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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA

Disciplina: Antropologia da Religião II


Docente: Adriane Rodolpho
Discente: Tatiana Neis

Descrição e análise de evento: Missa Tridentina.

No dia 8 de dezembro de 2017, realizou-se na Capela da Conceição,


localizada na rua Gonçalves Chaves, número 602, uma missa Tridentina.
Iniciando às 12h e terminando às 13h, a missa foi celebrada inteiramente em
latim (com exceção da leitura do Livro da Sabedoria, realizada em português
por um dos ministros) com o padre de costas para os fiéis, de frente para o
altar.
Como não sabia a exata localização da capela, cheguei com quase uma
hora de antecedência, pois ainda precisava falar com o padre a respeito do
trabalho que seria feito a partir da missa, caso ele permitisse. A capela é
pequena, conta com porta dupla de vidro na entrada, com grades quadriculares
de ferro, e no alto há um enorme vitral de base reta e desenho semicircular,
transparente com uma cruz azul no centro – o vitral tornou-se visível para mim
quando entrei na capela e me sentei para olhar seu interior, de paredes
brancas e frisos dourados. Possui um mezanino na parte interna, com sacada
circular voltada para dentro, e vasos de plantas ornamentais preenchem as
paredes. Na parte de baixo, esculturas em madeira representavam as 14
estações da via sacra, que retratam a paixão de Cristo, intercalado com
colunas encimadas por vitrais de base reta e semicirculares, transparentes com
uma cruz azul no centro. Ainda, duas fileiras de 12 bancos acolheram os fiéis,
junto às cadeiras posicionadas nas laterais da capela, e dois bancos estavam
na frente do altar, onde os fiéis posteriormente receberiam a hóstia. O altar é
alto, de madeira, e possui três esculturas: Imaculada Conceição, ao centro (no
topo há uma pomba branca), Santo Antônio à direita e São Francisco à
esquerda. Na parede lateral há uma porta, onde o padre e os ministros se
prepararam para a missa. Um degrau abaixo do altar há uma escultura grande
de Jesus Cristo.
Tentei contato com o padre diversas vezes antes do dia da missa, porém
sem sucesso. Informada na entrada da capela sobre quem era o padre Aldo,
dirigi-me até a sala na lateral do altar, pedindo “uma palavrinha” com ele. Padre
Aldo informa que estaria atendendo em particular numa sala ao fundo da
capela. Como não intencionava um atendimento particular, me apresento (digo
meu nome, o curso e a universidade que estudo), explico o trabalho que
gostaria de fazer a partir da missa para a disciplina de Antropologia da Religião
II, e o padre me responde dizendo que, ao seu ver, achava melhor uma “missa
normal”. Explico que é justamente o caráter extraordinário desta missa que
despertou meu interesse; peço permissão para fazer algumas anotações e
alguns registros fotográficos da missa, e ambos os pedidos são concedidos.
Padre Aldo apenas me pede que eu não suba no altar para tirar fotos. Depois
que me sentei, outro ministro veio me recomendar novamente que eu não
tirasse fotos do altar.
Um pequeno grupo de quatro mulheres idosas rezava “Ave Maria”
ininterruptamente, e resolvo parar de escrever e acompanhar o coro; rezei um
“Pai Nosso” e também rezei outra oração. Noto a chegada de pessoas:
homens, mulheres, todos com camisas de manga curta ou comprida, calças,
tecidos leves, porém com o corpo coberto (o que me levou a pensar que
deveria ter colocado calças e não shorts, apesar do calor), e as idades
variavam entre 20 e 70 anos. Observo que algumas pessoas ajoelham-se com
uma perna em frente ao altar, levantando em seguida e sentando para rezar. O
coro de “Ave Maria” troca e começa a rezar “Pai Nosso”, sendo interrompido
depois de um tempo por uma senhora, dizendo que faltavam 15 minutos para a
missa começar, e portanto encerravam-se o coro de orações – ainda que
algumas pessoas continuaram suas preces.
Antes de celebrar a missa, Padre Aldo vai até o meio dos bancos, vestido
com colarinho branco, jaqueta bege e calça (sem os trajes próprios da
celebração). Deseja bom dia a todos, e explica que a missa é em celebração
ao seu 60º aniversário de sacerdócio, e escolheu a Capela da Conceição
porque foi ali que celebrou sua primeira missa.
Para celebrar a missa, Padre Aldo vestiu casula branca com gola e uma
faixa vertical no centro, ambas vermelhas, com bordados dourados de ramo de
trigo e cacho de uva, intercalados. Os ministros vestiram casula branca, por
cima dos trajes que vestiam antes, semelhantes a ternos.
Não sou a única a querer registrar este momento, pois vi outras pessoas
tirando fotos e filmavam partes da missa e da capela. Padre Aldo falava em
tom de voz médio, e por vezes era difícil de acompanhar através do livro
(geralmente é dado um folheto, mas naquele dia era um livrinho, com as etapas
da missa escritas em latim e, em uma coluna ao lado, a tradução para o
português). Já fui a algumas missas, então pude perceber que essa, em
especial, não possui elementos distoantes das missas tradicionais. Além da
celebração acontecer com o Padre de costas para todos, a Bíblia ficava à sua
esquerda, e era folheada às vezes da esquerda para a direita.
Antes da comunhão dos fiéis, o Padre pega os utensílios necessários
para a sua comunhão em duas pequenas portas no centro do altar. Ajoelha-se
lendo a Bíblia, ergue a hóstia, e depois bebe algo no cálice. A comunhão,
diferente das missas ordinárias, se dá de joelhos, na primeira fileira de bancos,
e é oferecida somente pelo Padre, auxiliado por um ministro que segura um
pratinho ao seu lado - não comunguei, pois não realizei primeira comunhão.
Percebo em um determinado momento a troca de posição dos ministros:
estavam um em cada lado do Padre, mas um degrau abaixo, formando um
triângulo, e passam a ficar exatamente atrás dele, que prosseguia com a
leitura, retornando às posições iniciais depois.
Ao final da missa, a Bíblia retorna para o lado direito do Padre, e os
utensílios de seu sacrifício são cobertos com um pano branco.
Para ajudar na pequena análise sobre o ritual presenciado, conto com
Peirano (2002), que escreveu sobre os rituais e a abordagem etnográfica,
postulando que os rituais são eventos mais formalizados e estereotipados, em
seus termos nativos; possuem uma ordem estruturante, sentido de
acontecimento com propósito coletivo, além de ampliar, focalizar, colocar em
relevo e justificar o que já é usual nas sociedades - logo, a definição de ritual só
pode ser relativa, pois sua demarcação acontece em termos etnográficos, não
cabendo ao antropólogo defini-lo. A formalização é percebida nas vestes
especiais do Padre e dos ministros, as quais são conhecidas em seus nomes
originais pelos fiéis (eu tive de consultar um católico para saber o que é
“casula”, “estações da via sacra”, etc), e no fato de os fiéis saberem os cantos,
em português e em latim; a ordem estruturante estava colocada no livrinho,
guia para acompanhar todos os momentos do ritual; e a ampliação do que é
usual nas sociedades deu-se pelo uso do latim, língua materna da Igreja
Católica, escolhida para celebrar a missa que marcou o aniversário de
sacerdócio – algo que acontece todos os anos para o Padre, mas que em 2017
teve maior relevância, devido ao uso do latim e de serem 60 anos em
sacerdócio. Sobre o culto - no caso, a missa - e sua eficácia, Durkheim (1996
p. 460 apud PEIRANO, 2002 p. 24) aponta que “não é simplesmente um
sistema de símbolos pelos quais a fé se traduz exteriormente; é o meio pelo
qual ela se cria e recria periodicamente. Consistindo em operações materiais
ou mentais, ele é sempre eficaz” – ou seja, os trajes, a comunhão de joelhos, o
idioma específico, bem como todo o decorrer da missa, operam a manutenção
da fé de todos os presentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PEIRANO, Mariza. “Rituais como estratégia analítica e abordagem


etnográfica” e “A análise antropológica dos rituais”. In: O Dito e o Feito.
Ensaios de Antropologia dos Rituais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001,
p. 07-40.

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