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Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora:
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1
Mas, apesar de seja lá quanto tempo que Luna lhe tivesse feito
esperar enquanto estava perdida em seus devaneios, a mulher apenas
sorria de forma maternal.
— Tenho certeza de que um dia ainda irá, você é jovem. Tem todo
tempo do mundo para realizar qualquer sonho — disse, pegando a
sacola. — Bom, vou indo, mas boa sorte!
Mas será que aquela mulher estava certa? Será que Luna ainda
tinha tempo?
Luna não fazia a mínima ideia do que aquilo era, de onde vinha ou a
quem pertencia, mas não podia deixá-la à deriva no meio da estrada.
— Beba um energético.
— Despertador. Café.
— Luna, você não pode ficar trancada em casa para sempre. Você
tem que… tocar sua vida.
Luna abriu a boca, mas as palavras não vieram. A melhor coisa que
conseguiu pensar para responder foi:
Luna sentiu uma estranha vontade de erguê-la para ver como ficaria
sua tonalidade estando mais próxima da luz. E, sim, ela pareceu ainda
mais mágica. A respiração de Luna ficou até presa no peito enquanto a
contemplava.
— Aqui.
— Essa… é a fantasia?
— Esta é a fantasia.
Quando Luna e Amy entraram na festa, os olhares dos convidados
se voltaram para elas, como quando a garota excluída volta para a escola
depois de passar por uma mudança radical proporcionada pela avó
perdida que a transformou numa princesa. Só que, no caso de Luna, era
porque, bom, ela era ela, e para completar estava usando um pijama do
Pikachu que era basicamente um macacão amarelo com orelhas e rabo.
— E aí, Amy?! Oi, Luna, ainda ouvindo vozes? Felipe está aqui —
disse Carlos, um garoto que foi da sala delas na escola.
— Não, eu não quero ver — disse com a voz firme. — Eu decidi não
perder mais tempo com coisas que eu não gosto. — Luna decidiu cortar
logo, antes que Amy começasse a tocar em assuntos mais
desagradáveis ainda.
— Credo, não! Foi Gandalf que falou isso. Quer dizer, tecnicamente
foi Tolkien…
— Mas… você tem que fazer alguma coisa. Todo mundo precisa
fazer alguma.
— Não. Ninguém é obrigado a nada. E eu realmente não quero
falar sobre isso agora. — Nem nunca, Luna pensou. Amy deu um gole na
sua bebida, depois se calou. — Mas vamos falar de você. E os
namoradinhos? — Luna mudou de assunto novamente.
— Ah, você não vai acreditar! Sabe aquele cara que eu tinha
falado que estava na minha aula de Sociologia? Então, ele… — Amy
continuou a falar, e Luna até prestou atenção por um momento, mas
começou a olhar para o enorme laço rosa que sua amiga usava na
cabeça e se lembrou da pedra.
De onde será que ela veio? Luna não sabia o motivo, mas tinha
uma leve impressão de que já vira algo semelhante. Estava morrendo de
vontade de ir para casa tentar descobrir qualquer coisa.
— Amy, eu sei que você vai achar que eu estou inventando uma
desculpa, mas amanhã eu realmente tenho que acordar cedo e não estou
com uma relação muito boa com o meu tio ultimamente…
— Ah, Luna, por favor, eu quase nunca venho aqui! Mande seu tio
ir pastar! Você não precisa mais ficar aturando essas coisas dele, sério.
Pode ter certeza de que ele será a primeira pessoa que irei processar
quando eu me formar. Primeiro, por danos morais a você por sempre te
buscar atrasada no colégio e te deixar lá plantada, esperando. Depois,
por danos morais a mim por ele sempre mentir que você não estava em
casa quando eu ligava e você ainda morava na casa dele. Enfim, vai ser
o processo mais longo do mundo. Mas, agora, vamos tomar pelo menos
mais um drinque.
— Só mais um.
Quatro horas depois, Luna voltou para casa correndo, tentando fugir
da chuva, mas escorregou e caiu de bunda no meio da rua. Entrou
cambaleando e derrubou alguns livros de uma estante enquanto tentava
encontrar algum deles para pesquisar sobre a pedra. No dia seguinte,
acordaria cedo e arrumaria tudo antes que seu tio visse a bagunça, mas,
naquele momento, realmente precisava descobrir mais sobre aquela
pedra.
Luna pegou, limpou a poeira que havia sobre ela e aos poucos foi
retirando as coisas de dentro daquela pequena caixa de madeira: fotos
do seu pai e outras coisas da sua infância. Ele e sua mãe haviam morrido
em um acidente de carro quando Luna tinha apenas dois anos. Não tinha
nenhuma foto da sua mãe, pois sua falecida tia, que era irmã do seu pai,
nunca a conhecera. Na verdade, até com seu pai sua tia tinha tido
pouquíssimo contato depois de criança. Ele era jornalista, essa era a
única informação que Luna tinha, o que no começo considerava
extremamente frustrante, mas, àquela altura, já estava conformada.
Foi então que Luna achou o colar. Ela costumava usá-lo todos os
dias, mas passou a deixá-lo guardado porque certa vez, quando era
criança, quase o perdera na escola. Aquela era uma das poucas
lembranças que tinha dos seus pais; não se lembrava de ninguém ter lhe
dado, simplesmente sempre tivera aquele colar.
Sabia que já vira aquela pedra em algum lugar. Era uma estrela
com oito pontas, no meio havia uma pequena pedra, tão pequena que
quase não dava para enxergar, mas que era feita do mesmo material da
pedra que encontrara.
Depois corrigiu:
Pegou a coisa mais pesada que viu à sua frente, uma edição
especial da trilogia O Senhor dos Anéis, e ficou atrás da porta, esperando
o ladrão entrar. Assim que aquele vulto atravessou a porta, Luna golpeou
sua cabeça com o livro, fazendo-o cair no chão imediatamente.
Mas ele não parecia ser o homem do machado.
3
Bok estremeceu.
— Certo, mas por que eles querem tanto encontrá-la? O que ela
faz? —O velho não respondeu. — Escute, eu sou da GASP e estou aqui
investigando o Comando Omega numa missão secreta. Existe alguma
coisa que eu possa fazer para ajudar? — O velho levantou a
sobrancelha, como se sentisse dificuldade em acreditar naquilo. — É
sério — Bok insistiu.
Ótimo, Bok pensou. Tudo estava saindo bem, nem parecia que
aquela era apenas sua segunda missão oficial. Sem contar que seria
uma ótima chance de agradecer à primeira-dama por tudo que ela havia
feito por ele.
Mas ele era bonito demais para ser o homem do machado. Não
que realmente existisse um padrão de beleza para ele. Na verdade, sua
aparência geralmente era imprevisível. Era a última pessoa que você
imaginaria. Por isso, Luna o amarrou em uma cadeira usando o fio do
telefone.
Luna o encarou. Pelo visto, ela não era a única pessoa que estava
bêbada ali. Ou a pancada na cabeça tinha sido tão forte a ponto de afetar
o funcionamento do seu cérebro.
— Muito engraçado.
— Quê?!
Mas ele parecia realmente não fazer ideia do que ela estava
falando. Em que planeta ele vivia para não entender aquelas referências?
Luna estremeceu, e então caiu em si. Ou alguém tinha colocado
alguma coisa na sua bebida, ou…
— Parece que aqui neste planeta vocês não costumam falar muito
com os vizinhos… Como você disse que se chamava mesmo? —
perguntou enquanto ela continuava boquiaberta.
— Luna.
Ele riu, e ela não conseguiu não reparar como seu sorriso era lindo
toda vez que ele fazia isso. Ficava até menos irritada com aquela
palhaçada toda em plena madrugada.
Pela convicção de sua fala, devia ser um ator fazendo oficina para
uma peça, porque era bem realista.
— Se você é de outro planeta, por que não é verde e não tem três
braços ou algo do tipo? E por que você fala inglês?
Ele riu, e ela percebeu que realmente gostava quando ele fazia
isso.
— O que é breisleakyea?
— Não.
— Mas que droga você está… — ela começou, mas ele cobriu sua
boca com a mão.
Todos se viraram para ver de onde viera o som, apontando uma luz
em sua direção. Luna só conseguiu enxergar a claridade, mas sabia que
por trás dela havia uma arma apontada em sua direção. Não conseguiu
se mexer, respirar ou pensar. O tempo pareceu congelar enquanto um
suor frio cobria sua pele.
Suas mãos tremiam tanto que Luna não conseguia nem pensar no
que seu tio ia fazer quando visse aquela bagunça, porque tinha certeza
de que não sairia dali viva.
— Não, estão dormindo, mas temos que correr. Você está com a
pedra?
Não era parecido com nada que Luna já vira em sua vida, e
também não acreditaria se alguém lhe contasse. Era uma nave. Uma
nave espacial. Havia uma nave espacial à sua frente.
A ficha de que tudo aquilo era real finalmente caiu. Até então
considerava a possibilidade de ser uma pegadinha, estava esperando as
câmeras aparecerem.
— Por que você fez isso? Eu não posso ir, tenho coisas para fazer
amanhã! Abra a porta!
Confuso, ele olhou para ela como se não acreditasse que aquela
era a maior de suas preocupações. Isso porque, obviamente, ele não
conhecia seu tio.
— Por quê?
Luna foi até uma janela para ver onde estavam, já que a sutileza
dos movimentos daquele transporte dava a impressão de que não
estavam se movendo um centímetro do lugar. No entanto, quando olhou
a paisagem, uma frase de Gandalf veio em sua mente: “se você voltar,
não será mais o mesmo”.
5
— Você realmente vai ficar a viagem toda sem falar nada? — Bok
tentou puxar assunto pela milésima vez, mas Luna não respondeu.
Ela apenas olhava para o painel da nave com seus infinitos botões,
imaginando o quão absurdo soaria se ela contasse aquilo para alguém ou
quantas curtidas teria se postasse uma foto dali. Pegou o celular e tirou
uma selfie para ver se conseguia se acalmar.
— Entenda que eu fiz isso para te salvar! Mas, assim que eu deixar
a pedra em um lugar seguro, eu levarei você de volta — Bok insistiu.
Luna suspirou.
Bok riu.
— Não.
— Você tem um zíper nas costas, que, se for aberto, vai retirar seu
macacão humano e mostrará seu eu de verdade?
— Não. — Havia um pequeno sorriso no canto de sua boca. Luna
continuou olhando para a vista, tentando se manter calma. — Mais
alguma dúvida?
Ela engoliu em seco. Tinha tantas que não sabia nem como
começar a formulá-las.
— Por quê?
— Os cientistas, claro.
— Eu não entendo…
— O quê?
— Ele é… azul.
— E…? — indagou.
— É estranho.
Essa doeu.
— Não foi isso que eu quis dizer — mentiu, sentindo as bochechas
corarem.
— Bok! Ainda bem que você chegou. Fiquei preocupada com sua
mensagem. Venham, vamos nos sentar. — Seu jeito de falar também era
sofisticado.
Se não fosse pelas suas vestimentas exóticas e modernas,
facilmente poderia se passar por um membro da família real britânica. Ela
usava um vestido geométrico que parecia ser feito de plástico, algo que
uma cantora pop usaria em uma premiação musical, e plataformas
extremamente altas. Se fosse Luna quem estivesse usando, seria
ridículo, mas à anfitriã os calçados atribuíam um ar estranhamente
elegante.
Bok riu.
— O Comando Omega também possui uma bússola que aponta
para a pedra e apareceu bem na hora que eu estava lá. Eu tive que
trazê-la — disse, se virando para Luna com um sorriso. — A propósito,
Luna, esta é Mira, a primeira-dama do Sistema.
— Ah, muitas coisas. Viajei até lá duas vezes, uma para uma cidade
chamada Londres, e outra para… ah, não lembro, faz tanto tempo! Eu
tinha uma grande amiga que adorava viajar por esses lugares… exóticos.
Numa dessas viagens, fomos à Terra. — Ela deu um longo suspiro. — A
Terra é… cianalaiskyea. — Cianalaiskyea é uma expressão gagrilyana
usada para indicar quando você sente muita saudade de um lugar, mas
não quer voltar para lá porque sabe que não será a mesma coisa.
— Bok ainda não conseguiu descobrir o que eles queriam com ela.
— Isso deve ser obra de Zuuvak — praguejou o presidente.
Luna riu. Ele parecia ser uma daquelas pessoas que sabem lidar
muito bem com pessoas. Como aqueles apresentadores de programas
de TV, nos quais as pessoas vão ao palco para tentar reconquistar o
marido, essas coisas.
— Atlântida?
— Isso! É espetacular! Você vai ter que passar por lá quando for
voltar. É ilegal entrar na Terra sem passar pela embaixada, assinar o
termo de compromisso, deixar todos os pertences… essas coisas. Eu
acho isso uma grande bobagem, mas não há nada que eu possa fazer.
O presidente riu.
— Ah, não, você precisa ficar pelo menos hoje! É a nossa festa de
trinta e dois anos gagrilyanos de casados. Você tem que ir!
— Claro.
Klaaoz não estava com cabeça para nada naquele momento, mas
passar um tempo com seu fiel companheiro sempre o ajudava a
desopilar. Ele sabia que algumas pessoas do Comando Omega
desaprovavam o fato de ele levá-lo sempre para todos os lugares. Bom,
mualhags nunca foram animais de estimação muito convencionais.
Apesar de serem pequenos, suas asas pontiagudas, seus chifres e seus
dentes afiados eram considerados ameaçadores para algumas pessoas.
Mas Klaaoz achava que aquela bola de pelos cinzenta era o mascote
perfeito para ele, e as pessoas tinham bom senso suficiente para não
contrariá-lo.
Zuuvak mais uma vez lançou um olhar para Klaaoz ao ver o copo
de água que estava à sua frente chacoalhar.
— Sei. É por isso que eu acho que será ainda mais fácil.
— Pode ser assim, tipo, hum… bem quente, mas não tão quente?
Quente, mas que você não sinta sua pele derretendo, sabe?
O chuveiro ligou e um pouco de água começou a sair.
— Está perfeito!
— E a intensidade do jato?
— Pode ser assim, nem fraco, nem forte? Tipo um médio, só que
mais pra fraco. Mas não tão fraco, sabe? — Luna pediu, logo se dando
conta de que talvez suas orientações tivessem soado confusas.
— Por nada.
— Na verdade, não.
— Não sei.
— Claro.
— Ok, Luna.
Luna saiu do banho com uma leve sensação de que tudo naquele
lugar, não só o chuveiro, era perfeito para ela. Ela passara toda a vida
sentindo que não se encaixava nos lugares, mas, naquele momento,
embora estivesse ali há pouquíssimo tempo, sentia que aquele era seu
lugar. Conseguia facilmente se visualizar morando ali para sempre, e o
futuro não a assustava de maneira alguma. E esse era um sentimento
totalmente oposto ao que vinha sentindo em relação à sua vida desde
que fora expulsa do colégio.
Luna odiou, mas Mira estava sendo tão atenciosa que ela não
tinha coragem de reclamar. Vestiu seu pijama de volta e desceu para o
salão.
O salão de beleza, ao contrário do apartamento em que Luna fora
hospedada, era completamente colorido. A decoração era algo
surrealista, meio circense e com esculturas que beiravam o bizarro. Havia
plumas, animais estranhos entalhados nas paredes e espelhos por toda
parte… Até o piso reunia informação suficiente para tornar o olhar
agonizante. A iluminação era amarelada, e por todo lugar havia cadeiras
ovais e estranhas com mais espelhos cheios de luzes na frente, como um
camarim. No meio, havia uma espécie de bar em formato de carrossel,
onde as pessoas estavam sentadas bebendo drinques coloridos. O teto
parecia derreter, como se fosse milhares de ceras de velas escorrendo.
Estava tocando uma música em ritmo animado em outra língua, e Luna
se perguntou se não tinha errado de andar e ido direto para a festa.
Timidamente, usando seu pijama encardido, Luna se dirigiu para o
que parecia ser a recepção, onde uma criatura com vários braços atendia
vários telefones ao mesmo tempo, intercalando com quem falava. Luna
ficou aguardando que ela ficasse livre, mas, assim que ela encerrava um
telefonema, já iniciava outro.
Uma garota alta e com cabelos que pareciam ser feitos de ouro
apareceu ao lado de Luna no balcão e disse, sem desviar os olhos do
seu iPhone 30:
— Avise o Blot que eu cheguei.
A recepcionista fez um sinal com a cabeça, indicando que havia
entendido o recado, e voltou para as ligações.
— Meu Deus, seus olhos são violeta! Que lindo… — Luna disse,
se perguntando se aquilo era uma lente de contato ou se lá as pessoas
realmente nasciam com olhos assim.
A mulher fez um sinal para Luna, e nessa hora a garota que estava
ao seu lado se virou e a analisou dos pés à cabeça.
Ela riu.
— Já, mas há anos que não se usa! Não posso deixar você ir
assim para a festa do ano!
— Entendo… É porque eu queria fazer uma homenagem a uma
princesa do meu planeta — Luna justificou, mas, pela expressão que o
cabeleireiro fez, não parecia que ia ceder. — Ela faleceu recentemente.
— Isso aqui é um makeuptor. Você coloca seu rosto aqui, ele vai
escanear e nessa tela aparecerão todas as maquiagens disponíveis já
aplicadas no seu rosto. Pode ir passando com o dedo para trocar o
batom, o blush ou a sombra.
Ok, talvez aquela fosse a coisa mais legal que ela já vira. Luna
colocou o aparelho no rosto e foi para a tela olhar as opções. E como ela
já esperava, eram todas espalhafatosas. Quase todos os olhos
pareciam… pinturas. Eram verdadeiras obras de arte. Já estava
perdendo a esperança de encontrar algo mais discreto quando achou um
olho preto um pouco exagerado, mas ainda assim era o mais simples.
Escolheu aquele e combinou com um batom vermelho.
— Eu não sei o que isso significa, mas espero que não seja uma
ofensa.
— É um elogio. — Ele riu, balançando a cabeça. — É um grande
elogio.
— Que bom que você não está mais lá. — Bok sorriu, guiando-a
para o elevador.
— É…
Bok notou que ela ria muito, o todo tempo, e se perguntou por que
estava reparando naquilo. E de onde ela tirava aquelas ideias? O
funcionamento do seu cérebro devia ser uma coisa interessante.
— Eu soube que ele só caiu umas três vezes. — Bok disse em tom
conspiratório enquanto entrava.
Ela olhou para ele com a boca aberta, levando a mão até o peito.
— É sério?
— Podemos ir de escada?
— São mais de cem andares.
Luna estava tão amedrontada que não ousou abrir os olhos e não
reparou em dois teyrilianos que entraram quando pararam em
determinado andar.
Ela percebeu que sua roupa era uma das mais simples dali.
— Luna! Que bom que você veio. Eu sabia que esse vestido ia
servir. Eu o ganhei há alguns anos, mas nunca pude usar, porque, bom, é
preto e eu sou caelestreana, então… Enfim, você está deslumbrante!
— Prazer em conhecê-la.
Antes que eles chegassem à área das comidas, uma voz eclodiu
nos alto-falantes:
— Gin centauriano.
— É pra já!
7
Bok foi se afastando ainda com os olhos voltados para Luna. Ela
continuava conversando efusivamente com aquela pessoa que acabara
de conhecer, mas, quando viu um repórter ao lado entrevistando um
dandoniano, se dirigiu até lá.
— Cara, você é exatamente igual aos ET’s dos filmes — ela falou,
histérica, e ele pareceu confuso. Quando olhou para frente, percebeu que
estava atrapalhando uma entrevista, olhou para a repórter desconfiada,
depois deu uma gargalhada. — Hoje é dia de rock, ET’s! — disse, depois
saiu correndo e, por incrível que pareça, não tropeçou.
Bok lhe entregou o copo, mas ela não bebeu. Estava tão bonita ali,
cabisbaixa e com o olhar perdido no chão… Como alguém pode tornar o
ato de contemplar o piso uma coisa tão esplêndida?, pensou ele,
decidindo que era o momento certo para se declarar. Talvez fosse cedo
demais para fazer aquilo, mas Bok sempre acreditou que as coisas
pensadas em um momento de bebedeira eram verdadeiras; coisas na
qual sempre pensamos, mas que nunca tivemos coragem de revelar. E o
modo como se conheceram e tudo o que havia acontecido só podia ser o
destino agindo.
Depois que ele disse isso, Luna deu um gole na bebida e o beijou.
— Você pode pegar uma água? — pediu após limpar o rosto, com
a esperança de que ele não se lembrasse daquele acontecimento
quando voltasse.
Era bastante alto e seus trajes, impecáveis. Tudo nele era tão
intimidador quanto sua voz.
Algo lhe dizia que aquele 0,5 cm destruiria sua vida. Mas quem
liga?
Mas, antes que ela conseguisse falar qualquer coisa, ele se virou
sutilmente e saiu. Simplesmente foi embora. Assim, sem mais nem
menos. Como se ao soar da meia-noite sua carruagem fosse se
transformar em abóbora e os trajes impecáveis que usava fossem virar
trapos.
O que foi aquilo? Era como se ela tivesse acabado de ser sugada
para dentro de um buraco negro. Parecia insuportável demais a ideia de
viver sem ao menos saber quem ele era. Por quê?
Sem contar que tudo a respeito dele a alarmava. O modo como ele
falava, como se movia e principalmente como a olhava… Tudo a deixava
inquieta como se houvesse uma enorme placa de “perigo” no meio de
sua testa. Mas, mesmo assim, uma voz no inconsciente de Luna dizia: “o
que você tem a perder?”
Luna precisava saber qualquer coisa, nem que fosse o que ele
fazia para ter o cabelo tão perfeito. Sentia que nunca mais ouviria falar
dele se o perdesse de vista naquele momento. Não tinha um nome, nem
um rosto, nem um número de celular, nem um sapato de cristal para sair
testando nos pés de todos que compareceram à festa. Aquele encontro
viveria por alguns dias em sua memória, depois cairia no esquecimento e
seria como se, seja lá o que tivesse sido aquilo que acontecera entre
eles, jamais tivesse acontecido.
Luna não conhecia o dialeto gagrilyano, mas existia uma palavra que
definia mais ou menos o que ela sentiu: gràdhkyea, usada para indicar
algo que nos deslumbra a ponto de nos tornar quem somos, que é tão
forte que quebra as paredes que temos dentro de nós.
Ele era singular, único demais. Sua pele muito pálida se destacava
devido ao seu cabelo extremamente preto. O nariz afilado, o queixo
pontudo e os ombros ligeiramente largos contrastavam com as ondas de
seu cabelo e com seus olhos escuros, que continuavam a analisá-la. Ele
parecia forte, mas ao mesmo tempo vulnerável. Intenso, porém gentil.
Estranho, mas elegante. Familiar, mas ainda assim misterioso. Lânguido,
porém cheio de energia. Intimidante, mas cativante. Parecia desafiar os
conceitos que ela conhecia do que era categorização e definição. Não
dava para defini-lo. Ele era… um grande paradoxo.
Será que seu desejo de ficar perto dele era tão grande a ponto de
transcender as barreiras do espaço e tempo, algo assim? Ou será que
era apenas o álcool confundindo seus pensamentos?
Entraram em um enorme salão e algumas luzes imediatamente se
acenderam, revelando seu refinado piso de veludo e algumas cadeiras ao
fundo. A iluminação quente naquele lugar poeticamente vazio, que
aparentemente era um teatro, a deixou aquecida. Só faltava uma música
lenta começar a tocar para aquele ser considerado o encontro mais
romântico da sua vida.
Foram até o fundo, e ela se sentou em uma cadeira, mas não por
vontade própria. Seu corpo… simplesmente se sentou. O que estava
acontecendo? Quão bêbada ela estava? Será que, se ele sugerisse
recriar aquela cena de Dirty Dancing, ela conseguiria se equilibrar?
Ele retirou do bolso o mesmo objeto que usou na festa. Era uma
bússola igual a que Bok carregava em sua casa e o ponteiro apontava
para ela, marcando provavelmente a distância que estavam um do outro.
O estranho apenas a observou inexpressivamente, de um jeito que ela
não sabia dizer se era um olhar amigável ou raivoso. Parecia dizer muitas
coisas, mas Luna não conseguia identificar nenhuma delas.
Ela não respondeu. Será que ele era do tal Comando Omega, que
a perseguiu na Terra? Era o que esse interesse todo pela pedra dava a
entender. Então era por isso que Bok pareceu tão desesperado quando a
viu com ele no elevador. Como ela fora burra em segui-lo. Nunca mais
beberia daquele jeito.
Quando ele falou isso, Luna tentou mexer as pernas e, para sua
surpresa, elas tinham voltado a funcionar. Se levantou e, sem pensar
muito, correu o máximo que conseguiu. Não tinha um plano, não sabia
para onde estava indo, apenas correu sem olhar para trás.
Apreensivo, ele olhou para os lados, foi até ela e cobriu sua boca
com a mão. Quando Luna sentiu aquela pele gelada abafando seus gritos
de socorro, não pensou duas vezes e cravou os dentes com toda força
em sua mão, fazendo-o soltá-la imediatamente.
Quando ela falou isso, ele pareceu até outra pessoa. Seu maxilar
travou e seus olhos escureceram. Ela podia quase sentir a energia ruim
que se formou conforme ele se virava para apenas ficar com uma mão
apoiada na cadeira por alguns instantes.
Ele pegou o colar de seus pais, que estava escondido por baixo da
gargantilha, e o observou por alguns segundos.
— Como você fez isso? — ele gritou, sem conseguir conter a raiva
em sua voz. Toda sua graciosidade e sutileza o abandonaram. Naquele
momento, parecia alguém fraco e vulnerável.
— Fiz o quê?
Sua voz era glacial, assim como o olhar que tinha sobre Klaaoz,
que apenas engoliu em seco. Ele parecia sentir muitas emoções naquele
momento, e nenhuma delas era boa.
Ao perceber que seu corpo estava livre, Luna correu para Bok,
sem conseguir conter as lágrimas ao abraçá-lo.
— Está tudo bem agora — disse ele. — O que ele fez com você?
— Ela não parava de chorar, estava feliz por ver um rosto conhecido. Não
sabia explicar o que estava sentindo, jamais queria passar por aquilo de
novo. Queria ir embora, voltar para a Terra, qualquer coisa. — Vai ficar
tudo bem… já passou — falou Bok baixinho enquanto ela continuava em
prantos com a cabeça enterrada em seu peito.
Ele falou algo que ela não conseguiu ouvir, o presidente respondeu
e, numa fração de segundo, pôs a mão no bolso do casaco, mas Klaaoz
imediatamente sacou uma arma. Luna sentiu o coração pulsar forte nos
milésimos de segundo que se prosseguiram. Ele não faria aquilo, seria
demais até para ele.
Mas Klaaoz parecia calmo demais para uma pessoa que estava
completamente encurralada. Na verdade, parecia até sorrir. E foi então
que todos os guardas foram ao chão, a câmera explodiu, o vidro da
janela se despedaçou e ele foi até lá.
Luna olhou para ele ainda perplexa e seus olhares se cruzaram por
um instante. Havia algo de distante e trágico no seu olhar. Klaaoz pulou e
subitamente uma nave levantou voo ao lado da janela. Os guardas,
então, conseguiram se levantar e acionar a polícia aérea usando
aparelhos de comunicação.
— Hã… Bok pegou uma bebida para mim, e eu… — Ela disse
todos os detalhes, certo? — Eu o beijei… Mas comecei a passar mal e
vomitei no sapato dele. — Luna olhou para o chão e arrumou o coque de
seu cabelo enquanto Alynestra escrevia alguma coisa em uma tela e
cochichava com seus assistentes. — Aí ele saiu para pegar água, mas
estava demorando, então eu resolvi ir buscar e dei de cara com Klaaoz.
— Ela encolheu os ombros. — Ele disse: “você parece perdida”. —
Sentiu um embrulho no estômago ao tentar imitar aquela voz.
— Raiva?
— Calma, eu… — Ai, meu Deus, ela não tinha decorado sua fala.
E que diabos de sonho fora aquele?! — Não decorei tudo.
— Mira… eu sei que não sou nem capaz de imaginar a dor que
você está sentindo neste momento… E sei que nada que eu fale agora
será suficiente para te confortar… — Luna sentiu angústia por não
conseguir dizer algo útil. Estava se sentindo a metamorfose de Kafka, um
inseto inútil. — Mas eu quero que você saiba que tudo na vida… passa
— balbuciou, tendo consciência que falava asneiras. Mira apenas
continuou chorando. Luna precisava pensar em alguma coisa. — Sabe —
continuou —, pegue a palma da sua mão. Imagine que ela é uma cidade.
— Nesse momento, Mira virou o rosto e observou o que Luna estava
fazendo. — Digamos que o meio é o centro desta cidade. Os imóveis no
centro com certeza serão mais caros do que algum que estiver na ponta
do dedo, certo? E sabe por que eles são mais caros? Porque estão no
centro! As coisas no centro são mais importantes. Agora imagine que, em
vez de imóveis, isso seja a dor que você está sentindo. Ela agora está
grande, porque está no centro, já que é recente. Mas daqui a algum
tempo, ela vai estar aqui. — Apontou para um ponto um pouco afastado
do centro da mão. — Quando ela chegar aqui, ainda será grande, mas
será menor do que agora. E um dia ela vai chegar aqui. — Apontou para
a ponta de um dedo. — E, quando ela estiver aqui, será tão pequena que
vai parecer que nunca nem existiu.
— Isso não significa que você não sentirá essa dor às vezes. Ela
sempre estará aí, fará parte de você para sempre, não importa o que
aconteça. Mas chegará um momento em que ela não será mais
prioridade, entende? No centro terão outras coisas que ocuparão sua
vida, e essa dor de agora estará tão longe que não terá tanta
importância. Então, confie em mim, vai passar. Dê tempo ao tempo.
Acredite. O presidente sairá do coma logo e tudo vai voltar ao normal…
Mira enxugou as lágrimas e suspirou.
— Quê?! Mas então por que disseram que ele está em coma?
— Ah…
Klaaoz.
— Como aconteceu isso? Por que ele faz parte desse Comando
Omega? Eu não consigo entender.
Mira lançou o olhar mais triste que Luna já vira na vida e respirou
fundo.
— Como assim?
— Nossa, eu… não sei o que dizer. — Luna não sabia quanto
tempo aquilo significava, mas sabia que aquele não era o momento de
perguntar.
Luna queria dizer que ela estava melhor sem ele, mas isso
realmente não seria a coisa mais apropriada a se dizer.
— Por quê?
— O quê?
— Não sei…
Luna ouvia tudo ainda sem acreditar muito, mas, nesse momento,
levou um choque de realidade. Quanto tempo fazia que já estava fora de
casa?
Mira suspirou.
— Luna, se o Comando Omega sabe que você é gagrilyana, eles
virão atrás de você. Eles sabem onde você mora na Terra. Você não
estará segura lá. — Luna estremeceu. Então isso significava que…
jamais voltaria para sua vida antiga? Por mais que ela fosse sem graça,
chata e entediante, era a sua vida. Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Você também não está segura aqui. Eles podem vir atrás de você aqui
também. Um gagrilyano que lê mentes pode ser muito poderoso. Só o
fato de eles desconfiarem disso já é o suficiente para irem atrás de você
em todos os cantos do Sistema. Você só estará segura se aprender a
usar seu poder.
— Chuveiro, ligar.
— O que eu tenho que fazer? — Ela abriu a porta e viu Mira com
um olhar de preocupação.
— Eu vou sozinha?
— E eu nunca mais vou falar com ele? — Isso não seria justo.
— Você sabia que ele era filho dela? — perguntou Luna com o olhar
perdido naqueles infinitos botões que davam vontade de apertar.
— Acho que para chamar atenção. Ele sempre deve ter tido tudo
que quis, foi mimado demais. Não sei…
É por isso que dizem que o ódio pode ser um sentimento até mais
forte do que o amor.
Klaaoz acordou de sobressalto, ainda meio inconsciente. Estava
imerso numa avalanche de sensações confusas. Olhou ao redor e
percebeu que estava em um quarto de hospital. Sua cabeça doía, assim
como seu corpo, e havia um curativo em seu abdômen. Não conseguia
lembrar exatamente de tudo que acontecera, as imagens vinham
aleatoriamente.
Stayon. As coisas que ele disse. Será que eram verdade? Será
que sua mãe realmente o odiava? Bom, se ainda restava alguma dúvida,
o tiro que deu acabou com todas elas.
Ele quis dizer que por uns tempos significava para sempre, mas se
calou. Seu lado emocional entrou em pânico por uns instantes. Se viu
preso num labirinto do qual não adiantava procurar a saída. Seu lado
racional sabia que não existia solução. Só se inventassem uma máquina
do tempo ou se alguém…
— Eu tenho um plano.
Quando desceram da nave, Luna queria perguntar se naquele
planeta existiam coisas legais e modernas como na Capital, mas teve
muito medo da resposta. E teve mais medo ainda de imaginar a
quantidade de insetos que deveria existir ali.
Ele riu.
— Sim, futura esposa de brincadeira?
Meu Deus, será que aquilo era Oberyn, que morreu e ninguém
sabia, já que ele vivia isolado? Na Terra, aquilo era o equivalente a
envelhecer e morar sozinha com dez gatos e só descobrirem sua morte
duas semanas depois por causa do mau cheiro. Ainda bem que Luna
estava com um casamento de brincadeira marcado com Bok, não queria
terminar morando sozinha com dez gatos.
Se ele fosse, tudo seria mais fácil. Ela não precisaria ficar ali
naquele planeta, isolada do resto do mundo e, principalmente, longe de
Bok.
— Quais?
Ai, como ele era cabeça dura. Luna mal o conhecia, mas já tinha a
impressão de que conviver com ele seria mais difícil do que participar
daqueles reality shows em que as pessoas precisam sobreviver na selva
e até comer insetos.
— Eu não posso ficar aqui com esse louco. Você precisa me levar
de volta. Vamos para a Terra, ninguém nunca vai saber que eu não vim
pra cá. — Bok olhou para ela com sentimentos conflituosos no olhar,
como se travasse uma batalha interna entre o que queria e o que
precisava fazer. — Ele nem sabia que eu vinha! Eu só vim para ver se ele
sabia quem eram meus pais. Mas, como ele sabe ainda menos do que
eu, vamos embora, sério.
Bok suspirou.
— Eu nem sei se ele vai me deixar ficar aqui. — Ela se virou para
Oberyn, que parecia os ignorar. — Eu posso ficar aqui?
Luna não queria ficar nem mais um segundo ali, mas ver Bok tão
atencioso, prestativo, preocupado…
— Que você não precisa ser tão grosso! Se eu já soubesse ler, não
estaria aqui! — explodiu.
Ele ficou calado por alguns minutos com uma expressão séria.
Luna já estava esperando ele xingá-la e expulsá-la da sua casa,
obrigando-a a dormir no meio do mato. Mas ele apenas disse, como se
nada tivesse acontecido:
— Você o conhece?
Ainda parecia uma ideia absurda uma pessoa tão boa como Mira
ser mãe de alguém tão desprezível quanto Klaaoz.
— E o que seria?
— Olá, tio.
11
11- Gagrilya
De acordo com a lei de Murphy, se algo pode dar errado, dará errado.
Mas Luna, do contra que era, discordava disso. Ela gostava de acreditar
que o que a lei de Murphy dizia na verdade era que o que pode acontecer
talvez acontecerá. Essa era uma de suas verdades absolutas. Ela se
apegava a essa crença para esquecer as tragédias da sua vida: o fato de
ter sido expulsa da escola, de nunca ter conhecido seus pais…
Porém, parecia que, desde que ela saiu da Terra, suas verdades
absolutas iam se desfazendo uma por uma.
Voando ao seu lado, notou uma criatura estranha que mais parecia
um demônio. Só que um demônio fofinho. Era do tamanho de uma bola
de vôlei, cinzento e felpudo, com asas de morcego e chifres. Os dentes
afiados ficavam para fora da boca, e, se não fosse pelo olhar raivoso,
Luna até faria carinho em sua cabeça.
— Tentou, sim.
— Olha, eu estou aqui para ajudar meu tio. Se não quiser ir,
problema seu. Mas fique ciente de que chegarão aqui a qualquer
momento para te prender.
Ela olhou para Oberyn à espera de uma resposta, mas ele apenas
olhou para os dois com a expressão confusa.
— Ele disse que não está mentindo — Oberyn falou para Luna.
— Claro que, se ele estiver mentindo, não dirá que está, não é? O
que você esperava? Que o nariz dele crescesse ou algo do tipo?!
— Oberyn, por favor, isso deve ser uma armadilha. Vamos ficar
aqui, eu imploro. — O desespero que transparecia em sua voz não era
nem metade do que estava sentindo.
— Mas você não disse que não sabe usar o seu poder ainda?
Luna engoliu em seco. Talvez ele estivesse certo, mas isso não
significava que ela precisava dizer aquilo em voz alta.
Luna respirou fundo, sentindo seus olhos arderem, mas ela não
daria a ele o gostinho de vê-la chorando. Ergueu a cabeça, pegou sua
mala e foi em direção a eles.
Ai, como ele era insuportável. Luna ainda não conseguia aceitar a
ideia de ter que ficar no mesmo lugar que Klaaoz por vários… dias?
Semanas? Meses?
Odiava-o tanto que doía.
À medida que a nave perdia altitude, ficava claro que seria preciso
mais do que um simples casaco para enfrentar aquele clima. Ela só via
neve. E onde não havia neve, havia gelo. Neve e gelo, era só o que
parecia existir ali.
— É, sim.
Luna vestiu aquela capa horrível e, assim que pôs os pés fora da
nave, teve a sensação de que alguma coisa havia cortado seu rosto.
Finalmente entendeu de onde vinha a expressão “frio de doer”.
Mas, por mais antigo que parecesse, tudo estava bem conservado
e organizado. A casa estava impecavelmente limpa e não parecia
abandonada como as outras do caminho. Klaaoz certamente era uma
daquelas pessoas frescas com mania de limpeza. E, ao ver uma fileira de
sapatos ao lado da porta, ela teve certeza disso. Ela retirou os seus e
calçou uma espécie de pantufa felpuda que estava à disposição. Era
horrível, mas pelo menos deixava seus pés protegidos do frio.
— Na suíte Leste.
— Que você pode juntar suas coisas, pois ele vai te levar de volta
agora.
— Claro que não. Eu não falei com ele ainda. Fui só pegar um
pedaço de bolo para você. Você parece estar precisando de um. — Luna
ficou paralisada por alguns instantes. É, estava fácil demais para ser
verdade. Ela trabalhava para ele, não dava para confiar. — Mas vou falar
com ele depois — completou a mulher, entregando o suposto bolo.
— É Coisina.
Ela riu.
— Como assim?
Essa era a única explicação para ele ter a pele daquele jeito.
Juntando o tempo pelo qual Coisina trabalhou para ele com o tempo pelo
qual Mira disse que ele se manteve fora de casa, dava cinquenta e quatro
anos.
Coisina pareceu não entender o que Luna falou, mas riu mesmo
assim. Se despediu e avisou que o jantar seria servido às oito horas no
horário aureliano.
— Chuveiro, ligar.
Interessante.
— Eu não quero te manter aqui. — A voz dele era tão fria e calma
que a deixava inquieta.
— Me leve de volta.
— Gagrilya.
Tempo. Espaço.
Essas eram apenas palavras que ela usara como desculpa para
terminar com o babaca do seu ex-namorado. Mas, naquele momento,
tudo havia se tornado bem mais complexo.
Pensou em outra frase de Gandalf: “seu lar ficou para trás agora. O
mundo está à sua frente”. Se sentiu feliz e fascinada por alguns instantes.
Até que se lembrou de quem era a casa em que estava.
Escreveu:
Então ficou encarando o papel.
Klaaoz.
— Perdão?!
— Por que você quis vir mesmo depois de tudo que eu disse que
Klaaoz fez?
— Como assim?
— Perdão?
Luna riu.
— Como assim?
— Você precisa esvaziar totalmente sua mente para poder
contemplar a realidade plena e todos os seus aspectos.
Ele suspirou.
— Nirvana… a banda?
— Não dá.
— Dá, sim.
— Eu estou dizendo que não dá! — Por que ele era tão teimoso?
— Desculpe.
Luna não estava no clima para discutir com ele. Tinha coisas mais
importantes para se preocupar, como seu problema de concentração. Era
melhor deixá-lo com sua arrogância para lá. Ele certamente era assim
porque tinha sérios problemas consigo mesmo. Havia uma das verdades
absolutas de Luna que dizia: "o jeito como você trata os outros é como
você realmente se sente por dentro".
Luna se sentiu feliz pela primeira vez desde que chegara ali e teve
a sensação de que não se importaria de ser a esposa de verdade de Bok.
Definitivamente.
Não podia ser coincidência ela ter achado a pedra, ele ter entrado
na casa dela… Talvez aquilo estivesse… escrito. Mas, antes que
planejasse a música que tocaria no casamento, o nome dos filhos e todo
seu futuro com Bok, alguém bateu na porta.
— Pode entrar!
— Oi, vim ver como você está. Os ventos estão mudando mesmo
neste lugar, tinha vidro para todo lado na cozinha… — Ela riu, olhando
para os lados como se soubesse de onde essa tempestade viera. — Ah,
trouxe um snacan.
— Não, não… Ele é uma ótima pessoa, mas… enfim. Eu falei com
ele. Ele disse que não pode sair daqui por enquanto… — Ela parecia
sinceramente querer ajudar, embora trabalhasse para aquele demônio.
— É massa de bolo.
— Sim. Mas existe uma máquina própria para fazer bolo. Se quiser
adicionar alguma outra coisa também, é só misturar. Ela já vem pronta.
— Quê?!
— O que é isso?
— Nunca ouvi falar. Mas, por favor, traga um para mim quando
você for ao seu planeta.
— A mulher do presidente…
Luna riu.
— Como você a conhece? Por que ela te deu tantas roupas caras
e maravilhosas? E, aliás, o que você está fazendo aqui?
Essa história estava ficando cada vez mais difícil de ser contada.
— Pois é. Acho que ela tem vergonha disso. Quem não teria?!
Você acredita que ele se trancou comigo numa sala no meio de uma
festa na Capital e tentou me matar?
— Mas eu falei umas verdades para ele. Sério, não estou mais
suportando a presença dele. A partir de hoje, eu vou fingir que ele não
existe.
— Arrasou. Tem que ser assim. Tem que mostrar quem manda.
Ela estava com cara de assustada, e era pior do que a foto da sua
identidade na Terra. Rys começou a mexer na foto com os dedos como
se fosse um artesão moldando uma escultura.
Ele era jovem, provavelmente tinha a mesma idade que ela, mas o
que estava fazendo naquele fim de mundo?
— Ah, minha filha, você não tem ideia do nível de atraso do qual
eu estou falando! Nenhum planeta é pior do que Teyrilia, acredite. Eles
continuam com os mesmos costumes de antigamente. Às vezes, nem
parece que a dinastia acabou há 205 anos aurelianos lá…
Antes que Luna pudesse argumentar por que a Terra era mais
atrasada, seu Holophone começou a tocar. O holograma de Bok
apareceu, e sua expressão a assustou. Ele não parecia feliz nem
demonstrava que iria vê-la em poucas horas.
— Luna, o planeta que você citou não existe. Ele é apenas uma
lenda.
Estava sendo fácil demais para ser verdade. Ela fervilhou de ódio
de Klaaoz. Mentiroso.
Ele suspirou.
— Você mentiu — ela foi logo dizendo. Mas ele nem sequer
levantou o olhar. Idiota. Arrogante. — Por que provavelmente está com
medo do que Bok fará com você quando te encontrar.
— Descubra.
Klaaoz olhou para o seu prato, que estava cheio de coisas verdes,
e fez uma careta sutil.
Luna até tentou relevar, mas era mais forte do que ela. Seu
ascendente em aquário não a permitia ouvir desaforos calada.
— Coisina, você poderia dizer a ele que, se quiser um corte
perfeito, da próxima vez ele mesmo que faça?
Mas, antes que ele terminasse a frase, Rys entrou na sala eufórico,
como se tivesse acabado de ganhar na loteria.
E se foi. Mas uma parte dela, aquele 1%, tinha certa curiosidade
em saber o que Klaaoz teria falado caso Rys não tivesse lhe
interrompido.
14
— Não concordo.
Luna suspirou.
— Exatamente! Não.
— Você fez esse alarde todo por causa de uma foto? Sério? Eu
pensei que você estivesse morrendo pelo jeito que falou.
— Todo mundo.
— Você pode tirar mais uma? — ele pediu depois de ver como
ficou.
— Não está ficando bom. Talvez, se você ficar desse lado… — Ele
andou mais um pouco por entre o jardim.
Ela riu.
Ela olhou para o chão. Não estava a fim de falar sobre aquele
assunto. Nem naquele momento, nem nunca.
— O que foi? Eu não estou vendo nada — Luna disse para Rys,
dando continuidade a seu plano de ignorá-lo.
— Achou o quê?
— Não mesmo.
Ela suspirou.
— Por que você ficou tão impressionado com esse planeta quando
nós chegamos aqui? — Ela tentou sondar, mas sem dar indícios de que
estava tentando colher informações para ajudar Bok a resgatá-la.
Ele a olhou com a expressão que sempre assumia quando ela
ficava enrolando para começar a aula.
— Quem?
Por que ele falara aquilo? Qual o problema das pessoas com os
gagrilyanos? E será que ele esquecera de que ela também era
gagrilyana?
Não era possível que alguém acreditasse naquilo. E para piorar ele
estava horroroso na foto em questão. Eles poderiam pelo menos ter
escolhido uma melhor.
Klaaoz não aguentou mais ler. Ele sabia que a mídia manipuladora
da Capital inventaria todo tipo de história sobre ele para tentar prejudicar
o Comando Omega, mas aquilo já havia ultrapassado o limite do ridículo.
Klaaoz engoliu em seco.
Klaaoz umedeceu os lábios e tentou ignorar a destruição do que
restava de sua reputação.
Ela deu um pulo e olhou para trás, assustada por ter sido pega em
flagrante. Estava visivelmente nervosa, não conseguia esconder nem um
pouco as emoções, ao contrário dele, que sentiu vontade de rir, mas
permaneceu sério. Luna era tão previsível e fácil de se ler…
— Eu pensei que esse fosse o meu… — começou uma desculpa
esfarrapada e depois se calou, como se tivesse esquecido que estava o
ignorando.
Não tinha como ela continuar o ignorando, Klaaoz podia ver como
ela desejava entrar. Luna estava tendo exatamente as reações que ele
pretendia despertar nela na festa. Antes de saber que ela estava com a
pedra Aünder, claro. Ofegava, os olhos arregalados e a boca contraída,
parecia até fora de si.
— Ainda bem que hoje você não está tendo ajuda de pessoas
incautas para fazer o jantar — ele retrucou.
Para cima.
Para baixo.
Para cima.
Para baixo.
Tudo de novo.
— Então, com quem você está falando? — Por que ele ainda dava
cabimento?
Ai, como ela era patética. Klaaoz revirou os olhos, mas, sem
perceber, um sorriso se abriu no canto da sua boca. Luna esticou o braço
para pegar guardanapos para limpar a bagunça, mas Klaaoz usou seu
poder para afastá-los. Ela suspirou e esticou ainda mais o braço, mas ele
os afastou de novo.
Ela era tão pequena e fraca que com raiva parecia um filhote de
jaguslauks com uma arma na mão.
Luna sentiu o olhar dele sobre ela por alguns segundos e prendeu
o fôlego. Não precisava olhar para saber que aquele 0,5 cm presunçoso
estava ali. O simples fato de ficar perto dele fazia toda sua pele queimar.
E não era porque ele fazia da vida dela um inferno.
Nada.
Bom, ele não era tão ruim assim. Ao contrário de seu dono.
— Foi ótimo conversar com você, Nicoy! Até outra hora. — Luna se
levantou. Nicoy pareceu não entender se ela estava sendo irônica ou
falando sério. Ela se abaixou e acariciou Morg. — Você é um
demoniozinho muito lindo.
Quando estava indo para seu quarto, Luna viu luzes e ouviu um
barulho vindo de uma das salas perto da escada e foi ver o que era.
Estava completamente escuro e havia vários hologramas de tamanho
real se movendo e interagindo entre si, feito uma peça de teatro. No
fundo havia o cenário e os móveis. Era como se estivesse dentro da TV.
Rys estava sentado num sofá ao fundo e, quando notou sua presença,
apertou um botão e tudo congelou.
— O que é LDRV?
— Ah, é um reality show de Teyrilia, meu sonho é participar. São
dez pessoas em uma casa fazendo qualquer coisa que quiserem. Essa é
S’ahara, ela é auzuniana; como Nicoy, não entende ironias. Mas a melhor
é Z’ohannah. Ela vai ganhar com certeza. Fala tudo que pensa, já pegou
cinco brigas em menos de cinco horas aurelianas de programa e já beijou
todos, menos Mak. E ele já está visivelmente apaixonado por ela. — Rys
continuou a explicação, empolgado, e quando acabou tirou de trás do
sofá uma garrafa.
— Ok, eu já entendi.
— Qual?
— Desafio.
— É.
— Medrosa.
— Não, eu não sou. Até escolhi desafio, mas isso… — Não tinha
nem palavras para aquilo. — Que parte de “eu preferia ficar sem comer
chocolate por um ano a ir a um encontro com ele” você não entendeu? —
Ela se deu conta de que Rys nunca havia provado chocolate. Mas, pelos
outros exemplos que deu, dava para ele ter uma ideia de como aquilo lhe
causava repulsa.
— Ah, o que você tem a perder? Você mesma disse que hoje ele te
tratou bem. É só você entrar lá, falar e sair. Não vai durar nem cinco
minutos.
— Sabe, eu acho que você não é tão misterioso quanto pensa que
é. —O canto da boca dele se curvou em 0,5 cm de um sorriso perigoso
enquanto continuava com aquele olhar terrível, cheio de relâmpagos.
Aquele 1% dela gostava daquilo. — Me conte um segredo, Klaaoz —
Luna disse, sabendo que se arrependeria disso para sempre.
Ela tinha muitos segredos. Mas o que era relevante contar? Que
ela nunca tinha terminado de ler O Senhor dos Anéis? Que escondia que
possuía o vênus em áries? Que…
Por que tinha dito aquilo? Precisava parar de beber. Quando ficava
bêbada perto dele, não dava certo. Ela esquecia que ele era um monstro.
— Eu… — Ela ouviu a voz dele, tão próxima de seu ouvido que o
calor que emanou pareceu ser sólido. Toda sua pele se arrepiou, os
lábios dele por poucos milímetros não tocavam a pele atrás de sua
orelha. — Não… — Luna fechou os olhos, o peito arfando, e permanecer
com a boca fechada pareceu tão impossível quanto respirar ou se mexer.
— Estava usando.
Mas por quanto tempo ela iria conseguir evitar Klaaoz? A menos
que Bok descobrisse como chegar ali nas próximas horas, em algum
momento ela precisaria encará-lo.
— Algo assim.
— É sério isso?
— Claro.
— O quê?
— Basicamente… tudo. — Que aconteceu desde o dia em que ela
nasceu.
— Como assim?
— Sim.
Oberyn suspirou.
— Luna, a Energia é aquilo que faz com que tudo seja como é. É o
que há de mais profundo e misterioso na realidade. É o conjunto
indiferenciado de tudo que existe e também é o princípio supremo que
gera e que está na origem da sua jornada. Embora seja invisível,
inaudível e intangível, se manifesta pela sua influência. Mas essa
influência é espontânea, ou seja, faz parte da sua própria natureza, do
seu fluir natural.
— Como assim?
— Mas…
Quê?!
— É o que parece.
17 - A Vingança de Luna
— Nossa, está com o gosto horrível. Deve ter caído sem querer. —
Coisina fez uma careta ao provar.
— Você não cansa nunca de mentir? — O tom de voz dele era alto
e acusatório. — E pare de entrar aqui dentro de sapato, o que você acha
que vai conseguir com essa coisa ridícula? Ah, quer saber? Eu jogarei
todos os seus sapatos fora agora! — Seus olhos ferviam.
— Você viu? Ele disse que vai jogar meus sapatos fora! Eu preciso
arranjar um jeito de ir embora daqui! — Luna usou a voz mais dramática
que conseguiu, mas ameaçar jogar todos os sapatos de alguém fora era
cômico demais para que ela ficasse séria. Embora ela realmente temesse
por seus sapatos. Mas Coisina ficou a encarando com a expressão séria.
— Eu não fiz nada! — mentiu Luna.
Morg estava deitado no canto da sala como sempre, e até ele podia
sentir a tensão que reinava na mesa de jantar. Estava um silêncio total,
até que Luna comentou com Coisina que uma das comidas estava ótima,
mas, quando esticou o braço para pegar o último pedaço, ele
instantaneamente levitou até o prato de Klaaoz. Ela respirou fundo.
Ignorar, ignorar, ignorar. Precisava ignorar.
— Não.
— Existe. Só procurar.
Ele suspirou.
— Isso é julgar.
— Ok, mas não tem como não julgá-lo. Todos os dias ele faz
alguma coisa que só aumenta minha raiva. — Só em mencionar o nome
dele, sua cabeça latejava.
— Tem certeza de que não estão… vejamos… você diz que Klaaoz
é… o que mesmo?
— Ok, você diz que ele é um sequestrador. E por que você diz
isso?
Luna olhava para ele realmente sem saber o que dizer. Sentia um
pouco como se seu cérebro tivesse acabado de ser espremido feito uma
laranja, escorrido pelo seu ouvido, e o líquido que saiu servisse apenas
para limpar o chão. Se sentia como uma batata.
Ele apenas ficou parado, olhando para ela. Ok, ele não é um
cachorro, ela concluiu.
Foram seguindo, até que pararam no meio de uma praça com uma
enorme fonte no meio e uma escadaria que dava para uma construção
que lembrava os enormes palácios pelos quais passaram no caminho.
— E Carliria?
— Aqui é a biblioteca.
— Klaaoz, acho que comi ceecolini demais e isso não me fez muito
bem. Preciso voltar imediatamente — disse com a mão na barriga.
Nessa hora, ele parou de ler e olhou para ela de soslaio, como se
não estivesse entendendo seu tom de voz.
— E por que você não usou o seu poder para liberar a entrada?
— Acredite, eu tentei.
— Olha, coloque uma coisa na sua cabeça de uma vez por todas
— ele disse com arrogância. — Se eu quisesse matar você, eu já teria
feito isso.
Assim que ele terminou de falar, Luna saiu correndo, seu rosto
queimava de raiva enquanto ela entrava em um dos corredores. Pegou o
Holophone e mandou uma mensagem para Rys:
Ele rapidamente respondeu:
— Por que você — ela começou com a voz áspera e elevada, mas,
quando percebeu o que tinha acontecido com o local onde estavam os
livros anteriormente, suas palavras cessaram.
Ela costumava ter uma opinião formada sobre tudo. Suas verdades
absolutas, que havia escrito em pedra. Que ingenuidade. Se lembrou do
que Oberyn lhe disse: “você pensa o que pensa porque a sociedade
desde os primórdios da humanidade vem induzindo você a pensar
assim”.
Luna ficou até um pouco tonta depois de tanta lucidez. Ela, que
sempre fora tão cheia de certezas, só tinha dúvidas. A única certeza da
sua vida naquele momento era de que não sabia de nada.
Passaram algumas horas sem nenhum dos dois proferir uma única
palavra. O silêncio era desconfortável. Luna já havia folheado quatro
livros, e Klaaoz estava deitado, olhando para o teto.
— Por que você fica tanto tempo parado, olhando para o teto?
Você não tem nada melhor para fazer? — Ele inclinou o rosto e a fuzilou
com o olhar. Luna percebeu que aquilo não tinha soado como ela havia
pensado. — Não, calma, não foi isso que eu quis dizer. Eu sei que isso
soou meio… — Ela se levantou e foi se sentar ao lado dele. — A
propósito, eu também queria me desculpar por aquele dia. Eu não sabia
o que significava pròiskyea e pensei que fosse algo ruim, então, enfim…
Acho que te devo desculpas.
Ele ficou sem reação, pareceu estar esperando qualquer coisa, até
que ela jogasse um livro em sua cabeça, menos um pedido de desculpas.
— Por nada.
Ele suspirou.
— Você não tinha nenhum hobby, alguma coisa que você gostava
de fazer quando era criança?
— Então, você deveria fazer essa coisa. Não tem como ser menos
desinteressante do que olhar para o teto ou destruir coisas.
— É…
— Por quê?
— Hã, acho que eu confundi com outro — Luna disse, sem graça.
— Ainda não, mas acho que está perto. — Ela riu. — Eu nem
consegui acessar a primeira parte do meu poder ainda.
— Bom, ele disse que meu poder é muito raro e que, além de
conseguir ler mentes, eu também consigo entrar na mente das pessoas e
controlar seus movimentos, sua voz, essas coisas…
— Mas, afinal, qual é a dessa Terra? Eles não têm contato com
ninguém mesmo?
— Quais são?
— Sinceramente, não sei e não sei que fim levou. Mas com certeza
a Terra tem alguma relação diplomática com a Capital, já que nós dois
falamos aureliano.
— É, o presidente explicou… — Quando Luna falou a palavra
presidente, pôde observar a mudança na expressão Klaaoz. Ficou mais
sério. Ok, não precisava ter falado aquilo, mas ela estava com sono
demais para pensar no que estava fazendo. — Como é esse planeta em
que Oberyn disse que vocês moravam? É tudo isso mesmo que ele falou
ou o cérebro dele que ficou com parafusos a menos depois desses anos
todos sozinho? — perguntou, bocejando.
— Caelestra é isso tudo que ele falou mesmo. E muito mais. Nossa
família tem uma casa na região dois. Me lembra muito aqui, só que sem o
frio. — Klaaoz olhou contemplativo para a parede. Se lembrar do seu
antigo planeta sempre o deixava nostálgico. Nessa hora, Luna encostou
a cabeça em seu ombro, e ele não se sentiu tão desconfortável como da
outra vez. — É um refúgio perfeito para esquecer os problemas do
Sistema. E da vida também. É… cianalaiskyea. — Cianalaiskyea é uma
expressão gagrilyana usada para indicar quando você sente muita
saudade de um lugar, mas não quer voltar para lá porque sabe que não
será a mesma coisa.
Ela retirou o braço que estava por cima dele, se levantou com um
sorriso meio sem graça e jogou todo o cabelo para a frente a fim de fazer
um coque. Klaaoz se levantou também, um pouco aéreo e olhando para
os lados.
Foi um momento extremamente embaraçoso.
— Espere aqui.
Enquanto via Klaaoz andar até a moto-jet-ski com os livros
flutuando ao seu lado, Luna reparou que o clima estava estranho. Não a
temperatura, mas a sensação. Ela se sentia estranha, parecia que estava
de ressaca. Era estranho não xingar Klaaoz mentalmente ou não ficar
desejando que ele tropeçasse e quebrasse o nariz.
— Aposto que Coisina vai oferecer comida para você assim que
chegarmos — gritou ele de volta por causa do barulho do vento.
— Para quê?
— Use seu poder! — ela gritou conforme ele tentava nadar de volta
para um dos blocos de cristais. Ele apoiou os braços em cima de um dos
pedaços remanescentes, tentando em vão subir. Ao longe, o animal
mostrava suas escamas, pegando impulso e se preparando para o último
e fatal ataque. — Klaaoz, ele está vindo, use seu poder! — ela gritou de
novo, sentindo um pânico tomar conta dela.
Deveria ter se dedicado mais às aulas de Oberyn. Mas ela era uma
inútil que não conseguia fazer nada direito, e seu sangue começou a
ferver enquanto era invadida por uma enorme raiva de si mesma.
Era isso, não tinha mais o que fazer. Só lhe restava aceitar. Já
chegara bem perto de morrer algumas vezes, mas nunca imaginou que
seria assim. Não conseguia pensar muito bem, seu coração estava tão
acelerado que sua vista ficou turva. O único pensamento que cruzou sua
mente naquele momento foi a constatação de que jamais concluiria o
objetivo da sua vida ou falaria de novo com sua mãe.
— Não. Você precisa mais do que eu. Minha camisa tem mangas,
dá para suportar até chegar em casa. Tire a sua, que está molhada, e
vista a capa — ela falou num tom sério.
Nessa hora, ele olhou para Luna e gesticulou com os lábios: não
disse?. Mas ela apenas deu um sorriso sem graça enquanto foi
mancando em direção à cozinha. Aquela cena lhe causou uma
inquietação imensurável. Por quê?
Mas o quê?
— Oi, desculpe por ter te prendido na festa e te obrigado a vir para
cá, ter jogado seus sapatos fora, ter espirrado comida no seu rosto
aquele dia e ter tentado pegar cristais Zaidar para usar quando você
aprendesse a usar o seu poder. E também por todas as vezes que eu te
tratei mal.
— Mas não foi o que eu quis dizer — Klaaoz insistiu, frustrado pela
hesitação na própria voz.
— Mas é.
Luna olhou para Coisina sem entender o que ela estava fazendo e
soltou um quê? sem som.
— Claro. Agora?
— Então, quer dizer que esta casa já era assim quando você veio
morar aqui? — Luna perguntou, aliviada e surpresa na mesma
intensidade.
— Bom, como você sabe, este planeta era habitado por nossa
raça, mas, depois que todos resolveram se mudar, ficou abandonado por
centenas de anos. Quando cheguei aqui, apenas fui a várias casas e
escolhi a que eu mais gostei.
— Claro que não. Que tipo de pessoa você acha que eu sou para
fazê-los ficar aqui sozinhos sem necessidade? — Exatamente o tipo de
pessoa que você é, Luna teria dito se essa pergunta fosse feita dois dias
atrás. Naquele momento, ela se limitou a dar uma risada sem graça. —
Eles só vêm pra cá mais ou menos uma semana antes de eu vir — ele
continuou.
Ela deu outra risada sem graça. Sim, de fato, estava parecendo
mais uma entrevista do que um passeio. The Late Show com Luna
Levine. E o entrevistado de hoje é Klaaoz Lynx… alguma coisa, a pessoa
mais misteriosa da galáxia. Mas ele precisava levar em consideração que
essa era a primeira vez que eles estavam mantendo uma conversa como
duas pessoas normais.
Tivera tanto trabalho, o livro fora a única coisa que trouxera daquele
maldito calabouço de Caelestra e, quando finalmente encontrou o
lendário planeta, achou a casa e a cidade perfeitas, não aceitaria não
ficar lá. Se não encontrasse alguém para cuidar da casa, ficaria lá
sozinho. Ele já estava acostumado a se virar sozinho desde os vinte e
seis anos gagrilyanos. Ok, era em um hotel… Mas uma casa seria a
mesma coisa. Zuuvak estava enganado.
Nome: Kostynizznhkia.
Nacionalidade: teyriliana.
Ela fez a mesma expressão de hesitação que ele tinha visto tantas
vezes naquele dia, a que sempre era seguida de uma desculpa
esfarrapada.
— Não, por mim tudo bem — ela disse sem mais nem menos.
Aquilo era estranho. — Onde fica o trabalho? — continuou.
— A localização é secreta.
— Ok.
— Ok.
— Certo.
Na primeira refeição que ela fez, ele ficou maravilhado, mas ainda
estava com um pé atrás. Ela sempre mantinha uma confortável distância,
nunca perguntava ou falava muito, como se tentasse parecer invisível.
— Ai, ela é ótima. Eu adoro sua mãe. Mas eu odeio as roupas que
ela me deu. Você não… sente falta dela?
Luna não entendeu o que tinha sido aquilo, mas ficou por um
instante observando as garrafas, se perguntando se eram alcóolicas.
Talvez tivesse sido dali que Rys roubara o conhaque broptoniano.
Luna foi até o seu lado e ficou apreciando a vista por alguns
minutos, até que resolveu quebrar o silêncio:
— É…
22 - Tic-tacs
— Ele era uma babaca e mereceu. Acho que já foi tarde — Luna
respondeu.
Discutir com Klaaoz era uma coisa irresistível e fazia muito tempo
que Luna não fazia isso. Ela pensou um pouco. Falando em voz alta,
realmente parecia uma coisa um pouco boba, mas não quis dar o braço a
torcer.
— É.
— Oberyn, diga para ela que essas coisas do planeta dela não
fazem sentido — disse Klaaoz num tom divertido.
Oberyn riu.
— Luna, a personalidade das pessoas é influenciada por vários
fatores, como genética, criação, estudo, aprendizado e outras coisas.
Mas a posição do céu na hora em que elas nascem não é uma delas.
— Mas não foi você mesmo que disse que o universo influencia no
curso da nossa vida, no nosso destino e nas nossas realizações?
— É, sim. E é de Klaaoz.
— É mesmo?
— Ele deu de presente para ele uma caixa cheia de ceecolinis, sua
comida favorita. Tipo, Oberyn é alucinado por ela.
— Entendo.
— É um doce da Terra… Enfim, Klaaoz hoje fez isso. Ele… não sei
explicar. Essa atitude mostra que ele é uma pessoa legal. Não fez isso só
pra agradar, porque estamos aqui ou porque não tem o que fazer. Ele
presta atenção. E isso é muito raro hoje em dia.
— Ele saiu faz pouco tempo, acho que foi correr — disse Coisina
com um tom de voz que Luna nunca a tinha visto usar e sem olhar para
ela.
Luna ficou tentando entender o que ela quis dizer com aquela frase
de biscoito da sorte, mas não chegou à conclusão nenhuma.
— Obviamente, se desculpar.
— Sério, eu… não sei por que disse aquilo. Às vezes, eu falo
coisas sem pensar. Mas não quer dizer que eu pense aquilo. É só que…
— começou, meio atrapalhada. — Deixe pra lá, eu sou de peixes. O que
você está fazendo?
— Sabia que meu sonho sempre foi comer neve? — disse Luna,
pegando um punhado na mão e levando até a boca.
— Você nunca havia visto neve? — perguntou ele, sem saber com
o que estava mais chocado: com o fato de ela nunca ter visto ou de
querer comê-la.
— Agora você vê tanto que não deve estar aguentando mais — ele
disse só para dizer alguma coisa.
Ela riu. Por quê? Ele nem tinha falado algo engraçado.
— O que é um anjo?
— Ah, não custa nada. Depois, quando se levanta, fica legal, você
vai ver. — Uma careta involuntária surgiu em seu rosto.— Venha, deixe
de ser chato. Só uma vez.
— Eu não estou sendo chato. — A menos que de onde ela veio ser
chato significasse se recusar a fazer coisas bobas e desnecessárias.
Então, sim, ele era chato. E com orgulho.
Klaaoz não falou nada, depois saiu para pegar troncos enquanto
Luna ficou mexendo no Holophone. Ele nunca tinha sido muito ligado
nessas coisas, nem antes de entrar para o Comando Omega. Mesmo na
sua adolescência, nunca teve holobook. Nunca teve muitos amigos, só
Heats e Kievan para falar a verdade. Mas desde que aquela coisa
aconteceu, ele decidira que não precisava de ninguém e que era melhor
ser sozinho.
Se perguntou qual seria sua relação com Luna. Ela era sua…
amiga? Na teoria, ela era apenas sua hóspede, e, embora estivessem
meio que brigados, nos últimos dias estavam passando muito tempo
juntos. Mas, depois que ele colocasse o plano em prática, o que
aconteceria?
Ok, talvez faca não fosse a palavra apropriada. Era como se seu
estômago estivesse cheio com algum tipo de inseto voador
inconveniente. Foi aí que Klaaoz se deu conta de que seguir o plano
talvez não fosse ser tão fácil quanto imaginava.
— É.
Ele olhou para o céu e, pela primeira vez, odiou o fato de o dia
durar tão pouco naquele planeta.
— Oi, futura esposa de brincadeira — disse o holograma de Bok,
dando um sorris’’ o amável e cheio de dentes, como sempre fazia
quando Luna atendia sua ligação.
— O quê?
— Hum… Legal…
Ela olhou para os lados, sem saber o que falar. Nas outras ligações,
nunca ficou sem assunto porque estava sempre falando mal de Klaaoz.
Mas, como ela não tinha mais queixas, parecia que também não tinham
sobre o que falar. Será que o ódio por Klaaoz era a única coisa que ela e
Bok tinham em comum?
— Não sei, mas é tudo por causa de um tratado que existe, enfim…
Você poderia me passar os lugares que você quer ir lá? Aliás, você vai
ficar lá mesmo ou vai voltar pra cá depois?
— Certo, não tenha pressa. Você nem está aqui ainda. — Ele deu
um suspiro de frustração.
— É…
— Como estão as coisas por aí, falando nisso? Se você soubesse
como meu coração fica apertado vendo você passar esse sofrimento…
— Ele baixou o olhar.
— Não foi nada demais. Eram apenas algumas roupas velhas dos
antigos moradores da casa que eu encontrei. — Ele fez questão de ser o
mais inexpressivo possível. Sabia que Coisina estava analisando
microscopicamente todos os seus movimentos. Qualquer gesto em falso
seria o suficiente para ela atormentá-lo por dias.
— Não, por que eu saberia que antes você achava que no nosso
treinamento você precisaria sair correndo por aí me carregando nas
costas? — Luna o encarou e piscou algumas vezes. — Então, tem
progredido na meditação? — perguntou sem tirar os olhos de um livro.
— Hum… Acho que sim — respondeu Luna sem ter muita certeza.
— Tipo… o quê?
— Eu não sei o que significa isso que você falou, mas precisa ser
algo relacionado ao seu poder. A água, por exemplo, é transparente e
assume a cor do que contém, como uma espécie de camuflagem.
Entendeu?
Estava um frio de doer naquele dia, e ele não via nem sinal dela lá
fora. O vento era tão forte que cortava o rosto. Mesmo usando um casaco
próprio para aquele clima, seu queixo tremia.
Klaaoz sentiu pena e ao mesmo tempo raiva por ela ter sido tão
irresponsável ao sair naquele frio sem estar preparada, mas correu até
ela e pôs o casaco em volta de seus ombros.
— Tudo…
— Que coisas?
— Todos achavam que eu era louca. Mas agora tudo faz sentido.
— O olhar de Luna estava perdido.
— Só isso? Foi isso que estragou sua vida? Que grande besteira!
Eu bato em pessoas o tempo todo.
Ah, mas ele imaginava, sim. Quando aquela coisa aconteceu, foi
exatamente assim que se sentiu. Talvez pior.
— Olha, todo mundo… comete erros. Como você lida com eles é o
que importa. Você não pode deixar uma coisa que aconteceu no seu
passado estragar o seu futuro — ele disse, pensando em como sua vida
teria sido mais fácil se alguém tivesse lhe dado esse conselho.
Ela voltou a chorar. Não iria parar nunca? Suas glândulas lacrimais
mereciam ser estudadas.
Mas não estava tudo bem. Não estava nada bem. Nunca ia ficar
bem. Estava tudo errado desde o começo, e era tarde demais para
consertar.
Quando enfim voltaram para casa, Klaaoz alegou que tinha algo
para mostrar à Luna, e se dirigiram para o lado Oeste superior.
Chegaram naquele corredor revestido de madeira escura combinando
com o piso, e ele abriu uma porta, fazendo sinal para que ela entrasse.
— Nada.
— Sim. Já faz muitos anos. Eu gosto dos antigos pela história, mas
os de agora… — Klaaoz foi até ela, retirando o livro de sua mão e o
ligando. — Aqui tem todos os livros que existem.
Luna nunca entendeu direito como isso funcionava. Quer dizer, até
entendia, mas se recusava a acreditar. Porque ela sentia falta do ontem,
sonhava com o amanhã e odiava o hoje. Mas, de acordo com Nietzsche,
passado e futuro não existiam, e a ideia de ficar presa no presente com
ele se repetindo eternamente a deixava aterrorizada.
Mas talvez a teoria do caos fosse uma coisa boa. Ela explicava
fenômenos não previsíveis. Era um padrão de organização dentro de um
fenômeno desorganizado. Ou seja, de uma aparente casualidade.
E por mais estranho que parecesse, aquilo fez Luna ter vontade de
pegar seu diário e escrever um poema:
— Oi, futura esposa de brincadeira.
— Hum… O de sempre…
— Encontrou o livro?
— Ainda não.
Bok ficou esperando que ela falasse alguma coisa, mas ela
continuou em silêncio.
— Aguente firme, eu vou descobrir como chegar aí. Eu prometo. —
Suas palavras de conforto sempre vinham a calhar quando o assunto
acabava.
— Ok.
— Luna, você está ficando louca? Você não pode confiar nele. Ele
é um ceàrrkyea. — Ceàrrkyea é uma expressão gagrilyana usada para
indicar que você sabe que uma pessoa é falsa, sendo que ela sabe que
você sabe que ela é falsa e mesmo assim continua sendo mais falsa
ainda.
— Luna, pare de ser ingênua! Você não sabe o que ele fazia aqui.
E ele desligou.
— Como assim?
— Chocolate, claro.
Como Luna esqueceria uma das coisas de que mais sentia falta da
Terra?
— Vacas?
— Não me lembro do nome, mas deve ser isso.
— Ai, meu Deus! Então é por isso que as vacas são abduzidas.
— Hã?
— Ele é louco.
— Por que você não coloca x-prax na comida dele de novo? Assim
não tem como ele te evitar.
— Meu Deus, Rys, você vai pro inferno. — Ela riu.
— O que é inferno?
Luna estava em seu quarto lendo uma história no livro digital sobre
uma garota gagrilyana que precisou morar escondida no subsolo de uma
casa em Vindemiatrix durante a guerra. Essa leitura arrancou mais
lágrimas do que ela pensava ser capaz de produzir. Seus relatos sobre
seu medo de gorgana, a substância que cortava poderes, e seus sonhos
de um dia conseguir viver ao ar livre de novo eram de partir o coração.
Luna decidiu, então, dar uma pausa na leitura para tomar um banho
esclarecedor.
— Olá, Freud. O de sempre. E você poderia me explicar melhor
por que as pessoas têm preconceito contra os gagrilyanos?
— Ah…
Ok, ela retirava o que havia dito. Mas não era justo alguém pagar
pelo que os antepassados faziam, carregar sua fama. Luna se lembrou
de quando Mira disse que desconfiava que ela era gagrilyana. Falou
como se tivesse medo de alguém ouvir, mesmo estando na própria casa.
Onde já se viu?! Luna não ficaria escondida quando aprendesse a usar
seu poder. Também não seria como Klaaoz, que usava o poder
desenfreadamente a todo momento, na frente de todos. Mas se bem que
o dela poderia ser usado sem ninguém perceber, tirando a parte que
podia controlar o cérebro das pessoas.
— Como assim?
— Sim.
Luna olhou para ele, já estava se preparando para ler, mas ele
disse:
Foi para a sala de HoloTV, não passaria LDRV naquele dia, mas
Rys estava assistindo a outro programa, no qual Luna não se deu o
trabalho de prestar atenção.
— Outro dia falou que ele havia lhe pedido desculpas pelo dia em
que se conheceram e como isso foi fofo.
— Outro dia falou que iria perguntar o que ele usa no cabelo.
O queixo dela caiu. Meu Deus. Ela não tinha percebido. Era…
involuntário.
28- O Bolo
— Não totalmente.
— E… isso é verdade?
Luna riu.
— Por quê?
— Hum… Não sei. Acho que eles têm medo de mudanças, sei lá.
Mas todas essas pessoas que morreram deixaram sua marca, fizeram a
diferença, então… — Ela deu de ombros. — Não foi exatamente uma
morte em vão. Eu gostaria de fazer a diferença um dia, mas realmente
tenho medo de ser morta por causa disso.
— É… não é que eu tenha medo, sabe? É que eu sei que não vou
fazer mesmo.
Ela tinha acabado de olhar. Como era possível uma coisa mudar
completamente tão rápido? Parecia até que a única coisa constante na
sua vida ultimamente era a sua efemeridade.
Quando ela chegou à sala de HoloTV, para sua surpresa Rys não
estava lá, e em seu lugar havia outra pessoa. Uma pessoa que ela mal
vira naquela semana.
— O que é isso?
— Parece… idiota.
— Não.
— Percebi.
— Por favor. Isso que você está assistindo deve ser um saco.
— Agora irei falar sobre pessoas que são tão egoístas a ponto de
não deixarem outras pessoas escolherem ao que vão assistir na HoloTV
— disse Tysoneil Degrasse, o apresentador do programa.
Klaaoz ficou confuso. Por que ele estava falando sobre isso se o
programa era sobre partículas subatômicas?
Klaaoz riu.
Klaaoz franziu a testa. Ele não era assim, apenas não queria
assistir ao programa idiota de Luna. Sem contar que ele havia chegado lá
primeiro.
Meio que por impulso, meio que sem reação, meio sem acreditar e
meio sem entender, Klaaoz pegou o controle e mudou de canal,
obedecendo ao holograma de Tysoneil. Aquilo tinha sido muito estranho.
— Está na cara.
— Está caidinho.
— Klaaoz, você pode até tentar mentir para si mesmo, mas não
pode enganar a gente.
— Nós somos sua consciência…
— Klaaoz, você não pode continuar com o plano, você sabe disso.
— Claro que é!
— Claro que pode. Olhe para ela. Você acha que conseguirá viver
sem essa criaturinha?
— Viu? Você consegue imaginar o vazio que vai ser sua vida se
você ficar longe dela?
— Como você pode querer fazer isso com ela? Você não pode
continuar com o plano! — disse o novo holograma.
— Está vendo? Você a ama. Ela é a luz da sua vida, fogo da sua
carne. Sua alma, seu pecado[2]. Todos os clichês românticos que existem
no mundo. Admita! — S’ahara disse.
— Mas… ela não deve gostar de mim. Ela não pode ser tão louca
assim — ele afirmou o óbvio.
— Klaaoz, não faça isso comigo, meu coração vai parar. Eu não
tenho plano de saúde. — A velhinha do programa de culinária estava
com a mão no peito.
Ele pensou que sendo monossilábico ela se calaria. Mas claro que
não.
— O que é isso?
Por que ela insistia em falar das coisas do seu planeta, as quais
ele não conhecia? Se ela soubesse como era irritante…
— Assim.
O que ela estava fazendo? Parecia até que ia… Oh, cosmos.
Depois disso, Klaaoz não conseguiu pensar com clareza. Ele não
conseguiu pensar em nada. Se viu incapaz de fazer qualquer coisa além
de agarrar suas pernas e jogá-la no sofá.
Onde ele estava com a cabeça? Jamais deveria ter ouvido aqueles
malditos hologramas. O que estava acontecendo?
— Quê?!
Ela abriu um sorriso terno e pôs a mão em seu peito. Por que ela
estava fazendo isso?
— Meu braço não quer voltaaaaaar. — Luna podia jurar que havia
esticado o braço e ele, ido para longe, como se ela fosse uma geleia.
Calma, Luna, siga o coelho branco, disse pra si mesma. — Olha essa
neve. Como é maciaaaaa.
— Por quê?
— Porque eu vou.
— “To die by your side, is such a heavenly way to die”[3] —
cantarolou.
— Eu estou falando sério — disse ele com a voz cada vez mais
enfraquecida.
Luna se levantou, foi até a ponta de uma árvore, pegou uma pedra
e lhe entregou.
Pronto, agora ela tinha salvado a vida dele duas vezes. Que árvore
engraçada. Ela nunca tinha visto uma árvore como aquela. Será que
existia um dia da árvore naquele planeta? Na Terra tinha. Dezenove de
abril. Não, calma, esse era o dia do índio. Que dia era aquele? Que dia
era na Terra? Será que seu aniversário já havia passado? Quem será
que havia vencido o The Voice?
— Quê?!
— Quer dizer, bad trip. Quando você usa alguma coisa e o efeito
não é bom, sei lá. — Ele não respondeu. — Tem alguma coisa que eu
possa fazer? Klaaoz balançou a cabeça em sinal negativo ainda com os
olhos fechados. Luna decidiu abraçá-lo, pois era a única coisa que podia
fazer àquela altura. A vontade de ler seus pensamentos para tentar
compreender um pouco o que ele estava sentindo foi grande, mas ela
resistiu. — Me diga o que você está sentindo — ela pediu baixinho.
Mas, meu Deus, ele atirou no próprio pai. Ela era louca? Beijá-lo
era mais do que errado, era insensato!
Mas, como Oberyn disse, você não pode julgar uma pessoa
completa por uma atitude isolada, e às vezes alguma circunstância o
levou a fazer aquilo, e talvez dentro daquelas circunstâncias não fosse
errado.
— Sem problemas.
— Sério, eu não sei o que deu em mim. Eu não deveria ter falado
daquele jeito. É porque Klaaoz, o Comando Omega em geral, realmente
é um assunto que me tira do sério.
Luna continuou calada. Não é que ela não quisesse vê-lo, era
que… não sabia qual desculpa inventar.
— Que ótimo! — O sorriso que ela abriu foi tão forçado que até ele
percebeu.
O que ela iria dizer? “Claro que eu aceito me casar com você! Ah,
mas primeiro me deixe verificar se eu beijei ou não o seu maior inimigo,
já que eu não tenho certeza se aconteceu mesmo, pois estava sob o
efeito de frutas alucinógenas”.
— Eu não sei o que dizer. — Ela estava com a sensação de que ia
desmaiar.
— Não, era diferente. Ele era muito calado e vivia sozinho. Não
tinha muitos amigos.
— Desde que ele tem mais ou menos vinte e seis anos gagrilyanos
— disse, acabando com sua dúvida sobre aquilo ser coisa da sua cabeça
ou não.
— Trauma de quê?
— Não sei. Ele nunca disse. Mas eu sei que alguma coisa
aconteceu. Todo ano ele ia me visitar no meu aniversário. Entre esses
dois anos, eu notei uma diferença muito grande em seu comportamento e
perguntei se havia acontecido alguma coisa. Ele não nega, mas se
recusa a falar a respeito.
— Existe cura?
— Claro.
Depois que ele disse isso, Luna esqueceu tudo de bom que tinha
pensado a seu respeito. Talvez ele realmente fosse uma causa perdida.
Não adiantava tentar enxergá-lo com outros olhos só por causa de uma
vez ou outra que ele fora legal. Talvez ele realmente nunca fosse mudar.
Tomara que o beijo tivesse sido só coisa da sua cabeça.
Por que ele era assim? Quando ela achava que finalmente estava
conseguindo montar aquele quebra-cabeça… ele vinha e bagunçava
tudo.
— Você é louca por dizer que ele gosta de mim — esbravejou Luna,
entrando na cozinha pronta para alugar o ouvido de Coisina por um bom
tempo.
— Boa noite para você também — ela disse de costas enquanto
preparava o jantar no balcão.
— Ele disse que usava o poder para jogar pessoas na parede! Isso
aconteceu. — Falar isso em voz alta fazia parecer ser mais ridículo do
que era.
— Como pode ser complicado? Ele fala isso como se fosse a coisa
mais normal do mundo!
— Ele passou por muitas coisas, você não faz nem ideia. —
Coisina inventaria uma desculpa para defendê-lo até se ele explodisse o
mundo, isso era um fato.
— Eu acho que nunca vou ver os outros 50% dele. — Ele não
mostrava nem 10%! Imagine 50%!
— Não sei se eu quero perder meu tempo com ele. Ele nunca vai
mudar. E de qualquer forma, eu vou me casar com Bok quando voltar
para a Capital.
— Quem?
— Luna, eu vou ser bem sincera… Parece que você fica sempre
procurando desculpas, como se… tivesse medo de se apaixonar por
Klaaoz. —
33- O jantar
Mas e a flor? Ela não falou nada a respeito da flor. Ele deu uma flor
para ela, e ela apenas ignorou. E por que ela tinha defendido tanto
aquele tal de Bok? Por que ela se importava tanto com ele? Klaaoz
pensava que o que estava nos jornais era apenas encenação típica da
mídia manipuladora da Capital.
Isso, junto com sua teimosia, sua tendência a ser irritante em 90%
do tempo e sua falta de nexo, bom senso e organização caracterizavam
tudo que Klaaoz mais odiava em uma pessoa.
Vez ou outra, ela podia sentir seu olhar sobre ela, mas ele o
desviava rapidamente, como se estivesse se esforçando bastante para
não olhar para ela. Luna sentiu uma vontade quase que incontrolável de
ler sua mente, porque só assim conseguiria ter alguma ideia do que se
passava ali. Mas não o fez.
Luna pensou duas vezes antes de se virar. 99% dos neurônios que
ainda restavam em seu cérebro diziam para ela ir embora enquanto era
possível, correr o mais rápido que pudesse para o lugar mais longe que
encontrasse.
Imaginou por um segundo um universo paralelo em que se virava,
ia embora e nunca mais ouvia falar dele. Um universo em que vivia sua
vida tranquila, sem brigas, sem dramas e sem dúvidas. Era um universo
mais fácil. Talvez até melhor.
— Eu não bebo — disse. Sua resposta foi tão seca que ela sentiu
vontade de jogar a bebida em seu rosto para ver se a deixava mais
molhada.
— Por quê?
— Assim, eu não sou uma pessoa que bebe horrores nem que vive
de festas, mas eu sou a favor de, em ocasiões especiais, tomar alguma
coisa.
Klaaoz suspirou, depois foi até lá, colocou um pouco num copo e
virou de uma vez. Elegantemente, como um ator de Hollywood de filmes
preto e branco que esconde um grande segredo. Ela fez o mesmo, mas
tossiu e quase se engasgou ao constatar o gosto da bebida.
Ela bebeu com cautela, e sua expressão mostrava que ele estava
certo.
Ele a fitou com uma intensidade que quase a fez cair da cadeira.
Quando ele abriu a boca para falar, o coração dela deu tantas
cambalhotas que ficou tonto.
— Claro.
Ela apontou para uma garrafa no meio, branca. Ele a levitou até
eles.
— Eu nunca.
— Eu também não.
— Pediu, sim. Naquele dia em que nós comemos o bolo… — ela
começou a falar.
Ela riu tanto que sentiu até uma lágrima escorrendo. Mas não
ligava se borrasse a maquiagem, estava feliz demais naquele momento
para se importar com qualquer coisa. Provavelmente era efeito do álcool,
mas aquela luz, o ambiente, o clima, os sentimentos que
transbordavam… Que momento maravilhoso, pensava. Maravilhoso
demais. Se sentia tonta, porém feliz.
Luna pensou que fosse explodir de tensão quando ele fez isso.
Seu coração acelerou como uma britadeira. Ele não tirava os olhos de
cima dela, e isso estava fazendo parecer que tinha um zoológico inteiro
em seu estômago. Ela não conseguia olhar nos olhos dele por muito
tempo. Tentava desviar, olhando para o teto, para a parede, para a
bebida, para qualquer coisa menos para Klaaoz, mas pelo canto do olho
ainda conseguia vê-lo a encarando.
Poderia passar a noite ali, olhando para ele, para seus olhos
tempestuosos. Ela desejava desesperadamente saber o que havia por
trás deles.
— Obrigada.
E ele estava se aproximando. Estava tão perto que ela podia sentir
seu cheiro. Aquele aroma de álcool em gel com fragrância de bebê que
sentiu no dia em que andara com ele na moto-jet-ski. Talvez existisse
uma palavra gagrilyana para ele. Onde estava o Holophone para
pesquisar? Meu Deus, ela precisava se acalmar. Seu coração batia com
tanta força que chegava a doer. Parecia que tinha uma escola de samba
em seu peito. E ele estava se aproximando mais. Parecia até que ele ia…
beijá-la? Ou aquilo era coisa da sua cabeça? Quão bêbada estava? Mas
não sabia dizer se ele iria fazê-lo ou não. E se não fosse? Ele estava
muito previsível. Isso era estranho, pois geralmente ela dizia que o único
jeito de saber o que ele queria era ligando um cabo USB na cabeça dele
e em uma televisão.
— O que essa bebida faz? — Luna perguntou depois que ele pôs
um frasco amarelo em cima da mesa.
— Faz você fazer uma coisa que você quer fazer há muito tempo,
mas não tem coragem.
Ai, meu Deus. Luna virou o copo e se perguntou o que ele estava
pensando, e, de repente, a voz dele ecoou na sua cabeça com os
dizeres: “se eu a beijar e ela me afastar de novo, eu juro que me mudo de
vez para a outra casa”.
— Desculpe, eu…
— Você não tem o direito de fazer isso. Eu disse que você não
podia entrar.
— Por favor, saia. — Ela não conseguiu entender seu tom de voz.
Luna não podia conviver com aquelas dúvidas por nem mais um
segundo. Correu para o quarto de Klaaoz e bateu na porta.
— Partindo.
34
— Por que você está fazendo isso? — Ela podia sentir o ardor no
nariz que precede um desabamento de lágrimas. Queria ser forte o
suficiente para segurá-las enquanto a dor se espalhava em seu peito. —
Por que você precisa afastar as pessoas? Me deixe te ajudar.
Por que a mente dele dizia uma coisa, mas suas atitudes
mostravam o contrário? Por que ele queria beijá-la? Se ele realmente
sentia alguma coisa por ela, por que estava agindo assim? E por que iria
embora?
Carl Jung uma vez disse: “Em todo caos há um cosmos, em toda
desordem uma ordem secreta”. Cosmos no grego antigo quer dizer
ordem e harmonia. Caos significa o espaço que existia antes do cosmos.
Mas Luna não conseguia entender como isso era possível. O que
é pior: não conseguir entender ou não conseguir explicar? Podemos
realmente entender o que não conseguimos explicar? E explicar o que
não conseguimos entender?
Você não pode acordar e ter a certeza de que sua vida continuará
a mesma? A única certeza é a morte?
Será que todo mundo é louco e apenas finge que não é? Será que
loucura é simplesmente parar de fingir?
Será que algum dia vai existir resposta para alguma coisa? Será
que todo mundo também tinha vinte milhões de dúvidas ou será que
Luna tinha todos esses pensamentos insensatos maquinando na sua
cabeça porque no fundo só queria entender por que Klaaoz estava
agindo daquela maneira?
Tudo estava se repetindo. Mais uma vez, sua vida estava saindo
do seu controle por causa daquele poder idiota. Um poder que ela não
sabia nem de onde vinha.
Àquela altura, tudo o que queria era ir para casa, seja lá o que isso
significasse. Mas, ao mesmo tempo, se perguntava se conseguiria
conviver com o fardo de nunca mais ver Klaaoz. Como esquecer Klaaoz
e todas as perguntas sem resposta que ele deixou?
— Me solte!
— Como você pôde… argh, que coisa mais idiota! — A voz dele era
agressiva, mas o olhar era de ódio, preocupação, desespero… Tantas
emoções juntas que pareciam não caber dentro dele. Não fazia sentido.
Parecia dizer algo como: “se você morrer, eu te mato”.
— Idiota é quem faz idiotices! — Ok, talvez esse não tenha sido o
melhor momento para citar Forrest Gump.
Seu coração estava acelerado, seu sangue fervia e seu corpo não
conseguia esconder o quanto desejava aquilo. Emoções de verdade
geralmente o deixavam desconfortável, mas naquele momento, por mais
clichê que soasse, ele estava nas nuvens. Qualquer outra coisa parecia
desimportante.
Ele não podia sentir aquilo. Sabia o que precisava fazer. Precisava
seguir o plano.
— Eu não admiti.
Klaaoz se sentia como aqueles vidros, que por muito pouco não
caíram e se despedaçaram, se tornando milhares de fragmentos
vergonhosos espalhados pelo chão, mostrando exatamente como ele se
sentia.
— Você não deveria querer isso. Você deveria ter medo de mim.
Às vezes, eu não consigo controlar meu poder… Eu posso acabar te
machucando.
— Eu não sou uma coisa frágil. E eu não tenho medo do seu caos,
Klaaoz — ela retrucou com um sorriso ingênuo, tentando em vão lutar
contra a parede invisível que a prendia.
Por que ela tinha que tornar tudo mais difícil do que já era? Ele
precisava ir. Ela poderia ler sua mente a qualquer momento e descobrir
tudo.
— Claro que eu me lembro. — Seu tom não foi dos mais calorosos
ao sentir aquela lembrança tão humilhante vindo à tona. — Eu te beijei e
você me empurrou! Como eu poderia esquecer? E depois, para
completar, você veio para cima de mim e, quando eu te beijei de novo,
mais uma vez me expulsou!
— Por que vácuos você quer que eu fique? — Por que ela queria
que ele ficasse?
O quê?!
— Acredite, eu estou.
Não fazia sentido. Ela parecia estar falando sério. Mas ela não
podia estar falando sério.
Ele não conseguiu sair dali. Precisava, mas não conseguia. Sabia
que ficar ali seria como tomar doses de veneno aos poucos e todo dia
esperar para que não fizesse efeito. Mas alguma força invisível parecia
prendê-lo, não tinha como lutar.
— Eu vou ficar, mas não pense que isso vai mudar alguma coisa.
— Ok.
— Ok.
Ele afastou seu cabelo — que ela passou a usar sempre solto —,
e, quando sua boca chegou ao ouvido dela, ela sentiu todo o seu corpo
se contrair.
— Eu o quê?
— Eu queria você.
— Não.
Fazia uma semana que eles estavam fazendo aquilo, seja lá o que
aquilo fosse. Não estavam juntos, mas também não estavam separados.
Não passava de joguinhos, flertes e beijos escondidos, mas Luna sabia
que alguma coisa havia mudado, ao contrário do que ele a alertara. Claro
que havia mudado.
— Vocês não imaginam o que foi ter crescido com um pai que é
capaz de prever o futuro e saber de antemão todas as coisas erradas que
você vai fazer. — Oberyn comentou meio angustiado depois de terminar
de contar uma história sua de quando era jovem, como fazia às vezes
durante o jantar.
Luna suspirou e mais uma vez inclinou sua perna até tocar a dele,
fazendo carícias preguiçosas ao observá-lo atentamente.
Ela olhou para ele, confusa, depois para Klaaoz, que tinha mudado
sua expressão e estava branco.
Luna tentou dizer alguma coisa, mas não conseguia parar de rir.
Estava achando aquela situação toda muito engraçada.
— Eu não falei porque você disse que eu só sabia falar dele, e que
isso era chato!
Oberyn se levantou, como se já tivesse atingido sua cota de drama
do dia, e foi embora. Coisina fez o mesmo, deixando os dois a sós.
— Eu não quis dizer que eu não queria que você falasse dele a
ponto de estarem juntos e você precisar esconder.
Luna nunca havia parado para pensar dessa forma. Quando Klaaoz
pediu segredo, ela aceitou sem questionar porque… bom, primeiro
porque realmente queria ficar com ele. Não a ponto de aceitar assinar um
contrato por escrito com o que ele poderia ou não fazer em certas
situações dentro de um quarto com as paredes vermelhas, mas… ela
queria ficar com ele de todo jeito. E, de qualquer forma, não era como se
realmente tivesse tantas pessoas assim para Luna contar.
— Não aceite! Você nem é feia. Ok que ele tem um nível de beleza
bem superior, mas… não o deixe fazer isso! Qual a finalidade de namorar
uma pessoa bonita se não puder mostrar para as pessoas?
— Pare de tentar me culpar. E claro que você pode falar dele se for
tão importante assim para você. Eu só queria que você falasse de outras
coisas também, como você fazia.
— Por causa de… — Ela não sabia nem por onde começar. — Por
tudo que eu disse antes sobre ele. Enfim…
— Claro que não. Eu sou seu amigo e estou aqui para te apoiar em
todas as suas decisões, por mais erradas que sejam.
Que grande ironia a razão para querer ficar ser a mesma pela qual
antes queria ir embora. Se tem uma coisa que o mundo faz, é dar voltas.
— Ok.
Ela não sabia se ficava com raiva por ele desistir tão facilmente, se
ficava triste, revoltada… Foi um turbilhão de emoções desconexas que
sentiu numa questão de segundos.
Ele a levou até a sala de HoloTV, se sentou e fez sinal para ela
fazer o mesmo. Luna suspirou, inconformada com a falta de comunicação
daquela criatura, mas se sentou.
Ele havia usado inúmeras desculpas para não irem à festa, mas
Luna desarmara todas. Passara a semana toda insistindo
incansavelmente, parte dela desconfiava de que ele só concordara em ir
porque não aguentava mais sua insistência.
Luna olhou para os lados. Não via problema algum em ficar no bar,
aliás, até preferia. Qual a graça de ficar num camarote? Ah, sim, Klaaoz
corria o risco de ser reconhecido. Ele a avisara na hora em que
apresentara sua lente de contato falsa para comprar o ingresso, mas ela
havia esquecido. Para comprar alguma coisa à distância era preciso
escanear o globo ocular no Holophone. Mas Klaaoz tinha uma lente falsa
que usava, digamos, em uma conta fantasma. Ele não podia usar sua
conta com seu olho verdadeiro, pois corria o risco de ser rastreado. É, a
situação era pior do que parecia. Ela realmente não poderia ter
esquecido esse detalhe do camarote.
— Você não pode… — ela começou, mas foi interrompida por uma
voz eufórica gritando atrás dela:
Mas o pior mesmo era ela tê-lo abandonado sozinho com Klaaoz.
Ela sabia que Rys tinha medo dele. O que eles tinham para conversar?
Sobre as comidas de Coisina? Sobre o tempo?
Rys virou a cabeça sem saber se estava mais chocado por Klaaoz
ser simpático ou por um cara como aquele estar olhando para ele.
— Sim, ele é muito bonito. E ele não para de olhar. — Rys se virou
para olhá-lo pela 31ª vez naquela noite. — Acho que você deveria ir lá.
Foi impossível controlar a risada por ele sugerir uma coisa dessas.
— Eu iria lá, claro, ele é muito bonito. Mas, enfim, você só vai saber
se tentar. Veja eu e sua amiga por exemplo.
— É, ela dizia que preferia ficar um ano levando uma tapa na cara
todos os dias do que sair com você. — Deu uma risada alta. — Mas eu
sempre dizia: pretensekyea. — Pretensekyea é um provérbio gagrilyano
usado para indicar que, quando uma pessoa tem muita necessidade em
demostrar que não se importa com algo, isso mostra várias coisas,
inclusive que ela na verdade se importa.
— Como assim? — Até Rys já tinha tido! Quer dizer, para ele não
fora tão sério assim, mas as outras pessoas envolvidas assim o
consideraram.
Ele ficou sério e seu olhar, perdido, entregando que sua mente
estava a anos-luz dali.
Rys sorriu e virou o copo. Então estava tudo explicado, essa sua
aversão por afeto. E ele falou “não vejo” no presente? Será que ele
achava que o que tinha com Luna não era sério? Eles moravam na
mesma casa e passavam praticamente o dia inteiro grudados. O que era
sério para ele então?!
— Eu nunca… — começou.
Rys tentou dar uma resposta, mas as palavras não saíram. Não
por não ter o que falar, e sim por medo de que aqueles músculos
voltassem a machucá-lo como antigamente.
— Meu Deus, eu não acredito. Meu amigo que está comigo vai
morrer quando vê-la.
Ela não sabia nem o que dizer. Queria contar aquilo para Klaaoz e
Rys imediatamente.
— Acho.
— Acho que se você beber mais não vai conseguir nem andar até
lá — ela afirmou o óbvio.
De repente, Rys foi empurrado por uma força invisível. Ainda ficou
tentando lutar contra ela, mas não tinha como.
— Tente.
Ele riu.
— E agora?
— Agora… eu não sei. Mas acho que, se nada der certo, você
deveria fazer comerciais de shampoo. — Ele revirou os olhos. —
Sério, essa pergunta é muito difícil. Prometo que um dia eu respondo.
— Perdão?
— Quê?!
Luna fez uma careta. Ao fundo, ela podia ver Rys finalmente
conversando com o cara de chapéu.
— O que eu perdi?
Luna piscou algumas vezes. Depois percebeu que ela tinha bebido
gin caelestreano, a bebida que faz contar uma mentira.
Elas foram até a entrada, e Rys estava de costas, tirando
holofotos.
— Rys, tem uma pessoa aqui que quer conhecer você. — Luna o
cutucou.
— Ai, meu Deus, bem que ele disse que iria desmaiar se a visse.
— O que você viu nessa criatura? — Ela apontou para Klaaoz, que
estava tentando acertar o canudo na boca, mas sem querer o enfiara no
nariz.
— Sinceramente, eu me pergunto até hoje. — Z’ohannah riu. Era
engraçado ver Z’ohannah sendo Z’ohanna ao vivo. Como Rys lidaria com
aquela situação? — O que você faria com o meu amigo desmaiado se
estivesse em meu lugar? — Luna perguntou, porque era o que ele faria.
— Genial!
Klaaoz segurou Rys para que Luna pudesse tirar várias holofotos
dele com Z’ohannah. Fizeram várias poses. Todos segurando Rys nos
braços, Z’ohannah enfiando uma bebida no nariz dele, com a perna por
cima dele, holofotos suficientes para Rys passar um mês postando.
— Bom, eu tenho que ir, pena que ele não acordou. Eu preciso
beber.
— Um cometa?
Boquiaberta, ela olhava para aquela bola branca com cauda
cortando o céu. Nunca tinha visto um cometa, muito menos tão de perto.
Era tão lindo que dava vontade de chorar.
— Como assim?
Ele riu.
— Sorvete?
— Como assim?
Quando você ama uma pessoa, talvez só consiga vê-la por trás de
um filtro embelezador. Mas filtros servem para filtrar as coisas.
Geralmente as ruins. O que será que Luna estava se recusando a ver
nele? Será que, quando esse filtro da paixão inicial acabasse, ela ainda o
veria como a pessoa que ela via naquele momento?
Hum… Ok, por que não? Não era todo dia que Luna encontrava
fãs.
Ela foi levada a uma espécie de garagem, na qual havia uma nave
estacionada. Luna se contorcia e tentava, em vão, se desvencilhar de
quem a prendia. Tentou morder a mão que tapava sua boca, mas a pele
era muito grossa. Meu Deus, o que estava acontecendo? Outro
sequestro? Sério?!
Que recompensa?
Por que sempre que algo parecia estar dando certo na sua vida
alguma coisa acontecia e acabava com tudo?
— Você está bem? — Ele beijou sua testa. O olhar dele parecia
atordoado.
— Bom dia para você também. O que aconteceu que você chegou
na hora e não começou com a sua enrolação de sempre?
— Como assim?
— Medo não é uma coisa ruim. Se você não tiver medo, significa
que você não se importa. É irresponsável.
— É, acho que eu nunca tive medo porque tinha uma atitude meio
de tanto faz perante a vida, não sei… Já estava tudo arruinado mesmo.
Então, eu não tinha medo. Na verdade, eu só tinha medo de continuar
tudo daquele jeito. — Ela olhou para ele de forma contemplativa, se
lembrando de Nietzsche. — Mas agora… acho que eu só tenho medo do
futuro. Medo de que as coisas mudem.
— Esse é o pior medo que você pode ter. Você não pode impedir
mudanças. Você deveria ter medo é de não mudar.
— Mas elas não vão continuar assim para sempre — ele disse
aquilo, algo de que, nas profundezas do seu inconsciente, Luna sempre
teve plena certeza, mas se recusava até a pensar a respeito, com medo
de que se tornasse real.
— Estou tentando!
— Vamos parar por hoje, nós não viemos aqui para isso — ela o
lembrou.
Eles haviam ido passar o dia em uma praia que ficava a uma hora
gagrilyana da casa de Klaaoz. Certa vez, Luna o perguntara se naquele
planeta existia praia, ele respondeu que sim, mas que odiava esse tipo
de viagem e que não iria de jeito nenhum. Entretanto, para sua surpresa,
naquele dia resolvera levá-la. Na verdade, ela quem o levara, já que fora
pilotando a moto-jet-ski, que ela descobrira que se chamava snowringer.
Luna estava usando um biquíni estranho e azul, que não lhe caíra
muito bem, mas era o único que havia na mala. Talvez Mira tivesse
comprado no tamanho errado ou talvez fosse por causa dos quilos a mais
que havia ganhado.
— É sério isso?
— Que idiotice.
— E qual é o problema?
— É.
— Isso é ridículo. Não existe isso aqui. Ninguém olha para o corpo
de ninguém.
— É sério que aqui, tipo, por exemplo… ninguém acha alguém feio
por ser mais gordo ou mais bonito por ser mais magro?
— Existem várias coisas que fazem uma pessoa ser bonita, mas o
corpo não é uma delas.
— E…?
— E você ainda acha que, num planeta onde existe esse tipo de
coisa, as pessoas têm o discernimento de saber o que é certo ou errado?
— O quê?
A água do mar era morna, mas o rosto de Luna ficou com tantos
tons de vermelho que ela parecia estar dentro de um caldeirão fervente.
— O quê?!
Luna tentou nadar para longe dele, mas começou a sentir aquela
maldita força superior a trazendo de volta. Toda vez isso. Como era
irritante! Ele a abraçou por trás e beijou sua orelha.
— E nós combinamos?
Quando ele disse aquilo, Luna olhou para aqueles olhos escuros e
teve uma sensação de felicidade tão torrencial que quase ficou tonta. De
que importava se os signos combinavam ou não? O que importava era
que ele tinha tido todo aquele trabalho para calcular a data. O que
importava era que, se ele fosse um cometa e ela fosse um planeta, ele
jamais a deixaria sair da sua órbita. O que importava era que ele tinha lhe
dado o controle.
— Vamos sair.
— Quê?!
— É um seriado médico…
— Não.
— A prefeitura.
Por dentro, tudo era tão conservado que ninguém diria que estava
abandonado há centenas de anos. Se retirasse a poeira, poderia jurar
que ainda era habitado. Todo o interior era feito de madeira com textura,
igual à casa de Klaaoz. Luna admirava tudo, fascinada, imaginando como
teria sido na época em que existiam pessoas ali.
— Você já tinha vindo aqui?
Quando abriu a porta, Luna viu que era uma sala como todas as
outras.
— Mas, pelo que eu entendi, eles querem uma ditadura. — Ela não
entendia muito, só sabia que eles eram os caras do mal.
— Não existe partido político bom, o que existe é o menos ruim.
— Não dá para agradar todo mundo. Às vezes você tem que ser
duro para poder atingir seus objetivos. — Ele deu de ombros. Ela sabia
que ele fazia parte de uma organização do mal antes de ficarem juntos.
Agora não adiantava reclamar.
O silêncio havia sido a pior resposta. Por que ele não havia
respondido? As mãos de Luna começaram a formigar conforme seu peito
era invadido por fortes palpitações.
Ela fez uma careta, e ele reparou como ela ficava adorável assim.
— É, mas, quando você morrer, todas essas coisas vão ficar aqui.
Ela ficou o encarando com aquela expressão que indicava que não
aceitaria perder a discussão.
— Não tente. Argh! Por que você tem que transformar tudo em uma
briga? — Ela tinha tentado brigar na praia e na prefeitura, finalmente
tinha conseguido.
— Eu não brigo por tudo, apenas falo quando tem algo errado.
É sério que ela tinha usado aquilo como desculpa para brigar?!
— E por que você deu ouvidos a ela? Você ainda não aprendeu
que isso tudo é joguinho?
— Eu não vou ficar a obrigando a fazer coisas que ela não quer —
ele gritou das escadas.
Depois ele baixou a cabeça, ela podia sentir a vergonha que ele,
uma pessoa tão metódica e controlada, sentia por não ter o domínio do
próprio poder.
Coisina sabia que ser dura com ele lhe custaria mais alguns vidros
de sua amada cozinha, mas aquele era um sacrifício que estava disposta
a fazer. Ele precisava ouvir.
— Em relação a quê?
Coisina podia ver o conflito interno que ele travava, sabia que
escondia alguma coisa.
— Tudo o quê?
— O quê, Klaaoz?
— Então, por que vocês estão juntos? — Ele olhou para os cantos,
como se a resposta não fosse óbvia, o que deixou Coisina irritada. —
Você não consegue pensar em nenhum motivo para ficar com ela,
Klaaoz? — A incapacidade dele de se comunicar era inacreditável.
— Não sei.
Coisina não sabia o que dizer. Ela sabia o que ele falava sobre
quão doloroso era ter gorgana no organismo. E se ele estava dizendo
isso…
Sabia que ele viria com alguma de suas filosofias hippies para
tentar justificar o eminente fato de que Klaaoz era um completo idiota e
não admitir que se ela tivesse um pingo de juízo iria embora dali e
arranjaria uma ordem judicial para ele não poder se aproximar dela.
Falava qualquer coisa que lhe vinha à cabeça: como aquilo tinha
sido demais até para ele, que ainda não acreditava que ele tinha feito
aquilo, como ele era idiota por ter opiniões tão certas sobre tudo, que ela
tinha apenas dezessete anos e não deveria ter que passar por aquele
tipo de situação, entre outras coisas.
— Luna, não está dando para ouvir nada do que você está falando
por causa do vento. Quando chegarmos em casa, podemos conversar se
você quiser.
Luna suspirou.
— A respeito de quê?
— Nossa, por isso que Mira disse que não existe quase mais
nenhum gagrilyano…
— Por quê?
Ela riu.
— Eu tinha…
— Ah… — Que gafe enorme. Nunca mais iria falar nada. Ela que
estava precisando se refugiar de tudo para ver se adquiria um pouco de
noção. — Eu sinto muito… Eu não sabia. Desculpe.
— Sim, iria, sim… — ele falava tudo com uma serenidade no olhar
que indicava que realmente gostava muito daquela pessoa. — Obrigado
pelos conselhos, Luna. Acho que eu estava precisando.
Ele riu.
— Que legal.
— É… — Dessa vez, a resposta dela foi tão fraca que, mesmo ele
estando distraído em seu ataque de fã por Z’ohannah, não deixou de
notar.
— E o que foi isso hoje com Klaaoz? Vocês dois são uma novela
teyriliana.
— Jura?
— Juro.
Ela o encarou.
Ele era uma pessoa horrível, e ela sabia. Mas mesmo assim
insistia em gostar. Seu cérebro certamente tinha algum defeito ou ela era
realmente louca.
Quando ele se pôs na frente dela, Luna conseguia até sentir seu
olhar a penetrando, mas não ousava tirar os olhos do livro e encontrar os
dele. Era aquele tipo de olhar.
— Pare de fazer isso! Nunca mais use seu poder em mim! — ela
explodiu inesperadamente. — Eu não gosto disso. Seja para me puxar
até você, seja para tirar alguma coisa da minha mão. Estou farta. —
Sentimentos reprimidos desde o começo vieram à tona nessa briga que
estava se tornando uma bola de neve gigantesca. Não deveria ter juntado
tantas coisas. Ela estava se sentindo… saturada.
— Olha, eu uso meu poder para fazer tudo desde sempre. Isso é
tão normal para mim como respirar. E você nunca me disse que não
gostava. — Ele ergueu as sobrancelhas, um sorriso enviesado na face.
— Você deveria saber!
— Mas você não deveria. Isso é mais uma coisa que você deveria
saber. — Ela esfregou as têmporas. Não iriam chegar a lugar nenhum.
Luna olhou bem dentro dos olhos dele e, quanto mais olhava,
menos entendia. Era como se ele fosse uma palavra difícil demais de
traduzir. Uma fórmula matemática confusa demais de entender. Uma
história complicada demais de explicar.
Mas ele não iria falar. Ele ainda era incapaz de falar. Porque não
sabia, porque não queria ou porque não havia razão. E nenhuma razão
para ficar é um bom motivo para partir.
— Porque eu… preciso disso. Seja lá o que isso for — ele disse.
Algo no fundo do estômago de Luna se revirou, e seu peito pareceu ficar
apertado demais ao ouvir aquela afirmação tão… inesperada e ao
mesmo tempo tão… paradoxalmente recíproca e perigosamente
inconstante.
— Você faz isso para ver até onde eu aguento? Porque se sim,
você vai ter que se esforçar bem mais do que isso, porque eu não vou
desistir facilmente. — E deu um sorriso indulgente. — Mas, por favor,
pare de fazer joguinhos.
— Certo. Me desculpe.
Klaaoz continuou a olhando bem dentro dos seus olhos. Tudo que
o envolvia tinha sempre uma intensidade tão grande e perturbadora, uma
sensação de pertencimento tão paradoxal… Ele não falava nada, só a
fitava e, mesmo assim, ela sentia que tinham uma conexão, talvez mental
ou espiritual, mas que certamente transcendia a mera atração física. Era
mais do que joguinhos de sedução baseados em afinidades superficiais.
Era como se ele a fizesse ver a vida sob uma luz mais clara e mais
intensa. Uma luz tão forte que a fazia sentir que estava se aproximando
de uma possível verdade sobre si mesma.
Não tinha jeito. Ela realmente estava perdida e não queria ser
encontrada.
40
— Como você está fazendo para conseguir usar tão bem o seu
poder?
— Luna, eu acho que nós acabamos. Sinto por não ter mais nada
para te ensinar — ele disse e, ao se dar conta disso, sentiu uma tristeza
o invadir, o que era estranho, já que, no começo, tudo o que mais
desejava era que ela aprendesse a usar o poder para ele poder voltar à
sua vida.
Ela olhou para os lados, tensa. Ele podia quase ver através dela.
— Os dois.
— Por mais que aprecie minha estadia aqui, sinto falta de Plutopra.
— Por que você não vai para a Capital? Que eu me lembre, você
disse que iria fazer as pazes com Mira. Podemos todos ir para lá, tenho
certeza de que tem coisas mais interessantes do que em Plutopra.
— Luna… — Ele suspirou. Odiava ter que ser a pessoa a lhe dizer
isso, mas ela precisava se recordar. — Klaaoz não pode entrar na
Capital. Você está ciente disso, certo? E em nenhum outro planeta.
— Não tem problema. Nós ficaremos aqui. Tem muita coisa pra se
conhecer ainda. — Ela poderia estar segurando as lágrimas o quanto
fosse, mas era impossível disfarçar a voz embargada e pesarosa com
que proferia aquelas palavras. O que ele poderia dizer? Ela sempre o vira
como seu sábio mentor, que falava as coisas de que precisava ouvir, não
as que queria. Ele podia quase ver em seus olhos o que ela queria, o que
precisava, o que achava que queria e o que achava que precisava. E
tudo apontava para as direções mais opostas possíveis.
Ele suspirou.
— Me lembro.
— Você não vai ser uma pessoa livre se fizer suas escolhas se
importando com o que os outros vão pensar.
— Eu adoraria ler.
— Azul?
— Sim.
— Também não.
— Se você fosse um animal, qual seria?
— E essa é mais uma das coisas que você fala que eu não faço a
menor ideia do que seja.
— Ok, continue.
— Quê?
— Ok, deixa pra lá… O que você gostaria que a sua página no
Wikipédia dissesse sobre você daqui a dez anos?
— Você me odeia?
Ela pôs tudo sobre a mesa que eles haviam levado para o lado da
piscina, com um daqueles sorrisos insinuadores de quem estava
aprontando alguma coisa.
Essa era a palavra perfeita para definir aquela relação, que era
mais incerta do que o clima daquele planeta e que àquela altura ela
mesma ainda não conseguia entender. Luna olhou para ele, que parecia
ter realmente ignorado a pergunta de Coisina, e suspirou. Se quisesse
uma resposta, ela mesma que teria que encontrar.
Mas e lá, onde tecnicamente eram só eles dois e ela não precisava
postar fotos, o que seria?
— Ah, que maravilha! Nunca em todos esses anos eu pensei que
fosse chegar a ver Klaaoz… — Coisina começou, mas Klaaoz a fuzilou
com o olhar, e ela parou.
— Não, é só Bok.
— Não precisa!
Luna não desviava dos olhos dele um instante sequer, não iria
ceder. Klaaoz continuava com o olhar fixo, fuzilando-a, o rosto como uma
máscara de gelo, sem demonstrar um pingo de emoção, apenas com o
olhar semicerrado e impetuoso como se quisesse arremessá-la da
varanda.
— Explique.
— Por quê?
— Bom, não tem muita coisa interessante. Fui criada pelos meus
tios, minha tia morreu quando eu tinha sete anos, depois disso meu tio se
tornou uma pessoa que odeia o mundo, principalmente a mim. Quando
fui expulsa da escola, comecei a trabalhar na livraria dele. Mas a
convivência com ele em casa estava se tornando insuportável, então
resolvi me mudar para um quartinho improvisado nos fundos da livraria.
— Eu salvaria isso.
— Sim.
— Tem muitas coisas que você ainda não sabe sobre mim.
— Quase todos.
Aproveitando que estava ali, Luna decidiu tirar uma dúvida que
possuía desde que passara a conviver com Klaaoz: abriu as portas do
seu guarda-roupa e, como imaginou, não havia nenhuma roupa colorida.
Todas eram pretas ou em tons escuros.
— Sério?
— Posso ver?
— Não.
— Por favor?
Quando ele foi até ela, se abaixou e mostrou o que tinha na palma
de sua mão, o coração de Luna deu um pulo.
— Meu colar!
— Está comigo desde aquele dia. Eu tinha esquecido — disse,
afastando o cabelo dela e colocando o colar em seu pescoço.
Ela olhou irritada para Klaaoz, que estava com os olhos fervendo.
— É por isso que você não quis colocar no holobook, agora tudo
faz sentido!
— Klaaoz, isso não tem nada a ver. Apenas não tem motivo pra ele
saber.
— Claro que ele precisa saber, Coisina mesmo disse que ele tem
sentimentos por você.
— Mas eu estou com você, e não com ele. Não é isso que importa?
A raiva no olhar dele foi substituída aos poucos por outra coisa.
— Nós estamos juntos há semanas e você não quer dizer a ele por
causa de algo que eu fiz há estações! Tem certeza de que você
esqueceu mesmo o passado? Porque parece que não importa o que eu
faça, você sempre vai me ver daquele jeito.
— Desembucha.
— Você não deve ficar com uma pessoa só porque consegue viver
com ela, Luna. Você deve ficar com uma pessoa porque você não
consegue viver sem ela.
Pela primeira vez, Luna viu Coisina, que parecia sempre tão certa
e confiante, perder a postura.
— Por quê?
Coisinha continuou:
— Ele o matou?
— Meu Deus, Coisina, mas por que você não fazia nada? Por que
você aguentou por tanto tempo?
— Porque ele realmente me fazia acreditar que tudo que ele fazia
era culpa minha e que eu estaria cometendo um erro se não o
perdoasse. Ele dizia que eu era o amor da vida dele, que aquela era
apenas uma fase ruim, e eu sempre acreditava. Acreditava nas lágrimas
que escorriam quando ele aparecia me pedindo perdão, dizendo que
nada se repetiria.
Luna suspirou. Parecia que Coisina nunca dizia o que ela queria
ouvir. Ela falava exatamente o que ela precisava escutar.
— Ele é… tão irritante, cabeça-dura, se acha o dono da verdade e
às vezes é a pessoa mais idiota do mundo. Ele me faz querer gritar de
raiva e me causa coisas que eu não pensava ser possível sentir. Ele
arruína meu dia só com uma palavra, mas no último minuto consegue
consertar tudo sem nem precisar pedir desculpas. Quando ele está longe,
eu sinto a sua falta, mesmo sabendo que eu fico melhor sem ele. Eu o
quero fora da minha vida, mas eu nunca quero que ele vá embora. É
confuso, não é? E eu não sei o que fazer.
— É, mas…
— Não, escute: você não pode ter um futuro com uma pessoa se
você não consegue esquecer seu passado.
— Tente mais. Nunca deixe de tentar. Mas, se você acha que não
vai conseguir esquecer, é melhor desistir. O passado nunca vai mudar.
Rys estava na sala de HoloTV assistindo ao novo programa de
Z’ohannah, sonhando em um dia participar dele e ao mesmo tempo
sentindo vontade de morrer ao se lembrar de que desmaiara na hora em
que iria conhecê-la pessoalmente. Z’ohannah representava tudo em que
ele acreditava. Ela era autêntica, falava o que pensava, não se importava
com a opinião dos outros. Ela era ela mesma e pronto. Alguém deveria
inventar uma religião para ela. Z’ohannicentrismo.
Rys não sabia o que responder. Klaaoz era uma pessoa muito
dramática.
— Olha, eu acho que você deve dizer a ela. Tudo que você falou e
também que mudou, que não é mais aquela pessoa que sequestra as
outras e sai quebrando coisas por aí… — respondeu, mas Klaaoz ficou o
olhando como se esperasse mais. O que ele iria dizer? — E não é só
falar, é mostrar que realmente mudou. — Klaaoz continuava o olhando,
ansioso. — E se não der certo, estarei aqui para ajudá-lo a beber todas
aquelas garrafas do bar até você esquecê-la.
— Mas…
— Esse colar.
— Ah, eu sempre tive. Foi presente dos meus pais, mas certa
pessoa o tinha roubado em uma festa e só me devolveu hoje.
Luna gelou.
— Pela luz da Energia, Luna! Você beijou seu primo! — gritou Rys.
42
— Lyrian.
Luna sentiu um tremor na espinha ao ouvir aquele nome. Já estava
acostumada a ouvi-lo nas histórias de Oberyn, mas naquele momento
parecia ter um significado diferente.
— Não sei. Mas só ela tinha esse colar. E… — Ele olhou para o
teto como se estivesse se lembrando de alguma coisa, depois continuou:
— Pela luz da Energia, como eu não pensei nisso antes? Ela morou na
Terra por muitos anos! Mas como eu iria adivinhar que ela havia tido
filhos?
— E onde ela está agora? Por que ela me abandonou? — Ok, isso
era só uma remota possibilidade, mas já era mais informação do que ela
havia recebido até aquele instante.
— Ela morreu, Luna — ele disse com o olhar mais triste do mundo.
Multiplicado por três.
Por que ela sentiu uma tristeza tão grande a invadir se aquela era
apenas uma mera possibilidade?
— Mas como você não sabia que ela tinha tido filhos, já que eram
amigos?
— Ela foi embora sem avisar a ninguém. Mas antes me deixou esta
carta:
Querido Oberyn,
Sinto muito pelo decorrer dos acontecimentos. Talvez a única lição
que podemos tirar disso tudo é que ninguém manda no coração
(desconfio que você já saiba disso).
É uma droga, mas saiba que neste hotel bagunçado que é meu
coração sempre existirá um quarto que pertencerá só a você. E ele
jamais será desocupado, não importa o quão lotado este hotel fique.
Embora nunca tenhamos dito isso em voz alta, acho que nós dois
sabemos.
Mira também não manda no coração, eu entendo. Mas nada vai
tirar da minha cabeça que Stayon é culpado por tudo. Então, decidi partir.
Estou fazendo em segredo porque não aguento mais ver vocês brigando
por minha causa.
Talvez um dia eu volte e vocês percebam que eu estava certa ou
eu perceba que estava errada (não seria a primeira vez, não é?).
Por favor, cuide de Mira. Apesar das coisas horríveis que dissemos
uma para outra, eu ainda tenho aquela vaca (é uma coisa da Terra, ela
vai entender) como minha irmã.
Cuide do pequeno Klaaoz. Não poder vê-lo crescer parte meu
coração.
Cuide-se também. Sério. Tente se apaixonar por pessoas melhores
e que o merecem. Estou escrevendo com lágrimas nos olhos. Droga,
borrei minha maquiagem que só vende na Terra, já está acabando e eu
não sei quando vou voltar lá para comprar outra.
Espero que algum dia possamos rir de tudo isso na varanda,
bebendo conhaque broptoniano ao som de rock da Terra. Vamos
comemorar com uma festa daquelas, que vai fazer seu pai voltar do
túmulo só para brigar conosco como daquela vez. Bons tempos.
Sinto falta disso.
Não vou conseguir terminar esta carta.
Preciso ir, mas não consigo.
Por que é tão difícil?
Adeus.
Calma. Lembra-se daquela vez que você precisou mentir para o
seu pai por causa da viagem à Terra? A culpa não foi de Mira, foi minha
(senti que precisava confessar isso agora), mas eu acho que você já
desconfiava (quer dizer, acho que todos desconfiavam).
Ok, agora é sério. Preciso ir.
Até um dia.
Só mais uma coisa: aposto cem libras caelestreanas que Mira vai
se divorciar daquele idiota em no máximo dois anos gagrilyanos. Escreva
sua aposta aqui para quando nos reencontrarmos ver quem chegou mais
perto.
Agora eu vou mesmo, a nave já vai sair.
Com amor, Lyrian.
Pela primeira vez, Luna, que tanto lia e tantas palavras conhecia,
não conseguia pensar em nada para dizer. Tinha tantas perguntas
entaladas que não sabia nem por onde começar.
— Não.
— Eu não sei.
— Ele é da Terra pelo menos? Ele é a pessoa que eu acho que ele
é? — Ela foi atropelando a resposta dele.
— Não sei. Provavelmente.
— Porque ela foi embora e não disse para onde! Você acha que eu
me sinto bem com isso? — A emoção embargava a voz de Oberyn, seus
olhos queimavam numa expressão terrível e triste.
Como era possível sentir tanta falta de algo que nunca teve? Como
teria sido ter uma mãe? Como teria sido poder abraçá-la, poder
compartilhar com ela suas mágoas, dúvidas, conquistas e sonhos? Qual
seria o som do seu riso, sua cor favorita? Será que suas semelhanças
iam além da aparência? Será que ela também odiava uva-passa? Será
que algum dia essas perguntas seriam respondidas? Como ela estaria se
não tivesse morrido? E quão diferente sua vida teria sido se aquilo não
tivesse acontecido?
À sua frente era possível avistar uma luz, que ia se tornando maior
e mais próxima à medida que percorriam aquele caminho. Quando
alcançaram o lugar de onde vinha a iluminação, Luna quase caiu de
joelhos.
— Isso… é… a coisa mais bonita que eu já vi — falou pela
milésima vez desde que saíra da Terra, mas, dessa vez, ela tinha certeza
de que nada superaria o que via.
— Sim.
— Sim. É aquecido.
— Sim…
— Eu sinto muito.
— Você a conheceu?
— Como você.
— Como assim?
— A Energia?
Ele suspirou.
— Eu sinto muito pelo que eu falei no outro dia. Eu não fazia ideia.
— É…
Ele riu.
Ele riu.
Quando ele chegou a suas costas, foi difícil até respirar. Luna
apenas afundou a cabeça no travesseiro, se sentindo incapaz de abrir os
olhos. Ele a virou de frente e continuou. Ela segurou o cabelo dele
enquanto cada parte de seu corpo latejava com aquelas sensações já
familiares a invadindo.
Após o banho, Klaaoz usou o poder para tirar todas as coisas que
estavam bagunçadas em cima da cama de Luna. Quando os dois se
deitaram, ele olhou por alguns segundos para o teto, depois fechou os
olhos.
— Ei…
Luna sabia quem eram seus pais, mesmo não sabendo o que
acontecera a eles.
Aprendeu a usar seus poderes.
Por muito tempo, Luna ficou presa num espaço-tempo odiando sua
vida. Queria o passado de volta, sonhava com o futuro, mas não
conseguia se livrar do presente.
Até que a paz foi dissipada por um ruído vindo de muito longe.
— Vocês não podem levá-lo! — ela gritou. Toda a cena foi como
um borrão para Luna. Ela mal conseguia enxergar direito.
— O que tem essa maldita garota que foi o começo de todos esses
problemas? E por que você a raptou pra começo de conversa? —
perguntou o holograma de um homem velho e carrancudo.
— E como você acha que vai conseguir chegar até ela de novo?
Entrar na Capital com o Sistema todo atrás de você e sequestrá-la
novamente?
Não. Não era possível. Era mentira, aquilo não podia ser real.
Ele não respondeu, estava mais pálido do que já era e lhe lançava
outro olhar inesquecível para sua coleção.
Não.
Não.
Não.
Seu mundo estava desmoronando. Ela sabia que ele não era a
melhor pessoa do mundo, mas aquilo era… doentio. Por que ele
precisava ter dito aquelas coisas, feito-a acreditar que ele a amava se
tudo não passava de um plano?
Ela não conseguiu fazer nada além de olhar para a parede, sem
reação. Tudo acontecia tão rápido que era difícil de entender.
Bok ficou no quarto até todos saírem, lhe deu uma última olhada e
balançou a cabeça negativamente. Ele não precisava dizer nada, seu
olhar já falava tudo. Ela não precisava nem ler sua mente.
Essa era a pergunta que ela se fazia todos os dias e para a qual
não conseguia encontrar a resposta. É, coração, por que ele?
Luna estava dentro da nave voltando para a Capital, levando
apenas o chuveiro na mão. Seu estômago, que antes estava cheio de
borboletas, parecia estar cheio de abelhas.
Não aguentava mais ficar ali, sendo julgada como se ela também
não estivesse odiando a si mesma por tudo que acontecera. Como ela
era idiota. Aquele tempo todo… tudo não passara de um plano. Meu
Deus.
— O quê?
Mas como Klaaoz pôde ter mentido tanto? Os sinais estavam lá,
ela que se recusara a enxergar. Por isso que ele apareceu de repente no
planeta de Oberyn. Por isso que ele os obrigou a acompanhá-lo. Por isso
que não a levou direto para o Comando Omega, precisava que ela
primeiro aprendesse a usar seus poderes. Por isso que ele não a deixava
partir. Por isso que ele ficou tão estranho quando tentaram sequestrá-la
na festa em Teyrilia. Tudo fazia sentido.
Por que aquilo estava acontecendo? Por que sempre que alguma
coisa na sua vida começava a dar certo outra coisa acontecia e
estragava tudo?
Ela ficou sentada olhando para a parede por tanto tempo que
perdeu até a noção da hora. Até que ouviu batidas à porta. Ignorou. Não
queria falar com ninguém. Não queria ver ninguém.
— Onde está Luna? — Essa era a única coisa que ele queria
saber.
A hesitação de Zuuvak em responder fez a vista de Klaaoz
escurecer por um instante. Todas as sensações ruins que já sentia devido
à gorgana acabaram se intensificando.
— Não sei. Pelo que eu ouvi, ela deve ter voltado para aquele
planeta dela.
— Não sei. Deixe isso para lá. Estou fazendo o possível para
adiantar o julgamento para a próxima estação. Tentarei entrar em contato
assim que tiver uma data certa. Não foi fácil conseguir esta ligação. Tente
se manter vivo até lá.
E, então, desligou.
O que vácuos ele estava pensando? Que iria se casar com ela,
que eles viveriam felizes para sempre?
“Não existem finais felizes para pessoas como ele”, ela mesma
dissera.
Mira olhava para seu filho, mas não conseguia enxergar nada
daquilo que as pessoas achavam a seu respeito, nem por um segundo.
Ela sentiu um aperto tão grande no peito que, assim como ele, não
conseguiu conter as lágrimas. E naquele momento dois guardas
apareceram e a levaram de volta antes que pudesse responder.
— Mas, primeira-dama…
— Tragam.
— Por quê?
Mira suspirou.
Também não sabia dizer se estava viva ou morta, mas tinha quase
certeza de que havia morrido. Pelo menos, era assim que se sentia.
Será que ele realmente estava fingindo ser outra pessoa todo
aquele tempo que passaram juntos? Ela não sabia o que pensar. O
simples ato de se lembrar do que aconteceu fazia sua cabeça latejar.
— Onde eu estou?
Não sentia nada. Não conseguia sentir mais nada. Aquela era a
pior sensação do mundo e, ao mesmo tempo, não era sensação
nenhuma.
— Parece que ele te odiava muito, culpava você por ter que se
afastar do cargo que exercia — ele continuou. Era inacreditável como ela
ainda tinha lágrimas para chorar, demonstrando que não sentir nada era
mais um desejo do que a realidade. — Essas pessoas do Comando
Omega não têm caráter nem medem esforços para conseguir o que
querem. Não importa quem tenham que destruir. — Ele balançou a
cabeça, com tristeza no olhar. — Eu não sei como o meu próprio filho foi
capaz de se tornar uma pessoa assim. — O presidente levantou o rosto
para enxugar lágrimas que começaram a escorrer.— Nós precisamos
detê-los! Antes que eles consigam chegar ao governo. Você poderia usar
seu poder em algumas pessoas do Senado e convencê-los de que…
Nesse momento, Luna teve um estalo. Como ele sabia que ela era
gagrilyana? Fechou seus olhos e tentou ler a mente dele, mas não
conseguiu. Será que ela também estava sob efeito de gorgana? Mas por
que não sentia a dor toda de que falavam?
— Por que eu não consigo usar meu poder em você?
Por que ele insistia tanto naquela questão? Tinha alguma coisa
errada.
Ele arregalou os olhos. Luna daria tudo para conseguir ler o que se
passava em sua mente naquela hora.
— Não sei de onde você tirou essa ideia, nós éramos ótimos
amigos. —Alguma coisa estava muito errada. — Eu não sou seu inimigo,
Luna — ele falou em tom apaziguador. — Eu até coloquei uma
recompensa para quem conseguisse salvá-la das mãos daquele… — Ele
pronunciava as palavras com repulsa.
Tinha algo realmente muito errado. Por que Oberyn não ficou
surpreso quando soube que Klaaoz atirara no próprio pai?
— Você fica péssimo de barba — foi a primeira coisa que ela falou,
mostrando que, apesar de todos aqueles anos, a relação deles ainda era
a mesma.
— Como eu pude ser tão cega? Esse tempo todo Stayon… — ela
disse entre soluços, falar em voz alta as coisas que ele fizera era
doloroso demais. — Como eu fui ingênua.
Klaaoz respirou fundo. Para a sorte de Bok, seu poder ainda não
havia voltado.
Rys ficou pensando qual dos dois escolheria em seu lugar. Bom, a
vida com Bok seria irrevogavelmente mais fácil. Ele era bem mais
musculoso, tinha lindos olhos verdes e tinha rodado o Sistema inteiro
para salvá-la. Já Klaaoz não era lá a melhor pessoa do mundo para se
conviver, sem contar que esse tempo todo estava planejando prendê-la e,
apesar de ter dito que estava arrependido… estava horroroso de cabeça
raspada.
Ai, que complicação. Rys se sentiu aliviado por não ser ele quem
tinha que quebrar a cabeça para escolher. Ele provavelmente faria o que
Z’ohannah faria. Daria um jeito de ficar com os dois sem um saber do
outro. Levaria a vida assim enquanto desse e, no dia em que eles
descobrissem, se mudaria para um planeta isolado de tudo e viveria o
resto da vida fazendo artesanato.
— Nós vamos resgatá-la e tudo vai ficar bem! Ela não teria ficado
com você de qualquer jeito. Eu poderia tê-la levado comigo desde a festa
e nem seria à força como você fez para trazê-la da Terra — Klaaoz o
provocou.
— Olha, eu não sei o que ela tinha na cabeça para ficar com
alguém como você. Mas saiba que, se você fizer alguma coisa para
machucá-la, vai se ver comigo — Bok falou calmamente. Aquele soco
devia ter aliviado a tensão das últimas horas.
Quando viu Klaaoz entrar sendo arrastado por dois guardas, Luna
entendeu o motivo do sorriso venenoso que o presidente dera antes de
deixá-la. Os guardas o jogaram no chão, e ele parecia não ter forças para
se levantar.
— Ok, se você não quiser me ajudar por bem, então vai me ajudar
por mal — disse o presidente ao entrar novamente no recinto. Sem mais
delongas, ele retirou uma arma do bolso e a apontou para Klaaoz. Luna
gelou. — Você vai me ajudar a controlar a mente das pessoas ou eu
atiro.
Ela pôs as mãos em seu rosto, sentindo que nada mais importava.
Só queria que ele estivesse a salvo. Seu olho estava roxo e sua pele,
sem cor. Parecia ter sofrido tanto ou até mais do que ela.
E, então, como que por impulso, ela o beijou. Não foi um daqueles
beijos ardentes a que tanto estava acostumada, mas ainda teve o poder
de transportá-la para outro lugar e fazer tudo parecer bem, mesmo com o
mundo desmoronando.
— Desculpe por tudo. E saiba que eu amo você. Eu amo você com
todo esse meu coração desgraçado, inútil de merda. Não importa o que
aconteça — ele disse.
— Nossa, eu não pensei que seria tão fácil assim. Mesmo depois
de tudo que ele fez? Você é mais idiota do que eu pensei.
— Eu não vou fazer isso! — foi tudo que ela conseguiu dizer.
Luna olhou para Klaaoz, mas ele não parecia tão abismado quanto
ela. Era como se já estivesse esperando por algo daquele tipo. Com a
expressão impassível, ele estendeu o braço e fez sinal positivo com a
cabeça.
Aquele som a deixou atordoada. O que ela havia feito? Seu instinto
inicial foi correr para ajudá-lo, fazer qualquer coisa, mas, antes que ela
pudesse dar dois passos, o presidente apontou a arma para ela.
Mas Luna olhava para Klaaoz e não via nada do que Stayon dizia.
Desde o dia em que se conheceram, ela o vira de tantas maneiras
diferentes que parecia que estava constantemente diante de outra
pessoa. Viu a pessoa mais bonita do mundo e a mais horrível. Um
príncipe, um monstro. Um sonho, um pesadelo. Até que percebera que,
embora ele tivesse um vestuário abrangente, não era ele quem mudava.
Eram os olhos dela.
Ao ouvir isso, a visão de Luna ficou turva. Como um pai era capaz
de fazer isso com o próprio filho?
Meu Deus. Ele era pior do que Luna imaginava. Ele só iria parar
quando Klaaoz estivesse morto.
Bom, mas eu nunca tentei esconder o meu poder. Não o via como
algo para sentir vergonha, e sim para me orgulhar. Ela usava a desculpa
para o meu pai que o meu poder vinha de uma linhagem do meu avô,
algo que ela não havia herdado.
Lyrian continua sem conhecer os limites das coisas. Acho que ela
é uma péssima influência para meus filhos, desde criança sabia que ela
daria trabalho. Mas a essa altura não tenho o que fazer. Eu até gosto
dela. Sei que Oberyn é apaixonado por ela, mas ela só faz encher o
coitado de esperanças. E Mira é muito influenciável e aceita tudo que ela
diz sem contestar. Quando ela convenceu Mira a ir a um planeta de outro
Sistema por causa de um doce, choco… alguma coisa, como eu fiquei
irritado!
Mira foi mesmo sem minha permissão. Elas descobriram a
embaixada desse planeta na Capital e arranjaram um jeito de irem
escondidas. Lyrian tentou convencer Oberyn a ir também, mas graças à
Energia ele ficou mais ajuizado quando entrou na universidade. Ele se
tornaria professor de História Gagrilyana e Filosofia da Energia, eu já
havia tido visões sobre isso. Meu sonho era que ele virasse político,
como a tradição de nossa família, mas desisti de insistir nesse assunto.
Ele não leva jeito. Ao contrário de Stayon, meu novo assistente. Um
rapaz esforçado que veio de baixo e superou muitas dificuldades para
mudar de vida. Eu vejo um futuro brilhante em Stayon. Ele é o que eu
sempre sonhei que meus filhos fossem.
Por isso que, quando tive visões de que Mira em sua segunda
viagem para a Terra iria engravidar, não a impedi de ir. Porque eu havia
visto também que Stayon iria sugerir que dissessem que o filho era dele,
e que ela aceitaria por não ter coragem de me dizer quem era o
verdadeiro pai, um rapaz qualquer da Terra.
Talvez eu tenha sido muito rígido com meus filhos. Mas como não
ser?! Que pai no meu lugar, sabendo os erros que os filhos cometeriam
com antecedência, não tentaria evitá-los? Quando eu era jovem, ignorei a
visão que tive do suicídio do meu pai por ainda não ter certeza de como
funcionava o meu poder, não levei a sério. Não quero cometer o mesmo
erro com meus filhos. Às vezes, eu gostaria de não ter esse poder, mas o
único jeito de não ter essas visões seria tomar doses semanais de
gorgana e eu já li livros com relatos suficientes para saber o quão letal e
doloroso é.
Eu parei e precisei tomar fôlego antes de continuar a ler.
Meu pai não era meu pai? Isso explicava muita coisa. Todos
aqueles anos eu sentia algo estranho, como se ele não gostasse de mim.
Me perguntava o que eu havia feito de errado. Ele nunca foi um pai de
verdade, nunca se importou, mas sempre fingiu muito bem.
Principalmente na frente da minha mãe. Ele sabia que eu sabia que era
tudo falsidade. Eu só nunca entendi por que ele fazia isso.
A minha sorte foi ter uma parte da herança do meu avô, era mais
do que o suficiente para viver o resto da minha vida da melhor maneira
possível, e eu podia acessá-la pelo globo ocular. Passei uns tempos
morando no melhor hotel de uma cidade de lá, levando um estilo de vida
completamente destrutivo. Eu vivia de festas e não aprofundava meus
laços com ninguém. As únicas pessoas com quem ainda mantive contato
por um tempo foram meus únicos amigos da escola, Heats e Kievan.
Morar num hotel tinha suas vantagens, mas não era um lar. Foi aí
que decidi procurar o planeta Gagrilya e conheci Coisina. Anos se
passaram, e as únicas pessoas com quem eu de fato convivia eram
Coisina, Zuuvak e Morg, que é mais que uma pessoa para mim.
Foi fácil entrar na festa por ser um baile de máscaras, usei minha
lente falsa para passar pela segurança. Mas quando os vi, mesmo de
longe, não me senti tão confiante assim. Fui invadido por uma tristeza
incomum. Não por causa dele, e sim por minha mãe. Enquanto ele fazia
aquele discurso ridículo, prestei bastante atenção na expressão dela. Ela
não parecia feliz como ele.
Decidi falar com ela. Ela era incomum. Falava coisas estranhas.
Peixes, aquário, ascendente? Provavelmente estava bêbada. Bêbada
demais, porque nada que ela falava fazia sentido.
Eu disse que um dia todos saberiam quem ele era de verdade. Ele
disse: “não se eu lhe matar antes”. Ele colocou a mão no bolso para
pegar a arma, mas eu fui mais rápido. Atirei, ele caiu no chão, mas abriu
um sorriso venenoso.
Claro que sua roupa era blindada, como eu não imaginei? Ele
havia me induzido a fazer isso só para destruir a minha imagem e a do
Comando Omega. Como sempre, ele estava um passo à frente de todos.
Ela era gagrilyana, mas parecia não fazer ideia disso. Quando
soubesse o poder que ela tinha, com certeza minha mãe tentaria
convencê-la de ir para a casa de Oberyn só para ter uma desculpa para
falar com ele.
Levei-a para Gagrilya contra sua vontade. Sabia que isso iria
destruir ainda mais minha imagem. Iriam inventar histórias horríveis de
que eu a estava mantendo em cativeiro. Mas quem ligaria? O importante
era que ela usasse seu poder para salvar o Comando Omega, para
destruir a imagem de Stayon. O mundo precisava saber quem ele era.
Depois de um tempo, paramos de nos odiar. Ela não era tão ruim
assim. Talvez tivesse sido manipulada a fazer o que fizera. Talvez, se eu
explicasse o plano para ela, quem sabe ela não ajudaria por vontade
própria?
Ah, eu não admitia nem para mim mesmo, mas aqueles malditos
hologramas sabiam o que eu sentia por ela. Culpa das frutas daddas.
Tudo o que Luna viu na mente de Klaaoz não durou mais do que
alguns segundos, foi como se as lembranças dele fossem as dela, como
se, no instante em que entrara na mente dele, tomasse ciência de tudo
instantaneamente.
Meu Deus.
— Será mesmo?
Mas se não fizesse… Será que ela conseguiria viver para sempre
com aquele mistério?
— Saia da frente!
— Não!
— Saia!
— Não!
Ele precisava dela viva para seu plano diabólico. Ele não atiraria
com ela na frente.
— Por que você quer dar a vida por uma pessoa que tentou tirar a
sua? Você é tão estúpida quanto sua mãe! Se aqueles amigos
asquerosos dela não tivessem levado você pra Terra, eu teria dado um
jeito em você também.
Sua visão ficou turva, um zumbido tomou conta do seu ouvido e foi
seguido por um silêncio ensurdecedor, como se o mundo tivesse
acabado.
Ele continuou imóvel, como se soubesse que o que ela falava era
mentira. Luna ainda podia sentir sua pulsação fraca, quase parando, mas
ainda sentia. Não podia desistir.
— Klaaoz, não ouse me deixar. Nós temos muito pelo que brigar
ainda. — Ele tentou esboçar um sorriso, mas os olhos dele continuavam
cerrados, como se ele estivesse indo para longe. Mas ele ainda estava
ali. — Pare de seguir a luz. Volte. — Luna tentava se manter calma, mas
por dentro estava completamente em pânico. Respirar tinha se tornado
uma tarefa muito difícil, assim como o simples ato de existir nesse meio-
tempo em que Klaaoz estava entre a vida e a morte. — Você veio aqui
para me salvar… — Ela pôs a mão em sua testa, acariciando seu rosto,
enquanto com a outra mão tentava segurar seu pescoço, que pendia
para trás. — Você já me salvou tantas vezes… Eu preciso salvá-lo agora,
eu não posso deixar você morrer.
Luna tremia tanto que não conseguia nem verificar se Klaaoz ainda
estava respirando. Ele parecia não estar mais ali. Um buraco se abria no
chão à medida que ela ia tomando consciência do que havia acontecido.
Ele se fora.
Meu Deus. Não. Isso não podia estar acontecendo. Nem as
lágrimas Luna conseguia enxugar. Não conseguia raciocinar, respirar,
fazer nada. Ela foi invadida por um pânico total, que começou nas suas
mãos e foi subindo até a cabeça a ponto de deixá-la tonta. O mundo
havia sido tomado por escuridão.
Ela apertou sua mão, mas sentiu as forças dele se esvaindo. Não.
Não. Não.
— Não!
— Saia. — Ele tentou de novo. Era doloroso vê-lo tão fraco
daquele jeito.
Klaaoz pareceu reunir todas as forças que ainda lhe restavam para
falar:
— Você está ciente de que eu fiz tudo isso só para me divertir, não
é? Eu sempre tive intenção de matá-lo, mas eu não queria perder a cara
dele vendo você fazer isso. Porque no fim você não vai se lembrar de
nada do que aconteceu e vai colaborar de todo jeito.
Klaaoz não teria morrido em vão. Sua mãe não teria morrido em
vão. Se ela morresse, não seria em vão. O mundo saberia quem aquele
homem era. A causa pela qual Klaaoz passara a vida toda lutando… não
seria uma causa perdida, afinal.
— Ai! — Ele gemeu de dor. — Por que você me matou? Por que
você não escreveu o que aconteceu de verdade? E o que vácuos
significa esse 0,5 cm de sorriso? Você sabe o que é 0,5 cm? Por acaso
você já viu uma régua?
Oberyn manteve seu escudo invisível sobre eles até a polícia, que
assistira à transmissão ao vivo de todas as confissões do presidente,
chegar para prendê-lo. Stayon até tentou fugir, mas Oberyn bloqueou a
saída. Ele foi preso e estava na pior prisão que existia, tendo o que
merecia.
— Para mostrar que você não precisa de outra pessoa para ter um
final feliz! Você mesmo quem faz o seu final feliz.
— É, eu concordo. Mas não quer dizer que esse seja o único jeito
de ter um final feliz. E como a minha intenção com esse livro é mudar a
vida das pessoas, elas precisam saber disso.
FIM.
A
Agradecimentos
Primeiro: desculpa por esse final. Saiba que, se você estiver com
vontade de me xingar, me bater, me assassinar — os arianos sentiram
—, é normal. Todos que leram o final na minha frente tiveram a mesma
reação, e eu até criei uma palavra gagrilyana para traduzir o sentimento:
chluichkyea, quando você está com raiva por ter sido enganado, mas ao
mesmo tempo está feliz por ter sido enganado. Eu filmei a reação deles,
e você pode assistir aos vídeos no meu Instagram: @stephannesays.
A pessoa que me disse isso foi minha mãe, e não existem palavras
em nenhuma língua — nem em gagrilyano — capazes de traduzir minha
gratidão a ela. Primeiro que, sem ela, nem eu — obviamente —, nem
este livro existiríamos. Ela leu e revisou o primeiro esboço por meio de
chamada de vídeo, no meio dos corredores do hospital (ISEA) sem se
preocupar que as pessoas achassem que ela era louca por estar à uma
hora da manhã falando em outros planetas, gagrilyanos e outras palavras
estranhas no geral — até porque, convenhamos, eles já devem achar
mesmo; mas as melhores pessoas são loucas, e ela é a melhor pessoa
que eu conheço.
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E-MAIL: stephannesays@gmail.com
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Leia também:
[1]
Tradução: “Hoje é o dia em que seu livro começa, o resto ainda não
foi escrito”.
[2]
Referência ao trecho do livro Lolita de Vladimir Nabokov.
[3]
Tradução do trecho da música There Is a Light That Never Goes Out da banda The Smiths: “Morrer ao seu lado, que jeito divino de morrer”.
[4]
Tradução: “Você precisa ter o caos dentro de si para dar vida a uma estrela dançante”.