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SÉRIE

SANTUÁRIO E PROFECIAS APOCALÍPTT


VOLUME 3
FRANKB. HOLBROOK, EDITOR

LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

INSTITUTO DE PESQUISAS BÍBLICAS


ASSOCIAÇÃO GERAL DOS ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA
SILVERSPRING, MD

TRADUÇÃO:
FERNANDA CAROLINE DE ANDRADE SOUZA

UNASPRESS
IMPRENSA UNIVERSITÁRIA ADVENTISTA
2010
SETENTA SEMANAS
Levítico e a Natureza da Profecia

Todos os direitos reservados para a UNASPRESS. Não é permitida a cópia


total ou parcial sem autorização prévia dos editores.

Editoração: Renato Groger


Revisão: Renato Groger, Felipe Carmo
Programação visual e capa: Fábio Fernandes
Assistente de dJíigramaçào: Kacio Lira
Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Setenta semanas : Levítico c a natureza da


profecia/ Frank B. Holbrook, editor ; tradução
Fernanda Caroline de Andrade Souza. - Engenheiro
Coelho, SP : Unaspress - Imprensa Universitária
Advenfista, 2010. - (Série santuário e profecias
apocalípticas ; v. 3)

Titulo original: The Seventy weeks, Leviticus,


and the nature of prophecy.
ISBN 978-85-89504-24-9

1. Adventistas do sétimo Dia - Doutrinas


2. Bíblia. A.T. Daniel - Critica e interpretação
3. Bíblia. A.T. Levítico - Critica e interpretação
4. Profecia L Holbrook, Frank B. II. Série.

10-05162 CDD-221.6
índices para catálogo sistemático:
l . Bíblia : Antigo Testamento : Interpretação e crítica 221.6

1 a edição-2010
2.500 exemplares

Centro Universitário Adventísta de São Paulo


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Tel.: (19) 3858-9055 / Home Page: www.unaspress.unasp.edu.br
Salvo outra indicação, as citações escriturísticas ao longo deste volu-
me são extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada, 2a edição,
1993, da Sociedade Bíblica do Brasil.
CONTEÚDO
Abreviaturas IX
Guia para transliteração X
Ao leitor XIII

I
ESTUDOS EXEGÉTICOS EM DANIEL
1. INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS 3
Gcrhard F. Hasel
Interpretações amileniais e dispensacionalistas 3
Interpretações crítico-histórica e hístoricista 17

2. DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS 39


Arthur J. Ferch

3. A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27 49


William H. Shea

4. O SIGNIFICADO DE K1PPER EM DANIEL 9:24 83


Pierre Winandy

II
ESTUDOS EXEGÉTICOS EM LEVÍTICO
5. FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LEVÍTICO 93
William H. Shea

6. TRANSFERÊNCIA DE PECADO EM LEVÍTICO 121


Angel M. Rodriguez

7. O DIA DA EXPIAÇÃO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO


SANTUÁRIO 139
Alberto R. Treiyer
Contaminação do Santuário 139
Purificação do santuário 159
MPL Migne Paíroiogia, Latin
NASB New American Standard Bible
N/COT New International Commentar)! on tlie Old Testament
N/V New International Version
NKZ Neue Kirchiiche ZeítscHrí/t
NTS New Testament Studies
OTS Oudiestíimentíscíie Studíen
RB Revue Bifíitííue
RevEx/> Review and Expositor
I ME Mensagens Escolhidas, vol. l
ST Studia T/ieoíogíca
TDNT Theo/o^icaí Dictionary o/ the New Testament, Kittel and
Friedrich, eds.
TDOT Theoíogicai Dictionary o/ t/ie Old Testament, Botterwec/c
and Ringgren, ea"s.
TR TKeoiogische Reuue
TT Teologisk Tidsskrift
VT Vetus Testamentum
VTS Vetus Testamentum, Su/jpíements
x WTJ Westminster TKeoiogicaí Journal
ZAW Zeitschrí/t fúr die aíttestamentiicht' Wissenschaft
ZDPV Zeitschri/t dês deutschen Paia-stina-VcTeins

GUIA PARA TRANSLITERAÇÀO

A lista abaixa apresenta a transliteração do alfabeto gregi) conforme usado


neste volume. Não há indicação de acentos, mas é feita uma diferenciação entre
vogais longas c breves. A aspiração áspera (') é transliterada como h; a aspiração
suave (') não é transliterada, Lima vez que não é pronunciada.

A a=A a (D 4) = P/i ph
H q=Ê ê M (i = Mm Pp=Rr

àò = Dd 1 L= / /

EE = £Í? Oo = Oo u = í/w ' = ///!


As consoantes das palavras bíblicas aramaicas e hebraicas ou frases são transli-
teradas e impressas em itálico como se segue:

Consoantes

N n d i - v 0 - s "1 = r

a b n h 3 k y to á
3 b i Dou"|- k a P to - á
a g T b -_ i D ou ri = E n t
D - g n h f2 °u Q = m 2£ ou V - g n í
i d B t 3 »u 1 = n P = q

Vogais
Vogais semibreves XI
K - a N = i
X a ÍK-N- ô
K = ê K ô
N e IN " "
'K = í ÍS " u
XIV
I
ESTUDOS EXEGETICOS
EM DANIEL

INTERPRETAÇÃO DA CRONOLOGIA
DAS SETENTA SEMANAS
DATA I N I C I A L DAS SETENTA SEMANAS
EXEGESE; DANIEL 9:24-27
SIGNIFICADO DE KIPPER
lNIBRPREIAÇÕFS DA CRONOLOGIA
DAS SEfENIA SEMANAS
Gerhard F. Hasel

lNrnRPRETAÇÕES AMILENW.JSfAS E DlSPENSACIONALISfAS

S inopse editorial. Há um consenso geral enrrc as escolas de intcrprcração que


as 70 semanns de Daniel 9:24-27 não Jc.>vem ser explicadas como semanas
literais. Com exceção Jo� intérpretes amileninlisrns (que argu1m:nram a favor
Jc uma aborJ:igem simhúlica), a maioria entende que a profoci,1 liJa com um
período Je 490 anos.
Arualmcnrc, são cnsim1das quarro interpretações signific;1tivas. Nest::i seção,
o auror Ji.scure duas Jclas: n interpretação simbólic::i (adotaJ,1 pelos in1érprctes
amileniais) e a fururiw1 (defonJiJa pelos Jispensacionalisras).
A interpretação simbólica supôe qnc os números cm O:rn1cl 9:24-27 <levem
ser entendidos de maneirn não-literal, isto é, não com\) a definic;iio dt• pcrlodos
precisos de tempo, mas considerados num sentido represenrarivo. Assim, as rrês
divisões das 70 semanas (7, 62 e 1, respcccivnm..:nre) são interpretadas como três
perioJos de tempo. Cúnsidern-se que a rrimt·1rn (7 !,emanas) representa o período
que se estende Jo e<lilu de Ciro ao primeiro advento Je Cristo. A segunda (62
�emanas) simboliui o período que se estende �·nrrc li primeiro e segundo advento.
Finalmente, a tcrccira divisão (uma semana) simboliza o tempo de angústi:'l causa­
do pelo anticrisw e sua derrora final.
O atitor aponta seis razões por que essa abordagem da profecia das 70 scm:mas
é falaciosa. Não h:í base bíblica para a premissa de que os d,1dos numéricos dc,·am
ser considerados num scnri<lo representativo; além <lis�o, a interprcrnção é inconsis­
tente em si mesma. A terceira Jivisilo, que pela lógica dewria st· estender além Jo
ponto final da segunda, faz parte da segunda divisão. Ou seja, o período de uma se­
mana que envolve o anticristo é visto ocorrendo na parte final da segunda era. Dessa
maneira, a profecia é rcduz,cla para 69 i.cman<1s cm vez Jc 70. Além disso, enquanto
essa mtcrprernçiio termina com a angüscia criada pelo anricrisro e �ua destruição, a
profecia em si, na vcn.bde, termina com a Jc:itruição Je Jerusalém e Jo tcmrlo.
INTERPRETAÇÕES HA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

Em contraste com a abordagem simbólica, a interpretação futurista considera


seriamente tis números dessa profecia. Não há, porém, completa unanimidade
entre os intérpretes dessa escola em alguns detalhes. A interpretação encontra
dificuldades ao datar o início das 70 semanas com a permissão dada a Neemias
por Artaxerxes I para reconstruir Jerusalém (datada corretamente por alguns dis-
pensacionalistas em 444 a.C., mas pela maioria deles em 445 a.C.).
Se as primeiras duas divisões de 69 semanas (7 + 62) fossem consideradas
como 483 anos solares (69 x 7 = 483 - a maneira mais natural de se contar esses
números), esse período de tempo se estenderia até cerca de 40 d.C. Tal data
estaria bem alem do período em que Cristo viveu. Por conseguinte, o intérprete
dispensacionalista supõe que esses 483 dias devem ser entendidos como "anos
proféticos" de 360 dias cada, o que totaliza 173.880 dias (483 x 360 - 173.880) ou
476 anos solares e mais alguns dias. Assim, faz-se a tentativa de reduzir a extensão
dos dados bíblicos a fim de que o verdadeiro período histórico de Neemias a
Cristo se ajusta a ela.
Consideramos importante resumir a proposta de um renomado intérprete
dessa escola. Em primeiro lugar, ele observa que o período entre 444 a.C. e
33 d.C. (o ano escolhido para a crucifixão) é um período de 476 anos. Ele,
então, supõe que Artaxerxes deu a Neemias permissão para reedificar Jerusalém
no dia 1° de nisã (5 de março) de 444 a.C. Mas 476 anos completos (de 5 de
março de 444 a.C. a 5 de marco de 33 d.C.) somam somente 173.855 dias
(476 x 365,24219879 dias por ano solar). Visto que ele estabelece a data para
a crucifixão em 5 de abril de 33 d.C., ele deve agora acrescentar 25 dias (25 +
173.855 = 173.888) a fim de alcançar o dia 30 de março de 33 d.C., que, supõe
ele, é a data para a entrada triunfal do Salvador em Jerusalém (seis dias antes
da crucifixão em 5 de abril).
Um problema básico desse esquema é a premissa de que o decreto de Arta-
xerxes entrou em vigor em 1° de nisã (5 de março) de 444 a.C. Não há provas disso.
A evidência arqueológica em favor do ano 444 a.C. já enfraqueceu os gráficos futu-
ristas que se baseiam no ano de 445 a.C. como uma data inicial. Outras pesquisas
também podem colocar em risco o esquema de 444 a.C. Os problemas cronológi-
cos da interpretação futurista ainda não foram solucionados.
A Teoria da Lacuna é comum a todas as análises dispensacionalistas da profe-
cia das 70 semanas. Essa interpretação separa a setuagésima ou última semana da
profecia e a coloca no fim da era. A era ou o "parêntese" que é criado com a sepa-
ração da setuagésima semana das 69 anteriores é denominada "Era da Igreja". Tal
procedimento, entretanto, viola a integridade da profecia e não tem precedente
bíblico. O autor resume dez argumentos contra a interpretação dispensacionalis-
ta da cronologia dessa profecia.
70 SEMANAS, LKVÍTICO t A NATURKZA DA PROKI-:UA

ESBOÇO DA SEÇÃO

1. Introdução
2. Interpretação simbólica (amilenialista)
3. Interpretação futurista (dispensacionalista)

INTRODUÇÃO

A passagem de Daniel 9:24-27 é uma das mais controversas de todo o Antigo


Testamento. Em 1980, declarou-se que "na história da interpretação de Daniel
nenhuma outra passagem tem sido tratada com mais cuidado e com tamanha con-
trovérsia como essa".1 Outro escritor resumiu sua opinião observando que "não há
problema mais complexo no estudo do Antigo Testamento do que a interpretação
de Daniel 9:24-27".2 Ao concluir sua pesquisa sobre interpretação em 1927, J. A.
Montgomery disse que "a história da exegese das 70 semanas é o buraco negro da
crítica veterotestamentáriaV Embora essa profecia seja vista como uma das mais
difíceis do Antigo Testamento, isso não deve fazer com que nos esquivemos do
esforço para avaliar as principais tentativas de interpretação da passagem.
Nosso estudo não objetíva apresentar as principais perspectivas dos períodos
pré-cristãos,4 do período patrístíco e das eras medievais, do período da Reforma 6
ou da era do iluminismo, 7 das quais vêm a interpretação moderna da crítica-histó-
rica. Antes, busca pesquisar as principais correntes de interpretação na tentativa
de verificar os pontos fortes e fracos de cada uma delas.
Nesse deserto quase sem trilhas de interpretações há, porém, um denomi-
nador comum. Existe um acordo praticamente unânime entre os intérpretes de
todas as escolas de pensamento de que a frase "setenta semanas" (sãbu 'ím sib 7m)H
significa 490 anos.9 Existem duas abordagens que têm sido usadas para derivar a
posição de que a expressão hebraica sãbu'im sib_'im quer dizer 490 anos, literal-
mente "setenta semanas".
Uma abordagem é traduzir o primeiro termo xâb_u'im como "sequência de
números sete, grupos de sete, setenários, divisões de sete anos" ou algo similar.
A partir dessa abordagem, sugere-se que "anos" está dirctamente implícito na
expressão numérica, de modo que pretende-se uma tradução extensa como, por
exemplo, "setenta semanas de anos" (RSV) ou "sete vezes setenta semanas" (TEV).
O princípio dia-ano é, então, ignorado. Essa abordagem ê utilizada pela escola
critico-histórica, futurista/dispensacionalista, bem como pela amilenialista.
A segunda abordagem traduz o termo sãbu'ím por "semanas" de modo que
a expressão combinada sãhu'lm sib_'ím signifique literalmente "setenta semanas"
INTERPRETAÇÕES HA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

(KJV, JB, NER, NAB, NASB, etc.)- Em consequência disso, o período de tempo
profético deriva dos "dias" que compõem as "setenta semanas" com base no prin-
cipio dia-ano. Assim, as "setenta semanas" são constituídas de 490 "dias", que,
com base no princípio dia-ano, são 490 anos.
Uma pesquisa recente sobre o uso do termo sãbu'ím e sua forma no singular
sãbú'a conclui: "portanto, pode-se concluir a partir de ambas as fontes semitas e
da LXX que a melhor evidência linguística disponível atualmente apoia a tradução
de sãbu 'a [ou seja, o plural sãbu 'im\ como 'semanas' em Daniel 9:24-27. Essa pala-
vra, portanto, carrega o princípio dia-ano consigo na profecia das 70 semanas."1*
Embora sejam empregadas duas diferentes abordagens, os intérpretes concordam
que o período de 9:24 é de 490 anos. No entanto, não há acordo com relação a se
esse período deve ser compreendido como totalmente literal, ou parcialmente literal e
parcialmente simbólico, ou totalmente simbólico. Também existe grande divergência
sobre o início (terminus a íjuo) e tini (terminus ad quem), bem como sobre as subdivisões
do período de tempo, conforme será observado em nossa discussão abaixo.
Nosso estudo nesta secão e na seguinte apresenta os quatro principais esque-
mas de Daniel 9:24-27: simbólico (amilenialista), futurista com sua teoria da lacu-
na (dispensacionalista), crítico-histórico (modernista) e, finalmente, messiânico-
histórico (historicista).

INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA (AMILENIALISTA)

Atualmente, a interpretação simbólica é proposta principalmente por intér-


pretes amilenialistas. O cerne da questão é o ponto de vista de que os números em
9:24-27 não são literais, mas simbólicos.
Sugere-se que "a própria natureza da literatura apocalíptica tenderia para a
interpretação simbólica. Os números 7, 3 e 10 são conhecidos como os principais
dígitos no simbolismo." 11 Afirma-se que o hebraico (v. 24) diz simplesmente "sete
setentas", e não "setenta semanas" (KJV, VER, NEB, NAB, NASB).
O termo cuja tradução normalmente é "semanas" é sãbu 'ím. Ele carrega o signi-
ficado "semana", de acordo com todos os grandes dicionários.12 Entretanto, a LXX e
Teodócio, as duas antigas versões gregas do Antigo Testamento, traduzem esse termo
como "setenários". Com base nisso, sugere-se que a frase-chave sãbu 'ím sib 'im significa
realmente "'setenta septetos' - 7 x 7 x 10".n Em suma, as "setenta semanas" de 9:24-
27 consistem de um número simbólico de "setenta setes" ou "setenta septetos".14
As características típicas dessa interpretação é o ponto de vista de que todo
o período é simbólico e que a segunda das três divisões da profecia (7, 62, 1)
estende-se do primeiro advento de Cristo à consumação dos séculos.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Os "setenta septetos" não devem ser entendidos como um cômputo crono-


lógico exato, mas como uma "estimativa" e "em termos de períodos gerais de
atividade divina". Contudo, seu inicio é o edito de Ciro em 538 a.C., que per-
mitiu aos judeus retornarem a Jerusalém (2Cr 36:22-23 = Esdras 1:2-4).IS Por
conseguinte, a primeira divisão dos sete septetos começa cm 538 e termina com a
primeira vinda cie Cristo.16
A segunda divisão de 62 "septetos" indica meramente "uma extensão rela-
tivamente maior do que o primeiro período".17 Ela designa o período desde a
construção de Jerusalém, ou seja, cia "Jerusalém espiritual", ou da igreja, até a
consumação dos séculos;1" é o período da igreja cristã na sua forma visível.
E. J. Young sugere, contra os defensores da interpretação simbólica, tais como
T. Klieroth e C. Keil, que "os 62 grupos de sete, portanto, se referem ao período
logo após a era de Esdras e Neemias até o tempo de Cristo".19 Young deseja perma-
necer ligado à história, exceto na última parte do setuagésimo sete, o qual, acredita
ele, estende-se ao futuro.
De acordo com Keil e Leupold, a terceira divisão de um "grupo de sete" é o
último período da história, o tempo de tribulação, que começa com o advento do
anticristo e termina com sua derrota. 20 O objetivo da obra destrutiva do antícris-
to é "a cidade e o santuário", ou seja, "os aspectos visíveis do reino de Deus, na
medida em que representam a instituição visível chamada igreja".21 A igreja visível
desaparece durante o último período da história antes do segundo advento de
Cristo. O seguinte diagrama descreve a interpretação simbólica consistente:

ESQUEMA AMILENIAUSTA DAS 70 SKMANAS

>imeiro advento p .
reríodo d a Igreja Segundo advento
538 a.C.
7 grupos de sete 62 grupos de sete
Igreja visível
1 grupo de sete
Igreja invisível

O apelo imediato da interpretação simbólica é a sua tentativa de rejeitar o


envolvimento em cálculos aritméticos e temporais. Ela também enfatiza generali-
dades em vez de detathes na história e interpretação.
Do lado negativo estão sérias deficiências. Primeiramente, parece haver um
problema exegético interno na interpretação simbólica. Leupold, por exemplo, fala
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

do primeiro período (7 grupos de sete) estendendo-se de Ciro ao tempo do primei-


ro advento de Cristo. O segundo período, o qual consiste de 62 grupos de sete, ele
estende do primeiro advento ao segundo advento. Isso significa que o último grupo
de sete não sucede os 62 grupos. Ele é visto como contemporâneo da última parte
do segundo período.22 O texto fala de "setenta semanas" e não de 69 "grupos de
sete" mais um "grupo de sete" contemporâneo da última parte da divisão anterior.
Em segundo lugar, questiona-se a existência de uma justificativa para conside-
rar, primordialmente, as "setenta semanas" como simbólicas. Apenas o fato de o
termo sãbu 'ím ser um substantivo plural masculino ao invés do esperado feminino
plural (.sãbu Vif), que normalmente significa "semanas", parece ser uma razão grama-
tical insuficiente em defesa da interpretação simbólica.23 Com respeito à gramática,
o plural masculino terminado em sãbu'im, em comparação com o feminino plural
terminado em sãbu'ôt_ em outras partes do Antigo Testamento, indica que o sin-
gular sâb_ú'a poderia assumir uma forma feminina ou masculina no plural. 24 Esse
fenómeno é comum em muitos substantivos hebraicos do Antigo Testamento e
textos de Qumran, bem como no hebraico mishnaico tardio.
O plural masculino parece ser usado de forma proposital,2'' assim como a posi-
ção desse substantivo antes do numeral. O último aparece dar ênfase à expressão,
a fim de contrastar as "semanas" com os "anos" de Jeremias (Dn 9:2).2(í A noção
de uma "semana" parece ter sido sugerida implicitamente com base nos períodos
de sete dias e sete anos que culminam num sabbath (Lv 25:2-4; 26:34ss).27 A de-
signação de "três semanas" (sflõsãh sãbu 'im yãmim) em Daniel 10:2, que se lê lite-
ralmente "três setes |de| dias", indica, por um lado, o significado de três semanas
regulares, e parece implicar, por outro lado, pelo acréscimo de yãmím ("dias"), que
essas "semanas" não são idênticas ao sãbju'ím de 9:24.
Em terceiro lugar, a interpretação simbólica com seus períodos curto-longo-
curto indefinidos não faz jus ao interesse de Daniel em encontrar uma resposta
para o período definido de 70 anos de desolação.28 O contexto (9:2) requer uma
designação de um período de tempo medido pelo número sete definida intencio-
nalmente, cuja duração deve ser determinada para se ajustar a períodos de tempo
cronológicos específicos na história.
Em quarto lugar, a interpretação simbólica não encontra nenhum apoio na
afirmação de que o simbolismo de números tais como 7, 3 e 10 é típico da lite-
ratura apocalíptica e, portanto, tendem para essa direção. A divisão dos "setenta
grupos de sete" em três subdivisões de 7, 62 e l mostra que a segunda (62)29 e a
terceira (1) seções não são simbólicas. Daniel 9:25a é especialmente formulado
como uma referência a um tempo específico. A divisão da última semana em 3!/z
+ 3'/z também não tem nada de simbólico.
Em quinto lugar, a interpretação simbólica "comete um erro ao afirmar que as 70
semanas terminam com a derrota do anticristo, considerando que o hebraico declara
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

que seu fim é marcado pela completa destruição de Jerusalém".10 Mesmo que se qui-
sesse entender Jerusalém como um símbolo da igreja visível e o "sacrifício e oblação"
significasse "a totalidade do ritual" 11 no sentido de "todo o culto", ainda restaria um
grande problema. Como pode o anticristo exterminar a igreja e o ritual quando, na
verdade, o povo dos santos recebe o reino eterno (Dn 7:13-14, 27; 12:1-3}?
Em sexto lugar, a interpretação simbólica é "propensa a dar um sentido espi-
ritual a tudo".12 Não há, por exemplo, qualquer evidência exegética no livro de
Daniel que apoie o ponto de vista de que Jerusalém deva significar alguma outra
entidade diferente da cidade de Jerusalém. A sugestão de que Jerusalém é um sím-
bolo da igreja não tem fundamento exegético nem contextuai no livro de Daniel.
A Jerusalém de 9:2 é a capital da cidade literal dos israelitas. Os "habitantes
de Jerusalém" no versículo 7 são israelitas físicos. A Jerusalém e a "montanha
sagrada", bem como o "santuário" citados nos versículos 16-17 junto com a "cida-
de" no versículo 18, podem significar apenas a cidade física do antigo Israel. Em
consequência disso, a "cidade santa" do versículo 24 e a Jerusalém do versículo 25
não podem se referir a outra coisa além do que o leitor constantemente observa.
Essas sérias objcções têm levado alguns intérpretes a rejeitarem recentemente
a interpretação simbólica.

INTERPRETAÇÃO FUTURISTA (DISPENSACIONALISTA)

A interpretação futurista/dispensacionalista11 do esquema cronológico de 9:24-27


ê bastante usada hoje no mundo de fala inglesa e em outros lugares.14 E com frequência
;I.SMH'Í;U|;] ;u>> e n ^ i i u m r n r o ^ Jc John Nelson P;iiK (1800-1882) sotiiv protca;i -- drxlc
a década de 1830 em diante - e o movimento Irmãos de Plymouth, da Irlanda. C. I.
Scofield (1843-1921), dos Estados Unidos, foi influenciado por Darby e apresentou a
ideia de sete dispensações desde o Éden à nova criação. Ele incorporou essas ideias nas
notas da famosa Bíblia de Referência Scofield (1911, revisão recente: 1967).
Deve-se notar que atualmente o ponto de vista dispensacionalista na escatologia,
incluindo 9:24-27, é sustentado em grande parte por cristãos evangélicos. Embora
esses pontos de vista tenham origem recente, sua influência é bastante ampla.
A interpretação futurista/dispensacionalista dos aspectos temporais da passa-
gem de 9:24-27 é também conhecida como a interpretação do "parêntese" ou da
"lacuna". Os 490 anos não são considerados contínuos. A interpretação coloca
um "parêntese" ou uma "lacuna" entre as primeiras 69 semanas e a última ou
setuagésima semana do período completo. A última semana está no futuro. Nesse
sentido, a interpretação é "futurista" por natureza.
Essa interpretação compreende o "parêntese" ou a "lacuna" como a "Era da
Igreja", que forma um "parêntese" entre o primeiro advento de Cristo e um im-
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

pério romano reavivado, cujo príncipe é apontado como o anticristo. De acordo


com esse ponto de vista, a passagem 9:24 não c um resumo da obra de Cristo na
terra, mas um evento do futuro. Não foi cumprido no passado. De fato, 9:24 deve-
ria ser colocado no final de 9:27. Embora a abordagem dispensncionalista afirme
estar estabelecida no "método literal de interpretação profética"," é incapaz de
manter juntos os 490 anos. Ela separa de forma arbitrária os últimos sete anos de
sua estrutura temporal lógica e os coloca no futuro.
A interpretação futurista/díspensacionalista compreende o termo sãbulm
em 9:24 como "semanas" de anos, 36 totalizando 490 anos. Também entende
que a "ordem" (9:25) para restaurar Jerusalém refere-se ao segundo decreto de
Artaxerxes I Longimanus (Ne 1-2). Esse decreto é datado pela maioria dos dis-
pensacionlistas em 445 a.C.i7 Com base na contagem de Sir Robert Anderson,
que considera os anos como anos "proféticos" de 360 dias cada, as primeiras
69 semanas são contadas como 173.880 dias (69 x 7 x 360 = 173.880).38 Esse
período estende-se desde "14 de marco [1." de nisâ), ano 445 a.C., a seis de a b r i l
[ 10 de nisã], ano 32 d.C.,"39 esta última data sendo indicada como a da entrada
triunfal de Jesus no domingo de ramos.
Esse cálculo tenta sustentar-se em apenas cinco pressupostos problemáti-
cos: (1) os anos não são solares, mas "proféticos" de 360 dias. (2) O decreto foi
10 emitido no dia 1° de nisã, ano 445 a.C. (3) Cristo morreu em 32 d.C. (4) A
última semana da profecia deve ser transferida para o futuro. (5) Não é possível
atingir um sincronismo entre anos "proféticos" e "solares" sem a adição arbi-
trária e subjetiva de dias extras.
Com base nas dificuldades ligadas a essas cinco pressuposições, os dispensa-
cionalitas recentemente têm tentado fazer vários ajustes para solucionar certos
problemas mais sérios. L. Wood sugere que a "melhor solução" é aceitar "o de-
creto anterior (primeiro) de Artaxerxes, dado a Esdras em 458 a.C. Calculando
com base em anos solares, o período de 483 anos termina agora em 26 d.C., e
essa é a data aceita para o batismo de Jesus."40 Entretanto, R. D. Culvcr continua
a favorecer o segundo decreto e a data de 445 a.C., mas é forçado a abandonar
um cumprimento exato, permitindo uma variação de alguns meses.41
R. C. Newman tenta calcular com o "ciclo de anos sabáticos", cujo sexagésimo
nono se estende desde 27 a 34 d.C. e "inclui a crucifixão de Jesus Cristo; de fato,
ele se estende também sobre a maior parte de seu ministério público". 42
H. W. Hoehncr 45 aponta vários problemas nesse ponto de vista: (1) o primeiro
ciclo bíblico se estende de 452 a 445 a.C., terminando um ano antes, não se ajus-
tando ao ano 444 a.C., quando o segundo decreto de Artaxerxes foi emitido. Isso
deixaria apenas 68 "ciclos de anos sabáticos" entre o terminus a quo e a morte de
Cristo, mas isso é contraditado pelas 69 semanas depois das quais o Messias deve
ser cortado (Dn 9:26); (2) uma vez que o sexagésimo nono "ciclo do ano sabático"
70 SEMANAS, LF.VÍTICO E A NATUREZA DA PROFKCIA

termina em 34 d.C., o Messias teria que ser cortado depois de 34 d.C., sete anos
depois da crucifixão de Cristo.
Uma nova evidência desconsiderada por Newman e por Hoehner indica que o
ciclo de ano sabático não se estende de 452 a 445 a.C., mas de 457 a 450 a.C.44 Isso
significa que nem 444 a.C. nem 445 a.C. se ajustam ao ciclo do ano sabático. A
proposta de Newman para fixar o inicio das 70 semanas do capítulo nove no segun-
do decreto de Artaxerxes l (Ne l -2) com base no ciclo do ano sabático é falha.
Uma das mais recentes tentativas de solucionar os problemas de cálculo da
interpretação dispensacionalista é a proposta por H. W. Hoehner, que argu-
menta corretamente que a data do segundo decreto de Artaxerxes é 444 a.C.
Com base na suposição de um "ano profético" de 360 dias, ele sugere que as 69
semanas são 173.880 dias (69 x 7 x 360)4S como o faz Anderson. 4(1 No cálculo
de Hoehner o começo das 69 semanas é l" de nisà (cinco de março) de 444
a.C.,47 e a conclusão é 10 de nisã (30 de março) de 33 d.C.,48 quando, ele crê,
aconteceu a entrada triunfal de Cristo.
Obviamente, Hoehner segue Anderson ao contar o começo das 69 semanas
em 1° de nisã quando, na verdade, Neemias 2:1 declara apenas que era o mês de
nisâ. Hoehner admite que trabalha com base numa suposição. 49 Ele novamente
segue Anderson ao multiplicar 69 semanas por sete (anos) para cada semana e
por 360 dias dos supostos "anos proféticos" de Anderson, so chegando novamente
ao número de 173.880 dias (69 x 7 x 360). Ao começar em l" de nisã, do ano de
444 a.C. (5 de março de 444 a.C) as 69 semanas terminam em 10 de nisã de 33
d.C. (30 de marco, 33 d.C.), de acordo com Hoehner.
Afirma-se que a "verificação" desse esquema cronológico se dá da seguinte for-
ma: "a diferença entre 444 a.C. e 33 d.C., então, é de 476 anos solares. Ao multi-
plicar 476 |anos] por 365,24219879 ou por 365 dias, 5 horas, 48 minutos, 45,975
segundos, chega-se a 173.855,28662404 dias ou 173.855 dias, 6 horas, 52 minutos,
44 segundos."51 A "verificação" funciona? Na verdade não, pois não indica uma
combinação matemática, mas deixa uma discrepância de 25 dias que precisam ser
adicionados aos 173.855 para alcançar os 173.880 dias. Hoehner observa breve-
mente: "isso deixa apenas 25 dias para serem explicados entre 444 a.C. e 33 d.C.
Ao acrescentar os 25 dias a 5 de março [ou o suposto 1° de nisã], chega-se a 30 de
março (de 33 d.C.) que era 10 de nisã de 33 d.C., esse ê o dia da entrada triunfal de
Jesus em Jerusalém."" Enquanto Hoehner encurra a lacuna dos dias não contados,
ele também é incapaz de solucionar o problema da contagem.
De forma tipicamente dispensacionalista, a setuagésima semana é colocada
no futuro e assim separada das 69 semanas pela lacuna da "era da Igreja". Uma
vez que Hoehner começa com o único ano justificável, 444 a.C., para o decreto
de sua escolha, apresentamos um diagrama que mostra suas datas ajustadas. As
datas escolhidas pela maioria dos dispensacionalistas estão entre parênteses:
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70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Segundo, os cálculos baseados tanto no sistema de Anderson55 como no de


Hoehner56 são construídos sobre a suposição, como observado acima, de que o
decreto de Neemias 2:1 foi emitido em 1.° de nisã. Newman, um díspensaciona-
lista, criticou Anderson: "Mas para ele, começar uma semana mais tarde impossi-
bilitaria terminar o período profético antes da crucifixão, mesmo reconhecendo a
validade dos 'anos proféticos' e o ano de 32 d.C."57 O mesmo aplica-se a Hoehner.
Se ele começa apenas cinco dias depois, todo o seu cálculo vai por água abaixo.
Neemias 2:1 fala apenas do "mês de nisã" sem especificar o dia preciso em que o
decreto foi emitido. Afirmar que 1° de nisã foi a data para a emissão do decreto é
apenas hipótese. Falta-lhe apoio histórico e é necessário apenas devido ao fato de
o esquema precisar de mais dias do que se é possível obter.
Terceiro, as 69 semanas são consideradas "anos proféticos" de 360 dias. Con-
tudo, esse cômputo dá um total de apenas 476 anos solares e alguns dias, em
outras palavras, sete anos menos que os 483 anos esperados. Se o cálculo é feito
com base nos 483 anos solares (69 x 7 = 483), fixando-se o começo em 444 a.C.,
estende-se em vários anos a data-límite do tempo de vida de Cristo. Ele chega a
40 d.C., alguns anos após a crucifixão.58 O cálculo do ano solar, que parece ser o
mais normal, não funciona nesse esquema, e então é rejeitado pela maioria dos
dispensacionalistas em apoio ao cálculo do "ano profético".
Supondo, como ponto de partida para a discussão, que o método do "ano pro-
fético" fosse válido, partindo de l" de nisã (5 de março) de 444 a.C., 173.855 dias
(476 anos x 365,24219879 dias),1"9 chegaríamos apenas a 5 de março de 33 d.C., 25
dias antes da entrada triunfal, considerada como datando de 30 de março do mes-
mo ano. São 31 dias (mais do que um "mês profético"!) antes da data da crucifixão,
que seria em 5 de abril de 33 d.C., de acordo com a cronologia de Hoehner da vida
de Cristo.60 É evidente que Hoehner não soluciona o dilema de Anderson.
Não há possibilidade de haver um sincronismo entre os 173.880 "dias proféti-
cos" (69 semanas x 7 anos x 360 dias) e os 476 anos entre 444 a.C. a 33 d.C. (ou
173.855 "dias solares"). Para Anderson, a discrepância consiste de 116 dias adicio-
nados por anos bissextos e 24 dias extras - um total de 140 dias - a fim de alcançar
a suposta data da entrada triunfal em 6 de abril de 32 d.C.61 A discrepância de
Hoehner em sua tentativa de sincronização consiste de 25 dias necessários para
que alcance a suposta data de 30 de março de 32 d.C. para a entrada triunfal. 62
Hoehner admite: "é óbvio que um cálculo que usa o ano solar não funciona" 63
partindo de 444 a.C. Além disso, é de igual modo evidente que um cálculo com
base no "ano profético" também não funciona, a não ser que os dias que faltam
sejam adicionados de forma arbitrária. Mas tal procedimento subjetívo se opõe à
precisão evidente de 9:24-27.
Quarto, intérpretes da escola futurista/dispensacionalista calculam as 70 se-
manas com base no que Anderson chamou de "anos proféticos" de 360 dias cada,
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

como se observou acima.64 Isso é necessário devido ao fato de que o período de


tempo que vai de 444 a.C. à data alvo no período da vida de Cristo, se contado
normalmente com anos solares, fica reduzido em quase 10 anos.
Embora o ano lunar de 360 dias fosse conhecido no antigo Egito, Assíria e Babiló-
nia, usando um sistema de 12 meses de 30 dias cada, é de vital importância reconhecer
que vários mecanismos foram empregados por essas nações para se conseguir uma
aproximação dos 36514 dias do ano solar. Cinco dias eram adicionados a cada vigési-
mo mês, ou um mês adicional era acrescido a cada seis ou sete anos, ou os dias extras
necessários para se chegar a 365 1A dias eram supridos por métodos variados. 6Í
Anderson também tentou defender o esquema do "ano profético" supondo
que o Egito antigo usava um ano de 360 dias. Porém, G. C. Gleason observa que
"com relação ao Egito, o ano de 365 dias era observado atentamente, ...os egípcios
nunca usaram um ano de 360 dias, como supôs Anderson; eles simplesmente usa-
vam a fração 1/360 como uma estimativa aproximada para quotas diárias." 6 '
Não se sabe de nenhuma nação antiga que tenha empregado um ano de 360
dias em completa desconsideração com o ciclo solar de 365 !4 dias. Com relação
ao antigo Israel, as "numerosas declarações cronológicas nos livros de Reis e Cró-
nicas [revelam que) os autores do Antigo Testamento usaram somente os anos so-
lares reais. Apenas essa consideração deve ser decisiva contra a teoria de Anderson
14 |de 'anos proféticos' de 360 dias]."67
Quinto, escritores dispensacionalistas que sugerem 445 ou 444 a.C. como o
ponto inicial para as 70 semanas são forcados a argumentar que a morte de Cristo
aconteceu em 32 ou 33 d.C., respectivamente. Essas datas posteriores conduzem
a vários problemas para a cronologia do Novo Testamento, que está entrelaçada
com a cronologia secular do período no qual começa o cristianismo. Visto que o
tema da data para a morte de Cristo será retomado novamente, deve ser suficiente
afirmar aqui que essas duas datas erram por um ou dois anos, respectivamente.
Sexto, a interpretação dispensacionalista - a teoria da "lacuna" (teoria do "parênte-
se") - afirma que há um grande intervalo de tempo entre as 69 semanas e a setuagésima
semana do total de 70 da profecia. Visto que não há nenhuma interrupção entre as
primeiras sete semanas e as 62 seguintes (a primeira e segunda divisão do período total),
é surpreendente encontrar um intervalo extraordinariamente longo entre a segunda e
a terceira divisões (a última ou setuagésima semana da profecia). Esse intervalo extenso,
ou parênteses, quebra a continuidade natural da profecia (7 + 62 + [intervalo] 1).
Vitringa alertou tempos atrás "que o período de 70 setenários, ou 490 anos, é
aqui predito como um período que continuará sem interrupção desde seu começo
até seu fim ou conclusão, ambos com respeito ao período completo de 70 setená-
rios, e também às várias partes (7, 62 e 1), em que as setenta estão divididas." E a
questão levantada é "como é possível imaginar que existe um intervalo entre a 69a
e a 1°, quando essas juntas compõem as setenta?"68
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Por que a última semana é colocada no futuro? Se Cristo fosse crucificado


na metade dessa semana, sua morte ocorreria no outono de 36 d.C., uma data
totalmente impossível. Outra razão para se colocar a última semana no futuro é a
tentativa de se escapar do difícil fato de que a destruição de Jerusalém não acon-
teceu dentro dessa semana de anos. Em outras palavras, os intérpretes futuristas/
dispensacionalistas procuram estabelecer sua interpretação comparando profecia
com seu cumprimento e não com uma exegese imparcial do texto. Concordamos
com E. J. Young quando diz que essa "questão deve ser finalmente solucionada
tendo como base apenas a exegese".69
Em sétimo lugar, H. A. Ironside e A. J. McClain, entre outros,70 sugeriram que
existem outras lacunas, ou parênteses, na profecia bíblica. Com base nisso, argu-
menta-se que o suposto parêntese de 9:27 é justificável. Contudo, numa pesquisa
mais detalhada, é possível ver que os textos não apoiam esse parecer, a menos que
se sobreponha um esquema dispensacíonalista.71 Mas mesmo que as passagens para
as quais os escritores dispensacionalistas apelam contivessem lacunas, isso ainda
não seria prova de que existe uma lacuna semelhante, ou parênteses, em 9:24-27.
Relacionada a isso, a observação de P. Mauro é importante porque ele mos-
trou que há "uma regra absoluta, que não admite exceções, |a saber] que quando
uma medida definida de tempo ou espaço é especificada pelo número de unidades
que a compõem, dentro da qual urn certo evento está para acontecer ou algo está 15
para ser encontrado, as unidades de tempo ou espaço que constituem essa medida
devem ser entendidas como ocorrendo contínua e sucessivamente".72
Isso se baseia na observação de que os 430 anos de Génesis 15:13, Êxodo
12:40, Gaiatas 3:17, os 40 anos de peregrinação no deserto de Números 14:34, e
os sete anos de fartura c escassez de Génesis 45:6 foram respectivamente anos con-
secutivos. Os três dias após os quais Jesus se levantou também foram consecutivos.
Visto que esses períodos de tempo foram consecutivos, o natural seria esperar que
as 70 semanas de 9:24-27 também fossem 70 semanas consecutivas,
Em oitavo lugar, o argumento de que os acontecimentos do versículo 27 ocorrem
depois dos do versículo 26 se baseia numa suposição infundada. E verdade que é dito
que os acontecimentos do versículo 26, a saber, a morte do Messias e a destruição da
cidade e do santuário, aconteceram depois das 62 semanas, mas não se afirma que os
eventos do versículo 27 ocorrem depois daqueles do versículo 26.71 Não há qualquer
evidência contextuai para apoiar a hipótese de que os eventos dos versículos 26 e 27
não devem ser entendidos como contemporâneos. Uma exegese detalhada indica que
o versículo 27 apresenta uma grande pedra de tropeço para a interpretação dos dispen-
sacionalistas. Isso é verdade porque o versículo 27 é uma explicação ao versículo 26, e
não pode ser separado dele e remetido a acontecimentos subsequentes a ele.74
Em nono lugar, outro problema sério diz respeito a uma suposta aliança feita
pelo anticristo. 75 O Antigo Testamento (e o Novo Testamento) "não contém ne-
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

nhuma indicação de tal aliança, e menos ainda alguma anterior que ele pudesse
confirmar nesse ponto em Daniel 9".76 A dificuldade com essa suposição é que
ela toma uma figura de menor importância, isto é, "um príncipe que há de vir" (v.
26), como o antecedente de "ele" no versículo 27, em lugar da figura dominante,
o "ungido" (v. 26). A palavra "príncipe" é uma figura subordinada no versículo 26.
Não é sequer o sujeito da frase. O sujeito da frase é "o povo". Portanto, o antece-
dente gramatical apropriado para "ele" (v. 27) é o "ungido" (v. 26).
Em décimo lugar, os intérpretes futuristas transformam o "príncipe" em "um
futuro representante do diabo"77 e um "futuro inimigo do povo de Israel".78 Essa
interpretação ignora o fato de que a ênfase no versículo 26 não está sobre o "prín-
cipe" mas sobre o "povo do príncipe". Young observa que "esse príncipe, portanto,
deve ser alguém que governe sobre esse povo, ... ele deve ser contemporâneo deles,
estar vivo quando eles estiverem vivos".79 Um príncipe que vive 1.900 anos depois
do povo é contrário ao texto. L. Wood diz que a frase "o povo de um príncipe que
há de vir" significa "um povo do qual virá". Isso torna a frase "o povo do qual virá
um príncipe".80 Porém, tal leitura não é apoiada pelo texto hebraico.
E, finalmente, um estudo recente da poesia de 9:24-27 indica uma estrutura
literária bastante intrincada.81 Essa estrutura une toda a seção em padrões literá-
rios que não permitem o tipo de fragmentação cronológica requerida pelo sistema
16 dispensacional. A disposição literária apoia a ideia de que os três títulos - ungido,
príncipe (v. 25), o ungido (v. 26a), e o príncipe (v. 26b) - se referem à mesma pes-
soa que é morta na metade da última semana.82
Devido a esses obstáculos exegéticos, históricos e cronológicos à aceitação
da interpretação dispensacional/futurista de 9:24-27, dificilmente se recomenda
essa abordagem.
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA

INTERPRETAÇÕES CRÍTICOHISTÓRICA E HISTORICISTA


S inopse editorial. Declarações de eruditos liberais sobre a interpretação crítico
histórica de Daniel 9:24-27 não reconhece qualquer significado messiânico
nessa passagem. Supõe-se que seu contexto é a era macabeia (segundo século a.C.)
pré-cristã. Além disso, pressupõe-se que o material to i escrito na forma de uma
profecia depois de os eventos terem acontecido. A interpretação crítico-hístórica é
muito difundida e é o ponto de vista padrão da escola liberal moderna.
Afirma-se que as 70 semanas (ou seja, 70 semanas de anos) formam uma inter-
pretação da profecia de Jeremias dos 70 anos de cativeiro, mencionada no mesmo
capítulo (9:2; cf. Jr 25:1, 12). Consequentemente, intérpretes da escola crítico-
histórica iniciam os 490 anos com a destruição do Jerusalém em 587 ou 586 a.C.
A primeira divisão (as sete semanas) das três partes do período total estende-se até
539 a.C. (a destruição de Babilónia) ou 538 a.C. (o decreto de Ciro com respeito
;io ivtnrno Jo-, j u d e u s ( - ;i ronsrnu;;io J o u - m p l i O .
A segunda divisão (62 semanas) estende-se de 539 ou 538 a.C. até o assassina-
to do sumo sacerdote Onias III em 171 ou 170 a.C. A terceira divisão (uma sema-
na) compreende o período desde a morte de Onias até 164 a.C., o ano em que o
templo foi rededicado por Judas Macabeus. A profanação do templo por Antíoco
IV é colocada três anos antes, em 167 a.C.
Visto que essa escola de interpretação tem a firme crença de que 9:24-27 é
apenas história escrita depois dos eventos em forma de profecia, as informações
contidas nela deveriam ajustar-se perfeitamente à história real. Mas isso nào acon-
tece. Diversos problemas são encontrados nessa abordagem.
Não há unanimidade no ponto inicial da primeira divisão (7 semanas = 49
anos). Um dos escritores mais recentes sugere 589 a.C. a 536 a.C. (um período de
53 anos!). Outros sugerem 587 a 539 a.C. (da destruição de Jerusalém à destruição
de Babilónia) ou 587 a 538 a.C. (da destruição de Jerusalém ao decreto de Ciro
para libertar os judeus). Na verdade, apenas essa última sequência resulta nos reais
49 anos. Agora, nova evidência sustenta a data de 586 a.C. para a destruição de
Jerusalém e 537 a.C. para o decreto de Ciro.
Entretanto, a destruição de Jerusalém como a data inicial para os 490 anos não
tem apoio exegético. Enquanto "a ordem do Senhor" a Jeremias (9:2) pertence aos
70 anos de cativeiro e indirctamente à destruição da cidade e nação, Daniel 9:25 se
refere a uma "ordem" para restaurar e para edificar Jerusalém. Assim, é evidente que
nunca se tencionou que os 490 anos começassem com a destruição da cidade.
Outra evidente fraqueza do esquema critico-hístórico está no gráfico das 62
semanas ou 434 anos, a segunda divisão do período de 490 anos. O período esco-
lhido - de 539/538 a.C. a 171/170 a.C. - tem quase sete décadas a menos. Os 434
anos estendem-se muito além do término pretendido, datado na morte de Onías.
A fim de solucionar essa discrepância, alguns comentaristas apontam o início das
62 semanas ou 434 anos em 605 a.C. e conduzem essa divisão simultaneamente
com as sete semanas, ou 49 anos, que começaram em 587 a.C. Esse é o resultado
de se prover duas diferentes datas de início para a passagem. Outros simplesmente
descartam a questão como um erro de cálculo por parte do escritor ou devido ã
memória incerta e fraca dos judeus do segundo século a.C.
Problemas cronológicos também envolvem a data da última semana da morte
de Onias até a rededicação do templo em 164 a.C. Hoje, novas evidências datam a
morte do sacerdote em 170 a.C., o que põe abaixo o cálculo dos eruditos que loca-
lizam os 434 anos no breve espaço de tempo entre 605 a.C. e 171 a.C., e também
reduz a última "semana" da profecia.
O cálculo dos anos em que o templo foi profanado por Antíoco, um período
de três anos (14 de dezembro de 167 a.C. a 14 de dezembro de 164 a.C.) também
está em desarmonia com a profecia que descreve um evento que acontece na
metade da semana, implicando três anos e meio em ambos os lados. O fato de
uma nova pesquisa agora defender que a profanação do templo ocorreu em 168
a.C. com uma reincidência em 165 a.C. só complica a cronologia desse período
para a interpretação crítico-histórica. No momento, não há nenhum esquema
18 cronológico de interpretação crítico-histórica que possa harmonizar 9:24-27 com
a história real.
Judeus (no período pré-cristão), bem como cristãos reconheceram o propósito
messiânico e preditivo de Daniel 9:24-27. A maioria dos comentaristas cristãos
tem seguido a interpretação messíâniavhistórica dessa passagem. É o único es-
quema que pode reivindicar correlação e harmonia com profecia e história na
extensão dos 490 anos de 457 a.C. a 34 d.C.
A data inicial para os 490 anos é o sétimo ano de Artaxerxcs I, hoje firme-
mente estabelecido como 458/457 a.C. Com Esdras retornando da Palestina em
457 a.C., a profecia encontra nesse ano seu inicio lógico. Ao rejeitar a pontuação
massorética recente e parcial (500 d.C. em diante) da passagem de 9:25 a favor da-
quela encontrada na versão antiga grega e outras versões, o intérprete dessa escola
traça as 69 semanas ou 483 anos (as primeiras duas divisões: 7 + 62 semanas) sob o
princípio dia-ano a 27 d.C.
Em 27 d.C. aconteceu o batismo de Jesus - mencionado por Lucas como o
décimo quinto ano do imperador romano Tibério (l_c 3:5) - e Ele começou seu
ministério como o Messias. Três anos e meio depois, "na metade da semana" (a
primavera de 31 d.C.), Ele foi crucificado. A profecia termina três anos e meio de-
pois, em 34 d.C., com a morte de Estevão, a dispersão dos cristãos de Jerusalém, e
com o evangelho sendo anunciado aos gentios. Também é possível que no ano 34
d,C. tenha ocorrido a conversão de Paulo.
70 SEMANAS, LEVtnco E A NATUREZA HA PROFECIA

O autor examina argumentos importantes levantados contra a interpretação


messiânico-histõrica. Por exemplo, argumenta-se que o decreto de Artaxerxes I a
Esdras não se refere à restauração e edificação de Jerusalém. No entanto, é possível
inferir que os judeus entenderam que essa era a intenção do rei. A evidência bíbli-
ca é que o muro e outras partes da cidade foram em grande medida construídos
por Esdras (Ed 4:7-23; 9:9). O faro de o programa de construção de Neemias ter
sido concluído em apenas 52 dias (Ne 6:15) não é evidência de que grande parte
da reconstrução já tivesse sido concluída antes da chegada de Neemias.
O argumento de que Esdras veio à Palestina depois de Neemias não parece
sustentável. A pontuação massorética que evitaria o período de tempo das 69
semanas (7 + 62) não está em harmonia com o texto hebraico e demonstra o
preconceito judeu. Não pode ser usada como um argumento contra o foco mes-
siânico dessa profecia.
Alguns também argumentam que a destruição de Jerusalém e do templo (men-
cionada na profecia) requer um desfecho em 70 d.C. em vez de 34 d.C. Contudo,
isso pode se opor ao fato de que é a morte do Messias (predito na profecia) que
selou o destino do sistema cerimonial, bem como do estado nacional. Os aconte-
cimentos de 70 d.C. são simplesmente as consequências subsequentes do advento
e da morte do Messias, o foco principal da profecia.
Embora seja possível fazer objeeões a todas as quatro principais interpre-
tações de Daniel 9:24-27, a interpretação messiânico-histõrica não parece es-
tar sujeita a dificuldades cronológicas, exegéricas e históricas encontradass em
outros sistemas. Assim, ela recomenda a si mesma como a mais adequada das
principais interpretações.

ESBOÇO DA SEÇÃO
1. Interpreracões crítico-históricas (modernistas)
2. Interpretação messiànico-histórica (historicista)

INTERPRETAÇÕES CRÍTICO-HISTÓRICAS

As interpretações crítico-históricas modernas são os esquemas cronológicos


mais empregados. Eles refletem a posição de que o livro de Daniel é datado do
segundo século a.C., ou seja, a escola crítico-histórica de interpretação detende
que a forma final de Daniel foi escrita entre 168/7 e 164/3 a.C.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA [IAS SETiiNTA SbMANAS

A escola crítico-histórica de interpretação não reconhece o Messias em 9:24-


27. Além disso, o erudito crítico-histórico J. A. Montgomery escreve que a pas-
sagem foi "'apresentada' pelos deistas e racionalistas dos séculos 17 e 18 com a
premissa de que o objetivo das 70 semanas é a era macabeia e que a 'pmfeda' está
de acordo com um vaticinium ex eventu".81 Em outras palavras, a passagem não tem
nada de profético, mas foi escrita na forma de uma profecia depois de os eventos
descritos terem ocorrido.
A escola crítico-histórica de interpretação se desenvolveu na era do Iluminis-
mo e foi adotada primeiramente por dois ingleses. Em 1697, John Marsham, 84 e,
em 1726, Antony ColUns1" abraçaram a sugestão do filósofo pagão neoplatônico,
Porfírio (terceiro século d.C.), de que as profecias de Daniel foram escritas depois
dos acontecimentos e descrevem, na verdade, o tempo de Antíoco IV Epifànio. MÍ1
A interpretação crítico-histórica de Daniel 9:24-27 consolidou-se como o ponto de
vista padrão de eruditos liberais no mundo.
Uma vez que essa escola de pensamento pressupõe que a composição de
Daniel tenha ocorrido no segundo século a.C. e nega a presença de profecia
genuína,87 a passagem de 9:24-27 é, da mesma forma, tratada como vaticinium ex
eventu.88 Essa postura defende que "as profecias de Daniel eram vaticínio, ex eventu,
profecias pós-evento, e foram usadas como um meio para conferir autoridade a
20 uma mensagem apocalíptica".89
As "setenta semanas" de 9:24 são consideradas como "setenta semanas de
anos",90 e como uma "interpretação secundária da profecia de Jeremias"91 mencio-
nada em 9:2. Essa "reinterpretação 'inspirada""12 supostamente "mostra o meio
pelo qual os livros proféticos eram lidos na época [de Antíoco Epifànio|". 9í Con-
tudo, a escola crítico-histórica lê as "setenta semanas" como "setenta semanas de
anos", que se estendem, para a maioria dos críticos, de 587/586 a.C. a 164 a.C.
O ponto de partida das "setenta semanas de anos" ou 490 anos nesse es-
quema é a destruição de Jerusalém, que é datada de 587 a.C.V4 ou 586 a.C.95 As
"sete semanas" de anos, ou 49 anos (a primeira divisão das 70 semanas), se con-
tadas de 587 a.C. terminam em 539 a.C. Nesse caso, escreve N. W. Porteous,
"foram quase exatamente 49 anos (7 x 7) entre a destruição de Jerusalém e a
destruição de Babilónia." 9 '
Por outro lado, J. A. Montgomery começa com a data 586 n.C. para a destrui-
ção de Jerusalém, e calcula que os 49 anos terminem em 538 a.C.47 K. Koch obser-
va com perspicácia: "Se os 49 anos da primeira parte do período são contados de
586 ao decreto de Ciro em 538 (Esdras 1), então eles provam estar absolutamente
corretos."98 Embora a aritmética esteja exata, os acontecimentos que ocorrerão
após os 49 anos certamente não estão.
O próprio Montgomery chama atenção para isso: "Nesse caso, deve-se admitir
que a datação [de 586 a.C.l não é exatamente 'desde a saída da ordem', isto é, a
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA

ordem de Jeremias 25:2 ( I J no primeiro ano de Nabucodonosor."99 (Na verdade


586 a.C., a destruição de Jerusalém foi no décimo nono ano de Nabucodonosor.
Veja Jeremias 52:12). O primeiro ano de Nabucodonosor é 605 a.C. Veremos
abaixo que alguns eruditos da escola critiavhistórica tentaram iniciar com essa
data (ou 604 a.C.) e então calcular a profecia dos 70 anos de Jeremias 2 5 : 1 - 1 1 e
dos 490 anos de Daniel 9:24-27 como simultâneas, em vez de consecutivas,100 uma
hipótese sem apoio textual.
Tendo em vista esses problemas, O. Plòf-er sugere que o ponto de partida
do período total é "desde a saída da ordem" de que Jeremias talou, a saber, 587
a.C., mas indica logo a seguir que essa data deve ser escolhida "não importando
quando as palavras de Jeremias em Jeremias 25 e 29 foram ditas". 101 Esse quali-
ficador não soluciona o problema da data para o início (terminas a tjuo), como
será mostrado abaixo.
É dito que as 62 semanas, ou 434 anos, do período central (ou segunda divi-
são das 70 semanas) começam com a destruição de Babilónia em 539 a.C.,'02 ou
decreto de Ciro em 538 a.C.,103 e terminam com a morte do sumo sacerdote Onias
III em 171 ou 170 a.C. respectivamente. A grande dificuldade com esse cálculo
está no fato de que o período desde 539/538 a.C. a 171/170 a.C. é reduzido cm
quase sete décadas.
A divisão final de "uma semana", ou 7 anos, é contada da morte de Onias I I I
em 171/170 a.C. até a rededicacão do templo por Judas Macabeus em 164 a.C.
A metade da última semana é marcada pela profanação do templo por Antioco
IV Epifànio, que continuou por três anos e meio, do "final de 168 ao início de
164..."'°4 Depois de um breve esboço da interpretação crítico-histórica padrão, a
apresentamo-la por meio do seguinte diagrama;

CÁLCULO CRÍTICO-HISTÓRICO PADRÃO DAS 70 SEMANAS

587/6 a.C. 539/8 170/0 164


7 anos
49 anos 434 anos í i/: í 1/2
7 semanas 62 semanas 1 semana

Destruição Destruição Onias III Templo


de Jerusalém de Babilónia assasinado profanado-
rededicado
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

Alguns também tentaram solucionar o problema da redução (na divisão cen-


tral) em várias décadas. A. Lacocque é um intérprete moderno que sugere nova-
mente que as primeiras "sete semanas" são contemporâneas das 62.
Ele declara: "das setenta semanas do oráculo de Jeremias, sete se passaram
desde o começo do cativeiro (587) até a investidura do sumo sacerdote Josué (538;
veja Ageu 1:1,14; Zc 3:lss.). Mais 62 semanas, ou 434 anos, correspondem ao lap-
so de tempo entre 605, a data do oráculo em Jereminas 25:1, 11, e 171, o ano do
assassinato do segundo 'ungido', o sumo sacerdote Onias I I I . Da última semana,
metade dela se passou e isso abrange o tempo entre a morte de Onias III e as me-
didas coercitivas de Antíoco. Mais a metade de uma semana (de 168 a 165), e 'o
decreto de destruição será emitido pelo destruidor'." 1 '
O esquema cronológico de Lacocque pode ser representado pelo seguinte
diagrama:

CÁLCULO CRfnco-HiSTóRico PADRÃO DAS 70 SEMANAS

587 538
6nç 49 anos 171 l^K 16S
7 semanas 434 anos 3 1/2 * 1/2
62 semanas 1/2 sem 1/2 sem
1 semana
Josué Onias III
Cativeiro investido assassinado

A vantagem do esquema de Lacocque é que existem exatamente 434 anos en-


tre 605 a.C. e 171 a.C.10" Entre os problemas sem solução estão os seguintes:
1. A formulação de 9:25 demanda que "da ordem para restaurar e para edificar
Jerusalém até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas",
isto é, 69 semanas e não apenas 62 semanas.
2. A contagem simultânea das sete semanas dentro das 62 destrói qualquer
possibilidade de ter havido um total de 70 semanas ou 490 anos.
3. Lacocque, na verdade, tem duas diferentes datas como ponto de partida,
a saber, 605 a.C. para as 62 semanas (434 anos) e 587 a.C. para as sete semanas
(49 anos) que não se correlacionam. Uma vez que os 49 anos permanecem fora da
contagem do período total de tempo, seu sistema computacional reduz a "profe-
cia" das 70 semanas a uma profecia de 63 semanas na contagem sequencial.
70 SKMANAS, LEVITICO i-; A NATUREZA DA PROFECIA

Com base em cálculos bem recentes, o ano da morte de Onias III é agora
colocado em 170 a.C. e não em 171 a.C.107 Se isso estiver correto, os 434 anos con-
tados desde 605 a.C. não resultam de forma correta. Esse esquema não é confiavel
devido a seus problemas exegc ticos e de cálculo.
Outro cálculo da interpretação crítico-histórica das 70 semanas é o fornecido
por L. F. Harrman e A. A. Di Lella no Comentário da Anckor Bible. Sugere-se que
"o período total que ele [o autor de Daniel 9| conta como tendo inicio com 'a
saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém' [9:25], inicia-se em 594
a.C. e termina com a morte de Epífànio em 164 a.C., ..."K
"E quase certo que a primeira parte do período de 490 anos se refere ao tempo
em que os primeiros exilados de Babilónia retornaram a Jerusalém em 538 a.C." A
secão mais longa do período de 490 anos estende-se de 538 a.C.104 "ao evento men-
cionado a seguir, quando 'o ungido' foi 'cortado' em 171 a.C., ...""°Os eventos da
suposta morte de Onias III em 171 a.C. até 164 a.C. como o final do período de
490 anos segue o esquema crítico-histórico padrão." 1
O esquema cronológico de Hartman-Dí Lella pode ser representado pelo se-
guinte diagrama:

CÁLCULO CRÍTICOHISTÓRICO ALTERNATIVO OAS 70 SEMANAS POR


HARTMAN E Di LELLA

594 a.C. 538 a.C. 171 a.C. 164/63 a.C.

7 semanas 62 semanas 1 semana


Carta de Josué ben Onias III Templo
Jeremias Jozadaque assas i nado rededicado
(Jr29:10)
li-mplo
profanado

A principal diferença do esquema cronológico de Hartman e Di Lella com o


cômputo crítico-hisrórico padrão é sua data inicial em 594 a.C. Essa é outra tenta-
tiva de correlacionar o texto cie Daniel 9:25, que especifica que "desde a saída da
ordem para restaurar e para edificar Jerusalém", com a data inicial do período de
490 anos. Hartman e Di Lella observam corretamente que uma data inicial em 605
INTERPRETAÇÕES DA CRONOUX-IA DAS SETENTA SEMANAS

a.C. (ou 606) não é correta porque Jeremias 25:11-12 "não fala da reconstrução de
Jerusalém"." 2 Da mesma forma, não há "ordem" ou "decreto" datando de 587/586
a.C., o ano da destruição de Jerusalém, que fale de uma reconstrução dessa cidade.
Hartman e Di Lella tentam ser fiéis ao texto de Daniel 9:25 que fala clara-
mente sobre uma "ordem" para restaurar Jerusalém e sugerem que ela é encon-
trada na passagem de Jeremias 29:10 a qual declara que quando se cumprirem
os 70 anos de cativeiro "atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a
minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar". Desconsiderando o
fato de essa profecia ter sido dada ern 594 a.C., como sugeriram Hartman e Di
Lella, a passagem de Jeremias 29:10 não se ajusta a Daniel 9:25. A primeira fala
de trazer de volta os exilados para Judá, mas Daniel 9:25 fala de uma "ordem
para restaurar e para edificar Jerusalém".
Essa dificuldade é acentuada no decreto de Ciro (Esdras 1:2-4) de 538/537
a.C., que fala da reconstrução do templo (v. 3), mas não da reconstrução de Jeru-
salém que não ocorreu até que a "ordem" foi dada por Artaxerxes em 457 a.C. (Ed
7:12-26). Mi Esses problemas indicam que o ano de 594 a.C. não se enquadra como
o início do período dos 490 anos na argumentação exegética.
Em segundo lugar, o ano de 594 a.C. não se ajusra como a clata inicial na
argumentação cronológica e computacional. A primeira seção do período das 70
24 semanas, que é de 49 anos, é reduzida em oito anos para alcançar 538 a.C. Sete
semanas de 49 anos, começando em 594 a.C., chegam apenas a 545 a.C., um ano
em que nada aconteceu com respeito às especificações de Daniel 9:24-27.
Hartman e Di Lella estão cientes dessa discrepância e tentam solucionar esse
problema de cálculo sugerindo que o intervalo de 56 anos entre 594 a.C. e 538
a.C. é "próximo o suficiente do número quase-artificial de 'sete semanas' de anos
(Dn 9:25)"."4 No entanto, não há evidência de que o período de sete semanas
de 49 anos seja "quase-artificial" especialmente dado que o texto de Daniel 9:25
exige um cumprimento específico com respeito à restauração e reconstrução de
Jerusalém no tinal daquele período.
Em terceiro lugar, o período de 594 a.C. a 164 a.C. é de apenas 430 anos, ou
60 anos a menos que o período de 70 semanas de 490 anos. Hartman e Di Lella
reconhecem essa discrepância," 5 mas observam que mesmo que se comece com
605 a.C. "o período completo seria de apenas 441 anos"116 até 164 a.C. Isso mostra
que o esquema crítico-histórico padrão (veja acima) tem um problema de cálculo
assim como o esquema apresentado por eles.
De qualquer forma, não é possível se chegar a 490 anos em nenhum esquema
critico-histórico (modernista). Hartman e Di Lella observam incisivamente que
o período das 62 semanas de 434 anos que se estende de 538 a.C. a 171 a.C.
"somam apenas 367 anos".117 Novamente, o cálculo está incorreto e lança grande
dúvida em toda a interpretação crítico-histórica.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Em quarto lugar, Hartman e Di Lella sugerem que "o líder ungido" de


Daniel 9:25 (ou seja, "o Ungido, Príncipe") é melhor identificado com Josué
ben Jozadaque, o primeiro sumo sacerdote do templo restaurado cm Jerusalém
e não com Ciro ou com Zorobabel como outros exegetas da escola crítico-
histórica têm defendido." 8 Novamente, Hartman e Di Lella estão tentando se
basear no texto de Daniel 9:25.
Mas a designação "Ungido [Messias], Príncipe" (hebraico mãsiah nãgícf) é
traduzida de forma simples e incorreta como o "líder ungido" por Hartman e
Di Lella. Se essa designação significasse "o líder ungido", o hebraico deveria
ser nãgíd_ mãsiah c não a sequência que o texto apresenta."1' Além disso, não há
evidência em Esdras 2:2, 36 ou cm Neemias 7:7, 39 que esse Josué (ou Jeshua)
tenha sido o primeiro sumo sacerdote, uma vez que ele e seus irmãos são cha-
mados simplesmente de "sacerdotes" (Esdras 3:2, 8, 10; 4:2-3; 5:2). O templo
não foi reconstruído até 515 a.C. e não houve a necessidade de nenhum sumo
sacerdote até essa época.
Finalmente, o sacerdote Josué ben Jozadaque não cumpre a especificação de
tempo de Daniel 9:26 com o período de sete semanas ou 49 anos, porque de 594
a.C. a 537 a.C., quando ele aparece na história, um período de 57 anos havia se
passado, mas deveria ter sido penas 49 anos.
Um dos mais lidos escritores sobre o livro de Daniel desde a década de 1970 é 25
John J. Collins. Em seu comentário de Daniel de 1981IZO o ponto de vista padrão
dos eruditos da escola crítico-histórica é mais ou menos adotado, mas não é for-
necida nenhuma data. Collins levanta um tema geralmente não mencionado, a
saber, "é levantada a questão da verdade. A profecia das setenta semanas de anos
não pode ser conciliada com os fatos históricos."1'
Sua postura é a de que o ponto de partida seja "o reino de Dario o medo," i22
(sem relato na história) ou seja, 539/538 a.C.121 Esse ponto de vista não é defendi-
do por nenhum outro erudito dessa escola de interpretação. Mas quer seja esse o
ponto de partida ou 605 a.C. (606 a.C.), 594 a.C"., ou 587/586 ;i.C., em n e n h u m
dos casos é possível correlacionar as datas com a história real.
Collins chama atenção para outro ponto: o fato de que "a época da profanação
do templo pelos sírios [isto é, Antíoco IV Epifânio] até sua purificação pelos ma-
cabeus foi de cxatamente três anos, não três anos e meio (veja l Macabeus 4:54; 2
Macabeus 10:3-5)".I24 Os elementos de tempo e os cálculos contém erros, mas a ver-
dade comunicada é que o sofrimento chega ao fim para os judeus perseguidos.1Z5
Talvez os esquemas crítico-históricos sejam problemáticos demais para se ajus-
tar ao texto e não haja erros na profecia. Antes de tentarmos apresentar outro
esquema consecutivo-histórico precisamos analisar outras facetas cia interpretação
crítico-histórica padrão, pois os esquemas alternativos de Hartman c Di Lella não
se ajustam nem ã história, nem ao texto.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOUXÍIA DAS SETKNTA

Atentemos agora para a contagem sequencial dos 490 anos com base no
esquema crítico-histórico padrão moderno, ou seja, aqueles que começam com
587/586 a.C., como indicou nosso primeiro diagrama. Comecemos considerando
a primeira das três divisões.
Seria de se esperar que uma "profecia" escrita depois dos acontecimentos se ajus-
taria aos números 49 + 434 + 7 anos (7 semanas + 62 semanas + l semana) perfeita-
mente. Entretanto, não é esse o caso. A data inicial de 587/586 (a saber, a destruição
de Jerusalém) para a primeira divisão dos 490 anos incorre em um duplo problema:
1. Na exegese, a primeira divisão de 49 anos começa com a "saída da ordem"
(9:25), que é considerada como a palavra dada a Jeremias conforme menciona-
do em 9:2, e, portanto, deve fazer referência à destruição de Jerusalém. 126 Porém,
9:25 especifica claramente que o objeto da "ordem"127 é "restaurar e edificar
Jerusalém". 128 A palavra relativa ao período dos 70 anos cia desolação de Jerusalém
(9:2; Jr 25:12; 29:10) possivelmente não pode ser considerada como "a ordem para
restaurar e edificar Jerusalém". 1213
D. S. Russcll faz a ousada sugestão: naquele tempo (destruição de Jerusalém], foi
dada a promessa de que Deus traria de volta os cativos e reconstruiria a cidade arrui-
nada (cf. Jr 30:18; 31:38-40)."no Contudo, as duas passagens citadas de Jeremias não
pertencem à época da destruição de Jerusalém, mas a um período anterior no mi-
26 nistério de Jeremias, na verdade, várias décadas antes da destruição de Jerusalém.111
Além disso, as duas passagens de Jeremias 30 e 31 não contém "nada sobre qualquer
período de tempo, e nesse versículo [9:25] não existe referência a essa profecia".132
De qualquer forma, o anjo Gabriel refere-se à "ordem para restaurar e edificar
Jerusalém" como o ponto de partida para todo o período dos 490 anos, e pode,
portanto, estar apontando apenas para uma ordem que está especificamente "de-
terminada". Em suma, a destruição de Jerusalém não tem apoio exegético como o
começo dos 490 anos.
2, Há também um problema de cálculo ligado à primeira divisão dos 49 anos.
Um dos comentários mais recentes acerca de Daniel, de M. Delcor, sugere que a
primeira divisão de 49 anos estende-se de 589 a.C. a 536 a.C., um período de 53
anos.1" Esse cálculo erra em dois anos a mais do que a sugestão de 587 a.C. ou
586 a.C. para a destruição de Jerusalém como a data para o começo da primeira
divisão e 539 a.C. para a destruição de Babilónia, ou 538 a.C. para o decreto de
Ciro como a data inicial para a segunda divisão das 70 semanas. Os únicos nú-
meros que poderiam ser considerados exatos são a sequência de 587 a.C. a 538
a.C. Todas as outras sugestões são apenas "cerca de 49 anos",114 como apontado
corretamente por Montgomery.
A data de 538 a.C. para o decreto de Ciro é sugerida 115 constantemente, em-
bora o ano de 537 a.C. seja, na verdade, uma data melhor apoiada por novas evi-
dências. Também se deve notar que a destruição de Jerusalém não ocorreu em 587
70 SIÍMANAS, LEVITICO E A NATUREZA PA PROFECIA

a.C., mas em 586 a.C. conforme parecem apoiar as novas evidências. 156 Assim sen-
do, exclui-se a única possibilidade de um cálculo exaro dos 49 anos, a menos que o
ano 537 a.C. seja aceito por esses intérpretes para a data do decreto de Ciro.
Isso significa que os eruditos defensores da interpretação critico-histórica não
podem evitar o fato de que a primeira divisão dos 490 anos se ajusta às datas su-
geridas apenas de forma aproximada. Se isso faz ou não jus à designação específica
dos 49 anos, cada pessoa tem que decidir por si mesma.
Voltemos agora nossa atenção para a segunda divisão de tempo. O maior pro-
blema da interpretação critico-histórica de que se tem conhecimento está relacio
nado à segunda divisão da profecia das 70 semanas, a saber, o período de 434 anos
(62 x 7). Diz-se que essa divisão começa em 539 a.C. ou 538 a.C. e termina em
171 a.C. ou 170 a.C. respectivamente, o que significa uma redução de aproximada-
mente 67 anos. Eruditos que defendem a interpretação sob análise têm atentado
para esse ponto crucial, e várias sugestões têm sido apresentadas como solução.
G. Behrmann sugeriu (de forma semelhante a A. Lacocque, como visto acima)
que o ponto de partida para as 62 semanas, ou 434 anos, é o primeiro ano de
Nabucodonosor, ou 605 a.C. m (uma data agora confirmada por novas evidências).
Ele defendeu essa data tendo como base que 605 a.C. foi a data do início dos 70
anos de exílio em Jeremias 25:1, U. Argumentou-se então que 605 a.C. menos
"sete semanas", ou 49 anos, nos levaria a aproximadamente à ascensão de Ciro 27
(cerca de 559 a.C.).138 Isso faria de Ciro "o ungido, o príncipe" (9:25).m
A data de 605 a.C. como a data inicial dos 434 anos (62 semanas) encontrou
defensores como E. Konig e M. Thilo.'* O principal atrativo dessa sugestão está
no fato de que o período de tempo de 605 a.C. a 171 a.C. é de exatos 434 anos,
ou 62 semanas.
Entretanto, a hipótese de Behrmann apresenta várias dificuldades:
1. Se Jeremias 25:1, 11 fossem seguidos exatamente "teria havido um perí-
odo de 70, não 49 anos; esses 70 anos sendo descritos como anos de serviço
ao rei de Babilónia". 1 4 1
2. Nenhuma ordem foi ciada em 605 a.C. para que Jerusalém fosse reconstru-
ída e restaurada como especifica Daniel 9:25.m
3. A primeira divisão de 49 anos leva o tempo de 605 a.C. até 556 a.C., mas
a ascensão de Ciro data de aproximadamente 559 a.C., o que significa que a pri-
meira divisão de tempo está outra vez inexata ou aproximada.
4. Não existe, em absoluto, qualquer justificativa exegética, cronológica ou
de outra ordem para se iniciar as 7 semanas e as 62 semanas na mesma data.141
K. Marti se opõe de forma correia afirmando que é uma "artimanha inteligente"
deixar as primeiras divisões (7+62) das três (7+62+1) acontecerem paralelamente
uma a outra e não de forma sequencial. Não há nada que apoie essa ideia. 144 W.
Baugartncr se une a outros ao afirmar que essa condensação dos 490 anos em 441
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

anos é "um ato de violência não justificado." 145 Deve-se admitir que a tentativa de
Behrmann para solucionar esse problema da interpretação crítico-histórica não é
convincente e pode ser rejeitada de forma justificável.
Outra importante sugestão para solucionar esse problema sério é a alegação
de que há uma grande discrepância de cômputo. J. A. Montgomery escreve: "po-
demos satisfazer essa objeção inferindo um erro de cálculo cronológico por parte
do escritor".146 B. Duhm sugere que "nesse caso o anjo Gabriel não se mostra
bem familiarizado com cronologia". 147 K. Marti, por sua vez, fala de "um erro da
parte do autor".148
N. W. Porteous é um pouco mais cauteloso: "é impossível afirmar se o autor
estava ciente ou não dessa discrepância".144 K. Koch observa que "ele deve ser
responsabilizado [o autor) por um grande erro de cálculo".150 Na análise final,
a avaliação de C. T. Francisco parece ir ao ponto, a saber, que os defensores da
interpretação crítico-histórica "preferem dizer que ele [o autor] está errado, a dizer
que o erro é deles."1'
A suposição de que "o que temos aqui é um número puramente esquemático"11
parece ter algum atrativo á primeira vista. Porém, é difícil aceitar que um número
exato tal como 434 anos (62 semanas) seja "esquemático".
A suposição mais defendida é que a memória histórica dos judeus na época em
28 que Daniel foi escrito (supostamente em 164 a.C.) era muito débil com respeito aos
fatos e períodos de tempo. E. Schúrer foi o primeiro a sugerir que datas de historia-
dores judeus, tais como Josefo e Demétrio, não são confiáveis em sua cronologia.
Sobre Demétrio (antes de 200 a.C.), por exemplo, diz-se ter superestimado o inter-
valo entre 722 a.C. e 222 a.C. em 73 anos; e Josefo também errou nas datas em
30-40 anos.1" A partir dessas observações, Schúrer concluiu que o autor de Daniel
seguiu a cronologia presente de sua época, de cerca de 164 a.C. Essa suposição tem
sido bastante aceita como a solução para essa discrepância de cálculo.1154
No entanto, G. Behrmann se opôs de forma justa ã suposta proposição de De-
métrio com base em que o texto de Clemente de Alexandria (Strom. I. xxi. 141) é
incerto.1" Portanto, não parece seguro criticar Demétrio. As discrepâncias cronoló-
gicas em Josefo são evidentes,156 mas ele viveu séculos depois do livro de Daniel.'"
Devc-sc notar que o livro de Daniel contém muita informação histórica exata
(embora pouco conhecida durante os últimos séculos pré-cristãos). Por exemplo, o
autor de Daniel está correto na sua descrição de Nabucodonosor como o construtor
de Babilónia (4:30 [4:27|).1SK Mesmo R. H. Pfeiffer foi compelido a admitir "talvez
jamais saberemos como o nosso autor tinha conhecimento de que a nova Babilónia
era criação de Nabucodonosor (4:30 [4:27|), como provaram as escavações".1W
O autor também estava correto ao escrever que Belsazar, mencionado apenas em
Daniel160 e registros cuneiformes, estava atuando como rei quando Ciro conquistou
a Babilónia em 539 a.C.161 Com base em novas evidências cuneiformes, o perturba-
70 SCMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFHUA

dor problema cronológico entre Daniel 1:1 e Jeremias 25:1, 46:2 pode ser solucío
nado sem nenhuma divergência.162 Esses exemplos indicam que o autor de Daniel
conhecia a história muito bem. A sugestão de Schúrer, feira mais de cem anos atrás,
não pode mais ser mantida em vista das novas evidências cuneiformes c de mais co-
nhecimento por parte da escola moderna dos eventos históricos de fontes antigas.
Por fim, devemos considerar brevemente a última divisão de uma semana de
7 anos. O fim dos 490 anos nesse esquema de interpretação é em 14 de dezembro
de 164, o dia da rededícacão do templo. Essa data também marca o final da "me-
tade da semana" ou três anos e meio, que começou em j u n h o de 167. Contudo,
0 período histórico da profanação do templo não durou três anos e meio, como
indica 9:26-27, mas apenas 3 anos.
A "abominação [sacrilégio! desoladora" foi erigida em 15 de kislev de 145 (l
Mac 1:54), e o primeiro sacrifício foi oferecido nela em 25 de kislev de 145 (l Mac
1 :59). Três anos depois, no mesmo dia em que o altar fc : profanado pela primeira
vez por sacrifício pagão, em 25 de kislev de 148, o templo foi rededicado (l Mac
4:52). Geralmente, as datas são transferidas de 25 de kislev de 145 para 14 de de-
zembro de 167 a.C. e de 25 de kislev de 145 a 14 de dezembro de 164 a.C.lbí
Há pouco tempo, as datas de 167 a.C. e 164 a.C. foram estudadas com mui-
ta seriedade e atenção por K. Rringmann. Com base em informações históricas
e cálculos matemáticos recentes, ele chega à conclusão de que a profanação do 29
templo ocorreu no ano de 168 a.C. e sua rededicação no ano de 165 a.C.1M Se
essa datação estiver correta, há desde a morte de Onias III (agora deve ser da-
tada em 170 a.C. como indicado acima), ou seja, de 170 a.C., à profanação do
templo em dezembro de 168 a.C., apenas dois anos; mas, com base em 9:26-27,
requer-se três anos e meio. Além disso, desde a morte de Onias III em 170 a.C.
à rededicação/reinauguração do templo em 165 a.C., há apenas cinco anos, em
vez dos 7 anos requeridos por 9:26-27.
Também existem na última divisão, ou seja, nos últimos 7 anos, discrepàncias
de cálculo insuperáveis para as quais não há nenhuma solução matemática possí-
vel em vista. A pesquisa cronológica moderna tem acrescentado problemas para a
interpretação crítíco-histórica dos elementos temporais em 9:24-27 com informa-
ção até então desconhecida.
Essas considerações indicam que, no momento, não há esquema cronológico
de interpretação crítico-histórica capaz de harmonizar 9:24-27 com a história real.
Os esquemas crítico-históricos contêm problemas tão sérios de cálculo em todas
as três subdivisões dos 490 anos (7+62+1), além de várias questões exegéticas, que
não se apresentam como posições confiáveis e recomendáveis, bem apoiadas pela
história e pela cronologia do Antigo Oriente Médio.
iNTtRPRKTAÇÒES DA CRONOLOGIA DAS SETfcNTA SKMANAS

INTERPRETAÇÃO MESSIÀNICOHISTÓRICA (HISTORICISTA)

A maioria dos comentaristas cristãos ao longo dos séculos, desde o início da era
cristã tem seguido a interpretação messiânico-histórica de Daniel 9:24-27.
Mesmo documentos pré-cristãos tais como a mais antiga tradução do AT, a
Septuaginta (LXX)165 e o Testamento dos Doze Patriarcas (c. 100 a.C.)t66 contém
interpretações messiânicas. M De fato, "as interpretações mais comuns [de 9:24-27]
de origem judaica até depois de 70 d.C. ... eram messiânicas".168
Atualmente, há evidências de que a comunidade do Qumran (essênios) tam-
bém interpretou a profecia das 70 semanas de forma messiânica. Essa interpreta-
ção foi formulada antes de 146 a.C., e sua "interpretação messiânica da profecia
é uma das primeiras interpretações registradas".169 O cálculo essênio esperava a
última das 70 semanas entre 10 a.C. e 2 d.C.170
Dentre os intérpretes cristãos antigos que buscavam cálculos de significado
messiânico com base em 9:24-27 estão Clemente de Alexandria (?-c. 215),l?l Tertu-
liano (c. 150-225),172 Hipólito de Roma (170?-235), I7Í Orígenes (c. 185-c. 254),17<
Eusébio {c. 265-c. 339),I7S Jerônimo ( c. 349-c. 419)176 e muitos outros, até o final
do século 19 e em nossa própria época.
,n A interpretação messiânica do capítulo 9 tem sido quase complemente obs-
curecida na escola crítico-histórica. Alguns defendem a interpretação messiânica,
mas a restringem ao versículo 24.l77 Por outro lado, ainda existem defensores reso-
lutos da interpretação messiânica até hoje entre eruditos católicos e protestantes
em ambos os lados do Atlântico.178
O ponto de partida para as "setenta semanas", de acordo com a interpretação
messiânico-histórica, é a "saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém" (v. 25). Isso ocorreu no sétimo ano de Artaxerxes I ÍEsdras 7:7-8), quando
ele emitiu seu primeiro "decreto" (v. 11-26). O sétimo ano de Artaxerxes é agora
estabelecido firmemente como 458/4^7 a.C., com o retorno de Estiras em 457, e
não em 458 a.C.179 Consequentemente, o primeiro ano de reinado de Artaxerxes
no cálculo judaico começou em 1° de tishri de 464 a.C.180
Com base no fundamento histórico para essa data (457 a.C.) como o início
das primeiras duas divisões do período das 70 semanas (7+62 semanas=483 anos),
a conclusão dos 483 anos é 27 d.C., o ano do batismo de Jesus.181 O batismo mar-
cou a inauguração do ministério público de Jesus como o Messias, o Ungido.
Há pelo menos duas fortes razões para a escolha do primeiro decreto de Ar-
taxerxes I em 457 a.C. (Esdras 7) como o ponto de partida para os 490 anos. A
primeira e principal razão é tanto exegética quanto histórica.
1. Daniel 9:25a identifica especificamente "a ordem" referente â restauração
e reconstrução da cidade de Jerusalém como o início do período das 70 semanas.
70 SHMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA

A "ordem" dificilmente é enrendida como um decreto de Deus.ls: Em vez disso,


parece se referir a uma ordem real de um rei, assim como foi emitido o "decreto
real" (daí, 2:13, 15)183 para matar os sábios.184
Esse decreto ou "ordem" tinha a ver com a restauração e reconstrução da cida-
de de Jerusalém. Portanto, não é possível indicar que se esteja falando do decreto
real de Ciro emitido no ano 538/537 a.C. (Esdras 1:1-4), que impelia os judeus
exilados a construírem a "casa de Deus", ou seja, o templo.11" Não há sequer uma
só palavra no decreto de Ciro para restaurar e reconstruir a cidade, como uma
cidade. O decreto real de Dario I (Esdras 6:1-12) confirmou o decreto de seu an-
tecessor e relatou mais uma vez a reconstrução do templo. Ele, da mesma forma,
não tinha nada a ver com a cidade, como uma cidade.
O terceiro "decreto" ou ordem é a dada por Artaxerxes I no seu "sétimo ano"
(Esdras 7:7-8),IH(1 isto é, 457 a.C. Essa ordem não pode referir-se à reconstrução do
templo, pois ele foi concluído e dedicado em março de 515 a.C. (Ed 6:13-18).1H7
Os eventos registrados na passagem de Esdras 4:7-23 nos falam de uma insatisfa-
ção por parte dos samaritanos devido ao fato de os judeus estarem "reedificando
aquela rebelde e malvada cidade e vão restaurando os seus muros e reparando os
seus fundamentos" (v. 12, cf. v. 13, 16, 21). Se esse relato é de uma época posterior
á ordem do sétimo ano de Artaxerxes l, a saber, um período de condições políticas
incertas para o monarca persa depois da revolta egípcia de 448,lflK então é possível
concluir com segurança que a ordem dada em 457 a.C. dizia respeito à restauração
e reconstrução de Jerusalém.
Deve-se notar que os "tempos angustiosos" (9:25) durante os quais Jerusalém
seria reconstruída novamente são refletidos claramente nos eventos registrados
em Esdras 4:7-23. Embora a verdadeira palavra de comando de Artaxerxes I em
457 a.C. não faça menção explicita de nenhuma ordem para reconstruir a cidade
de Jerusalém, até o momento é este o objetivo aparente conforme entendem os
judeus, para quem foi dada a ordem.
Treze anos depois da ordem de Artaxerxes I, ou seja, no vigésimo ano de seu rei-
nado (445/444 a.C.), Hanani conta a Neemiasque "os muros de Jerusalém estão der-
ribados, e as suas portas, queimadas" (Ne 1:3). Isso implica que a cidade tinha sido
reconstruída, algo que dificilmente poderia ter começado antes de 457 a.C., porque
os decretos de Ciro e de Dario diziam respeito somente à construção do templo.
O próprio Esdras confessa que Deus deu permissão por meio dos reis persas
"para levantar a casa do nosso Deus, para restaurar as suas ruínas e para que nos desse
um muro de segurança em Judá e em Jerusalém" (Ed 9:9). Fica evidente, a partir de
sua referência ao "decreto de Ciro, de Dario e de Artaxerxes, rei da Pérsia" (Ed 6:14),
que Esdras considerou o terceiro "decreto" como a culminação dos três.
Deve-se também notar que dos quatro decretos conhecidos, apenas dois são
decretos importantes. O decreto de Ciro é um decreto importante, enquanto o
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SKMANAS

de Dario simplesmente confirma o de Ciro.189 O outro decreto importante foi a


ordem do sétimo ano de Artaxerxes, enquanto o decreto de seu vigésimo ano é
nada mais que uma ampliação e renovação de seu primeiro decreto. "O decreto de
Ciro e Dario dizem respeito à construção do templo; os de Artaxerxes à condição
de Judá e Jerusalém."1*
2. A segunda razão para a escolha do primeiro "decreto" de Artaxerxes em 457
a.C. baseia-se no cálculo dos 490 anos. Apenas essa ordem se ajusta ao cômputo
dos 490 anos solares. O princípio de reconhecer o cumprimento da profecia tam-
bém foi levado em conta. Aqui deve-se relembrar que a necessidade de encontrar
um desfecho que se ajuste aos fatos históricos é compartilhada pela interpretação
messiânico-históriea e suas opositoras da mesma forma.
O final da primeira divisão de 7 anos é 408 a.C.191 Essa primeira divisão de 49
anos é designada à restauração e reconstrução de Jerusalém. Poucas informações
do período por volta de 400 a.C. excluem inevitavelmente qualquer tentativa de se
verificar a exatídão da data de 408 a.C. para a restauração da cidade de Jerusalém.
A segunda divisão das 62 semanas, 434 anos, completa o período até o surgi-
mento do Messias em 24 d.C.m A interpretação messiânico-históriea tradicional
segue a pontuação das versões LXX, Teodócio, Vulgata e Siríaca, a qual foi adotada
nas versões inglesas atuais (KJV, ASV, ERV [margem], MLB, JB, NASB). Isso signi-
32 fica que a frase é lida assim: "Até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e setenta e
duas semanas; as praças e as circunvalações se reedificarão." (9:25, NASB)
Há versões inglesas que seguem a pontuação do texto massorético (VER,
RSV, NEB) que tem uma athnach (o principal divisor disjuntivo dentro de um
versículo) após as palavras "sete semanas". Marcas de pontuação em manuscritos
hebraicos não adquiriram uso geral antes do surgimento de uma grande ativi-
dade massorética entre 600 d.C. e 930 d.C. Seu uso foi cristalizado na forma
presente apenas no século 9/10, enquanto continuou em pequenas questões de
acentuação no século 14.'^
Evidências atuais sugerem que acentos nas versões gregas são anteriores aos
dos manuscritos hebraicos dos m assoreias.194 Considerações contextuais também
têm sido citadas a favor da antiga pontuação.' 45 Além disso, a estrutura literária da
poesia de 9:25 sugere também que a pontuação mossorética está incorreta.m
Os textos do Qumran relacionados a 9:24-27 não apoiam a pontuação massoréti-
ca ou moderna. Todas as traduções antigas seguem uma pontuação não-massorética,
a saber, a Septuaginta e Teodócio, Símaco e Áquila além da Peshitta. Elas tratam as
7 e as 62 semanas como um período único ao final do qual o Messias viria.1''7
A pontuação não-messiânica da tradição mussorética parece refletir uma "rejei-
ção do papel messiânico de Jesus e a frustração das outras esperanças messiânicas
judaicas do primeiro e segundo séculos d.C."NH Portanto, ela reflete um preconcei-
to anticristão.199 Parece, com base na evidência citada, que a pontuação tradicional
70 SEMANAS, LEVtnm E A NATUREZA HA PROFECIA

nas versões antigas e refloridas em inglês nas KJV, ASV, MLB, JB, NASH, etc., deve
ser mantida com base na evidência histórica, contextuai, literária, e das versões
sem fazer injustiça ao texto e ao contexto hebraico.
A terceira divisão de uma semana, os últimos sete anos, começa em sucessão
cronológica às 69 semanas (483 anos) com o batismo e o começo do ministério
público de Jesus Cristo. "Na metade da semana" (9: 27)"°° (isto é, três anos e
meio depois, em 31 d.C.) o Messias traria fim ao sistema sacrificai por sua morte
na cruz.201 A última metade da semana chega ao fim com (l) a morte de Estevão
(At 7:60),202 (2) dispersão dos cristãos de Jerusalém (At 8:1), (3) o evangelho aos
gentios (At 8), e possivelmente (4) a conversão de Paulo.20' O seguinte diagrama
fornece um panorama da interpretação messiânico-histórica:

CÁLCULO MESSIÂNICOHISTÓRICO DAS SETENTA SEMANAS

457 a.C. 408 a.C.


31 j .C.

7 semanas 62 semanas 1 sei nana


49 anos 434 anos v s
1° Reconstrução
decreto de de Jerusalém Batismo Apedrejamento de Estevão
Artaxerxes de Jesus Dispersão dos cristãos
Evangelho aos gentios
Conversão de Paulo (?)

A correlação cronológica exata entre 9:24-27 e os eventos históricos indicam a


notável superioridade da interpretação messiânico-histórica sobre os outros esque-
mas. O único esquema que pode reivindicar correlação e harmonia perfeitas entre
a profecia e a história com relação a 9:24-27, ao ano e mesmo à metade do ano é o
que sincroniza os 490 anos de 457 a.C. ao término em 34 d.C.
Daniel 9:24-27 "é uma das mais notáveis profecias preditivas do AT."204 O
crítico K. Koch observa que "o cumprimento matemático singular e absoluta-
mente exato de uma predição messiânica do Antigo Testamento quanto à vida
de Cristo no Novo Testamento desempenhou em séculos anteriores um impor-
tante papel como prova para a veracidade das Escrituras Sagradas". As corre-
lações cronológicas recentes dão apoio adicional ao "cumprimento matemático
absolutamente exato" de 9:24-27.
INTERPRETAÇÕES LIA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

Essa precisa correlação cronológica inço m u m pode, de fato, ser uma im-
portante pedra de tropeço à aceitação da interpretação messiânico-histórica
pela mente racionalista moderna. 206 Também se afirmou com grande perspicá-
cia que a profecia das 70 semanas "com seus cumprimentos exatos torna-se um
dos argumentos convincentes para a autenticidade de Daniel." 307 O ponto de
vista messiânico-histórico de 9:24-27 reconhece essa passagem como genuina-
mente preditiva por natureza e messiânica no conteúdo, bem como histórica
em seu cumprimento.
A esta altura, faz-se apropriado discutir as principais objeçòes lançadas contra
a interpretação messiânico-histórica. H. Junker argumenta que o decreto indicado
pela "saída da ordem" (9:25) não poderia ser do sétimo ano de Artaxerxes (Esdras
7:7-8). Ele afirma que deve ser o decreto de Ciro, uma vez que deve se referir, com
base em 9:1-2, à reconstrução de Jerusalém. 20M
Junker está correto em insistir que o decreto deve estar relacionado à recons-
trução de Jerusalém. Entretanto, sua objeçâo não pode ser sustentada, pois o de-
creto de Ciro e o de Dario (Ed 1:1-4; 6:1-12) referem-se somente à construção do
templo e não à reconstrução da cidade como tal.
Novas evidências indicam que o primeiro decreto, ou edito, foi feito por Ciro
para a reconstrução do templo (2Cr 36:22-23; Ed 1:1-4; 6:3-5) no ano de 537 a.C.
(Ed 1:1). Nesse decreto, o rei ordena "edificar uma casa em Jerusalém de Judá"
(Ed 1:2), a saber, "a casa do senhor, Deus de Israel" (v. 3; cf. v. 4-5). Esse decreto se
referia ao retorno dos cativos e à reconstrução do templo, mas não a uma restau-
ração da cidade de Jerusalém. 209
O segundo decreto para a restauração do templo foi emitido por Dario (Ed
6:1-12) e tem a ver claramente com reedificar "esta Casa de Deus" (v. 8; cf. v. 12),
o templo em Jerusalém. Em resposta às questões descritas porTatenai, o rei Dario
realizou uma busca pelo edito emitido por Ciro. Com base no decreto de Ciro,
ele próprio emitiu outro em cerca de 519/518 a.C. para confirmá-lo (Ed 6:1-12).
Portanto, esse decreto é de confirmação e se limita à reconstrução do templo, não
se referindo ou implicando a reconstrução de Jerusalém.
A terceira ordem ou "decreto" (Ed 7:11, 13, 21):1° foi o que Artaxerxes emitiu
a Esdras no sétimo ano do rei (Ed 7:7), o ano 457 a.C. Afirmou-se que, "não há
nenhuma evidência sólida mostrando que em 457 a.C. houve um decreto real, ou
mesmo de Deus, ordenando a reconstrução de Jerusalém". :11
É inegável o fato de que houve um decreto real em 457 a.C. por Artaxerxes I
como Esdras 7:1-26 afirma. Há uma referência explícita ao comando de Artaxerxes
sob a designação de um "decreto" (Ed 7:11) 212 e por meio da frase em aramaico
"por mim se decreta"213 (sim r'em) em Esdras 7:13 que foi traduzida para o inglês
também como "emitir um decreto" (NAB, NASB). A evidência quanto a se esse
decreto incluiu a reconstrução de Jerusalém é circunstancial.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Indicou-se acima que Estiras 6:14 se refere ao "decreto de Ciro, Dario e Arta-
xerxcs da Pérsia". A inclusão de Artaxerxes é explicada por alguns como "um erro
editorial".'1'1 Mas a remoção de urn nome que não se ajusta a uma concepção não
faz a justiça aos textos do hebraico e da Sepruaginta, que incluem Artaxerxes.215
Além disso, o argumento de que toda a passagem de Esdras 6:14 "está falando
da conclusão do templo em março de 515 a.C., cinquenta anos antes de Arta-
xerxes assumir o trono",216 é totalmente incorreto. Esdras 6:14 não se refere ao
templo. Esse texto fala dos judeus construindo e terminando algo, sem identificar
o que envolvia essa atividade.
F. C. Fensham afirma que até Dario os decretos (de Ciro e de Dario) se refe-
rem à conclusão do templo, "mas com Artaxerxes predomina o outro padrão de
pensamento, ou seja, o processo divino em que os reis persas foram usados no
serviço de Deus (cf. também Is 45:l)."217 A vontade de Deus realizada pelo decreto
de Artaxerxes em 457 a.C. foi restaurar a autonomia nacional sob a Pérsia e ter
a cidade reconstruída. O templo já tinha sido concluído em março de 515 a.C.
O fato é que os inimigos dos judeus se queixaram a respeito da reconstrução da
cidade, a conclusão dos muros e a reparação dos fundamentos (Ed 4:12) antes de
Neemias ter recebido seu apoio em 444 a.C. (Ne 1-2). Esses opositores também
se referem aos "judeus que subiram de ti [Artaxerxes] (v. 12).
Quem eram esses judeus? "Está claro que eles devem ter vindo a Jerusalém 35
antes de Neemias - e o único grupo de que temos conhecimento é o conduzido
por Esdras no sétimo ano do reinado de Artaxerxes",21" em 457 a.C. R. M. Gurney
concluiu, independentemente de nosso estudo, que "parece então que a constru-
ção de Jerusalém foi iniciada por Esdras"219 no sétimo ano de Artaxerxes.
O quarto e último "decreto" é o de Artaxerxes l a Neemias em 444 a.C.,
vigésimo ano do rei (Ne 2:1). Embora esse "decreto" nunca tenha sido chamado
assim (veja Ne l -2), Artaxerxes enviou "cartas" (Ne 2:7, 9) para a passagem segura
de Neemias e aparentemente em apoio à reconsttução da cidade dos sepulcros de
seus pais (Ne 2:5). Quando Neemias chegou a Jerusalém, comtemplou "os muros
de Jerusalém que estavam assolados, cujas portas tinham sido consumidas pelo
fogo" (Ne 2:13) e se engajou no processo de reconstrução. Contudo, o maior vo-
lume de trabalho deve ter sido realizado já sob Esdras. A evidência é que Neemias
concluiu os muros e as portas em apenas 52 dias (Ne 6:15).
Nos tempos de Esdras, a reconstrução de Jerusalém começou (Ed 4:7-23)
sob circunstâncias difíceis sob o comando de Artaxerxes I em 457 a.C. (Ed 7:1-
26). Isso indica que o quarto e "último decreto" a Neemias por Artaxerxes I,
de 444 a.C., era simplesmente uma extensão de sua primeira iniciativa para a
reconstrução de Jerusalém.
E provável que o quarto "decreto", de 444 a.C., não seja o cumprimento da
"ordem para restaurar e para edificar Jerusalém" (9:25) por pelo menos duas rã-
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

zoes: (1) A reconstrução de Jerusalém já estava acontecendo na época de Esdras.


Isso é evidente em Esdras 9:9, bem como em Esdras 4:7-23. (2) O cálculo dos
490 anos com o início (termirws a quo) em 444 a.C. estende as 69 semanas (7 +
62) ou 483 anos ao ano de 39 d.C., após o qual o Messias deveria ser cortado.
Mas tal cálculo se estende muito além do ano em que Jesus morreu. O uso de um
ano "profético" ou suposto ano lunar de 360 dias (como proposto pelo esquema
dispensacionalista) tampouco resolve o problema computacional, como indicado
acima. Assim, o único período de tempo apropriado é o decreto de 457 a.C. A
abordagem messiânico-histórica supera todos os problemas de cálculo.
A tentativa de sugerir que a declaração de Esdras "para que nos desse um muro
de segurança em Judá e em Jerusalém" (Ed 9:9) deva ser considerada em um sentido
espiritual não é válida. O argumento de que "não havia nenhum muro cm torno da
Judeia e, portanto, o versículo não pode ser interpretado em sentido físico"220 não é
convincente. Antes de tudo, Esdras 9:9 não declara que havia um muro "em torno"
da Judeia. Fala somente de um muro "em Judá e em Jerusalém."
Se há um muro associado a Jerusalém (cf. Esdras 4:12), então haveria um
muro "em Judá" onde está Jerusalém. Em segundo lugar, o "muro em Judá e Jeru-
salém" é tão físico e real quanto "a casa de nosso Deus", o templo, que é também
mencionado no mesmo versículo. Ambos tinham sido reconstruídos de acordo
36 com Esdras. A tentativa de atribuir uma interpretação espiritual a esse texto é con-
textuai e linguisticamente infundada. A palavra hebraica traduzida por "muro"
em Esdras 9:9 é gãdèr. O termo pode denotar um muro protetor construído de
pedras do campo (Nm 22:24), uma muralha do templo (Ez 42:7,10), ou pode se
referir a um "muro da cidade" (Mq 7:11).221
"M. J. Gruenthaner faz uma séria objeção quanto a considerar o ano de 458
[4571 como o começo (termimts a quo) das sessenta e nove semanas" 222 e à teoria
anteriormente discutida em detalhes por A. van Hoonacker225, e agora ampla-
mente aceita.224 Ele afirma que Esdras veio a Jerusalém depois de Neemias e sob
Artaxerxes II (404-358 a.C.). Gruenthaner escreve: "se isso for verdade, então a
interpretação messiânica dos v. 25-27 torna-se totalmente impossível."2'
Esta é certamente "uma séria objeção" se a teoria de van Hoonacker puder ser sus-
tentada. Este não é o momento para avaliar os pontos fortes e fracos da teoria desse pes-
quisador. Há, entretanto, sérias objecões à teoria de van Hoonaeker sobre a chegada de
Esdras após Neemias. Essas objecões (para as quais chamamos a atenção do leitor) pare-
cem reprovar de forma conclusiva seus argumentos e tonar sua posição insustentável.226
J. A. Montgomery sugere que a interpretação messiânícao-historica "foi indu-
zida ao erro pelo equívoco original de... [Teodócio] em interpretar as "7 semanas"
com as seguintes "62 semanas", como se as 69 semanas fossem o primeiro número
pretendido.227 A questão da pontuação no texto massorético de 9:25a é também
uma "importante objeção" na discussão de C. T. Francisco. 22
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Em vista de a pontuação fornecida no TM (texto massorético hebraico) ser


de origem mais recente do que a de Teodócio, da LXX, da Vulgata e da Siríaca,
não faz sentido falar do "erro original" de Teodócio. Como indicado acima, a
pontuação das versões gregas é mais antiga do que a do TM. Parece possível falar
de um "erro original" somente no caso de se concluir, em uma base a priori, que
uma interpretação particular desse texto é superior.
Uma exegese profunda prossegue com um estudo meticuloso do texto sem re-
correr a afirmações dogmáticas com respeito a o que é um suposto "erro original".225
Permanece o fato de que toda a pontuação é secundária e não original. A tradição
dos massoretas e seu preconceito são refletidos em sua pontuação.210 Isso indica
que nenhum argumento importante pode ser construído com base na pontuação
massorética. As evidências internas e externas contra a pontuação massorética
foram discutidas anteriormente neste capítulo.
Uma objeção mais substancial diz respeito à interpretação de que a destruição de
Jerusalém ocorreu em 70 d.C, e o "príncipe" de 9:26 que há de vir é Tito. Argumen-
ta-se que esses dados não podem se harmonizar cronologicamente com as "setenta
semanas" se terminarem em 34 d.C.2'1 Essa dificuldade levou E. J. Young a sugerir
que a destruição de Jerusalém c do templo "é um detalhe de informação adicionado,
indicando que os judeus podem saber o que acontecerá á sua cidade como consequ-
ência da morte do Messias. Portanto, dois eventos são mencionados no v. 26. Um 37
destes, como o v. 27 mostra, pertence ao setuagésimo sete, o outro não."232
A primeira parte do argumento de Young pode ser considerada como es-
tando em harmonia com a sugestão de que o efeito da morte de Cristo foi sim-
bolizado no momento de sua morte ao rasgar-se do véu no templo (Mt 27:51;
Mc 15:38).2Í1 A destruição de Jerusalém e do templo é a confirmação de que os
sacrifícios exteriores já não fazem sentido após a morte de Cristo, a manifesta-
ção externa decorrente do estado de coisas como já existiam. 234
Embora os sacrifícios judaicos não terminassem com a morte de Jesus Cristo,
os sacrifícios oferecidos após sua morte não poderiam mais ser considerados como
legítimos e válidos à vista de Deus (Hb 7:11-12; 8:13; 9:25-26; 10:8-9). Em suma,
a destruição de Jerusalém e do templo em 70 d.C. não necessita ser considerada
como o ponto final das "setenta semanas".234 Em vez disso, deve ser considerada
como uma manifestação externa dependente e subsequente à realização do Mes-
sias em fazer com que o sacrifício e a oblação cessassem.
Sugeriu-se que o "príncipe" de 9:26 não é Tito, mas é bastante parecido com
o "príncipe" anterior. Em ambos os exemplos, o termo hebraico nãgid é emprega-
do.236 Esse ponto de vista tem antecedentes entre pais de igreja como Tertuliano,237
Isidoro218 e Basílio219. Se essa aplicação estiver correta, nenhuma ação principal
em 9:24-27 está fota dos 490 anos que começam em 457 a.C. e terminam em 34
d.C., exceto determinadas consequências que resultam dessas ações.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

É evidente que cada uma das quatro principais escolas de interpretação de 9:24-
27 atuais tem determinadas fraquezas. Porém, deve-se admitir que uma comparação
dos pontos exegéticos, históricos e cronológicos fortes e fracos de cada uma indica
que a interpretação messiânico-histórica é mais segura. Não parece estar sujeita às
dificuldades cronológicas, computacionais, exegéticas e históricas encontradas nas
outras interpretações.240 Portanto, a interpretação messiânico-histórica é recomen-
dada como a mais adequada de todas as principais interpretações atualmente.
Nesse caso, Daniel 9:24-27 é uma profecia messiânica mais profunda. Com
um cumprimento matemático ahsolutamente exato, ligando a predição do An-
tigo Testamento com o cumprimento do Novo Testamento, fornece uma prova
singular de que Jesus de Nazaré era e é o Messias predito. Ela confere veracidade e
confiabilidade à Bíblia em seus elementos preditivos.
CAPÍTULO 2

DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS


Arthur J. Ferch

S inopse editorial. A profecia messiânica das 70 semanas, que também cons-


titui a primeira parte do período de tempo mais longo de 2.300 dias, en-
contra significado genuíno somente se uma data correta para seu início puder
ser estabelecida.
O anjo intérprete explicou claramente que o sinal para seu início seria "a saída
da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém" (Dn 9:25).
Quatro "decretos" emitidos por três monarcas persas são possíveis candidatos
para essa "ordem". Esses decretos são revistos neste capitulo:

1. Ciro, 538/537 a.C. Permitiu o retorno dos judeus e a reconstrução do


templo.
2. Dario I, cerca de 520 a.C. Reafirmou e expediu a ordem de Ciro para a
reconstrução do templo.
3. Artaxerxes I, 457 a.C. para Esdras. Restabeleceu a autonomia de Judá.
4- Artaxerxes I, 44V444 a.C. para Neemias. Deu permissão para reedificar
Jerusalém.

À luz da evidência de Esdras 4:7-2.3, o autor argumenta a favor do decreto de


Artaxerxes I em 457 a.C. como a data do início das 70 semanas. Essa passagem
fornece o único comentário direto presente nas Escrituras sobre a real reconstru-
ção de Jerusalém - seus muros c fundamentos - pelos judeus exilados que haviam
retornado. Ele observa que essa atividade de construção ocorreu no reinado de
Artaxerxes, muito provavelmente sob a supervisão de Esdras.
A atividade de Neemias foi somente um reparo dos danos feitos pelos sama-
ritanos à cidade sobre a qual Esdras e seus companheiros judeus tinham estado
trabalhando. Visto que Neemias levou somente 52 dias para realizar os reparos
necessários, a permissão de Artaxerxes a esse patriota (dada no vigésimo ano do
rei) dificilmente se qualifica para o cumprimento da predição de Daniel 9:25.
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS

ESBOÇO DO CAPÍTULO

1. Introdução
2. Profecias de Isaías
3. Edito de Ciro
4. Edito de Oario l
5. Edito de Artaxerxes I
6. Reconstruindo Jerusalém - Esdras 4
7. Permissão de Artaxerxes para reconstruir Jerusalém
8. Conclusão

INTRODUÇÃO
Determinar u data de início para a profecia das 70 semanas de Daniel (Dn
9:24-27) tem sido um dos desafios aos estudantes da profecia. De acordo com o
versículo 25a, o evento que marcou seu início foi a "a saída da ordem para restau-
rar e para edificar Jerusalém..."1
Infelizmente, não se tem conhecimento de nenhuma proclamação explicita. A
40 pesquisa apresenta ainda mais dificuldade pela escassez de informação disponível
para esse segmento da história. 2 Consequentemente, os intérpretes têm sido obri-
gados a deduzir a partir da evidência bíblica e histórica qual "ordem", isto é, qual
dentre os vários decretos deve ser considerado apropriado.
A pergunta é significativa. Cristãos evangélicos conservadores ao longo dos
séculos têm interpretado a "saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém" como o primeiro de uma corrente de eventos que culminaria na vinda do
Messias (o Ungido), ou seja, Jesus. Mas a maioria dos eruditos crítico-históricos
modernos supõe que a profecia dos 490 anos terminou com os ultrajes dos sírios
contra os judeus, em 164 a.C. Além disso, dada a ligação interpretativa entre as
profecias de Daniel 8 e 9, os adventistas de sétimo dia têm sugerido que o começo
dessa profecia de 490 anos é de interesse mais que periférico por calcular o ponto
de conclusão das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8: H.3
Na época em que os eventos registrados em Daniel 9 ocorreram, os 70 anos
de dominação de Judá por Babilónia, preditos por Jeremias (Jr 25:8-14; 29:10-14),
tinham praticamente terminado. Daniel não teve dúvida quanto ao significado do
oráculo de Jeremias (9:2), e orou para que Deus atentasse para o santuário assola-
do e para a cidade de Jerusalém (9:17-18).
Em resposta à oração do profeta, Gabriel, o anjo mensageiro que ele havia
encontrado na visão anterior (8:16), retornou e lhe deu a profecia das 70 semanas.
Nesse período de tempo, de acordo com Gabriel, começaria "a saída da ordem
70 SEMANAS, Levínco E A NATUREZA DA PROFECIA

para restaurar e para edificar Jerusalém" e abrangeria a chegada do "Messias, um


Príncipe" (v. 25, tradução minha).
Qual é, nesse caso, o ponto de partida para essa profecia (o terminus a quo)1.
Quando foi dada a ordem para "restaurar e para edificar Jerusalém"? Os intérpre-
tes têm sugerido vários eventos como cumprimentos dessa sentença.

PROFECIAS DE ISAÍAS

Em primeiro lugar, certas profecias de Isaías devem ser observadas. Eruditos


conservadores datam essas profecias do fim do oitavo e começo do sétimo século
a.C. Nesses oráculos, Isaías predisse (mais de um século antes do nascimento do
monarca persa) que Ciro diria de Jerusalém: "será edificada", e do templo: "será
fundado" (Is 44:28; cf. também 45:13).

EDITO DE CIRO
Entretanto, quando partimos da predição em dircção aos registros disponíveis
41
e diretos que descrevem as relações entre Ciro e os judeus (esses registros estão limi-
tados principalmente aos documentos bíblicos), encontramos somente um decreto
que permite aos judeus retornarem e reconstruírem o templo (Ed 1:2-4; cf. 2Cr
36:22-23). Nesse decreto, omitido ao redor de 538/537 a.C., não está registrada
nenhuma ordem que autorize reconstruir a cidade de Jerusalém. Uma vez que a re-
construção da cidade de Jerusalém está especificada em Daniel 9:25, o decreto de
Ciro não se qualifica como o ponto inicial para a profecia das 70 semanas.
Em resposta ao edito de Ciro, os judeus começaram lentamente a retornar a
seu lar na Palestina (Ed 3). Mais de uma década e meia depois, Age u e Zacarias
(seu ministério começou por volta de 520 a.C.) nos contam que em vez de fazer da
reconstrução do templo a sua prioridade, os que retornaram estavam atrás de seus
próprios interesses. Enquanto os ricos construíam casas luxuosas, a maioria dos
exilados que retornaram viviam dentro e ao redor da cidade arruinada sofrendo
com colheitas ruins e secas (Ag 1:1-11).

EDITO DE DARIO I

Assim, 17 anos após o decreto de Ciro, o templo ainda está em ruínas. A cons-
trução do templo de forma decisiva só começou finalmente com determinação por
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SKTENTA SEMANAS

meio do incentivo, repreensão e cooperação ativa dos profetas Ageu e Zacarias.


Uma inspecão pessoal pelo governador local em resposta às queixas feitas pelos
inimigos dos judeus, requereu uma confirmação do decreto de Ciro por meio de
um edito adicional de Dario I (520 a.C. aproximadamente).
Embora fossem generosas as provisões do primeiro decreto emitido por Ciro,
o segundo menciona, do mesmo modo, somente a restauração do templo. Não faz
nenhuma referência à cidade devastada ou a planos para sua restauração. Uma
vez que a reconstrução de Jerusalém não é mencionada nesse decreto, o edito de
Dario I- como um cumprimento da "saída da ordem para restaurar e para edificar
Jerusalém" - é também desconsiderado.
De fato, na visão que Zacarias recebeu provavelmente em algum momento du-
rante os 12 meses seguintes, está indicado que as cidades de Judá e de Jerusalém
necessitaram ainda ser reconstruídas (Zc 1:7-17). Em resposta a um clamor que
relembra uma oração similar feita por Daniel (veja o cap. 9), o Senhor assegurou
a Zacarias que "com grande empenho estou zelando por Jerusalém e por Sião...
Voltei-me para Jerusalém com misericórdia; a minha casa nela será edificada,... e o
cordel será estendido sobre Jerusalém... As minhas cidades ainda transbordarão de
bens; o Senhor ainda consolará a Sião e ainda escolherá a Jerusalém" (Zc 1:14-17).
Embora Jerusalém ainda permanecesse desolada, Deus assegurou ao profeta que "o
42 cordel" iria mais uma vez esboçar o projeto para a reconstrução da cidade.
A estrutura do templo toi finalmente concluída em 515 a.C. "no sexto ano do reina-
do do rei Dario" (Ed 6:15). Contudo, a informação dada no versículo 15 parece se opor
à dada no versículo precedente. De acordo com o versículo 14, o edifício do templo foi
construído segundo o decreto de "Ciro, de Dario e de Artaxerxes". Porém, Artaxerxes
Inão assumiu o trono antes de meio século após a data proposta em Esdras 6:15.
Possivelmente, a melhor maneira de harmonizar esses dois versículos é re-
conhecer que embora o templo fosse concluído em 515 a.C., os presentes que
Artaxerxes conferiu ao templo em 457 a.C. foram considerados importantes o
suficiente para incluir esse rei persa posterior como um benfeitor na lista com
seus predecessores (cf. Ed 7:11-27). Parece aqui (como em outra parte no livro de
Esdras), que o escritor resumiu os acontecimentos por temáticas e, consequente-
mente, não os relatou sempre na ordem cronológica.
Uma característica de estilo similar do livro cie Esdras deve ser observada na
relação entre os capítulos 7 e 4. Primeiramente, faremos uma breve pesquisa em
Esdras 7, e então observaremos sua relação com o registro do capítulo 4-

EDITO DE ARTAXERXES I
Esdras 7 menciona um terceiro decreto, dessa vez emitido pelo rei persa, Ar-
taxerxes I. De acordo com o relato, Esdras e um grupo de judeus, em resposta às
70 Sl:MANAS, LKVlTICO E A NATUREZA DA PlíOPKCIA

ordens desse governante, foram de Babilónia a Jerusalém no sétimo ano de seu


reinado (Ed 7:6-7, 11-17). Supondo que esse rei seja Artaxerxes I, notamos que
Esdras e um considerável número de pessoas - sacerdotes, levitas, cantores, guar-
diões, e servos do templo - deixaram a Mesopotâmia em 457 a.C. e, após uma
viagem que durou vários meses, chegaram a Jerusalém.
Visto que o templo tinha sido concluído mais de meio século antes, é compreen-
sível por que o decreto de Artaxerxes não diz nada sobre a construção do templo. Em
vez disso, o edito especifica que: (1) Os judeus que querem retornar a Judá podem
fazê-lo; (2) Esdras deve investigar a condição espiritual do povo em Judá e transportar
determinados tesouros do templo para os oficiais de lá; (3) Esses presentes, junto com
quantidades de prata e de ouro que podem ser dadas a ele em Babilónia, devem ser
usados para comprar ofertas para os sacrifícios e cuidar de outras necessidades relati-
vas à adoração do templo; (4) Os servos do templo devem ser isentados de impostos;
(5) Esdras foi autorizado a reorganizar o sistema judicial e civil de Judá que deveria
gozar autonomia significativa sob o domínio maior da Pérsia (v. 12-26).
Em atitude de gratidão, Esdras adiciona ao relato seu louvot ao Senhor por
motivar Artaxerxes a ajudar a pequena comunidade de judeus e por "ornar a casa
do Senhor, a qual está em Jerusalém" (v. 27).
O decreto (que pode ser datado com exatidão de 457 a.C.) não menciona nada
sobre reconstruir Jerusalém. Entretanto, fornece uma medida de autonomia civil dês- 43
conhecida desde a desolação de Jerusalém e Judá causada por Babilónia (v. 25-26).
Isso em si sugeriria que as condições na Judeia tinham mudado notavelmente e que a
autonomia era mais uma vez não só possível, mas estava agora sendo concedida.

RECONSTRUINDO JERUSALÉM - ESDRAS 4

O retorno de Esdras e seu grupo de companheiros judeus descrito cm Esdras


7 parece estar relacionado aos eventos registrados em Esdras 4:7-23. Os versículos
7 e 11-12 fornecem essa ligação: "E nos dias de Artaxerxes, rei da Pérsia, Bislão,
Mitredate e Tabeel e os outros seus companheiros lhe escreveram; a carta estava
escrita em caracteres aramaicos e língua siríaca. Eis o teor da carta endereçada ao
rei Artaxerxes: Teus servos, os homens daquém do Eufrates e em tal tempo. Seja
do conhecimento do rei que os judeus que subiram de ti vieram a nós a Jerusalém.
Eles estão reedificando aquela rebelde e malvada cidade e vão resrautando seus
muros e reparando os seus fundamentos."
Essa passagem (v. 7-2.3) faz patte de uma narrativa maior que revela o tema
da perseguição e frusttacão que os judeus encontraram na restauração do templo
e da cidade desde a época de Ciro (cerca de 537/536-530 a.C.) até o reinado de
Artaxerxes I (465-423 a.C.).
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS

Os incidentes registrados em Esdras 4 geralmente não estão todos na ordem cro-


nológica. Isso não significa problema algum quando nos lembramos de que Esdras
escreveu cerca de 100 anos após o retorno ter sido permitido por Ciro. Ele, nesse caso,
estava numa posição de avaliar os acontecimentos desde uma perspectiva posterior.
Após descrever os primeiros eventos do período pós-exílío, Esdras parte das
perturbações causadas principalmente pelos samaritanos na época de Ciro e Da-
rio (v. 1-5) para as frustrações geradas durante os dias de Assuero, supostamente
Xerxes I, que governou entre 486-465 a.C. (v. 7-23), e nos dias de Artaxerxes,
supostamente Artaxerxes I, 465-423 a.C. (v. 7-23). Do versículo 6 em diante, Es-
dras desconsidera o desenvolvimento cronológico do livro a fim de revelar o fato
de que as perturbações continuariam por mais meio século. Com o versículo 24,
Esdras cbama a atenção de seus leitores ao ponto em que ele interrompeu a ordem
cronológica, a saber, acontecimentos da época de Dario l (cf. Ed 3; 4:1-4, 24;5).
De acordo com Esdras 4:7-23 vários oficiais na província da Pérsia, conhecida
como "daquém do Eufrates", da qual Judá fazia parte, escreveu uma carta contra os
judeus a Artaxerxes. Nessa carta, esses oficiais reclamaram que "os judeus que subi-
ram de ti vieram a nós a Jerusalém. Eles estão reedificando aquela rebelde e malvada
cidade c vão restaurando seus muros e reparando os seus fundamentos" (v. 12).
Essa comunicação parece implicar (1) uma migração de judeus da Babilónia
44 a Jerusalém, e (2) um consentimento real para reconstruir os fundamentos, a
cidade e os muros de Jerusalém. A frase "que subiram de ti vieram a nós" suge-
re uma migração de judeus autorizada pelo próprio Artaxerxes. Esse contexto
escrito encontra seu melhor correspondente histórico na migração de Esdras e
seus companheiros judeus conforme registrado em Esdras 7 no ano de 457 a.C.
A jornada de Neemias a Jerusalém 13 anos depois era uma viagem solitária e de
forma nenhuma se compara às migrações de judeus sob Zorobabel e Esdras.
Esdras 4:12 é a primeira clara referência à real reconstrução de Jerusalém desde
sua destruição em 586 a.C. Segundo as reclamações dos samaritanos, os judeus es-
tavam reconstruindo os fundamentos, muros, cidade de Jerusalém. E possível que
todas essas atividades tenham sido resultado de uma iniciativa própria dos judeus.
Se esse fosse o caso, Esdras 4:21 significaria que nenhuma permissão real tinha sido
dada pelo rei até então. Porém, várias considerações questionam essa interpretação.
"Primeiramente, é improvável que uma atividade de construção de grande porte ocor-
resse sem autorização. Artaxerxes já havia concedido aos judeus autonomia civil e judicial
sob o domínio persa. Portanto, seria natural que os judeus prosseguissem com a constru-
ção em Jerusalém, o centro administrativo nacional {cf. Ed 7:25-26). Em segundo lugar,
não há nenhum sinal - tanto na acusação como na resposta real - de que a cidade e seus
muros estivessem sendo reedificados de forma ilegal ou sem consentimento real.
Caso parecesse que a reconstrução estava desautorizada ou houvesse um sinal
de rebelião, a comunicação dos samaritanos ou a carta de Artaxerxes teria men-
70 SHMANAS, LKVÍTICO i; A NATUREZA HA PROFECIA

cionado, senão enfatizado, a ilegitimidade do projeto e a deslealdade dos cons-


trutores daquelas ferras. Entretanto, o tema da queixa não é a reconstrução de
Jerusalém e de seus muros como sendo contrária ã lei, mas o suposto dano que
seria causado ao imperador e ao império se a cidade e seus muros fossem restau-
rados completamente. A comunidade de judeus é descrita como potencialmente
rebelde. O rei é advertido de que uma cidade reconstruída se rebelaria e reteria
tributos, taxas e impostos.
A consequência da carta dos samaritanos a Artaxerxes é confusa. Por que deve-
ria o monarca, que tinha favorecido tão grandemente os judeus concedendo-lhes
consideráveis privilégios religiosos e civis (sob o comando de Esdras), de repente
inverter sua decisão? E por que deveria mudar de ideia outra vez anos mais tarde e
abençoar a viagem de Neemias a Jerusalém para reedificar a cidade?
Diversos pontos merecem consideração. Artaxerxes I, como seu pai Xerxes,
era uma pessoa instável e temperamental que poderia mudar de ideia a qualquer
momento. Fontes históricas indicam que uma rebelião tinha ocorrido no Egito
(cerca de 462-454 a.C.). Essa revolta egípcia pode ter fornecido a motivação políti-
ca para o rei dar a Esdras diversas concessões importantes a fim de assegurar a boa
vontade dos judeus que viviam tão próximo ao Egito.
E possível que mais tarde, quando o governador e o território ao qual a Judeia
pertencia se rebelou, Artaxerxes tenha favorecido os samaritanos que fingiam inte- 45
resse no bem-estar da coroa. Essa sugestão esclareceria os procedimentos políticos
incomuns refletidos em Esdras 4:17. De acordo com o relato, parece que o imperador
negligenciou o protocolo normal ao ignorar o governador (o cabeça da província) e
tratar diretamente com os sub-oficiais de Sumaria. Tais circunstâncias também expli-
caram a ordem direta de Artaxerxes aos samaritanos para fazerem com que as ativida-
des de construção cessassem em Jerusalém até que ele as autorizasse (v. 21).
Os samaritanos estavam felizes em obedecer. "...Foram eles apressadamente a
Jerusalém, aos judeus, e, de mão armada, os forcaram a parar com a obra" (v. 23).
Embora nenhuma ordem explícita fosse dada para destruir o que já havia sido
construído, eles aparentemente puseram abaixo alguns dos muros recentemente
erigidos e destruíram as portas da cidade. Essas hostilidades são mencionadas pro-
vavelmente num relato que Neemias recebeu pouco depois em Susã (Ne 1:3).

PERMISSÃO DE ARTAXERXES PARA RECONSTRUIR JERUSALÉM

No ano de 445/444 a.C. Neemias, copeiro de Artaxerxes I, recebeu um rela-


tório de um grupo de judeus que tinham chegado de Jerusalém à capital persa.
Neemias perguntou sobre Jerusalém e foi informado por seu parente Hanani: "Os
restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS

cm grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas


portas, queimadas" (Ne 1:3; cf. 2:3).
Nccmias relata seu choque profundo com as notícias de seus irmãos (1:4-11).
O choque que Neemias recebeu e o curto período gasto para reparar os danos
- 52 dias (Ne 6:15) - elimina a sugestão de que a destruição relatada a ele refere-
se à devastação da cidade por Nabucodonosor mais de um século e meio antes.
Obviamente, a destruição a qual se refere Hanani foi somente parcial. Além disso,
a devastação de 586 a.C. dificilmente seria uma notícia chocante para Neemias.
O relatório que afligiu o judeu patriota refere-se muito provavelmente à violência
dos samaritanos relatada em Esdras 4:23.
Após ouvir o relato, Neemias faz uma oração que relembra a petição de Daniel
(9:3-19) e pede permissão a Artaxerxes para retornar a Jerusalém e reconstruir a
cidade e especialmente seus muros (Ne 2:5). Neemias reconheceu, como Esdras
alguns anos antes, que foi a providência divina que moveu o coração do instável
rei para conceder seu pedido, a proteção especial e cartas reais de autoridade. A
viagem de Neemias não era parte de uma migração como a de Esdras. Tampouco
era parte de um decreto a permissão para ir a Jerusalém, concedida por Artaxerxes
no vigésimo ano de seu reinado.
De fato, a finalidade da viagem de Neemias foi secreta no início. Apenas aos
45 poucos foram tornados públicos seus planos de reconstruir a cidade (Ne 2:11-
18). É importante o fato de as memórias de Neemias enfatizarem que o trabalho
se concentrou primeiramente nos muros e nas portas de Jerusalém, em vez de
na cidade propriamente dita (Ne 2:17; 3:1-4, 20; 6:1-15). Embora lutando cons-
tantemente com oposição, um determinado grupo de judeus e seu governador,
Neemias, terminaram os reparos dos muros e das portas em somente 52 dias, um
período menor que dois meses.
Em comparação com a migração dos judeus após os decretos de Ciro (538/537
de a.C.) e de Artaxerxes (457 a.C.) a viagem de Neemias foi completamente dife-
rente. Não era uma migração. A decisão do rei não foi uma proclamação pública.
A finalidade da visita de Neemias foi mantida em segredo, e seu trabalho consistiu
primeiramente em reparar os muros e as portas danificadas havia apenas alguns
anos. Dados esses fatos, é evidente que a viagem de Neemias em 445/444 a.C. não
está em harmonia com as especificações de Daniel 9:25.

CONCLUSÃO
Nosso estudo dos dados históricos disponíveis indica que nem o decreto de
Ciro (538/537 de a.C.) nem o de Dario (cerca de 520 a.C.) menciona a reconstru-
ção de Jerusalém. Enquanto moradias individuais foram erigidas aqui e ali dentro
e ao redor da capital arruinada, não existe nenhuma evidência de que a cidade em
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

si tivesse sido reconstruída como resultado desses decretos. A evidência é de que


em 519 a.C. Deus ainda prometeu a Zacarias em visão que planos seriam feitos
para a reconstrução da cidade. O trabalho de Neemias em 445/444 a.C. foi limi-
tado primeiramente a reparar os muros e as portas danificadas pelos ultrajes dos
samaritanos. Sua tarefa foi cumprida em 52 dias.
Portanto, parece que embora nenhuma proclamação explicita detalhando a
restauração e reconstrução de Jerusalém estivesse disponível, a situação descrita
em Esdras 4 - complementada pelos eventos registrados em Estiras 7 - se ajusta
melhor ao contexto histórico visualizado em Daniel 9:25.
Assim, em 457 a.C. Artaxerxes I concedeu aos judeus, por meio de um decre-
to, privilégios espirituais, civis e judiciais, redundando em autonomia sob o domí-
nio maior do império persa. Tais privilégios eram desconhecidos aos judeus desde
sua subserviência ao império neobabilônico. Parece, portanto, que a reconstrução
da cidade de Jerusalém (Ecl 4:12), que ocorreu em consequência desses favores,
sugere que estava implicado nesse decreto o consentimento real para permitir a
Judá ter um centro visível a partir do qual os novos privilégios civis e judiciais do
estado recentemente concedidos pudessem ser administrados. Con seque n te m en-
te, a "ordem" ou o decreto de Artaxerxcs de 457 a.C. fornece a melhor data para
o início da profecia das 70 semanas de Daniel e do período de tempo mais longo
de 2.300 dias-anos (Dn 8-9). 47
CAPÍTULOS

A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27


William H. Shea

S inopse editorial. Quatro explicações modernas desta importante profecia sào


consideradas no pensamento religioso atualmente. Refletem as "principais
escolas" de interpretação profética. O leitor é direcionado ao capítulo l deste
volume para uma revisão dessas posturas. Neste capítulo, o autor considera a abor-
dagem historicista numa exegese cuidadosa vcrsículo-por-versiculo da passagem.
O versículo 24 com sua declaração introdutória ("70 semanas estão determi-
nadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade") e seus seis verbos no infinitivo
("cessar"; "dar fim"; "expiar"; "trazer"; "selar", "ungir") constituem um resumo do
que ocorreria durante esse período de tempo.
Assume-se a posição de que os primeiros dois verbos descrevem as exigências para
o Israel pós-exílio de desenvolver uma sociedade justa em preparação para o advento
do Messias. Os dois seguintes descrevem o que Deus faria por meio do Messias: ex-
piação pelo pecado e trazer a justiça eterna. Os últimos mostram alguns resultados
ou consequências. O fracasso de Israel marcaria o fim do período e silenciaria para
sempre a voz profética que de tempos em tempos rinha advertido o povo ao arre-
pendimento. Do lado positivo, entretanto, a morte expiatória do Messias abriria o
caminho para a unção do santuário celestial e de seu ministério sacerdotal.
Os versículos 25-2? ampliam a declaração introdutória (v. 24) com detalhes que
focalizam o momento em que surgiria o Messms, sua confirmação e fortalecimento
da aliança e, principalmente, sua morte expiatória. Esta última trouxe um fim ao ri-
tual sacrificai, mas trouxe justiça eterna, tornando possível a mediação sacerdotal do
Messias por seus méritos a favor dos pecadores penitentes no santuário celestial.
O autor examina a informação cronológica disponível com respeito aos cinco
eventos preditos na passagem. Duas dessas datas, 457 a.C-, o sétimo ano de Arta-
xerxes I (o ponto inicial da profecia) e 27 d.C., o décimo quinto ano de Tibério
César (o batismo de Jesus e início de seu ministério) podem ser consideradas
como totalmente estabelecidas. O ano de 34 d.C. (o final do período) representa
a data mais razoável para o apedrejamento de Estevão. O ano de 30 d.C. ou 31
d.C. (ano da morte do Messias) representa uma precisão de mais ou menos um
ano. Não há fonte disponível para avaliar o ano de 408 a.C. (o fim dos primeiros
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

49 anos da profecia). Os quatro períodos de tempo preditos na profecia que po-


dem ser avaliados dão seu testemunho da presciência de Deus na medida em que
Ele vê por bem revelar Sua vontade por meio de profecias.
Uma posição importante na interpretação historicista advenrista é que essa
passagem (v. 24-27) é uma explicação mais detalhada da profecia dos 2.300 dias-
anos da visão anterior pelo anjo Gabriel (8:14, 26). Em apoio a essa posição, o
autor expõe quatro relações de tempo entre as duas visões que indicam de forma
clara que as 70 semanas e os 2.300 dias deveriam ser entendidos como interliga-
dos. É essa associação que dá aos 2.300 dias um ponto inicial e uma confirmação
de sua data final.
Daniel 9:24-27 se relaciona com outras profecias de Daniel com suas refe-
rências à unção do "Santo dos Santos" - o santuário celestial. Daniel 9 prevê o
Messias fazendo expiação pelo pecado e trazendo a justiça eterna. Assim, o cami-
nho é aberto para o santuário celestial para sua mediação sacerdotal. Daniel 8
vê o Messias como o Príncipe do exército servindo como sacerdote no santuário
celestial, um ministério que é atacado pelo chifre pequeno. Daniel 7 descreve o
Messias como o Filho do Homem - no final do julgamento no santuário celestial
- recebendo seu domínio e reino eternos.

50
ESBOÇO DO CAPÍTULO

1. Exegese (v. 24-27)


2. Cronologia
3. Relações de tempo entre Daniel 8 e 9
4- Estrutura literária de Daniel 9:24-27
5. Daniel 9:24-27 na estrutura literária do livro
6. Teologia de Daniel 9:24-27

EXEGESE

VERSÍCULO 24
"Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa
cidade."1 A frase introdutória dessa profecia indica que seu conteúdo está relacio-
nado especificamente com a comunidade de judeus do período pós-exilico que
se estabeleceu e se desenvolveu em Judá e em Jerusalém. Não pertence à mesma
categoria de profecia como os quatro grandes esboços proféticos da história mun-
70 SEMANAS, LEVÍTICO K A NATUREZA DA PROFECIA

dial que aparecem nos capítulos 2, 7, 8 e 11, nem tem a mesma conclusão, o reino
escatológico de Deus. Daniel 9:27 termina com Jerusalém em ruínas. Assim, a
história mundial apresentada nessas outras linhas proféticas deveria se estender
muito além dos eventos de 9:27 antes que o reino escatológico viesse.
A profecia de 9:24-27 naturalmente se divide em duas seções. Essa frase intro-
dutória ("70 semanas estão determinadas", etc) e os seis verbos no infinitivo que
se seguem constituem um resumo do que deve acontecer quando as 70 semanas
terminarem. Essa constitui a primeira secão da profecia. Os detalhes desse resumo
são então esclarecidos na segunda secão (v. 25-27). Com esse breve resumo em
mente, nos voltamos para um exame dos seis verbos no infinitivo.
1."Fazer cessar a transgressão." O verbo usado aqui como kãlã\ "restringir",
faz melhor sentido se lido como kãlãh, "terminar, completar". (É razoável inferir
que o conhecimento que Daniel tinha do aramaico pode ter influenciado o seu he-
braico. No aramaico, uma letra final aleph ['} e um hê [hl final podem alternar-se).
A palavra usada para "transgressão" ovi "rebelião" (pesa') carrega a conotação
particular de pecado como rebelião contra Deus. Pode ser traduzida de forma livre,
porém mais diretamente como "revolta, rebelião". O artigo definido ("a") é empre-
gado com esse termo, mas não é usado com os cinco objetos nominais seguintes
desse versículo. Esse uso do artigo enfatiza a transgressão e a rebelião dos judeus.
Jerusalém foi destruída e estava desolada - nessa época, Daniel orou (9:1-
21) - por causa da rebelião do povo de Judá. Essa era uma rebelião tanto contra
Nabucodonosor, seu suserano terreno, contra Deus e os profetas que Ele lhes en-
viou. Portanto, essa frase profética os advertiu a não seguir um curso semelhante
de ação no futuro. Assim, a frase de abertura da profecia delimita um período de
provação durante o qual o povo de Deus é chamado para manifestar sua lealdade e
não sua rebelião para com Ele. Como em Deuteronõmio, dois cursos de acão são
colocados diante deles, e eles foram exortados a seguir o curso positivo.
2. "Para dar fim aos pecados." Uma forma do verbo hãtam ("selar") aparece
nessa declaração central dos primeiros três infinitivos do versículo. Ele é equilibra-
do pelo mesmo verbo na declaração central do segundo grupo de três infinitivos
no mesmo versículo. Nas conjugações derivadas, "dar fim" significa geralmente
"parar, fechar, completar, trazer ao fim". Esses significados ampliados fornecem o
melhor sentido aqui. A palavra hebraica para pecado nesse caso (hallã'0 é o tipo
comum de pecado - "falhar". E usada no plural e sem o artigo, que significa que
se refere a pecados em geral e não a ofertas de pecado.
Essa declaração profética impunha aos residentes de Judá o dever de trazer um
fim ao estado pecaminoso de sua sociedade. Assim como essa profecia mais tarde
indica que eles reconstruiriam a cidade de Jerusalém, eles também construiriam
uma sociedade justa - não rebelde ou pecaminosa - para viver nessa cidade. Essa
declaração, e a anterior, apontam as responsabilidades dos judeus, o que eles deve-
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

riam cumprir dentro do período de tempo profético designado. Porém, quando o


Messias finalmente veio no tempo determinado pela profecia, eles infelizmente não
haviam cumprido sua responsabilidade em desenvolver esse tipo de sociedade.
3. "Para expiar a iniquidade." A palavra usada para "expiar" nessa frase é
kipper, o termo comumente usado no Antigo Testamento para essa atividade. "Ini-
quidade" pode ser definida de forma ampla incluindo toda "pecamínosídade".
O serviço do tabernáculo, o primeiro e o segundo templo exigiam um contínuo
ciclo de sacrifícios expiatórios, mas a atividade ritualística não parece satisfazer as
exigências dessa declaração profética.
O que é predito na profecia se ajusta melhor a um sacrifício expiatório final
e definitivo que muito transcende o que poderia ser realizado pelo repetitivo ci-
clo de sacrifícios do templo. O Novo Testamento nos informa que esse sacrifício
expiatório definitivo foi feito por Jesus Cristo quando Ele morreu na cruz. Ele
pode também ser identificado como o Messias que havia de vir e morrer no tempo
determinado por essa profecia. Sua vida foi dada então "para expiar a iniquidade"
como foi predito.
4. "Para trazer a justiça eterna." "Trazer" ou "apresentar" é uma forma hebraica
causativa do verbo bô' ("vir"). O sentido é que a "justiça" é apresentada. §edeq ou
"justiça" é um substantivo singular que se relaciona com a forma plural de 'òlãm, "era
eterna". Essa frase é traduzida literalmente como "trazer justiça de eras". A ausência
do artigo não tem importância. As eras envolvidas obviamente são as eras porvir.
Essa frase sobre a justiça eterna vem logo depois da frase sobre a expiação que
seria feita. Dada a relação, parece razoável ver a justiça eterna como um resultado
que vem da expiação. E a expiação de Cristo na cruz que trouxe essa justiça por
eras e eras porvir.
Até aqui, no versículo 24, vimos que suas duas primeiras frases se referem às
responsabilidades que foram incumbidas ao povo de Deus. As duas frases seguin-
tes se referem às ativiclades que o próprio Deus iria desempenhar. As duas últimas
frases desse versículo se referem às consequências que resultariam dessas ações de
Deus e de seu povo.
5. "Para selar a visão e a profecia." O verbo "selar" (hãtãm) é o mesmo que
ocorre três frases antes nesse versículo. Três significados parecem possíveis para
ele aquí: (1) validar ou autenticar; (2) fechar (até uma abertura posterior); ou
(3) trazer a um fim.
Se o segundo objeto do infinitivo ("selar") fosse "profecia", qualquer um dos
dois primeiros significados seria preferível. No entanto, seus objetos são "visão"
(hãzôn) e "profeta" (nãbi'), não "profecia". Uma vez que a segunda palavra ocorre
sem o artigo, ela provavelmente se refere a "profeta" num sentido colerivo.
O terceiro desses significados ("fazer cessar") faz melhor sentido nessa frase se
for aplicado a profetas como pessoas, em vez de as suas palavras. Esse sentido é
70 StMANAS, UvfTlCO E A NATUREZA HA PROFECIA

apoiado pelo faro de que ó o mesmo que seu paralelo, usado antes no versículo
(selar/dar fim aos pecados). Portanto, no que diz respeito ao povo de Daniel
e a sua santa cidade, "visão" e "profeta" devem findar no tempo em que esse
período profético terminar.
Quando isso aconteceu e o que isso significa? Visto que os eventos finais dessa
profecia parecem se estender metade de uma semana profética ou três anos e meio
além da morte do Messias, devemos olhar no Novo Testamento para uma respos-
ta. Consequentemente, os intérpretes adventistas do sétimo dia têm geralmente
examinado os primeiros capítulos no livro de Atos para encontrar um evento que
seja importante o suficiente para marcar o final das 70 semanas. O acontecimento
comumente escolhido é o apedrejamento de Estevão (At 6:12-7:60).
O que há de tão importante no apedrejamento de Estevão? Por que esse martí-
rio é mais importante do que os sofridos por outros naquela época? Por que é um
martírio e não outro tipo de acontecimento tão importante a ponto de demarcar
o final desse período profético? Quando esse evento é avaliado em termos de expe-
riências dos profetas do AT, vários aspectos podem ser vistos como grandemente
significativos nessa relação.
O primeiro aspecto importante tem a ver com a visão de Estevão da corte ce-
lestial. Quando Estevão terminou seu discurso perante os membros enraivecidos
do Sinédrio, ele, "cheio do Espirito Santo fitou os olhos no céu e viu a glória de 53
Deus e Jesus, que estava à sua direita" (At 7:55). Ele anunciou isso aos ouvintes,
que, por sua vez, o lançaram fora da cidade e o apedrejaram até a morte.
Quando o Espírito Santo veio sobre Estevão, foi-lhe dada uma visão do Céu.
Por definição, Estevão tornou-se um profeta nesse momento, pois é a profetas que
Deus dá visões de Si como essas. Para citar um paralelo do Antigo Testamento,
pode-se observar a experiência de Micaías, filho de Inlá ( l Rs 22). Perante Acabe,
Micaias olhou para as cortes celestiais e viu o Senhor assentado no seu trono e
todo seu exército celeste junto a Ele. Desta corte celestial é pronunciada a sen-
tença sobre Acabe. O profeta serve como mensageiro da corte celestial que traz a
sentença ao rei. Em virtude de sua conexão com a mesma corte celestial, Estevão
fica numa posição similar nesse episódio em Atos.
O segundo aspecto importante tem a ver com a natureza do discurso de Estevão,
que deve ser entendido em conexão com a aliança do Antigo Testamento. Estudos
nos últimos anos têm identificado cinco seções principais do padrão de uma aliança:
(1) o preâmbulo que identificava o suserano que fez a aliança, (2) o prólogo que reci-
tava relações históricas passadas entre o suserano e seus vassalos, (3) as estipulações da
aliança, (4) a testemunha da aliança, e (5) as bênçãos e maldições para obediência ou
violação da aliança. Quando os profetas vieram como reformadores chamar Israel de
volta para a aliança do Sinai, eles o fizeram aplicando o padrão da aliança a situações
comuns de sua época. Para um bom exemplo disso, veja Miqueias 6.
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

Ao fazer esse chamado ao povo, os profetas traziam-lhe o que em hebraico é


conhecido como um ríb ou "causa [controvérsia] da aliança" (a palavra aparece três
vezes em Miqueias 6:1-2). Como uma introdução à sua indiciação, o profeta cita os
atos poderosos de Deus em favor de seu povo no passado (cf. Mq 6:3-5). Essa parte
do ríb ou "causa da aliança" se compara à seção do prólogo da aliança original (a
descrição do relacionamento histórico passado entre governante e governados).
O discurso de Estevão (At 7) que começou com Abraão e terminou com Salo-
mão se assemelha com a "causa da aliança". Ao olhar para essa experiência com os
olhos dos profetas do Antigo Testamento, podemos ver esse episódio como outro
exemplo em que o profeta cheio do Espírito traz a causa da aliança de Deus ou rib_
contra os representantes de sua comunidade da aliança.
Se considerarmos Estevão um profeta mensageiro da corte celestial que traz
a causa da aliança de Deus ao seu povo (em continuidade aos profetas do Antigo
Testamento), sua morte carrega muito mais significado teológico. Ele não é um
mártir comum. Podemos agora olhar para esse evento de grande importância em
termos da previsão de 9:24 sobre selar a visão e o profeta.
Estevão é o último profeta a falar ao povo judeu da Judeia como o povo eleito
de Deus, mas sua voz é silenciada na morte peio apedrejamento. Ao silenciá-lo,
também silenciam a voz profética dirigida a eles com um propósito. As palavras e
54 obras dos demais profetas são mencionados no Novo Testamento (At 41:28; 21:19;
ICo 14; Ap 1:1), mas a diferença é que esses profetas podem ser identificados
como profetas cristãos que falam à igreja.
No que diz respeito ao povo de Daniel, "visão" e "profeta" foram selados ou
trazidos a um fim com a rejeição desse último profeta enviado a eles de acordo com
Atos 7. Como indicado no debate cronológico abaixo, a morte de Estevão também
foi importante porque aconteceu no ano em que a profecia das 70 semanas che-
gou ao fim: 34 d.C. Pouco depois, Paulo foi chamado (por uma visão na estrada de
Damasco) para ser um apóstolo aos gentios (At 9), e Pedro foi instruído (também
em visão) quanto à aceitação dos gentios na irmandade da igreja (At 10).
6. "Para ungir o Santo dos Santos." A frase hebraica traduzida como "Santo
dos Santos" é c/õdes qodâslm. Uma interpretação dessa declaração (defendida desde
os dias dos primeiros pais da Igreja) a tem aplicado à unção de Jesus Cristo como
o Messias. Porém, essa interpretação é contrário à maneira como c/fides qodãsím
("Santo dos Santos, santíssimo") é empregada no Antigo Testamento. Fora do livro
de Daniel, essa frase ocorre mais de 40 vezes no Antigo Testamento. Em todos os
casos, refere-se ao santuário ou a algo ligado a ele. (A única possível exceção é l Cró-
nicas 23:13, mas isso é discutível. Parece-me que mesmo nessa passagem a expressão
também se refere ao santuário).
Se o "Santo dos Santos" mencionado no versículo 24 deve estar ligado ao san-
tuário, surge a pergunta: que santuário? Não poderia ser o tabernáculo ou o templo
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA HA PROH-» IA

de Salomão. Quando essa profecia to i dada ambos já eram história passada. Não
poderia ser o segundo templo construído em Jerusalém. Esse templo foi dedicado
para o uso no término de sua construção em 515 a.C. (Ed 6:15-18), muito antes
da vinda do Messias predito nessa profecia. Por eliminação, as possíveis aplicações
desse objeto "Santo dos Santos" foram reduzidas a uma: o santuário celestial, men-
cionado principalmente nos livros do Novo Testamento de Hebreus e Apocalipse.
Templos foram ungidos para inaugurar seus serviços (et. Êx 40:9ss). A unção
predita nesse versículo (9:24) mais naturalmente aponta para a inauguração do
ministério sacerdotal de Cristo no templo celestial em seguida à sua ascensão {Hb
9:21-24). A interpretação dessa frase como sendo o santuário é importante porque
ela liga a profecia ao campo celestial assim como 7:9-14 e 8:11-14 ligam suas respec-
tivas profecias ao mesmo campo celestial.

RtsuMO
O versículo 24 funciona como uma recapitulação introdutória da profecia.
Suas seis declarações infinitivas descrevem o que estava para ser cumprido pelo e
para o povo de Deus na Palestina por volta do final das 70 semanas proféticas ou
490 anos. As primeiras duas declarações descrevem o que o povo de Deus deveria
cumprir: desenvolver uma sociedade justa. As duas segundas declarações descrevem 55
dois aspectos de uma tarefa que Deus assumiu: providenciar uma expiação final
que traria justiça eterna.
As duas últimas sentenças descrevem dois efeitos proeminentes que resulta-
riam dessas ações. No primeiro caso, a falha do povo de Deus em desenvolver uma
sociedade justa que Ele desejava, resultaria no selamento ou silenciamento da
voz profética para eles. No segundo caso, a expiação provida resultaria num novo
ministério sumo sacerdotal de Cristo no santuário celestial. A partir desse resumo
das declarações introdutórias da profecia, nos voltamos aos detalhes históricos
mais específicos esboçados nos seguintes versículos (v. 24-27). O versículo 25 natu-
ralmente se divide em quatro partes.

VERSÍCULO 25
1. "Desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém." Esse
evento é de especial importância porque fixa o tempo para o início das 70 se-
manas. Todos os cálculos subsequentes de datas para as subdivisões da profecia
devem ser medidos a partir desse ponto de início. Visto que a reconstrução de
Jerusalém ocorreu como resultado de um decreto emitido por um rei persa, esse
decreto pode logicamente ser considerado como a "ordem" mencionada aqui.
A pergunta então é: que decreto de que rei persa cumpre a profecia? A questão
se complica pelo fato de haver quatro "decretos" diferentes, que tratam do retorno
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

dos exilados e da reconstrução do templo e da cidade, nos livros de Esdras e de


Neemías. Um desses deve ser selecionado como o ponto inicial, mas qual?
O problema de se determinar qual decreto persa é indicado aqui é simpli-
ficado pelo fato de que esses decretos e os acontecimentos que os sucederam
ocorrem em dois ciclos básicos. O primeiro ciclo tem a ver com o templo. O
segundo tem a ver com a cidade. Observe o seguinte esboço:

I. Ciclo um: O Templo


A. Fase l, do início à suspensão da obra, 538-536 a.C.
1. O primeiro retorno, Esdras 1-2
2. O templo foi fundado, Esdras 3
3. Surge a oposição, Esdras 4:1-4
4- A construção é suspensa, Esdras 4:4-5, 24

B. Fase 2, da suspensão à conclusão, 521-516 a.C.


1. Atividade retomada, Esdras 5:1-2
2. Investigação oficial, Esdras 5:3-6:5
3. Aprovação oficial, Esdras 6:6-13
4. Conclusão da obra, Esdras 6:14-15
5. Celebração da conclusão, Esdras 6:16-22

II. Ciclo dois: A Cidade


A. Fase l, do inicio à suspensão da obra, desde 457 a.C
1. O segundo retorno, Esdras 7-8
(2. Atraso: casamentos estrangeiros, Esdras 9-10)
3. A cidade fundada, Esdras 4:12-13
4. Surge a oposição, Esdras 4:14-15, Ne 1:1-3
5. A construção é suspensa, Esdras 4:17-23

B. Fase 2, da suspensão à conclusão, 444 a.C.


1. Retorno de Neemias, Ne 1-2
2. Atividade retomada, Ne 3
3. Oposição retomada, Ne 4
(4. Atraso: reformas sociais, Ne 5)
5. Oposição contínua, Ne 6:1-14
6. Muros acabados, Ne 6:15-16
(7. Exilados que voltaram, Ne 7= Esdras 2)
8. Celebração da conclusão, Ne 8-10
70 SKMANAS, LE-VÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

A declaração em 9:25 tem a ver com o decreto que resultou na reconstru-


ção da cidade de Jerusalém, não apenas do templo. Portanto, os dois decretos
apresentados na primeira metade deste esboço podem ser omitidos a partir de
considerações adicionais, pois tratam apenas da reconstrução do templo.
Um templo não faz uma cidade. Essa máxima pode ser ilustrada por exemplos
arqueológicos tais como o templo no monte Oerizim e o templo encontrado quan-
do o aeroporto de Ama foi expandido. Nenhuma cidade ou vila foi encontrada
imediatamente adjacente a esses templos isolados. Assim, os dois decretos de Ar-
taxerxes I são os únicos que podem cumprir as especificações da profecia.
Esdras e seus colegas foram as pessoas que primeiramente começaram a recons-
truir Jerusalém, isso é revelado pelo conteúdo da carta dos governadores ocidentais
a Artaxerxes 1. Veja Esdras 4:7-16. "Os judeus que subiram de ti vieram a nós a
Jerusalém. Eles estão edificando aquela rebelde e malvada cidade e vão reparando
os seus muros e reparando os seus fundamentos" (v. 12). O propósito dessa carta
era que o rei autorizasse uma interrupção desse projcto, c foi o que ele fez. Quando
os governadores receberam sua resposta, "foram eles apressadamente aos judeus, e,
de mão armada, os forçaram a parar com a obra" {v. 23).
E evidente que esse episódio ocorreu antes da chegada de Neemias, uma vez
que ele teve êxito em reparar os muros da cidade a despeito da oposição. Que
grupo de judeus voltou a Jerusalém durante o reinado de Artaxerxes, mas antes 57
da época de Neemias? Esdras 8 dá a resposta listando os 1.754 homens que vol-
taram a Jerusalém com Esdras 13 anos antes da missão de Neemias ali.
A conclusão lógica dessas correlações é a de que Esdras e os homens que vol-
taram com ele foram os que conduziram os primeiros esforços para reconstruir
a cidade de Jerusalém. Suas atividades foram reportadas na carta dos governado-
res. Uma vez que o retorno de Esdras e os acontecimentos que se seguiram ocor-
reram como resultado do decreto que Artaxerxes lhe deu (Ed 7), esse decreto
deveria ser considerado como o que cumpre as exigências da profecia (9:25).
A Neemias, na verdade, não foi dado um decreto oficial como o emitido a Es-
dras. A ele foram dadas cartas de autorização para permitir-lhe passar pelos territó-
rios ocidentais e requerer os materiais de que precisasse para o projcto (Ne 2:7-9).
O trabalho de Neemias toi complementar o de Esdras. Ele completou em 52 dias
a reconstrução na qual Esdras trabalhou, mas foi forçado a parar (Ne 6:1 5).
Portanto, nesse caso, deve-se dar prioridade ao decreto de Esdras, pois
esse foi o decreto com o qual todo esse processo ou ciclo começou. O de
Esdras foi o decreto mais oficial. Neemias apenas completou o trabalho que
Esdras já havia iniciado.
Várias perguntas surgem nesse ponto. A primeira é: por que Esdras come-
çou a reconstruir a cidade quando o decreto dado a ele não menciona isso de
forma explícita (Ed 7)? Aqui podemos citar apenas as possibilidades: ( I ) Foi-lhe
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

dada permissão oral junto com o decreto para reconstruir a cidade; (2) outro
decreto escrito suplementar (não registrado na Bíblia) transmitia tal autoriza-
ção. Para um possível paralelo aqui, compare as diferenças presentes nos dois
decretos de Ciro em Esdras 1:2 e 6:3-5; (3) Esdras entendeu que a autoridade
para construir estava dentro dos limites do que foi combinado com ele no de-
creto. A falta de informações bíblicas adicionais sobre esse ponto nos impede
de limitar essas possibilidades ainda mais. Podemos apenas observar o que
ocorreu na história: Esdras realmente começou a construir a cidade de acordo
com a evidência de Esdras 4-
A segunda pergunta é: por que o decreto aparece em Esdras 7 quando a
reconstrução é mencionada em Esdras 4? O livro de Esdras não está organizado
de forma estritamente cronológica. Isso c especialmente verdade no que tange
ao conteúdo do capítulo 4. Seu propósito era registrar os esforços contínuos
dos inimigos dos judeus em se opor à reconstrução do templo c da cidade.
O conteúdo do capítulo 4 não está em estrita ordem cronológica. Ele foi reu-
nido aqui porque se ajusta tematicamente. Porém, sua relação cronológica ainda
está clara, porque os nomes dos diferentes reis persas estão presentes com eles.
A pergunta final é: se Artaxerxes deu permissão para a reconstrução de Jeru-
salém com o decreto para Esdras, não parece um tanto caprichoso e arbitrário
ter voltado atrás com a carta para o governador (Ed 4)? A resposta para essa per-
gunta é sim. Ele parece ser caprichoso nesse caso, mas esse não é o único caso
em que Artaxerxes l agiu de modo arbitrário.
A falta de consistência em seu caráter é ilustrada pelo modo como lidou
com o caso de Irineu, o rebelde do Egito. Ele foi capturado e levado á capital
persa. Ele tinha recebido a palavra do general persa de que lhe seria permiti-
do viver e Artaxerxes honrou essa palavra por um momento. Mas quando a
raínha-màe Amestrís o convenceu, ele fraquejou e executou Irineu. O capricho
de Artaxerxes, refletido no livro de Esdras, é uma atitude um tanto condizente
com seu caráter.
Dessa discussão conclui-se que o decreto ou ordem que foi emitido para
a restauração e reconstrução de Jerusalém, conforme especificado em Daniel
9-.2S, encontra seu cumprimento no decreto emitido por Artaxerxes I para
Esdras no sétimo ano de seu reinado. Esse decreto nos fornece o ponto inicial
para as 70 semanas. A data de 457 a.C. para esse ano é discutida abaixo na
seção cronológica.
2. "até o Messias [o] Príncipe" (tradução do autor). O final do período
mencionado a seguir c assinalado pelo surgimento dessa Pessoa que é descrita
por dois títulos que estão lado a lado e são traduzidos literalmente como, "um
ungido [Mcssiasl, um príncipe \masiah nâgid\n. A ausência do artigo definido
("o") com ambos os termos no versículo 25 e com a palavra "Messias" no ver-
70 SLMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA m PROFECIA

siculo 26 tem sido enfatizada por alguns como um fator que m i n i m i z a o sig-
nificado messiânico dessa passagem. Essa ausência não parece tão importante
quando comparada com casos semelhantes em Daniel onde um attigo esperado
não apatece no texto. A forma da passagem é poética e o artigo era usado com
menos frequência em poesia. O hebraico de Daniel pode também ter sido in-
fluenciado pelo artigo pós-positivo de seu aramaico.
Não há verbo nessa frase preposicional. Sendo assim, é razoável considerar
a unção real do Príncipe como o evento até o qual esse período de tempo deve
se estender, em vez de algum outro acontecimento de sua vida. Profetas, sacer-
dotes e reis foram ungidos no momento de sua ascensão ao cargo na época do
Antigo Testamento (l Rs 19:16; Êx 30:30; l Sm 9:16). Algo diferente é previsto
aqui porque seu título ê o de um príncipe e porque sua obra, como descrita
nas declarações seguintes dessa profecia, transcende a obra de profetas, sacer-
dotes e reis comuns.
Na história, essa frase foi cumprida com a identificação de Jesus como o
Messias na época de seu batismo no Jordão e sua unção pelo Espírito em 27 d.C.
Essa data é discutida na seção cronológica abaixo. A palavra hebraica usada para
"príncipe" (nãgicD é importante devido ás suas relações com 9:26b e 11:22, as
únicas outras passagens em Daniel onde esse título específico aparece.
3. "Haverá sete semanas e sessenta e duas semanas" (tradução do autor). 59
Um problema de tradução é introduzido com esses períodos de tempo. Devem
as sete semanas estar conectadas com a reconstrução de Jerusalém e as 62 se-
manas com a vinda do Messias, ou vice-versa? Seguindo a pontuação dos mas-
soretas algumas traduções c comentários modernos têm relacionado a vinda do
Messias com as sete sema e a reconstrução de Jerusalém com as 62 semanas.
A LXX, por outro lado, traduziu essas frases em ordem contrária. Tratei desse
problema na primavera de 1980 (vol. 18, no. 1), edição da Andrews University
Seminary Studies, páginas 59-63.2
Minha opinião é a de que esse problema pode ser solucionado de modo
mais dircto ao se observar que essa passagem foi escrita em forma de poesia e
analisar sua estrutura. Nas linhas abaixo, apresento uma parte de tal análise,
ptimeiramenre das consoantes hebraicas e então em português.
A PROFECIA DE DANIFX 9:24-27

Acentos Unidades
Versículo
Io Texto de ênfase Poéticas

mn-ms' dbr Dois temas. 2 J 1 Estrofe de


A Desde a saída da ordem Cidade três linhas
Messias
Ihsyb wiímwt yrwslm
para restaurar e para
edificar Jerusalém

'd-msyh ngyd
B até o Ungido [Messias],
ao Príncipe

25c
sb'ym sb'h Dois períodos 2 A Estrofe de
A sete semanas de tempo: duas linhas
7 semanas
60
wsbym ssym wsnym 62 semanas 3
B e sessenta e duas semanas
25d
tswb wnbnth Um tema: 2 ° Estrofe de
A Se reedificarão Cidade três linhas

rhtf b whrws
as praças e as circunvalações

wbswq h'tym
mas em tempos angustiosos

26a
w'hry hsbym Ssym wsnym Um tema: 4 A Estrofe de
B Depois das sessenta e Messias duas linhas
duas semanas

ykrt msyh w'yn iw


Será morto o Ungido
[Messias] e já não estará
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA

O que temos aqui, de acordo com essa análise, produz um arranjo A:B: :A:B:
:A:B: no qual os mesmos itens descritos rratam do mesmo assunto. Isso pode ser
observado acima e no seguinte resumo:

A. para restaurar a para edificar Jerusalém


B. Até ao Ungido [Messias], ao Príncipe na estrofe de três linhas do v. 25b

A. sete semanas
B. sessenta e duas semanas na estrofe de duas linhas do v. 25c

A. (Sete semanas para a) reconstrução na estrofe de três linhas do v. 25d


de Jerusalém
B. sessenta e duas semanas até ao Messias na estrofe de duas linhas do v. 26a

Essa análise poética exclui a pontuação massorética e as versões modernas


(RSV, NEB, AB) que a seguem. Essas versões constróem a frase de modo a signifi-
car que o Messias deveria vir ao final do período de sete semanas ("até a vinda de
um ungido, um príncipe, haverá sete semanas", RSV). Por outro lado, a análise
confirma as versões antigas (Septuaginta, Teodócio, Vulgata, Siríaca) e traduções
que as seguem (KJV, ASV, NASR, NIV, MLB, JB). Essas entendem que a fraseolo-
gia indica que o Messias deveria vir ao final da segunda divisão ou 62 semanas da
profecia (a profecia das 70 sememas tem três divisões: 7 + 62 + l = 70).
Para mais detalhes sobre esse assunto veja J. Doukhan, "The Seventy Weeks
of Daniel 9: An Exegetical Study" [As Setenta Semanas de Daniel 9: Um Estu-
do Exegético].3
4. "Será reconstruída novamente, praça e vala, mas em tempos tumultu-
osos" (tradução do autor). Ao aplicar o princípio dia-ano às sete semanas dessa
primeira divisão, estendemos 49 anos (7 semanas x 7 dias = 49 dias/anos) de.sde
457 a.C. a 408 a.C. Não há disponível nenhuma fonte bíblica ou histórica extra-
bíblica contemporânea para nos dizer se a reconstrução da cidade foi ou não con-
cluída nessa época. Isso não significa (de um ponto de vista puramente histórico)
que essa especificação da profecia não tenha sido cumprida. Nós simplesmente
não temos informação. Porém, sabemos de Esdras e de Neemias que a cidade foi
realmente reconstruída em tempos angustiosos (Ed 4; Ne 4, 6).

VERSÍCULO 26
1. "Então depois das sessenta e duas semanas, o Messias será cortado" (tra-
dução do autor). A expressão "cortado" refere-se à morte do Messias. O fato de
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

esse verbo ser usado na conjugação passiva (Niphal) indica que alguém causaria sua
morte. Ele não morreria de forma natural.
Do ponto de vista histórico, esse foi certamente o caso na morte de Jesus Cris-
to. O uso da preposição "depois" ('affarê) nessa declaração sugere que o Messias
iria ser morto em algum momento "depois" do final das 7 + 62 semanas, ou seja,
na setuagésima semana. Assim, essa declaração fornece apenas um tempo aproxi-
mado para sua morte.
2. "Mas ninguém será por Ele" (tradução do autor). O que quer que signi-
fique essa declaração, aconteceria quando o Messias fosse cortado, ou morto.
A forma hebraica dessa declaração enigmática c extremamente clara - duas
palavras. Seu primeiro termo consiste da partícula negativa, '"ên". Visto que o
termo ocorre numa declaração profética, se aplica ao futuro. Portanto, pode ser
traduzido como "não será".
O segundo elemento na declaração c a preposição "para" ou "por", a qual foi
adicionado o pronome masculino da terceira pessoa do singular "Ele", sendo a
frase traduzida de forma literal: "não será para ou por Ele".
O que não será "para/por Ele".7 O verdadeiro sujeito ou sujeitos (o que quer
que seja que não pertença ao Messias) deve ser entendido pelo leitor. Basicamen-
te, há duas possibilidades aqui. O sujeito pode se relacionar a coisas, possessões
62 materiais ou envolver pessoas. A primeira possibilidade descreveria a pobreza do
Messias em sua morte. Embora isso seja verdade com relação a Jesus quando mor-
reu, Deus está mais preocupado com pessoas do que com coisas.
A primeira palavra do sujeito da frase seguinte nessa passagem é a palavra
povo. Seguindo essa interpretação, essa declaração seria traduzida como "mas
n i n g u é m será por Ele". Isso descreve a rejeição do Messias na sua morte, que
foi c u m p r i d a tão vividamente na experiência de Jesus Cristo (Jo 1:11; Mt
26:56, 74; Lc 24:21).
3. "E o povo do príncipe que está para vir destruirá a cidade e o santuário"
(RSV). Intérpretes historicistas e futuristas têm comumente identificado o prínci-
pe mencionado aqui como um romano, porque os romanos destruíram Jerusalém
em 70 d.C. Contudo, esse príncipe pode ser identificado como romano apenas
devido ao termo hebraico para "príncipe" nessa passagem.
Se olharmos para a estrutura dessa passagem no texto hebraico e observarmos
os títulos empregados, fica evidente que há um padrão para o modo como esses
títulos são usados. Esse padrão esclarece se um, dois ou três personagens estão sob
consideração. Observe o arranjo:

l . v . 25 Messias (mãsíah) Príncipe (nãgjd) A+R


2. v. 26a Messias (mãsiah) A
3. v. 26b Príncipe (nugítf) - B
70 SEMANAS, LRVÍTR-.O H A NATUREZA DA PROFECIA

Esse padrão pode ser descrito como a divisão de uma díade ou par de pala-
vras (Messias Príncipe). O par de palavras original foi dividido, e os termos in-
dividuais (Messias/Príncipe) foram reutilizados no versículo 26. Assim, o senti-
do desse padrão é sugerir que todos os três-títulos se referem à mesma pessoa.
Isso está em contraste com a postura prcterista que opta por três indivíduos
diferentes nesses títulos (Ciro ou outros, no v. 25; Onias III, no v. 26; Antíoco
IV, no v. 26b) ou para aqueles historicistas e futuristas que vêem dois (Cristo,
v. 25, 26a; príncipe romano, v. 26b).
Jesus Cristo cumpriu as especificações dessa profecia como o Messias Príncipe
que viria no final das 69 semanas (v. 25). Jesus era o Messias que foi cortado (v.
26a). Deduz-se, então, que Ele deveria ser também o Príncipe do povo que destrui-
ria a cidade e seu templo (v. 26b). Sua identificação como "um príncipe que há de
vir" (v. 26b) se ajusta bem com a referência ao tempo quando Ele estava para vir
no verso anterior (v. 25). Os romanos estão presentes nessa profecia, mas apenas
como o "assolador" que c mencionado após esse.
Embora o exército romano fosse o poder militar que conduziu a destruição
da cidade e de seu templo, os romanos não foram a causa fundamental dessa des-
truição. A razão por que os romanos atacaram Jerusalém foi a rebelião dos judeus
contra eles. Se os judeus tivessem permanecido leais e vassalos subservientes, os
romanos nunca teriam atacado Jerusalém. 63
Portanto, foram os próprios judeus que precipitaram a cadeia de eventos que
finalmente levou à destruição de Jerusalém pelos romanos. Eles rejeitaram seu
verdadeiro príncipe messiânico e também se revoltaram contra seus suseranos ro-
manos. A situação foi um tanto semelhante à que aconteceu com Nabucodonosor,
que, estimulado pela rebelião de Zedequias, sitiou Jerusalém no sexto século a.C.
(cf. Jr 38:17-2"}). Os lideres judeus do primeiro século d.C. não aprenderam com
o erro de seus líderes no sexto século a.C. e a história se repetiu.
Até aqui a seguinte sequência de eventos parece estar prevista pelas declarações
sucessivas desse versículo: (1) o Messias deveria ser morto; (2) o povo do Messias o
rejeitaria quando Ele fosse morto; e (3) o povo que rejeitou o Messias quando Ele
morreu também traria sobre si a destruição de sua cidade e templo.
4. "E o seu fim será num dilúvio." Não está claro qual é o antecedente para
a expressão "o seu fim". O antecedente poderia ser a cidade ou o santuário ou
ambos. Não parece referir-se a uma pessoa. A linguagem figurativa mostra n figura
de um inimigo invadindo uma cidade sitiada. Quando finalmente se abre uma
brecha no muro, as tropas inimigas fluem dessa abertura como um dilúvio.
Isso se ajusta bem à maneira como os romanos penetraram as defesas de Je-
rusalém no verão de 70 d.C. A comparação de forças militares com um dilúvio
ocorre em outros lugares na Bíblia (Is 8:7-8; Jr 46:6-7; 47:2). Na passagem paralela,
Daniel 11:22, a mesma palavra para "dilúvio" ["forças inundantes", ARA) é am-
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

pliada descrevendo-a como um "exército" (z*ro'o/), que transmite ainda mais do


caráter militar desse dilúvio.
5. "Ao final da guerra, desolações serão decretadas" (tradução do autor).
Uma vez que a ideia de um fim é bem definida, a preposição 'ad ("a","ate") seria
traduzida melhor como "no" ou "ao" ("ao final"). "Final" parece estar relacionado
com "guerra". Assim, essa frase refere-se tanto a "fim da guerra" (com o artigo
definido subentendido, mas não escrito) ou "no final da guerra". O particípio "de-
cretadas" [em inglês decreed - singular] e seu sujeito plural, "desolações" [em inglês
desoíations], não concordam em número. Isso pode ser solucionado recolocando
o particípio como um plural ou considerando essa declaração como existencial:
"está decretado [que haverá] desolações."
As desolações preditas aqui foram conduzidas pelos romanos quando, após
conquistarem Jerusalém, queimaram as cidades alta e baixa e puseram abaixo seus
muros. Exccto por três torres do palácio de Herodes, tudo foi destruído em Jeru-
salém. Epifânío relatou como Jerusalém estava quando Adriano a visitou em 130
d.C.: "Ele encontrou o templo de Deus pisado e toda a cidade devastada, salvo al-
gumas casas e a igreja de Deus (V/eights and Measures [Pesos e Medidas), 14:54c)."

VERSÍCULO 27
64
1. "Ele tornará firme uma aliança com muitos uma semana" (tradução do
autor). Visto que o Príncipe da passagem anterior não é um príncipe romano (de
acordo com a interpretação desenvolvida aqui), o "Ele" nesse versículo refere-se
ao Messias Príncipe, ou Jesus Cristo historicamente. E incomum para a raiz ver-
bal (gabar, "ser forte, poderoso"), que aparece aqui na forma causativa Hiphil,
considerar a palavra "aliança" como seu objeto. A força dessa construção verbal
particular é que o Messias "tornaria firme uma aliança". Ou seja, Ele fortaleceria
uma aliança que já existia. A tradução que é às vezes feita - "Ele fará firme aliança"
- teria sido expressada de forma mais natural por uma construção adjetiva.
Que aliança é mencionada aqui em termos de cumprimento histórico? O uso
verbal empregado sugere que é a aliança do Sinai. O Messias confirmaria a aliança de
Deus com o povo que Ele elegeu dentre as nações para esse período de tempo proféti-
co final (cf. Rm 15:8). Durante essa setuagésima semana, Ele tornou tirme uma alian-
ça que já existia. Não parece ser a nova aliança do Novo Testamento que está em vista
aqui primordialmente, muito embora também tenha se efetivado nesse período.
Esse fortalecimento da aliança durou uma semana inteira - a setuagésima.
Portanto, não começou quando Cristo morreu na cruz na metade dessa semana.
Isso leva o fortalecimento da aliança de volta para o início do ministério de Cristo
em 27 d.C. O sentido aqui parece envolver mais do que apenas a vinda de Cristo
e seu ministério como um mensageiro da aliança em sentido geral.
70 SEMANAS, LEVÍTICO R A NATUREZA DA PROFECIA

Quando se observam os primeiros dias do ministério de Cristo para o esta-


belecimento de uma aliança ou seu fortalecimento, a apresentação do Sermão da
Montanha se destaca. Jesus selecíonou mandamentos do Antigo Testamento e os
ampliou ou fortaleceu; Ele não os revoga (Mt 5:21-48). Então, Ele acrescentou a
estes seus novos mandamentos (Mt 6:19-7:11). Essas seções de seu sermão foram
demarcadas por referências à lei e aos profetas (5:17; 7:12). Tudo isso está no con-
texto de bcm-aventuranças (Mt 5:3-1 I) e as possibilidades de se receber a benção
ou a maldição (Mt 7:13-27).
Esse tipo de apresentação tem o aspecto de uma aliança. Vários estudiosos do
Novo Testamento têm notado a relação entre a aliança de Moisés no monte Sinai
e a aliança de Jesus no monte das Bem-Aventurancas. Essa exposição da aliança
por Jesus no início de seu ministério fornece a conexão mais direta entre sua épo-
ca e as circunstâncias preditas em 9:27.
2. "E na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares."
Ou seja, no inicio da metade da setuagésima semana. O uso do artigo definido
com "semana" ("a semana") nessa frase enfatiza que significa a mesma semana
mencionada na frase anterior. O sujeito ("Ele") também deve ser entendido como
se referindo ao Messias Príncipe.
A palavra hebraica para sacrifício (zebah) refere-se a sacrifícios de animais em
geral. A palavra hebraica para oferta (minhah) é usada em Êxodo geralmente para 65
se referir às ofertas de cereais. Aqui, provavelmente se refira a sacrifícios que não
eram feitos com animais como uma classe. Juntas, essas duas palavras englobam
todos os sacrifícios, de animais ou não - o sistema sacrificai como um todo.
Fisicamente, o sistema sacrifica! não cessou até a destruição do templo em
70 d.C. Contudo, espiritualmente, não havia mais sentido nesses sacrifícios, pois
Cristo, o grande antitipo cumpriu seu significado supremo com sua morte na
cruz (Mt 27:50-51; Lc 23:45-46). Visto que é o Messias que fará cessar o serviço
de sacrifícios, de acordo com essa profecia, seu fim deve ser visto no sentido de
perda de significado. Quando Cristo morreu, o ritual perdeu o significado e se
tornou um mero ciclo de cerimónias sem sentido. Isso aconteceu na metade da
semana, quando Ele foi crucificado, de acordo com a cronologia da profecia que
discutiremos logo mais.
3. "Sobre as asas das abominações virá um desolador" (tradução do autor). O verbo
"virá" não aparece no texto hebraico, mas deve ser inferido da natureza existencial dessa
declaração. Literalmente lemos: "Sobre (as) asas das abominações (haverá) um desola-
dor." Uma vez que se infere "haverá" a fim de se traduzir com lógica a declaração, "virá" é
uma interpretação natural. O "desolador" é uma forma de particípio da mesma raiz que
o substantivo plural "desolações", que aparece ao final do versículo anterior. Nesse caso,
o particípio está funcionando como um substantivo. Esse desolador pode ser identifica-
do como a causa dessas desolações tanto no sentido léxico como no histórico.
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

"Sobre as asas da" parece ser uma expressão que indica consequências ime-
diatas, ou seja, algo que iria acontecer logo em seguida. Assim, em contraste
com as atividades do poder em oposição a Deus em 8:12-13; 11:31 e 12:11, esse
desolador e suas desolações seguem após ou aparecem na cena de acão depois
das abominações. As abominações deveriam vir primeiro e o desolador em se-
guida, ao menos em termos de tempo.
Historicamente, essa desolação foi conduzida pelos romanos. Os judeus possu-
íam a cidade até aquela época. Uma vez que as abominações precederiam a desola-
ção, os judeus - não os romanos - seriam tis responsáveis por essas abominações.
Isso pode ter se cumprido (em um sentido) por meio da oferta de sacrifícios após a
morre de Cristo. Esses sacrifícios não haviam apenas perdido seu sentido, mas sua
continuidade também negou a realidade antirípica que os havia cumprido. Eles
serviam para negar a verdade que foram designados a transmitir.
Esse é um possível cumprimento dessas abominações. Outra possível aplica-
ção tem a ver com o destino final do templo. No cerco romano de Jerusalém, o
templo se tornou uma fortaleza, um bastião final de resistência contra os romanos
ao cercarem a cidade. Isso poluiu e perverteu definitivamente o propósito para o
qual o templo foi construído como um lugar para adoração e serviço a Deus.
4. "E, ao final, o que está decretado com respeito à desolação será derra-
66 mado" (tradução do autor). Essa é uma declaração muito difícil de se traduzir e
interpretar. Em vários aspectos, a sentença se equipara às duas últimas orações do
versículo 26 como vemos abaixo:

V. 26:
(q f?) (stp) ('at$ (*}$} (smm, p! pt) (hrs, sg pt)
E o seu fim será num dilúvio, e ao final da guerra desolações serão decretadas.

V. 27:

E ao final o que está decretado com respeito á desolação será derramado.


('ad} (k f h) (fjrf, sgpt) (smm, pi pt) (ntk)

No versículo 27, a preposição inicial ('ad, "ao, até") provavelmente deve ser
considerada no sentido de "em" ou "quando" como na frase paralela no v. 26
("ao final")- O substantivo kãlãh ("fim") que carrega a nuance de "conclusão/
completa destruição" é sinónimo de cfs ("fim") que aparece duas vezes no versí-
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFECIA

cílio 26. O particípio (/fry), t r a d u z i d o como "serão decretadas" e "está decreta-


do" c o mesmo em ambos os versos, assim como o particípio smm, vertido como
"desolação". A única diferença é que, neste último caso, é singular e precedido
por unia preposição ('«/, "sobre", "coneernentemente"). O verbo "derramar"
(nkt) está tematicamente ligado à palavra "inundação" („?//>), no versículo 26.
Embora esses diversos paralelos pareçam indicar que essa última oração do versí-
culo 27 esteja repetindo o conteúdo das últimas duas orações do versículo 26, perma-
nece a pergunta de como o particípio "desolação" (s m m) deve ser traduzido. Deveria
significar "desolador" (como na oração anterior, onde é escrito com um preformativo
mem no versículo 27) ou simplesmente "desolações" como no versículo 26?
Há dois modos principais de se entender nossa oração no versículo 27 ser
entendida. O primeiro é considerá-la como uma declaração que descreve o des-
tino final do desolador (romano). Essa interpretação traduz o particípio ($mm)
como "desolador" em vez de "desolação". Ao fazer isso, o tradutor quebra as
conexões evidentes entre essa declaração e o versículo 26 e introduz algo dife-
rente do que é determinado aqui.
Entretanto, existe uma segunda maneira de se entender essa oração. Observa-
mos que as principais palavras ou ideias no final do versículo 27 aparecem também
no final do versículo 26, e a principal diferença entre eles é que o versículo 27 não
tem a palavra "guerra". Dadas essas relações diretas, parece preferível considerar 67
que a declaração final do versículo 27 se aplica novamente ao destino da cidade.
Não parece dar lugar a uma nova ideia com respeito ao destino do desolador.
A interpretação do final do versículo 27 selecionada aqui leva essa declaração
a indicar que no final da guerra tudo o que estava determinado com respeito á
destilação da cidade seria derramado sobre ela. Essa declaração se iguala á oração
do final do versículo 26 tanto em termos de seu conteúdo como de sua posição na
estrutura literária clessa profecia.
Essa predita destruição da cidade suscita a pergunta: por que ela não ocorreu
no final das 70 semanas em 34 d.C.? A partir da análise anterior, é possível ver que
o período das 70 semanas foi probatório. Os resultados negativos de se fracassar
nessa prova deveriam ser esperados no mesmo dia em que essa provação acabar.
Não há nada nessa profecia que indique o tempo preciso em que a destrui-
ção aconteceria. Assim, a demora de 40 anos (70 d.C.) para essa destruição não
contradiz nenhuma de suas declarações explícitas. O que deveria acontecer ao
final das 70 semanas era a determinação com respeito à destruição da cidade
mencionada nos versículos 26 e 27. Os resultados dessa determinação estavam
para acontecer algum tempo depois do f i n a l das 70 semanas e, historicamente,
não foram vistos até 40 anos depois.
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

CRONOLOGIA

457 A.C.
Nas páginas 84-88 concluímos que o decreto para a reconstrução de Jerusalém
foi o que Artaxerxes I deu a Esdras no sétimo ano de seu reinado. Datas do reina-
do de Artaxerxes foram firmemente estabelecidas por quatro fontes diferentes:
1. Datas das olimpíadas. Historiadores clássicos preservaram com exatidão da-
tas olímpicas para Artaxerxes. Elas foram transmitidas por Xenofonte e Trucídides
por meio de Plutarco ao cronógrafo cristão Júlio Africano.
2. Cânon de Ptolomeu. Essa obra produzida pelo astrónomo alexandrino
contém um registro de eclipses datados pelos anos de reinados de reis em 747 a.C.
Seus eclipses para o período persa cruzam os anos do reinado de Artaxerxes I e
ajudam a fixar suas datas.
3. Papiro elefantino. Os papiros da ilha de Elefantina no sul do Egito foram
escritos em aramaico por judeus que viviam ali no período persa. Eles foram da-
tados pelo calendário lunar persa-babilònico e pelo calendário solar egípcio. Esses
dois calendários diferem em vários aspectos do calendário juliano. Assim, cálculos
para a época em que suas datas se cruzam fixam datas para os anos dos reinados
68 dos reis persas, incluindo Artaxerxes I.
4. Tabletes cuneiformes babilónicos. Esses tabletes fornecem um catálogo de
datas relativamente completo para os reis que governaram de 626 a.C. a 75 d.C.
Foram compilados por R. A. Parker e W. H. Dubberstein na Babylonian Chronvlo-
gy.4 As datas julianas para os anos do reinado de Artaxerxes I podem ser determi-
nadas por esses tabletes.
Todas essas quatro linhas de evidência cronológica apontam unânime e har-
moniosamente para o fato de que o sétimo ano do reinado de Artaxerxes l se es-
tendeu de nisà (mês 1) na primavera de 458 a.C. até adar (mês 12) na primavera de
457 a.C. Tendo em vista as várias evidências disponíveis para se estabelecer essas
datas, podemos considerá-las como firme e irrevogavelmente fixadas.
Entretanto, os judeus que viveram nesse período histórico não usavam o ca-
lendário persa-babilônico de primavera a primavera. Eles faziam a contagem por
meio de seu próprio calendário que começava com tishri (mês 7), no outono. E
possível encontrar evidências bíblicas específicas para isso ao se comparar as datas
encontradas em Neemias 1:1 e 2:1.
Os meses mencionados no início dessas duas narrativas sucessivas transcor-
rem desde kislev (mês 9) do vigésimo ano de Artaxerxes ao mês de nisã (mês 1)
desse mesmo vigésimo ano. Sc Neemias tivesse usado um calendário de primavera
a primavera, então o ano de reinado de Artaxerxes mencionado em Neemias 2:1
teria mudado para o ano 21 no primeiro dia desse mês de nisã. O fato de o ano do
70 SKMANAS, LD/ÍTICO E A NATURHZA iw PROFECIA

reinado não ter mudado c evidência direta de que Ncemias empregou o calendá-
rio judaico outono a outono para contá-los.
A única maneira de se evitar essa conclusão é corrigir esses números. Mas
não há nenhuma evidência disponível de manuscritos que indiquem a neces-
sidade de tal alteração. Uma vez que Esdras foi contemporâneo de Neemias, é
razoável aplicar o mesmo calendário outono-a-outono para as datas em Esdras.
A evidência pré-exilica para o uso desse calendário em Judá pelos judeus é dis-
cutida em detalhes por S. H. Horn em seu artigo, The Babylonian Chronicle and
lhe Ancicnt Calendar of thc Kingdom of judak (A Crónica Babilónica e o Antigo
Calendário do Reino de Judá). 5 Uma defesa pós-exílica para o uso do mesmo
calendário pelos judeus é debatida pelo mesmo autor em Chronology of Ezra 7
(Cronologia de Esdras 7).6
Essas correlações indicam que o decreto registrado em Esdras 7 foi emitido
em algum momento no ano que começou no outono de 458 a.C. e terminou
no outono de 457 a.C. Este é o ano cm que o início das 70 semanas de Daniel
deve ser datado.

408 A.C.
Para um debate desse período de sete semanas (49 anos) e sua data, veja a
página 63.

27 O.C.
Conforme discutido sobre o versículo 25 (p. 57-63), o Príncipe que há de
vir seria ungido como o Messias no final das 69 semanas. Esse evento pode ser
datado de 27 d.C. quando é aplicado historicamente ao inicio do ministério de
Jesus Cristo. De acordo com o Novo Testamento, Jesus foi batizado e ungido
pelo Espírito Santo no décimo quinto ano de Tibério César (Lc 3:1, 21).
Datas para Tibério foram calculadas de diferentes maneiras. 7 O que temos em
Lucas 3:1 é uma fórmula de data escrita ao estilo oriental, nas Escrituras que são
de origem oriental. Portanto, parece razoável calcular essa data da maneira como
foi empregada naquela região. Tal método data o décimo quinto ano de Tibério a
27/28 d.C. outono-a-outono.s

30/31 D.C.
Daniel 9:26 não profetiza a data exata da morre do Messias, apenas data sua
morte "após" as 69 semanas, ou seja, algum momento na setuagésima semana
(cf. p. 63-64). A referência ao término do sacrifício e das ofertas está relacio-
nada à sua morte.
A PROFECIA HE DANIEL 9:24-27

Essa correlação limita essa data à "metade da semana" (veja v. 27, p. 66-67).
Em hebraico, tal expressão não significa que precisamente passariam 50%
da semana profética antes disso ocorrer, conforme o pensamento ocidental atu-
almente. A despeito de quão precisa essa linguagem possa ou não ser, podemos
esperar pela morte do Messias em algum momento por volta da metade da semana
profética que se estendeu de 27 d.C. a 34 d.C.
Jesus morreu na sexta-teira da Páscoa (Lc 23:56), na primavera. À primeira
vista, parece ser um procedimento cronológico simples localizar (nas novas tabelas
de dias lunares e julianos apropriados) 14 de nisã que caiu numa sexta-teira, num
ano no final da década de 20 ou começo da década de 30 do primeiro século d.C.
Porém, a busca por tal data apresenta dois problemas.
Primeiro, há uma diferença superficial entre os evangelhos sinóticos e João a
respeito de qual dia da semana se deu a Páscoa no ano em que Jesus morreu (Mr
26:17, Mc 14:12, Lc 22:7-8, Jo 18:28). A segunda diferença é mais séria em termos
cronológicos. Hoje, não temos informação de como o mês 13 ou mês intercalado
foi inserido no calendário lunar da Palestina a cada três anos ou mais, logo no
início do primeiro século.
Dadas essas variáveis, o cronógrafo deve se contentar em simplesmente citar a
gama de possibilidades c suas probabilidades. Após estudar com atenção materiais
70 cronológicos relevantes, estimaria que o ano da crucifixão de Jesus provavelmenre
pode ser limitado a 30 ou 31 d.C.; outras datas anteriores ou posteriores parecem
menos possíveis. Na falta de mais informações cronológicas para se determinar
essa data de modo mais direto, é difícil no presente escolher entre essas duas datas
tendo como base apenas dados cronológicos ou históricos.
Essas datas de 30 ou 31 d.C. nos levam a uma exatidão de mais ou menos um
ano cm 490 para o cumprimento cronológico desses dados proféticos. Para um
exaustivo e excelente debate sobre o ano da morte de Jesus, veja o Comentário Bí-
blico Adventista, vol. 5, p. 251-265. Estabelecer as datas para o começo da primeira
e da setuagésima semanas dessa profecia (27, 34 d.C.) é mais importante do que
fixar a data da metade da última semana. O debate anterior indicou que essas
datas têm sido fixadas com bastante exatidão.

34 D.C.
Pelas razões exegéticas e teológicas já citadas (v. 24, p. 54-56), o final das 70
semanas rbi relacionado de forma mais direta com o apedrejamento de Estevão.
Entretanto, a passagem de Atos que descreve esse evento não o data. Sendo assim,
deve ser datado por meio de algum outro mecanismo cronológico. O mecanismo
mais prontamente disponível é relacioná-lo com a data da conversão de Paulo.
Paulo não era cristão quando assistiu ao apedrejamento de Estevão, portanto tsso
70 SKMANAS, LI-VÍTICO E A NATURKZA I>A PROFECIA

não pode ter acontecido depois da conversão de Paulo. Por outro lado, provavel-
mente ocorreu um tempo relativamente curto antes disso.
A fim de determinar a data para a conversão de Paulo, é necessário estabelecer
um ponto cronológico fixo algum tempo depois em sua vida. Então, é possível
trabalhar retrocedendo dai até sua conversão. A apresentação de Paulo diante de
Gálio, o procônsul de Acaia, oferece um ponto fixo (At 18:12). O proconsulado
de Gálio pode ser datado de 51-52 d.C. com base numa inscrição encontrada em
Del tos que o menciona.
Retrocedendo a partir da segunda jornada missionaria de atos 16-17, chegamos á
primavera de 49 d.C., data do início da jornada que levou Paulo a Corinto, a capital
do governo de Acaia. Isso dataria o concílio de Jerusalém de atos 15 em 48/49 d.C.
Visto que essa visita a Jerusalém parece ser a de "14 anos depois" mencionada em
Gaiatas 2:1, datas anteriores podem ser determinadas ao se retroceder esses 14 anos de
48/49 d.C. a 35/36 d.C. Gaiatas 1:18 se refere a outro período de três anos que são
considerados como precedentes desses 14 anos, ou seja, de 33/34 d.C. a 35/36 d.C.9
A partir dessa interpretação da evidência cronológica, podemos datar a con-
versão de Paulo em 34 d.C. Embora datas anteriores e posteriores tenham sido
sugeridas para sua conversão, essa data pode bem representar um ponto mediano
entre as sugeridas. 10
O apedrejamento de Estevão deve ser datado mais tarde na ou ao final da se- 71
tuagésima semana de Daniel, uma vez que, nessa base, não poderia ter acontecido
depois de H d.C. Embora Atos não seja específico nesse aspecto, alguns meses
parecem ser um período adequado entre o martírio de Estevão e a conversão de
Paulo. Embora isso não possa ser provado definitivamente, a data mais razoável
disponível para o apedrejamento de Estevão é algum momento em 34 d.C.

RESUMO
Examinamos as fontes bíblicas e extra-bíblicas relevantes para o estabelecimen-
to das datas dos cinco eventos preditos especificamente por 9:24-27. Duas dessas,
457 a.C. e 27 d.C. podem ser estabelecidas com considerável segurança quanto
a sua exatidào. Uma delas, 34 d.C., representa a interpretação mais razoável da
informação disponível atualmente. Outra, a de 30 d.C. ou 31 d.C. (para o evento
que ocorreu na metade da setuagésima semana), representa uma exatidão de mais
ou menos um ano, em 490.
Não está disponível nenhuma fonte histórica, seja bíblica ou extra-bíblica,
com que se possa se avaliar a data de 408 a.C. Sendo assim, ela se torna neutra,
historicamente falando, quando se determina com quanta exatidão essa profecia
foi cumprida. Por outro lado, as quatro datas restantes representam uma colecão
um tanto notável de cumprimentos históricos e cronológicos dos eventos preditos
A PROKKC1A DH DANIEL 9:24-27

por essa profecia. Essas datas de cumprimento de predições de tempo dão seu
testemunho da presciência de Deus revelada por meio dessa profecia.

RELAÇÕES DE TEMPO ENTRE DANIEL 8 E 9

Em outra parte, discuti a evidência de que o termo "visão" (hãzôn), como


usado na pergunta de 8:13 ("até quando durará a visão...?"), indica que os 2.300
dias deveriam começar no período persa.11 Essa época histórica é delimitada pelas
profecias dos capítulos 2, 7 e 11 ao período entre a conquista de Babilónia por
Ciro e a conquista do império persa por Alexandre (539-331 a.C.).
É possível delimitar ainda mais a data para o início dos 2.300 dias (dentro
desses limites)? A profecia de 9:24-27 provê esse refinamento ao fornecer a base
bíblica para combinar as 70 semanas (cap. 9) com os 2.300 dias (cap. 8).
Abaixo está um breve resumo dos dados que indicam a relação entre os perío-
dos de tempo desses dois capítulos.
1. Terminologia profética técnica. Quando Gabriel veio até Daniel (9:23), ele
o instruiu a "considerar a palavra [que eu trago a você agora] e entender a visão
(que você teve anteriormente]" (tradução do autor). Aqui Gabriel reporta Daniel
à visão do capítulo 8 de uma maneira muito específica. A palavra traduzida para
visão aqui é mar'eh, um termo que se refere de modo mais especifico à "apari-
ção" de pessoas. Mar 'eh é usado em contraste com a palavra hãzôn, o termo mais
comumente usado para as visões simbólicas em Daniel. Para um exemplo desse
contraste, veja suas ocorrências em 10:7-8 (mar'eh), 14 (hãzôn}.
A mesma distinção é mantida em 8:26, onde Gabriel assegurou a Daniel que
"a .... [mar 'eh\ da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira". Mas ele foi instruí-
do a "selar/preservar a visão (hãzôn)". A primeira referência é á aparição dos seres
(angélicos) que discutem os 2.300 dias (8:13-14). A segunda referência é à visão
simbólica que ele teve até esse momento (v. 2-12).
Em 9:23 vemos que Gabriel não reportou Daniel à visão simbólica do capítulo
8 em geral usando hãzôn. Em vez disso, o anjo o reporta especificamente à mar 'eh
dos dois seres angélicos nos versículos 13-14 e à discussão deles sobre o período
de tempo de 2.300 dias. Visto que a sentença seguinte de Gabriel é sobre as 70
semanas, é óbvio que essas 70 semanas estão diretamente relacionadas aos 2.300
dias. Portanto, a palavra técnica para "visão" (mar'eti) claramente une esses dois
períodos de tempo.
2. Distribuição do elemento tempo. Essa ligação entre esses dois períodos de
tempo proféticos complementa nossa discussão acima sobre terminologia profé-
tica. A localização costumeira para elementos temporais nas profecias de Daniel
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFECIA

está ao final das visões ou ao final de suas interpretações (cf. 7:25, 8:14 e 12:7, 11-
12). O capitulo 9 é singular a esse respeito, visto que sua profecia começa com um
período de tempo, e elementos temporais estão distribuídos por todo o capítulo.
Em termos de estrutura literária, isso tem o efeito de justapor as 70 semanas (o
começo da profecia de Daniel 9) aos 2.300 dias (a parte final da visão de Daniel
8). Essa justaposição literária sugere que esses elementos temporais devem ser con-
siderados como relacionados diretamente.
3. O começo do período persa. As 70 semanas começaram no período persa.
Foi um rei persa que emitiu o decreto para reconstruir Jerusalém (9:24-25). Dis-
cuti em outra parte12 as razões por que a palavra "visão" (8:13-14) indica que os
2.300 dias também começaram no período persa. Isso significa que o período de
tempo do capítulo 8 começou no período persa em geral, enquanto o período de
tempo do capítulo 9 começou nesse mesmo período num ponto específico. Dadas
essas relações, a data do último pode ser vista prontamente como fornecendo a
especificidade exigida pelas informações mais gerais do primeiro.
4- O verbo "cortado". O verbo usado por Gabriel na sua primeira declaração
sobre as 70 semanas é uma forma passiva (Niphal) da raiz hãtak ("setenta semanas
estão determinadas sobre o teu povo"). Essa raiz significa tanto "cortar" ou "deter-
minar, decretar". Pelo fato de essa ser a única passagem no Antigo Testamento
onde aparece a palavra, seu significado aqui tem sido discutido. 73
O significado de "determinar, decretar" foi derivado do hebraico mishnaico
que data de um milénio depois da época de Daniel. Entretanto, mesmo nos escritos
mishnaicos o termo foi mais comumente usado com o significado de "cortado".
E um princípio reconhecido da filologia semítica que os significados amplia-
dos de verbos semíticos se desenvolveram a partir de significados concretos na
direção de conceitos abstratos. Assim, é válido inferir que o significado da raiz
dessa palavra envolvia a ideia concreta de cortar. As ideias abstratas de determinar
e decretar são desenvolvimentos posteriores dessa raiz. Portanto, na época de Da-
niel, essa palavra já significava "cortar". Devido à falta de evidência comparativa,
não é possível determinar no presente se o significado ampliado de "decretar,
determinar" já havia sido desenvolvido na época.
O único material comparativo importante, do cananita ugarítico do século
13 a.C., apoia de alguma forma a ideia de que essa noção verbal básica da raiz era
cortar, não decretar ou determinar. Assim, essas três linhas de evidência - (1) sig-
nificado da raiz sobre o significado ampliado, (2) o caso do cognato ugarítico, e (3)
o significado predominante em fontes mishnaicas posteriores - favorecem (mas
não provam totalmente) que esse verbo seja traduzido aqui como "cortado". Seu
significado aparente enfatiza a ideia de que as 70 semanas devem ser entendidas
como cortadas dos 2.300 dias mencionados na profecia anterior.
A PROVIA DH DANIEL 9:24-27

RESUMO
Esses dois períodos proféticos de tempo das 70 semanas e dos 2.300 dias (cap.
8-9) podem estar diretamente relacionados. Eles estão ligados pela terminologia
profética (mar 'eh), suas localizações na estrutura literária de Daniel (a justaposição
de unidades de tempo), seu inicio no mesmo período histórico (persa), e pelo
verbo introdutório usado com o período de tempo da segunda profecia (hã[ak,
"cortado"). É possível encontrar apoio adicional para o significado de hâtak de-
vido à sua localização dentro dessa profecia conforme se segue: de um ponto de
vista literário, essa palavra para "cortado" (hã[ak) é comparada a outro verbo para
"cortar" (kãrat), que aparece no versículo 26a. A palavra usada para "decreto" nes-
sa profecia (hãras) nos versículos 26b, 27b é comparada ao seu homónimo "vala"
(hãrús) no versículo 25c. Os interessados em mais informações sobre as relações
entre os capítulos 8 e 9 podem consultar meu estudo mais detalhado desse tema
em TJu; Sanctuary and the atonement (O Santuário e a Expiação)."

ESTRUTURA LITERÁRIA DE DANIEL 9:24-27


74
Um estudo atento da estrutura literária dessa profecia indica que ela foi es-
crita na forma de poesia, como muitas outras profecias do Antigo Testamento. J.
Doukhan demonstrou que essa passagem poética também está organizada na for-
ma quiástica. 14 Embora eu divirja de Doukhan cm alguns pontos dessa estrutura,
sua ideia básica de que essa passagem está organizada em forma cie quiasma foi
observada em meu estudo sobre ela. Minha sugestão é a de que não existe apenas
um quiasma nessa passagem, mas dois.
O primeiro encontra-se no resumo geral do versículo 24. O segundo está
presente na apresentação mais detalhada dessa profecia nos versículos 25-27. O
quiasma básico do versículo 24 pode ser visto no seguinte esboço com referência
a um breve resumo do quiasma dos versículos 25-27.
Quiasma l
(v. 24)
Obra de Deus
Fazer expiação
Trazer justiça
Obra do povo Os Resultados
A Cessar a rebelião A' Cessa a voz profética
Cessar a transgressão R' O ministério celestial começa
70 SEMANAS, UVÍTICO E A NATURfcZA PA PRORÍC1A

O segundo quiasma dessa passagem segue abaixo (de forma resumida):

Quiasma II
(v. 25-27)
B O Messias

Construção da Destruição da
A
Cidade Cidade

Os elementos básicos em A e A' acima nesse panorama foram elaborados em


Linidades paralelas como seguem:

O Messias, 26a
Construção, 25c Destruição, 26b
O Messias, 25b O Messias, 27a
Construção, 25a Destruição, 27c

Os esboços desses dois quiasmas (v. 24 e v. 25-27) podem agora ser unidos a 75
alguns detalhes. Observe, na página seguinte, que eles são colocados em ordem
reversa, o detalhado (quiasma II) seguido pelo resumo (quiasma 1).
A m ireciA DE DANIEL 9:24-27

ESTRUTURAS QUIÁSTICAS DE DANIEL 9:24-27


Morte do
Quíasma II Messias
(v. 25-27) 26a
Construção Destruição
da Cidade da Cidade
25c 26h
Tempo do Aliança do
Messias Messias, 27a
25b Concluído o
sacrifício terreno
27b
Construção da Destruição
Cidade 25a da Cidade
27c
76
Quiasma l
(v.24) Expiação pelo pecado
Justiça eterna

Construção, so-
ciedade justa (cês Selamento da
sar o pecado) visão e do profeta

Santuário
Construção, sociedade justa celestial *
(cessar a transgressão) ungido

Escritores bíblicos que empregaram as estruturas quiásticas como um mecanis-


mo literário podiam assim colocar uma forte ênfase sobre essas declarações inseridas
no ponto central do quiasma. Na segunda seçâo dessa profecia (v. 25-27) é a morte -
a execução - do Messias que aparece no ponto central ou ápice do quiasma. Assim,
a estrutura quiástica dessa profecia enfatiza a importância de sua morte.
A forma poética da estrofe de três linhas central na qual essa predição está ex-
pressa contribui para a ênfase. Observe que sua forma se move de uma longa linha
70 StMANAS, LEVtnCO E A NATUREZA DA PROFECIA

de 13 sílabas para uma curta, de três sílabas. Isso pode ser visto principalmente
no hebraico no gráfico abaixo e n partir da transliteracão, tradução e da análise
poética da estrofe de três linhas. Leia de baixo para cima:

ÊNFASE POÉTICA NA MORTE DO MESSIAS (v. 26)

Transliteracão hebraica Acentos Sílabas Português


(ler de baixo para cima) de ênfase (|cr J c baixo para cima)

3. w° ên Io 2 3 Mas ninguém será por ele


2. Yikkârêt mãsíah 2 6 O Messias será cortado

l vS'ahrêhassãbu'Ím sissim ús*naim 4 U Depois das sessenta e


duas semanas

No ápice da estrutura literária dessa profecia, o Messias fica sozinho em sua


morte. O número cada vez menor de palavras, acentos, sílabas e consoantes (no
texto hebraico) culmina com a frase mais curta da profecia para focalizar a solidão ?7
do Messias na sua morte (literalmente, "ninguém por ele")-
O quiasma do versículo 24 pode ser unido com o do versículo 25-27. Assim
como ao povo de Deus é dado o dever de construir a cidade (quiasma II), é incum-
bido de construir uma sociedade justa para morar nessa cidade (quiasma I).
Assim como a morte do Messias acontece no centro do quiasma dos versí-
culos 25-27, também o real significado de sua morte é identificado no centro
do quiasma do versículo 24. Sua morte faria expiação por todo o mal e, como
resultado, traria a justiça eterna. As consequências de se rejeitar o Messias apa-
recem em certos pontos nos ramos descendentes de ambos os quiasmas.

DANIEL 9:24-27 NA ESTRUTURA LITERÁRIA DO LIVRO


A principal obra sobre a estrunira literária do livro de Daniel foi escrita por
A. Lenglet.1'' Nessa obra ele sugeriu que a seção em aramaico de Daniel (cap. 2-7)
consiste de três pares de narrativas que deveriam ser relacionadas umas as outras
no padrão quiástico de A:B:C: :C':B':A'.
Nesse arranjo, as duas profecias que esboçam a história mundial (cap. 2, 7) fo-
ram emparelhadas (A e A'). As narrativas dos capítulos 3 e 6, que falam da persegui-
ção dos amigos de Daniel e dele mesmo, foi emparelhada também (B e B'). O par
A 1'ROFEUA DE DANIEL 9:24-2?

final de narrativas (cap. 4 e 5) consiste dos julgamentos proféticos pronunciados


sobre os dois governadores neobabilônicos, Nabucodonosor e Belsazar (C e C')-
Uma vez reconhecida, essa estrutura é bastante óbvia. Creio que ela deve ser
considerada uma base para a análise literária da seção em hebraico do livro, não
considerada por Lenglet. Se esse livro foi escriro todo pelo mesmo autor, então se-
ria de se esperar encontrar o mesmo tipo de estrutura na metade hebraica do livro.
Esse parece ser o caso. Veja o seguinte diagrama literário das porções históricas e
proféticas do livro de Daniel:

l)
Morre
sozinho,
Messisas
9:26
Pessoa de Deus
C C*
C c*
Profecia Profecia^
Profecia Profecia
do rei do rei
do rei do rei
decreto para decreto para\
4 5 construir destruir
frfobuoodonosor Belsazar
9:25 9:27

B B1
B
Julgamento: Julgamento:
'Julgamento:
oração Clamor pelo
Imagem, para retorno templo
3
9A LO
Povo de Povo de
Deus Deus
A' A'
Profecia dos reinos: Profecia dos reinos Profecia dos reinos: Profecia dos reinos:
Homem, 2 Animais, 7 Animais, 8 Homem, ll-12a
Epílogo profético,
Prólogo histórico, l Aram a iço Hebraico
12b
Na segunda seção do livro de Daniel temos, no início e no final, mais duas
importantes profecias que esboçam a história mundial, no capitulo 8 e ll-12a. As
relações no próximo nível, ou nível intermediário, da estrutura quiástica envolvem
70 SEMANAS, LEVJTICO E A NATUREZA DA PROKHI;IA

diferentes julgamentos pelos quais o povo de Deus passou. Os julgamentos descri-


tos nos capítulos 3 e 6 eram de âmbito pessoal. Os descritos na oração do capítulo
9 e a experiência do capitulo 10 eram de um nível mais coletivo. Contudo, há uma
semelhança quanto às pessoas envolvidas diretamente: os amigos de Daniel (cap.
3), Daniel sozinho (cap. 6 e 9a) e Daniel e seus amigos (cap. 10).
Em Daniel 9, o profcra sentiu que o tempo havia chegado para seu povo retor-
nar a sua terra, mas isso ainda não havia acontecido. Sua expectativa lhe deu boas
razões para orar pela libertação de seu povo do exílio. No capitulo 10, o profeta
pranteou e jejuou devido a alguns reveses que tinham sobrevindo ao povo de
Deus. Esses problemas muito provavelmente têm a ver com a suspensão da cons-
trução do templo em Jerusalém devido à oposição (cf. Ed 4:1-4).
No topo do quiasma na primeira metade de Daniel aparecem duas profecias
dadas pessoalmente a dois monarcas neobabilônicos. A segunda metade do livro
não fornece narrativas completas de natureza semelhante. Porém, fornece algu-
mas declarações proféticas sobre a atividadc de certos governantes estrangeiros.
Um rei persa emitiu as ordens que enviou Esdras e Neemias de volta a Jerusalém
para começar e concluir sua construção, como predito em 9:25. Um governador
romano iniciou a guerra que destruiu Jerusalém (70 d.C.), como predito em
9:27. Portanto, esses elementos abreviados nessa profecia tomam o lugar das
narrativas mais extensas sobre reis individuais na primeira metade do livro. 79
A despeito das várias semelhanças entre os conteúdos das estruturas quiás-
ticas na primeira e segunda metade de Daniel, há uma importante diferença.
A pirâmide literária quiástica da primeira metade do livro não tem topo, mas a
da segunda metade sim.
O primeiro quiasma é constituído de um número de elementos comparativos
em parres iguais (três pares deles). Por outro lado, o segundo quiasma é constituído
de um número desigual de elementos no seu esboço. Essa característica dá à segun-
da metade do livro um ápice ou bloco central no topo de sua pirâmide quiástica,
que é sustentada pelos seus três pares literários. Nesse ápice a estrutura literária da
segunda metade do livro se concentra sobre o Messias e sua morte.
Como observamos anteriormente, um dos principais propósitos para a
utilização das estruturas quiásticas foi o de enfatizar seus elementos centrais.
Dessa forma, a maior ênfase do livro de Daniel (em termos de sua estrutura lite-
rária geral) se evidencia aqui. Elevando-se sobre as ruínas do tempo, levantado
entre céu e terra, o Messias é encontrado aqui morrendo sozinho e rejeitado,
mas provendo expiação e justiça eterna nessa morte solitária. Esse é o Monte
Everest, o ápice literário do livro, e aqui encontramos Jesus Cristo como o
Messias que sofre e morre.
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

TEOLOGIA DE DANIEL 9:24-27

As discussões precedentes da estrutura literária de Daniel 9:24-27 retrataram o


Messias como o foco central dessa profecia. Esse mesmo ponto pode também ser
deduzido simplesmente a partir da quantidade de informação que a passagem for-
nece sobre Ele. Oito pontos podem ser destacados de nossa exegese da profecia:
1. O Messias (por meio de sua morte) faria expiação final pelo pecado (v. 24c).
2. Por meio de sua morte expiatória, o Messias traria justiça eterna à humani-
dade (v. 24d).
3. A justiça eterna provida por essa expiação deveria ser ministrada aos seus
beneficiários a partir de um novo santuário - o santuário celestial. A inauguração
desse santuário é mencionada nos versículos 24-25 com a unção do santíssimo,
4. O Messias surgiria e seria ungido para o serviço de seu ministério público
num momento específico - em 27 d.C. - de acordo com a cronologia desenvolvi-
da para o versículo 25b.
5. Em algum momento durante a setuagésima semana o Messias morreria (v.
26a). No entanto, sua morte não seria natural, pois Ele seria cortado por outra
pessoa ou pessoas. Ele seria morto.
6. O Messias morreria sozinho, abandonado e rejeitado (v. 26b).
7. Durante a última semana dessa profecia, o Messias fortaleceria a aliança que
Deus fez com seu povo (v. 27a).
8. Na metade da última semana, por ocasião de sua morte, o Messias faria cessar o
serviço sacrificai do templo no que diz respeito ao seu significado teológico (v. 27b).
Com essa revisão, é possível ver que a profecia é verdadeiramente messiano-
cêntrica na terminologia de Daniel. Ao olharmos para os eventos preditos em
Daniel com a perspectiva do Novo Testamento, vemos seus cumprimentos na
vida, morte, ressurreição, ascensão e ministério atual de Jesus Cristo. Examinada
a partir desse ponto de vista, essa passagem pode ser identificada como uma pro-
fecia profundamente cristocèntríca.
Uma parte notável da experiência do Messias descrita por essa profecia aponta
para sua morte: (1) a natureza dessa morte (ele seria morto por alguém), (2) sua
experiência nessa morre (abandonado e rejeitado), e (3) os resultados dessa morte
(expiação, justiça; um fim para o ministério do antigo santuário, e o início de um
novo ministério no santuário). A ênfase sobre o Messias e sua experiência classifica
essa passagem junto com outras grandes profecias messiânicas do Antigo Testamen-
to que o indicam como o sofredor servo de Deus (Si 22, Is 53).
Mas essa profecia não é apenas uma declaração sobre a obra de Deus por meio
de seu servo sofredor. Sua experiência não foi desenvolvida no vazio, mas em relação
ao povo de Deus. Assim, 9:24-27 é uma profecia sobre Deus e o homem.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

No que tange à humanidade, vemos nessa profecia que a oração de Daniel seria
atendida. O povo de Deus retornaria à sua terra e reconstruiria seu templo e sua ci-
dade. As bênçãos da aliança voltariam a eles novamente e, com isso, viria sobre eles
uma nova responsabilidade, a de obedecer ao Deus que manteve sua aliança com
eles. Essa ideia é expressa em outra parte no Antigo Testamento pela analogia de que
o retorno do exílio representaria um novo Êxodo.
Parte de suas obrigações seriam responsabilidades tísicas. Eles reconstruiriam
o templo e a cidade. Isso não seria fácil, mas seria desempenhado em tempos an-
gustiosos, ou seja, sob oposição. Este toi o caso na experiência da comunidade de
Judá sob o comando de Esdras e Neemias.
Então, chegamos ao Messias em relação ao seu povo. Assim como as refe-
rências ao Messias marcam o centro dessa profecia em termos de sua estrutura
literária, também sua vinda demarcou um grande divisor na experiência de seu
povo. Duas oportunidades estavam diante deles. No começo dessa profecia eles
foram exortados a se preparar para a vinda do Messias fazendo cessar o pecado e
o espirito de rebelião que os conduziram ao primeiro exílio. Em suma, deveriam
desenvolver uma sociedade justa, adequada para recebê-lo.
O fracasso em desenvolver uma sociedade justa resultaria em consequências ter-
ríveis. O impacto dessa profecia tem um carátcr muito deuteronòmico. Os caminhos
pelos quais o povo de Deus poderia receber as bênçãos ou maldições da aliança estavam
abertos a eles. Infelizmente, a profecia termina com um relato negativo e trágico.
E predito que o povo de Deus falharia em fazer cessar o espírito de rebelião
que os afligiu antes. Ainda haveria uma profunda tendência para o pecado no
arraial quando o Messias viesse. Essas falhas resultariam na rejeição dele. Outras
consequências se dariam no rastro dessa escolha infeliz. Eles seguiriam seu inexo-
rável curso até que a cidade e o templo que seriam reconstruídos (de acordo com
afirmações anteriores dessa profecia) fossem arruinados (de acordo com afirmações
finais dessa mesma profecia). Esses acontecimentos não foram predestinados por
Deus assim, mas foi previsto que isso ocorreria no curso dos eventos.
Uma terceira pessoa aparece na cena de acão em direçào ao final dessa
profecia. Ela é conhecida como o "desolador". Historicamente, esse papel foi
cumprido pelas forças da Roma imperial, que destruíram a cidade e o templo
deixando-os desolados.
Paralelos para esse tipo cie experiência podem ser encontrados em outras
partes do Antigo Testamento. A Assíria foi algumas vezes vista pelos profetas
como um instrumento usado por Deus para julgar o reino do norte, Israel. Ba-
bilónia foi também vista algumas vezes como um instrumento por meio do qual
o reino do sul, Judá, foi julgado.
Apesar de ter-lhes sido permitido cumprir o propósito de Deus de tempos em
tempos, essas nações não ficariam impunes. Elas também seriam julgadas, como é
A PROFECIA DE DANIEL 9:24-27

indicado de forma bem clara nas profecias contra as nações estrangeiras encontradas
nos escritos de vários profetas do AT. Uma das formas como a frase final da profecia
de Daniel tem sido interpretada traria tais consequências sobre Roma também.
Assim, Daniel 9:24-27 é uma profecia sobre Deus e um Homem e homens.
O Homem escolhido de Deus aqui foi o Messias, que viria para fazer sua obra na
terra e então no Céu. O primeiro grupo de homens é o povo de Deus. Uma grande
oportunidade lhes é oferecida no início dessa profecia. Porém, ao final dela torna-
se evidente que eles não receberiam as bênçãos que teriam vindo em decorrência
de terem cumprido as responsabilidades que acompanhavam essa oportunidade.
Como resultado, é visto um segundo grupo de homens. Seus atos seriam contra o
professo povo de Deus, uma vez que desolariam sua cidade e seu templo.
Essa profecia parece acabar com uma nota sombria. Deve-se relembrar, no en-
tanto, que as grandes provisões para a salvação da humanidade trazidas pela obra
do Messias continuariam vigentes além daquele tempo. Essas incluem a justiça
trazida por sua expiação e seu ministério contínuo no santuário celestial.
É essa conexão com o santuário celestial que une a profecia de forma especial
com outras linhas proféticas do livro de Daniel. Como paralelos, vimos um mi-
nistério diário no santuário celestial que pertence ao Príncipe do exército (cap.
8). E vemos a figura de um Filho do Homem concluindo um julgamento nesse
82 mesmo templo celestial (cap. 7).
O Messias que faz expiação pelo pecado por meio de sua morte (cap. 9), e que,
como Príncipe do exército, desempenha um serviço sacerdotal no santuário no
Céu (cap. 8), é também o Filho do Homem que recebe domínio universal e um
reino que nunca terá fim. A derrota aparente registrada no cap. 9 é minimizada
pela garantia da vitória final registrada no capítulo 7 que o precede.
CAPÍTULO 4

O SIGNIFICADO DE K1PPER EM DANIEL 9:24


Pierre Winandy

S inopse editorial. A frase cm hebraico, lekappêr 'âwôn, está no centro da es-


trutura literária de Daniel 9:24. "Para expiar a iniquidade" é a tradução da
KJV. Duas versões modernas com fraseologia similar traduzem: "fazer expiação
pela iniquidade" (RSV); "fazer expiação pela maldade" (NIV). Dessa maneira, o
fato central da fé cristã foi predito na profecia. Quando o Messias vindouro fosse
"cortado", sua morte faria expiação ou reconciliação pela iniquidade, e trazendo
assim "justiça eterna".
A palavra-chave nessa expressão hebraica é o verbo kâp_ar que aparece nessa
passagem na sua forma intensiva ou Piei como kipper. A raiz kpr desse termo ocor-
re 139 vezes no Antigo Testamento, principalmente na tbrma Piei. Embora quase
todas as ocorrências apareçam no contexto do sistema de adoração do santuário
de Israel, léxicos mais antigos {bem como algumas obras oficiais recentes) interpre-
taram esse significado religioso por meio de um exemplo de uso secular em Géne-
sis 6:14. Nessa passagem, o verbo (utilizado apenas essa vez na forma hebraica Qal)
é empregado para descrever a tarefa de Noé de cobrir a arca com betume. Assim,
tem-se inferido que o significado básico de kpr é "cobrir" e que seu uso religioso
na forma Piei deveria ter o mesmo sentido.
À luz de estudos mais recentes o autor discorda dessa visão mais antiga. Um
estudo erudito focalizou o kipper no contexto de várias passagens do Antigo
Testamento que empregam o termo em conexão com os rituais do santuário e
na designação hebraica para o propiciatório da arca. Termos paralelos nas lín-
guas cognatas e o uso de kipper na literatura judaica e nos Rolos do Mar Morto
também foram examinados.
Esses estudos demonstram que no seu uso cúltico ou religioso kipper significa
expiar ou remover por meio cio sacrifício. O termo não carrega a ideia de cobrir
alguma coisa. Assim, o foco da frase central em 9:24 está no maior de todos os
sacrifícios, a morte do cordeiro de Deus, que realizou uma expiação definitiva,
uma completa remoção do pecado.
O SIGNIFICADO DE KlPPFJt EM DAN1BL 9:24

ESBOÇO DO CAPÍTULO

1. Introdução
2. Uso nâo-rehgioso de kpr
3. Significado religioso de kpr
4. Kipper Q Daniel 9:24

INTRODUÇÃO

Compreensões diferentes do significado de kipper (da raiz de três letras, kpr}


têm conduzido a interpretações teológicas diferentes. Dicionário! ou léxicos não
ajudam muito, uma vez que geralmente aplicam de forma arbitrária o significado
da forma Qal dessa raiz em Génesis 6:14 (kãpfzr) para a forma Piei (kipper}, que
é a forma usual encontrada no contexto religioso do santuário. Por conseguinte,
devemos examinar o uso religioso desse termo a fim de determinar com mais exati-
dão seu verdadeiro significado em tais contextos. Mas primeiro observaremos seu
significado num sentido não-religioso no Antigo Testamento.
84

USO NÃO-RELIGIOSO DE KPR

1. Génesis 6:14. No Antigo Testamento há apenas alguns exemplos do uso


não-religioso dessa raiz. Examinamos dois exemplos. Génesis 6:14 é o único caso
onde a raiz é conjugada no ativo hebraico simples ou forma Qal: "Você, porém,
fará uma arca de madeira de cipreste; divida-a em compartimentos e revista-a [kpr
- kãrjar] de piche por dentro e por fora."1
Como a NV1 corretamente traduziu, a arca não é "coberta" de betume (no
sentido de receber uma "cobertura" ou um "invólucro"), mas é "envolta" com be-
tume. Em outras palavras, o betume é "Besuntado" sobre a arca. Esse significado
da forma Qal introduz muito bem a noção de "esfregar" que é com frequência en-
contrada na forma Piei ativa intensiva do verbo em línguas cognatas. Voltaremos
mais tarde a essa noção.
2. Génesis 32:20. "E acrescentem: Teu servo Jacó está vindo atrás de nós.
Porque pensava: Eu o apaziguarei [kpr = kipper] com esses presentes que estou en-
viando antes de tnim; mais tarde, quando eu o vir, talvez me receba." A expressão
traduzida pela NIV "Eu o apaziguarei" ["/ will pacity", em inglês) não poderia ser
traduzida literalmente como "Cobrirei sua face". O contexto já exclui a tradução
70 SEMANAS, LEV!TK;O E A NATUREZA HA PROFECIA

literal "cobrir" a face, pela simples razão de que a frase continua dizendo (literal-
mente) "e depois verei [ou olharei para] sua face".
E interessante notar que o Targum de Samuel traduz: "Polirei sua face". Rashi
explica no mesmo documento que quando a palavra hebraica kãgar precede as
palavras "pecado", "iniquidade" e "face", deve ser traduzida por "remover", como
no aramaico e no Talmude. Os árabes dizem de fato "limpar", "branquear a face"
quando desejam "honrar" ou "agradar" alguém.
Portanto, esses dois textos não podem ser usados como uma prova oficial
de que o primeiro significado literal de kãgar, "cobrir", deve determinar a ideia
aplicada desse mesmo termo quando usado na sua forma Piei em contextos sa-
cerdotais. A ocorrência desse verbo no Antigo Testamento dá-se quase sempre
no contexto religioso do santuário e nas formas ativa intensiva c passiva do
hebraico do verbo (Piei e Pual).

SIGNIFICADO RELIGIOSO DE KPR

Essa raiz verbal ocorre 139 vezes no Antigo Testamento. Uma vez que vários
exegetas2 fizeram pesquisas extensas sobre seu uso, nos limitaremos a resumir as con-
clusões sugeridas.

REVELAÇÕES DO CONTEXTO

Sabe-se que um dos raros contextos que podem esclarecer o significado da


raiz é Levitico 17:11. B. A. Levine oferece a seguinte tradução na qual insere a
forma substantiva do verbo (kõfíer, algumas vezes traduzido como "resgate", Ex
21:30) como o objeto da forma infinitiva do mesmo verbo que de fato aparece
no texto (lekappêr):

Pois a vida da carne está no sangue, e eu o tenho designado a você para


servir como expiação (kõfjer) por sua vida (lekappêr 'ai nagsõtêkem) no altar,
pois o sangue pode expiar de acordo com o valor da vida.

Ele explica ainda:

O Bcth Ia letra hebraica para "b") na palavra banneges [por sua alma/vida]
é Bethpretii "de preço". O sentido é que o sangue pode (substituir! a vida até a
medida exigida para resgatá-la, redimi-la... A concepção subjacente aqui é o pá-
O SIGNIFICADO DE KJPPKR EM DANIILL 9:24

pel do sangue como a força da vida. Como tal, o sangue pode servir como um
substituto para a vida; a parte pelo todo. A segunda parte de Levitico 17:11, se
compreendida corretamente, expressa essa noção com clareza...3

Como Levine tinha observado antes, "o kõ^er é assim um substituto para a
vida(Êx30:12;Is43:3)". 4
Dois outros parágrafos resumem as conclusões de Levine sobre o significado
dessa raiz na forma Piei (kipper) conforme usada em muitas passagens do Antigo
Testamento:

Como vimos, kipper significa: "realizar ritos de expiação". Seu uso em


fontes sacerdotais é quase sempre associado com os sacrifícios expiatórios, o
ha(tã't e o 'asam. Segue-se que o uso de sangue nessas atividades deve ser en-
tendido como expiatório ou purificador. 5

A despeito de algumas ambiguidades persistentes na classificação dos dados


acadianos, é possível demonstrar de forma um tanto convincente que o kipper
do hebraico bíblico e formas relacionadas não refletem o tema cobrir ou ocul-
tar pecados, mas sim o sentido de limpar, e a eliminação que resulta disso.6
86
Embora muitos textos pudessem ser citados, deve-se notar outros dois (além
de Levitico 17:11):
Ezequiel 43:20: "Tomarás do seu sangue e o porás sobre os quatro chifres do
altar...assim, farás a purificação e a expiação [kipper}"
Levitico 16:30: "... se fará expiação [kipper] por vós, para purificar-vos."
Nessas passagens não são feitas sequer alusões a se cobrir pecados. Por outro
lado, uma clara relação entre expiação e purificação é indiscutivelmente expressa.

SIGNIFICADO DO KAPPÕRET (PROPICIATÓRIO)

A palavra kappõret é um substantivo feminino da raiz kpr. Ela literalmente sig-


nifica "reconciliação/expiação", mas é traduzida em nossa versão comum como
"propiciatório". O kappõret foi o centro dos importantes rituais do Yôm Kippur
(Dia da Expiação). É à luz dessas cerimónias que o significado de kappõret pode
ser determinado.
No Dia da Expiação, o sumo sacerdote se aproximava duas vezes do kappõret
com sangue sacrificai: (1) "tomará [Arão] do sangue do novilho e, com o dedo, o
aspergirá sobre a frente do propiciatório [kappõret]" (v. 14). (2) "trará o seu sangue
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA PA PROFECIA

Ido bode] para dentro do véu; e fará o com seu sangue como fez com o sangue do
novilho; aspergilo-á no propiciatório [kappõret} e também diante dele. Assim, fará
expiação pelo santuário por causa das impurezas dos filhos de Israel, e das suas
transgressões, e de todos os seus pecados" (v. l 5-16).
O próprio Deus falou a Moisés "de cima do propiciatório" (Nm 7:89). Era,
nesse sentido, o assento solene de sua santa, perfeita e pura majestade divina. Den-
tro da arca e sob o kappõret_ ficavam as tábuas de sua lei, os Dez Mandamentos. No
Dia da Expiação, o sangue sacrificai era aspergido sobre e diante do kappõret. O
kappõrei era, então, o receptáculo do sangue expiatório, sangue que produzia uma
limpeza, remoção, purificação e perdão pela redenção dos pecados confessados.
Em todas essas cerimónias, nenhuma alusão é feita à ideia de que os pecados
eram "escondidos" na arca de modo a se pensar que o kappõret os "cobrisse". O
absurdo de tal situação é evidente quando levado à sua aplicação extrema.
Concordamos com a última edição (1981) do dicionário de Brown Driver: "A
antiga explicação cobrir, tapar não tem justificativa quanto ao seu uso."7

SIGNIFICADO DA RAIZ KPR NAS LÍNGUAS COGNATAS


07
Resumo brevemente minhas conclusões a partir da pesquisa anterior."
O termo assírio kapãru significa (1) remover; (2) aniquilar, kuppuru: remover,
limpar objetos, esfregar, purificar, expiar.
Na primeira forma, o verbo árabe tem o significado de "cobrir, esconder"; e no
âmbito espiritual, a pessoa sem fé "cobre" a verdade ao negá-la ou tenta colocar um véu
sobre sua falta de modo que o ofendido não veja nada que o incomode. Na segunda
forma, no entanto, kafara tem o sentido cxato do kipper hebraico - expiar.9 Sabe-se que
o uso sacerdotal da palavra hebraica corresponde à segunda forma do verbo em árabe.
Medebielle 10 observa que existe:

Entre kuppuru (assírio) e kipper uma afinidade muito maior do que entre o árabe
e o hebraico, não apenas a mesma forma verbal é usada, ... mas o mesmo termo
ritualístico é aplicado nas mesmas circunstâncias, esperando resultados idênticos.
Sem dúvida, as cerimónias diferem; a liturgia israelita exclui todo procedimen-
to relacionado à magia usada pelos assiro-babilônicos. Mas nada impediu de se
manter uma expressão intensa, que, por si mesma, descreve simplesmente atos
religiosos que costumavam restabelecer pessoas e coisas à sua pureza primitiva.

Este curto capítulo não permite determinar que língua tomou emprestado
vocabulário e cultura da outra. O que deve ser observado c o significado co-
mum da raiz.
O SK5NIHCALX1 D£ K1PPER EM DANIEL 9:24

Schrank", após estabelecer a possível conexão entre kipper e o kuppuru babi-


lónico, ou seja, uma cura como num ato médico (esfregar o corpo) ou mágico
(expulsão de demónios), declara que se os fatos não permitem uma assimilação da
expiação bíblica, o significado da raiz é comum.
Dhorme" comenta que "de 'esfregar' o significado passou para 'purificar' e
'libertar' porque a fricção costumava purificar o lugar maculado pela doença e
pelo pecado, ou livrar da possessão espiritual".
Incidentnlmente, o mesmo pensamento pode ser observado aqui como no
Antigo Testamento entre o Qal do verbo em Génesis 6:14 ("esfregar") e o serviço
sacerdotal. O verbo akkadiano kaparu tem por seu primeiro significado "remover,
apagar, clarear" e para significados derivados, principalmente com sua forma D,
kuppuru, "purificar (por meio de mágica)", "remover".

TRADUÇÕES DE KPR PELAS VERSÕES ANTIGAS


A Septuaginta (tradução grega das Escrituras hebraicas, terceiro século a.C.)
traduz a raiz kpr por verbos como hilaskomai ("propiciar"), katharizõ ("limpar, pu-
rificar"), hagiazÕ ("santificar, purificar"). Esses três termos se relacionam à propi-
ciação ou purificação.
A VuIgara traduz kappõref por propiciatório. Na Siríaca, kafar significa "remo-
ver, apagar", e na Pael kappar. "purificar, absolver, destruir"; e sua forma derivada:
"purificação, perdão."

USO DA KPR NOS ROLOS DO KÍAR MORTO

Analisei os 17 textos dos Rolos do Mar Morto11 onde essa raiz é usada. Não
foi encontrado nenhum exemplo com a conotação de cobrir. Em todos os casos,
o significado era purificar, expiar, o perdão do pecado.

USO DA KPR NA LITERATURA JUDAICA

Como observado acima, Rashi sustentou que kpr diante das palavras "pecado" e
"iniquidade" deve ser traduzida por "remover", como no aramaico e no Taímude.

OPINIÃO DE ERUD' S • BRE O SIGNIFICADO DE KPR

Eis algumas citações 'e eruditos abalizados:


1. Schotz:14 "Ainda q lê kafar em alguns lugares pudesse ser traduzido como
'cobrir', no ritual do sacrifício esse significado não tem lugar... cm todos os casos
onde o próprio Yahweh é o sujeito da ação de kafar, o significado é remover (no
alemão
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA

2. Moraldí:15 conclui seu estudo sobre kipper afirmando que a palavra não tem
conexão com a ideia de "cobrir". A noção é obliterar, remover por meio de um
sacrifício. Tal expiação tem por resultado a destruição do que é contrário à santi-
dade divina e o restabelecimento da união com o Deus da aliança.
3. Von Rad:16 "mesmo que fosse certeza absoluta que o significado fun-
damental da raiz kafar é 'cobrir', permaneceria a pergunta do que é coberto
e como se dá esse ato de 'cobrir'. Devemos observar que kipper é uma expres-
sai) técnica de culto...Como termo cultural técnico, ele simplesmente significa:
'cumprir um ato expiatório'..."

RESUMO
A partir dos dados anteriores podemos dizer com segurança que num contexto
de atividade sacerdotal kpr - ou mais diretamente a forma Piei, kipper - nunca tem
o sentido de "cobrir". Ao invés disso, a ênfase é sobre a expiação realizada por um sa-
crifício redentor de origem divina que remove os pecados do pecador, purifica-o de
tal modo que ele pode manter seu relacionamento com o Deus santo da aliança.
No entanto, é correto reconhecer que uma vez que o pecado é perdoado por um
ministério sacerdotal, pode ser considerado "coberto". Por exemplo, o salmista se re-
fere a Deus dizendo: "Perdoaste a iniquidade de teu povo, encobriste (kissãti) os seus
pecados todos (SI 85:2). Mas embora kipper, "remover/purificar", esteja com frequên-
cia associado a termos tais como mãhãh, "remover" (Ne 3:37, SI 51:1, 9), nãsã', "levar"
(Ex 10:17; Lv 10:17), e stir, "tirar" (Is 6:7), nunca é associado a kãsãh, "cobrir".
Ora, se Deus, em seu amor, "cobre" o pecado, isso não deveria ser visto como
um ato sacerdotal. Tais declarações simplesmente refletem uma atitude de mi-
sericórdia em direcão ao pecador que certamente não está associada á expiação
necessária, ou não é passível de se confundir com ela.

KIPPER E DANIEL 9:24

A declaração de Gabriel lista várias questões que estariam em foco durante


as 70 semanas. Uma das mais importantes era "expiar a iniquidade" (lekappêr
'ãwôm). Três aspectos no contexto geral podem nos ajudar a compreender as im-
plicações precisas de kipper nessa expressão.
A estrutura poética do versículo 24 reúne três substantivos que têm a ver
com o pecado: transgressão (pesa'), pecados (haíf'ôt)t e iniquidade ('ãwôn). Es-
ses termos mostram uma relação com o sistema do santuário levitico de tipos
e indica que o momento para lidar com o problema do pecado de maneira
definitiva chegou na profecia.
O SIGNIFICADO DE K1PPER F.M DANIEL 9:24

O vocabulário do contexto mais amplo (cap. 8, 9) parece indicar claramente uma


relação ao ritual: santuário, cidade santa, aliança, justiça, perpétuo, Messias, etc.
Os versículos 26-27 da perícope se referem a um momento especifico no tempo
quando o Messias seria "cortado" e cessariam o sacrifício e a oferta de manjares.
Esses três elementos complementares nos contextos parecem apontar a uma
atividade salvífica, precisamente sacerdotal, para solucionar o problema do pecado.
Portanto, se essas premissas são aceitas, a terceira expressão de Daniel 9:24 ("expiar
a iniquidade") envolve muito mais que uma aspecto ético vago. Implica definiti-
vamente um ato de sacrifício no qual se daria a expiação ou a remoção do pecado
humano de maneira radical e definitiva. Como cristãos, cremos que o Calvário foi
esse ato preciso que se tornou a base do ministério sacerdotal do Salvador.

90
ii
ESTUDOS EXEGÉTICOS EM
LEVÍTICO

ESTRUTURA LITERÁRIA: ÊNFASE NO


DIA DA EXPIAÇÃO
TRANSFERÊNCIA DO PECADO
CONTAMINAÇÃO/PURIFICAÇÃO
DO SANTUÁRIO
NOTA INTRODUTÓRIA

Os seguintes ensaios formam uma trilogia de reflexão teológica sobre Levi-


tico, o terceiro livro de Moisés. O primeiro enfatiza as implicações da estrutura
literária de Levitico na interpretação do ritual do santuário, principalmente no
que concerne à legislação do Dia da Expiação. O segundo examina o conceito da
transferência do pecado do penitente ao santuário. O terceiro ensaio explora as
questões envolvidas na contaminação legal e ilegal do santuário e sua purificação
no Dia da Expiação.
Assim, os três ensaios se combinam de modo a fornecer o panorama bíblico
necessário aos estudos de Daniel, principalmente de sua profecia central que trata
da purificação e restauração do santuário celestial.
CAPÍTULOS

FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LEVÍTICO


William H. Shea

S inopse editorial. A tese deste ensaio é a de que a forma literária de uma dada
porção das Escrituras inspiradas foi designada para ajudar a explicar sua men-
sagem. Portanto, afirma-se que a "forma complementa a função".
Levítico é uma obra bem organizada de instruções mosaicas, A evidência apre-
sentada neste ensaio sugere que todo o livro foi escriro numa configuração lite-
rária conhecida como quiasma. Um quiasmo (ou quiasma, como chamado mais
comumente) é um artifício literário que unifica uma composição ao arranjar suas
partes correspondentes numa relação de paralelismo invertido.
Nesse caso, Levítico naturalmente é dividido em duas metades (cap. 1-15, 16-
27). As primeiras três seções da primeira metade - legislação cúltica (1-7), história
sacerdotal (8-10) e leis pessoais de impureza (11-15) - são vistas num paralelismo
invertido com relação às três seções de temas da segunda metade - leis morais pes-
soais (17-20), legislação sacerdotal (21 -22), legislação cúltica (23-25). Dois capítu-
los adicionais (26-27) concluem o livro, mas ficam fora do quiasma literário.
No centro dessas duas colunas (l- 15 e 17-25) do quiasma está a legislação que
trata do Dia da Expiação. Um arranjo literário minuciosamente planejado como
esse enfatiza a unidade da obra e indica sua autoria única. Um esboço da estrutura
quiástica de Levítico pode ser visto na página 108.
O fato de o Dia da Expiação estar no centro literário de Levítico enfatiza sua
importância no sistema do santuário. Além disso, essa posição central indica sua
função como o auge dos rituais sacrificais (apresentados na primeira coluna do
quiasma) e como ponto de transição natural para o tema do viver santo (apresen-
tado na segunda coluna).
Algumas ideias sugeridas pela forma literária podem ser resumidas como se segue:
1. O cerne teológico da primeira coluna está orientado em torno do tema da
justificação ("o sacerdote, por ele, fará oferta pelo pecado", Lv 5:10), e é equipara-
do com o cerne teológico da segunda coluna: santificação ("Santos sereis, porque
eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo", Lv 19:2). Esse plano básico para a experiên-
cia espiritual oferecido ao antigo Israel (no contexto do simbolismo do santuário
terrestre) é ainda válido para o povo de Deus na era cristã.
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA KM LKVÍTICO

2. A posição literária e temática do Dia da Expiação apoia o argumento de que


os pecados confessados dos israelitas penitentes eram transferidos ao santuário por
meio de suas ofertas pelo pecado. Declara-se de forma explícita que o ritual do Dia
da Expiação limpava o santuário das transgressões e impurezas dos filhos de Israel
(Lv 16:16). Transgressões (Lv l -7) e impurezas (Lv 11-15) são duas grandes preocu-
pações discutidas na primeira coluna do quiasma. Ofensas em ambas as áreas eram
expiadas por meio do sacrifício das ofertas pelo pecado realizadas durante o ano.
O ritual da oferta pelo pecado no Dia da Expiação (o bode de Deus) - a sínte-
se de todos os rituais de ofertas pelo pecado - era direcionado ao santuário para
limpá-lo dessas ofensas confessadas, um claro reconhecimento de uma transferen-
cia prévia dos pecados do povo ao santuário.
3. A posição central do Dia da Expiação na legislação levítica também coloca esse
ritual no final da principal apresentação do livro sobre sacrifícios. Em tal posição, pode
ser visto como um tipo de resumo do sistema sacrificai, o que é especialmente verdade
com respeito às ofertas regulares pelo pecado, uma ver que o sacrifício principal do Dia
da Expiação era ele mesmo uma oferta pelo pecado (o bode do Senhor).
É possível fazer várias comparações entre os dois grupos de ofertas pelo pecado
(regulares e anuais). Há tanto semelhanças quanto diferenças. O Dia da Expiação
era uma atividade coletiva cm vez de individual. Parece ter sido planejado de acor-
94 do com as ofertas regulares pelo pecado feitas a favor dos sacerdotes ou da congre-
gação como um todo. O sacrifício do Dia da Expiação era oferecido em relação
ao corpo coletivo de israelitas cujos pecados confessados e impureza estavam no
santuário. Portanto, seu significado simbólico estava além do individual.
4. A relação temática entre a oferta pelo pecado do Dia da Expiação (o bode
do Senhor) e as ofertas regulares pelo pecado se intensifica se o termo hattà 'ôt nas
passagens-chave de Levitico 16:16, 21 for traduzido como "ofertas pelo pecado"
em vez de "pecados" (como em nossas versões comuns). Várias evidências são
reunidas no ensaio para sustentar essa possibilidade.
Sc essa tradução for aceita, esses versículos indicam ainda mais claramente
que a expiação era feita nesse dia especial para remover do santuário as transgres-
sões e a impureza que os israelitas arrependidos tinham transferido a ele durante
o ant) por meio de ofertas regulares pelo pecado.
5. A posição literária e temática da oferta pelo pecado do Dia da Expiação
(posicionada por último) com relação ás ofertas regulares pelo pecado (posiciona-
das em primeiro lugar) na coluna "sacrificai" do quiasma (cap. 1-15) suscita uma
importante pergunta: em que momento o israelita que participava no sistema do
santuário recebia o perdão e a aceitação de Deus? Ele era perdoado quando trazia
sua oferta regular pelo pecado ou no Dia da Expiação?
A legislação em Levítico 4-5 indica claramente que quando o pecador trazia
sua oferta pelo pecado ao santuário e confessava seus pecados, ele era perdoado.
70 SEMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Repetidamente lemos: "...o sacerdote, por ele, fará oferta pelo pecado que come-
teu, e lhe será perdoado" (Lv 5:10).
Em contrapartida, nào há nada que fale sobre perdão na legislação desse dia
especial. Ele tinha a ver com perdão individual apenas num sentido indireto. Esse
era um ritual especial para a limpeza do santuário. O indivíduo que havia aceitado as
provisões individuais para o perdão e que continuava a andar humildemente com
Deus (que, com efeito, assumia sua culpa por meio do ritual do santuário) tinha fei-
to sua parte. Ele podia confiar que a limpeza do santuário seria cumprida pelo minis-
tério especial do sumo sacerdote no Dia da Expiação como Deus havia instruído.
E evidente que o ritual do Dia da Expiação - pela sua importante posição no
--i s i c i i i a J u xi n n ú rio r enfatizado poi sei o centro l i r e n i r i o r n i l r v í i u - n tui i,U>j^.
nado para focalizar a atenção do Israel penitente além do estado de perdão pessoal
e aceitação, ao aspecto definitivo do plano divino para solucionar a questão do
pei .ido: o d i a d i > juízo l i n . i i -

ESBOÇO DO CAPÍTULO

1. Introdução
2. Conteúdo temático de Levítico
3. Estrutura literária de Levítico (quiasma)
4. Algumas observações teológicas
5. Conclusões

INTRODUÇÃO
À primeira vista, o observador casual pode sugerir que os livros bíblicos de
Levítico e Daniel não têm nada em comum. O livro de Levítico fala sobre a legis-
lação do sistema sacrificai e outras leis. Por outro lado, o livro de Daniel contém
narrativas históricas e profecias de longo alcance que descrevem o surgimento e a
queda de reinos até o fim dos tempos.
Contudo, ao observar mais atentamente, o leitor irá notar as importantes li-
gações entre esses dois livros. Por exemplo, de acordo com a profecia de Daniel 8,
uma importante parte da lufa descrita entre os poderes celestiais e terrenos tem
seu foco no santuário celestial e no ministério que ocorre nele. Visto que Levítico
contém mais informação sobre todo o sistema do santuário do que qualquer outro
livro do Antigo Testamento, naturalmente é de se esperar que ele esclareça de algu-
ma forma a passagem de Daniel.
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA KM LEVÍTICO

O propósito deste ensaio é analisar a estrutura literária de Levitico e observar


algumas das implicações teológicas suscitadas por essa estrutura. Tal estudo pode
fornecer um contexto útil para avaliação da mensagem do livro.
Levitico é uma casa do tesouro rica de verdades sobre o santuário israelita e
o sistema de salvação descrito por ele em forma de tipo durante sua fase de fun-
cionamento. Um estudo dessa herança espiritual deve, portanto, oferecer ajuda
para o estudo do desenvolvimento dos temas salvíficos na literatura posterior do
Antigo Testamento e nos grandes cumprimentos do Novo Testamento.

CONTEÚDO TEMÁTICO DE LEVÍTICO

VlSÃO GERAL: CAPÍTULOS 1-16


Fica evidente, a partir de qualquer revisão da literatura comentada sobre Levitico,
que o livro é bem organizado. Com exceção de algumas diferenças mínimas, os esbo-
ços de Levitico impressos pelos comentários bíblicos são similares. O livro se divide
em duas metades - capítulos 1-16 e 17-27. O primeiro bloco de 15 capítulos, que
trata de vários aspectos do sistema sacrificai, atinge seu clímax na legislação do Dia
96 da Expiação no capítulo 16. A segunda metade do livro assume um caráter diferente.
O cerne dessa seção (cap. 17-26) é considerado como o "Código da Santidade", pois
nessas instruções um Deus santo chama seu povo a viver em santidade.
1. Legislação cúltica (cap. 1-7). Examinamos agora o conteúdo das subseções
de cada metade de Levitico para descobrir que padrões podem ser evidenciados.
Os primeiros sete capítulos tratam da legislação cúltica pertencente ao sacrifício.
A legislação começa com uma subseção sobre os holocaustos particulares (cap.
1), as ofertas de manjares (cap. 2) e uma classe de sacrifícios conhecida como sa-
crifícios pacíficos (cap. 3).1
A subseção seguinte (4:1-5:13) trata do importante assunto da oferta pelo
pecado (hallãl, singular; hattã'ôt_, plural). As categorias de pessoas que oferece-
rão esse sacrifício particular são descritas numa ordem decrescente de classifi-
cação começando com os sacerdotes (4:3-12) e seguidos pela congregação como
um todo (4:13-21), os príncipes das tribos (4:22-26), e, finalmente, as pessoas
comuns como indivíduos (4:27-35). Procedimentos específicos são determina-
dos para cada classe. Em geral, os animais sacrificais usados pelas primeiras
duas categorias eram novilhos; os oferecidos pelas últimas duas categorias eram
bodes e cabras respectivamente.
As ofertas de culpa ('asam) são a última classe de sacrifício discutida (5:14-6:7). Essas
parecem ter tido uma aplicação mais limitada do que as mencionadas previamente. As
pessoas não estão classificadas, apenas suas ofensas, que são limitadas a três tipos: sacri-
70 SEMANAS, LEV|TICO t A NATUREZA HA PROFECIA

fício pelo sacrilégio (5:15-16), pelos pecados de ignorância (5:17-19), pecados voluntários
(6:1-7). Os animais usados em todos os três casos eram carneiros jovens ou adultos.
O texto agora se volta para instruções aos sacerdotes com relação ao manejo
desses mesmos sacrifícios (6:8-7:38). A sequência é a mesma, com exceção de que
os versículos que tratam das ofertas pacíficas aparecem por último (7:11-21, 28-14).
Provisões especiais são adicionadas a essa subsecão para os sacerdotes (7:8-10), al-
gumas instruções diferentes para o povo (7:22-27), e um resumo e uma conclusão
(7:35-38). Isso finaliza a primeira seção de sete capítulos que trata da legislação
sacrificai. Seu conteúdo forma um todo lógico e coeso.
2. História dos sacerdotes (cap. 8-10). A segunda principal seção de Levítico
abrange apenas três capítulos (8-10) e fala da consagração de Arào e de seus filhos
como sacerdotes que oficiarão no santuário. O tema da passagem se divide em
quatro partes: (1) um prólogo de instruções (8:1-5); (2) uma descrição do início
da cerimonia (8:6-36); (3) uma descrição da conclusão da cerimónia que acontece
uma semana depois (cap. 9); e (4) um epílogo (cap. 10).
Esse último capítulo descreve a atividade imprópria dos novos sacerdotes, Na-
dabe e Abiú, e sua execução por Deus (10:1-11). Após alguns versículos de legisla-
ção sacerdotal (10:12-15), a passagem se encerra com uma narrativa histórica sobre
o questionamento de Moisés sobre a oferta pelo pecado, se ela foi manipulada
corretamente (10:16-20). 97
Portanto, é evidente que toda essa seção de três capítulos trata do tópico prin-
cipal da consagração do sacerdote e sua família no serviço do santuário.
Alguns comentaristas ficam confusos ao encontrar regulamentos que tratam
dos sacrifícios repetidos nos capítulos 6-7, pois isso já foi tratado na legislação
anterior.3 Eu sugeriria que os contextos dos capítulos 8-10 fornecem uma explica-
ção parcial para essa característica do texto. Os capítulos 6-7 tratam de como os
sacerdotes deveriam lidar com os sacrifícios em seu ministério para o povo, mas a
ênfase na instrução anterior era sobre o povo e a parte que desempenhava em ofe-
recer esses sacrifícios. Além disso, essa ênfase sobre os sacerdotes nos capítulos 6-7
conduz ao tópico dos capítulos 8- 10.
Portanto, em certo sentido, os capítulos 6-7 antecipam os capítulos 8-9. Por
outro lado, eles relembram um aspecto especial dos conteúdos dos capítulos 1-5.
Eles não são repetitivos de maneira a desviar o propósito do livro, mas acrescen-
tam uma nova dimensão do tema sob discussão e tornam possível uma transição
natural entre duas partes.
3. Leis pessoais de impureza (cap. 11-15). A terceira importante seção de
Levítico considera o tema da impureza ({ãmê\ verbo) e como ela era tratada. Os
capítulos dessa seção lidam sucessivamente com animais imundos (cap. U); a im-
pureza trazida pelo parto (cap. 12); doenças impuras (cap. 13); purificação de tais
doenças (cap. 14); e fluxos impuros (cap. 15).
FORMA LITKRÁRIA t HUNÇÂHTB>U'X;K'-A IÍM LEVJTKJO

Considerando que essa seção será mencionada novamente, alguns comentá-


rios breves fornecerão um panorama. Ao entrar em contato com animais im-
puros, o israelita ficava impuro até à tarde e deveria se purificar se banhando e
lavando suas roupas (l 1:27-28, 31-32).
A purificação da impureza resultada do parto ou fluxos requeria o sacrifício de
ofertas para holocausto e ofertas pelo pecado (12:6-8; 15:15, 30). A purificação do
estado de lepra envolvia todo o espectro sacrificai: holocausto, oferta de manjares,
oferta pela culpa ('asam), e oferta pelo pecado (haftã'^ 14:12-13, 19-23).
Um importante ponto a se observar é que a purificação da impureza não re-
queria um tipo diferente de oferta daquela previamente prescrita para o pecado.
Ofertas pelo pecado e holocaustos eram oferecidas tanto pelo pecado como pelos
tipos mais sérios de impureza. Mais uma vez, essa seção de Levítico pode ser vista
de forma bem clara como um todo coerente.
4- Dia da Expiação (cap. 16). Com o capítulo 16, a instrução para o serviço
do Dia da Expiação, atingimos o final da legislação que apresentou os sacrifícios
prescritos. Desse modo, o ritual do Dia da Expiação é o apogeu e clímax do siste-
ma sacrificai esboçado em Levítico.
O capitulo 16 também constitui um ponto de transição importante no livro. A legis-
lação agora é sobre as exigências e obrigações impostas soba1 aquele que observa a lei de
Deus. Assim, o apogeu do Dia da Expiação não apenas marca o ápice da legislação do ser-
viço sacrificai, mas também demarca o centro temático e ponto alto tio livro de Levítico.

VlSÂO GERAL: CAPÍTULOS 17-27


A segunda metade de Levítico tem sido chamada de Código da Santidade. Suas es-
tipulações se estendem do capítulo 17 ao 25. O capítulo 26 pronuncia bênçãos ou mal-
dições sobre o obediente ou desobediente. O capitulo 27 conclui o livro com certas leis
com respeito aos votos de dedicação. Tem havido alguns debares entre os comentaristas
com respeito a se existe uma progressão lógica de instrução no Código da Santidade.
Para o nosso propósito presente, assumiremos que sim. Entretanto, é evidente que a se-
gunda parte do livro contém uma coleção de tipos de legislação semelhantes que estão
em contraste com a legislação sacrificai encontrada na primeira metade.
Duas outras características unem essas colecões de leis à segunda metade de
Levítico: ( I ) o uso do mesmo tipo de introdução para suas respectivas seções,
e (2) o estímulo teológico para sua observância que aparece nas declarações
recorrentes: "Santos sereis, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo" (Lv
19:2). Daí a identificação dessa coleção razoavelmente bem organizada de leis
como Código da Santidade.
Embora algumas autoridades continuem a considerar Levítico como resultado
de uma evolução através de estágios sucessivos3 - um curioso retrocesso a uma
70 StMANAS, LtVlTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

geração passada de eruditos - a evidência de sua organização sucinta, a estrutura


temática e literária integradas dão apoio à sua unidade e autoria única.

ESTRUTURA LITERÁRIA DE LEVÍTICO (QUIASMA)

O autor deste capítulo acredita que as evidências tornam possível dar um


passo .i Ir i n iL>-- ,n u.ns esboços organizados i K - Levítico encontrados nos t.uiiu;m;i-
rios. Usando as unidades-conteúdo já identificadas por eruditos no passado, agora
estamos aptos a adequar essas seções numa configuração literária arquitetada de
forma ainda mais precisa e harmoniosa do que antes.
Esse tipo de forma literária é denominado quiasma, um mecanismo que
unifica a composição (em parte ou o todo) ao arranjar suas partes correspon-
dentes num paralelismo invertido. A sugestão do autor deste ensaio é que o
livro de Levitico (como obra literária) pode ser um grande quiasma que abrange
todo o livro.
O propósito de se buscar a evidência de que tal mecanismo foi, de fato, usa-
do pelo escritor bíblico é teológico. A relação teológica é que a forma de escrever
complementa sua função. O meio definitivamente ajuda a transmitir uma mensa-
gem e pode contribuir para a sua compreensão.
A ideia de que o quiasma pode ser encontrado no livro de Levitico não c
nova; vários exemplos têm-se destacado. Wenham observa quatro em seu comen-
tário sobre Levitico (nos capítulos 8, 15, 20, 24). Sua análise de Levitico 24:16-22
pode ser citada como típica.4

A o estrangeiro como o natural (v. 16)


B matar alguém (v. 17)
C matar um animal (v. 18)
D como ele fez, assim lhe será feito (v. 19)
D' como ele tiver feito, assim lhe fará (v. 20)
C* matar um animal (v. 21a)
B' matar um homem (v. 21b)
A' tanto para o estrangeiro como para o natural (v. 22)

O uso do quiasma como um mecanismo literário é comum no Antigo Testa-


mento. Parece ter sido empregado frequentemente para revelar a unidade de um
duplo evento. O grande quiasma sugerido para Levitico iria, da mesma forma,
enfatizar a unidade tio livro todo.
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LEVÍTICO

PROCEDIMENTOS PARA DETERMINAR o QUIASMA


Há vários pontos diferentes a partir dos quais é possível proceder para se deter-
minar uma estrutura quiástica: (1) do final oposto de uma dada passagem, (2) de seu
meio, ou (3) de elementos potencialmente correspondentes de uma natureza similar
que podem estar distribuídos ao longo das colunas paralelas de um quiasma.
No caso de Levítico, temos um ponto inicial disponível a partir do qual pode-
mos trabalhar, ou seja, a parte legislativa central que trata do Dia da Expiação (cap.
16). Visto que essa narrativa conclui a primeira grande seção temática do livro (e as-
sim introduz a segunda), pode ser usada como o ápice a partir do qual se trabalhar
em direção ao final oposto do quiasma. O ponto no qual se localiza a legislação do
Dia da Expiação é, portanto, importante tanto estrutural como teologicamente.
As duas metades do livro que se estendem em ambas as direçòes a partir de seu
ponto central (Lv 16) consistem de uma legislação cúltica no primeiro caso (cap.
l - 15) e de uma legislação moral e ética no segundo (cap. 17-22). Esses elementos
sozinhos podem ser vistos como correspondentes um do outro até certo ponto,
como as duas colunas do quiasma, mas agora devem ser examinados para corres-
pondências extras. Começaremos examinando o bloco central localizado em cada
uma das colunas propostas de nosso quiasma.
1. B' Legislação sacerdotal (cap. 21-22). Quando as duas metades de Levítico
(1-15; 17-27) são examinadas individualmente, fica evidente que nenhuma é uniforme
em seu conteúdo. Principalmente a legislação cúltica da primeira metade (cap. 1-15)
que é interrompida pela narrativa histórica que descreve o sacerdócio c a consagração de
Arão c seus filhos nesse serviço (cap. 8-10). Um estudo do Código da Santidade indica
que há também uma seção específica dentro da segunda metade do livro que trata do
sacerdócio, ou seja, os capítulos 21-22. Esse material é subdividido em três partes.
A primeira parte (Lv 21:1-22:9) fala das exigências pessoais, sociais e físicas
que um sacerdote deveria satisfazer a fim de ser aceito para o serviço. Ele tinha
que evitar tudo aquilo que o tornasse impuro, devia ser cuidadoso em sua vida
marital, e ser fisicamente perfeito.
A pureza que o sacerdote em serviço deveria manter é enfatizada nessa passagem
pelos termos usados para designar impureza. Por exemplo, nesses 33 versículos a pala-
vra hebraica para "contaminação" ocorre cinco vezes; a palavra para "profano" aparece
quatro vezes; e a palavra para "impuro", três vezes. Essa terminologia se assemelha mui-
to com a encontrada em Levítico 11-15. No entanto, os aspectos da impureza identifi-
cados ali para o adorador israelita foram adaptados para se ajustar aos sacerdotes.
A segunda parte (Lv 22:10-16), por outro lado, tem mais ligação com o que é encon-
trado em Levítico 5-7. Por exemplo, há o caso do sacrifício pelo sacrilégio que parece
similar às observações feitas no primeiro dos três casos com relação à oferta pela culpa
na primeira metade do livro (Lv 5:15-16). Até a restituição da quinta parte a mais do
que foi tirado é comum às duas passagens (cf. 5:16 e 22:14).
70 SbMANAS, LtVlTICO K A NATURtZA HA PROFECIA

A secão final (Lv 22:17-33) tem a ver com as qualificações de animais aceitáveis para
as ofertas sacrificais. Aqui está outro grupo de instruções para dirigir a conduta do sacer-
dote no sistema sacrificai que se assemelha a Levitico 6-7, onde os sacrifícios são revis-
ros a fim de descrever em mais detalhes como os sacerdotes deveriam manipulá-los.
Então, quando procuramos uma passagem ela segunda metade do livro que seja pa-
ralela em conteúdo com Levitico 8-10 (história sacerdotal), encontramos Levitico 21 -22
(legislação sacerdotal). O primeiro desses dois capítulos (21) fala sobre como o sacerdote
evitava tornar-se impuro, desse modo, assemelha-se com as provisões aplicadas ao adora-
dor israelita em Levitico U-15. O segundo (cap. 22) fornece mais instruções para o sacer-
dote sobre o sistema sacrificai e é semelhante às instruções encontradas em Levitico 5-1.
Levitico 8-10 preserva a narrativa histórica que descreve a consagração dos pri-
meiros sacerdotes. Visto que a consagração ocorreu somente uma vez, não é repetida
na segunda metade do livro. Entretanto, o que o autor fez em termos de estrutura
literária foi colocar numa posição paralela, na última metade do livro, uma parte de
conteúdo legislativo que tratasse dos sacerdotes que tinham sido consagrados e das
circunstâncias em que deveriam se encontrar a fim de serem consagrados.
E interessante notar que a legislação sacerdotal na segunda metade (Lv 21-22) não
somente tem uma relação paralela com a história sacerdotal na primeira metade (Lv
8-10), mas também existe uma relação inversa desse mesmo bloco de conteúdo com os
capítulos 1-7 e 11-15, A questão da contaminação sacerdotal é tratada no início (Lv
21) porque a contaminação foi o último tópico discutido na primeira metade do livro
(Lv 11-15). A supervisai) sacerdotal dos sacrifícios é discutida por último (Lv 22) por-
que a questão do sacrifício tinha sido tratada inicialmente na primeira metade do livro
(Lv 1-7). Essas relações estão organizadas de forma quiástica como A:B:: B:A.
2. A' Legislação Cúltica (cap. 23-25). Atentamos agora à legislação encon-
trada em Levitico 23-25, que podemos identificar como de caráter cúltico. Aqui
encontramos leis para a observância das festas (Lv 23), para o ministério dos sacer-
dotes em relação à mobília sagrada dentro do primeiro compartimento do taber-
náculo (Lv 24:1-9), e para a observação do ano de descanso e do jubileu (Lv 25).
Basicamente, Levitico 23-25 contém duas subseções de legislação cúltica. Uma
seção trata do sábado e das festas conduzidas durante todo o ano (sábado; festas de
primavera e de outono). A outra trata das festas periódicas que aconteciam cada
sétimo e décimo quinto ano (ano de descanso; ano do jubileu).
Esses dois tipos de legislação com respeito ás festas (Lv 23, 25) estão relacionados
pelo fato de que o segundo é estabelecido, até certo ponto, de acordo com o primeiro.
Por exemplo, o sábado semanal (Lv 23:1-3) é ampliado ao ano sabático (Lv 25:1-7).
Do mesmo modo, o Pentecostes (o Lv 23:15-21) é ampliado ao ano do Jubileu (Lv
25:8-55). Ideias similares se repetem, mas lhes são dadas diferentes aplicações.
Esse também é o tipo de relação existente entre Levitico 1-5 e Levitico 6-7 na
primeira metade do livro. Por exemplo, cinco sacrifícios importantes são citados
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLOGIA EM LKVÍTICO

duas vezes. Mas a primeira vez (cap. 1-5) são apresentados do ponto de vista da pes-
soa que oferece o sacrifício; a segunda vez (cap. 6-7), do ponto do vista do sacerdote
oficiante. Ambos os grupos são cúlticos visto que tratam do sistema sacrificai.
De modo semelhante, ambos os grupos de material encontrados no final do livro
(cap. 23-25) são de caráter cúltico, embora os aspectos do culto tratados ali sejam
compfetamente diferentes. A lista extensa dos sacrifícios oferecidos nas festas (veja Nm
28-29) ilustra claramente as estreitas conexões entre os sacrifícios de Levítico l -7 e as
festas de Levítico 23-25. Entre esses dois capítulos que tratam dos dois tipos de festas
está Levítico 24. Os versículos 1-9 contêm alguma legislação que trata do tabernáculo;
os versículos 10-23 registram uma narrativa histórica. Nenhuma unidade literária c
encontrada entre Levítico 1-5 e 6-7 que corresponda a esses conteúdos, contudo,
algumas ligações ou relações podem ser detectadas se examinados com mais atenção.
Levítico 24:1-9 fornece instruções para o cuidado do sacerdote com o candela-
bro de ouro com suas sete lâmpadas e a mesa com seus pães, ambos situados no
lugar santo. Para cuidar desses objetos, era necessário que o sacerdote entrasse no
tabernáculo continuamente. Ele também tinha que entrar no tabernáculo para
aspergir o sangue de certos sacrifícios diante do véu interior e pôr um pouco dele
sobre os chifres do altar do incenso (Lv 4:5-7, 17-18).
Havia três artigos de mobília no lugar santo. A legislação de Levítico 4 refere-se ao
102 ministério do sacerdote em relação ao altar do incenso, enquanto Levítico 24 refere-se
ao seu ministério em relação ao candelabro e à mesa. Assim, as duas passagens em am-
bas as metades do livro complementam uma a outra. Embora não haja nenhuma uni-
dade estrutural diretamente correspondente em Levítico 1-7 com relação a Levítico
24, uma correspondência temática está presente em ambas as secões, pois se referem
ao mesmo lugar da ministração, o lugar santo com seus três artigos de mobília.
Outro aspecto da relação entre Levítico 1-7 e Levítico 23-25 é a progressão
numérica que demonstram. Por exemplo, nos sacrifícios de Levítico l -7 cinco são
listados na primeira subseção (cap. l -5). Outros dois são adicionados na segunda
subseção (cap. 6-7): a oferta do sumo sacerdote no dia de sua unção (Lv 6:20-23)
e a oferta de ação de graças (Lv 7:12-21).
Em Levítico 23-25 sete festas são mencionadas na primeira subseção (Lv 23) que
não são repetidas na segunda subseção (Lv 25); mas dois elementos são adicionados;
o ano de descanso e o ano do jubileu. Assim, os sacrifícios começam com cinco e são
adicionados dois, completando sete. Por outro lado, as festas começam com sete e são
acrescentadas duas mais. Mas as festas não foram repetidas quando se acrescentaram
mais duas; assim, há, em certo sentido, uma diminuição, não um aumento. Isso resul-
ta em um padrão numérico crescente: :decrescente entre esses dois blocos.
Em Levítico 24:10-23, o autor se desvia brevemente dos interesses cúlticos para
descrever um acontecimento que ocorreu na migração de Israel envolvendo um caso
de blasfémia. Um homem de descendência israelita e egípcia foi culpado de amaldi-
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATURHZA HA PROFECIA

coar a Deus e apedrejado por seu crime. A narrativa parece interromper a legislação
cúlrica registrada em Levítico 23-25. Em certo sentido, isso é vetdade, mas o aconte-
cimento também abre oportunidade para dar instruções adicionais de legislação.
Seja como for, em termos de estrutura literária, é mais importante observar a
natureza desse material. É basicamente uma narrativa de um episódio histórico.
Relaciona-se apenas de forma secundária com a apresentação das leis naquela
ocasião. Embora Levítico esreja arranjado numa estrutura histórica (conforme
comentaristas têm enfatizado),'' a narrativa real de eventos históricos é rara.
Enfatiza-se que existem apenas duas narrativas históricas registradas em todo
o livro (Lv 8-10; 24:10-23).h O que deve ser ressaltado aqui sobre essas duas
narrativas é que elas aparecem nas diferentes metades do livro e, desse modo,
se equiparam. Não correspondem diretamente em termos de posição dentro da
estrutura quiástica do livro, mas se equiparam ao constituírem uma narrativa
histórica de cada metade de Levítico.
3. C* Leis morais pessoais (cap. 17-20). Os últimos elementos do livro que
requerem comparação são as seções em Levitico 11-15 (primeira metade do livro)
e em Levítico 17-20 (segunda metade). Enquanto os capítulos 11-15 tratam de
leis pessoais de contaminação, os capítulos 17-20 tratam de leis pessoais morais.
Ambos os blocos começam com legislação sobre alimento. Levítico 11 fala dos dife-
rentes aspectos que tornam impuros os animais como peixes, pássaros, etc. Após condu-
zir esse tema com algumas observações concludentes sobre animais sacrificais, Levitico
17 acrescenta a proibição de se comer sangue. A passagem de Levítico 17:15-17 sobre o
contato com animais mortos é quase uma citação clireta de Levítico 11:39-40. Também
a penalidade e a instrução para a purificação são as mesmas em ambos os casos.
A seção sobre contaminação na primeira metade do livro segue com leis sobre
o parto (Lv 12). As leis morais na segunda metade continuam com instruções
sobre casamentos (Lv 18).
Levitico 13-14:32 descreve o diagnóstico e o tratamento (ritualístico) de 21
diferentes tipos cie doenças de pele e mais três para vestes, totalizando duas dúzias
de casos variados. Levítico 19 descreve uma série de duas dúzias de leis diferentes
e variadas extraídas dos Dez Mandamentos. 7
Outra correspondência de materiais pode ser vista em Levítico 15 e 20. Levitico
15 trata de impurezas causadas por fluxos, na maior parte menstruais ou venéreos. Do
mesmo modo, a legislação em Levírico 20 (v. 10-21) trata de pecados sexuais. O tema da
menstruação é comum a esses dois capítulos. Levítico 15 trata da impureza da menstru-
ação (v. 19-30), enquanto Levítico 20 aplica essa situação à relação sexual (v. 18).
Antes e depois dessas leis sexuais em Levítico 20 aparecem algumas ordenanças
gerais para se observar as leis do Senhor (v. 7-9, 22-26). A última dessas duas passagens
é concluída com uma forte exortação para se distinguir entre o limpo e o impuro, pre-
cisamente a situação tratada em Levítico 11-15. Levitico 14 contém uma seção sobre
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LEVÍTICO

a casa impura (v. 33-57), enquanto a primeira parte de Levítico 20 trata de como os
israelitas poderiam tornar a casa de Deus impura por meio de sua idolatria (Lv 20:3).
Portanto, parece existir uma correspondência razoavelmente direta entre os
temas dessas duas secões, embora tratem de aspectos diferentes de assuntos seme-
lhantes. Os dois corpos legislativos podem ser esboçados como segue:

Leis pessoais de impureza Leis pessoais morais e éticas


A cap. 11 - leis sobre alimentos A' cap. 17 - leis sobre alimentos
B cap. 12 - leis sexuais: nascimento B' cap. 18 - leis sexuais: casamento
C cap. 13-14a - doenças diversas C'cap. 19 - leis diversas
D cap. 14b - casas impuras D' cap. 20a - tornando impura a casa de Deus
E cap. 15 - leis sexuais: fluxos E' cap. 20b - leis sexuais: o ato sexual

O padrão nesse agrupamento não é quiástico dentro das próprias seçòes. Em


vez disso, elas seguem umas as outras como paralelismo sinónimo no padrão de
A:B:C:D:E: :A':B':C':D':E'. Entretanto, esses dois blocos de material estão situ-
ados em posições quiásticas com relação ao capitulo 16 - legislação do Dia da
Expiação, o centro do livro de Levítico.
104
BÊNÇÃOS E MALDIÇÕES; VOTOS DE DEDICAÇÃO (CAPÍTULOS 26-27)

As duas secões finais de Levítico devem ser mencionadas antes de reunirmos


as informações num gráfico.
A primeira seção, das bênçãos e maldições, encontra-se em Levítico 26 e está
separada das leis de Levítico 17-25, assim como as bênçãos e maldições da aliança
compreendem uma seção separada do padrão de aliança do Oriente Médio.8 Servem
aqui como um resumo apropriado de tudo o que foi escrito anteriormente no livro.
Essas bênçãos e maldições não eram somente para aqueles que observavam
ou não as leis dos oito capítulos anteriores. Eram também para aqueles que
participavam ou não nas ofertas dos sacrifícios descritas na primeira metade de
Levítico. Esse é um arranjo em que as duas metades precedentes do livro, vistas
agora como um todo (cap. 1-25), estão na mesma posição que as estipulações de
uma aliança. As bênçãos e maldições servem como uma conclusão apropriada
a todo o corpo legislativo. Consequentemente, ficam fora da estrutura literária
quiástica do livro, além da segunda coluna do quiasma.
Algo semelhante pode ser dito do capítulo 27, uma declaração concludente acerca
de votos de dedicação. Não é um apêndice aleatório e sem finalidade; está nessa posição
para um propósito específico. Visto que a aliança com Yahweh era estabelecida por
meio de um voto de ser fiel e leal a Ele (cf. Ex 24:3-8), essa seção sobre votos se apresen-
ta como uma conclusão natural a toda a relação de aliança apresentada pelo livro de
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFECIA

Levitico. Uma vez que a resposta para a relação de aliança oferecida seria feita em forma
de um voto, é adequado que essa coleção de votos de dedicação apareça nesse ponto
na composição de Levitico. Como o capítulo anterior, esse corpo de instrução sobre os
votos fica fora da estrutura quiástica do livro.
A relação das várias partes de Levitico pode ser resumida em forma de um gráfico
para indicar a estrutura quiástica do livro. Observe que o capítulo 16 (a legislação sobre
o Dia da Expiação) foi colocado no centro, no topo do gráfico, para denotar sua posi-
ção central no livro. As colunas da esquerda e da direita esquematizam as duas colunas
do quiasma. A coluna da esquerda deve ser lida de baixo para cima (cap. 1-15), mas a
coluna da direita deve ser lida de cima para baixo (cap. 17-25). Observe os seis grandes
agrupamentos que estão paralelos um ao outro (três em cada coluna) e a ordem inverti-
da das subseçõcs menores (a, b, c, etc.) com as suas correspondentes.

ESTRUTURA QUIÁSTICA DE LEVITICO


"JUSTIFICAÇÃO" "SANTIFICAÇÃO"
LEIS PESSOAIS DE IMPUREZA LEIS MORAIS PESSOAIS
D
cap. 15, Leis sexuais: (e Capítulo 16 a) Leis sobre alimentos, cap. 17
fluxos Dia da Expiação 105
cap. 14, Casas impuras (d b) Leis sexuais: casamento, cap. 18
C C"
cap. 13, Doenças diversas (c c) Leis diversas, cap. 19
cap. 12, Leis sexuais: (b caps. ca
Ps- d) Contaminando a casa de Deus,
nascimentos cap. 20a
cap. 11, Leis sobre alimentos (a e) Leis sexuais: Sexo, 20b

HISTÓRIA DO SACERDÓCIO LEGISLAÇÃO DO SACERDÓCIO

cap. 10, Deveres do sacerdote (c B B' a) Adequação ao sacerdócio, sacer-


cap. 9, Término da inauguração (b caps. caps. dócio, cap. 21
cap. 8, Começo da inauguração (a 8-10 21-22 b) Instruções quanto aos sacrifí-
cios, cap.22
LEGISLAÇÃO CÚLTICA LEGISLAÇÃO CÚLTICA

cap. 6-7, Série de sacrifícios (b a) Série de festas A, cap. 23


/V b) Serviço do santuário, cap. 24a
caps. caps. c) História: caso de blasfémia,
cap. 1-5, Série de sacrifícios 1-7 23-25 cap. 24b
(a d) Série de festas B, cap. 25
E. Bênçãos e maldições, cap. 26
F. Votos de dedicação, cap. 27
FORMA LITERÁRIA F. FUNÇÃO TEOLÓGICA HM LKVÍTICO

ALGUMAS OBSERVAÇÕES TEOLÓGICAS


J U STl FICAÇÂO/SANTIFICAÇÃO

Nossa primeira observação teológica tem a ver com a natureza dos materiais
encontrados nas duas metades de Levítico. Em termos gerais, pode-se dizer que a
primeira metade do livro abrange o sistema sacrificai; a segunda esboça a maneira
como o povo deve viver. O. T. Allis observou que Levitico pode ser visto como o
livro mais legalista do Antigo Testamento, visto que parece governar por preceito
ou princípio toda a vida. Contudo, nenhum livro do Antigo Testamento anuncia
de forma mais clara a redenção que há em Cristo.9
O sistema sacrificai da primeira metade de Levítico traz à tona sacrifícios expiató-
rios. No Novo Testamento a morte expiatória de Cristo assegurou a verdade da justifi-
cação pela fé. Os sacrifícios prescritos em Levítico previam sua morte vicária. Assim,
podemos inrerir que essa é a seção do livro que trata do tema da justificação, uma vez
que foi mediada através do sistema do Antigo Testamento. Enfatizamos esse ponto
no gráfico colocando o termo "justificação" sobre a primeira coluna do quiasma.
Tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento, o povo de Deus é cha-
mado a ter uma vida santa. Como mencionado antes, essa ênfase particular foi dada
106 no Código da Santidade na segunda metade de Levítico. As palavras hebraicas e gregas
usadas para descrever o viver santo podem ser resumidas sob o termo "santificação".
Por conseguinte, rotulamos a segunda coluna de nosso quiasma com essa palavra.
Sendo a justificação tratada de forma intensa na primeira metade, e, da
mesma forma, a santificação na segunda metade, vemos que o livro de Levítico
forma um todo harmonioso ao prescrever a vida espiritual para o povo de Deus
antigamente. Embora algumas das estipulações individuais sejam adaptadas para
a atualídade, o projeto básico para a experiência espiritual oferecida ao povo de
Deus em Levítico é ainda válido. Em certo sentido, é surpreendente que um
livro que tenha 3.500 anos possa ser tão atual!

DlA DA EXPIAÇÃO: CENTRO ESTRUTURAL E TEMÁTICO DE LEVÍTICO

Estruturas quiásticas tais como as que observamos no arranjo literário de Leví-


tico eram usadas por várias razões nos escritos do Antigo Testamento. Uma razão
principal era que ela possibilitava ao escritor enfatizar o elemento que ele posicio-
nava na junção ou no ápice do quiasma.
Em Levítico esse ápice é formado pelas instruções legislativas que tratam do
Dia da Expiação. Essa é uma maneira de dizer por meio de uma forma literária
que o tema do Dia da Expiação se encontra no cerne do livro de Levítico. Conse-
quentemente, sua importância como o centro temático e estrutural da mensagem
de Levítico deve ser enfatizada.
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFEI:IA

Anteriormente, em nosso capítulo, indicou-se que a narrativa do Dia da Ex-


piação parecia ser a parte culminante na legislação sacrificai. Nossas observações
posteriores sobre a estrutura literária do livro tendem agora a confirmar essa opi-
nião. Levítico 16 é a culminação e o clímax temático do sistema sacrificai do livro.
E também o centro e o clímax de sua estrutura literária. Esses dois fatores se unem
e enfatizam mutuamente um ao outro.

A ESTRUTURA LITERÁRIA E A TRANSFERÊNCIA DO PECADO AO SANTUÁRIO

Estudos recentes afirmam como sendo um conceito bíblico que os pecados


dos israelitas arrependidos (culpa e responsabilidade) eram transferidos ao santu-
ário quando, com fé, ofereciam as ofertas pelo pecado.10 Isso parecia contaminar
o santuário. Entretanto, observou-se não estar declarado de forma explícita que
o que podia ser denominado uma contaminação "justa" ou "legal" do santuário
pudesse contaminá-lo.
Conquanto não haja qualquer indicação explícita disso, há três maneiras pelas
quais é possível inferir a partir das informações em Levítico que tal era, de fato, a
compreensão da comunidade israelita.
1. Levítico 16:16 declara que no Dia da Expiação o sacerdote "fará expiação
pelo santuário por causa das impurezas dos filhos de Israel, e das suas transgres- ,*-
soes, e de todos os seus pecados. Da mesma sorte, fará pela tenda da congregação,
que está com eles no meio das suas impurezas". Os resultados dessa expiação pelo
santuário, incluindo o altar de ofertas queimadas (v. 20), era um povo purificado
"Porque naquele dia se fará expiação por vós, para purificar-vos; e sereis purifi-
cados de todos os vossos pecados, perante o Senhor" (v. ^0).
Se a purificação do santuário resultava num povo purificado, é evidente que
seus pecados confessados (perdoados por meio dos sacrifícios diários confiden-
ciais ou públicos pelo pecado) tinham sido transferidos previamente ao santuário.
Tal atinprivriMio reconheceria uma conramin:u;;ui Icgnl do s . i n t i u i r i d ;'i i i K \ l u l ; i
que seus rituais eram realizados.
No terceiro ensaio, o Dr. Alberto Treiyer considera o paradoxo do sacrifício
hebraico e o princípio do intercâmbio substitutivo. Nia mente hebraica, o sangue
sacrificai tinha a função de contaminar e purificar ao mesmo tempo. Assim, ao
mesmo tempo em que o sangue sacrificai purificava o pecador arrependido, con-
taminava o recinto sagrado com seus pecados confessados, os quais, em certo
sentido, eram assumidos pelo santuário.
3. Uma terceira abordagem tem a ver com a estrutura literária e temática de
Levitico que examinamos brevemente.
Afirma-se em Levitico 16:16 que o ritual do Dia da Expiação tinha como obje-
tivo purificar o santuário "por causa das impurezas dos filhos de Israel e das suas
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LtvfTico

transgressões". Transgressão e impureza são os dois principais temas tratados nos


primeiros 15 capítulos de Levítico. As transgressões são tratadas em Levítico 1-7,
e as impurezas, em Levítico 11-15.
A posição do ritual do Dia da Expiação como o apogeu dessas seções que
tratam dos sacrifícios para esses problemas indica um relacionamento próximo
com eles.Isso implica que o Dia da Expiação servia para purificar o santuário
dessas transgressões c contaminações que haviam sido perdoadas e transferidas a
ele durante todo o ano por meio dos rituais prescritos em Levítico 1-15. Assim,
a função do Dia da Expiação implica claramente uma contaminação "oficial" do
santuário pelo sistema sacrificai esboçado na primeira metade de Levítico.

OFERTAS PELO PECADO DIÁRIAS E ANUAIS (DiA DA EXPIAÇÃO) COMPARADAS (Lv 4, 16)
Uma vez que tanto os pecados como as impurezas eram tratados no serviço
diário por ofertas individuais ou confidenciais pelo pecado, é lógico considerar a
oferta "final" do ano cúítico (Dia da Expiação) pelo pecado como culminante e
abrangendo essas ações periódicas e repetitivas. O posicionamento da legislação
ao Dia da Expiação em Levítico enfatiza essa função final.
À luz disso, desejamos comparar a oferta pelo pecado no Dia da Expiação -
o bode do Senhor (Lv 16:8, 15) - com as primeiras duas classes de ofertas pelo
pecado em Lv 4 - sacerdotes, congregação (Lv 4:1-21). Uma razão possível por
que a proximidade desse relacionamento não foi percebida mais prontamente em
estudos anteriores é que os animais sacrificais usados para a congregação eram di-
ferentes. O animal escolhido por Yahweh para purificar o santuário era um bode
(Lv 16:8); aquele empregado na posição paralela para toda a congregação era um
novilho (Lv 4:14-15). Contudo, em ambos os casos a finalidade era a mesma - fa-
zer expiação por toda a congregação (Lv 4:13, 20; cf. Lv 16:17).
Um novilho era usado pelo sumo sacerdote, representando assim todo o sa-
cerdócio no Dia da Expiação (Lv 16:6, 33). Do mesmo modo, um novilho era
usado pelos sacerdotes nas ofertas regulares pelo pecado (Lv 4:3). Além disso,
os novilhos sacrificados como ofertas regulares pelo pecado e novilhos e bodes
sacrificados como ofertas especiais pelo pecado no Dia da Expiação eram todos
designados pelo mesmo termo - ofertas pelo pecado. As ofertas do Dia da Expia-
ção não eram chamadas ofertas de "expiação"! O fato de que ambos os grupos de
sacrifícios eram chamados ofertas pelo pecado indica sua semelhança.
A identificação desses dois grupos de animais sacrificais em Levítico 4 e 16
pode ser feita de forma ainda mais exata ao se observar a semelhança na manipula-
ção do sangue pelo sacerdote. Por exemplo, o sangue das ofertas regulares pelo pe-
cado (por um sacerdote ou por toda a congregação) era levado ao santuário, assim
como o sangue do novilho e do bode sacrificados no Dia da Expiação. Podemos
notar outras quatro correspondências ao revermos os dois rituais:
70 SKMANAS, LEVtnco E A NATUREZA DA PROFECIA

1. Oferta regular pelo pecado. Com o sangue extraído dos novilhos sacrifi-
cados como ofertas pelo pecado pelo sacerdote ou por toda a congregação (Lv
4:5-12, 17-20), o sacerdote:
A. Levava um pouco do sangue ao lugar santo do santuário e o aspergia sete
vezes "perante o Senhor", diante do véu do santuário.
B. Colocava o sangue sobre os chifres do altar do incenso no lugar santo.
C. Derramava o restante do sangue na base do altar do holocausto no pátio
do santuário.
D. Removia a carcaça do animal e suas entranhas e as queimava fora do acam-
pamento. O sacerdote não comia dessa carne.
2. A oferta pelo pecado no Dia da Expiação. Várias semelhanças {e algumas
diferenças significativas) podem ser vistas na maneira como o sangue do novilho
selecionado para o sacerdote e sua ordem e o sangue do bode do Senhor eram
manipulados no Dia da Expiação (Lv 16:11-19, 27-28).
A. O sumo sacerdote levava o sangue do novilho e o sangue do bode ao lugar
santíssimo e os aspergia sobre o propiciatório e diante dele sete vezes.
B. O sumo sacerdote deveria fazer o mesmo pela "tenda da congregação" (o
lugar santo). Essa parte do ritual não é esclarecida, mas o contexto implica que
o procedimento era similar ao que era feito no lugar santíssimo e no pátio. Por
conseguinte, podemos supor que ele aplicava um pouco do sangue do novilho e
do bode nos chifres do altar do incenso e o aspergia sete vezes (cf. Ex 30:10).
C. O sumo sacerdote, então, colocava um pouco do sangue de cada um desses
animais sacrificais sobre os chifres do alt.ir de ofertas queimadas e os aspergia tam-
bém sete vezes.
D. As carcaças desses dois sacrifícios, junto com suas entranhas, eram removidas do
acampamento e queimadas. O sumo sacerdote não comia a carne desses animais.
3. Comparações adicionais. Comparações adicionais podem ser feitas a partir des-
sas descrições. De início deve-se observar que ambos os grupos de ritos aconteciam numa
direção reversa. O primeiro passo do sacerdote era levar o sangue para o santuário até o
véu interior no caso da oferta regular pelo pecado; e ao santíssimo, no caso das ofertas
pelo pecado no Dia da Expiação. Então começa a tratar cada área sucessiva à medida que
sai do ponto interior. No Dia da Expiação, o processo representa uma purificação pro-
gressiva do santuário do interior para o exterior á medida que ele atua de forma inversa
com o sangue sacrifica] (segundo compartimento, primeiro compartimento, pátio).
Enquanto u localização precisa para a ministração das primeiras fases respectivas
difere (em cada lado do véu interior), são similares em sua natureza. Em ambos os casos
pode-se dizer que o sangue era aspergido sete vezes diante do propiciatório. Aspergir o
sangue diante do véu era equivalente a aspergi-lo diante do propiciatório. (Deve-se lem-
brar que todo o santuário eta o lugar da morada de Deus. O véu não era um fim em si
mesmo; ele existia somente como uma proteção para os sacerdotes ao eles ministrarem
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLCV;K:A HM LKVITICO

no primeiro compartimento.) Não há evidência de que o sumo sacerdote aspergia o


sangue diante do véu no Dia da Expiação. O rito no lugar santíssimo tomaria o lugar
dessa primeira fase da oferta regular pelo pecado. Devido a esse avanço de posiciona-
mento, o sangue das ofertas pelo pecado no Dia da Expiação era trazido um passo mais
próximo do Senhor, isto é, da sua lei que tinha sido quebrada.
De acordo com a maneira como as preposições são usadas em Lv 16:14-15 o
sangue era aspergido "sobre" (W) a face do propiciatório. O propiciatório formava
a cobertura para a arca e era, portanto, localizado sobre o "testemunho" - as tábuas
da lei (Ex 25:21). O sentido parece ser que ao aspergir o sangue sobre o propicia-
tório, o sacerdote estava, de fato, aspergindo o sangue sobre as tábuas da lei. Se o
propiciatório não estivesse lá, o sangue seria aspergido dirctamente sobre a lei.
Assim, a expiação era dirigida para a lei violada. Essa era a abordagem mais
direta e o mais próximo que o sangue poderia chegar com relação á lei para fazer
expiação por sua violação. Embora o Senhor estivesse velado na nuvem sobre o
propiciatório (Lv 16:2), a ênfase no rito do sangue não estava no fato de fazer
uma expiação em sua presença, mas em aplicar o sangue expiatório à lei - a vonta-
de expressa de Deus - que os israelitas violaram por suas transgressões. O sangue
era aplicado diretamente a essa lei violada somente no Dia da Expiação.
A escassez de detalhes impede-nos de fazer muitas comparações entre os minis-
10 térios da segunda fase da oferta regular pelo pecado e da segunda fase das ofertas
pelo pecado no Dia da Expiação. Visto que no último caso o sumo sacerdote deve-
ria fazer no lugar santo a mesma coisa que tinha feito no santíssimo com o sangue,
pode-se presumir que o rito envolvia outro aspergir do sangue por sete vezes. Isso
seria feito sobre o altar do incenso (cf. Ex 30:10). Por comparação, os chifres do
mesmo altar do incenso eram marcados com sangue nos ritos da oferta regular pelo
pecado (Lv 4:7). Assim, havia uma identidade de atividade no lugar santo entre a
oferta regular pelo pecado e aquelas oferecidas no Dia da Expiação.
A terceira fase desses dois grupos de ritos de ofertas pelo pecado diferia de
forma considerável. Na oferta regular pelo pecado, o sangue sacrificai restante era
trazido do lugar santo c derramado à base do altar das ofertas queimadas. Ou seja,
era eliminado num lugar sagrado um pouco depois de ter sido usado para sua
finalidade proposta no lugar santo do santuário.
Em contraste, o sangue das ofertas pelo pecado no Dia da Expiação primeira-
mente era aplicado nos chifres desse altar e então aspergido sobre ele sete vezes.
Em outras palavras, havia um ministério do sangue nesse altar, em vez de uma
mera eliminação em sua base. Assim, o rito do sangue das ofertas pelo pecado no
Dia da Expiação purificava não somente o altar das ofertas queimadas (Lv 16:19),
mas também o preparava para a ministração de um outro ano de sacrifícios.
As diferenças básicas entre esses dois grupos de ofertas pelo pecado são que o
sangue da oferta regular pelo pecado (pelo sacerdote/toda a congregação) era usa-
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

do exclusivamente no lugar santo; o sacrifício do Dia da Expiação era ministrado


em ambos os compartimentos e no altar exterior. Também o objetivo imediato
era diferente. Na oferta regular pelo pecado faz-se expiação pelo sacerdote ou pela
congregação e são purificados diretamente. No Dia da Expiação, faz-se expiação
pelo santuário e ele é purificado; o povo é purificado indiretamente.
Embora a quarta fase em qualquer um dos ritos de sangue não seja particular-
mente importante, deve-se notar que a remoção das carcaças e das entranhas para um
lugar fora do acampamento e sua subsequente eliminação pelo fogo era similar.
Nessa revisão desses dois ritos de oferta pelo pecado foram identificadas di-
versas semelhanças. Cada rito passava por um procedimento de quatro fases ba-
sicamente nos mesmos lugares no santuário. Ambos os grupos de sacrifícios são
designados ofertas pelo pecado, e ambos fazem expiação. Alguns dos detalhes
sobre a maneira como o sangue é administrado também são similares.
Essas semelhanças se opõem à maneira como as outras ofertas no sistema sacrificai
eram manipuladas. O sangue dos outros tipos de sacrifícios não era levado ao santuá-
rio e não era manipulado da mesma forma detalhada que as ofertas pelo pecado.
O propósito do escritor bíblico em detalhar essas semelhanças parece ser enfatizar
as correspondências entre a oferta regular pelo pecado pelo sacerdote e por toda a con-
gregação (Lv 4) e a oferta pelo pecado em favor de todos os sacerdotes e da apresentada
em favor de toda a congregação no Dia da Expiação (Lv 16). A ordem é a mesma. O sã- '''
cerdote vem primeiro em Levitico 4, assim como o sumo sacerdote oferece seu novilho
primeiramente no Dia da Expiação. A oferta por toda a congregação vem em segundo
lugar em Levítico 4, assim como o bode apresentado por toda a congregação para a pu-
rificação do santuário no Dia da Expiação. As ofertas pelo pecado no Dia da Expiação
parecem, assim, ser vistas como uma extensão das ofertas pelo pecado apresentadas
durante o ano, c identificam-se com essas últimas, porém sua abrangência é maior.
Portanto, existe urna opinião de que as ofertas pelo pecado no Dia da Expiação
representavam, substituíam e resumiam tudo o que foi realizado até então pelas
ofertas regulares pelo pecado - e os outros sacrifícios também. Assim como as ofer-
tas no Dia da Expiação eram coletivas (por todo aquele verdadeiramente arrepen-
dido no acampamento de Israel), eram também colerivas no sentido de representar
todas as ofertas pelo pecado realizadas antes durante aquele ano. Sua posição cen-
tral na coluna sacrificai do quiasma literário do livro também sugere isso.
A natureza coletiva dessas ofertas pelo pecado deve ser comparada e enfatiza-
da. Quatro categorias de ofertas pelo pecado (não duas) são listadas em Levítico
4. As primeiras duas envolvem o sacerdote e toda a congregação; as últimas duas
envolvem o indivíduo (príncipes/pessoas comuns). A maneira como os ritos para
as últimas duas classes eram ccmduzidos também era diferente. Assim, a oferta pelo
pecado do sacerdote ou de toda a congregação é enfatizada pelos paralelos com os
ritos de sangue do Dia da Expiação. O Dia da Expiação não era o momento para
FORMA LITtRÁRIA H FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LEVÍTICO

tratar do pecado individual (embora, do lado prático, o perdão fosse oferecido por
meio do sacrifício da manhã e da tarde). Em certo sentido, esse dia da oportunida-
de acontecia durante o ano cúltico. Agora, no Dia da Expiação, era o momento de
tratar de todos os pecados dos filhos de Israel como uma atividade coletiva.
Assim, por uma boa razão, a oferta pelo pecado (o bode do Senhor) sacrificada
no Dia da Expiação servia para toda a congregação, visto que parece ter tido como
padrão a oferta regular pelo pecado feita em favor de toda a congregação (Lv 4).
Era um sacrifício coletivo pelo santuário e pelo povo. O mesmo também é verdade
quanto à oferta pelo pecado realizada pelo sumo sacerdote no Dia da Expiação.
Era também um sacrificio coletivo feito em favor de todos os sumos sacerdotes (Lv
16:6, 11, 33).

"OFERTAS PELO PECADO" - UMA TRADUÇÃO SUGERIDA


O ato de aplicar o sangue do bode do Senhor diante do propiciatório da arca
era, obviamente, o ponto alto dos serviços no Dia da Expiação. Levítico 16:16
explica o significado desse ato realizado pelo sumo sacerdote. Aqui está minha
própria tradução literal do texto hebraico:
"Assim (o sumo sacerdote] tara expiação pelo santuário por causa da impureza
dos israelitas e de suas transgressões por todas as suas ofertas pelo pecado."
Essa tradução difere de outras pelo fato de traduzir a última palavra dessa
passagem (hatíã 'ôt) como "ofertas pelo pecado" em vez de "pecados". Visto que a
tradução dessa palavra hebraica c muito importante para a compreensão do que
ocorria no Dia da Expiação, deve-se atentar para sua tradução. O problema aqui é
o fato de que o termo no singular (haftã 't) ou plural (hatíã o/) pode ser traduzido
tanto como "pecado(s)" ou "ofertas pelo(s) pecado(s)". Isso deixa para a sintaxe e
o contexto a questão de se determinar a tradução correta.
Uma forma de se analisar essa palavra é por meio de uma abordagem lexical tí/reta,
isto é, podemos ver como ela é usada em outra parte de Levítico 16. Assim, um simples
exame do capítulo indica que é usada dez vezes no singular para se referir a uma oferta
pelo pecado (v. 3, 5, 6, 9, 11, 15, 25, 27). Além disso, o termo ocorre duas vezes na for-
ma plural onde se refere indiscutivelmente a pecados (v. 30, 34). Desse modo, é possível
argumentar, a partir do peso da maioria das ocorrências, que a forma singular nessa
passagem denota a oferta pelo pecado, mas o plural denota pecados.
Outra maneira de buscar o significado dessa palavra é por meio de uma
abordagem lexical indireta, isto é, podemos buscar seu sentido nessa passagem
determinando o significado dos verbos e dos substantivos e outras partes do
discurso relacionadas a ela no contexto. O versículo crucial para esse tipo de
observação é Levítico 16:16.
1. Verbo relacionado. Esse versículo começa com o verbo "expiar" (kipper), se-
guido da preposição "por" ('aí) e o objeto dessa expiação, "o santuário" (haqqõdes
70 SIÍMANAS, LEvrnco E A NATUREZA HA PROFECIA

significa lugar santíssimo nesse contexto). Gramaticalmente falando, o santuário


(lugar santíssimo) é o objeto direto da ação, isto é, do ato expiatório (não os pe-
cados e as impurezas de Israel). A preposição "por" ('aí) está ligada a esse verbo
numa formulação bastante conhecida. Ocorre também em Levitico 16:18 e mais
de 20 vezes em outras passagens desse livro.
Outro tipo de formulação gramatical em que o verbo "expiar" (kipper) é usado
é com a preposição "para" (ha 'atf). Isso ocorre quatro vezes em Levitico 16(v.6, 11,
17, 24). Os exemplos dessa construção ocorrem fora de Levitico em Êxodo 32:30;
Ezequiel 45:7; 2 Crónicas 30:18-19.
Um terceiro tipo de formulação em que o verbo "expiar" (kipper) é encontrado
ocorre quando é seguido por um marcador de objeto direto ('et) que identifica seu
objeto direto gramatical (por exemplo, em Levítico 16:20 o marcador de objeto di-
reto é usado diante de "lugar santo", "tenda da congregação", e "altar", indicando
três objetos diretos da ação verbal).
Mas nenhum desses três tipos de construção ocorre em Levítico 16:16 para
ligar o verbo "expiar" (kipper) a hallâ'ôl ("pecados/ofertas pelo pecado") no final
do versículo. O que quer que esse tipo de declaração represente, certamente não é
uma declaração direta sobre expiação pelos pecados. A ligação é mais indireta.
2. Substantivos relacionados. Do verbo nessa passagem podemos mudar para
uma investigação de seus substantivos. De acordo com nossa passagem, o lugar 113
santíssimo foi expiado "por causa das impurezas dos filhos do Israel e de suas trans-
gressões" (tradução literal).
Esses dois substantivos principais (impureza/transgressão) fornecem um resu-
mo apropriado do que foi discutido antes em Levítico 1-15. Deve-se recordar que
as transgressões foram tratadas nos capítulos 1-7 e as impurezas, nos capítulos
11-15. Assim, seria redundante traduzir ha(tã'ôt, que vem a seguir, como "todos
os seus pecados". Faria parecer que a palavra forneceria, desse modo, somente
outra nuance de significado para o termo "transgressões".
Mais adiante no mesmo capitulo ocorre uma mudança na terminologia (v.
21). No versículo 16 temos a sequência: impurezas-transgressòes-pecados/ofertas
pelo pecado. No versículo 21 a sequência é: iniquidades-transgressòes-pecados/
ofertas pelo pecado. Quando o sumo sacerdote coloca suas mãos na cabeça do
bode vivo, confessa sobre ele "todas as iniquidade* ('awõnót) dos filhos de Israel, e
todas as suas transgressões (p*íã7m)*. O termo "iniquidades" substitui "impurezas",
e o termo para "transgressões" retém sua segunda posição na sequência. A mesma
palavra, halíã'ôí, segue ambos os substantivos na sequência. Se for traduzido "pe-
cados", torna-se ainda mais redundante no versículo 21 do que no versículo 16, a
menos que seja designado a indicar "ofertas pelo pecado".
A última declaração dessa natureza ocorre na referência ao bode vivo que leva
sobre si a "iniquidade" ~'awõnôt_ (v. 22). N e n h u m dos outros termos é repetido.
FORMA LITERÁRIA F, FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LEVÍTICO

O termo para "iniquidades" assume o lugar da primeira palavra na confissão do


sacerdote sobre a cabeça do bode (v. 21). A terminologia e o conceito de "levar a
iniquidade" são bem conhecidos em outras partes do Antigo Testamento."
Desse modo, se ha((ã'ôt significa "pecados" em vez de "ofertas pelo pecado"
nessas passagens (v. 16, 21), então é um tanto quanto redundante. Se por outro
lado significar "ofertas pelo pecado", então carrega muito mais significado e seria
mais do que apenas outro sinónimo para pecado. Essa aparente redundância suge-
re (mas não prova) que esse termo pode ter sido designado pelo escritor para uma
finalidade mais contrastante, a saber, indicar "ofertas pelo pecado".
3. Preposições relacionadas. A linha de evidência mais importante que indica
a função e o significado de ha(tã 'õt no versículo 16 é a maneira como as preposições
estão ligadas a ele e as outras palavras no contexto. Há diversas passagens que são
pertinentes a esse estudo. Elas estão listadas em ordem, traduzidas e parcialmente
transliteradas com a tradução sugerida de "ofertas pelo pecado":

1. Lv 16:3 Arão entra no lugar santíssimo com um novilho para (/*') uma
oferta pelo pecado (hallã 1).
2. Lv 16:5 Da congregação de Israel ele tomará dois bodes para (/'') uma
oferta pelo pecado (haííã 'f).
114 3. Lv 16:16 E fará expiação pelo (kipper 'ai) lugar santíssimo das (min) im-
purezas (fuml'ôl) dos filhos de Israel e das (min) suas transgres-
sões (piS'êhem) por (le) todas (kol) as suas ofertas pelo pecado
(halíõ Iam).
4. Lv 16:21 E colocará suas duas mãos sobre a cabeça do bode vivo e con-
fessará sobre ele todas as iniquidades ('et-kol-^wõnôt) dos fi-
lhos de Israel, e todas as suas transgressões (w1" ei-kol-pis 'ehem)
por (/'') todas as suas ofertas pelo pecado (kol-hattõ't_ãm).
5. Lv 16:30 Naquele dia, se fará expiação por vós, para purificar-vos de
(min) todos os vossos pecados (kõl ftatto '(êkem).
6. Lv 16:34 Para fazer expiação pelos filhos de Israel de (min) todos os seus
pecados (kol-fiattõ 'iam).
Nas duas primeiras declarações (n. l e 2), temos exemplos onde a
preposição le é usada com a palavra sob discussão (hattãl). Em ambos
os casos, o termo refere-se claramente à "oferta pelo pecado". Portanto,
devem ser comparadas com a preposição (/*') que é usada com a forma
plural da mesma palavra no final do versículo 16 (n. 3), o qual tradu-
zimos: "por todas as suas ofertas pelo pecado." Outro uso similar de /'
pode ser citado nos versículos 6 e 11. Arão foi instruído a sacrificar um
novilho para oferecer pelo pecado que era "por ele" (lô se iguala a /'
mais o pronome pessoal "ele").
70 SUMANAS, L^vtnco E A NATUREZA DA PROFKUA

Por contraste, os últimos dois casos (no. 5 e 6) fornecem exemplos bem


definidos onde o plural de liciiíã'! é usado para indicar "pecados". Essa é a
única tradução possível. Mas em ambos os casos a preposição usada é min
("de"), não /''. Esse uso deve ser comparado também com a passagem n. 3,
em que os primeiros dois objetos indiretos ("impurezas" c "transgressões")
são precedidos também pela mesma preposição min em contraste com /l',
que precede a última palavra, o ha((â'õt sobre a qual estamos discutindo.
Outro caso de uso semelhante de min pode ser citado de Levítico 16. Ao
aspergir o sangue do bode do Senhor sobre o altar do pátio, o sacerdote o
purificava e o santificava "das" (min) impurezas dos filhos de Israel (v. 19).
Assim, o uso dessas duas preposições (!' e min) não é aleatório em
Levítico 16; pelo contrário, é claro e distinto. L1' é usado com seus signi-
ficados comuns de "para, por" e é usado com ofertas pelo pecado. Min é
usado com seu significado comum "de" e com "pecados". Essa distinção
proporciona uma indicação preliminar de que a palavra sob discussão se-
ria melhor traduzida como "ofertas pelo pecado" em Levítico 16:16. Essa
hipótese conduz a uma análise mais detalhada da passagem.
4. Conjunção relacionada. Além do uso dessas duas preposições (/''
e min) dois outros pontos devem ser considerados no que diz respeito á
palavra sob discussão (hallã'õí) em Levítico 16:16. Um deles tem a ver com 115
a conjunção ("e") que liga os substantivos "impurezas" e "transgressões"
("das impurezas de... Israel e de suas transgressões"). Conjunções servem
para ligar palavras. Se hatfã'õt devesse ser ligada com essas duas palavras
para formar um tripé, outra conjunção teria sido adicionada ("impurezas"
e "transgressões" e "pecados"). Mas esse não é o caso, como pode ser visto
por uma simples leitura do versículo.
5. Pronome relacionado. O pronome "todos" (kõf) é outro termo situado
no contexto de nossa passagem principal. E usado com hattã'õt, mas não com os
termos "impurezas" e "transgressões" que o precedem. O contraste aqui está entre
"as impurezas dos filhos de Israel" e "suas transgressões", por um lado, e "todos os
seus/JwífcJ o/", por outro. Se o significado da última palavra é "ofertas pelo pecado"
em vez de "pecados", então esse significado poderia muito bem abranger tudo
aquilo que foi tratado das duas categorias anteriores por meio de seus sacrifícios.
Nesse caso, o termo não seria simplesmente «.nitra categoria para o mal.
Assim, há três distinções principais entre a maneira como "impurezas" e
"transgressões" são tratadas gramaticalmente e a maneira como ha(fã'õt é trata-
do no mesmo versículo (Lv 16:18). (1) "Impurezas/transgressões" são precedi-
das pela mesma preposição (min), enquanto hattã'õt é separado delas por uma
preposição diferente (/"'). (2) "Impurezas/transgressões" são ligadas por uma
conjunção ("e"), enquanto hattã'õí é separada delas pela ausência de uma con-
FORMA LITERÁRIA E FUNÇÃO TEOLÓGICA EM LEVITICO

junção. (3) fjattâ'õt_ é mais abrangente em virtude do acréscimo do modificador


"todos", enquanto ambas as palavras "impurezas/transgressões" não possuem
tal distinção. Essas distinções separam a palavra hattâ'õt_ do par antecedente e
colocam-na numa categoria separada, de significado mais remoto e isolado.
Em resumo, podemos dizer que há dois significados lexicais possíveis para
híitfã'õt nesse versículo - "pecados" ou "ofertas pelo pecado". "Pecados" teria
um significado muito próximo de "transgressões" que a precede no versículo.
Somente uma sombra de diferença no significado as separaria. Se, por outro
lado, as três distinções observadas realmente separam essa palavra das palavras
precedentes gramaticalmente e com relação ao seu significado, então devemos
ter mais atenção ao seu significado lexical alternativo: "ofertas pelo pecado". A
opinião do autor deste ensaio é que a tradução da palavra como "ofertas pelo
pecado" deve ser mantida em aberto como uma opção possível.
Uma relação similar surge da sintaxe de Levítico 16:21 (veja o n. 4 na
lista das seis traduções listadas acima). Os três termos envolvidos nessa pas-
sagem são "iniquidades", "transgressões" e hattã'õt. Três distinções podem
ser observadas também aqui:
(1) Há uma distinção com base nas preposições. Visto que "iniqui-
dades" e "transgressões" são os objetos díretos do verbo nesse versículo,
não são precedidos por uma preposição. Entretanto, hattã'õt_ tem a prepo-
sição ('' que o separa dos outros dois termos. (2) "iniquidades" e "trans-
gressões" são precedidos pelo objeto direto ('et). Mas nenhum sinal de
objeto direto precede haftã'õt_. O) "Iniquidades" e "transgressões" estão
ligadas por uma conjunção ("e"), mas haftã'õt não está ligado com eles por
outra conjunção formando um tripé.
Dadas essas separações sintáticas entre as duas primeiras palavras e a
última, podemos esperar outra vez que o significado da última também
seja diferente das anteriores quanto ao sentido. E o significado de "ofertas
pelo pecado" que apresenta uma distinção mais direta.
A conclusão dessas considerações é que é possível a palavra discutida ser
traduzida como "ofertas pelo pecado" em Levítico 16:16, 21 em vez de "peca-
dos". Se esse significado para essa palavra for estabelecido, surge naturalmen-
te a pergunta: que sentido particular tal significado traz a essas passagens?
Observou-se em nossa discussão que é possível ver uma identificação
entre a oferta regular pelo pecado e as ofertas pelo pecado sacrificadas no
Dia da Expiação. As últimas deviam ser identificadas com a primeira ao
servirem como substitutas dessa, um clímax que resumia e tornava coletivo
o tratamento para a primeira. Dado esse tipo de compreensão do relacio-
namento entre as ofertas diárias e anuais pelo pecado, interpretar ha((ã'õt
nos versículos 16, 21 como "ofertas pelo pecado" seria razoável.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATURLZA DA PROFECIA

As ofertas regulares pelo pecado - sacrificadas durante todo o uno -


faziam expiação pelos dois principais aspectos negativos da vida do isra-
elita: pecado e impureza. Ambas essas ofensas eram expiadas por ofertas
pelo pecado. Nossa tradução sugerida de "ofertas pelo pecado" em Le-
vítico 16:16, 21 taz referência às ofertas regulares ou diárias pelo pecado
feitas durante o ano anterior, O sangue da oferta anual pelo pecado (o
bode do Senhor) então assumia sua obra e seu registro e as consumava.
A identificação das ofertas regulares pelo pecado e sua função com
a finalidade suprema da oferta f i n a l pelo pecado no Dia da Expiação
é confirmada em grande parte com a possibilidade da tradução de
ha(lã'õt em seu contexto: "Assim (o sumo sacerdote] fará expiação pelo
santuário [lugar santíssimo) por causa das impurezas dos israelitas e de
suas transgressões por [devido a/em favor dei todas as suas ofertas pelo
pecado" (v. 16).
A palavra para "transgressões" nesse versículo resume conveniente-
mente tudo o que é tratado em Levítico 1-7. A palavra para "impurezas"
resume tudo o que é tratado em Levítico 11-15. A palavra para "ofertas
pelo pecado", do mesmo modo, resume todas as ofertas sacrificadas de-
vido a essas duas principais condições tratadas na primeira metade de
Levítico (cap. 1-15), é e completada agora pela abrangente oferta pelo
pecado do bode do Senhor no Dia da Expiação (Lv 16).
Tal tradução indica fortemente que o ritual da oferta pelo pecado no
Dia tia Expiação tinha o objetivo de purificar o santuário somente dos
pecados confessados dos israelitas penitentes. Isto é, removia os pecados
que tinham sido confessados e transferidos para ele por meio das ofertas
pelo pecado que tinham sido oferecidas previamente durante o ano.
Essas são algumas das relações que vêm à tona com a tradução de Le-
vítico 16:16 sugerida aqui e de sua posição como o apogeu dos rituais de
ofertas pelo pecado e centro da estrutura literária do livro.

PERDÃO PESSOAL E DIA DA EXPIAÇÃO EM PERSPECTIVA


Outra comparação importante deve ser feita entre os rituais de ofertas pelo pe-
cado diárias e anuais. Pode-se indicá-la com a pergunta: em que momento o israelita
arrependido que participava do sistema do santuário recebia o perdão e a aceitação?
Essa pergunta é respondida de modo enfático em Levitico 4-5. Quando a
pessoa trazia sua oferta pelo pecado ao santuário, confessando seu pecado, ela era
perdoada. Uma declaração a esse respeito é feita repetidamente nessas passagens:
"o sacerdote por ele.s fará expiação, e eles serão perdoados" (veja Levítico 4:20, 26,
31, 35; 5:10, H, 18).
FORMA LITKRÁRIA b FUNÇÃO TEOLÓGICA HM LHVÍTICO

Em contrapartida, não existe qualquer comentário sobre perdão na legislação


do Dia da Expiação. Diferentes formas do verbo para fazer expiação aparecem em
Levitico 16 mais de dez vezes (v. 6, 10-11, 16-18, 20, 24, 27, 30, 33-34). Entretanto,
não há qualquer indicação nessas passagens de que o perdão foi dado à congrega-
ção como um todo ou aos indivíduos.
O Dia da Expiação tinha a ver com perdão somente em um sentido indireto.
Era um ritual especial para a purificação do santuário. O israelita era perdoado
quando sacrificava sua oferta pelo pecado e confessava seu pecado. Por meio do
processo dos rituais de sangue, seu pecado e responsabilidade eram transferidos
ao santuário, onde permanecia até que era exterminado de maneira definitiva no
Dia da Expiação. O crente arrependido era então perdoado quando tomava parte
no processo. O restante era cumprido por Deus em cooperação com os sacerdotes
que administravam o sistema sacrificai de acordo com sua insrrução.
Portanto, é evidente que o ritual do Dia da Expiação por sua posição central
no sistema do santuário (enfatizado por seu apogeu literário em Levirico) foi desig-
nado para focalizar a atenção do penitente israelita para além do estado de perdão
e aceitação pessoais ao aspecto final do plano divino para solucionar a questão do
pecado. Esse aspecto, colocando todo o simbolismo de lado, envolve as fases do
juízo final que culmina no plano de salvação e, banindo o pecado e o seu instiga-
dor, afirma a honra de Deus e concretiza a redenção de seu povo.

CONCLUSÃO
Foi demonstrado por vários comentaristas que escreveram sobre Levítico
que esse é um livro bem organizado. Este ensaio estende a análise para sugerir a
ideia de que Levítico foi estrururado propositadamente ao longo das linhas de
um grande quiasma em que os vários elementos dos capítulos 1-15, compondo
a primeira coluna do quiasma, correspondem aos elementos da segunda coluna,
capítulos 17-25, em uma ordem reversa. No centro literário e temático do livro
enamtra-se a legislação que trata do Dia da Expiação. Entre outras coisas, tal ar-
ranjo literário argumenta a favor da unidade de Levítico e de sua autoria única.
A primeira metade de Levítico lida essencialmente com o sistema sacri-
ficai. Visto que era a mediação do sangue que fazia a expiação pelo pecado
e trazia o perdão e a aceitação do pecador por Deus, podemos dizer que seu
núcleo teológico básico está orientado em torno do tema da justificação.
A segunda metade de Levítico fala dos mandamentos sob os quais Is-
rael devia viver. A motivação para a observação da vontade de Deus estava
na repetida declaração do Senhor: "Santo sereis, porque eu, o Senhor, vos-
70 SI-MANAS, LtviTkJo i; A NATUREZA PA PROFECIA

só Deus, sou santo" (Lv 19:2). Por essa razão, a segunda metade do livro
é, às vezes, chamada de o Código da Santidade. Esse chamado à santidade
era um chamado a uma vida santificada. Desse modo, a segunda metade
de Levítico está centrada no tema geral da santificação.
O foco deste ensaio, em sua maior parte, foram os ritos de sangue do
Dia da Expiação, que é o ponto culminante do sistema sacrificai discutido
em uma parte da primeira coluna do quiasma. A importância do Dia da
Expiação é enfatizada por sua posição central na estrutura literária de Le-
vítico. Diversas comparações importantes podem ser íeitas entre a oferta
anual pelo pecado (o bode do Senhor) e as ofertas regulares pelo pecado
sacrificadas em favor dos sacerdotes e de toda a congregação durante o
ano, especialmente se "ofertas pelo pecado" for aceita como uma tradução
válida para huítd'õt nas passagens-chave de Levítico 16:16, 21.
Se essa tradução for aceita, esses versículos indicariam de forma mais
clara que a expiação era feita nesse dia especial para remover do santuário
as impurezas e as transgressões dos filhos de Israel transferidas para ele
por meio das ofertas pelo pecado oferecidas previamente durante o ano.
O Dia da Expiação lidava de forma definitiva com os dois aspectos com-
portamcntais discutidos na primeira coluna dos quiasmas - transgressões
(Lv 1-7), impurezas (Lv 11-15), ambas expiadas por ofertas pelo pecado.
Levítico é um exemplo bem claro de que a forma complementa a fun-
ção. Colocado no centro do livro por meio de um projeto cuidadoso e teo-
lógico, o Dia da Expiação concretizava o ritual sacrificai simbólico do san-
tuário e antevia a realidade da conclusão do plano divino da salvação pelo
juízo final. Servindo também como o cerne literário do livro, a narrativa
do Dia da Expiação fornece uma transição apropriada à segunda metade
de Levítico que trata da maneira como o povo perdoado deve conduzir
sua vida com responsabilidade diante do Senhor. A forma complementa a
função de um modo esteticamente atrativo e teologicamentc significativo
quanto á mensagem e ao canal da mensagem em Levítico.
CAPÍTULO 6

TRANSFERÊNCIA DE PECADO EM LEVÍTICO


Angel M. Rodriguez

S inopse editorial. A posição assumida pelo presente autor é de que, no siste-


ma israelita de adoração, o pecado e a culpa eram transferidos do pecador
arrependido ao santuário por meio das ofertas sacrificais, especialmente as ofer-
tas pelo pecado.
Há um consenso geral entre os eruditos de que o conceito da transferência é
explícito no ritual do bode expiatório (Lv 16:21). Entretanto, questiona-se se havia
uma transferência similar em relação às ofertas sacrificais.
Em oposição a esse ponto de vista, o autor observa que o ritual da imposição
das mãos acontecia na oferta de todo animal sacrificai. A evidência resumida por
uma análise de três situações não ritualísticas - o ato de impor as mãos em um
blasfemo condenado por testemunhas (Lv 24:14), Moisés impondo as mãos sobre
Josué (Nm 27:18-23), e Israel sobre os levitas (Nm 8:10) - claramente indica que o
ato significava transferência para o pensamento hebraico. Mas o que era transferido
com as ofertas sacrificais?
Como um primeiro passo para encontrar a resposta correta, o escritor revê as
passagens que declaram de forma explícita que o santuário foi contaminado devi-
do à negligência dos rituais de purificação, pela adoração de ídolos (fora e dentro
do templo), e pela rebelião deliberada contra a aliança. O santuário era contami-
nado quando tais pessoas impuras e pecadoras procuravam adorar o Senhor em
seu templo de forma falsa. Porém, esse tipo de contaminação do santuário não
era removido com um ritual de purificação, mas com a destruição daqueles que o
tinham contaminado desse modo.
Por outro lado, é evidente que outra classe de pecados e impurezas cometidos
pelo povo de Deus alcançava o santuário e era removida dos recintos sagrados uma
vez por ano no ritual do Dia da Expiação. A tese deste capítulo ê a de que seus
pecados confessados e impurezas eram transferidos previamente ao santuário por
meio das ofertas sacrificais.
Uma prova contundente para essa posição é o fato de que os sacerdotes
deviam comer uma parte da carne das ofertas pelo pecado (dos pecados com
TRANSFERÊNCIA DE PECADO KM LKVÍTICO

os quais não estivessem envolvidos pessoalmente). Como resultado, os sacer-


dotes levavam "a iniquidade da congregação" (Lv 10:17). Isso indica que os
pecados e a culpa eram transferidos ao animal sacrificai mediante a imposição
das mãos de pecadores arrependidos e eram transferidos, por sua vez, aos sa-
cerdotes ao comerem a carne do sacrifício. O pecado também era transferido
pelos ritos de sangue.
Aqueles que negam tal transferência de pecado perguntam como é possível
para a vítima sacrificai ser contaminada desse modo e ainda ser considerada
como "coisa santíssima" (Lv 6:25, 29). O escritor explica que o fenómeno de se
ter um instrumento do pecado de expiação carregando o pecado e sendo santo
ao mesmo tempo é uma característica da adoração hebraica. A transferência do
pecado, na realidade, não anulava a santidade da vítima, do sacerdote, ou do
santuário. Isso é possível somente no contexto da expiação divina. O Dia da
Expiação para purificação do santuário demonstrava que santidade e pecado/
impureza são essencialmente incompatíveis.
Nota do editor: No tipo do ritual, o pecado confessado e a responsabilida-
de do penitente eram transferidos ao santuário por meio da vítima sacrificai
e do sacerdote. Pode-se dizer que temporariamente o santuário assumia sua
culpa, e ele era perdoado. No Dia da Expiação, o santuário era purificado, e,
'22 assim, Deus (no santuário) era vindicado. De modo figurativo, a culpa final era
colocada sobre o bode expiatório que era conduzido ao deserto.
Na realidade, quando um pecador é conduzido ao arrependimento pelo
Espírito Santo para aceitar a Cristo como seu Salvador e Senhor, Cristo as-
sume seus pecados e culpa, embora Ele não tenha pecado (cf. Hb 7:26). O
pecador arrependido é perdoado. A obediência perfeita de Cristo ê-lhe impu-
tada, e está justificado diante de Deus. Seu nome é registrado no livro da vida
e o perdão é incorporado em seus registros. No juízo final, no dia antitípico
da expiação, o crente genuíno que está em união com Cristo será reafirmado
diante do Céu (Ap 3:5) e toda culpa será colocada sobre Satanás, o originador
e instigador do pecado.

ESBOÇO DO CAPÍTULO

1. Introdução
2. Pecado/impureza e o santuário
3. Transferência do pecado/impureza e os sacrifícios expiatórios
4. Transferência e contaminação
5. Conclusão
70 SEMANAS, LHVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

INTRODUÇÃO

Não há um único erudito que negue que o conceito de transferência do pe-


cado esteja presente no livro de Levítico. Concordam que é explícito pelo menos
em uma passagem, a saber, Levítico 16:21.' Entretanto, com relação a outras pas-
sagens, não há um consenso em se a ideia da transferência do pecado/impureza
está ou não presente no culto israelita. Um grande número de eruditos nega essa
transferência nos sacrifícios expiatórios.2

PECADO/IMPUREZA E o SANTUÁRIO
Alguns eruditos sugerem que os pecados cie Israel - qualquer pecado - afeta-
vam o santuário. Isso significa que sempre que um israelita pecava, a habitação
de Deus era contaminada imediatamente e necessitava de purificação. O pecado,
de algum modo, atingia o santuário. Luigi Moralcli argumenta que havia uma re-
lação tão estreita entre a terra, o santuário e o povo que sempre que um israelita
pecava, os três eram contaminados. 1 Assim, a expiação feita pelo templo e pelo
altar purificava também o povo e a terra. 4
Moraldi não explica a natureza da relação que existe entre o santuário, o povo
e a terra; não define satisfatoriamente o processo da contaminação do santuário
com o pecado do povo.
Tem-se sugerido recentemente que a impureza é concebida como dinâmica-
dentro do culto hebraico. Supõe-se que possui uma característica que lhe possi-
bilita alcançar o santuário e contaminá-lo. Assim, é o santuário que é purificado
com os sacrifícios expiatórios diários. O pecador trazia sua oferta porque era sua
responsabilidade purificar a habitação do Senhor.s
Buscou-se apoio para esse ponto de vista de que todo pecado e impureza de
Israel contaminava automaticamente o santuário em várias passagens que falam
sobre os pecados dos israelitas que contaminam o santuário.6 Gastaremos algum
tempo analisando essas passagens, embora não estejam todas em Levitico. É im-
portante debater essa questão.
Levítico 15:31. Essa passagem indica claramente que a impureza (verbo íãmê')
do povo contamina o santuário. Contudo, devemos estar cientes do fato de que a
contaminação do santuário e a contaminação do indivíduo não são simultâneas.
Esse versículo é dirigido aos sacerdotes. Eles têm a responsabilidade de manter o
povo de Israel separado da impureza, e podiam fazer isso executando os rituais de
purificação, mencionados nos versículos anteriores, para o povo.
Se esses rituais não fossem realizados, o israelita não devia se aproximar do santu-
ário; caso contrário, contaminaria toda a habitação santa. A contaminação do santu-
TRANSFERÊNCIA DE PECADO EM Uvrnco

ário mencionado nesse versículo é o resultado de uma pessoa que vem ao santuário
impura. 7 É importante observar que esse pecado é uma rejeição dos meios divinos
para a purificação, e, portanto, não há perdão para o pecador; ele deve morrer.
Esse mesmo conceito também está presente em Números 19:13: "todo aquele
que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, e não se purificar, contami-
na \t.ãmê'\ o tabernáculo do Senhor; essa pessoa será eliminada de Israel; porque a
água purificadora não foi aspergida sobre ele, imundo será." (Também o versículo
20). O santuário não é contaminado no momento em que o indivíduo toca no
cadáver, mas somente se não faz uso do instrumento de purificação. Ao permane-
cer num estado de impureza, priva-se do privilégio de ir ao santuário; se for, irá
contaminá-lo e o resultado será sua morte.
Levítico 20:2-3. Essa ordem proíbe os israelitas de oferecer seus filhos a Mo-
loquc. O indivíduo que ousasse participar de tal abominação devia ser morto
"porquanto deu de seus filhos a Moloque, profanando, assim \lama'an\, o meu
santuário". O pecado consiste em oferecer uma criança como sacrifício; mas isso
resulta de algum modo (aqui a preposição lema'an expressa resultado) na contami-
nação do santuário. A pergunta é: como o santuário é contaminado nesse caso?8
Numa tentativa de responder a essa pergunta, devemos levar em consideração
os versículos 2-5. A lei básica é encontrada em 20:2: "Qualquer dos filhos de Israel
'24 ou dos estrangeiros que peregrinam em Israel que der de seus filhos a Moloque
será morto; o povo da terra o apedrejará."
O restante da perícope trata de duas situações possíveis que exigiriam a punição
do pecador por parte do próprio Deus. Na primeira, afirma-se que Deus se voltará
contra a pessoa que der seus filhos a Moloque, e que contamine, desse modo, o
santuário (tãmê\ 20:3). O Senhor "o eliminará do meio do seu povo". Na segunda
situação possível, lemos que o próprio Deus eliminará de seu povo a família que sa-
crificar seus filhos a Moloque, e que não for apedrejada por causa da indiferença do
povo (20:4, 5). Sacrificar a Moloque c um crime tão sério que se o povo, sabendo o
que a pessoa fez, não punir o pecador, o próprio Senhor o punirá.
Somente no primeiro caso acima é que o sacrifício a Moloque está associado
com a contaminação do santuário. Sugerimos que esse caso tem a ver com a pes-
soa que sacrifica seus filhos a Moloque e ninguém o sabe. Ela visita o santuário do
Senhor, contaminando-o. Uma vez que somente Deus sabe o que essa pessoa fez,
é Ele que punirá o pecador.
Na lei básica (20:2), assim como no segundo caso (deixar de apedrejar o peca-
dor), nada é dito a respeito da contaminação do santuário. A razão para isso é bem
clara. Visto que o pecado da pessoa é conhecido, os levitas podiam proibi-la de ter
acesso ao santuário. Seu pecado, consequentemente, não contamina o santuário.
Ela própria está contaminada (iãmê1; Lv 18:21, 30), separada do Senhor. Se nesse
estado de impureza tivesse acesso ao santuário, iria contaminá-lo.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

O apoio para nossa interpretação c encontrado em Ezequiel 23:38- 9. Nessa passa-


gem, lemos que o povo de Deus sacrificou seus filhos aos ídolos, e no mesmo dia visi-
tou o santuário contaminando-o ({ame'). Ao adorar ídolos e sacrificar seus filhos a eles
o povo tornava-se impuro. Nesse estado de impureza foram ao santuário e contamina-
ram-no. Por causa dessa violação flagrante da aliança, Ezequiel anunciou a destruição
do povo (Ez 23:46-49). A conclusão é evidente: aqueles que sacrificaram seus filhos a
Moloque contaminaram o santuário ao irem a ele num estado de impureza. O pecado
de sacrificarem os filhos toi agravado ao irem ao templo estando impuros.1'
É também Ezequiel que declara que o santuário estava contaminado (tãmê'} pe-
las abominações dos israelitas (5:11). Essas abominações são descritas no capítulo 8
como adoração dos ídolos dentro do recinto do templo em Jerusalém.10 Essa mesma
acusação foi feita também por Jeremias (7:30). Em consequência, ambos os profetas
anunciaram a destruição do povo (Jr 7:32-34; Ez 5:11; 8:18). O escritor está se refe-
rindo à mesma questão quando, no tínal de seu livro, acusa Israel de contaminar o
santuário "seguindo todas as abominações dos gentios" (2Cr 36:14). Foi exatamente
isso que, de acordo com o escritor, provocou a ira de Deus contra o seu povo.
Há mais uma passagem onde a contaminação (tãmê'} do santuário é mencio-
nada. A punição infringida por Deus sobre Israel por meio dos pagãos é descrita
como um ato de contaminação do templo. Na visão de Ezequiel (9:7) Deus ordena
àqueles que destruirão a cidade de Jerusalém: "começai pelo meu santuário" (9: '25
6). Ele ordena-lhes: "contaminai a casa, enchei de mortos os átrios". O santuário
é, então, contaminado pelo sangue dos corpos do povo de Deus.
De acordo com Salmos 79:1, foi isso o que aconteceu: "O Deus, as nações in-
vadiram a tua herança, profanaram o teu santo templo, reduziram Jerusalém a um
montão de ruínas." Os pagãos não contaminaram o santuário. Ele foi contamina-
do pelos corpos do povo de Israel (79:2-3). Os pagãos somente poderiam profanar
(hãlaí) o santuário tratando-o como um edifício comum (SI 74:7).
As passagens que acabamos de examinar são muito importantes para uma
compreensão adequada da relação do pecado/impureza com o santuário e do con-
ceito de transferência do pecado. Podemos, agora, tirar diversas conclusões:
1. Nem todos os pecados dos israelitas eram transferidos ao santuário, conta-
minando-o. E dito que o santuário é contaminado somente quando um indivíduo
entra nele num estado de impureza, ou quando adora ídolos ou deuses falsos.
2. O santuário é contaminado quando o povo, em franca rebelião, quebra a
aliança, rejeita a Tora de Deus t1 rtincia tfuer desfrutar as suas bênçãos.
3. É o povo de Israel que contamina o santuário. Isso era de se esperar, pois
somente o povo tinha acesso a ele. Seus atos e seu sangue contaminavam-no.
4. Finalmente, a contaminação do santuário mencionada nessas passagens
não é removida com um ritual de purificação, mas com a destruição de quem
o contaminou."
TRANSFERÊNCIA DE PECADO EM LEVÍTICO

Nenhuma dessas passagens discute a questão de purificar o santuário, contu-


do todas elas mencionam o fato de que o indivíduo ou a nação irá perecer.
Nenhuma das passagens sob consideração deve ser usada para apoiar o con-
ceito do santuário como um tipo de imã que atrai todo o pecado/impureza dos
israelitas. Elas se referem a um tipo particular de pecado.
Entretanto, tendo dito tudo isso, é necessário reconhecer que, de acordo com
Levítico 16, o pecado/impureza alcançou o santuário. O pecado era transferido de
algum modo ao santuário, tornando inevitável um ritual anual para purificação e
expiação. Que pecados eram expiados durante o Dia da Expiação? Muitas respos-
tas têm sido dadas a essa pergunta. 12 Contudo, parece-nos que num esforço para
responder a essa pergunta devemos escutar o que o próprio capítulo está dizendo
e ver como isso se ajusta ao sistema cúltico israelita como um todo.
Se nossa compreensão dos pecados que contaminavam o santuário discutida
acima estiver correta, a purificação do santuário mencionada em Levítico 16 não
tem relação alguma com aqueles pecados. Ao tentar identificar os pecados expia-
dos durante o yòm hakkippurím (o Dia da Expiação), há pelo mentis quatro fatos
que devem ser levados em conta.
Em primeiro lugar, há uma ênfase contínua em todo o capítulo 16 de Levítico
em todos os pecados do povo de Israel (16:16, 21, 30, 34). Lemos que o santuário
126 deve ser purificado "por causa das impurezas [tum'ãh\ dos filhos de Israel, e das
suas transgressões [pesa'], e de todos os seus pecados \haffa'i\n (v. 16). No versí-
culo 21, outro termo para pecado é adicionado á lista - "iniquidades" ('ãwôn).
A combinação desses termos para pecado é usada no Antigo Testamento para
incluir todos os outros conceitos de pecado.n Isso significa que Levítico 16 não
está limitando os pecados expiados no Dia da Expiação a nenhuma categoria de
erro. O uso do termo pesa' é do especial importância. Esse termo "carrega consigo
um sentido consistente de revolta ou de rebelião contra um soberano; algumas
das ofensas para as quais se devia fazer expiação seriam cometidas apesar de se
conhecer a vontade de Deus."1'
Em segundo lugar, "todos os pecados" são os pecados do povo de Israel. Durante
o Dia da Expiação, o Senhor lida somente com os pecados de seu povo. Os pecados
daqueles que foram "eliminados" de Israel, ou que pereceram por causa de seus
pecados, não são considerados durante esse dia solene pelo sangue sacrificai.
Em terceiro lugar, é o santuário e os altares que eram purificados durante o
Dia da Expiação e não o povo.15 O santuário é purificado "por causa" dos pecados
e das impurezas dos filhos de Israel (16:16). De acordo com Levítico 16:30, 33 o
povo era beneficiado pela purificação da morada de Deus. Mas observe que nesse
caso a expressão kipper 'ai ("expiar por") deve ser compreendida num sentido
relacional."' Por meio da purificação do santuário, a purificação dos israelitas é
definitiva perante o Senhor (16:30).''
70 SEMANAS, LKV(TICO E A NATUREZA DA PROFHCIA

Em quarto lugar, o fato de o yóm hakklppurim (o Dia da Expiação) ser comemo-


rado somente uma vez ao ano sugere que os pecados expiados nessa ocasião eram
aqueles cometidos pelo povo durante todo o ano anterior.18 Em outras palavras,
todos os pecados do povo de Deus alcançavam de algum modo o santuário, e uma vez
por ano deviam ser removidos desse lugar.
A pergunta ainda permanece: como rodos os pecados do povo de Israel eram
transferidos ao santuário? Para responder a essa pergunta, devemos recordar que o
único pecador que tinha acesso ao santuário era o pecador arrependido. Ele podia se
aproximar de Deus, buscando o perdão e dependendo de sua graça. Mas o penitente
não podia vir sozinho ao santuário. Devia trazer consigo uma vítima sacrificai.
Sugerimos que é o pecado do pecador arrependido, o pecado confessado, que
torna necessária a purificação do santuário uma vez ao ano. São a esses pecados
confessados que Levítico 16 se refere com a expressão "rodos os seus pecados".
Esses pecados eram transferidos para o santuário por meio dos sacrifícios expia-
tórios. Uma análise do ritual de imposição das mãos sobre a cabeça, do comer da
carne da vítima sacrificai e da manipulação do sangue, apoiará nossa sugestão.

TRANSFERÊNCIA DO PECADO/IMPUREZA E os SACRIFÍCIOS EXPIATÓRIOS


127
IMPOSIÇÃO DAS MÃOS
O ritual da imposição das mãos era praticado em todo animal sacrificai. 19 Está
ligado claramente com a ideia da transferência do pecado no contexto do santuá-
rio em apenas uma passagem, a saber, Levítico 16:21. Ali se declara que o pedido
e a impureza eram transferidos ao bode expiatório por meio desse ato. Nesse caso,
o significado do ritual está claro: a transferência do pecado. Essa compreensão do
ato de impor as mãos sobre a cabeça tem sido considerada válida também no caso
dos sacrifícios diários. 20
Entretanto, um grande grupo de eruditos argumenta contra essa ideia. 21 Eles
não consideram o bode expiatório como uma vítima sacrificai, principalmente
pelo fato de ele não ser morto, mas apenas removido vivo do santuário. Esse grupo
de eruditos reconhece que o pecado foi transferido ao animal. Esse é precisamente
o fato, discutem, que diferencia o bode expiatório das vítimas sacrificais. O bode
expiatório não pode ser sacrificado porque foi contaminado pelo pecado/impu-
reza do povo; por outro lado, a vítima sacrificai é considerada santa, santíssima,
após a imposição das mãos.
Visto que a interpretação da imposição das mãos encontrada em Levítico
16:21 é rejeirada como válida também para as vítimas sacrificais, o exegeta é dei-
xado livre para buscar qualquer interpretação do ritual que considere apropriada.
TRANSFERÊNCIA DE PECADO EM UVÍTICO

Provavelmente seja por isso que há uma proliferação de teorias quanto ao signifi-
cado da imposição das mãos.
Assim, há, por exemplo, a teoria da identificação, que indica que no ritual cria-
se um relacionamento forte e profundo 22 entre o ofertante e a vítima. Há também
a teoria da consagração/dedicação, que afirma que com a imposição das mãos a víti-
ma é separada para um propósito sagrado.21 A teoria da apropriação e/ou teoria da
designação, enfatiza a ideia de que a vítima pertence ao adorador que a está presen-
teando ao Senhor.24 A teoria da libertação interpreta o ritual como um indicador de
que o indivíduo está renunciandom a seu direito de propriedade.2S Dentre essas
diferentes teorias encontra-se muitas variações.
Além de Levitico 16:21, não há nenhuma passagem que explique claramente o
significado da imposição das mãos ao se executar animais sacrificais. O ritual era
praticado também em algumas situações não relacionadas ao culto. Por isso, é apro-
priado examinar brevemente esses casos. Uma vez feito isso, descobriremos que o
conceito cie transferência é comum a todos os casos não relacionados ao culto.
A imposição das mãos é mencionada em relação a três incidentes não relacio-
nados ao culto. Primeiramente, observamos o rito ligado a uma pessoa que blas-
femou o nome do Senhor {Lv 24:14). Aqueles que o ouviram deviam colocar suas
mãos sobre o blasfemo antes de apedrejá-lo. Não se pode negar que, nesse caso, o
28 ritual é um meio de as testemunhas identificarem o culpado. 26
Mas isso também tinha outra finalidade. De acordo com Levitico 5:1, a pessoa
que testemunhava um ato pecaminoso ficava envolvida até ao ponto em que po-
deria perder sua própria vida. Sendo assim, nesse incidente, o ritual da imposição
das mãos tinha a finalidade de transferir ao blasfemo a culpa que estaria ligada aos
ouvintes caso tivessem escondido o ato pecaminoso.27
O segundo incidente não relacionado ao culto em que a imposição das mãos
foi realizada enconrra-se na narrativa da consagração de Josué como o novo líder
de Israel (Nm 27:18-23). De acordo com o texto bíblico, Moisés transferiu a Josué
autoridade e honra com esse ato (cf. Dt 39:9).2H
A última passagem é Números 8:10 que fala da consagração dos levitas. Eles,
no lugar dos primogénitos dos israelitas, foram escolhidos por Deus para lhe
servirem no santuário. O povo colocou suas mãos sobre os levitas, transferindo-
lhes a responsabilidade (que pertencia anteriormente ao primogénito do povo)
de servir no santuário. 21 '
Desse modo, fica evidente que nas passagens não-cúlticas o ritual da impo-
sição das mãos é usado para expressar a ideia de transferência. Num importante
caso relacionado ao culto israelita, o mesmo ritual é realizado num animal sacri-
ficai para transferir-lhe algo. Então, é bastante compreensível o motivo por que
um grupo de eruditos acredita que colocar as mãos sobre uma vítima sacrificai
expressava também a ideia de transferência.
70 SKMANAS, LKVÍTKJO E A NATUREZA iv\ PROFECIA

Naturalmente, nem todos concordam quanto ao que está sendo transferido.


Alguns argumentam que por meio do ritual "o homem transmite suas próprias
características, sua personalidade a um animal". 10 Outros sugerem que o que é
transferido à vitima é o pecado e a culpa do ofertante."
Parece-nos que a interpretação que mais se ajusta aos fatos é a que considera
a imposição das mãos como indicador da transferência do pecado e da culpa à
vítima sacrificai. Entretanto, isso cria um problema sério: o problema de explicar
a santidade da vítima após a imposição das mãos.
Apesar desse problema, ao qual retornaremos mais tarde, a transferência do
pecado à vítima sacrificai é indicada não somente pelo caso do bode expiatório
e dos contextos não-cúlticos já discutidos, mas também pelo fato de que quem
realizou o rimai era um pecador em busca de perdão e purificação. Além disso,
o ritual do comer da carne da oferta pelo pecado oferecida pelo sacerdote apoia
nosso ponto de vista da imposição das mãos.

O RITUAL DO COMER DA CARNE

De acordo com a legislação de Levitico, uma porção da carne da oferta pelo


pecado pertencia ao sacerdote. Ele devia comê-la em um lugar santo. A carne era
considerada santíssima e poderia ser comida somente pelos sacerdotes (Lv 6:17-
19,25-26,29:7:6-7).
Argumentou-se que esse ritual tinha a finalidade cie fornecer o alimento para
o sacerdote,32 o que é bastante óbvio. Porém, o ritual parece ter uma função mais
importante. O próprio fato de ele não poder levar a carne para casa e compartilhar
do alimento com sua família indica que estamos tratando aqui de um ato cúltico
muito significativo. Pode não estar errado dizer que "o comer é aparentemente
parte do processo expiatório". 31
O significado desse ritual é indicado claramente em Levitico 10:17. Moisés
pergunta a Arão: "Por que não comestes a oferta pelo pecado no lugar santo? Pois
coisa santíssima é, e o Senhor a deu a vós outros, para levardes a iniquidade da
congregação, para fazerdes expiação por eles diante do Senhor?"
Sugere-se que esse versículo está descrevendo a função da oferta pelo pecado
e o papel do sacerdote com respeito a ela. M A expressão "levardes a iniquidade"
é considerada uma interpretação da frase "fazer expiação", e é traduzida como
"remover a culpa". Essa interpretação do texto é refletida na Bíblia de Jerusalém:
'"Por que', perguntou ele, 'você não comeu essa vitima no lugar santo? Pois é algo
santíssimo dado a você para levar a falta da comunidade, executando o rito da
expiação sobre ela diante de Yahwoh.'"
Essa compreensão do versículo negligencia o fato de a passagem não estar
falando sobre a oferta pelo pecado em si, mas sobre a parcela do sacrifício que é
TRANSFERENCIA DE ira^m EM LEVÍTICO

do sacerdote. Em Levítico, sempre que a expressão "foi dado a vós" (ou uma frase
similar: "os dei a Arão") tem o sacrifício/oferta como objeto direto e o sacerdote
como objeto indireto, o pronome oblíquo sempre se refere à parcela da oferta
designada ao sacerdote (Lv 5:16; 6:26, 29; 7:34, 36; 10:14). Em Levitico 10:17 a
expressão está se referindo à mesma coisa.
Além disso, a pergunta levantada no versículo não é: "qual a função da oferta
pelo pecado?", mas sim "por que não comestes a oferta pelo pecado?" Moisés não
só fez a pergunta, mas também explica o significado do ritual. Ao comer a carne
da vítima sacrificai, Arão leva os pecados do povo. Isso deve ser realizado com a finali-
dade de fazer expiação por eles. Por conseguinte, no processo da expiação, é muito
importante que o sacerdote coma sua parcela dos sacrifícios.
A expressão "levar a iniquidade" (nãxã1 'ãwôn) é muito importante tanto den-
tro como fora do culto. Ela foi estudada atentamente por W. Zimmerli," e Ele cor-
retamente sugere que em passagens não-cúlticas Deus é sempre o sujeito do verbo,
que significa "remover o pecado - perdoar". Mas quando a expressão é usada em
contextos cúíticos, ele argumenta que existem três significados possíveis: (1) Pode
significar carregar o pecado de uma outra pessoa de forma vicária (Ex 28:38; Lv
16:22; 10: 17; Nm 14:34; Ez 4:4-6); (2) Pode significar "assumir a responsabilidade"
(Nm 18:1); (3) Ou pode ser usado como um veredito sacerdotal para indicar que
um indivíduo é culpado de seu pecado e será punido por Deus.
Dois dos empregos acima da frase ("levar a Iniquidade") foram rejeitados por
alguns eruditos. O significado sugerido, "assumir a responsabilidade/ser respon-
sável", foi questionado por R. N. Whybray,í(1 e rejeitado apropriadamente por Rolf
Knierim." De acordo com Knierim, tal tradução torna iniquidade ('ãwôn) um
termo neutro, e esse não é o caso. Ele sugere que a frase deve ser traduzida: "ser
responsável pela 'ãwôn/ter que levar a 'ãwôn.™
Whybray reagiu contra a ideia de que "levar a iniquidade" significa levar o pe-
cado de alguém de forma vicária. Ele discute o caso do bode expiatório (Lv 16:22)
e conclui que a ideia da culpa vicária não está presente. Ele indica, de forma apro-
priada, que essa frase significa "levar embora".19 A ideia da substituição também
não está presente em Ezequiel 4:4-6. Ezequiel carrega a punição do povo de forma
simbólica a fim de assegurar-lhes que certamente carregarão seus próprios peca-
dos. ^Em Números 14:34, o povo também recebe sua punição merecida por causa
de seus próprios pecados.41
A respeito de Êxodo 28:38, têm-se discutido que o verbo "levar" (nãsã') nesse
exemplo significa "carregar". O verbo nãsã' é usado diversas vezes em Êxodo 28
com esse significado. 42 Por exemplo, Arão "leva/carrega" os nomes das tribos dian-
te do Senhor quando ele entra no lugar santo (28:12, 29).
Em 28:38 lemos: "E estará [a lâmina de ouro puro| sobre a testa de Arão para
que Arão leve a iniquidade concernente às coisas santas que os filhos de Israel
70 SEMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

consagrarem em todas as ofertas de suas coisas santas; sempre estará sobre a testa
de Arão, para que eles sejam aceitos perante o Senhor." Ao lermos atentamente
esse versículo, torna-se claro que nãsã' aqui não significa "carregar". O verbo tem
esse significado quando é seguido por um objeto indireto que indica destino (car-
regar algo para algum lugar). No versículo 38 esse não é o caso.43 Somos informa-
dos de que o sacerdote leva a iniquidade concernentes às coisas santas.
Não devemos negligenciar o importante fato de que no versículo 38 não esta-
mos lidando somente com o verbo nãsã \ mas com uma expressão técnica, a saber,
nãsã' 'âwôn ("levar a iniquidade"). Essa frase é bastante usada em Levítico no
sentido de "levar o pecado e tornar-se responsável por ele" (Lv 5:1, 17; 7:18; 10:17;
17:16; 19:8; 20:17, 19; 22:16). Em Levítico ela tem um significado negativo. Levar
o pecado, ser responsável por ele, significa estar sujeito a punição (7:18, 20, 21;
19:8). A única exceção é encontrada em Levítico 16:22, onde a expressão "levar a
iniquidade" (nãsã' 'ãwôn) é seguida por um objeto indireto que indica aonde o pe-
cado é levado. Mas sempre que nãsã' 'ãwôn é usada no sentido absoluto, significa
realmente ser responsável pelo pecado e sujeito à punição. 44
Deve-se observar que Êxodo 28:38 está falando sobre tis pecados concernen-
tes "às coisas santas (q"dosím}" que o povo consagrou ao Senhor. Algumas vezes,
sugere-se que esses pecados são os pecados cometidos em relação às ofertas, isto é,
os erros inadvertidos ao se realizar o ritual.45 Contudo, o contexto nem mesmo dá
a entender essa ideia.
A expressão "iniquidade concernente ás coisas santas" é mais bem explica-
da juntando as ideias expressadas por Levítico 10:17 e Êxodo 28:38. O que é
interessante nessas duas passagens é o fato de que ambas tratam de sacerdotes e
sacrifícios. De acordo com Levítico 10:17, o pecado é transferido ao sacerdote por
meio do ritual de comer a carne do sacrifício. Êxodo 28:38, por outro lado, afirma
de forma explícita que uma das funções dos sacerdotes era levar os pecados das
ofertas e dos sacrifícios do povo.46 Ambas as passagens dizem exatamente a mesma
coisa. O pecado do povo era transferido à vitima sacrificai, e dela ao sacerdote.
Quando um israelita ia ao santuário para oferecer um sacrifício expiatório,
ele estava em estado de pecado e culpa, e, de acordo com Levitico 5:1, levava seu
próprio pecado (nãsã' 'ãwôn).41 Ele era responsável por seu próprio pecado e, por
conseguinte, sujeito à divina punição. A única coisa que poderia livrar o pecador
desse estado era um sacrifício. Portanto, o indivíduo trazia sua própria vítima sa-
crificai, o sacerdote fazia expiação por ele (5:6), e ele era perdoado pelo Senhor (5:
10). Ele já não levava seu próprio pecado, pois este havia sido transferido à vítima
sacrificai e ã pessoa do sacerdote.
Parece-nos que o ritual de comer a carne indica claramente que há uma
transferência do pecado no sistema sacrificai hebraico. O pecado era transferido
à vítima sacrificai. Como? Há somente uma resposta a essa petgunta: com o ato
TRANSFERÊNCIA DE PEC:AIX> EM LEVJTICO

de colocar as mãos sobre a cabeça do animal, o pecado do penitente era transfe-


rido à vítima. Ao comer uma porção da carne do animal, o sacerdote carregava
o pecado também.
O fato de que durante o Dia da Expiação o santuário era purificado de todos
os pecados do povo de Israel sugere que o pecado do povo era transferido, na
pessoa do sacerdote, ao santuário.48 O sacerdote não podia levar seu próprio pe-
cado, ou um pecado em que estivesse, de algum modo, envolvido (Lv 4:1-21). Se
ele levasse seu próprio pecado, morreria (Lv 22:9). Por essa razão, o sacerdote não
podia comer da carne de seu próprio sacrifício. É nesse ponto (dentro do sistema
sacrificai) que a manipulação do sangue tem um papel muito importante.

A MANIPULAÇÃO DO SANGUE

Não se pode negar que a manipulação do sangue dos sacrifícios seja um


aspecto extremamente importante do processo expiatório. O sangue sacrificai
devia ser aspergido, lançado diante do altar, colocado nos chifres do altar, e
derramado na sua base.
O significado de aspergir é indicado claramente em Levitico 16:14-15, 30.
Nessa passagem, lemos que o aspergir resulta cm purificação. Os objetos asper-
gidos com sangue são purificados. Há eruditos que argumentam que o aspergir
do sangue sempre purifica. 49 Então, argumenta-se que quando um pouco do san-
gue da oferta pelo pecado é aspergido diante do véu, o lugar santo é purificado
do pecado do penitente. 50
Não se pode negar que o aspergir do sangue resulte em purificação. A per-
gunta é: no caso dos sacrifícios diários, o efeito da purificação é recebido pelo
santuário ou pelo penitente? Ao procurar uma resposta, devemos observar que
é somente no caso do Dia da Expiação que o aspergir resulta na purificação do
santuário e do altar. Em segundo lugar, é o contexto em Levítico 16 que nos
informa de que o ritual da aspersão purifica o que recebe o sangue aspergido.
Em terceiro lugar, o próprio ritual, bem como os lugares onde é executado,
difere significativamente dos sacrifícios diários/ 1
Em Levírico 4, vemos que não é o santuário que necessita de purificação no5
rituais diários, mas o indivíduo. O sacerdote, ou toda a congregação, pecou, e o
sacrifício é feito por eles. Sugerimos que nesses casos a aspersão purifica não o
objeto que recebe o sangue, mas a pessoa que traz o sacrifício.
Sabemos que em contextos não-sacrificais o benefício da aspersão poderia
ser recebido por outro que não fosse o objeto aspergido com sangue. Assim,
por exemplo, o óleo trazido pelo leproso é consagrado ao aspergir um pouco
desse óleo em direção ao santuário." No caso da novilha vermelha, um pouco
de seu sangue é aspergido em direção ao santuário, consagrando não somente
70 SEMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

o sangue, mas todo o animal.53 Em nenhum desses casos o santuário recebe o


benefício da aspersão.
Devemos recordar que somente o sangue dos sacrifícios oferecidos pelo peca-
do do sacerdote ou da congregação era aspergido (Lv 4:1-20). Em ambos os casos,
o sacerdote estava envolvido no ato pecaminoso. Não devia comer da carne da
vítima; isto é, o pecado não podia ser transferido a ele de forma vicária. Nesse
caso, o pecado era transferido ao santuário por algum outro meio, ou seja, com
o aspergir do sangue diante do véu do lugar santo. Ao entrar em contato com o
penitente impondo-lhe as mãos, o pecado era transferido á vítima sacrificai. Por
meio da aspersão do sangue, era transferido depois ao santuário. 54
Conforme indicado antes, a função cúltica do sangue não é limitada apenas à
aspersão. O sangue devia também ser posto sobre os chifres do altar," ou, no caso
das ofertas queimadas e pacificas, lançado diante do altar. "^ Em todo esse proces-
so, o resultado final é expiação pelas pessoas envolvidas.
O papel-chave do sangue no processo expiatório foi designado pelo próprio
Deus. Qualquer interpretação do sangue que o considere mágico, usada para va-
lidar seu caráter expiatório, deve ser eliminada de inicio. Levírico 17:11 indica
claramente que Deus atribuiu ao sangue um valor expiatório. O sangue não tem
nenhum poder ou virtude inerente. 57 Levítico 17:11 estabelece uma conexão inte-
ressante entre o sangue e a vida, igualando-os.SH E essa identificação dos dois que
explica por que o sangue é tão importante no processo expiatório.
A vida, de acordo com a compreensão bíblica, é um presente de Deus, perten-
ce a Ele, que é sua fonte.™ Portanto, a vida bumana não deve ser destruída pelo
homem (Gn 9:5). A vida animal pertence a Ele também. O sangue era considera-
do como a manifestação tangível da vida no pensamento hebraico.60
Visto que o sangue é vida, ele pertence a Deus e deve retornar a Ele. De
acordo com Levírico 17, isso pode acontecer de duas formas. No caso da caça,
o sangue devia ser derramado e coberto com pó (17:13). No caso de animais
sacrificais, o sangue devia ser trazido ao altar, e, por meio dele, a vida (como o
sangue) retornava a Deus (17:11).
O fato de que o sangue-vida retornava a Deus por meio do altar confere ao san-
gue uma função ritualística ou cúltica. Quando o sangue era levado ao altar, não
retornava simplesmente a Deus. O ato de devolver o sangue a Deus faz parte do
processo expiatório e expressa pelo menos duas ideias principais: (1) Esse sangue-
vkla sacrificai é aceito por Deus como o sangue-vida do pecador, pessoa. De acor-
do com Levitico 17:11, o sangue-vida da vítima sacrificai é aceito por Yahweh "em
substituição pela pessoa".61 (2) Ao aceitar o sangue-vida da vítima, Deus também
está tratando do pecado da pessoa. Com a manipulação do sangue, o pecado é
transferido à presença de Deus.
TRANSFERÊNCIA DE PECAW EM Uvtrn :o

TRANSFERÊNCIA E CONTAMINAÇÃO

Ao enfatizar o conceito de transferência do pecado, nos expomos ao o que


é provavelmente a crítica mais séria levantada contra nossa sugestão. Discute-se
que uma transferência do pecado contaminaria o animal sacrificai; entretanto,
a Bíblia se refere à vítima como "santíssima" (Lv 6:25, 29-30). Como indicado
acima, alguns eruditos argumentam que no caso do bode expiatório temos a trans-
ferência do pecado e da contaminação. Sugere-se que isso acontece porque o bode
expiatório não pode desempenhar a função de um sacrifício. Um ponto de vista
semelhante é considerado com respeito à oferta pelo pecado a favor do sacerdote.
E dito que uma vez que o pecado era transferido ao animal, sua carne ficava con-
taminada e era necessário queimá-la. 62
Já argumentamos que a oferta pelo pecado oferecida a favor do sacerdote era
queimada porque seu pecado era transferido ao santuário com a manipulação do
sangue. A carne da vítima não era necessária. Por outro lado, o bode expiatório
não era sacrificado porque não era considerado uma oferta. Os ritos de elimina-
ção eram conhecidos nas religiões antigas do Oriente Médio.61
No entanto, permanece a força do argumento de que uma transferência do
, Í4 pecado contaminaria a vitima e o santuário. Eruditos que aceitam o conceito da
transferência do pecado têm sugerido soluções diferentes para esse problema. Eis
algumas delas:
1. A penalidade era transferida à vítima sacrificai, não o pecado. Argumenta-se
que a vítima era um substituto do pecador; assim, ao receber o juízo de Deus sobre
o pecado do ofertante,61 permanecia pura ou limpa.
Contudo, parece-nos que esse tipo de argumentação negligencia o fato de que
no Antigo Testamento a ligação entre o pecado e a punição é tão estreita que para
que a vítima receba a penalidade pelo pecado, o pecado deve ser transferido a ela.
Os dois não podem ser separados.
2. "Santo" significa pertencente a Deus. Essa sugestão entende que a expres-
são "santíssima", quando aplicada ao sacrifício, significa que apesar do fato de que
o pecado lhe era transferido, continuava sendo propriedade de Deus.()S
Essa sugestão não soluciona nenhum problema. Ainda permanece a pergunta:
como era possível que um animal contaminado/impuro pertencesse a Deus?
3. O sangue c a gordura do animal sacrificai eram imunes ã contaminação
do pecado. Eram as únicas partes do sacrifício oferecidas a Deus. O que as tor-
nava imunes era o fato de nelas residir a força da vida, que se opunha a todo
agente contaminante. 66
Essa sugestão é baseada numa má interpretação do sangue como vida. Já decla-
ramos que o sangue não tem nenhum poder em si. O poder reside em Deus, não
70 SEMANAS, LKVITICO E A NATUREZA PA PROFKUA

no sangue. Além disso, devemos recordar que a carne da vítima, e mesmo a vítima
como um todo, era considerada santíssima.'"
4- O contato com o altar purificava a vítima do pecado transferido a ela, por
isso sugere-se que a vítima sacrificai se tornava santíssima quando trazida ao san-
tuário. Os pecados carregados por ela eram eliminados quando o animal entrava
em contato com o altar. 6 "
Ainda faltam bases bíblicas para essa sugestão. O próprio altar tinha necessi-
dade de ser purificado a cada ano.
5. A morte da vítima neutralizava a infecção do pecado; dessa forma a vítima
permanecia santíssima e a gordura e o sangue poderiam ser levados ao altar.64
Outra vez estamos tratando de uma suposição. Sabemos que mesmo após a
morte da vítima, o pecado transferido à carne com a imposição das mãos ainda
estava presente nela e podia ser transferido ao sacerdote. A carne do animal morto
parece ainda estar "contaminada".
6. A santidade do sacerdote, adquirida por meio de sua unção, era de tal na-
tureza que podia absorver a impureza do ofertante. 70
E um tanto difícil compreender o que quer dizer "santidade que absorve a
impureza". Isso significa que a impureza pode mudar sua natureza e se transformar
em santidade? O que acontece com o pecado/impureza transferido ao sacerdote?
Essa teoria não responde a essas perguntas. Ao descrever a santidade como impu-
reza absorvida, cria certamente mais problemas do que propõe soluções.
Esse breve exame de soluções propostas ao problema da transferência do pe-
cado à vítima sacrificai indica, ao menos, que estamos lidando com um problema
difícil. Ao buscarmos uma solução satisfatória, existem vários pontos que devemos
manter em mente.
l m | M i i i K ' i n t I l i d i r , dewmo.s reconlurer que em n e n h u m a parte de l . e v i t u o
lemos que a transferencia do pecado que encontramos em relação aos sacrifícios
diários contaminava (íãmê') a vítima, o sacerdote ou o santuário. Nesses casos, o
termo íãmc' ("contaminar") foi evitado. Seu uso era limitado, como vimos antes,
aos pecados que requeriam a morte do pecador por causa da contaminação do
santuário por ele.
Portanto, (ãmê' é um termo muito negativo. Usá-lo com relação aos sacrifícios di-
ários sugeriria o oposto do que se esperava que esses sacrifícios atingissem. Em vez de
restaurar a harmonia rompida entre Deus e seu povo, os sacrifícios, ao contaminarem o
santuário no sentido de tãmê\ separariam o pecador de Yahweh de uma vez por todas.
Em segundo lugat, devemos manter em mente que embora o termo íãmê' não seja
usado para interpretar a transferência do pecado, o ritual do Dia da Expiação indica
que por meio dos sacrifícios diários o santuário certamente era "contaminado". Du-
rante esse dia, o santuário devia ser purificado ((ãhêr), e devia ser feita expiação (kipper)
por ele por causa cios pecados e das impurezas do povo de Israel (Lv 16:16).
TRANSFERÊNCIA DE PECADO tM LEVÍTICO

O fato de o santuário ser purificado mostra que ele tinha pecado e impu-
reza. Essa era a "contaminação" que resultava do perdão de Deus; tinha a fina-
lidade de preservar o pecador arrependido vivo. Ao perdoá-lo, Deus permitia
que o pecado viesse à sua própria presença. O pecado e a impureza ficavam
sob seu poder controlador.
Em terceiro lugar, devemos reconhecer que o pecado era transferido ao sa-
crifício e aos sacerdotes, contudo esses permaneciam santos. Sua santidade não
era destruída. O fenómeno de se ter um instrumento de expiação carregando o
pecado e ao mesmo tempo sendo santo é mais comum no culto hebraico do que
se pode imaginar.
Assim, por exemplo, a pessoa que levava a carne da oferta pelo pecado para fora
do acampamento a fim de queimá-la devia lavar sua roupa e se banhar antes de vol-
tar ao acampamento (Lv 4:12). Contudo, essa carne era descrita de forma ambígua
como "santíssima" (6:24). Esse sacrifício "santíssimo" era uma fonte de contamina-
ção que requeria do indivíduo que o queimava um ritual de purificação.
Outro exemplo interessante é encontrado no caso da novilha vermelha (Nm
19:9-21). A novilha era queimada e suas cinzas misturadas com água deviam ser
usadas para remover o pecado (19:9). Contudo, lemos que o indivíduo "que apa-
nhou as cinzas da novilha lavará as vestes e será imundo até à tarde" (19:10). As
136 cinzas eram misturadas com água e aspergidas na pessoa que tivesse tocado num
defunto, para purificá-la (19:17-19). É algo surpreendente saber que as cinzas da
novilha tinham características contaminantes c purificadoras ao mesmo tempo.
Essa mistura de cinza e água era aspergida na pessoa impura, e assim ela era purifi-
cada (19:17-19), mas a pessoa limpa que administrava a aspersão era, desse modo,
contaminada (19:21). Nesse rito, a purificação e a impureza estavam juntas. Algo
similar é encontrado com relação ao sangue no culto; por um lado, era uma fonte
de impureza (Lv 12:7); por outro, um meio de purificação.
Levando em consideração a evidência apresentada acima, devemos concluir
que a transferência do pecado não destrói a santidade da vitima sacrificai ou do
sacerdote. Aqui nos confrontamos com um fenómeno inexplicável. O pecado/im-
pureza e a santidade ficam juntos e ambos permanecem o que são em essência.
Isso é possível somente no contexto da expiação divina. No processo da expia-
ção, a santidade e o pecado, a vida e a morte, a pureza e a impureza são reunidos
em uma relação incompreensível, paradoxal. Yahwch, Santo, pode reunir a pureza
e a impureza para o benefício de seu povo. O instrumento santo podia ser tocado
pelo pecado/impureza, e, no entanto, permanecer santo.
Durante o Dia da Expiação, a impureza é removida da presença de Deus, de
seu santuário. Então, fica claro que a santidade e a impureza não têm nada em
comum; que a impureza é algo estranho à natureza de Yahweh; e que o próprio
Senhor a devolve a Azazel, sua fonte definitiva. O que temos aqui é uma teodiceia
70 SEMANAS, LKVÍTICO E A NATURKZA m PROFECIA

cúltíca - um ritual da vindicacão de Deus. Apesar do fato de Yahweh perdoar o


pecado de seu povo, Ele continua Santo e pode, consequentemente, desafiar Israel
a também ser santo (Lv 19:2).

CONCLUSÃO

O livro de Levítico indica que a transferência do pecado/impureza era pratica-


da dentro do culto hebraico.
Essa transferência "legal" do pecado não deve ser confundida com a contami-
nação "ilegal" do santuário, quando um israelita vinha ao santuário em um estado
de impureza. Nesses casos, o pecador devia ser morto. Não havia nenhuma expia-
ção disponível a ele, pois sua intenção era se aproveitar dos benefícios do culto ao
mesmo tempo em que violava a aliança.
Porém, a evidência bíblica indica que os pecados confessados dos israelitas
contaminavam o santuário. Argumentamos que tal contaminação era o resultado
da transferência do pecado do pecador, por meio dos sacrifícios, ao santuário. O
único pecado transferido ao santuário era o pecado de quem se humilhava diante
do Senhor, pedia o perdão, e trazia um sacrifício.
Essa transferência do pecado não contaminava a vítima sacrificai. No processo
expiatório, Deus estava disposto e podia trazer o pecado/impureza á presença de
um objeto santo sem afetar sua santidade. A impureza era finalmente transferida
ao santuário; contaminava o santuário no sentido de que estava no santuário.
A prática de se transferir o pecado à morada de Deus significa que Yahweh
estava disposto a perdoar os pecados confessados de seu povo a fim de conti-
nuar residindo entre eles. O Dia da Expiação consumava a purificação, neces-
sária devido à transferência diária do pecado. Indicava também que a santida-
de e o pecado/impureza são essencialmente incompatíveis. Suas fontes estão
infinitamente separadas.
CAPÍTULO 7

O DIA DAEXPIAÇÃO REIACIONADO À


CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

Alberto R. Treiyer

CONTAMINAÇÃO DO SANTUÁRIO
S inopse editorial. Os ritos de purificação realizados no Dia da Expiação pressu-
põem uma contaminação prévia do santuário pelos pecados de Israel.
O autor sugere que os pecados podem ser classificados em duas categorias:
perdoáveis e imperdoáveis. Com o termo "imperdoável", ele designa os casos mais
sérios de rebelião nos quais o pecador transgredia abertamente em desafio a Deus
e não buscava perdão. Pecados como assassinato e idolatria são mencionados de
forma explícita no Antigo Testamento como pecados que contaminam a terra e o
santuário e profanam o nome de Deus (Lv 20:3; Nm 35:33-34; SI 106:37-38).
O autor demonstra a partir dos dados bíblicos que a única solução especifi-
cada no sistema israelita para esse tipo de contaminação "ilegal" do santuário era
a sentença de morte da pessoa culpada. Sacrifícios nunca eram oferecidos por
pecados que não podiam ser perdoados. No caso da apostasia nacional, essa forma
de contaminação poderia conduzir a um abandono total do serviço do templo, e,
consequentemente, trazer o juízo de Deus sobre a nação. Assim, o templo, conta-
minado inicialmente pela rebelião idólatra de Israel, seria profanado ainda mais
pela destruição por parte dos exércitos estrangeiros.
Mas o Dia da Expiação nunca teve o objetívo de purificar o templo a fim de resta-
belecer a adoração interrompida dessa forma. Para isso, bastavam os ritos inaugurais.
Nem os ritos de sangue do Dia da Expiação purificavam o impenitente que recusasse
os métodos disponíveis a ele para obter o perdão do pecado ou a purificação (Nm
15:30-31; Lv 15:31). Os ritos do santuário nesse dia especial não o beneficiavam. Sua
execução continha seu próprio significado purificador (Nm 35:33; Dt 17:7).
Havia, por outro lado, pecados "perdoáveis". Os rituais diários transferiam os
pecados e as impurezas confessadas dos israelitas penitentes ao santuário durante
todo o ano. O ritual do Dia da Expiação era realizado uma vez ao ano para remo-
ver esse depósito conraminante.
O DIA m EXPIAÇÃO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

ESBOÇO DA SEÇÃO

1. Introdução
2. Contaminação do santuário c interrupção da adoração
3. Contaminação do santuário c a sentença de morte
4. Contaminação do santuário e o Dia da Expiação

INTRODUÇÃO
No Dia da Expiação, havia dois grandes acontecimentos: (1) a purificação do
santuário, sacerdócio, e povo (Lv 16:16-19, 30, 33-34), e (2) a expulsão do bode
expiatório com os pecados de Israel (Lv 16:10, 20-22). A morte dos rebeldes que
não participavam com espírito contrito estava relacionada a esses acontecimentos
(Lv 23:27-31). É necessário compreender corretamente esses atos importantes
para se ter um entendimento positivo de suas implicações teológicas no Antigo
Testamento bem como no Novo Testamento.
É indiscutível que os ritos de purificação ordenados para o Dia da Expiação
140 pressupunham uma contaminação prévia do santuário. Nesse dia, as impurezas/
imundicias dum a/z), as transgressões (pesa), e os pecados (hatía'f) do povo de Israel
eram removidos dos recintos sagrados (Lv 16:16, 19, 33 -'ãwôn, "iniquidades", v.
21-22).' O problema está em saber qual era a natureza verdadeira desses pecados,
como eles contaminavam o santuário, e a função dos rituais sacrificais em assegu-
rar a purificação necessária.
Diversas explanações foram propostas para explicar como o santuário era conta-
minado. Por exemplo, alguns autores sustentam que os israelitas traziam a contami-
nação quando vinham ao santuário com seus pecados.2 De acordo com outros, a con-
taminação do santuário derivava da contaminação da terra3 ou do acampamento,4
visto que o santuário era situado "no meio de Israel". Isso sugeriria que o santuário
poderia ser contaminado sem a presença física do povo em seus pátios.
Discute-se também que o pecado tem uma característica "aérea" ou "di-
nâmica" e que, sob algum princípio "magnético" 5 ou "demoníaco",** todos os
pecados não intencionais e deliberados eram atraídos ao santuário, contami-
nando-o. Ainda outros autores sugerem que os sacrifícios 7 ou a condição ritual
do povo8 traziam a contaminação.
Uma variedade de pontos de vista também foi expressa com respeito à cate-
goria específica de pecados que era removida do santuário no Dia da Expiação.
Alguns autores sugerem que a remoção tinha a ver com pecados deliberados,9 ou
pecados de ignorância, 10 ou ambos." Alguns distinguem entre a purificação dos
70 SEMANAS, LEVlTICXl E A NATUREZA HA PROFECIA

pecados de roda a nação (anual) c a purificação individual (realizada durante o


ano).12 De acordo com alguns, o Dia da Expiação rinha a ver com pecados que
não eram expiados durante o ano,13 e que tinham se acumulado até esse dia.14
De acordo com outros, os rituais anuais purificavam o santuário dos pecados já
perdoados durante o ano. ls O valor rítualfstico do Dia da Expiação é, portanto,
compreendido de maneiras diferentes por diversos escritores.
De fato, é surpreendente ver que pouca importância é dada pela comunidade
de eruditos ao tema da purificação do santuário. 16 Considerando a diversidade
das posições assumidas com relação a esse tema por aqueles que ao menos o
mencionam, talvez outros eruditos considerem prudenre não dizer muito sobre
o que não parece claro. Além disso, a ideia de que os rituais do Dia da Expiação
refletiam uma época posterior17 desencorajou todos os esforços para compreen-
der o ritual em si18 como uma unidade, 19 e essa atitude tem prevalecido por mais
de um século. Devido a essa opinião difundida, a maioria dos autores tem-se
voltado para a abordagem crítica hístórico-literária como o método necessário
para compreender o que parece ser confuso e pouco compreendido pelos aurores
de textos sobre a Bíblia. 20
Neste capítulo não tentaremos responder diretamente às diversas interpreta-
ções mencionadas brevemente acima. Em vez disso, consideraremos os vários fato-
res envolvidos na contaminação e na purificação do santuário que nos permitirá
extrair conclusões sólidas. Começaremos com o tema da contaminação.

CONTAMINAÇÃO DO SANTUÁRIO E INTERRUPÇÃO DA ADORAÇÃO

Muitos autores modernos negam a autenticidade histórica do Dia da Expia-


ção porque os rituais de purificação do templo, conforme registrados nos livros
históricos posteriores do Antigo Testamento, diferem daqueles descritos em Leví-
tico 16.2I Visto que os rituais encontrados em Levítico 16 são mais complexos do
que esses, conclui-se que os ritos do Dia da Expiação represenram uma ativida-
de posterior.32 Contudo, uma análise cuidadosa dos textos históricos revela que
não somente os rituais praticados naquela época eram diferentes, mas também o
contexto de adoração da nação. Sendo assim, esses fatos devem ser mantidos em
mente a fim de que não se faça um julgamento precipitado a respeito da autenti-
cidade histórica do Dia da Expiação.
A contaminação do santuário narrada nos livros históricos descreve, na verda-
de, a apostasia nacional ou geral que resultou em um abandono total dos serviços
religiosos do templo (2Cr 29:6-7; cf. v. 3). À exceção de algumas tentativas de
suscitar o arrependimento da nação e de reformas excepcionais que permitiram o
O DIA DA EXPIAÇÃO RELACIONAL» A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

restabelecimento da adoração (cf. 2Cr 29:35b), esse tipo de contaminação do san-


tuário finalmente tornou-se sem solução (2Cr 36:14, 16). Como resultado, toda
a nação foi punida por Deus (cf. Lv 26:27-33).21 Assim, o templo, contaminado
primeiramente pela rebelião idólatra de Israel, perdeu sua razão de existir e foi
ainda mais contaminado pela destruição que se abateu sobre ele com invasões de
exércitos estrangeiros (SI 74:7; 79:1; Ez 7:22; 24:21; 25:3).
Portanto, não causa surpresa encontrar na restauração subsequente do templo
e no restabelecimento da adoração interrompida o ritual centrado somente no
altar exterior.24 Tal procedimento estava em completa harmonia com os ritos sa-
crificais executados quando eram inaugurados os serviços do santuário (Ex 29:12
Êx, 36-37; Lv 8:15; 9:9, 15; Nm 7:10-11, 84, 88)."
O Dia da Expiação (um ritual estabelecido), por sua vez, foi designado para
completar uma sequência de adoração que não havia sido interrompida durante o
ano. O rito foi ordenado como um "estatuto perpétuo" a ser realizado a cada ano
(Lv 16:29, 31, 34; 23:31; Hb 10:3). Não foi instituído para iniciar a adoração após
um total colapso espiritual da nação. Negar a autenticidade histórica do Dia da
Expiação nesse contexto não tem fundamento; confunde os ritos inaugurais do
ano religioso com os que têm a ver com sua conclusão.2''

142
CONTAMINAÇÃO DO SANTUÁRIO E A SENTENÇA DE MORTE

A situação que acabamos de descrever lidava com os pecados de rebelião que


refletiam uma apostasia nacional, geral. Perguntamos: como Israel solucionou
os casos sem esperança de rebelião individual quando as pessoas envolvidas eram
uma minoria? Os serviços de adoração eram interrompidos? A nação inteira e seu
santuário seriam destruídos por causa dos pecados imperdoáveis de um pequeno
grupo de rebeldes? A resposta é: naturalmente não! Porém, deve-se perguntar se os
ritos do Dia da Expiação foram projetados para tratar essa classe de pecados.
Em princípio, deve-se dizer que a única solução especificada no culto israelita para
esse tipo de contaminação do santuário é a sentença de morte para o culpado (Lv l 5:31;
20:3-4; 21:12, 23; N m 19:13, 20; etc.). Sacrifícios nunca eram oferecidos por peca-
dos que não poderiam ser perdoados (cf. Hb 10:26-27). Pelo contrário, a própria
execução das pessoas culpadas era considerada nesses casos um tipo de sacrifício
(Ez 39:17-20; Is 34:6; Jr 46:10; Zc 1:8). Tudo isso é enfatizado de maneira especial
pelo uso de vários termos hebraicos. Observaremos o princípio teológico de algu-
mas dessas palavras ao se relacionarem à sentença de morte.
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA

SENTENÇA DE MORTE E o TERMO KIPPER


Kipper é usado principalmente em relação ao sacrifício pelo pecado (Lv
4-6, 16, etc.).27 Seus significados comumente aceitos são "anular" e "apagar", 28
que expressam as ideias de "purificar" e "expiar".2y Para mais detalhes, leia o
capítulo 4 deste volume.
É significativo que o termo pudesse ser usado para descrever a purificação do
povo e da terra pela execução dos rebeldes.10 Assim, ensinava-se que os pecados
imperdoáveis não poderiam ser expiados por um animal substituto (lSm 3:14; cf.
ís 47:11). 5I Isso acontecia tanto com relação ã pessoa culpada, quanto para com
a terra ou o povo afetado pelo crime (Nm 35:33). Portanto, é evidente que os
sacrifícios do Dia da Expiação não tratavam de tais pecados, antes, purificavam o
santuário e a congregação Je outro tipo de contaminação, a saber, a que tem a ver
com pecados perdoáveis (cf. Lv 16:30).
É também interessante observar que a terra que foi contaminada desse modo
pelo derramamento de sangue inocente era "a terra na qual... eu [Deus| habito"
(Nm 35:34). Sua expiação foi descrita algumas vezes como sendo feita "perante o
Senhor" (2Sm 21:3, 9).i2 As principais expressões verificadas em Levitico 20 para
descrever a sentença de morte para os culpados de diversos crimes obstinados
revelam também que o santuário e o nome de Deus poderiam ser profanados na 143
contaminação da terra (v. 3)."
Se a congregação não purificasse a terra desses pecados levando a cabo a sen-
tença capital, as consequências seriam piores (v. 4-5), porque mais cedo ou mais
tarde a terra os vomitaria como vomitou os povos precedentes por meio dos juízos
de Deus (Cf. Lv 20:3, 22-23; 18:24-30).

A SENTENÇA DE MORTE E O TERMO BÂrAR

Esse termo é traduzido geralmente como "queimar". 34 Todavia, quando se re-


fere à sentença de morte, carrega o significado de "limpar"," "remover" ou "ficar
livre de".16 Desse modo, a palavra é usada com o significado de "destruir/retirar"
o "mal" (ra')}? ou a culpa "do sangue inocente" (dam nãqí).™
A associação de bã'ar com o termo kipper pode ser percebida claramente no
testemunho de inocência requerido dos anciãos de uma determinada área quando
não se sabia quem havia cometido o assassinato (Dt 21:8-9).w A mesma cerimónia
que fazia expiação (kipper) pelo povo também eliminava (bã'ar) a culpa adquirida
com o derramamento criminoso de sangue inocente.40
Bã'ar aparece também em paralelismo com a palavra hebraica, kãral, "elimi-
nar" (lRs 14:10; 21:21).41 Essa associação nos remete outra vez ao Dia da Expiação,
pois nos permite compreender o significado da sentença de morte ("eliminado")
O DIA OA EXPIAÇÃO RELACIONADO A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

que era invocada contra aqueles que não participavam com espírito contrito (Lv
23:29; cf. SI 109:14-15 = kãrat).4'2 Esse ato era uma eliminação do mal.
Existe também correspondência da sentença de morte no Dia da Expiação
com a série de leis em Êxodo 21:12-17, que requeria, da mesma forma, que o pe-
cador fosse morto (môíyúmãi). Na realidade, esses condenados à morte deveriam
ser tirados ainda que fosse do altar e ser executados (Ex 21:14). Tais pessoas não
tinham direito de adorar a Yahweh.
Outro detalhe em relação a bã'ar tem a ver com localização. Por meio da sen-
tença de morte, o mal é "retirado/eliminado" "do meio de vós", miqqirbeká (Dt
17:7; 19:19; 21:9, 21; 22:21; 24:7), ou "de Israel", miyyisrâ'él (Dt 17:12; 19:13;
22:22; Jz 20:13). A mesma ideia está presente quando o termo kipper é usado
como observado anteriormente (Nm 35:33-34). Esse é um ponto importante, visto
que inúmeras passagens descrevem Deus vivendo "no meio de seu povo",41 e seu
santuário santificava toda a terra de Israel (cf. Nm 14:21; Is 6:3).
A terra em que os israelitas viviam era, sobretudo, "terra da possessão do Se-
nhor" Os 22:19; Lv 25:23; SI 24:1; cf. Dt 23:14). Por essa razão, embora com graus
diferentes de tolerância, os pecados cometidos na terra afetavam o santuário, e a
exterminação dos rebeldes era realizada "para que o Senhor se aparte do ardor da
sua ira, e te faça misericórdia" (Dt 13:17; cf. 19:17-20).
144 Essa descrição do assunto é apresentada também em muitas passagens escatcv
lógicas do Antigo Testamento, principalmente em Isaías 4:3-4 onde o termo bõ 'ar
aparece outra vez. Embora remanescentes, cujos nomes estão inscritos entre os
vivos em Jerusalém, tenham escapado da condenação, a cidade é purificada do
sangue dos crimes cometidos ali (Is 59:3; cf. 1:15; Ez 24:6; etc.) por meio do "ex-
termínio" (bã'ar, "espírito de consumação" [no sentido de queimar]) do culpado.
Assim, vemos que a ideia básica do uso de (bã'ar) é a purificação da comunidade.
"O que pratica o mal deve ser removido."44

A SENTENÇA DE MORTE E O TERMO SOR

Súr é traduzido geralmente como "separar"45, "tirar [uma coisa de outra]" ou


"remover". Alguns exemplos: desmembramento - a cabeça de Golias é separada
de seu corpo (ISm 17:46); uma pessoa da outra - Saul é afastado de Davi (2Sm
7:15); a afronta pode ser tirada (ISm 17:26); a iniquidade ou a culpa pode ser
removida (Is 1:16; 6:7), etc.
Seu uso em relação à sentença de morte é especialmente significativo no
exemplo de Joabe, ex-general de Davi (IRs 2:31). A execução de Joabe remove
a culpa da monarquia davídica incorrida pelo derramamento de sangue inocen-
te. Nesse exemplo, o termo carrega o mesmo significado que foi observado em
Deuteronômio 19:12-13; 21:9 com respeito ao termo bã'ar. A culpa pelo derra-
70 SEMANAS, LEVÍTICO H A NATUREZA DA PROFECIA

mamento "de sangue inocente" "é tirada" em ambos os casos pela sentença de
morte levada a cabo. Isso mostra mais uma vez que enquanto o culpado não é
executado, permanece a responsabilidade pelo crime e somente a execução da
pessoa culpada pode tirá-la.
Nesse contexto, deve-se observar que o sangue inocente derramado pelo
assassinato deve cair sobre o assassino, pois o sangue de um homem inocente
não é aceito como sacrifício (Gn 9:6; cf. Êx 20:13). Em certo sentido, o sangue
inocente vertido coloca provisoriamente a culpa do assassinato na terra e no
povo, dessa forma contaminando-os (Nm 35:33; Dt 21:8 - 9; SI 106:38). Devido
a isso, o mal deve ser "afastado" do inocente (esteja vivo ou morto) e colocado
sobre o culpado de modo a indicar claramente sua condenação (IRs 2:31-33; SI
94:21, 23; cf.Js 2:19).
O próprio termo, "sangue inocente," nega a ideia de substituição. O sangue
assim derramado não pode expiar ou justificar o assassino. Portanto, punir o der-
ramamento de sangue inocente parece sugerir a remoção da culpa provisória posta
sobre a terra e a comunidade inocente, fazendo com que caia sobre a cabeça do
culpado (Jl 3:21; cf. v. 7; Ap 6:10).

SENTENÇA DE MORTE E o TERMO NÃÁÃ


145
O verbo nãsã significa "assumir, carregar", "levar". E usado com frequência
em relação à adoração e ao sacrifício (consideraremos esses empregos mais tarde).
Com relação à sentença de morte, está ligado com "iniquidade" - 'ãwòn, "levará
sobre si a sua iniquidade" (Lv 20:17, 19); com "pecado" - hatfa't, "seu pecado so-
bre si levarão" (Lv 20:20); e com "prostituição", como idolatria - z*nút, "carregarás
com a tua luxúria e as tuas devassidões" (Ez 23:35; cf. Nm 14:33).
Portanto, esses pecados imperdoáveis deveriam ser "carregados" pelos respon-
sáveis, e por ninguém mais. Tais pessoas poderiam não encontrar n e n h u m meio
legal para se livrar de seu mal. A aplicação da sentença podia se demorar (Nm
14:34),4<> mas a morte finalmente seria o resultado e alcançaria a todo o rebelde,
como pode ser visto da expressão, "sabeis que o vosso pecado vos há de achar"
(Nm 32:23).
Se, por um lado, a execução da sentença de morte pudesse ser adiada, as conse-
quências negativas do pecado podiam às vezes ser "carregadas" por pessoas inocen-
tes (Nm 14:33). Embora a destruição dos descendentes fosse evitada algumas vezes,
tais descendentes poderiam, em certos casos, "carregar" as consequências do peca-
do de seus pais ao serem privados de suas bênçãos ou privilégios especiais (Ez 44:10-
14). Essa privação poderia durar a vida toda do culpado (Nm 14:33), três gerações
(Dt 23:8; cf. Êx 20:5) ou dez (Dt 23:2-3V7 ou indefinidamente (Ez 44:10-14).
Isso outra vez indica que a morte dos rebeldes não somente "expia", "elimina"
O DIA DA EXPIADO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

ou "afasta" o mal ou a contaminação da terra e do povo, mas livra também (exceto


em casos especiais) o inocente das consequências do pecado cometido.
Conclusão. O uso dessas quatro expressões bíblicas nos permite, sem risco de
errar, dizer que os pecados imperdoáveis (pecados que contaminavam a terra e o
povo, no meio do qual Deus habitava) não poderiam ser expiados, nem extermi-
nados, nem eliminados da nação com um sacrifício pelo pecado. A única solução
conhecida era a sentença de morte executada sobre o culpado, uma sentença que
(em certos casos extremos) poderia ter um efeito também nos descendentes com
determinadas penalidades.
Esse é, na realidade, o contexto para certas orações estranhas em que se pede
que os pecados do ímpio não sejam expiados (kipper) ou apagados de diante da
vista de Deus (Jr 18:23). Em vez disso, "permaneçam ante os olhos do Senhor"
(SI 109:14-15). Isto é, o pedido era para que tais pecados permanecessem diante
de Deus até que a sentença de morte fosse executada sobre os culpados (Is 22:14).
A ideia cie que os ritos de sangue do Dia da Expiação purificavam o povo e seu
santuário de tais pecados imperdoáveis não tem base bíblica (lSm 3:14).
Contudo, devemos definir de modo mais apropriado a natureza dos pecados
que em Israel eram punidos com a morte. Essa é uma questão frequentemente
mal interpretada.
146
PECADOS IMPERDOÁVEIS
Pensava-se que o termo hebraico peia' ("rebelião", "transgressão")4" era usado
para descrever pecados imperdoáveis, embora os pecados dessa classe fossem eli-
minados no dia de expiação (Lv 16:16, 21).44 Porém, esse termo, como os vários
termos encontrados na Bíblia para definir pecado, descreve tanto pecados perdo-
áveis como imperdoáveis (cf. Ex 34:7; Nm 14:18; etc.).so
Devido à distinção feita em Números 15:29-31 entre pecados por ignorância
e pecados cometidos de forma atrevida (esses últimos, imperdoáveis), pensava-
se que somente os primeiros podiam ser perdoados no ritual do santuário. Não
obstante, pode-se demonstrar que uma distinção entre pecados involuntários e vo-
luntários não corresponde necessariamente a pecados perdoáveis e imperdoáveis.
Veremos que a expiação por meio do sacrifício não era negada àquele que cometia
um pecado intencionalmente e se arrependia.
Pecados deliberados e arrependimento. Determinadas ordenanças de Levíti-
co distinguem pecados de ignorância, involuntários, hattal (Lv 4) e pecados deli-
berados, conscientes, 'asam (Lv 5). Entre os últimos pode ser mencionado o falso
juramento pronunciado diante de Yahweh por um ladrão (Lv 6:2-7; cf. 19:11-13).
Esse fato é mais surpreendente quando levamos em consideração que compromis-
sos feitos em nome de Deus eram tidos como irrevogáveis (Ex 20:7; Lv 19:12; Nm
70 SKMANAS, LEVÍTLCO E A NATUREZA HA PROFECIA

30:2; Dt 23:21-23; Js 9:19; Jz 11:35; etc.). Do mesmo modo, parece que o pecado
de blasfémia nunca era anulado (Èx 22:28; Lv 24:11-17; IRs 21-.10, 13). Porém,
em Levítico 6:2-7 lemos que é feita expiação por um ladrão que jurou cm falso em
nome de Deus. Como pode ser isso?
Parece que as próprias circunstâncias desempenham uma parte muito
importante, Sl e nào somente o ato pecaminoso em si. Aqui, por exemplo, é um
ladrão que usa o nome de Yahweh para esconder sua mentira n u m a situação
difícil, na qual não há provas evidentes de seu pecado. Seu arrependimento vo-
luntário permite que a falta seja "reduzida" à condição de um pecado involun-
tário. O arrependimento genuíno era, consequentemente, um fator definitivo
para aliviar a punição divina."
Além dos códigos de Levítico, há outros exemplos de pecados deliberados que
foram reduzidos ao status de pecados involuntários pelo arrependimento. Sí Entre
esses podem ser mencionados os pecados de Davi (2Sm 12:13; cf. SI 51:14, 9-12;
2Sm 24:10); a fraqueza abominável de Acabe (l Rs 21:25-29); a apostasia assassina
de Manassés (2Cr 33:3-19); a tomada de consciência de Josias em nome da nação
(2Rs de 22:18-20); e de uma maneira mais geral, a reacão positiva de Nínivc (Jn
3:4-10).'"
Embora a sentença de morte tosse aplicada somente nos exemplos de pecados
conscientes ou premeditados, nào se deve deduzir disso que todos esses pecados
eram punidos com a morte. Entre os pecados deliberados, somente aqueles co-
metidos "atrevidamente/com mão erguida" beyãd rãmãh (Nm 15:30) em franca
rebelião, confrontando de forma desafiadora a Deus, não podiam ser expiados, e
isso era determinado por certas circunstâncias especiais.
Circunstâncias especiais em que o pecado não podia ser expiado. Não é
possível em um pequeno capitulo considerar todos os elementos que afetavam
a aplicação da sentença de morte." Restringimo-nos à relação que tais pecados
tinham com o santuário.
A severidade aparentemente excessiva das leis do Penrateuco pode ser mais
bem compreendida se observarmos a situação ou o contexto em que foram dadas:
durante o curso do êxodo de Israel. Naquele tempo, a nação se acampava ao lado
de uma montanha ou tenda sobre a qual a presença da divindade era manifestada. Síl
O privilégio de ser "vizinho" de Deus envolvia, por conseguinte, uma responsabi-
lidade maior para Israel do que se vivesse mais longe do santuário (Nm 2:2; cf. Ex
33:5-7). Havia um risco maior de contaminar o santuário divino e o caráter sagrado
da adoração (Lv 15:31). Por essa razão, parecia que às vezes Deus hesitava entre co-
locar a tenda fora do acampamento ou destruir seu povo por sua rebelião.57
Por essa razão, também, as leis eram muito mais severas para os sacerdotes do
que para o povo (cf. Lv 10:9; Ez 44:21; Lv 21:4, 17-23), e ainda mais estritas para os
O DIA m EXPIAÇÃO RELACIONADO A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO no SANTUÁRIO

sumo sacerdotes (Lv 21:10-15), Nenhum momento era tão cheio de advertências e
ameaças de morte como o dia em que o sumo sacerdote entrava no lugar santíssi-
mo (Lv 16:1-2; 23:29-30).S8
Entretanto, uma vez que estivessem na terra prometida, o risco de contaminar
o santuário era menos direto (cf Js 22:19), e a consciência da presença divina era
mais difícil de ser mantida. Um dos propósitos do comparecimento nas três prin-
cipais festas do ano parecia ser a necessidade de manter viva (como um lembrete
ao povo) a realidade da presença de Deus em seu meio (Êx 23:14-19; 34:18-26; Dt
16:1-17; Lv 23; Dt 31:10-13).
Nessa relação, podemos incluir a exigência de se acrescentar determinados
recursos didáticos aos ensinamentos religiosos das crianças para estimular a me-
mória (Dt 6:7-9; 11:18-21)." Finalmente, a nação foi dirigida por profetas para
recordar as bênçãos e as maldições que pesavam sobre eles devido ao privilégio de
viver na terra do Senhor (Os 9:3; Jr 16:18; cf. Lv 26; Dt 27:11-26; 28:l-68).60
A despeito de todas essas medidas adotadas e advertências severas, a conser-
vação dos laços religiosos e nacionais com Deus não foi mantida, a paciência e a
tolerância divina tornaram-se mais evidentes. A glória de Deus é, então, descrita
como estando adormecida ou escondida da nação (SI 44:23-4; Is 64:7; etc.).
Finalmente, Deus é descrito como abandonando "a tenda da sua morada" em Silo
148 e entregando seu poder ao cativeiro, sua glória à mão do inimigo (SI 78:60-61; cí. l Sm
4:4-22). Tal situação aconteceu devido, em parte, ao fato de que a nação não tinha um
número suficiente de pessoas de valor moral e coragem para impor sua vontade sobre
uma maioria apostatada. A sentença de morte não poderia ser aplicada aos rebeldes, e
o Deus da Bíblia ê descrito como chamando os pagãos para punir seu povo.
Conclusão. Embora certos pecados imperdoáveis pareçam estar bem definidos
no Pentatcuco, deve-se admitir que na prática as circunstâncias desempenhavam um
papel importante em determinar a seriedade da falta e em administrar a punição.
Quando o povo como um todo estava com Deus, ou quando o espírito de arrepen-
dimento era geral, a desobediência e a apostasia contínua do indivíduo ou da mi-
noria eram punidas pela morte. Por essa razão "toda [kol\ a congregação" devia, em
principio, participar ou consentir com a punição (Nm 15:35). Numa situação assim,
mesmo pecados que podiam ter sido expiados podiam adquirir as características de
pecados cometidos de forma atrevida e ser punidos pela morte.
Essa é precisamente a descrição apresentada no Dia da Expiação (Lv 16:29;
23:27, 29-30; Nm 29:7). Aqueles que não participavam com espírito de humilhação
manifestavam seu desprezo pela obra de purificação feita em seu favor no santuário
e não tinham o direito de viver. Em outras palavras, todos tis rebeldes - ao estilo de
Nadabe e de Abiú (Lv 10; 16:1) - e todos aqueles que rejeitavam os meios divinos
para a purificação (Lv 15:30) não estavam entre aqueles que eram purificados no Dia
da Expiação (Lv 16:30). Os ritos do santuário de nenhuma forma os beneficiavam.
70 SEMANAS, LLVÍTICO t A NATUREZA lu PKOI IA..ÍA

A CONTAMINAÇÃO DO SANTUÁRIO E O DlA DA EXPIAÇÃO

Eruditos têm tido grande dificuldade cm determinar a razão por que devia haver
uma nova purificação no Dia da Expiação para pecados já perdoados durante o ano;61
isso porque a diferença entre os ritos realizados durante o ano e os ritos conduzidos no
Dia da Expiação no final do ano não foi percebida. Por isso, examinaremos brevemente
o que era expiado durante o ano e o que era expiado no Dia da Expiação.

O USO DO TERMO KIPPER NOS SACRIFÍCIOS PELO PECADO

O verbo kipper aparece no Antigo Testamento 101 vezes e é usado com mais
frequência em relação à adoração.62 Como observamos antes, os dois significados
mais comumente aceitos são "anular" e "apagar", com a ideia de "purificação" ou
"expiação", referindo-se aos meios usados para apagar o pecado. Ele tem, portan-
to, relação com o verbo mãhãh, significando "apagar" ou "eliminar"." 3
Nessa relação, observamos as combinações sintáticas do verbo kipper, que po-
dem esclarecer a necessidade do Dia da Expiação:

L kipper + 'ai. Essa combinação comum é usada para descrever a ex-


piação por pessoas ou coisas.*14 . ,g
2. kipper + 'ai i- min. Nesse caso, o sacerdote "expia" (kipper) "por" ('ai) a
fim de remover o pecado "de" (min) uma pessoa (Lv
4:26) ou de urn lugar (Lv 16:16)."'
3. kipper + /''. Essa expressão carrega o sentido de "expiar para" ou
"por" alguém.
4. kipper + ò1' 'ad. Essa expressão do mesmo modo carrega a nuance "ex-
piar em favor de" alguém (Lv 16:6).
5. kipper + 'et Na gramática hebraica, a partícula 'et é o sinal que
marca ou indica o objeto direto. Assim, nessa cons-
trução 'et indica o objeto que devia ser expiado (cf. Lv
16:20, 33).W1

Uma análise das passagens que empregam kipper revela que a expiação pelo
pecado não era simplesmente um processo automático. Os atos do ritual resulta-
vam na purificação (Lv 12:7; 14:53) ou perdão daquele que ofertou (Lv 4:31, 35;
5:10, 13, 15, 16, 18; Nm 15:28; etc.), mas era Deus que concedia suas petições e
anseios."7 A expiação estava relacionada também às pessoas ou AOS objetos não
previamente purificados ou consagrados (Ex 29:36-37; Lv 8:15, 33-34).
Contudo, é importante enfatizar que os sacrifícios pelos pecados dos sacer-
dotes ou do povo oferecidos durante todo o ano, hattâ't (Lv 4), os sacrifícios pela
O DIA DA EXPIAÇÃO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

culpa, 'asam (Lv 5) e aqueles oferecidos por impurezas físicas, tame (Lv 12:6-8), não
tinham o próprio santuário como objeto direto; antes, era o indivíduo que recebia
o impacto do ato expiatório (veja acima no. l, kipper + W, "o sacerdote, por ele,
fará expiação do seu pecado", Lv 4:35; 5:6, 10, 13; 12:6-8, ênfase do auror).
A diferença entre o ritual diário e o ritual do Dia da Expiação é ainda mais
enfatizada no uso de kipper e 'et, o indicador do objeto direto (veja acima o no. 5,
kipper + 'et}. O indicador do objeto direto é usado somente na purificação ou na
limpeza final do santuário no Dia da Expiação.68 Ele indica claramente que é o
próprio santuário que deve ser purificado no Dia da Expiação. Nos rituais sacrificais
diários, os pecados e as impurezas dos indivíduos eram expiados e transferidos ao
santuário. O Dia da Expiação focaliza a limpeza desse santuário.
A mesma ideia é reforçada com o uso da preposição min (veja acima o n. 2,
kipper + 'ai + min). Nos rituais diários, o pecado era tirado do penitente que sacrifi-
cava uma oferta pelo pecado ("o sacerdote fará o expiação \kipper] por l 'al\ ele, no
tocante ao \rnin = de) seu pecado, e este lhe será perdoado" [Lv 4:26; l 5:30-311). No
Dia da Expiação, ocorria uma ação paralela: os pecados do Israel penitente eram
tirados do santuário ("Assim, fará expiação [kipper] pelo [ 'al\ santuário, por causa
das |de, min] impurezas dos filhos de Israel, e das [de, min] suas transgressões, e de
todos os seus pecados. Da mesma sorte, fará pela tenda da congregação, que está
com eles no meio das suas impurezas", Lv 16:16).
Tudo isso nos permite fazer uma importante distinção entre os ritos de expia-
ção realizados no santuário durante todo o ano e aqueles realizados no Dia da Ex-
piação. Os rituais diários transferiam o pecado e a impureza ao santuário; o ritual
anual (Dia da Expiação) removia esse depósito para longe do santuário.
Agora voltaremos nossa atenção para rever a maneira como os pecados do povo
(confessados e perdoados durante todo o ano) podiam contaminar o santuário.

CRITÉRIOS PARA A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO


Outra área de estudo (relacionada ã discussão anterior) é voltada para a natu-
reza da contaminação tratada em Levitico 16. Alguns consideram que o sangue das
ofertas sacrificais pelo pecado (oferecidas durante todo, o ano) funciona como um
"detergente"6'' que tornava puro - não contaminava - o santuário. Dessa forma, o
ponto de vista é que enquanto o "pecado contamina, o sangue purifica". 70
Agora, faz-se necessária uma análise mais detalhada dos critérios para a
contaminação no Antigo Testamento a fim de se verificar se essa convicção é
tão uniforme quanto se crê. E essencial esforçar-se primeiramente para com-
preender o modo de pensar do israelita em seu contexto bíblico, do Oriente
Médio, antes que possamos extrair aplicações válidas com base em nossos pa-
drões ocidentais de pensamento. As ações que resultavam em alguma forma de
70 Sl-MANAS, Li VÍTICO E A NATUREZA DA

contaminação pessoal {e que por fim se relacionava ao santuário) podem ser


classificadas dentro de três categorias gerais:

PRIMEIRA CATEGORIA - CONTAMINAÇÃO PELO CONTATO COM ANIMAIS


MORTOS E OUTRAS SITUAÇÕES ESPECÍFICAS

1. Animais imundos mortos (Lv 11:8, 10-20, 23-38, 41-43; 20:25).


2. Animais limpos que morreram por si, cujo sangue não foi derramado (Lv
11:39-40; 17:15-16; cf. v. 13; 22:8).
3. Animais limpos sacrificados pelo pecado, tocados por uma pessoa ou por
um ohjero do santuário (Nm 19:7-10, 19-21; 6:26-30; 10:17; 16:24,26-28).
4. Contato Lndireto com algo contaminado por impureza humana - ver segun-
da categoria (Lv 15:5-12, 16-23, 27; 22:4-6; Nm 19:22; cf. Lv 5:3).
5. Fluxo normal do sémen humano (Lv 15:16-18; cf.Dt 23:10-1 l;1Sm2l:4-5). 71
6. Entrar na casa tle um leproso fechada pelo sacerdote para observação (Lv
14:4647).

Características gerais da primeira categoria de contaminação:


151
1. A contaminação pode ser denominada como "leve". Sua duração era até
à tarde.72
2. A única purificação requerida era a lavagem com água do indivíduo ou do
objeto contaminado.
3. Havia contaminação, mas nenhuma acusação de culpa; não havia ameaça
de morte, ao menos não no primeiro caso.
4. Resultados do não-cumprimento da purificação exigida:
A. Ele "levará sobre si a sua iniquidade" (Lv 17:16).
B. Se um israelita fosse ignorante de seu erro, era-lhe exigido oferecer uma
oferta pelo pecado quando tomasse ciência dele (Lv 5:2-3, 5-6).

E evidente que nesses casos (apesar da declaração de que o indivíduo ficava


impuro até ã tarde) o contato com um animal morto não afetava seriamente a vida
espiritual de um israelita. A expressão "Lavo as minhas mãos na inocência" (SI
26:6; 73:13) parece fazer alusão a isso.710 apóstolo Paulo também se inspirou nes-
sas leis e deu-lhes uma aplicação espiritual quando disse: "Irai-vos e não pequeis;
não se ponha o sol sobre a vossa ira" (Ef 4:26; cf. Lv 22:7).
Deve-se notar que o corpo dos animais limpos cujo sangue não tinha sido
removido era tratado da mesma forma que um animal imundo. Seu sangue os con-
vertia em algo que não podia ser comido; isto é, os tornava impuros.14 Pessoas ou
O DIA HA EXPIAÇÃO REL-UIIONAHO A CONTAMINAÇÃO E PURIFK;AÇÃO DO SANTUÁRIO

objetos sagrados que cntra\'am em contam com animais oferecidos como sacrifício
pelo pecado, do mesmo modo, não escapavam dessa regra de contaminação.
Também deve-se fazer menção ao fato de que a contaminação por meio do
contato com a carcaça de um animal limpo cujo sangue não tivesse sido derrama-
do (Lv 11:39-40; 17; 15) era a mesma no caso de esse animal ter sido comido. Algo
similar ocorria ao se comer as ofertas sacrificais pelo pecado e ao se entrar em
contato com elas (Lv 10:17; 6:24-29; 16:24)."
A partir de nossa análise dessa primeira categoria de contaminação, é possível
ver que o sangue de animais sacrificais não purificava sempre. Isso pode servir
como uma base para a sugestão de que o santuário israelita era contaminado, e
não purificado, pelos ritos de sangue feitos ao longo. Essa era, de fato, uma con-
taminação legal,7*1 muito leve, que não afetava nem a honra nem a santidade do
santuário, mas requeria sua purificação após determinado tempo.

SEGUNDA CATEGORIA - CONTAMINAÇÃO PELO CONTATO COM UM CADÁVER


HUMANO, SANGUE E DOENÇAS GENITAIS

1. Cadáver humano:
a. Tocado pelo povo (Nm 19:11-20; 31:17; 19-24).
b. Tocado pelo nazircu (Nm 6:6-12).
c. Tocado pelo sacerdote (Lv 21:1-4; Ez 44:25-26; cf. Lv 10:4-5).
d. Nunca tocado pelo sumo sacerdote (Lv 21:10-12; cf. Lv 10:6-7).
2. Fluxo humano por causa de doença77 (Lv 15:2-3, 13-15).
3. Fluxo de sangue menstrual, fluxo por causa de doença ou parto (Lv 12;
15:19, 24-27, 28-31), "vida" derramada (cf. Lv 17=11, 14).

Características gerais da segunda categoria de contaminação:

1. A contaminação era mais séria; durava sete dias após o contato.78


2. Exigência para a purificação:
a. Lavagem como na categoria anterior (Lv 15:13; Nm 19:12-13, 17-19;
31:19-20,23-24).
b. Sacrifícios:
(1) Oferta pelo pecado e holocausto se a contaminação tiver
sido por sangue humano ou doença genital (Lv 12:6-8; 5:14-15;
15:29-30).
(2) Aspergir com água purificadora (derivada da oferta pelo pe-
cado da novilha vermelha) sobre a pessoa contaminada por meio
do contato com um cadáver humano (Nm 19:9). Uma oferta
70 SEMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA HA PROFRCIA

pelo pecado, uma oferta por holocausto e uma oferta de culpa


pelo nazireu.
3. Resultados do não-cumprimento da purificação requerida:
a. O risco de contaminação ilegal do santuário (Lv 15:31; N m 19:13,
20).
b. A ameaça explicita de morte (Lv 15:31).

Pode-se ver que a segunda categoria de contaminação era bem mais séria do
que a primeira. Deus não aceitava a impureza humana (morte em suas variadas
formas), mas somente uma substituição pelo sangue de um animal. A contami-
nação pelo contato com o morto afetava seriamente a santidade daqueles que
t i n h a m se consagrado a Deus (o nazireu), embora não de forma irremediável se os
ritos de purificação prescritos fossem observados. Por outro lado, a contaminação
pelo contato com um cadáver por parte do sumo sacerdote era fatal. Nenhum rito
de purificação era prescrito nesse caso devido ao fato de a "consagração do óleo
da unção do seu Deus" estar sobre ele, e sua profanação era relacionada com a
profanação do "santuário do seu Deus" (Lv 21:12).
Ezequiel 9:7 declara que o santuário estava contaminado pelos corpos daque-
les que foram condenados pelo juízo de Deus e era uma razão para Ele haver se
retirado do templo e para sua destruição (pelo menos até onde trata a visão de Eze- 153
quiel). O templo foi profanado por completo quando os babilónios, mais tarde,
invadiram Jerusalém. Após o cativeiro, somente os ritos inaugurais de purificação
para o templo eram observados, e eram conduzidos no pátio.
Nada é dito sobre a contaminação do santuário pelos cadáveres de Nadahe e
de Abiú, nem sobre os cadáveres dos príncipes que foram destruídos na rebelião
de Core, de Data e de Abirão. Não há registro de nenhum ritual conduzido para a
purificação nesses casos.7í> Em Ezequiel 9, os cadáveres permaneceram no templo,
c Deus saiu. Nos outros casos, o processo foi justamente o contrário: os cadáveres
I O I M M I iv movido-, dn santuário, r I Vii^ piTmumvcn nele. Portanto, os ritos do Dia
da Expiação descritos em Levítico 16 não tinham nenhuma relação com esse tipo
de contaminação. A purificação do santuário nesse dia especial obviamente não
tlurava sete dias (como nos casos da segunda categoria), mas somente um.
Finalmente, deve-se recordar que aquelas pessoas que foram condenadas à
morte cm Israel por quaisquer razões não eram executadas no santuário nem no
acampamento (Lv 24:14, 23; Nm 15:35- 36; At 7:58; 21:28-30). A prática seguida
para lidar com cadáveres, criminosos condenados e leprosos era sempre a mesma:
remoção do templo e além dos limites da cidade (cf. Nm 12:10, 14-15; 2Cr 26:16,
19-21). Eles eram "eliminados do seu povo" (cf. Lv 23:29).
De acordo com o que já se observou, a execução da pessoa condenada tinha
um significado purificador. A única coisa que permanecia no complexo do santu-
O DIA DA EXPIAÇÃO RHWCIONAIXI A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO no SANTUÁRIO

ário até o Dia da Expiação era um registro do sangue dos animais que substituíam
o pecado e a impureza humana, e isso acontecia somente nos casos em que a puri-
ficação do pecador era possível.

THRCEIRA CATEGORIA - CONTAMINAÇÃO PELA LEPRA (Lv 13-14)

1. Morte social e cultural - exclusão total de Israel e do templo (Lv 13).


2. A cura (ressurreição) não autorizava o leproso a participar imediatamente
na vida social e religiosa da nação. Embora se declarasse quatro vezes, "será limpo"
(Lv 14:7-9, 20), havia uma sequência de diversos ritos nos quais deveria participar
durante o processo de sua integração à vida da nação.
3. Os ritos de purificação para o leproso curado eram diferentes, mas havia
alguns elementos similares aos outros ritos de purificação. Notamos alguns pontos
em comum:
a. Com a purificação do contato com um cadáver humano - uso de ce-
dro, estofo carmesim e hissopo (Lv 14:4-7; Nm 19:6).
b. Com o Dia da Expiação - duas aves vivas e limpas, uma fica livro, dois
bodes, um fica livre (Lv I4=4-7b, 49-53; 16:5,7-10, 15-22).
c. Com a purificação do narizeu - raspar o cabelo (Lv 14:8-9; Nm 6:9).
d. Com a purificação da primeira categoria - no mesmo dia, lavar sua
roupa e a si mesmo (Lv 14:8; 11:40; etc.).
e. Com todos os casos da segunda categoria - sete dias (Lv 14:9; sacrifi-
car uma oferta pelo pecado e um holocausto (Lv 14:9-20; etc.).
f. Com a consagração do sumo sacerdote na inauguração do santuário - san-
gue na ponta da orelha direita, no polegar direito, no dedo do pé direito
com sangue; ungir com óleo (Lv 14: 14-8; 8:23-24, 30; Ex 29:6-7).

Nossa lógica ocidental se depara com algumas dificuldades aqui. No padrão


bíblico, é o leproso curado que deve se purificar, não o que permanece leproso.
Assim que fosse declarado puro pelo primeiro rito, o leproso curado tinha que
prosseguir se purificando repetidas vezes em estágios diferentes, quatro vezes ao
todo, e por todos os tipos de ritos de purificação. A semelhança desses ritos com
todos os outros casos de impureza indica, mais uma vez, que o leproso curado
tinha que se submeter a essas etapas que estavam relacionadas às duas categorias
anteriores para a purificação. Esses ritos faziam parte do processo de integração
por meio do qual o ex-leproso retornava à vida social e religiosa de Israel.
Conclusão, As razões para a existência de tais leis não são determinadas facilmen-
te visto que o texto bíblico não diz nada e esse respeito.80 Entretanto, não há dúvida
70 SEMANAS, LEVÍTICO K A NATUREZA HA PROKKUA

de que um princípio muito rigoroso de higiene encontra-se na base dessas ordenan-


ças. Elas eram necessárias numa época em que medidas como as que temos hoje para
solucionar problemas de contaminação não estavam disponíveis (cf. Dt 23:13-14)
e onde o clima rambém deve ter influenciado. Por outro lado, algumas dessas leis
parecem rer sido estabelecidas como um antídoto contra determinados ritos pagãos
relacionados ao sexo que teriam sido totalmente excluídos do culto israelita/ 1
Além dessas preocupações, podemos perceber revelações teológicas e procedimen-
tos de ensino nas categorias resumidas. Essas leis tinham sua razão de existir espe-
cialmente no sistema de adoração israelita."2 Na religião israelita, o templo admitia a
impureza humana somente quando era substituída pela impureza "mais leve" que um
animal limpo pudesse assumir L- transferir. Ou seja, a impureza humana podia alcançar
o santuário somente de forma indireta. Por outro lado, o caso extremo da lepra revela
a perda de toda a vida espiritual. A situação do leproso era similar à de Israel no carivei-
ro com seu templo em ruínas (Lm 4:15). Naquela época, o leproso podia colocar suas
esperanças em Deus somente no santuário celestial (cf. l Rs 8:38-39).

ÁREAS E NÍVEIS DE SANTIDADE E DE CONTAMINAÇÃO

Pensou-se que a contaminação do santuário se interrelacionava apenas com a


contaminação do acampamento ou da cidade, mas não da terra, uma vez que os ]( -i-
leprosos eram banidos dessas áreas.M1 Entretanto, essa conclusão não é compar-
tilhada por todos os autores.84 Por outro lado, não é mencionado nos registros
bíblicos que a terra era contaminada pela lepra. E evidente que a expulsão tinha a
ver com o perigo do contágio (cf. Lv 13; 14:33-48).
Conforme vimos indicado explicitamente, o que contaminava a terra era o
sangue derramado sobre ela de forma injusta e a prática da idolatria. Um relacio-
namento causal entre a terra contaminada e a contaminação ilegal do santuário
nào pode ser negado (cf. N m 35:33- 34; Lv 20:3,22; etc.).85
Além desses atos rebeldes e contrários que contaminavam naturalmente a
terra e o santuário, havia algumas diferenças que tinham mais a ver com o nível
de tolerância do que com a contaminação em si. Uma consideração mais atenta
desses aspectos nos permitirá ver de forma mais precisa a maneira como as im-
purezas e os pecados de Israel podiam alcançar o santuário de modo legal sem
provocar a ira inextinguível do IVus que vivia nele. O perigo da contaminação
direta poderia ser medido (entre outras razões) pela distância entre o local de
um rito particular e as áreas internas do santuário.
1. O leproso fora do acampamento. Entre aqueles que contraíam impurezas
físicas, o leproso era quem ficava mais distante do templo. Ele era banido do
meio da congregação de Israel (Lv 13:45-46) a despeito de sua posição social (Mm
12:14; cf. 2Rs 15:5; 2Cr 26:21). A fim de atestar a afirmação de um leproso d"e
O DIA m EXPIAÇÃO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

que estava curado, o sacerdote era obrigado a sair do acampamento ou da cidade


para examiná-lo (Lv 14:3). Se a cura tivesse ocorrido, os primeiros ritos de purifi-
cação eram realizados também distantes (Lv 14:4-8). Entretanto, essas cerimónias
preliminares não o livravam de seu estado de impureza, mas somente de sua
exclusão da congregação.
2. O ritualmente impuro fora do pátio do santuário. O leproso purifica-
do no fim de seus ritos iniciais de purificação encontrava-se, nesse ponto, num
estado de impureza similar aos casos dos ritualmente impuros de quem não era
exigida a expulsão do acampamento ou da cidade (Lv 14:8). Por essa razão, de-
terminados ritos adicionais de purificação pela água tinham que ser executados
(Lv 14:9; cf. 15:13, etc.) antes que o leproso pudesse ser apresentado no pátio do
santuário para seu estágio final de purificação por meio dos sacrifícios (Lv 14=10-
31 ;c f. 15:14-15,29-30).
Esses ritos de purificação pela água tinham como objetivo principal o regresso
do fisicamente impuro ao mesmo nível que aqueles que tinham que se purificar de
seus pecados - hattã't, "pecado" (Lv 12:6; 15:15, 30); 'asam, "culpa" (Lv 14:12-13).
Os pecadores no pátio do santuário. O leigo que desejava reconcíliar-se
com Deus não podia entrar além do pátio no complexo do santuário (Lv 1:3;
4:24; 14:11). Por fim, a área correspondente do templo foi dividida em quatro
156 pátios: o pátio dos gentios, o pátio das mulheres, o pátio de Israel, e o pátio dos
sacerdotes. Aos pagãos não lhes era permitido entrar nos três pátios internos
sob pena de morte (Ez 44:7; Antigo Testamento 21:28-31, 36; 22:22). Porém,
se aceitassem a religião de Israel, era-lhes garantido que seus sacrifícios seriam
aceitos sobre o altar de Yahweh (Lv 17:8-9; Is 56:6-7; etc.).
Os sacerdotes no lugar santo. No coração do santuário se encontravam
os lugares santos, separados por um véu em dois compartimentos designados
"lugar santo" e "lugar santíssimo" (Èx 26:33). O lugar santo era a área onde
somente os sacerdotes podiam apresentar-se perante o Senhor para obter sua
reconciliação - ou a do povo quando o pecado cometido tinha uma cumplici-
dade geral (Lv 4:5-7, 16-18).
Talvez isso fosse permitido porque os sacerdotes podiam cometer falhas como
seres humanos no pátio (cf. Lv 4:3) sem necessariamente sofrer a sentença de
morte (Nm 18:lb). Por conseguinte, teriam que ir ao interior para recuperar a
santidade, mas nunca ao lugar santíssimo. Naturalmente, como representantes do
povo (cf. Lv 10:17), intercediam por eles no lugar santo.
O sumo sacerdote no lugar santíssimo. Após a morte dos dois filhos de
Arão, fulminados pelo próprio Deus por terem realizado de forma imprópria
os deveres de seu ofício, Moisés foi instruído de que somente ao sumo sacer-
dote seria permitido entrar no lugar santíssimo, e que isso se daria uma vez
um ano (Lv 16:1-4). Esse era o apogeu, a única possibilidade de estar na pré-
70 SI;MANAS, UVÍTKXI E A NATURKZA DA PROFECIA

sença de Deus sem um véu que o cobrisse e sem ser condenado à morte (Lv
16:12-13). Era a expiação final do ano religioso que tinha o santuário como
seu objeto principal.
Podemos esboçar cm forma de gráfico os procedimentos seguidos por Israel a fim
de evitar a contaminação direta do santuário pelo pecador ou por seus pecados.

Leproso curado: a caminho


para a vida religiosa e social;
uma determinada categoria
Sumo de impuros e de pecadores
Sacerdote
sacerdote por quem ainda não se ha-
via feito expiação; as pesso- ( ,ll)l|>0
as santas ou aceitas. ou terra
s/ >'
Lugar Lugar
Pátio Acampamento
santíssimo santo

Pecador 157
Leproso
arrependido ou o
impuro purificado
com água.

Conclusão. O povo não podia l


K! i a se aproximar do santuário como um sacer-
dote sem risco de morrer (Nm 18:22; cf. 17:14). Contudo, podiam vir com
um animal substituto. Os sacerdotes e os levitas eram os únicos que podiam
cometer faltas na área do templo sem ser condenados por Deus (Nm 18:1, 23).
A tolerância divina para com os sacerdotes nesse ponto de modo algum anulava
as leis estritas que governavam as qualificações para o sacerdócio e sua conduta
nos rituais e em sua vida. M "
As revelações reunidas a partir da pesquisa acima i n d i c a m que a impureza
ou pecado contraído dentro ou fora do acampamento alcançava o santuário
direta ou indiretamente. No exemplo do leproso, se ele se apresentasse no
santuário sem executar os ritos preliminares de purificação, contaminaria o
tabernáculo de Yahweh e, consequentemente, sofreria a sentença de morte
(Lv 15:31).
O DIA DA EXPIAÇÃO RELACIONADO A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

Por outro lado, todos os ritos de purificação realizados pelo povo no pátio
do santuário - e pelos sacerdotes pelos seus pecados pessoais no lugar santo -
verdadeiramente os purificavam. Mas, ao mesmo tempo, esses ritos faziam com
que o santuário fosse contaminado. Entretanto, esse tipo legal de contamina-
ção era tão atenuado que a honra e a santidade da Majestade divina podiam
carregá-la até o fim do ano, quando o próprio santuário era purificado. Esse
conceito de contaminação/purificação merece agora nossa atenção.

158
PURMCAÇÃO DO SANTUÁRIO

S inopse editorial. Uma razão por que os estudiosos modernos da Bíblia têm
dificuldade em compreender o sistema sacrificai israelita está no fato de exami-
narem por meio da lógica ocidental. Mas a adoração israelita pode ser mais bem
compreendida se houver um reconhecimento da presença de padrões orientais de
pensamento. Por exemplo, o sistema do santuário apresenta ao ocidental um con-
ceito contraditório: o sangue sacrificai contamina/purifica. O escritor escolheu
chamar esse paradoxo de "princípio de intercâmbio substitutivo".
Por meio da manipulação do sangue sacrificai, os pecados e as impurezas eram
transmitidos do penitente para o santuário e, desse modo, o contaminavam legal-
mente; mas, ao mesmo tempo, a função do sangue sacrificai de expiar e purificar
era dirigida ao penitente, e este era perdoado e purificado. Nesse ato, Deus (na
figura do santuário) assume os pecados do pecador arrependido até o Dia da Ex-
piação. O ato de assumir os pecados perdoáveis por Deus é expresso claramente
em sua declaração perante Moisés, que literalmente é traduzida por: "Yahweh,
Yahweh...que leva a iniquidade, a rebelião e o pecado" (Êx 34:6-7).
Portanto, há pecados que Deus assume (aqueles que foram confessados e per-
doados), e outros que rejeita (aqueles nunca confessados pelo pecador que rejeita ]( - Q
sua misericórdia).
Assim, pode-se dizer que o santuário podia ser contaminado pelos pecados
de Israel de duas maneiras: (1) contaminação legal por meio dos ritos de sangue
realizados durante o ano em favor dos pecadores arrependidos, e (2) contamina-
ção ilegal por meio de pecados deliberados (principalmente o derramamento de
sangue inocente, idolatria e negligência dos ritos para a purificação) pelos quais
não se buscou perdão ou purificação.
O ponto de vista do autor é o de que o Dia da Expiação lidava com ambas as
categorias de pecador e de pecadores, mas de duas maneiras diferentes. Os ritos do
dia expiação purificavam o santuário dos pecados anteriormente perdoados do pe-
nitente (Lv 16), mas os israelitas impenitentes carregavam a responsabilidade pelos
seus próprios pecados e eram eliminados da congregação de Israel (Lv 23:29-30).
Uma vez que o santuário assumia a responsabilidade pelos pecados perdoados
transferidos a ele durante o ano, obviamente não era a causa desses pecados e
impurezas. Assim, de certo modo, o sacrifício do bode do Senhor no Dia da Expia-
ção era em favor do santuário e vindicava o Deus que habitava ali. Assim, pode-se
dizer que os pecados que Deus não carregava - porque não eram transferidos ao
santuário pelo sacrifício - caíam sobre o culpado para sua perdição eterna. Por
outro lado, os pecados que Deus tinha aceitado carregar (na figura do santuário)
agora caíam sobre o responsável pelo pecado - Azazel, o bode expiatório.
ti HlA HA EXPIADO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

NOTA DO EDITOR
O santuário, (.lesionado como uma parábola ritualística (Hb 9:9, "figura",
"simbólico" " Gr. parabolê), ilustrava o evangelho ou o plano da salvação ao Israel
antigo (Hb 4:1-2). Em sua ampla ênfase, prefigurava a morte expiatória e o minis-
tério sacerdotal de Cristo e o juízo final (Hb 10:1; 8:4-5).
O juízo final irá consumar o plano da salvação e trará a cabo o longo reinado
do pecado (Atos 17:31). Visto que o juízo final (em suas três fases) absolve Deus
e seu povo, sentencia Satanás e seus seguidores e bane o pecado e seus efeitos da
terra, é o antítipo apropriado do Dia da Expiação que fazia o mesmo, de uma
forma ritualística, para com o santuário e Israel. Como o ritual mais importante,
restaurava o santuário e o acampamento/nação a um estado de purificação.
Nesse sentido, o tipo do Dia da Expiação (Lv 16) é um microcosmo do juízo
final, cuja fase inicial é descrita nas passagens paralelas de Daniel 7-8 (a fase pré-
advento no Céu). No tipo do santuário, quatro entidades são representadas no
Dia da Expiação: (1) Deus (na figura do santuário) que carregava por um tempo
os pecados confessados do arrependido; (2) israelitas crentes que tinham feito as
provisões do ritual de purificação e que continuavam tendo um relacionamento
de penitentes com Deus; (3) israelitas impenitentes cuja idolatria, derramamento
.,-,, de sangue, pecado deliberado e negligência geral das provisões do santuário con-
taminavam o santuário de forma ilegal e que continuavam com essa atitude; e (4)
o bode expiatório, um símbolo de Satanás.
Nas três fases do juízo final, entidades semelhantes estarão envolvidas. Uma sen-
tença de absolvição será dada em favor dos santos cuja união com Cristo será reafir-
mada, e o registro de seus pecados será eliminado (Dn 7:22; Ap 3:5). A apostasia do
cristianismo, simbolizada pelo chifre pequeno (Dn 7-8), atacou o ministério sacer-
dotal de Cristo e substituiu por uma forma diferente de adoração - portanto, uma
forma de idolatria (Dn 8:11-12; cf. 2Ts 2:3-4) também derramou sangue inocente
(Dn 7:25; Ap 17:5-6), desse modo profanando ilegalmente o santuário celestial (Dn
11:31), c será eliminado quando o juízo final for concluído (Dn 7:26; 8:25).
Satanás, agora acusado de ser responsável pelo pecado como seu originador e
instigador, será banido (como o antigo bode expiatório) ao deserto de uma terra
arruinada durante a fase milenial do juizo (Ap 20:1-9; cf. ICr 6:2-3). Será destru-
ído junto com todos os impenitentes no fogo que purifica a terra no final da fase
executiva do juizo final (Ap 20:10-15). Deus será vindicado diante dos seres inteli-
gentes de sua criação, e os remidos compartilharão seu reino eterno (Dn 7:13-14,
27; Ap 21:1-5; Mt 25=34).
70 SEMANAS, LEVÍTECO E A NATUREZA DA PROI-H -IA

ESBOÇO DA SEÇÃO

1. Introdução: natureza paradoxal dos sacrifícios


2. Transferência legal do pecado ao santuário
3. As vestes do sumo sacerdote e a dupla ablução
4. Três grandes períodos de expiação em Israel
5. Conclusões gerais

INTRODUÇÃO: NATUREZA PARADOXAL DOS SACRIFÍCIOS

A medida que se dá prosseguimento aos estudos da adoração israelita, torna-se


mais evidente que o sistema sacrificai tinha uma característica paradoxal que deve
ser compreendida a fim de se interpretar corretamente seus tipos. Enquanto uma
corrente de pecado e contaminação afluía do povo para o santuário, do santuário
afluía para o povo uma corrente de purificação e santificação.87
Entretanto, essa lógica oriental não é facilmente compreendida pela mente
ocidental,88 como pode ser visto em opiniões de eruditos sobre como traduzir
determinadas pá lavra s-ch ave relacionadas nos sacrifícios. 161
Por exemplo, o termo hatfã l ("pecado")- Quando usado com relação a sacrifício
(Lv 4; Nm 19:9), é traduzido por alguns como "oferta peio pecado",*9 mas por outros
como "sacrifício para purificação"1*0 ou simplesmente "expiação".91 Outro termo é
'asam ("culpa"). Esse termo foi traduzido no mesmo contexto como "sacrifício pela
culpa"92 e como "sacrifício para reparação" (Lv 5).91 Algo similar ocorre também
com a expressão nãsã 'ãwôn ("levar (carregar] a iniquidade"). É traduzida como
"remover (tirar) a iniquidade" (Lv 10:17),g4 ou simplesmente "perdoar" (Ex 24:7).
Finalmente, pode-se notar que o termo niddãh ("impureza") é traduzido do mesmo
modo de duas formas: "impureza [menstruall"1*5 ou "purificação" (Nm 19:9).Wl
Há autores que se atém a um lado do problema e deixam o outro sem solu-
ção, debatendo sempre esse tema de acordo com a lógica ocidental, ou preferem
afirmar que correntes teológicas contraditórias estão refletidas no texto bíblico.11
Como um exemplo dessa abordagem unilateral, pode-se observar o seguinte argu-
mento: visto que a oferta pelo pecado é declarada ser "coisa santíssima" (Lv 6:25),
não é possível que a carne de tal sacrifício carregasse o pecado (cf. Lv 10:7).l2 Desse
modo, alguns eruditos foram ao extremo dizendo que um objeto que entrasse em
contato com algo santo era "infectado com santidade" e, portanto, deveria ser
limpo com água (cf. Lv 6:27-28; 16:24).n Mas, como veremos, a santidade nunca é
purificada ou removida lavando-se com água!
O HlA DA EXPIAÇÃO RELAaONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO HO SANTUÁRIO

CONTAMINAÇÃO POR SANGUE


Como pode o sangue ré r a função de conraminar e purificar ao mesmo tempo?
Isso é um paradoxo. Uma solução que tem sido sugerida como tentativa de harmo-
nizar o que parece aos ocidentais um conceito contraditório é a seguinte-, o misté-
rio pode ser "esclarecido" fazendo uma distinção entre os diferentes elementos do
sacrifício.'4 De acordo com essa opinião, o sangue seria o elemento purificador e o
restante da vítima (carne, etc.) seria o elemento contaminante. 15
Porém, essa solução não é genuína. Além disso, não pode ser mantida dentro
do contexto dos sacrifícios israelitas, porque a contaminação pelo sangue não é
diferenciada da contaminação pela carne do animal sacrificado (Lv 6:27-28; 16:24,
26). Outro exemplo da mistura do sangue com a carne é a "água purificadora" fei-
ta das cinzas de uma novilha vermelha e usada com propósito de limpeza em deter-
minados rituais de purificação (Nm 19:9, 11-22). O sangue, bem como a carne, a
pele e o restante do animal, incluindo seus excrementos, formavam uma parte das
cinzas que eram usadas para preparar a água do niddãh ("impureza"). Fora desse
contexto (a produção dessa água especial) o niddãh é usado sempre com relação ã
impureza, principalmente no caso cia menstruação ou outros casos quando havia
perda de sangue, como no parto (Lv 12:2; 15:19, 24-26, 33, etc.)."1
.,, E evidente que as cinzas misturadas na água não poderiam evitar a associação
do sangue com impureza. Além disso, a cor vermelha da novilha também é sig-
nificativa. Sua relação na mente popular com sangue é confirmada em culturas
primitivas. Coiisequentemente, a pele vermelha e o acréscimo do estofo carmes i n
e do cedro vermelho fortalece o aspecto de sangue das cinzas.17 Nesse ponto é fácil
recordar a passagem familiar de Isaias 1:18: "ainda que os vossos pecados sejam
como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam verme-
lhos como o carmesim, se tornarão como a lã" (cf. Is 63:2-3).
O rito para a purificação do leproso era diferente do rito de aspergir a água
especial notado acima, mas diversos elementos envolvidos na produção das cinzas
eram usados também, a saber, o sangue, a madeira de cedro, o hissopo, o carme-
sim e a água (Lv 14:4-6, 49-50).1S O procedimento também tinha determinados
paralelismos com os dois bodes usados no Dia da Expiação. Embora Levitico
14:2-8 não interprete explicitamente o rito do sangue, sua analogia com o bode
expiatório (Lv 16:20-22) está clara o suficiente para inferir que a ave viva era con-
taminada pelo sangue da morta.1'*
Várias expressões em que o pecado é posto em relação paralela com o sangue
podem ser acrescentadas ás informações acima. Por exemplo, "vossas mãos estão
contaminadas de sangue, e os vossos dedos, de iniquidade" (Is 59:3, ênfase acres-
centada; cf. 1:15). Também expressões como "o seu sangue cairá sobre ele" (Lv
20:9, 11-13, 16, 27, etc.) mostram o lado negativo, por assim dizer, desse símbolo.
70 SKMANAS, LKvrnco E A NATUREZA DA PROI K IA

Nessas últimas expressões, o termo "sangue" carrega a ideia de "culpado" (cf. Js


2:17, 19-20; Mr 27:25; AT 5:28).
Portanto, é evidente que o sangue sacrificai não pode ser visto exclusiva-
mente como um elemento purificador. Na verdade, parece que no pensamento
hebraico o sangue era visto como tendo uma função dupla, ou seja, podia con-
taminar e purificar.

INTERCÂMBIO SUBSTITUTIVO
O paradoxo do sacrifício israelita pode ser explicado com base no princípio do
intercâmbio substitutivo (cf. Is 53:10-11 ).20 A pureza do animal sacrificai era trans-
mitida simbolicamente por meio dos ritos de sangue (ou de todo o corpo como
no caso das cinzas da novilha vermelha misturadas com água) à pessoa impura; e
a impureza de quem foi contaminado era transferida ao animal que, por sua vez,
contaminava o santuário - os objetos puros tocados por ele, fosse o contato com
sua carne ou com seu sangue.
Assim, à luz desse princípio, não é necessário discutir se o me niddãh (literal-
mente, "águas de impureza") devia ser traduzido como "água impura" ou "água da
pu ri t i cação". O contexto revela o fato de que para o pensamento hebraico, a pa-
lavra poderia ser usada com ambos os significados simultaneamente. Mas o mais
interessante ainda é que essatttâcfó/i-água(por causa de sua composição) também
é vista como um hattã'1, isto é, uma oferta queimada pelo pecado (Nm 19:17) que
sugere que todas as ofertas pelo pecado carregavam esse mesmo conceito parado-
xal de contaminação/purificação (Nm 19:1-9, 17).
Esse princípio de intercâmbio substitutivo pode ser visto também no procedi-
mento preliminar para a purificação do leproso que ocorria fora do acampamen-
to/cidade. O leproso transmitia suas impurezas à ave sacrificada, mas, ao mesmo
tempo, recebia da ave a pureza de que necessitava quando seu sangue misturado
com água era aspergido sete vezes sobre ele (Lv 14:6-7; cf. 51-53). Entretanto, a ave
viva que era liberta carregava sua impureza pelo contato com os mesmos elemen-
tos que purificavam o leproso.
Seguindo o mesmo princípio de intercâmbio substitutivo, podemos observar
que a oferta pelo pecado (sangue/carne) contaminava tudo que tocava no "lugar
santo" do pátio do santuário requerendo, assim, um processo santificador pelas
abluçôes indicadas (Lv 6:25-29). Exigia-se que o próprio sacerdote, sendo puro (et.
Lv 22:3-7), comesse a carne do sacrifício "em um lugar santo" e fizesse expiação
por si mesmo c pelos pecados do povo (Lv 10:17; Nm 18:1; cf. Lv 7:7). Não obs-
tante, o sacrifício era considerado como "coisa santíssima" (Lv 6:25, 29), separado
para uma finalidade muito sagrada; por essa razão, aqueles (os sacerdotes) que
tinham contato com ele deviam se santificar antes de comê-lo.
O DlA DA EXPIAÇÃO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICADO DO SANTUÁRIO

O resultado final desse intercâmbio substitutivo era que o pecador (Lv 4:20-
35) ou o leproso (Lv 14:13-14) era perdoado ou purificado, enquanto o santuário
(santificado em sua inauguração) era contaminado ao mesmo tempo (cf. Nm 7:1;
Lv 8:10-12; 16:16, 33).
Esse princípio paradoxal de contaminação/purificação é ilustrado outra vez
pelas instruções divinas a respeito do assassinato e da subsequente expiação reque-
rida para limpar a terra. O sangue derramado da pessoa inocente que foi assassina-
da contaminava a terra, mas o sangue derramado do assassino que era executado
pelo seu crime purificava a terra (Nm 35:33, kipper). Do mesmo modo, a vingança
divina dirigida contra o povo que contaminou a terra é descrita como um "sacrifí-
cio" (Is 34:6; Jr 46:10) que faz reconciliação ou expiação (Dt 32:41-43 v. 43, kipper
significa expiação).
Conclusão. O sangue do sacrifício pelos pecados de Israel não tinha um poder
mágico de purificação. Seu valor purificador ou contaminante tinha que ser me-
dido de acordo com o lugar e as circunstâncias em que era aplicado. Quando tinha
a ver com pessoas ou coisas que não estafam consagradas, as purificava. Do contrário,
quando era aplicado a pessoas ou a objetos santificados, os contaminava.
Durante o ano, o sangue era depositado no lugar que Deus tinha santificado
com sua glória - seu santuário (Êx 29:43). Desse modo, o pecado era transferido
164 ao complexo do santuário e contaminava-o. No final do ano, no Dia da Expiação,
o paradoxo do princípio substitutivo mostrava-se outra vez, e o sangue tornava-se
o elemento para a purificação do santuário de todos os pecados que o tinham
contaminado até aquele momento. Então, no ritual figurativo, os pecados eram
eliminados completamente de Israel.

TRANSFERÊNCIA LEGAL DO PECADO AO SANTUÁRIO

Já foi demonstrado em nossa análise da contaminação "ilegal" ou "direta" do


santuário que os pecados dignos de morte poderiam ser expiados somente com
a morte da pessoa culpada. Investigaremos agora se, de uma perspectiva positiva,
existem mais evidências nas próprias leis ritualísticas que indiquem que os ritos
do Dia da Expiação purificavam o santuário daqueles pecados que haviam sido
perdoados e transferidos a ele durante o ano.

EVIDÊNCIAS ESTRUTURAIS
O livro de Levítico. Praticamente todos os autores percebem duas categorias
gerais de lei no livro de Levitico:
1. As leis ritualísticas: de sacrifício (cap. 1-10); de purificação (cap. 11-16).
70 SEMANAS, LEVJTICO F, A NATUREZA HA PROFECIA

2. As leis de santidade (c;ip. 17-27). Essa classificação é tão evidente que livros
inteiros tóram escritos para tratar exclusivamente de apenas uma dessas duas seções.
Na primeira parte de Lcvítico (cap. 1-16), a maneira como os problemas do pecado
e da impureza podem ser solucionados (sem recorrer à punição capital) é determinada
de forma positiva. O incidente com Nadabe e Abiú é uma exceção (Lv 10). Entretanto,
o incidente ilustrou a necessidade de fiel adesão aos códigos ritualisticos a fim de im-
pedir que uma desgraça similar se repetisse (Lv 10:9-11; 16:1). Levítico 15:31, o antece-
dente contextuai mais próximo a Levítico 16, parece ter um propósito semelhante. Não
estabelece a sentença de morte, mas faz uma advertência para preveni-la.
Assim, as leis tratadas nos primeiros 16 capítulos apresentam, em sua maioria,
situações suscetiveis de ser solucionadas com o sacrifício.
Contudo, na segunda parte do livro (17-27), as leis tratam de forma detalhada
da punição. 21 O foco não está nos meios ritualisticos de se evitar a morte, mas
sobre a própria sentença de morte. As advertências dadas não apelam aos rituais
como os meios pelos quais o culpado pode se livrar (Lv 20:4-5, 22-23; 18:26-30).
Por essa razão, a sentença de morte estabelecida para o Dia da Expiação para
pecados imperdoáveis localiza-se na segunda seção de Levítico (Lv 23:29-30), mas a
solução do Dia da Expiação para purificar o do santuário dos pecados perdoados
é registrado em Levítico 16, na primeira seção tio livro.
Referência invertida. Levítico 16:16 pode ser traduzido literalmente como: "E ele 165
irá purificar [kipper] o santuário das impurezas \lurn 'ãh\ dos filhos de Israel, e de suas
transgressões l/re.va'], de todos os seus pecados [hattã'f\." O texto parece enfatizar que a
purificação do Dia da Expiação não omite nenhum dos pecados de Israel (descritos
nos capítulos 1-15) que foram perdoados durante o ano. Uma evidência sintática
pode ser apresentada para sugerir que os dois termos, "impurezas" e "transgressões"
(ligados pela conjunção "e"), estão resumidos na expressão "todos os seus pecados".22
Com isso, podemos comparar o versículo 21 com o 16. No 21, declara-se que
"Arão ... sobre ele |o bode expiatório] confessará ... todas as iniquidade \'ãwôn\ ...
todas as suas transgressões \peSa'\ e todos os seus pecados [haftã't\; ..." No versículo 21,
o termo "iniquidade" substituiu a palavra "impurezas". Isso é bastante compreensí-
vel se levamos em consideração que os dois termos são usados como sinónimo em
outras passagens do livro (cf. Lv 17:15-16, onde se declara que quem escolhe perma-
necer impuro deve levar sua iniquidade). 21
Não importa se desejamos ver em Levítico 16:16 os dois principais termos ("im-
purezas" e "transgressões") incluídos na expressão "todos os seus pecados" ou três
palavras separadas ("impurezas","transgressões" e "pecados"). E a oroem em que esses
termos estão listados comparada com a sequência em que foram discutidos previa-
mente nos capítulos 1-15 que é importante. A ordem está invertida.
Pode-se perguntar: o que em Levítico 1-15 estaria relacionado com "trans-
gressões" (pesa'V- Devemos recordar que Levítico 4-5 tratou das ofertas pela culpa
O Hi \ i \\ ExriAçÃo RtuvaoNAno A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO no SANTUÁRIO

('asam). Essas ofertas envolviam pecados conscientes, deliberados. Portanto, não é


difícil ver uma alusão aos pecados perdoáveis dessa categoria no termo "transgres-
sões" (pesa'), conforme listada em Levítico 16:16, 21.
O seguinte gráfico indica a relação invertida das passagens paralelas de Levíti-
co 1-15 e 16:16,21 nas duas formas em que o termo "pecados" pode ser interpre-
tado (ver exemplos l e 2):

Levítico 16:16 Levítieo 1-15

(cf. Êx 34:7)

impurezas
(a) (c) pecados inconscientes (Lv 4)
iniquidade*
transgressões (b) (b) pecados conscientes (Lv 5)
pecados (c) (a) impurezas (Lv 12-15)

(cf. Nm 14:18)
166 impurezas todos os pecados
(a)
iniquidades ceados perdoáveis
transgressões (b) impurezas

Esse tipo de estrutura invertida ocorre com frequência na Bíblia, um fato


que reforça a evidência apresentada aqui 21 e leva a esta conclusão: a descrição
do escritor da purificação do santuário no Dia da Expiação (Lv 16) indica que
ele tinha em mente apenas aqueles pecados e rituais discutidos nos l 5 capítulos
anteriores para os quais o perdão tinha sido dado por meio dos procedimentos
prescritos durante o ano.

INDÍCIOS RITUALÍSTICOS (SUBSTITUIÇÃO)


Até o momento, não explicamos como o pecado era transferido á vítima sa-
crificai. Essa compreensão é inferida da imposição das mãos do penitente sobre a
cabeça do animal antes de este ser morto.2'' Dado que esse ponto tem sido o tema
de muitas discussões atuais,2*1 será necessário pesar as principais evidências.
Transferência pela imposição das mãos. Quase todos os sacrifícios oferecidos
no ritual do santuário requeriam a imposição das mãos sobre a cabeça da vitima. 27
Isso causou muita discussão entre intérpretes da Bíblia. Pensa-se que cada classe
de sacrifício pode ter tido uma motivação diferente para o ato. Outro ponto para
70 SEMANAS, LEVlrico E A NATUREZA HA PROFECIA

debate tem sido a suposta diferença entre a imposição de somente uma mão (a
maioria dos sacrifícios) 2 " e a imposição de duas mãos no ritual do bode expiaró-
rio.Z9 Além disso, a confissão e a consequente transferência do pecado à vítima é
indicada explicitamente apenas no ritual cio bode expiatório (Lv 16:21).10
Sugere-se que se o ritual fosse realizado com uma mão apenas (além do Dia
da Expiação em Levitico 16:21), era porque a outra mão estava ocupada com uma
faca para matar a vítima." Assim, a imposição das duas mãos sobre o bode expia-
tório torna-se algo natural visto que o animal não era sacrificado.
O simbolismo pode ter ditado essa aparente distinção na forma. Por exemplo,
a imposição de somente uma mão sobre a vítima pode ter simbolizado a trans-
missão de um pecado específico enquanto a imposição das duas mãos pode ter
correspondido a diversos pecados ou a uma transferência coletiva. No exemplo
do bode expiatório, o sacerdote colocava suas duas mãos sobre os animais para
transmitir não somente uma falta individual, mas os pecados cometidos pelo povo
durante o ano. Esse ato tinha a ver com uma pluralidade de pecados. Outra vez,
era somente uma pessoa que colocava suas duas mãos sobre o bode expiatório no
Dia da Expiação - pelos pecados de todo o povo - enquanto em Levitico 4, apenas
o próprio pecador que buscava perdão.
Sugere-se também que a imposição de apenas uma mão servia para expressar
a identificação entre a pessoa que tez a oferta e o animal oferecido, ao passo que a 167
imposição das duas mãos expressava somente a ideia de transferência.' 2 Entretanto,
o princípio de identidade poderia ser aceito sem neyar a ideia da transferência. Se as-
sim for, por contraste, o sumo sacerdote usava ambas as mãos de modo a não se iden-
tificar com o bode expiatório, embora o conceito de transferência fosse evidente.
Portanto, não existe fundamento real para se rejeitar a ideia da transferência
de pecados por meio da oferta pelo pecado porque era feita, aparentemente, por
uma mão em vez de duas (cf. Nm 27:18, 23). Pode ser que a confissão e transmis-
são dos pecados fossem comunicados com cuidado no rito do bode expiatório a
fim de impedir suscitar uma interpretação errada a respeito da verdadeira função
desse animal, que levava os pecados do povo, mas não era sacrificado.
Provavelmente fosse mais correto interpretar a imposição das mãos de acordo
com a natureza de cada classe de sacrifício. Assim, esse ato realizado com uma mão
ou duas era como uma oração com um propósito definido em mente. A oração
poderia ser pela expiação da vida que estava sendo consagrada complctamente a
Yahweb (Lv 1:4); a expressão de agradecimentos específicos (Lv. 3:1); a confissão
de um pecado (Lv 4:2-3, 13-14, etc.; Nm 5:6-7; etc.); uma ordenação especial (Lv
8:22); ou mais explicitamente, a confissão dos pecados de Israel tirados do santuá-
rio e colocados sobre o bode expiatório no Dia da Expiação (Lv 16:20-22).
Silêncio no texto sobre imposição das mãos. A descrição do ritual do Dia
da Expiação (Lv 16) não contém nenhuma indicação a respeito da imposição das
O DIA HA EXPIAÇÃO RI-LACIONADO A CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

mãos sobre o bode do Senhor, cujo sangue foi usado para purificar o santuário.
Essa omissão suscitou diferentes explicações.n
Que significado deve ter o silêncio neste ponto em Levítico 16? Um estudo
dos capítulos que falam das ofertas pelo pecado e pela culpa revela o seguinte:
não há nenhuma menção da imposição das mãos em Levítico 5-7 que trate da
oferta pela culpa. Todavia, declara-se que a lei para a oferta pela culpa é a mesma
que a diretriz para a oferta pelo pecado (Lv 7:7). Nenhuma referência é feita a essa
questão em Levitico 6:25-30 ou em Levítico 9. Entretanto, Levítico 10:17 indica
que uma transferência do pecado era realizada com as ofertas pelo pecado. A refe-
rência à imposição das mãos é omitida também quando se menciona a oferta pelo
pecado em Levítico 12, 14, 15, e Números 7, 15, 19, 28, 29.
A explicação mais simples é a de que o escritor da Bíblia considerou que sua
explanação a respeito da imposição das mãos estava suficientemente clara na pri-
meira descrição feita em Levítico 4 sobre ofertas pelo pecado. Não era necessário
repetir toda vez o que foi compreendido ser o procedimento quando as ofertas
pelo pecado e pela culpa fossem feitas. Como resultado, o silêncio nos capítulos
subsequentes não deveria surpreender.
O silêncio é quebrado uma vez em Levítico 8:14 onde o escritor descreve a con-
sagração inaugural do sacerdote. Talvez tenha sido para indicar que mesmo nesses
168 rituais, que não tinham nenhuma relação com pecados específicos, a imposição das
mãos também devia ser praticada. A mesma imposição das mãos é observada em
Números 8 na cerimónia singular para a consagração dos levitas (Nm 8:10, 12).
Se o silêncio com respeito à imposição das mãos é significativo em Levítieo 16,
é possível inferir que era porque o bode do Senhor não serve como uma vítima de
transferência para trazer o pecado ao santuário, mas como um agente de limpeza
para remover os pecados desse reeinto sagrado.
Conclusão. A imposição das mãos ensinava a Israel de forma concreta que
o pecado não podia ser estabelecido de maneira geral, indefinida. Em vez disso,
era-lhe mostrado que a solução para o problema do pecado era exata e de caráter
penal. O pecador rinha que escolher entre oferecer um animal substituto sobre o
qual ele pudesse colocar seu pecado ou aceitar, mais cedo ou mais tarde, a punição
merecida. Se escolhesse o caminho da substituição, seu pecado era transferido ao
santuário, e, finalmente, colocado sobre o bode expiatório vivo e eliminado.

INDÍCIOS ETIMOLÓGICOS COMPARATIVOS (o ATO DE LEVAR O PECADO E SUA


ERRADICAÇÃO)
Quando o sangue da oferta pelo pecado não era aspergido no interior do san-
tuário, o sacerdote devia comer a carne do animal; como resultado, ele carregava ou
levava a iniquidade (nãsã 'ãwôn) do povo (Lv 10:17-18; cf. 6:26, 29-30). "Moisés dili-
gentemente buscou o bode da oferta pelo pecado,(...)*ft>r que não comestes a oferta
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA PA PROFECIA

pelo pecado no lugar santo.7 Pois coisa santíssima é; e o Senhor a deu a vós outros,
para levardes a iniquidade (nãxâ 'ãwôn) da congregação, para fazerdes expiação por
eles diante do Senhor?'" (Lv 10:16-17).
Alguns escritores que não compreendem o sistema paradoxal do culto israelita
encontram dificuldade para traduzir essa passagem. A expressão significa literalmen-
te "carregar ou levar a iniquidade". Em tal contexto, não deveria ser traduzida como
"remover a iniquidade" 14 , pois não é dada nenhuma explicação com respeito à sua
eliminação. Nesse contexto, a expressão "levar a iniquidade" é paralela ao significa-
do "ser culpado" (Lv 5:1-3).
Quando nãsã 'ãwôn é aplicada ao pecador, sempre significa que a responsahilida-
de pelo mal ainda não foi, ou não pode ser, removida dele. Ele é culpado." Quando
a expressão é usada com respeito a alguém que não tenha pecado pessoalmente, pode
significar que a culpa foi removida de outra pessoa e colocada sobre ele como um in-
termediário ou um substituto. Ele carrega a iniquidade no lugar de outro ou a favor de
outro (Ex 28:38; Lv 10:17). Esse era o caso dos sacerdotes em Levítico 10:17-
Quando a expressão tem a ver com um pedido ou com uma confissão de pe-
cado a Deus, significa que o próprio Deus assume a responsabilidade da culpa e o
penitente fica, então, livre de seu pecado (veja Êx 34:7; Nm 14:18. A expressão "que
perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado" lê-se literalmente "que leva a iniqui-
dade, a transgressão e o pecado").56
Algumas vezes, outras palavras tais como "transgressão" (pesa') ou "pecado" (haffal)
são substituídas por "iniquidade" ('ãwôn) nessa expressão (assim: levar a transgressão ou
levar o pecado). Quando o objeto direto dessas expressões é a pessoa que foi atacada,
pode significar simplesmente que ela aceita as consequências do mal sem vingar-se. Por
exemplo, é pedido a José, que foi vendido como escravo por seus irmãos, "perdoar a
transgressão"ou, literalmente, "levar a transgressão" (Gn 50: 17). Por outro lado, a expres-
são rxxJe ser declarada de tal maneira de modo a implicar vingança ou punição. Por exem-
plo, Israel é advertido contra a rebelião porque o anjo do Senhor "não perdoará a vossa
transgressão" (literalmente, "Ele não carregará vossa rebelião", Ex 23:21; cf. Js 24:19).
Conforme já observado, tanto o sangue quanto a carne da oferta pelo pecado
eram "santíssimos" (Lv 6:25, 29). Eram os meios designados para remover os pe-
cados do povo. Com a manipulação do sangue e o comer da carne, os pecados do
penitente eram transferidos ao sacerdote e ao santuário.
Porém, se um sacrifício fosse executado fora do complexo do santuário e sepa-
rado de seu sistema, seu sangue recaía sobre o ofertante, da mesma forma que a
culpa era atribuída ao assassino de sangue inocente (Lv 17:4)." O motivo dessa re-
lação entre os dois tipos de derramamento de sangue é evidente. O indivíduo que
verteu sangue humano não podia expiar seu crime por meio do sangue sacrificai
(Nm 35:33). Do mesmo modo, o sangue sacrificai - oferecido fora do santuário -
não era aceito como um substituto para a vida humana.
O DIA HA EXPIAÇÃO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

De fato, tal sacrifício era um ato de apostasia (cf. Lv 17:7), um ato que
indicava falta de apreço pelo santuário de Yahweh que provia os únicos meios
eficazes para se obter a salvação, a paz e todas as outras bênçãos divinas. O san-
gue desse sacrifício impróprio teria que ser imputado a quem o sacrificou, pois
a transferência de uma vida substituída poderia ser feita somente em conexão
com o santuário e seu ritual (cf. Lv 17:6, 11).
Era necessário que o sangue de cada sacrifício alcançasse o santuário, pois
era lá que o intercâmbio paradoxal ocorria: a transferência do pecado e da im-
pureza do penitente ao santuário e, em troca, seu recebimento do perdão e pu-
rificação. É possível dizer que o santuário era o centro do relacionamento entre
Deus e Israel, e somente por intermédio de seus ministros poderia o penitente
ser aceito e suas petições, ouvidas.
Nesse ponto é importante notar que o santuário diferia do povo (incluindo
seu sacerdote humano) no seguinte sentido: nunca tinha faltas próprias de modo
a necessitar ser purificado. O santuário assumia a responsabilidade pelos peca-
dos perdoados que lhe eram transferidos. Jamais era ele próprio a causa desses
pecados e impurezas.
Portanto, em um sentido real, o sacrifício do bode do Senhor no Dia da Expia-
ção era em favor do santuário e um ato de víndicação. Desse modo, o Dia da Expia-
170 cão era uma afirmação da inocência até onde diz respeito ao santuário em si, pois
o santuário era, na realidade, uma representação do trono e do governo de Deus.
Aquele que assumia a responsabilidade por todos os pecados que eram depositados
ali por meio de sacrifícios era o Deus que vivia nele, e nesse dia Ele era vindicado.
Todo o pecado é uma ofensa a Deus. Contaminar o santuário (legal ou ilegal-
mente) era, de fato, contaminar ou profanar o nome de Yahweh (Lv 20:3).™ Para
a mente hebraica, o nome de Deus representava seu caráter, seus atributos (Êx
34:5-7; SI 111:9). Portanto, amar ou temer o nome de Deus era amar a maneira
como Ele representava a si mesmo (Is 56:6). Louvar e proclamar seu nome era
anunciar seu caráter (Dt 32:3-4; SI. 113; 115:1). Seu nome estava ligado ao templo
(l Rs 8:16, 20; 9:3) e, por extensão, à cidade de Jerusalém e de Sião, o monte santo
(Is 18:7; l Rs 14:21; 2Cr 6:5-6).
Assim sendo, a contaminação do santuário envergonhava a Divindade. Pela
purificação do santuário no Dia da Expiação, Deus glorificava seu nome (cf. SI
138:2-3). Como consequência, não ê difícil perceber o pano de fundo teológico
de muitas passagens que falam da purificação do povo e de Jerusalém (Is 4:2-6; Ez
36:20-38; cf. Jr 50:20; etc.). Tal purificação redundava em honra e glória a Deus.
Conclusão. Devido à expiação geral oferecida pela manhã e pela tarde como ofer-
ta queimada diária pela nação (Nm 28:3-10; cf. Lv l :4), os pecados que eram cometi-
dos pelo povo como indivíduos eram tolerados por um tempo (cf. Jó l:5).w Assim, o
pecador tinha oportunidade de refletir sobre sua vida, de se arrepender e trazer seu
70 StMANAS, LlíVfTim E A NATUREZA DA PROFECIA

sacrifício pelo pecado ao santuário.110 Se não fizesse isso, seu pecado não poderia ser
transferido ao santuário, e Deus não poderia assumir a responsabilidade de perdoa'
Io. Tal pecador era responsável por seus próprios pecados e pela penalidade que cairia
sobre ele como no caso de rebelião imperdoável (js 24:19; cf. Êx 23:21).
Entretanto, quando o pecador se arrependia, Deus assumia sua falta por um
tempo, até que a responsabilidade caísse sobre sua primeira causa: Azazef (a figura
do bode expiatório). O ato de assumir os pecados perdoáveis é expresso claramente
na frase: "Yahweh, Yah.weh...«õ.«?' 'ãwón wãgesa' w"'hatt'ãh jYahweh, Yahweh...que
leva a iniquidade, a rebelião e o pecado]" (Êx 34:6-7; cf. Nm 14:18; SI 32:5; etc.).
Os pecados que Deus recusa carregar são mencionados na declaração de Êxo-
do 34: "ainda que não inocenta o culpado" (versículo 7). Portanto, há pecados
que Deus assume - aqueles que foram confessados em penitência - e outros que
rejeita, ou aqueles nunca confessados pelo pecador que rejeita sua mercê.
Vale a pena notar que as palavras que aparecem em Êxodo 34:7 no singular (ini-
quidade, transgressão c pecado) aparecem no plural - e na mesma sequência - (ini-
quidades, transgressões e pecados) em Levitico 16:21, o capítulo do Dia da Expiação.
Na passagem de Êxodo, Yahweh é descrito carregando pacientemente a responsabili-
dade dos pecados do povo. Na passagem cie Levitico, é ilustrada a maneira como Ele
depõe a responsabilidade final por esses pecados sobre Azazcl, o bode expiatório.
171

As VESTES SUMO SACERDOTAIS E A DUPLA ABLUÇÃO

Outra característica do Dia da Expiação aparece nas instruções a respeito


da dupla ablução do sumo sacerdote. Nesse dia, ele deveria lavar-se e colocar
as vestes requeridas em preparação para as cerimónias especiais (Lv 16:4).
Após o ritual do bode expiatório, ele devia se despir e se lavar outra vez, co-
locando, dessa vez, suas vestes sumo sacerdotais (Lv 16:23-24). Essa segunda
ablução tem sido ponto de discussão mesmo entre os próprios judeus, sendo
que alguns questionam até a localização da passagem.11 Não se pode ver ne-
n h u m a razão por que a lavagem devesse ser feita após o ritual, principalmente
porque o sumo sacerdote há pouco havia estado diante de Deus no lugar
santíssimo do santuário.
Vestes sumo sacerdotais. Em geral, tem-se reconhecido que as vestes do sumo
sacerdote eram compostas de oito partes, das quais quatro eram vestidas pelos
outros sacerdotes. Entretanto, as vestes de linho (bad) simples usadas pelos sumo
sacerdotes por um momento no Dia da Expiação (Lv 16:4) diferiam em qualidade
das vestes de linho "fino" (sés) usadas normalmente por ele e seus associados du-
rante o ano (Êx 39:27-28).
O I )lA DA EXPIAÇÃO REIACIONAIX) À CONTAMINAÇÃO E PURIRCAÇÃO DO SANTUÁRIO

Essas vestes de linho simples eram usadas diariamente pelos sacerdotes co-
muns - mas somente quando fossem remover as cinzas do altar do holocausto (Lv
6:9-11). Da mesma forma, as vestes de linho simples tinham um uso limitado pelo
sumo sacerdote no Dia da Expiação (Lv 16:23-24). Nesse dia ele as usava, não para
remover as cinzas, mas para remover todas as impurezas depositadas no santuário
por meio das ofertas pelo pecado feitas durante o ano.
Diversos autores sugerem que as vestes de linho usadas pelo sumo sacerdote
no Dia da Expiação eram um sinal de tristeza ou humilhação. Porém, as vestes dos
sacerdotes comuns não eram indignas, pois elas também haviam sido feitas "para
glória c ornamento" (Èx 28:40). Temos uma verdadeira revelação do uso bíblico
do linho: os seres celestiais e os santos são descritos nas visões dos profetas vesti-
dos de linho (Ez 9:2-3, 11; 10:2, 6-7; Ap 19:8; cf. 7:9, 13). Os contextos sugerem
que a veste de linho é um símbolo de santidade e pureza. 42 Assim, o sumo sacer-
dote era visto peto povo como um mensageiro celestial.
Os dois tipos de vestes sumo sacerdotais parecem indicar a natureza dual do
ministério do sumo sacerdote, visto que ele foi chamado para representar Deus
ao homem e o homem a Deus. No Dia da Expiação, em certos momentos do ri-
tual, o sumo sacerdote aparecia perante o próprio Yahweh, e, consequentemente,
representava - como homem - o povo diante do trono de Deus. Esse ponto alto
172 do ritual parece ter ligação com a descrição profética do "Filho do Homem" em
Daniel 7:13, que aparece diante do trono do juízo sobre o qual Deus se assenta,
retratado como "o Ancião de Dias".
Dupla ablução do sumo sacerdote. Ninguém parece ter dificuldade para com-
preender a razão da primeira ablução do sumo sacerdote antes de colocar suas
vestes de linho no Dia da Expiação. De fato, os sacerdotes sempre lavavam suas
mãos e pés antes de entrar no santuário ou antes de oferecerem sacrifícios no altar
(Ex 30:18-21; 40:31-32). Qualquer pessoa que entrasse em contato com objetos
sagrados deveria primeiro se santificar. Mas como explicamos a ablução requerida
após o ritual do bode expiatório?
Alguns autores pensam que tanto a impureza como a santidade eram contagio
sãs e que a lavagem era exigida depois do rito do bode expiatório a fim de purificar
o sacerdote que havia sido "infectado com santidade"!41 Entretanto, conforme
comentamos antes, santidade nunca era removida com banho, 44 pelo contrário,
era obtida com banho (Êx 19:10, 14; Lv 11:44-45; cf, v. 40; 22:6).
A solução mais simples é observar que a lavagem exigida em Levítico 16:24
era realmente semelhante às lavagens requeridas daqueles que tinham se tornado
impuros com a manipulação de sacrifícios pelo pecado (cf. Lv 6:27-28; 16:26-28;
Nm 19:7-10, 19-21 ).4S Após ter purificado a si mesmo, o sacerdócio e o santuário,
o sumo sacerdote carregava sobre si os pecados tirados do santuário. Dessa forma,
era visto como levemente contaminado. Suas mãos, ainda manchadas de sangue,
70 SHMANAS, LtvlTico E A NATUREZA DA PROFHCIA

eram colocadas sobre a cabeça do bode expiatório. Todos os pecados eram trans-
feridos, dessa maneira, ao deserto, eliminados completamente do santuário e do
povo. Então, o sumo sacerdote ia ao santuário e tirava suas vestes de linho, se
lavava no "lugar separado" do pátio designado para essa finalidade.
Essa ablução final exigida do sumo sacerdote (e daqueles que levavam embora
o bode expiatório e as carcaças dos sacrifícios) é uma evidência extra que indica
que o Dia da Expiação concluía o ano Utúrgico em Israel.46 Assim como o calendá-
rio das festas começava com um sacrifício - a Páscoa - e uma festa subsequente da
colheita (Lv 23:5-14), assim também o ano litúrgico era concluído com esse tipo
especial de sacrifício no Dia da Expiação e uma festa da colheita final - Festa dos
Tabernáculos (Lv 23:27-43).
A segunda ablução do sumo sacerdote, junto com a lavagem daqueles que
tinham tocado nos animais depois de terem sido purificados, indicava que todo
o Israel estava agora limpo. Ninguém levava a impureza de ninguém. Os pecados
e as impurezas tinham sido eliminados. O santuário e o acampamento/nação es-
tavam limpos diante de Deus. Assim, uma lavagem simples daqueles que tinham
tocado nos sacrifícios após terem sido purificados era suficiente para livrá-los des-
se tipt) de impureza. 47

173
TRÊS GRANDES PERÍODOS DE EXPIAÇÃO EM ISRAEL

Um quadro que esboça os ritos básicos de oferta pelo pecado em relação


ao santuário pode ajudar a esclarecer alguns pontos importantes para nós, ao
mesmo tempo em que oferece as informações necessárias para corrigir a ideia
que têm alguns cristãos de que os ritos típicos do Dia da Expiação foram cum-
pridos completamente na morte de Cristo. Os textos cio Novo Testamento que
aplicam a tipologia do santuário terrestre ao ministério de Cristo no santuário
celestial não apoiam tal conclusão.4tí
O DIA HA EXPIAÇÃO RHLACIONADO A CONTAMINAÇÃO K PURIHCAÇAO LX> SANTUÁRIO

SACRIFÍCIOS DE NOVILHOS E BODES PELO PECADO


O que era feito O que era feito
Ritos Animais com o corpo com o sangue

1. Novilhos Queimado fora do Colocado sobre


Consagrações arraial. A gordura o altar exterior e
do santuário era colocada sobre derramado à sua
o altar. base. Uma vez por
(Êx 29; Lv dia por uma semana.
8-9; Nm 7; Purificação dos
2Cr 29:21, sacerdotes e do altar.
24; Ed6:17;
Ez 43:18-27)
Bodes Comido pelos Colocado sobre
sacerdotes (Lv o altar exterior e
10:17). Gordura derramado à sua base.
sobre o altar. Purificação do poro.
2. Novilhos Queimado fora do Aspergido sete vezes
Durante o ano arraial. A gordura sobre o véu. Colocado
era colocada sobre sobre o altar
o altar. interior; derramado
(Lv 4:6:24- à base do altar
30) exterior. Purificação
174 dos sacerdotes e da
congregação.
Bodes Comido pelos
sacerdotes. Gordura
sobre o altar.

3. Novilho Queimado fora do Colocado sobre


Dia da arraial. A gordura o alrar exterior e
Expiação. era colocada sobre derramado à sua base.
Ritual de o altar. Purificação do pow.
encerramento
(Lv 16)
Queimado fora do Aspergido sobre a
arraial. A gordura arca e os dois altares
era colocada sobre (sete vezes em cada
o altar. lugar). Purificação dos
sacerdotes.

O esboço geral acima indica que os únicos ritos de sangue conduzidos dentro
dos lugares santos do santuário eram aqueles relacionados às ofertas pelo pecado a
favor dos sacerdotes ou de toda a congregação (durante o ano) e aos ritos do Dia da
Expiação. Os ritos inaugurais, que inicialmente consagravam o santuário ou o re-
consagravam (como nos tempos de Ezequias e de Esdras), simplesmente abriam as
portas ao interior do santuário, mas nenhum sangue era levado para seu interior.
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Em contraste com os ritos inaugurais, as cerimónias do Dia da Expiação mos-


tram um movimento que começa no altar exterior em direção ao interior do san-
tuário (Lv 16:11-13). Com as aspersões do sangue no santuário, o movimento é
invertido, partindo dos dois compartimentos de volta para o altar exterior (Lv
16:16-20, 33). Apenas os ritos inaugurais e os aspectos finais do Dia da Expiação
purificavam o altar exterior do santuário. Fica ainda mais evidente com o esboço
acima que os únicos beneficiados pelos ritos de sangue da oferta pelo pecado fei-
tos durante o ano eram os sacerdotes e o povo penitente.
Quando o santuário era inaugurado, o altar exterior não era aspergido sete
vezes, mas se fazia expiação por ele em conexão com a consagração inaugural do
sacerdócio por sete dias que requeria sacrifícios diários. Nesse caso, vemos que o
termo "expiação" não era restrito apenas aos ritos de sangue, mas envolvia toda
uma série de atos e sacrifícios que qualificavam os sacerdotes, bem como consagra-
vam o complexo do santuário. 41 '
Durante o ano, sempre que o sangue era ministrado no lugar santo, era
aspergido ali sete vezes. O perdão, que desse modo era assegurado para os sacer-
dotes (ou às vezes para toda a congregação), era completo. O Dia da Expiação
apenas vindicava para o sacerdócio e para o povo a inocência de pecados já per-
doados. O próprio fato de os ritos de sangue nunca serem executados nos luga-
res interiores quando o serviço do santuário era inaugurado (ou restabelecido 175
após um período de apostasia) prova que os ritos de sangue do Dia da Expiação
lidavam somente com os pecados perdoados que tinham sido transferidos ao
interior pelos sacrifícios durante o ano.
Quando o sacerdote comia a carne do sacrifício pelos pecados do povo, não
era necessário que o sangue sacrificai fosse aspergido sete vezes dentro do santu-
ário. Com esse ato, a responsabilidade pelas faltas confessadas era transmitida
diretamente ao sacerdócio. "Tu e teus filhos levareis sobre vós a iniquidade rela-
tivamente ao santuário" (Nm 18:1), declarou o Senhor. Devemos recordar que o
sacerdócio era uma parte integral do santuário. Tudo o que afetava o sacerdócio
afetava o santuário também.
Por exemplo, a consagração inaugural dos sacerdotes purificava, ao mesmo
tempo, o altar exterior (Êx 29:35-37; Lv 8:14-15). O sumo sacerdote era ungido
quando o santuário era ungido (Lv 8:10-15), e sua contaminação o profanava (Lv
21:12). Assim, o pecado era transferido por meio do sacerdócio ao lugar santo
onde os sacerdotes se apresentavam durante o ano para interceder pelo povo pe-
rante Deus. Embora o povo fosse perdoado e purificado durante o ano, esperava
(em confiança, pois o santuário tinha assumido sua culpa) até o Dia da Expiação
para obter sua vindicação definitiva.
No Dia da Expiação, o sumo sacerdote purificava o sacerdócio da "iniquidade do
santuário" que era carregada por eles (Nm 18: Ia; cf. Lv 16:3, 6, 33). Imediatamente
O DIA DA EXPIAÇÃO RELACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO DO SANTUÁRIO

depois do rito de sangue a favor do sumo sacerdote e do sacerdócio em geral, o sumo


sacerdote prosseguia purificando o santuário e o povo de todas as impurezas e peca-
dos depositados no santuário por meio do sangue do bode do Senhor.
Como nos ritos inaugurais, também nos ritos finais no Dia da Expiação: o
sacerdócio e o santuário eram purificados ao mesmo tempo, sugerindo que o Dia
da Expiação devia ser entendido como o rito de conclusão do ano sacrificai. Esse
ponto é enfatizado no número de aspersões e na direção final em que os rituais
eram conduzidos (do lugar santíssimo para o altar exterior). De fato, essa era a
única vez que o lugar santíssimo (Lv 16: l 5, 20a), o lugar santo (Lv 16:16b, 20b; cf.
Êx 30:10) e o altar exterior (Lv 16:18-20c) eram aspergidos com sangue sete vezes
em cada lugar. O altar exterior era o último objeto do santuário a ser purificado
dos pecados cometidos e confessados durante o ano. Desse modo, o santuário era
reconsagrado para o novo ano ritualistico.
Com isso em mente, estamos mais bem preparados para verificar as aplicações
tipológicas mais precisas contidas no Novo Testamento. Principalmente na Epistola
aos Hebreus, podemos ver um movimento duplo em direção ao interior e ao exte-
rior do santuário celestial à medida que Cristo realiza os procedimentos de expiação.
Após ter feito a purificação inaugural com seu sacrifício no pátio externo (a terra),
Cristo se dirige para o interior do santuário celestial (Hb 1:3; 10:12; 8:1-2). Li Ele
176 ministra os benefícios de seu sacrifício expiatório em favor do povo em correspon-
dência à obra dos sacerdotes terrestres no primeiro compartimento (Hb 2:17-18;
7:25). Depois de ter purificado o santuário celestial na segunda fase de seu minis-
tério, que corresponde ã obra do sumo sacerdote no segundo compartimento (Hb
9:23), Ele aparecerá "não para lidar com o pecado", mas para vindicar e salvar seu
povo que espera por Ele fora do santuário (Hb 9:28).

CONCLUSÕES GERAIS
Uma das razões básicas por que os autores modernos têm dificuldade para
entender o sistema israelita de sacrifício é porque o analisam com a lógica ociden-
tal. Mas a adoração levitica pode ser compreendida somente mediante o reconhe-
cimento da presença de padrões orientais de pensamento. Nesse caso, o sistema
do santuário apresenta um conceito paradoxal, a saber, que o sangue sacrificai
era considerado como tendo simultaneamente a função de contaminar/purifi-
car. Escolhemos chamar esse paradoxo de princípio de intercâmbio substitutivo.
Por meio da manipulação do sangue sacrificai, os pecados e as impurezas eram
transmitidos do penitente para o santuário e, desse modo, o contaminavam legal-
mente; mas, ao mesmo tempo, a função do sangue sacrificai de expiar e purificar
era dirigida ao penitente, e este era perdoado e purificado.
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATURKZA DA PROI-K IA

Outra causa para a dificuldade de se interpretar corretamente o sistema israe-


lita de sacrifício é que no Novo Testamento c colocada uma ênfase especial sobre
a característica do sangue de Cristo de purificar e limpar quando aplicado ao
pecador. O problema surge quando esse fato do Novo Testamento é relacionado
diretamente aos sacrifícios do Antigo Testamento de maneira unilateral, sem
considerar a função paradoxal, dupla do sangue no sistema do santuário. Nesse
caso, seria mais sábio mover-se primeiramente do tipo para a realidade em vez de
o contrário. Tal procedimento evitaria a interpretação incorreta das informações
do Novo Testamento sobre Cristo, e permitiria compreender melhor o significa-
do completo do que Cristo realizou em nosso favor.
O Dia da Expiação lidava tanto com os pecados perdoáveis como com os
imperdoáveis. Entretanto, ambas as classes de pecados não eram incluídas na
purificação do santuário conforme descrito em Levítico 16. Antes, várias análi-
ses, feitas de diversos ângulos, confirmam claramente o fato de que os ritos do
Dia da Expiação purificavam o santuário, somente dos pecados anteriormente
perdoados. O impacto do Dia da Expiação sobre as pessoas que não tinham se
arrependido é discutido num capitulo posterior (Lv 23). Tais pessoas eram eli-
minadas da congregação de Israel.
Assim, pode-se dizer que os pecados que Deus não carregava - porque não
foram transferidos ao santuário pelo sacrifício - caíam sobre o culpado para 177
sua perdição eterna. Os pecados que Deus aceitava carregar na figura do san-
tuário (porque em atitude de penitência tinham sido transferidos ao santuário
durante o ano) no Dia da Expiação finalmente caíam sobre sua fonte principal
- Azazel, o bode expiatório.
Identificamos Azazel como Satanás, o originador e instigador do pecado. To-
das as acusações que o diabo lançou contra Deus e contra seu povo caíam sobre
ele. Ninguém mais era responsável e culpado pelos pecados de um povo totalmen-
te perdoado e purificado. Sua expulsão definitiva da comunidade dos eleitos -
tanto em símbolo como em realidade - era e será justificada completamente.
Portanto, é possível ver, a partir de nosso estudo, que o Dia da Expiação era
um dia de vindicação de Deus e de seu povo. Nesse sentido, profecias tais como
o juízo pré-advento nas passagens paralelas de Daniel 7-8 são uma réplica exata
dos ritos do Dia da Expiação.
Em muitas passagens escatológicas, em ambos os Testamentos, encontra-
mos a justiça de Deus sendo vindicada seja pelo perdão ao penitente ou pela
condenação do culpado ã morte. Como resultado, fica claro que a honra e a
santidade divina - questionadas desde o surgimento do pecado - serão total-
mente restabelecidas quando as fases do juízo final estiverem concretizadas. Se
Deus não for capaz de exterminar o pecado e a rebelião (a batalha decisiva já
foi ganha na cruz), sua reputação como Deus santo, justo e verdadeiro, estará
O DIA DA EXPIAÇÃO REIACIONADO À CONTAMINAÇÃO E PURIFICAÇÃO no SANTUÁRIO

perdida diante do universo. Mas chegará o momento quando a grande multi-


dão remida pelo sangue do cordeiro cantará:

"Grandes e admiráveis são as tuas obras,


Senhor Deus, Todo-Pode roso!
Justos e verdadeiros são os teus caminhos,
ó Rei das nações!
Quem não temerá
E não glorificará o teu nome, ó Senhor?
Pois só tu és santo;
Por isso, todas as nações virão
E adorarão diante de ti,
Porque os teus atos de justiça
Se fizeram manifestos." (Ap 15:3-4).

178
'

III
ESTUDOS GERAIS

PROFECIA: TEMA DA
CONDICIONAL! DAIU
PROFECIA: CUMPRIMENTOS
ÚNICOS/MÚLTIPLOS?
SIGNIFICADO TEOLÓGICO DO
JUÍZO PRÉ-ADVENTO
JUSTIFICAÇÃO E juízo

CAPÍTULO 8

CONDIQONALIDADE NA PROFECIA BÍBLICA COM


REFERÊNCIA ESPECIAL À APOCALÍPTICA
William G. Johnsson

S inopse editorial. Os adventístas do sétimo dia sempre acreditaram que havia


um principio de condicionalidade na profecia bíblica que aguardava uma res-
posta humana. Por outro lado, consideram as impressionantes profecias de Daniel
e Apocalipse, que descrevem a luta entre o bem e o mal, a vitória definitiva e o
estabelecimento final do reino eterno de Deus, como revelações da presciência
d i v i n a e uma evidência de sua soberania.
Entretanto, recentemente têm-se argumentado que toda profecia - incluindo
não somente a profecia geral (clássica) conforme aparece nos profetas maiores e
menores, mas também as profecias apocalípticas de Daniel e Apocalipse - deve
ser considerada condicional. Isto é, sugere-se que o possível cumprimento de qual-
quer profecia em seu intento principal era condicional à obediência do povo a
Deus. Tal posição, caso se provasse válida, afetaria de forma radical a interpretação
adventista das profecias de Daniel e Apocalipse.
O autor deste capitulo analisa várias profecias em ambos os Testamentos. Ele
conclui que embora a condicionalidade seja um princípio válido de interpretação,
não pode ser usado de forma indiscriminada. As Escrituras deixam evidente que
nem todas as profecias da Bíblia sào condicionais.
A maioria das predições que foram consideradas no passado por adventistas de
sétimo dia como condicionais à obediência de Israel nau são profecias no sentido real
do termo. São baseadas nas promessas e juízos (bênçãos/maldições) conhecidos que
naturalmente se originam da alinnça que Deus estabeleceu com Israel. A condicio-
nalidade está estabelecida nas promessas e ameaças da aliança; assim, é um engano
estender esse termo e perspectiva às predições não relacionadas à aliança. Quando
esse corpo de "profecias" relacionadas à aliança é separado do todo, observa-se que a
condicionalidade desempenha um papel menor nos demais tipos de profecia.
Por exemplo, as profecias do primeiro e segundo advento do Salvador estão
baseadas n u m a intervenção divina sobre a história ao mesmo tempo em que
Deus afirma sua soberania para alcançar seu propósito eterno. Nenhuma falha
da parte de Israel poderia ter impedido o primeiro advento do Messias no tem-
po i'í,]K'» i t u M i l u poi
CONDICIONAUDApE NA PROFECIA BÍBLICA COM REFERÊNCIA ESPECIAL À APOCALÍPTICA

Alguns tipos de profecias apocalípticas que enfatizam a aliança feita com Israel
(como aparecem em Zacarias) podem ter um elemento condicional por causa des-
se fato. Entretanto, é evidente que o grande escopo das profecias apocalípticas de
Daniel e Apocalipse transcendem Israel. Elas com frequência envolvem as nações
mundiais como um todo e também possuem uma dimensão cósmica, celestial.
Tais revelações proféticas nào são condicionais à resposta humana. Antes, dão a
conhecer a soberania e a presciência do Criador, revelando para o encorajamento
de seu povo o que há de vir e a garantindo o estabelecimento vitorioso e definitivo
do reino eterno da justiça.

ESBOÇO DO CAPÍTULO

1. Introdução
2. Importância do assunto
3. Profecia condicional em escritos adventistas recentes
4. Classificação das profecias bíblicas
5. Condicionalidade e apocalíptica
6. Aspectos teológicos que afetam a interpretação
7. Conclusões

INTRODUÇÃO
No Antigo Testamento lemos sobre um profeta relutante que foi enviado a
pregar na cidade de Ninive. Após uma série de infortúnios, ele chegou aos portões
da cidade e começou a proclamar a mensagem de eminente destruição que Yahweh
lhe rinha comissionado: "Ainda quarenta dias, e Ninive será subvertida" (Jn 3:4).
As palavras do profeta eram inequívocas: a destruição da cidade foi anunciada
incondicionalmente. Porém, 40 dias se passaram e Ninive ainda estava de pé. O
que aconteceu? Era Jonas um falso profeta? A profecia falhou? O fato de Ninive
ter sido mais tarde destruída não ameniza o problema, visro que a mensagem de
destruição estava ligada ao período de 40 dias.
Quando olhamos mais de perto essa história, outras facetas começam a apa-
recer. Primeiramente, o próprio Jonas tinha dúvidas sobre o cumprimento de sua
predição. Vejamos Jonas 4:2: "E orou ao Senhor e disse: 'Ah! Senhor! Nào foi isso
o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso me adiantei, fugindo para
Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e
grande em benignidade, e que te arrependes do mal.'"
70 SEMANAS, LEVÍTK:O E A NATUREZA HA PROH-;I .IA

Esse versículo nos explica a razão da fuga de Jonas para Társis e seu comporta-
mento petulante ao repousar debaixo do abrigo esperando para ver se Nínive seria
destruída. Isto é, o conhecimento de Jonas do caráter de Yahweh - cheio de graça,
misericórdia e perdão - o levou a considerar a possibilidade de um adiamento,
embora a mensagem que Yahweh havia lhe dado parecesse inflexível.
Um segundo indício é encontrado na reação dos ninivitas á pregação de Jonas.
Em vez de fugirem da cidade aparentemente condenada, se arrependem. Eles também
basearam sua esperança nu caráter de Yahweh: "Quem sabe, se voltará Deus, e se arre-
penderá, e se apartará do furor de sua ira, de sorte que não pereçamos?" (Jn 3:9).
Portanto, o livro de Jonas parece nos fornecer um claro exemplo de profecia
condicional. Ele não está sozinho dentre as informações das profecias bíblicas:
1. Isaías 1:19 - "Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra."
2. Isaías 38:1-22 - A revogação do pronunciamento da iminente morte de
Ezequias.
3. Jeremias 18:7-10 - "No momento em que eu falar acerca de uma nação ou
de um reino para o arrancar, derribar e destruir, se a tal nação se converter da
maldade contra a qual eu falei, também eu me arrependerei do mal que pensava
fazer-lhe. E, no momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino,
para o edificar e plantar, se ele fizer o que é mal perante m i m e não der ouvidos à
minha voz, então me arrependerei do bem que houvera dito lhe faria."
4. Os profetas - "Quem sabe se..." ou "talvez" junto a advertências de desastres
iminentes (por exemplo, 2Sm 12:22; Zc 2:3; Ex 32:30).
5. Lucas 19:42 - "Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje o que é devido
à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos."
Além disso, alguns adventistas vêem nos escritos de Ellen Whitc apoio para
o princípio da condicionalidade na profecia bíblica ao enfatizarem a seguinte de-
claração: "Devemos lembrar que as promessas e ameaças de Deus são igualmente
condicionais." Mensagens Escolhidas, vol. l, p. 67.
Então, em face da evidência, a Bíblia apoia a ideia da condicionalidade da pro-
fecia. Mas tal reconhecimento introduz, por sua vez, novas - e importantes - per-
guntas: Jonas é um exemplo típico ou atípico de profecia bíblica? Pode-se confiar
que a palavra de Deus significa o que parece dizer? Deus de fato sabe o que irá acon-
tecer? Se a profecia é condicional, a soberania divina retém conteúdo importante?
Antes de examinar as informações, estabeleceremos o escopo deste ensaio,
propondo definições e identificando questões críticas que exigem solução.
Não é nossa intenção assumir princípios de interpretação bíblica em geral ou
da literatura profética em particular. Nem devemos examinar as áreas da natureza
da profecia e do proretismo ou a história da interpretação profética. Em vez disso,
nos concentramos num aspecto da interpretação profética - profecia condicio-
nal. Esse tema, mencionado frequentemente, não foi tratado com profundidade
CONDICIONAJJDAPE NA PROHKCIA BÍBLICA COM REFERÊNCIA ESPECIAL À APOCALÍPTICA

até então. Nosso objetivo é aguçar nossa precisão no uso do termo, sermos mais
cuidadosos ao classificar a profecia como condicional, compreendermos melhor a
natureza de tal profecia, e assim sermos mais exatos em sua interpretação.
Neste ensaio, adotaremos as seguintes definições:
Com profecia queremos dizer "predição". Reconhecemos que profecia bíblica é
um termo amplo, sendo a predição apenas um de seus elementos; entretanto, para
o propósito deste ensaio, focalizamos esse elemento preditivo.
Com profecia condicionai designamos as predições bíblicas cujo cumprimento é
dependente da ação ou da reaçào de seres humanos.
De forma semelhante, com profecia incondicional designamos as predições bíbli-
cas cujo cumprimento independe da ação ou da reaçào de seres humanos.
Os principais aspectos que confrontamos neste ensaio são:
1. Toda profecia é condicional?
2. Se não, que elementos podem ser identificados como característicos da pro-
fecia condicional.7
3. A condicionalidade contradiz a presciência e a soberania divina?
4. A apocalíptica modifica a condicionalidade?
5. Que ta rores teológicos influenciam na compreensão da profecia condicional?
6. A profecia condicional demanda seu próprio esquema único de interpretação?
184 Embora façamos referência aos escritos de Ellen G. White, este ensaio consi-
dera as informações bíblicas.
Prosseguiremos em cinco etapas. Em primeiro lugar, apontaremos a importân-
cia do assunto, principalmente dentro de um contexto adventista e contemporâ-
neo. Em segundo lugar, iremos rever e criticar brevemente os escritos adventistas
recentes que tratam do assunto. Em terceiro lugar, examinaremos as predições bí-
blicas em um esforço de classificá-las e assim fornecer mais clareza e compreensão
a respeito da natureza da profecia condicional. Em quarto lugar, consideraremos
de forma especifica a condicionalidade no que diz respeito à apocalíptica bíblica.
Em quinto lugar, refletiremos brevemente nos fatores teológicos que influenciam o
assunto. Assim, o estágio final nos conduzirá a conclusões que parecem justificadas
com base nos dados.
70 SEMANAS, LfiVlTICO E A NATUREZA DA PROKK LA

IMPORTÂNCIA DO ASSUNTO

Supondo que a Bíblia contenha profecia condicional, sua interpretação será


importante para todo cristão que leva a sério as Escrituras e procura ser guiado
por suas mensagens. Contudo, o tema da profecia condicional é de importância
singular aos adventistas do sétimo dia.
Os adventistas, como nosso próprio nome indica, se interessam profunda-
mente pela escatología (eventos finais da história humana). Cremos que Deus
suscitou esse povo para proclamar o retorno iminente de nosso Senhor. Como
resultado, desde os dias de nossos pioneiros temos estado alerta aos "sinais dos
tempos", visto que os eventos deste mundo podem ser compreendidos a partir da
profecia bíblica como precursores do segundo advento.
Durante o século 19, os adventistas e sua mensagem foram como uma voz no
deserto. Entretanto, cada vez mais cristãos evangélicos têm-se juntado a nós procla-
mando o tini de todas as coisas.1 Mas diferimos deles em nossa compreensão do ce-
nário que conduz à segunda vinda e até do próprio evento. Em particular, o papel
do Israel literal é entendido de forma bastante diferente. No cerne da dicotomia
nas interpretações, encontra-se a questão da profecia condicional.
Dentro de um contexto unicamente adventista do sétimo dia, a condicionalida-
1HS
de é também de importância contemporânea. Está em pauta a interpretação histó-
rica adventista das profecias de tempo de Daniel e de Apocalipse - os 2.300 dias, os
1.260 dias e as 70 semanas. Em vez de compreender cada um desses períodos como
tendo pontos de inicio e pontos de conclusão fixos, uma vez que marcam longos
períodos na história de acordo com a revelação divina dos eventos, alguns argu-
mentam que podem ser vistos sob o guarda-chuva da condicionalidade completa.
Esse ponto de vista torna tais profecias suscetívcis a múltiplos cumprimentos ou a
nenhum cumprimento, caso as condições alegadas não sejam satisfeitas. De forma
específica, a data de 1844 e seu papel na história da salvação são compreendidos de
maneira completamente diferente das opiniões dos pioneiros adventistas.2
As deliberações da Comissão de Revisão do Santuário em Glacier Vicw,
Colorado, enfatizam que o tema da profecia condicional é de extremo interesse
aos adventistas. Várias questões listadas para discussão pelos delegados focaram
esse tema. A declaração unânime que resultou da coleção "Christ in the He-
avenly Sanctuary" [Cristo no Santuário Celestial] também demandou estudo
constante desse tema específico. 1
CONDICIONAUDAPE NA PROFECIA UJBUCA COM Rht->:RÊNCIA ESPECIAL À APOCALÍPTICA

PROFECIA CONDICIONAL NOS ESCRITOS ADVENTISTAS RECENTES

As conferências norte-americanas de 1974 sobre a Bíblia tocaram rapidamente


no tema da profecia condicional em quatro de suas apresentações.4 Afirmou-se
que os adventistas sempre se apoiaram no princípio da profecia condicional. Além
disso, observou-se que o princípio da condicionalidadc tinha protegido a igreja de
determinar a proximidade do fim com base em eventos que afetaram a recém esta-
belecida nação de Israel. Entretanto, nenhuma das exposições exploraram realmen-
te a evidência bíblica para definir a natureza e a função da profecia condicional.
Provavelmente, a tentativa mais completa dos adventistas de explicar a natu-
reza da profecia condicional seja o artigo "The Role of Israel in Old Testamenr
Prophecy" [O papel de Israel na profecia do Antigo Testamento], no Sewnth-Day
Adventíst Biblc Commentary [Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia]. 5 Esse
artigo não assinado faz uma tentativa de interpretar as promessas divinas feitas ao
Israel antigo pelos profetas e declara com ousadia: "E um fato histórico inegável
que, até o momento, a maioria dessas predições não foi cumprida." 6
A explicação do Comentário é completa ao tratar da condicionalidade. Rejeitan-
do outras escolas de pensamento, declara: "Em geral, os adventistas do sétimo dia
acreditam que as promessas e as predições dadas por meio dos profetas do Antigo
Testamento originalmente se aplicavam ao Israel literal e se cumpririam contanto
que obedecessem a Deus e permanecessem leais a Ele. Mas as Escrituras registram
que ao invés disso, eles desobedeceram a Deus e lhe foram desleais. Como resulta-
do, o que Ele propôs fazer para o mundo por meio do antigo Israel, Ele realizará fi-
nalmente por nu-io de sua igreja na terra hoje, e muitas das promessas feitas original-
mente a Israel serão cumpridas com seu povo remanescente no fim dos tempos."7
O corpo do artigo desenvolve as cinco ideias desse princípio: Israel como o povo
escolhido de Deus, o ideal - como o plano seria desenvolvido, a falha de Israel em
realizar o plano de Deus, por que Israel falhou, e o Israel espiritual em substituição
ao Israel literal. Como conclusão, o artigo lista regras para o estudo de passagens
proféticas do Antigo Testamento. Ele dá quatro sugestões: a profecia deve ser exami-
nada em sua totalidade, de torma que seu significado ao povo de seu próprio tempo
possa ser determinado; os aspectos condicionais da predição devem ser verificados;
a aplicação da profecia feita por escritores inspirados posteriormente deve ser ob-
servada; e o significado de passagem - sua mensagem para hoje - deve ser buscado.
De longe, o aspecto mais fascinante desse artigo é sua descrição de "o que
poderia ter sido". Ele rerrata uma nação israelita obediente, mesmo após o Exílio,
o foco da atenção do mundo. Essa nação prepara o mundo inteiro para a vinda do
Messias. O Messias vem, morre, ressuscita. Jerusalém é o grande centro missioná-
rio para "irradiar a terra com a luz da verdade em um grande e final apelo àqueles
70 SKMANAS, Li ; vm<:o i- A NATI^I/A HA PROFHI/IA

que aiiula não aceitaram o convite da misericórdia divina"/ Após o apelo final,
aqueles que recusassem ser leais a Deus se uniriam para tomar Jerusalém, mas
Deus os destruiria, restando um mundo de pessoas obedientes a Yahweh.
Nesse contexto, não há segunda vinda. Nào há período milenial, nem nova
Jerusalém. O período de tempo concebido c curto: o primeiro advento é logo se-
guido pelo estabelecimento do reino eterno do Messias. Essa descrição do futuro
- "o que poderia ter sido" - torma a essência de todo o artigo. E o resultado da
aplicação rigorosa do princípio da condicionalidade.
Visto isso, é uma surpresa para o leitor encontrar bem no final do artigo a
inserção de uma sentença explanatória entre parênteses informando que algumas
profecias podem ser aplicadas exclusivamente ao nosso próprio tempo. A sen-
tença, em contraste direto ã tese do artigo, declara: "Essa regra não se aplica ás
partes do livro de Daniel onde se ordenou ao profeta que 'fechasse' e 'selasse', ou
a outras passagens cuja aplicação a Inspiração pode ter limitado exclusivamente a
nosso próprio tempo."1' Aparentemente, o principio da condicionalidade tem que
ser modificado em algum ponto!
Certamente, a crítica principal a ser levantada contra o artigo é que ele sim-
plificou demasiadamente a interpretação da profecia. Sua hermenêutica é muito
inflexível, muito especulativa.10 Assume uma ideia válida, mas a pressionou até o
ponto onde a tese já não era mais sustentável.
Vários outros artigos do Comentário merecem breve menção. No artigo
History of the Interpretation of Daniel11 [História da interpretação de Daniel), o
princípio da condicionalidade não figura de forma proeminente. Em conflito
com a tese do artigo anterior, lemos: "a mão determinante de Deus na história
e seu controle das questões do mundo", o "cronograma dos séculos". 12 A parte
"selada" de Daniel refere-se aos "últimos dias", e 1.260 anos reais da era cristã
são profetizados em Daniel 7."
Os comentários sobre Deuteronômio 18: l S14 sugerem quatro classes de predi-
ção: as que se relacionam à situação histórica imediata, exclusivamente ao Messias,
ao futuro remoto (a era cristã), ou de dupla aplicação. Essa discussão também toca
na questão da presciência de Deus. O verbete do Seventk-Day Acíventi.st Biblc Dictio-
nary [Dicionário Bíblico Adventista do Sétimo Dia| sobre "profeta" 1 '' dá sugestões
gerais para se interpretar a profecia bíblica.
Um documento preparado mais recentemente para consideração pela Co-
missão de Revisão do Santuário (1980) demonstra uma aplicação completa da
ideia da condicionalidade a toda profecia bíblica." 1 Embora o estudo envolves-
se diversos focos hermenêuticos, a condicionalidade desempenha um papel
principal. Ele se baseia no artigo do Comentário Bíblico AdVentísta sobre o (tapei
de Israel na profecia do Antigo Testamento, mas não isenta o livro de Daniel
- como faz ti artigo do Comentário. O Antigo e o Novo Testamento, profecia
CONDICIONA u PA pt NA PROFECIA BÍBLICA COM REFERÊNCIA ESPECIAL À APOCALÍPTICA

c a p o c a l í p t i c a , 1. ÍOO d i . t > e a M - y u n d a v i n d a - rodas a.s piv<Jiçoc> são i r a l . i


das de forma consistente sob a categoria da condicionalidade.
Não é nossa finalidade fazer uma critica extensa desse documento. Observa-
mos que o trabalho tem os méritos de uma consistência rigorosa, ao menos na
aplicação da condicionalidade como uma chave hermenêutica para se interpretar
a profecia bíblica. Porém, em nosso estudo, temos que fazer a pergunta que o es-
tudo não faz: a condicionalidade pode ser considerada em tão alta conta? Ela, de
fato, pode suportar o peso dos dados bíblicos?
Encerramos nossa breve pesquisa de escritos adventistas recentes pertinen-
tes ao nosso assunto, extraindo uma declaração de outro ensaio preparado pela
Comissão de Revisão do Santuário (1980). l7 "É essencial que não imponhamos
sobre a apocalíptica (profecia] o duplo cumprimento, o modelo dos dois focos
que se aplica às várias profecias da categoria da profecia geral. " l f í A profecia
geral, {designada às vezes como profecia clássica) está relacionada basicamente
com a época do próprio profeta e às vezes com o tempo do fim. Por outro lado,
a profecia apocalíptica vê a história como uma sequência de acontecimentos
que culmina nos eventos finais da terra. Embora o artigo citado não se refira
à profecia condicional especificamente, a diferença entre esses dois tipos de
profecia é importante a fim de se estabelecer uma hermenêutica sólida para
188 interpretar a profecia apocalíptica.
Várias conclusões emergem de nosso estudo da literatura adventista sobre in-
terpretação da profecia bíblica:
1. A condicionalidade como um princípio para se interpretar a profecia bíbli-
ca é base para a hermenêutica adventista.
2. Esse princípio nos distingue de outros cristãos quanto à interpretação da
profecia bíblica.
3. Embora os adventistas assumam a condicionnlidade em sua hermenêutica,
não há um desenvolvimento inteiramente satisfatório desse princípio.
4. A tentativa de aplicar rigorosamente o princípio da condicionalidade como
a chave para a profecia bíblica encontra dificuldades.
5. A relação da condicionalidade com a soberania e a presciência de Deus não
foi formulada completamente.
6. O impacto do tipo de profecia - geral ou apocalíptica - sobre a condiciona-
lidade não foi considerado.
Tendo como pano de fundo essas discussões, podemos desempenhar nossa
tarefa de forma mais perspicaz. Agora estamos prontos para uma compreensão
mais precisa da profecia condicional.
70 SI-.MANAS, LKVTTICO E A NATUREZA DA PROHÍCIA

CLASSIFICAÇÃO DAS PROFECIAS BÍBLICAS


Numa tentativa do esclarecer nossa compreensão da profecia condicional,
necessitamos primeiramente classificar as predições bíblicas. Deixando de lado a
apocalíptica bíblica por um momento, podemos, creio eu, discernir pelo menos
quatro grupos ou categorias:

As PREDIÇÕES PARA ISRAEL FEITAS NO CONTEXTO DA ALIANÇA

Provavelmente, a grande maioria das predições que se classificam como profe-


cia geral pertence a essa categoria. Os profetas do sétimo e oitavo século a.C. re-
preendem o povo de Israel por seus pecados, chamando-os de volta para Yabweh,
advertindo-os da iminente destruição devido a sua deslealdade à aliança.
O primeiro capítulo de [saías fornece uma ilustração clássica. Israel é acusa-
do perante Deus, que chama o céu e a terra por testemunhas (v. 2). A queixa de
Yahweh é a de que seu povo é culpado de flagrante estupidez. Embora Ele os tenha
alimentado ternamente, eles não demonstram a mínima gratidão de um boi ou
de um jumento (v. 2-3). Sua talha em viver segundo a aliança é demonstrada por
suas práticas antiétícas (v. 4, 15, 17, 21-23) e práticas religiosas que são meramente
formais (v. 11-14). Por causa dos pecados de Israel, a terra foi devastada (v. 5-9),
uma vez que Yahweh puniu a transgressão nacional. Contudo, não os eliminou
totalmente. Deixou um remanescente (v. 9). Agora, Ele os chama de volta para a
aliança: "Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor; ..." (v. 18). Por Yahweh ser um
Deus que mantém a aliança, que permanece fiel apesar da deslealdade da huma-
nidade e porque sua misericórdia (heseçD, amor e bondade estão no coração da
aliança, há esperança para Israel - perdão e restauração (v. 25-27).
Dessa forma, a história de Israel no Antigo Testamento exibe um padrão oscilante.
Prosperidade, apostasia, declínio, arrependimento, restauração - esse é o ciclo que en-
contramos em Juizes Reis, e Crónicas. O princípio que governa o padrão é: "Se quiser-
des e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas, se recusardes e fordes rebeldes,
sereis devorados à espada; porque a boca do Senhor o disse" (Is l: 19-20).
Portanto, é possível ver a história de Israel com seus vários infortúnios como
uma reflexão da verdade de DeuteronÔmio 28. Essa passagem mostra os dois ca-
minhos que se encontram diante da jovem nação: "se atentamente ouvires a voz
do Senhor, tendo o cuidado de guardar todos os Seus mandamentos que hoje te
ordeno, o Senhor, teu Deus, te exaltará sobre todas as nações da terra" (v. 1-14).
Se, entretanto, eles forem desleais às estipulações da aliança, as terríveis maldições
virão sobre eles, até que Israel seja um provérbio entre as nações (v. 15-68).
Vez após vez os profetas falam a uma nação pecadora com relação a bênçãos e
maldições. Porém, suas palavras devem ser consideradas profecia preditiva?
CONDICIONAM DAPE NA TROPEIA HJKLICA COM REFERÊNCIA ESPECIAL À APOCALÍPTICA

É evidente que o elemento da condicionalidade está presente: a resposta


do povo determina o resultado. Que as palavras são "profecia", no sentido de
uma mensagem de Yahweh, é também verdade - os profetas estão cientes da
inspiração divina, mas não devemos considerar tais mensagens uma profecia
preditiva no sentido de revelar um futuro de outro modo desconhecido. Em
vez disso, eles estão aplicando a "lei" da aliança, algo tão imutável quanto o
próprio Yahweh.
O elemento da predição aqui não é mais forte do que nesse paralelo do Novo
Testamento: "Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquan-
to não cré no nome do unigC-nito Filho de Deus" (Jo 3:18). Estamos lidando com
uma certeza, com o próprio plano de Deus para a humanidade, que é formulado
por Ele e não é passível de negociação.
Portanto, sugiro que consideremos as predições dessa primeira classe como
promessas ou ameaças da aliança em vez de "profecia condicional". |l) Fazer isso escla-
recerá imediatamente a base para um entendimento mais exato das profecias que
verdadeiramente descortinam o futuro. Além disso, eliminará do Antigo Testa-
mento uma grande parte do que tem sido designado "profecia não cumprida".

PREDIÇÕES DE CURTO PRAZO


190
Há muitas predições de curto prazo no Antigo Testamento que não estão
relacionadas às promessas/ameaças da aliança. Envolvem nações circunvizinhas e,
em alguns casos, indivíduos.
Embora Yahweh tenha feito aliança com uma nação - Israel - Ele ainda é
Senhor do mundo. Ele não condena a iniquidade entre seu povo especial apenas
para fazer de conta que não vê a iniquidade das nações circunvizinhas. Consequen-
temente, elas também são julgadas (por exemplo, Is 13-23; Jr 46-51; Ez 25-32; Am
1-2). Porém, as predições a respeito dos vizinhos de Israel não são tão bem detini-
das quanto à interpretação como as promessas e ameaças da aliança com Israel.
Devemos agora considerar a condicionalidade em conflito com a soberania divina.
O caso de Jonas fornece o exemplo mais claro de condicionalidade, como já
vimos. A mudança de conduta do povo conduz a uma mudança no plano divino
(3:9). O último versículo do livro enfatiza o caráter de Yahweh, que assegura a jus-
tiça e a misericórdia em tudo o que faz: "E não hei de eu ter compaixão da grande
cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem dis-
cernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais?" (4:11).
Yahweh não destrói por mero capricho. Embora os vizinhos de Israel não
façam parte da aliança, o Deus de toda a terra agirá de forma justa no que quer
que traga sobre eles. Podemos estar certos de que quando uma nação é destruí-
da, é devido fundamentalmente à sua flagrante iniquidade. 2 0
70 SKMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Mas o exemplo de Nínivc não é típico das profecias a respeito das nações. De
Lsaías a Malaquias não há nenhum outro exemplo de um profeta que seja envia-
do para transmitir pessoalmente palavras de destruição. 21 Não temos informações
quanto a se as nações ouviram as ameaças divinas ou se elas sempre ouviram falar
delas (talvez por meio de embaixadores ocasionalmente; cf. Is 21; Jr 27). A manei-
ra como encontramos essas terríveis predições é, com frequência, no contexto de
certeza divina: Yahweh determinou que a retribuição não pode se demorar.
Considere dois exemplos impressionantes cias predições de Isaías sobre as na-
ções. No capítulo 10, encontramos a dramática declaração: "Ai da Assíria, cetro da
minha ira! A vara em sua mão é o instrumento do meu furor" (v. 5). Aqui Assíria é
o instrumento apontado por Deus para castigar Israel. Mas a orgulhosa Assíria terá
um fim depois que o propósito divino for cumprido (v. 12-19). Com essa predição,
tomos além do condicional e estamos no campo da soberania divina.
O segundo exemplo é o de Ciro (44:28; 45:1-6). Aqui está um rei pagão cha-
mado pelo nome (v. 4) antes de seu nascimento, de modo que o plano de Yahweh
para restaurar Israel do cativeiro babilónico pudesse se cumprir. Essa é uma profe-
cia condicional? Não deve ser interpretada, em vez disso, com base na presciência
e soberania divina?
Não encontramos muitas predições de curto prazo no Novo Testamento, mas
há algumas. Ágaho prevê uma grande fome (At 11:28); os amigos de Paulo prevê- 191
em pelo Espírito as cadeias e tribulações que o aguardam em Jerusalém (At 20:23;
21:10-11). Entretanto, a predição em curto prazo mais significativa é a queda de
Jerusalém e a destruição do templo (Mt 24: Mc 13; Lc 21).
A condicionaliclade não é mencionada em nenhuma dessas predições. No caso
de Paulo, o único "se" está na decisão de ir ou não a Jerusalém. Não há nenhuma
sugestão de que a queda iminente de Jerusalém seja condicional. A pergunta é:
"quando sucederão estas coisas?" (Mt 24:3).
Portanto, é óbvio que ao interpretarmos predições de curto prazo fora do
contexto da aliança, não podemos considerar meramente o princípio da profecia
condicional. Certamente, a condicionalidade pocle, de fato, não ser um elemento
significativo na interpretação.

As PREDIÇÕES DE LONGO PRAZO

Nossas observações aqui são a respeito da profecia geral; consideraremos mais


tarde a questão da apocalíptica.
Concordamos com a observação de que a profecia geral focaliza a época do
profeta. 22 Porém, ás vezes, encontramos profecias de longo prazo - aquelas que
têm a ver com o tempo do fim. A expressão "o dia do Senhor" é um exemplo. Esse
termo denota o juízo de Deus sobre uma cidade ou nação: é o dia da retribuição,
quando a justiça já não pode ser adiada. Embora "o dia do Senhor" geralmente se
( A iMUClONALinApK NA PROFECIA Hlm.lCA COM REFERÊNCIA ESPECIAL Á APOCALÍPTICA

refira ao juízo iminente para a nação de Israel, pouco a pouco assume um aspecto
mais amplo. Em algumas profecias, indica o fim de todas as coisas, à medida que
a punição de Israel é estendida a uma escala cósmica (Jl 1 = 15, 2:1, 3:14; Is 2:2, 12;
34:8; Am 5:18-20; Ez 7:19; Sf 1:7, 14, 18; 2:2; 2Pe 3:7-12).
Está fora de cogitação o fato de algumas passagens sobre profecia geral
serem vistas como tendo aplicação dupla. Embora em seu contexto original
tivessem uma mensagem que se dirigia ao povo de Israel, aplicam-se também às
condições no fim da história humana, quando os juízos sobre Israel são retra-
tados num escopo m u n d i a l .
Não podemos usar um princípio de simples condicionalidade ao inter-
pretar tais profecias. A escatologia as leva para além das promessas/ameaças
da aliança. Se pudermos sustentar corretamente a posição de que tais ame-
aças ao Israel antigo eram condicionais, é certo que sua aplicação ao tempo
do fim não é condicional.
O Novo Testamento contém muitas predições aparentemente de longo
prazo. E difícil saber qual é a extensão do período concebido pelos escritores
do Novo Testamento, uma vez que o Novo Testamento contém um caráter
tão forte de Iminência.23 Essa pergunta também nos conduz às partes apoca-
lípticas do Novo Testamento - uma área que consideraremos brevemente.
192 Contudo, deixando de lado Marcos 13 (Mt 24; Lc 21) e Apocalipse, fica
claro que o Novo Testamento prediz situações que afetarão a igreja.
Por exemplo, o "homem da iniquidade" deve levantar-se antes da segunda vinda
(2Ts 2:3); deve haver uma "partida" (At 20:29-30); haverá "tempos difíceis" (2Tm
3:1-9); as perseguições aumentarão (l Pé 4:12). E o acontecimento supremo, o evento
de todos os eventos, é o retorno de Jesus nas nuvens (At 1:9-11 ;Jo 14:1-3; !Ts4:14-
18). Esse acontecimento permeia todo o Novo Testamento, não meramente suas
partes apocalípticas, impregnando sua mensagem com esperança e expectativa.
O princípio da condicionalidade não está evidente em nenhuma dessas predi-
ções de longo prazo. Essas profecias demonstram a presciência divina; assim sen-
do, são apresentadas como inevitáveis. Embora ninguém senão o Pai saiba a data
precisa da Parousia, o evento é fixo, completamente certo. Somente uma passagem
sugere a possibilidade de que esse dia possa ser adiantado, mas a passagem (2Pe
3:12) pode ser traduzida como "esperando e desejando sinceramente" em vez de
"esperando e apressando o Dia da vinda de Deus". (Contudo, os escritos de Ellen
G. Wh i te apoiam a ideia do tempo do segundo advento, mas não que a certeza de
sua ocorrência esteja sujeita à resposta humana).

As PREDIÇÕES DO PRIMEIRO ADVENTO DE CRISTO

Paulo escreveu aos Gaiatas: "Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus en-
viou Seu Filho,..." (4:4). O que suas palavras demonstram? Que a primeira vinda
70 SEMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

de Cristo, o Encarnado, não foi por acaso, mas segundo a sabedoria de Deus.
Muito embora seguidores sinceros de Deus tivessem esperado a vinda do Messias
por séculos, Deus rinha seu próprio tempo; e quando o tempo chegou, Ele veio.
Historiadores da igreja têm com frequência chamado a atenção para a maneira
como "o mundo" tinha sido preparado para o nascimento de Jesus; entretanto,
além disso, devemos reconhecer a atuação divina no plano da salvação.
A vinda do Messias, a semente de Abraão, por meio de quem todas
as nações da terra seriam abençoadas (Gn 12:3), é parte das promessas da
aliança feitas a Israel. Porém, ela transcende a aliança, uma vez que o Mes-
sias é prometido para todas as nações, não apenas para Israel. Nessa transcen-
dência, o princípio da condicionalidade que governa as promessas e as ameaças
da aliança é subjugado. A vinda do Messias foi adiada pelo fato de Israel não
ter preparado o mundo para recebê-lo? Não temos indiciei nenhum disso. Cer-
tamente, tal preparo conforme tinha sido feito foi fraco, mas o Messias veio. Ele
tinha que vir! Na plenitude dos tempos Deus o enviou.
Parece impossível aplicar o princípio da condicionalidade às profecias do
Messias. Que Ele viria da linhagem de Judá (Gn 49:10); que Ele seria filho
de Davi (Is 11:1); que Ele nasceria em Belém (Mq 5:2); e que Ele seria o
Salvador, o substituto para nossos pecados (Is 53) - como podemos falar de
"condicionalidade" nessas predições? Vez após vez, Mateus cita o Antigo Tes-
tamento com a fórmula: "para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor"
(1:22; 2:15, 17, 23; 4:14; 8:17, etc.). Até seu nome é dito a Maria antes de seu
nascimento (Mt 1:21) - certamente um microcosmo da ordem divina para
a primeira vinda do Messias! Além das profecias específicas que geralmente
rotulamos "messiânicas", todo o Antigo Testamento c direcionado a Ele. E
uma obra fundamentada na expectativa, movendo-se adiante e estreitando-se
até o celebrado nascimento no Novo Testamento. 24

CONCLUSÕES
As implicações dessa classificação das partes não-apoealipticas da profecia bí-
blica são profundas para o conceito da condicionalidade. A análise sugere que,
longe da condicionalidade ser um princípio que pudesse ser ou, de fato, devesse
ser, aplicado a todas as predições bíblicas, o próprio termo "profecia condicional"
é confuso em vista dos dados bíblicos. Certamente, a maior parte do que é cha-
mado de "condicionalidade" é, em vez disso, promessa ou ameaça no contexto da
aliança. Se tirarmos as predições que se referem à aliança com Israel, vemos que a
condicionalidade ocupa um lugar mínimo no texto bíblico.
Com esse panorama, devemos considerar especificamente as predições apoca-
lípticas das Escrituras.
CONDICIONAUDAPE NA PROl : Kc:iA UÍiíLICA COM REFERÊNCIA ESPECIAL A APOCALÍPTICA

CONDICIONALIDADE E APOCALÍPTICA

Apesar da avalanche literária dos eruditos e de conferências sobre a apo-


calíptica, n e n h u m a definição foi aceita. A apocalíptica como um género li-
terário é mais prontamente identificável, embora mesmo aqui necessitemos
considerá-la com cautela. Os escritos da apocalíptica em geral são caracteriza-
dos pela linguagem simbólica, descrições por meio de gráficos, cores, números
e segredos conhecidos apenas pelos estudiosos. Em termos de conteúdo, a
apocalíptica fala da radical separação das eras - do eclipse da era antiga e do
surgimento da nova.
Alguns eruditos enfatizam as características únicas da apocalíptica, procurando
distanciá-la das profecias gerais da Bíblia. Por outro lado, outros chamam atenção ao
caráter antigo da apocalíptica e minimizam suas diferenças com a profecia geral.
Neste ensaio, não assumimos que um desses pontos de vista seja contrário ao
outro, nem tentamos solucionar tal debate académico. No entanto, sustentamos
que as predições apocalípticas bíblicas são inspiradas pelo mesmo Espírito que
traz à tona todas as predições das Escrituras. Também sustentamos que o mesmo
Espírito guiará à verdade o pesquisador sincero em seu esforço para determinar
104 ° PaPc' *la condicionalidade na apocalíptica.
Quando começamos a examinar a apocalíptica bíblica, logo percebemos que
entramos em outra esfera. Apesar de a apocalíptica ter surgido em Israel ou na
Ásia menor, ela transpôs seus limites. Embora tenha primeiramente uma men-
sagem de Deus a uma nação no cativeiro (Daniel) ou às igrejas sob perseguição
(Apocalipse), transcende o contexto imediato em que foi dada. A apocalíptica
tem um escopo cósmico, e flui na sequência dos acontecimentos da história mun-
dial para focalizar o tempo do fim.
Obviamente, não podemos examinar todas as passagens proféticas da Bíblia nes-
te ensaio. Em vez disso, tocaremos nossa atenção nos principais livros apocalípticos
do Antigo Testamento - Daniel e Zacarias, e na literatura mais proeminente do Novo
Testamento - Mateus 24/Marcos 13/Lucas 21 e Apocalipse. Nosso interesse é uma
única questão: qual o papel da condicionalidade nessas predições proféticas?

DANIEL
Quando comparamos as profecias das nações em Daniel 2, 7, e 8 com as de
Isaías, Jeremias ou Ezequicl, observamos um contraste marcante. Em Daniel, o
lugar de Israel retrocedeu, assim como o elemento das ameaças. Em vez disso,
contemplamos um panorama, uma marcha dos reinos que conduz ao eschaton
(fim dos tempos). Tornamo-nos espectadores dos eventos no palco m u n d i a l ;
vemos a presciência divina revelar o curso do futuro.
70 SI ; MANAS, LKVÍTICO R A NATURIÍZA PA PROFECIA

Eis as perspectivas que governam a apresentação de Daniel:

2:20-22 "Disse Daniel: Seja bendito o nome de Deus, de eternidade a eter-


nidade, porque dele é a sabedoria e o poder; é ele quem muda o
tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; ele dá sabedoria
aos sábios e entendimento aos inteligentes. Ele revela o profundo e
o escondido; conhece o que está nas trevas, e com ele mora a luz."
2:28 "Mas há um Deus no céu, o qual revela os mistérios, pois fez saber
ao reis Nabucodonosor o que há de ser nos últimos dias."
2:29 "Aquele, pois, que revela mistérios, te revelou o que há de ser."
2:45 "Certo é o sonho, e fiel, a sua interpretação."
2:47 "Certamente o vosso Deus é o Deus dos deuses, e o Senhor dos
reis, e o revelador de mistérios."
4: M-35 "E glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é sempiter-
no, e cujo reino é de geração em geração. Todos os moradores da
terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade,
ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há
quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes.'"
5:21 "Deus, o Altíssimo, tem domínio sobre o reino dos homens e a
quem quer constituiu sobre ele."

Essas perspectivas cenrram-se na soberania e presciência divina. Nessa apre-


sentação, o lado humano da história, retratado no fluxo e refluxo das fortu-
nas da povo de Deus, é reunido no conceito de Yahweh como o Senhor da
historia. Procuramos em vão pelo elemento da condícionalidade.
Assim temos os longos períodos de tempo proféticos colocados diante
de nós. De acordo com o espaço panorâmico da história em que são dados,
devem ser longos. Temos os 1.260 dias para o reino do poder blasfemo do
"chifre pequeno" (7:25) e os 2.300 dias até que o santuário seja vindicado,
depois do obra perversa do "chifre pequeno" (8:14). Dado o contexto, essas
predições de tempo não podem ser literais.'" 1
Visto que nossos estudos da profecia geral mostraram a importância de
se identificar todos os contextos da aliança, precisamos atentar para esse
aspecto no livro de Daniel. De fato, a ideia da aliança ocorre em duas linhas
proféticas - capitulo 9 e capítulo 11. Essas ocorrências sugerem que a condi-
cionalidade é "um plano não revelado" do livro?
De modo algum. Antes de mais nada, precisamos distinguir claramen-
te entre as próprias esperanças e compreensão de Daniel e a revelação do
futuro que Yahweh, o Senhor da história, lhe comunicou. Daniel, embora
notável na vida pública, é um cativo - junto com seu povo. Jerusalém está
CONDIClONALIDApK NA PROFECIA BÍBLICA COM REFERÊNCIA ESPECIAL A APOCALÍPTICA

no exílio; o santuário está desolado. Devido a essa situação, Daniel ota pela
restauração de seu povo, sua cidade, seu santuário (9:1-19). Sua oração é
baseada na aliança; as desolações aconteceram como cumprimento das ame-
aças "como está escrito na Lei.de Moisés" (9:13); do mesmo modo, essa lei
fornece a esperança da misericórdia de Yahweh.
Mas as predições dadas a Daniel excederam em grande medida a história de
Israel. Certamente, Daniel não poderia compreender a visão do capítulo 8, com
suas referências ao santuário (8:27). Do mesmo modo, a resposta a sua oração
foi além da restauração da cidade e do templo, até o Messias (9:24-27).
Israel e a aliança são mencionados também na profecia do capítulo 11
(11:22, 28, 30-35). Pode ser significativo que, como em 9:24-27, a natureza
apocalíptica do capitulo 11 seja muito menos evidente do que nos capítulos
2, 7 e 8. Contudo, mesmo se incluirmos o capítulo I I sob a apocalíptica, duas
observações são válidas:
1. As adversidadea de Israel são tratadas de uma forma relativamente secundá-
ria - a preocupação é com o conflito entre "o rei do norte" e "o rei do sul".
2. Não encontramos nenhum indício de condicionalidade - de fato, a própria
natureza da profecia, detalhada e ligada por muitas gerações, depõe fortemente
contra a condicionalidade como um fator na interpretação.
1%
ZACARIAS
O livro de Zacarias está dentre os mais obscuros das Escrituras. Embora,
como Daniel, contenha apocalíptica, não atraiu o estudo cuidadoso de eruditos
adventistas. Com essa observação, não estamos necessariamente criticando os
eruditos adventistas. Os documentos apocalípticos por si mesmos não são de
igual valor para nós.
As partes de Zacarias que podem ser interpretadas como apocalípticas são os
capítulos 1-6 e 9-14. Há controvérsias quanto a se os primeiros seis capítulos são
apocalípticos, dependendo da definição que se tenha de apocalíptica. Entretanto,
são bastante simbólicos e, para fins de complctude, os incluiremos neste ensaio.
Os capítulos 9-14 parecem claramente apocalípticos.
Zacarias, como Ageu, foi um profeta aos judeus que retornaram do exílio. Os
dois mensageiros de Yahweh furam instrumentos para motivar os judeus a recons-
truírem o templo (veja Ed 6:14). Zacarias l -6 reflete esses interesses nacionais. Por
meio de uma série de visões, Yahweh revelou sua preocupação por Jerusalém (cap.
l), a reconstrução da cidade (cap. 2), a aceitação de Josué como sumo sacerdote
(cap. 3), a certeza do êxito dos esforços do povo (cap. 4), a remoção do pecado da
comunidade restaurada (cap. 5), e a direção de Deus (cap. 6).
Esses capítulos mostram um elemento condicional. As primeiras palavras do
profeta são: "O Senhor se irou em extremo contra vossos país. Portanto, dize-lhes:
70 SEMANAS, LEVJTICO E A NATUREZA HA PROR-X :IA

Assim diz o Senhor dos Exércitos: 'Tornai-vos para mim, diz o Senhor dos Exérci-
tos, e eu me tornarei para vós outros, diz o Senhor dos Exércitos. Não sejais como
vossos pais, a quem clamavam os primeiros profetas, dizendo: Assim diz o Senhor
dos Exércitos: Convertei-vos, agora, dos vossos maus caminhos e das vossas más
obras; mas não ouviram, nem me atenderam, diz o Senhor'" (Zc 1:2-4).
Mas isso não é condicionalidade com respeito a predições de longo pra-
zo. Em vez disso, o contexto é da aliança feita com o povo de Israel. Isto é,
Zacarias 1-6, sejam apocalípticos ou não, são da mesma ordem que a primei-
ra categoria na classificação da profecia geral.
Embora Zacarias 9-14 esteja além dos interesses imediatos do profeta
e de seu povo, as visões ainda têm a ver com a aliança. "Quanto a ti, ...,
por causa do sangue da tua aliança, tirei os teus cativos da cova em que
não havia água", promete Yahweh a Israel (9:11). A ira de Deus cairá sobre
os inimigos de Israel (9:1-8), principalmente quando se reunirem contra
Jerusalém em batalha (14:2-3). Embora Israel vá sofrer, Deus a libertará:
"Fortalecerei a casa de Judá, e salvarei a casa de José" (10:6).
Assim, nesses capítulos, parece incontestável que (1) existe a apocalíptica,
e (2) o centro das predições é Israel (veja, por exemplo, 14:16, aqueles que
sobrevivem à grande baralha contra Jerusalém celebram a Festa dos Taberná-
culos). Esses capítulos pertencem, dentre outras profecias cio Antigo Testa- 197
mento a Israel, às profecias que não se cumpriram porque a nação recusou a
andar dentro das estipulações da aliança.
Assim, os capítulos 1-6 e 9-14 são condicionais, visto que a aliança é
condicional à resposta humana. Embora essas profecias possam ser vistas
como apocalípticas em sua forma, a aliança tem prioridade. A apocalíptica
pode ser meramente um veículo por meio do qual as promessas e as ameaças
da aliança com Israel são retratadas.

MATEUS 24/MARCOS 13/LuCAs 21


Com a predição sobre nosso Senhor, deixamos para trás Israel e a aliança.
Precisamos perguntar apenas isso: sua profecia aponta para a condicionalidade?
Não. Em vez de condições, encontramos sinais - uma série de sinais a fim
de proclamar o grande retorno. O último é a pregação do evangelho a todo o
mundo (Mt 24:14).
O príncipe dos profetas é quem fala aqui; fala não com base em circunstân-
cias humanas que devem ser satisfeitas, mas em eventos que profetizam infali-
velmente sua vinda.
CONDICIONALIDApE NA PROFECIA RÍIU.1CA COM REFERÊNCIA ESPECIAL A APOCALÍPTICA

APOCALIPSE
O livro de Apocalipse é semelhante ao de Daniel. A João é dito que escreva:
"as coisas que viste, e as que são, e as que kào de acontecer [não que podem acon-
tecer) depois destas" (1:19, ênfase do autor). Ele vê as lutas do povo de Deus, a
cena final do juízo (cap. 5, 20), um povo remanescente que permanece fiel e leal a
Deus - aqueles que "guardam os mandamentos de Deus e a f é em Jesus" (14:12).
Quando a ordem mundial chegar a um fim no último intento dos aliados do mal
e na intervenção divina da punição, o povo de Deus permanecerá seguro. Além
do caos, após os acontecimentos do pesadelo que precede o segundo advento,
surge finalmente "o novo céu e a nova terra", onde reina a justiça.
Então, a grande controvérsia, o conflito entre Cristo e Satanás, chega a seu
fim pela vontade de Deus. Seu fim é tão certo quanto o domínio de Deus sobre
o tempo e o espaço.

CONCLUSÃO
Consequentemente, concluímos que, exceto naquelas passagens onde a alian-
ça com Israel é o interesse principal, as predições apocalípticas, sejam no Novo
Testamento ou no Antigo Testamento, não dependem da condicionalidade. An-
tes, a soberania e a presciência divina são as perspectivas principais.
Durante o curso de nosso estudo sobre profecia geral e apocalíptica, obser-
vamos os vários aspectos teológicos que influenciam na interpretação. Devemos
agora considerá-los brevemente.

ASPECTOS TEOLÓGICOS QUE AFETAM A INTERPRETAÇÃO

Quatro questões teológicas relevantes à profecia condicional suscitam discus-


são: liberdade humana, soberania divina, a palavra de Deus, e presciência divina.

LIBERDADE HUMANA
A força do principio da condicionalidade está em seu reconhecimento dessa
verdade bíblica. O Deus da Bíblia, embora Criador e Senhor de tudo, é amor. Ele
busca a obediência de corações amorosos - corações unidos a Ele numa relação
de aliança. A fim de tornar a liberdade humana uma realidade, não meramente
ficção, limita sua própria liberdade.
A liberdade humana não é absoluta. Homens e mulheres são criaturas,
dependentes de Yahweh mesmo quando ostentam sua liberdade em desobe-
diência. Contudo, Deus não coage; Ele concedeu a habilidade de escolher ou
rejeitar - até a Ele próprio.
70 SI-MA\-\>, I.I-:VÍTU:O H A NATUREZA HA PROFECIA

A liberdade humana está em jogo nas circunstâncias onde os profetas trazem


mensagens de correção e instrução. E o centro das promessas e ameaças a Israel.
Encontra-se, às vezes, no cerne de uma predição a uma nação estrangeira, como
no exemplo da profecia de Jonas contra Nínive.
A liberdade humana está fundamentada no caráter imutável de Yahweh. A
liberdade humana significa que o homem pode mudar, à medida que a livre
escolha é exercitada. A mudança afeta o relacionamento com Yahweh, trazendo
bênção ou maldição. Entretanto, Yahweh não muda: 26 seu caráter é santo, seu
ódio pelo pecado é constante, sua misericórdia longànima ã medida que a liber-
dade humana é exercitada.

SOBERANIA DIVINA
Embora o amor de Yahweh torne a liberdade humana uma realidade, Ele per-
manece soberano.27 Em toda a Bíblia, a liberdade humana aparece dentro desse
conceito abrangente: Deus é o centro da Bíblia, não o homem. Assim, há limites
que somente Yahweh conhece. Indivíduos, cidades, nações passam além do pon-
to invisível, silente; seu período de teste termina. Yahweh destrói o mundo com
o Dilúvio; envia o Messias "na plenitude cios tempos"; Ele finalmente declara:
"Está consumado!" sobre o drama das eras (Ap 16:17). 199
Em toda a história humana, aparentemente casual, nações levantam-se e
caem, sujeitas ao tempo, ao acaso e à mudança. Essa é a perspectiva h u m a n a ,
míope. Mas a Bíblia (e Ellen G. Whíte) mostra Deus no controle, dirigindo os
acontecimentos na terra, levando a cabo seus propósitos em direcão a um fim
beneficente. Ele é o que "remove reis e estabelece reis...", "o Altíssimo tem
domínio sobre o reinei dos homens e o dá a quem quer" (Dn 2:21; 4:32).
E interessante que Ellen G. White escreva, às vezes, com relação à sobe-
rania divina em vez de à liberdade h u m a n a . "Mas, como as estrelas no vasto
circuito de sua indicada órbita, os desígnios de Deus não conhecem adianta-
mento nem tardança." 21
Como resultado, numa filosofia bíblica cia história, a liberdade humana está
em conflito com a soberania divina. Negar a primeira é tornar a história determi-
nista; repudiar a última ê considerá-la caótica, incerta e sem sentido.29

A PALAVRA DE DEUS

Quando Deus fala, Sua vontade é cumprida. Sua palavra carrega consigo auto-
ridade c poder: cria um mundo do caos (Gn 1:5-27; SI 33:6, 9), traz o Dilúvio (Gn
6:3, 7, 13-21), salva uma nação da escravidão (Ex 3:7-10), divide o mar vermelho
(Ex 14: l S-18). Essa é uma ideia bíblica importante, principalmente no Antigo Tes-
tamento. Os adventistas não lhe deram a devida atenção.
CONPIUONALIDAPE NA PROFECIA HtlU.lt^ COM REFERÊNCIA ESPECIAL À APOCALÍPTICA

A palavra de Deus é d i n â m i c a . Pelo fato de vir de Deus, é capaz de cum-


prir o que proclama. É por isso que lemos, "porque, assim como descem a
chuva e a neve dos céus e para lá não tornam, sem que primeiro recuem a
terra, e a fecundem, e a façam brotar, para dar semente ao semeador e pão
ao que come, assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para
mini vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a desig-
nei" (Is 55:10-11).
A palavra de Deus não revoga a liberdade humana. Não anula a compaixão
de Yahweh, sua disposição em aceitar que voltem a Ele. Assim, os profetas acres-
centam: "quem sabe se...?", uma frase de esperança as mensagens do Senhor a
uma pessoa teimosa, rebelde.
Embora a palavra de Deus não negue a liberdade humana, é clara no sentido da sobe-
rania divina. E a certeza dinâmica o fator que garante que Yahweh fará o que predisse.

PRESCIÊNCIA DIVINA
A declaração bíblica é específica c impressionante: Yahweh conhece o futuro. Essa
habilidade o distingue de todas as outras divindades: "Trazei e anuncia-nos as coisas
que hão de acontecer; relatai-nos as profecias anteriores, para que atentemos para
.,,,-, elas e saibamos se se cumpriram; ou fazei-nos ouvir as coisas futuras. Anuncia-nos as
coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois deuses; fazei bem ou fazei mal,
para que nos assombremos, e juntamente o veremos" (Is 41:22-23; veja também 43:9;
44:7-8; 45:21; 46:9-11; 48:5; Ap 1:19).
A liberdade humana e a soberania divina estão em conflito; a presciência divina
é um terceiro termo, diferente desses dois. Não nega a liberdade. Prevê escolhas;10
não as determina. E pressupõe a soberania divina.11 Consequentemente, a liberdade
humana nunca deve estar separada da soberania divina; e ambas devem reconhecer
sua presciência.

CONCLUSÕES

1. A condicionalidade é um princípio válido de interpretação bíblica. Ela sur-


ge de uma devida consideração do interesse pela liberdade humana que permeia
os relatos bíblicos das atividades divinas com relação à raça humana.
2. Entretanto, a condicionalidade não pode ser usada de forma indiscrimina-
da na interpretação profética. Assim como a liberdade humana está em conflito
com a soberania divina nas Escrituras, da mesma forma a condicionalidade deve
abrir caminho às predições fixas de Deus em muitas passagens proféticas. Nem
todas as predições bíblicas são condicionais.
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROR;UA

3. As profecias feitas a Israel relacionadas á aliança são condicionais. São apli-


cações da lei da aliança em vez de profecias preditivas por si mesmas. Elas são a
ocorrência comum de predições condicionais na Bíblia. 12
4. Uma vez que a condicionalidade é encontrada com mais frequência com
relação à aliança, o termo "profecia condicional" é falacioso.
5. Nas profecias do primeiro e segundo advento, a condicionalidade não é
um fator importante. Essas predições são feitas a respeito da intervenção divina
na história ã medida que Deus afirma sua soberania para efetuar sua vontade ao
executar seu plano da salvação."
6. As predições apocalípticas são geralmente incondicionais. A condicionalida-
de está presente somente onde predomina o contexto da aliança com Israel. Em ou-
tros casos, a soberania e a presciência divina retratam a história em grande escala.
7. Portanto, é vital que toda a profecia bíblica seja interpretada com cautela.
De modo nenhum excluímos a condicionalidade; simplesmente sugerimos que
não podemos empregá-la como a chave para interpretação sem a devida considera-
ção. Devemos primeiramente estudar com atenção o contexto original, observan-
do o tipo de literatura (Ela é profecia geral ou apocalíptica? Ela se enquadra nas
promessas e ameaças da aliança?)- Finalmente, devemos ver que tipo de aplicação,
se ê que há alguma, outro autor inspirado faz da profecia.
Assim, por meio de pesquisa (e por meio de uma verdadeira compreensão da 201
história), podemos seguir o rumo entre a cruz da extrema condicionalidade e a es-
pada da incondicionalidade. A Palavra de Deus não é misteriosa nem obscura. Ela
revelará suas verdades aqueles que sinceramente buscam conhecer sua vontade.
Por outro lado, devemos empregar princípios sólidos de interpretação, evitando
as armadilhas do subjetivismo, simplificação demasiada ou sensacionalismo. O
n u n l o ( u n i u inttTpivramn.s ,1 1'aLivra Já \ v i x h u K - i i n p l u ,i na torma cnmu
mos suas mensagens para nós.
CAPÍTULO 9

QjMPRIMENTOS DE PROFECIA
Gerhard F. Hasel

S inopse editorial. As predições compreendem aproximadamente 27 por cento


do conteúdo da Bíblia. Essa porcentagem inclui predições tipológicas, bem
como profecias diretas.
Neste capítulo, o autor analisa a natureza ou as características dos cumprimentos
proféticos. Por exemplo, o escritor da Bíblia diz: "para que se cumprisse o que o Se-
nhor falara por intermédio de seu servo", ou, isso aconteceu "conforme a palavra do
Senhor", ou uma frase semelhante. Por outro lado, muitos cumprimentos são relata-
dos na Bíblia sem tais declarações. Cumprimentos que apresentam essas declarações
conforme registrados no Antigo Testamento revelam as seguintes características:
1. Ênfase no fato de que o acontecimento cm particular se deu "conforme a
palavra do Senhor". A predição não falhou nem "caiu por terra".
2. As predições são cumpridas na história real e precisamente de acordo com
os detalhes da profecia.
3. O lapso de tempo entre a predição e o cumprimento varia. Algumas predi-
ções têm cumprimento imediato, outras, dentai de alguns anos, e ainda outras se
cumprem décadas ou séculos mais tarde.
4. Toda predição dessa categoria analisada tem um cumprimento definitivo.
No Novo Testamento, o Evangelho de Mateus contém 12 declarações de cum-
primento que esclarecem um pouco mais a natureza dos cumprimentos proféticos.
Essas declarações se identificam com três tipos de profecia geral:
1. Profecia díreta. Miqueias predisse que o nascimento do Messias ocorreria
cm uma cidade específica: Belém de Judá. (Havia duas cidades com esse nome -
uma em Judá e outra em Zebulom. Js 19:15). Mateus registra o cumprimento exato
do nascimento de Jesus em Belém da Judeia (Mt 2:1-6).
2. Profecia Tipológica. Mateus vê o cumprimento da declaração de Oseias:
"do Egito chamei meu filho" (Os 11:1) no retorno de Jesus ã Palestina do Egito
com seus pais (Mt 2:14-15). Isso é melhor compreendido como uma apologia
Israel-Messias. O Messias incorpora o Israel ideal. Mateus vê sob inspiração uma
correspondência tipológica e um elemento preditivo no tipo - a saída do filho de
Deus, Israel, do Egito; a saída do filho de Deus, o Messias, do Egito.
3. Profecia dupla. Algumas profecias parecem ter um cumprimento duplo.
A profecia de Isaias de uma virgem dando à luz um filho é um exemplo (Is 7:14).
CUMPRIMENTOS DE PROFECIA

De início, pode parecer que há alguma influência modificadora nas várias pro-
fecias e em seus cumprimentos analisados sob o ponto 4 observado acima até
onde se diz respeito ao Antigo Testamento. Entretanto, cumprimentos genuínos
de uma profecia que pretende ter um cumprimento duplo não são determinados
pela imaginação subjetiva do intérprete.
Um cumprimento duplo pode ser identificado apenas se as Escrituras exigem
um cumprimento inicial e parcial e mais tarde indicam claramente um cumpri-
mento final e completo. No exemplo da profecia de Isaías, o contexto histórico
e contemporâneo requerem um cumprimento na época do rei Acaz e do profeta
Isaías. Mas a posterior declaração inspirada de Mateus indica um cumprimento
final e completo no nascimento de Jesus Cristo por uma virgem (Mr 1:22-23).
Joel 2:28-32 pode também ser citado como uma profecia do Antigo Tes-
tamento de duplo cumprimento. Deus prometeu a chuva têmpora e a serôdia
sobre a terra devastada da penitente nação de Israel (]\ 2:11-12, 23-27). Como
um correspondente espiritual das chuvas, o Espírito Santo também foi prome-
tido para algum momento no futuro (2:28-32). O apóstolo Pedro reconheceu
a notável operação do Espírito Santo no Pentecostes como o cumprimento da
predição de Joel (At 2:16). Entretanto, os dados na profecia original que se
referem a determinados prodígios no céu que ocorreriam antes do "grande e
204 terrível Dia do Senhor", bem como o conceito bíblico da chuva serôdia e do fim
d n colheita indicam claramente um cumprimento futuro, mais completo, da
profecia original (Jl 2:30-31; Ag 2:19-20).
Assim, é evidente que um cumprimento duplo é determinado pelas Escrituras. Es-
pecificações contextuais devem ser satisfeitas, ou estar presente uma clara designação
inspirada do cumprimento. Tais profecias não fornecem base para especulação sobre
possíveis cumprimentos múltiplos em profecias gerais/clássicas ou apocalípticas.
Profecia apocalíptica. A profecia apocalíptica, tais como as que compõem os
livros de Daniel e Apocalipse, representa outra classe de material preditivo que
difere da profecia geral/clássica debatida pelo autor até aqui. Ao se identificar
cumprimentos genuínos da profecia apocalíptica, deve-se manter em mente os
seguintes princípios:
1. O contexto é um guia prudente e indispensável. Cada aspecto dentro da
profecia deve ser pesado e avaliado com cuidado.
2. Deve-se esperar um cumprimento literal, a menos que haja uma evidencia
inspirada de que ele deve ser não-literal.
3. Cada detalhe deve ser satisfeito no cumprimento. Se apenas algumas espe-
cificações forem satisfeitas, mas não outras, não é um cumprimento genuíno; nem
pode ser um cumprimento genuíno se não satisfizer todos os detalhes da profecia.
Todos os aspectos de uma profecia apocalíptica devem ser satisfeitos a fim de se
ter um cumprimento verdadeiro.
70 SIÍMANAS, LnviTic;o E A NATURHZA DA PROFECIA

4. Profecias apocalípticas não têm cumprimentos duplos ou múltiplos. Pelo


contrário, cada símbolo tem apenas um cumprimento. Por exemplo, no livro de
Daniel cada metal e cada animal tem somente um cumprimento. Os chifres em
Daniel 7, os chifres em Daniel 8, têm apenas um cumprimento. Cumprimentos
duplos podem estar presentes em algumas predições proféticas gerais/clássicas
onde indicações do contexto deixam isso claro e os detalhes das especificações são
satisfeitos em cada caso. Mas a profecia apocalíptica, como as do livro de Daniel e
Apocalipse, tem apenas um cumprimento para cada símbolo.

ESBOÇO DO CAPÍTULO

1. Introdução
2. Predições com declarações de cumprimento
3. Predições com declarações de cumprimento no Antigo Testamento
4. Predições com declarações de cumprimento no Novo Testamento
5. Cumprimento da profecia apocalíptica
6. Conclusões
205

INTRODUÇÃO

Levantar a questão sobre cumprimentos proféticos é suscitar uma pergunta


sobre a natureza da profecia.' Hoje, no emprego popular, "profecia" significa
mais ou menos "predição do futuro". Assim, "profecia" é história escrita de
antemão. Esse ponto de vista tem sido questionado de forma vigorosa não so-
mente na crítica moderna, mas também o foi antigamente.
Até onde se sabe, o primeiro a desafiar a predição e o cumprimento foi
Celso, autor da primeira crítica religiosa e filosófica ao cristianismo de que se
tem conhecimento (cerca de 180 d.C.).2 Ele atacou a opinião de que os profetas
bíblicos tinham predito verdadeiramente o futuro. Ele não podia conceber que
as predições detalhadas no livro de Daniel sobre Alexandre, o grande, e seus
sucessores podiam ter sido feitas de antemão. Assim, Celso declarou que essas
predições estavam baseadas num conhecimento posterior do que aconteceu re-
almente; isto é, eram profecias escritas depois que os eventos haviam ocorrido
(vatidnia ex eventu).
Pouco tempo depois, o filósofo neoplatõnico Porfirio (232 d.C. a cerca de
305 d.C.) devotou 12 volumes de sua obra monumental de 15 volumes Contra
os Crístãas ao livro de Daniel. Porfirio negou "que ela [a profecia de Daniel] foi
CUMPRIMENTOS DE PROFECIA

escrita pela pessoa a quem é atribuída em seu título, mas sim por alguém que
viveu na Judeía na época do Antíoco que tinha por sobrenome Epifânio."'
O pai da igreja Jerônimo (cerca de 345-419 d.C.) observa em sua refutação
a Porfirio que este reconheceu a exatidão das predições no livro de Daniel a res-
peito dos quatro impérios e da vinda de Cristo. Jerônimo declara que Porfirio
viu "que todas essas coisas tinham se cumprido e não podia negar que tinham
acontecido". Ele tentou superar essa exatidão histórica "contendendo que o
que quer que tenha sido predito... cumpriu-se de fato no reinado de Antíoco
Epifânio [175-164 a.C.],..."4 Essa impressionante veracidade do cumprimento
das predições de Daniel tem permanecido como uma pedra de tropeço também
nos tempos modernos.
Foi durante a era do Iluminismo (século 18) que os deístas e outros adotaram
as opiniões desses oponentes pagãos do cristianismo. s O erudito inglês Anthony
Collins popularizou as opiniões de Porfirio para a escola crítica bíblica (1727).
Seu endosso incluía a natureza vaticínio, ex eventu ("escrito depois de o evento ter
acontecido") do livro de Daniel 6 e sua dedução de que essa obra era uma fraude
do segundo século.7
A crítica de Collins sobre o cumprimento da profecia8 foi decisiva para a
mente racionalista, assim como sua posição sobre a época posterior da autoria
206 Jo livro de Daniel. A escola liberal moderna não tem uma opinião melhor a esse
respeito.9 Essas ligações com o passado são importantes para uma compreensão
da atmosfera intelectual do período moderno ao qual a escola atual é devedora.
Não é nosso propósito traçar a história das criticas à capacidade dos profe-
tas bíblicos de predizer o futuro. Destacamos apenas algumas. Uma afirmação
estranha é que as predições foram cumpridas de forma intencional por pessoas
que as conheciam. Assim, afirmou-se, por exemplo, que Jesus planejou inten-
cionalmente sua vida, sofrimentos e morte de acordo com as predições messi-
ânicas do Antigo Testamento para aparentar ser o Messias predito, como cria
que era.10 Porém, é evidente que houve muitos cumprimentos no começo e no
final da vida de Jesus para os quais estava além de seu controle arranjá-los de
modo a cumprirem a profecia do Antigo Testamento.
Um axiom.ii de determinados ramos do estudo crítico-histórico moderno da pro-
fecia do Antigo Testamento é o de que a profecia e a predição não são idênticas."
Isso significa que o profeta não é de fato alguém que prediz eventos que irão ocorrer
no futuro. Esse é supostamente o caso da apocalíptica dos livros de Daniel e Apo-
calipse.12 De acordo com esse ponto de vista, o papel essencial dos profetas clássicos
(maiores e mentires) era o de .serem arautos da vontade divina, cuja proclamação se
dirigia ao povo de seu próprio tempo e não de um futuro próximo ou distante.11
A distinção entre profetas como "arautos" e não "videntes", como proclamado-
res e não como preditores, "é agora frequentemente rejeitada como superficial". 14
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA PA PROFECIA

Observa-se que "embora o elemento preditivo na apocalíptica seja muito maior


do que na profecia clássica, várias predições são encontradas também nas palavras
[escritos] dos profetas maiores".1*
Isso não significa que a questão da predição de longo alcance seja reconhecida
de forma muito ampla na escola liberal moderna. Enquanto que no liberalismo
mais antigo o profeta bíblico é visto como um "arauto" ou pregador para seu
próprio tempo e circunstancia, o novo liberalismo permite a predição de curto
alcance no tempo do profeta. Um princípio útil é: "Uma profecia é anterior ao
que prediz, mas contemporânea ou posterior ao que pressupõe.""
Esse princípio trabalha com base na pressuposição de que o profeta do Antigo
Testamento pode predizer somente para seu próprio tempo e circunstância com
base em suas percepções humanas, mas não pode predizer para uma época poste-
rior à sua própria. Isso, por exemplo, vai contra a profecia sobre Ciro (Is 44:28;
45:1), que "pressupõe que Israel está no exílio, que Jerusalém está em ruínas, e
que o homem mais importante no horizonte nesse momento é Ciro".17 Portanto,
o autor dessas predições deve viver naquela época.1" Ele não pode ser o Isaías de
Jerusalém, que ministra por seis décadas (740/39 a cerca de 680 a.C.), aproxima-
damente 150 anos antes de Ciro.
De fato, alguns ainda sugerem que essas predições de um profeta desconheci-
do (chamado geralmente de Deutero-Isaías) foram escritas depois de o evento ter 207
ocorrido (ex eventu).19 Assim, não há nem mesmo profecias de curto alcance feitas
aproximadamente 150 anos antes do cumprimento. 20 Obviamente, as perspectivas
filosóficas e teológicas de cada erudito estão em jogo aqui. Como disse um erudito
tempos atrás: "ninguém que acredite num Deus vivo, pessoal, onisciente, e na
p o s s i b i l i J . u k ' J,t iv\vLiç;'io de ewnros h i n i r o ^ m-gará que He possui o podei de
predizer o nome de um futuro monarca." 21
Há outro exemplo na Bíblia em que o nome de um rei foi predito de antemão
300 anos antes de ele rer nascido. Um profeta predisse a Jeroboão I (931-909 a.C.)
que "um filho nascerá á casa de Davi, cujo nome será Josias", que iria profanar e des-
truir o sistema religioso idólatra do rei ( l Rs l 3:2). Essa profecia foi cumprida (2Rs
23:15-16). Josias nasceu e reinou sobre Judá (2Rs 22: l -23:30) de 640-609 a.C.22 Esse
detalhe surpreendente da profecia e do cumprimento reflete o fato de que Deus
conhece a história, e, com base em sua presciência, pode revelar o futuro.
O livro de Isaías declara a superioridade de Deus nesse ponto: "Eu sou Deus, e não
há outro; eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anun-
cio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que
digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade" (Is 46:9-10). A
predição é uma parte inegável da revelação escrita de Deus. Isso não nega que o profeta
se dirigia invariavelmente também à situação presente, bem como ao futuro imediato.
Os profetas eram oradores do presente bem como elo futuro próximo e distante.
CUMPRIMENTOS PE PROFECIA

Na fé bíblica, a compreensão da história não é cíclica. Em vez disso, a história


se move para a frente em direção a um objetivo final. O Criador do mundo é Todo
Poderoso. Não é um fabricante de relógio cósmico que fez o universo para trabalhar
sozinho. O Criador vivo é também o Senhor da história. A história é significativa
porque está definitivamente sob o controle de Deus. O Deus eterno começou a his-
tória na criação. Sabe e controla o curso subsequente da história e a conduz adiante
rumo ao seu objetivo final num novo céu e numa nova terra. Parte dessa atividade
divina na história, ao levá-la ao seu objetivo, é predição e cumprimento.

PREDIÇÕES COM DECLARAÇÕES DE CUMPRIMENTO

A Bíblia contém muitas predições. Diz-se que as predições consistem de 8.352


versículos de um total de 31.124 versículos, ou 27 por cento (Antigo Testamento,
28,5 %; Novo Testamento, 21,5 %), tanto de predições diretas (5.457 versículos,
ou 17,5 % da Bíblia) como de predições tipológicas (2.895 versículos, ou 9,5 %
da Bíblia). 21
Em vários exemplos descobrimos que tanto o Antigo Testamento como o
Novo Testamento referem-se explicitamente a um cumprimento de uma profecia
usando uma declaração de cumprimento ou uma citacão-tormula. Espera-se que
as predições seguidas por uma declaração de cumprimento forneçam princípios
básicos para se identificar o cumprimento das predições onde não há declaração
de cumprimento.
Outra categoria são predições sem declaração de cumprimento. Essas predi-
ções, de longe a maior quantidade de material preditivo na Bíblia, têm cumpri-
mento na época do Antigo Testamento, ou na época do Novo Testamento, ou
além, ou o cumprimento ainda está para ocorrer.
Devemos tocar brevemente na questão da profecia condicional. O principio
de condicionalidade é determinado claramente em Jeremias 18:7-10. As profe-
cias que se relacionam ao comportamento moral do homem contêm o elemento
da condicionalidade. O conceito da condicionalidade é ilustrado em Jeremias
26:12-13; 38:17-18 e 42:10-17. Na medida em que uma profecia era inerentemen-
te dependente do comportamento moral do homem, a predição profética pare-
cia ser condicional. O arrependimento ou conversão humana pode modificar o
esquema da prediçào-cumprimento de tal maneira a provocar uma mudança na
resposta de Deus (Jr 26:19; Jn 3:9-10). Embora o princípio da condicionalidade
seja um elemento importante na profecia preditiva em que o comportamento
moral está envolvido, nem todas as predições da Bíblia são necessariamente con-
dicionais. Há muitas profecias incondicionais nas Escrituras (cf. Gn 3:15; Am
1-2:8; Dn 2, 7, 8, 11-12).
70 SHMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

PREDIÇÕES COM DECLARAÇÕES DE CUMPRIMENTO NO ANTIGO TESTAMENTO


O cumprimento de uma profecia é a marca evidente de um profeta verdadeiro.
"Sabe que quando esse profeta falar em nome do Senhor, e a palavra dele não se
cumprir, nem suceder como profetizou, esta é a palavra que o Senhor não disse;
com soberba a falou o tal profeta; não tenhas temor dele" (Dt 18:22). O critério de
verdade das predições proféticas ou juízos estava nos seus cumprimentos.
A Bíblia é explícita em sua afirmação de predições válidas. "Eu, o Senhor, falei;
assim farei" (Nm 14:35). A descrença no cumprimento profético é contestada pela
afirmação de Deus a Moisés: Ter-se-ia encurtado a mão do Senhor? Agora mesmo
verás se se cumprirá ou não a minha palavra" (Nm 11:23). O profeta Miqueias
afirma: "mostrarás a fidelidade ... e a ...misericórdia, as quais juraste a nossos pais,
desde os dias antigos" (Mq 7:20).
Nos escritos do profeta Zacarias encontra-se uma visão que se direcíona a sé-
culos no passado nas palavras do Senhor: "as minhas palavras e os meus estatutos,
que eu prescrevi aos profetas, meus servos, não alcançaram a vossos pais? Como
o Senhor dos exércitos fez tenção de nos tratar, segundo os nossos caminhos e
segundo as nossas obras, assim ele nos fez" (Zc l :6). A Bíblia deixa claro com suas
próprias palavras que há profecia preditíva de curto e longo alcance que conduz
ao cumprimento genuíno da história.
Há uma porção de predições proféticas em várias partes do Antigo Testamento 20
em que o cumprimento é designado claramente. Às vezes, a expressai) hebraica
hêqím (a forma Hiphil do verbo qúm) - significando "cumprir, estabelecer, confir-
mar" - é o termo principal usado para indicar o cumprimento de uma promessa ou
de uma predição anterior; ou o cumprimento pode ser indicado de outras maneiras
por diferentes expressões ou frases. Algumas dessas nos chamam a atenção.
Em Génesis 12:7, Deus promete a Abraão: "Darei à ma descendência esta terra."
Deus repete essa predição a ele diversas vezes. (Veja Gn 13:14-15, 17; 15:7, 18; 17:8).
Ela é também dada a Isaque (Gn 26:2-4) e a Jacó (Gn 28:13, 15; 35:12). É dada antes a
Moisés (Êx 3:8, 17; 6:6-8) e outra vez após o Êxodo (Êx 23:23-33; cf 34:24).
Em Deuteronõmio 9:5, a graça de Deus em dar a terra é enfatizada. O presen-
te da terra é um ato de graça e não de recompensa. A terra prometida seria dada
a Israel "a fim de confirmar [cumprir) a palavra que o Senhor jurou a seus pais, a
Abraão, a Isaque e a Jacó". A açaí) de Deus era "parte do cumprimento da antiga
promessa feita aos patriarcas". 24
A promessa da terra está presente em todo o Pentateuco.2'' Na época da morte
de Josué Qs 23:1, 14), o Senhor tinha dado a Israel"toda a terra que jurara dar a seus
país; e a possuíram e habitaram nela.... Nenhuma promessa falhou de todas as boas
palavras que o Senhor falara à casa de Israel; tudo se cumpriu" (Js 21:43-45).M
No tempo da conquista de Jericó Qs 6) fez-se uma predição (na forma de uma
maldição) de que o homem "que se levantar e reedificar" (ou construir) 27 Jericó
CUMPRIMENTOS PH PROFECIA

sofreria perda: "Com a perda de seu primogénito, lhe porá os fundamentos e, à


custa do mais novo, as portas" (v. 26). No tempo do rei Acabe, 700 anos mais
tarde, lemos que Hiel reconstruiu Jericó e a predição se cumpriu: "...quando lhe
lançou os fundamentos, morreu-lhe Abirào, seu primogénito; quando lhe pôs as
portas, morreu Segube, seu último, segundo a palavra do Senhor, que falara por
intermédio de Josué, filho de Num" ( I R s 16:34).
Por meio do profeta Nata, Deus prometeu a Davi que depois de sua morte "fa-
rei levantar depois de ti o teu descendente, que procederá de ti, e estabelecerei o
seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome" (2Sm 7:12-13). Salomão sucedeu
seu pai Davi no trono e construiu o templo declarando especificamente: "Assim
cumpriu o Senhor a sua palavra que tinha dito" (l Rs 8:20).2tí A condicionalidade
dessa predição é enfatizada por duas vezes (IRs 2:4; 6:12).
Samuel, o profeta, predisse que depois que Saul se apartasse dele, encontraria
sucessivamente "dois homens", depois "três homens", e, finalmente um grupo de
profetas (ISm 10:2-7). São dados detalhes de cada grupo. O cumprimento é obser-
vado a seguir: "todos aqueles sinais se deram naquele mesmo dia" (v. 9).
O profeta Aias predisse que dez tribos seriam tiradas do reino de Salomão por
causa da infidelidade ( I R s 11:11-13, 26-40). O cumprimento é citado de forma
explícita: "O rei, pois, não deu ouvidos ao povo; porque este acontecimento vinha
210 do Senhor, para confirmar a palavra que o Senhor tinha dito por intermédio de
Aias, o silonita, a Jeroboào, filho de Nebate"(lRs 12:15).
Uma profecia ameaçadora é dirigida contra o altar de Jeroboào em Betei. Um
descendente de Davi, chamado josias, sacrificaria os sacerdotes dos altos no altar
e queimaria ossos humanos sobre ele (l Rs l 3:2, 32). O cumprimento se deu cerca
de 300 anos mais tarde, quando o rei Josias fez o que foi predito "segundo a pala-
vra do Senhor, que apregoara o homem de Deus" (2Rs 23:16).
Foi predito que o profeta, que comeu em Betei em desobediência à ordem
de Deus, não seria enterrado com seus pais (IRs 13:22). Depois disso, foi morto
por um leão e enterrado em Betei (v. 30). Sua morte e sepultamento aconteceram
"segundo a palavra que o Senhor lhe havia dito" (v. 26).
Aias predisse o fim da dinastia de Jeroboão por causa do mal que havia ins-
tigado (IRs 14:10-14). Isso se cumpriu pelo conspirador Baasa que não somente
matou o tilho de Jeroboão, Nadabe (909-908 a.C.)10 que sucedeu seu pai no trono,
mas também todos os outros homens da casa de Jeroboão, "segundo a palavra do
Senhor, por intermédio do seu servo Aias, o silonita" (IRs 15:29).
Uma profecia de longo alcance foi feita também pelo mesmo Aias. Ele predisse que
por causa dos pecados de Jeroboão o reino do norte das dez trilxis de Israel seria arranca-
do "desta boa terra" e disperso "para além do Eufrates" (IRs 14:15-16). Isso se cumpriu
por meio da Assíria cerca de 200 anos mais tarde, quando Samaria foi destruída em 722
a.C. na conquista pela Assíria e o Israel do norte foi exilado (2Rs 17:6-7; 22-23).
70 SKMANAS, LI;VÍTK:O E; A NATURKZA HA PROII i;i.\

Elias predisse que a dinastia de Acabe (como a casa de Jeroboão) seria elimi-
nada totalmente e seus corpos deixados ao ar livre ( I R s 21:21-22,24). O cumpri-
mento se deu cerca de 40 anos mais tarde, quando Jeú (2Rs 9:24; 10:7) não deixou
"nem um sequer" (2Rs 10:11, 17). Enfatiza-se: "Sabei, pois, agora, que da palavra
do Senhor, pronunciada contra a casa de Acabe, nada cairá em terra, porque o
Senhor fez o que falou por intermédio de seu servo Elias" (v. 10; ef. v. 17).
Elias também predisse que "os cães devorarão Jezabel dentro dos muros de
Jezree!" (IRs 21:23). O cumprimento está registrado em 2 Reis 9:36-37 com as
palavras: "Esta é a palavra do Senhor, que falou por intermédio de Elias, o tesbita,
seu servo" (2Rs 9:36).
Ainda há mais para ser listado. Os exemplos adicionais usam expressões de
cumprimento como "conforme a palavra do Senhor" (2Rs 4:44), ou "como falara
o homem de Deus" (7: 17,20), ou "esta foi a palavra que o Senhor falou" (15:12),
ou "segundo a palavra do Senhor, Deus de Israel, a qual falara por intermédio de
seu servo Jonas" (14:25).
Surgem várias observações quando se trata do cumprimenro de predições in-
dicadas por uma declaracão-padrão:
1. Enfatiza-se o fato de que "tudo se cumpriu" (Js 21:45) ou aconteceu "confor-
me a palavra do Senhor"."
2. O senhor "cumpriu" (hêqim)u sua palavra que predisse por intermédio de 211
seus servos. Isto é, sua promessa não "falhou" (nãgal) " ou caiu por terra. 14
3. As predições divinas (oram cumpridas na história real conforme predito. A
palavra de Deus não é "vã" ou "vazia" (rã/)." A palavra de Yahweh "uma vez pro-
nunciada, atinge seu objetívo sob todas as circunstâncias na história...""
4. Uma comparação de predição e cumprimento indica que o cumprimento
ocorre exatamenre de acordo com o detalhe da predição. O cumprimento satisfaz
a predição ponto a ponto. Cada detalhe da predição conta no seu cumprimento. 17
E esse fato que produz a crença.
5. Algumas predições são imediatamente cumpridas 1 8 ou alguns anos depois,
ao passo que outras são cumpridas décadas40 ou séculos mais tarde, 41 mas nova-
mente com exatidão incomum.
6. Todo cumprimento observado no Antigo Testamento é definitivo. Não há
cumprimentos duplos ou múltiplos nessa categoria no Antigo Testamento.

PREDIÇÕES COM DECLARAÇÕES DE CUMPRIMENTO NO Novo TESTAMENTO


1. Citações e alusões. Um fenómeno muito pesquisado no Novo Testamento
são citações do Antigo Testamento. 4 ~ Quando falamos cie citações no Novo Tes-
tamento, devemos fazer uma distinção clata enrre o que é uma citação explícita e
formal e o que pode ser somente uma alusão. Uma citação explícita formal pode
começar com uma declaracão-padrão ou declaração introdutória especial, ou pode
CUMPRIMEOTOS DK PROFECIA

ser simplesmente uma citação direta do Antigo Testamento. Sugere-se que há 312
citações formais do Antigo Testamento no Novo Testamento.41
As alusões são difíceis de ser encontradas e estima-se que atinjam o total de
1.000 ou 1.100.44 Alusões são sentenças, frases, e, às vezes, palavras únicas. É um
fato bem conhecido que o livro de Apocalipse não contém nenhuma citação, mas
é muito rico em alusões ao Antigo Testamento. O livro de Daniel é citado apenas
uma vez no Novo Testamento por Jesus (Mt 24:15; Mc 13:14). Porém, as alusões
ou frases de Daniel 4 '' aparecem sem nenhuma confirmação explícita de que Jesus
Cristo ou o período do Novo Testamento cumprem as profecias de Daniel, 40 com
a possível exceção de Marcos 1:15 como uma alusão a Daniel 9:24-27.
No Novo Testamento, a temática do cumprimento demonstrada com citações
do Antigo Testamento é muito forte. Citações de cumprimento têm a ver com
predições diretas do Antigo Testamento de eventos futuros e relações tipológicas
do Antigo Testamento. Devido à falta de espaço e tempo, não é possível investigar
de forma exaustiva as citações de cumprimento do Antigo Testamento no Novo
Testamento. Restringimo-nos n alguns exemplos típicos.
2. Citações de cumprimento. O Evangelho de Mateus é conhecido por conter
o famoso "Reflexionszitate",47 chamado também de "citações-fórmula"48, ou me-
lhor, "citações de cumprimento". 4g São designadas assim porque contêm a fórmu-
212 Ia introdutória "para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio
do profeta". O Evangelho de Mateus tem 12 dessas declarações.so Elas provam que
a época de Jesus é a época do cumprimento das predições proféticas do Antigo
Testamento a respeito da vinda do Messias.
A. Mateus 1:22-23. A referência em Mateus 1:22-23 de Isaias 7:14 é a pri-
meira das citações de cumprimento (ou citaçòes-fórmula): 51 "Ora, tudo isso
aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio
do profeta: 'Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chama-
do pelo nome de Emanuel' (que quer dizer: Deus conosco)." Isso é tirado quase
totalmente de um texto da Scptuaginta, com exceção de uma leitura do grego
de outra forma desconhecida a nós. 52
O uso de parlhenos ("virgem") na Septuaginta o hebraico 'almãh ("mulher
jovem", com idade para se casar, que é, naturalmente, uma virgem) 51 suscitou um
dos debates mais famosos da história da interpretação. 54 Não há nenhuma evidên-
cia do Antigo Testamento que uma 'almãh fosse já casada. A escolha por parthenos
(e não neanis^ "mulher jovem") pelo tradutor da Septuaginta representou uma
preferência por compreender 'almãh de Isaías 7:14 como uma "virgem"56, um
conceito que certamente não é eliminado pelo termo hebraico.
Quando se trata de cumprimento, há vários pontos de vista importantes co-
nhecidos hoje. O primeiro declara que Isaías 7:14 não é uma predicai) dada cerca
de 700 anos antes e cumprida no nascimento de Jesus Cristo. O cumprimento
70 SEMANAS, Li, vinco i; A NATUREZA DA PROI-^UA

ocorreu na era do profeta Isaías. O escritor do Novo Testamento simplesmente faz


uma reínterpretação.
O ponto de vista moderno sustenta que é "um sinal de um esforço cristão
para fornecer à história de Jesus apoio e contexto do Antigo Testamento'"'
nessa e em outras citações de cumprimento. Assim, ess;t é uma aplicação de um
"texto-prova" para provar que Jesus era o Messias™ predito e confirmar uma
tradição cristã estabelecida.'' 4 Argumenta-se que Mateus segue o estilo de inter-
pretação do Antigo Testamento conhecido do Qumran, 60 ou o estilo midrash
conhecido do judaísmo.61
Em reação a esse ponto de vista moderno, é importante observar vários aspectos:
1. As citações de cumprimento em Mateus (também em Marcos e João)62 não
têm paralelo no Qumran.63 A comunidade do Qumran cita com frequência o
Antigo Testamento e escreve materiais pes/uT, mas não conhece nem usa citações
de cumprimento. Com isso, já não é aconselhável talar de citações do tipo f>esher,
interpretação do tipo pesher, ou o uso do Antigo Testamento tipo midrash.64 Em-
bora Mateus vivesse dentro do contexto de seu mundo, há singularidade em seu
uso do Antigo Testamento.
2. A compreensão da profecia e da predição e suas extensões de cumprimento
pela escola crítico-histórica é condicionada por categorias filosóficas c históricas
baseadas em pressuposições diferentes das pressuposições bíblicas.
O segundo ponto de vista importante sobre a declaração de cumprimento em
Mateus de Isaías 7:14 é melhor descrito como cumprimento duplo. Acredita-se
que tenha havido um cumprimento inicial na época de Isaías, seguido mais tarde
por um cumprimento final em Jesus Cristo.' lS
Devemos recordar que o propósito duplo de uma profecia - o conceito do
cumprimento duplo - foi desenvolvido na era do Iluminismo (século 18) a fim
de manter um cumprimento original, literal, e um cumprimento mais completo
quando aplicado a Jesus.''6 Foi nessa época que o Messias Jesus Cristo foi elimina-
do das predições no Antigo Testamento pela escola crítico-histórica. 67
Não é nosso objetivo entrar num debate detalhado elos méritos ou falhas do
cumprimento duplo. 68 Pode-se reconhecer um cumprimento duplo se o contexto
exigir um cumprimento inicial e, posteriormente, as Escrituras indicarem de for-
ma clara um cumprimento final. Em todo caso, um cumprimento duplo nunca
deve ser confundido com cumprimentos múltiplos. Cumprimentos múltiplos
são cumprimentos repetidos em momentos e lugares diferentes sem as limitações
e diretrizes contextuais fornecidas pelas Escrituras.
A evidência no Antigo Testamento e no Novo Testamento e em seus respec-
tivos contextos bíblicos deixa claro que cumprimentos duplos devem satisfazer
as respectivas restrições contextuais. Reconhecer um cumprimento significa ser
meticuloso ao contexto da predição, porque em cada caso de cumprimento
CUMPRIMENTOS r>t PROFECIA

duplo as especificações contextuais devem ser satisfeitas e estar presente uma


clara designação inspirada do cumprimento.
O terceiro ponto Ue vista importante sobre a declaração de cumprimento de
Mateus é o de que ela foi cumprida em Jesus Cristo e nele somente.69 O problema
contextuai em Isaias 7:14 que essa posição de cumprimento único tem que solucio-
nar está explicado da seguinte maneira: Isaias 7:1 5ss. descreveu a situação no futu-
ro imediato, enquanto o "v. 14 apontou um único evento que ocorreria 700 anos
mais tarde". Assim, "cada parte da predição teve um único cumprimento". 70
O problema da natureza do "sinal" para Acaz que não ocorreria antes de sécu-
los mais tarde é difícil de solucionar.71 Foi sugerido que a profecia se relaciona com
dois nascimentos distintos e duas crianças diferentes. Uma criança, mencionada
no versículo 14, refere-se a Cristo.72 Outra criança, mencionada no versículo 16,
refere-se a um cumprimento contemporâneo. Entretanto, afirma-se corretamente
que "nada além da necessidade exegética extrema poderia justificar a referência
dos versículos 15 e 16 a uma pessoa não mencionada no versículo 14".73
Resumindo o todo, pode-se afirmar que a sugestão de que a profecia de Isaias
7:14 não tem cumprimento futuro, mas somente contemporâneo, é insustentável
e não satisfaz a intenção de Mateus de cumprimento que Mateus tinha.74 O acon-
tecimento do Novo Testamento ocorreu a fim de cumprir a passagem citada do
214 Antigo Testamento. O cumprimento do Novo Testamento verifica a concepção da
profecia preditiva e indica que Deus planeja toda a história da salvação.
A escolha, então, está entre um cumprimento duplo, com um cumprimento
inicial no Antigo Testamento e um final no Novo Testamento, e um único cum-
primento no Novo Testamento apenas. A sugestão do cumprimento duplo parece
ter mais a seu favor.75 Ela pode explicar bem as exigências contemporâneas e con-
textuais, assim como um cumprimento futuro e final.
B. Mateus 2:15. Nossa atenção deve se voltar agora para a citação de cumpri-
mento de Oseias 11:1 em Mateus 2:15. Nesse exemplo, Mateus cita diretamente
do texto hebraico e não da Septuaginta. 76 O contexto de Oseias 11:1 indica que
a frase "do Egito chamei meu filho" refere-se, de maneira colctiva, á nação de Is-
rael, que, como uma "criança", foi amada por Deus. Por seu contexto, a primeira
impressão é a de que sequer se trata de uma profecia. Assim, pergunta-se: se a
passagem de Oseias 11:1 refere-se ao êxodo de Israel do Egito, como pode Mateus
aplicá-la a Jesus voltando do Egito?
Há várias sugestões. Por exemplo: "Ao aplicar a passagem a Jesus, Mateus pa-
rece estar pensando segundo a solidariedade incorporada e relendo o Antigo Tes-
tamento a partir de uma perspectiva messiânica e escatológica... ele evidencia um
emprego /vshtr d;t paisagem [de Oseias 11:1]." 77 Entretanto, uma pesquisa mais
cuidadosa quanto ao uso do pesher e do midrash demonstrou que Mateus não segue
esses procedimentos exegéticos em suas citações de cumprimento. 78
70 SI:MANAS, LEVÍTICO H A NATUREZA PA PROFECIA

Uma sugestão muito melhor é dada por aqueles que reconheceram aqui uma
típologia de Israel-Jesus.79 Nesse relacionamento tipológico, o próprio Jesus é a
existência incorporada de Israel. Ele é o Israel personificado. "Como o Messias, Je-
sus ocupou a posição de antítipo para o Israel nacional sob a percepção do Antigo
Testamento... Conscquentemente, em um sentido muito real, Jesus, o filho encar-
nado de Deus, era Israel representado e personificado. Como tal, era-lhe essencial
recapitular o curso de sua nação, como ela experimentou n libertação de séculos
de escravidão sob o poder egípcio. A partir dessa perspectiva, a correlação entre
o êxodo de Israel e o retorno de Cristo cio Egito é completamente justificada." 8 '
Uma vez reconhecida essa relação tipológica, é possível compreender que Mateus
vê corretamentc uma correspondência tipológica e um elemento preditivo na saí-
da do Egito de Israel, filho de Deus e do Filho de Deus, Jesus.
A pergunta que se faz é: em que sentido pode Mateus se referir a essa tipologia
Lsrael-Messias como um cumprimento? Mateus interpreta a passagem de Oseias
como uma profecia preditiva? Essas perguntas são razoáveis. Acontece que no tipo
há um aspecto preditivo que pode ser descoberto.81 "Dentro da alusão histórica,
Mateus pode detectar um aspecto pteditivo na correspondência contida nos dois
casos de filho de Deus sendo chamado do Egito... Elas [as correspondências) são
intenções divinas..." H: A tipologia tem um elemento preditivo incorporado.
Outro aspecto da predição relaciona-se com o ponto enfatizado com frequên- 215
cia cie que uma citação do Novo Testamento de um texto do Antigo Testamento
indica que todo o contexto dessa citação estava envolvido."1 Isso significa que
Oseias 11:1 não é citado como um "texto-prova" contrário ou fora de seu contex-
to, mas dentro de seu contexto.
O cumprimento significa que "a libertação de Israel foi um acontecimento
profético do qual a vinda do Messias como Israel pessoal era o cumprimento
antitípico."" 1 "Não há distotção ou abuso do contexto de Oseias por Mateus; ele
tampouco acrescentou sua própria interpretação ao texto."s'
Em suma, o cumprimento de Oseias 11: l está associado a uma relação tipo-
lógica entre Israel e o Messias, a incorporação de Israel, ambos sendo "filhos"
chamados do Egito.
C. Mateus 2:6. Em Mateus 2:6 aparece uma citação de Miqueias 5:1. Mi-
queias faz referência a Belém e prediz que dessa cidade surgirá um governante
que pastoreará o povo de Israel. 80 É surpreendente que tanto em Miqueias
como em Mateus, Belém é identificada claramente. Miqueias, escrevendo em
forma de poesia, a chama de Belém Efrata, usando o nome antigo."' Efrata era
um clã, um aliado de Calebe (ICr 2:19, 24, 50), que foi estabelecido na região
de Belém localizada em Judá. O nome dele passou para a cidade. Parece que
Miqueias emprega Efrata como um identificador de uma das duas cidades cha-
madas Belém: a do norte, próxima a Nazaré, ou a do sul de Jerusalém deveria
CUMPRIMENTOS HK PROFECIA

ser o local de nascimento do Messias. Embora Mateus não use Efrata, mas haja
"a terra de Judá" como um modificador, essa frase traz a implicação da Efrata
que se localiza "na terra de Judá". Mateus não usa Efrata, mas tem "a terra de
Judá" como um modificador para identificar Belém.
A identificação de Mateus é bastante significativa. Uma vez que havia dois luga-
res diferentes na Palestina com o nome de Belém, o Messias deveria nascer na Be-
lém certa. Uma era na Galileia (Js 19:15), a outra em Judá (Mq 5:1; Rt 4:11; etc.).
Esse detalhe é importante para a exatidão do cumprimento. Miqueias 5:1 era
uma passagem messiânica bem conhecida na época de Cristo,1™ aceita pelos judeus
como referência ao local de nascimento do Messias.89
Essa pesquisa de apenas três exemplos representativos das 12 citações de cum-
primento no Evangelho de Mateus nos forneceu importantes revelações sobre
cumprimentos do Novo Testamento de predições do Antigo Testamento. Tendo
em vista a complexidade do tema e a amostra limitada, desejamos tirar algumas
conclusões provisórias:
1. Se não estamos enganados, encontramos um cumprimento duplo da predição
de Isaías 7:14. O cumprimento inicial é sugerido com base em seu contexto. Ele
é fiel à sua predição e às especificações do contexto. O segundo cumprimento é
o final, e é indicado, nesse caso, pelas Escrituras. Nesse cumprimento duplo, as
216 especificações contextuais e outras são satisfeitas em cada caso. Nas Escrituras
estão as diretrizes para o cumprimento.
2. O esquema prcdição-cumprimento inclui a correspondência úpo-antitipo, ou
cumprimentos tipológicos (Os 1 1 : 1 = Mt 2:1 5). Mesmo aqui, é importante ter aten-
ção aos detalhes. Ambos os "filhos", a saber, o Israel coletivo como uma entidade
nacional e o Israel coletivo personificado em Jesus Cristo, são chamados do Egito.
3. Em correspondências dirctas de predição-cumprimento (tal como Miqueias
5:1 = Mateus 2:6) continuamos a descobrir uma clara insistência nos detalhes. O
Messias deve nascer em uma das duas Beléns, a saber, Belém Efrata, que é a da ter-
ra de Judá. Obviamente, os detalhes contam no esquema predição-cumprimento.
Quando se trata de cumprimentos, as generalidades ou um cumprimento que não
satisfaça todos os detalhes estão fora de questão. Por isso, a Bíblia fornece suas
próprias diretrizes para tis cumprimentos das profecias.
Diferentes sugestões têm sido dadas com respeito ao propósito cias citações-
cumprimento. Parece que a frase "para que se cumprisse" em Mateus tem um pro-
pósito fundamental: demonstrar que a vida de Jesus, até o último detalhe, cum-
priu o plano de Deus conforme predito com respeito ao Messias. O cumprimento
foi exato nos detalhes, até no nascimento e na infância de Jesus. Tais citações de
cumprimento devem ter sido úteis para propósitos missionários e de ensino, prin-
cipalmente em debates com judeus que se baseavam no Antigo Testamento.
70 SEMANAS, LFVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

CUMPRIMENTO DA PROFECIA APOCALÍPTICA

No Antigo Testamento, a expressão "reino de Deus" ou "reino dos céus", tão


características do Novo Testamento e dos ensinamentos de Jesus, não aparecem.
O Antigo Testamento descreve Deus (ou Yahweb) como Rei, particularmente o
Rei de Israel (Dt 33:5; ISm 12:12). Israel é o reino de Yahweh (ICr 17:14; 28:5;
2Cr 13:8). O Senhor podia ser chamado de "meu Rei e meu Deus" (SI 5;2; 44:4;
68:24; etc.). Entretanto, na escatologia apocalíptica do Antigo Testamento, faz-se
a predição de que virá um reino eterno que nunca será destruído (Dn 2:34-35, 44-
45; 7:13-14; 12:1-3). A isso nos voltaremos agora.

CUMPRIMENTO DO REINO DE DEUS EM DANIEL 2


O sonho de Daniel 2 prediz que a "pedra" que atinge e destrói a imagem é o
reino de Deus. Pergunta-se: esse reino é estabelecido no primeiro advento de Jesus
Cristo ou na sua segunda vinda, ou refere-se a ambos? O contexto de Daniel 2 e os
detalhes sobre a "pedra-reino" têm a chave de seu cumprimento.
O contexto indica que Daniel 2 é um sonho sobre a história mundial, que
apresenta uma sucessão de quatro impérios mundiais de valor decrescente, mas
força superior/*10 último império, simbolizado pelas pernas de ferro, se divide em 217
pés e dedos de ferro e barro, parte forte e parte fraco. O reino de Deus será estabe-
lecido quando os pés e dedos de ferro e barro já tiverem surgido (v. 33, 41).
Os principais indícios do surgimento do reino de Deus são:
1. Elemento de tempo. Daniel 2:34 declara: "[a pedra) feriu a estátua nos pés
de ferro e de barro e os esmiuçou." Isso indica que o reino de Deus vem depois do
surgimento dos quatro impérios mundiais e não durante a existência de nenhum
deles. Isso é enfatizado em Daniel 2:44: "nos dias destes reis, o Deus do céu susci-
tará um reino." A frase: "nos dias destes reis" indica o elemento de tempo.
Quem são esses "reis".' Em rigor, nenhum, exceto Nabucodonosor, foi mencionado.
É duvidoso que "reis" se refiram aos quatro reinos de Roma.1" Esses reinos são distintos
no sonho. E muito mais provável que a pala\ra "reis" no versículo 44 se retira à divisão
de reisgz implicada no versículo 43 e, sendo eles representados pelos pés e dedos.
Com base nesse contexto, parece que o reino de Deus é estabelecido numa
época posterior ao começo da fase do ferro e do barro, o que tornaria impossível
um cumprimento na primeira vinda de Cristo. Além disso, há apoio no fato de
que cada império ou reino sucedeu o anterior. Da mesma forma, espera-se que o
reino "eterno" de Deus suceda os reinos terrenos ou reis da fase de ferro e barro
na mudança das eras.1*1
2. Destruição dos reinos mundiais. A pedra esmiuça todos os reinos mundiais:
"Então, toi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, os
CUMPRIMENTOS ni- PROFHUA

quais se fizeram como a palha das eiras no estio, e o vento os levou, e deles não se
viram mais vestígios" (Dn 2:35). A ideia de destruição total pela pedra é enfatizada
novamente nos versículos 44-45 com a figura da pedra que "esmiuçará e consumirá
todos estes reinos, ... e ela esmiuçou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro".
Se a pedra representa um reino estabelecido pelos macabeus após a destrui-
ção do governo de Antíoco Epifânio, então teríamos que perguntar: (1) o reino
hasmoneuno colocou um fim a todos os reinos? (2) Ele permaneceu para sempre?
De» mesmo modo, se a "pedra" representasse o estabelecimento do cristianismo
na época de Cristo, teríamos que perguntar: os reinos mundiais foram destruídos
nessa época? A resposta para todas essas perguntas é não.
Intérpretes que defendem o surgimento do cristianismo como o cumprimen-
to do símbolo da pedra são forçados a sugerir que "o ferir nos pés é simbólico"1"
e não real. Contudo, a coerência exige que o estabelecimento do reino de Deus
seja, do mesmo modo, simbólico e não real. Entretanto, o surgimento da igreja
cristã foi uma realidade."
Em suma, o retrato da destruição dos reinos do mundo pelo reino eterno
requer que o "fim" dos primeiros ocorra no tempo do fim. Então, de modo sobre-
natural, surge uma nova era com o reino eterno de Deus.
3. Origem divina. O terceiro elemento-ehave na identificação do cumpri-
mento da profecia da pedra-reino de Deus relaciona-se à sua origem. O texto
afirma que "uma pedra foi cortada sem auxílio de mãos" (Dn 2:34) ou "do monte
foi cortada uma pedra, sem auxílio de mãos" (v. 45). A expressão "mãos" parece
referir-se à atividade humana. Porém, o reino eterno não se origina com mãos
humanas. E de origem divina. O reino divino será estabelecido de modo cataclis-
mico, sem intervenção humana.
4. Duração eterna. O fato é que esse reino de Deus "não será jamais destruído;
este reino não passará a outro povo" (2:44). Ou seja, "subsistirá para sempre" (v.
44). A duração eterna desse reino contrasta de forma clara com a transitoriedadc
dos reinos humanos do mundo. "Enquanto os reinos do mundo foram tomados
por sucessivos conquistadores, nenhum tomará de assaltt) esse reino.'"*'
5. Extensão universal. O reino eterno "se tornou em grande montanha, que
encheu toda a terra" (Dn 2:35). Não é possível dizer que isso aconteceu na época
do surgimento do cristianismo. Não há nenhum indício de que o reino de Deus
será contemporâneo a "todos estes reinos". Pelo contrário, a pedra reino põe um
fim cataclísmico aos reinos do mundo.
O fato é que a universalidade do reino eterno corresponde ao colapso da
estátua inteira de uma só vez. O aniquilamento de todos os reinos do mundo
é um pré-requisito para o estabelecimento do reino de Deus em "toda a terra".
A remoção de "todos estes reinos" (2:44) dá lugar para que o reino de Deus
encha toda a terra.
70 SlMAIXlAS, LrVfTICO E A NATVIÍhZ^ HA PKOR.CIA

6. Fim instantâneo e novo começo. O fim instantâneo dos reinos do m u n d o


é enfatizado pelo fato de que todos os metais e o barro foram esmiuçados de uma
só vez (v. 35; "tudo junto", RSV).4<1 Esse fim simultâneo e eataclísmico dos reinos
do mundo da lugar ao estabelecimento da nova era com o reino eterno que "sub-
sistirá para sempre" (v. 44). O capítulo final de Daniel fornece um vislumbre do
novo começo ao falar da ressurreição (Dn 12:1-3).^
Com essa breve pesquisa, fica evidente que o contexto de Daniel 2 assegura que
a pedra reino terá seu cumprimento somente no fim dos tempos, e nào antes.
Ao prosseguirmos nosso estudo, podemos observar o surgimento de vários prin-
cípios de interpretação profética com respeito à identificação de um cumprimento:
1. O contexto é uma guia sólido e indispensável.
2. O cumprimento literal é fundamental a menos que haja uma evidência
inspirada de que deve ser não-literal.
3. Para que um cumprimento seja genuíno e valido, cada ponto de identifi-
cação e cada detalhe deve ser satisfeito. Não será um cumprimento genuíno se
determinados aspectos tiverem sido cumpridos e outros não.
Um cumprimento parcial para a profecia apocalíptica dificilmente será um
cumprimento válido. Se Deus designou um cumprimento duplo, cada cumpri-
mento deve satisfazer todos os pontos c detalhes, caso contrário, não pode ser
considerado como válido e genuíno. 219

CUMPRIMENTO DA PROFECIA DE DANIEL 9:24-27


No caso de Daniel 9:24-27, por exemplo, para que se tenha validez bíblica,
cada elemento da visão deve ser satisfeito pelo cumprimento proposto. Por exem-
plo, alguns pesquisadores sugerem que Daniel 9:24-27 é cumprido em Antíoco IV
Epifânio como um tipo de um cumprimento maior no anticristo. Deixando de
lado muitas questões de detalhe e identidade que envolvem essa sugestão, nos refe-
rimos a apenas um dos problemas evidentes desse ponto de vista: as especificações
cronológicas da profecia. Se Antíoco Epifânio, que morreu em 164 a.C., está em
questão, então o começo dos 490 anos (a extensão de tempo da profecia) nào pode
ser apontado. Aqueles que sugerem que "a ordem para restaurar Jerusalém" (Dn
9:25) deu início à profecia em 594 a.C.''N têm que admitir que a contagem chega
apenas a 430 e não a 490 anos (594 - 164= 430 anos).1'" Mesmo que fosse consi-
derada a data mais anterior que já se sugeriu, a saber, 605 a.C.,100 todo o período
ainda totalizariam somente 441 anos" (605 - 164 = 441 anos). 101 Antíoco Epifânio
pode ser qualificado como um cumprimento se não se enquadra no simples aspec-
to cronológico da profecia dos 490 anos?
Se Antíoco cumpre Daniel 9:24-27, então o profeta deve ser culpado de "en-
gano de cronologia"102 ou "erro"103; ou se torna forçoso a declarar que "o próprio
anjo Gabriel demonstra não estar bem familiarizado com a cronologia". 104 Dcfen-
CUMPRIMENTOS r*: PROVKCIA

sores do ponto de vista sobre Antioco preferem dizer que o autor ou o anjo estão
enganados, e não eles.
Em contrapartida, a interpretação literal, histórica dessa profecía-chave em
Daniel se enquadra perfeitamente de 457 a.C. a 34 d.C. com o Messias Jesus Cris-
to cumprindo os eventos com exatidão incomum.105 Nenhum outro cumprimento
se ajusta aos dados da profecia. Todos os aspectos da profecia devem ser satisfeitos
a fim de se ter um cumprimento válido.

CUMPRIMENTO DOS QUATRO IMPÉRIOS MUNDIAIS


Daniel 2 apresenta o sonho de Nabucodonosor da grande estátua com a cabe-
ça de ouro, peito de prata, ventre de bronze, pés/dedos dos pés de uma mistura de
ferro com barro. A interpretação de Daniel deixa claro que a sequência de quatro
metais, ouroprata-bronze-ferro, representa quatro reinos sucessivos (Dn 2:39-40).
Daniel 7 contém o relato de uma visão em que quatro animais subiam do mar.
O quarto animal era diferente de todos os animais. Tem dez chifres. Então, um
décimo primeiro chifre surge entre eles. A interpretação angélica declara que os
quatro animais são quatro "reinos" (Dn 7:23).106
Daniel 2 e 7 falam de quatro impérios mundiais. Há uma desintegração do
quarto império em divisões instáveis que, por sua vez, são exterminadas por um
reino eterno de origem divina.
A grande maioria dos escritores sobre o livro de Daniel concorda que os qua-
tro impérios mundiais de Daniel 2 e 7 são os mesmos.107 A sequência clássica do
passado, tanto judaica 108 quanto cristã,109 até o presente é Babilónia, Medo-Pérsia,
Grécia e Roma. Os intérpretes concordam (quer se siga essa identificação, quer
outra sequência terminando com a Grécia, como é costume dos exegetas crítico-
históricos modernos)110 que cada metal da estátua ou cada animal, respectivamen-
te, simboliza somente um império mundial. Ou seja, essas sequências proféticas
não têm cumprimento duplo, muito menos múltiplo. Cada um tem apenas um
único cumprimento (Dn 2:38; 8:20-21).

CUMPRIMENTO DO CHIFRE PEQUENO


O "chifre pequeno" surge em Daniel 7:8 e é descrito também nos versículos 20-21,
24-25. Os comentaristas geralmente concordam que os detalhes fornecidos nas especifi-
cações do "chifre pequeno" têm que combinar com a figura histórica ponto por ponto
(detalhe por detalhe), a fim de se ter uma identificação correia. Esses critérios de especi-
ficações detalhadas não podem ser negligenciados ou desconsiderados. Se somente um
princípio ou uma ideia principal for selccionado para a identificação histórica, então
todo o processo de identificação histórica é tirado do padrão bíblico e direcionado para
o campo da subjetividade, onde a imaginação individual pode operar livremente.
70 ShMANAS, LhVlTICO E A NATURliZA HA PROFIiCÍA

Alguns escritores sobre o livro de Daniel identificaram o "chifre pequeno"


com Antioco IV Epitànio (175-164 a.C.), o perseguidor dos judeus na Palestina
e profanador do templo (l Macabeus l:44-59ss.; 4:42-58). Outros pesquisadores
sugerem que Antioco IV Epifànio é um cumprimento inicial que prefigura o cum-
primento verdadeiro em um anticristo posterior.
O cumprimento em Antioco e o duplo cumprimento no Antíoco/anticristo
posterior apresentam problemas sérios, e vários deles devem ser mencionados:
1. O "chifre pequeno" arranca três chifres (Dn 7:8). Porfírio sugeriu que eram
Ptolomeu VI Filometer, Ptolomeu VII Euergetes, e Artaxias, rei da Arménia."1 Po-
rém, o fato é que eles nào foram destruídos por Antioco IV,"2 embora tenha lutado
contra eles. Cada um desses reis permaneceu no seu trono. Os esforços dos eruditos
para pensarem em três reis que foram destruídos por Anríoco foram infrutíferos." 1
2. O "chifre pequeno" é o "décimo primeiro" porque se levantou depois dos
dez chifres (Dn 7:8, 20). Se Antioco IV representa "o símbolo do chifre pequeno",
deve ser o "décimo primeiro" rei na linhagem selêucida. Mas o fato é que ele é o
oitavo rei no trono selêucida. 114 A busca pelos dez reis selêucidas que precedem
Antioco tem sido infrutífera.
3. O elemento de tempo para a supremacia do chifre sobre os santos devia ser
de três tempos e meio (Dn 7:25). Se essa expressão for considerada como anos lite-
rais, então Antioco IV deveria ter perseguido os judeus por três anos e meio. Mas
o fato é que, de acordo com l Macabeus, a perseguição e a profanação cio templo
duraram somente três anos."15 O período de tempo é reduzido em seis meses. As-
sim, admite-se que um cumprimento literal não se ajusta a Antioco IV. n<
Portanto, o único recurso é sugerir que "um tempo, dois tempos e metade de
um tempo", isto é, três anos e meio literais, é realmente apenas "um termo simbó-
lico para um período de maldade"." 7 Essa sugestão dificilmente será aceita, pois o
número três e meio na especificação cie tempo não possui o carátet simbólico de
números tais como quatro, sete e dez.
4. Quando o poder do "chifre pequeno" c tirado, o reino de Deus é estabele-
cido, após o juízo (Dn 7:17-8, 21-22, 25-27). Se Antioco IV for identificado como
o "chifre pequeno", então o reino que o sucedeu teria que ser o reino de Deus.
Judas Maccabeus destruiu o jugo de Antioco IV em 164 a.C.,!l's mas foi apenas 22
anos mais tarde que o governo hasmoneano de sumo sacerdotes teve início. m Ele
chegou ao fim em 63 a.C., quando Roma ocupou a Palestina. 120
O reino hasmoneano que durou de 142-63 a.C. c o "reino eterno" (Dn 7:27)
que os santos do Altíssimo possuirão "para todo o sempre" (v. 18)? Isso é pouco
provável. Se identificarmos o chifre pequeno com Anríoco IV, nos deparamos
outra vez com uma predição não cumprida.
Obviamente essas dificuldades, além de outras, não apoiam a hipótese de que
Antíoco IV Epifànio seja o cumprimento ou mesmo um cumprimento da predição
DE PROFECIA

do "chifre pequeno". Nesse caso, como nos outros casos no livro de Daniel, a profe-
cia apocalíptica tem apenas um cumprimento. 121 Isso é exigido pelas as especificações
fornecidas nas visões apocalípticas, bem como pelo teste pragmático da história, que
combina os detalhes das especificações com uma identificação proposta.
No livro de Daniel, não há nenhuma evidência de cumprimentos múltiplos
ou mesmo cumprimento duplo. Com respeito ao último, a saber, cumprimento
duplo, deve-se observar que um único cumprimento é exigido para cada império
mundial e cada chifre, no caso dos chifres do capítulo 7 de Daniel, e do capitulo
8 de Daniel. O "chifre pequeno" tem apenas um cumprimento.
Além disso, não se deve negligenciar o fato de que onde há predição e cumpri-
mento no livro de Daniel, como no exemplo da "visão da árvore" (Dn 4:4-37) ou no
caso da "escritura na parede" (On 5:1-31), somente um cumprimento é apontado.
Essas evidências do livro de Daniel fornecem diretrizes seguras para o cumprimen-
to das visões que alcançam o futuro distante, ao eschaton no fim dos tempos.

CONCLUSÃO

Essa pesquisa sobre cumprimento de profecia foi norteada por cumprimentos


explícitos observados nas Escrituras. Aplicamos um teste pragmático examinando
os cumprimentos históricos das especificações requeridas pelas predições bíblicas.
As amostras representativas investigadas levaram à conclusão de que, em geral, há
apenas um cumprimento para uma profecia.
O cumprimento duplo pode estar presente em algumas predições bíblicas
onde indicadores escriturísticos contextuais o tornam claro, e quando os detalhes
das especificações são satisfeitos em cada caso. Por outro lado, a profecia apocalíp-
tica, como encontrada nos livros de Daniel e Apocalipse, tem apenas um cumpri-
mento para cada símbolo.
70 StMANAS, LEVÍTK;O E A NATUREZA DA PROFECIA

CAPÍTULO 10

IMPORTÂNCIA TEOLÓGICA DO juízo PRÉ-ADVENTO


William H. Shea

Sinopse editorial. Longe de ser um artigo de museu da teologia pioneira a ser


relegado aos livros de história do adventismo, o ensinamento bíblico do juízo pré-
advento, fase investiga t i vá do juízo final, é de vital importância para o crente hoje.
É uma parte final da história da salvação e um componente integral da mensagem
adventista de advertência e convite que a igreja é comissionada a pregar a "cada
nação, e tribo, c língua, e povo".
Neste capítulo, o autor descreve detalhadamente 12 importantes temas com
respeito a essa segunda fase do ministério sacerdotal de Cristo no santuário celes-
tial, em andamento desde 1844:
1. O juízo pré-advento é uma atividade atual de Deus.
2. O juízo pré-advento constitui um momento decisivo ou um ponto crítico
na história da salvação.
3. O juízo pré-advento distingue o "tempo do fim" do fim dos tempos.
4- O juízo pré-advento ocupa a primeira das três grandes fases do juízo final de
Deus que termina com o estabelecimento de seu reino eterno.
5. O juízo pré-advento focaliza Cristo e tem algo a dizer a seu respeito no seu
clímax.
6. O juízo pré-advento fala a respeito dos ímpios e sua sentença.
7. O juízo pré-advento fala a respeito dos justos e seu destino.
8. O juízo pré-advento dá uma resposta à questão do presente estado dos jus-
tos mortos.
9. O juízo pré-advento fornece uma demonstração do caráter de Deus.
10. O juízo pré-advento fornece uma conclusão lógica à primeira fase do mi-
nistério sacerdotal cie Cristo no Céu.
11. O juízo pré-advento coloca uma forte ênfase sobre as demandas éticas do
evangelho.
12. O juízo pré-advento enfatiza nossa responsabilidade do observar todos os
mandamentos de Deus, incluindo a guarda do sábado.
IMPORTÂNCIA THOUXÍICA no juízo PRÉ-AHVENTO

INTRODUÇÃO

Em vários estudos recentes, tanto nos volumes da Série Santuário e Profecias


Apocalípticas como em outros materiais, eruditos adventistas do sétimo dia têm re-
afirmado a base bíblica para o ensinamento de que um juízo é conduzido no Céu
antes do tempo em que Cristo retornará a terra. Devido ao fato de esse juízo ocor-
rer antes do segundo advento de Cristo, ele é conhecido como juízo pré-advento,
e pelo fato de registros no Céu serem examinados durante esse juízo, é conhecido
também como juízo investiga ti vo. Um desses títulos se refere ao tempo em que é
realizado; o outro à sua natureza.
Visto que estudos recentes determinaram que o fundamento para esse ensino
baseia-se firmemente nas Escrituras, não é necessário citar as diferentes linhas
de evidência examinadas nesses estudos. Essa conclusão pode ser aceita como o
ponto de partida para a ênfase particular colocada sobre esse juízo neste ensaio:
sua importância teológica.
Há alguns temas ensinados nas Escrituras, tal como aqueles sobre a natureza
factual de algum evento histórico no passado, que não parecem ser especial-
mente importantes para os cristãos hoje. Deve o ensino bíblico sobre o juízo
724 pré-advento ser relegado a esse nível de menor importância? É essa doutrina,
por exemplo, apenas uma posição teológica herdada dos pioneiros da igreja ad-
ventista do sétimo dia que já não tem para a geração atual a importância que
tinha para eles?
Várias razoes são listadas abaixo para explicar por que esse ensinamento é
ainda hoje muito importante para a igreja e para o cristão como indivíduo. Essas
razões são listadas como temas individuais e, em seguida, há uma breve discussão
do assunto suscitado em cada tema. Essa lista não pretende ser exaustiva; mas
apenas representar o pensamento bíblico sobre esse tópico.
1. O juízo pré-advento é uma atividade atual de Deus. As aplicações correras
determinadas para as grandes profecias de tempo de Daniel e de Apocalipse indi-
cam que estamos vivendo agora o que é conhecido como o "tempo do fim". E no
"tempo do fim", mas antes do segundo advento de Cristo, que esse juízo deve ser
realizado no Céu. Visto que estamos vivendo agora nesse tempo demarcado profe-
ticamente, significa que o juízo está sendo conduzido neste momento no Céu.
De todas as coisas que os cristãos devem se interessar em saber sobre Deus,
uma das mais importantes é o que Ele está fazendo agora. Portanto, como uma
atividade presente de Deus, esse juízo pré-advento deve ser um tema de grande
interesse para os cristãos contemporâneos.
2. O juízo pré-advento constitui um momento decisivo ou um ponto crítico
na história da salvação. Na visão de Daniel 7, são mostradas ao profeta a ascensão
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFH -IA

e a queda de uma série dos principais reinos da história humana e o curso de uma
entidade político-religiosa. Depois de ter visto a atividade do último desses pode-
res, a atenção do profeta c dirigida à corte celestial, onde vê o Ancião de Dias e
miríades que estavam diante dele darem início ao juízo final.
Em consequência desse juízo começa uma ordem inteiramente nova da histó-
ria humana, uma ordem que se estende à eternidade no reino de Deus. Portanto,
o juízo que Daniel contempla em visão está no ponto critico entre a presente
ordem da existência humana e a ordem eterna que se seguirá.
3. O juízo pré-advento distingue o "tempo do fim" do fim dos tempos. O
"tempo do fim" é conhecido das profecias de Daniel como um período de tempo
durante o qual vários eventos ocorrerão. As pessoas esquadrinharão o livro de Da-
niel, então o rei do norte fará certas coisas, etc. O acontecimento mais importante
do "tempo do fim" é o juízo no Céu.
Quando o juízo for concluído, o "tempo do fim", durante o qual o juízo ocor-
reu, terá também um fim. Quando isso acontecer, Deus estabelecerá seu próprio rei-
no eterno. A história humana como a conhecemos agora irá terminar. Esse c o fim
dos tempos. Assim, o "tempo do fim" tem inicio aproximadamente quando começa
o juízo pré-advento, e o fim dos tempos chega quando acaba o tempo do fim.
4. O juízo pré-advento ocupa a primeira das três grandes fases do juízo fi-
nal de Deus, que termina com o estabelecimento de seu reino eterno. O juízo 225
pré-advento descrito em Daniel não é o único juízo de abrangència cósmica que
conhecemos da Bíblia. É seguido pelo juízo conduzido no Céu por Cristo e seus
santos durante o milénio (Ap 20:4-6; ICo 6:2-3). Um terceiro juízo deve ser rea-
lizado perante o grande trono branco de Deus no fim do milénio (Ap 20:11-15).
Dado que essas cenas dos três juízos fluem de uma a outra numa sucessão inin-
terrupta, pode-se pensar que são três fases de» juízo final. Com a terceira e última
dessas fases, o plano de salvação é concluído.
Cada uma das fases do juízo final tem seu objeto especial de atenção. Na fase
do juízo pré-advento, é resumido o relato final de todos os santos de todas as eras
que entrarão no reino eterno de Deus. Durante a fase do juízo milenial, esses
santos julgarão ou avaliarão os registros daqueles que não foram aceitos nesse
reino. Então, no fim do milénio, na terceira fase executiva, será dado aos ímpios
o veredito final, e aos justos, sua recompensa.
Assim, todas essas três fases do juízo final podem ser vistas como complemen-
tares. O juízo pré-advento dá início a essa sequência que terminará com a cena do
juízo na qual os justos tomam posse da terra renovada.
5. O juízo pré-advento focaliza Cristo e tem algo a dizer a seu respeito no seu
clímax. De acordo com a descrição da visão em Daniel 7, o profeta vê duas cenas
diferentes desse juízo. Na primeira, lhe é mostrado o começo do juízo na cena do
tribunal presidido pelo Ancião de Dias, Deus o Pai.
IMK iRTÀNciA TEOLÓGICA n*.") juízo PRÉ-ADVENTO

A conclusão do juízo é mostrada ao profeta em uma segunda cena. Nessa


última cena, é concedido ao Filho do Homem, Jesus Cristo, o governo definitivo
sobre toda a terra e seus habitantes. O grande clímax desse juízo é assim mostrado
ao profeta, e em seu centro está Jesus Cristo.
Naturalmente, isso não significa que Cristo teve que esperar até o juízo final
para descobrir se Ele iria governar sobre o reino eterno. Antes, o trabalho de
revisão e resumo conduzido durante o curso desse juízo resulta n u m a grande e
definitiva reafirmação de tudo o que Ele realizou com o plano de salvação. Da
mesma forma, esse juízo representa um resumo e uma afirmação tia salvação
que os santos individualmente obtiveram antes por meio de seu relacionamento
com Cristo.
6. O juízo pré-advento fala a respeito dos ímpios e sua sentença. A entidade
incorporada dos que se opõe a Deus é representada nas profecias de Daniel 7 e 8
pelo símbolo do chifre pequeno. Contudo, mesmo a esses que compartilham do
destino do chifre pequeno é assegurado o recebimento da sentença de um Deus
justo. As decisões tomadas em seus casos nào são o resultado de um ato arbitrário
da parte de Deus, mas resultam de um exame de seus próprios registros. Esse exa-
me não é conduzido em segredo; é realizado tendo como testemunha o exército
de anjos celestiais.
226 7. O juízo pré-advento fala a respeito dos justos e seu destino. Um evento
que segue imediatamente a conclusão desse juízo é a entrada dos santos do Altís-
simo em seu reino eterno. Dada essa estreita relação, esses dois eventos devem ser
vistos como causa e efeito. Assim, é evidente que uma das funções desse juízo é
servir como uma revisão final e determinar o total de santos de todas as eras que
podem, pela graça de Deus, entrar nesse reino.
De tempos em tempos, alguns desses santos foram sentenciados culpados de
vários crimes por tribunais terrenos, quando na verdade estavam servindo a Deus
e ao homem fielmente. No juízo pré-advento essas sentenças injustas proferidas
por tribunais terrenos serão revertidas pelo tribunal celestial. Dessa forma, Deus
vindicará seus santos. Daniel 7:22 se refere a esse fato indicando que a corte celes-
tial fará justiça aos santos (para o beneficio de, a favor de). A fim de dar o veredito
mais preciso, a corte celestial, obviamente, deve estar mais bem familiarizada com
a vida e com os casos dos santos do que os perseguidores e acusadores terrestres,
tais como o chifre pequeno.
Ao se considerar tal curso de ação, é bom ter em mente que se Deus é por seu
povo, ninguém pode oferecer oposição significativa a eles (Rm 8:31-39). Como
parte do plano de salvação, o objetivo desse juízo é salvar tantos quanto possível,
não excluir o maior número possível. O falso seguidor, que não está em genuína
união com Deus terá que ser rejeitado nesse juízo (Ex 32:33; Mt 22:10-14). Mas
o desejo por parte de Deus de salvar é representado no apelo feito por meio de
70 SLMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

seu profeta: "Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que
haveis de morrer, ó casa de Israel?" (Ez 33:11).
Uma bonita ilustração dessa obra de misericórdia, graça e justificação nos é
dada na visão sobre Josué, o sumo sacerdote na época de Zacarias (Zc 3). Esse caso
acontece no santuário, e envolve uma decisão ou julgamento da parte de Deus a
favor do sacerdote. O anjo do Senhor ordena: "Tirai-lhe as vestes sujas." E asse-
gura ao penitente Josué: "Eis que tenho feito que passe de ti a tua iniquidade e te
vestirei de finos trajes" (Zc 3:4).
8. O juízo pré-advento dá uma resposta à questão do presente estado dos
justos mortos. De acordo com uma compreensão bíblica correta da natureza do
homem, ele é mortal. Quando ele morre, dorme no túmulo. Isso significa que os
mortos justos de todas as eras ainda estão dormindo em seus túmulos, e a solução
final para seu problema com relação a esse estado ainda será dada.
Quando Cristo vier novamente, Ele ressuscitará seus santos que estão dormin-
do e lhes dará sua justa recompensa. Portanto, a recompensa é determinada antes
de Ele vir. Uma ocasião apropriada para se determinar isso é quando seus casos
são revistos no juizo pré-advento.
Tem sido difícil para os não-advcntistas entenderem o ensinamento do juízo
pré-advento sustentado pela Igreja Adventista. Uma forte razão para essa falta de
compreensão deriva do conceito que as pessoas têm sobre a natureza do homem. 227
Quando se aeiota a opinião de que o homem é imortal por natureza, o momento
em que a pessoa é julgada é na sua morte. Então, ela é recompensada com uma
vida futura no céu ou no inferno.
Consequente mente, um juizo pré-advento, tal como é apresentado na Bíblia,
não pode se harmonizar com o conceito de imortalidade do homem. Mas se, por
outro lado, a questão é vista a partir da perspectiva bíblica da natureza do homem,
esse juízo pré-advento é uma consequência lógica e natural ou requisito dessa
compreensão correra da Bíblia.
9. O juízo pré-advento fornece uma demonstração do caráter de Deus. Final-
mente, em virtude da maneira como Ele conduz esse juízo pré-advento, a retidão, a
justiça e misericórdia de Deus será proclamada por todos os seres da terra e do céu
(Is 45:23; Rm 3:26; 14:10-11; FP 2:10-11; AP 15:3-4; 16:5,7; 19:2, 11). Dessa forma,
o caráter bondoso de Deus, que to i discutido durante a controvérsia com Satanás
(Ap 12:7-9), será vindicado. Essa vindicação definitiva pode nos dar confiança a
respeito do tipo de Juiz e Advogado que temos agora na corte celestial.
10. O juízo pré-advento fornece uma conclusão lógica à primeira fase do
ministério sacerdotal de Cristo no Céu. O plano de redenção está sendo exe-
cutado desde a queda do homem. Durante esse período, tem alcançado grandes
resultados. Portanto, é natural e lógico que as conquistas cumulativas do plano
de redenção devem ser demonstradas à medida que for concluído. O juizo pré-
IMPORTÂNCIA TEOLÓGICA TO jutzo PRÉ-ADVENTO

advento oferece a oportunidade para tal demonstração. Essa demonstração é feita


ao se fornecer uma revisão e resumo dessas conquistas diante dos seres leais do
universo. É, portanto, uma conclusão lógica disso.
É possível traçar um paralelo com o curso da ministração no antigo tabernáculo/
templo/ santuário dos hebreus. Durante o curso do ano cúltico foram realizados vá-
rios sacrifícios com o propósito de- tazer expiação ou reconciliação entre o pecador e
Deus. Essas cerimónias culminavam nos serviços conduzidos no Dia da Expiação.
Os serviços no Dia da Expiação tinham dois propósitos principais até onde se
sabe: (1) eles cumpriam a expiação final por todos os pecados confessados durante
o ano, E (2) servia como um dia de juízo para os pecadores não arrependidos e
rebeldes. Eles deviam ser eliminados do acampamento. (O Dia da Expiação tam-
bém servia para purificar o santuário e sua mobília para prepará-lo para o próximo
ano de serviços). Assim, esse dia cúltico de juízo servia como uma conclusão do
ministério que era realizado no acampamento e no santuário durante o ano.
Da mesma forma, o juízo pré-advento pode ser visto como uma fase final da
ministração celestial de Cristo. Esse ministério de reconciliação e intercessão
começou em sua ascensão (Hb 8-9). Também serviu como validação do que foi
cumprido durante os serviços do templo terrestre e tabernáculo no tempo do An-
tigo Testamento (Hb 9:15). Com o juízo pré-advento chega o tempo para o relato
e resumo final do que foi alcançado com esse ministério. Funciona, portanto,
como uma conclusão dele.
Deve-se observar que o fato de Cristo ter entrado na segunda fase do seu minis-
tério em 1844, não significa que Ele tenha cessado de realizar as funções da primei-
ra fase. A salvação ainda está disponível para pecadores arrependidos. Com base
no paralelo antigo dos tipos pode-se dizer que no antitípico Dia da Expiação ambas
as fases do ministério de Cristo no santuário celestial - intercessão e julgamento -
podem ser e são realizadas ao mesmo tempo em que dura a provação humana.
11. O juízo pré-advento coloca uma forte ênfase sobre as demandas éticas do
evangelho. Viver nesse tempo, quando o juízo está sendo conduzido no Céu, é
algo que faz refletír. Deve ter um efeito sobre o modo como o povo de Deus vive,
não com relação a um esforço para demonstrar retidão com nossas próprias obras,
mas com relação a uma fé profunda ligação com o Deus que nos justifica e nos
santifica e nos habilita a fazer sua obra no mundo.
Saber que estamos vivendo numa época tão solene é um chamado a: (1)
adorar o Deus verdadeiro e não adorar o que é falso (Ap 14:6-14); (2) receber o
evangelho ou as boas novas da salvação em Jesus Cristo e exercitar a fé nele {At
4:12), O) viver uma vida santificada por meio do poder do Espírito Santo (ITs
5:23); (4) testemunhar ao próximo e a todo o mundo sobre o caráter de Deus,
o que o plano de salvação tem cumprido, e as responsabilidade^ do cristão para
com Deus (Mt 28:19).
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PKOR;UA

Com o evangelho vem um chamado para o viver santo (Mr 5-7). Portanto, os
cristãos não podem continuar a viver de modo complacente, porque deve ser leva-
do diante de Deus. Essa prestação de contas é enfatizada pelo juízo que está sendo
realizado agora no Céu. Ao colocar esse juízo num contexto profético, e localizar
essa parte desse contexto em nosso próprio tempo, Cristo confere um sentido de
urgência particular em seu chamado à missão de seu povo neste tempo.
12. O juízo pré-advento enfatiza nossa responsabilidade de observar todos
os mandamentos de Deus, incluindo a guarda do Sábado. O chamado de Cristo
para se observar as demandas éticas do evangelho neste tempo profético não pode
ser separado do dever de guardar seus mandamentos porque o amamos. Num jul-
gamento, alguns padrões devem ser observados como regra. Para Deus, essa regra
é sua lei, os Dez Mandamentos (Tg 2:9-12). A função do juízo final naturalmente
chama atenção para um aspecto muito negligenciado dos Dez Mandamentos: o
chamado para se observar o sétimo dia do quarto preceito. No mesmo "tempo do
fim" no qual se localizam as profecias de Daniel e Apocalipse, o juízo pré-advento
encontrará na Terra um povo que expressa lealdade a Deus observando todos os
seus mandamentos (Ap 12:17; 14:12).
Esse é um tempo profético em que homens e mulheres são chamados especial-
mente a adorar a Deus como seu Criador (Ap 14:6-7). A maneira mais apropriada
de se adorar a Deus como Criador é adorá-lo no dia que Ele separou, santificou e
abençoou como memorial de sua criação, o sétimo dia, o sábado (Gn 2:2-3).
Uma relação profética entre o sábado e o juízo pré-advento pode, portanto, ser
estabelecida. Essa relação convida a humanidade a observar o sábado como uma
verdade presente sobre seu Criador e Redentor.
CAPÍTULO 11

UMA ALTERNATIVA PARA O HUMANISMO1


Síegfried J, Schwantes

S inopse editorial. A ênfase sobre o humanismo na sociedade moderna ociden-


tal, se desenvolvendo como um subproduto do Renascimento, juntamente
com os notáveis avanços da ciência e tecnologia, deu origem as teologias centradas
no homem e minimizou o papel de Deus.
A retomada da doutrina do santuário celestial no século 19 restabelece esse
equilíbrio de maneira providencial. Ela redireciona a atenção humana para Deus
"Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo" (Ap 14:6)
- ao apontar para o ministério sacerdotal de Cristo no Céu, onde o destino da
humanidade será decidido.
A doutrina bíblica do ministério sacerdotal de Cristo, tanto na intercessão
como no julgamento, ressalta novamente a dimensão celestial do plano de Deus
para redimir os pecadores. A doutrina do santuário é um lembrete oportuno
de que as decisões finais que dizem respeito à salvação são tomadas no céu e
não na terra.

Turistas na Europa gostam de visitar as catedrais medievais em várias cidades.


As torres dessas estruturas góticas, como em Colónia ou Estrasburgo, com seus
formatos espiralados c vitrais que se levantam cm direcâo ao alro, falam do anseio
h u m a n o por comunhão com o Céu.
Ao saber que algumas dessas catedrais exigiram um ou dois séculos de trabalho
paciente e dedicado, podemos entender melhor o quanto o Céu e sua glória inun-
davam a imaginação dos construtores. Tais estruturas, representando a quintessência
das habilidades artísticas de milhares de trabalhadores anónimos, dão um testemu-
nho silente do espirito de uma época que pouco conhecia as comodidades da vida.
Muitas dessas catedrais hoje estão vazias e dilapidadas, uma clara evidência da mudan-
ça dos valores europeus desde o século 14- Esse século marcou a aurora do Renascimento
e do humanismo, em que as atenções se voltaram para o homem como o protagonista no
palco da história. O Céu e eternidade logo foram relegados para um plano secundário,
enquanto o homem e suafelicidadeterrena se tornaram o foco de atenção.
UMA ALTERNATIVA FARÁ O HUMANISMO

Se os aspectos positivos do movimento humanista foram uma reação benéfica


contra uma preocupação exagerada com o além, também teve efeitos negativos. Se
ele chamou a atenção para a beleza do mundo em que vivemos e para nossa tarefa
de melhorar nossa sorte, também fechou os olhos para o interesse na vida porvir.
Não podemos escapar das ideologias atuais, da mesma forma que não po-
demos escapar do ar que respiramos. Os teólogos não são mais imunes do que
as outras pessoas; consequentemente, os Reformadores sofreram a influência da
ideologia humanística, que prevalecia em todos os lugares. A tendência humanista
marcou até o pensamento de Lutero e Calvino.
Sob a guia do Espírito Santo, os reformadores restabeleceram preciosas verda-
des bíblicas que permaneceram esquecidas durante a Idade Média, entre elas, a
doutrina da justificação pela fé. Porém, na atmosfera intelectual do século 16, os
reformadores não estavam preparados para compreender a doutrina do santuário
celestial. Os tempos não eram favoráveis para que os teólogos vissem as passagens
bíblicas relacionadas a esse assunto com a luz apropriada.
Em contraste com a teologia centrada no homem, presente no ocidente desde
o Renascimento, está o ensinamento bíblico de que nenhuma fase da experiência
da salvação é meramente uma questão terrena. Jesus deixa claro que a experiência
religiosa tal como o arrependimento, a confissão e o perdão repercutem no Céu.
Considere o arrependimento, que parecia ser apenas uma experiência subjetiva
que ocorre no coração. Jesus concluiu a parábola da dracma perdida dizendo: "Eu vos
afirmo que, de igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se
arrepende" (Lc 15:10). Mesmo que o arrependimento brote do fundo do coração, não
é gerado por si só, mas é uma resposta ao amor de Deus, A bondade de Deus nos leva
ao arrependimento (Rm 2:4). A compaixão divina evoca uma resposta no coração, mas
essa resposta não tem valor salvífico, a menos que seja comprovada pelo Céu.
A verdade sobre o arrependimento é ainda mais evidente no caso da confis-
são, que é a expressão audível do arrependimento. Vinda do fundo do coração,
a confissão humilde do publicano, ecoou com alegria no Céu. "Digo-vos," disse
Jesus, "que este desceu justificado para sua casa, e não aquele." (Lc 18:14).

CONFISSÕES REGISTRADAS NO CÉU


A confissão não relacionada ao pecado, isto é, a confissão pública de fé em
Cristo, também tem repercussões no Céu. "Portanto, todo aquele que me confes-
sar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos
céus" (Mt 10:32). Toda confissão sincera é registrada nos livros do Céu com mais
precisão que em qualquer computador da terra.
O perdão dos pecados é uma operação meramente terrestre? "O que ligares na
terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus"
70 SKMANAS, LKVÍTICO E A NATUREZA DA PROFKCIA

(Mr 16:19). O perdão, assim como o arrependimento, não tem valor salvifico a menos
que seja selado no Céu. A igreja pode perdoar; a pessoa ofendida pode perdoar; mas
a menos que Deus perdoe, o pecado testemunhará contra o pecador no dia do juízo
final. Portanto, o perdão nunca é uma questão meramente terrena.
Feitas essas considerações, deve ficar claro por que a doutrina do santuário celes-
tial é oportuna. Ela obriga os teólogos a levarem a sério a dimensão celestiai da reden-
ção de Deus. As parábolas da ovelha perdida e da dracma perdida mostram que a
iniciativa na obra de salvação das almas é de Deus e não do homem. O amor divino
nos alcança desde o Céu para nos redimir do nosso dilema sem esperança.
A doutrina do santuário celestial lembra que as decisões finais relacionadas ã
salvação são tomadas no Céu, e não na terra. Longe de incentivar n ideia de auto-
piedade, as Escrituras nos encorajam a olhar para o Céu, onde Deus nos espera
para mostrar sua graça. "Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da
terra" (Is 45:22). O autor de Hebreus exortou os crentes, cuja atenção ainda estava
centrada no santuário terrestre, a olharem para o Céu: "Ora, o essencial das coisas
que temos dito é que possuímos tal sumo sacerdote, que se assentou à destra do
trono da Majestade nos céus" (Hb 8:1). Os que vivem esse lado da cruz devem
fixar os olhos em Jesus Cristo, nosso mediador celestial.
No santuário celestial, Cristo realiza, neste momento, o seu ministério sacer-
dotal em nosso favor, um ministério tão vital para nossa salvação como foi seu
ministério terreno, culminando com sua morte no Calvário. Sem a encarnação e o
sangue de Cristo derramado na cruz, não poderia haver ministério celestial, visto
que um sacerdote deve ter algo a oferecer em sacrifício (v. 3). E sem a intercessão
n-k-Mhil Jc Crisru, o> [xv.iJmvs nfio U T Í ; I I M n e n h u m benefício dn ^ ; u T Í t k i < > Jr
Cristo. Não haveria algo que ligasse o que foi feito no Calvário com a necessidade
de perdão e reconciliação aqui e agora. (cap. 7:25).
Essa intercessão prova aos seres não-caídos que Deus é justo, enquanto Ele
é "o justificador daquele que tem fé em Jesus" (Rm 3:26). No tribunal celestial,
onde miríades de anjos participam como testemunhas, o justo juízo de Deus deve
estar acima de qualquer suspeita. Quando o último caso for examinado c a senten-
ça pronunciada para vida ou morte, uma miríade de vozes proclamará: "Grandes
e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus, Todo-poderoso! Justos e verdadeiros
são os teus caminhos, ó Rei das nações!" (Ap 15:3).
Apenas os que estão alheios às questões em jogo minimizam a relevância do que
se passa no Céu. Embora nossa salvação seja importante, é ainda mais importante
demonstrar a justiça de Deus ante o universo. Iniciada na cruz, essa demonstração
não terá fim até que o tribunal celestial tenha pronunciado a última sentença.
A doutrina do santuário celestial vem como um antídoto oportuno para neu-
tralizar a tendência humanista no pensamento teológico moderno. O fato de essa
tendência ser tão antiga quanto a Reforma não a torna menos perigosa. O foco de
UMA ALTERNATIVA PARA O HUMANISMO

atenção, por tanto tempo sobre os seres humanos e seus pecados, estará por tim so-
bre Deus, o Alfa e o Omega do plano da salvação. Para os reformadores, a afirmação
de Habacuque 2:4, "O justo viverá pela sua fé", parece compreender todo o evange-
lho. Embora essa declaração deva manter o seu valor total, é apenas uma expressão
parcial do evangelho. Por outro lado, Habacuque 2:20 deve permanecer como um
contrapeso: "O Senhor está em seu santo templo; cale-se diante dele toda terra."
Muito embora a ênfase humanística fosse necessária após séculos de espiritua-
lismo medieval, não representa a última palavra na busca do homem pela verdade.
Se a dimensão humana da salvação foi negligenciada pelos teólogos académicos,
o pêndulo oscilou para o extremo oposto com a reação humanística, quando a
dimensão celestial da redenção foi negligenciada de igual maneira. A retomada da
doutrina do santuário celestial no século 19 restabeleceu o equilíbrio de maneira
providencial, redirecionando a atenção para o ministério celestial de Cristo, onde
o destino humano será decidido.

ÊNFASE NA DIMENSÃO CELESTIAL

Que Deus, em sua providência, dispôs a nova ênfase sobre a dimensão celes-
tial da salvação, pode ser visto na mensagem do primeiro anjo do Apocalipse: "Te-
mei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do seu juízo" (v. 7). A tentação,
desde o Renascimento e ainda mais especialmente desde a revolução cientifica,
tem sido no sentido de glorificar as realizações humanas e negligenciar a Deus, a
quem cientistas e filósofos relegam um papel sem importância.
Ê parte do plano divino desde a Criação que aspiremos à dominação cada
vez maior sobre a terra e seus recursos (ver Gn 1:26-28). Mas o homem agiu de
maneira presunçosa ao permitir que essa embriaguez com a ciência e tecnologia o
cegasse para sua dependência de Deus.
A conexão entre a primeira mensagem angélica e a doutrina do santuário
celestial pode ser vista pela declaração ele que a hora de seu juizo chegou. Em
Apocalipse, o juízo final é associado com frequência ao templo no Céu. "O tem-
po determinado para serem julgados os mortos" (Ap 11:18) precede a declaração
"Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da
Aliança no seu santuário" (v. 19). A arca da aliança no santuário terrestre con-
tinha as tábuas da lei (Dt 10:5), e sobre elas centrava-se a cerimónia do Dia da
Expiação (Lv 16:15, 16). Portanto, o julgamento envolve o Decálogo, e este está
associado à arca do lugar santíssimo.
O julgamento se torna o estágio final na erradicação do pecado do universo;
então, o Dia da Expiação esclarece a relação entre o santuário e o juízo. As cerimó-
nias detalhadas em Levítico 16 podem set consideradas como o apogeu judicial do
ano religioso. No ciclo cerimonial de 12 meses estavam tipificados vários aspectos
70 SKMANAS, LtvlTico n A NATI ÍUHZA DA PROFECIA

da reconciliação entre o homem e Deus. O Dia da Expiação purificava o santuário


e o povo dos pecados acumulados durante o ano. Aqueles que perdiam sua fé no
perdão de Deus tinham seus pecados retidos e eram excluídos da vida religiosa da
comunidade. Para Israel, esse dia se identificava com o dia do julgamento, visto
que seu destino eterno dependia da aceitação deles por Deus nesse dia. Em sua
mente, o santuário estava associado ao julgamento final.
Naqueles dias de pseudoevangelhos firmados sobre premissas humanistas, a
doutrina do santuário celestial surge como um lembrete oportuno de que a salva-
ção deriva apenas de Deus. Cada passo no processo de nossa reconciliação com
Deus tem sua repercussão no Céu.

235
CAPÍTULO 12

JUSTIFICAÇÃO E juízo
Ivan T. Blazen

JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ/JUÍZO SEGUNDO AS OBRAS


S inopse editorial. Nesta e na próxima seção, o autor examina duas doutrinas
bíblicas enfatizadas pelo apóstolo Paulo de modo especial: (1) justificação pela
fé, e (2) juízo segundo as obras. Estudiosos da Bíblia tem oferecido várias expli-
cações para reconciliar o que parece ser um conflito entre essas duas posições
doutrinárias da fé cristã.
Alguns argumentam que o conceito do juízo final é um vestígio do judaísmo
de Paulo, sendo irrelevante para os cristãos. Outros sugerem que as passagens
sobre o juízo no Novo Testamento têm a função apenas de incentivar o pecador
a se voltar para Cristo em busca de justificação, e que não possuem nenhum
significado maior para os crentes. Alguns ensinam que, inicialmente, o pecador
é justificado pela fé, mas que, no final, é justificado ao alcançar, por meio da
graça, o padrão de perfeição. Ainda outros vêem o juízo como algo que não está
relacionado com sua salvação ou ruína, mas apenas como uma designação de
recompensas entre o povo de Deus.
Porém, nenhum desses pontos de vista confere o valor real a esses dois ensina-
mentos bíblicos. Visto que fazem parte da revelação inspirada, nenhuma das duas
doutrinas pode ser minimizada ou enfraquecida em favor da outra.
A conclusão do autor sobre essas duas verdades pode ser chamada de "a
concepção histórico-redentora dinâmica". Ela enfatiza que o "já" da salvação
começa no aqui e agora e que o "ainda não" se dá na plenitude da salvação. A
essência dessa concepção é que há apenas uma justificação que acompanha o
crente desde o início da fé (o "já") até o juízo final, onde sua realidade e vitali-
dade são testadas e atestadas por meio de seus frutos (o "ainda não"). No fim
- no juízo - Deus indaga sobre a justificação com o seu fruto. Ele não faz isso no
sentido da fórmula "fé + obras = salvação", mas no sentido de que a justificação
é a fonte do fruto santificado.
Apesar de a benção da absolvição no juízo futuro ser desfrutada desde já, a
Bíblia deixa claro que o que Deus deseja ver no juízo final são crentes justificados
JUSTIFICAÇÃO E juízo

que, por meio de sua graça, tiveram genuína união com Ele e que produziram
fruto para sua glória.

ESBOÇO DA SEÇÃO

1. Introdução
2. Razão e revelação
3. Justificação pela fé e juízo segundo as obras
4- Justificação e certeza
5. Juízo e certeza
6. Um conflito solucionado

INTRODUÇÃO

Este estudo tem o objetivo de esclarecer a relação entre a justificação so-


mente pela fé, que traz a certeza da salvação, e o juízo segundo as obras. Foram
feitas várias tentativas de se solucionar o que é visto como um conflito ou
contradição entre essas duas doutrinas. Com frequência, essas tentativas costu-
mam minimizar ou negar um desses ensinamentos. Afirmo que ambas devem
ser mantidas firmemente, pois a Bíblia ensina as duas; e também que existe
uma profunda união entre elas, como a união que existe entre Cristo como
Salvador e Cristo como Senhor.
Uma vez que a maior parte da discussão sobre justificação e juízo é conduzida
com respeito ao pensamento do apóstolo Paulo, minha atenção será voltada a ele. Po-
rém, há referências a outras passagens e a certas declarações no Espírito de Profecia.
Como um pressuposto para a discussão, este estudo considera primeiramen-
te a relação entre razão e revelação. Em seguida, discute a ocorrência e o signi-
ficado em Paulo de (1) justificação pela fé, independente das obras, e (2) juízo
segundo as obras. Isso nos leva a uma avaliação de várias tentativas de conciliar
as duas doutrinas. Finalmente, examinaremos a relação entre Cristo como Sal-
vador e Cristo como Senhor, entre o dom de Deus e a reivindicação de Deus
(seção 2). Nosso objetivo é dar um novo enfoque ao debate sobre a relação entre
justificação e juízo. O estudo se encerra com uma aplicação da controvérsia ao
ensinamento da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre o juízo e com uma con-
sideração dos aspectos do juízo na teologia de João.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA PA PROFECIA

RAZÃO E REVELAÇÃO

De início, é necessário, com base na Bíblia, considerar uma forma falaciosa de


raciocínio que interpreta de maneira errada a revelação divina. Se esse raciocínio
não é contestado e se é permitido que se mantenha, pode tornar impossível uma
conclusão bíblica equilibrada para a relação entre justificação e juízo.
Um texto apropriado para essa discussão, relevante à temática deste estudo,
é Romanos 3:1-8. Nessa passagem, Paulo está argumentando com o judaísmo
sobre a questão da fidelidade de Deus. Em Romanos l e 2, Paulo mostrou que
os seres humanos são infiéis a Deus. Todas as pessoas, não só os gentios como
também os judeus, muitos dos quais condenavam os gentios, são pecadores pe-
rante Deus, e estão sob o seu juízo (Rm 2:2), sujeitos à sua ira. Levanta-sc uma
pergunta com relevância especial relativamente aos judeus, aos quais foram
confiados os oráculos divinos (Rm 3:1-2): a infidelidade dos homens anula a
fidelidade de Deus (v. 3)? Ou seja, o pecado dos homens, principalmente o dos
judeus, anula as promessas de Deus? A resposta de Paulo é um enfático NÃO!
Deus é verdadeiro, embora todo ser humano seja falso. Ele prevalece quando é
julgado a respeito de sua palavra e fidelidade (v. 4).
Com isso, a questão toma um novo rumo, uma direção contrária. Ela não
mais tem a ver com a fidelidade de Deus - que agora se presume ser verdadeira
- e, sim, com a infidelidade do homem. O ponto agora não é sobre o juízo do
homem sobre Deus, mas sobre o juízo de Deus sobre o homem. Se não é possível
anular a fidelidade divina, não deveria a infidelidade humana ser anulada como
algo suscetível ao juízo.' Se a fidelidade divina permanece, muito embora todos
sejam infiéis, então talvez a infidelidade humana não deva ser rejeitada, mas
desejável, uma vez que não é não punível de fato, já que tal infidelidade apenas
ressalta a fidelidade de Deus. Deus nào estaria sendo injusto por aplicar a sua
ira (v. 5) ou julgar como pecador alguém cuja mentira elevou a verdade de Deus
para sua glória (v. 7)? De fato, não é recomendável fazer o que é mal de modo que
"venham bens" (v. 8)? O "bem" nesse caso provavelmente se refere em primeiro
lugar à luz favorável na qual a maldade humana coloca a bondade divina e, em
segundo lugar, ao bem ou à graça que vem de Deus aos seres humanos que peca-
ram (veja Rm 5:20 e 6: l).
Esse tipo de argumentação foi designado, por aqueles que o empregaram,
para desacreditar a doutrina de Paulo da justificação dos pecadores mostrando
que isso levaria a uma perpetuação do pecado, sendo até mesmo um convite para
ele, em vez de sua extinção.
J l M ( i U V. U > l II IA '

PAULO RESPONDE

Paulo responde dizendo que se o referido raciocínio de deixar humanos peca-


dores livres fosse válido, então "como julgará Deus o mundo?" (Rm 3:6). Com essa
pergunta, Paulo nega a lógica de seus oponentes, não com uma discussão - que
virá em Romanos 6, após Paulo ter desenvolvido completamente seu ponto de
vista sobre a justificação pela fé (Rm 3:21-4:25) e suas consequências (Rm 5) -,
mas com um apelo à revelação divina: Deus julgará o mundo.
Se isso é verdade, conforme crêem ele e seus oponentes judeus, então nenhum
tipo de raciocínio que minimize ou elimine esse juízo pode ser válido. A revelação
divina suplanta a lógica humana comum. (Observe como a objeção dos judeus apre-
sentada em Romanos 3:5 é seguida pelo comentário de Paulo: "Falo como homem")
A razão deve ser a serva da revelação. É a revelação que ilumina a razão, e,
portanto, é tarefa da razão explicar a revelação, não contradizè-la. Visto que a
realidade do juízo é estabelecida com base na revelação, a razão deve explicar seu
significado, não minimizar ou destruir sua importância.

240 JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ E juízo SEGUNDO AS OBRAS

Dois elementos inerentes em Romanos 3:1-8 emergem de forma clara.


Primeiro Deus é fiel, isto é, Ele cumpre suas promessas aos seres humanos,
embora tenham quebrado suas promessas para com Ele (v. 1-4). Segundo,
não há desculpa na fidelidade de Deus para o pecado do homem, nenhum
encorajamento à sua continuidade (v. 5-8). Esses dois pontos podem parecer
estar em conflito, mas para Paulo formam uma unidade e devem estar juntos.
Paulo irá desenvolver o primeiro ponto em seu ensino sobre a justificação di-
vina dos pecadores pela fé, e o segundo ponto com base em seu ensino sobre
a justificação segundo as obras.
Esses dois elementos são os pilares da teologia paulina. Para Paulo, eles
estão juntos, e um explica o completo significado do outro, protegendo-o de
más interpretações e falsas deduções.
A justificação pela fé ajuda a salvaguardar o juízo das ideias falsas de que os
seres humanos nunca serão capazes de ficar em pé no juízo de Deus ou que a
justiça própria colocará em débito a justiça de Deus. Em outras palavras, a jus-
tificação contradiz o conceito de que os seres humanos não podem sobreviver
ao juízo ou que podem sobreviver a ele por si próprios.
Por outro lado, o juízo segundo as obras protege a doutrina da justificação dos
ímpios de significar a justificação da impiedade. Se existe um juízo segundo as obras,
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

então a justificação deve significar que a vida dos justificados é reivindicada por
Cristo e eles são chamados a viver para Ele que morreu por eles (2Co 5:14-1 5).
Quando qualquer um desses pilares é enfraquecido ou removido pelo anseio
de uma unidade de pensamento fácil, rápida, terminamos não com uma meia ver-
dade, mas com verdade nenhuma. Com base na revelação da Bíblia, é ficção crer
que a justificação não nos relaciona ao governo de Cristo como Senhor ou que o
juízo não nos relaciona à obra de Cristo como Salvador.
Paulo ficou muito enraivecido com os que tentaram de todas as maneiras,
fosse por pensamento ou ação, mover um desses pilares. Conforme vemos em
Gaiatas 1:8-9 e Romanos 3:8, aqueles que advogam qualquer uma dessas posições
- trabalhar pela justificação ou o justificado não trabalhar - foram da mesma for-
ma condenados por Paulo severamente. Se, como lemos em Hebreus: "Horrível
coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Hb 10:31), pode-se também estar certo de que
era algo terrível cair nas mãos do servo de Deus, Paulo!
Visto que tanto a justificação pela f é e o juízo segundo as obras são elementos
da revelação divina, o cristão deve aceitar a ambas, proclamar a ambas, interpretar
a ambas, e buscar correlacionar ambas. Um ensino não deve ser feito para resistir
ao outro de forma que a sua essência e contribuição única sejam negadas.
Conquanto seja possível dar apenas Lima breve sugestão, afirmamos que a ne-
cessidade e a unidade entre justificação e juízo não devem ser buscadas por meio de
lógica dedutiva, formal; esses pilares estão ligados com a história da salvação. Falar de
justificação é falar sobre realidades que existem no contínuo da história da salvação.
Somente no cenário do revelado drama da salvação, conforme nos descrevem
as Escrituras, a justificação e o juízo podem ser avaliados de forma correta. Sepa-
rados da história da salvação, e como objetos de debate lógico, a justificação e o
juízo podem se contradizer.
E papel do raciocínio cristão estimar o lugar e a função que a justificação e
o juízo têm no plano redentor de Deus. De acordo com esse plano, Deus veio
à Terra na pessoa de Jesus Cristo, seu filho, e ofereceu a justificação, um rela-
cionamento consigo mesmo, a todo que colocasse sua fé no Cristo crucificado
e ressureto. Aqueles que Deus justificou por meio de Jesus Cristo, Ele chamou
para testemunhar de Jesus Cristo em palavra e ação até a consumação de todas
as coisas. Quando o fim chegar, o juízo avalia e testifica da realidade da jus-
tificação evidenciada pelo fiel testemunho do povo de Deus. Nessa corrente,
a justificação c o juízo não estão em conflito ou contradição, mas significam
começo e consumação.
O plano de Deus terá se completado quando o seu povo, os justificados, esti-
ver diante dele no fim dos tempos com o fruto de sua obra pessoal e evangelística
por meio do poder do Espírito. Não ter fruto é não fazer parte do processo reden-
tivo de Deus neste mundo.
JUSTIFICAÇÃO E juízo

Nossa consideração sobre a relação entre a justificação e o juízo, como a rela-


ção entre o começo e a consumação, encontra apoio em Filipenses 1:5-11. Paulo
diz que está agradecido "pela vossa cooperação no evangelho, desde o primeiro
dia até agora. Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em
vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus. Aliás, é justo que eu assim pense
de todos vós..., pois todos sois participantes da graça comigo...e também faço esta
oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a
percepção, para aprovardes as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para
o Dia de Cristo, cheios do fruto da justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a
glória e louvor de Deus."
Afirmamos que a direção e conteúdo de nossa teologia devem ser amplos o
suficiente para acomodar toda a informação da revelação divina. A esse respeito,
a justificação e o juízo devem ser considerados elementos integrais do movimento
contínuo da história da salvação. Nenhum deve ser enfraquecido ou rejeitado.
Ambos devem ser aceitos e integrados. Esses pilares devem estar juntos, apoiando
o edifício da atividade e propósito redentivo de Deus.

JUSTIFICAÇÃO E CERTEZA
242
A justificação é pela fé, separada das obras. Isso é declarado com tanta
frequência por Paulo que não é necessário listar os textos. Só Gaiatas 2:16 con-
sidera esse tema várias vezes. Entretanto, dois textos merecem atenção especial
porque suprem o raciocínio e a perspectiva a partir dos quais muitas declara-
ções de Paulo são feitas. Refiro-me a Gaiatas 2:21 e a Romanos 3:27.
Com base nesses textos, se fosse perguntado a Paulo como ele sabia que a
justificação não poderia ser pelas obras, sua primeira resposta não seria: "porque
as obras dos seres humanos são más", embora, de fato, Paulo descreva um quadro
bem sombrio da peca m i nos idade das ações humanas, como o faz em Romanos
l : 18-3:20. Em vez disso, sua resposta básica seria dada com base em Gaiatas 2:21.
A lógica de Paulo nesse texto é crístológica: "Se a justiça é mediante a lei,
segue-se que morreu Cristo em vão." E indica indiretamente o seguinte: "Mas é in-
concebível que Cristo tenha morrido por nada; Ele morreu para salvar. Portanto, a
justiça não pode ser pela lei." Em outras palavras, a justiça não pode vir pelas obras
da lei porque a revelação indica, e a fé confessa, que a justiça vem de Cristo.
O mesmo ponto básico é registrado em Romanos 3:27. Quando Paulo nega
que as obras excluem a jactância, não é esse o argumento que esperávamos, após
ter lido a história das más obras da humanidade em Romanos 1:18-3:20. Mas
então, Romanos 3:21-26, que enfatiza a manifestação da graça de Deus e justiça na
70 ShMANAS, U-VÍTK :O E A NATURtZA DA PROKKCIA

cruz, vem anres da pergunta proposta no versículo 27. Paulo responde que o que
no final das contas exclui a jactância não é a presença dos feitos malignos, mas a
fé nos feitos expiatórios de Cristo. O ensino de que a justiça não é pelas obras é,
por conseguinte, uma dedução cristotógíca.
Tendo feito essa observação, podemos achar útil resumir alguns dos elementos
principais sobre o entendimento de Paulo com relação à justificação. Romanos,
com outros textos relacionados, é o melhor guia.
Frente ao espectro vil da injustiça humana descrita em Romanos 1:18-3:20, com
toda a humanidade "debaixo do pecado" (Rm 3:9), toda boca calada, e todo o mun-
do culpável perante o tribunal de Deus (v. 19), a justiça de Deus (sua atividade reden-
tora mediante a qual Ele restaura os seres humanos para uma relação correta com
Ele), que conduz ã salvação, está sendo revelada pela proclamação do evangelho (veja
o cap. l: 16) e é eficaz pela fé e fé somente (o significado de "de té em fé" [v. 17|).
O que é anunciado nos versículos 16 e 17 é desenvolvido de forma mais com-
plera em Romanos 3:21-26. A justiça de Deus que está sendo revelada ou oferecida
pessoalmente no evangelho (Rm 1:17) foi revelada (Rm 3:21) historicamente no
sacrifício de sangue de Cristo na cruz (v. 25). Os seres humanos, os quais todos
pecaram e carecem da glória de Deus, são justificados (postos em correta relação
com Deus) pela graça de Deus por meio da redenção (liberação ou liberdade do
pecado) efetuada pelo sacrifício de Cristo (v. 24-25). Esse ato de justificação por
Deus cria um novo "agora" para os crentes (v. 21), em contraste com a velha era de
pecado e morte (Rm 1:18-3:20).
A compreensão da natureza da justificação é esclarecida em outras seções de
Romanos. Romanos 5:16, 18 e 8:33-34 são de grande ajuda, pois nessas passagens
se contrastam justificação e condenação (veja 2Co 3:9) e as acusações contra os
eleitos de Deus. Está claro que a justificação do pecador significa que sua conde-
nação é removida e todas as acusações contra ele, retiradas. Isso acontece porque
Deus é "por nós", não "contra nós", como evidenciado pelo fato de que "Ele...
não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou" (Rm 8:31-32).
Esse significado para a justificação pela fé está de acordo com o que está revelado
em Romanos 4:1-8, provavelmente a passagem mais importante para se entender a
justificação. Nela, depois de mostrar o que Abraão não encontrou uma razão para se
gloriar perante Deus devido á justificação pelas obras (v. 2), Paulo mostra, cirando Gé-
nesis 15:6, o que de fato Abraão encontrou: uma atrihnição de justiça baseada na fé.
O que envolve essa atribuição é explicado com mais detalhes em Romanos
4:6-8 pela aplicação do segundo princípio de interpretação bíblica do Rabi Hillel,
ge?erah skawah ("equivalência de expressões"). De acordo com esse princípio, uma
palavra ou frase encontrada em um texto das Escrituras pode ser explicada pelo
significado que expressa em outro texto bíblico. Sendo que a palavra atribuição apa-
rece não apenas em Génesis 15:6, mas também em Salmos 32:2, Paulo, ao estilo
JUSTIFICAÇÃO E juízo

rabínico, mas em harmonia com o evangelho, usa o último texto para esclarecer o
primeiro. Ao se fazer isso, justificação, ou atribuição de justiça, significa o perdão
do pecado ou, o que dá no mesmo, a ocultação do pecado ou sua não atribuição
ao crente (para a última ideia, veja 2Cr 5:19). Perdão completo e gratuito, isso é
justificação. A realidade disso é tão maravilhosa que aquele que a experimentou é
chamado "abençoado", ou bem-aventurado (Rm 4:7).
Em Romanos 5:9-10, dois versículos paralelos, justificação se equivale à reconci-
liação. Ambos os termos referem-se à mesma realidade e se tornam possíveis pelo
mesmo modo - a morte de Cristo - e conduzem ao mesmo resultado: a salvação.
A sinonímia entre justificação e reconciliação é vista também em 2 Coríntios 5:18-21,
onde reconciliação está unida à não atribuição do pecado, como em Romanos 4:8,
e com a justiça de Deus. O interessante c que esses conceitos estão, por sua vez, re-
lacionados à ideia de nova criatura mencionada em 2 Coríntios 5:17, que também
é encontrada em Romanos 4:17, onde Deus, que justifica, é descrito como aquele
que "vivifica os mortos, e chama à existência as coisas que não existem".
De modo geral, quando o conceito de nova criação é introduzido, as pessoas
pensam primeiramente em santificação, no sentido de crescimento moral. Mas,
como vemos em 2 Coríntios 5 e Romanos 4, a nova criação é relacionada de
imediato com a justificação c reconciliação. Entretanto, como mostra 2 Corintios
244 5:14-17, o propósito da morte reconciliadora de Cristo é que aqueles que vivem
em resultado dela não vivem mais por si mesmos, mas por Ele que morreu e res-
suscitou. A nova criação não envolve qualquer separação entre a nova vida conce-
dida e a nova vida vivida.
Há outros conceitos e realidades que esclarecem o conceito da justificação.
Na argumentação de Paulo quanto à justificação em Gaiatas, ele explica a nova
situação criada pelo ato divino de justificação em termos de adoção ou filiação
(Gl 4:5-7; veja Gl 3:24-26). O significado da justificação é expresso na comovente
exclamação de Gaiatas 4:6, "Aba, Pai!" ("Meu Pai, meu Pai"). Essa exclamação só é
possível quando o Espírito do Filho inunda o coração do crente.
De fato, a justificação envolve o recebimento do Espírito, como está expresso
de forma clara em Gaiatas 3:1-5, onde, imediatamente após uma das maiores
argumentações de Paulo da justificação pela fé e não por obras da lei (Gl 2:15-21),
Paulo pergunta aos gaiatas se receberam "o Espírito pelas obras da lei ou pela pre-
gação da fé". Sem dúvida, o recebimento do Espírito acontece com a justificação.
Relacionado a isso, devemos observar 2 Corintios 3 novamente. Não apenas é o
"ministério da justiça" contrastado com "o ministério da condenação" (v. 9, KJV),
mas também "o ministério do espirito |Espirítol" é contrastado com o "ministério
da morte" (v. 7-8, KJV). É óbvio que o ministério da justiça de Deus (reterindo-se
aqui ao seu ato de justificação) é feito na presença do Espírito. Em Romanos 5:5,
a esperança futura dos cristãos de compartilhar a glória de Deus é baseada na pré-
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATURHZA DA PROFECIA

sente experiência do amor de Deus, outorgado pelo Espírito. O que esse amor do
Espírito demonstra aos crentes é que enquanto nós ainda éramos ímpios e fracos
(v. 6), pecadores (v. 8), inimigos (v. 10) Jesus morreu por nós (v. 8), e isso tornou
possível a justificação (v. 9) ou reconciliação (v. 10).

CERTEZA
Como consequência do recebimento da justificação de Deus, com todas as
suas facetas e todas as metáforas e realidades associadas a ela (redenção, expia-
ção, graça, perdão, ocultação do pecado, não atribuição do pecado, reconciliação,
criação, adoção, filiação, Espírito, liberdade, vida, paz e alegria), o cristão tem a
confiante esperança da salvação final. Isso está claro em Romanos 5,
Esse capítulo é construído na concepção do "muito mais". A frase "muito
mais" aparece três vezes (v. 9-10, 17), mas a ideia se expande ao longo do capítulo.
Resumindo a primeira parte do capítulo (v. 1-11), se os crentes são justificados
agora, serão salvos finalmente e completamente no juízo final.
Na segunda parte do capítulo (v. 12-21), o argumento é que se a raça humana
foi afetada, por intermédio de Adão, pelo pecado, injustiça e morte, muito mais
por intermédio de Cristo é afetada pela graça, justiça e vida. Se Adão trouxe a
ruína, muito mais Cristo trouxe a vitória. Com a lei dada no Sinai, o pecado
somente abundou (v. 20) ao invés cie diminuir, como defendeu o judaísmo. Mas
onde abundou o pecado, superabundou a graça "a fim de que, como o pecado
reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna,
mediante Jesus Cristo, nosso Senhor" (v. 20-21).
Assim, a ordem em Romanos 5 conduz da realidade da justificação para o
"muito mais" da glorificação (veja v. 1-2). Tal movimento harmoniza-se com a
corrente progressiva da salvação mencionada em Romanos 8:29-30. Aqui, mais
uma vez, a justificação é seguida pela glorificação. E, assim como em Romanos
5, a tribulação antecede a glória. De acordo com Romanos 8:17-18, "se somos
filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se
com ele sofremos, também com ele seremos glorificados". Ademais, Paulo diz:
"porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não
podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós." As aflições ocorrem
para que sejamos confiantes de que "todas as coisas cooperam para o bem da-
queles que amam a Deus" (v. 28). A nós é dada a certeza da promessa, por meio
da entrega do Filho de Deus e da justificação que resulta dela (v. 32-34), de que
nada no Céu ou na terra poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Jesus
Cristo, nosso Senhor (v. 35-39). Desse modo, a realidade da justificação envolve
a realidade da certeza plena e eterna.
A justiça que traz a certeza da salvação àquele que crê está baseada na fé. A
doutrina de Paulo refere-se à justificação pela fé, e não pelo destino. Devemos nos
JUSTIFICAÇÃO t juízo

apoderar daquilo que Cristo fez por toda a humanidade. A justiça de Deus, que é
acessível a todos por meio de Jesus Cristo, é pessoalmente eficaz apenas pela fé.
E qual é o significado fundamental da fé? Embora muitas afirmações de Paulo
sejam preciosas, talvez não haja resposta melhor do que aquele que encontra-
mos em Romanos 4:19-21. A partir desse texto, em que ele discorre sobre a fé de
Abraão, podemos encontrar claramente os elementos da fé verdadeira. De acordo
com Paulo, não obstante a idade avançada de Abraão e a esterilidade de Sara, este
"não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus". Ao contrário, Abraão,
"pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente convicto de que
ele era poderoso para cumprir o que prometera".
Ao invés de duvidar da promessa, devido à aparente impossibilidade da situa-
ção, Abraão acreditou que a palavra de Deus manifestada em sua promessa era a
única realidade possível, e isso fez com que ele crescesse, e "pela fé, se fortaleceu".
Usando as palavras de outro escritor bíblico, Abraão não viveu só "de pão", mas, de
uma forma empírica, "de toda palavra que procede da boca de Deus" (Mt 4:4).

GLORIFICARAM A DEUS
Finalmente, o resultado da fé pode ser resumido, e encontra seu verdadeiro
sentido e propósito no fato de Abraão ter dado glória a Deus (Rm 4:20). No
poder da promessa divina, a fé de Abraão cresceu vigorosa à medida que ele
dava glória a Deus. Essa glorificação a Deus contrasta totalmente e se opõe (1) à
realidade pecaminosa dos gentios que, de acordo com Romanos l, se negaram
a glorificar ou reconhecer a Deus (v. 21), "adorando e servindo a criatura em
lugar do Criador" (v. 25); e (2) à realidade pecaminosa dos judeus que, segundo
as implicações de Romanos 2, gloriavam-se em sua própria justiça. A postura da
fé de Abraão, assumida antes de sua circuncisão, criou a possibilidade de uma
nova humanidade, e tornou Abraão o pai tanto dos gentios quanto dos judeus
que seguem o seu exemplo (Rm 4:9-12).
Vemos, pelo exemplo de Abraão, que a fé reconhece a Deus como Deus, e
confia e depende totalmente de sua Palavra. Essa palavra é, segundo a linha de ra-
ciocínio de Romanos 4, a palavra do evangelho, que fala sobre Jesus. Assim como
a fé de Abraão na promessa de Deus foi imputada para a justiça, "a nós igualmente
nos será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os
mortos a Jesus, nosso Senhor" (v. 22, 24-25). A f é é a aceitação e confiança no
evangelho. A fé também é a confissão do evangelho, como Romanos 10:9-19 deixa
claro: "se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres
que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê
para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação."
Tendo em vista as informações bíblicas a respeito do significado da fé, é corre-
to, mas incompleto, como alguns fazem, chamar de fé, o ter uma atitude passiva.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

A importância dessa concepção é que ela enfatiza nossa aceitação das obras divinas,
mas nega nossas obras como meios de justificação.
Depois de essa verdade ter sido admitida, ainda precisamos completar o quadro, e
enfatizar o elemento dinâmico da fé. A fé é a reacão à ação e promessa inicial de Deus.
A fé é divinamente estimulada ao se ouvir sobre Cristo (v. 17), mas deve ser exercitada
por aquele que recebe essa palavra. Que Abraão não enfraqueceu na fé (Rm 4:19), que
"não duvidou"..."dando glória a Deus" (v. 20), que estava plenamente convicto (v. 21),
que o cristão deve confessar a Cristo como o Senhor ressuscitado (Rm 10:9) - todas
essas são ações nas quais a energia da fé está enfatizada. Na fé, as pessoas estão envolvidas
diretamente e pessoalmente com a promessa de Deus.
De fato, Paulo entende a fé como algo tão dinâmico que pode descrevê-la
como obediência, significando se render à palavra de Deus no evangelho. Ouvir o
chamado do evangelho pela fé é obedecer a Deus. Esse é o caso em Romanos 1:5
(cf. Rm 16:26), onde Paulo declara que o próprio propósito de seu apostolado é
trazer todas as nações à "obediência por fé", significando a obediência que é fé.
Em outras palavras, o propósito da comissão do evangelho é levar todas as nações
a crerem em Cristo. Quando crêem em Cristo estão fazendo o que Deus, por meio do
evangelho, deseja que façam. Essa ideia é corroborada pelas palavras de Jesus em João
6. Em resposta á pergunta: "Que faremos para realizar as obras de Deus?" (v. 28), Jesus
respondeu: "A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado." (v. 29). 247
Outras evidências de que a fé é obediência aparecem em Romanos 10:3 onde se diz dos
judeus incrédulos: "porquanto desconhecendo a justiça de Deus c procurando estabe-
lecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus." O mesmo é verdade sobre
Romanos 10:16, que novamente fala do Israel incrédulo: "Mas nem todos obedeceram
(deram ouvidos] ao evangelho; pois Isuías diz: 'quem acreditou na nossa pregação?"' Ro-
manos 10 é o grande capítulo da fé e, contudo, fala de um Israel desobediente ao evan-
gelho. Pode-se também comparar Romanos 11:23 com Romanos 11:31-32, o primeiro
texto enfatizando a descrença e o outro a desobediência. Compare também Romanos
1:8 com Romanos 15:18, o primeiro enfatizando a fé e o outro a obediência.
O caráter dinâmico da fé também é visto em l Tessalonicenses 1:3, onde Pau-
lo louva os tessalonicenses pela "operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso
amor e da firmeza da vossa esperança". Fé, esperança e amor é o que Deus pede
do homem por meio do evangelho. De acordo com Gaiatas 5:6, o que realmente
importa para Deus c a "fc que atua pelo amor".
Isso faz da fé um ato meritório? De modo algum. A té é possível apenas por
meio de Cristo, e tem importância apenas porque é dírecionada a Cristo. Assim, a
possibilidade e a eficácia da fé é Cristo. E por isso que a salvação pela fé significa
salvação pela graça. A fé nos leva a Cristo e se apodera da graça.
Toda a teologia paulina da fé pode ser resumida no conceito de que a fé é o
render-se ao veredito, dorn e reivindicação de Deus. A fé se rende ao veredito de
JUSTIFICAÇÃO E juízo

Deus sobre o homem: "pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" (Rm
3:23). Ela se rende ao dom de Deus ao homem: "sendo justificados gratuitamente,
por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (v. 24). E se rende à
reivindicação de Deus ao homem: "porque se vivemos, para o Senhor vivemos; se
morremos, para o Senhor morremos... para esse fim que Cristo morreu e ressur-
giu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos" (cap. 14:8-9).

JUÍZO E CERTEZA

O apóstolo Paulo apoiou fortemente a crença num juízo iminente. Vejamos


suas principais passagens:
2 Coríntíos 5:9-10. "E por isso que também nos esforçamos, quer presentes,
quer ausentes, para lhe sermos agradáveis. Porque importa que todos nós compa-
reçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou
o mal que tiver feito por meio do corpo."
Romanos 14:10, 12. Aqui é declarado que os cristãos devem comparecer pe-
rante o tribunal divino e é dada uma aplicação particular. No importante contexto
da morte e ressurreição de Cristo para ser Senhor de mortos e de vivos (v. 9), Paulo
248
pergunta: "por que julgas teu irmão?... ou ...por que desprezas o teu irmão? Pois
todos compareceremos perante o tribunal de Deus" (v. 10). Assim como o destino
último do cristão é afetado pelo juízo em 2 Coríntios 5:10 - aqueles que são julga-
dos recebem o "bem ou o mal" -, do mesmo modo aqui.
A implicação é óbvia: julgar ou desprezar os outros (ou, como Romanos 14:1.5,
fazer "perecer aquele a favor de quem Cristo morreu") afeta o destino no julga-
mento. Isso é uma reafirmação do ensinamento de Cristo de que da forma como
julgamos seremos julgados. O crente, ao invés de julgar e desprezar o próximo,
deve seguir o conselho: "Ora, nós que somos fortes devemos suportar as debi-
lidades dos fracos e não agradar-nos a nós mesmos. Portanto, cada um de nós
agrade ao próximo no que é bom para a edificação. Porque também Cristo não
se agradou a si mesmo; antes, como está escrito: As injúrias dos que te ultrajavam
caíram sobre mim" (Rm 15:1-3). De qualquer forma, Paulo aconselha os fiéis a
não fazer juízos negativos contra o próximo, porque "cada um de nós dará contas
de si mesmo a Deus" (Rm 14:12).
Romanos 2:16. Esse texto fala do dia cm que, como ensina o evangelho de
Paulo, Deus, por meio de Cristo Jesus, julgará os segredos dos homens. E, como
Romanos 2:6-10 retraía, Deus retribuirá a cada um segundo suas obras. Haverá ira
e indignação aos que desobedeceram à verdade e obedeceram à injustiça; e vida
eterna para aqueles que, perseverando em fazer o bem, mostraram que buscaram
glória, honra e imortalidade. Porque a verdade é que não se deve buscar a justiça
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFECIA

em simplesmente ouvir da lei, pois somente "os que praticam a lei hão de ser jus-
tificados" (v. 13). Embora o propósito de Romanos 2 seja mostrar que os judeus
que têm justiça própria e que condenam as atitudes dos gentios, mas fazem o
mesmo, (1-3, 21-24) não podem ser justificados por suas obras, o capítulo fala do
verdadeiro padrão para o juízo.
0 padrão para o juízo, no entanto, não deve ser confundido com o método pelo
qual o padrão é alcançado. Paulo passa o restante do livro, a partir de Romanos 3:21,
explicando o método. Afirmamos que sua explicação abrande não só a parte teológi-
ca do livro (em Romanos 11), onde o indicativo da graça divina salvadora é apresen-
tado como o fundamento da redenção, como também a parte ética do livro, a partir
do capítulo 12, onde o imperativo divino, que se origina da redenção proporcionada
pelo evangelho, é apresentado. Não para misturar justificação e santificação, mas
para mostrar que a verdadeira justificação sempre resulta em santificação.

NOVA VIDA

Apenas quando a graça de Deus, que até o fim é a base para a vida eterna,
conduz a uma nova vida com Ele (Rm 12:1-2) é que o cristão está preparado para
ficar de pé no juízo. A parte ética de Romanos não é irrelevante, ou um mero
complemento à descrição das misericórdias de Deus em Romanos 1-11. A grnça 240
sempre se revela e se interpreta numa nova maneira de se viver, e para ser aceita
por Deus, a mudança deve ser total. Não há dúvida de que o cristão irá carecer da
misericórdia divina até o fim, mas essa misericórdia deve produzir frutos sempre.
A vida recebida por Deus deve ser uma vida vivida para Deus.
A mensagem do evangelho de Romanos deve ser ouvida em sua totalidade
entre os adventistas do sétimo dia e por eles, tanto como indicativo (a realidade do
dom de Deus) como imperativo (a realidade da reivindicação de Deus). (Observe
novamente como Paulo menciona em Romanos 2:16 que sua pregação do evan-
gelho inclui a mensagem do juízo). Apenas na união do dom e da reivindicação é
que é alcançada toda a potencialidade de "ser restaurado para uma relação plena
com Deus" (veja Rm 2:17).
1 Coríntios 3:13. "Manifesta se tornará a obra de cada um; poiso Dia a demons-
trará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio
fogo o provará." Logo mais veremos a função desse texto em seu contexto.
l Coríntios 4:5. "Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o
senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas
também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu
louvor da parte de Deus."
Embora Paulo enfatize "louvor" na última parte do versículo, fica claro que a
revelação das "coisas ocultas" pode, no caso de algumas pessoas, trazer o resultado
JUSTIFICAÇÃO E juízo

contrário. Não é o propósito de Paulo deixar isso explicito, mas sua linguagem
torna essa ideia uma suposição legítima. A razão para que ele enfatizasse o louvor
apenas é pessoal. Esse louvor contrasta com a preocupação de Paulo no versículo
3 de que fosse julgado pelos coríntios, ou por tribunal humano. Ele não está pre-
ocupado com o louvor deles, rnas com o de Deus.
Sendo assim, o ponto principal do versículo tem a ver com a justificativa do
ministério apostólico de Paulo. No entanto, as implicações do fato de que Deus
"trará à plena luz as coisas ocultas" estendem-se de um modo mais amplo. De for-
ma notória, Paulo aplicou a seu próprio ministério uma linguagem pertencente a
um conceito mais amplo do juízo (veja Rm 2:16).
Colossenses 3:5-6. "Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena : prostituição,
impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria; por estas coisas
é que vem a ira de Deus."
l Tessalonicenses 4:6. Com respeito às exortações sobre pureza sexual, Paulo
diz: "e que, nesta matéria, ninguém ofenda nem defraude a seu irmão; porque o
Senhor, contra todas estas coisas, como antes vos avisamos e testificamos claramente,
é o vingador."
Gaiatas .5:21. A forte ênfase sobre a advertência em l Tessalonicenses 4:6 é
também feita aqui. Após outra lista de vícios, Paulo diz: "a respeito das quais eu
250 vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os
que tais coisas praticam."
l Coríntios 6:9. Esse é outro texto com uma lista de vícios. A ênfase de Paulo
é instrutiva: "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não ws
enganeis." Vocês devem saber isso, diz Paulo. Mas essa é uma questão, admite ele,
na qual se pode ser enganado. Ele adverte quanto a isso.
Efésios 5:5-6. Esse texto contém uma advertência similar com respeito a não ser
enganado. "Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é
idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém ws engane com palavras
vãs; porque por essas coisas vem a ira de deus sobre os filhos da desobediência."
Gaiatas 6:7-8. Nesse texto, não ser enganado está junto com outra ideia. "Não
vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também
ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne da carne colherá corrupção;
mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá a vida eterna."
Esse texto traz uma importante contribuição ao dizer que "de Deus não se
zomba". Certamente seria zombar de Deus uma pessoa receber sua aceitação e
então recusar-se a viver por meio de seu Espírito. Uma vida deliberada vivida
pela carne não pode estar em harmonia com a realidade e intento da graça
justificadora de Deus.
Todo cristão deve perguntar-se a si mesmo se seu modo de vida zomba de
Deus que lhe deu a vida. A ênfase em Gaiatas sobre ser enganado e zombar de
70 SI-MANAS, LLVÍTICO E A NATURKZA DA PROKKCIA

Deus encontra um notório paralelo em Jeremias 7:8-10: "Eis que vós confiais
em palavras falsas, que para nada vos aproveitam. Que é isso? Furtais e matai,
comereis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após
outros deuses que não conheceis, e depois vindes, e vos pondes diante de mim
nesta casa que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos; sim, só para
continuardes a praticar estas abominações!"
Romanos 8:5-13. Esse texto faz o mesmo contraste entre a carne e o Espirito.
O versículo 1.3 diz: "Porque o pendor da carne é para a morte, mas o do Espírito,
para a vida e paz."
Hebreus 2:1-3. "Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza,
às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois se tornou firme
a palavra talada por meio de anos, e toda transgressão ou desobediência recebeu
justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?"
Hebreus 10:26-31. O que é mencionado brevemente cm Hebreus 2:1-3 é
desenvolvido de modo completo nesse texto de Hebreus 10. O texto fala por
sí: "Porque se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido
o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo
contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir
os adversários. Sem misericórdia, morre pelo depoimento de duas ou três tes-
temunhas quem tiver rejeitado a lei de Moisés. De quanto mais severo castigo 251
julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e
profanou o sangue da aliança com o qual íoi santificado, e ultrajou o Espirito
da graça? Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu
retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrível coisa é cair nas
mãos do Deus vivo."

RESUMO DAS PRINCIPAIS VERDADES DOS TEXTOS SOBRE o juí/o


Ao passo que aqueles que permanecem comprometidos com Cristo não pre-
cisam temer o juízo de Deus ou preocupar-se acerca da salvação, pelo menos três
coisas estão claras a partir dessas passagens sobre o juízo. O que é dito aqui será
esclarecido mais tarde neste ensaio e relacionado à salvação. (1) Os cristãos, todos
os justificados pela fé, vão a julgamento. (2) O juízo é feito segundo suas obras.
(.3) Dois destinos são possíveis àqueles que professam a Cristo: de um lado a vida
eterna, e do outro, a morte eterna. Em outras palavras, as pessoas podem se salvar
ou se perder, como resultado desse juízo.
Ninguém precisa se perder - prevenir isso é a razão de todas as advertências
nos textos sobre o juízo - mas é possível se perder se o indivíduo for indiferente á
palavra de Deus e á sua vontade.
Assim como os textos bíblicos sobre a graça não abrem espaço para falsas
ideias do tipo "nunca salvo por completo, a despeito do que Cristo fez", tam-
JUSTIFICAÇÃO E juizo

bem os textos sobre o juízo não permitem o ponto de vista erróneo "uma vez
salvo, sempre salvo, independente do que eu faça". A salvação é sempre um
dom, mas o dom não perdura quando o Doador, que é Cristo, é rejeitado como
Senhor de nossa vida.

UM CONFLITO SOLUCIONADO

Várias tentativas têm sido feitas para solucionar a tensão existente entre justi-
ficação e juízo.
Algumas pessoas afirmam que os textos sobre o juízo segundo as obras são um
complemento do passado judeu de Paulo, no qual a apocalíptica desempenhou
um importante papel. Para eles, os textos sobre o juízo são um tipo de ressaca apo-
calíptica, devendo, portanto, interferir na visão de Paulo sobre a justificação.
De acordo com essa posição, há realmente apenas um e não dois focos nos ensi-
namentos de Paulo. Afirma-se, assim, que o conceito paulino de juízo não é funcio-
nal. Essa visão apocalíptica discriminatória é completa mente inaceitável como uma
interpretação de Paulo. Ela vai contra a frequência dos textos de Paulo a respeito do
juízo, a firmeza de seu pensamento, e a centralidade. de seus argumentos.
Alguns defendem o que pode ser chamada de visão não perfeccionista. Ar-
gumentam que uma vez que as pessoas nunca poderão ser perfeitas por causa do
pecado que habita nelas, a f é é o único princípio operante no juízo, assim como
na justificação. Por essa razão, a única função verdadeira das declarações bíblicas
sobre o juízo segundo as obras é levar as pessoas a se refugiarem na justificação
pela fé, onde a misericórdia necessária pode ser encontrada. Desse modo, o juizo
segundo as obras na verdade não é uma realidade futura, exceto para aqueles que
não crêem em Cristo. Para o cristão, o juízo segundo as obras passa a significar
juízo segundo as obras de Cristo ao invés de segundo as obras do cristão.
Esse posicionamento contém um elemento positivo quando enfatiza a primazia
da justiça pela fé, mas num esforço para se harmonizar facilmente com a justifica-
ção, não leva em conta os textos sobre o juízo. Os dados bíblicos revelam claramen-
te que as obras do cristão - possíveis somente por meio de Jesus Cristo - estão em
pauta nesse juízo e que a perda da vida eterna pode acontecer se a graça não tiver
produzido o discipulado. Além disso, esse ponto de vista não leva a sério a remática
do cumprimento da lei, encontrada nos escritos de Paulo (Rm 8:4; 13:8-10; Gl
5:13-14; 6:2). A ocorrência dessa temática não se refere à atribuição da justiça da
lei, mas à materialização de sua justiça na vida do cristão por meio do poder do
Espirito. Reconhecemos que falta a esse cumprimento o caráter da perfeição abso-
luta, mas afirmamos que a vontade de Deus alcança a expressão concreta na vida
do cristão. Além disso, esse ponto de vista mal interpreta o imperativo em Paulo,
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATURKZA HA PROFECIA

ao compreender que ele trata apenas do que não /atemos ao invés do nosso fazer
de acordo com a vontade de Dele - o que realmente está em Paulo e em outras
passagens da Bíblia.
De fato, as Escrituras exibem tanto de nós, de modo tão intransigente, que
muitas vezes nos tira o fôlego. No entanto, é bem verdade que pelo poder do
Espírito (que é dado aos crentes junto com a justificação pela graça em primeiro
lugar; cf. Gl 2:16, 21 e 3:1-3) os crentes podem realmente "andar em novidade de
vida" (Rm 6:4).
Por meio de Cristo e como Ele, pode-se dizer do cristão que a vida que ele vive,
vive para Deus (veja Rm 6:11). A ética bíblica não somente conduz uma pessoa
de volta à justificação, mas é o fruto vivo da justificação. Se devemos nos refugiar
continuamente na cruz por causa do rigor da exigência de Deus, é também verda-
de que devemos caminhar pelo mundo com a cruz, como discípulos de Cristo que
seguem seu caminho.
3. Um terceiro ponto de vista pode ser chamado de visão perfeccionista. (Deve-
mos distinguir "perfeição", à qual a Bíblia sempre nos direciona, de "perfeccionis-
mo", que é a afirmação de se ter chegado à perfeição). De acordo com esse ponto
de vista, a justificação pela fé se refere ao início cia existência cristã, enquanto no
final encontramos a justificação segundo as obras. Somos justificados inicialmente
pela fé, mas finalmente por alcançar, por meio da graça, o padrão de perfeição. 253
De acordo com essa ideia, não há necessidade de misericórdia no juízo, porque o
crente deixou de cometer pecado.
A visão perfeccionista tem pontos positivos: reconhece que Deus nos chama á
perfeição, leva a sério o discipulado e salienta o propósito divino de cumprir a lei
na prática, não destruí-la.
No entanto, tem também sérias deficiências. Em primeiro lugar, deixa justificação
e fé para trás, enquanto Paulo, não. Para Paulo, a fé que se apodera da justiça de Deus
é o fundamento de um relacionamento harmónico com Deus em todos os tempos -
passado, presente e futuro. Isso é inerente à frase "de fé em fé" em Romanos 1:17 e
é explicitamente ensinado em Gaiatas 5:5, onde é por meio do Espírito, pela fé, que
"aguardamos a esperança da justiça" (que significa a justiça que esperamos). Em outras
palavras, a fé se apodera da justiça futura cie Deus, bem como de sua presente manifes-
tação. De acordo com Romanos 5:1-2, a justificação pela te nos conduz à glória.
Mais uma vez, Paulo, que poderosamente apresenta tanto a justificação pela fé
como o juízo segundo as obras, recusa-se a ser chamado de perfeito, até mesmo na
iminência de sua morte, como pode ser visto em Filipenses 3:12-14. Ele sabia que
era totalmente de Cristo, mas que ele ainda não tinha conquistado plenamente as
infinitas riquezas de Cristo (3:12b)
JUSTIFICAÇÃO E juízo

COMPREENSÃO SUPERFICIAL DA PERFEIÇÃO


Finalmente, essa visão tem uma compreensão superficial da perfeição. Ela
parece não compreender adequadamente o significado de "muito mais" dos en-"
sinos de Paulo. Segundo Paulo, podemos agradar a Deus e amar uns aos outros,
assim como Cristo nos ensinou, mas não devemos nos contentar com isso, mas
progredir mais e mais (ITs 4:1,9-10). O padrão de perfeição está sempre à frente
do cristão e nunca poderá ser alcançado completamente. Assim, o dom de Cristo
é tão infinito que sua reivindicação deve ser da mesma forma infinita. Assim como
li L- se d u u completamente por mVs, também reivindica a nossa vida ;u> M.MI MT\ iço.
Dizer que alguém está a caminho, como Paulo (Fl 3:12-14), é uma coisa, mas dizer
que alguém já chegou à perfeição, outra. Paulo rejeita essa posição mesmo quando
nos aconselha que "andemos de acordo com o que já alcançamos" (v. 16). Algo
já foi alcançado, porém há mais a atingir. O próprio Céu foi descrito como uma
contínua aproximação de Deus.
4- Outro ponto de vista declara que o juízo só avalia categorias de santidade para
os remidos, mas não determina a salvação ou a perdição. Uma legenda de um recente
artigo de um periódico religioso chama a atenção para esse ponto de vista: "A causa
dos crentes não corre perigo no dia do juízo, pois seu representante já selou sua justi-
ficação." A seguinte explicação e apoio encontram-se no texto desse artigo:
"E quanto aos textos que indicam que os crentes serão julgados segundo suas
obras? A Bíblia não ensina que os crentes prestarão contas da maneira como vive-
ram? É verdade que deveremos comparecer perante o tribunal de Cristo (2Co 5:10).
Mas embora a Bíblia ensine que seremos julgados segundo as nossas obras, não ensi-
na que seremos justificados devido às nossas boas obras (Rm 3:20). Os crentes serão
recompensados naquela ocasião pelo bem que fizeram mediante a graça de Deus (Ef
6:8; Mt 25:32-40). Peio fato de já termos sido justificados em Cristo, essa avaliação final
não irá prejudicar nossa aceitação por parte de. Deus. Georg Ladd, em Theology of the New
Testament (Teologia do Novo Testamento), explica isso da seguinte forma:
"O crente será julgado segundo as suas obras. Nossa vida será exposta diante
do tribunal divino, onde cada um receberá a justa recompensa pelo que fez por
meio do corpo, de acordo com o que fez, seja esse registro bom ou mal. Esse juízo
não é "uma declaração de condenação, mas uma avaliação de valores", não envolvendo
uma condenação ou absolvição, mas recompensa ou perda com base na dignidade ou
inutilidade da vida do cristão. O mesmo princípio está exposto em l Coríntios
3:12-15. Paulo está falando sobre a obra de lideres cristãos, mas o princípio é
válido para todos os crentes. O único fundamento sobre o qual qualquer coisa
permanente pode ser edificada é Jesus Cristo. Entretanto, nem todos constróem
da mesma forma. Alguns erigem estruturas com ouro, prata ou pedras precio-
sas; outros constróem casas indignas de madeira, feno ou restolho... suas obras,
como madeira, feno e restolho serão consumidas nas chamas do juízo a fim de
70 SEMANAS, LEVÍTICO t A NATUREZA HA PROFIÍI ;IA

que nada reste como resultado de sua vida na terra. Isso não significa perda da
salvação: "mas esse mesmo será salvo", mas não se ouvirá "muito bem, servo
bom e fiel". Aqueles que construíram com confiança e eficácia serão recom-
pensados por seu amor e devoção. Paulo não diz qual será a recompensa. O
principio envolvido nesse juízo é que conquanto a salvação esteja ligada à graça,
ao cristão não restam dúvidas de que ele é responsável diante de Deus pela qua-
lidade de sua vida presente.'
O principal problema desse ponto de vista, além do fato de parecer implicar que
haverá um tipo de sistema de casta no reino vindouro, é que não está em harmonia
com o significado evidente das passagens bíblicas sobre o juízo. Ele não considera a
relevância de todos esses textos. E claro, a partir das declarações sobre o juízo, que o
destino último é de fato determinado no juízo, e as obras (obras que resultam da fé,
evidentemente) desempenham um papel importante nessa determinação.
Esse ponto de vista, representado no artigo citado acima, não apenas omite
muito da evidência bíblica, como também comete o erro de usar de forma errada
algumas das passagens que cita. Por exemplo, é dito que Mateus 25:32-40 apoia
o argumento, feito apenas do lado positivo, de que "os crentes serão recompen-
sados... pelo bem que tiverem feito por meio tia graça de Deus" (E o que dizer do
mal que fizeram separados da graça de Deus?).
A menos que a suposição seja que entre os perdidos dessa parábola nenhum 255
tenha sido crente, a parábola ensina de modo inequívoco que uma mera profis-
são de fé não é aprovada no juízo, mas somente fazer a vontade do Pai em termos
de atos de misericórdia. A menos que Cristo tenha contado essa parábola para
justificar a nação judaica e condenar todos os gentios - e parece, ao contrário, ter
sido para mostrar que ser um judeu, um crente professo, sem atos de bondade não
significa vantagem, mas só perdas em comparação com gentios "não crentes" que
fazem a vontade de Deus -, ela claramente ensina o princípio de que "crentes"
podem estar perdidos quando não representam o caráter essencial do reino.

SEM o "MUITO BEM" NINGUÉM HERDA o REINO


Também usando Mateus 25 - nesse caso, o versículo 23 - George Ladd diz que
"muito bem, servo bom e fiel" não será dito àqueles que, de acordo com l Coríntios
3:12-15, edificaram de forma imprópria sobre os fundamentos de Cristo. Essas pessoas
serão salvas, mas perderão a recompensa que a salvação oferece àqueles que edificaram
bem. Ladd usa de forma imprópria tanto a passagem de Mateus como a de Coríntios.
Deve-se observar que em Mateus 25:23, "muito bem" é seguido por e é a premissa para
"entra no gozo do teu senhor". Esse gozo não é apenas um aspecto do reino reservado
para algumas pessoas (bons edificadores) que entram no reino. Ao invés disso, gozo
é um termo que resume o reino como um todo. Sem "muito bem", ninguém, àt modo
atgum, entra no reino ou tem participação em L\ualqutr de suas alegrias.
JlM'11-K AÇÂO E JUlZO

Assim como em l Corintios 3:12-15, essa passagem é mal compreendida quan-


do usada para ensinar que não importa o que um crente faca em sua vida pessoal,
ele ainda será salvo no fim. A declaração "esse mesmo será salvo, todavia, como
que através do fogo", não é uma promessa notória, mas uma advertência implícita.
Ela desafia aqueles em posições de liderança que podem estar edificando o templo
de Deus de maneira inadequada, encorajando facções no lugar de unidade na igre-
ja - esse é o tema de l Corintios 3, não os pecados pessoais de cada membro da
congregação, como Ladd gostaria que crêssemos. Essa passagem desafia os líderes
a serem cuidadosos, pois das chamas do juízo divino escaparão somente "como
que através do fogo", ou seja, "por um fio de cabelo".
A descrição é de alguém correndo por uma construção em chamas que ele
próprio edificou para escapar com vida. N e n h u m líder da igreja responsável pode
descansar em vista de tal concepção. A intensidade da declaração de Paulo e a
inevitabilídade do juízo atingem o ponto alto quando Paulo diz nos versículos se-
guintes que a igreja é o santuário de Deus e que "se alguém destruir o santuário de
Deus, Deus o destruirá". Aqui não há um incondicional "será salvo"! Que todos
se acautelem. Edificadores descuidados poderão escapar por pouco, destruidores
não sobreviverão de modo nenhum.
O ponto de vista de que o juízo apenas determina as classes dos bem-aventura-
256 dos é falho, pois entra em conflito com um dos pilares do pensamento de Paulo.
O real significado das declarações de Paulo sobre o juízo é mal compreendido
devido a uma determinada posição sobre a justificação. O problema aqui é a lógica
humana trabalhando sem considerar todos os dados das Escrituras.
5. Em minha opinião, a postura mais aceitável em razão de todos os dados do
pensamento de Paulo é o que se poderia chamar de o ponto de vista dinãmicu-
histórico da salvação. Esse ponto de vista contém os dois pólos, tão salientados em
Paulo, do "já" da salvação iniciada e o "ainda não" da salvação concluída. O "já"
e o "ainda não" estão presentes tanto na história da salvação como na experiência
humana individual, uma vez que está ligada a essa história. A essência dessa visão
é que só há uma justificação, e ela acompanha o crente desde o começo de sua fé
(o "já") em todo o caminho até o juízo final, onde sua realidade e vitalidade são
testadas e comprovadas por seus frutos (o "ainda não").
A Bíblia ensina que a justificação pertence aos "últimos acontecimentos", pois
traz o esperado veredito de absolvição no juízo final para o presente. No entanto,
curiosamente, segundo as Escrituras, os últimos acontecimentos em si têm um
inicio e um fim. O princípio é que "aquele que começou boa obra em vós há de
completá-la até ao Dia de Cristo Jesus" (Fp l :6). Portanto, o testemunho das Escri-
turas é contrariado quando a lógica humana conclui que uma vez que a justifica-
ção, uma realidade presente por meio da fé, pertence aos últimos acontecimentos,
nada mais se pode pedir do crente no juízo final. Embora a benção da absolvição
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

no juízo futuro de fato tem seu papel mesmo agora, as Escrituras deixam claro
que o que Deus deseja ver no juízo final são crentes justificados, que por sua graça
produziram frutos para sua glória {v. 9-11).
A nova história que Deus dá a cada crente não chega ao fim quando ele vai a
Cristo e é justificado; ela apenas começa. No final, Deus pede a justificação com
os seus frutos - não no sentido da fórmula "fé mais obras é igual à salvação", mas no
sentido de que a justificação é fonte de frutos santificados.
No juízo final, Cristo como Salvador e Senhor pode perguntar legitimamente
àqueles que justificou: "você, na força da minha graça, foi meu discípulo?" A rea-
lidade deveria sen "Sim!" Essa resposta não poderia ter sido dada na primeira vez
que os crentes vieram a Cristo e receberam sua justificação. O discipulado começa
apenas quando se encontta Jesus, o Justificador, mas começa de fato quando o cren-
te entrega toda sua vida futura à soberania do já presente amor de Deus.

Do "JÁ" PARA o "AINDA NÃO"


Para Paulo, a consumação do plano de Deus se dá quando a justificação,
revelada primeiramente de forma objetiva na ctuz, e apropriada de forma sub-
jetíva pela fé, seguiu o seu curso e manifestou sua completa intenção por meio
da santificação, e chega completamente no destino da vida eterna. Essa é a or- "l C'!

dem da salvação encontrada em Romanos 6: l 5-23 e resumida no versículo 22:


"Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes
o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna."
O movimento de justificação para a vida eterna é um movimento do "já" para
o "ainda não". Mas para cada realidade em si, ambas, tanto para a justificação
como para a vida, há também urn "já" e um "ainda não". A justiça de Deus já foi
recebida; porém os crentes aguardam essa esperança (Gl 5:5). O que une o que
foi e o que será é a fé que atua pelo amor (v. 6). Somente quando a fé dos ctistãos
atuar pelo amor poderá o veredicto final ser "Justo"! Quanto à vida eterna, um dia
será plena (Rm 5:21), mas agora é sentida como antecipação. (Veja, por exemplo,
Romanos 6:4, "andemos nós em novidade de vida", e 6:13, "como ressurretos
dentre os mortos"). Santificação, ou a maturação da vida em Cristo, é um elo de
ligação entre a vida como antecipação e a vida como posse plena.
Na teologia paulina do "já"/"ainda não", o juízo segundo as obras é um cumpri-
mento do aspecto "ainda não" da justificação pela fé. A graça, que acompanha o crente
até o fim, atinge o seu objctivo na bondade. A obra redentora de Cristo por nós se ma-
nifesta plenamente na sua soberania sobre nós. O juízo questiona se ela se tornou uma
realidade. Falhar em prestar contas no juízo segundo as obras é, em poucas palavras,
excluir o elemento do "ainda não" da teologia paulina da salvação.
O que está sendo dito aqui é que os últimos acontecimentos não têm seu
clímax na cruz e na aceitação dela pela fé, mas começa aí. O que aconteceu na
JUSTIHCAÇÃO R JUÍZO

cruz e para aqueles que a aceitam, continua a revelar o seu significado e aplicação
por meio do contínuo ministério de Jesus, até que a cruz tenha alcançado a vitória
final e Cristo seja o Senhor de todos.

SOB O SENHORIO DE CRISTO

O juízo segundo as obras ensina que a cruz, como um acontecimento salvífi-


co, nos coloca sob o senhorio, ou reinado, de Cristo. Rejeitar o discipulado ou
recusar-se a andar em santificação, que, segundo Romanos 6, é inseparável da
justificação, é rejeitar a Cristo como nosso Salvador e Senhor. O juízo segundo as
obras indaga não apenas a respeito de obras isoladas, mas sobre a relação do crente
com Cristo na dualidade e unidade de sua salvação e senhorio.
Se fosse pedido a Paulo para ilustrar numa parábola seu ensinamento sobre
justificação e juízo, ele poderia muito bem ter escolhido o tipo de parábola re-
presentada pela história do credor incompassivo (Mt 18:23-35). Essa parábola
representa muito bem o que Paulo ensina de fato. Como o servo impiedoso,
os pecadores são chamados a prestar contas pela primeira vez ao rei e lhes é
perdoada uma dívida intransponível. A justificação funciona dessa forma. No
entanto, quando aqueles que são perdoados, como o servo foi, se recusam a
TCO
terem misericórdia para com os outros, como se recusou o servo, são chamados
pelo rei a prestar contas novamente e são condenados à prisão. Os perdoados
são agora os sentenciados! Isso se harmoniza ao ensinamento de Paulo sobre o
juízo segundo as obras.
Se, com base nessa parábola, for perguntado se as obras são o fundamento
último da salvação ou condenação, a resposta é "Não!" O fundamento da salvação
é a misericórdia do rei. A ausência de atos de misericórdia por parte do servo só
confirmou que ele não tinha noção do que a misericórdia era realmente e que ele
rejeitou-a como um princípio ativo para toda a vida.
A misericórdia nunca pode ser apenas para si mesmo e guardada como um
meio de engrandecimento, em vez de ser um instrumento de cura. Na verdade,
se Deus é rei, nosso rei, não é evidente que o caráter de seu governo deve nos
caracterizar? Isso não é para salvar a nós mesmos por nossas obras, mas para que
Deus possa plenamente nos salvar. Não somos salvos por nossa própria mise-
ricórdia, mas a salvação de Deus produz pessoas misericordiosas. "Pois somos
feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão
preparou para que andássemos nelas" (Ef 2:10).
O que está em jogo na parábola é o governo do rei fundamentado na graça.
Ao nos testar em termos de nossa misericórdia, o que tica provado é que a rea-
lidade suprema que define e influencia todas as coisas, inclusive nós mesmos, é
a misericórdia de Deus. E por isso que o propósito final do Grande Conflito é
testemunhar a todo o universo que Deus é amor.
70 SI-.MANAS, LKVÍTICO E A NATURKZA DA PROFECIA

Uma última questão nessa parábola que representa o espírito e a essência


do pensamento de Paulo reside na verdade paradoxal de que a misericórdia é
para o misericordioso. Ao contrário dos ensinamentos do judaísmo de que não
haverá misericórdia no juízo final, somente a justiça permanecerá. (Veja 2 Es-
dras 7:33). Cristo ensinou que a misericórdia de Deus estará plenamente ativa
no juízo final, mas será mostrada somente para aqueles que tiverem mostrado
misericórdia, em resposta à misericórdia de Deus.
Aqui surge a pergunta: se alguém tiver mostrado misericórdia nesta vida,
por que ele precisa de misericórdia no juízo? A luz de Jesus Cristo, a única res-
posta é que embora seja possível imitar o caráter de Cristo, o caráter infinito de
sua bondade nunca pode ser igualado. Por conseguinte, duas coisas permane-
cem no juízo: (1) o fruto santificado de justificação deve estar presente, mas {2)
a justificação em si deve continuar sua função perdoadora. A graça não está em
contradição com o fruto, nem o f r u t o com a graça. No juízo, os dois elementos
coexistem. "Foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei" (Mt 25:23),
A conclusão de nossa discussão sobre a certeza é a de que se a justificação
confere certeza, o juízo a protege. Ele a protege da ilusão de que a certeza é possível
sem um relacionamento fundamental com Cristo e um comprometimento em segui-lo.
Nossas obras não nos conferem certeza, mas Aquele a quem seguimos em grati-
dão em nossas obras, sim. Portanto, a questão de obras e certeza é a questão de
Cristo. O crente pode sempre ter certeza da salvação se sua resposta a Cristo é
"Sim". Não há certeza em dizer "Não" para Ele, que primeiro disse "Sim" para
nós. Paulo ilustra isso em l Coríntios 10:1-13. Tudo estava bem com Israel - e
estará bem com a igreja, a correspondente de Israel - enquanto seguiu a Rocha,
que era Cristo. Mas quando desejou o mal, foi destruído pelo destruidor.
O juízo sobre o espiritualmente privilegiado Israel prova que aqueles que
pensam estar de pé, certos de sua salvação separada da preocupação com a
vontade de Deus, devem ter cuidado para que não caiam (v. 12). Mas ninguém
tem que cair, pois Deus sempre provê um meio de nos livrar da tentação (v. 13).
Portanto, os crentes têm a certeza da filiação assim como os que são tentados.
O ensino bíblico sobre o juízo nos relembra disso e dá um fundamento apro-
priado de verdadeira certeza - aceitar a Cristo.
CRISTO: SALVADOR E SENHOR
S inopse editorial. Na esfera da graça redentora de Deus, o dom divino (a salvação)
e a reivindicação divina (obediência aos seus mandamentos) são inseparáveis. O
dom e a reivindicação refletem a verdade fundamental de que Cristo é tanto Salva-
dor como Senhor do crente. A relação de Cristo com o crente serve para ilustrar a
relação entre justificação e juízo.
Ao buscar pelas obras como o fruto da fé, o juízo testifica da realidade da salvação
do penitente. Isso é assim porque o perdão genuíno resulta numa nova criação, uma
transformação e contínua restauração da imagem de Deus no crente. Assim, o juízo se-
gundo as obras, com relação à justificação pela fé, enfatiza o todo e a unidade do plano
de salvação, visto que Cristo é Senhor e Salvador.
Portanto, é evidente que o juízo segundo as obras não contradiz a justificação, mas a
concretiza. Rejeitar o juízo segundo as obras seria rejeitar a totalidade da intenção reden-
tora de Deus. O Cristo da cruz que justifica sempre diz como Senhor ao justificado: "toma
tua cruz e segue-me". O juízo atesta e testemunha a realidade e genuinidade desse ato.
Os adventistas do sétimo dia vêem o juízo pré-advento retratado nas profecias
(Dn 7-9) como parte integral do juízo final. O juízo investigativo no Céu inaugura
o juízo final que é consumado quando Cristo retorna pela segunda vez e novamen- ,,,
te depois do milénio. Essa fase inicial do juízo final revela o verdadeiro relaciona-
mento dos crentes com Cristo, e a fase final recompensa os crentes de acordo com
a verdadeira natureza de seu serviço a Cristo.
Às vezes, os escritos de João são usados para invalidar o ensinamento do Novo
Testamento sobre o juízo final e as questões que o envolvem. Contudo, uma aná-
lise dos ensinos de João demonstra que seu pensamento está em plena harmonia
com o testemunho do restante das Escrituras.
Em seu ofício duplo como Salvador e Senhor, Cristo julgou o pecado na cruz,
justifica o pecador com base em sua resposta de fé, e julga o justificado por suas
obras. A cruz é o meio pelo qual a justificação é concretizada. A fé é o meio pelo
qual a justificação é manifestada. Obras de justiça testificam a realidade c a vitalida-
de da justificação. Sua ausência indica um relacionamento rompido com Jesus.

ESBOÇO DA SEÇÃO

1. Introdução
2. Cristo: Salvador e Senhor
"S. Juízo pré-advento
4. Juízo nos escritos de João
5. Conclusões
JUSTIFICAÇÃO E juízo

INTRODUÇÃO
Devemos agora expandir um elemento mencionado anteriormente. A relação
entre justificação e juízo pode ser vista melhor se colocada no contexto de um
debate sobre Cristo como Salvador e Cristo como Senhor, entre o dom de Deus
e a reivindicação de Deus.
Jesus uma vez disse: "Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem"
(Mf 19:6). Embora o contexto seja um debate sobre o casamento, a essência de sua
observação parece apropriada para a salvação.
Na esfera da graça redentora de Deus, o dom e a reivindicação de Deus estão
ligados de forma inseparável. Quanto mais exaltamos seu dom para nós, mais
louvamos sua reivindicação sobre nós ao mesmo tempo. Quanto mais se percebe
e se recebe o amor de Deus, mais se cria uma nova ética de amor, uma nova vida
de discipulado e serviço.

CRISTO: SALVADOR E SENHOR

262 Não se pode separar o dom de Deus da reivindicação de Deus tanto quanto
não se pode separar Cristo como Salvador de Cristo como Senhor. A confissão
de que Cristo é Senhor e Salvador pertence à própria essência do cristianismo
do Novo Testamento. Não é possível ter Cristo apenas como Salvador ou apenas
como Senhor; Ele vem a nós como ambos. Há um laço muito estreito entre ambas
as realidades.
A salvação de Cristo é revelada especialmente na cruz, onde seu amor, já mani-
festado em sua vida aqui na Terra, tem sua expressão máxima. Mas é na cruz que
seu senhorio é também revelado. Seu senhorio é estabelecido precisamente por
meio de seu amor. O senhorio de Cristo é a regra de seu amor.
Muitas pessoas temem a ideia de senhorio. O conceito parece sugerir-lhes o
pensamento de uma autoridade dura, opressiva e talvez arbitrária, mas essa não é
a descrição neotestamentária de Cristo. Cristo como Senhor pode ser entendido
apenas à luz de Cristo como Salvador. Como Senhor, Cristo governa a partir da
cruz. O amor de Cristo revelado em sua vida e morte é o cerne de seu reinado so-
bre nós. Não há outro princípio em sua coroa além do manifestado na cruz. Falar
de seu senhorio é dizer que seu amor sacrificai deve prevalecer em toda a terra.
Como Senhor Ele reivindica toda nossa vida para seu amor.
Tendo em mente a indivisibilidade de Cristo como Senhor e Salvador, pode-
mos ver prontamente que existe uma conexão estreita entre o que Cristo nos dá e
o que Ele reivindica de nós:
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFECIA

Ele vem a nós com amor - à luz disso e com a forca que esse amor nos dá, Ele
nos pede que tenhamos amor.
Ele vem a nós com misericórdia - com a alegria e o poder dessa misericórdia,
Ele nos pede que sejamos misericordiosos.
Ele vem a nós com perdão - Ele nos pede que perdoemos.
Ele vem a nós com bondade - Ele nos pede que sejamos bondosos.
Ele vem a nós com gentileza - Ele nos pede que sejamos gentis.
Ele vem a nós em sacrifício - Ele nos pede que vivamos em sacrifício.
Ele vem a nós como nosso servo - Ele nos pede que sirvamos aos outros.

Tudo o que o cristão deve fazer está revelado e é o produto do que Cristo fez por
ele. Seu dom é tanto o conteúdo de sua reivindicação como a força para cumpri-la.
Há vários textos que fundamentam o que os crentes devem fazer no dom, na
forca e no exemplo do que Cristo fez por eles. Por exemplo:

João 13:34 "ameis uns aos outros... assim como eu vos amei".
Ef S:25 "Maridos, amai vossa mulher, como Cristo amou a
igreja e a si mesmo se entregou por ela." , _
Et 4:32 "Perdoai-vos uns aos outros, como também Deus, em
Cristo, vos perdoou."
Rm 12:1 "Rogo-vos...pelas misericórdias de Deus [a graça sacri-
ficai de Deus descrita em Romanos 1-11], que apre-
senteis vosso corpo por sacrifício vivo."
Cl 2:6 "Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim
andai nele."2
Gl 5:25 "Se vivemos no Espirito, andemos também no
Espírito." 1
Rm 14:8-9 "Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos,
para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou mor-
ramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse
tim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor
tanto de mortos como de vivos."
2Co 5:14-15 "Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós
isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. E
ele morreu por todos, para os que vivem não vivam
mais para si mesmos, mas para aquele que por eles
morreu e ressuscitou."
JUSTIFICAÇÃO E juízo

Rm 14:15 "Se, por causa de comida, o teu irmão se entristece,


já não andas segundo o amor fraternal. Por causa da
tua comida, não faças perecer aquele a favor de quem
Cristo morreu."
Rm 15:2-3 "Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que
é bom para edificação. Porque também Cristo não se
agradou a si mesmo; antes, como está escrito: 'As injú-
rias dos que te ultrajavam caíram sobre mim.'"
FI 2:5-11 (A humildade e serviço de Cristo) em relação a Fili-
penses 2:1-4 (o chamado da igreja para humildade e
serviço).

Esses e outros textos afins tornam claro que no ato de Cristo ter se doado, nossa
redenção foi cumprida, mas também, que nesse ato nosso discipulado foi revelado. Ver
e aceitar o que Cristo fez por nós é saber o que Ele deseja fazer por nosso intermédio.
Viver em harmonia com sua reivindicação, como uma consequência da re-
alidade do seu dom, não é salvar-se a si mesmo pelas ohms, mas anres aceitar o
Messias verdadeiramente e ter a vida moldada por sua libertação. Não viver se-
gundo sua reivindicação é rejeitar o Messias e o reino que Ele traz, o governo que
estabelece. Como pode Cristo ser nosso rei se não somos seus servos?

TOTAL CERTEZA
Neste momento, consideramos mais uma palavra sobre certeza. Sem a total
certeza de que Deus nos perdoa e nos aceita, não podemos viver por Cristo e
em harmonia com sua reivindicação. Se não compreendemos de forma completa
nossa aceitação, não podemos estar livres de preocupação e ansiedade para ter
interesse suficiente e tempo para nos concentrar nos outros. Além disso, sem essa
certeza pessoal, não teremos a percepção ou força necessária para aceitar os outros
totalmente. Como posso entender a aceitação e realmente aceitar os outros se eu
não sei da aceitação de Cristo por mim?
O que recebemos em Cristo determina o que fazemos por Cristo. O dom
de Cristo pode ser transmitido apenas quando foi experimentado, l João 1:1-3
é relevante a esse respeito: "O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o
que temos visto com nossos próprios olhos, ...e as nossas mãos apalparam, com
respeito ao Verbo da vida... anunciamos também a vós outros."
De acordo com o Novo Testamento, o que assegura nossa absolvição também
assegura nossa renovação. O perdão está ligado à nova criação.
Lembro-me de um telefonema que recebi após ter pregado um sermão sobre
perdão e nova criação. A pessoa disse: "Durante a primeira metade de seu sermão
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

pensei: 'lá vem essa de novo; mais um sermão sobre perdão.' Mas ao chegar na
segunda parte, sobre nova criação, aí sim você pregou o evangelho." Apreciei o
fato de alguém ter me ligado para falar sobre o sermão, mas de algum modo senti
que o ponto principal se havia perdido.
O que estava tentando dizer era que a renovação nasce do perdão. Sem perdão
a renovação não é possível, e sem renovação, o perdão é incompleto, ineficaz, mal-
compreendido.
Ellen G. White expressou bem a questão em duas declarações sobre perdão.
Escritas a partir de perspectivas diferentes, estão unidas na visão que transmitem
do que significa a salvação em Cristo:
"A religião de Cristo significa mais que o perdão dos pecados; significa remover
nossos pecados e encher o vácuo com as graças do Espírito Santo. Significa ilu-
minação divina e regozijo em Deus. Significa um coração despojado do próprio
eu e abençoado pela presença de Cristo. Quando Cristo reina na alma há pureza
e libertação do pecado. A glória, a plenitude, a perfeição do plano do evangelho
são cumpridas na vida. A aceitação do Salvador traz paz perfeita, perfeito amor,
segurança perfeita. A beleza e fragrância do carátet de Cristo manifestadas na vida,
testificam de que em verdade Deus enviou Seu Filho ao mundo para o salvar."4
"O perdão, porém, tem sentido mais amplo do que muitos supõem. Com a pro-
messa de que perdoará 'abundantemente', Deus acrescenta, como se o signifi- 265
cado dessa promessa excedesse a tudo que pudéssemos compreender: 'Os meus
pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus
caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os céus são mais altos do que a Ter-
ra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus
pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos' (Is 55:8 e 9). O perdão de
Deus não é meramente um ato judicial pelo qual Ele nos livra da condenação. E
não somente perdão pelo pecado, mas livramento do pecado. E o transbordamen-
to de amor redentor que transforma o coração. Davi tinha a verdadeira concepção
do perdão ao orar: 'Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova em mim um
espírito reto'Sl 51:10). E noutro lugar ele diz: 'Quanto está longe o Oriente do
Ocidente, assim afasta de nós as nossas transgressões' (SI 103:12)."s
A atitude de Paulo com relação a duas classes de pessoas que falsificaram o
evangelho é relevante para a discussão do dom e da reivindicação de Deus. Paulo
previu juízo contra ambas as classes. A primeira classe dizia que suas obras da lei
poderiam contribuir para a justificação, e a segunda raciocinava que o justificado
podia continuar pecando.
A primeira classe é descrita na carta aos gaiatas. Eles são os que subtraíam
de Cristo ao acrescentar a Ele suas próprias obras. De acordo com Paulo, a
justificação pelas obras significa o fim da justificação pela graça. "Se a justiça é
mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão" (Gl 2:21). A inferência é cia-
JUSTIFICAÇÃO E juizo

rã: uma vez que Cristo morreu para um propósito redentivo, aqueles que eram
justificados por obras da lei são desligados de Cristo e decaídos da graça (cap.
5:4). Contra aqueles que modificavam o evangelho da suficiência exclusiva de
Cristo, Paulo lança uma maldição.
Há outro grupo que está sob a ira do apóstolo. São aqueles que declaram que
a doutrina de Paulo da justificação dos ímpios pela fé separada das obras da lei
conduz apenas à vida em pecado. Se a graça superabunda onde abunda o pecado,
como diz Paulo, continuar pecando é bom - dá à graça de Deus uma oportunida-
de de operar! Essa objecão é refletida em Romanos 6:1-2, onde Paulo diz: "Que
diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?
De modo nenhum!" Paulo era sensível à objecão. Em Romanos 3:8, ele condena
tal ponto de vista com profunda seriedade: "E por que não dizemos, como alguns,
caluniosamente, afirmam que o fazemos: Pratiquemos males para que venham
bens? A condenação destes é justa."
Como mostra Romanos 6, embora Paulo ensine a justificação de pecadores, ele
não ensina a justificação da impiedade. Longe disso, ele mostra que o cristão está
unido a Cristo em sua morte e ressurreição (v. 3-8). Portanto, assim como Cristo
morreu para o pecado e a partir de então vive para Deus (v. 10), assim também o
faz a pessoa unida a Cristo por meio do batismo.
266
O VERDADEIRO PERDÃO CONDUZ À LIBERDADE

É difícil conceber que uma objecão conforme a mencionada em Romanos 6: l


pudesse ser levantada. Certamente a consideração da bondade de Deus para co-
nosco é o fundamento de uma nova ética e não sua morte. Podemos ser verdadei-
ramente perdoados e continuar ferindo a Deus e ao nosso próximo? Em vez disso,
não é certo que o verdadeiro perdão conduz à verdadeira liberdade não apenas da
penalidade do pecado, mas também de seu poder?
Está claro que por trás da objecão de que a graça significa pecado em vez de
serviço está alguém que pela própria pergunta que faz - "Permaneceremos no
pecado, para que seja a graça mais abundante?" - mostra que tem uma relação
errada com o evangelho. A objeção retrata alguém que afirma sua aceitação da
graça, mas para quem a graça não é o definitivo poder de sua vida, o poder que
define e dá substância e forma a toda a vida. Tal posição coloca a graça meramente
na periferia da vida e faz com que o cristianismo seja o sustentador de uma ficção
legal, a saber, o perdão de criminosos que continuam em sua criminalidade como
o padrão habitual de vida. (Essa era a acusação contra a teologia paulina).
Esse ponto de vista não é meramente uma redução do cristianismo à men-
sagem do perdão somente, mas a redução do perdão a um ato destituído do ele-
mento criativo, destituído do poder de renovação. O perdão, que é o significado
70 SI;MANAS, LwlTico E A NATVRHZA HA PROFI-:< TA

essencial da justificação (veja Romanos 4:6-8), vem a ser apenas a liberdade de


penalidades, f não uma reconciliação positiva e um compromisso e serviço a Deus
- uma nova orientação na vida e um princípio de nova vida. De acordo com esse
ponto de vista, o evangelho fornece uma maneira de se estender a vida quantita-
tivamente no mundo eterno, mas não uma forma de viver uma nova vida qualita-
tivamente neste mundo.
Aquele que atribui esse tipo de posição a Paulo, ou a adora por si mesmo,
transfere as categorias de pecado e graça a experiências pessoais de tal modo como
se o pecado não fosse conquistado fundamentalmente pela graça na história da
salvação, como Romanos 5:12 e os versículos seguintes afirmam. De acordo com
essa passagem, o pecado, que veio ao mundo por meio de Adão, era tão forte que
mesmo a revelação da santa lei de Deus no Sinai não poderia detè-lo. O problema
não foi minimizado, mas agravado, e o pecado multiplicou como transgressão
(v. 20). Mas o que a lei não podia fazer, porque estava enferma pela carne, Deus
fez por meio de Jesus Cristo (Rm 8:3). Com sua obediência, em contraste com a
desobediência de Adão, Ele teve a vitória sobre o pecado.
O cristão é chamado a participar dessa vitória da vida, morte e ressurreição de
Cristo não para criar em sua experiência mais uma vez as condições que fizeram
a vitória de Cristo sobre o pecado uma necessidade. Para Paulo, permitir ao peca-
do reinar a fim de que a graça possa superabundar é rejeitar o que Deus, em sua 267
graça, fez em Cristo.
A pessoa que faz essa objeção não entende a soberania da graça para tornar
possível ou necessária uma nova moralidade. A graça não é vista como a reivin-
dicação fundamental de Deus á pessoa inteira do crente. Algo bloqueia a passa-
gem para esse reconhecimento, pois pode-se pensar que aquele a quem muito se
perdoa, muito se ama em retribuição (veja Lc 7:42, 47), que ele tentaria servir e
agradar a parte prejudicada.
Está claro que, do ponto de vista paulino, temos aqui um entendimento erró-
neo da graça, em que não há chamado para o discipulado. Dietrich Bonhoeffer
está certo quando diz: "o único homem que tem o direito de dizer que está justifi-
cado apenas pela graça é o homem que diMxou tudo para -seguir a Cristo."6
Na verdade, a respeito da realidade do discipulado, é dom ou reivindicação
quando Cristo diz, como para Mateus, "Segue-me"? Não ê ao mesmo tempo graça
e reivindicação? O chamado de Cristo é graça, e essa graça pode ser recebida de
fato somente se seguimos o Salvador. Da mesma forma, quando Paulo fala dos
"frutos do Espírito" (Gl 5:22), está se referindo a um dom ou a uma reivindicação?
Certamente o fruto do Espírito deve ser dom e reivindicação em um.
Em resposta àqueles que acusam ou abusam da graça de Deus, Paulo protesta
em Romanos 6:2 e 15 com um sonoro "De modo nenhum". Esse "de modo ne-
nhum" encontra seu pleno significado em Romanos 6 no fato de que, assim como
JUSTIFICAÇÃO E juízo

Paulo mostrou nos capítulos anteriores de Romanos, que a justiça divina significa
graça e vida para o crente, agora irá mostrar que a graça de Deus significa justiça e
um novo tipo de vida. Se o pecado humano requer a justiça divina, a justiça divina
também requer obediência humana a nosso Senhor, com quem participamos na
morte e ressurreição. Em contraste com o que diz quem faz a objeção "permanece-
remos no pecado" (veja o v. 1), Paulo diz: "Não reine, portanto, o pecado em vosso
corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas paixões" (v. 12).
Paulo mostra que a pessoa justificada pela graça, excluindo-se as obras, morre
para o pecado a fim de viver para Deus. De acordo com Romanos 6:2: "Como
viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?" O morrer para o
pecado não é uma segunda etapa depois da justificação, mas uma realidade ligada
à própria justificação.
O que Paulo quer dizer com morrer para o pecado? Ele quer dizer, em suma,
uma troca de senhorio. Antes, o pecado era o senhor, e agora o Senhor é Cristo.
Ter um novo Senhor é ao mesmo tempo estar livre do antigo (esse é o dom) e estar
alistado no serviço do novo (essa é a reivindicação).
Longe de essa troca ser um estado inerte do não pecar, Paulo afirma que sob o
novo senhorio de Cristo, os cristãos guerreiam contra o pecado (v. 12-13), o antigo
senhor de sua vida. E justamente pelo fato de o grilhão do pecado ter sido tirado,
268 q U e o cristão está livre para lutar; e devido ao o pecado ainda continuar sendo um
desafio, é necessário lutar.

O CRISTO RESSURRETO REINA

O desafio em Romanos 6:12 de não deixar o pecado reinar significa que a


liberdade ganha pelo dom de Cristo é a liberdade a ser usada na sua causa. Obede-
cer a Cristo como Senhor faz parte de pertencer a Cristo como Salvador. O Cristo
ressurreto reina da cruz sobre todos os que foram batizados na sua morte.
Em poucas palavras, de acordo com Romanos 6, a morte para o pecado signifi-
ca liberdade da soberania do pecado, de modo a resistir-lhe o convite. É se libertar
do pecado como seu governante, a fim de lutar contra ele como seu inimigo.
A respeito do juízo, a relevância de tudo o que foi discutido nesta seção pode
ser resumida como se segue. Ao buscar as obras como fruto da fé, o juízo testifica
a realidade da salvação. O juízo segundo as obras com relação à justificação pela fé
expressa a integralidade e unidade da salvação vista na relação entre Cristo como
Salvador e Cristo como Senhor, entre o dom e a reivindicação de Deus, entre a
liberdade da autoridade do pecado e guerra contra seus apelos.
Quando se vê a natureza da conexão existente entre essas relações, pode-se dizer
do juízo com respeito á justificação, que ele não se posiciona na relação de antítese
' ou contradição, mas de complementaridade e cumprimento. Rejeitar o juízo se-
70 SEMANAS, LE-VÍTUJO E A NATUREZA DA PROFECIA

gundo as obras, então, seria rejeitar a totalidade do propósito redentivo de Deus. O


Cristo da cruz nunca deixa uma pessoa onde a encontrou. Ele sempre diz aquele que
justifica: "Toma a tua cruz e segue-me." O juízo prova e testifica dessa realidade.

JUÍZO PRÉ-ADVENTO

Os adventistas cio sétimo dia acreditam que a Bíblia ensina um processo de


juízo que ocorre antes da segunda vinda de Cristo. Tradicionalmente, esse juízo é
conliLTido i orno imestisíativo. Qual c a importância desse juízo pré-advento? hle
entra em conflito com o ensino das Escrituras sobre justificação pela fé e juízo
segundo as obras? Ele tira a certeza da salvação que a justificação pela fé traz? Crí-
ticos do adventismo dizem que sim. Algumas vezes, apresentações inadequadas do
juízo investigativo podem ter dado a falsa impressão de que eles estão certos.
Contudo, a minha opinião é a de que o juízo investigativo, corretamente compre-
endido, está em harmonia com a justificação pela fé e com o juízo segundo as obras.
Abrange em si mesmo os ingredientes desses dois ensinamentos fundamentais.
Uma compreensão correta do juízo investigativo não o verá como um aconte-
cimento independente, algo separado da corrente da história da salvação, pois isso
o tornaria outro caminho de salvação, o que seria um grave erro. Em vez disso, o
juízo investigativo pode ser entendido de forma correta apenas quando visto, de
um lado, em relação ao juízo final e, por outro lado, em relação ao juízo de Cristo
sobre o pecado na cruz conduzindo ã justificação do pecador pela fé.
Alguns têm desejado dizer que na descrição de Ellen G. White do juízo in-
vestigativo no livro O Grande Conflito (p. 479-491) ela não empregou a Bíblia de
forma correta, pois aplica textos sobre o juízo final ao juízo investigativo. Uma
interpretação melhor é possível. Ellcn G. Whire usa textos do juízo final porque
em seu pensamento e no pensamento da igreja adventista do sétimo dia, o juízo
investigativo é parte integrai do juízo finai
Duas considerações importantes apoiam essa visão. Primeiramente, os pioneiros
adventistas do sétimo dia, incluindo Ellen G. White, previram o segundo advento de
Cristo como um acontecimento muito próximo. O final do juízo investigativo e o sur-
gimento do Salvador com sua recompensa estavam no horizonte. Em tal contexto, era
impossível separar o juízo investigativo do juízo final, com sua recompensa divina, que
se daria na vinda de Cristo. De fato, o período do juízo investigativo era uma época de
preparação especial para encontrar Cristo e em paz ser aprovado na execução de sua jus-
ta decisão. Eles criam que era muito curto o tempo entre a abertura dos livros, a decisão
no juízo pré-advento e a execução da decisão, para o bem ou para o mal, no juízo do
advento. Tudo isso era parte de uma sinfonia de juízo, e logo se chegaria à conclusão.
JUSTIFICAÇÃO E juízo

Em segundo lugar, o juízo investigativo e o juízo final lidam com uma questão
básica comum a ambos: a vida do crente é de continua fé, arrependimento, con-
fissão e serviço obediente em amor? Esses termos resumem as várias expressões
que Ellen G. White usa no capítulo sobre o juízo investigativo na obra O Grande
Conflito para descrever o que Deus espera da vida daqueles que procuraram obter
sua justificação. Elas são essencialmente as mesmas que as Escrituras empregam
para representar o divino Juiz esperando seu povo no juízo final. Os dois juízos são
na verdade um, mas esse juizo tem duas fases.
Contudo, há outro elemento considerado no juízo investigativo - um ele-
mento básico - e corresponde à realidade da manifestação divina de sua justiça
na cruz (Rm 3:21, 24-25) e sua justificação do pecador pela fé {Rm 3:22, 25-
26).
De acordo com o pensamento adventista, quando o pecador arrependido
vai a Cristo c confessa sua fé no sacrifício expiatório do Salvador, o perdão
é registrado do lado do seu nome nos livros celestiais.7 Quando os livros são
abertos no juízo, pode-se ver esse registro de perdão. De forma clara, o juízo
investigativo não lida meramente com os pecados da humanidade, mas com o
perdão por parte de Ctisto.
Consequentemente, quando todos esses conceitos são reunidos, e a justi-
270 ficação pela f é e o juízo futuro segundo as obras são vistos como o conteúdo
do juízo investigativo, pode-se afirmar que há duas perguntas que esse juízo
responde. Primeira: o pecador buscou e recebeu o perdão de Cristo pelos seus
pecados? Segunda: esse perdão resultou bons frutos em sua vida?
A fim de expandir o conteúdo e o efeito combinado dessas duas perguntas
tão fundamentalmente pertinentes para o juízo investigativo, as seguintes per-
guntas devem ser feitas de forma diteta, detalhando os interesses desse juízo
com relação aos crentes: Cristo é tanto seu Senhor como Salvador? O que tem
feito com a cruz de Cristo e a graça revelada nela? Você afirmou a cruz por toda
sua existência ou por apenas parte dela? Quando o Cristo crucificado veio até
você com seu dom e reivindicação, você se submeteu a Ele e o seguiu, tomando
sua cruz, ou seguiu seu próprio caminho - o mesmo que você trilhava antes de
encontrá-lo? Você fez cativos seus pensamentos e ações a Cristo? Ou você - que
Deus o livre - se separou de sua graça ao negar com sua vida o que professou
com seus lábios? Sua liberdade da condenação da lei de Deus o conduziu a uma
nova relação de fidelidade à lei na força da graça de Cristo? O amor e o perdão
de Cristo se tornaram a base de seu perdão e amor aos outros?
Somente quando a resposta a tais perguntas for "Sim" pode a revelação
final do perdão e da misericórdia de Deus ser estendida aos crentes, de acordo
com as palavras de Cristo: "Perdoa nossas dividas [no juízo futuro) assim como
também perdoamos nossos devedores [neste mundo]" (Mt 6:12).
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Se tal abordagem de Deus para com o homem no juízo LnvestLgativo tira a


certeza da salvação, como alguns têm alegado, então o mesmo também deve ser
verdade do juízo final. Dificilmente alguém pode declarar crer na opinião bí-
blica do juízo final e então objetar ao surgimento das mesmas questões no juízo
investigativo. Não c possível defender a ideia de que a reivindicação de Deus
não é contrária à certeza do crente no juízo final, mas que ê contrária à certeza
do crente no juízo investigativo sem cair em contradição. A única maneira de se
fazer isso é considerando o juízo final a partir da perspectiva da teologia "uma
vez salvo, salvo para sempre". Tal teologia e a certeza automática que ela traz
obviamente seriam contrárias ao juízo investigativo e à certeza que ele sustenta:
certeza por meio do contínuo relacionamento com Cristo.
Entretanto, as passagens bíblicas sobre o juízo, tais como as mencionadas
neste ensaio, tornam bastante evidentes que a teologia "uma vez salvo, salvo
para sempre" é inválida. Sendo assim, a questão da verdadeira natureza da segu-
rança se levanta com toda forca para todos que confessam "porque importa que
todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um rece-
ba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo" (2Co 5:10).
Se dissermos que o convite do juízo investigativo à perfeição tira a certeza
do crente, devemos nos lembrar de que as Escrituras fazem o mesmo apelo, l
Tessalonicenses 3:13 e 5:23 são suficientes para ilustrar esse aspecto. Mas os 271
crentes podem se regozijar de que não importa quão grande seja rigidez do
apelo de Deus, "Fiel é o que vos chama, o qual também o fará" (ITs 5:24). E
os crentes podem render "graças ao Senhor, porque Ele é bom; porque a sua
misericórdia dura para sempre" (SI 106:1).
A relação do juízo investigativo com a justificação e o juízo final pode ser represen-
tada em sua totalidade dessa forma: por um lado, o juízo investigativo ratifica e confir-
ma a justificação obtida por Cristo na cruz e recebida pelos crentes mediante a fé. Por
outro lado, o juízo investigativo inaugura o juízo final que é consumado quando Cristo
retorna pela segunda vez e novamente depois do milénio. A fase inicial do juízo final
expõe a relação verdadeira dos crentes com Cristo, e a fase final recompensa os crentes
de acordo com a verdadeira natureza de seu serviço por Cristo.

O PROPÓSITO DO JUÍZO INVESTIGATIVO

Quando os adventistas do sétimo dia talam de um juízo investigativo, não se


deve entender que Deus procura informações que Ele não possui. Afinal, Deus é o
Autor dos livros que são abertos em seu juízo. Os livros não são um novo conheci-
mento que Deus ainda irá adquirir, mas o antigo conhecimento que Ele irá expor
agora. Assim, o propósito do juízo investigativo da parte de Deus não é descobrir
a realidade, mas desmascará-la, não é encontrar a verdade, mas revelá-la.
JUSTIFICAÇÃO E juízo

Como resultado desse processo de exposição e revelação, os redimidos dizem:

Grandes e admiráveis são as tuas obras,


Senhor Deus, Todo- Poderoso!
Justos e verdadeiros são os teus caminhos,
Ó Rei das nações!
Quem não temerá
E não glorificará o teu nome, ó Senhor?
Pois só tu és santo;
Por isso, todas as nações virão
E adorarão diante de ti,
Porque os teus atos de justiça
se fizeram manifestos (Ap 15:3-4).

Paulo escreve: "O profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do cx>


nhecimento de Deus! Quão insondáveis são os teus juízos, e quão inescrutáveis,
os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu
conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória
272 eternamente. Amém (Rm 11:33-36)."

O JUÍZO NOS ESCRITOS DE JOÃO

Será útil agora voltarmos para certos aspectos dos ensinamentos do apóstolo
João sobre o juízo. Seus ensinamentos têm sido usados, às vezes, para minimizar
ou anular o ensinamento geral do Novo Testamento sobre o juízo futuro c as ques-
tões envolvidas nele. Então, o que será dito aqui será relevante tanto para a fase
pré-advento como para a fase do advento do juízo final.
De acordo com João, o fato é que a cruz é o juízo de Deus sobre o pecado (Jo
12:31-33; 16:11) e que o juízo do crente, bem como do não-crente, está no passado.
Isso depende da aceitação ou rejeição da luz que Cristo traz (Jo 3:18-21) e essas
verdades deveriam ser reconhecidas com gratidão. Elas contribuem de forma signi-
ficativa para o entendimento geral do Novo Testamento quanto ao juízo.
Porém, essas verdades joaninas não devem prevalecer sobre o que Paulo e o
restante do Novo Testamento claramente ensinam, isto é, que um dia de juízo
para o mundo está por vir, e mesmo os crentes serão chamados para prestar contas
diante do Rei. Em outras palavras, o juízo passado em João não deve ser utilizado
para negar o juízo do futuro em outro lugar nas Escrituras.
70 SKMANAS, LKvmro K A NATURKZA HA PROFECIA

Entretanto, isso não é tào simples, pois não é o caso que o juízo em João seja
apenas passado e o juízo em outro lugar seja apenas futuro. Paulo, por exemplo,
ensina um juízo passado bem como um futuro. Isso é ensinado de forma explícita
em Romanos 8:3, onde ele diz que Deus enviou seu filho e "condenou Deus, na
carne, o pecado". Essa também é a implicação óbvia da justificação pela fé. A jus-
tificação pela fé significa que o veredito do juízo futuro moveu-se para o presente,
no início da existência cristã (mas sem negar o juízo futuro segundo as obras,
como vimos antes em nossos estudos).
João, por outro lado, fala de um juízo futuro bem como de um juízo presente.
De acordo com João 12:48: "Quem me rejeita e não recebe as minbas palavras tem
quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia."
João 5:29 fala daqueles que serão levantados "para a ressurreição do juízo". Em l
João 4:17 lemos sobre a confiança cristã: "no Dia do Juízo, mantenhamos confian-
ça." Vemos que tanto Paulo como João têm uma teologia do "já/não ainda", mas nos
ensinos de Paulo o "não ainda" do juízo envolve crentes e pode levar a um resultado
negativo se Cristo não tiver sido honrado no corpo. E no caso de João? Os crentes
serão julgados no juízo futuro, com possibilidade de um resultado negativo?
Alguns têm respondido a essa pergunta com um enfático "Não", baseando sua
resposta em João 5:24, onde Jesus diz: "Em verdade, em verdade, vos digo: quem
ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra 273
em juízo, mas passou da morte para a vida." Embora esse texto contenha a maravi-
lhosa notícia de um movimento já cumprido da morte para a vida eterna por parte
daqueles que ouvem e crêem nas palavras de Jesus, várias considerações mostram
que seria errado usar esse texto para ensinar que João pensava que os crentes não
f i n l i ; i r n p;ictr nu j u í z o t u t u i u .
1. O texto não diz necessariamente que os crentes não vão a juízo de modo
algum. O substantivo grego para juízo aqui algumas vezes carrega o significado de
"condenação" em João (Jo 3:19; 5:29; veja o mesmo uso do verbo grego em 3:17-
18; cf. At 13:27; Rm 14:22 c 2Ts 2:12).
Visto que o juízo é o oposto à vida eterna em João 5:24, o texto deve estar dizen-
do que o crente não vem a um juízo de condenação, significando um juízo que resul-
ta em condenação. Como o crente evita tal juízo? Isso conduz ao segundo ponto.
2. O que torna possível ao crente escapar de um juízo de condenação e possuir
a vida eterna é o ouvir e crer na palavra de Jesus. As palavras gregas para ouvir e
crer estão no tempo presente, portanto se referem a uma ação contínua, e não ter
ouvido meramente uma vez ou crido.
E por meio do continuo ouvir e crer que se tem continuamente a vida eterna e
se evita o juízo de condenação que virá sobre aqueles que tiverem praticado o mal
(Jo 5:29). Ao negar uma realidade (ouvir e crer) necessariamente se nega a outra
(ter vida eterna e evitar a condenação). Afinal, João 3:18 não ensina que aquele
JUSTIFICAÇÃO E juízo

que crê em Cristo não c condenado, mas aquele que não crê já está condenado? A
presença do "já" na segunda parte desse versículo não restringe o significado desse
versículo ao passado. Se alguém para de crer - e João não nega essa possibilidade
em nenhuma parte - o "já" se torna relevante. João 3:36 declara: "quem crê no
Filho tem vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá
a vida." A menos que João opere com uma mentalidade "uma vez salvo, salvo para
sempre", parar de crer deve significar parar de viver. Vemos que a vida eterna é
condicional à crença contínua.
Quando João 5:24 usa o te-m pó perfeito grego para descrever a transferência da
morte para a vida, isso não significa que o texto esteja falando sobre uma transfe-
rência irrevogável que mesmo a descrença não poderia mudar. O crente, como re-
sultado da transferência, está num estado de vida (o significado do tempo perfeito do
verbo grego) apenas enquanto se mantiver ouvindo e crendo. O texto, de fato, fala
sobre permanência, mas não uma permanência separada da permanência da fé.
De igual modo, as ovelhas de Cristo retratadas em João 10:28-29 nunca pere-
cerão e ninguém as arrebatará de sua mão ou do Pai com a condição de ouvirem a
voz do Pastor e segui-la. Nada sugere que esse ouvir e seguir sejam por necessidade
(preparando o caminho para o conceito da necessidade ou permanência automá-
tica da vida eterna) em vez de por escolha.
274
PERMANEÇAMOS EM CRISTO
3. Outros textos em João apoiam o fato de que crentes podem ser julgados de
turma desfavorável. João l 5 exorta os crentes a permanecerem em Cristo e dar fru-
to. O Pai "corta" (v. 2) todo ramo que não dá fruto. Ou de forma mais dramática:
"Se alguém não permanecer em mini, será lançado fora, à semelhança do ramo, e
secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam" (v. 6).

4. Em l João encontramos vários testes de vida:


a. Crer e confessar Cristo (IJo 2:22; 4:2-3, 15; 5:9-13).
b. Permanecer em Cristo (IJo 2:24-25, 28).
c. Guardar os mandamentos de Deus (IJo 2:3-5, 17; 3:21-24; 4:21; 5:2-3).
d. Andar como Cristo andou ( I J o 2:7).
e. Fazer o certo e evitar o pecado (IJo 2:29; 3:6-7, 10).
f. Amar uns aos outros (IJo 2:7-11; 3:11-17; 4:7-8, I I , 16-17, 20-21;
5:2-3).
g. Não amar o mundo (IJo 2:15-16).

Esses são testes de vida porque, de acordo com João, por sua presença ou ausên-
cia é mostrado se uma pessoa tem ou não vida. Observe, por exemplo, l João 3:14
70 SliMANAS, LtVÍTlCO F. A NATURliZA HA PROFECIA

(que pode ser comparado com Jo 5:24): "Nós sabemos que já passamos da morte
para a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte." De
acordo com l João 4:16-17-. "aquele que permanece no amor permanece em Deus",
assim, "no Dia do Juízo, mantenhamos confiança". A implicação parece óbvia:
aquele que não permanece no amor não pode ter confiança no dia do juízo.
À luz dos padrões mais amplos do pensamento joanino, bem como das particu-
laridades exegéticas mais imediatas de João 5:24, não podemos concluir que para
João não haja relação do crente com o futuro juízo. Essa conclusão é fortalecida
quando se consulta João 5:28-29, uma passagem estreitamente relacionada a João
5:24. São aqueles que praticaram o bem aqui, portanto, ressuscitados para a vida
eterna, os que apenas creram - praticar o bem sendo equivalente a crer em João
5:24? Ou são esses aqueles que praticaram o bem em consequência de crer, inferindo-
se que se a fé não resulta em boas obras, há apenas uma ressurreição no juizo (con-
denação)? Certamente, a segunda opção é melhor. Mais que provável, o bem falado
em Joãtt 5:29 se refere, ao menos em parte, a amar outras pessoas como em l João
3:14, o texto que, como João 5:24, fala de passar da morte para a vida.

CONCLUSÕES
275
As principais considerações desse estudo foram apresentadas. Precisamos ser
claros: justificação e certeza da salvação não são alcançadas por obras humanas ou
por fé mais obras humanas. A justificação e a certeza vêm apenas pela obra de Jesus
Cristo como Salvador.
No entanto, Cristo nosso Salvador também é nosso Senhor. Apenas ao con-
templá-lo, e ver a conexão inseparável entre sua salvação e senhorio, é que pode-
mos explicar de forma correta a relação entre justificação e juízo, fé e obras. Como
Cristo não pode ser dividido, então essas realidades relacionadas a Ele não podem
ser separadas umas das outras. Por meio do poder do Espírito, a fc sempre resulta
em frutos na vida do justificado.
Em seu duplo ofício como Salvador e Senhor, Cristo julgou o pecado na cruz,
justifica o pecador pela fé e julga os justificados por suas obras. A cruz é o meio
pelo qual a justificação é realizada; a fé é o meio pelo qual a justificação é aceita; e
as boas obras são os meios pelos quais a justificação é manifesta. Obras de justiça
testificam da realidade e vitalidade da justificação. Sua ausência indica uma rela-
ção rompida com Jesus.
Como Salvador, Cristo obedeceu a Deus por nosso bem; como Senhor, Ele
nos chama a obedecer a Deus por amor a Ele. Como Salvador, Cristo deu sua vida
por nós; como Senhor, Ele nos chama a viver para Ele.
JUSTIFICAÇÃO E juízo

Quanto mais se compreende as riquezas da graça de Cristo, mais se ouve o


chamado de Cristo á obediência. Porém, o crente ouve o chamado não como uma
obrigação severa, mas como uma gratidão sincera. No contexto do infinito amor
de Cristo, a obrigação já não mais é um duro dever e torna-se o jugo leve de Cristo.
O apóstolo Paulo compreendeu o bonito equilíbrio na salvação divina quando
disse:"Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser
chamado apóstolo... Mas, pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça que me
foi concedida, não se tornou vã; antes trabalhei muito mais do que todos eles;
todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo" (ICo 15:9-10).
Como resultado de receber o dom da graça justificadora de Cristo, as palavras
de Paulo se aplicam a você: "E também faço esta oração: que o vosso amor aumente
mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, para aprovardes as coisas
excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o Dia de Cristo, cheios do fruto de
justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus" (Fl 1:9-11).

276
REFERÊNCIAS
CAPÍTULO l

1
Klaus Koch unter Mirarbeit von Till Niewisch und Jiirgen Tubach, Das Bitch Daniei (Ertrãgc der
Forschung, Band 144; Darmstadt, 1980), p. 149.
2
C. T. Francisco, "The Sevenfy Weeks of Daniel", RevExp 57 (1960), p. 126.
'J. A. Montgomcry, A Commentary on Daniei, ICC (1927), p. 400.
4
Veja F. Fraidl, Die Exegese der siebzig Wochen Daniels in der akcn und mittlercn Zeit (Graz, 1883), p.
3-25; E. W. Hengstenberg, Cfirútoíogj of the OU Testament, vol. 2, reimpressa».! (McDill AFB, FL, 1973),
p. 811-919.
s
Fraidl, p. 26-255; L. Knowles, "The Interpretation of thc Scvcnty Weeks of Daniel in rhe Early
Fathers", WT] l (1945): 13660.
6
O. Zoeckler, Daniei (Nova Iorque, 1876), p. 205-213; Matthew Polé, Synopsis Oriticorum
(Frankfurt, 1694).
' Zoeckler, p. 209-213; J. Knabenbauer, Cymmentarius in Danielem (Paris, 1891), p. 262-275;
Montgomery, p. 399-400.
rt
Sobre essa frase, veja Montgomery, p. 373; H. C. Leupold, Exposition of Daniel, 2a cd. (Grand
Rapids, 1969), p. 406409; E. J. Young, The Pmphecy of Daniel (Grand Rapids, 1949), p. 195; Questions on
Doctrine (Washington D. C, 1957), p. 276-278.
" Discorda desse ponto de vista: C. Wieseler, Die 70 Wochen und die 63 Jaknvochen dês /Vopheten
Daniel (Gõttingcn, 1839), que sugere que cm Daniel 9:24 são semanas literais, mas nos versículos 25-
29 são semanas que representam anos; J. Sladen, The Seventy Weeks of Daniel's foopkecy (mimeografado;
Londres, 1925), defende que sejam semanas literais.
10
Wiiliam H. Shca, Estudos Selecionados em Interpretação Profética (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress,
2007), p. 73.
" Francisco, p. 135.
12
L. Koehler e W. Baumgartner, Lexicon in Veteris Testatnenti Lilrros (Leiden, 1957), p. 940:
"período de sete dias, uma semana"; W. L. Holladay, ed., A Concise Hebreu* and Aramaic Lexicon of
the OT (Grand Rapids, 1971), p. 358: "sete dias, uma semana"; G. Fohrer, et ai., Hebreiu ancí Aramaic
Dictionary of the Old Testament (Berlim/Nova Iorque, 1973), p. 275: "período de sete, semana." O
BDB mais antigo [Hcbrew and English Lexicon of thc Old Tcstamcnt, de Brown-Drivcr-BriggsJ, p.
988-989, sugere "período de .sete (dias, anos), septeto, semana", para "&ãbà'a" no geral e para 9:24
especificamente "septeto ou sete de anos".
11
Leupold, p. 409.
14
Apoiam esse ponto de vista: T. Kliefoth, Das Bucfi Daniel (1868), considerado o primeiro, entre
os intérpretes a procurar estabelecer exegética mente a interpretação simbólica. De forma geral, cie foi
seguido, de forma geral, por C. F. Kcil, "The Book of Daniel", Commentar> on the Old Testament, eds.
C. F. Keil e F. Delitzsch (Edinburgh, 1891), p. 399-402; Leupold, p. 403-410; e J. Philip, By the Riven
of Babylon. Stwdies in tlw Boolí of Daniei (Aberdeen, 1972), p. 134. P. Grelot, "Soixante-dix scmaines
d'années", Bib 50 (1969): 169-186, também entende que as 70 semanas são números simbólicos, mas os
aplica de forma diferente do intérprete anterior.
" Keil, p- 352; Klieforh ad loc.; Leupold, p. 418420; cf. B. H. Hall, "The Book of Daniel", The
Wesliryan Rible Commentary, cd. C. W. Cárter (Grand Rapids, 1969), p. 547-
'" Leupold, p. 420-421: "O primeiro destes dois períodos de reconstrução é o que culmina com a
vinda de uma pessoa importante, tão importante, de fato, que Ele é mencionado por nomes significativos,
e, dessa forma, logo se percebe a quem está se referindo." Keil, p. 355.
REFERÊNCIAS
17
Leupold, p. 421.
IH
Ibid., p. 42M24.
" Young, P. 205-206.
20
Keil, p. 375; Leupold, p. 439-440.
21
Leupold, p. 428.
11
Ihid., p. 431: "O versículo anterior [26] disse apenas de forma geral e breve o que ocorreria ao
final dos sessenta c dois grupos de sete. Tudo o que foi mencionado, entretanto, se cumpriria no último
grupo de sete, embora o ponto de vista seja basicamente que isso aconteceira no final dos sessenta e dois
grupos de sete. Apenas as guerras e assolações foram descritas de forma a prevalecerem até o fim."
21
Veja o que diz Leupold, p. 409.
:4
Veja a evidência apresentada por R. Meyer, Hebráische Grammatik (Nova Iorque, 1969), 2:45;
D. Michel, GntTiiilegung einer hebrãischen Sjnmx (Neukirchen-Vluyn, 1977) l :34-39; M. Ben-Asher, "The
Gender of Nouns in Biblical Hebrew", Semitics 6 (1978): 9.
^ Montgomery, p. 376.
2(1
Hengstenberg, vol. 2, p. 808.
27
R. H. Charles, The Book of Daniel (Edinburgh, 1913), p. 104; Shea, p. 65-68, 73-75.
28
A. Bentzen, Daniel, Hat (Tiibingen, 1952), p. 66.
29
W. Baumgartner, "Ein Vierteljahrhundert Danielforschung", TR 11 (1939): 81.
10
Francisco, p. 136.
" Veja Leupold, p. 432.
í2
Francisco, p. 136.
" Veja J, B. Payne, Encydopedía of Biblical Prophecy (Nova Iorque, 1973), p. 384-385.
M
Os principais escritores que tratam do assunto são: J. A. Seiss, Vencei From Babyfan (Filadélfia, 1879);
278 Sir Robert Anderson, The Coming Prince (Londres, 1909); C. 1. Scofield, ed., The Sco/ieíd Reference Bible
(Nova Iorque, 1911); L. S. Chafer, The Kingdom in History and Prophecy (Chicago, 1936); A. J. McClain,
DanieVs Prophecy of the Seventy Weeh, (Grand Rapids, 1940); H. A. Ironside, The Orem Parenthesis (Grand
Rapids, 1943); J. D. Pentecost, Things to Come (Grand Rapids, 1958); G. R. King, Daniel (Grand Rapids,
1966); J. F. Walvoord, Daniel the Key to Pmphetic Rewlaiion (Chicago, 1971); L. Wood, A Commentary on
Daniel (Grand Rapids, 1973) e muitos outros.
" Pentecost, p. 239; cf. J. F. Walvoord, "Is Daníel's Seventieth Wcck Future?" BS 101 (1944); 30;
McClain, p. 5; etc.
ih
Por exemplo, McClain, p. 12-15; Pentecost, p. 242-244; Walvoord, Daniel, p. 217-220; Wood, p.
247-248.
17
Pentecost, p. 244-245; Walvoord, Daníeí, p. 225; etc.
3(t
Anderson, p. 128.
*> Ibid.
40
Wood, p. 253. Isso mostra que Wood procura combinar a prerrogativa cronológica da
interpretação histórico-mes.siânica com o método exegético dos pré-milenarianos futuristas.
41
R. O. Culver, Daniei and the Latter Days (Chicago, 1954), p. 145.
4:
R. C, Newman, "Danicl's Seventy Weeks and the OT Sabbath-Year Cycle", JETS 16 (1973):
233.
41
H. W. Hoehner, "Chronological Aspects of the Life of Christ, Part VI: Daniels Scvcnty Wccks
and NcwTcstamentChronology", BS 132 (1975): 62-64.
44
Veja B. Z. Wacholder, "The Calendar of Sabbatical Cycles During the Second Temple and
the Early Rabbinic Period", HUCA 44 (1973): 153-196. Shea, p. 75, aponta de forma incisiva: "As 70
semanas de Daniel 9 relacionam-se aos anos sabáticos de Levítico 25 por meio de seu cumprimento nos
historicamente conhecidos anos sabáticos pós-exílio de 457 a.C., 27 d.C. e 34 d.C."
45
Hoehner, p. 64. Para mais informações sobre os novos cálculos de Hoehner sobre a morte e
ressurreição de Cristo, que colocam essas datas cm um período posterior. A fim de que se enquadre
70 ShMANAS, LEVlTICO E A NATUREZA HA PROFECIA '

no esquema cronológico de Daniel 9, veja o ensaio Neiu Dimensions in Nfew Testament Study, eds. R. N.
Longnecker e M. C. Tenncy (Grand Rapids, 1974), p. 41-"54; e H. M. Hochncr, Chronologíoti Aspects of
the Life ofChrist (Grand Rapids, 1977).
4
" Anderson, p. 119-129.
47
Hoehner, BS 132 (1975): 64-65; id., Ckranalogiwl Aspccts ofthe Life ofChrist, p. 138.
w
Hoehner, Chronologicai Aspccts of thc Life ofChrist, p. 139.
«"Ibid-.p. 138
w
Anderson, p. 67-75; Hoehner, Chronoíogiaíl AspecLs o/tfif Life ofChrist, p. 135.
S1
Hochncr, Cfironologiaií Aspccts of the Life of Christ, p. 138.
S!
Ibid.,p. 139.
S1
J. Neuffer, "The Accession Year of Artaxerxes I", AfJSS 6 (1968): 60-87; S. H. Horn e L. H.
Wood, The Ommology o/Erra, 2a ed., (Washington, O.C.. 1970), p. 98-116, 124-127; H. H. Goldstine,
NCUÍ and Full Moons 1001 B.C. to A.D. 1651 (Filadélfia, 1973), p. 47.
«Home Wood, p. 43-45.
"Anderson, p. 119-120.
Sh
Hoehner, BS 132 (1975), 64; id., Chronobgicai Aspects ofthe Life ofChrist, p. 138.
" Newman, JETS 16 (1973), p. 231.
SH
Hoehner admire essa hipótese. Hoehner, BS 132 (1975): 61.
w
Ibid., p. 64.
"" H. W. Hoehner, "Chronological Aspects of the Life of Christ. Part V: The Year of Christ's
Crucifixion", BS 131 (1974): 33248.
nl
Anderson, p. 119-129.
"2 Hoehner, BS 132 (1975): 64.
M
Ibid., p. 61. 279
M
Anderson, p. 128.
^ P. Van Der Mecr, Chronology of Andcnt Western Ásia and Egypt (Lcidcn, 1963), p. 1; S. H. Home
L. H. Wood, The Chronology of Em 7, 2a ed. (Washington, DC, 1970), p. 3343.
"" G. L. Archer, "Daniel", Tíie Expositor^ Bi(?íf Commentary, ed. F. E. Gaebelein (Grand Rapids, 1985),
p. 115, mencionando A. H. Gardiner, E^pttan Grammar, 3a cd. (Nova Iorque, 1957), p. 203-205.
h7
Archer, "Daniel", p. 115.
ns
Vitringa, citado por Hengstenherg, p. 854, e Hengstenberg, p. 854-855.
w
Young,p. 214.
70
Walvoord, BS 101 (1994) p. 47-48, resumindo Ironside; McClain, p. 29-33; Pentecost, p.
247-248.
'' Sobre todo o sistema dispensacionalista, veja O. T. Allis, Profihccv and the Church (Filadélfia, 1945);
G. E. Ladd, The Blessed Hope (Grand Rapids, 1956).
:
R Mauro conforme citado por Young, p. 216.
71
Young, p. 215.
74
Veja o importante debate de J. Barton Payne, "The Goal of Daniel's Seventy Weeks", JETS 21/2
(1978): 97-115, esp. p. 105-115.
" A. C. Gaebelein, The Prophct Daniel, (Nova Iorque, 1911), p. 142; Walvoord, Daniel, p. 232-236.
76
Payne, Encydopedia ofBiblical Prophccy, p. 389.
77
Ibid.
7M
Walvoord, Daniel, p. 234.
79
Young, p. 211-212.
*° Wood, p. 258.
H1
Veja J. Doukhan, "The Seventy Weeks of Daniel 9: An Exegetical Study", AL/SS 17 (1979): 1-22;
W. H. Shea, "A Profecia de Daniel 9:24-27", cap. 3, p. 75-118 neste volume.
M;
Shea, "A Profecia de Daniel 9:24-27", p. 92-94 neste volume.
REFERÊNCIAS
H1
J. A. Montgomery, A Commentary on Daniel, ICC (1927), p. 400.
M
John Marsham, Canon Ohronicus (Frankfurr, 1697), p. 610ss.
H?
Anthony Coílins, The Scheme o/ Literal ftopheq Considerai in view of controveryy, occasioned by a late
hook endúed... (Londres, 1726). Sobre Collíns, veja H. Hirsch, Geschichte der neueren evangeiischen Theologic,
3a ed. (Darmstadr, 1964), vol. l, p. 308-315 J. M. Schmidt, Die jiitiische Apvkalyptik (Neukirchen-Vluyn,
1969), p. 36-37.
116
Veja o debate informativo em E. J. Young, The Prophecy of Daniel (Gran Rapids, 1949), p. 317-320.
S7
Veja o modelo de apresentação de O. Eissfeldt (1965), G. Fohrcr (1968), O. Kaiser (1969), etc.
HK
W. Baumgartner, TR 11 (1989): 208-9, 224; A. Bentzen, Daniel, Hat (Tubingen, 1952), p. 77.
H
" B. S. Chikis, introduction to the OU Testarnent as ,Scri/iíMTe (Filadélfia, 1979), p. 611.
w
L. F. Hartman e A. A. Di Lella, The Book of Daniel, AB 23 (Garden City, 1978): 244.
"' N. W. Porteous, DanieL A Commentary (Filadélfia, 1965), p. 141.
uz
R. Hammer, The Book of Daniel (Nova Iorque, 1976), p. 94
111
G. von Rad, OU Testament Theoíogy (Edinburg, 1965), 2:313.
91
A data 587 a.C. é defendida por Porteus, Daniel, p. 141; D. S. Russell, TV Merhoci and Message of
Jewish Apocaiyptic (Londres, 1964), p. 196; cf. Hartman e Di Lella, Danieí, p. 251; A. Lacocque, The Book
of Daniel, (Atlanta, 1979), p. 195; D. S. Russell, Danieí, (Filadélfia, 1981), p. 187; W. S. Towner, Daniel
(Atlanta, 1984), p- 42.

A data 586 é defendida por K. Marti, Danieí (Leipzig, 1901), p. 69; R. H. Charles, The Book of
Daniel (Edinburgh, 1913), p. 106; Montgomery, p. 391; Bentzen, p. 75, e outros.
%
Porteous , p. 141.
l7
' Montgomery, p. 392.
w
Klaus Koch unter Mitarbeit von Till Niewish Jnrgcn Tubach, Das Kuch Daniel (brtrage der
280 Forschung, Band 144; Darmstadt, 1980), p. 150.
1)11
Monrgomery, p. 392.
100
Veja Koch, p. 149-152.
101
O. Plõger, Dos Biicfi Daniei (Gutersloh, 1965), p. 134.
102
Porteous, p. 141.
101
Charles, p. 106; Marti, p. 69-70; Montgomery, p. 391.
104
Também Marri, p. 72. Bentzen, p. 75, sugere que a profanação ocorreu entre 167 e 164.
Montgomery, p. 386, acredita que ela tenha ocorrido entre 168-165 a.C.
105
Lacocque, p. 178.
I0h
J. G. Gammie, Danieí (Atlanta, 1983), p. 94, basicamente concorda com Lacocque que os 434
anos iniciam-se antes de 587/586 a.C. Gammie sugere o ano 606 a.C. com base em Daniel 1:1 e o ano
da morte de Onias III em 172 a.C. De acordo com o conhecimento cronológico mais preciso, a data 606
é errada. A data correta é 605 a.C., e Onias III morreu em 170 a.C. Veja a próxima nota.
07
Klaus Bringmann, Heííenistische Reform und Rcligionsverfolgung in Judàa. Eine Untersuckung ÍWT
judiscfi-fieilenisdchcn Gcsc/iicKte (Gõttingen, 1983), p. 124-125.
I(W
Hartman e Di Lella, p. 250.
' w lbid., p. 250-251.
110
Ibid., p. 251-252.
111
Ibid., p. 253. "O autor do capitulo 9 coloca a morte de Onias III, em 171 a.C., como o início da
última 'semana' de anos. Na metade do período dos sete anos, i.e., aproximadamente três anos e meio
depois de 171 a.C., ou ca. 167/166 a.C., ele coloca a profanação do Templo por Epipfânio, e supõe que
Deus porá um fim a essa profanação depois de outros três anos e meio, i.e. ca. 164/163 a.C."
112
Ibid., p. 250.
111
G. L. Archer, "Daniel", The Expositors Bibk Commcntary, ed. F. E. Gaebelcin (Gnmd Rapids,
1985), p. 114, e abaixo.
m
Hartman e Di Lella, p. 251.
70 SEMANAS, LEVITICO E A NATUREZA DA PROFECIA
lis
lbid.,p, 250.
llfi
Ibid.
I17
lbíd.,p. 252.
118
Ibid., p, 251.
119
Archer, "Daniel", p. 120.
120
J. J. Collins, Daniel, First Maccabees, Second Maccabees (Wilminf^on, DE, 1981), p. 95.
121
Ihid., p. 96.
122
Ibid.
121
J. J. Collins, Dcmieí with an introduction to ApocaKptic Literaturc (Grand Rapids, 1984), p. 92.
IM
Collins, Daniel, First Maccabees, Second Maccabees, p. 96.
1ZÍ
Ibid., p. 97.
26
Baumgartner, p. 224; Montgomery, p. 178; B. Konig, Die messianiscken Weissagungen dês AT
(Stuttgart, 1925), p. 323; Russell, p. 197.
127
Do hebraico dobar é traduzido incorrctamenre como "ordem" na KJV e "decreto" na NASB.
ZH
Plòger, p. 134, reconhece esse problema. Ele sugere que o ano de 587 é o terminus a íjuo,
"independentemente de quando Jeremias disse as palavras que encontramos em jeremias 25 e 29". E
evidente que essas palavras foram ditas antes da queda de Jerusalém. Além desse ponto, que tem como
base Daniel 9:2, podemos acrescentar que nem Jeremias 25 ou Jeremias 29 fala da reconstrução ou
restauração de Jerusalém, mas apenas de sua ruína.
l!
" C. F. Kcil, "The Book of Daniel", Commentary on the Old Testament, cds. C. F. Keil e F. Delitzsch
(Edinburgh, 1981), p. 351.
110
D. S. Russell, The Methodand MessageõfJewishApocalyptic(Filadélfia, 1964), p. 197. Curiosamente,
essa ideia não foi reiterada em sua obra mais recente The Jews Fmm Akxander to Hemd (Londres, 1967),
p. 239, embora os dois textos de Jeremias sejam mencionados. 281
111
Veja o debate em J. Bright, Jemniah, AB (1965), p. 384-385.
131
Kell, p, 351,
'" M. Delcor, Lê Livre de Daniel (Paris, 1971), p. 197.
114
Montogmery, p. 379.
'" E. J. Bickerman, "The Edict of Cyrus in Ezra l", JBL 65 (1946); 244-75; J. M. Myers, E-çm-
Nehemiah, AB (1965), p. 6; J. Bright, A History of Israel, 2a ed. (Filadélfia), p. 361.
'"' A. Malamat, "A New Record of Nebuchadneiiar's Palestinitin Campaign", IE! 6 (1956): 246-
256; E. Vogt, "Die neubabylonische Chronik iiber díe Schlacht bei Karkemiscb and die Einmihme von
Jerusalém", VTS 4 (1957): 67-96 ; S. J. De Vries, "Chronology of the OT", ÍDB (Nashville, 1962), 1:597-
98; S. H. Horn, "The Babylonian Chronicle and the Ancienr Calendar of the Kingdom of Judah",
AUSS 5 (1967): 12-27; E. R. Thiele, The Mysteriaus Numbers of the Hebrew Kings, 2a cd. (Grand Rapids,
1965), p. 165-172; A. Malamat, "The List Kings of Judah and the Fali of Jerusalém", IEJ 18 (1968):
137-156; K. S. Freedy c D. B. Redford, "The Dares in Ezekiel in Relation to Biblical Babylonian and
Egyprian Sources", JAÓS 90 (1970): 462485.
117
G. Behrmann, Dos BwcK Daniel (Gõrtingcn, 1894), ad loc.
llfi
Essa data c sugerida por J. M. Myers, The World of the Restoration (Englewood Cliffs, NJ,
1968), p. 43.
IW
M. J. Dresden, "Cynis", IBD, 1:755, também acredita que Ciro talvez seja o "ungido" de Daniel
9:25.
140
Konig, p. 311; M. Thilo, Die Chronoiogie dês Daniel-Buches (Bonn, 1926), p. 14.
141
Montgomery, p. 392.
M7
-Young,p. 202.
141
MontHomery, p. 391, n. 2.
144
Marti, p. 72.
^ Baumgartncr, p. 224.
REFERÊNCIAS
14(1
Montgomery, p. 393; cf. Baumgartner, p. 223.
147
B. Dulim, hraels Pmpheten, 2a ed. (Tubingen, 1922), p. 416.
'* Marti, p. 73.
149
Porteuos, p. 141.
"° Koch, Das Buch Daniel, p. 151.
'" C. T. Francisco, "The Seventy Weeks of Daniel", RevExp 57 (1960): 134-
152
Russcll, }ews From Alexander to Herod, p. 239. Acredita-se que isso teve origem com F. F. Brucc,
também Russell, Jewish Almcalyptic, p. 197-198.
'" E. Schiirer, A History oftheJewisk Peopie in the Time of Jesus CKrist (Edinburgb, 1890), div. II, vol.
3, p. 53-54.
M
Charles, p. 107; Marti, p. 73; Montgomery, p. 393; Bcnticn, p. 75; Porteus, p. 141; Russell, Jewií/i
Apocalyptic, p. 197; Koch, p. 152, para mencionar apenas alguns.
'" Bdirmann, p. 65.
™WanVl. 4.8; Ant. XIII. 11. I; XX. ii.
'" Veja as objeções às hipóteses de Schiirer por Thilo, p. 15-16.
158
Veja F. D. Nichol, ed., Seventh-tlay Adventist Bible Commentary (Washington, DC, 1955).
159
R. H. Pfeiffcr, Introduction to the OT(Nova Iorque, 1948), p. 758-759.
""•' H em Baruque l: l que está sujeito a Daniel.
1111
R. P. Dougherry, Nabonidus and Belshazzar (New Haven, 1929), p. 59ss.
IM
D. J. Wiscman, "Some Histórica! Prohk-ms in the Book of Daniel", em Notes on Some froblems in
the Bookof Daniel, eds. D. J. Wiseman, T. C. Mitchcll, et. ai. (Londres, 1965), p. 16-18.
M
Veja a nova obra de E. Schiirer, The History of the jewish People in the Age of)esus Christ, cds. M.
Black, g. Vermes, e F. Millar (Edinburgh, 1973), vol. l, p. 163; Delcor, Daniel, p. 203.
1M
282 Brmgmann, Heflenistischc Re/orm und Rdigionsverfolgung injmláa, p. 29-51.
's Também F:. W. Hengstenberg, Christology of the Old Testament (reimpressão; McDill AFB.
FL, 1973), 2:824-825; C. von Lengerke, Das Buch Daniel (1835), p. 410. Esses autores mostram que
Daniel 9:24 é compreendido como se referindo ao Messias e as "setenta semanas" são entendidas
como semanas de anos que apontam para o advento de Cristo. F. Fraidl, Die Exegese der Sie/J^ig
Wochen Daniel* in der alten und mittleren Zeit (Graz, 1883), p. 4-11, sugere que a LXX se refere ao
período de Antíoco Epifânio. Ele baseia seus argumentos na tradução da frase "uma semana"
(v. 27) como "muitas semanas" (poííaí hcbdomadcs) na LXX onde ele interpreta (p. 10, n. 1) eomo
semana literal. A interpretação de Fraidl da frase-chave do versículo 27 c difícil de ser sustentada
porque a LXX mantém hebdamades no versículo 24, isto é, "semanas" como o próprio Fraidl sugere.
Porém, a LXX interpreta esses exemplos dos versículos 25-27 como "anos" (ele) e "tempos" (kairoi).
Isso indica que as "muitas semanas" do versículo 27 dificilmente significariam "muitos dias". Veja
Hengstenberg, p. 867, n. 1; C. Boutflower, In and AnmnJ the Boo/c of Daniel, 2a ed. (Gnmd Rapids
1963), p. 168-178,
"•" Testament oflevi, cap. 14-16; cf. Fraidl, p. 27-29.
'" MPG 2:27; cf. Fraidl, p. 26-27.
"'" Rogcr T. Beckwith, "Daniel 9 and the Date of the MessialVs Corning in Essene, Hellenistic,
Pharisaic, Zealot and Early Christian Computation", Revue de Qumran 40 (1981): 521.
lw
Ibid, p. 525.
170
Roger T. Bcchwith, "The Significance of the Calcndar for interpreting Essene Chronology and
Eschatology", Revue de Qumran 38 (1979): 179-81.
171
Saomata, i, p. 21; MPG, 8:853.
172
Mv. Judaeos, p. 8; MPL, 2:612-616.
171
MPG, 7, 9, 10.
'"MPG, 13;l65ss.
171
Demonstr. Evang. Lib., vol. 8, cap. 2.
70 SIÍMAKAS, LLVÍTICO E A NATUREZA [IA PROFECIA
176
Jerome's Cammentary on Daniel, tr. G. L. Archer, Jr. (Grand Rapids, 1977), p. 9*5-110.
177
Baumgartner, p. 224; M. J. Gmenthancr, "The Scvcnty Wccka", CBQ \ (1939): 48.
I7N
Essa é apenas uma lista de alguns escritores importantes entre os exegetas dos últimos 150
anos; Hengstenberg, p. 803-930; J. N. Andrews, The Commandment to Restore and to Rebuití. Jerusalém
(Battle Creek, MI, 1865); E. ]\. Pusi-y, Daniel the Prophet, 2a cd. (Nova Iorque 1885), p. 184-269; ].
Raska, "Zur Berechnung der Sichzig Wochen Daniels", TheoloKisch-Praktische Quartaíschrift 54 (1904),
p. 1.3-27; J. Hontheím, "Das Todesjahr Christi und die Danielische Woehenprophetie", Katholik 34
(1906): 12-36, 96-128, 176-188, 254-281; Boutflower, p. 168-211; O. Gerhardt, "Dic messianische
Weissagung Daniel 9:24-27", NKZ 38 (1927): 561-587; G. M. Price, The Girares: of the Prophets
(Mountain View, CA 1955), p. 229-61; "Daniel", Seventhfday Adventist Bible Commentary, ed., F. D.
Nichol (Washington, DC, 1955), 4:851-855; I). Squillaci, "Protezia delle 70 settimane (Daniele 9:24-
27)", PalCl 38/8 (1959): 408-412; J. B. Payne, The Theolog? of the Oider Testament (Grand Rapids,
1962), r- 377-78; id., Enciclopédia of Biblical Pmphecy (Nova Iorque, 1973), p. 383-389; G. L Archer.
Jr., ASurvey ofOiti Testament Intmduciion (Chicago, 1964), p. 387; B. H. Hall, "Daniel", The Wesleyan
Bible Commentary (Grand Rapids, 1969) 3:545-547; C. M. Maxwcll God Cares: The Messagp of Daniel
(Mountain View, CA, 1981), p. 194-228; G. L Archer, Enciclopédia of Bible Difficukies (Grand Rapids,
1982), p. 289-292; J. Doukhan, Drmking Antigo Testamento tht Sowrces (Mountain View, CA, 1981), p.
61-73; W. H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética (Engenheiro Coelho, SP: Unasprcss,
2007), p. 74-79; R. M. ]. Gurncy, God in Contrai. An Exposmon of the Prophecies of Daniel (Worthing,
1980), p. 95-131 (com um cumprimento messiânico fundamental); Gerhard Maier, Der Prophet Daniel
(Wuppertal, 1983), p. 338-354, também sustenta uma interpretação messiânica mas não considera
os números 7 + 62 +• l como contínuos c consecutivos; G. L. Archer, "Daniel", The Expositor's Bible
Oommentarf, ed. F. E. Gaebeicin (Grand Rapids, 1985), p. 114-117, inicia as 69 semanas em 457 a.C.
e vai até o batismo de Jesus Cristo em 27 d.C.; porém, separa a última semana, ou sete anos, que 283
culminará com o Segundo Advento.
l?l
' Entre os que defendem essa data estão: Pusey, Andrews, Boutflower, Hontheim, Archer,
Seventhday Adventist Bible Commentary, Doukhan, Maxwell, Shea. Payne ainda detende 458 a.C,
aparentemente desapercebido da nova evidencia a favor de 457 a.C., que G. R. Goss também discute,
"The Chronological Problema of the Scvcnty Weeks in Daniel" (Tese doutoral não publicada, Dálias
Theol.Sem., 1966), p. 122-130.
ltHO
Veja principalmente S. H. Horn e L. H. Wood, The Chronoíogj of EUÍI 7, 2a cd. (Washington,
D.C, 1970), p. 91-116. J. Neuffer, "The Acccssion Ycar of Artaxerxes I", AUSS 6 (1968): 60-87, fornece
uma discussão atualizada da evidência histórica para a ascensão de Artaxerxes I.
1M1
Para mais detalhes, veja J. Finegan, Handhook of ÍJiblioíi Chronoíogy (Princeton, 1964), p. 265, que
afirma sua ocorrência em 26 ou 27 d.C, dependendo do sistema anual de nãcvascensão ou ascensão,
respectivamente.
IK
' Também Hengstenberg, p. 829-830, e Boutflower, p. 187.
lhn
W. L. Holladay, ed., A Concisc Hebreu/and Amnuiic Lexiconofthe OT (Grand Rapids, 1971), p. 403.
184
Em Esdras 7:26 o mesmo termo aramaico dal está se referindo à lei real (nacional) ou ao decreto
de Artaxerxes.

Alguns académicos têm mostrado que esse edito não se refere á reconstrução de Jerusalém, mas
à construção do templo: K. Gallinjí, "Von Nabonid zu Darius" ZDPV 70 (1954): 11-32; J. Liver, "The
Return Frorn Babylon: Its Time and Scope", Eretz israel 5 (1958): 114-119; Myers, E^ra-Nchemiah, p. 7; M.
Noth, The History of Israel, 2a ed. (Nova Iorque, 1960), p. 308.
l!
* Alguns académicos tèrn estudado a hipótese de que o "sétimo ano" (Esdras 7:7-8) seja um erro,
sendo que o mais provável seja "trigésimosétímo ano". Veja também W. F. Albrigth, TTu? Biblical Period
From Abrahum to E<ja (Nova Iorque, 1963), p. 93, 112-113, n. 193; J. Brighr, "The Dateof Ezra's Mission
to Jerusalém", Yehezkel Kaufrmnn }ubilee Volume (Jerusalém, 1960), p.70-87; id., A History of Israel, p. 402.
Para argumentos contra essa afirmação que carece de base textual, veja A. Hmerton, "Did Ezra go to
REFERÊNCIAS

Jerusalém in 428 B.C.r 7TS 17(1966): 1-12.


IK7
Brighr, A Histary of Israel, p. 172.
m
Veja [S. H. Horn] cm "Addirional Note on Chaptet 4", Seventk-day Adventist Bibk Commtntary,
3:347-450.
"" Pusev, p. 189.
190
Ibid.
191
Boutflower, p. 189.
142
HengBtenbeqí, p. 898; Pusey, p. 189; Price, p. 253. Boutflower p. 185, afirmam que o ano é de 26
d.C. A dará do batísmo de Jesus está relacionada com a de sua morte, que é datada de maneira diversa
entre 30 d.C e 33 d.C. Podc-sc observar um debate sobre isso no Seventh-day Adwntist Bible Commenttny,
5:235-266; G. Amadon, "Andem Jewish Calendation", JBL 61 (1942): 227-280: id., "The Crucifbdon
Calendar",;BL63(1944): 177-190; Finegan, p. 264-265.
191
E. Wurthwein, The Text of the O\d Testament (Oxford, 1957), p. 18-19; id., Der Tm dês Aiten
Testamento, 4a ed. (Stuttgart, 1973), p. 29.
194
E. Werner, "Masoretic Accents", IDB 2:297.
*" Veja o ensaio "On Daniel 9:25", em Probkms in Bíbk Translation (Washington, DC, 1954), p.
178-83; Young, p. 205.
14(1
Veja J. Doukhan, "The Seventy Weeks of Daniel 9: An Exegética! Study", ALJSS 17 (1979): 13;
W. H. Shea, "Poetic Relations of the Time Periods in Dan 9:25", AL/SS 18 (1980): 59-64-
'"' Beckwíth, "Daniel 9 and the Date ot"Mcssiah's Coming", p. 522 e ns. l ê 2.
lw
Ibid., p. 522.
|U4
Pusey, p. 190, n. l, citii Rashi nesse sentido "que por causa dos 'hereges', i.e. cristãos", a frase foi
dividida por um athnach.
:w
A tradução de hasi como "meio" ou "centro" é encontrada cm Teodócio na Vulgata c em muitas
outras versões inglesas (KJV, ASV, NASR, MLB). Veja o ensaio, "On Daniel 9:27", em ProMems in Bible
Translation, p. 184-187.
101
Esse é um ponto de vista unânime de todos os anteriormente citados na referencia 178, e tem
sido a interpretação majoritária desde a Reforma. Entre os exegetas pré-reformadores, podemos citar
Júlio Africano, Eusébio, Policrônio, Teodorcto, Alberto Magno, Nicholas de Lira, Dionisio Cartusiano;
veja Fraidl, p. 156-158. De acordo com Jerônimo, até mesmo os judeus parecem ter aceito a menção
de Jesus Cristo na morte do Ungido, mas sugeriram que o reino dos judeus não seria dele, veja ]erome's
Commentary on Daniel, tr. G. L. Archer, Jr. (Grand Rapids, 1958), p. 108-109; Montgomery, p. 397.
102
Pusey, p. 193; Boutflower, p. 197-98; J. B. Paync, The ímminent Appearing ofChrist (Grand Rapids,
1962), p. 149-152.
'm Payne, Encydopedia of ftibliail Prophecy, p. 388, faz essa sugestão datando o evento como Finegan
(HaníJíiooíc of Bibíicaí Chronoíogy, p. 320-21) em 33/34 d.C. Outros datam a conversão de Paulo em 35
d.C.; veja S. H. Horn, "Chronoíogy", Seventh-day Adventist Bible DicUonary (Washington, DC, 1960), p.
209. Cf. Maier, Der Pmphet Daniel, p. 352.
204
Gurney, p. 131.
205
Koch,p. 150.
20(1
G. L. Archer, Jr, "Modern Rationalism and the Book of Daniel", Bibliotheca Sacra 136 (1979):
129-147.
207
Ibid., p. 147.
'Oh 1 1 . Junkc-r, (jmrTsm íino^cn tit\-r literarische mití exegetische Probleme dês Buches Daniel (Bonn, 1932),
p. 82-83, n. 1.
209
H. W. Hoehner, Chronobgical Aipecis of the Life ofChrist (Grand Rapids, 1977), p. 122.
210
O termo hebraico é do aramaico nixfwãn, "decreto". Holladay, A Condse Hebreu* and Aramaic
Lexicvn of the OT, p. 414.
211
Dewey M. Beegle, Propkecy and Prediction (Ann Arbor, MI, 1978), p. L19.
70 SF.MANAS, LWÍTICO n A NATURKZA PA PROFECIA

213
O termo hebraico niSfwãn é um "empréstimo" do aramaico e quer dizer "decreto". Veja n. 192.
;n
Holladay, A concise Hebreu-uni Aramaic Lexiam of lhe OT, p. 40(\
214
BeeEle, P. 118.
:h
Comentaristas mais modernos mantiveram esse terceiro rei no texto; veja D. Kidner, Errei and
Nehemiah (Londres, 1979), p. 59; H t:. Fensham, Thr Hoolu o/ EWI and Nehemiah (N1COT: Grand
Rapids, 1982), p. 92-93.
216
Beegle, p. 118.
~17 Fenshíim, Erw tmd Ne/iemiafi, p. 92-93.
:m
Gurncy, p. 192 (itálico do autor).
»Ibid.
120
Beegle, p. 118.
:JI
W. Baumgiirtncr, HeÍTraiscíua um/ Aríinwisches LexiJum ;um Aiten Tistami-nt (Leiden, 1982), p. 173.
:
" Gruenthaner, p. 52.
'•' A. vá n Hoonacker, "Néhemie et Esdras, une nouvellc hypothè.se sur Ia chronologie de l'époque
de Ia restauration". Lê Micseon 9 (1890): 151-184, 317-351, 389-401.
-;1 Uma ampla list;i de obras c fornecida por 11. 11. Rowley, "The Chronologica! Order ot Hzra and
Nehemlah", The Smunt of the Lordand Other Essays, 2a cd. ((.">xtord, 1965), p. I35-I68.
•"^ Gruenthaner, p. 52.
:>
Veja principalmente J. S. Wright, Thf /)<iteo/E?ríi's Corning to Jerusalém, 2a ed. (Londres, 1958);
C. G. Tuland, "Ezra-Nchcmiah or Nchcmiah-Ezra?" AUSS 12 (I974): 47-62; J. Morsunstem, "The Dates
of Ezra and Nehemiah", JSS 7 (1962): l-l l; K. A. Kitchen, in Tyndaíc Student Felíowshif Bulíetin 29 (1961):
18-19; U. Kellermann, "Erwagungcn mm Prohlem der Eiradatierung", 2AW 80 (1968): 55^7; F. M.
Cross, "A Reconstruction of thc Judean Restoration", /HL 94 (1975): 4-18; Kidner, Ezra and NehemíoK,
p. 146-152; Fenshara, E^TÍI und Nehemiah, p. 6-9. 285
::7
Montgomery, p. 392.
::
" Francisco, p. 136.
::
" Para uma avaliação crítica da discussão publicada a favor da pontuação massorérica por Marsham,
Hwald, von Lengerk, c Hotmann, veja Hengstenberfj p. 836-839 e acima.
:w
Keil, p. 356, afirma correfamentt- que o titlimicfi "foi primeiramente adorado pelos massoretas, c
apenas expõe a interpretação deles, sem realmente garantir qualquer possibilidade Je Mia veracidade".
'"Junker, p. 82-83, n. 1.
2l2
Young,p. 215.
n
Também Tcodorcto (d. ca. 460) que escreveu o mais antigo comentário grego ainda exiMvniv
sobre Daniel (MPG, 81, p. 1469s«.). Cf. Fraidl. p. 94-97.
214
l [engstenberg, p. 858, escreve sucintamente: "quando Cristo morreu, Jerusalém deixou de ser a
cidade santa, c o templo não era mais a casa de Deus, mas uma abominação."
" Isso parece ter sido afirmado primeiramente por Josetb, Ant. X. 1 1 . 7 ; Wars, IV. 6. 3, e tem
sido defendido, entre outros, por Clemente de Alexandria, Isidoro de Pelusium, Tertuliano e alguns
intérpretes judeus da era medieval, veja Hraidl, p. 156-158; Montgomery, p. 396-397.
lrb
William H. Shea, Estudos Selcàonados cm interpretação Profética (Engenheiro Coelho, SP:
Unaspress, 2007), p. 44.
217
Fraidl, p. 38.
IM
Ibid., p. 91.
!w
Ibid., p. 93.
-K Disso, não se pode concluir com exatidão sobre a data da morre de Cristo ou sobre o
apedrejamento de Estevão. Porém, outras interpretações enfrentam problemas de cômputo tão grandes
que a incerteza relativa de uma cronologia absoluta da vida de Cristo e dos eventos da igreja primitiva
parecem ser insignificantes.
REFERÊNCIAS

CAPÍTULO 2
1
As citações bíblicas dirctas desse capitulo são retiradas da NVI.
2
Neste capitulo não nos demoraremos em questões concernentes à precedência de Esdras e
Neemias (para mais informações sobre esse assunto, ver E. M. Yamauchi, "The Reverse Order of Eira/
Nehemiah Reconsidered", Thcmelios 5 [Maio, 1980]: 7-13) nem as questões cronológicas relacionadas
à data de 458 a.C. (sobre isso, veja S. H. Horn, "Elephantine Papyri and Daniel 8:14", Ministry,
Agosto 1981, p. 24-27).
1
Para uma discussão mais aprofundada veja W. H. Shea, "The Relationships Betwecn tlie
Prophedcs of Daniel 8 aiul Daniel 9", The Sanctuary and the aumentem, eds. A. V. Wallenkampf e W.
R. Lesher (Washington, DC, 1981), p. 228-250.

CAPÍTULO 3
' Para uma discussão da palavra hebraica traduzida como "semana(s)" (Xãbú'a) nessa profecia e as
razões para interpretá-la de acordo com o princípio dia-ano, veja William H. Shca, Estudos Seleáonados
em Interpretação Profética (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2007), p. 74-79. Para uma discussão do
verbo hãtak e o motivo pelo qual deveria ser traduzido como "cortado', veja William H. Shea, "Thc
Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9, in TV Sanctuaiy and lhe atonement,
eds. Arnuld V. Wallenkampf e W. Richard Lcsher (Washington, DC, 1981), p. 241-246. Veja também
as p. 107-108 neste capítulo. Para uma recapitukcâo da discussão sobre o período das 70 semanas que
compõem uma unidade de tempo continua e sucessiva (em oposição à teoria da lacuna), veja Gcrhard
Hasel, "Interpretações da cronologia itas setenta semanas", cap. l, neste volume.
:
Reimpresso em The Sanctuary and the atonement, eds. Arnold V. Wallenkampf e W. Richard Lesher
86
(Washington, D.C., 1981), p. 251-276.
I
A(JSS 17 (1979): 1-22; reimpresso em: The Sanctuary and the atonement, p. 251-276.
4
Babyltmian Chronology (Providence, RI, 1956).
S
AUSS5(1967): 12-27.
"(Washington, DC, 1970).
7
J. Finegan, Handbook of Bibiical Ghronoíogy (Princcton, 1964), p. 259-273
N
Seventh-day Adwntist Bible Commentary, 5:235-240.
9
Cf.J. Finegan, p. 321.
10
R. Jewett, A Chronology of Pauis Life (Filadélfia, 1979), p. 1-2.
II
William H. Shea, Estudos Selccionados em interpretação Profética (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress,
2007), P. 80-84.
'-Veja a n. I I .
V 228-250.
H
J. Doukhan, AUSS 17 (1979): 1-22; reimpresso em: The Smouarj and the atonemítit, p. 251-276.
11
"Li Structure Litteraire de Daniel 2-7" Bib 53 (1972): 169-190.

CAPÍTULO 4
1
As citações são provenientes da NVI, em português. No caso de Génesis 6:14, a NVI utiliza para
kpr a palavra to coat.
;
Entre outros, podemos mencionar Baruch A. Levine, In the frresence of the Lord (Leiden, 1974);
Pierre Winandy, Sens de "kafar" dam Ia théologie biblique d'après l'ctude philologique, Scn-ir, III/1V (1977),
p. 11-16 (Puhlication of the Euro-Africa Division of SDA; J.-M. de Tarragon, La Kapparet estelle une
fiction ou um élément du culie tardif! Revue ÍJiWii/utf [1981], Tome LXXXVIII, p. 5-12).
'Levine, p. 68.
" Ihid-, P. 62.
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA
(
Ibid.,p.73.
"Ibid., p. 57.
7
p. 458.
" Winandy.
9
E. W. Une, An Awbic Lexicon (Londres, 1863-1881), t. Vil, p. 2620ss.
lll
A Medebielle, "Expiation" in Supplêment au Díctionndin de líi /Mie (Paris: Lê Fouze, t. I I I , col.
50, s.d.).
11
W. Schrank, Babyltmishe Siihnriten (Leipzig, 1908), p. 81-87.
12
E. Dhorme, La religion assyro-habylonienne (Paris, 1935), p. 250.
1
' A lista esrá indicada no meu artigo (veja o n. 2) e os textos completos estão nu minha tese, Etude
philologique de Daniel 9:24-27 (Parts, 1977).
14
P. Schotz, Dionys, Schuld-und siindopfer im Alten Testament (Breslau, 1930), p. 101-104.
" L. Moraldi, Espiazione sacrificais c riti espiatoTi nAi ambiente bíblico e nell' Antico Testamento
(Roma, 1956), p. 182-220.
'"G. von Rad. Oíd Testament Theology (Edinburgri, 1962), 1:230-211.

CAPÍTULO 5
1
Essas ofertas são mencionadas novamente em Levitieo 6:9-13, 6:14-18, e 7:11-21 (como ofertas
de ação de gratas). Ali ;\ ênfase é sobre i\ manipulação dos sacrifícios pelos sacerdotes; aqui, a legislação
destaca mais o papel do ofertante.
:
G. J. Wenham, "The Book of Leviticns", T/u- NIÍ«Í International Commentary on tfif Oíd Testament
MGrand Rapids, 1959), p. 117.
'M, Noth, Levítícui, OldTestament Library (Filadélfia, 1977), p. 12.
4
Wenham, p. 312.
Mbid.,p. 6 ; Noth, p. 9.
"Noth.p. 10.
7
Praticamente todos os IVz Mandamentos estão representados aqui com uma aplicabilidade
mais abrangente, mas não estão dispostos necessariamente na mesma ordem de Êxodo 20. A minha
própria divisão do capítulo para compor um total de 24 leis principais esrã nos versículos Ia, lh, 4, 5,
9, H, 12, H, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23, 26a, 26b, 27, 29, 30, 31,32,33,35.
N
As cinco partes principais da aliança eram: (I) preâmbulo OU título; (2) prólogo; (3) estipulações;
(4) testemunhas; e (5) bênçãos e maldições. Para o esboço da aliança veja em especial George E.
Mcndenhall, Law and Ctnvnant in hniel and the Aiicient Near East (Plttsbutgh, 1955); ld., "Covcnant",
IDB (Nashville, 1962).
"O. T. Allis, "Leviticus", NciK Biblt: Commentary, 2a ed. (tlrand Rapids, 1954), p. 135.
10
Veja Gethard F. Hasel, "Studies in Bihlical atonement I: Continuai Sacrificc, Hefilemenr//
Cleansing and Sanctuary", The Síinctwirj and thc atonement, ed.s. A. V. Wallenkampf e W. R. Lesher
(Washington, DC, 1981); Angel M. Rodriguez, "Sacrificial Substitution and the Old Testament
Sacrifiees", The Sanctuan íind tfie (itonement. Veja também o capitulo 6 deste livro, do mesmo autor,
"Transferência de pecado em Levítico."
11
Apenas em Levítico, veja, por exemplo: 5:1, 17; 7:18; 10:17; 18:25-26.

CAPÍTULO 6
1
Muitos académicos também vêem o conceito de transferência em Levítico 14:6-7; e.g. Nathaniel
Mkklein, "The Book of Leviticus", em ÍB 2 (1953), 69; Martin Noth, Letfiticus: A Commentary
(Filadélfia, 1965), p. 107; J. R. Porrer, Leviticus, The Cambridgf Bíble Commentary (Cambridge, 1976),
p. 108; O. J. Pavies, "An Interpretation of Sacrifice in Leviticus", ZAW 89 (1977), p- 397; Gordon
REFERÊNCIAS

J. Wenliam, The Book of Levitiats (Grand Rapids, 1979), p. 209; Bernard J. Bamberger, Leviticus: The
Tora/i, A Modern Commentary 3 (Nova Iorque, 1979): 131; G. A. F. Kníghr, "Lcviticus", Dailj Stwdv
liible Series (Filadélfia, 1981), p. 77.
:
E.g. G.F. Moore, "Sacrifíce", Encydopedia Bíblica, eds. T. K. Cheynce J.S. Black, vol. 4 (Londres,
1903), col. 4226; J. C. Matthes, "Der Suhnegedanke bei Súndopfern", ZAW23 (1903): 97-119; Dionys
Schotz, SchttW Mnti Súndopfer im Alten Testument {Breslau, 1903), p. 111-112; Adalbert Metzingcr,
"Die Subsritutionstheorie und das alttestamendkhe Opter mit hesonderer Beruckslchtigung von
Leviticus 17:11", liib 21 (1940): 159-187, 247-272, 353-377; Luigi Moraldi, Est>iazione sacrificai e
riti espiatori nell'ambiente bíblico e neii'Antico Testamento (Roma, 1956), p. 258-259; Roland de Vaux,
Ancient Israel: Religious Insiiwtions (Nova Iorque, 1961), p. 419; Stanislas Lyonnete Lcopold Sahourin,
Sin, Redemption and Sacri/ice (Roma, 1970), p. 169; R. J. Daly, The Origins of thf CHristian Doctrine of
Sacrifice (Filadélfia, 1978), p. 30; W. Eichrodt, Theohgy of the OT l (Filadélfia, 1961): 165-166.
'Moraldi, p. 234-236.
4
Ibid., p. 237.
'Jacoh. Milgrom, "Israel's Sanctuary: The Priestly 'Picturc of Ilorian Gray1" RB 83 (1976):
392-393.
0
Milgrom serve-se de mais dois argumentos para defender sua tese. O primeiro tem a ver com
a manipulação do sangue: de acordo com ele, o sangue do sacrifício pelos pecados aplica-se sempre
aquilo que necessita ser purificado; isto é, ao altar e aos chifres. Nunca se desrina à pessoa. Portanto,
ele afirma, o sangue purifica o santuário, não o indivíduo. Discutiremos a manipularão do sangue
mais adiante. Cl segundo argumento de Milgrom é baseado no uso do verbo kipper ("expiar"), que é
entendido como "purificar": quando está relacionado a um objeto não-humano, ele simplesmente
significa "purificar" (o kapprltvf, o altar, etc.); porém, quando o objeto do kipper é urna pessoa, ele
nunca é expresso com um objeto direro, mas requer as preposições 'aiou bc'<id, ambas significando
"em prol de" (Ibid., p. 391). Milgrom toma esse exemplo para mosrrar que "o rito de expiação do
fjalfa 't não é realizado por seu ofertante, mas apenas em seu nome" (Ihid.).
Para uma discussão mais proveitosa sobre a sintaxe do kipper veja Baruch A. Levine, ín lhe
Presence of the Lord (Leiden, 1974), p. 63-67. Não se pode negar que quando o objero do kipper não é
uma pessoa, é o objero que é purificado. Heve-se notar que não é a expressão em si que determina o
receptor do benefício, mas o contexto. Hm todos os casos onde o rito do kippm- é realizado com um
objeto não humano, o contexto deixa claro que é o objeto que é purificado. Agora, nos casos em que
o kipper está anteposto à preposição juntamente com o objeto pessoal, devemos deixar que o contexto
determine quem está recebendo o efeito da expiação. Nesses casos, o contexto deixa claro que quem
precisa de perdão c- purificação é o ofertante, não o santuário; é a pessoa quem é purificada. Isto
está muiro claro em Levitico 12:7: "o sacerdote o oferecerá perante o Senhor e, pela mulher, fará
expiação." O kippcr purifica a mulher, não o santuário. Milgrom renta resolver essa questão dizendo
que ela não é purificada pelo rito do kipper, mas pelas abluçõfs exigidas a uma pessoa impura.
Ele, então, faz referência ao caso do leproso (Lv 14:9, 20), onde a abluçâo é mencionada (p. 392).
Contudo, em Levírico 12:7 a purificação da pessoa está diretamente relacionada ao ato do kipper;
não se menciona nenhuma abluçâo.
7
Essa é a interpretação mais comum entre os intérpreres. Veja, entre outros, Knight, p. 83;
Wenham, p. 221. Hssa também foi a interpretação dos rabis (Tosefta, Shebuoth, I, 8).
"Veja A. Noordtzij, Leviticus (Grand Rapids, 1982), p. 209. Ramberger está correto ao mencionar
que "o santuário não seria ritualmente maculado por cerimónias pagãs realizadas em outro lugar".
-Lev., p. 220.
9
Levitico 20:2 também menciona o estrangeiro (gêr). Bles também podem contaminar
o santuário. O gêr era um morador permanente em Israel, um prosélito; ele podia ter acesso ao
santuário e aos benefícios do sistema sacrificial hebreu (Lv 22:17-33; N m 15:14-16). No que se refere
ã sua relação com o santuário, o Senhor esperava do gêr o mesmo que de um israelita; sobre o gcr
70 SKMANAS, Lranm E A NATUREZA DA PROFECIA

\vj.i [>ictherKellermann, "gúr", TDOT 2 (1975) 439-449.


10
Veja Walther Zimmcrli, Ezekiel. A Commentary on the Book o/lhe Prophei Ezekiel l (Filadélfia,
1979): 179.
11
Esse também é ocaso tia contaminação Já terra, que poderia ser contaminada pela imoralidade
sexual (Lv 18:25, 28}, homicídio (N m 3 5: 3 3-"í4), etc. Não há um ritual para a purificação. No caso de
homicídio, u expiação (kipper) é feita em nome ('aí) da terra executando o assassino. A contaminação
da terra resultaria na destruição de Israel (Lv 18:28; 20:22) já que Deus não poderia mais habitar
nela. Veja Milgrom, "atonement in the OT", na IDB, sup. vol., (1976), p. 81. Não há base bíblica
para a afirmação de Moraldt de que quando o pecado é expiado cultualmente, a torra também c
purificada (p. 237).
|:
Alguns exemplos são suficientes. Moorc, col. 4219, afirma que a "presença de pessoas
imundas requer" esse ripo de purificação. Charles F. Pfeiffcr, "atonement, Day of", no Hlustrated
Bitíe Díctionarf, ed. J. D. Douglas, vol. l (Wheaton, IL, 1980), p. 150, diz que "o santuário também
era purificado, pois, também, era cerimonialmentc maculado pela presença e sacerdócio de homens
pecadores"; veja também J. Pcdersen, Israel: fts Life and Cultttre, III, IV (Londres, 1940), p. 453.
Outros identificam os pecados expiados naqueles dias como pecados "acidentais, por omissão ou
inadvertência". "Harrison, Lmticus, p. 172; veja também Bamberger, p. 162, 167. Alex Médebielle,
L'exf>iíition tiííTis 1'Ancíen fl íe Noiaran Testament (Roma, 1923), p. 102, argumenta que os pecados são
aqueles não expiados ao longo do ano por causa da negligência; Wenham, p. 228, argumenta que
"o principal propósito das cerimónias do Dia da Expiação é purificar o santuário das contaminações
resultantes de adoradores impuros". K. Koeh, "hata", TDOT, 4:318, por outro lado, acredita que o
pecado do indivíduo cria uma esfera pecaminosa que atinge não somente o pecador, mas também o
santuário, o que torna necessária a purificação da habitação divina. Milgrom, "Israel's Sanctuary",
p. 393, afirma que o santuário era contaminado pelos pecadores de mão erguida, os desafiadores. 289
Essas pessoas não poderiam trazer uma oferta pelo pecado para purificar o santuário, porque eram
sentenciadas à morte. O santuário era purificado de seu piv:ido no Pia da Expiação. Para uma critica
dessa interpretação, veja A. Manuel Rodriguez, Suíwtitution in the Hebrew Cuítits (tese não publicada,
Berrien Springs, MI, 1979), p. 114-117.
"Também Rolf Knierim, "hf. sich verfeMen" cm THAT 1 (1971): 547.
14
Harrison, p. 173; também Porter, p. 130. IVvemos nos lembrar de que os sacrifieios expiatórios
poderiam ser utilizados para a expiação de pecados intencionais; veja Rodríguez, p. 89-100, 174-188.
^ Levine, p. 76; Gerhard F. Hasel, "Studies in Biblical atonement II: The Day of atonement",
em The Sanctuary and the atonement, eds. Arnold V. Wallenkampt e W. Richard Lesher (Washington,
DC, 1981), p. 115.
0
Levine, p. 65, escreve que "o santuário, tenda e altar passavam por acões materializadas. O
sangue era aspergido sobre eles, etc., e, como resultado, eram purificados; considerando que nenhum
ato desse tipo era realizado díretamente nos israelitas. Eles eram simplesmente os beneficiados dos
ritos expiatórios que haviam sido realizados."
"VejaHiiscl.p. 118.
'"Também Porter, p. 124-125.
'"Não é mencionado no caso da oferta pela culpa, mas há boas razões para se acreditar que
mesmo nesse caso o ritual era realizado; veja Kodriguez, p. 195-196; (.1. F. Hasel, "Studies in Biblical
atonement I: Continuai Sacríficc, Defilemcnt//Cleansing and Sanctuary", em The .Sfitictwíirj and the
atonement, p. 97.
:o
E.g., H. G. Schutz, "Hand, EpitithSmf, em Nnv Internacional Dictionary of Níovo Testamento
Thfologv, ed. Colin Brown, vol. l (Grand Rapids), p. 151.
]l
Para referências, veja a n. 2. Veja também António Cbarbel, ZBH SLMYM; II Sacrifício Pacifico
(Jerusalém, 1967), p, 34-42.
::
Por exemplo, H. Wheeler Robinson, "Hebrew Sacrificc and Prophetk Symbolísm", JTS 43
REFERÊNCIAS

(1942): HO-ni; H. H. Rowley, Worship in Ancíent Israel: Its Forms and Meaning (Filadélfia, 1967), p.
133; R. E. Clemente, "Levíticus" cm Broadmun Bihle Commentary (Nashville, 1970), p. 10; Hclmer
Ringgren, ísraelite Rdipon (Filadélfia, 1966), p. 169; Eduard Lohse, "Cheir", em TDNT 9 (1974):
428-429.
21
Veja Massey H. Shepherd, "Hands, Laying «n of", IDB 2:251; C. Maurer, "Epilithêmi". TDNT,
8:160; Charbcl, P- 41-42; Schotz. p. 112; H. P. Smith. "The Laying on of HanJs", A/T 17 (1913):
56-57. Seria de se esperar que o pecador consagrasse algo ao Senhor depois de ter sido perdoado,
não antes.
24
Veja Matthes, p. 105; C. R. North, "Sacrifice", em A Theoiogical Word liook af the Bible, ed.
Alan Richardson (Nova Iorque, 1950), p. 209; Moraldi, p. 262; Ramberger, p. 10; J. Coppens,
"l landauflegung", i'"i íiiWisJi historisdia Hundwôterbuch, eds. B. Reicke e L. Rosr, vol. 2 (Gõttíngen,
1962), p. 632; De Vaux, p. 416.

Veja E. Kaurzsch, "Reli»ion of Israel" no Dictionary of the Bible, Volume Extra, ed. J. Hastings
(Nova Iorque, 1912), p. 270; B. J. van der Merwc, "The Laying on of Hands in the OT", On
Testamentisse Verkgetneenskap in Suid-Afrika 5 (1962): 40; Eichrodt, 1:165. Essa teoria não explica
por qut' o animal era trazido ao santuário e sacrificado; veja Hasel. p. 98. Para uma discussão mais
completa sobre essas teorias, veja Rodriguez, p. 201-208.
-"Por Moraldi, p. 256-257; Matrhes, p. 104-105.
:
' Veja F. Mayrick, "Leviricus", em Tfu.' Pulpit Commentíiry, eds. H. H. M. Spence e J. S. Excll, vol.
4 (Nova Iorque, 1913): 384; Porter, p. 194; Wenham, p. 111.
'"Veja Ci. Warmuth, "hôd", TDOT, 3:155.
;
"Veja Médebiellc, P. 148-149; Charbel, p. 36-37.
1(1
B.g., M. Bernoulli, "Layiníí on of Hands", A Companion to the Bitíe, ed. J. J. von Allen (Nova
290 Iorque, 1958), p. 230.
II
E.g., W. R. Paterson, "Sacritiee", em A Dictionary of the Bibln, ed. J. Hastings, vol. 4 (Nova
Iorque, 1909), p. 340. Alguns limitam a transferência do pecado aos sacrifícios expiatórios; e.g., N.
Adler, "Imposición de Manos", em Encyclopeáia de In Bibtia 4 (Barceluna, 1963): l 32; Knight, p. 28.
13
Milgrom, "Two Kinds nt>//»f" VT 26 (1978): 333.
1(
Bamberger, p. 51.
14
R. N. Whybray, Thanksgiving for a tiberated PropheK An ínterpretation of ísaiah Chapter 53
(Shefficld, 1978), p. 46.
""Die Eitíenai-r der P n»phctisehen Rede dcs Ezekicl", ZAW 66 (954): 9-12.
'"Whybníy, p. 43.
J
' Die Haut>tbegriffe fiir Sunde im Alien Testament (Gfltersloh, 1965), p. 220.
III
Id. Essa suyestfH) foi aceita por Zimmerli, "Zur Vorgeachichte von Jes. LIII", no
Congrws Volume Rom 1968 (Lciden, 1969). Milgrom, "Two Kinds", p. 333, manteve a
tradução, "levar a responsabilidade", passando por alto a crítica de Knierim.
'" Whybray, p. 49; veja também Rodriguez, p. 220.
«Ibid., p. 50-52.
41
Ibid., p. 46-48.
42
Ibid., p. 35.
43
Esforçandose para manter esse significado para o uso do verbo no versículo 38, Whybray, p.
39, alegou que a lâmina de ouro (.y/.y) é aqui identificada como o termo pecado ('ãwôn). Arão carrega,
então, a Iam i na/pecado. ris?-,i equiparação, porém, não é verdadeira. A passagem está falando de uma
peca da veste sacerdotal que Arão deveria usar. O versículo também explica o significado ou narurcza
simbólica da lâmina. Arão deveria colocá-la; (1) para que tosse capai de levar o pecado do povo, e
(2) para que o povo pudesse ser aceito perante o Senhor. Esses dois conceitos estão intimamente
relacionados. As pessoas são aceitas porque foram purificadas. O sacerdote está carregando esse
70 SEMANAS, LEVÍTICO K A NATURKZA m PROFECIA

pecado. O 'ãwón do povo toi transferido para o sacerdote.


44
Há outni frase, nã\ã'hel' ("levar o pecado"), que é usada como sinónimo de nãsã' 'ãwón (Lv
19:17; 20:20; 22:9; 24: l 5; Nm 9: H; 18:22, 23,32; Ez 23:49; U 53: 12). Nãsã 'hei' é utilizado para
se referir a uma pessoa que leva o seu próprio pecado ou alguém que leva o pecado de outrem; veja
Knicrim, col. 548; Koch, p. 3] 3, 316.
4S
Whybray, p. 43.
4
"O termo (fdosim é usado em Levitico para se referir aos sacrifícios; veja Jacoh Milgrom, Cwlt
Consdence: Tke 'ãshãm and the Priestiy Doctrine of Repentance (Liíiden, 1976), p. 36-37.
41
Sobre o significado de nâxã' 'ãwôn, também podemos mencionar Números 30:15. Essa
perícope trará dos votos feitos pela mulher casada, c o direito de seu marido para invalidá-las. Se o
marido, depois de ouvi-la fazer o voto, permanecer calado, ele o está confirmando. Se ele anulá-lo
posteriormente, então "ele responderá pela obrigação dela". O nexo entre o pecado c a punição é
tão intimo na mentalidade hebraica que essa frase só poderia significar, nesse caso, que o pecado da
esposa (ao quebrar os votos) torna-se agora o pecado do marido, e ele é passível de punição. Whybray,
p. 145, argumenta que o que temos em Números 30: l S é um genitivo de definição aproximada c
traduz a frase, "ele leva a culpa a qual atraiu sobre si em respeito a ela, por meio de sua atitude para
com ela". Ele torça muito o genitivo de definição aproximada. De fato, sua sugestão não se encaixa
no contexto. De acordo com a pericope, se uma mulher fai um voto e seu marido ou pai o anula, ela
necessitará de perdão (30:5, 8). Mas na situação descrita no versículo l 5, quando ela quebra o voto,
não há perdão; seu marido deverá "levar seu pecado".
w
Hasel, "Continuai Sacritice", p. 105-106, sugeriu que, após o sacerdote comer a carne
do sacrifício, ele "precisava apresentar o tipo de sacrifício (hafta't) que permitsse a transferência do
pecado e da culpa para a vítima cujo sangue foi então aspergido no santuário (Lv 4:6)."
1
"Milgrom",lsraers sanctuary", p. 391.
«Ibid., p. 391-392.
" Veja Rodriguez, p. 125-126.
"Veja Th. IX Vrieien, "The Term Hi«n: l iwration and Consecnition", OTS 7 (1950): 214;
Wenham, p. 211.
" E.g., Noth, p. 140.
^ Um texto hitita considera o sangue forno um meio de transferência da culpa para o sub-
mundo: "Então ele consagra (Sipaní-) um cordeiro eom a água. Ele o abate (fuma-) e deixa o sangue
escorrer em um vaso de barro rmfj/ítir e o coloca perante o Peus do Sangue, c diz: 'Ammnaki, inde-
pendentemente da culpa de sangue que esteja dentro (desta casa), tome-a e dá-a ao Deus do Sangue,
para que ele o leve para o submundo escuro e lá a subjugue rapidamente": Oliver R. Gurney, Some
Aspt-cts of Hitiite Reiigúm (Londres, 1977), p- 29.
'" Argumentamos em "Sacrificial Substitunon und tlie OT Sacritices", em Thi' Sanctuart and the
íitoncmfnl, p.143-144, que existem dois rituais diferentes c[ue têm a ver com a colocação do sangue
nos chifres. Um ritual consiste na aíloaicciw do sungHt.' nos c/ii/res para purificá-los e o outro consiste em
apenas colocar tini pouco de .«ingia1 nos chifres, indicando que o pecado/impureza está sendo colocado
sob o poder do Senhor.
'"' Sobre a importância desse ritual, veja p. 145-146.
S7
Veja G. Gerlemann, "dam Blut", THAT, 1:451.
w
Veja Rodriguez, p. 235-236.
^ J Veja Edmond Jacob, Theology of the OT(New York, 1958), p. 177-180.
**Também, Alan D. Grad, Studies in Bitííad Uses ofthe Wvrd 'DAM' (Ann Arbor, Ml, 1976), p. 8.
hl
Uma justificativa para essa tradução é encontrada em Rodriguez p. 244-255.
'': Milgrom, "Two kinds", 336; Porrer, p. 38.
nl
Veja por exemplo, Hans M. Kiimmel, "Ersatzkónig und Sundenbock", ZAW 80 (1968): 289-
318; O. R. Gurney, p. 47-52.
REFERÊNCIAS
M
F. O. Kklner, Sacrifice ín lhe OT (Londres, 1952), p. 25; A. Oiilmann, Die. Bucher
Exodus und Lcviticus (Leipzitf, 1880), p. 416.
"''F. Koch, DieisraelitischeSiihneanschauunzundifirehistorisctan Wandlungen. Habilitattonuchrlft,
(Erlflngen, 1956), p. 25, 29, eirado por J. Thompson, Penitence and Sacrifice (Lciden,
1963), p. 18.
** Porter, p. 38.
67
Porter estava talando principalmente tia oferta pelo pecado para o sacerdote. Nesse caso, a
carne era queimada fora do santuário. Mas elo também acredita que o pecado era transferido para
os sacrifícios expiatórios (Veja ibid. p. 19).
6IÍ
A. Mcdebielle, "Lê symbolismc du sacrifico cxpiatoire cn Israel", Bib 2 (1921): 295.
"" R. J. Thompson, "Sacrifice and Offering".
70
Essa é outra possibilidade sugerida por Thompson, em ibid., p. 1366.

CAPÍTULO 7
1
Para uma consideração histórica do uso da fórmula encontrada cm Levítico 16:21 no
judaísmo, ver J. M. Baumgarten, Studies in Qunmm Law (Lciden, 1977), p. 55-56.
2
A. A. Bonar, A C,ommentary on the Book af Lcviticus (Londres, 1875), p. 308; C. F. Keil,
Leviticus (Lcipzig, 1878), p. 117; A. Cohen, Leviticus (Londres, 1977), p. 708; J. H. Hertz, The
Book of Leviticus (Londres, 1978), p. 482; A. B. Lcvine, In the Prcscnce of the Lord (Leíden,
1974), p. 74; O. J. Wenham, The Book of Leviticus (Grand Rapids, 1979), p. 228.
I
L. Moraldi, Espiazione sacrificais c rítí espiatori nell'ambiente bíblico e Hfiií'AíUÍCO Testamento (Roma,
1956), p. 325.
«J. Milgrom, "Two Kínds of HatTA'T", VT26 (1976): 334-335.
^ J.Milgrom, "Israel'» Sanctuary: The Pricstly 'Picture of Dorian Gray,'" RB 48 (1976),
p. 393; cf. H. Ch. Brichto, "On Slaughrcr and Sacrifice, Blood and aronement", HL/CA 47
(1976), p. 29.
"Levinc, p. 77-91.
7
M. L. Andreasen, The Sanctuary Service (Washington, DC, 1937), p. 167; G. F. Hasel,
"Studiesin Biblicalatonement 1: Continuai Sacrifice, Dcfilement//Clcansingand Sancruary",
The Sanctuary and the aionement (Washington, DC, 1981), p. 93.
K
K. Hruby, "Lê Yom Ha-Kippurim ou Jour de 1'Expiation", OTS IO (1965): 57; M. Noth,
Dos drittc Buch Mose, Leviticus (Gõtringcn, 1978), p. 21 5; N. H. Snaith, Leviticus and Numbers
(Londres, 1967), p. 114; K. Aartun, "Studien zum Gesctz iiber den grossen VetsohnungStag
Lv 16 ...", ST 34 (1980), p. 103.
9
Cf. L. Lifíicr, Péche d'Adam et Péché de Monde (Aubicr, 1960), p. 95. Várias declarações
do Talmudc apontam para a mesma dircção. Veja também J. Milgrom, Cuh and Conscience ...
(Lciden, 1976), p. 118, 127-28; Id., "Sacrifices and ufferings, OT", ÍDB, Sup. (Nashville, 1976),
p. 767; Id., "atonement, Pay of", ÍDB, Sup, p. 83; Id., "atonement in the OT", IDB, Sup, p.
78-79.
IO
S. G. Gayford, "Leviticus", A Nett1 Commentary ín Hnly Scriptun (Society for Promotíng Chtistian
Knowledge, 1937), p. 114-115; O. T. Allis, Leviticus (Londres, 1972), p. 154; D. Roffmann, Das Buch
Leviticus (Berlin, 1905), p. 448; P. Schaff, "Day of atonement", A Religious Encyclopaedia (Nova Iorque,
1891), p. 167.
" Mishna, Sehout 1:6.
IZ
A. R. Fausset, "Day of atonement", Bibk Dictionary (tlrand Rapids, 1975), p. 62; cf. Noth, 106.
II
T. K. Cheyne, "Day of atonement" Encyclopacdia Bíblica ... (Londres, 1899), col. 385;
S. H. Kellog, The íiook of Leviticus (Londres, 1891), p. 257; F. Meyrick, The liook of Leviticus
(Nova Iorque, n.d.), p. 237; J. Mtlgrom "Sacrifices and Ofterings, OT", p- 766.
70 SKMANAS, LEVtuco E A NATUREZA DA PROFECIA

14
R. Song 1:5, eirado por J. Milgrom, "Pity of atonement as Anmial Diiy of Purgation in
K-nipK- Times", Enc/uti (1971), col. 13H2; Mil^rom, Cult and Conscience, p. 128.
'Hí. K Oehler, Tht-u/ugid dês Aíten Ttstamenu (Stuttgart, 1891), p. 498; W. Molk-r,
"Day of atonement", Tkc internacional Standard Bihie Encyduf>aediu, rev. ed. (Orand Rapids,
1980), 1:326; ti. F. Hasel, "Studics in Riblical atonement II: The Day of atonement", The
Sanctuury and the a tone mi-m, eds. A. V. Wallenkampf und W. R. Lesher (Washington, PC,
1981), p. 119.
lh
Veja A. Treiyer, Lt' Jour dês Expiations et Ia Purification du Sanctuaiic (tese doutoral,
Estrasburgo, 1982), cap. 2.
17
G. B. Gray, Sacrífice in the Oíd Testament. Its Theory and Pracrici? (Oxford, 1925), p.
308.
"'Hruby.p. 60.
'"O primeiro autor a negar a unidade literária de Levlttco 16 foi Oort, TT IO (1876),
p. 155. Pesde então, muitos autores argumentam semelhantemente. Pé igual modo, a
unidade literária de todo o livro de Levítico tem sido negada e defendida em obras de
eruditos.
20
R. Pé Vaux,Les ínstitutions de l'Ancicnt Testament, CERF (Paris, 1967), 2:299.
;|
J. Morgeiistern, "Two Prophecles Hrom the Fourth Century B.C. and the Evolution
of Yom Kippur", HUCA 24 (1952-1953): 21-22; E. Auerhach, "Neujahrsand Versoehnungs-
Fest in Jen Bibliachen Qucllen", VT 8 (1958): HI-343; M. J. Kraus, Oottesdienst in Israel
(Mimchen, 1962), p. 70; J. Milgrom, "Pay of atonement", Encjud (1970, col. 1387; K.
Aartum, "Studien zum tJesetz uher den grossen Versiihnungstag Lv 16 ...", ST 34 (1980),
p. 94-103; etc.
" R. De Vaux, vol. 2, p. 415-416; A. Ibanez, El Lwirira (Vktoria, 1974), p. l 38.
»Veja 2Cr 36:14-16; Jr 7:30; 32:31,34 (cf.Jr 2:7, terra contaminada); Ez 5:11; 22:26i 23:38S 44:7;
Zc 3:4; Ml 2: l L
24
2Cr 29:22, 24; Ed 6:16-18; Ez 43:18,20, 22, 26.
^ 2Cr 29:21-24 (restabelecimento do culto no santuário por Ezequias) e Esdras 6:16-18 (restabele-
cimento pós-exílico do culto no templo) indicam que os mesmos animais eram usados e basicamente
os mesmos tipos de sacrifícios eram feitos como na dedicação inicial do santuário (Nm 7).
:
" Ver Treiyer, para uma discussão mais completa sobre a autenticidade histórica do Dia da
Expiação.
27
Cl termo aparece 16 vezes em Levítico 16.
-* l\> aciidiano ícnfifntra. Ver Levine, p. 59. Esse autor discorda completamente da comparação
entre esse termo com o kfr árabe ("cobrir") feita por |. Wellhausen, por ser posterior e não refletir o
verdadeiro significado bíblia). O mesmo, segundo ele, podo ser dito para o termo em hebraico pós-
bíblico e em aramaico antigo. Nem a Septuaginta (LXX) já traduziu kipper, no sentido de "cobrir".
Ver S. 11. Langdon: "The Hebrew word for 'atone'", ExpTim 22 (1911): 324, n. 2. Embora isso possa
ser verdade de kipper, não significa que a ideia de cobrir o pecado não existia na Bíblia. Veja em SI
32:1; 85:2; Pv 10:12; etc.
:
° fCfir, poderia, desse modo, vir do substantivo antigo kôper "resgate, expiação, dádiva". Cf. E.
J;u ob, Tíieoíogít' de i'Anden Testament (Neuchatel, 1968), p. 236 ; Levine, p. 61.
10
Nm 16:47,25:13; 35:33; Dt 32:43; cf"2Sm 21:1, 3; Dt 21:8-9. Veja também o uso de kpr em Is
22:14; 27:9; 28:18.
11
S. Lyonnet, "'Expiação' no AT," Pecado, Redenção, e Sacrifício (Roma, 1970), p. 130, n. 31 (Is
47:11).
12
Foi demonstrado que a expressão hebraica traduzida literalmente, "eu o aplacarei com o pre-
sente que me antecede" (Gn 32:20) ou "um homem sábio irá apaziguar [/uf}f>cr]" u ira de um rei, é
similar a uma expressão acadiana que carrega a ideia de "apagar a ira de seu rosto," Veja Levine, p. 60.
REFERÊNCIAS
A ira de Deus, desse modo, pareceria ser apagada, seja por um sacrifício ou pela sentença de morte
executada sobre os rebeldes. E interessa n t e ler essas expressões em conexão com as palavras de Deus
cm Isaías 65:3: "povo que de continuo me irrita abertamente."
11
Em Números 3S:M, observa-se que o assassinato contamina a terra; em Levitico 20:1, a ido-
latria contamina o santuário. O sangue derramado do sacrifício de crianças inocentes em rituais
idólatras também poluiu a terra (SI 106:36-38). Embora a relação entre esses dois lugares que podiam
ser contaminados seja, às vezes, bastante evidente, deve-se tomar cuidado para não identificá-los por
completo. A relação c mais próxima entre o acampamento e o santuário do que entre a terra e o san-
tuário (cf. Lv 13-14; N m 5:3). Os limites de tolerância para a presença de impureza não são os mesmos
em cada um desses l usarei», como veremos mais adiante neste estudo.
"Botterweck and Rinygren, eds., "b'r", TDOT, 2:201.
" Idem, p. 203.
ín
W. L. Holladay, A Gmdsc Hebreu/ and Aramaic Laticon ofthe OT(Leiden, 1971), p. 44 ("livrar-
se", "remover, extirpar"); A. Phillips, Dnutewnomy (CambridgC, 1973), p. 95r P. Lcclercq, Lê Deutéro-
nome (Paris, 1963), p. 132; F. Brown, The Nfeu- fírotcn-Oiver-Briggs-Gesenius Hebreu' and English Lcxicon
(Indiana, 1978), p. 129 ( "consumir", " remover totalmente"); L Kochler e W. Baumgaitner, Heh-ais-
ches und Aramãisdies Lcxikon jum Alten Testamem (Leiden, 1967), p. 140.
17
Dt 13:5; 17:7, 12; 19:19, 21:21, 22:21-22, 24:7; }z 20:13. O "mal" (rã') está relacionado ao "pe-
cado" (haiia't) em l Reis 14:22 e ã idolatria em textos como Deuteronòmio 4:25; l Reis 11:6; etc.
1H
Nos casos cm que havia crimes, veja Deuteronòmio 19:13; 21:9.
w
A quebra do pescoço do animal não pode redimir o assassino, mas testifica a inocência do
povo. Veja em S. R. Driver, A Criticai and Exegética! Commentary on Deuteronomy (Edinburgh, 1896), p.
242; A. Phillips, p. 138-139; J. Rennes, Lê Deuténmome (Geneva, 1967), p. 98; H. Ringgren. Sacrifice
704 '" ^ Bible (Londres, 1962), p. 36-37.
* J. Milgrom, "Blood guilt", EncM (1971), IV, col. 1118.
41
Esse uso paralelo ê considerado por vários autores. G.Von Rad, "Theologie dês Alten Tcsta-
ments", CHR (Munchen, 1957), 1:263, n. 174; TDOT, p. 204- Kãrai indica a ideia de excomunhão;
M'«r denota a purificação da comunidade.
42
Para um estudo recente de tárat, veja O. Hasel, "Kârai", THAT, vol. 4, (1982), col., 382. Uma
construção similar é encontrada em l Samuel 2:33 "Kãrttt".
41
ÊX 25:8; 33:3, 5; 34=9; Lv 26:11-12; Nm 11:20; 14:42, 44; Dt 2:14-15; 4:3; 6:15; 7:21; 16:11;
19:17; 31:17; Is 12:6; Os 11:9; Zc 3:15; etc.w
* TDOT.
4S
W. Gesenius, Hekràiscfu-x und Aramaischeí Handworterbuch (Berlin, 1962), p. 539-540.
4h
Um arrependimento sincero teria evitado a sentença como aconteceu no caso de Nínive (jn 3).
No entanto, Deus perdoou a nação como um povo (cf. Nm 14:19-20; cf. v. 12).

Na prática atua! parece haver alguma flexibilidade nessas diretrizes. Rute, a moabita, foi
aceita em Israel (Rt 1:4, 16-17, 22) e tornou-se uma progenitora do Messias (Mt 1:5; Lc 3:22). Is
56 também anuncia uma era de aceitação mais geral. Se Neemias mais tarde aplicou essas diretri-
zes de forma mais rigorosa (Ne 13:1-3) foi porque naquele tempo a união com os moabitas e com
os amonitas estava separando o povo de Deus. Havia o risco até mesmo de perder a identidade
de Israel.
41Í
Gesenius, p. 665.
^ Milgrom, "Sacrifices and Offerings, OT", p. 767; Milgrom, Cult and Consáence, p. 118; Yoma 86b.
Í0
Veja Treiyer, p. 122-123.
^ Isso é visto, por exemplo, em certos votos que poderiam ser anulados quando as circunstâncias
transcendiam a capacidade do indivíduo de cumpri-los (Nm 6:12; 30:6-8, 13-14; cf. ISm 14:24-30,
43-45). Em Levítico 6:2-7, no entanto, estamos lidando com o voto de um ladrão.
s:
Milgrom, Cuít and Consciente, p. 119, cf; p. 71. Veja principalmente p. 123-124.
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA

"Ibid., P. 119-121, cf; p. 71.


M
He forma similar, os profetas chamavam o povo ao arrependimento de pecados conscientes
que normalmente não podiam ser expiados (Is 1:5-6, 15-18; Ez 'í"í: 10-11; etc.). O objetívo de tais ape-
los não era apenas assegurar o arrependimento e o abandono do pecado, mas também a prática de
uma nova forma de viver que incluía fazer reparos onde possível (Is l: IV17; Mq 6:6-8; Ez i V. 15). Veja
Hasel, "Studies in Rihlical atonement l", p. 104.
" Veja A. Treiyer, "Toutc 1'Assemblée lê lapidera", .Servir (Janeiro).
ín
Ê x 19:16; 20:18-19, 22; 34:1-2, 28; 40:34-38; Lv 1:1; 16:1; Nm 1:1; 3:1; 7: l, 4; 9:1, 15-23; etc.
" Ê x 3 2 : I O ; 53:5,7-10; Lv IO:l-3;Nm l h l - 3 , 3 3, H; 14:10-12, 37; 16:19-21, 31-35,41-50; 17:12-
13; etc.
w
Considere também as advertências por ocasião da morte repentina «.lê Nadabe e Abiú, os sacer-
dotes que se aproximaram Je Deus de modo inapropriado (Lv 16: l ; cf. 10:1-3) e a ameaça da sentença
de morte sobre os que negligenciaram se purificar em harmonia eom os rituais (Lv 15:31).
^ Essa preocupação é vista também no estabelecimento das escolas dos profetas (cf. ISm 10:10-
12;2Rs2:3, 5, 7, 15-Í6).
"° Além desses lembretes, pode-se acrescentar certas ordens .severas que serviam como medidas
preventivas para que o povo não se contaminasse com os pecados dos pagãos que haviam ocupado
Canaã antes (Lv 18:20-29; Pt 7:1-6; 8; 19-20; 12:29-14:2; 16:18-17:20; 18:914; etc.).
H
Milgrom, "Sacrifices and Offering», OT", p. 767.
M
F. Maass, "lcf>r pi. suhnen", THAT(1971), 1:844.
M
A relação de íci/iper cinn mãhãh pode ser vista em tais textos como Jeremias 18:23. Para o uso de
mãhâh no sentido de "apagar", veja Isaias 43:25; SI 51:3, 9; 109:14- Veja Levine, p. 58-59.
04
Essa construção ocorre 6 vezes em Levitico 16. É usada em relação a pessoas (Lv 4:20, 26, 32,
35; 8:34) e coisas (altar: Êx 29:37; 30:10; Lv 8:15; santuário: Lv 16:16, 33).
*"' Lyonnet, p. 130.
" Ibid.
n7
Levine, p. 65-66.
"H Cf. C). F. Hasel, "Studies ín Biblical atonement II", The Sawiuary and tlie atonemunt (Washing-
ton, DC, 1981), p. 118. Além das leis levlticas, no contexto da inauguração, o sinal do objeto direto é
usado duas vezes em Ezequiel em conexão com o santuário (Ez 43:26; 45:20).
"" Milgrom, "Sacrifices and Ofterings, OT", p. 766.
70
E. Heppenstall, Our High Priest (Washington, DC, 1972), p. 58, 83.
71
Dcuteronômio 23:10-11 tuia de um campo de batalha. Os soldados deveriam estar em sua
melhor forma tísica e espiritual ao guerrearem por Yahweb.
7
- C. F. Keil, Tíu- Third Book vfMoses |Leviticus| (Edinbumo, 1887), p. 374.
71
Também é possível relacionar essa expressão a Peutcronômio 21:6-7.
M
Noth, p. 80.
7S
Cf. Lv 11:31-35; 15:12;Nm 31:22-23.
7
" Hasel, "Studies in Riblical atoncment l", p. 93.
" Imagina-Se que essa lei descreve uma doença contagiosa, venereal, nesse caso transmitida pelo
órgão sexual masculino. H. Cazelles, "Lê Lévitíque", La Bikltr de Jerusalém (Paris, 1978), p. 144-
7K
Keil, Leviticus, p. 375.
7
" O silêncio das Escrituras sobre esse ponto pode explicar por que os judeus destruíram o altar
do templo profanado durante a perseguição feita por Antíoco, mas salvaram suas pedras até que um
profeta tosse levantado para aconselhar a esse respeito. Um novo altar foi erigido e purificado quando
Judas Macabeus recomeçou os serviços do templo ( l Macabeus).
w
J. Neusner, The Idcu o/Purirv in Ancient fudaism (Leiden, 1973), p. 20.
Sl
Ibid.
« Ibid.
REFERÊNCIAS

"Veja n. 4.
M
Veja n. 3.
"Wejan. 33.
"Cf. Lv 10:9(21; El 44:21.
M7
A. llbanez, El Levitico (Victoria, 1974), p. 139-140; A. R. Levine, In the presencc of the Lord
(Leiden, 1974), p. 69, n. 37; G. F. Hasel, "Studics in Bibiical atoncmenr h Continuai Sacrifico, Defi-
lement//Cleansing and Sanctuary" The -•imiatiíiry and the atanement, eds. A.V. Wallenkampf e W. R.
Lesher (Washington, DC, 1981), p. 102; K. Milgrom, "The Paradox of the Red Cow (Nm XIX)" , VT
31 (1981), p. 61.
MH
A cultura silogística especulativa grega afofou o entendimento posterior dos judeus no que
diz respeito aos ritos sacrificais. Cf. Milgrom, "The Paradox uf rhe Red Cow (Nm XIX)" p. 62-63.
Contudo, esse autor mostra ao mesmo tempo que muitos rabinos reconheceram o "efeito paradoxal"
dos sacrifícios.
HU
Essa ê a tradução tradicional e continua sendo aceita por um grande número de eruditos hoje.
R. IV Vaux, Lês Jnstitwtions de 1'Ancient Testament, CERF (Paris 1967), 2:296. N.H. Snaith, Lecitiots and
Nwnbers (Londres, 1967), p. 37-38: Ao impor suas mãos, ele transfere o pecado, deforma que o a n i m a l
se torna o hitffal (literalmente, "o pecado"). Não há nada em versões antigas sobre uma "oferta", e
pode demonstrar que os antigos tradutores tiveram algum problema para evitar a palavra.
TO
J. Milgrom, "Sin-OfferingorPurincation-Offering", VT21 (1971), p. 74; Id. "The Paradox of
the Red cow (Nm XIX)", p. 63.
1)1
Em nossa opinião, essa tradução ê a menos apropriada visto que não permite uma clara dife-
renciação da palavra mais específica "expiação" (kipper). É traduzida "expiação" nas versões francesas
e espanholas.
u:
É a tradução da maioria das versões. Cf. R. J. Faley, "Lcviticus", The Jeromc Bibiical Commentary
(EngtewDod, NJ, 1968), 1:67-85. O presente escritor, da mesma forma, salienta a posição de que o
termo pode significar "culpa" como também "oferta pela culpa".
41
L. Moraldi , Espiazone sacrificais e riti espiatirri nelVambiente fjibiico c neifAmico Testamento (Roma,
1956), p. 168-170, 179-180, 266; J. Milgrom, Cult and Consciense... (Leidem, 1976), p.3-7-
^Idem, p. 119.
^ Essa palavra aparece 30 vezes no AT, l 3 vezes em Levítico. Quer seja us;ida de forma
literal ou figurativa é sempre relacionada à contaminação pelo sangue.
%
Gesenius, p, 487.
g?
Ibanez, p. 139-140.
** De Vaux, p. 297; E. Feldman, Biblical and Post-Bíblical Defilement and Mourning. Lava as
Thcology (Nova Iorque, 1977), p. 63.
W
J. R. Porter, Leviticus (Cambridge, 1976), p. 124.
100
Milgrom, "The Paradox of the Red Cow (Nm XIX)", p. 63, 67.
101
Por exemplo, T. H. Gaster vê na carne do sacrifício o elemento negativo que recebe
a impureza. No sangue, cie vê o aspecto positivo que leva ã regeneração do pecador. T. H.
Gaster, "Sacrifices and Offerings, OT", IDIi (Nashville, 1962), 4:147 B, 152 A.
102
Veja também Levítico 18:19; Ezcquiel 18:6; 22:10; 36:17.
101
Milgrom, "The Paradox of the Red Cow (Nm XIX)", p. 62- 63.
IW
Idem., p. 67.
|1S
Veja J. D. Princc, "Scapegoat (Semitic)", Encyclopaedia of Religivn and Ethics (Edinburgo,
1974), 11:222.
IC
*A maioria dos autores cctnsideram a ideia de substituição em apenas uma direcão.
Mas veja E. Jacob, p. 236, que enfatiza o conceito de troca. O pecador troca seus pecados por
uma nova vida.
I07
LV 17:4, 8-10, 14; 18:24-30; 10:18; 20; 22:3, 9; 23:29-30; 24:10-23; 26:14-43; 27:29.
70 SEMANAS, LEVÍTIOO E A NATUREZA DA PROFECIA

Um cxcccão a essn ênfase c Levftico 7:20-21, 25, 27.


1M
Para uma tradução diferente da expressão "todos os seus pecados", veja W. H. Shea, "Forma
liUT.iri.i c função teológica em Levitico", cap. 5, p, 157-164, neste volume.
ICN
LevÍne, p. 76-77.
110
P. C. Bcentjes, "Invertei! Quotatíons in the Bible. A Neylected Stylistic Pattern",
/irr>63(1982): 506-523.
'"Veja Moraldi, p. 90-95, para uma list;i tle autores que atribuem uma função substi-
tutiva vicâria-penal para a vitima sacrificai.
11
Veja A. M. Rodriguez, Suèatiturion in the Hebreu* Cuítus (Tese doutoral, Andrews
University, 1979), p. 143. Veja também o cap. 6 neste volume, cio mesmo autor, "Transfe-
rência de pecado em Levitico".
'"São claramente mencionados os holocausto* (Lv 1:4; 8:18); os sacrifícios pacíficos
(Lv 3:2, 8, 13); os sacrifícios pelos pecados (Lv 4:4, 15, 24, 29, 33; 8:14); e os sacrifícios de
consagração/ordenação (Lv 8:22).
114
Em Levitico 4:15; 8:14, 18, 22, no texto hebraico (massorético), a palavra "mãos"
está gramaticalmente expressa de forma a significar as duas mãos de uma pessoa só, embora
tenha a ver com múltiplas imposições de mãos, ou seja, por diversas pessoas de uma única
vez. Veja o quadro comparativo ern R. IVrer, "L'imposition dês mains dans 1'AncÍen Testament", VT
27 (1977), P- 50.
111
Kssa observação provém de autores católicos como Moraldi, p. 259; S. Lyonnet, "De
ritu capri emissarii", VT 39 (1961), p. 36; S. Lyonnet e L. Sabourin, Sin, Redemption, and
Sacri/iceíRoma, 1970), p. 183.
"" Isso fez com que alguns autores concluíssem que a imposição de mãos transmite o
pecado somente no caso do ritual do bode Azazel (emissário). Veja H. H. Rowley, Worship in
Andem Israel, p. 92-93; Peter, p. 52.
117
R. Dussaud, Lês Origines Cananéennes du Sacrifice Israélite (Paris, 1921), p. 73.
ll((
Veja Peter; De Vaux, vol. 2, p. 292.
'" Veja Hasel, "Studies in Bíblica! atoiu-ment I I : The l\iy of atonement", The Sanctwtry
and the atonement, eds. A. V. Wallenkampf e W. R. Lcsher (Washington, DC, 1981), p. 117;
Shea, p. 47.
110
H. Cazelles, "Lê Lévitique", LM Bifa d? .Jerusíilem (Paris, 1978), p. l 38.
1:1
L v 5 : l , 17; 17:16; 19:8; 20:17, 19; Nm 14: H; 1 8 : 1 , 23; Ez 14:10; 44: 12; ctc.
'" Veja também Salmos 32:5; 85:3; Ondas 14:2; Micaías 7:18.
:1
H. Christ, Blutvergiessen im Aíten Testament (Tese doutoral, Basel, 1977), p. 12.
124
Veja também Levitico 18:21; 19:12; 21:6, 12, ctc.; 22:32; Ezequicl 36:20-23; 39:7;
43:7-8; Amos 2:7.
:s
Alguns rabis judeus (Escola de Shammai) acreditavam que os sacrifícios da manhã
e da tarde abrandavam os pecados de Israel no decorrer do ano até o Dia da Expiação. Cf.
K. Hrubv, "Lê Yom Ha-Kippurim ou Jour de 1'Expiatkm", OTS 10 (1965): 41 3.
1:
" Aqueles que não podiam se apresentar no templo com um animal substituto (por
razões de saúde, distância, etc.) podiam tirar proveito dos sacrifícios oferecidos pelos
pecado.i na época da lua nova e nas festas (Nm 28-29).
i:7
Snaith,p. I I O ; J . Milgrom, "TwoKindsof/iímãr, VT 26(1976): 336, n. 14.
:H
Veja F. Meyrick, The Book of Leviticus, (Nova Iorque, s.d.), p. 237; J. H. Hertz, The
BOO/Í o/Levitiou (Londres, 1978), p. 480.
I2y
Porter, p. 131.
MÍ1
M. Haran, Tempie and Temple Service ... (Oxford, 1978), p. 17.
111
C. F. Keil, Uviticus (Lcipzig, 1878), P. 405.
1:
Entre os autores que considetam o Dia da Expiação como o principal rito do ano,
REFERÊNCIAS

podemos mencionar, G. F. Oehler, T/itolíijjic dês Ahen Testamento (Stuttyart, 1891), p. 498; B.
Baentseh, Ltvícicus(Gõttingen, 190?), p. 181; S. R. Drivere H. A. Whíte, "Day of atonement",
Dictionary of the Bihle (Hastings, NY, 1908), 1:201; Gray, p. 321.
111
Os pecados que eram removidos no Dia da Expiação já tinham sido perdoados, e a
maior parte eram pecados pelos quais nem o sumo-sacerdote nem a pessoa que retirava os
restos do acampamento era responsável.
M
Veja W. G. Johnsson, "The Significance of the Day of atonement Allusions in the
Epistle to the Hebrews", The Sanctiutry und the atonement, eds. A. V. Wallenkampf d W. R.
Lesher (Washington, DC, 1981), p. 180-193.
'"Veja também Levitico 4:26, 31, 35, ctc, onde se indica que a expiação não acontecia
imediatamente após a morte do sacrifício, mas ao final de todo o ritual. É importante notar também
que o ato do sacerdote de comer a oferta pelo pecado tinha um papel na expiação (Lv 10:17).

CAPÍTULO 8
1
Nos E.U.A., aqueles que crêem no final iminente de todas as coisas agora totalizam 10
milhões. A obra The Late Great Planei Earth de Hal Lindscy, por exemplo, vendeu milhões de
cópias.
;
Por exemplo, alguns têm sugerido que o cumprimento básico dos 2.300 dias deve ser visto
como um período literal de tempo durante o reinado de Antíoco Epifânio, e 1844 d.C. como
uma ré interpretação válida após as condições necessárias para a Parousia (Segunda Vinda) não
terem sido satisfeitas no primeiro século d.C.
I
Veja Adventisi Review, 4 de setembro de 1980, e o artigo especial de Ministry, Outubro de
l980
298 '4
Don F. Neufeld, "Biblical Inrerpretation in tbe Advent Movement", A Symposium on Bibiical
Hcrmeneutics, ed. Gordon M. Hyde (Washington, DC, 1974), p. 109-125; Hans K. LaRondelle,
"Inrerpretation of Prophetic and Apocalyptic Prophecy", A Svm/wwium on Biblical Hermeneutics,
p. 225-249; W. G. C. Murdoch, "Principies of Inrerpretation of the Prophcric and Apocalypric
Literature of the Bible", Noriíi American Bibíc Gonference Notekook (Washington, DC, 1974), p.
1-22; Herbert E. Douglas, "The Unique Contrihurion of Adventist Eschatology", North American
Bible Confercnce Notebook, p. 1-33.
^Seventh-day Adventist Biblc Commenttiry 4 (Washington, DC, 19.55): 25-38
Mbid., P. 25.
7
Ibid., p. 25-26.
Mbid., p. 30.
9
Ibid., p. 38.
10
A descrição do "ideal" (ibid., p. 27-30) é um amálgama das frases e referências reXinidas
sem alusões ao contexto original de cada uma. Esse relato tem tensões inerentes; por exemplo,
ao paso que "toda a terra teria esperado o retorno do Messias com ansiosa expectativa" (p.
29), há, contudo, um "grande apelo final ao mundo para reconhecer o verdadeiro Deus",
seguido de uma batalha por Jerusalém (p. 30).
"Ibid., p. 39-78.
'Mbid., p. 44.
II
Ibid., p. 40.
M
Ibid.,vol. l, p. I017-1019.
14
Seventh-Day Adwntist Biblc Stuãents' Source Bnok, Commenrary Reference Series, vol. 9
(Washington, DC, 1962), p. 882-884-
'"Desmond Ford, "Daniel 8:14, The Day of aronemnt, and the Investigative Judgment"
(1980).
70 SKMANAS, LEvfnco K A NATUREZA RA PROFECIA

'' Kennerh H. Strand, "Apocalyptic Prophccy: a hrief Introductíon to its nature and
interpretatíon (with specíal arronrion ro Daniel and Rcvelation)" (1980).
IB
lbid.,p. 20-21.
|U
Nossas observações sobre essa classe também se aplicam as estipulações da aliança
abraftmica. Como as promessas de Deuteronòmio 28, elas pressupõem obediência como
resposta: cf. Cm 12:1-3; 13:14-18; 15:1-21; 17:1-27; 18:17-19; 21:1-H; 22:1-18 (esp. v. 16-18).
20
Devemos observar que a profecia de Jonas a respeito de Ninive é uma das várias profecias
pregadas contra cidades por mensageiros de Yahweh. Nau m profetiza de torma detalhada os dias
finais de Ninive. Cf. também Sf 2:13-15.
11
JeremUs44:30 pode ser citado como outro exemplo, mas as circunstâncias sobre a pregação
da profecia não estão claras.
"Strand, p. 20-21.
:<
Por exemplo, Mateus 24:34; Romanos 13:11-12; l Tcssalonicenses 4:15; Hebreus 10:37;
Apocalipse l :í ; 22:20. As questões levantadas pela consciência da iminência do advento no Novo
Testamento têm sido causa de muitas discussões entre os cristãos de todas as denominações.
Aqui não podemos examinar minuciosamente as várias explicações propostas ou indicar
uma solução. Devemos observar que os adventistas do sétimo dia encontram uma série de
informações nos escritos de Ellen ti. White, em que ela profetizou o breve retorno de Jesus -
bem antes dos nossos dias. Essas informações ou questões devem ser tratadas com a mesma base
teológica. Veja o que Ellen O. White diz a respeito em Mensagens Escolhidas, vol. l, p. 67.
•4 Reconhecemos que em algumas profecias sobre o Messias no Antigo Testamento há uma
fusão dos dois adventos, por exemplo em Isaías 11:1-9.
lf>
Para saber mais sobre a base bíblica para o princípio dia-ano, veja William H. Shea,
Estudos Seífcionítíios em /ntfTpretaçdo profética (Engenheiro Coelho, SP: Unasprcss, 2007), p. 56- 299
88.
:i1
A linguagem bíblica sobre o "arrependimento" divino não denota inconstância. Ao
contrário, indica que uma pessoa, cidade ou nação, devido a uma mudança no relacionamento
para com a vontade divina, entra num âmbito de uma resposta divina diferente.
:
' Isto é, Deus também é livre. A liberdade h u m a n a se origina, basicamente, da liberdade
divina. Cf. Salmos 115:3: "No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada."
'" Ellen G. White, O Desejado de Todtis as Nações, p. 32.
2a
Não podemos por em risca aqui as implicações da autoridade divina e da liberdade
humana. Os teólogos têm debatido sobre esses conceitos por séculos. Evidentemente, é muito
mais fácil discorrer sobre a soberania divina ou liberdade humana; quando queremos manter os
. M 11, r i u >- ri M oposição, .< 1.1 iv 1.1 si' ti u n.i 111. i i -. fiiniplieiidii. Devemos f n te i K Ir i1 que l V 1 u-, r *M)>.i:
de responder a cada ação humana de infinitas maneiras.
10
Igualmente, a presciência possibilita que haja escolhas humanas e divinas.
M
Uma tentativa teológica de apresentar a soberania divina separada da presciência está
em R. Rice, The Opcnness of God (Nashvillc, 1980). O Dr. Riee, ao perceber os problemas
éticos que esravam ligados ã atribuição da presciência a Deus, sugere que Deus não tem um
conhecimento absoluto do futuro; não obstante, ele continua sendo Deus.
12
A declaração de Ellen ti. White: "Devemos lembrar que as promessas e ameaças de Deus
são igualmente condicionais" (Mensagens Escolhidas, v. l, p. 67), enquadra-se nesse tipo. Não é
a única forma de interpretar a profecia; em vez disso, é um resumo do princípio da liberdade
humana em qualquer relação entre Deus c nós.
11
Porém, deveríamos diferenciar o fato do segundo advento (incondicional) e o tempo em que
irá ocorrer (condicional, sob um ponto de vista humano). A última dimensão nos remete ã ideia
de que o Soberano, fonte infindável de todas as coisas, é também infinitamente paciente.
REFERÊNCIAS

CAPÍTULO 9
1
Para livros importantes de meados do século 19 sobre profecias bíblicas a partir de
variadas de perspectivas, conservadora e liberal, critã e judaica, veja especialmente J.C.K
von Hofmann, Weissagung wtd Erfiillung ím Altrn und Nenen Testament (Nõrdlingen, 1844);
E. W. Hengstenberg, Die Christologie dês Alten Testamento, 3 vols. (Bcrlin 1829-1835); C. von
Orelli, The Old Testament PTOpnecy of the Consumrmition o/Gods Kingdom, Traced in Its Historical
Develof>ment(Edinburf>o, 1876); E. Riehm, Messianic Prophecy: Its Origiri, HistoricalCharacterand
Relation to Neu> Testamem Ful/illmem (Edinburgo, 1876); B. Duhm, Die Theologie der Propheten
(Bonn, 1875); R. Hitzig, Vbr/eswngen úber die biblische Theoíogie und messianische Weissagung dês
Alten Tèstamcnts (Karlsruhe, 18HO); J. J. Stahelin, Die Messianischen Weissagungen (Berlim, 1847);
C. A. Briggs, Messianic Prophecy: The Preàíction of i/u- Fuí/illment of Redemption Through the Messiah
(Nova Iorque, 1886); F. Delitzsch, Messianic Prophecies in Historical Successúm (Edinburgo, 1891);
A. B. Davidson, Old Tettament Prophecji (Edinburgo, 1903); R. B. Oirdlestonc, The Grammar of
Prophecy (Londres, 1901); W. J. Beecher, The Prophets and the Promise (Nova Iorque, 1905); O.
Holscher, Die Propheten (Berlim, 1914); A. Guillaume, Prophecy and Divinmion (Londres, 1938);
A. R. Johnson, The Cultic Prophet in Ancient Israel (Cardiff, 1944); M. Bubcr, The Prophetic
Faith (Nova Iorque, 1949); E. J. Young, M^ ScT«mts tht- Prophets (Grand Rapids, 1952); A.
Edersheim, Propheey and History in Relation to iht- Messiah (Grand Rapids, 19S5); A. J- Heschel.
The Prophets, 2 vols. (Nova Iorque, 1962); B. D. Napier. Prophets in Perspective (Nashville, 1963);
H. H. Rowley, Men of God (Camden, NJ, 1963); G. C. Oxtoby, Predictian and Fwl/ilíment in
lhe Bible (Filadélfia, 1966); J. B. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy: The Complete GuiJe to
Scriptttral Predictions and their Fuí/iílmcnl (Nova Iorque. 1973); R. R. Wilson, Prophecy and Society
,,,,, in Ancient Israel (Filadélfia, 1980).
2
G.T.A. Angel, "Celsus", The Neu> íníernationííl Dictionary of the Church, ed- J. D- Douglas
(Grand Rapids, 1974), p. 206-207.
I
Porfírio conforme mencionado por Jcrônimo em }erome's í'ommentíiT> on Daniel, tr. G. L.
Archer (Grand Rapids, 1977), p. 15.
' Ibid.
s
Veja o ensaio informativo sobre as mudanças referentes às previsões da vinda do
Messias por R. E. Olemcnts, "Messianic Prophecy or Messianic History?" Hori?:ons in Biblical
Theolog?IU979) : 87-104.
"A. Collins, The Schemt1 of Literal Prophecy Considered in View of Controversa, Occasioned by
a Late Book /ntitL'd: A Discourse of the Grounds antJ Reasons of the Christiím Religion (Londres,
1727), p. 155.
7
Ibid., p. 151-155.
K
Veja H. W. Frei, The Eclipse of Biblical Narrative: A Study in Eighteenth and Nineteenth
Gentury Hcrmencutics (New Havt-n, 1974), p. 66-85.
"* L. Diestel, Geschichie ties Alten Testamento in der christiich^n Kirchc (Lcípzig, 1869), p.
541; J. M. Schmidt, Die jiídische Apo/tai^frtik (Neukirchen-Vluyn, 1969), p. 35-37.
10
Isso foi sugerido de forma mais contundente pelo escritor judeu britânico H. J.
Schonfield, The Passover Plot (Nova Iorque, 1965). A ideia que de Jesus agia consciente no
falar e no agir para que as profecias do Antigo Testamento sobre o Messias se cumprissem
nele é rejeitada por E. Hoskyns e N. Davey, The Riddl? of the New Testament (Londres,
1957).
" R.B.Y. Scott, The Relevante of the Prophets, rev. ed. (Nova Iorque, 1968), p. 2-4.
12
Ibid., p. 5-6.
II
E. W. Heaton, The Old Tescament Prophets (Baltimorc, 1964), p. 17-18.
14
Ibid., p. 125.
70 SI-MANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFKGIA

" Scort, p. 6-7; veja também J. P. Hyatt, Prophetic Relif<ion (Nova Iorque, 1947) p, 91-96.
'"G. E. Wright, ísaiah (Londres, 1965), p. 8.
17
Ibid., p. 9; cf. J. L. McKenzie, Second haiah, AB 20 (968), p, 73-79.
IK
K. Ellitfer, Deutcrojesaja (Neukirchen-Vluyn, 1978), p. 465-466.
|g
j. Becker, Ísaiah-Der Pra/>hft und sein Buch (Stuttgart, 1968), p. 38.
:0
Muitos estudiosos aceitam a unidade de Isaíns c a autenticidade dessn protegia. Veja,
por exemplo, O. T. Allis, The Unity of haiah (Filadélfia, 1950), p. 78-80; E. J. Young, TV
Hook of Isaiah (Orand Rapid.s, 1972), 3:192-194, 546-547; G. L. Archer, A survey of Old
Testament Introduction (Chicago, 1964), p. 322-32 í; H. O. l lummel, The Word ttecoming Flesk
(St. Louis, 1979), p. 185-186; W. Moller, Grundriss fúr alttfstamcntliche Einícitung (Berlin,
1958), p. 182, 186.
11
Windischmann eirado por F. Delitzsch, The Propíiedcs of haiah (Grand Rapids, 1949),
2:138.
22
Para darás, veja E. R. Thiele, A C/mmoíog> of rfie Hebretv Kings (Orand Rapids, 1977),
P. 75-79.
:(
Payne, p. 681.
24
C. Craigie, The Book of Deuteronomy, NICOT (1978), p. 193,
" Veja neste IXA.J. (Mines, The Theme of the Pentateuch (Sheffield, 1978), p. 45-60.
:h
O remanescente "das nações" ainda estavam na rerra prometida, junto com um anúncio de
esterminio geral. (Êx 23:29-30; Dt 7:22; cf. Js 13: 1-6; Jz 2: 1-2; 3: 1-2; 2Rs 17: 17 18).
11
Então algum comentário;
:H
A profecia de Nata é condicional, tanto como Davi a entendeu ( I R s 2:4) quanto
Deus falou a Salomão ( l Rs 6: L2).
'" Aqui, encontramos novamente o termo hehraico qúni (Hiphil) que é propriamente 3Q1
apresentado por "cumprido" (veja S. Amsler, "qílm autstehen", TKeoíogiscKes Hand
worterhnch zum Aíten Te.stament, eds. E. Jenni und C.. Westermann (Míinchen/Zurich,
19761, 2:6401) como também em neutcronômio 8: 18; 9:5; l Samuel 3 : 1 2 ; 2 Samuel 7:25; l
Reis 2=4; 6: 1 2; 8:20; 12: 1 5; Jeremias 11:5; 23:20; 28=6; 29=10; 30:24; 33:14.
TO
Thiele, p. 76.
MRs 13;26, 15:29, 16:34; 2Rs 4:44, 23:16; EF. 2Rs 9:36; 10:10. IRs 8:20; 1 2 : 1 5 . Para ver textos
complementares, n. 29.
r
- IRs 13:5; 13:24; 14:12-13, 17-18; 17:4-6, 14-1 5; 20:36; 2Rs 5: 14; «c.
H
Jo 21:45, 23:14, IRs 8:56.

^ Dt 32:47. L. W. KoehltT e Raumfiarrner, Lexiton ín Veteris Testamenti Libras (Leíden, 1958), p.


890.
'"O. von Rad, Studit-s in Deuteronomy (Londres, 1953), p. 78.
17
Por exemplo, a predição é narrada exrensamente em l Reis 13:26; 14:18; 16:12-13;
22:38; 2 Reis 10=10, 17; 9:36-37; 15:12; etc.
19
IRs 18:1 (Lc4:25;Jas5:17), 45; 22: l, 35-36; etc.
«2Rs 9:24; 9:35-36; 10:7; etc.
4!
2Rs 17:6-7, 22-2 3; etc.
^ : Alguns dos importantes estudos devem ser mencionados: D. M. Turpie, Tlií OIíí
Testament m the New (Londres, 1868); F. Johnson, The Quoiations of thc Nt-tc Testamcnt from
the Old (Londres, 1896); E. E. Ellis, PauVs Use of the Old Testament (Cirand Rapids, 1957); id.,
Propkecy and Hermeneutit: in Early Christianity (Tíihingcn, 1978); K. Stcndah l , TTu; Schooi of Si.
Mattfu-t»', 2a ed. (Lund, 1969); L. Hartman, Prophecy Inierpreteà (Lund, 1966); A. Suhl, Die
Funíction der aíttí'stamcjitíÍL-fu;n Zitatf... im Markusevangelium (C jurersloh, 1965); R. H. Gundry,
The Use of the Old Testament in St. Motthe\v's Gospcl (Leiden, 1967); R.V.G. Tasker, The Old
REFERÊNCIAS

Testament in the New Testarnent, 2a ed. (Cinind Rapids, 1968); M. P. Millar, "Targum, Midrash
and the Use of the Old Testament in the New Testamentos/2 (1970): 29-82; R. T. France,
Jesus and the Old Testament (Londres, 1971); D. Parte, Early Jewish Hermeneutic in Pules tine
(Missou I a , MT, 1975); R. Longenecker, /íiMicui Exegesís in the Apostolic Period (Grand Rapids,
1975); F. B. Holhrook, "New Testament Uses and Interpretation of the Old Testament", A
S^m/josium on Riblical Hermeneutics, ed. G. H. H yd e (Washington, DC, 1974), p. 127-41; G.
L- Areher and G. C. Chtrlchigno, Oíd Testament Quotations in the New Testament: A Complete
Survey (Chicago, 1983); W. C. Kaiscr, Jr., The Uses of the Old Testament in the New (Chicago,
1985).
'" Archer and Chirichigno, p. xxv-xxxiii.
« K. Grohei ("Quotations", IDB INashville, 19621, 3:977]) fala de 1.100 enquanto R. H.
Gundry estimativas sobre 1.000 ("Quotations in rhe NT", Zondewa* Pictoriol Encyclopedia af the
Bible [Grand Rapids, 19771, 4:7]).
4S
Gunctry, UseofOT, p. 46, 52-53, 14247.
46
lbid., p. 48-49.
47
Este termo é padrão na liolsa alemã. Ver Suhl, p. 162ff.; S.Schulz, Die Stunde der Botschaft
(Hamburg, 1965), p. I64ss.; R. Walker, Heilsgechichte im ersten Evangetium (Gottingen, 1967),
p. 132ss.
4N
Recentemente entre outros, G. M. Soares Prabhu. The Formula-Quotations in the Infancy
NíiTratit>eo/M£ittru.'u;(Roma, 1976); R. T. France, "The Formula-Quotations ofMatthew 2 and
the Problem of Communication", NTS 24 (1981): 233-51.
4
" W. Rothfuchs, Die Erfílllungszitate im Matthúus-Evangelium (Stuttgart, 1969).
so
Mtl:23 - I s 7:14 Mt8:l7 - Is 53:4
Mt 2:6 =Mq5:l Mt 12:18-21 = Is 42:1-4
Mt 2:15 -Os 1 1 : 1 Mt H: 14-1 5 - I s 6:9-10
Mr2:18 =Jr31:15 Mt 13:35 = SI 78:2
Mt2:23 - I s 11:1 Mt21:5 = Is62:ll;Zech9:9
Mr 4:15-16 -Is 9:1-2 Mt 27:9-10 = Jr 18:1-3; 32:6-15;
Zc 11:12-13
^ Esta designação é preferível por Gundry, Use of GT, p. XI; and R. E. Rrown,The Birth of
the Messiah (Garden City, N Y, 1977), p. 96ss.
s
- Mateus sai tia forma LXX de Isaias 7:14: (I) a utiliíacão de hexeí, "ter", ao invés de Icpselai,
"receber" no útero, (2) a terceira pessoa do plural, "eles vão chamar", em vez que "você" (singular)
será chamada; e (3) a interpretação fornecida de Emmanuel como "Ocus conosco." Browo, p. 145;
Gundry, Use of OT, p. 90.
" Brown, p. 147, afirma: "de facto, à luz dos padrões éticos e sociais israelitas, a maioria
das meninas cobertas pela faixa deste termo ['almah] seriam virgens."
M
Ele começa a mi Justin's Dialogue With Trypho, the ]ew, no segundo século (Dialogue
46.3,47.1).
" Assim, o pós-tradutores cristãos Aquila, Symmachus, and Theodotion.
s
" Oeve ser notado que cm Génesis 24:43 a LXX também apresenta 'almâh como
parthcnos e Rebeca era uma virgem solteira.
" Brown, p. 97-
w
A. W. Argyle, The Gospel Accotííing to Matthew (CBC, Cambridge, 1969), p. 3.
s
" Ibid., p. 28.
"°Stendahl, p. 203, seguido por Longeneckcr, p. 143-44.
"' Sobre a Midrash e suas complexidades, veja M. P. Miller, "Midrash", IDB, Supp. (Nashville,
1976), P. 593-97.
":Veja Mc 1:2-3 - Isa 40:3; Ml 3:1; Jo 12:38 - Isa 53:1; Jo 19:24 = 51 22:18; Jo 19:36-
70 SHMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA HA PROFECIA

SI 34=20.
" l j.A. Fitzmyer, SJ, Essays on the Semitic Background irr thn Nt-m Tfstament, 2a cd. (Missoula,
MT, 1974), p. 54-55; B. Gartner, "The Habakkuk Commcntary (DSH) and rhe Gospel of
Matthew", ST8(1954): 1-24.
M
Veja Prabhu, \\ 15-16, 263-64; Franco, "Formula-Quotations", p. 235-39. Foi
demonstrado por B. M. Metzger, "Thc Formulas Inrroducing Quotatíons ot Scripture in
thc New Testament and thc Mishnah", ]BL 70 (1951): 297-307, que não tem nenhum
paralelo real com a citação efetuada no Mishnah.
"""'The Book of thc Propher Isainh", Seventh-day Adventist Bihlv (.Ãimmentary, 4:135: "O
contexto de Is 7:14,... está certo que a esta profecia tem uma aplicação imediata no âmbito
das circunstâncias históricas postas adiante no capitulo. As referências de Mateus ás profecias
filiem delas certas ao apontarem para o Messias. Muita?* profecias do AT tem dupla aplicação, tanto
para o futuro imediato quanto para um futuro mais remoto (ver em Dt 18:15)."
"" W.Whiston, The Literal Aceomplishment of Scripture Prophmes (Londres, 1724); T.
Sherlock, The Use and Intent of Prophecy (Londres, 1732); cf. Clements, p. 87-89.
'" H. Sehmsdorf, Dic ProphetenausL-Kung bei j. (.J. Eichhom (Gõttingen, 1971), p. l 53-54-
M
Veja Payne, p. 121-26.
"" Deste modo a maioria dos académicos evangélicos, veja E. J. Young, The Book »/
haiah (Grand Rapids, 1965), p. 291; W. T. Purkiser in Gad, Man, and Salvatian: A /iiMiati
Theology (Kansas City, MO, 1977), p. 183; Payne, p. 291-92; et ai.
70
A. A. MacRae, "Prophets and Prophecy", Zondervan Pictorial Encyt:lot>edia of the Rible
(Grand Rapids, 1977), 4:902.
71
Payne, p. 292, fala da natureza da ameaça c do encurtamento da profecia. Veja
também Kaiser, p. 63-70. 303
72
Só John Calvin, Bishop Ussher, and Junius.
71
J. A. Alexander, The Prophecies of haiah (Grand Rapids, 1971), p. 169.
74
C.F.D. Moule, "Fulfillmcnt-Words in thc New Testamcnt: Use and Abuse", NTS 14
(1967-68): 293-320.
7<1
Uma objeção que poderia sugerir disso é a de que nos tempos de Acaz outra "virgem"
teria que sofrer partos miraculosos para um filho poder ser anulado. Enquanto 'almâh significa
"moca" que é de fato uma virgem (\vja R. D. Wilson, "The Meaning ot Alma (A. V. 'Virgin') in Isaiah
7:14", Printvtfm Theological Review 24 [l 926): 316), a palavra 'almãh também cabe a uma mulher de
idade núbil e não necessariamente a uma virgem (cf. Ct 6:8; Pv 10:19).
76
Lê-se na LXX: "Out of Egypt l have summontxl [meiakalesa] his children [tekna}." Cf. Gundry,
p. 93; Brown, p. 220; Archer and Chirichigno, p. 147-
11
Longenecker, p. 145.
7
*Brown, p. 557-62; cf. A. Wright, The Literury Genre Midmsh (Staten Island, 1967).
'" W.O. Davies, The Settirig of t/iv Sfirnon on tíu* Mottnt (t^xford, 1963), p. 78. Isso foi
elaborado por France, "Formula-Quotations", p. 243-44.
w
Archer and C^hirichigno, p. xxx.
"' Davidson, "Typological Structures in the f>Id Testament", (Tese doutoral, Andrews
University, Berricn Springs, MI, 1981).
*'- D. A. Hagner, "When the Time Had Fully Come", Dreams, Visiuns and Orneies, eds. C. E.
Amerding and W. W. Gasque (Cirand Rapids, 1977), p. 92.
N1
Veja cm especial C.H.Dood, According to the scriptures (Londres, 1952) p. 126; Kaiser, p. 51-
52.
N4
Archer e Chirichigno , p.147.
HS
Kaiser, p. 53
H
"A citação não reflete exatamente o texto massorético ou no padrão de texto Grego
REFERÊNCIAS

(LXX). Veja Archer e Chirichigno, p. l 57.


« G n 3 5 : 19; 48: 7; Rt 4:11
MH
Gundry, Use of the Old Testament, p. 206.
H9
João 7:41-42; cf. Brown, p. 186
w
Veja as novas provas arqueológicas para o esquema de quatro impérios em G. F.
Rasei, "The four World Empires of Daniel 2 Against Its Near Eastern Environment", JSOT
12(1979): 17-30.
Ul
E. J. Young, Tfie Prot>hecy of Daniel (Grand Rapids, 1979), p. 78.
1)2
J. A. Montgomcry, Daniel, ICC (Edinburfih, 1927), p. 177; U. Smith, Daniel and
Revelíiiimi (Washington, DC, 1924), p. 57; G. M. Price, The Greatest of the Prophets (Nashville,
1955), p. 81; O. Ploger. Daniel, KAT (Guterlrsloh, 1965), p. 53.
"* M. Noth, "The Understanding of History in Old Testament Apocalyptic", em The
Laws in the Pentateuch and Other Stiuites (Filadélfia, 1966), p. 197, escteve que em Daniel 2
eventos terrenos que ocorrem numa sucessão de reinos que substituem um ai' outro; tais
reinos, tomam uma tragetória descendente até a vinda do Reino de Deus sobre a terra que
inesperadamente sucede os reinos humanos para o estabelecimento de um último."
'"Cf. Young, p. 78, et ai.
""J- G. Baldwin, Daniel (Londres, 1978), p. 93.
16
Em anima iça literalmente se lê "como um". Ploger, p. 44, traduz "wic mít einem
Schlage."
1)7
G. F. Hasel, "Resurrection in the Thcology of Old Testament Apocalyptic", ZAW 92
(1980): 267-84.
yt<
L. F. H a r t m a n e A . A. Oi Lella, The Book vf Daniel, AS (1978), p. 250.
304 **»*»•
100
E. Konig, Die Messianischen Weissagungen dês AT (Stuttgart, 1925).
101
Hartman and Di Lella, p. 250.
102
Montgomery, p. 393.
101
K. Marti, Daniel (Leipzig, 1901), p. 73.
l04
B.Duhm, Israek Proptaten, 2a ed. (Tiibingen, 1922), p. 416.
os
Veja no capitulo 4 de G. F. Hasel, para uma avaliação critica das quatro grandes
interpretações de Daniel 9:24-27.
I0fl
Em Daniel 7:17 as quarto bestas são "os quatro reis". Ambas a traduções do grego
antigo (LXX) c do tcodocião, leem-se basileiai ("reinos") que envolveria o aramaico malkfwân
com apenas uma mudança <\e yôd para o wãw\ Vorlage o qual continha "reinos" em vez de "reis"
(meilktn) se eles interpretaram "reis" como "reinos". De qualquer tbrma "die Kônige rcprasentiercn die
Reiche" (O. Ploger, Dos Buch Daniel [Gutcrsloh, 19651. P- 105).
107
H. H. Rowley, Darius the Mede and the Four World Empires in tfu.' Book of Daniel: A
Historiai i Study of Contempormy Theories, 2a ed. (Cardiff, 1964), p. 61-66.
]M
(2 Esdras) 11:1; 12:10-30 (datado de 100 d.C.); Apocalipse de Baruque, cap. 39;
Josephus, Ant. x. xi. 4 (x. 210); x. xi. 7 (x. 276). Ver também Rowley, p. 75, n. 12, para
traduções Rabinicas.
w
O Ircnacous, Contra Hoer. v. xxvi. 1; Hippolytus ín Ante-Niccnc Christion Librtiry, 9:108;
Origen in Migne, p. l, vol. 12, 60; Eusehius, (Dem. Evang. bk. 15 in Ferrar, vol. 2, p. 237), Chrysostom
em Migne, PG. vol. 56, col. 208, 230; Jcrome, em Commendary on Daniel, p. 32, 75; Theodarct cm
Mignc PG, vol. 81, col. 1304, et ai.
110
A concepção comum em tempos modernos é que o .segundo império é o de Medes, o terceiro
é o Persa e o quarto c o de Alexandre e seus sucessores. Essa concepção se tornou relevante no século
19, mas confrountou problemas excgcticos e históricos. Entre os exegéticos está o que Daniel 8:20
identifica o reinado mundial como Medo e Persa, seguido pela Grécia (v. 21). Entre us problemas
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

históricos está o de que o Mecio nunca foi um império, (ver J. C. Whitcomb, Duriws lhe Mede
[Filadélfia, 1963], p. 68-72). Outra concepção moderna, sugerida primeiro por Porphyry, é
de que o segundo império é o Mcdo-Persa, o terceiro é a Grécia de Alexandre e o quarto é a Grécia
dos sucessores de Alexandre, o Grande (Diadochs). A obviedade do problema exegetico está no fato
de que os últimos dois reinos são um único reino chamado Grécia. Isso não pode ser suportado no
contexto histórico onde as quatro seguintes divisões da Grécia, após a morte de Alexandre, formaram
um império mundial separado.
111
Citado em Jerome, p. 77-
112
E.B. Pusey, Daniel the Profrhet (Oxford, 1886), p. l 52-54-
113
Ver Rowley, p. 108-115; Hartman and Di Lella, p. 216.
IM
Seleucus I Nicator (312-281), Antiochus I Soter (281-261), Anriochus I Theos (261-
246), Seleucus 11 Callinicos (246-225), Seleucus III Genuínos (225-223), Antiochus III
the Great (223-187), Seleucus IV Philopater (187-175), Antiochus IV Epiphanes (175-164),
Antiochus V Eupator 064-1 50), etc.
IS
Mc 1:44-59; 4:42-58. No máximo, isso pode representar três anos e oito dias, e não
três anos e meio. Ver B. Reicke, The New Testament Era (Filadélfia, 1968), p. 58.
1(1
Hartman and Di Lella, p. 215: "Se tomada literalmente, essas passagens devem ser
consideradas como genuínas, mas profecias não cumpridas, e não como pjophetiae post
eventum."
117
Ibid.
I1H
l Macabeus 13:41-42.
ny
O ano 142 a.C. foi base para uma nova cronologia ( l Macabeus 13:42). Nesse ano
a isenção de impostos foi alcançada pelos Judeus (l Macabeus 13:39; Joscphus. Ant. xíii.
213). ' 305
20
Reicke, p. 84-90.
121
Essas aplicações para todos os chifres no capítulo 7, um chifre no capítulo 8:5-8, os
quatro chifres no capítulo 8:8 assim como o "pequeno chifre" em 8:9-12 os quais tinham
novamente, mas um cumprimento em Roma, que teve duas fases (pagã e papal).

CAPÍTULO 10
Sem referências.

CAPÍTULO 11
1
Reimpresso com premissão da Adventist Revieu», 6 de junho de 1985, p. 8-9.

CAPÍTULO 12
"The Gospel and the Judgment", em Evangélica, Fevereiro de 1981, p. 7-9 (grifo nosso).
INDEX
Os principais temas da obra Estudos Selecionados em Interpretação Profética (volume l
da série Santuário e Profecias Apocalípticas) estão inclusos neste índex.

Aliança, Sinai (Dn 9:27), 64


fortalecida pelo Messias, Sermão da Montanha, 64-65
Amileníalista, interpretação, cronologia das 70 semanas, 3-4, 6-9
avaliação da, 7-9
diagrama da, 7
interpretação simbólica, números não-literais, 6
Anderson, Sir Robert, 10
Antíoco IV Epifânio, analisadas declarações de sua presença em Daniel, veja vol.
l, cap.2
Artaxerxes I, decreto de (457 a.C.), razões para sua aceitação como data inicial,
30-32, 42-47, 55-58

Cânon ptolemaico, 68
Certeza, e justificação, 242-246
e juízo, 248-251
Comer da carne, ritual sacerdotal do, 129-132
Condicionalidade, princípio da, e profecia apocalíptica, 194-197
aspectos teológicos relevantes à, 197-199
liberdade humana, 198
Palavra de Deus, 199-200
presciência divina, 199
soberania divina, 198-199
conflito com a soberania divina, 189-192
escritos adventistas recentes sobre, 186-188
importância da, 181-185
pouco usado nas predições não relacionadas à aliança, 192
relacionado com mais frequência à aliança com Israel, 189-190
tema da, na profecia, 181-201
Contaminação no Antigo Testamento, critério para a e purificação da, 150-157
ÍNDEX

Cristo, como Salvador e Senhor (dom de Deus/reivindicação de Deus), 261-279


Crítico-histórica, interpretações da, cronologia das 70 semanas, 19-30
gráficos de, Hartman-Di Lella, 23
Lacocque, 22
padrão, 21
avaliação de autores e interpretações importantes, 20-30
contexto da era macabeia, 19-20
impossível de se harmonizar com a história real, 30
interpretação padrão da escola liberal, 20
passagem considerada como não-messiânica e não-profética, 19-20
Cronologia, interpretação da profecia das 70 semanas, 3-38
base para o estabelecimento c. de 27, 31 e 34 d.C., 69-72
base para o estabelecimento c. de 457 a.C., 68-69
Cumprimentos, proféticos, natureza dos, 203-222

Daniel, estrutura literária de, 74-80


Dn 7, exegese de, veja o vol. l, cap. 5
8-9, relações de tempo entre, 72-74
9:24-27, datas de, 68-74
estrutura literária de, 74-77
exegese de, 49-82
teologia de, 80-82
Darby, John Nelson, 9
Dispensacional, futurista, interpretação da cronologia das 70 semanas, 4-5, 9-16
pressuposições da, 11-12
avaliação da, 13-16
característica da Lacuna/"era da igreja", 10
começa com o "decreto" a Neemias, 10
gráfico da, 12
ligadas a Darby, Scofield e Irmãos de Plymouth Brethren, 9
principais expoentes, pontos de vista e problemas da, 10-16
Datas olímpicas, 68-69

Elementos de tempo, sua distribuição na profecia simbólica, 72-73


Estevão (diácono), última mensagem profética aos judeus, 52-54
discurso final em forma de "causa (controvérsia] da aliança" (ríb), 53-54
70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

Estrutura literária, livro de Daniel, gráfico e explicação, 77-79


Dn7,vejavol. 1,66-79
Dn 9:24-27, 74-77; veja vol. 2, 125, 167-169, 171-174
Levítico, livro de, 92-106
Expiação, dia da, relacionado à contaminação/purificação do santuário, 139-176
cerne literário da legislação levítica, 93, 97, 105-106
sua posição endossa o conceito da transferência de pecado ao santuário
foco na culminação do plano de salvação, 117
oferta pelo pecado (Bode do Senhor), comparada com as ofertas pelo peca-
do diárias, 93-94, 108-112
um sacrifício coletivo, 112
relaciona-se apenas aos pecados/impurezas confessados, 116, 124-127
ritos do, pressupõe uma contaminação previa do santuário, 139-140
suscita perguntas com respeito a quando o perdão era concedido, 94-95,
116-117
término do ano litúrgico de Israel, 175-176
vestes sumo sacerdotais e abluçôes duplas, 171-176
"Expiar, para" (Dn 9:24), referência profética à morte do Messias, 52-54
kipper (palavra hebraica), significado religioso da, 83-89
significado em Daniel 9:24, 89 309
Expiação, três grandes períodos de, em Israel, 172-176
gráfico de, 174

Fé, justificação pela, certeza da, 242-248


relação ao juízo segundo as obras, 240-242
Futurismo, interpretação da cronologia das setenta semanas, veja Dispensacionalista

Hatak ("cortado/determinado"), significado de, 73, veja também o vol. 2, 185-186


Hãzôn ("visão"), 72-73
História, compreensão bíblica da, 207
Histórico-messiânica, interpretação da, cronologia das 70 semanas, 30-39
adotada pela maioria dos estudiosos, desde a época crista primitiva em dian-
te, 30-31
argumentos para a aceitação do decreto de Artaxerxes I (457 a.C.) como o
ponto de inicio, 31-32, 39-47, 55-58
ÍNDEX

descrição da, 31-33


esquema perfeito correlação entre profecia e história, 34
gráfico da, 33
objeçòes da, respondidas, 34-35
pontuação (Dn 9:25), massorética, avaliada, 32-33, 58-61
Humanismo, doutrina do santuário oferece alternativa para, 121-137

Iniquidade, levar a, significado de, 128-132

Jerusalém, destruição de, (70 d.C.), referencias proféticas da, 65-67


Juízo pré-advento, 269-271
Juízo investigativo, importância teológica do, 121-137
base bíblica para, 268-271, veja também vol. l, cap. 5
paralelos do, veja vol. í, cap, l
22 de outubro de 1844, verificação de, veja vol. l, cap. 6
310 Juízo, segundo as obras, 240-242, 251-259
conflito com a justificação solucionado, 251-259
e certeza, 247-251
escritos de João sobre, 272-257
importância teologia do, 223-229
investigativo, em Dn 7, veja vol. l, cap. 5
paralelos do, veja vol l, cap. l
pré-advento, 268-271
Justificação pela fé, certeza da, 242-248
Levitico (primeira parte) orientação da, 93, 105-106
relação com o juízo segundo as obras, 237-276
solucionado o conflito com o juízo, 251-259

Kipper ("expiar"), significado de, 83-89


em Dn 9:24, 89

Levitico, livro de, formato de quiasma, 92, 99-104


70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

a forma literária afeta sua teologia, 92-118


conteúdo de, 95-99
gráfico de, 105
observações teológicas de, 106-119
transferência do pecado, 121-137

Mãos, imposição das, significado da, 121, 126-129, 166-168


Mar'eh ("visão"), 72-73
Messias, morte do, clímax da estrutura literária de Daniel, 77-79
ênfase poética da, 76-77
foco central de Dn 9:24-27, 80-82

Obras, juízo pelas, 240-242


Ofertas pelo pecado, diárias e anuais, comparadas, 108-112
oferecidas pelos pecados ou impureza, 97-98
Ofertas pelo pecado/pecados, discussão sobre a tradução correta (Lv 16), 94,
112-117

Papiro elefantino, 68
Pecado, confessado, transferência para o santuário, 107-108, 121-139, 164-170
Pecados, imperdoáveis, 146-149
Perdão, conduz à liberdade, 266-268
significado essencial da justificação, 267
traz renovação, nova criação, 263-264
Perfeição, diferenciada do perfeccionismo, 252-253
Pontuação (Dn 9:25), massorética, 32-33
análise poética elimina a tendência massorética, 58-61
"Príncipe" (Dn 9:24-27), identificação do , 62-63
Princípio día-ano, 7; veja também vol.l, cap. 3-4
Profecia apocalíptica, não condicional, a não ser que esteja relacionada à aliança,
193-197
Profecia, cumprimentos da, 204-208
apocalíptica, 217-222
tem apenas um cumprimento, 221-222
ÍNDEX

escola liberal, negação da, 204-208


predições com declarações de cumprimento, 208-217
exemplos do Antigo Testamento analisados, 209-211
exemplos do Novo Testamento analisados, 211-216
Profecia, princípio condicional, 181-201
aspectos teológicos, relevantes a, 198-199
liberdade humana, 198
Palavra de Deus, 199-200
presciência divina, 200
soberania divina, 199
não relacionada à aliança apocalíptica, não afetada pela, 194-197
relacionada à aliança com Israel, 189-201
"Profeta", não "profecia" (Dn 9:24), implica um sentido coletivo/congregacional,
52-54

Q
Quiasma, veja Estrutura Literária

312 R

Razão, seu relacionamento com a revelação, 238-239

Sacrifícios, natureza paradoxal dos, 161-164


princípio do "intercâmbio substitutivo", 163-164
Sangue, manipulação sacerdotal do, 132-133
função de contaminar/purificar, 160-162
pontos de vista do Antigo Testamento e do Novo Testamento, cuidado ao
se comparar os, 175-176
Santificação, segunda metade de Levítico baseada na, 93, 105-106
Santuário, contaminação do, "legal" e "ilegal", 123-127, 139-158
celestial, inaugurado próximo ao término da profecia das 70 semanas, 54-55
doutrina do, alternativa ao humanismo, 231-235
purificação do, 159-178
o povo purificado indiretamente, 110
Scofield, C. I., e Bíblia de Referência, 9
Setenta semanas (Dn 9), avaliação dos "decretos" propostos como datas para o
começo, 30-32, 39-47, 55-59
70 SKMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA

edito de Artaxerxes I (a Esdras), 42-43


Reconstrução de Jerusalém, compreendida (Esdras 4), 43-45
edito de Ciro, 41
edito de Dario I, 41-42
permissão de Artaxerxes I (a Neemias), para reconstruir Jerusalém, 45-46
Setenta semanas (Dn 9), interpretações cronológicas das, 3-38
amilenial, 3-4, 6-7
crítico-histórica, 17-18, 19-29
futurista-dispensacionalista, 4-5, 9-16
messiânicohistórica, 18-19, 30-38
Setenta semanas (Dn 9), tradução ("semanas" ou "setes"), veja vol. l, 49-50
Sumo sacerdotal, vestes, ablução dupla, no Dia da Expiação, 171-197

Tabletes cuneiformes babilónicos, 68


Teologia, de Dn 9:24-27, 80-82
deLevítico, 105-118
Transferência do pecado, ao santuário, 93, 106-108, 121-137
ele contamina um "sacrifício santo"? 134-136

"Ungir o Santo dos Santos" (Dn 9:24), consagração do santuário celestial, 54-55

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