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Nesta aula, aproveitando a ocasião da recente polêmica criada pelo pastor Silas Malafaia contra
o Bispo de Palmares, Dom Henrique Soares da Costa, Padre Paulo Ricardo oferece aos fiéis
católicos um aprofundamento necessário sobre a relação entre Igreja e Bíblia.
O Magistério católico sempre ensinou que há uma precedência da Igreja sobre o cânon
dos livros sagrados. É estranho, portanto, que as afirmações de Dom Henrique tenham
gerado escândalo, já que não são novidades teológicas, mas fazem parte da fé católica de
dois mil anos.
O problema do raciocínio do pastor Silas Malafaia é que ele comete um erro de lógica
chamado “sofisma do termo médio”. A ideia dele é a seguinte: Se a Palavra de Deus é Jesus,
então a Palavra é anterior à Igreja e, logicamente, mais importante do que esta. A Igreja
também crê assim. Acontece que Malafaia confunde a Palavra de Deus com um livro. E é aqui
que começam as discordâncias, pois, para os católicos, a Palavra de Deus não se resume
a um livro; a Palavra de Deus é, antes, uma Pessoa!
De fato, a Igreja nasce da Palavra de Deus, pois nasce da Pessoa de Cristo, que é seu Noivo e
Salvador. Mas uma coisa é a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Verbo encarnado do qual
procede toda salvação; outra é o cânon dos livros sagrados como temos na Bíblia. Este é
posterior à Igreja e dela depende sua autenticidade, como professava Santo Agostinho: Ego
vero Evangelio non crederem, nisi me catholicae Ecclesiae commoveret auctoritas, “Quanto
a mim, não acreditaria no Evangelho se não me movesse a isso a autoridade da Igreja
católica” (Contra Epistulam Manichaei quam vocant fundamenti, V, 6).
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que Jesus não deixou nenhum documento por escrito.
Todos os livros do Novo Testamento — que compõem tanto a Bíblia católica como a
protestante — são de autoria de algum apóstolo ou discípulo do Senhor,
convenientemente chamados de hagiógrafos [2]. Cabe, então, a pergunta: de que modo se
pode provar que esses 27 livros são mesmo inspirados por Deus e que os demais
evangelhos existentes são apócrifos?
O grande trunfo de Dan Brown no livro O código da Vinci é a acusação de que a Igreja teria
escondido o Evangelho de Maria Madalena para impor uma visão machista da doutrina cristã.
Desconsiderando o conteúdo ideológico dessa acusação leviana, não deixa de ser
verdadeiro o fato de que o Magistério rejeitou não somente o evangelho de Maria Madalena,
como também o de tantos outros autores, embora o tenha feito não por motivações
ideológicas, mas pela simples razão de esses livros não serem autênticos, nem estarem de
acordo com a Tradição Apostólica.
A formação da lista dos livros do Novo Testamento não aconteceu de maneira tranquila,
rápida e consensual, como erroneamente imaginam os protestantes. Durante mais de três
séculos a Igreja teve de lidar com grupos diversos que, por um lado, defendiam a
inclusão de vários livros apócrifos no cânon bíblico — como era o caso dos gnósticos — e,
por outro, queriam a exclusão de vários livros sagrados, reconhecendo como
verdadeiros apenas o Evangelho de Lucas e algumas cartas paulinas — como no caso dos
marcionitas, discípulos do herege Marcião. Coube à Igreja Católica, representada pela
autoridade apostólica dos bispos e apoiada na Tradição, a missão de discernir a respeito do
assunto e listar, depois de um consenso por parte de todo o orbe católico, os livros que
deveriam estar presentes no cânon das Sagradas Escrituras. A lista mais antiga de que
temos notícia é a lista do Papa Dâmaso, no século IV (cf. Decretum Damasi: DS 179-180):
Antes da formação do cânon bíblico, os primeiros cristãos passaram séculos a fio vivendo
apenas da Tradição. Para que fique claro, o livro mais antigo do Novo Testamento, a I Carta
de São Paulo aos Tessalonicenses, foi redigido quase 20 anos após a ascensão de Jesus,
ao passo que o mais recente, o livro do Apocalipse, foi escrito por volta do ano 90. Além
disso, esses livros não estavam reunidos em um único pergaminho, mas espalhados por
várias regiões, de modo que a Igreja primitiva não possuía um Novo Testamento como nós o
conhecemos. Os primeiros cristãos, luminares de santidade, viveram absolutamente da
Tradição, da Palavra de Deus encarnada, não de um livro.
Recomendações
Alessandro Lima, O Cânon Bíblico: a origem da lista dos livros sagrados. Brasília,
2007.
Notas
2. Preferimos não abordar a polêmica sobre o Antigo Testamento, uma vez que já
tratamos desse assunto em outras oportunidades. Para aqueles que desejam
entender as diferenças entre o cânon católico e o protestante, recomendamos que
assistam à aula 14 de nosso curso de Catecismo.
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