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“Os fundamentos do pensamento calvinista” (tradução livre)

Tradução págs. 11 a 16:


II
Esta filosofia à luz das escrituras vê a religião como como um pacto, uma “unio
federalis”1 (do latim, união federal) que se tornou conhecida pela humanidade por
meio da revelação das Escrituras mesmo antes de eles terem caído no pecado.
1. Com essa afirmação, a filosofia calvinista se posiciona uma vez mais contra
cada tentativa de interpretar a religião como um substancial submergir do
homem em Deus.2 Por essa razão cada religião até aqui é trata como um tópico
à parte, para o qual não aconteceria se pudéssemos associar-nos com as
concepções atuais segundo a qual a religião pode ser subsumida por aquilo que
já é discutido. Porém, não podemos fazer isso. Se alguém compara a vida no
pacto divino com uma ou outra função então se termina – queira ele ou não –
no universalismo: fé, vida espiritual, consciência ou qualquer nome que se
queiram dar, se tornam feixes do Ser divino, cristalizações do Logos, ou algo
parecido. Crença e descrença não podem ser mais entendidas como posições
estritas e as especulações são imediatas para relativizar as oposições. Caso não
queiramos prosseguir por este último caminho, a afirmação de que a religião é
uma função humana leva-nos a consequência de que não se atribui essa função
a todos: a fé se torna um “donum superadditum”3 (do latim, dom concedido)
que está totalmente sem conexão ao lado das outras funções. A negação
fatídica da coerência entre pensamento e fé tem por esse resultado, inevitável.

Roma foi por outro caminho. Enquanto rejeitavam a separação entre fé, razão
e universalismo, eles aqui tentaram fundamentar uma alternativa, crença
contra descrença, no relacionamento entre o homem e os oficiais da instituição
da Igreja. Este é um erro, pois embora este relacionamento não seja só uma
função, ainda reside na área funcional: é a conexão entre o devocional e o
poderoso na área pística, que também é conhecida por nós nas religiões não
cristãs.

A identificação da religião como uma função não nos conduz a nenhum lugar e
não está em concordância com as escrituras. As escrituras mostram uma
maneira pela qual é possível entender a religião? A mesma escritura que com
sua intimação sobre a eterna punição denuncia o universalismo, mas, por outro
lado nem separa a religião da vida e se identifica – à moda Católica Romana –
com a relação entre os oficiais e os leigos, mostra-nos o caminho na medida em
1
É por isso que o sistema hermenêutico mais geral entre os reformados é chamado de “federalismo”.
2
Ou, em tradução mais contextual, “interpretar a religião como uma substancial divinização do ser
humano”.
3
Cf. Ef 2:8 – “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”.
que simplesmente fala sobre o “coração” do qual as “fontes da vida” provém.
(Prov. 3:24).

Com essa coerência do “coração” e outras funções também indicadas: o último


é o quadro em que através deste o coração humano se expressa. E isso vale
para todas as funções e também é válido para a pística: mesmo o que se
acredita finalmente depende do tipo de coração que ele possui. Essa distinção
entre “coração” e “crença” está embasada em toda as Sagradas Escrituras e
todos que a conhecem, sabem. A mesma concepção ainda é mais básica para a
distinção entre regeneração e conversão.

A fé é uma função presente em todas as pessoas, porém quanto aos cristãos,


ela leva a Palavra de Deus em conta e se dirige no não cristão para um
substituto dele. Neste caso o ser humano cria o seu próprio suposto
conhecimento daquilo que a algum tempo veio como suposta revelação vinda
do coração humano, sobre o qual os cristãos conhecem através da Palavra de
Deus. Os incrédulos, por fim, vivem e morrem com um produto da cultura nas
quais estão inseridos.

Se o Espírito de Deus redireciona a direção comum da vida humana e a traz


para obediência da Palavra de Deus, então também no desenvolvimento da
vida esta Palavra obtém sempre mais significado. Esta Palavra priva então uma
determinação daquilo que na verdade pode ser considerado religião. As
sagradas escrituras indicam-na como uma “caminhada com Deus” (Gênesis
5:22-24) e uma “manutenção e conservação da aliança” (Exôdo 19:5,
Deuteronômio 33:9, Salmo 25:10, 103: 18, 132: 12, Isaías 56: 4-6; Dan. 9: 4),
etc. Esta não é simplesmente uma aliança (ou pacto) que se limita a extensão
do cosmos. É um relacionamento entre Deus, que é transcendente e o ser
humano, que em todo os aspectos, pertence ao cosmos.

2. Somente – e com isso, estou chegando ao segundo pensamento que está


incluído na minha declaração – as ligações que existem dentro do cosmos está
incluída na aliança. Portanto, a Palavra de Deus não aconteceu somente aqui e
lá, agora com relação a isto e depois em relação a aquele indivíduo. Não, de
forma alguma. A Palavra foi pregada a toda raça humana, primeiro a adão,
depois da queda, a nossos antepassados, para os patriarcas e posteriormente, a
nação de Israel. Deve-se se tomar nota disto: o dever dos pais para proclamar
esta Palavra aos seus filhos (Sl 78: 3,4; Deut. 4:9 e 6:7). Por esta razão, a Palavra
pregada mais tarde não necessariamente repete a anterior, mas liga-se de
alguma maneira com ela. A queda no pecado não implica uma violação aqui.
Verdadeiramente, a Palavra obtida somente após a queda trouxe à tona seu
caráter gracioso. Mas o Salvador cuja chegada, Ele agora proclama, foi Ele: o
próprio Criador do mundo e ele salva sua criação. Através deste, Ele derrama
seu Espirito sobre toda à Carne – como Ele mesmo à criou. Santificado por este
Espírito, a fé na Palavra de Deus aumenta na vida do homem – também a fé
para o crente e seus descendentes. Então a vida não é tão poderosa onde
alguém crê em Deus diretamente por sua Palavra.

III

Com relação as circunstâncias após a queda no pecado, esta Filosofia, à luz das
Escrituras aceita: (1) a depravação total do ser humano; (2) a morte como pena pelo
pecado; (3) a revelação da graça do Deus Soberano por meio do Mediador 4.
1. Quem seguiu o que procede isto, entende que a filosofia extraída das Escrituras
também aceita a Palavra de Deus quando ela expressa verdades difíceis. Em
instância última, isto se ocorre mais quando não se quer enfrentar a realidade.
Não é tarefa da filosofia mudar algo na realidade, deve assim, apenas tentar
entender o cosmos por meio da Palavra de Deus. Em primeiro lugar, somos
confrontados pelas Escrituras que apresentam a raça humana como depravada
pelo pecado. Assim, a morte não apenas afetou Adão, mas todos que estão
incluídos nele. (*** 1 Cor. 15:21). Ninguém pode dizer isto em plena
consciência, sem a declaração de Paulo, que é como uma queixa: “Todos são
pecadores e são deficitários no louvor que devem ter diante de Deus”
(Romanos 3:22); Exatamente de seu coração vem os “maus pensamentos” e
todos os tipos de horrores que o profanam. Se a graça de Deus se interpõe
então, no coração do homem a luta entre o velho ódio e o velho amor, entre a
“carne” e o “espírito” – uma oposição que como vimos – não tem nada a ver
com a oposição entre “vida” e “espirito, ao qual não ocorre apenas na vida
Cristã e também não é antiética em tudo.
2. Agora ficou claro como o pensamento iluminado pelas Escrituras deve
compreender a morte. A Santa Escritura aqui distingue uma dualidade
(Apocalipse 20:14, 21:8, ver também Apocalipse 2:11, 20:6): a primeira e a
segunda morte. Parece que a filosofia antiga tinha a mesma concepção, mas
por investigação, é demonstrado que se tratam de ideias totalmente
diferentes. A filosofia antiga tinha o ser humano como ponto de partida, e por
isso, enxergavam a morte como uma desejável separação no nível funcional.
Assim a primeira morte foi compreendida como a separação entre o “Soma”
(do grego, corpo) e a elevada “Psychê” (do grego, alma) e foi ensinado ainda
que na segunda morte, a parte suprema da “Psychê” que foi liberta da prisão
do “Soma” deixa a parte inferior da “Psychê” na Lua e retorna para o Sol. O
pensamento base das Sagradas Escrituras é totalmente diferente. O ponto de

4
Cf. 1 Tm 2:5-6: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo
homem. O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a seu
tempo. ”
partida e destino não estão no ser humano, mas com Deus. O definitivo fim do
ser humano está vivendo na aliança com o Divino Pai e seu Filho. Morrer é
tudo, menos desejável afinal, foi imposta sobre a humanidade como pena por
suas transgressões (Gênesis 2:17). Isto vale tanto para a primeira como para a
segunda morte. A distinção então, entre os dois consiste nisso: A primeira
morte atinge todos os descendentes de Adão, enquanto que a segunda atinge
apenas os não-salvos por Cristo (1 Coríntios 15:21, Ap 21: 8). É evidente que
esta caracterização da morte e esta distinção entre a primeira e a segunda
morte – uma vez concebidas religiosamente – não tem nada a ver com as
especulações pseudo-religiosas de Plutarco. Ainda com relação a descrição
mais detalhada da morte, a Sagrada Escritura não é funcionalista em contraste
com os Filósofos. Com certeza: a morte é a separação. Mas na frente está a
descontinuidade da coerência na qual o ser humano como “alma vivente”
estava com seu ambiente (Jó 14:10; Ecl. 9: 5,6). Todo o resto é secundário –
isso já é evidente pelo fato que somente ocorre com a primeira morte. Na
segunda, o coração ou alma já está unido novamente ao corpo. Além disso,
aqui o corpo não é a vida animal do homem – algo que não se conhece na
Escritura – mas a totalidade das funções as quais Paulo comparam com um
manto.

3. O que é graça? Em que tipo de relação se relaciona “pecado” com “natureza”?


É válido vincular a palavra “graça” a uma área e assim falar de uma “área da
graça”? Aqui também a exposição positiva pode ir em frente. “Graça” significa
em primeiro lugar “mostrar graça”: No relacionamento de Deus com o pecador
assim favorecido. Graça, neste relacionamento, sempre procede de Deus. O
oposto não é nem natureza, nem pecado, mas “Ira de Deus”. A resposta à
questão da relação entre a natureza e graça depende do significado em que se
se usa o termo “natureza”. Às vezes, significa o “modo” (por exemplo, a
natureza divina e humana de Cristo); Em outros casos, significa o original.
Assim, muitas vezes, significa o que o ser humano está em Adão: a Natureza
humana tornou-se depravada, e assim permanece enquanto o Espirito de Deus
não intervém de forma salvadora. Assim, temos de entender a doutrina
paulina: “o ser humano natural não compreende as coisas do Espírito de Deus”
(1 Cor. 2:14). Mas o povo de Deus que é regenerado pelo Espirito de Cristo,
compreende o que vem do Espírito de Deus muito claramente e a este povo
Paulo fala sobre o relacionamento que ele tem, por um lado em Adão, e por
outro, em Cristo. “O corpo espiritual não é o primeiro, mas o natural o é,
depois disso vem o Espiritual” (1 Coríntios 15:16). Nesse sentido, a natureza é
oposta a graça! Como grande é o perigo que ainda ameaça aqui, pode-se ver a
partir do uso romano das palavras “graça” e “natureza”: basta pensar em como
a palavra graça é igualada a “meios de graça”. Deve-se a também, nesse
contexto, com o jogo de palavras em Leibniz, que identifica a graça com os
seres humanos, que é carente em animais. Simpler concorda com a escritura no
que tange o significado de “pecado”. Originalmente significa a “privação” ou
“défice” no destino do ser humano por transgressão do mandamento,
enquanto o ser humano, no entanto, permanece sob a lei. A graça em relação
ao pecado é então “perdão”, ou “desculpa”. A oposição, a graça versus a ira de
Deus tem como correlato no lado humano: o perdão versus o pecado
sustentado ou retido.

Em si, não há objeção contra falar sobre "áreas da graça". Porém, temos que
resistir a estritas tentativas de delinear esta área rigorosamente bem como
lembrar claramente que é idêntico ao criado, já que e na medida que Deus vê
isso como – perdido após a queda no pecado – agradável. Esta área é muito
mais larga do que a Igreja como corpo de Cristo e até mesmo para as mais
remotas tribos, Deus continua concedendo certas pessoas ricas da Sua graça
para governar famílias e a vida de um povo. Isto os calvinistas sempre
perceberam e nomearam “graça comum” e falaram disto após a queda. A
distinção entre a “graça comum” e a área da “graça particular” 5 só se torna
problemática quando se permite que ela coincida com um dualismo na vida de
uma mesma pessoa. Pois, então, aterra-se na concepção gnóstica ou romana
da natureza e da graça, com a qual o calvinista não tem nada em comum – é
portanto, melhor falar na “mesma língua” que as Escrituras, que preferem a
linguagem de “vasos” do que de “áreas da graça” (cf. Romanos 9:23).

Mais importante que estas questões da terminologia é a questão de como a


graça alcança o ser humano. E então respondemos: “Através da Palavra”. Mas
como entender isso? Se se equipara isto com a palavra pregada então se acaba
com a identidade da graça vivificante com a magia do bruxo ou de uma
autoridade. Deve-se distinguir, portanto, entre a Palavra divina criadora, que
pregou, enviou seus profetas e finalmente apareceu em carne como pessoa e
agora tem a sua Palavra pregada, por um lado, e também a Palavra do
Evangelho que – uma vez que se destina a seres humanos – falou sobre Ele em
linguagem humana e ainda fala, pelo outro. Em outros termos: através da
Palavra foi transmitido o conhecimento de que a Palavra se fundiu de forma
única com aquele que (concebido pelo Espirito Santo e nascido da Virgem
Maria, não foi o primeiro Adão, mas) é Ele mesmo o segundo Adão e que,
(apesar de seu vínculo com a caída raça humana) por sua ligação indissolúvel
com Deus e pela unção com o Espírito Santo carrega todos que lhe pertencem
da linhagem perdida de Adão através de cada resistência ao seu destino eterno.
D. H. Th. Vollenhoven
Amsterdam

5
Os calvinistas afirmam que há uma distinção entre a graça comum, dada a todos indistintamente, e a
graça particular, concedida apenas para a redenção dos eleitos. Também chamada graça “salvívica” ou
“salvadora”.

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