No dia 8 de dezembro de 2017, realizou-se na Capela da Conceição,
localizada na rua Gonçalves Chaves, número 602, uma missa Tridentina. Iniciando às 12h e terminando às 13h, a missa foi celebrada inteiramente em latim (com exceção da leitura do Livro da Sabedoria, realizada em português por um dos ministros) com o padre de costas para os fiéis, de frente para o altar. Como não sabia a exata localização da capela, cheguei com quase uma hora de antecedência, pois ainda precisava falar com o padre a respeito do trabalho que seria feito a partir da missa, caso ele permitisse. A capela é pequena, conta com porta dupla de vidro na entrada, com grades quadriculares de ferro, e no alto há um enorme vitral de base reta e desenho semicircular, transparente com uma cruz azul no centro – o vitral tornou-se visível para mim quando entrei na capela e me sentei para olhar seu interior, de paredes brancas e frisos dourados. Possui um mezanino na parte interna, com sacada circular voltada para dentro, e vasos de plantas ornamentais preenchem as paredes. Na parte de baixo, esculturas em madeira representavam as 14 estações da via sacra, que retratam a paixão de Cristo, intercalado com colunas encimadas por vitrais de base reta e semicirculares, transparentes com uma cruz azul no centro. Ainda, duas fileiras de 12 bancos acolheram os fiéis, junto às cadeiras posicionadas nas laterais da capela, e dois bancos estavam na frente do altar, onde os fiéis posteriormente receberiam a hóstia. O altar é alto, de madeira, e possui três esculturas: Imaculada Conceição, ao centro (no topo há uma pomba branca), Santo Antônio à direita e São Francisco à esquerda. Na parede lateral há uma porta, onde o padre e os ministros se prepararam para a missa. Um degrau abaixo do altar há uma escultura grande de Jesus Cristo. Tentei contato com o padre diversas vezes antes do dia da missa, porém sem sucesso. Informada na entrada da capela sobre quem era o padre Aldo, dirigi-me até a sala na lateral do altar, pedindo “uma palavrinha” com ele. Padre Aldo informa que estaria atendendo em particular numa sala ao fundo da capela. Como não intencionava um atendimento particular, me apresento (digo meu nome, o curso e a universidade que estudo), explico o trabalho que gostaria de fazer a partir da missa para a disciplina de Antropologia da Religião II, e o padre me responde dizendo que, ao seu ver, achava melhor uma “missa normal”. Explico que é justamente o caráter extraordinário desta missa que despertou meu interesse; peço permissão para fazer algumas anotações e alguns registros fotográficos da missa, e ambos os pedidos são concedidos. Padre Aldo apenas me pede que eu não suba no altar para tirar fotos. Depois que me sentei, outro ministro veio me recomendar novamente que eu não tirasse fotos do altar. Um pequeno grupo de quatro mulheres idosas rezava “Ave Maria” ininterruptamente, e resolvo parar de escrever e acompanhar o coro; rezei um “Pai Nosso” e também rezei outra oração. Noto a chegada de pessoas: homens, mulheres, todos com camisas de manga curta ou comprida, calças, tecidos leves, porém com o corpo coberto (o que me levou a pensar que deveria ter colocado calças e não shorts, apesar do calor), e as idades variavam entre 20 e 70 anos. Observo que algumas pessoas ajoelham-se com uma perna em frente ao altar, levantando em seguida e sentando para rezar. O coro de “Ave Maria” troca e começa a rezar “Pai Nosso”, sendo interrompido depois de um tempo por uma senhora, dizendo que faltavam 15 minutos para a missa começar, e portanto encerravam-se o coro de orações – ainda que algumas pessoas continuaram suas preces. Antes de celebrar a missa, Padre Aldo vai até o meio dos bancos, vestido com colarinho branco, jaqueta bege e calça (sem os trajes próprios da celebração). Deseja bom dia a todos, e explica que a missa é em celebração ao seu 60º aniversário de sacerdócio, e escolheu a Capela da Conceição porque foi ali que celebrou sua primeira missa. Para celebrar a missa, Padre Aldo vestiu casula branca com gola e uma faixa vertical no centro, ambas vermelhas, com bordados dourados de ramo de trigo e cacho de uva, intercalados. Os ministros vestiram casula branca, por cima dos trajes que vestiam antes, semelhantes a ternos. Não sou a única a querer registrar este momento, pois vi outras pessoas tirando fotos e filmavam partes da missa e da capela. Padre Aldo falava em tom de voz médio, e por vezes era difícil de acompanhar através do livro (geralmente é dado um folheto, mas naquele dia era um livrinho, com as etapas da missa escritas em latim e, em uma coluna ao lado, a tradução para o português). Já fui a algumas missas, então pude perceber que essa, em especial, não possui elementos distoantes das missas tradicionais. Além da celebração acontecer com o Padre de costas para todos, a Bíblia ficava à sua esquerda, e era folheada às vezes da esquerda para a direita. Antes da comunhão dos fiéis, o Padre pega os utensílios necessários para a sua comunhão em duas pequenas portas no centro do altar. Ajoelha-se lendo a Bíblia, ergue a hóstia, e depois bebe algo no cálice. A comunhão, diferente das missas ordinárias, se dá de joelhos, na primeira fileira de bancos, e é oferecida somente pelo Padre, auxiliado por um ministro que segura um pratinho ao seu lado - não comunguei, pois não realizei primeira comunhão. Percebo em um determinado momento a troca de posição dos ministros: estavam um em cada lado do Padre, mas um degrau abaixo, formando um triângulo, e passam a ficar exatamente atrás dele, que prosseguia com a leitura, retornando às posições iniciais depois. Ao final da missa, a Bíblia retorna para o lado direito do Padre, e os utensílios de seu sacrifício são cobertos com um pano branco. Para ajudar na pequena análise sobre o ritual presenciado, conto com Peirano (2002), que escreveu sobre os rituais e a abordagem etnográfica, postulando que os rituais são eventos mais formalizados e estereotipados, em seus termos nativos; possuem uma ordem estruturante, sentido de acontecimento com propósito coletivo, além de ampliar, focalizar, colocar em relevo e justificar o que já é usual nas sociedades - logo, a definição de ritual só pode ser relativa, pois sua demarcação acontece em termos etnográficos, não cabendo ao antropólogo defini-lo. A formalização é percebida nas vestes especiais do Padre e dos ministros, as quais são conhecidas em seus nomes originais pelos fiéis (eu tive de consultar um católico para saber o que é “casula”, “estações da via sacra”, etc), e no fato de os fiéis saberem os cantos, em português e em latim; a ordem estruturante estava colocada no livrinho, guia para acompanhar todos os momentos do ritual; e a ampliação do que é usual nas sociedades deu-se pelo uso do latim, língua materna da Igreja Católica, escolhida para celebrar a missa que marcou o aniversário de sacerdócio – algo que acontece todos os anos para o Padre, mas que em 2017 teve maior relevância, devido ao uso do latim e de serem 60 anos em sacerdócio. Sobre o culto - no caso, a missa - e sua eficácia, Durkheim (1996 p. 460 apud PEIRANO, 2002 p. 24) aponta que “não é simplesmente um sistema de símbolos pelos quais a fé se traduz exteriormente; é o meio pelo qual ela se cria e recria periodicamente. Consistindo em operações materiais ou mentais, ele é sempre eficaz” – ou seja, os trajes, a comunhão de joelhos, o idioma específico, bem como todo o decorrer da missa, operam a manutenção da fé de todos os presentes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PEIRANO, Mariza. “Rituais como estratégia analítica e abordagem
etnográfica” e “A análise antropológica dos rituais”. In: O Dito e o Feito. Ensaios de Antropologia dos Rituais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, p. 07-40.