua atividade, já que o descreve em
relação com o santuário, o culto divino e a obra redentora do Messias.
Com efeito, menciona-se que se engrandece "contra o Príncipe dos
exércitos", tira "o contínuo",3 joga por terra "o lugar de seu santuário" e
abate "a verdade" por meio de "a mentira sobre o contínuo". Na última
parte do Daniel 8 se interpreta a ação do "chifre pequeno" como uma
sublevação contra "o Príncipe dos príncipes", que não é outro senão o
Messias, nosso bendito Senhor.
A sutileza eclesiástica e política que desdobra o "chifre pequeno"
para afirmar sua hegemonia espiritual sobre os "santos do altíssimo", se
manifesta em quatro aspectos:
1. Obscurece a verdade relativa ao santuário celestial (Dan. 8:11-
14), e limita sua eficácia ao estabelecer aqui na terra um "pontífice"
humano4 a quem lhe atribui um "magistério infalível", desconhecendo o
fato de que a infalibilidade só pertence ao Espírito Santo, que é o vigário
de Cristo.
A Obra da Apostasia 3
5
2. Faz mudanças na lei de Deus e na verdade evangélica (Dan. 6
7:25; 8:12), contrários ao expresso mandato de Deus. Exalta a "tradição
oral" acima da Escritura Sagrada como suprema e suficiente norma de fé
e conduta, e dá mais importância à lei canônica que ao Decálogo.
3. Desfigura o caráter do próprio Deus (Dan. 8:11; 7:20, 26) ao
introduzir dogmas e regulamentos eclesiásticos que contradizem a
própria essência da natureza divina. O purgatório, a imortalidade natural
da alma, o celibato obrigatório dos sacerdotes, o batismo infantil e o
valor propiciatório do "sacrifício incruento" do altar, são algumas desses
desvios que anulam a originalidade e a simplicidade do Evangelho de
Cristo.
4. A perseguição dos "santos do Altíssimo"7 (Dan. 7:21-22, 25-27;
8:24). As maquinações e difamações do "tribunal do santo ofício" ou
Inquisição, as cruzada" contra os valdenses e albigenses na Europa, e as
contínuas maquinações de Roma para destruir aos heterodoxos, são
outras tantas evidências de que a profecia encontrou seu cumprimento na
realidade histórica.
A obra da apostasia religiosa se materializou também na
substituição da ordem evangélica estabelecida nas Escrituras por um
sistema hierárquico e sacerdotal de origem humana, que lhe outorga um
lugar de preferência à tradição oral, à lei da igreja e ao "sacrifício
incruento" do altar.

A Vitória do Messias Sobre a Apostasia

Na teologia8 do profeta Daniel ocupa um lugar sobressalente a idéia


do restabelecimento ou restauração do "domínio do Senhor" ou o reino
eterno de Deus (Dan. 2:44; 7:18, 27; 12:1-3), usurpado por Satanás, o
primeiro e maior anticristo. Segundo um conceito básico desta teologia,
o desenlace final da história humana está nas mãos de Deus. O
surgimento e a queda das nações nos ensina "quão sem valor é a glória
A Obra da Apostasia 4
meramente terrena e externa"; e que "apenas o que está vinculado ao Seu
propósito [o de Deus], e expressa Seu caráter, pode perdurar".9
Como corolário disto, está o juízo divino. Ninguém pode evitá-lo,
porque a "pedra messiânica do juízo divino" destruirá qualquer outra
soberania. Todos os reino do anticristo serão julgados, e só perdurará o
reino de Deus. M. R. DeHaan10 assinalou com acerto o fato de que
"Deus que julga" é a grande lição que nos ensina Daniel (o próprio nome
"Daniel" significa "Deus julgou").
O reino que pertence a Deus e só a Ele é restaurado e entregue aos
"santos do Altíssimo" (Dan. 7:27); mas este reino de Deus, que em certa
medida se assemelha aos reinos terrestres, é totalmente distinto, porque
vem de acima, com as "nuvens" (v. 13), e isso determina a diferença
fundamental entre os "filhos da luz" e os "filhos das trevas".
A restauração final que Deus faz em Cristo é o resultado do amor
eterno e infinito do Criador, cuja expressão culminante é a cruz. A morte
de Cristo foi o argumento irrefutável do amor divino em favor do
homem, porque a penalidade da lei caiu sobre o próprio Deus, e com isso
ficou demonstrado perante o universo que Deus é justo e o que justifica a
todos os que crêem em Jesus. Entretanto, não foi tão somente para
realizar a redenção do homem para o que Cristo veio à Terra a sofrer e
morrer. Veio para engrandecer a lei e fazê-la honorável,11 e também para
mostrar ao Universo que a lei de Deus é imutável. A isto referiremos no
próximo capítulo.

Referências:
1. O "preterismo" tanto como o "futurismo" tendem a desconhecer a
contínua ação de Deus na história, e a obra do anticristo é
relegada principalmente ao passado ou ao futuro.
2. O período mencionado aqui encontra paralelo em Apocalipse
12:14; 13:5 e 12:6, onde tempo, dois tempos e metade de um
tempo equivalem a 42 meses ou 1260 dias. Há coincidência entre
os exegetas em atribuir a cada dia profético um ano literal.
A Obra da Apostasia 5
Cálculos suficientemente documentados indicam que os 1260
anos de domínio do anticristo vão do 538 a 1798 d. C.
3. A expressão "contínuo sacrifício" aparece cinco vezes em Daniel
(Dan. 8:11-13; 11:31; 12:11). O vocábulo original para contínuo é
tamid, que encerra o sentido de contínuo, sempre, diário, perpétuo.
Esta palavra tamid se aplica repetidamente ao sacrifício matutino e
vespertino. Portanto é lógico supor que agora representa a contínua
eficácia do sacrifício de Cristo realizado na cruz do Calvário e sua
aplicação à vida do pecador. Daí que o sacerdócio de Cristo no
santuário celestial deva interpretar-se como o contínuo ministério de
salvação em favor do pecador.
4. H. C. Leopold, no Exposition on Daniel (Grand Rapids: Baker
Bonk House, 1973), pp. 322-323, diz: "Nós estamos de acordo
em que o 'chifre' mencionado nestes versículos é o anticristo do
Novo Testamento", e acrescenta: "Embora o papado pode ser a
expressão sobressalente do anticristo até agora, isso não exclui
outros cumprimentos possíveis desta passagem".
5. Ver O Grande Conflito, caps. 3, 35, 26.
6. Leon Wood, em Commentary on Daniel (Grand Rapids:
Zondervan Pub. House 1973) pág. 201, indica que a expressão
"contra o Altíssimo" significa literalmente "ao lado de" (em
hebreu letsad), indicando por isso que "o chifre pequeno
procurará elevar-se a uma posição semelhante a de Deus".
7. Ver O Grande Conflito, caps. 4-6, 12-15.
8. Salim Japas, Theology of Daniel (SDA Theological Seminary,
Andrews University, 1974), pág. 26.
9. E. G. White, Profetas e Reis, pág. 548.
10. Daniel the Prophet (Grand Rapids: Zondervan Pub. House,
1947), p. 24.
11. E. G. White, Patriarcas e Profetas, pág. 365; O Grande Conflito,
pp. 466-469.
ALCANCES E BENEFÍCIOS DA LEI

QUANDO os rabinos judeus pensaram no santuário de Jerusalém e


trataram de elaborar conceitos para descrever o esplendor superlativo de
sua glória, usaram figuras e símbolos que surpreendem por sua acuidade
e pela beleza de suas metáforas. Um deles o comparou com o olho
humano. O mundo é como o olho humano, disse; o branco do olho é o
oceano que rodeia a terra, e o negro do olho é a própria Terra. A pupila
simboliza Jerusalém, mas a imagem que está na pupila é o santuário.1
Já sabemos que o mais sagrado do santuário é o lugar santíssimo, e
o coração do santíssimo está a arca do testemunho, dentro da qual estão
as tábuas da lei (Deut. 10:4-5; Êxo. 40:20; 25:16, 21; 1 Reis 8:9; Heb.
9:4). E é precisamente a lei, reflexo do caráter de Deus, o que suscitou a
rebelião satânica no céu e o ataque do "chifre pequeno" aqui na Terra.
Os judeus entenderam o conceito de lei (torah em hebraico) com
quatro matizes de significação. Embora em um sentido restringido a
palavra lei se refere ao Decálogo (Rom. 7:7), com um critério mais
amplo dito termo alude ao Pentateuco ou cinco primeiros livros da
Bíblia. Com freqüência o conceito "lei" (torah) compreende a totalidade
dos livros do Antigo Testamento (Rom. 3:10-19). Mas definitivamente, o
sentido mais abrangente de todos é aquele em que a lei faz referência à
totalidade da revelação de Deus. Qualquer investigador imparcial
perceberá que estes matizes de significação não são excludentes e sim
eles se incluem em círculos concêntricos e no próprio centro está o
Decálogo.
Nos capítulos anteriores apresentamos suficientes evidências para
mostrar que o sistema de sacrifícios do santuário terrestre, com sua
correspondente liturgia, foi concebido tendo como ponto de referência
central o arca do testemunho, dentro do qual estava o Decálogo. Sobre o
arca, a título de coberta do sagrado cofre, estava o propiciatório, e era
precisamente ali onde Deus se manifestava na gloriosa Shekinah.
A Obra da Apostasia 2
Legislador e Juiz

O trono de Deus no céu (Apoc. 14:17; 15:5; 11:19) está


"estabelecido em justiça e juízo",2 e na "arca da aliança" representa-se de
maneira inconfundível a união da justiça com a misericórdia na ação
salvadora de Deus.
C. S. Lewis observou que "o caminho para a Terra Prometida passa
pelo Sinai. Pode ser que a lei moral exista para ser transcendida –
adiciona – mas não poderão transcendê-la os que primeiro não admitiram
as exigências que a lei moral lhes impõe e logo não procuraram com
todas as suas forças cumprir tais exigências nem se enfrentaram
sinceramente com o fato de seu próprio fracasso".3
Quando examinamos o Decálogo, desprovidos de todo preconceito
sectário, "encontramos que contém os mais altos ideais concebíveis de
adoração e vida; em outras palavras, expressa a própria imagem de Deus
que se refletiu na lei primária do ser humano".4
A lei divina é expressão da vontade divina, e é no caráter absoluto
desta vontade soberana do Todo-poderoso onde se afirma o direito
irrenunciável de Deus a legislar e a julgar, quer o homem dê seu
consentimento quer não. Assim, por trás da lei temos o Legislador. A lei
é lei só na medida em que Deus é Deus, e, como declara Kevan, "tal é a
conexão entre a lei de Deus e sua majestade pessoal que, inclusive se não
existisse a lei revelada, o único fato de conhecer a Deus já obrigaria o
homem a ter em conta suas exigências''.5 Tragicamente, o conhecimento
da vontade de Deus se obscureceu quando o homem pecou (Rom. 1:18-
25), e sua queda o conduziu à degradação e à desumanidade de seu ser.
A perda do conhecimento da lei de Deus, embora não foi total
determinou a necessidade de uma nova promulgação, e o Senhor o fez de
duas maneiras: em "tábuas de pedra" (Êxo. 31:18; 32:15-16), para
indicar seu valor permanente como norma das ações visíveis dos
homens; e em "tábuas de carne do coração" (2 Cor. 3:3), para assinalar
A Obra da Apostasia 3
de maneira inequívoca que a intimidade do ser humano também será
revista no juízo de Deus (2 Cor. 5:10; Rom. 2:15-16; 1 Cor. 4:3-5).
Tendo em conta este conhecimento da vontade divina – que não
desapareceu totalmente, antes se renova continuamente pela obra do
Espírito Santo –, no juízo de Deus os pecadores "não têm desculpa"
(Rom. 1:20).

O Legalismo

Embora é verdade que o homem sem Cristo é uma ruína espiritual,


ainda assim essas ruínas dão idéia da primeira glória, e "embora
manchadas e obscurecidas pela influência do pecado, os traços dessa
inscrição permanecem em cada pessoa. Deus deseja readquiri-la para
reimprimir sobre ela Sua própria imagem em justiça e santidade".6
Agora, embora o Decálogo tenha sido dado a Israel no Sinai, foi e
continua sendo uma revelação da vontade de Deus para toda a
humanidade. Infelizmente Israel foi incapaz de perceber o propósito
histórico da lei. Esse fracasso, que é sua grande tragédia, nasceu de sua
insistência em ignorar "a justiça de Deus" e procurar "estabelecer a sua
própria'' (Rom. 10:3), e como conseqüência não só não se sujeitaram à
"justiça de Deus" mas sim a perverteram em um legalismo aberrante.
Contra esse legalismo o Senhor Se levantou, nunca contra a lei
(Mat. 19:16-24; 5:17-20).
Pode-se ler todo o Novo Testamento e se descobrirá que em
nenhuma parte ensina que o crente fica eximido de observar a lei. Bem
assinalou Kevan que "a maioria dos argumentos contra a prática cristã da
lei se apóiam em uma confusão da justificação com a santificação".7
É verdade que em certo sentido o crente já não tem relações com a
lei depois de ter sido justificado por Deus, porque o perdão divino cobriu
suas transgressões da lei; mas a justificação não é tudo nem pode
permanecer sozinha, porque deve ir acompanhada do fruto da
santificação. "A obediência à lei se converte agora na característica da
A Obra da Apostasia 4
nova vida [do cristão], assim como a desobediência tinha sido
característica de sua velha vida".8
Quando o homem escolhe seu próprio caminho desconhecendo a
vontade de Deus, fica desamparado porque "a lei é como um cerca, não
só para nos servir de limite mas também de amparo. Deus não só exige,
mas também protege. A lei é tanto a expressão do amor como da
santidade".9
Insistir em que a lei caducou quando Jesus morreu na cruz é cair no
absurdo, pretendendo o impossível, já que "se a lei não foi abolida
quando se produziu a queda do homem, tampouco foi quando se
assegurou sua redenção. A graça não destrói a lei. Deus nunca abdicou,
nem sequer quando desceu de seu trono para manifestar sua graça.
Quando Deus em Cristo se tornou o Salvador dos homens, não deixou de
ser seu Soberano".10
A autoridade perene da lei na vida do cristão encontra seu
fundamento primordialmente "na relação que o homem como criatura
tem com seu Criador. O crente não cessa nunca de ser uma criatura sob
obrigação moral perante seu Criador. O fato de que seja uma 'nova
criatura' concede-lhe a capacidade moral para obedecer, a qual, ao cair
tinha perdido; mas continua sendo uma criatura [de Deus] além de um
crente. Negar o dever de obediência à lei de Deus é negar também que
Deus seja Deus".11

Referências:
1. Edersheim, Op. cit., pág. 39.
2. O Grande Conflito, pág. 415.
3. C. S. Lewis, El problema del sufrimiento (San José, Costa Rica:
Centro de Publicaciones Cristianas, 1966), p. 75.
4. Ernest Kevan, La ley y el evangelio (Barcelona: Ediciones
Evangélicas Europeas, 1967), p. 39.
5. Id., p. 31; E. G. White, Parábolas de Jesus, pp. 311-314.
6. E. G. White, A Ciência do Bom Viver, pág. 163.
A Obra da Apostasia 5
7. Kevan, Op. cit., P. 67.
8. Ibid.
9. A. H. Strong, Systematic Theology (Grand Rapids: Wm. B.
Eerdmans, 1942), p. 542.
10. Kevan, Op. cit., p. 73; Parábolas de Jesus, p. 314.
11. Id.., p. 77.
O SELAMENTO DOS REMIDOS

COMO assinalamos no capítulo nove, um aspecto sobressalente da


obra do sumo sacerdote no dia de expiação era o selamento, o qual
representava a obra do Espírito Santo de estampar a "imagem de Cristo"
no crente,1 selando-o para vida eterna.
Segundo Paulo, este "selo" com o qual os crentes são "selados com
o Espírito Santo" (Efés. 1:13-14) é obra de Deus, que "nos selou e nos
deu o penhor [ou dádiva] do Espírito em nosso coração" (2 Cor. 1:22).
Isso significa que o Consolador deve habitar permanentemente em nossa
vida (João 14:16-17, 26) como garantia de nossa "redenção" no "dia"
final (Efés. 4:30). Este "selo do Espírito" é dado por Deus, tanto na
justificação como na santificação, à medida que a crente balança com o
Senhor para alcançar a liberação final do pecado. Paulo disse: "O firme
fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os
que lhe pertencem. E mais: Aparte-se da injustiça todo aquele que
professa o nome do Senhor" (2 Tim. 2:19). A este "selo" ou "selamento"
poderíamos qualificar o de "selo do Evangelho" ou "selo soteriológico",
e com ele todos os crentes são selados.

O Selo Apocalíptico

Ao descrever os acontecimentos finais ou escatológicos


relacionados com a vindicação de Deus, o juízo final e a erradicação do
pecado, a Escritura introduz a idéia de um "selo" ou "selamento" (Apoc.
7:1-4; 9:4; 14:1; 15:1-8; 22:4) cujos caracteres singulares se
correspondem em forma precisa com os símbolos do dia da expiação. Se
o selo anterior for o "selo soteriológico'', a este o chamaremos "selo
escatológico" ou "apocalíptico".2 Imediatamente surge a pergunta: Em
que consiste este "selo do Deus vivo" (Apoc. 7:2), com o qual o anjo
assinala a "os servos de nosso Deus" em "suas frontes"? Seguindo a
Barnes3 deduziremos três aspectos sobressalentes deste selo:
O Selamento dos Remidos 2
1. A expressão "o selo do Deus vivo" refere-se indubitavelmente a
um sinal, marca, ou selo escolhido por Deus para distinguir e
diferenciar os Seus (Apoc. 7:2-3).
2. O nome de Deus deve estar cunhado nesse selo de modo que logo
apareça na fronte de quem recebe o selo (Apoc. 14:1).
3. O "selo do Deus vivo'', então, seria um sinal ou marca que se
cunha sobre aqueles a quem Deus quer que sejam reconhecidos como
Sua propriedade, e que sejam protegidos e preservados quando o juízo
divino cair sobre o planeta (Apoc. 9:4).
A Escritura ensina claramente que, além do selamento interno do
Espírito ao qual já nos referimos, há um sinal ou marca exterior pela qual
se reconhece as pessoas como fazendo parte do povo do "Deus vivo".
Ou, como o afirma Wordsworth, "a ação de selar com o sinal de Deus
indica que aqueles que são selados pertencem a Deus e têm a proteção
divina".4
O "selamento apocalíptico" tem seu antecedente5 na cena do
selamento que aparece no livro de Ezequiel, onde é ordenado ao "homem
vestido de linho" (Eze. 9:4) que ponha "um sinal na fronte" do
remanescente santo que ficou em Jerusalém. Chama a atenção o fato de
que em Ezequiel a palavra hebréia usada para "sinal" seja a última letra
do alfabeto hebreu, o tau.6 No hebraico antigo o tau tinha a forma da
cruz. Com efeito, como Finegan o assevera enfaticamente, "Ezequiel 9:4
se refere a uma marca, que não é outra senão a forma alfabética tau, uma
marca na forma de uma cruz, que servirá para amparo, liberação e
salvação".7
Quanto à identidade desse selo, E. G. White pergunta: "Em que
consiste o selo do Deus vivo que se coloca sobre a fronte de seu povo?"
E imediatamente responde: "É uma marca que os anjos, não os homens,
podem ler, porque o anjo da destruição deve ver esta marca de redenção.
A mente inteligente viu o sinal da cruz do Calvário nos filhos e filhas de
Deus adotados por Ele. O pecado de quebrantar a lei de Deus é tirado.
O Selamento dos Remidos 3
Eles se vestiram com a veste de bodas, e são obedientes e fiéis a todos os
mandamentos de Deus"8 (o itálico é nosso).
Agora, enquanto continuamos procurando uma resposta satisfatória
à pergunta sobre o significado do "selo do Deus vivo", desejamos
assinalar que tanto o "selo soteriológico" como o "selo escatológico"
constituem dois aspectos de uma mesma ação divina. Não se devem
separar, já que formam uma unidade teológica indissolúvel; a separação
que nós temos feito é artificial e só procura facilitar a compreensão do
tema. Seria impossível para a geração final sobreviver à "ira de Deus"
(Apoc. 16:1) sem o "selo de Deus". Mas graças ao fato de estarem
selados com o Espírito Santo e de que o Espírito Santo reproduziu neles
"a imagem de Cristo", recebem o "selo apocalíptico".9

O Selo e o Sábado

O conceito de "selo de Deus" é mais explícito e sua mensagem mais


clara quando analisamos os diversos matizes de significação com que é
apresentado nas Escrituras. Observemos vários desses aspectos a fim de
ter uma compreensão cabal do tema:
1. Em Jó 14:17 a prevaricação ou iniqüidade fica selada em um
"saco" e Deus embranquece a vida do pecador. O mal não durará para
sempre, já que a vitória escatológica de Cristo assegura sua erradicação
final.
2. Em Ezequiel 28:12 o selo significa a terminação de uma obra
mestra de Deus. Infelizmente esta obra divina se malogrou com a
rebelião, e o pecado destroçou quase inteiramente a estampa celestial
cunhada em sua criatura.
3. Em Romanos 4:11 o selo chega a ser o sinal da fé em Deus,
porque "Deus é ... [que] justificará pela fé" (Rom. 3:30) ao pecador.
4. Em Isaías 8:16 a lei de Deus fica selada "entre meus discípulos".
5. Em Ezeq. 20:12, 20 e em Êxo. 31:13, 17 o quarto mandamento
que ordena a santificação do sábado da criação chega a ser o sinal não só
O Selamento dos Remidos 4
da criação mas também da redenção. Pelo fato de conter o nome de Deus
e o título da autoridade soberana que investe sobre o universo, o quarto
mandamento chega a ser na verdade "o selo"10 de Deus. Deve recordar-
se que este mandamento é o único de entre os dez no qual aparece o
vocábulo "santificar'', e portanto nos comunica a mensagem gloriosa de
que em Cristo se realiza a santificação do tempo sabático, o qual é uma
antecipação da vida eterna.
6. Em Apocalipse 14:6-12 o "selo do Deus vivo" se manifesta como
sendo "a pedra de toque da lealdade; pois é o ponto da verdade
especialmente controvertido".11 A "marca da besta",12 que é uma
falsificação do "selo de Deus", entra em conflito com Cristo e com Seu
sábado. Quando tiver proclamado com clareza o que implica este
conflito de lealdades e cada um tenha tido oportunidade de efetuar sua
decisão, "traçar-se-á a linha divisória entre os que servem a Deus e os
que não O servem". As posições ficarão definidas com absoluta clareza,
pois enquanto que alguns, ao aceitar o sinal de submissão aos poderes do
mundo, recebem a "marca da besta'', outros, "preferindo o sinal da
obediência à autoridade divina", receberão "o selo de Deus".13

Referências:
1. SDABC, vol. 7, p. 970.
2. Caleb Alonzo, The Sealing of the Final Generation (estudo
inédito, Escola de Graduados, Andrews University, 1974), p. 7.
3. Albert Barnes, Notes on the Book of Revelation (London: George
Routledge & Co., 1852), p. 204.
4. Citado pelo R. A. Andersen, em Unfolding the Revelation
(Mountain View: Pacific Press, 1961), p. 76.
5. E. G. White, Testemunhos para Ministros, pág. 453, diz: "Esse
selamento dos servos de Deus é o mesmo que foi mostrado em
visão a Ezequiel".
6. Ver Bíblia de Jerusalém, Eze. 9:4 e notas.
O Selamento dos Remidos 5
7. Jack Finegan, The Archeology of the New Testament (Princeton:
Princeton University Press, 1969), p. 224.
8. SDABC, vol. 7, p. 968.
9. E. G. White, Primeiros Escritos, pág. 71, diz: "Os que hão de
receber o selo do Deus vivo, e ser protegidos, no tempo de
angústia, devem refletir completamente a imagem de Jesus".
10. O Grande Conflito, pág. 450.
11. Id., pág. 605.
12. Segundo Monsenhor Dr. João Straubinger, "A Besta é o
Anticristo, no qual se confirma seu caráter escatológico". Ver El
Nuevo Testamento (Buenos Aires: DEDEBEC, 1948), p. 375.
13. O Grande Conflito, pág. 605.
O FIM DO CONFLITO

O CONFLITO entre o bem e o mal, entre Cristo e Satanás, iniciado


no céu e continuado na Terra ao longo da história humana, está a ponto
de terminar. O sinal indicador de que Cristo está terminando Sua obra no
santuário celestial e que se aproxima a hora de Sua volta à Terra para
cumprir Sua promessa, "pode ser vista e detectada no curso de uma
história pictórica de tensões escatológicas, que se evidenciam em sinais
concretos, característicos e típicos".1
As impressionantes figura escatológicas que aparecem
principalmente – embora não com exclusividade –, nos livros de Daniel
e Apocalipse, têm a finalidade de nos alertar quanto à brevidade do
tempo e à necessidade de ter uma relação viva e constante com nosso
Redentor e Mediador.
As cenas vinculadas com os atos finais da intercessão de Cristo no
lugar santíssimo são solenes e apelam com dramática insistência ao
homem de fé, já que, tal como o declarou E. G. White, "quando se
encerrar a obra do juízo de investigação, o destino de todos terá sido
decidido, ou para a vida, ou para a morte".2
Em realidade, a batalha espiritual mais intensa, embora invisível
para muitos, trava-se em torno de Miguel (Mika'el em hebraico; significa
"Quem é como Deus?").3 O ambicioso "querubim da guarda ungido"
(Eze. 28:14) quis ser "como Deus''; aspirou ocupar a posição mais
exaltada e subir "ao céu, no alto", e sentar-se "aos lados do norte'' (Isa.
14:12-14). O Universo inteiro se comoveu ante a insolência e o desafio
de Lúcifer, mas a partir da cruz, esse mesmo Universo previu a vitória
final e definitiva do Senhor. O esclarecimento dos conceitos de justiça e
misericórdia – princípios fundamentais da ação divina, tanto na cruz do
Calvário como na função sacerdotal de Cristo no santuário celestial –,
revela a "multiforme sabedoria de Deus" (Efés. 3:10) ao "reunir" todas as
coisas "em Cristo" (cap. 1:10). Ele é o verdadeiro Mika'el, que é como
O Fim do Conflito 2
Deus, o eterno Filho de Deus, em quem "habita corporalmente toda a
plenitude da Divindade" (Col. 2:9).
Deve-se ter em conta que no jardim do Éden se expôs novamente o
assunto do conflito original vinculado com a pretensão de Satanás de
ocupar o lugar do Filho de Deus, o verdadeiro Mika'el, já que a serpente
prometeu o que não tem nem pode dar: "Sereis como Deus" (Gên. 3:1-5).
A resposta humana à tentação diabólica revela o mau uso da liberdade. O
homem no mundo, confrontado com Deus face a face, escolheu errado, e
atraiu sobre si mesmo e seus descendentes as conseqüências de sua
trágica escolha.
Esse é o enorme preço que se paga quando se transtorna a ordem
dos valores. Quando o homem se atribui poderes divinos, buscando ser
"como Deus", termina sendo menos que homem, um escravo do pecado
(Rom. 6:15-16). Em essência, o "pecado original" consistiu na exaltação
do humano à categoria do divino;4 na ruptura de parte do homem de sua
relação de dependência de Deus, de fé em seu Criador, de obediência por
amor a Seus mandamentos.
A natureza íntima do "mistério de iniqüidade" (2 Tess. 2:7), por
outro lado, centraliza-se na ação do "homem do pecado" que imagina ou
ambiciona ser "como Deus" e que "se assenta" no templo de Deus,
prostituindo a verdade divina relacionada com o santuário celestial e sua
ação salvadora. A larga e tortuosa luta pela "primazia" (3 João 9-10) na
igreja de Cristo, que pode facilmente ser rastreado nas páginas da
história,5 chama à reflexão quanto à malignidade do orgulho e seus
terríveis efeitos.
Apesar de tudo, o conflito está a ponto de terminar. Estão sendo
escritos agora os capítulos finais dessa batalha entre "o mistério da
piedade" (1 Tim. 3:16) e o "mistério da iniqüidade" (2 Tess. 2:7), e os
amanuenses celestiais estão registrando tudo nos livros do santuário
(Mal. 3:15-16). Os "espíritos de demônios" (Apoc. 16:14) estão
empenhados na ação desenfreada de perverter o pensamento, as emoções
e a conduta delas pessoas, e tudo isto prenuncia o "dia de Deus", assim
O Fim do Conflito 3
como a vida depravada dos sodomitas (Jud. 6-10) foi um prenúncio do
juízo divino que cairia sobre eles.
Assim, o "príncipe deste mundo" (João 12:31), vencido pela
incontestável justiça de Cristo, será lançado ao "lago de fogo" (Apoc.
20:10), e com ele todos aqueles cujos nomes não se acharam inscritos
"no livro da vida" (Apoc. 20:15) durante essa "investigação" ou "obra do
juízo" que o Senhor está realizando no santuário celestial.
Logo soará a trombeta para anunciar que "os reinos deste mundo"
serão os reinos "de nosso Senhor" (Apoc. 11:15), e todos aqueles em
cujas "bocas não se achou mentira" (cap. 14:5) e que tenham sido
vestidos da beleza do céu, cantarão o "cântico novo" (cap. 14:3) na
presença do único e verdadeiro Mika'el,6 nosso Senhor Jesus Cristo, para
quem são "o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos
séculos" (cap. 5:13-14). Amém!

Referências:
1. G. C. Berkouwer, The Return of Christ (Grand Rapids: Wm. B.
Eerdmans Pub. Co., 1972), p. 235.
2. E. G. White, Cristo em Seu Santuário, p. 119.
3. Ver Dan. 12:1; Apoc. 12:6-17.
4. Pierre Grelot, El problema del pecado original (Barcelona:
Herder, 1970), pp. 68-69.
5. SDA General Conference, Our Firm Foundation (Washington
D.C.: Review and Herald, 1953), vol. 1.
6. O Grande Conflito, pp. 662-678; Salim Japas, Cristología
(Mayagüez, Puerto Rico: Colegio de las Antillas, 1977), p. 31.

Você também pode gostar