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Um porto seguro ao catolicismo: Fuja da Cracolândia de internet

Inicialmente devo confessar que havia desistido de escrever esse artigo. Ao me deparar com
um artigo do Dr. Evandro Pontes com o título similar que este aqui carrega, fui tomado por
uma vontade repentina a dar uma resposta.

Não por conta de qualquer animosidade com o Evandro, pessoa que admiro bastante por suas
posições políticas e na sua firmeza de caráter em querer reafirmar seus valores, mas em
defesa de pessoas que sabia que seriam afetadas pelo referido artigo e que, embora não
fossem citadas, seriam imediatamente associadas ao texto e a prática condenada pelo autor
do texto.

Entretanto, ao pensar melhor resolvi deixar de lado devido a tamanha dor de cabeça que isso
me traria. Seja com possíveis réplicas ou com pessoas de baixa noção e senso do ridículo que
viriam encher a minha paciência. Porém, hoje mesmo, dia 16 de novembro, resolvi novamente
escrevê-lo não somente pela defesa das pessoas que eventualmente seriam injustiçadas, mas
em defesa do próprio Jesus Cristo.

Esse ímpeto surgiu em mim quando ao ler a autobiografia do Venerável Fulton Sheen me
deparei com o capítulo: O evangelho eletrônico. Nele o cardeal relata toda a sua experiência
de evangelização em meio as redes de áudio e televisão dos Estados Unidos da América e o
quanto aquilo foi benéfico a muitas pessoas.

Portanto, deixo avisado: respondo ao artigo do Evandro Pontes, dando-lhe um ponto de vista
diverso e fazendo uma breve correção a muitos termos empregados que estão errados ou
deslocados da realidade.

Vou dividir a argumentação em vários pontos que captei ao longo do artigo e que considero
tremendamente problemáticos.

Ponto 1: A evangelização de massa pelas redes é realmente obra do CVII


e de uma Igreja “modernista”?
O autor do artigo já inicia sua fala citando que utilizar as redes sociais para evangelizar é algo
próprio de uma igreja conciliar, perdida e problemática. Inclusive apelida o fenômeno a ser
comentado de “inter mirifica 2.0”, fazendo alusão a uma publicação de Paulo VI que tratava o
fenômeno das redes e televisão como um possível meio de evangelização e também da sua
problemática voltada a moral da programação, legislação, dentre outros assuntos que são
abordados.

Acontece que esse ponto é absurdamente errado, creio eu que por falta de conhecimento
histórico. A inter mirifica não é o primeiro documento utilizado para tratar desse tema (e de
forma positiva). Já no papado de Pio XII existia um documento chamado “Miranda Prorsus”
que vai abordar a situação da televisão, do cinema e do rádio.

O autor cita o ponto 1 da inter mirifica e de imediato diz: falso. Faz toda uma elaboração
histórica a respeito do uso da prensa de guttemberg como meio de evangelização de massa
criado inicialmente por protestantes. Isso é verdadeiro, inclusive Lutero se aproveitava desse
meio de massa não somente para evangelizar como para realizar difamações a respeito do
papado e da Igreja.
O problema é que a prensa pode realmente ter sido criada com esse propósito maléfico de
início. Normal, num mundo em que o catolicismo já havia perdido o domínio da sociedade e a
cultura começava a dar sinais de se “descristianizar”. Entretanto, a Igreja nunca foi contra
práticas utilizadas por seus inimigos e adversários desde que essas práticas pudessem ser
convertidas em favor das suas necessidades, atribuir o mal a um objeto em si e não ao seu
mau uso (como nos ensina Santo Agostinho e a própria Igreja) é fruto de uma cosmovisão
gnóstica. A gnose, em especial com os maniqueístas dentre outros, é que possui a mania de
observar o mal sendo realizado por meio de uma atividade e tendem a castrar qualquer
possibilidade positiva para aquele objeto em si, a doutrina católica ensina que o mal não
possui uma existência ele é a corrupção de um bem: sendo assim, o mal uso da prensa é a
corrupção de algo que pode/poderia ser bem utilizado para a evangelização ou outros fins
menos nobres.

Mas partindo do primeiro argumento do autor ele simplesmente diz: "A Igreja verdadeira, anti-
vaticanista e pré-conciliar, tinha apenas três meios de ‘atingir as multidões’: o Santo Sacrifício,
a Catequese e os Seminários."

Isso aqui tem uma sério de erros:

Primeiro que desde Pio XII se comenta sobre a necessidade de se utilizar os meios de
comunicação de massa para evangelização. Vamos analisar aqui agora alguns pontos da sua
encíclica: Miranda prorsus. O papa começa sua encíclica dizendo:

“A Igreja, depositária da doutrina da salvação e dos meios de santificar, goza do direito


inalienável de transmitir as riquezas que lhe foram confiadas por disposição divina. A tal
direito corresponde, por parte dos poderes públicos, o dever de lhe tornar possível o emprego
das técnicas de difusão.

Os fiéis, conhecedores do inestimável dom da Redenção, não se devem poupar a esforços a


fim de a Igreja poder servir-se das invenções técnicas e usá-las para a santificação das almas.
Ao afirmar os direitos da Igreja, não queremos negar à sociedade civil o direito de difundir as
notícias e informações que são necessárias ou úteis para o bem comum da mesma sociedade.

Segundo as oportunidades e salvas as exigências do bem comum, deverá também ser


garantida aos particulares a possibilidade de contribuírem para o enriquecimento espiritual do
próximo servindo-se das técnicas existentes.”

Miranda prorsus, Pio XII, obs: Sem citação de número pois o próprio documento no site do
vaticano não possui essa organização dividida em números.

Pois bem, observamos pelos trechos citados que é um DIREITO inalienável da Igreja transmitir
as riquezas que lhe foram confiadas por disposição divina. Essas riquezas dizem respeito,
obviamente, a emissão de informações, ensino da doutrina, catequeses, etc. Em seguida ela
convoca “Os fiéis” e especifica: Conhecedores do inestimável dom da Redenção. A mensagem
se dirige não somente a todos os fiéis, mas em especial aqueles que possuem o dom de
evangelizar e ensinar. Esses fiéis não devem poupar esforços para poder servir-se das
invenções técnicas: Como esse é um documento voltado inteiramente ao uso dos meios de
comunicação de massa as técnicas aqui citadas são justamente: o rádio, a televisão, o cinema e
qualquer técnica que se assemelhe em função.

Em seguida, Pio XII continua (lembrando que o trecho anterior foi somente a introdução):
“Entre as várias técnicas de difusão, lugar de particular importância ocupam hoje – como
dissemos no princípio deste documento – as técnicas chamadas ‘audivisivas’, que permitem
comunicar mensagens em vasta escala por meio da imagem e do som.

Tal forma de transmissão dos valores espirituais é perfeitamente conforme à natureza do


homem: ‘É natural ao homem chegar às coisas inteligíveis pelas sensíveis: porque todo o
nosso conhecimento tem começo nos sentidos’, [24] E o sentido da vista, sendo mais nobre e
mais digno que os outros, [25] leva com maior facilidade ao conhecimento das realidades
espirituais.

As três principais técnicas audivisivas de difusão – o cinema, a rádio e a televisão – não são,
pois, simples meio de recreio e distracção (ainda que grande parte dos ouvintes e espectadores
as consideram principalmente sob este aspecto) mas constituem verdadeira e própria
transmissão de valores humanos sobretudo espirituais, e podem constituir, portanto, nova e
eficaz forma de promover a cultura no seio da sociedade moderna.

Sob certos aspectos mais que o livro, oferecem as técnicas audivisivas possibilidade de
colaboração e de permuta espiritual, e promovem certa uniformidade de civilização entre todos
os povos do globo; perspectiva muito agradável à Igreja, pois, sendo universal, deseja a união
de todos na posse comum dos valores autênticos.

Para realizarem tão alta finalidade, o cinema, a rádio e a televisão devem servir a verdade e o
bem.”

Miranda prorsus

Nos trechos marcados e em todo o texto fica claro que as técnicas audiovisuais podem ser
essenciais para o uso do evangelho e não somente isso: o papa deixa claro que essa deve ser a
sua principal finalidade e não um mero meio de distração pessoal. O último trecho grifado é
ainda essencial, pois o centro do argumento do autor do artigo é que “A formação em livros e
mais individual é melhor e essencial que os cursos, etc”. O que é esmagadoramente falso. Eu
sou entusiasta de que as pessoas leiam e estudem, entretanto, muitas pessoas, por questões
pedagógicas, abraçarão melhor os conteúdos dos livros quando possuírem alguém ensinando,
falando, explicando; aliás, muitos leitores são formados assim: primeiro veem e ouvem aulas,
podcasts e depois partem para a leitura. No final deste artigo irei comentar também como
essa idéia de formação intimista e baseada na leitura é ela mesma criação dos autores da
prensa de guttemberg (que o autor critica) e também a morte da própria religião católica.

Em seguida, Pio XII comenta mais uma vez:

“O mesmo se pode dizer e com mais razão do ensino, ao qual o filme didáctico, a rádio e mais
ainda a televisão escolar, oferecem possibilidades novas e inesperadas, e não só para os
jovens, mas também para os adultos. Todavia a utilização no ensino destas novas e
prometedoras técnicas, não deve opor-se aos imprescritíveis direitos da Igreja e da família no
campo da educação da juventude.

Em especial ousamos esperar que as técnicas de difusão, -quer estejam nas mãos do Estado,
quer se encontrem confiadas à iniciativa particular – não se venham nunca a tornar
responsáveis dum ensino sem Deus.

Bem sabemos infelizmente que em certas nações, dominadas pelo comunismo ateu, se usam
até nas escolas os meios audivisivos para propaganda contra a religião. Estas formas de
opressão das consciências juvenis, que se privam da verdade divina, libertadora dos espíritos,
[28] são um dos aspectos mais ignóbeis da perseguição religiosa.”

Miranda prorsus

O principal ponto desse texto é que o Papa faz questão de ressaltar que o problema não é o
uso das técnicas em si, mas do mau uso delas. O mau uso consiste exclusivamente no ensino
irreligioso em ambientes que são utilizados somente para criticar a religião, a fé, a devoção e
não abre espaço para que se possa falar a sobre Deus.

As redes sociais como meio de difusão de informações carecem de pessoas que realizem isso,
que possam soar como vozes dissonantes do discurso comum e possam em alguma medida
ensinar sobre Deus a quem quase nunca possui tempo de pensar nEle. Deixar esse espaço
vazio, negligenciá-lo e criticar quem está fazendo um bom trabalho é ajudar o mal ainda que se
possua nobres intenções, estas que simplesmente lotam o inferno.

Há ainda um outro ponto no argumento do autor que é o seguinte: “Logo, o papel de um


sacerdote, obviamente, deveria ser o do homem que afasta o seu rebanho da frente da nociva
influência da tela da televisão, assim como, noutros tempos, o fazia para afastar os homens
dos teatros de revista, dos bordeis e das boates.”

A questão é que em nenhum momento quando a Inter mirifica elogia os meios de


comunicação ela se dedica a elogiar esse tipo de má influência. Inclusive, parece que o próprio
autor não leu a inter mirifica, pois ela mesma possui no SEGUNDO PARÁGRAFO do seu texto a
seguinte recomendação:

“Relação com a ordem moral

2. A mãe Igreja sabe que estes meios, rectamente utilizados, prestam ajuda valiosa ao género
humano, enquanto contribuem eficazmente para recrear e cultivar os espíritos e para
propagar e firmar o reino de Deus; sabe também que os homens podem utilizar tais meios
contra o desígnio do Criador e convertê-los em meios da sua própria ruína; mais ainda, sente
uma maternal angústia pelos danos que, com o seu mau uso, se têm infligido, com
demasiada frequência, à sociedade humana.

Em face disto, o sagrado Concílio, acolhendo a vigilante preocupação de Pontífices e Bispos em


matéria de tanta importância, considera seu dever ocupar-se das principais questões
respeitantes aos meios de comunicação social. Confia, além disso, em que a sua doutrina e
disciplina, assim apresentadas, aproveitarão não só ao bem dos cristãos, mas também ao
progresso de toda a sociedade humana.”

Inter mirifica, 2

A inter mirifica não foi escrita para defender os meios de comunicação, nem tampouco foi
feita para empurrar os fiéis para os meios de comunicação duvidosos, mas é um apelo e um
lançar luzes a realidade dos meios de comunicação. Numa Igreja com quase 2 bilhões de
batizados, pessoas que não vão deixar de ter acesso a esses meios, é preciso orientar, ensinar
e fazer com que se saiba como utilizá-los corretamente. Os trechos grafados são claríssimos.
Um detalhe: eles são apenas o segundo parágrafo do texto, há todo um capítulo dedicado
unicamente a moralidade nesse meio.

Um outro ponto interessante é que o Autor diz que essa prática do uso das redes como forma
de atingir a massa foi algo pós conciliar, que a "A Igreja verdadeira, anti-vaticanista e pré-
conciliar, tinha apenas três meios de “atingir as multidões”: o Santo Sacrifício, a Catequese e
os Seminários." Será mesmo? Já mostramos pelo artigo de Pio XII que isso não é verdade,
desde aquela época já existia um movimento de buscar as redes de massa em favor da
evangelização, mas nós podemos voltar mais ainda no tempo...

O próprio Fulton Sheen, bispo e cardeal da Igreja, já ensinava na televisão americana, inclusive
competindo com Frank Sinatra em audiência. Começou esse ofício em 1928 conforme ele
mesmo relata na sua auto biografia “Tesouro em barro”:

“Comecei a apresentar meus programas no ano de 1928, quando fui convidado pelos Padres
Paulistas de Nova Iorque, para proferir uma série de sermões na Igreja, e esses sermões eram
irradiados pela estação WLWL, na época bastante popular” SHEEN, Fulton; Tesouro em barro,
Cap VI, p.79, Ed. Molokai

Um detalhe importante é que Fulton Sheen ficou famoso por isso, utilizou de sua fama para
arrecadar milhões em favor das missões na áfrica, ásia e Oceania. Se hoje temos uma Igreja
pujante na África é graças ao auxílio dele (não unicamente, óbvio) que conseguia doações e
doava o próprio salário (ele era contratado pela TV) para financiar essa operação. É um
exemplo perfeito, claro e evidente do bom uso das redes e ainda mais: movimentando milhões
de dólares por ano.

Ponto 2: A Igreja realmente só se utilizava do Santo Sacrifício, da


Catequese e dos Seminários para atingir a massa?
Esse argumento se mostra imparcial e falso.

É falso porque não compete aos seminários a comunicação às massas. Os seminários nunca
tiveram essa finalidade. Sua finalidade sempre foi a de reformar, informar e instruir os
"quadros clericais da Igreja", tal como podemos ler nesse trecho de um artigo citado pelo IVE:

"A finalidade desta casa de formação, não é outra que formar os futuros sacerdotes [1]
segundo o Coração de Jesus. Deve o Seminário maior se ocupar de que os futuros sacerdotes
estejam devidamente preparados, pondo todos os meios para que “se formem verdadeiros
pastores das almas a exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, Mestre, Sacerdote e Pastor” [2] ."

[1] Cf. Exortação Apostólica pós-sinodal sobre a formação dos sacerdotes na situação atual
Pastores Dabo Vobis, 25 de março de 1992.

[2] Decreto sobre a formação sacerdotal Optatam Totius, 1965, 4

A catequese também não é um meio de "Atingir as multidões". A palavra catequese vem da


palavra grega katēcheō que significa simplesmente ensinar ou instruir. Que instrução?
Primeiramente a instrução formal familiar, onde os pais devem evangelizar e ensinar os
primeiros princípios da Igreja para os filhos.

Em seguida, os ambientes de catequese recebiam os filhos já introduzidos na fé e buscavam


aprofundar o sentido da religião já ensinado anteriormente. Sendo assim, catequese é algo
voltado para convertidos e não para as multidões.

Para finalizar: O santo sacrifício JAMAIS foi utilizado como "meio para se chegar as multidões".
Isso é simplesmente a afirmação inocente de quem acha que "missa evangeliza", sendo que na
história de toda a Igreja a missa sempre foi dividida entre a missa dos CATECÚMENOS e a
missa dos FIÉIS. Sendo a primeira missa reservada para aqueles que ainda não haviam sido
evangelizados (ou seja: a "massa" que nem tão massa era já que possuíam algum interesse
prévio na missa) e depois a segunda era a missa daqueles já batizados e já confirmados (a
crisma era ministrada juntamente com o batismo).

Sempre foi assim em TODA a história da Igreja. O autor se diz anti conciliar, mas utiliza de um
conceito e visão pós conciliar para dar a sua visão da funcionalidade da missa. A noção de que
missa possui alguma finalidade evangelizadora e missionária é o que tem arruinado as missas
no país inteiro, transformando muitas delas em “showmissas”, os abusos litúrgicos proliferam
porque os sacerdotes e leigos responsáveis pela missa simplesmente pensam que “precisam
torná-la atrativa para os não convertidos”. Usar isso como argumento é o suicídio moral e
espiritual de toda a Igreja Católica.

Aliás, até mesmo pós conciliar podemos afirmar, pois Paulo VI já dizia na sua exortação
apostólica “EVANGELII NUNTIANDI” que a Igreja evangeliza para somente aí levar a Eucaristia.

“a totalidade da evangelização [...] consiste em implantar a Igreja, a qual não existe sem esta
respiração, que é a vida sacramental a culminar na Eucaristia" Paulo VI, Exortação Apostólica
"Evangelii Nuntiandi", n. 28

Sendo assim, o santo sacrifício não deve ser visto como elemento evangelizador de massa, mas
como aprofundamento da fé.

Ponto 3: O que é simonia?


O autor então abandona o ponto do anúncio do evangelho e lança seu segundo argumento: A
simonia. Ele começa dizendo assim:

"O sacerdote vocacionado é chamado por Deus para passar aos homens a Sua palavra para a
salvação de todas as almas que queiram e precisem ouvir, sem custo, nem juros ou descontos
neste mundo. Quando Deus disse Ide ao Mundo e ensinai aos povos todos, não se extrai dai
‘com descontos imperdíveis’ ou ‘em especial no Black November’. Logo: Ide ao Mundo e
ensinai aos povos... de graça, por óbvio! Não à toa, a providência da Igreja trata logo no
Cânone seguinte do Latrão IV, o de número 67, sobre o reprovável hábito da usura, logo
depois de tratar no 66 sobre a relação entre simonia e avareza. A esta altura o leitor já pescou
o que é de fato simonia: é o hábito de mercantilizar a palavra de Deus, cobrar pelo singelo
serviço de “transmitir ao fiel aquilo que se recebe da Santa Igreja, em seu Magistério vi vo,
em sua Tradição de dois mil anos e na vida de seus santos e santas”. Igualmente cobrar (além
do mínimo razoável para os custos módicos incorridos pela paróquia para sua higiene e
reposição de insumos) por outros sacramentos, como Batismo, Casamento ou Confirmação,
seja anátema."

Aqui há uma série de erros. O principal: A definição de simonia. A definição que ele traz até no
mesmo texto simplesmente contradiz o incômodo que o autor relata.

O Catecismo de São Pedro Canísio, portanto, pré conciliar, assim define a simonia:

“368. Quando se comete o pecado de simonia ou usura espiritual?

Comete-se o pecado de simonia ou usura espiritual, quando se compram ou vendem objetos


sagrados, cargos eclesiásticos e cousas semelhantes, por dinheiro ou cousa temporal
equivalente, como Simão Mago o queria fazer. (At. Apóst. VIII)

A Igreja pune este pecado com os mais duros castigos e também com a excomunhão.”
Entenda-se por objetos sagrados aqueles objetos que são associados a coisas sagradas:
Relíquias, água benta, etc.

Simonia sempre foi entendida como a venda de GRAÇAS essenciais para a salvação da alma.
Eu não duvido que alguns marqueteiros possam utilizar algum discurso assim, entretanto, se
você observar a realidade: a venda de um curso ou até a aplicação de descontos não implicam
em si mesmo o pecado da simonia.

Um curso não é uma graça santificante. Segundo o próprio catecismo a graça santificante se
dá por meio dos sacramentos, por isso, a proibição da simonia (dada pelo próprio autor no seu
texto) passa pela venda da ordenação ou ministrar algum SACRAMENTO. Veja, Catecismo de
São Pio X:

“533) Como nos comunica Deus a graça?

Deus nos comunica a graça principalmente por meio dos santos Sacramentos.

534) Além da graça santificante, conferem-nos os Sacramentos mais outra graça?

Os Sacramentos, além da graça santificante, conferem também a graça sacramental.”

Um curso de formação na internet pode ser bom ou ruim, mas precisa ser muito idiota para
achar que ele corresponde a graça e a salvação. Nenhum desses conteúdos vendidos são
essenciais a salvação de quem quer que seja. Pode-se passar despercebido por eles sem ter
nenhum prejuízo a sua salvação.

Se um curso promete que a pessoa será santa aí sim eu estou de acordo com o autor. Se ele
simplesmente sugere ajudar na fé, tornar a fé mais firme, dar um firme e sólido conhecimento,
é outra coisa. A fé enquanto dom sobrenatural pode ser auxiliado pela razão, mas a razão em
si não é a fé. A fé é um dom sobrenatural que só se consegue por meio da oração. Os cursos,
em geral, são cursos de TEOLOGIA e catequese avançada para ajudar e fortalecer a formação
dos fiéis que em sua grande maioria estão desprovidos de pastores que possam lhe auxiliar,
utilizar o meio de comunicação em massa para disseminar esses conteúdos e cobrar pelos seus
custos (que são altos) é mais do que justo.

Em seguida o mesmo autor diz:

"Já, cobrar por Confissão, Indulgência ou Penitência, valor que seja travestido ou não de
“Orientação” ou “Direção Espiritual” é de fato um ato ignominioso (para dizer o mínimo do
mínimo de forma respeitosa). Piora o opróbio em questão se a cobrança é parcelada ou “com
desconto à vista” (truque farisaico dos mais antigos para se esconder a cobrança embutida de
juros para quem não pode pagar “à vista”)."

Acontece que DIREÇÃO e ORIENTAÇÃO não são elementos da graça santificante, o que não
incorre em SIMONIA. Entretanto, um sacerdote cobrar por isso seria realmente tosco o que eu
me pergunto: que tipo de sacerdote o autor anda observando?

No meu entorno os bons sacerdotes da Santa Igreja não cobram e jamais cobrariam por isso e
aqui não tenho medo de citar nomes: Padre Paulo Ricardo, Padre Françoá, Padre Leonardo
Wagner, etc.

E ele continua:
"A simonia não é, entretanto, um sacrilégio recente ou que vem de Latrão IV: o problema está
em Atos, Capítulo 8, versículos 18 a 24, quando Simão, o Mago, vendo que “se dava o Espírito
Santo por meio da imposição das mãos dos apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: Dai-me
também este poder, para que todo aquele a quem impuser as mãos receba o Espírito Santo”,
ao que São Pedro retorquiu: “Maldito seja o teu dinheiro e tu também, se julgas poder
comprar o dom de Deus com dinheiro!”. Nascia ali o conceito de simonia, em referência a esse
Simão, o Mago, que quis comprar a Tradição."

O que o autor, talvez desprovido da habilidade de entender e manejar as escrituras, não


entendeu é que Simão não quis comprar "Tradição". A Tradição é ORAL, o que ele quis
comprar foi a ORDENAÇÃO.

Vejamos de novo o texto e coloquemos foco no caso de simão:

"ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: Dai-me também este poder, para que todo aquele a quem
impuser as mãos receba o Espírito Santo."

Simão oferece dinheiro não para receber algum conhecimento ou informação adicional. Simão
oferece dinheiro para receber o poder, o dom, a capacidade divina de crismar pessoas (A
imposição de mãos dos apóstolos, futuros bispos, é o sacramento do Crisma onde os bispos
repetem o mesmo gesto a fim de fornecer ao fiel os dons do Espírito Santo).

Portanto, Simonia é a venda de DONS e GRAÇAS DIVINAS algo que um mero curso online é
incapaz de fornecer. Se o discurso do autor fosse orientado ao mau caráter de alguns
marqueteiros que, na ânsia de querer vender muito, podem se utilizar de discurso dúbio na
construção dos criativos eu entenderia perfeitamente, mas atribuir o problema aos cursos em
si (que ajudam muitas pessoas) não faz sentido.

Ponto 4: O estudo solitário – A MORTE DA RELIGIÃO


O ponto fundamental, talvez o coroamento de tudo que pode ser praticamente tido como
besteira vem agora. O autor se utiliza de um argumento que foi criado inteiramente por
protestantes, um modus operandi totalmente protestante: A mera leitura (claro que com os
sacramentos também) e o estudo individual. Sabe quantos dos grande s santos e doutores
medievais/patrísticos estudaram individualmente? ZERO. NENHUM. Aqui eu não quero que o
espertinho simplesmente utilize o argumento idiota de que “todo estudo é individual, pois
ninguém pode estudar por mim”, é óbvio que tenho ciência disso, o problema é que toda a
base sólida e intelectual católica foi construída em cima de cursos, pessoas estudando em
conjunto, etc. Explico logo em seguida, por ora, vamos observar o próximo argumento do
autor:

"Desfaçamos então essa tolice de que entender o catolicismo é complicado ou que seu estudo
solitário pode levar o fiel ao Inferno por erro ou perdição – quem vai na Missa ao menos todo
domingo e estuda regularmente os livros que sua paróquia recomenda, nunca vai se perder.
Mente quem diz o inverso."

Sim. O estudo solitário pode trazer problemas. Como o próprio autor ao estudar
solitariamente imputa vários sacerdotes e leigos a um pecado gravíssimo, cometendo erros
sérios de análise e também o famoso pecado de Juízo temerário. Nesse caso, creio mais na sua
ignorância a respeito do tema (por ser recém convertido) do que na maldade em si.
Entretanto, essa visão desse parágrafo é o que levou a Igreja inteira para o abismo em que se
encontra. A formação católica sempre foi feita em grupos e comunidades. No começo da
cristandade, logo após as perseguições, era comum a reunião em mosteiros para que se
pudesse estudar e conversar sobre a doutrina. Grandes homens da Cristandade se formaram
assim: São Bernardo de Claraval é um dos maiores exemplos.

Logo em seguida essas reuniões em mosteiros se transformaram nas chamadas Escolas


Catedrais. As escolas catedrais eram baseadas numa Igreja e em comunidade s locais capazes
de disseminar conhecimento das artes liberais ou da religião. Para conhecer mais esse assunto
sugiro a leitura de dois livros: “A Inveja dos Anjos” e “O amor as letras e o desejo de Deus”.

As escolas catedrais deram origem as universidades. Estas foram perdidas com a secularização
do Ocidente, mas a Igreja não desistiu: Por meio de São Pio X começou a construir as escolas
de formação. Nessas escolas se ensinava catecismo, a oração, etc. O incentivo do ensino
comunitário era tão forte que o próprio São Pio X dizia: entre construir uma Igreja e uma
escola dê preferência para a construção de uma escola.

Dizer que o "ensino solitário" meramente orientado por uma paróquia ( num mundo dominado
pela TL e pelo modernismo onde os bons padres são inacessíveis) é estar INTEIRAMENTE
deslocado da realidade da Igreja, da crise que ela enfrenta e dos problemas que os fiéis
passam.

Eu já recebi pessoas que passaram DOIS ANOS esperando por UM batismo de uma criança.
Você acha mesmo que essas pessoas vão encontrar uma paróquia para receber essa formação
solitária?

Tal argumento também desconsidera as diversas potencialidades que há na Igreja. Ao


descrever a Igreja enquanto CORPO o apóstolo São Paulo atenta para esse fato: Somos muitos,
cada um com dons diferentes e todos se complementam (I Cor 1-12). Uns não terão dom de
sabedoria e precisarão ser ajudados para aprender e compreender a doutrina. Isso é
referendado pelo primeiro ponto que abordamos na carta Miranda prorsus de Pio XII onde ele
convoca integralmente os “fiéis conhecedores do inestimável dom da redenção”.

Agora, por que esse ponto fala da “morte da religião”? Por conta do próximo argumento que o
autor coloca:

"De forma geral, o catolicismo é bastante simples: basta você conhecer 10 regras, 4 virtudes
cardinais, 3 virtudes teologais e 7 pecados capitais, que você saberá bem sobre catolicismo,
mais até do que muito sacerdote conciliar."

Isso aqui é literalmente a morte da religião. A religião está sendo ensinada como mera
"informação", medo conteúdo. Aqui eu repito o Grande Tomás de Kempis no seu "Imitação de
Cristo": Prefiro viver a contrição a saber defini-la.

O catolicismo não é a religião dos livros. Isso é influência protestante, inclusive. A Igreja viveu
1500 anos com pouquíssimos livros em seu acervo e mesmo assim produziu multidões de
santos. Aqui eu não estou querendo ser “anti intelectualista”, reconheço a miséria que isso é
no catolicismo brasileiro, entretanto, não podemos ir com sede ao pote nos livros esquecendo
o centro da nossa própria religião.

O catolicismo é a religião de uma Pessoa. A forma viva da religião católica não é apenas
conhecer conceitos de determinadas questões espirituais, mas vivificá-los na sua vida: A letra
mata e o espírito fornece vida (II Cor, 3). A religião morta é transmitida apenas por conceitos,
livros e doutrinas. Uma religião viva se faz nos santos e nas pessoas piedosas que pertencem a
ela. Pode observar: Todos os santos tiveram contato com outros santos ou grandes mestres
espirituais. Isso não é coincidência. Meu conselho é: estude, mas visite mosteiros, frequente
bons lugares religiosos e conheça pessoas santas ainda em vida, isso sim é o catolicismo, é a
universalidade do próprio ensino.

O abade da trapa Dom Chautard, autor do livro “A alma de todo apostolado” nos relembra
esse fato sobre a crise de fé que assolava e ainda assola a Igreja:

"Nunca se pregou, discutiu e escreveu tanto sábios tratados de apologética como em nossos
dias e, por outro lado, nunca, pelo menos se considerarmos a massa dos fiéis, a fé foi tão
pouco viva. Muitas vezes, aqueles que têm a missão de ensinar veem no ato de fé um mero
ato da inteligência, quando, na verdade ele depende também da vontade. Eles se esquecem de
que o crer é um dom sobrenatural e de que há um abismo entre a percepção dos motivos para
crer e o ato definitivo de fé, Só Deus e a boa vontade daquele que é ensinado conseguem
preencher esse abismo; mas o que também pode ajudar muito nesse sentido é o reflexo da luz
divina produzido pela santidade daquele que ensina."

A alma de todo apostolado, Dom Chautard, p.114

Essa citação feita por um grande abade da Trapa é pré conciliar, inclusive muitíssimo
recomendado e elogiado pelo papa São Pio X. Mostrando que grandes homens em odor de
santidade percebiam que o problema da falta de fé estava ligado não a falta de conhecimento,
mas a falta de oração, boa vivência sacramental, conhecimento do que é a piedade. Só na
cabeça do autor que o catolicismo pré conciliar era uma máquina de formação livresca e
intimista.

Para deixar tudo ainda mais complicado o autor dá o conselho mais contraditório com o
espírito de todo o seu texto. No mesmo texto ele disse que a igreja pós conciliar traz
problemas, mas em seguida afirma o seguinte:

"Minha recomendação: largue agora essa hora de “curso online” aí e vá diariamente para o
Santo Sacrifício mais próximo de sua casa. Use esse recurso e ajude a paróquia mais próxima
da sua casa."

Passou o tempo todo falando de uma igreja pré conciliar e de sacerdotes pós conciliares que
estão praticando simonia ou sendo negligentes com a formação do povo para no final...
Orientar as pessoas a frequentar qualquer paróquia e qualquer sacerdote pós conciliar. Faz
sentido isso?

A realidade da Igreja hoje é que a pessoa entra numa Igreja e não tem uma homilia, mas um
showmicio do PT. Ou então vai se confessar e o padre diz a ela que "Masturbação não é
pecado". Ou faz como foi comigo na "paróquia mais acessível": Cheguei 1 hora mais cedo para
me confessar, o sacerdote chega faltando 10 minutos para o fim do horário e diz: Não vou
confessar ninguém pois irei chupar geladinho.

Não faz o menor sentido, a não ser que você esteja viajando na maionese e longe da realidade
de 99% dos fiéis católicos, orientar algo assim enquanto fala de crise da Igreja, numa igreja pós
e pré conciliar. Tal orientação com argumentos que são contraditórios em todo o texto
simplesmente mostram a confusão que o autor fez com um problema real, outro teórico e
uma situação pastoral.
O problema real é a má formação dos sacerdotes. O teórico é o suposto uso de simonia com
sacerdotes em redes sociais e o pastoral é simplesmente a falta de bons padres formados para
atender ao povo de Deus. Qualquer pessoa que já frequentou 5 a 10 paróquias diferentes
percebe esse problema.

Corrigindo, a minha sugestão é: Procure por bons padres. Padres que possam te auxiliar.
Padres que se você for parar numa UTI ou se um parente seu precisar da Unção dos enfermos
você vai poder contar com a sua presença e disponibilidade imediata. Essa é a trágica situação
que passamos, estar ciente dela é necessário para sobreviver espiritualmente nesses tempos
tão confusos.

Ponto 5: Conclusão
Quero terminar esse texto dizendo que meu objetivo aqui não é corrigir o autor ou acusá-lo de
“heresia” ou qualquer coisa, não sou autoridade eclesiástica. O meu objetivo é seguir o
princípio básico da correção fraterna de abrir um diálogo diretamente com um batizado, que
participa do mesmo corpo místico de cristo e oferecer a ele uma outra perspectiva em face dos
argumentos ali expostos.

Além disso, em admiração a muitos sacerdotes que poderiam/podem estar enquadrados em


todo esse texto eu não poderia permitir que fosse cometida uma injustiça contra eles, apesar
do autor não citar nominalmente ninguém a audiência facilmente associaria ali os sacerdotes
que estariam cometendo “simonia” (como já está ocorrendo na Cracolândia da internet). Sou
tremendamente leal e respeitoso ao Padre Paulo Ricardo, Padre Leonardo e muitos outros que
contribuíram e contribuem diretamente na minha formação com seus cursos online e que
possuem todo direito de vendê-los e fazer a promoção que quiser desde que não ameacem (e
eu nunca vi, confesso) os fiéis a "perderem sua salvação".

Explico aqui também que o termo “cracolândia da internet” se refere ao esgoto virtual que
orbita em situações e textos assim, usando-os não para a edificação pessoal mas para o mero
destilar de rancor, inveja ou ingratidão, ou seja, vocês que nunca foram ajudar uma paróquia
de verdade, que são solteiros ou jovens amancebados, sem responsabilidade e que a vida
consiste apenas em fazer peso na terra sem nenhuma utilidade para a Igreja.

Espero que o texto possa esclarecer e ajudar a entender melhor os termos técnicos
empregados e evitar confusões. Pois, a medida que os inimigos de Deus crescem precisamos
nos unir para juntos podermos enfrentá-los ou estarmos dispostos a suportar a coroa do
martírio.

Que Deus nos ajude.

Para os que não me conhecem: Esse texto é assinado por Yuri dos Anjos, pai de um filho,
marido, catequista a mais de 7 anos, criador do História Católica (@histcath) e da comunidade
Daedalos.

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