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Trabalho Cristianismo e Cultura

Docente: Professor José Nunes


Aluno: Maria da Assunção Cabeleira
Para este trabalho escolhi a obra Cartas a um cristão inquieto, escrita pelo jesuíta francês
Paul Valadier. Esta encontra-se dividida em diversas cartas que resultam de uma troca de
correspondência entre o próprio autor e Étienne, personagem que, apesar de cristã,
apresenta diversas dúvidas sobre a religião que professa.
Assim, apesar da extenção da obra em questão, irei centrar-me na segunda carta da
mesma, enviada de Berkeley, a 20 de janeiro de 1990, onde o autor procura responder à
questão da pertinência do cristianismo nos dias de hoje, focando-se no tema da
originalidade cristã.
Deste modo, Valadier procura, nesta carta, fazer uma análise profunda das razões que
levam o cristianismo a distanciar-se das restantes religiões, ao realizar uma comparação
com a definição de religião de Marcel Gauchet e ao identificar os principais elementos da
religião cristã.
Com efeito, o tema da originalidade cristã é apresentado pelo autor de forma a afastar a sua
explicação de uma tentativa de superiorização do cristianismo face às outras religiões,
afirmando que não se pode defender a existência de uma religião melhor ou superior pois
isso levaria a uma total desvalorização das restantes.
Valadier foca-se, então, nas semelhanças existentes entre o cristianismo e o judaísmo. Ao
sublinhar estas semelhanças, o autor acaba por fortificar a posição da religião cristã e, ao
indicar o seu contorno específico e a sua originalidade própria, confere autonomia à religião.
No entanto, importa referir que, apesar de ter origem no judaísmo, a religião cristã afasta-se
do esquema tradicional das religiões, principalmente por se basear na mensagem de Jesus
Cristo, que surge como um novo anúncio de Deus, iremos aprofundar isto mais à frente.
Segundo a definição de religião de Gauchet, o historiador e filosofo fracês, a religião
pretende estabelecer uma relação entre o homem e o divino, propondo um enquadramento
completo em todos os aspetos da vida humana e tendo por base o mito que explica as
origens.
Assim, Valadier afirma que a religião cristã pode ser considerada uma “religião da saída da
religião” pois, mantendo certos aspetos em comum com a religião que lhe deu origem,
afasta-se da ideia apresentada por Gauchet, tendo uma linha de pensamento independente.
Quanto à comparação entre a definição de religião de Marchel Gauchet e os principais
elementos da religião cristã, o cristianismo tem particularidades que o destacam como uma
religião diferente das outras, demarcando-se do esquema tradicional. De facto, a
mensagem de Jesus transmite um anúncio novo da Palavra de Deus, assente no amor ao
próximo e na possibilidade de o próprio crente dar continuidade a essa mensagem. Assim, o
novo evangelho de Jesus Cristo afasta-se do Antigo Testamento e das tradições judaicas.
Também a noção de “lei divina” toma, aqui, outro significado e importância, em comparação
com o seu conceito tradicional. Neste último, a vontade divina rege a vida humana na sua
totalidade, ou seja, o todo sobrepõe-se ao indivíduo e a lei divina impõe-se ao Homem. Por
outro lado, o cristianismo apresenta-se antes como uma religião de valores e princípios
virados para o próximo e não somente para Deus, não se verificando uma total
“despossessão do homem”. Deste modo, é o crente que escolhe seguir esta lei, mantendo a
sua vontade própria. Tendo isto em conta, podemos afirmar que não existe no cristianismo
uma pretensão de dominar todos os aspetos da vida humana.
À opinião defendida pelo autor de que o cristianismo não olha para o passado, tendo-se
adaptado às mudanças presentes, escapa que as principais fontes de inspiração da religião
cristã continuam a ser os seus primórdios, principalmente a figura de Jesus e a sua
ressurreição. Assim sendo, não podemos considerar que o cristianismo se desapega
completamente das tradições, apesar da sua constante evolução.
Quanto aos aspetos linguísticos, partilho da opinião do autor, visto que o cristianismo é uma
religião que não implica nacionalidades ou aspetos culturais e que não prende os crentes a
uma língua sagrada. No entanto, tendo a discordar com o autor no que toca à relevância do
texto sagrado pois é evidente a força imperativa da Bíblia e dos seus mandamentos e
textos.
Os pontos fundamentais da consciência cristã são a conceção cristã de Deus, do próximo e
da verdade, sendo a mais importante e principal a primeira referida.
Relativamente à conceção cristã de Deus, esta assenta na ideia da não identificação de
Deus como lei sagrada. Importa, então, referir que esta pode ser facilmente contestada,
uma vez que a autoridade da lei provém da figura divina. Assim, apesar de não existir uma
identificação direta, visto que Deus não é a sua lei, existe sim uma associação apresentada
aos crentes. Esta associação leva a contestar a insuficiência de gestos religiosos para
adorar a Deus, porque para além de orações, verifica-se o serviço a Deus através do
serviço ao próximo. Ao afirmar que Deus não é limitado nem pelo espaço nem pelo tempo
confere-se um carácter inegável à transcendência e à unidade divinas.
Assim, é possível aferir a existência de uma crítica à sociedade, em relação a este assunto,
quando se explica que os mais próximos de Deus não são aqueles que se demonstram
devotos publicamente, mas sim, aqueles que se entregam interiormente a Deus.
Relativamente à conceção do próximo, o segundo ponto fundamental da consciência cristã,
esta é indeterminada e deriva da conceção de Deus, isto porque o próximo é aquele com o
qual nos relacionamos por iniciativa livre ou por caridade, assente na misericórdia de Deus
que nos aproxima do próximo. Deste modo, Jesus Cristo diz-nos “Amai-vos um ao outro
como eu vos amei”, representando a união entre nós e o próximo. É pertinente referir,
também aqui, a citação de Mateus “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem” como máxima a seguir. Este incentivo de ajudar o outro que não tem quaisquer
laços para connosco é um traço muito importante do cristianismo.
O serviço é feito em prol de todas as pessoas e não apenas de Deus. A este ponto de vista
são associados as missões e o voluntariado. Outro ponto de vista diz que o serviço a Deus
passa pelo serviço ao próximo. Na verdade, ambos os pontos de vista são válidos e estão
interligados, pois servir a Deus implica amar o próximo e, ao mesmo tempo, servir o
próximo implica adorar a Deus.
Por último, referimo-nos à conceção da verdade cristã, que se baseia numa relação de
comunhão na diferença, uma vez que a Igreja apenas enriquece ao estabelecer uma
relação com as diferentes culturas e filosofias. Na diferença repete-se a ideia da comunhão
de Deus com os crentes e estes entre si na difereça. Efetivamente, com o desenvolver dos
tempos a Igreja foi ganhando um papel de superioridade e hoje em dia é a detentora da
verdade cristã, isto é, estabelece uma comunhão com diferentes realidades e culturas.
Através de todos os elementos anetriormente apresentados torna-se possível afirmar que,
apesar do seu contorno específico e do seu pensamento original, o cristianismo não deixa
de ser uma religião. No entanto, as suas especificidades tornam-no algo mais, sendo para
muitos um modo de vida.

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