Você está na página 1de 218

TEMÁRIO 2020

CRISTO VIVE
Lema: É Ele a nossa esperança
e a mais bela juventude deste mundo!
COORDENAÇÃO:
Rainer Branco Machado Garcia

ORGANIZADORES:
Ana Caroline Vieira da Silva
Marcelo do Vale Lucena
Padre Thiago Domiciano Dias
Rainer Branco Machado Garcia

COLABORADORES:
Cláudia do Amaral
Dom Nelson Francelino Ferreira
Frei José Faustino Fernandes
Padre Cesar Silva Rossi
Padre Fagner Sérgio de Medeiros Dantas
Padre Hachid Ilo
Padre Idamor Jr.
Padre Jonathan Alex da Costa
Padre Luís Antônio Carqueijo Sé
Padre Thiago Domiciano Dias
Seminarista Joseque Moysés B. Vilela Borges

REVISÃO ORTOGRÁFICA:
Ana Caroline Vieira da Silva
Andressa Virginia Vieira Silva
Maria das Vitórias B. de Medeiros Oliveira
Rainer Branco Machado Garcia
Rondinelli Santos Oliveira
Sandra Regina Castro da Silva
Queridos irmãos equipistas,
Alegres no Senhor, apresentamos o temário das Equipes de Jo-
vens de Nossa Senhora que será objeto do nosso estudo ao longo do
ano de 2020. Este tema foi escolhido como reflexo de um grande
desejo de estarmos em unidade com a Santa Madre Igreja e atender
ao que nos exorta o Santo Padre nestas palavras do nosso tema:
CRISTO VIVE: É Ele a nossa esperança e a mais bela juventude
deste mundo!
É com essa belíssima mensagem que começamos o ano de 2020.
Esta mensagem que já foi ouvida e trabalhada de diversas formas
ao longo do ano de 2019, neste temário ecoará em nossos ouvidos
e corações trazendo outras perspectivas dessa realidade atemporal.
O que se pretende ao longo deste temário é nos dar subsídios para
compreender este anúncio e colocá-lo em prática na dinâmica da
nossa vida de Cristãos e Equipistas Jovens de Nossa Senhora. Aco-
plado a este temário está a Exortação Apostólica pós-sinodal Christus
Vivit, a qual deve ser recorrida com frequência para melhor proveito
da proposta.
“Ele vive e quer-te vivo!”. Cristo espera de cada um de nós uma
vida autêntica, intensa e presente. Espera uma resposta imediata e
corajosa ao seu chamado. Ele é “a mais bela juventude deste mundo”.
Cristo é jovem e não quer de nós nada além da nossa juventude.
Não tem ocasião melhor para viver com autenticidade o Evangelho.
Nós, jovens, temos a alegria e o vigor necessário para levar Cristo à
muitos corações. “É Ele a nossa esperança”. É n’Ele que devemos man-
ter fixado o nosso olhar, aguardando a sua vinda, nos preparando e
trabalhando desde já para a glória do Reino de Deus.
Caríssimos, o estudo do tema proposto pelas EJNS exerce uma
função crucial no amadurecimento da nossa fé e, consequentemente,
nos amadurece enquanto Cristãos. Não deixemos passar essa oportu-
nidade que o nosso movimento nos proporciona. Vamos nos debru-
çar sobre cada tema, buscando a compreensão de toda mensagem e
procurando vivê-los, colocando em prática cada proposta e modifi-
cando em nós aquilo que nos afasta do Cristo.
“Ele é a fonte da juventude melhor. Com efeito, quem confia no
Senhor «é como a árvore plantada perto da água, a qual estende as ra-
ízes para a corrente; não teme quando vem o calor, e a sua folhagem
fica sempre verdejante» (Jr 17, 8). Enquanto «os adolescentes se cansam
e se fatigam» (Is 40, 30), aqueles que esperam, confiados no Senhor,
«renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar,
marcham sem desfalecer» (Is 40, 31). ”
Christus Vivit, nº 133.
Salve Maria!
Viva Cristo Rei!
Rainer, Marcelo e Shirley
Colegiado Nacional 2020
EJNS Brasil
SUMÁRIO

TEMA 1 - À escuta dos jovens......................................................7

TEMA 2 - Os Jovens na Palavra de Deus.....................................15

TEMA 3 - O Jovem Jesus............................................................25

TEMA 4 - Os Jovens Santos........................................................31

TEMA 5 - A jovem Maria...........................................................41

TEMA 6 - Os desafios na vida dos jovens....................................53

TEMA 7 - Um Anúncio Querigmático aos Jovens.......................61

TEMA 8 - A Pastoral dos Jovens.................................................65

TEMA 9 - Vocação e Discernimento...........................................77

TEMA 10 - Reunião de Balanço - Uma juventude iluminada......85

Orações utilizadas no movimento das EJNS................................99

Exortação Apostólica Pós-sinodal


do papa Francisco - Christus Vivit .................................................103
TEMA 1
À ESCUTA DOS JOVENS

“CRISTO VIVE: é Ele a nossa esperança


e a mais bela juventude deste mundo!
Tudo o que toca torna-se jovem, fica novo, enche-se de vida.
Por isso as primeiras palavras, que quero
dirigir a cada jovem cristão, são estas: Ele vive e quer-te vivo!”.

Com essas palavras o Papa Francisco inicia o grande presente,


confiando à juventude uma linda missão no início do ano de 2019.
Ele convoca e desafia toda a Igreja a escutar os jovens. Esta atitude
norteou toda a metodologia do Sínodo. O Papa e os bispos ouviram
os jovens do mundo inteiro, os católicos e os cristãos de modo geral,
e teve a coragem de ouvir outras juventudes que militam fora e, às
vezes, contra a Igreja. Uma escuta sincera, atenta e verdadeira, sem
julgar e sem condenar. Sobre esse viés teológico, ouvir a nossa juven-
tude é ouvir aos apelos do coração do próprio Deus: a juventude é o
lugar teológico que nos desperta.
Nesse sentido, percebemos que a juventude está merecendo uma
atenção especial por parte da Igreja e o Papa Francisco é o primeiro
a dedicar um empenho pessoal aos jovens. Nas suas palavras, os jo-
vens são o agora de Deus e necessitam de maior atenção da Igreja.
Nas expectativas e nos desafios dos jovens revelam-se os rumos para
a construção da sociedade do amanhã. “Eles são, de certa forma, o
termômetro para avaliar como está a sociedade”, disse o Papa Francisco
no encontro com os bispos da América Latina durante a Jornada
Mundial da Juventude, no Panamá, em janeiro deste ano.
Ao longo do tempo, diversas têm sido as iniciativas da Igreja vol-
tadas para os jovens. Na América Latina, em 1979, a Conferência de
Puebla fez a opção pelos jovens no continente. Seguramente, porém,

7
a iniciativa que teve maior relevância e visibilidade, nesse sentido, foi
a Jornada Mundial da Juventude, promovida por São João Paulo II a
partir de dois eventos: o jubileu dos jovens, em Roma, no Ano Santo
da Redenção de 1984; e o encontro mundial dos jovens realizado no
Ano Internacional da Juventude proclamado pela ONU, em 1985.
Logo em seguida o mesmo Papa dedicou uma carta apostólica
aos jovens, convidando-os a participarem de um encontro em Roma,
em 1986. Essa foi a primeira Jornada Mundial da Juventude, que
teve continuidade no ano seguinte, no encontro internacional de jo-
vens de Buenos Aires. A Jornada Mundial da Juventude, realizada a
cada três anos, tornou-se um encontro internacional de peregrinação
de jovens, aos quais o mesmo São João Paulo II dedicou estas pala-
vras: “Vós sois a esperança da Igreja. Vós sois a minha esperança!”.
Bento XVI deu continuidade às jornadas da juventude e convo-
cou três delas durante o seu pontificado. Francisco fez o mesmo e
sua primeira participação no evento foi no Rio de Janeiro, em 2013.
Ainda permanecem bem vivas as imagens impressionantes dos mi-
lhões de jovens na orla de Copacabana (RJ), aos quais o Papa dirigiu
palavras encorajadoras e pediu que descessem às ruas e participassem
com esperança da construção do seu futuro.
Francisco, porém, percebeu que os novos tempos pediam para
ir além: era preciso dar a palavra aos jovens para falarem com toda a
liberdade. Já não bastava falar sobre a juventude ou falar aos jovens
a partir de paradigmas preconcebidos. Era necessário ouvi-los e ele
mesmo deu o exemplo na preparação da assembleia do Sínodo dos
Bispos sobre a juventude. A primeira etapa da preparação da assem-
bleia sinodal consistiu numa ampla pesquisa e escuta dos jovens, que
dela tomaram parte os milhares, sem restrições de fé ou ideologia.
Em setembro de 2017, Francisco presidiu em Roma um semi-
nário sobre a condição juvenil no mundo, com a participação de
centenas de jovens provenientes de muitos países. Foi a etapa prepa-
ratória para o sínodo, realizado em outubro de 2018, com o tema “O
jovem, a fé e o discernimento vocacional”. Mesmo sendo o sínodo
um organismo episcopal, a assembleia sinodal também contou com
significativa participação de jovens de vários países.

8
Fruto desse sínodo sobre o tema da juventude foi a exortação
apostólica Christus Vivit (Cristo Vive). A Pastoral Juvenil da CNBB
acolheu esse documento pontifício, que deve assinalar um novo mé-
todo no trabalho com os jovens. Desse método fazem parte:
- A escuta empática;
- A discussão;
- O discernimento;
- E a ação.
O próprio Papa destacou a importância desse passo para a Igreja
no final da reunião sinodal:
“Uma vez que a Igreja escolheu ocupar-se dos jo-
vens neste sínodo, ela, no seu conjunto, fez uma
opção muito concreta e considera esta missão
uma prioridade pastoral decisiva, à qual deve
investir tempo, energia e recursos”.
Sem dúvida, serão esforços compensadores, pois aos jovens de-
vem ser dedicadas as melhores atenções e energias.
Com o exemplo partindo do próprio Papa, queremos agora es-
tender essa metodologia de trabalho juvenil aos bispos, aos padres,
assessores e demais adultos. Parar e escutar em que Deus nos inter-
pela, através da inquietude, angústia, sonhos e preocupações juvenis.
O que significa as suas irreverências, incertezas e inseguranças. Escu-
tar os jovens sem moralismos, julgamentos e condenações. Qualquer
atividade em prol da juventude deverá ser precedida pela sua escuta.
Sem a decisão da escuta, corremos o risco de sacrificar o seu protago-
nismo em todas as etapas.
Qual é o jovem ideal que habita seu imaginário? Essa é a pergun-
ta que recomendamos a todos que façam em primeiro lugar quando
a tarefa é a escuta das juventudes.
Para se ouvir os jovens é necessário permitir um encontro com a
ideia que fazemos deles. O imaginário que a Igreja carrega dos jovens
pode atrapalhar o trabalho e criar um muro.

9
Mas por que ouvir os jovens?

Esta relação, no entanto, não pode ser unilateral ou autoritária.


Em um canto de uma determinada escola, alguns alunos ouviam um
funk com teor sexual explícito e, quando viram a professora passar,
desligaram imediatamente o som, constrangidos. A professora pode-
ria ter passado direto, ou feito um comentário de desaprovação. Mas
parou e se sentou ao lado daqueles jovens para “escutar juntos”.
Os alunos recomeçaram a música, e ao final, conversaram. A
professora lhes contou que também gosta de funk, e que sabe da
importância desse gênero musical para a cultura brasileira, mas que
ainda assim, alguns pontos precisavam de atenção e debate. A pro-
fessora perguntou: “Que papo é esse de novinha? Isso é machismo?”.
Ela lhes dirigiu essas perguntas porque seu papel como educadora
continua para fora da sala de aula. Conversar e escutar os jovens a
aproxima deles.
Mas construir essa relação nem sempre é simples. Seja pelas re-
lações de poder que se estabelecem em várias instâncias da Igreja,
seja pelas questões geracionais e dificuldade de enxergar o outro que
nutrimos entre nós, membros dessa mesma Igreja. Por isso, algumas
mudanças são necessárias nesse acompanhamento juvenil.
Os adultos que acompanham os jovens trabalham para os alu-
nos, por isso, é importante ouvi-los para que a aprendizagem faça
sentido. Temos que poder fazer isso juntos e criar uma correspon-
sabilidade pelo que acontece nos encontros. O modo de enxergar
as juventudes também importa. Muitas vezes há uma tendência de
olhar para a carência, mas as juventudes são muito mais do que isso.
Tem, sim, todas as desigualdades, mas também há muitas potencia-
lidades e outros conhecimentos que ignoramos, como alunos que
aprenderam a ler por meio do hip hop e do funk. Construir essa
relação pressupõe se desarmar em relação às imagens estigmatizadas
que se faz das juventudes. É tentar compreender quem é esse sujeito,
de onde ele vem, qual sua origem social, em qual contexto cultural
vive, quais são suas expectativas de futuro, quais são seus medos, o
que gosta de fazer e com quais outros jovens se relaciona.

10
O primeiro passo para realizar a escuta dos jovens consiste em
abrir o diálogo para estabelecer acordos com eles. É nesse momento
que podem mostrar-se abertos e decidir junto aos jovens quais serão
os principais canais de diálogo e as regras.
Queira Deus, possamos deixar os jovens falar, deixá-los nos in-
terpelar e possamos, na caridade, deixar-nos ser por eles evangeliza-
dos. Agradeçamos ao Santo Padre por esse novo jeito de evangelizar
que é reencarnar a juventude.
A escuta que gera protagonismo

Escutando a juventude vamos descobrindo suas dores, suas ne-


cessidades, suas aspirações e ali poderemos entrar com o Evangelho
que fortalece e vivifica nossos sonhos.
O Santo Padre confia muito na juventude para levar adiante esse
seu projeto de uma “Igreja em saída”. Ele confia nos jovens como um
sujeito eclesial e como um sujeito social. Vamos segurando nas mãos
do Santo Padre e com coragem e ousadia, marcar nossa presença
nesse hoje da Igreja.
Para isso, é fundamental iniciarmos esse ano Pastoral de 2020,
aprofundando o que o Nosso querido Papa e o Espírito Santo dizem
às Equipes de Jovens de Nossa Senhora. A juventude desorientada
e angustiada que, cada vez mais, engrossa as estatísticas de homicí-
dio e suicídio em nossos dias precisa de nós, do nosso testemunho
e anúncio. Não nos furtemos ao que o Santo padre espera de nós.
Vamos nos debruçar sobre essa exortação apostólica a nós dirigida e
extrair o máximo possível de estímulo para ser presença evangeliza-
dora nesse contexto urbano que tanto nos desafia. Cristo Vive e quer
viva essa linda juventude brasileira. Iniciemos a nossa caminhada de
aprofundamento nessa exortação apostólica com muito entusiasmo
e coragem.
A exortação de Francisco
A Exortação Apostólica Pós-sinodal ‘Christus Vivit’ (Cristo vive)
tem 299 pontos distribuídos em nove capítulos. No número 35, o
Papa convida os jovens a lutar para que a Igreja não seja obsoleta:

11
“Peçamos ao Senhor que liberte a Igreja da-
queles que querem torná-la obsoleta, esclero-
tizá-la no passado, impedi-la, torná-la imóvel.
Vamos também pedir-lhe para libertá-la de
outra tentação: acreditar que ela é jovem por-
que ela cede tudo o que o mundo lhe oferece,
acreditar que ela é renovada porque esconde
sua mensagem e se funde com os outros. Não!
Ela é jovem quando é ela mesma, quando re-
cebe a força sempre nova da Palavra de Deus,
da Eucaristia, da presença de Cristo e da for-
ça de seu Espírito todos os dias. Ele é jovem
quando consegue voltar de novo e de novo à
sua fonte”.
O Papa diz que os jovens são os principais atores da Igreja: “Que-
ro enfatizar que os próprios jovens são agentes da pastoral juvenil, acom-
panhados e orientados, mas livres para encontrar novos caminhos com
criatividade e audácia...Trata-se mais de colocar em jogo a astúcia, a
engenhosidade e o conhecimento que os jovens têm da sensibilidade, lin-
guagem e problemas de outros jovens” (Cf. nº 203).
O Santo Padre também chama a atenção de toda a comunidade
para ter a coragem de acompanhar os jovens sem julgar. “Isso implica
que se olhe para os jovens com compreensão, apreciação e afeição, e não
ser julgados permanentemente ou ser exigido uma perfeição que não res-
ponde à sua idade” (Cf. nº 243).
A exortação se conclui com «um desejo» do Papa Francisco:
“Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr
mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi
«atraídos por aquele Rosto tão amado, que ado-
ramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na
carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos
impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja
precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da
vossa fé. E quando chegardes aonde nós ainda
não chegamos, tende a paciência de esperar por
nós» (Cf. nº 299).

12
Vamos aproveitar esse “Kairós” juvenil e nos debruçar nessas
exortações do Santo Padre e, assim, assumir o nosso protagonismo
juvenil nesse Pontificado do Papa Francisco atendendo ao que ele
tanto espera de nós. Está é a Juventude do Papa!!!

Dom Nelson Francelino Ferreira


Bispo de Valença – RJ e
Presidente da Comissão Episcopal
Pastoral para a Juventude da CNBB

13
TEMA 2
OS JOVENS NA PALAVRA DE DEUS

A Escritura nos revela o modo pelo qual o Senhor chama os jo-


vens a segui-Lo e de forma especial como Ele vai ao encontro dos
mesmos. São inúmeros os relatos de personagens bíblicos jovens que
foram interpelados por Deus para cumprir uma grande missão.
Deus não despreza os jovens, pelo contrário, os atrai e os chama
para cumprir grandes missões em favor dos outros, em favor do Rei-
no e do mistério da Salvação. Deus tem um rosto jovem, porque Ele
é capaz de renovar-se e renovar a sua obra salvífica através dos jovens
que atendem ao seu chamado e fazem a sua vontade.
Deus aproveita-se do ímpeto da juventude para mostrar toda a
maravilha de Seus caminhos. Foi assim, por exemplo, que Deus sal-
vou os filhos de Jacó e, por consequência, todas as doze tribos de
Israel, através de José, o filho mais novo e “filho da sua velhice”.
Mesmo sendo vendido como escravo por seus irmãos, Deus não lhe
abandonou, mas o dotou de grandes poderes que o tornam o segun-
do homem mais poderoso de todo o Egito. Isso lhe possibilitou que
resgatasse todos os seus irmãos que acorreram ao Egito durante um
período de grande seca e fome, abrigando-os naquela nação e permi-
tindo que se tornassem um grande povo.
Poderíamos lembrar também do jovem Samuel, a quem o Se-
nhor chamou pessoalmente, ainda garoto, para uma missão profé-
tica. Mesmo ainda sem saber que era o Senhor que o chamava, Sa-
muel, no ímpeto de sua juventude, coloca-se à disposição do Senhor,
respondendo: “Eis-me aqui!” (1Sm 3,4); “Fala que o teu servo escuta!
” (1Sm 3,10). Assim, Samuel atende ao chamado de Deus e o Senhor
o torna “um profeta digno de fé” (Cf. 1Sm 3,20).
O rei Davi também merece destaque, pois era muito jovem
quando o Senhor o chamou para ser rei de Israel. Davi era somente o

15
mais novo de sete irmãos e sabia apenas “pastorear ovelhas” (Cf.1Sm
16,11). Todos os seus irmãos tinham estaturas físicas melhores, mas
o Senhor preferiu a Davi porque “o homem vê as aparências, mas o
Senhor olha o coração” (1Sm 16,7).
Vale destaque também o profeta Jeremias que foi chamado pelo
Senhor na flor de sua juventude, porém, o Senhor o lembra que o
seu chamado já havia acontecido “antes que fosse formado no seio
materno”. “Antes do seu nascimento o Senhor o consagrou e o de-
signou profeta das nações” (cf. Jr 1,5). Jeremias se sente incapaz por
causa da tenra idade e diz: “Ah, Senhor Deus, eu não sei falar, pois
ainda sou um jovem” (Jr 1,6). Mas o Senhor o encoraja a dizer sim
ao chamado, dizendo para não ter medo e que estará com ele para o
proteger (cf. Jr 1,8).
Todos esses exemplos nos mostram como Deus utiliza-se de nossa
juventude para dizer sim ao seu projeto de amor. Deus não olha para
a falta de experiência, nem para a fragilidade física, nem para a inse-
gurança, própria da idade jovem. Mas Deus olha o coração. É vendo
o coração que o Senhor sabe do que os jovens são capazes, pois é no
coração do jovem que estão potencializadas todas as grandes virtudes.
É no coração do jovem que estão os grandes sonhos; é lá que estão o
entusiasmo e o desejo pela novidade; é lá que está a vontade de fazer
diferente, de transformar o mundo, de fazer revoluções. “Um jovem
não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar
horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser
capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor
de si mesmo para construir algo superior” (Christus Vivit, nº 15).
Todas essas características de um coração jovem revelam uma
única coisa, que é o desejo de todo o ser humano que vem a este
mundo: o desejo de amar, que precisa ser ordenado e orientado para
o único e verdadeiro Amor. É nesse encontro com Deus que esse
amor cresce e sai de sua forma embrionária para tornar-se o verda-
deiro amor-doação, o amor que transforma e muda o mundo porque
preocupa-se, em primeiro lugar, em mudar a si mesmo.
“Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes e a Palavra de Deus
permanece em vós, e vencestes o Maligno” (1Jo 2,14). O Evangelista
João nos revela a força da juventude quando em consonância com a

16
Palavra de Deus. De fato, a Palavra de Deus quando semeada num
coração sedento por Deus é capaz de produzir frutos em abundância.
Por isso já dizia São João Paulo II aos jovens: “A Igreja os vê com
confiança e espera que sejam o povo das bem-aventuranças! “Vós sois
o sal da terra… Vós sois a luz do mundo”. E ainda: “Caros jovens, só
Jesus conhece o vosso coração e os vossos anseios mais profundos. Só
Ele, que vos amou até à morte (cf. Jo13,1) é capaz de saciar as vos-
sas aspirações. As suas palavras são de vida eterna, palavras que dão
sentido à vida. Ninguém, senão Jesus, poderá dar-vos a verdadeira
felicidade” (Mensagem em preparação para a Jornada Diocesana da
Juventude – 08/03/2003).
As palavras de São João Paulo II nos recordam que a verdadeira
motivação de um jovem deve ser feita através do conhecimento de
Jesus Cristo. Mas para chegar ao conhecimento pleno de Jesus é pre-
ciso conhecer a Palavra de Deus, pois Ele é a “Palavra”, o “Logos”, o
“Verbo” feito carne. Ela nos revela Deus e seu plano de amor. Mais
do que as ideologias deste mundo, é a Palavra de Deus que desperta
no coração do jovem os mais profundos anseios que o levam a amar
Cristo e sua Igreja. Nada pode preencher esse desejo íntimo que
todo jovem traz no coração senão a Palavra de Deus. Desejo este que
muitas vezes permanece velado e adormecido, muitas vezes sufocado
pelos barulhos e apelos sedutores do mundo que o cerca. É a Palavra
de Deus que abre os horizontes, é ela que dá sentido à vida, é ela que
traz a verdadeira felicidade.
Portanto, jovens, não hesiteis em conhecer e viver essa Palavra.
Inspirai-vos nos exemplos dos jovens da Bíblia, que foram interpela-
dos por Deus através de sua Palavra. Imitais esses jovens para serdes
jovens de fé, de verdadeira e profunda fé cristã.
O Concílio Vaticano II nos lembra que: “A Igreja venerou sempre
as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não
deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir
aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do
Corpo de Cristo” (cf. Constituição Dogmática Dei Verbum, nº 21).
Conhecer as Escrituras é conhecer Jesus e os desígnios de Deus,
bem como o seu plano de amor para o ser humano. Faz-se necessário
conhecer e viver a Sagrada Escritura pois “a palavra de Deus é viva

17
e eficaz” (Hb 4,12), “capaz de edificar e dar a herança a todos os
santificados” (At 20,32). Também o Concílio nos exorta à leitura
frequente da Sagrada Escritura porque “a ignorância das Escrituras é
ignorância de Cristo” (São Jerônimo). E assim, o Concílio nos con-
vida que nos “debrucemos, pois, gostosamente sobre o texto sagrado,
quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela
leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão
louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos
pastores da Igreja” (cf. Constituição Dogmática Dei Verbum, nº 25).
É somente dessa forma, jovens, que sereis testemunhas vivas de
Cristo no mundo. Nas palavras de São João Paulo II: “A humanidade
necessita imperiosamente do testemunho de jovens livres e valentes, que
se atrevam a caminhar contra a corrente e a proclamar com força e en-
tusiasmo a própria Fé em Deus, Senhor e Salvador”. Sejais, portanto,
como os jovens da Bíblia que foram dóceis aos apelos do Senhor, que
atenderam ao seu chamado, que venceram seus temores e inseguran-
ças, que se abandonaram à Sua vontade, mas que, acima de tudo, co-
locaram seus corações numa abertura total ao Seu amor; deixaram-se
amar por Ele e por Ele se apaixonaram. Nada mais belo do que um
coração apaixonado por Deus, um coração que se deixa enamorar
pelos seus ensinamentos e sua vontade. É disso que o mundo precisa
e é isso que cada jovem aspira no mais profundo do seu ser.
No Evangelho segundo Lucas, também aparece um personagem
bastante conhecido nosso; uma parábola muito conhecida, que narra
um pouco sobre os sonhos de autonomia buscado por muitos jovens
e tão comum na idade juvenil. Trata-se da chamada “parábola do
filho pródigo” (Lc 15,11-32).
Esse jovem da parábola não é diferente de tantos outros jovens
que procuram a tal liberdade e autonomia que, por falta de direcio-
namento e pela ausência de Deus em suas vidas, acabam por trans-
formar esse sonho de autonomia em libertinagem e devassidão, onde
o pecado é que acaba por ditar as regras do jogo. O final dessa vida
desenfreada é a miséria e a solidão, porque não há outro destino para
quem se afasta da convivência com Deus, para quem volta as costas
para Deus. Porém, esta mesma narrativa nos mostra um jovem que,
apesar de suas escolhas erradas, é capaz de reconhecer seus pecados

18
e voltar atrás de sua decisão; é capaz de reconsiderar tudo o que fez
e começar tudo de novo; é capaz de perceber que, longe da presença
do Pai (Deus), a vida é tormento, sofrimento e solidão. Este jovem
revela outra grande característica juvenil: a disposição de mudar, a
vontade de dar a volta por cima, de se reerguer e deixar-se instruir
novamente pela proteção amorosa do Pai.
Mas nem todo mundo se alegra com essa volta deste jovem à casa
paterna. O seu irmão mais velho, não só revela uma inveja latente,
mas também simboliza um coração envelhecido que não se alegra
mais com a conversão dos outros, de quem se julga fiel ao Pai, de
quem vive uma vida religiosa, mas é incapaz de viver o espírito do
amor e da misericórdia ensinados pelo Pai.
A parábola nos ensina que Jesus quer o jovem com um coração
sempre jovem. Ou seja, um coração que está disposto a despojar-
-se do “homem velho” (homem do pecado) e a revestir-se do “ho-
mem novo” (homem da graça) (cf. Col 3,9-10). Ela nos ensina que
a verdadeira juventude é ter um coração capaz de amar. Ou seja, um
coração que não cessa de se renovar, um coração capaz de ter “sen-
timentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão,
de paciência, suportando as fraquezas dos outros e perdoando-as”
(cf. Col 3,12-13). Na verdade, trata-se de um convite para que todos
nós permaneçamos com um coração jovem, porque o que envelhece
a alma é tudo o que nos separa dos outros.
Outro caso curioso também que vemos no Evangelho de Mateus
é o chamado “jovem rico” (cf. Mt 19,16-22). Este jovem possuía um
coração desejoso de fazer mais, de ser útil, de servir ao Senhor, de
buscar um estado de perfeição “com aquele espírito aberto típico dos
jovens, que busca novos horizontes e grandes desafios” (cf. Christus
Vivit, nº 18). Mas ele já estava corrompido pelo apego às coisas ma-
teriais, algo muito típico de nossos tempos, que prega um consumis-
mo exagerado e a busca de comodidades e confortos desnecessários.
“Quando Jesus lhe pede para ser generoso e distribuir os seus bens,
deu-se conta de que não era capaz de desprender-se do que possuía”
(Christus Vivit, n° 18).
O que Jesus ensina aos jovens e a todos nós é que devemos vi-
ver uma vida de desapego e entrega. Quantos jovens desde a tenra

19
idade descobriram a maravilha que é ter uma vida simples, onde a
sua confiança reside exclusivamente nas mãos providentes de Deus.
Quantos jovens abandonam-se numa vida de seguimento a Jesus e
experimentam a verdadeira liberdade e felicidade dos filhos de Deus.
Jovem, não deixe que o tempo e os bens materiais lhe roubem os
sonhos. O jovem rico, da parábola, que fora tão fiel ao Senhor em
sua juventude, deixou que o tempo lhe roubasse os sonhos e a von-
tade de fazer algo diferente, preferindo ficar apegado aos seus bens.
Portanto, jovem, você também é convidado para tornar-se “perfeito”
aos olhos de Deus, não tendo medo de lançar-se nessa aventura de
desprender-se de tudo o que nos afasta do Senhor e, assim, dar um
sentido novo e único à sua vida!
O Evangelho também nos fala da parábola de algumas jovens
prudentes que estavam prontas e vigilantes, e de outras que estavam
distraídas e sonolentas (cf. Mt 25,1-13). Essa parábola é um alerta a
todos os cristãos para que não passem por sua existência terrena de
maneira descuidada e distraída, sem buscar as coisas mais importan-
tes, sem cultivar a fé e os autênticos valores cristãos.
A juventude é, geralmente, a fase onde são despertados os so-
nhos e os projetos de uma vida futura, mas também corre-se o risco
de se viver uma vida superficial e medíocre, sem grandes projetos e
aspirações para o futuro, levando muitos jovens a passarem por esta
existência sem fazerem a diferença para a sociedade, sem somarem à
vida dos outros. Na vida cristã também isso pode acontecer.
Se não há um objetivo claro de onde se quer chegar, se não há
uma experiência profunda e verdadeira com o Cristo, pode-se gastar
a juventude de maneira superficial e distraída, inerte, como se esti-
vesse num sono profundo, sem conquistar relações profundas e ob-
jetivas, sem transformar o coração. São muitos hoje que, na ausência
de relações profundas com Deus, preparam um futuro pobre, sem
substância.
Porém, contrariando a isso tudo, cada jovem é convidado a “gas-
tar a juventude cultivando coisas nobres e grandes e, assim, preparar
um futuro cheio de vida e riqueza interior” (cf. Christus Vivit, nº
19). O Evangelho nos apresenta um Jesus jovem que sempre exorta

20
todo jovem que a ele acorre a levantar-se, a sair de seu sono de morte,
como fez com o filho da viúva de Naim (cf. Lc 7,11-14), ordenando-
-lhe: “Jovem, eu te ordeno: levanta-te! ”.
A juventude é um tempo especial na vida de todos nós, é o tem-
po de se aprender a ser adulto e responsável. É uma fase de transição,
importantíssima para se construir um futuro sólido e promissor, mas
também é uma fase de descobertas e decisões, que costumam, muitas
vezes, ser confusas e trazer muitas tentações. Por isso, é importante
que nesta fase da vida se firme um relacionamento sólido com Deus.
Em busca desse aprendizado, não se deve desprezar a sabedoria
das pessoas mais velhas, durante esta fase. Eles podem ensinar muita
coisa, porque têm uma vasta experiência de vida. Daí a palavra bíbli-
ca que diz: “Sede submissos aos anciãos” (1Pd 5,5). Entenda-se aqui,
submissão como aprendizado. E os primeiros responsáveis por esse
aprendizado dos jovens são os pais, tanto e de tal modo que Deus
criou um mandamento especial para isso: “Honra teu pai e tua mãe,
como te mandou o Senhor, para que se prolonguem teus dias e pros-
peres na terra que te deu o Senhor, teu Deus” (Dt 5,16). Ao mesmo
tempo, de sua parte, os pais precisam ser compreensivos e ajudar os
filhos a serem independentes sem os irritar: “Pais, deixai de irritar
vossos filhos, para que não se tornem desanimados” (Col 3,21). “A
Bíblia sempre convida a um respeito profundo pelos idosos, porque
abrigam um tesouro de experiência, experimentaram os êxitos e os
fracassos, as alegrias e as grandes tribulações da vida, as esperanças e
as desilusões, e, no silêncio do seu coração, guardam tantas histórias
que nos podem ajudar a não errar nem enganar-nos com falsas mi-
ragens” (cf. Christus Vivit, nº 16). Os mais velhos ajudam os jovens
a serem moderados e prudentes, e isso ajuda os jovens a não cair no
“culto da juventude”, onde se valoriza demais o vigor e a dinâmica
juvenil em detrimento da experiência das gerações mais velhas, ditas
de “outro tempo”. É Jesus mesmo que nos ensina que “a pessoa sábia
é capaz de tirar do seu tesouro coisas novas e velhas” (cf. Mt 13,52).
“Um jovem sábio abre- se ao futuro, mas permanece capaz de valori-
zar algo da experiência dos outros” (cf. Christus Vivit, nº 16).
A juventude é chamada de “a flor da idade” porque é cheia de
beleza, vigor, entusiasmo, engenhosidade, criatividade e vida. Mas é

21
grande o número de jovens que sofrem por não terem encontrado o
sentido da vida, não lhes foi mostrada a beleza da vida e a beleza de se-
guir a vontade de Deus. São jovens perdidos no meio da violência, no
crime, no sexo, nas drogas, que não aprenderam limites, sem compro-
misso com as coisas mais sérias da vida – jovens sem amor e sem Deus.
A esses jovens é preciso mostrar um caminho novo, uma nova
vida, um novo sentido às suas vidas. E isso se dá, de maneira especial,
através de uma forte experiência com Deus. Por isso, faz-se necessá-
rio que você, jovem cristão, faça a diferença no mundo e na vida de
outros jovens. Mas para isso, é preciso em primeiro lugar, que você
seja discípulo de Cristo, que você faça essa experiência de amor com
Jesus, que você seja amigo Dele, confiando a sua vida toda a Ele, pois
é Ele mesmo que diz: “quem perder a sua vida por minha causa e por
causa do Evangelho, salvá-la-á” (Mc 8,35).
“Caríssimos jovens, como os primeiros discípulos, segui Jesus!
Não tenhais medo de aproximar-vos d’Ele, de passar a entrada da sua
casa, de falar com Ele face a face, como se convive com um amigo
(cf. Ex 33,11). Não tenhais medo da «vida nova» que Ele vos oferece:
Ele mesmo dá-vos a possibilidade de acolhê-la e de a pôr em prática,
com a ajuda da sua graça e o dom do seu Espirito” (Mensagem do
Papa João Paulo II aos Jovens por ocasião da XII Jornada Mundial da
Juventude, nº 3, 1997).
O mesmo Santo Papa convida os jovens a sair da superficialidade
e do medo para que sejam homens e mulheres novos, regenerados pela
graça batismal. O jovem é convidado pela Igreja para descobrir a vida
nova em Cristo, uma vida que exige uma intimidade com Jesus na
oração, na Palavra, nos sacramentos e com os irmãos. “Conversai com
Jesus na oração e na escuta da palavra; saboreai a alegria da reconci-
liação no sacramento da Penitência; recebei o Corpo e o Sangue de
Cristo na Eucaristia; acolhei-O e servi-O nos irmãos. Descobrireis a
verdade sobre vós mesmos, a unidade interior, e descobrireis o ‘Tu’ que
é a cura das angústias, dos pesadelos, daquele subjetivismo selvagem
que não deixa ninguém em paz” (Mensagem do Papa João Paulo II aos
Jovens por ocasião da XII Jornada Mundial da Juventude, nº 3, 1997).
Jesus está com os jovens, Ele se faz jovem porque deseja sempre
renovar sua Igreja através do ímpeto juvenil. Mas para isso é preciso

22
segui-Lo, ter desde já uma vida de intimidade sólida com Ele, que
sirva de base para o futuro cristão ou cristã que Ele espera que se-
jais: “Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que
venham os maus dias e que apareçam os anos dos quais dirás: ‘Não
sinto prazer neles! ’” (Ecl 12,1). É preciso evitar o pecado, pois a
juventude é a fase de muitas descobertas maravilhosas, mas também
de tentações e ciladas: “Foge das paixões da mocidade, busca com
empenho a justiça, a fé, a caridade, a paz, com aqueles que invocam
o Senhor com pureza de coração” (2Tm 2,22). É necessária a humil-
dade porque sempre há o que se aprender com os outros e de manei-
ra especial com as pessoas, cuja idade já lhes deu mais experiência:
“Semelhantemente, vós outros que sois mais jovens, sede submissos
aos anciãos. Todos vós, em vosso mútuo tratamento, revesti-vos de
humildade; porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos
humildes” (1Pd 5,5). E, por fim, é necessário a confiança em Deus.
O futuro é sempre uma incógnita, muito desafiador e, por vezes,
assustador. Mas é importante saber que o Senhor nunca abandona
os que Nele confiam: “Isto é uma ordem: sê firme e corajoso. Não
te atemorizes, não tenhas medo, porque o Senhor está contigo em
qualquer parte para onde fores” (Js 1,9).
“No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo!”
(Jo 16,33).

Padre Idamor Jr.


Arquidiocese de Belém – PA

Sugestões de Leitura:
- 1Sm 3,1-21
- 1Sm 16,1-13
- Jr 1,1-10
- Lc 15,11-32
- Mt 19,16-22
- Mt 25,1-13
- Lc 7,11-16

23
TEMA 3
O JOVEM JESUS

“Ninguém te desprezes por seres jovem. Ao contrário, torna-te


modelo para os fiéis, no modo de falar e de viver, na caridade, na fé
e na castidade”. (Cf. 1 Tm 4, 12).
O terceiro capítulo deste temário tem como tema ‘O Jovem Je-
sus’. Pretendemos então, seguir nessa viagem com vocês, queridos
equipistas, passando inicialmente pelos jovens que, no Antigo Testa-
mento, foram sinais de Deus mesmo diante das dificuldades da vida;
chegando ao jovem Jesus e trazendo para a realidade atual, figurada
pelo documento papal, a Exortação Apostólica Christus Vivit.
Caro jovem, você imagina que os problemas e dificuldades que
você vive hoje são exclusivos dessa nossa geração? Na verdade, jovens
de todas as gerações têm enfrentado os mesmos problemas que en-
frentamos hoje na caminhada cristã. O avanço da humanidade criou
grandes modificações em nossa forma e padrão de vida, com suas
muitas invenções, mas os problemas são frequentemente os mesmos
hoje como em séculos atrás, nos dias bíblicos.
Vejamos, então, como eles enfrentaram aqueles problemas com a
fé em Deus e coragem para viver por aquela fé.
Modelos de juventude no Antigo Testamento

Nas páginas do Antigo Testamento, vemos alguns exemplos de


jovens que superaram os desafios da vida, com o foco em Deus. Você
conhece a história de José e de Ester?
Quem era José? O livro do Gênesis devota quase trinta por cento
dos seus capítulos à vida de José, filho de Jacó (cf. Gn 37ss). A sua
vida foi incomum, pois ele foi vendido para a escravidão no Egito
quando tinha dezessete anos, e naquele país ele passou os treze anos

25
seguintes como escravo e na prisão. Tinha apenas trinta anos de ida-
de quando se tornou governador da maior civilização daquela época.
Ali, em terra estranha, casou-se com mulher estrangeira, viveu e rei-
nou no Egito durante oitenta anos.
Que problemas semelhantes aos nossos José enfrentou? José não
foi compreendido pela sua família, era invejado e odiado por seus
irmãos e com isso, a sua juventude não podia ser suave, em tais cir-
cunstâncias. Não lhe foi fácil ser repentinamente desmoralizado da
posição de filho predileto de Jacó, para ser escravo na casa de Potifar,
no Egito. Ele foi colocado em posição difícil. Quando ele foi ele-
vado repentinamente da prisão para o trono, enfrentou a tentação
do orgulho e da arrogância, que uma prosperidade assim, súbita,
propícia. Mais tarde, ele teve todas as oportunidades de vingar-se dos
seus irmãos por causa da traição que eles lhe haviam feito, quando
menino. Como foi que José resolveu os seus problemas? José tinha
fé e dependência de Deus, que o mantiveram fiel em meio a todas
estas circunstâncias e problemas. A vida e as oportunidades de José
foram maiores ou menores do que as nossas? A vida era mais simples
naquela época do que agora, mas era mais primitiva e incerta em
outros sentidos. A única certeza que temos é que: assim como para
José, para nós também, Deus é o único que exalta o humilde coração
que Nele confia, e abate o orgulhoso e ímpio.
Quem era Ester? Ester era uma bela órfã judia, que viveu na
Pérsia durante a época histórica em que o seu povo estava emigrando
em ondas sucessivas, de volta a Canaã, saindo do exílio babilônico
(cf. Es 1ss). Ela, como José no Egito, e como Daniel na Babilônia, foi
usada por Deus para livrar o seu povo da aniquilação. A sua beleza, o
seu espírito de sacrifício e o seu tato tornaram-na uma arma eficiente
na mão de Deus para evitar o desastre da sua raça. A oportunidade
de Ester surgiu quando ela ganhou um concurso de beleza, realizado
com representantes de cento e vinte e sete países e províncias do Im-
pério Persa, para eleger uma rainha.
Como era a vida na época de Ester? Ester e o seu povo eram
uma raça minoritária em uma terra estranha. Era um povo desapos-
sado, com limitada liberdade pessoal. O soberano oriental era cruel e
opressor. A sobrevivência era uma luta diária.

26
Que problemas semelhantes aos nossos Ester enfrentou? Ester
enfrentou e participou da perseguição do seu povo. Sem dúvida, ela
foi tentada a ficar em silêncio e escapar à vergonha ou ao prejuízo
pessoal. Hoje, os jovens cristãos não gostam de ser encarados como
“diferentes”. Todos nós enfrentamos uma crise, mais cedo ou mais
tarde. Como foi que Ester resolveu os seus problemas? Ela estava dis-
posta a abandonar a sua posição – e até a sua vida – a fim de salvar o
seu povo (Ester 4,13; 5,1-8) e teve a coragem de falar quando chegou
a hora, mas com sabedoria.
Citando estes dois personagens do Antigo Testamento já pode-
mos perceber como você equipista, do setor A ou B, equipe A ou
B, com mais ou com menos recursos financeiros, ou com menos ou
com mais anos, com mais ou com menos conhecimento, pode e deve
ser um sinal desta revolução do amor de Deus onde quer que esteja.
Agora vamos ao nosso jovem-mestre Jesus.
Modelo de Juventude – Jesus Cristo

É o evangelista Lucas que vem em nosso socorro para registrar a


idade com a qual o nosso Bom Mestre iniciou o seu ministério: trinta
anos (cf. Lc 3, 23). Jesus iniciou o seu ministério de acordo com o
costume de sua época e de seu povo, Ele iniciou a pregação do Reino
de Deus. Foi Ele mesmo que trouxe até nós o Reino através de sua
vinda a esta terra, sua morte e ressurreição. Proporcionou-nos a pos-
sibilidade de engajarmos em sua causa. Após sua ascensão aos céus,
o dever de evangelização do Reino de Deus foi passado para os seus
também jovens apóstolos.
Vejamos agora como Jesus se apresentou e como Ele foi visto
pelos contemporâneos. Assim como você jovem tem um nome, pelo
qual foi batizado, crismado e um dia será chamado pelo Pai do Céu,
o filho de Deus feito homem recebeu o nome de IESHU’A. Significa
“Iavé é salvação”. O nome foi indicado pelo anjo (Mt 1,21; Lc 1,31)
e dado na circuncisão (Lc 2,21). Quanto à filiação, era filho de José e
Maria (Lc 4,22). Com base nos Evangelhos, sabemos que Jesus nas-
ceu no fim do reinado de Herodes e que tinha cerca de 30 anos no
início do ministério (Lc 3,23). Jesus se apresentou e foi considerado

27
como natural de Nazaré (Mc 6,1; Mt 21,11), onde, sem dúvida, foi
criado (Lc 4,16). O centro da atividade de Jesus foi Cafarnaum (Mc
1,21.29; 9,33; Mt 4,12s; 9,1), cidade importante na época de Jesus,
por ser fronteiriça e por causa da pesca. Jesus foi educado para captar
os traços concretos e quotidianos da vida. Deve ter recebido a cultura
básica da sinagoga. Sabia ler e escrever hebraico e aramaico (Cf. Lc
4, 16s). Teve a educação de um artesão e camponês de uma pequena
vila da Galiléia. Nunca residiu em centros importantes e nem os fre-
quentou, com exceção de Jerusalém. A iconografia mais antiga o re-
presentou como um judeu típico, com barba e pele morena. Essa re-
presentação coincide com o que se pode reconstruir através do exame
do santo sudário. À quem o jovem Jesus se dedicou em sua jornada?
Os destinatários do Evangelho do Reino são os pobres em Espíri-
to. Os pobres se distinguem assim dos miseráveis e mendigos e dos es-
cravos. São pessoas que, por serem desprovidas de bens materiais, não
têm poder nem influência, mas vivem uma situação de sujeição aos
mais ricos e poderosos. São considerados incapazes de observar inte-
gralmente a Lei de Moisés, pois não tinham instrução suficiente. Eles
tinham assimilado todas essas concepções, convencidos de que assim
deveria ser, por necessidade divina, natural, social ou legal que fosse.
Outro grupo de destinatários privilegiados do Reino trazido pelo
jovem Jesus e do Evangelho são os pecadores. Esta categoria é dis-
tinta da anterior, pois abrange ricos e pobres, pessoas respeitáveis e
outras, desprezadas. Hoje também a sociedade censura e despreza só
alguns tipos de pecadores, enquanto outros são enaltecidos. Quem
são exatamente os pecadores em questão, por que e, de que maneira,
Jesus veio para eles? Os que cometeram faltas graves contra a mora-
lidade, mesmo que de maneira não habitual: os ladrões, assassinos,
devassos, adúlteros e outros. Essas pessoas deviam ser punidas com
a morte, segundo a Lei. Os que eram mais especificamente apon-
tados como pecadores públicos: as prostitutas e os publicanos. Os
que não observavam as normas da pureza ritual e da disciplina. Tais
faltas eram reparadas com os sacrifícios e com as obras de piedade:
esmola, jejum e oração. Os que levavam um tipo de vida ou exerciam
uma profissão considerada em si mesma pecaminosa, independente-
mente do comportamento efetivo da pessoa: pastores, comerciantes,

28
coveiros e outros. Os que pertenciam a nacionalidades estrangeiras,
consideradas pecadoras ou pelo menos, suspeitas: os samaritanos, os
pagãos – chamados de cães –, os galileus, em parte, e o povo simples,
em geral. Os enfermos (leprosos, cegos e outros) julgados punidos
por seus pecados.
Já deu para sentir, querido Jovem, qual o seu papel depois da
leitura deste capítulo?
Jesus Cristo sempre jovem

Vejamos alguns trechos do documento papal Christus Vivit:


“Cada jovem, quando se sente chamado a cumprir uma missão nesta
terra, é convidado a reconhecer dentro de si as mesmas palavras que
Deus Pai dissera a Jesus: «Tu és o meu filho muito amado” (cf. nº
25). Jovem você é amado por Deus!
Não deixe que as dificuldades e as desilusões da vida sufoquem
a presença de Deus em seu coração. Olhe para o Senhor como uma
relação de amor. E assim, como num namoro, depois de certo tempo
você vai assimilando os gestos e a maneira de ser da pessoa amada,
faça o mesmo com Jesus. Quem tem a certeza do amor redentor em
sua vida pode fazer obras maravilhosas por onde quer que vá. “Com
base nestes dados evangélicos, podemos afirmar que Jesus, na sua fase
juvenil, foi-Se «formando», foi-Se preparando para realizar o projeto
que o Pai tinha. A sua adolescência e juventude orientaram-No para
esta missão suprema. ” (Cf. nº 27).
Estimado Jovem, se faz necessária uma preparação especial para
andar de braços dados com o Mestre. Hoje se fala tanto em acade-
mia, esportes variados numa obrigação quase que diária e religiosa
de se manter um corpo perfeito, assim também deverá ser feito na
dimensão espiritual. Robustecer o Espirito através dos meios ofereci-
dos pelas EJNS: oração, meditação da Palavra de Deus, Plano Pessoal
de Vida e encontros comunitários que favorecem uma correta relação
entre o corpo e a mente, dentro de um crescimento ordenado para a
formação cristã. “Não devemos pensar que Jesus fosse um adolescen-
te solitário ou um jovem fechado em si mesmo. A Sua relação com as
pessoas era a de um jovem que compartilhava a vida inteira em uma

29
família bem integrada na aldeia. ” (Cf. nº 28). É bem verdade que
vivemos hoje um fenômeno negativo na esfera religiosa de uma in-
dividualização da fé exacerbada. Estão muito preocupados em fazer
a SUA novena, em conseguir a SUA graça particular ou em fazer a
SUA adoração privada. Precisamos coibir toda espécie de individu-
alismo religioso, onde o EU esquece que a Fé é vivida comunitaria-
mente, no Amor ao próximo como a nós mesmos (Cf. Mt 22, 35ss).
Será sempre no coletivo, nas reuniões e momentos de partilha
em grupo que o Espirito de Deus manifestará a sua vontade para
nós. Peçamos ao Senhor que liberte a Igreja daqueles que querem en-
velhecê-la, ancorá-la ao passado, travá-la, torná-la imóvel. Peçamos
também que a livre de outra tentação: acreditar que é jovem porque
cede a tudo o que o mundo lhe oferece, acreditar que se renova por-
que esconde a sua mensagem e mimetiza-se com os outros.” (Cf. nº
37).
Eis, enfim, o nosso maior desejo: Sermos Igreja na medida cer-
ta! Você que é Jovem deve ser, na sinceridade de suas atitudes, um
cristão autêntico. Não viva com uma espécie de “capa de Santidade
falsa”, alheio às situações da vida, num tipo muito piedoso, mas que
interiormente arde em podridão e julgamento alheio. Lembre-se o
Jovem Jesus lhe ama como você é, esperando que um dia você seja
como Ele quer.

Padre Hachid Ilo


Diocese de Campina Grande – PB

30
TEMA 4
OS JOVENS SANTOS

Santidade: a meta do Cristão

A santidade deve ser a meta de todo cristão. Um cristão que não


almeja a santidade não compreendeu ainda o que significa ser cris-
tão, pois ser santo é inerente à identidade daquele que tem Cristo
por seu mestre e salvador. O próprio termo cristão, utilizado pela
primeira vez em Antioquia, remete ao significado de ser discípulo e
imitador de Cristo.
Sendo assim, na medida em que Deus nos chama a sermos Seus
discípulos, também nos reveste de dons para que possamos imitá-Lo,
segui-Lo. Pois, “a exemplo da santidade daquele que vos chamou,
sede também vós santos em todas as vossas ações, pois está escrito:
Sede santos, porque eu sou santo” (I Pd 1, 15-16).
Claro que não podemos ver esta santidade como algo que está
para além de nossas possibilidades e capacidades, se Deus nos chama,
significa que somos capazes e revestidos dos dons do Espírito Santo
para sê-lo. Deus cuida, nunca nos desampara. Deus não engana, nem
se engana.
Afaste de nós todo e qualquer pensamento que implique uma
concepção moralista do significado de ser santo. Ser santo é muito
mais do que seguir normas. A santidade está para além disso, ser san-
to é ser íntimo, ser próximo, é conhecer Jesus no sentido mais pro-
fundo possível. Quando os discípulos da primeira hora perguntaram
a Jesus onde morava, Ele respondeu “Vinde e vede” (Jo 1,39). Ou
seja, somos convidados a ver a morada de Jesus, somos convidados a
sermos íntimos d’Ele, a estamos próximos d’Ele e permitir que faça
do nosso coração Sua morada e fazer com que habitemos no Seu

31
Sagrado Coração. Deus quer armar Sua tenda em nossa vida, em
nossa história. De modo que um santo nada mais é do que alguém
que se deixou tornar íntimo de Cristo. Uma santidade que é pautada
e fundamentada em mero cumprimento de normas é enganadora,
mentirosa, não se sustenta, é egoísta como o filho mais velho que não
aceitou o retorno do irmão mais novo.
Além dessa constante busca pela intimidade de Deus, devemos
ter conhecimento que a santidade está intimamente ligada à humil-
dade. “A humildade é o caminho da santidade” (Papa Francisco). Foi
este caminho que levou Maria a ser mãe do Salvador.
A humildade de Maria, diferentemente da soberba de Eva, é fe-
cunda e traz para nós aquele que nos santifica por meio da entrega de
Seu sangue precioso. Logo, é a humildade de Maria que faz ser quem
é, não somente sua virgindade. Cristo também nos ensina que é pela
humildade que alcançaremos a santidade, por meio de sua própria
vida. Ele que não se vangloriou de sua condição divina, “mas aniqui-
lou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-
-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem,
humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte
de cruz.” (Fl 2, 7-8).
A busca pela Santidade

Convictos de nossa identidade, de nossa vocação à santidade, de-


vemos buscar contemplar e viver o que rezamos no Pai Nosso. Que
sejamos libertos de todo mal, principalmente o mal da não conversão,
da dureza de coração. Que seja sempre feita a vontade do Pai que é a
nossa salvação, a nossa santificação. Como cristãos somos chamados
a sermos santos como nosso Pai é santo. Não se trata de um conse-
lho, de uma recomendação, mas de um imperativo categórico: “sede
perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.” (Mt 5,48). Não
porque somos obrigados, mas porque é próprio da nossa natureza.
A santidade também não se trata de merecimento, mas de dom.
É benção, é graça de Deus. Um santo não é alguém que é melhor
dentre os outros, pois não estamos falando de competição, mas é
aquele que se reconhece como pior, como dependente da misericór-

32
dia de Deus. Somos fracos, o nosso auxílio está no nome do Senhor.
O nosso mérito se dá ao reconhecermos que sem Deus não podemos
nada, mas com Ele podemos tudo, pois “tudo posso naquele que me
fortalece.” (Fl 4, 13).
Um santo é alguém que reconhece Deus como princípio e fim
de todas as coisas. É alguém que tem esperança no amor, na presença
e na misericórdia de Deus. Um santo é alguém que renuncia a si
mesmo, renuncia sua vontade para fazer a vontade de Deus. Aí está
uma das maiores dificuldades, pois não queremos renunciar nada,
nem mesmo aquelas roupas que não usamos e que estão guardadas
em nosso guarda-roupa. Mesmo não usando, mesmo não tendo mais
utilidade para nós, não conseguimos renunciá-las.
Papa Francisco nos fala que Deus nunca se cansa de nos perdoar,
nós que nos cansamos de pedir perdão. Um santo é alguém que não
se cansa de pedir perdão, é alguém que busca incessantemente a mi-
sericórdia de Deus. Logo, santidade não está ligada à perfeição, mas à
imperfeição que é transfigurada pela misericórdia de Deus. Devemos
parar de alimentar a ideia de que um santo é como um super-herói
dos quadrinhos, a santidade “não torna-[nos] menos humanos, por-
que é o encontro da fragilidade [do homem] com a força da graça.”
(Papa Francisco)
Como filhos de Deus, separados pelo batismo, somos impelidos
a viver esta santidade. Mas não caiamos no erro de pensar que esta
santidade é alcançada de maneira repentina. A conversão é constan-
te, é diária, só deixaremos de buscar essa conversão no último suspiro
de nossa vida. Santo Agostinho, sabendo da paciência de Deus para
com a nossa conversão, para com a nossa santificação nos mostra
que mesmo na conversão tardia, Deus nos acolhe com seu amor pe-
netrante e cativante. Diante disso, louva a Deus dizendo: “Tarde te
amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei! Eis que
habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora!”.
Logo, tenhamos paciência conosco e sigamos o conselho de São
Francisco de Assis quando nos ensina a começar fazendo o que é ne-
cessário, depois o que é possível, e de repente perceberemos que esta-
remos fazendo o impossível, não por nossos méritos, mas por cuidado
de Deus. De modo que ser santo, como dizia Santo Afonso de Ligó-

33
rio, “é saber amar a Jesus Cristo” no cotidiano de nossas vidas, no dia-
-a-dia, nos momentos de dificuldades, nas preocupações ordinárias,
mas também nos momentos de alegria, nas experiências singulares.
Infelizmente hoje, influenciados por uma cultura hedonista e
relativista, estamos vendo a santidade sendo colocada como algo im-
possível, como algo inalcançável. E quando é admitido como algo
possível, deixamos reservado para os padres e freiras. Fazendo isso,
esquecemos que santidade é uma vocação universal. Todo filho de
Deus é chamado a ser santo. Diante dessa concepção secularizada
nos tornamos céticos para a possibilidade de vivenciar uma experiên-
cia de santidade. Principalmente os nossos jovens.
Sabendo disso, Papa Francisco, em sua exortação pós-sinodal
Christus Vivit nos mostra que é possível ser Santo e ser Jovem. Não só
é possível como é necessário para a renovação da Igreja. Pois, “através
da santidade dos jovens, a Igreja pode renovar o seu ardor espiritual
e o seu vigor apostólico.” (Cf. Christus Vivit, nº 50).
O próprio São Paulo recomenda a Timóteo para que na sua ju-
ventude seja um modelo para a comunidade e não desconsidere sua
vocação à santidade por causa da juventude: “Ninguém te despre-
ze por seres jovem. Ao contrário, torna-te modelo para os fiéis, no
modo de falar e de viver, na caridade, na fé, na castidade.”(I Tm
4,12). Logo, nossa juventude não deve ser um empecilho para a bus-
ca da santidade, muito pelo contrário, deve ser uma motivação para
uma busca constante pela mesma.
A certeza de que é possível ser santo nos tempos de hoje nos dá
uma esperança que cai em nosso coração como um bálsamo, e cura
as chagas da falta de fé, do ceticismo, do ateísmo e do relativismo,
“levando-nos àquela plenitude do amor para qual, desde sempre, es-
tamos chamados: os jovens santos impelem-nos a voltar ao nosso
primeiro amor (cf. Ap 2, 4)” (Cf. Christus Vivit, nº 50).
Hoje, estamos vivenciando uma ausência de referências, os you-
tubers e os digital influencers são a “assembleia de vozes” de nossa
juventude. Eles ditam costumes, concepções ideológicas, influenciam
de maneira determinante no cotidiano daqueles que os acompanham
ditando até mesmo quais roupas usarem e quais músicas ouvirem,
ou quais comidas comerem. Diante desse contexto, urge voltar aos

34
santos. Eles “surpreendem, desinstalam, porque a sua vida nos chama
a sair da mediocridade tranquila e anestesiadora.” (Papa Francisco).
O testemunho dos santos nos mostra que é possível buscar a
santidade, que não se trata de algo que está no mundo das ideias ou
no mundo fantástico, mas é algo palpável, alcançável. O testemunho
dos santos gera outros santos. Como dizia Tertuliano, “o sangue dos
mártires é a semente dos cristãos”.
A Igreja, como uma sábia Mãe, na liturgia, apresenta nossos san-
tos como exemplos oferecidos a nós para que “possamos correr, com
perseverança, no certame que nos é proposto e receber com eles a co-
roa imperecível” (Prefácio dos Santos I) e nos estimular “na caridade,
e a intercessão fraterna, que nos ajuda a trabalhar pela realização de
Reino [de Deus]” (Prefácio dos Santos II).
Certos de que o testemunho é eficaz para nossa conversão, e que
é uma maneira de “ilustrar a todos os fiéis a força e a beleza da fé”
(Bento XVI), somos chamados a conhecer um pouco mais sobre a
vida de nossos santos, para que conhecendo suas histórias sejamos
convencidos de que a santidade é possível e necessária para nossa
vida e para a Igreja de Cristo. O próprio Sínodo da Juventude dei-
xou muito claro que “muitos jovens santos fizeram resplandecer os
delineamentos da idade juvenil em toda a sua beleza e foram, no seu
tempo, verdadeiros profetas de mudança; o seu exemplo mostra do
que os jovens são capazes, quando se abrem ao encontro com Cristo”
(Cf. Christus Vivit, nº 49).
Portanto, voltemos nossa atenção para a vida de alguns santos que
são muitos caros para a Igreja, mais especificamente de santos jovens
como São Francisco de Assis, Santa Teresinha do Menino Jesus e São
Sebastião, para que por meio da vida de cada um deles sejamos inspi-
rados e impelidos a buscar a santidade que somos chamados a viver.
São Francisco de Assis

A vida de São Francisco de Assis, por exemplo, mostra que Deus


age em nossas vidas sutilmente, discretamente. De presunçoso e mes-
quinho a um santo mendicante de Deus, podemos constatar que essa
conversão, logo depois de um encontro místico com o Senhor numa

35
prisão, mudou a vida desse rapaz radicalmente. O jovem Francisco
conseguiu enxergar as misérias da vida terrena e, a partir disso, pas-
sou a interessar-se pelas bem-aventuranças, interesse este que o levou
a ser uma grande testemunha do amor e do cuidado de Deus por
nós, fruto de quem sabia confiar totalmente na providência divina.
Um dos grandes sinais de sua total entrega a Deus são seus es-
tigmas, São Francisco é o primeiro estigmatizado conhecido; num
grande êxtase, no Monte Alverne, no dia 17 de setembro de 1222,
um anjo mostrando-lhe a figura de Jesus crucificado e gravando-lhe
os benditos estigmas; elas ficaram gravadas em seu corpo até a mor-
te. Ele tentou conservar oculto este milagre, mas não obteve êxito
completamente, e à sua morte, a 4 de outubro de 1226, o milagre
tornou-se público. Os estigmas são acompanhados de sofrimentos
corporais e morais, fazendo com que o estigmatizado sofra como
Jesus sofreu na cruz.
A mensagem de São Francisco nos ensina que é necessário deci-
dir-se por Cristo, pobre e sofredor. Quando o cristão vive a pobreza
de maneira concreta, Deus encontra espaço para reinar no seu co-
ração. Vivenciando a pobreza recebemos a verdadeira riqueza que é
o amor misericordioso de Jesus Cristo. Riqueza esta que nos torna
capazes de realizar grandes coisas. Que pela intercessão de São Fran-
cisco de Assis, possamos encontrar o tesouro de Cristo, que nosso
miserável coração se torne uma manjedoura onde Deus possa fazer
morada e se aconchegar.
Tomemos São Francisco de Assis como nosso exemplo e assu-
mamos verdadeiramente nossa vocação à santidade e à perfeição no
amor, para que correspondamos com aquilo para o qual fomos cria-
dos, para o amor, pelo amor e no amor. Deste modo, nos realizare-
mos enquanto criatura, enquanto filhos do Deus altíssimo, pois “fi-
zeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto
não descansar em ti” (Santo Agostinho). São Francisco de Assis “a
tudo renunciou com alegria e é o santo da fraternidade universal, o
irmão de todos, que louvava o Senhor pelas suas criaturas. Morreu
em 1226” (Christus Vivit, nº 52)

36
Santa Teresinha do Menino Jesus

Santa Teresinha do Menino Jesus nos ensina que nascemos para


Deus. Não há outra maneira de encontrar a felicidade autêntica se-
não na realização plena de sua vocação cristã, que é a santidade. Po-
demos imitar a total entrega de Santa Teresinha por meio do nosso
estado de vida, de nossa juventude, fazendo o que está ao nosso al-
cance para sermos fiéis a Deus e à Igreja como ela foi.
Teresinha entrou no Carmelo aos 15 anos de idade. Um ano
depois, seu pai adoeceu, após uma infecção. A doença arrastou o
pai da jovem à demência. Com medo de um acidente por causa de
um possível delírio, a família decidiu interná-lo num hospital. Após
a morte do pai, em 1894, aos já 21 anos, Teresinha aprendeu a “pe-
quena via” da santidade.
A “pequena via” de Santa Teresinha é uma redescoberta do Evan-
gelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa redescoberta auxiliou a
jovem santa a entregar-se como verdadeiro sacrifício de amor pela
salvação das almas. Ela nos ensina que o que santifica as almas não é
a grandiosidade dos nossos atos, mas a veemência com que cada ato
é feito. Seja ele grande ou pequeno, majestoso ou simples.
Teresinha compreendeu que o amor perfeito é o amor misericor-
dioso do Pai que corre ao nosso encontro e nos abraça. Ama perfei-
tamente o coração que admite sua total dependência a Deus, Aquele
que quer almas de mãos vazias para entregar-se inteiramente. Logo,
santidade não se trata de mérito, mas de amor.
De modo que o grande ensinamento que Santa Teresinha nos
trouxe, por meio de sua vida, de suas atitudes e escolhas é a prática da
virtude da humildade. Seremos santos quando nos colocarmos aos
pés de Deus e entregar nossa vida, pois sabemos que somos frágeis
e pequenos como um passarinho nas mãos do Senhor. Durante sua
vida, principalmente nos últimos meses, Santa Teresinha, preparan-
do-se para a morte, deu-nos uma lição de como bem viver. Que a
doutora do amor, ela “que viveu o ‘a pequena via’ da confiança total
no amor do Senhor, propondo-se alimentar, com a sua oração, o
fogo do amor que move a Igreja” (Christus Vivit, nº 57), interceda
por nossos jovens para que por sua proteção não percam de vista o
ponto de partida para que não abandonem o primeiro amor.

37
São Sebastião e o Beato André de Phû Yên

Outro jovem santo que merece nossa atenção é São Sebastião,


um jovem capitão da guarda pretoriana do século III, um cargo mui-
to importante em sua época. Mesmo sendo um soldado romano,
o jovem foi martirizado por professar e não renunciar a sua fé em
Nosso Senhor Jesus Cristo.
São Sebastião é um exemplo de um jovem destemido, que certo
daquilo que acredita é capaz de assumir suas convicções até as últi-
mas consequências. Isso é próprio de que é jovem, a experiência da
radicalidade. Convicto do amor de Deus, o jovem soldado defensor
de Cristo sabendo que é melhor perder a vida do que perder aquele
que dá sentido a vida, Cristo Senhor Nosso. “Como não aceitou,
fizeram cair uma chuva de flechas sobre ele, mas sobreviveu e con-
tinuou a anunciar Cristo sem medo. Por fim, açoitaram-no até à
morte” (Christus Vivit, nº 51).
O mesmo aconteceu com o Beato André de Phû Yên, um jovem
catequista do século XVII que foi aprisionado por razão de sua fé
em Jesus Cristo e, por não renunciá-la, mataram-no. O jovem viet-
namita morreu tendo como sua última palavra o Santíssimo Nome
de Jesus, proclamando para todos os presentes a causa de sua morte,
mas, também, o motivo de sua felicidade, a vida eterna.
Rezemos para que São Sebastião e o Beato André de Phû Yên nos
ensinem a testemunhar o nosso amor a Deus em todos os âmbitos de
nossa vida, seja na universidade, seja na escola ou no trabalho. Somos
chamados a não temer, somos chamados a confiar na presença e no
cuidado de Deus.
Conclusão
Na modernidade, o cristão, principalmente os jovens são chama-
dos a experimentar o novo martírio, não mais o martírio da morte
que São Sebastião e o Beato André de Phû Yên sofreram, mas o mar-
tírio da ridicularização, o martírio branco como nos dizia Bento XVI.
O simples fato de usarmos nossas cruzes, rezarmos nossos terços,
usarmos nossas camisas de santos e andarmos com nossas bíblias já é

38
motivo mais que suficiente para sermos ridicularizados nos ambien-
tes que frequentamos, seja nas universidades, seja no trabalho, ou até
mesmo em nossa casa. Somos movidos, assim como São Sebastião,
a negar nossa fé. Que não tenhamos medo de ser zombados, que
sejamos revestidos da graça de Deus e fortalecidos dos dons do Espí-
rito Santo para que na hora do testemunho não esmorecermos, mas
sigamos convictos de nossa fé assim como São Sebastião.
Que a exemplo de São Francisco de Assis, Santa Teresinha e São
Sebastião, santos jovens supracitados “animemo-nos, enfim, irmãos.
Ressuscitemos com Cristo. Busquemos as realidades celestes. Tenha-
mos gosto pelas coisas do alto. Cobicemos com fervoroso empenho
a glória dos santos. Não é má esta ambição. Com inteira e segura
ambição cobicemos esta glória” (São Bernardo), ser santo.
Aos nossos santos, Deus ensinou o caminho para a vida, que tam-
bém a nós seja ensinado, para que no fim da vida possamos dizer
como São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha car-
reira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o
Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a
todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição” (II Tm 4, 7-8).
“Que eles, juntamente com muitos jovens que, frequentemente
no silêncio e anonimato, viveram a fundo o Evangelho, intercedam
pela Igreja para que esteja cheia de jovens alegres, corajosos e de-
votados que ofereçam ao mundo novos testemunhos de santidade”
(Christus Vivit, nº 63).
Dito isso, não poderia concluir essa reflexão sem lembrar mais
uma vez do saudoso São João Paulo II, quando no congresso da
Juventude Feminina de Schoesntatt, em 2000, aqui no Brasil, nos
exortava dizendo: “Jovens do mundo inteiro, tenham a santa ousa-
dia, de serem os santos do novo milênio”.
Portanto, sejamos ousados, sejamos santos do nosso tempo, tra-
zendo para hoje o que São João Paulo II dizia, podemos dizer que
precisamos de jovens santos. Nós precisamos de santos que usem
Twitter, precisamos de santos que gostam de postar fotos no Insta-
gram e que mandem mensagens instantâneas no WhatsApp. Precisa-
mos de santos que gostam de ‘maratonar’ na Netflix. Precisamos de

39
santos “[...] que estejam no mundo e saibam saborear as coisas puras
e boas do mundo, mas que não sejam mundanos”. Precisamos de
você, mas a decisão é sua.

Seminarista Joseque Moysés B. Vilela Borges


Seminário São João Maria Vianney
Diocese de Campina Grande - PB

40
TEMA 5
A JOVEM MARIA

Falar da jovem Maria não significa introduzir na vida cristã uma


nova devoção que poderia ser fruto de certos entusiasmos pessoais
e às vezes, também, até de fantasias. Significa referir-se à revelação
de Deus na humanidade e aprofundar os motivos dessa intervenção
divina, baseando em argumentos de valor teológico e dogmático cor-
respondentes, contidos na própria existência de Deus. Muitas vezes
o tema pode suscitar mal-entendidos, originários de imprecisas ou
escassas informações do ponto de vista teológico que lhe ofuscam a
validade e o justo significado.
A Virgem Maria, Mãe de Jesus, foi uma criatura privilegiada.
Deus quis fazer-se homem e escolheu Sua Mãe, cumulando-a de to-
dos os dons e virtudes, a fim de preparar Sua morada em seu seio
virginal. Daí podemos compreender a razão do profundo sentido
de piedade popular dirigido a Ela em louvor. Suas relações especiais
com a Santíssima Trindade fazem com que a louvemos como Filha
de Deus Pai, Mãe de Deus Filho e Esposa do Espírito Santo de Deus.
Ela pôde cantar agradecida, ao ter conhecimento do mistério da sua
eleição divina para ser a Mãe do Verbo Encarnado: “todas as gerações
me hão de proclamar bem-aventurada, porque o Todo-Poderoso fez
em mim grandes coisas” (Lc 1, 46-55).
A maternidade divina de Maria é o privilégio fundamental que
está no centro de todos os outros. A jovem Maria tornou-se verda-
deiramente Mãe de Deus, porque gerou e deu a luz à Jesus, que é
verdadeiro Deus e verdadeiro Homem. Quando Nestório (monge
do século V) negou a Maternidade divina de Maria, o Concílio de
Éfeso proclamou este ensinamento: “Se alguém não confessa que o
Emanuel é verdadeiro Deus e por isso a Santíssima Virgem é Mãe de

41
Deus, posto que gerou carnalmente o Verbo de Deus feito carne, seja
anátema” (Anatem, de S. Cirilo).
Porque estava escolhida para ser Mãe de Deus, a jovem Maria foi
preservada do pecado original com o qual todos nascemos, herdado
de nossos primeiros pais. Ela é a Imaculada Conceição. Assim Pio
IX define este dogma: “Proclamamos e definimos que a doutrina
que afirma que a Santíssima Virgem Maria foi preservada imune a
toda mancha de culpa original no primeiro instante da sua conceição
por graça singular e privilégio de Deus Onipotente, em atenção aos
méritos de Cristo Jesus Salvador do gênero humano, é revelada por
Deus e deve ser, portanto, acreditada firme e constantemente por
todos os fiéis” (Bula Inefabilis Deus, 8 de dezembro de 1854). Embo-
ra esse privilégio se refira diretamente à inexistência nela do pecado
original, há de se entender, ao mesmo tempo, que Deus a santificou
com tal abundância de graças que a colocam acima de todos os An-
jos e de todos os Santos. Ela é a Rainha de todos os Santos porque a
medida da sua santidade é o privilégio maior que Deus concedeu a
uma criatura: ser Sua Mãe.
O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Christus Vivit, exor-
ta-nos que “no coração da Igreja, resplandece Maria. É o grande mo-
delo para uma Igreja jovem, que deseja seguir Cristo com frescor e
docilidade. Era ainda muito jovem quando recebeu o anúncio do
anjo, não se coibindo de fazer perguntas (cf. Lc 1, 34). Mas tinha
uma alma disponível e disse: ‘Eis a serva do Senhor’” (Christus Vivit,
nº 43).
Ainda jovem, Maria foi proclamada bem-aventurada porque
acreditou e praticou a Palavra que ouviu. Ao recebê-la em sua casa,
Isabel proclamou: “Bendita és tu que creste, pois se hão de cumprir
as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!” (Lc 1, 45). É ben-
dita porque acreditou. Acreditou na promessa de Deus e no Deus da
promessa. Acreditou na Palavra de Deus, meditou-a em seu coração
para transformá-la em vida. Porque acreditou que o Filho gerado
em seu ventre é Deus, seguiu-O com total entrega. Assim ela é a pri-
meira na ordem da fé em Cristo, a primeira que O seguiu em termos
de tempo e em termos de qualidade. É a que melhor O seguiu. Ela
precedeu e superou a todos no discipulado de Cristo.

42
“Sempre impressiona a força do “sim” de Maria, jovem. A força
daquele “faça-se em Mim”, que disse ao anjo. Foi uma coisa distinta
duma aceitação passiva ou resignada. Foi qualquer coisa distinta da-
quele “sim” que por vezes se diz: “Bem; provemos a ver que sucede”.
Maria não conhecia a frase “provemos a ver que sucede”. Era deter-
minada: compreendeu do que se tratava e disse “sim”, sem rodeios
de palavras. Foi algo mais, qualquer coisa de diferente. Foi o “sim” de
quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar tudo,
sem ter outra garantia para além da certeza de saber que é portado-
ra duma promessa. Pergunto a cada um de vós: Sentes-te portador
duma promessa? Que promessa trago no meu coração, devendo dar-
-lhe continuidade? Maria teria, sem dúvida, uma missão difícil, mas
as dificuldades não eram motivo para dizer “não”. Com certeza teria
complicações, mas não haveriam de ser idênticas às que se verificam
quando a covardia nos paralisa por não vermos, antecipadamente,
tudo claro ou garantido. Maria não comprou um seguro de vida!
Maria embarcou no jogo e, por isso, é forte, é uma “influenciadora”,
é a “influenciadora” de Deus! O “sim” e o desejo de servir foram mais
fortes do que as dúvidas e dificuldades”. (Christus Vivit, nº 44)
Maria, a corajosa jovem de Nazaré, é a primeira discípula de seu
próprio Filho Jesus Cristo e, também, a primeira evangelizadora da
Igreja. A máxima realização da existência cristã como um viver trini-
tário de ‘filhos no Filho’ nos é dada na Virgem Maria que, através de
sua fé (cf. Lc 1, 45) e obediência à vontade de Deus (cf. Lc 1, 38),
assim como por sua constante meditação da Palavra e das ações de
Jesus (cf. Lc 2, 19-51), é a discípula mais perfeita do Senhor.
Esta jovem de Nazaré esteve intimamente unida ao Pai em seu
projeto de enviar seu Filho ao mundo para a salvação da humanida-
de. Por acolher com fé este desígnio da salvação que vem de Deus,
consideremos que ela tornou-se o primeiro membro da comunidade
dos que acreditam em Jesus Cristo e se fez colaboradora no renasci-
mento espiritual dos discípulos. Sua figura de mulher livre e forte
emergiu do Evangelho conscientemente orientada para o verdadeiro
seguimento de Cristo. Ela disse sim, assumiu e viveu completamente
toda a peregrinação da fé como mãe de Jesus, e depois dos discípulos,
sem estar livre da incompreensão e da busca constante do projeto

43
do Pai. Maria foi formada para estar aos pés da cruz (cf. Jo 19, 25),
como verdadeira discípula do Filho em comunhão profunda com o
projeto de salvação do Pai e entrar plenamente no mistério da Nova
Aliança em Jesus Cristo.
Maria foi uma jovem ativa, comprometida, que se ofereceu livre-
mente para colaborar no plano da salvação sentindo-se, ela mesma,
discípula e serva do Senhor. Mulher disposta a servir e a anunciar a
Boa Nova da Salvação. Ela representou o povo de Israel que esperava
o Libertador. Ela é virgem, cheia de graça e com uma fé parecida
com a fé de Abraão. Sua figura iniciou o povo novo de Deus. Ela
foi a primeira a dar o seu sim para que o projeto de Deus aconteça.
Mulher de oração, que cultivou uma sadia vida interior; guardou e
meditou os acontecimentos no coração (cf. Lc 2,19-52). “Sem ceder
a evasões nem miragens, Ela soube acompanhar o sofrimento do seu
Filho (...), apoiá-Lo com o olhar e protegê-Lo com o coração. Que
dor sofreu! Mas não A abateu. Foi a mulher forte do ‘sim’, que apoia
e acompanha, protege e abraça. É a grande guardiã da esperança (...).
D’Ela, aprendemos a dizer ‘sim’ à paciência obstinada e à criativida-
de daqueles que não desanimam e recomeçam” (Christus Vivit, nº
45). Ela é como uma terra boa que acolheu a semente e fez produzir
frutos. Por isso, ela é, também, uma mulher missionária que abre
caminho em meio às dificuldades.
Em Maria encontramos um grande e belo testemunho entusias-
mado de amar e servir. Da sua fé e da sua esperança nasce o amor para
com o próximo. Toda a existência humana tem seu valor pela quali-
dade deste amor. “Maria, solícita, partiu para a região montanhosa
para visitar sua prima Isabel” (cf. Lc1, 39-40). “Maria era a donzela
de alma grande que exultava de alegria (cf. Lc 1, 47), era a jovenzinha
com os olhos iluminados pelo Espírito Santo, que contemplava a
vida com fé e guardava tudo no seu coração (cf. Lc 2, 19.51). Não fi-
cava quieta, punha-se continuamente a caminho: quando soube que
sua prima precisava d’Ela, não pensou nos próprios projetos, mas
‘dirigiu-Se à pressa para a montanha’” (Christus Vivit, nº 46).
Considerando seu comportamento na casa de Isabel, Maria é
modelo do nosso olhar, dos nossos sentimentos e do nosso enga-
jamento em favor do próximo. Por isso, não podemos nos limitar

44
aos nossos interesses e opiniões. Uma grande solidariedade deve nos
comprometer com os familiares, vizinhos, conterrâneos e todos os
que passam necessidades, pois a caridade não tem limites. Esta ini-
ciativa da jovem Maria interpela-nos para um coração aberto para
melhorar a situação das pessoas, no que diz respeito à vida e à digni-
dade humana, aos anseios de maior justiça, à comunhão dos bens, à
fraternidade e à paz entre os povos. Assim como Maria, cabe a nós, a
cada um de nós usar nossos talentos e dons para servir as pessoas em
todas as suas dimensões, tendo olhar fixo em Jesus, O único modelo
da existência humana.
O SIM que ela disse foi concretizado na própria vida em gesto de
amor, silêncio, oração, doação e proteção a Seu filho Jesus e à huma-
nidade. Maria amadureceu servindo. “E, sendo necessário proteger o
seu menino, partiu com José para um país distante (cf. Mt 2, 13-14).
Pelo mesmo motivo, permaneceu no meio dos discípulos reunidos
em oração à espera do Espírito Santo (cf. At 1, 14). Assim, com a
presença d’Ela, nasceu uma Igreja jovem, com os seus Apóstolos em
saída para fazer nascer um mundo novo” (Christus Vivit, nº 47). Ela,
como primeira seguidora e servidora, se sustenta da Palavra do Filho
e a concretiza em sua vida na defesa da vida: “Eu vim para que te-
nham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Como ela partiu
com José para longe do perigo, protegendo Seu Filho Jesus, hoje
parte conosco, pela fé, a lugares distantes do perigo e da maldade.
Assim, ela conduz-nos para sairmos e assumirmos a mesma missão
em nosso cotidiano.
O Papa Francisco tem insistido para que prestemos especial aten-
ção aos nossos irmãos mais pobres, aqueles que estão nas periferias
existenciais, pois “no coração de Deus, ocupam lugar preferencial os
pobres, tanto que até Ele mesmo ‘se fez pobre’” (Evangelii Gaudium,
nº 197). Sabemos que Deus fez tanto por nós que, para provar o
quanto somos dignos, nos deu uma Mãe para que cuidasse de nós
com amor e carinho, à altura do valor que temos por Ele. Precisamos
acreditar que Maria se preocupa com cada um de nós. Ela nos ama
e cuida de cada um de seus filhos. Ela quer que a nenhum de seus
filhos falte a dignidade. Ela se preocupa especialmente por aqueles

45
filhos desamparados, marginalizados por pessoas que buscam egois-
tamente o ter, o poder e o prazer sem limites.
“Com os olhos postos em seus filhos e em suas necessidades,
como em Caná da Galileia, Maria ajuda a manter vivas as atitudes de
atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade que devem distinguir
os discípulos de seu Filho. Indica, além do mais, qual é a pedagogia
para que os pobres, em cada comunidade cristã, sintam-se como em
sua casa. Cria comunhão e educa para um estilo de vida comparti-
lhada e solidária, em fraternidade, em atenção e acolhida do outro,
especialmente se é pobre ou necessitado. Em nossas comunidades,
sua forte presença tem enriquecido e seguirá enriquecendo a dimen-
são materna da Igreja e sua atitude acolhedora, que a converte em
“casa e escola da comunhão e em espaço espiritual que prepara para
a missão” (Documento de Aparecida, nº 272).
“Aquela jovenzinha é, hoje, a Mãe que vela pelos filhos: por nós,
seus filhos, que muitas vezes caminhamos na vida cansados, carentes,
mas desejosos que a luz da esperança não se apague. Isto é o que
queremos: que a luz da esperança não se apague. A nossa Mãe vê este
povo peregrino, povo jovem amado por Ela, que A procura fazendo
silêncio no próprio coração, ainda que haja muito barulho, conversas
e distrações ao longo do caminho. Mas, diante dos olhos da Mãe, só
há lugar para o silêncio cheio de esperança. E, assim, Maria ilumina
de novo a nossa juventude” (Christus Vivit, nº 48).
Certa vez alguém disse a Jesus: “Tua mãe e teus irmãos estão lá
fora e querem te ver”. Jesus respondeu: “Minha mãe e meus irmãos
são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8,
20-21). Enquanto Jesus falava, uma mulher levantou a voz no meio
da multidão e lhe disse: “Feliz o útero que te trouxe e os seios que te
amamentaram”. Ele respondeu: “Muito mais felizes são aqueles que
ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 27-28). A
afirmação de Cristo de que sua mãe, seus irmãos e suas irmãs e bem-
-aventurados são os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prá-
tica inclui em primeiro lugar sua própria Mãe. Ela é bem-aventurada
porque mais e melhor acolheu e cumpriu a Palavra, prolongando
seu “faça-se em mim” da anunciação (Lc 1, 38). Sua grandeza está
não tanto na sua maternidade física de Cristo, mas na realização do

46
desígnio de Deus encarnado em Jesus, no compromisso radical com
o Reino. Sua bem-aventurança maior não consiste tanto na ligação
com Jesus por laços de sangue, mas por sua incondicional acolhida
e prática da Palavra divina. Daí que ela se torna a figura exemplar,
modelar de todo discípulo de Cristo.
São João Paulo II, na Encíclica Redemptoris Mater (nº 20), diz:
“Maria continuava, pois, mediante a fé, a ouvir e a meditar aquela
Palavra, na qual se tornava cada vez mais transparente, de um modo
‘que excede todo conhecimento’ (Ef 3, 19), a auto-revelação de Deus
vivo. E assim, Maria Mãe tornava-se, em certo sentido, a primeira
‘discípula’ do seu Filho, a primeira a quem Ele parecia dizer: ‘Segue-
-me’, mesmo antes de dirigir este chamamento aos Apóstolos ou a
qualquer outra pessoa” (cf. Jo 1, 43).
Por sua união com a missão do Filho, o Documento de Pue-
bla (292-293) ressalta que Maria “foi a fiel companheira do Senhor
em todos os caminhos. A maternidade divina levou-a a uma entrega
total. Foi doação generosa, cheia de lucidez e permanente, unida a
uma história íntima e santa de amor a Cristo, uma história única que
culmina na glória. Maria, levada ao máximo na participação com
Cristo, é íntima colaboradora de sua obra. Ela não é apenas o fruto
admirável da redenção; é também sua cooperadora ativa. Ela nos
ensina que a virgindade é uma entrega exclusiva a Jesus Cristo, em
que a fé, a pobreza e a obediência ao Senhor se tornam fecundas pela
ação do Espírito”.
Como discípula do Filho, no início da pregação de Jesus, em
Caná da Galileia (Jo 2, 1-12), Maria testemunhou sua fé absoluta
nele. Pediu e alcançou o “sinal”, pelo qual Ele “manifestou sua glória
e seus discípulos creram nele”. A Mãe, fiel discípula, gerou a fé dos
novos discípulos do Filho.
Em Pentecostes, esteve reunida com os mesmos discípulos,
aguardando em oração, a manifestação do Espírito Santo. Com
certeza, os acompanhou nos passos iniciais da evangelização, como
acompanhou seu Filho, amparando-os com seu carinho maternal e
seu testemunho fiel de discípula. Como em Caná, continuava a gerar
a fé de novos discípulos do Filho. Como em seu início, ela continua
a ajudar a Igreja a avançar na missão. Ela continua a cuidar da qua-

47
lidade de nosso seguimento, pois, segundo o Documento de Puebla
(290), “enquanto peregrinamos, Maria será a mãe e a educadora da
fé (Cf. Lumen Gentium, nº 63). Ela cuida que o Evangelho nos pe-
netre intimamente, plasme nossa vida de cada dia e produza em nós
frutos de santidade”. Todo serviço que Maria presta às pessoas con-
siste em abri-las ao Evangelho e convidá-las a obedecer-lhe: “Fazei o
que Ele vos disser” (Jo 2, 5).
O Documento de Santo Domingo (15) proclama Maria como
uma mulher de fé, plenamente evangelizada, a mais perfeita discípula
e evangelizadora; modelo de todos os discípulos e evangelizadores por
seu testemunho de oração, de escuta da Palavra de Deus e de pronta
e fiel disponibilidade ao serviço do Reino até a cruz. O Concílio Vati-
cano II, no documento sobre a Igreja (Cf. Lumen Gentium, nº 65) diz
que ela refulge para toda a comunidade como exemplo de virtudes.
“Hoje, quando em nosso continente latino-americano e caribe-
nho se quer enfatizar o discipulado e a missão, é ela quem brilha dian-
te de nossos olhos como imagem acabada e fidelíssima do seguimento
de Cristo. Esta é a hora da seguidora mais radical de Cristo, de seu
magistério discipular e missionário conforme nos envia o Papa Ben-
to XVI: Maria Santíssima, a Virgem pura e sem mancha é para nós
escola de fé destinada a nos conduzir e a nos fortalecer no caminho
que conduz ao encontro com o Criador do céu e da terra. O Papa
veio a Aparecida com viva alegria para nos dizer em primeiro lugar:
Permaneçam na escola de Maria. Inspirem-se em seus ensinamentos.
Procurem acolher e guardar dentro do coração as luzes que ela, por
mandato divino, envia a vocês a partir do alto” (DA 270, Discurso
do Papa Bento XVI ao final da oração do Santo Rosário no Santuário
Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em 12 de maio de 2007).
Em simples gestos descobrimos traços originais da figura de Ma-
ria. O SIM, pronunciado com segurança, no início da juventude,
se renova no decorrer da vida. Ela passou por crises e situações de-
safiadoras, que a fizeram crescer e caminhar sempre mais na adesão
a Jesus. Maria nos recorda que Deus escolhe preferencialmente os
simples e humildes para iniciar o Reino de Deus, a recriação da hu-
manidade. A partir do Magnificat, ouve-se o apelo por novas relações
interpessoais, econômicas, políticas, culturais e ecológicas. Maria

48
simboliza o ser humano em construção, aberto a Deus, tocado pelo
Espírito Santo, cultivando um coração solidário.
A jovem Maria, a discípula mais perfeita de Jesus, tornou-se tam-
bém a mais perfeita missionária da Igreja, Mãe de todos nós, discí-
pulos missionários de Cristo. “A Virgem de Nazaré teve uma missão
única na história da salvação, concebendo, educando e acompanhan-
do seu Filho até seu sacrifício definitivo” (Documento de Aparecida,
nº 267). Do alto da cruz, Jesus Cristo confiou a nós, seus discípu-
los, representados pelo Discípulo Amado, o dom da maternidade
de Maria, que brotou do mistério pascal de Cristo (cf. Jo 19, 27).
A atenção dela às necessidades do próximo indica como fazer para
que os pobres, em cada comunidade cristã, sintam-se bem acolhidos.
Além disso, a solidariedade da Mãe de Jesus para com as necessida-
des do povo de Deus gera comunhão e educa para um estilo de vida
compartilhada e solidária, em fraternidade, na atenção e acolhida do
outro, especialmente os mais pobres e necessitados.
“Maria é a grande missionária, continuadora da missão de seu
Filho e formadora de missionários. Ela, da mesma forma como deu
à luz ao Salvador do mundo, trouxe o Evangelho a nossa América.
No acontecimento em Guadalupe, presidiu junto com o humilde
João Diego, o Pentecostes que nos abriu aos dons do Espírito. A
partir desse momento são incontáveis as comunidades que encon-
traram nela a inspiração mais próxima para aprender como serem
discípulos e missionários de Jesus. Com alegria constatamos que ela
tem feito parte do caminhar de cada um de nossos povos, entrando
profundamente no tecido de sua história e acolhendo as ações mais
nobres e significativas de sua gente. Os diversos nomes e os santuá-
rios espalhados por todo o Continente testemunham a presença de
Maria próxima às pessoas e, ao mesmo tempo, manifestam a fé e a
confiança que os devotos sentem por ela. Ela pertence a eles e eles a
sentem como mãe e irmã” (Documento de Aparecida, nº 269).
Essas características inspiram atitudes de vida para cada cristão,
especialmente os cristãos jovens, considerando o itinerário espiritual
dessa jovem chamada Maria. É necessário sentimo-nos chamados a
sermos discípulos fiéis de Jesus, ouvindo, acolhendo, guardando no
coração e praticando sua Palavra. É necessário renovarmos o nosso

49
“sim”, mesmo no meio das crises, pois sabemos que somos “bem-
-amados de Deus” (Ef 1,6). Precisamos alimentar, como Maria, um
coração agradecido a Deus, que O louva por todo o bem que Ele
realiza em nosso meio e através de nós. Precisamos nos empenhar
pela solidariedade e fraternidade, construindo uma sociedade mais
próxima do projeto de Deus.
Merece destaque o aprendizado que podemos ter da experiência
dessa jovem de fé, que se dispôs, sem medo de doar totalmente, para
ser mãe e discípula. Maria é uma “mulher que merece viver e amar”
em nossos corações, para nunca perdermos a jovialidade. Ela é um
grande exemplo de discernimento e discipulado. Com ela podemos
entender que o discípulo e a discípula de Jesus Cristo nascem do
encontro pessoal com Ele pelo anúncio do Evangelho. Esse encontro
leva a uma adesão total e definitiva a Jesus, de tal modo que, daí em
diante, investe tudo Nele e no Reino que Ele anuncia. Entrando no
seguimento de Jesus Cristo e Nele crescendo, nos tornamos discípu-
los e, ao mesmo tempo, evangelizadores, pois o Espírito Santo nos
impulsiona a anunciar aos outros a feliz experiência do encontro que
temos com o Mestre Jesus.
Não tenhamos medo de ser obedientes a Deus e de acolher a
jovem Maria como nossa mãe, mestra e companheira. Ouçamos a
sua voz e inspiremo-nos em seus humildes exemplos, para sabermos
como viver bem e perseverantes o nosso seguimento a Jesus Cristo,
que vive entre nós e reforça em cada um de nós o incansável chama-
do para segui-Lo e servi-Lo com alegria.
Leitura orante da Palavra de Deus

1. Perfeita discípula: Lc 2, 19-51; Jo 2, 1-12


2. Cooperadora do nascimento da Igreja missionária: At 1, 13-14
Para partilhar

1. Fazer opção por Jesus Cristo requer ousadia e desprendimento.


Maria, em sua juventude, em oração, entendeu o chamado de Deus e
a missão a ela confiada. Quais são os fatores que hoje você considera
que tem dificultado a compreensão do chamado de Deus?

50
2. Hoje, de acordo com as orientações da Igreja, há a motivação para
que os jovens evangelizem os jovens. O que você sugere que seja rea-
lizado pelos jovens aos jovens?

Frei José Faustino Fernandes


Arquidiocese de Manaus – AM

51
TEMA 6
OS DESAFIOS NA VIDA DOS JOVENS

Espelho de algumas realidades

“Como são os jovens de hoje, o que eles sentem agora?”


Esta indagação, presente no início do III capítulo da Christus Vivit
do Papa Francisco, deve ser realizada sempre em nosso meio, a fim
de percebermos bem a realidade que envolve as juventudes e poder
oferecer uma ajuda eficaz. Nossos jovens enfrentam diariamente de-
safios que os submerge por todos os lados, espiritual e fisicamente. É
necessário refletirmos sobre isto, a fim de oferecermos elementos, para
que eles possam discernir e realizar uma opção de vida transformadora.
Problemas todo ser humano tem, como aponta os ditos popu-
lares, é uma realidade que faz parte da vida humana. O jovem que
desejar uma vida sem problemas, estará em uma realidade fictícia,
na qual sempre colocará no outro o modelo ideal de vida perfeita. A
questão está em como resolver nossos problemas, como não permitir
ser envolvido por eles, de refazer a história, quantas vezes for necessá-
rio, não permitindo que suas angústias fechem a oportunidade para
possíveis saídas.
Não há modelo de família perfeita, entretanto, percebemos que a
base de grandes dificuldades na vida do ser humano, tem sua origem
no seio familiar. Quantos problemas envolvem as famílias, desde a
falta de maturidade de pais jovens para educar os filhos e dedicar o
tempo oportuno para eles, até a separação dos pais, crises financeiras,
entre outros. Aqui não afirmamos que este possa ser seu caso, seu
testemunho pode provar o contrário dessas experiências – mas faz
parte de um grande número de outros jovens, que infelizmente não
têm um bom acompanhamento e padecem.

53
A falta de referenciais construtores é prejudicial ao que está cres-
cendo. Cria-se filhos mimados, que podem tudo, ou cria-se filhos
jogados de lado, como um peso que sobrou de um mal relaciona-
mento. A criança fica confusa com tudo isso, precisa de alguém que
a ajude, mas tantas vezes não o encontra. Nas periferias de nossas ci-
dades, sociais e existenciais, vemos crianças que padecem pela culpa
dos pais, sem saber por que veio ao mundo, o que será de seu futuro,
se tiver futuro. A falta de perspectiva e de sonhos rouba o brilho da
vida que há em cada ser humano.
A realidade que surge em meio a tantos problemas familiares ne-
cessita expandir em reflexão e encontrar ancoragem em algo maior.
Um jovem equipista deve olhar para a realidade que o envolve, e para
as realidades que envolvem tantos outros e se perguntar:
O que eu posso fazer para mudar isso?
Como posso ajudar para que sonhos e vidas sejam restabelecidos?
O testemunho de um jovem tocado pela fé irá ajudar a suas fa-
mílias a viverem com mais amor, respeito e união. Aos poucos, sua
presença construtiva será a estrutura base para que eles cumpram
com maior fidelidade a missão que receberão. E no futuro, quando
for pedido para você assumir novos horizontes, será a sua família
construída em bases mais firmes.
Influências fragilizantes
Percebemos ainda que muitos destes problemas se alastram,
passam da infância e chegam na adolescência, período em que o
acompanhamento exige maior atenção e reflexões condizentes a cada
situação de vida. Entretanto, em muitas famílias, os adolescentes
encontram-se sozinhos, fechados em seu mundo, sem poder contar
com o auxílio daqueles que, amando, deveriam acolher e ajudar.
Quantos adolescentes iniciam um isolamento radical, por vários
motivos. Muitos não aceitam e não compreendem sua sexualidade,
ou lidam com o temor de não serem acolhidos pelos pais. O medo do
novo e a falta de um bom aconselhamento geram situações em que
muitos, ‘inconscientemente’, levam uma vida de mentiras e enganos,
tendo atitudes que camuflam a verdade de sua existência, vivendo
uma situação mascarada.

54
Muitos desses adolescentes, levados por uma não aceitação de
sua sexualidade ou de outras realidades desafiadoras, começam a se
machucar fisicamente, como se essa fosse uma saída para suas an-
gústias. Atitudes assim traduzem também um desejo de serem vis-
tos, notados, como uma espécie de alerta para os seus familiares os
aceitarem como são. A fuga de casa se torna, em algumas situações,
a única saída possível. Com isso, passam a enfrentar realidades antes
inimaginadas, como a fome, a violência e tantas outras.
Estas realidades, às vezes, chegam ao ápice do sofrimento. Os
casos de suicídio aumentam de maneira assustadora entre os ado-
lescentes e jovens. Não podemos fechar os olhos quanto a isso, nem
acharmos que é bobagem. É uma triste realidade que assombra a
muitos e por vários motivos. No Rio Grande do Norte, nos últimos
meses de 2019, casos de suicídio por motivos banais foram registra-
dos, como um adolescente de 12 anos que tirou sua vida porque o
pai não o deixou jogar no videogame. Quantos outros, que refletem
o fim de um namoro que durou duas semanas, a não aceitação da
homossexualidade. Vocês jovens devem já ter ouvido falar ou já pre-
senciaram tristes realidades assim.
O mês de setembro, desde o ano de 2015, trabalha a prevenção
ao suicídio. Uma boa iniciativa, pois o diálogo é sempre a melhor
solução e o caminho para superar essa realidade. Podemos também
termos atitudes de prevenção à vida, ajudando tantos adolescentes,
jovens e amigos a verem o grande valor de viver, de saírem do poço
onde estão e a oportunidade de novamente sonharem. É um trabalho
de mão dupla, que também irá nos ajudar a crescer.
São realidades que devem chamar a atenção também de nossa
Igreja e que nos causa preocupação. Muitos adolescentes entram em
modismos, influenciados por desafios na internet, por digital influen-
cers, youtubers, entre outros. A opinião de pessoas que estão a quilô-
metros de distância da realidade de cada um, conta muito mais que
a de seus próximos. Escuta a realidade criada por determinada pessoa
e busca imitá-la, sem perceber os riscos e complicações que decorrem
de tais atitudes. Deixa-se de crescer em reflexões sérias, abandonando
caminhos valiosos como da história, em sua seriedade, da filosofia e

55
tantas outras matérias, para tomar decisões pautadas pelas enquetes e
achismos, que mudam de acordo com a tendência e as circunstâncias.
Muitos adolescentes e jovens vivem uma dependência digital,
que os deixam viciados na aceitação midiática. É preciso ter o maior
número de visualizações e curtidas para que o ego esteja acalmado,
mesmo que nunca satisfeito, pois sempre haverá um patamar a mais
para se conquistar. Faz de tudo para estar compatível com o meio
social, sem analisar o que lhe convém. Quantos sonham com a vida
que é apresentada em determinados perfis, viagens, lugares bem fre-
quentados, famosos, uma vida dos sonhos. Mas que, na realidade,
nem é a vida que realmente é apresentada pelos internautas na rede
social, e que não condiz com a situação social dos que tentam se in-
serir a força neste espaço.
Há aqueles que, para obter o celular da moda, a roupa perfeita,
a academia mais badalada, retiram dos pais o que eles não podem
ofertar. Ameaças e mentiras são meios que se encontram para sugar
dos familiares e amigos o que desejam, e dessa maneira obter um
status de vida perfeita, que permanece somente, e por pouco tempo,
nos perfis sociais. Ao retornar à realidade, vem o vazio existencial, a
angústia, o nada. Quantos caem em forte depressão, sem conseguir
ter forças para pedir ajuda e sair desse quadro. E outros vivem essa
sombria realidade no anonimato, definhando internamente, para
não perder o que adquiriu virtualmente.
A depressão está se tornando um grande desafio na vida dos jo-
vens, pois destrói o período onde os sonhos são traçados, onde as
bases são fincadas e onde se inicia a construção para toda a vida.
Fiquemos atentos, pois ninguém está invulnerável a estas realida-
des. Nem tão pouco taxemos a alguém disso ou daquilo, de doente
ou perdido. Já há gente bastante para apontar o dedo, para jugar e
tantas vezes condenar. Devemos ser irmãos, estando ao lado dos que
precisam de nosso amparo e ajuda. Sendo a ponte para conduzir até
Cristo e a vida que ele nos oferece.
Trabalhar alguns dos pontos acima apresentados, entre tantos
outros, ajudará a fortalecer a mente e o espírito. Diante de tantos
que se esvaziam de sonhos, de horizontes para sua vida, de amigos,
conhecidos e irmãos que enfrentam a difícil realidade da depressão:

56
O que nós podemos fazer para ajudar na superação do vazio e do
egocentrismo?
Como ajudá-los a superar essas realidades que fragilizam o ser
humano em sua totalidade existencial?
Os jovens e suas respostas

Sugerimos a leitura dos números 72 a 80 da Christus Vivit do


Papa Francisco. Nestes números veremos o quadro apresentado pelo
Romano Pontífice da realidade dos jovens em um mundo de crise. A
reflexão destes pontos, como do III capítulo dessa obra acima citada,
nos ajudará a entender e aprofundar ainda mais o tema desse nosso
encontro.
Tantos desafios na caminhada, desde as bases familiares até a
adolescência desemboca, na maioria das vezes, em uma juventude
fechada, isolada do mundo, revoltada, sem horizontes. Jovens que se
encontram conformados com sua realidade traumática, ou revolta-
dos com ela, fugindo e encontrando refúgio em qualquer lugar que
proporcione um distanciamento desse círculo vicioso.
A constatação dessa realidade, que marca grande parte da juven-
tude brasileira, não deve ser o conformismo para uma geração taxa-
da por tantas calamidades, mas, para nós, deve ser o chamado para
olharmos os jovens que estão ao nosso redor e tentar compreendê-
-los. E, ainda mais, oferecer oportunidades e elementos que ajudem
a termos novos rostos jovens.
A urgência em ter que dar certo, em ter a melhor faculdade, o
melhor trabalho, gera uma paranoia na cabeça de muitos. “Tenho
que passar para esse curso, caso contrário, não serei aceito por meus
familiares e amigos”. Competições, em âmbitos negativos, e exigên-
cias familiares forçam muitos jovens a submeterem-se a isso, mesmo
contra sua própria felicidade. Outros tantos lidam com o desem-
prego, com a falta de mercado para sua área. São realidades tristes e
fortes, que precisam ser bem harmonizadas e compreendidas, para
que se tenha uma boa saída.
Muitos espaços, como os grupos de jovens nas paróquias que
fazemos parte, oferecem esses meios para ajuda-los a se encontrar

57
consigo e com os outros, e o mais importante, com Deus. É a opor-
tunidade, para muitos, extraordinária de encontrar o amor e perce-
berem-se amados. De relacionarem-se com Deus, como com o ver-
dadeiro Pai, que muitas vezes não tiveram. De saber-se importante e
esperado. De sentir-se perdoado e acolhido.
Em alguns espaços, por pensamentos contrários a Igreja e a fé, se
prega um bombardeio contra a doutrina católica, contra Jesus Cristo
e contra o próprio Deus. Lugares assim pregam liberalismos e um
estilo de vida em libertinagem, que em vez de ajudar os jovens que
estão em seus processos de amadurecimento e a fazer um bom dis-
cernimento sobre as realidades ao seu redor, os isolam desse transcen-
dental e os imergem em um estado de aqui e agora.
Sem pensar no amanhã, sem desejar construir um caminho de
superação, muitos se lançam em realidades extravagantes. Quantos
jovens, para serem aceitos pelo grupo de amigos descolado da esco-
la, esquecem os conselhos de não adentrarem no âmbito das drogas
lícitas e ilícitas, da prostituição, entre outros. A necessidade de ser
aceito por um determinado grupo social leva, tantas vezes, jovens a
se caracterizarem do que não são, a fim de poder manter-se bem visto
por falsos amigos.
Não podemos combater de frente com tais tipos de pensamento,
contrários a fé. Criar novas guerras santas não seria a solução viável
para nosso tempo. Mas, é nosso dever, como cristãos, de apresen-
tarmos e testemunharmos com nossa vida o que eles desconhecem
da Igreja e do próprio Deus, e de tal modo atrairmos os jovens para
perto de nós. “A Igreja caminha como é, sem fazer cirurgias estéti-
cas” (Christus Vivit, nº 101) e essa transparência ajudará os que estão
distantes a ver que, mesmo em meio às limitações humanas, Deus
continua agindo, fazendo o bem a tantos povos e sendo caminho
para a salvação.
Quantas mentiras sobre a Igreja são apresentadas em algumas aulas.
Quantos julgamentos, sem direito de defesa, são sentenciados sobre os
que vivem a fé. Em meios liberais, ser católico é motivo para ser taxado
de antiquado, retrógrado, entre outros. Nosso caminho deve ser, não
do ataque, mas do amor. “Nisso todos conhecerão que sois meus discí-
pulos: se tiverdes amor uns para com os outros” (João 13,35).

58
Devemos conhecer cada vez mais os ensinamentos da Igreja, sua
vida e testemunho de fé, como nos sugeriu os temários passados das
EJNS, a fim de termos ciência da riqueza na qual estamos inseridos, e
o quanto podemos crescer e contribuir com ela. Um livro que muito
nos ajuda a compreender os ensinamentos da Igreja é o Catecismo da
Igreja Católica, promulgado pelo Papa São João Paulo II. Em meio
a alguns questionamentos sobre a fé, que podem surgir na consciên-
cia do jovem, esse é um bom lugar para se visitar e perceber o que a
Igreja ensina de fato.
Com espaços tão eficazes para nosso aprendizado e crescimento
na fé, estaremos também vencendo o desafio da indiferença. Muitos
jovens permanecem neutros diante de algumas realidades e proble-
mas. Para muitos, o simples estar dentro do movimento já é satisfató-
rio. Não estão abertos a um crescimento, a uma expansão de horizon-
tes. A dor do outro não parece me atingir, ao menos na solidariedade
humana. O que a Igreja sofre, com acusações e injúrias, não é meu
sofrimento. Quantos pecados pela indiferença, pelas omissões. Que
o Senhor livre nossa juventude da neutralidade, de jovens que mui-
tas vezes apenas vegetam uma vida sem sentido, sem horizontes. O
Senhor espera jovens decididos, apaixonados por Ele e por sua Igreja,
capazes de se doar e transformar o mundo ao seu redor.
Os jovens não são apenas o futuro da humanidade e da Igreja,
são efetivamente o presente. Suas vidas são portadoras de graça e ver-
dade, de desejos e sonhos, de esperanças e aspirações. Eu, equipista,
sou o testemunho para muitos da dinâmica evangélica. Minha vida
é convidada a se configurar com a vida de nosso Salvador e Mestre
Jesus Cristo. Tudo o que eu fizer, de bom ou ruim, refletirá no todo
que é a Igreja, Mãe de todos os fiéis que buscam o caminho de segui-
mento do Senhor.
A contribuição de cada um, no enriquecimento do que acredi-
tamos, ajuda a muitos a compreender um rosto da Igreja que antes
não conheciam. Quantas vezes, devido a pré-julgamentos, ouvimos o
relato de jovens que dizem “eu não sabia que era assim!”. Pensava que
a Igreja era um lugar para velhos, que julgavam e apontavam o dedo.
Não sabia que era a casa de minha Mãe, que me acolhe, compreende
e ajuda no caminho de superação. Que devo amá-la e defendê-la,

59
como um filho defende a mãe. É um desafio para nós rompermos o
que os outros acham negativamente da Igreja, e de nosso estar nela,
para chegarmos até um momento de encantamento pelo divino que
pode ser sentido em nós.
O que eu posso fazer para ajudar outros jovens a sair de suas
situações traumáticas?
Como ser luz para a vida de meus amigos?
Conclusão

No final do capítulo III da Christus Vivit, Papa Francisco cita


uma frase do jovem italiano Carlos Acutis, que está em processo de
beatificação: “Todos nascem como originais, mas muitos morrem
como fotocópias”. Diante de nossos desafios cotidianos, o que de-
vemos fazer? Nos entregarmos a eles e pronto? Não! Devemos estar
firmes, crescer cada vez mais, superarmos os problemas e nos reno-
varmos cada vez mais.
O nosso auxílio e força não estará nem em nossos celulares, nem
em famosos, nem em utopias, mas como nos diz o Salmo 123: “Nos-
so auxílio está no nome do Senhor”!
Com a presença d’Ele em nossas vidas, poderemos ouvir nova-
mente o Senhor ao nosso lado, de nossos problemas e de nossas an-
gústias, a nos dizer como disse à filha de Jairo: “Levanta-te!”
Sugerimos como iluminação bíblica Marcos 5,21-24.35-42 e o
Salmo 123.

Padre Fagner Sérgio de Medeiros Dantas


Sacerdote Diocesano - Clero de Caicó/RN
Conselheiro do Regional 6 das EJNS

60
TEMA 7
UM ANÚNCIO QUERIGMÁTICO AOS JOVENS

“Basta que sejais jovens para que eu vos ame”


São João Bosco

Essa frase, dita por Dom Bosco, poderia facilmente ser um re-
sumo de todo esse capítulo, se transferirmos essas palavras para a
boca de Jesus. E São João Bosco só apresenta essa frase porque de
fato compreendeu o Amor de Deus, sentindo um chamado de Deus
a amar e cuidar dos jovens, porque o próprio Deus o escolheu para
cuidar daqueles que tanto ama.
Quantas vezes você ouviu a frase: “Jesus te ama!” ou “Deus te
ama!”. Uma frase que abriga um significado profundo de Amor por
cada pessoa, mas que se esvazia de todo significado, quando não per-
cebemos, sentimos, que de fato esse Amor é real, presente e vivo.
Assim como o Santo Padre nos recorda das expressões do Amor
de Deus, chamo a atenção a todas as vezes que Deus nos faz sentir
amados, ou se manifesta de formas absolutamente diferentes, para
que alcance o nosso coração. Porque somos diferentes, e também
porque precisamos de coisas diferentes em momentos diferentes em
cada momento da nossa vida. Carinho, ternura, alegria, afago são
características do que podemos sentir no Amor de Deus, mas, inde-
pendente da forma com que se apresenta, deve inspirar o amadure-
cimento, o diálogo e a fecundidade, para que não só sintamos esse
Amor uma vez, como um fenômeno passageiro e efêmero, mas de
profundidade tamanha que estabeleça raízes, e dê frutos em nós e
para os outros.
Não há amor humano que se equipare à intensidade com que
Deus nos entrega seu amor. Mesmo o amor materno, que dentre os

61
amores humanos é dito o mais puro, tem limitações. Pois, apesar de
qualquer infidelidade, afastamento, desapontamento da nossa par-
te para com Deus, o Amor revelado e entregue à humanidade não
muda sua intensidade. Não há limitações que se imponham ao Amor
de Deus, mas sim empecilhos de que O percebamos. E é exatamente
por isso que devemos não só estarmos cientes, mas vivermos uma
experiência real e constante com esse Amor.
Nossos relacionamentos são marcados pelo desejo de troca. Ama-
mos, por exemplo, o que nos parece belo ou a quem nos apresenta
com gentileza. Mas Deus nos ama em qualquer circunstância. Ele
não nos ama pelo o que temos ou pelo que vestimos, mas pelo que
somos em nossa própria essência. Deus não nos ama porque somos
bons, mas porque Ele é bom. E, em virtude disso, o que não pode-
mos fazer, é, cientes desse Amor pleno e incondicional, nos acomo-
darmos e satisfazermos com uma vida desregrada, sem se importar
com os outros e com o cuidado de si. Mas sim buscar constantemen-
te retribuir esse amor, sendo sempre melhor e mais próximo de Deus.
Um Amor tão pleno quanto o de Deus, se manifesta inteira-
mente por meio de Cristo, que Se entregou de braços abertos para
te salvar. “O Filho de Deus amou-me e entregou-se por mim” (Gl 2,
20). Fomos comprados pelo sangue preciosíssimo de Jesus, demons-
trando assim que esse Amor de Deus é manifesto através da entrega
total, abundante e novamente fecunda, pois deve produzir frutos
em cada um de nós. Frutos de salvação, de liberdade, de gratidão,
de purificação, de doação. Muitas vezes generalizamos e perdemos a
profundidade e a pessoalidade da relação com Deus.
Para a compreensão desse Amor profundo, de conversão de vida,
precisamos sempre ter em mente que o sangue de Jesus comprou a
nossa salvação, que por Amor se entregou totalmente, mas que o
Amor não encerra na cruz, mas apresenta o sentido pleno de doação
naquela imensa dor, morre com Cristo, e ressuscita com Ele. “Com
efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho úni-
co, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3,16). Não falamos então de um Amor de alguém que se doou
naquela época, alguém que esteve no passado, mas de um Amor que
se doa, liberta, que nos ajuda a carregar os nossos pecados, e ressuscita

62
para uma vida nova. A presença do Amor de Deus então deve ser uma
expressão da vivacidade, da alegria de sabermos que a Luz de Deus
preenche o nosso coração no momento presente, até o fim dos tem-
pos, e que dá sentido a tudo o que passamos. “Sabemos que, para os
que amam a Deus, tudo concorre para o bem” (Rm 8, 28).
O grande anúncio do próprio Jesus, Filho de Deus, que nos
amou até a morte de Cruz, foi sepultado, ressuscitado, que está vivo
nos céus, à direita do Pai, que nos amou e nos ama infinitamente,
apresenta a necessidade da nossa alma em não só saber da existência
desse Amor tão grande e tão intenso, mas de viver a experiência de
aproximação com Cristo, um verdadeiro encontro capaz de susten-
tar a tua vida cristã, e fazer com que todos os desafios da tua vida
sejam significados a olhar em frente, a não nos sentirmos sozinhos e
desamparados.
A experiência desse Amor deve ser sempre renovada no Espírito
Santo, porque onde está o Pai e o Filho, também está o Espírito
Santo. Ele é o auxílio a quem devemos recorrer para que esse Amor
permaneça sempre vivo, abrindo e preparando os corações para que
Cristo vivo esteja presente, e para ajudar a crescer na alegria do Amor
de Deus, que deseja encontrar o teu coração intimamente e fazer
morada. “A esperança não decepciona, porque o amor de Deus nos
foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi
dado” (Rm 5,5).
Infundidos pelo Espírito Santo, estaremos sempre cientes de que
o Amor de Deus concorre para o nosso bem, nos protegendo e nos
livrando do mal, conseguindo concordar com confiança na frase dita
por Santo Tomás More: “Nada pode acontecer que Deus não tenha
querido. Ora, tudo o que ele quer, por pior que possa parecer-nos, é
o que há de melhor para nós”.
“Existe no homem um vazio do tamanho de Deus”
Dostoiévski
Sentimos a necessidade de algo, e muitas vezes não sabemos o
que é. Não sabemos muitas vezes por não termos feito uma expe-
riência verdadeira com Deus. A ânsia do jovem, e sua ansiedade
em ter respostas rápidas, em querer controlar as ações pode-se

63
tentar preencher esse vazio com tudo o que há no mundo, ou se
decepcionar por se sentir incompleto, mas só Deus, que nos criou,
poderá preencher esse vazio, nos trazendo a verdadeira vida. “Pois tu
criaste todas as coisas; por tua vontade é que elas existiam e foram
criadas” (Ap 4,11). Isso não nos livra dos desafios que temos que
viver, mas apresenta um sentido, um apoio, uma força, uma luz, que
só com a presença da Trindade Santa podemos ter um rumo melhor,
um Amor que transborda o nosso coração e atinge a todos os que
estão a nossa volta e também precisam fazer essa experiência.
A vivência da experiência do Amor de Deus não tem o desejo de
nos parar e deixar que fique retido apenas em nós. Não tem como
objetivo que permaneçamos deitados eternamente em berço esplên-
dido. Esse Amor que nos acolhe e nos conhece, também nos envia
e alarga o nosso olhar para ver um mundo que vai além de nós mes-
mos, que nos faz ir além das nossas dores e dos nossos planos.
E você, já viveu uma experiência concreta com Deus? Você se
sente amado por Ele? Além disso, você acha que a sua experiência
com Deus lhe transborda de tal forma que todos a sua volta também
sintam esse Amor?
“Pois Deus não nos deu um espírito de timidez,
mas de fortaleza, de amor e de sabedoria.”
2 Timóteo 1, 7

Padre Jonathan Alex da Costa


Arquidiocese de Brasília – DF

64
TEMA 8
A PASTORAL DOS JOVENS

“Os próprios jovens são agentes da pastoral juvenil,


acompanhados e guiados, mas livres para encontrar
caminhos sempre novos com criatividade e audácia”1.

Introdução

A presente reflexão tem como base o sétimo capítulo da Exor-


tação Apostólica pós-sinodal Christus Vivit do Papa Francisco2, que
compreende os números 202 a 247 e apresenta-nos a temática da
“pastoral dos jovens” encontrada, exercida e protagonizada por esta
fase tão importante do desenvolvimento humano que é a juventude.
Os últimos seis números são dedicados especialmente ao “acompa-
nhamento dos adultos”, que não aprofundarei neste texto, mas sugi-
ro que seja estudado de maneira especial com os casais e conselheiros
das EJNS, pois apresentam as qualidades do acompanhador.
As indicações do Santo Padre são precisas e ricas quando se trata
da ação pastoral. Destacamos duas grandes linhas de ação – busca e
crescimento – para aqueles jovens que pretendem fazer do exercício
pastoral uma oportunidade de conhecimento e amadurecimento na
fé, continuando a missão já iniciada pelo Batismo, vivida na Euca-
ristia e confirmada com o Crisma (sacramentos da iniciação cristã).
O papa propõe também um espírito de comunhão (sinodalida-
de) e missão, situando no decorrer do processo pastoral os “diversos

1
FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós- Sinodal Christus Vivit, Paulus, Lisboa, 2019,
n.203. Daqui em diante este documento será citado com a sigla CV.
2 A leitura e aprofundamento da presente Exortação é da tradução de Portugal, sendo
assim existem alguns termos e palavras diferente da língua portuguesa do Brasil.

65
âmbitos” com um método, meios e fins para a evangelização na reali-
dade juvenil. Como ele mesmo afirma “seria exagerado propor alguma
espécie de manual de pastoral juvenil ou um guia pastoral prático”3,
mas os números desta exortação pretendem “mobilizar a astúcia, o
engenho e o conhecimento que os próprios jovens têm da sensibilidade,
da linguagem e das problemáticas dos outros jovens”4. Sendo assim, não
é um esquema pastoral fechado em si, mas aberto à ação do Espírito
que atua na vitalidade e dinamismo dos jovens.
Este mesmo Espírito, presente de maneira criativa, manifesta
dons e carismas e encontra-se nas diversas expressões juvenis espalha-
das no território nacional5 que continuam a ser “sal da terra, luz no
mundo e fermento na massa” (Mateus 5,13-14; 13,33) para a vida
da Igreja. Destacamos o movimento das Equipes de Jovens de Nossa
Senhora no Brasil como um caminho de entusiasmo e protagonismo
juvenis, que com sua proposta e ação vem encantando e levando
muitos jovens a uma experiência bem concreta em várias regiões do
Brasil e em diversas dioceses.
Vale lembrar que a vocação de todo batizado é testemunhar a
alegria de pertencer a Jesus Cristo e a Igreja. Tal pertença se dá na
configuração diária ao Mestre, seguindo seus passos, imitando seus
gestos, transformando a história, já que “conhecer a Jesus Cristo pela
fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir este tesouro aos
demais é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos chamar e nos
escolher” 6. Sendo assim, a atividade pastoral na Igreja nada mais que
é ser um prolongamento do pastoreio de Cristo.
Descoberta, atração e encantamento
Para “descobrir” algo, é preciso “aproximação”. Em cada desco-
berta, somos permeados pela curiosidade, pela propensão, por um
gosto, por uma afeição diante daquilo que encontramos. Aos poucos
3
CV, 203.
4
Idem.
5
No Brasil através da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude da CNBB cria-
da em 2011, consta com mais de 60 organismos eclesiais, movimentos e espiritualidades,
novas comunidades, institutos e centros juvenis, e com pastorais afins (catequese e crisma,
vocacional, familiar, etc) atuam diretamente com a pastoral juvenil. Cf. jovensconectados.
org.br/coordenacao-nacional-de-pastoral-juvenil-diversidade-na-unidade.
6
Documento de Aparecida, 18

66
vai se criando uma estima à identificação daquela realidade. Aproxi-
mação e desejo são ações que caminham juntas e que tendem a uma
configuração, ou seja, quanto mais eu conheço daquela realidade
mais me comprometo.
Ninguém descobre algo sem antes um desejo prévio. É o desejo
que move o coração. Desejei, aproximei, descobri, saí de mim e me
envolvi com o novo, com o diferente, sem interesse, mas livre, movi-
do por algo maior que até então não sabia o que era. Aos poucos “me
deixei seduzir” (Jeremias 20,7). Se não houvesse o desejo, aconteceria
apenas uma curiosidade. “O desejo de Deus está inscrito no coração
do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus
não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de
encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar”7.
Podemos dizer que pela aproximação despertaram-se o fascínio e
o encanto. Aos poucos deixe-se atrair. O verbo “atrair” significa en-
cantar, seduzir, deixar-se envolver, persuadir. Por isso que Deus nos
encanta, nos seduz. Em uma das caminhadas que Jesus faz no decor-
rer de sua vida pública, ele se volta para a multidão e diz: “Ninguém
vem a mim se antes o Pai do céu não atrair” (João 6,44). Deus nos
atrai, nos envolve, nos encanta, em outras palavras “joga um charme
para nós” através de seu filho Jesus. Está é a dinâmica da fé. Antes
de aproximar-se de Jesus, o Pai do céu nos atraiu, nos envolveu, nos
seduziu. Porém houve da nossa parte uma resposta e uma adesão.
Descobrir, aproximar, atrair, responder para assumir.
Para a nossa realidade pastoral-juvenil, no tocante ao tema da
“busca”, o Papa Francisco nos recorda que “O primeiro anúncio pode
despertar uma profunda experiência de fé durante um retiro de impacto,
numa conversa de bar, num intervalo na faculdade, ou através de qual-
quer um dos insondáveis caminhos de Deus. O mais importante, porém,
é que cada jovem se atreva a semear o primeiro anúncio nessa terra
fértil que é o coração de outro jovem” 8. Sendo assim nos perguntamos:
como foi a minha aproximação com as EJNS? O que despertou em
mim este desejo em participar e ser membro deste movimento juve-

7
Catecismo da Igreja Católica, 27
8
CV 210

67
nil? O que moveu meu coração? O que me seduziu? Recordando um
pouco esta história inicial, quem me convidou? Quais as pessoas que
foram instrumentos de Deus? Em que local? Em quais circunstân-
cias? Como eu estava naquele momento da minha juventude?
Quanta ação de Deus nesta breve recordação e memória! Deus
usou e continua a usar das EJNS para encantar e seduzir. A aproxi-
mação é um dos segredos da excelência pastoral, o pastor vê, apro-
xima, cuida, zela pelas suas ovelhas, não está distante, e não se faz
indiferente “o idioma da proximidade, a linguagem do amor desinteres-
sado, relacional e existencial que toca o coração e chega à vida, desper-
tando esperança e desejos. É necessário aproximarmo-nos dos jovens com
a gramática do amor, não com proselitismo” 9. “A Igreja cresce, não por
proselitismo, mas “por ‘atração’: como Cristo ‘atrai tudo para si’ com a
força do seu amor”. A Igreja “atrai” quando vive em comunhão, pois os
discípulos de Jesus serão reconhecidos se amarem uns aos outros como Ele
nos amou (cf. Romanos 12,4-13; João 13,34)” 10.
Por isso que a ação pastoral deve conter, em primeiro lugar, a
força e o encanto em despertar nos outros jovens este entusiasmo.
Entusiasmar vem da raiz grega “entheos” que significa “cheio de
Deus”. Por exemplo: todos nós gostamos de ficar ao lado de pessoas
entusiasmadas, alegres, animadas. Se a pessoa anima o ambiente, é
porque ela está transbordando alegria. Para entusiasmar os ambien-
tes que geograficamente nos situamos, seja o trabalho, seja a nossa
casa e a nossa família, sejam os estudos e a faculdade e até mesmo a
sociedade, é preciso também estar entusiasmado, ou seja, “encher-se
de Deus” para propor vida para aqueles que não tem vida. Entusias-
mar-se para entusiasmar. Estou animado, entusiasmado nas EJNS?
Toda esta dinâmica da atração e entusiasmo envolve um sim ge-
neroso, uma aceitação livre, e uma adesão generosa. O movimento
das EJNS conhecido como movimento do “sim” a Deus, à Igreja,
às funções e a nós mesmos enquanto processo em aceitar desafios e
realizar-se neles propõe caminhos de crescimento. Este crescimento é
diário e ao mesmo tempo transformador. Seja através de cada “ponto

9
CV 211
10
Documento de Aparecida, 159

68
de esforço” (pessoal ou em equipe) proposto, ou em cada estudo do
tema aprofundado com seriedade, cada “Time Out e Magnificat”
rezado em comunhão com os demais equipistas, seja na “contribui-
ção mensal” na certeza que estou ajudando a expandir o movimento,
entre outras atividades corroboram a construção da personalidade do
jovem, o amadurecimento e a solidez da fé, a comunhão e o serviço
com a Igreja e ao mesmo tempo a resposta aos desafios atuais.
Sendo assim a pessoa entusiasmada tem muita força na constru-
ção dos ambientes que se encontram, ou naqueles lugares que deverá
ser chamada a estar. O verbo “construir” denota um desejo de criar, de
imaginar, de inventar, de projetar. Se observarmos uma matéria-pri-
ma, essa passa por mutações, por transformações, sofre, desgasta-se
para tornar-se algo belo e formoso (lembremo-nos de uma madeira
antes de se tornar um móvel, ou uma pedra bruta – mármore – antes
de ser uma estátua nos grandes museus). Em sua condição primeira
(cru), a matéria-prima passa por um processo que envolve desgastes,
cuidado, atenção, persistência, fidelidade, disciplina. Transformar e
criar a matéria-prima que ainda será burilada, plasmada, esmerada
não é nada fácil, requer tempo, condições e possibilidades para ser
transformada. Toda construção requer paciência, disposição e insis-
tência. Por isso que o Papa nos orienta em relação “ao crescimento”
afirmando: “em alguns lugares acontece que, depois de ter provocado
nos jovens uma experiência intensa de Deus, um encontro com Jesus,
que tocou os seus corações, e depois apenas se lhes oferecem encontros de
«formação» onde se abordam apenas questões doutrinais e morais: sobre
os males do mundo atual, sobre a Igreja, a doutrina social, sobre a cas-
tidade, o matrimônio, o controle da natalidade e sobre outros temas. O
Resultado é que muitos jovens aborrecem, perdem o fogo do encontro com
Cristo e a alegria de segui-l´O, muitos abandonam o caminho e outros
tornam-se tristes e negativos. Acalmemos a obsessão por transmitir um
excesso de conteúdos doutrinais e tentemos, em primeiro lugar, suscitar e
enraizar as grandes experiências que sustentam a vida cristã. Como di-
zia Romano Guardini: na experiência de um grande amor... tudo o que
acontece converte-se num episódio dentro do seu âmbito”11.
11
CV 212

69
Sim, o Papa afirma que o projeto formativo deve incluir certa-
mente uma formação doutrinal e moral, mas deve ser centrado em
uma experiência fundante do encontro com Deus através de Cristo
morto e ressuscitado (kerygma) e através do crescimento no amor
fraterno, na vida comunitária, no serviço12.
Criar espaços, estabelecer relações, sair da orfandade

Nossa vida é marcada por “grandes relacionamentos”. Mas para


ser “grande” é preciso deixar-se envolver, pois a palavra “relação” em
seu significado traduz em parentesco, parcerias, engajamento mútuo,
familiaridade, comunhão. Hoje as pessoas não se envolvem, não se
relacionam, apenas convivem, no sentido de estar por um período
junto sem compromisso e sem estreitar laços, isso sem falar nas situa-
ções momentâneas onde se “conecta e desconecta” por um momento
substituindo os relacionamentos por “redes”. “Com viver”, entendi-
da como criar realidade existencial, abertura a alteridade é sinal de
intimidade e comunhão. Aquele que vive junto, sonha junto, parti-
cipa, se envolve, chora e luta em conjunto tem muito mais possibi-
lidade de crescer. Não podemos deixar-nos envolver pela lógica da
orfandade. “Criar «lar» é, em suma, «criar família; é aprender a sentir-
mo-nos unidos aos outros para lá dos vínculos utilitários ou funcionais,
de tal modo unidos que sentamos a vida um pouco mais humana. Criar
lares, “casas de comunhão”, é permitir que a profecia encarne e torne as
nossas horas e dias menos inóspitos, menos indiferentes e anónimos. É
tecer laços que se constroem com gestos simples, quotidianos, e que todos
nós podemos realizar. Como todos sabemos muito bem, um lar precisa da
colaboração de todos. Ninguém pode ficar indiferente ou alheio, porque
cada qual é uma pedra necessária na sua construção. Isto implica pedir
ao Senhor que nos conceda a graça de aprender a ter paciência, aprender
a perdoar-nos; aprender cada dia a recomeçar” 13.
Perguntamos: o que estamos fazendo com os nossos relaciona-
mentos, ou com a nossa convivência recíproca, estamos sendo solí-
citos, ou conectamos com o outro por puro interesse? Esta pergunta
12
Cf CV 213
13
CV 217

70
pode ser verificada em diversos âmbitos: em casa, na faculdade, no
trabalho, em todos os setores da sociedade e na Igreja. Este último é
de se estranhar, pois Jesus em todo tempo, não foi apenas solícito, ele
amou, e amou até o fim, ofereceu a outra face, deu a vida e sofreu.
Compadeceu-se. “A amizade e as relações, muitas vezes também nos
grupos mais ou menos estruturados, oferecem oportunidade de reforçar
competências sociais e relacionais num contexto em que não se avalia
nem julga a pessoa. A experiência de grupo constitui por sua vez, um
grande recurso para a partilha da fé e a ajuda mútua no testemunho. Os
jovens são capazes de guiar outros jovens, vivendo um verdadeiro aposto-
lado no meio dos seus próprios amigos” 14.
Relacionar-se é a possibilidade de amadurecer e auxiliar o outro
no amadurecimento. Amizade cresce a partir das relações. Como está
a minha relação com a minha equipe? Tenho participado assidua-
mente? E com meu setor e regional, me envolvo e me comprome-
to com as atividades? Participo das “interequipes” em processo de
abertura e diálogo recíprocos? E com outros jovens, dou testemunho
cristão? Estou envolvido com a pastoral juvenil da minha paróquia
e diocese? Respeito outras expressões juvenis? Cultivo relações pre-
ciosas?
A capacidade de inclusão é a chave e proposta pastoral apresen-
tada pelo Santo Padre onde cada comunidade cristã é convidada a
oferecer espaços de acolhimento sem muitas barreiras. Outro local
que merece uma atenção para aproximação juvenil são as instituições
educativas (escolas, universidades), quer formando os docentes e di-
rigentes, quer suscitando pessoas autocríticas constituindo uma pes-
soa forte, integrada, protagonista e capaz de se doar, não separando
a formação espiritual da formação cultural, mas integrando-as. Por
isso que a escola continua a ser essencial espaço de evangelização dos
jovens. Qual a minha relação de jovem cristão com a instituição de
ensino a qual faço parte?
O Santo Padre elenca diversos outros âmbitos para que a ação
pastoral juvenil chegue como semente a germinar. As “propostas
contemplativas”, como se reunir para adorar ao Santíssimo, rezar a
14
CV 219

71
Palavra de Deus, e outros momentos sacramentais que incorrem nas
atividades do calendário litúrgico como na semana santa, páscoa e
natal, são oportunidades ricas capazes de despertar a intimidade com
Deus. Atividades que favoreçam a atuação com gestos caritativos e
generosa partilha no serviço às crianças e aos mais pobres também
são ocasiões de exercer o protagonismo pastoral. Outro campo im-
portantíssimo são as artes, de maneira especial a música, onde “susci-
tam emoções e moldam a identidade” 15. Igualmente significativo são
as atividades desportivas que favorecem o entusiasmo, a convivência
sadia, a alegria de estar junto, sem contar na grande escola de sacrifí-
cio e de virtudes quando se faz da fatiga do exercício físico um cami-
nho de crescimento não se preocupando com a lógica do ganhador
e perdedor. O Santo Padre ainda recorda o ardor do contato com a
natureza e com a temática da criação, com o cuidado do ambiente, a
exemplo de São Francisco de Assis.
E por fim, o lugar privilegiado “que transcende todos os tempos e
circunstâncias é a Palavra do Senhor sempre viva e eficaz, a presença de
Cristo na Eucaristia que nos alimenta e o Sacramento do Perdão que nos
liberta e fortalece. Podemos também mencionar a inesgotável riqueza es-
piritual que a Igreja conserva no testemunho dos seus Santos e no ensina-
mento dos grandes mestres espirituais. Embora tenhamos de respeitar as
várias etapas e precisemos por vezes de esperar com paciência o momento
certo, não podemos deixar de convidar os jovens para estas fontes de vida
nova; não temos o direito de os privar de tanto bem”.16
Reconhecer, interpretar e escolher

Saber escutar, além de ser uma arte, é uma disposição interior


que permite atenção àquele que fala e, ao mesmo tempo, é saber
reconhecer a voz que está embargada pelos inúmeros sistemas que
não permitem que esta voz seja pronunciada. Existe uma expressão
que diz que “a voz do povo é a voz de Deus”. A metáfora é plena de
significados pois além de ser um grito angustiante é também uma
força para que a voz silenciosa, calada ou abafada seja manifestada.
15
CV 226
16
CV 229

72
O Papa Francisco desperta para uma pastoral popular juvenil que
seja capaz de quebrar esquemas fechados ou plenos de normas e
obrigatoriedades. Os líderes populares são verdadeiros porta-vozes de
esperança, pois possuem uma capacidade de inclusão e valorização,
escutando as inúmeras vozes que são frágeis, cheias de dramas, feridas
e sofrimentos. Uma pastoral que esteja de portas abertas e que dê
espaço a todos e cada um com as suas dúvidas, traumas, problemas
e a sua busca de identidade, com seus erros, suas histórias, suas
experiências do pecado e todas as suas dificuldades17.
“Deve haver espaço também para «todos aqueles que têm outras vi-
sões da vida, professam outras crenças ou se declaram alheios ao horizonte
religioso. Todos os jovens, sem excluir nenhum, estão no coração de Deus
e, consequentemente, também no coração da Igreja. Francamente, po-
rém, temos de reconhecer que nem sempre esta afirmação que ressoa nos
nossos lábios encontra real expressão na nossa ação pastoral: muitas vezes
ficamos fechados nos nossos ambientes, aonde a voz dos outros não chega,
ou dedicamo-nos a atividades menos exigentes e mais gratificantes, sufo-
cando aquela sã inquietação pastoral que nos faz sair das nossas supostas
seguranças. E, todavia o Evangelho pede-nos para ousar e queremos fazê-
-lo sem presunção nem proselitismo, testemunhando o amor do Senhor e
estendendo a mão a todos os jovens do mundo inteiro »” 18.
Por isso que fazer o caminho que os discípulos de Emaús (Lucas
24, 13-35) experimentaram com o Mestre que aproximou, ouviu
com atenção, reconheceu os limites e as potencialidades, transmitiu
com afeto os ensinamentos ajudando os dois peregrinos a interpretar
os sinais dos tempos e orientando a mudar a rota e a direção a partir
de escolhas substanciais em vista da realização será a tarefa da pasto-
ral juvenil.
A proposta reconhecer, interpretar, escolher é a pedagogia que
deve ser usada para garantir uma ação pastoral eficaz com os jovens,
para os jovens e pelos jovens. Sugiro que além do ponto de esfor-
ço pessoal, ao longo deste mês até a próxima reunião tenhamos um
“ponto de esforço em equipe” seguindo a pedagogia de Jesus com os
dois peregrinos de Emaús através dos seguintes passos: (1°) aproxi-
17
Cf CV 234
18
CV 235

73
mar-se de um jovem que eu não conheço; (2°) puxar assunto, escutar
seus anseios, sonhos, projetos, dificuldades; (3°) sem fazer juízo de
valores ou dar soluções de problemas, apontar perspectivas de vida,
sugerindo virtudes que o ajude a crescer a partir de Jesus e seu pro-
jeto. Na próxima reunião, partilhar como é aproximar-se de alguém
que não conhece, se fez nova amizade, se houve rejeição, quais as
dificuldades encontradas.
Sabemos que a missão da aproximação, encantar outras pessoas
apresentando o projeto de Jesus, não é simples, exige muita dispo-
nibilidade e abertura de ambas as partes. Os discípulos de Emaús
contaram suas dores no decorrer do caminho, não é tão fácil abrir
o coração, sobretudo a um desconhecido, porém quando se têm es-
paço, acolhida, quando se dá atenção ao outro olhando nos olhos
e gastando tempo ao outro tudo pode ser mais fácil. No diálogo
empático, a atenção amorosa, afetuosa, a acolhida generosa por parte
de quem escuta se fazem necessárias para que o outro possa se abrir.
Não sabemos aonde o espírito irá nos levar. Por isso que o Papa Fran-
cisco nos pede para estarmos em constante estado de missão. “Quero
lembrar que não há necessidade de fazer um longo percurso para que os
jovens se tornem missionários. Mesmo os mais frágeis, limitados e feridos
podem sê-lo à sua maneira, porque sempre devemos permitir que o bem
seja comunicado, embora coexista com muitas fragilidades”19.
A Igreja se coloca em estado permanente de missão, e dos jovens
existe uma força e ao mesmo tempo um dinamismo que lhes são
próprios. Uma grande proposta às EJNS em comunhão com a Igreja
local seria realizar um “dia missionário” com práticas de amor e so-
lidariedade, com ações concretas em todo o território nacional, cada
qual em sua cidade e região fazendo com que o Evangelho chegue ao
coração, sobretudo dos irmãos e irmãos excluídos.
Conclusão
Encher-se de Deus, entusiasmar-se para encantar outros é a gran-
de missão que as EJNS em sua proposta formativa e espiritual vêm
exercitando e devem continuar a fazê-lo na certeza que contribui

19
CV 239

74
para o desenvolvimento humano e na construção do projeto pessoal
e comunitário que cada jovem traça para sua existência. Não pode-
mos ficar parados. São inúmeras as atividades, há muita coisa a fazer,
há muitos passos que precisam ainda ser dados. “[...] os jovens são
capazes de criar novas formas de missão, nos mais variados setores.
Por exemplo, visto que se movem tão bem nas redes sociais, é preciso
envolvê-los para que as encham de Deus, de fraternidade, de com-
promisso” 20.

Thiago Domiciano Dias


Sacerdote da Diocese de São José dos Campos-SP,
mestrando em Teologia Espiritual
pela Pontifícia Universidade Salesiana-Roma,
é conselheiro da ENDG-Roma
e foi membro do Secretariado Nacional das EJNS
no Brasil por 4 anos.

20
CV 241

75
TEMA 9
VOCAÇÃO E DISCERNIMENTO

VOCAÇÃO

Continuamos nossa jornada pela Exortação Pós-Sinodal Christus


Vivit, refletindo os capítulos 08 e 09, sobre Vocação e Discernimen-
to. Todos certamente já ouviram falar de Vocação, e a maioria associa
esta palavra com a vocação presbiteral (padre), religiosa (irmãos e
irmãs). No entanto, o sentido de chamado proposto pela palavra de
origem latina Vocare (chamar) é muito mais amplo, e é isso que o
Papa Francisco vai fazer no capítulo 09.
Na Exortação Apostólica Gaudate et Exsultate, o Papa Francisco
trabalha o conceito de vocação como um crescimento para a glória de
Deus, propondo-me “ressoar mais uma vez o chamado a santidade,
procurando encarná-lo no contexto atual, com riscos, desafios e opor-
tunidades”. Podemos entender que vocação é, antes de tudo, um cha-
mado à santidade, vivido de acordo com o contexto de vida daquele
(a) que recebe o chamado. Ser Santo, portanto, não é um privilégio de
alguns, mas uma proposta de vida para todos os batizados.
“Todos os cristãos, de qualquer condição ou estado, são chama-
dos pelo Senhor, cada um por seu caminho, para a perfeição da san-
tidade pela qual o próprio Deus é perfeito” (Concílio Vaticano II,
Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a Igreja).
Ser chamado à amizade com Ele
Antes de discernir sobre o estado de vida a que sou chamado, é
preciso perceber que Jesus nos chama ao Amor. Esta foi a proposta
feita aos apóstolos e a todos os seus seguidores. No evangelho de
João 21, 15-18 temos o diálogo de Jesus ressuscitado com Pedro, em

77
uma praia da Galileia, depois de uma pescaria. No texto em grego,
língua em que foram escritos os Evangelhos, Jesus pergunta por duas
vezes a Pedro se ele o amava, usando a palavra grega “Ágape” (que
é um amor maior, o amor a Deus) e Pedro por duas vezes responde
usando a palavra “Filia” (amor de amigo). Na terceira vez, Jesus troca
a palavra por “Filia”: “Simão Pedro tu me amas como amigo?”, e
Pedro fica triste porque é a terceira vez que Jesus insiste na pergun-
ta, e assim ele percebe sua resposta e troca a palavra para “Ágape”.
Sempre depois da resposta, vem a proposta: “apascenta minhas ove-
lhas”. O amor a Jesus é que vai dar sentido à nossa vida cristã, e dar
sentido às nossas ações. Queremos ser amigos de Jesus, mas com este
amor maior, assim foi a experiência que Ele fez com seus discípulos.
Esta é a proposta de encontrarmos com Ele, de forma positiva, mas
também pode haver desencontros como no caso do Jovem rico em
Mateus 19, 16-22. Os bens materiais foram maiores que a proposta
de seguimento de Jesus, o jovem era bom, seguidor da lei, mas não
foi capaz de se despojar em favor do amor a Jesus.
“A salvação que Deus nos dá é um convite para fazermos parte de
uma história de amor que se entrelaça com nossa história; que vive
e quer nascer entre nós para que produzamos frutos onde quer que
estejamos, como estejamos, e com quem estejamos. Precisamente aí
vem o Senhor a plantar e a plantar-se” (discurso do Papa Francisco
na vigília da Jornada da juventude do Panamá).
Ser para o outro

“Gostaria de me dedicar agora à vocação entendida no sentido


de chamamento ao serviço missionário dos outros. Somos chamados
pelo Senhor para participar de sua obra criadora, prestando nossa
contribuição para o bem comum a partir das capacidades que rece-
bemos” (Exortação pós-Sinodal Christus Vivit).
Normalmente, entendemos como Missão a pregação do Evange-
lho para outros povos, ir para a África ou Ásia. Mas na verdade ser
missionário é servir o outro, como nos apresenta o Papa Francisco;
este serviço ao outro está na essência do ser Cristão. Aqui distingui-
mos atividade de serviço, podemos fazer e ter muitas atividades que

78
não estão necessariamente indo de encontro ao outro, podemos ter
atividades por obrigação, costume, muitas até positivas e boas, mas
isto não significa ir ao encontro do outro com amor, pois aqui se
distingue o “serviço”. Basta lembrar-se de São Francisco, Santa Teresa
de Calcutá, Santa Dulce dos pobres, o que eles realizavam era um
serviço de amor aos que sofriam.
Em nosso mundo, muitos jovens parecem estar perdidos quanto
ao significado de suas vidas, não só quanto ao futuro, profissão ou
família, parecem estar perdidos quanto ao sentido da vida, pois essa
ficou reduzida a estímulos passageiros, depois que o estímulo passa,
vem a “deprê”, pois falta amor, carinho, ternura, que dão sentido à
vida humana. Deus não dá tudo pronto, mas nos dá condições para
descobrirmos caminhos, desenvolvermos potencialidades, entender-
mos que somos chamados a oferecer o melhor de nós para Deus e
para o bem do outro.
“Ser para os outros” está relacionado a duas questões muito pre-
sentes na vida dos jovens: a formação de uma família e o trabalho.
Estes dois temas certamente estão presentes na vida de nossos jovens,
nas comunidades, bem como em suas famílias. Na prática, vemos
que os jovens primeiro priorizam estudo, depois o casamento, geran-
do a impressão nos jovens que não há nenhuma ligação religiosa en-
tre ambos, e que fica mais confuso ainda com a falta de base familiar
e valores cristãos, que estão na raiz do problema.
O amor e a família

Os jovens continuam sonhando em encontrar a pessoa com


a qual vão construir sua vida, formar uma família. Pelo menos os
jovens que participam de nossas comunidades ainda acreditam no
sacramento do matrimônio. É um chamado muito especial, pois é
preciso acreditar no Amor de Deus, e que o amor une um homem e
uma mulher, em um relacionamento maduro e duradouro.
Deus nos criou seres sexuados, e isto é uma benção de Deus, uma
benção que leva homem e mulher a amar e gerar vida. O verdadeiro
amor é, portanto, doação, e assim também veremos que o sexo é do-
ação em uma dimensão de amor. Na Bíblia temos o livro do Cântico

79
dos Cânticos, uma coletânea de poesias usadas provavelmente em
festas de casamentos, e agrupadas neste livro, que celebra o amor
humano, o amor de um homem e uma mulher, a frase mais famosa
deste livro: “O amor é mais forte que a morte” (Ct 8,6), nos revela
a força desta experiência humana, forte e intensa e que ultrapassa
nossos limites.
No Evangelho de São João 13,1, “Jesus amou-os até o fim”, e
São Paulo na 1Cor 13,13 revela que ficam no fim a fé, a esperança
e o amor, mas o amor permanece. Mas quando falamos de amor
humano, falamos de pessoas, que pensam diferente, sentem diferen-
te, têm formação familiar diferente, por isso o matrimônio requer
preparação, conhecer o outro, sua história, sua família, seus dons e
seus limites, capacidades, personalidade, educar para a paciência e
o diálogo, a sexualidade, sustentar-se na fé na oração, “ser uma só
carne”, capacidade de se doar a uma pessoa plenamente.
O trabalho

Esta é uma dimensão importante na vida dos jovens, tanto do


nosso movimento como para outros jovens não praticantes. Trata-
-se não só da sobrevivência material, mas também de um sentido
importante da vida humana, ligado diretamente à dignidade do Ser
Humano, bem como de sua realização pessoal, contribuindo para o
bem de todos.
Um trabalho digno nos amadurece e nos humaniza, aprendemos
a valorizar nosso tempo, respeitar colegas, viver em sociedade e su-
perar dificuldades. Na Bíblia, encontramos profissionais exemplares,
São José era carpinteiro, passando sua experiência profissional a Je-
sus; Pedro era pescador; Paulo, comerciante de tecidos; Davi, pastor
de ovelhas; Mateus, coletor de impostos.
Os jovens terão que fazer seu discernimento quanto a sua pro-
fissão, em tempos de mudanças, não só sociais e políticas, mas tam-
bém profissionais, conflitos entre habilidade e realização econômica,
é preciso pensar a vocação, sonhos, ideais, crescimento profissional e
conhecimento. Na outra ponta: comportamento ético, respeito pelo
Ser Humano, pela casa comum, pelo relacionamento social, pelos

80
valores humanos e religiosos. O bom profissional não é só o que pro-
duz, mas como produz, e que contribuição pode dar para melhorar
a vida das pessoas.
Vocação para uma consagração especial

A vocação para o sacerdócio e a vida religiosa também deve estar


presente neste discernimento proposto para a juventude de hoje. O
Senhor continua a chamar homens e mulheres que desejam segui-lo
de coração e contribuir para a construção de seu Reino, mesmo com
a propaganda negativa e o contratestemunho de alguns sacerdotes e
consagrados, o Senhor continua a chamar jovens para o trabalho em
sua messe.
O caminho do discernimento para o sacerdócio e a vida consa-
grada é uma das possibilidades que deve ser considerada de forma
muito séria, pois revela também uma forma de amor e doação a Deus
e ao próximo. Assim como no matrimônio, o sacerdócio e a vida
consagrada realizam a pessoa humana, indo ao encontro de Deus e
do irmão. O chamado de Jesus, não só hoje como também nos tem-
pos dos apóstolos, continua o mesmo, assim como chamou de forma
pessoal e direta a cada um deles, também continua a chamar jovens
ao longo do caminho, mesmo em dias de muita tecnologia, o olhar
direto e convite pessoal ressoam nos corações.
A dificuldade hoje, talvez, seja a grande velocidade e intensa ati-
vidade a que os jovens sejam submetidos: estudo, trabalho, ativi-
dades extracurriculares, Enem, vestibular, etc. Esta vida intensa de
atividades acaba por reduzir o tempo para a reflexão, oração, leitura
da Palavra de Deus, comprometendo o discernimento. Podemos per-
ceber isso em nossas equipes, quando esforçamo-nos para encontrar
tempo para a oração, o PPV, realizar o ponto de esforço e até para
marcar a reunião. Sem uma parada para escutar o Senhor, será mais
difícil perceber o chamado.
É preciso uma atitude de ousadia, para enfrentar as dificuldades,
priorizando o tempo importante para reflexão, oração e
aprofundamento da Palavra de Deus, retomando ao sentido de sua
vida, sonhos e objetivos, que o levarão a fazer um discernimento

81
maduro, seguro e atento a perceber o caminho que Jesus te chama,
nesta estrada a caminho do Reino de Deus.
DISCERNIMENTO

Como bom Jesuíta, o Papa Francisco utiliza o conceito “Dis-


cernimento”, presente nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de
Loyola, o fundador dos Jesuítas no Século 15. O discernimento é um
caminho de oração, reflexão e silêncio para se perceber a vontade de
Deus em nossa vida.
A formação da consciência é fundamental neste processo, desen-
volvendo através do exame de consciência; não só reconhecendo o
pecado, mas também reconhecendo a obra de Deus na própria expe-
riência cotidiana, nos acontecimentos da história e da cultura onde
se está inserido. “Tudo isso ajuda a crescer na virtude da prudência,
articulando a orientação global da existência com as opções concre-
tas, na consciência serena dos próprios dons e limites”. (Documento
final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos)
Como discernir tua vocação

Uma expressão do discernimento é o esforço por reconhecer a


própria vocação, requer espaço e solidão, pois vai levar a uma deci-
são pessoal e intransferível, por isso a “escuta” é muito importante.
Precisamos aprender a escutar o Senhor, o outro, a realidade, pois
assim, não seremos influenciados por um ponto de vista parcial e
insuficiente, estando prontos para acolher um chamado que quebra
as seguranças, mas que leva a uma vida melhor.
Neste caminho de discernimento, várias perguntas devem ser
feitas, mas não se deve perguntar onde ganhar mais dinheiro, onde
conseguir fama e prestígio social, ou a tarefa que vai fazer. Deve-se
começar pensando: “conheço a mim mesmo, para além das aparên-
cias ou de meus sentimentos? Sei o que alegra ou entristece meu
coração? Quais são meus pontos fortes e minhas fragilidades? Como
posso servir melhor e ser mais útil para o mundo e para a Igreja?
Qual é o meu lugar nesta terra? O que poderia oferecer à sociedade?
Se o caminho for este, pode-se perguntar: Tenho as habilidades ne-

82
cessárias para prestar este serviço? Como poderei adquiri-las e desen-
volve-las”? Neste ponto, a reflexão se alarga.
O chamado do amigo

Para o bom discernimento deste chamado, é preciso encará-lo


como o chamado de um amigo, que neste caso é Jesus. Você dá para
seu melhor amigo o melhor, não necessariamente o mais caro, mas o
que dará alegria ao amigo. A proposta é encarar este discernimento
como no relacionamento de dois grandes amigos, assim buscando o
discernimento da vontade de Deus em sua vida.
Deus, portanto, pode nos dar um grande presente, um dom,
uma dádiva que poderá ser desenvolvida ao longo da vida, levando-o
ao encontro do outro. “Quando o Senhor suscita uma vocação, não
apenas pensa no que tu és, mas em tudo o que, junto a ele e os outros
virás a ser” (Cf. Christus Vivit, nº 289).
Escuta e acompanhamento

Há pessoas dispostas a ajudar o caminho de discernimento dos


jovens, como leigos profissionais qualificados. Mas esses precisam ter
uma qualidade muito importante para o bom discernimento: a escuta.
É preciso ter três disposições para que esta escuta possa ser bem feita.
A primeira é a pessoa. Ao escutar o outro que está se revelando,
percebe-se o tempo gasto dedicado ao outro, deve-se sentir que esta
escuta é sem ofensas, sem escândalo, sem me incomodar, sem cansar.
Percebe-se esta escuta no caminho de Emaús, onde Jesus acompanha
os discípulos, escutando seus sentimentos (Lc 24, 13-35). Esta escuta
atenta e desinteressada mostra o valor que dou para o outro, além de
suas ideias ou escolhas de vida.
A segunda disposição é o discernir. Trata-se de individualizar per-
cebendo o que é a vontade de Deus e o que é a tentação. Por vezes
podemos nos enganar, ou ser enganados, por isso precisamos nos
questionar: “O que está me dizendo esta pessoa? O que quer me
dizer? Que deseja que eu compreenda? ”. Esta escuta visa discernir se
estas palavras vêm do Espírito de Deus ou se vêm do maligno.

83
A terceira disposição consiste em escutar se os impulsos que o
outro experimenta ao olhar adiante é, na verdade, a atenção para o
que se deseja ser. Isso implica que a pessoa não olhe tanto para seus
desejos ou para o que gosta, mas o que é a vontade de Deus. Acima
de tudo, não perder de vista o fato de que Jesus valoriza e entende as
minhas intenções e o que deseja meu coração, e Ele está disposto a
nos ajudar, basta que supliquemos: “Senhor, salva-me! Tem miseri-
córdia de mim!”.
Leitura Bíblica: Evangelho de São João 1, 35-50

Padre Luís Antônio Carqueijo Sé


Diocese de Bauru – SP

84
TEMA 10
REUNIÃO DE BALANÇO –
UMA JUVENTUDE ILUMINADA1

Para ser grande, sê inteiro:


nada Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Poe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis

O Papa Francisco no início do seu pontificado, exclamava: “Vós


jovens dizem a nós que devemos viver a fé com um coração jovem,
sempre: um coração jovem, mesmo aos setenta, oitenta anos, coração
jovem! Com Cristo, o coração nunca envelhece! ” (Homilia do Do-
mingo de Ramos, 24 de março de 2013).
O chamado que o Papa Francisco faz a todos é que sejamos jo-
vens de coração, não obstante a idade cronológica que temos, e este
é um convite para os próprios jovens.
No capítulo V da Carta Christus Vivit, o Papa Francisco recorda
exatamente a beleza e a potencialidade de ser jovem, da juventude.
O Papa Francisco assim escreve: “A juventude é uma benção para a
Igreja e para o mundo, uma alegria, uma canção de esperança, uma
beatitude, um momento precioso”. (Cf. Christus Vivit, nº 135).
Neste breve texto, queremos destacar alguns pontos da Exorta-
ção Christus Vivit, em relação a alguns pontos da vivência em equipe,
e do Plano Pessoal de Vida (PPV), propostos pelo nosso Movimento
das Equipes de Jovens de Nossa Senhora (EJNS).

1
Uma reflexão a partir do Capítulo 5 da Exortação Christus Vivit, do Papa Francisco

85
Os destaques que faremos dessa Exortação estarão sempre acom-
panhados de citações literárias, pois acreditamos que o uso da lite-
ratura potencializa as palavras que escrevemos, e a poesia suaviza a
compreensão do conteúdo desse nosso texto. A polissemia de signifi-
cados propiciada pela grandeza dos textos literários oferece a diversi-
dade de possibilidades de sentido, por meio do diálogo entre a expe-
riência do leitor e o requinte estético do texto. Isso faz com que uso
da palavra e da imagem, ampliem as possibilidades de significação.
O Papa Francisco denomina o capítulo V da Exortação Christus
Vivit: Percursos da Juventude. Esperamos que cada jovem tome para
si mesmo, as palavras do Apóstolo São Paulo ao jovem Bispo São
Timóteo: “Ninguém te desprezes por seres jovem. Ao contrário tor-
na-te modelo para os fiéis, no modo de falar e de viver, na caridade,
na fé, na castidade” 1 Tm 4,12. Que este balanço possa, pela Graça
do Espirito Santo, ajudar-nos a analisar quais os percursos que os
jovens de nossas Equipes estão trilhando para serem realmente uma
juventude iluminada.
1. Descoberta de si mesmo

“Cada estação da vida é uma edição que corrige a anterior,


que será corrigida também, até a edição definitiva,
que o editor dá de graça aos vermes. O tempo corre,
o tempo é curto: preciso me apressar,
mas ao mesmo tempo viver c
omo se esta minha vida fosse eterna. ”
Clarice Lispector

É próprio do jovem a esperança, o sonho, que são como que


combustíveis da vida. Por isso nos pareça tão contraditório que mui-
tos jovens não busquem viver com intensidade a sua vida, e tantos
outros que desejam tirar a sua própria vida. O Papa Francisco na
Christus Vivit afirma: “Ninguém tem o direito de te roubar a espe-
rança.” (Christus Vivit, nº 142). Esperar, sonhar, nos faz caminhar
adiante, dar o nosso melhor, deixar nossa marca no mundo.
Disse o Papa Francisco aos jovens: “Os sonhos são importantes,
mantém nosso olhar alargado. Um jovem que não sabe sonhar é um

86
jovem anestesiado, não poderá compreender a vida, a força da vida.
Os sonhos acordam-te, levantam-te além, são as estrelas mais lumi-
nosas. Com Deus não tenhas receio: vá em frente. Sonha grande”2.
Um outro ponto apresentado na Christus Vivit são as opções que
no período da juventude devem ser tomadas: “A idade da juventude
não pode permanecer um tempo suspenso: é a idade das opções,
consistindo nisso mesmo, o seu encanto e a sua tarefa maior. Os
jovens tomam decisões na área profissional, social e política, e outras
mais radicais que determinaram a fisionomia de sua existência. E
tomam decisões também a propósito do Amor, com escolha de seu
par, e na opção de ter os primeiros filhos.” (Christus Vivit, nº 140).
O Papa afirma nesta carta que os sonhos inspiram decisões, tantas
e grandes decisões são conduzidas por grandes sonhos, um sonho que
motiva o sim dado no início da decisão (Cf. Christus Vivit, nº 141).
Como afirmava o grande poeta português, Fernando Pessoa:
“Tenho em mim todos os sonhos do mundo.” E também de modo
belo afirmava nosso compatriota, Mario Quintana: “O que mata o
jardim não é o abandono. O que mata o jardim é o olhar de quem
por ele passa indiferente. E assim é com a vida, você mata os sonhos
que finge não ver.”
Assim descobrimos a importância de sempre sonhar e tomar as
nossas decisões, mesmos a menores, a partir de grandes sonhos e
objetivos.
O Papa Francisco ainda apresenta a necessidade de vivermos o
tempo presente: “A Palavra de Deus convida-te claramente a viver o
presente, e não só a preparar o amanhã: “não preocupeis com dia de
amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a
cada dia o seu problema” Mt 6,34. Isto, porém, não significa aban-
donar-te a uma libertinagem irresponsável que nos deixa vazios e
sempre insatisfeitos, mas convida-nos a viver plenamente o presente,
usando as nossas energias para fazer coisas boas, cultivando a frater-
nidade, seguindo Jesus e apreciando cada pequena alegria da vida
como um presente Amor de Deus. A propósito, quero lembrar que

2
Encontro do Papa Francisco com os jovens italiano em vista do sínodo. Roma, 11 de
agosto de 2018.

87
o Cardeal Francisco Xavier Nguyên van Thuân, quando foi preso no
campo de concentração não quis que seus dias consistissem apenas
em aguardar, esperar um futuro. Escolheu “viver o momento presen-
te, cumulando de amor”; e a maneira como o realiza era esta: “apro-
veito as oportunidades que me surgem cada dia para realizar ações
ordinárias de maneira extraordinária”. Enquanto lutas para realizar
os seus sonhos, vive plenamente o dia de hoje numa entrega total e
cheia de amor em cada momento. A verdade é que este dia da tua
juventude pode ser o último e por isso vale a pena vivê-lo com toda a
garra e profundidade possíveis” (Christus Vivit, nos 147-148).
Em uma sociedade que se pensa tanto em “curtir o momento”,
vemos tantas pessoas infelizes, insatisfeitas. Muitos pensam a felici-
dade apenas em um tempo futuro – futuro incerto – que faz sua fe-
licidade depender de posteriores conquistas pessoais. Ouve-se dizer:
serei feliz quando eu estiver trabalhando naquela empresa, serei feliz
quando eu tiver aquele carro novo ou aquela linda casa na praia, ou
serei feliz o dia que estiver relacionando-me com tal pessoa. Serve-
-nos bem as estrofes finais desta poesia:
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Vicente de Carvalho
É necessário ser feliz onde se está, e onde estivermos, estarmos
inteiros! Neste tempo pós-moderno, em que todos parecem estar
conectados corremos o risco de ficar “desligados” de nós mesmos e
do outro. A todos é importante refletir sobre isso, senão na discussão
sobre um assunto, mesmo nos relacionamentos pessoais, tudo torna-
se tão superficial, e aí temos pessoas realmente infelizes.
Uma grande mulher diz em suas poesias desta importância do
tempo presente, do agora, do hoje:

88
“A minha vida é um só instante, uma hora passageira,
a minha vida é um só dia que me escapa e me foge.
Tu sabes, ó meu Deus! Para amar-Te na Terra
só tenho o dia de hoje!”.
Santa Teresinha do Menino Jesus
Um último ponto a ser meditado como conhecimento de si mes-
mo, que observamos na Exortação é a maturação: “O próprio adulto
deve amadurecer, sem perder os valores da juventude. Na realidade,
cada fase da vida é uma graça permanente, contém um valor que não
deve passar. Uma juventude bem vivida permanece como experiên-
cia interior e, na vida adulta, é assimilada, aprofundada e continua
a dar os seus frutos. Se é próprio do jovem sentir-se atraído pelo
infinito que se abre e começa, um risco da vida adulta – com as suas
seguranças e comodidades – consiste em ir transcurando progres-
sivamente tal horizonte e perder aquele valor próprio dos anos da
juventude; quando deveria suceder o contrário: amadurecer, crescer
e organizar a própria vida sem perder aquela atração, aquela abertura
ampla, aquele fascínio por uma realidade que cresce sem cessar. Em
cada momento da vida, podemos renovar e fazer crescer a nossa ju-
ventude. Quando comecei o meu ministério como Papa, o Senhor
alargou os meus horizontes e deu-me uma renovada juventude. O
mesmo pode acontecer com um casal já com muitos anos de matri-
mônio, ou com um monge no seu mosteiro. Há coisas que precisam
dos anos para se consolidar, mas este amadurecimento pode coexistir
com um fogo que se renova, com um coração sempre jovem.” (Chris-
tus Vivit, nº 160).
O Papa Francisco ensina que se o período da juventude é vivido
bem, com intensidade, levaremos a Graça desta etapa da vida, para a
vida inteira, com um ar de renovação que certamente nos fará felizes,
independente da idade.
O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
Guimarães Rosa

89
Perguntemo-nos: “Tenho sonhado?”; “Quais são os meus so-
nhos?”; “Tenho tomado decisões em minha vida, a partir dos meus
sonhos?”; “Tenho vivido com intensidade o tempo presente?”; “A
alegria em ser jovem e o desejo de renovação têm acompanhado o
meu amadurecimento?
2. A Oração

“A Oração é um trato de amizade, estando,


muitas vezes à sós, com Quem sabemos que nos ama.”
Santa Teresa de Ávila

Pontos importantes do nosso PPV são: a Escuta e Meditação da


Palavra, o Terço, a Missa e Participação nos Sacramentos, a Oração
Individual e Time Out/Magnificat. Ou seja, a grande parte do nosso
PPV está em refletirmos sobre a nossa intimidade com Deus, uma
vez que o carisma de nosso Movimento, está na santificação do jo-
vem em Equipe. A Oração é ainda mais essencial, nas palavras de
Santo Afonso de Ligório: “Quem reza, salva-se! Quem não reza, cer-
tamente condena-se!”. São Lucas afirma em seu Evangelho: «Propôs-
lhes Jesus uma parábola para mostrar que é necessário orar sempre
sem jamais deixar de fazê-lo.» (Lc 18, 1). E ainda o diz o Apóstolo
São Paulo: “Orai sem cessar!” (1 Tes 5, 17).
O Papa Francisco na Exortação afirma o seguinte: “Por mais que
vivas e experimentes, nunca chegarás às profundezas da juventude,
nem conhecerás a verdadeira plenitude de ser jovem, se não te en-
contrares cada dia com o grande Amigo, se não viveres na amizade
de Jesus. Com o amigo, conversamos, partilhamos as coisas mais
secretas. Com Jesus, também conversamos. A oração é um desafio e
uma aventura. E que aventura! Permite que O conheçamos cada vez
melhor, entremos no Seu Mistério e cresçamos numa união cada vez
mais forte. A oração permite-nos contar-Lhe tudo o que nos acon-
tece e permanecer confiantes nos Seus braços e, ao mesmo tempo,
proporciona-nos momentos de preciosa intimidade e afeto, onde Je-
sus derrama a Sua própria Vida em nós. Rezando, «abrimos o jogo»
a Ele, damos-Lhe lugar para que Ele possa agir, possa entrar e possa
vencer.” (Cf. Christus Vivit, nº 150 e 155).

90
A Oração parte da Graça que inspira o cristão, e do próprio cris-
tão que se sabe filho de Deus, amado por Deus, habitado por Deus:
“Se alguém Me ama, guardará a Minha Palavra e Meu Pai o amará, e
Nós viremos a ele e nele faremos Nossa morada.” (Jo 14, 23).
Exatamente porque Deus habita dentro de nós, em primeiro lu-
gar, essa Vida Interior é que deve ser cultivada por meio da oração,
da frequência aos Sacramentos, e da meditação na Palavra de Deus.
A vivência desses três pontos faz crescer em nós esta Amizade com
Jesus, como exorta o Papa Francisco.
O piedoso Abade Chautard recorda, em sua clássica obra, que
tudo quanto fazemos pastoralmente, todas as missões e empreendi-
mentos católicos, toda atividade da Igreja, têm sua força e garantia de
eficácia nesse cultivo da Vida Interior, desta intimidade com Jesus.
O Abade relembra uma correção que São Bernardo faz a um Papa de
sua Ordem:
“Foi contra igual perigo que São Bernardo quis acautelar o Papa Eu-
gênio III, quando lhe escreveu: ‘Temo que no meio das vossas ocupações,
que são inumeráveis, desesperando de jamais lhes ver o fim, deixeis endu-
recer vossa alma. Andareis com muito mais prudência subtraindo-vos a
essas ocupações, por alguns instantes que seja, do que permitindo que elas
vos dominem e que pouco a pouco infalivelmente vos arrastem para onde
não quereis de forma alguma ir. Então para onde? direis talvez. Para o
endurecimento do coração. Eis até onde vos podem levar essas malditas
ocupações, se ainda continuais, como já ao princípio fizestes, a consagrar-
-vos inteiramente a elas, nada reservando de vós para vós mesmo.’
Que há aí de mais augusto, de mais santo que o governo da Igreja?
Haverá nada mais útil para a glória de Deus e para o bem das almas? E
contudo, malditas ocupações, exclama s. Bernardo, se hão de servir para
impedir a vida interior daquele que a elas se dedica.” 3
Rezar não é algo difícil para quem se encontrou com Jesus, é um
impulso sobrenatural de um coração aberto a Deus, como é dito por
uma Doutora da Igreja: “Para mim, a oração é um impulso do cora-
ção, é um simples olhar lançado para o Céu, é um grito de gratidão

3
Dom J. B. Chautard. A Alma de Todo Apostolado, parte III, p.82.

91
e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria”
(Santa Teresinha do Menino Jesus.
E mesmo quando chega o tempo do deserto espiritual, aí que se
reza mais, oferta-se o sacrifício e a Oração flui, porque já se tornou
um hábito.
Um grande escritor de nossa literatura em suas obras fala da Ora-
ção e da Oração do simples:
“Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida
é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa muito a passar,
mas que sempre passa.
E você ainda pode ter um muito pedaço bom de alegria.
Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua”.
“Rezar muito e ter muito e ter fé.
Porque as coisas estão todas amarradinhas em Deus.”
Guimarães Rosa
Reflitamos: O Papa Francisco diz que a Oração é uma aventura.
Estou aberto a viver intensamente essa aventura da Amizade com
Jesus? Tenho rezado o Terço e meditado a Palavra? Estou fazendo
de tudo isso fonte da minha alegria e da minha energia espiritual?
Como posso tornar mais renovada minha participação nos Sacra-
mentos da Confissão e da Eucaristia?
3. A vivência em Equipe

Não sei…
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,

92
olhar que sacia,
amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura…
enquanto durar.
Cora Coralina
Na Oração do Equipista que a cada reunião rezamos, assim di-
zemos: “Senhor, compreendi que sozinho jamais chegaria até Vós,
então me concedestes viver em equipe”. Por um lado, reconhecemos
nossa deficiência em viver sozinhos, e por outro a Graça que o Se-
nhor nos concede em viver em Equipe.
Não fomos criados para viver sozinhos, o homem foi criado em
um Paraíso com e para as demais criaturas, e estas para o homem, e
a ele foi dado uma companheira semelhante: “O Senhor Deus disse:
“Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar que
lhe seja adequada” (Gn 2, 18).
Assim porque Deus não achou bom o ser humano ficar sozinho,
fez dele casal, fez dele família. E depois fez dele povo, o Seu Povo,
o Povo de Deus. Jesus vindo a este mundo quis viver em família – a
Sagrada Família de Nazaré – e é importante observar que a maior
parte do tempo de Sua Vida, o Senhor Jesus viveu em Família, uma
vez que foram apenas três anos de Sua Missão pública.
O próprio Jesus em Sua Vida Pública escolhe não viver sozinho,
mas constitui uma nova família, Seus Doze Apóstolos, que são os Doze
Alicerces do novo Povo de Deus, da Família de Deus que é a Igreja.
O Papa Francisco em sua Exortação ao falar destes Percursos de
Juventude, fala de Percursos de Fraternidade: “O teu crescimento
espiritual manifesta-se sobretudo no amor fraterno, generoso, mise-
ricordioso. Assim no-lo diz São Paulo: «O Senhor vos faça crescer e
superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos»
(1 Ts 3, 12). Possas tu viver cada vez mais aquele «êxtase» que consis-

93
te em sair de ti mesmo para buscares o bem dos outros, até dar a vida.
Quando um encontro com Deus se chama «êxtase» é porque nos tira
fora de nós mesmos e nos eleva, cativados pelo amor e a beleza de
Deus. Mas podemos também ser levados a sair de nós mesmos para
reconhecer a beleza escondida em cada ser humano, a sua dignidade,
a sua grandeza como imagem de Deus e filho do Pai. O Espírito San-
to quer impelir-nos a sair de nós mesmos, para abraçar os outros com
o amor e procurar o seu bem. Por isso, é sempre melhor vivermos a fé
juntos e expressar o nosso amor numa vida comunitária, partilhando
com outros jovens o nosso afeto, o nosso tempo, a nossa fé e as nossas
preocupações. A Igreja oferece muitos e variados espaços para viver
a fé em comunidade, porque, juntos, tudo é mais fácil.” (Christus
Vivit, nº 163-164).
Na Liturgia da Igreja, reza-se assim: “No meio da humanidade,
dividida em contínua discórdia”. Oração Eucarística sobre a Recon-
ciliação II. Para esta humanidade dividida, nós, os cristãos, devemos
ser sinal de unidade, de comunhão. Na Palavra de Deus há uma
passagem que deve ser a finalidade de todas as comunidades cristãs
de todos os tempos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma
só alma” (At 4, 32). E o próprio Jesus diz assim: ao rezar por nós:
“Para que todos sejam um, Pai, como Tu estás em Mim e Eu em Ti.
Que eles também estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu
me enviaste” (Jo 17, 21).
Para que o mundo creia é necessário que sejamos Um, é o nos-
so testemunho de comunhão, de amor fraterno, que converterá as
pessoas. Tertuliano, Padre da Igreja, no início do cristianismo, diz
que o que chamava a atenção dos pagãos era o amor mútuo entre os
cristãos, os pagãos diziam: “Vede como eles se amam!”.
Amar o outro, conviver com o diferente, sempre é difícil; o Papa
Francisco afirma na Exortação, que este amor fraterno, esta vivência
comunitária é um sair de si mesmo, é um não estar fechado em si
próprio.
A vida em Equipe proposta pelo nosso Movimento, é um ver-
dadeiro auxílio da Graça, uma criatividade do Espírito Santo, que
nos ensina pouco a pouco a fazermos este caminho de santificação
juntos, pois como já vimos, o Papa Francisco ensina-nos que “jun-

94
tos tudo é mais fácil”. Precisamos experimentar em nossas vidas o
sentido do refrão que repetimos cheios de empolgação: “Se estamos
juntos, Maria olha por nós”.
A própria Oração do Equipista destaca algumas atitudes que de-
vemos ter em relação aos outros. “Fazei com que os outros compre-
endam a lentidão do meu caminhar e também, eu aceite paciente-
mente o progresso dos outros”. Cada um tem o seu ritmo, por isso
na Equipe todos respeitam o modo e a velocidade de cada caminhar.
Na dinâmica do Reino de Deus, não é o vencedor aquele que
chega primeiro, mas aquele que espera e ajuda os outros para chega-
rem todos juntos. “Dai-me ser bastante humilde para permitir que
os outros me ajudem, e bastante aberto para que em mim todos
encontrem o auxílio necessário”.
Assim é a vida cristã, todos de mãos dadas, um segurando o ou-
tro, hoje eu ajudo o meu irmão, amanhã sou eu quem preciso da
ajuda dele. “Ajudai-nos a nos amarmos mutuamente até o fim, sem
que sejamos indulgentes uns para com os outros.”
Um amor forte, real, que cuida, mas que também corrige, um
amor que dá firmeza aos passos do irmão. “E quando a equipe estiver
atravessando alguma dificuldade, possa eu antes de tudo, me interro-
gar e lucidamente analisar qual a minha participação.”
No Movimento aprendemos que na Equipe cada qual com sua
participação faz toda a diferença, onde todos são importantes, exata-
mente porque fazem parte da Equipe.
Nossas Equipes têm o desafio de se parecerem com o nosso Sal-
vador, Jesus de Nazaré, com braços sempre abertos, prontos para
acolher. Se alguém se perde, se afasta, devemos buscar como o Bom
Pastor procurou e feliz encontrou aquela centésima ovelha teimosa,
rebelde e ferida. Ou ainda como o Pai que espera o retorno do filho
mais novo, que livremente havia ido embora e quando este retorna,
corre ao seu encontro e o acolhe com festa. Padre Henri Caffarel,
comenta: “Alguém poderia dizer sobre essa atitude do pai: Não é
razoável! Talvez. Mas o amor nunca é razoável! O pai corre. É para
nos fazer compreender a ternura de Deus o Pai para com um pobre,
lamentável pecador. “E correndo”.

95
O Papa Francisco de muitos modos insiste em apresentar-nos
o rosto acolhedor, fraterno e materno da nossa Igreja, como disse
no início de seu pontificado: “Vejo com clareza, que aquilo de que
a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de
aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um
hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a
um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar alto. Devem curar-
-se as suas feridas. Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as
feridas, curar as feridas... E é necessário começar de baixo. A Igreja
por vezes encerrou-se em pequenas coisas, em pequenos preceitos.
O mais importante, no entanto, é o primeiro anúncio: “Jesus Cristo
salvou-te!”.”4.
Cremos que realmente quando se vive de modo efetivo e partici-
pativo em Equipe, permitimos que Jesus Vivo cure as nossas feridas.
Para que isso ocorra é preciso que nossas atitudes sejam de verdadeiro
acolhimento, de cuidado de uns para com os outros. Tais atitudes às
vezes são tão simples e ao mesmo tempo tão eficazes, como recorda
a poetisa Cora Coralina muitas vezes basta: colo que acolhe, braço
que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que
contagia, lágrima que corre, olhar que sacia, amor que promove.
O Papa Francisco insiste neste ponto da fraternidade: “Deus ama
a alegria dos jovens e convida-os sobretudo à alegria que se vive na
comunhão fraterna, ao júbilo superior de quem sabe partilhar, pois
«a felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35) e
«Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). O amor fraterno
multiplica a nossa capacidade de nos alegrarmos, porque nos torna
capazes de rejubilar com o bem dos outros: «Alegrai-vos com os que
se alegram» (Rom 12, 15). Que a espontaneidade e o impulso da
tua juventude se transformem sempre mais na espontaneidade do
amor fraterno, no frescor que nos faz reagir sempre com o perdão, a
generosidade, o desejo de construir comunidade! Diz um provérbio
africano: «Se queres andar rápido, caminha sozinho. Se queres chegar
longe, caminha com os outros». Não deixemos roubar-nos a fraterni-
dade.” (Cf. Christus Vivit, nº 167).
4
Papa Francisco em entrevista à Revista Civiltà Cattolica, 21 de setembro de 2013.

96
O Papa aconselha e alerta a juventude sobre pontos indispensá-
veis que podemos e devemos viver em nosso Movimento: a alegria
condividida entre irmãos, o desejo de construir comunidade, a im-
portância de caminhar juntos. Recordemos a exortação do Apóstolo
São Paulo: “Assim nós, embora sejamos muitos, formamos um só
corpo em Cristo, e cada um de nós é membro um do outro.” (Rm
12, 5). Nas Equipes, de modo particular e especial somos membros
uns dos outros.
Por fim, o Papa no capítulo V de sua Exortação fala de jovens
comprometidos e missionários corajosos: “Quero encorajar-te a as-
sumir este compromisso, porque sei que «o teu coração, coração jo-
vem, quer construir um mundo melhor. Acompanho as notícias do
mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes do mundo, saíram
para as ruas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e
fraterna. Os jovens nas ruas; são jovens que querem ser protagonistas
da mudança. Por favor, não deixeis para outros o ser protagonista
da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós,
entra o futuro no mundo. Também a vós, eu peço para serdes pro-
tagonistas desta mudança. Continuai a vencer a apatia, dando uma
resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo
em várias partes do mundo. Peço-vos para serdes construtores do
futuro, trabalhai por um mundo melhor. Queridos jovens, por favor,
não “olheis da sacada” a vida, entrai nela. Jesus não ficou na sacada,
mergulhou… Não olheis da sacada a vida, mergulhai nela, como
fez Jesus. Mas sobretudo, duma forma ou doutra, lutai pelo bem
comum, sede servidores dos pobres, sede protagonistas da revolução
da caridade e do serviço, capazes de resistir às patologias do individu-
alismo consumista e superficial.” (Christus Vivit, nº 174).
Todos os benefícios espirituais que recebemos em nosso Movi-
mento e em nossas reuniões não podem ficar guardados de maneira
egoísta e acomodada, temos um tesouro a ser partilhado. Nosso PPV,
recorda-nos sempre da missão na Família, na Sociedade e na Igreja.
Muitos jovens em nosso trabalho, cursos e reuniões que frequenta-
mos, em nossa paróquia, e tantos outros lugares de convivência social,
ainda que sem saber, aguardam nosso anúncio e testemunho de Jesus.

97
Ressoem em nosso coração, estas palavras da Exortação: “Não
se pode esperar que a missão seja fácil e cômoda. Alguns jovens pre-
feriram dar a própria vida a refrear o seu impulso missionário. Os
bispos da Coreia escreveram: «Esperamos poder ser grãos de trigo e
instrumentos para a salvação da humanidade, seguindo o exemplo
dos mártires. Apesar da nossa fé ser tão pequena como um grão de
mostarda, Deus fá-la-á crescer e utilizá-la-á como instrumento para a
Sua obra de Salvação. Amigos, não espereis pelo dia de amanhã para
colaborar na transformação do mundo com a vossa energia, audácia
e criatividade. A vossa vida não é «entretanto»; vós sois o agora de
Deus, que vos quer fecundos. Porque «é dando que se recebe»,e a
melhor maneira de preparar um bom futuro é viver bem o presente,
com dedicação e generosidade.” (Christus Vivit, nº 178).
Perguntemos: Nossa Equipe é lugar de reflexão, de acolhida, de
aconchego e de reabastecimento espiritual? Temos sido missionários
do Amor, onde quer que nos encontremos? Permitimos que Jesus
cure as nossas feridas, e somos instrumentos deste toque curativo de
Jesus em nossas Equipe?
A Virgem Maria, a Nossa Senhora invocada pelas Equipes, é
modelo de jovem missionária, uma vez que, tão logo soube que se
tornaria Mãe de Deus, foi levar o Jesus em seu ventre à Isabel e à
sua família, “ela se levantou e foi apressadamente às montanhas da
Judéia.” (Lc 1, 39). Que ela, a Influencer de Deus (cf. Christus Vivit,
nº 44), interceda para que em nossas Equipes surja a cada dia uma
Juventude iluminada.
Deus os abençoe!
Padre Cesar Silva Rossi
Diocese de Campo Limpo – SP

Cláudia do Amaral
Professora de Licenciatura
Casal Acompanhador da EJNS do Aconchego – SP

98
ORAÇÕES UTILIZADAS NO MOVIMENTO DAS EJNS

1. INVOCAÇÃO AO ESPÍRITO SANTO

Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles
o fogo do Vosso amor. Enviai o Vosso Espírito, e tudo será criado, e reno-
vareis a face da terra. Oremos: Ó Deus, que instruístes os corações dos
vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei que apreciemos retamente
todas as coisas, segundo o mesmo Espírito, e gozemos sempre da sua
consolação. Por nosso Cristo Senhor Nosso. Amém.

2. ORAÇÃO DO EQUIPISTA

Senhor, compreendi que sozinho jamais chegaria até Vós. Então me


concedestes viver em Equipe. Fazei que os outros compreendam a
lentidão do meu caminhar e que eu também aceite pacientemente o
progresso dos outros. Dai-me ser bastante humilde para permitir que
os outros me ajudem e bastante aberto para que em mim todos encon-
trem o auxílio necessário. Enchei-nos do Vosso Espírito, a fim de que no
cotidiano de nossas vidas descubramos Vossos apelos a um engajamento
que liberta o homem. Fazei-nos dóceis à Vossa Palavra, que interroga,
que questiona, mas uma palavra que conduz à verdadeira liberdade.
Ajudai-nos a nos amarmos mutuamente até o fim, sem que sejamos
indulgentes demais uns para com os outros. E quando a Equipe estiver
atravessando alguma dificuldade, possa eu, antes de tudo, me interro-
gar e lucidamente analisar qual a minha participação. Enfim, Senhor
ajudai-nos a encontrar o motivo único, forte e duradouro que nos
impulsiona sempre para frente e nos congrega: a Vossa presença no meio
de nós. Amém.

99
3. CONSAGRAÇÃO À NOSSA SENHORA

Ó minha Senhora, ó minha Mãe, eu me ofereço todo a Vós e em prova


de minha devoção para convosco, eu vos consagro neste dia meus olhos,
meus ouvidos, minha boca, meu coração e inteiramente todo o meu ser.
E porque assim sou vosso, ó incomparável Mãe, guardai-me e defendei-
me como coisa e propriedade vossa. Amém.

4. ORAÇÃO DA ESCUTA E MEDITAÇÃO DA PALAVRA

Espírito Santo, Vós sois o alento do Pai e do Filho


na plenitude da eternidade.
Vós nos fostes enviado por Jesus para nos fazer compreender
o que ele nos disse e nos conduzir à verdade completa.
Vós sois para nós sopro de vida, sopro criador, sopro santificador.
Vós sois quem renova todas as coisas.
Vos pedimos humildemente que nos deis vida e que habiteis em cada um
de nós, em cada um de nossos lares e em cada uma de nossas equipes, para
que possamos viver os sacramentos como um lugar de amor, um projeto
de felicidade e um caminho para a santidade. Amém.

5. ORAÇÃO DA COLETA

Senhor meu Deus, estamos aqui, neste momento, com muita alegria e
amor, Ofertando o que nos pede o Movimento, ao qual nos chamastes.
Ajuda-nos, Senhor, a completar o que Tua providência divina começou.
Modifica em nós o desgosto do gesto avarento, De modo que já não
possamos suportar esta mão que se fecha quando é preciso dar E que se
abre, largamente, para receber.
Façamos desta contribuição uma forma suprema de liberdade, Pois
sabemos que a alegria permanece sempre viva nos corações que se esva-
ziam de toda inquietação e que só desejam o que é eterno. Obrigado
por esta chance Senhor. Amém.

100
6. ORAÇÃO DA PARTILHA E DOS PONTOS DE ESFORÇO

Senhor Jesus Cristo, No momento de compartilharmos os Pontos


de Esforço e a Partilha, compreendemos melhor que somos, em Vós,
membros uns dos outros. Dai-nos a graça de nos recolhermos perante a
Vossa misteriosa presença em nós. Pela nossa vida, por onde nos haveis
chamado, deste nos, Senhor, o sentido do amor: desejar e procurar o
bem um do outro. Fazei que o amor fraterno una sempre os jovens da
Equipe. Fazei que nossa caridade não seja cega nem falsa. Ajudai-nos
a manifestar-nos uns aos outros com caridade e lealdade. Ajudai-nos
a revelar nossas faltas, para pedir perdão à Equipe do peso com que a
sobrecarregamos, para suscitar a misericórdia dos outros e fazer apelo
à sua ajuda. Ajudai-nos, também, a contar nossos sucessos com humil-
dade, para que seja ocasião da ação de graças de todos a Vós, Senhor.
Para que fortaleça os que duvidam, os que penam, os que vacilam.
Que compartilhando nos ajudemos a tomar mais consciência de nossas
responsabilidades mútuas e sermos coerentes. Amém.

7. TIME OUT

Eterno Pai, unidos em nome de Jesus, te pedimos a paz para o mun-


do, para que não existam mais guerras e conflitos em nenhuma parte
da Terra. Te pedimos pelas Equipes de Jovens de Nossa Senhora no
Brasil e no mundo, a fim de que cada Equipista seja uma verdadeira
testemunha de Cristo. Recomendamos-Te, de modo particular, todos
aqueles que exercem a função de Responsável. Dai-lhes, por meio do
Teu Espírito, Santo um coração aberto para discernir a Tua vontade.
Por fim, à Vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus, não despre-
zeis as súplicas que em nossas necessidades vos dirigimos, mas livrai-nos
sempre de todos os perigos, ó Virgem Gloriosa e Bendita. Pai Nosso.
Ave Maria. Magnificat.

101
8. MAGNIFICAT

O Poderoso fez em mim maravilhas e Santo é o seu nome.


A minh’alma engrandece o Senhor, exulta meu espírito em Deus,
meu Salvador, porque olhou para humildade de sua serva.
Doravante as gerações hão de chamar-me de bendita.
O Poderoso fez em mim maravilhas e Santo é o seu nome!
Seu amor para sempre se estende sobre aqueles que o temem.
Manifesta o poder de seu braço, dispersa os soberbos,
derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes.
Sacia de bens os famintos e despede os ricos sem nada.
Acolhe Israel, seu servidor, fiel ao seu amor,
como havia prometido aos nossos pais,
em favor de Abraão e de seus filhos para sempre.
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo,
como era no princípio, agora e sempre. Amém.
O Poderoso fez em mim maravilhas e Santo é o seu nome.

102
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
DO PAPA FRANCISCO
CHRISTUS VIVIT
PARA OS JOVENS
E PARA TODO O POVO DE DEUS
LISTA DE SIGLAS

AL Amoris Laetitia
CIgC Catecismo da Igreja Católica
DCE Deus Caritas Est
DF Documento Final da XV Assembleia Geral
Ordinária do Sínodo dos Bispos
DV Dei Verbum
EG Evangelii Gaudium
GeE Gaudete et Exsultate
GS Gaudium et Spes
LG Lumen Gentium
LS Laudato Si’
PDV Pastores Dabo Vobis
PP Populorum Progressio
VG Veritatis Gaudium
1. CRISTO VIVE: é Ele a nossa esperança, e a mais bela juventude
deste mundo! Tudo o que Ele toca se torna jovem, se torna novo,
se enche de vida. Por isso, as primeiras palavras que quero dirigir a
cada um dos jovens cristãos são: Ele vive e te quer vivo!
2. Ele está em ti, Ele está contigo e nunca te abandona. Por mais que
te distancies, ali está o Ressuscitado, chamando-te e esperando-te
para começar de novo. Quando te sentires envelhecido pela tristeza,
ressentimentos, medos, dúvidas ou fracassos, Ele estará ali para te
devolver a força e a esperança.
3. A todos os jovens cristãos escrevo com carinho esta Exortação
Apostólica, isto é, uma carta que recorda algumas convicções de
nossa fé e que ao mesmo tempo nos encoraja a crescer em santidade
e no compromisso com a própria vocação. Mas como se trata de um
marco dentro de um caminho sinodal, dirijo-me ao mesmo tempo a
todo o povo de Deus, a seus pastores e fiéis, porque a reflexão sobre
os jovens e para os jovens convoca e estimula a todos nós. Por isso,
em alguns parágrafos falarei diretamente para os jovens e em outros
oferecerei abordagens mais gerais para o discernimento eclesial.
4. Deixei-me inspirar pela riqueza das reflexões e dos diálogos do
Sínodo do ano passado. Não poderei recolher aqui todas as contri-
buições que vocês poderão ler no Documento Final, mas tratei de
assumir na redação desta carta as propostas que pareceram mais sig-
nificativas para mim. Desse modo, minha palavra estará carregada
de milhares de vozes de fiéis de todo o mundo que fizeram chegar
suas opiniões para o Sínodo. Mesmo os jovens não fiéis, que quise-
ram participar com suas reflexões, propuseram questões que fizeram
surgir em mim novas perguntas.

107
CAPÍTULO I

O QUE A PALAVRA DE DEUS DIZ


SOBRE OS JOVENS?

5. Resgatemos alguns tesouros das Sagradas Escrituras, nas quais vá-


rias vezes se fala dos jovens e como o Senhor vai ao seu encontro.

No Antigo Testamento
6. Em uma época em que os jovens contavam pouco, alguns textos
mostram que Deus os olha com outros olhos. Por exemplo, vemos
que José era o menor da família (Gn 37,2-3). Mesmo assim, Deus
lhe comunicava coisas grandes em sonhos e superou a todos os seus
irmãos em importantes tarefas quando tinha 20 anos (Gn 37-47).
7. Em Gedeão, reconhecemos a sinceridade dos jovens, que não
costumam adocicar a realidade. Quando lhe foi dito que o Senhor
estava com ele, respondeu: “Se o Senhor está conosco, por que nos
sobreveio tudo isso?” (Jz 6,13). Mas Deus não se incomodou por essa
reprovação e redobrou a aposta por ele: “Com a força que tens, vai e
liberta Israel” (Jz 6,14).
8. Samuel era um adolescente inseguro, mas o Senhor se comunicava
com ele. Graças ao conselho de um adulto, ele abriu o coração para
ouvir o chamado de Deus: “Fala, Senhor, teu servo escuta!” (1Sm
3,9-10). Por isso foi um grande profeta que interveio em momentos
importantes de sua pátria. O rei Saul também era um jovem quando
o Senhor o chamou para cumprir sua missão (1Sm 9,2).
9. O rei Davi foi escolhido sendo um jovem. Quando o profeta Sa-
muel estava buscando o futuro rei de Israel, um homem lhe apresen-

109
tou os seus filhos mais velhos e mais experientes como candidatos.
Mas o profeta disse que o eleito era o jovem Davi, que cuidava das
ovelhas (1Sm 16,6-13), porque “o homem vê a aparência, o Senhor
vê o coração”. A glória da juventude está no coração, mais do que na
força física ou na impressão que alguém causa nos outros.
10. Salomão, quando teve que suceder seu pai, sentiu-se perdido e
disse a Deus: “mas eu sou apenas um menino e não sei como pro-
ceder” (1Rs 3,7b). No entanto, a audácia da juventude o levou a
pedir a Deus a sabedoria e a assumir sua missão. Algo semelhante
aconteceu com o profeta Jeremias, chamado quando muito jovem
para despertar seu povo. Em seu temor disse: “Ah! Senhor Deus, eu
não sei falar: sou apenas um jovem” (Jr 1,6). Mas o Senhor pediu-lhe
que não dissesse isso (Jr 1,7), e acrescentou: “Não tenhas medo deles,
pois estou contigo para te livrar” (Jr 1,8). A entrega do profeta Jere-
mias à sua missão mostra o que é possível quando se unem o frescor
da juventude e a força de Deus.
11. Uma moça judia que estava a serviço do militar estrangeiro Na-
aman interveio com fé para ajudá-lo a curar-se de sua doença (2Rs
5,2-6). A jovem Rute foi um exemplo de generosidade ao ficar com
sua sogra, que caiu em desgraça (Rt 1,1-18), e também mostrou sua
audácia para seguir adiante na vida (Rt 4,1-17).

No Novo Testamento
12. Conta uma parábola de Jesus (Lc 15,11-32) que o filho
“mais jovem” queria sair da casa paterna para um país distante
(v. 12-13). Porém, seus sonhos de autonomia se converteram em li-
bertinagem e devassidão (v. 13), e experimentou a dureza da solidão
e da pobreza (v. 14-16). Mesmo assim, foi capaz de começar de novo
(v. 17-19) e decidiu se levantar (v. 20). É próprio do coração jovem se
dispor a mudar, ser capaz de se levantar e se deixar ensinar pela vida.
Como não acompanhar o filho nessa nova tentativa? Mas o irmão
mais velho já tinha o coração envelhecido e se deixou possuir pela

110
ganância, pelo egoísmo e pela inveja (v. 28-30). Jesus elogia o jovem
pecador que retoma o bom caminho mais do que aquele que se acha
fiel, mas não vive o espírito de amor e misericórdia.
13. Jesus, o eternamente jovem, quer nos dar um coração sempre
jovem. A Palavra de Deus nos pede: “Jogai fora o velho fermento,
para que sejais uma massa nova” (1Cor 5,7). Ao mesmo tempo,
convida a nos despojar do “velho homem” para nos vestir do “ho-
mem novo” (Cl 3,9.10). E quando explica o que é revestir-se dessa
juventude “que se renova” (v. 10), diz que é ter “sentimentos de
compaixão, bondade, humildade, mansidão, paciência; suportai-
-vos uns aos outros e, se um tiver motivo de queixa contra o outro,
perdoai-vos mutuamente” (Cl 3,12-13).1 Isso significa que a verda-
deira juventude é ter um coração capaz de amar. Por outro lado, o
que envelhece a alma é tudo o que nos separa dos outros. É por isso
que conclui: “Sobretudo, revesti-vos do amor, que é o vínculo da
perfeição” (Cl 3,14).
14. Observemos que Jesus não gostava que os adultos olhassem com
desprezo para os jovens ou os colocassem a seu serviço de maneira
despótica. Pelo contrário, Ele pedia: “o maior entre vós seja como o
mais jovem” (Lc 22,26b). Para Ele, a idade não estabelecia privilégios
e o fato de que alguém tivesse menor idade não significava que vales-
se menos ou que tivesse menos dignidade.
15. A Palavra de Deus diz que os jovens devem ser tratados “como ir-
mãos” (1Tm 5,1), e recomenda: “Pais, não irriteis vossos filhos, para
que eles não percam o ânimo” (Cl 3,21). Um jovem não pode estar
desanimado: é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar horizontes
amplos, ousar mais, querer conquistar o mundo, ser capaz de aceitar
propostas desafiadoras e querer dar o melhor de si para construir algo
melhor. Por isso, insisto com os jovens que não se deixem roubar a
esperança, e a cada um repito: “Ninguém te menospreze por seres
jovem” (1Tm 4,12a).
1
A mesma palavra grega que se traduz como “novo” se usa para expressar “jovem”.

111
16. No entanto, ao mesmo tempo, aos jovens se recomenda: “Sede
submissos aos anciãos” (1Pd 5,5). A Bíblia sempre convida a um
profundo respeito aos idosos, porque abrigam um tesouro de experi-
ência, experimentaram os êxitos e os fracassos, as alegrias e as grandes
angústias da vida, as ilusões e os desencantamentos, e, no silêncio de
seu coração, guardam tantas histórias que podem ajudar a não nos
equivocar ou nos enganar por falsas miragens. A palavra de um velho
sábio convida a respeitar certos limites e a saber dominar-se no mo-
mento certo: “Exorta também os jovens a serem sensatos” (Tt 2,6).
Não faz bem cair em um culto à juventude, ou em uma atitude juve-
nil que despreza os outros por seus anos, ou porque eles são de outra
época. Jesus dizia que a pessoa sábia é capaz de tirar do baú tanto o
novo como o velho (Mt 13,52). Um jovem sábio se abre ao futuro,
mas sempre é capaz de resgatar algo da experiência dos outros.
17. No Evangelho de Marcos aparece uma pessoa que, quando Jesus
lhe recorda os mandamentos, diz: “Mestre, tudo isso eu tenho ob-
servado desde a minha juventude” (Mc 10,20). O Salmo já o dizia:
“Pois tu és minha esperança, ó Senhor; minha confiança, ó Senhor,
desde a minha juventude [...] Tu me instruíste, ó Deus, desde a mi-
nha juventude; e até agora anuncio tuas maravilhas” (71,5.17). Não
há por que se arrepender por gastar a juventude sendo bons, abrindo
o coração ao Senhor, vivendo de outra maneira. Nada disso tira a ju-
ventude, mas a fortalece e renova: “Tua juventude se renova como a
da águia” (Sl 103,5). Por isso, Santo Agostinho se lamentava: “Tarde
te amei, beleza tão antiga e tão nova! Tarde te amei!”.2 Mas aquele
homem rico, que tinha sido fiel a Deus em sua juventude, deixou
que os anos levassem embora seus sonhos, e preferiu seguir apegado
a seus bens (Mc 10,22).
18. Por outro lado, no Evangelho de Mateus aparece um jovem (Mt
19,20.22) que se aproxima de Jesus para pedir algo a mais (v. 20),
com aquele espírito aberto dos jovens, que busca novos horizontes e
2
SANTO AGOSTINHO. Confissões, X, 27: PL 32, 795.

112
grandes desafios. Na realidade, seu espírito não era tão jovem, por-
que já estava agarrado às riquezas e ao conforto. Ele dizia da boca
para fora que queria algo a mais, mas quando Jesus lhe pediu que
fosse generoso e repartisse seus bens, deu-se conta de que era incapaz
de se desprender do que possuía. Finalmente, “quando ouviu essa
palavra, o jovem foi embora, cheio de tristeza, pois possuía muitos
bens” (v. 22). Havia renunciado à sua juventude.
19. O Evangelho também nos fala de cinco jovens prudentes, que
estavam preparadas e atentas, enquanto outras cinco viviam dis-
traídas e adormecidas (Mt 25,1-13). Porque a pessoa pode passar
sua juventude distraída, voando pela superfície da vida, entorpe-
cida, incapaz de cultivar relacionamentos profundos e entrar nas
profundezas da vida. Desse modo, prepara um futuro pobre, sem
substância. Ou a pessoa pode gastar sua juventude para cultivar
coisas belas e grandes, e assim preparar um futuro cheio de vida
e de riqueza interior.
20. Se perdeste o vigor interior, os sonhos, o entusiasmo, a esperança e
a generosidade, Jesus se apresenta diante de ti como se apresentou ante
o filho da viúva que havia morrido e, com todo o seu poder de Ressus-
citado, o Senhor te exorta: “Jovem, eu te digo, levanta-te!” (Lc 7,14).
21. Sem dúvida, há muitos outros textos da Palavra de Deus que
podem nos iluminar sobre esta etapa da vida. Recolheremos alguns
deles nos próximos capítulos.

113
CAPÍTULO II

JESUS CRISTO SEMPRE JOVEM

22. Jesus é “jovem entre os jovens para ser exemplo dos jovens e con-
sagrá-los ao Senhor”.1 Por isso, o Sínodo disse que “a juventude é uma
etapa original e estimulante da vida, que o próprio Jesus viveu, santifi-
cando-a”.2 O que nos fala o Evangelho a respeito da juventude de Jesus?

A juventude de Jesus
23. O Senhor “entregou o seu espírito” (Mt 27,50) em uma cruz
quando tinha pouco mais de 30 anos de idade (Lc 3,23). É impor-
tante estar ciente de que Jesus foi um jovem. Deu sua vida em uma
etapa que hoje se define como a de um adulto jovem. Na plenitude
de sua juventude, começou sua missão pública e, assim, “uma [gran-
de] luz surgiu” (Mt 4,16b), sobretudo quando deu a sua vida até o
fim. Esse final não foi improvisado, pois toda a sua juventude foi
uma preciosa preparação, em cada um de seus momentos, porque
“tudo na vida de Jesus é sinal de seu Mistério” (CigC, n. 515)3 e
“toda a vida de Cristo é mistério de redenção” (CigC, n. 517).
24. O Evangelho não fala da infância de Jesus, mas, sim, nos narra
alguns acontecimentos de sua adolescência e juventude. Mateus situa
esse período da juventude do Senhor entre os acontecimentos da volta
de sua família a Nazaré, depois do tempo de exílio, e de seu Batismo

1
SANTO IRINEU. Contra as heresias. II, 22,4: PG 7, 784.
2
Documento Final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 60. A partir
daqui, esse documento será citado com a sigla DF. XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos
Bispos. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Brasília: Edições CNBB, 2019.
3
SANTA SÉ. Catecismo da Igreja Católica. Brasília: Edições CNBB, 2013.

115
no Jordão, onde começou sua missão pública. As últimas imagens de
Jesus criança são as de um pequeno refugiado no Egito (Mt 2,14-15)
e, posteriormente, as de um repatriado em Nazaré (Mt 2,19-23). As
primeiras imagens de Jesus, jovem adulto, são as que o apresentam na
multidão junto ao Rio Jordão, para se fazer batizar por seu primo João
Batista, como um a mais do seu povo (Mt 3,13-17).
25. Esse Batismo não era como o nosso, que nos introduz na vida da
graça, mas, sim, uma consagração antes de começar a grande missão
de sua vida. O Evangelho diz que seu Batismo foi motivo da alegria
e do consentimento do Pai: “Tu és o meu Filho amado” (Lc 3,22b).
Em seguida, Jesus ficou cheio do Espírito Santo e foi conduzido pelo
Espírito para o deserto. Assim estava preparado para sair a pregar e
realizar sinais, libertar e curar (Lc 4,1-14). Cada jovem, quando se
sente chamado para cumprir uma missão nesta terra, está convidado
a reconhecer no seu interior estas mesmas palavras que Deus Pai lhe
diz: “Tu és o meu filho amado”.
26. Entre esses relatos, encontramos um que mostra Jesus em plena
adolescência. É quando retornou com seus pais para Nazaré, depois
que eles o perderam e o encontraram no templo (Lc 2,41-51). Ali diz
que “era-lhes submisso” (Lc 2,51), porque não renegava a sua famí-
lia. Mais adiante, Lucas acrescenta que Jesus “ia crescendo em sabe-
doria, idade e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). Quer
dizer, estava sendo preparado e, nesse período, ia aprofundando sua
relação com o Pai e com os outros. São João Paulo II explicava que
não só crescia fisicamente, mas “que se deu em Jesus um crescimento
espiritual”, porque “a plenitude de graça em Jesus era relativa à idade:
havia sempre plenitude, mas uma plenitude crescente com o crescer
da idade”.4
27. Com esses dados evangélicos, podemos dizer que, em sua juven-
tude, Jesus foi se “formando”, foi se preparando para realizar o pro-
4
JOÃO PAULO II. Catequese (27 de junho de 1990), 2-3: Insegnamenti 13,1 (1990),
1680-1681.

116
jeto do Pai. Sua adolescência e juventude o orientaram a essa missão
suprema.
28. Na adolescência e na juventude, sua relação com o Pai era a de
Filho amado; atraído pelo Pai, crescia cuidando de suas coisas: “Não
sabíeis que eu devo me ocupar das coisas de meu Pai?” (Lc 2,49b). No
entanto, não se deve pensar que Jesus era um adolescente solitário ou
um jovem que pensava só em si. Sua relação com as pessoas era a de
um jovem que compartilhava toda a vida de uma família bem integra-
da na aldeia. Aprendeu o trabalho de seu pai e, depois, substituiu-o
como carpinteiro. Por isso, no Evangelho, uma vez é chamado “o filho
do carpinteiro” (Mt 13,55), e, outra vez, simplesmente “o carpinteiro”
(Mc 6,3). Esse detalhe mostra que era um rapaz como os outros na al-
deia, e que se relacionava com toda a normalidade. Ninguém o olhava
como um jovem estranho ou separado dos outros. Precisamente por
essa razão, quando Jesus saiu para pregar, as pessoas não entendiam
de onde vinha essa sabedoria: “Não é este o filho de José?” (Lc 4,22).
29. O fato é que “Jesus também não cresceu em uma relação fechada
e exclusiva com Maria e José, mas de bom grado movia-se na grande
família, onde encontrava os parentes e os amigos” (AL, n. 182).5
Assim, entendemos por que seus pais, quando retornavam da pe-
regrinação a Jerusalém, estavam calmos pensando que o menino de
doze anos caminhava livremente no meio do pessoal, a ponto de não
o verem durante um dia inteiro (Lc 2,42). Certamente pensavam
que Jesus estava ali, indo e vindo entre os demais, brincando com os
de sua idade, ouvindo as histórias dos adultos e compartilhando as
alegrias e tristezas da caravana. O termo grego usado por Lucas para
a caravana de peregrinos, synodia, indica precisamente esta “comuni-
dade a caminho” da qual a Sagrada Família faz parte. Graças à con-
fiança de seus pais, Jesus se move livremente e aprende a caminhar
com todos os outros.

5
FRANCISCO. Exortação Apostólica Amoris Laetitia: sobre o amor na família. Docu-
mentos Pontifícios 24. Brasília: Edições CNBB, 2016.

117
Sua juventude nos ilumina
30. Esses aspectos da vida de Jesus podem se tornar inspiradores para
todo jovem que cresce e se prepara para realizar sua missão. Isso impli-
ca amadurecer no relacionamento com o Pai, na consciência de ser um
dos membros a mais na família e na comunidade, e na abertura para
ser plenificado pelo Espírito e conduzido para realizar a missão que
Deus solicita, a própria vocação. Nada disso deveria ser ignorado na
pastoral juvenil, para não criar projetos que afastem os jovens da famí-
lia e do mundo, ou os convertam em uma minoria seleta e preservada
de todo contágio. Portanto, necessitamos de projetos que os fortale-
çam, os acompanhem e os impulsionem ao encontro dos outros, ao
serviço generoso, à missão.
31. Jesus não ilumina, de longe ou de fora, vocês, jovens, mas a
partir de sua própria juventude, que compartilha com vocês. É
muito importante contemplar Jesus jovem que os Evangelhos nos
mostram, porque Ele foi verdadeiramente um de vocês, e nele se
podem reconhecer muitos traços dos corações jovens. Nós vemos
isso, por exemplo, nas seguintes características: “Jesus tinha uma
confiança incondicional no Pai, cultivou a amizade com seus dis-
cípulos, e inclusive nos momentos críticos permaneceu fiel a eles.
Manifestou uma profunda compaixão pelos mais frágeis, especial-
mente os pobres, os doentes, os pecadores e os excluídos. Teve a
coragem de enfrentar as autoridades religiosas e políticas do seu
tempo; viveu a experiência de se sentir incompreendido e descarta-
do; sentiu medo do sofrimento e conheceu a fragilidade da paixão;
dirigiu seu olhar ao futuro, abandonando-se nas mãos seguras do
Pai e à força do Espírito. Em Jesus, todos os jovens podem reco-
nhecer-se”.6
32. Por outro lado, Jesus ressuscitou e quer nos tornar participantes
da novidade de sua ressurreição. Ele é a verdadeira juventude de um
mundo envelhecido, e também é a juventude de um universo que es-
pera com “dores de parto” (Rm 8,22) ser revestido com sua luz e sua
6
DF, 63.

118
vida. Junto dele, nós podemos beber do verdadeiro manancial, que
mantém vivos os nossos sonhos, nossos projetos, nossos grandes ideais,
e isso nos lança ao anúncio da vida que vale a pena. Em dois detalhes
curiosos do Evangelho de Marcos pode-se notar o chamado para a ver-
dadeira juventude dos ressuscitados. Por um lado, na paixão do Senhor
aparece um jovem medroso que tentava seguir Jesus, mas fugiu nu (Mc
14,51-52), um jovem que não teve a força de arriscar tudo para seguir
o Senhor. Por outro lado, junto ao sepulcro vazio, vemos um jovem
“vestido com uma túnica branca” (Mc 16,5) que convidava a perder o
medo e anunciava a alegria da ressurreição (Mc 16,6-7).
33. O Senhor nos chama a acender estrelas na noite de outros jovens,
nos convida a olhar os verdadeiros astros, esses sinais tão variados que
Ele nos dá para que não fiquemos parados, mas imitemos o semeador
que olhava as estrelas para poder arar o campo. Deus nos acende es-
trelas para que sigamos caminhando: “As estrelas brilham alegres, cada
qual em seu lugar. Deus chama, e elas respondem: ‘Aqui estamos!’” (Br
3,34-35). Mas o próprio Cristo é para nós a grande luz de esperança e
orientação em nossa noite, porque Ele é “a brilhante estrela da manhã”
(Ap 22,16b).

A juventude da Igreja
34. Ser jovem, mais do que uma idade, é um estado do coração.
Assim, uma instituição tão antiga como a Igreja pode se reno-
var e voltar a ser jovem em diversas etapas de sua longa história.
Na realidade, em seus momentos mais trágicos sente o chamado para
voltar ao essencial do primeiro amor. Recordando essa verdade, o
Concílio Vaticano II expressava que “rica de um longo passado sem-
pre vivo, e caminhando para a perfeição humana no tempo e para os
destinos últimos da história e da vida, ela é a verdadeira juventude do
mundo”. Nela, é possível encontrar sempre a Cristo, “o companheiro
e o amigo dos jovens”.7

7
CONCÍLIO VATICANO II. Mensagens do Concílio. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumê-
nico Vaticano II: Documentos. Brasília: Edições CNBB, 2018, n. 2133.

119
Uma Igreja que se deixa renovar
35. Peçamos ao Senhor que livre a Igreja dos que querem envelhecê-
-la, mantê-la no passado, detê-la, torná-la imóvel. Também peçamos
para livrá-la de outra tentação: acreditar que é jovem porque ela cede
a tudo que o mundo lhe oferece, acreditar que se renova porque es-
conde sua mensagem e imita os outros. Não. É jovem quando é ela
mesma, quando recebe a força sempre nova da Palavra de Deus, da
Eucaristia, da presença de Cristo e da força de seu Espírito cada dia.
É jovem quando é capaz de retornar continuamente à sua fonte.
36. É verdade que nós, membros da Igreja, não devemos ser “esquisi-
tos”. Todos têm que se sentir irmãos e próximos, como os apóstolos,
que “eram estimados por todo o povo” (At 2,47; cf. 4,21.33; 5,13).
Mas, ao mesmo tempo, temos que nos atrever a ser diferentes, para
mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, para testemu-
nhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza,
do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela
justiça e do bem comum, do amor aos pobres, da amizade social.
37. A Igreja de Cristo sempre pode cair na tentação de perder o en-
tusiasmo porque já não escuta o chamado do Senhor para o risco da
fé, a dar tudo sem medir os perigos, e volta a buscar falsas seguran-
ças mundanas. São precisamente os jovens que podem ajudá-la a se
manter jovem, a não cair na corrupção, a não se acomodar, a não se
orgulhar, a não se tornar uma seita, a ser mais pobre e testemunhal, a
estar próxima dos últimos e descartados, a lutar por justiça, a se deixar
interpelar com humildade. Eles podem oferecer à Igreja a beleza da
juventude quando estimulam a capacidade de “alegrar-se com o que
está começando, de dar-se sem recompensa, de renovar-se e partir de
novo para novas conquistas”.8
38. Aqueles de nós que já não são mais jovens precisam de ocasiões
para ter perto a voz e o estímulo deles, e “a proximidade cria as con-

8
Idem.

120
dições para que a Igreja seja um espaço de diálogo e testemunho de
fraternidade que fascine”.9 É preciso criar mais espaços nos quais res-
soe a voz dos jovens: “A escuta possibilita um intercâmbio de dons,
em um contexto de empatia [...]. Ao mesmo tempo, estabelece as
condições para um anúncio do Evangelho que verdadeiramente atin-
ja o coração, de modo incisivo e fecundo”.10

Uma Igreja atenta aos sinais dos tempos


39. “Para muitos jovens, Deus, a religião e a Igreja são palavras vazias,
por outro lado, são sensíveis à figura de Jesus, quando é apresentada de
forma atraente e eficaz”.11 Por isso, é necessário que a Igreja não esteja
centrada demais em si mesma, mas, acima de tudo, que seja reflexo de
Jesus Cristo. Isso implica que reconheça com humildade que algumas
coisas concretas devem mudar, e, para isso, precisa também acolher a
visão e também as críticas dos jovens.
40. No Sínodo, reconheceu-se “que um grande número de jovens,
por razões bem distintas, não pedem nada à Igreja porque não a con-
sideram significativa para sua existência. Alguns, inclusive, pedem
para serem deixados em paz, já que sentem sua presença como incô-
moda e até mesmo irritante. Esse pedido, com frequência, não nasce
de um desprezo acrítico e impulsivo, mas fundamenta suas raízes em
motivos sérios e compreensíveis: os escândalos sexuais e econômicos;
a falta de preparação dos ministros ordenados que não sabem cap-
tar adequadamente a sensibilidade dos jovens; o pouco cuidado na
preparação da homilia e na explicação da Palavra de Deus; o papel
passivo atribuído aos jovens dentro do comunidade cristã; a dificul-
dade da Igreja para dar razão de suas posições doutrinais e éticas à
sociedade contemporânea”.12

9
DF, 1.
10
Ibidem, 8.
11
Ibidem, 50.
12
Ibidem, 53.

121
41. Embora haja jovens que gostam quando veem uma Igreja que se
apresenta humildemente segura de seus dons e é também capaz de
exercer uma crítica leal e fraterna, outros jovens pedem uma Igreja
que escute mais, que não fique só condenando o mundo. Não que-
rem ver uma Igreja calada e tímida, tampouco que esteja sempre em
guerra obcecada por duas ou três temáticas. Para ser credível diante
dos jovens, às vezes precisa recuperar a humildade e simplesmente
ouvir, reconhecer no que os outros dizem alguma luz que a ajude a
descobrir melhor o Evangelho. Uma Igreja na defensiva, que perde a
humildade, que deixa de escutar, que não permite que a questionem,
perde a juventude e se transforma em um museu. Como poderá aco-
lher os sonhos dos jovens dessa maneira? Mesmo que tenha a verdade
do Evangelho, isso não significa que a compreendeu plenamente,
pois tem que crescer sempre na compreensão desse tesouro inesgotá-
vel (DV, n. 8).13
42. Por exemplo, uma Igreja que é excessivamente temerosa e estru-
turada pode ser permanentemente crítica diante de todos os discursos
sobre a defesa dos direitos das mulheres, e apontar constantemente
os riscos e possíveis erros dessas reivindicações. Por outro lado, uma
Igreja viva pode reagir prestando atenção às reivindicações legítimas
das mulheres que pedem mais justiça e igualdade. Pode recordar a
história e reconhecer uma longa trama de autoritarismo por parte
dos homens, de sujeição, de diversas formas de escravidão, de abuso e
de violência machista. Com esse olhar, ela será capaz de endossar es-
sas reivindicações de direitos, e dar a sua contribuição com convicção
para maior reciprocidade entre homens e mulheres, mesmo que não
concorde com tudo o que alguns grupos feministas propõem. Nessa
linha, o Sínodo quis renovar o compromisso da Igreja “contra todas
as formas de discriminação e violência sexual”.14 Essa é a reação de

13
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum: sobre a Divina Re-
velação. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumênico Vaticano II: Documentos. Brasília: Edições CNBB,
2018, p. 175-198.
14
DF, 150.

122
uma Igreja que se mantém jovem e que se deixa questionar e impul-
sionar pela sensibilidade dos jovens.

Maria, a menina de Nazaré


43. No coração da Igreja resplandece Maria. Ela é o grande modelo
para uma Igreja jovem, que quer seguir a Cristo com frescor e doci-
lidade. Quando era muito jovem, recebeu o anúncio do anjo e não
deixou de fazer perguntas (Lc 1,34). Mas ela tinha uma alma dispo-
nível e disse: “Eis aqui a serva do Senhor” (Lc 1,38).
44. “Sempre chama a atenção a força do ‘sim’ da jovem Maria. A
força desse ‘faça-se’ que ela disse ao anjo. Foi uma coisa diferente de
uma aceitação passiva ou resignada. Foi algo diferente de um ‘sim’
como dizendo: “Bem, tentemos e vejamos o que acontece”. Maria
não conhecia esta expressão: vejamos o que acontece. Era determina-
da, sabia de que se tratava e disse ‘sim’, sem enrolar. Foi algo a mais,
algo diferente. Foi o ‘sim’ de quem quer comprometer-se e de quem
quer arriscar, de quem quer apostar tudo, sem mais segurança que a
certeza de saber que era portadora de uma promessa. E eu pergunto a
cada um de vocês: Sentem-se portadores de uma promessa? Que pro-
messa tenho no coração para levar adiante? Maria teria, sem dúvida,
uma missão difícil, mas as dificuldades não eram uma razão para di-
zer ‘não’. Certamente teria complicações, mas não seriam as mesmas
complicações que ocorrem quando a covardia nos paralisa por não
ter tudo claro ou seguro com antecedência. Maria não comprou um
seguro de vida! Maria jogou-se e é por isso que é forte, por isso é uma
influencer, é a influencer de Deus! O ‘sim’ e o desejo de servir foram
mais fortes que as dúvidas e dificuldades”.15
45. Sem ceder a evasões ou miragens, “ela soube acompanhar a dor
do seu Filho [...] sustentá-lo no olhar, abrigá-lo com o coração. Dor
que sofreu, mas não a derrubou. Foi a mulher forte do ‘sim’, que
15
FRANCISCO. Discurso na Vigília com os jovens na XXXIV Jornada Mundial da
Juventude no Panamá (26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol
(1º de fevereiro de 2019), p. 12.

123
sustenta e acompanha, abriga e abraça. Ela é a grande custódia da es-
perança [...]. Dela aprendemos a dizer ‘sim’ com teimosia, paciência
e criatividade daqueles que não se encolhem e voltam a começar”.16
46. Maria era a menina de alma grande que estremecia de alegria (Lc
1,47), era a adolescente com os olhos iluminados pelo Espírito Santo
que contemplava a vida com fé e guardava tudo em seu coração de
menina (Lc 2,19.51). Era inquieta, de modo que se punha conti-
nuamente a caminho: quando soube que sua prima precisava dela,
não pensou em seus próprios projetos, mas foi à região montanhosa
“apressadamente” (Lc 1,39).
47. E se fosse necessário proteger o seu filho, lá ia com José para um país
distante (Mt 2,13-14). Por isso, permaneceu junto aos discípulos reuni-
dos em oração esperando pelo Espírito Santo (At 1,14). Assim, com sua
presença, nasceu uma Igreja jovem, com seus apóstolos em saída para
fazer nascer um mundo novo (At 2,4-11).
48. Aquela menina hoje é a mãe que vela por seus filhos, estes filhos
que caminham pela vida, muitas vezes cansados, carentes, mas que-
rendo que a luz da esperança não se apague. Isto é o que queremos:
que a luz da esperança não se apague. Nossa mãe olha para este povo
peregrino, povo de jovens querido por ela, que a busca fazendo silên-
cio no coração, embora no caminho haja muito ruído, muitas con-
versas e distrações. Mas, diante dos olhos da mãe, só cabe o silêncio
esperançoso. E assim Maria ilumina novamente nossa juventude.

Jovens santos
49. O coração da Igreja também está cheio de jovens santos, que
deram sua vida por Cristo, muitos deles até o martírio. Eles foram
preciosos reflexos do Cristo jovem que brilham para nos estimular
e nos tirar da sonolência. O Sínodo salientou que “muitos jovens

16
FRANCISCO. Oração final da Via-Sacra na XXXIV Jornada Mundial da Juven-
tude no Panamá (25 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol
(1º de fevereiro de 2019), p. 8.

124
santos fizeram brilhar os traços da idade juvenil em toda a sua beleza
e no seu tempo foram verdadeiros profetas de mudança; seu exemplo
mostra do que os jovens são capazes quando se abrem ao encontro
com Cristo”.17
50. “Através da santidade dos jovens, a Igreja pode renovar seu ardor
espiritual e seu vigor apostólico. O bálsamo de santidade gerado pela
vida boa de tantos jovens pode curar as feridas da Igreja e do mun-
do, devolvendo-nos aquela plenitude do amor para o qual sempre
fomos chamados: os jovens santos nos animam a voltar a nosso amor
primeiro” (Ap 2,4).18 Há santos que não conheceram a vida adulta,
e nos deixaram o testemunho de outra forma de viver a juventude.
Recordamos ao menos alguns deles, de tempos diferentes da história,
que viveram a santidade cada um à sua maneira.
51. No século III, São Sebastião era um jovem capitão da guarda
pretoriana. Dizem que ele falava de Cristo em todos os lugares e
tratava de converter os seus companheiros, até que lhe ordenaram re-
nunciar a sua fé. Como não aceitou, lançaram uma chuva de flechas
sobre ele, mas ele sobreviveu e seguiu anunciando Cristo sem medo.
Finalmente o açoitaram até a morte.
52. São Francisco de Assis, sendo muito jovem e cheio de sonhos,
escutou o chamado de Jesus para ser pobre como Ele e restaurar a
Igreja com seu testemunho. Renunciou a tudo com alegria e é o san-
to da fraternidade universal, irmão de todos, que louvava o Senhor
por suas criaturas. Morreu em 1226.
53. Santa Joana d’Arc nasceu em 1412. Era uma jovem camponesa
que, apesar da pouca idade, lutou para defender a França dos invaso-
res. Incompreendida por sua forma de viver a fé, morreu na fogueira.
54. O Beato André Phû Yên era um jovem vietnamita do século
XVII. Era catequista e ajudava os missionários. Foi preso por causa

17
DF, 65.
18
Ibidem, 167.

125
de sua fé, e, porque não quis renunciar a ela, foi morto. Morreu di-
zendo: “Jesus”.
55. Nesse mesmo século, Santa Catarina Tekakwitha, uma jovem leiga
nativa da América do Norte, sofreu perseguição por causa de sua fé e
fugiu caminhando mais de 300 quilômetros através de florestas fechadas.
Consagrou-se a Deus e morreu dizendo: “Jesus, eu te amo!”.
56. São Domingos Savio oferecia a Maria todos os seus sofrimentos.
Quando São João Bosco lhe ensinou que a santidade consiste em
estar sempre alegres, abriu seu coração a uma alegria contagiante.
Procurava estar próximo de seus companheiros mais marginalizados
e doentes. Morreu em 1857 com catorze anos, dizendo: “Que mara-
vilha aquilo que estou vendo!”.
57. Santa Teresa do Menino Jesus nasceu em 1873. Aos 15 anos,
passando por muitas dificuldades, conseguiu ingressar em um con-
vento carmelita. Viveu o pequeno caminho de total confiança no
amor do Senhor e se propôs a alimentar com a sua oração o fogo de
amor que move a Igreja.
58. O Beato Zeferino Namuncurá era um jovem argentino, filho de
um proeminente cacique dos povos originários. Chegou a ser semi-
narista salesiano, cheio de vontade de retornar à sua tribo para levar
Jesus Cristo. Morreu em 1905.
59. O Beato Isidoro Bakanja era um leigo do Congo que dava teste-
munho de sua fé. Foi torturado por um longo tempo por ter propos-
to o Cristianismo a outros jovens. Morreu perdoando seu executor
em 1909.
60. O Beato Pier Giorgio Frassati, que morreu em 1925, “era um
jovem de alegria contagiante, uma alegria que também superava tan-
tas dificuldades de sua vida”.19 Dizia que tentava retribuir o amor de
Jesus que ele recebia na comunhão, visitando e ajudando os pobres.
19
JOÃO PAULO II. Discurso aos jovens de Turim (13 de abril de 1980), 4: Insegnamenti
3.1 (1980), 905.

126
61. O Beato Marcel Callo era um jovem francês que morreu em
1945. Na Áustria, foi trancado em um campo de concentração onde
confortava na fé os seus companheiros de cativeiro, em meio a duros
trabalhos.
62. A jovem Beata Chiara Badano, que morreu em 1990, “experi-
mentou como a dor pode ser transfigurada pelo amor [...]. A chave
de sua paz e alegria era a plena confiança no Senhor e a aceitação da
enfermidade como misteriosa expressão de sua vontade para o seu
próprio bem e o dos outros”.20
63. Que eles e também muitos jovens que, talvez desde o silêncio
e anonimato, viveram a fundo o Evangelho, intercedam pela Igreja
para que ela esteja cheia de jovens alegres, corajosos e dedicados, que
ofereçam ao mundo novos testemunhos de santidade.

20
BENTO XVI. Mensagem para o XXVII Dia Mundial de Juventude (15 de março de
2012): AAS 104 (2012), 359.

127
CAPÍTULO III

VOCÊS SÃO O AGORA DE DEUS

64. Depois de repassar a Palavra de Deus, não podemos dizer apenas


que os jovens são o futuro do mundo. São o presente, o estão enri-
quecendo com sua contribuição. Um jovem já não é mais uma crian-
ça, está em um momento da vida em que começa a assumir diversas
responsabilidades, participando com os adultos no desenvolvimento
da família, da sociedade, da Igreja. Mas os tempos mudam e ressoa
a pergunta: Como são os jovens de hoje, o que eles sentem agora?

De positivo
65. O Sínodo reconheceu que os fiéis da Igreja nem sempre têm
a atitude de Jesus. Em vez de nos dispormos a escutá-los profun-
damente, “predomina a tendência a dar respostas preconcebidas e
receitas preparadas, sem deixar que as perguntas dos jovens sejam
consideradas em sua novidade e sem aceitar sua provocação”.1 Em
vez disso, quando a Igreja abandona os esquemas rígidos, abre-se
à escuta disponível e atenta dos jovens. Essa empatia enriquece,
porque “permite aos jovens dar sua contribuição à comunidade,
ajudando-a a abrir-se a novas sensibilidades e a fazer-se perguntas
inéditas”.2
66. Hoje, os adultos correm o risco de fazer uma lista de calami-
dades, de defeitos da juventude atual. Alguns podem nos aplaudir
porque parecemos especialistas em encontrar pontos negativos e pe-

1
DF, 8.
2
Idem.

129
rigos. Mas qual seria o resultado dessa atitude? Mais e mais distância,
menos proximidade, menos ajuda mútua.
67. O olhar atento de quem foi chamado para ser pai, pastor ou
guia dos jovens consiste em encontrar a pequena chama que con-
tinua ardendo, a cana que parece quebrar (Is 42,3), mas que, no
entanto, ainda não quebrou. É a capacidade de encontrar caminhos
onde outros só veem muros, é a habilidade de reconhecer possibi-
lidades onde outros veem apenas perigos. Assim é o olhar de Deus
Pai, capaz de valorizar e nutrir as sementes de bem semeadas nos
corações dos jovens. O coração de cada jovem deve, portanto, ser
considerado “terra sagrada”, portador de sementes de vida divina,
diante de quem devemos “tirar as sandálias” para poder nos aproxi-
mar e aprofundar no Mistério.

Muitas juventudes
68. Poderíamos tentar descrever as características dos jovens de hoje,
mas, antes de tudo, quero registrar uma advertência dos Padres Si-
nodais: “A composição do Sínodo tornou visível a presença e a con-
tribuição das diversas regiões do mundo, e destacou a beleza de ser
Igreja universal. Ainda em um contexto de globalização crescente, os
Padres Sinodais solicitaram que se destacassem as muitas diferenças
entre contextos e culturas, inclusive dentro de um mesmo país. Exis-
te uma pluralidade de mundos juvenis, tanto assim que em alguns
países há uma tendência a usar o termo ‘juventudes’ no plural. Além
disso, a faixa etária considerada por este Sínodo (16-29 anos) repre-
senta um conjunto homogêneo, mas é composto por grupos que
vivem situações peculiares”.3
69. Já do ponto de vista demográfico, em alguns países há muitos jo-
vens, enquanto outros têm uma taxa de natalidade muito baixa. Mas
“outra diferença deriva da história, que distingue países e continentes
de antiga tradição cristã, cuja cultura é portadora de uma memória
3
Ibidem, 10.

130
que não se deve perder, de países e continentes marcados por outras
tradições religiosas e nos quais o cristianismo é uma presença mi-
noritária e, por vezes, recente. Em outros territórios, além disso, as
comunidades cristãs e os jovens que fazem parte delas são objeto de
perseguição”.4 Também é preciso distinguir os jovens “a quem a glo-
balização oferece um maior número de oportunidades daqueles que
vivem à margem da sociedade ou no mundo rural e sofrem os efeitos
de formas de exclusão e descarte”.5
70. Há muitas outras diferenças, que seria complexo detalhar aqui.
Portanto, não acho conveniente deter-me a oferecer uma análise
exaustiva sobre os jovens no mundo atual, sobre como vivem e o que
acontece com eles. Mas como também não posso deixar de olhar a
realidade, vou recorrer brevemente a algumas contribuições que che-
garam antes do Sínodo, e outras que pude captar durante ele.

Algumas coisas que acontecem aos jovens


71. A juventude não é algo que se pode analisar de forma abstrata.
Na realidade, “a juventude” não existe, existem jovens com suas vidas
concretas. No mundo de hoje, cheio de progressos, muitas dessas
vidas estão expostas ao sofrimento e à manipulação.

Jovens de um mundo em crise


72. Os Padres Sinodais evidenciaram com dor que “muitos jovens vi-
vem em contextos de guerra e sofrem a violência em uma inumerável
variedade de formas: sequestros, extorsão, crime organizado, tráfico
de seres humanos, escravidão e exploração sexual, estupros de guerra
etc. A outros jovens, por causa de sua fé, custa encontrar um lugar
em suas sociedades e são vítimas de vários tipos de perseguições, in-
clusive a morte. São muitos os jovens que, devido à pressão ou falta
de alternativas, vivem perpetrando delitos e violências: crianças-sol-
dados, milícias armadas e criminais, tráfico de drogas, terrorismo etc.
4
Ibidem, 11.
5
Ibidem, 12.

131
Essa violência interrompe muitas vidas jovens. Abusos e vícios, bem
como violência e comportamentos negativos, são algumas das razões
que levam os jovens à prisão, com especial incidência em alguns gru-
pos étnicos e sociais”.6
73. Muitos jovens são ideologizados, usados e aproveitados como
bucha de canhão ou como força de choque para destruir, intimidar
ou ridicularizar outros. E o pior é que muitos são transformados em
seres individualistas, inimigos e desconfiados de todos, que assim se
tornam presa fácil de ofertas desumanizantes e dos planos destrutivos
que grupos políticos ou poderes econômicos elaboram.
74. Todavia, são “mais numerosos no mundo os jovens que sofrem
formas de marginalização e exclusão social por motivos religiosos,
étnicos ou econômicos. Lembramos a difícil situação de adolescentes
e jovens que engravidam e a praga do aborto, assim como a propaga-
ção do HIV, as várias formas de dependência (drogas, jogos de azar,
pornografia etc.) e a situação das crianças e dos jovens de rua, que
não têm casa, nem família, nem recursos econômicos”.7 Quando,
além disso, são mulheres, essas situações de marginalização tornam-
-se duplamente dolorosas e difíceis.
75. Não sejamos uma Igreja que não chora diante desses dramas de
seus filhos jovens. Nós queremos chorar para que a sociedade tam-
bém seja mais maternal, para que, em vez de matar, aprenda a dar à
luz, para que seja promessa de vida. Choramos quando recordamos
os jovens que já morreram pela miséria e pela violência, e pedimos
que a sociedade aprenda a ser mãe solidária. Essa dor não desapa-
rece, caminha conosco, porque a realidade não pode ser escondida.
O pior que podemos fazer é aplicar a receita do espírito mundano
que consiste em anestesiar os jovens com outras notícias, com outras
distrações, com banalidades.

6
Ibidem, 41.
7
Ibidem, 42.

132
76. Talvez “aqueles de nós que levam uma vida mais ou menos sem
necessidades não sabem chorar. Certas realidades da vida só se veem
com olhos limpos pelas lágrimas. Convido-os para que cada um se per-
gunte: Eu aprendi a chorar? Eu aprendi a chorar quando vejo uma
criança com fome, uma criança drogada na rua, uma criança que não
tem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança
usada pela sociedade como escrava? Ou meu pranto é um pranto inte-
resseiro daquele que chora porque gostaria de ter algo a mais?”.8 Tenta
aprender a chorar pelos jovens que estão em situação pior do que a
tua. A misericórdia e a compaixão também se expressam chorando. Se
não consegues, roga ao Senhor que te conceda derramar lágrimas pelo
sofrimento dos outros. Quando souberes chorar, então serás capaz de
fazer algo de coração pelos demais.
77. Às vezes, a dor de alguns jovens é muito dilacerante; é uma dor
que não se pode expressar com palavras; é uma dor que nos golpeia.
Esses jovens só podem dizer a Deus que sofrem muito, que lhes custa
demais seguir em frente, que já não creem em ninguém. Mas nesse
grito de partir o coração estão presentes as palavras de Jesus: “Bem-a-
venturados os que choram, porque eles serão consolados” (Mt 5,4).
Há jovens que puderam fazer o seu caminho na vida porque lhes
chegou essa promessa. Oxalá tenha sempre uma comunidade cristã
próxima de um jovem que sofre para que possa ressoar essas palavras
com gestos, abraços e ajuda concreta.
78. É verdade que os poderosos prestam alguma ajuda, mas muitas
vezes a um alto custo. Em muitos países pobres, a ajuda econômica
oferecida por alguns países mais ricos ou organismos internacionais
geralmente está ligada à aceitação de propostas ocidentais relativas à
sexualidade, ao casamento, à vida ou à justiça social. Essa colonização
ideológica prejudica especialmente os jovens. Ao mesmo tempo, ve-
mos como essa publicidade ensina as pessoas a estar sempre insatisfei-

8
FRANCISCO. Discurso aos jovens de Manila (18 de janeiro de 2015): L’Osservatore
Romano, ed. semanal em espanhol (23 de janeiro de 2015), p. 12.

133
tas e contribui para a cultura do descarte, na qual os próprios jovens se
convertem em material descartável.
79. A cultura atual apresenta um modelo de pessoa muito associa-
do à imagem do jovem. Sente-se bonito quem aparenta juventude,
quem realiza tratamentos para fazer desaparecer os vestígios do tem-
po. Os corpos jovens são constantemente usados na publicidade co-
mercial. O modelo de beleza é um modelo juvenil, mas estejamos
atentos, porque isso não é um elogio para os jovens. Só significa que
os adultos querem roubar a juventude para si, não que respeitem,
amem e cuidem dos jovens.
80. Alguns jovens “sentem as tradições familiares como opressoras e
fogem delas impulsionados por uma cultura globalizada que, às vezes,
os deixa sem pontos de referência. Em outras partes do mundo, em
vez disso, entre jovens e adultos não há um conflito geracional, senão
uma estranheza mútua. Às vezes, os adultos não tentam transmitir os
valores fundamentais da existência ou não alcançam, ou até assumem
estilos juvenis, invertendo a relação entre gerações. Dessa forma, corre-
-se o risco de que a relação entre jovens e adultos permaneça no plano
afetivo, sem tocar a dimensão educativa e cultural”.9 Quanto dano isso
traz aos jovens, embora alguns não o percebam! Os próprios jovens nos
fizeram perceber que isso dificulta enormemente a transmissão da fé
“em alguns países onde não há liberdade de expressão, e onde eles são
impedidos de participar da Igreja”.10

Desejos, feridas e buscas


81. Os jovens reconhecem que o corpo e a sexualidade têm uma im-
portância essencial para a sua vida e no caminho de crescimento de sua
identidade. No entanto, em um mundo que enfatiza excessivamente
a sexualidade, é difícil manter uma boa relação com o próprio corpo
e viver serenamente as relações afetivas. Por isso e por outras razões, a

9
DF, 34.
10
Documento da reunião pré-sinodal para a preparação da XV Assembleia Geral Ordiná-
ria do Sínodo dos Bispos (24 de março de 2018), I, 1.

134
moral sexual é muitas vezes “causa” de incompreensão e distanciamen-
to da Igreja, já que se percebe como um espaço de julgamento e conde-
nação”. Ao mesmo tempo, os jovens expressam “um desejo explícito de
confrontar-se sobre as questões relativas à diferença entre a identidade
masculina e feminina, à reciprocidade entre homens e mulheres e à
homossexualidade”.11
82. Em nosso tempo, “os avanços das ciências e tecnologias biomédi-
cas afetam a percepção do corpo, induzindo à ideia de que pode ser
modificado sem limite. A capacidade de intervir no DNA, a possibi-
lidade de inserir elementos artificiais no organismo (cyborg) e o de-
senvolvimento das neurociências constituem um grande recurso, mas
ao mesmo tempo levantam questões antropológicas e éticas”.12 Podem
levar-nos a esquecer que a vida é um dom e que somos seres criados e
limitados, que facilmente podemos ser instrumentalizados por quem
tem o poder tecnológico (LS, n. 106).13 “Além disso, em alguns con-
textos juvenis se difunde uma certa atração por comportamentos de
risco como instrumento para explorar a si mesmos, buscando emoções
fortes e obter um reconhecimento. [...] Esses fenômenos, aos quais
estão expostas as novas gerações, constituem um obstáculo para um
amadurecimento sereno”.14
83. Nos jovens também estão os golpes, os fracassos, as tristes me-
mórias gravadas na alma. Muitas vezes, “são as feridas das derrotas da
própria história, dos desejos frustrados, das discriminações e injustiças
sofridas, de não se sentirem amados ou reconhecidos”. Além disso, “es-
tão as feridas morais, o peso dos próprios erros, o sentimento de culpa
por ter se equivocado”.15 Jesus se faz presente nessas cruzes dos jovens,
para oferecer-lhes sua amizade, seu alívio, sua companhia que cura,
e a Igreja quer ser seu instrumento nesse caminho para a restauração
interior e a paz do coração.
11
DF, 39.
12
Ibidem, 37.
13
FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da Casa Comum. 3. ed.
Documentos Pontifícios 22. Brasília: Edições CNBB, 2016.
14
DF, 37.
15
Ibidem, 67.

135
84. Em alguns jovens, reconhecemos um desejo de Deus, ainda que
não tenha todos os contornos do Deus revelado. Em outros, pode-
mos vislumbrar um sonho de fraternidade, que não é pouco. Em
muitos, haverá um desejo real de desenvolver as capacidades que há
neles para oferecer algo ao mundo. Em alguns, vemos uma sensi-
bilidade artística especial ou uma busca pela harmonia com a na-
tureza. Em outros, haverá certamente uma grande necessidade de
comunicação. Em muitos deles, encontraremos um profundo desejo
por uma vida diferente. Trata-se de verdadeiros pontos de partida,
energias interiores que aguardam uma palavra de estímulo, de luz e
de encorajamento.
85. O Sínodo tratou especialmente de três temas de suma importân-
cia, cujas conclusões quero acolher textualmente, embora ainda nos
exijam avançar em uma análise maior e desenvolver uma capacidade
de resposta mais adequada e eficaz.

O ambiente digital
86. “O ambiente digital caracteriza o mundo contemporâneo. Am-
plas faixas da humanidade estão imersas nele de maneira ordinária
e contínua. Já não se trata apenas de ‘usar’ instrumentos de comu-
nicação, mas de viver em uma cultura amplamente digitalizada, que
afeta de modo muito profundo a noção de tempo e de espaço, a per-
cepção de si mesmo, dos outros e do mundo, o modo de comunicar,
de aprender, de informar-se, de entrar em relação com os outros.
Uma maneira de aproximar-se à realidade que geralmente privilegia
a imagem em relação à escuta e à leitura, afeta o modo de aprender e
o desenvolvimento do senso crítico”.16
87. A web e as redes sociais criaram uma nova maneira de se co-
municar e criar laços, e “são uma praça onde os jovens gastam mui-
to tempo e são facilmente encontrados, embora o acesso não seja o
mesmo para todos, particularmente em algumas regiões do mundo.
16
Ibidem, 21.

136
De qualquer forma, constituem uma oportunidade extraordinária de
diálogo, encontro e intercâmbio entre pessoas, bem como de acesso
à informação e ao conhecimento. Por outro lado, o ambiente digital
é um contexto de participação sociopolítica e cidadania ativa, e pode
facilitar a circulação de informações independentes capazes de prote-
ger com eficácia as pessoas mais vulneráveis, expondo as ​​violações de
seus direitos. Em numerosos países, web e redes sociais representam
um lugar irrenunciável para alcançar os jovens e envolvê-los, inclusi-
ve em iniciativas e atividades pastorais”.17
88. Mas, para compreender esse fenômeno em sua totalidade, é pre-
ciso reconhecer que, como toda a realidade humana, está marcado
por limites e lacunas. Não é salutar confundir a comunicação com
o mero contato virtual. De fato, “o ambiente digital é também um
território de solidão, manipulação, exploração e violência, até chegar
ao caso extremo da dark web. Os meios de comunicação podem
expor ao risco de dependência, isolamento e perda progressiva de
contato com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento
das relações interpessoais autênticas. Novas formas de violência são
disseminadas através das mídias sociais, por exemplo, cyberbullying;
a web também é um canal para a divulgação de pornografia e explo-
ração de pessoas para fins sexuais ou mediante os jogos de azar”.18
89. Não se deveria esquecer que “no mundo digital estão em jogo
enormes interesses econômicos, capazes de realizar formas de con-
trole tão sutis como invasivas, criando mecanismos de manipulação
das consciências e do processo democrático. O funcionamento de
muitas plataformas, frequentemente, acaba por favorecer o encontro
entre as pessoas que pensam da mesma maneira, dificultando a con-
frontação entre as diferenças. Esses circuitos fechados facilitam a di-
vulgação de informações e notícias falsas, fomentando preconceitos
e ódio. A proliferação das fake news é expressão de uma cultura que

17
Ibidem, 22.
18
Ibidem, 23.

137
perdeu o sentido da verdade e submete os fatos a interesses particu-
lares. A reputação das pessoas está em perigo diante de julgamentos
sumários em série. O fenômeno também afeta a Igreja e seus pasto-
res”.19
90. Um documento preparado por 300 jovens de todo o mun-
do antes do Sínodo indica que os “relacionamentos on-line po-
dem se tornar desumanos. Os espaços digitais nos cegam à vul-
nerabilidade do outro e dificultam a reflexão pessoal. Problemas
como a pornografia distorcem a percepção que o jovem tem da
sexualidade humana. A tecnologia usada dessa maneira cria uma
realidade paralela ilusória que ignora o dignidade humana”.20
A imersão no mundo virtual propiciou uma espécie de “migração
digital”, isto é, um distanciamento da família, dos valores culturais
e religiosos, o que leva muitas pessoas a um mundo de solidão e
autoinversão, até sentirem uma falta de raízes, embora fisicamente
fiquem no mesmo lugar. A vida nova e transbordante dos jovens, que
impele a buscar a afirmação da própria personalidade, enfrenta hoje
um novo desafio: interagir com um mundo real e virtual no qual
entram sozinhos como em um continente global desconhecido. Os
jovens de hoje são os primeiros a fazer essa síntese entre o pessoal, o
próprio de cada cultura e o global. Mas isso requer que eles consigam
passar do contato virtual para uma comunicação boa e saudável.

Os migrantes como paradigma do nosso tempo


91. Como não lembrar de tantos jovens diretamente envolvidos
nas migrações? Elas “representam, em nível mundial, um fenômeno
estrutural, e não uma emergência transitória. As migrações podem
ocorrer dentro do mesmo país ou entre países diferentes. A preocupa-
ção da Igreja se volta especialmente àqueles que fogem da guerra, da
violência, da perseguição política ou religiosa, dos desastres naturais
19
Ibidem, 24.
20
Documento da reunião pré-sinodal para a preparação da XV Assembleia Geral Ordiná-
ria do Sínodo dos Bispos (24 de março de 2018), I, 4.

138
– devidos, entre outras coisas, às mudanças climáticas – e da pobreza
extrema: muitos deles são jovens. Em geral, buscam oportunidades
para eles e suas famílias. Sonham com um futuro melhor e desejam
criar as condições para que se torne realidade”.21 Os migrantes “nos
lembram a condição originária da fé, ou seja, a de ser ‘estrangeiros e
peregrinos na terra’ (Hb 11,13)”.22
92. Outros migrantes são “atraídos pela cultura ocidental, às vezes
com expectativas pouco realistas que os expõem a grandes desilusões.
Traficantes inescrupulosos, frequentemente vinculados aos cartéis de
drogas e de armas, exploram a situação de fragilidade dos imigran-
tes, que, ao longo de sua jornada, demasiadas vezes experimentam
a violência, o tráfico humano, o abuso psicológico e físico e sofri-
mentos indescritíveis. Cabe assinalar a especial vulnerabilidade dos
imigrantes menores não acompanhados e a situação dos que se veem
forçados a passar muitos anos nos campos de refugiados ou que per-
manecem bloqueados por um longo tempo nos países de trânsito,
sem poder continuar seus estudos ou desenvolver seus talentos. Em
alguns países de chegada, os fenômenos migratórios suscitam alarme
e medo, muitas vezes fomentados e explorados para fins políticos.
Difunde-se, assim, uma mentalidade xenofóbica, de gente fechada
e dobrada sobre si mesma, diante da qual é preciso reagir com deci-
são”.23
93. “Os jovens que migram experimentam a separação de seu pró-
prio contexto de origem e muitas vezes vivem um desenraizamento
cultural e religioso. A ruptura também diz respeito às comunidades
de origem, que perdem os elementos mais vigorosos e empreende-
dores, e às famílias, em particular quando um dos pais emigra ou
ambos, deixando os filhos no país de origem. A Igreja tem um papel
importante como referência para os jovens dessas famílias quebra-
das. No entanto, as histórias dos migrantes também são histórias
21
DF, 25.
22
Idem.
23
Ibidem, 26.

139
de encontro entre pessoas e entre culturas: para as comunidades e
as sociedades aonde chegam, são uma oportunidade de enriqueci-
mento e desenvolvimento humano integral de todos. As iniciativas
de acolhida que fazem referência à Igreja têm um papel importante
deste ponto de vista, e podem revitalizar as comunidades capazes de
realizá-las”.24
94. “Graças às diversas origens dos Padres [sinodais], o Sínodo viveu
o encontro de muitas perspectivas sobre a questão dos migrantes,
particularmente entre países de origem e países de chegada. Além
disso, ressoou o grito de alarme daquelas igrejas cujos membros se
veem forçados a fugir da guerra e da perseguição, vendo, nessas mi-
grações forçadas, uma ameaça à sua própria existência. Precisamente
o fato de incluir em seu seio todas essas perspectivas coloca a Igreja
em condições de desempenhar, em meio à sociedade, um papel pro-
fético sobre o tema das migrações”.25 Peço, especialmente aos jovens,
que não caiam nas redes daqueles que querem fazê-los enfrentar ou-
tros jovens que vêm para seus países, fazendo-os ver como seres peri-
gosos e como se não tivessem a mesma dignidade inalienável de todo
ser humano.

Pôr fim a todo tipo de abusos


95. Nos últimos tempos, foi-nos pedido fortemente para que escute-
mos o grito das vítimas dos diferentes tipos de abusos praticados por
alguns bispos, sacerdotes, religiosos e leigos. Esses pecados provocam
em suas vítimas “sofrimentos que podem chegar a durar toda a vida
e para os quais nenhum arrependimento pode ser remédio. Esse fe-
nômeno está muito difundido na sociedade e também afeta a Igreja e
representa um sério obstáculo à sua missão”.26
96. É verdade que “a praga dos abusos sexuais a menores é, infeliz-
mente, um fenômeno historicamente difundido em todas as culturas
24
Ibidem, 27.
25
Ibidem, 28.
26
Ibidem, 29.

140
e sociedades”, especialmente no seio das próprias famílias e em vá-
rias instituições, cuja extensão se evidenciou especialmente “graças a
uma mudança na sensibilidade da opinião pública”. Mas “a univer-
salidade dessa praga, por sua vez, confirma sua gravidade em nossas
sociedades, não diminui sua monstruosidade dentro da Igreja” e “na
ira justificada do povo, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e
golpeado”.27
97. “O Sínodo renova seu firme compromisso na adoção de medidas
rigorosas de prevenção que impeçam que se repitam, a partir da sele-
ção e da formação daqueles a quem se confiarão tarefas de responsabi-
lidade e educacionais”.28 Ao mesmo tempo, já não se deve abandonar
a decisão de aplicar as “ações e sanções necessárias”.29 E tudo isso com
a graça de Cristo. Não há como voltar atrás.
98. “Existem diferentes tipos de abuso: de poder, econômico, de
consciência, sexual. É evidente a necessidade de erradicar as formas
de exercício da autoridade nas quais se enxertam, e neutralizar a falta
de responsabilidade e transparência com as quais são geridos muitos
dos casos. O desejo de dominação, a falta de diálogo e de transparên-
cia, as formas de vida dupla, o vazio espiritual, bem como as fragili-
dades psicológicas são os terrenos nos quais prospera a corrupção”.30
O clericalismo é uma tentação permanente dos sacerdotes, que inter-
pretam “o ministério recebido como um poder que se pode exercer
mais do que um serviço gratuito e generoso a oferecer; e isso nos leva
a acreditar que pertencemos a um grupo que tem todas as respostas
e que não precisa ouvir ou aprender mais nada”.31 Sem dúvida, um

27
FRANCISCO. Discurso de encerramento da reunião sobre “A proteção de Meno-
res na Igreja” (24 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (1º
de março de 2019), p. 9.
28
DF 29.
29
FRANCISCO. Carta ao Povo de Deus (20 de agosto de 2018), 2: L’Osservatore Romano,
ed. semanal em espanhol (24 de agosto de 2018), p. 6.
30
DF, 30.
31
FRANCISCO. Discurso à primeira Congregação Geral da XV Assembleia General Or-
dinária do Sínodo dos Bispos (3 de outubro de 2018): L’Osservatore Romano, ed. semanal em
espanhol (5 de outubro de 2018), p. 10.

141
espírito clericalista expõe as pessoas consagradas a perder o respeito
pelo valor sagrado e inalienável de cada pessoa e sua liberdade.
99. Junto aos Padres Sinodais, quero expressar com carinho e re-
conhecimento minha “gratidão aos que tiveram a coragem de de-
nunciar o mal sofrido: ajudam a Igreja a tomar consciência do que
aconteceu e da necessidade de reagir com decisão”.32 Mas também
merece um especial reconhecimento “o empenho sincero de inume-
ráveis leigos, sacerdotes, consagrados e bispos que todos os dias se
entregam com honestidade e dedicação a serviço dos jovens. Seu tra-
balho é uma grande floresta que cresce sem fazer barulho. Também
muitos dos jovens presentes no Sínodo manifestaram gratidão por
aqueles que os acompanharam e destacaram a grande necessidade de
figuras de referência”.33
100. Graças a Deus, os sacerdotes que caíram nestes crimes horríveis
são minoria, a maioria sustenta um ministério fiel e generoso. Aos
jovens, peço que se deixem estimular por essa maioria. Em todo caso,
quando virem um sacerdote em risco, porque perdeu a alegria de
seu ministério, porque busca compensações afetivas ou está errando
o rumo, ousem lembrá-lo de seu compromisso com Deus e com
seu povo, anunciem-lhe o Evangelho e incentivem-no a manter-se
no bom caminho. Assim, vocês prestarão uma inestimável ajuda em
algo fundamental: a prevenção que permite evitar que se repitam
essas atrocidades. Esta nuvem sombria também se torna um desa-
fio para os jovens que amam Jesus Cristo e sua Igreja, porque pode
contribuir muito nessa ferida se colocarem em jogo a sua capacidade
de renovar, reivindicar, exigir coerência e testemunho, de voltar a
sonhar e se reinventar.
101. Este não é o único pecado dos membros da Igreja, cuja história
tem muitas sombras. Nossos pecados estão à vista de todos; se refle-
tem sem piedade nas rugas do rosto milenar da nossa Mãe e Mestra.
32
DF, 31.
33
Idem.

142
Porque ela caminha há dois mil anos, compartilhando “as alegrias e
as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens” (GS, n. 1).34 E
caminha como é, sem fazer cirurgias estéticas. Não teme mostrar os
pecados de seus membros que, às vezes, alguns tentam dissimular,
diante da luz brilhante da Palavra do Evangelho que limpa e purifica.
Também não deixa de recitar todos os dias, envergonhada: “Tem pie-
dade de mim, ó Deus, segundo a tua misericórdia; [...] meu pecado
está sempre diante de mim” (Sl 51,3.5b). Mas lembremos que não
se abandona a Mãe quando está ferida, mas sim a acompanha para
que tire de si toda a sua fortaleza e capacidade de começar sempre de
novo.
102. No meio deste drama que justamente nos dói na alma, “nos-
so Senhor Jesus, que nunca abandona a sua Igreja, lhe dá a força e
os instrumentos para um novo caminho”.35 Assim, este momento
sombrio, “com a valiosa ajuda dos jovens, pode ser realmente uma
oportunidade para uma reforma de caráter histórico”,36 para se abrir
a um novo Pentecostes e iniciar uma etapa de purificação e de mu-
dança que outorgue à Igreja uma renovada juventude. Mas os jovens
podem ajudar muito mais se se sentem parte do coração do santo
e paciente povo fiel de Deus, sustentado e vivificado pelo Espírito
Santo, porque “será precisamente este santo povo de Deus que nos
libertará da praga do clericalismo, que é o terreno fértil para todas
estas abominações”.37
103. Neste capítulo, detive-me a olhar a realidade dos jovens no
mundo atual. Alguns outros aspectos aparecerão nos capítulos se-
guintes. Como já disse, não pretendo ser exaustivo com esta análise.
Exorto as comunidades a realizarem com respeito e com seriedade

34
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Gaudium et Spes. In: SANTA SÉ. Concílio
Ecumênico Vaticano II: Documentos. Brasília: Edições CNBB, 2018, p. 199-329.
35
DF, 31.
36
Ibidem, 31.
37
FRANCISCO. Discurso de encerramento da reunião sobre “A proteção de menores
na Igreja” (24 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (1º de
março de 2019), p. 10.

143
um exame de sua própria realidade juvenil mais próxima, para poder
discernir os caminhos pastorais mais adequados. Mas não quero ter-
minar este capítulo sem dirigir algumas palavras a cada um.
104. Recordo a Boa-Nova que nos presenteou a manhã da ressur-
reição: que para todas as situações obscuras ou dolorosas que men-
cionamos existe uma saída. Por exemplo, é verdade que o mundo
digital pode te colocar diante do risco de te fechares, do isolamento e
do prazer vazio. Mas não esqueças que há jovens que também nesses
âmbitos são criativos e, às vezes, geniais. É o que fazia o jovem vene-
rável Carlos Acutis.
105. Ele sabia muito bem que esses mecanismos da comunicação, da
publicidade e das redes sociais podiam e podem ser usados para nos
tornar seres adormecidos, dependentes do consumo e das novidades
que podemos comprar, obcecados pelo tempo livre, trancados na ne-
gatividade. Mas ele foi capaz de usar as novas técnicas de comuni-
cação para transmitir o Evangelho, para comunicar valores e beleza.
106. Ele não caiu na armadilha. Via que muitos jovens, embora pa-
recessem diferentes, na verdade acabavam sendo iguais aos outros,
correndo atrás do que os poderosos impõem através dos mecanismos
de consumo e deslumbramento. Desse modo, não deixam brotar os
dons que o Senhor nos deu, não oferecem a este mundo essas capa-
cidades tão pessoais e únicas que Deus semeou em cada um. Assim,
Carlos dizia, acontece que “todos nascem como originais, mas mui-
tos morrem como fotocópias”. Não permitas que isso te aconteça.
107. Não deixes que te roubem a esperança e a alegria, que te dro-
guem para te usar como escravo de seus interesses. Atreve-te a ser
mais, porque teu ser importa mais que qualquer coisa. Não te serve
o ter ou o aparecer. Podes chegar a ser o que Deus, teu Criador, sabe
que és, se reconheces o muito a que és chamado. Invoca o Espírito
Santo e caminha com confiança para a grande meta: a santidade.
Assim não serás uma fotocópia. Serás plenamente tu mesmo.

144
108. Para isso, é preciso reconhecer algo fundamental: ser jovem
não é apenas a busca de prazeres passageiros e sucessos superficiais.
Para que a juventude cumpra a finalidade que tem na jornada da tua
vida, deve ser um tempo de entrega generosa, de oferta sincera, de
sacrifícios que doem, mas que nos tornam fecundos. É como dizia
um grande poeta:

“Se, para recuperar o que recuperei,


tive de perder primeiro o que perdi;
se, para conseguir o que consegui,
tive de suportar o que suportei;
se, para estar agora apaixonado,
foi necessário ser ferido,
considero certo ter sofrido o que sofri,
considero certo ter chorado o que chorei.
Porque, depois de tudo constatei
que não se desfruta bem do desfrutado
senão depois de tê-lo sofrido.
Porque depois de tudo compreendi
que o que a árvore tem de florido
vive do que ela tem enterrado”.38

109. Se és jovem em idade, mas te sentes frágil, cansado ou desilu-


dido, pede a Jesus que te renove. Com Ele não falta a esperança. O
mesmo podes fazer se te sentes submergido em vícios, maus hábitos,
egoísmo ou acomodação doentia. Jesus, cheio de vida, quer te ajudar
para que possa valer a pena ser jovem. Assim, não privarás o mundo
dessa contribuição que só tu lhe podes fazer, sendo único e irrepetível
como és.
110. Mas quero te lembrar também que “é muito difícil lutar contra
a própria concupiscência e contra as ciladas e tentações do demônio

38
BERNÁRDEZ, Francisco Luis. “Soneto”, em Cielo de tierra, Buenos Aires, 1937.

145
e do mundo egoísta, se estivermos isolados. A sedução com que nos
bombardeiam é tal que, se estivermos demasiado sozinhos, facilmen-
te perdemos o sentido da realidade, a clareza interior, e sucumbimos”
(GeE, n. 140).39 Isso vale especialmente para os jovens, porque vocês
unidos têm uma força admirável. Quando se entusiasmam por uma
vida comunitária, são capazes de grandes sacrifícios pelos demais e
pela comunidade. Em vez disso, o isolamento os debilita e os expõe
aos piores males do nosso tempo.

39
FRANCISCO. Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate: sobre o chamado à santidade
no mundo atual. Documentos Pontifícios 33. Brasília: Edições CNBB, 2018.

146
CAPÍTULO IV

O GRANDE ANÚNCIO
PARA TODOS OS JOVENS

111. Além de qualquer circunstância, a todos os jovens quero anun-


ciar agora o que há de mais importante, a primeira coisa, aquilo que
nunca se deveria calar. É um anúncio que inclui três grandes verda-
des que todos precisamos escutar várias vezes.

Um Deus que é amor


112. Antes de tudo, quero dizer a cada um a primeira verdade:
“Deus te ama”. Se já o escutaste não importa, quero te lembrar: Deus
te ama. Nunca duvides, apesar do que te aconteça na vida. Em qual-
quer circunstância, és infinitamente amado.
113. Talvez a experiência de paternidade que tiveste não seja a me-
lhor; teu pai da terra talvez fosse distante e ausente ou, pelo contrá-
rio, dominador e explorador. Ou simplesmente não foi o pai que
necessitavas. Não sei. Mas o que eu posso te dizer com certeza é que
podes te jogar com segurança nos braços do Pai divino, desse Deus
que te deu a vida e que a dá a ti a cada momento. Ele te sustentará
com firmeza e, ao mesmo tempo, sentirás que Ele respeita profunda-
mente a tua liberdade.
114. Em sua Palavra encontramos muitas expressões do seu amor.
É como se Ele tivesse procurado diferentes maneiras de manifestá-lo
para ver se com alguma dessas palavras conseguia chegar ao teu co-
ração. Por exemplo, às vezes se apresenta como esses pais carinhosos
que brincam com suas crianças: “Eu os lacei com laços de amizade,

147
eu os amarrei com cordas de amor; fazia com eles como quem pega
uma criança ao colo” (Os 11,4).
Às vezes, é carregado do amor dessas mães que querem sincera-
mente seus filhos, com um amor entranhável que é incapaz de
esquecer ou de abandonar: “Pode uma mulher esquecer-se de seu
filhinho, a ponto de não compadecer-se do filho de suas entra-
nhas? Mesmo que ela se esquecesse, eu, contudo, não me esque-
cerei de ti” (Is 49,15).
Ele até se mostra como um apaixonado que chega a tatuar a pessoa
amada na palma da mão para que possa ter seu rosto sempre perto:
“Vê que eu te gravei nas minhas mãos” (Is 49,16).
Outras vezes, destaca a força e firmeza de seu amor, que não se deixa
vencer: “Mesmo que as montanhas se retirem e as colinas se movam,
o meu amor não se afastará de ti, e a minha aliança de paz não será
abalada” (Is 54,10).
Ou nos diz que nós fomos esperados desde sempre, porque não apa-
recemos neste mundo por acaso. Desde antes de existirmos, éramos
um projeto de seu amor: “Com amor eterno eu te amei, por isso te
atraí com misericórdia” (Jr 31,3).
Ou nos faz notar que Ele sabe ver nossa beleza, essa que ninguém
mais pode reconhecer: “Por que és precioso aos meus olhos, e foste
glorificado, eu te amo!” (Is 43,4). Ou nos leva a descobrir que seu
amor não é triste, mas pura alegria que se renova quando nos deixa-
mos amar por Ele: “O Senhor teu Deus está no teu meio. Valente, ele
salvará. Ele se regozijará por ti com alegria, comovido em seu amor;
e se encherá de júbilo por ti com exultação” (Sf 3,17).
115. Para Ele, és realmente valioso, não és insignificante, és im-
portante, porque és obra de suas mãos. Por isso, presta atenção e
recorda-te com carinho. Tens que confiar na “lembrança de Deus:
sua memória não é um ‘disco rígido’ que registra e armazena todos
os nossos dados, sua memória é um coração de compaixão, que

148
se alegra eliminando definitivamente qualquer vestígio do mal”.1
Não quer levar em conta teus erros e, em todo caso, te ajudará a
aprender algo também de tuas quedas. Porque te ama. Tenta ficar
um momento em silêncio, deixando-te amar por Ele. Tenta calar
todas as vozes e os gritos interiores, e fica um momento em seus
braços de amor.
116. É um amor “que não esmaga, é um amor que não marginaliza,
que não cala, um amor que não humilha, nem subjuga. É o amor
do Senhor, um amor de todos os dias, discreto e respeitoso, amor de
liberdade e para a liberdade, amor que cura e que levanta. É o amor
do Senhor que sabe mais de levantar-se que de quedas, de reconcilia-
ção que de proibição, de dar nova oportunidade que de condenar, de
futuro que de passado”.2
117. Quando te pede algo ou quando simplesmente permite esses
desafios que a vida te apresenta, espera que lhe dês um espaço para
poder te levar adiante, para te promover, para te amadurecer. Não o
incomoda que expresses teus questionamentos, o que o preocupa é
que não fales, que não te abras com sinceridade ao diálogo com Ele.
Diz a Bíblia que Jacó teve uma luta com Deus (Gn 32,25-31), e isso
não o afastou do caminho do Senhor. Na realidade, é Ele mesmo que
nos exorta: “Vinde, e discutamos” (Is 1,18). Seu amor é tão real, tão
verdadeiro, tão concreto, que nos oferece uma relação cheia de diálo-
go sincero e fecundo. Finalmente, busca o abraço de teu Pai do céu
no rosto amoroso de suas corajosas testemunhas na terra!

Cristo te salva
118. A segunda verdade é que Cristo, por amor, se entregou até o
fim para nos salvar. Seus braços abertos na Cruz são o sinal mais pre-

1
FRANCISCO. Homilia na Santa Missa para o XXXI Dia Mundial da Juventude na
Cracóvia (31 de julho de 2016): AAS 108 (2016), 923.
2
FRANCISCO. Discurso na cerimônia de abertura da XXXIV Jornada Mundial da
Juventude no Panamá (24 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol
(25 de janeiro de 2019), p. 7.

149
cioso de um amigo capaz de chegar ao extremo: “Tendo amado os
seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).
São Paulo dizia que ele vivia confiante nesse amor e que entregou
tudo: “Minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de
Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).
119. Esse Cristo que nos salvou na cruz de nossos pecados, com esse
mesmo poder de sua entrega total, continua nos salvando e nos res-
gatando hoje. Olha para a sua Cruz, agarra-te a Ele, deixa-te salvar,
porque “quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado,
da tristeza, do vazio interior, do isolamento” (EG, n. 1).3 E, se pecas
e te afastas, Ele volta a levantar-te com o poder de sua Cruz. Nun-
ca te esqueças de que “Ele perdoa setenta vezes sete. Volta uma vez
e outra a nos carregar em seus ombros. Ninguém pode nos tirar a
dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele nos
permite levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca
nos defrauda e que sempre pode nos restituir a alegria” (EG, n. 3).
120. Nós “somos salvos por Jesus, porque ele nos ama e não pode
deixar de o fazer. Podemos fazer qualquer coisa, mas ele nos ama e
nos salva. Porque somente o que se ama pode ser salvo. Somente o
que se abraça pode ser transformado. O amor do Senhor é maior que
todas as nossas contradições, que todas as nossas fragilidades e que
todas as nossas mesquinharias. Mas é precisamente através de nossas
contradições, fragilidades e mesquinharias que Ele quer escrever esta
história de amor. Abraçou o filho pródigo, abraçou Pedro depois das
negações e sempre nos abraça, depois das nossas quedas, ajudando
a nos levantar e nos pôr de pé. Porque a verdadeira queda – atenção
para isto – a verdadeira queda, a que é capaz de arruinar-nos a vida é
a de permanecer no chão e não deixar-nos ajudar”.4

3
FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: a Alegria do Evangelho. Docu-
mentos Pontifícios 17. Brasília: Edições CNBB, 2013.
4
FRANCISCO. Discurso na Vigília com os jovens na XXXIV Jornada Mundial da Ju-
ventude no Panamá (26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol
(1 de fevereiro de 2019), p. 13.

150
121. Seu perdão e sua salvação não são algo que compramos ou que
temos que adquirir com nossas obras ou com nossos esforços. Ele nos
perdoa e nos liberta gratuitamente. Sua entrega na Cruz é algo tão
grande que não podemos, nem devemos pagar, só temos que receber
com imensa gratidão e com a alegria de ser tão amados antes que
pudéssemos imaginar: “Ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19).
122. Jovens amados pelo Senhor, quanto vocês valem se forem
redimidos pelo sangue precioso de Cristo! Jovens queridos, vocês
“não têm preço! Não são peças de leilão! Por favor, não se deixem
comprar, não se deixem seduzir, não se deixem escravizar pelas
colonizações ideológicas que colocam ideias na cabeça e, no final,
nos tornamos escravos, dependentes, fracassados na vida. Vocês
não têm preço; devem repetir sempre: não estou em um leilão,
não tenho preço. Sou livre, sou livre! Apaixonem-se por essa li-
berdade, a que Jesus oferece”.5
123. Olha os braços abertos de Cristo crucificado, deixa-te salvar
sempre de novo. E quando te aproximas para confessar teus pecados,
acredita firmemente em sua misericórdia, que te liberta da culpa.
Contempla seu sangue derramado com tanto carinho e deixa-te pu-
rificar por Ele. Assim poderás renascer sempre de novo.

Ele vive!
124. Mas há uma terceira verdade, que é inseparável da anterior: Ele
vive! É preciso voltar a recordá-lo com frequência, porque corremos
o risco de tomar Jesus Cristo apenas como um bom exemplo do
passado, como memória, como alguém que nos salvou dois mil anos
atrás. Isso não nos serviria de nada, nos deixaria no mesmo, isso não
nos libertaria. O que nos enche com a sua graça e nos liberta, o que
nos transforma, nos cura e nos conforta é alguém que vive, é o Cristo
ressuscitado, cheio de vitalidade sobrenatural, vestido de luz infinita.

5
FRANCISCO. Discurso no encontro com os jovens durante o Sínodo (6 de outubro de
2018): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (12 de outubro de 2018), p. 6-7.

151
Por isso, São Paulo dizia: “E se Cristo não ressuscitou, a vossa fé é
ilusória” (1Cor 15,17).
125. Se Ele vive, então poderá estar presente em tua vida, em cada
momento, para enchê-lo de luz. Assim, nunca mais haverá solidão
nem abandono. Embora todos se afastem, Ele estará, como prome-
teu: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos”
(Mt 28,20). Ele preenche tudo com sua presença invisível, e aonde
fores estará te esperando. Porque Ele não só veio, mas vem e conti-
nuará vindo a cada dia para te convidar a caminhar até um horizonte
sempre novo.
126. Contempla Jesus feliz, transbordante de alegria. Alegra-te com
teu amigo que triunfou. Mataram o santo, o justo, o inocente, mas
Ele venceu. O mal não tem a última palavra. Na tua vida, o mal
também não terá a última palavra, porque teu amigo que te ama quer
triunfar em ti. Teu Salvador vive.
127. Se Ele vive, isso é uma garantia de que o bem pode fazer cami-
nho em nossa vida, e de que nossas fadigas servirão para algo. Então
podemos abandonar os lamentos e olhar em frente, porque com Ele
sempre se pode. Essa é a segurança que temos. Jesus é o eterno vi-
vente. Apegados a Ele, viveremos e atravessaremos todas as formas de
morte e de violência que se escondem no caminho.
128. Qualquer outra solução será frágil e passageira. Talvez servirá para
algo durante algum tempo, e novamente nos encontraremos desprote-
gidos, abandonados, na intempérie. Com Ele, ao contrário, o coração
está arraigado em uma segurança básica, que permanece além de tudo.
São Paulo diz que ele quer estar unido a Cristo: “É assim que eu co-
nheço Cristo, a força da sua Ressurreição” (Fl 3,10). É o poder que se
manifestará uma e outra vez em sua existência, porque Ele veio para te
dar vida, e vida em abundância (Jo 10,10).
129. Se consegues valorizar com teu coração a beleza deste anúncio
e te deixas encontrar pelo Senhor, se te deixas amar e salvar por Ele

152
e começas a conversar com o Cristo vivo sobre as coisas concretas da
tua vida, essa será a grande experiência, essa será a experiência fun-
damental que sustentará tua vida cristã. Essa é também a experiência
que podes comunicar a outros jovens. Porque “no início do ser cris-
tão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro
com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo
horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo” (DCE, n. 1).6

O Espírito dá vida
130. Nestas três verdades: Deus te ama, Cristo é teu Salvador, Ele
vive, aparece Deus, o Pai, e aparece Jesus. Onde está o Pai e Jesus
Cristo, também está o Espírito Santo. É Ele quem está por trás. É
Ele quem prepara e abre os corações para que recebam esse anúncio,
é Ele quem mantém viva essa experiência de salvação, é Ele quem
te ajudará a crescer nessa alegria se o deixares agir. O Espírito Santo
enche o coração do Cristo ressuscitado e dali se derrama em tua vida
como um manancial. E, quando o recebes, o Espírito Santo te faz
entrar cada vez mais no coração de Cristo para que te enchas sempre
mais de seu amor, de sua luz e de sua força.
131. Invoca cada dia o Espírito Santo para que, constantemente,
renove em ti a experiência do grande anúncio. Por que não? Não
perdes nada, e Ele pode mudar tua vida, pode iluminá-la e dar-lhe
um rumo melhor. Não te mutila, não te tira nada, pelo contrário,
te ajuda a encontrar o que necessitas da melhor maneira. Necessitas
de amor? Não o encontrarás na devassidão, usando os outros, pos-
suindo a outros ou dominando-os. Encontrá-lo-ás de uma maneira
que verdadeiramente te fará feliz. Buscas intensidade? Não a viverás
acumulando objetos, gastando dinheiro, correndo desesperado atrás
de coisas deste mundo. Chegará de uma maneira muito mais bonita
e satisfatória se te deixas impulsionar pelo Espírito Santo.

6
BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est sobre o amor cristão. Documentos Pon-
tifícios 1. Brasília: Edições CNBB, 2007.

153
132. Buscas paixão? Como diz este belo poema: Apaixona-te! (ou
deixa-te apaixonar), porque “nada pode importar mais do que en-
contrar a Deus. Isto é, apaixonar-se por Ele de maneira definitiva
e absoluta. Aquele pelo qual te apaixonas acalma tua imaginação, e
acaba deixando sua marca em tudo. Será isto a decidir o que te tira da
cama de manhã, que fazes com teus fins de tarde, em que empregas
os teus finais de semana, o que lês, o que conheces, o que parte teu
coração e o que te recarrega de alegria e gratidão. Apaixona-te! Per-
manece no amor! Tudo será diferente”.7 Este amor a Deus que toma
com paixão toda a vida é possível graças ao Espírito Santo, porque “o
amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo
que nos foi dado” (Rm 5,5).
133. Ele é o manancial da melhor juventude. Porque quem confia
no Senhor “será como árvore plantada junto à água, que estende suas
raízes para o rio e não teme o tempo de calor, suas folhas permane-
cem verdejantes” (Jr 17,8). Enquanto “os adolescentes se afadigam e
cansam” (Is 40,30), os que confiam no Senhor “renovam suas forças,
criam asas como de águia, correm e não se afadigam, caminham e
não se cansam” (Is 40,31).

7
Pedro Arrupe, Apaixona-te.

154
CAPÍTULO V

CAMINHOS DE JUVENTUDE

134. Como se vive a juventude quando nos deixamos iluminar e


transformar pelo grande anúncio do Evangelho? É importante fa-
zer-se esta pergunta, porque a juventude, mais do que um orgulho,
é um presente de Deus: “Ser jovem é uma graça, uma sorte”.1 É um
dom que podemos desperdiçar inutilmente, ou podemos recebê-lo
agradecidos e vivê-lo em plenitude.
135. Deus é o autor da juventude e Ele trabalha em cada jovem.
A juventude é um tempo bendito para o jovem e abençoado para
a Igreja e para o mundo. É uma alegria, uma canção de esperança e
uma bem-aventurança. Apreciar a juventude implica ver esse tempo
de vida como um momento valioso, e não como uma etapa de pas-
sagem na qual os jovens se sentem empurrados para a idade adulta.

Tempo de sonhos e de escolhas


136. Na época de Jesus, a saída da infância era um passo extremamen-
te esperado na vida que se celebrava e vivia intensamente. Por isso,
Jesus, quando devolveu a vida a uma “criança” (Mc 5,39), a fez dar
um passo a mais, a promoveu e converteu em “menina” (Mc 5,41).
Dizendo “menina, levanta-te!” (Talitá kum), ao mesmo tempo a fez
mais responsável por sua vida, abrindo-lhe as portas para a juventude.
137. “A juventude, fase do desenvolvimento da personalidade, está
marcada por sonhos que vão tomando corpo, por relações que ad-
1
PAULO VI. Discurso pela beatificação de Nunzio Sulprizio (1º de dezembro de 1963):
AAS 56 (1964), 28.

155
quirem cada vez mais consistência e equilíbrio, por tentativas e expe-
rimentações, por escolhas que constroem gradualmente um projeto
de vida. Nesse período da vida, os jovens são chamados a projetar-se
para a frente sem cortar suas raízes, para construir autonomia, mas
não sozinhos”.2
138. O amor de Deus e nossa relação com Cristo vivo não nos pri-
vam de sonhar, não nos exigem que reduzamos nossos horizontes.
Ao contrário, esse amor nos promove, nos estimula, nos lança a uma
vida melhor e mais bonita. A palavra “inquietação” resume muitas
das buscas dos corações dos jovens. Como dizia São Paulo VI, “pre-
cisamente nas insatisfações que os atormentam [...] há um elemento
de luz”.3 A inquietação insatisfeita, juntamente ao espanto pelo novo
que aparece no horizonte, abre caminho para a ousadia que os move
a assumirem a si mesmos, a tornarem-se responsáveis de uma missão.
Essa inquietude saudável que desperta especialmente na juventude
segue sendo a característica de qualquer coração que se mantém jo-
vem, disponível, aberto. A verdadeira paz interior convive com essa
profunda insatisfação. Agostinho dizia: “Senhor, criaste-nos para ti e
inquieto está o nosso coração até que descanse em ti”.4
139. Tempos atrás, um amigo me perguntou o que vejo quando
penso em um jovem. Minha resposta foi que “vejo um jovem ou uma
jovem que busca o seu próprio caminho, que quer caminhar com os
próprios pés, que aparece para o mundo e olha para o horizonte com
os olhos cheios de esperança, cheios de futuro e também de ilusões.
O jovem caminha com os dois pés como os adultos, mas, ao con-
trário de adultos, que os têm paralelos, põe um na frente do outro,
pronto para ir, para partir. Sempre olhando para a frente. Falar de jo-
vens significa falar de promessas, e significa falar de alegria. Os jovens
têm tanta força que são capazes de olhar com muita esperança. Um

2
DF, 65.
3
PAULO VI. Homilia na Santa Missa com os jovens em Sydney (2 de dezembro de 1970):
AAS 63 (1971), 64.
4
Confissões, I, 1, 1: PL 32, 661.

156
jovem é uma promessa de vida que traz incorporado certo grau de
tenacidade; tem loucura suficiente para ser capaz de se autoenganar
e capacidade suficiente para se curar da decepção que pode derivar
dele”.5
140. Alguns jovens talvez rejeitem esta etapa da vida, porque gosta-
riam de continuar sendo crianças, ou desejam “uma extensão inde-
finida da adolescência e o adiamento das decisões; o medo do defi-
nitivo gera, assim, uma espécie de paralisia na tomada de decisões.
A juventude, no entanto, não pode ser um tempo em suspenso: é a
idade das decisões e, precisamente, nisso consiste o seu atrativo e o
seu maior feito. Os jovens tomam decisões no âmbito profissional,
social, político e outros mais radicais, que darão uma configuração
determinante a sua existência”.6 Também tomam decisões no que
diz respeito ao amor, na escolha do cônjuge e na opção por ter os
primeiros filhos. Aprofundaremos esses temas nos últimos capítulos,
fazendo referência à vocação de cada um e ao seu discernimento.
141. Mas contra os sonhos que mobilizam decisões, sempre “há a
ameaça do lamento, da acomodação. Deixamos isso para aqueles que
seguem a ‘deusa lamentação’ [...]. É um engano: te faz tomar o ca-
minho errado. Quando tudo parece paralisado e estagnado, quando
os problemas pessoais nos inquietam, o mal-estar da sociedade não
encontra as devidas respostas, não é bom dar-se por vencido. O ca-
minho é Jesus: fazê-lo subir em nossa barca e remar mar adentro com
Ele. Ele é o Senhor! Ele muda a perspectiva da vida. A fé em Jesus
conduz a uma esperança que vai mais além, a uma certeza funda-
mentada não só em nossas qualidades e habilidades, mas na Palavra
de Deus, no convite que vem dele. Sem fazer demasiados cálculos
humanos, nem preocupar-se em verificar se a realidade que os rodeia

5
FRANCISCO. Deus é jovem. Uma conversa com Thomas Leoncini. Barcelona: Ed. Planeta,
2018, 16-17.
6
DF, 68.

157
coincide com suas seguranças. Remem mar adentro, saiam de vocês
mesmos”.7
142. É preciso perseverar no caminho dos sonhos. Para isso, é neces-
sário estar atento a uma tentação que geralmente nos engana: a an-
siedade. Pode ser uma grande inimiga quando nos leva a render-nos,
porque descobrimos que os resultados não são instantâneos. Os mais
belos sonhos se conquistam com esperança, paciência e empenho,
sem ser apressados. Ao mesmo tempo, não é preciso parar por inse-
gurança; não precisa ter medo de apostar e cometer erros. Sim, deve-
-se ter medo de viver paralisado, como mortos em vida, convertidos
em seres que não vivem porque não querem arriscar, porque não
perseveram em seus esforços ou porque têm medo de errar. Mesmo
se errares, sempre podes levantar a cabeça e começar de novo, porque
ninguém tem o direito de te roubar a esperança.
143. Jovens, não desistam do melhor de sua juventude. Não observem
a vida a partir de uma varanda. Não confundam a felicidade com um
sofá, nem vivam toda a sua vida na frente de um visor, de uma tela.
Também não se convertam no triste espetáculo de um veículo abando-
nado. Não sejam carros estacionados, ou melhor, deixem brotar os so-
nhos e tomem decisões. Arrisquem, mesmo que se equivoquem. Não
sobrevivam com a alma anestesiada, nem olhem o mundo como se
fossem turistas. Façam barulho! Eliminem os medos que os paralisam
para que não se transformem em jovens mumificados. Vivam! Entre-
guem-se ao melhor da vida! Abram a porta da gaiola e saiam para voar!
Por favor, não se aposentem antes do tempo.

A vontade de viver e experimentar


144. Essa projeção para o futuro que se sonha não significa que
os jovens estejam completamente lançados para a frente, porque ao
mesmo tempo há neles um forte desejo de viver o presente, de apro-

7
FRANCISCO. Encontro com os jovens em Cagliari (22 de setembro de 2013): AAS
105 (2013), 904-905.

158
veitar ao máximo as possibilidades que esta vida lhes dá. Este mundo
está repleto de beleza! Como desprezar os presentes de Deus?
145. Ao contrário do que muitos pensam, o Senhor não quer en-
fraquecer esse desejo de viver. É saudável lembrar o que ensinava
um sábio do Antigo Testamento: “Filho, se tens posses, faze o bem
a ti mesmo [...] Não te prives do bem de um dia” (Sr 14,11.14).
O verdadeiro Deus, o que te ama, te quer feliz. Por isso, na Bíblia
encontramos também este conselho dirigido aos jovens: “Alegra-te,
pois, ó jovem, na tua adolescência, e teu coração esteja feliz durante
tua juventude [...] Tira a angústia do teu coração” (Ecl 11,9-10). Por-
que é Deus quem “nos provê abundantemente de tudo para nosso
bom uso” (1Tm 6,17).
146. Como poderá ser grato a Deus alguém que não é capaz de des-
frutar de seus pequenos presentes cotidianos, alguém que não sabe
parar ante as coisas simples e agradáveis que
​​ encontra a cada passo?
Porque “quem tem inveja de si mesmo, ninguém é pior do que ele”
(Sr 14,6). Não se trata de ser insaciável, de sempre estar obcecado
por mais e mais prazeres. Ao contrário, porque isso vai te impedir de
viver o presente. A questão é saber abrir os olhos e parar para viver
plenamente e com gratidão cada pequena dádiva da vida.
147. Está claro que a Palavra de Deus te convida a viver o pre-
sente, não só para preparar o amanhã: “não fiqueis preocupados
com o amanhã, pois o amanhã terá sua própria preocupação!”
(Mt 6,34). Mas isso não se refere a nos lançar a um descontrole irres-
ponsável que nos deixa vazios e sempre insatisfeitos, mas viver o pre-
sente com grandeza, usando as energias para coisas boas, cultivando
a fraternidade, seguindo Jesus e valorizando cada pequena alegria da
vida como um presente do amor de Deus.
148. Nesse sentido, quero lembrar que o cardeal François-
-Xavier Nguyen Van Thuan, quando foi trancado em um campo de con-
centração, não quis que seus dias fossem apenas esperar um futuro. Sua
opção foi “viver o momento presente enchendo-o de amor”; e a maneira

159
como praticava era: “Aproveito as ocasiões que se apresentam cada dia
para realizar ações ordinárias de uma maneira extraordinária”.8 Enquanto
lutas para moldar teus sonhos, vive plenamente o hoje, entrega tudo e
enche de amor cada momento. Porque é verdade que este dia de tua ju-
ventude pode ser o último, e então vale a pena vivê-lo com toda vontade
e com toda profundidade possível.
149. Isso também inclui os momentos duros, que devem ser vividos
a fundo para chegar a aprender sua mensagem. Como ensinam os
suíços: “Ele está ali onde pensávamos que nos havia abandonado e
que já não havia salvação alguma. É um paradoxo, mas o sofrimento,
as trevas se transformaram para muitos cristãos [...] em lugares de
encontro com Deus”.9 Além disso, o desejo de viver e experimentar
se refere especialmente a muitos jovens em situação de deficiência
física, mental e sensorial. Inclusive, se nem sempre podem fazer as
mesmas experiências que seus companheiros, têm recursos incríveis
e inimagináveis que às vezes ultrapassam o comum. O Senhor Jesus
os enche de outros dons, que a comunidade está chamada a valorizar,
para que possam descobrir seu projeto de amor para cada um deles.

Na amizade de Cristo
150. Por mais que vivas e experimentes, não chegarás ao profundo
da juventude, não conhecerás a verdadeira plenitude de ser jovem, se
não encontrares cada dia o grande amigo, se não viveres em amizade
com Jesus.
151. A amizade é uma dádiva da vida e um dom de Deus. Através
dos amigos, o Senhor nos vai polindo e nos vai amadurecendo. Ao
mesmo tempo, os amigos fiéis, que estão ao nosso lado nos momen-
tos difíceis, são um reflexo do carinho do Senhor, de seu consolo e
de sua presença amável. Ter amigos nos ensina a nos abrir, a compre-

8
THUAN, François-Xavier Nguyen Van. Cinco pães e dois peixes: do sofrimento do cárcere
– um alegre testemunho de fé. México, 1999, 21.
9
Conferência Episcopal Suíça, Prendre le temps: pour toi, pour moi, pour nous (2 de fevereiro
de 2018).

160
ender, a cuidar dos outros, a sair do nosso comodismo e isolamento,
para compartilhar a vida. Por isso, “ao amigo fiel não há nada que se
compare” (Sr 6,15).
152. A amizade não é uma relação fugaz ou passageira, mas estável,
firme, fiel, que amadurece com o passar do tempo. É uma relação
de afeto que nos faz sentir unidos, e ao mesmo tempo é um amor
generoso, que nos leva a buscar o bem do amigo. Embora os amigos
possam ser muito diferentes entre si, sempre há algumas coisas em
comum que os levam a sentir-se próximos, e há uma intimidade que
se compartilha com sinceridade e confiança.
153. É tão importante a amizade, que o próprio Jesus se apresenta
como amigo: “Já não vos chamo servos [...] Eu vos chamo amigos”
(Jo 15,15). Pela graça que Ele nos dá, somos elevados de tal forma
que somos realmente amigos seus. Com o mesmo amor que Ele
derrama em nós, podemos amá-lo, levando seu amor aos outros,
com a esperança de que também eles encontrarão o seu lugar na co-
munidade de amigos fundada por Jesus Cristo.10 E mesmo que Ele
já esteja totalmente feliz como ressuscitado, é possível ser generoso
com Ele, ajudando-o a construir o seu Reino neste mundo, sendo
seus instrumentos para levar sua mensagem e sua luz e, acima de
tudo, seu amor aos outros (Jo 15,16). Os discípulos escutaram o
chamado de Jesus à amizade com Ele. Foi um convite que não os
forçou, mas que propôs delicadamente à sua liberdade: “Vinde e
vereis!”, lhes disse, e “foram, e viram onde morava, e permanece-
ram com ele aquele dia” (Jo 1,39). Depois desse encontro, íntimo
e inesperado, deixaram tudo e foram com Ele.
154. A amizade com Jesus é inquebrantável. Ele nunca se vai, em-
bora, às vezes, pareça fazer silêncio. Quando o necessitamos, se deixa
encontrar por nós (Jr 29,14) e está ao nosso lado para onde vamos
(Js 1,9). Porque Ele jamais rompe uma aliança. Ele nos pede que
não o abandonemos: “Permanecei em mim” (Jo 15,4). Mas, se nos
10
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Summa Theologiae II-II, q. 23, art. 1.

161
afastamos, “ele, no entanto, permanece fiel, pois não pode negar a si
mesmo” (2Tm 2,13).
155. Com o amigo falamos, compartilhamos as coisas mais secretas.
Com Jesus também conversamos. A oração é um desafio e uma aven-
tura. E que aventura! Permite que o conheçamos cada vez melhor,
entremos em seu mistério e cresçamos em uma união sempre mais
forte. A oração nos permite lhe contar tudo o que acontece conosco
e nos jogar confiantes em seus braços e, ao mesmo tempo, nos brin-
da com momentos de preciosa intimidade e afeição, nos quais Jesus
derrama em nós sua própria vida. Rezando, “abrimos o jogo” com
Ele, lhe damos espaço “para que Ele possa agir, possa entrar e possa
vencer”.11
156. Assim, é possível experimentar uma constante unidade com
Ele, que supera tudo o que podemos viver com outras pessoas: “Eu
vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Não prives
a tua juventude dessa amizade. Poderás senti-lo ao teu lado não só
quando rezas. Reconhecerás que caminha contigo em todo momen-
to. Tenta descobri-lo e viverás a bela experiência de saber que estás
sempre acompanhado. É o que os discípulos de Emaús viveram quan-
do, enquanto caminhavam e conversavam desorientados, Jesus se fez
presente e “pôs-se a caminhar com eles” (Lc 24,15). Um santo dizia
que “o Cristianismo não é um conjunto de verdades que se devem
acreditar, de leis que se devem cumprir, de proibições. Assim se torna
muito repugnante. O Cristianismo é uma pessoa que me amou tanto
que reclama meu amor. O Cristianismo é Cristo”.12
157. Jesus pode unir todos os jovens da Igreja em um único sonho,
“um sonho grande e um sonho capaz de abrigar a todos. Esse sonho
pelo qual Jesus deu a sua vida na cruz e o Espírito Santo se derramou

11
FRANCISCO. Discurso aos voluntários do XXXIV Dia Mundial da Juventude no Pa-
namá (27 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (1º de fevereiro
de 2019), p. 17.
12
SANTO OSCAR ROMERO. Homilia (6 de novembro de 1977): Seu pensamento, I-II,
San Salvador, 2000, 312.

162
e tatuou a fogo no dia de Pentecostes no coração de cada homem e
cada mulher, no coração de cada um [...] Tatuou-o à espera de que
encontre espaço para crescer e se desenvolver. Um sonho, um sonho
chamado Jesus semeado pelo Pai, Deus como Ele – como o Pai –,
enviado pelo Pai com a confiança de que crescerá e viverá em cada
coração. Um sonho concreto, que é uma pessoa, que corre por nossas
veias, estremece o coração e o faz dançar”.13

O crescimento e a maturação
158. Muitos jovens se preocupam com seu corpo, procurando o de-
senvolvimento da força física ou da aparência. Outros se preocupam
em desenvolver suas capacidades e conhecimentos, e assim se sentem
mais seguros. Alguns apontam para mais alto, tratam de compro-
meter-se mais e buscam um desenvolvimento espiritual. São João
dizia: “Eu vos escrevi, jovens, porque sois fortes: a Palavra de Deus
permanece em vós” (1Jo 2,14). Buscar o Senhor, guardar a sua Pala-
vra, tratar de responder-lhe com a própria vida, crescer nas virtudes,
isso fortalece os corações dos jovens. Para isso, é preciso manter a
conexão com Jesus, estar em sintonia com Ele, já que não crescerás
na felicidade e na santidade apenas com tuas forças e tua mente.
Assim como te preocupa não perder a conexão com a internet, cuida
para que tua conexão com o Senhor esteja sempre ativa, e isso signi-
fica não cortar o diálogo, escutá-lo, contar tuas coisas, e quando não
souberes com clareza o que deves fazer, pergunta: “Jesus, que farias
tu no meu lugar?”.14
159. Espero que possas valorizar tanto a ti mesmo, levar-te tão a
sério, que busques teu crescimento espiritual. Além dos entusiasmos
próprios da juventude, também está a beleza de buscar “a justiça, a

13
FRANCISCO. Discurso na cerimônia de abertura da XXXIV Jornada Mundial da
Juventude no Panamá (24 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol
(25 de janeiro de 2019), p. 6.
14
FRANCISCO. Encontro com os jovens no Santuário Nacional de Maipú, Santiago do
Chile (17 de janeiro de 2018): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (19 de janeiro de
2018), p. 11.

163
fé, o amor, a paz” (2Tm 2,22). Isso não significa perder a espontanei-
dade, o frescor, o entusiasmo, a ternura. Porque tornar-se adulto não
implica abandonar os melhores valores desta etapa da vida. Senão o
Senhor poderá te repreender um dia: “Eu me lembro de ti, do teu
carinho de jovem, do amor do teu noivado, quando me seguias pelo
deserto” (Jr 2,2).
160. Ao contrário, inclusive um adulto deve amadurecer sem perder
os valores da juventude. Porque, na realidade, cada etapa da vida é
uma graça permanente, encerra um valor que não deve passar. Uma
juventude bem vivida permanece como uma experiência interior, e
na vida adulta é assumida, é aprofundada e continua a dar frutos.
Sim, é próprio do jovem sentir-se atraído pelo infinito que abre e que
começa,15 um risco da vida adulta, com suas seguranças e confortos;
é estreitar cada vez mais esse horizonte e perder esse valor próprio dos
anos jovens. Mas deveria acontecer o contrário: amadurecer, crescer
e organizar a vida sem perder essa atração, essa abertura ampla, esse
fascínio por uma realidade que é sempre mais. Em cada momento da
vida, podemos renovar e acrescentar à juventude. Quando comecei
meu ministério como Papa, o Senhor me ampliou os horizontes e
me deu uma renovada juventude. O mesmo pode acontecer com
um casamento de muitos anos, ou a um monge em seu mosteiro.
Existem coisas que precisam “assentar-se” ao longo dos anos, mas
essa maturação pode conviver com o fogo que se renova, com um
coração sempre jovem.
161. Crescer é conservar e nutrir as coisas mais preciosas que a ju-
ventude te dá, mas ao mesmo tempo é estar aberto para purificar o
que não é bom e receber novos dons de Deus, que te chama a de-
senvolver o que vale a pena. Às vezes, os complexos de inferioridade
podem te levar a não querer ver teus defeitos e tuas fraquezas e, desse
modo, podes te fechar ao crescimento e à maturação. Melhor te dei-
xares amar por Deus, que te ama assim como és, que te valoriza e
15
GUARDINI, Romano. Le età della vita, em Opera omnia IV, 1, Brescia 2015, 209.

164
respeita, mas também oferece mais e mais; mais de sua amizade, mais
fervor na oração, mais fome de sua Palavra, mais desejos de receber
a Cristo na Eucaristia, mais vontade de viver o seu Evangelho, mais
fortaleza interior, mais paz e alegria espiritual.
162. Porém te recordo que não serás santo e pleno copiando os ou-
tros. Nem sequer imitar os santos significa copiar seu modo de ser
e viver a santidade: “Há testemunhos que são úteis para nos esti-
mular e motivar, mas não para procurarmos copiá-los, porque isso
poderia até afastar-nos do caminho, único e específico, que o Senhor
predispôs para nós” (GeE, n. 11). Tu tens que descobrir quem és e
desenvolver o teu caminho próprio de ser santo, independentemente
daquilo que dizem e pensam os outros. Chegar a ser santo é tornar-te
mais plenamente tu mesmo, ser aquele que Deus quis sonhar e criar,
não uma fotocópia. Tua vida deve ser um estímulo profético, que
impulsione os outros, que deixe uma marca neste mundo, essa marca
única que só tu poderás deixar. Por outro lado, se copiares, privarás
a esta terra, e também ao céu, disto que ninguém mais do que tu
poderás oferecer. Lembro que São João da Cruz, no seu Cântico
Espiritual, escrevia que cada um tinha que aproveitar seus conselhos
espirituais “segundo seu modo”,16 porque o próprio Deus quis mani-
festar sua graça “a uns em uma forma e a outros em outra”.17

Trilhas de fraternidade
163. Teu desenvolvimento espiritual se expressa, antes de tudo, cres-
cendo no amor fraterno, generoso, misericordioso. São Paulo dizia:
“o Senhor vos faça crescer abundantemente no amor de uns para
com os outros e para com todos” (1Ts 3,12). Oxalá que vivas cada
vez mais este “éxtasis” que é sair de si para buscar o bem dos outros,
até dar vida.

16
Cântico Espiritual B, Prólogo, 2.
17
Ibidem, XIV-XV, 2.

165
164. Quando um encontro com Deus é chamado de “éxtasis” é por-
que nos tira de nós mesmos e nos eleva, cativados pelo amor e pela
beleza de Deus. Mas também podemos ser tirados de nós mesmos
para reconhecer a beleza escondida em cada ser humano, sua digni-
dade, sua grandeza como imagem de Deus e filho do pai. O Espírito
Santo quer nos impulsionar para que saiamos de nós mesmos, abra-
cemos os outros com o amor e busquemos o seu bem. Portanto, sem-
pre é melhor viver a fé juntos e expressar nosso amor em uma vida
comunitária, compartilhando com outros jovens nosso afeto, nosso
tempo, nossa fé e nossas inquietudes. A Igreja oferece espaços diver-
sos para viver a fé em comunidade, porque tudo é mais fácil juntos.
165. As feridas recebidas podem levar-te à tentação do isolamento,
a te fechares em ti mesmo, a acumulares ressentimentos; porém,
nunca deixes de escutar o chamado de Deus ao perdão. Como bem
ensinaram os Bispos de Ruanda, “a reconciliação com o outro pede
em primeiro lugar para descobrir nele o esplendor da imagem de
Deus [...]. Nessa ótica, é vital distinguir o pecador de seu pecado e
de sua ofensa, para alcançar a verdadeira reconciliação. Isso significa
que deves odiar o mal que o outro te inflige, mas continuar a amá-
lo, porque reconheces a sua fraqueza e vês a imagem de Deus nele”.18
166. Às vezes, toda a energia, os sonhos e o entusiasmo da juven-
tude se enfraquecem pela tentação de nos encerrar em nós mesmos,
nos nossos problemas, sentimentos feridos, lamentos e acomodações.
Não deixes que isso te ocorra, porque te tornarás velho por dentro
antes do tempo. Cada idade tem sua beleza, e à juventude não pode
faltar utopia comunitária, a capacidade de sonhar, unidos, os grandes
horizontes que olhamos juntos.
167. Deus ama a alegria dos jovens e os convida especialmente a essa
alegria de quem vive em comunhão fraterna, a essa satisfação superior
de quem sabe compartilhar, porque “há mais felicidade em dar do que
18
Conferência Episcopal de Ruanda. Carta dos Bispos Católicos aos fiéis durante o ano
especial de reconciliação em Ruanda, Kigali (18 de janeiro de 2018), 17.

166
em receber” (At 20,35) e “Deus ama a quem dá com alegria” (2Cor
9,7). O amor fraterno multiplica nossa capacidade de nos alegrarmos,
já que nos torna capazes de desfrutar o bem dos outros: “Alegrai-vos
com os que se alegram” (Rm 12,15). Que a espontaneidade e o im-
pulso de tua juventude tornem-se cada dia mais a espontaneidade do
amor fraterno, o frescor para reagir sempre com perdão, com genero-
sidade, com desejo de construir comunidade. Um provérbio africano
diz: “Se queres andar rápido, caminha sozinho. Se queres ir longe,
caminha com os outros”. Não nos deixemos roubar a fraternidade.

Jovens comprometidos
168. É verdade que, às vezes, diante de um mundo tão cheio de vio-
lência e egoísmo, os jovens podem correr o risco de se fechar em pe-
quenos grupos e, assim, privar-se dos desafios da vida em sociedade,
de um mundo amplo, desafiador e necessitado. Sentem que vivem o
amor fraterno, mas talvez seu grupo se tornou mera extensão de seu
eu. Isso se agrava quando a vocação do leigo é concebida somente
como um serviço dentro da Igreja (leitores, acólitos, catequistas etc.),
esquecendo que a vocação leiga é, acima de tudo, a caridade na família,
a caridade social e a caridade política: é um compromisso concreto a
partir da fé para a construção de uma nova sociedade, é viver no meio
do mundo e da sociedade para evangelizar suas várias instâncias, para
fazer crescer a paz, a convivência, a justiça, os direitos humanos, a mi-
sericórdia e, assim, estender o Reino de Deus no mundo.
169. Proponho aos jovens ir além dos grupos de amigos e construir
a “amizade social, buscar o bem comum. A inimizade social destrói.
E uma família é destruída por inimizade. Um país se destrói pela
inimizade. O mundo se destrói pela inimizade. E a maior inimizade
é a guerra. E, hoje em dia, vemos que o mundo está se destruindo
pela guerra. Porque eles são incapazes de sentar e conversar [...] Sede
capazes de criar a amizade social”.19 Não é fácil, sempre é preciso
19
Saudação aos jovens do Centro Cultural Padre Félix Varela em La Havana (20 de setem-
bro de 2015): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (25 de setembro de 2015), p. 5.

167
renunciar a algo, há que negociar, mas se o fizermos pensando no
bem de todos, podemos alcançar a magnífica experiência de deixar
de lado as diferenças para lutar juntos por algo comum. Se logramos
encontrar pontos de coincidência em meio a muitas divergências,
nesse esforço artesanal e, às vezes, custoso de estender pontes, para
construir uma paz que seja boa para todos, esse é o milagre da cultura
do encontro que os jovens podem ousar viver com paixão.
170. O Sínodo reconheceu que, “embora de forma diferente em re-
lação às gerações passadas, compromisso social é um traço específico
dos jovens de hoje. Ao lado de alguns indiferentes, há muitos outros
dispostos a comprometer-se em iniciativas de voluntariado, cidada-
nia ativa e solidariedade social, há que acompanhar e incentivar para
que emerjam os talentos, as habilidades e a criatividade dos jovens e
encorajá-los para que assumam responsabilidades. O compromisso
social e o contato direto com os pobres seguem sendo uma ocasião
fundamental para descobrir ou aprofundar a fé e discernir a própria
vocação [...]. Assinalou-se também a disponibilidade ao compromis-
so no campo político para a construção do bem comum”.20
171. Hoje, graças a Deus, os grupos de jovens nas paróquias, nas
escolas, nos movimentos ou nos grupos universitários costumam sair
para acompanhar os idosos e enfermos, ou visitar bairros pobres, ou
saem juntos a auxiliar os indigentes nas chamadas “noites da carida-
de”. Muitas vezes, eles reconhecem que nessas tarefas é mais o que
recebem do que o que dão, porque se aprende e amadurece muito
quando alguém se atreve a fazer contato com o sofrimento dos ou-
tros. Além disso, nos pobres há uma sabedoria oculta, e eles, com pa-
lavras simples, podem nos ajudar a descobrir valores que não vemos.
172. Outros jovens participam de programas sociais destinados à
construção de casas para aqueles que não têm teto ou no saneamen-
to de lugares contaminados, ou no recolhimento de ajudas para os
mais necessitados. Seria bom que essa energia comunitária se apli-
casse não apenas a ações esporádicas, mas de maneira estável, com
20
DF, 46.

168
objetivos claros e com uma boa organização que ajude a realizar uma
tarefa mais contínua e eficiente. Os universitários podem unir-se de
forma interdisciplinar para aplicar seu conhecimento para resolver
problemas sociais, e nessa tarefa eles podem trabalhar lado a lado
com jovens de outras Igrejas ou outras religiões.
173. Como no milagre de Jesus, os pães e os peixes dos jovens podem
ser multiplicados (Jo 6,4-13). Da mesma forma da parábola, as pe-
quenas sementes dos jovens se transformam em árvores e colheita (Mt
13,23.31-32). Tudo isso desde a fonte viva da Eucaristia, em que nosso
pão e nosso vinho se transfiguram para nos dar a vida eterna. Pede-se
aos jovens uma tarefa imensa e difícil; com a fé no Ressuscitado, pode-
rão enfrentá-la com criatividade e esperança, e situando-se sempre no
lugar do serviço, como os serventes daquele casamento, colaboradores
surpreendidos com o primeiro sinal de Jesus, que só seguiram o slogan
de sua Mãe: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). Misericórdia,
criatividade e esperança fazem crescer a vida.
174. Quero te encorajar a esse compromisso, porque eu sei que “teu
coração, coração jovem, quer construir um mundo melhor. Sigo as no-
tícias do mundo e vejo que tantos jovens, em muitas partes do mundo,
saíram às ruas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e
fraterna. Os jovens na rua são jovens que querem ser protagonistas da
mudança. Por favor, não deixem que outros sejam os protagonistas da
mudança. Vocês são os que têm o futuro. Por meio de vocês o futu-
ro entra no mundo. Peço-lhes que também sejam protagonistas dessa
mudança. Continuem superando a apatia e oferecendo uma resposta
cristã às inquietudes sociais e políticas que se desenvolvem em diversas
partes do mundo. Peço-lhes que sejam construtores do futuro, que se
comprometam no trabalho por um mundo melhor. Queridos jovens,
por favor, não fiquem na varanda olhando a vida, mergulhem nela.
Jesus não ficou na varanda, mergulhou; não assistam à vida ‘da varan-
da’, mergulhem nela como fez Jesus”.21 Mas, acima de tudo, de um
jeito ou de outro, sejam lutadores pelo bem comum, sejam servidores
21
FRANCISCO. Discurso na Vigília do XXVIII Dia Mundial da Juventude no Rio de
Janeiro (27 de julho de 2013): AAS 105 (2013), 663.

169
dos pobres, sejam protagonistas da revolução da caridade e do servi-
ço, capazes de resistir às patologias do consumismo e individualismo
superficial.

Missionários corajosos
175. Apaixonados por Cristo, os jovens são chamados a dar testemu-
nho do Evangelho em todas as partes, com sua própria vida. Santo
Alberto Hurtado dizia que “ser apóstolo não significa usar um distin-
tivo na lapela da jaqueta; não significa falar da verdade, mas vivê-la,
encarnar-se nela, transformar-se em Cristo. Ser apóstolo não é levar
uma tocha na mão, possuir a luz, mas ser a luz [...]. O Evangelho [...]
mais que uma lição, é um exemplo. A mensagem convertida em vida
vivente”.22
176. O valor do testemunho não significa que a palavra deve ser
silenciada. Por que não falar de Jesus? Por que não dizer aos outros
que Ele nos dá forças para viver, que é bom conversar com Ele, que
nos faz bem meditar suas palavras? Jovens, não deixem que o mundo
os arraste a compartilhar apenas coisas ruins ou superficiais. Sejam
capazes de ir contra a corrente e saibam compartilhar Jesus, comu-
niquem a fé que Ele lhes deu de presente. Oxalá possam sentir no
coração o mesmo impulso irresistível que movia São Paulo quando
dizia: “Ai de mim, se eu não anuncio o Evangelho!” (1Cor 9,16).
177. “Aonde Jesus nos envia? Não há fronteiras, não há limites: en-
via a todos. O Evangelho não é para alguns, mas para todos. Não é
apenas para aqueles que nos parecem mais próximos, mais recepti-
vos, mais acolhedores. É para todos. Não tenham medo de ir e levar
Cristo para qualquer ambiente, até as periferias existenciais, também
para quem parece mais distante, mais indiferente. O Senhor busca
a todos, quer que todos sintam o calor de sua misericórdia e seu

22
Você é a luz do mundo, Discurso no Cerro San Cristóbal, Chile, 1940, em: https://www.
padrealbertohurtado.cl/escritos-2/.

170
amor”.23 E nos convida a ir sem medo com o anúncio missionário, aí
onde quer que nos encontremos e com quem estejamos: no bairro,
no estudo, nos esportes, nas saídas com amigos, no voluntariado ou
no trabalho, é sempre bom e oportuno compartilhar a alegria do
Evangelho. É assim que o Senhor se aproxima de todos. E a vocês,
jovens, os quer como seus instrumentos para lançar luz e esperança,
porque quer contar com a sua coragem, frescor e entusiasmo.
178. Não se pode esperar que a missão seja fácil e cômoda. Alguns
jovens deram suas vidas pelo fato de não frear seu impulso missio-
nário. Os Bispos da Coreia expressaram: “Esperamos que possamos
ser grãos de trigo e instrumentos para a salvação da humanidade,
seguindo o exemplo dos mártires. Embora nossa fé seja tão pequena
quanto uma semente de mostarda, Deus lhe dará crescimento e a uti-
lizará como um instrumento para a sua obra de salvação”.24 Amigos,
não esperem o amanhã para colaborar na transformação do mundo
com sua energia, sua audácia e sua criatividade. A vida de vocês não
é um “enquanto isso”. Vocês são o agora de Deus, que os quer fecun-
dos.25 Porque “é dando que se recebe”,26 e a melhor maneira de pre-
parar um bom futuro é viver o presente com entrega e generosidade.

23
FRANCISCO. Homilia na Santa Missa do XXVIII Dia Mundial da Juventude no Rio
de Janeiro (28 de julho de 2013): AAS 105 (2013), 665.
24
Conferência Episcopal da Coreia. Carta Pastoral na ocasião do 150º aniversário do mar-
tírio durante a perseguição de Byeong-in (30 de março de 2016).
25
FRANCISCO. Homilia na Santa Missa para o XXXIV Dia Mundial da Juventude no
Panamá (27 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (1º de fevereiro
de 2019), p. 14-15.
26
Oração “Senhor, faz de mim um instrumento da tua paz”, atribuída a São Francisco de
Assis.

171
CAPÍTULO VI

JOVENS COM RAÍZES

179. Às vezes, tenho visto árvores jovens e bonitas que elevam seus
ramos ao céu, buscando sempre mais, e parecem um canto de espe-
rança. Mais adiante, depois de uma tempestade, encontrei-as caídas,
sem vida. Porque tinham poucas raízes, tinham soltado seus ramos
sem se enraizar bem na terra e, assim, sucumbiram diante dos em-
bates da natureza. Por isso me dói ver que alguns proponham aos
jovens construir um futuro sem raízes, como se o mundo começas-
se agora. Porque “é impossível que alguém cresça se não tem raízes
fortes que ajudem a estar bem sustentado e agarrado à terra. É fácil
‘voar’ quando não há onde agarrar-se, onde segurar”.1

Que não te arranquem da terra


180. Esta não é uma questão secundária, e me parece bom dedi-
car-lhe um breve capítulo. Compreender isso permite distinguir a
alegria da juventude de um falso culto à juventude que alguns usam
para seduzir os jovens e usá-los para seus propósitos.
181. Pensem nisto: se uma pessoa lhes faz uma proposta e lhes diz
para ignorar a história, para não recolher a experiência dos idosos,
para desprezar todo o passado e só olhar o futuro que ela lhes oferece,
não é uma maneira fácil de pegá-los com a sua proposta para que só
façam o que ele lhes diz? Essa pessoa os quer vazios, desenraizados,

1
FRANCISCO. Discurso na Vigília com os jovens na XXXIV Jornada Mundial da
Juventude no Panamá (26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol
(1º de fevereiro de 2019), p. 13.

173
desconfiados de tudo, de modo que só confiem em suas promessas e
se submetam aos seus planos. Assim funcionam as ideologias de dife-
rentes cores, que destroem (ou desconstroem) tudo o que é diferente
e, dessa maneira, podem reinar sem oposições. Para isso, precisam de
jovens que desprezem a história, que rejeitem a riqueza espiritual e
humana que se foi transmitindo através das gerações, que ignorem
tudo o que os precedeu.
182. Ao mesmo tempo, os manipuladores usam outro recurso: uma
adoração da juventude, como se tudo o que não é jovem fosse detes-
tável e desatualizado. O corpo jovem torna-se o símbolo desse novo
culto, e então tudo o que tem a ver com esse corpo é idolatrado e
desejado sem limites, e o que não é jovem se olha com desprezo. Po-
rém, essa é uma arma que, em primeiro lugar, termina degradando
os jovens, esvaziando-os de valores reais, usando-os para obter bene-
fícios pessoais, econômicos ou políticos.
183. Queridos jovens, não aceitem que usem sua juventude para
fomentar uma vida superficial, que confunde beleza com aparência.
Melhor, saibam descobrir que há beleza no trabalhador que volta
para casa sujo e desarrumado, mas com a alegria por ter ganhado o
pão de seus filhos. Há uma extraordinária beleza na comunhão da fa-
mília junto à mesa e no pão compartilhado com generosidade, mes-
mo que a mesa seja muito pobre. Existe beleza na esposa despenteada
e quase anciã, que permanece cuidando de seu esposo enfermo além
de suas forças e de sua própria saúde. Embora tenha passado a pri-
mavera do namoro, há beleza na fidelidade dos casais que se amam
no outono da vida, nesses velhinhos que andam de mãos dadas. Há
formosura, além da aparência ou da estética da moda, em cada ho-
mem e em cada mulher que vive sua vocação pessoal com amor,
no serviço desinteressado da comunidade, pela pátria, no trabalho
generoso para a felicidade da família, envolvidos no trabalho árduo,
anônimo e gratuito de restaurar a amizade social. Descobrir, mostrar
e destacar essa beleza, que se parece à de Cristo na cruz, é lançar as
bases da verdadeira solidariedade social e da cultura do encontro.

174
184. Junto às falsas estratégias do culto à juventude e à aparência,
hoje se promove uma espiritualidade sem Deus, uma afetividade sem
comunidade e sem compromisso com os que sofrem, um medo dos
pobres, que são vistos como seres perigosos, e uma série de ofertas
que pretendem lhes fazer acreditar em um futuro paradisíaco que
sempre será adiado para mais tarde. Não quero lhes propor isso e,
com todo o meu carinho, eu quero adverti-los de que não se deixem
dominar por essa ideologia que não os tornará mais jovens, mas que
vai transformá-los em escravos. Proponho outro caminho, feito de
liberdade, de entusiasmo, criatividade, novos horizontes, mas cul-
tivando ao mesmo tempo essas raízes que alimentam e sustentam.
185. Nesta linha, quero enfatizar que “numerosos Padres Sinodais
provenientes de contextos não ocidentais apontam que, em seus paí-
ses, a globalização implica autênticas formas de colonização cultural,
desarraigam os jovens das comunidades pertencentes às realidades
culturais e religiosas das quais provêm. É necessário um compromisso
da Igreja para acompanhá-los nesta passagem em que perdem os tra-
ços mais valiosos de sua identidade”.2
186. Hoje, vemos uma tendência a “homogeneizar” os jovens, a dis-
solver diferenças próprias do seu lugar de origem, a transformá-los em
seres manipuláveis feitos em série. Assim, produz-se uma destruição
cultural, que é tão grave quanto o desaparecimento de espécies animais
e vegetais (LS, n. 145). Por isso, em uma mensagem a jovens indíge-
nas, reunidos no Panamá, exortei-os a “cuidar das raízes, porque das
raízes vem a força que vai fazê-los crescer, florescer e frutificar”.3

Tua relação com os idosos


187. No Sínodo, expressou-se que “os jovens estão projetados para o
futuro e enfrentam a vida com energia e dinamismo. Contudo [...],

2
DF, 14.
3
FRANCISCO. Mensagem em vídeo para o Encontro Mundial de Jovens Indígenas no
Panamá (17 a 21 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (25 de
janeiro de 2019), p. 10.

175
às vezes, tendem a prestar pouca atenção à memória do passado de
onde vêm, em particular aos numerosos dons que seus pais e avós lhes
transmitiram, a bagagem cultural da sociedade em que viveram. Aju-
dar os jovens a descobrir a riqueza viva do passado, fazendo memória
e servindo-se dele para as próprias decisões e possibilidades, é um
verdadeiro ato de amor para com eles, em vista do seu crescimento e
das decisões que deverão tomar”.4
188. A Palavra de Deus recomenda não perder o contato com os
mais velhos, a fim de recolher sua experiência: “Permanece no meio
dos anciãos e de coração adere à sua sabedoria [...] Se vires alguém
sensato, madruga junto dele, e teu pé gaste os degraus da sua porta”
(Sr 6,34.36). Em todo caso, os longos anos que eles viveram e tudo
o que passaram na vida devem nos levar a olhá-los com respeito:
“Diante de uma cabeça branca te levantarás” (Lv 19,32). “Orgulho
dos jovens é o seu vigor, como os cabelos brancos são a honra dos
anciãos” (Pr 20,29).
189. A Bíblia nos pede: “Escuta teu pai, que te gerou, e não desprezes
tua mãe envelhecida” (Pr 23,22). O mandato de honrar o pai e a mãe
“é o primeiro mandamento que vem acompanhado de uma promes-
sa” (Ef 6,2; cf. Ex 20,12; Dt 5,16; Lv 19,3), e a promessa é: “a fim de
que sejas feliz e tenhas longa vida sobre a terra” (Ef 6,3).
190. Isso não significa que tenhas que estar de acordo com tudo o que
eles dizem, ou que tenhas que aprovar todas as suas ações. Um jovem
sempre deveria ter um espírito crítico. São Basílio Magno, referindo-se
aos antigos autores gregos, recomendou aos jovens que os estimas-
sem, mas que acolhessem apenas aquilo de bom que pudessem ensi-
nar-lhes.5 Trata-se, simplesmente, de estar abertos para recolher uma
sabedoria que é comunicada de geração em geração, que pode coexistir
com algumas misérias humanas, e que não tem por que desaparecer
diante das novidades do consumo e do mercado.
4
DF, 35.
5
SÃO BASÍLIO MAGNO. Carta aos jovens, I, 2: PG 31, 566.

176
191. Ao mundo nunca serviu nem servirá a ruptura entre gerações.
São os cantos de sereia de um futuro sem raízes, sem base. É a men-
tira que faz acreditar que só o novo é bom e bonito. A existência
de relações intergeracionais implica que nas comunidades se tenha
uma memória coletiva, pois cada geração retoma os ensinamentos de
seus antecessores, deixando, assim, um legado aos seus sucessores. Isso
constitui marcos referenciais para cimentar solidamente uma socieda-
de nova. Como diz o ditado: “Se o jovem soubesse e o velho pudesse,
não haveria coisa que não se fizesse”.

Sonhos e visões
192. Na profecia de Joel, encontramos um anúncio que nos permite
entender isso de uma maneira muito bela. Diz assim: “Derramarei
meu Espírito sobre toda a carne. Vossos filhos e vossas filhas profe-
tizarão; vossos anciãos terão sonhos, vossos jovens terão visões” (Jl
3,1; cf. At 2,17). Se os jovens e os velhos se abrem ao Espírito Santo,
ambos produzem uma combinação maravilhosa. Os anciãos sonham
e os jovens têm visões. Como se complementam essas duas coisas?
193. Os anciãos têm sonhos construídos com memórias, com ima-
gens de tantas coisas vividas, com a marca da experiência e dos anos.
Se os jovens se enraízam nesses sonhos dos anciãos, logram ver o fu-
turo, podem ter visões que lhes abrem o horizonte e mostram novos
caminhos. Porém, se os anciãos não sonham, os jovens já não podem
ver claramente o horizonte.
194. É lindo encontrar, entre o que os nossos pais conservaram, al-
guma recordação que nos permite imaginar o que sonharam para nós
nossos avôs e nossas avós. Todo ser humano, ainda antes de nascer,
recebeu da parte de seus avós, como um presente, a bênção de um
sonho cheio de amor e esperança, de uma vida melhor para ele. E se
não o teve de nenhum de seus avós, certamente algum bisavô, sim,
o sonhou e se alegrou por ele, contemplando seus filhos no berço
e, em seguida, os seus netos. O sonho primeiro, o sonho criador de

177
nosso Pai, precede e acompanha a vida de todos os seus filhos. Fazer
memória dessa bênção, que se estende de geração em geração, é uma
herança preciosa que se deve saber conservar viva para nós também
podermos transmiti-la.
195. Por isso, é bom deixar que os anciãos façam longas narrações,
que às vezes parecem mitológicas, fantasiosas – são sonhos de velhos
–, porém, muitas vezes, estão cheias de rica experiência, de símbo-
los eloquentes, de mensagens ocultas. Essas narrações exigem tempo,
que nos disponhamos, gratuitamente, a escutar e a interpretar com
paciência, porque não entram em uma mensagem das redes sociais.
Temos que aceitar que toda a sabedoria que precisamos para a vida
não pode se encerrar nos limites impostos pelos recursos atuais de
comunicação.
196. No livro A sabedoria das idades,6 expressei alguns desejos em
forma de pedidos. “Que peço aos anciãos, entre os quais me incluo?
Peço que sejamos guardiões da memória. Avós e avôs, precisamos for-
mar um coro. Imagino os anciãos como o coro permanente de um
importante santuário espiritual, em que as orações de súplica e os
cantos de louvor sustentam a comunidade inteira que trabalha e luta
no campo da vida”.7 É lindo que “moços e moças, anciãos e crianças,
louvem o nome do Senhor” (Sl 148,12-13).
197. Que podemos dar-lhes, nós, os anciãos? “Aos jovens de hoje
em dia que vivem sua própria mistura de ambições heroicas e de
inseguranças, podemos lembrá-los que uma vida sem amor é uma
vida infecunda”.8 Que podemos dizer-lhes? “Aos jovens temerosos,
podemos dizer que a ansiedade diante do futuro pode ser vencida”.9
Que podemos ensinar-lhes? “Aos jovens preocupados demais consigo
mesmos, podemos ensinar que se experimenta maior alegria em dar

6
FRANCISCO e amigos. A sabedoria das idades. São Paulo: Loyola, 2018.
7
Ibidem, 12.
8
Ibidem, 13.
9
Idem.

178
do que em receber, e que o amor não se demonstra apenas por pala-
vras, mas também com obras”.10

Arriscar juntos
198. O amor que se dá e que age, tantas vezes se equivoca. Aquele
que atua, que arrisca, talvez cometa erros. Aqui, neste momento,
pode ser interessante trazer o testemunho de María Gabriela Perin,
órfã de pai desde recém-nascida, que reflete como isso influenciou
sua vida em uma relação que não durou, mas que a fez mãe e agora
avó: “O que eu sei é que Deus cria histórias. Em sua genialidade e
misericórdia, Ele leva nossos sucessos e fracassos e tece belas tapeça-
rias que estão cheias de ironia. O reverso do tecido pode parecer de-
sordenado com seus fios emaranhados – os acontecimentos de nossa
vida – e talvez seja esse lado com o qual ficamos obcecados quando
temos dúvidas. Sem dúvida, o lado bom da tapeçaria mostra uma
história magnífica, e esse é o lado que Deus vê”.11 Quando as pessoas
mais velhas olham atentamente a vida, geralmente sabem, de modo
instintivo, o que está por trás dos fios emaranhados e reconhecem o
que Deus faz criativamente, mesmo com nossos erros.
199. Se caminhamos juntos, jovens e anciãos, poderemos estar bem
enraizados no presente e, a partir daqui, frequentar o passado e o
futuro: frequentar o passado para aprender com a história e curar as
feridas que, às vezes, nos condicionam; frequentar o futuro, para ali-
mentar o entusiasmo, fazer germinar sonhos, suscitar profecias, fazer
florescer esperanças. Desse modo, unidos, poderemos aprender uns
com os outros, acalentar corações, inspirar nossas mentes com a luz
do Evangelho e dar nova força à nossas mãos.
200. As raízes não são âncoras que nos atam a outras épocas e nos
impedem de nos encarnarmos no mundo atual para fazer algo novo.
São, ao contrário, um ponto de apoio que nos permite desenvolver

10
Idem.
11
Ibidem, 162-163.

179
e responder aos novos desafios. Serve, tampouco, “que nos sentemos
a remoer tempos passados; temos que assumir com realismo e amor
nossa cultura e enchê-la com o Evangelho. Somos enviados hoje para
anunciar a Boa Notícia de Jesus aos novos tempos. Temos de amar
nosso tempo com suas possibilidades e riscos, com suas alegrias e do-
res, com suas riquezas e seus limites, com seus acertos e seus erros”.12
201. No Sínodo, um dos jovens auditores, proveniente das ilhas
Samoa, disse que a Igreja é uma canoa, na qual os velhos ajudam a
manter a direção, interpretando a posição das estrelas, e os jovens
remam com força, imaginando o que os espera mais além. Não nos
deixemos levar nem pelos jovens que pensam que os adultos são
um passado que já não conta, que já caducou, nem pelos adultos
que acreditam saber sempre como os jovens devem se comportar.
Melhor, subamos todos na mesma canoa e juntos busquemos um
mundo melhor, sob o impulso sempre novo do Espírito Santo.

12
PIRONIO, Eduardo. Mensagem aos jovens argentinos no Encontro Nacional da Juven-
tude em Córdoba (12-15 de setembro de 1985), 2.

180
CAPÍTULO VII

A PASTORAL DOS JOVENS

202. A Pastoral Juvenil, tal como estávamos acostumados a levá-


-la adiante, sofreu o embate das mudanças sociais e culturais. Os
jovens, nas estruturas atuais, muitas vezes não encontram respos-
tas para suas inquietações, necessidades, problemáticas e feridas. A
proliferação e o crescimento de associações e movimentos com ca-
racterísticas predominantemente juvenis podem ser interpretados
como uma ação do Espírito que abre caminhos novos. Torna-se ne-
cessário, no entanto, aprofundar a participação desses na pastoral
de conjunto da Igreja, bem como em uma maior comunhão entre
eles em uma melhor coordenação da ação. Embora nem sempre
seja fácil aproximar-se dos jovens, há um crescimento da nossa par-
te em dois aspectos: a consciência de que é toda a comunidade que
os evangeliza e a urgência de que eles tenham um protagonismo
maior nas propostas pastorais.

Uma pastoral sinodal


203. Quero enfatizar que os próprios jovens são agentes da Pasto-
ral Juvenil, acompanhados e orientados, porém livres para encontrar
novos caminhos com criatividade e audácia. Portanto, seria inútil
ficar aqui propondo algum tipo de manual de Pastoral Juvenil ou um
guia prático de pastoral. Trata-se mais de colocar em jogo a astúcia,
a engenhosidade e o conhecimento que os próprios jovens têm da
sensibilidade, da linguagem e dos problemas dos outros jovens.

181
204. Eles nos fazem ver a necessidade de assumir novos estilos e
novas estratégias. Por exemplo, enquanto os adultos geralmente se
preocupam em ter tudo planejado, com reuniões regulares e horá-
rios fixos, hoje a maioria dos jovens dificilmente se sente atraída por
esses esquemas pastorais. A Pastoral Juvenil precisa adquirir outra
flexibilidade e chamar jovens a eventos que, de vez em quando, lhes
ofereça um lugar onde não só recebam formação, mas que também
lhes permita compartilhar a vida, celebrar, cantar, ouvir testemunhos
reais e experimentar o encontro comunitário com o Deus vivo.
205. Por outro lado, seria muito desejável reunir ainda mais as boas
práticas: as metodologias, as linguagens, as motivações que têm sido
realmente atraentes para aproximar os jovens de Cristo e da Igreja.
Não importa de que cor sejam, se são “conservadores ou progressis-
tas”, se são de “direita ou esquerda”, o importante é que recolhamos
tudo o que deu bons resultados e seja eficaz para comunicar a alegria
do Evangelho.
206. A Pastoral Juvenil só pode ser sinodal, isto é, formando um “ca-
minhar juntos”, o que implica uma “valorização dos carismas que o
Espírito concede, de acordo com a vocação e o papel de cada um dos
membros [da Igreja], através de um dinamismo de corresponsabili-
dade [...]. Animados por esse espírito, podemos nos encaminhar para
uma Igreja participativa e corresponsável, capaz de valorizar a riqueza
da variedade que a compõe, que acolha com gratidão a contribuição
dos fiéis leigos, incluindo jovens e mulheres, a contribuição da vida
consagrada masculina e feminina, dos grupos, das associações e dos
movimentos. Ninguém deve ser colocado ou colocar-se de lado”.1
207. Dessa forma, aprendendo uns com os outros, poderemos ser
reflexo melhor desse poliedro maravilhoso que deve ser a Igreja de
Jesus Cristo. Ela pode atrair os jovens precisamente porque não é
uma unidade monolítica, mas uma rede de dons variados que o

1
DF, 123.

182
Espírito derrama incessantemente nela, tornando-a sempre nova,
apesar de suas misérias.
208. No Sínodo, apareceram muitas propostas concretas orientadas
a renovar a Pastoral Juvenil e a libertá-la de esquemas que já não
são eficazes porque não entram em diálogo com a cultura atual dos
jovens. Compreende-se que eu não poderia recolher todas aqui, e al-
gumas delas podem ser encontradas no Documento Final do Sínodo.

Grandes linhas de ação


209. Gostaria apenas de destacar brevemente que a Pastoral Juvenil
envolve duas grandes linhas de ação. Uma é a busca, a convocatória,
o chamado que atrai novos jovens para a experiência do Senhor. A
outra é o crescimento, o desenvolvimento de um caminho de matu-
ração dos que já viveram essa experiência.
210. Com relação à primeira, a busca, confio na capacidade dos
próprios jovens, que sabem encontrar os caminhos atraentes para
convocar. Sabem organizar festivais, competições esportivas e, in-
clusive, nas redes sociais, com mensagens, canções, vídeos e outras
iniciativas. Apenas é preciso estimular os jovens e dar-lhes liberdade
para que se entusiasmem com a missão nos ambientes juvenis. O
primeiro anúncio pode despertar uma profunda experiência de fé em
meio a um “retiro de impacto”, em uma conversa em um bar, em um
intervalo da faculdade, ou por qualquer dos insondáveis caminhos de
Deus, porém o mais importante é que cada jovem se atreva a semear
o primeiro anúncio nessa terra fértil que é o coração de outro jovem.
211. Nessa busca, devemos privilegiar a linguagem da proximida-
de, a linguagem do amor desinteressado, relacional e existencial que
toca o coração, a vida, desperta esperança e desejos. É necessário
aproximar-se dos jovens com a gramática do amor, não com o pro-
selitismo. A linguagem que o jovem entende é a daqueles que dão
a vida, de quem está ali por eles e para eles, e daqueles que, apesar
de suas limitações e fraquezas, tratam de viver sua fé com coerência.

183
Ao mesmo tempo, ainda temos que buscar com maior sensibilidade
como encarnar o kerygma na linguagem que falam os jovens de hoje.
212. No que diz respeito ao crescimento, quero fazer uma impor-
tante advertência. Em alguns lugares ocorre que, depois de ter pro-
vocado nos jovens uma intensa experiência com Deus, um encontro
com Jesus que tocou seus corações, depois, somente lhes são ofereci-
dos encontros de “formação” em que são abordadas apenas questões
doutrinais e morais: sobre os males do mundo atual, sobre a Igreja,
sobre a Doutrina Social, sobre castidade, sobre o casamento, sobre
controle de natalidade e sobre outros temas. O resultado é que mui-
tos jovens ficam aborrecidos, perdem o fogo do encontro com Cristo
e a alegria de segui-lo; muitos abandonam a caminhada e outros se
tornam tristes e negativos. Vamos acalmar a obsessão de transmitir
um acúmulo de conteúdos doutrinais e, antes de tudo, tratemos de
suscitar e enraizar as grandes experiências que sustentam a vida cris-
tã. Como dizia Romano Guardini: “Na experiência de um grande
amor [...] tudo o que acontece se torna um acontecimento dentro
de seu âmbito”.2
213. Qualquer projeto formativo, qualquer caminho de crescimento
para os jovens, deve incluir certamente uma formação doutrinal e
moral. É igualmente importante que esteja centrado em dois grandes
eixos: um é o aprofundamento do kerygma, a experiência fundante
do encontro com Deus através de Cristo morto e ressuscitado. O
outro é o crescimento no amor fraterno, na vida comunitária, no
serviço.
214. Insisti muito nisso na Exortação Evangelii Gaudium e creio que
é oportuno recordar. Por uma parte, seria um grave erro pensar que na
Pastoral Juvenil “o querigma é deixado de lado em favor de uma forma-
ção supostamente mais ‘sólida’. Nada há de mais sólido, mais profun-
do, mais seguro, mais consistente e mais sábio que esse anúncio. Toda
a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma
2
GUARDINI, Romano. A essência do cristianismo. Madri: Cristiandad, 2002, 17.

184
que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne” (EG, n. 165). Por-
tanto, a Pastoral Juvenil deve sempre incluir momentos que ajudem a
renovar e aprofundar a experiência pessoal do amor de Deus e de Jesus
Cristo vivo. Assim o fará com diversos recursos: testemunhos, canções,
momentos de adoração, espaços de reflexão espiritual com a Sagrada
Escritura e, inclusive, com vários estímulos através das redes sociais.
Porém, jamais deve substituir-se esta alegre experiência de encontro
com o Senhor por uma espécie de “doutrinação”.
215. Por outro lado, qualquer plano da Pastoral Juvenil deve incor-
porar claramente meios e recursos variados para ajudar os jovens a
crescer na fraternidade, e viver como irmãos, a ajudar uns aos outros,
a criar comunidade, a servir os outros, e estar próximos dos pobres.
Se o amor fraterno é o “novo mandamento” (Jo 13,34), se é “a ple-
nitude da Lei” (Rm 13,10), se é o que melhor manifesta nosso amor
a Deus, então deve ocupar um lugar relevante em qualquer plano de
formação e crescimento dos jovens.

Ambientes adequados
216. Em todas as nossas instituições precisamos desenvolver e po-
tencializar muito mais nossa capacidade de acolhida cordial, porque
muitos dos jovens que chegam o fazem em uma profunda situação de
orfandade. E não me refiro a certos conflitos familiares, mas a uma
experiência que atinge igualmente as crianças, os jovens e os adultos, as
mães, os pais e os filhos. Para tantos órfãos e órfãs, nossos contemporâ-
neos – talvez para nós mesmos –, as comunidades como a paróquia e
a escola deveriam oferecer caminhos de amor gratuito e promoção de
formação e crescimento. Muitos jovens se sentem hoje filhos do fracas-
so, porque os sonhos de seus pais e avós foram queimados na fogueira
da injustiça, da violência social, do salve-se quem puder. Quanto de-
senraizamento! Sim, os jovens cresceram em um mundo de cinzas, não
é fácil que possam sustentar o fogo de grandes ilusões e projetos. Se
cresceram em um deserto vazio de sentido, como poderão ter vontade
de semear? A experiência de descontinuidade, de desenraizamento e a

185
queda das certezas básicas, fomentadas na cultura midiática de hoje,
provocam essa sensação de profunda orfandade, à qual devemos res-
ponder criando espaços fraternos e atraentes, onde se viva com um
sentido.
217. Criar “um lar”, em suma, “é criar uma família; é aprender a sen-
tir-se unidos aos outros, além dos vínculos utilitários ou funcionais,
unidos de tal maneira que sintamos a vida um pouco mais huma-
na. Criar lares, ‘casas de comunhão’, é permitir que a profecia tome
forma e torne as nossas horas e nossos dias menos inóspitos, menos
indiferentes e anônimos. É tecer laços que se constroem com gestos
simples, cotidianos e que todos nós podemos realizar. Um lar, todos
o sabemos muito bem, precisa da cooperação de todos. Ninguém
pode ser indiferente ou alheio, já que cada um é pedra necessária em
sua construção. E isso implica pedir ao Senhor que nos dê a graça
de aprender a termos paciência, de aprender a perdoar a si mesmo;
aprender a recomeçar todos os dias. E quantas vezes perdoar ou co-
meçar de novo? Setenta vezes sete, todas as vezes em que for necessá-
rio. Criar laços fortes exige a confiança que se alimenta todos os dias
de paciência e perdão. E assim se produz o milagre de experimentar
que aqui se nasce de novo, aqui todos nós nascemos de novo porque
sentimos eficaz a carícia de Deus que nos permite sonhar o mundo
mais humano e, portanto, mais divino”.3
218. Nesse contexto, em nossas instituições, precisamos oferecer
aos jovens lugares apropriados que eles possam organizar a seu gos-
to, e onde possam entrar e sair livremente, lugares que os acolham e
onde eles possam se aproximar, espontaneamente e com confiança,
ao encontro de outros jovens, tanto em momentos de sofrimento e
de tristeza, como quando desejam celebrar suas alegrias. Algo nesse
sentido conseguiram alguns Oratórios e outros centros de juventu-
de que, em muitos casos, são o ambiente de amizades e namoros,

3
FRANCISCO. Discurso na visita ao Lar do Bom Samaritano no Panamá (27 Janeiro
de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol (1º de fevereiro de 2019), p. 16.

186
de reencontros, onde podem compartilhar a música, a recreação, o
esporte, e também a reflexão e a oração com pequenos subsídios e
diversas propostas. Dessa maneira, abre-se passagem para esse indis-
pensável anúncio pessoa a pessoa que não pode ser substituído por
nenhum recurso, nem estratégia pastoral.
219. “A amizade e os relacionamentos, muitas vezes, também em
grupos mais ou menos estruturados, oferecem a oportunidade de
fortalecer as competências sociais e relacionais em um contexto em
que não se avalia e se julga a pessoa. A experiência de grupo cons-
titui, por sua vez, um recurso para compartilhar a fé e ajudar-se
mutuamente no testemunho. Os jovens são capazes de guiar outros
jovens a viver um verdadeiro apostolado entre seus amigos”.4
220. Isso não significa que se isolem e percam todo contato com as
comunidades de paróquias, movimentos e outras instituições ecle-
siais. Mas eles se integrarão melhor em comunidades abertas, vivas
na fé, desejosas de irradiar Jesus Cristo, alegres, livres, fraternas e
comprometidas. Essas comunidades podem ser os canais onde eles
sentem que é possível cultivar relações preciosas.

A pastoral das instituições educativas


221. A escola é, sem dúvida, uma plataforma para aproximar-se
das crianças e dos jovens. É um lugar privilegiado para a promoção
da pessoa e, por isso, a comunidade cristã tem lhe dedicado grande
atenção, seja formando docentes e dirigentes, como também insti-
tuindo escolas próprias, de todo tipo e grau. Nesse campo, o Espírito
suscitou inúmeros carismas e testemunhos de santidade. No entanto,
a escola necessita de uma urgente autocrítica, considerando os re-
sultados da pastoral de muitas instituições educativas, uma pastoral
concentrada na instrução religiosa que é, muitas vezes, incapaz de
provocar experiências duradouras de fé. Além disso, há alguns colé-
gios católicos que parecem estar organizados apenas para a preserva-
4
DF, 36.

187
ção. A fobia à mudança faz com que não possam tolerar a incerteza e
recuam diante dos perigos, reais ou imaginários, que toda mudança
traz consigo. A escola convertida em um “bunker” que protege dos
erros “de fora” é a expressão caricaturada dessa tendência. Essa ima-
gem reflete um modo chocante do que muitíssimos jovens experi-
mentam ao se formar em alguns estabelecimentos educacionais: uma
grande inadequação entre o que lhes ensinaram e o mundo em que
vivem. As propostas religiosas e morais que receberam não os prepa-
raram para confrontá-las com um mundo que as ridiculariza, e não
aprenderam maneiras de rezar e viver a fé que possam ser facilmente
sustentadas em meio ao ritmo dessa sociedade. Na verdade, uma das
maiores alegrias de um educador acontece quando pode ver um alu-
no tornar-se pessoa forte, integrada, protagonista e capaz de doar.
222. A escola católica continua a ser essencial como espaço de evan-
gelização dos jovens. É importante ter em conta alguns critérios ins-
piradores assinalados na Veritatis Gaudium, em vista a uma renova-
ção e relançamento de escolas e universidades “em saída” missionária,
tais como: a experiência do kerygma, o diálogo em todos os níveis, a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, o fomento da cultura
do encontro, a necessidade urgente de “criar redes” e a opção pelos
últimos, por aqueles que a sociedade descarta e exclui (VG, n. 4).5
Também a capacidade de integrar os saberes da cabeça, do coração
e das mãos.
223. Por outro lado, não podemos separar a formação espiritual da
formação cultural. A Igreja sempre quis desenvolver em prol dos jo-
vens espaços para a melhor cultura. Não se deve desistir de fazê-lo,
porque os jovens têm direito a isso. E “hoje em dia, acima de tudo,
o direito à cultura significa proteger a sabedoria, isto é, um saber hu-
mano e que humaniza. Com demasiada frequência somos condicio-
nados por modelos de vida triviais e efêmeros, que forçam a buscar

5
FRANCISCO. Constituição Apostólica Veritatis Gaudium: sobre as Universidades e as
Faculdades Eclesiásticas. Documentos Pontifícios 32. Brasília: Edições CNBB, 2018.

188
o êxito a baixo custo, desacreditando o sacrifício, inculcando a ideia
de que o estudo não é necessário se não dá imediatamente algo con-
creto. Não, o estudo serve para fazer perguntas, não ser anestesiado
pela banalidade, para buscar sentido na vida. Deve-se reivindicar o
direito a que não prevaleçam as muitas sereias que hoje distraem des-
sa busca. Ulysses, para não ceder ao canto das sereias, que seduziam
os marinheiros e os faziam espatifar-se contra as rochas, se amarrou
ao mastro do navio e cobriu os ouvidos de seus companheiros de via-
gem. Por outro lado, Orfeu, para contrastar a música das sereias, fez
outra coisa: ele entoou uma melodia mais bonita, que encantou as
sereias. Esta é a sua grande tarefa: responder aos refrões paralisantes
do consumismo cultural com opções dinâmicas e fortes, com pesqui-
sa, conhecimento e partilha”.6

Diferentes âmbitos
para desenvolvimentos pastorais
224. Muitos jovens são capazes de aprender a gostar do silêncio e
da intimidade com Deus. Os grupos que se reúnem para adorar o
Santíssimo e rezar com a Palavra de Deus também cresceram. Não
se devem subestimar os jovens como se fossem incapazes de se abrir
para propostas contemplativas. Só é preciso encontrar os estilos e as
modalidades apropriadas para ajudá-los a se iniciarem nessa expe-
riência de tão alto valor. A respeito dos âmbitos de culto e oração,
“em diversos contextos, os jovens católicos pedem propostas de ora-
ção e momentos sacramentais que incluam a sua vida cotidiana em
uma liturgia nova, autêntica e alegre”.7 É importante aproveitar os
momentos mais fortes do ano litúrgico, particularmente a Semana
Santa, o Pentecostes e o Natal. Eles também se aproveitam de outros
encontros festivos, que quebram a rotina e que ajudam a experimen-
tar a alegria da fé.

6
FRANCISCO. Discurso no encontro com os alunos e o mundo acadêmico na Praça San
Domenico em Bolonha (1º de outubro de 2017): AAS 109 (2017), 1115.
7
DF, 51.

189
225. Uma oportunidade única para o crescimento e também de
abertura ao dom divino da fé e da caridade é o serviço: muitos jovens
se sentem atraídos pela possibilidade de ajudar os outros, especial-
mente as crianças e os pobres. Muitas vezes, esse serviço é o primeiro
passo para descobrir ou redescobrir a vida cristã e eclesial. Muitos
jovens se cansam de nossos itinerários de formação doutrinal, e até
mesmo espiritual, e, às vezes, reivindicam a possibilidade de ser mais
protagonistas em atividades que façam algo pelo povo.
226. Não podemos esquecer as expressões artísticas, como o tea-
tro, a pintura etc. “Muito peculiar é a importância da música, que
representa um verdadeiro ambiente no qual os jovens estão constan-
temente imersos, assim como uma cultura e uma linguagem capazes
de suscitar emoções e de plasmar a identidade. A linguagem musical
representa também um recurso pastoral, que desafia particularmente
a liturgia e sua renovação”.8 O canto pode ser um grande estímulo
para a caminhada dos jovens. Santo Agostinho dizia: “Canta, mas ca-
minha; alivia com cantar o teu trabalho, não ames a preguiça: canta
e caminha [...]. Tu, se avanças, caminhas; porém avança no bem, na
reta fé, nas boas obras: canta e caminha”.9
227. “É igualmente significativa a relevância que tem entre os jovens
a prática esportiva, cujas potencialidades em chave educacional e for-
mativa a Igreja não deve subestimar, mas manter uma presença sólida
neste campo. O mundo dos esportes precisa ser ajudado a superar as
ambiguidades que o atingiu, como a mitificação de campeões, a sub-
missão à lógica comercial e à ideologia do sucesso a todo custo”.10 Na
base da experiência esportiva está a “alegria: a alegria de movimen-
tar-se, a alegria de estar juntos, a alegria pela vida e pelos dons que o
Criador nos dá a cada dia”.11 Por outro lado, alguns Padres da Igreja

8
Ibidem, 47.
9
SANTO AGOSTINHO. Sermo 256, 3: PL 38, 1193.
10
DF, 47.
11
Discurso para uma delegação da “Special Olympics International” (16 de fevereiro de
2017): L’Osservatore Romano (17 de fevereiro de 2017), p. 8.

190
tomaram o exemplo das práticas esportivas para convidar os jovens
a crescer na fortaleza e dominar a sonolência ou o comodismo. São
Basílio Magno, dirigindo-se aos jovens, apoiava-se no exemplo do
esforço exigido pelo esporte, inculcava a capacidade de sacrificar-se
para crescer nas virtudes: “Depois de se ter exigido muitos sacrifícios
para aumentar a sua força física com todos os meios, suando nos
exercícios fatigantes de ginástica [...] e, para ser breve, depois de ter
feito de tal modo que o tempo que precede a grande prova não seja
mais que uma preparação para a mesma [...] (vocês) investem todos
os seus recursos físicos e psíquicos simplesmente para ganhar uma
coroa [...] E nós, sabendo que, na outra vida, nos aguardam prêmios
tão extraordinários que nenhuma língua pode descrever dignamente,
pensamos talvez de poder alcançá-los passando a vida entre comodi-
dades e na passividade?”.12
228. Em muitos adolescentes e jovens desperta atração especial o
contato com a criação, e são sensíveis ao cuidado do meio ambiente,
como ocorre com os escoteiros e com outros grupos que organizam
jornadas de contato com a natureza, acampamentos, caminhadas,
expedições e campanhas ambientais. No espírito de São Francisco
de Assis, são experiências que podem significar um caminho para se
iniciar na escola da fraternidade universal e na oração contemplativa.
229. Estas e outras diversas possibilidades que se abrem à evangeliza-
ção dos jovens não devem nos fazer esquecer que, além das mudanças
da história e da sensibilidade dos jovens, há presentes de Deus que
são sempre atuais, que contêm uma força que transcende todas as
épocas e todas as circunstâncias: a Palavra do Senhor sempre viva e
eficaz, a presença de Cristo na Eucaristia que nos alimenta, e o Sa-
cramento do perdão que nos liberta e fortalece. Também podemos
mencionar a inesgotável riqueza espiritual que conserva a Igreja no
testemunho de seus santos e no ensino dos grandes mestres espiri-
tuais. Embora tenhamos que respeitar diferentes etapas e, às vezes,
12
SÃO BASÍLIO MAGNO. Carta aos jovens, VIII, 11-12: PG 31, 580.

191
precisemos esperar com paciência o momento justo, não podemos
deixar de convidar os jovens a estas fontes de vida nova, não temos o
direito de privá-los de tanto bem.

Uma Pastoral Juvenil Popular


230. Além da pastoral habitual, que realizam as paróquias e os movi-
mentos, de acordo com determinados esquemas, é muito importante
dar lugar a uma “Pastoral Juvenil Popular”, que tem outro estilo,
outros tempos, outro ritmo, outra metodologia. Consiste em uma
pastoral mais ampla e mais flexível que estimule, nos distintos luga-
res onde concretamente circulam os jovens, essas lideranças naturais
e esses carismas que o Espírito Santo já semeou entre eles. Trata-se,
antes de tudo, de não colocar tantos obstáculos, normas, controles e
estruturas obrigatórias a esses jovens fiéis que são líderes naturais nos
bairros e em diferentes ambientes. Somente se há de acompanhá-los
e encorajá-los, confiando um pouco mais na genialidade do Espírito
Santo que age como quer.
231. Estamos falando de líderes realmente “populares”, não elitis-
tas ou fechados em pequenos grupos seletos. Para que sejam capazes
de gerar uma pastoral popular no mundo dos jovens, é preciso que
“aprendam a escutar o sentir do povo, para se tornar seus porta-vozes
e trabalhar por sua promoção”.13 Quando falamos de “povo”, não se
deve entender as estruturas da sociedade ou da Igreja, mas o conjun-
to de pessoas que não caminham como indivíduos, mas como rede
de uma comunidade de todos e para todos, que não pode deixar que
os pobres e os mais fracos fiquem para trás: “O povo deseja que todos
participem dos bens comuns e por isso aceita adaptar-se ao passo
dos últimos para chegar todos juntos”.14 Os líderes populares, então,
são aqueles que têm a capacidade de incorporar todos, incluindo na
marcha juvenil os mais pobres, fracos, limitados e feridos. Não têm
nojo, nem medo dos jovens feridos e crucificados.
13
Conferência Episcopal da Argentina. Declaração de San Miguel, Buenos Aires 1969, X, 1.
14
TELLO, Rafael. A Nova Evangelização, Volume II (Anexos I e II), Buenos Aires, 2013, 111.

192
232. Nessa linha, especialmente com jovens que não cresceram em
famílias ou instituições cristãs, e estão em um caminho de maturação
lenta, temos que estimular o “bem possível” (EG, n. 44-45). Cristo
nos advertiu de que não devemos pretender que tudo seja apenas trigo
(Mt 13,24-30). Às vezes, por pretender uma Pastoral Juvenil assépti-
ca, pura e marcada por ideias abstratas, longe do mundo e preservada
de toda mancha, transformamos o Evangelho em uma oferta insípi-
da, incompreensível e distante, separada das culturas juvenis e apta
apenas para uma elite cristã jovem que se sente diferente, mas que na
realidade flutua em um isolamento sem vida, nem fecundidade. As-
sim, com as ervas daninhas que rejeitamos, arrancamos ou sufocamos
milhares de brotos que tentam crescer em meio às limitações.
233. Em vez de “sufocá-los com um conjunto de regras que dão
uma imagem estreita e moralista do Cristianismo, somos chama-
dos para intervir em sua audácia e a educá-los a assumir as suas
responsabilidades, com a certeza de que mesmo o erro, o fracasso
e as crises são experiências que podem fortalecer a sua humani-
dade”.15
234. No Sínodo, exortou-se a construir uma Pastoral Juvenil capaz
de criar espaços inclusivos, onde haja lugar para todos os tipos de
jovens e onde realmente se manifeste que somos uma Igreja de portas
abertas. Nem é necessário que alguém assuma completamente todos
os ensinamentos da Igreja para que possa participar de algum dos
nossos espaços para jovens. Basta uma atitude aberta para todos os
que têm o desejo e a disposição de se deixar encontrar pela verdade
revelada por Deus. Algumas propostas pastorais podem supor um
caminho já percorrido na fé, mas precisamos de uma Pastoral Juvenil
Popular que abra portas e ofereça espaço para todos e para cada um
com suas dúvidas, seus traumas, seus problemas e sua busca de iden-
tidade, seus erros, sua história, suas experiências do pecado e todas
as suas dificuldades.

15
DF, 70.

193
235. Também deve haver espaço para “todos aqueles que têm outras
visões da vida, professam outros credos ou se declaram alheios ao hori-
zonte religioso. Todos os jovens, sem exclusão, estão no coração de Deus
e, portanto, no coração da Igreja. Nós francamente reconhecemos que
nem sempre esta afirmação que ressoa em nossos lábios encontrou uma
expressão real em nossa ação pastoral: muitas vezes ficamos fechados em
nossos ambientes, onde sua voz não alcança, ou nos dedicamos a ati-
vidades menos exigentes e mais gratificantes, sufocando essa saudável
inquietação pastoral que nos faz sair de nossas supostas seguranças. No
entanto, o Evangelho nos pede para ser ousados, e queremos sê-lo, sem
presunção e sem proselitismo, dando testemunho do amor do Senhor e
estendendo a mão a todos os jovens do mundo”.16
236. A Pastoral Juvenil, quando deixa de ser elitista e aceita ser
“popular”, é um processo lento, respeitoso, paciente, esperançoso,
incansável, compassivo. No Sínodo, propôs-se o exemplo dos discí-
pulos de Emaús (Lc 24,13-35), que também pode ser um modelo do
que acontece na Pastoral Juvenil.
237. “Jesus caminha com os dois discípulos que não entenderam o
significado do que aconteceu e estão se afastando de Jerusalém e da
comunidade. Para estar em sua companhia, percorre o caminho com
eles. Ele os interroga e se coloca a escutar sua versão dos fatos, a fim
de ajudá-los a reconhecer o que estão vivendo. Depois, com carinho
e energia, anuncia-lhes a Palavra, guiando-os a interpretar, à luz das
Escrituras, os acontecimentos que viveram. Aceita o convite para fi-
car com eles ao entardecer: entra na noite deles. Na escuta, seu cora-
ção é confortado e sua mente se ilumina; ao partir o pão, seus olhos
se abrem. Eles mesmos decidem empreender sem demora o caminho
na direção oposta, para retornar à comunidade e compartilhar a ex-
periência do encontro com Jesus ressuscitado”.17
238. As diversas manifestações da piedade popular, especialmente
peregrinações, atraem os jovens que geralmente não se inserem fa-
16
Ibidem, 117.
17
Ibidem, 4.

194
cilmente nas estruturas eclesiais, e são uma expressão concreta da
confiança em Deus. Essas formas de busca de Deus, particularmente
presentes entre os mais pobres, mas também nos demais setores da
sociedade, não devem ser desprezadas, mas encorajadas e estimula-
das. Porque a piedade popular “é uma maneira legítima de viver a fé”
(EG, n. 124) e é “expressão da atividade missionária espontânea do
povo de Deus” (EG, n. 122).

Sempre missionários
239. Quero lembrar que não é necessário percorrer um longo caminho
para que os jovens sejam missionários. Mesmo os mais frágeis, limitados
e feridos, podem sê-lo à sua maneira, porque sempre há de se permitir
que o bem se comunique, mesmo que conviva com muitas fragilidades.
Um jovem que vai a uma peregrinação para pedir ajuda à Mãe Maria, e
convida um amigo ou companheiro para acompanhá-lo, com esse sim-
ples gesto está realizando uma valiosa ação missionária. Junto à Pastoral
Juvenil Popular existe, inseparavelmente, uma missão popular, incontro-
lável, que quebra todos os esquemas eclesiásticos. Vamos acompanhá-la,
encorajá-la, porém não pretendamos regulá-la demais.
240. Se sabemos escutar o que nos diz o Espírito, não podemos ig-
norar que a Pastoral Juvenil deve sempre ser uma pastoral missioná-
ria. Os jovens se enriquecem muito quando superam a timidez e se
atrevem a visitar casas e, dessa forma, tomam contato com a vida do
povo, aprendem a olhar mais além de sua família e seu grupo, come-
çam a entender a vida de uma forma mais ampla. Ao mesmo tempo,
sua fé e seu sentido de pertença à Igreja se fortalecem. As missões
juvenis, que geralmente se organizam durante as férias, após um pe-
ríodo de preparação, podem causar uma renovação da experiência da
fé e até propostas vocacionais sérias.
241. Mas os jovens são capazes de criar novas formas de missão, nos
mais diversos campos. Por exemplo, uma vez que eles se movem tão
bem em redes sociais, é preciso envolvê-los para que as encham de
Deus, de fraternidade, de compromisso.

195
Admissão de adultos
242. Os jovens precisam ser respeitados na sua liberdade, mas também
precisam ser acompanhados. A família deveria ser o primeiro espaço
de acompanhamento. A Pastoral Juvenil propõe um projeto de vida
baseado em Cristo: a construção de uma casa, de uma família constru-
ída sobre a rocha (Mt 7,24-25). Para a maioria deles, essa família, esse
projeto se concretizará no casamento e na caridade conjugal. Por isso,
é necessário que a Pastoral Juvenil e a Pastoral Familiar tenham uma
continuidade natural, trabalhando de maneira coordenada e integrada
para acompanhar adequadamente o processo vocacional.
243. A comunidade desempenha um papel muito importante no
acompanhamento dos jovens, e toda a comunidade deveria se sentir
responsável por acolhê-los, motivá-los, encorajá-los e estimulá-los.
Isso implica que se olhe para os jovens com compreensão, valorização
e carinho, e não sejam julgados, continuamente, ou lhes seja exigida
uma perfeição que não corresponde à sua idade.
244. No Sínodo, “muitos apontaram a carência de pessoas especiali-
zadas e dedicadas ao acompanhamento. Acreditar no valor teológico
e pastoral da escuta envolve uma reflexão para renovar as formas com
as quais é habitualmente exercido o ministério presbiteral e rever
suas prioridades. Além disso, o Sínodo reconhece a necessidade de
preparar consagrados e leigos, homens e mulheres, qualificados para
o acompanhamento dos jovens. O carisma da escuta que o Espírito
Santo suscita nas comunidades também poderia receber uma forma
de reconhecimento institucional para o serviço eclesial”.18
245. Além disso, é necessário acompanhar especialmente os jovens
que estão emergindo como potenciais líderes para serem formados
e preparados. Os jovens que se reuniram antes do Sínodo pediram
que se desenvolvam “programas de liderança juvenil para a forma-
ção e desenvolvimento contínuo de jovens líderes. Algumas jovens

18
DF, 9.

196
sentem falta de figuras femininas de referência dentro da Igreja para
a qual desejam elas também contribuir com seus dons intelectuais e
profissionais. Também acreditamos ainda que seminaristas e religio-
sos deveriam ser mais capacitados para acompanhar os jovens que
desempenham tais responsabilidades”.19
246. Os mesmos jovens nos descreveram quais são as características
que eles esperam encontrar em quem os acompanha, e expressaram
muito claramente: “As qualidades do acompanhador incluem: ser
um autêntico cristão comprometido com a Igreja e com o mun-
do; que busque constantemente a santidade; que compreenda sem
julgar; que escute ativamente as necessidades dos jovens e respon-
da com gentileza; que seja bondoso e consciente de si mesmo; que
reconheça seus limites e que conheça a alegria e o sofrimento que
todo caminho espiritual implica. Uma característica especialmen-
te importante em um acompanhador é o reconhecimento de sua
própria humanidade. Que são seres humanos que cometem erros:
pessoas imperfeitas, que se reconhecem como pecadores perdoa-
dos. Às vezes, os acompanhadores são colocados em um pedestal
e, portanto, quando caem, provocam um impacto devastador sobre
a capacidade dos jovens para envolverem-se na Igreja. Os acompa-
nhadores não deveriam levar os jovens a serem seguidores passivos,
mas sim a andar ao seu lado, deixando-os ser protagonistas do seu
próprio caminho. Devem respeitar a liberdade que o jovem tem em
seu processo de discernimento e oferecer-lhe ferramentas para fazer
o melhor. Um acompanhador deve estar profundamente convicto
da capacidade de um jovem participar na vida da Igreja. Portanto,
um acompanhador deve plantar simplesmente a semente da fé nos
jovens, sem querer ver imediatamente os frutos do trabalho do Es-
pírito Santo. O papel de acompanhador não é, nem pode ser exclu-
sivo dos presbíteros e dos consagrados, mas os leigos também devem

19
Documento da reunião pré-sinodal para a preparação do XV Assembleia Geral Ordiná-
ria do Sínodo dos Bispos (24 de março de 2018), 12.

197
poder exercê-lo. Por último, todos esses acompanhadores deveriam
beneficiar-se de uma boa formação permanente”.20
247. Sem dúvida, as instituições educacionais da Igreja são um am-
biente comunitário de acompanhamento que permite guiar muitos
jovens, sobretudo quando “eles tentam acolher todos os jovens, in-
dependentemente das suas opções religiosas, origem cultural e situa-
ção pessoal, familiar ou social. Desse modo, a Igreja dá uma con-
tribuição fundamental para a educação integral dos jovens nas mais
diversas partes do mundo”.21 Reduziriam indevidamente sua função
se estabelecessem critérios rígidos para a entrada de estudantes ou
para sua permanência neles, porque eles privariam muitos jovens de
um acompanhamento que os ajuda a enriquecer sua vida.

20
Ibidem, 10.
21
DF, 15.

198
CAPÍTULO VIII

A VOCAÇÃO

248. É verdade que a palavra “vocação” pode ser entendida em um


sentido amplo, como o de Deus. Inclui o chamado à vida, o cha-
mado à amizade com Ele, o chamado à santidade etc. Isso é valioso,
porque situa toda a nossa vida diante de Deus, que nos ama, e nos
permite entender que nada é fruto de um caos sem sentido, mas tudo
pode ser integrado em um caminho de resposta ao Senhor, que tem
um projeto estupendo para nós.
249. Na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, quis debruçar-
-me sobre a vocação de todos no crescimento para a glória de Deus,
propondo-me “fazer ressoar mais uma vez o chamado à santidade,
procurando encarná-lo no contexto atual, com seus riscos, desafios
e oportunidades” (GeE, n. 2). O Concílio Vaticano II nos ajudou a
renovar a consciência desse chamado dirigido a cada um: “Todos os
cristãos, de qualquer condição ou estado, são chamados pelo Senhor,
cada um por seu caminho, para a perfeição da santidade pela qual o
próprio Deus é perfeito” (LG, n. 11).1

Seu chamado à amizade com Ele


250. O fundamental é discernir e descobrir que o que Jesus quer
de cada jovem é, antes de tudo, sua amizade. Esse é o discernimen-
to fundamental. No diálogo do Senhor ressuscitado com seu amigo
Simão Pedro, a grande questão era: “Simão, filho de João, tu me

1
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. In: SANTA
SÉ. Concílio Ecumênico Vaticano II: Documentos. Brasília: Edições CNBB, 2018, p. 75-173.

199
amas?” (Jo 21,16). Quer dizer: você me ama como amigo? A missão
que Pedro recebe de cuidar de suas ovelhas e seus cordeiros sempre
estará ligada a esse amor gratuito, esse amor de amigo.
251. E se for necessário um exemplo de sentido contrário, vamos
lembrar o encontro-desencontro do Senhor com o jovem rico, que
nos diz claramente que o que esse jovem não percebeu foi o olhar
amoroso do Senhor (Mc 10,21). Foi embora entristecido, depois de
ter seguido um bom impulso, porque não pôde desviar o olhar das
muitas coisas que tinha (Mt 19,22). Perdeu a oportunidade do que
certamente poderia ter sido uma grande amizade. E ficamos sem sa-
ber o que poderia ter sido para nós, o que poderia ter feito para a
humanidade, esse jovem único a quem Jesus olhou com amor e a
quem estendeu a mão.
252. Porque “a vida que Jesus nos dá é uma história de amor, uma
história de vida que quer misturar-se com a nossa e criar raízes
na terra de cada um. Essa vida não é uma salvação suspensa ‘na
nuvem’, no disco virtual à espera de ser baixada, não um novo
‘aplicativo’ para descobrir ou um exercício mental fruto de técnicas
de autoaperfeiçoamento. Nem a vida que Deus nos oferece é um
‘tutorial’ com o qual aprendemos a última novidade. A salvação
que Deus nos dá é um convite para fazer parte de uma história de
amor que se entrelaça com nossas histórias; que vive e quer nascer
entre nós para que nós produzamos frutos onde quer que esteja-
mos, como estejamos e com quem estejamos. Precisamente aí vem
o Senhor a plantar e a plantar-se”.2

Ser para os outros


253. Gostaria de me dedicar agora à vocação entendida no senti-
do específico do chamado ao serviço missionário dos outros. Somos
chamados pelo Senhor para participar de sua obra criadora, prestan-
2
FRANCISCO. Discurso na Vigília com os jovens na XXXIV Jornada Mundial da
Juventude no Panamá (26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano, ed. semanal em espanhol
(1º de fevereiro de 2019), p. 12.

200
do nossa contribuição para o bem comum a partir das capacidades
que recebemos.
254. Essa vocação missionária tem a ver com o nosso serviço aos
outros. Com efeito, a nossa vida na terra atinge sua plenitude
quando se transforma em oferta. Lembro que “a missão no coração
do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que
possa pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos
outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se
não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para isso
estou neste mundo” (EG, n. 273). Portanto, devemos pensar que
toda a pastoral é vocacional, toda a formação é vocacional e toda a
espiritualidade é vocacional.
255. A tua vocação não consiste apenas em atividades que tenhas a
fazer, embora se expresse nelas. É algo mais! É um percurso que leva-
rá muitos esforços e muitas ações em direção ao serviço. Por isso, no
discernimento de uma vocação, é importante ver se a pessoa reconhe-
ce em si as capacidades necessárias para esse serviço específico para a
sociedade.
256. Isso confere um valor muito grande a tais tarefas, pois deixam
de ser uma soma de ações que a pessoa executa para ganhar dinheiro,
para estar ocupada ou para agradar os outros. Tudo isso faz parte de
uma vocação, mas, porque fomos chamados, há algo mais do que
uma mera escolha pragmática nossa. Em última análise, é reconhecer
o fim para o qual fui feito, o objetivo de minha passagem por esta
terra, o plano do Senhor para minha vida. Não vai me dizer todos
os lugares, tempos e detalhes, que eu posso escolher com prudência,
mas certamente há uma orientação da minha vida que Ele deve me
indicar porque é meu Criador, meu oleiro, e eu preciso ouvir sua
voz para me deixar moldar e conduzir por Ele. Então eu serei o que
deveria ser, e também serei fiel à minha própria realidade.
257. Para realizar a própria vocação, é necessário se desenvolver, fazer
germinar e crescer tudo o que a pessoa é. Não se trata de inventar-se,

201
criar-se do nada, mas da descoberta de si mesmo à luz de Deus e fazer
florescer o próprio ser: “Nos desígnios de Deus, cada homem é cha-
mado a desenvolver-se porque a vida de todo homem é vocação” (PP,
n. 15).3 Tua vocação te orienta a oferecer o melhor de ti para a glória
de Deus e para o bem dos outros. Não se trata apenas de fazer coisas,
mas fazê-las com um significado, com uma orientação. A propósito,
Santo Alberto Hurtado dizia aos jovens que se deve considerar muito
sério o rumo: “Em um barco, o piloto negligente é demitido sem
remissão, porque joga com algo demasiado sagrado. E na vida cuida-
mos de nosso rumo? Qual é o teu rumo? Haveria necessidade de nos
deter mais sobre essa questão; peço a cada um de vocês que lhe dê a
máxima importância, porque acertar nisso equivale simplesmente a
ter êxito; e não o conseguir é simplesmente falhar”.4
258. Este “ser para os outros” na vida de cada jovem está geralmente
relacionado a duas questões básicas: a formação de uma nova família e
o trabalho. As várias pesquisas que foram feitas aos jovens confirmam,
repetidamente, que estes são os dois principais temas que os preocu-
pam e os entusiasmam. Ambos devem ser objeto de um discernimento
especial. Detenhamo-nos brevemente neles.

O amor e a família
259. Os jovens sentem fortemente o chamado ao amor e sonham
encontrar a pessoa certa com quem formar uma família e construir
uma vida juntos. Sem dúvida, é uma vocação que o próprio Deus
propõe através de sentimentos, desejos, sonhos. Dediquei-me, lon-
gamente, a esse tema na Exortação Amoris Laetitia e convido todos
os jovens a ler especialmente os capítulos 4 e 5.

3
PAULO VI. Carta Encíclica Populorum Progressio: sobre o desenvolvimento dos povos.
Roma, 26 de março de 1967. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encycli-
cals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html>.
4
SANTO ALBERTO HURTADO. Semana Santa: Meditação para jovens, escrita a bordo
de um cargueiro, retornando dos Estados Unidos, em 1946. Disponível em: https://www.padreal-
bertohurtado.cl/escritos-2/.

202
260. Apraz-me pensar que “dois cristãos que se casam reconheceram
em sua história de amor o chamado do Senhor, a vocação de formar,
de duas pessoas, homem e mulher, uma só carne, uma só vida. O
Sacramento do Matrimônio envolve este amor com a graça de Deus,
enraizado no próprio Deus. Com este dom, com a certeza deste cha-
mado, é possível começar com segurança, sem medo de nada, para
juntos enfrentar tudo!”.5
261. Nesse contexto, lembro que Deus nos criou sexuados. Ele mes-
mo “criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso para as suas
criaturas” (AL, n. 150). Dentro da vocação ao Matrimônio, devemos
reconhecer, agradecidos, que “a sexualidade, o sexo, são um dom de
Deus. Nada de tabus. São um dom de Deus, um dom que o Senhor
nos dá. Eles têm dois propósitos: amar-se e gerar a vida. É uma pai-
xão, é amor apaixonado. O verdadeiro amor é apaixonado. O amor
entre um homem e uma mulher, quando é apaixonado, te leva a dar
vida para sempre. Sempre. E a dá-la com corpo e alma”.6
262. O Sínodo salientou que “a família continua sendo o principal
ponto de referência para os jovens. Os filhos apreciam o amor e os
cuidados dos pais, dão importância aos laços familiares e esperam sua
vez de formar uma família. Sem dúvida, o aumento das separações,
dos divórcios, das segundas uniões e das famílias monoparentais po-
dem causar grandes sofrimentos e crises de identidade nos jovens. Às
vezes, devem assumir responsabilidades desproporcionais à sua ida-
de, forçando-os a serem adultos antes do tempo. Os avós são, muitas
vezes, uma ajuda decisiva no afeto e educação religiosa: com a sua
sabedoria são um elo decisivo na relação entre gerações”.7
263. É verdade que essas dificuldades que sofrem em sua família de
origem levam muitos jovens a se perguntarem se vale a pena formar

5
FRANCISCO. Encontro com os jovens da Úmbria em Assis (4 de outubro de 2013):
AAS 105 (2013), 921.
6
FRANCISCO. Audiência aos jovens da diocese de Grenoble-Vienne (17 de setembro de
2018): L’Osservatore Romano (19 de setembro de 2018), p. 8.
7
DF, 32.

203
uma nova família, ser fiéis, generosos. Quero lhes dizer que sim, vale
a pena apostar na família, e que nela vocês encontrarão os melhores
estímulos para amadurecer e as mais belas alegrias para compartilhar.
Não deixem que lhes roubem a possibilidade de amar de verdade.
Não se deixem enganar por esses que propõem uma vida desenfreada
e individualista que acaba por levar ao isolamento e à pior solidão.
264. Reina, hoje, uma cultura do provisório, que é uma ilusão. Jul-
gar que nada pode ser definitivo é um engano e uma mentira. Muitas
vezes, “algumas pessoas dizem que hoje o casamento está ‘fora de
moda’ [...]. Na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam
que o importante é ‘curtir’ o momento, que não vale a pena com-
prometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas [...] Em vez
disso, peço-lhes que sejam revolucionários, peço-lhes para ir contra
a corrente; sim, nisto peço-lhes para se rebelar contra essa cultura
do provisório, que, no fundo, acredita que vocês não são capazes de
assumir responsabilidades, acreditam que vocês não são capazes de
amar de verdade”.8 Eu, sim, tenho confiança em vocês, e, por isso,
encorajo-os a optar pelo Matrimônio.
265. É necessário preparar-se para o Matrimônio, isso requer se edu-
car, desenvolvendo as melhores virtudes, especialmente o amor, a pa-
ciência, a capacidade de diálogo e de serviço. Implica também educar
a própria sexualidade para que seja cada vez menos um instrumento
para usar os outros, e cada vez mais uma capacidade de se doar ple-
namente a uma pessoa, de maneira exclusiva e generosa.
266. Os Bispos da Colômbia nos ensinaram que “Cristo sabe que os
esposos não são perfeitos e que eles precisam superar sua fragilidade
e inconstância para que seu amor possa crescer e durar tempo. Por
isso, concede aos cônjuges sua graça, que é, ao mesmo tempo, luz e

8
FRANCISCO. Encontro com os voluntários do XXVIII Dia Mundial da Juventude no
Rio de Janeiro (28 de julho de 2013): Insegnamenti, 1.2 (2013), 125.

204
força que lhes permite realizar o seu projeto de vida matrimonial de
acordo com o plano de Deus”.9
267. Para aqueles que não são chamados ao Matrimônio, nem à
vida consagrada, devemos lembrar sempre que a primeira vocação,
e a mais importante, é a vocação batismal. Os solteiros, mesmo se
não for por escolha, podem se tornar testemunhas dessa vocação, em
particular em seu próprio caminho de crescimento pessoal.

O trabalho
268. Os Bispos dos Estados Unidos indicaram com clareza que a
juventude, uma vez atingida a maioridade, “geralmente marca a en-
trada de uma pessoa no mundo do trabalho. ‘Que fazes para viver?’,
é tema constante de conversa, porque o trabalho é uma parte muito
importante de sua vida. Para os jovens adultos, essa experiência é
muito fluida porque passam de um trabalho para outro e até mesmo
passam de uma carreira para outra. Trabalho pode definir o uso do
tempo e determinar o que eles podem fazer ou comprar. Também
pode determinar a qualidade e a quantidade de tempo livre. O tra-
balho define e influi na identidade e noção de si mesmo que tem
um jovem adulto e é um lugar fundamental onde amizades e outras
relações se desenvolvem, porque geralmente não se trabalha sozinho.
Homens e mulheres jovens falam do trabalho como realização de
uma função e como algo que lhes proporciona um sentido. Permi-
te aos jovens adultos atender às suas necessidades práticas, porém,
ainda mais importante é buscar o significado e a realização de seus
sonhos e suas visões. Embora o trabalho não ajude você a alcançar os
seus sonhos, é importante para os jovens adultos cultivar uma visão,
aprender a trabalhar de uma forma muito pessoal e satisfatória para
sua vida, e continuar a discernir o chamado de Deus”.10

9
Conferência Episcopal da Colômbia. Mensagem cristã sobre casamento (14 de maio de 1981).
10
Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos. Filhos e Filhas da Luz: um plano
pastoral para o ministério com Jovens Adultos (12 de novembro de 1996), I, 3.

205
269. Peço aos jovens que não esperem viver sem trabalhar, dependen-
do da ajuda de outros. Isso não faz bem, porque “o trabalho é uma
necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de ma-
turação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Nesse sentido,
ajudar os pobres com dinheiro deve ser sempre um remédio provisório
para enfrentar emergências” (LS, n. 128). Assim, a “espiritualidade
cristã, a par da admiração contemplativa das criaturas que encontra-
mos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia
compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na
vida do Beato Charles de Foucauld e seus discípulos” (LS, n. 125).
270. O Sínodo salientou que o mundo do trabalho é um campo no
qual os jovens “experimentam formas de exclusão e marginalização.
A primeira e a mais grave é o desemprego juvenil, que em alguns pa-
íses atinge níveis exorbitantes. Além de empobrecê-los, a falta de tra-
balho cerceia nos jovens a capacidade de sonhar e esperar, e priva-os
da possibilidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade.
Em muitos países, essa situação depende do fato de alguns segmen-
tos da população juvenil carecerem de habilidades profissionais ade-
quadas, também por causa das deficiências do sistema educacional e
formativo. Com frequência, a precariedade ocupacional que aflige os
jovens responde à exploração laboral por interesses econômicos”.11
271. É uma questão muito delicada que a política deve considerar
como prioridade, sobretudo hoje que a velocidade dos avanços tec-
nológicos, aliada à obsessão de reduzir os custos laborais, pode levar
rapidamente à substituição de inúmeros empregos por máquinas.
Trata-se de uma questão fundamental da sociedade, porque o traba-
lho para um jovem não é simplesmente uma atividade para ganhar
dinheiro. É uma expressão da dignidade humana, é caminho de ma-
turação e integração social, é um estímulo constante para crescer em
responsabilidade e criatividade, é uma proteção contra a tendência

11
DF, 40.

206
ao individualismo e comodismo, e serve também para dar glória a
Deus com o desenvolvimento das próprias capacidades.
272. Nem sempre um jovem tem a possibilidade de decidir a que
dedicará os seus esforços, em que tarefas vai empregar suas energias e
a sua capacidade de inovação. Porque, além de seus próprios desejos,
e até mesmo além das próprias habilidades e discernimento que a
pessoa faz, há os duros limites da realidade. É verdade que não podes
viver sem trabalhar e que, às vezes, tens que aceitar o que encontras,
mas nunca renuncies aos teus sonhos, nunca enterres definitivamen-
te uma vocação, nunca te dês por vencido. Continua sempre pro-
curando, pelo menos, modalidades parciais ou imperfeitas de viver
aquilo que, no teu discernimento, reconheces como uma verdadeira
vocação.
273. Quando alguém descobre que Deus o chama para alguma coi-
sa, que é feito para isso – seja para enfermagem, carpintaria, comuni-
cação, engenharia, ensino, arte ou qualquer outro trabalho –, então
será capaz de desenvolver as suas melhores capacidades de sacrifício,
de generosidade e de dedicação. O fato de uma pessoa saber que não
faz as coisas por fazer, mas com um significado, como resposta a um
chamado que ressoa nas profundezas do seu ser, para contribuir com
algo para o bem dos outros, isso faz com que essas atividades deem
ao próprio coração uma particular experiência de plenitude. Assim
diz o livro bíblico do Eclesiastes: “Compreendi que nada de melhor
há para o ser humano do que alegrar-se com seu trabalho” (Ecl 3,22).

Vocações para uma consagração especial


274. Se partirmos da convicção de que o Espírito continua a suscitar
vocações ao sacerdócio, à vida religiosa, podemos “voltar a lançar as
redes” em nome do Senhor, com toda a confiança. Podemos ousar, e
devemos fazê-lo, ter a coragem de dizer a cada jovem que se interro-
gue sobre a possibilidade de seguir esse caminho.

207
275. Algumas vezes, fiz esta proposta a jovens que me responderam
quase em tom de zombaria dizendo: “Não! Na verdade não me sin-
to inclinado para esse lado”. Todavia, anos mais tarde, alguns deles
estavam no Seminário. O Senhor não pode falhar em sua promessa
de não deixar a Igreja privada dos pastores sem os quais não poderia
viver ou realizar sua missão. E, se alguns sacerdotes não dão um bom
testemunho, não é por isso que o Senhor deixará de chamar. Ao
contrário, Ele redobra a aposta porque não cessa de cuidar de sua
amada Igreja.
276. No discernimento de uma vocação não se deve excluir a pos-
sibilidade de se consagrar a Deus no sacerdócio, na vida religiosa ou
em outras formas de consagração. Por que excluir isso? Podes ter a
certeza de que, se reconheceres um chamado de Deus e o seguires,
será isso que dará plenitude à tua vida.
277. Jesus caminha entre nós, como fazia na Galileia. Ele atravessa
nossas ruas, para e nos olha nos olhos, sem pressa. Seu chamado é
atraente, fascinante. Mas hoje a ansiedade e velocidade de tantos es-
tímulos que nos bombardeiam fazem com que não haja espaço para
aquele silêncio interior onde se percebe o olhar de Jesus e se escuta o
seu chamado. Enquanto isso, receberás muitas propostas maquiadas
que parecem belas e intensas, embora com o tempo te deixarão vazio,
cansado e só. Não deixes que isso te aconteça, porque o turbilhão
deste mundo te leva a uma corrida sem sentido, sem orientação, sem
objetivos claros e, assim, muitos de teus esforços serão arruinados.
Procura, antes, os espaços de calma e silêncio que te permitam refle-
tir, rezar, ver melhor o mundo que te rodeia, e então, sim, com Jesus,
poderás reconhecer qual é a tua vocação nesta terra.

208
CAPÍTULO IX

O DISCERNIMENTO

278. Quanto ao discernimento em geral, já me dediquei na Exor-


tação Apostólica Gaudete et Exsultate. Permitam-me retomar algu-
mas daquelas reflexões, aplicando-as ao discernimento da vocação
no mundo.
279. Lembro que todos, mas “especialmente os jovens, estão ex-
postos a um zapping constante. É possível navegar simultanea-
mente em dois ou três visores e interagir ao mesmo tempo em
diferentes cenários virtuais. Sem a sapiência do discernimento,
podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das
tendências da ocasião” (GeE, n. 167). E “isso se revela particu-
larmente importante quando aparece uma novidade na própria
vida, sendo necessário então discernir se é o vinho novo que vem
de Deus ou uma novidade enganadora do espírito do mundo ou
o espírito maligno” (GeE, n. 168).
280. Esse discernimento, “embora inclua a razão e a prudência,
supera-as, porque trata-se de entrever o mistério daquele projeto,
único e irrepetível, que Deus tem para cada um [...]. Está em jogo o
sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele
sentido verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e
que ninguém conhece melhor do que Ele” (GeE, n. 170).
281. Nesse contexto situa-se a formação da consciência, que per-
mite que o discernimento cresça em profundidade e na fidelidade a
Deus: “Formar a consciência requer o caminho da vida inteira, no
qual se aprende a cultivar os mesmos sentimentos de Jesus Cristo

209
assumindo os critérios de suas opções e as intenções de seu modo
de agir (Fl 2,5)”.1
282. Essa formação implica deixar-se transformar por Cristo e, ao
mesmo tempo, “uma prática habitual do bem, verificada no exame
de consciência: um exercício no qual não se trata apenas de iden-
tificar os pecados, mas também de reconhecer a obra de Deus na
própria experiência cotidiana, nos acontecimentos da história e das
culturas de onde se está inserido no testemunho de tantos homens
e mulheres que nos precederam ou acompanham com a sua sabedo-
ria. Tudo isto ajuda a crescer na virtude da prudência, articulando a
orientação global da existência com as opções concretas, na consci-
ência serena dos próprios dons e limites”.2

Como discernir a tua vocação


283. Uma expressão de discernimento é o esforço por reconhecer a
própria vocação. É uma tarefa que requer espaços e solidão, porque
se trata de uma decisão muito pessoal que mais ninguém pode tomar
em nosso lugar: “Embora o Senhor nos fale de muitos e variados
modos durante o nosso trabalho, através dos outros e a todo momen-
to, não é possível prescindir do silêncio da oração prolongada para
perceber melhor aquela linguagem, para interpretar o significado real
das inspirações que julgamos ter recebido, para acalmar as ansiedades
e recompor o conjunto da própria vida à luz de Deus” (GeE, n. 171).
284. Esse silêncio não é uma forma de isolamento, pois devemos nos
lembrar de que “o discernimento orante exige partir da predisposição
para escutar: o Senhor, os outros, a própria realidade que não cessa
de nos interpelar de novas maneiras. Somente quem está disposto a
escutar é que tem a liberdade de renunciar a seu ponto de vista parcial
e insuficiente [...] Dessa forma, está realmente disponível para acolher
um chamado que quebra as suas seguranças, mas leva-o a uma vida
melhor, porque não é suficiente que tudo corra bem, que tudo esteja
1
DF, 108.
2
Idem.

210
tranquilo. Pode acontecer que Deus nos esteja a oferecer algo mais e,
na nossa cômoda distração, não o reconheçamos” (GeE, n. 172).
285. Quando se trata de discernir a própria vocação, é necessário
fazer várias perguntas. Não se deve começar por questionar onde se
poderia ganhar mais dinheiro, onde você poderia obter mais fama
e prestígio social, mas também não é conveniente começar a se
perguntar quais tarefas lhe dariam mais prazer. Para não se enga-
nar, é preciso mudar de perspectiva, perguntando: Conheço a mim
mesmo, para além das aparências ou dos meus sentimentos? Sei o
que alegra ou entristece o meu coração? Quais são os meus pontos
fortes e as minhas fragilidades? E, logo a seguir, vêm outras per-
guntas: Como posso servir melhor e ser mais útil para o mundo e a
Igreja? Qual é o meu lugar nesta terra? O que eu poderia oferecer à
sociedade? E surgem logo outras muito realistas: Tenho as habilida-
des necessárias para prestar este serviço? Em caso negativo, poderei
adquiri-las e desenvolvê-las?
286. Essas questões devem ser colocadas não tanto em relação a si
mesmo e às próprias inclinações, mas em relação aos outros, para
que o discernimento enquadre a própria vida referida aos outros. Por
isso, quero lembrar qual é a grande questão: “Muitas vezes, na vida,
perdemos tempo nos perguntando: ‘Mas quem sou eu?’. E podes
levar a vida inteira a questionar-te procurando saber quem és. Mas
pergunta a ti mesmo: ‘Para quem sou eu?’”.3 És para Deus, sem dúvi-
da alguma; mas Ele quis que fosses também para os outros, e colocou
em ti muitas qualidades, inclinações, dons e carismas que não são
para ti, mas para os outros.

O chamado do amigo
287. Para discernir a própria vocação é preciso reconhecer que essa
vocação é o chamado de um amigo: Jesus. Aos amigos, quando se dá
algo, se oferece o melhor. Isso não significa que seja necessariamente
3
FRANCISCO. Discurso na Vigília de Oração em preparação para a XXXIV Jornada Mun-
dial da Juventude, Basílica de Santa María Maior (8 de abril de 2017): AAS 109 (2017), 447.

211
o mais caro ou difícil de conseguir, mas o que dará alegria ao outro.
Um amigo percebe isso tão claramente que pode visualizar em sua
imaginação o sorriso de seu amigo quando ele abre seu presente. Esse
discernimento de amizade é o que eu proponho aos jovens como
modelo, se buscam encontrar qual a vontade de Deus para suas vidas.
288. Quero que saibam que o Senhor, quando pensa em alguém,
no que gostaria de lhe dar de presente, pensa nele como seu amigo
pessoal. E se planejou te dar uma graça, um carisma que te fará viver
plenamente tua vida, transformando-te em uma pessoa útil para os
outros, em alguém que deixa uma marca na história, certamente será
algo que te fará feliz no mais íntimo de ti mesmo e te entusiasmará
mais do que qualquer outra coisa neste mundo. Não porque o dom
concedido seja um carisma extraordinário ou raro, mas porque é jus-
to na tua medida, na medida de toda a tua vida.
289. O dom da vocação será, sem dúvida, um presente exigente. Os
dons de Deus são interativos e, para apreciá-los, é preciso arriscar.
Não será um dever imposto por outro de fora, mas algo que te esti-
mulará a crescer e a optar para que esse presente te amadureça e se
transforme em dom para os outros. Quando o Senhor suscita uma
vocação, não apenas pensa no que és, mas em tudo o que, junto a Ele
e os outros, virás a ser.
290. A energia da vida e a força da própria personalidade se ali-
mentam mutuamente, no interior de cada jovem, e impelem-no a
ultrapassar todos os limites. A inexperiência permite que isso flua,
embora logo se transforme em experiência, muitas vezes dolorosa. É
importante colocar em contato esse desejo de “infinito do começo
ainda não posto à prova”4 com a amizade incondicional que Jesus
nos oferece. Antes de toda a lei e de todo o dever, o que Jesus nos
propõe para escolher é um seguimento como o de amigos que se
visitam, se procuram ​​e encontram puramente amizade. Tudo o mais

4
GUARDINI, Romano. Le età della vita, em Opera omnia IV, 1, Brescia 2015, 209.

212
vem depois, e até os fracassos da vida poderão ser uma experiência
inestimável dessa amizade que nunca se rompe.

Escuta e acompanhamento
291. Há sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos, profissionais e até
jovens qualificados, que podem acompanhar os jovens em seu discer-
nimento vocacional. Quando nos cabe ajudar o outro a discernir o
caminho de sua vida, a primeira coisa é escutar. Essa escuta pressupõe
três sensibilidades ou atenções diferentes e complementares.
292. A primeira sensibilidade ou atenção é para a pessoa. Trata-se de
ouvir o outro que está se revelando em suas palavras. O sinal dessa
escuta é o tempo que dedico ao outro. Não é uma questão de quan-
tidade, mas que o outro sinta que o meu tempo é seu: aquele que ele
precisa para me expressar o que quiser. Ele deve sentir que eu ouço
incondicionalmente, sem ofensa, sem escândalo, sem me incomodar,
sem cansar. Essa escuta é aquela que o Senhor realiza, quando começa
a andar ao lado dos discípulos de Emaús e os acompanha por um
longo tempo, por um caminho cuja direção seguida é oposta à correta
(Lc 24,13-35). Quando Jesus faz menção de seguir adiante porque eles
tinham chegado a sua casa, esses entendem que Ele lhes oferecera o seu
tempo, e então lhe dão o deles e lhe oferecem hospedagem. Essa escuta
atenta e desinteressada indica o valor que a outra pessoa tem para nós,
além de suas ideias e escolhas de vida.
293. A segunda sensibilidade ou atenção é o discernir. Trata-se de
individuar o ponto certo em se discerne o que é a graça e o que é ten-
tação. Com efeito, às vezes, as coisas que cruzam a nossa imaginação
não passam de tentações que nos afastam do nosso verdadeiro cami-
nho. Aqui, preciso me interrogar: O que está me dizendo exatamente
essa pessoa? O que quer me dizer? Que deseja que eu compreenda do
que lhe acontece? Essas são perguntas que ajudam a entender onde
se ligam os argumentos que movem o outro e a sentir o peso e o
ritmo dos efeitos influenciados por essa lógica. Essa escuta tem em

213
vista discernir as palavras salvíficas do Espírito bom, que nos propõe a
verdade do Senhor, mas também as armadilhas do espírito mau, suas
falácias e seduções. É preciso ter a bravura, o carinho e a delicadeza
necessários para ajudar o outro a reconhecer a verdade e os enganos
ou as desculpas.
294. A terceira sensibilidade ou atenção consiste em escutar os
impulsos que o outro experimenta olhando adiante. É a escuta pro-
funda do lugar “para onde o outro realmente quer ir”. Mais além
do que sente e pensa no presente e do que fez no passado, a atenção
é direcionada para o que deseja ser. Às vezes, isso implica que a
pessoa não olhe tanto para o que gosta, seus desejos superficiais,
mas para o que mais agrada ao Senhor, o seu projeto para a própria
vida que se expressa em uma inclinação do coração, além da casca,
dos gostos e dos sentimentos. Essa escuta é atenção para a intenção
última, que é o que finalmente decide a vida, porque há alguém
como Jesus que entende e valoriza esta intenção última do coração.
Por isso, Ele está sempre disposto a ajudar a cada um a reconhecê-
-la, e para isso basta que alguém lhe diga: “Senhor, salva-me! Tem
misericórdia de mim!”.
295. Então, o discernimento se torna um instrumento de forte
compromisso para seguir melhor o Senhor (GeE, n. 169). Assim,
o desejo de reconhecer a própria vocação adquire uma intensidade
suprema, uma qualidade diferente e um nível superior, que respon-
de muito melhor à dignidade da própria vida. Porque, em última
análise, um bom discernimento é um caminho de liberdade que
faz aflorar a realidade singular de cada pessoa, aquilo que é tão seu,
tão pessoal, que só Deus sabe. Os outros não podem compreender
plenamente, nem prever de fora como se desenvolverá.
296. Portanto, quando alguém escuta o outro dessa forma, em
dado momento tem que desaparecer para deixá-lo seguir esse cami-
nho que descobriu. Desaparecer como desaparece o Senhor da vista
dos seus discípulos, deixando-os sozinhos com o ardor do coração

214
que se transforma em um impulso irresistível de se colocarem a
caminho (Lc 24,31-33). De volta à comunidade, os discípulos de
Emaús receberão a confirmação de que o Senhor verdadeiramente
ressuscitou (Lc 24,34).
297. Como “o tempo é superior ao espaço” (EG, n. 222), devemos
suscitar e acompanhar processos, não impor percursos. Trata-se de
processos de pessoas que sempre são únicas e livres. Por isso, é difícil
elaborar receituários, mesmo que todos os sinais sejam positivos,
já que se “trata de submeter os mesmos fatores positivos a um dis-
cernimento cuidadoso, para que não se isolem um do outro, nem
estejam em contradição entre si, absolutizando-se e opondo-se, re-
ciprocamente. O mesmo pode ser dito sobre os fatores negativos:
não há que rejeitá-los em bloco e sem distinção, porque em cada um
deles pode se esconder algum valor, esperando para ser descoberto e
reconduzido à sua plena verdade” (PDV, n. 10).5
298. Mas para acompanhar os outros nesse caminho, primeiro pre-
cisas ter o hábito de percorrê-lo tu próprio. Maria fez isso, enfrentan-
do as suas próprias dificuldades quando era ainda muito jovem. Que
ela renove a tua juventude com a força de sua oração e te acompanhe
sempre com a sua presença de Mãe.

E, para concluir, um desejo


299. Queridos jovens, serei feliz em ver vocês correrem mais rápido
que os lentos e os medrosos. Correr “atraídos por esse Rosto tão ama-
do, que adoramos na Sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do
irmão sofredor. Que o Espírito Santo os impulsione nessa corrida a
diante. A Igreja necessita de seu entusiasmo, suas intuições, sua fé.

5
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, sobre a forma-
ção dos sacerdotes nas circunstâncias atuais. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-
-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_25031992_pastores-dabo-vobis.html.

215
Fazem-nos falta! E quando chegarem aonde nós ainda não chega-
mos, tenham paciência de esperar por nós”.6

Loreto, junto ao Santuário da Santa Casa,


25 de março, Solenidade da Anunciação do Senhor
do ano de 2019, sétimo do pontificado

FRANCISCO

6
Encontro e oração com jovens italianos no Circus Maximus de Roma (11 de agosto de
2018): L’Osservatore Romano (13-14 de agosto de 2018), p. 6

216

Você também pode gostar