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Conversão de Judeus,

Mouros e Gentios e Condição


dos Recém-Convertidos
Trabalho no âmbito da cadeira de
História Moderna e Expansão Portuguesa
Mercês Novais Machado
159097

Índice

ÍNDICE ---------------------------------------------------------------------------------------------- 2

INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------------------------ 3

CRISTÃOS-NOVOS: QUEM ERAM? ------------------------------------------------------- 4

A CONVERSÃO DO ESTADO DA ÍNDIA -------------------------------------------------- 5

POLÍTICAS DE INTEGRAÇÃO DO ESTADO DA ÍNDIA ----------------------------- 7

CRÍTICAS AOS MÉTODOS PORTUGUESES -------------------------------------------- 8

DIFICULDADES DE EVANGELIZAÇÃO NA ÍNDIA ----------------------------------- 9

CONCLUSÃO ------------------------------------------------------------------------------------ 11

BIBLIOGRAFIA -------------------------------------------------------------------------------- 13
Mercês Novais Machado
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Introdução
O processo de integração religiosa do Estado da Índia, sobretudo no período entre
1530 e 1560 não foi linear, tendo sido marcado por vivências diferentes e por métodos de
difusão e preservação da fé cristã também muito distintos entre si. Este processo, por não
ser simples esteve sujeito às mais diversas interpretações tanto de membros do poder
político da India, como a dirigentes régios e mesmo membros da sociedade portuguesa
com interesses nos recursos que poderiam obter do Oriente.
Nas viagens portuguesas à Índia iremos então perceber que a evangelização
passou por 2 fases iniciais: a conversão dos povos, num primeiro plano, e a estimulação
dessa nova Fé vivida pelos recém-convertidos num segundo plano. A primeira fase
mostrou-se muito desafiante, devido às contrariedades impostas pelos povos locais e pelo
povo turco; por outro lado, uma segunda caracterizada por um ambiente expansionista da
fé, em que se observa um crescimento da instituição da Igreja Romana nos territórios
referidos anteriormente.
Vemos, dessa forma, um paralelismo de dois tipos de conversão ao cristianismo.
Por um lado, verificamos as políticas nacionais portuguesas que levaram nos reinados de
D. Manuel I e de D. João III à conversão de muitos Judeus e Mouros, mas também à fuga
de muitos outros. Por outro lado, assistimos às políticas transnacionais portuguesas no
Estado da Índia, onde Portugal tenta lentamente converter os povos locais, num espírito
inicial de conversação. Isto é, o objetivo é o mesmo, mas a forma como se realiza essa
conversão e evangelização da Fé cristã é distinta e com velocidades diferentes. Por isso,
por serem dois cenários distintos, mas interligados entre si, convém perceber em que
contexto se iniciou a conversão dos povos no Estado da Índia e também que razões
levaram muitos Judeus e Mouros a sair de Portugal, em direção à Índia.
Mercês Novais Machado
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Cristãos-novos: quem eram?


“E o nome de Cristão-novo, que hoje é tão afrontoso, será como o de céu novo, e terra
nova com que Deus então há de renovar o Mundo”
(Padre António Vieira)

Os cristãos-novos era o nome dado aos judeus portugueses e espanhóis que se


encontravam exilados em Portugal, depois de se converterem ao Cristianismo.
Durante a regência de D. Manuel I, surge a possibilidade da união por matrimónio
de Portugal com a Espanha. De forma a criar uma união política entre os dois reinos
vizinhos, é oferecida ao rei português a mão de D. Isabel filha dos Reis Católicos
espanhóis. Assim, D. Manuel I é confrontado com as políticas de culto espanholas
intransigentes. Os reis Católicos, considerando que seria imperativo a manutenção do
cristianismo como religião maioritária da Península Ibérica, impõem como condição
dessa união matrimonial a adoção de medidas fiscalizadoras e de proibição da prática de
outras religiões no território português. Sendo assim, D. Manuel assente às exigências
dos reis Católicos de Aragão e Castela, estipulando que os Judeus e Mouros residentes
em Portugal só poderiam permanecer no território nacional caso se convertessem ao
cristianismo e fossem batizados. Surge, então, o problema da dificuldade em assegurar
que os Judeus que efetivamente se batizavam, se tinham convertido verdadeiramente ao
cristianismo ou se apenas o fizeram formalmente, mas continuavam a viver as tradições
judaicas “a portas fechadas”. Daí surgiu a necessidade de fiscalização e até perseguição
dos novos convertidos, que tentando encontrar exilio em Portugal, de forma a fugir as
políticas dos Reis Católicos, se encontram novamente numa situação em que são
novamente obrigados a se exilar.
Porém com a morte de D. Manuel I, em 1521, o seu filho D. João III sobe ao trono
e torna-se Rei de Portugal, mudando assim as circunstâncias dos Judeus e Mouros em
Portugal. Ora, no reinado de D. João o Piedoso, a coexistência entre judeus e cristãos era
mais pacifica, sendo a políticas religiosas do rei pouco controladoras. Os judeus
praticavam a sua fé, sem serem forçados a viver as suas vidas consoante as tradições
cristãs – ao contrário do que se assistia no reino de Aragão e Castela, em que os Judeus
eram perseguidos e obrigados a se converter correndo o risco de serem expulsos ou
mortos. Naturalmente, Portugal durante esse período tornou-se um lugar de exilio para
muitos judeus espanhóis que procuravam fugir à perseguição religiosa que se assistia em
Espanha.
Nesse sentido, encontramos 3 tipos de situações: os infiéis que para permanecerem
em Portugal se convertiam e assumiam as diligências necessárias para que isso fosse
possível; os judeus, mouros e gentios que não querendo converter-se procuravam
refugiar-se no Imperio Otomano e junto dos turcos; e, por fim, os infiéis que fugiam de
Portugal, mas que procuraram exilio em locais ocupados parcialmente por portugueses:
India, continente Africano etc. Daqui surge a condição de novo-cristão, visto que mesmo
os que se convertiam, acabavam por ser mal vistos pela sociedade e nunca realmente
aceites como verdadeiros cristãos. Era como se o facto de terem sido Judeus a vida toda,
fosse uma sombra que os acompanhava onde fossem. A própria denominação “cristão-
novo” existia para distinguir estes dos restantes cristãos – também eram denominados de
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“recém-convertidos” que será um termo mais correto, sendo que o primeiro termo
acabava por ser usado com uma conotação negativa.
Consequentemente, tendo de haver uma fiscalização da conversão, surgiram
mecanismos de comprovação, usados para que fosse possível adjudicar que os judeus em
avaliação se tinham realmente convertido e que viviam a sua vida consoante as tradições
cristãs e não tradições hereges – visto que o judaísmo, por exemplo, era nesta época
considerada uma heresia pelo Santo Ofício. Este clima de controlo, justifica dessa forma
o aumento de fluxo migratório de judeus dentro e para fora de Portugal.

A Conversão do Estado da Índia


Ora, desde os esforços iniciais de evangelização que a coroa portuguesa tinha uma
atenção especial por determinadas zonas da Índia, como é o caso de Goa, Malabar, Caulão
e Cochim. Estas quatro zonas do território, foram os maiores alvos da expansão religiosa
portuguesa, devido à sua importância geográfica, comercial e económica. Para além
disso, muitos destes territórios tinham uma relação com os turcos e mouros, tornando-os
ainda mais relevantes em termos políticos, visto que para D. Manuel I, rei de Portugal em
finais de sec XV, mais importante que evangelizar o Estado da Índia, era garantir que este
não era dominado pelo Império Otomano.
Dito isto, o Rei de Portugal decidiu enviar não só padres e membros do clero, mas
também missionários para que pudessem “preparar” esses territórios, passando-lhes a
cultura ocidental e as tradições romano-cristãs. Isto é, para os evangelizadores que se
encontravam na Índia, o seu maior objetivo era a conversão dos infiéis (fossem eles
judeus, mouros ou gentios). Faziam-no através da doutrina cristã e dos Sacramentos –
sendo o mais importante o Batismo, visto que tornava efetivas e definitivas as conversões.
O sacramento do Batismo surgia como a forma de eliminar o pecado destes povos e de os
conduzir no caminho de Deus, purificando-os. Para além disso, de forma a tornar
permanente esta conversão, os portugueses foram edificando Igrejas e locais de culto,
para que não só fosse mais fácil educar e acompanhar estas pessoas na fé cristã, mas
também para tornar a presença do cristianismo e dos portugueses mais permanente nessas
localidades.
As formas usadas pelos portugueses de integração baseavam-se no uso da coerção
e persuasão, como já foi evidenciado anteriormente, juntamente com a estimulação do
medo dos castigos divinos e das sanções humanas aplicadas pelas autoridades civis na
India – justiças eclesiásticas e régia. Uma das ferramentas de coerção e persuasão mais
usadas era não só o Batismo (como vimos), mas também a Confissão. Através deste
sacramento, por ter um caráter mais pessoal e individual, os padres conseguiam restaurar
o estado de purificação desejável para a salvação dos infiéis. Numa complementaridade
com o Batismo, que eliminava o pecado original, a Confissão vinha continuar este
trabalho de purificação dos povos, num caráter mais regular, para que não se afastassem
dos modelos de vida cristã.
Mercês Novais Machado
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Contudo, a missão portuguesa não foi fácil, visto que regiões como Cochim, Goa
e o Malabar já possuíam fortes hierarquias administrativas religiosas antes de os
portugueses lá chegarem. Daí, assistir-se, por exemplo, a uma submissão (relativa) dos
missionários e clérigos ao ordinário de Goa que era quem facultava a licença aos bispos
de Roma para que tivessem o direito de governar a cristandade nas localidades do
Malabar.1Ou seja, para que os bispos portugueses e missionários pudessem exercer a sua
autoridade religiosa dentro das regiões como o Malabar e Cochim, tinham de ter
autorização expressa.
Inicialmente, foram construídas fortalezas em Goa, por exemplo, que serviam de
refúgio e porto seguro aos padres e missionários que se encontrassem na Índia, visto que
inicialmente não era fácil a instalação do cristianismo no meio de comunidades pré-
existentes. Foi a forma que arranjaram de continuar a sua missão – convidavam e traziam
pessoas a cerimónias cristãs celebradas dentro da fortaleza, cativando-os dessa forma.
Portanto, apesar dos obstáculos que iam sendo impostos pelas autoridades religiosas
locais, os portugueses tentaram sempre continuar a sua missão.
Para além disso, não foram confrontados apenas pelos povos locais, mas também
pela quantidade de ordens diversas que exerciam a sua autoridade. Ora, em Malabar
verificava-se uma grande presença das ordens de S. Francisco e de S. Domingos, que
foram os responsáveis pela construção, com a autorização do Rei, das primeiras igrejas e
conventos no início da presença dos portugueses no Malabar. Veremos nesse sentido a
criação dos conventos de Coulão e de Cananor – impossibilitados de erguer o convento
de Goa, procuraram fazê-lo em locais de menor dimensão e com maior abertura ao
estabelecimento português.
Simultaneamente, assistimos também à existência de uma terceira ordem – os
cristãos de S. Tomé. Esta ordem era dirigida por um bispo arménio, sendo uma presença
na Índia muito desfigurada do rito romano, por estar já corrompida pela idolatria, tendo
sofrido um descoramento da liturgia. Esta ordem não terá tanto um papel evangelizador,
mas será também ela um dos objetivos de evangelização dos missionários do Malabar –
que pretendiam formar os filhos dos cristãos de S. Tomé para o sacerdócio, de forma que
soubessem administrar os sacramentos.
Para além da presença destas três ordens, uma outra que teve também um papel
significativo foi a Companhia de Jesus. Os padres jesuítas seriam uma presença posterior
e viriam numa altura em que já se assistia a uma forte presença de bispos romanos em
Goa – o que facilitava também a concretização da missão de evangelização. Esta ordem
acaba por estar então maioritariamente sob ordens de D. João III, um rei com políticas,
como o nome que lhe foi atribuído indica, mais piedosas.
Podemos dizer que a presença das ordens franciscana e dominicana foram
especialmente relevantes no início da presença portuguesa em cidades como Cochim e
Malabar, sendo a presença da Companhia de Jesus posterior e encontrando o Estado da
Índia num contexto diferente ao que se via nos inícios. Teve, portanto, uma intervenção
mais relevante numa altura em que já se verificavam progressos na conversão dos povos.
Se olharmos para as datas, os portugueses chegaram ao Malabar por volta de 1500, sendo

1
José Manuel Correia (1997). Os portugueses no Malabar, 1498-1580.
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que a presença dos jesuítas ganhou maior relevo apenas em 1544 (ano em que Francisco
Xavier fez a sua profissão de fé ao bispo de Goa, seguindo depois para o Malabar). A sua
intervenção foi muito importante para a criação de colégios e pela sua fácil adaptação às
culturas locais, conseguindo facilmente infiltrar-se no meio das comunidades.

Políticas de Integração do Estado da Índia

Seguindo o argumento anteriormente falado, verificamos, o uso por parte dos


portugueses, de determinados métodos de promoção da integração com um caráter mais
religioso. Exemplo disso, era a doutrinação nas escolas do cristianismo; a pregação
intensiva por parte dos padres não só em colégios, mas também em igrejas, intercaladas
com cerimónias públicas – realizadas principalmente por padres jesuítas e dominicanos.
A pregação toma também nesta altura uma grande importância, sendo por isso grande
parte do tempo dos clérigos passado a pregar. Era a forma que tinham de chegar às pessoas
e de cativar multidões. Tornaram-se rapidamente célebres acontecimentos, antecipados
pelos seus ouvintes.
De forma a incentivar à integração religiosa, muitas vezes depois dos momentos
de pregação, os padres celebravam cerimónias batismais de forma a envolver mais os fiéis
que iam assistir a estes momentos. Enchia-se as igrejas de música e de momentos mais
lúdicos (danças, figuração ou representação de passagens da bíblia etc.).2 As igrejas eram
decoradas ricamente especialmente para essas cerimónias. Contavam muitas vezes com a
presença não só de membros do povo, mas também de membros das mais altas
autoridades políticas e religiosas – até o governador e a sua corte compareciam às
procissões e às pregações. Foi uma das formas mais substanciais da expansão do
cristianismo, sendo por isso a celebração de cerimónias públicas e festas religiosas vista
como um marco para a concretização da sua missão de evangelizar os povos da Índia.
Outra forma que os portugueses encontraram para incentivar a integração foi a
concessão de indulgências. Estas consistiam na remissão do pecado por parte da Igreja.
Ora, para serem concedidas exigiam uma certa prática de oração e a observância dos
sacramentos, especialmente os sacramentos da Confissão e da Comunhão, que também
eles eram ferramentas de integração e de manutenção da fé. Eram, nesta época, muito
solicitadas na Índia tanto por portugueses como por recém-convertidos – sendo eles
membros do clero ou apenas pertencentes a confrarias. Todos os religiosos procuravam
receber indulgências como sinal de prestígio.
Para além das indulgências, a devoção dos “sinais divinos”, observados nos
milagres também se apresentava como uma forma de unir os cristãos e os não cristãos na
religião cristã, pois eram considerados sinais da omnipotência de um Deus criador. Havia
vários relatos de milagres que teriam acontecido naquelas regiões – acontecimentos como
tremores de terra fortes que causavam medo entre os infiéis e os pecadores, entre muitos
outros, identificados como sinais de Deus.

2
Cannas, A. (1995). A inquisição no estado da Índia. Arquivos Nacionais/Torre Do Tombo.
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Estas medidas surgiram como métodos pacíficos e até positivos no que toca à
união e integração local religiosa. Contudo, como já foi referido, as medidas de conversão
e integração religiosas vinham muitas vezes acompanhadas por métodos repressivos e
coercivos de forma a controlar o cumprimento das regras de conduta de um cristão. Este
tipo de medidas ganhou relevância nas décadas de 40 e 50 do séc. XVI, época ilustrada
pelo elevado grau de severidade das penas impostas aos condenados, sendo a mais severa
de todas a pena de morte. Ou seja, passamos de um panorama controlador para um
panorama de violência para com os não convertidos. Importa verificar que estas penas
mais severas tendiam a cair sobre aqueles que praticassem religiões rivais e detestadas
pelos cristãos – por exemplo, o judaísmo. Para além destas penas, havia mesmo
legislações de caráter económico e social de forma a lentamente excluir os não
convertidos da sociedade, alienando-os por completo. A alienação económica e social
deste grupo de pessoas, levava a que os restantes tivessem receio que o mesmo
acontecesse com eles – eram usados pelos órgãos de autoridade como bodes expiatórios
para instigar o medo, de forma a dissuadir o seguimento de outras religiões.

Críticas aos métodos portugueses


As políticas portuguesas foram adotadas e aceites na sua grande maioria, contudo,
a partir da década de 30 começaram a surgir algumas críticas por parte de portugueses,
que se encontravam no Brasil, ao caráter repressivo das medidas e à perseguição que
estava a ser feita aos gentios, mouros e judeus. Simão Botelho, vedor da Fazenda da Índia
em Baçaim, expressou as suas preocupações numa carta escrita ao rei, em que critica os
religiosos que provocaram o despovoamento das terras, fazendo dessa forma diminuir as
receitas do pagamento das rendas, ao tentarem converter à força os gentios.3
Outra personalidade que se apresentou como critico dessas politicas foi o
governador Francisco Barreto, que em 1555 permitiu que os povos Brâmanes da sua
localidade atendessem às suas cerimónias publicamente – não terá sido tão bem visto
quando, com a mesma intenção, substituiu a lei régia (de aliciamento) que estipulava que
um escravo convertido tinha o direito de ser libertado, para uma lei que estipulava que
esses escravos deviam ser vendidos como cristãos, sendo o dinheiro da venda entregue
aos seus donos (gentios, mouros ou judeus). O provincial da Companhia de Jesus em
1557, também se mostrou atento às discórdias entre religiosos, tendo alertado o cardeal
D. Henrique dessas mesmas divisões dentro da própria igreja relativamente a assuntos
como a exclusão dos brâmanes, por exemplo.
Para além disso, não só as políticas de conversão encontravam opositores dentro
do ceio da igreja principalmente devido ao caráter obrigatório das mesmas, mas também
as políticas de integração religiosa sofriam de críticas. Ora, depois de um gentio se
converter este ficava sobre a tutela de determinadas leis de integração religiosa no sentido
de melhor entrar e pertencer à comunidade cristã – de forma a saber seguir as tradições
cristãs e a participar nas respetivas cerimónias. Enquanto numa primeira fase, eram
persuadidos a se converterem ao cristianismo através de regalias, numa segunda fase eram

3
Rego, S. (2022). As Gavetas da Torre do Tombo. Volume 5. Gaveta 15, maços 16-24. Handle.net. [online]
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obrigados a cumprir com as exigências de um estilo de vida cristão, sem que fosse
possível descorar o modelo cristão de comportamento.
Diriam, que a preocupação inicial nunca era o bem-estar destes povos infiéis, nem
a sua qualidade de vida, mas sim o facto de estas políticas de repressão tanto numa fase
como na outra, serem prejudiciais às rendas do rei. Ou seja, devido a estas medidas
controladoras, havia uma tendência de fuga destes povos, o que causava o abandonamento
de terras, deixando de haver quem as trabalhasse e quem as pagasse. Dessa forma, não de
um ponto de vista religioso ou humano, mas de um ponto de vista económico, aos olhos
de alguns críticos religiosos, a forma como estava a ser imposta a religião cristã era
prejudicial ao reino de Portugal.

Dificuldades de Evangelização na Índia


O Estado da Índia sendo uma região muito vasta culturalmente e religiosamente,
encontrando desde sempre uma grande diversidade de culturas e vivências e por ser
geograficamente uma área muito grande, dificultou a missão portuguesa de evangelizar e
uniformizar culturalmente e religiosamente as populações que aí viviam. Não que fosse
uma surpresa para os portugueses que iriam encontrar obstáculos ao seu caminho de
expansão do cristianismo, mas talvez não esperassem a profundidade das tradições
vividas neste Estado. Os povos da Índia tinham uma identidade muito forte, difícil de
transformar e mudar, principalmente porque as elites locais e os membros das altas
autoridades estavam investidos em proteger essa identidade e em não a perder.
Sendo a cultura oriental muito diferente da cultura ocidental isto gerou uma certa
incompreensão por parte dos portugueses de como seria possível uma comunidade
daquelas, ter uma religião tão enraizada quanto a deles, e vivida de uma forma tão
diferente do cristianismo. Daqui surge a necessidade por parte dos portugueses, num
primeiro contacto, de conhecerem estas culturas e perceberem como é que as suas
tradições funcionam, não só para que consigam definir melhores estratégias de conversão,
mas também para que se possam aproximar das pessoas locais de forma a ser mais fácil
também essas conhecerem a cultura portuguesa e ocidental - ou seja, os portugueses
procuravam realizar uma mistura bilateral. Ora, apesar destes esforços por parte dos
clérigos portugueses (especialmente Jesuítas), esta contínua convivência com os infiéis
poderia ser prejudicial, visto que distrairia tanto portugueses como os locais, do
verdadeiro sentido da presença portuguesa – a expansão e vivência do cristianismo.

Nesta altura, por se terem deparado com esta realidade, muitos dos enviados
para a Índia voltavam a Portugal céticos de que a missão portuguesa fosse bem-
sucedida, visto que estes povos se encontravam imersos na sua cultura, muito
“afeiçoados nos ritos”.4 Para além disso, devido à grande multiculturalidade existente,
os cristãos quando chegaram à Índia apresentavam-se como uma minoria religiosa,
sendo por isso, em algumas circunstâncias alvos de perseguição por parte dos Mouros
(por exemplo). Por não conseguirem ter grande controlo, os portugueses acabavam por
4
Rego, A. da S.R. (coord ) (1963). As Gavetas da Torre do Tombo. Volume 3. Gavetas 13-14. [online]
repositorio.ul.pt. Centro de Estudos Históricos Ultramarinos.
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adotar medidas mais extremas, não sendo razoáveis e mostrando-se num certo ponto
também elas obstáculos à propagação do Cristianismo.

Por outro lado, outro obstáculo que os portugueses encontraram foi o facto de os
dirigentes locais estarem sobre a tutela e autoridade estrangeiras e não cristãs, sendo que
caso estes se convertessem ao cristianismo, iriam ser demovidos dos seus cargos – foi o
caso do Rei de Ormuz, ameaçado pelo soberano da Pérsia de que seria substituído caso
se convertesse ao Cristianismo. Ora, como os regentes locais não queriam perder os seus
cargos e privilégios, não cediam à pressão imposta pelos portugueses para se
converterem, continuando a ser, assim, um peso na expansão do cristianismo no Estado
da Índia.

Como já foi mencionado, o facto de os portugueses maltratarem não cristãos e até


por vezes cristãos-novos foi também um entrave à rápida conversão dos povos, visto que
judeus, gentios e mouros, não se sentiam seguros em nenhuma das situações. Isto é, se os
portugueses maltratavam até aqueles que se convertiam, então a conversão não lhes
garantia a segurança que estava a ser anunciada pelos clérigos cristãos. Estes maus-tratos
geraram, naturalmente, o ódio pelos portugueses. Assistiu-se, por exemplo, em algumas
situações a um abuso de poder de portugueses sobre gentios e novos-cristãos que
trabalhavam a terra, de forma a viveram à custa do trabalho “barato” de outros. Ora, este
comportamento era mal visto não só pelos povos locais infiéis e convertidos, mas também
por determinados membros religiosos portugueses, que condenavam e criticavam estas
práticas. Porém, apesar de parte do grupo dos portugueses perceber que estas práticas
eram nocivas à missão portuguesa, a maioria deles achava justificado – a “fama” com que
os portugueses ficavam em determinadas zonas ficou estabelecida e muito dificilmente
se conseguiria fazer com que povos daquelas regiões confiassem nos portugueses ao
ponto de se converterem à religião que pregavam.

Para finalizar, uma outra critica realizada particularmente pelos membros da


Companhia de Jesus era a superficialidade da doutrinação religiosa dada aos gentios,
fazendo com que estes não conseguissem viver de uma forma profunda e investida a nova
fé, tornando-os vulneráveis às autoridades religiosas. Corria-se o risco de se regressar às
idolatrias e ao culto da personalidade religiosa. Ora, isto mostrava-se um entrave, pois
apesar de se encontrarem convertidos e de a sua conversão não sofrer nenhum atraso, a
sua vivência de fé e conhecimento da doutrina cristã existia a um nível que não permitia
depois a que fossem usados como veículos de propagação do Cristianismo. Viviam uma
religião por medo ou de coerção sem terem grandes fundamentos religiosos. O rei
procurava na conversão: aliados, súbditos e apoios. Com uma doutrinação supérflua,
esses apoios e aliados procurados pelo Rei eram fracos e de pouca utilidade religiosa.
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Conclusão
Durante o séc. XV e XVI, a expansão religiosa foi um dos assuntos prioritários
dos reis, tendo a Coroa portuguesa feito, nesse sentido, grandes investimentos na
edificação de estruturas religiosas e de culto. Nos inícios da chegada dos portugueses à
Índia, sofreram um choque cultural, visto que não contavam estar perante uma sociedade
com tanta pluralidade de culturas bem enraizadas a coexistirem num mesmo espaço.
Apesar disso, com o auxílio de várias ordens religiosas e com a ajuda de missionários e
religiosos portugueses, o Rei conseguiu ser bem-sucedido na sua missão de conversão e
integração religiosa dos povos judeus, mouros e gentios.

Convém notar que não terá havido uma conversão total dos povos, mas verificou-
se uma adesão por grande parte das comunidades onde os portugueses cristãos se tinham
inserido. Esta conversão tinha diversas origens tanto positivas como negativas, não sendo
por isso um processo homogéneo. A diversidade de culturas permaneceu, mas as políticas
portuguesas mudaram. Os portugueses foram-se tornando cada vez mais intransigentes
na convivência com outras religiões e à luz de uma frustração de não serem tão bem-
sucedidos como seria de esperar, acabaram por recorrer a métodos de maior coerção e
pressão económica e social.

Esses novos métodos que foram adotados, chegando até a atingir a pena de morte
de gentios, judeus e mouros, levou a que muitos do lado dos portugueses e do lado dos
locais, se opusessem a estas medidas, tornando-se obstáculos a uma integração geral da
comunidade. A presença de várias ordens também se manifestou neste sentido, visto que
cada ordem tinha uma maneira de estar e uma maneira de evangelizar diferente. Tornando,
assim, o processo de evangelização em si também muito distinto e heterogéneo.

Assistimos, acima de tudo, a dois períodos distintos: o reinado de D. Manuel I, em


que influenciado pelo panorama espanhol, mostrou ser mais controlador, com medidas de
controlo abusivo – de conversão pelo medo –, e outro durante o reinado de D. João III
que se apresentou como um rei mais respeitador das outras religiões não considerando
que estas fossem uma ameaça ao Cristianismo (apesar de ter havido também no seu
reinado mecanismos de coerção e persuasão). Ora, estes dois reinados vão se manifestar
também nas políticas de conversão e integração dos recém-convertidos aplicadas no
Estado da Índia.

Concluindo, os portugueses encontraram alguns desafios na missão de evangelizar


o Estado da Índia, contudo permaneceu nos seus esforços cumprir o seu objetivo de ser
instrumentos da expansão do Cristianismo e de prevenção do avanço do controlo dos
Mouros e do Império Otomano sobre uma região que representava uma prosperidade
comercial para Portugal. Daí ser tão importante o estabelecimento português nessas
zonas, e a integração com as comunidades locais. Nesse sentido, a conversão ao
cristianismo de Judeus, Mouros e Gentios, foi um processo demorado e muito irregular,
que sofreu várias contrariedades. Por vezes, a forma como os portugueses respondiam a
essas adversidades acabou por dar a este processo um cunho negativo e violento de
perseguição, tanto nacional como a nível transnacional. Não quer isto dizer, que todos os
portugueses foram defensores e apologistas da forma como a conversão dos povos era
Mercês Novais Machado
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estimulada, nem das condições dos recém-convertidos que acabavam por não se mostrar
muito benéficas na prática, visto que continuou sempre a haver uma discriminação para
com os cristãos-novos, pela dificuldade em avaliar a veracidade das conversões
existentes. É importante reforçar, como nota final, que o objetivo principal era
efetivamente a expansão do Cristianismo e a conversão dos pecadores e dos infiéis. Esse
objetivo, independentemente dos meios que foram usados para o conseguir, foi, na sua
maioria, o fim de todas as medidas e políticas elaboradas no sentido da integração
religiosa.
Mercês Novais Machado
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Bibliografia
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