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PERIGOSAS NACIONAIS

A Filha do Presidente

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R. Schmidt

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Sumário
Capítulo 1 – Solidão presidencial
Capítulo 2 – Agente Garner, Olívia Garner
Capítulo 3 – Uma primeira impressão
Capítulo 4 – Cumprindo o papel
Capítulo 5 – O que pode tocar o coração
Capítulo 6 – O que pode tocar o coração
Capítulo 7 - Injustiça
Capítulo 8 – Decisões tomadas
Capítulo 9 – Ninguém sabe o que o futuro reserva
Capítulo 10 – Invasão à Casa Branca
Capítulo 11 – Salve-a
Capítulo 12 – Acordando do pesadelo
Capítulo 13 – Acordando do pesadelo – Parte II
Capítulo 14 – Só o tempo trará as respostas
Capítulo 15 – Honra e bravura
Capítulo 16 – O primeiro dia
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Capítulo 17 – O segundo dia


Capítulo 18 – O certo e o errado
Capítulo 19 – O erro mais lindo que já cometi
Capítulo 20 – Permitindo-se
Capítulo 21 – Mudanças positivas
Capítulo 22 – Quando tudo parece estranho...
Capítulo 23 – A primeira vez
Capítulo 24 – Esse é o meu passado
Capítulo 25 – Apenas um susto
Capítulo 26 – Decisões que mudarão nossas vidas
Capítulo 27 – Parabéns, Emma
Capítulo 28 – Eu tenho medo, mas eu te amo
Capítulo 29 – Suspeitas, eu e você
Capítulo 30 – Rumo à presidência
Capítulo 31 – Não haverá escapatória
Capítulo 32 – Eu me alimento da sua beleza
Capítulo 33 – Descobrindo a verdade
Capítulo 34 – Segredos revelados
Capítulo 35 – Beco sem saída
Capítulo 36 – Novos sentimentos, quase um confronto

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Capítulo 37 – Amor, amizade e uma nova realidade


Capítulo 38 - Verdade ou conseqüência
Capítulo 39 – Você quer jogar, Emma?
Capítulo 40 – O perigo vem de onde menos se espera
Capítulo 41 - O confronto pessoal
Capítulo 42 – Você nunca vencerá a guerra
Capítulo 43 – Para o inferno
Capítulo 44 – O que trouxe a quase morte
Capítulo 45 – Zelena é sua irmã
Capítulo 46 – Acerto em família
Capítulo 47 – A vida continua
Capítulo 48 - Será que ela volta
Capítulo 49 – A carta
Capítulo 50 – Vai ficar tudo bem
Capítulo 51 – Podemos procurar por ele?
Capítulo 52 – Uma surpresa para Olívia
Capítulo 53 – De repente tudo pode mudar
Capítulo 54 – Essa sou eu
Capítulo 55 - O pedido inusitado
Capítulo 56 - O perdão é para os fortes

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Capítulo 57 - O resgate do tempo perdido


Capítulo 58 - O casamento presidencial
Capítulo 59 - Presidente Eleanor Conner

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Capítulo 1 – Solidão
presidencial
"Sam Willian irá presidir a sessão no
Senado que votará o polêmico projeto sobre a
extinção ou aplicação das sanções contra a
China. Amanhã a discussão finalmente irá para o
Congresso. Republicanos e Democratas afirmam
que vão votar sem a influência de seus partidos,
mas alguns parlamentares devem se opor à esse
posicionamento."
Ali não havia nada fora do seu devido lugar.
"A Noite Estrelada", de Vincent Van Gogh,
mantinha-se ao lado esquerdo do cômodo; "O
Nascimento de Vênus", obra de Botticelli, ao lado
direito; a boisere de painéis chineses laqueados,
pertencentes ao século XVIII, compunha parte da
luxuosa decoração da sala de jantar da Casa
Branca. Apesar da beleza, o lugar era frio, mas não
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pela temperatura climática, e sim, pela ausência de


calor humano.
Os olhos morteiros, porém atentos de
Eleanor, vasculhavam e observavam pela enésima
vez, cada detalhe do cômodo que expressava uma
personalidade minuciosa, sem o brilho da alma a
quem pertencia.
Sentada à cabeceira da mesa de pés
torneados, que casavam harmoniosamente com o
tampo contemporâneo e robusto, estava a filha do
presidente dos Estados Unidos da América,
gozando solitária de seu desjejum, enquanto
acompanhava as notícias do telejornal matutino.
Solitária, não no sentido literal da palavra, uma vez
que sua posição social lhe impunha contato
constante com uma infinidade de pessoas, mas pelo
estado de espírito que ela mesma havia adotado
para si.
- Às 10:30 sua mãe irá acompanhá-la ao
almoço beneficente que...
- Eu já sei de cor e salteado todos os meus
compromissos do dia. Obrigada. – A voz de timbre
rouco da morena soou mais impetuosa do que o
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esperado, deixando um rastro de constrangimento


em Pauline, sua secretária particular, que nada mais
fazia naquele momento, do que cumprir com a sua
função de assessoramento.
- Srta. Conner, eu só estou tentando repassar
a agenda, já que conhecemos bem a Sra. Beatrice e
sabemos que ela não tolera...
- Pauline, eu conheço a minha estimada
mãezinha há trinta e seis anos. Sei exatamente
como funciona esse traço irritante de pontualidade,
pois eu o herdei. – Eleanor ergueu o braço esquerdo
à fim de verificar as horas em seu Cartier – Tenho
algum tempo ainda, não me apresse. Eu vou para o
meu quarto me arrumar. – Ela levantou-se,
utilizando o guardanapo preto bordado, que até
então era mantido em seu colo, para limpar os
cantos de sua boca, dispensando-o em seguida ao
lado do prato – Não quero que ninguém me
incomode, senão, aí sim não conseguirei cumprir
com os devidos horários marcados. Encarregue-se
do meu sossego por pelo menos alguns minutos. –
Altiva por natureza, a mulher deu alguns passos em
direção à saída. Antes de transpor a porta, voltou a
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sua atenção para a loira que a observava – Por


favor? – Então, ela sorriu brevemente ao receber o
assentimento com a cabeça, sumindo casa afora.
O caminho até a sua suíte não era tão longo,
em termos de distância, mas era demasiado
exaustivo para Conner. Atenta aos empregados
indo e vindo a executar as suas funções, ao mundo
ostentativo à que pertencia, sempre era remetida a
divagações sobre a sua vida e sobre si mesma.
"A senhora me desculpe, mas no momento
não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem
eu era quando acordei hoje de manhã, mas já
mudei uma porção de vezes (...). Receio que não
possa explicar, Dona Lagarta, porque é
justamente aí que está o problema. Posso explicar
uma porção de coisas, mas não posso explicar à
mim mesma..."
Alice no País das Maravilhas era um dos
clássicos infantis que mais lhe apetecia. Por
motivos aquém de seu conhecimento, sempre se
lembrava desse trecho da história ao percorrer os
metros que se davam entre a sala de jantar e seus
aposentos. Contudo, em seu íntimo, ela sabia que
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todos os seus questionamentos de cunho filosófico,


faziam-na se parecer em demasia com a Dona
Lagarta.
- L'appel Du Vide. L'appel Du Vide.
A morena citava a expressão de origem
francesa como se decorasse uma matéria para os
exames finais do colegial, ao passo em que se
despia de suas vestes, mantendo o corpo escultural
coberto somente por um conjunto de lingerie azul
escuro.
Em seu closet, corria os dedos pelos tecidos
de seus variados modelos de vestidos, dispostos por
tamanho e cor, metodicamente organizados por
sessões de uso.
- Maldita mania de perfeccionismo! Por que
eu tenho que ser tão parecida com a minha mãe?
Oh, droga! Qual? Qual? Qual? Esse! Perfeito!
Pronto! A escolha da vestimenta estava feita.
Os sapatos não lhe causaram tantas dúvidas. Foi
pego o primeiro par que sua destra alcançou, depois
de ter fechado os olhos para parecer uma opção
aleatória, como se não tivesse memorizado o lugar
exato de cada coisa ali dentro.
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- Foco, Eleanor! Esse almoço em prol da


Campanha Contra a Depressão é muito importante
e você precisa parecer entendedora do assunto.
Discursar não é fácil, mas já vez isso incontáveis
vezes e essa vez não será muito diferente das
outras. – Falar sozinha foi um hábito adquirido
desde sua tenra infância, onde via-se cercada de
inúmeras bonecas e seres imaginários, mas
nenhuma amiga humana – "O Chamado do Vazio"
é uma súbita vontade que já passou pela cabeça de
muitas pessoas... – Conner proferia as palavras
pausadamente enquanto seu corpo refestelava-se
sobre o cobre-leito em tom rosa perolado de sua
cama. Repassava o que falaria diante de várias
senhoras e senhores dispostos a doar quantias
exorbitantes à mais essa obra em favor do
sofrimento alheio e às suas imagens de benfeitores
da sociedade - ...de pôr um fim em sua própria
vida. Eu mesma já senti essa emoção. Desculpe-
me, mamãe, mas nenhum de nós está livre disso,
nem mesma eu. Aparentar estar bem
psicologicamente, aparentar estar feliz, não
significa uma reprodução da realidade interna. –
Suas íris miravam um ponto cego do teto e suas
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mãos repousavam sobre seu peito – É uma emoção


incontrolável. Geralmente acontece quando
encontramo-nos diante de uma situação de aparente
risco, como estar pisando na linha de segurança ao
aguardar o metrô, ou quando estamos apreciando
uma linda vista em um local alto. É uma idéia um
tanto quanto fugaz, mas que graças à Deus se passa
pela nossa cabeça em um intervalo de tempo tão
pequeno, que instintivamente, é o suficiente para
mudarmos de opinião.
Solidão: estado de quem está só; retirado do
mundo; isolamento. Em uma breve pesquisa, há de
se encontrar essas expressões como explicativo
para a palavra tão temida. A teoria é clara, de fácil
entendimento, mas a prática não se dá tão simples.
Em senso comum, ser solitário é viver isolado sem
nenhuma companhia, e não deixa de ser. Contudo,
existe um lado muito cruel da solidão, onde o
indivíduo, embora cercado de pessoas, não
consegue se conectar com nenhuma delas, menos
ainda consigo mesmo.
Essa era a realidade de Eleanor Connor. A
mulher que agora, mais uma vez, lamentava
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silenciosamente, em posição fetal, os infortúnios de


sua vida perfeita. Repassando o seu breve discurso,
ela acabou entendendo que, na verdade, falava
sobre si e sua depressão latente. Era solitária,
obviamente não por estar separada de seus
familiares e das demais pessoas, mas sim por
sentir-se desconectada do mundo. Insatisfeita com
sua própria existência, a única herdeira da fortuna
do presidente abandonou a si, deixando de ter
prazer em suas relações. Vivia em modo
automático, como robô programado para sorrir e
acenar, tendo, vez ou outra, breves pensamentos
suicidas.
De nada adiantava estar no topo das posições
sociais, gozar de uma riqueza financeira a se perder
na contabilidade, viver aqui e acolá em meio a
flashes, glamour, festas e rodeada de pessoas belas,
inteligentes, consideradas a nata selecionada da
sociedade americana. Em ignorância, seu dia-a-dia,
aos olhos de muitos, era maravilhoso, cabal, porém
não passava de um ledo engano.
A morena tinha verdadeira paúra da sensação
de não poder ser e fazer o que bem entendesse fora
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das convenções e regras de etiqueta, juntamente


com o peso que carregava de seu sobrenome. Isso a
talhava, a assombrava dia e noite de sua existência
ímpar, lhe consumindo feito papel em brasa pelo
pavor de olhar para os lados e enxergar uma
multidão que a aclamava, mas olhar para dentro de
si e enxergar o vazio de não reconhecer-se.
E assim, ela tentava ocupar, inutilmente, o
tempo e a mente para evitar conviver consigo
mesma, sem se dar conta de que era o mesmo que
tentar abarrotar um buraco sem fundo que nunca
seria preenchido.
Não era glamorosa, mas sim, teatral, a vida
da filha do presidente.

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Capítulo 2 – Agente
Garner, Olívia Garner
- Mamãe, você sabia que Abraham Lincoln
foi o primeiro presidente americano a favor do voto
feminino? – A loira dizia enquanto contava as
cinco gotas do adoçante, como costumava temperar
o seu café preto, isso quando não o tomava puro.
- Seria vergonhoso demais eu assumir que
havia me esquecido dessa informação até você citá-
la? – A mulher de cabelos curtos, negros, denotava
uma aparência cansada por conta de suas olheiras
aparentes. No entanto, fazia questão de manter-se
sorridente ao amamentar o bebê de apenas um ano
e seis meses que brincava tranqüilo com suas
mãozinhas, alheio a tudo o que se passava ao seu
redor.
- Claro que não. O aprimoramento e a
ampliação do papel e dos direitos das mulheres na
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sociedade, por incrível que pareça, são pouco


disseminados. Na verdade, é assustadora a
quantidade de pessoas que não se dá conta, ou
simplesmente se esquece da importância que a
mulher tem e na contribuição determinante que ela
aplica em todos os âmbitos no mundo em que
vivemos. – A provocação em brincadeira fez a mais
velha menear negativamente a cabeça, rindo
brevemente em seguida.
- Sou mesmo uma péssima representante do
gênero feminino... – A matriarca da família
suspirou.
- Eu tenho muito orgulho de você, minha
filha. É tão sagaz, inteligente, determinada,
lutadora. Não é à toa que chegou tão longe. – O
homem alto, parrudo, de traços nórdicos,
interrompeu a degustação do seu café da manhã
para tombar o seu corpo e abraçar a sua querida.
- Ah, papai, eu não teria conseguido
absolutamente nada sem o apoio de vocês. Sendo
eu o Sansão, minha força não se daria nos cabelos,
e sim, na família maravilhosa que eu tenho.
- Será que podemos mudar de assunto? O dia
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mal começou e vocês estão fazendo os meus olhos


lacrimejarem.
- Mamãe, menos pieguice, por favor.
- Foi ótima essa sua idéia de ter vindo ontem
passar um tempo conosco, de ter dormido aqui.
Você trabalha tanto! Quase não tem nenhum lazer.
Theo ainda é bem pequeno, mas já sente a sua falta,
assim como nós.
- São os ossos do ofício, papai. Infelizmente
não posso me dar o luxo de gozar de folgas
regulares como a maioria dos mortais. É o preço
que se paga por trabalhar na USES. E esse garotão
aqui? Estou virando um rapazinho, irmã. É...estou
sim. – Olívia trouxe o bebê do colo da mãe para
ampará-lo em seu peito. Era como se esse ato fosse
capaz de preencher o vazio que nela habitava há
alguns anos. O pequeno Theo trazia lembranças
ruins de um passado que deveria ter sido enterrado
pelo seu coração, mas que vira e mexe sua memória
resgatava lá do fundo da gaveta do esquecimento.
Em contrapartida, a primogênita via no caçula da
família, o símbolo da esperança e da fé na
humanidade que perdera outrora – Se as coisas
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tivessem acontecido de forma diferente, se eu não


tivesse sido tão imatura, descuidada, tão estúpida, a
essa hora o...
- Ei, hoje é um dia especial. – A matriarca,
percebendo os belos olhos cor esmeralda da filha
enxerem-se de lágrimas, levantou-se de imediato,
recolhendo o prato com migalhas de pão da sua
frente, substituindo por uma tigela de frutas da
época com cereal e iogurte natural, de maneira
exata como se dava a preferência da loira em seu
desjejum – Não vamos nos ater à absolutamente
nada que seja triste ou desagradável. Vamos lá, Liv,
conte-nos como será o seu dia hoje.
- Como assim, Nora? A nossa filha integra
uma equipe de escolta da alta cúpula do governo
americano. É lógico que o dia dela vai ser incrível!
- Nem sempre, George. Acredito que depois
que ela entrou para a Agência, a sua vida tornou-se
muito mais exaustiva. Não é, filha?
- Tenho que concordar com a mamãe. – A
moça entregou o bebê à mulher à sua frente,
preocupando-se com sua cabecinha ainda frágil –
Meu emprego não é tão excitante quanto parece. Às
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vezes chego em casa tão cansada física e


mentalmente, que deito em minha cama após um
banho, desejando que não tenha o dia seguinte. –
Ela ergueu o olhar, mirando o relógio de parede
artesanal, produzido com base em um disco de
vinil. Obra de arte de sua mãe, que se ocupava nas
horas vagas com trabalhos manuais, os quais
colocava à venda na pequena loja de artigos
variados de uma velha amiga – Eu contei para
vocês que fui transferida de equipe?
- Não contou. Mas por quê? Algum
problema? Geralmente eles não transferem
ninguém sem um motivo plausível... – O patriarca
franziu o cenho, ao instante em que levava a xícara
de café com leite à boca. Encarava a filha, curioso,
bem como a sua esposa.
- Não há problema algum, ao menos não que
eu saiba. Isso foi uma decisão da diretoria. Agora
não farei mais a escolta do governador, e sim, da
realeza.
- Da realeza? – A pergunta foi feita em
uníssono, arrancando uma risada divertida da loira.
- Da presidência! A minha função a partir de
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hoje é proteger a família presidencial, incluindo


dois cães e suas respectivas namoradas. – As
gargalhadas fizeram-se presentes no ambiente pelo
tom irônico usado por Garner, atrelado aos gestos
de revirar de olhos em meio à sua mastigação.
- Mas se é assim, deveria estar mais animada,
não?
- Mamãe, daqui à exatamente três horas e dez
minutos, eu terei de estar de pé, sentindo calor
insuportável, vestida com esse terno, talvez com
fome, observando a primeira-dama almoçar com
mais não sei quantas pessoas, exibindo o seu garbo
e elegância aqui e acolá. Isso lhe parece animador?
- Acho que não muito. – A resposta foi dada
em um sussurro ao tom de brincadeira.
- E já que toquei no assunto de horário... – A
bela agente secreta, que trajava um blazer e calça
em alfaiataria preta Alexander McQueen, levantou-
se depositando um beijo no topo da cabeça de seu
pai, de sua mãe e de seu irmão, caminhando em
seguida até o sofá da sala, onde estava a mochila
com os seus pertences - Eu preciso ir antes que
acabe me atrasando.
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- Não pode ficar conosco nem mais alguns


minutos?
- Não, papai, mas prometo passar a minha
próxima folga com vocês novamente, está bem?
- Está certo, filha. Vá com Deus!
Já na porta, a loira não se demorou nas
despedidas. Odiava ter que se separar de sua
família, de seus bens mais preciosos que serviam
tantas e tantas vezes como suporte emocional para
que ela conseguisse suportar as desmazelas da vida.
Com isso, seguiu o seu rumo, sem mais delongas.

************
Poucas atitudes são tão requeridas no âmbito
profissional do que a responsabilidade. É ela que
pavimenta o caminho da confiança e lealdade.
Ineficiência é compreensível, perdoável.
Irresponsabilidade não, sob nenhuma hipótese. A
primeira pode ser segregada ao grupo de
comportamentos treináveis. A segunda somente
pertence ao caráter.
Olívia Garner, a californiana de 32 anos, era
um exemplo raro de honra, decência e
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profissionalismo, que automaticamente remetia à


responsabilidade. Desde pequena, em seus mais
tenros sonhos de menina, queria servir ao país,
talvez um pouco influenciada pela profissão de seu
pai, o condecorado sargento da Divisão de
Operações Especiais em Estatística Criminal,
George Garner. Contrariou todas as expectativas da
família em seguir o estereótipo de professorinha
interiorana da mãe, Nora Garner, seguindo carreira
na Agência Secreta dos Estados Unidos.
Nos filmes e seriados que envolvem de
alguma maneira a USES, sempre deparamo-nos
com situações e ações aos quais achamos
demasiadas exageradas, forçadas, talvez pelo
impacto que a trama deve causar em termos de
emoções em seus espectadores. No entanto, ao
contrário do que muitos imaginam, realidade
assemelha-se sim à ficção.
Homens fortes, ágeis, vestidos ao estilo
“M.I.B – Homens de Preto”, lançando seus corpos
contra o chão ao menor sinal de uma ameaça,
existem sim, porém, obviamente, sem o glamour
dos efeitos especiais do chroma key.
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Quase ninguém acredita, mas os membros do


grupo de elite do governo são pessoas com
habilidades definitivamente excepcionais, quase
super heróis, onde, em suas funções, ressaltam o
treinamento pesado e a desenvoltura de técnicas
inimagináveis.
Com Garner não acontecia diferente. A loira,
em seu processo de formação, até chegar aonde
chegou, foi submetida à vários desafios. Enquanto
dirigia o seu Honda Accord vermelho pelos
aproximados sessenta e sete quilômetros que
distanciavam Baltimore da Casa Branca, foi
lembrando-se de um à um. No socorro emergencial,
aprendeu a usar um desfibrilador, a tratar de lesões
imediatas, a executar uma ressuscitação
cardiopulmonar. Reteve conhecimentos específicos
em natação de resgate, disfarce, direção evasiva,
computação forense e, pelo o seu grau de eficiência
e desenvoltura, a formação especializada de uma
atiradora de elite. Liv, mais do que ganhava um
salário para executar tais tarefas, vivia em prol da
proteção da alta cúpula do governo americano,
estando sempre disposta a ficar até mesmo à frente

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de uma linha de fogo para isso.


- Garner, eu aprecio a sua pontualidade
britânica. Venha, precisamos repassar o esquema
tático de hoje com toda a equipe.
A moça assentiu, seguindo o seu superior - o
coordenador-chefe Michael Waite, braço direito da
presidência - pelos corredores da ala sul,
imediatamente à sua chegada no local.
- Senhor, desculpe-me pela interrupção, mas
é que durante todo o meu treinamento aqui na Casa
Branca, tomei ciência de cada empregado, a rotina
de todos os que trabalham e vivem aqui dentro, de
alguma maneira os que têm acesso à residência, em
ênfase, claro, o presidente e sua esposa. O que me
preocupa é que até hoje não conheci pessoalmente
a Srta. Conner. Não terei nenhum problema quanto
a isso? – O homem de aparência polida e jovial,
cessou sua caminhada, virando-se para trás à fim de
encarar a sua subordinada.
Olívia não demonstrava nenhum traço de
ansiedade, ou sequer de emoção alguma. Uma de
suas características mais notórias dentro da
profissão que exercia, era o poder de controlar os
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sentimentos diante de qualquer tipo de situação.


Essa era, provavelmente, a arma mais eficaz que
possuía, uma vez que o inimigo fareja um ponto
fraco através dos deslizes emocionais que
cometemos.
- Tivemos contratempos, como bem sabe,
mas pode ficar tranqüila que isso não
comprometerá em absoluto as nossas ações de hoje.
- Sim, senhor.
- Olha quem vem ali...
Wes, um dos membros mais bem treinados e
requisitados da Agência, amigo intimo de Garner já
há alguns anos, aproximava-se à passos firmes da
dupla.
- Chefe, Liv... - O robusto homem
movimentou levemente a cabeça em cumprimento
– Foi oportuno ter encontrado vocês nesse exato
momento. A Sra. Conner pretende sair alguns
minutos antes da filha. Deseja passar na casa de sua
amiga, a Sra. Sherry, para prosseguir
posteriormente até o local do evento.
- Ah, Beatrice! Sempre conseguindo manter a
sua parcela de culpa pela minha enxaqueca. –
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Waite massageava as têmporas, revirando os olhos


discretamente para o mal feito da primeira-dama –
Agente Garner, enquanto não saímos, verificaremos
se está mesmo afiada. Qual é a distância em
minutos em uma corrida mediana, do salão oval até
uma das saídas de emergência da ala norte?
- Três minutos e vinte e cinco segundos
aproximadamente.
- Em metros até a área oeste?
- Quarenta e oito.
- Temos quantos cômodos de emergência?
- Cinco.
- E elevadores?
- Seis. – A loira respondeu a todas as
perguntas de imediato, mantendo o semblante
impassível, mas por dentro, vibrando em
comemoração pelo acerto das respostas sem
nenhuma sombra de vacilo.
- Muito bem. Eu vou falar com a Sra. Conner
e traçar uma nova e melhor rota para seguirmos.
Agente Mosby, você seguirá com Garner e Charlie
na escolta da Srta. Eleanor. O restante do pessoal

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virá comigo e a primeira-dama.


- Tudo certo, senhor.
O chefe da equipe estava a postos para
dirigir-se aos aposentos de Beatrice Conner,
quando ouviu o som estridente de saltos altos. O
ritmo lento e impositivo dos passos dados foi
reconhecido pela sua sensibilidade auditiva,
formando, assim, um sorriso satisfeito em seus
lábios quando se deu a imagem da bela morena no
recinto. Foi então que o homem de olhos
acinzentados voltou a sua atenção para Olívia,
sussurrando discretamente:
- Aí está o motivo de sua preocupação. Tenha
o prazer em conhecer pessoalmente Eleanor
Conner, a filha do presidente dos Estados Unidos.

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Capítulo 3 – Uma
primeira impressão
As emoções estão presentes em cada ato, nos
pensamentos, comportamentos, no que é falado e
até no que não é. Emoções são respostas
automáticas aos eventos e, junto com os
sentimentos, possuem as características tais como
as de um termômetro, um indicador das escolhas e
decisões cotidianas. Formam, ao nosso redor, quase
um universo paralelo, oculto, onde o que se sente
pode tornar-se um segredo inviolável, caso não
venha a ser externado.
Olívia manteve-se imóvel, impassível, desde
o primeiro segundo em que seus olhos cor de
esmeralda encontraram o castanho dos de Eleanor.
A mulher de cabelos negros, ajeitados em um
coque bem firmado, trajava um vestido drapeado
evasê em tecido nobre na cor azul marinho; os
louboutins em tom nude alongavam a silhueta
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perfeitamente curvilínea; as jóias compunham


magnificamente o visual da herdeira de Dustin
Conner.
Em pouco tempo, sem demonstrar nenhuma
reação, o cérebro da loira processou as inúmeras
informações à respeito da filha do presidente, tantas
quanto o seu olhar aguçado pôde captar. Era muito
mais bela vista de perto. Detinha uma beleza
imensurável e incomparável, mas, acima disso,
exalava, além de um perfume inebriante, uma
elegância ímpar. E não era somente por vestir-se
bem, ostentando as marcas caras e os sapatos de
sola vermelha, ou até então por ter se portado
refinadamente. Garner tinha a certeza de que não se
tratava apenas de uma percepção externa, era uma
questão de calibre que vinha da alma da morena.
Tudo ali tentava distraí-la, fazendo de Conner uma
simples expressão patética, irritantemente trivial no
mundo da política. No entanto, sua esbeltez
revelou-se através do anonimato, somente aos olhos
que a encaravam veemente.
Ao contrário da agente federal, Eleanor
filmou a figura à sua frente de cima à baixo, de
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baixo à cima, sem a menor preocupação ou


intenção de esconder sua análise minuciosa. Ateve
sua atenção à trança lateral que ornamentava o rabo
de cavalo da loira, de rosto assimétrico e sardas
quase imperceptíveis.
Desde a sua tenra infância e juventude,
Conner conviveu com vários seguranças, policiais,
homens e mulheres da lei que acompanhavam as
atividades de sua família, mesmo as mais
corriqueiras. Teve contato com pessoas que se
enquadravam nos mais diversos estereótipos, não
cabendo nenhum dos atributos conhecidos, à moça
de lábios coloridos por um batom vermelho.
- Quem é ela? – A voz levemente
enrouquecida fez-se ressoar pelo local.
- Oh, perdão pelo lapso. – O comandante
desculpava-se – Essa é a agente Olívia Garner. Ela
é a nova integrante da nossa equipe. Quando nos
reunimos para as devidas apresentações, houve uma
impossibilidade de sua parte: a viagem repentina do
Sr. Henderson. Lembra-se?
- Infelizmente sou detentora de uma brilhante
memória, Waite. Infelizmente. Para muitos isso é
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uma dádiva, mas para mim, um verdadeiro


tormento na maioria das vezes. – Suas palavras
eram proferidas sem o desvio da observância na
mulher de terno bem alinhado.
A fixação de ambas, atrelado ao silêncio que
se deu em um dado instante, tornou-se incômoda. O
franzir do cenho de Eleanor, bem como o seu
sobrolho erguido, foi o suficiente para o chefe de
segurança perceber o ato falho que sua subordinada
estava à cometer. Estranho era o fato dela mesma
não tê-lo percebido.
"Liv está nervosa?" O homem indagava-se,
estranhando aquela atitude vinda da loira, mas era
impossível obter uma resposta precisa. Foi
necessário um toque discreto em seu braço e um
tossir com pigarro para trazê-la de volta da sua
suposta desatenção.
- Senhorita, peço licença para retirar-me.
Preciso rever a rota principal que seguiremos com
sua mãe.
- Por que rever a rota? Algum problema do
qual eu não tive conhecimento? – Por mais
excêntrica que pudesse ser a situação, somente
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nesse momento é que a morena voltou a sua


atenção à Michael.
- Absolutamente nenhum problema que não
seja o de sempre. – Um olhar cúmplice e um sorriso
comedido deu-se entre os dois, uma vez que ambos
conheciam à fundo a primeira-dama, e não era
preciso muito para adivinhar de que se tratava de
mais um de seus caprichos descabidos – Eu
realmente preciso ir, senão nos atrasaremos.
Importa-se que meus dois agentes lhe expliquem
melhor o que houve?
Um menear negativo com a cabeça, e dessa
vez um sorriso incrédulo naquele rosto
desarticulado, fizeram uma sombra quase
imperceptível de divertimento transparecer no
semblante de Garner; um riso silencioso e breve.
Waite nem havia sumido por completo do
corredor, quando Wes fez menção de dirigir a
palavra à sua protegida, tendo sua intenção talhada
por Olívia.
- Srta. Conner... – A loira estendeu a mão –
Primeiramente peço desculpas pela falta de
traquejo em não tê-la cumprimentado antes. –
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Eleanor atendeu ao gesto de cortesia. A fisionomia


amena da mulher e o assentimento com a cabeça
asseguraram a aceitação do desleixo – A senhora
sua mãe deseja desviar o caminho do evento para a
casa de uma amiga. Por precaução seguiremos em
rumos diferentes, adiantando o trajeto. Irão
acompanhá-la o agente Mosby, o motorista e eu.
Alguma objeção?
Garner não fazia idéia, mas tal qual a voz da
filha do Presidente, que detinha suas
peculiaridades, a sua foi instrumento de um intrigar
ainda maior em Eleanor.
A morena não teve a chance de manifestar-se
a respeito do comentário da moça, pois seu cão
veio correndo em sua direção, avançando com as
patas quase em seu peito, à festejar a alegria do
encontro.
- Billy! – Logo atrás vinha Pauline com a
guia em mãos, erguida, perseguindo o vira-lata – O
que faz com ele à essa hora, criatura? Por que Bill
está solto logo aqui? – Conner abaixou-se,
acariciando os pêlos em tom caramelo, sorrindo
para o animal que parecia deveras feliz ao abanar o
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rabo freneticamente.
- Eu o estava levando para que John fizesse o
passeio matinal, mas ele ouviu a sua voz e...cá
estamos.
Era notoriamente atípico que um pet
presidencial não tivesse raça definida, que fosse um
cão popularmente classificado como "de rua".
Contudo, quem pensava de tal maneira eram os
leigos que não sabiam que Eleanor era uma
inveterada apreciadora do mundo animal. Quando
criança, em sua inocência, queria que o pai
comprasse o zoológico para que, sendo ela a
proprietária, não permitisse que ninguém mais
fosse capaz de maltratar nenhum bicho, tendo
espaço e condições para abrigá-los e tratá-los. Por
ela, recolheria todo o animalzinho abandonado na
rua, assim como fez com o seu dócil e esperto
companheiro, mesmo sob infindáveis protestos por
parte de seus pais.
- Oh, não, não, não. – A morena levou a mão
esquerda ao rosto, tampando-o, desacreditada do
que acabara de ver: duas marcas escuras, evidentes
das patas do cachorro em seu vestido – Eu custei
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para encontrar algo adequado para vestir-me e você


me apronta uma dessas, bebê? E agora? Não vai dar
tempo de trocar! Oh, céus! O que eu faço? – A
lamentação deu-se dessa vez com uma massagem
nas têmporas.
- Calma, senhorita. – Sua secretária tentava
verificar o estado do tecido. As caretas que fazia
denunciavam que a situação não era nada
satisfatória.
Wes movimentava a boca, ora para as
laterais, ora mordendo os lábios, em claro sinal de
um quase desespero por prender o riso diante do
ocorrido. Liv, por sua vez, repreendeu-o somente
com o olhar severo que lançou.
- Hã...Srta. Conner, se me permite...
- Eleanor. Eu estou nervosa. Por favor, me
chame de Eleanor. – A mulher tentava a todo custo,
e inutilmente, livrar-se do sujo em sua roupa, dando
leves tapas no local, sendo auxiliada por Pauline.
- Eleanor... – A loira deu um pigarro antes de
aproximar-se, desconfortável com tanta
informalidade no tratamento - ...se me permite
verificar... – O toque de sua mão deu-se abaixo da
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linha do seio esquerdo, fazendo a morena prender o


ar sutilmente. Segundos de estranheza e
constrangimento dissiparam-se quando Billy
rosnou para a "estranha" que se encostava a sua
dona. – Mas esse rapaz cumpre com mais eficiência
a função de segurança do que muitos colegas
nossos de trabalho, não é mesmo, Mosby? –
Brincou a agente.
- Não posso comentar. A patroa está nos
ouvindo. – O homem completou a brincadeira.
- Acho que preciso ter uma conversa com o
meu pai a respeito disso... – Atipicamente o tom
que Conner usava era divertido, contrário à sua face
preocupada.
- Pauline, poderia conseguir um pouco de
talco, detergente, um pedaço de tecido seco e papel
absorvente? – A moça semicerrou os olhos
estranhando o pedido. Eleanor alternou o olhar
entre uma e outra, bufando baixo, contrariada.
- O que pretende fazer com isso? – A morena
indagou, também curiosa.
- Resolver o seu problema. Se não há tempo
para uma troca de vestimenta, certamente haverá
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para que eu repare o mal feito. – Garner


transparecia calma e firmeza nas palavras, o que
passou certa estabilidade emocional para ambas as
mulheres que a miravam.
- Tem certeza? – A herdeira presidencial
ainda insistiu.
- Não temos outra opção. – O uso do verbo
no plural foi somente para amenizar o efeito da
frase, uma vez que, dadas as circunstâncias, as
conseqüências de um atraso recairiam somente
sobre Eleanor.
- Certo. Pauline, querida, providencie o que a
agente Garner solicitou, por obséquio, agora. – O
sarcasmo e a rispidez eram evidentes, mas foram
ignorados por todos.
- Já retorno...
- Ah, leve o Bill.
- Sim, senhorita.
Assim que sua secretária deixou o lugar com
o seu pet, Conner suspirou, resiliente à má sorte
que teve.
- Resgatei-o no retorno de uma visita que

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meus pais e eu fizemos ao GFK Stadium, depois


que o reformaram. Chuviscava. Paramos em um
sinal e, quando olhei para o lado, lá estava Billy,
com suas orelhas caídas, tremendo, encarando-me
como se pedisse socorro. Fiz drama, não permiti
que o motorista arrancasse com o carro enquanto o
Sr. Alexander não cedeu às minhas súplicas em
trazê-lo para casa. – Eleanor contava a história
encarando um ponto cego na parede, com o ar
saudoso, talvez mais para fazer-se lembrar de um
momento que considerava importante em sua vida,
do que para conhecimento dos demais.
- E isso aconteceu há quanto tempo? – De
modo insólito, a loira sujeitou-se a prolongar o
assunto, mas isso era exclusivamente para findar as
suas conclusões.
- Três anos.
"Tal mãe, tal filha. Capricho e teimosia
devem vir em algum alelo do DNA. Se ainda fosse
atitude de uma criança... Bom, não deixa de ser. A
infantilidade independe da idade."
Esse pensamento da agente só se dava por
não conhecer a alma dos amantes dos animais, uma
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vez que não pertencia à esse grupo de pessoas.


Aquilo não poderia ser classificado como "birra",
"inconseqüência", tal como imaginava, mas sim,
como salvamento de um ser indefeso.
A loira havia ganhado um gato persa, branco,
de olhos bicromáticos, o qual batizou de Craig,
logo quando completou sete anos. Vivia com o
bichano para cima e para baixo, tratando-o como
membro da família. Meses depois teve o pet
envenenado por um vizinho incomodado com seus
miados, e desde então, nunca mais nutriu amor por
nenhum outro animal de estimação.

************
Cerca de cinco minutos se passaram, com
Conner impaciente transcrevendo alguma
mensagem no celular e Wes preocupado com o
descumprimento do horário programado de saída,
para que a secretária retornasse com tudo o que lhe
foi pedido.
- Agente Garner... – Seu colega de trabalho
verificou as horas em seu relógio de pulso - ...creio
que estamos...
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- Atrasados? Já? – A morena inquietou-se


ainda mais.
- Podemos fazer isso no carro. Não se
preocupe, vai ficar tudo bem.
A tentativa de entender o mundo que nos
cerca esbarra em um obstáculo incrível e
engenhoso: a ignorância de como funciona a nossa
principal ferramenta para lidar com o universo em
que habitamos – a mente. Se ela é um mistério, o
que poderíamos dizer sobre o súbito
compadecimento que Olívia teve para com a
mulher desesperada? Era como se a loira
entendesse que por trás de todo aquele exagero
teatral, escondia-se alguém que precisava de um
auxílio muito maior do que uma mera limpeza no
tecido de sua vestimenta.
- Andras 1, como estamos com a entrega? –
O agente Mosby acionou um pequeno e quase
imperceptível dispositivo localizado na lapela de
seu terno. Segundos depois teve o que puderam
deduzir como afirmativa, já que o homem assentiu
para a sua colega de trabalho, que imediatamente
antepôs Eleanor na caminhada até o veículo,
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mantendo-se atenta em sua retaguarda.


- Roteiro 2, Charlie. – Garner ordenou em
tom contraditoriamente firme e brando ao
adentrarem o veículo.
O luxuoso Cadillac ultrablindado, com a
estrutura de um caminhão GMC Topkick, possuía
câmeras de visão noturna, computador com acesso
à rede wi-fi e até um canhão de gás lacrimogênio.
Em sua traseira, havia aparatos médicos dignos de
séries famosas do gênero, servindo a "fortaleza"
sobre quatro rodas, como uma espécie de "porto
seguro andante".
Dois policiais batedores em motocicletas
seguiram discretamente na frente para assegurar o
trânsito livre, aproveitando para efetuar o
patrulhamento ostensivo nas ruas. Um helicóptero
os monitorava via aérea e a escolta terrestre dava-se
com um Suburban preto, levando a pequena equipe
de atiradores de elite.
Logo que estavam em movimento, já em vias
de assegurar o cumprimento do compromisso, a
loira pôs-se a passar um pouco de detergente sobre
a mancha no vestido caro de Conner.
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- Onde aprendeu essa técnica? – Liv franziu o


cenho, surpreendida com a tentativa de interação da
mulher.
- Sou solteira, moro sozinha. Tenho que saber
de tudo um pouco para sobreviver à esses pequenos
contratempos. – Com o pano, agilmente a agente
esfregou o local, polvilhando o talco e, por fim,
pressionando o papel absorvente. Algumas
batidinhas no tecido para eliminar os resquícios dos
produtos utilizados e...voilá! Estavam agora diante
de uma roupa intacta – Pronto. Novamente
apresentável para abrilhantar o almoço beneficente
junto de sua mãe.
- Uau! Tenho que reconhecer que você é
mesmo muito boa nisso. - E não somente. Garner
era incrivelmente habilidosa em vários outros
quesitos. – Obrigada.
- Não há necessidade de agradecimento,
senhorita. É o meu trabalho.
- Claro que é o seu trabalho! Quem disse o
contrário? – Tal resposta não era esperada, e menos
ainda com a aspereza com que foi proferida.
Contudo, nem isso foi capaz de alterar a fisionomia
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e emoções quase intransmutáveis de Garner, que se


manteve em postura ereta à executar com maestria
a sua função de segurança e acompanhamento da
herdeira presidencial – Charlie, pode colocar Enjoy
the Silence, do Machines & Morgan, por favor? –
A divisão em vidro retrátil da cabine do chofer
estava abaixada, permitindo assim que Eleanor
pudesse solicitar que fosse ouvida uma de suas
músicas preferidas durante o trajeto.
Foi involuntário. Olívia observava a morena
com sua visão periférica, no entanto, a estranheza
do pedido fez com que a agente voltasse toda a sua
atenção para a mulher que cantarolava baixo, de
maneira quase inaudível, buscando estudar detalhes
daquela que trazia consigo um misto de beleza,
impetuosidade, e dois dos sete pecados capitais –
luxúria e soberba.
- Boa escolha, Srta. Conner. – Wes
comentou, recebendo o olhar curioso da loira.
"Words like violence
Palavras como violência
Break the silence
Rompem o silêncio
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Come crashing in
Chegam destruindo
Into my little world
O meu mundinho
Painful to me
Doloroso para mim
Pierce right through me
Me atravessam
Can't you understand?
Não consegue entender?
Oh, my little girl
Oh, minha garotinha
All I ever wanted
Tudo o que eu sempre quis
All I ever needed
Tudo de que sempre precisei
Is here in my arms
Está aqui nos meus braços
Words are very
Palavras são muito

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Unnecessary
Desnecessárias
They can only do harm
Elas apenas causam feridas
Vows are spoken
Promessas são feitas
To be broken
Para serem quebradas
Feelings are intense
Sentimentos são intensos
Words are trivial
Palavras são insignificantes
Pleasures remain
Os prazeres ficam
So does the pain
A dor também
Words are meaningless
Palavras não têm significado
And forgettable
E são esquecíveis

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All I ever wanted


Tudo o que eu sempre quis
All I ever needed
Tudo de que sempre precisei
Is here in my arms
Está aqui nos meus braços
Words are very
Palavras são muito
Unnecessary
Desnecessárias
They can only do harm
Elas apenas causam feridas
Enjoy the silence
Aprecie o silêncio."
Incomodada com a falta de ponderação sobre
o seu gosto musical por parte da loira, mesmo com
a reação dela que explicitava claramente a sua
surpresa, Eleanor respirou profundamente antes de
manifestar-se.
- Algum problema com a minha playlist,
agente Garner? Não gosta do estilo ou o seu
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sobrolho erguido quando pedi ao Charlie que


ligasse o som é por achar discrepante uma pessoa
como eu gostar de uma música tão...popular,
digamos?
Não foram exatamente as perguntas a ela
dirigidas que incomodaram Liv a ponto de engolir
em seco. Por sorte, segundos antes tinha colocado
os óculos escuros, que lhe ofereceram assim, meios
de esconder o rápido revirar de olhos. Eleanor
Conner era ambígua. Pareceu agradável ao falar
sobre o seu animalzinho de estimação enquanto
estavam na Casa Branca, mas agora abusava do
tom esnobe, fazendo cair por terra a primeira
impressão que passou a seu respeito.
Para Garner, aquela arrogância nada mais era
do que o reflexo de uma experiência de vida
confinada, onde se criou uma atmosfera que girava
apenas em torno do umbigo próprio. Levando tal
conceito em consideração, a loira limitou-se em
oferecer uma resposta educada, porém à altura.
- Me desculpe, apenas acho que o arranjo
feito pelo Depache Mode tem muito mais
relevância no cenário musical, mas isso é algo bem
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particular, senhorita, e não sou paga para discutir


tal tema. Águia 2, Crow, entrega feita. – Informou a
agente aos seus colegas de escolta através do
dispositivo comunicador, dando por encerrado o
assunto, bem como o trajeto ate o evento.

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Capítulo 4 – Cumprindo o
papel
A vida é, definitivamente, um jogo de
casualidades onde se tem duas opções: jogar para
ganhar ou simplesmente sentar e observar a
assertividade dos seus oponentes.
Embora cada um de nós tenha motivos
particulares para reagir emocionalmente diante de
situações adversas, todos agimos impulsionados
pela idéia de que tudo, absolutamente tudo se trata
de um jogo.
É sabido que quando se reage diante de uma
provocação, o outro ganha. Quando não se reage,
ele perde. Perder não é muito divertido, então, é
mais fácil acabar logo com o jogo e sair vencedor.
Em determinadas ocasiões, não se deve exteriorizar
as emoções, não se deve permitir que ninguém
perceba o quanto se é sensível. Isso é sinal de
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fraqueza, e fraqueza é atestado de declínio, de


morte súbita.
Tanto Olívia quanto Eleanor sabiam disso.
Eram duas mulheres, cada qual com seus trejeitos
particulares, possuidoras de sagacidade ímpar, com
o poder da oratória e dotadas com um grau elevado
de autoconfiança. A loira cometeu um pequeno -
quase imperceptível – deslize, se deixando levar
pela provocação de Conner, o que não passou
despercebido pela mesma. Iria revidar a resposta
atrevida da agente, obviamente destilando uma
dose cavalar de veneno em sua tréplica. No entanto,
preferiu não correr o risco de sair por baixo com a
moça lhe afrontando ousadamente outra vez, como
fez há segundos atrás. Usaria da sua inteligência e
perspicácia peculiares para dar realmente o fim que
lhe seria satisfatório para aquela interação odiosa.
- Muito obrigada por lembrar-me da posição
que ocupamos na escala hierárquica, agente Garner.
– A sucinta frase da morena foi proferida apenas
para espezinhar, somente.
Os policiais que seguiram na dianteira, já
haviam feito a varredura nas imediações do
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Honburg InterContinental Washington, local onde


se daria o almoço beneficente. Nos telhados dos
edifícios do entorno do hotel, os atiradores de elite
estavam a postos e bem atentos a qualquer
movimento suspeito, tal como a profissão exigia
em caráter máximo.
Liv mantinha o ritmo, o controle de sua
respiração; a impassividade já havia se tornado uma
de suas características mais marcantes, dando a
impressão enganosa de frieza diante de certas
situações. Isso acontecia naquele exato instante.
Por fora ela era apenas uma funcionária do Serviço
Secreto, concentrada em assegurar o bem-estar da
filha do presidente Conner. Por dentro, ela era uma
mulher raivosa que via claramente, em sua fértil
imaginação, os seus dedos ágeis apertando o
pescoço da morena presunçosa ao seu lado.
"Eu devo merecer. Eu devo ter sido uma
tremenda filha da puta em vidas passadas para
merecer isso. Ah, e eu que reclamava do
governador! Provavelmente estou recebendo o meu
castigo pelas minhas queixas do paraíso."
Esses eram os pensamentos que povoavam a
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mente da mulher mais nova quando meneou


positivamente a cabeça, indicativo de que estava
tudo liberado para prosseguirem com a "entrega do
pacote".
Wes saiu do automóvel estrategicamente
posicionado em uma das entradas laterais do lugar.
Abriu a porta para Eleanor, oferecendo a destra em
auxílio. Conner aceitou de prontidão o gesto de
cavalheirismo do rapaz, caminhando elegantemente
para dentro do hotel, ignorando qualquer protocolo
de segurança que por ventura tivesse que seguir.
O estabelecimento palaciano, situado à duas
quadras da Casa Branca, era uma bela propriedade
restaurada com régia decoração européia do século
XV. Apesar de comportar um Business Center, com
elegantes salões e espaços de reuniões, o evento
ilustre se daria no restaurante francês com pátio ao
ar livre.
Eleanor, durante a sua caminhada até a
imponente recepção, cumprimentou um ou outro
colaborador do hotel, reafirmando a sua honrosa
educação e cordialidade, apesar da má fama que
corria sobre sua personalidade presunçosa e
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arrogante por vezes.


Garner seguia atrás, bem como Mosby.
Outros agentes já estavam no lugar, posicionados,
trabalhando firme no esquema estratégico montado
há semanas atrás.
- Por que eu sempre me pergunto se é isso
mesmo que eu quero para a minha vida? – A loira
cochichou com o seu amigo, assim que pararam a
uma distância considerável da herdeira,
observando-a interagir com a refinada senhora de
traços escandinavos – uma das organizadoras do
rebuscado almoço.
- Porque você deve ter uma alma
questionadora. Se essa não fosse toda a sua vida,
com certeza já estaria exercendo alguma outra
função, como por exemplo, trabalhos manuais
artísticos, tal como a sua digníssima mãezinha. – O
homem sussurrou de volta.
- Deus me livre. É melhor eu ficar calada,
não? Vai que a maldição recai sobre mim...
- Eu também acho. Olha lá. – Wes livrou-se
do embaraço na garganta em um pigarro. Encostou
discretamente o cotovelo no braço de Liv,
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chamando a sua atenção para a charmosa e altiva


senhora que adentrava o salão.
A primeira-dama vinha seguida por Waite e
os outros membros da equipe, não deixando de
estampar, em nenhum momento, um sorriso largo e
dissimulado no rosto. O título lhe remetia uma
pompa pretensiosa, o que por vezes era certeiro.
Contudo, Beatrice não abria mão de uma faceta
mais humanitária, motivo pelo qual fez questão de
marcar presença em apoio à uma causa considerada
por ela, de extrema relevância para a população
mundial. Não se limitava a ser a esposa do
presidente apenas. Queria e ia muito além da idéia
errônea de mulher fútil que lhe atribuíam.
Eleanor abraçou a mãe, caminhando com ela
lado a lado, sorrindo abertamente para todos os que
passavam por ambas. Um fotógrafo interrompeu-as
e, do ângulo em que Garner encontrava-se, pôde
perceber o leve bufar e revirar de olhos da morena.
Aquilo de certa forma a divertiu, fazendo com que
tivesse que engolir o riso e disfarçar a cara de
satisfação.
"Bem feito, entojada!"
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Findadas as formalidades publicitárias, cada


um dos convidados do almoço beneficente, ocupou
seus devidos assentos. Todos os integrantes do
Serviço Secreto permaneceram a postos conforme
instruções passadas anteriormente por Michael,
dadas as necessidades de cobertura de cada ponto
do ambiente.
Para a agente, já não era tão mais divertido
ter que passar minutos, quiçá horas de pé, bem em
frente a Srta. Conner. Logo de imediato, seus
olhares encontraram-se causando segundos de
desconcerto em ambas. Elas haviam trocado farpas,
mesmo sob uma máscara de diálogo comum,
corriqueiro. Somente as duas sabiam os efeitos que
as palavras proferidas causaram em seus íntimos.
Mas será que sabiam mesmo? Será que sequer
desconfiavam que a breve conversa era, na verdade,
uma centelha que fazia parte de uma chama muito
maior que estava prestes a incandescer?
Um pequeno coquetel, servido como
aperitivo, já estava disposto sobre a mesa. As
conversas eram desordenadas, os risos e
cordialidades sendo mantidos ao caráter refinado
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que lhes competia. Tudo ilógico,


proporcionalmente disforme com a realidade aos
olhos de Olívia. Mas ela não estava ali para julgar,
estava apenas para certificar-se da segurança física
da esposa e da filha do Sr. Alexander.
Os pratos foram servidos, juntamente com
um tinto à temperatura ambiente, na seguinte
ordenação: a entrada fria com uma Salada
Francesa, a massa era um Penne ao Molho Rosê, de
proteína degustaram um Medalhão de Filé Mignon
com espinafre e cebolas, por último, um Quindim
com calda de frutas vermelhas como sobremesa.
A refeição foi finalizada, e à disposição dos
convidados - ao lado esquerdo do restaurante -
estava um buffet de doces, queijos, bem como o bar
aberto, para que a confraternização pudesse se
prolongar por mais tempo.
Em um dado momento, uma senhora de
aproximadamente cinqüenta anos, ares graciosos e
um andar vacilante, subiu ao pequeno palco ali
montado de improviso, pigarreando ao microfone,
chamando a atenção para si.
- Boa tarde. É maravilhoso ter todos vocês
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aqui conosco. Como sabem, há pouco tempo


tivemos o Dia Europeu da Depressão e nossa ONG
quis estender essa idéia para outras localidades. Ao
contrário do que muitos imaginam, a depressão é
uma doença, e é a responsável por mais de quarenta
e três mil e trezentas mortes por ano aqui nos
Estados Unidos. Infelizmente estamos em terceiro
lugar no ranking mundial. Graças a Deus, o nosso
trabalho de informar, esclarecer e desmistificar
muitas dúvidas que ainda existem está contando
com o apoio da primeira-dama e da nossa engajada
Eleanor Conner. Palmas para elas.
Eleanor, desde que se entendia por gente,
estava envolta em assuntos políticos. Seu pai
ocupou diversos cargos públicos, sendo aclamado
como um "verdadeiro homem do povo, das
minorias". Não era um título que agradava à sua
esposa. Ela o achava deveras exagerado, mas a
mulher nada podia fazer para evitar que seu marido
se preocupasse com as desmazelas da população
americana, conforme lhe cabia em sua função.
Tanto Beatrice quanto sua filha, ocupavam,
em nome de Alexander Conner, os espaços a que
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ele não tinha condições de alcançar. Ambas


produziam discursos, representavam papéis que
consolidavam o estatuto do país com muito mais
firmeza pelo fato de serem "mulheres à frente do
seu tempo". Acabavam, assim, prolongando o
poder e a popularidade do presidente.
Ambas proferiram belas palavras diante dos
presentes, arrancando sorrisos e murmurinhos
admirados. Era fato que Eleanor detinha um pouco
mais de desenvoltura que a mãe para lidar com
público, portanto, à ela ficou a incumbência da
oratória no encerramento do evento. Não vacilou o
seu tom de voz ao recitar o texto ensaiado em seu
quarto, o que deu créditos valiosos para as doações
que a organização - que realizava a campanha -
recebeu.
Antes que tivesse a chance de descer do
palco, um jornalista da comitiva de imprensa, pediu
permissão para interpelá-la.
- Srta. Conner, não estamos muito longe das
eleições presidenciais e existem rumores de que se
candidatará do cargo. Pretende ser a sucessora de
seu pai? Pode nos dizer algo a respeito disso?
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Como se já previsse esse tal questionamento,


a morena suspirou, manteve o sorriso nos lábios
coloridos de carmim, respondendo prontamente:
- Os caminhos que o destino nos faz seguir
são incertos, mudam constantemente, e com isso,
não posso afirmar ou negar nada relacionado à uma
possível candidatura minha. Obviamente que tenho
muito gosto em herdar o legado de meu pai, no
entanto, não há nada firmado concretamente. Por
ora, permanecem apenas sendo somente rumores.
Obrigada. Que todos tenham uma ótima tarde.
Liv estava imóvel em seu canto, observando
Eleanor sussurrar um "eu fui bem?" para Beatrice,
que respondeu um "sim" sorridente, seguido de um
abraço. A loira só saiu do seu transe, se dando
conta de que tudo ali estava finalizado, quando Wes
tocou em seu braço.
- Garner, está tudo bem? – Ela assentiu,
desviando o olhar das mulheres para o seu amigo.
- Águia 2, Crow, pacote à caminho, ok? – A
agente usava o dispositivo em sua lapela,
aguardando segundos para o consentimento de seus
colegas que estavam posicionados na área externa,
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bem como o de Waite, que conduzia esposa e filha


do Excelentíssimo Senhor Presidente da República
até o carro.
Durante a pequena caminhada, Olívia
manteve-se atenta ao que deduziu ser uma
discussão entre mãe e filha. Não eram de todo
audíveis as vozes de ambas, mas as feições e
gesticulações denunciavam a insatisfação de uma
para com a outra.
- Eu não sou uma boneca que você pode
manipular, mamãe. – Foi a frase que a Srta. Conner
sussurrou no ouvido de Beatrice antes de entrar no
veículo.
"O que será que aconteceu para que se
alterassem em tão pouco tempo? Pareciam
amorosas e agora..."
Garner sentou-se ao lado da morena,
arriscando uma breve olhadela para a mulher.
Eleanor estava séria, parecia ter o olhar perdido e
pesaroso. O trajeto foi todo feito em silêncio,
contrário ao anterior, o que possibilitou a agente a
atentar para o fato de que prestara atenção
demasiada na herdeira. "Ela não está bem". Isso
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não poderia ser associado à sua capacidade de


examinar miudamente o outro. Não sabia o porquê
de ter se deixado hipnotizar quando a morena
discursava, nem de estar se preocupando com a
mesma transparecer certa tristeza. Simplesmente
sentiu que algo estava errado. E que desagradável
sensibilidade que estava desenvolvendo
repentinamente! Liv constatou que o erro não se
caracterizava no estado de espírito de Conner, e
sim, no fato de ter sentido uma vontade absurda de
abraçá-la quando a viu, com sua visão periférica,
secar secretamente o local onde uma lágrima
solitária escorreu pelo seu rosto.
Já dentro dos limites da propriedade da Casa
Branca, assim que o veículo estacionou em frente a
uma das entradas, a herdeira saiu em disparada
rumando em direção à sua suíte, no intuito de
enfurnar-se no cômodo, uma vez que não queria ver
ou falar com absolutamente ninguém.
De porta trancada, Eleanor despiu-se por
completo de suas vestes, abriu a torneira do
chuveiro, regulando a temperatura da água para
fria. Fechou os seus olhos, imaginando que junto
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com as gotas que escorriam pelo seu corpo,


escorriam todos os seus infortúnios.
Em muitas das vezes, ela não tinha idéia do
que a aborrecia exatamente, pois considerava a sua
vida um grande circo tedioso e cansativo. Oscilava
de humor constantemente durante as horas que
corriam no ciclo do dia, e mesmo assim, nunca
tinha sido diagnosticada com transtorno bipolar.
Provavelmente deveria ser correto, já que seu caso
não era considerado tão grave e preocupante.
"Apenas excesso de estresse", diziam os terapeutas.
Naquele momento em especial, a mulher
sabia bem o motivo de seu desconforto e de seu
choro quase compulsivo. Beatrice, supondo estar
cuidando dos interesses da filha, visando garantir o
seu futuro promissor, insistia veementemente que
Eleanor assumisse publicamente um
relacionamento com David Henderson, filho do
governador de Washington. A insistência ferrenha
causava brigas constantes entre elas, saturando cada
vez mais a convivência.
"Ele é um rapaz bonito, de boa linhagem,
gosta de você e te dará a chance de constituir a sua
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própria família. O que mais pode desejar?"


Os sermões pareciam infindáveis e cada vez
mais contribuíam para a tristeza aparente e
intermitente de Conner. "O que mais eu posso
desejar?"
A morena nunca nutriu nada além de carinho
pela amizade construída com David – o que nem
considerada uma amizade forte e consolidada -, e
tampouco se interessava romanticamente por ele ou
por qualquer outra pessoa. Teve um grande amor na
juventude, Raymond, filho do caseiro de uma
fazenda que seu pai adquiriu no Texas. Contudo, o
destino, sua vida e imagem pública, não permitiram
que gozassem das delícias do mais nobre
sentimento.
Os pensamentos de Beatrice ainda eram
arcaicos no que concernia ao praticamente
casamento arranjado que desejava para a filha.
Tratava como uma boneca de controle remoto que
deveria agir conforme suas vontades, eximindo-a, a
contragosto, de suas próprias decisões e prática dos
seus anseios particulares, do seu livre arbítrio.
Impunha, pressionava, feria a morena agindo como
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a "senhora dos absurdos". Conner, por sua vez, de


uns tempos para cá, rebelava-se contra tais atitudes
insensatas de sua progenitora, o que de nada
adiantava, pois o reflexo disso tudo se dava
somente em seu emocional abalado, tal como
agora.
Ansiava por lavar a alma, mas acabou
banhando apenas seu corpo. A morena secou-se na
toalha preta, vestindo um roupão felpudo na mesma
cor em seguida. Diante do espelho, enquanto
penteava as suas madeixas negras, viu refletida a
imagem de uma mulher amargurada, exatamente
como a sua mãe. Uma mulher que fingia ser feliz,
porém não conhecia o real significado desse estado
de espírito.
Terminado o seu ritual de hidratação da pele,
Eleanor pegou o livro de George Orwell que estava
sobre o criado mudo à esquerda de sua cama,
caminhando despretensiosamente até a sacada do
quarto a fim de tomar um ar. Debruçada sobre o
parapeito, Conner pôde vislumbrar a imagem de
certa loira que havia lhe tirado do sério mais cedo,
por conta do tom petulante com o qual se dirigira a
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ela. A agente conversava com o chefe de segurança


gesticulando animada e...sorrindo. Sorriso este que,
instintivamente, fez com que a mulher esboçasse
um leve movimento dos lábios. Lembrou-se do
quanto a moça foi solícita e prestativa ao limpar o
seu vestido e o quanto lhe pareceu humana e
sincera, mesmo nos poucos minutos de interação
que tiveram. Eleanor levou a mão esquerda ao colo
por dentro do roupão, ainda observando a
funcionária do Serviço Secreto, passando a se
acariciar no local.
- Garner...
Obviamente que Liv não ouviu o chamado
feito em sussurro. Estava a manter um diálogo
informal com seu superior sobre o dia que se
seguiu.
- Ai, você ainda vai rir muito da Sra. Conner.
– O homem comentava.
- Duvido muito. Sua personalidade parece ser
tão difícil de lidar quanto a da filha. – A loira
respondeu.
- Você se acostumará rapidamente. Beatrice é
a personificação do exagero. Tem umas manias e
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vontades que são tão descabidas que chegam a ser


cômicas.
- Sinceramente? Está perdendo o seu tempo
tentando mudar a impressão que tive com relação a
primeira-dama depois de hoje. Talvez, quem sabe
um dia, em um futuro distante... – Riram –
Então...eu vou mesmo para casa, não trouxe quase
nada hoje e é bom que estarei aqui amanhã bem
cedo com tudo ajeitado.
- Você é quem sabe, Garner. Se for assim,
vou ao escritório preparar os planos de trabalho. –
Michael estendeu a mão em cumprimento – Até
mais.
- Até mais, comandante. – A loira bateu
continência, brincando com as hierarquias.
- Muito engraçada, você.
A agente seguiu a passos largos até onde seu
carro estava estacionado. Destravou-o, entrou, tirou
o blazer, afrouxou a gravata, ajeitou o banco, os
retrovisores, posicionou o cinto e deu a partida na
ignição.
O trajeto de aproximadamente oito
quilômetros, pouco mais de vinte minutos até
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Capitol Hill, onde morava, era ainda pouco


conhecido por Liv. No intuito de distrair-se, assim
que parou no primeiro sinal, levou a destra até o
pendrive acoplado ao sistema de som.
Imediatamente lembrou-se da morena desejosa em
ouvir "Enjoy the Silence", balançando a cabeça
negativamente, sem conseguir deixar de lado a
birra que fez seus pêlos se ouriçarem.
"Prefiro o silêncio".
Ela chegou a seu apartamento ocupando a
mente com a lista de compras que deveria fazer
urgentemente para abastecer a dispensa. Fechando
a porta com o pé, foi tirando, apressada, as peças de
roupa que cobriam o seu corpo malhado, deixando-
as espalhadas pelo caminho até o banheiro.
- Oh, Deus! Um dia essas formalidades vão
me matar de tanta coceira.
O banho foi rápido. Havia aprendido a não se
demorar debaixo do chuveiro com sua mãe, devido
às chamadas de atenção que dava em seu pai por
causa do valor exorbitante da conta de energia
elétrica.
Vestida apenas com uma regata branca e
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calcinha vermelha, pôs para preparar no


microondas, uma embalagem de lasanha à
bolonhesa congelada. Aproveitou o tempo para
encher o balde de gelo e acondicionar algumas
bebidas.
- Caramba! Como eu amo o meu sofá! – A
loira sorria de olhos fechados, quase em êxtase, ao
refestelar-se sobre o estofado.
Com a sua destra, alcançou o controle da
televisão, sintonizando um canal qualquer onde
passava um sitcom de sucesso. Fingia prestar
atenção enquanto comia e bebia, saciando a sua
fome e espantando o cansaço físico e mental que
lhe acometia.
Garner estava distraída buscando mais long
neck’s na geladeira, quando ouviu a propaganda do
jornal local, dada no intervalo do programa que
assistia.
"Alexander Conner lamenta a morte de
policiais em Denver. O Presidente ofereceu apoio
por parte do Governo Federal à policia do
Colorado, após sete homens da lei terem sido
assassinados por atiradores ainda desconhecidos,
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em um protesto no condado."
Na televisão de cinqüenta polegadas,
mantinha-se congelada a imagem do homem de
cabelos grisalhos e feições muito parecidas com as
de Eleanor.
- O que te faz ou fez ser assim? – Olívia
pensava alto enquanto direcionava-se novamente
para o sofá.
Tomou em suas mãos o celular que estava
largado em cima da mesinha de centro, abrindo o
navegador da internet, a fim de fazer uma busca
rápida.
"Eleanor Conner". Logo apareceu várias
fotos da mulher em eventos diversos, sorrindo,
fazendo pose, exibindo seu garbo e elegância. A
loira passou o indicador na tela do aparelho sobre o
rosto que mais parecia uma pintura parnasiana. A
cicatriz no canto direito do lábio superior era uma
das coisas que mais lhe chamavam a atenção no
conjunto todo de perfeição ímpar.
- Que imbecilidade é essa agora, Garner? – A
agente jogou o telefone sobre o móvel, bufando alto
ao recostar-se no estofado preto – Devo estar
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mesmo fraca para bebidas. O pouco álcool que


ingeri já afetou a minha sanidade.
Liv, em seu loft de ambiente claro, grandes
janelas e mezanino charmoso, reclamava consigo
mesma dos seus pensamentos que se voltavam para
Eleanor Conner, sem sequer imaginar que no
mesmo instante, a filha do presidente praguejava
por não conseguir parar de ouvir Depache Mode
em seu IPod e pensar na agente do Serviço Secreto
justificando sua preferência musical.
- Ah, Garner... – Sussurrou a morena
novamente, duas vezes em um intervalo de poucas
horas.

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Capítulo 5 – O que pode


tocar o coração
Até o ponto em que Beatrice iniciou
apontamentos completamente descabidos, fora de
hora e dispensáveis para a ocasião, Eleanor sentiu-
se relativamente bem durante o almoço. A alteração
de seu humor deu-se de maneira tão brusca e
repentina que, da necessidade de um medicamento
para relaxar a tensão, passou o restante da tarde
entre a sonolência e a solidão de seu quarto.
A morena não era mulher de ter
compromissos que não fossem de negócios, sempre
relacionados ao pai. Não tinha amigos, já que
enxergava a dissimulação e o interesse em
beneficio próprio, em todas as pessoas que se
aproximavam dela. Imaginava que cada tipo agia
de acordo com as frustrações que lhes atormentava,
com seus objetivos egoístas, ansiando por sugar do
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seu poder aquisitivo, sua inteligência, seu carisma,


sua felicidade pessoal. Preferia afastar-se, isolar-se
do mundo, a ter que suportar sanguessugas
talhando-lhe a pouca sociabilidade que ainda
restara em si.
Relacionamentos afetivos? Ah, esse âmbito é
deveras complicado, talvez mais do que os outros.
Depois de ter o coração partido com a separação
indesejada e forçada do seu namoradinho da
adolescência, Conner nunca mais se apaixonou.
Todos os rapazes que estiveram ao seu lado durante
os anos que se seguiram não passavam de
distrações. De alguns a mulher chegava a ter asco,
outros apenas suportava. Não foram muitos
namorados, e estes, eram sempre integrantes fúteis
e vazios da alta sociedade, nenhum despertando
sentimentos bons em Eleanor, nenhum sendo capaz
de devolver-lhe o brilho nos olhos, o sorriso largo e
sincero, as borboletas no estômago que se
evidenciam diante da paixão, do amor.
A chama apagada nunca mais foi reacesa. Por
mais que a morena dissesse que não, que
imaginasse que o fato de estar e ser só, não lhe
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atingia sentimentalmente, isso sempre a


incomodou. A felicidade ao lado de alguém
especial, o famoso final feliz, não era só
propriedade dos livros que lia, ou dos seus filmes
prediletos; ela ansiava e queria aquilo para si,
mesmo sabendo que estava fadada à solidão.
Eleanor fechou o livro que lia, mantendo-o
em seu colo, quando ouviu batidas leves e
espaçadas na porta do seu quarto. De cenho
franzido, levantou-se devagar, ao passo que retirava
os óculos de seu rosto, repousando-os sobre a capa
de 1984, em cima do criado-mudo. Enquanto
ajeitava o seu roupão, tentava adivinhar quem a
incomodava mesmo sob ordens de não o fazerem.
- Oh, Pauline, alguém importante faleceu? –
A mulher nada bem humorada, encarava a
secretária que dava de ombros, já acostumada com
a falta de traquejo e simpatia com que a filha do
presidente tratava as pessoas por vezes.
- Desculpe-me. Sei que pediu para não lhe
chamarem, mas é o sei pai. – A loira dizia calma,
falava o mais devagar e suave possível, já
antevendo a reação negativa de Conner. Uma
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espécie de tentativa de amenização.


- Aconteceu algo com ele? – O semblante de
Eleanor transformou-se de enfurecido para
preocupado em segundos.
- Não, em absoluto. Ele somente pediu para
avisar que o jantar está servido e que a aguarda
para fazer a refeição.
A vida atribulada com os excessos de
compromissos – que remete à falta de tempo – e a
negligência para com os que convivem entre si, são
alguns dos responsáveis pelo abandono de hábitos
simples por parte da família Conner, tal como uma
refeição em conjunto. Algo banal tornou-se árduo,
e falando em verdades, nenhum dos três
demonstrava claro interesse em resgatar a tradição.
O Sr. Alexander tentou por vezes - instaurando o
compromisso de sentarem-se à mesa pelo menos
três dias da semana - retomar o que chamavam de
"calor familiar". Não durou um mês o cumprimento
do "acordo", cada um deixando de lado o que
consideravam desnecessário dentro de casa, mas
pregavam como sendo um princípio extremamente
importante. Incoerência entre ações e
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verbalizações, em suma.
- Isso só pode ser coisa da minha mãe... – A
morena pensava alto – Pois diga que não estou com
fome.
- Eleanor... – Pauline sentiu-se à vontade para
chamá-la assim, pois sabia que ela estava nervosa,
e dada essa condição, gostava de ser tratada apenas
pelo seu primeiro nome - ... eu sinto muito, mas ele
disse que não aceita desculpas. Pediu para que não
demorasse também. E se me permite intrometer, ele
não te dará sossego enquanto não descer.
- Ok, obrigada. – Conner limitou-se a proferir
somente essas duas palavras antes de fechar a porta.
Recostada na madeira maciça entalhada, fechou os
olhos prendendo uma grande quantidade de ar nos
pulmões – Droga! Droga!
Queria não perder o controle de suas
emoções, mas era impossível. Queria apenas viver
um dia em que não se sentisse manipulada. Era
uma mulher adulta, deveria ter assegurado o seu
direito de fazer somente o que bem entendesse, no
entanto, a realidade fugia ligeira em sentido
contrário à de sua vontade.
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Suspirou, praguejou, deu-se por vencida.


Caminhou até o closet em busca de uma roupa
adequada para a ocasião. "Preto, para o meu
velório. O clima estará bem propício." Como se
satirizasse os seus próprios pensamentos, a morena
alcançou uma calça e uma camiseta preta. Os saltos
baixos foram os primeiros à disposição, não se
preocupando com as combinações ditadas pela
moda. A única coisa que era indispensável para
Eleanor era o alinhamento dos fios de suas
madeixas negras e maquiagem, fosse básica,
ressaltando os olhos castanhos e os lábios carnudos.
Não se demorou, conforme solicitado. O "toc,
toc" altivo de seu caminhar pôde ser ouvido na
direção da sala de jantar com pouco mais de quinze
minutos.
- Já estava levantando-me para lhe chamar. –
Beatrice dizia ao ajeitar o guardanapo em seu colo.
A filha esforçou-se o máximo que pôde para não
revirar os olhos, denunciando a sua insatisfação.
- Sinto uma fome absurda. – O Sr. Alexander
fez sinal para o mordomo que aproximou-se de
imediato – Pode servir, por favor. – O homem
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voltou a atenção para a mulher que se sentou à sua


direita, após beijar o alto de sua cabeça – Como
está, minha menina?
"Minha menina"... Ele sempre tratava a filha
dessa maneira. A relação entre os dois poderia ser
considerada amena, amorosa. Alexander sempre fez
de tudo para agradar, para proteger Eleanor. A
retribuição vinha em sinal de respeito, em carinho,
em afetividade. O que sempre atrapalhou era os
disparates da matriarca da família e a conivência
por vezes de seu esposo. A primeira-dama não era
uma pessoa ruim, era uma pessoa com alguns
conceitos arcaicos e personalidade forte, tal como a
filha. Talvez isso fosse o que as fizessem bater de
frente, se estranhar tantas vezes. Não era falta de
amor, era falta de respeito uma com a outra.
- Eu estou bem, papai. Sem fome, mas bem. –
Conner sorriu ternamente para o homem, torcendo
o nariz em seguida quando o prato de Tartar de
Salmão foi colocado à sua frente.
- Nem sempre comemos quando estamos com
fome, Eleanor. É pela manutenção do bom estado
de sua saúde. – A mais velha mastigava lentamente
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– Anda muito displicente nesse quesito, não acha?


- Não, não acho, mamãe. Cuido muito bem
do meu corpo.
Era sempre assim. Discutiam, agrediam-se
verbalmente e enquanto a filha guardava rancor, a
mãe agia naturalmente, como se nada tivesse
acontecido. Dissimulação? Fato. Irritava? Em
proporções imensuráveis, mas era uma conduta
enraizada, sem chances de mudança.
- Que você cuida bem do seu corpo não há
duvidas, já que vive solicitando o personal trainner.
A questão é: adianta, se não repor devidamente as
energias que gasta nos exercícios?
"Senhor, daí-me paciência!". Na mente da
morena só pairava esse pensamento.
- Não sou mais criança, mamãe. Fique
tranqüila que está tudo sob controle comigo.
Apesar do tom comedido de Eleanor,
Alexander, por conhecê-la melhor do que ninguém,
percebeu a chateação no seu timbre de voz.
Resolveu, portanto, desanuviar uma possível tensão
que estava prestes a se instalar ali.

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- Estão querendo que eu participe de um talk


show... – Comentou despretensiosamente.
- Do Lawrence? – Beatrice indagou.
- Dele mesmo, querida. É um tremendo
sensacionalista, mas temos que confessar que em
termos de desenvoltura, ele é o melhor.
- Não tenho tanta certeza se isso contribuirá
para o aumento da sua popularidade. É sobre o que
estamos falando, não é? Por mim, você não
comparecerá.
Conner tomou um gole de água, antes de
limpar os cantos da boca com o guardanapo. Estava
tentando, a todo custo, resguardar-se de maiores
aborrecimentos. Na verdade, tentava resguardar a
todos de algo que saturasse ainda mais aquela
instituição - ao qual se denominava família – que
em sua concepção já estava falida há tempos.
Esforçou-se, mas não suportou prender a
insatisfação que embolava em sua garganta desde o
episódio do almoço.
- Por que você sempre quer empurrar aos
outros as suas opiniões? Por que você sempre tenta
persuadir as pessoas para que elas façam
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exatamente o que está de acordo com a sua


vontade, mamãe? - A morena afastou o prato de sua
frente, permitindo um maior espaço para apoiar
seus cotovelos, cruzando os dedos das mãos
debaixo do queixo.
- Mas que perguntas são essas, minha filha?
De onde tirou a idéia estapafúrdia de que sou
impositiva? Eu apenas disse que não acredito que o
presidente da República, indo à um programa de
cunho explorativo e escandaloso, poderá obter
alguma vantagem no feito.
- Certo. Por acaso parou para pensar que
talvez meu pai nem se importe tanto com a
aparência que só cabe a ele zelar? Por que não se
preocupa em cuidar da sua vida? Por Deus, pare de
tentar dominar tudo à sua volta. Você não pode
simplesmente decidir o que eu ou o papai devemos
fazer.
- Eleanor, você está sendo injusta. – Beatrice
ainda mantinha a calma em seu tom de voz, ao
contrário da filha.
- Injusta? – A mais nova virou o rosto em
direção ao Sr. Alexander – Pai, o que você acha de
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um relacionamento forçado?
- Eu...eu não sei. – O homem, que estava
entre uma guerra quase declarada, gaguejou,
preocupado com a resposta que daria, não querendo
tomar partido de nenhuma das duas – Hoje em dia
não se obriga ninguém a ficar com outra pessoa
sem pleno consentimento de ambos.
- Ouviu bem, mamãe? – Conner demonstrava
o descontrole somente pela disritmia de sua
respiração - Pode repetir, papai? Talvez assim a sua
esposa entenda de uma vez por todas.
- Você é uma ingrata mesmo, sabia? – A
primeira-dama agora estava com os olhos vidrados
na filha.
- As duas...querem parar com essas rusgas?
Ao menos respeitem a refeição! Parecem duas
crianças! – Alexander tentava apartar a briga.
- Eu estou farta disso tudo. Não sou ingrata
por não querer que transforme minha vida em algo
pior do que ela já é.
- Ah, faça-me o favor. Estou apenas cuidando
da sua felicidade, do seu futuro. David é o homem
certo para você. Como pode não enxergar? O
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tempo não para, querida. Ele passa para todo


mundo e está passando para você também. Não se
preocupa com o fato de não ter se casado ainda? As
pessoas comentam, sabia?
- Beatrice, pelo amor de Deus e pelo bem da
nossa família, deixe Eleanor em paz. Pare de
insistir nesse assunto. Eles vão assumir quando
estiverem à vontade com isso.
- Não tem nada para assumir, papai.
- Mas vocês não...
- Não. Isso é tudo invenção da cabeça da sua
mulher. E minha felicidade não depende de
casamento, de homem algum.
- Querendo ou não, Eleanor, você dará uma
oportunidade para si mesma. Eu marquei um jantar
com o governador, a esposa e o filho. Aceite o fato
de que só quero o seu bem. E não adiantará
retrucar. Você estará presente.
- Espera, deixe-me ver se entendi. Então não
basta me atormentar com falatórios intermináveis?
Você quer mesmo me tratar como se eu fosse uma
criança que lhe devesse obediência? – Conner
esbravejava boquiaberta, incrédula – Quer saber? –
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A morena levantou-se, jogando o guardanapo que


repousava em seu colo de qualquer maneira em
cima da mesa – Para mim chega! Não vou ficar
aqui ouvindo as suas asneiras. Com licença.
Tenham uma boa noite.
- Minha filha, espera. – Alexander tentou
impedir Eleanor de prosseguir, segurando em seus
braços, o que de nada adiantou, já que a mesma
desvencilhou-se rapidamente fazendo o barulho dos
seus saltos ecoar pelos cômodos da casa – Viu o
que você fez? – O homem, visivelmente
consternado, balançava a cabeça negativamente
para a primeira-dama – Perdi a fome. Satisfeita? –
O presidente não esperou por resposta. Ausentou-se
do recinto tão depressa quanto sua filha.
A mulher, ao invés de abalar-se, deu de
ombros terminando o jantar com a mesma
tranqüilidade com que iniciou.
- Agora esses dois vão dizer que a culpa é
minha. Ah, mas você ainda vai agradecer à sua
mãe, Eleanor. Oh se vai. Só eu sei o que é melhor
para o seu futuro. Jamais permitirei que comenta os
mesmos erros que eu cometi. – Beatrice pensava
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alto, frente à imensa mesa posta, agora ocupada


somente por ela e seus fantasmas.

************
Nos quinze dias que se sucederam após essa
discussão, não houve mais conflitos parecidos. O
presidente e a sua primeira-dama viajaram para o
continente africano por conta de uma visita
diplomática. Conner agradeceu aos céus pelo
sossego, mesmo que finito e por pouco tempo.
A morena, em suas horas ociosas, ia até o
pequeno jardim onde cultivava algumas espécies de
flores exóticas. Sentava-se em um banco à sombra
e punha-se à ler seus exemplares de auto-ajuda
colecionados em sua biblioteca particular.
"Deparamo-nos com momentos em que
tudo parece perder o sentido. Tentamos
desesperadamente encontrar uma fresta de luz em
meio ao beco escuro no qual encontramos perdido
o sentido das nossas motivações, algo que possa
trazer um fio de esperança.
E nessa busca, a dor - impiedosa e voraz -
vai nos consumindo. É uma tentativa inútil de
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manter o semblante de paz, de manter o sorriso


nos lábios, pois, os olhos não mentem e explicitam
o real estado de espírito.
A tristeza nem sempre é uma escolha, já que
algumas vezes chega bruscamente e nos toma, nos
coage, e tenta à todo custo nos manter reféns.
É fato sabemos que tudo na vida é
transitório, que a dor que tenta impedir-nos o
caminhar, uma hora irá cessar. Mas, a grande
questão é que juntamente a ela vai-se o que não
queríamos perder. É uma escolha deixar ir...
É complicado aceitar determinadas
realidades, mesmo sabendo que não podemos
fazer nada para modificá-las. Na verdade, esse é o
contexto negativo da situação: o de nos sentirmos
impotentes perante algo ou alguém e vermos
nossos sonhos tão íntimos sendo levados pelo
vento, escorrendo por entre os dedos como areia...
Mas faz-se necessário, mais do que tudo,
buscar nos recônditos de nossa alma, forças para
manter-nos erguidos - mesmo que numa cadência
lenta -, forças persistir caminhando. Faz-se
necessária a esperança e a fé.
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É preciso juntar todos os pedaços,


mantendo-os perto, para que pouco a pouco
possamos ir nos restabelecendo, colocando cada
qual em seu devido lugar."
Em outra ala da Casa Branca, a agente
Garner ajeitava os seus pertences no quarto que
ocuparia. Passou todos esses dias indo e vindo de
Capitol Hill. Tentava organizar-se e conciliar os
trajetos possíveis, em adaptação à sua nova rotina.
Aproveitava a passageira calmaria no trabalho para
gozar um pouco mais da liberdade que seu loft lhe
oferecia e que não seria possível dormindo na
residência presidencial.
Como a agenda de Conner, por incrível que
pareça, não andava comportando muitos
compromissos, os contatos entre as mulheres
mantinham-se praticamente escassos. Das poucas
vezes em que teve que acompanhar a morena em
algum lugar, Olívia notou certa resignação em
Eleanor, tanto pela sua maneira de tratar as pessoas,
quanto pela sua reclusão ainda mais evidente. Mas
eram picos de estado de espírito. A herdeira dos
Conner não estava à todo tempo de bom humor. A
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oscilação entre extremos permanecia firme e forte.


Contudo, aos poucos, Garner aprendia a lidar com
os rompantes da mais velha, ignorando seus abusos,
relevando algumas de suas frescuras.

************
Era uma manhã comum de outono, uma das
estações do ano mais bonitas em Washington. A
temperatura mantinha-se agradável; um espetáculo
de cores encantava a cidade. Era a combinação
mágica de sol, frio, chuva, e posteriormente as
folhas caindo, fazendo um tapete multicor espalhar-
se pelo chão. Chamavam-se a esse episódio de Fall
Foliage. Chamavam-se a isso de milagres da
natureza.
Garner acordou, como de costume, às 05:00
da manhã. Resolveu na noite anterior que dormiria
na Casa Branca para não ter que preocupar-se com
atrasos. Eleanor faria uma pequena viagem à Nova
York, tendo a loira, a incumbência de acompanhá-
la junto com mais quatro agentes.
Após sua higiene matinal, Liv vestiu o terno,
trançou seus cabelos e maquiou-se, de acordo com
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o que lhe convinha o humor ameno da quarta-feira.


Degustava um reforçado café da manhã, quando
Wait adentrou a pequena sala disposta para as
refeições dos funcionários, sentando-se à sua
frente.
- Bom dia! – O homem cumprimentou-a.
- Bom dia! – A loira sorriu – Já conseguiu
liberar as rotas de hoje?
- Ah, Olívia, sobre isso... – Michael
bebericou da xícara de café preto – Tive que alterar
a escala de última hora. Você ficará. Wes irá em
seu lugar. A mãe dele esteve adoentada esses dias e
ele pediu que o liberasse para visitá-la. Como a Sra.
Mosby mora a três quadras do hotel onde a Srta.
Conner se hospedará, achei que não teria problemas
em ceder a essa troca.
A agente nada disse, mas em seu íntimo
amaldiçoou essa infeliz coincidência. Na maioria
das vezes, corria da obrigação de ter que aturar a
filha do presidente com suas inconstâncias, no
entanto, dessa vez, mantinha-se animada em
respirar novos ares, mesmo que à trabalho.
- Tudo bem. Não há problemas. - Garner
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concentrou-se na sua ingestão diária de lactose e


fibras, ao preparar um iogurte com granola, até que
se lembrou da falta de tarefas que se daria por conta
do cancelamento de sua viagem – Comandante, o
que farei amanhã? Folga? – Indagou, sem nenhuma
afetação, mas já pensando em uma possível visita
aos pais.
- Hã...bom...Billy e Ted precisam ir à
consulta mensal. Você pode acompanhá-los.
- O que? Desculpa, mas eu não entendi. – Na
verdade, a loira tinha ouvido perfeitamente, mas
queria ter a certeza do que seu cérebro havia
processado.
- Sabe que esses cachorros têm a vida tão
importante quanto à da sua dona, não é? Fiquei
sabendo que você teve a prova do carinho que
Eleanor nutre pelos animais de estimação. Não
confio em mais ninguém além de você para cuidar
dos dois. A Srta. Conner deixou ordens expressas e
uma lista extensa de recomendações à serem
cumpridas com excelência. Quem da equipe se
destaca no quesito responsabilidade? Só você.
- Eu realmente sou paga para acompanhar
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bichos ao veterinário?
- Não. Você é paga para cumprir ordens e
essas estão vindas do último patamar. Sinto muito.
A agente teve a incredulidade aumentada
quando Waite tirou do bolso duas páginas contendo
uma lista de afazeres, entregando à ela. A mulher
lia boquiaberta, pensando no quão idiota tinha sido
em não ter acreditado nos colegas quando estes
disseram que uma hora ou outra esse momento
chegaria.
"Babá de cachorro. De integrante do Serviço
Secreto fui promovida à babá de cachorro. É
inacreditável! É inacreditável ao que tenho que me
sujeitar por causa daquela presunçosa de uma figa."
Obediente, e como ótima profissional que
era, após o término de seu desjejum, sem retrucar,
Liv rumou para a área externa na ala sul da
propriedade, onde um colega de profissão já a
aguardava com os cães devidamente acomodados
dentro do carro.
- Belo dia para visitar o veterinário, não
acha? – Ela brincou com Rust, seu parceiro da vez,
assim que se aproximou.
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- Está sendo sarcástica, não? – O rapaz


denotava a mesma insatisfação.
- Aham.
- Eu até agora não estou acreditando, mas
uma coisa que minha finada avó sempre dizia era
"manda quem pode, obedece quem tem juízo." – O
agente falava enquanto acomodava-se no banco do
carona.
- Sua avó parece ser sabia.
Garner foi dirigindo o espaçoso sedã Lexus
LS 460L no percurso que totalizava em
aproximadamente vinte minutos. Os primeiros dez
transcorreram em tranqüilidade, até Rust atentar
para o fato de que estavam sendo seguidos por um
veículo suspeito.
- Olívia, altere o trajeto para 1. Aquele
Camry vermelho está atrás de nós desde que saímos
da Casa Branca.
- Tem certeza? – A loira diminuiu a marcha,
certificando-se de que realmente o carro
permanecia atrás deles – Mas que merda! – Ao
invés de fazer o retorno na primeira rua à direita,
fez na segunda à esquerda – Eu o tinha visto pelo
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retrovisor, mas não prestei atenção desde quando


ele estava a nos seguir.
- Pois eu sim, mas parece que minhas
suspeitas eram infundadas. O automóvel sumiu.
- Ainda bem. Só me faltava essa.
A alteração do caminho ia lhes custar doze
minutos a mais até a clínica veterinária. Apesar do
dia bonito, as chateações se davam para estragar
ainda mais o humor ácido da agente.
- Teremos que fazer compras para os nossos
amigos caninos ali atrás. – O rapaz brincava, no
intuito de amenizar o clima tedioso.
- No shopping? – Riram das próprias
desmazelas.
Calmamente, obedecendo aos sinais de
trânsito, Liv dobrou a esquina que dava acesso à
avenida de destino. Há poucos metros percorridos,
sem que tivesse chance de perceber o desastre e
evitá-lo a tempo, perdeu o controle da direção ao
colidir fortemente em outro veículo, que surgiu em
sua lateral como que em um passe de mágica.
À partir dai não viu mais nada à não ser um

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borrão preto antes de fechar suas pálpebras.

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Capítulo 6 – O que pode


tocar o coração
- Olívia! Olívia!
Foram poucos minutos de inconsciência,
talvez apenas um, o suficiente para deixar a agente
desnorteada. O colega de trabalho amparava sua
cabeça no banco, balançando a moça levemente na
tentativa de acordá-la. Devagar, a loira foi abrindo
os olhos, acostumando-se com a claridade. Já podia
ouvir o som da sirene aproximando-se. Garner só
não conseguiu distinguir de qual corporação seria,
se da polícia, dos bombeiros ou de uma
ambulância. Ela circundou o local com o olhar,
tentando entender o que havia se passado ali.
- O que... – A loira levou a destra à cabeça,
que latejava de maneira quase insuportável.
- Calma! Graças à Deus foi só um susto. O
socorro está chegando.
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- Não. Estou bem. Não preciso de socorro.


Foi só... - Algo no retrovisor chamou a atenção de
Liv, fazendo-a interromper sua fala - Oh, meu
Deus. Eles...
- Estão vivos. Vamos nos preocupar com
você agora. Não fique agitada assim que pode ser
pior. Tem um corte na sua sobrancelha.
- Eu já disse que estou bem. Tem sangue no
banco, Rust. Céus! - A agente, nervosa, e sob
protesto do rapaz, desvencilhou-se do cinto travado
em sua lateral esquerda, saindo apressada do
veículo. Abriu a porta traseira rapidamente,
retirando Billy, carregando-o em seu colo. O
animal parecia abatido, ao contrário do outro. Seus
olhos mantinham-se morteiros e ele ofegava, assim
como ela. Havia manchas avermelhadas nos pêlos,
mas o emaranhado impedia a mulher de verificar,
no desespero, se o pet sofrera algum corte ou como
estava machucado.
- Garner, espere! - Rust tentava ajudá-la,
impedindo-a de esforçar-se.
- Pegue o outro. Precisamos... levá-los.
- A ambulância chegou. A polícia já está aí.
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Relaxa.
- Relaxar?
- O que houve aqui? - Um homem de estatura
mediana, magro, usando um bigode tipicamente
caricato dos detetives particulares de histórias de
suspense policial, aproximou-se carregando um
bloco de notas na mão esquerda, bem como uma
caneta na destra - Vocês estão bem? - A loira bufou
baixo e discretamente.
- Eu estou bem, sargento... - A agente
semicerrou os olhos à fim de enxergar com clareza
o nome do policial - ... Steven. Rust, por favor, eu
preciso ir.
- Qual é o seu nome? - O oficial indagava -
Não posso deixá-la sair assim. Fomos notificados
de uma colisão com fuga. Perdoe-me se eu estiver
sendo indelicado, mas tem um corte na cabeça e
não me parece nada bem.
- Me chamo Olívia Garner, sou agente do
Serviço Secreto em missão de trabalho. Eu não sei
o que houve. Aconteceu tudo muito rápido.
Desmaiei, mas estou em pleno exercício de minhas
faculdades físicas e mentais. Esses animais dentro
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do veículo, que por sinal é presidencial, caso o


senhor não tenha reparado na placa, provavelmente
se machucaram e, me perdoe se eu estiver sendo
indelicada, o sargento não é médico, menos ainda
veterinário, portanto não pode nos ajudar. O meu
colega vai cuidar de toda a burocracia e, caso
precisem de mim, estarei bem ali à frente, na
clínica veterinária. Por favor, não tente impedir o
meu trabalho sem uma boa justificava.
- Garner, pelo amor de Deus, não precisa
disso. Está alterada, nervosa. - Rust sussurrava em
seu ouvido, ao passo que a auxiliava a acomodar o
cão mais confortavelmente em seu colo.
- Se eu não socorrer o Billy, ele pode morrer.
Eu conheço esse olhar tristonho, já vi isso
acontecendo antes. Faça o que tiver que fazer por
aqui. Avise o Waite, peça alguém para vir. Pegue
os documentos para mim. - Liv franziu o cenho
lembrando-se do seu celular, quando o rapaz
acomodou uma pasta cinza em sua mão esquerda -
Verifique se meu telefone está inteiro no meu
bolso. - A moça indicou o lado direito com a
cabeça. Seu colega assentiu após a verificação e
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ela, sem mais nada dizer, apenas lançando um


último olhar para os homens, seguiu apressada pela
avenida à sua frente.
Seriam apenas alguns metros fáceis de serem
percorridos se não fosse pelo peso carregado.
Garner fazia um esforço quase além do seu limite,
no entanto, a determinação em chegar ao destino
proposto, não permitiria que ela desistisse,
fraquejasse. A cabeça pulsava a cada passo, o que
se tornou irrelevante diante da lembrança de seu
gato de estimação quando este fora envenenado. As
circunstâncias eram completamente diferentes,
porém, o desfalecimento dos animais estava
parecido em demasia, impulsionando-a de certa
forma a agir com rapidez.
Um funcionário da veterinária conversava
com outro rapaz próximo à entrada da clínica,
quando viu a agente caminhar dificultosa com um
cachorro no colo. De prontidão, pôs-se a auxiliá-la,
tomando Billy de suas mãos.
- O que houve com ele? Ou ela?
- É ele, Bill. Acabamos de sofrer um
acidente. O cão estava com o cinto próprio,
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portanto eu não faço idéia de como ele machucou,


se é que machucou. Tem sangue e... - Olívia
relatava o ocorrido enquanto adentravam no pronto
atendimento - ... eu só quero que o ajudem, por
favor.
A orientação básica para uma escolta - seja
ela de qual tipo for - é ser discreta e agir
preventivamente evitando o combate, em nome da
vida do seu segurado e da própria. A vigilância em
permanente estado de alerta exige, ainda, a
capacidade de reconhecer perigos potenciais, antes
que eles aconteçam. Garner era uma das melhores
em seu ramo, mas aquele tinha sido um episódio
fatídico, fora do alcance de qualquer ação que
pudesse ter tomado de antemão. E naquele instante,
esquecera-se de qualquer protocolo a ser seguido,
tendo como único intento, resguardar a saúde do
animal. Sabia que, em termos profissionais, nada
do que estava a fazer era certo, contudo, sua
percepção do que seria moralmente certo, falava
muito mais alto ali.
- É a dona dele? Vai acompanhá-lo? - Uma
senhora com semblante dócil, aparentando ser a
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profissional responsável, aproximou-se apressada.


A agente abriu a boca para responder, mas
vacilou recordando-se novamente de seu bichano.
Não gostaria de ser testemunha, caso algo sério e
grave acontecesse com Billy. Meneou a cabeça
negativamente, antes de respirar profundamente.
- Não. Só... por favor, cuide dele. Eu farei o
registro de entrada.
- Tudo bem. Assim que eu fizer alguns
exames e souber das condições do cão, venho lhe
avisar.
- Obrigada. - A loira sorriu em
agradecimento, sentando-se em uma poltrona na
recepção em seguida.
Ela permitiu seu corpo refestelar-se, fechando
os olhos ao cruzar os dedos de ambas as mãos atrás
da nuca.
"Meu Deus, o que aconteceu?"
O peito de Liv ainda arfava pelo esforço. A
tonteira teimava em incomodar, mas logo ela tratou
de fazer os exercícios respiratórios que aprendera
nas aulas de ioga que teve por insistência de sua

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mãe. Aos poucos foi se acalmando, podendo


raciocinar com mais clareza.
- Aceita uma água, senhora? - Uma voz
feminina fez a agente despertar de seu quase estado
de meditação.
- Oh, sim. Por favor. - A mocinha, que
trajava o uniforme da clínica, sorriu em
assentimento, retornando segundos depois com um
copo descartável - Obrigada.
- Se precisar de algo, estarei bem ali. - A
funcionária sorridente apontou para o balcão,
caminhando para o seu posto de trabalho em
seguida.
Olívia tomava o líquido em grandes goladas,
quando se assustou com o toque do seu telefone.
No visor podia ler "Com. Waite", o que a fez bufar.
- Agente Garner.
- Onde você está?
- Na clínica veterinária.
- Você está bem?
- Sim, estou.
- Rust disse que se machucou. Que
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imprudência foi essa de sair carregando o


cachorro nos braços? Já não basta todos os erros
que cometeram?
"Erros?" A loira pensou, mas não ousou fazer
essa indagação. Ateve-se apenas a justificar seu ato.
- Me desculpe, mas a primeira coisa que
pensei foi em tentar salvar o animal que aparentava
estar em um pior estado.
- E...
- E ainda não tenho notícias. Permanece em
atendimento.
- Estou pensando em como contarei à
Eleanor. - Ao ouvir esse nome, um arrepio
percorreu o corpo da mulher desde a base de sua
coluna - Sabe que estamos muito, muito
encrencados, não sabe?
- Sim, senhor.
- Por Deus, Liv! Isso... - O homem suspirou
do outro lado da linha - Mandarei alguém para
ficar com você. Não posso sair daqui. Tenho que
arrumar a bagunça que já se tornou esse acidente e
tentar descobrir como foi que tudo isso aconteceu.

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Você ficará tranqüila aí?


- Ficarei. Ficarei sim. Até mais. - A mulher
respondeu o que supôs ser o coerente, pois não
havia assimilado todo o conteúdo da última fala.
Pensava na cadeia de eventos que a levara a
estar naquela situação, atiçando o seu sexto sentido.
Algo estava errado, não tinha lógica, uma peça não
se encaixava no quebra cabeças. Só precisava
descobrir exatamente o que e qual era.
Os minutos foram passando e Billy ainda
estava sendo examinado. A demora começou a
enervar a loira que, por fim, já andava de um lado
para o outro na tentativa inútil de distrair-se.
"Que não aconteça nada com ele. Que não
aconteça nada com ele." Esse pensamento vagava
pela mente de Garner como um mantra.
Quando cogitou a possibilidade de interpelar
a recepcionista simpática sobre o pet, um dos
agentes que trabalhava consigo adentrou ao local
com o outro animal guiado pela coleira.
- Garner. - Ele cumprimentou-a.
- Ginger... - A loira, séria, alternou seu olhar

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entre o homem e o cão de pelagem preta.


- Como está o outro?
- Ainda não sei. Já... ia perguntar por ele.
Um breve sorriso deu-se na face do rapaz,
como em assentimento enquanto caminhavam para
a recepção.
- Pois não? Consulta?
- Sim. - A resposta veio quase em uníssono.
A moça conversou brevemente com alguém
através do telefone, pedindo aos funcionários da
Agência Secreta que aguardassem alguns minutos.
Os que Olívia estava à espera já ultrapassavam os
limites toleráveis, deixando-a cada vez mais
angustiada.
Repentinamente, a porta à sua direita abriu-
se, revelando a figura ainda abatida do cachorro
machucado.
- Eu reconheci esse rapazinho. Já o atendi
algumas vezes em emergência.
- E... então?
- E ele vai ficar bem. No impacto algum
objeto que estava no carro, ou até mesmo o cinto,
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acabou perfurando sua pele. Por sorte não foi


profundo. Esse suposto e aparente enfraquecimento
se deve ao alto nível de estresse ao qual ele foi
submetido. - O funcionário auxiliar colocou Bill no
colo do agente que se mantinha ao lado de Liv -
Estou prescrevendo alguns medicamentos e, além
de hidratação, esse doce cãozinho precisará apenas
de descanso e carinho para recuperar-se por
completo.
- Ainda bem. - Uma onda de alívio percorreu
o corpo de Garner.
- Esse aqui também se acidentou?
- Sim, mas como ele aparentava estar melhor,
acabei trazendo o Billy somente.
- Ah, sim. Vamos examiná-lo. - A veterinária
entrou com Ted na sala, fechando a porta atrás de
si.
Ginger e Olívia sentaram-se, dessa vez não
tendo que esperar por muito tempo. Ambos os
animais estavam a salvo, medicados, e já liberados
para retornar para casa.
Resolvidas as burocracias de pagamento, os
agentes acomodaram os cães no veículo que foi
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enviado para buscá-los. Teimosa como só, a loira


negou veemente a ida até o pronto socorro de
algum hospital para fins de verificar a extensão do
seu corte.
- Sabe que Waite não ficará satisfeito, não é,
Garner? - Seu colega a alertava - Foram ordens.
- Não se preocupe. Obrigada. Com ele eu me
entendo. Conversaremos assim que chegarmos à
Casa Branca. - Ela transparecia falsa segurança, já
que no fundo, estava perdendo-se em receio.
Ignorante dos fatos, alheia ao que acontecera
em Washington, Eleanor desembarcou em Nova
York, seguindo direto para o hotel com sua
pequena, mas significativa comitiva de segurança
comandada por Mosby. Os pouco mais de 360
quilômetros entre uma cidade e outra, foram
percorridos pelo helicóptero de maneira rápida e
tranqüila, o que não fez a menor diferença para a
morena. A filha do presidente estava mal
humorada, insatisfeita com a troca de equipe sem
justificativa plausível e prévio aviso. De certo que a
eficiência no trabalho efetuado era o que deveria
valer, mas algo ali a perturbava. Era a agente
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Garner quem deveria acompanhá-la, e não Wes.


Certamente que as mulheres não mantinham uma
relação amigável, até mesmo por que se restringiam
ao estritamente profissional. E nesse âmbito
também começaram a divergir, estabelecendo,
assim, algo como cisma, implicância gratuita
versus dependência inexplicável. Desagradou a
mudança, mas não ao ponto de ser questionada.
Conner resguardou suas energias para usá-las
no almoço que teria com a consulesa da França.
Tornaram-se amigas há alguns anos e há tempos
não se viam. Aproveitaram da oportunidade de
brecha na agenda de ambas para tratarem de
concretizar esse encontro que, aos olhos de muitos,
não se passava de um evento social.
Assim que adentrou na sua suíte, foi direto
tomar um banho. Necessitava descarregar as
energias ruins que fluíam em seu corpo e livrar-se
do cheiro de viagem. Permitiu-se demorar debaixo
da água quente, levando em conta os inúmeros
benefícios que trazia, tais como a sensação de
relaxamento, a atenuação das contrações
musculares e abertura dos poros da pele,
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proporcionando assim uma maior absorção dos


produtos de beleza que Eleanor costumava usar no
pós-banho.
Revigorada, a morena ia saindo do banheiro
enrolada em uma toalha felpuda, enxugando os
seus cabelos com outra menor. Parou no meio do
caminho, quando ia transpor a porta, ao ver Pauline
sentada em uma poltrona, sorrindo para o celular
que estava em suas mãos. Ao que parecia, a moça
estava mantendo uma conversa virtual bem
animada com alguém. Seus olhos brilharam e os
suspiros eram demasiados apaixonados. Eleanor
mordeu o lábio inferior ao sentir em seu peito uma
pontada de inveja. Sim, inveja. Sua posição social
nunca lhe permitiu agir daquela maneira tão aberta,
tão simplória e bonita, como deveria ser o
sentimento. Ou talvez não fosse esse o motivo, e
sim, ela mesma quem se impedia de vivenciar uma
paixão como a que supostamente a secretária estava
experimentando.
- Como é? - A morena indagou
repentinamente, tomando a mulher de sobressalto.
- Que susto, Srta. Conner. - Pauline levou a
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mão no peito - Estava distraída.


- Eu percebi. - A herdeira presidencial foi
caminhando lentamente à observar o desconcerto
da loira. Sentou-se na cama, do lado mais próximo
da secretária, para surpresa da mesma - Então...
como é ser normal? Como é se apaixonar
perdidamente? Como é gostar muito de alguém a
ponto de não parar de pensar nela e... sorrir assim
como está fazendo?
- Mas que pergunta, Srta...
- Eleanor. Estamos só nós duas. Estou te
eximindo de formalidades.
- Bem, é... - Pauline foi pêga de surpresa com
os questionamentos da morena. Não sabia muito
bem o que responder, uma vez que a paixão e o
gostar eram sentimentos naturais do ser humano, ou
ao menos deveriam ser - ...é bom. Te faz sentir
viva, plena.
Eleanor ouvia atenta, não desviando os olhos
da moça em nenhum segundo. Era nítida a emoção
que a dominava, aja vista seus orbes marejados e o
sorriso constrangido nos lábios.
- Fale mais.
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- O que?
- Fale mais da sensação, por favor. Diga-me o
que é estar apaixonada, na sua concepção. - Pauline
deu de ombros, mesmo estranhando tudo aquilo,
cedendo ao pedido de sua "chefe".
- Hum, vejamos... - Um suspiro e uma
pequena risadinha foram suficientes para
transformar o clima de estranheza em algo como
confidencialidades entre amigas - Estar apaixonada
é você começar a se sentir como se pudesse falar
sobre tudo com a pessoa, não importa o que esteja
pensando; é você tentar elaborar planos
mirabolantes para fazer a pessoa ficar, mesmo ela
tendo que ir embora; é perceber que, de repente, as
demonstrações públicas de afeto, bem como tudo
relacionado ao amor, que costumava ser piegas,
tornaram-se as coisas preferidas que te fazem feliz;
é dar fé de que, apesar de você estar
constantemente mexendo no telefone... - A loira
ergueu o aparelho arrancando uma breve risada de
ambas - ... existe apenas uma pessoa com quem se
deseja falar; é sentir como se começasse a conhecer
a si mesmo de verdade somente depois que
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conheceu essa pessoa; é enxergar como tudo fica


melhor quando ela está por perto.
As mulheres estavam tão envoltas em seus
próprios devaneios que não notaram as lágrimas
escorrendo dos olhos da mais velha. Por motivos
diferentes, óbvio, as duas compartilhavam daquela
emoção. Ao perceber Conner limpando o seu rosto
com a destra, a secretária ruborizou em
constrangimento, imaginando ter falado algo que
tivesse desagradado a morena por algum motivo
desconhecido.
Eleanor sabia que apaixonar-se era bem como
perder-se por alguém, ou encontrar-se naquela
pessoa. Ansiava o experimento real, concreto,
quase palpável daquela teoria. Contudo, resignava-
se em entender que ela não fazia parte dos mortais
sortudos que podiam fartar-se com a troca de
carinhos e sentimentos puros. O que Pauline sentia
não cabia a ela.
- Eu... queria ser você por um dia ao menos.
Aquela revelação da filha do presidente
causou uma surpresa ainda maior na secretária,
deixando-a sem reação por alguns segundos. Toda
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a pompa do status social que a morena carregava


havia caído por terra naquele momento, deixando
lugar apenas para o seu lado humano, sensível. Não
estava ali a mulher que muitas vezes abusava da
arrogância ao tratar com as pessoas, e sim, a mulher
que só desejava a reciprocidade do amor.
Pauline era sagaz. Percebendo que Conner
alterara seu semblante, passando a ficar chateada
em excesso, tratou de mudar o rumo da situação
para desfocar a atenção do assunto que agora
entendia como delicado.
- Eleanor, desculpa te interromper, mas... -
Ela verificou as horas na tela do celular -
Precisamos nos apressar, senão a consulesa ficará
esperando por muito tempo.
- Ok. Vou... - A mulher mais velha levantou-
se - ... terminar de me arrumar no banheiro. - E
assim retornou para o cômodo ao lado.
Apesar de não haver nenhuma necessidade de
utilizar seus conhecimentos em penteados e
maquiagens, Conner, por vezes, fazia questão de
ela mesma preparar-se para os eventos,
dispensando os serviços de terceiros. Gostava tudo
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exatamente feito ao meu modo, e nem sempre se


dispunha a tolerar algum erro alheio.
Devidamente vestida e adornada para a
ocasião, Eleanor retornou outra vez para o quarto.
- Podemos? - Pauline indicou a saída com a
destra.
- Sim, por favor.
A fisionomia da herdeira presidencial já não
era mais a mesma. Mantinha-se circunspecta, com
o tom de voz cordial e obtuso ao mesmo tempo.
Talvez tivesse se arrependido do seu momento de
fraqueza diante da secretária. Como retornar no
tempo era impossível, ateve-se à seriedade que
sempre lhe foi peculiar.
Assim, sem mais nenhuma interação
amistosa, apenas compenetradas no silêncio do
percurso, Conner e sua secretária seguiram para o
local do compromisso marcado.
Nesse mesmo instante, na capital do país,
mais exatamente na ala norte da Casa Branca, Liv
preparava-se para enfrentar o sermão de Michael.
Não que tivesse feito algo errado - mas de fato
havia quebrado alguns protocolos - só sabia, pelo
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tom de voz do homem ao telefone, que ele não


estava muito contente com o desenrolar do dia.
Mal pôs os pés na cozinha, e ouviu os passos
firmes que reconhecia serem dele. Loucura alguém
saber quem se aproximava através dos sons
emitidos pelos sapatos? Não para a audição
aguçada da loira.
- Agente Garner, o que faz aqui?
- Eu trabalho aqui, senhor.
- Está apta para exercer suas funções?
- Claro que estou. - A moça ergueu o
sobrolho sem entender aonde o comandante queria
chegar com o rumo daquela interpelação.
- Posso ver o atestado médico?
- Que atestado? - Nessa pergunta foi que
Olívia caiu em si - Ah, Waite, eu não fui ao pronto
socorro.
- E posso saber por que não, se foram ordens
minhas? Desde quando é desobediente e negligente
com sua saúde, Garner? - Ele aparentava
tranqüilidade. Mais parecia preocupação com a
loira, ao invés de com o desacato.

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- Desculpa. Eu só não vi necessidade. Na


verdade, para mim seria mais como uma perda de
tempo. O fato de eu ter desmaiado foi apenas uma
queda de pressão, o corte é superficial, portanto,
não há nada com o que se preocupar. Estou me
sentindo ótima e prometo que a qualquer mínimo
sintoma de algo errado, irei me consultar com um
especialista imediatamente.
- Não é assim que funciona, agente. Temos
regras e sabe que elas estão sobre circunstâncias
que não podem ser quebradas. - Michael retirou o
celular do bolso traseiro direito discando um
número que a loira não conseguiu identificar.
Fingindo estar alheia ao que o homem fazia, ela
virou-se, pedindo a uma das cozinheiras que lhe
fizesse o favor de preparar um sanduíche e um
suco. Só voltou a sua atenção para o comandante,
quando este a tocou no ombro esquerdo - Em
aproximadamente meia hora o Dr. Andrew estará
aqui para lhe examinar. - Já antevendo os protestos,
Michael ergueu o indicador direito em sinal de
silêncio quando a agente fez menção de manifestar-
se - Sem retruques. Não tem o aval médico, não

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tem trabalho. Simples assim. Te vejo mais tarde.


- Waite! - Liv impediu-o de prosseguir a
caminhada, segurando em seu braço.
- Garner, por favor, não dificulte as coisas. -
Ele protestou.
- Não, não é isso. Eu só... queria pedir um
favor.
- Favor? Que favor?
- Enquanto a Srta. Conner não retornar de
Nova York, será que eu poderia cuidar
pessoalmente do Billy? - O pedido soou demasiado
estranho, ainda mais vindo da loira, o que
automaticamente fez o homem franzir o cenho.
- Posso saber por qual motivo?
- É que... - Mentiria. A agente mentiria
descaradamente, ocultando suas reais razões - Bom,
a veterinária passou as orientações detalhadas para
mim e temo que outra pessoa possa se confundir e
executar as tarefas da maneira correta. Sabe, é... me
sinto culpada.
- Até que apuremos o que de fato aconteceu
para que culminasse no acidente, você está eximia

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de qualquer culpabilidade, Garner.


- Eu sei, mas tem sentimentos que são mais
difíceis de controlar. Por favor, permita que eu trate
do cão. Eu não terei muito que fazer, e ele já estava
sob os meus cuidados, não é mesmo? - A loira
arriscou um sorriso pedinte, que no fim das contas
funcionou perfeitamente, arrancando um
assentimento vencido do comandante.
- Ótimo. Garante excelência nessa função
também?
- Total.
- Liberada então para continuar sendo babá
do Bill. - Waite virou-se, dando alguns passos à
frente. Teve sua saída interrompida outra vez, agora
por conta própria - Não se esqueça que o Dr.
Andrew já está chegando.
- Pode deixar. Estarei pronta. - Novamente
brincando com a hierarquia entre eles, a mulher
bateu continência, obrigando Michael a menear
negativamente com a cabeça antes de soltar um
risinho frouxo.
"É...Talvez mudar de ares profissionalmente
não seja tão ruim." A loira riu dos seus
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pensamentos ao sentar-se para fazer a sua refeição.


Olívia Garner não era uma pessoa que
poderia ser considerada amante dos animais, pelo
contrário. Muitas das vezes esquivava-se deles,
ainda mais se fosse propriedade de alguém tão
entojada. Contudo, aquele em especial tinha lhe
chamado a atenção, justamente por ser o animal de
estimação dela, de Eleanor Conner.

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Capítulo 7 - Injustiça
Existem mulheres que parecem ter nascido
finas e elegantes. Mulheres que dormem e acordam
chiques, não precisando fazer esforço algum para
manter o grau elevado da finesse. Essa era Eleanor
Conner.
Andava com as costas retas, e nunca com as
pernas abertas. Era delicada, educada, de fala baixa
e mansa, na maioria das vezes. Controlada na
bebida e na alimentação, não se permitindo o
exagero jamais. Nunca saia de casa com a cara
limpa, obviamente temerosa de algum flagra por
parte dos paparazzi’s. Mantinha unhas, cabelos e
vestimentas sempre impecáveis. O que quando
criança era considerado tortura, hoje em dia havia
se tornado natural, espontâneo e automático.
A morena, acompanhada pelos seguranças,
chegou ao restaurante escolhido por sua amiga, a
consulesa da França, dentro do horário marcado.
"Não é de bom tom atrasar-se, nem mesmo sendo
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você uma noiva, Eleanor." Já dizia sua mãe quando


ia lhe dar as lições de etiqueta.
Conner trajava um Red Valentino evasê
branco com recortes frontais abaixo da linha dos
seios. Seu colo estava adornado por um belíssimo
colar de pedrarias preciosas em forma de flores. O
cabelo escovado para trás, bem como sua
maquiagem leve, acabavam de compor o elegante
visual.
- Mas como pode o tempo passar e agir como
um rejuvenescedor natural para você? - Eleanor
sorria abertamente para a mulher de cabelos lisos e
castanhos abaixo dos ombros, olhos azuis, corpo
esguio e sutileza dos movimentos.
- A recíproca é completamente verdadeira. -
Marie abraçou a herdeira presidencial por alguns
segundos - Como vão os seus pais?
- Bem, vão bem. Estão em missão
diplomática na África.
- Oh, céus. Visitei Angola há seis anos
aproximadamente e nunca mais tive a chance. Tem
suas peculiaridades, sua beleza...Eu gostei.
- Não pude acompanhá-los, mas quem sabe
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em uma próxima oportunidade, não é mesmo? -


Ambas afagavam as mãos uma da outra, após
sentarem-se na mesa reservada ao fundo - E o seu
esposo?
- Pierre é como seu pai: cheio de tarefas
inadiáveis por conta de sua posição social e sem
tempo algum para viver. - Conner deu uma breve
risada.
- Não é caso de rir, porém a realidade é tão
grotesca que chega a ser cômica, não? Mas, enfim,
foi a vida que escolheram. Não há motivos para
questionarmos.
- Nisso você tem plena razão.
A conversa seguiu frívola, porém agradável
para as amigas. Falavam sobre animosidades,
compromissos, moda, sobre o universo feminino
em geral.
Fugindo do trivial, a consulesa optou por um
local temático, enraizado em outra cultura européia.
Restaurantes italianos são muito conhecidos por
sua ambientação romântica e amigável, o que
creditou uma afeição maior pelo encontro por parte
das duas mulheres.
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O cardápio foi simplório: antipasto de


berinjela e abobrinha, risotto ao funghi, cordeiro
em crosta de ervas e pannacotta com calda de
framboesa como sobremesa. Acompanhando os
pratos, Marie e Eleanor optaram por um Pinot Noir,
o tinto leve por excelência.
Enquanto a morena degustava uma refeição
completa, Garner apenas "engoliu" seu sanduíche,
preocupada com os ponteiros do relógio que
pareciam movimentar-se com mais rapidez naquele
momento. Seguiu para os seus aposentos, onde
tomou uma ducha rápida, mantendo-se no mínimo
apresentável para quando o médico chegasse.
E ele não demorou. Em um pouco mais dos
trinta minutos mencionados por Waite, lá estava o
Dr. Andrew, na Casa Branca, à procura de Liv.
Contrariada, a moça apresentou-se com um sorriso
forçado, recebendo outro em troca. Eles
permaneceram em uma espécie de escritório com
mobiliário ergonômico, janela ampla que
proporcionava uma visão da área externa, e
decoração minimalista, com poucas interferências
visuais. Havia um divã, onde o profissional da
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saúde pediu que a loira se deitasse.


- Por que não quis que eu fosse até seu
quarto? - O homem indagou.
- Porque não tive tempo de arrumá-lo
adequadamente. - Não era de todo mentira, mas o
motivo real se dava pela falta de confiança nas
pessoas.
Dr. Andrew apenas assentiu, pondo-se à
executar o seu trabalho sem outros comentários que
não fossem pertinentes ao estado de saúde da
jovem.
Enquanto a agente era examinada, Waite
tentava insistentemente entrar em contato com
Eleanor, o que de fato estava excessivamente
difícil.
- Mosby, está entendendo a gravidade do
problema? - O homem já havia se cansado de
esperar para falar com a filha do presidente.
- Entendo perfeitamente, comandante, mas
nesse instante ela está à gargalhar com a
consulesa. Não posso interromper seu almoço. A
ouvi dizer, em uma conversa com Pauline, que
muita coisa dependia desse encontro. Além de que
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"jamais interrompa uma refeição, a não ser em


caso de falecimento" é instrução sua, senhor.
- É, eu sei. Criei monstros que se voltam
contra mim, mas esse é um caso atípico. Já liguei
duas vezes antes e sempre ela está fazendo algo
importante. Não posso adiar mais. Passe o telefone
para ela. Assumo a responsabilidade.
- Tudo bem. - O rapaz respondeu após um
suspiro.
Segundos depois, a voz rouca e imperativa da
morena pôde ser ouvida do outro lado da linha.
- Waite, algum problema grave? - Seu tom
não era nada amistoso.
- Na verdade sim, Srta. Conner. Eu não a
incomodaria se não fosse urgente. Hã, bom...
- Anda logo. Desembucha!
- Desculpa. Hoje mais cedo aconteceu um
acidente. Dois agentes foram levar Billy e Ted ao
veterinário e o carro colidiu.
- Oh, meu Deus! Alguém se machucou? Não
me diga que...
- Não, não. Ninguém se machucou. Quer
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dizer, Bill teve um ferimento, mas está em casa e


passa bem. A agente Garner...
- Agente Garner? Ela estava junto? - A
mulher interrompeu Michael. Sua insatisfação era
nitidamente notada na agressividade com o qual o
questionava.
- Sim. Era ela quem dirigia o carro.
- Mer... - Eleanor respirou profundamente,
prendendo o ar na tentativa frustrada de controlar
seu nervosismo - Waite, trabalha há anos com o
meu pai, conheço sua conduta e sei que somente os
melhores integram a sua equipe, mas... - Um leve
bufar pôde ser ouvido - Estou retornando agora.
- Mas, Srta. Conner, está tudo sob controle.
Não tem com o que se preocupar. Fiz questão de
lhe comunicar apenas para que soubesse do
ocorrido, não para que se inquietasse.
- Estou retornando para Washington agora.
Não vou repetir. Se tiver que tomar alguma
providência, faça imediatamente. - A morena
desligou a chamada abruptamente sem ao menos
preocupar-se com a possível falta de educação.
Por sorte, Michael era um homem indulgente,
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e mesmo se não o fosse, Conner estava em seu


direito de esbravejar. Não justificava um ato
deselegante, mas entendia perfeitamente por
conhecer sua personalidade "explosiva".
O comandante caminhava até o jardim,
quando deparou-se com o médico que viera atender
a agente Garner, já em vias de ausentar-se da Casa
Branca. Este determinou a aptidão da loira para
efetuar suas atividades laborais em normalidade,
sem restrições. Foi um alívio, pois Waite realmente
havia se preocupado com uma de suas melhores
colaboradoras. E mesmo a boa notícia pareceu não
ter animado o homem, que, impressionado, previa
que algo de ruim aconteceria em breve.
- Bem reza a Lei de Murphy: "Se algo pode
dar errado, dará." - Falava o comandante consigo
mesmo.
Ao passo que Waite tornava-se apreensivo
com uma possível tormenta, Garner aproveitou a
liberação médica para cuidar do seu "amigo"
canino. Ministrou o medicamento conforme a
orientação dada, alimentou-o e passou a escovar
seu pêlo.
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- Para uma desajeitada como eu, até que


estou me saindo bem, não acha, Bill? Não sente
mais ciúmes? Deixou de lado sua implicância
comigo? É, deixou sim, garotão. Vamos ficar bem
escovados para quando sua dona chegar, te achar
ainda mais bonito. - A loira travava um monólogo,
rindo de sua atitude - Quem diria, Olívia, você tão
aversa à animais...
A agente resolveu trocar o curativo, mesmo
não tendo passado as horas sugeridas. Ferimento
bem limpo e tratado era indicativo de uma melhora
mais rápida e significativa.
Tudo ajeitado, foi passear com o cão pelos
arredores da propriedade, supondo que o ar fresco
traria efeitos benéficos ao pet. Teoricamente sua
suposição estava correta. O que a loira sequer
imaginava era que Eleanor já havia retornado à
cidade, e que estava à procura de seu animal de
estimação.
Sim, a morena chegou em polvorosa, indo
direto onde Bill costumava descansar durante o dia.
O desencontro a enervou ainda mais, fazendo-a
bufar de raiva.
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- Onde está o meu cachorro? - Conner


perguntou à John, o encarregado pelos animais da
casa.
- Está com Garner. O Sr. Waite disse que ela
tomaria conta dele por enquanto. O motivo exato eu
já não sei lhe dizer, senhorita.
- Ao menos sabe para qual lado ela levou o
Billy?
- Não vi.
Eleanor não prestou-se à tréplica. Seu peito
arfava pelo nervosismo e, cega, deu as costas para o
homem indo à procura de seu companheiro de
quatro patas pelos possíveis lugares onde ele
poderia estar com a agente.
Após alguns minutos de busca, a morena
avistou o cachorro andando manco, ao longe,
guiado por Olívia pela coleira. Imediatamente seus
olhos lacrimejaram. Ela sentiu como se a possível
dor dele estivesse em seu próprio corpo. Mesmo
calçando sapatos de saltos altos, apressou os
passos, alcançando a mulher mais nova.
- Aonde pensa que vai com Bill? - Conner
chegou por trás, tomando a coleira de supetão da
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destra de Garner. O cachorro latiu sobressaltado -


Oi, sou eu, meu amor. - Ela abaixou-se, sorrindo,
acariciando seus pêlos macios.
- Ow, por que fez isso? O assustou, sabia?
Não devia falar alto perto dele.
- Quem é você para me dizer o que devo ou
não fazer com o meu cão? – A herdeira presidencial
ergueu novamente o corpo, aprumando sua postura,
aproximando-se de forma intimidadora da loira.
Elas se encaravam como dois adversários em
um ringue de luta, atentas à observar as feições,
bem como as mínimas ações uma da outra.
- Me desculpe. Eu... só quis poupá-lo de mais
estresse. Passamos por muito hoje. - Uma descarga
de sanidade fez a agente enxergar a ousadia em
afrontar a filha do presidente daquela maneira.
- Passamos? Até onde eu sei, ele passou, e
por sua culpa. - A mais velha esbravejava,
nitidamente transtornada.
- Srta. Conner, foi um lapso. Já pedi
desculpas.
- Ah, sim. Acha que é tão simples quase

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matar o Bill, gritar comigo e se desculpar, como se


fosse algo corriqueiro?
- É a senhorita quem está gritando. Não quis
dizer isso... - Liv esforçava-se para manter a
imparcialidade, a segurança de suas emoções, a
calma para tratar a situação.
- Então o que quis dizer? Ou melhor, o que
você me diz sobre sua estupidez? O que estava
pensando da vida? Queria matá-lo?
- Eu? Matá-lo? Senhorita, com todo o
respeito, está completamente enganada. Tudo o que
fiz foi tentar salvar a vida do seu cachorro.
- Tentar salvar? Era você quem dirigia o
carro! Foi culpa sua o acidente!
- Culpa minha? - Naquele momento, com o
descarrego de acusações insanas sobre ela, com a
forma grosseira com o qual estava sendo tratada,
Garner abdicou-se do equilíbrio emocional,
alterando seu tom de voz - Não faz idéia do que
houve. Como pode despejar sandices erroneamente
assim? Eu nunca fui imprudente no trânsito. Fomos
atingidos por um veículo desconhecido e posso
afirmar que esse acidente se deu de maneira
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intencional, mas não de minha parte.


- Agente Garner, não ouse me desacatar.
Você é uma incompetente e deveria se pôr em seu
devido lugar, respeitando à mim.
- Está pedindo por respeito? Devia partir do
princípio de respeitar de antemão para querer
retorno, não acha?
- Você é muito insolente...
- Insolente? - A agente estava boquiaberta
com o que ouvia.
- Ei, o que está havendo por aqui? - Michael
foi correndo ao encontro das mulheres,
provavelmente alertado por algum funcionário que
por ali passava, de que elas discutiam com
veemência - Algum problema, Srta. Conner?
- O problema é que sua funcionária é uma
inepta, incapaz, uma atrevida.
- Insolente, incompetente, atrevida... - Garner
deu uma gargalhada alta e sarcástica, tamanha sua
incredulidade - Já olhou para o seu próprio
umbigo? Fala de mim como se não fosse uma
dondoca mimada, arrogante e insensível. Sua

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prepotência te cega, não é mesmo? Não a permite


enxergar o quanto é um ser humano infeliz.
- Garner, cale-se. - Pediu Waite.
- Lhe devo respeito por ser sua subordinada?
Sim, devo. Mas não vou ser humilhada e ficar
calada diante de uma tremenda injustiça. - A mais
nova retrucava como se não ouvisse as ordenações
de seu chefe para que ficasse quieta - Bati com a
cabeça sabe Deus onde, desmaiei, e a primeira
coisa que fiz quando acordei foi desacatar um
sargento, correndo o risco de ser presa, para levar o
Bill no colo até a clínica veterinária. Eu pedi ao
comandante Waite para cuidar dele pessoalmente,
pois fiquei com medo de alguém não medicá-lo da
forma exata como a doutora orientou. Eu nem
precisava me preocupar. Minha consciência está
tranqüila, mas mesmo assim eu fiz. Troquei
curativo, dei remédio, escovei o pêlo e nem sequer
gosto de animais. E sabe por qual motivo eu fiz isso
tudo? - A voz da loira estava embargada, talvez
levada pela alteração nervosa - Porque já perdi um
pet de estimação e... - Olívia pausou sua fala,
tomada de emoção - ...e sei o quanto Billy é
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importante para você, assim como Craig foi para


mim um dia.
Eleanor tinha os olhos marejados e a
respiração vacilante. Não desviava a atenção da
agente por nenhum milésimo de segundo.
- Srta. Conner, tenho certeza que a agente
Garner não quis dizer nada de mal...
Encarando a mulher à sua frente, com o
semblante sisudo, após alguns segundos em
silêncio e com Michael tentando amenizar
inutilmente as palavras proferidas pela loira, a
herdeira suspirou, meneando a cabeça em negativa.
- Quero ela longe daqui. - Foi a única frase
dita antes de Eleanor dar meia volta com o seu cão,
saindo pelo caminho de flores, em direção ao canil.

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Capítulo 8 – Decisões
tomadas
- Garner, tem... - Waite encarava a loira,
boquiaberto. Esta, por sua vez, encarava o caminho
pelo qual Eleanor havia se embrenhado com Bill -
Você tem noção do que acabou de fazer? -
Nenhuma resposta veio da moça - Olívia! -
Somente uma chamada de atenção mais veemente é
que a fez desviar o olhar do ponto cego para mirar
o rosto do comandante.
- Eu não me importo.
- Não...não se importa? - A incredulidade
realmente parecia pairar no ar - Eu ainda não
consigo acreditar que isso foi real. - O homem
massageava sua têmpora direita, enquanto
balançava a perna em claro sinal de nervosismo -
Acho melhor você ir para casa e descansar um
pouco. Eu vou... te ligo depois.
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A agente assentiu, estranhamente sem


retrucar. Na verdade, sem dizer uma só palavra.
Apenas seguiu em silêncio até seu dormitório.
A calmaria exterior contrastava perfeitamente
com o turbilhão de sentimentos desconexos de seu
interior. A mente de Liv estava um caos, ela estava
um caos. Não conseguia raciocinar, provavelmente
ainda sob efeito da adrenalina que corria em suas
veias. Essa poderia ser uma boa desculpa para seu
ato insano: uma grande quantidade de adrenalina
descarregada em seu corpo. Havia tomado um
analgésico mais cedo para evitar uma crise de
enxaqueca. Provavelmente substâncias ímpares,
que não coincidiam com outras, obrigaram-na a
reagir de maneira agressiva diante dos absurdos
impositivos proferidos por Conner. Mas, não.
Todos nós sabemos que isso é balela. Garner
desacatou porque quis, porque não poderia ser
humilhada daquela forma grotesca. E o mais
relevante de tudo é que ela não se arrependia. Faria
tudo de novo e de novo, se assim fosse necessário.
A agente organizou alguns objetos pessoais e
roupas dentro de sua mochila, ausentando-se da
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Casa Branca o mais rápido que pôde. Estava


furiosa, nervosa. Todo o seu treinamento quanto ao
equilíbrio emocional havia caído por terra, e diante
da pior pessoa que poderia existir.
Eleanor. Eleanor tratou o acontecimento
como um ato gravíssimo. Nunca ninguém tinha
levantado a voz para ela; nunca ninguém a
enfrentou, contrariou ou se opôs a alguma
determinação que ela por ventura tivesse feito. Era
soberana até aquele momento.
A morena passou longos minutos acariciando
seus cães. Brincou com ambos como há tempos não
fazia. Essa era uma atividade que a desestressava,
que aprumava seus eixos, como se ali pudesse
desanuviar-se de qualquer sentimento ruim. Eles
eram os seus amigos, seus únicos e fieis amigos,
não restando mais nada nem ninguém com quem
lidar quando não se sentia bem.
O canil mais parecia uma residência de classe
média, tamanha a ostentação do local. Tinha dois
andares e os animais dormiam em quartos
separados. Possuía "área de lazer", "cozinha", e
tudo o mais que garantisse o bem estar e conforto
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deles. Disso Conner não abria mão: o melhor para


os seus animais de estimação.
Ela certificou-se de que tudo estava limpo,
ordenado, de que tanto Billy quanto Ted ficariam
confortáveis em sua ausência. Não queria
desperdir-se, sair de perto deles, mas seu corpo
implorava por um descanso.
O tilintar de seus saltos ecoou pelos salões de
sua residência, deixando os empregados
sobressaltados. A notícia de que a filha do
presidente havia discutido com uma das seguranças
já tinha corrido por toda a Casa Branca, e a tomar
pelo mau humor estampado em seu rosto, ninguém
arriscaria qualquer movimento perto dela, nem ao
menos ousaria aproximar-se da morena naquele
estado de alerta de perigo.
Eleanor seguia para o seu quarto, ansiando
por sossego, mas o caminho era traiçoeiro. Além
de, pela milionésima vez, tê-la lembrado de Alice
no País das Maravilhas, chamou a sua atenção para
o cômodo que mantinha a porta entreaberta. Não
havia nada lá dentro além de um Rembrandt
pendurado na parede lateral esquerda e um piano de
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cauda aos fundos. O instrumento surpreendia com o


seu poder, riqueza tonal, amplitude dinâmica e cor.
O teclado e a sua ação ofereciam um controle
impecável que incentiva Conner a alcançar novos
níveis de expressão musical. Ela amava cada um
dos componentes minuciosamente trabalhados a
partir dos melhores materiais. A morena sentou-se
frente ao piano, fechou os olhos e dedilhou as
primeiras notas, não se intimidando com o fato de
não tocar já há algum tempo. Quem por ali passava,
podia deleitar-se com Moonlight de Beethoven,
interpretado pela herdeira com maestria.
Suave, sutil, leve... A mulher que estava
naquela sala não era a mesma de segundos atrás. A
Eleanor ordinária, autoritária, escorria pelo seu
rosto junto com as lágrimas. Ela não tinha com
quem desabafar, não tinha um colo, uma mente
aconselhadora. Não havia meios de se abrir se não
em horas marcadas de uma sessão terapêutica. Isso
era triste, e a morena se culpava por saber que tinha
tudo nas mãos, mas as mesmas estavam atadas e ela
não fazia questão de livrar-se de suas amarras.
Eleanor não conseguia parar de pensar na
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discussão que travou mais cedo, por mais que


tentasse, assim como Garner.
A loira não conseguia organizar seus
pensamentos, menos ainda traçar uma linha de
raciocínio coerente. Das tentativas, o impedimento
se dava ao lembrar-se do rosto da filha do
presidente tão próximo do seu. Pôde sentir seu
hálito fresco. Pôde vislumbrar com clareza a veia
que saltava em sua testa, bem como a cicatriz
evidente no canto direito do seu lábio superior.
Pôde lembrar o quanto quis mandá-la à merda, e do
esforço sobre humano para não fazê-lo.
Liv dirigia devagar envolta nessas
lembranças. Atipicamente sacrificava sua mania
inveterada de ouvir música em qualquer trajeto que
fazia em seu automóvel, por motivos óbvios: seria
mais uma faculdade da sua memória a lhe
atormentar.
A agente freou brusca e imprudentemente o
carro ao entrar em uma viela de Baltimore. Por
sorte, o local não estava muito movimentado e sua
atitude impensada não ofereceu riscos eminentes à
outrem, senão à ela mesma.
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Garner seguia pelo trajeto que dava à casa


dos seus pais, seu refúgio, seu porto seguro. Foi
automático, mas ao passo de sua racionalização,
percebeu que ambos a encheriam de perguntas e ela
não estava disposta a respondê-las, nenhuma delas,
não naquele momento, não com Nora e George
fingindo não julgá-la, porém a censurando
internamente.
- O que eu faço? Para onde eu vou? Deus... -
Sua mínima disposição também a impedia de
retornar à Capitol, talhando-a de muitas outras
opções - Louise!
A amiga de longa data morava à duas quadras
dali. A solução para seu problema imediato estava
bem perto e foi exatamente para lá que Olívia
dirigiu-se, torcendo para não dar com a cara na
porta.
Estacionou em frente ao imóvel estruturado
em madeira e drywall. Desceu receosa com o
possível desapontamento em não encontrar a
morena de cabelos lisos e longos. Tocou a
campainha insistentemente, sem preocupar-se com
o incômodo causado. Não usava de suas faculdades
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mentais em pleno estado, não a podiam culpar por


isso.
- Ei, quem é o filho da... - Louise
interrompeu o xingamento que se sucederia ao ver
quem a perturbava - Liv? O que faz aqui, mulher? -
As amigas se abraçaram fortemente sem pretensão
de desfazer aquele enlace tão cedo.
- Senti saudades. - A loira sussurrou.
- Eu também sinto saudades. Você está bem?
- Não se afastaram até a resposta demorar alguns
segundos, preocupando a moça - O que houve
contigo? Vem, vamos entrar.
- Eu estava sem rumo, precisava parar em
algum lugar e... minha vida é uma merda! - A
agente falava enquanto adentrava a pequena sala de
estar.
- Eu ia assistir à novela comendo pipoca. Que
tal? - Louise apontou para a televisão e para a
mesinha de centro que acolhia, além de miudezas
espalhadas, uma bacia abarrotada do petisco.
- Sério? Quero nuggets, cervejas e futebol.
- E desde quando ordena algo aqui, esposa?

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- Desde que você declarou amor


incondicional por mim? - Riram.
- Está bem, mas sem futebol. - A morena
caminhou até a cozinha abrindo sua geladeira em
busca da bebida e das comida específicas - E só
para esclarecer, é somente porque estou com
vontade e não por sua causa.
- Ok. Fingirei que acredito. - Garner
refestelou-se no sofá, arqueando a cabeça para trás,
apoiando-a no estofado. Cruzou os dedos sobre
seus olhos fechando-os, suspirando profundamente
e aliviada por estar onde estava, em segurança.
- E então? Não vai me contar o que houve? -
A loira despertou do seu transe momentâneo ao
sentir a temperatura gélida da garrafa que a amiga
encostou em seu braço.
- Uau! Eficiente! - Sorriu sem ânimo,
erguendo a long neck - Aos $ 20 que você me deve
desde o ano passado.
- À sua mania de me cobrar uma dívida que
nunca existiu.
- A persistência é a alma do negócio. Quem
sabe um dia você não se convence e eu consigo
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arrancar um dinheiro fácil da sua polpuda conta


bancária. - A moça gargalhou alto.
- Está ficando boa nessa investida na carreira
de comediante.
- Sigo tentando. - Liv deu um gole generoso
na bebida, focando sua atenção no beijo que se
dava entre os atores no dramalhão mexicano que a
amiga assistia. Mantiveram-se em silêncio, por
pouco imóveis, até que a agente sentiu a
necessidade de colocar para fora tudo o que a
consumia como papel em chamas - Eu acho que
comprometi a minha carreira hoje. - A revelação
quase fez a moça engasgar com o pedaço de carne
de frango assada.
- Garner, você? Logo você que é tão...
obstinada com relação à sua profissão? O que fez?
- Te contei que fui transferida para a Casa
Branca, não contei?
- Sim. - Louise ouvia atenta a amiga,
franzindo o cenho à cada palavra.
- Estou à algumas semanas trabalhando lá,
com acesso direto ao presidente e sua família.

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- Sim...
- A filha dele...Se lembra da Judith no
primeiro ano do colegial?
- Claro que me lembro. Sofri por várias vidas
nas mãos daquela idiota!
- Exatamente! Eleanor Conner é uma idiota!
Uma tremenda e estúpida idiota, igualzinho a
Judith. - A fúria tornou a evidenciar-se na loira ao
citar o nome da infeliz mulher.
- Olívia, está se ouvindo? Olha como se
dirige à filha do presidente dos Estados Unidos! -
Louise ria, mas não por achar algo engraçado nos
gestos agressivos da amiga, e sim por não
reconhecê-la tão descontrolada - Eu nunca te vi
dessa forma tão...tão...intensa! O que ela fez? Foi
grave, não foi?
- O que ela fez? Aquela mulher é uma vadia
egoísta, egocêntrica, que não enxerga um palmo da
frente do seu nariz.
- Conta logo! Está me deixando nervosa e
curiosa.
- Ela... - A agente respirou profundamente

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buscando por ar e a calmaria inexistente em si - Em


resumo... Logo cedo fui levar os cachorros ao
veterinário e um carro colidiu com o que eu dirigia,
o animal preferido dela se machucou, o ajudei e
mesmo assim ela gritou comigo me acusando de ser
a responsável, de tentar matá-lo, de ser
incompetente e o diabo à quatro. - A loira findou
todo o líquido contido pela garrafa. Virou-se na
direção da amiga tão repentinamente que a mesma
sobressaltou-se arregalando os olhos - Ela gritou
comigo, Louise. Comigo! - A última palavra foi
proferida pausadamente, dando maior ênfase em
seu sentido - Sabe o quanto não simpatizo com
seres de quatro patas, ou com penas, ou nada que
não seja humano, aliás, você sabe que não
simpatizo com a maioria dos humanos, e mesmo
assim a puta nem se importou com isso, não
agradeceu por eu ter passado por cima da minha
repugnância para tratar daquele animal. Ai, que
ódio, que ódio eu sinto por ela! - Garner levantou-
se, passando a andar com as mãos na cabeça, de um
lado para o outro dentro do pequeno espaço
delimitado pelo carpete.

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Louise notou que a situação era mais


complicada e grave do que imaginava. Nada nem
ninguém haviam tirado a amiga dos eixos, ninguém
tinha tido a capacidade, o poder de descontrolar a
agente até então. A morena orgulhava-se do ser
humano terno e calmo, doce, bem humorado e
generoso que Liv mostrava ser fora do ambiente de
trabalho. No entanto, ali estava uma pessoa
completamente fora de si e sem nenhum controle
emocional, algo atípico, bem atípico em se tratando
da loira.
- Vai acabar perfurando o chão dessa
maneira. - Louise soltou a piadinha, sorrindo
constrangida, encolhendo-se no canto do sofá após
ser fulminada pelo olhar colérico de Garner.
A moça estava à conhecer traços inéditos de
uma personalidade ainda mais forte que a
costumeira. Prestava atenção em todos os detalhes
e trejeitos desconhecidos, notando algo que a fez
erguer o sobrolho e esboçar um riso ligeiro.
Permaneceu calada, permitindo que a quase irmã
desabafasse todo o mal que a afetava tão intima e
agressivamente.
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- Eleanor me mandou embora mesmo eu


tendo feito aquilo pensando no quanto ela ficaria
feliz em ver o cão bem. - O tom de voz da agente
abrandou-se. Ela sentou no lugar de antes, apoiando
os cotovelos nos joelhos dobrados - Por que ela fez
isso? - Nitidamente aquela era uma pergunta
retórica, à levar-se em conta o ar pensativo que
Olívia carregava no momento.
O mesmo questionamento era feito por
Conner, naquele mesmo instante, quando se
recostou de forma acomodada em sua king size.
A morena tomou um banho, tentou
inutilmente ler, estudar, executar mil e uma tarefas
vãs em utilidade, para afastar a petulante e seus
olhos esmeraldas de seus pensamentos. Eleanor
buscava entender os motivos que levaram a mais
nova a enfrentá-la de peito aberto, sem a menor
sombra de receio, de medo.
Desde a primeira vez em que a viu, sentiu
que algo na agente detinha certo mistério, um "quê"
que a diferia de todas as outras pessoas que já havia
conhecido. E mesmo insistindo em descobrir
exatamente o que tanto lhe chamara a atenção, foi
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incapaz de concluir qualquer teoria plausível.


O som de batidas fracas em sua porta desviou
sua atenção do "problema loiro" que não a fazia ter
paz. Levantou-se preguiçosamente, suspirando ao
verificar quem a chamava.
- Srta. Eleanor...
- Pois não, Waite? O que deseja?
- Eu gostaria de conversar sobre o que
aconteceu mais cedo.
- Não tem o que ser conversado à respeito.
- Estou vindo, não a pedido de Garner, nem
de ninguém, e sim, por mim. Disse que a queria
longe daqui, porém não acredito que essa seja uma
decisão sensata. Olívia é a melhor agente que a
história do Serviço Secreto já conheceu. Ela só não
galgou patamares muito maiores porque não quis,
pois capaz essa moça é. Detém competência,
disciplina, alto nível de concentração e
apresentação de técnicas incomparáveis. Não existe
outra pessoa melhor treinada que ela para executar
sua segurança e a de sua família. Não podemos
perder esse achado.

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Eleanor ouviu tudo atentamente. Não


duvidava de nenhuma qualidade profissional da
mulher, ou melhor, suas competências foram sim
postas em cheque quando sofreu o acidente que
culminou no ferimento de Billy, contudo, a morena
também tinha ciência de que tudo podia não passar
de fatalidade, afinal, quem em sã consciência
permitiria que um automóvel se chocasse contra o
seu? Existia um emaranhado de "e se" confundindo
os seus sentidos, impedindo-a de ser coerente em
seu julgamento. A questão maior nem era a
capacidade técnica da outra, e sim, a sua
incapacidade em reconhecer um suposto erro ou
exagero de sua parte. Não voltaria atrás em sua
decisão. Não podia. Simplesmente não podia. Seu
orgulho era grande demais para admitir que fora
injusta.
- Waite, eu lhe respeito e respeito suas
opiniões, mas em nada adiantará esmiuçar as
inúmeras qualidades dessa moça para mim. A
minha decisão foi tomada. Como quer que eu aceite
alguém que passou por cima da minha autoridade,
passou por cima da hierarquia que existe entre nós,

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andando feito uma sombra atrás de mim? Eu serei


obrigada a lembrar-me de sua insolência toda vez
que resolver respirar fora desse quarto? - A morena
soltou um riso nervoso, porém contido - Não,
Waite. Não vai acontecer. O que desejar fazer com
Garner, faça. Só não a quero integrando a sua
equipe, não a quero aqui, não a quero perto de mim.
Você tem sorte por ter a minha simpatia, e ela ainda
mais por defendê-la, mas isso não vai funcionar.
Sinto muito. Não fui eu quem escolheu que fosse
assim. Agora, se me der licença, estou muito
ocupada e não posso perder mais nenhum segundo
do meu precioso tempo tratando de um assunto
finalizado. Passar bem.
Eleanor fechou a porta devagar,
preocupando-se em não ser indelicada.
Contraditório? Muito. No entanto, o que não se
tornava ambíguo e disparatado em se tratando de
Conner?
A morena deslocou-se novamente até sua
cama, afundando o rosto no travesseiro de plumas
de ganso, ao passo que a loira afundava o seu em
uma almofada encapada com tecido de algodão na
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casa de Louise, ainda à esbravejar sobre suas


desmazelas.
- Amig... - Louise não pôde completar sua
fala, pois o toque do telefone de Liv era alto e
estridente em demasia - Phill Collins? Tão
demodê...
Garner não respondeu. Suspirou pegando o
aparelho jogado em meio à bagunça no tampo da
mesinha de centro. Leu "Com. Waite" no visor, e
pela segunda vez no mesmo dia, bufou ao atendê-
lo.
- Alô. – Ela não se preocupou em
formalidades naquele instante.
- Garner, como está?
- Como acha que estou?
- Eu...sinto muito. Sinto muito mesmo. Estou
te ligando porque acabei de sair da suíte da Srta.
Conner e... Bom, fui tentar persuadi-la da sua
demissão, mas, infelizmente, ela está irredutível.
- Isso está mesmo acontecendo? - A agente
deitou no sofá, repousando sua cabeça no colo de
Louise.

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- Calma. Eleanor não a quer na Casa


Branca. Nada especificou sobre sua permanência
em outra unidade. Eu... Sabe que a estimo e não
conseguiria me livrar de você tão facilmente.
Conversei com o chefe, expliquei a situação e
enquanto a investigação sobre o acidente estiver
em andamento, ele te dará um cargo no escritório.
- É o que? Está dizendo que me remanejou
para ser uma interna da Agência? Já não basta o
castigo que era ter que conviver com essa
mimadinha de uma figa, agora, por causa dela, vou
ficar enfiada dentro de um cubículo 3x3 durante
mais de cinqüenta horas semanais? Eu não estou
acreditando.
- Garner, você também não colabora! É
provisório, temporário. Entende o que eu digo?
Tente ao menos enxergar que estou ao seu lado,
querendo te ajudar, pôxa vida! Está reclamando da
infantilidade da filha do Sr. Conner, mas age feito
a mesma. Tenha paciência. Paciência, Garner.
Todos, sem exceção, debatemo-nos em
algum momento das nossas vidas com as
atribulações. Vimos a nossa zona de conforto ser
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abatida, os objetivos escorrerem por entre os dedos,


os nossos pensamentos ficam confusos, instalando-
se negativamente, emergindo assim algum tipo de
sofrimento.
Obviamente que cada pessoa reage de forma
diferente às adversidades impostas pelo destino.
Certamente muitos ficam presos em
comportamentos, sentimentos e pensamentos que
em nada contribuem para o reequilíbrio emocional.
Perante as dificuldades, algumas das nossas formas
de lidar com a adversidade são muito mais
destrutivas e prejudiciais do que assertivas e
funcionais. Esse era o caso de Olívia Garner.
- Vamos sair. Eu quero beber até entrar em
coma alcoólico. - Disse a loira para a amiga, ao
desligar a chamada com seu superior.

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Capítulo 9 – Ninguém
sabe o que o futuro
reserva
Entre as várias divisões instituídas dentro da
Agência de Serviço Secreto americano, uma bem
importante é a contraposição entre os policiais que
atuam ostensivamente e os que atuam no
administrativo. Existe uma guerra velada nesse
meio. Alguns operacionais acusam os
administrativos de privilégios, de viverem longe
dos riscos e desgastes das "ruas". Em contrapartida,
os que se mantém em horários centrais dentro do
escritório, com direito a noites de sono em casa
todos os dias, impreterivelmente, teimam em alegar
a importância de seus esforços na estruturação da
operacionalidade. Trabalham viabilizando uma
melhoria nas condições dos que estão na ativa.

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Essas não são afirmações excludentes, e sim


correlacionadas. Um não existe sem o outro e
devem atuar em conjunto.
Waite teve que usar de boa lábia para
convencer uma de suas melhores agentes a aceitar
passar oito horas diárias atrás de uma mesa,
cuidando de planos de saúde, aquisição de
equipamentos de proteção, armamentos e toda a
burocracia que existia por trás da segurança da
cúpula administrativa do país.
Os pais de Olívia também tiveram certa
relevância no que concernia à decisão tomada pela
filha. Talvez a conversa séria que mantiveram por
mais de quatro horas ao telefone, tenha sido um dos
fatores que a levou a não abandonar a carreira. A
loira insistia no fato de não suportar viver
aprisionada; ela necessitava de noites insones, de
utilizar o seu preparo físico no desenrolar das
ocorrências para sentir-se útil de verdade. Os riscos
de confronto eram como o bombear do sangue no
coração, significava vida. Seria um sacrifício, um
suplício ter que suportar a infelicidade de não fazer
o que lhe era aprazível.
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Todo mundo tem um dia ruim. Acorda


atrasado, o cabelo não se ajeita como deveria, o
trânsito se torna caótico em demasia, tropeça nas
escadas do trabalho, descobre que seu superior está
mais mal humorado que você. Para Garner, essa
sucessão de acontecimentos diários e deprimentes,
tornara-se limítrofe no momento em que acordou e
não desejou levantar-se da cama. Punição,
sacrifício. Sua ida até o trabalho nada mais era do
que tortura, pura e tão somente.
A loira olhava fixamente para a tela do
notebook à sua frente; contava em voz baixa os
"tique-taques" do relógio barato, importado da
China, que fora pendurado na parede mesmo sob
seu protesto. O tédio parecia misturar-se ao
oxigênio do recinto, algo que exalava dos poros da
agente e impregnava onde ela tocasse.
Duas batidas na porta puderam ser ouvidas,
interrompendo e atrapalhando sua contagem. Algo
a mais para insatisfazê-la.
- Posso entrar? - Waite mantinha um sorriso
constrangido no rosto.
- Se não for claustrofóbico, entre. - Liv
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resmungou, pegando o lápis jogado em cima do


bloco de notas, desenhando uma figura indecifrável
no papel branco.
- Não seja exagerada. Vai se acostumar. E...
até que aqui não é tão mal. Pode mudar a
decoração. Sabia que temos verba para isso? - Seu
tom ameno poderia até ser reconfortante em outra
situação, mas no momento não passava de
desperdício.
- Não acostumarei nunca! Tenho que respirar
devagar, pois sinto que o ar vai esvair-se a qualquer
instante.
- Já pensou em ser atriz? - O homem sentou-
se frente à loira - É... daquelas de filmes
dramáticos... - Garner revirou os olhos para seu
superior - Desculpa, só quero descontrair o
ambiente.
- Traga um cheeseburguer triplo com milk
shake para mim que iremos descontrair o meu
estômago. É o melhor que posso lhe oferecer.
- Já disse que adoro o seu senso de humor? -
Michael riu, mas desfez-se do ato, quando não
percebeu retribuição da outra parte - Entendi. Nada
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de gracejos. Bom, vim aqui para lhe pedir ajuda.


- Ajuda? - A estranheza fez Olívia erguer o
sobrolho esquerdo.
- Sim. A placa do veículo que colidiu com o
que você dirigia, foi clonada. Descobrimos mais
cinco carros com a mesma combinação e nenhuma
das informações que cruzamos foram compatíveis,
sequer coerentes. Não há muitos Camry’s
vermelhos rodando pelas ruas de Washington, e os
que existem legalmente, comprovamos não ser o
carro que procuramos.
- Droga! - A agente tombou o corpo para
frente, deitando a cabeça sobre o móvel por alguns
segundos - Retornamos para a estaca zero, então?
- Coletamos uma amostra de tinta que ficou
no amassado da batida. O laboratório irá liberar o
resultado em dois ou três dias ainda.
- E como eu posso ajudar?
- Tentando se lembrar de mais algum detalhe.
Algo que aparentemente seja irrelevante, mas que
possa elucidar esse caso.
- Comandante, eu tento, juro que tento a todo

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o momento, mas...não há mais o que lembrar.


Repassei cada segundo em minha mente, do
instante em que saímos da Casa Branca, até quando
acordei com Rust me sacudindo.
- O jeito vai ser pressionar o laboratório e
torcer pelo resultado satisfatório. - Waite levantou-
se - Falando em Casa Branca... eu tenho que ir.
Hoje é o jantar que o presidente está oferecendo
para o governador e sua família.
- Meus pêsames. - A loira falou entre dentes,
fazendo o homem balançar a cabeça negativamente.
- Juízo, heim?
- Ah, mais tarde devo ir buscar alguns
pertences meus que ficaram no dormitório. Vou
aproveitar que todos estarão ocupados, não
correndo o risco de encontrar com ninguém
indesejado.
- Tudo bem. Até mais tarde.
- Tchau.
Garner suspirou ao desviar o olhar da porta
sendo fechada para a pilha de pastas contendo
documentos, relatórios e mais uma infinidade de

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papéis inúteis. Quis abandonar a pose de durona e


chorar; descarregar os sentimentos presos em seu
peito. Externá-los demonstraria fraqueza, mas
quem se importava? A loira estava só naquele
cubículo de 45 m², e ninguém mais a incomodaria,
a não ser a equipe de limpeza que sempre vinha no
início do horário noturno.
A agente pôs-se de pé a olhar através da
vidraça o mundo lá fora, o vaivém das pessoas, a
vida acontecendo. A melancolia a fez engolir em
seco, percebendo as cores da rua contrastando com
o seu interior.
De repente, a sala da agente especial Olívia
Garner, foi tomada pelo som de Deeperise tocando
Crush, em um remix que Louise havia apresentado
à ela.
- Por favor, que não seja mais problema. -
Balbuciou a mulher antes de atender o telefonema -
Chora, bebê.
- E aí, como você está? Fiquei preocupada.
Há dois dias não dá notícias. - A morena tentava
ser cordial com a amiga.
- Louise, eu não estou depressiva, não sou
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uma ameaça à mim, nem aos outros, por enquanto.


Portanto, não precisa se preocupar. Não posso ficar
entrando em contato o tempo todo. Eu trabalho,
sabia?
- Aham. Agora fale a verdade. - Garner
bufou.
- Uma droga, uma merda! Sinto-me tão
chateada, entediada, que a impressão que tenho é
de que vou explodir!
- Calma, loira. Bom, podemos beber, se isso
adiantar...
- Não funciona. No dia seguinte tudo
continuará nessa mesmice alucinante.
- E a filha do presidente? - Liv franziu o
cenho com a pergunta inusitada.
- Eleanor? O que tem Eleanor?
- Não se faça de desentendida, Garner. A
trata pelo primeiro nome desde quando?
- E o que tem isso? É o nome dela, não é?
- Por que ficou nervosa? - A agente não daria
o braço a torcer jamais, mas seu tom falho
denunciava uma ansiedade latente.
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- Não estou nervosa, nem nada parecido. Só


não gosto de suas insinuações.
- Somos amigas há anos. Posso dizer que lhe
conheço melhor do que você mesma. Nunca te vi
destilar tanto veneno contra uma pessoa. Isso não é
uma raiva comum.
- Ah, não? Aquela mulher nunca fez questão
de ser simpática. Ela acabou com a minha vida,
com a minha carreira. Humilhou-me na frente do
meu superior, e tenho certeza que se tivesse mais
alguém perto, não seria diferente. Eu salvei seu
animal de estimação e o que a dondoca fez? Foi
injusta, apontou o dedo erroneamente, acusou-me
sem ter a menor razão. Acha mesmo que minha
raiva não é justificável? - Olívia parecia indignada
ao proferir tais palavras com o timbre firme,
impositivo.
- Eu não disse que não é justificável. Depois
que você esteve aqui em casa, que contou a mim
tudo o que aconteceu, lembrei de um estudo que fiz
para uma conferência de psicanálise que
participei. Fiquei horas refletindo sobre o que leva
uma pessoa a rejeitar, agredir e afirmar que
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ignora outra, às vezes publicamente, com a visível


intenção de humilhá-la.
- Ah, não creio que vai começar a sessão "sou
psicóloga e minha amiga é minha cobaia".
- Cale a boca e me ouça com atenção,
Garner. Quando alguém não constitui perigo em
nenhum aspecto para outrem, ou este lhe é
indiferente na esfera afetiva, não existem razões
para tais afrontamentos como o seu e da Srta.
Conner, entende? Estudos sobre o caso dão-nos um
panorama amplo da estreita vinculação entre o
ódio e o amor. Ninguém rejeita aquele que não
consegue perturbá-lo ou que seja incompatível com
um possível afeto que possa nutrir. Se tiver medo
do afeto que possa germinar dali, esse receio
implícito e a admiração oculta podem modificar-se
de modo fantástico e inesperado, confirmando o
paradoxo de brotar de seus âmagos o sentimento
oposto. Você e Eleanor já estão encadeadas em
uma invisível prisão, mas não tiveram um
enfrentamento racional. E quando isso acontecer,
minha amiga, nada será capaz de impedi-las.
A agente, logo do início do assunto,
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conhecemos bem Louise Mattew, antevendo o


falatório clínico - como se a relação entre elas fosse
mesmo médica-paciente - deitou-se no pequeno
sofá em tecido sintético de dois lugares, fechando
seus olhos. Permitiu que a morena despejasse o
relato de seu "caso", respirando profundamente por
vezes, em busca de ar e paciência.
- Louise, nós não nos gostamos. É simples.
Nem tudo no mundo se resume à complexidade da
psicologia. Pare. Somente pare com isso, por favor.
- Tudo bem. - A moça suspirou - Seja como
for, ainda vai me contar muita coisa sobre ela.
- Espero que não, não mesmo. Não
pretendo... - Liv interrompeu sua fala quando ouviu
a amiga tossir - Então, Louise, de acordo com meus
conhecimentos científicos, eu associo o fato de
você estar tossindo, com a minha morte lenta e
dolorosa por chatice aguda de sua parte.
- Idiota! - Ambas gargalharam, como faziam
quando da intenção de dissipar tensões.
- Gata, tenho que desligar. Preciso ir buscar o
restante das minhas coisas que ficaram na Casa
Branca.
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- Hum, e vai aproveitar para ver a herdeira


da presidência? - Mattew provocou.
- Vá para o inferno! - A loira encerrou a
ligação, jogando o aparelho dentro da bolsa que
estava no chão ao seu lado.
Garner pensou em protelar essa sua saída,
mas o quanto antes fosse até a residência
presidencial, mais rápido findaria o seu tormento.
Levantou-se de súbito, pegando o casaco, a bolsa,
deixando o recinto antes que mudasse de idéia.
Já no corredor, literalmente trombou com um
rapaz alto, de porte atlético e pele bronzeada.
- Desculpa. - Logo ao mirar seu rosto, teve a
sensação de conhecê-lo de algum lugar. Na verdade
ela tinha certeza, pois sua memória fotográfica
nunca falhara.
Ele a encarava com o semblante sisudo,
talvez um pouco preocupado também. A agente
atentou para o fato de que seu crachá estava com a
posição invertida, impedindo a visualização de seu
nome e cargo. Quando ia interpelá-lo a respeito de
suas intenções ali, um colega tocou em seu ombro,
dispersando sua atenção.
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- Já está indo descansar? - Era Clinfford


quem perguntava.
- Ah, sim. Foi um longo dia. Eu... estou
mesmo muito cansada. - Olívia usou de nítida
ironia para respondê-lo.
- Bom descanso então.
- Obrigada! - A loira foi afastando-se,
procurando o sujeito desconhecido com o olhar,
mas o mesmo havia retomado seu rumo no breve
espaço de tempo que se deu a despedida de Garner
e seu colega de trabalho.
Em frente à entrada sul da Casa Branca,
estacionavam os veículos blindados que conduziam
o governador Anthony de Henderson, sua esposa
Judith, e seu filho, David. A primeira-dama teve a
idéia de reunir as famílias em um jantar, levando
adiante o que sua filha chamava de atitude absurda
e estapafúrdia. Não houve meios de fugir do
compromisso imposto. Beatrice estava mesmo
empenhada em fazer daquela noite, inesquecível
para todos os presentes. Fez questão de contratar
um buffet especializado em jantares à francesa,
onde montariam uma mesa com sousplats, pratos,
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talheres, guardanapos e taças, servindo uma


sequência de entrada, dois pratos quentes, dois
acompanhamentos e duas sobremesas do mais
requintado menu.
- Nossos convidados chegaram. - Waite
monitorava as câmeras de segurança da sala de
comando - Garner ia gostar de estar aqui. - Disse
para si mesmo, pegando o blazer preto que estava
sobre a poltrona e vestindo-o. Alinhou-se conforme
o protocolo, suspirando antes de abrir a porta - Eu
vou acompanhar o jantar pessoalmente. Sobre o
esquema 3, alguém tem dúvidas?
- Não, senhor. - Os agentes responderam
quase em uníssono.
Michael apenas meneou positivamente com a
cabeça, seguindo pelo longo e temível corredor que
dava para a casa principal.
O presidente Conner não havia concordado
com a maneira forçada com que sua esposa tratava
aquela interação. O objetivo era claro, uma vez que
Beatrice não fazia questão nenhuma de esconder.
Queria que sua preciosa filha, mesmo que por
meios impositivos, abrisse os olhos para o que ela
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supunha ser sua melhor chance de se casar com um


bom, não, bom não, com um excepcional partido. O
Sr. Alexander não achava ser o caminho certo,
mantinha o mínimo de bom senso sobre aqueles
pensamentos retrógrados da mulher, no entanto,
além de uma conversa sensata com doses de
realidade, nada mais podia fazer para controlar os
absurdos da Sra. Conner. "Excêntrica. Casei-me
com uma mulher excêntrica." Era o que pensava o
homem sempre que tinha que lidar com as
inúmeras situações inusitadas, tal como aquele
"encontro arranjado".
Conversavam animosamente na sala que a
primeira-dama fez questão de redecorar retratando
a Itália, logo quando se mudaram. O ambiente
mesclava o rústico com o contemporâneo,
utilizando materiais que lembravam o país. Um
rack foi projetado exclusivamente para o cômodo,
com mármore importado e madeira de demolição.
Na estrutura do mobiliário, foram utilizadas cores
neutras e tecidos não muito rebuscados: o clássico
que nunca sairia de moda.
- Eleanor já não deveria ter descido, meu
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bem? - Beatrice sussurrava ao pé do ouvido do


esposo, disfarçando com um sorriso doloso.
- Eu acredito que sim. Alguém a avisou que
nossos convidados já chegaram? - O presidente
cochichou de volta.
- Pedi ao... - A mulher revirou os olhos
lembrando-se que só pensou em pedir à Pauline que
informasse à filha, mas não o fez - Hã... Vocês
poderiam dar-me licença por um instante, por
favor?
- Claro, Beatrice, fique à vontade, afinal, a
casa é sua. - O Sr. Henderson, pai, respondeu dando
uma breve gargalhada, acompanhado pelos outros
presentes, após bebericar da dose do Scotch Malt
Único, cuja garrafa só podia ser adquirida por um
membro do clube da Destilaria Ladybank em
Edimburgo, na Escócia.
Alexander a tinha adquirido por nada mais,
nada menos que 4.700 dólares. Ostentação? Para
alguns sim, para outros apenas o preço que se paga
por estímulos prazerosos.
- Ah, Anthony, sempre tão espirituoso! -
Beatrice mantinha a simpatia no semblante ao
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levantar-se, caminhando até a porta do recinto -


Clinton, poderia contactar Pauline e pedir que ela
avise à Eleanor que o governador e sua família
estão aqui?
- Claro, senhora. O farei imediatamente. - O
agente, solícito, atendeu ao pedido de prontidão.
Pelo rádio conseguiu comunicar-se com um colega
que transmitiu o recado à loira.
A secretária, por sua vez, não se fez de
rogada, atestando a sua competência chegando aos
aposentos da Srta. Conner em menos de cinco
minutos. Bateu uma, duas, três vezes em intervalos
consideráveis de tempo entre uma investida e outra.
"Ela não descerá. Eleanor vai pirraçar e não
descerá. Estou pressentindo que vou acabar sendo
prejudicada injustamente por isso."
Os pensamentos pessimistas rondavam a
mente de Pauline, no entanto, ela não queria, mas
tinha que tentar ao menos mais uma vez.
Assim que ergueu a destra para irromper o
silêncio do interior do quarto da herdeira, a porta
abriu-se de súbito, revelando a imagem de uma bela
morena trajando um TS Couture tubinho em renda
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preta sobrepondo o tecido de stretch chiffon na


mesma cor. O Jimmie Choo prata nos pés e as jóias
em esmeraldas compunham o ar sofisticado e
elegante da filha do presidente.
- Meu pretendente chegou. Eu já sei. Já ia
descer. Obrigada.
Estranhamente, Eleanor agradeceu sorrindo,
mesmo tendo sua presença solicitada em uma
ocasião nada bem vinda por ela.
"Se não pode derrotar os seus inimigos,
junte-se a eles!" Com esse pensamento, a herdeira
foi caminhando até a sala onde se dava a reunião,
exalando todo o seu garbo e elegância.

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Capítulo 10 – Invasão à
Casa Branca
Eleanor chegou à sala de estar mantendo um
sorriso dúbio nos lábios pintados de vermelho.
Agradeceu internamente por nenhum dos presentes
conseguir enxergar além de seu corpo, uma vez que
sua alma provavelmente estaria a revirar os olhos,
mortificada com esse jantar estúpido, ao seu
parecer.
- Boa noite! - O tom ameno da voz da morena
disfarçava a insatisfação crescente dentro dela.
- Eleanor, querida, há quanto tempo não nos
vemos! - Judith levantou-se, cumprimentando a
Srta. Connor com um breve abraço e dois sutis
beijos, um em cada lado da bochecha - Parece-me
tão bem!
- Você também está... ótima! - A mais nova
sustentou a falsidade, desvencilhando-se dos braços
da mulher espalhafatosa, dirigindo-se ao homem a
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seu lado - Como vai, governador?


- Ah, por favor, Eleanor, sem formalidades,
ao menos por hoje. - Deram um aperto de mãos.
Seria mais do que isso, se não fosse pela esperteza
da filha do presidente em logo ir cumprimentar o
rapaz sentado na poltrona à esquerda.
- David...
- Eleanor... - Ele sorria. No instante em que
seus olhos encontraram os da sua moça idealizada,
o Sr. Henderson, filho, não pôde controlar os
sintomas inegáveis da paixonite que lhe atacara:
respiração e batimentos cardíacos em ritmo
inconstante, nervosismo aparente, suor frio e um
abobalhar de atitudes.
- Está tudo bem? - A morena indagou-o com
a sobrancelha direita erguida.
- Não há como ficar bem diante de sua beleza
estonteante. - David sussurrou no momento em que
curvou-se discretamente para beijar o lado
esquerdo da face da herdeira presidencial.
Constrangida, talvez um pouco enojada com
a cantada barata aprendida em sites de
relacionamento, ela prendeu o ar por alguns
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segundos, afastando-se, oferecendo seu melhor


semblante impassível ao pôr-se sentada ao lado de
seu digníssimo pai.
- Lindo casal... - O comentário infeliz de
Beatrice fez a filha lançar-lhe um olhar fulminante
de repreensão.
- Quem? Anthony e Judith? Você e papai?
São mesmo! Exemplos de relacionamento sólido e
bem instituído. Amor verdadeiro, não? Desses que
lemos nos livros de contos de fadas, ou vimos em
filmes românticos. Natural, como se a alma de
ambos fosse uma só. Deveras bonitos, não
concorda, David? - A ironia usada naquelas frases
provavelmente tinha ficado implícita para o
governador e sua esposa, mas não passou
despercebido pelo presidente nem pela primeira-
dama.
- Oh, claro! São casais perfeitos! - O rapaz
havia sido pego de surpresa com a pergunta da
morena, atendo-se a poucas palavras para evitar
constrangimentos.
A família presidencial sabia que a
animosidade seria presença constante nas
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entrelinhas de um comentário e outro durante a


noite, e nenhuma das partes, no caso mãe e filha,
abririam mão desse recurso. Era o preço a se pagar.
Os passos largos e apressados de Waite
ecoavam pelo extenso corredor decorado com obras
de arte diversas. O comandante deveria certificar-se
de que tudo estava na mais perfeita ordem, já que
era um dia atípico e sua função competia em fazer
todos os esquemas de segurança serem funcionais.
Cumprimentava um e outro durante o trajeto
com um aceno ou um movimento leve da cabeça,
interrompendo sua caminhada somente quando
passou por uma pilastra e ouviu uma conversa de
caráter verdadeiramente duvidoso.
- O acidente pelo menos serviu para alguma
coisa.
- É.... Aquela idiota ia estragar tudo.
- Lembra como ela desmantelou nossos
planos da última vez? Eu fiquei com tanta raiva que
o chefe custou para me controlar. Eu queria esganar
aquela...
- Ei, esquece. Agora vai dar certo. Dessa vez
conseguiremos. Estamos aqui. Estamos dentro.
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Conseguimos com acidente ou não.


Aparentemente tratava-se de um diálogo
entre dois dos funcionários do buffet contratado
para servirem o jantar. Os rapazes usavam o
uniforme da empresa, mas não possuíam o cartão
de identificação em local visível.
Michael aproximou-se cautelosamente com o
cenho franzido, respirando a estranheza que lhe
fazia sentir arrepios percorrerem a base de sua
coluna. Era o seu sexto sentido gritando como uma
voz aguda ecoando em seu cérebro. O homem
levou a destra à parte de trás de seu blazer,
segurando na coronha da 9mm que mantinha no
dispositivo do coldre.
- Com licença. - Waite pigarreou antes de
avançar alguns centímetros mais à frente - Posso
ver a identificação de vocês? - Ambos foram
tomados de susto com a aparição repentina,
entreolhando-se temerosos.
- É... - O mais alto parecia menos afetado -
Está na cozinha.
- E o que fazem fora da cozinha? Posso
saber?
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- Estamos... descansando um pouco.


- O local de descanso não é aqui. Somente
pessoas credenciadas podem circular por esses
corredores.
- Desculpa. Não sabíamos. - Dessa vez foi o
outro rapaz quem se pronunciou.
- Sabiam sim, pois ninguém pisa nesse lugar
sem ter as devidas instruções. - Calaram-se. O
silêncio bizarro aumentou consideravelmente a
estranheza tanto dos homens, quanto do
comandante - Posso saber de que acidente estavam
falando? - Outro questionamento súbito e o
desconcerto pôde ser notado nos "colaboradores"
do buffet.
- Cozinha. Foi um acidente que aconteceu na
cozinha. - O semblante dos homens dava sinais
sutis de modificação.
Aparentavam nervosismo excedente, leve
sudorese, os peitos arfando em caráter desregular.
Indícios de tensão que somente olhos altamente
treinados poderiam captar.
Michael levou a mão livre à lapela, tombando
levemente a cabeça para conseguir alcançar o
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dispositivo de comunicação.
- Beta 6. Mosby, vá para a área da cozinha,
por favor. - O aguardo de segundos pela resposta
parecia ter tensionado ainda mais os homens à sua
frente. O comandante desviou o olhar deles
percebendo a movimentação de um de seus agentes
na porta da sala onde o presidente e seus
convidados estavam - Clinton, aproxime-se, por
favor. - Sem pestanejar, o rapaz obedeceu à ordem -
Acompanhe esses dois até a cozinha. Verifique se
está tudo bem por lá. O jantar deve ser servido... -
Waite interrompeu sua fala para verificar as horas
em seu relógio de pulso - ... daqui a exatos vinte e
cinco minutos. Certifique-se de que nenhuma
intercorrência cause atrasos.
- Sim, senhor. - Clinton virou-se para os
supostos colaboradores da empresa contratada -
Podemos? - Ele apontou para o corredor, indicando
o caminho, seguindo na retaguarda.
Quinze passos. Michael deu apenas quinze
passos até alcançar a entrada do cômodo onde a
família do Sr. Conner e do Sr. Henderson
conversavam animadamente, ou ao menos era o
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que as vozes afetadas demonstravam.


Em outra ala, longe dali, Garner adentrava o
seu antigo dormitório. Era um cubículo menor do
que seu atual local de trabalho, mas por um motivo
desconhecido, sentia-se bem ali. Não entendia
como um cômodo com espaço apenas para uma
cama de solteiro, um criado-mudo e um armário de
duas portas - que mais parecia guarda-roupa de
recém-nascido - poderia causar-lhe sensações
aprazíveis. Não entendia, apenas sentia.
Sentou-se na cama por alguns instantes,
suspirando e sorrindo saudosa. Não passou muito
tempo naquele local, o que não a impediu de se
afeiçoar ao ritmo de trabalho que lhe competia a
Casa Branca. Era um pouco diferente de quando
estava com o governador, e se não fosse pelos
incidentes desastrosos com Eleanor, seria tão ou
mais agradável do que era o seu emprego anterior.
Mais suspiros e a loira acabou dando de
ombros para tudo. Deveria fazer a passagem,
abster-se dos "e se", seguindo em frente com a
nova fase de sua carreira. Talvez o comandante
tivesse razão. Talvez com o tempo pudesse vir a
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acostumar-se; quem sabe, gostar?


Olívia balançou a cabeça negativamente à
fim de afastar seus pensamentos disparatados.
- Jamais! Jamais!
Levantou-se subitamente, batendo ambas as
mãos nas pernas. Foi até o armário de maneira
preguiçosa, como se quisesse estender seus minutos
ali. Pegou tudo a que lhe pertencia, entulhando
dentro da mochila aberta sobre uma cadeira que
permanecia no canto direito do quarto.
Quando tentava fechar o zíper, ouviu um
barulho baixo e atípico que seus ouvidos aguçados
capturaram. Franziu o cenho parando seu ato, mas
logo retomou a atividade, pois a freqüência da
movimentação e dos ruídos fora do cômodo parecia
igual à normalidade.
Nem ela, nem Waite do outro lado da Casa
Branca, sequer imaginavam que um dos piores
ataques ao lugar nos últimos tempos, estava
acontecendo naquele instante. Homens usando
máscaras, com supressores em seus armamentos,
abatiam quem quer que entrasse em suas linhas de
visão, e que os impedisse de prosseguirem com o
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intento de chegar até o arsenal já predisposto


próximo à cozinha. O som que Liv ouvia, nada
mais era que os estampidos criados pelos projéteis
no seus "vôos" e o acerto em seus alvos. Ao
contrário do que muitos imaginam por ver
acontecendo em filmes, os silenciadores não
neutralizam todo o barulho, e sim, suprimem boa
parte dele. O ato falho da desatenção de Garner ao
que poderia estar acontecendo no corredor, dessa
vez salvou sua vida.
A equipe tática que trabalhava no QG das
câmeras de segurança, foi a primeira a ser
assassinada. Alguns dos criminosos, usando o
uniforme da empresa de buffet, não levantaram
suspeitas ao circularem pelos arredores alegando
estarem perdidos. Um a um foi morto sem piedade,
com tiros na cabeça, antes de quebrarem todos os
monitores. Estavam livres para agir, para seguir
com o que quer que fosse.
Quinze minutos. Após quinze minutos que
permaneceu de pé no local, Michael pôde ouvir um
estrondo alto, impactante, ecoante, típico de
artefatos explosivos. Logo em seguida, sons
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"secos", limpos.
Tiros! De um instante para outro, o ambiente
encheu-se de vibrações de escopetas, pistolas,
metralhadoras, uma gama de variedades de armas
de fogo disparando simultaneamente.
- Oh, meu Deus! - Agora já se ouviam gritos,
logo correria e comoção generalizada - Venham
aqui! Rápido, rápido. - Waite acenava chamando os
seus homens que estavam por perto - Vamos fechar
a Casa Branca. Liberem os corredores e levem
todos os colaboradores para o salão azul. Preciso da
equipe tática. Acionem, rápido! Cinco ficam
comigo, cada um responsável por uma pessoa lá
dentro. Vão! Vão! - O comandante adentrou na sala
onde o presidente, bem como o restante dos
presentes, permaneciam em polvorosos.
- O que está acontecendo, Waite? - O Sr.
Connor aproximou-se, aflito.
- Eu... - Waite engoliu em seco - Tranquem
tudo! - Ele ordenava aos seus subordinados - Peço
aos senhores que não entrem em pânico. Estamos
tentando controlar... - Nesse instante, foi que
percebeu que não poderia tranqüilizá-los, pois nem
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ao menos sabia do que se tratava exatamente o


tumulto - Somente peço que confiem em mim e
sigam as minhas instruções - O comandante
direcionava todos para o centro do cômodo. De
repente, um dos agentes cochichou algo em seu
ouvido em tom tão baixo que se tornou quase
ininteligível, sendo essa mesma a intenção. Michael
apenas meneou afirmativamente com a cabeça,
voltando a sua atenção para os outros - Estamos
sendo atacados por vias aéreas e terrestres, mas
vamos todos para um lugar seguro. Eu cuidarei
disso. - Outro cochicho de um agente que parecia
falar com um de seus colegas através do celular -
Ok. Precisamos de todos os reforços que puderem
vir do capitólio. Quero cinco policiais no portão
leste.
- Só? - Perguntou o rapaz, espantado.
- Só, criatura. Esse não é um bom momento
para questionar minhas ordens.
- Desculpe-me, senhor.
Pesaroso sobre o que significava tudo aquilo,
o comandante sussurrou para o seu subordinado:
- Código Preto.
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Pronto! Tornou-se oficial. O caos havia se


instalado. Era um massacre, e o alvo maior estava
prestes a enfartar na sala, tamanho o seu
nervosismo.
- O que faremos? - A indagação veio do
governador.
- Os águias estão chegando. Mantenham a
calma. Mantenham a calma. - As palavras ditas
pausadamente deveriam causar um efeito
tranqüilizador, mas acontecia ao contrário.
"Deus, nos ajude."
Com toda a confusão generalizada que se
dava pelos barulhos agudos, outros graves e
estridentes, gritos e correria, Garner empunhou a
sua arma, abrindo a porta do dormitório no intuito
de verificar do que se tratava. Logo que viu rastros
de sangue e um grupo fortemente armado
assassinando um desconhecido mais à frente,
retornou para o cômodo, trancando-se lá dentro.
De repente seu telefone tocou e o temor que
nunca havia sentido antes, acabou por dominar o
seu ser. Ela tinha que atender. Na vida, a agente
fingia não ter medo da morte. Construiu um castelo
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de certezas, de virtudes e de sentido para


simplesmente negar o fato de que iria morrer um
dia, assim como vários do lado de fora, assim como
todo mundo.
Naquele instante, a loira percebeu que a
cereja do bolo de sua vida não foi composta de
grandes acontecimentos, e sim, no tecido invisível
dos minutos discretos que ninguém reparava,
somente ela: o dia em que acordou um pouco mais
cedo para ninar o seu irmãozinho e chorar a
saudade de alguém importante sem que seus pais
discursassem sobre a superação da perda; o dia em
que consolou uma lágrima que não foi anunciada
por Louise, mas que sabia que a amiga necessitava
derramar; o dia em que ajudou a vizinha chata e
fofoqueira a atravessar a rua quando esta estava
usando bengala por conta de uma fratura no fêmur.
Pequenas coisas pelas quais ela não ganharia
nenhum prêmio, nenhuma recompensa e ainda
assim fazia com esmero.
- Mãe? Mãe, eu não posso falar agora. - O
tom baixo e apressado era compreensível na
situação em que se encontrava.
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- Olívia! Liv, filha, o que está acontecendo na


Casa Branca? Os noticiários... aquele lugar virou
um campo de guerra. Está tudo tomado. Céus! É
como se fosse o fim do mundo. As imagens... Ah,
mas minhas orações não falham. Acabei de
agradecer a Deus pela sua vida. Ainda bem que
saiu de lá. Está segura dentro da sua "jaula", como
gosta de chamar o escritório. Viu que não podemos
reclamar tanto? - Nora deu uma breve risada, o que
não se estendeu por muito tempo, já que não teve
reciprocidade por parte de Garner. Um arrepio
macabro percorreu o corpo da mulher a iniciar pela
base de sua coluna - Olívia, o que está
acontecendo? - A agente tentou manter seu pranto
silencioso, mas não foi possível com o filme que se
passava em sua cabeça.
- Mãe, eu te amo. Diz para o meu pai que eu
o amo. Diz para o Theo. Faça com que ele seja um
bom homem, honrado, honesto.
- Liv, que besteiras são essas? - Era notório o
tremor dos membros de ambas, através da vibração
falha de suas vozes - O que está dizendo, filha?
- Perdoem-me. Perdoem-me se não sou quem
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esperavam, se eu os decepcionei. Nunca foi a


minha intenção. Eu... amo vocês. Amo.
- Olívia...
- Vai ficar tudo bem. Não se preocupe. Vai
dar tudo certo, mamãe.
- Por favor, não me diga que...
- Eu tenho que ir. Preciso cumprir o meu
papel de salvadora da pátria, como o papai diz.
- Não, não, não... - Por mais que a filha
reafirmasse que tudo ficaria bem, o coração de
Nora dizia o contrário, e raramente o coração
materno enganava-se, ainda mais ouvindo os
barulhos e o choro de sua menina do outro lado da
linha.
Um estrondo ainda mais perto assustou
Garner que, de imediato, antecipou a despedida.
- Mãe, se cuida e cuida dos nossos machos. -
Nesse momento a loira riu, ao passo que limpava
suas lágrimas - Amo vocês. – Ela encerrou assim a
chamada, não dando brechas para prolongar a
conversa.
E nem era o caso de não querer, e sim de não

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poder. Precisava de um plano para sair dali antes


que a encontrassem. Sua mente era um nó, um
emaranhado desconexo.
"Waite!" Lembrou-se de seu comandante.
Tentou contatá-lo através do celular, mas estava
caindo na caixa postal. "Droga!". Ela não mantinha
consigo nenhum outro dispositivo comunicador, na
verdade nem deveria estar ali, nem deveria mais
trabalhar para o presidente.
Ela não tinha um plano. Sabia que precisava
ser metódica mais do que nunca, no entanto, era
impossível. Resolveu seguir os seus instintos
policiais. Respirou fundo, pensou em todos que
amava e, lentamente, foi abrindo a porta, saindo
cautelosa do dormitório. Não havia ninguém por
ali, apenas corpos estirados no chão, em um
verdadeiro banho de sangue.
Liv escondeu-se atrás de uma pilastra quando
viu uma dupla mascarada avançar pela ala norte.
Seguiria pelo caminho inverso, calculando que a
probabilidade de encontrar com algum bandido
seria menor. Olívia conseguiu passar pela área dos
elevadores, mas seus cálculos estavam errados.
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Quando ia para alcançar a escadaria do andar


térreo, sentiu um ardor em seu braço direito.
- Caramba! O que... - Ao virar-se, deu de cara
com um homem alto, magro, de feições horrendas.
Ele apontava a arma para a cabeça da agente que,
diante da situação, nada mais podia fazer que senão
manter-se imóvel.
Foi dado um disparo que acertou em cheio.
Um jato de sangue jorrou, sujando a loira em seu
membro inferior esquerdo, antes do criminoso cair
morto no chão.
- No meu sapato, Rust? - Garner sorriu
aliviada e em agradecimento - O que está
acontecendo? Como vamos sair daqui? - Ela
perguntava ao colega.
- Eu ia lhe fazer as mesmas perguntas.
- Obrigada por salvar a minha vida.
- Imagina. Não é hora de agradecimentos.
- E Waite?
- Consegui falar com Clinton. Eles estão
próximos do salão oval. Precisamos chegar até lá
para ajudar na segurança.

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- Segurança?
- É. O presidente e o governador, com toda a
família, estão lá com eles.
- Oh, meu Deus! É mesmo! Droga! Abaixa! -
A loira praticamente forçou a cabeça de Rust para
baixo quando viu, através do espelho à sua frente,
um homem passar correndo na direção dos outros
dois anteriormente - O túnel está a dez metros de
nós no elevador. Vamos.
- Tem certeza?
- Não, mas não temos opções.
- Certo. Eu vou na frente.
Os agentes estavam às cegas. Arriscariam
suas vidas em prol da sobrevivência deles próprios
e de outrem. Irônico, mas necessário.
De maneira precavida, avançaram até onde
lhes seria permitido a entrada nos túneis
emergenciais. Poucos sabiam de suas existências, e
a dificuldade em acessá-los desanimava qualquer
um. Mas aquele não era o caso. Garner e Rust
embrenharam-se engatinhando por uma parte, e por
outra andando à passos ligeiros. Em exatos seis

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minutos estavam abaixo do corredor da casa


principal, podendo respirar mais tranquilamente.
Saíram pelo buraco da ventilação do elevador
central, por sorte parado no andar da sala onde
permanecia o presidente, sua família e seus
convidados.
- Como esses bandidos não descobriram isso?
- A loira questionava enquanto caminhavam até a
porta, olhando para todos os lados com a arma em
punho, pronta para a defensa.
- Não sei, e agradeço pela ignorância deles.
- Conseguimos! - Sorrisos aliviados podiam
ser vistos nos rostos de ambos - Waite, abra. Sou
eu, Garner. Comandante, por favor. - Ela batia
insistentemente na porta, com uma força
descomunal, preocupada em serem descobertos.
Em segundos, o próprio Michael permitiu a
entrada dos agentes, mesmo afoito.
Ao deparar-se com a imagem da loira ali,
depois de tudo o que aconteceu e de tudo o que
estava acontecendo, Eleanor sobressaltou-se,
ficando de pé em estado de alerta e emoção.
- Olívia? - O contato visual e o esboço de um
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sorriso por parte de ambas parecia errado, mas


ninguém se importava.
- Por que eles não foram para o cofre? -
Garner interpelava o comandante.
- Não podemos sair. Bob, da força tática,
disse que está tudo tomado.
- Como? Como? - As primeiras-damas ali
presentes exageravam no dramalhão quase teatral.
- Ei! Não é hora de se preocuparem com isso.
Temos um trabalho a fazer. - A agente,
esquecendo-se de seus receios particulares, tentava
manter a ordem no local, mesmo sendo esta a
função de seu superior - Podemos ir pela lateral.
Viemos por lá.
- Não dá. Não temos noção da situação na
área externa. - Michael ponderava.
- Mas ao menos estaremos seguros até
conseguirmos esquematizar um plano de fuga. Isso
é o que importa. - Segundos de silêncio se deram,
encarando um ao outro - Por favor. É nossa melhor
chance.
- Está bem, vamos.

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A porta lateral direita pouparia tempo e era


exatamente isso que precisavam. Mas o inesperado
aconteceu. De repente, tiros e mais tiros estavam
sendo disparados contra o cômodo, vazando suas
paredes. O desespero e os gritos davam-se de
maneira difundida, apavorando até quem deveria
manter a calma sob pressão.
- Passa todo mundo, Waite. Anda logo, porra!
- Liv estava aos berros, mas calou-se no instante
em que percebeu o "clic" da maçaneta da porta
principal. Os outros haviam acabado de conseguir
transpassar a saída, faltando apenas Eleanor e ela.
Não daria tempo. As duas, em milésimo de
segundos, estariam sob a mira dos bandidos. E foi
então que, mais uma vez, a agente provou que
levava a sério sua profissão e era muito boa no que
se predispunha a fazer. Deveria salvar a vida da
filha do Sr. Alexander, bem como a sua. Estava
tudo em suas mãos. Tudo dependia de uma resposta
rápida ao estímulo do perigo extremo.
Durante o tumulto, enquanto os outros
corriam para o corredor de acesso, uma brecha
entre a estante e a parede tinha sido aberta
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despretensiosamente. Olívia puxou Connor pela


cintura, espremendo-se com ela no mínimo vão,
que dependendo do ângulo visto, era quase
imperceptível. Fez sinal para que ficasse em
silêncio, mantendo-se de sobreaviso ao notar que
pessoas perambulavam por ali. Não os podia ver,
mas ouvia seus passos.
- Filhos da mãe! Escaparam!
- Por onde será que eles foram?
- Duas portas e a janela aberta.
"Não acerte! Não acerte!" A loira entoava
aquelas palavras mentalmente como um mantra. A
morena ao seu lado apertava os lábios na contenção
de qualquer som que pudesse escapar.
- Por ali! - Sabiam que os bandidos correram,
mas não podiam identificar em qual direção.
Após alguns minutos em ausência de
movimentação na sala, certificando-se que
poderiam sair dali, Garner pôs-se na frente de
Eleanor, resguardando a mulher de uma
eventualidade.
- E agora? - Connor não conseguia livrar-se

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dos tremores, em claro sinal de nervosismo.


- Vamos seguir por onde o pessoal passou. É
o mais seguro, se é que existe alguma segurança
aqui. - A agente tocou em ambos os braços da
morena - Escute bem. Eu vou precisar de você
agora. Preciso que nos ajude a ir embora daqui.
Não surte, não entre em pânico. Sei que é difícil,
quase impossível, mas temos que conseguir. Quer
sair viva desse lugar? - A filha do presidente
meneou afirmativamente com a cabeça - Então nós
iremos.
De passo em passo, pé ante pé, foram
alcançando o corredor. Garner usava de cautela
extrema, mas nada poderia impedir o azar. A
poucos metros do destino delas, um atirador as viu
e, sem pensar duas vezes, deflagrou tiros em suas
direções. Agindo pelo impulso da surpresa, porém
dentro do treinamento que recebera, Liv amparou
Connor com seu próprio corpo, atirando
aleatoriamente enquanto corria até o outro lado,
onde se davam algumas salas preparadas para
reuniões e conferências.
- Ah, merda. - A loira gritou ao ser atingida
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em seu ombro por um dos projéteis.


- Meu Deus, você se feriu! - Eleanor olhava
hipnotizada para o sangue em excesso que escorria.
- Entra aqui. Entra aqui. - A agente empurrou
a herdeira presidencial porta adentro de um dos
cômodos, dessa vez sem cálculo algum, apenas em
um instinto de sobrevivência. Circundou o
ambiente com o olhar, sorrindo satisfeita ao ver
uma grade retangular no lado esquerdo da parede
frontal.
- Não pode se mover assim. Sangra muito.
- É superficial. - Disse, subindo em cima de
uma mesa ali disposta.
- Como sabe? Não vai me dizer que também
é médica...
- Não, não sou. Só... sei. - Usando a ponta de
uma caneta que estava disposta sobre o móvel em
que subira, Garner conseguiu afrouxar os parafusos
da grade do sistema de tubulação superior.
Agradeceu mentalmente por isso não existir
somente nos filmes de ação que assistia - Venha!
Connor obedeceu prontamente, sendo

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auxiliada pela agente. Tiveram dificuldades.


Demandou um esforço quase sobre humano fazer
aquela dondoca entrar em um cubículo, e depois a
si, mas por fim conseguiram. A loira prendeu a
grade novamente por dentro para diminuir os
indícios de que tinham entrado por ali.
- O que faremos? - Eleanor ofegava em
demasia.
- Preciso pensar. Só preciso pensar. - Liv
encostou-se na parede, fechando os olhos por
alguns segundos.
Tentou lembrar-se das diversas plantas do
local a que teve acesso quando do seu treinamento.
Estava nervosa com o som da respiração falha da
morena e a pressão em ter que mantê-la viva.
Precisava focar, mas não conseguia. Ela insistiu
uma, duas, três vezes, por fim lembrando-se que se
seguissem para o lado direito, conseguiriam chegar
ao que chamavam de cofre: um lugar blindado, de
segurança grau máximo, construído exatamente
para ocorrências como aquela, de ataque. Haviam
acondicionados alimentos, água e kit de primeiros
socorros. Waite provavelmente havia levado o
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pessoal para lá e era para onde deveriam ir também.


Sem dizer uma palavra, Garner fez sinal para
que Eleanor a acompanhasse. Devagar, foram
engatinhando pela tubulação escura e aterrorizante.
Repentinamente, a agente parou, virando-se para
trás a fim de olhar para a morena. Colocou o
indicador direito na boca, em sinal de silêncio,
posteriormente na orelha, acusando de que ouvia
algum som vindo do cômodo abaixo delas.
- Não era para ela estar aqui, droga! Não era
para essa puta loira estar aqui. Será que ninguém
consegue executar uma simples tarefa? Orhan não
tinha dito que ela estava longe?
- Disse. Ele a viu indo para casa.
- A Casa Branca, não é? Porque a imbecil
está aqui e novamente estragou tudo! Tudo!
- Chefe, mataram uma loira gostosa. Talvez
seja ela.
- E os outros?
- Ainda não sabemos.
- Vou verificar pessoalmente.
Olívia e Connor entreolharam-se. Não
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podiam falar, mas palavras tornaram-se deveras


dispensáveis naquele momento. Ambas sabiam que
a loira de quem comentaram eram ela. A agente
estava confusa, apavorada por assim dizer. No
entanto, estranhamente, tomou aquilo como um
impulso, como um desafio. Se ela era o impeditivo
para o prosseguimento dos planos daqueles
bandidos, faria jus ao posto que lhe competiram.
O escritório da USES estava todo em
polvoroso. A cúpula do governo fazia o que podia,
trabalhavam apressados e com afinco, mas a
situação era demasiadamente caótica.
- Eu quero saber quem é o responsável por
essa bagunça! - O Vice-Presidente chegou à sala de
monitoramento exigindo explicações.
- Senhor, não há como saber detalhes. - Um
dos chefes da Segurança Nacional respondeu-o -
Estão incomunicáveis.
- E o que pretendem fazer?
- Os códigos aéreos foram alterados, estamos
mandando os atiradores de elite, todos os reforços
que pudermos. Enviaram um vídeo para o
secretário de segurança agora a pouco. - O jovem
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estendeu a mão oferecendo um aparelho de celular.


Nele, o adjunto de Alexander Conner pôde
visualizar uma pessoa mascarada, completamente
coberta.
"A verdade vai predominar. Não haverá
concessões. Nunca reconheceremos a legitimidade
militar que esse governo impõe. Está tudo
acabado. Todos morrerão. Vemos-nos em breve."
- Há quanto tempo isso foi encaminhado?
- Dez minutos. A técnica ainda está tentando
rastrear.
- Mantenham o contato direto com o
Pentágono, com a Segurança Nacional. A
Segurança Interna já não é mais possível, portanto
teremos que dar conta daqui de fora.
- O que mais quer que façamos, Sr. Vice-
Presidente?
O homem baixo, de careca reluzente, sentou-
se retirando os óculos, dispondo-os sobre a mesa.
Tampou o rosto, exausto e preocupado.
- Rezem por um milagre.
No entorno da Casa Branca, os jornalistas
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aglomeravam-se em busca de melhores imagens e


de um furo de reportagem, algo que os desse ainda
mais notoriedade em um dos eventos mais
catastróficos dos últimos tempos.
"Os atiradores da Marinha e do Exército
estão posicionados no perímetro ao redor da Casa
Branca. O tumulto tornou-se exorbitante. Feridos
ainda estão sendo retirados das imediações. Não
se sabe quantos bandidos são mentores, nem
quantos reféns permanecem lá dentro. Nenhum
sinal do presidente e do governador. Estão
atirando na população. Estão atirando."
Em Baltimore, há sessenta e sete quilômetros
do foco do ataque vil, os pais de Liv assistiam
aflitos aos noticiários. Louise, complacente com a
dor dos "tios", uniu-se aos dois, em uma corrente
de orações por um desfecho que fosse diferente do
que os abutres que trabalhavam para os órgãos da
imprensa, insistiam em apresentar nas emissoras de
rádio e televisão.
Garner e Eleanor já estavam dentro da
tubulação há alguns minutos, tortuosos e
incalculáveis minutos. Enquanto a loira esmiuçava
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de olhos fechados as lembranças das aulas teóricas


sobre os procedimentos a serem tomados em caso
de ataques terroristas, a morena começava a
apresentar alguns dos sintomas de uma crise de
pânico: sudorese elevada, falta de ar, náuseas,
tremedeira, ondas de calafrios e desorientação.
- Não posso... eu... não... aguento. - A agente
pôs-se de sobressalto, assustada com o estado da
mulher ao seu lado.
- Eleanor, o que está havendo? Não podemos
fazer barulho.
- Eu... sou claustrofóbica. Estou tentando,
mas não... não consigo mais. - As lágrimas
escorriam livres pelo belo rosto de Conner.
Olívia compadeceu-se da agonia da herdeira
presidencial, uma vez que sua mãe, quando mais
nova, tinha crises constantes e sofria muito com
aquele mal. Contudo, não estava preparada para
lidar com mais aquele problema. Ou melhor,
pensava não estar preparada.
- Louise... - Ela balbuciou para si.
- O que...o que disse? - Conner já estava
hiperventilando, completamente desnorteada.
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- Minha amiga, minha irmã. Ela é psicóloga e


me usa como cobaia ouvinte de seus estudos. - Seu
tom era sussurrante - Faz terapia? - A mulher
apenas assentiu com a cabeça - Já ouviu falar em
superexposição? - Ela deu um balançar negativo - É
um tipo de tratamento em que o indivíduo com
claustrofobia é exposto a sua maior forma de medo
até que o ataque de ansiedade passe. A idéia é te
fazer assimilar o contato ao que tanto teme e provar
que não resultou em nenhum prejuízo real. - A
morena começou a desfalecer, sendo tomada por
Garner em seus braços - Eleanor, olhe para mim. -
A agente agora, além da voz baixa por necessidade,
usava da fala suave e pausada, no intuito de
acalmar Conner. Tocava em seu rosto limpando as
lágrimas - Não vai acontecer nada de ruim conosco.
Eu estou aqui. Atiraram contra nós, estamos entre
um fogo cruzado. Houve um massacre e eu
consegui nos manter vivas, consegui nos colocar
em segurança. Olhe para mim. Passamos por muito
e chegamos até aqui. Acha mesmo que o lugar, até
então mais seguro da Casa Branca, é o que irá te
matar? - Ambas esboçaram um sorriso.

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- Por que? - A filha do presidente falava


ainda com dificuldade, tentando recuperar sua
freqüência cardíaca e respiratória normal - Por que
está fazendo isso? - Liv umedeceu os lábios,
suspirando profundamente antes de responder.
- Você ordenou que eu ficasse longe, mas
talvez eu esteja mesmo exercendo a função errada,
pois sou teimosa demais para obedecer a certas
ordens. Você foi bem clara ao dizer que nunca mais
queria me ver, só que... aqui estamos nós, abusando
das ironias do destino. Nesse momento, por mais
que você me rejeite, estou aqui para te salvar, para
salvar as nossas vidas. Estou aqui por você,
Eleanor.

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Capítulo 11 – Salve-a
"O que parecia uma resposta rápida ao
ataque, virou uma grande interrogação na Casa
Branca. A polícia prendeu um suspeito, mas
admitiu que pode ter pego o homem errado."
"Um dos porta-vozes do Ministério Público,
Derek Van Halen, disse que alguns elementos
levam a crer que a invasão da Casa Branca trata-
se de um ataque terrorista."
As notícias não paravam de sopitar como
água fervente em chaleira. Para os sensacionalistas
aquilo era um prato cheio. A desgraça alheia
causava, além de comoção, reportagens que
posteriormente poderiam ser consideradas
históricas, de acordo as circunstâncias.
O clima no escritório central da Agência do
Serviço Secreto variava entre a agitação e o
desconforto, dada a falta de notícias do presidente,

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do governador e suas famílias.


- Equipe de resposta? - O Vice-Presidente
parecia realmente empenhado em conseguir algo
que pudesse elucidar a maneira como reverteriam a
situação.
- Em 5 minutos! - Respondeu o Comissário
de Segurança.
- Chegaram! Os reforços do exército, da
aeronáutica... chegaram. - Aquele foi o único
momento em que se pôde ver sorrisos sendo
esboçados nos rostos aflitos de quem trabalhava
com afinco, mesmo que longinquamente, para
estancar uma parte do sangue derramado naquele
ataque. Alguns se abraçavam, outros
comemoravam aplaudindo as Forças Armadas,
cada um à sua maneira, mas sinceramente.
- Não comemorem ainda. Apenas... não
comemorem. - O homenzinho abatido, substituto
interino do Sr. Alexander Conner, enquanto da
incidência do caos instalado no país, parecia ter se
deixado levar pelo pessimismo.
- Tem um contato sendo feito da Casa
Branca. - Gritou a Tenente Isabelle, responsável
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pelas interceptações telefônicas - Silêncio, por


favor.
Demorou cerca de dez segundos para que
pudessem ouvir algo que não fossem murmúrios
ininteligíveis.
- Agente Especial Garner, Olívia Garner.
Delta 453 Recept 26986. Não posso falar por muito
tempo. Está tudo tomado e esse telefone é de... eu
não sei de quem é. Eu o matei e... Estou com
Eleanor Conner. Meu comandante, Michael Waite,
está com o presidente, o governador e o restante
das famílias. No tumulto de um dos ataques,
acabamos nos separando por questão de
sobrevivência. Eu não sei quem está vivo ou morto,
mas destruíram tudo. Não há como ter certeza do
que querem ou um alvo específico. Estão abrindo
fogo aleatoriamente, apenas por matar. A Srta.
Conner e eu, estamos em um abrigo secreto.
Existem explosivos espalhados em pontos
estratégicos nas entradas e janelas, não sei se em
todas. Os sensores não estão funcionando.
Passamos muito tempo nos dutos de ventilação,
estamos desidratadas, feridas. Fiz o que pude. Eu
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só... fiz o que pude.


- Agente Garner? Agente Garner? - A tenente
tentava o retorno do contato interrompido - Droga!
A perdemos.
O tempo, nesse tipo de situação conflituosa, é
imensurável. Perde-se o controle das emoções, a
capacidade de raciocínio lógico é diminuída. E tudo
isso, querendo ou não. Muitas vezes, o mais difícil
é saber aonde você mesmo quer chegar. Ou aonde
pode chegar sem ultrapassar os próprios limites.
Garner estava equilibrando-se na linha tênue
entre o ser capaz e o fracasso. Eleanor mantinha-se
um pouco mais tranqüila, mas não suportaria a
pressão psicológica se não saíssem logo dali. A
agente necessitava da rapidez de raciocínio que
outrora lhe fora peculiar. Encontrando-se nessas
condições, ela só poderia fazer uma escolha...
- Vamos arriscar. Vamos... tentar chegar ao
cofre. Pode fazer isso comigo? - Perguntou a loira
para Conner, que permanecia ainda ofegante em
demasia. Esta, por sua vez, respondeu apenas com
um menear positivo da cabeça - Ótimo! Seguiremos
em frente - Liv apontou para a sua direita - Sabe
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rezar, Srta. Conner?


- Se...sei. - Respondeu a morena, gaga pelo
nervosismo.
- Muito bem, pois vamos precisar de todas as
orações possíveis. Não emita sons, respire o mais
lentamente que puder. Desceremos, e se por acaso
o cenário for muito ruim, não entre em pânico. Não
grite jamais!
- Ok, mas só uma dúvida: estamos tentando
sobreviver ou vamos fazer uma excursão em um
parque dentro da Casa do Terror?
Garner sentiu vontade de rir, porém o
momento não competia certas amenidades.
Foram arrastando-se, desajeitadas, conforme
o espaço limitado as possibilitava. Havia uma saída
que dava para o pequeno salão onde poderiam ter
acesso ao cômodo que comportava uma passagem
secreta. Novamente usariam o duto de ar para
escapar dos bandidos, ou ao menos tentar.
Estavam ambas esgotadas, suas funções
motoras e mentais comprometidas em grau leve,
mas não parariam. Andavam cautelosas, com a
agente cobrindo o caminho cheio de pedaços de
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concreto e alguns corpos gélidos. Repentinamente


interromperam suas investidas ao depararem-se
com um homenzarrão armado com uma
submetralhadora M1. Não passariam por ele sem
serem vistas, portanto, a única solução seria abatê-
lo. O problema é que Liv não tinha mais munição e
esquecera-se de "pegar emprestadas” as que
estavam caídas no chão. Teria que surpreender o
malfeitor, atacando-o por trás, e torcendo para que
tudo desse certo. A loira fez sinal para que Eleanor
ficasse parada, em silêncio e atenta. Da afirmativa,
caminhou pé ante pé, aproximando-se. O infeliz
estava distraído, sentado, saboreando uma possível
vitória, quando sentiu um forte impacto atingir sua
nuca. A arma escorregou de suas mãos poucos
metros à frente. Levou alguns instantes para que
percebesse o que estava acontecendo. Tentando
ignorar a dor que sentia, girou a perna em um
semicírculo, atingindo sua oponente, que
cambaleou e quase caiu.
– Filho da mãe! Vou acabar com você! –
Balbuciou Garner entre dentes, mantendo os olhos
fixos em seu alvo.

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– Eu acho que não! – O homem falava com


um sorriso maléfico nos lábios, enquanto se
preparava para receber o próximo golpe.
O avanço seguinte foi tão rápido que, mesmo
estando alerta, a agente não conseguiu impedir que
seu lábio inferior fosse atingido por um murro
certeiro. O gosto de sangue veio logo a seguir, e foi
neste momento que decidiu acabar logo com
aquilo, antes que coisa pior pudesse acontecer.
O bandido certamente não estava preparado
para o que ela faria a seguir. Olívia atirou-se em
direção ao corpo de seu rival, fazendo com que os
dois caíssem. A cabeça do grandalhão bateu no
chão de ladrilho, fazendo um barulho abafado. Com
isso, a moça pôde desferir socos em lados
alternados do rosto dele, e ver o sangue jorrar do
nariz e da boca. A luta chegara ao fim. Ela apenas
certificou-se que o idiota não respirava para poder
pegar seu celular, sua pistola, levantar-se e buscar
Conner pela mão, seguindo até onde pretendiam.
Quando estavam prestes a entrar no quarto,
outra surpresa. Foram descobertas por um
indivíduo e alvejadas antes de fecharem a porta.
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- Abra a passagem. - A loira ordenava com


dificuldade, ao passo que tentava arrastar uma
cômoda para bloquear a passagem.
- Eu não lembro qual livro é. - A voz trêmula
da mais velha denunciava seu total desespero.
- Terceiro da esquerda para a direita. - Gritos
e gemidos de dor e angústia podiam ser ouvidos
vindos de ambas.
- Consegui. - Havia um dispositivo no
exemplar de Anjos e Demônios, de Dan Brown,
guardado na pequena estante que abria uma espécie
buraco na parede que dava para um caminho no
subsolo.
A agente, utilizando de sua esperteza, pediu
que a morena entrasse primeiro enquanto ela
escancarava a janela, indo para o novo esconderijo
em conseguinte. Fechou a passagem blindada atrás
de si, podendo respirar um pouco mais aliviada.
Não rastejaram por muito tempo até que a
filha do presidente, não suportando as provações
pelo qual passara, veio a desfalecer, caída no chão.
- Eleanor! Eleanor! - Garner ergueu um
pouco a cabeça da mulher, colocando em seu colo,
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dando batidas leves em sua face - Não desista


agora. Estamos perto.
- Olívia...eu... - A morena levou sua mão até
a lateral de seu abdômen. Foi quando a agente se
deu conta do que estava acontecendo.
- Você se feriu! Céus! - Garner precisava
estancar o sangramento, mas não tinha nada ali que
pudesse utilizar. Teve a idéia de rasgar a barra do
vestido de Conner, o fazendo sobre protesto - Se
morrer, no inferno não vai precisar desse vestido.
- Você também está ferida. - A mais nova
olhou na direção do apontamento. Ela sabia que
tinha sido atingida, mas o ardor não incomodava
tanto, talvez pela liberação da adrenalina.
- Vamos nos preocupar somente com esse
buraco aqui. Está pior do que eu. - A loira
comprimia o foco da hemorragia, na tentativa de
suprimir aquele mal.
- Olívia...
- Shiii...sua pressão deve estar caindo. Precisa
ficar quieta.
- Garner, me ouça.

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- O que foi?
- Desculpa. Me desculpa pelas coisas que
disse para você. Fui injusta. Eu... sinto muito.
- Srta. Conner, não é hora disso. - Por incrível
que pareça, Liv sentiu-se constrangida com a
situação.
- É sim. Nós duas sabemos que é. - A moça
esboçou um sorriso, meneando afirmativamente
com a cabeça - Está sorrindo. Isso é bom.
- Seria bom se ficasse quieta também. Está se
sentindo melhor?
- Estou com frio.
- Frio? - A agente não tinha nenhum recurso
disponível, no entanto, sabia que precisava fazer
algo urgente. A morena parecia estar recuperando
seus sinais vitais com a compressão da ferida, mas
necessitava de algo mais - Não reclame. - Olívia
deitou-se ao lado de Eleanor, abraçando-a, sem tirar
a destra do buraco do tiro.
- O que está fazendo?
- Pondo em prática as aulas de física do
Ensino Médio. Transmissão de calor de um corpo

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para o outro. Em que mundo você vive que nunca


viu a saga Crepúsculo? O Jacob salva a Bella de
uma hipotermia assim, sabia?
- Ai! - A herdeira riu, e logo percebeu que
não tinha sido boa idéia.
- Isso dói bastante.
- Não viu nada ainda.
- Eu deveria animar-me com o seu
comentário? - Dessa vez quem riu foi a loira, ao
aconchegar-se ainda mais ao corpo da filha do Sr.
Conner.
- O frio está passando?
- Um pouco. - Eleanor suspirou, agradecendo
internamente pelos cuidados que estava recebendo -
Sinto-me inútil às vezes, perdida, sozinha. A
claustrofobia é mais existencial.
- Tem que ficar quieta!
- Nunca tive espaço suficiente para respirar,
para crescer. É estranho, ambíguo. Em alguns
momentos estou vazia e, no instante seguinte, tão
cheia, a transbordar. É aí que entra o pânico que me
sufoca como se fosse uma baforada fétida e quente.

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Sinto-me derrotada, abalada. A tristeza vem,


instala-se, e insiste em não ir embora. Tenho
ciência de que meu jeito de ser afasta as pessoas,
que a culpa é toda minha. Só que... não consigo
quebrar essa maldição. Estou presa dentro de mim
mesma. A Eleanor que gritou contigo não é
somente aquilo. Escondo-me atrás de um sorriso
forçado, ou sob uma máscara carregada de
estupidez e arrogância. Quando ajo assim, sinto
como se não estivesse estragando tudo, como se
fosse a única alternativa para não lesar as
expectativas que depositam em mim, que sou quem
esperam que eu seja, quem devia ser. Vivo uma
fantasia que esconde a real tristeza do meu ser, que
disfarça o rosto da minha solidão. Meu sobrenome
sempre me trouxe esse peso de ser impecável e
nunca poder contrariar a imagem da filha perfeita
de um dos maiores estadistas que o país já
conheceu. Eu demonstro uma fortaleza que muitas
das vezes não é minha, Olívia. Tenho pânico em
decepcionar, em contrariar essa versão de mim.
Tenho medo, estou morrendo de medo agora de
nunca poder ser eu mesma de verdade. Vamos
morrer e... o que eu fui? Nada além de uma mulher
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fútil e controversa.
A agente ouviu atenta ao desabafo da
morena. Sentiu complacência. Entendia que as
aparências nem sempre eram condizentes com a
realidade que se mostrava mais à fundo, longe do
superficial. Eleanor havia errado com ela e imagina
com tantos outros mais que cometeu o mesmo
deslize. Sua personalidade carregava pontos
extremos entre a fraqueza e a força, tal como ela
mesma. Não se diferiam muito nesse quesito, talvez
até gozavam de sentimentos únicos. E a quem cabia
julgar como sendo certo ou errado?
- Eu não tenho certeza de nada e a maioria
das pessoas também não tem. Só que... - A loira
deu um riso breve e incrédulo - ... não perdemos a
irresistível atração em fingir que somos donos da
verdade. Eu tenho dificuldades com relação a
críticas. Confesso que quando dizem que sou
metida a fodona, sinto vontade de socar a cara do
indivíduo e perguntar: "quem é a fodona mesmo?" -
Gargalharam, mas tão logo Eleanor tossiu,
interromperam o ato - Muitos não me conhecem de
verdade, e acabam julgando pelas minhas defesas.
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A prepotência que me resta é só um jeito


falsamente forte que encontrei para que eu não seja
inundada pelos sentimentos bons que tenho em
mim, mas que fragilizam.
- Está falando de si ou de mim? - A voz de
Conner estava abafada pelo peito da loira.
- Acho que de nós. - Liv verificou se a
posição de sua mão, que exercia a função de
compressor, estava correta - Você é uma mulher
que foi agraciada pelo bem estar financeiro. Ótimo!
O dinheiro é como uma chave mestra que abre
portas para realizações diversas. Ele é como um
cúmplice daquilo que queremos ser, mas não é,
nem define quem somos de verdade. Eu sou muito
amada, tenho ótimos pais, amigos fiéis, um irmão
fofo que sorri quando balanço a mamadeira em seu
campo de visão. Trabalho em algo que amo, que
significa tudo em minha vida. Eu sou feliz, muito
feliz, mas tenho medo, muito medo de tudo: de
falhar, fracassar, decepcionar, fraquejar, deprimir
até estacionar a vida e ficar maluca. Às vezes
enfrento dias difíceis, como hoje, que penso que
não vou agüentar. No entanto, aprendi a administrar
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esse temor repetindo para mim mesma que são


apenas bobagens, nada além disso. É infantil, mas
eu fantasio que sou uma super-heroína, e com isso
torno-me invencível. É a minha forma de lidar com
meus medos.
- Acho que o mais difícil de morrer é saber
que nunca mais veremos quem amamos. Eu queria
morrer tendo vivido, queria morrer estando o mais
viva que pudesse, me entende? Eu não sei o que é
viver. - A morena teve suas lágrimas enxugadas de
maneira descoordenada pela agente - Eu queria ser
como você.
- Posso garantir que existem vidas muito
mais interessantes que a minha para você tomar
como exemplo. A sua vida é a melhor que você
pode viver. Enxergue-a com olhos de compaixão,
não mutile a sua trajetória aqui na terra. Nada é por
acaso. Nada.
- Você é muito perspicaz.
- Faço o meu melhor, Srta. Conner.
- Se me chamar assim de novo, serei obrigada
a te readmitir para poder te demitir outra vez.
- Vou tomar isso como efeito da sua
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desorientação por causa da perda de sangue. - De


repente, Garner franziu o cenho, entreabrindo a
boca ao lembrar-se de algo que possuía em mãos e
que poderia ajudá-las a sair dali. Afastou-se da
herdeira presidencial somente o suficiente para
conseguir puxar um celular que se mantinha na
parte traseira de sua calça - Fiquei tão desnorteada
por ter perdido o outro telefone que acabei
esquecendo que roubei esse do morto, quer dizer,
do outro morto, do último, você entendeu. - Ela
dizia sorrindo, satisfeita, como uma criança que
acabara de descobrir qual seria o funcionamento de
um brinquedo.
- Isso não é muito lícito, acredito eu,
assassinar pessoas e roubar seus pertences. Mas
quem se importa?
- É... quem se importa? - Sorriram - Eu tive
uma idéia arriscada e brilhante. Você vai colocar a
mão no lugar da minha e continuar pressionando o
ferimento, ok?
- Ok. Essa é a sua idéia arriscada e brilhante?
- Não... A hemorragia deve estar contida, mas
não sou especialista e faremos isso por desencargo
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de consciência.
- Sim, faremos, mas... que idéia arriscada é
essa afinal?
- Espera. - A loira teve dificuldades em
lembrar a ordem correta do número de telefone do
escritório da agência devido à pressão psicológica
que vinha sofrendo desde a maldita hora em que
resolveu buscar suas coisas na Casa Branca.
Conseguiu, por fim, recordar-se, e assim tentou o
contato. Duas chamadas apenas foram suficientes
para que o atendimento viesse - Alô? É a agente
Garner.
- Diga, agente. Como está a situação aí?
Pode nos informar algo mais? - A voz da tenente
Isabelle era firme, justamente para transmitir
segurança.
- Não sei de muita coisa, aliás, de nada. Eu...
eu tive um lampejo que pode ser a única saída.
Existe um acesso ao túnel em que estamos, como
uma espécie de bueiro, pela ala norte no jardim,
camuflado perto do canteiro das sálvias. Eu posso
atrair os invasores, ou pelo menos boa parte deles
para o outro lado, desde que vocês garantam a
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vigilância e a saída livre para o presidente e os


outros.
- Agente Garner, sinto muito, mas isso é
completamente inviável. Não podemos arriscar
seguir um plano ao acaso. Estamos tratando das
vidas dos dois maiores líderes do país e seus
familiares.
- O quê? - Olívia enraivou-se com a negativa.
Levantou-se de sobressalto, passando a andar de
um lado para o outro em nervosismo - Com quem
estou falando mesmo?
- Tenente Isabelle.
- Tenente, com todo o respeito que lhe devo,
estamos tratando de vidas muito importantes sim,
mas eu também estou tratando de arriscar a porra
da minha própria vida para salvar à todos.
- Não se exalte, agente.
- Não me exaltar? Não me exaltar? Qual é o
plano meticuloso que nesse instante vocês possuem
e seja melhor que o meu? - Deu-se um silêncio do
outro lado da linha - Foi o que imaginei. Ah, uma
coisa que não sabem... Eu estou com um pequeno
ferimento no ombro, estou bem, só que a Srta.
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Conner foi atingida no abdômen e não sei quanto


tempo agüentará sem cuidados médicos. Vão
mesmo perder tempo e arriscar que ela morra por
falta de responsabilidade da parte de vocês?
Mais alguns segundos de silêncio total. "Essa
minha impetuosidade e insubordinação vai acabar
me ferrando se eu sobreviver". A loira, mesmo
tensa com a espera, sorriu de seus pensamentos
insólitos.
- Tudo bem, agente Garner. - A resposta
afirmativa a fez olhar sorridente para a morena que
a observava atenta - Mas ao menor sinal de risco,
aborte a missão.
- Entendido, tenente. Só preciso contatar o
meu superior e informar à ele exatamente como
faremos. Retornarei a ligação assim que estiver
preparada por aqui.
- Ficaremos no aguardo.
Olívia encerrou a ligação rapidamente. Não
podia desperdiçar um segundo sequer. Tentou a
chamada no número de Michael, mas ainda estava
fora de área.
- Droga!
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- Eu... eu entendi errado ou você quer ser isca


daqueles terroristas?
- Não sabemos se são terroristas. E sim, eu
serei a isca que vai tentar atrair a atenção deles para
que Waite tire todos daqui. Só preciso falar com ele
e...
- Garner, isso é muito perigoso. Você pode
até fantasiar que é super-heroína, mas não é
imortal.
- Preocupada comigo, Srta. Conner? - A
morena revirou os olhos.
- Minha sobrevivência depende da sua, então
sim, estou preocupada contigo.
- Mais perigoso do que ficar aqui expostas à
infecção, desidratação e desnutrição? Prefiro
arriscar. Vai dar tudo certo. Tem que dar certo. É
nossa melhor chance.
- Você deve saber o que está fazendo. -
Eleanor falava, mas ela mesma não estava
convencida disso - Por que não liga para o telefone
do cofre? Se não descobriram a linha direta de lá e
interromperam o contato, deve estar em
funcionamento ainda. Disse que o comandante
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levou a todos para lá, então...


Sim, a loira disse, no entanto, não passava de
suposições. A verdade é que ela não tinha certeza
se do momento em que atravessaram a entrada do
corredor do salão oval, conseguiram avançar até o
local de segurança. Contudo, incertezas são
inimigas diretas da esperança, e a agente precisava
da calmaria que um sentimento bom pudesse trazer
à filha do Sr. Conner.
- Obrigada. - Liv sorriu, um tanto quanto
constrangida, e sem motivos aparentes.
Ela discou o número, agradecendo ter
lembrado com facilidade dessa vez. Chamou uma,
duas, três vezes. A tal virtude de confiança no
melhor, que a agente queria que a mulher mais
velha tivesse, estava a ponto de esvair-se de si.
Prestes a desligar a chamada, ouviu uma voz
vacilante, denotando cansaço extremo.
- Alô!
- Waite? Comandante? Oh, graças a Deus!
- Garner? Céus! E Eleanor? Estão vivas! - A
comoção era demasiada por parte dos dois.

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- Sim. Ela se feriu, mas não deve ser tão


grave. Ficamos paradas em uma parte do túnel
porque a Srta. Conner perdeu muito sangue e não
conseguimos chegar até o cofre.
- Mas... ela está bem? Você está bem?
- Sim, estamos bem agora. Comandante, me
ouça com atenção. Eu consegui contato com o
escritório e estou autorizada a pedir que siga as
minhas instruções.
Sem delongas, a agente foi esmiuçando
detalhe por detalhe do que planejara. Mesmo a
contragosto, justamente pelo risco que correriam, o
comandante viu-se obrigado a aceitar a proposta, já
que não tinham outra alternativa em mente.
Garner combinou que saíssem do cofre em
exatos quatro minutos à contar do encerramento da
ligação. Retornou a chamada para a tenente
Isabelle, dando o aval para que iniciassem a
liberação da saída que ela indicara.
- Ei, boa sorte. - A morena tentava ser
agradável.
- Obrigada. Deixarei o telefone aqui. - Ela
abaixou-se, colocando o aparelho na linha de
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alcance de Conner - Fique exatamente onde está,


heim?
- Eu teria o maior prazer em te desobedecer,
mas não tenho muita escolha. - Ambas riram.
Sabiam que aquela era uma espécie de
missão suicida, só não queriam pensar assim.
Olívia meneou com a cabeça para a morena,
irrompendo mais à frente no túnel em seguida. De
maneira precavida, tomou para si o armamento de
um bandido abatido e foi andando pelos corredores,
concentrada no mínimo movimento ou barulho que
ouvia.
Quase próxima de uma das saídas laterais da
Casa Branca, ao tropeçar no corpo de um indivíduo
qualquer estirado no chão, teve o pensamento
voltado para algo que a ajudaria em seu intento.
Ergueu o morto, segurando-o de forma a dar a
impressão de que ajudava uma pessoa ferida a
caminhar. Murmurinhos e sons de passos fizeram-
se ouvidos bem nitidamente, indicando a
proximidade de alguém. Foi arrastando "a pessoa"
até dar de cara com um grupo fortemente armado.
Soltando o morto, Liv correu na direção pretendida,
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atirando aleatoriamente, como forma de defesa,


indo para o jardim. A agente, conhecendo bem o
local onde estava, tratou logo de esconder-se entre
os arbustos altos e densos, camuflando-se
agilmente entre as folhagens. Seu ato somente teve
sucesso, pois se certificou da distância e
desconcerto dos bandidos. A loira, ofegante, tentou
controlar seu sistema nervoso, buscando respirar
com mais calma, ao ver a movimentação do
presidente e os outros sendo resgatados pelos seus
colegas do Batalhão de Operações Especiais do
Exército. Fechou os olhos, permitindo as lágrimas
escorrem em alívio. "Obrigada, Senhor. Obrigada."
Suas orações silenciosas foram interrompidas pelo
barulho estridente das balas atingindo as carnes dos
criminosos que saíram porta afora, atrás dela.
Foram fuzilados pelos atiradores de elite,
aproximadamente dez homens, tendo alguns
comparsas, conseguido escapar, retornando para
dentro do imóvel.
Até então tudo transcorria conforme
planejado. Garner só precisava retornar e resgatar
Eleanor. No entanto, a loira não contava com um

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imprevisto: a entrada que ela usaria para voltar


estava sendo vigiada por um baixinho com cara de
maníaco de filme de ação. "O que eu faço agora?
Puta merda! Caralho!". Não era de seu feitio
proferir tantos palavrões, mesmo que em
pensamento, contudo aquela tinha sido a situação
gatilho para o seu total descontrole e desespero.
Saindo de seu esconderijo lentamente,
circundando o ambiente com o olhar, observou uma
única solução para o seu problema. "Me ajude!
Deus, me ajude!"
Agilmente, a moça contornou o jardim até
chegar a uma árvore que daria acesso a um cômodo
no segundo andar. Lembrando de sua infância, Liv
subiu escalando os galhos, até alcançar a sacada.
Quase caiu ao pular para dentro do mezanino
externo, quebrando algumas das pilastras de
contenção. Não se importou com a dor em sua
perna pela batida. Estava dentro do quarto que tinha
a entrada secreta. Havia conseguido.
Após adentrar no túnel e fechar a passagem
atrás de si, Garner permitiu-se o luxo de encostar-se
à parede e respirar calmamente por alguns
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segundos antes de prosseguir. Seu corpo foi


escorregando pelo concreto pintado de branco até a
loira alcançar o chão. Olívia escondeu o rosto entre
os joelhos sentindo as lágrimas queimarem sua
pele. O choro era compulsivo, como uma descarga
de todas as emoções negativas acumuladas que
causaram certo sufoco desde que o ataque iniciou.
Agora transbordava, e o pranto tornou-se
incessante.
Superar a situação adversa ou ficar marcado
por ela é o limiar entre o estresse e o trauma que
estava na raiz do transtorno da agente. Contudo,
abater-se naquele momento era algo inadmissível.
Havia chegado até ali e não desistiria de seu
objetivo, do motivo de todo sacrifício; não até
salvar Eleanor Conner.
Com esse pensamento, Garner limpou o rosto
das lágrimas, aprumou o corpo e seguiu em frente,
na direção de onde deixara a morena sob a proteção
divina.
- Olívia! - Agora era a vez de Conner
desaguar suas emoções. Estavam ambas
exteriorizando a felicidade que sentiam por terem
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sobrevivido ao caos instalado na Casa Branca -


Conseguiu tirar meus pais daqui?
- Eles ficarão bem. - A loira aproximou-se da
filha do presidente - Como está seu ferimento?
- Doendo, mas descobri que sou mais
resistente do que imaginava.
- Isso é muito bom! Muito bom. - Ambas
trocaram sorrisos libertos dos infortúnios de outrora
- O telefone, onde está?
- Aqui. - A mais velha ergueu um pouco o
corpo, retirando o aparelho debaixo de si - A
bateria está quase descarregada.
- Não tem problema. Logo sairemos daqui e
teremos todos os carregadores do mundo ao nosso
inteiro dispor. - Brincou a agente.
Na sede da Agência do Serviço Secreto, a
comemoração dava-se em forma de abraços,
apertos de mão, tapinhas falsos nas costas. Na
verdade seria injusto classificar como tal, uma vez
que durante o evento, rivalidades e problemas
pessoais foram deixados de lado, unindo as
diversas classes de policiais e agentes da lei em um
único objetivo: desmantelar a invasão surreal à
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principal sede do governo americano. Estavam em


trégua momentânea, mas não deixavam de ser
falsos.
A tenente Isabelle, bem como o Vice-
Presidente, riam aliviados, no entanto, sabiam que
o pesadelo não tinha findado por completo. Ainda
estavam dentro da concentração do tumulto, a Srta.
Conner e a agente Garner, que precisavam de
resgate urgente, dadas as circunstâncias no qual
encontravam-se.
Quando menos esperavam, aconteceu a
interceptação de outra ligação da Casa Branca, no
mesmo código e número da anterior, onde Liv
comunicou do seu plano. A tenente, de prontidão,
fez questão de atendê-la pessoalmente, ansiosa por
notícias, de preferência boas.
- Agente? Garner?
- A bateria está acabando, tenho que falar
rapidamente. Mandem um helicóptero para a ala
sul, terceira janela do segundo andar, para resgatar-
nos, e com muita munição pesada, caso seja
necessário utilizar. Conseguem chegar em quanto
tempo?
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- Tudo bem. Entre três e quatro minutos.


- Peça para não se aproximarem enquanto
não nos verem na sacada. Poderá chamar uma
atenção desnecessária dos bandidos, e nós,
definitivamente, não queremos isso.
- De maneira alguma. Fique tranqüila que
estaremos de prontidão para o resgate.
- Obrigada. Iremos para o local
imediatamente. - Assim que terminou a sua fala, a
loira jogou o celular no chão, dispensando-o,
contando que não iria mais precisar do mesmo.
Eleanor, sabendo que tinha que reunir forças
sobre humanas para levantar-se, se quisesse sair
bem dali, colocou a destra no chão em apoio para o
impulso necessário, tentando não tirar a mão
esquerda de seu ferimento. Olívia, vendo a
dificuldade da mulher, avançou para auxiliá-la,
transpassando o braço da morena pelo seu pescoço.
Parecia que a impaciência, os temores e todo
o negativismo que estavam vivenciando gritavam,
já que elas mesmas emudeceram-se. Foram todo o
caminho contendo os passos e o som até de suas
respirações, medrosas de serem descobertas
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naquela altura do campeonato.


Assim que adentraram no quarto, há poucos
passos da salvação, os malfeitores as
surpreenderam. Instintivamente, Garner colocou
Eleanor atrás de si, protegendo-a do que quer que
fosse.
- Que belo presente temos aqui. - Um homem
moreno, de estatura mediana, barba cerrada e
tatuagens desbotadas, liderava o bando.
- O que vocês querem? Qual o objetivo nisso
tudo? São esquerdistas, terroristas? Quem porras
são vocês? - Conforme os infelizes avançavam, as
mulheres iam andando de ré.
- Somos amigos, mas pelo visto você não é
muito adepta a novas amizades, não é mesmo,
agente? Quis nos ferrar desde quando tentamos
pegar o governador.
- Eu... eu não sei do que estão falando. - E
não era de todo mentira.
A loira não se recordava de um atentado em
específico envolvendo o Sr. Henderson. Participou
de alguns com menos e maior relevância. Tentava
puxar da memória alguma correspondência, alguma
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relação visual dos indivíduos, mas sem sucesso.


- Não te queríamos aqui, mas você parece
que é intrometida demais até para ficar viva, então,
agora será um prazer te matar! Vocês... morrerão.
Engana-se quem acredita que uma pessoa
corajosa não sente medo. A bela e determinada
agente secreta não buscava a sua coragem na
ousadia de não sentir medo, mas na sua capacidade
de enfrentar o que a aterrorizava e era capaz de
paralisá-la.
Naquela situação crítica, onde estava cara à
cara com a morte, lembrou-se da escritora Susan
Gale e sua célebre frase: "Às vezes você não
percebe as suas próprias forças até que enfrenta sua
maior fraqueza".
Olívia encarava o seu assassino com o
semblante sisudo, mas logo abriu um sorriso
vitorioso quando ouviu, ao longe, o som das hélices
girando. Fez com que Eleanor desse mais um passo
para trás, ficando ambas na parte externa da sacada.
- Você tem razão, nós morreremos, mas está
completamente enganado imaginando que será
pelas suas mãos.
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Bravamente, Garner impulsionou seu corpo


para trás, fazendo com que a Srta. Conner e ela
caíssem. Atentos, extremamente competentes e
bem treinados, os atiradores de elite,
estrategicamente posicionados nos arredores da
Casa Branca, bem como os homens que estavam
dentro do helicóptero, alvejaram o cômodo de onde
a agente e a herdeira presidencial foram "lançadas".
A loira sentiu uma dor dilacerante, talvez
pelos machucados múltiplos que tinha espalhados
pelo corpo, ainda mais depois de servir de colchão
humano para Eleanor quando saltaram do segundo
andar. Cambaleante, ela reuniu os resquícios de
força que ainda possuía, levantando-se desajeitada,
a ajudar a morena a se erguer também. Não
conseguiram andar muitos metros - talvez três ou
quatro - antes de caírem ensangüentadas no jardim.
As tropas de resguardo estavam de prontidão
para resgatá-las, e assim que as mulheres surgiram
no campo de visão, correram para efetuarem a
libertação de ambas.
Quando um dos homens fez menção de
carregá-la para que se posicionasse sobre a maca, a
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única coisa que Liv se preocupou em dizer, foi o


resumo do que ela própria já havia feito.
- Salve a vida dela. Salve...

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Capítulo 12 – Acordando
do pesadelo
Quando abriu os olhos, Olívia ficou surpresa
ao descobrir que não tinha acordado em sua cama,
nem que estava iniciando um novo dia de trabalho.
Sua rotina se dava em levantar um pouco
preguiçosa, fazer suas necessidades fisiológicas,
bem como sua higiene matinal, tomar um café da
manhã reforçado com seus suplementos alimentares
de acompanhamento, executar quatro séries de
cinqüenta abdominais cada e, por fim, duas séries
de vinte e cinco flexões. Às vezes arriscava mais
algum outro exercício para a perna, o que
dependeria do horário estando avançado ou não. No
entanto, naquele momento, nada era como deveria
ser. O certo seria Garner acordar e as lembranças
dos tiroteios, das explosões e de todo o furdúncio
causado pela invasão, não passarem de mero
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pesadelo, apagando-se de sua mente conforme ela


despertava.
A loira acordou no hospital. Havia um
policial no quarto de costas para ela, assistindo ao
noticiário que passava na televisão. Imagens da
Casa Branca antes e depois da destruição, as fotos
de algumas vítimas, gráficos do poder bélico dos
bandidos versus dos armamentos disponíveis pelas
tropas americanas, desfilavam na tela como se
fosse algo corriqueiro. A agente fechou seus olhos
novamente. Estavam secos, arenosos. Suas pernas
doíam e seus braços latejavam, principalmente o
direito, que estava com a tipóia. Aos poucos as
lembranças foram tornando-se mais nítidas, os
borrões foram tomando formas e cores, e tudo o
que a mulher quis foi ter uma amnésia recorrente.
- Ela acordou. - A voz fora reconhecida como
sendo a do comandante e fazia-se ouvida bem perto
dela.
Não o tinha visto quando abrira os olhos e
parecia mais fácil apenas imaginá-lo, tamanho o
seu desânimo.
- Oi. - Apesar de todo o tormento pelo qual
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passou, o tom de Liv ainda mantinha-se firme.


- Vou chamar um médico. - O policial saiu
tão logo da afirmativa de Waite.
- Você está bem? - O homem parecia tenso,
agitado. Havia cortes e escoriações pelo seu rosto e
pescoço, nada relativamente sério diante do
julgamento comprometido da paciente ali deitada.
- Na medida do possível. - A loira forçou um
sorriso, pondo-se a ajeitar o seu corpo na tentativa
de sentar na cama. Michael prontamente foi
auxiliá-la, recebendo um par de olhos esmeraldas a
revirar para ele - Está bom assim. Obrigada. - A
agente tentava retribuir a gentileza não sendo
grosseira.
- É surreal estarmos aqui. - O comandante
falava mirando um ponto qualquer abaixo da linha
de sua cintura - Se não fosse por você...
- Eu não fiz mais do que a minha obrigação.
- Sabemos que não é bem por aí. Não precisa
de falsa modéstia, Garner. - Sorriram.
- O que aquele policial faz aqui? Sou suspeita
de algum crime? - Olívia brincou para aliviar a

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tensão que já se fazia notada no ambiente.


- Sempre com o seu humor ácido. Isso não
mudará nunca.
- Espero que não. - Uma careta de dor fez o
homem ficar sobressaltado.
- Teve sorte com seus ferimentos. Todas as
balas passaram de raspão. Contundiu o ombro, por
isso o imobilizaram. Acredito que o mais grave de
tudo foi o corte na perna. Cinco pontos e você nem
chorou. É uma guerreira. - Gargalharam.
- Talvez eu seja uma super-heroína com
poderes sobrenaturais, ou talvez eu tenha sorte
mesmo. - Ela retrucava, ao mesmo tempo em que
bocejava. De repente, um lampejo deu-se em sua
mente, fazendo-a recordar-se do motivo principal
pelo qual estava ali – E Conner? O que houve?
- Agora está tudo ótimo, apesar dos pesares.
Ele teve um corte profundo no pé esquerdo. Perdeu
o sapato, acredita? Algumas escoriações e
hematomas espalhados pelo corpo, nada
preocupante. - Enquanto Waite ia falando, o rosto
da loira apresentava um rubor indiscreto. Ela sorriu
constrangida, fingindo alívio pela resposta errônea
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de sua pergunta. Não era bem do pai que Garner


gostaria de ter notícias, mas sentia-se contente em
saber que o presidente não sofrera maiores danos.
- E a Sra. Conner? Os outros? - Indagou em
disfarce.
- A Sra. Conner está em observação por conta
de seu problema cardíaco, o governador, sua esposa
e seu filho só tiveram ferimentos leves à médios. Já
foram liberados e estão em casa, em segurança.
A impressão que a agente teve foi de que
Michael brincava com ela. Ele poderia falar de
meio mundo que não a agradaria saber o estado de
saúde, tanto quanto o de alguém em específico.
- Eleanor...e Eleanor? Eu quero saber dela. -
A indagação direta provavelmente não seria feita
em outras circunstâncias.
- Ela deve a vida a você. - O comandante
respondeu um tanto quanto boquiaberto com a
reação e expressões faciais da sua subordinada.
O esboço de um sorriso satisfeito podia ser
notado no rosto de Liv. "Ela sobreviveu!" Era o
pensamento que ecoava em sua mente.

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- Eu posso vê-la? - Mais uma pergunta que


tomou Waite de surpresa.
- Garner, eu não sei se isso é possível...
- Por favor. Acabou de dizer que ela deve a
vida a mim. Se eu não a tivesse salvado... - A
agente suspirou profundamente recordando-se de
alguns dos momentos tensos que vivenciaram
juntas - Por favor.
- Ok, ok. Eu vou ver o que posso fazer por
você. Vou dar um jeito.
- Obrigada. - Dessa vez seu sorriso era
genuíno - Posso beber água?
- Eu não sei. Quando o médico vier te ver
perguntamos a ele. É melhor esperar.
- Certo. - Olívia fechou os olhos por alguns
segundos ao forçar para sentar-se em outra posição,
mais à beirada da cama - E Rust, Wes, os outros?
Teve notícias deles? - O semblante tristonho e
pesaroso do homem falava por si só - Ah, não.
Não... - Os olhos da loira lacrimejaram.
- Rust está bem. - Ele não precisava dizer
mais nada. Garner já sentia o sabor amargo da

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perda do seu outro amigo.


- Ele... a família...Deus! - A mulher permitiu
que as lágrimas escorressem sem impedimento
algum.
"Mesmo sabendo que um dia a vida acaba,
a gente nunca está preparado para perder
alguém." Nicholas Sparks foi sábio na escolha
dessas bem verdades. A morte é sempre deveras
devastadora. Quando ela chega, vários sonhos e
sorrisos se vão. Nunca estaremos preparados para
ver alguém partir mesmo sabendo que este é o ciclo
natural da vida. A morte é cruel, nos deixa sem
chão, sem data prevista para reerguer o aprumo,
para a retomada das rédeas do caminho a percorrer
quando se resolve seguir em frente. Morrer pode
doer, mas é infinitamente pior continuar existindo
com uma parte morta dentro de você, o famoso
morrer em vida.
Quando Waite fez menção de proferir
algumas palavras de consolo, a porta do quarto
abriu-se, revelando a figura de um médico que mais
parecia personagem de seriado de televisão. Quase
caricato, o homem era alto, másculo. Tinha a barba
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cerrada e os dentes tão brancos quanto aqueles que


se mostra em propaganda de creme dental; os
cabelos levemente grisalhos, bem como os olhos
azuis, compunham o seu ar galante, sedutor. Se Liv
estivesse na posição de sentir-se atraída pelo sexo
oposto, aquele seria um forte candidato para um
flerte, talvez. Mas, no momento, a pobre só
pensava em uma coisa: ir para casa e esquecer todo
aquele pesadelo.
- Olívia...Garner. - O bonitão verificava a
informação no prontuário que carregava nas mãos -
Eu sou o Dr. Steve. Como se sente?
- Tirando o incômodo dessa tipóia e do latejar
dos pontos na minha perna, estou relativamente
bem.
- Permita-me verificar. - O médico descobriu
a perna da agente que só naquele momento prestou
atenção na camisola ridícula com a logomarca do
hospital que usava - Sem sinal de inflamação. O
incômodo é normal. Vou lhe prescrever um
medicamento para dor. - O homem foi retirando
devagar a beirada do curativo no ombro da loira a
fim de ver como andava o ferimento do raspão do
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projétil - Vou pedir um enfermeiro para limpar,


secar e trocar seus curativos. Como alguns são
oclusivos, não permitem a entrada de ar. Eles
atuam como barreira impedindo a perda de fluídos,
enfisema, e formação de crosta. Seus exames serão
entregues na recepção junto com o papel da sua alta
que estou assinando... - Ele rabiscou algo na folha
que se encontrava por cima na prancheta - ... agora!
Seria interessante que essas trocas de curativos
fossem feitas em um ambulatório para não termos
problemas.
- Ah, eu... sei como cuidar bem dessas
belezinhas. Mas se eu tiver alguma dificuldade
pedirei alguém para me acompanhar até o hospital.
- Isso! Fará bem assim. Olívia, a aconselho
também a monitorar qualquer sintoma atípico que
sentir. Foi relatado que você bateu com a cabeça.
Fizemos um raio x e uma tomografia. Não vimos
nenhuma alteração, mas nunca é demais a atenção a
esses detalhes.
- Obrigada. Por enquanto só sinto um leve
desânimo, mas nada alarmante.
- Isso é devido ao sedativo que lhe foi dado.
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Bom, alguma dúvida?


- Não, nenhuma. Obrigada novamente.
- Boa sorte. - Com um sorriso cordial e
brilhante como nos cartazes de clínica dentária, o
Dr. Steve despediu-se de Liv e Michael, deixando-
os sozinhos novamente.
- Wait, se não for lhe incomodar, poderia me
levar até Eleanor? - Ao notar que havia
pronunciado o nome da herdeira presidencial com
uma intimidade que não era devida, Garner
pigarreou, retomando a imparcialidade que nunca
devia deixar de lado - Desculpa...É...estou ansiosa
para ir embora, tomar um banho, mas não queria ir
sem antes verificar o estado de saúde da Srta.
Conner para me certificar de que ela está mesmo
bem.
- Quer comprovar se seu trabalho foi
concluído com sucesso? - Brincou o comandante.
- É... mais ou menos por aí.
- Bom, acho que deveria descansar mais... -
Olívia revirou os olhos, pondo-se de pé. O homem,
vencido, foi até uma poltrona ao lado direito do
quarto onde estava uma sacola azul - Consegui
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algumas roupas para você.


- Obrigada. Espero que não seja nenhum
vestido cor de rosa rendado. Adoro renda, mas
odeio mortalmente o rosa.
- Desculpa, eu não sabia. E ainda tem
estampa de girassóis. - Riram. A mulher entrou no
pequeno banheiro, demorando um pouco menos
que cinco minutos para sair arrumada - Consegue
andar direito?
- Não perdi as pernas. Só adoraria que elas
estivessem totalmente cobertas. - A agente foi
dando passos lentos para acostumar com a dor da
sutura, olhando vergonhosa para o short jeans que
usava - Em qual andar ela está?
- No quinto. Vai querer ver a mãe também? -
Waite indagava enquanto dirigiam-se até o
elevador.
- Hoje não. Preciso mesmo do meu lar o
quanto antes. - Os colaboradores do serviço secreto
entraram no elevador apertando o botão da ala de
observação pós-cirúrgica - Comandante, por que fui
trazida para esse hospital? - Indagou a agente, que
desde o seu despertar trazia consigo essa dúvida.
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- Ordens do Sr. Conner. Ele exigiu que você


tivesse o melhor tratamento médico que o Estado
pode oferecer.
Tal resposta não era esperada, o que deixou a
mulher ainda mais intrigada. Contudo, especular a
respeito poderia causar um constrangimento
desnecessário. Garner resolveu deixar o assunto
pendente, para em outra ocasião reabrir a discussão
sobre ele.
Após passar pela verificação dos policiais de
prontidão no andar, Liv entrou no quarto de
Eleanor encontrando-a adormecida. Waite preferiu
ficar do lado de fora terminando de resolver
algumas pendências burocráticas das internações de
seus outros subordinados sobreviventes.
A loira aproximou-se da cama, estreitando os
olhos ao sorrir quando levou sua destra ao cabelo
da mais velha.
- Conseguimos. Você foi uma lutadora e eu...
sinceramente, Eleanor, estou orgulhosa do quão
forte demonstrou ser. Tem um potencial enorme
dentro de você que... que não tem noção do quanto
ainda pode ser desenvolvido. Fico feliz que esteja
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bem, que tenha suportado tanta dor. Sei bem como


é. - A agente olhou para os lados como se
verificasse a presença de alguém - Vou lhe segredar
algo... eu estava sentindo uma dor desgraçada,
assim como estou agora, mas se eu lhe contasse,
iria desanimar e provavelmente não teríamos
conseguido sair vivas do ataque. E se eu contar
para as pessoas que sou uma humana, como
qualquer um que perambula por aí, e que sinto dor
igual à todo mundo, elas deixarão de acreditar em
mim. O seu segredo está bem guardado comigo. Só
nós sabemos que você chorou feito um bebezinho
achando que iria morrer. - Olívia deu uma breve
risada do seu monólogo idiota, suspirando em
seguida ao tocar a pele aveludada da morena -
Espero que nada sequer parecido aconteça outra
vez, mas eu gostaria que soubesse que eu faria tudo
de novo, se assim fosse necessário.
Repentinamente o som da porta se abrindo
sobressaltou a loira, que logo tratou de manter a
postura ereta, virando o corpo devagar a fim de
verificar quem entrava.
- Agente Garner? Que bom vê-la! - O Sr.
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Conner dava passos lentos em direção à Liv com a


ajuda de uma bengala.
- Sr. Presidente, eu... me desculpe. Só...
queria ver se sua filha estava mesmo bem.
- Graças a você. - O homem de cabelos
grisalhos sorria ternamente - Posso lhe dar um
abraço? - Constrangida, a agente meneou
afirmativamente com a cabeça. Ele então recostou
o objeto em sua mão na beirada do leito de Eleanor
e, da forma desajeitada como a tipóia da loira
permitia, abraçou-a, expressando toda a gratidão
sentida pelo salvamento de sua herdeira - Eu não
sei como retribuir o que fez por todos nós.
- Ora, só fiz o que minha obrigação ordena.
- Eu fiquei sabendo de absolutamente todos
os acontecimentos enquanto minha esposa e eu
estávamos viajando; o que minha filha fez contigo
e como reagiu.
- Então sabe que acabei me exaltando
também.
- Sei e te entendo perfeitamente. Como dizem
por aí... conheço a minha cria. - Ambos riram. A
interação entre eles fora interrompida quando um
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gemido fez-se ouvido - Finalmente ela está


acordando. Filha, é o seu pai. - A morena abria e
fechava os olhos franzindo o cenho, na tentativa de
acostumar-se com a luz.
- Paizinho... - A voz de Eleanor estava
arrastada, falha. A herdeira presidencial virou
lentamente o seu rosto para Olívia e sorriu,
encarando-a com o olhar morteiro - Eu morri, fui
para o céu e estou diante de um anjo. Você é tão
linda! Pai, ela é linda, não é?
A loira engoliu em seco. Tentou disfarçar a
consternação, mas foi impossível. Em uma breve
olhadela para o Sr. Conner, pôde observar o rubor
também na face do homem. Ambos constrangidos,
sem saber como proceder diante de uma paciente
recém operada recobrando os sentidos depois da
anestesia.
- O médico alertou-me quanto a essa
interação medicamentosa, efeito colateral, enfim...
Minha menina tem uma propensão maior do que as
outras pessoas à confusão mental e alucinações
com o uso de certas drogas. - O presidente tentava
amenizar a situação - Eleanor, a agente Garner veio
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ver se você está bem.


- Ela me salvou. - A mulher acamada ria
baixo de forma desconexa - Olívia... - Ela tocou na
mão da mais nova.
- Oi. Fico feliz que tenha conseguido
agüentar firme. - A Srta. Conner encarava a loira de
cima à baixo, fazendo-a virar - O que foi? Algum
problema?
- Por que vestiu o casaco? Gostei mais
quando ficou quase nua. Tira a roupa de novo?
Você fica tão sexy suada com aquela camiseta.
Nossa, seus braços...Qualquer um deve ter tesão
neles, não é? Suas pernas são musculosas também...
vejam só! - Seu comportamento assemelhava-se ao
de uma pessoa alcoolizada - Pode me abraçar nua
de novo?
Boquiaberta com as palavras proferidas por
Eleanor, Garner alternava seu olhar entre a morena
e seu pai, igualmente encabulado. Respirou fundo
buscando a imparcialidade que sempre lhe fora
peculiar, não demonstrando o nervosismo que a
abalava internamente.
- Sr. Presidente, isso não é verdade. Eu... só
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tirei a jaqueta porque ela estava com frio por conta


da umidade do local no qual nos encontrávamos e
pela queda de pressão causada pelo ferimento.
Nenhuma de nós ficou nua. E esses trajes...não são
meus. Sinto muito.
- Não se preocupe que não levo nada do que
minha filha diz em consideração quando está nesse
estado. Sei que não ficaram nuas. É... descabido
demais. E não me importo com o que veste fora do
ambiente de trabalho. Está mesmo... hum... ótima!
- Ei, por que conversam como se eu não
estivesse aqui? - A morena tinha dificuldades em
manter as pálpebras erguidas - Olívia, pode se
aproximar mais? - Mesmo receosa, a agente
atendeu ao pedido.
- O que deseja? Sente alguma dor?
- Sinto, mas não é importante. Quero mesmo
é sentir o seu cheiro. Seus cabelos cheiram bem. -
A mais velha riu - Fala mais perto do meu nariz.
Você tem o hálito de canela.
- Eleanor... - O Sr. Alexander pigarreou - ...
acho que está precisando descansar um pouco mais.
Ainda não está conseguindo manter os
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pensamentos coerentes.
- Estou ótima! Ótima! - A Srta. Conner deu
ênfase na última palavra, falando pausadamente,
fechando os olhos em seguida, denotando sua total
falta de senso.
- É...eu preciso ir, Sr. Presidente. Estimo
melhoras à sua esposa. Se precisar de mim, sabe
como entrar em contato.
- Oh, sim. Obrigado mais uma vez por tudo,
tudo mesmo, de coração. Melhoras para você
também. Tratarei para que tenha tudo o que
necessitar durante sua convalescença.
- Agradeço imensamente. Até mais. - Com
um aceno, a loira deixou o recinto ainda atordoada
com as falas ousadas da herdeira, mesmo sob o
efeito de medicação, indo procurar por Waite.
Durante seu trajeto pelos corredores do
hospital, Garner encontrou com um policial
conhecido dos tempos de treinamento em tiros de
precisão. Indagou-o a respeito do paradeiro de seu
comandante, sendo informada de que o mesmo
encontrava-se nas proximidades da recepção
principal. A loira agradeceu, seguindo para o local
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indicado. Ao ver Michael, não se preocupou em


disfarçar sua satisfação.
- Olívia, já ia subir para te "resgatar". - Ele
brincou ao aproximar-se.
- Graças a Deus te achei primeiro. Os
documentos da minha alta estão prontos?
- Parece que sim. Você só precisa assinar.
- Está bem. Onde estão?
- Com aquela enfermeira ruiva... - Waite
tomou como referência a cor do cabelo da moça
que encontrava-se em meio à uma infinidade de
papéis atrás do balcão que apontou.
- Obrigada. - Liv aparentava uma polidez
excessiva, devido às dores que começavam a
incomodar. Não se sentia bem para render assuntos
e, além disso, não conseguia tirar o evento de
minutos atrás da sua cabeça. Somente drogada, fora
de si, é que Eleanor agiria daquela forma, o que não
eximia o fato de ter abalado a agente de certa
maneira. Garner assinou toda a documentação,
pegou os exames e o receituário com a agilidade
ímpar que possuía, não demorando para retornar à
companhia do comandante - Pronto. - Ela forçou
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um sorriso animado - Poderia me fazer um favor?


- Claro! Diga.
- Preciso de uma carona até a residência dos
meus pais. Gostaria de vê-los antes de ir para casa.
- Eu te levo. Só aguarde um instante. -
Michael afastou-se, caminhando até um dos agentes
que o acompanhava. Disse algumas poucas
palavras, fazendo sinal para que a loira o seguisse.
O caminho até Baltimore foi todo percorrido
sem interação entre Waite e Garner, e a mulher deu
graças aos céus por ter encontrado esse momento
em que o silêncio pôde imperar.
A vida atribulada que a loira levava,
colocava-a em uma posição de desvantagem frente
aos conflitos internos. Ela jamais parava para
pensar se o caminho que estava sendo percorrido
realmente seguia os trilhos daquilo que outrora
havia planejado, pois não tinha tempo para olhar
sequer para o seu interior. Tinha sempre um
trabalho a ser realizado, uma escolta, um
treinamento, um livro para ser lido, um filme novo
para assistir. Sua alma pedia silêncio depois de tudo
o que passou; gritava pela hora em que nada
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afetaria a contemplação de si mesma. E a hora


precisava ser "agora", não importando as dores, a
sonolência.
Liv aproveitou o trajeto para admirar o
horizonte, a paisagem, respirar fundo e sentir que
sua alma também havia sobrevivido, além de seu
corpo.

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Capítulo 13 – Acordando
do pesadelo – Parte II
O Ford Escape prata, do ano de 2015, parou
frente ao edifício onde moravam George e Nora. O
uso de elementos combinados, que solitários não
têm muita relação, mas unidos proporcionam a
montagem de um conceito elegante, é um dos
destaques desse prédio moderno. O vidro usado
tanto nas varandas como nos muros em substituição
da alvenaria, fazia transparecer não apenas o
ambiente, deixando-o mais amplo visualmente, mas
proporcionava uma sensação de liberdade mesmo
com a total segurança de um material seguro e
funcional. Típico da cidade onde moravam.
O casal havia se mudado para o local há
alguns anos, depois de muita insistência por parte
da filha mais velha. Liv queria que seus pais
morassem em uma residência de maior conforto do
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que a anterior, onde pudessem gozar dos benefícios


proporcionados pela ótima localização. Aquele
prédio reunia todos os requisitos que a loira julgava
necessários para que pudesse tranqüilizar-se quanto
à boa moradia de seus progenitores. Tanto falou e
fez, que os convenceu a se instalarem no
apartamento do terceiro andar, vencidos pelo
cansaço; não convencidos pelos argumentos
ardilosos da agente especial.
- Está entregue. - Waite sorriu ao colocar a
mão no ombro de sua subordinada.
- Não quer subir?
- Não, deixe para outro dia. Estou com tanta
vontade de descansar quanto você.
- Ah, claro. Desculpe-me. Hã... então...muito
obrigada por tudo. Amanhã eu te ligo para verificar
como farei no escritório e...
- Nem em sonho, senhorita. Eu bem sei que
em um desses papéis está escrito que ficará em
repouso por, no mínimo, uma semana. O retorno ao
trabalho só depois da liberação médica.
- Ei, não. Isso é exagero. Estou bem. Vocês
precisam de colaboradores mais do que nunca.
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Precisam reerguer a Casa Branca.


- E por acaso você é engenheira, arquiteta ou
pedreira? Não, portanto não há nada que possa
fazer por ora.
- É sério?
- Muito sério. Assim que o médico te liberar,
veremos como ficará a sua situação na Agência.
- Eu não acredito...
- Garner, pare de reclamar e suba logo! Seus
pais devem estar arrancando os cabelos de
preocupação, loucos para te ver.
- Se não tem outro jeito... - Com o ar infantil,
a agente bufou baixo, contrariada por ter sido
talhada de suas funções laborais. Saiu do carro a
contragosto, acenando com a mão esquerda -
Obrigada mais uma vez.
- Se cuida. - Michael tombou o corpo para
olhá-la, através da janela, caminhar em direção à
portaria.
Olívia aprendeu com sua mãe a ter
esperanças no melhor de uma situação por pior que
fosse. Sua progenitora sempre dizia que até do

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momento mais difícil há de se tirar algum proveito.


Pode não se enxergar a saída quando se está no
olho do furacão, mas depois que a tormenta passa,
o céu se abre em azul límpido, dando um sentido
diferente ao problema. A loira pensava nisso
enquanto o elevador chegava ao andar indicado,
contudo, não chegou a nenhuma conclusão. A
sobrevivência era a sua única recompensa por tanto
esforço e bravura durante o ataque que sofrera?
Deveria ser, mas parecia não apresentar um atrativo
forte. Ela esperava encontrar algo grandioso, de
valia depois daquilo tudo. Garner mostrava-se com
o coração esperançoso por uma reviravolta em sua
vida. Talvez fosse somente por isso que esperou
esses anos todos.
A agente tocou a campainha já se preparando
física e psicologicamente para a recepção calorosa
que teria. E não seria para menos. Ela estaria
mentindo se dissesse que não havia pensado no fim,
em sua morte, na possibilidade de nunca mais
retornar àquela residência. Temeu não poder
brincar com Theo, nem assistir futebol com o seu
pai e a telenovela com sua mãe, mesmo detestando

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tal programa. "Eu sentiria falta dos tacos de D.


Nora", pensava a moça ao ouvir o tilintar do molho
de chaves enquanto uma delas girava dentro da
fechadura.
- Filha! - A mulher de cabelos negros e curtos
literalmente pulou nos braços de Liv, fazendo-a
sentir o latejar nos ferimentos.
- Ai, mamãe!
- Oh, meu Deus. - Nora levou a mão à boca
quando afastou-se e pôde observar os curativos
visíveis sobre a pele alva - Me perdoe.
- Ela só está feliz. - A voz firme de George
ecoou pelo corredor.
- Papai! - Garner emocionou-se junto com
duas das pessoas mais importantes de sua vida. Fez
questão de esquecer-se de dor, de impedimentos,
para poder aproveitar os sentimentos ímpares que
aquele reencontro estava proporcionando - Eu
pensei que não os veria mais. - Após alguns
segundos de carinho e saudades transmitidas
através do abraço coletivo, os três deram passos
para dentro do apartamento, fechando a porta para
uma maior privacidade - Eu amo vocês.
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- Oh, minha menina. Rezamos tanto para que


saísse viva daquele tumulto todo. Vimos tanta
gente morrendo, se machucando que...
- Acabou, pai. Acabou. Eu estou aqui, viva.
Remendada, mas viva. - A risada que deram nem
era tanto pela parte cômica da fala da loira, e sim
pelo alívio em estarem juntos novamente.
Nada mais importava. Não importava o que
tinha acontecido, e como tudo se sucedeu. Não
importava os erros do passado nem os dramas do
presente. A única coisa relevante era a bênção da
companhia um do outro, com a oportunidade de
cada minuto podendo ser aproveitado ao máximo.
- Sente-se, Olívia. Deve estar exausta! - A
mulher ajeitava as almofadas no sofá para um
maior conforto da filha.
- Ah, mamãe, confesso que eu não via a hora
de me recostar em um estofado macio como esse. O
leito do hospital é um pesadelo, apesar de ter todas
as mordomias do mundo lá.
- Conte-nos. Como foi parar na Casa Branca?
Não estava trabalhando no escritório? - O patriarca
sentou-se ao lado da esposa na poltrona em frente à
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agente.
- Eu estava no escritório da USES sim, mas
quando fui transferida, acabei deixando alguns
pertences no dormitório dos agentes e... resolvi
buscar.
- Tudo culpa daquelazinha mal educada. -
Nora esbravejava.
- Quem? - O Sr. Garner franziu o cenho,
curioso.
- Eleanor Conner. Demitiu a nossa menina
mesmo depois dela ter salvado o cachorro, aliás,
agora salvou a vida dela também, não é? E sem
obrigação nenhuma. Quem a vê nos noticiários toda
pomposa, rebuscada, cheia de sorrisos, nem
imagina o quanto é mimada, sem escrúpulos e
estúpida.
- Mãe! Não é bem assim...
- Ah, não é, Olívia Garner? Como não é?
- Calma, amor. - George tentava apaziguar os
ânimos da mulher, enquanto a filha revirava os
olhos para mais um rompante de proteção materna.
- Calma, George? Se não fosse por aquela...

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por Eleanor, a nossa filha não teria corrido tanto


risco, não teríamos passado por todo aquele sufoco,
vendo os telejornais, quase sufocados de angustia,
sem saber se Liv estava viva ou morta.
- Mamãe, por favor, pare! Eleanor não teve
culpa de nada.
- Desde quando você a defende, Olívia? Foi
você mesma quem me ligou revoltada com a
brutalidade e estupidez com o qual ela te tratou no
dia do acidente com os cães.
- Sim, D. Nora, eu estava chateada. Não me
agradou nem um pouco ficar enfurnada dentro
daquele cubículo no décimo oitavo andar de um
prédio, com meia dúzia de machos me tirando o
resquício de paciência que eu ainda possuía. - A
agente suspirou profundamente em busca de
autocontrole emocional - Pense comigo... a Srta.
Conner errou, foi injusta ao exigir a minha
expulsão da equipe de segurança. Ok. Mas se ela
não o tivesse feito, eu estaria trabalhando da mesma
forma, estaria lá durante a invasão. Não podemos
culpar ninguém por algo que não passa de obra do
destino.
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- Nossa filha tem razão. Lugar errado, na


hora errada, apenas. - O Sr. Garner afagava os
cabelos da nuca de sua querida.
- Ou lugar certo, na hora certa. Eu pude
contribuir com o salvamento das vidas de diversas
pessoas, inclusive a do nosso presidente, que está
bem grato por isso. - Garner sorria orgulhosa -
Correr riscos é tudo o que faço desde que descobri
que ser uma agente especial do Serviço Secreto é o
maior desejo da minha vida. É certo que fiquei
apavorada com a possibilidade de falhar na minha
missão, mas quando a adrenalina começou a correr
em minhas veias durante o tempo em que fui
obrigada a correr, me esconder, pular janelas, matar
pessoas para proteger à integridade física de
outrem... - Ao tempo em que a loira ia descrevendo
as sensações vivenciadas por ela, seu olhos
marejaram e um sorriso genuíno pôde ser visto
abrilhantando o seu semblante carregado de
satisfação - ... O momento em que estive à beira da
morte, com armas potentes apontadas para mim, foi
quando eu me senti mais viva. - Ela bufou baixo,
balançando a cabeça em negativa - Não conseguem

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me entender. Nunca conseguiram. Nem você, pai,


que também é policial...
- Isso não é verdade, Liv. Nós... - Ele tentou
explicar suas impressões, mas fora interrompido
pela esposa.
- Desculpa. Só temos medo de te perder. Eu
um pouco mais do que seu pai, porque além de
você, tenho ele como herói na família. Espero que
Theo não tente me matar do coração escolhendo
uma profissão arriscada como a de vocês.
- Temos orgulho da guerreira que criamos.
Às vezes pode parecer que queremos talhar seus
sonhos, mas só estamos tentando te proteger. -
Ponderou o homem.
- Mesmo sabendo que não precisamos, que a
salvadora de todos nós é você. - Completou a
matriarca, mudando de sofá, sentando-se ao lado da
filha - Te amamos muito, Olívia.
- Eu também amo vocês. - A agente repousou
a cabeça no ombro esquerdo de Nora por alguns
instantes, até que ouviram o choro estridente do
bebê que dormia no mezanino - Olha só quem deu
o ar da graça.
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- George, busque-o para mim, por favor. Vou


terminar o almoço. - A mulher levantou-se junto
com o marido, que atendeu prontamente ao seu
pedido.
- O que teremos para comer? - Garner falou
em um tom mais alto para fazer-se ouvida, já que a
mãe apressou-se em sair do cômodo.
- O que deseja, madame? - Nora brincou.
- Eu pediria hambúrguer, mas como sei que
nunca faria isso para o almoço, quero arroz, carne
com legumes, suco de cenoura com laranja e pudim
de pão para a sobremesa.
- O arroz está pré-cozido, os legumes
cortados, só falta refogar a carne. Ah, o pudim já
deve estar bem gelado e consistente. - A mulher
retornou à sala apenas para sussurrar no ouvido da
filha.
- Adquiriu poderes sobrenaturais? - A moça
olhou para trás, gargalhando com a mãe - Deu para
adivinhar pensamentos?
- Eu te conheço bem. Só isso.
A família é mesmo a base de tudo, o primeiro

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passo na direção da construção do caráter que o


indivíduo terá na convivência em sociedade, afinal,
é na família que assimilamos o elementar para o
entrosamento e entendimento com os demais. É em
família que aprendemos a valorizar nossos
semelhantes e associamos elementos primordiais
como a compreensão, tolerância e aceitação.
Contudo, isso só é possível diante de um elo forte
que una seus membros: o amor. Uma família bem
estruturada, amorosa e feliz, reflete nas atitudes de
seus integrantes e no futuro que terão.
Assim eram os Garner. Tinham seus
inúmeros defeitos como indivíduos e em conjunto,
mas o carinho, a união e o respeito que nutriam uns
pelos outros, superava o que quer que fosse.
Almoçaram, conversaram, divertiram-se
juntos. Liv pôde aproveitar a tarde para brincar com
seu irmãozinho que se desenvolvia mais e mais à
cada dia. O pequeno era esperto, aprendia rápido o
que lhe ensinavam e fazia todos gargalharem com
seus gracejos infantis.
Já era tarde da noite. Da forma como a tipóia
lhe permitia, a loira auxiliou seus pais a retirar a
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louça do jantar e a organizar a cozinha. Foram se


recolher após tudo ajeitado, exaustos pelas tarefas
diárias, deixando Olívia sozinha no andar de baixo,
para que tomasse seu medicamento e
posteriormente se banhasse.
E assim ela fez. Subiu para o seu quarto,
tomou o remédio das 23:30, deliciou-se com a
sensação da água morna molhando e relaxando seu
corpo, indo deitar-se em conseguinte.
As luzes mantinham-se apagadas, recebendo
o cômodo, a iluminação apenas da lua e das
lâmpadas dos postes na avenida, que adentravam
através das frestas das cortinas.
Não obstante de divagações que lhe
atormentavam antes de dormir, Garner revirou-se
de um lado para o outro, na vã tentativa de dissipar
os pensamentos inconvenientes em hora imprópria.
O silêncio batia na porta, e o que o
acompanhava eram os medos e as incertezas. O que
seria da agente amanhã? E depois? Liv começou a
questionar-se sobre as mudanças que ocorreriam
dali para frente. Era impossível que tudo
continuasse como estava. Sua vida nunca fora ruim,
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porém a melancolia dos dias iguais dentro do


escritório da Agência, certamente a tomaria em um
momento ou outro, tirando-lhe a graça de viver. A
loira experimentou o júbilo de ter cometido um ato
de extremo patriotismo, ainda mais, de heroísmo.
Ela estava entendendo o significado real do tal lado
bom das coisas ruins. O ataque à Casa Branca veio,
de certa forma, para ensinar-lhe que tudo precisa
estar em constante transformação para que haja
uma razão em trilhar um caminho.
Repentinamente outro pensamento adverso
passou a povoar sua mente: a Srta. Conner.
Lembrou-se da cena tragicômica da manhã no
hospital, onde o constrangimento diante das falas
inapropriadas da morena perante o presidente,
fizeram-na quase surtar. Queria esquecer, mas só
conseguia rir, tanto a ponto de seu ferimento no
ombro latejar pelos movimentos.
- Ela é louca! Louca! - A agente balançou a
cabeça em negativa para desanuviar a sua mente.
Pegou seu IPod no criado mudo, escolhendo uma
playlist aleatória para ouvir. Talvez as músicas
invadindo seu cérebro através dos fones de ouvido,
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espantassem a insônia, devolvendo o prazer do


sono - Medicine. Irônico. - Olívia sorriu ao escutar
a primeira canção.
"Pick it up, pick it all up
Pegar isso, pegar tudo isso
And start again
E começar de novo
You've got a second chance
Você teve uma segunda chance
You could go home
Você podia ir para casa
Escape it all
Fugir disso tudo
It's just irrelevant
É irrelevante
It's just medicine
É apenas medicamento
You could still be
Você ainda pode ser
What you want to
O que você quiser
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What you said you were


O que você disse que era
When I met you
Quando eu te conheci
You've got a warm heart
Você tem um coração quente
You've got a beautiful brain
Você tem um lindo cérebro
But it's desintegrating
Mas está desintegrando
From all the medicine
De todos os medicamentos
Medicine
Medicamentos
You could still be
Você ainda pode ser
What you want to
O que você quiser
What you said you were
O que você disse que era

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When I met you


Quando eu te conheci
When you met me
Quando você me conheceu
When I met you
Quando eu te conheci..."
A incerteza que o novo provocava em Liv,
assombrava ainda mais seu quadro meditativo.
Virando-se sobre o colchão, na tentativa de
encontrar uma posição confortável, ela também
tentava descobrir quais seriam os passos a serem
dados, se é que podiam ser dados.
Eleanor. Novamente a morena de feições
delicadas era o foco principal dos devaneios de
Garner. A herdeira presidencial transformara-se em
uma incógnita a ser revelada. Ela era tão
intrigantemente ambígua! Uma mulher que no
fundo queria manter a loucura da fé, que ansiava
em buscar no horizonte paisagens diferentes,
pessoas diferentes, conversas diferentes para, assim
como Olívia, descobrir quantas personagens
poderia existir dentro dela.

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A agente não diferia de Conner nesse quesito.


Ambas necessitavam expandir as possibilidades,
mesmo renegando veementemente tal feito;
careciam olhar muito além, escutar e seguir os
conselhos que o coração oferecia; precisavam
aceitar que eram falhas, que havia um quê de
normalidade em errar de vez em quando e seguir
em frente. Elas eram distintas em personalidade,
mas igualitárias em certos sentimentos.
Há alguns quilômetros de Baltimore, os
médicos ainda mantinham a filha do presidente sob
efeito de analgésicos. Após seu despertar na manhã
daquele dia, onde ocorreu o incidente da gafe
cometida com Garner na frente do Sr. Conner, a
morena acordou novamente sentindo dores por
conta da cirurgia. Tiveram que sedá-la com uma
dose mais alta de medicamento para que não se
agitasse e piorasse o seu estado de saúde, que até
então era estável. Como o sulfato de morfina tem
ação farmacológica sendo a analgesia entorpecente,
uma das reações adversas no sistema nervoso
central de Eleanor foi a alucinação e a confusão
mental, como se estivesse em um sonho desconexo.

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"O teto branco fazia a morena suspirar.


Esgotada fisicamente, sem ao menos saber o
motivo, quis voltar a dormir, mas não conseguia.
Não havia nada de interessante para fazer
estando presa a uma cama de hospital, exceto
encarar as paredes sem vida ou olhar para o lado,
onde outra paciente dormia o sono dos justos.
Conner não a conhecia, e era demasiadamente
estranho estar internada em um quarto com outra
pessoa. Ela mal podia respirar no jardim de sua
própria casa sem a companhia de um segurança e
agora estava só com quem nunca tinha visto na
vida. Às vezes elas conversavam sobre
trivialidades, como a comida péssima que as
ofereciam em intervalos de três em três horas, ou
sobre doenças terminais. Na falta de algo melhor,
era o que tinham de mais divertido.
- Como está se sentindo hoje? – Indagou a
ruiva de cabelos longos e ondulados. Foi quando
a herdeira presidencial se deu conta de que a
companheira havia acordado.
- Sonolenta, cansada, dolorida. E você? - A
morena devolveu a pergunta.
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- A mesma coisa. – A mulher, apesar do


abatimento visível, sorria abertamente. Conner
nunca tinha parado para observá​-la, mas dessa
vez mirava atentamente o seu rosto. Ela era
pálida, suas pálpebras pareciam arroxeadas e sua
boca pequena continha fissuras de ressecamento.
Mas era bonita, principalmente quando
arregalava os brilhantes olhos azuis.
- Ninguém vem te visitar. – A morena
divagou em voz alta sem ao menos perceber. A
desconhecida encarou-a por alguns segundos e,
em seguida, suspirou tristemente.
- Eu não tenho familiares. Os poucos
amigos nem sabem que estou aqui. – Seu tom de
voz era baixo, quase a ponto de tornar-se
inaudível.
- Ah... Bem, eu também não tenho ninguém,
quer dizer, ninguém que se importe de verdade. Às
vezes eu sinto pena de mim mesma, medo de
morrer solitária. É triste, não é?
- Eu prefiro morrer sozinha. É melhor do
que ter alguém chorando e sofrendo com a minha
perda. – A ruiva voltou a sorrir como antes.
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Conner ficava se perguntando como ela


conseguia aparentar alegria mesmo estando
naquele estado. Ambas eram pacientes há tempos
ali, sem previsão de melhora, de alta, não
possuíam nem mesmo um pingo de felicidade
dentro delas. Só tinham uma à outra. Não era
grande coisa, mas era algo substancial para as
mulheres. Não sabiam o motivo exato, mas se
gostavam. Eleanor encantara-se com a voz terna
da companheira de quarto, até mesmo vindo a
pensar que ela estava ali somente para acalmá-la
- Você acha que existe vida após a morte? -
Questionou a ruiva.
A filha do presidente sentou-se no leito nada
confortável. Os barulhos emitidos pelos aparelhos
ligados a elas eram extremamente irritantes,
enervavam-na de forma significativa. Contudo,
sabia que deveria ser resiliente, uma vez que
significavam que estavam vivas, ainda.
- Eu não sei. Acho que não. Acho que
quando morremos... Eu sinceramente não faço
idéia. – Ela respondeu, receosa.
Apesar de parecerem tristes, melancólicas,
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suas conversas eram reconfortantes. Elas sabiam


que uma hora ou outra sairiam dali, ou ao menos
melhorariam o quadro clínico, não estariam com
a aparência deplorável e sobrevivendo a base de
remédios fortes e cirurgias arriscadas.
- 'Há mais mistérios entre o céu e a terra do
que a vã filosofia dos homens possa imaginar.' –
A mulher citou Shakespeare em sussurro.
Não tiveram a oportunidade de conversar
mais, já que uma enfermeira interrompeu-as
adentrando o cômodo, trazendo consigo os
coquetéis de remédios do dia. Logo se
apresentaram outra vez em um sono profundo.
Sem a capacidade de discernir o que quer
que fosse, Eleanor não conseguia mensurar o
tempo que dormiu. Ela estava novamente
despertando, mas não podia abrir os olhos. Ouvia
apenas o bip intermitente do monitor cardíaco. A
morena sequer fazia idéia do que significava o
barulho, se estava morrendo, se já estava morta,
uma vez que tudo parecia deveras confuso.
Passou a ouvir vozes; vozes conhecidas, porém
não as conseguia distinguir. Aos poucos os sons
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foram se distanciando, voltando à calmaria de


outrora.”
A vida é uma verdadeira caixinha de
surpresas, algo totalmente imprevisível. Nunca
sabemos o que irá acontecer. O ataque à Casa
Branca era um exemplo fiel desse conceito. Em um
minuto a família Conner estava prestes a jantar em
companhia de amigos, no outro estavam internados
em um hospital frio e tenebroso.
Naquela madrugada, Eleanor despertou
sentindo-se pior do que antes, em termos de dor. O
presidente, tão logo teve a oportunidade, auxiliou a
esposa a se dirigir até o leito de sua filha. Sorriram
ao ver aquelas orbes castanhas novamente vivazes a
mirá-los.
- Como se sente? – Beatrice afagava os
cabelos negros espalhados pelo travesseiro.
A morena, instintivamente, olhou para o lado,
com uma vaga lembrança de ter visto outra cama
no quarto, de ter estado acompanhada por outra
pessoa ali. Voltou a sua atenção para a sua
progenitora, que parecia tanto ou mais abatida que
ela própria, conformando-se que suas impressões
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não passaram de sonho.


- Eu estou sentindo dor. – O tom arrastado
denotava o incomodo causado pelos ferimentos.
- O médico disse que isso provavelmente iria
acontecer. Parece que os medicamentos que
estavam aplicando em seu soro causaram reações
adversas além do que deveriam. Alteraram a
posologia e as substâncias. Eu não entendo bem os
termos que usam... – A progenitora tentava
explicar.
- Os analgésicos estavam causando
alucinações, é isso. – O Sr. Alexander completou o
esclarecimento, lembrando-se das besteiras que a
filha disse quando a agente Garner estava fazendo-
lhe uma visita - Mas de resto está tudo ótimo
contigo. Sem infecções, com o quadro cirúrgico
evoluindo bem... Ele falou que se continuar assim
em poucos dias você será liberada.
- E vocês? Os Henderson, Garner...? – A
morena apontou para a jarra d'água que estava em
uma mesinha próxima, sendo prontamente atendida
pelo pai.
- Estão todos bem. – Beatrice respondeu
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amavelmente.
- Por que está tomando soro também? E papai
mancando? – A filha preocupava-se com o estado
de saúde de ambos.
- Foi só um susto. Estamos ótimos. Não deve
se preocupar com isso agora.
- E Olívia? Eu queria vê-la. Ela... ela me
salvou. Preciso agradecer.
- A agente Garner esteve aqui logo nas
primeiras horas do dia. Não se lembra?
Conversaram. Pouco, mas conversaram. – O
homem franziu o cenho desconfiado.
- Está brincando, papai? – Conner esboçou o
que seria uma risada, mas gemeu tão logo a dor
importunou-a.
- Não, minha querida. Ela veio ver como
você estava. É uma moça muito gentil.
- Não me lembro.
- Deve ser por causa das drogas que lhe
deram. – A primeira-dama sentou-se na poltrona
que ficava ao lado direito do leito, já também
incomodada pela fraqueza que lhe acometera.

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- Por que será que ela fez tudo aquilo? Eu...


eu a expulsei de nossa casa, eu a maltratei sem
razão alguma, e mesmo assim Olívia arriscou a
própria vida para salvar as nossas.
- É verdade. Seu ato foi, além de corajoso,
muito altruísta. – O presidente ponderava.
- Pai, posso lhe pedir algo? – A morena
encarava o homem com olhos esperançosos.
- O que quiser, querida.
- Na verdade são duas coisas. A primeira é
que peça para que ela retorne à equipe do Waite,
mas eu não gostaria que Garner soubesse que fui eu
quem lhe fez essa solicitação.
- Orgulhosa. Saiu a mim. – Beatrice
resmungou, rindo baixo.
- Ok. Acho que posso fazer isso. Afinal,
estamos aqui por causa dela.
- É...
- E a segunda coisa?
- Eu gostaria que a promovesse, que a
condecorasse. A sua bravura precisa ser
reconhecida.
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- Nisso eu tenho que concordar. Essa moça


merece uma recompensa. – O esposo voltou a
atenção para a primeira-dama, estranhando o fato
de sua amistosidade excessiva.
- Eu já havia pensado nisso. – Alexander
tomou a destra da filha, acariciando-a – Eu só não
posso garantir quando e como se daria esse feito.
Existem questões burocráticas a serem analisadas, e
temos Michael também, que já é comandante...
- Sei que vai resolver tudo da melhor
maneira. – A morena suspirou aliviada quando a
porta abriu-se, revelando a figura tão bem vinda da
enfermeira, já sabendo que ela trazia a solução para
a sua tormenta momentânea.
- Hora do medicamento. – Disse a
profissional da saúde de feições exóticas – A
paciente precisa descansar. Relataram para nós
mais cedo que as dores do pós-cirúrgico persistem,
então estou injetando um remédio relaxante,
diferente dos outros que ela estava tomando. Daqui
a alguns minutos sentirá sono, portanto, os
aconselho a irem descansar. Provavelmente ela só
acordará daqui a algumas horas.
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- É... deveriam ir dormir um pouco. – Eleanor


já falava com uma maior dificuldade.
- Tem certeza, minha filha? - O patriarca da
família ainda mantinha-se ao lado do leito.
- Tenho.
- Ela ficará bem. Qualquer coisa, Eleanor,
tem esse dispositivo azul ao seu lado esquerdo que,
se acionado, emitirá um sinal na sala dos
enfermeiros. Virá alguém imediatamente lhe
auxiliar no que for preciso.
- Obrigada.
- Disponha. Bom, espero que todos tenham
uma ótima noite. Com licença.
Tão logo a enfermeira ausentou-se do recinto,
o Sr. Alexander e sua esposa fizeram o mesmo,
após despedirem-se da filha. Precisavam mesmo de
algumas horas de repouso para recuperar as
energias perdidas durante o tempo em que
passaram tentando sobreviver ao atentado que
sofreram.

*************

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Quando estamos entretidos, o tempo passa


rápido. Se estivermos entediados, os ponteiros do
relógio parecem brincar de estátua. Parte dessa
impressão se dá através do sistema límbico, área do
cérebro responsável pelas emoções. Quando
alcançamos um desejo, ele libera dopamina,
neurotransmissor que causa sensação de prazer. São
os níveis dessa substância no organismo que
influenciam na percepção que temos dos dias
acabando com rapidez ou não. Quando a dopamina
está elevada, os minutos se vão com maior rapidez.
Já em um cérebro aborrecido, a ansiedade aumenta,
conseqüentemente, o mesmo acontece com a
sensação de que as horas não passam.
Era exatamente o que acontecia com Liv.
Havia completado duas semanas desde que
ocorrera o fatídico ataque à Casa Branca. Nora não
permitiu que a filha retornasse para a sua casa,
aumentando consideravelmente a chateação da
loira. O médico a liberaria para o retorno às
atividades laborais leves no dia seguinte, sendo
esse o único consolo que tinha diante de tantos
infortúnios nos últimos tempos.

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A agente tamborilava os dedos na almofada


cinza que mantinha em seu colo. Na tela grande da
televisão de sessenta polegadas, podia-se assistir a
um desenho infantil qualquer, do qual não fazia
idéia do conteúdo, haja visto que somente Theo
prestava atenção nas imagens. Enfastiada seria uma
boa descrição para Garner naquele momento.
Queria sair, queria ver pessoas, queria trabalhar,
mas sua mãe insistia e persistia no repouso, que em
um dado momento, tornou-se suplício ao invés de
conduta benéfica.
Olívia sentiu-se aliviada ao ouvir o toque do
seu telefone. Suspirou ainda mais contente quando
leu no visor o nome do comandante. "Boas notícias,
espero", pensou a moça.
- Waite? – Ela atendeu de prontidão.
- Como vai, Garner?
- Estou a ponto de cometer suicídio. – A loira
respondeu em sussurro, após olhar para os lados, a
fim de verificar se havia a presença de alguém por
perto – Eu vou enlouquecer com a minha mãe
fazendo sopinha no jantar e me acordando às 06:00
da manhã para oferecer chá acompanhado de
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biscoitos água e sal.


- É o quê? – O homem ria no outro lado da
linha.
- Está rindo porque não é contigo. – Liv
ralhava – Ela me trata como trata o meu irmão.
- Calma, calma. Logo seu tormento acaba.
Amanhã o escritório te aguardará bem cedo.
- Eu juro que nunca imaginei que um dia
fosse dizer isso, mas... – A agente suspirou - ...
estou com saudades daquele cubículo.
- Sério? Então seus problemas de saudosismo
acabaram. Estou te ligando para saber se quer
carona para o trabalho.
- Não, pelo amor de Deus. Irei para o meu
apartamento no fim da tarde e pretendo dirigir
sozinha. Só eu, eu e eu, mais ninguém. – Michael
continuava dando risadas do jeito atormentado de
sua subordinada – E pare de achar graça aonde não
tem.
- Ok. Desculpa. Mande um abraço para os
seus pais. Nos vemos amanhã então.
- Certo. Até logo.

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- Quem era contigo no telefone? – Olívia mal


havia encerrado a chamada, e Nora já a interpelava,
curiosa.
- Nossa, mãe! Que susto! – A loira colocou a
mão no peito, ofegante pela surpresa do hálito da
progenitora em sua nuca.
- Vim ver se precisa de alguma coisa. – Antes
que a filha pudesse responder, ouviu-se ecoar pelo
ambiente, o som estridente da campainha.
- Preciso que vá atender, mamãe querida. – O
deboche escancarado na frase fez a matriarca
demonstrar sisudez em seu semblante.
- Está muito engraçadinha para o meu gosto.
– A mulher disse enquanto girava a maçaneta.
- Bom dia! – Uma voz de timbre rouco fez-se
ouvida.
Boquiaberta com o inesperado, a agente
levantou-se devagar, dando alguns passos em
direção à porta.
Da mesma forma que a filha, Nora estava
atônita diante da imagem da mulher morena e dos
quatro seguranças atrás dela.

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- Eleanor? Digo... Srta. Conner, o que faz


aqui? – A loira gaguejava por conta do nervosismo.
- Eu vim lhe fazer uma visita, agente Garner.
Posso entrar?

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Capítulo 14 – Só o tempo
trará as respostas
Para a maioria das pessoas - em especial para
Nora - receber visitas em casa é sempre uma
alegria. Já por isso, dispunha de um lugar especial
na sala, arrumado com capricho e bom gosto, que
traduzia a personalidade dos Garner. Contudo, a
situação extraordinária deu-se de forma tão
surpreendente que toda a pompa com o qual a
mulher fazia questão de receber os amigos e
parentes, esvaiu-se por completo. Tanto mãe
quanto filha demoraram alguns segundos para
assimilarem e associarem a figura elegante parada
na porta, com o motivo pelo qual estava ali.
- Quem é que chegou? - George apareceu
atrás de Liv e Nora, carregando o filho no colo,
ficando boquiaberto com a imagem que sua visão
captava – Eleanor Conner?
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Ao ouvir a voz grave do pai é que Garner se


deu conta de que ainda não havia permitido a
entrada da morena em sua residência, ou melhor, na
residência seus progenitores.
- Ele...Srta. Conner, queira entrar por
gentileza. - A agente fez sinal com a mão,
inspirando a fragrância do J'Adore que espalhou-se
no ambiente, trazida pela filha do presidente.
Ante uma situação como aquela, exigia-se
uma boa dose de autocontrole e "savoir vivre", os
velhos bons costumes que todos deveriam conhecer
e jamais abandonar.
- Bom, o que traz a nossa casa uma visita tão
ilustre? - O patriarca tentava aparentar o máximo
de amabilidade que era possível, ao passo que sua
esposa encarava a mulher com a sobrancelha
erguida e o cenho franzido, não se preocupando em
disfarçar em leve dissabor por sua presença.
Após cumprimentar os colegas que profissão,
que se mantinham parados em postura ereta frente à
porta, a loira voltou a sua atenção para a visita.
- Sente-se, senho...
- Eleanor, por favor. Somente Eleanor. -
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Olívia estreitou os olhos por um milésimo de


segundo, tamanha a estranheza que o momento
causava - Eu não vou tomar muito do tempo de
vocês.
De certo que nos dias em que a agente estava
hospedada na casa dos pais, foram diversas as
vezes em que sua mãe externou a insatisfação para
com a herdeira presidencial e suas atitudes
extremistas, mas naquele instante, o que importava
era mostrar para a mulher o quanto eram
civilizados, recepcionando-a com cortesia e boa
educação, dispondo de alguns minutos para uma
conversa amistosa. Ainda não sabiam o motivo real
da presença de alguém tão importante, porém às
vezes era somente a cordialidade que Conner
esperava, saindo dali com o coração grato pelo
acolhimento que teve e ainda arrependida pelas
besteiras que cometeu.
- Você aceita um café, uma água, ou... não
sei? Desculpe-me, mas não temos o costume de
receber... - A matriarca da família interrompeu sua
fala ao prestar atenção no homenzarrão que
vistoriava sua janela.
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- Isso é procedimento de praxe, mãe, para ver


se não há movimentação suspeita nos prédios ao
entorno daqui. - Garner sentou-se ao lado do pai, no
sofá em frente à morena.
- Então... deseja um suco, talvez?
- Não se preocupe comigo. Estou bem, mas...
uma água seria bem vinda. - Eleanor sorria
cordialmente, ao menos era o que aparentava.
- Claro! Eu já volto. - Nora alternou o olhar
brevemente entre seu esposo e sua primogênita,
saindo em seguida, caminhando até a cozinha.
Liv, treinada para decifrar o significado das
milhares de expressões faciais que o ser humano
usava - mesmo que inconscientemente - para
externar as suas emoções, soube de imediato que a
morena não estava de todo à vontade, que muitos
trejeitos se davam de maneira forçada. Esboçou um
breve sorriso contido, ao virar-se para brincar com
a mãozinha do irmão. Talvez faltasse uma pitada a
mais de naturalidade nos atos de Conner, mas a
loira tomou o esforço que estava sendo feito como
ponto à seu favor.
- E esse bebê? - Eleanor sorriu ternamente ao
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olhar para Theo - Posso...carregá-lo?


- Hã...claro! Esse é o Theo, meu filho mais
novo. - Tanto ela quanto George levantaram-se. A
morena tomou o pequenino nos braços, recebendo
uma gargalhada infantil em retribuição às graças
que fazia - Ele gostou de você.
- Têm quantos filhos? – Conner perguntou,
curiosa.
- Ah, só ele e Olívia.
- Eu não poderia imaginar que você levasse
jeito com crianças. - Nora retornou para a sala,
surpreendendo-se com o bebê no colo de Eleanor.
- Está falando sério? O destino ainda me não
deu indícios de que serei mãe algum dia, mas eu
gosto de crianças. Crianças e animais. Não parece,
mas amo.
- Definitivamente não parece mesmo! -
Enfatizou a mulher de cabelos curtos enquanto
colocava o copo com água sobre a mesinha de
centro.
Ainda sentindo o clima excêntrico que
pairava no ar, Garner apressou-se em tecer um

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comentário sobre um assunto completamente


diferente do que estava em pauta no momento.
- Então... eu... estou bem. Tirei a tipóia do
braço, os ferimentos tiveram ótima cicatrização.
Estou muito bem. E...você?
O caçula da família não permitiu que a
morena respondesse de imediato. Reclamando de
fome, começou a resmungar palavras ininteligíveis
em tom choroso, pedindo o colo da mãe.
- Está na hora da mamadeira dele. - Disse
Nora, o pegando dos braços de Conner.
- Parabéns. Seu filho é lindo!
- Obrigada! Com licença.
- Quer ajuda, amor?
- Não precisa. Obrigada! - Ela falava mais
alto que o normal, já seguindo em direção à
cozinha novamente.
Eleanor tomou um gole da água. Estava
visivelmente constrangida. Aliás, todos ali se
mantinham talhados da liberdade total de ações na
presença um do outro, mas deveriam ao menos
fingir o contrário.

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- Respondendo à sua pergunta... terei que


fazer uma plástica se quiser tirar a cicatriz da
cirurgia. Ainda sinto algumas fisgadas, porém nada
preocupante. Também sinto dores nas articulações
e na cabeça, o que dizem ser comum no tipo de
trauma que tive. Enfim, estou me recuperando bem,
graças a você.
- Que bobagem. Eu não fiz mais do que a
minha obrigação. - Liv detinha a respiração
descompassada devido ao nervosismo, mas tratou
logo de controlar-se, uma vez que demonstrar
emoções naquele momento, com o seu pai e mais
quatro "desconhecidos" a prestar atenção na
conversa, não era de fato uma boa idéia.
"Ainda bem que não está dopada, senão ia ser
um tumulto a D. Nora ouvindo aquelas
baboseiras.", pensou a agente, ao encarar a mulher
à sua frente.
- Que modéstia, minha filha! Ela foi bem
corajosa, Srta. Conner. Olívia é mesmo uma das
melhores. Posso dizer com conhecimento de causa.
Sou militar também. - George mostrava-se inflado
de orgulho da primogênita.
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- Oh, é mesmo? E eu o parabenizo por tê-la


criado tão bem. Cometi um erro ao julgá-la
precocemente. Inclusive, essa conversa que
estamos tendo, a princípio seria com o meu pai. Eu
tinha pedido a ele o sigilo das minhas intenções,
mas pensei bem e percebi que seria um erro maior
ainda não vir pessoalmente para... - A morena
pausou a fala por alguns instantes quando Nora
sentou-se ao lado do esposo, ajeitando Theo, que
mamava avidamente em seu colo. Um pigarro
antecedeu a sua continuação - ... para agradecer por
tudo o que fez por nós. Certamente não estaríamos
vivos. Todos teriam sido massacrados naquele
ataque. Você arriscou a sua vida, você se pôs na
frente de várias armas como escudo para me
proteger... - Notoriamente havia emoção em cada
palavra de Eleanor. O orgulho não a permitiria
marejar os olhos, já era demais assumir tudo aquilo
em voz alta, indo além de seus pensamentos - Por
isso e por todo o resto é que eu gostaria que
retornasse à equipe de segurança da Casa Branca.
Entendo se estiver magoada, e com razão. A
questão é que... nem meus pais, nem eu, confiamos
em nenhuma outra pessoa para executar o trabalho
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tão bem como você fez.


"Eu disse que uma hora ou outra ela ia
enxergar o quanto foi estúpida e vir arrastando
pedindo para ser desculpada. Minha filhinha
sempre foi ótima no que faz." Por fora, Nora
mantinha o semblante imparcial, por dentro dava
pulos de euforia. O mesmo acontecia com Garner.
Não esboçava reações muito evidentes, mas no
fundo queria levantar dali e festejar feito uma
criança feliz em época de natal.
- Hã... bem... eu retorno amanhã às minhas
atividades laborais. Inclusive conversei agora a
pouco com o comandante e ele...ainda não decidiu
o que farei e como farei. Waite sabe dessa
proposta? - A agente questionou.
De cenho franzido, tentava assimilar tudo o
que estava sendo dito, no intuito de não cometer
nenhuma gafe ou tomar decisões precipitadas.
- Michael sabe sim, e no caso, você não vai
retornar como uma simples integrante do quadro de
colaboradores do Serviço Secreto.
- Ah, não? E seria o quê então? - O Sr.
Garner intrometeu-se, vencido pela curiosidade.
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- Pai... - A loira tocou em sua coxa direita


como forma discreta de contenção.
Eleanor suspirou profundamente como se
buscasse por uma dose de coragem que viesse junto
com o ar para os seus pulmões.
- A sua filha será a minha segurança
particular, trabalhará quase exclusivamente para
mim. Digo quase porque obviamente haverá
momentos em que seja necessária a sua intervenção
em algum procedimento mais técnico, alguma
ordem que tenha que dar aos seus subordinados...
- Dar ordem aos meus subordinados? Hã...
Eleanor, me desculpe, mas não estou entendendo
absolutamente nada. - Liv ergueu o sobrolho ao
indagar a morena. Parecia mesmo confusa, assim
como os demais presentes.
- Amanhã é que voltará às suas atividades,
não é? Pois a partir de amanhã será a nova
comandante da equipe, porém com a incumbência
de tratar da minha agenda em prioridade.
- Uau! - A expressão deu-se em uníssono
pelo casal Garner.
- Waite também sabe disso? - Liv não
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conseguia expressar-se com coesão diante de tantas


surpresas em tão poucos minutos.
- Se preocupa em demasia com ele, agente
Garner, ou melhor, comandante Garner. Michael
ficará por conta da USES no escritório. Você é a
chefe de segurança agora. Ele te auxiliará com o
meu pai. E antes que me pergunte... Waite está bem
conformado quanto às mudanças. Receberá uma
gratificação, terá o devido reconhecimento do seu
trabalho e não foi destituído do cargo de chefia
totalmente, apenas remanejado, como você foi
antes da invasão acontecer. - A morena tomou
outro gole de água, findando com o líquido do
copo.
- Aceita mais, Srta. Conner? Ou... outra
coisa? Temos bolo, croissants...
- Não, Sra. Garner. Eu estou satisfeita.
Obrigada. Quem sabe em uma próxima
oportunidade?
"Próxima oportunidade? Essa cena se repetirá
algum dia? Impossível!". A ex-agente, agora
comandante, sabia que Eleanor usava de
cordialidade, mas soava demasiado estranho a sua
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fala associada à possibilidade de um dia os cinco


estarem reunidos outra vez.
Demorou um pouco para a loira reagir à
notícia, tomando a palavra para si, mesmo estando
boquiaberta.
- Eu estou sem palavras. Sinto-me... honrada.
- Então isso é um sim? Não está chateada por
eu... por eu ter te expulsado?
- Ah, mas isso é claro que sim...
- Mãe! - Olívia semicerrou os olhos,
encarando a sua progenitora em reprimenda -
Eleanor, eu amo a minha profissão, me dedico, me
esforço o máximo que posso, indo até além. Sei que
existem muitos por aí com capacidades ímpares que
nem devem ser comparadas com as minhas, mas eu
sei que posso sempre mais, porque luto por isso
todos os dias. Eu estudo, me mantenho atualizada
em técnicas, e tudo o mais que é necessário a uma
agente secreta dos Estados Unidos. Não digo que
sou a melhor, mas digo que sempre busco o meu
melhor. Empenho e desempenho são algumas das
minhas palavras de ordem. Não foi nada agradável
ouvir que era incompetente, que não sabia executar
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uma tarefa direito, sendo que a única coisa que fiz


foi salvar o Billy naquele dia. Entretanto, chateada
ou não, magoada ou não, estamos aqui tratando de
questões estritamente profissionais. E no âmbito
profissional, digo que sim, aceito minhas novas
condições dentro da USES. Uma das diversas
coisas boas que meus pais me ensinaram, foi saber
desculpar um erro alheio quando este é
reconhecido. Eu te desculpo e te agradeço por isso.
Tapa com luva de pelica. Essa expressão
significa responder ou revidar algo que não gostou
de ouvir ou ver de uma forma elegante e educada,
ao invés de replicar com grosseria. Responde-se de
maneira tão sutil, a ponto de deixar o outro se
sentindo mal. Não é nada fácil, mas tem lá seus
privilégios. Torna-se uma massagem no ego ver
quem lhe incomodou se contorcendo de raiva, pois
esperava uma rendição às provocações, a aceitação
de um jogo sujo, e não um sorriso terno em meio à
palavras proferidas com calmaria.
Para Garner, foi deveras torturante conservar
a tranqüilidade e não imaginar-se esganando aquela
mulher que fez com que a sua artéria carótida quase
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pulasse pescoço à fora. Contudo, naquele momento


pôde reconhecer que a decisão de calar-se por ora
foi a mais acertada, pois, no fim das contas, foi
Conner quem teve que manter-se cabisbaixa, isenta
do direito de retrucar.
Após alguns segundos de total silêncio,
permanecendo apenas os entreolhares, a morena
sorriu, levantando-se, seguida pelos demais
presentes que estavam sentados.
- Comandante, hã... há mais uma coisa que
ainda não citei. Em alguns dias teremos uma
solenidade em comemoração à reconstrução da
Casa Branca e, por conseguinte, a cerimônia para a
sua condecoração.
- O quê?
- Condecoração, Garner; aquilo que se dá a
militares ou suas unidades por atos de heroísmo ou
por bons serviços prestados. - Um pequeno sorriso
divertido pôde ser notado no rosto da morena.
- Eu sei o que é condecoração, só não acho
que...
- Aposto que seu pai está de acordo, não é,
Sr. Garner?
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- Oh, sim. Claro! Olívia merece. - O homem


tocava no ombro da filha, ao passo que a olhava
emocionado, assim como sua esposa.
- Pois... agora que eu disse tudo o que
pretendia, devo partir. Demorei mais do que o
necessário. - A mulher deu alguns passos em
direção à Nora - Adoraria ver esse garotão lá.
É...vai ter uma festa para a sua irmã. Vai sim... É...
- Conner brincava com Theo, arrancando
gargalhadas do garotinho - Até mais. - A herdeira
presidencial meneou com a cabeça seguindo para a
saída.
- Eleanor! - Liv alcançou a maçaneta, pondo-
se frente à morena - Obrigada. - Uma sorria
genuína e discretamente, enquanto a outra arfava o
peito. Alguns instantes de silêncio deram-se no
ambiente. Sem desviar os olhos um segundo
sequer, Garner encarava as íris castanhas de
Eleanor, e esta, por sua vez, encarava as
esverdeadas que tanto brilhavam.
- Eu te vejo amanhã, comandante.
"Dois olhares que se cruzam tão intensamente
são duas almas que se beijam em silêncio."
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Parafraseando a expressão, podemos


descobrir o quanto mais é carregada de sentimento
e entendimento do que à primeira lida. Em pensar
nas simples experiências cotidianas, que muitas das
vezes passam despercebidas, ou nas que marcaram
e marcarão uma vida inteira, a frase assume um
peso colossal.
Certas relações pessoais são construídas com
valores muitas vezes ocultos e delicados. Portanto,
não devem ser consideradas com parcimônia. É
necessário fino trato, entendimento, respeito, amor.
Sim, amor. E só esta palavra dizia tudo o que
estava acontecendo naqueles segundos - que mais
pareceram eternidade - enquanto as mulheres se
olhavam.
O amor surge sobre as mais diversas formas,
pelas mais diversas pessoas e relações. Mas, em
todo e qualquer caso, não deixa de ser amor e nele
abarcando uma série de outros substantivos.
Naquela situação, os olhares cruzaram-se,
respeitaram-se e simpatizaram-se, como em tantas
outras situações do dia-a-dia, mas sem o
conhecimento prévio de que era algo especial, ou
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ao menos se tornaria assim um dia.


Olívia e Eleanor transmitiram mutuamente
uma série de sentimentos e impressões que
poderiam facilitar, ou mesmo dificultar aquela
relação. E quando facilitaram, os olhares que se
cruzaram, efetivamente estavam a se beijar; as
almas tocaram-se em um ritual de empatia e
carinho oculto.
A loira abriu a porta por onde Conner e os
seguranças passaram, fechando-a em seguida.
Estática, continuou a olhar para o pedaço de
madeira, como se ainda pudesse ver a imagem da
filha do presidente através dele. Engoliu em seco,
sentindo um aperto no peito de significado
desconhecido.
"O que é isso? O que acabou de acontecer
aqui?" Teria faltado coragem parte à parte? Talvez.
Mas Garner não se arrependia de não ter travado
conhecimento sobre o que se sucederia após aquele
silêncio constrangedor e torturante. Os segundos
tornaram-se especiais, como algo que talvez tenha
tido mais sabor por ficar na incerteza da sua
continuidade... O eterno mistério do que poderia ter
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sido. E tudo isso porque, recentemente, dois olhares


se cruzaram, duas almas beijaram-se em silêncio.
Ela sentiu, Eleanor sentiu. No entanto, não faziam
idéia do que poderia significar.
O tempo trará as respostas. Somente o tempo
trará...

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Capítulo 15 – Honra e
bravura
"A paixão à primeira vista acontece quando
se vê alguém, e sem ao menos precisar conversar
antes, sentir que é a pessoa certa. É quando se
descobre grandes verdades através de apenas uma
única troca de olhares. É saber antes mesmo de
dizer oi que ali pode estar a pessoa que passará o
resto dos seus dias ao seu lado, até o fim."
- Está interessante a leitura, Eleanor? - A voz
aguda do Dr. Prescott despertou a morena de seus
devaneios.
A herdeira presidencial fechou o exemplar,
dando um leve pigarrear em seguida. Seus olhos
miraram o homem à sua frente por alguns
segundos, logo retornando a visão para a capa do
livro de um autor desconhecido. Nas páginas
podiam-se encontrar explanações sobre o despertar
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dos sentimentos românticos no ser humano e suas


diversas nuances. Conner não se interessava por
aquele gênero literário, no entanto, o primeiro
parágrafo que leu, chamou-lhe a atenção para os
demais, tornando-se um ponto de partida para suas
reflexões pessoais.
- Não, quer dizer, não estou lendo de fato.
Só... explorando o conteúdo, mas posso assegurar,
pelo o pouco que vi, que trata-se de
algo...instigador.
- Pode me relatar o que sente ao se deparar
com esse tipo de leitura? - Eleanor franziu o cenho.
Não queria ter que pensar sobre aquilo, não queria
ter que se submeter a uma análise do que nem ela
sabia como definir. De certo, essa era a função do
terapeuta: auxiliá-la a descobrir o que se passava
em seu interior, auxiliá-la a descobrir a si própria.
Contudo, não estava disposta, não naquele
momento - Eleanor? Algum problema? - E
novamente ela era talhada de afundar-se em
pensamentos particulares.
- Não, Dr. Prescott, nenhum problema.
Acredito que já estamos em cima da hora. - A
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mulher fez menção de se levantar, mas um sinal


negativo vindo do psicólogo a recuou.
- Ainda temos alguns minutos.
- Ah, mas o que são apenas alguns minutos,
não é mesmo? - A mulher tentava esquivar-se do
assunto que tanto incomodava.
- Eleanor, há dias você vem nas sessões e
simplesmente não progride. Quando não usa o
tempo para ler páginas de livros que você mesma
diz não lhe interessar, mantêm-se em silêncio. Acha
que tomando essa postura eu poderei auxiliá-la de
alguma maneira?
- Quer que eu seja sincera? Nem sei o que
estou fazendo aqui.
- Estamos tratando dos seus problemas,
principalmente depois do atentado que quase tirou a
sua vida e a de seus pais. A terapia ajuda a buscar o
que te perturba, ajuda a externar sentimentos
intrínsecos que muitas vezes se escondem tão
fundos que até esquecemos que existem. É ela
quem te preocupa? - Conner tinha certo temor em
se expor, mesmo que sob a condição de sigilo
médico, ainda mais para o homem de estatura
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mediana, cabelos claros e óculos embaçados, que


não lhe inspirava confiança.
- Ela? Ela quem? - A filha do presidente fez-
se de desentendida. August a intimidava com o seu
ar de vidência, como se fosse dotado da faculdade
de ver o passado, profetizar o futuro, conhecer o
que se passa ainda que não esteja presente.
- Semana passada comentou sobre a mulher
que te salvou. É algo relacionado a ela que te
incomoda?
- Não! Ela me salvou, sou grata, apenas. Não
existem motivos plausíveis para que Garner me
incomode de alguma maneira. - O terapeuta ergueu
ambas as sobrancelhas como se esperasse o
desenrolar do assunto. Eleanor dessa vez não se
reteve, pondo-se de pé. Alcançou sua bolsa no lado
esquerdo do divã, dando alguns passos em direção
à saída - Creio que saiba da solenidade que
acontecerá em algumas horas, Dr. Prescott. - A
herdeira manteve-se de costas para o homem, que
por sua vez também estava de costas para ela, não
fazendo questão de virar-se.
- Sim, sei.
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- Espero que possa prestigiar o meu pai. -


Conner suspirou antes de morder o lábio inferior -
Ah, a comandante Garner será condecorada pelo
ato heróico que teve. Poderá vê-la, se resolver
comparecer. - Alguns segundos de silêncio se
deram, e assim que Conner tocou na maçaneta para
abrir a porta, o psicólogo manifestou-se, abrindo a
obra que sua paciente deixara na mesinha de centro,
em uma página aleatória.
- "... Às vezes a vida resolve nos fazer uma
surpresa, colocando no caminho que trilhamos,
de forma totalmente inusitada, alguém que veio
para implantar a mudança, para fazer bem..." -
Ele ia lendo enquanto a morena mantinha-se na
mesma posição, porém prestando atenção em cada
palavra - "... Pode ser que a conheçamos ao nos
sentar em um banco de praça, em um restaurante,
em um aeroporto, isso não importa. Simplesmente
conhecemos. E com pouco tempo de conversa,
descobre-se tanta afinidade que, em míseros
minutos, se adquire a certeza de uma vida inteira.
Duas pessoas se conhecem, confiam uma na
outra. Existe uma intimidade que não se deu por

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conta daquela pequena fração de tempo. Esse tipo


de encontro nos faz acreditar que existe algo
além. Traz o conforto de que tudo o que
perdemos, um dia será recuperado, tornando o
laço invisível, ainda mais forte. Quanto mais essas
duas pessoas se falam, mais cresce a sensação de
bem-estar; cresce a vontade de estar perto, de ter
por perto. Esse sentimento pode ser definido como
amizade, paixão, amor, ou pode ser apenas
química, não importa, pois o que existe entre elas
já se solidificou sem que ao menos tenham
conhecimento disso. Algo puro, genuíno, inocente
talvez, com grandes doses de gratidão e porções
extras de confiança. Mesmo sem intenção, a
pessoa nos fala a coisa certa na hora certa. Testa
os nossos limites de uma maneira suave,
confortando-nos, apesar do mundo ao redor
desabar em tragédia. Esse ser especial trata com
parcimônia e paciência as nossas crises
existências, pois nos enxerga além das
aparências, estendendo os braços para o
aconchego de um abraço silencioso. Ela acaba se
tornando a nossa pessoa preferida entre milhares
no mundo todo, simplesmente porque essa
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conexão é para sempre, independente do que


venha a acontecer." - Dr. Prescott fechou o livro.
Levantou e virou-se, encontrando os olhos curiosos
de Eleanor a encará-lo - Quer emprestado? Pode
trazer quando terminar a leitura. - Ele sorria, ao
passo que estendia a mão com o objeto.
Conner tomou-o para si, meneando a cabeça
afirmativamente.
- Até mais ver, doutor. - A herdeira não se fez
de rogada - Lerei e devolverei assim que possível. -
E sorriu dubiamente antes de bater a porta atrás de
si.
A comandante Garner, por motivos
burocráticos, ainda não tinha assumido o seu cargo
como segurança particular da filha do Sr. Conner,
portanto, quem a aguardava do lado de fora não
inspirava tanta confiança, obrigando Eleanor a
dirigir-se imediatamente para casa, sem desvios ou
delongas. Além do que, aquele era um dia especial,
devia se apressar.
No aconchegante flat em Capitólio, Louise
tratava de cuidar das madeixas loiras da amiga.
Esticava daqui, puxava dali, modelava os cachos,
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sorrindo com o resultado. Liv havia se recusado a


procurar os serviços de um profissional, sobrando
para a pobre moça, a tarefa de deixar a ex-agente
impecável para apresentar-se na solenidade.
- Alguns cientistas britânicos iniciaram um
estudo no intuito de verificar se promoções no
emprego traziam benefícios à saúde física e
psicológica dos trabalhadores. A hipótese era de
que, ao serem promovidas, as pessoas se sentiriam
valorizadas e confiantes, refletindo beneficamente
nos vários âmbitos de suas vidas. O resultado, no
entanto, foi o contrário. Constatou-se que uma
promoção aumenta em 10% o nível de estresse e o
número de consultas ao médico caiu em média
20%. - A loira ficou boquiaberta com o conteúdo
de um artigo que lia em seu celular - Isso é sério,
Louise?
- Aham. Quando o indivíduo se vê em uma
posição de maior destaque, associa a nova
responsabilidade com uma cobrança intensa de
bons resultados, ou seja, ele não descansa, não
relaxa.
- É verdade. Pressão sob pressão. Ah, cancela
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tudo. Não quero mais ser comandante. - Garner foi


levantando- se da cadeira de súbito.
- Ficou louca? Deixa de ser idiota, Olívia!
Em primeiro lugar, não tem como voltar atrás à
essa altura do campeonato. Quer dizer, até tem, mas
não é o que acontecerá. - Louise levou ambas as
mãos aos ombros da outra - Hoje é um dos dias
mais importantes da sua carreira. Chegou até aqui
por mérito, por conta da sua capacidade. Não pode
desistir simplesmente porque leu algumas bobagens
na internet.
- É um estudo sério. Não é bobagem.
- E desde quando se importa com isso? Liv,
me ouça. Você é a mulher mais competente que eu
conheço. Eu tenho orgulho de você.
Definitivamente aquele era um momento
especial com o qual a comandante sonhou desde os
primórdios de sua infância. Em igualdade, sua
realização profissional trazia alegrias e
insegurança. Era natural, haja visto a incerteza do
futuro que a vida insiste em nos enfia garganta a
baixo.
Garner abraçou ternamente a amiga que tanto
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estimava. Precisava de apoio, de sentir que seus


pilares de sustentação mantinham-se fortes. Seus
pais faziam isso o tempo todo, mas era bom receber
tal estímulo de outras pessoas.
- Obrigada. - Olívia tomou o rosto de Louise
entre as mãos, dando um beijo demorado em sua
bochecha, afastando-se em seguida - Como estou? -
A loira pareceu um pouco menos tensa, divertindo-
se ao rodopiar mostrando seu traje de gala.
- Está... uau! Linda! Ela vai gostar de te ver
assim. Nem vai sentir falta da camiseta... -
Provocou a amiga.
- Não tem noção do quanto me arrependi por
ter te contado isso. - Garner revirou os olhos dando
uma boa bufada em contrariedade - Vou ter que
repetir quantas vezes que Eleanor não estava em sã
consciência? Ela nem se lembra do que houve...
- E quem te garante que não? Liv, por
favor...acha mesmo que ela tocaria no assunto?
Essa é, no mínimo, a situação mais constrangedora
que uma mulher como ela deve ter passado em toda
a sua vida. Jamais assumirá que se lembra de ter
falado na frente do pai que sente tesão por seus
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braços. E eu tenho certeza que não é só pelos


braços que a herdeira dos Conner sentiu tesão...
A comandante semicerrou os olhos, ficando
boquiaberta com os comentários deliberadamente
provocativos de Louise.
- Esquece isso. Está absorvendo todos os
problemas psicológicos dos seus pacientes. - Um
suspiro se deu quando a loira pegou o seu quepe - É
melhor eu ir de cabelo solto e prendê-lo somente
quando for subir ao palco, não?
- Com certeza. Relaxa. Você está
deslumbrante, seus pais estarão lá, eu estarei lá.
Lhe daremos todo o apoio que precisar, e se quiser
faço até alguns cartazes. - Riram - Desculpa por
ficar te espezinhando. Sabe que esse é o meu
esporte preferido, não sabe?
- É, sei. Isso se sucede já tem alguns bons
anos... - Olívia não era virginiana, mas tomava para
si algumas características do signo. Mesmo sem
necessidade, ela foi organizando tudo o que tinham
tirado do lugar para se arrumarem enquanto
conversava com a morena.
- Garner, deixa isso aí. Precisamos passar na
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casa dos meus tios ainda. - Louise, não agüentando


a mania metódica da amiga, saiu puxando-a pelo
braço.
- Meus pais, você quis dizer, não é? - Garner
retrucou, dando um tranco ao parar repentinamente
sua caminhada - Preciso da minha carteira para sair
de casa...e do meu quepe.
- Imagino o dia que casar...
- Cala a boca.
Assim que Louise a viu com os objetos na
mão, voltou a pressioná-la para que rumassem logo
até Baltimore, receosa de um possível atraso por
conta de imprevistos.
A Casa Branca jamais seria a mesma,
levando em conta sua estrutura física, bem como
sentimental. O Governo tomou cuidados extremos
para que a fachada, o interior e todo o resto que
fora destruído no dia do ataque, fossem
reproduzidos com a máxima riqueza de detalhes
possível, para que se assemelhasse com a
residência anterior. À primeira vista, seria difícil
uma análise e descoberta do que era reforma e do
que era original - o que reafirmava a competência
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dos profissionais envolvidos. Apenas uma coisa


não conseguiria ser mascarada: o sentimento de
quem vivia ali. Todos os colaboradores foram
obrigados a se submeterem a tratamentos médicos
no intuito de aprenderem a canalizar o trauma da
invasão, da visão das vítimas mortas e feridas, sem
que houvesse maiores danos psicológicos. Andar
por aqueles corredores ainda exigia esforço, ainda
causava dor e sentimentos ruins que só mesmo o
tempo conseguiria amenizar.
Por incrível que pareça, Eleanor mantinha-se
calma naquele dia, contrariando suas reações
anteriores quando precisava discursar em público
nas ocasiões de suma importância. Geralmente
ensaiava suas falas diante do espelho, antevendo as
caras e bocas que faria. Preparava-se, enervava-se
com a ansiedade que chegava a lhe causar
comichões, mas não estava assim na tarde de
outono. Sua respiração era rítmica, bem como seus
batimentos cardíacos. Talvez pudesse atribuir sua
mudança de comportamento à visita matutina que
fizera ao psicólogo da família. Mas somente
talvez... O sentimento de tranqüilidade era atípico

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em seu dia-a-dia, porém incrivelmente regozijante.


Arriscou até a cantarolar trechos de uma música
enquanto sentava-se na beirada de sua cama para
calçar o seu Chanel Manolo Blahnik preto com
detalhes em pedraria prata, combinando
harmonicamente com o blazer alongado em
alfaiataria da cor cinza.
- Will you stay with me, will you be my
love...
- Eleanor, minha filha, você já está pronta? -
As batidas na porta, bem como a voz de Beatrice,
interromperam a cantoria de Conner.
- Entre, mamãe. Está aberta! - A mais nova
pôs-se de pé, ajeitando a roupa em seu corpo.
- Elea...nossa! - A primeira-dama, que tinha
dado apenas alguns passos para dentro do quarto,
interrompeu sua investida, boquiaberta com a
imagem magnífica de sua "menina", elegantemente
trajada, além até do que a ocasião exigia - Filha,
você está...linda!
- Jura? Estou bem mesmo? - A morena sorria
um tanto quanto preocupada.
- Claro! Você está sempre ótima, mas hoje... -
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Beatrice aproximou-se um pouco mais, tomando o


rosto da filha entre as mãos, dando um beijo em sua
testa - Devemos ir. Os Henderson já chegaram, a
imprensa veio em peso, portanto, acredito que não
falta mais ninguém. David vai gostar de te ver.
Apesar do sorriso de segundos atrás ter se
esvaído de seus lábios como em um passe de
mágicas, Eleanor não deixaria que nada
contaminasse maleficamente o seu estado de
ânimo. Mostrou-se satisfeita, e até um pouco
ansiosa.
- Vamos nos apressar, mamãe. Afinal, esta é
uma cerimônia de condecoração e não um
casamento onde uma de nós é a noiva, o que
justificaria o atraso. - Riram, ao passo que, de
braços dados, irromperam as dependências da Casa
Branca em direção ao salão onde estava montada
toda a estrutura que comportaria o evento
televisionado mundialmente.
E de fato 90% dos lugares já se mantinham
ocupados. Inúmeros flashs se davam por todo o
cômodo, e os murmurinhos confundiam-se entre si.
Os agentes, como de praxe, estavam visivelmente
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posicionados em pontos estratégicos, alguns à


paisana, seguindo à risca o esquema tático de
segurança montado com zelo por Waite.
O Sr. Alexander conversava com o
governador no canto esquerdo da bancada montada
no pequeno palco, quando Eleanor adentrou com
sua mãe. Logo de cara ela circundou o local com o
olhar, fileira por fileira de cadeiras em busca de
algo... ou alguém. Foi instintivo, como se seu
cérebro estivesse programado para executar tal
ação. A frustração e insatisfação não puderam ser
disfarçadas quando seus olhos não encontraram o
que queria. Deu um longo suspiro antes de ter seu
braço direito tocado pelo Henderson filho.
- Eleanor... permita-me dizer que está
belíssima hoje. - O galanteio era peculiar do
homem que não perdia toda e qualquer
oportunidade de investir teor romântico em suas
palavras.
- Obrigada, Davis. É muito gentil de sua
parte. - Respondeu Conner, sem olhar diretamente
para ele, acenando para Judith que já tagarelava
com a primeira-dama perto dos respectivos
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maridos.
- Algum problema? Parece desinquieta...
- Impressão sua. Deve ser por que essa é a
primeira vez desde o fatídico dia em que
aparecemos oficialmente em público. Digamos que
não seja tão confortável como era antes. Muitas
coisas aconteceram, muitas coisas mudaram.
Misturando-se com as vozes diversas, outro
som pôde ser distinguido pelos ouvidos curiosos da
morena. O portal duplo de cedro maciço abria-se,
possibilitando a entrada dos Garner. A primeira a
entrar foi Nora, seguida por seu esposo e uma moça
desconhecida por Eleanor. Sentaram-se nos locais a
eles indicados, faltando apenas uma cadeira a ser
ocupada.
"O que será que está acontecendo?"
David falava algo no qual ela não prestava
atenção, uma vez que seu interesse se voltara para a
porta que ainda estava aberta, sem que ninguém
estivesse entrando.
A herdeira presidencial não se deu conta, mas
logo suas íris castanhas tomaram um brilho
diferente, emocionado, quando finalmente o
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descompasso das batidas de seu coração anunciou a


chegada de um anjo de olhos verdes e madeixas
loiras com ondas tão suaves como seu mar
particular; rosto delicado e um sorriso iluminado,
como se tivesse seu próprio sol.
Só então é que o filho do governador
percebeu que travava um monólogo. Levado pela
curiosidade, direcionou a sua visão para onde
Eleanor retinha uma íntima encarada, deparando-se
com a agente do serviço secreto que seria
condecorada naquela tarde.
O homem franziu o cenho ao reparar que
ambas as mulheres sorriram discretamente ao
cruzar de seus olhares. Intrigado, ele tentava
entender o motivo pelo qual o semblante de sua
pretendente mudou de forma repentina.
"Os sorrisos são uma carga voluptuosa para
quem os distribui e para quem os recebe. Um
coração tocado pela delicadeza dificilmente pode
sobreviver a um sorriso de ternura. Do mesmo
modo, há olhares após os quais não se é mais
capaz de decidir nada."
Enquanto Henderson ruía em certo grau de
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ciúme e inveja pela atenção não atribuída à si,


Olívia sentava-se ao lado de seu pai, ainda sob a
mira das orbes cuidadosas da filha do presidente.
- Vamos subir? - David novamente tentou
uma comunicação direta com Eleanor, indicando
com o braço direito a lateral esquerda do palco,
onde deveriam permanecer.
- Claro! Vamos.
O Sr. Alexander aproximou-se da tribuna,
dando leves batidas com seus dedos no microfone,
no intuito de verificar se estava funcionando
corretamente.
- Cidadãos americanos, hoje não falarei
somente para vocês. Peço licença para estender as
minhas palavras à população mundial. Há
aproximadamente dois meses atrás, a ameaça
terrorista evoluiu para uma nova fase. Sei que,
depois da visão do massacre, muitos estão se
perguntando se estamos sendo confrontados por um
câncer que não tem cura imediata. Nossa
diversidade, nossa herança multicultural, não é uma
fraqueza. Ela é e sempre será uma de nossas
maiores forças. Este é o país que foi atacado
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naquela tarde de agosto. Este é o país ao qual


devemos permanecer fiéis. Garanto que pedirei às
lideranças de alta tecnologia e autoridades de
aplicação da lei que tornem as coisas mais difíceis
para quem quer que queira nos atacar e fugir da
Justiça. Os culpados estão sendo punidos. Estamos
seguros. - Uma breve aclamação fez-se ouvida no
ambiente, e certamente tantos milhões de pessoas
espalhadas pelo mundo faziam o mesmo. O
presidente ergueu a destra pedindo silêncio - Essa
solenidade se dá por conta da reinauguração da
Casa Branca. Reestruturamos o patrimônio
americano tal como era antes de ser, em partes,
destruído. Existe outro motivo pelo qual estamos
aqui reunidos e em comemoração. Motivo este de
suma importância, e ao qual a minha família, bem
como a do governador Henderson, deve a vida.
Comandante Garner, por favor, queira se
aproximar. - Prontamente a loira pôs-se de pé,
caminhando e posicionando-se entre o Sr. Conner e
sua filha.
Olívia mantinha a postura ereta, mãos
cruzadas e postas na traseira de seu corpo.

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Respirava firme e forte como se estivesse inflando


o peito, o que na verdade era um exercício que
aprendera com seu antigo professor de ioga para
controlar as emoções. E eram diversas, confusas e
difusas, principalmente por estarem inebriadas pelo
perfume absoluto e elegante de Eleanor, que
expressava riqueza e feminilidade. A fragrância
tomava o ar com um acorde fresco de bergamota,
trazendo sensações agradabilíssimas aos sentidos
da comandante. Fecharia os olhos e inspiraria uma
boa quantidade de ar se pudesse, no entanto, ateve-
se à apenas umedecer os lábios, ato que não passou
despercebido pela morena.
- Ela está tão linda! - Sussurrou Nora para o
marido.
- Tenho muito orgulho de nossa filha. Muito.
- George cochichava de volta, completamente
tomado pela emoção.
- Esta é Olívia Garner. - O presidente tocou o
ombro direito da loira - Foi ela quem salvou a vida
de muitos que estavam aqui na Casa Branca no dia
do ataque. Não há qualquer margem de dúvida ou
hipótese de erro em conceder uma condecoração a
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essa mulher a quem revelou tal bravura e auto-


sacrifício. Ela não temeu em se pôr na linha de
frente do fogo cruzado. Ela não hesitou em servir
de escudo humano para proteger a integridade
física de minha filha. Eleanor... - O Sr. Alexander
alcançou uma medalha que estava no
compartimento inferior da tribuna, estendendo-a
para que a morena pudesse tomá-la em suas mãos.
Novamente aqueles olhares ávidos se
encontraram. Dessa vez a comandante não
conseguiu esboçar nenhum sorriso. Ateve-se
apenas a memorizar os detalhes delicados do rosto
da mulher à sua frente, como se já não o tivesse
feito antes. Conner, por sua vez, sorriu de canto,
brincando de adivinhar os pensamentos que se
passavam pela cabeça da loira.
"Ela inspira ainda mais poder com essa farda.
Fica tão bonita assim! O que será que Olívia está
pensando nesse momento? Será que ela tem noção
da dimensão disso tudo? Da importância do que ela
fez? Será que ela tem noção de que eu... de que sou
muito grata?"
- Vire-se, por favor. - Conner falou em tom
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baixo, quase inaudível, necessitando de leitura


labial por parte da comandante.
Segundos após se pôr de costas, Garner
sentiu um arrepio atípico percorrer todo o seu
corpo, a iniciar pela base da coluna. As mãos da
herdeira tocaram em seu peito no instante em que a
medalha foi colocada no seu pescoço. A
comandante levou a destra ao símbolo que traria
lembranças vitalícias de um dos dias mais
importantes de sua vida, fechando os olhos por
segundos, absorvendo a sensação boa que teve
naquele instante.
Novamente virou-se de frente para Eleanor,
meneando afirmativamente com a cabeça antes de
curvar seus lábios em um sorriso terno que não dera
outrora. Recebeu outro genuíno em troca, tendo os
segundos de contato visual com Conner,
interrompidos pela voz grave do presidente.
- A Medalha de Honra é muito poucas vezes
atribuída, e apenas por feitos em combate de
elevado relevo, demonstrando demasiada bravura.
Em um país que anda constantemente em guerra e
tem centenas de milhares de militares em operações
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todos os anos, é fácil notar o quão difícil se torna


alcançar tal condição. Não basta ter entrado em
meia dúzia de operações de risco, é preciso possuir
uma carreira de combatente e ter levado a cabo
situações que exigem de muita coragem. O ato
individual que a comandante Garner executou
naquele trágico dia, foi apenas um entre tantos
outros na caminhada que a trouxe até aqui. A
Medalha de Honra também está lhe sendo oferecida
pelo acumular de ações heróicas, inclusive por ser
ferida quase mortalmente. Estamos aqui,
comandante Olívia Garner, para lhe dar a mais alta
condecoração que os Estados Unidos da América
pode atribuir à uma agente federal do seu porte.
Obrigado, em nome de todos os americanos.
Não existe bem maior do que oferecer o
melhor de si para alguém. Se olharmos à nossa
volta, perceberemos que a carência humana está no
fato das pessoas terem perdido os valores imateriais
em favor dos materiais. Compra-se quase tudo hoje
em dia, mas o bem ninguém compra. Compra-se
até companhia, mas não a sinceridade. Compra-se
conforto, mas não a paz de espírito, não a

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tranqüilidade, menos ainda a felicidade. Tornamo-


nos pessoas felizes quando damos de nós mesmos.
E damos de nós quando oferecemos o que quer que
seja de coração escancarado. Guardamos bens,
guardamos sentimentos, guardamos ressentimentos.
Vivemos de aparências com as gavetas da alma
repletas de coisas inúteis, feias; morremos sem ter
aproveitado o tempo para compartilhar, com
honestidade, o bem que a vida nos oferece. Olívia
Garner havia se doado de corpo, alma e coração, e
por isso, tão somente por isso, conquistou o maior
bem que poderia ansiar: a gratidão genuína.

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Capítulo 16 – O primeiro
dia
" - Já tenho muitos problemas em minha
vida.
- Eu sou um problema para você? É isso? –
Ela aproximou-se um pouco mais. Podíamos
sentir a respiração uma da outra. Simplesmente
eu não conseguia resistir, permitindo o toque
mútuo. Era algo forte, intrínseco – O seu corpo
também me acha um problema? – Passei de leve a
mão na sua cintura, envolvendo-a nos meus
braços. Seus olhos fixos em minha boca
denunciavam o quanto queria me beijar – Beija,
Garner! – Disse – Beija logo!
De repente uma mão masculina tocou-a nos
ombros, repelindo todo e qualquer contato que
poderíamos ter.
- O que pensa que está fazendo? Ela jamais
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será sua. O coração dela pertence a mim."


Garner podia ouvir ao longe os acordes de
Can't Sleep Love. Suas pálpebras foram abrindo-se
aos poucos, preguiçosamente. Encolhida debaixo
do edredom, a loira circundou o cômodo com o
olhar, tentando reconhecer onde estava. A estafa
mental que vinha sofrendo há meses, fazia com que
seu estado de supressão de vigília e desaceleração
drástica do seu metabolismo, popularmente
chamado de sono profundo, se desse de forma
quase perigosa.
A hora de acordar estava sendo uma dor
diária pela qual ela necessitava passar. Sempre
tinha o trabalho de procurar por um toque de
despertador que não fosse agressivo demais e não a
fizesse acordar assustada, conseqüentemente, mal-
humorada, mas que ao mesmo tempo a despertasse
eficazmente.
Como se habituava a ler artigos de revistas
eletrônicas nas horas vagas, deparou-se certa vez
com uma listagem elaborada pelo Spotify e pela
Universidade de Cambridge com as melhores
"músicas matutinas". Segundo os pesquisadores, há
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dois pontos chave que transformam uma canção em


um toque perfeito para tal situação. O primeiro
deles é a batida ir crescendo gradualmente, ao invés
de explodir de uma vez, e manter-se entre 100 e
130 bpm. O segundo ponto é a letra ser estimulante
o suficiente para que o dia comece com bons
fluídos.
"Tell me am I goin' crazy?
Diga-me, estou enlouquecendo?
Tell me have I lost my mind?
Diga-me, eu perdi minha cabeça?
Am I just afraid of lovin'
Estou apenas com medo de amar
Or am I not the lovin' kind?
Ou não sou do tipo amável?
Kissing in the moonlight
Beijando ao luar
Movies on a late night
Filmes passando tarde da noite
Gettin' old
Envelhecendo

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I've been there, done that


Já passei por isso, fiz isso
Supposed to be hot
Deveria ser gostoso
But it's just cold
Mas é apenas frio
Somebody wake up my heart
Alguém acorde meu coração
Light me up
Acenda minha chama
Set fire to my soul, yeah
Coloque fogo na minha alma, sim
'Cause I can't do it anymore
Pois não consigo mais aguentar..."
Bem...uma música que fala sobre insônia de
amor talvez não fosse a melhor opção para acordar,
ainda mais depois do sonho que a comandante teve.
Porém a melodia era gostosa, e os estalidos de dedo
na abertura, contagiantes.
Mesmo com um grau elevado de simpatia
pelo ócio, Garner esticou o braço desligando o
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despertador do celular. Sentou-se na cama bufando


e ainda coçando os olhos, contrariada.
- Queria dormir só mais um pouquinho... -
Aos bocejos, levantou-se arrastando os pés até o
banheiro.
Ao mirar sua imagem refletida no espelho,
suspirou fazendo um bico manhoso.
Definitivamente aquele não era um de seus dias
mais ativos, seu cabelo estava desgrenhado e as
olheiras evidentes, mas ainda assim mantinha a sua
graciosidade matinal.
Resolveu, naquele momento, que precisava
de algum estímulo para suportar o dia, que de certo
seria longo por se tratar do primeiro na posição
efetiva de comando da equipe de segurança da Casa
Branca. Dirigiu-se até a cozinha abrindo a geladeira
para retirar o leite e algumas frutas que estavam
cortadas e acondicionadas dentro de um vasilhame.
Junto com seu suplemento alimentar, bateu tudo no
liquidificador, tomando a bebida quase em um gole
só. Em seguida, abriu a caixa de cereais,
despejando em sua boca uma boa quantidade.
Mastigava lentamente enquanto olhava para o
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colchonete de EVA, esquecido em um canto da


sala. Há tempos não se exercitava e sentia falta dos
efeitos que causava em seu organismo.
Provavelmente um dos motivos de sua preguiça
atípica era a falta de endorfina percorrendo em suas
veias.
Levando em consideração que ainda era cedo
e o tempo estava a seu favor, a loira tratou logo de
iniciar uma série de abdominais e flexões,
arriscando até algumas posições de ioga.
Após suar e esforçar-se um pouco, Liv
começou a preocupar com o horário em que
chegaria ao trabalho, apressando-se em escolher o
seu belo e alinhado blazer preto Calvin Klein com
modelagem em alfaiataria para usar na ocasião do
seu retorno à residência presidencial.
Banho, dentes escovados, os fios loiros
ajeitados em um penteado com trança lateral, algo
do qual não abria mão na maioria dos dias. Feita a
higiene e condicionamento devido de sua
aparência, a comandante rumou, um tanto quanto
mais animada, ao encontro de suas obrigações
laborais.
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Tão logo estacionou seu Honda Accord perto


da nova entrada ao sul da Casa Branca e saiu do
veículo, teve a visão de Rust caminhando em sua
direção. Sorriu amistosamente para o rapaz
enquanto travava as portas do carro.
- Bom dia! - Garner cumprimentou-o com um
aperto de mão.
- Bom dia! Preparada? - O rapaz denotava
incômodo em seu tom de voz.
- Acho que sim. E você? - Um suspiro e o
olhar baixo por parte de seu mais novo subordinado
serviu como resposta - É difícil retornar depois do
que houve. Eu sei...
- É...estou sentindo uma falta enorme dos
nossos parceiros. Dylan, Wes... - Quando ouviu o
nome de seu amigo, um nó formou-se na garganta
de Olívia, no mesmo instante em que teve que
esforçar-se para que seus olhos não marejassem.
- Mosby era de uma competência e
perspicácia invejáveis. Fará muita falta. - A loira
franziu o cenho lembrando-se de um fato curioso -
Rust, eu não estou bem inteirada do assunto, então
minha curiosidade está aguçada. Sabe me dizer se é
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verdade que não conseguiram identificar o corpo


dele?
- Waite havia nos dito que alguns corpos
estavam em um estado tão deplorável que ficou
praticamente impossível saber quem era. Pelo visto,
Mosby estava próximo da área que explodiu na
cozinha e... - O agente prendeu a respiração,
fechando os olhos por alguns segundos, meneando
a cabeça negativamente como se quisesse espantar
certas lembranças.
- Ele ia querer que fizéssemos um bom
trabalho honrando o seu nome. - A comandante
tocou no ombro esquerdo de Rust, incitando-o a
caminharem para dentro das dependências da
residência - E falando em Waite... tem visto ele
freqüentemente?
- Não. Já faz uns três dias que não o vimos
por aqui, mas conversamos por telefone ontem à
noite. Por que? Algum problema?
- Ah, não. É que venho tentando falar com
Michael, mas parece que nossos horários não
coincidem. Tentarei ligar para o escritório mais
tarde. - Liv mordeu o lábio matutando sobre o
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assunto. Não tinha certeza, mas sua intuição a


levava a crer que seu ex-comandante estava
evitando contato
Provavelmente era só impressão, e torcia
sinceramente por isso.
Ao seguir pelos corredores, indo em direção à
sala onde estavam os outros agentes, Garner sentiu
calafrios, arrepios que percorriam seus membros de
forma macabra. Certa de que traumas ganham força
toda vez que são lembrados, ela sabia que seria
necessário quebrar o ciclo das revivências. Era
preciso rejeitar e parar as memórias ruins assim que
elas surgissem na sua mente, pelo menos até que
fosse adquirida a capacidade de elaborar e
resignificar essas imagens e sensações. Isso levaria
tempo, e um tempo impreciso.
- Pessoal, vamos dar as boas vindas à nossa
nova comandante. - Olívia sorriu ao ser saudada
com palmas empolgadas.
Assim que o barulho foi cessando, a loira
pôde tomar a palavra para si.
- Bom, eu não vou me estender demais. É
com muita emoção que passo a ocupar essa função
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com responsabilidades tão importantes. Recebo


essa incumbência como uma missão e uma benção,
e agradeço a Deus por isso. Tenho a convicção que
nada acontece por acaso e existe em tudo um
propósito. Esperem de mim a garra, a dedicação, a
vontade de fazer a diferença. Muito me honra a
confiança em mim depositada, mas não me
envaideço e tampouco me assustam os encargos da
função. Espero contar com cada um de vocês, pois,
sob o meu comando, ninguém aqui será tratado
individualmente. Somos uma equipe e vamos
trabalhar como tal. - Mais aplausos se deram,
fazendo Garner sorrir cordialmente em
agradecimento - Acho que agora, sem mais
delongas, devemos falar de trabalho. Temos uma
visita do presidente e da sua família à Cuba. Alguns
dos nossos agentes e os policiais locais já estão
espalhados pelos pontos do roteiro do Sr.
Alexander. Quero que pelo menos vinte de vocês
fiquem à paisana nos arredores da Catedral de San
Cristóbal, que é onde os Conner farão sua primeira
aparição.
- Só... tem um pequeno detalhe...

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- Que detalhe, Rust? - Olívia o encarava de


sobrancelha erguida, curiosa.
- Parece que a Srta. Conner acordou passando
mal. Alguns minutos antes de você chegar, um dos
seguranças do segundo andar foi até o dormitório
informar que o presidente saiu do quarto da filha
dizendo que ela não iria mais e que a comandante
deveria tomar as devidas providências para integrar
o seu trabalho aqui junto com o do Waite lá em
Cuba.
- Oh... - A surpresa era evidente no semblante
da loira - Por que não me informou assim que pus
os pés aqui?
- Desculpa, mas... não estava no contexto da
conversa e...
- Ok, ok, ok... - Garner espalmou as mãos
sobre o tampo de madeira da extensa mesa
localizada no centro do cômodo. Respirou
profundamente buscando por paciência. Logo em
seu primeiro dia estava sendo colocada à prova
com um desleixo de um dos agentes. Deveriam ter
comunicado o fato de imediato para que ela
pudesse pensar com mais precisão em uma
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alternativa para o novo esquema tático. Se bem que


não haveria alterações drásticas. Somente ao invés
de ir, ela teria que ficar para acompanhar os passos
de Eleanor. De resto, tudo poderia manter-se da
mesma maneira - Tudo bem...vamos focar aqui.
Espero que isso não ocorra novamente. Toda e
qualquer informação deverá ser reportada a mim à
priori.
A comandante ordenou as devidas
incumbências aos seus subordinados, repassou
minuciosamente as devidas instruções a cada um
em individual, mesmo sabendo que eles estavam
enfarados de tanto ouvir a repetição do protocolo.
Era praxe, não havia como fugir disso. E eles
entendiam e respeitavam.
Conheciam as diferenças entre o comando de
um homem, e agora, uma mulher. Usavam disso
como uma ferramenta indispensável no campo do
trabalho, lidando com a diversidade, a solução de
conflitos e a comunicação entre eles. Mantinham a
equipe voltada para a busca de soluções e dirigiam
a atenção para uma meta comum: o sucesso da
organização.
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Após dispensar todos à suas tarefas, Liv,


quando deu por si, estava caminhando apressada
pela rota que dava até o quarto de Eleanor.
Interrompeu seu ato já no corredor há poucos
metros da porta. Deveria, por obrigação, saber
como andava o estado de saúde da morena, até
mesmo para solicitar reforços caso fosse necessário
uma saída emergencial até o pronto socorro. Não,
não era obrigação. Se o fizesse seria por conta
própria, nada atribuído às suas atividades laborais.
Olívia mordeu o lábio, pensativa, ponderando se
deveria chamar por Conner ou não. Estava com a
destra erguida, pronta para bater na porta, mas
vacilava na ação. Poderia parecer invasiva, poderia
parecer um monte de outras coisas que seriam
indevidas. Mas ela precisava saber, precisava
verificar se Eleanor carecia de algum auxílio.
Tentou se convencer de que sua atitude se dava por
um ato de compaixão sabendo que a mulher mais
velha não tinha por perto ninguém que a pudesse
amparar, pelo menos não naquele momento, e ainda
mais com os pais embarcando para outro país.
Sorriu com a graça que encontrou em seus
pensamentos, como se a herdeira fosse uma criança
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que inspirasse cuidados. Talvez no fundo era isso


que se sucedia, talvez ela só precisasse de um
pouco de atenção por parte de outrem.
Sem sequer imaginar o que se dava do lado
de fora de seu quarto, Conner saía apressada da
janela, após ver seus pais partindo. Um conjunto de
moletom cinza, bem como seu par de tênis e um
boné dos Red Sox - que ganhara no verão passado
em um jogo que assistiu com o seu pai - estavam
separados sobre uma bancada no closet.
A filha do presidente não estava doente de
verdade, fingia estar. Havia planejado essa fuga do
compromisso tão logo ficou sabendo da viagem.
Aproveitaria o ensejo para pôr em prática algo que
sempre quis fazer, mas sempre também lhe faltou
coragem: quebrar as regras.
Pouco tempo depois do término da
solenidade de reinauguração da Casa Branca, ainda
quando toda a família Conner permanecia em
confraternização tomando um chá com os
Henderson, Eleanor simulou um mal estar para que
os sintomas mais graves exibidos futuramente
fossem críveis. Em seus aposentos, ela tentava
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puxar da memória seus trejeitos quando o período


de alguma doença anterior lhe abateu, canalizando
e imitando as sensações. Usando um corretivo
verde, esfregou-o nas bochechas e na testa para
parecer pálida, pegando até a si mesma de
sobressalto ao olhar-se no espelho, tamanha a
perfeição que a farsa tinha ficado.
Beatrice, como mãe zelosa que sempre se
mostrou ser, quis cancelar também a sua presença
no evento para que pudesse cuidar de sua menina,
mas a morena foi categórica em suas
palavras: "Temos empregados competentes,
médicos à disposição e não é como se eu estivesse
à beira da morte. Jamais me perdoaria se a fizesse
perder uma viagem com o qual sonhou por meses
em fazer. Não me dê esse desgosto, mamãe.".
Assim sendo, após insistência de ambas as partes, a
primeira-dama se deu por vencida, conformando-se
em acompanhar o marido e deixar a filha sob
cuidados de terceiros.
Eleanor, por conta de sua inteligência
apurada, sempre se mostrou sagaz em demasia.
Para que ninguém desconfiasse de seu intento,
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tratou de cuidar dos mínimos detalhes da mentira.


Sua atitude soava um tanto quanto infantil se
observada de um ângulo onde se ignorasse todas as
circunstâncias que a levaram a tal providência, mas
só ela sabia o quanto lhe custaria as conseqüências
que teria que sofrer somente para passar alguns
minutos sendo ela, sem as rotulações que o peso de
seu nome lhe impunham.
Estava a vestir-se quando batidas suaves na
porta interromperam seu ato. Pé ante pé, a morena
caminhou até o centro do quarto.
- Quem... é? - Forçou o tom sofrido em sua
voz.
- Hã...Srta. Conner, é a agen...a comandante
garner. Vim verificar se precisa de alguma coisa. -
Liv ainda se atrapalhava com a nomeclatura de seu
novo cargo. Tudo aconteceu tão repentinamente
que o costume demoraria um tempo há mais.
- Só... um minuto. - Eleanor fez careta
prendendo o ar ao ter seu plano cessado
temporariamente - Droga! - Balbuciou baixo,
somente para si. Olhou em volta em busca de uma
solução imediata para aquele problema. Sorriu
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mordendo o lábio ao ver um roupão longo jogado


na poltrona próxima à cama. Vestiu-o, enfiando seu
corpo debaixo do edredom, fingindo a apatia de
uma doença qualquer - Pode... entrar...
A herdeira mirou a porta que, lentamente, foi
se abrindo, revelando aos poucos a imagem da loira
vestida em um terno muito bem alinhado.
- Desculpe-me pela intromissão. Eu só... quis
me certificar de que estava tudo bem. - Olívia
reteve-se a poucos passos para dentro do cômodo.
- Pode se aproximar, Garner. Acredito que o
que eu tenha não seja contagioso. - A morena
simulou fraqueza e tontura ao levantar-se devagar,
caminhando a passos lentos até a cadeira. Perdeu o
equilíbrio propositalmente ao tentar arrastá-la,
obrigando a comandante a correr em sua direção
para ampará-la.
- Não deveria se levantar. - Estando a uma
proximidade mínima, a mais nova pôde observar
algo atípico em uma pessoa moribunda: seu rosto
tinha traços de maquiagem.
"Será que nem doente ela deixa de ser
vaidosa? Ou isso não é bem vaidade?" Estreitou os
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olhos, ao passo que conduzia a filha do presidente


até sua cama.
- Estou bem. Não se preocupe. Deve ser uma
gripe ou algo parecido. Quem sabe uma virose? -
Conner deveria ser cordial, não se apressando em
expulsar a visita de seu quarto para que ninguém
desconfiasse de nada.
- Seus pais acabaram de sair.
- É... vieram se despedir.
- Não acha mais conveniente chamar um
médico? Talvez se tomasse um antigripal o
incômodo cessaria mais rápido.
- Oh, não é preciso. Ficarei de repouso. Mais
tarde pedirei para que me façam um chá medicinal.
- Certo... - A loira observava atenta a cada
detalhe da mulher, franzindo o cenho ao estranhar o
fato dela estar vestida com uma calça por baixo do
roupão. Soube disso no instante em que Eleanor
ergueu a coberta para aninhar-se debaixo dela em
um maior conforto - Deve ficar mesmo na cama. Se
precisar de algo, não hesite em me chamar.
Estamos com o efetivo reduzido, mas minha
obrigação é estar a seu inteiro dispor.
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- Muito obrigada, comandante. - A mais


velha sorria amavelmente.
- Até mais ver, senhorita. - E com um menear
afirmativo, Liv retirou-se do quarto, fechando a
porta atrás de si.
Quando se viu sozinha, a loira sorriu
incrédula com a idéia que lhe passou pela mente.
Era deveras absurda, mas seria completamente
plausível, haja visto as evidências que acabara de
descobrir.
Descendo para o piso abaixo, Garner
comunicou-se com um de seus subordinados,
pedindo que executasse uma tarefa qualquer em
uma ala distante daquela. Precisava ficar só, não
arriscando que outra pessoa visse o que
provavelmente aconteceria. Agilmente, a loira
posicionou-se no vão debaixo da escada,
aguardando pacientemente a confirmação de suas
suspeitas.
E não demorou muito para que isso
acontecesse. Dado o tempo que julgou justo para
que a comandante se entretece em alguma tarefa,
Eleanor saiu de seu quarto tal como uma bandida
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fugitiva. E de certa forma era assim que se sentia.


Com o máximo de cuidado, prestando
atenção aos mínimos detalhes e possíveis
movimentos à sua volta, a morena seguiu devagar
por uma "rota de fuga", como chamavam. Era um
caminho alternativo que dava para a área do jardim,
próximo ao espaço delimitado para visitas externas,
novo, conhecido a pouco, depois da reforma da
residência. Se atravessasse esses metros, a herdeira
presidencial, em poucos minutos, poderia misturar-
se com os visitantes, ganhando a sua tão sonhada
liberdade. Sua esperteza poderia ser classificada
como admirável, no entanto, Conner não esperava
que alguém fosse um tanto quanto mais perspicaz
do que ela.
Liv, astutamente, permitiu que a morena
avançasse um pouco no caminho, seguindo logo
atrás. Pareciam brincar de gato e rato, o que a fazia
rir internamente da situação.
Em um dado instante, quando a mais velha
estava quase alcançando a área de visitação, a loira
adiantou-se silenciosamente, parando bem na
retaguarda de sua protegida.
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Primeiro deu-se um pigarro, depois a fala que


fez Eleanor paralisar sobressaltada.
- Aonde pensa que vai, Srta. Conner?
Procurando por um médico? - Seu tom era
divertido, e a comandante teve que fazer um
esforço enorme para engolir a gargalhada.
Demorou alguns segundos para que a mais
velha recobrasse os sentidos e esboçasse alguma
reação que não fosse a surpresa evidente.
- Eu...eu... - A morena gaguejava,
constrangida com o flagra. A mulher à sua frente
mantinha o semblante ameno e vitorioso, o que a
enervou em conjunto com seu plano sendo abortado
- Como... como soube?
- Deseja que eu liste em ordem alfabética?
- Eu ordeno que saia da minha frente
imediatamente. - Foi a única fala que lhe veio em
mente no momento - Exijo que dê meia volta e
esqueça o que acabou de ver. - E ali estava a
Conner mandona, impositiva que Olívia conheceu
outrora. E se a situação não fosse tão cômica,
provavelmente a loira tomaria outra vez aquele tom
de voz como insulto.
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- Senhorita... - A morena ergueu o sobrolho,


fazendo a comandante engolir em seco por nenhum
outro motivo que não fosse o esforço enorme que
fazia para não gargalhar - ... Eleanor...sabe que não
posso fazer isso, portanto, sugiro que retorne para o
seu quarto. - Garner tocou no ombro da mais velha,
indicando pelo gesto, o caminho que deveria
retomar.
- Está brincando?
- De maneira alguma. Está bem claro o que
houve, digo, sua "doença", e sinto muito se suas
intenções não puderam ser concluídas...
- Não foram por culpa sua! Você é uma
idiota, sabia? - A herdeira esbravejou, virando-se
abruptamente em direção à residência. Andava tão
depressa que a loira teve que dar uma pequena
corrida para alcançá-la.
- Eleanor, espera. Sinto muito, sabe que uma
saída sozinha está fora de cogitação. Não sou eu,
nem ninguém que te impede por implicância. São...
os protocolos de segurança.
- Protocolos de segurança! Protocolos de
segurança! - Conner falava alto e, já dentro de um
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dos salões da Casa Branca, parecia estar gritando


devido à acústica do local - Sabe quantas vezes
ouvi isso em toda a minha vida? - A morena
voltou-se para Liv, que franziu o cenho de imediato
ao ver lágrimas escorrendo pelo seu rosto. A filha
do presidente estava brava, de fato, no entanto, os
olhos um pouco avermelhados pelo choro,
denotavam que não era uma raiva comum, como a
que a comandante percebeu nas mesmas íris alguns
meses atrás quando foi "expulsa" da equipe de
segurança. Era uma raiva intrínseca, dolorida - Por
que fez isso comigo?
- Eleanor, eu já lhe expliquei que...
- Não! Você me encorajou a ser livre e
agora... está me prendendo?
- Eu lhe encorajei a cometer essa loucura? Eu
nunca disse nada sequer parecido para você.
- Você confessou que fantasia ser uma super-
heroína para lidar com os seus medos. E funciona.
Olhe para si mesma! Funciona, funciona bem. Eu
nunca enfrentei nada! Medos? Eu sempre me
escondi de todos eles como uma criança que se
enfia debaixo da cama por causa do monstro no
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armário. Você me disse para eu não mutilar a


minha vida aqui na Terra. Eu nunca tinha
conhecido ninguém tão corajosa como você e...
droga! - Eleanor levou ambas as mãos à cabeça -
Era para eu ter morrido, era para tudo isso ter
acabado, mas você não permitiu. Ah, disse também
que nada é por acaso. Você me encorajou sim,
Garner, me encorajou a fantasiar que posso ser
alguém comum, que posso viver e não só existir.
- Eleanor... - Olívia deu dois passos para
frente, com a morena recuando a mesma distância
avançada, ao instante em que limpava as lágrimas
que já embaçavam a sua visão.
- Eu me sinto uma idiota por ter que fingir
doença aos trinta e tantos anos. Eu me sinto uma
idiota por chegar nessa idade e ter que fugir de casa
como uma adolescente de castigo. Já pensei nisso
milhares de vezes, mas nunca tive bravura
suficiente para seguir adiante. Havia até me
esquecido de tantos planos mirabolantes que já
rondaram a minha mente. Hoje, pela primeira vez,
fui mais longe do que enfiar meia dúzia de roupas
em uma mochila e dormir no quarto de hóspedes
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para ter a sensação de que estava em um mundo


completamente diferente do meu. - Aos poucos o
esbravejar cedeu espaço para a melancolia. Conner
sentou-se no primeiro degrau da escada, mirando
um ponto qualquer no chão. A loira parecia manter-
se em um transe momentâneo com toda a cena e
desabafo que se dava à sua frente. Seu coração
batia acelerado, um nó formou-se em sua garganta
e ela não sabia o porquê, mas a única vontade que
tinha naquele instante era de abraçar bem forte a
mulher chorosa. Ateve-se apenas a sentar ao seu
lado, suspirando profundamente chateada. Queria
falar, porém optou por deixar a herdeira externar
todos os seus sentimentos ruins primeiramente - Eu
sou uma farsa. Na frente das câmeras, nos
discursos, entrevistas... minto dizendo que sonho
em seguir os passos do meu pai na carreira política,
quando no fundo, meu sonho é poder andar de
mãos dadas com alguém no parque sem ter dois,
três brutamontes atrás de mim vigiando cada ato
meu; é sair para passear com os meus cachorros;
fazer compras em um supermercado para o almoço
de domingo; andar de bicicleta livremente por uma
ciclovia; pilotar uma moto. Deus, como eu queria
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pilotar uma moto! Eu ia fugir hoje, mas iria voltar.


Só queria dar uma volta, tomar um sorvete sem
chamar a atenção. Só isso. - Eleanor levantou-se,
subindo alguns degraus.
- Ei, espera, por favor! - Garner apressou-se,
impedindo a morena de se afastar ainda mais, ao
tocar em seu braço - Eu...eu sinto muito, muito
mesmo. Não posso dizer nem que imagino o que
sente porque eu jamais poderei sequer aproximar-
me desses sentimentos que habitam dentro do seu
íntimo. Somos completamente diferentes uma da
outra, em praticamente todos os sentidos, mas isso
não me exime de ser complacente com o seu pesar.
Não faço idéia do quanto essa solidão te machuca,
nem posso mudar a situação e arrancar o mal do
seu peito. Eu só quero que entenda que eu ofereci a
minha vida para salvar a sua. É a minha função te
proteger. Não posso falhar nessa missão.
- Eu... sou uma missão? - Novamente os
olhos de Conner marejaram.
A comandante teve que fechar as suas
pálpebras por alguns segundos quando sentiu seu
lábio tremelicar anunciando a emoção que teimava
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em transbordar. Também vivia uma mentira. Seu


semblante sisudo no trabalho passava a impressão
de insensibilidade. Olívia mantinha-se a maior
parte do tempo sob aquela máscara, porém, por
debaixo, morava uma mulher boa, amorosa e
simplória por natureza.
- Não, não foi isso o que eu quis dizer. -
Novamente a mais nova voltou o seu olhar para a
filha do presidente - Eu juro que...se eu pudesse... -
"Concederia todos os seus desejos", pensou, mas
não pronunciou.
Eleanor suspirou entendendo que, como
sempre, ninguém podia fazer nada por ela.
- Eu vou para o meu quarto.
"Liv, não permita isso!" A consciência da
loira falava com ela.
- Espera! – Garner prendeu o ar, segurando
junto a coragem repentina, para que a mesma não
fugisse - Quer...companhia? Não pode sair sozinha,
mas podemos... colher flores no jardim, explorar as
novas rotas da casa, comer um sanduíche de pasta
de amendoim com coca-cola. Podemos... quebrar
algumas regras... - "Só sorria de novo, por favor". E
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como se ouvisse os pensamentos da comandante,


ela sorriu. "Isso!".
- Podemos jogar baralho e... dançar?
- Ah, não, não, não. Eu não sei dançar. -
Conner tombou a cabeça para o lado, erguendo a
sobrancelha esquerda - Está bem. Você venceu! -
Liv bufou alto - Depois não reclame que pisei no
seu pé.
- E quem disse que vou querer dançar a dois,
à duas, no caso?
- Não?
- Já que insiste, comandante Garner. - A loira
riu, meneando a cabeça negativamente.
- Por onde iremos começar? - Sem responder,
a mais velha deu meia volta, retomando a subida da
escadaria - Onde está indo?
- Iremos começar comigo trocando de
roupa... e você também. Seu terno é lindo, mas
colher flores com alguém usando gravata não me
soa muito agradável. - A careta que fez, arrancou
outro riso breve de Olívia - Me encontre no salão
de jogos em dez minutos. - Mais dois degraus

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subidos e nova interrupção do ato - Garner?


- Sim?
- Por que está fazendo isso?
A loira, que se mantinha de costas até então,
virou-se para encarar os olhos castanhos que
detinham novamente um brilho vivaz. Ergueu os
ombros, inflando o peito, pensando na resposta.
- Eu tenho momentos ruins, mas sempre
experimentei uma dose de felicidade todos os dias.
E agora, com o que me disse, percebi que não é
grande esforço te dar o que tanto deseja. Você é
capaz de ser feliz com coisas tão pequenas,
Eleanor. Se eu não posso permitir que saia livre de
companhia, posso ao menos tentar fazer o meu
melhor... aqui, na sua casa.
Tempo e dedicação. São as duas coisas mais
valiosas que alguém pode doar a outrem. São
presentes tão caros como a pulseira da Vivara, o
Rolex ou os vários vestidos Diane von Furstenberg
que Conner tinha pendurados no closet. A morena
já havia ganhado infinitos itens de preços
exorbitantes, mas nenhum de valor inestimável
como flores, brigadeiro e risadas. O relacionamento
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entre ela e Garner não tinha iniciado com o pé


direito, contudo, sempre é hora de recomeçar. A
herdeira reconheceu um erro e pediu desculpas. A
comandante aceitou. Ambas estavam prontas para
se livrarem dos resquícios de impressões ruins e
assim fariam.
Olívia foi até o dormitório trocar de roupa
conforme o combinado. Quando tirava o blazer, foi
tomada por um pensamento que a princípio pareceu
extremista, mas que também era plausível.
- M2, cubra a saída oeste e sul, por favor,
agora.
Não que desconfiasse de Conner. Sim,
desconfiava. No entanto, a base sólida de confiança
de qualquer relacionamento jamais é construída em
instantes repentinos.
Nos dez minutos combinados, a mais nova
estava de prontidão na sala de jogos. Passaram-se
quinze, vinte minutos e nada de Eleanor. "Onde ela
está?" Foi só pensar, que a voz de timbre rouco da
morena foi ouvida.
- Garner, pode vir aqui, por favor? - O som
vinha do lado de fora do salão. A loira seguiu a
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mulher até uma pequena porta lateral, que dava


para a área externa dos jardins traseiros - Ordenou
que vigiassem as saídas? - A comandante ficou
boquiaberta com a interpelação, mas não se
intimidou.
- Sim. Como sabe disso?
- Tentei sair.
- Ah... se quer saber por que fiz isso, aí está!
Ia mesmo me enganar, abusando da minha boa
vontade para contigo? - Conner estreitou os olhos
para a indignação sem sentido da outra.
- Não tentei sair para o que está pensando... -
A mais velha bufou - Ted, Billy... - Os cães
correram afoitos a fazer festa perto das mulheres.
- Oi. - Liv acarinhava os pêlos de ambos os
animais que latiam vigorosamente. Seu sorriso era
incrédulo e seus movimentos um tanto quanto
desconexos pela falta de traquejos com os bichos -
Eles... não tinham sumido durante a confusão do
ataque?
- Sumiram sim, mas parece que alguém que
estava como espectador daquela tragédia acabou os
encontrando, e depois de uma generosa
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recompensa, devolveu os meus amores. É... nós


voltamos para a mamãe! - Eleanor imitava a
entonação infantil, arrancando uma breve risada da
mais nova - O que foi? Disse algo engraçado?
- Não. Seu jeito com eles...
- É o mesmo jeito que você tem com o fofo
do seu irmão. Aliás, como ele está?
- Bem... muito bem. Obrigada por perguntar -
A loira havia arrancado o galho de um arbúsculo
que crescia ali perto e estava brincando com o
mesmo até que Bill resolveu que queria brincar
também, abocanhando o objeto, quase atingindo a
mão de Garner - Billy! - Ela ralhava, ao passo que
o pet pouco se importava, balançando o galho de
um lado para o outro, como se fosse arrancá-lo da
posse da comandante.
- Ele quer brincar. Jogue ou corra. Esse
garotão não te dará sossego enquanto não o fizer. -
Conner detinha um sorriso divertido nos lábios ao
apreciar a desorientação da mais nova.
- Está falando sério?
- Claro. Quer ver? - A filha do presidente
arrancou outro galho, tirou os saltos, correndo
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alguns metros no gramado à sua frente - Ted...vem


menino!
Olívia optou por lançar o "brinquedinho" de
Billy o mais longe possível, fazendo o cachorro ir e
vir repetidas vezes. Quando deram por si, ambas as
mulheres e os animais se divertiam como se aquilo
fosse a coisa mais interessante do mundo. E de
certo modo era. O exercício matinal dos cachorros
fora feito com louvor, cansando aos quatro.
Ofegante e descalça, Eleanor resolveu entrar
pela área que dava diretamente para a cozinha.
- Já sente fome? - Garner indavaga, enquanto
adentravam o cômodo.
- Se Pauline estivesse aqui, há essa hora já
estaria me atormentando para que eu sentasse à
mesa.
- Sinto muito por ela. - Elas suspiraram
saudosas quase ao mesmo instante.
- Eu também. Ela era bem entediante por
vezes, mas... Pauline tornou-se uma amiga, a única
verdadeira.
- Eu também perdi um grande parceiro.

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- Mosby, não?
- É, ele mesmo. Como sabe?
- Já trabalhava conosco há um tempo. Muito
competente.
- Muito. Eu tinha inveja dele às vezes...
- Por que? - A mais velha estreitou os olhos
rindo, e só então, quando ouviram um pigarro é que
se deram conta de que conversavam aberta e
tranquilamente na frente dos empregados da
cozinha.
- Srta. Conner, desculpa interromper, mas
gostaria que o almoço fosse servido agora? - A
cozinheira chefe cessou aquele diálogo mesmo sob
grande constrangimento.
- Oh, sim. - A herdeira caminhou até a
geladeira pegando duas garrafas de água - Pode pôr
a mesa para duas pessoas. Tenho uma convidada.
- Ele... - Olívia engoliu em seco quando
percebeu a forma como estava se dirigindo à filha
do Sr. Alexander na frente dos demais - Srta.
Conner, podemos falar em particular por um
instante?

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- Claro! - As duas cruzaram a porta tomando


o espaço do corredor.
- Não me informou que alguém viria aqui.
Está chegando? Quem é? Existem protocolos,
procedimentos a serem tomados que...
- Nossa... você tem fixação por protocolos,
heim? - Conner bufava alto - Não avisei porque não
tem o que avisar. Não vem ninguém aqui. Minha
convidada é você.
- Eu? Ah, não. Não posso.
- E eu posso saber por que não?
- Porque sou a chefe de segurança e você a
filha do presidente Conner. Meu dever é preservar a
sua integridade física e não fazer uma refeição
sentada à mesa contigo.
- Isso é uma das regras?
- É... - Respondeu a loira um tanto quanto
vacilante - Eu tenho agentes subordinados a mim.
O que diriam se...
- Eu entendi. Você tem razão. Desculpe-me,
foi um lapso. - Eleanor deu meia volta retornando
para a cozinha - Mudança de planos. Estou com

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muita fome, então... mandem o menu duplicado


para o meu quarto. Eu não estava me sentindo bem
há instantes atrás e... parece que o mal estar
retornou, portanto, não ficarei na sala de jantar. Ah,
suco natural... muito suco. - A herdeira saiu do
cômodo e, passando por Liv no corredor, apenas
sussurrou - Vamos almoçar no meu quarto.
Ninguém verá e não teremos que lidar com a ética
profissional. - Após a pequena interação, a morena
evadiu-se dali, imponente como sempre, festejando
internamente por mais uma vez ter conseguido o
que queria.
E assim fizeram. Mesmo a contragosto,
Garner almoçou dentro dos aposentos da Srta.
Conner, acompanhando-a. Deveriam dar o braço a
torcer, pois, contrariando as expectativas, foi uma
das melhores refeições informais que as mulheres
tiveram. Riram das situações contadas sobre os
jantares de gala, das gafes cometidas nos comícios,
apreciaram o sabor de um supremo de frango
grelhado e se deliciaram com o famoso iogurte
grego que a família presidencial adorava como
sobremesa.

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Nesses minutos de conversas fúteis, ambas


descobriram muito uma da outra, sem precisar
daquele questionário interrogativo enfadonho que
as pessoas insistem em fazer quando vão conhecer
umas às outras. Por exemplo, Garner soube o
quanto havia se enganado com relação ao gosto
musical da mais velha. Era adorável a sua coleção
de vinis dos maiores nomes do jazz internacional,
com alguns títulos raros pelo qual a comandante
daria, poeticamente, a vida para possuir. Eleanor,
por sua vez, de maneira ardilosa, percebeu que
Olívia não gostava de comentar sobre seu passado,
mas se derretia ao falar da família. Usando dessa
arma, foi que a convenceu a passar a tarde
experimentando roupas e tirando selfies como duas
amigas adolescentes em férias. Tudo o que fizeram
poderia ser classificado como demasiadamente
estranho, atípico, uma vez não tinham intimidade
para tal, as atitudes não condiziam com suas
personalidades aparentes e o abismo profissional
imperava entre elas. Estava tudo errado: a filha do
presidente e a comandante do Serviço Secreto, que
tratava de sua segurança particular, gozando juntas
de momentos de descontração, mesmo à princípio
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se conhecendo à tão pouco tempo e travando certa


antipatia uma pela outra. Mas ali não se tratava da
Eleanor Conner dos noticiários, aquela que,
carrancuda, tinha uma relação de amor e ódio com
seus empregados e demais seres de sua
convivência; aquela que, por vezes, poderia ser
mais arrogante, mandona e repulsiva que os
carrascos dos tempos antigos. Nem Garner era o ser
metódico e sisudo de sempre, acima da lei e de
princípios morais muito bem alinhados; a
competente profissional que jamais saía da linha.
Ali eram apenas dois seres humanos livres de
convenções sociais, amarras hierárquicas e
qualquer outra máscara. Eram apenas, Olívia
Garner e Eleanor Conner.
E foi abusando do prévio conhecimento um
pouco mais aprofundado do íntimo da mais nova, é
que a herdeira presidencial persuadiu-a a tomar um
drink no escritório do andar inferior. O mobiliário
passava a sensação de seriedade, com uma mesa
grande de madeira maciça rústica e cadeiras de
couro na lateral direita. Os tons claros contrastando
com escuros davam o toque moderno ao ambiente,

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que contava também, além das obras de arte como


decoração, com um conjunto de estofado em tecido
suede e uma enorme estante que ocupava todo o
espaço da parede ao fundo.
A morena servia os copos quando
esvaziavam com um Macallan Louise, motivo de
risada entre elas.
- Lembra que eu te disse que tinha uma
amiga que era psicóloga?
- Acho que sim. Vagamente. - A voz
arrastada denotava o excesso de álcool que se dava
em ambas.
- Louise. Ela ia gostar de saber que a estamos
bebendo.
- É mesmo? Sua amiga então é bem gostosa e
faz o tipo do meu pai. Esse é o destilado preferido
dele.
A loira, tomada pelo efeito da bebida, sentia
um calor descomunal. Deixou o copo na mesinha
de centro, sobre o pequeno aparador, e tirou a sua
jaqueta de couro vermelha, repousando-a ao seu
lado no sofá enquanto ouvia Conner comentar
sobre a relação de Louise com o wisk. Dois
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gatilhos se deram naquele instante, quando a mais


velha prendeu o ar, mantendo-se boquiaberta por
alguns segundos ao lançar um olhar malicioso para
o corpo da comandante, o que não passou
despercebido por mais que pensasse na discrição de
seus atos. Tanto uma quanto a outra, estreitou os
olhos em uma encarada de desconcertar qualquer
mortal. Ficaram sérias repentinamente, mas não
interromperam o contato visual. Em suas mentes
circulava a mesma lembrança: o dia do maior
constrangimento pelo qual Liv passou em toda a
sua vida, e agora o de Eleanor. Olhavam-se, como
se aquilo fosse um desafio silencioso, onde a
primeira a vacilar seria a primeira a sofrer uma
conseqüência.
- Você se lembra do dia em que fui até o seu
leito no hospital para saber como estava após a
cirurgia? - E foi a comandante, cheia de coragem e
ousadia que seu estado alcoolizado lhe oferecia,
que acendeu o estopim com seu comentário.
Somente ali é que as íris castanhas desviaram-se
das esmeraldas, demonstrando todo o
constrangimento que se dava em Eleanor - Se

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lembra ou não? - Ela insistia. Seu sorriso malicioso,


aquele de canto, indicava o divertimento com o
rubor na face da filha do Sr. Conner.
- Acho melhor subirmos. Está bem tarde. - A
morena levantou-se e, ao segundo passo,
desequilibrou em seus saltos, tendo que amparar
suas mãos no encosto do estofado.
Garner, por sua vez, não se fez de rogada,
pondo-se de prontidão para auxiliá-la.
- Vem. Eu te ajudo. - Vestiu rapidamente a
jaqueta, colocando-se ao lado de Eleanor na
caminhada pela rota 3 - a mais "deserta" - até o
andar dos quartos - Pronto, está entregue.
Havia vergonha exalando dos poros de
Conner. Seu semblante era de um enfurecimento
diferente. Não conseguia mais olhar para a loira,
mal conseguia estar perto dela. Os pequenos flashs
se davam até completarem todo o filme em sua
cabeça com os detalhes libidinosos do momento em
que se rasgou em elogios ao corpo atlético da
comandante. Se pudesse apagaria aquele dia de sua
vida, apagaria Liv e os efeitos ambíguos que
causava.
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- Obrigada. - Ateve-se apenas a uma única


palavra, abstendo-se de quaisquer outros
comentários sobre o dia maravilhoso que tiveram.
Abriu e fechou a porta em segundos, fugindo
da figura que lhe provocava deliberadamente só por
sua presença no mesmo ambiente.
A loira não tinha dado dois passos em direção
à escadaria quando ouviu o grito estridente de
Eleanor. Entrou de supetão nos aposentos da mais
velha, ofegante pelo susto, encontrando-a parada no
centro do cômodo com as mãos na boca, olhando
fixamente para a sacada.
- O que aconteceu? - A comandante adiantou-
se, verificando o local em busca do motivo do
susto. Virou-se de frente para Conner que
aparentava pavor no olhar - Tinha alguém aqui?
Por favor, fala comigo. - Olívia levou as duas mãos
aos ombros da mulher que, chorosa, apontou para a
porta de vidro.
- Estava fechada. Alguém entrou aqui. Não
foi a arrumadeira. Ela só vem quando dou
permissão. Ninguém entra no meu quarto sem
permissão, mas... aquela maldita porta estava
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fechada quando saímos.


Não, não estava, mas deveria. Elas se
empolgaram tanto com as fotos e brincadeiras que
se esqueceram de fechar quando resolveram descer
para apreciar uma bebida no fim da noite. Garner
tinha ciência e total certeza disso. Entendeu de
prontidão o que se passava ali, e não atribuiu à
seqüela do álcool. Eleanor estava traumatizada pelo
ocorrido de meses atrás. Era normal e previsível.
Estranho seria se estivesse psicologicamente bem
depois da pressão mental que sofreram durante o
ataque. Qualquer incidente seria motivo para
desespero, até que o tempo se encarregasse de
ordenar outra vez a vida de todos. Condescendente
com a situação, a loira sorriu terna, indo mais uma
vez até a sacada para verificar. Circundou todo o
local, tratando de olhar cada canto e fechar à tranca
a porta em questão.
- Não tem ninguém. Tranqüilize-se. Quer que
eu busque uma água?
- Não, não. Desculpe-me. Eu... fiquei
apavorada. Não posso passar por isso de novo.
- Acredite, eu entendo e entendo bem. Você,
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nós... superamos o pior, mas a parte de amenizar os


efeitos é um processo lento. - E novamente a loira
ofereceu seu sorriso reconfortante - Bom, eu vou
descer. Boa noite.
Antes que tocasse a maçaneta, Conner
apressou-se em interromper sua saída.
- Garner, espere.
- O que foi?
- Pode... ai, droga! - E o pavor dava lugar a
outro tipo de constrangimento - Poderia ficar? Eu...
me sentiria mais segura.
- O que? Quer que eu durma aqui?
- Estou pedindo, mas se for necessário,
ordenarei.
- Sabe que as coisas não funcionam assim...
- É, eu sei... só... fique.
Tomada atipicamente de uma compaixão sem
sentido, a loira bufou baixo cedendo aos caprichos
da mulher à sua frente.
- Está bem. Tem... lençóis com que eu possa
cobrir o tapete?
- Ficou louca, Liv? – Era a primeira vez que a
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morena a chamava assim, o que fez um breve


sorriso surgir no rosto da comandante - Não vou
permitir que passe a noite no chão frio.
- Não é frio. Tem o tapete e o aquecedor. - A
herdeira bufou, revirando os olhos.
- Mas é completamente desconfortável!
- Já tive que dormir em lugares muito piores.
- Não! - Ela parecia categórica em sua
negativa.
- Quer que eu busque um colchão da cama de
outro quarto?
- Não é preciso.
- Está querendo que eu durma... - A loira nem
se atreveu a terminar a frase. Apenas apontou para
o móvel à sua frente.
- Qual é o problema de dormirmos juntas na
minha cama? Duas amigas fazem isso de vez em
quando. Não fazem?
- Não somos amigas, Eleanor.
- Veja bem... não sei se você reparou, mas
estou fazendo um esforço enorme para ser
agradável, para agir com naturalidade diante de
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certas situações. Eu entendo que isso seja


absolutamente nada ortodoxo, mas... caramba!
Quebramos quase todas as regras possíveis hoje e...
pela primeira vez na vida me senti sendo eu
mesma. A Eleanor que você conhece jamais
permitiria que uma funcionária, mesmo não sendo
uma qualquer, deitasse sobre aquele colchão. Só
que... eu estou com medo, eu estou apavorada e sei
que estou bêbada. - Conner foi até seu closet, pegou
uma calça de pijama em moletom, entregando à
loira em seguida - Se deite ali e deixe para
arrependermos de tudo amanhã.
Novamente a herdeira sumiu closet afora,
retornando após alguns minutos, vestida com uma
camisola longa de seda. Nesse meio tempo, Garner
havia trocado a sua roupa, tendo o seu corpo
coberto agora pela calça da morena e a camiseta
branca que usava antes. A situação por si só era tão
excêntrica que nem se deram conta de que estavam
reparando uma à outra antes de se deitarem.
- Posso apagar a luz? - Olívia quebrou o
silêncio que se dava no ambiente.
- Por favor. - A mais nova esticou o braço
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desligando o abajur ao seu lado, ato imitado por


Conner em seguida. Miravam o teto no escuro,
sentiam suas respirações pesadas, queriam sair
correndo ao mesmo instante em que queriam
arredar um pouco mais para o centro da cama - Boa
noite, comandante Garner. - Disse a filha do
presidente, não agüentando mais aquela estranheza
e a vontade desconhecida que tomava conta do seu
ser.
- Boa noite, Srta. Conner.

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Capítulo 17 – O segundo
dia
Olívia estranhou a facilidade com que
Eleanor adormeceu. Ela não conseguiria mensurar
o tempo, mas calculava algo como em torno de
cinco minutos. Cansaço, álcool na corrente
sanguínea, ou apenas facilidade em dormir. Esses
eram possíveis motivos para que o corpo moreno se
entregasse ao estado de vigília tão rapidamente. E
as razões para a comandante estar acordada? Essas
estavam no rol de incógnitas que passaram a
circundar a vida da loira.
Garner mantinha-se à esquerda, no
hemisfério corporal onde, dizem os especialistas,
está o coração. Nesse instante tudo fez sentido. Ela
observava Conner dormir de bruços, os braços
estendidos para cima e o rosto levemente virado
para o lado. A respiração, calma e silenciosa, como
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se ela descansasse em uma daquelas paisagens


bonitas que só vemos nos livros. A boca
perfeitamente cerrada, como se aqueles lábios
grudados guardassem um segredo inviolável.
Foi inevitável Liv se perguntar como cabia
tanta beleza em um corpo tão pequeno, mas de
curvas suntuosas. A filha do presidente parecia ter
saído de uma pintura renascentista, indo parar
diretamente entre aqueles lençóis perfumados e
macios. Era linda, linda...
A comandante sabia que deveria dormir,
porém não conseguia, simplesmente não conseguia.
Era errado estar ali e ao mesmo tempo soava tão
certo que a confusão mental quase a fez perder o
foco do seu objetivo no momento: não permitir que
nenhum pesadelo ferisse a madrugada da mulher ao
seu lado; que os monstros que moravam embaixo
da sua cama, fossem embora para nunca mais
voltar.
A mais nova, então, instintivamente
aproximou-se para depositar um beijo naquele rosto
inerte, inebriando-se com o cheiro doce que vinha
de sua pele. Amadeirado, frutal, cheiro de pecado
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que a fez ofegar.


Observar Eleanor dormindo era quase um dos
espetáculos mais bonitos do qual tinha
conhecimento. Trazia paz, uma paz imensa, como
se fossem blindadas de todo o mal do mundo. E
novamente as coisas fizeram sentido. Deixaram de
possuir um reles significado, para tomarem um
rumo que nenhuma das duas jamais sonhou que
pudesse acontecer.
Garner, de repente, foi tomada por
pensamentos desconexos sobre a vida da herdeira
presidencial. Não era de se admirar que ela fosse,
por vezes, fútil, amargurada, impositiva. Conner
não tinha escolha. Sentia-se oca, e esse é um
sentimento difícil de explicar, que fica cravado com
força em nossa alma. Sua existência não tinha
sentido, mesmo com o ambiente mostrando
exatamente o contrário. Ela possuía tudo o que o
dinheiro podia comprar, entretanto, não havia
encontrado o essencial: a felicidade plena.
Eleanor mostrou-se extremamente carente, e
ter manifestado essa carência foi tão difícil para ela
- que a sentia - quanto para a loira, que fora
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informada sobre o fato. O problema de uma, sem


querer foi transferido para a outra. A mais velha
deveria decidir deixar-se vencer por esse
sentimento ou tomar as rédeas e lutar. Contudo,
seria necessário começar a tarefa de se conhecer e
se aceitar. Era preciso identificar os fatores que
provocavam o acúmulo de emoções negativas para
remediá-los. E onde Garner se encaixava nisso
tudo? Ela seria a cura para esse mal, seria o
preenchimento tão aguardado, tal a transbordar de
sentimentos nunca antes conhecidos.
A loira arriscou uma carícia nas madeixas
negras, sem saber que, em retribuição, ganharia um
sorriso. Mesmo dormindo, Conner sorriu
ternamente ao perceber o carinho que recebia. Ali
se dava uma troca mútua de generosidade e afeto,
algo que talvez não acontecesse se ambas
estivessem acordadas, com suas faculdades mentais
em pleno funcionamento.
Olívia poderia permanecer em seu ato pelo
resto da noite, mas não o fez. Tomada por um
repentino peso na consciência, ela levantou-se
sobressaltada. Aquela situação não seguia a direção
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apropriada e isso a incomodou.


Certa vez a loira acompanhou uma palestra
de Louise na faculdade, onde ela ponderava sobre a
inexistência do errado, uma vez que a atitude errada
nos leva posteriormente para mais perto daquilo
que é certo, tornando-se, assim, apenas uma
ferramenta que nos conduz às atitudes corretas.
Faz-se errado para que se aprenda o certo. E com
isso, ressalta-se o quão desnecessário são nossos
próprios julgamentos sobre os outros e sobre
situações. Todos estão em um processo. Errar faz
parte da vida e jamais conseguiremos nos isentar
desse quesito.
Pensando em tudo o que acontecera desde
que colocou os pés na Casa Branca, Garner sentou-
se na poltrona que ficava ao lado direito da cama.
Continuou observando Eleanor dormir, porém,
agora de um pouco mais longe. À distância,
continuava bonita, e era uma beleza tamanha, que
bagunçava qualquer conclusão sobre os
pensamentos que a mais nova por ventura estava
tendo.
Liv fechou os olhos para não ceder à tentação
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de sorrir com os mínimos espasmos faciais de


Conner, ou com a coçadinha no olho que dava igual
criança pequena. Mantendo-se assim por alguns
minutos, acabou adormecendo, finalmente vencida
pela exaustão física e mental com o qual sofria.
Eleanor acordou cedo, quando o amanhecer
refletia os primeiros raios de sol no chão. Não era
de costume o seu despertar antes das 08:00.
Contudo, nesse dia, aconteceu. Despertou devagar,
languidamente, com o bom humor exalando pelos
seus poros. Espreguiçou-se e, ao inverter a posição
na cama, seus olhos foram brindados com uma
visão que jamais sonhou, mas que muito lhe
agradava. A comandante estava encolhida na
grande cadeira estofada de braços largos. Sua
cabeça pendia para o lado e a boca, entreaberta, lhe
davam um ar puro, inocente, quase infantil. Suas
feições eram tão bonitas e delicadas que, se
comparadas com às de um anjo, casariam
perfeitamente.
Conner nem desconfiava que há algumas
horas, era Garner quem velava por seu sono, tal
como ela no instante mais doce que poderia ter
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naquela manhã. Adoraria ficar ali pelo tempo que


se desse os roncos tímidos da loira, mas já que
acordara certo, resolveu que aproveitar o dia para
exercitar-se, seria uma boa idéia.
A filha do presidente levantou-se,
caminhando até a poltrona. Por alguns segundos
pensou em uma melhor maneira de acordar a
preguiçosa. Esse ato era atípico para ela, daí a
dificuldade em saber como proceder. Resolveu
brincar, acordando Olívia com um solavanco no
ombro.
- Comandante Garner! Comandante!
- Hã? Oi? O que foi? Cadê? - A moça pôs-se
de pé, de súbito, a circundar o local com os olhos
quase em desespero.
A morena teve que fazer um esforço quase
sobrenatural para engolir a risada que fazia cócegas
em sua garganta. O semblante assustado da mais
nova estava deveras cômico, e seu franzir de cenho
deixava-a ainda mais hilária.
Mantendo a pose de brava, Conner cruzou os
braços, batendo ritmicamente o pé direito no chão,
a encarar a loira.
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- Posso saber por qual motivo, razão ou


circunstância, a senhorita saiu do conforto do meu
colchão king size com tecido exclusivo importado
belga para dormir toda encurvada nesse... aperto?
- Nossa, precisava me acordar desse jeito? -
Garner levou a destra até a boca para esconder um
bocejo.
- Estou esperando...
- Esperando o quê?
- Sua resposta, Garner. Por que dormiu nessa
poltrona?
"Deus me livre! Parece até esposa brigando
com o marido para saber onde ele esteve." A mente
da comandante ainda trabalhava em ritmo lento
pelo horário antecipado. Com isso, precisou
despistar, caminhando até onde estavam suas
roupas para dar tempo de pensar em uma desculpa
plausível. Não podia falar a verdade. Simplesmente
não podia.
- Bem, era madrugada... eu ouvi um barulho
estranho vindo da sacada. Levantei para verificar,
sentei observando se realmente havia
movimentação lá fora e acabei adormecendo
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repentinamente. Foi isso. - Se essa mentira foi


convincente, a loira não sabia, mas ao menos a veia
na testa da herdeira já não estava mais ressaltando
ao resto do rosto delicado.
- Tudo bem. Sinto muito por tê-la acordado
assim. - Eleanor sorriu falsamente, pois queria
mesmo era gargalhar - Tome o desjejum comigo.
Pedirei que tragam aqui no quarto e...
- Não! - A morena estava com a mão no
telefone quando foi interrompida pela negativa
abrupta - É... desculpa. Eu... não vou tomar café
aqui.
- Por que não? - A sobrancelha erguida
denotava sua curiosidade.
- Preciso fazer algumas coisas lá embaixo.
Pode confiar em mim? Eu vou te pedir que
continue sua farsa de doença e não saia do quarto.
Tudo bem? - Conner meneou afirmativamente.
- Mas o que está acontecendo? Quero saber.
- Disse que confiava em mim, então só fique
aqui. Eu pedirei que tragam algo para você comer. -
Com um sorriso largo estampado no rosto, Garner
saiu dos aposentos da filha do presidente, deixando
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a mulher para trás suspirando ainda sem muito


entender, ou nada.
Em minutos, uma bandeja com torradas, suco
natural de laranja e iogurte com frutas foi entregue
à Eleanor. Ela sentou-se na beirada de sua cama,
degustando os alimentos sem muito ânimo.
- Queria que estivesse aqui, Liv.
A loira, no mesmo instante em que Conner
reclamava, estava a poucos passos de cometer uma
loucura, provavelmente a maior de toda a sua vida.
Durante a noite, com os pensamentos que lhe
rondaram a mente, importunando-a, ela tomou uma
decisão. Sabia que não seria tão impactante em sua
vida, quanto na da herdeira, e justamente por isso
seguiria em frente com a idéia que ainda lhe soava
estapafúrdia. Só refletiria nela se algo desse errado
e torcia para que isso não acontecesse.
Após passar no dormitório e trocar de roupa,
Garner dirigiu-se até o refeitório, encontrando
alguns de seus agentes rindo e conversando
amistosamente enquanto tomavam o café da
manhã.
- Bom dia!
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- Bom dia! - A resposta veio em uníssono.


- Foi bom encontrar vocês aqui. - A
comandante falava, ao passo que se servia de um
expresso e um brioche.
- Problemas? - Rust indagou-a.
- Não. Só... preciso passar algumas
coordenadas. Você, Thompson, Gerald e... Carlos
ficarão por conta da ala leste frontal. Hoje será um
dia tranqüilo. Sem o presidente e a primeira-dama,
com a Srta. Conner adoentada, precisamos somente
vigiar as entradas e locais de acesso aos andares.
Podem revezar e ficar mais relaxados. Eu vou
precisar resolver questões burocráticas fora daqui
hoje, então... têm o dever de me ligar caso o menor
incidente aconteça.
- Sim, comandante. Deixe conosco.
- Obrigada. - Olívia levantou-se beliscando
um pedaço de pão de forma com presunto - Tenho
que ir. Boa sorte para vocês. Até mais.
- Tchau!
Retornando para o seu "quartinho", a loira
pegou uma mochila, acondicionando algumas peças

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de roupas, uma jaqueta preta de couro e um boné.


Antes de sair, para ter a certeza de que se precaveu
da maioria dos imprevistos, ela ligou para Waite,
perguntando sobre a viagem, como quem não
queria nada. O homem não pareceu arredio,
afastando parte de suas cismas. Cuba recebia o Sr.
Alexander com pompas, pois naquele horário, já
estavam na agitação do início dos compromissos
diplomáticos.
"Ótimo".
Agindo naturalmente, Garner foi até a central
de vigilância, sob a desculpa de se certificar de que
estava tudo bem até o momento. Depois da invasão,
os cuidados tinham sido redobrados e a conotação
de importância que as câmeras tinham antes, tomou
proporções muito maiores.
- Está tudo bem por aqui?
- Oh, comandante! Está, está sim. -
Respondeu o rapaz, ajeitando-se na cadeira.
- Só você de vigia aqui hoje?
- Não. Meus parceiros acabaram de descer
para comer algo.

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- Ah, sim. E não está com fome?


- Até estou, mas preciso aguardar que
retornem. Dois outros agentes estão subindo
também.
- Bom, se quiser posso ficar aqui até alguém
chegar. Vou dar uma saída daqui a pouco, mas
preciso esperar por uma ligação antes. - Liv era tão
boa em disfarçar emoções quando queria, que a
mentira soava como a mais pura verdade, até
mesmo para ela.
- Não, comandante. Não precisa se
incomodar. - O rapaz parecia deveras constrangido.
- Não é incômodo. Vá.
Após aqueles segundos de insistência velada,
a loira conseguiu convencer seu subordinado a ir
até o refeitório juntar-se com os demais
companheiros de trabalho. Ao ver-se sozinha, sem
delongas, sentou frente ao computador digitando
alguns códigos universais. Cada agente do serviço
secreto possuía uma senha pessoal, única e
intransferível de acesso aos sistemas de segurança,
e havia outra em conjunto que só deveria ser usada
caso a individual estivesse com problema. Não
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havia nada de errado com a dela, porém, não


arriscaria deixar provas de sua infração.
Com o acesso liberado, Garner desligou as
câmeras posicionadas de forma que visualizassem o
quarto de Eleanor, deixando apenas as do outro
lado do corredor. Como alguns monitores já
estavam desligados quando chegou, não notariam
que aqueles pontos permaneciam descobertos, até
mesmo porque, não havia movimentação na casa
que aguçasse o interesse deles.
Os rapazes não demoraram muito para
retornar, liberando, assim, a loira de sua farsa.
Usando de seus conhecimentos acerca dos pontos
cegos das câmeras e da rota mais rápida até o andar
dos quartos, Olívia correu até o aposento de
Conner, batendo insistentemente na porta, à olhar
para os lados, preocupada.
- Mas que pressa é essa? Não pode esperar
um minuto? - A morena atendeu brava por conta da
impaciência da mais nova - Que cara é essa,
comandante? O que foi dessa vez? Não saí do
quarto, como pediu.
- É, eu sei. Vista isso. - Liv abriu a mochila,
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tirando a jaqueta e o boné - Calce um tênis, uma


sapatilha, algo confortável. E rápido!
- Não.
- Não?
- Não, Garner. Quero saber primeiro o
motivo desses pedidos estranhos.
- Por favor, eu sei que é estranho, e eu mesma
estou achando que... enfim, só faça. Garanto que
daqui a pouco entenderá tudo com clareza. Só faça
rápido antes que eu me arrependa.
À contragosto, a mais velha atendeu ao
pedido da comandante. Sentia-se ridícula na
vestimenta larga que a outra lhe ofereceu, mas sem
maiores questionamentos, por ora, acompanhou as
instruções passadas. Furtivamente conseguiram
chegar até o carro de Olívia, estacionado
estrategicamente próximo à saída menos
movimentada.
- Garner...
- Fique escondida no banco de trás, debaixo
desse cobertor. Será por pouco tempo, só até
alcançarmos uma distância segura. - A loira ia

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auxiliando a herdeira a se posicionar enquanto


falavam.
Eleanor já desconfiava do que se sucedia ali.
No entanto, tudo ainda parecia surreal demais para
ser verdade. Imaginando estar em um filme de ação
- mais um, desde o ataque à sua residência - a filha
do Sr. Alexander manteve-se imóvel, respirando
devagar para não fazer movimentos muito
aparentes. Estava toda encurvada entre o banco de
trás e o da frente, o que causava algumas dores
incômodas. Por sorte, logo quando ela previu que
vacilaria na missão, ao ter seu nariz coçando
prestes a espirrar, Liv parou o carro e abriu a porta.
- Já posso me mexer? - Sussurrou a mais
velha.
- Pode. Venha. - Rindo, a comandante
auxiliou Conner a trocar de lugar, indo sentar-se no
banco do passageiro.
Confortavelmente ajeitadas, retomaram um
caminho que logo Eleanor reconheceu como sendo
de Capitol Hill. Ambas permaneceram em silêncio,
um silêncio constrangedor. A morena vez ou outra
usava a sua visão periférica para observar as
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feições de Garner, e esta fazia o mesmo quando


sabia que não estava sendo observada.
A herdeira presidencial passava por avenidas
e vielas do distrito, e pela primeira vez na vida, não
tinha uma comitiva atrás de si. Não tinha carros a
escoltado, nem o som de rádios comunicadores.
Estava livre, livre do circo que era armado toda vez
que saía de casa. Seu peito arfou receoso quando
finalmente se deu conta do que acontecia. Um
misto de sensações desconexas apossou-se de seu
íntimo causando medo e alegria em paridade.
Naquele momento, Eleanor Conner tornou-se
um conjunto de emoções envolvidas em uma
confusão terrível, uma mistura de sentimentos tão
diversos que ninguém poderia sequer imaginar.
Uma completa bagunça, com receios, pontadas de
felicidade e incertezas. Eleanor era uma ilusão em
um mar de realidade, ou duramente o contrário.
- O que você está fazendo, Liv? - A voz da
morena vacilava.
A comandante estacionou o automóvel em
uma via movimentada. Tirou o cinto e suspirou
profundamente, com ambas as mãos no volante a
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encarar as pessoas indo e vindo atravessando de


uma calçada para a outra.
- Estou cometendo o maior erro da minha
vida. Estou comprometendo uma carreira
promissora para lhe dar uma carta de alforria
provisória.
- E... posso saber por que está arriscando
tanto...por mim?
A mais nova engoliu em seco. Ela poderia
brincar com as palavras, se enveredar em
justificativas muito bem elaboradas, ou
simplesmente dizer a verdade, pura e simples.
Contudo, assim como a confusão sentimental se
fazia presente em Conner, Garner estava da mesma
forma deveras desarranjada sobre o que era real e o
que era fantasioso em seu coração. Sorriu, dando
um leve tapa no painel do carro antes de destravá-lo
e responder à filha do presidente.
- Porque eu seria desumana se não te
trouxesse para comer o melhor cachorro quente de
Baltimore, quiçá do mundo inteiro. - Rindo
divertida da cara de espanto da mais velha, a
comandante tirou seu blazer, sua blusa social e a
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gravata, ficando apenas de camiseta. Esticou o


braço até alcançar as botas de cano curto no banco
de trás, calçando-as. E sob os olhos espantados da
outra, saiu do automóvel, contornando-o, abrindo a
porta do passageiro - S'il vous plaît, madame.
- Merci, mademoiselle. - Gargalharam. A
loira ajeitou o boné e a jaqueta no corpo de
Eleanor, oferecendo um óculos escuro para ela
antes de iniciarem uma caminhada de poucos
metros até um trailer - Estamos em Baltimore?
- Sim, estamos.
- Eu não me lembro dessa rua quando vim te
visitar na casa dos seus pais.
- É porque eles moram um pouco distante
desse lado da província. Moço, eu quero dois
cachorros quentes completos com bastante
maionese e catchup.
- Claro, senhorita. E o que vão beber?
- Duas cocas bem geladas.
- Garner, eu não bebo refrigerante. - Eleanor
sussurrou constrangida - Na verdade, eu nem sei se
como isso.

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- Pois se não sabe, vamos descobrir. -


Sentaram-se em uma pequena mesa no meio da
calçada, ambas tirando os óculos e colocando no
tampo - Como está se sentindo nos primeiros
minutos de sua liberdade? - A comandante
mostrava-se bem diferente daquela que trabalhava
sisuda na Casa Branca.
Suas íris esmeraldas brilhavam, seu sorriso
alargava-se cada vez mais em seu rosto. Parecia
leve, solta, como se fosse outra pessoa com a aura
iluminada de tal forma, que acabou refletindo na
herdeira.
- Eu ainda não estou acreditando. Sinto
vontade de chorar. Boba, não?
- Claro que não...
- É que em toda a minha vida eu nunca estive
longe dos olhares ávidos dos seguranças. Nem na
época do colegial.
- Eu sou a sua segurança. Carrego uma
pistola na cintura. Teoricamente está sendo
protegida.
- Ah, você me entendeu. - O diálogo fora
interrompido pela garçonete que vinha trazendo os
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lanches. Eleanor, faminta e curiosa em conhecer o


sabor daquilo, foi logo mordendo um generoso
pedaço. Alguns segundos se deram de apreensão,
antes da morena gemer deliciada - Huuummm...isso
é divino! Por Deus, Garner! Nossa...
- Ei, calma! - A mais nova pegou um
guardanapo, limpando o canto sujo da boca de
Conner - Desse jeito você irá engasgar. - Ver a
felicidade daquela mulher degustando um simples
hotdog de rua era como ver uma criança brincando
com um presente muito desejado.
- Eu deveria te matar, sabia? - A filha do Sr.
Alexander falava de boca cheia - Isso é uma bomba
calórica.
- Terroristas do inferno tentavam dar cabo da
minha vida e falharam. Acha mesmo que você
conseguiria me matar? - Olívia também deixou de
lado as regras de etiqueta, permitindo-se ser
qualquer coisa, menos quem ela era no dia a dia
laboral.
- Está me subestimando? - A morena indagou
com o sobrolho esquerdo erguido.
- Não. Eu não seria capaz disso. - Riram. E
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riram tanto que ambas quase engasgaram, tendo


que tomar o refrigerante para amenizar as tossidas.
- Para onde iremos depois?
- Sabe andar de bicicleta?
- Mentira! Nós vamos pedalar? - Conner
irradiava alegria.
- Vamos sim. E será... agora!
A loira, segurando na mão de Eleanor, foi as
conduzindo novamente até o trailer. Retirou do
bolso da calça uma nota e algumas moedas,
efetuando o pagamento pelo o que consumiram.
Caminharam animadas até Riverside, no Race Pace
Bicycles, onde alugaram duas potentes bicicletas.
Pedalaram por aproximadamente duas horas,
fazendo um tour completo pelas redondezas. O
passeio abriu às mulheres a possibilidade de traçar
novos rumos, de exercitar o corpo e relaxar a
mente. Sentiram-se plenas, tal qual nunca tinham
sentido antes.
Deram uma pausa no exercício quando
chegaram ao Federal Hill Park, um parque em uma
colina, com vista para o Inner Harbor. Andaram
empurrando as bicicletas até uma área onde os
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bancos de madeira se posicionavam frente ao mais


lindo panorama da cidade. Sentaram e ficaram
apreciando a paisagem, tomando um sorvete que
compraram no caminho. Dali as mulheres tinham
uma boa idéia de como Baltimore devia ter sido
quando foi só uma cidade portuária.
- Isso é tão lindo! - Garner, de repente,
quebrou o silêncio bom, meditativo que se dava
entre elas.
- Isso o que?
A loira passou o indicador direito no seu
sorvete, sujando a ponta do nariz de Eleanor em
seguida.
- Isso é lindo!
- Olívia! Como ousa... - A mais velha não
terminou a frase, imitando o ato da comandante.
Gargalharam, tirando fotos das palhaçadas uma da
outra.
- Vou acabar morrendo de dor na barriga de
tanto rir da sua cara de nojo. Olha isso! - Garner
divertia-se, mostrando a galeria do seu celular para
a herdeira.

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As coisas simples da vida são como as


estrelas que reluzem nas noites encobertas pelo
tempo frio e obscuro. Sempre estão lá, rodeando-
nos, oferecendo a nós sua magia sutil em forma de
felicidade. Nem sempre, no entanto, paramos para
olhá-las, nem nos lembramos de que elas existem.
Em outras vezes, nem sequer sonhamos com suas
existências, como era o caso de Conner.
Quando nos falta algo, quando a vida se
mostra para nós um tanto quanto complicada, é que
lembramos o que de verdade importa para nosso
coração, o que afina as cordas internas que fazem
música e dão sentido à nossa existência. Há quem
geralmente diga que quanto mais simples for nosso
modo de viver, menos preocupações teremos e
menos erros cometeremos. Agora, cada um é livre
para complicar sua vida o tanto quanto desejar.
Todos temos direito de assumir riscos, planejar
sonhos e ter um círculo social tão amplo e variado
como quisermos. O principal, a chave de tudo isso,
não está em levar uma vida simples, está em ser
simples de pensamento e saber o que é importante,
o que é que faz nosso coração calmo de verdade e

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nos identifica. Somos todos livres para construir


nossos universos particulares a partir disso. Somos
livres para sermos quem bem quisermos.
- Eu acabei de descobrir o que é felicidade. -
A morena suspirou, abaixando suas pálpebras.
- E o que é?
- Ser feliz é fechar os olhos e não desejar
mais nada. - Liv apenas sorriu, permitindo que
Eleanor continuasse com a sua explicação - Se as
pessoas deixassem de lado essa mania de medir a
felicidade pelo dinheiro que têm ou deixam de ter,
e passassem a medir por essas pequenas coisas,
como esse dia maravilhoso, saberiam também o
que é ser genuinamente feliz.
- Você tem toda a razão. Felicidade está
diretamente ligada em ser e não em ter.
- Garner, eu tenho ciência do quanto já está
fazendo por mim, mas eu gostaria de te pedir algo.
- Pode pedir. Se estiver ao meu alcance...
- Eu queria saber como você vive.
- Como eu vivo? Explique-me melhor.
- É, como você vive, qual é a sua rotina.
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Você sabe de todos os meus passos, já desnudei


meus sentimentos algumas vezes e me sinto em
desvantagem. Você conhece tanto de mim e eu não
sei absolutamente nada sobre sua vida.
- Bem... - A comandante foi tomada de
surpresa com aquele pedido inusitado - Você
conheceu meus pais, o local onde eles moram, meu
irmão e minha melhor amiga. Vejamos... minha
rotina se resume a trabalho, trabalho e só.
- Está brincando? Não tem nenhum outro
lugar que vá sem ser os jardins da Casa Branca?
Um lugar especial que você goste de freqüentar?
- Já sei! - Um sorriso largo estampou-se no
rosto da loira - Quer conhecer a academia onde
treino boxe ou o estande de tiro?
- Os dois.
- Sério?
- Seríssimo! - Conner já se pôs de pé -
Vamos?
A comandante bufou baixo, rindo
internamente da ansiedade infantil da mulher.
- Vamos!

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O quão rápido puderam, pela pressa que se


dava na mais velha, devolveram as bicicletas no
Race Pace e rumaram de carro até a academia no
centro da cidade.
O espaço, com infra-estrutura de
aproximadamente 1000m² de área disponível, e
400m² de tatame com aulas de preparação física,
contava com os equipamentos necessários para a
prática de todas as modalidades marciais, bem
como os aparelhos de musculação, uma loja de
suplementos, produtos e roupas para lutadores.
À princípio, Eleanor ficou em um canto,
observando Olívia treinar. Estava encantada com
tudo aquilo. As pessoas, as interações, o mundo que
jamais sonhara fazer parte. Repentinamente, a loira
interrompeu seus movimentos, chamando a
herdeira com o dedo. Mesmo tentando negar, a
insistência da outra no ringue, a fez ir até lá.
- Garner, eu não tenho noção de como se faz
isso.
- Então está no lugar certo. - A loira dizia
enquanto auxiliava a filha do presidente a colocar
as luvas - Preste atenção no que vou te ensinar.
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- Ok.
- Uma postura forte e confortável permitirá
que você desfira socos mais precisos e lhe dará a
oportunidade de desviar dos golpes dos seus
oponentes. - Liv segurava na cintura da mais velha,
ajeitando seu corpo da forma correta - Posicione o
pé esquerdo à frente, isso... mais ou menos em um
ângulo de 45° virado para quem for lutar contigo.
- Está certo assim?
- Está... O seu calcanhar esquerdo tem
permanecer alinhado ao seu dedão direito. A maior
parte de seu peso deve estar no pé de trás.
Cotovelos juntos e suas mãos erguidas.
- Ai, não quero mais. É muito complicado!
- Onde está a complicação, Eleanor? Pare de
reclamar e preste atenção... Coloque a mão
esquerda abaixo da bochecha e a direita debaixo do
queixo.
E as mulheres passaram minutos se
divertindo com os tombos memoráveis, as risadas
soltas e as conversas fúteis, porém
agradabilíssimas. Da academia foram direto para o
estande de tiro. Colocaram o colete de segurança,
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os óculos de proteção e entraram na baia,


permanecendo ali, atirando tempo suficiente para
que Conner esgotasse todas as suas forças, em um
grau avançado de exaustão.
- Garner, podemos ir para a casa? A sua, a
minha, qualquer uma. Eu só preciso descansar os
meus pés e, principalmente, os meus braços. Se
bem que... - A herdeira deu um suspiro chateado -
Retornar à Washington significa que minha
liberdade se cessará outra vez.
- Por favor, não pense assim. Quem sabe não
tenhamos outras oportunidades como essa?
- Está falando sério?
- Sinceramente, eu não sei. Só não quero que
se sinta mal. Não vamos estragar essas horas tão
divertidas que tivemos.
- É... não vamos.
- O esquema será o mesmo. Em certo ponto
do caminho você terá que se esconder e entraremos
pela rota que saímos.
- Certo, comandante.
Batendo continência, arrancando risadas da

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loira, Conner fez ainda um último pedido do


passeio furtivo: pizza para o jantar. Compraram
uma massa pequena para cada e rumaram à Casa
Branca.
Por sorte, tudo estava tranqüilo quando
chegaram, possibilitando a entrada das duas
mulheres sem maiores problemas. E podiam
considerar como sendo o universo conspirando
mesmo a favor, pois instantes antes, um grupo de
agentes passou pela saída fazendo a ronda noturna.
- Podemos ver um filme enquanto comemos?
- Perguntou a mais nova, ao passo que ajeitava os
refrigerantes e as caixas de pizza sobre a pequena
mesa no quarto de Eleanor.
- Eu ia sugerir exatamente isso. Qual filme
quer ver?
- A mim não importa o gênero, desde que o
enredo seja atraente.
- E o que considera atraente em um enredo?
- Ação! - Riram - Ah, coloca qualquer um.
Confio em seu bom gosto.
- Não aceito reclamações posteriores, hum? -

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Conner ajeitou-se em sua cama debaixo do


edredom - Você não vem? - Disse a mulher,
batendo a destra no colchão - Veremos Caprice,
Romance à Francesa.
- E qual é a história? - Olívia perguntou, ao
instante em que aproximou-se do espaço deixado
pela morena ao seu lado, ocupando-o - Já assistiu?
- Sim. Assisti assim que lançou, há uns dois
anos. Bem, basicamente o filme relata os eventos
da vida de um cara que se vê extremamente feliz
namorando uma atriz famosa que ele tanto
admirava. Só que o relacionamento dá uma
reviravolta quando conhecem uma jovem que se
apaixona perdidamente por ele.
- É... parece interessante.
- Adora usar de ironia em suas conversas, não
é?
- Não estou sendo irônica.
- Está sim.
- Juro que não estou. Parece ser mesmo
interessante.
- Shiu, vai começar.

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- Não faça shiu para mim.


- Garner!
- O que foi? - Eleanor teve que repreender a
moça encarando-a com o cenho franzido para que
se calasse.
Depois de alguns minutos de filme e
comilança, em um dado momento, de modo súbito,
Conner interrompeu a diversão, confessando em
voz alta e com clareza, a sua maior vergonha.
- Eu me lembro.
- Lembra do quê, Eleanor? - A loira
mastigava com dificuldade um pedaço borrachudo
da borda da pizza.
- Do que eu te disse quando foi me ver no
hospital, sobre você nua, seus braços... tudo.
Lembrei-me de tudo.
Constrangimento não é algo que as pessoas
buscam ao interagir umas com as outras. Essa
sensação, no entanto, não é necessariamente
negativa. Pode até ser boa, na verdade, caso se
esteja na posição de quem constrange. Não tinha
sido intencional, mas ver Liv corar e se contorcer

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desajeitada sobre o colchão permitiu que o seu lado


maquiavélico se divertisse um bocado.
- Ah, é? E lembrou-se disso agora? - A voz
trêmula da comandante poderia ser considerada até
charmosa se não fosse pela situação beirando ao
clima do desconforto.
- Não. Até então eu só tinha flashs indo e
vindo em minha mente. Porém ontem, quando
estávamos tomando um drink, tudo ficou claro e fez
sentido. - O diálogo, que estava sendo travado sem
contato visual, foi ficando cada vez com uma
conotação mais intensa quando a herdeira virou-se
para Garner - Eu gostaria de deixar claro que
naquele dia eu estava sob efeitos de medicamentos,
e mesmo que não tivesse, não faz a menor
diferença. Eu não me importo. Preciso ser honesta
com você porque necessito de sua honestidade total
na resposta para pergunta que irei lhe fazer.
- Pergunta? - A comandante alternava o olhar
entre a mulher e a televisão.
- Sim. Já a fiz antes, e nem sei quantas vezes,
mas não estou satisfeita com o que me disse. Sinto
que ainda não é a verdade.
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- Que pergunta é essa que menti na resposta?


- Claramente, ambas mantinham-se em um nível
elevado de nervosismo.
- Não é bem assim, Olívia, e... bem, por que
faz tanto por mim? Primeiro salvou a minha vida
daquela maneira, e agora arrisca o emprego só para
satisfazer um desejo meu...
A loira suspirou. Ela não havia descoberto
ainda, e com exatidão, os motivos que a levaram a
tomar tal atitude, portanto, como explicitá-los? Não
era como se estivesse contando à mais velha sobre
suas impressões acerca de um livro ou uma peça
teatral. Era muito complicado... complicado em
demasia.
- Eu senti que era o certo a se fazer. É isso.
Não tem muito o que rebuscar nessa resposta. -
Alterando seu semblante para a impassibilidade
novamente, Garner voltou a sua atenção para o
filme, indicando que estava dando o assunto por
encerrado - Ah, adoro quando ele faz essas caras de
"o que está acontecendo aqui?". Fica engraçado,
não acha?
- É... acho sim. - E mais uma vez a morena
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não estava agradada.


Em alguns minutos, a história de Caprice
chegou ao fim. Olívia, com sua graciosidade
natural, via os créditos subindo enquanto tentava à
todo custo, repetir uma frase em francês que um
dos personagens disse.
- Je fe...Ai...Je ferr...que droga!
- Je ferais tout pour vous*. Sabe o que
significa?
- Claro, Eleanor. Eu li a lege...
A loira não pôde terminar a frase. De súbito,
sentiu as mãos quentes da outra firmarem o seu
rosto e os lábios carnudos e avermelhados se
pressionarem aos seus finos e delicados. Muitos
afirmam que o primeiro beijo dado em alguém
especial passa por três estágios. Primeiro vem a
magia, em conseguinte a intimidade, e por fim, o
acostume. Parecia que entre as mulheres havia uma
exceção para a regra: não passaram do segundo
estágio. O momento era mágico e íntimo, doce e
suave.
Por instantes, não tentaram opor-se àquele
anseio incontido, sabendo que seria inútil resistir.
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Conner suspirou e, passando rapidamente os braços


ao redor da loira, com imensa ternura, estreitou-a
lentamente ainda mais contra si. Sorveram a
respiração arquejante uma da outra, quando as
bocas abriram-se dando passagem para um beijo
mais aprofundado.
Intimamente, esse era o momento pelo qual
esperaram o dia inteiro, o momento de que nada
sabiam e que nem ao menos podiam imaginar.
Garner quase desfaleceu com os toques de
Eleanor, lembrando-se do sonho que tivera. Era ela,
agora tinha certeza. Então, assustada com a
bagunça de sentimentos e emoções que
transbordavam com aquele ato, afastou-se,
levantando da cama, visivelmente consternada, a
tocar seus lábios com os dedos da mão direita.
- O que... o que você está fazendo?
- Olívia, eu... - A herdeira também se
levantou e, conforme dava passos à frente para uma
nova aproximação, a comandante ficava ainda mais
arredia e apreensiva - Me desculpe. É que... me
sinto tão plena, tão feliz! Hoje foi o dia mais
importante da minha vida e só aconteceu porque
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você fez acontecer. - Os olhos da mais velha


estavam marejados, contagiando os de cor
esmeralda à sua frente.
- Espera. Você... você está confundindo as
coisas. Eu não fiz absolutamente nada que lhe
incitasse a pensar que... - Ela não conseguia
raciocinar. Seus sentidos e sua capacidade de
discernimento tinham sido comprometidos quando
experimentou o sabor do beijo da morena - É
melhor eu ir embora. - Em um rompante, a morena
pôs-se entre a moça e a porta, impedindo-a de sair -
O que está fazendo, Srta. Conner?
- Voltamos ao Srta. Conner? - A filha do
presidente deu dois passos para frente enquanto
Garner deu os mesmos dois passos para trás - O
que eu estou fazendo? Estou aplicando a técnica de
psicologia que você bem conhece, comandante, a
superexposição. Estou te exposto a sua maior forma
de medo até que se livre dele.
- Eu não sinto medo de você.
- Não de mim, mas do que aconteceu agora.
- Não é medo. Foi uma escolha errada, muito
errada. Você não enxerga?
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- Escolha errada? - Nesse instante, ao invés


de repelir o contato, a loira deixou-se levar pelo
desejo oculto que a dominava. Estavam novamente
à uma distância mínima uma da outra, podendo
perceber as respirações se confundindo e os
perfumes invadindo o cérebro a inebriar os sentidos
- O que tem de errado comigo? Por favor, me diga,
Garner.
- Nada. Não há absolutamente nada de errado
contigo. Você é perfeita, perfeita demais, Eleanor.
Esse é o problema.
A morena, que mantinha seus olhos fechados,
ansiando por outro beijo, teve suas ilusões
dissipadas ao sentir a comandante se afastar. O som
da porta batendo atrás de si ecoou negativamente
pelo cômodo, como se a ausência da outra deixasse
tudo frio, vazio, sem sentido. Ela só queria mais
daquela chuva de felicidade, queria se fartar da
plenitude que lhe foi oferecida. Ela só queria mais.
- Olívia...

* Eu faria tudo por você.

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Capítulo 18 – O certo e o
errado
Desde os primórdios da humanidade, ainda
quando pequenos, aprendemos que na vida existe o
certo e o errado, o preto e o branco. Aprendemos
que falar a verdade é certo, mentir é errado. Ser
educado é certo, mas a grosseria é errada.
Quando tornamo-nos adultos, o julgamento
entre o certo e o errado, atrelado à culpa que a
sociedade e nós mesmos nos impomos, torna-se
ainda mais rígido. Não nos permitimos errar,
tornamo-nos cada vez mais severos, abarrotados de
regras, reprimindo sentimentos, desejos,
espontaneidade e tudo o mais que, por muitas
vezes, é considerado um lado negro de nossa alma.
Porém, a verdade, é que todos somos seres
ambíguos, somos ambos os lados de uma mesma
moeda. Temos a obscuridade e a luz dentro de nós;
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somos honestos e corruptos, meigos e cruéis;


somos profissionais e vagabundos, e tudo isso
representa a graça e plenitude das diversas fases
pelo qual passamos em nossas vidas.
Tudo seria mais fácil, mais leve, se
deixássemos de ser menos julgadores, passando a
ser mais "vivedores" de nós mesmos e de nossos
anseios. Permitir tropeçar para se reerguer, errar
para consertar posteriormente. Entender que a vida
não se encerra em um amor e um trabalho, ela é um
ciclo e muda com freqüência. O que é certo hoje
pode ser errado amanhã, e vice-versa. E só pode ser
considerado totalmente impróprio aquilo que nos
faz mal, caso contrário, mergulhar de corpo e alma
pode ser sua melhor decisão.
A cabeça de Olívia girava e ela não
conseguia pensar em mais nada que não fosse na
sensação da maciez dos lábios de Eleanor
pressionando os seus. O sabor do beijo dado há
minutos atrás ainda podia ser sentido em sua boca,
como se o ato não tivesse sido findado.
Ela ofegava, sentia o estômago embrulhar,
estava em pânico. A loira teve que firmar seu corpo
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de costas em uma pilastra, fechar os olhos e tentar


se acalmar antes de tomar qualquer outra atitude.
Garner esforçava-se para organizar seus
pensamentos, mas estavam tão embaralhados como
cartas em início de jogo, flutuando pela mente, que
ela não conseguia nem ao menos expulsá-los. A sua
incapacidade de coerência e discernimento a
enervava ainda mais. Lembrou-se dos olhos
marejados de Eleanor ao pedir desculpas pelo
rompante, lembrou-se de que fugira, desencorajada
de continuar o que podia ser sua ruína.
A comandante correu, literalmente, para a ala
dos dormitórios. No caminho, em um corredor que
dava acesso à saída norte daquele andar, ouviu a
voz de Rust à dialogar com um colega de trabalho.
Liv precisava fazer algo, precisava desabafar,
tomar conselhos de alguém que pudesse analisar
toda a situação de maneira neutra, sem prévios
julgamentos e olhares inquiridores. Obviamente
que seu subordinado não seria essa pessoa, mas ele
a ajudaria a obter êxito no seu intento que acabara
de tornar-se prioridade.
- Rust... - A loira aproximou-se, receosa - É,
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bem, desculpa interrompê-los, mas... eu preciso


falar com você.
- Oh, claro. - O rapaz fez sinal para o outro
que, após um cumprimento com a cabeça, retirou-
se do recinto, deixando-os à sós - Pode falar
comandante. - Ele a olhava de cima a baixo,
discretamente, com o sobrolho erguido, por conta
de seus trajes, ato esse que não passou
despercebido pela mulher.
- Recebi uma ligação urgente e vim do
dormitório às pressas para te procurar. Nem tinha
me dado conta disso... - Seu tom era um tanto
quanto constrangido.
- Não há problema algum. Só é... diferente
vê-la livre do terno, apenas de camiseta, calça e
sem sapatos. Além do que, só soube que tinha
retornado à Casa Branca, pois vi seu carro
estacionado na garagem... - A loira o repreenderia
pelo comentário, mas aquele lapso era por culpa
totalmente de seu descontrole emocional de
instantes atrás.
- Então... eu vou ausentar-me por alguns
minutos e preciso que dê uma atenção especial à
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Srta. Conner. Sei que é noite. Provavelmente ela


não deixará o quarto, nem irá requerer
absolutamente nada, contudo, não se pode garantir.
Para que nossa protegida se sinta mais segura, peça
a alguém para ficar posicionado debaixo da janela
de seu quarto.
- Acha que podem querer entrar aqui
novamente?
- Eu não acho nada. Isso é por ela e tão
somente em precaução. - Conner suspirou
lembrando-se da noite passada e do medo que a
morena sentiu - Não sei quanto tempo irei demorar,
mas estarei aqui antes que acorde.
- Se necessitar que eu a cubra para...
- Não se preocupe com isso. Atente apenas ao
seu trabalho. Agora eu tenho que ir.
Meneando afirmativamente como em
cumprimento, a comandante afastou-se, deixando o
rapaz sem muito entender. Em seu "quartinho",
trocou de roupa o mais rápido que pôde, pela pressa
e pelo nervosismo. Seu raciocínio lógico ainda
estava comprometido, e nesses casos, só uma
pessoa seria capaz de lhe ajudar.
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Já dentro de seu automóvel, antes de dar a


partida, Olívia acessou sua discagem direta, ligando
para a melhor amiga. Demorou alguns toques para
que Louise atendesse sibilando.
- Oi, mulher. Algum problema? Me ligando à
essa hora...
- Está em casa?
- Estou com a chave no trinco para sair. O
que foi?
- Não saia, por favor. Estou indo até você.
- Liv, está me deixando preocupada.
- Ninguém morreu, ninguém se machucou,
mas é sério e eu preciso falar contigo senão irei
explodir.
A aflição da loira era notória em cada
palavra. Raramente Mattew a viu tão consternada
daquela maneira. Garner geralmente era o ícone
mor de controle sentimental, mas, apresentando-se
inconstante em seu ritmo respiratório, oferecia
sinais suficientes de que algo estava muito errado
ali.
- Ok. Eu... te aguardo.

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- Certo.
Liv nem se deu ao trabalho de despedir-se da
amiga. Apenas encerrou a chamada, jogando o
celular no banco ao lado. A pressa a impediu até de
colocar do cinto de segurança corretamente,
lembrando do mesmo alguns quilômetros depois,
ao fazer uma curva e sentir seu corpo livre em
demasia quando inclinou para frente.
O trajeto até o apartamento de Louise foi
feito em tempo recorde. Mas também pudera...
Ultimamente a loira vinha quebrando muitas regras
sem pensar direito nas conseqüências posteriores.
Avançar sinais e dirigir acima da velocidade
permitida era algumas delas.
- Se os vizinhos reclamarem do barulho, eu
juro que vou te estrangular, Olívia Garner. - A
amiga ralhava ao abrir a porta com rapidez, devido
às batidas insistentes da outra.
- Eu preciso te contar algo, mas tem que
manter segredo absoluto. Absoluto. Existe o sigilo
médico, não existe? Então... é disso que preciso. -
A comandante disse, enquanto ia adentrando a sala,
sentando-se no sofá à bater o pé direito
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ritmicamente no chão.
- Liv, sigilosa é a relação médico e paciente,
e não amiga e amiga desesperada. Se relatar algo
que te comprometa física e mentalmente ou a
outrem, eu...não posso garantir nada.
- Mas que droga,Louise! Não é minha irmã? -
A loira levantou-se por alguns segundos, tirando a
carteira do bolso traseiro de sua calça. Buscou por
todas as notas que tinha disponíveis, jogando-as
sobre a mesinha de centro - Pronto. Isso paga uma
consulta com a Dra. Mattew.
- Ai, Garner. - Louise sentou-se à suspirar,
buscando por paciência - Sabe que isso não é
necessário. Só... me conte o que houve. Vamos lá.
- Eu beijei a Eleanor.
- Você o quê?
- Quero dizer... ela me beijou e eu não a
impedi.
- Como... como foi isso, amiga? - Louise
deixou o sofá em frente para sentar-se ao lado da
loira.
- Nem sei por onde começar...

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- Tente... pelo começo. - A morena de


cabelos compridos sorriu na tentativa de deixar
Garner mais confortável.
- Há dois dias, o presidente e a primeira-
dama viajaram. Conner deveria ir com eles, mas
ficou para trás sob a desculpa de que estava
adoecida. Era mentira. Ela preparou todo um
esquema para fugir.
- Fugir? Como uma adolescente?
- Quase isso... - A comandante ensaiou uma
risada - Eu desconfiei e a impedi, obviamente. Só
que... não consigo descobrir o que aquela mulher
tem que parece me hipnotizar. Ela fala e me olha de
um jeito, como se enxergasse a minha alma.
Eleanor me confidencializou parte de seus segredos
mais profundos e sombrios. Reconheceu outra vez
que se comportou mal comigo, ou melhor, que se
comporta mal diante de algumas situações e...
chorou. Não foi nada forçado, nada como se ela
quisesse comprar a minha consciência com boas
doses de drama. Não... Conner, definitivamente,
vive dentro de uma bolha de mentiras. Foi
impossível não me emocionar e compadecer de sua
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situação. Ela demonstrou tanta honestidade, que a


conexão especial que surgiu entre nós, deu-se
instantaneamente. Com isso, acabei sendo induzida
pelos meus atos impensados e... saí nesses dois dias
sozinha com Eleanor.
Louise, que até então mantinha em silêncio,
apenas escutando com atenção tudo o que a amiga
dizia, manifestou-se para melhor entender a
situação como um todo.
- Você saiu sozinha com ela, tipo... um
encontro?
- Não! Não! Conner nunca pôde viver uma
vida normal, longe dos flashs das câmeras, longe
dos olhares astutos dos seguranças. Eu a levei
escondida para comer cachorro quente, andar de
bicicleta, tomar sorvete, essas coisas simples que
fazemos rotineiramente, mas que para ela eram
ainda novidades.
- Liv, tem noção do risco que correram?
Foram alvo de um ataque histórico há poucos
meses. As investigações não foram concluídas e
mesmo que tivessem sido, nada garante que ainda
não estejam sob a mira desses bandidos, ou de
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outros até. Pôs a vida das duas em risco.


- Eu sei. Eu sei. Por isso disse que foi um ato
impensado. Na verdade, até pensei nesses prós e
contras, porém, optei por arriscar. Você tinha que
ver os olhinhos dela brilhando quando respirou
profundamente o ar ao caminhar livre pelas ruas.
Foi... lindo!
- Assim como os seus olhos estão brilhando
agora, marejados?
Garner conduzia a sua fala, mantendo um
sorriso genuíno e saudoso nos lábios. Porém, logo
se desfez do semblante alegre, abaixando o olhar.
Limpou uma lágrima solitária que escorreu pelo seu
rosto, aprumando o corpo em seguida.
- Eleanor ficou feliz, muito feliz. Nós
estávamos assistindo filme há uma hora e...
aconteceu. Ela nunca teve nada disso na vida e, de
repente, aparece uma pessoa se oferecendo para
ajudar de formas e em coisas que ninguém nunca
tinha feito antes. Uma pessoa que praticamente
adivinhou tudo o que sempre ansiou e esperou de
alguém. Ela sabia que eu não poderia, de jeito
nenhum, estar simplesmente me infiltrando nos
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seus desejos, feridas e inseguranças mais íntimas e


fingindo ser a resposta, porque a vulnerabilidade
dela, também é a minha. Louise... - Olívia, vencida
pelas suas emoções, abraçou a amiga, permitindo-
se desabar, chorar, externar o que vinha guardando
já há algum tempo - Acho que...tudo acabou. Eu
não posso simplesmente voltar para a Casa Branca
e continuar o meu trabalho como se nada tivesse
acontecido. Esses dias não mudaram só a vida da
pobre rica filha do presidente. Mudaram a minha
também. Eu estou diferente, eu sinto coisas
diferentes. Não vou conseguir olhar para a Conner
e não me lembrar de como a maldita língua dela se
encaixou perfeitamente na minha. Droga! Eu só...
preciso esquecer isso. Eu preciso que me ensine
algum método para esquecer completamente o que
houve. - Garner afastou-se para encarar a amiga -
Ela é a herdeira presidencial e eu sou uma agente
do serviço secreto. Existe uma distância
imensurável entre nós. Existe ética profissional,
hierarquia, mundos diferentes que jamais poderão
se fundir. Eu só... preciso esquecer...
- Alguns dos problemas você tem, Liv, são

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causados por bater na mesma tecla, inflando o


conteúdo emocional de uma situação. Eu tenho um
estoque de técnicas e comportamentos testados. Eu
também sou criativa, então, aprendo novas
maneiras rapidamente se isso fosse a auxiliar, mas
não vai. Eu notei que você nutre um sentimento
diferente por Eleanor desde o dia em que esteve
sentada nesse mesmo sofá, reclamando sobre o
quanto ela te incomodava, sobre as grosserias e
injustiças que havia cometido contigo. Você
entende que tentar esquecer é lembrar para sempre,
não é? Pretender livrar-se dos seus sentimentos é
uma aventura que pode terminar em tragédia. Um
suicídio emocional, uma verdadeira loucura. A
questão é que tentar esquecer um pensamento é
diferente de esquecer uma emoção. Para obter ao
menos um controle é preciso que se acostume a
pensar em outras coisas, imaginar ou dizer "pare"
quando algo vier à mente. No entanto, suprimir o
que está enraizado em seu coração é negar a
realidade e todas as lembranças que te confrontam.
Em outras palavras, tentar inibir ou se livrar do que
sente, revela tudo o que no fundo você deseja muito
que aconteça. Olívia... - Louise tomou as mãos da
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amiga entre as suas - Eu não posso te dizer o que


fazer, mas posso te dar a certeza que fugir não é a
solução. Você vai alimentar cada vez mais o
vínculo que criou com ela. Eu, Louise Mattew, não
vejo mal algum em ficarem juntas, aproveitarem da
companhia uma da outra, se é isso mesmo que
desejam. Essa sua fixação com ética, com valores
morais não tem muito fundamento hoje em dia.
Não em demasia, como é o seu caso. Estas
situações exigem um intenso trabalho interior que
certamente te incomoda. No entanto, deve ficar
ciente de que podemos ter uma mistura de
sentimentos, podemos nos chatear com nós mesmos
e com o mundo, sentir raiva, ciúme e todos os tipos
de emoções que nossa moral condena. Isso é
normal, por isso temos que tentar assumir certos
acontecimentos com naturalidade. Não podemos
fazer com que nossa mente evite o que nosso
interior anseia; é algo realmente impossível e
perigoso. O que você deve fazer é aprender a
gerenciar essa bagunça aí dentro. Trabalhar neste
sentido não significa tentar se sentir bem a qualquer
custo, mas tentar entender o que o seu coração
sente.
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- Fala como se estivéssemos prestes a nos


casar. - Garner mirava um ponto cego no canto do
cômodo.
- Não, mas sei que gosta da Srta. Conner e sei
que ela também gosta de você. - Louise acariciava
o ombro direito da amiga.
- Como pode ter tanta certeza assim?
- Não é só você que desenvolveu o dom da
percepção à distância e da leitura de expressões. Eu
reparei bem o sorriso dela, os olhares no dia da sua
condecoração. Poderíamos entender as atitudes de
Eleanor como um reflexo do que você fez salvando
a sua vida, algo como gratidão. Mas nós duas
sabemos que não é isso. - Louise levantou, indo até
a geladeira. Retornou para o sofá trazendo duas
latas de suco de maçã - É industrializado, mas é o
que tem para hoje. - A moça disse, ao passo que se
desfazia do lacre, tomando um bom gole da bebida.
- Obrigada.
- Sabe... acho que o impedimento, o que pode
atrapalhar vocês duas não é a moralidade, a relação
laboral que têm. Isso é quase irrelevante. A questão
toda se relaciona com a gama de problemas que
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terão que enfrentar se resolverem levar essa


"relação" à frente. Ela não é uma mulher comum,
você não é uma mulher comum. Passarão por
algumas provas e te adianto que não será fácil.
Agora... basta saber se estão dispostas à isso.
Deviam ao menos conversar à respeito.
A loira, que tomou o suco todo em uma só
golada, como se a sede fosse suprimir suas tensões,
suspirou profundamente, refestelando o seu corpo
sobre o estofado.
- Eu nem sei se estou disposta a me levantar
daqui, quanto mais a enfrentar algo que até então
foi só um beijo. Quer saber? Enlouqueci sem razão.
Meu nível de adrenalina abaixou e agora estou
raciocinando melhor. Não há o que... não existe e
nem existirá nada entre nós. Absolutamente nada. -
A comandante resmungou sem ânimo, ao passo que
a amiga jogava os sapatos em um canto qualquer da
sala - Ah, Louise, me perdoe. Gastei seu tempo, te
aluguei com os meus problemas e nem perguntei...
aonde ia?
- Transar, amiga. Eu ia transar.
Enquanto as lamúrias infindáveis de Liv
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preenchiam a pequena casa da psicóloga, lá na Casa


Branca, Eleanor não desviava os olhos do teto de
seu quarto. O cômodo estava na penumbra, tendo
como poucos fios de luz, somente o que vinha das
lâmpadas externas. A morena havia desligado a
televisão, preferindo a introspecção regada a uma
música que em nada lhe atraía antes, mas que agora
era dotada de significados ímpares para ela. Era
como se a mesma estivesse cantando, como se
pudesse ouvir a voz de Garner em algumas estrofes
também.
"We're not, no we're not friends, nor have
we ever been
Não somos, nós não somos amigos, e nunca
fomos
We just try to keep those secrets in a lie
Nós só tentamos manter esse segredo em
uma mentira
And if they find out, will it all go wrong?
E se eles descobrirem, será que vai dar tudo
errado?
And heaven knows, no one wants it to

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E só Deus sabe, ninguém quer que isso


aconteça
So I could take the back road
Eu poderia escolher um caminho mais fácil
But your eyes'll lead me straight back
home
Mas os seus olhos me guiam direto para
casa
And if you know me like I know you
E se você me conhece, como eu te conheço
You should love me, you should know
Você deveria me amar, deveria saber..."
A jaqueta da comandante, bem como mais
alguns pertences seus, tinha ficado para trás.
E era o tecido vermelho que Conner
acariciava naquele instante. Subia e descia os dedos
sentindo a textura, inspirando o perfume que
emanava da peça, relembrando de cada segundo
dos dois dias que passou com a dona da vestimenta.
A filha do presidente nunca havia experimentado o
gosto da liberdade, da felicidade plena que Olívia
apresentou, e deveria confessar que era a melhor
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coisa que lhe aconteceu. Contudo, o que há uma


hora trazia a paz que seu coração tanto ansiou,
agora a obrigava a engolir em seco, segurando as
lágrimas que teimavam em querer escorrer pelo seu
rosto.
"...Friends just sleep in another bed
Amigos dormem em camas separadas
And friends don't treat me like you do
E amigos não me tratam como você me trata
Well I know that there's a limit to
everything
Bem, eu sei que há um limite para tudo
But my friends won't love me like you
Mas meus amigos não me amam como você
No, my friends won't love me like you
Não, meus amigos não me amam como você
We're not friends, we could be anything
Não somos amigos, nós poderíamos ser
qualquer coisa
If we tried to keep those secrets safe
Se tentássemos manter esses segredos a

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salvo
No one will find out if it all went wrong
Ninguém descobriria se tudo desse errado
They'll never know what we've been
through
Eles jamais saberão de nada do que
passamos..."
Era irônico e trágico. Ao mesmo tempo em
que a esperança dada pela loira parecia ser o motor,
aquilo que impulsionou Eleanor, foi também o seu
maior engano, a decepção que destruiu uma ilusão,
fazendo a herdeira arrepender-se de ter se despido
de seus medos, tristezas e qualquer outro tipo de
máscara diante de Garner.
Brincaram, dançaram, divertiram-se,
confidencializaram segredos invioláveis,
conversaram sem proferir nenhuma palavra, apenas
através dos olhares cúmplices. Dormiram juntas,
uma ao lado da outra, tendo as almas acalentadas
em um caloroso abraço invisível. Compartilharam
muito mais do que um lanche de rua,
compartilharam carinho, amizade e uma conexão
que Eleanor jamais sonhara existir de verdade. Até
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então, aquela sensação de bem-estar, de nunca mais


querer sair de perto de alguém, só existia em
filmes, e ela descobriu que seu coração sentia por
Liv.
"...But then again, if we're not friends
Mas então, nós não somos amigos
Someone else might love you too
Pode ser que outra pessoa também te ame
And then again, if we're not friends
E aí então, se não somos amigos
There'd be nothing I could do
Não há nada que eu possa fazer
No, my friends won't love me like you do
Não, meus amigos não me amam como você
me ama
Oh, my friends will never love me like you
Oh, meus amigos nunca me amarão como
você..."
Há uma hora atrás ela estava feliz, agora já
não possuía tantas certezas. O beijo que Conner
havia dado na comandante, apesar de ter sido no

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calor de um momento propício ao ato, não seria


algo do qual ela se arrependeria, já que era
totalmente de sua vontade. No entanto, com a fuga
da mais nova, tudo ficou obscuro, confuso,
trazendo à tona a Eleanor magoada, ressentida,
amargurada. Olívia a fez se abrir para um novo
mundo, e a mesma Olívia a fez se fechar outra vez.
Com uma mão a loira deu-lhe a chance de viver,
tirando pouco tempo depois com a outra. Se ao
menos Pauline estivesse lá para que a morena
pudesse desabafar, pudesse conversar, talvez o
sentimento ruim que se instalara em seu peito,
pudesse ser dissipado com uma maior rapidez.
Obviamente que a filha do Sr. Alexander jamais
citaria nomes, mas divagar sobre as desmazelas do
dia a dia, tal como faziam por algumas aleatórias
vezes, seria de grande valia naquele momento.
Raivosa por conta da confusão mental e de
sentimentos complexos dentro de si, Conner jogou
a jaqueta longe, encolhendo-se debaixo dos lençóis
macios de tecido importado que ainda carregavam
o perfume de Garner.
- Desgraçada! Por que me fez sentir tudo
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isso? Por que juntou os meus cacos para quebrá-los


de novo?

************
Liv não estava com um bom humor, e seu
semblante sisudo denotava o estado de espírito que
gritava dentro de si. Isso sempre acontecia quando
dormia mal, no caso, quando não dormia. Em um
dado momento da madrugada, depois de externar
todos os seus infortúnios para a amiga, depois de
querer estar com Eleanor e “desquerer”
instantaneamente, resolveu retornar à Casa Branca.
Só soube que tinha sido uma péssima idéia quando
verificou as horas no seu celular e descobriu que já
devia iniciar suas atividades laborais, sendo que
suas pálpebras nem ao menos haviam se fechado
por segundos para descansar.
Sem muito ânimo, a loira levantou da
pequena cama e pôs-se a fazer sua higiene matinal
e a se arrumar. Não como rezava a sua rotina diária,
pois nada mais seria como antes. Fazia por instinto,
no modo automático, apenas em cumprimento de
um compromisso.
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Garner tomava café da manhã no refeitório


em companhia de alguns agentes. Não havia dito
mais nenhuma outra palavra depois do ríspido
"bom dia". Sentou-se na mesa mais isolada que
conseguiu e ali permaneceu à se alimentar em uma
quase solidão poética. Não fazia isso somente por
antipatia e irritação com as vozes alheias, ou
“autoproteção” para não enervar-se ainda mais.
Fazia para deixar os outros à salvo de sua
indisposição, que beirava aos níveis inimagináveis.
- Comandante... - Um dos homens da equipe
de segurança escalada para auxiliar Olívia naquele
dia, aproximou-se receoso, pigarreando para
chamar a atenção. A loira apenas pôs a termo a sua
mastigação, erguendo a cabeça à olhar para o
indivíduo - Hum...desculpa interromper, mas é que
a Srta. Conner está indo para a sala de jantar.
- O que? Mas... por que tão cedo? Ela está
bem? - Imediatamente, Liv levantou-se, limpando
os cantos da sua boca.
- O motivo exato eu não sei. Ela apenas
dispensou o desjejum em seu quarto, alegando que
havia passado tempo demais lá dentro. Sei que não
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é para alarde, porém eu...


- Você fez bem... fez muito bem. - A
comandante esboçou o primeiro sorriso do dia -
mesmo a contragosto e claramente fingido - ao
passo em que dava tapinhas no ombro do seu
subordinado.
Ela não esperou retruques, e nem deu ao
homem e a mais ninguém a chance de interação.
Saiu em disparada rumo à sala de jantar. Seu
coração apresentava-se arrítmico, bem como a sua
freqüência respiratória. A loira não sabia se estava
preparada, se seria bom ou ruim ver Eleanor
naquele instante, mas pelo sim ou pelo não,
contando que era a sua função estar ali, ela
apressou-se em aguardar pela morena de pé, do
lado de dentro do cômodo, próximo à janela. O
mordomo já havia preparado a grande mesa, e
esperava pela filha do presidente. Um, dois, cinco,
dez minutos. A expectativa parecia uma tortura,
ainda mais para Garner. O fato de desconhecer,
tanto as suas reações quanto as de Conner, o
descontrole emocional que se dava em ambas, a
enlouqueceria de vez. Ela nunca tinha passado por
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isso antes, sendo a surpresa, a novidade, nada


atrativa em sua opinião.
De repente o som dos saltos tilintando no
assoalho de cor amarronzada, fez-se ouvido,
causando nova onda de furor na comandante.
Buscando seus ensinamentos técnicos, aprumou a
postura, mantendo-se com o rosto impassível, sem
demonstrar uma emoção sequer.
- Bom dia. - O tom de voz de Eleanor era
rude e não houve nenhum contato visual direto por
parte dela direcionado à loira.
- Bom dia, Srta. Conner. - Quem respondeu
foi o homem magro e de aparência cansada,
adiantando-se em serví-la assim que se sentou.
Garner resguardou-se ao direito de
permanecer calada. Após alguns minutos com o
som apenas da louça e dos talheres utilizados pela
herdeira, a comandante não mais agüentou
sustentar sua indiferença. Fazendo um sinal
discreto para que o mordomo se retirasse do
recinto, a loira respirou profundamente buscando
por ar e coragem. Circunspecta, ela aproximou-se
da mais velha na tentativa de barganhar respostas
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através de um diálogo rápido, conciso.


- Srta. Conner, eu... nós... precisamos
conversar. - A morena reservou o garfo e a faca
cruzados sobre o prato, lançou um olhar fulminante
para Olívia, pegou o copo de suco, retornando a
comer seu croissant, ignorando completamente a
investida de Garner - Eleanor, não faz assim. Por
favor. Eu só... são apenas algumas palavras.
- Não há nada para se falar, comandante
Garner.
Antes que a mais nova pudesse retrucar, uma
moça de estatura mediana, cabelos longos, lisos e
negros, de traços asiáticos, adentrou ao local,
obrigando Liv a reposicionar sua postura corporal e
de atitude.
- Bom dia. - Sua voz doce e firme ao mesmo
tempo ecoou pela sala, fazendo Conner sorrir
levemente.
- Bom dia. Anna, não é? - A herdeira
levantou-se, estendendo a mão em cumprimento -
Como a personagem da Disney, irmã de Elsa?
- Sim, muito prazer, Srta. Conner.

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- É... não dá para entender o porquê de seu


nome. - Ironizou a herdeira presidencial, fazendo
referência à aparência física da moça, que não
ousou retrucar. Apenas sorriu, abaixando o olhar
para a caderneta que carregava em suas mãos.
Garner, por sua vez, revirava os olhos internamente
para a cena, se é que isso era possível - Bom,
tivemos ótimas referências suas, passou pelo crivo
da segurança... veio do Capitólio, não? - Eleanor
comentava no mesmo instante em que degustava
um pedaço de maçã.
- Exatamente. Eu estava trabal... - A morena
interrompeu-a com um movimento da destra.
- Querida, foi uma pergunta retórica. Sei mais
de você do que você mesma. - Terminando a
refeição, Conner afastou o prato, suspirando
satisfeita.
- Desculpa. - Anna retirou da bolsa uma pasta
fina, transparente, com o emblema da presidência
estampado ao centro, entregando-a para a mulher à
sua frente - Essa é a sua agenda de compromissos
da semana que vem. Terá que dispor de...
- Obrigada. Se eu tiver alguma dúvida,
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comunicarei. - Outra vez Eleanor interrompeu sua


nova secretária pessoal, levantando-se, afastando a
cadeira e saindo do recinto com o ar imperativo que
lhe era peculiar.
- Ela é sempre assim? - Anna sussurrou para
Liv, que não pôde responder devido à um chamado
no seu dispositivo comunicador.
- Comandante Garner, o Sr. Henderson está
na residência. Acabou de chegar.
- O governador? O que ele veio fazer aqui?
Ninguém me transmitiu nenhuma informação
prévia à respeito dessa visita. O Sr. Conner nem se
encontra presente...
- Não é o governador, e sim seu filho, David.
"Mais essa! Bela manhã de trabalho, Olívia
Garner!" A loira pensou, ao olhar para a moça ao
seu lado e se deparar com sua cara de
desentendimento. O dia mal havia iniciado seu
ciclo, e ela já estava sendo obrigada a lidar com
acontecimentos calamitosos, sendo o maior e pior
deles, o fato de ter que encarar o entojado herdeiro
dos Henderson.
Liv trabalhou por tempos na segurança da
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família, e o homem fazia o tipo indiferente para ela.


Não a inspirava nenhum sentimento, sendo ele bom
ou ruim. A neutralidade diante da sua presença
mudou repentinamente e sem explicações
aparentes. Como em um truque de mágica, a loira
passou a não suportá-lo, irritando-se somente com
o fato de ouvir o seu nome.
Caminhando apressada até a sala de visitas, a
comandante cessou sua investida ao ver David
abraçado à Eleanor. O homem acariciava as costas
da morena e, sem nenhuma cerimônia, levou a mão
esquerda ao seu pescoço para firmar sua cabeça,
dando-lhe um beijo - que por sinal foi longo em
demasia na opinião de Garner - bem no canto
direito de seus lábios.
- Bom dia, minha querida. Vim para lhe ver.

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Capítulo 19 – O erro mais


lindo que já cometi
Valentin Louis Georges Eugène Marcel
Proust foi um escritor francês, mais conhecido pela
sua obra À la recherche du temps perdu, publicada
em sete partes entre as décadas de 10 e 20 do
século passado.
Olívia conhecia bem esse homem de mente
brilhante, apresentado por sua mãe quando esta a
presenteou com uma de suas obras mais influentes
em sua opinião: Du côté de chez Swann.
Além de influenciá-la no aprendizado de
outras línguas, Marcel tinha citações que sempre
cabiam a situações atuais, como se falasse
diretamente à cada pessoa. Uma delas parecia ter
sido pensada sob medida para a loira: "É espantoso
como o ciúme, que passa o tempo a fazer
pequenas suposições em falso, tem pouca
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imaginação quando se trata de descobrir a


verdade."
A comandante, no canto esquerdo da sala,
manteve-se em uma de suas posições costumeiras:
coluna ereta, mãos cruzadas e postas na traseira de
seu corpo e o olhar atento, porém imperturbável.
Se por fora ela aparentava não estar
susceptível à padecer de qualquer emoção, por
dentro ela rasgava-se em um misto de raiva e
inveja. Sim, inveja. Inveja do Sr. Henderson, filho,
que detinha toda a atenção de Eleanor no momento.
Se não fosse por sua aparição repentina,
provavelmente Olívia teria convencido a herdeira a
ouví-la, a permitir uma explicação sobre o que
houve entre elas no dia anterior. Mas não. Agora a
morena estava toda aberta a sorrisos nos braços do
homem que não passava de um imbecil com
intenções ilusórias, flertando deliberadamente,
sabe-se lá com quantas maldades na cabeça, e
Garner, por sua vez, tendo que "engolir" a cena.
Era a paga pelo seu deslize, ou pelo o que
imaginava que tivesse sido um engano.
- Soube que você estava doente, querida. -
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David dizia enquanto sentavam-se nas poltronas,


uma em frente à outra - Vim verificar à quantas
andava o seu estado de saúde.
- Oh, não precisava se preocupar. Estou bem
melhor. Foi somente uma indisposição passageira,
nada grave. - Eleanor suspirou, voltando a sua
atenção para a agente especial - Poderia, por favor,
deixar-nos à sós, comandante? Não vejo
necessidade de sua vigilância nesse momento.
A loira entreabriu os lábios para responder,
mas prendeu o ar antes que as palavras pudessem
ser proferidas, pois o suposto cavalheiro presente
adiantou-se na fala.
- Não se preocupe, Eleanor. - Ele buscou por
uma das mãos da mulher, que repousava em sua
coxa - Serei breve. Já que está bem, que tal uma
partida de golfe para distrair?
- Golfe? - A morena indagou, não por
surpresa, mas para reafirmar a si mesma ao que
teria que se prestar fazer mais uma vez para manter
as aparências.
- Sim. Você adora, não?
- Claro! Um dos meus hobby’s preferidos. -
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A bufada discreta de insatisfação passou


despercebida por Henderson, porém não pela loira.
A filha do Sr. Alexander levantou-se, caminhando a
passos lentos em direção à Liv. Um olhar
encontrando no outro as intenções ocultas, soltando
faíscas invisíveis, podiam conversar em silêncio
como em tantas outras vezes fizeram, mas o contato
visual foi interrompido abruptamente pela mais
nova que passou a mirar um ponto qualquer do
chão - Comandante, iremos ao East Potomac. É
isso mesmo, não é, David? - O homem assentiu -
Providencie nossa saída em instantes, por favor.
Meu bem, irei me trocar. Prometo não demorar
mais do que dez minutos.
- Fique à vontade, querida.
- Srta. Conner, com licença. - Garner dirigiu-
lhe a palavra - Prefere ser conduzida em qual
veículo? - A morena alternou a atenção do homem
para Olívia.
- Irei com o Sr. Henderson. Pode seguir atrás
com o carro que quiser.
- Creio que isso não será possível. Devo
relembrar de que necessito acompanhá-la de perto.
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Franzindo o cenho com a réplica petulante da


mais nova, Eleanor sentiu uma pontada de raiva
pelo possível desacato que se iniciava ali.
- Eu irei com o Sr. Henderson e você irá no
carro que bem entender, comandante Garner. Isso é
uma ordem.
Nesse instante, a loira suspirou fundo,
mirando bem dentro dos orbes castanhos da
mulher. Há muito haviam passado daquela fase.
Cruzaram a linha tênue entre a antipatia latente e o
desejo crescente. Tinham estado do outro lado do
muro, onde deram vazão à beleza da insanidade
momentânea, gozando de todo o prazer que ela
trazia consigo. Contudo, por infelicidade das
malditas circunstâncias extenuantes, ali não se
tratavam da Eleanor e da Liv do dia anterior, e sim
da filha do presidente e de sua segurança particular,
sem nenhum outro condicionamento.
- Peço desculpas, senhorita, mas a ordem
maior e direta vem de seu pai. Para o seu melhor
conforto, sugiro que sigamos na limusine.
- Mas o que...
- Eleanor, eu irei com vocês na limusine. O
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meu pessoal seguirá atrás. Resolvido. Devemos


priorizar nossa integridade física. Garner tem razão.
- A loira deveria agradecer ao homem pelo apoio,
mas ao contrário disso, enojou-se com a fala mansa
e ardilosa do mesmo.
- Tudo bem. - A mais velha limitou-se a
somente essa concordância, saindo do recinto
pisando firme, aumentando o impacto dos seus
saltos no piso, o que fez o som ecoar com maior
intensidade pelos corredores.
Assim que se viram sozinhos, antes que
David pudesse se pronunciar à respeito do que
acabara de se passar ali, Olívia meneou com a
cabeça, em um gesto de pedido de licença para se
retirar.
A loira foi até a sala de comando da
segurança, encontrando os seus agentes discutindo
as coordenadas do dia.
- Esqueçam os esquemas que planejamos
anteriormente. A Srta. Conner resolveu sair. A
equipe 1 irá atrás de mim, a equipe 2 acompanhará
o carro com o pessoal do Sr. Henderson. Temos
três possíveis rotas até o East Potomac. - Liv
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sentou-se frente ao computador mestre, digitando


os códigos referentes ao endereço, mostrando aos
rapazes no telão, as ruas pelo qual andariam em
caravana - A limusine fará o caminho secundário.
O resto, vocês já sabem.
Assentindo, cada um tomou o rumo que
deveria para estarem à postos o quanto antes, não
sendo permitido fazer a herdeira esperar.
Em seus aposentos, Eleanor mantinha-se
apática, paralisada frente à parte de seu closet onde
ficavam penduradas as suas roupas de esporte.
Pensava na loira e em sua mudança de
comportamento. Não parecia a mesma mulher
admirável que a fez gargalhar, que sujou seu rosto
de sorvete, que lhe ensinou golpes de boxe, e que
se mostrou como o ser humano mais bonito e
apaixonante que já havia conhecido.
Um sorriso formou-se nos lábios de Conner
ao lembrar-se de tantos momentos agradáveis pelo
o qual passou em companhia da comandante. Mas
tão logo veio à sua mente a imagem do beijo dado
entre elas, o sentimento ruim por ter sido outrora
ignorada pela mais nova, apossou-se novamente da
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herdeira.
Eleanor escolheu um conjunto qualquer de
short e camiseta branco, desses que mesmo não
sendo tão bonitos, deixam a mulher atraente pelo
estilo esportivo; um tênis e um boné compuseram
suas vestimentas. A morena, apesar de possuir um
nível de animação abaixo de zero, deveria
sacrificar-se mais essa vez pela imagem que tinha a
zelar, pelo agrado que faria aos seus pais quando
soubessem, e pela desaprovação que notou através
das atitudes de Garner.
- Não é só você que pode me divertir,
comandante.
Todos já estavam à postos no hall próximo à
saída por onde os carros partiriam, quando a filha
do presidente apresentou-se no local, pronta para o
passeio. A agente federal não quis delongar-se com
aquela tortura - tão logo começasse, tão logo
terminaria - portanto, colocou todos para agir
imediatamente. Entraram em seus devidos carros e
seguiram, conforme instruções prévias, para o
campo de golfe.
Com vistas para os Parques National Mall e
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Memorial, East Potomac oferecia um jeito único de


admirar as famosas paisagens de Washington, D.C.
sem enfrentar as multidões. Construído na década
de 1920, o campo apresentava um total de 36
buracos, sendo dezoito na área Blue, e nove na
White e Red, cada.
Finalmente, após longos vinte minutos
aproximadamente, a limusine estacionou ao chegar
a uma falésia que dava para o lago. Percebendo que
Conner parecia concentrada em demasia no que via
fora da janela - como se seu corpo estivesse ali,
mas sua mente vagueasse por terras longínquas -
Henderson repousou sua mão na coxa esquerda da
mulher, chamando assim a sua atenção.
- Está tudo bem? - Indagou o homem, afoito.
- Oh, sim, está. Penso que, apesar de gostar
muito do esporte, há tempos não pratico. E o que eu
faço se a bola cair na água?
- Não pense que vou pedir para que busque.
Só vamos brincar. E se perder uma bola, temos
outra. O que não faltam são os acessórios do jogo
por aqui.
Saíram do automóvel, e Eleanor sorriu ao ver
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a eficiência dos funcionários do local que logo se


prestaram a trazer, em um carrinho, todo o material
necessário. Só então foi que ela reparou que David
parecia ter premeditado aquele passeio, pois, além
de sua vestimenta estar devidamente adequada para
a ocasião, todo o resto mostrava-se
antecipadamente ajeitado para a sua chegada.
- Podemos começar logo? - A morena deu de
ombros para a sua desconfiança - Meu único
desagrado é o deslocamento excessivo.
- Mas temos o carrinho...
- Mesmo assim. É um pouco exaustivo, na
minha opinião.
Caminharam alguns passos com os agentes
em seus encalços, bem como Garner. A loira
observava atenta a cada microssegundo de
movimento tanto do casal, quanto no raio de
distância em torno deles, que seus olhos eram
capazes de alcançar. De todas as vezes que teve que
acompanhar David, quando ela compunha a equipe
de segurança do governador, e dos locais onde
esteve de guarda da herdeira, aquele era, de longe,
o mais enfadonho e enojante. Nem quando ficou
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parada, de pé, por horas no almoço beneficente


com Conner e a primeira-dama, sentiu tanto
descontentamento assim. Mas seu profissionalismo
sempre falava mais alto. Gostando ou não, aquele
era o seu trabalho, vivia e sobrevivia de assegurar a
integridade de Eleanor, e sob qualquer
circunstância, ela o faria.
- Aqui está perfeito. - Disse o homem,
estendendo um taco para a morena, pondo-se ao seu
lado em seguida.
A herdeira esteve a ponto de retrucar, e
informar-lhe que se não se afastasse um pouco dela,
não seria capaz de concentrar na tacada. No
entanto, David não parecia afetado com o contato
entre seus corpos, aproximando-se ainda mais. Ele
colocou os braços em volta dela, segurando em
suas mãos para relembrar-lhe como mover o taco,
uma vez que a mulher confessou estar
desacostumada com os movimentos.
- Lembre... - Sussurrou ao ouvido - ... quando
fizer um backswing não mexa o corpo mais
devagar que o taco, e para fazer o downswing, não
se mexa mais rápido.
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Ensaiaram diferentes batimentos durante os


minutos seguintes, embora Eleanor já demonstrasse
visivelmente a sua total impaciência e frustração
com Henderson roçando em suas costas.
- Muito bem. Quando iremos começar a jogar
para valer? - Ela finalmente indagou, e se pudesse
captar os pensamentos da comandante, ouviria algo
do tipo "por mim poderia encerrar nesse exato
momento".
- Não devia me perguntar nada à essa altura
do campeonato. - David murmurou, colocando a
cabeça tão próxima de seu ombro direito, que ela
podia sentir a sua respiração ricocheteando em seu
pescoço.
A morena gargalhou alto e em tom de
deboche, ao mesmo instante em que se afastou,
virando de frente.
- Lamento imensamente, mas... quando
iremos começar a jogar de verdade? Já me cansei
de treinamentos. Não sou uma principiante,
querido. Chega de rememorizações. Preciso de
emoção.
Com o sorriso sedutor nos lábios, que lhe era
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peculiar, Eleanor foi dando alguns passos para trás.


Distraída, não atentando para o fato de que ali
havia um relevo no solo e ao lado um pequeno
buraco, a filha do Sr. Alexander embolou um pé no
outro, tropeçando e caindo no chão.
- Eleanor! - Sem se preocupar com
formalidades, Garner correu até a mulher que
resmungava de dor.
David, por sua vez, abaixou-se de imediato,
fazendo sinal para que um de seus homens se
aproximasse.
- Ai, nossa... isso...dói. - Conner balbuciou,
levando a mão à perna esquerda.
- Onde exatamente está doendo? - A loira
mantinha-se de cenho franzido e respiração
levemente ofegante, tamanha a sua preocupação
com a mais velha.
- Precisamos levá-la ao posto médico. Claus,
ajude aqui, por favor.
- Não. - O tom de voz da comandante era
incisivo - Não podem movê-la sem um prévio
exame.

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- Você não tem conhecimentos clínicos para


isso, Garner. Pode ter sido algo sério. Eleanor
precisa de um profissional a avaliando. Você pode
saber manusear uma arma com maestria, mas não
creio que seja capaz de diagnosticar uma
enfermidade, seja ela qual for.
À princípio, a loira pretendia ignorar o
embuste ao seu lado, no entanto, o homem insistia
em levar Conner dali à todo custo. Respirando
profundamente, Liv encarou-o com um olhar
desafiador.
- Com todo o respeito que lhe devo, Sr.
Henderson, não me conhece o suficiente para
afirmar o grau dos meus conhecimentos médicos ou
do que quer que seja. Dependendo da lesão, se a
Srta. Conner tiver quebrado um osso, desposicioná-
la da maneira incorreta, pode agravar seu estado
clínico, tendo conseqüências graves
posteriormente. Eu estive em treinamento durante
anos em simulações de campos de guerra. Sei
muito bem o que estou fazendo. E onde o senhor
esteve? Meu trabalho é proteger a filha do
presidente, e não machucá-la.
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Como a sua sagacidade era apurada desde


pequena, Eleanor logo se deu conta do que
acontecia ali entre David e Olívia. A dor não lhe
permitiria rir, mas por dentro estava em polvorosa.
Pareciam duas crianças brigando pelo brinquedo
favorito. Seria cômico se não fosse trágico, e apesar
da situação requerer um trato imediato, a diversão e
seu ego inflado, fez a morena distrair-se por alguns
segundos, até as rusgas aumentaram de intensidade
com a tréplica de Henderson.
- Você é muito petulante. Bem que...
- David, a comandante tem razão. Não
pretendo ficar entrevada em uma cama. Deixe que
ela faça o seu trabalho corretamente. - Tanto
Conner quanto Garner esboçaram um leve sorriso
ao ter seus olhares se cruzando.
- Aparentemente é só uma torção e essa
escoriação. Não há deformações, hematomas ou
dormência, portanto, sem preocupações maiores,
graças à Deus. Um acidente leve. - A loira pontuou.
- Obrigada. - Eleanor agradeceu, sorrindo,
mas logo desfez a simpatia de seu semblante ao
ouvir o bufar de Henderson ao seu lado.
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- Eu te ajudo a levantar. Se apóie em meu


pescoço. - A mais nova mantinha a fala suave,
mansa, à fim de não alarmar a morena.
De prontidão, David pôs-se do outro lado de
Conner à fim de auxiliá-la.Liv, mais uma vez, teve
que engolir em seco a sua presença, prendendo a
respiração em busca de paciência. Concentrou-se
apenas em oferecer o maior conforto possível para
a herdeira, ajeitando-a no carrinho.
Não demoraram mais do que cinco minutos
para serem atendidos na enfermaria. O médico
plantonista fez praticamente os mesmos prévios
exames que Garner, reafirmando suas suspeitas de
que era apena uma torção. Isso a fez sorrir
internamente, não resistindo em lançar um olhar
sarcástico para o homem que nitidamente cuspia
marimbondos por conta do início de um leve acesso
de cólera pela sua insolência.
Por desencargo de consciência, Eleanor foi
levada para uma avaliação mais específica dentro
da sala de raio x. A herdeira preocupou-se em
deixar as duas "crianças" sozinhas, mas logo
desanuviou de seus pensamentos quando o celular
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de Henderson começou a tocar insistentemente,


obrigando-o a se retirar do local para atender a
chamada.
- Oi... (...) É... consegui sim. (...) Mas acabou
acontecendo um imprevisto. (...) Nada... escuta! –
O homem parecia impaciente e nervoso em
demasia – (...) Não posso falar agora. Preciso
conversar à respeito de algo que...(...).
Garner, inevitavelmente, ouviu parte da
conversa antes do embuste afastar-se totalmente.
Aquelas poucas palavras a intrigaram, deixando o
seu sexto sentido em frisson.
Coincidentemente, ele retornou no mesmo
instante em que Conner era trazida em uma cadeira
de rodas pelo enfermeiro.
- Está tudo bem, querida? - David indagou,
sorrindo ternamente.
- Está sim. Só preciso não esforçar demais
nos dias que se seguirão. - A morena respondeu,
estendendo a mão para que ele a ajudasse a se
levantar.
- Menos mal. Eu... tenho uma notícia não
muito agradável.
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- O que foi? Algum problema sério? Eu fui


tirar o raio-x e te vi ao telefone...
- Ligaram do Capitólio. Preciso ir até lá com
a máxima urgência. Essa guerra velada entre
republicanos e democratas ainda vai levar esse país
ao caos total.
- De velada essa guerra não tem nada.
- Já faz um tempo que a China e alguns
países asiáticos estão passando por uma situação
calamitosa com relação à importações. Isso vem
refletir em nós e no BIRD. Será que pode me
perdoar por encerrar o nosso passeio mais cedo do
que o esperado?
- Não se preocupe com isso, David. Eu já
tinha estragado o dia com minha queda. Obrigada
pelo convite. Foi pouco o tempo, mas me diverti
bastante.
- Espero poder ter outra chance de sairmos
juntos. - Eleanor não se prestou em responder.
Apenas sorriu constrangida, desviando seu olhar do
dele - Ficará bem?
- Sim. Até outro dia.

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- Até breve. - O homem pendeu o corpo para


frente, repetindo o ato de mais cedo, beijando o
canto dos lábios carnudos e avermelhados da
herdeira.
Garner teria bufado insatisfeita com a cena
deprimente de cordialidade e galanteio forçado ao
qual estava sendo obrigada a presenciar, se não
fosse pelo fato de David estar indo embora.
Finalmente ela ficaria livre do incômodo que lhe
causava e que nem ao menos sabia exatamente o
porquê. Aliás, até sabia, porém não podia ser
justificado.
“Ridículo! E nem ao menos é cavalheiro. Tira
uma dama de casa e não a leva. Menos mal. Esse
papel de zelar por Eleanor é meu mesmo.”
O retorno para casa deu-se em total silêncio,
salvo por vez ou outra, pela morena balbuciando
algumas palavras praticamente ininteligíveis por
conta da dor que sentia.
Assim que a limusine estacionou frente à
entrada leste da Casa Branca, Liv adiantou-se em
abrir a porta para a mais velha, no intuito de
auxiliá-la à sair do veículo.
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- Eu estou bem, comandante. Do jeito que


anda agindo, mais parece que amputei as minhas
pernas. Não preciso ser carregada, nem quero que
me cerque dessa maneira. Eu posso andar sozinha.
A dor amenizou consideravelmente e é um exagero
de sua parte todo esse cuidado. Não tenho cinco
anos. Deveria atentar apenas à minha segurança.
Não é paga para ser a minha babá.
- Eu só... - Lembrando-se de que estavam
cercadas por pessoas alheias à intimidade que se
dava entre elas, sem proferir mais nenhuma
palavra, a loira deu dois passos para trás, afastando-
se da filha do presidente para que a mesma seguisse
o caminho até dentro da residência.
Mantinham-se emudecidas, rodeadas por um
clima denso, completamente diferente de outrora.
As mulheres haviam entrado em um jogo invisível
de dominância da razão e orgulho latente.
Ignoravam uma à outra. Coisa para poucos, tido
quase como uma arte, a capacidade de conseguir
ignorar o que se é ignorável. Não é qualquer um
que tem esse dom. Necessita-se possuir uma
personalidade forte, objetividade, seriedade e,
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acima de tudo, cacife para suportar as


conseqüências. E isso, Olívia e Eleanor tinham de
sobra. A questão era saber até quando perduraria a
brincadeira infantil de pirraça, já que nenhuma das
duas estava disposta a perder. Contudo, todo aquele
silêncio, com tanto a se dizer, denotava arrogância
e presunção da parte da morena, já que a
comandante havia tentado uma aproximação mais
cedo, sendo apologista de dar o braço a torcer,
quando, por muito que lhe possa ter custado
admitir, constatou que não estava certa em ter
fugido da forma como fez.
Mas existem pessoas que teimam, levando os
outros a desistir por cansaço, e que, ainda não
satisfeitas, gostam de apostar, como se estar
disposto a ganhar ou a abdicar do objeto de aposta,
fosse sinônimo de ter ou deixar de ter razão. Essa
era Eleanor, porém a Eleanor anterior à chegada de
Olívia.
Partindo da premissa de que "mais vale ser
feliz do que ter razão em tudo", Conner atentou
para o fato de Garner ser o motivo recente de suas
alegrias e de alguns dissabores. E se a mais nova
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era capaz de lhe causar esse misto ambíguo de


sentimentos, seria capaz de explicar o que estava
acontecendo entre elas.
Quando passaram pelo salão de jogos, a
herdeira interrompeu seus passos lentos e
doloridos, virando-se de frente para a loira. Seu
semblante ainda era sisudo, mas seu tom de voz
estava bem mais ameno.
- Sabe jogar xadrez, comandante? - A
pergunta soou tão fora de contexto quanto batata
frita com sorvete. Se bem que o último termo trazia
um sabor agradável, diferente do clima instalado no
ambiente.
- Sei.
- Então jogue uma partida comigo.
- Não creio que isso seja conveniente, Srta.
Conner. - Devolver o trato na mesma moeda pode
não ser válido em muitos casos, uma vez que se
rebaixa à infantilidade do outro, mas ali funcionou.
Foi quase uma atitude estrategicamente bem
sucedida.
Eleanor estreitou os olhos antes de erguer a
sobrancelha esquerda e puxar uma grande
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quantidade de ar para seus pulmões, prendendo-o


em sinal de frustração.
- Eu creio que está com receio de perder para
mim, e não preocupada com inconveniências.
Jogue uma partida comigo. - A morena provocava a
comandante deliberadamente, não esperando por
outro manifesto por parte da outra.
Conner foi tomando sua posição na cadeira
frente à mesa onde estava o seu Paul Smith Limited
Edition Chess Set, feito à mão e decorado com uma
barra lateral com tiras de couro coloridas,
marcando o famoso design do estilista inglês. O
topo do tabuleiro era todo em couro branco e preto
com costura cinza, e as peças laqueadas em bege e
roxo.
Iniciaram a partida. Logo de cara, Eleanor
percebeu que teria trabalho para ganhar da mais
nova, que se mostrava uma boa estrategista. Garner
movimentava-se com tamanha maestria que durante
toda a partida obrigava a morena a apenas resolver
problemas táticos no tabuleiro, levando-a a
praticamente abdicar do ataque, exceto nos
momentos em que Liv sacrificava uma de suas
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peças para impor uma nova e mais concreta


ameaça. Tiveram alguns erros básicos de abertura,
mas foi um jogo interessante de "gato e rato", com
um sacrifício final que concedeu a vitória à
comandante.
- O que aconteceu entre nós foi errado. -
Garner iniciou a sua fala logo após o xeque-mate -
Eu nem devia ter feito o que fiz te tirando daqui
sem os devidos cuidados. Arrisquei, além do meu
emprego, nossas vidas. - A loira circundou o local
com o olhar à fim de verificar se estavam mesmo à
sós – Aquele beijo me assustou e eu simplesmente
fugi acovardada. Eleanor, eu... eu nunca quis
magoá-la. Nunca! Jamais foi a minha intenção. Eu
queria te pedir desculpas por ter saído do seu quarto
daquela maneira tão abrupta e estúpida. Acho que
devíamos mesmo conversar sobre isso.
A herdeira, que ouviu as breves palavras da
mais nova enquanto brincava com uma das peças
do jogo de xadrez, ergueu o olhar, encarando as íris
esmeraldas cheias de expectativas na sua frente.
- Eu estava transbordando felicidade, Olívia.
Eu sentia como se estivesse à beira da morte, em
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meu último dia, vivendo tudo o que não vivi em


mais de trinta anos. A euforia, o calor do momento,
me fez te beijar, mas eu não me arrependo. E não
me importa a sua reação, eu jamais me
arrependerei, pois eu quis fazer aquilo. Eu quis te
beijar, Garner. Isso não pode ser errado. - Liv teve
que engolir em seco ao notar os olhos marejados da
mais velha. Ver aquela mulher chorando
assemelhava-se a sentir uma dor aguda no
estômago, como um soco. Eleanor não nasceu para
chorar. Cabia em seu rosto perfeitamente
desenhado pelos deuses, apenas o sorriso genuíno,
do qual a comandante foi testemunha por algumas
vezes no dia anterior - Durante toda a minha vida
eu fui privada de vontade própria, e por algumas
horas fiz somente o que eu bem quis. Nunca
interpretei nada errado, Olívia. Você não me deu
supostas condições para que eu imaginasse
absolutamente nada. Eu não sou uma adolescente
idiota. Não me confundi. Naquele momento eu
senti que te beijar era o certo a se fazer... e fiz. Eu
sabia que o seu "Je ferais tout pour vous"
significava mais do que uma simples frase.

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- Eu... só... tentei reproduzir o que o rapaz


estava falando no filme. Como não sou uma exímia
entendedora da língua...
- Tem certeza? Mentir para mim faz parte do
seu trabalho? - Conner mirava o semblante de
Garner estudando suas feições de forma tão
inquiridora, que a desconcertou de imediato.
- Eu não sei do que está falando...
Eleanor tirou do bolso do casaco preto que
usava, seu aparelho de celular. Abriu a pasta de
documentos, mostrando um arquivo para a loira, o
qual ela bem conhecia.
- Não é só você que tem o poder da
onipotência, que tem os contatos certos e sabe de
tudo o que acontece o tempo todo. Esqueceu quem
eu sou? Posso descobrir o que eu quiser, Garner.
Bastou um telefonema de dois minutos para o
histórico de toda a sua vida vir parar no meu
telefone. Você é uma exímia entendedora da língua
francesa sim. Vai continuar negando que "eu faria
qualquer coisa por você" é apenas uma frase de
filme?
- Não. - A comandante ruborizou de
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imediato.
Suas bochechas avermelhadas a deixavam tão
graciosa quanto uma bela flor bailando na brisa de
um fim de tarde em dia de verão. Conner mais uma
vez estava próxima o suficiente para notar os
detalhes do lindo rosto da loira. As sardinhas
discretas, a cicatriz abaixo do sobrolho esquerdo, os
lábios finos de textura macia, sabor doce, que
causavam explosões de sentimentos dentro de si.
Emoções nunca antes experimentadas, e que ela
daria tudo o que tinha para sentir novamente.
Eleanor riu de toda aquela graciosidade. A
comandante durona que enfrentou homens
fortemente armados, agora não passava de uma
garotinha constrangida... e linda.
- Garner, eu sei que um "nós" nunca existiu e
nem existirá. Imagine...você se rendendo à paixão
por uma pessoa como eu? E eu por você? É mesmo
descabido, inconcebível. Somos de mundos
diferentes. Você tem razão. Foi um erro. Não tem
como gostar romanticamente de alguém nessas
condições.
- Tenho razão? Não tem mesmo como nos
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apaixonarmos, como gostarmos romanticamente


uma da outra?
"Um olhar diz tudo". Isso é a mais pura
verdade, e aquelas mulheres estavam ali para
provar. Seus pequenos gestos, as simples trocas de
olhares tinham muito a dizer.
Nenhuma situação é completamente
previsível. Aqueles que prevêem tudo, que agem de
maneira extremamente metódica, simplesmente
perdem o gosto de novas descobertas e não têm a
capacidade de notar a real mensagem que certa
expressão facial quer transmitir. Reações, muitas
vezes são instintivas, imprevisíveis. Nunca se
saberá o sentimento exato de alguém por mais que
essa pessoa tente explicar. O máximo que
conseguiremos é deduzir e nos aproximarmos da
verdade, mas nunca uma verdade absoluta dos
fatos, a não ser que se olhe nos olhos, bem lá no
fundo, fazendo a leitura da alma alheia. Olhares
sinceros, mesmo encobertos por certo grau de
sutileza, não passam despercebidos. Conseguem ser
muito expressivos e altamente penetrantes sem
perder a discrição. Embora a boca profira palavras
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que contenham um significado específico, os olhos


podem demonstrar justamente o contrário.
- Eu... preciso descansar. - Eleanor,
consternada com a vontade enlouquecedora que
estava de se jogar, literalmente, nos braços de sua
segurança, interrompeu o contato visual delas,
preferindo abster-se daquele anseio perigoso.
- Você... não vai almoçar? - E outra vez
reiniciaram o jogo de ignorância mútua.
- Estou sem fome.
Assim que se pôs de pé, Conner sentiu uma
fisgada mais intensa na perna machucada. A careta
denotava o grau de dor que sentia. Liv, por sua vez,
compadecendo-se da situação da mais velha,
apressou-se para auxiliá-la. A proximidade mínima
fez com que o esverdeado cruzasse com o castanho
outra vez, fez com que os perfumes inebriassem os
sentidos uma da outra, fez fluir o que ambas
teimavam em negar.
Garner meneou negativamente com a cabeça,
mas seus lábios estavam tão próximos dos de
Eleanor, que ela não pôde resistir. A loira pousou a
destra no rosto iluminado da herdeira que apenas
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piscava, imóvel. A boca entreaberta da mais velha


foi um convite para a comandante prosseguir. E
assim ela o fez, lentamente, preocupada em não
assustar a outra, que à cada segundo mais, sentia
suas pernas bambearem. Finalmente o roçar dos
lábios fez com que abaixassem suas pálpebras, ao
instante em que uma boca se friccionava na outra.
O toque das línguas era suave e leve como uma
pluma, à princípio. Conectaram-se outra vez, como
se duas fossem somente uma. Um calor que
Eleanor nunca sentira antes começou a incomodá-
la, fazendo com que aumentasse gradativamente a
intensidade do beijo. Ela precisava de mais um
pouco da comandante e não achava tão absurdo
pedir que Olívia precisasse dela da mesma maneira,
que a prendesse em seus braços como fizera no dia
do atentado, como fizera em seu mais tórrido sonho
secreto.
Como se adivinhasse seus pensamentos, foi
exatamente isso que a loira fez. Envolveu a filha do
presidente em seus braços musculosos, ao passo
que acariciava sua nuca, encostando uma testa na
outra.

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- Liv... - Conner murmurou, ofegante.


- Você é o erro mais lindo que já cometi em
toda a minha vida, Eleanor.

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Capítulo 20 – Permitindo-
se
Gostar de alguém é sentir um frio na barriga;
é beijar ávida e calmante, e de vez em quando, abrir
os olhos discretamente para conferir o ambiente e o
sorriso nos lábios da outra pessoa; é adorar dormir
junto, mas acordar na primeira hora do dia seguinte
mantendo os outros compromissos; é tirar do sério,
com a tenacidade de testar o ponto fraco do outro.
Gostar é estar longe e sentir saudades do que ainda
não acabou; é como ter o jogo ganho, mas faltar
apenas uma carta nas mãos. O verbo gostar traz
consigo muitas incertezas e, ao mesmo tempo,
muitas descobertas.
Todas as definições de gostar aplicavam-se à
Olívia e Eleanor, uma vez que ambas estavam
arriscando o desconhecido, enlouquecendo. Suas
atitudes e vontades tornaram-se completamente
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incontroláveis, irracionais. Os erros transformaram-


se em acertos, o ruim transformou-se em bom, a
fome em saudade, e o sono em pensamentos uma
na outra.
E não é que em meio à tudo isso, algo um
pouco maior poderia estar acontecendo? Talvez não
só se gostavam, como também descobririam uma
hora ou outra a paixão aflorando, uma vez que
apaixonar-se é expressar através do olhar o que as
palavras não são capazes de traduzir; é sentir o
sangue a correr nas veias, bem como arrepios com
simples toques; é aproveitar todos os momentos, e
em cada brecha, encontrar uma chance para
satisfazer os desejos; é agir por impulso e depois
arcar com as conseqüências, boas ou ruins.
Apaixonar-se é sentir uma atração incontrolável, é
deixar a vontade carnal sobressair ao teu juízo.
Apaixonar-se é como se nos perdêssemos de nós
mesmos para encontrar-nos no outro.
E onde o beijo entra nessa história? Ah,
poucos prazeres físicos são tão dotados de emoções
diversas quanto um bom beijo, dos demorados,
intensos e saborosos, como o que Eleanor e Liv
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apreciavam naquele momento.


Quando estamos vivendo uma paixão,
quando dois corações resolvem se unir, o
sentimento torna-se tão arrebatador que somente
um beijo dado como forma de selar a ocasião é
capaz de suprir todas as necessidades um do outro.
O ato é de suma importância para determinar o que
virá em seguida, se as línguas precisam serpentear
uma na outra novamente no anseio, ou não.
Definitivamente o beijo que davam era o
ingrediente chave do encontro erótico dos corpos,
da dança sensual que as envolvia, das mãos que
percorriam as curvas suntuosas e por vezes
perigosas, coroando com volúpia e ternura, algo
que todos sabemos qual será a conclusão. As
palavras tornam-se desnecessárias, a demonstração
de afeto, ímpar.
Dizem que o beijo é dotado de três vidas: A
que nasce na alma de quem o dá, a que fica no
coração de quem o recebe, e a que permanece na
recordação de quem dele gostou.
A filha do presidente e sua segurança
particular não só haviam gostado de se beijarem,
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como queriam repeteco várias e várias vezes.


Garner acabou por prensar o corpo de Conner na
mesa de jogos com o seu próprio. Suas mãos
subiam e desciam pelas laterais da cintura da
morena, que se encaixava entre as pernas da outra.
Ouviam-se gemidos baixos e involuntários, dados
durante e entre os intervalos do ato, onde a busca
por ar se fazia necessária.
Aquela procura incessante pelo prazer que
uma língua proporcionava à outra dentro de suas
bocas, foi abruptamente interrompida quando
passos lentos foram ouvidos vindos do corredor. A
comandante afastou-se, ajeitando a roupa e os
cabelos, sendo imitada pela herdeira. O ritmo do
andar, o som que era propagado, não fora
reconhecido, obrigando Olívia a manter-se em
estado de alerta.
– Oh, vocês estão aqui. - Anna deu dois
passos para dentro do cômodo quando passou pela
porta e a viu entreaberta - Desculpem-me se
interrompo algo, mas é que...
– Não interrompeu nada além do que uma
breve explanação da comandante sobre os
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procedimentos de segurança que adotaremos nos


próximos eventos. - Eleanor explicava em tom
ameno, demonstrando normalidade, como seria se a
situação fosse verídica.
– Depois do ataque a minha vigília com
relação à Srta. Conner redobrou. Todo cuidado
sempre foi pouco, mas agora é menos ainda. - As
mulheres estavam tratando tudo como algo
corriqueiro, preservando o semblante imparcial
como se nada tivesse acontecido entre elas, porém
em seus íntimos, estavam em polvorosas, nervosas
pelo quase flagra. A morena mesmo esboçou um
leve sorriso, tendo que engolir a vontade de
gargalhar por conta do olhar repreendedor de Liv -
Hã...senhorita... - A loira reiniciou a sua fala após
um pigarreio - Creio que os detalhes podem ser
explicitados posteriormente, então, se não for
precisar mais dos meus préstimos, irei verificar a
equipe externa.
– Oh, claro, pode ir. Irei mostrar à Anne
coisas imprescindíveis para que ela trabalhe bem,
principalmente depois que minha digníssima mãe
estiver presente. Não queremos D. Beatrice
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desmanchando-se em cólera com ninguém. Me


acompanha? - Conner dirigiu a palavra à asiática.
– Sim, senhorita. - Sorrindo timidamente, a
moça cruzou a sala sob o olhar intimidador de
Olívia.
– Até mais, comandante. - Eleanor provocou,
umedecendo os lábios discretamente.
A loira não se prestou a responder, já que
havia prendido o ar, só soltando quando se viu
sozinha no local.
"Puta merda! O que foi isso?" Garner teve o
seu olfato invadido pelo perfume da morena trazido
por uma brisa vinda da janela. A agente federal
fechou os olhos e sorriu ao se lembrar do sabor do
beijo de Eleanor, da maciez de sua pele, da reação
da outra aos seus toques, do quanto aquilo parecia
tão insano e tão certo ao mesmo tempo. "Você vai
acabar me enlouquecendo, Srta. Conner. Oh,
Olívia! Você está muito, muito ferrada!"

*************
Em seus aposentos, Eleanor mostrava-se com
outro humor, um tanto quanto diferente do que no
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primeiro contato com a nova secretária. Estava


sorridente, tranqüila, parecendo autenticamente
feliz, apesar de ter o seu caminhar dolorido por
conta da torção e da escoriação na perna.
– Bom, Anna, como eu disse anteriormente,
há coisas que são imprescindíveis que saiba. Hã...
vejamos... eu detesto ser acordada. Sou
responsável, tenho ciência de todos os meus
compromissos e não vejo necessidade alguma de
ter alguém me incomodando, seja em que horário
for. - A morena ia falando ao passo que se
acomodava sentada em sua cama.
– Sim senhorita.
– Às vezes gosto que se dirijam à mim pelo
meu primeiro nome, às vezes não. Meu humor é
inconstante e ácido. Terá que aprender a lidar com
isso. Meu pai é um ser iluminado, tranqüilo e pouco
exigente, completamente o contrário de minha mãe.
A primeira-dama vai arrancar a sua cabeça caso aja
fora dos padrões que ela impor, mas esse detalhe eu
prefiro que a mesma lhe informe.
– Hum... desculpa, Srta. Conner, mas... terei
que me reportar à senhora sua mãe também?
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– Não, somente à mim. Ela tem uma pessoa


que cuida dos seus compromissos, no entanto, você
praticamente viverá no meu encalço. Será comum
que vez ou outra ela venha a te pedir para fazer
algo.
– Claro! Claro! Perguntei, pois se fosse
cuidar da agenda de ambas, eu teria que preparar
outro cronograma.
– Você me parece bem eficiente e ágil. Isso é
bom. Ah! Lembrei-me de outra questão... Não sei e
nem me interesso muito em saber como você e os
nossos outros colaboradores tratam a questão da
hierarquia entre si, mas te digo uma coisa: minha
nutricionista e minha segurança estão acima de
qualquer um, se bobear até dos meus pais, já que
uma me alimenta e a outra me protege, coisa que
eles não fazem há tempos. Portanto, o que elas
mandarem deverá ser obedecido sem pestanejar.
– Está falando sério? - Anna franziu o cenho,
achando o rumo daquelas explicações estranho por
demais.
– Não, não estou falando sério. - Eleanor deu
uma breve gargalhada - Quer dizer, em partes.
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Antes quem cuidava dos agentes que trabalhavam


aqui era o Waite. Ele e minha finada secretária
batiam de frente algumas vezes por divergência de
opiniões com relação ao que eu podia e deveria
fazer. Não quero que isso aconteça entre você e a
Srta. Garner. Por mais que muitas das coisas que
ela vá dizer venham a parecer absurdas, pode ter
certeza que aquela mulher sabe exatamente o que é
melhor para mim e para você, conseqüentemente, já
que irá acompanhar-me em alguns eventos.
– Eu entendo. Pode ter certeza que, de minha
parte, não haverá problema algum quanto à isso.
– Ótimo! - Conner suspirou ao ajeitar alguns
travesseiros atrás de si - Bem, como pode ver,
aconteceu um pequeno acidente comigo enquanto
eu estava jogando uma partida de golfe. Sinto-me
cansada e sonolenta por causa da medicação para a
dor. Acho que por ora é somente isso. Conforme as
situações forem surgindo, nós vamos adequando as
suas atitudes.
– Eu fico feliz que esteja disposta a me
conceder esse auxílio. Obrigada, Srta. Conner.
Caso precise, estarei no escritório da ala leste.
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– Tudo bem. Obrigada.


Assim que a moça fechou a porta atrás de si,
a morena refestelou-se sobre os lençóis de sua
cama. Uma pena terem sido trocados, senão
Eleanor provavelmente afundaria seu nariz neles
para inspirar o perfume doce daquela que lhe
causava um revirar bom no estômago.
Aos que adquirem uma essência livre e
despreocupada, não significa que possuem níveis
elevados de irresponsabilidade, pelo contrário,
tornam-se um dos absorventes mais eficazes de
energias positivas e revigorantes. São muitos os
canalizadores dessas mesmas energias, que à nossa
volta, transformam as pessoas em autênticos seres
bem humorados e leves, assim como transformaram
as duas mulheres. Seja através do poder das
palavras, de uns minutos de repouso, de uma
saborosa refeição, da melodia de uma música ou até
mesmo da suavidade do vento a tocar o teu rosto.
São extremamente potenciadores e que facilmente
envolvem tudo o que os cerca em um manto de
tranqüilidade.
E parecia que a tranqüilidade, a paz interior
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de Olívia e Eleanor refletiu em torno delas. As


horas correram rápidas com a filha do presidente
fazendo suas refeições e demais atividades sob os
olhares atentos e admirados, por assim dizer, da
comandante. Vez ou outra um sorriso disfarçado e
discreto esboçava-se nos lábios de ambas. Lábios
esses que experimentaram o mais saboroso néctar
dos deuses, embebido em um beijo cálido.
Atipicamente a morena recolheu-se em seus
aposentos antes do horário costumeiro, sem
maiores detalhes do motivo. Sem muito que fazer à
respeito, Liv deu por encerrado o seu expediente,
dirigindo-se ao seu dormitório no intuito de
descansar corpo e mente daquele dia atribulado e
cheio de emoções ímpares, ambíguas. Talvez
Conner não estivesse passando bem, ou talvez as
confusões e conflitos internos atormentassem as
duas em igualdade. Ela acreditava que esse tempo à
sós contribuiria para que as idéias fossem se
aconchegando em seus devidos lugares. Nada
melhor do que algumas horas de sono para aliviar
qualquer tensão.
No entanto, o que deveria ser benéfico,
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acabou por descarregar uma quantidade


considerável de inquietude na loira. Ela se sentou,
deitou, recostou, andou de um lado para o outro no
pequeno cômodo, mas de nada adiantou.
Como era possível sentir tanto a falta de algo
que só se teve por poucos instantes e por apenas
duas vezes? Como era possível sentir tanto a falta
de alguém em seus braços e do perfume que
exalava de seus poros?
Sempre deparamo-nos com este e outros
questionamentos à cerca do assunto quando
estamos apaixonados, sendo estas, perguntas sem
respostas encontradas no campo da lógica e da
racionalidade.
Não havia nem meia hora que Garner esteve
na companhia da morena e já sentia aquele aperto
estranho no peito, aquela sensação de vazio que
sempre se manteve presente dentro de si, e no qual
ela nunca prestara a devida atenção por não fazer
idéia do que se tratava. Isso eram os sintomas da
saudade.
A palavra por si só é um termo romantizado,
pois descreve sentimentos de perda, de distância e
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de amor. Na verdade, a loira não estava distante da


herdeira, nem a havia perdido, mas doía sentir essa
falta, não ter a presença no exato momento em que
ansiava; desejar um abraço e não poder tê-lo.
Ali, naquele cômodo apertado, a comandante
era toda incompletude, e todo o seu ser era um
imenso vazio clamando por um respaldo afetivo.
Sua mente era um emaranhado de porquês
interrogativos. O amor não é como tanto falam nos
livros, filmes e músicas, não é apenas "viveram
felizes para sempre e pronto", disso Liv teve
certeza quando deu vazão ao que sentia pela
morena. Há construções, adaptações e para viver
bem esse despertar do relacionamento, tem de se
buscar sempre um meio termo, transpor as barreiras
impostas pela impossibilidade de serem duas
mulheres com experiências de vida completamente
diferentes uma da outra.
Podemos perceber o quanto são conflitantes
os sentimentos e pensamentos quando falamos de
paixões, amores, construções afetivas. Desejamos
em certas situações viver o sentimento em sua
totalidade, mas temos medo de não podermos ter o
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controle sobre essa relação, temos medo de sofrer


por alguém. Medo, medo, medo, sempre medo. Por
que Garner e a herdeira tinham tanto medo? Porque
todos somos seres humanos, sociais, culturais, e
aprendemos em nossa cultura que não podemos ir
muito afundo se temos o mínimo de possibilidade
de sofrer, aprendemos que não podemos sofrer que
não podemos nos magoar, aprendemos que somos
frágeis, podendo quebrar a qualquer momento.
Buscamos a certeza quanto aos sentimentos,
mas a certeza não existe, portanto buscamos o que
mais se aproxima dela. Desejamos o acolhimento, o
aconchego. E novamente entramos em conflito,
quando é para viver uma situação da qual não
temos controle, talvez seja porque o inevitável
sempre vem, à hora de pular do trem em
movimento.
Por volta das 20:30, Eleanor saiu de seu
quarto, caminhando apressada e afoita pelos
corredores da Casa Branca. Seus trajes em nada se
assemelhavam a alguém prestes a dormir, muito
pelo contrário. A filha do Sr. Alexander usava um
vestido mini Dolce & Gabbana, com decote em V
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profundo, modelagem sem mangas, comprimento


curto e estampa de poás. Deveras belíssima e
elegante, como sempre.
Seus saltos não a estavam auxiliando muito
no intento de ser discreta, bem como o seu
caminhar desconforme pela torção, mas só de não
trombar com a comandante pelo caminho já podia
considerar de bom tamanho. Para que seu plano
mirabolante funcionasse, as mulheres não poderiam
se ver até que chegasse o momento certo.
De longe, Conner avistou um dos agentes da
equipe que cuidava de sua segurança, erguendo
mentalmente as mãos para o céu em agradecimento
por tudo estar correndo conforme o pretendido.
– Hum... com licença. - A herdeira fez seu
tom grave e impositivo ser ouvido ao aproximar-se
do rapaz.
Rust assustou-se de tal maneira que quase
deixou um bibelô que estava em suas mãos cair.
– Oh, Srta. Conner, algum problema?
– Não, nenhum. Só queria que preparassem a
minha saída. Irei dar uma volta pela cidade.

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– Mas...à essa hora? - A pergunta foi


instintiva, dada a atipicidade do horário em que a
morena pretendia passear.
– Agora é a minha vez de perguntar... algum
problema?
– Não, senhorita. Não tem problema, de
maneira alguma. É... não tem destino certo?
– Não.
– Vai sozinha?
– E desde quando eu fico sozinha? Quem
dera poder me livrar de vocês todos e andar
realmente sozinha por aí.
– Não foi isso que eu quis dizer. Eu só est...
– É... eu sei o que você quis dizer. - A filha
do presidente e o agente federal entreolharam-se,
em silêncio, um esperando a atitude vinda do outro
- Criatura, eu pretendo sair agora.
– Ah, sim. Desculpe-me. Imaginei que fosse
delegar mais alguma tarefa. Eu... vou comunicar à
comandante Garner.
– Tudo bem. Eu... esqueci algo no quarto. Irei
buscar e os encontro aqui mesmo em poucos
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minutos.
– Como queira, Srta. Conner.
Imediatamente da saída da mulher, Rust
tentou contato com Olívia pelo dispositivo
comunicador, no entanto, ele parecia desconectado
de sua base. Dando de ombros, partiu para a sua
segunda opção: o celular corporativo. Chamou
uma, duas, três vezes até que a loira se prestasse a
atender.
– Garner.
– Comandante, é o Rust.
– Eu sei que é você. O que foi? Aconteceu
alguma coisa?
– Não sei se isso é "alguma coisa". A sua
protegida quer sair... imediatamente. Pediu para
ajeitarmos tudo.
– Sair? Para onde? Elea...a Srta. Conner
enlouqueceu?
– Não é tão tarde, mas é estranho, não acha?
Ela nunca saiu nesse horário, salvo se por algum
compromisso de trabalho. Ah, e só vai... passear
por Washington.

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– Realmente é estranho demais... Bom, ela


deve ter suas razões e não cabe a nós questioná-las.
Eu vou me trocar. Onde você está?
– S 4, pátio 1.
– Ok. Te encontro aí.
Assim que desligou a chamada, Olívia
sentou-se na cama, mirando um ponto cego no
chão. Seu cenho franzido denotava a preocupação e
a curiosidade que martelavam em sua cabeça.
"O que essa mulher está aprontando dessa
vez? Passear? Uma hora dessas? Será que ela vai se
encontrar com alguém? David? Oh, não. Não, eu
não mereço isso."
Com pensamentos confusos e dispersos, a
loira levantou-se e trocou sua vestimenta. Seu terno
e a gravata reserva sempre ficavam pendurados
atrás da porta, aguardando qualquer eventualidade.
Prendeu os cabelos em um rabo de cavalo e seguiu,
chegando ao local em pouco mais de cinco
minutos.
– Onde a Srta. Conner está? - A comandante
indagou, ao instante em que verificava um dos
veículos disponíveis.
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– Subiu para buscar algo em seu quarto e até


agora não retornou. - Rust respondeu rapidamente.
– Certo. Somos cinco, então, é o suficiente.
Três seguirão no carro atrás e você vem comigo.
Como é noite, iremos no automóvel que chama
menos atenção.
– E qual seria esse? Está sendo fabricado
ainda, não é? - O rapaz brincou, arrancando uma
risada de Olívia.
Dez, quinze minutos se passaram e nenhum
sinal da herdeira. Garner e os outros agentes já
estavam impacientes com a demora, sendo que a
loira, além disso, preocupou-se de que algo pudesse
ter acontecido.
– A Srta. Conner está demorando. Vou
verificar se o que aconteceu.
Com essa desculpa, e com os seus
subordinados não ousando questionar suas atitudes,
a comandante subiu até o andar dos aposentos
presidenciais.
Ressabiada, ela bateu na porta uma vez. O
aguardo deixou-a ainda mais ansiosa, temendo que
coisas ruins tivessem se sucedido. Bateu outra e só
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então conseguiu respostas do outro lado.


– Quem é? - Eleanor perguntou afoita.
– Hum... Srta. Conner? Está tudo bem?
Após suspirar profundamente, a mais velha
abriu a porta com um sorriso largo e sincero.
– Entra! Entra! - Com o sobrolho erguido, a
loira fez o que lhe era ordenado - Achei que não
fosse entender a mensagem. Por que demorou
tanto?
– Eu demorei? - A comandante circundou o
local com o olhar à fim de verificar se havia algo
fora do lugar ali - O que está havendo, Eleanor?
Disse que iria sair e estamos lá embaixo te
esperando. O que aconteceu? - A mais nova parecia
realmente desarranjada.
– Aconteceu que mais cedo estávamos
conversando... - Conner puxou Liv pela gravata,
estreitando a distância entre elas - ... e fomos
interrompidas. Precisamos concluir o assunto, não
acha? - Aquela voz enrouquecida e bem entoada
tinha o efeito parecido ao da combustão dentro da
loira.

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A excitação era crescente e visível em ambas.


Eleanor roçou seus lábios nos de Garner. Seu hálito
fresco e sua destra subindo pela nuca até o rabo de
cavalo, o desfazendo, fez a mais nova fechar suas
pálpebras e entreabrir a boca soltando um gemido
involuntário.
– Então era tudo uma mentira? Você é louca.
– Eu não sou, Garner, eu estou louca. Louca
para que me beije de novo. Pode fazer isso? Hum?
Por favor, me diga que não fui só eu que passei o
dia todo esperando por uma oportunidade de
ficarmos à só. Diga-me que a reciprocidade do que
estou sentindo não é fruto da minha imaginação.
A mais nova não respondeu. Segurando na
cintura de Conner, ela a pressionou entre a parede
próxima e seu corpo, beijando aqueles lábios
carnudos que tanto lhe apraziam. Sua língua
serpenteou dentro da boca da outra, explorando
mínimos cantos, aproveitando de cada uma das
milhares das sensações incríveis que o ato
proporcionava.
– Esse assunto... ah, Eleanor...temo que esse
assunto nunca seja concluído. - Rindo, elas se
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deleitaram com vários selinhos e roçar de narizes.


– Esperei demais por isso, mas seria bom se
realmente conversássemos. O que...o que está
acontecendo é algo muito confuso para mim.
Suspirando, a loira acionou o dispositivo em
sua lapela para informar aos agentes da desistência
do passeio por parte da herdeira.
– Sigma 2. Dispensados. Sem entregas hoje. -
Novamente Olívia tomou a cintura da mais velha
em suas mãos. Esta, por sua vez, envolveu os
braços ao redor de seu pescoço - Pronto. A Srta.
Conner sentiu-se indisposta e resolveu deixar para
passear por Washington em outra ocasião. É o que
direi, caso perguntem.
– Você é a melhor!
– Sou, é?
– É sim...
Antes que a volúpia tomasse conta do clima
outra vez, a comandante as conduziu até a cama,
sentando-se com as costas acomodadas na
cabeceira e a outra na sua frente.
– Então... eu também estou confusa e sinto

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medo de tudo isso. Se existe uma verdade absoluta


neste mundo, é que todos nós temos medo de
sofrer. - Garner abaixou o olhar, mirando seu
indicador direito que, nervosamente, brincava no
lençol - É por isso que tento controlar as situações
ao meu redor, como se fosse mesmo possível... - A
mais nova voltou a manter o contato visual com a
mulher à sua frente, buscando em suas íris
castanhas, algum indício de seus pensamentos.
– E você sabe que esse controle à todo custo
torna-se obsessão, não é? Eu sei por que sofro
desse mal e meu terapeuta faz questão de frisar em
todas as sessões. Às vezes também fico obcecada
por esse desejo de “autoproteção” e acabo gastando
toda a minha energia tentando controlar os meus
pensamentos, minhas atitudes e até os sentimentos
das pessoas que eu gosto e que, sobretudo, desejo
que gostem de mim. Só que nisso eu acabei não me
dando conta de que a vida se baseia no
imprevisível, no incontrolável, no surpreendente!
Você, nós... é um bom exemplo, não acha?
– É... - A loira sorriu ternamente - Louise
costuma dizer que nenhum sentimento é garantido,
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nenhuma conseqüência é revelada


antecipadamente. O futuro é totalmente incerto. E
que apesar de tamanha imprevisibilidade, temos em
nosso coração toda a possibilidade de sermos
felizes.
– Liv, eu... as perguntas não param de gritar,
as dúvidas não têm fim e meu medo de deparar
com a decepção parece assombrar cada vez mais,
me impedindo de enxergar uma outra possibilidade,
tão plausível quanto a de sofrer. E você age da
mesma maneira tentando, à todo tempo, obter
certezas. Não sei se vale a pena a reserva. Acho que
ando preferindo arriscar-me. Nunca me senti tão
viva fazendo isso...
– Eu não sou tão... assim, controladora. -
Conner levou a destra ao rosto da comandante,
acariciando o local com o polegar.
– É, é sim e sabe disso. Garner, eu não faço
idéia do que vai acontecer, do que vamos sentir
daqui em diante. Eu mal entendo o que se passa
agora, quanto mais algo que nem existe ainda. Mas
eu quero muito aplicar algo que, gostando ou não,
você me ensinou: agir conforme a minha vontade.
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Já será o bastante para que eu me sinta preenchida,


embora possa talvez vir a sofrer... Eu sei que não
me importo. Eu quero.
Olívia tomou o rosto de Eleanor com ambas
as mãos, firmando a sua cabeça para dar-lhe um
selinho demorado, doce, daqueles em que o carinho
é transmitido com tanta intensidade que sorrir
quando o ato é findado, torna-se inevitável.
– Acho que é cedo demais para discutirmos
relação ou termos essas conversas muito intensas.
Tem uma frase que considero engraçada, mas é
muitíssimo sábia: "Se o seu problema tem solução,
relaxe... ele tem solução. E se o seu problema não
tem solução, relaxe... ele não tem solução!". Vamos
só... tentar relaxar por enquanto.
A conversa fluía, mesmo tendenciando o
contrário. Falar sobre sentimentos os liberta, mas
muitas vezes pode ser uma bomba relógio prestes à
explodir. Uma palavra mal colocada pode fazer vir
à baixo tudo o que se construiu antes do assunto, e
até mesmo durante sua discussão. Contudo, entre
Olívia e Eleanor, o clima era ameno e as fazia
encantadas.
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E levada por essa magia que emanava dos


olhos vivazes e brilhantes da mais nova, a herdeira
levantou-se de súbito, estendendo a destra para
Garner.
– Você está certa. Chega desse assunto por
ora. Então... dança comigo? - A pergunta repentina
e inusitada fez a loira franzir o cenho.
– Hum... sem música? E sua perna?
De prontidão, a mais velha caminhou, indo
até o seu aparelho de som. Escolheu uma música à
dedo, pensando no que a letra queria dizer,
imediatamente retornando para perto da outra,
estendendo-lhe a destra.
– "Fly me to the moon, let me play among the
stars, let me see what spring is like on Jupiter and
Mars..."
– Você canta bem, muito bem. - Ainda
hesitante, Garner mordia o lábio, observando os
gestos da filha do presidente.
– Anda logo, comandante! É capaz de
manusear uma arma, mas não consegue dançar
comigo? - Revirando os olhos para a fala da outra,
a mais nova levantou-se, dando uma breve
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gargalhada em seguida, completando a canção


- "...In other words, hold my hand. In other words,
baby, kiss me..."
Garner segurou firme na cintura fina de
Eleanor, enquanto esta cruzava seus braços em
torno do pescoço daquela que estava conseguindo
levá-la ao céu sem tirar os pés do chão.
– E se nos ouvirem? - A loira encarava os
lindos olhos amendoados da herdeira.
– "Fill my heart with song and let me sing for
ever more. You are all I long for, all I worship and
adore. In other words, please be true. In other
words, I love you..." – Rodopiando pelo quarto, a
morena sorria de uma forma tão genuína que
poderia iluminar tudo à sua volta, se isso fosse
possível - Se alguém nos ouvir e ousar nos
atrapalhar, eu o demito.
"Desfrutar de todos os prazeres é insensato;
evitá-los, insensível." Essa frase do célebre
Plutarco, um dos escritores de ensaios gregos mais
renomados, resume perfeitamente o que ambas as
mulheres vivenciavam naquele momento.
Muitas vezes, pensamos que só podemos
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encontrar a felicidade por meio do amor, do


dinheiro ou dos bens materiais. Entretanto, só
pensamos assim quando não estamos conscientes
de que ser feliz é algo que depende unicamente de
nós mesmos, e para isso, não precisamos complicar
absolutamente nada. Os pequenos grandes prazeres
que a vida nos oferece, como a dança em meio às
gargalhadas e confidencias do passado, estão
sempre disponíveis para nos tirar um sorriso da
forma como preferirmos e aonde quer que
estejamos.
– Ah, Eleanor, esqueci de comentar que
amanhã é a minha folga. - A comandante disse,
assim que se deu o término da música, sentando na
poltrona próxima à janela.
– E é amanhã que meus digníssimos pais
retornam de Cuba. - A morena praticamente se
jogou no colo de Garner, refestelando-se sem
maiores pudores.
– Quer que eu fique para recebê-los?
– Oh, não. Não é preciso. Vá aproveitar seu
dia. O que pretende fazer nessas suas horas vagas?
– Planejo ir visitar os meus pais. Há dias não
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nos falamos direito.


– Você é bem próxima dos dois, não é?
– É, sou sim. Sempre fui independente, e tem
momentos em que eles me enlouquecem, mas
confesso que até das implicâncias eu sinto falta.
Meu pai e minha mãe são seres iluminados,
digamos. Me aceitam como sou, me apóiam,
incentivam...
– É lindo ouvir você falando deles dessa
maneira. Eu adorei tê-los conhecido. São ótimos! -
Conner acariciou as madeixas loiras, sorrindo ao
notar um brilho diferente nos olhos esverdeados - E
o seu irmãozinho? Ele é tão fofo!
– Theo foi um acidente muito bem vindo.
Descobrimos a gravidez da D. Nora quando a
minha amiga fez uma cirurgia e precisou de doação
de sangue. Minha mãe foi impedida de doar porque
carregava em seu ventre uma sementinha de quatro
semanas.
– Ele parece tão esperto e bem apegado à
você. Sabe, eu adoro crianças, por incrível que
pareça. Desde pequena eu sonho em ter filhos, mas
nunca, nunca encontrei alguém com quem eu
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pudesse compartilhar esse sonho. Eu adoraria sentir


o cheirinho de bebê, ouvir o chorinho de
madrugada, sair para passear, levar ele ao parque.
Deve ser incrível, não acha? - Eleanor estava tão
empolgada comentando sobre seus anseios
maternais que não prestou atenção na comandante.
O semblante de Garner era sisudo, completamente
diferente de minutos atrás. Seus olhos esmeraldas
estavam marejados, e a morena podia sentir que
algo muito errado havia acontecido, que a alegria
de outrora se esvaiu repentinamente da mais nova.
Liv mirava uma pequena mancha no tapete e era
como se estivesse em outra dimensão, bem longe
dali - Meu bem, o que houve? Foi algo que eu
disse? Desculpe-me se...
– Não. - A loira voltou a sua atenção outra
vez para a herdeira, sorrindo constrangida - Eu é
que peço desculpas por ter me dispersado. Hã...
eu...estava pensando...acho que preciso ir dormir.
Gosto de chegar bem cedo na casa dos meus pais
ainda em tempo de tomar o café da manhã.
– Me promete uma coisa? - Conner resolveu
desfocar do assunto para não chatear ainda mais a
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comandante, uma vez que ficou claro que algo a


incomodava.
– Que coisa?
– Que um dia vamos sair de novo, só nós
duas, como fizemos esses dias?
– Eleanor... - A loira ergueu a cabeça dando
um selinho nos lábios carnudos da filha do Sr.
Alexander - Eu não sei quando nem como
poderemos fazer isso novamente, portanto, não
posso te prometer nada. A única coisa que te
garanto, é que farei o possível para que a princesa
não se sinta tão presa na torre do seu castelo. - Liv
gargalhou com o beiço manhoso da mais velha.
– Eu posso aceitar isso, mas só se você fizer
uma coisa... - O ar pidão da morena fez Garner
bufar baixo.
– Que coisa, senhorita?
– Dormir aqui, na minha cama.
Boquiaberta, a mais nova teve que se esforçar
para não rir da situação. Se Eleanor pudesse ver seu
rosto de criança em época natalina, também teria
vontade de dar risada.

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– Acho que é melhor não. Você vai ficar mal


acostumada a ter a sua segurança velando o seu
sono...
– Por favor... Prometo me comportar e não te
atacar durante a noite.
– Eu não estou preocupada com isso. Desse
ataque eu iria até gostar...
– Então com o que se preocupa?
– Com nada. - A comandante respondeu após
alguns segundos, pensativa - Tudo bem, eu fico,
mas só por hoje...
– Está bem. Só por hoje. - A morena
levantou-se, caminhando até o closet - Vou
procurar alguma roupa que te sirva...
Após trocarem-se, Garner - se sentindo
ridícula com uma camisola comprida de seda
vermelha - e Eleanor - com o seu babydoll preto
elegante e com detalhes finos em renda -, deitaram-
se sob os luxuosos lençóis de mil fios macios e
acetinados. Conner apagou a luz do abajur,
deixando o quarto completamente no breu. No
entanto, não demorou mais que um minuto para que
a morena ficasse desinquieta, provavelmente
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tomada pelo clima constrangedor que se instalara


ali.
– Liv, está dormindo? - A herdeira moveu-se
na cama, acendendo a luz.
– Claro que não. Acabamos de nos deitar.
Está sentindo alguma coisa?
– Não. É... bem...
– Diga, Eleanor.
– Seria pedir muito se... - Era estranho falar
sobre seus desejos, ainda mais sendo tão íntimos -
... se eu quisesse dormir de conchinha? - Não foram
bem essas as palavras que seu cérebro comandou
que a boca proferisse, mas a falta de coragem
dominava a morena.
– Então é isso? - A mais nova sorriu -
Apague a luz.
O esforço seria enorme. Ter aquela mulher à
uma proximidade mínima, era excitante em
demasia. Só o perfume de Conner inebriava os
sentidos da comandante, e não tocá-la seria uma
prova de fogo. E por que não tocá-la? Porque quem
pede para dormir de conchinha está mais

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interessado em fofura, do que em luxúria.


Freud, imaginando que o gozo e a satisfação
plena eram impossibilidades, nunca deve ter
experimentado a sensação de dormir de conchinha
e nem sequer sonhava que o ato feito pelos amantes
apaixonados, seria a realização de toda sua
idealização. Tampouco Lacan, que dizia que a
relação sexual perfeita não existia, outorgou a idéia
de que a conchinha fosse muito mais íntima e
profunda que o sexo propriamente dito.
E como são maravilhosas as noites em que
nos esquecemos de nossos monstros, medos, e
damos vazão às loucuras. Como são perfeitas as
noites em que nos libertamos dos nossos sonhos
totalmente blasés, e os trazemos para a realidade.
Olíiva e Eleanor dormiram de conchinha e
sonharam, aproveitando toda a verdadeira leveza de
estarem juntas e plenas. Deitar com uma mulher e
dormir com ela, são duas impulsões ambíguas,
contraditórias.
Milan Kudera, em A insustentável Leveza do
Ser, diz que o amor não somente se manifesta pelo
desejo de fazer amor, mas pelo desejo do sono
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compartilhado.
************
Amanhecera. Conner espreguiçou-se na
cama, enquanto sorria e despertava de uma das
melhores noites que teve em toda a sua vida. Aliás,
todas as que passou com a comandante entraram
para o hall de melhores noites de sua vida.
Rapidamente, a herdeira atentou para o fato
de que estava deitada sozinha no largo colchão, ao
virar-se para dar um beijo de bom dia na loira.
– Olívia? - Conner constatou sua solidão
matinal ao chamar pela mais nova e não obter
respostas.
Suspirando, a mulher levantou preguiçosa da
cama, e com menos de dez passos à frente,
deparou-se com uma rosa sobre sua mesa e um
bilhete ao seu lado.
"On se demande parfois si la vie a un sens
et puis on rencontre des êtres qui donnent un sens
à la vie*. Aproveite o dia da melhor maneira que
puder. Não se meta em encrencas, pois eu não
estarei por perto. Te vejo amanhã, e tenha a
certeza de que sentirei saudades."
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* Às vezes, nos perguntamos se a vida faz


sentido, e depois encontramos pessoas que dão
sentido à vida.

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Capítulo 21 – Mudanças
positivas
A vida de muitas pessoas pode ser resumida
em uma busca incessante pela felicidade. Seja
através de uma amizade, de um relacionamento
amoroso, de uma carreira de sucesso, de dinheiro, e
das milhares de maneiras e de coisas que tragam
esse sentimento extasiante. Os métodos são
diversos, mas o intento é o mesmo: ser feliz!
A questão é que poucos param para pensar no
verdadeiro significado da felicidade, de onde ela
vem, o que ou quem nos faz genuinamente felizes.
Casas e carros luxuosos, um homem ou mulher de
capa de revista para se exibir aos amigos, viagens
ostentativas? Infelizmente nada disso é ser
verdadeiramente feliz. A felicidade não é um troféu
ou uma medalha de recompensa, menos ainda uma
moeda de barganha. A felicidade não é ter, e sim,
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ser. A felicidade é um sentimento simplório, mas


tão simplório que nos passa despercebido muitas
das vezes. A felicidade é um estado de espírito que
te deixa flutuando, livre. É um sentimento que te
faz ver a vida de outra maneira, de uma maneira
muito mais colorida e carregada de esperanças
múltiplas.
Olívia adormeceu e acordou com uma
sensação de paz interior, de leveza, de bem-estar, e
sem medo de enfrentar um novo dia. Após passar
uma das melhores noites de sua vida, a loira
descobriu o quão profundo é o sentimento de
felicidade, que vai muito além do que dar
gargalhadas por aí.
- "...It been on my brain all day replayin'
Minha cabeça ficou o dia todo dando replay
Like we had it on record
Como se tivéssemos gravado aquilo
I miss every minute
Sinto falta de cada minuto
I take plenty chances
Agarro várias chances
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My love for you has been a damn


dimension
Meu amor por você é uma grande dimensão
More than you imagine
Mais do que você pode imaginar
I want all of them kisses
Quero todos os seus beijos..."
A comandante dirigia seu Accord até
Baltimore cantarolando e tamborilando os dedos no
volante. Uma pena os vidros das janelas estarem
erguidos e serem escurecidos, pois o mundo perdia
a desenvoltura de uma performance particular que a
moça fazia. Entre caras e bocas, acompanhando a
canção, Garner tinha a sensação de estreitar o
caminho até a casa de seus queridos pais.
- "...Baby, won't you give me something
Querida, você não vai me dar algo
That I wanna do?
Que eu quero?
When I see the sun set
Quando eu vejo o pôr do sol

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Yeah, I think of you


Eu penso em você
I think of you
Eu penso em você
You're all I want too
Você é tudo o que eu quero
Left panties by my nightstand
Deixe sua calcinha na minha cabeceira
Now I think of you, I think of you
Agora, eu penso em você, penso em você..."
Liv tinha as chaves do apartamento e,
obviamente, as usava todas as vezes em que ia lá.
No entanto, dessa, resolveu que tocar a campainha
seria melhor. Por que? Em sua cabeça louca e feliz,
aquela era mais uma regra que estava transgredindo
e isso a animava ainda mais. O gosto pelo proibido
parecia entranhar em seus poros, sendo quase
perigosa essa aprovação toda pelo "errado". Tocou
uma, duas, três vezes ininterruptamente.
- Amor, vá atender a porta, por favor!
- Não posso! Estou ocupado.

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- Mas será possível? Estou alimentando um


bebê! Existe ocupação mais importante que essa?
- Minha leitura matinal, Nora!
- O que foi que disse, George?
- Ah, já vou! Já vou! Tudo sou eu quem tem
que fazer nessa casa!
A pequena "discussão" poderia ser ouvida lá
de fora, e sabendo que tudo não passava de uma
brincadeira, a loira se divertia dando risadas dos
dois bobos inveterados.
- Bom dia, papai lindo! - Ela tomou o homem
em um abraço apertado quando este abriu a porta.
- Opa... bom... Socorro! Estou sendo
esmagado! Quase não respiro... - E a moça
apertava-o ainda mais em seus braços - Olívia? Liv,
querida, já sei que me ama. Está bom, não? - Ele
dava tapinhas em suas costas.
- Ah, sim, desculpa. - Ela afastou-se sorrindo
- Bom dia, mamãe! - A comandante largou a
mochila em um canto da sala caminhando até o
sofá, sentando-se ao lado de sua progenitora - E
esse garotão? Como está meu irmãozinho

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preferido?
- Bom dia, minha filha. Bem... Theo é o
único irmão que você tem, salvo se seu pai não
tiver dado umas escapadas por aí...
- Não fale bobagens, amor.
- É, D. Nora. Para o meu pai trair a senhora,
tem que acontecer o apocalipse primeiro.
- Mas aí tudo terá terminado. Como ele me
trairá sem mais nada, nem ninguém na Terra?
- Justamente isso! - A loira estava sorrindo
tanto que a impressão que dava era de que travaria
o maxilar à qualquer instante.
Aquilo se mostrava demasiado atípico, ainda
mais para o dia que era. Não que a filha mais velha
da família fosse triste ou carrancuda em seu humor
natural, pelo contrário. Olívia era bem divertida
entre amigos e familiares, diferente de sua postura
no trabalho. Mas aquele era um dia especial em que
a loira não interagia com ninguém, menos ainda
sorria. Há dez anos, quando se aproximava da data,
a agente federal se enclausurava em seu loft e só
saía de lá quando a depressão momentânea
apresentava algum alívio. Por isso, tudo parecia
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estranho demais para os Garner.


- Filha... - O patriarca pigarreou - Está tudo
bem com você?
- Está sim. - A loira respondeu tomando o
irmão do colo de sua mãe - Vim tomar café da
manhã, passar o meu dia de folga com vocês...
- Bom...hã...não imaginávamos que você
viria, não nos avisou, então nos demos o luxo de
dormir até um pouco mais tarde. Vou começar a
preparar o nosso desjejum agora.
- Não se preocupe, mamãe. Cadê o barrigão
do Theo? Cadê? Buuuuu... - Liv fazia cócegas com
a boca na barriga no menino - Quer que eu te
ajude?
- Não precisa, filha. - O casal entreolhou-se
tentando entender o que se passava ali - Só eu que
pareço estar sonhado? Isso é muito... excêntrico,
digamos. - A mulher sussurrava para o marido, ao
caminharem para a cozinha - O que... o que será
que está havendo, George? Será que ela se lembra
de que dia é hoje? Olha ela com o Theo!
- Sim, eu me lembro. - Garner respondeu em
tom mais alto - Precisa aprender a cochichar mais
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baixo, mãezinha querida. Estou ouvindo tudo o que


fala...
Os dois mais velhos suspiraram ao pararem
incrédulos na porta que dividia os cômodos.
Retornaram apreensivos para a sala, ocupando a
poltrona em frente à irmã que segurava o bebê no
colo.
- Então... se você se lembra, por que está...
- Pai, mãe... eu... bom, tudo o que já
aconteceu comigo foi brutal, vocês sabem. Corroeu
o meu coração e estraçalhou todos os meus sonhos.
Por um bom tempo aniquilou as minhas forças de
viver porque eu me sentia quebrada, destruída. O
que me machuca é uma dor que nunca vai sumir,
vai sempre consumir um momento bom sem a
menor piedade e muito menos sem pedir licença.
- Oh, meu amor, eu... - Olívia interrompeu a
mãe com um gesto de sua destra.
- Passei anos fazendo questionamentos acerca
do sentido da vida, me culpando pelo o que
aconteceu. Eu poderia ter feito mais, eu poderia ter
agido diferente, ter sido uma pessoa diferente, mas
eu não fui e pago por isso vivendo um inferno
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nesse mundo. Às vezes parece que essa dor é maior


do que eu e que vai me matar à qualquer instante.
Até a alguns dias atrás eu tomaria a morte como um
alívio...
- Pelo amor de Deus, Olívia Garner, vire essa
boca para lá! - O tom de voz da matriarca foi
incisivo.
- Relaxa, mãe. Ontem eu passei alguns
minutos refletindo sobre esses últimos anos e
finalmente percebi que de nada adianta negar, fugir
ou sufocar a dor. Só existe um caminho para
superá-la: enfrentar com muita perseverança e
força! Caso contrário, o pior uma hora vai
acontecer comigo: morrer em vida.
- Filha, me diga... o que te fez, digamos,
"despertar" dessa maneira? - George indagou,
curioso.
- Louise tentou todo esse tempo te fazer
enxergar que já era hora de se livrar desse luto
imaginário, e de repente... Não que nós não
tenhamos gostado. É óbvio que essa sua felicidade
foi a melhor coisa que aconteceu. Pedimos tanto
por isso em nossas orações! Só estamos curiosos
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para saber o que ou quem injetou esse ânimo em


você. - Nora sorria emocionada, vendo a filha ninar
o caçula.
- Eu tenho uma família linda, pais amorosos,
poucos, mas bons amigos, um ótimo emprego onde
faço algo que amo, sou saudável. Não quero me
tornar uma pessoa extremamente amarga, dura, sem
brilho nos olhos e sem a capacidade de aproveitar
verdadeiramente os bons momentos que a vida
ainda pode me proporcionar. Existem pessoas que
dariam tudo o que têm para estarem no meu lugar.
Vocês podem imaginar isso? Existe alguém em
algum canto do mundo que adoraria ser quem eu
sou só por conta de todas as bênçãos que me
cercam. - Garner levantou-se, entregando o
pequeno rapazinho para a mãe - Eu não deixei de
sofrer, nem nunca deixarei, mas vou me esforçar
para não permitir que isso me impeça de seguir em
frente. Agora... podemos mudar de assunto? Estou
com fome e meus pais não querem me alimentar.
Se eu soubesse disso, teria comido na rua.
- Mas olha que menina atrevida, Nora? - O
pai fingiu-se indignado.
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- Vou dar a papinha do Theo para você não


encher a minha paciência, sua folgada! - Todos
riram.
Aparentemente, podia-se atribuir a mudança
de comportamento e da forma de pensar de Liv aos
dias em que passou com Eleanor "desrespeitando"
as regras. Era fato que a morena, com seus
desabafos e dissabores, contribuiu para que a
comandante repensasse sua maneira de enxergar a
vida. Mas o ponto mais importante de tudo foi a
troca de experiências, a libertação mútua das
mulheres. Cada uma, à sua própria maneira, fez
com que os olhos da alma da outra se abrissem para
novas perspectivas. Conner imaginava que a loira a
tinha ajudado, porém, não fazia idéia do efeito
impactante que causou na vida de Garner.

***********
Na Casa Branca, Eleanor, assim como a
comandante em Baltimore, exalava a beleza e
euforia de seu estado de espírito leve.
Após passar alguns minutos sorrindo, de
olhos fechados e segurando o bilhete da loira contra
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o peito, a filha do presidente enfim moveu-se para


iniciar o seu dia. E que belo dia seria, à contar de
sua disposição.
De imediato, Conner foi até o banheiro
iniciar a rotina matinal de beleza. Resolveu que não
iria mais protelar o experimento de um kit de
produtos para os cuidados com a pele que ganhara
de um dos executivos da La Prairie. A morena
lavou e hidratou seu rosto, deliciando-se ao passar
os dedos na bochecha e testa, constatando a maciez
e eficácia dos cremes. A mulher ficou mirando o
seu reflexo no espelho por alguns minutos,
ponderando se iria se maquiar por completo, como
fazia todos os dias, ou se iria apenas camuflar as
imperfeições que ela teimava em afirmar que
existiam em sua pele morena. E somente ela
enxergava, pois mais ninguém reparava e
concordava com essas cismas.
- Quer saber? Vamos evitar químicas
desnecessárias. Um batom e você ficará ótima,
Eleanor. Obrigada! Você é muito gentil, Eleanor.
Não há de quê. - A herdeira gargalhou com o
monólogo, olhando para a sua imagem mais uma
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vez no espelho, à menear negativamente com a


cabeça - Pelo amor de Deus, Eleanor. Não vá se
tornar uma idiota. Isso está ridículo! - Ainda rindo,
a mulher dirigiu-se até o closet, escolhendo um
moletom confortável e surrado para usar - Se os
eleitores que me vêem nos eventos ou nas
manchetes sempre tão impecável, soubessem que
eu tenho um acervo de trapos, iriam surtar! E quem
também surtará se descobrir que ainda guardo essas
roupas é a minha digníssima mãe... - Conner deu de
ombros - Pouco importa. A D. Beatrice precisa
aceitar que a filha dela detesta usar um Versace em
todas as ocasiões.
Após calçar um tênis baixo em têxtil
acolchoado apropriado para exercícios aeróbicos, a
morena sentou-se no centro de seu quarto, sobre o
tapete felpudo, em posição de lótus completo com
as pernas cruzadas e os pés sobre as coxas, logo
acima dos joelhos. Há um tempo, após visitar
Luoyang, o berço do budismo na China, aprendeu
que a postura em que se encontrava era a melhor
para a meditação, pois se mostrava muito eficaz
para estabilizar o corpo.

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O Shastra Yogacharabhumi descreve nove


diferentes níveis de equilíbrio meditativo, ou
"permanência mental". Contudo, como não era uma
praticante assídua, a morena só conseguia atingir o
controle da mente em apenas três: a permanência
interiorizada - onde a atenção é retirada do exterior
e completamente interiorizada; a permanência
nivelada - é onde os pensamentos fluem
transformando-se gradualmente em um estado de
tranqüila uniformidade, no qual a percepção se
apresenta clara e contínua. Por conseguinte,
Eleanor alcançou a permanência serena, onde a
calma e a paz apresentam-se em ondas graduais,
atingindo um ponto de êxtase interno.
Ela não sabia mensurar o tempo em que
passou meditando, à isso atribuindo insignificância.
Não teria compromissos no dia, salvo uma consulta
com o seu terapeuta e a chegada de seus pais,
portanto, aquelas horas estavam livres somente para
que a morena cuidasse de si.
Ao pegar no telefone para solicitar o preparo
de seu café da manhã, Conner lembrou-se de Liv e
do quanto adoraria poder estar naquele apartamento
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simplório e aconchegante junto de pessoas cordiais


e amorosas. Suspirou meneando a cabeça para os
lados, como se o ato fosse espantar os pensamentos
que teimavam em povoar sua mente. Pensamentos
esses que circundavam em torno de uma única
pessoa: Garner.
Por conta de um desejo incomum, a herdeira
foi diretamente para o escritório no primeiro andar
da residência, já que informou aos colaboradores da
copa que seu desjejum deveria ser servido no
cômodo.
A morena ligou o notebook, acoplando os
fones de ouvido de imediato, uma vez que sempre a
auxiliavam na concentração. Tamborilando os
dedos na madeira da mesa em mogno escuro, ela
passou alguns vários segundos olhando para as
playlists disponíveis no Spotify, acabando por optar
pela "Coffee & Jazz".
Enquanto aguardava o mordomo servir o
café, Eleanor digitou no site de buscas, referências
sobre o dia do pronunciamento de seu pai no pós-
ataque, deparando-se com algumas fotos do evento.
Sorriu ao ver as que realmente lhe interessavam.
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- O-lí-via... - Rindo, à morder o lábio inferior,


balançando negativamente com a cabeça, a filha do
Sr. Alexander mirava a fotografia em que ela estava
ao lado da comandante.
Tocando a tela com seu indicador direito, a
mulher contornou o rosto da loira, suspirando com
as lembranças dos momentos em que se sentiu
especial ao seu lado. Conner só interrompeu o ato
quando o homem alto e franzino adentrou o local
com o carrinho comportando os alimentos que a
herdeira consumia pela manhã.
Após degustar um pouco de tudo, Eleanor
retomou suas atividades frente ao notebook,
levando consigo uma garrafa d'água, uma vez que a
falta do líquido causava dores de cabeça
insuportáveis nela. Nunca descobrira o motivo
exato, mas por vias das dúvidas, carregava a
ingestão da água como lei, utilizando fielmente da
máxima de que prevenir era melhor do que
remediar.
Conner abriu o site oficial da Presidência,
aprovando e respondendo algumas dúvidas na
sessão que lhe competia. A morena sempre
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estabelecia alguns minutos na maioria dos dias para


tal tarefa, e muitas vezes não conseguia finalizar o
necessário, já que várias questões demandavam um
tempo maior, do qual ela não dispunha.
Assim que fez o que julgava suficiente, abriu
a página do Washington Times para verificar as
últimas notícias e ler algumas colunas de
entretenimento. Todo esse ritual serviu para que a
herdeira se colocasse no mode on para enfrentar o
que quer que fosse no dia.
A morena passou a manhã praticamente toda
no escritório, almoçando por lá também. "Devorou"
trechos de algumas obras literárias que estava
protelando à meses iniciar a leitura, e estudou um
pouco sobre a política monetária da China e a
relevância da Organização para o Tratado do
Atlântico Norte - assuntos os quais falaria em um
encontro com Jens Stoltenberg, secretário-geral da
organização.
- Obviamente que não se pode deixar de lado
a necessidade de que os membros da Otan
aumentem a despesa em Defesa até o objetivo
estipulado de 2% do Produto Interno Bruto, sendo
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assim... - Conner, que andava de cá para lá, e de lá


para cá, repetindo suas falas, como sempre fazia
quando da precisão de parecer mais firme em suas
afirmativas, fora interrompida por batidas na porta -
Entre!
- Hum... sinto cheiro de saudade! - A voz de
sua mãe fez-se ouvida.
- Mãe! - A morena caminhou até a
progenitora, abraçando-a calorosamente. Logo
avistou seu pai também adentrando ao cômodo -
Pai... - O homem beijou a filha na testa - Imaginei
que fossem chegar mais tarde. Como estava Cuba?
Gostaria de retornar a Havana na primeira
oportunidade.
- Ainda bem que seu pai ficou tão farto
quanto eu daquele lugar e quis vir embora mais
cedo. Não agüento mais essas especulações sobre o
ataque. Andam associando todas as desgraças do
mundo ao que aconteceu aqui. Existem alguns seres
que suponho terem graduado em demência. -
Beatrice reclamou, sentando-se na grande poltrona
de couro atrás da mesa.
- Sua mãe tem razão. Essa foi uma das
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poucas vezes que rezei para estar aqui o quanto


antes fosse possível. - O homem suspirou,
refestelando-se no pequeno sofá no canto esquerdo
da sala - E você minha menina, como está?
- Bem. - Conner respondeu sucintamente,
pondo-se ao lado do patriarca da família.
- Pelo visto não está mais doente... - O
presidente tomou a destra da filha, acariciando-a.
- Não foi nada preocupante. Ainda tive um
pouco de tonteira, cansaço e enjôos por dois dias.
Enclausurei-me nos meus aposentos nesse período,
mas agora não sinto mais nada.
- Querida, por que estava vendo fotos da
comandante Garner? - A pergunta repentina de
Beatrice fez a herdeira franzir o cenho buscando
entendimento, até atentar para o fato de que deixara
abertas as abas dos sites que visitava pela manhã.
Boquiaberta, Eleanor tentou processar uma
desculpa convincente - Filha?
- Oh, me perdoe, minha mãe. É que eu estava
aqui pensando sobre um assunto que David
comentou comigo. Inclusive, estive com ele no East
Potomac, mas nem pudemos aproveitar muito... - A
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morena suspirou fingindo chateação pelo ocorrido.


Fato era que provavelmente não citaria nada sobre
o passeio, mas dadas as circunstâncias, precisava
desfocar a atenção da progenitora para algo que
realmente a interessasse, e nada melhor do que o
varão mais novo dos Henderson - Eu fiz o favor de
tropeçar em uma pedra e me machucar. Findei
antecipadamente um dia que prometia ser deveras
divertido. - Outro suspiro falso e logo Beatrice
levantou-se, indo até próximo à filha, com o
semblante de compadecimento.
- Oh, Eleanor, não se preocupe. Vocês ainda
terão muitas outras oportunidades. Fico feliz que
estejam se entendendo bem.
"Eu sabia que isso iria funcionar..." O sorriso
da morena pareceu uma concordância com a fala da
mãe, no entanto, era simples e pura satisfação por
Beatrice ser tão previsível às vezes.
- Mulheres da minha vida, eu estou com as
energias praticamente esgotadas. Preciso me
recolher. - O Sr. Alexander disse ao levantar-se do
sofá - Filha, se importa em dispensarmos as
convenções sociais e não jantarmos juntos hoje?
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Estou mais cansado do que com fome.


- Claro que não me importo, paizinho. Vá ter
o seu merecido descanso. - Com um sorriso de
alívio, que aos olhos dos outros aparentava ser de
cordialidade, a morena levantou-se, beijando a face
esquerda do patriarca - Até amanhã.
- Até amanhã, Eleanor.
- Eu vou acompanhar o seu pai. Esse Louis
Vuitton está acabando com os meus dedinhos. -
Beatrice brincou, também pondo-se de pé -
Querida, sobre esse seu enjôo...iremos conversar
depois... – A primeira-dama gargalhou, divertida -
Se precisar de algo, não hesite em me chamar.
Mamãe agora vai cuidar de você.
- Obrigada. Bom descanso para vocês.
Em meio à uma calmaria que há muito não se
vivenciava na Casa Branca, a morena resolveu que
cancelaria a sua visita ao Dr. Prescott, uma vez que
estava indisposta a passar seu precioso tempo
olhando emudecida para o rosto cansado do
homem.
Com isso, as horas que restavam para o
findar do dia foram se esvaindo. Carregando a
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beleza e alegria de uma estação vigorosa, o dia


amanheceu. E logo os pensamentos de Olívia e
Eleanor já estavam uma na outra, sem saberem que
também dormiram em tal condição: presentes
mesmo à distância.
Quando Conner levantou preguiçosa para
fazer a higiene matinal, passou a imaginar-se dando
um longo beijo de bom dia na loira.
- Bom dia, meu bem! Espero que tenha tido
uma ótima noite de sono e que a tranqüilidade se dê
ao longo das horas que correrem para que encare
animada mais um dia de trabalho.
A filha do presidente gargalhou alto com a
sua encenação. Contudo, aquelas palavras "falsas",
expressavam intimamente a máxima dos
sentimentos da morena pela comandante. Ela
desejava que assim fosse, que Garner tivesse um
dia maravilhoso, haja visto que isso significava que
o seu também seria. Era uma troca mútua: querer
para outrem, refletindo em si.
Sem saber que a comandante já havia
iniciado suas atividades laborais e que a aguardava
no andar de baixo, Eleanor desceu à passos lentos,
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direcionando-se à sala de jantar. Interrompeu sua


investida ao entrar no cômodo e deparar-se com a
imagem da loira elegantemente vestida com o seu
terno preto, batom vermelho nos lábios e um leve
sorriso sendo esboçado em seu rosto.
- Bom dia, Srta. Conner.
- Bom dia, comandante Garner.
Elas se entendiam de uma maneira tão
simplória e ao mesmo tempo tão magnífica, que
uma troca de olhares já as fazia saber exatamente o
que a outra desejava e queria.
- Srta. Conner, sua mãe deve descer em
alguns minutos. Gostaria de já ser servida? - O
mordomo a indagou quando a herdeira desviou o
olhar de Liv, sentando-se em seu lugar à mesa.
- Não, Harold. Aguardarei por ela. E meu
pai?
- Pediu o café no quarto. Com licença. - O
homem sorriu antes de retirar-se do local.
- Sabe se aconteceu algo com ele, Garner?
Não me informaram nada.
- Até onde tenho conhecimento, é apenas

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uma indisposição, senhorita.


- Oh, sim. Obrigada. - Suspirando e
esforçando-se para não rir, Conner passou o
indicador esquerdo pelo tecido do guardanapo -
Como foi o seu dia de folga? - Ela perguntava
mordendo o lábio, deliberadamente provocativa.
- Conforme minhas expectativas: tranqüilo e
em família. Obrigada pelo interesse.
- Não há de quê.
- Seria muita intromissão de minha parte se
eu lhe perguntasse também como foi o seu dia
ontem?
- Claro que não! - Eleanor soltou um breve
risinho ao mesmo tempo em que a loira - Eu passei
praticamente todo o tempo dentro do escritório
lendo e revisando alg...
- Mas que falta de comprometimento com o
trabalho! - A voz firme de Beatrice ecoou pelo
cômodo. As mulheres estavam tão envoltas em suas
bolhas cor de rosa, blindadas pelo encantamento
uma na outra, que nem sequer ouviram o som dos
saltos da primeira-dama se aproximando - Eu
imaginava que você era diferente, comandante
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Garner. Bastou eu me ausentar que foi capaz de


cometer uma barbaridade dessas? Estou indignada
e decepcionada.
- Mãe? - Eleanor engoliu em seco, alternando
o olhar entre a agente federal e a matriarca - O que
está havendo aqui?
- Isso quem pergunta sou eu. - A mulher mais
velha posicionou-se frente à frente com Olívia - O
que a fez pensar que eu não me irritaria com tal
atitude?
- Sra. Conner, eu não faço idéia ao que está
se referido. - Por fora a moça mantinha-se
impassível, mas por dentro praguejava até os seus
antepassados por ter cometido algum deslize do
qual não se lembrava, e tremia temerosa como
criança quando tem as travessuras descobertas.
- Ah, não faz idéia do quanto estou chateada
por ter deixado minha filha se estropiar toda
jogando golfe? A salva de tiros de metralhadora,
mas não é capaz de salvá-la de um tombo?
- Ah, mamãe! Então é isso? - O suspiro
aliviado que a morena deu, foi o mesmo da
comandante.
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- E o que mais poderia ser? - Beatrice sorriu


tocando no ombro de Liv - Como vai, comandante?
Desculpa pela brincadeira, mas é que não resisti ao
ver sua cara de pânico.
- Eu não estava em pânico, senhora. - Garner
retrucou ao sorrir em retribuição para a primeira-
dama que se sentava à mesa.
- Então, se quer assim, fingiremos que não. -
Estranhamente bem humorada, à ponto de fazer a
filha franzir o cenho ao encará-la, Beatrice tocou o
sino que indicava que poderiam servir a refeição.
O dia já começara animado e tendia a
permanecer assim no decorrer das horas.

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Capítulo 22 – Quando
tudo parece estranho...
Algumas pessoas aprendem que é benéfico
ocultar sua verdadeira motivação para atingir suas
metas. Em vez de optarem seguir pelo caminho da
sinceridade, inventam razões superficiais para suas
solicitações ou para justificar suas ações. Estes
indivíduos iludem os outros, agindo com segundas
intenções.
É fácil para um ser manipulador controlar-se
e não falar de seus pensamentos em voz alta, mas
não é tão fácil encobrir seus verdadeiros
sentimentos em seus gestos e expressões faciais.
Existem muitas contradições entre as palavras e o
olhar.
O bom humor da primeira-dama era deveras
atípico, ainda mais em se tratando de tão tenra hora
da manhã. Garner, por um segundo, acreditou que a
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esposa do Sr. Alexander havia retornado de viagem


com o estado de espírito mais leve, no entanto, a
loira era treinada em leitura de linguagem corporal,
logo percebendo que a fala, a postura e o semblante
de Beatrice, se contradiziam entre si.
A matriarca da família, antes de terminar seu
desjejum, recebeu uma ligação urgente, indo
atender em outro cômodo. No primeiro instante em
que se viu sozinha com a comandante, Eleanor deu
graças aos céus, erguendo simbolicamente as mãos
para o alto.
- Eu amo a minha mãe, mas às vezes as
conversas com ela são tão enfadonhas que oro
mentalmente para que algo nos interrompa. - A
morena disse em tom baixo, temendo ser ouvida
por alguém que não fosse Olívia.
- Não diga isso, Srta. Conner. Ela... é uma
boa pessoa. - A voz da mais nova carregava traços
salientes de seriedade, haja visto que ela percebeu
que a primeira-dama não era uma pessoa em que se
podia depositar confiança, portanto, todo o cuidado
com as palavras era pouco.
Percebendo que havia algo incomodando a
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outra, a filha do presidente delicadamente limpou


os cantos de sua boca, repousando o guardanapo
sobre a mesa, e levantando assim que se viu
satisfeita com a refeição.
- Eu preciso ir ao canil. Poderia acompanhar-
me, comandante?
- Estou aqui exclusivamente para isso,
senhorita.
Oferecendo um sorriso fraco para a loira,
Eleanor iniciou a sua caminhada pela rota que se
dava na área externa. Ela estranhava a maneira
como Liv passou a tratá-la após o incidente com
sua mãe, e obviamente queria saber e entender os
motivos, se é que existia algum.
Ao irromperem os limites do imóvel que lhes
impedia de ver o jardim, bem como a área da
garagem, as mulheres depararam-se com uma cena
deveras atípica: Beatrice estava ao lado de fora de
um automóvel conversando com alguém que não de
podia identificar o rosto. A posição em que Olívia e
Conner estavam não era favorável, deixando-as
suscetíveis à curiosidade.
- Com quem será que a minha mãe está
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conversando? – A morena fez uma pergunta


retórica, franzindo o cenho em estranheza.
- Não faço a mínima idéia. Não me foi
informado absolutamente nada à respeito de visitas.
Garner respondeu a verdade, mas, em se
tratando de sua perspicácia ímpar, um detalhe - que
estava passando despercebido até então -, saltou-lhe
aos olhos. A placa do carro não era estranha, e em
segundos, a agente federal lembrou-se de que a
conhecia bem. Era um dos carros dos Henderson.
Preferindo manter o silêncio de ouro, uma vez que
não tinha a certeza sobre o que se passava ali,
Olívia fez um gesto com a destra, indicando à outra
que prosseguissem o caminho.
As mulheres percorreram alguns metros até a
herdeira sentir-se segura para perguntar.
- O que está acontecendo, Garner? Algum
problema?
- Não. Nenhum problema, senhorita. -
Conner lançou-lhe um olhar incrédulo.
- Voltamos ao "senhorita"?
- É o pronome de tratamento correto, não é?

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- Ai, Olívia, não me irrite logo cedo.


- Desculpa. - A mais nova suspirou - Eu...
estou receosa depois do que a sua mãe fez. Tive a
impressão de que ela sabia algo sobre nós e usou
aquela suposta brincadeira bem humorada para nos
alertar ou sei lá o quê. E eu não posso arriscar mais
o meu emprego, Eleanor. Não posso arriscar o seu
bem estar.
- Eu também suspeitei do comportamento
dela. A D. Beatrice tem os seus rompantes, os seus
momentos onde nem parece ser a mesma pessoa
controladora e manipuladora que é, mas eu a
conheço bem, Liv. Mamãe não sabe de nós. Se ela
sequer desconfiasse de algo, não agiria com
sarcasmo. Você já estaria bem longe daqui e eu
ouviria horas ininterruptas de sermões e lições de
moral e boa conduta. Isso se ela não cismasse em
me tratar como uma adolescente e impor um
castigo.
- Está falando sério? - Os passos de ambas
eram suaves, lentos e rítmicos.
- Seríssimo. - A morena riu - É absurdo, mas
se fosse diferente, não se trataria de minha mãe.
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- Pois esse é mais um motivo para tomarmos


cuidados extremos. Não posso, não vou arriscar.
- Espera. - Eleanor interrompeu a caminhada
- É a segunda vez em poucos minutos que fala "não
posso arriscar". Olívia, só o fato de você acordar já
significa que está se arriscando, e essa proporção de
risco aumenta ao longo do dia quando exerce a sua
função. O que mais você espera? Se você terá esse
receio todo em conversar normalmente comigo, eu
prefiro que não continue me acompanhando. - A
mais velha suspirando, virou-se e continuou sua
investida até onde estavam seus cães.
- Ei! - Olhando discretamente para os lados, à
fim de verificar se alguém as observava, a
comandante deu uma breve corrida para alcançar a
outra, fazendo-a parar ao tocar em seu braço -
Também não é assim. Só quero te proteger.
Imagina o inferno que seria se seus pais
descobrissem?
- Um dia eles saberão...
- O que tinha no seu café que a tornou tão
destemida assim? - Elas se entreolharam por alguns
segundos, rindo em seguida.
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- Sempre soubemos que não seria anda fácil,


Garner. Não quero enfrentar meus pais, nem estou
preparada para isso, mas também não quero que me
trate com indiferença quando estivermos à sós, ou
que surte à cada vez que algo parecido com o que
houve hoje mais cedo acontecer.
- Eu sei. Desculpe-me. Ainda preciso me
adaptar com essa situação. Preciso aprender a lidar
com o fato de que somos duas contraventoras. - A
loira sussurrou a última palavra, arrancando uma
breve risada da outra.
- É uma lástima que com eles aqui fiquemos
impedidas de fazer nossas "festinhas" no meu
quarto livremente...
- Que festinhas? Filmes, guloseimas e alguns
beijos? - Garner provocou.
- E existe coisa melhor do que isso?
"Ah, existe. Claro que existe, Eleanor."
A comandante pensou, mas jamais ousaria
falar. Não até terem intimidade suficiente para
comentarem algo a respeito de coisas relacionadas
à sexo. Liv tivera outro sonho erótico com a
herdeira na noite passada, e as lembranças que ela
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imaginava estarem adormecidas, retomaram a sua


mente naquele instante. A mais nova teve que bufar
baixo e morder o lábio inferior para se controlar.
Garner desejava Eleanor, desejava conhecer cada
curva daquele corpo moreno. Desejava, mas temia
ainda não ser a hora certa.
"Hora certa...isso soa tão arcaico!"
- Ai, ai! - Olívia ia responder a pergunta da
outra quando foi tomada de susto com Billy
mordiscando sua perna por trás, querendo brincar -
É você, seu danado?
- Ted! Vem aqui também, garotão! - Conner
chamava o outro cachorro fazendo gestos com os
dedos da destra, rindo da interação entre a loira e o
seu animal de estimação - Pensei em adotar um
gato, mas eles são muito independentes. Acho que
eu enlouqueceria de preocupação se o bichano
sumisse ao passear por esse casarão.
- Ah, isso com certeza aconteceria. Ele ia
passar o dia fora e depois retornaria para comer e
dormir. Típico. Já tive um. Até eu me acostumar
com essa rotina, passei por maus bocados. Minha
mãe é quem sofria os maiores danos. Eu chorava
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imaginando que algo ruim tinha acontecido, meu


pai chorava junto, e ela tentava a todo custo nos
animar e consolar.
- Falando em pais, estão todos bem?
- Estão, estão sim. Passamos o dia inteiro
comendo bobagens e jogando.
- Jogando? - A mais velha indagou, curiosa.
- É...gostamos de jogos como Batalha Naval,
War, Banco Imobiliário... - Liv acariciava o
cachorro que, em sua folga, havia deitado sobre os
seus pés - Já jogou algum desses?
- War sim, e Batalha Naval no computador.
Banco Imobiliário ainda não. Você bem que podia
me ensinar, Garner.
- Claro! É uma delícia! Assim que eu voltar
lá, pego emprestado e trago para cá, ou você pode
comprar um para ser seu.
- Gostei mais da última alternativa. Se eu
agradar dessa brincadeira, sabe que vamos passar
muito tempo fazendo isso, não sabe? - Os olhos de
Eleanor brilhavam e diziam tudo o que sua boca
não era capaz de comentar no momento.

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Se a máxima de que os olhos são o espelho


da alma, esta estava deveras feliz e apaixonada.
As mulheres brincavam e conversavam
tranqüilas com os animais, quando Anna as
interrompeu.
- Com licença... - Com poucos dias em seu
cargo, a moça carregava ainda um pouco de
vergonha e constrangimento em aproximar-se.
Ainda mais quando a filha do presidente estava em
companhia de sua segurança - Srta. Conner, seu pai
a está chamando no salão oval. Pediu urgência.
- Oh, sim. Eu já vou indo. - A morena, que
estava abaixada, levantou-se ajeitando suas roupas -
Hã... até...depois, comandante.
- Até, Srta. Connor. - Olívia esboçou um
sorriso tímido, sendo retribuída da mesma maneira.
Enquanto a loira observava Eleanor e Anna
sumindo jardim afora, a herdeira lutava contra a
vontade absurda que sentiu em olhar para trás e
apreciar a beleza daquele rosto angelical mais uma
vez.
"Eu estou louca, definitivamente. Não sei
como me deixei levar por essa insanidade... Deus!"
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Suspirando com os seus pensamentos, Garner


deixou os cães aos cuidados do responsável, indo
tratar de seu trabalho na sala de vigilância. Ela
precisava verificar se as câmeras do corredor de
acesso aos quartos, que havia desligado há uns dias
atrás, tinham sido reajustadas corretamente.
Para a sua surpresa, no meio do caminho
encontrou Waite à despedir-se de um agente novato
na Casa Branca.
- Olá, comandante. - O homem
cumprimentou a loira com um aperto de mão ao
aproximar-se dela.
- Há quanto tempo, comandante! - Eles riram
da referência dada ao cargo de ambos - O que faz
aqui? Veio nos visitar?
- Um bom filho à casa retorna. - Michael
brincou - Eu irei ao Capitólio acompanhando o Sr.
Alexander.
- Ah, sim. Eu deixei três agentes de
sobreaviso caso fosse necessária alguma
intervenção especial.
- Eu ia lhe procurar justamente para pedir ao
menos dois rapazes emprestados para fazer a
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escolta de moto. Aquele...como é mesmo o seu


nome? Hum... Reynolds. Isso! Ele é ótimo piloto!
- Fique à vontade. A Srta. Conner deve sair
mais tarde, mas é somente para fazer algumas
compras. Nada demais.
- E a primeira-dama? Eu não sei como
sobrevivi à Cuba. Depois do segundo dia essa
mulher não fazia outra coisa senão reclamar e
reclamar querendo retornar para casa.
- Engraçado... hoje pela manhã a Sra. Conner
apresentou-se com um humor magnífico. Deve ter
batido a cabeça...
- Garner! - O homem repreendeu-a, mas não
conseguiu segurar o riso por muito tempo.
- Waite, aproveitando que está
aqui...bem...como anda a investigação do atentado?
Esses primeiros dias no comando estão me
tomando muito o tempo. Sabe como é... até
organizar tudo em seu devido lugar, haverá
bastante tumulto. - A mentira descarada fez a loira
ruborizar, mas passou despercebido pelo seu antigo
supervisor.
- Hã... O pessoal do FBI e a grande maioria
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dos agentes da ASES estão empenhados nisso, mas


apesar de todos os recursos que possuímos, não é
algo que se consegue provas e exatidão nos
documentos com facilidade. Estamos lidando com
pessoas bem eficientes, arrisco a dizer que do alto
escalão, talvez. Não é tão simples e fácil como
parece.
- Ok. Então isso quer dizer que ainda não
temos nada?
- Isso quer dizer que estamos progredindo aos
poucos. - Michael sorriu - Vou ver se encontro
Reynolds e outro agente para me auxiliar como
batedores. Com licença.
- Está bem. Fique à vontade.
A comandante sentiu, pela segunda vez no
dia, que algo estava errado. Após despedir-se de
Waite, ela não conseguiu tirar da mente as suas
feições e a forma evasiva com o qual respondera à
sua pergunta.
"O que os olhos não vêem, o coração não
sente." Levando para o mundo dos segredos,
quando te escondem o que quer que seja, aquilo
começa a atormentar a sua mente como um Pac-
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Man, com a ansiedade e a vontade de descobrir a


verdade aumentando a cada instante.
Durante a breve interação que tiveram, Olívia
pôde notar Michael virando de lado, cruzando os
braços, mantendo-se firme em sua postura, mas não
de frente para ela. As pessoas que não têm nada
para esconder, dizem a verdade encarando, e
gesticulam, enfatizando o que estão dizendo, não
escondem as suas extremidades. Além disso, quem
mente sorri com a boca, mas os olhos ficam
congelados. O olhar do homem disse muita coisa
que o próprio não teve coragem ou condições de
relatar.
- O que está acontecendo, Waite? O que está
me escondendo? - A loira perguntou à si mesma
antes de prosseguir com as suas tarefas laborais.

************
No salão oval, o Sr. Alexander rascunhava
alguns papéis que estavam espalhados sobre a
grande Mesa Resolute. Este móvel, datado do
século XIX e confeccionado com partes da fragata
britânica HMS Resolute - daí o nome dado à mesa -
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foi um presente da Rainha Vitória para o presidente


em exercício Rutherford Hayes em 1880, e que
muito agradava o velho homem, que se pôs à
trabalhar enquanto não chegava a hora certa de sair
para o seu compromisso.
- Papai, mandou me chamar? - A morena
adentrou ao cômodo, após dar duas batidas ligeiras
na porta.
- Sim, minha filha. Entre! - O patriarca sorria
abertamente.
- O senhor está bem? Tive notícias de sua
indisposição...
- Oh, sim. Não é nada grave. Só acordei com
dores nas costas. Coisa de velho.
- Imagina, papai. Essa máquina aí está em
pleno funcionamento. - A mulher brincou,
sentando-se em uma das poltronas que se
dispunham na lateral direita do salão – Então, sobre
o que gostaria de falar comigo?
- Logo teremos as eleições para a presidência
e o partido já está pensando nas possibilidades de
representação.

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- É verdade. Temos as eleições primárias


daqui há alguns meses. Mais um mandato de
Alexander Conner? Uau! Os Estados Unidos nunca
estiveram e nem estarão sob os comandos de um
presidente melhor do que o senhor. Pulso firme,
bravura, trabalho em prol das minorias... E a forma
como conduziu o pós-atentado com certeza
contribuirá e muito à seu favor.
- Eleanor... hum...bem...o delegado partidário
e alguns membros dos democratas estão cogitando
a possibilidade de indicar outra pessoa para
representar-nos nas prévias.
- Outra pessoa? Mas quem? Não ouvi
nenhum comentário à respeito...
- Não ouviu porque eu pedi para que o
assunto não saísse das conversas secretas que
tivemos. Minha filha...
- Fala logo, papai. Para quê esse suspense
todo? - A morena tamborilava os dedos no estofado
já ficando nervosa com o clima de mistério que seu
progenitor estava fazendo à cerca do que tinha para
lhe contar.
Ele levantou-se lentamente, indo sentar-se no
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sofá em frente à sua "menina".


- O partido Democrata quer que você nos
represente. É isso!
- É o quê? Eu? Eu? - A mulher apontava para
si mesma, boquiaberta por conta da surpresa.
- O que deu em você, Eleanor? É, você sim.
Eles fizeram uma pesquisa, um gracejo, e a sua
aceitação foi maior do que muitos candidatos que
vêm se preparando há tempos. Alguns líderes
pretendem se reunir para discutir as chances que
você tem de ganhar, caso aceite prosseguir com o
seu nome nas eleições primárias. - O presidente
encarava a filha que ainda mantinha-se atônita
diante da notícia - Você não vai falar nada?
- Eu fui pega de surpresa...nem sei o que
dizer à respeito. - A herdeira se pronunciou após
suspirar profundamente - Minha mãe sabe disso?
- Sabe, sabe sim. Conversamos ontem
durante o nosso vôo de retorno. Pelo o que você
conhece dela pode imaginar que Beatrice
praticamente já te elegeu, não é? - O homem riu,
mas logo retornou à seriedade ao observar que
Eleanor não estava esboçando nenhum
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contentamento - O que foi? Não gostou de saber


que você é eficiente, querida e tem grandes
possibilidades de ser uma melhor representante da
população do que eu sou, do que muitos outros
presidentes foram?
- Não é isso... eu...nunca nem cogitei essa
idéia. Sinceramente, papai, preciso pensar. Preciso
digerir essa novidade. Não sei se quero tomar a sua
vida como minha. Não sei se quero viver presa à
uma condição que o senhor sabe bem que não me
apetece em muitos quesitos. Ser presidente da
República nunca foi meu sonho, nunca foi o que eu
queria como destino.
- Você não será uma simples presidente,
minha filha. Não é a primeira vez que comentamos
sobre isso. Você será a primeira mulher a estar no
mais alto cargo de comando do poder executivo.
Você será a primeira presidente feminina dos
Estados Unidos. Sua representatividade vai ser
fenomenal! Pense nisso. Pense na quantidade de
pessoas que investirão suas esperanças em uma
jovem com disposição para mudar o país.
- São justamente nessas questões que eu
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penso. As expectativas criadas, os sonhos


depositados... Eu...realmente não posso te dar uma
resposta sobre esse assunto agora, papai. Por favor,
me dê um tempo!
- Claro, minha filha. Analise tudo com
carinho, mas saiba que eu confio no seu potencial e
estarei ao seu lado para o que for preciso.
- Eu sei, meu pai. Eu sei. - A herdeira
caminhou até seu progenitor, depositando um beijo
no alto da sua cabeça - Posso lhe pedir algo?
- O que quiser, minha menina.
- Traga alguns daqueles muffins do Capitólio.
Há dias estou desejosa por comer aquelas
maravilhas. - Ambos riram.
- Pode deixar que trarei quantos conseguir
carregar.
- Vou torcer para que sejam muitos. - A
morena acenou para o pai quando seguia em
direção à saída do cômodo.
A notícia de que seu nome estava sendo
cogitado para a representação dos democratas, caiu
como uma bomba sobre sua cabeça, desnorteando-a

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à ponto de rumar para a área da cozinha, ao invés


de ir para os seus aposentos como deveria.
Após corrigir o engano, assim que fechou a
porta do seu quarto, Eleanor permitiu que o seu
corpo se refestelasse na cama. De imediato, ela
fechou os olhos, mantendo-se imóvel com as mãos
cruzadas sobre o peito. Sua respiração se dava de
forma lenta, quase imperceptível, o que contribuía
para que seu sistema nervoso não se abalasse.
Conner estava prestes a adormecer, com suas
pálpebras cada vez mais pesadas, quando ouviu
algumas batidas em sua porta.
"Oh, céus...quem será? Olívia não bate
assim..."
- Entre! - A morena gritou para fazer-se
ouvida, sem se preocupar em levantar e atender
quem quer que fosse que estava chamando por ela.
- Com licença, Srta. Conner... - Anna entrou
receosa - Posso dar uma palavrinha com a
senhorita?
- Claro! - A filha do Sr. Alexander
endireitou-se na cama, sentando-se em postura
ereta - O que deseja?
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- O que vou lhe dizer pode soar estranho,


mas... primeiramente eu gostaria de dizer que não é
minha intenção intrometer em sua vida pessoal, e
não tenho nenhuma opinião formada sobre isso.
Quer dizer, até tenho, porém não é da minha
competê...
- Pare! Por favor... - A morena apontou para a
poltrona do outro lado do quarto - Sente-se e fale
com mais clareza. O que tem a minha vida pessoal
que não é da sua conta?
- Eu tenho conhecimento do seu
envolvimento com a comandante Garner. - A moça
sentou-se no local indicado, despejando as palavras
subitamente - E pelo visto ninguém mais sabe
disso, não é?
- Eu não faço idéia do que está falando... -
Eleanor tentou a todo custo disfarçar seu espanto,
mas em se tratando de situações com certo grau de
estresse, seus dons de dissimulação tornavam-se
pobres.
- Não... não precisa se preocupar. Não estou
aqui para julgá-la, nem usar desse meu
conhecimento para o mal, digamos assim. Só
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pensei, e pensei muito, em lhe contar, pois da


mesma forma que notei, outras pessoas de má
índole podem notar. Quando não estiverem à sós,
sugiro que manerem nos olhares apaixonados ao
menos. Deus! Quem me dera ter alguém que me
olhasse assim com tanto carinho como vocês duas
se olham... - Anna suspirou emocionada.
Conner, como em poucas vezes na vida, ficou
entre a cruz e a espada sem saber como proceder
diante daquela situação. Era constrangedor ter seus
sentimentos expostos involuntariamente diante de
alguém que mal conhecia, e, além disso, a morena
notou o quão perigosa poderia ser a interação dela e
da comandante fora de seu quarto, às vistas de
qualquer um.
- O que exatamente você viu? - Eleanor
indagava, receosa.
- Duas pessoas que se gostam demonstrando
carinho uma com a outra.
- Falando assim faz parecer tão...
- Normal? E por que não seria? - Anna sorria
abertamente - Eu vivi um amor proibido. Ela era a
menina mais linda que eu já tinha conhecido em
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toda a minha vida. Nos encontramos na aula de


música e...foi amor à primeira vista. Éramos muito
jovens; os pais dela, judeus. Fomos obrigadas a
namorar escondido por bastante tempo. Acredito
que seja por isso que eu tenha percebido certos
"sinais" na senhorita e na comandante que são bem
comuns quando se trata de paixões mascaradas.
- E o que aconteceu? Ainda estão juntas? -
Aos poucos, a herdeira foi desanuviando a mente
do susto inicial por ter o sentimento que nutria por
Liv descoberto por terceiros.
- Ah, não pudemos gozar das delícias do
amor correspondido. Eu não tive ninguém para me
alertar, como estou fazendo com a senhorita.
- Eleanor, por favor. - A morena viu verdades
sendo explicitadas através das feições da oriental,
relaxando por completo de suas cismas.
- Desculpa. Força do hábito.
- Não tem problema. Então... continue
contando.
- O pai dela nos viu dando as mãos. Uma
atitude que poderia ser interpretada simplesmente
como duas amigas com os dedos entrelaçados uns
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nos outros. Nada demais. A cena em si não era


indicativa de algo que o fizesse explodir em raiva,
como aconteceu. Foi o clima de paixão, o carinho
transmitido através dos olhares que nos
denunciaram. Ele a mandou imediatamente para um
colégio interno do outro lado do mundo. Nunca
mais a vi. Nunca mais tive notícias da única pessoa
que amei de verdade até hoje.
- Isso é sério?
- É sim. Infelizmente é. Quando vejo você e a
comandante Garner, é como se eu me visse na
adolescência. É bonito e triste ao mesmo tempo! -
As mulheres sorriram ternamente - Por isso achei
que deveria avisar para tomarem o máximo de
cuidado possível quando estiverem juntas. E se
precisarem, podem contar comigo. Por favor,
senh...Eleanor. Não receba essa minha atitude
como uma intromissão. Eu só quero ajudar. Estou
aqui para exercer a função de secretária, mas a
minha fidelidade pode se estender além do lado
profissional.
- Obrigada. Não se preocupe. Não está sendo
invasiva. Apenas me assustei à princípio, mas, pelo
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visto, você parece ser uma boa pessoa. Merece um


crédito, um voto de confiança. Foi você quem nos
viu, mas poderia ter sido qualquer um. Meus pais,
por exemplo. Aí a tragédia seria pior do que as das
obras de Shakespeare. - Riram - É bom saber que
posso contar contigo. Já deve ter percebido que não
tenho muitos aliados, muitos amigos por perto.
Minha vida é baseada em troca de favores por
interesse. Nada além disso. - Um sorriso
desanimado quis surgir nos lábios da filha do
presidente, mas ao invés disso, ela suspirou
esperançosa - Vamos ver se realmente você é fiel
nas suas palavras.
- Verá. - A moça levantou-se - Agora eu
tenho que ir cuidar dos seus compromissos do mês
que vem. - Riram - Desculpa, mais uma vez.
- Pare de se desculpar, e obrigada.
- Pare de agradecer.
Assim que se viu sozinha, Eleanor foi
despindo-se no intuito de tomar um banho por
conta dos pêlos dos cachorros em sua roupa e
corpo. As rugas de sua testa franzida não se
desfaziam, assim como a desconfiança de que algo
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estava fora do lugar ali. Primeiro foi a sua mãe,


depois Anna. Será mesmo que ela deveria acreditar
que as pessoas podem ter boas condutas sem
nenhum interesse pessoal por de trás de suas
atitudes? Bom, nesse caso em específico, Conner
não tinha outra escolha se não arriscar-se.
Enquanto a manhã transcorria atípica, porém
tranqüila, Olívia aproveitava para checar sua mão
de obra e verificar as escalas dos dias que se
seguiriam. A agenda do presidente estava ficando
cada vez mais abarrotada de compromissos por
conta do último ano de seu mandato, e
conseqüentemente, a de Eleanor também. É um
ledo engano imaginar que a vida dos familiares de
um dos homens mais notórios do país era um mar
de rosas, muito pelo contrário. Todos tinham seus
afazeres e aparições, tal como mandava a cartilha
de um presidente exemplar.
A loira estava concentrada revisando alguns
arquivos do dia de visitação externa, quando um
pouco de molho do sanduíche que comia escorreu,
sujando sua camisa branca.
- Droga! Justo agora? - Ela falava de boca
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cheia, esquecendo-se dos bons modos por estar


sozinha.
Contrariada, Garner abandonou sua tarefa por
alguns minutos, seguindo até o dormitório para
trocar de roupa. Mal tinha fechado a porta atrás de
si quando o toque do seu celular ecoou pelo
pequeno quartinho. Reconhecendo o som em
especial, a comandante ergueu o sobrolho esquerdo
estranhando a ligação fora de hora.
- Louise, aconteceu alguma coisa?
- Aconteceu que Freud diz que "os sonhos
são os guardiões do sono". Sonhei contigo e fiquei
preocupada. Está tudo bem?
- Diz para o Freud que estou ótima. Só um
pouco suja de molho, mas vou resolver esse
empecilho em alguns instantes.
- Que bom! Tentei ir à casa dos meus amados
tios queridos ontem, mas...
- Para de chamar meus pais de tios! Não
temos mais dez anos. - As moças riram.
- Devia ir tratar desse seu ciúme. - A amiga
completou a brincadeira - E você e Eleanor, como

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estão?
- Bem... segui o seu conselho. Conversamos.
Expor certos sentimentos ajuda, mas acho que, em
nosso caso, as coisas são um pouco mais
complicadas. Não podemos simplesmente assumir
o que desejamos e vivenciar o que gostaríamos. Eu
estou ao lado dela o tempo todo, mas ironicamente,
mal posso ficar perto.
- E decidiram o que fazer com essas emoções
prestes a sopitar?
- Vamos deixar as coisas acontecerem
naturalmente. Não tem muito o que decidir ainda,
Louise.
- Então quer dizer que estão juntas? - A
psicóloga parecia deveras curiosa e animada.
- É, digamos que sim. Anteontem nós
falamos bastante à respeito do que sentimos, dos
nossos medos, dançamos e dormimos. Acredito que
isso é estar junto, de certa forma.
- Espera! As duas dormiram na mesma
cama?
- Dormimos, Louise Mattew. Deitamos na

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cama dela, fechamos os olhos e dormimos. Por que


o espanto? - Garner prendeu o aparelho de celular
entre sua orelha e o ombro, ao passo em que ia
desabotoando sua camisa.
- Mas vocês não transaram?
- Nem todo mundo é sexual como você, sua
safada! - A loira meneava a cabeça negativamente,
sorrindo.
- Você engana a quem não te conhece, Olívia
Garner. Dormir com uma mulher e não transar
com ela? Isso só acontece entre nós duas, e porque,
somos muito amigas e não sentimos atração sexual
uma pela outra. Agora... Eleanor?
- Ah, pode não me lembrar disso? - A
comandante bufou alto - Não sabe o esforço a que
fui obrigada a fazer. Louise... ela é linda! Linda! É
extremamente sexy, cheirosa. A pele dela é tão
sedosa! - Liv sentou-se na cama, deixando seu
corpo pender sobre o colchão, deitando e
mantendo-se de olhos fechados - Sei que não
podemos basear um relacionamento, que nem sei se
é relacionamento, em sexo. Só que... nossa! Como
eu queria poder tocá-la! Como eu queria poder me
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conectar a ela e sentir meu estômago revirar de


prazer como acontece quando nos beijamos! Deus
sabe o quanto eu preciso dessa conexão. Mas, em
contrapartida, não sei se é isso o que ela quer
também, se estamos no momento certo para dar um
passo tão importante...
- Oh, que gracinha! Minha amiga está
perdidamente apaixonada e querendo fazer
amorzinho... - Mattew zombeteava.
- Deixa de ser imbecil, Louise! - A loira
ralhava, mas ao mesmo tempo ria completamente
extasiada pensando em Eleanor.
- É difícil para vocês ficarem sozinhas, não
é?
- Com a possibilidade de agirmos
intimamente? Com os pais dela aqui é impossível.
- Amiga, eu sei que na cabeça de vocês
devem ter milhões de pensamentos desconexos,
dúvidas, receios, até mesmo com relação à qual e
quando dar mais um passo à frente. Mas já que
arriscaram um sim para a vazão dos sentimentos,
não custa tentar algo mais. Se ela não se sentir à
vontade ainda para uma transa, vocês podem criar
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alternativas juntas para suprirem a necessidade


uma da outra. Cada casal é capaz de descobrir
infinitas maneiras de prazer particular. Não custa
tentar.
- Você pode ter razão, mas isso só acontecerá
quando o presidente e a primeira-dama viajarem
deixando a filha para trás.
- Eu tive uma idéia! - Louise mostrava-se
mais em polvorosa do que a própria comandante
- Acha que consegue esquematizar um plano e
trazê-la aqui em casa? Vocês podem jantar,
conversar... Eu pretendia passar uma noite dessas
fora mesmo...
- O que está aprontando, Srta. Mattew? Quem
é? Me conta!
- O foco da conversa não sou eu. - Ambas
riram - O que acha da minha idéia?
Nesse instante, Garner abriu os olhos e sorriu
maliciosa, à morder o lábio inferior.
- Eu acho que Eleanor Conner dará um
passeio em Baltimore amanhã.

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Capítulo 23 – A primeira
vez
Desde a atípica conversa que tivera com
Anne, Eleanor não saiu de seu quarto à não ser para
almoçar, e sozinha. Seu pai já havia ido para o
compromisso, e a mãe tratava das madeixas em um
cômodo na ala leste da Casa Branca. A morena já
estava acostumada a fazer as refeições no silêncio
dos casarões em que morou, mas, ultimamente,
essa solidão a incomodava. Queria conversar,
queria rir de bobagens cotidianas. Contudo, em
monólogos, acabaria por entediar e enervar-se
ainda mais. Nos seus aposentos, ela ao menos
desfrutava de liberdade de ser e fazer o que bem
entendesse.
Já era fim de tarde. Após um longo e
regozijante banho, Conner buscou pelo exemplar de
Doctor Sleep, de Stephen King. Como leitora
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recorrente das obras desse autor, ela já estava


acostumada com a lenta formação de personagens
que sobressaiam no mar de palavras impressas.
Personagens que parecem reais, reagindo a eventos
surreais. E era exatamente isso que chamava a sua
atenção: a lentidão dos fatos, como câmera em slow
motion, conforme a realidade que se dá na vida de
tantas pessoas.
Envolta na leitura, ela parecia viajar para
outra dimensão. Imaginava cada detalhe descrito
nas cenas, sorria, balbuciava, assustava-se e
reclamava quando achava que era devido. Parecia
estar realmente no país das maravilhas, estas,
literárias.
De acordo com o que foi passado para a
comandante Garner, Eleanor iria fazer compras no
período vespertino. Já se dava o anoitecer e a
herdeira não havia dado o ar da graça ainda.
Preocupada com o que pudesse estar acontecendo,
Liv foi caminhando como que despretensiosamente
até o elevador de acesso à área particular da
presidência. Com sorte, poderia encontrar-se com
Conner e indagar-lhe sobre o motivo da mudança
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de plano e o não comunicado do mesmo, mas ao


invés da morena, acabou trombando na asiática.
Forçando um sorriso no intuito de esconder a
decepção, Garner meneou com a cabeça,
continuando com seus passos lentos. No entanto, a
secretária chamou por sua atenção.
- Comandante?
- Pois não?
- A Srta. Conner informou-me que acabou se
distraindo e esqueceu completamente de que
pretendia sair. Disse que vai transferir as compras
para amanhã. Eu estava indo lhe avisar.
- Oh, eu bem achei estranho o fato de não
termos saído ainda. Ela não é de se atrasar. Que
bom que foi só distração. Obrigada. - A loira virou-
se para o caminho contrário que estava seguindo,
pois já não tinha desculpas para subir.
- Comandante? - Anne chamou novamente
pela agente, dessa vez parecendo mais ansiosa.
- Sim?
- Eu... - Ela entreabriu a boca como quem
fosse falar, mas apenas suspirou - Esquece. Não era

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nada importante. Vou rever a agenda da Srta.


Conner da semana que vem e entregarei uma cópia
até amanhã.
- Faça isso, por favor. E vamos rezar para que
não haja mudanças de última hora. Você não tem
noção do quanto é complicado planejar rotas de
supetão.
- Organização e programação realmente são
primordiais.
- Obrigada por concordar comigo. - As moças
riram, mas como não tinham intimidade, logo o
clima tornou-se constrangedor - Então... vou voltar
para o meu trabalho. Se a Srta. Conner precisar de
alguma coisa, me avise, por favor.
- Claro, com certeza.
Olívia suspirou frustrada ao retornar para o
corredor de acesso à sala de segurança. Não
esperava ter suas intenções de ver a filha do
presidente talhadas daquela maneira.
Sem conseguir disfarçar a insatisfação, a loira
sentou-se em uma cadeira no canto direito do seu
posto de trabalho, e permaneceu encarando o
monitor desligado por alguns minutos. Pensava em
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tudo o que estava fazendo, em toda essa loucura


descabida e tão apaixonante que era relacionar-se
com Eleanor.
- Comandante, algum problema? - Um de
seus subordinados tirou-a de seus devaneios.
- Não. Por que? - Ela bufou baixo, voltando a
sua atenção para o rapaz.
- Por nada. Só para saber.
- Não se preocupe comigo. - Garner lembrou
que já se aproximava do horário em que aquela
turma costumava jantar. Verificando as horas em
seu relógio de pulso, ela sorriu dando um tapinha
no braço do agente especial - Podem ir fazer a
refeição de vocês. Não precisam se apressar.
Quando retornarem, eu vou.
- Tem certeza? Um de nós pode ficar para
que você jante agora também.
- Não precisa. Estou sem fome.
- Tudo bem então. Até mais.
- Tchau.
Assim que se viu sozinha, a loira respirou
aliviada pelo rapaz não ter insistido, ou por algum
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deles não ter resolvido que também estava "sem


fome". A desculpa se aplicava somente para a
intenção de ficar à vontade para enviar uma
mensagem para a herdeira através do Whatsapp.
[19:01]
Garner: Eleanor, Anne disse que você se
distraiu e esqueceu-se do horário em que sairíamos.
É isso mesmo? Está tudo bem?
Vinte segundos passados e nenhum sinal de
Conner online. Mais vinte segundos e nada. Os pés
desinquietos da loira começaram a balançar
ritmicamente em claro sinal de nervosismo. Típico,
bem típico de Olívia Garner.
- Opa! Online... - A comandante mordeu o
lábio, sorrindo ansiosa - Até agora não visualizou?
Por que? Espera... ela está digitando e o negocinho
não ficou azul...filha da mãe! Desativou a
confirmação de leitura. Ah, Eleanor...
[19: 03]
Preciosa: Boa noite, comandante Garner.
Anne disse certo. Cochilei, li e me perdi quanto ao
horário. Se estou bem? Não. Estou
sentindo...saudade!
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Mal havia recebido a mensagem, a mais nova


já tratou de responder.
- Não. Calma, Olívia. Precisa digitar devagar
para não transparecer que está agoniada.
[19:04]
Garner: Então acho que sofremos do mesmo
mal. Queria poder desejar boa noite pessoalmente,
mas é melhor não arriscar.
[19:06]
Preciosa: Também acho. Farei compras na
parte da manhã, assim podemos passar mais tempo
juntas e compensar o dia de hoje, quer dizer... você
entendeu.
A essa altura do campeonato, sentindo aquele
frio na barriga - as famosas borboletas dançando no
estômago - a agente nem se lembrou mais de suas
lógicas ilógicas sobre digitar devagar para não
demonstrar excesso de interesse. Ela apenas queria
estar com Conner de alguma maneira. E se por uma
rede social era o que tinham em possibilidade, que
assim fosse.
[19:08]

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Garner: Entendi sim. Eu queria conversar


contigo a respeito disso.
[19:09]
Preciosa: Fale!
[19:10]
Garner: Você confia em mim?
[19:10]
Preciosa: Confiar? Em que sentido?
[19:11]
Garner: Apenas responda. Você confia em
mim?
[19:12]
Preciosa: Claro que confio, Liv! Por que
pergunta?
[19:13]
Garner: Amanhã você dirá aos seus pais, e a
quem mais perguntar, que irá à uma festa
promovida por uma amiga qualquer.
[19:15]
Preciosa: Festa? Amiga? Céus! Garner, o que
está aprontando?

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[19:16]
Garner: Queria te fazer uma surpresa!
[19:18]
Preciosa: Uma surpresa? Mas vamos sair de
verdade? Vamos a uma festa? Onde? Em uma
boate? Eu sou louca para ir em uma boate
“normal”.
[19:20]
Garner: Boate normal? Hahaha... Surpresa é
surpresa. Apenas esteja magnífica como sempre às
21:00. Sairemos normalmente, mas você dirá que
prefere que somente eu te leve para não chamar a
atenção. Entendido?
[19:23]
Preciosa: Acha que isso vai funcionar? D.
Beatrice vai fazer um inferno para que eu saia com
a equipe toda.
[19:25]
Garner: Não custa tentar persuadí-la. Disse
que confiava em mim...
[19:26]
Preciosa: E confio. Está bem. Algum traje
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especial?
[19:27]
Garner: O que você se sentir à vontade para
usar.
[19:28]
Preciosa: Olívia?
[19:28]
Garner: Oi!
A aflição adolescente, o coração palpitando
forte no peito, a freqüência respiratória
desregulada, sintomas de pessoas em estado de
graça, apaixonadas. Sintomas que Liv e Eleanor
sentiam mutuamente, cada uma em um cômodo
extremo da Casa Branca.
[19:30]
Preciosa: Boa noite. Já estou ansiosa. Irei
torcer para que os ponteiros corram rápido no
relógio.
Não era bem isso o que a morena queria
digitar, mas faltou-lhe uma boa dose de coragem.
[19:31]
Garner: Eu contarei os segundos. Tenha uma
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ótima noite, Srta. Conner.


[19:32]
Preciosa: Bons sonhos.
[19:33]
Garner: Sonharei com você.
Mesmo relutante, Garner bloqueou a tela do
celular, deixando-o de lado sobre a mesa. O sorriso
abobalhado não saia de seus lábios. E os suspiros?
Ah, esses eram por conta de Conner.
Quando ambas escreveram sobre torcer para
o tempo correr rápido, contar os minutos, não era
brincadeira.
Não traindo a sua rotina, a comandante
acordou ainda de madrugada. Tomou o seu
desjejum, fez os seus exercícios, seguindo para o
seu posto de trabalho. As inconscientes
apaixonadas evitaram interações quando à sós para
que não houvessem suspeitas e dúbias
interpretações. Mas por que haveria? Não existiam
motivos, já que somente Anne sabia do caso delas.
Mesmo assim as mulheres apenas tentavam se
resguardar de outro susto como foi com a primeira-

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dama. Não precisavam de mais uma dose do


ocorrido.
Durante o dia saíram para as tais compras que
Eleanor tanto queria fazer. E se saíram bem.
Agiram naturalmente. Apenas de vez ou outra, os
olhares escaparam das diversas distrações
encontradas no shopping e buscaram um ao outro.
Por sorte, a secretária estava junto na investida
consumista, o que as inibiu de qualquer ato mais
"ousado".
Assim que retornaram à Casa Branca, a
herdeira tratou logo de ir falar com os pais a
respeito de sua saída, para que não houvessem
imprevistos de última hora que talhassem seus
intentos. Procurou-os no escritório, nos jardins, na
sala de jogos, e acabou por encontrá-los no lugar
mais improvável: o quarto. O casal raramente era
visto juntos no cômodo à não ser para dormir, o que
causou estranheza em Conner.
- Com licença, posso entrar? - A morena
perguntou mesmo depois da autorização quando
bateu na porta.
- Oi, garotinha. Como está? - Alexander
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sorria sentado em sua poltrona de polietileno


reciclado ao estilo Luís XV, fechando o livro que
estava em suas mãos, colocando-o sobre a mesinha.
Beatrice, que organizava algumas jóias em
seu closet, ouviu a voz de sua filha, indo verificar
se não estava tendo alucinações.
- Eleanor? Achei que fosse demorar mais
tempo no passeio. Comprou o Manolo que queria?
- Não achei, mamãe, mas tenho presentes
para você. Não sei em qual sacola está. Trago assim
que os encontrar.
- Eu odeio quando me deixa curiosa. Podia
ser mais organizada e deixar meus presentes em
embrulhos separados da próxima vez. - Riram.
- E para seu velho pai não tem nada? - O
homem reclamou.
- Tem uma filha linda. - Em brincadeira, a
morena deu uma volta em torno de si.
- Isso é mesmo um belo presente. - O
presidente meneava negativamente a cabeça
enquanto ria.
- É claro que comprei coisas magnânimas à

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altura do homem mais lindo desse e de todos os


outros mundos. - Eleanor aproximou-se, beijando
sua calvície.
A primeira-dama, que havia ido até o
banheiro por instantes, retornou esfregando as mãos
à espalhar um hidratante.
- O que deseja, minha filha? Pode falar.
- Nossa, por que acha que quero algo?
- Te carreguei nove meses em meu ventre.
Não existe ser na Terra que te conheça melhor do
que eu.
Essa não era uma afirmativa verdadeira, mas
Conner não ia questionar o que quer que fosse
naquele momento.
- Ah, D. Beatrice, o tempo passa, mas certas
coisas não mudam. - A morena dizia, ao passo que
sua progenitora ajeitava as suas madeixas - Pois
então, hoje eu vou à festa de uma amiga. Estou
avisando para que não se preocupem. Lembra-se da
Claire Domeveux, mamãe?
- Claire... Aquela que doou uma quantia
exorbitante para a campanha contra a depressão?

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- Exatamente.
- Uma festinha de vez em quando não faz mal
a ninguém, não é? - O presidente intrometeu-se na
conversa das mulheres - Só tome cuidado, pelo
amor de Deus, Eleanor!
- Claro, papai. A comandante Garner irá me
acompanhar o tempo todo.
- Por que não convida o David para ir
contigo?
A morena suspirou profundamente
suprimindo a vontade de revirar os olhos. Era
mesmo de se admirar que D. Beatrice passasse
tantos minutos sem usar de sua mania inveterada de
imposição, de querer infundir seus conceitos
estapafúrdios. Mas não era hora de se exaltar.
Conner deveria engolir as palavras de repreenda
que estava prestes a proferir, afinal, um bem maior
a aguardava.
- Mamãe, está em cima da hora. A senhora
mesma me disse diversas vezes que não é de bom
tom convidar as pessoas para eventos sem uma boa
antecedência.
- Ah, mas esse é um caso à parte. Tenho
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certeza que ele não se importaria.


- Deixemos para uma próxima. - A herdeira
aproximou-se da matriarca segurando em ambos os
braços dela - Eu preciso ir me banhar. Ah, pode
pedir carne assada e uma salada fria para o almoço
amanhã?
- Peço. Peço sim, querida. - A primeira-dama
denotava clara insatisfação em seu semblante.
- Obrigada. Amo vocês!
- Também te amamos! - Alexander
respondeu, mas antes que um de seus pais pudesse
retrucar sobre o que quer que fosse, Eleanor saiu do
quarto à passos largos, acenando e fechando a porta
atrás de si.
Já nos seus aposentos, o primeiro desafio foi
escolher o look adequado para a ocasião. Não
queria parecer vulgar, tampouco recatada demais.
Deveria estar sexy, porém com discrição.
- Droga! São nesses momentos que percebo
que não tenho o que usar. Talvez esse vestido...
Hum... Não! Esse... Não! Comprido demais. Esse...
Não! Muito curto. - Ela bufava a cada passo dado
dentro do closet - Acho que esse deve ficar bom...
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Enquanto Conner travava uma batalha atrás


da outra para escolher o figurino, o penteado e a
maquiagem para a noite, Liv conseguiu uma brecha
para escapar durante o expediente e ir até a sua casa
buscar uma vestimenta. E a desculpa que usara na
verdade era plenamente plausível. Para o suposto
local aonde iria, bem como o trajeto e o tipo de
evento que se sucederia, a forma mais ajustada e
prudente de levar a filha do presidente seria com
reserva, sem chamar a atenção. Para isso, não
haveria comitiva, ou batedores seguindo o veículo
em que a morena estava. Ia somente ela e a
comandante, obviamente à paisana, por isso da sua
roupa não sendo a usual.
Tão rápido quanto foi, a loira retornou. Ela
não era uma expert em penteados e afins, portanto,
optou por tudo o mais simples possível, dentro de
um padrão mínimo de elegância.
Dada a hora, Garner apressou-se para
encontrar a herdeira no salão próximo à saída leste,
onde estava estacionado o seu carro. A moça
verificava os documentos em sua bolsa de mão
enquanto caminhava, não se dando conta de que
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tinha companhia no recinto.


- Comandante Garner? - A voz do presidente
a fez paralisar seus movimentos, erguendo
lentamente a cabeça para olhá-lo.
Não só o homem, como sua esposa e Eleanor,
estavam boquiabertos à encará-la. A surpresa se
dava pelos trajes que usava, completamente
diferentes do costumeiro. Seus cabelos longos
estavam presos em um coque baixo. O vestido de
comprimento um pouco acima do tornozelo, em
tecido misto de algodão e seda armada branca com
listras pretas, trazia um decote deveras provocativo.
Mas a morena não ficava atrás em termos de
elegância. Estava igualmente bela em seu vestido
preto com transparência em rendas reticuladas em
vermelho e azul turqueza.
- Boa noite Sr. Alexander. Boa noite, Sra.
Conner, Srta... - Olívia cumprimentou-os
claramente constrangida.
- Uau! Quem diria que por de trás daquele
terno existia uma mulher tão exuberante? - A
primeira-dama observou.
- Mamãe... - Conner reprimiu toda a sua
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admiração e vontade de correr para os braços da


mais nova, dando apenas alguns passos à frente.
- Comandante, cuide bem da minha filha, por
favor. - O presidente dirigia a palavra à loira.
- Essa é a minha função, senhor. Manterei a
sua filha em segurança. A tratei inteira, sã e salva.
- Assim espero. Eleanor é o que eu tenho de
mais valioso. Se algo ruim acontecer à ela, eu não
sei se sou capaz de suportar. Ainda bem que já
tivemos provas suficientes da sua capacidade. Não
é à toa que se tornou a segurança particular de
minha filha. - Apesar dos pesares, havia muita
verdade nas palavras de Beatrice.
- Então, vamos? - A morena suspirou
apreensiva e ansiosa.
- Claro! - Ainda com um sorriso
constrangido, Olívia fez sinal com a destra para que
a mais velha caminhasse à sua frente.
Entraram no carro, emudecidas. Ambas
carregavam consigo um misto de receio,
nervosismo e saudade. Era como uma bomba
prestes a explodir e quanto menos contato que
pudesse acender o estopim, melhor.
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Mas esse esforço não durou muito tempo.


Assim que saíram dos arredores da Casa Branca e
tomaram as ruas de Washington, Garner estacionou
o carro em um ponto de uma viela que julgou ser
seguro. Sem pudores desnecessários, ela avançou
contra a boca de Conner dando-lhe o beijo tão
ansiado. Uma língua sugava a outra enquanto as
mãos iam da nuca aos braços, sentindo a textura
das peles macias, o calor que emanava delas.
- Oi, agente do Serviço Secreto.
- Oi, filha do presidente. - Falavam com as
testas encostadas uma na outra, ofegantes, sorrindo.
- Você está... tão linda! Nunca te vi assim.
Não consegui disfarçar a minha surpresa.
- Ainda bem que seus pais se surpreenderam
também. Sua mãe principalmente.
- É que... - Eleanor dizia ao passo que
acariciava e admirava o rosto da mais nova - Não
sei dizer exatamente o que é, mas tem algo
diferente em você e não é somente o penteado e a
roupa. Seus olhos... parecem brilhar.
- Talvez seja porque hoje é um dia especial.
Mentimos, mas não é como a fuga da outra vez.
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- É... Hoje é especial. - A herdeira distribuía


beijos nos lábios e pescoço da outra - Aonde
iremos? Posso saber?
- Bem, eu tinha planos para a nossa noite,
mas conversando contigo ontem, acabei alterando
um pouco o percurso.
- Então...
- Então... Aguarde que é surpresa. - Antes de
dar a partida novamente, a loira ligou o som.
Assim que as primeiras notas de Sleepless
começaram a tocar, Conner imediatamente
direcionou o seu olhar incrédulo para a
comandante.
- Eu não sabia que ouvia esse tipo de música
no seu carro.
- Há muitas coisas que não sabemos uma da
outra, mas espero descobrir as suas... em breve. -
Rindo e conversando amistosamente, as mulheres
seguiram para o primeiro destino, obviamente
causando outra onda de espanto em Eleanor -
Chegamos. - Liv estacionou o carro a poucos
metros do local, do outro lado da rua.

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Com o cenho franzido, procurando entender


ao certo o que se passava ali com tanta
movimentação de pessoas, a morena sorriu ao ver a
mais nova saindo do carro e abrindo a porta para
ela.
- Grand Central? Isso é...
- Sim, uma boate.
- Oh, meu Deus! O que... - Conner olhava
espantada para um casal de homens se beijando
logo à frente, arrancando risadas da outra.
- Meu bem, estamos em uma boate gay. As
pessoas se beijam nas ruas, lá dentro também,
sabia?
- Sim, eu sabia. Só não poderia nunca
imaginar que fosse me trazer em um lugar assim.
- O que foi? Você disse que gostaria de
conhecer uma danceteria. Achei que seria
interessante um ambiente em que pudéssemos ser
nós mesmas sem nos preocupar com convenções
sociais de nenhuma espécie, onde poderíamos nos
divertir sem restrições. Não gostou?
- Está brincando? - A mais velha tomou a

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destra de Garner, fazendo-as caminhar mais rápido


- É tudo o que sempre quis na vida!
A comandante tinha plena razão ao dizer que
ali poderiam curtir a noite dançando, bebendo, se
beijando sem que ninguém as incomodasse. Não
foram reconhecidas e puderam gozar de boa
música, risadas, caretas ao tomar shots de tequila,
abraços e vários, vários olhares apaixonados.
Após terem visto shows de gogo boys, gogo
girls e transformistas, terem se insinuado uma para
a outra em danças eróticas, onde seus corpos
roçavam um no outro, e já com o avanço do
horário, resolveram ir embora.
Assim que chegaram na portaria, ambas
bufaram baixo vendo a chuva que caía lá fora.
- Oh, céus. - A loira ergueu a sobrancelha
esquerda.
- E agora? Como vamos chegar até o carro? -
A filha do Sr. Alexander indagava, preocupada.
Prendendo um sorriso ao ter uma idéia,
Olívia entrelaçou seus dedos nos da outra.
- Tem algum guarda-chuva escondido por aí?

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- A comandante perguntou, divertida.


- Claro que não, Garner!
- Então... Espere aqui. - Tomando a bolsa de
sua mão, escondendo os objetos contra o seu corpo
da melhor forma que podia para que não
molhassem, a mais nova correu entre os pingos
grossos até o seu automóvel. Ao invés de pegar
uma sombrinha ou algo que pudesse proteger a sua
querida da chuva, a loira apenas colocou as
bolsinhas no banco de trás, fechando o carro em
seguida. Completamente encharcada, a comandante
parou no meio da rua, de braços abertos, e com um
sorriso feliz estampado no rosto - Você não vem?
- Olívia, você enlouqueceu? - Eleanor
gritava, admirada com atitude da outra.
- Já tomou um banho de chuva? - Garner
tirou o excesso de água que escorria pelo seu rosto
- Não sabe o que está perdendo. I'm singin' in the
rain, just singin' in the rain, what a glorious feeling
I'm happy again. I'm laughing at clouds. So dark up
above, the sun's in my heart and I'm ready for love.
Respirando profundamente no intuito de
buscar um pouco de coragem para si, a filha do
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presidente andou à passos apressados em meio aos


pingos, levando as mãos à cabeça no intuito vão de
se proteger, até aproximar-se de onde estava a loira.
- É frio! - Reclamou a mais velha.
- Você se acostuma. - Complacente, a agente
federal abraçou Conner para que pudesse se sentir
mais confortável. O ato de carinho durou menos
que um minuto, mas o sentimento transmitido valia
por uma vida. De repente, afastando-se, segurando
apenas na destra da morena, Liv começou a
rodopiá-las pela via deserta de movimentação de
carros, rindo e se divertindo com a leveza que a
outra aparentava - Não é uma delícia?
- Eu não sei como nunca tinha feito isso! Eu
dormi nos meus mais de trinta anos? - A herdeira
comentava em meio às gargalhadas.
- Se está fazendo referência ao conto da Bela
Adormecida, acredito eu que não pareço muito com
o príncipe. - A comandante zombava dela mesma.
Ao fundo, tocava uma música de Hippie
Sabotage, som vindo da boate. As mulheres
estavam com seus corpos molhados, maquiagem e
penteados desfeitos, porém não havia nada mais
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belo no mundo que as duas naquele momento


extremamente simplório e mágico.
- Você não se parece mesmo com o príncipe
encantado, mas é a princesa do meu conto de fadas.
- Emocionada, Conner tomou o rosto da mais nova
entre suas mãos, encostando sua testa na dela -
Obrigada, Liv. Você me devolveu a vida, no amplo
sentido que a expressão pode ter. Eu te adoro! Eu
realmente te adoro muito, muito, muito...
- Eleanor, eu... - A loira não completou a
frase, pois os lábios carnudos e doces da mulher
mais linda que já conhecera, roçaram nos seus,
causando uma explosão de sentimentos e sensações
dentro de si. Ainda quando experimentava do
prazer de beijar aquela boca avermelhada, Garner
sentiu os tremores da outra pelo frio que os pingos
grossos causavam ao bater em sua pele - Ei,
vamos?
- Não!
- Mas você está tremendo! Podemos adoecer.
- Eu não quero voltar para casa, Olívia. Por
favor.
- Calma! - Sorrindo ternamente, a
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comandante envolveu a filha do presidente pela


cintura, as conduzindo até o carro - Nem se
quiséssemos poderíamos retornar para a Casa
Branca nesse estado. Não pretendo ser demitida
agora, Srta. Conner.
- E para onde iremos então? - A morena
indagou curiosa, antes de relutar em entrar no
automóvel - Vamos molhar todo o estofado. Vai
estragar seu carro.
- Não se preocupe com isso. Eu não me
importo.
- Importa sim. Já me disse o quanto é
apaixonada por esse Accord. - A loira fez um sinal
com as mãos e, revirando os olhos, Eleanor
acomodou-se no banco mesmo à contragosto - Está
bem. É você quem manda.
Entrando no lado do motorista, a agente
tratou logo de acoplar o cinto de segurança,
suspirando feliz antes de dar a partida.
- Eu amo o meu carro. Ele é como um bebê
para mim, mas... - Desviando a atenção da rua por
um segundo, Liv sorriu abertamente encontrando os
olhos castanhos lacrimejantes ao seu lado - ...por
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mais que eu o estime, não vale mais do que esse


sorriso que está estampado em seu rosto. - Para
desviar o foco da emoção que sentiu e não correr o
risco se chorar na frente da herdeira, a loira
completou sua fala com uma brincadeira - Além
disso, eu trabalho para o mais alto escalão do
Governo dos Estados Unidos. Recebo
relativamente bem para poder comprar outro
automóvel. Mas quer saber? Acho que vou colocar
na conta do seu pai. - Ela sussurrou como se a frase
proferida fosse um segredo, arrancando
gargalhadas da mais velha.
- Não me respondeu para onde iremos...
- Só um minutinho... - Olívia não demorou a
estacionar o carro em frente à uma residência bem
charmosa, com a fachada de vidro fumê e a entrada
elegantemente ornamentada com vasos de flores
entalhados - Chegamos!
As mulheres saíram do veículo às pressas,
mesmo com a chuva tendo cessado, já que estavam
com frio. Conhecida dos vizinhos, Garner apenas
acenou para um curioso que estava de prontidão
olhando pela janela.
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- É a sua casa?
- Não. Eu moro em Capitol Hill. Esse é o lar
da Louise.
- Oh, mas ela não vai se importar de
entrarmos? Você nem sequer ligou informando que
viríamos, Liv! - A mais nova não respondeu.
Apenas tirou o chaveiro da bolsa, ao mesmo
instante em Conner franziu o cenho em estranheza -
Tem a chave daqui?
- Claro! Por necessidade. Louise gastou na
faixa de $ 200,00 dólares com chaveiro no ano
passado. Fui obrigada a ficar com cópias reserva
para ela economizar quando perdesse. É mais fácil
se deslocar até a minha casa do que pagar uma
fortuna para entrar na dela.
A agente estava ciente de que a amiga havia
disponibilizado o apartamento para que ela e
Eleanor pudessem jantar e ficar mais à vontade,
mas como os planos haviam mudado de última
hora, Olívia nem se preocupou em ir ao local antes
para fazer o que quer que fosse.
E nessa falta de antecipação é que ambas
foram surpreendidas: a sala estava romanticamente
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decorada com velas e flores vermelhas. Na pequena


mesa de jantar ao lado direito, podiam-se ver os
candelabros dourados de muito bom gosto, assim
como as pétalas de rosas espalhadas sobre a toalha
branca que cobria o móvel e também por todo o
carpete.
- Uau! Você... - Conner circundava o local
com o olhar, maravilhada com o cuidado com os
detalhes encontrados pelo cômodo.
- Desculpa, mas isso não foi obra minha.
Deve ter sido aquela louca. - A comandante sorriu,
balançando a cabeça em negativa. Curiosa quanto
ao conteúdo de um envelope disposto sobre a mesa,
ela caminhou até o móvel, tomando o objeto na
mão - "Queridas Olívia e Eleanor... - A mais nova
lia as palavras escritas em um cartão azul
- "...deixei preparado um mousse de gorgonzola e
um risoto de cogumelos secos no forno. Como não
sei se você gosta de doces, Srta. Conner, fiz
algumas nuvens de abacaxi. Estão na geladeira.
Ah, tomem espumante para não anular nenhum
sabor dos pratos. Espero que se divirtam! Um
abraço. Louise. P.s.: Você me dev..." - A
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comandante, constrangida com o que estava escrito,


não terminou de ler, dobrando o papel e o
recolocando dentro do envelope.
- O que foi, Liv? Por que ruborizou de
repente? Por que não terminou de ler? - Conner
indagava com o sobrolho erguido.
- Nossa, quantas perguntas! - Ela sorriu
constrangida. Desconfiada, a herdeira aproximou-
se e, dotada de um quê de esperteza, tomou o
envelope rapidamente das mãos da outra, abrindo e
gargalhando ao ler a frase final do bilhete -
Eleanor! Devolva essa coisa, já!
- "Você me deve uma foda, sua safada". - A
morena ria divertida - Não acredito que li isso.
- Dá para parar? Louise me paga! - A última
frase foi proferida em tom quase inaudível.
- Ei, não precisa ficar envergonhada. Está
fazendo uma tempestade em um copo d'água. -
Conner aproximou-se entrelaçando os braços em
torno do pescoço da mais nova - Não é como se eu
fosse uma puritana que nunca ouve ou comenta
sobre esse tipo de coisa. Não sou frágil, não sou de
porcelana, Garner. Não precisa ter tantas reservas
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comigo. Não precisa ser cuidadosa comigo.


As palavras ditas em sussurro ao pé do
ouvido, fizeram ambas arrepiarem os pêlos de seus
corpos. A comandante levou as mãos à cintura da
morena apertando o local com volúpia.
- Precisa tirar essa roupa, tomar um banho
quente. Você não pode adoecer...
- Nem você pode...
- Eu te ajudo...se quiser. - Neste instante, um
sorriso se fez presente no rosto da filha do
presidente, pois sua vida sempre foi feita sobre
regras e disciplinas e, naquele momento, com a
loira, sentiu-se plena, liberta de qualquer amarra,
qualquer pudor.
Desviando o olhar da mais velha e mirando a
porta do banheiro no corredor, Olívia tirou os
sapatos deixando-os encostados na parede.
Cômodo à dentro, ela colocou os acessórios,
bem como o resto do vestuário em cima da bancada
da pia, realinhando posteriormente em um coque,
os fios loiros que o vento antes beijara.
Eleanor a seguiu. Respirações profundas

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foram promovidas ao vislumbrar aquele corpo de


músculos aparentes e bem trabalhados. Seu
penteado e suas vestes foram abandonadas sem ao
menos a morena perceber, tal seu grau de
hipnotização diante do que seus orbes castanhos
podiam admirar.
A comandante abriu a torneira, e de olhos
cerrados, ficou ouvindo o delicioso barulho
contínuo do cair da água. Sentia cada respingar. E
sentiu os seios de Conner roçando em suas costas,
com seus dedos vagarosamente penetrando na água,
a tocar sua pele desnuda. Garner virou-se tomando
os lábios da herdeira em um beijo sôfrego,
prensando-a contra a parede. O frio do azulejo
trazia sensações novas e delirantes para ambas as
mulheres que, a essa altura do campeonato, já
detinham uma respiração irregular.
A mais nova abriu o frasco do sabonete,
deixando que gota a gota caísse sobre o colo da
morena. Massageou o local, fazendo a espuma
embranquecida exalar ainda mais o seu aroma
agradável. As carícias desceram dos seios para o
abdômen até alcançar o meio das pernas de Eleanor
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que, instintivamente arfou ao toque.


- Liv... - Seu nome, pronunciado em tom
rouco e excitado, incentivou a agente federal a
prosseguir.
Os movimentos circulares eram feitos no
clitóris, nos grandes e pequenos lábios da vagina
lisa da mais velha, fazendo com que ambas as
mulheres não pudessem mais controlar os gemidos
de prazer pelo ato. Quando Swan delicadamente
penetrou-a com um dedo, Mills imediatamente
contorceu-se de tesão em meio à água corrente, o
vapor e o líquido branco espalhado pelo seu corpo.
- Você é...ahhh...perfeita! - O sussurro de
Emma agia como estopim para um orgasmo.
Saindo de dentro da filha do presidente, as
mãos cheias de sabonete da loira, foram de
encontro às nádegas da linda mulher à sua frente.
Os mesmos dedos de antes brincavam no sexo
pulsante de Regina, agora bailavam na entrada do
ânus.
O clima entorpecia. E um vento frio da janela
esquecida aberta acima de suas cabeças, chegava
até as suas almas, ouriçando os pêlos mesmo com o
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vapor quente dentro do box. Isso contribuía sem


saber para o aumento da excitação daquele
momento. Ambas pensavam em ato sexual,
cheiravam ao ato sexual, viam o ato sexual, eram o
próprio ato sexual.
Eleanor tomou a destra de Olívia, chupando
sensualmente o seu indicador e dedo médio,
levando-os até seu sexo, friccionando intensamente
no local. Com um gemido agudo de gozo, ocorreu à
penetração outra vez. Tentando se agarrar na
parede com o tesão sentido, a mais velha arqueou a
cabeça para trás, mantendo-se de olhos fechados.
- Que delícia! Me dê mais, Garner. Me dê
mais!
- Quer mais? Assim?
A loira aumentou a velocidade das estocadas
indo o quão rápido e fundo podia, tocando as
paredes internas da vagina de Conner ao girar os
dedos lá dentro. As leves batidinhas do polegar em
seu clitóris, arrancaram gemidos guturais da
morena, no banho onde o êxtase condensava os
instantes em minutos ardentes. Com a mão livre, a
comandante apalpou o seio direito da outra,
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brincando com o mamilo que retesava ainda mais a


cada toque.
Nos movimentos contínuos de vaivém, Liv
alternava as metidas com toques instigantes no ânus
de Conner, passando os dedos para frente e para
trás, para trás e para frente, com aquela vagina
úmida sugando-os e expulsando-os.
Foram um, dois, foram orgasmos múltiplos
tanto por parte de Eleanor quanto de Garner. A
água incessante escorria por entre os gozos. O
desejo foi se satisfazendo e acalmando. As
mulheres tinham feito amor, tinham se amado e se
amariam por tantas vezes mais durante a
madrugada.

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Capítulo 24 – Esse é o
meu passado
A surpresa que se tem ao ouvir uma mulher
dizendo que não gosta de romantismo é deveras
verossímil. Pode ser taxado como preconceito -
sendo analisado de determinado ponto de vista - o
fato da incredulidade ao deparar-se com um ser do
sexo feminino que tenha essa afirmativa sem um
motivo exato para tal. É praticamente impossível
encontrar uma razão plausível para as negativas ao
romance, apesar de dizerem por aí que existe.
Garner sempre teve como premissa de seu
comportamento, o toque suave e poético ao tratar
das mulheres com quem se relacionava, e entendia
as que não admiravam tais gestos. No entanto,
rejeitar jantares românticos... Ah, isso ela não
admitia.
Os jantares românticos não são simples
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refeições. Até o mais singelo deles deveria ser


tratado como evento grandioso para o casal, já que
é onde se tem a oportunidade de cumplicidade nos
assuntos, onde se pode surpreender o outro com a
quebra da rotina, onde muitas vezes os
fundamentos do relacionamento são estabelecidos.
Isso sem citar o pós jantar, que geralmente culmina
em um amor gostoso feito sob a volúpia reprimida
nas horas anteriores.
E conhecendo bem a amiga, seus gostos
particulares e preferências de conduta, Louise
organizou tudo buscando dosar o romantismo com
a simplicidade - uma maneira de dar-lhes liberdade
para que fugissem um pouco da formalidade ao
qual estavam cercadas em tempo integral na Casa
Branca.
Após o prazeroso banho que proporcionou o
êxtase mútuo através do reconhecimento da atração
sexual que sentiam, das zonas erógenas e do
carinho que nutriam uma pela outra, Olívia e
Eleanor cobriram seus corpos com dois camisões
largos que a comandante encontrou no guarda-
roupa da amiga. Desde que experimentaram o sabor
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uma da outra, não conseguiam se afastar,


transformando um simples ato de vestir - que não
duraria mais que poucos segundos - em um longo
acontecimento.
- Acho melhor te alimentar. Precisa de
energia. - A loira sussurrava ao pé do ouvido da
outra.
- Ah, é? E por que eu preciso de energia? -
Conner a provocava deliberadamente subindo e
descendo os dedos pelo abdômen definido de
Garner.
- Para repor o que gastou no banho e para o
que ainda gastará, óbvio. - Ambas deram uma
gargalhada safada, maliciosa - Vem... - Liv
procedeu conforme as instruções deixadas por
Mattew. Esquentou os pratos, serviu-as de
espumante, acendeu as velas que se apagaram. O
clima não poderia ser mais propício, e ficou ainda
melhor quando ela ligou o aparelho de som,
acoplando o seu celular. Tão logo a melodia pôde
ser ouvida, a loira começou a cantarolar
suavemente, balançando seu corpo conforme o
ritmo que se dava.
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"So you say you wanna get away


Então você diz que quer fugir
We don't need a plane
Nós não precisamos de um avião
I could be your escape
Eu poderia ser sua fuga
Take you to a place
Levá-lo para um lugar
Where there's no time, no space
Onde não há tempo, não há espaço
I could be your private island
Eu poderia ser sua ilha particular
On a different planet
Em um planeta diferente
Anything could happen
Tudo pode acontecer
Listen to the waves
Ouça as ondas
Let them wash away your pain
Deixe-as lavar sua dor

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I could be your fantasy


Eu poderia ser a sua fantasia
I could be your fantasy
Eu poderia ser a sua fantasia..."
A comandante segurou firme na cintura da
morena, trazendo seu corpo para mais perto.
- Você canta como um anjo. - Risonha,
Conner sequer se assemelhava àquela mulher que
circulava pelos cômodos da Casa Branca, tão
sisuda e imperativa - Você está sendo a minha fuga
literal, o meu porto seguro, o meu verdadeiro conto
de fadas.
- É? Você seria a princesa Eleanor? - Ambas
riram.
- E por que não?
- Você tem cara de rainha... Rainha soberana,
não de princesa!
- Pare! Não me faça ficar constrangida.
- Está bem, majestade... - Garner fez um
gesto de reverência, obrigando a mais velha a
menear negativamente com a cabeça - Vamos
comer.
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A música continuou tocando enquanto as


apaixonadas acomodavam-se à mesa.
"...Underneath the palm trees
Debaixo das palmeiras
You could leave your worries
Você pode deixar as suas preocupações
Listen to the waves
Ouça as ondas
Say you wanna get so high?
Diz que quer ficar tão alto?
Breath me in like air tonight
Respire-me como o ar hoje à noite
Listen to the waves
Ouça as ondas
I could be your fantasy
Eu poderia ser a sua fantasia
So you say you wanna get so high?
Então você diz que quer ficar tão alto?
Breath me in like air tonight
Respire-me como o ar hoje à noite

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Let yourself unwind and get lost


Deixe-se relaxar e se perder
In the garden of my mind
No jardim da minha mente
I could be your private island
Eu poderia ser sua ilha particular
Underneath the palm trees
Debaixo das palmeiras
You could leave your worries
Você pode deixar as suas preocupações
Listen to the waves
Ouça as ondas
Let them wash away your pain
Deixe-os lavar sua dor
I could be your fantasy
Eu poderia ser a sua fantasia
I could be your fantasy
Eu poderia ser a sua fantasia..."
Ambas se ajeitaram confortavelmente à mesa,
lado a lado. Olívia serviu a herdeira, que passou a
comer desenfreada.
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- Nossa, isso está muito bom. Muito.


Louise... - Conner interrompeu a mastigação para
limpar os cantos da sua boca com o guardanapo -
...cozinha muito bem.
- Coma com calma, Eleanor, senão vai acabar
engasgando. - A loira pendeu o corpo levemente no
intuito de beijar aqueles lábios apetitosos, tal como
o prato à sua frente - Louise cozinha bem mesmo,
mas estou desconfiada que esse jantar foi comprado
em algum restaurante. Não é possível que ela tenha
se superado assim.
- E por que não? Hoje é um dia todo especial.
Sim. Era um dia especial, em um lugar
especial. Não passava de uma casa simples
localizada em um bairro de classe média alta de
Baltimore, mas era um lugar livre dos estereótipos
comportamentais, da imposição midiática e isso as
deixava livres. Podiam rir e comer de qualquer
jeito, fazer o que tinham vontade sem se
preocuparem com nada. Onde há simplicidade e
liberdade, não importa o lugar, será sempre especial
e romântico.
Em um dado momento, após repousar os
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talheres sobre o prato, Eleanor tomou um gole


generoso de espumante, levando a destra à coxa
esquerda da comandante, apalpando o local.
- Vai me excitar se continuar com isso... -
Garner detinha um tom rouco, um tanto quanto
trêmulo.
- Que tal se jogássemos um jogo?
- Jogo? E qual seria?
- Oh, tem vários, mas sugiro o da confissão. -
A morena mordia o lábio, provocativa - Será que a
sua amiga se importaria se fôssemos para a cama?
- Ela não está aqui... Não se importará.
Agora..me explica como é esse jogo.
- Vamos. Lá no quarto eu te explico. Sabe
onde tem canetas e papéis?
- Sei sim. - A comandante levantou-se indo
até um pequeno móvel no canto direito da sala de
estar. Da gaveta tirou um bloco de notas e duas
canetas. As mulheres dirigiram-se até o outro
cômodo, fechando a porta em conseguinte por mero
costume, já que estavam à sós no imóvel - Pronto.
E agora?

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- Você tira a sua roupa e... - A filha do


presidente despiu-se por completo - ...eu tiro a
minha. Vamos nos sentar na cama e cada uma vai
escrever confissões sobre a outra em pequenos
papeizinhos. Misturamos tudo, sorteamos e lemos.
O que acha?
- Acho que eu mereço um lugar no céu por
ter tanto autocontrole. - Olívia murmurava ao passo
em que também se desfazia de suas vestes, sem
deixar de encarar o belo corpo moreno à sua frente.
- Vamos começar. - A mais velha sabia bem
o que estava fazendo, e sua intenção era mesmo
levar a outra ao limite.
As mulheres cortaram os papéis em pequenos
pedaços e iniciaram a brincadeira. Escreveram
cerca de cinco confissões cada uma. Dobraram,
misturaram, iniciaram a leitura, começando por
Conner, posteriormente Garner, e assim
sucessivamente.
- Eu confesso que seu jeito marrento me
deixa com tesão.
- Eu confesso que sinto uma grande vontade
de avançar contra você e te beijar quando está de
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óculos escuros.
- Eu confesso que já tive vários sonhos
eróticos com você mesmo quando ainda não
éramos tão próximas.
- Eu confesso que já quis roubar uma
calcinha sua. - Por acaso a mais nova sorteou a sua
própria confissão, recebendo um olhar incrédulo da
outra - Não fale nada para não estragar a
brincadeira que você mesma sugeriu.
- Está bem. - Eleanor pigarreou - Eu confesso
que queria transar com você dentro do carro
presidencial.
- Eu confesso que sinto receio de não termos
uma química na cama.
- Eu confesso que estou louca para provar seu
gosto. - Conner encarou a loira com malícia,
umedecendo os lábios sensualmente.
Ela já não agüentava mais controlar seus
instintos diante de uma mulher tão sexy quanto a
agente secreta. A herdeira precisava de Liv.
Precisava prová-la a todo custo.
Desconcertada com o olhar faminto da outra,

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a comandante continuou.
- Eu confesso que...
- Não, Garner. Não... - Eleanor interrompeu-
a, colocando o indicador direito em sua boca,
indicativo para que se calasse. Os peitos de ambas
arfavam, denotando toda a excitação que o
momento trazia - Eu quero sentir seu gosto... agora.
E em segundos, as mulheres já não estavam
mais sobre a cama. A morena tomou as mãos da
outra, conduzindo-a para uma confortável poltrona
que ficava em um canto do quarto. A loira sentou-
se. Estava completamente nua, exposta, com as
pernas abertas e apoiadas nos braços da poltrona.
Olívia arqueou a cabeça para trás, mantendo-se de
olhos fechados quando a língua molhada e sapeca
de Conner começou a serpentear entre os lábios
inchados de sua vagina. Eles foram pressionados
pela boca carnuda e imediatamente seu clitóris
pulsou. A respiração quente em seu centro só fez a
loira delirar, nada mais que isso. A ponta da língua
da mais velha roçou firme no nervo endurecido,
deslizando para cima e para baixo.
- Merda! Você é... gostosa demais. Chupa!
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Chupa... - Garner gemia, manhosa, as palavras que


saíam um pouco desconexas, tamanho o seu
descontrole.
Suas mãos foram de encontro à cabeça de
Eleanor, entrelaçando os dedos entre as madeixas
negras.
Molhada de saliva e da secreção de sua
excitação, Garner mordeu o lábio inferior da boca
enquanto sentia a respiração entrecortar ainda mais.
A comandante rebolava discretamente,
contorcendo-se, gemendo e sentindo as contrações
no baixo ventre. Seus olhos, agora, abriam e
fechavam.
A mais nova tirou as mãos dos cabelos de
Conner, levando-as até os seus mamilos,
acarinhando-os. O ambiente foi tomado de gemidos
sôfregos, descontrolados por parte de ambas as
mulheres quando a morena enfiou dois dedos,
macios e pontiagudos, no sexo melado de Olívia.
Entraram fundo, giraram, tocaram as paredes
daquela delícia úmida e quente. Exploravam cada
canto, quase tocando o útero da comandante. A
mão livre de Eleanor, na testa da vagina da outra,
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dedilhava o clitóris com o dedo polegar. Havia


disputa entre gritinhos histéricos e gemidos
guturais.
- Está gostando assim? - A herdeira sorria
maliciosa, admirando as caras e bocas de prazer
que a loira fazia enquanto era fodida avidamente.
- Aaahhh...porra! Estou gozaaando!
A filha do presidente surpreendeu pela
atitude e pelo carinho com que tratou Garner.
Rapidamente a fez ter um orgasmo alucinante.
Líquidos quentes escorreram entre espasmos
involuntários. O quadril da comandante tremeu
quando seu corpo, aos poucos foi relaxando.
Ofegante, Liv ergueu a cabeça e sorriu com a cena
que vislumbrou: Conner estava levemente
despenteada, arfante e com respingos de gozo
próximos à sua boca. Era deveras excitante vê-la de
quatro entre suas pernas.
A morena ainda arriscou seduzir um pouco
mais enquanto sugava do mel que escorria pela
entradinha de Garner. Os olhares penetrantes,
esverdeados, castanhos, hipnotizavam uma à outra
ao instante em que a mais nova tinha a pele
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mordiscada. A herdeira, em êxtase pelo feito,


acabou por repousar a cabeça no abdômen da
comandante.
De repente, Conner, em um impulso, ergueu
o rosto, deslizando a língua pelo umbigo, seios,
pescoço e orelhas de Garner, ao instante em que
massageava sua nuca, entre os fios bem nutridos.
Provocando a outra deliberadamente, a mais velha
beijou-lhe nos cantos da boca. Os seios inchados
roçavam uns nos outros fazendo as peles se
arrepiarem. O cheiro natural da herdeira invadia as
narinas de Olívia e amoleciam-na como boneca à
mercê de seus anseios.
- Você é... - A loira tinha dificuldades de
discernimento - Estou me apaixonando por você.
- Apaixonando? - Eleanor arqueou a
sobrancelha esquerda - Dizer essas coisas no pós-
sexo pode ser perigoso.
- Por que?
- Porque você pode se arrepender depois.
- Eu costumo me arrepender somente das
coisas que tenho vontade de fazer, mas que por
algum motivo acabo deixando para trás.
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Olhando fixamente nos orbes esmeraldas, a


morena sorriu ternamente, com a emoção
estampada em seu semblante.
- Eu já estou perdidamente apaixonada por
você, Olívia Garner. É cedo, é cedo demais, mas
meu coração é deficiente auditivo e cego às vezes. -
Riram.
- Se eu te contar que o meu também é
deficiente auditivo, você acreditaria? - A
comandante ia traçando linhas imaginárias com o
indicador no rosto da outra - Só que ele enxerga
muito bem. Ele conseguiu ver o quão linda e doce
você é, além do que a sua figura elegante e
impositiva mostra ser.
Era como um imã. As mulheres se beijaram
de língua entre palavras de amor proferidas.
Trocavam carícias como se fosse a primeira vez... E
era. Os lábios macios esfregando-se no encontro do
aroma e sabor, das salivas, da excitação que as
dominava.
Os seios de Conner estavam à poucos
centímetros da boca da mais nova, que não resistiu
em mordiscar os mamilos, abocanhando um
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enquanto apalpava o outro. Suas mãos deslizaram


pelas costas de pele sedosa da herdeira, alcançando
sua bunda. Os gemidos, ainda baixos, começaram a
ecoar pelo cômodo assim que a loira deslizou os
dedos pela fenda molhada da mulher, cheirando-os
antes de lamber de maneira extremamente sexy.
Sem conseguir o controle da situação que
mantinha outrora, a mais velha segurou a mão
esquerda de Olívia, conduzindo-as para a cama de
colchão macio e colcha branca com detalhes
rendados em linha vermelha.
A agente federal apertou sua protegida contra
o seu corpo, fazendo com que sua coxa friccionasse
a vagina pulsante da morena. Os cabelos negros
escorridos, cheirosos e sedosos, pinicavam-lhe o
rosto. As bocas e línguas unidas em um momento
de amor e prazer deram espaço para um nível
surreal de luxúria.
Conner estava mesmo determinada a possuir
aquela mulher debaixo de si de qualquer maneira.
Reiniciou os joguinhos sexuais mamando nos seios
de pelinhos ralos e loiros, abrindo as pernas da
comandante em seguida. Beijos e mordidas foram
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descendo pelas curvas suntuosas daquela que só


sabia gemer manhosa.
- É uma delícia você falando meu nome
assim. Fala...
- Eleanor...
- Isso...
Completamente excitada, a mais velha
buscou pelo sexo latejante da outra, abrindo e
fechando, apertando os grandes lábios melados de
gozo. O hálito quente de Conner tão próximo de
seu clitóris fez Garner arquear os quadris buscando
por mais contato. Quando a língua ágil da herdeira
invadiu a entradinha da comandante, não houve
escapatória. O orgasmo tomou os membros
sensíveis da comandante em espasmos e músculos
retesados.
- Não para... Não para... - Liv sussurrava ao
apertar Eleanor pela nuca contra seu sexo, quase
sufocando-a. Outro gozo veio em seguida, algo
inédito para ela.
- Uau! - A herdeira estava deveras surpresa
com sua intimidade pulsando de tesão por ter feito
a loira chegar ao ápice daquela maneira.
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- Se encaixe aqui... - Garner conduziu Conner


para que se posicionasse entre as suas pernas, de
forma que seus clitóris friccionassem um no outro.
A mais velha rebolava conforme o ritmo
ditado pelas mãos firmes que seguravam a sua
cintura. O quarto pegava fogo, os corpos suados,
exaustos, de peitos arfantes e corações acelerados,
moviam-se em igualidade, em par, como se fossem
se fundir a qualquer instante. Não demorou muito
para que Eleanor se desmanchasse em êxtase sobre
a mais nova, lambuzando-as com o seu líquido
morno e espesso.
Olívia puxou a morena para um abraço, um
carinhoso e forte abraço, onde transmitiu toda a
segurança do qual a outra precisava.
- Não sei se vou conseguir viver sem isso. -
Conner murmurou, deitando-se ao lado da agente.
- Sem sexo? Você era virgem? - A loira
indagou, zombeteira, recebendo um leve tapinha,
seguido de uma risada gostosa da herdeira.
- Sem a sua companhia.
Não houve resposta. Ao invés disso,
beijaram-se. Mas não foi um simples encontro de
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lábios. Elas selaram com aquele ato, uma possível


união de seus corações.
A exaustão pelo sexo intenso da madrugada
levou as mulheres a adormecerem quase
instantaneamente pós-orgasmo. O sono de ambas
era pesado, porém tranqüilo. Eleanor foi quem
despertou primeiro quando a loira, ao se mover na
cama, colocou todo o peso da perna esquerda sobre
as suas.
Estreitando os olhos, ainda tomada por uma
sonolência inexplicável, a morena direcionou seu
rosto para a janela, podendo ver por entre as frestas
da cortina, que o sol já tinha nascido.
"Oh, droga! E agora?"
Enquanto a mais velha tentava desvencilhar-
se do abraço de Garner, esta acabou se movendo
novamente, acordando do seu estado de vigília.
- Huuummm...vem aqui. Vamos dormir só
mais um pouquinho. - A voz sonolenta da agente
era deveras graciosa.
- Olívia, não. Acorde! Já é dia! Estamos
ferradas. - A última palavra foi dita bem devagar
para que tivesse uma ênfase maior.
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- Está falando sério?


- Veja! - A morena apontou para a janela.
- Puta merda! - Garner deu um salto da cama,
enrolando-se em um lençol - Meu Deus! Seu pai,
sua mãe. Merda! - Ofegante pela levantada de
súbito e pelo susto do avanço das horas, a loira
sentou-se novamente, colocando a destra sobre o
rosto, massageando suas fontes.
- Calma, meu bem. - Conner engatinhou
sobre o colchão até a mais nova, beijando-lhe as
costas e os ombros - Eu me viro com eles.
- Não! Eu sou a responsável por você.
Quantas... quantas horas? - Liv circundava o local
com o olhar à procura de seu telefone.
- Não faço idéia.
- Meu celular deve estar na sala. Vou... -
Bufando alto, a comandante deu um selinho em
Conner, saindo enrolada como um pacote de
presente mal feito para o outro cômodo.
Assim que vislumbrou o aparelho perto do
som e verificou as horas, a loira retornou para o
quarto mordendo o lábio inferior em sinal de

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nervosismo.
- E aí?
- Não tem nenhuma chamada no meu
telefone. Isso é bom. Significa que provavelmente
não tem no seu. Eu... estou pensando...
Em poucos segundos um sorriso enfeitou o
rosto da mais velha quando uma idéia brilhante
passou pela a sua cabeça.
- Você tem o número de telefone da Anne?
- Tenho sim, claro.
- Me deixe falar com ela. - De cenho
franzido, sem entender absolutamente nada do que
estava se passando ali, a comandante entregou o
celular para a outra, sentando-se ao seu lado.
Conner buscou pelo nome da secretária na
agenda, ligando, sendo atendida quase que
prontamente.
- Anne? Sou eu, Eleanor. Eu preciso de um
grande favor.
A filha do presidente foi explícita quanto ao
que queria. Explicou que acabou adormecendo na
residência de uma amiga, tendo a afirmativa de
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ajuda por parte da asiática. Elas combinaram de


dizer a quem perguntasse que Eleanor tinha saído
logo cedo para comprar o par do Manolo que
queria, e talvez em seu caminho de retorno para a
Casa Branca, passaria na residência dos Henderson
para uma visita.
Quando encerrou a chamada, Conner
percebeu o semblante sisudo de Garner.
- Terminou? - A loira perguntou sem manter
contato visual.
- Sim. Terminei. - A herdeira deixou o
telefone de lado, aproximando-se da mais nova - O
que foi? Não precisa ficar assim. Eu conheço a D.
Beatrice e o Sr. Alexander muito bem. Vão até
gostar por eu ter saído cedo.
- O problema são os detalhes. Eu deveria
alertar alguém sobre essa "mentira". A não ser
que... Não. A questão é que eu não sei se posso
confiar no Rust... - A comandante suspirava
pesadamente. Notando o sobrolho erguido de
Eleanor, Olívia tomou seu rosto entre as duas mãos,
dando um selinho demorado - Desculpa. Eu não
devia me alterar assim perto de você. Não adianta
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mais ficarmos nervosas. Vamos só relaxar e deixar


para nos preocuparmos depois, caso aconteça algo.
Estávamos tão bem, tão felizes. Não vamos
contaminar o clima sofrendo por antecipação.
- Você tem razão. - A morena roçava seu
rosto no da outra - O que faremos agora? Café da
manhã? Estou faminta.
- Será por que está faminta, Srta. Conner? -
Rindo, a loira pendeu seu corpo para frente fazendo
a mais velha deitar - Nossas roupas devem estar
molhadas ainda. Esquecemos de colocar na
secadora. Estou pensando em darmos uma ida até a
minha casa. Devo ter algo no guarda-roupa que te
sirva. Posso fazer panquecas e suco de laranja. O
que acha?
- Eu acho que vou esperar comer as suas
panquecas para ver se compensa repetir que estou
apaixonada.
- Mas vejam só como a filha do presidente
está se mostrando uma verdadeira mercenária? -
Riram - Então vamos logo antes que eu me
envergonhe caso você ouça meu estômago
roncando.
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- Espera! Nós não vamos arrumar essa


bagunça? - Conner indagava, curiosa.
- Só um minuto. - Olívia abaixou-se, pegando
o bloco de papel e a caneta usada na brincadeira
erótica delas na madrugada passada, escrevendo um
bilhete para Louise, onde pedia desculpas pelo
transtorno e se oferecendo para arcar com os custos
da faxineira diarista - Agora podemos ir. Só vou
pegar dois shorts da Mattew para vestirmos e
chegarmos até o carro.
E assim as mulheres fizeram. Vestiram-se,
ajeitaram o mínimo de coisas nos seus devidos
lugares e rumaram rápido para Capitol Hill.
Ao que Eleanor adentrou a residência da
outra, sorriu admirando a organização minuciosa, a
bela decoração, o ambiente clean e charmoso.
- Eu simplesmente adoro mezaninos! - A
morena comentou - No momento em que eu
resolver morar sozinha, com certeza escolherei um
imóvel com mezanino.
- Hum, senti uma pitada de auto-convite para
vir morar aqui.
- Deixa de ser idiota, Garner!
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- Eu sou idiota sim. A sua idiota. - A loira


puxou Conner pela cintura, encostando seus corpos.
- Minha, é?
- Sua... - A mais nova mordiscou o lábio
inferior da outra, descendo as mordidas pelo
pescoço até o ombro esquerdo - Por que não sobe
até meu quarto e escolhe uma roupa que possa se
passar por sua? Mesmo que nossos vestidos
sequem, já que supostamente chegamos e saímos
da sua casa, não podemos aparecer com as mesmas
vestimentas de ontem. Eu vou fazendo suas
panquecas.
- Está bem. - Conner foi subindo as escadas
elegantemente - Com calda, comandante Garner. -
Sua gargalhada ecoou pelo flat.
- Ok, madame. - Rindo, Liv prendeu os
cabelos, dirigindo-se até a cozinha.
Queria preparar um belo café da manhã para
Eleanor, desses que se vê em revistas e nos filmes
clichês. Pensou em pratos e bebidas que inspirasse
a paixão que ambas estavam sentindo uma pela
outra.
"Quem sabe um suco de frutas vermelhas,
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chá de morango, frutas in natura servidas com


chantilly ou misturadas com iogurte? Deixa eu
pegar os ingredientes da panqueca e já separar a
calda da Srta. Exigente para adoçar bem o seu
paladar...Ah, e um omelete rústico cairia bem.
Isso!"
Enquanto a loira estava envolta em seus
afazeres culinários, Eleanor fuxicava nas roupas da
agente. Jamais poderia imaginar que a mais nova
tivesse preferências tão ecléticas: batas lisas, com
detalhes em renda dando um ar romântico, muitas
camisetas, camisas que usava no trabalho, calças,
mais calças, vestidos longos e curtos, e shorts de
modelagens variadas. A julgar pela postura séria de
Garner no trabalho, a morena, erroneamente,
imaginou encontrar somente peças neutras, ou
escuras. No entanto, uma parte daquele guarda-
roupa mais parecia um arco-íris de tantas cores
mescladas.
Havia uma prateleira interna superior onde
estavam dobradas algumas camisetes lisas, como as
que a herdeira possuía. Para alcançá-las sem fazer
bagunça, Conner puxou uma cadeira que se
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mantinha em um canto, subindo em seguida. Via


uma, outra, até que, sem querer, acabou esbarrando
o braço em uma caixa de estampa florida que
estava ao lado, fazendo-a cair no chão.
"Droga!"
Imediatamente a mais velha começou a juntar
as diversas fotos que se espalharam, preocupada em
deixar tudo organizado como anteriormente. Porém
algo lhe chamou a atenção. Em várias fotografias
podia-se ver a loira grávida, em outras com um
bebê nos braços. De cenho franzido, sem entender
o que seus olhos miravam, a herdeira levantou-se
com a caixa nas mãos, descendo para o andar
inferior.
"Por que ela não me contou?"
- Olívia, o que...o que significa isso?
A comandante, distraída no outro cômodo,
cantarolava uma canção desconhecida enquanto
cortava os morangos para decorar a torre de
panquecas americanas que tinha preparado. Quando
ouviu a voz da mais velha, sorriu instintivamente,
mordendo o lábio.
- Esse café da manhã, obviamente, não pode
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ser comparado ao que você toma na Casa Branca,


mas coloquei várias pitadas de carinho na receita.
Acho que é válido, não é? - Quando a agente
ergueu o olhar deparando-se com Eleanor
segurando aquelas fotos, não pôde evitar deixar cair
o pote de calda de frutas vermelhas no piso em
cerâmica preta. Seu coração acelerou, sua
respiração entrecortou, sua capacidade de
raciocínio lógico e discernimento se esvaiu. Ela não
podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Não
podia acreditar que o tremor em seu corpo se dava
pelo pavor em rememorar algo que estava se
esforçando tanto para deixar enterrado no passado.
Como reação ilógica e instintiva, Garner avançou
contra a morena já com o rosto banhado por
lágrimas - Você não...você não podia mexer nas
minhas coisas. Isso não é da sua conta! Por que
tinha que mexer nas minhas coisas? - Os berros
deram lugar a um choro incontido.
A comandante foi se encolhendo até ajoelhar
no chão como um animal acuado, assustado. E tão
assustada quanto a outra, estava Eleanor por nunca
ter visto tamanho descontrole vindo dela.

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- Liv, eu... - A herdeira abaixou-se, ficando


próxima da mais nova - Me desculpe. Não tive a
intenção. Esbarrei sem querer na caixa e ela caiu.
Me... desculpe. - Sem conseguir dosar as suas
emoções, Garner abraçou Conner pela cintura, em
um gesto que gritava por socorro. Mesmo sem
saber ao certo como proceder diante de tal situação,
a morena ofereceu o que tinha de sobra em si:
carinho e compaixão. Abraçando-a de volta, com
certa veemência, Eleanor beijou-lhe os cabelos, ao
passo em que acarinhava as suas costas - Olívia,
seja lá o que for que tenha acontecido, eu estou
aqui. Estou aqui por você, como você já esteve por
mim. - Complacente com a dor sentida no pranto da
outra, a voz da herdeira começou a falhar, tamanha
a emoção que lhe acometeu - Eu aprendi que certas
tristezas duram para sempre, mas nós conseguimos
amenizá-las. Na verdade, é uma tremenda
ignorância querer que as cicatrizes que adquirimos
ao longo da vida simplesmente sumam. Elas fazem
parte de nós, elas nos mostram que somos todos
sobreviventes de uma tragédia pessoal e que
conseguimos superar. Somos fortes. Você é forte.
Eu sei disso. Eu sei... - Afastando-se somente o
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suficiente para ver o rosto avermelhado e molhado


à sua frente, a morena beijou ternamente os lábios
levemente trêmulos de Garner, sem se importar
com o sabor salgado das lágrimas. - Vem... - Ela,
devagar, foi ajudando a outra a se levantar,
conduzindo-as para o sofá - Quer falar sobre isso?
A loira encarava uma das fotos do dia do
parto, onde segurava o seu bebê. O esboço de um
sorriso pôde ser vislumbrado em seu rosto, mas
logo se dissipou, cedendo outra vez o espaço para a
melancolia.
- Eu tinha dezoito para dezenove anos nessa
época e namorava o meu melhor amigo, Theo.
- Theo? Como seu irmão?
- É. Meus pais o adoravam. Nossas famílias
foram amigas desde... sempre. Quiseram fazer uma
homenagem a ele. - Liv ergueu a cabeça respirando
fundo e secando as suas lágrimas. Conner
imediatamente tomou as suas mãos, acarinhando-as
- Eu amava Theo, mais como irmão do que como
qualquer outra coisa, mas o amava. Sentia atração
sexual por ele, só que, naquela época de
adolescência, a minha cabeça ainda estava confusa,
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e eu não entendia direito o por quê me atraía por


mulheres também. Mas eu não me atinha muito
nesses padrões sexuais. Eu só queria ser feliz e eu
era feliz. Minha gravidez obviamente que não foi
planejada, mas eu amei esse bebê desde quando eu
soube que ele estava dentro de mim. Graças à Deus
não foi nada tumultuado, nem por conta dos meus
pais, menos ainda pelos pais do Theo. Estávamos
em êxtase com a vinda desse filho. Ele foi tão
querido, tão amado! Era como um anjinho, um
sonho. O parto foi um pouco complicado. Arthur
nasceu em uma noite chuvosa, depois de mais de
vinte horas de contrações dilacerantes.
- Arthur é um lindo nome. Ótima escolha.
- É... Arthur como o príncipe de Gales.
Significa nobreza, generosidade, dentre milhões de
outras qualidades que eu desejava que meu bebê
tivesse.
- Eu... eu não sei se devo perguntar, mas...o
que houve com ele? Olha, não responda se não se
sentir completamente à vontade. Eu entendo o
quanto deve ser, seja lá o que for, doloroso. -
Conner tentava usar de todo o seu traquejo para
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lidar com a sensibilidade de Garner devido à sua


ferida recém exposta.
- Tudo bem, eu não costumo falar sobre isso,
mas...é você, e você me acalma. - Vendo
novamente os orbes esverdeadas marejarem, a
morena não fez muita questão de conter sua
emoção - O pai de Theo era um dos sócios de um
grupo de importação de café e ofereceu uma das
filiais para que ele tomasse conta. O coitado
trabalhou muito para dar tudo o que eu e o Arthur
precisávamos. Eu nunca vi um pai tão apaixonado
assim por uma criança. Nessa época a minha mãe
lecionava em um colégio próximo da minha casa e
eu tinha o costume de ir ao parquinho que ficava
em frente, logo no fim da tarde, para que meu bebê
pudesse ver outras crianças, tomar um sol, e assim
esperávamos a minha mãe terminar o expediente no
trabalho. Em um desses dias, uma criança que
estava ao meu lado, caiu do escorregador e eu
levantei para ajudar. Foi uma questão de menos de
um minuto. Arthur estava no carrinho brincando
com seu ursinho de pelúcia preferido. Quando virei
para olhá-lo, ele já não estava mais lá.

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Simplesmente havia sumido. O ursinho estava


caído no chão e ele... Deus... - Outra onda de choro
compulsivo fez Eleanor abraçar Olívia
instintivamente para confortá-la.
- Calma. Shiii... Calma. - Suas mãos subiam e
desciam pelas costas da outra - Ele tinha qual
idade?
- Oito meses, quase nove.
- E...foi seqüestro? A polícia deu alguma
notícia? O que...fizeram?
- Nós entramos em uma busca ferrenha pelo
Arthur. Envolvemos mídia, a polícia quase do
mundo inteiro com sinal alerta nas rodovias e
aeroportos... Foram três meses de um sofrimento
intenso.
- Três meses?
- É... Em três meses deram ele como morto.
Bom, desde o desaparecimento do meu filho, nos
reuníamos toda a semana com um amigo do meu
pai, também policial. Em uma dessas semanas nós
recebemos um telefonema dizendo que haviam
encontrado o corpo do Arthur boiando dentro de
um saco de lixo às margens do Rio Hudson no
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Riverside. Theo enlouqueceu. Eu nunca o tinha


visto daquela maneira. Parecia que... - A
comandante pausou sua fala por conta de um
suspiro - Nesse mesmo dia, ele foi até o local onde
acharam o bebê e... se suicidou.
- Meu Deus, Liv...
- Theo não suportou a dor de perder um filho
e... e se foi sem saber que...a polícia tinha se
enganado. Não era o Arthur.
- Céus! Deve ter sido tão... difícil lidar com
isso...
- Foi a pior coisa que já aconteceu comigo.
Perdi duas pessoas que eu amava e por culpa
minha, por um descuido idiota.
- Não fala assim. Não foi culpa sua. Às vez a
vida nos prega essas peças, nos machuca com uma
intensidade imensurável, mas não significa que seja
nossa, a culpa.
- Como não? Eu poderia ter sido mais
cuidadosa com o meu filho, poderia ter prestado
atenção se tinha alguém nos seguindo, nos
observando. Eu poderia não ter ido ajudar a outra
criança e ter... Foi minha culpa ele ter sumido. Foi
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minha culpa também a morte do Theo. Se eu não


tivesse sido tão displicente, ninguém teria sofrido
tanto, o Arthur e o pai dele estariam aqui comigo.
Por mais que todo mundo diga que não, esse
sentimento de responsabilidade nunca irá sair do
meu coração.
- Pode não parecer, mas eu te entendo. Não a
sua dor porque essa é inimaginável. Entendo esse
sentimento que impotência que muitas vezes te
impede de enxergar todo o resto à sua volta.
Entendo que se sinta mal por isso. Não tiro a sua
razão, porém não acho que o martírio resolva os
problemas que temos que enfrentar.
- Eu sei. E eu estou tentando melhorar. Há
uns dias atrás completou onze anos do
desaparecimento do meu filho. Ao invés de me
isolar do mundo, como faço todo ano, eu passei o
dia com a minha família, com o meu irmão. Pode
parecer um passo pequeno para muitos, mas para
mim foi um grande avanço.
- Espera, só para eu entender direito... Você
disse que o corpo que encontraram não era o do seu
bebê, então, onde ele está?
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- Eu não sei. Não sei se está vivo ou morto.


Depois de alguns meses com o caso sem solução, a
polícia acabou fechando o inquérito. Meu pai
tentou intervir, eu tentei de todas as formas durante
esse tempo todo procurar por alguma solução, mas
nada, nada mais aconteceu, e todas as pistas que
iam surgindo, acabavam por não serem verídicas.
Consegue vislumbrar o meu desespero? A dor que
é não ter notícias de um filho por tantos anos? Não
saber se ele sentiu frio, fome, se foi bem tratado, se
estudou? Já cheguei a pensar em fazer o mesmo
que o Theo. O que me salvou foi a minha carreira.
Afundei-me em estudos para não surtar, e é o que
venho fazendo até hoje.
- E foi a melhor decisão que poderia tomar.
Sabe, Liv, eu na... - Eleanor foi interrompida pelo
toque do celular que se fazia estridente na cozinha.
A mais nova foi logo se pondo de pé, mas a morena
a conteve segurando em seu braço esquerdo - Deixa
tocar. Senta aqui. Desabafa mais um pouco. Vai te
fazer bem.
- Não posso sentar. É o meu número
corporativo. Tenho que atender. - Limpando suas
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lágrimas com a destra, a loira caminhou a passos


largos até onde estava o aparelho, atendendo a
chamada o quão rápido pôde - Comandante Garner.
Um silêncio desconfortável deu-se no
ambiente. Da sala, Conner não ouviu mais a voz da
sua querida. Franziu o cenho estranhando o fato,
mas não teve tempo de levantar-se para verificar se
algo tinha acontecido, pois quando pensou em fazê-
lo, lá estava Olívia de volta ao cômodo com o
semblante visivelmente consternado, pálida tal
como uma folha de papel.
- Meu bem, o que aconteceu? Está passando
mal? - A mais velha indagava preocupada.
- Precisamos ir, agora. - O tom vacilante fez a
outra arrepiar-se sem ao menos saber o motivo.
- Olívia, está me assustando. O que houve?
- Seu pai, Eleanor. Ele sofreu um infarto.
Está a caminho da emergência.

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Capítulo 25 – Apenas um
susto
Após a fatídica notícia do infarto do
presidente, dada de forma direta e nada sutil pela
comandante, Eleanor não conseguiu processar
nenhuma outra informação em seu cérebro. A
sensação de estar fora da realidade, uma leve
dormência e formigamento no rosto, o ritmo
cardíaco acelerado, os tremores, a hiperventilação e
os calafrios, anunciavam uma crise de pânico
severa.
Olívia precisou amparar a herdeira pelas
costas até o carro. Os olhos cor esmeralda
mantiveram-se marejados desde que soubera, pela
ligação de um de seus subordinados, que o Sr.
Alexander havia acabado de ser levado pela
ambulância para o Johns Hopkins Hospital. Ela
ficou tão apavorada, sentindo que detinha uma
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parcela de culpa pelo ocorrido - por não estar na


Casa Branca quando do incidente - que as palavras
"ele sofreu um infarto" simplesmente saíram de sua
boca sem ao menos Garner ter o controle do seu
tom de voz.
Conner, por sua vez, não proferiu nenhum
som. Apenas chorou em silêncio até o momento em
que deu-se o pico do seu ataque súbito de pânico.
Em geral, quando acontecia, durava cerca de dez a
quinze minutos, no máximo. Porém, dessa vez, já
se passava dos vinte e nada das terríveis sensações
ruins amenizarem, tamanho o medo que instalou-se
na morena.
- Eleanor, me perdoe. Estou me sentindo tão
mal com tudo isso! Eu não devia ter te dito o que
estava havendo tão desesperadamente. Por favor,
tente se acalmar. Está ficando com taquicardia,
como no dia do ataque à Casa Branca. Se lembra do
que fizemos? Vamos respirar daquela mesma
forma? Vai ajudar na oxigenação do cérebro. Por
favor! Eu não quero te ver no leito de um hospital
outra vez. Você fala muita besteira quando está
dopada. - A brincadeira veio em forma de tentativa
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de alívio do clima tenso que instalou-se. No


entanto, não pareceu ser bem vinda - Desculpa.
Estou me sentindo muito culpada.

Eleanor - que segurava firme nas laterais do


banco do passageiro, como forma de apoio e
conforto - foi aos poucos respirando mais devagar,
passando a controlar ritmicamente a ação do
inspirar e expirar. A loira, olhando-a com sua visão
periférica, intercalando sua atenção entre as vias e a
mulher ao seu lado, percebeu o amenizar gradativo
dos sintomas incômodos do medo demasiado.
- Você não tem culpa de nada. Foi uma
fatalidade. - A mais velha engoliu em seco quando
ouviu o que tinha acabado de dizer - Eu não posso
perder meu pai, Liv. Eu não vou suportar o fardo de
viver sem ele. - O pranto, que parecia ter cessado,
retornou molhando mais uma vez o rosto de pele
sedosa da filha do presidente.
- Calma, meu bem. Não há de ser grave.
Sabia que algumas pessoas enfartam e nem ficam
sabendo, só descobrem tempos depois em uma
situação completamente fora do contexto? Há um
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mito muito grande que cerca esse mal súbito.


Acredite em mim. Não foi nada grave. Não foi. -
Estacionando perto de um dos carros da presidência
que estava frente ao hospital, a comandante saiu às
pressas, abrindo a porta do veículo para a outra -
Venha! Te ajudo.
Tão logo as mulheres deram poucos passos
em direção à entrada, um grupo de embustes, mais
conhecidos como repórteres urubus - que ficam à
postos somente para noticiar a desgraça alheia -
tentaram avançar. Por sorte, o esquema tático
montado de última hora e as coordenadas que
Olívia deu por telefone, os mantiveram à uma
distância considerável. Era um momento muito
delicado para a família Conner e qualquer
entrevista ou pronunciamento estava fora de
cogitação.
- Comandante, Srta... - Rust cumprimentou-
as quando entraram na recepção - A primeira-dama
está em uma sala reservada do hospital.
- Eu a acompanho. - Anne manifestou-se ao
levantar da poltrona.
- Você quer que eu vá? - A loira parecia
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deveras preocupada com uma outra crise nervosa


súbita da herdeira.
- Sei o que está sentindo e... - Eleanor
interrompeu sua fala para limpar seu rosto das
lágrimas - Obrigada. Você não tem culpa de nada. -
A frase foi proferida em um sussurro - Eu queria
um momento com a minha mãe à sós. Te chamo
quando tiver notícias. Tudo bem?
- Claro! Claro! - Mesmo com o breve sorriso
demonstrando apatia, os olhares dispensaram
quaisquer explicações e palavras. A morena sabia
que a mais nova estava ali por ela, e não por mero
cumprimento do seu dever. Liv sabia que devia
reter sua própria dor para poder abrandar, da forma
como fosse, a dor que Conner sentia no momento -
Rust, quem está no Noroeste 6? - Garner indagou
após a herdeira sair de suas vistas.
- Carl, Dylan e Loreto.
- Ok. Quero quatro snipers em cada ponto
cobrindo os 360° graus do hospital. Veja se
consegue falar com o comandante Waite. Peça à ele
para cuidar da Casa Branca enquanto eu fico aqui.
- Você não quer falar diretamente com ele?
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- Eu não posso agora. Preciso passar


instruções para o pessoal à paisana. Eu vou lá fora.
Estou sem colete, desarmada... Já volto.
Enquanto Garner ia cuidar dos procedimentos
operacionais que concerniam na segurança do
Johns Hopkins, Eleanor temia em ver a sua mãe e
descobrir que o pior tinha acontecido. Otimismo
nunca foi o seu forte, e naquele momento, pensar
em coisas boas estava praticamente impossível de
conceber.
Percebendo a mão trêmula e vacilante da
filha do presidente, que estava à segurar a
maçaneta, Anne sorriu ao abrir a porta para Conner,
como forma de incentivo.
- Estarei aqui fora se precisar.
A morena respondeu apenas com um menear
da cabeça. As lembranças dos exercícios
respiratórios ensinados pela comandante estavam
frescos em sua memória, o que contribuiu para que
não surtasse ao ver sua progenitora sentada no sofá,
cabisbaixa, segurando um lenço nas mãos e
visivelmente consternada.
- Mãe?
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- Eleanor! Que bom que está aqui. - A mulher


levantou-se, indo abraçar a filha - Eu...desculpa.
Quando seu pai começou a passar mal eu fiquei
desnorteada e não te liguei imediatamente. Pedi
para Anne fazer isso, mas...nem perguntei à ela se
tinha feito mesmo.
- Não se preocupe. Estou aqui. É o que
importa. E...qual é o estado do papai?
- Está sendo examinado. Ninguém veio falar
comigo ainda. Ai, filha... - A primeira-dama
conduziu a herdeira para que se sentassem - Nós já
sabíamos que Alexander precisava passar por
cateterismo e, eventualmente, colocar um stent.
Lembra daqueles exames de rotina há quase sete
meses onde detectaram problemas em uma
coronária?
- Claro que lembro! Foi um susto e tanto
saber que o papai tinha problemas cardíacos. Eu
insisti demais para que ele cuidasse disso o quanto
antes, mas o Sr. Presidente só vinha
adiando...Acabei desistindo de comentar à respeito.
- Mas não foi por desleixo. Sabe que o seu
pai sempre tem muitos compromissos, congressos,
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conferências.
- Mas com saúde não se brinca e deve ser
prioridade. - Eleanor bufava, contrariada - Como
ele passou mal?
- Ele acordou por volta das 06:30 sentindo
uma dor forte no peito, mas achamos que era algo
muscular. Alexander tomou banho, sentou-se à
mesa comigo, bebeu café com leite, comeu um
pedaço de bolo e queijo. A dor aos poucos foi se
intensificando, o que aumentou a nossa suspeita de
que poderia ser sério. Em segundos eu já estava
com ele caído no chão. Não tivemos nem tempo de
pensar direito.
Antes que Conner pudesse tecer qualquer
comentário à respeito, um homem alto, magro, de
feições suaves e bem delineadas, trajando um
jaleco branco, adentrou ao cômodo, segurando uma
prancheta em suas mãos.
- Bom... - Ele verificou as horas em seu
relógio de pulso - ...dia! Hã... Primeira-dama, Srta.
Conner...eu sou o Dr. Sandler, cardiologista. Estou
acompanhando o Dr. Brown no tratamento do Sr.
Alexander.
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- Ah, sim. - Eleanor levantou-se,


cumprimentando-o com um aperto de mãos - Não
direi que é um prazer conhecê-lo porque,
definitivamente, não é.
- Como está o meu marido? - Beatrice
adiantou-se.
- Fizemos um eletrocardiograma à princípio,
e logo apareceu o supradesnivelamento de
segmento ST, uma situação clássica de infarto. A
artéria descendente anterior estava obstruída na
porção média.
- Hum...seria mais interessante se
entendêssemos os termos médicos, doutor. -
Conner comentou, constrangida.
- Desculpa. - O homem deu uma breve risada
baixa - A obstrução da artéria coronária foi total, de
100%, mas posso dizer que o presidente teve um
pequeno infarto, que findou antes de ficar grande.
Acabamos de levá-lo à sala de hemodinâmica, onde
será tratado e encaminhado para fazer um
cateterismo de urgência.
- Ele vai ficar bem, Dr. Sandler? - A
primeira-dama perguntava, preocupada.
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- Vai. Vai sim. É grave, mas é uma situação


que podemos contornar, graças à agilidade que
tiveram em trazê-lo imediatamente para o hospital.
Para que o cateterismo tenha o máximo de
eficiência, calculamos que o tempo de internação
ao início do procedimento, deve ser menor que
noventa minutos. No caso do Sr. Alexander, foi
menor que cinqüenta.
- E quando poderemos ver o meu pai? Ele vai
ficar internado por muito tempo? - A herdeira tinha
muitas outras dúvidas à serem esclarecidas,
contudo, não queria parecer inconveniente.
- Provavelmente o seu pai passará uma
semana na Unidade Coronariana e outra em casa,
de repouso absoluto. Quinze dias é o tempo médio
de recuperação levando em conta os devidos
cuidados que o infartado deve tomar. Quanto à ver
o seu pai, assim que for possível, pedirei alguém
para vir avisar à vocês. Agora, se me dão licença,
tenho um paciente ilustre para cuidar. - Proferindo
a frase em tom de brincadeira, o médico aguardou o
assentimento das mulheres para se retirar do
recinto.
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Eleanor, abraçada à sua progenitora, pôde


suspirar aliviada por seu pai não correr risco de
vida.
- Deus! Graças à Deus papai está bem.
- Eu não diria que ele está bem, mas foi um
milagre termos conseguido chegar aqui com
rapidez. A comandante Garner estava contigo, não
estava?
- Estava sim. Por que? - Com o sobrolho
direito erguido, a morena indagou à sua mãe,
desconfiada de suas intenções.
- Agora é que estou me lembrando que Waite
comentou que ela havia passado as coordenadas, a
rota que os carros deveriam seguir.
- Falou com ele?
- Sim, hã, por telefone enquanto vínhamos
para cá na ambulância. - Beatrice, que mantinha os
olhos semicerrados por conta de sua terrível dor de
cabeça, sentou-se, recostando o corpo no estofado -
Bom, agora é aguardar e torcer para que Alexander
se recupere rápido.
- Ele vai ficar bom logo, mamãe. Fique

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tranqüila.
- Ei, espera! - A matriarca dos Conner
estreitou os olhos, mirando a filha de cima à baixo,
atentando para o detalhe de suas vestimentas
estranhas - Quando comprou essa roupa? Nunca a
vi vestindo essa blusa, que por sinal, tem o tecido
de péssima qualidade.
A pergunta súbita pegou a morena
desprevenida, deixando-a boquiaberta enquanto
pensava em uma resposta convincente. Eleanor
sentiu o sangue acumular em seu rosto, o que de
fato lhe competia uma coloração mais avermelhada.
Ela tentou disfarçar, mas à essa altura do
campeonato sua mãe já havia percebido esse
deslize incontrolável.
- Eu não me lembro. Quer dizer, acho que… -
Conner fingiu pensar, mas acabou refestelando-se
na poltrona, levando ambas as mãos à cabeça como
se sentisse dor - Eu não sei. Estou tão cansada
mentalmente, tão confusa!
- Hum… - Beatrice sentou-se ao lado da filha
- Eu entendo como se sente. Eu entendo.
Cerca de quatro horas depois, uma
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enfermeira foi até a sala informar que o presidente


estava liberado para visitas. Sem delongas, as
mulheres foram ao encontro de Alexander, em um
mar de lágrimas de emoção boa, abraçá-lo e
verificarem pessoalmente que o homem estava
deveras fora de risco.
Não permaneceram por muito tempo no
quarto. Cansado e sonolento pela medicação
tomada, o presidente logo caiu no sono outra vez.
Mas levando em conta que o velho até soltou
algumas piadinhas infames sobre o seu estado de
saúde e a suposta viuvez da esposa, até que os
minutos em que as mulheres passaram conversando
e mimando-o, foram de grande valia.
Já era fim de tarde e Eleanor estava sentada
na poltrona da sala de espera reservada para a
família presidencial. Sua mãe tinha ido em casa
tomar um banho, descansar e comer algo para
poder retornar o quanto antes e revesar com a
morena.
Olívia deu duas leves batidas na porta, mas
não obteve resposta de imediato. Mais duas batidas
e nada. Preocupada de que algo tivesse acontecido,
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a loira girou a maçaneta devagar, deparando-se


com a mais velha de olhos fechados e com a
respiração pesada. A pobre estava cochilando.
Sorrindo terna, achando a cena graciosa em
demasia, a comandante sentou-se ao lado da outra,
levando a destra até as madeixas negras para
acariciá-las. Assustada com o toque, Eleanor
acordou de súbito, levando a mão ao peito em um
gesto instintivo.
- Oh, céus! Garner, que susto! - Buscando
normalizar a respiração, a morena ajeitou a sua
postura, sorrindo e dando um tapa leve no braço da
mais nova - Nunca mais me acorde assim.
- Ei! Já disse que seus tapas doem. - Liv
reclamou, esfregando a mão no local - Vim ver se
você estava bem.
- Estou, estou sim. Obrigada.
- E o seu pai?
- Se recuperando. Ele vai ficar novinho em
folha!
- Pronto para outra?
- De jeito nenhum! Outra dessa nunca mais! -

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Riram.
Por sorte as mulheres não estavam fazendo
nada além do que o local permitia. Beatrice
adentrou repentinamente na sala, surpreendendo-se
com a presença da loira.
- Comandante, como vai? - A primeira-dama
olhou-a, erguendo o sobrolho direito em
estranheza.
- Bem. - Garner pôs-se de pé para
cumprimentá-la - E a senhora?
- Já estive melhor. Parece que um caminhão
passou por cima de mim várias e várias vezes. Meu
corpo dói em toda a parte.
- Já tomou um analgésico? - A agente
perguntava despretensiosamente.
- Sim. Acabaram de me medicar. Ah, isso é
ansiedade, nervosismo. Ficarei bem quando meu
marido estiver cem por cento recuperado.
- Então acontecerá logo.
- Deus te ouça. - Sorrindo, a matriarca
aproximou-se da filha - Por que não vai para casa
descansar? Eu ligo caso tenha alguma novidade.

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- Eu até iria, mas fico com receio de você


precisar de mim e eu não estar por perto.
- Querida, o que pode acontecer aqui? Seu
pai está sendo cuidado e eu não deixarei de
comunicar à você a mínima alteração que for.
- Tem certeza?
- Claro que tenho! Comandante, leve-a, por
favor.
- Sim, senhora.
- Mamãe... - Conner levantou-se, encarando a
matriarca com olhos de repreensão antecipada -
Olha lá, heim? Se o papai acordar, diga à ele que
volto logo e que o amo.
- Pode deixar. Eu falo. Até mais, minha filha.
Cuide dela, Garner.
- É o meu trabalho, Sra. Conner. - Feitas as
despedidas, Olívia saiu conduzindo a herdeira. De
porte de seu dispositivo de comunicação, bem
como de sua arma, a loira não demorou em sair
com Eleanor do hospital - Gota de orvalho em
deslocamento. - Anunciou a mais nova, ao instante
em que colocava seus óculos escuros, ajeitava o

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blazer e movia o pescoço de lá para cá, tentando


melhorar o incômodo de seus músculos tensos -
Gota de orvalho saindo agora. 375 em rota sul pelo
entorno do hospital. Águia 3, à postos.
Observando atenta os movimentos de Garner,
Conner ensaiou um sorriso, mas o conteve ao se ver
exposta já tomando a rua. As mulheres entraram no
carro da comandante agilmente, tal como deveria
de acordo com os protocolos emergenciais e sem a
devida escolta completa. Em poucos minutos elas
tomaram a via que as levaria até a Casa Branca,
podendo enfim, respirarem aliviadas.
- Liv...
- Hum...
- Posso lhe fazer uma pergunta?
- Acabou de fazer. - A loira respondia a mais
velha sem desviar os olhos da rua.
- Deixa de gracejos, Garner. Falo sério!
- Meu amor, eu estou brincando. Pergunte o
que quiser.
Franzindo o cenho, a morena estranhou, à
princípio, a forma como foi tratada.

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"Meu amor? Eu ouvi direito? Olha que isso


soou muito bem para mim."
Respirando fundo para desviar a mente
daquele pensamento bobo, a herdeira retomou o seu
questionamento.
- Por que o codinome "gota de orvalho" para
se referir à mim? Isso é coisa sua, não é?
- Olhe no banco de trás...
- O que tem?
- Vê um livro?
- Sim.
- Pegue, por favor. Abra na página marcada.
- Tudo bem. - Eleanor esticou o seu braço e
pegou o exemplar intitulado "O orvalho da minha
vida", abrindo-o na página onde estava o marcador
de livros - E agora?
- Leia o trecho sublinhado.
- "Em uma tarde de outono, abri meus
olhos devagar e, emocionada, pude vislumbrar,
estupefata, a imagem de um anjo com traços
femininos e um sorriso dúbio nos lábios. Sorriso
este que não saberia descrever, mas que inundou
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o meu ser de paz. Fui testemunha ocular de algo


inacreditável: o nascimento do belo amor, como a
gota de orvalho devolvendo vida ao meu árido
coração maltratado." Uau! - A filha do presidente
fechou a obra, colocando-a em seu colo - Não sabia
que gostava desse tipo de leitura.
- Há muitas coisas que não sabemos uma da
outra ainda. Eu já te disse... - A loira desviou o
olhar um instante para encontrar as íris castanhas
da mais velha - Sou bem eclética quanto à
literatura. Quando li esse livro, te imaginei como
uma gota de orvalho. É poético, não é?
- É lindo! Obrigada!
- Não me agradeça por gostar de você. O
mérito é todo seu. - Fazendo o retorno no
quarteirão da Casa Branca, a comandante já
diminuiu a velocidade, redobrando a atenção no
caminho - Eleanor, e Anne? Ela sabe tudo mesmo
sobre nós duas?
- Pode parar no drive-thru ali na frente?
- Está falando sério? Acho melhor irmos para
casa direto.
- Desde quando ficou abusada assim,
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comandante? - Elas riram - Quero que jantemos


comida de fast food. Agora é que me dei conta de
que não comi nada hoje.
- Por Deus, é verdade! Vamos logo resolver
esse problema então. Interrupção de deslocamento
no McDonald's. Cinco minutos. Gota de orvalho
permanecendo no mesmo local. - A informação foi
dada segundos antes da loira estacionar o carro - O
que vai querer?
- Um chicken supreme grill, uma porção
média de McNuggets, uma de batata, refrigerante
médio também e uma torta de banana.
- Para onde vai tanta caloria? - Liv
perguntava, aos risos.
- Anda logo antes que eu peça dois
sanduíches.
- Sim, senhorita.
Dobrando a quantidade dos itens, Garner fez
o pedido, que foi atendido em poucos minutos para
a alegria da morena que não agüentou esperar
chegar na sua residência para avançar contra as
batatinhas.

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- Respondendo à sua pergunta anterior...


Anne disse que percebeu que estávamos envolvidas
por conta dos nossos olhares. Eu não sei...ela me
inspira confiança, mas existem tantas pessoas
ardilosas e de caráter duvidoso nesse mundo, não?
- Com certeza. Agora não tem como negar,
mas acredito que ter um pé atrás nunca é demais.
Usar do famoso "confiar desconfiando", entende?
- Isso é o que estou fazendo. Até essa cisma
passar, teremos que prestar bastante atenção na sua
conduta.
- Ela nos ajudou hoje. Vamos ver até quando
vai durar.
Já nos jardins da Casa Branca, as mulheres
desceram, com Olívia carregando o lanche de
ambas. A escuridão da noite vinha tímida, assim
como a leve queda na temperatura.
- Vai ficar no quarto comigo, não vai? - A
morena indagou ao aproximarem do pé da
escadaria que dava para o andar superior ao que
estavam, onde ficavam os quartos.
- Eu não sei. Isso está freqüente demais, não
acha? Anne descobriu sobre nós, e para acontecer o
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mesmo com outra pessoa não custa nada. - A mais


nova sussurrou.
- Por favor? - Eleanor movimentou os lábios
de forma a que fizesse manha infantil para
convencer a outra.
- Eu te odeio. - Bufando, a loira alcançou os
primeiros degraus - Venha antes que eu desista.
- É para já, comandante!
Discretamente, tomando todo o cuidado
possível para que não fossem pegas em flagrante,
as mulheres entraram sorrateiras nos aposentos da
herdeira.
- Vamos comer e eu vou descer para tomar
um banho e descansar, tudo bem? - Liv dizia,
enquanto colocava os sacos e copos sobre a mesa.
- Não, não, não. Não me sinto segura. Preciso
de você. Tem que ficar aqui para me proteger... -
Conner apoiou os braços em torno do pescoço da
mais nova, repousando sua cabeça no ombro
direito, ao passo que sua cintura era firmemente
segurada por Garner.
- Mas eu preciso de um banho, de me deitar e

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relaxar. Você também precisa. Hoje o dia não foi


nada bom para nenhuma de nós duas.
- É verdade, não foi bom, só que não é
brincadeira a parte em que eu disse que preciso de
você. Além disso, suponho que você também
necessite de companhia e um pouco de carinho.
Tome banho aqui, te empresto um pijama. Podemos
ver aquele sitcom que você adora e podemos cuidar
uma da outra. -Lentamente, as mulheres foram
dando passos para trás até caírem sobre a cama de
lençóis macios e cheirosos.
- Está bem, está bem. - Olívia ergueu os
braços como em rendimento - Fico admirada com o
seu poder de persuasão, sabia? Podia me ensinar
algumas técnicas um dia desses...
- Ensino o que você quiser... - Os lábios da
morena buscaram avidamente pelo os da agente
federal.
Era deveras intrigante a comunhão de bons
sentimentos que se davam quando Liv e Eleanor se
beijavam. O ato traduzia muito mais do que
carinho. Era como se houvesse a reafirmação de
que uma nasceu para um dia pertencer à outra, com
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uma espécie de conservante invisível que as


mantinha apaixonadas e tão somente. Ao contrário
de muitas outras vezes, o beijo nivelou-se em
movimentos sutis, ternos. Os temores acerca da
interrupção do sonho bom que era estarem juntas,
se esvaía tão logo os dedos ágeis acariciavam as
nucas arrepiadas. Tanto uma quanto a outra ansiava
por decorar cada espaço dentro de suas bocas,
agora segurando os rostos entre as mãos, dando o
máximo de si na representação do sentimento que
nutriam.
Naquele momento não existiam mágoas do
passado, dor ou qualquer outra emoção de
conotação negativa. Existia apenas a pureza
apaixonada, a inocência do amor que devolvia a
vida à elas, como a gota de orvalho no livro que
Garner lera outrora.

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Capítulo 26 – Decisões
que mudarão nossas vidas
Ao longo dos séculos, uma quantidade
imensurável de palavras foram gastas para
descrever os mistérios que cercam a paixão. Do
físico Albert Einstein - "como a ciência poderia
explicar um fenômeno tão importante como o
amor?" - ao matemático Blaise Pascal - "o
coração tem razões que a própria razão
desconhece" - todas as maiores mentes da
humanidade se declararam impotentes frente aos
cultos secretos e caprichosos desse sentimento
arrebatador.
Eleanor e Olívia, segundo pesquisadores do
mundo inteiro, estavam inveteradamente viciadas.
Saltavam entre a alegria e a euforia, entre tremores
e coração acelerado, ansiedade e até mesmo um
certo "quê" de desespero. Essas mudanças de
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humor são bastante parecidas com o


comportamento dos dependentes químicos. No caso
das mulheres, estavam viciadas uma na outra.
Não repetiram o feito da noite passada, onde
tomaram banho juntas e gozaram masturbando uma
à outra. Primeiro foi a morena, enquanto a
comandante ajeitava o lanche e escolhia o
programa que assistiriam. Depois a outra, enquanto
a filha do presidente a espiava, mesmo sob
protesto.
Já devidamente banhadas e acomodadas na
cama, sem agüentar a fome que as consumia,
Conner começou a devorar o seu hambúrguer.
Após colocar no canal escolhido, Garner fez o
mesmo, sem firulas nem cerimônias. Vez ou outra,
a comandante interrompia a sua mastigação para
admirar a mais velha. Mesmo com os cantos da
boca sujos de maionese industrializada, Eleanor
não perdia a elegância, qualidade que a loira tinha
certeza que lhe era natural, já que exalava tão
perfeitamente de seus poros. Ela não comia ou
bebia, deleitava-se com o sabor; não combinava um
alimento com o outro, harmonizava. Eleanor
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Conner, mesmo não intencionalmente, prospectava


tudo o que fazia. E o fato de seus atos não serem
forçados, deixava tudo ainda mais gracioso. No
entanto, a herdeira aprendera com Liv - mesmo no
pouco tempo de convivência - que a vida é muito
curta para ficarmos só "degustando". De tanto
harmonizar, de tanto levar uma rotina gourmetizada
no pouco - pouco sentimento verdadeiro, pouco
amor, pouca liberdade - até o singelo ritual de
empastar o rosto com o molho do lanche virou sua
delícia preferida.
Às favas com as normas de etiqueta da nata
da sociedade burguesa americana - onde a família
presidencial estava no topo - e da aristocracia da
comida, as mulheres devoravam seus sanduíches
gordurentos com batata frita, sinônimo de James
Jean, de jaqueta de couro e de anos 80.
- Você...está bem? – A morena indagou, após
deixar as migalhas de pão e as embalagens sobre o
criado mudo.
Repetindo o ato da outra, bufando baixo já
entendendo sobre o que Conner queria dizer,
Garner sorriu deitando-se na cama com as mãos
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postas sobre o peito.


- Estou. E você?
- Olívia...tem certeza de que não quer
conversar?
- Meu bem, eu...eu já te contei tudo sobre
essa parte sombria do meu passado. Não acho que
não tenha mais o que se falar sobre o assunto. Eu já
me conformei. Só espero que, onde quer que o
Arthur esteja, que ele seja muito feliz.
- Infelizmente não posso tirar, nem sequer
amenizar a sua dor. Não faço idéia do que vem
passando durante todos esses anos. Só acredito que
perder as esperanças é como se estivesse perdendo
tudo, tudo o que lhe resta. Eu sei que é difícil, mas
eu também sei que é de apenas uma fagulha que
necessitamos para seguir em frente. Eu não deixo a
minha se apagar nunca, por pior que as situações
pelos quais eu passo, sejam. Você me ajudou a
manter a chama da esperança acessa dentro de
mim. Quero fazer o mesmo por ti.
A comandante não podia acreditar na sorte
que tinha. Por mais que tristezas já tenham
dominado certas fases de sua vida, ter chegado até
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onde chegou, podendo contar com pessoas que a


amavam de verdade, era uma benção. Ter chegado
até ali e conhecido Eleanor, foi um presente.
Puxando a herdeira para perto de si, fazendo
com que deitasse a cabeça em seu peito, a mais
nova aproveitou a boa sensação que a proximidade
lhe concedia.
- Agora, mudando de assunto, sua agenda
está bem cheia para as próximas duas semanas,
heim?
- É verdade. Anne comentou os acréscimos
de última hora.
- Foram um total de cinco reuniões e visitas à
colégios eleitorais.
- Então... Eu queria mesmo falar contigo à
respeito disso. Preciso de conselhos.
- Conselhos? Em que eu posso te ajudar? -
Liv indagava, enquanto acariciava o braço direito
da morena.
- Meu pai me disse que estão querendo que
eu concorra às eleições primárias esse ano. Parece
que querem apostar em uma sucessão do mandato

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dele com um formato novo. Uma mulher, jovem,


dinâmica, já conhecida. Ao ver de alguns dos
membros dos Democratas, a eleição pode ser
acirrada, mas terá um sucesso certeiro.
- Uau! Essa notícia foi mesmo surpresa.
Jamais esperaria que você fosse...bem...cogitar a
possibilidade de ser presidente. E o que pretende?
Vai aceitar?
- Essa é a questão... - Eleanor virou de
bruços, encaixando o seu corpo sobre o da
comandante para que pudesse encará-la - Eu não
sei. Eu nunca me imaginei seguindo os passos do
meu pai. Sempre sonhei em fazer algo
completamente adverso à esse mundo da política,
entende?
- E o que exatamente você gostaria de fazer
da vida?
- Ser atriz pornô.
- O quê? - Garner arregalou os olhos
completamente surpresa, consternada com a
resposta.
- É brincadeira, sua boba! - A gargalhada
gostosa da mais velha ecoou pelo cômodo - Talvez
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eu pudesse administrar um abrigo para animais ou


ser professora.
- Oh, não, professora não é uma boa idéia.
Vai por mim. Minha mãe tem problemas nas cordas
vocais, já passou por cirurgia, teve dois episódios
de crise de estafa e nem é tão bem remunerado à
compensar tanto desgaste físico e psicológico.
- Está falando sério?
- Sim. Pode perguntar à ela.
- Ah, mas eu nem penso no lado financeiro.
Queria fazer algo em que eu acreditasse, algo que
trouxesse paz de espírito para mim e alegria para as
outras pessoas.
- E na presidência você acha que não terá o
que anseia?
- Tenho minhas dúvidas. Vivi todos esses
anos presa à regras, convenções sociais. Você
conhece bem o meu mundo. Sabe que é tudo uma
farsa. Não tem nada de glamoroso, não tem nada de
feliz aqui. Meus pais nunca puderam me dar a
devida atenção por falta de tempo, e essa mesma
falta de tempo trouxe a solidão para todos nós.
Quem vê o Sr. Alexander e a D. Beatrice nos
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noticiários, imagina o casal perfeito, amoroso. Mal


sabem todos, que eles só não se separaram para
manter as aparências. Meus pais se amam, mas já
não são amigos há tempos. Ou o contrário, não sei.
E eu? Só soube o que é sorrir de verdade quando
você me apresentou o mundo lá fora. Mas em
contrapartida, essa posição social me dá a
oportunidade de ajudar muitas pessoas de diversas
formas diferentes.
- Quer mesmo saber a minha opinião?
- Claro! Foi por isso que eu lhe contei à
respeito.
- É bastante tênue a linha divisória que separa
o comportamento íntimo do político da sua vida
pública. Você conhece a célebre frase do Kennedy:
"O estadista deve trazer o coração na cabeça"?
- Claro que conheço. E é exatamente isso que
me assusta.
- Guiar-se pela razão tem sido um desafio dos
mais instigantes para todos os que militam na vida
pública, sendo raros os que conseguem atravessar
os longos corredores do poder sem cair nas
armadilhas da vida privada. Eu sei, eu vivo disso.
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Você já tem seus deveres, suas tarefas, mas como a


filha do presidente apenas. Veja bem o quanto suas
ações são limitadas apenas por ser herdeira do
maior estadista, imagina se você for a chefe do
Estado? Eleanor, nós demos sorte todas as vezes
que saímos. Era para ambas termos sido
reconhecidas. Pense no perigo que corremos! Se
está difícil agora, como será depois? Infelizmente o
homem ou mulher pública tem o dever de
compatibilizar a vida privada e a política, na
medida em que ambas são forjadas por valores e
princípios que expressam seu caráter.
- Isso é tão contraditório, não acha? A
Constituição expressa serem invioláveis a
intimidade, a honra e a imagem das pessoas, mas de
uma forma ou de outra acaba segregando o que
ocorre no sagrado espaço do lar de um evento
privado do que se desenvolve em território público.
E mesmo em locais privados há de ser condizente
com os valores republicanos e com preceitos éticos
e morais dessa sociedade de merda em que
vivemos. - O tom de Conner parecia demasiado
revolto.

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- Exatamente isso. - A mais nova tomou o


rosto da morena dando um selinho em seus lábios -
Você tem que ser o exemplo de conduta para a
nação durante as vinte e quatro horas do seu dia.
Não vamos poder ter isso aqui mais, não vamos
poder dar nenhuma fugidinha no parque, eu não
vou poder te ensinar a pilotar uma moto... - Riram -
Eu não vou poder namorar você. Na verdade, nós
nem podíamos mesmo, mas eu me apaixonei. Não
temos escolha quando se trata do coração, não é?
Só que tudo vai ficar ainda mais complicado.
- Ei, ei, ei... Não faça essa cara! Eu não vou a
lugar algum. Seja qual for a minha decisão, não
está em pauta deixar você ir embora do meu lado.
Liv, eu só descobri o sentido de estar respirando
porque você me deu uma vida. Você me devolveu o
sentido de não apenas existir. Quando me salvou do
atentado eu...eu passei a enxergar realmente quem
eu sou, quem sempre quis ser. Me sinto mais
mulher, mais forte, mais capaz. Olha quantas coisas
eu aprendi, quantas eu conheci! Nada disso seria
possível sem você. Não quero que isso acabe. Bom,
à não ser que você queira.

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- Eleanor, eu só me preocupo contigo, com o


seu bem estar. Quero que seja feliz, independente
do que venha a acontecer. Não pretendo sair do seu
lado. Não pretendo te deixar sozinha mais. Eu vou
apoiar a sua decisão, seja ela qual for. Bom,
podemos pensar juntas em soluções para os
problemas que forem surgindo. Não é uma boa
idéia? É isso que os casais fazem: se unem quando
estão passando por adversidades. É o que meus pais
fazem...
- Então isso quer dizer que somos um casal?
- É...Acho que é isso que somos.
Conner sentiu que a loira ficou um tanto
quanto incomodada com a possibilidade de sua
candidatura, apesar de dizer e agir como do
contrário. E nem poderia culpá-la por seu
desagrado, já que a interessada direta, também não
se apegou ao fato de que ser presidente no lugar de
seu pai era algo realmente bom. Mas a herdeira
ainda teria um tempo para ponderar sobre o
assunto. Nada seria feito às pressas, sem
planejamento e consciência do peso dos prós e
contras. O dia já não tinha sido fácil e contaminar a
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única parte boa, seria uma tremenda besteira.


As mulheres continuaram abraçadas,
namorando, sentindo as delícias do
compartilhamento de intenso carinho. Não
levantaram mais nenhum tema controverso, apenas
gozaram de risadas e frivolidades.
Olívia acabou adormecendo enquanto
Eleanor contava à ela sobre uma viagem que fez ao
sul da África. Tão logo acordou, ainda quando o dia
começava a amanhecer, quis aproveitar do corpo
moreno ao seu lado, coberto apenas por uma
camisola curta de seda azul clara.
- Hum... - A filha do Sr. Alexander
resmungou ao sentir mãos firmes percorrendo suas
curvas por debaixo do tecido de sua vestimenta
íntima.
- Bom dia, Srta. Conner. - O sussurro em tom
rouco de excitação foi dado ao pé do ouvido e
refletido entre as pernas da mais velha.
Por um instante ela cedeu aos prazeres que os
dedos ágeis da comandante causavam ao tocar-lhe
os mamilos. Eleanor chegou a entreabrir a boca -
mesmo mantendo-se de olhos fechados - e arquear
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a cabeça para trás. Porém, de súbito, lembrou-se de


que havia dormido com tesão, além de ter sido
ignorada por sua companheira, que nem sequer lhe
deu boa noite.
- Pode ir parando, Garner. - A herdeira
ajeitou-se entre os lençóis, retirando a "mão boba"
de suas curvas.
- O que foi? O que está acontecendo? Fiz
algo errado? - A mais nova indagava, surpresa.
- Busque lá do fundo da sua memória,
comandante.
"Oh, meu Deus! Ela está brava! O que eu fiz?
O que eu fiz, Senhor?"
Liv pensava, pensava e não conseguia
encontrar o seu erro. Suas lembranças não traziam à
tona nenhum desagrado por parte da outra, o que
dificultava saber em que ponto havia pecado.
- Eu...não sei o que fiz. Ah, Eleanor, esquece
isso, seja lá o que for. Estou...com saudade...
Uma coisa era certa: a loira tinha um sex
appeal extraordinário. Além de seu corpo ser
extremamente atrativo, sua voz, seu cheiro, sua

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postura, tudo nela inebriava os sentidos da morena.


Contudo, a frustração ainda pairava no ar, e quando
estava chateada com alguma coisa, Conner não
costumava ceder tão fácil.
- Não adianta vir com essa conversa astuta
para cima de mim. Você não terá o que deseja hoje.
Pretendo lhe castigar, como fez comigo ontem.
- Eu te castiguei? - O espanto era deveras
verdadeiro na agente federal.
- Sim. Dormiu enquanto eu conversava
contigo. Sabia que eu pretendia ter uma noite de
sexo? É... Eu queria aliviar minhas tensões, as suas,
esquecer o dia ruim que tivemos com algumas
horas de prazer. Mas você fez o que? Dormiu.
- Oh, meu bem. Foi uma carga emocional
muito grande. Sinto muito, de verdade. Sabe que
jamais faria isso intencionalmente. - Eleanor
mantinha-se com a sobrancelha esquerda erguida.
Agora, sentada na cama, estava de braços cruzados,
semblante sisudo e um bico manhoso que fazia a
outra enlouquecer de vontade de beijar - Eu adoro
você de qualquer jeito, mas com essa cara de brava
fica ainda mais graciosa. - Olívia falava, ao passo
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em que ia distribuindo beijos pelo pescoço da mais


velha - Me desculpe. Hum? Desculpe a sua
comandante...
- Odeio você, Garner. - E novamente a
herdeira fechou os olhos deixando-se levar pelas
delícias do momento.
- Odeia, é?
"Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer..."
Esses versos de Camões exprimem
brilhantemente o efeito colateral do amor e seus
desdobramentos em um relacionamento afetivo.
Cada um chega com valores e expectativas
diferentes, se frustra quando elas não se
concretizam, justamente porque são idealizadas e
não reais.
Garner preocupou-se com a candidatura de
Eleanor, deveras, mas tratou logo de desanuviar a
sua mente de problemas que não existiam ainda,
deixando ao encargo do destino a condução de suas

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vidas. Afinal, tanto ela quanto a morena sabiam que


não cabia à outra preencher as lacunas
sentimentais. A transferência dessa
responsabilidade, muitas vezes, é o ponto fulcral
dos conflitos dentro de um relacionamento. E
conflito interno era uma expressão que não se
encaixaria no vocabulário das duas.
"Após sofrer um infarto do miocárdio,
durante a manhã da última sexta-feira nas
dependências da Casa Branca, o Presidente da
República deve ter alta ainda hoje. Ele passou a
semana em um apartamento, se recuperando de
uma angioplastia, procedimento realizado logo
após o infarto.
Alexander Conner permanece internado na
Unidade Coronariana do hospital, mas garantiu a
sua presença na reunião agendada para o
próximo dia 07 com os congressistas democratas
no Capitólio, no intuito de tentar garantir a
sobrevivência da sua reforma no sistema de
saúde. Com a aproximação das prévias eleitorais,
o objetivo é preparar uma estratégia para não
prejudicar a saúde pública do país, já que, se
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depender dos republicanos, o programa será


revogado tão logo a eleição do novo presidente.
Em nota dada à imprensa, Alexander confirmou
que revelarão, após a reunião, o nome indicado
pelos democratas para estar na corrida para a
presidência no ano que vem. Mais notícias, na
edição do jornal da noite."
A semana tinha sido extremamente agitada e
cansativa. Por mais que o presidente estivesse
recebendo o melhor tratamento médico, tanto a sua
esposa quanto a sua filha, fizeram questão de
revesar em seu acompanhamento. Alexander era
um homem forte, e sua recuperação esteve dentro
dos limites parametrizados pelos médicos através
dos exames e monitoramento diário, o que de fato
foi um alívio para todos.
Em acordo com a equipe tática de segurança,
a assessoria de imprensa da presidência informou
aos repórteres - que há dias acampavam na frente
do hospital - que o maior estadista do país
provavelmente teria alta aos meados da noite. O
que eles nem sequer imaginavam, é que o homem e
sua família tinham deixado o Johns Hopkins nas
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primeiras horas da manhã.


Enquanto os noticiários fervilhavam em
especulações, o Sr. Conner já estava acomodado na
confortável suíte de sua residência, tendo os
cuidados de Eleanor e Beatrice a agraciá-lo.
- Minha filha, eu vou aproveitar que você
está aqui com o seu pai e vou repassar algumas
ordens para os empregados. Os médicos
transcreveram a dieta dele, e preciso delegar outras
tarefas para a nutricionista e a cozinheira.
- Está bem, mamãe. Vá tranquila. Eu fico
com o nosso doentinho.
- Mas que coisa vocês duas! Já estou farto de
ser tratado como um moribundo. Estou bem, estou
ótimo. Não tenho tantas restrições assim. Que
exagero!
A primeira-dama revirou os olhos, dando de
ombros para a reclamação do marido.
- Você fala, fala, fala, e eu só escuto blá, blá,
blá. Deixa eu ir antes que seja obrigada a te tratar
como criança.
- Bruxa má!

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- Reclamão!
- Ei, vocês dois! - A morena ria, enquanto via
a mãe saindo à murmurar reclamações - O senhor
está liberado para atividades rotineiras de grau leve,
mas isso não quer dizer que pode fazer estripulias.
- Eu estou me sentindo inútil. Não consigo
adoecer e ficar parado.
- Eu sei, papai, mas é só por mais alguns dias.
Tenha paciência. Quanto mais seguir as prescrições
médicas, mais rápida se dará a sua recuperação
total.
- É, eu sei. - O homem levantou da cama,
indo encostar-se na parede, mirando o jardim
iluminado através da janela. Era inicio de noite, e
algumas estrelas já apontavam seu brilho no céu. O
presidente suspirava, mantendo o semblante sisudo
pelo incômodo que sentia no local da cirurgia -
Falando em recuperação...Você já decidiu se
aceitará a indicação do seu nome para as prévias,
minha filha?
A introdução repentina do assunto fez a
herdeira engolir em seco e demonstrar certo
desconforto diante do questionamento. Ela havia
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ponderado, e muito, sobre os termos, as condições e


tudo o mais em que implicaria o fato de concorrer à
Presidência da República. A questão é que não
tinha conseguido chegar à conclusão nenhuma.
- Pai...
Quanto mais pensava, mais as idéias se
embaralhavam em sua mente.
Uma coisa que sempre prezaram na relação
entre pai e filha, era a sinceridade extrema. A
morena tinha que expor seus reais sentimentos e
dizer o que seu coração ordenava, mesmo que não
fosse exatamente o que seu progenitor gostaria de
ouvir.
- Eleanor, eu te conheço talvez melhor do que
você mesma. Sei o que está sentindo. Eu sempre fui
contra a forma impositiva com o qual a sua mãe
insistiu e insiste até hoje em te educar. Bom,
entendo que a política nunca foi atrativa aos seus
olhos, e respeito sua opinião, mas seu velho pai
respira essa vida, minha filha. São quase quarenta e
cinco anos dedicados à vida pública. Eu não posso
deixar que todo o meu esforço escorra pelo ralo.
Sabe que minha reeleição é inviável e os
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republicanos estão feito urubus em cima de nós, só


esperando uma brecha para açoitarem o povo
americano com seus ideais arcaicos e absurdos.
Veja bem, Eleanor... Você vai gostar de viver em
um país que não respeitará as diferenças raciais,
sexuais, religiosas? Vai se orgulhar de uma nação
que não reconhece os direitos femininos como
priori e constitucionais? - O Sr. Alexander enxugou
uma lágrima que escorria pelo seu rosto - Eu me
entristeço só de imaginar que meus planos de ação,
que ajudaram tantos imigrantes, tantas pessoas de
classe baixa a terem o mínimo de dignidade, serão
revogados sem a menor piedade. Esse país vai virar
um verdadeiro caos em pé de guerra. Seu nome foi
citado, os congressistas te querem nas eleições,
minha filha, porque conhecem a sua índole, sabem
o quanto a sua integridade é característica.
Querendo ou não, você é igual à mim, Eleanor. Não
existe outra pessoa melhor para governar esse país.
Não existe outra pessoa capaz de seguir com
maestria o meu legado.
As palavras do Sr. Alexander martelavam na
cabeça da herdeira e refletiam em seu coração. Para

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Conner, seu pai sempre foi o referencial de todos os


homens do mundo. A maneira como ele a tratou
desde pequena era a maneira que esperava ser
tratada por todas as outras pessoas em qualquer
circunstância: com respeito. Além disso, os traços
de sua personalidade que seu pai mais valorizou,
definiram como ela valorizava a si mesma.
Por esses e muitos outros motivos, seu
progenitor era realmente o herói, o seu rei dos
contos de fadas. Tudo o que ele já tinha dito à ela
no passado, ainda afetava a sua vida. As coisas
agradáveis que fizeram juntos criaram lembranças
que a acompanham até hoje. Seus sábios
ensinamentos moldaram o seu caráter, a sua auto
estima, e acabaram por influenciar na sua decisão.
Passaram alguns minutos em silêncio
absoluto, sem contato visual. O quarto estava quase
na penumbra, sendo iluminado somente pelas luzes
artificiais que vinham do jardim. O presidente
mantinha-se à beira da janela, na mesma posição,
enquanto a filha estava sentada na cama.
Quando finalmente a morena entreabriu a
boca para se pronunciar sobre o assunto, o barulho
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da porta se abrindo fez-se ouvido. Logo Beatrice


acendeu a luz e começou a circular pelo cômodo
em busca de seus óculos de leitura.
- O que estavam fazendo no escuro? - A
mulher ia e vinha de lá para cá - Alguém viu os
meus óculos? E se puderem me dizer onde deixei o
livro que ganhei daquela atriz... Como é o nome
dela? Mariska! Se puderem me dizer onde ele está
também, irei agradecer imensamente.
- Você não tirou da bolsa desde que
chegamos, meu bem. - O Sr. Alexander informou-a.
- Oh, é? Deus! Será que esses meus
esquecimentos são recorrentes de Alzheimer?
- Não, Beatrice. São só esquecimentos
mesmo. - O homem riu brevemente.
Tomando a deixa da interrupção para si,
tendo a cabeça latejando de dor, Eleanor levantou-
se indo até a porta. Antes de transpô-la, com a mão
na maçaneta, a herdeira virou-se, suspirando e
tomando fôlego para falar:
- Papai, diga aos congressistas que eu aceito.
************

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Enquanto Eleanor travava um conflito interno


entre viver uma mentira, como o seu pai sonhava,
ou fazer valer suas próprias vontades, Olívia
aproveitou a oportunidade de folga e foi se
encontrar com a amiga após delegar algumas
tarefas aos seus subordinados.
Louise a estava esperando no Harborplace &
The Gallery, shopping próximo à sua casa. Há
tempos não faziam um programa parecido, e a
comandante aproveitaria o momento para desabafar
suas intenções diante de tudo o que estava
acontecendo.
- Atrasada? É você mesma ou um espião
disfarçado? - Mattew virava a loira de um lado para
o outro.
- Para! Está me deixando tonta! Que coisa!
Anda usando entorpecentes? Está mais louca que o
normal. - Garner dizia ao ajeitar a roupa em seu
corpo.
- Estou usando sim. Inclusive dá uma fome!
Podemos lanchar agora? - A moça prendeu o riso
com o franzir de cenho e estreitar de olhos que
recebeu em reprimenda - É brincadeira, sua idiota!
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Mas não a parte da fome. Estou mesmo com o


estômago reclamando.
- Vamos na loja de rosquinhas e frapuccinos.
- Liv agarrou-se ao braço direito da amiga,
caminhando com ela em direção à praça de
alimentação.
- E então, como foi a noite com a Eleanor?
- Perfeita! Perfeita! Conseguiu arrumar toda a
bagunça do seu apartamento? - A loira gargalhou
do revirar de olhos da amiga.
- Me deve várias embalagens de água
sanitária. Vocês transaram por todos os cômodos,
suas taradas! - Riram - Eu fico feliz que tenha dado
tudo certo. A filha do presidente parece ser uma
boa pessoa.
- Ela é, mas não é que tenha dado tudo certo.
- As mulheres sentaram-se à uma mesa, chamando
o garçom de imediato - Traga duas rosquinhas de
chocolate e duas de doce de leite, um frapuccino
com bastante creme e... - Garner fez sinal para
Mattew completar a frase com o seu pedido.
- E uma rosquinha de morango, uma de
banana e três de amêndoa. Ah, frapuccino com
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morango. Obrigada. - O garçom assentiu após


anotar o que queriam, saindo em seguida - Vai, me
conta o que deu de errado. Você brochou?
- Não! Não é nada disso! Bem, depois que
saímos da sua casa, fomos para a minha no intuito
de nos trocarmos e tomarmos café da manhã.
Enquanto Eleanor procurava o que usar, acabou
encontrando a minha caixa de fotos.
- Sua caixa de fotos? Aquela...
- Essa mesma! Tive uma crise de choro e
acabei desabafando tudo o que eu vinha segurando
esses dias todos desde o aniversário de morte do
Theo.
- E o que sentiu? Você está bem? - Louise
indagou, tomando a mão da comandante entre as
suas.
- Estou, estou sim. Eu não tive tempo de
absorver a minha tristeza porque quando estávamos
ainda conversando à respeito, recebi o telefonema
sobre o infarto do presidente.
- É verdade... Ele está mesmo recuperado ou
são só notícias falsas?

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- Está mais forte do que antes. Ele é um


touro! - Olívia brincou, mas sua perna desinquieta
denunciou que havia algo a incomodando.
- O que foi? Por que a sua perna balança
tanto? Está me irritando. É sobre o Arthur ou sobre
sua namoradinha?
- Desculpa. - A loira segurou suas coxas com
as mãos, soltando um longo suspiro - Engraçado
você perguntar sobre isso...
Antes que Garner pudesse completar a frase,
uma ruiva de cabelos longos e ondulados, alta, com
o semblante sorridente e olhos azuis bem
expressivos, aproximou-se da mesa onde estavam
as amigas, tirando algo da bolsa.
- Com licença. Desculpa interromper a
conversa de vocês, mas é que eu me mudei à pouco
tempo para a cidade e acabei de abrir um negócio.
Minha mãe me disse que pode se passar o tempo,
mas a propaganda boca à boca sempre será o
melhor meio de marketing e divulgação, então...
Aqui estou eu! Posso deixar um cartão com vocês?
- Claro! - A comandante respondeu,
ressabiada. Ao segurar o pequeno papel na destra,
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leu as inscrições e sorriu cordialmente para a


exuberante mulher – Megan Lee, engenheira de
sistemas.
- Isso! Basicamente fui eu quem criou o
Sistema da Informação. - Sua risada era bem
peculiar, mas igualmente contagiante.
- Bem humorada. Ponto à seu favor,
senhorita. - Louise comentou, recebendo uma
piscadela em troca.
- Bom humor e sarcasmo movem o mundo,
senhorita...
- Louise. Louise Mattew. - Ela estendeu a
mão à outra em cumprimento.
- Bonito nome. Tão bonito quanto a dona
dele e quanto à gratidão que eu terei se repassarem
meus contatos para quem souberem que esteja
precisando.
- Ah, com certeza eu vou precisar dos seus
serviços...
- A minha amiga quis dizer que, quem sabe
um dia, precisemos de alguém para nos ajudar com
relação aos computadores que temos. - Liv pontuou

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após pigarrear, constrangida com o flerte


deliberado de Mattew.
- Tudo bem. Faço consertos também.
- Obrigada, Megan.
- Oh, imagina. Obrigada a vocês, Louise e...
- Olívia.
- Louise e Olívia. Foi um prazer conhecê-las.
- O prazer foi todo nosso... - A morena de
cabelos compridos murmurou ao ver a mulher se
afastando.
- Mas você é mesmo descarada, heim? - A
loira deu um cutucão no braço da amiga.
- Ei, qual é o problema? Ela é bonita,
charmosa e me olhou também, se é que não
percebeu.
- Louise, ela não te olhou. Ela estava sendo
simpática.
- Pelo menos eu tenho o telefone dela. - A
moça gargalhou, ao passo em que a comandante
revirou os olhos - Ah, esquece isso e termine o que
começou a me contar.
- Ah, sim. Eleanor disse que alguns
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partidários estão querendo nomeá-la para a corrida


pela presidência nas próximas eleições.
- É o que? Está falando sério?
- Seríssimo. Ela me contou há uns dias atrás.
Tem noção do que isso implica?
- Bom, pelo o que me fala dela, as
responsabilidades e compromissos irão aumentar
consideravelmente e...É mesmo o que ela quer?
- Essa é a questão...Não é o que ela realmente
deseja. Conner está dividida, na verdade. Uma
parte quer aceitar, a outra quer viver uma vida
comum, digamos. Ela disse que ficaria feliz em
admistrar ONG's, acredita? - O sorriso terno
estampou-se no rosto de Liv ao lembrar-se da
morena.
- E vocês duas? Como ficariam? Seria
interessante o país sendo governado por uma
mulher lésbica.
- Pare de graça! Isso é sério!
- Mas estou falando sério. Os Estados Unidos
criarão novas perspectivas sociais diante do mundo
todo. Essa representatividade do poder feminino é

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algo associado à dinâmica do processo aceitativo da


sociedade. Pessoas que por algumas razões
decidem pautar suas vidas por normas pré-
estabelecidas tendem a esquecer suas próprias
idiossincrasias. Seria um passo grandioso para a
humanidade!
- É... Olhando por esse lado sim, mas eu não
posso ter certeza se nós sobreviveríamos à uma
eleição para Presidente da República. Eu sei que
temos pouco tempo de descoberta de sentimentos,
que não conversamos sobre quem somos uma para
a outra. No entanto, estive prestes a falar com
Eleanor à respeito disso antes dela me contar essa
merda toda. Louise, eu deixei de lado todos os
meus receios, todas as minhas restrições e valores
só para poder dar um pouco de felicidade e carinho
à ela. Eu não desejei, juro que eu não desejei, mas
estou completamente, perdidamente apaixonada por
Conner. Eu queria namorar com ela, eu queria que
pudéssemos ser um casal comum, normal.
O garçom, que estava prestes a colocar os
pedidos sobre a mesa, foi interrompido por Mattew.
- Embrulhe tudo para a viagem, por favor. -
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Ela sussurrou, entregando-lhe uma nota para


pagamento - Amiga, normal e comum vocês nunca
serão, independente do que aconteça. Mas isso não
é impeditivo para que estejam juntas, aliás, nada é
impeditivo para isso. É notório o carinho que
nutrem, as mudanças que mesmo em pouco tempo
já causaram uma na vida da outra. Por que não
ficarem juntas? - O rapaz retornou com os
embrulhos. Mattew colocou a sua bolsa no ombro e
levantou-se, dando dois passos com os lanches na
mão - Venha!
- Aonde está indo, criatura?
- Você vai ver... - A agente federal teve que
dar uma breve corrida para alcançar a outra em sua
caminhada rápida - Já comentou com Eleanor sobre
o seu aniversário semana que vem?
- Não e nem pretendo comentar.
- E posso saber o motivo?
- Imagino que ela vá querer fazer algo
grandioso, me dar um presente caro e eu detestaria
que isso acontecesse. Posso falar no dia, assim
Conner não terá tempo de preparar nada
espafalhatoso.
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- Acho uma tremenda bobagem sua. Imagina


que bom seria se ela pudesse comemorar conosco?
- É... - E novamente o sorriso abobalhado
estampou-se no rosto de Garner - Seria mesmo um
sonho ela na casa dos meus pais ouvindo as velhas
histórias que todos os anos eles contam sobre a
minha infância e comendo os exageros deliciosos
que D. Nora prepara. - Louise parou em frente à
uma loja, suspirando e sorrindo para a amiga - Vai
entrar aqui? - Liv indagou, curiosa.
- Sim.
- O que comprará em uma joalheria, Louise
Mattew? Você não é mulher de usar jóias...
- Você tem razão. Prefiro as bijuterias, mas
não sou eu quem comprará algo hoje. - A moça
entrou no estabelecimento fazendo sinal para que a
outra a acompanhasse.
- Então quem... Ah, não! Vai voltar com a
sua mania inveterada de querer que eu use aqueles
brincos enormes? Eu sei que te prometi usar um
adorno no meu aniversário desse ano, mas não
disse qual seria.
- Não é nada disso. Apesar de que acabou de
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me lembrar dessa promessa...


- Eu e minha boca grande...
- Deixa isso para lá, por enquanto. Vamos
comprar uma aliança. Quer dizer, você comprará
uma aliança.
- O que? Ficou louca? Aliança para quê?
- Posso ajudá-las? - A vendedora interrompeu
o diálogo entre as amigas.
- Claro! Queremos ver as mais bonitas
alianças de compromisso que você tem. Ah, não se
limite a detalhes de preços. Essa aqui quer o melhor
para a namorada, custe o valor que for.
- Louise! - Olívia repreendeu-a severamente.
- Só um instante que trarei o mostruário. - A
simpática moça afastou-se após lançar-lhes um
sorriso, seguindo em direção aos fundos da loja.
- O que foi, Garner? Por que está com essa
cara de poucos amigos para mim?
- Porque eu tenho poucos amigos e porque
simplesmente não posso fazer isso. Até onde vai a
sua inconseqüência?
- Olívia, você acabou de dizer para mim que
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queria namorar a Eleanor, que queria que fossem


um casal.
- Querer nem sempre é poder, e você sabe
bem disso.
- Nesse caso você quer e pode. A única coisa
que te impede é esse medo idiota de perder as
pessoas. Amiga, não vai acontecer de novo. Ponha
isso na sua cabeça de uma vez por todas! Está mais
que na hora de você ser feliz de verdade. Pelo amor
de Deus, Liv, eu não agüento mais te ver perdendo
as oportunidades de ter um relacionamento com
alguém bacana pelo o que aconteceu no passado.
Preciso te ver feliz para ser feliz também,
irmãzinha.
- Aqui estão as jóias. Por que vocês não me
acompanham? Podem se sentar e ficar mais à
vontade. Aceitam uma água, um suco, um café?
- Não, obrigada. - A comandante respondeu
de prontidão, voltando a sua atenção para Mattew
em seguida - E se isso não for o que Conner deseja?
- Você não será a primeira nem a última
pessoa a levar um fora, queridinha. Supere isso. -
Riram - Agora vá indo escolher o anel que dará
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para a sua amada. Eu vou ver alguns colares aqui


na vitrine. Pode deixar sua carteira e seu celular
comigo para ficar mais à vontade.
- Tem certeza que precisa disso? Hoje em dia
se usa anel de compromisso? Estou achando essa
coisa de namoro muito arcaico...
- Cala a boca, Olívia! Moça, leva logo ela
daqui, por favor, e mostre as peças mais bonitas. Já
vou lá ajudar minha amiga com o meu bom gosto.
- Pode deixar. - A vendedora ria do
tratamento de uma para com a outra - Me
acompanhe, senhorita.
Louise prendeu a respiração ao observar as
mulheres de afastando para perto de uma mesinha
charmosa ao canto esquerdo do lugar. Só soltou o
ar quando, de posse do telefone da amiga, atenta
para que ela não visse o que estava prestes a fazer,
desbloqueou o aparelho buscando pelo número
particular que a comandante tinha para contato com
a filha do presidente. Sem delongas, a morena
digitou um sms.
"Eleanor, aqui é Louise. Preciso falar
urgentemente com você."
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Capítulo 27 – Parabéns,
Emma
Nos filmes, na literatura, nas novela, a obra
considerada clássica que se preze, tem que ter como
grand finale: "E viveram felizes para sempre".
Todos nós crescemos ouvindo e lendo contos de
fadas. Talvez por isso passamos a vida em busca de
um príncipe encantado ou uma princesa
adormecida, talvez até alguém que tenha perdido
um sapato em sua fuga. Como se não bastasse ser
feliz e ter um ser carinhoso ao nosso lado, somos
acostumados a sonhar com o "para sempre".
Quando estamos apaixonados e acreditamos que
"essa é a pessoa certa", não há quem tire da nossa
cabeça que o relacionamento será eterno, mesmo
que o mundo escancarado à frente diga o contrário.
Como entra década e sai década, o amor
nunca sai de moda, alguns símbolos são criados
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para atender a demanda dos casais apaixonados,


desses mesmos que sonham com o sentimento
fantasioso dos contos infantis. Inventaram o mito
de que dizer "eu te amo" pode ganhar mais força se
vier acompanhado de um anel de compromisso.
Seria como o atestado de "estamos juntos, e isso é
sério".
Não eram nem 05:00 da manhã e Garner já
estacionava o seu carro na ala norte da Casa
Branca. Contaminada pelo espírito animado da
amiga, convencida de que a vida era muito curta
para se ater a detalhes irrelevantes sobre um futuro
que ela nem sequer sabia se aconteceria ou não, a
loira caminhou à passos largos e apressados para o
seu dormitório. Um sorriso encantador e
abobalhado não saía de seu rosto por mais que ela
tentasse controlá-lo. Por diversas vezes, pelo curto
caminho que percorreu, pegou-se mordendo o lábio
ao relembrar a sensação gostosa do frio na barriga
atrelado ao embrulho no estômago que comumente
é associado às borboletas dançantes.
Assim que fechou a porta atrás de si, sentou-
se na cama, retirando a caixinha preta de dentro da
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sacola. Outro sorriso emocionado formou-se em


seus lábios ao vislumbrar o par de alianças solitário
diamante em ouro branco 18k .
A palavra aliança tem origem no latim
alligare, que remete para uma relação de
proximidade, de união. Fazer uma aliança com
alguém é fazer um acordo, um pacto. Ela tem um
formato circular, o que é um simbolismo de
eternidade, porque o círculo não tem princípio nem
fim. Os romanos acreditavam que no quarto dedo
da mão passava uma veia que estava diretamente
ligada ao coração, por isso o uso do anel nesse
dedo, costume carregado culturalmente até os dias
atuais.
Garner, como uma adolescente quando do
princípio das descobertas da paixão, suspirava
profundamente ao colocar a aliança em seu dedo e
admirá-la, enquanto pensava nas palavras de
Louise. Várias vezes questionou as chances daquele
romance poder ser vivenciado como outro
qualquer, cogitando somente o fracasso - dadas as
circunstâncias -, mas sua amiga garantiu que não
existe amor que seja impossível. Todo amor, assim
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como os outros sentimentos, são passivos de


possibilidade. Existe sim, uma série de fatores que
podem fazer com que o relacionamento torne-se
impossível, mas o amor, esse nada tem a ver com
problemas, códigos de valores e outras banalidades.
Esse, quando existe, é o mais nobre sentimento e
nada o deteriora ou destrói. Ele é sentido, e quando
vivenciado, correspondido ou não, enriquece e
enobrece a pessoa que é provida dele.
O único inconveniente de amar e não poder
vivenciar esse amor, é que tantos sonhos ficam à
deriva daquilo que podia ser e não é, querer e ter
que contentar-se com o imaginário.
Feliz era a comandante que conseguia viver e
somar prazeres só pelo fato de ter Eleanor à lhe
ocupar a mente e o coração. Olívia sentia-se
abnegada e estava disposta a trabalhar as emoções
que tudo aquilo lhe atribuía. Ela jamais iria cobrar
nenhuma atitude da herdeira, uma vez que esse
sentimento era dela, apenas e exclusivamente dela.
Isso lhe fazia bem e a fazia crescer.

À loira bastava sonhar, dormindo ou


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acordada, como estava: imaginar viagens


irrealizáveis que teriam juntas, pisar solos
inexplorados e descobrí-los com Conner, sentir o
calor e as vibrações transmitidas por aquela mulher
única, de beleza indescritível, que lhe completava a
vida, mesmo ainda não estando ao seu lado por
completo.
Louise tinha toda a razão do mundo ao
aconselhar e incentivar a amiga a buscar a
felicidade, mesmo que os caminhos a se percorrer
fossem escuros e tortuosos. Afinal, quando o
sentimento é inevitável, o amor é praticamente
fatal.
Em um impulso, após ter passado um tempo
imensurável envolta em seus devaneios amorosos, a
agente federal guardou as jóias na caixa preta de
veludo, pegando o telefone e digitando uma
mensagem em seguida.
[05:32]
Garner: Amiga, seguirei o seu conselho.
Acabei de ouvir meu coração e ele está gritando
para que eu vá agora ser feliz. Vou pedir a Eleanor
em namoro. Isso soa tão estranho, mas não importa.
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Suspirando, a loira apertou o ícone verde de


"enviar" em seu Whatsapp. Em questão de
segundos, quando já estava largando o aparelho na
cama para levantar e tratar de se arrumar, a resposta
da amiga chegou fazendo-a franzir o cenho.
[05:34]
Lou: VOCÊ ESTÁ LOUCA, OLÍVIA
GARNER? Se eu não te conhecesse ia achar que
está drogada. Onde já se viu pedir alguém em
namoro assim, no "seco"? Sem rosas, jantar, clima
romântico? Bela sapatão falsificada você é!
- Mas que abusada! Ainda manda esse emoji
revirando os olhos que odeio! Vou enfiar esse
emoji no seu... - Respirando fundo, a comandante
encaminhou a sua réplica.
[05: 37]
Garner: Louise Mattew, em primeiro lugar,
SAPATÃO FALSIFICADA É A MÃE!
[05:38]
Lou: Não ponha minha mãezinha no meio.
Que Deus a tenha.
[05:38]

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Garner: Desculpa.
[05:39]
Lou: Estou brincando.
[05:40]
Garner: Idiota! Estou falando sério! Precisa
mesmo dessas coisas de rosas, romantismo e o que
mais?
[05:42]
Lou: Liv, precisar não precisa, mas é bonito.
Pelo pouco que conheço da Eleanor, acho que ela ia
adorar todas essas pompas.
[05:43]
Garner: DROGA!
[05:43]
Lou: Não precisa gritar!
[05:44]
Garner: Desculpa! Não estou gritando. Fiquei
nervosa.
[05:44]
Lou: Amiga, quer saber? Se a filha do nosso
excelentíssimo Presidente da República gostar de

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você de verdade, não vai se importar com essa sua


falta de traquejo.
[05:46]
Garner: Vai a merda!
[05:46]
Lou: Não estou brincando agora. Ela não vai
se importar com nada se tiver sinceridade. Ao
menos diga algumas palavras bonitinhas.
[05:48]
Garner: Tipo o quê?
[05:48]
Lou: Sei lá. Fala o que sente.
[05:49]
Garner: Agora fiquei insegura.
[05:50]
Lou: Mahatma Gandhi uma vez disse: "Não
tente adivinhar o que as pessoas pensam a seu
respeito. Faça a sua parte, se doe sem medo. O
que importa é o que você é, mesmo que outras
pessoas não se importem. Atitudes simples podem
melhorar sua vida. Não julgue para não ser
julgado. Um covarde é incapaz de demonstrar
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amor - isso é privilégio dos corajosos." Vá ser


feliz, amiga. Vou ficar aqui torcendo por você.
Quero detalhes de tudo depois.
[05:54]
Garner: Ai, Deus! Está bem. Obrigada. Te
amo.
[05:55]
Lou: Eu também te amo.
Engolindo em seco, Garner, dessa vez
realmente deixou o telefone de lado sobre o
colchão, indo até seu modesto armário, abrindo-o e
encarando as peças que ali estavam penduradas no
cabide. Olhou, observou, ponderou sobre a que
melhor se adequaria à ocasião, por fim escolhendo
um blazer preto em lã mista, Dolce & Gabbana,
com fechamento frontal por botões, punhos
abotoados, fenda traseira e barra reta. A calça em
linho também na cor preta, unida com o oxford em
couro preto envernizado, compuseram o ar sério e
profissional que a comandante tanto prezava.
De frente para o espelho, Olívia passou a
trançar seus fios loiros na lateral direita, como de
costume. Optou pela maquiagem leve, abusando
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somente no batom: vermelho de tonalidade aberta e


vibrante.
A agente federal parou diante da porta
fechada, tocando em sua maçaneta e permanecendo
imóvel por alguns segundos antes de respirar fundo
e girá-la. Assim que alcançou o corredor, lembrou-
se de um item deveras importante, senão, essencial:
as alianças. Retornou às pressas para o seu
dormitório colocando a caixinha no bolso interno
do seu blazer, assim como o seu celular, após
verificar as horas no visor. Ainda eram 06: 30, o
que dava à loira um certo tempo para tomar o seu
desjejum.
Já no refeitório, Garner exagerou na
variedade e quantidade de alimentos que colocou à
sua frente para ingerir.
O dicionário define ansiedade como comoção
aflitiva do espírito que receia que uma coisa suceda
ou não; sofrimento de quem espera o que é certo
vir; impaciência. Trocando em miúdos, ansiedade é
aquele nervosismo que antecede vários momentos
da vida e que gera sensações estranhas – vazio no
estômago, coração batendo rápido, aperto no peito,
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medo: exatamente tudo o que a comandante estava


sentindo. Sempre que encontrava-se em situações
de tensão, passava então a fazer uma associação
inconsciente entre os aspectos envolvidos no
momento e a comida, associando-a ao prazer.
Comeu panquecas, ovos, iogurte, pão,
presunto. Não dispensou seu vício inveterado no
café preto, nem o suco natural de frutas vermelhas.
Em um dado momento, a culpa começou a
atormentá-la, fazendo com que diminuísse o ritmo
da mastigação - como um ato de redenção do
pecado da gula cometido a pouco.
De repente seus pensamentos voltaram-se
para as jóias que estavam em seu bolso. Conner
definitivamente havia mexido com seus
sentimentos como nenhuma outra pessoa conseguiu
nos últimos tempos, aliás, nunca. Garner jamais se
imaginou pedindo alguém em namoro, mas só de
pensar nos olhos cor de amêndoa a encarando, sua
imaginação ia muito além, começando a percorrer
cada detalhe do corpo moreno – da textura da pele
ao cheiro do cabelo – e assim indo bem mais longe.
Mentes apaixonadas consistem de uma
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combinação de momentos singulares fixados na


memória – como aqueles que deixam qualquer um
balançado e faz suspirar. Tudo é fruto de uma
construção diária, de cultivar situações cotidianas
que dão leveza à rotina e tornam tudo mais
prazeroso. Não seria preciso fazer muito. Com
brilho nos olhos, aquele gesto adquiriria um valor a
mais.
"Eu sei que ela vai gostar."
- Comandante, a Srta. Conner está descendo
para tomar café da manhã. - A voz de Rust tão
próxima de si, fez a loira sobressaltar-se com o
susto.
- Merda! - Um esbarrão na xícara de café
derramou o líquido sobre a mesa, quase sujando o
terno de Garner.
- Desculpa. Eu não tive a intenção de assustá-
la.
- Oh, não tem problema. Eu é quem estava
distraída mesmo. O que... O que disse?
Ele...hum...a Srta. Conner já está descendo?
- Está sim, agora.

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- Ah, ok. Obrigada por avisar. Eu já vou indo.


- Lançando um breve sorriso ao rapaz e assentindo
com a cabeça, Liv levantou-se ajeitando a sua
roupa e seguindo o corredor para a ala que daria na
sala de jantar da residência presidencial.
- Eu já disse que não me interessa quem está
no comando da cozinha ou não. Qual foi a parte
que você não entendeu? - A voz da morena podia
ser ouvida do corredor.
- Desculpa, Srta. Conner. - O mordomo
suspirou ao responder a filha do presidente,
encarando Olívia em seguida, assim que ela
adentrou no cômodo.
- Desculpas não irão melhorar o meu dia, e
pelo visto, nem o meu desjejum.
- Eu vou trocar os seus ovos imediatamente.
Com licença.
- Quer saber? Não quero que traga nada.
Perdi a fome. - A herdeira jogou o guardanapo de
qualquer maneira e agressivamente sobre a mesa.
Aquela atitude mostrou-se atípica até mesmo
para quem a teve. Eleanor, visivelmente
transtornada, tomou o copo de suco na destra,
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ingerindo todo o líquido que nele estava.


Anne e a comandante, presentes no recinto,
entreolharam-se como se fosse possível
conversarem assim e entenderem o que se passava
ali.
Garner manteve-se impassível em sua postura
ereta, séria, sem esboçar nenhuma emoção refletida
pelo mau humor da mais velha. Identificou
naqueles atos características claras de disritmia,
uma vez que já possuiu esse transtorno. A palavra,
durante séculos, serviu para caracterizar o sujeito
mal humorado, irritadiço, de personalidade
complicada. Atualmente, o termo é empregado para
designar um subtipo da depressão. Ou
simplesmente talvez fosse um mau dia, somente.
Todos têm o direito de acordar chateado, sem ser
motivo de obterem pré julgamentos por isso. Sendo
uma coisa ou outra, a loira não poderia manifestar-
se estando na presença de terceiros.
- Hã...como hoje temos o South by Southwest
mais tarde, sairemos daqui a aproximadamente uma
hora para chegarmos no Texas a tempo. - A
secretária comentou com certo receio.
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- Minha mãe decidiu se vai ou não? - O tom


de voz da morena era áspero, ríspido em demasia.
- Ela ficará em companhia do Sr. Presidente.
- Ok. Pode pegar as minhas maletas no quarto
e aquele tailleur azul marinho? Quero levá-lo de
reserva. Ah, quero meu scarpin preto aveludado
também.
- Tudo bem. Mais alguma coisa? - Conner
não respondeu em palavras. Apenas lançou-lhe um
olhar intimidador que falava por si só - É...com
licença.
Suspirando, Eleanor apoiou ambas as mãos
na mesa para tomar impulso e levantar-se. Ajeitou
sua roupa no corpo, seguindo rumo à saída da área
norte, de onde o carro presidencial partiria até o
Capitólio para enfim tomarem os seus lugares no
helicóptero por medidas de precaução.
Ao passar pela comandante, pela primeira
vez no dia, a herdeira sorriu terna e sinceramente,
sendo retribuída com a mesma intensidade de
carinho que podia ser notado no brilho que
detinham nos olhares.
- Você está muito bonita hoje. Digo, não que
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não estivesse nos outros dias, mas a impressão que


tenho é que hoje está diferente. - O sussurro vindo
na voz enrouquecida de Conner, fez a loira arfar e
arrepiar todos os pêlos do seu corpo.
Com um gesto da mão esquerda, Liv
assinalou para que a outra seguisse à frente pelo
caminho. Alguns passos depois, ainda mantendo-se
em silêncio, a comandante tocou discretamente no
ombro da mais velha, fazendo com que ela
interrompesse os passos.
- E7? Escutando. Sim. Sim. Vamos sair em
exatos quarenta e cinco minutos. Gota de orvalho
entregue no Capitólio. Confirmado. Somente. Ela
está comigo. Ok. - Encerrando a sua comunicação
com os outros agentes através do dispositivo,
Garner olhou para todos os lados à fim de
certificar-se de que não havia ninguém por perto -
Pode, por favor, alterar o seu curso para o "nosso
caminho"?
Entendendo o que aquilo significava, a
morena assentiu, dando meia volta e seguindo pelo
outro lado da ala sul da Casa Branca.
"Nosso caminho" era uma espécie de apelido
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que as mulheres deram à uma rota secreta que a


agente federal ensinou à Eleanor para utilizarem
quando quisessem se encontrar às escondidas. O
acesso era seguro e só as duas o conheciam.
Mal chegaram no cômodo isolado do restante
da mansão, e as amantes se atracaram em um beijo
urgente. Olívia tocou levemente no rosto angelical
à sua frente, afastando uma mecha negra de cabelos
sedosos. Houve a interrupção do ato por alguns
segundos, apenas para que os olhares se
encontrassem. A comandante procurava no fundo
das íris castanhas uma resposta para o seu
sentimento. Ela se deixava beijar, mas estava tão
nervosa e apreensiva que não expressava com
fidelidade o que sentia. Garner queria muito saber o
que se passava dentro da mente da outra, e
principalmente no interior do seu coração.
Novamente estavam entregues à um beijo
voluptuoso. Ambas correspondiam com ardor
àquele ato mágico. Quando as carícias começaram
a ficar mais ousadas, Conner afastou-se em um
impulso repentino, retornando para perto da sua
querida após recuperar o fôlego.
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- Eu precisava tanto disso! - A herdeira dizia


com a testa encostada na da agente, sorrindo
extasiada, ainda com resquícios dos tremores e
arrepios que o toque da outra causava em seu corpo
- Eu preciso tanto de você! Tanto!
- É mesmo? Confesso que desde ontem eu
espero por isso. Senti sua falta.
- Eu não via a hora de estar contigo. - A
morena falava entre os selinhos que depositava nos
lábios de Liv – Eu tenho uma coisa séria para te
contar.
- Eu também preciso conversar sobre algo
muito importante. Bem...As damas primeiro.
- Mas você também é uma dama, Garner.
- Sei disso, oras. É que acho bonito dizer "as
damas primeiro". - Riram brevemente, já que o
semblante da herdeira ficou sisudo repentinamente.
- Liv... - Eleanor balançava a cabeça em
negativa e seus olhos aos poucos iam marejando -
Estou uma pilha de nervos e já te peço desculpas de
antemão por isso. Não sei como lidar com as
minhas próprias decisões, com os meus sentimentos
quando eles não estão bem definidos dentro de
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mim. Eu quis me afastar de tudo por infinitas vezes,


porém nem sempre alcançamos os nossos intentos.
Eu, principalmente, não alcanço quase nenhum.
Com o cenho franzido, o coração acelerado
em suas batidas, prevendo que algo de conotação
negativa estava por vir, Garner levou a destra até o
rosto moreno, acariciando o local.
- O que está tentando dizer, meu bem? Não
estou entendendo...
- Ontem eu conversei com o meu pai e aceitei
a candidatura. Vão anunciar o meu nome como
concorrente na corrida pela presidência nas
próximas eleições. - O impacto daquelas palavras
fez a mais nova paralisar – Você não vai dizer
nada?
Má notícia é uma mudança brusca e negativa
na perspectiva de futuro de uma pessoa. Partindo
desse pressuposto, aquela, definitivamente, era uma
má notícia. O entendimento de uma informação
negativa percorre uma trajetória, desde o choque
inicial até a integração de uma nova realidade que
se apresenta.
Olívia estava preparada para declarar seus
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sentimentos, seu "amor". A comandante estava à


instantes de fazer um pedido a Eleanor, um pedido
muito importante. No entanto, seu intento foi
talhado por algo que poderia ser assemelhado à
uma facada. Ela sabia que essa possibilidade existia
e era pertinente, mas seu coração no fundo não
queria acreditar que a herdeira seria capaz de seguir
por um caminho que ela própria rejeitava.
A loira enfiou a destra por dentro do terno,
tocando no bolso interno e conseqüentemente na
caixinha onde estavam as alianças.
"Aceitei a candidatura." Aquelas palavras
fizeram a mais nova recuar com suas intenções, e
recuar no sentido literal. Dando dois passos para
trás, sorrindo à morder o lábio inferior em claro
sinal de nervosismo, a agente federal ergueu as
mãos para o alto, dando de ombros para a pergunta
de Eleanor.
- Desculpa. Desculpa. Eu só não sei o que
dizer.
- Não?
- Não. - Notando a decepção e confusão no
olhar da herdeira, Garner novamente aproximou-se
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de Conner, tomando o seu rosto entre as mãos,


dando-lhe um selinho demorado - Você havia
comentado algumas vezes que essa não era a vida
que gostaria de viver. Tenho certeza que teve seus
motivos, e motivos fortes para tomar tal decisão.
Eu te disse que estaria ao seu lado independente de
sua escolha e é o que farei. - A comandante
acariciou a face da mais velha, ao passo em que
esforçava-se para conter sua emoção - Desejo toda
a boa sorte do mundo em tudo o que fizer. Sabe que
estou e sempre estarei aqui por você.
- Está falando sério? Liv, eu não vou
conseguir sem você.
- Claro que estou falando sério. Não brincaria
com um assunto desse. - Novamente os lábios finos
da loira provaram o sabor dos carnudos e
avermelhados da outra - Agora, infelizmente temos
que ir. A futura presidente dos Estados Unidos tem
um longo dia pela frente. - Um sorriso dúbio
estampou-se no rosto de Conner. Sem escolha, a
mulher suspirou pesadamente, antes de dar vários
selinhos na amada - Hum, meu bem, vamos nos
atrasar.
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- Mas que droga, Garner. Você consegue ser


mesmo muito desagradável quando quer, não é? -
Bufando baixo, Eleanor foi caminhando à passos
pesados e apressados, demonstrando toda a sua
insatisfação por não poder ficar mais tempo à sós
com a comandante.
"Eleanor Conner se reuniu com
compositoras e cantoras nesta sexta-feira (19) em
um grande evento, o South by Southwest (SXSW),
um festival de música, cinema e tecnologia que
acontece em Austin, capital do Texas, para
divulgar uma iniciativa educacional para garotas
do mundo todo.
Ao ser questionada sobre como será sua
vida quando findar o mandato de seu pai, o
presidente Alexander Conner, Eleanor respondeu
cantando um verso de ‘It's So Hard to Say
Goodbye to Yesterday’ (é tão difícil dizer adeus ao
passado), música da Motown popularizada pelo
Boyz II Men.
'Não pretendo diminuir meu trabalho nem
um pouco, pelo contrário. Os planos são de que
exista uma sucessão de tarefas', comentou a filha
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do maior estadista dos Estados Unidos, deixando


um questionamento no ar: o que ela quis dizer
com 'sucessão de tarefas'?
Eleanor foi acompanhada no palco pela
rapper e produtora Missy Elliott, a compositora
Diane Warren e a atriz Sophia Bush, de Chicago
Fire, em uma conversa moderada pela atriz e
música Queen Latifah.
A filha do presidente contou que 'Young
Americans', de David Bowie (1975), foi seu
primeiro disco, um presente de aniversário de seu
avô, um colecionador de vinis inveterado.
'Tocava direto, sem parar. David falava
sobre tudo em que eu acreditava. Suas
composições são permeadas por letras filosóficas
e literárias. Eu adoro isso.'
Ela aproveitou sua participação no festival
para divulgar uma iniciativa lançada há quase
dois anos para ajudar milhões de garotas no
mundo que não são alfabetizadas.
O projeto conta com ajuda de vários órgãos
americanos, como o Departamento do Estado, a
Agência dos EUA para Desenvolvimento
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Internacional (Usaid) e o Peace Corps.


'Sabemos por estatísticas que garotas que
são educadas criam crianças mais saudáveis, têm
menos chances de ter doenças como HIV. Ter
garotas educadas aumenta o PIB de qualquer
país', disse Eleanor.
Antes de Conner subir ao palco, as irmãs
Halle e Chloe Bailey cantaram um cover de
‘Pretty Hurts’, de Beyoncé, e ‘This is for my
Girls’, composta por Warren para ser um hino do
projeto ainda sem nome definido.
Todo o dinheiro arrecadado com downloads
da música no iTunes será revertido para o
programa. Uma bela atitude dessa mulher que
sempre tomamos como exemplo."
A notícia do evento em que a herdeira
participou, era vista no seu IPod enquanto
retornavam à Casa Branca no Cadillac construído
pelo serviço secreto. A viagem tinha sido
proveitosa, ao ver da morena, que sorria satisfeita
em conseguir finalmente deslanchar um projeto que
perdurava a colocação em prática à meses.
Assim que estacionaram no jardim da
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residência presidencial, a comandante saiu do


carro, abrindo a porta para Eleanor.
- Obrigada. - A mais velha piscou
discretamente.
- Hã...Srta. Conner, dado o horário avançado
e as circunstâncias, acredito que não vá sair
novamente. Estou certa?
- Está sim, comandante. Por qual motivo
necessita confirmar a informação? - A formalidade
entre as mulheres se dava pela presença de terceiros
as observando no local.
- É que eu preciso resolver um problema
particular urgente e gostaria de saber se precisará
dos meus préstimos hoje ainda.
Erguendo o sobrolho, sem entender o que se
sucedia, Eleanor abriu e fechou a boca algumas
vezes, com o anseio de indagar a outra do que se
tratava. Ficou preocupada de ser algo grave com a
família da loira, mas as condições em que se
encontravam, a impedia de perguntar o que quer
que fosse de cunho pessoal.
- Pode ir, comandante. Eu vou somente
descansar agora à noite.
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- Obrigada. Prometo não demorar. Deixarei


ordens expressas para que me liguem
imediatamente caso algum imprevisto aconteça.
- Tudo bem. Vá tranqüila.
A morena estreitou os olhos ao encarar a
mais nova no intuito de obter alguma informação
sobre o que estava acontecendo através de algum
sinal, qualquer movimento sutil que pudesse sanar
suas preocupações. Contudo, Liv apenas esboçou
um leve sorriso, afastando-se e indo em direção ao
lugar onde estava seu carro, após proferir um
"muito obrigada".
Assim que se viu em área segura da
curiosidade alheia, obviamente dentro dos seus
aposentos, a herdeira tratou logo de encaminhar
uma mensagem para a outra, já que estava deveras
apreensiva.
[18:56]
Preciosa: Meu bem, o que houve? Fiquei sem
entender. É algo grave? Posso ajudar?
Garner, que havia à pouco tomado as ruas do
entorno da Casa Branca, previu que Eleanor fosse
mesmo interpelá-la com relação àquela saída
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repentina, sem prévio aviso. Estacionando o carro


na primeira vaga que viu, a loira suspirou
profundamente antes de responder.
[19:00]
Garner: Não se preocupe, meu bem. É só meu
irmão que esteve adoentado à alguns dias atrás.
Estou indo vê-lo para me certificar de que
realmente melhorou. Obrigada pela preocupação.
Você é um doce.
[19:03]
Preciosa: Que bom que não é nada sério.
Qualquer coisa me ligue. Tenha uma linda noite,
meu anjo.
[19:04]
Garner: Tenha uma linda noite também, gota
de orvalho.
A comandante, fechando o aplicativo para
encerrar de vez aquela conversa, começou a
tamborilar os dedos no volante enquanto pensava
sobre as intenções que tinha. Quanto mais os
minutos iam passando, mais o sentimento ruim de
que suas esperanças tinham escoado por entre seus

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dedos, ia sopitando forte em seu peito, fazendo uma


raiva crescente e incontrolável dominar seus
sentidos. O celular, que nesse instante estava
jogado no banco ao lado, foi tomado novamente
pela mão de Olívia, que discou o número da amiga
com uma pressa ímpar.
- Conversa comigo. - Louise atendeu
animada.
- Aonde você está? - A rispidez no tom de
voz da agente federal causou estranheza na moça
no outro lado da linha.
- Estou chegando no The Colúmbia. Vou me
divertir um po...
- Não entre. Me espere na porta. - Liv
interrompeu a fala de Mattew, encerrando a
chamada em seguida.
Não demorou mais do que dez minutos desde
a ligação até o encontro das amigas. A comandante
estacionou o veículo de qualquer maneira, uma vez
que não pretendia demorar absolutamente nada.
Queria apenas entregar algo à Louise, algo que ela
considerava um erro estar em sua posse.
- Liv, o que... - E novamente a psicóloga fora
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interrompida, porém, dessa vez, por um ato brusco


da amiga - O que significa isso? - A moça fazia
referência à caixinha das alianças que agora
estavam em suas mãos.
- A idéia foi sua, não foi? - A loira ofegava,
não por esforço, mas sim por seu sistema nervoso
descontrolado - Fique para você. - Garner virou-se,
fazendo menção de retornar para o seu carro, mas
fora impedida por transeuntes que atravessavam a
rua na sua frente.
- Olívia! Ei, espera! O que está acontecendo?
O que deu errado?
Ainda de costas, a agente secreta meneou
negativamente com a cabeça, voltando a sua
atenção para a amiga, respondendo-a com a voz
embargada pela emoção e as lágrimas inundando os
seus olhos.
- Ela aceitou, Lou. Eleanor aceitou a
candidatura.
Sem aguardar um segundo sequer para que a
outra absorvesse a notícia e reagisse à ela, Liv
correu até o automóvel, entrando nele e dando a
partida em disparada. A loira precisava respirar,
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precisava de algum tempo de introspecção para que


pudesse simplesmente descarregar a frustração e
chateação que guardou durante todo o dia, tendo
que fingir uma normalidade completamente
mentirosa. Foi então que ela teve a idéia de seguir
até o Rock Creek Park. Em dias normais, o local
fechava às 19:00, mas como estavam recebendo
uma excursão, passava das 20:00 e ainda
permaneciam em funcionamento. Lá seria o lugar
perfeito para espairecer. Era difícil acreditar que
uma área verde tão grande ficasse a apenas quinze
minutos do centro de Washington DC. A
comandante já tinha visitado o parque algumas
vezes, e adorava caminhar pelas trilhas, podendo
ver de perto os esquilos, veados e outros animais
selvagens. O córrego que cortava o local era uma
graça à parte que encantava Garner, assim como o
fato de disputar espaço com gentis moradores
locais que costumavam praticar esporte e passear
com os cachorros, que corriam felizes da vida pelas
trilhas.
Definitivamente nada acontece da noite para
o dia, ou seja, sem que nenhum evento explícito ou

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mesmo algum sinal anterior tenha indicado o rumo


dos acontecimentos. Isto é, no amor e na vida em
geral, vale ficar atento ao dito popular "cego é
aquele que não quer ver". E é até compreensível se
considerarmos que ninguém, em sã consciência,
fica esperando ansiosamente para que tudo dê
errado em sua própria vida. Então, preferimos não
acreditar, nem pensar, talvez disfarçar ou até tentar
driblar o destino tal qual ele anda se mostrando.
Mas o fato é que a vida avisa, sim. Sempre manda
sinais. E quanto mais a gente finge que não vê,
quanto mais a gente insiste em agir como se
estivesse tudo certo, ignorando dores, incômodos e
irritações, mais desastrosas serão as conseqüências.
Mais difícil vai se tornar o conserto. Mais distantes
ficaremos do que é essencial.
Toda história, inclusive a que Garner estava
vivendo naquele momento, tem dois lados. No
caso, um era o dela e o outro de Eleanor. Cada uma
enxergava o que estava acontecendo a partir de
suas crenças, de seus valores e do modo como
aprendeu a validar cada um deles. Portanto, ambas
tinham que ouvir e considerar o que a outra estava

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sentindo e pensando sobre o que começaram a


vivenciar juntas. Sem isso, não havia nem como
começar qualquer boa intenção. Depois, com os
pensamentos e os sentimentos mais claros para si
mesma, tentariam ser o mais coerente possível. Não
porque qualquer parte disso tudo tenha a ver com
uma estar certa e a outra estar errada ou quem tinha
mais razão ou mais certezas, mas porque a
felicidade só é possível no encontro íntegro e
honesto entre o que se deseja, pensa, sente e faz.
Amar é um exercício diário que tem muito
mais a ver com flexibilidade, ajustes, crescimento e
amadurecimento do que com posturas enrijecidas e
inflexíveis ou decisões absolutas. Nada é absoluto
no amor porque ele é vivo, pulsa, vibra e
transforma ​ a si, ao outro e ao mundo. E, sobretudo,
a percepção de que não existe nada mais incrível e
mágico do que encarar o próprio coração e o
coração do outro como a maior oportunidade de se
descobrir fazendo tudo isso valer muito a pena.
*************
Enfim havia chegado a data tão aguardada
pelos Garner. O hábito de comemorar o dia do
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aniversário surgiu na Roma Antiga. Antes disso, já


se faziam oferendas, como o bolo, mas não havia
uma festividade propriamente dita. A origem estava
ligada à idéia de que, na data de aniversário, anjos
malignos vinham roubar o espírito do
aniversariante e era preciso tomar medidas para
prevenir isso. E nada melhor que uma festa para
espantar os maus espíritos.
Houve uma época em que Olívia detestava o
seu aniversário, fazer festa então, nem pensar. Mas,
com amor, paciência e uma dose cavalar de
insistência, George, Nora e Louise fizeram a agente
federal enxergar o quanto é importante dividir essa
alegria com quem se ama. Além disso, superstição
ou não, é sempre bom ficar longe de energias ruins.
Experimentando comemorar uma vez,
justamente dois anos após a tragédia ocorrida com
Arthur e Theo, acabou que a comemoração tornou-
se uma tradição na sua vida.
- Olívia, mas que coisa! Fique quieta! Estou
quase acabando! - Louise repreendia a amiga
enquanto a mesma, desinquieta, movia-se à todo
momento, impaciente com a moça prendendo os
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seus cabelos.
- Você disse a mesma coisa a quase quarenta
minutos atrás. "Estou quase acabando!" - A
comandante bufou ao satirizar a voz da outra -
Maldita hora que eu permiti que fizesse isso
comigo.
- Ingrata! Vai me agradecer ainda. Feche os
olhos! - À contragosto, Garner obedeceu, assim
sendo guiada até frente ao espelho.
- Ah, eu morro, mas não te agradeço.
- Cale a boca! - Mattew sorriu satisfeita com
o trabalho - Pode abrir.
A loira estreitou os olhos para encarar a
imagem refletida diante de si. A mulher que via
estava alta, esguia em saltos pretos. Usava um
vestido sem mangas, rodado, na altura dos joelhos,
de cor pérola, bem no estilo vintage pinup. O ar
retrô foi belamente composto também pelas
madeixas loiras presas em um rabo de cavalo.
- Uau! Devo confessar que você leva mesmo
o jeito para a coisa. Se tudo der errado na
psicologia, pode seguir a carreira de figurinista.

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- Eu sabia que concordaria comigo. Eu disse


que ia adorar o look.
- Ei, calma aí. Só te elogiei. Isso não significa
adoro me servir de modelo para as suas presepadas,
querida. - Riram.
- E Eleanor? Resolveu mesmo não convidá-
la?
- Louise, é complicado. Não quero falar sobre
isso agora. Vamos! - A comandante segurou na
mão da amiga - Temos um monte de comida para
devorar.
A surpresa de George e Nora ao verem a filha
vestida de maneira tão discrepante da usual, ficou
estampada em seus semblantes boquiabertos e
risonhos. Por mais que negasse para si mesma, no
fundo, ela sabia o quão mais bonita estava,
exalando feminilidade e sensualidade.
As conversas e brincadeiras corriam soltas e
animadas. Há tempos não se reuniam de forma tão
descontraída, e com Theo mais crescido, puderam
aproveitar as gracinhas do bebê para darem boas
gargalhadas.
- ...daí a pobrezinha veio saltitando toda
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empolgada com a flauta, tocando feito gralha


esganiçada e a Nora lá de dentro gritou "eu vou
enfiar essa flauta no... George eu quero a separação
agora! E leve com você esse maldito instrumento
barulhento dos infernos!" - O Sr. Garner
relembrava, em meio às risadas altas, o caso de
quando deu uma flauta para Liv em seu aniversário
de sete anos.
- Eu nunca tinha visto esse poço de doçura
que é a mamãe se exaltar daquela forma. E só
porque eu ficava a rodeando o tempo todo tocando
aquilo e não a deixava ter um minuto sequer de
sossego, nem para dormir. - A loira comentava,
também aos risos.
- Ah, mas se não fosse pela insistência do tio
aqui em apresentar a arte para a nossa digníssima
quase musicista, não teríamos tantos momentos
engraçados para lembrar. - Louise pontuou.
- É verdade. E aquela ação de graças em
2001?
- Ah, não! Mamãe, por favor! É meu
aniversário!
- Deixa de ser boba, minha filha. - A
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matriarca falava, ao passo em que bebericava de


uma dose de vinho - Por que não toca um pouco de
violão para nós?
- Não. Faz tempo que não pego em um
violão.
- Ah, Olívia, você toca bem. Ao menos isso,
não é? - A amiga provocava.
- Idiota! - Enquanto as mulheres ficavam no
"toca ou não toca", George apressou-se para ir até o
seu quarto, onde estava o instrumento, levando-o
para a filha - Uau! Mas como vocês são rápidos! -
A agente secreta ria - Está bem! Está bem! Você
quer ver a maninha tocando, Theo? Quer sim?
Segura ele, pai. - Garner entregou o bebê para o
homem, posicionando o violão em seu colo na
seqüência.
Após tomar fôlego e pigarrear, a loira
dedilhou os primeiros acordes, cantando com uma
voz deveras encantadora.
"Build me up from bones
Construa-me a partir de ossos
Wrap me up in skin

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Envolva-me em pele
Hold me close enough to breathe me in
Abrace-me perto o suficiente para respirar
em mim
The moon's a fingernail
A lua é uma unha
Scratching on the back
Arranhando as costas
Of the night in which we lay beside
Da noite em que estamos deitados
I held every inch of you
Eu segurei cada polegada sua
I wrote every line for you
Eu escrevi cada linha por você
I made time when time was all but gone
Eu ganhei tempo quando o tempo acabou
You're the love I've always known
Você é o amor que eu sempre conheci
The night's so dark and grey
A noite é tão escura e cinza

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But you've helped me find my way


Mas você me ajudou a encontrar meu
caminho
Through the wild and wonders of this
world
Através das selvas e maravilhas deste
mundo
So take me with you now
Então leve-me com você agora
Cause I need to show you how
Porque eu preciso te mostrar como
I can love you better than before
Eu posso te amar melhor do que antes..."
Enquanto todos apreciavam a bela canção, o
celular de Louise vibrou no bolso traseiro de sua
calça. Era um sms, e ao verificá-lo, a moça não
pôde conter o sorriso largo. Discretamente, fazendo
sinal para os anfitriões, Mattew caminhou à passos
lentos e silenciosos até a porta, abrindo-a e sorrindo
ainda mais ao deparar-se com a bela figura da filha
do presidente carregando um botão de rosas nas
mãos.
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"...So play it sweet and low


Então toque-o doce e baixo
Cause we've got no where to go
Porque nós não temos para onde ir
I am yours and you're the love I know
Eu sou sua e você é o amor que eu
conheço..."
A música findou e a comandante sequer
percebeu as gesticulações e feições desesperadas da
mãe que, obstante da discrição, não se controlava
ao estar diante de uma surpresa, mesmo com
Louise franzindo o cenho para que parasse com a
gafe.
- A cantoria estava linda, mas será que eu
cheguei à tempo dos parabéns? - A voz rouca ecoou
pela sala fazendo com que a comandante
instintivamente olhasse para trás, tomada pelo
susto.
- Eleanor?

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Capítulo 28 – Eu tenho
medo, mas eu te amo
Muitas pessoas não fazem idéia do quanto
sabotam à si mesmas com pensamentos limitantes.
Estes, são idéias negativas que acabam tornando-se
verdadeiras, e que, além disso, condicionam a vida
de quem as permite dominar a mente. As crenças
restritivas bloqueiam, anulam, impedem que
tenhamos novas oportunidades, novas chances de
encontrar o caminho da felicidade plena.
Todos nós temos controle sobre os nossos
destinos. O que acontece é que muitas vezes somos
nós mesmos quem fechamos as portas às diversas
ocasiões favoráveis, às mudanças, aos atos fortuitos
que trarão boas fases, aos quais todos nós temos
direito.
A vida, como todo aspecto deste mundo, tem
o seu próprio ritmo. Nada acontece no nosso
tempo, e sim, quando estão fadadas a acontecer. É
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preciso saber ouvir, atentar aos detalhes, olhar o dia


a dia com a mente aberta e o coração acordado. As
coisas boas sempre chegarão no momento em que
confiarmos, quando nos sentirmos e agirmos como
merecedores.
Costuma-se dizer que os bons ventos sopram
nos trazendo felicidade e os ruins nos dando novas
lições. Agora, há quem contradiga essa máxima e
classifique os infortúnios como um castigo do
destino. Será mesmo? Ninguém é capaz de afirmar
categoricamente a resposta desse questionamento.
A única certeza que temos é que sem saber
como, nem por que razão, a vida sempre acaba
surpreendendo quando menos se espera.
Olívia estava atônita alternando o olhar entre
o botão da rosa vermelha e a morena mais linda que
já havia conhecido. Em sua cabeça pairavam
milhões de pensamentos desconexos, bem como os
sentimentos difusos e confusos em seu peito. Ter
Eleanor ali, comemorando o seu aniversário junto
das pessoas que ela mais amava, fazia parte de seus
sonhos secretos, aqueles em que a agente federal
guardava no fundo da gaveta do seu coração, após
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despertar para um novo dia. Em contrapartida, com


a realidade obscura e nada agradável escarada à sua
frente, era difícil conceber a presença ilustre da
herdeira como algo realmente bom. De que
adiantaria nutrir esperanças? Valeria mesmo a
pena?
- Srta. Conner, entre e fique à vontade. -
Nora, incomodada com o clima atípico que
instalou-se, usou de sua benevolência para
acomodar a visita com cordialidade. Aproximou-se
da mulher e, tocando em seu ombro, conduziu-a
apressadamente até uma das poltronas.
Despertando de seus devaneios com o
afastamento súbito da morena, Conner aproveitou
para lançar um olhar sério em reprimenda para
Louise. Esta, por sua vez, deu de ombros como se
não importasse a contrariedade da amiga. E deveras
não importava. Ela sabia que, mais cedo ou mais
tarde, a comandante entenderia a ajuda ao destino
que ela estava dando.
- Eu vou te matar. - Liv falava aos sussurros
com Mattew.
- Não vai.
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- Olha só como estou vestida!


- E daí?
- Fez de propósito, não é? Desde quando isso
está premeditado? Como você conseguiu falar com
ela?
- Três palavras para você: não te interessa.
- Mas é claro que interessa! Isso se trata de
mim, esqueceu?
- Olívia, você está linda! Eleanor ficou feliz
quando eu a convidei. Ela te ama. Caramba! Pode
deixar de ser inflexível por alguns minutos? É seu
aniversário, amiga. Só aproveite! Olha aquilo... -
As moças interromperam os cochichos para
observar a herdeira brincando com Theo, que
estava no colo da mãe.
O garotinho olhava para Conner, que sorria e
o chamava com ambas as mãos, falando algo
ininteligível em tom de voz infantil. O pequeno
sorria de volta, mas escondia o rosto na curvatura
do pescoço de Nora. Repetiram a seqüência por
algumas vezes até que o bebê se jogou no colo da
morena. Instintivamente, Garner, assim como todos
os presentes, sorriram. Era gracioso ver aquela
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mulher brincando com uma criança. Nem parecia


ela mesma, ainda mais nos últimos dias em que seu
humor estava mais ácido do que de costume. Ali
Eleanor mostrava-se leve, alegre, sorridente, o
oposto da sisuda, temperamental e impositiva
herdeira presidencial que andava circulando pelas
dependências da Casa Branca.
- É uma honra receber a filha do
excelentíssimo presidente em nossa humilde
residência. - George comentou.
- Imagina, Sr. Garner. Aqui sou apenas a
Eleanor.
- Aceita beber alguma coisa? Temos wisk,
vodca, gin, refrigerante, suco... Ah, as meninas
fizeram uma batida de vinho com leite condensado.
Louise aprendeu em uma de suas viagens à
América do Sul.
- E não foi só isso de bom que aprendi. É
uma pena que eu não posso contar, já que temos
criança no recinto... - A psicóloga, com seu jeito
cômico peculiar, fez todos rirem de seu comentário.
- Então, se é bom mesmo, acho que vou
aceitar um pouco para experimentar.
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- Vou buscar. - O patriarca da família


afastou-se do grupo sorrindo, seguindo em direção
à cozinha.
- Então quer dizer que você gosta de viajar,
Louise? - Conner indagou - Já estive em alguns
países dos trópicos. Da Argentina eu gostei
bastante. Do Brasil também, mas fui no verão e
quase derreti de tanto suar naquele calor. Se eu bem
me lembro no dia em que chegamos a temperatura
variava em torno de 36°.
- Fiz uma visita rápida ao Rio de Janeiro e me
assustei com os termômetros marcando 40°. -
Mattew respondeu, sentando-se no sofá em frente.
- Está falando sério?
- Minha insolação que o diga...
- Falando em visitar... Estou surpresa que
tenha vindo, Srta. Conner. - Nora intrometeu-se na
conversa.
- Oh, por favor, me chame de Eleanor.
- Desculpa. É a força do hábito, Eleanor.
- Pois então... - A herdeira falava em meio às
breves risadas que dava por conta das gracinhas de

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Theo - Está quase virando um costume aparecer


sem avisar.
- Imagina! Essa é somente a segunda vez que
vem aqui. - A matriarca ponderou.
- Na verdade, tia, fui eu quem convidou a
Eleanor. Liv estava receosa, com vergonha em
comentar algo com ela. Como eu só tenho vergonha
de...espera! Não tenho vergonha de nada. Enfim,
quanto mais pessoas em uma festa, melhor ela fica,
não é mesmo?
- Louise! Eu não estava com vergonha! - A
loira proferiu as palavras entre dentes após de
sentar-se próxima ao grupo.
Antes que uma possível discussão pudesse
surgir entre as amigas, o Sr. Garner retornou com a
bebida de Conner, bem como com um refratário
abarrotado de deliciosos canapés.
- Temos uma infinidade de opções de
petiscos. Nuggets que minha filha adora, batatas
fritas, cachorro quente, hambúrgueres... - O homem
citava.
- Estou no paraíso ou o que? - Riram - Você
quer um disso, bebê? É...quer sim.
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- Vou confessar que não imagino a filha do


presidente comendo frituras. Aliás, não a imagino
comendo nada tão simples como o que temos aqui.
- Nora disse, ruborizando em seguida.
- Eu não tinha o costume mesmo. Raramente
consigo burlar as ordens que minha mãe dá para a
nutricionista e os cozinheiros quanto ao cardápio,
mas de uns tempos para cá, Garner tem me dado as
chances de fugir mais vezes da regra.
- É mesmo, filha? - O patriarca perguntava,
curioso.
- Eu só...sou um pouco mais persuasiva do
que ela. E...consigo porções de batata frita do menu
dos funcionários. Pego escondido e levo. - A loira
confessou, já com um rubor evidente no rosto.
- Olívia! Isso é errado! - Nora reclamava,
franzindo o cenho para a filha.
- São só batatas, mãe!
"Deus, imagina se soubessem toda a
verdade?"
- Você quer o que está na minha boca? É
mais gostoso? - Conner ria do caçula da família

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tentando abrir seus lábios para ver o que tinha


dentro.
A interação entre os dois era tão incomum,
mas em contrapartida tão bonita de se admirar, que
chamou a atenção de todos.
Um dos grandes sentimentos que existem no
ser humano, se não o maior, é a admiração.
O chamado "amor à primeira vista" na
verdade deveria se chamar "admiração à primeira
vista", pois o amor só nascerá de fato algum tempo
depois. Se não há admiração à primeira vista, então
pode acabar ocorrendo à segunda ou terceira, como
foi no caso da agente e sua protegida, quando o
sentimento nasceu pela forma com que uma se
expressou para a outra em gestos e palavras, por
seus pensamentos, posição em relação a vida e
caráter.
Sem notar à princípio, Liv teve os olhos
marejados por conta da emoção. A loira engoliu em
seco e arregalou as pálpebras para impedir que as
lágrimas escorrerem pelo seu rosto. O sorriso
estampado em sua fisionomia era tão terno quanto
o momento que presenciava.
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- Já que gosta de guloseimas calóricas, aqui


está um presente. - Louise falava, ao passo em que
colocava a bandeja com os mini-hambúrgueres na
mesinha de centro em frente à herdeira.
Os demais estavam tão entretidos observando
a morena brincar com o bebê que nem se deram
conta de que a psicóloga havia se levantado de
onde estava sentada.
- Oh, meu Deus! Esqueci de uma coisa. -
Conner murmurou, pondo-se de pé - Vá com o
papai, príncipe. A Eleanor aqui tem sérios
problemas de distração e esquecimento. Só um
minuto. Com licença. - Um tanto quanto
constrangida pela gafe, após entregar o garoto ao
pai, a morena dirigiu-se até a porta, abrindo-a e
sorrindo para um dos agentes secretos que a
aguardavam do lado de fora - Pode me dar as
caixas?
- Claro, senhorita. - O homenzarrão alcançou
o embrulho estendendo a mão para entregar à ela -
Aqui está.
- Obrigada. - Assim que fechou a porta atrás
de si, Conner suspirou caminhando em direção à
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Garner - Sim, eu sei que você não queria nada


espalhafatoso, mas acho que isso não é uma grande
coisa. Eu só não poderia vir até aqui e deixar de te
presentear. A caixa vermelha você pode abrir agora
e a preta gostaria que abrisse quando estivesse
sozinha.
- Será que é pornografia? Eu bem queria
saber do que se trata... - Louise balbuciou em bom
baixo, mais para si mesma, porém a audição
aguçada de Nora captou o entendimento das
palavras.
- Pare de falar besteiras e me sirva de vinho,
por favor. - A mulher sussurrava enquanto tomava
o filho dos braços do pai.
- Eleanor, sabe que não tinha que me
presentear com nada. - A loira pôs-se de pé
segurando os embrulhos nas mãos.
- Como não? É seu aniversário. Além disso,
mesmo que não fosse, por tudo o que você já fez
por mim e pela a minha família, merece mais do
que simples coisas materiais. - A herdeira sorria
ansiosa - Vai, abra a caixa vermelha. Quero ver se
você gosta.
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- Vamos ver o que está aprontando... - Como


criança em época de natal, a comandante deixou a
caixa menor sobre o móvel ao lado, abrindo a que
tinha sido indicada pela morena, em meio à risinhos
empolgados. Assim que viu o conteúdo, ficou
boquiaberta, alternando o olhar entre o presente e
quem o ofereceu - Mas...isso é... - A loira tirou de
dentro um vinil - Este é o Hollywood Bowl e toda a
coleção de vinis dos Beatles! - Até o mais
insensível dos seres humanos se emocionaria com a
alegria contagiante que Olívia expressava através
de seu sorriso e seus olhos lacrimejantes -
Obrigada, obrigada, obrigada. É o melhor presente
do mundo inteiro! - Gargalhando, como nunca a
filha do presidente tinha visto, nem sua família há
tempos, a loira colocou a caixa no sofá, tomando
Eleanor em um abraço forte, apertado - Eu sempre
quis ter a coleção dos discos dos Beatles, mas
alguns são raridade e nem se eu tivesse todo o
dinheiro do mundo conseguiria adquirir.
- Eu sei que você ama os Beatles, o Paul
McCartney... Me disse algumas várias vezes,
esqueceu? - Riram - Não foi fácil, mas valeu cada

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segundo de esforço, Liv.


- Nem sei o que te dizer. Significa muito para
mim e não é pelo presente. Eu jamais poderia
imaginar você aqui comigo hoje comemorando o
meu aniversário.
- Eu viria quantas vezes fossem necessárias
só para ver você rindo assim.
As mulheres desdobravam-se em declarações
veladas, afagos nos cabelos, esquecendo-se de que
não estavam à sós, e ainda mais, permaneciam
abraçadas. Era como se o sentimento de carinho e
necessidade da outra fosse o ingrediente para uma
cola que não as deixava mais se desgrudarem.
George e Nora, observando aquela
demonstração demorada e totalmente atípica de
afeto, entreolharam-se estranhando a atitude de
ambas. Eram inocentes na ciência do
relacionamento da filha com a herdeira presidencial
e sequer poderiam supor tal possibilidade. Ao lado
deles, Louise mordia os lábios e detinha uma
felicidade e empolgação extraordinária. Tão logo
percebeu que estava sendo observada pelos "tios",
desfez o sorriso que mantinha, trocando-o pela
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seriedade no semblante.
Sem conseguir conter-se diante da estranheza
que se dava ali, o patriarca pigarreou, no intuito de
chamar a atenção das mulheres que ainda não
tinham se afastado uma da outra.
Garner corou imediatamente, olhando para os
pais após um longo suspiro. Conner, como um
tique nervoso, ajeitou os cabelos colocando uma
mecha atrás da orelha.
- Eu vou colocar os presentes no quarto. Só
um instante. - Completamente consternada, a
agente federal seguiu rumo ao outro cômodo com
as caixas nas mãos.
Assim que se viu sozinha, após fechar a porta
atrás de si, Olívia respirou fundo tentando absorver
tudo o que estava acontecendo naquela noite. A
comandante sentou-se na cama, tendo a sua atenção
atraída pelo objeto preto. Abriu com receio,
deparando-se com um papel grande dobrado e
vários outros papeizinhos coloridos dobrados
também. Curiosa, pegou primeiro o maior, que
parecia uma espécie de carta.
"Eu sempre tive medo de me apaixonar.
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Medo de criar expectativas por alguém que só


estava comigo pela minha posição social e não
por amor. Medo de acordar suspirando, sorrindo
e cantarolando 'Help', uma das canções mais
famosas dos Beatles, e a sua favorita. Talvez esse
medo de demonstrar vulnerabilidade e alegria seja
pelo meu extremo mau humor matinal, que
jamais me permitiria acordar satisfeita com o dia
que se sucederia. Sempre tive medo de me tornar
uma dependente patológica que não consegue
dormir depois de uma carinhosa mensagem de
boa noite finalizada com um 'eu te amo'. O medo
do improvável, do despautério de abrir as portas
do meu coração para uma pessoa que reparasse
em minha bagunça interna e mesmo assim
quisesse ficar; ficar, tirar os livros da estante, sem
receio de recolocá-los fora da ordem; bagunçar
ainda mais a minha vida, como se o inverso fosse
realmente o meu lado certo. Eu tinha medo de
precisar de alguém como eu preciso de você,
Garner.
Muitos falam que quando nos prendemos à
outra pessoa, passamos a ser como ela. Porém, no

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meu caso, não foi bem assim que aconteceu. Eu


não lembrava mais quem eu realmente era, qual a
minha cor preferida e qual música faziam dançar
as borboletas no meu estômago. Na verdade, acho
que eu nunca soube quem era Eleanor Conner de
verdade. Nunca tive uma série favorita, daquelas
que se empolga falando por horas à fio. Minhas
opiniões sobre assuntos diversos sempre foram
baseadas nos conceitos de terceiros, e não em
minha verdade própria. À princípio, eu precisava
encontrar a minha própria verdade. Muitos falam
também que a vida é especialista em surpreender.
E foi isso que ela fez. Colocou em meu caminho
de uma forma inusitada a junção de todos os
meus medos: você. Você, que ao invés de querer
me moldar à sua maneira, abriu espaço para que
eu encontrasse comigo mesma.
Quando me vi complemente feliz, plena e
realizada, gozando de coisas simples que sempre
me fizeram falta mesmo sem eu conhecê-las, foi
que me dei conta de que você existia de uma
forma diferente na minha vida. E já veio
causando um terremoto no meu peito, que nunca

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soube como era ter uma ocupante no coração.


Quando descobri que nutria um sentimento forte
por você, pensei em fugir, tampar os olhos e fingir
que jamais a havia encontrado. Mas indo contra
todos os prognósticos desastrosos da minha vida,
você provou que meus medos eram apenas
fantasmas existentes na minha cabeça. Não eram
reais, não tinham fundamento.
Liv, você é meu complemento, minha
segurança literal e poética; é minha soma, é o
encontro com a minha essência. Você é o prazer
de acordar e dormir todos os dias com diversas
borboletas dançando dentro do meu estômago ao
som de 'Help'.
Obrigada por ser uma das pessoas que
refletem tudo de melhor que existe em mim.
Ah, já ia me esquecendo... Dentro dessa
caixa existem 157 papeizinhos. Cada um deles tem
escrito uma coisa que eu amo em você, uma para
cada dia desde que nos conhecemos.
Feliz aniversário, comandante Garner.
Com amor,
Eleanor Conner."
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As lágrimas banharam o rosto da loira, e ela


nem ao menos percebeu quando começou. Estava
tão tocada, tão emocionada com a sutileza e
sinceridade com o qual Eleanor carregara cada
palavra daquela carta, que parecia não existir nada
além do amor que sentiu inundar o seu ser.
Olívia levou a mão esquerda à boca,
tampando-a na tentativa inútil de conter qualquer
ruído advindo dela quando foi abrindo os
papeizinhos menores e lendo o conteúdo. "Amo
seu sorriso", "Amo você de gravata", "Amo
quando brinca com meus cães", "Amo quando
dorme de conchinha comigo", "Amo quando você
fala francês", "Amo quando me vejo em seus
lindos olhos verdes".
- Eu te amo, Eleanor. - A comandante
sussurrou em tom quase inaudível enquanto
passava os dedos por sobre as letras desenhadas nas
linhas que compunham a carta que lhe fora dada de
presente - Eu te amo.
Louise conhecia Garner como ninguém.
Eram amigas desde que se entendiam por gente,
tendo um relacionamento fraterno construído sob
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os pilares da sinceridade e do carinho. Além disso,


a loira servia sempre de cobaia de estudos sobre a
mente humana. Mattew imaginava que, se
conseguisse trabalhar em cima do contexto de vida
e personalidade da agente, no restante do mundo
seria fácil, fácil. Estreitaram os laços aí: na
cumplicidade de despirem a alma uma para a outra.
A psicóloga divertia-se junto dos "tios" com a
filha do presidente contando os casos cômicos
ocorridos nos bastidores da Casa Branca. Tendo um
contato direto e mais prolongado com a morena, de
forma leve, descontraída - como acontecia naquele
momento - era fácil descobrir os motivos que
levaram Liv a se apaixonar. Conner era mesmo
deveras encantadora.
No entanto, apesar da conversa fluir
magnificamente bem, Louise deu por falta da loira,
que já estava há tempo demais dentro do quarto
para quem queria somente guardar os embrulhos.
Discretamente, sob a desculpa de ir ao banheiro, a
moça levantou-se, desviando do caminho "devido",
parando frente à porta do cômodo onde a agente
federal estava. Usando de pouca educação, Mattew
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entrou sem bater, vendo a amiga deitada, chorando


entre vários pedaços de papéis.
- Oh, Deus, o que houve? - Ela indagou,
abraçando o corpo encolhido de Garner.
- Estou...confusa. Eu não sei o que fazer.
Mattew alcançou a carta, lendo um trecho e
entendendo o contexto do drama da outra.
- Particularmente eu acho que é óbvia a
atitude que deveria tomar...
- Não... - Olívia sentou-se na cama, limpando
o seu rosto com os dorsos de suas mãos - Nada é
óbvio aqui. Existe algo muito maior entre ela e eu
além da vontade de querer ficar juntas. Não sei se
ainda precisamos falar sobre, ou então, deixar isso
de lado e ver se, quem sabe, o tempo ajuda a
resolver. Nós duas embarcamos nesse
relacionamento sabendo que seria difícil ficarmos
juntas, ainda mais com a candidatura dela, mas foi
inevitável se apaixonar. É uma sensação estranha e
inédita para mim querer ficar com alguém, mas ser
impedida por motivos que extrapolam o mútuo
querer. E talvez seja isso que me frustre tanto: a
existência de barreiras quase que intransponíveis na
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nossa história.
- Você disse bem, amiga..."quase"
intransponíveis...
- A questão é insistirmos nisso. Será que um
dia vai melhorar? Será que vamos conseguir passar
pelas adversidades e lembrar dando risada? Ou será
que só nos transformaremos em mais uma história
passada?
- Você só vai conseguir respost...
- Não! - Louise fora interrompida pela
comandante juntando os papéis espalhados sobre o
colchão - Dói ter que pensar, pior não conseguir
agir. Odeio ter que colocar respostas na
responsabilidade do tempo, mas odeio tantas outras
coisas nas quais preciso aprender a lidar que essa é
só mais uma.
- Liv, me escute. Tem duas frases de Freud
que eu simplesmente tomo como versículo da
minha bíblia, digamos. "Estar apaixonado é estar
mais próximo da insanidade do que da razão" e
"Devemos começar a amar a fim de não
adoecermos e estamos destinados a cair doentes
se, em conseqüência de frustrações, formos
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incapazes de amar." Eu não uso essa coisa de


insanidade na paixão para cometer atos
impensados. Eu os cometo porque a nossa
passagem aqui na Terra é muito curta. Em certos
quesitos, não perco o meu tempo indagando se algo
dará certo ou não. Simplesmente tento, por minha
conta e risco. Agora, eu entendo a questão do
"adoecer" que Freud cita como doenças físicas, e
mentais, principalmente. Olhe para você. Está
doente, triste, quando deveria exalar felicidade.
Você tem um ótimo emprego, uma família que te
ama, eu que sou a melhor amiga que todas as
pessoas no mundo poderiam ter... - A moça gabou-
se arrancando um sorriso tímido da outra - Veja
como você fica bem sorrindo! Eu chamei Eleanor
para vir aqui porque eu queria ajudá-las. Minha
função cupido foi ativada porque é notório o
sentimento forte e bonito que uma nutre pela outra.
Vocês se conhecem há pouco tempo, mas eu
consigo enxergar o sentimento como sendo forte
sim. Se não fosse, teriam desistido sem sofrimento.
Garner, nós só nos importamos, nós só sofremos
por aquilo que estimamos de alguma maneira. -
Louise esticou o braço esquerdo até alcançar sua
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bolsa, o qual ela havia deixado sobre a cama logo


que chegou na casa. Abriu o zíper e lá de dentro
tirou a caixinha preta com o par de alianças -
Nunca seremos capazes de encontrar a felicidade
no futuro, se não formos capazes de encontrá-la no
presente. Não é ela que foge de nós, mas sim nós
que não conseguimos enxergar que ela, na verdade,
está sempre ao nosso lado, nunca tão a frente. Vá
ser feliz hoje, agora.
- Lou... - Liv, que ouvia a amiga calada,
porém atenta, suspirou tomando a caixinha na
destra - ...eu não posso fazer isso. Sabe a
quantidade de impedimentos que temos. De que
adianta eu me iludir nesse instante e sofrer daqui a
pouco?
- Olívia Garner, pare de ser chata! - A
psicóloga revirou os olhos - Você só sabe dizer
isso? "Não posso", "não ficaremos juntas", blá, blá,
blá. Ei, a senhorita está se tornando uma velha
rabugenta e insuportável. Vá! Só vá! Se der errado
te prometo tratamento psicológico gratuito para
ajudar a superar o pé na bunda.
Definitivamente Louise era uma das pessoas
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que a loira mais prezava em sua vida. Brigavam, se


enfrentavam, discutiam, se amavam. Uma sempre
incentivando a outra a buscar o seu melhor, mesmo
que para isso, fossem necessários os tropeços. Era
mesmo assim: quando uma caía, a outra estava de
prontidão para medicar os ferimentos da alma. E se
curavam... sempre!
- Obrigada! Eu te amo, sabia? - A
comandante declarou-se em meio à um abraço
apertado.
- Claro que eu sabia! - Riram.
- Pode ir indo na frente? Vou arrumar essa
bagunça no meu rosto.
- Está bem, mas não demore porque se eu
tiver que vir atrás de você mais uma vez, vou te
arrastar por essa cabeleira platinada sua.
- Sem agressão, querida.
- Pague para ver.
Aos risos, Mattew levantou-se e, antes de
transpor a porta, fez um gesto com os dedos como o
de duas pessoas se beijando, recebendo uma
travesseirada no abdômen.

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Pensando em tudo o que conversou com a


amiga há instantes atrás, Olívia começou a trocar
sua roupa. Aquele vestido não a agradava o
suficiente para ser algo usado em um momento tão
importante. Optou pelo jeans desbotado, a camiseta
preta e a jaqueta vermelha. Era fato que a dose de
coragem do qual precisava ainda não estava
disponível, mas faria o pedido mesmo assim.
Após ajeitar as madeixas e maquiar os
resquícios de choro da face, a agente secreta
alcançou o corredor seguindo em direção à sala. No
entanto, parou na metade do caminho lembrando-se
de seus pais. Ambos tinham ciência de sua
sexualidade e sempre a apoiaram em tudo o que a
fizesse feliz. A questão é que nunca tinham
presenciado nenhuma interação mais íntima dela
com mulheres, e ela não tinha idéia de qual seria a
reação deles diante do que se sucederia.
"Vamos, Olívia. Não poderá ser tão ruim
assim."
E em um impulso, ela foi. Ao adentrar o
cômodo onde os outros estavam, quase fraquejou
tendo as pernas bambas, quando o seu olhar
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encontrou-se com o de Conner. Aquela era a hora:


a hora em que a exposição de sentimentos definiria
o futuro de duas pessoas; a hora em que o amor
seria declarado.
- Eu gostaria de dizer algo... - Pigarreando, a
loira chamou a atenção para si, iniciando um
discurso em tom vacilante, mas que transmitia
veracidade e seriedade ao mesmo tempo - Todos
nessa sala conhecem o meu passado, sabem que as
coisas ruins que já me aconteceram, acabaram se
sobressaindo de alguma forma e me fechando para
certas questões pessoais. O amor é uma delas.
Desde que Arthur e Theo se foram, eu fiquei
remoendo essa amargura, e com isso não enxerguei
a felicidade que muitas vezes esteve escancarada
bem na minha frente. E que bom que eu não
enxerguei... - Os presentes no recinto encaravam a
comandante atentos e com o cenho franzido, sem
muito entender o que se passava ali - Se eu tivesse
aberto os meus olhos antes, não estaria aqui, agora,
prestes a fazer uma declaração. Pai, mãe... Eu não
tenho certeza sobre o que pensarão disso, mas
queria que soubessem que é o que vem me

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deixando tão leve e sorridente, como vocês mesmos


já comentaram que tinham percebido. Há tempos
eu não me sinto tão bem, tão feliz e adoraria que,
como os meus melhores amigos, pudessem
compartilhar desse momento comigo. Eleanor, você
sempre diz que eu te libertei de suas amarras, mas
não tem noção de que foi justamente o contrário.
Você me libertou das minhas. E agora eu tenho que
ser sincera: não gostei da notícia da sua candidatura
à presidência. Detestei, na verdade. Isso vai nos
deixar em um patamar muito mais distante do que
já é, vai nos talhar de muitas coisas, inclusive de
estarmos juntas como um casal normal. Mas eu te
fiz uma promessa. E mesmo que não tivesse
prometido absolutamente nada, o sentimento que
tenho vibrante em mim, não permitiria que eu fosse
embora. - Nora

e David estavam atônitos, boquiabertos,


ainda sem ter certeza do que estava acontecendo,
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mas já prevendo o que viria em seguida. Não


conseguiam manifestar, nem ao menos pensar,
tamanha a surpresa do momento - Eu estou me
sentindo ridícula. - A comandante sorriu, mordendo
o lábio inferior em constrangimento - Louise, tem
certeza que...
- Eu não tenho absolutamente nada a ver com
isso. - A amiga deu de ombros, rindo internamente
à olhar para as suas unhas, recebendo um bufar
contrariado da outra. Quando ergueu a cabeça
encontrando a loira visivelmente consternada, com
os músculos retesados, revirou os olhos sem
acreditar que uma mulher tão forte em certos
quesitos, pudesse ser tão covarde em outros - Olívia
Garner, não me faça passar vergonha! Estava indo
bem até agora! Ajoelha! - Ela sussurrava entre
dentes.
- Não!
- Ajoelha, sapatão!
- Eu não vou fazer isso!
- Honre esses braços musculosos que você
herdou do seu pai!
- É... Meninas, nós estamos ouvindo. - O Sr.
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Garner pigarreou.
- É... Estamos ouvindo, meninas! - A
matriarca falava em tom não muito amistoso.
- Eu te odeio! - A loira murmurou para a
amiga.
- Não odeia. Cala a boca e fala logo!
- Como eu posso calar a boca e falar? -
Respirando fundo e prendendo um pouco de ar nos
pulmões, Garner encarou um à um dos que estavam
ali, buscando mais um pouco de coragem, em vão.
Desajeitada e completamente envergonhada, a
agente federal ajoelhou-se diante da filha do
presidente continuando a sua fala em seguida -
Eleanor, eu estou achando isso tudo ridículo,
piegas...
- Eu aceito. - A morena interrompeu a outra.
- O que? Aceita? - Liv indagou, um tanto
quanto perdida.
- Isso que está na sua mão é um anel, não é?
- É um par de alianças, na verdade. - A loira
abriu a caixinha mostrando as jóias, ao mesmo
instante em que sorrisos largos e sinceros puderam

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ser vistos nos rostos de ambas.


- Faça o que sua amiga disse. Honre esse seu
jeitão marrento e coloque em meu dedo essa
aliança, comandante. - Conner brincou, deixando a
amada ainda mais constrangida.
As mulheres enfim trocaram as alianças, sob
os olhares estupefatos dos pais e empolgados de
Louise. Eleanor levantou-se, obrigando a outra a
levantar também, e tomou-lhe o rosto entre as
mãos, dando um beijo apaixonado. A mais velha
buscou pela língua da loira, sugando e explorando
cada canto daquela boca que tanto amava beijar,
esquecendo-se que para aquele ato, tinham uma
platéia de peso.
- Oh, Jesus Cristo. - Nora exclamou,
colocando a destra no peito ao passo em que
meneava negativamente com a cabeça.
George tampou os olhos do pequeno Theo
quando as mãos da herdeira começaram a subir e
descer pelos braços de sua filha.
- Com licença, posso interromper esse pornô?
- A psicóloga riu, abraçando ambas as mulheres -
Finalmente juntas de verdade! Parabéns! Vocês
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merecem.
- Obrigada, Louise, por tudo. - Conner
suspirou - Confesso que estou morrendo de medo
do que virá, mas preciso dessa mulher por perto
para me sentir segura, no amplo sentido que a
palavra detém.
- Só uma pergunta... - O patriarca se
intrometeu - Há quanto tempo estão juntas sem que
nós tivéssemos sabendo?
- Até porque não se coloca uma aliança no
dedo de outra pessoa sem ter acontecido nada, não
é mesmo? - Nora rebateu.
- Papai, mamãe, eu não quis esconder nada de
vocês. A questão é que as coisas são bem
complicadas. Nós duas mesmo não entendemos até
agora como aconteceu, mas... aconteceu.
- Sr. Garner, Sra. Garner... Me perdoem por
invadir o espaço de vocês dessa forma, mas eu
queria que soubessem que existem muitas coisas
envolvidas entre eu e a filha de vocês. Coisas que
fazem com que nosso relacionamento seja
diferente, estranho, nada convencional. Coisas que
podem nos afastar, podem obrigar-nos a seguir
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caminhos que não gostaríamos. No entanto, mesmo


com tudo isso, eu sempre estive disposta a me doar,
a me dedicar em fazer o melhor por Olívia. E estou
disposta a enfrentar o que for necessário para
sermos felizes, como somos quando estamos juntas.
Estou apaixonada, e espero que o fato de eu ser a
Eleanor Conner, não se torne um problema para
vocês. Meu sobrenome carrega muita carga
positiva, mas carrega ainda mais cargas bem
negativas, me impede de muitas coisas. Só não
queria que me impedisse de finalmente viver o
conto de fadas que sonhei a minha vida inteira.
Um silêncio constrangedor invadiu o
ambiente, mas foi quebrado pela matriarca.
- Você é a filha do presidente do nosso país,
pertence à uma posição social diferente da que
temos. Não estou chocada pela minha filha estar
namorando uma mulher, afinal, ela já fez isso antes,
mas por serem as duas, entendem? Ela é a sua
segurança e... Nossa! É muito estranho ter alguém
tão importante dizendo estar apaixonada pela Liv.
- Mãe...
- Me deixa terminar, filha. - A mulher
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suspirou - Quem está fora da situação consegue


enxergar tudo por um ângulo diferente e com mais
clareza. Esse relacionamento não tem grandes
chances de dar certo...
- Mãe...
- Olívia! - Nora ergueu a mão em sinal de que
a loira deveria calar-se - Esse relacionamento não
tem grandes chances de dar certo, mas o amor é a
única coisa nesse mundo que pode mudar isso. Se
vocês se amarem de verdade e realmente estiverem
dispostas a enfrentar o que for para serem felizes
juntas, não vai haver dinheiro, poder,
contrariedades, ninguém que seja capaz de separá-
las. Obstáculos existem diversos em tudo o que
formos fazer nessa vida, basta termos esperança um
no outro para surgir a força que irá superar as
adversidades.
A família é o primeiro espaço em que a
pessoa constitui e pode praticar sua subjetividade,
concebendo-se uma individualidade ou identidade.
George e Nora sempre apoiaram Liv em tudo,
sempre estiveram ao seu lado demonstrando o amor
ímpar que sentiam pela filha mais velha. A
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integridade, a honra e o caráter incorruptível da


comandante foram moldados pelo lar amoroso e
respeitoso em que cresceu. Obviamente que seus
pais, no cair da noite, durante dias e dias ao longo
de todos esses anos, choravam e se preocupavam
com o bem estar da sua pequena notável, mas
nunca duvidaram de que ela havia nascido para se
destacar, para ser feliz em todos os sentidos da
vida. Aquele momento, por mais que pudesse ser
delicado em todo o contexto que envolvia, não seria
diferente dos demais que já necessitaram do bom
senso do casal. Estavam ali para Garner, e agora,
por Conner também.
- Seja bem vinda à família, Eleanor. Não
somos o melhor exemplo em alguns quesitos, mas
temos muito amor para compartilhar. - George
disse, abraçando as mulheres.
- São ou não são as pessoas mais especiais
que você já conheceu? - A loira sussurrou no
ouvido de Conner.
- Sinceramente, não sei como agir...- A filha
do presidente ria em claro sinal de nervosismo -
Nunca estive diante de uma situação como essa,
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nem sequer parecida, e como primeira experiência


eu estou muito grata, lisonjeada, me sentindo
sortuda! Sortuda por ter encontrado esse anjo na
minha vida, por ela ser filha de quem é, por ter
amigos tão incríveis. Olívia está fazendo
aniversário e quem ganha o presente sou eu. - A
morena mordeu o lábio contendo a emoção. Sentia-
se completamente à vontade entre os membros
daquela linda família, no entanto, chorar diante
deles significaria demonstrar fraqueza, e a herdeira
ainda não estava preparada para se expor dessa
maneira - Bom, eu realmente adorei estar aqui com
vocês, adorei sua comida, Nora. Oh, posso te
chamar assim?
- Claro! - A mulher respondeu sorridente.
- És um ótimo anfitrião, Sr. Garner. - Eleanor
brincou.
- Trata a minha mulher com "você" e eu sou
senhor? - O loiro franziu o cenho fingindo estar
chateado.
- Você é um anfitrião incomparável! - Riram
- Enfim, como eu estava falando, eu fiquei muito
feliz por ter podido compartilhar desse momento
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com vocês, mas agora eu preciso ir.


- Ah, não! Está falando sério? - Garner
reclamou.
- É sério, meu bem. Esqueceu daquele evento
logo no primeiro horário? O compromisso é meu e
da senhorita também. - A morena sorriu
abertamente.
- Verdade. Por alguns segundos acabei me
esquecendo que amanhã tenho uma mulher linda
para proteger...
- Ai, Deus, nos leve daqui! Tios, se
preparem! Com essas duas assumidas, vamos ter
que fazer controle de glicose diariamente.
Estoquem a insulina! - Louise provocou,
arrancando risadas de todos.
- Você é dessas namoradas melosas, filha? -
A matriarca indagou.
- Não, mãe! Claro que não. É essa ridícula
que não me deixa em paz! - A comandante pegou
uma almofada que estava por perto, jogando na
direção da psicóloga - Nós vamos até o quarto nos
despedir. - Liv entrelaçou os seus dedos nos de
Conner, seguindo rumo ao corredor, sendo
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interrompida pela voz grave de George.


- Escutem bem o que vou dizer. A regra nessa
casa é clara. Não pensem que pelo fato de serem
duas meninas eu vou aliviar. Namorados barra
namoradas no quarto somente com a porta
entreaberta.
- Pai, não está falando sério, está? - A agente
secreta ergueu o sobrolho esquerdo, desacreditada
do que acabara de ouvir.
- Estou com cara de quem brinca?
- David, vai assustar a Eleanor! - Sua esposa
sussurrou, repreendendo-o.
Após alguns segundos em silêncio e com o
semblante sisudo, o homem gargalhou, não
conseguindo controlar o riso diante das duas
mulheres atônitas à encará-lo, boquiabertas.
- É uma brincadeira. Vão!
- Você não toma jeito, Sr. Garner. - A filha
resmungou, meneando negativamente com a
cabeça, puxando Conner pela mão.
- Fica mais velha, mas continua boba, não é?
Sempre cai nas nossas brincadeiras. Impressionante

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isso... - A amiga comentou com os "tios", sentando


com ambos para continuarem o papo e a
degustação das comidas e bebidas da singela
comemoração.
Assim que as mulheres se viram à sós - e de
portas fechadas - não se fizeram de rogadas.
Abraçaram-se inalando o odor uma da outra, que
consumia e se impregnava nas peles expostas e nos
tecidos de suas vestimentas, instantes antes de
fundirem seus desejos. Os olhos fecharam, as bocas
se abriram para receber um beijo exacerbado,
ansiado. Ambas perderam-se na luxúria,
esquecendo as próprias identidades no instante em
que as mãos percorreram os caminhos contrários do
pescoço para os quadris. A impressão que tinham
era de que as línguas se enroscavam em meio ao
sabor delicioso do ato, unindo ao cheiro do hálito
bom e do arrepio causado pelo roçar dos seios e dos
lábios sugados com avidez.
A excitação da loira aumentava à cada
segundo, contudo, quando sua destra estava prestes
a alcançar o centro das pernas de Conner, esta
prendeu o ar, gemendo algo ininteligível ao afastar-
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se, talhando as intenções de Olívia.


- Eu... Céus! Você me desorienta, Garner. - A
mais velha riu, umedecendo os lábios ao mirar o
belo e musculoso corpo da outra.
- A intenção é essa. - A comandante segurou
firme na cintura de Eleanor, puxando-a para si em
um tranco que fez seus corpos se chocarem - Quero
comemorar meu aniversário, nosso namoro...
- Eu quero mais do que nunca, namorada... -
A morena sussurrou em um tom mais rouco que o
usual, tamanha a sua excitação.
- Droga! Não podemos... - Liv resmungou
manhosa, encostando sua testa na da herdeira.
- Por que não me convida para jantar
amanhã? Vamos estar longe daqui, em um
ambiente neutro. Escapar das vistas dos outros
agentes não será problema, ainda mais para você.
- Agora que estamos namorando... - A loira
deu uma breve risada.
- O que foi?
- Não é nada demais. "Namorando",
"namorada"... Soa um pouco estranho ainda.

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- Posso me acostumar fácil com isso.


- Pode é? - A agente encarou os lábios
carnudos da mulher à sua frente, tombando a
cabeça para iniciar outro beijo voluptuoso, mas ao
invés da boca macia, encontrou o dedo indicador de
Eleanor.
- Me leva até a porta, por favor?
- Tenho escolha? - Garner respondeu,
bufando feito criança birrenta.
As namoradas enamoradas saíram aos risos
do quarto, chegando à sala, só encontrando Theo
dormindo no carrinho. George, Nora e Louise
estavam na cozinha conversando animadamente, o
que de certa forma tinha vindo à calhar, pois Olívia
e Eleanor, com isso, puderam gozar dos prazeres de
mais um beijo.
Antes de abrir a porta para a herdeira, mesmo
tentando conter a emoção e a alegria histérica que
sentia naquele instante, a mais nova levou a destra
à nuca de Conner, acariciando o local.
- Antes de você ir embora eu queria lhe dizer
uma coisa.

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- Pois então diga.


- Eu te amo, Eleanor.
Sorrindo, a morena deu um selinho demorado
na namorada, sussurrando com seus lábios
encostados nos dela:
- Eu te amo, Garner.

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Capítulo 29 – Suspeitas,
eu e você
Quando se inicia um relacionamento amoroso
no Facebook é notado um decréscimo significativo
no número de publicações e um aumento no uso de
palavras que indicam sentimentos positivos, tais
como "feliz", "carinho", segundo um estudo
realizado pela própria empresa.
Se Olívia e Eleanor pudessem expor suas
vidas pessoais, e utilizassem a rede social para isso,
com certeza encheriam os posts de corações e
outras propriedades dos apaixonados.
Quando o amor bate à porta, tudo parece
mágico: coração disparado a cada vibração do
celular, o sorriso abobalhado que se estampa no
rosto e parece não mais se dissipar, e o coração se
enchendo de expectativas de uma vida com
histórias felizes para compartilhar com futuros
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herdeiros. O início do namoro é quase sempre um


conto de fadas, afinal, quando a intimidade ainda é
inicial e você quer agradar muito a pessoa amada,
os clichês invariavelmente são a base desse
caminho a dois, que vai sendo construído aos
poucos.
Do momento em que a filha do presidente foi
embora da casa dos pais de sua namorada até a
manhã seguinte, a loira e ela trocaram inúmeras
mensagens. Arriscaram até uma ligação quando já
estavam quase sendo tomadas pelo sono, para
poderem "adormecer" juntas. A atitude era tão
similar à de adolescentes cegas de paixão que até
fizeram-nas esquecer que estavam aproximando-se
da meia idade.
O problema é que Eleanor gozou de
sensações deliciosas somente até despertar. A
morena mal conseguiu abrir os olhos na manhã
seguinte devido ao incômodo que se dava em sua
cabeça por conta de uma enxaqueca forte. Com
esforço, levantou-se, banhou-se, vestiu o primeiro
conjunto de roupas que encontrou em seu closet, e
nem sequer ateve-se à maquiagem para disfarçar
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seu semblante abatido, uma vez que de nada


adiantaria.
Seus pais já estavam degustando o desjejum,
entreolhando-se quando miraram a aparência
horrível da herdeira.
- Mas o que houve, querida? - O Sr.
Presidente indagou, preocupado.
- Onde você esteve ontem que ficou destruída
dessa maneira? Nem um batonzinho, filha? -
Beatrice ergueu o braço para tocar no rosto da
morena, que esquivou-se, balbuciando uma
reclamação em seguida.
- Ai, Deus! Estou com aquela crise terrível de
enxaqueca. Eu ia pedir para subirem com o meu
café, mas… Ah, mamãe, pode me dar um
antialérgico daquele mais forte que você tem? O
meu acabou.
- Coma primeiro, minha filha. Não pode
ingeri-lo de estômago vazio.
- Sim, papai. - A mulher encheu a xícara de
café que, ao reverso do que muitos médicos contra-
indicam, fazia bem em suas crises.

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- Querida, sabe o que ocasionou essa dor?


Geralmente você a tem por causa da alergia, mas
desencadeada por um alimento. - A matriarca da
família questionava enquanto degustava sua torrada
com cream cheese.
- Eu fui à Baltimore dar uma volta e acho que
comi amendoim.
- Acha? - Alexander franziu o cenho.
- O gosto parecia de alguma essência, algo
artificial, então não me preocupei. Mas pelo visto
era amendoim mesmo. De artificial não tinha nada.
- Coma direito, Eleanor. Medicamentos fortes
prejudicam o estômago. Aqui, o iogurte. - Beatrice
pegou a tigela, colocando em frente à filha.
- Tinha algum compromisso em Baltimore
ontem do qual eu me esqueci? - O presidente
questionou, erguendo o sobrolho direito como se
estivesse buscando algo no fundo de sua memória.
- Não, papai. Fui mesmo para espairecer,
somente.
- Não me admiraria se sua enxaqueca tiver
um fundo emocional. Essa história da candidatura

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está lhe preocupando, não está? - A primeira-dama


alisava o dorso da destra de Conner.
- Um pouco. Convenhamos que não era bem
o que eu pretendia fazer da vida. - A morena
respondeu sem muito ânimo.
- Entendemos isso, e queremos que você
saiba que seu pai e eu estaremos ao seu lado
sempre que precisar para te dar todo apoio do
mundo.
- Obrigada, mamãe.
- Espera. - A mulher mais velha mirou no
dedo anelar direito da filha - Que aliança é essa?
Não vai me dizer que… - Um sorriso largo e
satisfeito formou-se no rosto de Beatrice.
- Isso é um anel. Comprei… no Texas. É…
Achei bonito e comprei. Droga! - A herdeira levou
ambas as mãos à cabeça.
"Meu Deus! Nem em sonho minha mãe pode
saber a verdade".
- Hum, entendo… Sabe que o destino pode
trazer uma aliança de verdade para você quando
menos esperar, não é?

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- Sei, mamãe, e estou contando com isso. -


Eleanor levantou-se lentamente - Eu vou me deitar.
Pode pedir alguém para levar o remédio no meu
quarto, por favor?
- Claro, filha! Descanse bem. Mais tarde eu
passo lá para ver se melhorou. E se achar que
devemos chamar o médico, me avise.
- Pode deixar. Eu aviso. - Forçando um
sorriso, a filha do presidente deu as costas para os
pais, retirando-se do recinto.
À passos lentos, quase encostada na parede, a
mulher foi seguindo pelo corredor que dava acesso
ao andar dos quartos. Por sorte, encontrou com
Garner que, imediatamente, amparou-a pelo ombro
e cintura, dando o suporte de que ela precisava para
caminhar com mais alívio.
- O que aconteceu contigo? - A loira estava
deveras preocupada.
- Me ajude a chegar no meu quarto e à deitar
que te conto tudo o que quiser. - A comandante
assentiu sem maiores perguntas, auxiliando Conner
em seu intento.
Assim que adentraram nos aposentos da
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herdeira, Liv a fez se deitar, tirou seus sapatos,


cobrindo-a com um lençol e ajeitando os
travesseiros em sua cabeça para que ficasse
confortável.
- Está bom assim? - A mais nova sentou-se
na beirada da cama, passando a acariciar o rosto da
namorada.
- Está. Obrigada. - Suspirando
profundamente, a morena recostou-se na cabeceira,
fechando os olhos em seguida.
- Precisa de algum medicamento? Um
médico? - Garner, de cenho franzido, sentia-se
impotente em ver a outra naquele estado sem poder
fazer nada para amenizar seu mal.
- Meu amor, não se preocupe. Já vão trazer. É
só uma enxaqueca forte. Estou acostumada.
- Com dor? Acostumada a sentir-se mal? Pois
eu não estou acostumada a te ver dessa forma.
- Agradeçamos ao doce com amendoim que
seus pais me deram ontem. - Conner tentou sorrir,
mas sua cabeça latejou de tal forma que a fez
desistir do ato.

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- Como assim? O que tem a ver?


- Sou alérgica. Eu não percebi e… Enfim.
- Oh, meu bem, me desculpe. Não sabíamos
e…
- Então não peça desculpas. Ninguém é
culpado. Acontece. Agora pode me dar um beijo
para curar?
- Hum, mas que doente manhosa! Quer beijo?
Um só, heim? Pode entrar alguém à qualquer
momento.
- Me beija logo, Garner! Estamos perdendo
tempo.
Lentamente a loira tombou seu corpo,
aproximando-se da namorada, roçando seu lábio no
dela. Sem pressa, e com ternura, depositou um
beijo casto ao mesmo tempo em que inspirou o
cheiro bom de seu perfume amadeirado.
- É uma pena que esteja assim. Queria tanto
poder ficar um pouco contigo. - A comandante
sussurrou ao pé do ouvido da mais velha.
- E por que não pode?
- Porque tínhamos combinado de jantar e
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você está doente. Quando estiver melhor,


comemoraremos nosso namoro em grande estilo.
- Daqui até à noite ainda tem muito tempo,
Garner! Não me venha com desculpas para não me
levar para sair.
- Meu amor, claro que não é isso. Só zelo
pelo seu bem estar. Mas se acha que até a noite
estará tudo bem, iremos jantar sim. - Olívia
acariciou a face de Eleanor, sorrindo admirada - Já
sabe o que vai dizer aos seus pais?
- Sobre nós?
- Não, sobre a saída.
- Ah, não se preocupe. Na hora eu invento
algo. Mamãe está andando bem tranqüila e com um
humor ótimo. Acho que preenchi um dos quesitos
que tanto desejavam para a filha deles ao aceitar me
candidatar. Então tenho créditos. Falando nisso,
vou ficar na cama o dia inteiro e D. Beatrice de
vigília. Portanto, o que acha de tirar folga?
- Ah, não. Não precisa. Tive minha folga
ontem.
- Claro que precisa, meu bem. Tem um jantar

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para preparar. - E mais uma vez a tentativa da


morena de rir foi falha - Além disso, ninguém virá
aqui, nem ninguém irá sair. Não tem o que fazer
nesse lugar.
- Olhando por esse lado você até teria razão,
mas… - A loira interrompeu sua fala quando viu a
outra erguendo a sobrancelha esquerda em
reprimenda - Está bem. Vou passar algumas
coordenadas para as equipes e tirarei o dia de folga.
Você vai ficar bem? - Antes que Conner pudesse
responder, batidas na porta foram ouvidas,
obrigando a mais nova a levantar-se e manter a
postura ereta, com as mãos postas na frente do
corpo, à uma certa distância da cama - Pode entrar.
- A comandante ordenou, após a afirmativa da
herdeira.
- Com licença, Srta. Conner, seu
medicamento. - O mordomo, que geralmente servia
as refeições presidenciais, era quem adentrava no
cômodo trazendo sobre a bandeja, um copo grande
d'água e um copinho com o comprimido.
- Obrigada.
- Disponha, senhorita. Com licença.
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Assim que o homem se retirou, Liv


aproximou-se novamente de Eleanor, dando-lhe um
beijo apaixonado nos lábios.
- Vou aproveitar a deixa. Te amo. - Sussurrou
a mais nova, acenando antes de transpor a porta.
Vendo-se com as horas livres até a noite,
Garner aproveitou para resolver algumas
pendências burocráticas na sede da USES. Apenas
delegou algumas funções, transmitindo as
instruções necessárias à seguirem na sua ausência,
saindo rumo ao Capitólio em seguida.
Querida por vários de seus colegas de
trabalho, a agente federal foi recebida no prédio em
meio à cumprimentos e abraços. Conversou com
um e outro até conseguir subir ao andar onde ficava
sua antiga sala. Ao passar pelo local, mordeu o
lábio ao ter seu corpo tomado por um arrepio
sombrio, macabro, relembrando o instante em que
encontrou-se com uma figura estranha e suspeita
naquele mesmo corredor, minutos antes de se ver
em meio à um ataque terrorista na Casa Branca.
"Isso é loucura, Olívia. Passou. Passou."
Balançando a cabeça em negativa, como se o
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movimento fosse capaz de espantar seus


pensamentos negativos, a comandante seguiu rumo
à sala de Waite, para entregar-lhe alguns relatórios
que estavam pendentes já há algum tempo, e
agradecer pelas flores que lhe foram enviadas.
- Posso entrar? - A loira perguntou,
colocando o rosto à mostra através da fresta que
abriu na porta depois de dar duas batidas na
madeira.
- Oh, claro! Entre! - O também comandante
levantou-se de sua cadeira indo dar um abraço na
colega - Primeiramente, meus parabéns. Recebeu o
buquê?
- É lindo! Foi uma das coisas que vim fazer
aqui: lhe agradecer pela gentileza.
- Imagina! Não tem de quê. Sente-se. - Disse
o homem aos sorrisos, indicando a cadeira à frente
da sua.
- Está com um bom humor?
- Depende do que pode mudar essa condição.
- Brincou ele.

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- Tudo para você. - Olívia sorriu falsamente,


gargalhando em seguida com a revirada de olhos
que recebeu ao mostrar a pilha de papéis e colocá-
los sobre a mesa - Lembra que havia me pedido
para fazer esses relatórios para integralizarmos os
esquemas para as próximas eleições? Então, estão
todos aí.
- Odeio tanto a sua eficiência às vezes… -
Riram - Mudando de assunto, ficou sabendo da
extravagância da esposa do governador?
- O fato da Sra. Henderson querer que a
vigiemos em uma ida no shopping?
- Eu mereço? Não, me responda se eu
mereço? Alguém precisa avisar à ela que não
somos uma empresa de segurança privada. -
Michael bufou. Batidas na porta o impediram de
continuar a sua fala - Entre!
- Oh, comandante, desculpa interromper, mas
tem um 2-154 no segundo andar.
- Já estou indo, Phill.
"2-154. Reunião de urgência. O que será?" A
loira sorria, disfarçando seu questionamento
mental.
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- Eu já vou indo. - Garner fez menção de


levantar-se.
- Não! É coisa rápida. Me espere aqui.
- Tem certeza?
- Sim. Coisa de dez minutos.
- Está bem. Espero.
- Não fuja!
Acomodando-se na cadeira, quando já estava
sozinha no cômodo, Liv pegou o celular no intuito
de efetuar uma ligação para a sua mãe, mas sua
atenção fora desviada para um pedaço de papel
timbrado com algumas anotações, que estava por
baixo de um exemplar da Autobiografia de
Malcolm X.
- Tinta automotiva vermelha identificada.
Peter, Willian. Olívia Garner. Quem estava
escalado para dupla? O que significa isso?
- Tomada de curiosidade pelas palavras aleatórias
rascunhadas no pedaço de papel, a comandante
trocou de lugar, sentando-se na cadeira de
Michael.
Respirando profundamente, temerosa em

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cometer um ato infracional, a loira ergueu a tampa


do notebook, iniciando um processo de vasculhação
dos arquivos que ali continham, levada pelo seu
sexto sentido aguçado.
"Merda! Preciso de um pendrive!"
Sem muitas alternativas, Olívia começou a
fotografar a tela do computador, colhendo o
máximo de informações que poderia. Ainda com
receio de ser pêga, atenta à porta, a loira caminhou
até um pequeno armário de arquivos, examinando
as pastas que poderiam lhe ser úteis.
"Por Deus! O que está acontecendo aqui?"
Liv tinha os seus atos conduzidos pela
impulsão, e com isso, não raciocinava direito.
Acabou pegando alguns documentos e escondendo-
os dentro de sua mochila para poder ler com mais
calma em casa.
Com a freqüência respiratória irregular por
conta da apreensão, Garner escreveu um bilhete
para Waite dizendo que seu pai havia ligado
pedindo que ela fosse o auxiliar, e que não poderia
o aguardar.
Saindo rápido do edifício, mas tomando todo
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o cuidado para não suspeitarem de que ela estava


carregando consigo documentos confidenciais do
Governo, a comandante rumou para a sua
residência, antevendo noites insones e estresse,
com o que vira na sala de Michael.
Como estava bem próxima de seu prédio, deu
graças aos céus por não precisar dirigir por muito
tempo. De fato ela deveria manter a calma para
poder esmiuçar tudo o que afanara da USES e
descobrir porque seu nome estava entre outros
detalhes que remetiam ao acidente que sofreu com
os cães de Eleanor e ao atentado à Casa Branca.
Mal entrou em seu apartamento, e a loira
caminhou à passos apressados até o congelador.
Colocou dois hambúrgueres congelados para
esquentar no microondas e uma embalagem de
lasanha. A preocupação sempre lhe causava uma
fome extraordinária, e como sabia que
provavelmente iria passar a tarde trabalhando em
suas investigações particulares, resolveu prevenir,
antes que seu estômago reclamasse.
Lanche preparado, a loira levou todos os
papéis que estavam em seu poder para o quarto,
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espalhando-os sobre sua cama. Comendo e


analisando detalhes dos documentos, fazendo
cronologias e anotações, Olívia ia se enveredando
cada vez mais naquela trama que ela não fazia idéia
ainda do que se tratava. Recostada na cabeceira, em
meio à papéis e mais papéis que aos poucos
formavam um grande quebra-cabeças à ser
elucidado em sua mente, a agente secreta resolveu
tentar acessar o sistema que os colaboradores do
Governo tinham disponível para manutenção e
armazenamento de arquivos da USES.
Infelizmente, para o seu desgosto, além da senha
pessoal e da senha mestra que os comandantes
utilizavam em caso de emergência, havia uma outra
combinação de dígitos que deveria quebrar o
código e dar acesso total à informações sigilosas.
Para tal, toda tentativa de acesso remoto, se
ultrapassasse duas vezes, seria registrada e
rastreada pelos oficiais responsáveis pelo sistema
de informação que regia a alta cúpula do país.
"Droga! Arrisco ou não?"
Depois de alguns minutos andando de lá para
cá, e de cá para lá no quarto, quase marcando o
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assoalho, Garner sentou-se em frente ao seu


notebook abrindo o formulário de senha. Respirou
fundo, passando pela primeira e segunda etapas,
vacilando na terceira, temendo ser pega em
flagrante quebrando uma das maiores regras que
poderia. Uma falha, uma mínima falha, faria anos
de carreira escorrerem pelo ralo.
"O que eu faço agora? Merda! Pense, Olívia!
Pense! Se você arriscar, não poderá falhar. Pense!
Pense!"
A loira começou a tamborilar os dedos de sua
destra no teclado no notebook em sinal de
nervosismo. Foi quando, ao olhar para a aliança,
teve um lampejo insano que a fez franzir o cenho
em dúvida.
"Será? Deus, o que eu faço? Me dê uma luz!
Quer saber? A luz está bem na minha bolsa. Espero
que ilumine o suficiente para me ajudar."
Às pressas, Liv buscou em sua mochila o que
precisava, não o encontrando. Jogou todos os seus
pertences no chão, mas, definitivamente, o que
queria não estava ali. Vasculhou todas as bolsas
que havia usado nas últimas semanas e nada.
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- Droga! Não é possível que joguei fora e não


me… Claro! Minha calça.
Como um colecionador desesperado por
encontrar um objeto muito estimado, a comandante,
em sua euforia, saiu correndo até a lavanderia à fim
de buscar por uma calça em específico. A roupa
estava suja, mas talvez fosse nela que encontraria
meios de resolver o que quer que fosse daquele
mistério. E estava certa. Um sorriso largo
estampou-se no rosto de Garner quando esta tomou
em suas mãos um pequeno pedaço de papel firme.
Discou o número de telefone que ali estava escrito,
não tendo que esperar muito para ser atendida.
- Pois não?
- Megan? Megan Lee? Meu nome é Olívia
Garner. Nos encontramos no shopping há uns dias
atrás e você me deu o seu cartão.

- Ah, sim. Olívia. Você é a loira que estava


sentada na mesa com uma moça bonita de cabelos
escuros e longos, não é?
- Isso! Nossa, ótima memória a sua! - A
agente exclamou, surpresa.
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- Memória de elefante, como dizem. A minha


profissão exige isso. Então, precisa dos meus
préstimos?
- Sim, preciso. Poderia me encontrar amanhã
no fim da tarde? Passo o endereço por mensagem.
- Posso encontrar sim. Estarei livre nesse
horário. Ficarei aguardando a sua mensagem com
o local e a hora exata.
- Ok. Obrigada. Tenha um bom dia!
- Um bom dia para você também.
Sem delongas, assim que desligou a chamada
com a ruiva misteriosa, efetuou outra, dessa vez
para um amigo na Agência.
- Derek? Oi, é a Garner.
- Fala, loira.
- É… eu preciso que você busque
informações para mim sobre uma pessoa. Pode
anotar?
- Posso.
- Megan Lee. Até onde eu sei ela trabalha
com sistemas, computadores, essas coisas.
- Certo. E para quando?
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- Ontem.
- Eu sabia! - O rapaz riu - Mando tudo para o
seu email.
- Obrigada. Te levo rosquinhas.
- Ah, vou cobrar. Tchau.
- Tchau.
As horas estavam passando, e com pelo
menos um tormento encaminhando-se para a
resolução, Olívia pôde tranqüilizar-se e focar no
jantar que teria à noite.
Preocupada com o bem estar da namorada,
trocou algumas mensagens com Eleanor,
certificando-se de que ela estava realmente bem.
Feitas algumas ligações, conseguiu deixar
tudo preparado para a comemoração tardia de seu
aniversário e do pedido feliz de namoro.
Dada a hora, a loira arrumou-se, seguindo os
bons tutoriais de maquiagem que encontrou na
internet. Usando um vestido de modelagem mais
sensual, botas de cano longo e cabelos soltos, a
comandante não demorou-se em rumar para a Casa
Branca.

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Ansiosa, Conner já estava à sua espera.


Como o lugar que iriam era uma surpresa, a morena
optou por vestir uma saia lápis preta e blusa social
branca, algo formal com um toque refinado.
Sem poder externar a sua admiração para
com a herdeira quando a viu, Garner ateve-se
apenas em cumprimentá-la com um menear da
cabeça.
- Podemos ir, comandante?
- Pois não, senhorita. - Abrindo a porta do
carro, a mais nova pôde inspirar o perfume da outra
que tanto inebriava os seus sentidos.
Reservando-se ao silêncio em prol do sucesso
do plano, as mulheres percorreram uma boa
distância antes de poderem sorrir e se sentirem à
vontade.
- Essa idéia de dizer que sair à paisana é
melhor do que sair com todos os seguranças, está
funcionando bem, meu amor. - Eleanor tombou o
corpo o suficiente para depositar um beijo na
bochecha da amada.
- Mas é totalmente sem fundamento,
arriscado e inconseqüente. Daqui a pouco nos
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impedirão, isso se eu não for chamada a atenção.


- Está falando sério?
- Claro! Dependendo da situação eu não
conseguiria resolver sozinha. Por isso temos todo
um aparato, uma equipe bem treinada. A segurança
presidencial requer algo muito além de um simples
acompanhamento. - Liv respondeu, sem desviar os
olhos da via.
- Ok. Não vamos falar sobre isso. Vamos
aproveitar o momento. Para onde estamos indo?
- Bem, para escolher o local do nosso
encontro, usei de uma lógica que, para mim,
pareceu plausível. Veja, você está acostumada com
restaurantes luxuosos, comidas finas. Vou te levar à
um lugar simples, mas que não perde em nenhum
quesito para os famosos estabelecimentos.
- Para falar a verdade, eu nem me importo
com nada disso. Estou com você. É o que me basta.
Em alguns minutos, a comandante estacionou
em frente ao Mr. Bob's, uma espécie de restaurante,
sport bar e karaokê em Rosedale. Ela costumava
freqüentar o local desde pequena com seus pais e se
divertia muito comendo os deliciosos frutos do mar
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do menu.
- Chegamos. - Garner abriu a porta do carro
para a sua amada.
- Meu amor, não é movimentado demais?
Digo, não é como a boate que fomos. - Conner
indagou, preocupada.
- Não se preocupe com isso. Ninguém vai nos
incomodar. O dono daqui é um velho conhecido da
minha família e eu já me certifiquei de que tudo
correrá bem. Ficaremos em uma parte isolada do
restaurante para jantarmos sossegadas. Podemos
aproveitar as outras dependências também, claro, se
você se sentir à vontade para isso.
- Oh, meu Deus! Essa minha namorada pensa
mesmo em tudo. - Envolvendo os braços em torno
do pescoço da loira, a mais velha depositou um
selinho demorado naqueles lábios que tanto
adorava - Oi.
- Oi.
Rindo, as mulheres entraram por uma porta
lateral, que dava acesso diretamente à parte do
restaurante.

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- Mas que honra ter uma das minhas mais


ilustres clientes visitando meu humilde
estabelecimento. - Um homem alto, magro,
barbudo e de fisionomia simpática, recebeu-as com
um aperto de mão.
- Deixa de bobagens, Bob. Como você está? -
Olívia parecia deveras satisfeita por estar ali.
- Melhor impossível. Ganhei mais um
netinho e adicionei três novos pratos ao meu
cardápio. Não preciso de mais nada na vida.
- Bob é um aficionado por culinária. Não sei
como não se tornou um chef famoso. - Garner
comentava com Conner - Ah, mas que indelicadeza
a minha. Essa é a Eleanor. Eleanor, esse é o cara
que faz o melhor camarão que você vai comer na
sua vida!
- É mesmo? - A morena compartilhava da
alegria que se dava ali.
- Modéstia à parte, sou eu mesmo. Muito
prazer, Eleanor.
- O prazer é todo meu, chefe. - Riram.
- Venham. Preparei um espaço especial para

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vocês. - Sorrindo, o homem as conduziu até um


segundo andar onde, aos fundos no lado esquerdo,
podia-se ver uma única mesa, isolada dos demais
espaços, enfeitada com velas e uma rosa vermelha -
Foi o melhor que eu consegui de última hora. -
Sussurrou Bob no ouvido de Liv.
- Obrigada. Está perfeito! - A agente federal
cochichou de volta.
- Bom, vou deixar vocês à vontade.
- Bob, pode trazer um Corvus "Ala Negra"?
Daquela reserva Malbec que você tem de 2009?
- Claro! Só um instante.
Buscando impressionar no primeiro encontro
oficial que estavam tendo como namoradas, Garner
puxou a cadeira para que a filha do presidente se
sentasse.
- Obrigada. Eu gostei daqui. Tem um clima
agradável. - A mais velha comentou, circundado o
local com o olhar.
- A estrutura está um pouco diferente de vinte
e tantos anos atrás, mas ainda sim é um dos meus
lugares preferidos.

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- Uau! Bem antigo!


- É sim. A família dele é proprietária de
quase todo o quarteirão. Nunca foram de muitas
ambições e acabaram se mantendo no mercado com
ingredientes que poucos lugares oferecem: o
aconchego, a simpatia, a cordialidade. Os clientes
mais antigos acabaram se tornando amigos.
- Eu não imaginava que isso existisse ainda
nos dias de hoje. - A herdeira falava ao passo em
que pegava o cardápio que estava sobre a mesa -
Oh, meu Deus! Eles têm camarões poldina.
- Gosta?
- Amo!
- Com licença, senhoritas. - Bob aproximou-
se trazendo na bandeja as taças e o vinho que
Olívia havia pedido, servindo-as de prontidão.
- Obrigada! Meu bem, quer pedir agora? - A
comandante indagou à namorada.
- Podemos? Confesso que esse menu abriu o
meu apetite.
- Claro que podemos.
- Se me permitem, sugiro a cesta de pães e
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torradas artesanais servidos com dueto de azeites e


patê como entrada. É maravilhoso.
- Então traga, por favor. Eu vou querer o
camarão poldina e torta trufada de sobremesa. - A
morena pediu, animada.
- E você, Liv?
- Para mim a mesma sobremesa, mas hoje
vou optar pelo filé barlavento.
- As servirei pessoalmente. Com licença.
Assim que o homem se afastou, Eleanor
curvou um pouco o corpo sobre a mesa para
aproximar-se da mais nova.
- Ele sabe quem eu sou?
- Acho que sabe.
- E por que está me tratando com
naturalidade? Como se eu não fosse… ninguém?
- O quê? - A pergunta foi tão espontânea que
a loira não se conteve na gargalhada - Meu amor,
não está acostumada com isso, não é?
- Não. Ainda é tudo novo para mim. Sempre
que eu chego nos lugares é acompanhada de meia
dúzia de grandalhões e com uma infinidade de
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pessoas me cercando, querendo fotos, querendo um


aperto de mão, abraço…
- Pode parecer estranho mesmo no início,
mas é questão de costume. Ao menos nos lugares
em que eu te levar, não será tratada como uma
celebridade. Devemos passar o mais despercebidas
possível. Essa é a intenção.
- Eu sei, e estou adorando isso. - Conner
moveu a sua destra pelo forro até alcançar a mão de
Liv, afagando o seu dorso.
Os pratos foram servidos entre risadas e boa
conversa. As namoradas puderam gozar da
companhia uma da outra aproveitando para se
conhecerem melhor. Fizeram planos, brincaram de
charada, contaram casos, e insinuaram-se uma para
a outra, com Eleanor tendo a audácia de tirar o
sapato e instigar a mais nova com seu pé subindo e
descendo pela perna de Garner.
- Você gosta de cantar? - A loira indagou,
curiosa.
- Gosto, mas no chuveiro. Não tenho a sua
afinação, menos ainda a sua coragem de cantar em
público.
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- Tem um karaokê lá embaixo, sabia? Em


instantes o pessoal deve começar a mostrar seus
dons artísticos.
- É mesmo? - A herdeira riu - Deve ser, no
mínimo, engraçado.
- É bem divertido sim. - A agente levantou,
estendendo a mão para a namorada, fazendo-a
levantar-se também - Eu adoraria que você pudesse
brincar comigo cantando uma música, mas sabemos
que isso não é possível. As pessoas te
reconheceriam e provavelmente nós teríamos uma
interrupção na noite que não seria muito agradável.
No entanto… - Olívia suspirou, dando um selinho
nos lábios carnudos de Conner - Eu gostaria de
fazer algo. Confia em mim?
- Por que sempre que me faz essa pergunta eu
tenho a impressão de que está prestes a aprontar
alguma travessura? - Riram - Eu confio. Confio
sim.
- Então venha comigo. - Com os dedos
entrelaçados, as mulheres desceram até o andar
térreo, indo pela lateral esquerda, esgueirando-se da
multidão - Fique aqui. - A morena assentiu, e então
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Garner caminhou até um rapaz ruivo, de rosto


assimétrico e muito bonito. Trocou algumas
palavras com ele, que logo levantou sorrindo,
subindo até um pequeno palco montado no centro
do espaço.
- Boa noite senhoras, senhores. A nossa noite
do karaokê vai começar um pouco mais cedo hoje.
É um pedido especial de uma cliente que está
sempre aqui nos prestigiando. Liv, pode vir.
Imediatamente da aparição da loira, aplausos
e alguns assovios puderam ser ouvidos. Eleanor
franziu o cenho, arregalou e estreitou os olhos em
seguida, estranhando e tentando entender a atitude
da namorada. A mais velha abriu um sorriso largo
e, do canto escondido onde estava, apreciou seu
anjo fazendo uma linda declaração de amor velada.
- A música que eu vou cantar aqui hoje
significa muito para mim. Não irei me estender em
explicações porque realmente não sou muito boa
com palavras. Enfim… Obrigada por me ouvirem.
Ao sinal positivo da comandante, as batidas
melodiosas, ritmadas, de um sucesso da banda
Coldplay, puderam ser ouvidas.
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- "Call it magic
Chame isso de mágica
Call it true
Chame isso de verdade
I call it magic
Eu chamo isso de mágica
When I'm with you
Quando estou com você
And I just got broken
E eu me parto
Broken into two
Me parto em dois
Still I call it magic
Ainda chamo de mágica
When I'm next to you
Quando estou perto de você
And I don't, and I don't
E eu não, e eu não
And I don't, and I don't
E eu não, e eu não

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No, I don't, it's true


Não, eu não, é verdade
No I don't, No I don't No I don't, No I
don't
E eu não, e eu não, e eu não, e eu não
Want anybody else but you
Não quero mais ninguém além de você
No I don't, No I don't No I don't, No I
don't
E eu não, e eu não, e eu não, e eu não
No, I don't, it's true
Não, eu não, é verdade
No I don't, No I don't No I don't, No I
don't
E eu não, e eu não, e eu não, e eu não
Want anybody else but you
Não quero mais ninguém além de você
Ooh ooh ooh ooh ooh
Ooh ooh ooh ooh ooh
Call it magic
Chame de mágica
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Cut me into two


Me parta em dois
And with all your magic
E com toda a sua mágica
I disappear from view
Eu desapareço de vista
And I can't get over
E eu não consigo superar
Can't get over you
Não consigo te superar
Still I call it magic
Ainda chamo de mágica
It's such a precious truth
É uma verdade tão preciosa
Want to fall, fall so far
Eu quero cair, cair bem longe
I want to fall, fall so hard
Eu quero cair, cair pra valer
And I call it magic
E chamar isso de mágica

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And I call it true


E chamar isso de verdade
I call it magic
Chamar isso de mágica
And if you were to ask me
E se você perguntasse para mim
After all that we've been through
Depois de tudo isso que passamos
Still believe in magic
Ainda acredita em mágica?
Oh yes I do
Sim, eu acredito
Oh yes I do
Sim, eu acredito
Yes I do
Sim, eu acredito
Oh yes I do
Sim, eu acredito
Of course I do
É claro que acredito"

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Ao final da música, mais e mais aplausos


ecoaram pelo ambiente, mas dessa vez com a
maioria dos presentes pondo-se de pé.
Definitivamente a voz de Olívia era doce, bem
afinada, e conseguia encantar à qualquer um que
ouvia.
Após agradecer, a loira correu apressada para
os braços de Conner, encontrando-a a limpar uma
ou outra lágrima que escapara por conta da
emoção.
- Você é… perfeita! - A herdeira sussurrou
com a boca encostada na da outra.
- Gostou da música que cantei para você?
- E existia a possibilidade de eu não gostar?
Obrigada. Foi simplesmente lindo.
- Como você… - Prestes a se beijarem, a
mais nova atentou para o fato de que, por mais que
estivessem longe de olhares ávidos, ainda assim era
um local público, e todo o cuidado seria pouco - Eu
quero te levar em um outro lugar.
- Ah, é? E eu achando que não teria mais
surpresas.

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- Fica na esquina. Podemos ir à pé.


- Se podemos, faremos. - Com cuidado,
Garner as conduziu para fora do estabelecimento -
Meu amor, precisamos pagar a conta.
- Não se preocupe com isso, nem com nada
essa noite. Está bem?
- Ah, Olívia, Olívia...
Rindo, as duas caminharam alguns metros,
entrando em uma espécie de pensão.
- Vá indo para a direita, sem parar, como se
fosse uma hóspede já instalada. Me espere em
frente aos elevadores. - A loira sussurrou.
- Está bem. - Assim que concordou, a mais
velha pôs-se a fazer o que lhe foi pedido.
- Hã… Boa noite. Pode pegar a chave do 501
para mim, por favor? Está reservada em nome de
Olívia Garner. Bob deve ter deixado um recado
anotado em algum lugar. - A agente dirigia-se à
uma moça simpática que estava do outro lado do
balcão da recepção.
- Só um instante… - Digitando algo no
computador, ela pegou um molho de chaves

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entregando à loira - Tudo o que foi solicitado está


no quarto.
- Obrigada. - Sorrindo, Liv seguiu
despretensiosamente para onde Conner estava.
- Isso é um motel? - A herdeira questionava
sem muito entender o que se passava ali.
- Não. É um pequeno hotel, mas tive receio
da moça desconfiar de algo.
- Oh, sim. Entendi. - Os dois elevadores
chegaram ao mesmo tempo no térreo. Garner deu a
mão para Eleanor, puxando-a com pressa para o
que ficava à sua direita - Algum motivo especial
para ter escolhido esse elevador?
A comandante não respondeu em palavras.
Apenas ofereceu à outra um risinho malicioso.
Com apenas três andares subidos, Liv apertou um
botão que imediatamente fez o elevador dar um
safanão brusco e estancar - O que foi isto? O que
você fez, Olívia?
- Eu nunca fui muito romântica. Acredito que
nem tenha jeito para isso… - A mais nova foi
aproximando-se, encarando a morena de cima à
baixo com olhares ávidos - Você é uma mulher
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requintada, elegante, merece o que há de melhor…


- A voz rouca de Garner denotava certa excitação -
Mas eu não agüento mais ter que me conter. Estou
com tesão desde ontem. Preciso te ter agora. - Mal
acabou de proferir a frase, a loira avançou contra o
pescoço de Conner, distribuindo chupões e
mordidas, arrancando suspiros da filha do
presidente.
- Você enlouqueceu, Liv? Tem uma câmera
ali em cima.
- Essa câmera não funciona.
- Como sabe?
- Relaxa… Só…relaxa…
Uma encarava a outra e não conseguiam
desviar a atenção voltada para suas bocas, uma vez
que pareciam estar completamente hipnotizadas.
Naquele pequeno espaço, sentiam as fragrâncias
dos perfumes misturarem-se, inebriando os
sentidos. Quando deram por si, estavam abraçadas,
no meio do elevador, com as suas bocas
encostadas. Olívia gemeu alto e agarrando a mais
velha pela nuca, enlaçou os seus cabelos negros
com os seus dedos. A agente puxou-a firme contra
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o seu corpo, aprofundando o beijo de sabor


irresistível, ao mesmo tempo que a encostava
contra a parede. Garner afastou-se um pouco,
olhando com volúpia para os seios da namorada,
mantendo uma respiração entrecortada pelo prazer:
- Meu Deus, Liv! Você vai me enlouquecer!
E novamente uma boca invadiu a outra em
um beijo alucinado. A comandante chupava a
língua de Eleanor como em desespero, como se
fosse o melhor néctar do mundo. As suas mãos
começaram a desabotoar os botões da blusa de seda
da herdeira, que logo seguiu o caminho do chão,
deixando-a somente vestida com a saia preta e um
sutiã vermelho de rendas, com os seios a querer
saltar por fora do bojo, de tão enrijecidos que os
mamilos estavam.
- Hoje eu vou te fazer gritar de prazer.
Prometo! - Olívia balbuciava. Repentinamente a
herdeira estava somente de lingerie, com o fio
dental vermelho rendado, que não tampava quase
nada do que deveria - Que visão! Você vai me
deixar louca! Eu queria ir com calma, mas acho que
não vou conseguir! Estou morta de vontade de
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transar contigo aqui.


- Vem assim mesmo. Eu não me importo! Me
fode!
Sem demora, Garner agarrou a namorada
pelas coxas, elevando a perna direita, encaixando
em sua cintura. Levou a destra até o centro de
Conner, massageando com a palma da mão a
vagina melada da morena. De súbito, penetrou-a
com dois dedos lentamente, até estar toda dentro
dela, iniciando as investidas fundas e fortes,
deixando a mais velha alucinada.
- Como você é gostosa!
Os gemidos faziam eco nas paredes do
elevador, enquanto os corpos movimentavam-se em
uma fúria louca. A boca de Olívia foi parar nos
seios de Eleanor, afastando o tecido do sutiã para o
lado, até encontrar os bicos inchados de tesão.
Colocando-os na ponta da língua, circundou ambos
e chupou-os, mordiscando até fazê-la gritar.
- Me dê mais! Mais…
A herdeira sentiu o vaivém mais intenso
dentro dela. O suor escorria pelos rostos
avermelhados por conta do esforço, e tremores se
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davam nos membros superiores e inferiores das


duas insanas mulheres. Logo os espasmos
involuntários invadiram os músculos vaginais de
Conner, apertando ainda mais os dedos de Garner,
como se não os fosse largar nunca.
- Não vou conseguir segurar… - Tamanho o
prazer sentido naquela foda, a agente não seria
capaz de ver a namorada gozando e não ter um
orgasmo alucinante também.
Apertando as nádegas morenas contra ela,
Liv lançou um grito rouco, chegando ao ápice,
tendo seu líquido quente e espesso escorrendo pelas
pernas logo depois do de Eleanor.
Permitiram-se permanecerem abraçadas por
um tempo, desfalecidas, até as respirações
retomarem o ritmo normal.
A filha do presidente afastou o rosto da
curvatura do pescoço da namorada somente o
suficiente para encarar as orbes esmeraldas ainda
escurecidas pelo tesão.
- Meu Deus, que loucura! Desculpa ter sido
tão rápida, mas não sei o que me deu. Você fode
tão bem, Garner!
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Inclinando-se para ela, beijando-lhe as


pálpebras, a loira, sorrindo maliciosa, sussurrou em
tom de excitação:
- Não se preocupe. Adorei cada segundo, mas
não estou satisfeita. Quero mais de você. Se
prepare, Eleanor Conner. Ainda temos uma noite
inteira à nossa frente.

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Capítulo 30 – Rumo à
presidência
Um deslizar de curvas se embala a uma
profusão de sons melodiosos, perfume delicado,
toque suave. Quando mulheres fazem sexo entre si,
o ritmo acompanha o rebolado natural dos corpos
delas.
Entre putas, puritanas, damas da alta
sociedade, garotas do subúrbio, brancas, negras,
religiosas e atéias, não importa, sempre existirá
uma incrível habilidade com a boca e as mãos.
Algo quase surreal, mágico, da insaciedade na hora
de penetrar, chupar e beijar - o que fazem ao longo
de todas as curvas da parceira. A língua feminina
possui a suavidade na medida certa para estimular o
sexo da outra, com todos os gestos certeiros.
A transa entre mulheres é mais exploradora.
A pele é fina, macia, e portanto, altamente sensível.
Da cabeça aos pés, muitas são as partes que, se
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estimuladas, provocam prazer sexual. Friccionar os


seios uns nos outros, o roçar de pele sobre pele, o
resvalar do clítoris nas várias partes do corpo...
Olívia e Eleanor fizeram tudo isso e muito mais
durante a madrugada quase toda.
Entre a filha do presidente e sua segurança
particular, os toques não se deram delicados à todo
momento. De fato, ainda não tinham tanta
intimidade na cama para saberem de cor e salteado
todas as preferências da outra. No entanto, a
afinidade que compartilhavam, ia muito além do
prazer carnal, contribuindo assim, para o encaixe
perfeito do sexo.
Garner, a maior parte do tempo, mostrou-se
incisiva e brutal. Uma mulher de atitude, com
aquela pegada de quem sabe o que quer, mas que,
em um dado instante da troca de prazer, tomou a
passividade para si, oferecendo sua intimidade para
Conner fazer o que bem entendesse.
A meteção na vagina foi tão deliciosa quanto
o movimento curto de fricção sobre o clitóris. A
gradação do prazer aconteceu no embalo do rebolar
dos quadris, com ambas utilizando de tempo e
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dedicação, empenho e concentração, para se


fazerem gozar. E quantas inúmeras e intensas
gozadas foram!
As namoradas retornaram para a Casa Branca
quase ao amanhecer, obviamente o mais
sorrateiramente possível. E se não fosse pelo
compromisso inadiável da herdeira logo na
primeira hora da manhã, talvez nem voltassem
naquele dia, sob uma desculpa esfarrapada
qualquer.
A comandante praticamente não dormiu.
Teve tempo somente de tomar um banho, trocar de
roupa e colocar-se à postos para coordenar os
diversos lugares que a família presidencial visitaria
no dia. Eleanor ainda pôde descansar alguns
minutos, mas não considerou o momento nem
como cochilo. Apenas fechou as suas pálpebras,
desligando a mente do mundo à sua volta - quase
uma meditação transcedental.
O dia prometeu ser agitado e cumpriu a
promessa com maestria. Os primeiros passos para a
corrida presidencial estavam sendo dados. Eleanor
entraria na disputa, concorrendo com membros do
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Senado. A filha do atual presidente dos Estados


Unidos, Alexander Conner, era uma das figuras
mais populares e carismáticas do Partido
Democrata. Advogada formada em Yale, a herdeira
poderia, em alguns meses, se tornar a primeira
mulher a ser presidente do seu país.
Conner, durante a manhã, apresentou a
documentação necessária para formar um comitê
para arrecadar fundos e organizar sua campanha,
etapa necessária para que possa concorrer à
indicação de seu partido para a corrida presidencial.
À tarde a campanha foi lançada oficialmente em
Chicago, tendo como pano de fundo, um discurso
eloqüente e que por si só, conquistou uma boa
parcela dos que poderiam negar-lhe crédito para um
cargo de tamanha importância.
"Chicago, Estados Unidos - A democrata
Eleanor Conner, filha do presidente Alexander
Conner, lançou formalmente, nesta sexta, sua
pré-candidatura à presidência dos EUA em
2018, com o objetivo de se tornar a primeira
presidente mulher do país. Em um cenário cheio
de simbolismo e referências históricas à luta
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contra todas as formas de opressão exercidas


sobre as mulheres e pela igualdade entre os
gêneros, Eleanor afirmou que 'os sonhos e a
esperança de uma nação mais igualitária
continuam vivos'.
- Me apresento hoje diante de vocês para
anunciar a minha candidatura a presidente dos
Estados Unidos da América. Podemos construir
um país em que haja mais esperança - afirmou
Conner - Admito que existe uma certa ousadia,
uma certa audácia, ao fazer este anúncio. Sei
que não dediquei muito tempo a conhecer os
labirintos políticos de Washington. Porém,
passei tempo suficiente para saber que a forma
de fazer política no nosso país deve mudar -
declarou.
Para chegar à sucessão de seu pai, Eleanor
terá que derrotar, entre outros candidatos,
senadores e ex-senadores, figuras conhecidas e
fortes no cenário político nacional.
- Em todos os tempos, uma nova geração
se levanta e faz o que precisa ser feito. Hoje, nós
somos chamados mais uma vez, é a vez da nossa
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geração responder a esse chamado - afirmou a


possível herdeira da cadeira presidencial, em seu
discurso.
Eleanor leva uma grande vantagem entre
os oponentes democratas. Ela é considerada uma
candidata com posições equilibradas e é popular
entre a classe média. Por outro lado, Conner é
vista como imatura, por causa da idade, 36 anos,
por estar no primeiro mandato e nunca ter
exercido um cargo no Poder Executivo.
Questionada no programa da rede CBS '60
Minutes', que vai ao ar neste sábado, se o fato de
ser mulher pode prejudicar sua candidatura,
Eleanor afirmou:
- Não. Se eu não ganhar essa disputa, será
por outros fatores, terá sido porque eu não
mostrei ao povo americano uma visão sobre
para onde o país precisa ir.
A ascensão de Conner foi meteórica e dada
ao acompanhamento, desde a tenra idade, dos
passos do pai no cenário político. Ela fez, junto
de Alexander, o principal discurso na
Convenção Nacional Democrata em 2007.
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Escreveu um best-seller, apareceu na capa de


várias revistas, participa de campanhas
solidárias com a primeira-dama e sua mãe,
Beatrice Conner, além de ocupar vários outros
cargos públicos de conotação social e
engajamento em prol das minorias."
- Oh, meu Deus! Meus pés estão me
matando! - Beatrice reclamava olhando para os
lados, receosa de ser pêga no flagra tirando os seus
saltos.
- Mamãe, eu já te falei inúmeras vezes que
deve comprar sapatos mais confortáveis ao invés
dos apenas bonitos. Iria lhe custar menos dores. - A
morena pontuou.
- Está observando isso, Alexander? Alguém
tomou o corpo da sua filha. - O homem ria do jeito
caricato, excêntrico da esposa - Quando alguém
fala de sapato confortável perto de mim já logo
imagino aqueles ortopédicos que geralmente os
profissionais da saúde usam, sabe? Deus me livre!
Em termos de pés, conforto é sinônimo de cafonice.
- Então não reclame que seus dedinhos estão
espremidos no bico fino. - Eleanor insistia com a
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matriarca, prendendo o riso das caretas que ela


fazia - Você devia reconsiderar seus conceitos.
- Onde já se viu Beatrice Conner usando
qualquer sapato? E você devia tirar esse anel do
dedo! Vai ficar usando essa peça para sempre?
Garner, que estava parada na porta de entrada
de um dos salões principais, bem atrás da família
presidencial, entreabriu a boca antes de engolir em
seco e esconder, discretamente, a destra no bolso de
sua calça. Conner, por sua vez, para não demonstrar
qualquer reação que pudesse levantar suspeitas,
dirigiu-se ao pai, apontando para a primeira-dama
que mantinha-se com o semblante desdenhoso.
- Ela está louca. Cuidado. - Riram.
- Quer saber? Não me meterei nessa briga de
vocês. Sempre sobra para mim. Eu é que fico com
os pés gelados à noite quando resolvo te defender. -
Brincou o senhor de cabelos grisalhos, fazendo
referência à "greve" sexual com que sua esposa
cismava em puní-lo quando ele fazia algo que a
desagradava.
- Acho bom mesmo não me contrariar,
Alexander Conner. - Beatrice aproximou-se da
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filha, dando-lhe um beijo em cada lado de sua


bochecha - Vou subir e descansar.
- Eu também irei. Hoje findei a minha cota de
esgotamento físico e mental. - O patriarca da
família abraçou Eleanor, também beijando a sua
face.
- Bom descanso para vocês.
- Ah, querida, não se esqueça que o jantar na
casa do governador será na próxima semana, heim?
Vá se preparando para honras e pompas em sua
homenagem.
- Claro, mamãe. Estarei preparadíssima. -
Conner mentiu descaradamente, preferindo não
incitar uma discussão logo naquela hora da noite
depois de tanto cansaço sofrido durante o dia.
Assim que se viram sozinhas, a comandante
encarou a sua namorada, piscando discretamente o
olho esquerdo, sinal combinado de que gostaria de
vê-la no "esconderijo". Certo, estavam à sós e
teoricamente essa conduta não seria necessária,
porém, em se tratando de esconder o
relacionamento, ainda mais dentro da Casa Branca,
todo cuidado era pouco.
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- Vai precisar dos meus préstimos ainda, Srta.


Conner?
- Não, comandante Garner. Irei para o meu
quarto daqui a pouco. Pode ir descansar. Tenha
uma boa noite.
- Uma boa noite para a senhorita também.
A formalidade entre as mulheres era natural
para os de fora, e deveras cômica para as duas.
"Quem presencia o nosso tratamento jamais
imaginaria o que estávamos fazendo ontem à noite.
Que foda gostosa, céus!"
Rindo dos seus pensamentos, Liv foi
caminhando apressada para o cômodo secreto onde
costumava ter os encontros furtivos com a herdeira.
Em poucos minutos a mais velha adentrava ao local
também, atenta para o fato de não ter ninguém por
perto. Certificando-se da negativa, fechou a porta,
atracando-se sem delongas com a namorada.
Garner tinha de sobra o que chamam de
"pegada forte". Suas mãos, o corpo, a boca e todos
os sentidos trabalhavam em perfeita harmonia
provocando um estado de satisfação em ambas,
loucura e lucidez, as deixando embebidas em uma
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nuvem de prazer.
A maneira como a agente secreta encostava-
se em Conner, a abraçava, a agarrava, fazendo-a se
sentir estimulada de todas as formas, era o prelúdio
para a excitação extrema.
A mão na nuca com os dedos entre os cabelos
negros, os pegando firme, e a outra mão envolta da
cintura em direção as costas, dando aquela pressão
entre os corpos, trazendo a herdeira para mais
perto, as fez gemer quase em uníssono.
- O que é isso? Caramba! Uau! - Conner se
abanava enquanto tentava recuperar o fôlego após o
beijo intensamente voluptuoso - Fiquei o dia inteiro
com vontade de você, sabia? - A morena puxava a
mais nova pela gravata.
- É mesmo? - A pergunta veio entre sorrisos e
selinhos estalados.
- Sinto tanto tesão quando está vestida com
esses ternos! Já te disse isso, não disse?
- Disse, mas tenho memória curta. Pode dizer
novamente?
- Você me dá tesão vestida de terno e gravata.

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Você me dá tesão vestida de terno e gravata. -


Eleanor sussurrava com o tom de voz um pouco
mais rouco do que o normal devido à excitação que
lhe tomava - Quer mais?
- Não! Senão vou querer transar com você
agora mesmo. - Garner encostou sua testa na da
mais velha, respirando profundamente em busca de
uma parcela da sanidade perdida.
- E por que não transa?
- Meu amor, eu tenho que dar uma saída
rápida.
- Agora?
- É. Tenho um compromisso e não posso
adiar.
- O que foi, Liv? Algum problema? - Conner
indagou com o cenho franzido, buscando entender
o que se passava com a namorada, já que ela não
tinha o costume de sair à não ser em casos
extremos de necessidade - É algo grave?
Oscar Wilde, em sua inteligência suprema, já
anunciava a medida da mentira: "Um pouco de
sinceridade pode ser bem perigoso, muita

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sinceridade é absolutamente fatal."


A comandante viu-se em uma sinuca de bico:
não podia revelar algo do qual nem sabia ainda do
que se tratava, mas também não podia mentir
deliberadamente.
A pobre mulher confusa, não estaria fazendo
algo absurdamente ruim se mentisse. A mentira faz
parte do ciclo de vida do ser humano – a gente
nasce, cresce, mente e morre. E não é exagero. A
verdade é que prezamos a honestidade e não
imaginamos que não conseguiremos lidar com ela,
e não conseguiremos sustentá-la todo o tempo.
Olívia não fazia idéia do significado do seu
nome envolvido do acidente e no atentado. Poderia
não ser nada demais, e sua cisma atestar o quanto
ela era paranóica e ridícula. Em contrapartida, a
história por detrás daqueles arquivos que afanou da
USES, poderia levá-la à um plano diabólico - assim
considerado por ela - caso suas suspeitas fossem
confirmadas.
Ali, mirando bem dentro das íris castanhas,
brilhantes e curiosas, a mais nova resolveu aplicar a
sinceridade tal qual um remédio em gotas, já que
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em excesso, poderia matar.


Ouvir uma verdade que ainda não passava de
uma banalidade, um simples nome rascunhado em
uma folha velha rasgada, seria para Conner como
sal sendo jogado nas feridas: algo sem nenhuma
necessidade.
Garner não sabia ainda o que faria. Estava
confusa e vulnerável. A única certeza que tinha é
que continuaria a omitir a história até esclarecer
todos os detalhes daquela trama.
- Não é nada demais. Só pequenas coisas que
não consigo fazer durante o expediente: tirar
dinheiro no banco, comprar itens pessoais, essas
coisas. Esqueci de trazer absorventes e… vamos ter
companhia a qualquer momento.
- Oh, meu Deus! Jura? Mas não precisa só
disso, não e? Porque se for, eu posso te dar. Devo
ter um bom estoque no meu banheiro.
- Não é só isso, amor. Mas fique tranqüila
que retornarei rapidamente, e assim que colocar os
pés aqui, te mando uma mensagem de boa noite.
- Promete?

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- Prometo.
- Mas não demore mesmo. Estou exausta e
não sei se consigo esperar por muito tempo.
- Pode deixar. Tome um banho, coma alguma
coisa e descanse. A futura presidente dos Estados
Unidos tem que estar bem disposta para honrar com
os seus compromissos.
- Tenho mesmo. - A morena aproximou seu
rosto lentamente, depositando um beijo molhado
nos lábios da outra - Se cuida. Eu te amo.
- Eu também te amo.
Suspirando, a comandante saiu do cômodo,
seguindo em direção ao seu dormitório. Procurou
não demorar para se trocar, pois já estava em cima
da hora para o seu encontro, o encontro que poderia
atestar a sua imbecilidade ou o seu envolvimento
com um dos maiores ataques à Casa Branca de toda
a história.
O local escolhido foi o Circle Bistrô, dentro
do One Washington Circle Hotel. Péssimo
atendimento, decoração estranha, preços
exorbitantes e comida com o sabor deprimente. Em
suma: perfeito para uma conversa de negócios. Não
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haveria nenhuma deliciosa distração que fosse para


tirar Olívia do foco.
Ela e sua "convidada" chegaram quase ao
mesmo instante, faltando exatos sete minutos para
o horário marcado. Prova de pontualidade que a
agente fez nota mental como ponto à favor da
ruiva.
- Achei que estivesse atrasada. - Megan
comentava ao se sentar na mesa aos fundos com
Garner.
- Não. Estamos alguns minutos antecipadas.
Poucos, mas estamos.
- Que ótimo! - A mulher aparentava
nervosismo - Então, me ligou, precisa de mim…
- Sim. Acredita que quase tive um surto
quando fui procurar o seu cartão e não o encontrava
em nenhum lugar? - A loira comentava não
demonstrando nenhuma afetação.
- É mesmo? Mas sorte é que a sua amiga
também tinha um, não?
- Ah, não! Acabei achando no bolso de uma
calça que ainda estava na lavanderia.

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- Obrigada, Deus, pelas calças não lavadas! -


Riram.
- Você é de onde mesmo? Tinha dito que se
mudou à pouco…
- Vim do Kansas.
- Sério? Não parece uma mulher interiorana.
- Vou tomar como um elogio.
- Claro! Fui uma vez no Flint Hills.
- Assistiu à algum rodeio?
- Infelizmente não. Estava à trabalho e não
tive nenhum tipo de diversão.
- Uma pena que eu não tenha a menor
pretensão de voltar, senão, poderia lhe oferecer um
tour pelas fazendas de gado.
- Por que não pretende voltar? Por causa do
seu negócio?
- Bom, o que você chama de negócio, não é
bem um negócio. Faço trabalhos autônomos, nada
grande ainda.
- Ah, mas já é um começo, não é mesmo?
Tanta gente que passa a vida inteira se esforçando e
não consegue nem metade disso.
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- O que acabou de dizer é verdade. A


concorrência é cruel, a crise mundial que
enfrentamos é caótica. Dá para se sentir na arena
dos Jogos Vorazes.
- Quase isso! - Riram - E seus pais? Ficaram
lá no Kansas? - A comandante ia conduzindo a
conversa, sem que Meg percebesse suas reais
intenções.
- Ficaram. Ficaram sim. Eles têm uma
pequena fazenda no interior do interior da cidade.
Com um sorriso dúbio nos lábios, Garner
suspirou, tirando de dentro da sua mochila, uma
pasta azul, colocando-a à sua frente.
- Essa sua história é bem interessante. Uma
pena que seja uma ficção, uma farsa total.
A ruiva, que mantinha o seu corpo levemente
curvado sobre a mesa, aprumou a postura,
franzindo o cenho em ignorância e desconfiança do
que se passava ali.
- O que quer dizer com isso?
- Vejamos… - Garner abriu a pasta,
folheando as páginas escritas em frente e verso -

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Menina de origem não identificada, deixada com


poucos dias de vida na porta de um prostíbulo no
Memphis, Tennessee; foi encaminhada para o
serviço social passando por 4 orfanatos diferentes
ao longo de sua vida... - A comandante interrompeu
a leitura, passando a encarar a mulher à sua frente -
Preciso ler algo mais?
- Quem é você? O que quer de mim? Você é
da polícia? Olha, eu…eu não fiz nada de errado. Eu
juro. Não trabalho com ilegalidade, se é o que está
pensando e…
- Ei, ei! Calma! Não acha que quem muito se
justifica, tem muito a esconder?
- Não! Eu não tenho nada para esconder.
- Então por que estava mentindo?
- Posso saber como conseguiu essas
informações?
- Não interessa onde eu consegui, e o teor do
que está aqui nesse dossiê. Particularmente, não me
importo com o seu passado ou com quem você seja.
O que me interessa é o que pode fazer por mim em
troca do que está bem nas minhas mãos. E não
pense que sou burra de trazer o original. Nem
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adianta avançar contra mim para pegar a pasta


porque isso é uma simples cópia. - A loira balançou
discretamente os papéis ao instante em que mordia
o lábio inferior, exalando sarcasmo.
- Diz logo o que você quer que eu faça. - O
semblante de Megan, que até então era ameno e
sorridente, transformou-se em preocupado e
angustiado em segundos.
- Eu integro uma das equipes de agentes do
serviço secreto. Preciso que você entre em um dos
sistemas do Governo sem se seja identificada.
- É o quê? - A ruiva gargalhou, incrédula -
Isso é alguma espécie de pegadinha? - Ela olhava
para os lados como se procurasse por câmeras -
Está me pedindo para hackear o Governo?
- Basicamente é isso aí. Acha que consegue?
- É óbvio que consigo. Só… não farei.
- Ah, e posso saber por que não?
- Já disse que não faço trabalhos ilegais. -
Meg novamente tombou o seu corpo sobre a mesa,
aproximando-se um pouco mais de Liv - E
venhamos e convenhamos, uma mulher que se diz

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agente secreta me pedindo para cometer um crime


federal é no mínimo cômico, não acha? Sinto
muito, querida, você é linda, mas não inspira
nenhuma confiança.
A loira deu uma breve risada, meneando
negativamente com a cabeça.
- Ok. Prefere ser presa agora? Só preciso
fazer apenas um movimento. - E novamente Meg
circundou o local avidamente com o olhar em
busca de algo suspeito.
- Tudo bem. - Ela respondeu após dar um
suspiro profundo - Me mostre exatamente o que
precisa ser feito.
- Me encontre amanhã no portão sul da Casa
Branca, por onde o público está entrando depois do
atentado. Sabe onde fica?
- Sei. Sei sim.
- Às 07:00 em ponto.
- Mas tão cedo? Descobri um bar novo aqui
perto e eu pretendia ir dormir nesse horário, não…
acordar nesse horário. - Reclamou a ruiva.
- Pode estar às 07:00 na Casa Branca ou pode

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não dormir mais, com medo das represálias na


prisão.
- Credo! Mas você é linha dura mesmo heim?
Não alivia nunca? Não sabe brincar?
Bufando baixo e revirando os olhos para as
gracinhas de Megan, Garner foi guardando o dossiê
em sua mochila, levantando-se em seguida.
- Não preciso nem dizer que nossa conversa,
bem como todo o resto do nosso envolvimento, é
estritamente confidencial, não é?
- Não precisa nem dizer, Srta. Garner. - A
ruiva respondeu com desdém.
- Tem meu telefone. Me ligue por qualquer
coisa que precisar.
À passos largos, Olívia deixou o
estabelecimento, seguindo para a residência
presidencial com um misto de ansiedade, medo,
relutância e euforia por ter conseguido um pequeno
avanço em seus planos. A loira tinha feito o para-
casa perfeitamente, buscando todas as informações
possíveis sobre o passado de Megan, bem como as
suas contravenções. Sabia de detalhes sórdidos da
vida da mulher e os usaria como arma contra ela. O
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que a comandante não sabia era que, assim que


deu-lhe as costas, o receio e nervosismo
demonstrados no rosto da ruiva, transformou-se em
um sorriso vitorioso.
- Obrigada, Olívia.
************
06:42. A agente federal já estava andando de
cá para lá e de lá para cá no jardim próximo à
entrada que marcou com a cúmplice. Aguardava
avistá-la à qualquer instante, temerosa por uma
demora que viesse a talhar suas intenções. Por
sorte, não foi preciso enervar-se por muito tempo.
A ruiva apareceu com seus ares nada sutis, à
tagarelar com o segurança que por ali fazia ronda.
- Com licença. Desculpa interromper a
animada conversa matinal dos dois. - Garner
aproximou-se, voltando a atenção para o homem
parrudo à sua frente - Ela é uma colaboradora. A
credenciei na noite passada. Vai me ajudar com
alguns serviços administrativos.
- Claro, comandante Garner.
- Tome. - A loira entregou à mulher um
crachá - Pode me acompanhar, Srta. Lee?
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- Sim, pois não. - Com um aceno e um


sorriso, Meg despediu-se do brutamonte - Hum...
"Comandante Garner"… Por que isso soa tão sexy?
- Ela gargalhava desmedidamente.
- O que você usou para estar tão
engraçadinha assim logo pela manhã? Você é
sempre assim, digamos... "felizinha"?
- Você é do tipo que se incomoda com a
alegria matutina alheia?
- E você é do tipo que flerta com as pessoas
às 07:00 da manhã? - Liv retrucava as falas da
outra enquanto caminhavam para dentro das
dependências da residência.
- Não faço idéia do por quê diz isso. Eu nem
cheguei a comentar que você fica uma gata de
terno.
"Eu mereço…" A agente esforçava-se ao
máximo para não perder o controle da situação.
- Bom, vamos ao que interessa. Teremos que
ser bem rápidas. Primeiro eu vou te levar à sala de
comando, onde fica a maioria dos computadores.
Vamos somente sondar o ambiente para você poder
me dizer depois quanto tempo acha que levará para
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executar o serviço.
- Ok. Mas seria ótimo se conseguisse tirar ao
menos um desses computadores da sala. Eu teria
mais liberdade para trabalhar.
- Sem chance. Meus agentes desconfiariam.
Nada é retirado daqui sem prévio aviso. - Garner
interrompeu seus passos repentinamente - Daqui
para frente tente agir o mais natural possível.
Após o assentimento de Meg com um menear
positivo da cabeça, as duas contraventoras
continuaram caminhando como que
despretensiosamente. De súbito, a voz rouca e
inconfundível da herdeira presidencial fez-se
ouvida no corredor.
- Calma, Billy. Você está muito apressado
hoje. Mamãe vai te dar seu biscoito favorito, mas
só se for um bom menino e andar direitinho ao meu
lado.
A morena, distraída, sequer percebeu que
tinha a companhia de outras pessoas, que não fosse
a do seu cão. Ao erguer a cabeça é que pôde
vislumbrar a imagem de sua namorada ao lado de
uma mulher ruiva, de traços familiares. O sorriso
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que mantinha em seus lábios até então, desapareceu


como em um passe de mágicas, permanecendo
somente seu desconcerto aparente.
- Você?

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Capítulo 31 – Não haverá


escapatória
O sonho é um dos eventos universais e
biológicos mais intrigantes de que se tem notícia.
Para uns, o espírito deixa a matéria e vaga por
dimensões alternativas, para outros, desejos
reprimidos afloram do subconsciente, e há ainda os
que acreditam piamente em um poder premonitório
expresso em uma simbologia. Enquanto o corpo
está inerte e paralisado, a mente vaga por mundos
fabulosos, improváveis e livres da contenção morna
- muitas vezes em preto e branco - da realidade.
O enredo do sonho é fruto de um emaranhado
de memórias com intenso componente emocional e
muitas vezes fantasioso. Grande parte do que
sonhamos refere-se a coisas que vivenciamos em
uma realidade recente. O sonho é uma colcha de
retalhos com personagens, símbolismo, ambientes
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que afloram do nosso arsenal de experiências, mas


dispostos de forma meio errática. Podemos misturar
pessoas que nunca se encontraram, lugares
distantes em muitos quilômetros, mortos, e até
eventos sobrenaturais.
Eleanor permaneceu atônita por um tempo
imensurável. Se fosse necessário relatar, não
saberia dizer se eram segundos ou minutos, poucos
ou muitos. Ela apenas tentava organizar as
desconexões de pensamentos, o emaranhado que se
dava em sua mente. A filha do presidente, ao
deparar-se com aquela mulher vistosa nos
corredores da Casa Branca, foi levada de imediato
para o seu período de estadia no hospital, após o
atentado do qual Garner a salvara. Era ela, tinha
certeza. Em uma época chegou a supor que tudo
não passava de torpor causado pelo efeito
medicamentoso, mas estava enganada. A paciente
internada no leito ao lado do seu era real e estava
bem à sua frente. Não a conhecia, mas lembrava-se
das conversas frívolas, e ao mesmo tempo tão
significativas que tinham; o sentimento de
companheirismo na voz da mulher, como se

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realmente a presença dela fosse um bálsamo para a


sua enfermidade. Definitivamente eram a mesma
pessoa. Conner reconheceria os cabelos ruivos,
compridos e ondulados em qualquer lugar. A boca
pequena já não tinha as fissuras de ressecamento,
mas os olhos azuis, expressivos e brilhantes, em
nada mudaram de lá para cá.
- Oi. - O timbre de voz concedeu a certeza do
qual a herdeira necessitava para não crer em uma
loucura momentânea.
- Me desculpa a indelicadeza. Srta. Conner,
essa é Megan Lee. Ela fará um trabalho interno
para mim. Megan, acho que você já conhece a…
- Claro que conheço… - Olívia franziu o
cenho em estranheza ao notar uma emoção contida
no semblante da ruiva que sorria ternamente - E
posso dizer que é maravilhoso revê-la, digo, vê-la
assim de perto. - O toque no cumprimento das
mãos fez ambas estremecerem discretamente.
Eleanor, como a outra, trazia consigo traços
atípicos em suas atitudes. A comandante observava
as duas, atenta, buscando entender o que se passava
ali. A morena foi afastando-se devagar, um tanto
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quanto desajeitada por conta do cão.


- Você… foi a minha colega de quarto, se
assim posso dizer. - A filha do presidente, um tanto
quanto consternada, estudava as feições da mulher
à sua frente.
- Acho que está cometendo algum engano,
Srta. Conner. Nunca dividi quarto com ninguém. -
Megan parecia prender um riso ao entreolhar-se
com Garner.
- Não esteve internada na época do ataque à
Casa Branca no…
- Senhorita… - A comandante interrompeu
Eleanor - Seu andar era exclusivo. Ninguém podia
subir sem prévia autorização.
A morena, de cenho franzido, encarou a
namorada. Os ares de desconfiança fizeram-na
arrepiar-se antes do suspiro profundo.
- Eu devo ter… sonhado, ou visto uma pessoa
parecida. Me desculpe pelo inconveniente.
- Imagina. Se quiser me confundir com
alguma atriz bonita e gostosa, fique à vontade. - De
imediato, ouviram o pigarreio forte advindo da

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agente secreta - É… Sinto muito pela brincadeira.


Eleanor limitou-se apenas a lançar um sorriso
breve e sem ânimo para a ruiva ao invés de
responder-lhe em palavras.
- Ted foi ao veterinário. Irei brincar com
Billy no gramado. Não precisa se preocupar,
comandante, que Rust estará me acompanhando.
- Tudo bem, Srta. Conner. Se precisar de
mim, por favor, não hesite em me chamar.
- Com certeza não hesitarei. Com licença.
Tenham um bom dia.
Liv acompanhou a caminhada da amada com
sua visão periférica até onde pôde usar de discrição.
Engoliu à seco, receosa da sua cúmplice nos atos
ilícitos ter percebido algo. Com isso, pôs-se à
caminhar de imediato ao rumo em que seguiam
antes do encontro surpresa com a herdeira.
- Ela é bem mais bonita pessoalmente, e tem
o cheiro que eu sempre imaginei. Os dentes são
mais brancos, a pele um pouco morena al…
- Ei! Por um acaso ficava imaginando como a
Srta. Conner era? - A loira indagava com ares

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raivosos.
- E quem no mundo não faz isso? Sempre
fantasiamos coisas à respeito das celebridades que
conhecemos.
- Espero que essas fantasias sejam ao menos
respeitosas! - Megan não conteve a gargalhada alta,
interrompendo seus passos - O que foi?
- Nada. É que… Ai, deixa para lá. Vamos ao
que interessa: o trabalho.
- É… Acho melhor mesmo. - As duas
mulheres caminharam mais um pouco até os
elevadores. Desceram um andar e, virando à direita,
em um corredor diferente dos demais - com paredes
lisas e escuras, sem a presença das rebuscadas
obras de arte palacianas - pararam frente à porta
com uma placa inscrita "Sala de Controle" - É aqui
que alguns de nós trabalhamos. - Sussurrou Olívia.
Assentindo, a ruiva fez uma careta em tom de
brincadeira e desdém, obrigando a outra a revirar os
olhos, completando uma dezena de vezes em pouco
tempo.
Assim que adentraram no cômodo, olhares
curiosos foram direcionados às duas, fazendo a
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agente estremecer e engolir em seco - efeito do


receio pela infração que estava cometendo e pela de
maior gravidade que ainda estava por vir.
- Comandante Garner, o Águia 2 disse que
cobrirá as duas áreas hoje.
- Estão brincando comigo? Com somente um
helicóptero é impossível de administrar um evento
desse porte. Quero os reforços que o Capitólio ia
enviar. Dê o ok para mim.
- Sim, senhora.
- Ah, essa aqui é a Megan Lee. Ela fará um
serviço interno para mim.
- Seja bem vinda, Srta. Lee. - O cumprimento
deu-se quase em uníssono.
- Obrigada, rapazes. Espero fazer um ótimo
trabalho aqui com vocês e…
- Bom, Srta. Lee, temos que ir, não é? - A
loira falava entre dentes, interrompendo a interação
inconveniente de Meg.
- Tem razão. Até mais.
Sem esperar pelas respostas, Olívia
praticamente arrastou a outra mulher para fora do
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recinto, lançando-lhe um olhar tenso de reprovação


quando já estavam à alguns passos longe do local.
- Ficou doida?
- Eu só quis ser simpática. Esses agentes
parecem ser uma gracinha! Não têm nada a ver com
os que vemos nos filmes.
- Deve ser porque isso aqui não é um filme! -
O diálogo em sussurro foi se dando até o
dormitório de Liv - E aí? Conseguiu observar tudo
o que era preciso?
- Hã… sim e ainda tive uma idéia.
- Então fale logo!
- Não, queridinha, as coisas não funcionam
assim. Quero algo em troca. - De imediato, Garner
soltou uma risada breve e incrédula.
- Não estamos em uma barganha, Megan.
- Poxa, mas é tão simples… - A ruiva deu
dois passos à frente, encurtando a distância entre
elas. Logo tomou a gravata de Olívia na destra,
puxando-a para si - Eu só quero tirar essa sua
gravata sexy! - A mulher gargalhou em conseguinte
à sua fala, afastando-se - Antes que me xingue, me

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bata, ou algo do tipo, isso é apenas uma


brincadeira. Se bem que não seria má idéia você
fazendo essas duas coisas comigo…
- Megan, será que é possível você parar de
dizer tantas bobagens e focar no importante, antes
que eu perca a paciência?
- Está bem, está bem… - A ruiva ergueu os
braços como em rendimento. Antes que pudesse
responder, Meg fora interrompida pelo toque do
celular da comandante - Não vai atender?
- É mensagem. - Respondeu a outra,
visualizando o conteúdo: "Preciso falar com você.
Estou no quarto. Venha assim que puder." -
Continue, por favor. - Liv pediu, sem esboçar
nenhuma emoção.
- Pois bem, o que estamos prestes fazer é
extremamente arriscado. Existe uma maneira de
descobrir senhas sem usar a engenharia social que
se chama força bruta. Esse método faz milhões ou
até mesmo bilhões de tentativas por segundo até
descobrir a senha que confere com o determinado
sistema que será acessado. Existem vários
hardwares específicos para isso com um
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incrivelmente alto poder de processamento. Porém,


como também sou pesquisadora de segurança,
desenvolvi um.
- E vai utilizá-lo como?
- Ele é um cluster, faz parte de quatro racks
de servidores 5U que ao todo têm trinta placas de
vídeo AMD Radeon. Elas se comunicam a 15
gigabits por segundo de velocidade e usam um
framework chamado OpenCL para rodar o
programa HashCat, que é exatamente o responsável
por descobrir as senhas. Dependendo
da criptografia que será quebrada, os servidores
podem descobrir uma senha em questão de
minutos. Se for o caso de uma LM, com até
quatorze caracteres divididos em duas strings de
sete caracteres, meu equipamento consegue
descobrir a senha em apenas seis minutos. Mas se
for uma HTLM, que é um pouco mais avançada,
demora cerca de seis horas para ser quebrada.
Garner ouvia atenta e boquiaberta as
informações passadas pela ruiva. Meneava
afirmativamente com a cabeça, como se partilhasse
daqueles conhecimentos técnicos relatados com
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tanta destreza pela outra, porém, nada tinha


entendido dos termos e da funcionalidade do
equipamento.
- Megan… - A loira pigarreou - Para lhe ser
sincera, de tudo o que disse, só absorvi o "seis
minutos" e as "seis horas", que é somente o que me
interessa. Quando poderá começar?
- Chegamos no ponto em que eu queria. Não
faço idéia do que me espera. Posso demorar o
tempo de um café, como posso ficar o dia inteiro
dedicando exclusividade à esse serviço. E com base
nesse ponto, sugiro que troquemos os
computadores.
- O quê? Desde que te vi pela primeira vez
senti que você era meio… doida, mas agora acabei
de ter a certeza de minhas suspeitas. É impossível
fazer isso!
- Por que? Eu memorizei as especificações de
todos os equipamentos que vocês têm aqui. Posso
conseguir um igual, o preparar para que não
funcione por algum motivo, algo simples, que você
mesma poderá consertar depois. Assim, ninguém o
usará e não desconfiarão de nada. Você troca, e eu
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posso te dar o que quer, trabalhando com mais


calma.
- É muito arriscado…
- É tudo arriscado. Eu estar aqui já é um
exemplo de risco extremo.
- Quanto tempo?
- Vinte e quatro horas.
- Eu não sei se posso confiar em você.
- Você tem tudo contra mim. Pode me ferrar
quando e como quiser.
Receosa, temerosa, vacilante quanto ao que
deveria ou não fazer, a comandante levou a destra à
boca roendo o canto da unha - velho e terrível
hábito que cultivava desde a tenra idade - e ainda
andando de um lado para o outro, em claro sinal de
nervosismo.
- Certo! Certo! Certo! Você consegue um
computador exatamente igual e verei como trocá-lo
sem que ninguém perceba. Me ligue assim que o
tiver em mãos.
- Combinado, comandante! - A ruiva bateu
continência em brincadeira.
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- Ai, Senhor! Eu mereço! - Garner respirou


fundo - Agora vamos! Preciso trabalhar.
- Como queira, senhorita.
Para certificar-se de que a "estranha" não
cometesse nenhum deslize enquanto caminhava
pelos corredores da Casa Branca, a agente federal
acompanhou-a até a saída, o mesmo local por onde
havia tido acesso à residência.
Tão logo se viu livre de Megan, Olívia pôde
apressar-se para atender ao pedido de sua
namorada. Para não levantar suspeitas, ao invés de
subir até os aposentos da filha do presidente pelas
escadas, tomou o elevador sob a desculpa de
inspecionar os andares - algo rotineiro para ela.
Batendo levemente por duas vezes na
madeira, assustou-se quando a porta abriu de súbito
e seu braço foi puxado abruptamente fazendo com
que entrasse depressa.
- Oi! - Conner segurou o rosto da mais nova
entre suas mãos, beijando-lhe ternamente os lábios
finos - Eu preciso muito falar contigo. - A morena
sussurrava ao passo em que encostava sua testa na
da outra.
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- O que foi, meu amor? Te senti estranha


desde o nosso encontro mais cedo, quando estava
com Bill. Algum problema está te preocupando?
A herdeira afastou-se, ajeitando a roupa em
seu corpo, passando os dedos nas madeixas negras
no intuito de alinhar os fios. Suspirando
profundamente, ela sentou-se em sua cama,
batendo a destra no colchão ao seu lado, indicando
o local onde gostaria que Olívia se sentasse.
- Quem é aquela mulher?
A comandante engoliu em seco ouvindo a
pergunta no mesmo instante em que ocupou o
espaço na cama, próximo à sua amada.
- Ela irá fazer um trabalho interno. Por que?
Não existe nada mais devastador para um
relacionamento do que a perda da confiança. A
pessoa que mente, acaba com as chances de o amor
dar certo e passa a conviver com dois fantasmas: o
da mentira e o do medo de ser descoberto. Por mais
que acreditemos que não vai fazer mal contar uma
"inverdade" para o parceiro, uma coisa é certa:
mentira tem pernas curtas e o mal feito nem pernas
têm. Está completamente equivocado quem
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acredita que exista mentira positiva. Todas são


negativas e têm poder suficiente para acabar com
qualquer relacionamento, já que a base mais sólida
das relações humanas é a confiança.
Garner estava mentindo, e detestava com
todas as forças que tinha, essa tal condição
condenável. No entanto, ela entrara em um
caminho sem saídas laterais. Sentia-se mal, mas
não tinha escolha, simplesmente não era detentora
do direito de muitas opções.
- Se eu te contar algo, promete não dizer à
mais ninguém? - Eleanor pressionou um lábio no
outro, apreensiva.
- Mas que pergunta! É claro que não
comentarei com ninguém. - Liv segurou as mãos da
mais velha entre as suas - Está tremendo…
- É, estou. Olívia, eu… Eu conheço essa
mulher.
- Megan?
- Se esse é o nome dela…
- Mas… de onde? - A loira indagou franzindo
o cenho, curiosa.

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- Você pode achar que é loucura minha, mas


nós conversamos por várias vezes durante o
período em que fiquei internada. Sempre que eu
acordava, ela estava deitada no leito ao lado do
meu, algumas vezes olhando para mim, como se
esperasse pelo meu despertar, outras vezes estava
mirando o teto com as mãos postas sobre o peito.
Eu me lembro de detalhes e tenho certeza de que é
a mesma pessoa justamente por isso. Éramos
estranhas uma para a outra. Ela nunca me disse o
nome, ou nada de cunho particular, mas… tinha
algo em seus olhos, algo… familiar. Estivemos
conectadas nesse tempo de alguma forma que não
sei explicar. Um dia eu acordei e ela não estava
mais lá. Imaginei que tivesse falecido enquanto eu
dormia. Por que ela fingiu que não me conhecia?
Quem é essa Megan?
A comandante manteve-se em estado de
alerta ao ouvir o relato da namorada, achando tudo
um tanto quanto fantasioso demais. Contudo,
deveria usar de tato para lidar com a situação, já
que não sabia até que ponto Eleanor podia ter tido o
psicológico afetado com o estresse causado pelo

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trauma do atentado, sendo potencializado pelos


efeitos dos medicamentos que tomara. Lembrou-se
até da situação constrangedora em que esteve
quando a morena resolveu tecer elogios à sua
pessoa, fazendo referência aos seus atributos
corporais na frente do Sr. Alexander.
"A filha da mãe sentia tesão por mim desde
aquela época…". Liv balançou a cabeça em
negativa tentando afastar aqueles pensamentos de
sua mente, ao mesmo tempo em que prendia o riso.
- Meu amor, eu fiz uma pesquisa minuciosa
sobre a vida da Srta. Lee e posso afirmar que ela
não estava na cidade nessa época.
- E onde ela estava?
"Presa."
- Megan se mudou para Washington há
pouco mais de três semanas.
- Então como isso é possível, amor?
- Também gostaria de saber… - A agente
secreta tombou seu corpo sobre o da morena
fazendo ambas deitarem-se - Por que não deixa
para pensar nisso depois? Podemos… - Garner

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murmurava enquanto distribuía beijos pela pele


desnuda do pescoço de Conner - …verificar
detalhes sobre o assunto juntas, mas em outro
momento. Agora quero aproveitar um pouco da
presença da minha namorada.
- Hum… - A mais velha gemeu manhosa,
abrindo as suas pernas para que a outra se
encaixasse entre elas. Estava prestes a sugar a
língua da comandante quando ouviu passos no
corredor, talhando os seus intentos - Tem alguém
vindo. - A herdeira sussurrou, afastando-se e
alinhando sua postura, sentada de maneira ereta na
cama, ao passo em que a outra levantava-se e se
punha de pé perto da entrada. Aguardaram alguns
segundos, mas ninguém manifestou-se em chamar
por Eleanor. As mulheres tiveram que abafar as
risadas com as mãos, aproximando-se em seguida
outra vez, desfrutando do sabor indescritível do
beijo uma da outra.
- Acho que tenho trabalho a fazer. - Garner
balbuciou.
- Seu trabalho sou eu, comandante.
- Oh, quer dizer que meu trabalho é beijar a
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filha do presidente dos Estados Unidos?


- E afirmo que executa essa tarefa muitíssimo
bem… - A morena mordeu o lábio inferior já
sentindo os primeiros indícios de excitação - Uma
pena não podermos ficar aqui namorando.
- É verdade. - A mais nova bufou alto,
tentando desamarrotar o terno com as mãos.
- Ah, no evento dessa noite, bem como nos
eventos seguintes, quero a senhorita ao meu lado o
tempo todo.
- É a minha obrigação…
- Engraçadinha! - Riram - Preciso sentir que
está comigo, ao meu lado, não somente que está
cuidando da minha integridade física.
- Não podemos nos expor.
- Mas não iremos. Só fique por perto, bem
perto.
- Vamos ver como a noite vai fluir. -
Novamente Olívia segurou o rosto da herdeira entre
as mãos dando um longo selinho em sua boca
carnuda - Eu vou indo. Esteja linda!
- Para você! - Sorrindo abertamente, a agente
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mandou um beijo no ar para a outra antes de


transpor a porta.
O dia passou tão rápido por conta do árduo
trabalho com os preparativos do evento, que
quando a comandante se deu conta, já estava na
hora de pôr seus conhecimentos técnicos em
prática. Eleanor descera de seu quarto mais altiva
do que nunca, inundando o ambiente com uma
beleza ímpar. Garner, mesmo com o seu alto
controle invejável, não pôde deixar de suspirar
discretamente e esboçar um breve sorriso ao ver
sua namorada exalar simpatia por onde passava.
- Está muito bonita, Srta. Conner. - O
cumprimento formal com um menear da cabeça fez
a herdeira revirar os olhos em brincadeira.
- Posso dizer o mesmo, comandante. -
Conner lançou um olhar curioso para o dedo anelar
direito da loira - Não se esqueceu de nada?
- Seria arriscado usar acessórios no dia de
hoje.
- Tem razão, mas eu não vou abrir mão do
meu. - Inspirando profundamente o ar, a filha do
presidente esfregou uma mão na outra, segurando
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nos braços da agente - Queria tanto que ouvisse


todo o meu discurso antes…
- Ouvi pouco, quando o recitava em seu
quarto mais cedo, mas creio que foi o suficiente.
Você é eloqüente, tem o dom da oratória, não há o
que dar errado.
- Acha isso mesmo ou só está tentando me
acalmar?
- As duas coisas. Precisa confiar em si
mesma. As pessoas que estão lá fora te idolatram,
como idolatram o seu pai. E qualquer coisa, estarei
bem do seu lado. - A última frase foi proferida em
sussurro.
- Ah, preciso te…
- Eleanor, quando penso que não posso mais
me surpreender com sua beleza, vem você e prova
que estou completamente enganado. - Somente a
voz de David fez o estômago de Olívia revirar, e
vê-lo abraçando e beijando a morena, aumentou
consideravelmente seu enojar.
- Imaginei que estivesse na Itália. - Conner
comentou sem muito ânimo.

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- Era para eu estar em retorno, mas preferi vir


lhe prestigiar. Irei após o jantar que meu pai dará
em nossa casa essa semana.
- Oh, sim. Quisera eu ter compromissos que
pudessem ser adiados assim… Muito
provavelmente alguns deles eu adiaria para sempre!
- Sem que o homem percebesse, a herdeira o
"alfinetava" com suas frases em tom de desdém.
- E quem não? - Henderson filho gargalhou,
tomando a cintura de Eleanor com a destra -
Mamãe está preparando tudo para o jantar com
muito zelo. Já entrou em contato com a Sra. Conner
e descobriu os seus gostos para poder satisfazê-los.
- David, não é possível! Ela não devia tomar
essa posição, afinal, não sou a única convidada.
Agradeça à Sra. Henderson, mas cá entre nós, não
gostei de saber disso.
- Não se preocupe com nada, querida. Se ela
não o fizesse, eu mesmo faria. A futura presidente
dos Estados Unidos merece o que existe de melhor
nesse mundo.
Observando atenta à cada mínimo gesto do
embuste à sua frente, Garner enervou-se quando o
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homem resolveu que seria um pouco mais invasivo


do que já era, aproximando-se de Eleanor para dar-
lhe um beijo. Agradeceu aos céus que um chamado
deu-se em seu dispositivo comunicador.
Pigarreando forte, ela não permitiu que o ato
prosseguisse, interrompendo e talhando as
intenções de David.
- Com licença, Srta. Conner. Acabaram de
avisar que está na hora do seu discurso.
- Ah, sim. Obrigada, comandante. -
Voltando-se para o homem, a morena sorriu em
falsidade - Querido, obrigada por ter vindo. É
sempre uma honra e um prazer tê-lo aqui, mas o
dever me chama.
- Claro, claro! Boa sorte. Irei vê-la de perto.
- Por favor. - Piscando para ele, Eleanor pôs-
se a caminhar em direção à saída - Comandante
Garner, não se esqueça do que lhe pedi.
- Eu não me esquecerei. - A loira meneou
afirmativamente - D3? Gota de orvalho saindo da
ala oeste.
Certificando-se de que ninguém por perto
prestava atenção, a mais velha movimentou os
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lábios em um "eu te amo", tendo a retribuição de


imediato. Acompanhada pela agente, ela seguiu em
meio à gritos e aplausos de uma multidão que
tomava todo o espaço do gramado nos arredores da
Casa Branca. Um palco de estrutura e tamanho
mediano, havia sido estrategicamente montado para
os discursos e apresentações que se dariam naquela
noite promissora. Olívia posicionou-se à esquerda,
na retaguarda da herdeira, enquanto seu pai e a
primeira-fama, ocupavam os lugares ao seu lado
direito.
- Boa noite à todos. Vou tentar não me
estender muito. - Nesse momento, ouviram-se risos
dos presentes. A morena ajeitou as folhas no
palanque à sua frente, tomando fôlego para
começar a discursar - Ao presidente do Partido
Democrata e à todos meus concidadãos deste
grande país: é com grande gratidão e humildade
que carrego em meu coração, que aceito minha
indicação para a presidência dos Estados Unidos.
Permitam-me agradecer ao grupo histórico de
congressistas que estão me acompanhando nesta
jornada, e especialmente ao meu pai, que ontem à

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noite apresentou o argumento em favor da


transformação da maneira que apenas ele seria
capaz de fazer. Me sinto grata por ter como
exemplo direto, um dos melhores estadistas de
nosso tempo, um homem que fica à vontade com
todo o mundo, desde líderes mundiais até
cobradores de trem. Alexander Conner é o
significado de tudo o que mais tenho de importante,
meus valores éticos, meus parâmetros morais, tudo
o que me tornou a mulher que sou hoje. À minha
mãe, Beatrice Conner, que dedicou tanto tempo
orientando meus passos e me amando
incondicionalmente. Eu não estaria aqui hoje sem a
base sólida que esse casal representa em minha
vida. E também não estaria aqui hoje se não fosse
por uma pessoa que tornou-se de suma importância
no meu dia-a-dia: a comandante Garner. Agradeço
e me orgulho de poder contar com a segurança e a
dedicação dessa mulher que é muito mais do que
uma funcionária do Governo para mim. Existe uma
promessa que sempre diferenciou este país: a
promessa de que, através do trabalho duro e do
sacrifício, cada um de nós poderá buscar seu sonho
individual, mas que ainda conseguiremos nos unir
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como uma só família americana, para assegurar que


a próxima geração também possa lutar por seus
sonhos. É por isso que estou aqui esta noite.
Porque, por mais de duzentos e trinta anos, a cada
momento em que essa promessa correu perigo,
homens e mulheres comuns - estudantes,
balconistas, carpinteiros e professores -
encontraram a coragem para mantê-la viva. Nós
nos encontramos hoje em um desses momentos de
definição - um momento em que nosso país está em
guerra, nossa economia em turbulência, e a
promessa americana foi posta em risco mais uma
vez com o ataque que sofremos à meses atrás, neste
mesmo solo que pisam agora. Esta noite eu digo ao
povo americano, aos democratas e republicanos e
independentes em todo este grande país: basta! Esta
eleição é nossa chance de conservar o sonho
americano vivo no século XXI. Eu poderia falar
mal do outro candidato para convencê-los a votar
em mim, mas não creio que seja necessário e ético.
John McOny, como bom republicano que é, gosta
de falar em capacidade de julgamento, e disse que
estávamos sofrendo apenas de uma "recessão
mental" e que nos tornamos "uma nação de
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choramingões". Uma nação de choramingões? Diga


isso aos corajosos operários das fábricas, aos
imigrantes que lutam para sobreviver com o
mínimo de dignidade, às mulheres que têm seus
direitos adquiridos e mesmo assim não podem
usufruí-los. Não acredito que o senador McOny não
se importe com que acontece nas vidas dos
americanos. Acho que ele não sabe, apenas isso.
Por que outra razão ele definiria a classe média
como sendo pessoas que ganham menos de US$5
milhões por ano? Por que outra razão ofereceria um
plano de saúde que tributa os benefícios das
pessoas, ou um plano de educação que não ajuda
em nada as famílias a pagar pela faculdade, ou um
plano que privatizaria a Seguridade Social e
arriscaria as aposentadorias das pessoas? Não é que
John McOny não se importe. É que John McOny
não entende. Está na hora de transformarmos a
América. Nós, democratas, medimos o que
constitui progresso neste país segundo critérios
muito diferentes. Medimos o progresso segundo
quantas pessoas conseguem encontrar um emprego
que pague sua hipoteca. Medimos a força de nossa
economia não pelo número de bilionários que
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temos, mas pelas chances de alguém que tenha uma


boa idéia conseguir assumir um risco e abrir uma
empresa, ou de uma garçonete que vive de gorjetas
poder tirar um dia de folga para cuidar de seu filho
doente sem perder seu emprego - uma economia
que honre a dignidade do trabalho. E é em nome de
todas essas pessoas, de todos vocês, que pretendo
vencer esta eleição e manter nossa promessa viva,
como presidente dos Estados Unidos. Qual é essa
promessa? É uma promessa que diz que temos,
cada um de nós, a liberdade de fazer de nossas
vidas o que bem entendermos, mas que também
temos a obrigação de nos tratarmos uns aos outros
com dignidade e respeito. É uma promessa que diz
que o governo não pode resolver todos nossos
problemas, mas que o que ele deve fazer é aquilo
que não podemos fazer por nós mesmos: nos
proteger do mal e garantir a cada criança uma
educação decente; manter nossa água limpa e
nossos brinquedos seguros; investir em novas
escolas, novas rodovias, nova ciência e tecnologia.
Nosso governo deve trabalhar para nós, não contra
nós. Ele deve nos ajudar, não nos prejudicar. Deve
assegurar oportunidades não apenas para os que
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têm mais dinheiro e influência, mas para todo


americano que esteja disposto a trabalhar. É essa a
promessa da América: a idéia de que somos
responsáveis por nós mesmos, mas que crescemos
ou desabamos como uma só nação. Como
comandante em chefe, não hesitarei nunca em
defender esta nação, mas só enviarei nossas tropas
para situações em que corram perigo quando
tiverem uma missão clara e com o compromisso
sagrado de muni-las dos equipamentos de que
precisam para a batalha e da assistência e dos
benefícios que merecem quando retornam para
casa. Encerrarei a guerra no Iraque de modo
responsável e terminarei a luta contra a Al Qaeda e
o Taliban no Afeganistão. Reconstruirei nossas
Forças Armadas, para que possam fazer frente a
conflitos futuros. Mas também renovarei a
diplomacia direta e intransigente que seja capaz de
impedir o Irã de obter armas nucleares. E
restaurarei nossa posição moral, de modo que a
América volte a ser a última e melhor esperança
para todos aqueles que se sentem convocados para
a causa da liberdade, que anseiam por vidas de paz
e que aspiram a um futuro melhor. O patriotismo
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não tem partido. Eu amo este país, então, tenho


uma notícia a lhe dar, John McOny: vou colocar os
Estados Unidos da América em primeiro lugar. Eu
percebo que não sou a candidata mais provável
para este cargo. Não me enquadro no pedigree
típico e não passei minha carreira nos salões de
Washington, à não ser sob a barra da calça de meu
pai. Mas estou aqui diante de vocês esta noite
porque alguma coisa está se mexendo em toda a
América. O que os negativistas não entendem é que
esta eleição gira torno de vocês. Vamos cumprir a
promessa, e, nas palavras da Bíblia, nos atermos
com firmeza, sem vacilar, à esperança que
professamos. Obrigada. Deus os abençoe, e Deus
abençoe os Estados Unidos da América.
Aclamada, ovacionada, vitoriosa. Eleanor
Conner findou o seu discurso com orgulho de si
mesma. Era fato de que nunca quis estar naquela
posição, mas já que o destino a levou a trilhar por
esse caminho político, tentaria dar o seu melhor. E
estava fazendo além.
O atual presidente e seu pai, Alexander
Conner, bem como a primeira-dama, o governador
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Henderson e seu filho, deram algumas palavras de


apoio e incentivo à candidata às eleições
presidenciais. Beatrice aproveitou o ensejo para
enganchar dúvidas com relação ao posicionamento
de David na vida da filha, o que com certeza seria
um prato cheio para os tablóides pelos próximos
meses. No entanto, nada nem ninguém seria capaz
de estragar o momento feliz da herdeira, um dos
poucos que teve ao longo de sua vida.
- Srta. Conner, por aqui, por favor. - A
comandante pediu, quando a morena aproximou-se,
deixando o palco.
- Está mais séria do que de costume. -
Eleanor comentou enquanto dirigiam-se ao salão
em que se daria o coquetel.
- Impressão sua.
- Quer enganar à mim? Já sei! Está com
ciúmes!
- Srta. Conner, não creio que esse seja um
assunto a se tratar neste momento.
- Só para constar… Não tenho nada a ver
com o que a desvairada da minha mãe insinuou, e
sabe bem desse detalhe. Não existirá outra pessoa
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junto à mim, senão a dona do anel igual ao que está


em meu dedo. Isso lhe asseguro.
- Candidata, pode posar para uma foto? -
Uma jornalista interrompeu o diálogo das mulheres.
- Claro! - Liv imediatamente deu dois passos
para trás, saindo do limite de alcance da câmera -
Não, não. Venha aqui, comandante. - Conner a
chamava fazendo gestos com as mãos, e gargalhou
ao notar o desconcerto da loira - Vem logo! A
moça não pode ficar esperando. - Instintivamente, e
sem muita noção do impacto de seu ato, ela puxou
a loira pela gravata, ajeitando-a em seguida. Piscou
orgulhosa ao alinhar o terno de Olívia, pensando no
quanto sua namorada era bonita.
Ambas sorriram para a câmera, e com isso,
deram abertura ao contraponto da mídia sobre a
vida pessoal de Eleanor: o suposto affair com o
filho do governador e a atípica amizade com a sua
segurança particular.
- Não deveria ter feito isso. - Garner
murmurou quando a repórter afastou-se delas.
- Eu deveria ter feito muito mais, Liv. E
prepare os seus pés que daqui a pouco dançará
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comigo. A noite promete!


"Além de conquistar a admiração e a
simpatia do povo, Eleanor Conner também virou
queridinha da mídia.
Ao lado da agente federal Olívia Garner, ela
mostrou que entende de dança, e não ficou nem
um pouco tímida ao arriscar alguns passos da
coreografia de Single Ladies, da Beyoncé.
Não foram poucas as vezes em que os
presentes se emocionaram com as falas de
Eleanor. Por quê? Bem, a candidata sabe entoar
como ninguém um discurso empoderador, que
inspira e trata de temas urgentes às mulheres.
Durante o festejo em sua homenagem, ela falou
sobre a importância de manter as meninas na
escola, pediu pelo fim do sexismo e ainda
incentivou que as mulheres enfrentassem o
abuso.
'-Nós achávamos que tudo isso era passado.
E tantas trabalharam por tantos anos para acabar
com esse tipo de violência, abuso e desrespeito,
mas aqui estamos em 2017 ainda ouvindo
exatamente as mesmas coisas que séculos atrás.
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Estamos nos afundando nisso. (…) Mas, que


fique claro: isso não é normal. Isso não é a
política como sempre foi. Isso é uma desgraça. É
intolerável. E não importa qual o seu partido –
Democratas, republicanos, independentes –
nenhuma mulher merece ser tratada assim.
Nenhuma de nós merece sofrer nenhum tipo de
abuso.'
Em entrevista exclusiva à Vogue Magazine,
a belíssima Eleanor Conner, fez questão de frisar
os pontos que considera importantes serem postos
em xeque nessas eleições, e sua postura diante dos
paradigmas da sociedade.
'- Sei o quão frustrante pode ser a
experiência de que os outros assumam quem você
é baseado em suas noções do que mundo pode ser.
Sinto o peso desses sinais diários pela minha vida
inteira – as pessoas que questionam a minha
inteligência, minha honestidade, e até mesmo o
meu amor por esse país. Sou mulher e posso
governar melhor do que qualquer homem que já
esteve no poder.'
Sempre elegante, Eleanor já se tornou um
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ícone de moda e figura a lista das mais bem-


vestidas do mundo. E tudo isso sem ostentação
desnecessária: a flagramos anos atrás repetindo a
mesma peça em looks diferentes nas cerimônias
oficiais no qual compareceu como acompanhante
de seu pai, e já usou roupas de marcas mais
acessíveis como a Target. Não é só de grandes
grifes como Chanel, Marc Jacobs e Michael Kors,
além de nomes como o brasileiro Francisco Costa,
de que compõe seu guarda-roupas.
Quem também se destacou nesse evento por
sua beleza e elegância, trajando um terno
poderoso da Dior, foi a sua segurança,
comandante Garner, a mesma que salvou a
família Conner e Henderson do atentado à Casa
Branca há meses atrás.
Questionada sobre a amizade notória entre
ela e a agente federal, a candidata respondeu sem
titubear:
'- Ela salvou a minha vida e a vida da
minha família. A comandante Garner me
ensinou, com poucos gestos e em pouco tempo, o
que ninguém foi capaz de me ensinar em anos.
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Ela se mostrou altruísta, generosa, evoluída. Tem


como não amar essa mulher? A quero para
sempre comigo, esteja eu onde estiver.'
Linda, empoderada e visionária. Esta é
Eleanor Conner, a candidata mais aclamada à
presidência dos Estados Unidos."

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Capítulo 32 – Eu me
alimento da sua beleza
O silêncio imperava nos aposentos da
candidata à presidência dos Estados Unidos. Se não
fosse pelos sons da movimentação de pessoas na
área externa abaixo de sua janela e nos jardins - que
invadiam o ambiente advindos da porta da varanda
aberta - Eleanor estaria em abstenção total de
ruídos.
Apesar dos pesares, a mulher permanecia
concentrada na leitura de uma compilação dos
sonetos de Willian Shakespeare que, em sua
opinião, é um autor notável tanto por ser
extremamente prolífico e versátil, quanto pela
genialidade que demonstra em suas obras.
Ele produziu coisas muito diferentes umas
das outras, sempre com a mesma excelência. Por
exemplo, Romeu e Julieta - uma de suas peças mais
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famosas, porém longe de ser a melhor - é um drama


romântico, já Muito Barulho por Nada e As Alegres
Comadres de Windsor são engraçadas, Hamlet é
trágica, Macbeth é sombria e sinistra, Henrique V é
épica, e assim por diante. Shakespeare atirava para
todos os lados e sempre acertava, isso é que é o
mais impressionante sobre seu dom. E Conner,
como leitora experiente, com uma bagagem
considerável de conhecimentos, sempre encontrava
uma boa experiência lendo os seus textos.
"Soneto 17
Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.
Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.
Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
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Nestas linhas com o tempo crescerás.


E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver."
Os ponteiros do seu Patek Philippe prata de
pulseira em couro legítimo preta, marcavam exatas
11:47. Como sua total atenção muitas vezes era
comprometida, ora por uma buzina, ora por uma
voz mais estridente, resolveu que ouviria uma
música enquanto se inebriava com o cheiro poético
que exalava da obra que segurava em suas mãos.
Preguiçosa em levantar-se da poltrona
estrategicamente posicionada onde um feixe de sol
refletia e aquecia o local, apenas esticou a mão
alcançando o seu IPhone, selecionando uma playlist
de jazz no Spotify que muito lhe agradava.
"Stars shining bright above you
Estrelas brilhando acima de você
Night breezes seem to whisper 'I love you'
Brisas da noite parecem sussurrar "eu te
amo"
Birds singing in a sycamore tree
Pássaros cantando em uma figueira
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Dream a little dream of me


Sonhe um breve sonho comigo..."

Em segundos todo o cômodo era brindado


com a belíssima melodia de Dream A Little Dream
Of Me, e Conner voltou seus olhos atentos para as
páginas do livro.
"Soneto 53
De que substância foste modelado,
Se com mil vultos o teu vulto medes?
Tantas sombras difundes, enfeixado
Num ser que as prende, e a todas sobre
excedes;
Adônis mesmo segue o teu modelo
Em vã, esmaecida imitação;
A face helênica onde pousa o belo
Ganhou em ti maior coloração;
A primavera é cópia desta forma,
A plenitude és tu, em que consiste
O ver que toda graça se transforma
No teu reflexo em tudo quanto existe:
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Qualquer beleza externa te revela


Que a alma fiel em ti acha mais bela."
- Mas que droga! - A morena vociferou
chateada, largando o exemplar de qualquer maneira
sobre a mesinha ao seu lado.
Definitivamente aquele não estava sendo um
bom dia para a leitura, já que sua mente dispersava-
se em demasia.
Refestelando o seu corpo no encosto macio
da poltrona reclinável em suede cinza, Eleanor
fechou seus olhos, passando a deliciar-se somente
com a música. A letra remetia aos seus
sentimentos, o que diretamente a fez lembrar de sua
namorada, e conseqüentemente, um sorriso
estampar-se em seu rosto.
"...Say nighty night and kiss me
Diga boa noite e me beije
Just hold me tight and tell me you miss me
Apenas me abrace forte e me diga que você
sente falta de mim
While I'm alone and blue as can be
Quando eu estou sozinho e triste como pode
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ser
Dream a little dream of me
Sonhe um breve sonho comigo
Stars fading but I linger on dear
Estrelas desaparecendo, mas eu permaneço,
querida
Still craving your kiss
Ainda desejando seu beijo
I'm longing to linger till dawn dear
Eu desejo permanecer até a madrugada,
meu bem
Just saying this
Estou apenas dizendo
Sweet dreams till sunbeams find you
Bons sonhos até o raio de sol te encontrar
Sweet dreams that leave all worries behind
you
Bons sonhos que deixam todas as
preocupações para trás
But in your dreams whatever they be
Mas em seus sonhos, quaisquer que sejam
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Dream a little dream of me


Sonhe um pequeno sonho comigo..."
- Dream a little dream of me... - A herdeira
cantarolou a frase em meio à uma risada seguida de
um suspiro apaixonado. Contudo, o gozo da
sensação de plenitude que lhe acometeu, fora
interrompido por batidas sistemáticas na porta do
seu quarto - Entre!
- Eleanor, desculpa lhe incomodar. - Anne
adentrava ao local, mantendo um sorriso tímido nos
lábios.
- Não incomoda. Eu estava tentando ler, mas
parece que um surto de euforia contagiou todo
mundo lá embaixo, heim?
- É a visitação. Ao que entendi, dois grupos
escolares foram liberados hoje. Está um furdúncio!
- Riram - Bom, mas eu vim aqui avisar que a Sra.
Conner pediu para que descesse e almoçasse com
ela e seu pai.
- Meus pais almoçando juntos em plena
quinta-feira? - A pergunta era retórica, porém, em
conjunto com o cenho franzido de Eleanor,
aumentou ainda mais o desentendimento da
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asiática.
- Me perdoe a indiscrição, mas o que tem
isso? - A secretária indagava, curiosa.
- Oh, na verdade nada. É que não
costumamos fazer refeições juntos nesse dia. Aliás,
dia nenhum ultimamente. Por isso a desconfiança.
- Acho que entendi. Essa vida atribulada de
muitos compromissos às vezes atrapalha o convívio
familiar, não é?
- Vou te contar um segredo, mas que fique
entre nós.
- Sim, pode falar.
- Às vezes a minha mãe está com um humor
tão insuportável que prefiro esse distanciamento. -
Ambas as mulheres riram cúmplices - E Olívia? A
viu por aí?
- Ah, sim. A vi saindo cedo. Passei por ela
enquanto ia tomar tomar café. A comandante
pareceu empolgada em ir passar o seu dia de folga
na casa dos pais.
- A folga! É mesmo! Havia me esquecido. Eu
mesma disse a ela para tirar ao menos um dia na

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semana até que regule algumas horas do seu banco.


Se deixar, ela passa a vida inteira trabalhando e não
se lembra desses importantes momentos com a
família, e que tanto preza.
- A Garner só ficou um pouco chateada
quando comentei do jantar amanhã na mansão dos
Henderson. Aquele semblante carrancudo dá medo,
não? - A fala da moça fez a morena gargalhar.
- Eu já me acostumei. Consegui aprender a
driblar esses rompantes da comandante. Ela deve
estar incomodada com David.
- E não dá para tirar a sua razão. Ele parecia
realmente disposto a confirmar as insinuações da
primeira-dama durante e depois do seu discurso, te
cercando, tecendo elogios mais íntimos para os
jornalistas e demais presentes... Desculpa o que vou
dizer, mas a Sra. Conner foi bem invasiva ao
comentar que estava feliz por vocês dois serem
"companheiros".
- É... Eu não tiro a razão da Liv de enervar-se
com isso. D. Beatrice, às vezes, ultrapassa todos os
limites possíveis. Ela nunca vai nem ao menos se
esforçar para entender que eu não sou quem ela
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pensa, e que infelizmente não posso assumir as


expectativas que ela própria criou para mim. Minha
mãe jamais irá aceitar que eu amo outra mulher,
principalmente sendo essa mulher uma
"funcionária" nossa.
- E então? Como ficarão?
- Não sei. Não faço idéia do que farei quanto
à isso.
- Bom, se precisar de algo, qualquer ajuda, é
só falar comigo. Sabe que pode contar com a minha
discrição.
- Obrigada, Anne. - A herdeira tocou-lhe os
ombros, sorrindo - Você é uma boa pessoa e sei
reconhecer o que está fazendo. Agora... - Eleanor
suspirou profundamente, afastando-se da outra -
Preciso me arrumar para o almoço antes que a
louca da minha mãe suba e me arraste pelos
cabelos.
- Que exagero! - Riram - Com licença. Até
mais tarde.
- Até, Anne.
A morena, ao se ver sozinha novamente,

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despiu-se de suas vestes seguindo para o banheiro,


à fim de tomar uma ducha rápida. Não preocupou-
se em usar roupas formais, uma vez que ninguém
havia lhe informado da visita de terceiros. Optou
por um tubinho preto em oxford básico e sapatos na
mesma cor de saltos baixos.
Assim que chegou na sala de jantar, deparou-
se com a matriarca da família com a fisionomia
totalmente circunspecta.
- Boa tarde, filha. - Alexander manifestou-se
primeiramente.
- Boa tarde, papai. - Conner respondeu ao
sentar-se à mesa - Está tudo bem, mamãe?
- Eu não sei se está tudo bem. - A mulher
estendeu o braço direito alcançando o IPad que
estava sobre a cadeira ao lado - Veja essas
reportagens. O que acha disso?
- Que minha candidatura será um sucesso?
- Não seja irônica, Eleanor! Isso é sério!
Estou preparando o terreno, cercando de todos os
lados para que nada dê errado. Tem noção do
impacto negativo do que foi escrito por essas
revistas e jornais à seu respeito? "Eleanor Conner
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deslumbrante em um decote ousado posando ao


lado de sua segurança", "Eleanor Conner e a
comandante Garner formam uma bela dupla", "A
candidata à presidência instiga as mulheres à serem
autônomas e insinuou ser contra o casamento,
conseqüentemente à tradicional família americana".
E essas fotos com o David? Quer dizer... todas
essas fotos que tirou ao lado dele. Está parecendo
cansada, enfastiada. Não fez questão nenhuma de
ao menos fingir, Eleanor, fingir que estava
animada.
- E desde quando é crime ser sincera? Eu
estava deveras cansada de tirar fotografias. Sou
humana e me canso. Falar, sorrir, ser extremamente
simpática e engessada funcionou por um tempo,
mas a exaustão existe, sabia?
- E por que nessas outras fotos em que está
comigo, com o seu pai, até mesmo com a
comandante Garner, você está sorrindo
abertamente?
- Beatrice, isso não é sobre sorrisos. - O
presidente interveio.
- Mas tem tudo a ver com o comportamento
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errático dela.
- Posso continuar? - O homem suspirou
profundamente buscando por um "quê" de
paciência - O que sua mãe quer dizer, minha filha,
é que apesar de sermos filiados à um partido não
tão conservador quanto o dos republicanos,
precisamos manter uma postura, uma conduta
moral de acordo com os padrões da nossa
sociedade.
- Acha isso mesmo, papai? - O homem
engoliu em seco, pegando o guardanapo e ajeitando
em seu colo. Seu silêncio confirmou as suspeitas da
morena. Ela sabia o quanto seu progenitor se
prestava a enaltecer os bons costumes tradicionais,
mas em contrapartida, sabia que muito disso era
puro convencionalismo, e que não compartilhava
dos mesmos valores arcaicos de sua esposa. Fazia
apenas "politicagem", uma manutenção das
aparências de perfeição imaginária - E todos esses
elogios? Leiam aí! Isso quer dizer o quê? Que eu
fui mal em meu discurso feminista? Que eu errei
em ter emoções verdadeiras diante das câmeras?
Votariam em um candidato mentiroso, "claramente
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dúbio"? Me expliquem porque então estão tecendo


tantos comentários favoráveis, se não estou de
acordo com os padrões?
- Você não entende mesmo, não é? - Beatrice
bufava, contrariada - Já vai ter que lutar contra o
sexismo, e ainda quer abraçar a causa rebelde?
Onde pensa que vive, Eleanor Conner? O país, o
mundo quer ver uma rainha, uma mulher
imponente e sem resquícios de má conduta. Você
deve ser exemplo de honra, sobriedade e,
principalmente, seriedade. Deve enaltecer a família
tradicional, não colocar em xeque seus princípios.
Eu quero que você dê uma chance para o David
porque vai precisar de um homem ao seu lado para
ganhar votos. Assuma de vez o relacionamento que
têm e essa eleição estará ganha. Imagine, Eleanor,
quantos pontos você não ganhará sendo uma
mulher comprometida com um rapaz de ótima
estirpe, com um nome de peso, além de ser
extremamente bem apessoado? Eu disse aquelas
coisas durante o meu discurso para poder lhe
proporcionar o gancho do deslanche dessa relação.
Aproveite as oportunidades que tem e faça o certo.

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Eu quero que tudo saia perfeito, que você se dê


bem nessa nova fase, mas isso só conseguirá dando
uma chance para o Henderson.
A possível sucessora da cadeira presidencial
ouvia tudo meneando a cabeça negativamente,
desacreditada de que a matriarca dos Conner era
capaz de proferir tantos absurdos. Seu peito arfava
em sinal de nervosismo, e em sua boca já se dava o
gosto de sangue pela pressão dos dentes em seus
lábios.
Pais superprotetores passam aos filhos,
consciente ou inconscientemente, a idéia de que
eles são vulneráveis e fracos e que não podem
sobreviver sem os genitores. A morena cresceu
acreditando que sempre precisaria de sua mãe
poderosa e que era incapaz de viver por conta
própria. Esse manejo parental equivocado
desenvolveu nela, por certo tempo, a dependência
extrema, prejudicando assim, a construção do seu
auto-suporte, da sua confiança em si mesma.
Eleanor sempre fora avessa a correr riscos, a
experimentar novidades e mesmo a enfrentar
situações que lhe parecia ameaçadoras. Era
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insegura, excessivamente medrosa e tendeu, por


anos, a não se considerar capaz de cuidar sozinha
de seus problemas; exagerava na percepção de risco
e tinha medo de perder o apoio e aprovação dos
pais, o que, no fim das contas, lhe dificultou em
toda a juventude, a expressar discordância de outras
pessoas.
Não era à toa que a herdeira havia se tornado
uma adulta predisposta a quadros sérios de
depressão, uma vez que pouco adaptou-se à vida,
repleta de adversidades e situações incontroláveis e
desafiadoras. Beatrice sempre exagerou na
proteção, nos cuidados para evitar que a filha se
machucasse ou sofresse. Exigia que a pequena
fosse sempre notável, impecável, a melhor,
causando-lhe sofrimentos talvez evitáveis, na
medida em que o excesso perturbava o
desenvolvimento normal de Conner.
Quando criança e adolescente, a morena não
tinha noção do quão tóxicas, nocivas, as atitudes de
sua mãe eram. Mas agora, desperta, de olhos bem
abertos, atenta ao valor que tinha, não permitiria
que aquele abuso continuasse perdurando por mais
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tempo. Nesse quesito - como em tantos outros - Liv


havia contribuído em grande escala. Com simples
gestos, a loira apresentou à filha do Sr. Alexander,
o quão grandiosa ela era, o quão amada ela poderia
ser pela sua individualidade, pelos seus inúmeros
defeitos e pelas infindáveis qualidades. Era verídico
que seus anos de terapia também contribuíram para
o basta, mas a chave de tudo, foi a descoberta do
mundo que jamais imaginou um dia poder
participar.
O processo de individualização iria requerer
coragem e não podia acontecer em um tempo muito
rápido, pois se assim fosse, Eleanor teria que
romper com tudo completamente e buscar seu
caminho de imediato. Não lhe faltava vontade, mas
em contrapartida, também não lhe parecia ser a
melhor opção. De qualquer forma, ainda dependia
de sua mãe e nutria por ela sentimentos dúbios.
Não suportava sua ingerência sobre sua vida, mas
também se via prisioneira de suas palavras. O
compromisso que assumira com a nação, com o seu
pai, e por conseguinte consigo mesma, adiava essa
ruptura com Beatrice. De uma forma ou de outra

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teria que aprender a encontrar meios de lidar com


tudo aquilo, algo que lhe deixasse um pouco mais
confortável para que pudesse ir, aos poucos,
delimitando os limites e ser ela mesma quando bem
lhe conviesse.
Nesse processo, seria impossível não
desagradar alguém. A morena teria que fazer uma
escolha: continuar se sentindo agredida, mas
fornecendo a sua mãe a total tolerância às carências
dela das quais não era responsável ou passar a se
colocar no topo da lista das prioridades. Para fazer
um omelete alguns ovos precisam ser quebrados. A
quantidade depende do tamanho do omelete que
queira fazer.
- Quer saber? - Conner apoiou ambas as mãos
na beirada da mesa, levantando-se de maneira
súbita e raivosa - Anda mesmo freqüentando o
consultório do terapeuta, mamãe? Porque não me
parece que tenha idéia do mal que lhe acomete. É
óbvio para mim que você sofre da síndrome de
Wendy. Já ouviu falar? Você sente a extrema
necessidade de atender e satisfazer as necessidades
dos outros, de controlar e comandar, tudo para se
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sentir mais amada. Do que tem medo, D. Beatrice?


De ser rejeitada, abandonada? Não vê que com
essas atitudes boçais, extremistas, você somente
afasta as pessoas? E como a senhora tem coragem
de dizer tanta asneira? Estacionou no tempo,
mamãe? Eu sou autossuficiente. Não preciso de
posar ao lado de homem nenhum para demonstrar
hombridade. Eu não preciso estar namorando ou
casada com o David para provar às pessoas que sou
uma mulher de bem, honrada e que preza pelos
princípios da família. Isso não vai fazer de mim a
melhor candidata. Isso só fará de mim mais uma
vítima dos paradigmas errôneos e arcaicos da nossa
sociedade machista e impositiva. E quer saber do
que mais? Eu não gosto, nem nunca gostei dos
Henderson. David é um homem oportunista, vazio
e feio! Eu não vou ficar com ele por conveniência.
Se eu tiver que ganhar essa eleição será por mérito
próprio e não por carregar macho à tira colo. - A
herdeira afastou a cadeira no qual estava sentada,
jogando o guardanapo sobre o prato vazio à sua
frente - Bom apetite para vocês, pois acabei de
perder a fome. - Pisando firme, Conner retirou-se à
passos largos do local sem ao menos prestar-se a
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lembrar das normas de etiqueta que desde sempre


lhe foram ensinadas.
- Eleanor! Volte aqui, Eleanor! Não
terminamos essa conversa! - A primeira-dama
gritava, raivosa.
- Beatrice! Beatrice! - Seu esposo tocou em
seu ombro na tentativa de acalmá-la - Não vai
adiantar abordá-la dessa forma. Vamos firmar os
ânimos, por favor. Eu falo com a nossa filha
depois.
À alguns quilômetros daquela confusão
infundada, Olívia descansava deitada no sofá, após
enfastiar-se de uma travessa inteira de batatas fritas
que sua mãe havia feito para o almoço. Theo
dormia de bruços sobre seu corpo, sendo amparado
pelos braços fortes da irmã. A loira acariciava suas
costinhas enquanto ouvia os pais tecerem
comentários sobre a noite na Casa Branca - assunto
que perdurava há horas.
- Ela é muito sensata mesmo. Eu não tinha
uma boa impressão dela. Eleanor parecia ser tão
fútil, tão...
- Oca? - George completou a fala da esposa.
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- Isso! Oca!
- Eu também tinha essa impressão. Ela
aparentava ser mais uma daquelas mulheres ricas,
egoístas e egocêntricas que usam o dinheiro como
critério para classificar as pessoas e vivem de
"imagem".
- Ainda bem que mudaram de opinião, não é?
- Garner intrometeu-se no diálogo.
- Filha, e o presidente com a sua esposa? -
Nora questionava.
- O que tem eles?
- O que acham sobre o relacionamento de
vocês? Não comentou nada à respeito...
- Claro que eles não sabem, mãe. Com
certeza me demitiriam. Essa mulher, pai, que
descreveu imaginando ser a minha namorada, está
mais para a Sra. Conner. Eles são conservadores
demais, e tenho certeza de que essa revelação será
um choque e tanto pela surpresa.
- Talvez não seja mais uma surpresa. Ambos
podem ter visto as notas que saíram na mídia
insinuando algo sobre você e Eleanor. - O Sr.

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Garner pontuou.
- Isso me preocupa, sabia? Apesar de todas as
reportagens serem, digamos, leves, não
explicitando nada, acabam incitando dúvidas nas
pessoas. Eleanor não podia ter agido como agiu,
tão..."solta". Me sinto responsável, pois sou eu
quem a encorajo a ser ela mesma.
- E essa sua atitude só demonstra o quanto
você a ama. - Nora aproximou-se da filha, pegando
o bebê no colo com o máximo de cuidado possível
para não acordá-lo - Vou colocar esse sapequinha
no berço.
Liv sorria ao ver a mulher afastar-se com o
serzinho indefeso dormindo o sono dos justos em
seu colo. A agente federal ajeitou o seu corpo no
estofado, sentando-se, dando espaço para o seu
progenitor sentar também.
- Olívia, lhe farei uma pergunta, mas quero
que me responda com toda a sinceridade.
- Diga, papai.
- Você está feliz?
A resposta era óbvia, haja visto o brilho em

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seus olhos verdes e marejados.


- Estou feliz! Papai, estou tão feliz! Hoje eu
tenho a felicidade a transbordar-me por todo o lado,
e se deve à Eleanor. É tão bom acreditar no amor
de novo! Estou tão confortável na nossa bolha rosa
que às vezes tenho medo de acordar e notar que
tudo não passou de um sonho. - O sorriso largo e
sincero da filha emocionou George, uma vez que há
anos não a via dessa maneira - Parece que
finalmente tudo à minha volta começou a se
encaixar, a se pôr em seu devido lugar. Eu amei o
Theo, papai, mas o amei de uma forma diferente.
Eleanor... Nossa! É como se... se fosse você e a
mamãe. Como se ela fosse o meu final feliz em um
conto de fadas às avessas.
Antes que o patriarca da família Garner
pudesse tecer algum comentário à respeito da
emoção em ouvir o relato da filha, Nora apontou na
escada chamando pelo marido.
- George, pode vir fechar a janela? Emperrou
novamente. Está ventando bastante e não podemos
correr o risco do Theo adoecer por isso.
- Já estou indo. - O homem respondeu de
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prontidão - Daqui a pouco retomamos nossa


conversa.
- Está bem. Vá lá!
Vendo-se sozinha na sala, Garner alcançou
seu celular que estava logo à frente, na mesinha de
centro. De imediato, acessou sua galeria de fotos,
passando a admirar algumas que havia tirado em
momentos íntimos com sua namorada.
Era lindo de se ver a doçura no olhar da loira,
a poesia carregada em seu sorriso. Definitivamente
aquilo significava o sentimento transbordando, um
sentimento ímpar do qual Liv experimentava como
adolescente em época de descoberta de paixões
intensas.
"Como você é bonita, Eleanor!"
Os seus devaneios - com a amada sendo
personagem principal - foram interrompidos pela
notificação de mensagens da herdeira,
coincidentemente.
[15:35]
Preciosa: Oi, amor. Saudades!
- Ah, Srta. Conner, não mais do que eu. - A

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comandante murmurou para si, respondendo de


prontidão.
[15:36]
Garner: Eu também. Como está sendo o seu
dia?
- Mania fodida dessa mulher de tirar essa
porra de risquinho azul. - A implicância de Olívia
se dava pelo fato de Conner ficar offline e ela não
saber se ao menos a mensagem tinha sido
visualizada ou não. Certamente isso era uma
bobagem, mas que a incomodava, tal como à
muitas outras pessoas - Odeio azul não é à toa.
[15:37]
Preciosa: Uma merda. Uma grande merda.
[15:37]
Garner: O que houve?
[15:38]
Preciosa: Na verdade estava tudo bem até a
Senhora dos Absurdos dar o ar da sua graça. Mas
não quero falar sobre isso. Como vão seus pais? E
Theo? Adoraria vê-lo de novo!
[15:40]
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Garner: Estão todos bem. O danadinho


aprendeu a descer as escadas, acredita?
[15:41]
Preciosa: Pergunte para a D. Nora quando
posso ver esse garotinho. Queria dar um presente à
ele.
[15:43]
Garner: Pode vir quando quiser, mas não
precisa de presente algum.
[15:44]
Preciosa: Mas eu quero.
O poder de percepção sensorial da loira era
mesmo muito aguçado. Eleanor não lhe falara
abertamente sobre seus infortúnios e dissabores do
dia, mas ela sentia que a namorada não estava bem.
A própria também não se sentia plenamente
satisfeita com todos os acontecimentos que se
sucediam em sua vida - o fato de ter que lidar com
Megan e o que estavam prestes a fazer seria um
exemplo claro - mas percebia que a herdeira era
uma prioridade no momento. Naquele instante,
olhando fixamente para a tela do celular, a agente

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federal teve uma idéia um tanto quanto


estapafúrdia, mas que poderia ser uma forma bem
eficaz de fuga da realidade.
[15:46]
Garner: Meu amor, se eu te convidasse para
ir à um lugar comigo, aceitaria?
[15:47]
Preciosa: Com você vou até para o inferno!
[15:48]
Garner: Então faça o seguinte: se vista para
algo informal e venha até a casa dos meus pais.
Peça ao Rust para te trazer. Falarei com ele.
Chegando aqui eu dispenso os agentes.
[15:50]
Preciosa: Ok, mas onde vamos mesmo?
[15:51]
Garner: É uma surpresa. Creio que vá gostar.
[15:52]
Preciosa: Liv é a sua folga. Não precisa fazer
isso.
[15:52]

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Garner: Não preciso mesmo, mas eu quero.


Venha logo. Te amo!
[15: 53]
Preciosa: Está bem. Eu também te amo,
comandante!
Dando risinhos animados, Garner buscou no
ícone de sua agenda, o número de telefone de um
amigo que ela tinha em comum com Louise. Por
sorte ele estava fora da cidade, e com isso, suas
intenções se realizariam tão perfeitas quanto o
imaginado. A loira contou suas pretensões e
combinou o necessário com o homem. Em seguida,
contatou seu subordinado, explicando-lhe todos os
procedimentos que deveria tomar para sair com a
herdeira da Casa Branca.
- Mas já vai embora, filha? - Nora perguntou
ao descer do quarto do caçula e deparar-se com a
mais velha ajeitando seus pertences na mochila.
- Hum, vai se chatear se eu não ficar até a
noite? - Olívia aproximou-se da mãe, depositando
um beijo em sua testa.
- Não, claro que não. Mas é algum problema?

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- Não, mamãe. Na verdade, não sei. Eu estava


agora à pouco trocando mensagens com Eleanor, e
mesmo ela não tendo falado nada de concreto, senti
uma vibração estranha, como se ela tivesse muito
chateada, entende? Aquela mulher não é nenhuma
coitada, mas te garanto que sua vida não é nada
boa, como o mundo todo pensa. Eu só queria poder
melhorar essa condição ao menos um pouco. Estou
exagerando?
- Não, meu bebê...
- Mãe, não me chama de bebê!
- Está bem, bebezão da mamãe! - Riram -
Você está certa, Liv. Deve sempre dar o melhor de
si para as pessoas, ainda mais quando é alguém de
que se gosta muito. Seu pai, seu irmão e eu vamos
sofrer a sua falta, mas fazer o quê?
- Olha o drama, D. Nora! - A matriarca
tomou a agente federal nos braços, dando-lhe um
abraço apertado, carregado de afeto - Agora é sério,
mamãe. Podemos ficar aqui com vocês e fazer a
tarde de jogos.
- Não. Deixe esse programa para outro dia.
Teremos muitas oportunidades ainda. Vá curtir o
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resto da folga com a futura presidente.


- Ai, nem me fale disso...
Repentinamente o som da campainha deu-se
estridente.
- Já não sei quantas vezes pedi ao George
para trocar essa porcaria por algo menos agressivo
aos ouvidos, mas ele nunca tem tempo. - Nora
reclamava, ao passo em que ia atender à porta -
Ora, ora, mas que visita ilustre! - A mulher sorriu
abertamente - Olívia! Eleanor chegou!
- Com licença, senhora. - Um homenzarrão
foi pondo-se na frente da herdeira, entrando no
apartamento.
- Rust, pode deixar. Estou aqui. - Garner
interrompeu o ato do homem que estava seguindo o
protocolo de segurança, verificando o apartamento.
- Ah, comandante. Me desculpe.
- Não, imagina. Entre, Srta. Conner. - A loira
meneou a cabeça em cumprimento - Rust, pode
retornar com o pessoal para Washington. Eu levo a
Srta. Conner de volta.
- Mas...

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- Algum problema?
- Não tem perigo?
- Nenhum, pelo contrário. Já fizemos isso
algumas vezes e é bem eficaz em determinadas
situações. Chama menos atenção do que uma
comitiva inteira. Se eu precisar de ajuda, estejam à
postos.
- Com certeza estaremos. Tenham uma boa
tarde então.
- Boa tarde. - A resposta veio em uníssono.
Assim que Nora fechou a porta, a filha do
presidente aproximou-se da namorada, dando-lhe
um beijo apaixonado, que fora interrompido pelo
pigarro da dona da casa.
- Oh, Nora, me perdoe. Eu... sinto muito.
- Não tem problema. Só é estranho ver minha
filha beijando.
- Mãe!
- Que foi? Não posso falar nada mais! -
Dando de ombros, a mulher sorriu, puxando a nora
para que se sentasse - Aceita alguma coisa? Água,
café?
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- Não, obrigada.
- Nós já estamos indo, mamãe. Cadê meu
pai? Queria me despedir.
- Ele recostou na poltrona do quarto do Theo
e acabou cochilando. Deixei meus dois homens lá,
dormindo serenamente.
- Então diga à ele que eu o amo e que deixei
um beijo.
- Eu também deixo um beijo e obrigada.
- Pelo o quê?
Eleanor aproximou-se de Nora, abraçando-a e
sussurrando em seu ouvido.
- Pela filha maravilhosa!
- Segredinhos agora, é?
- Ah, vamos logo, Garner. - Rindo, as
mulheres deixaram o apartamento em Baltimore,
seguindo à dezesseis quilômetros dali até Ellicott
City.
- Vou colocar uma música, tudo bem?
- Claro, meu amor. O que quiser. - Conner
respondeu sorridente, fazendo Olívia olhá-la de
cenho franzido.
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A loira apertou o botão no painel e logo


puderam ouvir Fashion na voz de Paolo Nutini.
- "...More to life than sex appeal
But sometimes it takes an angel to
remember
Oh and this lady she's the real deal
On the cover from December to
December..."
A comandante começou a cantar e tamborilar
os dedos no volante enquanto dirigia. Eleanor a
encarava incrédula, mas divertindo-se com a alegria
e leveza da outra. Garner parecia sempre plena ao
seu lado, tal como ela permanecia quando em
companhia da namorada. Resolveu, assim, entrar
no clima, cantando junto a canção.
- "...Though her eyes - reveal her vanity
She's got soul, she's got class - and
originality
She's got style and a personality
And she wears it on her sleeve
'Cause she's in fashion
She's chic
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She's a belle nouvelle on Boogie Street


She's in fashion
La freak
She's a belle nouvelle on Boogie Street
She's my queen..."
- Essa é comigo, amor. - Liv cantarolou as
frases - "...She's my queen
Lady's my queen
She's my queen
Your majesty..."
As mulheres gargalhavam, e a herdeira nem
se deu conta de que já tinham estacionado.
- Chegamos?
- Sim. Rápido, não?
- É aqui? - A morena apontou para a sua
esquerda - Studio Unique?
- Aham! - A agente saiu do carro,
apressando-se para abrir a porta em cavalheirismo
para a amada.
- O que viemos fazer aqui?
- Logo saberá. - Olívia adoraria poder dar as
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mãos à Conner, e quase o fez. Contudo, teve que


conter seus anseios temendo um flagra indesejado -
Lembra daquele almoço em que, no trajeto, você
pediu para ouvir "Enjoy The Silent"?
- Lembro. E me lembro muito bem. Por que?
- Acho que comecei a te odiar ali.
- Me odiava, comandante?
- Tinha um pouco de birra.
- Ah, é? Muito bom saber disso, Sra.
Petulante. Pois eu também não ia com a sua cara.
- Mentira, Sra. Arrogante. - Rindo, Garner
bateu em uma portinhola ao lado do
estabelecimento com a fachada parecida com a de
um galpão velho. Ao que uma senhora atendeu, a
comandante ofereceu-lhe um sorriso terno - Olá!
Boa tarde! Sou Olívia Garner e...
- Eu sei quem você é. Aquele desnaturado
filho da mãe me ligou. - A mulher estendeu a mão,
entregando-lhe um molho de chaves - Aqui está.
Quando sair, pode colocar na caixa de correio, por
favor.
- Claro! Obrigada.

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- Não tem de quê.


Voltando a atenção para a namorada, Liv fez
uma careta prendendo o riso.
- O que foi isso? - A filha do presidente
sussurrou.
- Eu não faço idéia. - A mais nova abriu a
porta, dando passagem para a outra.
A fachada fazia o local parecer um galpão, e
por dentro, de fato era.
- Mas...o que é isso? - A morena indagava
enquanto ia circundando todo o ambiente com o
olhar - É um estúdio fotográfico?
- Sim. Pertence à um amigo, o desnaturado
filho da mãe. - Riram - Segundos antes de você me
mandar mensagem mais cedo eu estava olhando
algumas fotos suas. Aí, sei lá, senti que estava um
pouco chateada e de repente me veio essa idéia para
te deixar um pouco mais feliz.
- Idéia de quê, meu amor?
- De fazer um photoshoot.
- Ah, não! Está brincando...
- Não, não estou. Fique tranqüila. Ninguém
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vai nos atrapalhar. Seremos só você, as câmeras e


eu. Veja... - Garner puxou delicadamente a mais
velha pela destra - Tem uma infinidade de
figurinos, perucas, acessório... Não é o máximo?
- É, é o máximo sim. - Eleanor respondeu ao
instante em que tirou um vestido curto da arara
colocando-o sobre a frente do seu corpo - Eu só
nunca imaginei que fosse fazer algo do tipo. Já me
convidaram algumas vezes, mas nunca aceitei.
Meus pais achavam que não seria bom para a nossa
imagem.
- Que ótimo que eles pensaram dessa
maneira. Assim, fico com todas as fotos para mim
em exclusividade.
- Será que... Ah, esquece! Ainda estou meio
embasbacada.
- Meu amor, liberte-se! É uma brincadeira o
que vamos fazer. Enquanto estivermos aqui, você
poderá ser quem quiser. Hoje em dia muitas
pessoas procuram fotógrafos profissionais para
registrar várias fases da vida. É cada vez mais
comum fazer ensaios fotográficos "caseiros",
digamos. Posar para fotos, e ainda mais tirá-las, é
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uma ótima terapia, sabia?


- Está certo! Vamos tirar fotos! - A
comandante puxou a namorada pela cintura, dando
um beijo tórrido em seus lábios - O que acha desse
figurino?
- Perfeito! Pode colocar quantos quiser.
Temos muito tempo para nos divertir.
- Oh, mas já vou avisando que não sei fazer
isso. Ao contrário do que parece, não sou
fotogênica, nem tenho tanta intimidade com as
câmeras dessa forma. Até gostaria de ter, porém...
- Muitas pessoas têm esse desejo, mas às
vezes se intimidam na frente do aparato
fotográfico, não relaxam, ficam 'duras', e podem
acabar não saindo bem na foto, é isso. Só... relaxe. -
A agente comentava ao passo em que ia ajeitando
os equipamentos.
- Já veio aqui antes?
- Umas duas vezes com Louise, somente. - À
priori, a herdeira escolheu um biquini, colocou uma
peruca e um chapéu. Fazendo sinal para a
namorada se posicionar em determinado lugar
demarcado, onde tinha a captura de boa luz, a mais
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nova sorriu, vendo o desconcerto da outra - Acho


que se você usar a imaginação ajuda. Tentar não
ver a câmera como uma câmera, imaginar que ela é
uma pessoa com quem você está interagindo. A
fotografia é bacana quando ela nos diz algo, quando
passa algum sentimento. Um sorriso natural, por
exemplo, precisa estar preenchido para convencer,
e ele pode ter muitas camadas de sentimento. Você
pensa em uma coisa e cada pessoa interpreta do seu
jeito, então é preciso ter algo no olhar que remeta à
emoção. Não vale ter vergonha, tem que relaxar e
não ficar pensando nos seus defeitinhos. Quanto
mais a gente quer esconder algo, parece que mais
evidente fica.
- E faço assim? - A herdeira seguia fazendo
caras e bocas enquanto Garner disparava os flashs -
Existe um melhor lado para fotografar ou isso é
mito? Você sabe? Como terei certeza de qual é o
meu melhor lado?
- Amor, as fotos estão ficando todas ótimas!
Seu melhor lado são todos os lados. - A agente
tentava distrair a namorada - Troque de roupa. Vou
colocar uma música para animar.
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Ao som de Intro, da banda, The XX, Olívia e


Eleanor passaram um bom tempo divertindo-se
entre risadas soltas, poses, flashs, beijos e a
descoberta de novas perspectivas. A loira, mais
uma vez, abria as portas de um novo mundo para
Eleanor, onde ela pôde descobrir mais de si mesma,
detalhes de sua beleza, e de tantas outras Eleanor
que existiam dentro dela.
Já dizia Sêneca: "Uma mulher bonita não é
aquela de quem se elogiam as pernas ou os
braços, mas aquela cuja inteira aparência é de tal
beleza que não deixa possibilidades para admirar
as partes isoladas."

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Capítulo 33 –
Descobrindo a verdade
- Verificando o esquema de entrega, Andras
1. - A comandante Garner utilizava mais uma vez o
discreto dispositivo comunicador que permanecia
preso na lapela de seu terno preto - Gota de
orvalho, Precioso 1 e 2. Comigo. - A loira fez sinal
com a destra para que Rust se aproximasse. O rapaz
foi conduzindo o Sr. Alexander e sua esposa, atento
à sua função de proteger a retaguarda de ambos.
Outros agentes seguiam nas laterais, bem como
Olívia com Eleanor logo atrás. A primeira-dama
entrou com o presidente no Cadillac ultrablindado
enquanto a herdeira tomou o seu lugar em outra
"fortaleza sobre quatro rodas", veículo tão luxuoso
e devidamente equipado quanto o outro - Gota de
orvalho a caminho. Siga roteiro 1.1, Jhonny.
Charlie, 2. Ok.
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Com a ordem dada e prontamente atendida,


logo puseram-se em movimento rumo à residência
dos Henderson. Como de praxe, policiais batedores
em motocicletas seguiam na frente, assegurando
um bom patrulhamento das vias, bem como o
trânsito livre para a segurança da família
presidencial. Delta 1 - o helicóptero que fazia o
monitoramento aéreo - comunicava-se com o
automóvel da escolta terrestre - o Suruban preto -
que contava com a ajuda de quatro dos melhores
atiradores de elite do país.
As namoradas não puderam interagir como
gostariam, na verdade não interagiram de maneira
alguma. Foram o trajeto todo emudecidas - uma
com o semblante impassível por detrás do seu Ray-
Ban Wayfarer Clássico, e a outra a mordiscar os
lábios externando o seu nervosismo e insatisfação.
Não era segredo que Eleanor estava em desacordo
quanto ao seu comparecimento naquele "evento".
Por ela, um martini e um bom repertório de jazz
faria de sua noite perfeita, - ou somente a
companhia de sua bela namorada - mas as
convenções sociais, e agora os compromissos de

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cunho político, a talhavam de muitas das suas


vontades próprias.
Dessa vez a herdeira não quis música
enquanto seguiam para o destino, não quis provocar
a comandante, não quis respirar profundamente
para se lembrar o menos possível de que estava
viva, indo para o abatedouro - comparativo
mórbido e grotesco, mas muito, muito certo em seu
significado.
Assim que os carros pararam, como carreata,
um atrás do outro, já enfarada dos protocolos de
segurança, Conner permaneceu imóvel dentro do
veículo, ao passo em que a namorada saía para
abrir a porta para ela.
- Obrigada! - A morena agradeceu sem muito
ânimo.
- Gota de orvalho sendo entregue. - Garner
murmurou tombando a cabeça para o lado direito,
onde estava o seu dispositivo comunicador para
melhor fazer-se ouvida.
Tocando no centro das costas da herdeira, a
agente foi conduzindo-a pelo jardim até a entrada
principal, onde o mordomo os aguardava.
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Alexander e Beatrice seguiam na frente, sendo


escoltados por Rust - agora o braço direito de Liv
dentro da equipe de segurança.
O local não era estranho para a loira, já que
ela trabalhou para o governador por durante um
tempo considerável. Da parte de estrutura física da
residência, sua mente se lembrava de detalhes,
contudo, a memória falhou no quanto os jantares
dos Henderson eram por demais enfadonhos.
Garner só se deu conta disso quando já estavam
sendo conduzidos para a sala de jantar improvisada
em um salão próximo à cozinha. A comandante
ouviu a voz grave do anfitrião e sua risada caricata
- por vezes até surreal - sem ter ao menos
condições de revirar os olhos.
- Meus ilustríssimos convidados chegaram! -
"Não, idiota! Ainda estamos lá na Casa Branca.
Isso é apenas uma projeção holográfica." Olívia,
com a paciência que lhe era peculiar, respondia à
cada expressão em pensamento - Fiquem à
vontade! Tenho uma surpresa para vocês! - "Oba!
Surpresa! Estamos liberados para ir embora agora,
é isso?" - Não vou lhes oferecer aperitivos nem
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nada do tipo. Optei por um jantar à moda do chefe


Henderson. - "Mas que porra é essa?"
- Não acredito que cozinhou para nós, meu
amigo? - O presidente perguntava ao instante em
que lhe dava um abraço.
- Ainda estou cozinhando. Aliás, o menu de
hoje é mérito da minha esposa também.
- Oh! - A primeira-dama esboçou surpresa
em suas feições - Judith está cozinhando?
- Um cardápio tipicamente italiano. - A
elegante mulher apareceu no salão, vinda da porta
que dava acesso à cozinha - Como estão? Eleanor,
querida…
Entre cumprimentos e frivolidades, tanto
Olívia quanto os outros agentes federais,
posicionaram-se em pontos estratégicos do
ambiente, como de praxe, principalmente depois do
ataque violento que sofreram há meses atrás.
A loira conteve a demonstração de seu estado
de tédio por todo o tempo, mas não conseguiu
disfarçar a bufada baixa quando David adentrou ao
local com a simpatia forçada de sempre.

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- Mas é uma honra recebê-los aqui mais uma


vez. - O homem apertou a mão do presidente,
seguindo para Beatrice, a enchendo de notáveis
galanteios - Depois de minha digníssima mãe, a
senhora é a mulher mais bonita e altiva que
conheço.
- Deixe disso, David. - Ela sorria,
constrangida, segurando em suas mãos - E onde
Eleanor entra nessa história?
- Eleanor… - Ele direcionou seu olhar para a
filha do presidente, sorrindo e caminhando
posteriormente para perto dela - É um caso de
beleza extraordinária à ser estudada.
"Socorro, Deus! Vou vomitar!" Garner
conversava consigo mesma em pensamento, mal
sabendo a pobre enojada mulher, que sua namorada
compartilhava da mesma opinião.
- Faço muito gosto. - Judith sussurrou ao pé
do ouvido da primeira-dama - Deixe-me ir terminar
a minha tarefa. Falta pouco para servirmos o
jantar.
- Não se preocupe, querida. Estamos bem
aqui. - A matriarca dos Conner comentou
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sorridente.
- Hã…mãe, pode esperar um segundo? -
David acenou para a sua progenitora.
- O que foi, meu filho?
- Eu pretendia fazer isso depois de dado certo
avanço da nossa refeição, mas sou muito ansioso
para tal. Gostaria de aproveitar que estão todos
presentes para… - O homem tirou do bolso do
casaco uma caixa vermelha, abrindo-a e estendendo
para Conner - …para lhe entregar esse presente,
Eleanor.
- Por que? - A morena indagou depois de
certo tempo olhando para o par de brincos em ouro
branco e pérola.
- Como assim "por que", minha filha? David
quer te fazer um agrado. Presentes nem sempre têm
motivos para serem dados. - Beatrice encarava a
filha com um olhar repreendedor discreto, e sorria
em disfarce da quase gafe da herdeira.
- Eu fui com ele comprar, Eleanor. - O
governador manifestou-se - Meu filho queria se
certificar de que fosse a mais bonita.

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- Você entende de jóias, meu amigo? -


Alexander indagou, estranhando.
- Claro que entende, não é, querido? Ele
compra a maioria das minhas. - Judith comentou,
tocando no ombro do marido.
- Então, Eleanor, o que me diz? - Henderson
filho a encarava ansioso.
A morena suspirou, olhando um à um dos
rostos dos presentes e discretamente o da
comandante, que mantinha-se imóvel, impassível,
tal como uma estátua.
- Eu não posso aceitar. Por favor, não me
levem à mal, principalmente você, David. Não
tome como desfeita. Apenas não… Não posso
aceitar.
- E por qual motivo não pode aceitar? - O
rapaz franziu o cenho curioso e um tanto quanto
constrangido com a negativa.
- Porque estou interessada em outra pessoa, e
não acho de bom tom aceitar uma jóia preciosa
dessa vindo de outro.
- Interessada? Em quem, Eleanor? - Beatrice

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indagou, dando um passo à frente para melhor


mirar os olhos da filha, após lançar um olhar dúbio
para David.
- Meu bem, não é hora nem local apropriado
para isso. - O presidente deteve sua mulher,
segurando delicadamente em seu braço.
- Então… - Anthony, para quebrar o clima
ruim, sorria e gesticulava em demasia tentando
fazer graça - Que tal irmos diretamente para a
refeição? Creio que estejam todos com fome.
As travessas grandes sendo passadas de mão
em mão, como um verdadeiro jantar na casa de
amigos, ilustrou bem como foi a visita da família
presidencial à casa do governador, sendo os
próprios anfitriões, os cozinheiros da noite.
Anthony e Judith deixaram os convidados à
vontade enquanto terminavam os preparativos para
o jantar. A simpatia de ambos na cozinha reforçou
a idéia de que, sem muita frescuras e formalidades,
pode-se receber as pessoas com elegância.
Os copos estavam cheios e o cheiro na
cozinha antecipava uma bela noite pela frente, se
não fosse pelo ocorrido com David e Eleanor, e a
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preocupação da filha do presidente com o


desconforto de Liv.
Para a entrada foram servidas bruschettas de
polenta, brustolada com anchovas e tomate cereja,
com presunto cru e molho picante, ambas
deliciosas. O prato principal seguiu na linha da
polenta, porque polenta é bom de qualquer jeito, de
acordo com os conceitos da Sra. Henderson. Saiu a
brustolada, entrou a polenta mole, que foi servida
com dois acompanhamentos: barriga de porco
assada com balsâmico e farofa de pinhão e coelho
com especiarias, que os próprios "chef's" colheram.
E como essa noite findou? Com a sobremesa
maravilhosa que ficou ao comando de Judith, com a
receita da avó dela: panacota com nêsperas cozidas
e em calda. Leve, doce e perfumada. De novo:
maravilhosa. E linda.
Seria um jantar perfeito, mas circunstâncias
extenuantes o fizeram quase desastroso. A rebeldia
repentina de Conner afetou tanto a sua mãe que,
assim que retornaram para a Casa Branca, subiu até
os seus aposentos sem dizer uma palavra,
contrariando o prognóstico de um fim de noite
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regado à sermões e discussão.


- Ela está com enxaqueca. - Alexander
aproximou-se da filha, beijando-lhe a testa.
- E todos nós sabemos o que culminou essa
sua dor. - Conner comentava sem muito ânimo.
- Você sabe bem o quanto ela preza pela
perfeição. As coisas não saíram como o planejado,
então…
- Então eu sou culpada pelo seu desgosto por
não aceitar um presente e os galanteios do David.
- Sua mãe faz muito gosto que você dê uma
chance à ele, e ficou surpresa por sua revelação.
Falando nisso, tenho que confessar que a
curiosidade não é só de Beatrice. Quem é o rapaz
pelo qual está interessada?
- Pai, me desculpa, mas não quero falar sobre
isso agora. Podemos só descansar?
- Claro! Não vou insistir. - O homem
suspirou - Irei subir. Tenha uma boa noite, querida.
- Boa noite, pai.
Após alguns segundos observando o seu
progenitor afastar-se, Eleanor deu meia volta
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seguindo pelo corredor na área leste, à procura de


Garner. Não puderam conversar na volta,
impedidas pela presença de terceiros, o que
aumentou ainda mais o temor e a preocupação da
morena para com a sua namorada. Ela sabia que a
agente federal já não estava em um dos seus
melhores dias e tudo deve ter piorado
consideravelmente por conta das baboseiras que
ouvira durante o jantar na casa do governador.
Eleanor encontrou a loira em uma das saídas
laterais do primeiro andar, delegando tarefas à
alguns subordinados e dispensando os outros para
descanso.
- Eu vou me recolher, mas não hesitem em
me chamar.
- Ok, comandante. Boa noite. Boa noite, Srta.
Conner. - Só quando os rapazes disseram aquilo ao
afastarem-se é que Liv percebeu a aproximação da
herdeira.
- Podemos conversar? - A morena manteve-
se tão séria quanto a outra.
- Não é uma boa idéia agora.
- Eu quero falar com você.
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- Senhorita, acredito que deva ir descansar. -


As vozes em tom baixo não disfarçavam a
chateação e o nervosismo contido no interior de
ambas.
- Olivia Garner, por que está fazendo isso? -
Nesse instante, a comandante entreabriu a boca,
incrédula da ousadia da namorada em tocar no seu
braço e questioná-la tão impositivamente em local
público e impróprio. Olhando para os lados,
preocupada, a agente engoliu em seco ao passo em
que seu peito arfou - Por que não quer conversar
comigo? O que eu fiz?
- Shiii… - Como única saída que viu naquele
momento, Olívia a empurrou para dentro dos
limites do salão oval, certificando-se de que
ninguém as estava observando. Ao fechar a porta
atrás de si e trancá-la, virou-se abruptamente,
encarando sua namorada - Ficou louca, Eleanor? -
A loira sussurrava enquanto ia até a gaveta onde
sabia que eram guardados sacos para o
acondicionamento de documentos. Pegou quatro.
Em uma folha branca, escreveu as frases "Não se
preocupem. Estou fazendo um teste" e mostrou
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para a câmera à sua direita, tampando-a em


seguida, colocando um saco em cada uma das
outras câmeras de segurança que mantinham o
cômodo vigiado - Não temos muito tempo. Quer
que alguém nos descubra?
- Por que estava me dispensando?
- Porque meus agentes estavam por perto? -
A comandante levou as mãos à cabeça, ofegante e
claramente nervosa - O que quer conversar não
pode esperar? Suba, depois dou um jeito de ir até
seu quarto.
- Não, sei que você não vai.
- Por que diz isso?
- Porque sei que está chateada.
- Não estou chateada. - A mais nova abaixou
o olhar, respirando profundamente.
- Claro que está. Seus olhos não mentem. Ao
menos não para mim. - Eleanor deu dois passos à
frente, aproximando-se e segurando com a destra o
pescoço da outra - Sabe que eu não tive culpa de
nada, não é? Viu que não fui conivente com aquele
circo todo, não viu?

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- Sim.
- Por favor, meu amor, não fique assim.
- Não é fácil, Eleanor. Não é nada fácil aturar
aquele idiota dando em cima de você
descaradamente e não poder fazer nada. - Liv, ao
lembrar-se de certas cenas, começou a alterar seu
estado de nervosismo, aumentando sem querer o
tom.
- Nós sabíamos que não seria fácil. Sabíamos
desde o início que as provações seriam inúmeras.
- E daí? Sei sim de tudo isso, e eu quero estar
com você mesmo assim, mas, droga! Se ponha no
meu lugar. David quis lhe dar uma jóia, ele te tocou
com malícia, a sua mãe não para de te empurrar
para cima dele, e além de tudo isso ainda tem
aquela família de propaganda de margarina
querendo que você seja um deles. - Externando
suas frustrações e chateações, quando deram por si,
Garner estava à uma distância mínima de Conner, a
prensando contra a mesa - "Seu perfume é
inebriante!", "Vocês formam um belo casal!", "Não
seria incrível esses dois juntos?", "Eu adoraria que
esse jantar pudesse ser somente entre nós dois…". -
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A loira ironizava as falas ouvidas imitando a voz de


David e Beatrice - Eu te amo! Eu quis ficar contigo
mesmo ciente dessas merdas todas, mas é difícil.
Como você se sentiria ouvindo tudo isso e sendo
obrigada a se manter estática, sem esboçar
nenhuma reação? Responde, Eleanor! Como você
se sentiria?
Ambas as mulheres se encaravam tão
próximas que uma podia sentir o hálito da outra.
Ao que a herdeira desviou o olhar um instante para
mirar os lábios de sua namorada, sua barriga se
contraiu já em claro sinal de excitação. Elas se
amavam, se amavam muito e estavam construindo
um sentimento muito maior baseado na lealdade e
na confiança. Garner não estava com os nervos à
flor da pele por nada que a mais velha tivesse feito,
pelo contrário. Havia achado louvável e "bonitinha"
a forma como se impôs, como não se deixou levar
pela pressão de sua mãe e da família Henderson.
Também estava orgulhosa com a posição que a
amada vinha tomando com relação às suas
propostas de candidatura e vida pessoal durante as
entrevistas. O que doía era não poderem se assumir,

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não poderem revelar ao mundo que se amavam,


acabando logo com esse jogo de interesses entre
uma família e outra. Mas existia amor ali, e
conseqüentemente haveria uma solução para todos
os problemas que por ventura viessem a enfrentar.
- Olívia… - O nome da loira foi proferido em
um sussurro - Não podemos…
As peles das mulheres carentes uma da outra
arrepiaram-se, com as respirações ficando
ofegantes à cada segundo passado. A comandante
pensava onde Conner queria chegar a provocando
mordendo o lábio inferior daquela maneira, ao
instante em que a herdeira imaginava no quanto
estariam ferradas se fossem pêgas.
- Não podemos transar aqui? Era isso que iria
dizer? - Em um impulso, Garner tomou a cintura da
mais velha, a erguendo e colocando sentada sobre a
mesa.
- Esse é o salão oval, o gabinete e local de
trabalho do meu pai. - O peito de Eleanor arfava.
- Um lugar notório por ser onde o presidente
recebe os dignatários estrangeiros em ocasião. -
Completou a outra.
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- Me sentou na famigerada Mesa do Resolute,


quase em cima da bandeira do nosso país.
- E acha que estamos cometendo uma
profanação?
Sorrindo maliciosa, a herdeira umedeceu os
lábios alternando o olhar entre a boca e as íris
verdes da mais nova.
- Que se foda o patriotismo agora, e que você
me foda ainda mais.
A comandante tomou aquela frase como
gatilho para permitir o seu desejo por Conner falar
mais alto. Inclinando-se, aproximando do ouvido
da outra, disse algo ininteligível no ouvido da
morena, que não se fez de rogada segurando o rosto
da agente entre suas mãos, dando-lhe um beijo
carregado de luxúria e pressa.
Agilmente, Liv passou os dedos pelas coxas
da morena, erguendo ainda mais o seu vestido.
Com a destra, desceu a alça da vestimenta de
Eleanor, tirando os seus seios para fora do sutiã,
passando a mamar com avidez, enquanto roçava
sua vagina - mesmo coberta pela calça - na pele
exposta da perna da outra.
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- Você me dá muito tesão. - A comandante


balbuciava, tirando a boca dos peitos de Conner
apenas por segundos para tirar seu blazer.
- Não tira a… gravata. Fico excitada com
você vestida assim, comandante.
- Safada…
Sorrindo com o comentário, a loira passou a
ponta da língua circulando um mamilo enquanto
brincava com o outro entre seus dedos. Revesou,
desta vez, chupando com mais vigor, abocanhando-
os sem pudor. A herdeira, por sua vez, aranhava os
braços musculosos da sua segurança, mesmo sobre
o tecido fino de sua blusa social. E gemia… Gemia
baixo, mas descontroladamente.
Olívia foi descendo seu corpo, beijando e
acariciando lentamente barriga da morena, ao passo
em que tirava a calcinha de renda que Conner
usava. Ao aproximar seu rosto da virilha da outra,
deu leves mordidas em ambos os lados, fazendo a
herdeira proferir um palavrão sem pensar.
- Caralho!
- Shiii… Podem nos ouvir… - Gostando do
descontrole de sua namorada, Garner investiu nas
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mordiscadas entre as coxas, virilha e no clitóris da


mais velha.
O cheiro de sexo que Eleanor exalava fez a
loira não suportar mais o tesão e abocanhar aquela
vagina linda, bem depilada e molhada. Para
provocar ainda mais a sua parceira, a filha do
presidente arreganhou bem as suas pernas, abrindo
seus grandes lábios com os dedos, dando o
vislumbre à outra daquela "flor" que brilhava com
o seu néctar que já se escorria.
Primeiro a comandante quis sentir o nervo
pulsante na sua boca, em seguida, foi alternando
lambidas em toda a extensão do sexo inchado da
amada, enfiando a ponta da língua em sua
entradinha.
Quase cravando as suas unhas na madeira
para sustentar e equilibrar seu corpo, Eleanor se
contorcia, gemia, sussurrava obscenidades,
deixando a mais nova louca. A agente a penetrou
com dois dedos, ouvindo murmurinhos declarados
de como aquela foda estava gostosa.
- Me faz gozar agora, Garner. Me fode forte e
me faz gozar.
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Atenta ao prazer que estava proporcionando à


herdeira, Liv voltou a chupá-la, trocando vez ou
outra os seus lábios, pelo seu polegar que
acariciava aquele clitóris avermelhado com
movimentos circulares.
A loira já podia sentir a vagina de Conner se
contraindo em sua boca ao mesmo instante em que
tinha suas costas arranhadas e sua cabeça
pressionada entre as pernas da mais velha.
Despudorada, Eleanor esfregava seu sexo na cara
da outra, implorando pelo gozo.
Prevendo que o ápice da namorava estava
chegando, Olívia desacelerou o ritmo das metidas
fundas dos seus dedos, passando também a chupar
o nervo latejante com delicadeza, sentindo sua boca
ser preenchida pelo líquido quente, viscoso e de
sabor inigualável. A comandante sugou cada gota,
deixando a outra bem relaxada, sorrindo em
êxtase.
- Que delícia você é! - Garner abraçou a
morena, com ambas ainda tentando recuperar o
fôlego.
- Você não gozou ainda…
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- Ah, não? - A mais nova pegou a destra de


Conner, enfiando dentro de sua calça, permitindo
assim que a outra sentisse o melado excessivo
sobre o tecido de sua calcinha - Estragada. - Riram.
- Acho melhor sairmos daqui. Arriscamos
demais transando no gabinete da presidência dentro
da Casa Branca.
- Você me droga para que eu faça coisas
absurdas assim. - Liv afastou-se, pegando as roupas
de Eleanor jogadas no chão, bem como a sua -
Recomponha-se que a acompanharei até seus
aposentos.
- Vai dormir comigo? - Conner indagou,
animada.
- Ah, meu amor, quem me dera! Eu até
precisava mesmo depois da noite de hoje, mas com
os seus pais em casa, fica bem complicado. Semana
que vem o Sr. Conner tem o congresso na Carolina
do Norte, no qual a primeira-dama deve
acompanhá-lo, já que tem um evento beneficente
no Tennessee no dia seguinte. Acho que poderemos
aproveitar ao menos dois dias de sossego para
namorar. - A mais nova posicionou a namorada
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onde não podia ser vista à fim de destampar a visão


das câmeras de segurança.
- Isso é perfeito! - Eleanor comentou,
recompondo-se - Ah, quero ver as fotos que
tiramos.
- 03, tudo limpo. - A voz grave vinda do
corredor as fizeram retesar os músculos em
preocupação por serem pegas. Olívia levou o
indicador direito à boca, sinal para Eleanor manter-
se calada - Vou para a cozinha. - As mulheres
suspiraram aliviadas quando não mais ouviram os
passos do homem.
- Por pouco. - Riram baixo - Sobre as fotos,
estou trabalhando nelas. - A agente secreta desfez o
sorriso que mantinha nos lábios quando alcançaram
o corredor.
- Desde quando entende de edição de
imagens?
- Desde quando eu fiquei curiosa e fuxiquei
nos programas para aprender.
- Autodidata?
- Aham. - No pé da escada que dava para o

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andar dos quartos, a loira não se conteve e suspirou,


encarando admirada a mulher exuberante à sua
frente - Então…boa noite, Srta. Conner.
- Boa noite, comandante. Durma bem.
- Obrigada. Durma bem também.
Era notório o pesar no semblante da herdeira,
que tratou logo de subir antes que cometesse a
loucura de agarrar a namorada pelo pescoço ali
mesmo.
Insatisfeita em deixar a outra dormir
chateada, assim que chegou no dormitório, Garner
pegou seu telefone para encaminhar uma
mensagem cheia de gracejos para ao menos fazer
Eleanor sorrir. A loira desviou o foco do seu
intento quando observou a notificação de ligações
não atendidas e de sms não lido. Ao verificar,
suspirou profundamente só de ver o nome do
remetente: Megan.
"Consegui o que queria. Quando e onde
podemos nos encontrar? Acho que eu mesma
devo fazer a troca para que não desconfiem de
nada e tenhamos problemas."
- Isso tem que acabar logo! Já comecei, vou
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terminar. - A comandante balbuciava consigo


mesma.
"Pode vir à Casa Branca amanhã às
07:00? Faremos exatamente como da outra vez."
Mesmo temerosa, Liv enviou a mensagem
para a ruiva. Ansiosa em demasia, a agente não
quis esperar pelo retorno, pegando um pijama
confortável e indo tomar um banho. Ao retornar
para o seu quarto, lá estava a resposta, que ela não
saberia classificar como boa ou ruim, dadas às
circunstâncias da gravidade de seu ato ilícito.
"Mas você parece sentir prazer em me
tirar da cama tão cedo, heim? Por que não
dorme comigo de uma vez? Brincadeira,
comandante. Estarei aí."
Por que é que basta deitar a cabeça no
travesseiro para que nossos pensamentos partam
em disparada? Isso aconteceu com Olívia.
Assim que leu a resposta de Meg, a loira pôs
o celular no criado-mudo ao seu lado, fechando os
seus olhos no intuito de ter a sua tão merecida noite
de sono. Ledo engano. Mesmo depois de trinta
minutos tentando, ela não conseguiu dormir.
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Nosso cérebro tem a tendência incômoda de


ruminar os piores cenários possíveis à noite – e
essas preocupações são um obstáculo sério para
quem quer pegar no sono ou quem precisa
descansar para um evento importante no dia
seguinte, no caso, a comandante.
A ansiedade é uma emoção que nos acorda.
São várias mudanças físicas que nos aceleram, o
estado exatamente oposto do que se precisa quando
quer se quer dormir. E por conta do ato infracional
que estava prestes a cometer, Olívia estava muito,
extremamente ansiosa.
Mas como uma boa nova, repentinamente, a
agente federal lembrou-se que tinha uma amiga
psicóloga que lhe dava total apoio quando era
acometida pelas crises nervosas por conta de seu
filho perdido. Como a ansiedade costuma estar
relacionada aos nossos pensamentos, Louise
ensinou-lhe que todos nós temos a capacidade de
controlá-la.
- É somente um problema nos padrões de
pensamento e comportamento. É somente um
problema nos padrões de pensamento e
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comportamento. - Garner repetiu a frase como um


mantra até pegar no sono.
06:38. Exercícios matinais feitos, desjejum
tomado, liberação da entrada de Megan efetuada,
somente aguardando a chegada da mulher.
Liv não demonstrava externamente, mas
estava com os nervos à flor da pele, e à poucos
passos de descobrir a verdade - se é que existia
uma.
Dentro do horário, as mulheres encontraram-
se no local combinado, mas ao invés de entrarem
na Casa Branca, a comandante saiu com o seu
carro, sendo seguida pela ruiva. Elas dirigiram por
aproximadamente quatro quadras, estacionando em
uma rua não muito movimentada, fazendo a troca
dos computadores o quão rápido puderam.
- Eu liberei a sua entrada, mas estive
pensando e acho melhor eu mesma fazer a troca.
Uma pessoa estranha vai chamar muito mais a
atenção. Eu posso dizer que o computador é
pessoal, caso alguém me veja o carregando e
questione. Agora, você não tem motivos para estar
lá.
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- Eu pensei em ficar no seu dormitório, quer


dizer, trabalhar de lá. Estaria mais perto da fonte
receptora dos sinais e ficaria mais fácil.
Olívia estranhou o semblante sisudo da outra
quando ouviu a negativa de sua permanência na
residência presidencial. A decepção era quase
palpável quando insistiu que deveria estar lá. O que
essa mulher estava tramando, afinal? Será que
podia mesmo confiar nela? Eram muitos os
questionamentos que rondavam a mente da loira,
mas estes agora tornaram-se irrelevantes. Ela não
tinha escolha. Não, à essa altura do campeonato.
Não após ter quebrado uma das regras mais
valiosas de sua conduta de valores pessoais, e ter se
tornado corrupta.
- Será mesmo mais fácil? Faria o serviço com
mais rapidez?
- Com certeza.
- Tudo bem, então. - A agente respondeu
após ponderar por alguns minutos - Você vai direto
para o meu dormitório e não saia de lá por nada. Eu
faço a troca e levo o equipamento. Não poderei
servir de babá, portanto, não vacile. O que precisar,
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me peça pelo telefone, mas só peça se for muito


urgente.
- Fome é uma urgência? Xixi, c…
- Shiii… - Garner interrompeu-a - Nos
horários certos eu levarei as refeições para você,
então, não. A fome não é urgência. E quanto às
suas necessidades fisiológicas do qual eu não
preciso e nem quero saber, tem um banheiro no
corredor, duas portas à direita. Agora, vamos. Não
posso perder tempo com coisas supérfluas. - A
agente foi caminhando até o outro lado de seu
veículo para abrir a porta do motorista.
- Cocô não é coisa supérflua! - Megan
proferiu a frase em tom mais alto para fazer-se
ouvida pela outra, gargalhando antes de entrar no
carro.
E tudo se deu conforme os planejamentos de
Garner. Elas entraram, a ruiva foi direto deitar-se
na cama da comandante, enquanto esta arrumava
uma desculpa deveras esfarrapada - e convincente
ao mesmo tempo pela credibilidade que o cargo
que ocupava lhe conferia - para ficar sozinha na
sala de controle.
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Troca dos computadores feita, a loira


lembrou-se de todos os detalhes das instruções de
Meg, verificando pela terceira vez se tudo estava
em ordem, se algo a podia denunciar.
Tudo certo. Liv pareceu cronometrar o
retorno dos agentes da pausa para o lanche extra
com o qual a "chefe" havia lhes presenteado, saindo
segundos antes. No trajeto até o dormitório,
encontrou com um e outro colaborador, mas
ninguém que fosse capaz de questioná-la, ou sequer
perceber que havia algo errado.
- Aqui está. - A agente colocou o computador
no chão, dando tapas na perna da ruiva fazendo-a
levantar-se, sentando em seguida na beirada do
colchão - Acha que termina hoje ainda? Porque não
podemos dormir juntas aqui.
- Vou dar o meu melhor. - Megan respondeu
já de prontidão para ligar os equipamentos.
- Acho bom. Vou trabalhar. Lembre-se do
que lhe disse. Me ligue por qualquer coisa que
necessitar.
- Sim, comandante. - A mulher bateu
continência.
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- E não faça isso nunca mais! - A loira saiu


do quarto meneando negativamente com a cabeça
para as maluquices de Meg.
O dia aparentava transcorrer em uma
tranqüilidade atípica. Anne informou para a loira
que Conner havia cancelado o compromisso
matinal com os dois filiados importantes dos
democratas por conta de uma terrível cólica
menstrual. De forma que parecesse uma
cordialidade empregado-patrão, Olívia foi visitar a
namorada em seu quarto, dando as conhecidas duas
batidas firmes na porta.
- Entre! - A morena mais gemeu do que
gritou.
- Oi, Srta. Conner. - A comandante entrou
circundando o local com o olhar.
- Estou sozinha.
- Já se medicou? Se alimentou? Precisa de
algo? - A mais nova aparentava uma preocupação
ímpar.
- Estou bem. Quer dizer, não estou. Parece
que tem um alien dentro de mim tentando nascer,
dilacerando a minha barriga.
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- Oh, meu bem… - Garner sentou-se na


beirada da cama, mas lembrou da porta
destrancada, levantando, trancando e retornando
para perto de sua amada - O que eu posso fazer
para te ajudar?
- Me dê um beijo e um útero que não me faça
sentir dor.
- O beijo podemos providenciar agora. - A
mais velha sorriu com o comentário da outra,
puxando-a pela gola do blazer.
O ato começou calmo, com as línguas se
movimentando em perfeita sincronia, explorando a
boca uma da outra. Mas essa tranqüilidade durou
até o momento em que a agente secreta segurou o
rosto da mais velha entre as mãos, soltando um
gemido baixo ao ter seu lábio inferior mordiscado.
Agora, tudo era rápido, brusco e excitante. As
mulheres só se separaram quando Conner se
contorceu, obviamente não por prazer.
- O médico está vindo aplicar a medicação na
veia. - A morena murmurou.
- Então eu acho melhor não me demorar aqui.
Chame se precisar.
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- Obrigada, amor.
- Eleanor! - A voz de Beatrice pôde ser
ouvida junto com a batida seca.
- Bem a tempo. - A loira movimentou os
lábios, sem emitir som e, sorrindo, foi atender à
porta.
- Ow, comandante Garner. - A primeira-dama
meneou com a cabeça adentrando no cômodo,
acompanhada do médico da família.
- Sra. Conner, Doutor… Com licença. -
Olívia saiu em disparada, evitando assim quaisquer
comentários e questionamentos indevidos.
- Estão justificados os seus atos imprudentes
de ontem. - A matriarca da família ponderou
erroneamente, fazendo a filha revirar os olhos.
- Doutor, pelo amor de Deus, me aplique um
medicamento para a dor e um "sossega leão"
porque preciso muito disso para sobreviver ao dia
de hoje. - "E à minha mãe principalmente",
completou em pensamento.
- Fique tranqüila que o remédio é forte o
suficiente para te dar sonolência e te fazer dormir

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algumas horas. - O homem disse sorrindo, à


preparar o material.
Era a herdeira quem pedia por calmantes,
mas ninguém fazia idéia de que dali à poucos
minutos quem necessitaria de um seria a
comandante.
Aproveitando-se do fato de não ter que fazer
serviços externos ao menos na parte da manhã, a
loira foi para a sala de controle vigiar de perto o
computador que não pertencia ao aparato do
governo. Cerca de uma hora e meia depois, entre
um relatório assinado e uma olhadela discreta para
as tarefas executadas de seus subordinados, Garner
sentiu seu celular vibrar no bolso da calça.
Imaginando ser a namorada, pegou o aparelho tão
rápido para desbloqueá-lo que quase fez o
pobrezinho espatifar-se no chão. Para a sua
frustração, não era Eleanor, e sim, Megan.
"Consegui decodificar alguns arquivos.
Preciso que venha até aqui."
Aquela mensagem sobressaltou a agente
federal de tal maneira, que seu coração parecia ter
ido parar na garganta. O que será que a ruiva tinha
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descoberto de tão significativo que não podia


esperar terminar o serviço? Bom, de qualquer
forma, o certo seria Liv estar ao lado dela o tempo
todo, já que ali continha informações confidenciais
do governo estadunidense. Contudo, como a merda
começou o mais errada que podia, a tendência seria
somente piorar.
O quão rápido conseguiu, a loira dirigiu-se
até o seu dormitório, encontrando Meg com o
cenho franzido digitando algo em seu notebook.
- Oi! - Ela levantou brevemente o olhar,
desviando-o da tela - Senta aqui. Fiz duas cópias de
segurança. Uma criptografada e a outra não, para
você ter mais facilidade de acesso.
- O que descobriu? - Olívia estava receosa em
aproximar-se, mas o fez mesmo assim, quando a
ruiva bateu a mão sobre o espaço no colchão ao seu
lado.
- Eu não entendo muito bem o que tudo isso
significa, mas tenho certeza que significa algo.
Garner pediu licença com o olhar e começou
a esmiuçar os arquivos. Conforme ia passando um à
um, sua sobrancelha arqueava e sua respiração
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tornava-se irregular. Megan percebeu as mãos da


outra tremendo, quando ela levou a destra até a
boca como se quisesse abafar um grito. Os olhos da
comandante estavam marejados, e seria inútil
conter as lágrimas de raiva, temor e incredulidade.
Seu nome aparecia em diversas citações, junto com
fotos de quando ela ainda trabalhava para o
governador e algumas do dia do acidente onde os
cães de Eleanor estavam no carro. Outros nomes
apareciam tanto quanto o seu, a maioria
completamente desconhecidos por Liv, mas um em
especial, confirmou as suas desconfianças.
- Você resgatou esses arquivos da pasta de
quem? - A loira indagou com a voz trêmula, já
sabendo a resposta e mesmo assim receosa em
ouví-la.
- Michael Waite.
Perplexa. Era assim que Olívia Garner
encontrava-se naquele instante.
- A voz dele sempre ficava mais aguda
quando eu tocava no assunto… - A comandante
parecia atônita - Ele tornou-se evasivo, distante,
sempre na defensiva…Eu…jamais poderia
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imaginar que seria um peão nas mãos de alguém,


principalmente…Me usaram como cobaia para
executarem o ataque à Casa Branca. Michael Waite
foi o responsável por tudo isso!

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Capítulo 34 – Segredos
revelados
- Olívia, está tudo bem? - Megan engoliu em
seco ao observar a agente ao seu lado com
praticamente todo o corpo estático, salvo as
pálpebras que se abriam e fechavam devido às
lágrimas que escorriam silenciosas.
Ela não conseguiria mensurar os minutos que
já haviam decorrido desde que a loira lera o
conteúdo de alguns arquivos secretos. Talvez
fossem dez, vinte, trinta… Era difícil saber. Mas
mesmo assim, Meg entendia que já tinha se passado
tempo suficiente para tornar-se algo preocupante.
- Sempre gritei aos quatro ventos que prezo a
honestidade e a sinceridade acima de tudo. -
Finalmente Garner manifestou-se - É o que eu peço
para todos os que me rodeiam. Só me sinto segura
quando sei que estão dizendo a verdade sobre
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qualquer assunto, até mesmo os mais banais.


Mentir para mim não serve para nada além de me
deixar enfurecida, porque sempre descubro,
querendo ou não.
- Até agora eu estou sem entender
exatamente o que está acontecendo. Esse tal Waite
te usou para cometer o atentado à Casa Branca, é
isso? Mas como? Não foi você quem salvou todo
mundo?
- Eu não sei exatamente o que ele fez, menos
ainda os motivos. Deus!
- Você precisa se acalmar, ok?
- Sabe o que me revolta? É o fato de eu ter
sido tão, tão burra! Fui treinada inúmeras vezes
para distinguir um comportamento de risco, uma
mentira, e o que aconteceu? Quando mais precisei
usar desses conhecimentos, acabei sendo enganada
da forma mais vil, mais torpe que existe.
A agente estava atravessando a fase da
negação, indo diretamente para a culpabilidade de
si mesma. Ela sempre acreditou que as pessoas
mentiam para ela por covardia, porque todos
sabemos que ser sincero é muito mais complicado,
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e que na hora de dizer não ou falar uma dura


verdade, entram em jogo muitos fatores que podem
ser escondidos com a mentira. O que Liv sequer
poderia imaginar é que seria apunhalada pelas
costas daquela maneira.
- O que…o que faremos agora? - A ruiva
indagava, receosa.
- Eu sempre menti, mas não para os outros, e
sim somente para mim. Mentir para si mesmo é um
ato que faz o medo escorrer por todos os poros do
nosso corpo. Eu estava ocultando algo que me
apavorava. Eu menti para mim mesma porque
acreditei que seria mais fácil seguir em frente. No
entanto, era um ledo engano meu. Não se pode
seguir em frente desta forma porque as mentiras,
em qualquer caso, nos levam a becos sem saída, a
decepções, a sofrimento, tão somente isso. Na
verdade, entendi que a minha cabeça podia ocultar
o que quisesse e que ela podia seguir em frente por
si só, mas nunca poderia avançar por inteiro. Ela
não podia enganar o meu coração: ele não podia
avançar se não prestassem atenção nele. Nada
podia contradizê-lo e, ao mentir para mim mesma,
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só estava negando a sua verdade. Percebi então que


na luta entre o coração e a razão, quando se tratava
de mim mesma, o coração sempre venceria: isso me
fez ver que eu não estava sendo sincera e que tinha
que sê-lo. Talvez eu tenha percebido tarde demais.
Talvez eu colecionei tantas mentiras que elas, por si
só, foram suficientes para me cegar.
Megan suspirou, abraçando a comandante de
maneira desajeitada, mas deveras consoladora. Ela
era uma completa estranha. Garner fez um
apanhado de toda a sua vida, mas as circunstâncias
que as levaram a estar ali já provavam que não se
conhece alguém por inteiro, que confiar nas
pessoas, é um jogo mortal de roleta russa. Contudo,
o aconchego recebido fazia com que a loira
conseguisse não explodir, não surtar com a trama
doentia esfregada em sua cara. Talvez o que ela
precisasse mesmo era do colo de uma estranha que
tivesse alguns minutos livres, que permanecesse em
silêncio prestando cuidadosamente atenção em cada
pedaço daquele desabafo, que não tivesse um
monte de conselhos ensaiados na ponta da língua e
frases de efeito que ela já havia decorado, como se

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fosse um livro de auto ajuda ambulante - como às


vezes Louise era - tentando entender suas dores.
Talvez a agente só precisasse de Meg, aquela
desconhecida que permitia que ela desabasse em
palavras clichês e confusas.
A ruiva não sabia como agir, não sabia o que
dizer, mas ofereceu um carinho sincero nas
madeiras aloiradas, sentindo as dores de Olívia na
intensidade de cada sílaba pronunciada, até se
compadecendo e pegando para si um pouco daquele
drama e dor.
Megan não sabia o que fazer, porque não
tinha o que ser feito. Somente a comandante e o
tempo podiam tratar do assunto e das feridas que
aparentemente o acompanhavam, mas esse clichê já
era bem conhecido, ela não precisava repetí-lo, por
isso optou pelo silêncio.
- O que… O que pretende fazer com essas
informações?
- Eu não sei. Estou confusa. Não consigo
organizar meus pensamentos. - Garner,
repentinamente, virou-se para encarar a mulher ao
seu lado. Mirava bem dentro dos olhos azuis,
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brilhantes e preocupados. Com a visão periférica, a


loira podia notar seu peito arfando, indicativo de
que a outra estava tão nervosa quanto ela - Você
tem plena consciência de que tudo o que viu, o que
ouviu aqui é estritamente confidencial, não tem? -
Meg assentiu, visivelmente consternada. Liv
limpou seu rosto banhado pelas lágrimas e respirou
fundo, prendendo o ar por alguns segundos, como
se aquilo fosse recobrar o seu controle perdido - Eu
falo sério, Megan. Não tenho certeza se está ciente
das conseqüências que pode ter se qualquer mínima
informação vazar daqui. Eu sei de coisas sobre
você que podem te ferrar pelo resto da sua vida, se
você tiver uma para isso.
- Relaxa, comandante. Eu não posso te
obrigar a confiar em mim. Tem apenas a minha
palavra, mas sim, estou bem certa de tudo o que
posso perder se caso acontecer uma merda dessas.
- Certo.
- Então… Eu ainda não terminei de
decodificar os arquiv…
- Não! - Garner interrompeu seus
movimentos segurando firme em seu braço
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- Não continue agora. Espere um pouco.


Preciso pensar com calma, preciso esclarecer o que
está me enlouquecendo aqui. - A agente levou
ambas as mãos à cabeça, levantando-se - Eu preciso
tomar um pouco de água gelada. Me espere sentada
aí, heim? Não saia desse quarto.
- Ok. Pode trazer um pouco de água para
mim?
- Trago.
Mesmo receosa, Garner saiu do dormitório,
daquele cubículo infestado de energias negativas
seguindo rumo à cozinha. Precisava respirar ar
puro, precisava espairecer, e faria isso pelo trajeto.
Era o mundo ruindo em sua cabeça, o receio do
perigo que já tinha corrido e a certeza dos maiores
riscos agora com a sua ciência dos fatos. Muita
informação, muito medo, muita emoção para
assimilar de uma só vez. Provavelmente um copo
d'água não faria diferença alguma no que fosse algo
que contribuiria na solução dos seus problemas
atuais, mas com certeza limparia simbolicamente o
seu corpo daquela podridão, além de acalmar-lhe os
nervos.
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Megan permaneceu sentada na cama de


Olívia, entre aqueles equipamentos, parafernalhas e
os demais aparatos que usava para burlar certas
"regras" na dita "terra de ninguém". A mulher
suspirou profundamente circundando todo o
ambiente com o olhar. Seu coração batia forte e
descompassado, e ela bem sabia o porquê.
Definitivamente as descobertas que tinha feito para
a agente não eram coisas boas. Meg não precisava
entender nada para ter a certeza disso, e talvez ela
nem quisesse mesmo se envolver em problemas de
terceiros, ainda mais se relacionando com a alta
cúpula do governo do país. Seus próprios
problemas já ocupavam espaço demais em sua
vida; seus crimes, suas desmazelas… A mente e o
coração da ruiva não tinha espaço suficiente para
mais nada.
Garner havia pedido para que ela aguardasse
ali. A voz da sua consciência dizia para que
permanecesse no mesmo lugar em que estava, de
preferência sem se mexer, sem mexer em mais
nada. Era o certo a se fazer. Contudo, desde
pequena, Meg calou essa voz com outra que falava

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bem mais alto: a voz da sua impulsividade e


determinação. Ela estava ali por um motivo, um
único motivo. Não foi fácil, e menos ainda
agradável chegar até onde chegou. Mas já que os
primeiros passos tinham sido dados, recuar não
seria mais uma possibilidade.
Respirando rítmica e suavemente para manter
o controle de suas emoções, a ruiva foi seguindo pé
ante pé corredor à fora. Não sabia exatamente por
onde deveria seguir, ou até mesmo o que
encontraria pelo caminho, mas precisava continuar.
Precisava não mentir mais para si mesma, assim
como Garner disse que o tinha feito.
Quando estava passando por uma das saídas
do lado sul, que ficavam na parte de trás da
residência, Megan pôde ouvir vozes femininas,
vozes essas que estranhamente lhe eram familiares.
Seu peito arfou no instante em que pôs-se à
espreita, observando a primeira-dama e sua filha
conversando em um tom não muito amistoso.
- Você nunca me contou nada à seu respeito,
Eleanor. Como quer que eu lhe entenda dessa
forma?
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- Talvez bastasse você tirar os olhos do seu


umbigo por alguns instantes para poder prestar
atenção em mim. - A morena dizia pesarosa
enquanto acariciava seu cão.
- Como eu não presto atenção em você? Tudo
o que eu fiz desde que você nasceu foi lhe dar toda
a atenção do mundo, toda a dedicação que uma mãe
pode ter para com a sua filha. Você não pode me
acusar disso.
- Posso. Tanto posso que acuso. Você estava
fisicamente presente em determinados momentos
da minha vida sim, mas não em todos, e menos
ainda nos mais importantes. E presença física,
mamãe, não significa presença de coração, de alma.
Foi isso o que eu sempre precisei, porém nunca
recebi de sua parte. Você sempre me vestia como
uma boneca, me fazia agir como uma boneca, mas
eu não sou uma boneca perfeita, mamãe. Já estou
farta de ter que conversar contigo sobre o mesmo
assunto, tentar lhe explicar algo óbvio.
- Está sendo injusta, Eleanor. Eu sempre quis
ter uma filha confidente, do qual eu pudesse ser
amiga. Sempre quis ser muito mais do que uma
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mãe, mas você nunca, nunca quis o mesmo que eu.


Tudo o que fiz e faço é pensando no seu bem estar,
no que é melhor para você.
- Já parou para pensar que o seu conceito de
"melhor" pode não ser o mesmo que o meu? Não é
a sua vida que está em jogo, portanto, as escolhas
não são suas.
- Você está jogando fora tudo o que construí
para o seu futuro, e à troco de quê? Perceba a
mudança em seu comportamento. Quer transferir a
rebeldia adolescente para a sua vida adulta,
Eleanor? Uma mulher da sua estirpe se portando
dessa maneira tão… - Beatrice observava a filha de
cima à baixo com o semblante de quase repulsão.
- Tão o quê, mamãe?
- Tão inconseqüente! Quer jogar fora um
relacionamento com um homem do nível do David,
bonito, perfeito, íntegro, para se rebelar sem
fundamento? Quer ir contra quem? Contra o quê?
Aliás, quem é essa pessoa pelo qual está
interessada? Quem é melhor partido que o
Henderson, que vai poder tecer uma imagem de
família tradicional ao seu lado? Me diga, Eleanor,
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quem é essa pessoa?


- Você é o ser mais ignorante e sufocante que
eu já conheci em toda a minha vida. Eu não posso
ser amiga, ser confidente de uma pessoa que vive
pronta para contestar e julgar as vontades alheias.
Eu nunca pude me aproximar de você porque você
nunca me respeitou, mãe. Nunca me perguntou se
eu gostaria disso ou daquilo, nunca me deu opções,
nunca soube lidar com a minha individualidade,
nunca perguntou como as coisas aconteciam dentro
de mim. Eu não estou revoltada, só estou
enxergando a realidade. O amor e o respeito que
sinto por você sempre me cegaram. Você sempre
me manipulou e eu permitia, mas agora chega! Eu
saí da sua prisão psicológica, mamãe. Eu não vou te
contar por quem estou interessada, ao menos não
por enquanto. Não até eu me sentir segura para isso
porque simplesmente eu não confio em você. Não
confio. - As últimas palavras foram ditas
pausadamente.
- Eu nunca imaginei que pudesse me
decepcionar tanto! Você vai arruinar a sua vida, vai
arruinar a nossa família, manchar o nosso nome. E
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eu não sei se posso lidar com isso. - A primeira-


dama, como figura imponente que era, estava
aparentemente emocionada, mas conteve-se diante
da filha.
Ela respirou fundo, meneando negativamente
com a cabeça, retirando-se do local em seguida.
A herdeira permaneceu ali, de pé, ainda
mantendo-se desacreditada de todo aquele discurso
enfadonho e arcaico de sua mãe. Billy, seu fiel
escudeiro, continuou deitado ao lado da dona - sem
se mover, como se sentisse que ela precisava de um
pouco de quietude.
- Ei, garotão! Quer brincar? Hum? Vamos!
Preciso me distrair e ninguém melhor que você, não
é? Que tal se você aprendesse uns truques? Posso
tentar te ensinar. Hã… - A morena agaixou-se,
passando as mãos sobre o pêlo brilhante do seu pet
- Vejamos… Que tal se eu te ensinasse a como se
fingir de morto? Seria legal, não seria? Então,
vamos! Feche os olhos! - O cachorro sequer
manifestou entendimento ou interesse - Ah, vamos
logo, Bill! Feche os olhos!
- Geralmente os cães não fecham os olhos
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quando brincam de fingir de morto. - Megan,


sorrindo abertamente, aproximou-se de Conner. - A
filha do presidente levantou-se de sobressalto,
vendo aquela mulher misteriosa - que tanto
perturbou os seus sentidos há dias atrás -
novamente na sua frente. Era como um fantasma,
tinha a impressão de ser mesmo um espectro que
aparecia e desaparecia quando lhe convinha
atormentar. Manteve-se arredia, de olhos
arregalados e uma tentativa frustrada de conter a
leve ofegação, uma vez que não sabia com quem
estava lidando - Ao contrário do que muitos
pensam, esse é um aprendizado simples, mas que
só funciona depois que o cão domina o comando
“deita”. Ele sabe deitar?
- Sabe.
- Pode pedir para que ele faça? - A ruiva
incitou o cachorro a se levantar, já que o mesmo
estava refestelado na grama.
- Billy, deita! - Ordenou Eleanor.
- Você pode repetir o exercício até dez vezes
por dia com ele, pois esse é um treino que não o
cansa muito. - Meg falava ao passo em que virava o
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pet de barriga para cima - Diga "morto".


- Morto! - A morena fazia o que lhe era
pedido.
– Quando o cachorro já estiver na posição
certa, que no caso é essa, se afaste dele, bem
devagar, para que ele se acostume assim. Se ele não
quiser se manter na posição correta, como
aconteceu agora, volte e coloque-o de barriga para
cima, para que ele entenda o que você quer. Repita
esse exercício até que o…Billy, não é? Até que o
Billy fique na posição que você quer, sem se
mover. Se ele errar algum comando, não perca a
paciência. Treine algumas vezes mais. E não grite
com o cachorro, porque não funciona, ok? Assim,
com muito carinho, ele aprende fácil, fácil.
- Uau! Obrigada. - Conner sorria encarando e
observando atenta as feições da mulher - É
adestradora?
- Não, mas bem que eu gostaria. Digamos
que eu seja apenas uma entusiasta do assunto.
Animais em geral me comovem mais do que seres
humanos, então, os prefiro.
- Compartilhamos do mesmo pensamento. -
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A herdeira ainda sorria, desta vez, vendo seu


animalzinho brincando animado com a ruiva -
Parece que ele gostou de você.
- É… Esse garotão é um amorzinho, não é?
É… Eu sou! - Meg abaixou-se, atrapalhando o pêlo
do cachorro, fazendo-o rolar no gramado - Tendo
um dia difícil?
- Oi? - Conner franziu o cenho não
entendendo o sentido da pergunta feita.
- Você parece abatida, chateada. - A ruiva
levantou-se, limpando as mãos dos pêlos no tecido
de sua calça.
- Oh, não é nada demais. São só… problemas
de família.
- É… Sei como é, quer dizer, eu imagino
como seja. Nunca tive uma família de verdade para
poder chegar a ter problemas. Nunca tive
referências além das cenas dos filmes e seriados.
- Não? - Eleanor indagou, curiosa.
- Vivi praticamente toda a minha vida em
orfanatos.
- Eu… Eu sinto muito. - O pesar no tom de

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voz de Meg, passou a ser quase o pesar de


compaixão da herdeira.
- Está tudo bem. Já me acostumei. Também,
com quase 39 anos nas costas, se eu não tivesse me
acostumado, seria bem estranho, não? - Riram.
- E você faz o quê da vida? Hã… Está
ajudando a comandante Garner, não é? É policial?
Trabalha para o Governo?
- Hum, vejamos… Deixe-me adivinhar.
Você, com tantas perguntas, deve ser jornalista
investigativa. - E novamente as mulheres
gargalharam - Foi uma brincadeira. Sei quem você
é, obviamente. Ah, já tem o meu voto, heim?
- Obrigada. Se é eleitora tenho que lhe tratar
muitíssimo bem. Aceita um café, um chá? - Conner
brincou. Estando tão perto daquela figura, podendo
conversar com ela e conhecê-la um pouco mais, aos
poucos a morena foi desmistificando a imagem e o
sentimento errôneo que tinha. A impressão de antes
agora não passava de fantasias absurdas da sua
cabeça. Estava convencida de que a acompanhante
que teve no hospital, quando da recuperação do
atentado, não passava de um sonho decorrente dos
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medicamentos que havia tomado.


- Tem senso de humor. Gostei ainda mais de
você. Sabe, sou uma pessoa muito brincalhona.
Acho que a vida, por si só, já é muito carregada de
coisas ruins, muito pesada. Por que temos que
piorar com a perda de tempo ao ficar de cara
emburrada?
- Você tem razão, mas ainda não me
respondeu… Faz o que da vida?
- Trabalho com Sistema da Informação e tudo
o que você precisar à respeito de computadores,
internet…
- Oh, então você é uma nerd?
- Quase isso! - Riram.
- Era daquelas que sentavam na frente na sala
de aula e ainda usava óculos de fundo de garrafa?
- Não! Que nada! Eu era da turma do fundão,
aquela que só era encontrada em dois lugares: na
sala da diretoria ou no pátio matando aula.
- Que feio! - Eleanor gargalhou brevemente -
Estudei em colégio de freiras, então, nem em sonho
eu seria uma aluna desse tipo.

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- Convivi com freiras em um dos orfanatos


pelo qual passei. Tinha uma que, nossa, era tão, tão
linda que eu torcia todos os dias para que ela
subisse em uma escada para eu poder ficar olhando
para as pernas dela. - Megan não tinha percebido,
mas as caras e bocas maliciosas que fazia ao
lembrar-se da Irmã Sarah, estavam deixando a filha
do presidente encabulada - Ai, meu Deus!
Desculpa, Srta. Conner.
- Eleanor, somente Eleanor.
A conversa entre as mulheres seguiu
animada, e fluía como se já se conhecessem há
anos. Havia algo de estranho, mas muito intenso na
interação de uma para com a outra, quase uma forte
ligação espiritual entre as duas almas, que poderia
vir de muitas vidas passadas em conjunto.
Elas estavam unidas além do sobre-humano,
talvez? Seria esse o motivo da empatia tão sutil, tão
natural?
A experiência conjunta de alegrias e tristezas,
de prazer e dor, de construção e destruição, vida e
morte, vai gerando nas pessoas sentimentos mais
profundos, laços cada vez mais próximos, onde a
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história de uma vai começando a se confundir com


a história da outra. Todo esse processo cria uma
sintonia, com simpatias e antipatias, amor e ódio,
prazer e dor, desejo e repulsa, entre outros
sentimentos que aos poucos vão formando laços.
Estes, podem ser mais fortes tantas quantas forem
as experiências agradáveis ou dolorosas vividas
pela dupla evolutiva. E são reconhecidos assim, de
imediato, como estava acontecendo com Eleanor e
Megan.
Essa conexão entre as almas se expressa em
afinidades de pensamentos, sentimentos e crenças,
gerando tendências quase que opostas, onde uma
complementa a outra, despertando uma variedade
de sentimentos, por vezes confusos e
contraditórios, como também uma afinidade
profunda, uma sintonia que se manifesta como
fenômeno quase paranormal. Provavelmente
Conner e Lee era almas interligadas por um motivo
aquém de seus conhecimentos.
Há alguns metros dali, Olívia ainda
consternada e demasiadamente nervosa, retornava
para o seu dormitório com a garrafa d'água que
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Meg havia pedido. Suas mãos estavam trêmulas e a


palidez de sua pele - que já lhe era característica
natural - ainda mais evidente. A loira teve
dificuldades em girar a maçaneta da porta tamanho
o desequilíbrio de seu raciocínio. Quando
finalmente o fez, logo franziu o cenho procurando
pela ruiva com o olhar. Mas era óbvio que ali ela
não estava. O cômodo era pequeno, não havia lugar
que ela pudesse se esconder.
- Merda! - A garrafa d'água caiu no chão
quando Garner teve a certeza da desobediência da
mulher em ter saído do recinto.
A agente temia que Megan pudesse delatá-las
de alguma maneira, até mesmo se meter em algum
problema, denunciando que estava ali às escondidas
e ainda por cima cometendo um ato ilícito, um
crime federal.
Com o peito arfando pelo nervosismo
irrefutável que a dominava, Liv saiu procurando
pela louca inconseqüente nas dependências da Casa
Branca. A fúria da loira era tamanha que nem os
seus subordinados que passavam por ela a
cumprimentando, obtiveram resposta. Garner
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estava cega, não só por Lee não ter feito o que ela
pediu, mas por todo o conjunto de emoções pelo
qual já tinha se submetido naquele dia.
Como que por instinto, a comandante seguiu
pelo caminho mais óbvio primeiramente, sentindo
que aquele foi o trajeto que a ruiva tinha feito. Seu
sexto sentido estava bem apurado, pois quando
passou pela segunda porta do lado sul - a que dava
frente para o gramado - viu ao longe Megan
segurando nos braços de Eleanor com certo ímpeto.
Sem pensar duas vezes - levando em conta a
imagem captada por seus olhos - Olívia empunhou
a sua arma e avançou correndo na direção das
mulheres.
- Tire as mãos dela ou eu atiro! - A agente
secreta gritou, olhando rapidamente para os lados
como se pedisse silenciosamente pela ajuda de seus
homens. Em uma ação rápida, a loira colocou a
herdeira atrás de si no intuito de resguardá-la com
seu próprio corpo - O que pensa que está fazendo? -
Sua voz saía falha devido à tensão que as cercava.
- Na...nada. Só estávamos conversando. - A
ruiva parecia realmente assustada.
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- Garner… Comandante Garner, por favor,


abaixa essa arma. Megan não fez nada demais. Ela
estava me contando sobre uma novela.
Olívia não ouvia nem uma, nem outra, apenas
a sua respiração forte, irregular e sua freqüência
cardíaca no mesmo estado. Não parecia a mesma
mulher centrada, treinada e equilibrada. Estava
sobre extrema pressão e agindo impulsivamente
diante daquela possível e suposta ameaça.
- Que porra você quer? - A comandante
engatilhou a .40 que levava consigo, mirando bem
no centro da testa da ruiva, que à essa altura do
campeonato chorava silenciosamente com ambas as
mãos erguidas em sinal de rendição.
- Por favor, Liv, me desculpa. Não fiz nada
demais. - A mulher tentava manter-se calma, mas
era impossível estando à mercê de receber um tiro à
qualquer instante.
- Vem comigo. - Garner puxou bruscamente
o braço direito de Meg, ainda apontando a arma
para ela.
- Comandante, pare com isso agora. Solte-a!
É uma ordem. - Conner, completamente assustada
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com a atitude extremista da namorada, tentava


apartar e amenizar a situação.
- Sinto muito, Srta. Conner, mas não poderei
obedecer à sua ordem. Peço que, por favor, vá
imediatamente para o seus aposentos.
- Não! Solte a moça! Ela não fez nada
comigo.
- Srta. Conner, por favor. - Falando
pausadamente e olhando bem dentro de suas íris
castanhas, a loira fez uma súplica velada à sua
amada, movimentando os lábios em um "por favor"
outra vez.
Arrastando Megan de maneira bruta pelos
corredores da Casa Branca, Garner nem preocupou-
se em estar chamando a atenção. Levou a mulher
até uma pequena sala, usada geralmente para
contenção e interrogatório de figuras suspeitas que
por ventura adentrassem na residência.
- Olívia, isso é somente um mal entendido. -
A ruiva murmurou ao ser jogada contra uma
cadeira.
- Filha da puta! - A agente federal berrava - A
minha vontade é de te matar. Que porra estava
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fazendo com ela? O que você pretendia? Hã?


Responde, merda! - Uma batida forte da coronha do
revólver contra a madeira da mesa à sua frente, fez
Meg dar um pequeno salto pelo susto.
- Eu já disse que não fiz por mal. Estava…
estava te esperando buscar a água e…saí para
tomar um ar. Vi Eleanor brincando com o cachorro
apenas me aproximei para dizer oi.
- Você está brincando comigo… - Uma
gargalhada alta e incrédula ecoou pelo ambiente -
Você só pode estar brincando comigo.
- Tem escutas nessa sala?
- Tem escutas no inferno, que é para onde
vou te mandar se não começar a falar agora porque
raios você saiu do dormitório e se aproximou da
Srta. Conner.
- Eu jamais faria mal para a Eleanor. Eu não
seria capaz de fazer absolutamente nada contra ela.
Acredite em mim. - A mulher balbuciava aos
prantos.
- E você quer que eu acredite nessa
palhaçada?

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- Por favor, você está descontrolada.


- Quem você pensa que é para dizer que estou
descontrolada? - A fúria da comandante podia ser
vista e sentida em seus berros, seu olhar
aterrorizante e a arma novamente apontada para a
ruiva - Responde, sua vagabunda! Quem você
pensa que é? - Completamente fora de si, Olívia
deferiu um tapa na face esquerda de Lee.
- Eu sou irmã da Eleanor!

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Capítulo 35 – Beco sem


saída
Sempre que acontece algo em nossas vidas
com o qual, por algum motivo, não conseguimos
lidar, usamos uma poderosa ferramenta de proteção
mental: a repressão. Ela acontece quando algum
sentimento ou emoção é tão intenso e
surpreendente que a mente acaba bloqueando
totalmente da consciência. Enterramos tudo tão
fundo no subconsciente que perdemos noção de
certas coisas. Na maioria das vezes, nem
guardamos a memória do fato, pois temos a
impressão do desconhecido, de nunca termos
vivido aquilo. E junto da regressão, andando lado à
lado de mãos dadas, existe a projeção. Projetamos
nos outros tudo aquilo que está escondido no nosso
subconsciente nos incomodando. Sempre acontece
com um gatilho, e o de Garner, infelizmente, foi
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Megan.
As notícias que para o nosso entendimento
têm conotações negativas, são uma oportunidade de
projetar toda a nossa culpa e vergonha reprimidas
nos agentes da ação. Eles são ruins, nós não. Com
isso, criamos e mantemos o arquétipo da vítima.
Sempre que atentarmos para o fato de que
estamos julgando alguém ou alguma coisa,
devemos parar de imediato, ficar atentos, observar.
Esta circunstância, juntamente com quem está
envolvido nela, provavelmente é a chance que se
tem de escolher entre a projeção e a cura daquilo
que foi um dia reprimido dentro de si e agora está
vindo à tona.
Se nos vemos no outro e reagimos,
provavelmente o problema está em nós. Temos que
tomar muito cuidado com as armadilhas da nossa
consistência, senão um dia ela pode nos matar.
Olívia estava atônita, apesar daquela
"revelação" lhe parecer mais uma manobra para
Lee desviar a sua atenção das reais intenções que
tinha. Internamente ela se repreendia por ter sido
tão inocente ao ponto de acreditar que aquela
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desconhecida poderia lhe ajudar sem nada em


troca. Ameaças nunca foram o suficientes para
deter alguém que esteja determinado a alcançar um
objetivo. Ela estava cansada de saber disso e
mesmo assim arriscou. Arriscou, e agora
provavelmente tinha um problema muito maior que
o anterior, com o agravante de ter suas emoções
descontroladas. A comandante não se reconhecia.
Se olhasse no espelho com certeza viria a imagem
de outra pessoa, uma pessoa do qual ela não
gostava da aparência.
- Você está brincando comigo. - Garner
puxou a cadeira à frente da ruiva, sentando-se - Isso
só pode ser uma piada e de muito mal gosto. Acha
mesmo que vou acreditar nessa sua historinha?
- Não preciso que acredite nas minhas
palavras. Eu mesma não acreditaria. É por isso que
existe o DNA. Tenho uma cópia do resultado em
meus arquivos em casa, mas se quiser, pode colher
o meu material, não me importo. - Meg abriu a
boca para a agente federal, porém a fechou quando
a outra revirou os olhos e bufou alto.
- Isso é impossível. Nem o Sr. Alexander,
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nem a Sra. Conner tiveram outros filhos. Eleanor,


digo, a Srta. Conner é adotada?
- Hã… Não! Eu sou. Fui abandonada na porta
do prostíbulo, como você sabe. Cresci entrando e
saindo de orfanatos e lares provisórios. Até então
nunca tinha tido interesse em descobrir quem eram
os meus pais, a minha família. Se me abandonaram
é porque não me queriam, então, não justificava
buscar por eles. Eu ficava com raiva das outras
crianças na escola porque elas eram felizes e eu
não. A rejeição é bastante poderosa, sabia? Deixei
de fazer muitas coisas durante a minha vida pelo
medo de ser rejeitada, até por pessoas que não
tinham nenhuma ligação emocional comigo.
Sempre foi difícil me comunicar, me aproximar de
alguém. É por isso que vivo sozinha, na maior parte
do tempo, isolada do mundo. Fica mais fácil seguir
em frente assim. Quando eu entrei para a faculdade,
comecei a questionar todo o meu passado, sentindo
que tinha algo errado comigo. Comecei a teorizar
sobre o meu abandono e achar que meus pais me
largaram em um canto qualquer porque em mim
existia algum defeito, o que justificava também a

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minha falta de sorte no amor. Ninguém nunca me


quis, e constantemente eu era descartada,
desprezada. - A ruiva fez uma pequena pausa em
seu relato ao fungar e limpar suas lágrimas, dando
uma breve encarada em Liv, que mantinha-se
impassível ouvindo tudo atentamente - Eu buscava
explicações, mas nunca, nunca encontrava e
acabava me frustrando cada vez mais. Até que, há
mais ou menos dois anos atrás, me ligaram do
orfanato para onde eu tinha sido levada quando era
bebê. Uma das irmãs que cuidou de mim estava
morrendo e pediu para me ver. Sempre tive uma
ligação mais forte com ela do que com as outras
cuidadoras, mas nunca prestei atenção nos motivos
que a levavam a tentar me proteger lá dentro. Irmã
Liza me dizia diariamente que aquele não era o
meu lugar, que um dia eu descobriria a verdade
dentro de mim. Nessa última conversa que tivemos,
ela me contou quem eram os meus pais, e foi então
que comecei a juntar as pontas soltas da minha vida
que constantemente me incomodavam. O porquê de
eu ter sido largada na porta de um prostíbulo tão
bem vestida, o porquê de terem encontrado um
pequeno, mas valioso broche no meio dos meus
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pertences, enfim… Muita coisa começou a fazer


sentido. Nesse momento, pela primeira vez em
anos, tive coragem de buscar pela verdade. Não foi
fácil, não mesmo. Me arrisquei, cometi alguns
crimes, algumas contravenções. Passei por cima de
algumas pessoas até…chegar onde cheguei agora.
No dia do atentado à Casa Branca eu estava aqui,
listada no grupo de visitações. Seria a primeira vez
que eu os veria de perto...
- O quê? O que… O que está dizendo? - A
comandante, que já estava boquiaberta com o
relato, remexeu-se na cadeira, incrédula.
- Eu vim em busca de provas reais, concretas,
que confirmassem o que até então era suspeita.
Quando a confusão toda começou eu vi que não
teria outra chance como aquela. Fiquei atenta e
rezando, de verdade, para que você conseguisse
salvar… a minha mãe e a minha irmã, pelo menos.
No momento em que a ambulância as pegou, eu já
pronta para agir. Fui uma das "paramédicas" que
auxiliaram no resgate. Eu…"cuidei" do presidente
até onde o risco que eu corria em ser pêga me
permitiu. Mas consegui entrar no hospital, era o
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que eu queria. Foi assim que recolhi o material para


o teste de DNA.
- Espera! - Olívia levou ambas as mãos no
rosto, esfregando as palmas em sinal de confusão e
nervosismo - Você está me dizendo que… Beatrice
Conner, a primeira-dama, é a sua mãe?
- Por mais incrível que possa parecer… Sim,
ela é.
- Então essa história do hospital…Elea...digo,
a Srta. Conner…
- Ei! Ei! - Megan encostou sua destra no
braço da agente que, arredia, afastou-se fazendo a
outra se encolher novamente na cadeira - Pode
chamá-la pelo primeiro nome. Eu sei que vocês têm
um caso.
- Caso? Você é louca! Definitivamente você
é louca e eu nem sei porque estou aqui lhe dando
ouvidos. - A loira levantou-se, e ia sair do recinto,
quando novamente a voz vacilante de Meg a
retesou.
- A aliança é igual e quando Eleanor fala da
"comandante Garner" os olhos dela brilham como
se fossem letreiros em neon piscando as letras
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garrafais do "eu a amo". Acontece o mesmo


contigo.
Ainda de costas, Garner respirou fundo,
prendendo o ar por alguns segundos no intuito de
acalmar-se e conseguir organizar toda a bagunça
que se fazia em sua cabeça. Lentamente ela foi
retornando para a cadeira onde estava sentada,
encarando outra vez a mulher à sua frente.
- Me diz exatamente o que você quer com
tudo isso.
- Eu não quero nada demais, Olívia. Nem de
você, nem da Beatrice, nem da Eleanor. Até peço
desculpas por ter te usado para conseguir entrar
aqui, mas foi necessário. De certa forma acabei te
ajudando, não é? - O breve sorriso que formou-se
no rosto da ruiva, foi desfeito quando Liv meneou
negativamente com a cabeça, fazendo menção de
enervar-se novamente - Eu não pretendo fazer mal
algum à ninguém, não pretendo reinvidicar os meus
direitos, nem mesmo me aproximar da minha mãe.
Eu só quero… - Nesse instante, os olhos de Meg
voltaram a lacrimejar, fazendo a ruiva tremelicar os
lábios ao tentar conter o choro - Eu só quero poder
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ficar perto da minha irmã, que é a única inocente


nessa história. Só quero poder ter a chance de sentir
o gosto de conviver com alguém como uma família
de verdade, de ter por perto quem possa gostar de
mim pelo o que eu sou, sem eu precisar mentir
sobre nada. Eu queria fazer por ela agora o que me
impediram de fazer todos esses anos: cuidar da
minha irmã mais nova. Eu não pretendo causar
confusões, muito menos machucar ninguém,
comandante. Só adoraria não me machucar mais.
A agente secreta não conseguia ponderar nem
tecer uma opinião sobre tudo aquilo que ouvira. Era
fato que o seu julgamento sobre as pessoas e
situações estava debilitado, não podendo confiar
em seus instintos, menos ainda nos seus
sentimentos. Definitivamente ela precisava de um
tempo para absorver e digerir tantas informações
complexas e de carga emocional intensa. Ela
precisava disso antes de acabar caindo nas
armadilhas de seus próprios atos impensados.
- Você precisa ir embora. - Ela levantou-se
outra vez, agora fazendo gestos para que a ruiva se
levantasse também.
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- Garner, por…por favor, não conte nada à


ninguém. Não quero que Eleanor saiba quem eu
sou. Já me basta poder ficar próxima dela. As
pessoas não precisam saber da minha história. Por
favor…
Olhando-a de cima à baixo, a comandante
engoliu em seco, suspirando pesadamente.
- Recomponha-se. Vamos logo. Vou te levar
até a saída.
Sem insistir - já sabendo que no auge da
confusão formada, em nada adiantaria render uma
discussão - Megan prontamente atendeu à ordem de
Liv. Limpou seu rosto, ajeitou suas roupas e seguiu
com a loira até a saída costumeira.
- E…os equipamentos? - Lee indagou antes
de entrar no campo de visão e audição do outro
agente que controlava o fluxo de pessoas.
- Não se preocupe. Tudo o que é seu será
devolvido.
A mulher assentiu, abaixando a cabeça e
andando à passos lentos até transpor os limites da
área comum da Casa Branca. Virando o seu corpo,
ela olhou uma última vez para Garner, que a mirava
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com olhos desinquietos.


Quando certificou-se de que a "intrusa"
estava mesmo fora da residência presidencial, a
comandante pôs-se à caminhar em direção ao seu
dormitório. No entanto, o celular que encontrava-se
dentro do bolso da sua calça, vibrou, impedindo-a
de continuar com o seu intento.
"Vi que acabou de ficar desocupada.
Precisamos conversar."
A mensagem curta e ríspida da namorada, fez
com que Olívia fechasse os olhos por alguns
segundos, lamentando por ter acordado naquele dia,
antes de direcionar o seu olhar para a janela do
quarto da herdeira. Os problemas pareciam crescer
como uma bola de neve descendo a montanha em
meio à avalanche, e ela não sabia lidar com tudo
aquilo.
Mesmo sem coragem de encarar Eleanor, a
agente federal respondeu a morena, pensando bem
no que falaria para ela.
"Em cinco minutos estarei no seu quarto.
Deixe a porta destrancada, por favor."
Quase que imediatamente, a tréplica foi
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enviada.
"Não. Quero que me encontre no canil.
Estou indo para lá."
Nem um "beijo", "eu te amo", nem as
pequenas declarações de amor e demonstrações de
carinho que tinham uma para com a outra, foram
exibidas nas mensagens. Também pudera! Todo o
estresse de minutos atrás parecia fresco em demasia
para ser capaz de quebrar o clima ruim que
instalou-se entre elas.
Sem muitas alternativas, Liv foi seguindo na
direção do local marcado por Conner. Ela temia, e
temia não só a reação de sua namorada agora que
ficariam à sós, mas temia à si mesma, por não saber
como lidaria diante de uma das protagonistas
indiretas daquela merda que de repente a sua vida
tinha se tornado.
- Pode me acompanhar, por favor. - A voz
firme e levemente rouca de Eleanor fez a loira
sobressaltar-se por estar distraída olhando para uma
folha no chão que era varrida pelo vento. As
mulheres caminharam em silêncio até a casinha
onde Billy descansava, com a herdeira o soltando
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da coleira assim que se aproximou - Ei, amigo! -


Ela acariciou os pêlos caramelo do cão - Preste
atenção. - Dirigindo a palavra à Garner, mantendo
o semblante sisudo, Conner ordenou ao cachorro -
Billy, deita! - E assim o pet fez - Billy, finja de
morto! - O animal fez menção de atender à ordem
dada, mas apenas rolou olhando para a dona. Sem
conseguir conter o sorriso afável, a filha do
presidente fez mais uma tentativa - Finja de morto!
- Bill, então, manteve-se bem quieto, tal como a
morena queria - Muito bem! Isso mesmo! Parabéns,
garotão! - Demonstrando satisfação, ela tirou um
petisco do bolso do casaco e o presenteou.
Suspirando, Eleanor voltou a sua atenção para a
namorada, que atentava para cada ato seu - Com
certeza você já deve ter visto ao menos um episódio
de The Bold and the Beautiful, não é?
- Já sim.
- Um dos membros da família Forrester,
quando estava entrando naquele centro de beleza,
pegou o suposto amante de sua esposa saindo do
estabelecimento e o cercou assim… - A mais velha
segurou firme nos braços de Garner dando uma
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leve sacudida. Esta, por sua vez, circundou o local


com o olhar, à fim de verificar se não tinha
ninguém as observando.
- O que está fazendo? - A loira indagou com
o cenho franzido em desentendimento.
- Nada demais. - Conner afastou-se,
colocando os braços para trás, cruzando os dedos
uns nos outros - Só estava te mostrando o que
aquela mulher, que foi tratada injustamente como
uma criminosa, estava fazendo no tempo em que
estivemos juntas.
- Eleanor, eu…
- Shiii… Não, Garner. Não quero desculpas
esfarrapadas. Eu só preciso entender o que houve
ali, o que houve com você. Eu preciso que você
seja sincera e me conte o que está acontecendo.
Megan me ensinou a fazer truques com meus cães e
estava contando o quanto amava The Bold and the
Beautiful. Não existiu, em momento algum, sinal
de agressão dela para comigo. Agora, já de sua
parte...
Encarando os olhos castanhos que tanto
amava, a mais nova teve os seus marejados. Não
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podia mentir para Eleanor, não conseguia mentir


para ela. Em contrapartida, a verdade revelada
poderia ser o estopim de uma bomba que estava
prestes a explodir. A verdade nem sempre é
libertadora, ela mata, sem dó, sem piedade, e no
caso das duas mulheres, poderia matar
literalmente.
- Eu não posso mentir para você, mas não
posso te dizer o que está acontecendo, pelo menos
não por enquanto.
- Não pode? Não pode, ou não quer? - A
morena ergueu a mão para tocar no rosto da outra,
esquecendo-se de onde estava, mas acabou não
prosseguindo quando a namorada abaixou a cabeça,
quebrando o contato visual entre elas - Até há um
dia atrás costumávamos não esconder nada uma da
outra. Imaginei que fôssemos melhores amigas.
Mas e agora? O que somos?
- Me perdoe. Eu não deveria ter te tratado
daquela forma, ter sido tão grosseira e tempestuosa.
- O problema maior nem é como agiu
comigo, mas como você reagiu diante de uma
situação que nem era de risco, e avançou contra a
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Megan como se ela fosse uma criminosa. Você vem


se descontrolando facilmente e nós duas sabemos
que a sua função exige exatamente o contrário.
- Eu sei. Sinto muito por isso.
- Sente? Sente mesmo? Olhe para você, olhe
no que está se tornando. Está igual a todos os
outros, e eu já não te reconheço mais. Você está se
tornando tudo aquilo que disse que nunca seria,
completamente divergente do que demonstrou ser
até agora. Qual é o motivo que a fez mudar tão
bruscamente?
- Eu já disse que não posso te contar… - A
agente secreta deu um passo para frente e
surpreendeu-se com a mais velha dando dois passos
para trás, impedindo a sua aproximação - Por favor,
não faça isso. Eu preciso de você. - A herdeira
meneou negativamente com a cabeça, limpando
uma lágrima que havia escapado.
- Isso é tão frustrante! Porque mesmo com
todos esses defeitos, com todas essas diferenças e
com o que mais tenha mudado em você, ainda
assim é você a pessoa que me faz sorrir. Ainda é
você a pessoa que me faz chorar e me deixa com o
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medo clichê de te perder. Mesmo eu não te


reconhecendo mais. Ainda é você quem faz todo o
meu mundo parar, e eu não posso permitir que
estrague tudo, que se auto-destrua seja lá qual for o
motivo. Eu realmente poderia lidar com isso,
poderíamos tentar resolver o problema juntas, mas
acho que o melhor para você agora é ter um tempo
à sós para parar e pensar no que quer se
transformar, no que quer para a sua vida. Eu não
posso te ajudar se não aceitar que precisa de ajuda.
Você guarda os sentimentos todos dentro do seu
peito e quando vê…bum! Explodiu! Só que isso,
Garner, é inconcebível. Dessa vez, nada de mais
sério aconteceu, mas será que vai ser da mesma
forma em uma próxima ocasião?
- Eleanor, o que está querendo dizer com
isso? - A agente mirava bem dentro dos olhos da
outra, buscando entender o que se passava em sua
mente.
- A sua função lhe pede que tenha cautela,
ponderação, discernimento. Não cabe desajuste,
descontrole emocional. Você precisa ser agressiva,
mas não impulsiva. Ambas sabemos que você está
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tendo atitudes não condizentes com o certo. Você


precisa procurar ajuda, Liv, um profissional.
Precisa descarregar o que está te afligindo de uma
maneira correta, e não agredindo gratuitamente as
pessoas. Eu estarei aqui, o tempo todo, disposta a
caminhar contigo segurando a sua mão, mas desde
que seja você a decidir que quer mesmo se libertar
dessa amarra que insiste em ter dentro de si.
- Ainda não estou entendendo…
- À partir de agora você está de licença,
comandante. Assim que retornar para a terapia e me
mostrar que está mesmo apta para me proteger e
não sair por aí distribuindo maus tratos e grosserias,
você retorna ao seu posto de minha segurança
particular.
- Fala sério? - A mais nova estava deveras
boquiaberta e surpresa.
- Está me vendo rir? É óbvio que falo sério.
Sua atitude hoje foi abominável. Esse tempo servirá
para uma reflexão sobre seus atos.
- Você não pode fazer isso comigo, meu
amor. Por favor, eu… - Olívia dessa vez não foi
contida em sua aproximação. Ficou à uma distância
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mínima da morena, sem se importar com um


possível flagra - Eu preciso garantir que esteja
segura.
- Garner, eu ficarei segura. Não aja como se
isso fosse uma demissão, como se fosse uma
tragédia. Eu só quero que você fique bem para eu
estar bem também. Não posso te ver assim, se
acabando e não fazer nada. É uma decisão que não
voltarei atrás. Por favor, não insista no contrário.
- Tem certeza?
- Sim. Usando de redundância, certeza
absoluta.
- Então… Ao menos posso te pedir algo?
- Pode.
- Aconteça o que acontecer, não deixe seu pai
solicitar ajuda ao Waite. Eu vou pedir ao Rust que
tome conta de tudo aqui, que tome conta de você.
Eu sei que estou ultrapassando alguns limites, que
não estou em posição de te pedir para que confie
em mim, mas, faça isso. Prometo te explicar tudo o
que está acontecendo assim que eu puder. Só… não
deixe ele chegar perto de você.

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- Olívia, está me assustando…


- Desculpa. Não precisa se preocupar. Vai
ficar tudo bem. - A vontade da comandante era de
abraçar forte a sua protegida, mas devido às
circunstâncias em que viviam, jamais isso seria
possível à céu aberto, em plena luz do dia - Eu te
amo.
- Eu também te amo. Se cuida!
A herdeira teve que usar de um controle
sobre-humano para não desabar na frente da sua
namorada. Doía, doía muito vê-la se afastar
cabisbaixa, triste, destruída por dentro, tal como
Eleanor estava. Contudo as palavras firmes que
usou para chamar a atenção de Garner foram para o
seu próprio bem. A morena jamais cruzaria os
braços ao ver a mulher que amava se perdendo de
si própria. Ela podia até ser ignorante quanto ao
que se sucedia, mas sabia que era algo sério, sabia
que aquilo poderia consumir e fazer desaparecer o
ser humano maravilhoso que se camuflava por
debaixo dos ternos e óculos escuros que sua loira
usava.
Liv, por sua vez, caminhou até seu
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dormitório como se tivesse acionado o piloto


automático. A sensação que tinha era de que
poderia chorar por dias e dias tamanha era a sua
necessidade de desabafar aquela coisa sufocante
que se instalava dentro dela, mas a agente não o
fez. Tão logo fechou a porta, olhou para a bagunça
sobre sua cama, reunindo forças para organizar e
guardar tudo o que devia dentro de sua mochila.
Por sorte, o computador da sala de controle estava
em condições de ser devolvido ao seu devido
lugar.
Com a desculpa de uma pequena reunião de
urgência, Garner esperou que os agentes saíssem da
sala, adentrando no local, fazendo novamente a
troca dos equipamentos. Assim que ajeitou tudo de
forma que pudesse passar alguns dias fora,
tranqüila, sem rastros de seu crime, ela foi até onde
estavam os seus subordinados, comunicando-os de
seu breve afastamento, passando as instruções
gerais e individuais à cada equipe.
O caminho até a sua casa nunca se deu tão
longo. À cada quilômetro que se distanciava da
Casa Branca era um pedaço seu que ficava para
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trás. Poucas vezes na vida a comandante sentiu


medo. Aquela era uma das ocasiões, e das piores.
Ela jamais se perdoaria se algo de ruim acontecesse
à Conner ou à seus pais em sua ausência. Mas ela
também entendia que se não colocasse as idéias em
ordem, se não resolvesse um problema por vez,
acabaria cometendo uma loucura que jogaria por
água à baixo tudo o que já tinha conquistado até ali.
Assim que entrou em seu apartamento, foi
direto para o quarto, deixando a mochila e as
sacolas pesadas sobre a sua cama. Despindo-se
devagar, jogando as roupas na poltrona que ficava
próxima à janela, Liv praticamente arrastou-se até o
banheiro à fim de tomar um banho. A água estava
morna, mas seu corpo tremia por conta do frio que
fazia lá fora, ou talvez por uma reação emocional
às surpresas que lhe foram escancaradas naquela
manhã.
- "…If you must speak
Speak every word as if it were unique
If you must die, sweetheart
Die knowing your life was my life's best
part
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If you must die


Remember your life
You are, you are, all
You are, you are, all…"
Sem saber o porquê, enquanto a água caía
sobre sua cabeça, com as gotas confundindo-se
com as lágrimas que escorriam pelo seu rosto, a
loira cantarolava parte de uma música que ela
adorava dedilhar no violão, e que a tocava de uma
maneira intensa e profunda.
- "…If you must live, darling one
Just live
Just live
Just live"
Terminando o banho, Garner enxugou o seu
corpo, vestindo um roupão felpudo e confortável.
Desceu até a cozinha à passos lentos no intuito de
preparar um chá que pudesse ajudá-la a se acalmar
e dormir um pouco. Só assim teria paz por algumas
horas, livrando-se daquela realidade difícil de
digerir. Acabou fazendo dois litros de chá inglês,
retornando para o quarto com a garrafa e um copo
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nas mãos. Tomou um, dois, três copos da bebida


enquanto aguardava o efeito mágico, milagroso que
ela poderia fazer. Nada. Sem sono e com a mesma
angústia no peito. Olívia encarava a sua mochila
onde estava guardado o computador de Megan,
lembrando-se de tudo o que ela havia descoberto
nos arquivos secretos de Waite e sobre o parentesco
da ruiva com Conner.
"Eu preciso dormir. Eu preciso muito
dormir."
Quando estava prestes a recorrer aos
medicamentos alopáticos, a comandante ouviu um
barulho vindo provavelmente da sua sala.
Imediatamente ela alcançou a sua arma,
engatilhando-a e colocando-se em posição de
alerta. O som dos passos aproximava-se cada vez
mais e mais rápido, proporcionalmente ao ritmo
descompassado das batidas do coração de Garner.
- Liv, onde você est… ai, caralho! - Louise
levou a destra à boca e a mão esquerda ao peito,
tamanho o susto que tomou ao ver a amiga
apontando a pistola para a sua cabeça.
- Mas que merda, Louise! - A loira vociferou
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- O que você faz aqui? Quer dizer…como…como


entrou aqui? - A agente secreta colocou a arma
sobre o criado mudo, pegando seu copo de chá e
tomando todo o líquido que continha ali em uma só
golada.
- Eu tenho uma chave reserva, esqueceu?
Começou a beber durante o dia agora, Olívia
Garner? Por um acaso vai resolver os seus
problemas com isso? - Mattew tomou o copo da
mão da comandante, cheirando a borda.
- Isso é chá, sua idiota. - Ela deitou-se
encolhida debaixo do edredom - Não respondeu a
minha pergunta direito.
- Eleanor me ligou. Pediu que eu viesse
cuidar de você. - Garner sorriu incrédula,
meneando negativamente com a cabeça - O que foi,
Liv? O que aconteceu entre vocês? Ela não quis
entrar em detalhes, mas senti que sua voz parecia
consternada demais.
- Não aconteceu nada entre nós. Só… estou
cansada.
- Agora fala a verdade.
- Essa é a verdade.
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- Garner…
- Eu não posso contar.
- Por que?
- É algo confidencial e já envolvi gente
demais nisso, e pessoas que nem poderiam estar
envolvidas.
- Amiga, olha para mim. - Louise tomou o
rosto da outra entre suas mãos - Você não esta bem.
Eu quero te ajudar. Seja lá o que for, não pode ficar
pior do que já está, pode?
- Ah, com certeza sim. Murphy está aí é para
provar que tudo nessa vida pode ficar mais bosta do
que já é.
- Nossa, trouxe a bagagem toda. - Mattew
referiu-se às sacolas e à mochila que Olívia havia
colocado no chão quando foi se deitar.
- É. Algumas coisas somente.
- Huumm… Estou esperando.
- Grávida? Esperando para quando?
Parabéns! Quero ser madrinha.
- Pelo menos não perdeu seu sarcasmo. - A
moça tirou os sapatos, jogando-os no canto do
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quarto.
- Ah, não, não, não… Você não vai… Deitou.
- A loira bufou quando a amiga meteu-se debaixo
das cobertas a abraçando pela cintura.
- Me conta.
- Deus, é tão complicado…
- Sou inteligente.
- Você não vai desistir, não é?
- Não.
Vencida pelo cansaço, após um longo
suspiro, a agente federal passou a relatar detalhes
do que vinha acontecendo, desde o princípio da
desconfiança sobre o envolvimento de Michael no
ataque até o instante em que Eleanor ordenou que
ela se afastasse de suas atividades laborais para que
pudesse resolver os seus problemas.
- E… é isso. Eu entrei em um buraco e não
sei como sair dele Não posso simplesmente
procurar a polícia, mas em contrapartida não posso
ficar parada sem agir de alguma maneira…Estou
em um beco sem saída. Não acredito que o Waite
seja o cabeça disso tudo. Tem alguém maior por

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trás. Alguém com motivações fortes para planejar à


longo prazo e tão minuciosamente esse atentado.
Tenho quase certeza que essa quadrilha é a mesma
que comandou o ataque ao governador aquela vez,
lembra?
- Claro que me lembro. Bravamente você
salvou todo mundo, como fez agora. Só não foi
algo tão grandioso, não é?
- Não foi, mas acredito que eles me
monitoram desde então. Devem ter ficado
possessos com a minha transferência para a Casa
Branca, e conhecendo o temperamento da Eleanor,
forjaram o acidente para me afastar de lá, já
sabendo que ela me despediria. Era um prato cheio:
a família Henderson e Conner reunidas em um só
lugar. O problema é que não contavam com a
possibilidade de eu estar presente no exato
momento em que atacariam. Agora… não era mais
simples ter me matado?
- Talvez há mais questões envolvidas. Não
tem como saber.
- E ainda me vem ainda essa bomba da
Megan. É aí que notamos o quanto o nosso sistema
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de segurança "caro, intransponível e que conta com


a mais alta tecnologia" é falho.
- É estranho pensar no quanto estamos à
mercê de qualquer pessoa hoje em dia...
- Se o problema maior fosse esse…
- E qual é?
- O meu arrependimento, a minha culpa. Eu
devia ter ficado quieta, não devia ter mexido no
vespeiro. Sem querer pus a minha vida e a de todos
que estão próximos de mim em risco. Se eles
descobrem que eu tenho conhecimento dessa trama
toda, com certeza irão atrás da minha família,
talvez até de você. Eu me sinto um lixo total!
Foram tantos anos de treinamento para reconhecer
o perigo, para detectar mentiras e não enxerguei um
palmo na frente do meu nariz. Não percebi que me
espionavam, que me enganavam todo esse tempo. E
ainda fui induzida e ludibriada por uma…louca que
se diz ser uma Conner…Sou um verdadeiro
desastre! Nada dá certo para mim nessa droga de
vida. Eu não posso ter um pingo de felicidade que
cai um caminhão de merda em cima da minha
cabeça em seguida. Às vezes eu…eu sinto que
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podia ter morrido naquele ataque. Estou tão


sufocada, Louise! Tão cheia de dor e dor e dor…
- Ei, ei, ei…menos drama! - Mattew puxou a
cabeça da amiga para que repousasse sobre o seu
peito, possibilitando que ela acariciasse os fios
loiros - Não fala besteira. Só está desesperada,
assustada e isso é normal. Você não pode se cobrar
tanto, Olívia. Você não é e nem nunca será uma
máquina isenta de sentimentos, e
conseqüentemente, com isso, está passível à falhas.
Não existe nada que seja perfeito. Você não é, eu
não sou, a vida menos ainda. Ontem mesmo eu
estava conversando com um colega sobre como nos
arrependemos das coisas e como, sem perceber,
conjugamos os verbos no pretérito perfeito. O peso
da culpa, minha amiga, sempre deixa os nossos dias
mais tristes, insuportáveis. Nenhum presente é bom
se julgamos a nós mesmos pelas escolhas que não
podemos mais mudar. Não dá para voltar
atrás. Você errou, mas o mundo não vai parar de
girar por isso. Estamos em constante modo de
escolha, o que nos dá cinqüenta por cento de
chance de acertar ou não. Cada momento infeliz ou

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feliz de hoje é fruto das escolhas que você fez até


um segundo atrás. Renegar o passado, longínquo ou
recente, é rejeitar o caminho que te trouxe até aqui.
Cada “e se” que usamos diminui a importância do
que “já que”. Nossos planos mirabolantes de nos
tornarmos dançarinas de cancan em Vegas,
condição financeira bilionária que nunca
conseguimos, aquela viagem dos sonhos não
existiu, mas continuamos tomando banho de chuva,
morrendo de orgulho com cada aprendizado e cada
gracinha que o Theo faz e…vivendo. Todo mundo
comete erros, Liv. É normal querer pegar atalhos e
acabar dando com a cara na parede. Faz parte da
vida dizer coisas sem pensar, tomar decisões
equivocadas, magoar quem amamos, perder quem
amamos. E não se perdoar por isso é estar lá,
persistindo no que deu errado sem ver que os tais
caminhos tortos às vezes acabam nos levando para
o lugar certo. Sabe, quando digo que você devia
largar a carreira de agente federal e seguir a de atriz
de novela mexicana, falo muito sério. - Com seu
jeito peculiar, Louise conseguia ao menos abrandar
um pouco a tensão da amiga a fazendo rir - Não é o
fato do Waite possivelmente estar envolvido no
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atentado, ou Megan ter te usado para se aproximar


de Eleanor, que te tirou a paz. A única coisa que
pode tirar a sua paz é a falta de perdão com a sua
própria história. A amargura de guardar sofrimento,
ficar remoendo as coisas ruins, não se abrir com
ninguém é que torna embaçada a sua visão sobre a
felicidade que se pode sentir hoje. Eu concordo
com a Conner quando ela diz que você precisa de
ajuda. A amei muito mais depois desse episódio.
- Vai defendê-la agora, é?
- Deixa de ser idiota, Garner. Não estou
defendendo ninguém porque não há o que defender.
Eu não posso te ajudar clinicamente, só como
amiga. Mas gostaria que dessa vez seguisse o
conselho da sua namorada e da sua irmãzinha aqui
e procurasse um médico para reiniciar a terapia.
- Eu já tenho o…do departamento.
- Não. Precisa ser alguém fora desse mundo.
Vai por mim. Você precisa voltar a viver sem
mágoas, sem dores, sem remendos. Leve, como a
vida tem que ser. Liv, Eleanor é uma pessoa
maravilhosa e te quer tão bem! Faça isso por você,
por ela. Nós vamos estar ao seu lado em todos os
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momentos até que essa turbulência passe. Porque


vai passar, e quando passar, continuaremos ao seu
lado para desfrutarmos das coisas boas.
Erguendo a cabeça o suficiente para olhar nos
olhos de Mattew, Garner sorriu ternamente,
voltando a abraçá-la.
- O que seria de mim sem você?
- Uma sapatão mais problemática e mais
fodida do que você já é, amiga.
- Eu não sou problemática. - A loira deu uma
travesseirada na outra - Talvez um pouco, tipo uns
vinte por cento. - Louise estreitou os olhos para ela
- Quarenta por cento? - A comandante recebeu uma
bufada - Está bem! Setenta e cinco por cento
problemática e fodida.
- Cento e noventa e nove por cento e não se
discute mais sobre isso. - Garner bufou e revirou os
olhos para Mattew.
- Sabe que…quero consertar as coisas, pôr
tudo em ordem, mas não faço idéia de por onde
começar.
- Que tal se começasse por uma das pontas

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soltas desse emaranhado? Uma que, pelo visto, está


te incomodando bastante e tem muito mais a
revelar do que todos nós imaginamos...
- Não posso me arriscar mais…
- Olívia, você sabe que precisa fazer isso. É o
primeiro passo.
- Acha mesmo que…
- Eu não acho nada, tenho certeza. - A
psicóloga levantou-se - Vem, vamos dar uma
melhorada nessa sua cara de drogada e sair. Você
vai resolver o problema prioritário e…
- Desde quando esse problema é prioritário?
- Desde que eu o classifiquei assim. Anda,
Garner, não procrastine. É pecado!
- Desde quando…
- "Desde quando?", "Desde quando?" -
Mattew imitava com zombaria a voz da
comandante enquanto a puxava pelo braço - Mas
você é chata, heim? Deve transar gostoso para a
Eleanor conseguir te suportar.
- Sai daqui, Louise Mattew! - Estapeando a
outra, Liv empurrou a moça para fora do quarto,
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fechando a porta em seguida e rindo - Aproveita e


faz um café para mim! - A loira falou em tom mais
alto para fazer-se ouvida.
Cerca de uma hora depois, com a roupa
trocada, maquiada pela amiga e após tomar o
expresso, Garner seguiu rumo ao seu primeiro
destino. Era estranho estar ali depois da
tempestuosa manhã, mas no fim das contas, Louise
tinha razão. Às vezes a nossa cegueira momentânea
nos faz cometer erros, mas, tirando a morte, não
existe nenhum que não possa ser consertado.
Mordendo o lábio inferior em sinal de
nervosismo, a comandante puxou uma grande
quantidade de ar, o prendendo nos pulmões antes
de dar duas batidas fortes na porta. Alguns
segundos depois, assim que esta se abriu, Olívia
deixou o orgulho de lado, encarando a figura à sua
frente, soltando o ar que prendia em busca de
coragem.
- Oi. Posso falar com você?

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Capítulo 36 – Novos
sentimentos, quase um
confronto
Por que será que é tão difícil reconhecer os
nossos erros quando errar faz parte da natureza
humana? Talvez fosse mais importante e coerente
nos atermos à forma como nos posicionamos diante
do que foi cometido, do que no ato em si.
Olívia sabia que Eleanor havia a dispensado
somente de suas atividades laborais, e não de sua
vida. Contudo, isso não a eximia do direito de
sentir um aperto no peito ao lembrar-se do rosto da
amada quando se despediram. Foi difícil obedecer,
mas era mesmo preciso. O primeiro passo para
reconquistar a confiança da filha do presidente seria
não retrucar, identificando o que de mal tinha feito.
Ela poderia enganar as outras pessoas,
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mostrando-lhes que era perfeita, assim como a


morena fez durante toda a sua vida, mas não
poderia enganar à sua namorada, nem enganar à si
mesma. Conner tinha razão, assim como Louise,
quando diziam que não reconhecer o erro a
impediria de crescer e amadurecer. Seus atos dali
em diante seriam essenciais para tornar-se forte e
fazer diferente da próxima vez.
Ali, parada diante de um dos motivos de seu
descontrole emocional, disposta a voltar atrás no
que fez e pedir desculpas, a comandante estava
demonstrando mais um sinal da coragem que lhe
era peculiar, além de trazer a paz de espírito para si.
- Entra. - Megan abriu mais a porta, fazendo
um gesto com a mão esquerda indicando que a loira
passasse.
- Desculpa vir sem avisar, mas…eu precisava
falar com você. - Olívia, um tanto quanto
constrangida, suspirou ao circundar o local com o
olhar rapidamente.
A repetição de cores no ambiente reforçava a
integração e dava a sensação de maior amplitude à
casa. O ladrilho hidráulico próximo à pia, protegia
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o piso em madeira do restante do espaço. O balcão,


que separava a cozinha da sala, servia como área de
refeições, dando a sensação de simplicidade, de
intimidade. Nada ali denotava ostentação, pelo
contrário. Estranho seria se fosse diferente, dadas
às condições financeiras da ruiva, mas em
contrapartida, tudo parecia elegante e charmoso de
certa forma.
- Não quer se sentar, comandante?
- Obrigada. - Deu-se um sorriso amarelo no
rosto de ambas, e nada além disso.
Garner sentou-se na pequena poltrona em
suede bege, respirando o ar de estranheza que se
dava entre elas. Aquela seria uma conversa difícil,
deveras, mas um erro não poderia diminuir a loira,
e sim, a humildade a engrandeceria.
- Então? A que devo a honra de sua
ilustríssima visita? - A ruiva indagava, desdenhosa.
- Sem sarcasmo, por favor. - A agente federal
bufou baixo - Eu serei breve. Estou aqui para…
para…
- Para?

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- Para te pedir desculpas. - Garner "despejou"


as palavras o quão rápido pôde.
- Desculpas?
- É. Eu exagerei. Não devia ter lhe dado
aquele tapa, nem ter sido tão rude. Não te conheço
direito, não sei direito o que a levou a fazer tudo o
que fez. - A loira estava sendo sincera, mas
aproveitava a deixa para observar as feições da
outra com calma e imparcialidade, longe do
estresse da situação que culminou na "briga" de
ambas.
Liv precisava entender o que aquela mulher
queria de fato, quem ela era realmente. Precisava
descobrir se tudo o que Meg dizia era verdade, e
nada melhor e mais eficaz do que usar os métodos
usados na USSE para reconhecimento de
mentirosos: a observância das reações corporais e
das micro expressões faciais.
- E o que te fez vir aqui? Por que o pouco que
lhe conheço me faz crer que não foi por iniciativa
própria.
- Foi sim. - Lee estreitou os olhos para a
comandante, que bufou imediatamente - Ok! Estou
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aqui por…por Eleanor e por mim também. Além


disso, conversei bastante com uma amiga. Ela é
uma das poucas pessoas que sabe de tudo o que
acontece comigo.
- É mesmo? - A ruiva esboçou um breve
sorriso.
- É. Você a conhece. Louise. Se lembra de
uma morena de cabelos compridos que estava
comigo no shopping?
- Oh, se lembro, e como lembro! - Meg
gargalhou alto - Devia tê-la trazido. Nossa, ela é
bem gata, heim? - A agente revirou os olhos - Está
bem! Parei!
- Não vai…me dizer nada?
- Oi?
- Não vai dizer nada sobre...isso? - Olívia
apontou para si depois para a ruiva.
- Ah, com relação ao que aconteceu entre
nós? Quem nunca falhou é porque nunca se
arriscou, não é mesmo? Ninguém nasce acertando
sempre, Garner. Apesar dos conselhos alheios,
como os que recebe da Eleanor e da gost… - A

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ruiva pigarreou - …da Louise, só aprendemos com


as nossas próprias experiências. Eu te desculpo
porque entendo o quanto se sentiu pressionada,
impotente. Ainda não sei do que se trata toda a sua
"descoberta" de hoje de manhã, nem faço idéia do
quanto te impactou, mas percebo que não é algo
"simples" de lidar. Só o fato de ter saído de sua
zona de conforto, já vale para mim.
- Mattew costuma dizer que quanto menos
arriscamos, menos erramos. Ela usa o comparativo
de um barco que quando navega por um caminho
conhecido e seguro, nunca chega a ter problemas,
mas também não tem novas experiências e nem
conhece outras paisagens.
- Se não viesse aqui eu jamais conheceria o
seu lado humano. - Meg riu, contagiando a outra -
Ninguém procura amigos perfeitos…
- Mas eu não sou sua amiga… - A agente
interrompeu a ruiva.
- Chata você, heim? Vou rever o seu pedido
de desculpas. - Lee suspirou, sorrindo - Retomando
a minha linha de raciocínio…Se você foi capaz de
reconhecer a sua falha, significa que tem muita
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coragem e humildade. Essas são qualidades que


admiro muito em alguém.
- Também acha que errei feio, não é?
- Querida, não sou eu quem acha, e sim, o
vermelho no meu rosto. - Liv resmungou algo
ininteligível, chateada, deixando o copo de suco
sobre a mesinha de centro, levando ambas as mãos
no rosto, escondendo-o - Para de bobagem. Nem
parece a fodona que salvou a família presidencial
de um ataque!
- Estou com vergonha!
- Dizem que suco de limão cura a ressaca
moral. Aceita? - A ruiva zombou, levantando-se e
caminhando até a cozinha que ficava logo ali ao
lado.
- Estou começando a me arrepender de ter
vindo. Você não perde uma oportunidade de fazer
uma brincadeirinha infame, não é?
- Perco o amigo, mas não perco a piada.
- Já disse que não sou sua amiga.
- Então não perdi nada. Aceita ou não? - A
mulher, que havia acabado de abrir a geladeira,

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ergueu a jarra e um copo.


- Aceito, por favor. - Em segundos, Meg
estava de volta à sala, sentando-se no mesmo sofá
que antes, frente à loira, após oferecer-lhe o suco -
Então…estou mesmo desculpada? Não está com
raiva ou algo do tipo? - A comandante indagou,
dando um gole generoso na bebida.
- Guardar raiva, rancor é como se alimentar
de algo estragado. Melhor jogar fora. Não vai
resolver eu me indispor contigo, vai? Ainda mais
você sendo… o que você é mesmo da minha irmã?
Namorada ou noiva?
- Isso não vem ao caso…
- Tudo bem. Tem gente que se apega ao que
foi ruim e fica ruminando aquilo, entende? Como
se fosse algo que não deveria ser esquecido, mas
ressentido sempre que possível, só pra nutrir aquela
lembrança. Eu não sou assim. Sou totalmente
desapegada dessas coisas. Tanto que não tenho
raiva da minha mãe. Na verdade, não sinto nada,
absolutamente nada por ela.
- O que é muito pior, não acha? A ausência
de sentimentos significa que, definitivamente, não
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há como vocês se relacionarem. Se essa fosse a sua


intenção, não sei. É como se existisse uma ponte
muito alta entre vocês, quebrada bem no meio e
impossível de consertar. Não há como nenhuma das
duas atravessá-la.
- Não me importo com isso. A primeira-dama
é um caso à parte. De resto, nunca vi ninguém se
dar bem por levar algum tipo de rancor à diante.
Vejo, sim, pessoas que depois tem o prazer de jogar
na cara de alguém todo o mal que foi feito e fazer,
daquele ato, uma libertação. Porém, ficar esperando
a hora de se vingar é admitir que se prefere comer o
prato frio. Se eu já detesto comida morna, quem
dirá um prato frio.
- Obrigada por isso.
- Imagina...
A loira, aparentando um pouco mais de
suavidade em seu semblante, bem como no tom de
voz que usava, sorriu, pela primeira vez desde que
chegou àquela casa, sinceramente
- Então…já que tocamos no assunto…sobre
você ser uma Conner também…disse que fez um
exame de DNA?
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- Obviamente que sim. Eu não posso fazer


uma afirmação, uma acusação, ou qualquer outro
"ão" sem provas. Quer ver o documento?
- Posso?
- Claro! Só um minuto. Vou buscar. -
Sorridente, a ruiva saiu à passos apressados
entrando em um corredor.
Garner, por sua vez, aproveitou para observar
detalhes que não pôde reparar antes. Levantou-se
passando o dedo indicador pelo rack, seguindo até a
janela. Abrindo uma pequena fresta, olhou para o
lado de fora, tentando verificar se havia algo
atípico, suspeito. Foi tomada de susto quando
Megan irrompeu o cômodo outra vez, de súbito,
trazendo um envelope nas mãos.
- Como poderei saber se não é adulterado? -
A comandante começou a folhear os documentos.
- Você é bem desconfiada, não? - A ruiva
sentou-se - Bom, essa é uma empresa séria e, como
uma agente federal, você tem meios de verificar.
Além disso, já te autorizei a colher o meu material.
Estou falando a verdade, Olívia. Não brincaria, ou
mentiria sobre algo tão sério. Já tenho uma ficha
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criminal extensa demais para acrescentar uma


falsidade ideológica.
- Não chegaria à tanto. Não está se passando
por ninguém. - A loira comentou sem tirar os olhos
do papel - Índice de maternidade combinado: 401
0000. Alelos compartilhados: 15/15. Resultado: A
suposta mãe tem no mínimo 99,99% de chance de
ser a mãe biológica do filho. - Garner leu,
engolindo em seco, considerando que tudo aquilo
era verídico.
- Viu? A Sra. Beatrice Conner é minha
querida mãezinha.
- Merda! É tão…surreal!
- Eu quem o diga!
- E o que pretende fazer?
- Te disse que não farei nada. Não preciso de
dinheiro, nem de notoriedade expondo um
escândalo na Casa Branca, porque um adultério por
parte da primeira-dama seria um puta escândalo. Eu
só queria mesmo conhecer a minha irmã. Ela é
parte de mim, bem ou mal temos o mesmo sangue.
Sempre sonhei com isso, com uma irmãzinha, uma
amiga. - Um sorriso emocionado formou-se nos
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lábios da mulher.
- Escuta, Megan, não é questão de
desconfiança ou não, faz parte do meu trabalho, fui
treinada para cercar todos os lados do risco, do
perigo. Eu vou verificar a veracidade dessas
informações, e dependendo do resultado, terá que
contar à Eleanor.
- Não! - A ruiva foi incisiva - Ela não precisa
saber de nada! Imagina? Não, não e não! Se eu
conseguir a amizade dela será mais do que o
suficiente.
- Como assim, Lee? Conner tem o direito de
saber que tem uma irmã. Tudo bem que não queira
reivindicar seus direitos. Quanto à essa parte legal,
eu não saberia dizer se é tão fácil o reconhecimento
de maternidade, mas ao menos diga quem é para
ela. E tem outra…eu sei de tudo e não mentirei para
Eleanor. Se você não contar e ela me perguntar
algo, serei obrigada a falar.
- Por favor, Liv. Eleanor parece ser tão boa
pessoa! Ela pode descobrir e se virar contra mim. O
desprezo da minha mãe é até suportável, mas o
dela…não sei se agüentaria.
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- Conner jamais irá te rejeitar. Isso posso


garantir. Mas...tudo bem. Podemos, sei lá, resolver
isso com calma. Também não quero que ela receba
uma notícia dessas de supetão. Com certeza
Eleanor irá sofrer, e tudo o que menos quero no
mundo é ver meu… - A loira interrompeu a frase
quando percebeu o que diria.
- Huuummm…mas vejam só…você pegando
a filha do presidente!
- Megan! - Garner repreendeu-a em tom
veemente enquanto a mesma ria pela brincadeira -
Quer saber? Eu disse que não ia demorar e estou
aqui faz tempo. Vou embora. - A agente pôs-se de
pé, estendendo a mão para entregar o envelope à
Lee - Eu…esqueci suas coisas lá em casa. Te
devolvo o quanto antes.
- Não se preocupe. Sei que meus
equipamentos estão em boas mãos. Só não os deixe
empoeirar, heim?
- Não deixarei! - Olívia respondeu com cara
de deboche - Eu entro em contato.
- Está bem. Até mais, comandante. Da
próxima volte com sua amiga. Não se esqueça!
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- Até mais, Lee.


Meneando negativamente com a cabeça,
Garner tomou a calçada rapidamente. Ainda em
frente à casa da ruiva, olhou para a esquerda - onde
o seu carro estava estacionado - posteriormente
para a direita, e acabou escolhendo o lado contrário
do que teoricamente deveria seguir. Caminhou duas
quadras, até que seu coração batendo
arritmicamente, a fez parar.
As pessoas dizem que a ignorância é uma
bênção. Mas as pessoas geralmente são ignorantes.
E muitas vezes ser capaz de mentir bem se torna
tão crítico quanto conseguir saber quando estão
mentindo para você. Mentiras nem sempre tem um
objetivo. Quantas vezes você já não respondeu que
fez ou deixou de fazer algo que nem afetaria seu
dia ou sua vida caso tivesse mesmo feito ou não?
Em contrapartida existem momentos que uma
mentira pode ter um valor estratégico que vai além
de manter um relacionamento, evitar uma briga ou
não levar uma bronca. Uma mentira pode salvar
vidas ou evitar perdas. Já foi dito inclusive, que
uma mentira repetida muitas vezes se torna uma
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verdade e que os maiores magos são os maiores


mentirosos.
Liv estava parada à poucos metros do prédio
da Agência do Serviço Secreto, onde sabia que
encontraria Michael. Ponderava se deveria seguir
em frente com um possível confronto, ou não.
Ponderava se descobrir a verdade lhe era
conveniente ou poria em risco a sua vida e de
outros.
"Eleanor…"
Ela sabia que muitas vezes algo tem tanto
valor que deve ser escondido atrás de uma mentira.
E era aí que a comandante deveria descobrir se,
ficando quieta, mantendo-se à espreita, estaria
escondendo algo muito bem dos outros ou se algo
estaria sendo escondido dela.
- Olívia? - A voz grave atrás de si a fez
arrepiar os pêlos da cabeça aos pés.
- Waite… - A loira engoliu em seco e
respirou fundo, buscando por coragem, antes de
virar-se com um sorriso dúbio nos lábios.
- O que faz aqui? - Ele mantinha-se com o
cenho franzido, em sinal de estranheza.
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- Vim ver o pessoal.


- Folga?
- Também sou filha de Deus, não é?
- Com certeza! - Riram, mas era notório o
clima estranho e o desconcerto de ambos - Vai
entrar ou está saindo?
- Nenhum dos dois. Quer dizer, eu ia entrar,
mas tinha me esquecido de um compromisso
inadiável. Estou atrasada já.
- Bom, então na sua próxima folga, volte para
nos fazer uma visita. O pessoal sente sua falta.
- Claro! Volto sim.
- Deixa eu ir. Tenho uma montanha de
burocracia na minha mesa para despachar. Tchau!
Nos vemos depois.
- Tchau, Waite.
Repentinamente - enquanto olhava o homem
dobrar a esquina - lembrou-se de um seriado que
assistia, e do qual adorava: House. O personagem
principal, Gregory House, é um médico que se
destaca pela sua capacidade de elaborar excelentes
diagnósticos, mas também pelo seu mau humor,
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ceticismo e seu comportamento pouco ortodoxo


com os pacientes. Duas de suas célebres frases se
aplicam muito na atual situação vivenciada pela
loira. A primeira delas era: "É uma verdade básica
da condição humana que todo mundo mente. A
única variável é sobre o quê." E sobre o que Waite
mentia? O que ele escondia? Quais eram as pessoas
que estavam por trás de todo aquele circo armado?
E a dúvida principal: o que motivou o comandante
Michael Waite a se envolver nessa trama?
Tomando por base esses questionamentos,
Garner acabou ponderando, refletindo sobre o que
estava acontecendo, chegando à uma conclusão por
conta da segunda frase famosa do Dr.
House: "Quando se quer saber a verdade sobre
alguém, essa deve ser a última pessoa a ser
consultada."
A meia volta foi dada pela agente, retornando
pelo caminho que viera, seguindo agora em direção
ao seu Honda Accord vermelho. Não confrontaria o
homem que era o seu antigo superior, e que agora
não passava de um completo estranho, suspeito e
mentiroso. Investigaria tudo por conta própria, por
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debaixo dos panos e com a vantagem da ciência dos


fatos, de saber fragmentos daquela maldita armação
- algo do qual eles, sejam quem forem os membros
da quadrilha, não tinham conhecimento.
Assim que entrou no veículo e travou as
portas, a loira tomou o celular na destra, discando o
número da melhor amiga.
- Fala, sapatão! - Mattew atendeu o telefone
ao terceiro toque.
- Pare de me chamar assim. - Liv reclamou,
rindo em seguida.
- E aí, se sente melhor?
- É…um pouco. Acabei de sair da casa da
Megan...
- Então...me conta como foi? Quer vir aqui
em casa? Podemos pedir pizza. Eu ia transar, mas
o infeliz desmarcou. Parece até eu na vida…
- Meus pêsames para a sua vagina e obrigada
pelo convite da pizza, mas ficará para uma
próxima. Hoje meu corpo e minha mente pedem
somente o silêncio da minha casa.
- Eu entendo, amiga. Mas vai falando, anda!

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Estou ficando nervosa com a curiosidade.


- Foi…tranqüilo. Lee parece ser mesmo
inofensiva. Ela…me mostrou o exame de DNA,
disse que quer conquistar a amizade de Eleanor,
que não se interessa em ter uma aproximação com a
Sra. Conner, eu pedi desculpas, ela aceitou, me
ofereceu suco…enfim, foi isso! Não tem muito o
que contar. Estou receosa em tecer alguma
expectativa, ou formular algum conceito sobre essa
mulher e, de repente, descobrir que estou errada.
Mas, de antemão, meu coração sente que ela fala a
verdade, que não é má pessoa.
- E acha que valeu a pena ter feito isso? Ter
ido se retratar? - Mattew indagava, preocupada
com os sentimentos da loira.
- Sim, claro! É como se eu tivesse tirado um
peso das costas. Consegui enxergar a minha
agressividade gratuita. - A comandante suspirou
profundamente - Ai, Louise, estou mesmo
precisando voltar a me focar no que é importante, a
me policiar, a conseguir controlar as minhas
emoções. Quando você acha que posso ligar para
aquele tal amigo psiquiatra seu?
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- Agora, amanhã, quando quiser, Liv. Só


acho que tem que ser o quanto antes, até mesmo
por causa do ultimato da sua namorada, não é?
- É…estou pensando na reação dela quando
descobrir tudo. Preciso estar por perto.
- Isso não compete à você, amiga. Sei que a
ama e quer protegê-la, mas não está em condições
de sofrer antecipadamente. O principal, por ora,
você já fez, que foi limpar seu coração, foi ter
começado a consertar as coisas com o pedido de
desculpas à Lee. O resto vamos ajeitando aos
poucos, no seu devido tempo.
- Como sempre a psicóloga nerd tem razão. -
A agente brincou, fazendo a outra rir.
- Agora me conta, amiga, a ruiva continua
tão bonita quanto me lembro?
- Oh, meu Deus! - A loira revirou os olhos
para a pergunta da outra.
- O que foi? Falei algo errado?
- Eu não creio que vocês possam estar à fim
uma da outra! Quer saber? Devem formar uma
dupla e tanto, pois parece que ambas sentem

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atração por qualquer ser que respira!


- Credo, Garner! Por que diz isso? Eu heim?
Sou bem seletiva, aliás, estou querendo mesmo
selecionar uma ruiva sensual que conheci no
shopping. Imagina, amiga, você pega uma irmã e
eu a outra. - A psicóloga gargalhou estridente e
alto do outro lado da linha.
- Ai, me poupe, Louise Mattew. - E
novamente a comandante revirava os olhos - Como
Megan também comentou à seu respeito, irei
promover um encontro entre vocês duas para que se
comam. Por Deus!
- Está falando sério, Olívia Garner? Ela
comentou o quê sobre mim? - Louise parecia
deveras empolgada.
- Nada demais. Só disse que eu deveria ter te
levado até a casa dela.
- Jesus! Sapatão, acabei de ter uma idéia!
- Que idéia, criatura? Eu não sou capaz de
lidar com suas idéias mirabolantes no estado em
que me encontro não…
- Para! Não é nada demais. Que tal se você

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fizer um jantarzinho amanhã na sua casa e


convidar a Meg?
- Hum, tão íntimas as moças para se
chamarem pelo apelido… - A loira zombou.
- Imbecil, deixe eu continuar…Então, se
Lee… - A moça enfatizou bem o nome da ruiva - …
quer se aproximar de Eleanor, eu quero vê-la e
você à sua namorada, seria uma boa unir o útil ao
agradável, não acha?
- Ah, não sei, Louise. Se Conner descobrir
que eu sabia…
- Garner, não se preocupe com isso. É uma
forma de você unir essas duas, me tirar da seca e
namorar um pouco com a sua morena. É por uma
boa causa.
- Ainda não estou convencida…
- Sapatão dos infernos, eu te ofereci a minha
casa, fiz jantar romântico para você transar com a
filha do presidente e mereço uma retribuição! - A
psicóloga esbravejou, mas prendeu o riso quando a
amiga soltou um "porra", surpresa com o rompante.
- Tudo bem, tudo bem. Mando uma

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mensagem para as duas, ok? Satisfeita?


- Bastante. Então trate de desligar o telefone
e enviar essa mensagem logo. Amanhã cedo nos
falamos. Beijos. Te amo. Tchau! - A agente ficou
boquiaberta com a ousadia da outra em desligar o
telefone na sua cara, assim, de súbito.
- Filha da mãe! - Ela exclamou, contrariada.
Bufando, digitou rapidamente a primeira
mensagem, endereçada à Megan.
"Oi! Eu estava pensando em fazer um
jantar simples, uma reunião entre amigas. Louise,
você, Eleanor e eu, na minha casa às 20:00.
Aceita? Te passo o endereço depois."
Assim que apertou o ícone "enviar", começou
a digitar uma para Conner.
"Amor, estou tentando consertar as coisas e
queria te fazer uma surpresa. Por favor, venha até
a minha casa amanhã. Darei um jantar. Teremos
companhia. É só isso que pode e precisa saber,
mas, aceite! Sinto sua falta. Eu te amo."
Tão logo terminou de escrever e encaminhar,
recebeu a resposta de Meg.

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"Isso não é pegadinha? Porque se for ou


não, aceito! Depois me manda o endereço.
Obrigada, comandante. Acho que você não tem
noção do quanto essa noite será importante para
mim. Até amanhã."
Ao ler aquelas poucas palavras da ruiva,
Olívia sentiu sinceridade em cada uma delas, e
sorriu. Sorriu ainda mais quando apareceu na tela a
notificação com o nome "amor".
"Meu amor, você entendeu que eu precisei
fazer aquilo para o seu bem, não entendeu?"
"Claro! Está tudo bem. Só quero mesmo me
retratar."
"Eu aceito jantar contigo. Mas me
responda: o que está aprontando?"
"Aprontando? Nada! Vamos jantar,
apenas."
"E quem são os outros convidados? Seus
pais? Queria vê-los outra vez, e o Theo. Preciso
dar um presente para ele."
"Não precisa."
"Quem precisa sou eu, portanto, não se

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intrometa, mocinha!"
"Ok! Ok! Você venceu. Não são eles, e não
posso dizer quem é, senão estraga a surpresa!"
"Certo, Garner, não insisto. Ei, estou com
saudade!"
"Eu também e não sei nem mensurar o
quanto! Vou ligar para o Rust e pedir que a leve
até a minha casa."
"Aguardarei ansiosamente, contando os
segundos para chegar a hora."
"Vou deixar você descansar agora. Boa
noite, amor. Durma bem."
"Uma boa noite para você também. Eu te
amo, comandante."
"Eu te amo, Eleanor!"

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Capítulo 37 – Amor,
amizade e uma nova
realidade
- "Bhur Buvah svaha
Thath savithur varenyam
Bhargo devasya dhimahi
Dhiyo yonah prachodayat…"
Eram exatas 05:47 da manhã. Olívia, sentada
em seu colchonete de E.V.A que usava para fazer
exercícios físicos em casa, entoava o mantra
universal para abrir e fechar o dia.
A palavra mantra vem do sânscrito man, que
significa mente, e tra, que tem o sentido de
proteção e instrumento; mantras são métodos de
proteção de nossas mentes contra o ciclo
improdutivo de pensamento e ação. Além de seus

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aspectos benéficos vibracionais, mantras servem


para concentrar e acalmar corpo, mente e alma.
Tudo o que a loira necessitava no momento.
A repetição contínua das palavras, usa o som
que carrega uma certa freqüência onde o corpo
reconhece, causando efeito calmante sobre quem
medita.
Há alguns bons anos, logo quando se deu a
tragédia com seu filho, Garner buscou forças e
ajuda na meditação transcedental para sustentar seu
lado espiritual, para equilibrar suas energias e não
surtar. Agora, com toda a pressão psicológica que
estava sofrendo e seu repentino descontrole
emocional, decidiu que não podia mais protelar a
retomada da prática diária da entonação daquelas
palavras curadoras.
Sua noite fora agitada. Rolou de um lado para
o outro na cama, desinquieta, sem conseguir
encontrar uma posição agradável que lhe
proporcionasse ao menos um pouco de conforto.
Sua cabeça fervilhava em pensamentos desconexos,
e o tormento não deixou seu corpo exausto
descansar. Conseguiu cochilar apenas por duas
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horas, o que de fato, foi pior do que não ter


dormido absolutamente nada. A comandante
precisava fazer algo de imediato, do contrário, não
teria boa saúde para prosseguir com o seu intento
de descobrir a verdade sobre o atentado à Casa
Branca, menos ainda, para proteger sua amada.
Com isso, nos intermináveis minutos em que
passou mirando o teto, resolveu que voltaria à
rotina saudável que tinha até à alguns meses atrás.
Para começar, nada melhor do que uma boa
meditação, conciliada posteriormente com suas
energias sendo extravasadas na academia.
A loira dizia o mantra em voz alta, deixando
ressoar em seu peito, terminando com uma
expiração, ao seu ritmo. Ela deixava as palavras
seguirem paralelas à sua respiração e não o
contrário, sabendo que o importante era o estado de
espírito com o qual as recitava. Finalmente, Liv
permitiu que o volume do canto diminuísse
gradualmente até que deixou de ser um som
externo e ficou apenas o de dentro dela. No
mergulho, concluiu com a vibração do silêncio.
Tinha um efeito de resfriamento em sua mente e
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nas emoções. Ela observava a própria respiração e


isso abstraiu as más energias.
Lentamente, a agente secreta levantou-se de
onde estava, espreguiçando e sorrindo. Dirigiu-se à
passos lentos até a cozinha - não por preguiça, mas
por sentir-se leve em demasia - e começou a
preparar um café da manhã reforçado. Precisava de
suplemento calórico extra já que sua intenção era
passar um tempo na academia exorcizando os
espíritos ruins que a cercavam.
Era incrível como uma mente focada
transformava quase que milagrosamente uma
pessoa. Quando a determinação de Garner mudou,
tudo começou a mudar na direção do seu desejo.
No momento em que ela resolveu vencer suas
barreiras - mesmo as que ainda não conhecia - todo
o seu ser imediatamente se preparou para o
sucesso.
Louise sempre lhe disse que o ser humano
deve prestar atenção à sutileza de sua mente. A
maneira que programamos os nossos pensamentos,
a atitude que temos, influencia diretamente em
nossas vidas e no nosso meio ambiente. Devemos
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lutar com determinação pelos nossos sonhos, nunca


deixando nada pela metade.
Pensando nisso, a comandante seguiu
animada para a academia. Tudo de que precisava
estava dentro dela. Ela não enfraqueceria; lutaria
até conseguir descobrir a podridão que se dava por
de trás do ataque à residência presidencial e seu
envolvimento com tudo aquilo. Mesmo que Olívia
caísse cinco vezes, levantaria seis. Para isso, ela
deveria ser mais corajosa do que já era, deveria
desafiar aquilo que pensava não ser possível
conseguir. E sairia vitoriosa.
Assim que Garner entrou em um dos seus
locais preferidos no mundo inteiro, sentiu o celular
vibrar no bolso do moleton. Ao vislumbrar o nome
"Eleanor" na tela, como de praxe, abriu um sorriso
largo e deu um suspiro apaixonado.
- Bom dia, meu amor! - A voz grave da
herdeira fez a comandante morder o lábio inferior.
- Bom dia! Está tudo bem? - Liv indagou,
adorando, porém estranhando a ligação naquele
horário.
- Está, está sim. Desculpa lhe incomodar tão
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cedo, mas acabei de falar com Rust sobre hoje à


noite e ele me disse que não está sabendo de nada.
- Oh, meu Deus! Me perdoe, amor, é que eu
esqueci de comentar sobre isso com ele.
- Tudo bem. Imaginei que estivesse com a
cabeça cheia mesmo. Não se preocupe. Converso
com ele e mais tarde você só reforça a ordem e
passa as devidas instruções.
- Certo. Farei isso. Mas…por que acordou tão
cedo?
- Tenho uma reunião agora pela manhã no
Capitólio com o embaixador francês.
- O conheci. Meus pêsames. - A agente
federal brincou.
- E você? Em casa? - Conner perguntava, na
desconfiança de que a resposta seria negativa.
- Não. Resolvi vir à academia. Aquela que te
mostrei, lembra? Acho que é disso que preciso.
Exercícios físicos...
- Eu poderia te ajudar a se exercitar de uma
maneira bem mais prazerosa…
- Quem a vê, jamais imagina que a filha do
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presidente é uma safada de marca maior. - Garner


sussurrou ao telefone.
- Sua safada, meu amor. Só sua. Estou morta
de saudade…
- É mesmo? Podemos resolver isso mais
tarde, se quiser…
- Quero. Óbvio que quero. - A risada
maliciosa de Eleanor no outro lado da linha fez a
loira arrepiar-se por inteiro - Amor, não vou tomar
o seu tempo, e também preciso me apressar. Nos
vemos à noite?
- Com toda a certeza. Eu te amo.
- Eu também te amo. Até logo!
- Até! - Assim que encerrou a chamada,
Olívia ainda ficou um tempo olhando para a tela do
celular, admirando a foto da herdeira, mantendo o
sorriso abobalhado de adolescente apaixonada.
Logo que levantou a cabeça, pôde ver a
figura de seu treinador de boxe, Dick, conversando
mais à frente com um de seus alunos.
- Será que ainda sou bem-vinda aqui? - A
loira murmurou atrás do homem.

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- Liv! - O treinador pareceu surpreso ao vê-la


- Como você está, garota?
- Você e sua velha mania em me chamar de
garota…
- Mas a senhorita não é uma garota? Estive
enganado todo esse tempo? - O homem brincou - E
qual milagre a trouxe aqui?
- Ah, Dick, eu sei que ando displicente
demais, mas a minha vida está tão tumultuada que
mal consigo dormir. Só que hoje tirei um tempo
para finalmente desenferrujar o meu corpo.
- Independentemente de qualquer coisa, isso
é sempre ótimo! Bom, seja bem-vinda de volta!
Fique à vontade! Se precisar de mim, estarei aqui
por você.
- Obrigada, grandalhão! - A agente deu um
soquinho no braço musculoso do homem,
dirigindo-se em seguida até a área de treino de artes
marciais e lutas da academia.
O ar da manhã trazia um frio pacífico para o
coração da loira. Olívia esticou seus braços e suas
pernas, segurando-as até seus músculos
começassem a tremer, antes de mudar de posição.
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Alongou seus membros e suas juntas por


aproximadamente trinta minutos, fazendo assim o
aquecimento preparatório para mais um dia de
treinamento.
O que ela praticaria naquele momento seria
as artes fundamentais com os punhos. Depois de já
praticar o boxe por anos à fio, sua maestria com os
movimentos estava beirando à perfeição, e a
comandante ansiava por certificar-se de que ainda
estava em forma.
Garner mantinha-se concentrada em seus
exercícios, sequer imaginando que, à alguns
quilômetros dali, após encerrar a ligação, Eleanor
teve uma idéia mirabolante e um tanto quanto
arriscada. A herdeira aproveitou que os carros e a
equipe de segurança estava à postos para ordenar à
todos de uma só vez.
- Eu sei que vocês têm uma rota à cumprir,
mas preciso que desviem um pouco do caminho.
Antes de seguirmos para o Capitólio, passaremos
em uma academia que fica próxima ao entorno.
Não devo demorar, e espero que não alarmem meus
pais quanto à isso.
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- Tudo bem, Srta. Conner. - Rust respondeu-a


- Devemos sair agora?
- Sim, por favor! - A morena suspirou -
Preciso falar contigo em particular. - Eleanor
murmurou em tom baixo, quase inaudível, para que
somente o rapaz ouvisse.
- Quando quiser. - O agente abriu a porta para
Conner, que entrou de prontidão.
E assim a carreata seguiu para o seu primeiro
destino. Há tempos a herdeira queria presenciar um
treino de sua amada, vendo naquela oportunidade, a
chance de conseguir o que tanto almejava. Ela sabia
que as pessoas poderiam reconhecê-la, que
poderiam interpretar a sua atitude de forma à criar
fofocas sobre sua "conduta moral", implicando e
replicando dúvidas "maldosas" sobre a intimidade
que mantinha com sua segurança, mas a filha do
presidente pouco se importava. Teria sempre a
desculpa da amizade e do carinho que nasceu após
a loira ter salvado a sua vida no fatídico dia do
ataque à Casa Branca.
Dito e feito. A atenção dos transeuntes
voltou-se para os carros blindados e batedores que
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estacionaram na porta do estabelecimento. Sabiam


que ali estava uma figura ilustre, imediatamente
reconhecendo como a candidata à presidência.
Tão logo a morena saiu do carro, os agentes a
cercaram para garantir o seu bem estar e a sua
integridade física. Conner observava todo aquele
furdúncio em torno de si e meneava a cabeça em
negativa, pensando no quanto seria perfeito poder
viver às margens do anonimato, como quando saía
às escondidas com Liv. Mas aquela era a sua
realidade, gostando ela ou não, e teria que se
sujeitar à acenos e sorrisos constantes. "São
eleitores", ela pensava, na tentativa vã de enganar-
se.
Funcionários, alunos da academia e diversos
curiosos aguardavam um aperto de mão, um
abraço, autógrafos e fotos. Por mais que o assédio
fizesse parte de sua vida, a morena jamais
acostumou-se em ser tratada como celebridade. "Eu
sou um reality show ambulante. Droga!"
Seus seguranças, obviamente, tomaram a
frente do caminho que um instrutor de judô indicou
como sendo o que os levaria até onde Garner estava
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treinando. Com os ambientes verificados, Eleanor


pôde seguir, mesmo ainda tendo que parar de metro
em metro para cumprimentar um ou outro.
De longe ela conseguiu vislumbrar a imagem
atlética e sexy de sua loira, abrindo um sorriso
largo, apaixonado, esquecendo-se de que não
estava só.
A arte fundamental com os punhos é
constituída de três movimentos: cruzados, jabs e
ganchos. Os socos cruzados são extremamente
fortes, profundos, firmes e ferozes. Jabs são socos
leves e rápidos que sincronizam com o movimentos
dos pés. Ganchos é um meio termo entre cruzados e
jabs, contendo uma ênfase maior no ângulo.
A agente secreta havia estabelecido uma base
que lhe dava equilíbrio tanto longitudinal quanto
lateral: pé direito à frente do esquerdo. Suas mãos
estavam posicionadas próximas ao supercílio de
forma a manter uma guarda segura para a cabeça. A
proximidade dos cotovelos junto ao corpo,
protegiam as costelas. O queixo permanecia o mais
próximo do peito quanto possível.
Garner tinha uma guarda perfeita. As mãos
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protegiam bem o queixo, fígado e baço; qualidade


que ela adquiriu com muita dedicação pelos longos
anos de treino.
Cada movimento tinha uma aparência
simples, mas quando Emma os executava, eles
ficavam graciosos. Isso era fruto dela ter praticado
mais de mil vezes, levando a técnica à quase
perfeição. Em um estado de concentração, a loira
tediosamente praticava, sem deixar cansaço algum
aparecer em seu rosto, e sem saber que os curiosos
e apaixonados olhos de Conner acompanhavam
cada segundo, cada movimento, observando os seus
trejeitos e atentando para o fato de que ficava ainda
mais sexy usando top e legging na cor preta, luvas
prateadas e um tênis de cano alto cinza.
"Uau! Como essa mulher consegue me fazer
sentir tesão assim?" A filha do presidente mordia o
lábio discretamente, em uma tentativa vã de
controlar seus instintos sexuais.
Depois de um tempo executando os
movimentos, a comandante já estava toda suada,
molhando a sua roupa. Gotas de suor brilhavam
enquanto escorriam pelo seu pescoço, colo, em um
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caminho trilhado junto com a ponta da língua de


Eleanor - mesmo que somente em sua imaginação.
Se alguém olhasse de perto conseguiria ver um
lento vapor saindo do corpo de Liv.
Como se estivesse hipnotizada, Conner fez
sinal com a destra para que os seguranças não
avançassem junto com ela, e lentamente, foi
aproximando-se do local onde sua namorada
estava.
Repetitivamente executando a técnica muitas
e muitas vezes, parando apenas de vez em quando
para ponderar sobre seus próprios movimentos, a
mais nova treinava, enquanto o tempo passava
devagar, o sol já dava as caras na cidade e o ar frio
começava a se dispersar.
A agente federal permanecia extremamente
focada no seu treinamento, até que virou-se de
súbito, tendo a visão da herdeira à sorrir encantada
para ela. Imediatamente, Olívia interrompeu o que
estava fazendo, respirando de forma desregular e
pesada, retribuindo o sorriso - mesmo tendo o
cenho franzido em surpresa pela presença de
Eleanor - e ajoelhando-se à colocar as suas duas
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mãos sobre as pernas. Gotas de suor ainda


escorriam de seu queixo e caiam em seu colo; seus
cabelos, mesmo presos, acabaram desgrenhando,
deixando-a com o ar extremamente sexy. Sempre
quando a loira praticava, ela se concentrava
totalmente, deixando até seus sentimentos de lado,
o que a fazia ficar extremamente esgotada e
momentaneamente perdida, sempre quando
terminava.
- O que…o que está fazendo aqui? - Garner
indagou, ainda ofegante.
- Te fazendo uma surpresa! - Conner
respondeu caminhando até um banco próximo onde
estava uma bolsa que reconheceu como sendo de
sua namorada. Pegou uma toalha de rosto que
pendia para fora do zíper e estendeu-a, ao chegar
bem próxima da comandante - Não gostou de me
ver?
- Você é louca, sabia? Não devia estar aqui! -
Emma tomou a toalha nas mãos, enxugando o suor,
e levantando-se em seguida - Tem pessoas olhando.
- A mais nova murmurou.
- Não há mal nenhum no que estou fazendo.
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Vim socializar com alguns eleitores dessa região.


- Oh, sim. Claro! - A loira deu uma breve
risada - Faz tempo que chegou? Desculpa não tê-la
visto. Estava concentrada.
- Cheguei a tempo suficiente para ver o
quanto fica gostosa nesses trajes, com esses braços
musculosos à mostra, e para constatar o quanto me
excita observar você treinando… - O diálogo dava-
se em sussurros.
- Não faz isso, Eleanor. Por favor… - Garner
foi enxugando o rosto - Não estamos no mundo
cor-de-rosa que…
- Ei! Posso tirar uma foto sua, Srta. Conner? -
Um rapaz alto e de barba cerrada, interrompeu-as -
Trabalho na Lives of Celebrities e seria o máximo
se eu pudesse ter uma exclusiva com você. Digo,
vocês duas, na verdade. - Ele direcionou o olhar
para a agente secreta.
Olívia e Eleanor entreolharam-se
constrangidas, sem saber como proceder diante
daquela situação atípica. Fazendo um sinal para a
outra com a sobrancelha, a morena sorriu
abertamente para o jornalista.
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- Pode tirar a foto. Ganhe pontos com o seu


chefe. - A filha do presidente respondeu, simpática.
- Obrigado. Vai me render uma promoção,
com certeza.
As namoradas aproximaram-se, ficando lado
à lado. O rapaz, tão logo tirou a foto, começou a
fazer diversas perguntas à Eleanor, sendo impedido
pela comandante de prosseguir.
- Já chega! Tirou a sua foto, agora deixe a
Srta. Conner em paz.
- Tudo…tudo bem. Obrigado. Foi um prazer
conhecê-las. - O repórter, visivelmente consternado
com a negativa, afastou-se, saindo das vistas das
mulheres.
- Folgado, não? - A loira comentou.
- Só estava fazendo o trabalho dele, Garner.
- Mas não o exime da condição de folgado. -
Riram.
- Comandante, como vai? - Anne
cumprimentou-a assim que chegou próximo das
duas.
- Tudo bem, senhorita? Dando conta de todo
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o trabalho com a candidata aqui?


- Até agora sim, e estou rezando que continue
dessa maneira tranqüila até o fim da eleição.
- Pois se eu fosse você não contaria com isso.
- Liv respondeu aos suspiros.
- E nem eu. - A morena manifestou-se,
prendendo o riso.
- Hã…desculpa interromper vocês, mas
estamos em cima da hora. O embaixador nos
aguarda, senhorita.
- Ah, Anne, Anne…você consegue ser tão
desagradável às vezes… - A filha do presidente
reclamou, bufando alto - Nos vemos à noite?
- Claro! Me dêem só um minuto. Vou
aproveitar que Rust está aqui e acertar os detalhes
com ele. - Tendo que fazer um esforço sobrenatural
para se conter e não tocar sugestivamente na
namorada em local público, Olívia sorriu um tanto
quanto consternada, afastando-se e seguindo até
onde estava o agente.
Com a visão periférica, Eleanor acompanhou
os passos da mais nova, umedecendo os lábios ao

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sentir um tesão fora do comum por aquela mulher


de braços fortes e pele suada. Cada detalhe, cada
mísero detalhe em Garner, acendia a chama do
desejo na morena, à começar pelos trajes que usava
e pelo cheiro da outra, que inebriava, despertava
seus instintos sexuais adormecidos.
- Freie seu ímpeto, Srta. Conner. - Anne
murmurou em tom baixo - Tem pessoas nos
observando. - Sutilmente, a oriental virou-se de
frente para um rapaz que as estava fotografando às
escondidas, no intuito de demonstrar para a
herdeira que faltava-lhe um pouco de discrição.
- Vamos indo. É melhor. - As mulheres foram
caminhando à passos apressados em direção à
saída, passando pelos agentes.
Liv e Eleanor apenas se cumprimentaram
com sorrisos e acenos, permanecendo em cada uma
o pesar por não poderem se despedir da forma
como gostariam.
"Meu Deus, essa mulher é louca! E eu a amo
tanto! Tanto…" A comandante meneou
negativamente com a cabeça, dando um breve
sorriso. Ainda sem acreditar no que a namorada
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tinha feito, ela juntou as suas coisas e seguiu para o


vestiário à fim de tomar uma ducha rápida. Tinha
pressa, apesar de teoricamente ainda ser cedo. O
dia tendia a manter-se corrido e exaustivo, já que
teria que preparar a recepção de mais tarde para as
"amigas".
Como não queria pedir a ajuda da mãe - que
lhe encheria de perguntas estapafúrdias - e nem
para Louise - por conta de seu orgulho e ânsia em
demonstrar que era capaz de organizar uma reunião
íntima - a loira resolveu optar pela ação mais
simples e rápida: a internet.
Assim que chegou em seu apartamento, foi
logo ligando o notebook para pesquisar dicas e
idéias de como preparar algo inesquecível.
- Bom…vejamos…hum…esse…"Um jantar
na mesa de centro da sala, com almofadas para
sentar pode ser muito divertido e
aconchegante." Isso! Ótimo! Gostei! Faremos uma
refeição de maneira mais intimista. O que mais
temos aqui? "A limpeza do local é fundamental
antes de servir a mesa. Para tornar o ambiente
ainda mais gostoso, borrife um pouco de
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aromatizante de ambientes, de preferência um que


tenha essência afrodisíaca." Santo Deus! Se eu
fizer isso, Mattew, do jeito que já é sexualmente
empolgada, sairá tirando a roupa no meio da sala. E
pelo visto, Megan não se importará nem um pouco.
Não! Melhor não! Será lavanda mesmo. Próximo
item…"Coloque uma bela toalha de
mesa. Aproveite as louças e os melhores talheres
que tiver." Caramba! Devo ter algo guardado que
D. Nora me deu quando me mudei. Viu, Liv? É
nisso que dá viver de congelados. Ok!
Bebidas…"Para uma noite especial, pede-se uma
bebida especial. Pode ser um vinho, um
espumante, um licor ou um suco de fruta
natural." Fácil! E o que mais temos aqui? "Caso
você tenha bons conhecimentos culinários…" - A
loira interrompeu a leitura nessa parte, gargalhando
alto - Restaurante da rua paralela, me
aguarde! "Tente se livrar de todas as distrações
para que você e seus convidados desfrutem ao
máximo de todos os momentos na companhia uns
dos outros. Desligue televisores, telefones e tudo
que possa atrapalhar o jantar. Só deixe uma
música agradável ao fundo." Acho que isso eu
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posso fazer. Então, Garner, mãos à obra!


A agente federal pôs-se à correr contra o
tempo. Confirmou endereço e horário com Meg,
lembrou Louise de levar o vinho italiano que
vendia na adega perto de sua casa, buscou a comida
no restaurante, comprou velas decorativas e outros
itens que julgou necessários, parando de ir de lá
para cá somente no fim da tarde, quando pôde
tomar um banho e relaxar um pouco.
Como estava quase tudo organizado,
permitiu-se demorar um pouco mais debaixo do
chuveiro para fazer sua higiene íntima, para lavar
os cabelos e se embelezar para a namorada. Após
os longos minutos se deliciando com a água quente
à cair sobre o seu corpo, Olívia passou a hidratar a
sua pele e rir da ironia que o destino lhe
apresentava. Há vinte e quatro horas atrás não
poderia sequer imaginar que estaria oferecendo um
jantar para as amigas, já que estava em meio à uma
maré de tormentos e problemas gravíssimos à
resolver. "Gota de orvalho", pensou. A comandante
sorriu lembrando-se do remédio para todos os seus
males: o beijo que receberia de sua amada dali à
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pouco tempo.
Para a vestimenta, escolheu uma macacão
preto, tomara que caia, com detalhes em fio de
prata na parte frontal. Os cabelos foram apenas
"amassados" nas pontas, dando um ar despojado e
sofisticado ao mesmo tempo. A maquiagem leve,
acentuada apenas nos lábios com um batom
vermelho, finalizou o look que ela tinha certeza que
surpreenderia Eleanor.
20:01 e Garner já tinha verificado pela
décima vez se tudo estava em seu devido lugar. A
apreensão aumentava segundo à segundo, fazendo
com que a loira caminhasse nervosa de um lado
para o outro, sistematicamente, indo da cozinha
para a sala, da sala para a cozinha.
Ao primeiro toque da campainha, seu coração
disparou de tal forma, que ela chegou a sentir dor
física. Suspirando, a agente secreta foi atender a
porta, não conseguindo disfarçar seu semblante
decepcionado ao ver Lee.
- Você…
- Nossa, que recepção calorosa! Fiquei até
emocionada agora. - A ruiva brincou, rindo do
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rubor que se deu no rosto da comandante.


- Não é…não é isso! Eu... - Olívia fez sinal
com o braço para a mulher entrar - Entre. Só não
vou dizer para você ficar à vontade, senão você
ficará mesmo.
- Me conhece tão bem, não é? - Meg riu,
adentrando no apartamento.
- Me desculpe. É que eu imaginei que fosse a
Eleanor. Deixei as devidas ordens para os agentes e
não sei porque ainda não chegaram.
- Devem ter desviado daquela avenida
principal, se passam por lá. Teve um acidente mais
cedo e até agora haviam policiais no local.
- Ah, não. Não passam por lá, mas se é assim,
as ruas adjacentes devem estar congestionadas
também.
- Com certeza! Deviam melhorar aquelas vias
de acesso.
- Isso foge da minha alçada. - A loira sorriu,
dando de ombros.
- Bom, como eu não sabia se vocês bebiam
ou não, e se sim, quais as bebidas que preferiam,

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resolvi trazer uma sobremesa. Eu mesma quem


preparou. - Megan estendeu a travessa que
carregava.
- Ora, não precisava se preocupar com isso.
Obrigada! - Garner pegou a sobremesa com
cuidado caminhando até a cozinha.
- Imagina! Eu não viria com as mãos
abanando.
- Espero que goste do menu que preparei. - A
agente falava em tom mais alto para fazer-se
ouvida.
- É mastigável? Porque se for, eu já adorei!
- Nossa! Você e Mattew combinam mesmo,
heim?
- E ela? Vem?
- Óbvio! Mato aquela infeliz se ela não
aparecer aqui hoje! - Liv respondeu ao retornar
para a sala.
- Ai, que bom! Posso usar o seu banheiro?
- Claro! É a segunda porta no corredor.
- Obrigada!
Assim que a ruiva saiu de suas vistas, a
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agente secreta tratou logo de verificar mais uma


vez se a temperatura das bebidas estava ideal, bem
como os outros itens já verificados dezenas de
vezes.
"Estou ficando paranóica. Deus me livre virar
a minha mãe!" Rindo de seus pensamentos, a loira
assustou-se com as batidas na porta. "Quem será
batendo assim?"
Quando atendeu e vislumbrou a imagem da
sua namorada, não teve outra reação senão suspirar
e sorrir apaixonada.
- Oi! Que bom que você chegou. Cadê…todo
mundo? - Garner olhava de um lado para o outro
das escadas.
- Já verificaram o prédio. Estão lá embaixo. -
De súbito, Conner empurrou a mais nova para
dentro do apartamento, fechando a porta atrás de si
com o pé. Sem delongas, tomou a cintura de Olívia
com a mão esquerda, enquanto a destra ia de
encontro à nuca, puxando-a para si - Eu estava
morrendo de saudades de você. - A proximidade e
o torpor da excitação que a morena sentia a fazia
ofegar.
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- Elea… - A agente tentava em vão se


esquivar. Seus lábios foram capturados com
volúpia ao passo em que a filha do presidente a
prensava na bancada que dividia a sala com a
cozinha americana - Amo…Elea…
- Como é possível você fazer tanta falta assim
na minha vida? Hum? - Eleanor afastava as pernas
da outra com o joelho ao mesmo instante em que
apalpava seus seios, apressada, sem dar chances à
outra de retrucar - Desde que te vi na academia,
lutando no treino, senti um tesão fora do comum,
sabia?
- Meu…Eleanor… - Olívia também ofegava,
pois não era insensível ao contato da mais velha,
contudo, tentava afastar-se inutilmente.
- Fiquei molhada o dia inteiro pensando um
você com aquelas luvas, com aquele top mostrando
a barriguinha, suada. Imaginei você me fodendo em
cima do ringue. Nossa! Eu preciso muito de você
dentro de mim, agora! - O sussurro com a voz
rouca de excitação arrepiava os pêlos do corpo da
loira.
- Uau! - Um timbre estranho fez Conner
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interromper o ato e afastar-se de súbito.


- O que…
- Isso é melhor que pornô! Com certeza!
Gostei, candidata! Ganhou o meu voto! - Megan
sorriu ao dar um tapinha no ombro da morena.
- O que significa isso? - Eleanor indagou com
o semblante sisudo, recompondo-se do
constrangimento, enquanto a ruiva se sentava no
sofá calmamente, como se nada tivesse visto ou
ouvido.
- Eu tentei te dizer que não estávamos à
sós…
- Tentou?
- É… Eu tentei, mas você estava…
- Faminta! Sedenta! - Meg completou a frase.
- Lee! - A repreensão por parte da agente era
tão inútil quanto mascar chiclete durante uma prova
para ajudar a lembrar das respostas corretas.
- O que foi? Ai, gente! Vocês não são os
únicos casais que transam não! Estão agindo como
se fosse algo absurdo. E querem saber? Não vi
nada. Só ouvi a última frase e fiz uma brincadeira. -
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A mulher mentia deliberadamente.


- Garner… - Eleanor, que encarava a
"estranha nem tão estranha", voltou a sua atenção
para a namorada - Pode me explicar o que significa
isso?
- Sente-se, amor. - A comandante conduziu-
as para as poltronas em frente à que a ruiva estava
sentada.
- Depois daquele incidente, depois que você
pediu que eu pensasse à respeito da minha conduta,
eu vim para casa e obedeci. Pensei e pensei muito.
Louise e eu também conversamos sobre isso, até
que enxerguei que vocês estavam certas. Eu preciso
assumir meus erros e focar no que realmente é
importante, deixar de querer ser onipresente e
onipotente, deixar de abraçar os problemas sem
resolvê-los. Isso está me fazendo mal e não estou
sabendo lidar com a pressão. Bom, o primeiro
passo que decidi tomar foi o de pedir desculpas à
Megan pelo o que fiz. Realmente exagerei na
atitude que tive.
- Eu entendi que ela só queria te proteger.
Achei até...bonitinho a comandante cuidando do
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seu amor.
- Contou à ela sobre nós? - A herdeira
alternava o olhar entre uma e outra.
- Ela meio que...desconfiou. - A loira
suspirou - Meu amor, o motivo dela estar aqui hoje
é para nos conhecermos melhor. Você disse que
tinha gostado dela, então…achei que seria uma boa
forma de me redimir da merda que fiz. E também, a
convidei para jantar conosco porque…
- …porque ameacei processar vocês. Foi
meio que um "cala-boca". - O estreitar de olhos de
Liv para Meg, fez a mulher erguer os ombros em
rendição - Ok! É brincadeira.
Antes de qualquer outra manifestação, o som
da campainha ecoou pela sala, fazendo a agente
federal suspirar aliviada e a ruiva sorrir em êxtase.
- Aí está o outro motivo de eu tê-la
convidado. - Garner comentou antes de levantar-se
e ir atender à porta.
- Olá, pessoas! Chegou quem estava faltando!
- Mattew foi entrando com as mãos para o alto
mostrando as garrafas de vinho. Quando seu olhar
cruzou com o de Megan, ela sorriu maliciosa
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mordendo o lábio - Você veio…


- Como não viria? - A ruiva levantou-se,
caminhando até a psicóloga e pegando uma das
garrafas de sua mão - Dizem que sou um pouco
destrambelhada, mas não à ponto de perder uma
reunião entre…amigas! - Ela frisou bem a última
palavra ao encarar a outra de perto.
- Entendeu o que está acontecendo? - Liv
sussurrou para a namorada ao retornar para o seu
lugar.
Com o semblante um pouco mais aliviado,
Eleanor sorriu, entrelaçando os seus dedos nos da
mais nova.
- É…entendi tudo! - Riram - Com os devidos
esclarecimentos feitos, agora você pode me beijar,
comandante?
- Seu pedido é uma ordem. - A loira roçou
sua boca na da herdeira, passando a ponta da língua
no contorno, antes de iniciar a brincadeira de
mordiscar e se afastar.
- Hum…isso não é justo!
- O que não é justo é eu sair do conforto do

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meu lar para ver duas lésbicas se beijando. - Louise


bufou alto em brincadeira, indo até a cozinha
colocar o vinho para gelar.
- Ah, como se fôssemos as únicas aqui que
estão loucas para se beijarem! - Olívia gritou,
olhando para a ruiva em seguida.
- Está me olhando por quê? Abstenho-me de
qualquer opinião sobre o assunto. Sou do tipo
difícil! - Meg comentou, fazendo todas rirem.
- Então…vamos de cerveja por enquanto? - A
psicóloga retornou com quatro long neck's nas
mãos - A noite é uma criança e está só começando.
- Eu vou pegar os aperitivos que preparei. - A
loira levantou-se.
- Espero que tenha separado os jogos,
Garner! - Mattew entregou as bebidas às mulheres,
sentando-se perto de Lee.
- Separei nada! - A agente berrou do outro
cômodo - Liga o som que é o melhor.
- Jogos? Que tipo de jogos? - Conner
indagou, curiosa.
- Strip pocker, dados eróticos… - Louise

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respondeu após dar um gole na cerveja.


- É o quê? - A morena arregalou os olhos,
incrédula.
- É brincadeira dela, amor. Essas duas
formam um belo casal de comediantes, não acha? -
Liv pontuou ao retornar e colocar a bandeja com
algumas tortilhas, nachos, discos de frango e
molhos diversos sobre a mesinha de centro.
- Estou percebendo que nasceram mesmo
uma para a outra. Dispensam essa baboseira de que
os opostos se atraem. São idênticas e ótima dupla! -
Eleanor comentou em tom de deboche.
- Já disse que votarei em você, não disse? -
Meg brincou, arrancando gargalhadas de todas.
Seguindo com o clima amistoso, as quatro
mulheres passaram a fazer piadinhas umas das
outras, rindo, conversando, bebendo e se
divertindo. Louise tinha toda a razão ao dizer que a
noite estava apenas começando. Ela só não fazia
idéia do que viria pela frente.

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Capítulo 38 - Verdade ou
conseqüência
- Olívia, devo confessar que o seu macarrão
com queijo é o melhor que já comi em toda a minha
vida! - Megan comentou ao passo em que
recostava-se no sofá.
- Fiquei completamente apaixonada pelo
hambúrguer de salmão. Espera, mas não tão
apaixonada quanto pelo bread pudding. Que
sobremesa divina, meu Deus! - Eleanor fechou os
olhos ao falar, dando ênfase ao êxtase que sentiu
quando degustou o doce.
Garner apenas sorria um tanto quanto
constrangida com o bombardeio de elogios que as
duas mulheres resolveram despejar sobre ela.
Louise, por sua vez, estreitava os olhos para a
amiga, meneando negativamente com a cabeça e
prendendo o riso, já que a conhecia muito bem para
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saber que a loira não tinha cozinhado o jantar.


- Ok, Olívia Garner. Você conta ou eu conto?
- A psicóloga indagou.
- Contar o quê, criatura? Não vou deixar você
beber mais, heim? Não está falando coisa com
coisa mais…
- Liv, se eu quiser te desmascaro em um
minuto, sua safada! - Mattew ria, incrédula com a
dissimulação da outra.
- O que está acontecendo? O que você tem
para contar, amor?
- Hum…se vocês já não tivessem transado,
eu apostaria que ela é um homem. Mas ainda assim
pode ser...
- Lee! - A comandante repreendeu - É que…é
que…
- Ela comprou o jantar no Leason's. - Louise
"cuspiu" as palavras.
- Eu juro que um dia ainda te mato. - Garner
bufou alto, fixando o olhar em um ponto qualquer
do tapete.
- Olívia, como você pôde? - Conner fingiu
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indignação.
- Se tivesse como pegar de volta os elogios…
- A ruiva mordia o lábio para conter uma
gargalhada.
- Não ia dar tempo de preparar algo especial
e...
- Amiga!
- Está bem! Fiquei com preguiça de cozinhar!
Satisfeita, sua cobra? - A agente franziu o cenho
para a psicóloga. O riso deu-se em uníssono,
deixando Garner ainda mais ruborizada - Do que
estão rindo?
- Amor, não nos importamos que a comida
seja do restaurante. Dá para notar que você
organizou tudo com muito carinho. É isso que
importa. - A herdeira acariciava as costas da
namorada.
- Ok! Já comemos, já desmascarei essa
farsante, o que acham de brincarmos de verdade ou
conseqüência?
- Uau! Hã…Acho que nunca brinquei disso. -
A filha do presidente confessou, receosa.

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- Sério? Mas sabe as regras, não sabe? -


Mattew indagou.
- Mais ou menos…
- Bom, vamos pegar uma garrafa e girar. O
fundo da indica a pessoa que fará a pergunta e o
bico quem responderá, óbvio. E você tem a opção
de dizer a verdade ou sofrer uma conseqüência
escolhida à dedo. - A moça riu maliciosa.
- Como eu não tenho nada a esconder
mesmo…estou dentro. - Meg comentou - Vai jogar,
Liv?
"Ah, não tem nada a esconder, mentirosa?
Imagina se tivesse…" A loira pensou e sorriu antes
de responder.
- Vamos lá! Mas já adianto que se pedirem
para a minha namorada ficar nua, não pensarei duas
vezes em usar meu punho no nariz de vocês.
- Ui, ela é brava! - A ruiva brincou - Relaxa,
comandante. Ninguém aqui quer ver a futura
presidente dos Estados Unidos sem roupa.
- Acho bom mesmo.
- Ah, e isso serve para ela também. - Conner

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ria empolgada.
- Então vamos começar. - Louise tomou o
resto do vinho que estava na garrafa - Tirem as
coisas de cima da mesa, por favor. - De prontidão,
as mulheres fizeram o que foi pedido, acomodando-
se cada uma em uma extremidade em seguida - E…
foi! Ah, Megan pergunta para Eleanor.
- Verdade ou conseqüência? - A morena
alterou o olhar entre a ruiva e a namorada - Não
adianta olhar para ela. Jogue por si só.
- Está bem. Verdade.
- Uma levezinha. Qual foi o sonho mais
estranho que você já teve?
- Sonho estranho? Deixa eu ver… - A
herdeira suspirou, franzindo o cenho como se
tentasse resgatar alguma memória - Acho que o
sonho mais estranho que tive foi com uma mulher
idêntica à você. Quando eu fiquei internada depois
do ataque na Casa Branca, algumas vezes eu via
uma paciente exatamente com as suas
características. Em alguns momentos parecia bem
real, outros não. Com certeza isso foi o sonho mais
estranho que já tive.
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As rainhas das dissimulações. As três


mulheres entreolharam-se com o relato, porém não
demonstraram abalo ou alteraram suas feições à
ponto de denunciar a verdade por trás do que
Conner achava ser devaneio. Aquela seria uma
ótima oportunidade para que o segredo que Meg
carregava fosse revelado. A agente federal lançou-
lhe um olhar inquiridor, como quem pergunta
silenciosamente sobre a atitude pró ativa que
deveria tomar, mas uma gargalhada dissipou
qualquer sombra de clima tenso que por ventura
poderia se instaurar e a perda da chance de
esclarecer tudo.
- Vejam só! Eleanor Conner sonhando
comigo…Hummm…gostei! - Emma
imediatamente pegou uma almofada e lançou
contra a ruiva - Ei! É brincadeira. - Riram - Você é
quem gira a garrafa, Conner.
- Opa… Garner pergunta para Mattew.
- Lá vem… - A psicóloga bufou.
- Amiga, verdade ou conseqüência?
- Verdade. Seja o que Deus quiser.
- Você já participou de algum ménage?
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- Ah, não! Isso não vale! - A moça protestou.


- Querida, não sou eu quem fez as regras.
Você optou pela verdade, agora tem que falar.
- Não é possível que esteja cismada até hoje
com esse lance, Liv?
- O que foi, gente? - Eleanor tentava entender
o que se passava ali, tal como Meg.
- É que nós fomos em uma festa na casa de
um amigo quando éramos adolescentes. Essa daí se
enfiou no quarto com um rapaz, e quando eu fui
procurar por ela, vi uma moça saindo de lá. Louise
disse que a menina tinha entrado, pegado algo e ido
embora, mas eu não fiquei convencida disso até
hoje. - O semblante de malícia e deboche da
comandante, fez a amiga revirar os olhos.
- Eu te odeio!
- Me odeie, mas diga o que houve naquela
noite.
- Aquela intrometida se enfiou entre nós e eu
não pude fazer nada contra.
- Não pôde ou não quis? - Todas gargalharam
do desconcerto da psicóloga.

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- É somente uma pergunta, Olívia Garner! -


Mattew foi logo girando a garrafa que apontou da
agente para Conner.
- Hum… Amor, o que vai escolher?
- O jeito que você está afiada com o nível das
perguntas…conseqüência. Acredito que será mais
leve.
- Sério?
- Seríssimo!
- Ai, o que pedirei para você fazer?
- Posso dar uma sugestão? - Meg perguntou.
- Pode.
- Me arrume um pedaço de papel e caneta. -
Sem entender absolutamente nada, Liv levantou-se
e pegou o que lhe fora pedido, colocando em frente
a mulher, que de imediato pôs-se a rascunhar
algumas palavras - Aqui está! Eleanor pode passar
um trote para algum restaurante dizendo isso.
- Megan, até que foi uma ótima idéia! - A
comandante gargalhava antecipadamente.
- Meninas, nunca fiz isso na vida. Não tenho
coragem.
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- Com medinho, candidata? - Louise


provocou, esticando o braço, pegando o telefone
sem fio e entregando à morena.
- Deus! - Após um suspiro profundo, Conner
discou, tremendo levemente, o número que lhe fora
dado - Alô?
- Prith, boa noite. Em que posso ajudá-la?
- Você tem coxa de frango?
- Temos sim, senhora.
- Então é melhor vestir uma calça senão as
pessoas vão notar! - Tão logo proferiu a frase, a
herdeira encerrou a ligação - Cristo! Estou até
suando!
O apartamento foi tomado pelo eco das
risadas altas e intermitentes. Cada uma pendia o
corpo para um lado, rindo da situação atípica.
- Quem diria que a filha do presidente do
nosso país fosse capaz de fazer uma merda dessa? -
A ruiva tinha dificuldade em falar.
- Eu vou passar mal. - Mattew comentava,
colocando a mão na barriga.
- Parem! - Eleanor repreendia, mas a própria
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estava às gargalhadas.
- Ai… - Garner precisou respirar fundo para
recobrar seu estado normal - Gire a garrafa, amor.
- Eleanor pergunta para a Louise.
- Hã…Louise, o que vai querer?
- Verdade.
- Pois bem…entre quatro paredes…vale
tudo? - A ruiva questionou, olhando bem dentro
dos olhos da outra e dando um sorrisinho com o
canto da boca.
- Se eu estiver com alguém interessante vale
qualquer coisa. - A resposta foi dada com a
entonação sexy tal como a pergunta.
- O clima está esquentando… - A herdeira
sussurrou para a amada.
- Vai é pegar fogo daqui a pouco. - Liv
pigarreou - Pare de flertar e agilize aí, amiga.
- Meg para Garner.
- Quero a verdade.
- Quando você começou a sentir tesão pela
nossa querida candidata à Presidência?
- Ow… - A loira enrubesceu a face - Você
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quer dizer a primeira vez que senti tesão por


Eleanor?
- Isso…
- Foi na primeira vez em que a vi
pessoalmente na Casa Branca. Billy a sujou e
estávamos de saída para um evento, então, me
prontifiquei a tentar tirar a mancha do seu vestido.
Tive que fazer dentro do carro, à caminho, para que
não nos atrasássemos. Com o balançar do
automóvel… - A comandante olhou maliciosa para
a namorada, que ouvia atentamente - …a minha
mão acabou escapando algumas vezes e encostando
nos seios dela. Não dá para controlar esse tipo de
coisa…
- Ah, quer dizer que você aproveitou da
situação? - Conner estreitou os olhos, fingindo
indignação.
- De maneira alguma. Sempre fui
extremamente respeitosa e profissional contigo.
- Eu sei, meu amor. Estou brincando. Eu
percebi o que estava fazendo e gostei daquilo. - A
última frase foi um sussurro ao pé do ouvido.
- Qual das duas tomou a iniciativa? - Lee
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emendou outra pergunta.


- Eu. - Conner adiantou-se.
- Ei, sou eu quem devo responder. - A loira
protestou - Fui eu quem a chamou para um
encontro.
- Mas eu te beijei primeiro.
- Claro! Como eu poderia beijar você? Sou
sua…empregada! Você é Eleanor Conner.
- Sim, sou Eleanor Conner e amo você. Amo
muito você. - As mulheres foram aproximando as
bocas lentamente, sorrindo, mas foram
interrompidas pelo murmúrio nada discreto de
Mattew.
- Nossa, essa daí me ligava todos os dias para
dizer que não agüentava mais se masturbar
pensando na filha do presidente.
- Louise, sua mentirosa! Eu nunca disse nada
nem sequer parecido!
- Não se preocupe, amor. Eu mesma já fiz
isso várias vezes pensando em você vestida de
terno…
- Adoro quando as pessoas se esquecem do
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jogo e começam a se revelarem por conta própria. -


A ruiva balbuciou baixo para a psicóloga, em tom
praticamente inaudível, prendendo o riso em
seguida - Podemos continuar?
- Claro! Deixa eu girar e… Eleanor pergunta
para Mattew.
- Quero conseqüência porque sei que vocês
duas estão mancomunadas e irão me fazer
perguntas indiscretas.
- Imagina! Como pode pensar algo assim de
nós? - Conner fez-se de desentendida, olhando de
relance para a agente secreta que fez um sinal
discreto com a cabeça - Já que escolheu
conseqüência, quero que lambuze alguma parte do
corpo da Megan de bread pudding e limpe em
seguida…com a língua.
- Uau! Terei que desabotoar algum botão? -
A ruiva não perdeu a oportunidade de brincar com
a situação.
- Não. - Louise disse, levantando-se e indo
até a cozinha buscar a sobremesa. Ao retornar,
sussurrou no ouvido da herdeira, que logo riu -
Você me paga. - Sentando-se de frente para Meg, a
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psicóloga sujou o dedo indicador direito do doce,


alternando o olhar entre as orbes azuis e a boca
avermelhada tão próxima da sua. Um pouco
ofegante pela excitação que o momento lhe
causava, ela contornou os lábios da outra,
deixando-os sujos - Posso? - A moça balbuciou.
- Deve…
Delicamente, Mattew passou a lamber o
bread pudding arrancando um gemido baixo, quase
inaudível da ruiva. Ambas sentiram-se atraídas uma
pela outra desde a primeira vez que se viram.
Agora estavam envoltas em um clima sensual,
propício para o que tanto ansiavam em fazer. Não
resistiram, nem fizeram o menor esforço para tal.
Megan levou a destra à nuca da outra, abrindo a
boca e sugando a língua que lhe lambia. Iniciaram,
então, um beijo tórrido, carregado da luxúria que
contiveram desde que se encontraram naquela
noite.
- Eu não sou obrigada a ficar vendo duas
lésbicas se beijando na minha sala. - Garner
levantou-se, piscando para a sua namorada.
- Como se você não fosse a rainha das
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sapatões de Capitol Hill. - Louise interrompeu o


ato, apenas para retrucar a fala da amiga, voltando a
beijar Lee com um pouco mais de "intensidade".
- Vem comigo. - A comandante movimentou
os lábios silenciosamente de forma que Eleanor
pudesse entendê-la.
Em meio a tantas conversas, risadas, e tantas
outras coisas ditas e feitas na pequena reunião entre
"amigas", Mattew e Meg já não podiam controlar o
desejo que sentiam. Fitaram o olhar uma na outra e
sorriram ao se verem à sós.
- Só um segundo. - A psicóloga levantou-se e
trocou a música que tocava no momento.
O ambiente fora invadido pelos acordes de
Lights, enquanto ela retornava para o lugar onde
estava sentada anteriormente. Louise, então, pegou-
se pensando em como conseguiu se conter por tanto
tempo. À uma distância mínima, pôde reparar na
mulher, de uma forma além da convencional.
Repentinamente ela sentiu a mão de Lee
acariciando sua coxa, arrepiando todo o seu corpo.
Louise estava gostando da sensação de uma mão
tão suave e macia tocando sua pele, além do que
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poderia imaginar. Não sabendo muito bem como


agir, a moça tomou o drink que encontrava-se ao
seu lado todo de uma vez, rindo em seguida da
situação.
- O que foi? - A ruiva acompanhava a outra
nas gargalhadas, mas sem largar a sua coxa,
apertando cada vez mais forte.
- Nada. - Mattew, do chão, refestelou-se no
sofá, e em um impulso, puxou a outra para cima
dela, sentindo seus seios roçando uns nos outros.
- Não estamos brincando mais, mas posso te
fazer uma pergunta? - Meg sussurrou.
- Pode.
- O que acha de sexo no primeiro encontro?
- Não faço.
- Mesmo?
- Sim. E ainda bem que isso não é um
encontro. - Sem delongas, a psicóloga puxou a
ruiva com força pela gola de sua blusa, fazendo
suas bocas se chocarem. O beijo que deram era
apressado e lascivo. As mãos das mulheres
agilmente trataram de apalpar cada pedaço das

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curvas suntuosas que tinham.


- Quero tirar a sua roupa… - Megan
murmurava.
- E eu a sua.
- Mas se as meninas descerem?
- Elas devem estar transando. Não virão aqui
embaixo agora em hipótese nenhuma.
Tão logo Mattew disse aquilo, foi despindo a
outra sem demora, assim como a ruiva fez com ela.
Meg passou a percorrer seu corpo com a língua,
começando pelo queixo, descendo pelo o pescoço
até encontrar seus seios, que por serem pequenos,
dava ainda mais prazer em abocanhá-los de uma
vez, colocando-os quase todo dentro da boca.
Megan perdeu-se por um longo tempo ali,
mamando avidamente, mordiscando os mamilos até
deixar aquelas delícias completamente babadas.
Louise, por sua vez, apertava a ruiva bem
forte pela cintura. Com seus corpos grudados, a
psicóloga pôde sentir o sexo quente da outra
roçando na sua perna.
Já não agüentando de tesão, a moça empurrou

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a outra delicadamente no estofado fazendo com que


deitasse. Assim que ajeitou seu corpo em cima do
dela - em uma posição de 69 - Mattew encarou Lee
por sobre os ombros.
- Que visão maravilhosa você está me dando!
- A ruiva dizia ao apalpar a bunda lisa à sua frente.
- As duas aproveitam assim. Não é bom? O
que eu aprecio agora parece bem delicioso também.
- A moça referia-se ao sexo carnudo e brilhante
pela lubrificação natural que a sua parceira tinha.
- Aprecie em moderação, querida!
Como não tinham nenhuma pressa, ambas as
mulheres passaram a se lamber mutuamente, cada
parte de suas vaginas minuciosamente, chupando,
sugando o clitóris, puxando levemente entre os
dentes.
- Aaahhh Megaaan… - Louise não resistiu
em gemer um pouco mais alto quando os dedos da
outra friccionaram em sua entradinha, alternando
com movimentos circulares. A ruiva brincava de
enfiar e tirar sua língua também, sentindo o sabor
daquele líquido de excitação que escorria e a fazia
delirar.
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De maneira provocativa, Mattew abriu um


pouco mais as pernas de Meg lambendo as duas
coxas de um lado para o outro enquanto via a
mulher implorar para ser chupada com força.
- Me fode com essa língua gostosa, vai. - A
ruiva gemia ao passo em que penetrava Louise com
dois dedos, indo fundo, mas lentamente.
A psicóloga, por sua vez, afastou os grandes
lábios da outra, lambendo de leve, depois
friccionando a língua com força. Quanto mais ela
sentia o clitóris inchado e quente de Lee roçando
em seus dentes, mais Mattew ansiava pelo gozo.
Ambas estavam tão sedentas, tão fogosas
que, por vezes, quase perderam o fôlego, se
debatendo, se comendo. Louise arriscou meter um,
depois dois dedos na ruiva, que denunciava o
imenso prazer sentido, com as reboladas cada vez
mais rápidas.
Não agüentando mais de tesão, as mulheres
tiveram seu músculos retesados, suas pernas
começaram tremer enquanto elas gemiam, se
contorciam, se acariciavam entre as pernas. Quando
parecendo combinação, tanto uma quanto a outra,
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deram uma atenção especial aos seus nervinhos


pulsantes, sugando com uma pressão maior, o
orgasmo veio de surpresa arrebatando Meg, em
seguida Mattew, que se agarrou ao sofá, caindo
desfalecida ao lado da outra, após o gemido
libertador.
As mulheres permaneceram estáticas por um
tempo, recuperando o fôlego e a sanidade depois da
foda rápida e gostosa que tiveram.
- Você é uma delícia! Muito mais do que eu
imaginava.
- Isso é porque você não conheceu nem
metade do que sou capaz de fazer. - Lee dizia ao
instante em que ia erguendo o corpo para se sentar.
- O que acha de me mostrar seus dons? -
Louise levantou-se, juntando as roupas que tinham
espalhado pelo chão - Vem comigo. Tem um quarto
de hóspedes aqui embaixo.
- Esperando por nós?
- Com certeza…
Enquanto o casal recém-formado esbaldava-
se em atos sexuais frenéticos, as namoradas, no

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andar superior, terminavam o longo e relaxante


banho que resolveram tomar à fim de se livrarem
do cheiro de bebida que estava impregnado em suas
peles devido à um pequeno incidente durante o
jantar.
- Essa nossa reuniãozinha foi legal, não foi?
Acha que sou uma boa anfitriã? - A comandante
indagava recostada no batente da porta do banheiro,
à observar Conner escovar os dentes - Eu estava
mesmo enganada com Meg. Me arrependi de
verdade do rompante que tive no jardim d… - A
morena, que mirava a amada através do espelho,
virou-se abruptamente, e antes que a outra
terminasse de falar, agarrou-a empurrando contra a
parede, dando um beijo longo e molhado.
- Cala a boca, Garner, e transa comigo. Eu
estou louca para gozar desde cedo. Não agüento
mais segurar esse tesão que estou sentindo por
você. - A herdeira mal terminou a sua fala e as
línguas novamente voltaram a se entrelaçar
freneticamente em uma exploração mútua na boca
uma da outra.
Ficaram ali por um tempo, trocando beijos e
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carícias, até que Liv segurou firme nas ancas de


Eleanor, a erguendo e a encaixando sentada no seu
colo, com as pernas entrelaçadas em sua cintura.
Assim, a loira conduziu-as até a cama, ficando por
cima à pressionar o sexo de sua namorada com o
joelho enquanto iniciavam a maratona de beijos
delicados. No entanto, o "fogo" que consumia
Conner era tamanho que toda aquela lentidão não a
satisfaria. A morena, então, deu logo um jeito de
fazer o ato ficar mais ardente e intenso, levando a
sua destra até o sexo da agente.
- Não! - Garner passava seu dedo pelo
contorno da boca da outra, parando em sua cicatriz
- Espera um minuto. - Dito isso, a comandante
levantou-se, pegou um roupão que estava jogado no
encosto da poltrona que ficava à esquerda do
cômodo, vestiu-o e saiu do quarto às pressas.
Eleanor bufou alto pensando em protestar,
mas não teve tempo. Sua namorada foi mais ligeira,
deixando-a nua, arreganhada e com a vagina
completamente molhada de desejo.
Olívia retornou pouco mais que um minuto
depois, carregando nas mãos um balde de gelo.
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Sem dizer nada, colocou uma pedra na boca e


começou a passear pelo corpo da outra, seios,
barriga, virilha, fazendo-a arrepiar-se da cabeça aos
pés - não tanto pelo gelado, mas pelo tesão sentido.
A comandante desceu com o gelo até o clitóris de
Conner e começou a chupá-la, vez em quando
colocando a pedra dentro da vagina da namorada. A
herdeira respirava fundo e gemia baixinho,
deliciando-se com aquela sensação maravilhosa.
Depois de algum tempo repetindo os
movimentos, Garner virou a amada de bruços
passando o gelo em suas costas, deixando-o
próximo ao seu ânus. Conforme o gelo derretia, a
água escorria indo direto para aquela entradinha.
Eleanor não conseguia mais conter os gemidos
manhosos, e nem sequer preocupou-se em não ser
ouvida.
- Isso, comandante! Usa esse braço forte para
me comer, hum? Aaahhh…
Aquelas palavras proferidas em meio ao tesão
eram como combustível sexual para a loira. Sem
mais delongas, Olívia ergueu os quadris da
namorada, deixando-a de quatro, passando a fodê-
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la com dois dedos hábeis que entravam e saiam,


giravam e tocavam fundo nas paredes quentes e
úmidas da vagina da herdeira.
Conner gemia e rebolava gostoso quando a
agente federal dava tapas em sua bunda e pernas,
passando a língua em suas costas sem parar de
foder deliciosamente com força.
- Você é muito gostosa, Eleanor. Muito…
Abruptamente, Garner saiu de dentro da
morena, virando-a de frente para ela. Depressa,
abriu as pernas da namorada, metendo-se ali no
meio, passando a lamber seu clítoris enquanto
retomava as estocadas firmes e precisas. Não
demorou muito para que a filha do Presidente
explodisse em um orgasmo curto, mas intenso.
- Caralho! - Eleanor, ofegante e de olhos
fechados, xingava ao sentir a namorada saindo de
dentro dela.
- Ora, ora… Eleanor Conner proferindo
palavras de tão baixo calão. - A loira brincou,
deitando-se ao lado da herdeira.
- Culpa sua por transar tão gostoso.

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- Hum…e eu achando que a culpa era toda


sua por ser esse mulherão.
- Amor… - Eleanor virou-se, sussurrando ao
pé do ouvido da comandante - Você está preparada
para recomeçar?
- Para você eu sempre estou pronta!
Após dar uma risada alta e maliciosa, a
morena passou a chupar, lamber e morder os
mamilos de Liv, deixando-a louca de tesão. Então,
ela foi descendo com sua boca pelo abdômen
trabalhado em músculos firmes que a namorada
tinha, chegando até a virilha, brincando um pouco
com sua língua por ali. Para provocar ainda mais,
voltava para os seios e novamente os mordia,
lambia e chupava, fazendo a agente secreta
arrepiar-se, totalmente entregue ao seu prazer.
Garner já não estava mais agüentando todo
aquele tesão, e Conner, percebendo que a amada
estava quase gozando, abriu suas pernas, sugando
com força seu clitóris, mordiscando e esfregando
sua língua bem rapidamente na vagina melada da
mais nova.
Quando a comandante já estava com as
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pernas trêmulas, a respiração ofegante e quase


gritando, Eleanor meteu a sua língua toda dentro
dela, antecipando a chegada do gozo que a outra
prendia.
A secreção viscosa de Olívia sujou o rosto da
filha do presidente que, insaciável, não parou de
fodê-la, continuando a colocar sua língua felina
dentro daquela entradinha apertada, ao passo em
que seus dedo ágeis brincavam com o nervo
latejante que implorava por atenção.
Sem prévio aviso, introduziu dois dedos de
uma só vez dentro da comandante que ainda nem
havia se recuperado do que tinha acontecido e já
estava preste de gozar outra vez, arqueando a
cabeça para trás e impulsionando os quadris para
frente à fim de ter um vaivém mais intenso.
Contudo, Eleanor, muito sádica, diminuía a
velocidade seus dedos dentro da vagina apertada da
loira, que por sua vez, rebolava e fazia movimentos
frenéticos, não querendo que a mais velha parasse.
O orgasmo da agente federal veio de surpresa
como o outro, mas dessa vez tão forte, que
arrebatou suas forças, quase deixando-a desmaiada
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sobre o colchão. Conner ainda sugou gostoso todo


o melzinho da namorada que jorrava
abundantemente. Também cansada, a herdeira
deitou-se de lado, aproximando a boca perto dos
lábios de sua mais, e com um olhar fixo no dela,
ofereceu-lhe um sorriso satisfeito, antes de dar um
beijo lento e apaixonado, onde ambas puderam
apreciar o cheiro e o gosto de seus gozos
misturados.
A noite tinha sido perfeita até então para os
dois casais, e quem sabe ainda não se estenderia
madrugada à fora?

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Capítulo 39 – Você quer


jogar, Emma?
"'Você pode mudar o nosso país. Nós
podemos mudar o mundo.' Com esse slogan, a
campanha de Eleanor Conner à Presidência dos
Estados Unidos segue à todo vapor.
A candidata, em destaque na mídia por sua
bela atuação em discursos incentivadores e
motivadores em todos os Estados, afirmou, em
entrevista exclusiva, que os EUA devem transferir
os recursos de defesa do país do Iraque para o
Afeganistão, que ela vê como o ponto zero de
qualquer guerra contra o terrorismo.
Explicitando as suas propostas para o
mandato, Eleanor diz que pretende acabar com
uma série de taxas cobradas das classes média e
baixa, com o objetivo de ajudá-las a enfrentar a
crise financeira. A democrata defende uma maior
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regulamentação do governo sobre o sistema


financeiro e propõe um novo plano de estímulo
econômico para o país, destinando 30 bilhões de
dólares aos mutuários.
A candidata comentou que pretende investir
cerca de 15 bilhões de dólares por ano no
incentivo à adoção de fontes de energia não-
poluentes, além de estimular a eficiência na
utilização energética, com o objetivo de reduzir o
desperdício, e estabelecer cotas na emissão de
gases.
Em seus discursos, Conner enfatiza que é
também resistente à proposta de livre comércio
com a Colômbia e fundamenta sua posição ao
afirmar que aquele governo não faz o bastante no
que diz respeito aos direitos humanos.
A democrata quer proibir os convênios
médicos de se negarem a cobrir algum tipo de
serviço de saúde baseados, por exemplo, na idade
do segurado. Promete implantar um sistema de
saúde único, mas também exigirá que os
empresários cubram os gastos com a saúde de
seus funcionários ou paguem uma taxa que
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ajudará o governo a subsidiar a cobertura


daqueles que não têm convênio.
Conner também propõe investir 18 bilhões
de dólares por ano em um novo programa de
gastos do governo federal em escolas de ensino
público, principalmente no ensino de base, além
de fazer um recrutamento de professores, pagar
melhores salários a eles e tornar a universidade
mais acessível aos estudantes. Para isso, pretende
dar bolsas de 4.000 dólares para jovens que
prestarem serviços comunitários, seja militar ou
voluntário, para que eles possam ter dinheiro na
hora de entrar para a universidade.
Eleanor Conner é a membro dos democratas
com o maior índice de popularidade nos últimos
tempos, quase batendo a marca de seu pai,
Alexander Conner."
- Você está indo tão bem nessa campanha! As
pessoas te adoram! - A comandante comentava
enquanto caminhava ao lado da filha do presidente
pelo gramado da Casa Branca - Outro dia eu estava
comprando algumas revistas antigas para a minha
mãe e o atendente me reconheceu.
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- Está falando sério? - Conner sorriu mesmo


de cenho franzido pela atipicidade da situação.
- Estou! Ele falou tão bem de você! Bom,
acredito que o rapaz não falaria mal na minha
presença, mas eu senti que as palavras dele eram
sinceras. Fiquei muito orgulhosa de você! -
Esquecendo-se por um instante de onde estavam, a
loira tocou no ombro esquerdo da amada,
acariciando o local.
- Obrigada! Você sabe que, se não fosse o seu
apoio, nada disso estaria acontecendo, não sabe?
- Se depender do meu apoio, a candidata à
presidência mais aclamada dos últimos tempos irá
muito, mas muito mais longe. - As mulheres
entreolharam-se, sorrindo uma para a outra
discretamente - Ah, Eleanor, eu tenho que te
agradecer por ter me dado um voto de confiança.
Estar ativa, trabalhando, significa muito para mim.
Além disso, eu já estava enlouquecendo em não
fazer a sua segurança.
- Garner, você é, de longe, a melhor
profissional que já passou pela equipe de agentes
presidenciais. E não digo isso porque somos
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namoradas. Houve um erro, foi consertado, e ponto


final. Eu também estava aflita com a sua ausência
aqui. Vinte dias se passaram depois daquele seu
incidente com a Megan e não tive sossego desde
então. Não confio em mais ninguém além de você.
- Elas pararam na entrada da ala sul da residência -
Falando nisso, como vai a terapia?
- Bem, muito bem. Tenho uma sessão daqui a
pouco. O terapeuta, amigo da Louise, é ótimo. Um
dos poucos que me deixou totalmente à vontade até
hoje.
- Isso é maravilhoso! Agora quem está
orgulhosa sou eu. - A morena aproximou-se um
pouco mais da outra, ajeitando a sua gravata.
- Eleanor, enlouqueceu? Pare com isso!
- Me obrigue a parar, comandante. - Ambas
riram, com Liv meneando a cabeça negativamente.
De repente as feições da mais nova alteraram-se de
suaves para desconfiadas, sisudas. Ao longe, a
agente federal avistou Waite, que tão logo as viu
também, acenou em cumprimento. Garner não
retribuiu o gesto, tomada por uma raiva crescente
do homem. Ela indagava à si própria o motivo de
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sua presença na Casa Branca, suspeitando de


alguma trama, já que perdera toda a confiança em
seu colega de trabalho. Eleanor, por sua vez,
alternou o olhar entre um e outro, estreitando os
olhos para a seriedade de sua namorada - Convidei
Meg para fazer compras mais tarde. - A morena
pigarreou - Você se importa?
- Oi? - A comandante suspirou, retornando de
seu breve transe - Não! Claro que não! Ela é louca,
mas parece ser inofensiva.
- Lee é ótima! Ela fica me mandando cada
coisa no Whatsapp que não dá nem para acreditar!
É muita besteira acumulada em uma mente só!
- Por isso ela e Mattew se deram tão bem!
Duas idiotas! - Riram - Podemos repetir o
programa à quatro qualquer dia. O que acha?
- Excelente idéia! Podíamos ir ao teatro, à
algum show…
- Amor, nesses eventos não poderemos ficar à
vontade. Eu teria que estar trabalhando,
teoricamente.
- Tem razão. - A mais velha suspirou
profundamente - Mas podemos pensar nisso depois.
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Eu vou subir e tomar um banho. A entrevista de


hoje me deixou cansada.
- E olha que o dia mal começou, heim?
- Pois é! Estou ficando velha mesmo.
- Uma velha bem gostosa, diga-se de
passagem... - Garner sussurrou, olhando para os
lados, disfarçando sua "cara de pau" - Eu…vou
deitar no divã agora. Qualquer eventualidade, me
ligue, ok? Volto o quanto antes for possível.
- Claro, meu amor, eu te ligo se precisar. Se
cuida.
- Você também.
- Te amo!
- Eu amo mais!
A despedida deu-se em murmúrios abafados,
com a comandante pondo-se de braços cruzados, a
observar a morena adentrar ao casarão. Sem que ela
percebesse, seus lábios esboçaram um sorriso
aliviado por poder estar novamente perto de
Eleanor, o suficiente para garantir sua segurança e
bem estar no que seus dotes profissionais lhe
competiam.

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Distraída, Olívia nem havia notado a


aproximação de seu agente que, tão logo entrou no
campo de visão da loira, fez um gesto de
continência em brincadeira.
- Comandante!
- Agente Rust. - Ela imitou o ato, dando uma
breve risada.
- Já está de saída?
- Hã.. estou sim. Sabe o que fazer, não sabe?
- Sei sim, comandante. Suas instruções foram
bem claras.
- Ótimo. Você é como se fosse os meus olhos
aqui dentro. Não vou demorar. Me ligue para o
mínimo que precisar.
- Com certeza!
- Obrigada. Até logo!
- Tchau!
Sem delongas, a agente secreta tratou de
seguir apressada para o seu compromisso. Mas ao
contrário do que disse à Conner e ao seu
subordinado, a loira não iria à consulta com o
terapeuta. O caminho fora desviado para algo que
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ela julgava muito mais importante no momento do


que cinqüenta minutos deitada em um divã
comentando sobre os infortúnios de sua vida e
sobre os seus sentimentos incompreendidos.
O trajeto até a casa de Megan deu-se em
menos tempo que o costumeiro, tal a sua pressa em
resolver o quanto antes aquele problema para poder
retornar às suas atividades laborais. Tocou a
campainha uma, duas, três vezes sem obter sucesso
em ser recebida. Quando estava prestes a ligar para
a ruiva, a porta abriu-se, revelando a imagem de
uma mulher com o rosto inchado e os cabelos
desgrenhados.
- Boa noite. - Lee cumprimentou a agente
federal, bocejando em seguida.
- Mas isso é hora de acordar? - A loira sorriu
adentrando ao local quando foi lhe autorizado por
gestos.
- Não me enche, Garner! Vai querer regular
meu sono, agora? Eu heim? Estava trepando até
agorinha à pouco.
- Ai, que horror! Me poupe desses detalhes. -
Liv revirou os olhos enquanto se sentava na
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pequena poltrona no centro da sala.


- É brincadeira, sua boba. Bom, estive
trabalhando para uma pessoa que não me paga nem
um café. - A ruiva, ainda sonolenta, sentou-se no
sofá maior.
- Desculpa. Da próxima vez trago a cafeteria
inteira para você. Bom, falando em trabalho,
preciso te agradecer por estar nessa comigo. A vida
de Conner está em jogo e…por ela faço qualquer
coisa.
- Imagina! Não tem que me agradecer.
Estamos nos ajudando mutuamente, cunhadinha. Se
for assim, eu também lhe devo agradecimentos por
me proporcionar meios para que eu me aproxime
de minha irmã.
- Ela está adorando você. Disse que farão
compras mais tarde.
- Eleanor é ótima! Confesso que eu não
imaginava que ela fosse esse ser humano tão…
- Tão incrível?
- É! Muito melhor do que nos meus sonhos.
Essa amizade com a minha irmã está…está me

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fazendo feliz de verdade. É como se somente agora


eu estivesse completa.
- Sabe que…sinto isso com meu irmãozinho.
É como se ele fosse uma parte de mim, a minha
melhor parte, e justamente a que faltava para me
completar.
- Ah, que bom que me entende! - A ruiva
bateu a destra no estofado, no espaço vazio ao lado
dela, indicando que a outra se sentasse ali.
- E Louise? Como vocês estão indo? - Olívia
indagou, sentando-se no outro sofá ao que Megan
ligava o notebook.
- Ah, digamos que nós duas estamos nos
conhecendo por enquanto.
- Se conhecendo? Você já conheceu o útero
dela. O que mais tem para conhecer?
- Há, há, há. Você está tão engraçadinha!
Fico me perguntando onde ou com quem aprendeu
a fazer piadinhas.
- Falta de professoras eu não tenho. - As
mulheres riram, antes de suspirarem ao
vislumbrarem os arquivos sendo abertos na tela à

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frente.
- Então, eu conseg… - A ruiva fora
interrompida pelo toque do celular da comandante.
- Só um instante… - A loira levantou-se um
tanto constrangida, caminhando até um canto do
cômodo - Alô, mãe?
- Liv, onde você se meteu?
- Heim?
- Há dias anda sumida! Não liga, não manda
mensagem…esqueceu que tem família, é? Vou
precisar solicitar um horário na agenda da
candidata para que eu possa ver a minha filha? - A
mulher dramatizava do outro lado da linha.
- Que exagero, D. Nora! Eu estava atolada de
trabalho! Estamos no meio da campanha. Por favor,
me dê um desconto!
- Eu posso até te dar, mas o Theo não.
- E como ele está?
- Com saudades da irmã. Como mais poderia
estar?
- Sou uma pessoa horrível mesmo. Me
perdoe.
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- Você não é horrível desde que prometa vir


aqui na sua próxima folga.
- Prometo que juro. - Mãe e filha riram.
- E quando vai ser?
- Na metade da semana que vem.
- George, marque no calendário quarta que
vem! - Nora gritou para o esposo, rindo - Você está
bem? Sua voz parece um pouco estranha…
- Não é estranheza, mamãe. Estou à caminho
do terapeuta e não posso falar dirigindo. Parei para
te atender.
- Oh, desculpa, filha. Eu não sabia. Nos
falamos depois então para que não se atrase.
- Está bem, mãe. Te amo. Mande beijos aos
homens da minha vida.
- Pode deixar. Também te amamos.
Sorrindo, a agente federal encerrou a ligação,
voltando ao seu lugar de antes no sofá.
- Pronto!
- Família… - Meg ironizou.
- Mães… - Olívia ajeitou uma almofada em
seu colo - Podemos continuar?
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- Claro! Vamos lá! Sabe aqueles documentos


e rascunhos em meio físico que você organizou e
me deu?
- Sei sim, óbvio. O que tem eles?
- Eu scaneei e rodei os arquivos nesse
programa. Ele identifica e apresenta as palavras
repetidas. Com isso, consegui cruzar esses nomes. -
Megan apontou para a tela, onde tinha listadas
aproximadamente dez pessoas - Eles se repetem
algumas vezes, o que nos dá maiores chances de
conseguir alguma coisa relevante.
- Claro! Você tem razão. Me empresta o
notebook um segundo. - A ruiva arredou o
equipamento para o lado. Garner começou a digitar
os nomes no sistema do governo ao qual tinha
acesso e de onde conseguiria buscar informações
precisas e bem detalhadas - Veja só…esses três
aqui têm uma ficha criminal bem extensa, não?
- Obrigada, Senhor! - Meg ergueu as mãos
para o alto.
- Por que está agradecendo?
- Porque encontrei alguém pior do que eu. As
fichas deles são três vezes a minha.
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- E com crimes três vezes mais graves


também! - A agente secreta bufou - Veja esse:
Khalid Masood, britânico nascido em Kent,
provavelmente doutrinado na região de West
Midlands.
- Birmingham é um dos grandes focos de
radicalização islâmica no país. - Lee comentou.
- Ok, mas o que será que ele tem a ver com
tudo isso? Será que o atentado foi mesmo
terrorista?
- Isso já é outro ponto à se descobrir.
- Adrian Elms é seu nome de nascimento.
Que droga! - Olívia exclamou.
- O que foi?
- Esse cara foi preso 57 vezes, mas todos são
crimes comuns. Furto, estelionato, agressão…E ele
não está na lista do serviço interno com os quatro
mil possíveis terroristas que ameaçam o país de
alguma forma.
- O pior é que somente com essas
informações acabamos por ficar com as mãos
atadas.

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- É…não tem como rastrear ninguém sem


uma pista concreta. - A comandante começou a
folhear os papéis que estavam espalhados sobre a
mesinha de centro - Opa, espera! Olha só isso!
- Letras aleatórias. Coisa de louco. O que tem
de demais? - A ruiva indagou, curiosa.
- Tem que podem não ser letras aleatórias.
Quando criança você tinha algum código secreto,
alguma linguagem que só você entendia?
- Tipo…a língua do "p"?
- Isso! Todos os dias eu inventava um código
diferente e cada vez mais complexo. Imaginava que
um dia, na posteridade, descobririam os meus
escritos e eu ficaria famosa por ter inventado um
idioma novo.
- Nossa, como as crianças são idiotas, não é?
- Vou fingir que essa referência não é para
mim. - A loira resmungou pegando uma caneta e
arredando o bloco de notas para mais perto -
Vamos tentar…bem…cada letra pode se referir à
um número. Por exemplo, o "a" é o número um, e
assim por diante. É uma seqüência, veja!

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- Parece um número de telefone, isso sim. -


Megan comentou com o cenho franzido, buscando
entender o que se passava ali.
- Será que é? - Garner digitou a sua senha em
outro banco de dados - Vamos ver se conseguimos
alguma coisa através disso… - O sistema
imediatamente começou a varredura em um banco
de dados mundial, de acordo com as informações
passadas. Alguns minutos depois, retornou com um
endereço - Mas…Saint Charles? Maryland?
Estranho…
- Pouco mais que 30 km daqui…Quer
arriscar e ir tentar descobrir alguma pista? - Lee
encarava a outra com um olhar instigador, e a
comandante sorriu, tomando a sua atitude quase
como um desafio.
- E por que não?
- Ok. Vou me trocar. - A ruiva levantou-se -
Mas…o que faremos quando chegarmos lá?
- Eu ainda não sei o que encontraremos,
então não tem como planejar nada. Vai logo se
vestir!
- Está bem, mamãe. - Meg gargalhou
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enquanto a loira revirava os olhos para as idiotices


da outra.
A viagem não era longa, e as mulheres
demoraram até menos que o esperado. Tiveram
apenas um contratempo com a gasolina, mas que
foi resolvido sem delongas em um posto no meio
do caminho.
Tanto Liv quanto Megan, ergueram o
sobrolho quando descobriram que o endereço que
tinham em mãos era um prédio mal conservado em
um ponto marginal da cidade.

- Você fica aqui no carro. Eu vou subir e ver


se encontro algo suspeito. - A agente federal
ordenou assim que estacionou o carro à uma certa
distância, do outro lado da rua.
- Mas por que eu tenho que ficar?
- Porque você não tem uma arma e pode ser
perigoso. Não vou colocar a sua vida em risco.
- Ah, deixe de bobagens, Garner. À partir do
instante em que aceitei te ajudar nisso, eu estava
plenamente ciente dos riscos que poderia correr.

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Não vou ficar aqui parada, esperando uma


eventualidade acontecer. Se me trouxe até aqui, terá
que aceitar a minha participação.
- Você realmente é louca!
- E você realmente é uma chata!
- Eu, chata? - A agente ficou boquiaberta
com a acusação - Quer saber? Não vou discutir
sobre isso com você agora. Não é o momento
apropriado. Vamos fazer o seguinte: eu vou subir,
você fica aqui embaixo. Se alguém tentar entrar no
prédio, você dá um jeito de distrair, caso eu não
tenha retornado ainda. Entendido?
- Ai, meu Deus! - A ruiva batia palmas,
animada - Eu estou tão empolgada! Pareço aquelas
personagens de filmes de investigação, sabe?
- Sei, Megan! Sei! - Olívia respondeu
novamente revirando os olhos sem muita paciência
- Agora, vamos!
Cuidadosamente, as cúmplices seguiram até o
local, meneando com a cabeça em sinal de
afirmação para que pudessem iniciar o plano. Meg
encostou-se na parede próxima à portaria, olhando
disfarçadamente de um lado para o outro, enquanto
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a loira subia pé ante pé as escadarias do prédio.


Conforme ia avançando, Garner pensava no quão
os apartamentos deveriam ser escuros, frios e
fedorentos, tal como os corredores. Ela não havia
empunhado a sua arma, mas manteve sua destra no
coldre o tempo todo, apenas por garantia à uma
eventualidade.
"É aqui. Céus! Que merda tem aí dentro?" A
agente secreta pensava ao passo em que mirava
uma porta de madeira suja e corroída. Ela mordia o
lábio nervosa, decidindo qual atitude tomar, qual o
próximo passo a dar. Olívia respirou
profundamente, cometendo o ato insano de tocar a
campainha. Por mais atípico e incrível que
parecesse, o apartamento não possuía olho mágico,
portanto, quem quer que estivesse no interior do
cubículo, teria que abrir a porta para identificar
quem chamava, ou ao menos, manifestar a sua
presença.
Uma tentativa, duas, três e nada! A loira
arriscou colocar o ouvido rente à madeira na
tentativa de identificar algum ruído que condenasse
a presença de pessoas ali, mas não obteve sucesso.
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"É, Garner, vamos colocar seus


conhecimentos à La Maguiver em prática!"
A comandante agilmente retirou dois
grampos de seus cabelos trançados, fazendo de um,
pinça, e do outro uma alavanca.
A maioria das fechaduras comuns funciona
de maneira parecida com as de cofre, de forma que
se um ou mais pinos estiverem travando o eixo de
rotação da chave, será impossível desbloquear a
porta. Então, tudo o que Liv precisou fazer foi
posicionar a alavanca embaixo da pinça, girá-la até
conseguir levantar e alinhar todos os pinos, fazendo
um "click".
"Consegui!"
Ainda temerosa, Olívia foi adentrando ao
local com cautela, nesse momento, com o seu
revólver em punho. O apartamento era exatamente
como ela havia imaginado: escuro e fétido, tal
como um esconderijo do submundo. Não havia
ninguém nos poucos cômodos, somente uma
bagunça terrível que já estava a enervando.
"Como alguém pode viver aqui? Se é que
vive…"
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A agente conversava consigo mesma em


pensamento, ao passo em que buscava por alguma
pista sobre o dono do lugar.
Instintivamente, levando em conta seus
conhecimentos técnicos, a loira começou a tatear a
parede, bem como à prestar atenção no som que os
seus passos faziam no piso. De repente um sorriso
estampou-se sem seu rosto quando, no canto
esquerdo de um dos quartos, pôde identificar uma
mancha na pintura.
"Ah, merda! Como vou quebrar essa parede?"
Circundando o local com o olhar, Olívia só
conseguiu identificar a base de um abajur como
ferramenta para o seu "pequeno trabalho
arquitetônico". Bateu com o objeto por algumas
vezes onde julgou ser uma espécie de esconderijo
até conseguir desfazer parte do concreto.
- Puta merda! - A expressão saiu em voz alta
e sem intenção, quando ela deparou-se com um
arsenal de armas e munições, algumas de uso
exclusivo do exército americano.
Aquele lugar na verdade era como um túnel,
uma passagem secreta que provavelmente daria
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para o apartamento ao lado. Mas a comandante não


iria arriscar-se em embrenhar por essa investida,
sem nenhuma preparação ou suporte, caso
acontecesse alguma intercorrência. O que estava
diante dela não era brincadeira. Tratava-se de
planejamentos, esquemas táticos semelhantes aos
que ela usava na segurança presidencial. Haviam
fotos, plantas e documentos oficiais da Casa
Branca, tudo levando a crer que o telefone
encontrado nas anotações que Garner afanou dos
pertences de Waite, eram mesmo de um dos
membros da quadrilha, e que este estava envolvido
no atentado que se sucedeu há meses atrás. A
situação era mais grave do que poderia imaginar. A
comandante não lidava com qualquer tipo de
bandido, e sim, com os mais ardilosos e perigosos.
Enquanto a loira travava agora uma luta
interna consigo mesma, pensando no próximo
passo que daria, Megan continuava lá embaixo
exercendo a sua função de vigia. Preocupada em
não deixar que nada de errado acontecesse, a ruiva
avistou de longe um tipo muito suspeito: parrudo,
afoito, carrancudo e com uma semelhança

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considerável com o estereótipo de bandidos de


filme. Incorporando sua "personagem", ela não
esperou que ele conseguisse alcançar a portaria do
prédio. Foi até o homem com um ar sedutor,
fazendo-o interromper a sua caminhada.
- Olá! Por gentileza, eu não conheço nada por
aqui, poderia me dizer qual bairro é esse? Oh,
desculpa. É que eu estava com o meu namorado
dando uma volta, nós brigamos e… - Meg fez uma
pausa dramática dando um suspiro tristonho - …e
eu apenas saí do carro depois de terminar com ele.
Agora…agora estou perdida. Não tive coragem de
pedir informações ainda, mas você… - A ruiva
sorriu mordendo o lábio - …você parece um cara
legal.
À princípio, o sujeito não parecia ter
acreditado naquela conversa esfarrapada da
estranha, contudo, o charme - misturado com a
dissimulação perfeita - da ruiva arrancou-lhe um
breve sorriso e logo começaram a conversar.
Tagarela como sempre fora, Lee conduziu o
diálogo, bem como a posição do corpo do
brutamonte para que ele não visse nada, caso
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Garner saísse do prédio repentinamente.


Lá em cima, a respiração da loira começou a
ofegar enquanto ela pensava no seu próximo passo.
Tomada de impulso, Liv usou um celular
descartável que carregava consigo para fotografar e
filmar o máximo de itens ilícitos possíveis, assim
como o ambiente no qual se encontrava.
Terminando, respirou profundamente e ligou para
as devidas autoridades anonimamente, denunciando
o local, e conseqüentemente, quem vivia ali ou
freqüentava, ao menos.
Com isso, teve que agilizar a sua ida para que
não corresse o risco de ser pêga e identificada como
sendo a denunciante. Apesar de estar envolvida
naquela trama de certa forma, não queria pôr em
risco a sua vida, nem a das pessoas que a cercavam,
já que a comandante não sabia exatamente com
quem estava lidando.
Antes de descer, preocupou-se ainda em
fechar a porta principal, no intuito de não denunciar
a entrada de estranhos e ganhar tempo até a polícia
chegar. Logo quando tomou a rua, assustou-se com
a ruiva proseando com um homem deveras
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estranho, chegando até a recuar para dentro do


prédio outra vez. Percebendo o receio da loira em
sair, Megan colocou a mão no ombro do sujeito, e
discretamente fez um sinal positivo para a outra
que, ligeira, atravessou a rua e entrou no carro.
- Puta merda! O que foi que eu fiz? - O
coração de Garner batia forte e descompassado, tal
como se dava a sua respiração - Ah, porra! - A
agente federal deu um grito de susto quando Lee
entrou abruptamente no veículo.
- Ei, calma! Sou eu. O cara acabou de entrar
no prédio. Vamos logo antes que ele volte e me
veja dentro desse carro. Eu disse que estava
perdida.
Sem delongas, Olívia deu a partida, tomando
as ruas de Maryland, seguindo rumo à Washington
novamente. A comandante Olívia Garner havia
entrado em uma guerra silenciosa sem saber, e
aquela ela apenas a primeira batalha.
Como a ruiva teria um encontro com Eleanor
mais tarde, aproveitou a carona e passou em sua
casa para tomar um banho rápido e trocar de roupa
antes de prosseguir no caminho para a Casa Branca
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- este feito no mais absoluto silêncio. Assim que


chegaram, foram diretamente para o dormitório da
agente secreta, sem paradas ou interrupções que por
ventura as denunciasse sobre algo errôneo que
fizeram.
- Falta muito ainda para o dia acabar e já
estou exausta! - A loira reclamava - E ainda ri de
Conner quando ela disse uma coisa parecida mais
cedo. Agora a entendo perfeitamente. - A
comandante sentou-se na cama ao lado de Megan,
colocando a cabeça entre as pernas e cruzando os
dedos em sua nuca.
- O que pensa em fazer agora?
- Eu liguei para a polícia e agora eles vão
lidar com o que encontrei naquele muquifo. Só não
sei se fiz a coisa certa. Confesso que… - Ela
suspirou - …estou confusa.
- Mas não adianta ficar assim. Está feito. Só
basta lidar as conseqüências.
- Você tem razão. Tomara que isso tudo
acabe logo. Não vejo a hora de me livrar dessa
pressão absurda em cima de mim. - A loira
levantou-se - Bom, o presidente deve estar com as
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visitas ainda e Eleanor provavelmente fazendo sala


com o pai. Eu preciso ir trabalhar. Como praxe, não
direi para ficar à vontade porque você já fica por si
só, não é? Quando minha namorada estiver pronta,
eu te aviso.
- Sim, senhora comandante! - Meg brincou
fazendo continência.
- Essa está velha já! - Elas riram ao passo em
que Garner saia do cômodo para retomar as suas
atividades laborais.
Assim que aproximou-se do grupo falante
que estava instalado em uma das salas de recepção
da residência presidencial, a loira notou Waite um
tanto quanto desinquieto, aparentando nervosismo.
Erguendo o sobrolho esquerdo em estranheza por
seu comportamento, a mulher posicionou-se em
uma das saídas do local, mantendo os braços
cruzados na altura dos seios e a postura ereta, tal
como sua função exigia.
A herdeira, tão logo viu a amada, ofereceu-
lhe um breve sorriso, meneando com a cabeça em
cumprimento.
Cerca de quatro homens e duas mulheres,
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membros do Partido Democrata, discutiam sobre os


planos no ação em cada Estado na candidatura de
Eleanor, uma vez que - de acordo com as
estatísticas - os democratas estão melhor
representados nas grandes cidades de ambos litorais
dos Estados Unidos, particularmente na Califórnia
e Nova York, e em especial entre as minorias.
- Para vocês terem uma idéia, em 2000, nove
de cada dez negros americanos e dois de cada três
hispânicos votaram em mim. - Alexander
comentou.
- E cerca de trinta e quatro por cento dos
eleitores se definem como democratas, papai.
Aproximadamente trinta e seis por cento dos
eleitores se consideram independentes. Isso nos dá
uma boa margem contra os republicanos. - A
morena ponderou, recebendo a concordância dos
presentes.
A conversa sobre política seguia enfadonha
para os que não estavam participando efetivamente
dela. Vez ou outra, Liv voltava a sua atenção para o
seu colega de trabalho e também comandante,
Michael, percebendo-o cada vez mais aturdido à
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encarar a tela do celular e digitar rapidamente. Ela


poderia até arriscar a dizer que viu gotas de suor
escorrendo pelas laterais de sua testa.
De repente, o homem, um tanto mais
visivelmente consternado e descontrolado,
aproximou-se do presidente, sussurrando algo em
seu ouvido. Alexander assentiu e Waite retirou-se
do recinto com pressa, ainda à verificar seu telefone
e após dar uma breve encarada na loira.
Percebendo o clima e a movimentação
incomum do comandante, a morena levantou-se
indo até a agente secreta, pondo-se à seu lado,
porém sem manter contato visual.
- O que está havendo aqui? Algum problema?
- A mais velha indagou em tom baixo, quase
inaudível.
- Eu não sei, Srta. Conner. Desconheço a
existência de problemas. - A formalidade de
tratamento devida, mascarou a omissão da verdade
por parte de Liv.
- Não achou Waite estranho demais?
- Não necessariamente. Acho ele estranho o
tempo todo. - Aquela fala fez Eleanor prender um
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riso.
- Sabe se Megan já chegou?
- Sim. Está lá no meu dormitório.
- E por que ela não veio até à mim ainda?
- Bom, como vocês estão em reunião e o Sr.
Presidente está presente, acho que aquela ruiva não
quis parecer inconveniente ou deve estar com
vergonha. Não tenho certeza. Ela provavelmente
sairá de lá quando vocês terminarem. Em se
tratando de Megan Lee, tudo é possível!
- Oh, céus! Que bobagem! Ela aqui irá me
ajudar a ficar livre dessa tortura. Anne! - A morena
deu uma risada contida, chamando pela secretária
por conseguinte.
- Pois não, senhorita?
- Vá até o dormitório da comandante e chame
a mulher que está lá, Megan. Diga que eu pedi para
que ela lhe acompanhasse até aqui.
- Irei imediatamente. - A oriental sorriu
simpática, afastando-se das mulheres, seguindo
pelo corredor da ala norte.
- Srta. Conner, e sua mãe? - Garner indagou,
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estranhando a ausência da primeira-dama.


- Está lá em cima arrumando as malas. Diz
que vai viajar para espairecer. Eu estou adorando a
idéia. Ao menos terei paz e conseguirei respirar
tranqüila por alguns dias.
- Não diga isso! Apesar dos pesares, a Sra.
Conner é a sua mãe.
- Veremos se continuará com esses
pensamentos complacentes quando nos
assumirmos. - A herdeira sussurrou.
- Deus me ajude! - A mais nova sussurrou de
volta, querendo rir, mas, impossibilitada, mantendo
o semblante sisudo.
- Me dê licença um instante, Garner. -
Eleanor deu um tapinha em gesto amistoso no
braço direito da agente, quando seu pai fez sinal
para que ela se aproximasse do grupo.
Liv não respondeu verbalmente. Apenas
assentiu com um movimento da cabeça, antes de
pegar seu celular à fim de verificar as horas. A loira
foi tomada de susto quando o aparelho vibrou em
sua mão, indicando a mensagem de um número
desconhecido.
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Imediatamente a comandante empalideceu,


ofegando pela agitação interna que lhe acometeu ao
abrir os anexos. Um deles era um pequeno trecho
de vídeo gravado no dia em que elas transaram no
elevador de um prédio em Rosedale, e o outro,
cópias de algumas fotos íntimas que Garner havia
tirado de Eleanor em um momento de descontração
das namoradas.
- Porra! - A agente balbuciou em tom baixo,
quase inaudível.
Em seguida, outra mensagem a fez quase
hiperventilar em um misto de medo, ansiedade e
extremo nervosismo.

"Você quer jogar, Olívia Garner?"

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Capítulo 40 – O perigo
vem de onde menos se
espera
Quando Megan adentrou à sala, os membros
dos democratas ainda conversavam animadamente,
e nem sequer faziam menção de irem embora. A
comandante Garner - mantendo-se com a postura
ereta no canto do cômodo - tremelicava um pouco
devido ao susto que tomara com a mensagem
recebida à pouco, mas disfarçava bem. Vantagens
de se ter acesso à um ótimo treinamento dentro da
USES e de fazer terapia com um bom profissional.
Talvez, se isso tivesse acontecido há alguns dias
atrás, a loira não conseguiria gozar de tanto
autocontrole, contudo, era uma necessidade - nem
um pouco latente - ter que manter-se impassível
diante daquela situação de extrema tensão. Eleanor,

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por sua vez, não preocupou em esconder a euforia


ao ver a ruiva que lhe salvaria daquele tormento
político. A candidata à presidência levantou-se
apressada, indo abraçar a mulher.
- Você demorou. - Conner sussurrou ao pé do
ouvido da outra.
- Eu estava conversando com a Anne.
- Precisamos sair daqui o quanto antes. Sinto
que irei enlouquecer.
- Pode sair com visita em casa? - Meg
brincou.
- Espere só para ver se não me livrarei deles
com a sua ajuda.
- Eleanor, não v… - A ruiva nem teve tempo
de protestar, pois foi puxada pela mão, quase indo
parar no centro da sala - porque no centro das
atenções ela já estava.
- Senhores, essa aqui é Megan Lee. Ela é uma
entusiasta das relações políticas internacionais e
ativista nas causas dos animais. Talvez por conta de
suas formações profissionais, não é, Srta. Lee? -
Eleanor virou-se para a "amiga".

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- Oh, claro. Eu…não sei fazer outra coisa se


não defender os bichinhos indefesos. - A frase
proferida em tom tímido, fez todos os presentes
rirem.
De longe, Olívia franziu o cenho para a cena.
Era a primeira vez que via Meg constrangida de
verdade, chegando ao cúmulo de ruborizar. Aquilo
a fez sorrir brevemente, distraindo a agente secreta
do inferno que se dava dentro de si, mesmo que por
alguns minutos.
- Pois então, pensando no quanto essas
questões ambientais estão em alta nas pautas
mundiais, e no quanto isso poderia aproximar os
eleitores amantes dos animais e da natureza, eu
marquei uma reunião com um grupo de ativistas,
como a Srta. Lee, para podermos discutir alguns
pontos àcerca de um projeto de construção de
abrigos de animais e outro sobre a restauração de
parques ecológicos espalhados pelo país. Falando
nisso…estamos até um tanto atrasadas, não?
- O quê? Atrasadas? - A herdeira lançou-lhe
um olhar repreendedor - Oh, sim. Claro! A reunião.
Minha cabeça está longe. Mais precisamente, na
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reunião. - Ela riu, envergonhada.


A ruiva definitivamente não estava em seu
estado normal. Ela encarava o presidente, e quando
este levantou-se estendendo a destra em
cumprimento, seu nervosismo aumentou em grau
considerável. Megan sabia que ele não era o seu
pai, mas em suas fantasias infantis, imaginava um
homem parecido com Alexander. Outro motivo
para o seu desconcerto, era a tão esperada
proximidade com a família Conner. O patriarca não
possuía o mesmo sangue que ela, no entanto,
detinha o título de esposo de sua mãe, e no final das
contas, era o pai de sua meia-irmã. O misto de
sentimentos difusos, desconexos, a dominava, a
atrapalhava até a manter-se coerente. Finalmente
Meg estava à um passo de ficar cara à cara com
aquela que a gerou, e quem sabe, dirigir-lhe a
palavra.
- É um prazer conhecê-la, senhorita. Fico
feliz que esteja tão empenhada em causas nobres e
que esteja levando a minha menina para esse
caminho.
- O prazer é todo meu, Sr. Presidente.
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Desculpe o meu nervosismo. É que nunca estive


diante de alguém tão importante. Aproveito o
ensejo para dizer que votei no senhor. - E somente
nesse instante é que um traço da velha Lee pôde ser
notado.
- Isso é ótimo! Do contrário eu teria que pedir
que se retirasse imediatamente. - Todos riram -
Bom, se estão atrasadas, não percam mais tempo.
- Obrigada, papai. - Conner beijou-lhe a face
direita, caminhando em seguida na direção de onde
estava a comandante - Pode preparar o carro para
podermos partir? Só irei trocar de roupa.
- Farei imediatamente, senhorita.
- Obrigada. - Conner sorriu discretamente
para a namorada - Se…se importa dela subir
comigo? Anne estará junto. - O murmúrio era quase
inaudível.
- Já disse que não me importo. Fique
tranqüila quanto à isso. Sei bem de quem e das
situações os quais me atiçam o ciúme. Não é o
caso. - Garner falava sem manter o contato visual
com a filha do presidente para não levantar
suspeitas de que era um assunto particular.
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- Eu te amo. - A loira revirou os olhos e


suspirou receosa quanto às conseqüências das
atitudes impensadas da outra, ao ouvir Eleanor
declarando-se entre dentes e sair em seguida rindo.
E assim os minutos foram correndo.
Enquanto a agente federal delegava funções aos
seus subordinados, vez ou outra encarando a tela do
seu celular, lendo e relendo aquela fatídica
mensagem, Conner mostrava seu quarto, bem como
parte do seu mundo para uma mulher que sequer
fazia idéia de que também deveria pertencer à ele.
Até Anne entrou na brincadeira, divertindo-se com
as infindáveis trocas de roupas da morena. Foram
vários looks até ser escolhido um, justamente o
primeiro à ser experimentado.
Em outra situação, Megan já teria saído de si
e reclamado energicamente, contudo, qualquer
segundo ao lado da irmã era bem vindo, mesmo
que fosse enfadonho. A ruiva estava deveras
empolgada com a amizade que começaram a
cultivar, e cada vez mais adorava Eleanor em todos
os seus trejeitos e atitudes. Sim, para Meg ela era
muito mais do que a bonequinha dos seus sonhos.
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Soube disso quando do primeiro contato no


hospital, e agora lhe cabia a certeza
redundantemente absoluta. Aqueles sorrisos,
aquelas conversas soltas e animadas faziam-lhe um
bem enorme, em contrapartida, causavam pontadas
de dor. Dor por, de certa forma, estar enganando
alguém que lhe acolheu tão prontamente, mesmo
sem saber quem era, de onde vinha e o que
pretendia. Foi então que Lee resolveu que iria
contar toda verdade à Conner, que não esconderia
nada mais dela. Esperar a hora certa para tomar
determinadas atitudes pode ser um tiro no pé ao
invés de competir o status de benefício como
deveria ser.
- D-6, 10:45. Ala sul. Gota de orvalho e
pacotes preparados para entrega. S, agora. - A
comandante comunicava-se com os outros agentes
através do dispositivo localizado na lapela de seu
terno.
- Estou até me sentindo uma pessoa
importante. - Meg comentou em tom de brincadeira
com Eleanor, ao adentrar no carro blindado.
- Mas você é importante. Aproveite o dia
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como uma verdadeira filha do presidente.


- Deus me livre! - As mulheres riram ao
passo em que a comitiva seguia até o primeiro
destino: o shopping center.
Obviamente que a compostura entre as
namoradas deveria manter-se intacta, uma vez que
não estavam à sós no carro. Mas, independente
disso, a herdeira notou uma seriedade e estranheza
atípicas em Liv, como se ela estivesse nervosa e
preocupada em demasia. Era praxe que a loira
tivesse que se certificar da segurança no passeio,
uma vez que era o seu trabalho, só que a apreensão
estava ultrapassando os limites que ela conhecia.
Motivo desconhecido, falta de oportunidade
em indagar… Eleanor deu de ombros, resolvendo
aproveitar a saída de descontração ao invés de
preocupar-se com coisas que talvez estivessem
acontecendo somente em sua cabeça. E quem dera
que assim fosse…
As mulheres andaram e andaram entre em
boutiques e quiosques. Fato é que aquele não era o
programa preferido da ruiva, mas pouco importava.
Estava mesmo se divertindo com a impetuosidade
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da irmã, e esta com a excentricidade da outra. Era


de família, com certeza.
E por mais incrível que pareça, as lojas mais
baratas chamavam a atenção da herdeira.
- Às vezes, eles tem coisas muito bonitas,
mesmo que seja uma caneca de café. - Ela dizia.
Realmente eram lugares perfeitos para se
achar um presente que jamais se encontraria em
determinadas lojas de renome. Ali também
descobriram um bom lugar para comer. Tomaram
sorvetes de sabores variados e inusitados em um
self service. Experimentaram óculos de sol enormes
e tiraram fotos no provador fazendo caras e bocas.
Sim, era legal experimentar coisas que sabiam que
nem iriam comprar, somente por diversão, e
Conner, junto da nova "amiga", simplesmente
divertia-se por completo.
A filha do presidente - independente de sua
posição social, levando em conta a sua essência -
era uma daquelas mulheres que assim que
adentrava em um ambiente, todo mundo logo
elogiava o estilo, as roupas, as cores. Ela sempre
acertava de uma maneira muito elegante, e Megan
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aproveitou-se disso. Tinha sua própria maneira de


encarar esse mundo, mas queria algo mais no "jeito
Eleanor Conner de ser", já que, até através das suas
fotos, ela mostrava que entendia mesmo de cores,
design e estética; ou que nasceu com um olhar
abençoado. Em se tratando da morena,
provavelmente os dois casos se aplicavam.
O estilo da herdeira não era forçado, onde
sentimos claramente que foi estudado. Sempre
mostrou-se simplesmente bonita e harmoniosa,
tanto na maneira de se vestir, quanto na vida, o que
enchia a irmã bastarda de orgulho - mesmo sem
saber.
Eleanor, nesse passeio relaxante, ofereceu
ensinamentos preciosos para Lee: entraram em
algumas lojas, e logo começaram a exercitar o olhar
para encontrar algum tesouro que tinha passado
despercebido pelas pessoas menos atentas. E eis
que foram interrompidas por uma senhora
simpática - aparentemente não reconhecendo a
morena, mesmo com todo o aparato de seguranças -
que lhes perguntou se devia levar a blusa bege ou a
branca, enfatizando que a bege custava $3 a mais
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que a branca. As irmãs não perderam a


oportunidade de discursar para a estranha, então
entabularam uma conversa sobre as outras coisas
que a senhora tinha em casa e em que situação
pretendia usar a blusa.
No final, fizeram o serviço da vendedora,
pois a estranha simpática acabou levando a blusa
branca, duas saias e mais um vestido - a blusa bege
não tinha nada a ver mesmo.
O engraçado é que essa prática transformou-
se de atípica para reconfortante em segundos; por
algum motivo que desconheciam, essa mulher, um
tanto quanto alienada, sentiu-se completamente à
vontade em pedir opinião de duas outras mulheres
protegidas por brutamontes, sobre coisas tão
pessoais como roupas, sapatos, acessórios,
maquiagens e até jóias.
Depois disso, as irmãs não tiveram mais
pressa, aproveitaram mesmo. Divertiram-se ainda
mais vendo a maneira como as pessoas se auto
descreviam, explicando seus interesses e
prioridades para que pudessem obter ajuda a tomar
o que pensavam ser a melhor decisão.
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Foi então que, em mais uma rodada de


lanches, onde Eleanor e Megan conversaram
deveras animadas, acabaram pensando: por que não
fazer isso profissionalmente e oferecer esse serviço
de amiga-que-vai-junto-em-um-dia-de-compras? Se
a pessoa curte se embrenhar para achar
preciosidades escondidas em brechós, com a ajuda
da morena, Meg teria vários para indicar; se a
"cliente" era louca por fast-fashion, a ruiva
tornaria-se parceira nos safáris pelas Primarks,
H&Ms e Zaras da vida, sem medo de ser feliz. Se a
dondoca quisesse boutiques de luxo, a ruiva iria
junto esparramar-se pela riqueza. Não era, de fato,
uma consultoria de moda. Seria um par de olhos
treinados, um par de ouvidos atentos e até um
ombro amigo, caso fosse preciso. Alguém para
dizer com toda sinceridade - mas também
delicadeza - que o vestido não ressalta o que
"fulana" tem de melhor. E que sim, a blusa
estampada de forma grotesca engorda a silhueta.
Mas também que a saia no comprimento exato fica
espetacular em qualquer tipo de corpo. Lee poderia
ser aquele alguém que riria junto das peças
ridículas que encontrassem nas araras da vida.
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Alguém para tirar uma foto bacana no intuito da


pessoa ver como é que a calça fica quando se olha
de costas. Alguém que separa seu próprio guarda-
roupa em cores frias e quentes. Alguém que gosta
de gente e esforça-se ao máximo para não ter
preconceito de nenhum tipo. A ruiva entendia como
ninguém de computadores e sistemas da
informação, mas por que não expandir seus
horizontes para novas possibilidades e perspectivas
de trabalho? Deveria agradecer à Conner pelas
idéias mirabolantes.
Tudo o que a irmãs vivenciaram e fizeram
naquele dia foi sob o olhar atento da comandante
Garner e sua equipe. Apesar do nervosismo
crescente dentro de si, a loira não deixou-se
influenciar, exercendo a sua função de segurança
da candidata à presidência com a excelência que
sempre lhe fora peculiar.
Contudo, um fato curioso, logo na saída do
shopping, aguçou o instinto da agente, ou seria algo
mais como…sexto sentido apurado pela chantagem
que sofrera algumas horas atrás? Um homem, ao
longe, vestindo casaco preto, chamou-lhe a atenção.
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Poderia ser qualquer cliente que transitava por ali,


até mesmo porquê, Liv somente o mirou de relance,
e pelas costas, quando o mesmo cruzou a sua linha
de visão. Poderia ser um cidadão comum, se não
fosse por um detalhe dourado no capuz da roupa
que vestia. Garner forçou a memória para lembrar-
se onde tinha visto aquele desenho antes, e quando
conseguiu, imediatamente ficou boquiaberta,
arregalando os olhos surpresa e incrédula.
- Booth. - Ela sussurrou, já com a respiração
pesada. Eleanor e Megan estavam entrando no
carro. Ambas as mulheres se sobressaltaram à
reação da comandante que empunhava a sua arma
enquanto ordenava à Rust em tom de voz alto e
deveras impositivo - Sus 1. Agora! Deter! Deter!
Casaco preto com detalhes dourados. 3c à leste.
Vamos! Vamos!
Tão logo a loira terminou a sua fala, dois
agentes entraram no blindado junto com o
motorista e saíram rápido do estacionamento,
acompanhado pelos batedores, ao passo em que a
correria generalizada se dava no subsolo do
shopping. Acostumada a vida inteira com certos
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termos usados pelo Serviço Secreto, a herdeira teve


seu coração disparado quando atentou para o que
estava acontecendo.
- O que foi? Por que estão tão apressados? -
Meg indagava, preocupada.
- Nos tiraram de lá por causa de um possível
suspeito. Só não sei exatamente o que ele fez ou
faria contra nós. Contra mim, na verdade. Eu não
notei ninguém se aproximando. Só Olívia, pelo
visto. - Conner respondeu, olhando inutilmente
para trás na tentativa de enxergar algo.
A equipe que ficou junto com a comandante,
dividiu-se conforme o protocolo de ação em
situações emergenciais, seguindo em busca do
homem que Liv vira. Vasculharam cada canto do
shopping, bem como as suas imediações, no
entanto, o "encapuzado" parecia ter sumido como
em um passe de mágica.
Na verdade, o tal homem não tinha feito
nada, não portava arma visível, não fez gesto nem
tomou nenhuma atitude que pudesse lhe competir a
suspeita de atentar algo contra a filha do presidente.
Seu erro - se assim poderia ser classificado - foi
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estar ali naquele exato momento usando uma


vestimenta que Garner bem conhecia, e ter o perfil
muito parecido com o de Wes Mosby, seu antigo
companheiro de trabalho, e considerado amigo
pessoal.
Como a busca não obteve sucesso, nada mais
se podia fazer à não ser retornarem para a Casa
Branca. O trajeto foi todo feito no mais absoluto
silêncio de vozes, sendo ouvido apenas os sons do
carro e ruídos externos. A agente federal não
falava, em contrapartida, sua voz interior, a voz dos
seus pensamentos, gritava.
"Como isso é possível? Ele…ele está morto!
Será que enlouqueci e passei a ver coisas? Não
pode ser! Eu não me enganaria assim! Era August!
A roupa, o rosto…Não existe esse tipo de
coincidência. Não existe..."
As teorias que começaram a embaralhar a
mente da loira, fervilhavam e aumentavam ainda
mais o seu nervosismo diante do que estava
vivenciando. Seria impossível tratar aquilo como
uma eventualidade, um fato isolado. Com certeza, a
sua visão do "fantasma" de Mosby estava
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relacionada ao jogo de gato e rato que iniciara com


a quadrilha responsável pelo atentado à Casa
Branca há meses atrás. Mas por quê Wes forjou a
própria morte? Ele também estaria envolvido com
os bandidos? Seria o ex-agente, um cúmplice? Os
questionamentos eram muitos e quase infindáveis.
Levando em conta tudo o que vinha descobrindo,
bem como a ameaça velada que recebera, Garner só
conseguia ter certeza de uma única coisa: o cerco
poderia se fechar mais cedo ou mais tarde, fazendo
com que tudo ficasse ainda mais perigoso. Ela não
seria capaz de enfrentar aquele turbilhão de
problemas sozinha, e se insistisse, acabaria
colocando em risco a sua vida, bem como das
pessoas que estivessem próximas. Eleanor deveria
saber. Liv não queria chegar ao extremo,
envolvendo a namorada naquela trama obscura e
insana, mas, infelizmente, seria necessário.
Assim que o carro em que estava estacionou
perto do gramado, na ala leste da residência
presidencial, a comandante foi imediatamente à
procura da herdeira, encontrando-a em uma das
salas de estar com Lee.

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- Megan, será que…você poderia nos deixar à


sós? - A loira pediu, assim que certificou-se de que
não haviam intrusos por perto que pudessem ouví-
la - Não me leve à mal. É sério e…urgente.
- O que aconteceu no shopping? - Conner
indagou, mantendo-se de cenho franzido em sinal
de preocupação.
- É sobre isso também que quero falar.
Entendendo parcialmente o que a "cunhada"
queria dizer - e apesar de ter ficado frustrada por
ver seus planos de revelar a verdadeira identidade
para a irmã, sendo arruinados - a ruiva levantou-se
de prontidão, colocando a destra em seu ombro
esquerdo. Seu segredo? Este teria que ficar para
depois.
- Se precisar de mim, sabe que pode contar
com a minha ajuda, não sabe?
- Sei sim. Obrigada.
- Você…você sabe o que houve, Meg? Vão
me contar ou não? - A morena começou a enervar-
se ainda mais.
- Olívia conversará contigo. Obrigada,

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Eleanor. Nunca tive um dia tão divertido como o de


hoje. - Lee abraçou-a - Nos vemos depois. Já está
na minha hora. - Acenando, a mulher deu as costas
para as outras, rumando até a saída que estava
tornando-se familiar.
Encarando a agente secreta em silêncio,
Conner fez um gesto com as mãos e ombros,
erguendo-os, indicativo de que continuava a esperar
por explicações.
- Seu quarto…
Caminharam sem pressa para não levantarem
suspeitas. A filha do presidente na frente, sua
segurança, obviamente, na retaguarda. Adentraram
ao cômodo com a máxima discrição possível,
trancando a porta para não serem interrompidas e
pêgas de surpresa em uma possível situação
constrangedora.
- Agora pode ir esmiuçando detalhes sobre o
que você e Megan sabem que eu não sei. - A
morena disse, ao passo em que sentou-se em sua
cama, tirando os sapatos - Que cena foi aquela no
estacionamento? Ver você com essa arma
engatilhada me faz lembrar do dia em que fomos
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atacados, e essa lembrança não me é nada


agradável.
- O que preciso lhe contar, tem a ver com o
atentado também. - Olívia sentou-se ao lado da
amada.
- Sua cara está me assustando…
- Desde que…desde que seu pai me nomeou
comandante e fiquei interina na equipe da Casa
Branca, com Waite indo para a sede, notei uma
mudança estranha no comportamento dele. Estava
arredio, sério em demasia por vezes, como se…
como se me culpasse por sua transferência. Há
umas semanas atrás, descobri sem querer alguns
documentos suspeitos na sala dele e…foi à partir
daí que o inferno começou.
Conforme Garner ia relatando detalhes de
como conhecera Meg, como ela havia a ajudado,
bem como todos os passos que deram até chegarem
ao cume do problema enfrentado, assim como a
visão de Wes no shopping minutos atrás, Eleanor ia
ficando mais e mais boquiaberta e incrédula.
Agora, tendo conhecimento de todos os fatos, podia
entender melhor as atitudes e reações de sua
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namorada diante de certas situações pelos quais


tinha passado. Seu descontrole, sua visão distorcida
das emoções alheias…tudo, absolutamente tudo
tinha um fundo justificável mesmo não sendo
condutas corretas. Agora a herdeira entendia o que
estava acontecendo, mas não podia acreditar na
veracidade dos relatos da comandante, tamanho o
caráter surrealista que detinham. E também não
podia acreditar no inferno psicológico que Liv
enfrentava sozinha. Alguns pontos da história a
incomodaram, tal como o envolvimento de Lee e a
ciência dela dos acontecimentos. Conner achou
injusto da parte da agente federal não ter lhe
contado esse segredo de imediato, mas diante do
perigo iminente que suas vidas corriam, esse seu
"ciúme" tornou-se completamente insignificante.
- Eu…meu cérebro não está conseguindo
processar tudo isso. Preciso…digerir melhor essa
história. - A herdeira levantou-se, passando a
caminhar de um lado para o outro do quarto,
sistematicamente, levando ambas as mãos à cabeça.
- Amor, eu…ainda não te contei tudo.
- Tem mais? Pelo amor de Deus! Não sei se
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consigo lidar com mais do que já me falou…


- Eu não queria. Juro que não queria que a
situação tivesse saído do controle. - A loira não
comentou mais nada. Apenas acessou a mensagem
ameaçadora que recebera, mostrando para a
namorada - O mundo que criamos para nós está
desmoronando. Eu sinto muito.

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Capítulo 41 - O confronto
pessoal
Os segredos, chantagens e rumores que por
ventura aconteceriam com a candidata à
Presidência e sua segurança, estavam baseados nos
preconceitos, aninhados no já instalado sentido
comum, por meio de todas as pessoas e seu
‘orgulho’. Ambas temiam o que podia se suceder,
porque as difamaria, as deixaria no ostracismo…as
levariam ao suicídio social, dentre diversas outras
coisas. Sem a existência prévia dos preconceitos
não seria possível essa chantagem nem o rumor. Os
preconceitos são chantagens sociais que ‘servem’
aos poderosos e seus interesses - com nomes e
sobrenomes. Os grupos de privilegiados formam as
instituições como mecanismos de poder para
manter seus privilégios e preconceitos. O resto de
seus integrantes são cúmplices e crentes
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ambiciosos. Frente ao rumor não se possui defesa: é


malígno, amébico, e especialmente, pós-moderno.
- O que nós faremos agora? - Conner ainda
caminhava de um lado para o outro do quarto, ora
com as mãos na cintura, ora com as mãos no rosto,
passando-as pelo cabelo.
- Eu entendo que você esteja desinquieta, mas
ficarei tonta se continuar andando dessa forma. - O
peito de Garner arfafa, e seus tiques nervosos não
diferiam muito dos da namorada, já que batia o pé
direito no chão impacientemente.
- Desculpa. - Eleanor sentou-se ao seu lado, e
só então a comandante pôde perceber seus olhos
castanhos marejados.
- Vem aqui. - A loira puxou a outra para si,
abraçando-a - Fui eu quem te colocou nessa
enrascada. Sou a responsável por tudo isso,
portanto, vou nos livrar dessa…
- Dessa morte? Porque se essas fotos vazarem
eu estarei morta, acabada, a minha carreira
destruída, tudo ruirá! - A herdeira recostou a cabeça
no peito da agente federal, suspirando - Isso sem
contar no risco de vida que estamos correndo.
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- É o que mais me preocupa. O problema é


que a confusão não é só sobre nós. Envolve a sua
família, a minha, todos à nossa volta.
- Espera. - A mais velha ajeitou a sua postura
- Vamos recapitular para ver se eu entendi. Waite
está envolvido no atentado, muito provavelmente é
ele que enviou essa ameaça porque você descobriu
um dos esconderijos deles e… Mosby está vivo. É
isso?
- Basicamente sim.
- E o que você pensa em fazer?
- Ainda não sei. À princípio, redobrar a
atenção sobre seu pai, você e sua mãe, alertar a
Louise, os meus pais e, por fim, entrar no jogo
deles. Vamos ver o que querem, até onde
pretendem chegar.
- Isso é…surreal, Liv.
- É, eu sei. - A loira segurou o rosto da
namorada entre as mãos - Eu só não quero que
fique preocupada. É complicado, difícil, mas tente.
Não diga nada para ninguém porque não podemos
confiar nas pessoas. Não dê demonstrações de
absolutamente nada relacionado à isso. Seja o mais
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natural possível. Não desmarcaremos nenhum


compromisso. Assim ganharemos tempo para
pensar em um plano.
- Realmente será bem difícil aparentar
naturalidade, mas sei que é necessário.
- Obrigada. - Garner depositou um selinho
longo nos lábios carnudos da outra.
- Pelo o quê?
- Por ser compreensiva.
- Compreensiva eu não sou, comandante. Não
tenho é escolha, isso sim. - Seu jeito peculiar fez a
namorada rir - O que foi? Por que está rindo?
Inclusive…estou chateada por Meg saber de tudo e
eu não.
- Amor…eu só queria te proteger. Tente
entender.
- Não sei. Não sei, Garner.
- Eu te amo. - Olívia sussurrou no ouvido de
Eleanor.
- Não vai me comprar com palavras de amor.
- Eu te amo muito. - Outro sussurro e
finalmente a mais nova conseguiu arrancar um
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breve sorriso da filha do presidente - Eu preciso


conciliar a sua agenda com a do seu pai e delegar
algumas tarefas para os agentes. Você vai ficar
bem?
- Vou. - Conner respondeu, distribuindo
vários beijos pelo rosto da outra.
- Me chame se precisar de algo.
- Pode deixar. Eu venho aqui mais tarde.
- Sério?
- Seríssimo.
- Eu também. - A herdeira disse quando
Olívia estava para abrir a porta de seu quarto.
- Eu também o que?
- Eu também te amo muito, e nada, nada
nesse mundo vai me fazer desistir de nós. - A loira
sorriu emocionada, movimentando os lábios em um
"você é perfeita", saindo em seguida do cômodo.
"É preciso ter força para ser firme, mas é
preciso ter coragem para ser gentil. É preciso ter
força para se defender, mas é preciso ter coragem
para abaixar a guarda. É preciso ter força para
ganhar uma guerra, mas é preciso ter coragem
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para se render. É preciso ter força para estar


certo, mas é preciso ter coragem para ter dúvida.
É preciso ter força para manter se em forma, mas
é preciso ter coragem para ficar de pé. É preciso
ter força para sentir a dor de um amigo, mas é
preciso ter coragem para sentir as próprias dores.
É preciso ter força para esconder os próprios
males, mas é preciso ter coragem para demonstrá-
los. É preciso ter força para suportar o abuso,
mas é preciso ter coragem para fazê-lo parar. É
preciso ter força para ficar sozinho, mas é preciso
ter coragem para pedir apoio. É preciso ter força
para amar, mas é preciso ter coragem para ser
amado. É preciso ter força para sobreviver, mas é
preciso ter coragem para viver."
Liv, há um tempo atrás, leu esse pequeno
texto em um dos livros que pegou emprestado de
Mattew - o qual, diga-se de passagem, jamais
devolveu - e nunca o esqueceu, pelo contrário. Leu
tantas e tantas vezes que o decorou, tamanha a
identificação que teve com as palavras que mais
pareciam terem saído do seu íntimo, e que muito se
aplicavam àquele momento que estava

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vivenciando.
Muitas vezes nosso subconsciente pede que
sejamos fortes para conseguir sair ileso de uma
determinada situação. A reação normal da maioria
das pessoas, como diz o próprio nome é reagir, ou
seja, agir de prontidão, em um impulso dado pela
forma mais primitiva de sobrevivência e
resistência.
Ter força, realmente ajuda em vários
momentos em que somos mais exigidos ou
precisamos nos defender de algo. Nesse quesito, a
comandante não tinha com o que se preocupar.
Exemplo recente foi quando, praticamente sozinha,
salvou mais de dez pessoas de um terrível atentado
dentro da Casa Branca. Entretanto, em grande parte
das situações, se conseguirmos ter calma e
principalmente a coragem de analisar antes de
reagir, podemos reduzir os danos e o desgaste para
todos os envolvidos.
Ao contrário do que muitos pensam, ponderar
pacientemente pode ser uma grande virtude. Na
maioria das vezes, conhecer a si próprio e ao outro,
ou a situação, reduz grande parte da dor, ansiedade
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e incômodos. E era exatamente o que a loira estava


fazendo: respirando fundo para conseguir, ao invés
de usar a sua inegável força física, a força que
vinha da sua sagacidade.
Assim que a comandante chegou à sala de
comando, Max, um de seus subordinados,
informou-lhe que haviam ligado do escritório da
USES pedindo que ela comparecesse para a triagem
de documentos faltantes de alguns membros da sua
equipe de segurança. Mantendo-se de cenho
franzido pela estranheza que o recado lhe trazia, a
agente secreta deu de ombros, ligando para o
Departamento à fim de confirmar a informação.
- USES, Carter.
- Agente Carter, comandante Garner da Casa
Branca é quem está falando.
- Como vai, comandante? Em que posso
ajudar?
- Bem, sabe me dizer se estão fazendo a
triagem de documentos?
- Alguns setores sim. Por que?
- Recebi um recado pedindo que eu

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comparecesse na sede por conta da minha equipe.


Eu gostaria de saber quem me ligou.
- O agente Thompson do 38C estava com
uma lista em mãos fazendo algumas ligações, mas
não tenho certeza se seu nome estava nessa lista.
Pode me dizer o número da sua identificação para
que eu verifique e lhe informe com exatidão?
- Oh, acho que não tem necessidade. Já que
estão fazendo a triagem, irei aí de qualquer forma.
Muito obrigada, agente Carter.
- Ao seu inteiro dispôr, comandante.
Assim que encerrou a ligação, mesmo
relutante, a loira informou a sua ausência ao
responsável que estava cobrindo o horário de
descanso de Rust, seguindo em direção ao
estacionamento.
No caminho, digitou rapidamente uma
mensagem para a sua namorada, rumando em
direção ao prédio da USES.
"Tive que sair com urgência, mas não devo
demorar. Não se preocupe que são questões
burocráticas da agência. Comprarei discos de
frango para você ao meu retorno. Beijos. Te
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amo."
Mal a comandante havia saído das
dependências da residência presidencial, uma
ligação de um número privado em seu telefone
particular, a fez erguer o sombrolho esquerdo e
estacionar alguns metros à frente na via.
- Aposto que é a minha mãe sozinha fuçando
no celular e desconfigurando tudo. Alô? - Olívia
atendeu em tom um tanto quanto desconfiado.
- Garner, não desligue o telefone. Essa foi a
única maneira que eu consegui de me comunicar
contigo sem tantos riscos.
- Wes? - A agente reconheceu parcialmente a
voz do homem - É você mesmo?
- Preciso ser rápido. Miles Drive, naquele
ponto de ônibus do MC100. Me encontre lá agora.
- Não, não, não. Que brincadeira é essa?
- Garner, não é brincadeira. - A voz do outro
lado da linha estava falhada, trêmula - Já faz algum
tempo que venho tentando entrar em contato sem
que eles saibam.
- Eles? Eles quem, Mosby?

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- Eu te explico tudo, mas venha rápido. Não


temos muito tempo. Certifique-se de que não está
sendo seguida.
- Ok. Ok. Eu…estou indo. Estou indo.
O peito da comandante, ao término da
ligação, arfava em demasia. Nem a respiração, nem
as batidas do coração se faziam ritmadas. Seu corpo
todo, bem como a sua mente, era um caos total, um
emaranhado de "não sei" misturado com "o que
está acontecendo?" Ela não sabia como agir, como
proceder, o que pensar.
Wes realmente estava vivo e queria encontrá-
la. E se fosse uma emboscada? E se o seu contato
fosse um atrativo para se vingarem, tirando-a da
jogada em definitivo e, assim, possibilitando a
conclusão de seja lá qual plano soŕdido tinham.
Mas Garner não possuía muitas escolhas. Ela
precisa arriscar-se para saber se o caminho
escolhido era o certo, ou de ia de encontro ao fim
não muito feliz.
Sendo assim, depois de alguns minutos de
introspecção, pensando se deveria mesmo
encontrar-se com Wes ou não, optou pelo risco.
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Dirigiu o quão rápido pôde até o local indicado,


cautelosamente para não ser seguida, estacionando
à alguns metros do ponto de ônibus. Liv caminhou
devagar, apreensiva, olhando vez ou outra para os
lados à fim de verificar a proximidade de alguém.
Mais à frente avistou um grupo de pessoas que
aguardavam a condução, e isolado dos outros, um
homem de casaco cinza. Do ângulo em que se
encontrava não tinha condições de vislumbrar seu
rosto, no entanto, era certo de que se tratava do ex-
agente.
Disfarçadamente, a loira aproximou-se,
sentando-se ao lado do homem, mantendo o olhar
fixo na via, para onde todos olhavam, de onde viria
o ônibus que os levaria sabe-se lá para onde. A
comandante manteve-se em silêncio até mesmo no
momento em que, seguindo o "encapuzado",
embarcou no MC100. Mosby desceu um ponto
depois, com a mulher ao seu encalço.
- Isso tem que ser rápido. Eu não posso me
expôr. Da próxima vez não terei a sorte de sair
vivo. - Ele falava com a voz trêmula, não se sabe se
pelo frio ou pelo nervosismo.
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- O que está acontecendo? Pelo amor de


Deus, Wes. Eu preciso de respostas. Descobri
coisas e agora estou sob ameaça. O que você tem a
ver com isso? Até onde Waite está envolvido?
- Eu descobri coisas também, pouco antes da
explosão. Eles aproveitaram que…que tudo aquilo
já estava acontecendo para me eliminarem,
eliminarem a ameaça iminente o qual me tornei. Eu
tive sorte, eu tive muita sorte e uma ajuda
primordial para que conseguisse sobreviver.
- Quem? Quem te ajudou? - Garner indagava
apreensiva, circundando o local escuro em que se
encontravam com o olhar.
- Não importa. Você precisa tomar cuidado.
Eles não são ladrões de garagem, Olívia. Não estão
brincando. Estive esse tempo todo te vigiando de
longe, como eu podia, e agora…agora percebi que
o risco que corre é ainda maior do que eu
imaginava.
- Quem são eles, Wes? Como…como posso
te ajudar? E…Michael? É ele quem mais me
preocupa. Por favor, me conte tudo.
- Tudo bem. - O homem encostou-se no
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muro, esfregando as mãos uma na outra, levando-as


à boca em seguida, antes de começar a falar -
Quantas vezes ao longo desses meses recentes você
ouviu o secretário-geral da OTAN, Alexander, ou
nossos generais declararem que "a Rússia é o maior
inimigo" do país?
- Várias vezes…
- Pois então… Waite está envolvido nessa
"máfia", digamos. Tudo parece ter começado em
meados de 2011, quando os EUA passavam a
observar vários governos "desleais" ao país, na
América Latina e em outras partes do mundo. E
nesse ponto crucial, a Rússia começou a nos
confrontar com seus aliados na região da Síria, por
exemplo.
- Mas por qual motivo aquele infeliz trairia
seu juramento de proteger nosso país? Por que ele
se envolveu em um conflito dessa magnitude?
- O pai dele era um reacionário russo e estava
à frente de alguns confrontos onde, em um deles,
foi morto há uns anos atrás. Desde então, Michael
aliou-se ao grupo e está em busca de vingança.
- Meu Deus! Como isso é possível? - A loira
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mantinha-se boquiaberta com tudo o que ouvia - Eu


estou…abismada!
- Então, o principal campo de luta deles é
contra todas as potências coloniais, principalmente
as que detêm a soberania atrelada à uma boa defesa
aérea.
- Ou seja…nós. Por conta dos esquemas das
ações do país e o intervencionismo.
- Sanções, injustiça e lutas políticas ou
nacionalistas estão criando dentro de cada
sociedade uma massa crítica que será apoiada pelo
intervencionismo dos EUA. Mas o elemento chave
e crucial é a supremacia aérea. Sem supremacia no
ar, nós já não poderemos intervir em qualquer país
que tenha apenas uma força mediana em terra. Mas
sem adequada defesa aérea, não importa o tamanho
do Exército ou a popularidade do partido ou líder
governante que se oponha aos EUA, esse governo
está condenado a fracassar.
- Essa rixa basicamente se dá pelo ímpeto do
país em dominar o mundo, e dado que a Rússia está
exportando os melhores sistemas de defesa
antiaérea para todos os hot points do mundo? O que
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quer dizer que os russos estão confrontando os


EUA em quase todos os pontos do planeta.
- Exatamente. A guerra no Oriente Médio
está perdida para os EUA e o dano que essa derrota
causa à política regional e mundial dos norte-
americanos é devastador. O país só pode opor-se a
essas ações com força bruta. Ao mesmo tempo, não
intervir pode levar os EUA a posição ainda pior do
que essa em que está. A intervenção, por sua vez,
levará a queda ainda mais drástica na já fraca
reputação que resta aos norte-americanos, e a
consequências seriam inimagináveis.
- Eu só não estou entendendo o motivo de
nos atacarem explicitamente.
- A Rússia não foi diretamente a responsável.
Eles conseguiram conquistar aliados
poderosíssimos no Oriente Médio. Uniram motivos
múltiplos e um grupo paramilitar que…cara,
sinceramente, eu imaginei que só existisse em
filmes. - Mosby suspirou, dando de ombros em
seguida - Aquele primeiro atentado ao governador
deveria ser uma espécie de alerta, como um recado
enviado através de bombas e toroteio.
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- Mas não foi bem isso o que aconteceu… -


Olívia ponderou.
- Não foi porque você, de certa forma,
impediu. O plano deles não funcionou com
excelência devido à sua intervenção. Por que acha
que te mandaram para a Casa Branca? Queriam que
você morresse junto com todos os outros para não
levantarem suspeitas. O segundo ataque seria para
enfraquecer ainda mais o país para, assim, a Rússia
conseguir de vez a soberania. Imagina só matar o
presidente e o governador de uma só vez? Mas, ao
invés disso, em mais uma situação, a agente Garner
talhou os planos do grupo e, ao invés dos EUA
decaírem, a imagem perante o mundo depois do
atentado, foi a de uma potência injustamente
atacada, que conseguiu tirar forças de uma tragédia,
se reerguendo ainda mais forte. Acha que ficaram
felizes com isso? Não. Eles vão continuar tentando
atacar. Quando e como, ninguém sabe. Só que…o
problema maior é que agora a guerra não é entre
um país e outro, e sim, tornou-se uma vingança
pessoal do Waite contra você.
- Mas eu… - Repentinamente, Booth
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circundou o local com o olhar, apreensivo, fazendo


um sinal para que Liv se mantivesse calada.
- Eu tenho que ir embora agora. Preste muita
atenção à sua volta, comandante. Se cuide. - O
homem sussurrou no ouvido da loira em tom quase
inaudível, apressando-se em confundir-se por conta
de suas vestimentas escuras, no breu que fazia no
beco ali próximo.
Enquanto Garner - atônita e tentando
absorver tudo o que lhe fora relatado - caminhava
aterrorizada de volta para onde havia deixado o seu
carro, a mídia mundial noticiava algo de extrema
importância à quem pudesse interessar.
"Através de uma denúncia anônima, cinco
bombas foram descobertas essa semana,
escondidas em um apartamento de um prédio
aparentemente abandonado em Saint Charles,
Maryland. Além dos artefatos, foram encontrados
planejamentos, esquemas táticos semelhantes aos
usados na segurança presidencial, fotos, plantas e
documentos oficiais da Casa Branca, além de um
arsenal de armas pesadas e munições de diversos
calibres.
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A descoberta amplia o mistério sobre a


autoria dos artefatos. Nenhum grupo terrorista ou
extremista assumiu até agora a fabricação das
bombas, nem a posse do restante dos materiais.
A polícia local e o FBI prenderam cinco
pessoas, na tarde de ontem, acusadas de terem
conexão com o atentado ao Governador Anthony
Henderson no ano passado, e com o atentado à
Casa Branca há alguns meses atrás, onde foram
contabilizadas mais de 76 mortes.
As autoridades policiais, que não revelaram
os nomes das pessoas presas, também estão
tentando descobrir a identidade de uma pessoa
que foi filmada por uma câmera próxima ao
prédio que servia de QG do grupo paramilitar.
Além disso, estão investigando se há conexão
entre os dois atentados ocorridos, ambos onde,
coincidentemente, o governador estava envolvido.
A ação da polícia e do FBI coincide com a
presença de chefes de Estado de todo o mundo,
que chegaram a Nova York para participar da
Assembléia Geral das Nações Unidas.
O prefeito da cidade, Andrew Chark,
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informou que aumentará a presença de policiais


em todos os locais de Nova York. Já Anthony
disse que, além do policiamento normal, haverá
um reforço de mil soldados da Guarda Nacional
do estado na área metropolitana da cidade.
'Estamos aumentando a segurança em
locais públicos em toda a cidade, e todos os órgãos
estaduais vão permanecer em alerta', disse
Henderson em um comunicado."
Alguns dos responsáveis pelo atentado
haviam sido presos. O mundo só não sabia que por
trás de toda aquela história, uma guerra particular
entre o comandante Michael Waite e a comandante
Olívia Garner, tinha acabado de ser declarada.

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Capítulo 42 – Você nunca


vencerá a guerra
- Não acredito que você deixou aquela ruiva
fugir, Khalid! - Waite permanecia cego de raiva.
O homem estava com Megan nas mãos e
deixou-a escapar. Era como se o infeliz tivesse feito
de propósito.
- Cale a sua boca cara! Você não viu que ela
deu um chute nas minhas…bolas?
- Que se foda isso! Você já levou porradas
piores e nunca deixou ninguém escapar tão
facilmente.
- Isso tudo está acontecendo por culpa
daquela vadia loira, a sua protegida. Se ela não
tivesse se metido conosco, nada disso estaria
acontecendo. Nada!
Michael fechou o punho, cerrando seu

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maxilar com força. Se aquele abutre estava disposto


a abolir qualquer paciência do comandante, estava
conseguindo.
- Já disse para não me atormentar com essas
merdas! Você quer voltar vivo ou morto para casa?
Minha paciência com você está acabando, Khalid!
Não me falta vontade de socar essa sua cara.
- Vá para o inferno! Eu não tenho medo de
você. Vou continuar dizendo que a culpa é da puta
loira, aquela cachorra mal comida que você não deu
conta de foder.
Waite só conseguiu ver sangue na sua frente
depois que o brutamonte disse aquilo. Ele avançou
para cima do outro, deferindo um soco forte e
preciso em seu olho esquerdo, o que, com certeza,
deixaria um belo de um roxo por dias no meio da
cara feia que tinha, além do nariz que
provavelmente fora quebrado.
- Você nunca mais falará bosta com o meu
nome, está entendendo? Ou então você vai se
arrepender de ter nascido. - O comandante
exclamou, evidentemente irritado e sem tolerância
alguma - Quem você pensa que é, Khalid? Só
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porque não consegue segurar uma mulher, se acha


no direito de me ofender, de jogar a sua
incompetência para cima de mim, ou até mesmo da
Olívia? Você sabe como eu sou com ela. Sabe
muito bem que não tem pessoa nesse mundo que a
queira destruída como eu.
O homenzarrão levou a destra ao rosto,
encarando o outro, incrédulo.
- Puta! Talvez eu dê um jeito nela. Nela e na
outra. Uma metida bem gostosa naquelas duas
vadias. - Ele ria, mordendo o lábio malicioso.
Michael acertou outro soco em Khalid, que
dessa vez revidou acertando o lado esquerdo do
rosto do seu oponente. O comandante segurou-o
com força pelos ombros, dando uma joelhada em
seu abdômen, que o fez encolher de dor ao se
afastar.
- Você não vai tocar em ninguém sem a
minha autorização, entendeu? Você não vai tocar
em absolutamente ninguém. Esse nunca foi e nem
será o nosso objetivo. Se você é um estuprador
filho da mãe, é problema seu. Vá comer quem
quiser na rua. Aqui, não.
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- Nós estamos nos voltando um contra o


outro. É o que a vagabunda quer e você não se dá
conta. Imbecil.

***********
Algumas horas antes…
Olívia havia acordado naquele dia com algo
incomodando-a em demasia, e a loira nem fazia
idéia do que era. De seu dormitório tentou falar
com Eleanor, mas a herdeira não a atendeu, muito
provavelmente devido às horas prematuras que
ainda permitiam a mulher dormir serenamente.
A comandante tomou um banho quente e
iniciou as suas atividades laborais. Por questões de
segurança e recomendações técnicas, ela fez
questão de repassar toda a agenda do presidente,
bem como orientar e coordenar a equipe que
mantinha-se em viagem com a primeira dama. O
Sr. Alexander sairia dali à poucos minutos, em
comitiva com outros membros do democratas, no
intuito de cumprirem com a agenda do partido na
Califórnia. Conner, por sua vez, aproveitaria o dia
de folga para almoçar com sua nova amiga, Meg, e
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para namorar um pouco com sua amada segurança


particular.
Tudo corria conforme o planejado. Aos
poucos o pressentimento ruim de Garner foi se
dissipando, tal a velocidade com que os ponteiros
do relógio iam se movimentando. A ausência dos
pais permitiu que a mais velha pudesse se sentir um
pouco mais à vontade ao lado da loira, atrancando-
se com a mesma pelas dependências da Casa
Branca, onde as câmeras de segurança permitiam o
ato de safadeza das amantes.
Logo que se deu o horário combinado com
Lee, Olívia e Eleanor seguiram no carro
presidencial em direção à residência da ruiva,
sendo monitoradas apenas por outro veículo
blindado que ia na retaguarda, para cumprir com o
protocolo de segurança mínimo exigido pela
Agência.
Contudo, em um dado momento, assim que
se encontraram com Megan e partiram para o
restaurante, a sorte e calmaria que pairava como
nuvem sobre as cabeças das mulheres enamoradas,
converteu-se em dissabor e tragédia. Se a
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comandante tivesse confiado em sua intuição,


talvez o mal não fosse capaz de atingí-las como
aconteceu.
Repentinamente, ouviram um estrondo ao
entrarem em uma avenida de pouca circulação em
Baltimore. Quando deram por si, o veículo que
acompanhava o blindado presidencial, já não estava
mais seguindo atrás. A comandante Garner nem
teve tempo de verificar o que se sucedia, antes de
ser cegada pelo clarão advindo de uma forte colisão
que se deu no carro em que estavam. Um apagão, e
tudo tornou-se morbidamente silencioso.
- Eleanor…
************

As pálpebras de Liv abriam e fechavam


incontrolavelmente. A loira estava tomada de um
latejar incômodo na cabeça, um sono estranho,
como se fosse efeito adverso de algum
medicamento. E de fato era. Ela acabou
adormecendo novamente, mas acordou minutos
depois, com uma movimentação estranha no que
parecia ser uma casa - irreconhecível, até então. À
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princípio a comandante ignorou o que acontecia ao


seu redor, pensando ser só fruto de sua imaginação.
No entanto, as vozes tornaram-se altas em demasia,
chegando a incomodar. A loira, então, levantou-se
devagar e saiu do cômodo onde se encontrava, pela
porta que ficava ao lado esquerdo, encontrando o
corredor silencioso, algo atípico se levada em
conta, a bagunça ouvida segundos atrás.
Olívia, pé ante pé, seguiu as vozes sem
compreender muito bem o que diziam. Seu estado
de semi-consciência não a permitia distinguir muito
bem as orações proferidas. Ela só sabia que, quem
quer que estivesse conversando, estava deveras
alterado.
Quando chegou no alto da escada, a
comandante alarmou-se com o vislumbre do que
antes parecia ser uma sala, e agora não passava de
um amontoado de restos de móveis e objetos
espalhados pelo chão. Parecia um pesadelo. Ela
queria acreditar que ainda estava dormindo.
Ao longe, a mulher pôde ver - mesmo que de
maneira embaçada pelas vistas que se
embaralhavam - a imagem de Waite, junto de mais
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algumas pessoas que seu pouco discernimento não


conseguira distinguir quem eram. Ela só sabia que
aquele homem conhecido, um homem que julgou
por tanto tempo ser do bem, não passava de um
bandido vil e inescrupuloso, que estava fazendo
dela, de Eleanor e sabe-se-lá mais quem, reféns de
seu mau-caratismo.
Aos poucos Garner foi percebendo o que se
passava ali, identificando cada detalhe. O motorista
do carro presidencial chorava no canto do cômodo
e Eleanor estava sendo segurada por um
brutamontes com a arma apontada para sua cintura.
Três dos agentes de sua equipe estavam ajoelhados,
com mãos e pés atados. Havia sangue em volta de
um deles - o que indicava que seu ferimento no
abdômen era grave. À frente deles mantinha-se um
homem que seus olhos sonolentos, porém muito
bem treinados, reconheceu como sendo um dos
terroristas que descobriu estar envolvido no
atentado à Casa Branca, quando fez as
investigações com Meg.
Liv pensou em descer e fazer um escândalo,
avançar contra eles e lutar, mas de nada adiantaria e
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ainda poria em risco a vida de todos ali. Ela ateve-


se a dar um passo para trás, virando-se, em um
silêncio que nunca pôde imaginar fazer. Caminhou
ainda cambaleante, até sentir algo pontudo a
pressionar, obrigando-a a prender a respiração.
Uma mão forte segurou seu braço a ponto de fazê-
la sentir uma dor aguda, ao passo em que seu corpo
fora pressionado contra a parede. A comandante
podia sentir o hálito quente em seu pescoço, bem
como um rugido grosseiro, que causou-lhe náuseas
imediatas.
- Olá, querida. Vai há algum lugar? - A voz
grave e estranha ecoou pelo corredor. Tomada de
medo pela impotência que sentia diante da situação,
Olívia teve vontade de correr, de gritar, de bater em
todos até que morressem sangrando feito porcos,
mas a única forma com que seus membros reagiram
foi permanecendo estáticos - Ora, não vai me
cumprimentar, Garner? - Mais uma vez à voz
masculina soou atrás da loira, fazendo-a
sobressaltar.
- O que você quer? - Seu tom saiu firme,
embora seu corpo inteiro tremesse em nervosismo.
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Em um ato súbito, Michael virou-a de frente,


fazendo seu tronco colidir com o dela. A
comandante arregalou os olhos, ofegante, sentindo
seu peito arfar mais e mais à cada segundo. Aquele
rosto não lhe era estranho, de jeito nenhum. Ela
sabia muito bem quem ele era: comandante
Michael Waite, chefe da equipe de segurança do
presidente Alexander Conner há anos, seu suposto
amigo, inclusive de sua família. A fisionomia
poderia até ser familiar, porém, o monstro
flamejando através de seus olhos aterrorizantes,
Olívia nunca tinha visto anteriomente.
- Ah, meu bem, estou apenas em companhia
de velhos amigos para cobrar uma dívida. Deixe-
me refrescar sua memória... - Ele umedeceu os
lábios como se lembrasse de algo - Há pouco tempo
atrás você talhou nossos planos por duas vezes.
Não uma, não três, duas vezes. Além de ser uma
enxerida, que se meteu onde não foi chamada,
mesmo tendo sido alertada. Acreditou que
deixaríamos passar assim, em branco? - Waite tirou
do bolso de seu casaco uma das fotos que foram
tiradas do momento íntimo que a loira teve com sua

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namorada no elevador do edifício onde estiveram,


em Rosedale.
- O que você quer de mim? - Garner repetiu a
pergunta, enfatizando o "mim" dessa vez - Fala
logo o que pretende com tudo isso.
Ele fingiu uma risada, encarando-a. Seus
olhos continham o ódio e a sede de vingança, o que
causou em Liv, naquele momento, sensações
inimagináveis de pavor.
- Não sei se o que queremos, você pode nos
dar. Aliás, sabemos que a única coisa que nos
proporciona, Garner, é dor de cabeça. Talvez,
retribuir de uma forma bem clichê, lançando essa
bomba na imprensa, como vemos nos filmes,
novelas e dramalhões de banca de revista, seja uma
boa paga para os prejuízos que nos causou. -
Michael disse pausadamente, e então a loira
entendeu que atingí-la diretamente, não era bem a
intenção.
O homem agarrou seu braço, arrastando-a
escada abaixo com brutalidade e com uma arma
prontamente apontada para a sua cabeça. Ao
chegarem no meio da escada, o olhar de todos os
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presentes recaiu sobre eles, menos o de Eleanor. A


morena parecia catatônica, a encarar um ponto cego
no chão. Seus olhos, ausentes de brilho, exibiam
temor absoluto. A pobre estava apavorada, tal como
se viu quando foi vítima do ataque em sua
residência. A diferença é que a comandante não a
estava protegendo dessa vez, não a estava
abraçando, menos ainda proferindo palavras de
força e incentivo.
- Eleanor… - Sem querer o nome da amada
saiu da boca da mais nova, que imediatamente
levou a destra para conter qualquer outro ruído que
por ventura pudesse surgir.
Nesse instante, a atenção da filha do
presidente se voltou para a escada, como a dos
outros presentes. Quando Conner estava prestes a
falar algo, Olívia apenas negou com a cabeça
discretamente, pedindo silêncio.
Assim que chegaram na sala, Waite jogou a
loira no chão com certa força. A mulher fez
menção de se levantar para aproximar-se da
namorada, mas o comandante a chutou na perna,
desaprovando o ato, apontando aquele maldito
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revólver para ela outra vez.


- Fique quieta e calada. - Ele ordenou.
- Eu vou matar todos vocês. - Liv ameaçou,
embora soubesse ser em vão.
Aquilo pareceu o enfurecer mais. Garner,
definitivamente não estava em seu juízo normal. O
certo seria permanecer quieta, mas algo nela queria
e estava o enfrentando sem pensar nas
consequências. Quando deu por si, o homem a fez
ficar de pé, segurando em seu pescoço. Suas mãos
foram para seu braço tentando de forma falha se
soltar. Ele a suspendeu no ar. Aquilo doía enquanto
o ar ia ficando cada vez mais escasso.
- Você teve muita sorte nos atentados, mas
não é uma super-heroína. - Michael rosnou.
- Olívia! - De soslaio, a comandante viu a
herdeira presidencial correr em sua direção, mas a
morena foi brutalmente impedida por um dos
homenzarrões, que acertou uma coronhada em sua
nuca, fazendo com que ela viesse a cair
desacordada no chão.
Garner queria gritar ou correr até sua
namorada, mas parecia que todas as suas forças
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estavam se esvaindo. Os outros agentes


continuavam imóveis, com as cabeças baixas,
temendo por suas vidas.
De súbito, Waite soltou a loira, e ela caiu sem
saber o que havia acontecido com a força de suas
pernas, tossindo fortemente, levando uma mão
onde ele tinha apertado de uma forma que com
certeza deixaria marcas visíveis. A mais nova olhou
para Eleanor desmaiada e rezou para que ela
estivesse viva. Sem se importar com mais nada,
Garner teve coragem suficiente para arrastar-se até
Conner, estando sobre a mira de dois brutamontes
agora. Aos prantos, a comandante tocou no rosto da
namorada, suspirando em alívio ao perceber que ela
ainda respirava, apesar de seu pescoço estar sujo
com o sangue que se derramava pelo carpete de
odor desagradável.
- Espero que isso faça você se comportar,
mocinha. - Waite disse de forma sarcástica e fria,
fazendo-a se arrepiar.
- W, temos que ir. Acabamos de saber que
notificaram o desaparecimento delas. Imprensa,
S.W.A.T, FBI…todos os reforços já foram
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acionados. É só uma questão de tempo para


chegarem até nós e isso aqui ir pelos ares. - Um dos
homens armados sussurrou para Michael.
- Até que cheguem, tudo estará terminado.
Garanto à vocês.
Em seguida, o comandante foi mais uma vez
na direção da loira, fazendo questão de mantê-la em
suas mãos o máximo que podia. Ele a segurou
pelos braços fazendo com que se levantasse, contra
a sua vontade, arrastando-a pela sala em direção às
escadas.
Uma ação inesperada surpreendeu à todos:
Craig, um dos agentes que trabalhou com Garner na
segurança do governador, e foi transferido para a
Casa Branca quase na mesma época que a loira,
avançou contra Waite, agarrando-o pelo pescoço,
fazendo com que ele soltasse Garner, por instinto.
Os homens começaram um luta corporal, e só então
a mulher percebeu que Craig tinha um ferimento
grave na perna esquerda. Na briga, ele até acertava
alguns golpes, mas por conta da pausa no lado
machucado, e pelos instantes de extremo
desequilíbrio emocional, logo o rapaz estava no
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chão, sendo acertados por vários socos na face. Os


outros apenas observavam a cena como se fosse
uma luta livre que estava sendo televisionada.
Antes da reação que qualquer um ali poderia ter,
Michael sacou a arma e atirou uma, duas, três,
quatro vezes em Craig. Liv caiu ajoelhada,
completamente aturdida, transtornada, enquanto era
tomada pelas lágrimas. Silenciosamente, ela rezava
para que o rapaz não morresse, o que de certa
forma era impossível.
Ela tentou ir até seu agente, mas o
comandante a segurou pela cintura, desta vez
arrastando-a com sucesso para o andar superior.
Quando subiram, a loira voltou o seu olhar para o
jardim através de uma das janelas no corredor. Do
lado de fora da casa, três carros pretos estavam
estacionados. Garner observou o máximo de
detalhes que podia, antes de sentir algo úmido ser
colocado em meu rosto, sobre sua boca. Ela
debateu-se inutilmente, aos poucos desfalecendo
sem compreensão alguma do que aconteceria dali
em diante.
*************
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O corpo da comandante estava muito pesado


e dolorido. Ainda sentia-se um pouco sonolenta e
não fazia noção de onde estava. Era um quarto
diferente do anterior, mais sujo e muito escuro. Ela
só conseguia ouvir passos e vozes do outro lado da
porta, mas não conseguia entender o que diziam,
nem distinguir quem eram. O idioma era diferente
de todos os que conhecia, provavelmente falado
assim para que ela não conseguisse realmente
compreender o que eles estavam planejando fazer
com todos os sequestrados.
Olívia mantinha-se desnorteada, só
conseguindo pensar em sua namorada caída no
chão e em um de seus agentes assassinado à sangue
frio. Será que ele havia conseguido sobreviver aos
tiros que Michael havia dado nele? A cena não saia
de sua cabeça. Ela fechava os olhos e todos aqueles
disparos vinham como flecha em coração. De
repente uma onda de alívio a tomou, fazendo com
que soltasse um suspiro profundo. Era errado, mas
Liv agradeceu internamente por ser o rapaz morto,
e não Conner.
- Ora, ora. A vadiazinha finalmente acordou.
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- Waite adentrou no cômodo, tirando a mulher de


seus devaneios. Ela só conseguiu olhar para cara
dele e não disse nada. Tinha que manter-se calada
por todos os que estavam ali - Só quero que saiba
que vai viver um inferno aqui, Olívia. - Ele abriu
um sorriso diabólico que deixou a outra
completamente assustada.
"Eu vou morrer". Era o pensamento que se
dava em sua mente.
************
E novamente Garner acordou com o corpo
todo dolorido, sem ter a mínima idéia de quando
caiu no sono ou se caiu no sono realmente. Ainda
continuava no cômodo de pouca luz e cheiro de
mofo. Qualquer gesto seu causava uma dor
insuportável em seus membros. Ainda não parecia
real aquele lugar. Era um inferno, podia-se dizer
com clareza. Tudo o que a comandante sentia ao
ver Waite se resumia a medo e nojo de sua cara
sarcástica. Em todo o tempo, seus pensamentos
eram tomados por Eleanor, se ela estava viva ou
não, se Megan estava bem, se havia mais alguém
ferido, e por seu companheiro de trabalho
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cruelmente assassinado. Será que aquilo nunca iria


acabar?
Os músculos da loira tornaram-se rijos
quando escutou vozes do lado de fora e passos, um
em especial que ela sabia muito bem de quem era.
A porta se abriu revelando Michael acompanhado
de um homem, até então, desconhecido.
- Veja só... - A voz do comandante soou em
tom de deboche - Não é que você ainda está
resistindo?
- Não deve duvidar de mim, Waite. - Liv
respondeu com dificuldades, pois encontrava-se um
tanto quanto debilitada devido às condições em que
se encontrava.
O homem aproximou-se a passos lentos e
precisos enquanto a loira encolheu seu corpo,
recuando conforme ele avançava. Michael parou
em sua frente com um sorriso dúbio e um olhar
profundo que carregava algo que Olívia não
poderia identificar. Ele segurou seu queixo com
força, obrigando-a a encará-lo.
- Não vai carregar essa soberba por muito
tempo. Agora é você quem não deve duvidar de
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mim. - Dito isso, Waite deferiu um tapa estalado no


rosto de Garner, o que doeu à ponto dela fechar
seus olhos marejados.
- Precisa mesmo me machucar muito para me
conter, não é? - Ela indagou, referindo-se aos
hematomas e ferimentos espalhados pelo seu corpo.
- Não é nada perto do que ainda pretendo
fazer contigo. - O homem deu de ombros. Sua voz
causava mais e mais medo na outra - Não era para
ser assim, Liv. Quando aconteceu a tentativa de
ataque ao governador e você, intrometida, nos
impediu, eu quis matá-la com minhas próprias
mãos de tanta raiva que senti, mas depois…depois
eu percebi que talvez tivesse sido mesmo uma
infelicidade, uma má sorte de minha parte. Tivemos
a oportunidade perfeita quando o Sr. Henderson e
toda a sua família se juntou aos Conner aquele dia
na Casa Branca. Estávamos prontos, preparados
para a ocasião há tempos. Era só…agir. Eu tinha
cogitado a possibilidade de deixar você fora disso
tudo, mas…caramba, Garner! Você não colaborou!
Continuou se metendo onde não era chamada,
querendo se mostrar competente, superior,
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fodona…só que você não é absolutamente nada.


Nada! Eu quis te tirar da jogada com aquele
acidente dos cães, mesmo contrariando o resto do
grupo. Eu sabia que Eleanor não ia a querer por
perto. Isso nos auxiliaria deixando o caminho
completamente livre para agirmos com mais
facilidade. E o que aconteceu? Você quis
escarafunchar, quis esmiuçar um assunto que
deveria ser encerrado. Resolveu retornar à Casa
Branca justamente no dia em que não deveria. Deu
no que deu. A idéia inicial de acabar com você
junto com todos os outros nos foi praticamente
imposta. Agora temos a filha do presidente e sua
namoradinha em nossas mãos. Não é perfeito, mas
é o suficiente.
- Uma simples vingança por causa do seu
pai? - A loira indagava, tentando entender o sentido
de tudo aquilo.
- Não bastaria para você? Meu pai era tudo o
que eu tinha, era o meu guia, o meu mentor. Tudo o
que sou, devo a ele.
- Então não deve muita coisa, já que é um
merda! - Mal havia terminado sua fala, e a
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comandante sentiu o seu rosto arder novamente,


devido a outro tapa que recebeu.
- Idiota! - Ele ofegou - Espera! Como sabe do
meu pai? - Os olhos do homem flamejavam em
raiva.
- Hum…ficou curiosinho agora, bebê? Quem
é o idiota aqui mesmo?
- Me diz como sabe do meu pai. - Waite
ordenou, segurando firme no queixo da loira.
- Me deixe ver a Eleanor que eu conto.
- Acha que vou entrar em seu joguinho? - Ele
sorriu, incrédulo - Isso aqui não é só sobre o meu
pai, ou sobre mim. É algo muito, muito maior. Não
é uma vingança pessoal, quer dizer…
- Eu sei de tudo, tudo. Sei porque estão aqui.
- Sabe? - Ele levantou-se, caminhando até a
saída - Mas não sabe se sua namorada está viva ou
morta. - Michael gargalhou, fechando a porta atrás
de si em seguida - I-d-i-o-t-a!
Olívia tinha o conhecimento de que Waite era
apenas uma das peças do grande quebra-cabeça. As
coisas que Mosby lhe revelou começavam a fazer

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todo o sentido. O seu inferno estava longe de


acabar e ela deveria fazer de tudo para manter-se
viva até o final.

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Capítulo 43 – Para o
inferno
"Olívia, acorde! Você precisa acordar,
Olívia!"
A comandante ouvia uma voz feminina ao
longe. Contudo, devido ao seu estado de
consciência alterada, não sabia distinguir de quem
era.
"É agora. Você precisa provar o quão forte
é, agora!"
Suas pálpebras pesavam, sendo difícil
levantá-las, quanto mais, mantê-las erguidas. Sua
cabeça latejava e, conforme ia despertando, notava
dores de diversas intensidades em várias partes de
seu corpo.
Garner havia perdido a noção do tempo. Ele
já não era mais o seu aliado. Ela não tinha noção se

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estava presa naquele lugar há dias ou apenas horas,


se estava claro ou escuro lá fora. O cômodo não
possuía janelas, sendo o único contato com o
mundo exterior, uma porta à sua frente.
A loira tinha sinais de desidratação, estava
ferida, cansada, debilitada física e mentalmente. A
cada arfada de seu peito era como o pouco de vida
que lhe sobrara, se esvaísse bem lentamente.
Uma emergência pode acontecer com
qualquer pessoa, em qualquer lugar. Quando nos
deparamos com uma situação de sobrevivência
inesperada, temos que superar diversos desafios
para garantir a continuidade de nossa existência.
Mas, naquela situação, o que seria a sobrevivência
mesmo?
"Liv, preste atenção aos sinais. A vida nada
mais é do que uma sucessão de sinais, como
placas em uma estrada indicando o caminho a
seguir."
A comandante circundava o local com o
olhar, assustada, tentando descobrir de quem era e
de onde vinha a voz. Ela não tinha a companhia de
ninguém naquele cubículo fétido, sem nem ao
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menos um duto de ventilação. Garner estava só, e


mesmo assim ouvia a voz de timbre peculiar,
enrouquecida, nada familiar.
"Sobreviver é a arte de existir além de
qualquer evento. Sobreviver significa manter-
se vivo. Mantenha-se viva, Olívia. Do que precisa
para não cair?"
- Louca! Eu estou ficando…louca! - A loira
sussurrava, encolhendo-se, abraçando as próprias
pernas.
"Não, não está, mas pode ficar à qualquer
instante. Você é um pavio curto, queimando. Do
que você precisa, Olívia? Responda!"
A pergunta era repetida tantas e tantas vezes
em sua mente que só então ela se deu conta de que
quem tentava se comunicar era seu subconsciente;
uma espécie de alter-ego ou algo do gênero.
Aterrorizante e insano seriam ótimas palavras para
definir, para descrever aquele momento em que
travava um diálogo consigo mesma.
- Eu não sei. - Garner murmurou.
"O que aprendeu em seus treinamentos? "

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- Não me lembro. - A mulher respondia,


trêmula e aos prantos.
"Você precisa aceitar as circunstâncias em
que se encontra e tentar melhorá-las enquanto
sustenta a sua vida até conseguir sair dessa
situação. Mas, mais importante que
isso, sobrevivência é um estado mental, Olívia."
- E eu estou louca…
"Eu já disse que por enquanto não. A sua
sobrevivência vai depender da sua habilidade de
lidar com o estresse nessa situação de emergência.
Seu cérebro é sem dúvida a melhor ferramenta
que você tem. Sabe disso, não sabe?"
- Sei.
"Então levante-se!"
- Eu não consigo.
"Levante-se!"
A voz ecoou mais rispidamente no cérebro da
comandante, fazendo-a estremecer ainda mais,
soltando um gemido abafado quando seu corpo se
moveu sobre o colchão velho e desconfortável.
Devagar, ela foi se levantando, dando alguns passos

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para frente, sorrindo ao perceber que realmente


conseguia.
"O fato mais interessante disso tudo é que
não são necessariamente os fisicamente mais
fortes os mais capazes de lidar com o medo. A
sobrevivência depende mais de como você reage e
se comporta do que o risco oferecido."
- Eu não vou conseguir. Eu não vou
conseguir. - Garner sussurrava baixinho, aos
prantos, como se tentasse convencer à si mesma de
que tudo aquilo era uma bobagem, de que não
passava de loucura.
"Ei, ei, ei. Você já passou por provações
muito piores e não fraquejou. Quando você estava
naquele primeiro treinamento da Agência, ao
extremo do cansaço, da fome, da sede, correndo
um risco sério de perder o seu pé, o que
aconteceu? Depois de você ser humilhada,
maltratada física e psicologicamente, você
sucumbiu ao desespero?"
- Não.
"E por que?"
- Porque eu me lembrei das palavras do meu
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pai. - A loira chorava ainda mais ao recordar desses


momentos.
"E o que ele dizia?"
- Ninguém é tão forte que não possa fraquejar
ao menos uma vez na vida. Mas também ninguém é
tão fraco que não possa ao menos tentar vencer seu
inimigo.
"O que você fez?"
- Eu tentei.
"Deu certo?"
- Eu estou aqui.
"Isso! Lembre-se: Aquele que se adapta
sobrevive. Preste bastante atenção, Olívia. A
sua reação psicológica ao estresse está te
incapacitando de utilizar os recursos que tem à
mão, ou seja, a sua força e condicionamento
físico. Para reverter isso, você tem que conseguir
estabelecer um estado mental apropriado. Com a
atitude certa suas chances aumentarão
drasticamente. Repita comigo: eu não aceito
morrer."
- Eu não aceito morrer.

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"Ótimo! Determinação, foco. Pense em


quem irá sentir asua falta caso você desista,
pense nos danos que sua ausência pode causar a
todas as pessoas que você ama. Vamos lá.
Primeiramente você deve utilizar o ambiente à seu
favor. que tem aqui que pode te ajudar?"
- Nada. - Garner respondeu, olhando à sua
volta.
"E se a sede, a desidratação aumentar?"
- Vou beber a urina que eu conseguir
produzir.
"Certo. Certo. Muito bem. Está indo bem.
Reconheça as ameaças à sua vida. Qual a
intensidade de cada uma? Analise friamente as
estratégias que podem ser usadas para combatê-
las."
- Por que isso está acontecendo?
"Isso o quê, querida?"
- Você. Seja lá o que for…
"A solidão pode ser mais perigosa do que
você imagina. O sentimento de sentir-se
completamente sozinho pode causar desespero

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facilmente. O ser humano é um indivíduo social.


Estou aqui por você, Olívia."
- Droga! - A loira tremia, abraçada à si
mesma.
"Entenda que, independente de quem você é
ou que treinamento possui, você também sentirá
medo em algum momento. Aceite e reaja logo!
Sabe que está perdendo tempo, não sabe?"
- Eu não sei…
"Ok. Vamos pensar juntas. Se aqui dentro
não tem nenhum objeto que possa te ajudar, o que
tem no seu corpo?"
- Minha roupa. Eu posso fazer um garrote. -
Garner respondeu, após pensar alguns segundos.
"Isso. E o que mais?"
A loira, em desespero, começou a se apalpar,
sorrindo ao encontrar - em meio aos fios loiros e
desgrenhados - o grampo que usava em suas
tranças.
- O grampo. Eu posso sair daqui. - Sua risada
de alívio foi deveras contagiante.
"Agora…pense no que conseguiu ver lá
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fora. Existe algo que possa ser importante para a


sua saída daqui?"
- Tem…mato, tinha três utilitários e dois
carros velhos. Algumas madeiras estavam
espalhadas. Parecia entulho. Não…não vi mais
nada.
"Carros. Muito bem. E o que se pode fazer
com eles?"
- Fugir.
"Mas eles iriam atrás de você quando
ouvissem o barulho."
- Não se estiverem mortos!
"Boa, Olívia! Mate-os antes que eles matem
você. Não existem armas de fogo disponíveis, ao
seu alcance, mas existem meios de fazer tudo…
boom!"
Um sorriso satisfeito e um tanto quanto
maligno formou-se nos lábios da loira quando ela
vislumbrou uma possibilidade de escapatória.
- Eu posso conseguir. Talvez eu possa
conseguir. Acho que sei o que fazer...
"Eu me orgulho de você. Sempre soube que
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ia se dar muito bem nesse caminho que escolheu.


Agora…falando em morte…Como será que estão
Megan e Eleanor? Mortas há muito tempo?"
- Não!
"Como não? Como pode ter certeza?"
- Eu não sei. Só…sinto que não.
"Sentir não basta, Olívia. À essa altura do
campeonato o "achismo" só te trará desgraças
maiores. Existe um jeito de você saber. Está tão
perto! Você só precisa se lembrar. Você precisa
seguir os sinais."
- Mas que merda de sinais são esses? - A
comandante ofegava, nervosa.
"Quanto mais você se exaltar, mais energia
vai gastar desnecessariamente e precisará dela
quando quiser sair daqui. Fique calma. Apenas
relaxe e pense. Busque na sua memória algo que
seja relevante agora. Você não conhece bem a
Megan, mas conhece a Eleanor. Ela saberia como
agir em uma situação dessas?"
- Eu acho que não.
"Tem certeza?"

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- Eu…eu ensinei à ela algumas coisas, a


instruí, mas… - Nesse instante, Garner arregalou os
olhos e entreabriu a boca espantada com uma
lembrança que lhe veio à mente - No dia…no dia
do ataque, eu disse a ela antes de deixá-la sozinha
para buscar ajuda…eu a ensinei a sinalizar quando
ela precisasse de ajuda, da minha ajuda. Eu… - As
palavras tremiam ao saírem de sua boca. O
gaguejar chegava a ser incômodo - Bata uma vez na
parede, aguarde cinco segundos, bata mais duas
vezes, aguarde dez segundos e repita o processo por
três vezes. Se for necessário, aguarde um tempo e
refaça tudo.
"Silêncio, Olívia. Silêncio."
E assim Garner fez. Manteve-se imóvel e em
absoluto silêncio, respeitando, obedecendo a voz
que falava consigo. A comandante sentia-se
ridícula em dar ouvidos à insanidade que lhe
acometia por conta do estresse traumático daquela
situação extrema, mas, em contrapartida, em seu
íntimo, ela sabia que só estava de pé e viva por
conta disso.
De repente, algo cortou a ausência de sons.
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Um toque, depois dois, exatamente como ela havia


ensinado à namorada. Nesse momento, Liv não
teve como pensar em autocontrole, em gastos
energeticos. Ela arfou o peito involuntariamente,
assim como chorou sem contenção. O barulho
vinha do cômodo ao seu lado direito,
provavelmente, e sabe-se há quanto tempo se dava.
Aliás, isso era irrelevante. A loira correu na direção
da parede, encostando seu rosto ali, acariciando o
local como se fosse a própria Eleanor. Sorrindo em
meio às lágrimas, Garner passou a imitar o sinal em
resposta, dando esperança à outra de que havia uma
chance de escaparem dali, de que ela estava ali para
lhe salvar.
"Apenas pondere sobre o melhor momento
de agir e…aja!"
Como se tivesse recebido uma dose cavalar
de ânimo, um bálsamo em meio ao delírio da morte
lenta e torturante, a comandante aproximou-se da
porta, buscando ouvir passos ou qualquer indicativo
de movimentação de Waite e seus homens. Ela
resolveu então, aguardar um pouco e estudar uma
possível rotina, um possível padrão de vigia das
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portas dos cômodos onde Conner e ela eram


mantidas reféns. Liv não podia mensurar quanto
tempo passou sentada, apenas ouvindo o ir e vir de
homens, dois, talvez três. Por vezes um dele abriu a
porta, encarou-a e voltou a trancá-la, isso em um
intervalo que a loira julgou ser de duas horas,
devido à contagem aproximada dos segundos que
fazia em sua cabeça.
O brutamonte tinha acabado de fazer a
vistoria, portanto, Garner tinha somente duas horas
para escapar dali levando sua namorada consigo. Pé
ante pé, engolindo em seco pelo medo e adrenalina
que percorriam o seu corpo, a agente secreta usou
seus grampos para abrir, devagar, a saída daquele
inferno. Pela greta, vislumbrou o corredor vazio.
Ela temia por sua vida e principalmente pela de
Eleanor, uma vez que aquele plano nem era bem
um plano, tudo se daria de forma improvisada,
contando com a sorte e proteção divina. Contudo,
já não era tempo de retroceder. A comandante
deveria arriscar. Era a sua única chance.
Com cuidado, atenta, superando dores físicas
e psicológicas, Olívia usou novamente o artifício
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disponível em suas mãos para abrir a porta do


quarto que ela supôs ser onde Conner estava. Uma
descarga de alívio percorreu seus membros quando
a loira viu a sua amada encolhida em um canto,
como um animalzinho acoado. A emoção era
imensurável, mas ela não podia colocar tudo a
perder, sucubindo à vontade de correr e abraçar a
mais velha. Ao invés disso, deu uma leve batida na
madeira chamando a atenção da filha do presidente,
e imediatamente fez sinal para que se mantivesse
calada, chamando-a com a destra.
- Você está bem? Consegue andar? - Liv
perguntou em tom baixo, quase inaudível, ao notar
a debilitação da outra quanto a mesma levantou-se
do chão e caminhou até a porta.
- Consigo…andar.
- Não faça barulho. Me siga. E aconteça o
que acontecer eu te amo demais. Demais. - A
morena não respondeu. Apenas levou a mão à boca
para conter o som de seu choro compulsivo.
Novamente a comandante voltou a prestar
atenção aos sons para identificar se vinha alguém.
Ao sinal negativo, colocando-se na dianteira,
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escondendo o corpo da herdeira com o seu, Olívia


foi caminhando devagar, olhando de soslaio para os
lados. À beira da escada, estranhamente estava
encostada uma AR-15. A loira não sabia se ficava
contente ou desconfiada do golpe de sorte.
Resolveu, então, arriscar, pegando a arma e
verificando-a após pendurá-la junto ao seu corpo.
Tinha apenas uma munição, uma única munição.
Ao longe ela podia ouvir grunhidos ou sussurros.
Pelo tom baixo não dava para distinguir se eram
conversas ou gemidos.
As mulheres foram descendo,
cautelosamente, degrau por degrau até
interromperem o ato, assustadas com o vislumbre
de um dos agentes amarrado à uma pilastra de
madeira que ficava bem no centro da sala. Tão logo
o homem as viu, prendeu o ar nos pulmões e,
discretamente, sinalizou com a cabeça indicando
que os homens estavam no lado esquerdo. Fazendo
sinal de espera, Liv afastou-se de Eleanor indo até
o seu colega de trabalho.
- Eles acharam a moça ruiva. - O homem
movimentou os lábios.
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- Onde fica a cozinha? - A comandante o


imitou, assentindo quando o mesmo olhou para o
lado direito - Tem alguém lá?
- Não que eu tenha visto.
Engolindo em seco, ainda vacilante quanto a
seguir em frente ou não, a loira olhou brevemente
para a namorada, como se pedisse seu
consentimento. Na afirmativa, Garner pôs-se a dar
passos largos, porém silenciosos, em direção ao
outro cômodo. Por Deus, por sorte, ou sabe-se lá o
quê, viu um conjunto de facas sobre a bancada da
cozinha. Pegou duas, colocando uma na cintura e
segurando firme a outra em sua destra. A porta que
dava para a área onde os carros permaneciam
estacionados, estava aberta, acionando o gatilho de
mais um ponto crucial de sua mente.
"- Eu não estou em perigo, eu sou o perigo.
- Eu aprendi isso na reabilitação. Aceitar
quem você realmente é. Eu aceito quem eu sou.
- E quem você é?
- Eu sou o cara mau.
Você sabe o que fazer, Liv. Agora você sabe

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exatamente o que fazer."


Após um longo tempo em silêncio, a voz
voltou a ecoar na cabeça da loira, citando frases
famosas de Breaking Bad. Naquele instante, Garner
entendeu que a sua consciência oferecia as
charadas, como um click para acessar uma área de
sua memória há tempos adormecida. Área esta que
continha informações preciosas que valeriam mais
do que ouro para a sua sobrevivência e o
salvamento das pessoas que necessitavam da sua
ajuda.
- Cancer Man… - A comandante sussurrou
para si mesma o título de um dos episódios da série
que mais lhe chamou a atenção, dando-lhe uma
aula de química e física ao mesmo tempo,
extremamente útil na situação em questão.
Ela então, às pressas, porém cautelosamente,
abriu a saída de gás do local, retornando para a sala
logo após, pondo-se a cortar com a faca, a corda
que amarrava os pulsos do agente secreto.
- A moça ruiva está muito ferida. - Ele
cochichou.
- Onde ela está? Precisamos resgatá-la. Onde
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estão os outros?
- Os outros eu não sei. Eles os levaram faz
tempo. Os conduziram de um em um. Eu sou o
próximo. Suponho que tenham morrido por conta
dos tiros que ouvi. Ela está trancada ali. - O homem
apontou para uma porta de madeira escurecida que
ficava aos fundos da sala, ao lado de uma lareira
desativada.
- Fique atento. - A loira fez sinal para Eleanor
os seguirem.
- Sim, comandante.
Usando de suas habilidades com os grampos,
Garner tentou uma, duas, três vezes abrir a porta
sem sucesso. Vozes começaram a serem ouvidas
cada vez mais perto, e a movimentação dava-se
com uma maior intensidade. Na quarta tentativa,
mesmo trêmula, a comandante conseguiu destravar
a tranca. Teve que tampar a boca para conter uma
exclamação de horror quando viu Megan com o
braço e o rosto todo ensanguentado. O agente
entrou no cômodo, ajudando a ruiva a se levantar e
carregando-a no colo em seguida.
- Tem uma porta aberta na cozinha que dá
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para os fundos. Precisamos correr. - Liv murmurou


baixo, conduzindo todos para a saída, mesmo com
a ameaça real da aproximação dos bandidos.
Ela deixou que todos passassem primeiro, e
antes de transpôr a porta, pegou dois rodos de
limpeza que estavam guardados em um canto,
saindo imediatamente após.
- O que vai fazer com isso? - Eleanor
cochichou, ofegante.
- Se eu tiver um pouco de sorte como o
Walter White de Breaking Bad teve, irei nos salvar.
Eu preciso que corram, se afastem daqui o máximo
que puderem.
- Não! Eu não vou deixar você para trás. -
Conner negava veementemente com a cabeça.
- Você não vai me deixar para trás. Estou
indo encontrar com vocês assim que fizer o que
planejo. É perigoso, meu amor. Por favor, confie
em mim. Vai dar tudo certo. Tudo! Eu prometo!
Esconda elas. - A loira voltou-se para o agente - Vá
pelo lado leste que alcançarei vocês daqui a pouco.
- Ok, comandante.

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- Olívia… - A herdeira tocou no rosto da


namorada, aos prantos, balançando a cabeça em
negativa no intuito de espantar o sentimento ruim
de despedida.
- Eu te amo, Eleanor. Eu te amo. Agora vá,
antes que eles nos peguem.
- Eu também te amo.
- Venha, Srta. Conner. - O homem a
chamava, preocupado.
Assim que os três começaram a se afastar,
Garner foi até os carros, abrindo o capô do primeiro
e colocando o cabo do rodo no motor. A idéia era
imitar as ações do personagem da série, causando
um curto circuito suficiente para criar uma reação
química onde a bateria aceleraria violentamente,
assim como a temperatura aumentaria.
A causa do curto seria a interligação entre os
dois polos - positivo e negativo - da bateria, através
de um objeto metálico condutor, que foi o rodo. O
curto geraria faíscas e derreteria algumas peças do
carro, além de liberar moléculas de hidrogênio, que
são altamente inflamáveis. Como a bateria estava
próxima a um cano de combustível, as faíscas
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encontrariam no ar o seu vapor, o que faria - com


sorte - o carro explodir em chamas.
Assim que repetiu o ato do primeiro no
segundo carro, a comandante correu como pôde -
devido às debilitações de seu corpo - na direção de
onde tinham ido os outros. Ao longe ela podia vê-
los, e sorriu ao constatar que, mesmo parecendo
loucura, tudo tinha dado certo.
Mas era um ledo engano. Sua "corrida" fora
interrompida repentinamente por dois tiros,
acertados no pescoço e nas costas, fazendo a loira
cair imediatamente no chão.
- O que pensa que está fazendo, sua puta? -
Waite berrava da porta da cozinha enquanto ria
incrédulo da coragem da mulher.
- Olívia! - Eleanor gritou e fez menção de
correr até a namorada, mas foi impedida pelo
agente que a jogou no matagal quando percebeu
Michael apontando a arma para eles e atirando.
- Achou mesmo que ia escapar? Você é muito
burra mesmo. Achou que eu ia deixar vocês livres,
sem amarras, se eu não tivesse a plena certeza de
que é impossível fugir daqui? Ah, Liv…
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menosprezei a sua imbecilidade. Você provou que


consegue ser muito idiota…Nossa! - O comandante
revirou os olhos - Como é que te deixaram entrar
na Agência?
Garner mantinha-se imóvel, caída entre o
mato à certa distância do seu cativeiro. Ofegava
prestando atenção na disritmia das batidas do seu
coração. A visão turva atrapalhava a observação do
que estava ao seu redor e o cheiro forte de sangue
fazia embrulhar seu estômago. O único sentido que
funcionava além do que deveria era a sua audição.
Michael mantinha-se longe, mas quando falava, era
como se sua boca estivesse dentro de seu ouvido. O
volume do tom de voz era absurdamente alto - ou
ao menos parecia ser. Ficava mais e mais difícil
respirar à cada segundo. A comandante estava
desfalecendo, dando passos lentos em direção à sua
morte.
"Não desista agora. Não desista agora. Não
desista agora."
A voz. A misteriosa voz que ajudou Olívia a
não surtar, a reerguer-se e salvar a mulher da sua
vida - novamente, bem como Megan e um de seus
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colegas de trabalho - ecoava outra vez em sua


cabeça, em um tom quase de súplica.
Imagens dos seus pais preparando tão
carinhosamente o café da manhã para ela, de seu
irmão pedindo colo e dizendo "Em", das várias
noites de filme e bebedeira que passou ao lado de
Louise, do primeiro beijo que deu em Eleanor, dos
sorrisos e olhares, do pedido de namoro e das
inúmeras declarações de amor que trocaram,
vieram à sua mente.
"Por eles. Por todos eles."
Reunindo suas últimas forças em nome do
grande amor que sentia pela sua família, Garner
moveu-se lentamente, ajeitando como podia a AR-
15 presa ao seu corpo, mirando e atirando em
Waite.
- Vá para o inferno. - Ela balbuciou com
dificuldade, mesmo sabendo que pela distância e o
tom baixo, não seria ouvida.
A única bala. A única munição.
Coincidentemente, como se tivesse sido
cronometrada, a explosão dos carros deu-se em
sequência. Era a fagulha que precisava. Como a
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comandante tinha deixado a saída de gás ligada, de


imediato a casa toda foi aos ares, em uma grande e
barulhenta bola de fogo que culminara no fim.
- Acabou. Acabou.

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Capítulo 44 – O que
trouxe a quase morte
Tudo o que a comandante queria era respirar.
Ela estava morrendo rápido, mais rápido do que
esperava e não podia fazer nada a respeito. Seus
pálpebras abriam e fechavam, pesadas, fatigadas. A
loira podia ouvir a voz de Eleanor, às vezes
conseguindo ver a sua imagem desfocada aos
prantos ao seu lado. Ela tentou esboçar um sorriso
pensando em como as pessoas fantasiam demais a
morte. Falam como a vida passa diante dos olhos,
como bate o arrependimento das coisas que você
nunca fez. Não estava sendo bem assim com
Olívia.
Enquanto estava lutando contra a sua partida
definitiva, tudo o que a incomodava era a sua voz -
ou a falta dela. A agente secreta não conseguia
falar. Tentava formar palavras, mas o som
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simplesmente não saía. Por alguma razão, isso


causou mais pânico do que a idéia de seu coração
estar parando aos poucos. Estava vindo à tona a
temeridade de ficar sozinha, sem ser capaz de se
conectar ou se relacionar com alguém. Irônico,
justo na hora da sua morte.
A dor era dilacerante e crescente à cada
minuto. Os paramédicos já tinham chegado, disso a
comandante tinha certeza, uma vez que viu as
sombras da movimentação se dando em torno de si.
Aquilo significava algo bom, já que podiam
descobrir de onde vinha a dor e o porquê dela não
conseguir respirar direito.
A idéia de que sua vida dependia da
respiração e dos batimentos cardíacos começava a
pesar no seu peito, deixando-a nervosa em demasia.
Automaticamente, Garner ficou mais
autoconsciente e começou a acompanhar cada
subida e descida do tórax, como se estivesse
tentando garantir que, caso aquilo tudo falhasse, ela
iria assumir o controle do navio e contrair o peito à
força, em uma tentativa fútil de contornar a morte.
A morte.
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Engraçado, uma vez que a dor tornara-se


quase insuportável, e a loira notou que não
conseguia falar, percebeu ali que iria morrer. O
pensamento de estar longe dos seus pais e irmão, de
sua melhor amiga, de não ter podido despedir-se
direito da sua amada, a incomodou mais do que
todas as ilhas paradisíacas maravilhosas que nunca
teve a oportunidade de conhecer.
"Hum... dor crescente no peito? Isso é
coração. Ataque cardíaco, com certeza. Aquele cara
do sitcom não morreu de repente, algumas horas
depois de sentir dor no coração e ignorar? Eu não
posso ignorar. AVC... se fosse AVC, meu peito
estaria doendo? É no AVC ou no ataque cardíaco
que o lado esquerdo do corpo fica dormente? Meu
braço não está dormente, mas meu peito dói
muito".
De todo jeito, ela notou que era grave e
precisava de ajuda. Será que estavam cuidando
dela? Pois tudo ficava cada vez mais distante de
seus sentidos. O medo de se fazer de boba, aquele
medo de situações embaraçosas que está enraizado
em nosso cérebro de macaco, a fez hesitar em
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forçar um pedido de socorro. E se ela estivesse


bem, apenas tendo um pesadelo? O que as pessoas
pensariam dela?
"Eu não consigo respirar direito e nem falar.
Meu peito está doendo, acho que estou tendo um
ataque cardíaco. Hospital? Estão me levando para o
hospital?"
Nossa mente funciona de modo engraçado, às
vezes. Em um desastre de avião famoso que teve há
alguns anos atrás, as pessoas poderiam ter saído e
salvo suas vidas quando ele caiu sem explodir.
Alguns poucos correram para os buracos na
fuselagem e pularam fora. Dezenas estavam bem o
suficiente para correr, mas ficaram no avião,
morrendo a seguir com a explosão. O viés da
normalidade causa isso no ser humano em situações
de pânico.
- Olívia, por favor, fica comigo. Não morra
agora. Por favor. Eu te amo tanto, tanto. Meu Deus!
Não! Não! Não! - Era Conner quem falava em total
ação desesperada.
A agente federal já não enxergava mais nada,
apenas ouvia a voz falha ao longe da mulher de sua
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vida. Depois disso, sua memória falhou.Ela não


saberia dizer ao certo a cronologia dos
acontecimentos desde o momento em que atirou em
direção à Waite até sua chegada na emergência do
hospital. De repente, como se fosse mesmo um
sonho, Liv conseguiu abrir os olhos, e mais,
conseguiu levantar-se, milagrosamente não
sentindo mais dor nenhuma. A comandante foi
obrigada a levar a destra à boca para conter um
grito, um suposto grito que daria ao ver seu corpo
estendido em um leito, com diversos profissionais
da área da saúde tentando ressucitá-la. Aquela era,
de fato, uma experiência extracorpórea, dessas que
se vê em muitos relatos nos programas
sensacionalistas que elucidam evidências do pós-
morte. E nisso, tudo apagou de vez.
Há alguns metros de onde Garner era
atendida, estava Megan, passando por momentos de
pavor durante a sua cirurgia.
Ela já tinha recebido anestesia geral antes
quando fez uma laparoscopia, e não tinha tido
nenhum problema, mas dessa vez, foi diferente.
Meg recobrou a consciência logo ao dar entrada no
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hospital. Por algum motivo alheio aos seus


conhecimentos, a ruiva estava mais nervosa do que
seria o usual. Parecia pressentimento ou algo muito
parecido.
Tudo começou bem. A levaram para a mesa
de operação, a conectaram aos monitores, o
anestesista injetou os medicamentos em sua veia e
colocou a máscara no seu rosto em seguida.
- Respire fundo. - Ele pediu.
Lee obedeceu e foi adormecendo, como era
de se esperar. No entanto, quando acordou - sabe-se
lá quanto tempo depois - pôde ouvir todos os sons
da sala de operação, os passos, o barulho
ininterrupto das máquinas e o ruído do movimento
dos instrumentos.
"Que bom! Já acabou!"
Medicada, mas alerta, ela entregou-se à
"sensação preguiçosa de acordar, quando se está
totalmente relaxada". Mas tudo mudou segundos
depois quando a ruiva ouviu o cirurgião dizer uma
frase que a aterrorizou:
- Bisturi, por favor.

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A operação, que durou três horas e meia,


transformou-se em tormento quando Megan sentiu
que estava sendo cortada. A mulher ficou
literalmente gelada. Ela não podia se mexer porque
junto com a anestesia tinha recebido um bloqueador
neuromuscular que provoca paralisia. Isso é feito
para relaxar os músculos e não haver tanta
resistência ao cortá-los. Infelizmente, para a ruiva,
a anestesia geral não funcionou, mas o
medicamento paralisante, sim.
Paralisada, mas acordada. Ela entrou em
pânico. Esperou alguns segundos e já sentiu o
primeiro corte, a dor...Se houvesse necessidade,
Meg não teria palavras para descrever os minutos
de terror. Era simplesmente horrível. A mulher
tentou se levantar, mas não conseguia se mexer,
nem abrir os olhos. Era como se alguém estivesse
sentado em cima dela. A dor era tão forte que ela
tinha vontade de chorar, de gritar, mas não podia.
Estava tão paralisada que não conseguia ter
lágrimas para expressar seu tormento.
A operação, no entanto, continuava como se
nada errado estivesse acontecendo. Lee ouvia o
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monitor com as batidas do seu coração cada vez


mais rápidas, o que a desesperava ainda mais. Por
três vezes, durante a operação, conseguiu reunir
todas as forças para mexer um pouquinho seu pé, o
suficiente para alguém da equipe colocar a mão
sobre ele. Mas antes que pudesse voltar a movê-lo,
tiravam a mão. O esforço extraordinário de Megan
passou desapercebido durante o tempo em que
durou a cirurgia. Três horas e meia de genuína
angústia e tensão.
A ruiva escutava cada frase que os
profissionais proferiam, bem como tudo o que
faziam. Sentia cada movimento dos instrumentos
cirúrgicos nas mãos do médico. Ainda por cima,
além de estar paralisada, Meg tinha sido entubada e
conectada a um respirador. A máquina estava
programada para fazê-la respirar sete vezes por
minuto, mas - naquelas circunstâncias - a
frequência cardíaca dela chegava a 148 batimentos
por minuto.
Era tudo o que a pobre tinha: sete respirações
por minuto. Ou seja, além da dor, Lee estava
sufocando. Por fim, quando a operação estava
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acabando, ela percebeu que recuperara os


movimentos da língua, começando, então, a usá-la
para mover o tubo do respirador, tentando chamar a
atenção da equipe. E conseguiu. Mas o anestesista
pensou que o remédio paralisante já não estava
fazendo muito efeito e retirou o tubo que a ajudava
a respirar. Foi quando Megan pensou: "Agora sim
estou em apuros".
A agonia da dor era tanta que a ruiva tinha a
certeza de que morreria naquele instante, uma vez
que, para piorar tudo, ela não conseguia mais
respirar.
- Respira, moça! Respira! - Era uma
enfermeira que gritava.
Foi então que aconteceu a coisa mais
impressionante do qual Meg já teve notícias,
praticamente o mesmo que se sucedeu com Garner:
ela saiu do próprio corpo. Como não era religiosa,
Lee não podia dizer que estava no céu, mas
também não estava na Terra. De repente, ela estava
em outro lugar. Era silencioso, mas com os sons da
sala de operações ao fundo. Megan conseguia ouví-
los, mas muito distante. O medo e a dor passaram,
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dando espaço para o calor, conforto e segurança. E


instintivamente sabia que não estava sozinha. Havia
uma presença consigo.
"Nós vamos ficar bem. Nada foi em vão. Nós
vamos ficar bem." Uma voz feminina lhe falava,
mas tal era a sua desorientação, que ficou difícil
identificar a dona. Supôs que pudesse ser a sua
irmã ou até mesmo a sua cunhada, porém a certeza,
estava impossível de conceber.
Para manter a mente ocupada, Meg passou a
cantarolar, a assoviar. Pensou em Eleanor e no
quanto daria tudo para poder abraçá-la uma última
vez. Quando sentiu a presença novamente, deixou
tudo de lado, apressando-se em falar:
- Me leva para casa, por favor, ou me deixe
morrer em paz porque já não aguento mais.
Assim, de repente, do mesmo modo como
havia "partido", Lee voltou. Como se alguém
tivesse estalado os dedos, ela retornou ao centro
cirúrgico. A enfermeira gritava e o anestesista
ordenava:
- Vamos ressuscitá-la!
Quando o ar entrou nos seus pulmões, a ruiva
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sentiu um alívio enorme. Em seguida, o anestesista


lhe deu um medicamento para cortar o efeito da
droga paralisante e, logo depois, ela pôde começar
a falar, no entanto, era tarde demais.
- So…so…corro… - O murmúrio deu-se um
segundo antes de seu desmaio provocado pela
gravíssima hemorragia que se sucedeu. Megan
estava realmente morrendo.
Algumas horas depois…
- Eleanor, filha… - A voz sussurrante do Sr.
Alexander, despertou a morena de um cochilo.
- Hum… - Devagar, ela foi abrindo os olhos,
sentindo um incômodo na nuca devido à má
posição em que dormira. Circundando à sua volta
com o olhar, mesmo confusa pela sonolência
incontrolável, a herdeira pôde reconhecer onde
estava: o quarto de Olívia no hospital. Havia saído
do seu leito na calada da noite, assim que sentiu
firmeza nas pernas para andar, e seguiu corredor à
fora em busca de notícias da namorada.
Miraculosamente, mesmo com tudo o que passara
até ser socorrida, e também depois dos
contratempos sofridos no centro cirúrgico, a
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comandante não necessitou do monitoramento pós-


cirúrgico da UTI, indo diretamente para o quarto,
onde Conner ficou de prontidão ao seu lado na
cama até cair em um sono profundo - O que está
fazendo aqui, papai? - Sua careta denotava o
incômodo das dores que sentia pelo seus ferimentos
e a má posição na cadeira.
- Eu é que lhe pergunto. Não deveria estar no
seu quarto se recuperando? Fiquei louco quando fui
te visitar e os seguranças disseram que você tinha
ordenado que não fossem atrás de você no
banheiro. Os idiotas acreditaram. Devo demitir
todos os imbecis que acreditam nessas mentiras
femininas. - O homem comentava em tom
divertido.
- E como soube que eu estava aqui? - Ela
perguntava, aprumando a sua postura, tentando
ignorar a vergonha que lhe tomava e ruborizava
suas bochechas.
- Era óbvio, Eleanor.
- Não, não tem nada óbvio, pai.
- Tem certeza? - O presidente direcionou seu
olhar para a destra da filha que estava entrelaçada à
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da agente federal - Por que não me contou?


- Contou o que? - Rapidamente a morena
recolheu a mão, completamente constrangida - Não
faço idéia do que está falando.
- Sabia que me ofende ao mentir
descaradamente dessa maneira? - O homem
aproximou-se, passando a acariciar as madeixas de
sua menina - Se fosse com sua mãe eu até
entenderia. Beateice não é nem um pouco flexível,
compreensiva. Mas eu? Sempre procurei ser seu
amigo, menina. Eu só prezo pelo seu bem, pela sua
felicidade.
- Pai, eu... - Conner estava prestes a tecer um
comentário à respeito do assunto quando um
gemido abafado chamou-lhes a atenção - Olívia? -
A herdeira sorriu abertamente - Os médicos
passaram agora à pouco para avaliá-la e disseram
que possivelmente ela demoraria para acordar.
Estavam errados. - O alívio era notório em seu tom
- Graças à Deus ela está acordando. - Eleanor dizia
ao passo em que seus dedos acariciavam o rosto da
amada, bem como as lágrimas escorriam pelo seu
próprio.
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- Eleanor? - A loira balbuciou em um fio de


voz.
- Oi, meu amor. - A outra nem se deu conta
da expressão que usara diante do seu progenitor,
que agora tinha como algo concreto o que era
apenas suspeita até o momento - Você voltou!
Você voltou para… - Só então que a morena
atentou para o fato de que não estavam sozinhas,
interrompendo a sua fala.
- Sr. Presidente…
- Nossa heroína. Mais uma vez salvando a
minha família. Desse jeito não restará nenhuma
condecoração para eu possa lhe oferecer. - Pai e
filha riram brevemente.
- Você…você está bem? - Garner indagava,
tentando fixar o olhar na morena.
- Fora as escoriações, as luxações, os
ferimentos em geral, estou bem sim. Mas não se
preocupe comigo. Deve se preocupar somente
contigo agora, em se recuperar logo para sairmos
desse hospital o quanto antes.
- O que aconteceu comigo? E Waite?

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- Quanto ao Waite...falaremos sobre isso


depois, ok? Foque só em ficar boa. Você levou dois
tiros: um de raspão no pescoço e um nas costas que,
pelo o que entendi, por muito pouco não te deixou
paraplégica.
- Tem..certeza? Porque…não estou
sentindo…meus pés. - A loira falava com
dificuldade, em um tom quase inaudível.
- Os médicos provavelmente fizeram teste de
sensibilidade para se certificarem, Garner. Você
deve estar ainda com resquícios da anestesia. Só
isso. - Alexander tentava tranquilizar a sua agente.
- Ai! - Olívia sentiu pontadas de dor que a
fizeram reclamar de tal forma que saíram até
lágrimas de seus olhos.
- O que foi, amor? - Conner indagou, quase
em desespero por conta da preocupação com o bem
estar da namorada. A mais nova, por sua vez,
prendeu a respiração, alternando o olhar assustado
entre o presidente e sua herdeira, por conta do que
havia acabado de ouvir. Percebendo o desconcerto
da outra e o motivo, Eleanor segurou em sua mão à
fim de tranquilizá-la - Não se preocupe com o meu
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pai. Ele...ele sabe. - Sem condições de questionar


ou retrucar sobre o que quer que fosse, a
comandante deu de ombros, tentando se
movimentar na cama, o que causou-lhe ainda mais
dor - Onde está doendo?
- Na minha cabeça, minhas costas. Merda! -
Ela soltou o ar que havia prendido - Desculpa, Sr.
Presidente.
- Deixe de bobagens, Garner. Não é como se
eu fosse um puritano, e também não necessitamos
de formalidades aqui.
- Eu vou chamar a enfermeira. - Conner
apertou um interruptor que funcionava como
campainha, localizado ao lado do leito da namorada
- Talvez possam te dar um pouco de medicação
para amenizar seu tormento.
- Ainda bem...que eu não sou de falar
bobagens...quando estou drogada. Não correrei o
risco...de pedir para que fique nua na frente do seu
pai. - A loira tentou rir, lembrando-se do vexame da
morena ocorrido em sua recuperação ao ataque da
Casa Branca, mas acabou foi piorando a sua
situação.
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- Não me lembre daquela cena vergonhosa! -


A mais velha exclamou.
- Espera! Você disse que não se lembrava de
nada, Eleanor. - O presidente indagava, mantendo o
cenho franzido em estranheza.
Pêga na mentira. Nesse momento, Liv deixou
de lado sua dor quase dilacerante para prender o
riso ao observar o rubor que se dava na face de
Eleanor.
- Então…hã..seus pais devem estar lá fora
esperando o horário de visitas. - Ela pigarreou,
desconversando - Enquanto eles estiverem com
você, meu bem, irei aproveitar para… - A fala da
filha do Sr. Alexander fora interrompida pela
entrada do médico.
- Boa noite, quase bom dia. - O homenzarrão
de porte elegante sorriu ao aproximar-se do leito -
Como vai a paciente?
- Com muitas dores, doutor. - A morena
respondeu por Garner - Inclusive acabei de chamar
pela enfermeira.
- Ah, sim. Já estava na hora da minha "ronda"
e o posto de enfermagem acabou me sinalizando a
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sua chamada. - Ele deu a volta na cama, ficando


atrás da agente secreta, calçando as luvas de látex
em seguida para examiná-la - Hum…vejamos…
aparentemente está tudo certo com os curativos.
Sem hemorragia, bem feitos…Essa dor é
proveniente do trauma sofrido. Com a anestesia
passando é normal que tudo tome proporções
gigantescas, inimagináveis. - O médico fechou a
camisola de Garner que havia aberto minutos atrás
- Evite se mexer por enquanto. Sei que é incômodo,
mas não queremos correr o risco de esbarrar seus
curativos em algum lugar, não é? - O doutor falava
ao mesmo instante em que digitava algo no celular
- Pronto! Pedi que trouxessem 15 mg de morfina
para aplicar em você. Vai se sentir melhor.
- É…Obrigada! - Garner concordou, notando
o peito arfar e uma vertigem estranha tomar-lhe os
sentidos.
- Quero que essa heroína tenha o melhor
atendimento, hum? Ou terei que cuidar
pessoalmente da cassação do seu CRM. -
Alexander sentenciou, brincando.
- Pelo amor de Deus, presidente. Não será
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necessário uma medida extrema como essa. -


Riram.
- Doutor? - Era Eleanor quem o chamava.
- Pois não?
- Provavelmente ela não é a sua paciente, mas
aproveitando o ensejo, saberia me dizer como está
Megan Lee?
- Megan… Megan… - O homem parecia
deveras pensativo, buscando a lembrança do nome
em sua memória - É a mulher que foi resgatada
com vocês?
- Sim, sim. A própria.
- Bom, realmente ela não é a minha paciente,
mas até onde sei, Megan teve algumas
complicações sérias e o hospital está verificando
nas outras unidades de saúde do país se tem de
doadores de sangue compatíveis.
- Mas como assim? Esse hospital não tem um
banco de sangue particular? E que, se eu não me
engano, é um dos maiores da região leste do país? -
O Sr. Conner indagava, surpreso e curioso.
- Sim, presidente. Temos um estoque de

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sangue considerável aqui. A questão é que a


paciente tem um tipo sanguíneo extremamente raro
chamado "hh" ou fenótipo Bombaim. Pessoas com
esse tipo de sangue só podem receber doação de
outras que…
- …que tenham o mesmo tipo sanguíneo. -
Eleanor, visivelmente espantada, completou a fala
do homem.
- É uma condição tão difícil de encontrar e
tão pouco difundida. Como sabe disso? - O médico
questionou.
- Eu sei porque tenho a mesma tipagem
sanguínea que ela. Doutor, me responda... - A
morena ergueu o sobrolho desconfiada - ...quais as
chances de uma coincidência dessa proporção
acontecer?

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Capítulo 45 – Zelena é sua


irmã
Três das quatro pessoas que estavam no
quarto 1008 do MedStar Washington Hospital
Center, mantinham-se abismadas com a sucessão
de eventos supostamente coincidentes que se
davam ali.
- Eu…estou bem…espantado com isso. - O
presidente falava e ria incrédulo - Soubemos dessa
condição da Eleanor quando ela tinha
aproximadamente oito para nove meses de idade.
Minha filha apresentou uma anemia falciforme em
estágio mais avançado e teve que passar por uma
transfusão. Coitadinha! Infelizmente eu estava em
viagem e não pude acompanhar de perto, mas
minha esposa cuidou de tudo, doou o sangue…
- Espera! Eu não sabia que a mamãe também
tinha o fenótipo Bombaim. - A morena franziu o
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cenho estranhando a novidade.


- Existem muitas coisas que você não sabe…
- Luv balbuciou em tom tão baixo que nem sequer
pôde ser ouvida.
- Uau! Então estamos diante de um fato
triplamente raro. Confesso que estou surpreso…
mesmo! - O Dr. Steve comentou - Em toda a minha
carreira médica é a primeira vez que me deparo
com um paciente nessas condições, e agora já sei
de três! É algo para se admirar.
- Eu irei repetir a pergunta: quais são as
chances disso acontecer? - A morena direcionava a
sua pergunta para o médico - Eu nunca me
aprofundei muito no assunto. É um problema?
- Bom, Eleanor, as chances de pessoas com
essa alteração estarem tão próximas umas das
outras são minimas, à não ser se forem da mesma
família. Também é difícil, mas pode acontecer.
Afinal, o fenótipo de Bombaim acomete apenas 1%
da população mundial. Agora, quanto a ser um
problema…não se preocupe que não é. Os tipos
sanguíneos A, B e O são maneiras utilizadas para
diferenciar o tipo de antígeno presente em células
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sanguíneas. Saber a combinação entre esses tipos é


importante durante a transfusão sanguínea para
evitar a possível rejeição pelo sistema imunológico.
Como no caso da Megan, por exemplo. Se ela
receber qualquer tipagem que seja diferente da
dela, pode ser até fatal. As pessoas com genótipo A
ou B ou AB que expressam o fenótipo O, quer dizer
que expressaram o fenótipo de Bombaim, que, na
verdade, é um falso O. Eu só não vou explicar
como essa mutação acontece porque é um
pouquinho complicada, mas não é problema ou
doença.
- É. Não tem a menor necessidade de explicar
nada. - Alexander ria, fazendo um gesto negativo
com a destra - E se insistir, faço questão de me
certificar de que seu CRM será caçado para sempre.
- Pode deixar, Sr. Presidente. Não será
necessária a sua intervenção quanto à isso. - O
homem suspirou, sorrindo - Nossa, me desculpem,
mas ainda estou pensando nessa coisa de duas
pessoas na mesma família, mais uma pessoa
próxima possuírem Bombaim…
- Eu fico muito confusa sobre todas essas
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coisas de destino, coincidência. - Conner


comentava - Não sei ao certo até onde devemos ou
não acreditar, investigar se existe mesmo algo à
mais...
- Parem! Calem a boca! - A loira falava com
dificuldade, mais uma vez sendo ignorada.
- Ah, filha, eu acho que em situações do
tipo…quando um amigo liga no instante exato em
que estamos pensando nele, ou quando uma pessoa
tem um sonho premonitório e não embarca em um
avião que acaba caindo, obviamente há algo mais
por trás disso, seja transmissão de pensamento ou a
mão do destino. Não concorda, Dr. Steve?
- Às vezes eu acredito na teoria dos
matemáticos que dizem que alguns dos maiores
acasos das nossas vidas se resumem, na verdade, a
probabilidades e números. O ser humano não aceita
esse fato porque não entende as leis da
probabilidade e porque os acasos e coincidências
têm o seu encanto. O mundo é tão grande, tão
estranho e dá tanto medo, que as histórias de
casualidades nos fazem sentir mais seguros.
Conforta-nos simplesmente sentir que há uma
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espécie de mão que guia os nossos passos. O mito


das coincidências talvez sobreviva graças à nossa
memória seletiva, já que todos os dias há milhares
de milhões de coincidências que não acontecem e
não nos lembramos delas. Mas as que acontecem
ficam gravadas na memória e acabamos por chamar
coincidências e acontecimentos que são meras
probabilidades matemáticas.
- Bom, quem sabe? - Eleanor deu de ombros -
Acontece que nem o destino, nem o paranormal são
necessários para explicar até mesmo as
coincidências mais extraordinárias, do tipo “uma
chance em um milhão”.
- Calem a boca! - Essa era outra tentativa
falha por parte da agente secreta em chamar a
atenção.
- Essa coisa mágica que parece envolver os
eventos fortuitos certamente é provocada pela
nossa inclinação de enxergar padrões onde não
existem e pelo fato de que, em geral, somos
péssimos em avaliar probabilidades. - A herdeira,
que mantinha o semblante sisudo, suspirou
profundamente.
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- Calem-se!
- Pelo sim ou pelo não, acaso, coincidência
ou sei lá mais o quê, eu queria muito saber o
motivo dessa…dessa coisa estranha que estou
sentindo com relação ao fato de Megan, minha mãe
e eu termos o fenótipo Bombaim.
Os olhos de Garner ardiam, a cabeça latejava
e ela sentia a garganta fechada. Estava sufocando.
Tentava puxar o ar, mas estava quase impossível.
Uma dor insuportável se espalhava pelo seu corpo.
Foi então que o mundo começou a ficar turvo, no
momento em que percebeu que seu coração parecia
estar a ponto de explodir. De repente, a traqueia da
loira se abriu. Uma lufada de ar encheu seus
pulmões, porém, parecia que tinha um milhão de
agulhas injetadas nos olhos. Seu estômago se
retorcia e ardia.
- Calem as merdas das suas bocas! -
Reunindo suas poucas forças, a comandante
esbravejou, aos prantos.
- Olívia? - Seu nome foi proferido quase em
uníssono.
- Não é porra de coincidência nenhuma. Não
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é acaso nem nada do que merda estão discutindo.


Megan é sua irmã, Eleanor. - Não se sabe se pelo
medo da morte, se pela desorientação ante sua dor
dilacerante, a agente federal simplesmente cuspiu
as palavras sem a menor preocupação com
traquejos e cuidados ao revelar algo daquele porte.
- Liv, o que está dizendo? - Conner encarava
a namorada, dando olhadelas breves para os
demais.
- É isso mesmo que você ouviu. - A cada
esforço que fazia, a loira tinha a sua dor
quadruplicada - Eu prometi não revelar esse
segredo, mas diante dessa situação eu não posso
ficar calada. Ela é filha bastarda da sua mãe. -
Nesse instante, lágrimas escorriam tanto pelo rosto
de uma mulher quanto pelo o da outra, por motivos
distintos - Enquanto vocês estão discutindo essas
bobagens, ela está morrendo! Vá salvar a sua irmã,
Eleanor. Vá salvar a pessoa que passou por um
inferno desde que nasceu, mas nunca desistiu de
você. Vá salvar a vida dela e não deixe que seus
esforços tenham sido em vão. Vá! - O último grito,
e o monitor de frequência cardíaca ligado à
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comandante deu o sinal de alerta perigoso. Ela


estava tendo uma parada cardiorrespiratória.
Embora a dor seja algo subjetivo,
independentemente de sua tolerância a ela, é
possível literalmente morrer de dor, mas não
exatamente pela sensação em si. A dor extrema
deixa as pessoas em estado de choque, ficando,
assim, inconscientes. Nem todo tipo de choque
pode provocar a morte, mas o circulatório pode. Na
distração, não haviam aplicado a morfina solicitada
há minutos antes. O nervosismo e a dor crescente e
inflamante culminou no pior.
- Código azul. Código azul. - O médico
gritou no interfone que ficava ao lado da cama,
antes de voltar-se para a paciente - Olívia! Olívia! -
Nenhuma resposta - O Dr. Steve avaliou a
respiração e pulso simultaneamente por 10
segundos, antes que a equipe médica chegasse com
o carro de emergência e o desfibrilador.
- Meu amor… Liv, não! - Conner gritou,
tendo que ser amparada pelo seu progenitor.
- Tirem eles daqui. - O médico ordenou, e a
última coisa que a filha do presidente viu antes de
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ser empurrada para fora, foram os profissionais


fazendo uma massagem cardíaca em sua amada.
Assim que fecharam a porta do quarto, com
pai e filha se vendo estarrecidos no corredor,
acabaram por encontrar com George e Nora, aflitos,
à buscar informações do estado de Garner.
- Oh, graças à Deus vocês estão aqui. - Nora
aproximou-se, junto do esposo.
- Sr. Presidente… - O Sr. Garner
cumprimentou-o, assim como deu um abraço na
futura nora.
- Esse é o quarto da Olívia, não é? Nossa,
foi…muito difícil de entrar aqui. O hospital está
praticamente fechado para o atendimento à
presidência. Ninguém sobe sem passar por uma
imensidão de seguranças. - A mulher comentou,
sorrindo - Mas que…que caras são essas? O que
está acontecendo? Eleanor… - Nora chamou pela
morena que encarava um ponto cego no chão,
completamente atônita e paralisada com tudo o que
ouvira e vira até à pouco - Eleanor, por favor, não
me diga que…
- Os médicos estão cuidando da Olívia agora.
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São os melhores do país, e se for necessário


chamarei os melhores do mundo. - Alexander
interveio - Fique tranqüila, senhora…
- Nora.
- Fique tranqüila, Sra. Nora, que a sua filha
sairá disso tudo muito bem. Vou me encarregar
pessoalmente disso. Lhe dou a minha palavra. Não
é a primeira vez que ela salva a minha família, e
pelo o que conheço dela, a sua teimosia,
persistência e garra nunca permitirão que seja a
última. - Riram - Tem uma sala de espera no fim do
corredor. Por que não vamos até lá e aguardamos?
- Eu…eu vou verificar onde devo ir… -
Conner tinha a voz embargada - …ir doar o sangue.
- Liv precisa de sangue?
- Calma, amor. - O Sr. Garner tentava
controlar o nervosismo da esposa.
- Minha filha, não seria melhor se…
- Pai, conversamos depois. Eu tenho que ir. -
A herdeira forçou um sorriso, obviamente apagado
pelos seus olhos marejados - Com licença.
Enquanto o casal e o presidente - mantendo a

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pose, mesmo dilacerado por dentro com a revelação


que vinha a subentender uma suposta traição por
parte de sua mulher - se instalavam na sala de
espera à fim de aguardarem notícias do estado de
saúde da comandante, Eleanor foi em busca de
informações sobre o centro de doação de sangue do
hospital. Conseguiu auxílio quatro andares abaixo
do que estava, sendo encaminhada para fazer os
procedimentos com a máxima urgência, dado a
gravidade dos fatos.
Primeiramente a herdeira teve que realizar
um cadastro no intuito de garantir a comunicação
entre o hemocentro e ela. Em seguida, foram
realizados os exames de praxe, tais como os de
pressão arterial, temperatura, dosagem de
hemoglobina e verificação de peso.
- Srta. Conner? Bom dia! Meu nome é Lucy.
Sou a enfermeira-chefe e triagista do centro de
doações. Eu farei agora uma entrevista com a
senhorita para avaliar se tem mesmo condições de
efetuar a doação sem que lhe traga algum prejuízo
ou problemas ao receptor, ok?
- Sim, claro.
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- Durante a nossa conversa eu farei algumas


perguntas e, em caso de dúvidas, não hesite em me
interromper.
- Ok. - Suas respostas eram sucintas devido
ao seu estado emocional que não lhe permitia muito
mais do que isso.
- Ao final, pedirei que assine esse Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, e então te
encaminharei para a sala de coleta, tudo bem? -
Eleanor não respondeu com palavras, apenas
meneeou afirmativamente - Para a sua segurança é
importante que todas as perguntas sejam
respondidas com sinceridade, clareza e
honestidade. Vamos começar.
Passaram-se pouco mais de meia hora desde
a entrada da filha do presidente naquela sala, até
seguirem com ela para o local da coleta. A morena
sentou-se em uma confortável cadeira, antes de ser
servida com um lanche. Comeu à contragosto, uma
vez que não tinha fome alguma, mas era de extrema
importância ingerir aqueles alimentos para
melhorar seus níveis glicêmicos e de hidratação,
diminuindo os riscos de apresentar problemas
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durante a doação.
- Enfermeira, eu…estou sentindo um pouco
de frio. - Conner informou à mulher, temendo ser
algum problema.
- Deve ser o nervosismo. Está tremendo! Mas
fique tranqüila que não há risco nenhum, não dói,
nem traz problemas futuros. Vai dar tudo certo! - A
enfermeira sorria - Agora, por favor, lave os braços
nesse local… - Ela indicava onde seria feita a
punção - …com água e sabão, depois sente naquela
outra cadeira preta ali.
- Certo.
Assim que terminou o que lhe fora ordenado,
Eleanor teve outro profissional cuidando da
punção, que fora feita com agulha em uma de suas
veias do braço, com material estéril, descartável e
padronizado, o que permitiu a coleta do sangue no
tempo e quantidade adequados. Transcorreram-se
apenas dez minutos para que os 450 ml de sangue
com o raro fenótipo Bombaim fosse colhido, e uma
onda de alívio momentâneo pudesse percorrer o
corpo da morena.
- Srta. Conner, agora nós vamos realizar uma
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bateria de exames nesse sangue extra para saber se


existem reagentes positivos a doenças como HIV,
sífilis, entre outras. Então pedirei a senhorita que
aguarde na recepção até que saiam os resultados.
- E…demora muito?
- Nosso protocolo de urgência liberará o mais
rápido possível. No máximo em duas horas,
estando tudo certo, já será feita a transfusão para o
receptor.
- Ok. Obrigada.
Eleanor estava perdida. Ela se via presa em
uma ambivalência entre o que gostaria de fazer e o
que realmente estava fazendo. Confusão mental era
o que sentia. Sentando-se no sofá, passou a pensar
nos últimos acontecimentos. A herdeira
presidencial fora invadida por um sentimento
doloroso de que ninguém seria capaz de
compreender a sua verdade quanto ao que estava
passando. Ela estava aniquilada e frustrada tanto
física quanto emocionalmente. Mas também não
era para menos. De repente a sua vida virou de
cabeça para baixo, e tudo o que já estava errado,
tornou-se ainda pior. Passar pelo inferno que
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passou nas mãos de terroristas desumanos era, por


si só, traumatizante demais. Ver a mulher da sua
vida morrendo depois de revelar algo que abalou
todas as suas supostas estruturas era sim como um
chamado para o fim. Conner tinha sido traída, seu
pai tinha sido traído durante mais de trinta anos da
forma mais vil e torpe que se poderia imaginar.
Como não surtar?
Dizem que na vida existem dois tipos de
traição: a que se comete contra alguém e a que se
comete contra seus princípios. Cora havia cometido
ambos.
A traição, em seu sentido mais amplo, não se
limita à infidelidade entre casais amorosos. A
traição pode ser também familiar ou até mesmo em
relação aos nossos próprios ideais. E o fato da
matriarca da família presidencial ter escondido esse
segredo por tanto tempo, apresentava as marcas que
seriam deixadas tão profundas e eternas.
Beatrice não precisou de motivos para trair.
Precisou apenas de uma única oportunidade.
Quando aconteceu a sua infidelidade matrimonial,
ela se preocupou mais com as desculpas que daria
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caso descoberta, do que com o erro e com as


conseqüências do ato. E imaginem que, na
categoria melhor atuação e melhor drama, a Sra.
Conner poderia até ser indicada ao Oscar.
Mas será que ter uma mera relação
extraconjugal, resultando em um filho, poderia ser
considerado tão grave, haja visto que existem casos
e mais casos como esse todos os dias e que são
perdoados? O que é mesmo uma traição? Trair é
toda e qualquer forma de ferir quem, um dia,
confiou em você. Traímos de tantas formas que,
muitas vezes, em temos consciência disso. Traímos
quando fingimos que tudo está bem, quando, na
verdade, não está. Traímos quando negligenciamos
nossas próprias vontades para agradar outras
pessoas. Traímos pelos mais diversos motivos, mas
como dizia Nietzsche “quem, em prol da sua boa
reputação, não se sacrificou já uma vez – a si
próprio?”
Beatrice foi cruel, pois não cometeu um
deslize diário. Foi uma opção. Eleanor tentava se
enganar buscando razões para justificar o erro da
mãe, mesmo sabendo que nada justificava uma
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traição e o abandono de uma criança. A morena


precisava entender que ninguém trai por acaso. Da
mesma forma que se escolhe ser fiel, a traição nada
mais é do que uma opção voluntária. A infidelidade
da matriarca não acontecera por falta de amor, mas
por falta de respeito. Por isso, Conner, em seu
íntimo, não podia aceitar aquela atitude. Seria o
mesmo que assinar um termo abrindo mão do
próprio respeito e da própria dignidade.
Ela pensou em seu progenitor e no que o
homem deveria estar sentindo. A dor de pai e filha,
proveniente daquela traição, era intensa porque não
vinha de um estranho. Vinha de quem eles mais
amavam e de quem eles permitiram total acesso aos
seus sentimentos.
"Por isso é mais fácil conviver com inimigos,
pois são verdadeiros na raiva." Ela pensava ao
passo em que se debulhava em lágrimas.
Eleanor agora entendia que onde havia
traição nunca poderia existir amor. As relações são
dadas no intuito de melhorar a vida, e não
preenchê-la de vazios existenciais, não de causar
tanta dor e devastação.
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- Srta. Conner? - A enfermeira chamava pela


morena, que ergueu a cabeça após limpar suas
lágrimas.
- Sim? Pois não?
- Aqui estão os resultados dos exames. Sinto
muito, mas a senhorita está impedida
temporariamente de doar.
- Mas…como assim? Por que? - A morena
engoliu em seco, sentindo o seu coração palpitar
mais forte pela apreensão.
- Bem, o resultado do seu hemograma
apresentou algumas alterações. A contagem de
glóbulos dos hematócritos está abaixo do normal.
- O que isso quer dizer?
- Valores baixos de hemoglobina podem ser
devido a algum tipo de anemia. A senhorita passou
por procedimentos médicos recentes. Pode ter
tomado algum medicamento que ocasionou essa
alteração. Sinto muito.
- Mas, e agora? Megan precisa de uma
transfusão urgente. Ela está morrendo!
- Teremos que aguardar pelo milagre de

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encontrar um doador à tempo, Srta. Conner. Eu


realmente sinto muito por isso.
Em certos momentos de nossas vidas, a
conformidade que existia se rompe. É como um
quebra-cabeças no qual uma peça não se encaixa
bem ou se perde. Era exatamente o que acontecia
ao redor da filha do presidente. Quer dizer, Eleanor
seria mesmo filha de Alexander Conner? Eram
tantas mentiras se revelando que reconhecer uma
verdade, tornara-se praticamente impossível.
"O que aconteceu, meu Deus? Por que de
repente tudo está se voltando contra mim? Meus
pilares fortes e seguros se tornaram fracos e cheios
de rachaduras. Eu vou ruir!"
Fitzgerald diz que "o momento mais
solitário na vida de alguém é quando ele está
vendo como seu mundo está caindo, e a única
coisa que pode fazer é olhar fixamente”.
A morena retornou para o andar onde sua
namorada estava internada. Seu caminhar se dava
lento, desanimado, como se refletisse toda a tristeza
da sua alma. Na verdade, Conner sentia-se como
um corpo sem alma, uma morta-viva. Ela presumia
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que só encontraria algum alívio deitada em sua


cama, com as luzes apagadas e vários travesseiros
sobre a cabeça, em uma tentativa de dormir e
esquecer aquilo tudo. A herdeira sabia que
encontraria na escuridão do quarto uma saída para
o túnel de trevas que a engolia. Quem sabe,
adormecendo, ela pudesse sentir-se livre? Afinal,
nesses últimos dias, o seu maior pesadelo era estar
acordada.
- Filha! Como você está? Deu tudo certo? - O
presidente, assim que viu a mulher aproximar-se
praticamente arrastada por seus próprios pés,
levantou-se para abraçá-la.
- Onde…onde estão Nora e George? - Ela
tentava desconversar.
- Foram até o restaurante comer alguma
coisa. - Alexander sorria - Temos boas notícias.
Conseguiram estabilizar a Olívia. A sedaram, mas
ela ficará bem. Foi só um susto.
- Mesmo? E…eu posso vê-la? - Eleanor
perguntava, apreensiva.
- Você pode o que quiser, minha filha. O que
quiser. - O homem segurou firme nos ombros da
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morena, direcionando-os corredor à fora até o


quarto.
Assim que viu a comandante conectada à
todos aqueles fios e aparelhos que monitoravam
seus sinais vitais, Eleanor não pôde conter a
emoção recorrente do alívio de saber que seu
grande amor estava viva. Ao menos uma gota de
luz naquele mar imenso e escuro em que sua
existência havia se tornado.
- Oh, meu amor… - O choro era intermitente,
nada contido. Conner curvou-se sobre o corpo da
moribunda, acariciando e beijando seu rosto - Está
tudo desmoronando. Eu preciso tanto de você. Fica
viva, por favor. Não vou conseguir sem você, Liv.
Não vou conseguir…
- Minha querida… - Emocionado, comovido
com o estado em que sua filha se encontrava,
Alexander aproximou-se, passando a acariciar as
madeixas da morena - Nós vamos superar tudo isso.
Confie em mim. Nós vamos superar isso juntos.
Vai ficar tudo bem.
- Não vai, papai. Não vai. Eu não pude doar o
sangue para a Meg. - A herdeira relatava, aos
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prantos.
- Mas por qual motivo?
- Meu hemograma acusou alterações e estou
temporariamente impedida de doar. Agora teremos
que rezar por um milagre. Rezar para que ela não
morra.
- Eleanor, nós já passamos por situações
terríveis, os quais imaginávamos que seria o fim. E
não foi. Se tivermos que rezar para salvar a vida
daquela moça, será o que faremos. - O presidente
beijou o alto da cabeça da sua menina - Tive uma
idéia. Olívia está e permanecerá sedada por um
bom tempo, não corre o risco de acordar, então…
temos algumas horas. Por que não vamos agora até
a capela? Não somos religiosos, mas não tem
momento certo para buscar a intervenção e a ajuda
divina, não é? Acho que nos fará bem.
- Não, pai. Não quero sair do lado dela.
- São só alguns minutos. Nora e George já
vão retornar e cuidarão da nossa comandante
enquanto estivermos fora.
- Tem certeza?

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- Tenho, minha filha.


- Tudo bem, então. - Sorrindo, ainda
acariciando o rosto da amada, Eleanor, sem se
importar com a presença do seu progenitor, tombou
a cabeça para frente, depositando um beijo casto e
suave nos lábios de Garner, demonstrando todo o
seu grandioso amor pela loira - Eu te amo. Eu te
amo muito, Liv.
- Mas…o que significa isso? - A voz
impositiva e surpresa de Beatrice Conner fez-se
ouvida no ambiente - Vamos, Eleanor, me diga. O
que pensa que está fazendo?

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Capítulo 46 – Acerto em
família
Anos de terapia. Desde que se entendia por
gente, Eleanor lembrava de fazer visitas regulares
ao psicólogo, ao psiquiatra. Aparentemente, uma
menina rica, filha de um homem poderoso, líder de
uma nação, que sempre recebeu tudo o que tinha de
melhor, não teria motivos que justificassem gastos
com terapeutas. Aparentemente, pois ninguém é
capaz de conhecer os fantasmas internos do que nós
mesmos. A morena tinha uma vida perfeita, tirando
o fato de que tudo era uma mentira, não passava de
encenação. Para o mundo, os Conner eram uma
família feliz, sem problemas, mas dentro de casa,
nem sempre estavam sorrindo um para o outro.
Seria comum, uma vez que a maioria das pessoas
agem dessa maneira. Porém, o agravante, estava no
fato da herdeira não querer fazer parte daquela
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farsa toda. A repressão a fez crescer triste, nervosa,


ansiosa, e isso sim agravou-se ao ponto de
necessitar do acompanhamento de um analista.
Durante as inúmeras sessões que teve ao
longo dos anos, Eleanor aprendeu a controlar a sua
raiva diante das circunstâncias que não lhe
apeteciam. Aprendeu a manter seu equilíbrio
emocional. No entanto, em alguns momentos, ela
não conseguia se segurar, e algo destrutivo acabava
se formando dentro dela, tal como quando ouviu a
voz de sua mãe adentrando naquele quarto de
hospital.
Raiva. Esse é um sentimento que surge em
sinal de reação, quando nos sentimos subjugados,
agredidos, desvalorizados ou inferiorizados por
alguém. Eleanor Conner sentia raiva, muita raiva.
Não só pela situação em si, mas por tudo o que já
havia passado até ali. Ela sabia que não devia
perder o controle, pois com certeza, perderia a
razão, mesmo que a razão estivesse toda com ela
naquele instante. A morena tinha a opção de
abaixar a cabeça, como sempre fez, uma vez que
trazia dentro de si uma educação onde aprendeu a
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sempre atender às expectativas dos outros,


principalmente as de sua mãe. Ela tinha a crença de
que as necessidades alheias eram mais importantes
do que as suas, tornando-se uma pessoa incapaz de
responder e se impor quando precisava. Contudo,
agora era diferente. Conner, com a ajuda de sua
namorada, aprendeu que, saber dizer “não” da foma
adequada, é saber cuidar de si mesma e enfrentar o
problema que for.
- Vamos! Estou esperando uma explicação
para…para…isso! - Cora apontava para a filha,
ainda debruçada sobre o corpo de Garner. A mulher
estava visivelmente consternada e alterada
emocionalmente, dada à sua ofegação - E você,
Alexander? Não acredito que está sendo conivente
com esse absurdo! Isso é…surreal! Não está vendo
o que sua filha está fazendo?
O presidente - que mantinha-se próximo à
sua herdeira - tentava à todo custo esconder os seus
olhos marejados, porém, Beatrice estava tocando
em um ponto sensível, ainda mais na situação em
que se encontravam. Respirando profundamente, o
homem encarou sua esposa, aproximando-se
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lentamente dela.
- O que minha filha está fazendo, Beatrice?
Demonstrando carinho à pessoa que salvou a vida
dela por duas vezes? Pessoa essa que, inclusive,
salvou também a minha e a sua vida.
- Não acredito que você é de acordo com esse
disparate! - A primeira-dama ria, incrédula.
- Disparate? Qual é o seu conceito de
disparate e absurdo? O fato de Eleanor amar aquela
mulher? - Com as lágrimas já escorrendo pelo seu
rosto, ele apontou para o leito onde estava a
comandante - Estranho seria se a minha menina não
sentisse nada, nem ao menos empatia pela pessoa
que deu a vida dela para salvá-la. Olívia está entre a
vida e a morte porque não mediu esforços para que
Eleanor se mantivesse bem. Graças à Deus a minha
filha é assim, amorosa. Graças à Deus ela não se
parece com você.
- Graças à Deus, Alexander? O que você
pretende? O que vocês pretendem com tudo isso?
Destruir a nossa família? Acabar com uma carreira
política? É isso o que desejam? O que pensa que o
mundo irá dizer quando souberem que "Eleanor
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Conner é homossexual e tem um caso com a sua


segurança"? Acha que isso não irá abalar o seu
mandato, a sua carreira e a candidatura dela? Não
precisamos de escândalos dentro da Casa Branca.
- Acha que eu queria isso para ela? Acha que
eu queria que Eleanor fosse gay? Não. Nunca me
passou pela cabeça uma coisa dessas. A questão é
que eu não queria porque imagino quanto
preconceito os homossexuais devem sofrer todos os
dias, à começar dentro do próprio lar, e eu não
suportaria ver minha garotinha passando por esse
tormento. Mas se ela é assim, o que eu posso fazer?
Abandoná-la? Abandoná-la como você fez com a
sua outra filha? - Nesse momento, o ódio crescente
dentro de Alexander, tornou-se incontrolável. O
homem alterou o tom de voz, avançando contra a
esposa - Eu prefiro mil vezes que Eleanor seja
como ela é, com todas as suas qualidades e
defeitos, do que vê-la se transformando em uma
vagabunda traidora e manipuladora como você!
- Pai, pelo amor de Deus, pare. - Conner, que
até então mantinha-se quieta, preocupando-se em
não permitir que a sua raiva explodisse sobre sua
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mãe, não suportou mais a discussão que se dava


entre os dois.
- Mas do que é que você está falando? Está
fora de si, Alexander! Não discutirei com você
nesse estado.
- Não. Você não irá discutir porque não tem
moral nenhuma para questionar as minhas atitudes,
menos ainda as do meu pai. Além disso, os dois
devem respeitar a Olívia. Aqui não é lugar para
bate boca. A minha namorada precisa de descanso e
respeito! Nós passamos por um inferno nas últimas
horas. Graças à Deus eu estou bem, mas ela…ela
não está e nem sei se ficará. Portanto, tenha um
pouco de decência, ao menos uma vez na vida.
- Os dois estão loucos. - A primeira-dama
prendeu a respiração, levando ambas as mãos ao
rosto por alguns segundos, antes de encarar a filha,
com os olhos fulminantes de raiva - Você não pode
me desacatar dessa maneira, Eleanor!
Desacreditada, a morena segurou firme no
braço da mãe.
- Vem comigo. - Ela ordenou em um tom
exageradamente impositivo.
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- Mas o que…
- Vem comigo, agora!
- Eleanor! - O presidente chamava pela filha,
também temeroso do que ela poderia fazer.
- Pai, fique aqui, por favor, até a D. Nora e o
Sr. Garner retornarem. Por favor, pai… - A morena
suplicava.
- Claro! Claro, filha. Eu ficarei com a Liv.
Só…tome cuidado.
Sem dizer mais nada, Conner saiu do quarto,
ainda segurando firme no braço de sua progenitora,
com ela em protesto.
- As pessoas estão olhando, Eleanor.
- Dane-se.
- O que pensa que está fazendo? Para onde
estamos indo? - A morena, em silêncio, conduziu-
as até o andar da UTI, parando em frente a janela
do quarto onde estava Megan - O que é isso? Quem
é ela?
- Não reconhece aquela mulher? - Conner
tremia, raivosa.
- Não, quer dizer...não. - Beatrice parecia
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deveras confusa.
- É claro que você não a reconhece. Não
poderia saber quem é aquela mulher cheia de fios
conectados ao seu corpo, entubada, com ferimentos
graves, à beira da morte. Ela está mesmo
irreconhecível, não é?
- Podemos parar com as charadas? Essa deve
ser a amiga que estava com você. Amiga essa que
eu não conheço. - A primeira-dama fez questão de
frizar a negativa.
- É verdade, você não a conhece. Não a
conhece porque a abandonou há pouco mais de
trinta anos atrás, não é? Como poderia saber quem
ela é, se você não sabe nem ao menos quem você
é? Ah, querida mamãe, vou fazer as honras e lhe
apresentar. Beatrice Conner, essa é Megan Lee, o
bebê que você descartou como se fosse lixo. -
Eleanor sorria sarcasticamente entre as lágrimas -
Ela é o fruto da sua traição, do relacionamento
extraconjugal que você escondeu do meu pai
durante todos esses anos.
- Quem…quem te contou isso? Não sei o que
te falaram, mas posso garantir que…
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- Vai negar? Vai negar que traiu o meu pai,


engravidou e deixou a criança na porta de um
prostíbulo depois que nasceu, simplesmente porque
você é uma covarde que não consegue assumir a
responsabilidade e a consequência dos seus atos?
- Eleanor, eu posso explicar. Não foi bem
assim…eu... - Beatrice, que até então estava com os
olhos marejados, não conseguiu mais conter o
choro.
- Cala a sua boca!
- Por favor, minha filha, me deixe explicar…
- Cala a boca, mãe! - A herdeira esbravejou -
Não tem justificativa, não tem explicação para o
que você fez. Você enganou o meu pai, enganou à
mim, à todos.
- Eu não podia…eu não podia ficar com
ela…É muito mais complicado do que você
imagina… - A mulher dizia, aos prantos.
- Complicado? Complicada é a situação em
que Megan se encontra nesse momento. E sabe
porque ela está aqui? Por minha causa, por ela estar
comigo dentro daquele maldito carro quando me
sequestraram. Eu não sei os motivos que a levaram
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a se aproximar de mim. Eu não sei se ela quer


dinheiro, se ela quer nos conhecer somente, ou se
aproveitar de quem somos, mas nada disso importa
agora. A vida dela está se acabando a cada segundo
que passa por minha causa, por sua causa.
- Eu não queria que nada disso estivesse
acontecendo. Eu juro. Não queria que ninguém
sofresse…
- Pare de tentar ser o que você não é, Beatrice
Conner. Pode parar de fingir agora. Acabou. Sua
máscara caiu. Você está pouco se importando com
o sentimento alheio. Só…só se preocupa consigo
mesma. Sabe que…eu nunca conseguia te entender.
Eu era tola, inocente, mas agora eu consigo
enxergar o quanto você sempre foi tóxica para a
nossa saúde mental: a minha e a do meu pai. O
problema era a dificuldade que eu tinha de
identificar com clareza a relação abusiva que você
mantinha conosco, pois sempre se escondeu atrás
dos discursos normatizados de “educação”,
“instrução”, “preocupação”. Só que, no fundo, era
uma total falta de respeito com a minha
individualidade, um abuso de autoridade. O meu
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pai, coitado, sempre foi omisso. Tem a sua parcela


de culpa, no entanto…talvez você o manipulou de
tal forma, e ele te amava tanto, que passou a ser
uma vítima sua também. Sabe, mãe, você pode não
ter noção, mas as suas atitudes durante todos esses
anos, trouxeram consequências extremamente
danosas para mim. Quem eu sou não deveria ser
causa de suas lamentações porque eu não posso ser
ninguém além de mim mesma. Eu me sentia um
lixo quando você me colocava para baixo em toda a
oportunidade que tinha e expunha, e expõe até hoje,
que a minha única salvação na vida é encontrar
algum homem de boa família. “É por isso que você
ainda está sozinha”; “se estivesse casada não estaria
passando por isso agora”. Você sempre enxergou
na minha vida uma extensão da sua e projetou em
mim tudo aquilo que queria ter sido e não foi e tudo
aquilo que queria ter feito e não fez. E você
acabava se frustrando toda vez que eu tomava um
caminho diferente do que você queria que eu
tomasse. Quando percebeu que eu não tinha os
mesmos gostos nem reproduzia os mesmos
pensamentos que os seus, você começou a tomar
atitudes cada vez mais drásticas na tentativa
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desesperada de retomar o controle. Me empurrar à


todo custo para o David, por exemplo. Você
sempre confundiu dominação com instrução e não
aceitava apenas me dar orientações, mas precisava
viver por mim e controlar cada detalhe da minha
vida e cada escolha que eu precisava tomar. Você
tinha que escolher os amigos que eu teria, por quem
eu me apaixonaria, o que estudaria, que preferência
política eu teria...até o cúmulo do que eu faria no
meu tempo de lazer. Você me faz ficar frustrada
por não conseguir corresponder às suas
expectativas. Por anos você fez com que eu
lamentasse ser a pessoa que eu sou, me reprimisse e
tentasse me transformar em alguém que eu não
queria ser. Por anos eu me odiei por isso. Me
achava errada, me questionava todos os dias. "Por
que eu não posso simplesmente ser mais como a
minha mãe quer? Por que eu sou esse monstro que
causa tanto sofrimento na minha mãe?" - Eleanor,
entre as duras lembranças, desabafava, sem se
importar com o pranto que derramava, com as
pessoas que vez ou outra circulavam ali por perto,
ou se estava ferindo aquela que tanto já a tinha
ferido também - O problema maior é a maldade que
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existe dentro de você. É cruel essa sua capacidade


de manipulação, esse seu egoísmo. E o pior é que
você se esconde por trás dos lindos discursos
maternais sobre como me ama e “só quer o meu
melhor”. Você sempre usou e ainda usa isso para
abusar do seu poder de mãe. Ah, as chantagens
emocionais! Não podemos nos esquecer dos jogos
psicológicos e das tentativas múltiplas de
manipulação. Das lágrimas, dos choros e das
ameaças. Tudo para conseguir o controle de volta e
me fazer tomar a decisão que você gostaria que eu
tomasse. Isso nunca foi amor. Nunca foi
preocupação. Nunca foi educação. Nunca foi o seu
melhor. Nunca foi para o meu próprio bem. Foi
abuso. Mas sabe que…até então eu suportava tudo
porque, no fundo, tinha esperanças de que as coisas
melhorassem, afinal, você é a minha mãe e eu te
amo. Só que o fato, é que mesmo tendo consciência
de que você não era uma boa pessoa, eu não
poderia imaginar que na verdade você era um
monstro.
- Minha filha, pelo amor de Deus, não fala
isso. Eu amo você sim, amo… - Beatrice ouvia

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tudo emudecida, uma vez que a dor que sentia não


a permitia se manifestar - Por favor, Eleanor…
- Por favor? Está me pedindo por favor?
- Não faz isso comigo… - A primeira-dama,
esquecendo-se de sua compostura, ajoelhou-se
diante de Conner - Me perdoa…
- Foi tudo o que fiz durante todos esses anos.
Te perdoei pelas coisas que fez comigo. Só que…o
que fez com o meu pai, com a nossa família, e
principalmente com Megan, é imperdoável. Eu não
tenho o espírito evoluído a ponto de conseguir
entender os motivos que te levaram a cometer a
atrocidade de deixar uma recém-nascida ao relento.
Se foi por vaidade, vergonha, medo, não sei e nem
quero saber. Nunca vou te perdoar por ter destruído
a oportunidade que ela tinha de crescer dentro de
um lar, sendo amada.
- Eu juro que se eu pudesse voltar no tempo
nada disso teria acontecido, minha filha…eu juro…
Eleanor suspirou profundamente vendo a mãe
ajoelhada à chorar, e mesmo assim não demonstrou
compaixão, de fato, muito magoada com a sua
progenitora.
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- Mais de trinta anos depois…É tarde demais


para arrependimentos, não acha?
- Por favor, Eleanor…por favor…
- Megan, assim como você e eu, tem o
Fenótipo Bombaim. - A morena dizia, impassiva -
Ela perdeu muito sangue durante a cirurgia que fez
e precisa de uma transfusão urgente. Você sabe
melhor do que eu que somente pessoas que
apresentam essa alteração sanguínea podem doar
umas para as outras. Eu tentei, mas não pude. Estou
anêmica e isso me impediu de salvar a minha irmã.
- Conner limpou as lágrimas que escorriam pelo
seu rosto - Se arrepende mesmo? Quer provar que
não é um monstro insensível e cruel? Pois então
faça ao menos uma coisa digna nessa sua existência
miserável. Você deu a vida à Megan, mas tirou
tudo o que ela poderia ter quando a abandonou.
Devolva a vida à sua filha. Faça a coisa certa.
Talvez, com isso, Deus e Meg possam te perdoar
um dia. Agora… - A herdeira presidencial afastou-
se da mãe, dando alguns passos para trás - …com
licença. Eu preciso ir ver como está a minha
namorada. É, mãe…Olívia Garner é a minha
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namorada, e goste você ou não, eu sinto muito


orgulho de poder dizer isso com todas as letras. -
Conner foi caminhando lentamente, deixando a
mãe no corredor, sem ao menos olhar para trás.
"Raiva é o mesmo que tomar um copo de
veneno e torcer para que o outro morra.”
Como seria possível morrer duas vezes, se
Beatrice já havia matado Eleanor, em doses
minúsculas à cada dia, durante todos os esses anos?
A morena transbordava raiva, ressentimento,
mágoa. Ela tomou o veneno e não se arrependia.
Que a verdadeira morte surgisse para ambas, se
assim tivesse que ser.
Minutos se passaram, e a herdeira não
poderia mensurar quanto tempo se dava que
permanecia ali sentada ao lado do leito de Olívia.
Estava perturbada demais, confusa demais para se
ater à detalhes cronológicos. O que lhe importava
naquele instante era acordar daquele pesadelo,
somente.
Os pais de Garner deixaram Conner à sós
com a filha por alguns instantes, permanecendo
com o presidente - que não afastou-se do local nem
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por um segundo sequer - no corredor.


Eleanor acariciava o rosto da amada, ao passo
que os suspiros lhe vinham intermitentes. De
repente, lembrou-se de uma música que a loira
certa vez comentou. Quando a ouviu pela primeira
vez foi impossível não conter um sorriso, uma vez
que era como se tivessem descrito seus sentimentos
para com Liv naquela letra.
- Like lullabies you are
Forever in my mind
I see you in all
The pieces in my life
Though you weren't mine
You were my first love
I wanted to go away with you
And I will leave all my troubles here
I wanted to run away with you
And I will bring all my dreams and fears…
Conner cantarolava baixinho no ouvido da
namorada, em meio à sorrisos e lágrimas.
- Like lullabies you are

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Forever in my mind
I see you in all
The pieces in my life
Though you weren't mine?
Like lullabies you are
Forever in my mind
I see you in all
The pieces in my life
Though you weren't mine
Though you weren't mine
You were my first love
You were my first love…
A morena beijou o dedo em que a agente
usava a aliança, e que agora só tinha a marca da
jóia e algumas escoriações no lugar.
- Volta pra mim, Liv…volta…
- Srta. Conner, poderia nos dar licença?
Vamos levar a paciente para realizar alguns
exames. - Era o médico quem falava,
interrompendo a emocionante interação entre a
herdeira e a mulher de sua vida.

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- Claro. Desculpa. - Sorrindo desanimada, à


limpar as suas lágrimas, ela deixou o quarto,
encontrando o pai e os sogros no corredor - Vão…
examiná-la.
- Não fique assim, querida. A fé e a
esperança nunca podem se perder de nós. - Nora
puxou a morena para um abraço.
- É...com licença. - A voz de Beatrice fez
todos ficarem em estado de alerta - Eleanor, eu…
- Não ouse, Beatrice. Não nesse momento tão
delicado. - Alexander fez um gesto com a mão,
impedindo que a esposa se aproximasse.
- Eu…eu só quero entregar isso. - Ela
estendeu alguns papéis para a filha, que mesmo
receosa, tomou-os nas mãos - Alexander, será que
podemos…será que podemos conversar à sós? - A
primeira-dama, um tanto quanto constrangida e
visivelmente abalada, encarava o marido com os
olhos marejados.
- Eu não tenho nada para falar com você. Vá
embora. Por tudo quanto é mais sagrado. Vá
embora agora. - Incisivo, ele deu as costas para
Beatrice, abraçando a filha quando a viu chorar
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copiosamente outra vez.


A matriarca dos Conner, completamente
quebrada por dentro, não teve outra alternativa
senão seguir seu caminho solitário. Caminho este
que ela mesma escolheu trilhar há anos atrás,
quando preferiu deixar desamparada uma pobre
criança, a permitir que sua pose de mulher honrada
fosse destruída.
Assim que percebeu o afastamento da
mulher, Alexander deu um passo para trás,
segurando firme nos ombros de Eleanor.
- O que foi, minha filha? O que dizem esses
papéis? - Ele indagou, preocupado.
- Ela doou, pai. Ela salvou a vida da minha
irmã.

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Capítulo 47 – A vida
continua
- Hoje é um dia de sentimentos dúbios para
toda a nação americana... - O presidente Alexander
suspirou com ambas as mãos apoiadas no púlpito
de acrílico à sua frente. Ele havia dispensado
algumas horas de seus dias durante a semana
anterior para escrever o discurso que faria no
evento em homenagem às vítimas do atentado à
Casa Branca que completava um ano naquele dia, e
também aos que foram mortos injustamente durante
o sequestro de sua filha. No entanto, ao olhar para o
lado e encarar os olhos castanhos de Eleanor, o
homem preferiu deixar as palavras fluírem, vindas
do seu coração - Há exatamente um ano atrás, eu, o
governador, a nossa família e as mais de trezentas e
vinte pessoas que estavam aqui no momento,
sofremos um terrível atentado. Há algumas
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semanas a minha filha, junto com uma amiga, a


comandante Garner e alguns integrantes da equipe
de segurança, foram sequestrados, torturados, e
alguns deles cruelmente assassinados. Como é de
conhecimento de todos, esses casos não foram
ataques isolados. Um grupo paramilitar, fanático,
assumiu a autoria dos dois eventos criminosos. -
Um suspiro profundo interrompeu a sua fala -
Durante as investigações, os agentes encontraram
algo que repudiei da primeira à última letra, mas
lerei para que saibam do que se trata. "O ataque à
Casa Branca foi consequência da política externa
dos Estados Unidos, opressora e tirana. Não fomos
nós quem desencadeamos a guerra contra vocês
naquele dia. Foram vocês e os seus ditadores nos
nossos territórios. Mereceram todas as mortes e
Deus sabe disso. Deus estava ao nosso lado nos
ajudando a levar adiante o atentado, e com isso,
destruir a sua economia capitalista, a expor a
hipocrisia, a acabar com os seus argumentos de
merda sobre a democracia, a liberdade e a união. O
que nos dizem sobre a guerra do Vietnã? As
bombas atômicas no Japão? O destino dos
palestininos? O apoio de seu país aos 'ocupantes
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judeus' de Israel? Hipocrisia. Esses são exemplos


claros e reais de sua imundice. Nós matamos, mas
as suas mãos continuam manchadas com o sangue
dos nossos irmãos e irmãs e das nossas crianças
mortos em Gaza. Estamos felizes em ter matado e
infelizes por ter sido tão poucos." - Com a voz
embargada, o presidente conseguiu terminar com
dificuldade a leitura daquela carta que tanto o
atingia, de forma até bem pessoal.
Percebendo a carga emocional que tudo
aquilo trazia ao seu pai, imaginando o que ele
estava sentindo com o que vivenciaram ao longo
das últimas semanas - as dores, as revelações -
Eleanor repousou a mão sobre o ombro direito dele,
sorrindo em cumplicidade - uma forma de passar-
lhe segurança e carinho. Com um gesto delicado,
ela o afastou um pouco do púlpito, tomando a
palavra para si.
- O meu pai está um tanto quanto
emocionado, como imagino que muitos de vocês
estejam também. Peço que tentem compreender e o
perdoem por isso. Bom, segregando a questão
pessoal que me toca, com tudo o que aconteceu
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com o país desde o primeiro ataque, há um ano


atrás, eu necessito exaltar a união de todos nós.
Hoje vale a pena lembrar somente o que não mudou
e nunca mudará: nosso caráter como nação, nossa
fé em Deus e uns nos outros, nossa crença na
América. Peço, encarecidamente, que os
americanos se dediquem aos ideais que nos
definem como nação, como um todo. Não somos e
nem temos a pretensão de sermos perfeitos, mas
nossa democracia é duradoura, e essa democracia
também nos dá a oportunidade de aperfeiçoar essa
junção de pessoas que anseio que tenhamos. Agora
nos agarramos às nossas liberdades, todas elas.
Estamos mais atentos contra quem nos ameaça, e
há inconvenientes que vêm junto com a nossa
defesa comum, infelizmente. Isto é o que honramos
nesse dia de homenagem e lembrança: a
experiência que tivemos e a determinação em não
baixar a guarda, em não desistir nunca. Quanto ao
que meu pai leu, afirmo e reafirmo que os Estados
Unidos nunca estarão em guerra contra o Islã nem
contra nenhuma outra religião, ou contra quem quer
que seja. Peço licença para ler o Salmo 46,
invocando a presença de Deus como uma
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inspiração para superar o sofrimento. "Deus é o


nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na
angústia. Portanto não temeremos, ainda que a
terra se mude, e ainda que os montes se
transportem para o meio dos mares..."

"Estamos aqui, em frente à Casa Branca,


sob forte esquema de segurança após alertas de
uma possível nova conspiração da rede terrorista,
para fazer toda a cobertura do primeiro evento
criado para marcar a data do terrível ataque que o
país sofreu há um ano atrás. Nesse momento, a
filha do presidente e candidata à assumir o posto
de seu pai, Eleanor Conner, está lendo um Salmo
que fala sobre fortaleza e refúgio, que é o que os
Estados Unidos devem ser."
Os repórteres se aglomeravam à cada
segundo mais, na tentativa de conseguirem o
melhor ângulo e, quem sabe, uma exclusiva?
- "…Ainda que as águas rujam e se
perturbem, ainda que os montes se abalem pela
sua braveza. Há um rio cujas correntes alegram a
cidade de Deus, o santuário das moradas do
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Altíssimo. Deus está no meio dela; não se abalará.


Deus a ajudará, já ao romper da manhã. Os
gentios se embraveceram; os reinos se moveram;
ele levantou a sua voz e a terra se derreteu. O
Senhor dos Exércitos está conosco; o Deus de
Jacó é o nosso refúgio. Vinde, contemplai as
obras do Senhor; que desolações tem feito na
terra! Ele faz cessar as guerras até ao fim da
terra; quebra o arco e corta a lança; queima os
carros no fogo. Aquietai-vos, e sabei que eu sou
Deus; serei exaltado entre os gentios; serei
exaltado sobre a terra. O Senhor dos Exércitos
está conosco; o Deus de Jacó é o nosso refúgio."
"Milhares de pessoas se juntaram em luto
nessa manhã ensolarada de domingo onde, um
dia, estavam trabalhando e passeando as vítimas
do atentado à Casa Branca. A segurança foi
reforçada e não há tráfego de veículos nas
imediações à não ser dos automóveis
credenciados, inclusive os da imprensa. O
presidente Conner evocou a bravura daqueles que
partiram injustamente, pedindo que todos
fizessem um minuto de silêncio fúnebre em

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homenagem. A cerimônia provocou lágrimas.


Membros das famílias vestiram camisetas com os
rostos dos mortos, levaram fotos, flores e
bandeiras em um momento de emoção."
- Sinto o quão fraca e infrutífera deve ser
qualquer palavra minha para tentar consolar uma
perda tão devastadora. - Alexander tomou a palavra
novamente, no intuito de encerrar a solenidade -
Mas não posso evitar de apresentar-lhes o consolo
que pode ser encontrado no agradecimento da
República pela qual eles morreram para salvar.
Obrigado à todos.
15 dias depois…
- Não, mãe! Não precisa me acompanhar. Eu
só vou fazer xixi. - Liv reclamava, caminhando
lentamente em direção ao banheiro, ao passo em
que tentava desvencilhar-se das mãos preocupadas
de Nora.
- Você não pode se esforçar, esqueceu? - A
mulher replicava.
- Mas eu posso andar, mamãe querida! Não
estou inválida. Aliás, o médico disse que andar será
ótimo para a minha recuperação. - O sarcasmo em
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suas palavras fez a namorada, que mantinha-se


alguns passos para trás, revirar os olhos.
- Garner, sua mãe só está querendo ajudar. O
que aconteceu com você que voltou tão ranzinza do
hospital? - Conner suspirou profundamente quando
o seu celular tocou, interrompendo a reprimenda. A
morena fez um sinal com o dedo, indicando que se
afastaria para atender a ligação - Alô?
- D. Nora, vamos combinar algo? Nesses
primeiros dias, nos banhos, eu permito que a
senhora me auxilie. No resto, não. Ok? - A
comandante ainda tentava livrar-se de sua
progenitora insistente.
- Tudo bem, filha. Mas eu ficarei na porta
para caso haja algum acidente ou se você precisar
de alguma coisa. Assim, estarei por perto para
acudí-la.
- Ai, Senhor, dai-me forças. - A loira respirou
profundamente, no entanto, arrependeu-se no
segundo seguinte quando uma dorzinha incomoda
fez-se presente no pescoço, onde tinha tomado o
tiro - Não vai me dizer que dormirá no sofá só para
ficar à postos caso eu precise de algo também?
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- É óbvio! O ideal seria eu dormir aqui no


quarto contigo, mas como o cômodo é pequeno,
vamos de sofá mesmo. - Nora respondeu,
sorridente.
- Está brincando?
- Com o sono pesado que tenho e dormindo
lá em cima, não ouvirei seus berros de socorro.
- Quem disse que vo… - A agente secreta
interrompeu a sua fala quando viu Eleanor retornar
para o quarto com um sorriso largo nos lábios e os
olhos marejados - O que foi? Quem estava te
ligando, pelo visto, com boas notícias? - Garner
indagou.
- Era… Louise. - A herdeira presidencial
mordeu o lábio notavelmente ainda mais
emocionada - Megan saiu do coma. Finalmente ela
acordou!
- Oh, Deus! Que notícia boa! - Nora
exclamou!
- Ah, meu bem, isso é simplesmente
maravilhoso! Vem aqui. Me abraça. - A
comandante abriu os braços como podia, recebendo
um caloroso contato do corpo da namorada em
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troca - Meg vai se recuperar mais rápido do que


imaginamos. Acredite em mim.
- É. Agora estou um pouco mais confiante.
Despertar é um grande progresso, não? - Conner
enxugava algumas lágrimas que caíam pelo seu
rosto.
- Claro que é, minha querida. - A matriarca
dos Garner também abraçou a morena - Sua irmã
logo estará na mesma situação dessa aqui, teimando
para não ser receber nenhum tipo de ajuda. - As três
mulheres gargalharam.
- Ai, ainda não posso rir que dói um pouco. -
Garner fez uma breve careta, avançando alguns
passos na direção do banheiro novamente - Você
vai lá agora? - A loira gritou, já com a porta
fechada.
- Se importa? Acho que vou passar em casa,
tomar um banho, trocar de roupa e ir vê-la. Volto o
quanto antes puder.
- Eleanor, vá despreocupada. Vou cuidar bem
da Liv.
- Ah, D. Nora, disso eu não tenho dúvidas. -
A herdeira segurou em suas mãos - Paciência é o
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segredo, não é? - Ela sussurrou, prendendo o riso.


- Com certeza. - A outra respondeu apenas
movimentando os lábios.
- Amor… - Garner parecia mais pálida que há
segundos atrás, talvez por conta do pequeno
esforço - …fique um tempo com Meg. Reserve um
tempo para você também. A senhorita tem os
compromissos da campanha, os pessoais, não pode
ficar se sobrecarregando dessa maneira, senão
quem vai acabar doente será você.
- Liv tem razão, Eleanor. - A matriarca da
família comentou, ao instante em que ajudava a
filha a se deitar - Cuidarei pessoalmente para que a
nossa doentinha aqui te ligue caso precise dos seus
préstimos.
- Vocês têm certeza?
- Claro, amor. Tenho três enfermeiros muito
competentes. - A agente federal brincou, chamando
a amada para mais com um gesto - Eu te amo. -
Garner sussurrou, fazendo a morena corar com a
declaração de amor ante sua sogra.
- Eu também te amo. - A filha do presidente
respondeu, totalmente constrangida - Volto logo. -
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Depositando um beijo na testa da namorada,


Conner afastou-se, acenando - Tchau!
- Eu te acompanho até a porta. - Nora saiu do
recinto junto da nora, despedindo-se da mesma com
um abraço apertado - Diga à Megan que estamos na
torcida por sua rápida recuperação.
- Ela vai gostar muito de saber disso.
- E desculpe o mau jeito da Olívia. O humor
dela fica bem ácido quando está doente, e ainda
mais com o efeito dos medicamentos.
- Imagina, Nora. É…é maravilhoso que ela
esteja bem, entre nós. Temos é que agradecer por
Garner ter lutado tanto pela vida. Sua filha é uma
verdadeira guerreira.
- É sim. Eu me orgulho muito da minha
menina. - A mãe falava emocionada de sua cria -
Agora vá, que o pouco que conheço de você, e pelo
muito que Luv fala, vai demorar horas se
arrumando. Se não se apressar, chegará no hospital
somente amanhã.
- Que calúnia! Isso é plausível de processo,
sabia? - Riram - Até logo.

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- Tchau, querida. - Nora suspirou, fechando a


porta e retornando para a companhia de sua doente
reclamona.
*************
Vazio, desespero, raiva, frustração, dor,
angústia. Alexander percebeu dentro de si, uma
mistura de sentimentos que afloraram quando
descobriu a infidelidade de sua esposa,
companheira de longa data. A intensidade da dor
que o presidente dos Estados Unidos da América
sentia estava diretamente relacionada com os
longos anos de casamento, e nem o fato de Beatrice
afirmar, categoricamente, que havia acontecido
apenas uma vez, atenuou os efeitos terríveis da
mentira sustentada por tanto tempo, já que tinha o
agravante de um filho abandonado. O homem
percebeu que sua vida, resumida nesses anos, se
reduzia a absolutamente nada.
No entanto, apesar de estar destruído por
dentro, o Sr. Conner, após uma longa conversa com
sua herdeira, resolveu, por bem, continuar com a
farsa que o seu casamento sempre foi. Ao menos
até o fim das eleições presidenciais, o casal viveria
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sob o mesmo teto, apareceriam em eventos juntos e


transpareceriam a felicidade da tradicional família
americana, exemplo de honradez absoluta.
Não estava sendo nada fácil, de fato, essa
convivência forçada para nenhum dos três
membros da "família desmantelada Conner".
Alexander tinha que engolir as palavras de raiva e
decepção que se mantinham entaladas, por vezes,
em sua garganta, sempre que estava ao lado de
Beatrice. Eleanor aproveitava os inúmeros
compromissos laborais e o vaivém do hospital para
nem sequer encontrar com sua progenitora. E a
primeira-dama… Ah, esta era a que mais sofria
com todo o caos do teatro mentiroso que se dava
dentro da Casa Branca. Ela estava sendo julgada e
condenada, sem ao menos ter tido a chance de
explicitar seus motivos, justificáveis ou não, para
os atos que cometera.
Por mais razão que supostamente seu marido
e sua filha tivessem em relação à mágoa que
sentiam, por mais que Beatrice estivesse em
dificuldades ou inserida em erros, aquele
julgamento se dava em um tom quase cruel. Nem
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Eleanor, nem Alexander tinham informações


suficientes para fazer um veredito, colocando-se
acima dos fatos e da verdade. Ambos estavam se
baseando em seus parâmetros somente, e como
seres humanos passíveis de erros, não poderiam
afirmar que essa "régua de caráter e conduta"
estava perfeitamente alinhada em um nível superior
para saberem o que é o melhor, o que é certo ou o
que é errado.
Neste comportamento, pai e filha ainda
estavam gerando incontáveis situações
desconfortáveis, energias que não lhes eram
positivas. No lugar de julgar talvez fosse mais
prudente oferecer uma ajuda, oferecer um apoio,
mas o rancor e o orgulho nunca permitiria tal feito.
Eles pareciam não entender que defeitos são parte
integrante das pessoas, que o que é defeito aos
olhos de um, pode não ser defeito aos olhos do
outro; que o que é veneno para um, pode ser
bálsamo para outro. Eleanor e Alexander teimavam
em julgar a primeira-dama, acabando por tirar os
olhos de si mesmos, esquecendo daquilo que
realmente eram e também dos erros que inseriam

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diariamente em suas vidas.


A verdade é que entre um erro e outro
algumas pessoas se encontram e se perdem; entre
um erro e outro se fica diante de suas próprias
verdades ou de suas próprias mentiras. Assim
estava sendo o caminho da primeira-dama que
errou, mas pior ainda, estava sendo o caminho de
seu esposo e filha: os julgadores que se colocavam
acima de qualquer erro.
- D. Eleanor… - Anne correu para falar com
a morena assim que a avistou nos jardins da Casa
Branca - …a senhorita prec…
- Anne, querida, seja lá o que tenha para me
falar, deixe para depois. Estou com muita pressa.
Só vim tomar um banho e sairei de novo.
Desmarque todos os meus compromissos. O meu
pai está no salão oval? - Eleanor perguntou já se
encaminhando para o local, mesmo sem ter tido
resposta.
- Mas…Srta. Conner, é que… - A oriental
parecia mesmo aflita, gaguejando enquanto
apressava-se em acompanhar a herdeira residência
à dentro. Quando a filha do presidente adentrou no
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cômodo, deparou-se com sua mãe, sentada na


cadeira de seu pai, à assinar alguns documentos -
Eu tentei avisar. - A secretária sussurrou - Com
licença.
Eleanor ficou paralisada, alguns passos à
dentro da sala, encarando Beatrice. Os sentimentos
mistos borbulhavam dentro de si, e a emoção logo
fez-se visível à olhos nus. A morena tinha visto a
sua progenitora algumas vezes depois do ocorrido
no hospital, mas sempre de longe, de relance. Ela
sabia que seu coração não estava preparado para
uma interação, menos ainda para o perdão. Aliás,
perdoar estava, definitivamente, cortada de sua lista
de atitudes que seriam postas em prática. Havia
muita mágoa, muito ressentimento que a impedia
de sequer ouvir as razões da primeira-dama.
- Não se preocupe. Em alguns minutos estarei
de saída. Só estou assinando esses papéis à pedido
do seu pai. - Beatrice disse, sem ao menos levantar
o olhar para mirar a filha.
Inexplicavelmente, Conner deu mais alguns
passos à frente, ainda encarando a mulher.
- Megan acordou. - A herdeira proferiu
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aquelas palavras de súbito, como se uma força


maior a tivesse obrigado a dizê-las.
- Eu sei.
- Sabe? Como…sabe?
- Eleanor, filha…eu sinto muito. Eu sinto
muito. - A Sra. Conner largou a caneta sobre a
mesa, levando ambas as mãos ao rosto para tampá-
lo quando começou a chorar compulsivamente.
- Não se recupera a confiança e a
credibilidade perdida apenas dizendo “sinto
muito”...mãe. - A última palavra teve uma ênfase
maior, fazendo a mulher debulhar-se em lágrimas
ainda mais - A confiança é construída com atitudes,
não com palavras. Não são flores nem chocolates
os remédios para a ferida que causou nessa família.
A cura não acontecerá em uma semana ou um mês,
isso se acontecerá.
São vários fatores que levam uma mulher ao
ato de abandonar o próprio filho assim que nasce.
Muitas o fazem por desespero, por terem sido
abandonadas pelo companheiro e pela família, ou
quando tenham recebido uma educação muito
conservadora e rígida, comentendo um deslize e se
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arrependendo quando se deu a consequência. Às


vezes, um transtorno de personalidade, ou
problemas de desordem mental é que as leva a fazer
isso; ou o fato de terem sofrido maus tratos na
infância, fazendo com que o modelo de mãe que
elas têm internalizado seja totalmente distorcido.
Enfim, muitos são os motivos que podem levar uma
mãe a abandonar seu filho recém-nascido, e o fato
era que ninguém ainda tinha se preocupado em
saber quais eram os de Beatrice.
- Eleanor, eu sei que está incomodada com a
minha presença, mas é por pouco tempo. - A
primeira-dama falava, ao passo em que enxugava
as suas lágrimas - Eu também não me sinto nada
confortável com essa situação, porém, é o certo a se
fazer. É fácil conviver com quem gosta de você, lhe
elogia o tempo todo, lhe agrada ou concorda com
tudo que você fala. O maior desafio mesmo é ter
que conviver bem com quem não…com quem não
simpatiza, não gosta mais de você, questiona tudo
que ouve e, quando pode, lhe enfrenta. Mas sabe
que, percebendo isso em você e no seu pai, a
primeira reação que tive foi agir igualmente. Só que

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acabei recuando, porque entendi que dar o "troco"


só faz o problema crescer. Claro que, para isso, tive
que vencer uma luta interior grande. Vocês podem
não acreditar, mas só eu sei o que se passa dentro
de mim. Me arrependo de muitas coisas que eu fiz e
tenho direito a isso. Eu quero mudar esse
sentimento ruim que estão nutrindo por mim, e para
que isso aconteça, estou investindo no meu próprio
comportamento. Não falarei muito, nem tentarei
ganhá-los na força, mas com transparência e
paciência.
- É um pensamento absurdo querer que não
expressemos nossos sentimentos e finjamos que
nada aconteceu, nunca mencionando o ocorrido. É
preciso enfrentar os fatos, mãe. Sem desculpas.
Beatrice organizou os papéis sobre a mesa
em silêncio. Guardou-os na gaveta e levantou-se,
caminhando em direção à saída. Ao passar pela
filha, suspirou profundamente e falou em tom triste
e sofrido:
- Um dia, talvez, você será esposa e mãe. Um
dia, talvez, possa me olhar com outros olhos
quando entender que todo ser humano é passível de
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erros, alguns erros terríveis, e nem por isso estão


eximidos de terem o direito ao arrependimento.
Talvez um dia, Eleanor, você possa tentar entender
que o que eu fiz foi algo injustificável, mas que no
fundo, é perdoável. Tenha um bom dia. E o que
direi agora não tem nenhuma carga sarcástica, nem
nenhuma conotação negativa, mas…deseje
melhoras à Megan em meu nome quando for falar
com ela. - Sem ainda encarar a filha, a primeira-
dama saiu do salão oval à passos largos,
apressando-se em sumir das vistas de Conner,
podendo, assim, chorar seus dessabores à vontade.
*************
- Se continuar mantendo esse progresso em
seu quadro clínico, logo poderemos te dar alta,
Meg. - O médico, sorridente, tentava tranqüilizar a
ruiva, assegurando-lhe que permaneceria ali por
pouco tempo. Como o doutor dirigia-lhe em
linguagem técnica, ela apenas o encarou friamente,
assentindo com a cabeça - Te vejo mais tarde.
Lee recebeu a notícia com indiferença,
suspirando profundamente ao ver o homem afastar-
se e sair do quarto onde estava internada. Ela ainda
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mantinha-se sob o efeito de fortes medicamentos, e


talvez por isso, não compartilhava mais do pavor da
morte, mas também não estava muito animada com
a sua sobrevivência. Era como se aquele corpo
magro e debilitado estirado sobre o leito de lençóis
muito brancos, não a pertencesse de fato.
A ruiva tentava mexer-se, impaciente. Sua
cabeça doía um pouco, por isso, o tic-tac do
relógio, bem como o barulho dos aparelhos que
monitoravam seus sinais vitais, feriam-lhe os
ouvidos. Megan imaginou que parte de suas dores e
inquietações se dava pela ociosidade, o que a fez
tentar contar as horas para passar o tempo e se
entreter, mas isto era impossível. Ela não conseguia
raciocinar direito.
Inércia, sono, fadiga, desejo de sair logo
daquela situação. Quando Megan preparava a sua
mente para lamuriar-se em silêncio outra vez,
alguém debruçou-se na cama, encostando algo
gelado em seu peito. Era o estetoscópio. Furaram-
lhe o braço, uma agulha procurou lentamente a sua
veia, e daí, tudo passou a ser escuridão e silêncio.
- Meg? Meg? Dorminhoca… - Um sussurro
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suave repentinamente fez-se ouvido bem próximo


da ruiva. Aos poucos ela foi reconhecendo o
timbre, e quando abriu os olhos - lentamente, na
tentativa de acostumar-se com a claridade - sorriu
ao ver a imagem de Eleanor sentada ao seu lado à
acariciar seus cabelos - Ei! Vim ver se a Bela
Adormecida tinha mesmo acordado…
- Foi você quem me beijou para que eu
acordasse? - A voz estava arrastada, em tom baixo,
devido à sua debilitação, porém carregava o mesmo
"quê" de humor de sempre.
- Que horror, Megan! - Conner fez uma cara
de repulsa - Mesmo adoentada você não perde essa
mania de fazer piada de tudo, não é? - A morena
riu, balançando a cabeça em negativa.
- Mas o que eu disse de errado? - Lee quis rir
também, mas não conseguiu devido à onda de dor
que lhe acometeu por causa da crise de tosse.
- Ei! Ei! Ei, mocinha. Vá devagar. - Eleanor
suspirou, encarando o rosto da irmã. Agora, mais
de perto e atenta à cada detalhe da mulher, podia
notar semelhanças para com os traços de sua
família - Por um longo tempo achei que fosse te
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perder.
- Eu também achei. Não sei nem como
sobrevivi ao inferno. - A dormência prolongada de
seus membros pouco a pouco se extinguia. Os
dedos dos pés mexiam-se, em seguida os pés, as
pernas. Para certificar-se de que estava tudo em
ordem na parte inferior de seu corpo, a ruiva
afastou a coberta repentinamente - Ufa!
- O que foi? - Conner indagou, preocupada.
- Achei que tinham amputado as minhas
pernas.
- Por Deus, não! - A filha do presidente
suspirou aliviada, colocando a mão no peito - Mas
não vou mentir para você...Quase que a senhorita
fica sem o braço. - A maribunda olhou para o
membro dolorido ao qual Eleanor se referia - Ai,
Meg, eu nem sei o que dizer. Isso tudo foi por
minha causa, foi culpa minha…
Lee ergueu a mão pedindo silêncio. Tombou
a cabeça para o lado, mirando a janela. Já era noite.
A treva tinha chegado de repente, entrando pela
transparência da vidraça, vencendo a luz da
lâmpada. A ruiva fechou os olhos ao sentir uma
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brisa doce.
- Você já sabe, não sabe? - Mesmo doente,
com a cabeça fraca e sem conseguir concentrar-se
direito, Megan não tinha perdido a sua capacidade
de percepção do que ocorria ao seu redor. Ela
conseguia ler as entrelinhas através dos olhos de
sua irmã, temendo que todo o seu esforço tivesse
sido em vão - Eu posso me defender…
- Defender de que?
- Eu não me aproximei de você com nenhum
interesse obscuro. Eu juro que não.
- Está falando sobre nós?
- Então… - A confusão estava nítida no
semblante da moribunda, assim como um pouco de
decepção - …você não sabe…
- Que somos irmãs? É…sei sim. Quis lhe
pregar uma peça. É divertido estar do outro lado de
vez em quando, sabia? - A herdeira gargalhou alto.
- Filha da puta!
- Opaaaa…Cora vai adorar saber o que acha
sobre ela. - O humor de Eleanor estava
incrivelmente bom. Incrível e estranhamente bom,

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já que brincava até com o fato da irmandade que


compartilhavam - Diga mais sobre isso.
- Uma…uma enfermeira disse que…foi ela
quem doou o sangue para mim e…ela tem vindo
me visitar todos os dias quando você sai. Seu pai
também tem frequentado esse quarto. De repente
me sinto muito amada pela família presidencial.
- É o quê? - A expressão surpresa saiu sem
querer - Quanto ao meu pai, sei que tem vindo te
ver. Como eu tinha que ficar com Liv também, às
vezes ele revesava comigo. Mas…a minha mãe? O
que ela…o que ela pretende vindo aqui? - A
morena parecia deveras abismada, talvez com um
pouco de receio por não ter conhecimento das
intenções de sua progenitora, tanto que sua
respiração imediatamente tornou-se pesada e seu
peito arfou - Ela não tem esse direito! Beatrice não
tem esse direito! E quem é essa enfermeira? A
doação de sangue deveria ser confidencial.
- Calma, Eleanor. Ela é uma velha conhecida,
quase uma amiga. Foi ela quem me ajudou a
permanecer aqui dentro quando você esteve
internada por causa do ataque. - Meg suspirou.
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- E como você está se sentindo com tudo


isso?
- Por enquanto estou apenas atordoada. Esse
cheiro de desinfetante, esses traços de iodo na
minha pele…tudo me embrulha o estômago e faz a
minha cabeça girar.
- Megan, sabe bem sobre o que me refiro…
- Sei. Sei sim, mas não acho que esse seja o
lugar nem a hora ideal para falarmos sobre isso. Me
basta saber que você não me rejeitou. - Nesse
instante a emoção não pôde ser contida e ambas as
mulheres permitiram as lágrimas escorrerem pelo
seu rosto - Outro bem não me faria tão feliz. Eu
sempre sonhei em ter uma irmã que fosse a minha
confidente, a minha melhor amiga. Quando
descobri que meu sonho era real, ou pelo menos
parte dele era, eu…senti como se tudo começasse a
fazer sentido. Você tem brilho, tem escuridão, tem
contradição. Começamos até a ser cúmplices em
sentimentos, em segredos, em alegrias… Você me
fez viver em meses o que eu não vivi em anos,
Eleanor. Você não é pura, não é má, vai além da
minha compreensão e de qualquer outro ser. Você
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pode até não acreditar, mas eu te amo, minha


irmãzinha. Eu te amo, apenas!

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Capítulo 48 - Será que ela


volta
Os dias iam passando e as coisas pareciam,
aos poucos, se encaixar em seus devidos lugares.
Eleanor, mesmo aos trancos e barrancos, conseguia
conciliar seus compromissos eleitorais revezando
com os cuidados que tinha com a sua irmã e
namorada.
Megan se reestabelecia devagar, dando um
passo de cada vez, contando com a ajuda ativa de
Louise no processo de equilíbrio psicológico,
afinal, passar por tudo o que ela passou não era
nada fácil e requeria uma atenção especial. A mente
humana é traiçoeira e a preocupação deve se dar
com a saúde física, assim como com a mental.
Já Olívia... Ah, esta dava trabalho quando
doente. Regredia à um estado infantil, quase.
Resmungava, reclamava, se enervava fácil. A sua
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mãe não podia ceder aos seus caprichos, uma vez


que tinha Theo para cuidar. Conner, por ser a
primeira vez que passava por aquela situação, ainda
não sabia ao certo como lidar com o jeito peculiar
da loira doente. Seu pai, coitado, ficava receoso em
piorar as coisas ao interagir com a filha e sem
querer usar uma frase mal colocada. Sobrou a árdua
tarefa de amansar a ferra para a sua melhor amiga,
Mattew.
A psicóloga tinha para si que em uma
sociedade que preza pela simpatia, poucos sabiam
na prática o que era a verdadeira empatia. Para ela,
Garner - que estava sofrendo com os resquícios de
sua enfermidade - não necessitava de muitos mimos
ou frases feitas, mas de empatia e compreensão.
Por isso, Louise fez questão de deixar bem claro
que estava ali caso ela quisesse se abrir para
compartilhar seus medos ou angústias; que estava
ali para tornar a vida dela melhor naquele
momento.
- Obrigada por ter vindo. Deve ter sido uma
decisão difícil, não? - A comandante falava, ao
passo em que ia se ajeitando entre os travesseiros.
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- Difícil? Por que?


- Porque teve que largar a sua namorada para
vir ficar comigo.
- Lee não é minha namorada. Não "ainda".
- Hum...está esperando que ela te peça em
namoro?
- E eu lá sou mulher de esperar por algo que
quero?
- Então você quer?
- Eu não disse isso, Garner.
- Disse sim. Acabou de dizer.
- Nossa, melhora logo, cara pálida! Você fica
insuportável quando está doente.
- Credo! Por que todo mundo fala isso?
Ninguém sabe lidar com uma pessoa debilitada,
acabei de crer. Já não basta ter que aguentar um "oi,
tudo bem com você?", o que é completamente sem
sentido quando se pergunta para alguém que mal
está conseguindo se mexer na cama. E ainda tenho
que suportar ser chamada de chata.
- Está bem. Está bem. Eu serei a primeira a
dar um soco na próxima pessoa que disser para
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você que tudo acontece por alguma razão, ou "sinto


muito por você estar passando por isso", ou "tudo
bem com você", ok?
- Ok.
- Ai, amiga, lembra daquela vez que você
ficou muito gripada, mas mesmo assim foi para a
escola, e aquela garota comparou o seu semblante
com o do hamster dela que tinha morrido? - Louise
não se aguentou, disparando a rir, conseguindo ao
menos arrancar um sorriso da loira.
- Nossa, não quero lembrar. Quebrei o nariz
dela "acidentalmente" algumas semanas depois.
Garotinha insuportável aquela.
Dos pequenos atos de carinho, a conversa das
amigas fluiu, e uma ia relembrando e contando
histórias de seus amigos antigos, falaram sobre
como estava andando o tratamento, sobre os
amores, e entre um cafuné e outro, as mulheres nem
se deram conta do avanço das horas. Só atentaram
para o fato de que tinha anoitecido, quando Nora
adentrou no quarto levando a sopinha de jantar da
filha.
- Comidinha gostosa chegando...
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- Senhor, preciso ir. Amanhã no primeiro


horário tenho uma palestra para ministrar, depois
preciso ir ver a Megan e vir te ver também. Dia
cheio!
- Espera um pouco. Janta conosco. - Liv
pediu - Obrigada, mãe.
- É mesmo, Louise. Fiz um risoto que está
bem delicioso, modesta parte.
- Eu queria muito saber por qual motivo não
posso compartilhar da mesma comida que vocês. -
A loira resmungou.
- Olívia, já falamos sobre isso. - A mulher
mais velha repreendeu-a.
- Obrigada, titia querida, mas tenho mesmo
que ir. Outro dia você faz de novo que prometo
comer tudo, pode ser?
- Não. Comer tudo também não. - Liv
intrometeu-se, fazendo as outras rirem.
- Amiga, bem, essa coisa de doença é
simplesmente um saco. Eu gostaria de saber uma
melhor forma de dizer isso, mas não existe uma
melhor forma. Só queria que entendesse que

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mesmo eu não estando por perto às vezes, você


sempre me terá ao seu lado. Eu não vou a lugar
algum, ok? Espero que você consiga lidar com isso.
- Eu te amo, sua imbecil. Obrigada.
*************
2 meses depois...
O ambiente familiar exerce uma influência
muito importante na vida de qualquer indivíduo. É
fato que os pais são como espelhos para os filhos,
possibilitando o desenvolvimento psíquico da
forma como é ensinado. Existe um padrão de apego
seguro que funciona como facilitador para que haja
uma projeção do que os pais são no que o filho
será. Se o ambiente em que se vive for aversivo,
isso pode levar a uma grande vulnerabilidade,
abalando a estrutura psíquica. Daí, pelo fato dessa
pessoa não receber amor, não será desenvolvido
nela esse sentimento, e, consequentemente, não
saberá lidar com o mesmo. Como ela não teve a
sorte de receber o amor de filha, também,
dificilmente, conseguirá desenvolver essa
competência. Ela sequer pode ser responsabilizada
por não ter noção do que é o amor de mãe, uma vez
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que não teve a figura materna presente em sua vida.


Os pais são figuras de autoridade e, através
deles, são transmitidos os modelos adequados ou
inadequados para os filhos. A tendência, no futuro,
é que os filhos reproduzam o modelo que lhes for
apresentado. Existem estudos sérios que podem
confirmar que mães que abandonam seus filhos
tiveram a infância negligenciada das necessidades
básicas de um ser humano; muitas delas, sofreram
maus tratos, abandono, violência moral e até
sexual.
É claro que não se pode generalizar. Não é
necessariamente porque uma pessoa sofreu abusos
na infância que irá abandonar sua prole, mas em
muitos casos de abandono se deve a isso.
Ninguém sabia se esse era o caso de Beatrice,
e pela forma hostil com o qual Alexander e Eleanor
tratavam a mulher, nunca saberiam. Ambos
continuavam ainda muito magoados e sequer
esforçavam-se para amenizar tal situação. A pouca
interação que tinham com a primeira-dama somente
se dava por conta dos compromissos de campanha
da morena, e nada além disso. Cada um vivia em
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seu mundinho particular, sem conversas, sem


contato, sem absolutamente nada de cunho pessoal.
Não suportando mais essa situação, Beatrice
resolveu que havia chegado a hora de começar a
desfazer um pouco do mal que causou mentindo
sobre seu caso extraconjugal e, principalmente,
omitindo de todos a existência de Megan.
Há alguns anos atrás, ela e o esposo
compraram um imóvel charmoso, bem ao estilo das
casas de inverno onde se passa as férias com a
família. A cidade de Portland, no Maine, pareceu-
lhe um ótimo lugar para recomeçar a sua vida. A
Sra. Conner, por conta própria, decidiu que seria
melhor para todos o seu afastamento. Em conversa
com o assessor do presidente, ela deixou ordens
para que, caso a imprensa questionasse a sua
ausência nos eventos e na mídia, dissessem que ela
estava se recuperando de uma crise de estafa em
um spa. Como já haviam saído notas parecidas
anteriormente, essa não soaria tão estranho aos
olhos dos eleitores.
Mas a mulher programou a sua mudança, as
desculpas que dariam, tudo na surdina. Ainda não
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havia relatado a sua decisão para quem seriam os


principais interessados: seu marido e sua filha mais
nova.
Alexander e Eleanor passaram a manhã
enclausurados no escritório com alguns dos
membros do partido democrata, traçando
estratégias para as eleições que se aproximavam.
Quando os homens foram embora, restando apenas
pai e filha ainda à trabalhar no cômodo, Beatrice
viu ali uma ótima oportunidade para se despedir.
Suas malas já estavam feitas e permaneciam no
bagageiro do carro que a conduziria. Só faltava
mesmo o "adeus".
- Com licença. - Ela disse, após dar algumas
leves batidas na porta - Eu não vou tomar muito o
tempo de vocês. Só quero fazer um comunicado.
Tanto Eleanor quanto Alexander, assustaram-
se com a investida da matriarca adentrando na sala
com o semblante tristonho, até choroso.
Encararam-na, ambos de cenho franzido em
estranheza, aguardando a provável "bomba" que
viria.
- Pode falar, Beatrice. - O presidente não
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usou de tom ríspido, por incrível que pareça. Em


sua voz podia-se até sentir um pouco de
complacência - Estamos ouvindo.
- Eu cometi um erro terrível no passado....
- Mãe, não começa... - A herdeira
interrompeu-a.
- Eleanor, deixe a sua mãe falar, por favor.
- Obrigada, Alexander. Eu não vou tentar me
justificar agora para vocês, não vou pedir perdão,
nem nada parecido. Mas não farei por falta de
vontade. É tudo o que eu mais quero no momento.
No entanto, ao longo do tempo, com tudo o que já
vivi e vi nesse mundo, aprendi a ter paciência, a
saber que nem sempre a hora que eu quero é a hora
certa das coisas acontecerem. Respeito a dor de
vocês. Tenho consciência de todo o mal que causei
e...bem...não foi pouco. Os dois podem não
acreditar agora no que eu vou dizer, mas talvez um
dia acreditem. Alexander, eu não preciso do seu
dinheiro, nem da sua fama para me manter. Esses
anos todos em que estive ao seu lado foram por
amor. O que eu fiz pode parecer significar o
contrário, mas não é verdade. Eu te amei muito e
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ainda te amo. Um deslize não é capaz de apagar um


sentimento. O mesmo serve para você, Eleanor. Eu
te amo e sou capaz de fazer de um tudo pela sua
felicidade. Eu queria voltar no tempo para poder ser
uma mãe melhor, a mãe que você sempre quis ter.
Eu daria a minha vida por isso. Acredite. E por
amar tanto vocês dois é que tomei uma decisão. Sei
o quanto deve estar sendo difícil a convivência
comigo. Sei porque, para mim, viver sob o mesmo
teto com pessoas que visivelmente estão
incomodadas com a minha presença, é uma tortura.
Por isso, estou me mudando temporariamente para
aquela casa que temos em Portland. Vou passar um
tempo refletindo, tentando entender e decidindo o
que farei da minha vida daqui para frente.
- Beatrice, vai parecer egoísta de minha parte,
e talvez seja mesmo, mas você não pode
simplesmente sumir do mapa assim, sem mais nem
menos. - O presidente interviu.
- Não se preocupe que ninguém vai
desconfiar de nada. Para todos os efeitos,
continuaremos sendo a família perfeita e feliz. Eu
já cuidei de tudo. Tive uma crise de estresse e fui
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passar algumas semanas em um spa, como fiz


aquela vez que quase infartei.
- Mas...você não precisa fazer isso.
- Preciso. Preciso sim. Vai ser bom todos nós
aliviarmos a mente dessa pressão psicológica.
Quem sabe as coisas melhorem um dia, não é?
Bom, eu...só queria dizer...adeus. Fiquem...fiquem
bem. Se cuidem, cuidem uns dos outros.
Beatrice, que fazia um esforço sobrenatural
para não desabar em lágrimas ali mesmo, deu as
costas para seu marido e sua filha, saindo à passos
lentos do recinto. De onde estavam, Alexander e
Eleanor podiam ouvir o som das rodinhas da mala
sendo arrastada corredor à fora.
- Eu...continuamos depois, minha filha.
Vou...vou para o meu quarto. Com licença. -
Completamente desconcertado, sem chão, o
presidente retirou-se do recinto.
O Sr. Conner amava a sua esposa, e amar
nunca poderia ser considerado um erro. As pessoas
respiram, aprendem, amam, choram, riem e seguem
em frente. A roda da vida nos convida a
experimentar e a fazer parte desde movimento
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intenso e bonito onde não temos por que fugir da


nossa natureza, das nossas essências. O problema
estava, sem dúvida, em não saber como agir, como
lidar ante o sentimento ruim que brigava com o
bom dentro de si. Se não fossem as suas restrições
médicas, com certeza uma dose do seu melhor wisk
o ajudaria a refletir e, quem sabe, amenizar a
tristeza de seu coração.
Eleanor permaneceu onde estava, estática,
sem conseguir reagir, sem conseguir sequer
raciocinar. Bem ou mal, ela havia tido bons
exemplos ao longo da sua infância e adolescência.
Bem ou mal ela crescera em um lar estruturado,
com meios de desenvolver as suas capacidades
físicas e psicológicas - em termos. Bem ou mal, à
sua maneira peculiar, Beatrice se dedicou, e sim, a
amou. Mas agora, ela tinha ido embora sem que a
herdeira tivesse movido uma palha para impedí-la.
Há partidas, separações e despedidas. Em
algumas situações dizemos "até logo", em outras,
um resoluto "tchau". Entretanto, somente o
"adeus", o "adeus" que sua mãe havia dado,
carregava consigo um bálsamo de dor, pois estava
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temperado com o aroma, doce ou amargo, do


tempo.
A vida a havia ensinado a ser positiva e
otimista. Garner contribuira em grande parte para o
seu crescimento pessoal, isso era fato. A morena
aprendeu com suas tentativas e acertos, bem como
com suas tentativas e erros. As adversidades pelo
qual passou, trouxeram consigo lições e
oportunidades. Contudo, ela ainda não tinha
aprendido a lidar adequadamente com a dor de
certos tipos de separação, como o adeus da
despedida de sua progenitora, sendo que, no fundo,
a vontade era de que ela ficasse.
De todas as partidas, idas e vindas, encontros
e desencontros, permeados pela razão ou pela
emoção, pelo jogo do certo ou do errado, a maior
dor advinha daquele momento em que, se
distanciando de Beatrice, de certa forma Eleanor
distanciava-se de si mesma, questionando seus
propósitos, a trajetória em curso e os seus caminhos
a trilhar.
Lembrando-se de uma célebre frase de
Leonardo da Vinci que diz: "onde há muito
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sentimento, há muita dor", Conner levantou-se da


poltrona e foi até o aparelho de som que ficava no
móvel no canto esquerdo do cômodo. Sempre que
se sentia estranhamente triste, tal como naquele
momento, a música abrandava as dores em seu
peito, e dessa vez não seria diferente. Logo o
ambiente foi tomado pela melodia suave de I want
to know what love is.
"I gotta take a little time
Preciso de um tempo
A little time to think things over
Um tempo pra repensar as coisas
I better read between the lines
É melhor eu ler nas entrelinhas
In case I need it when I'm older
Caso eu precise disso quando for mais
velho..."
Eleanor sentou-se no beiral da janela,
absolutamente muda, perdida nos mais diversos
pensamentos. Enquanto ouvia a música, ela
começou a divagar silenciosamente sobre a vida,
até que viu sua mãe entrando no carro e partindo,
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sabe-se lá se para sempre.


A morena percebeu, naquele momento - e em
meio ao seu pranto - que na correria do dia-a-dia as
pessoas acabavam deixando de apreciar, de
contemplar coisas, situações ou outras pessoas. Não
dào importância e não percebem os pequenos
detalhes que sempre lhes está bem diante dos olhos,
tal como aquela linda árvore no meio do jardim no
qual Conner observava, e que mantinha-se
iluminada pelo pôr-do-sol multicor. Tal como o
amor que sentia por Beatrice.
"...Now this mountain I must climb
Essa montanha eu tenho que escalar
Feels like a world upon my shoulders
Parece que o mundo está nas minhas costas
I through the clouds I see love shine
Através das nuvens eu vejo o amor brilhar
It keeps me warm as life grows colder
Me mantém aquecido enquanto a vida
esfria..."
Para a filha do presidente, sentar-se à janela
para contemplar todos os momentos da vida era
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uma escolha no intuito de não perder um instante


sequer daquela paisagem, quer dizer, da paisagem
que estava dentro dela. Fossem os momentos
alegres ou tristes. Sim, os momentos tristes também
faziam parte do processo de aprendizagem e
provação pelo qual Eleanor estava passando.
- "...In my life there's been heartache and
pain. I don't know if I can face it again. Can't stop
now, I've traveled so far. To change this lonely life.
I wanna know what love is. I want you to show me.
I wanna feel what love is. I know you can show
me..."
De repente, a voz da comandante Garner
cantando o refrão da música, fez-se ouvida no
recinto, finalmente despertando Conner de seus
devaneios, porém, não à ponto de fazê-la mover-se
de onde estava.
- Liv...
- Oi... - Devidamente vestida com o seu terno
preto e com os cabelos trançados, a loira sentou-se
frente à namorada, passando a acariciar sua coxa,
após beijar-lhe o alto da cabeça - Estava vendo ela
ir embora?
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- Não...
- Amor...
Eleanor - que tentava não desabar novamente
- ao encarar os olhos de sua amada, não suportou e
permitiu-se desabafar, chorando embalada por
aqueles braços que tanto lhe traziam o alento do
qual necessitava.
- Eu não fiz nada para impedir. Eu paralisei,
emudeci, fui covarde. Eu a acusei de ser covarde e
fiz exatamente a mesma coisa.
- Ei, meu amor... Não se culpe por nada que
tenha acontecido. - Olívia acarinhava as madeixas
negras de Eleanor, em sinal de afeto e conforto -
Sabe que...conviver com a Louise desde pequena
me ensinou muita coisa. Ela sempre foi mais
madura do que eu, e com isso de estudar psicologia,
é difícil aquela mulher não ser certa em seus
conselhos. Se a nossa amiga estivesse aqui, com
certeza ela diria algo do tipo "tudo o que você vive
é necessário para construir sua história". E eu
acredito nisso. Olhe para mim... - A agente secreta
afastou um pouco o rosto da namorada de seus
ombros para poder encará-la - Preciso que você
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jamais se esqueça que é bem mais forte do que


imagina, basta acreditar um pouco mais em si
mesma, e perceber que não deve ter medo em
hipótese alguma de ser quem você é, exatamente
como é. Respire fundo, erga essa cabeça e siga em
frente, sem olhar para trás. Se tropeçar ou até
mesmo cair, vai encontrar forças dentro de você,
que nem imaginava que existiam, para poder
prosseguir. Entendeu? - A herdeira meneou a
cabeça positivamente.
- Eu não sei o que posso fazer para consertar
tudo isso. Amor, será que...que ela vai voltar um
dia?
- Eu não faço idéia. O que eu sei é que você
não pode desistir. Lá na frente tudo fará sentido e
vai valer, todos os tropeços, marcas e até mesmo
essa tristeza que está sentindo nesse seu
coraçãozinho aqui. - A loira colocou a destra no
centro do peito de Conner, oferecendo-lhe um
sorriso lindo, animador.
- Obrigada. A minha cabeça parece que vai
explodir. É como se eu carregasse o mundo inteiro
aqui dentro, entende?
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- Claro que entendo. Quando...quando perdi o


meu Arthur, senti a mesma coisa. Te digo por
experiência própria que é melhor errar ou até
mesmo se machucar, viver e aprender, do que ficar
o tempo todo na zona de conforto achando que
aquilo poderia ter sido diferente se tivesse
realmente tentado de outra forma. Aconteceu.
Pronto. Vamos seguir em frente. - Um outro abraço
caloroso vindo da amada, acalmou um pouco mais
a morena.
- O que seria de mim se eu não tivesse você
em minha vida, hum? - Eleanor, lentamente, foi
aproximando seus lábios dos de Liv, dando-lhe um
selinho apaixonado - Ei, espera! O que...o que você
está fazendo aqui? E...vestida desse jeito?
- Estou trabalhando, oras! - A comandante riu
do espanto repentino quando a amada realmente
despertou para a "realidade".
- Como assim "trabalhando", Olívia Garner?
E por um acaso está em condições de trabalhar? Por
acaso o médico te liberou? - A herdeira indagava,
nervosa e preocupada.
- Uhum...
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- Como o médico te liberou se você não foi


consultar?
- Fui sim, meu amor. Estava agendada para
ontem à tarde.
- E por qual motivo você não me avisou?
- Porque você me disse que teria uma reunião
na Philadelphia, esqueceu?
- Oh, é mesmo. Eu não podia deixar de ir.
Mas...quem te acompanhou? Como foi? Por que
não me ligou, sua...sua... - Conner mordia o lábio
forçando braveza, mas logo rendeu-se aos encantos
da outra, beijando-a, aliviada por vê-la bem.
- Não te liguei porque queria fazer uma
surpresa.
- E fez mesmo. - Riram.
- O meu pai, a minha mãe e o Theo me
levaram até o consultório, e ainda ganhei batata
frita com sorvete de brinde, sabia? - Garner sorriu,
enchendo o rosto da morena de beijos - Ah, Theo
disse "Enonô" quando viu a sua foto no meu celular
ontem à noite.
- Mentira!

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- Juro por tudo o quanto é mais sagrado. Eu


até tentei gravar, mas parece que o danadinho sabia
e não quis repetir por nada!
- Ai, preciso ir na casa dos seus pais para vê-
lo. Talvez ainda essa semana eu consiga. Você...vai
continuar ficando lá?
- Nem pensar! A D. Nora é um amorzinho,
mas me cansa às vezes. - As mulheres riram, ainda
abraçadas uma à outra - E então, está animada,
digo, muito animada? Porque animada você com
certeza você está...
- Animada? Para quê? - Conner indagou,
curiosa.
- Amor, não acredito que você esqueceu.
- Esqueci do quê, Liv? Pelo amor de Deus,
não vá me deixar mais nervosa do que já estou.
- A Meg... Ela vai ter alta hoje. Agora. Se
bobear já deve ter até tido.
- Oh, merda! Esqueci por completo! Preciso
de férias do mundo. A minha cabeça,
definitivamente, não está boa.
- Vim trabalhar hoje mais por causa disso,

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para poder te acompanhar.


- Obrigada, meu anjo. Muito obrigada
mesmo. Não sei por que raios tive a maldita idéia
de dar folga para a Anne essa semana. Se não fosse
por você a pobre da Megan iria mofar naquele
lugar.
- Só não iria porque provavelmente a
namoradinha dela ia dar um jeito de buscá-la... - As
mulheres gargalharam.
- Louise parece um cão de guarda da Meg.
Acho tão lindo! Elas combinam tanto uma com a
outra...
- É verdade, mas vamos deixar para achar
lindo o romance das duas em outro momento. - A
agente federal verificou as horas em seu relógio de
pulso - Precisamos sair agora antes do horário de
pico. - Liv levantou-se, estendendo a mão à outra.
- Vamos lá, comandante Garner. Vamos
buscar a minha irmã.

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Capítulo 49 – A carta
Era impossível Megan saber se aquela era a
primeira noite ou a décima que passava internada
naquele hospital. Sua memória ainda possuía
determinadas lacunas que, por mais que as pessoas
lhe relatassem os fatos que aconteceram, ela não
conseguia resgatar as cenas em seu cérebro. Sua
capacidade de raciocínio ainda estava
comprometida, provavelmente por conta dos
medicamentos fortes que tomava. Às vezes,
conversando com alguém, dispersava-se à tal
ponto, que quando retornava à si, já não sabia qual
era o assunto. Mas os médicos haviam lhe
assegurado de que aquele não era um problema à se
preocupar. Aos poucos, todas as funções do seu
corpo retomariam normalmente, deixando-a livre
por completo de qualquer seqüela. Por isso lhe
deram alta. Seu quadro clínico ainda requeria um
cuidado ou outro, mas nada que não pudesse ser
feito devidamente no conforto de seu lar.
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A ruiva ficou dias entre a vida e a morte.


Agora só sentia uma leve dor no braço - antes
quebrado - quando fazia certos movimentos, e
fisgadas na cicatriz de sua cirurgia. A febre que a
acometia esporadicamente havia sumido, e os
monstros que a perseguiam se desmancharam.
Devagar, um pouco melhor à cada dia, Meg ia
tomando a sua vida de volta para si, agora, com
planos para o futuro ainda maiores do que tinha
antes da tragédia.
Ansiosa, sem saber ao certo quem ou à que
horas iriam lhe buscar, Lee deixou todos os seus
pertences ajeitados em sua maleta de cor escarlate,
bem como tomou sozinha o seu banho e aprontou-
se para poder sair o quanto antes daquele hospital.
A mulher era imensamente grata à toda equipe
médica e de enfermagem que lutou por sua plena
recuperação, no entanto, não via a hora de estar
bem longe, e esperava nunca mais voltar.
Batidas na porta a fizeram ficar de pé em
sobressalto. A ruiva passou as mãos várias vezes
sobre a roupa que vestia, como se o ato fosse
desamassá-la, mas não passava de nervosismo.
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- Pode entrar. - Ela bradou, após tentar


arrumar os fios rebeldes de seu cabelo.
- Com licença. - A imagem vista, em seguida
da voz ouvida, causou arrepios pelo corpo de
Megan, assim como deixou o seu peito arfando
levemente.
- Você…
- Oi… - Beatrice foi adentrando no quarto
com um sorriso tristonho estampado no rosto -
Finalmente indo para casa, hum?
- É…finalmente. - A ruiva acompanhava com
o olhar, desconfiada, cada movimento da primeira-
dama.
- Os médicos daqui são ótimos, mas nada
melhor do que o nosso lar, não acha?
- Com certeza. - Naquele momento, Meg não
conseguia ser a mesma desenvolta de sempre, a que
não se abatia, a que não levava determinadas coisas
à sério. Lee mal conseguia interagir naquele
diálogo monossilabicamente; ela mal conseguia
respirar e manter-se de pé. Por tantos anos, por toda
a sua vida, aliás, a ruiva ensaiou gestos e falas para
esse momento. Em sua cabeça, quando acontecesse
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o encontro com Beatrice, se acontecesse, ela


saberia exatamente como agir, mas a realidade
estava se dando totalmente ao contrário dos seus
planejamentos. Estar cara à cara com a sua mãe
trazia emoções que em nenhuma circunstância
poderiam ser imaginadas, algumas até Megan nem
sabia que existiam. Havia um misto de novidades
borbulhando dentro de si, que a impressão que dava
era de que, à qualquer instante, iria supitar e
explodir - O que v…
- Você pode ficar tranqüila que Eleanor com
certeza irá contratar os melhores profissionais para
cuidarem da sua saúde. - A primeira-dama
interrompeu a sua filha bastarda - Além de quê, na
Casa Branca, você terá pessoas ao seu inteiro
dispôr vinte e quatro horas por dia.
- Não, não. Você está enganada. - A ruiva
sorria, incrédula com o que estava acontecendo
consigo - Eu vou para o meu apartamento e não
pretendo ter ninguém cuidando de mim.
- E você acha mesmo que Eleanor vai
permitir? - Beatrice soltou uma risada divertida -
Aquela ali é teimosa ao extremo quando quer.
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Conheço muito bem a minha filha.


- Conhece bem a sua filha? Que bom! - O
tom embargado da voz de Meg, bem como o seu
olhar direcionado à um ponto qualquer no chão
quando sentou-se na beirada da cama, fez o coração
da mulher mais velha apertar em remorso, e
imediatamente seus olhos marejarem.
- Megan… - Beatrice sentou-se na outra
ponta do colchão - …eu não… - Sem condições de
proferir uma palavra sequer, ela só pensava no
arrependimento que lhe fazia doer cada membro de
seu corpo - Eu estou indo viajar, mas antes eu
gostaria de te entregar isso… - A Sra. Conner tirou
um envelope branco de dentro da sua bolsa,
entregando-o à outra.
- O que é isso?
- Quando você ler, talvez… - Beatrice
apertou os lábios na tentativa de conter, em vão,
seu pranto. A primeira-dama levou a destra à boca,
tampando-a, antes de respirar profundamente
buscando condições de retomar a sua fala - …
talvez um dia você possa me perdoar. Eu sinto
muito. - À passos largos e apressados, a mulher
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saiu do quarto em disparada, visivelmente


consternada, visivelmente quebrada.
Lee ficou estática por vários segundos
encarando o envelope em suas mãos. A dúvida
entre ler o conteúdo do que estava ali dentro ou
simplesmente ignorar, a corroía de uma forma
estranha. A ruiva tinha medo do que poderia ver,
tinha medo da decepção, do choque, da dor. Foram
tantos anos de exercícios diários de libertação dos
sentimentos ruins que outrora sentiu, que agora ela
temia em desperdiçá-los por conta da leitura de
algumas palavras.
Megan passava os dedos pelo papel,
ponderando sobre qual seria a melhor atitude a se
tomar, quando batidas na porta a fizeram enfiar o
envelope de supetão dentro de sua bolsa. Antes que
pudesse dar a permissão de entrada, Eleanor e
Olívia adentraram no quarto, sorridentes.
- Foi daqui que solicitaram o serviço de
motorista vip? - Conner brincou, caminhando até a
ruiva, abraçando-a.
- Pediram segurança particular também? -
Garner abraçou a cunhada, feliz em vê-la bem.
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- Vocês duas vão me desculpar, mas


dispensarei a carona e a escolta, porque da última
vez que andei no carro presidencial com a
comandante da equipe de segurança, acabei me
fodendo todinha, e nem foi no bom sentido.
- Ah, mas já está ótima! Fazendo piadinhas e
tudo o mais, não é? - A loira estreitou os olhos,
fingindo chateação.
- Estou mentindo? Vi a avó que nem sei se
tenho pela gretinha da passagem para o além. São
Pedro e Lúcifer ficaram cada um puxando um
braço meu. "Essa anja ruiva é minha!", "Mentira
que essa demônia é minha!" - As três mulheres
riram.
- Oh, meu Deus! É tão bom te ver assim. - A
herdeira deu mais um abraço em Megan. Os
sorrisos eram fáceis, a felicidade, idem - Então,
vamos?
- Vamos porque agora meu trabalho é
dobrado e passei muito tempo fora. Preciso me
reinterar do que anda acontecendo com a minha
equipe. - Liv suspirou, pegando a maleta da
cunhada.
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- Mais trabalho? Subiu de cargo,


comandante?
- Subi. Fui promovida a babá de um projeto
de comediante, vulgo você.
- Ela está engraçadinha, não acha? - A ruiva
dirigiu-se à Conner, que ria divertida das
provocações da irmã com a namorada.
- Chegando em casa eu vou te mostrar algo
que vai te deixar babando! - A herdeira comentou,
enquanto caminhavam devagar pelo corredor.
- Limparam o meu apartamento? Isso me
deixaria babando mesmo! - Lee riu, arrependendo-
se depois pelo lampejo de dor que sentiu.
- Não. É o seu quarto. Vai ficar ao lado do
meu e tem tudo o que você gosta. Ah, mas era para
ser surpresa e estou aqui contando. - A morena
bufou, chateada consigo mesma por conta de sua
língua solta.
- Ei, espera aí. - A ruiva interrompeu a
caminhada - Eu vou para a minha casa.
- Não, senhora, vai para a minha. Eu não
posso ficar contigo o tempo todo em seu

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apartamento, como cuidarei de você?


- Eu estou bem. Não precisa ficar cuidando
de mim. Você tem seus compromissos e eu não
quero… - Megan suspirou - Não me leve a mal,
mas eu não quero nada de você. Não vou me sentir
bem.
- Que bobagem! Vai vir outra vez com o
discurso de que não se aproximou de mim pelo meu
dinheiro? Eu sei disso, e o fato de querer cuidar da
minha irmã, não faz dela uma aproveitadora. Você
já falou diversas vezes que só queria estar comigo,
então, fica comigo. Ninguém vai pensar nada de
você, não precisa se sentir mal. E outra…tem uma
pessoa te esperando lá.
- Quem?
- Meu pai. Ele foi com a sua cara desde que
te conheceu. - Conner sussurrou como se fosse
segredo, fazendo a ruiva rir, balançando
negativamente a cabeça.
- Bem que ela disse…
- Ela quem disse o quê, criatura? - Olívia
intrometeu-se na conversa, empurrando devagar as
mulheres para dentro do elevador.
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- Beatrice. Ela esteve aqui pouco antes de


vocês chegarem e me disse que insistiriam para que
eu fosse para a Casa Branca. Não encontraram com
ela?
- Não. Não encontramos. O que a minha mãe
veio fazer aqui?
- Ainda não sei. - Meg escorou na parede fria
do elevador - Olha, Eleanor, eu posso até aceitar
ficar na sua casa por alguns dias, mas vamos ter
que conversar sobre limites.
- Ah, eu sabia! - A morena soltou um gritinho
histérico, batendo palmas - Viu, amor? Ela quer
conversar sobre limites… - As risadas eram altas e
contagiantes.
- Hum…
- Vocês duas podem parar de idiotices?
- Parei. - Garner, gozando outra vez de sua
autoridade no trabalho, deu os comandos aos seus
subordinados através do dispositivo na lapela de
seu terno - R1, pacote em trânsito. Verifique, ok. -
Com a afirmativa de que poderiam prosseguir, a
comandante conduziu-as até o carro, seguindo para
a residência presidencial.
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Quanto mais se aproximavam, mais Eleanor


se empolgava. A filha do presidente foi falando, e
falando durante todo o trajeto sobre como
funcionava a rotina da Casa Branca, sobre os
funcionários e sobre todos os planos que tinha para
a estadia de sua irmã.
- Seja muito bem vinda, Megan. - A herdeira
suspirou assim que adentraram na residência - Essa
é a sua casa também à partir de agora.
- Obrigada. - Em meio à emoção as mulheres
se abraçaram e acarinharam uma à outra.
- Bom, vocês precisam de ajuda para subir? -
Liv indagou, sorrindo com a interação das irmãs.
- Não precisa, comandante Garner. Vou
mostrar o quarto para ela e deixar que descanse um
pouco.
- Então eu vou trabalhar lá no meu
esconderijo secreto. - Todas riram - Vejo vocês
mais tarde. Se precisarem de mim, é só chamar.
- Valeu, loira, mas o que eu preciso, você não
pode fazer.
- Megan! Respeita a minha namorada!

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- Mas eu estou respeitando a sua e a minha…


- Precisamos conversar sobre isso também…
limites. Limites.
- Sobre isso o que? A minha namorada ou a
sua? Se estiver pensando em propor um ménage,
uma orgia, pode ir tirando o cavalinho da chuva…
Rindo da discussão das duas, Liv as observou
seguir pelo corredor até sumirem de suas vistas,
indo trabalhar em seguida.
Já no andar de cima, enquanto davam passos
lentos até o quarto de hóspedes, as mulheres
começaram a fofocar sobre seus relacionamentos,
mas a conversa fora interrompida quando Conner
abriu a porta, conduzindo a ruiva para dentro do
cômodo.
- Esse é seu quarto. Eu não sabia como ia
gostar da decoração então preferi deixá-lo neutro.
Você pode mudar o que quiser.
- U-a-u! - Tudo era luxuoso ali. Moderno ao
que dizia respeito à decoração e, ao mesmo tempo,
aconchegante. O quarto era demasiado amplo, de
forma que quem entrasse nele, poderia
experimentar uma certa liberdade de movimento. A
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cama King Size tinha um colchão de alta classe, e


os lençóis decorados artisticamente mostravam um
bom gosto indescritível. A agradável iluminação e
a combinação leve das cores naturais favoreciam
um ambiente para relaxar, além das cadeiras da
sala, com descanso para as pernas, e a televisão de
tela plana de 50 polegadas. No banheiro anexo,
havia um chuveiro com efeito de chuva. Já na
sacada, uma espécie de jardim de inverno -
Eleanor, esse cômodo é maior que meu
apartamento inteiro!
- Gostou?
- E tem como não gostar? É lindo… - A ruiva
sentou-se na cama, suspirando.
- O que foi? - Notando certa tristeza no
semblante da irmã, Conner sentou-se ao seu lado,
tomando-lhe as mãos entre as suas - Algum
problema?
- Beatrice… - Lee alcançou a bolsa ao seu
lado, tirando de lá o envelope de conteúdo
misterioso - Ela me entregou isso. Disse que talvez,
depois que eu lesse, um dia poderia perdoá-la.
- E…o que está escrito? - A morena indagou,
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curiosa e afoita.
- Eu não sei. Não tive coragem de ler. -
Ambas ficaram em silêncio alguns segundos,
envoltas em seus próprios pensamentos - Quer ler
comigo?
- Você quer ler?
- Não sem você.
Eleanor levou ambas as mãos ao rosto,
esfregando-o em claro sinal de nervosismo.
- Ok. Pode abrir.
Tremendo, Meg abriu o envelope, tirando de
lá duas folhas preenchidas em frente e verso com
letras miúdas, assimétricas e bem desenhadas.
"Megan, é estranho escrever para você. É
estranho ter qualquer tipo de contato com você,
mas tente ao menos relevar o mal que te fiz por
alguns minutos e leia essas poucas palavras que
demorei horas para escrevê-las por não saber por
onde começar, nem como o que eu deveria falar.
Optei pela verdade, já que as mentiras e omissões
apenas arruinaram a minha vida e a das pessoas
ao meu redor.

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Quando parei para pensar em tudo o que


tinha acontecido, não pude esconder a minha
tristeza. É claro que fiquei chateada por ter
deixado as coisas tomarem esse rumo, mas
também fiquei muito triste por perceber que
existia do outro lado uma resistência a toda essa
situação. Sei que tudo o que eu disser aqui será
relatado para Eleanor e para o Alexander. Eles
estão muito magoados, e com total razão. Talvez
por isso eu tenha decidido direcionar essa carta a
você, com a intenção de alcançá-los. A minha
covardia não me permite ir além do que já estou
indo, e você, dos três, parece ser a mais maleável.
Tudo começou em janeiro de 1980. Eu
estava praticamente recém-casada com Alexander
- ele em ascensão na carreira política. Era verão.
Morávamos em uma casa na Federal Way, no
King Country. Lá recebíamos os nossos amigos,
os colegas de partido do meu esposo e todo o tipo
de gente influente da alta sociedade americana.
Na época, Alexander era muito amigo de um dos
membros da Câmara dos Representantes, Charles
Carter. Ele e a esposa frequentavam a nossa casa,

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e com isso, nós fomos nos envolvendo. Eu nunca


deixei de amar meu marido nem por um segundo
sequer, mas acabei de enganando e me permitindo
ser seduzida por aquele outro homem.
Obviamente que não foi certo, porém, quando eu
percebi, já era tarde demais. Dizem que quando se
ama, não se trai. Antigamente eu concordava em
gênero, número e grau. Hoje em dia eu não sei se
posso apenas discordar ou concordar em partes.
Mas não vou entrar nesse mérito. Não estou te
escrevendo essa carta para tentar justificar as
minhas falhas, e sim, para contar a verdade que
guardei comigo a sete chaves durante tantos anos.
Logo no fim da temporada de calor,
Alexander teve que viajar às pressas à negócios.
Tínhamos um jantar marcado e que teve que ser
cancelado de última hora. Deixei ao encargo dele
que o fizesse, pois eu ainda não possuía tanta
desenvoltura para desculpas como tenho agora.
No dia do jantar, Charles apareceu lá em casa.
Estranhei, já que meu esposo havia confirmado
por diversas vezes a desmarcação com todos os
convidados, e além disso, ele estava

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desacompanhado da mulher.
Permiti a sua entrada, uma vez que negar,
ao meu entendimento na época, não seria de bom
tom. Pode parecer confuso que eu não tenha
ficado feliz em ver meu amante, ainda mais sem
meu marido por perto, mas garanto que logo
entenderá. Charles e eu nunca havíamos
ultrapassado os limites dos beijos e agarros
furtivos nas festas e nos diversos encontros
políticos, nunca havíamos chegado às vias de fato.
Provavelmente essa coisa de namorico
adolescente foi o que acabou me instigando.
Todas as vezes que as coisas esquentavam um
pouco mais, eu acabava recuando de alguma
forma, dando uma desculpa, pois logo me vinha a
imagem de Alexander. Eu não sabia porque ainda
continuava com tudo aquilo se me incomodava
tanto, mas era como uma maldição, um imã. Eu
via aquele homem e sentia um estranho desejo
incontrolável de beijá-lo às escondidas, nada mais
do que isso.
Voltando ao fatídico dia em que vi minha
vida inteira se desgraçar… Ofereci ao Charles
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uma bebida, conversamos, ofereci outra e logo


estávamos nos atracando no sofá do escritório do
meu esposo. Aquele momento tinha uma
conotação diferente, ou talvez eu estivesse
pressentindo algo, não sei dizer ao certo. Só sei
que em um dado instante, eu o Interrompi, pedi
que fosse embora e que me deixasse pensar. Ele
não foi. Aquele homem possuía uma lábia, um
poder de persuasão que mais parecia coisa do
demônio. Parece brincadeira, não? Mas é
verdade. Me rendi novamente às suas investidas,
porém, eu juro que eu não queria que fosse mais
além. Tentei dizer "não" quando comecei a sentir
uma certa repulsa, só que…aconteceu. Nós
transamos ali mesmo. Charles foi embora e eu…
fiquei sem saber o que fazer. Eu não queria
magoar o Alexander, não queria que ele sentisse
nojo de mim como eu própria estava sentindo.
Não queria que ele me visse suja, tal como eu era.
Por isso acabei escondendo esse deslize dele.
Quando eu soube que estava grávida, enlouqueci.
Me via sozinha, confusa, sem saber o que fazer.
Eu não podia procurar ninguém para me ajudar a
abortar, não sabia como fazer sozinha. E mesmo
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que soubesse, não teria coragem. Pensei em dizer


que o filho era do meu marido, mas na época não
estávamos tendo relações sexuais por conta de um
pequeno problema de saúde dele. Definitivamente
eu estava em um beco sem saída. Comecei a usar
roupas largas e agradecendo a sorte de não
termos intimidades. Quando eu estava com
aproximadamente sete meses, calhou de uma
oportunidade de viagem. Atarefado como
Alexander estava naquele momento, ele não se
importou. Ficamos afastados durante quase três
meses, e foi nesse meio tempo que você nasceu.
Eu era uma garota de vinte e três anos, sozinha,
perdida, que não podia contar com ninguém. Te
abandonar no primeiro lugar que encontrei foi o
maior ato de desespero que já cometi. Ali eu sabia
que alguém ia te encontrar e cuidar de você, que
não ficaria à mercê da sorte. Eu estava enganada.
Foi a pior e mais dolorosa decisão da minha vida.
Depois que voltei para casa, e que comecei a
pensar sobre o que tinha acontecido, percebi que
existiam milhões de outras possibilidades de
ações, mas me acovardei, preferi guardar esse
segredo para mim e destruir as nossas vidas.
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Nunca mais me encontrei com Charles depois


daquela noite, e nem com nenhum outro homem.
Ele acabou sendo assassinado alguns meses
depois do seu nascimento, e confesso que senti
como um alívio.
Imagino que tudo isso tenha doido em seu
coração, mas você não imagina os terrores
nascidos em minha alma. Estou amargamente
arrependida e, sinceramente, gostaria muito que
nada disso tivesse acontecido. Se eu ao menos
houvesse como adivinhar, com certeza não teria
feito tantas escolhas erradas.
Por mais difícil que seja assumir algo do
tipo, eu tenho que confessar que quando eu soube
quem era você e a situação de risco em que se
encontrava, eu desejei do fundo do meu coração
que fosse eu ali no seu lugar. Em momento algum
eu pensei em não lhe doar o sangue, mas pensei
nas consequências que eu sofreria, e estou
sofrendo. Não me importo, eu mereço tudo, tudo
isso. Mas saiba que, de certa forma, no fundo, eu
estou feliz. Feliz por vê-la com a saúde
recuperada, feliz em saber que a sua família -
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leia-se Alexander e Eleanor - não te rejeitou como


um dia eu fiz.
Você se parece muito com a sua irmã,
sabia? Ambas têm o dom de transformar tudo em
melhor. E como eu sei disso? Mesmo afastada do
meu esposo e da minha filha durante esses
últimos meses, e indo te ver no hospital às
escondidas, eu pude perceber que aconteceu uma
mudança interna em todo mundo.
Espero que ainda não seja tarde para se
fazer a coisa certa. Sei que fui uma idiota e por
isso, escrevo essa pequena confissão. Sei que
poderia ter te contado tudo pessoalmente, mas,
como eu disse antes, sou uma covarde inveterada,
e nada melhor também do que sentar sozinha em
um canto e deixar os pensamentos sobrevoarem a
minha culpa. E, sinto muito.
Sei que as coisas não aconteceram como
deveriam ter acontecido, mas acho que a vida é
mesmo assim, com altos e baixos, afinal de
contas, precisamos aprender como caminharmos
pelo destino. Acho que pisei em alguns pontos que
não deveria, no entanto, peço, por favor, que tente
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entender que, infelizmente, só existe uma maneira


de aprender como andar certo.
Eu cometi vários e vários erros, eu sei.
Estou sendo duramente castigada por isso. Agora,
tudo o que posso fazer é pedir desculpas e pedir
mais uma chance para acertar, para colocar em
prática o que aprendi nessa lição. Todos nós
erramos, mas poucos assumem seus erros e
tentam fazer o certo. Caso aceite o meu pedido de
perdão, basta me chamar, nós podemos tentar
consertar o que pudermos. Mas, caso prefira
manter as coisas como estão, tudo bem. Só peço
que antes de rasgar essa carta, leia essas últimas
palavras. Eu amo incondicionalmente o
Alexander. Eu amo incondicionalmente a
Eleanor. Eu não te amo assim ainda, Megan, mas
eu gostaria muito de tentar, minha filha."

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Capítulo 50 – Vai ficar


tudo bem
A vida inteira Eleanor ouviu um sábio
conselho vindo de diversas pessoas em diversas
situações: “respire fundo antes de qualquer coisa”.
A maioria daqueles que a aconselharam um dia, a
exercitar essa ação benéfica, não possuía um
diploma de formação em Medicina ou Psicologia,
mas mesmo assim estavam certos.
O cérebro humano é programado para reagir
primeiro e pensar depois. Não fazemos por mal,
pois esta programação é a responsável pela
sobrevivência da humanidade. Serve-nos como um
recurso para fuga rápida, irracional, quando
entendemos que algo nos traz a sensação de risco,
perigo.
Eis a grande importância do ato de respirar
calmamente por alguns segundos quando a situação
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se complica. Neste pouco tempo para nós, mas


valioso para o organismo, é permitido ao cérebro a
organização das informações recebidas pelo
ambiente. Tendo pleno conhecimento desse
recurso, a herdeira não demorou-se em puxar a
maior quantidade de ar que podia para os pulmões e
fechar os olhos, assim que sua irmã e ela findaram
a leitura da carta que Beatrice havia deixado. Este
era um segredo que ela guardava consigo: o
autoconhecimento. Conner sabia bem que, se não
desse tempo a si mesma, responderia
agressivamente a tudo e a todos. E isso, seria a pior
coisa a se fazer naquele momento.
- Será que…podemos conversar sobre isso
depois? - A morena indagou, olhando para os seus
dedos das mãos que moviam-se irriquietos.
- Eu ia te pedir a mesma coisa. Estou
cansada. Não quero ter que lidar com isso agora.
É…muita…muita coisa para processar, para
organizar dentro de mim.
- Eu entendo perfeitamente, porque sinto o
mesmo. - A filha do presidente abraçou a ruiva,
afastando-se em seguida para encará-la - Consegue
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tomar banho sozinha?


- Consigo sim. Fique tranqüila.
- O que você quiser comer é só ligar no ramal
da cozinha. Deixei uma colinha de todos os
números ao lado do telefone. Se precisar de mim,
estarei aqui, literalmente ao seu lado.
- Obrigada, Eleanor. Obrigada por tudo.
- Não precisa me agradecer. - A morena
levantou-se e da porta acenou - Boa noite.
- Boa noite.
Adentrando em sua suíte, Conner foi direto
para a sacada apreciar a vista. Pelo avanço das
horas e dado ao clima chuvoso da noite, as nuvens
não a deixavam ver o céu estrelado, e o vento trazia
o cheiro gostoso da terra úmida. Ela ergueu a
cabeça, fechou os olhos, esticou os braços para
baixo e abriu as palmas das mãos para receber
energias que pudessem lhe revigorar de alguma
forma.
Mantendo-se imóvel, a filha do presidente
sentiu sua roupa se agitando. Seu casaco balançava
como a bandeira hasteada lá no pátio. Seus cabelos

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acompanhavam os movimentos, e era como se


aquela dança fosse trazendo aos poucos a paz do
qual necessitava. Nesse instante, ela pensou em
Beatrice. Lembrou-se da última vez que vira a mãe.
Mesmo com tudo o que aconteceu, conhecendo um
lado obscuro nela - antes inimaginável - seus gestos
e olhares ainda eram os mesmos da infância de
Conner, quando brincavam pelos gramados de uma
antiga casa em que moraram. A mesma forma
delicada de entrelaçar os dedos, de sorrir com os
olhos, de transmitir calor e carinho ao mínimo
toque.
Quando a morena percebeu que estava
chorando, notou também que sentia algo parecido
com remorso. Um sentimento tão humano, mas que
antes ela julgava como tolo.
"Meu Deus, será que o que eu fiz, o que estou
fazendo, não é crueldade?"
Mãe. Tantas vezes essa nomeclatura passou
despercebida pelo cotidiano, mas agora tinha uma
sonoridade muito particular, única. Beatrice
provavelmente sentiu a dor da rejeição, tal como
Megan sentiu durante toda a sua vida.
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Curiosamente, sem que soubesse de fato o que


fazia, com a escrita daquela carta, ela inverteu os
papéis na história. E depois das palavras lidas,
ambas as filhas passaram a vê-la com outros olhos.
Olhos de quem não aceitava a justificativa do erro
inicial, mas que respeitava o sentimento materno.
Ao contrário do que pensava antes, Connervnão
podia se dar ao luxo de extinguir o nome de
Beatrice de seu cotidiano. Era a sua mãe, apesar de
tudo. Ela não podia simplesmente anular tudo o de
bom que a sua progenitora havia feito por ela. E
sim, havia feito muita coisa boa. A morena não
poderia deixar de cumprir o papel de filha, porém,
eatava impossibilitada naquele momento. Sua única
alternativa foi mantê-la consigo, ao menos por ora,
somente em pensamento, mas não como deveria ter
sido feito.
Eleanor sorriu, tristemente, mas sorriu, de
todo coração — obviamente apenas se utilizando de
uma licença poética, uma vez que coração - centro
de suas emoções - era algo que ela não sabia se
estava em pleno funcionamento. Naquele momento,
com toda a confusão que se dava dentro de si, ela

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sentia o peito apertar, preenchendo o seu espírito


com os sentimentos ambíguos que a invadiam. A
herdeira amava Beatrice, sentiria falta dela apesar
dos pesares, e praguejava por outra noite insone
onde seria obrigada a pensar em tudo o que
acontecia em sua vida.
"Preciso relaxar de alguma forma, senão vou
enlouquecer!"
Retornando para o quarto, Conner tomou seu
celular nas mãos e tentou falar com a sua amada.
Ligou uma, duas vezes, até que uma mensagem em
resposta a fez sorrir.
"Meu amor, estou em outra ligação com um
colega da USES. Em alguns minutos te retorno.
Eu te amo."
Se para Liv, Eleanor era uma gota de orvalho,
para Eleanor, Olívia era um bálsamo. Quando tudo
parecia ruim demais, era só pensar que existia um
colo todo seu, um colo quente e confortável, com
poderes mágicos de fazer se esvair qualquer dor,
por pior que fosse.
"Uma ducha bem quente. É disso que
preciso."
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Conner despiu-se lentamente, em uma


preguiça surreal. Talvez preguiça não fosse uma
boa palavra para descrever seu estado de espírito.
Desanimada soaria melhor.
Ela saiu do banho e vestiu uma camisa de
trabalho de Garner, que por acaso estava em seu
armário. Um acaso que a herdeira havia provocado
em uma das vezes que a comandante dormiu por
ali. Eleanor, travessa, escondeu a peça, obrigando a
namorada a permanecer somente de camiseta por
baixo do blazer. Escondeu, pois queria um objeto
ao qual pudesse agarrar e sentir como se fosse a
presença propriamente dita da loira. Olhando-se no
espelho, ela lembrou de quando esteve na casa da
outra e usou um de seus camisões. Olívia dizia
adorar que ela vestisse suas camisas, pois
achava sexy e dava vontade de transar.
Rindo de suas lembranças, a filha do
presidente deitou-se, encolheu-se debaixo do
edredom. Contudo, apesar do cansaço, não
conseguia dormir. Revirou para um lado, para o
outro e nada de pregar os olhos. Aquilo a estava
irritando quase em um grau inimaginável.
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Enervada, ela levantou-se, e tal como estava


vestida - sem se importar com convenções e a boa
postura que lhe competia - foi em busca de algum
tipo de alívio para as suas tormentas. Eleanor
passou na adega do pai e escolheu uma garrafa de
Chateau Mont Redon - que da categoria, era o seu
predileto. Levou a garrafa e uma taça para um
pequeno atelier - um espaço que tinha nos fundos
do casarão, onde fazia suas esculturas. Há tempos
não entrava ali.
A morena acendeu a luz e olhou o último
trabalho, ainda inacabado. Sorriu satisfeita, pois
teria algo a fazer naquela noite em que seus
diversos fantasmas resolveram atormentá-la todos
de uma só vez. Conner sentou-se no banco de
carvalho e colocou a garrafa a seus pés. Precisaria
de espaço sobre a bancada e não queria correr o
risco de derramar aquele líquido precioso. Então
ela juntou os materiais e, inspirada, pôs-se a
trabalhar. Havia retalhos de tecidos, poliestireno e
vinil por toda parte, e com isso, manteve-se
realmente entretida.
Eleanor não sabia mensurar quanto tempo
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havia decorrido desde o instante em que começara


a trabalhar. O álcool e a tarefa manual distraíram,
de fato, a sua mente.
De repente, a porta do atelier abriu-se, e ali a
comandante surgiu, afoita, apertando os olhos,
incomodada com a luz fria.
- O que você está fazendo aqui, meu bem?
- Vim…Eu não sei exatamente o que me
trouxe aqui. Tomei um banho, precisava descansar,
mas não consegui dormir. Minha cabeça está um
caos. Achei que se pudesse focar em algo, a
angústia dentro de mim iria melhorar.
- E funcionou?
- Um pouco, sim…
- Eu estava fazendo uma ronda com um
pessoal novo transferido à pouco e percebi a luz
acesa. Nunca te vi aqui. Jamais poderia imaginar
que era você, ainda mais vestida assim.
- Está ruim?
- De forma nenhuma. É sexy... - Riram - Está
sem sono ainda?
- Engraçado me perguntar isso. Sinto sono,
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cansaço, mas parece que minha mente não para de


trabalhar e, com isso, não durmo. Estranho, não?
- Até que não é tão estranho. Você fez bem
em vir se distrair, desfocar dos problemas. Comeu,
pelo menos?
- Não. - Conner sorriu, meneando a cabeça
em negativa.
- Ok. Deixa eu só dispensar o pessoal e já
volto.
- Está bem, meu amor.
A herdeira ficou ali, quieta, observando Liv
virar-se e sair do atelier. Eleanor sentia como se
tivesse sido brindada com uma dose cavalar de
sorte por ter encontrado uma mulher tão espetacular
como era a sua namorada. A agente federal se
preocupava com seu bem-estar e era extremamente
cuidadosa com ela. Quem diria que ela fosse
encontrar a sua alma gêmea em uma pessoa do
mesmo sexo e tão diferente em personalidade. A
máxima dos opostos se atraem se aplicava bem ali,
em termos. Conner nunca viu problema em sua
sexualidade, nunca nem se preocupou em pensar
sobre isso. Às vezes, na adolescência, e quando do
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início da fase adulta, pegou-se questionando como


seria viver um relacionamento sério com uma
mulher, porém não buscou por isso, nem nada do
tipo. Aconteceu. Apenas…aconteceu, e foi o
melhor presente que Deus poderia ter lhe dado.
Poucos minutos depois, Garner retornou ao
local com uma porção de carpaccio - já sabendo
que a namorada adorava - e alcaparras que haviam
preparado naquela noite para o jantar, mas que
ninguém havia comido, dado à falta de fome pelos
problemas que enfrentavam.
Mais uma vez Eleanor sorriu. Parou o
trabalho e provou a refeição, atestando que estava
realmente divina, como sempre.
- Bom?
- Me lembre de promover quem fez essa
maravilha. - A morena falou de boca cheia, fazendo
a outra rir.
- E como foi com a Megan? Conversaram um
pouco?
- É…bem pouco. Nós…bem…ela me
mostrou uma carta que minha mãe entregou à ela
no hospital.
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- Carta?
- É. Uma carta contando como tudo
aconteceu. Levando em conta que o que foi dito é
mesmo tudo verdade, ela traiu sim o meu pai,
abandonou a Meg, mas a gravidez não foi bem
culpa dela. O cara a induziu, de certa forma, a
transarem. O que eu entendi é que ela foi forçada.
Eu não sei direito o que pensar. Só sei que me
arrependi profundamente de tê-la pré-julgado e
maltratado. Em contrapartida, estou com muita
raiva pelo seu descaso e mentira. Resumindo, estou
confusa.
- Meu amor, dê tempo ao tempo. - A
comandante sentou-se em um outro banco de
carvalho, um pouco mais baixo que o de Conner -
Não adianta querer reparar erros, consertar as
coisas precipitadamente. Todo mundo sofreu com
essa história e eu acredito que o distanciamento vai
ser bom, tanto para ela, quanto para seu pai, Lee e
você.
- É...tem razão. - Olívia tomou os pés da
outra e começou a massageá-los, movendo seus
dedos e apertando pontos-chave com imenso
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prazer. A morena não sabia definir o que era mais


gostoso: a comida ou a massagem - Hum…A
senhorita não venha achando que eu esqueci que
estava de conluio com a minha irmã não, viu?
Deixa só esse tumulto inicial passar que terei uma
conversa bem séria com as duas. Não gostei
nadinha de terem me escondido uma coisa tão
importante.
- Está bem. Podemos conversar sobre isso
depois, mas agora… - A loira continuava falando,
mas tornava-se mais suave por conta do carinho. As
mãos começaram lentamente a subir, mantendo os
movimentos firmes, passando pelos joelhos e
alcançando as coxas. Eleanor estava sentada bem à
vontade, apenas com a camisa da namorada. Não
havia lingerie alguma por baixo. E Garner já havia
percebido o fato há muito tempo.
A proximidade entre as mãos dela e o sexo da
herdeira era perturbadora. Olívia não desviava o
olhar das íris castanhas à sua frente nem por um
segundo, continuando com as carícias, avançando
cada vez mais, vendo que a outra fechava os olhos
e abria mais as pernas, facilitando a passagem de
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seus dedos.
Foi então que a comandante olhou para baixo
e percebeu o quão excitada a sua namorada estava:
sua vagina brilhava com o lubrificação natural, e
tocada, mostrou-se inteiramente receptiva. Naquele
instante, ambas esqueceram-se do cansaço e do dia
frustrante, entregando-se totalmente ao toque e às
deliciosas sensações daquele contato.
Cuidadosamente, a agente secreta subiu um
pouco mais a camisa da outra, podendo assim
visualizar o centro de suas pernas. Usou os dois
polegares para acariciá-la entre os grandes lábios,
dentro e fora deles, suavemente, enquanto os outros
dedos apoiavam-se e roçavam a virilha. Eleanor
arqueou a cabeça para trás, inclinando o tronco à
fim de encostar em uma velha cristaleira que havia
naquele cômodo, onde guardava suas tintas e
pincéis. Projetou o quadril na direção da namorada,
abrindo o máximo que podia as pernas, mordendo o
lábio inferior. Os dedos de Liv deslizavam para
cima e para baixo, em círculos, de forma gentil e
cadenciada, fazendo-a gemer quando percebeu os
finos pêlos das coxas da outra, se eriçando pelo
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tesão.
Olhando para o lado, a comandante avistou a
taça de vinho ao pé do outro banco e, com uma das
mãos, a apanhou. Ela não bebia em serviço - e
teoricamente ainda estava trabalhando - mas
mesmo assim sorveu um pouco da bebida.
Aproximou-se da vagina molhada de Conner e lá
depositou, aos poucos, o vinho que tinha na boca.
A morena estremeceu e soltou um gemido tímido,
passando as mãos pelas madeixas loiras.
- Olíviaaaa…
Ao ouvir seu nome entre gemidos lânguidos,
a agente federal não se conteve mais, e acabou
permitindo que sua língua aliá-se aos dedos,
também investindo contra aquele sexo fodidamente
belo da mulher. A boca morna e macia de Garner
explorava cada centímetro dos pontos mais
sensíveis que a morena tinha entre as pernas,
mordiscando e lambendo aqueles outros lábios
dela, tão voluptuosos e carnudos quanto os do
rosto.
A intensidade daqueles beijos, das sugadas e
dos dedos ameaçando uma penetração aumentava à
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cada ofegação alta, à cada gemido e impulso dos


quadris que Conner dava. O prazer que a
comandante lhe proporcionava entre as coxas era
imensurável. Seus pés procuraram acariciar a
namorada em retribuição. Liv estava excitada,
extremamente excitada, uma vez que não parava de
se contorcer no banco e apertar uma perna na outra,
provavelmente segurando o gozo. Com ambas as
mãos, sem que sua boca parasse de fazer o oral
incrível na filha do presidente, a loira foi tirando o
blazer, desabotoando sua blusa e calça, despindo-se
meio sem jeito.
- Ooohhh… - Aquele seu gemido manhoso
mostrou o quanto desejava que sua namorada
avançasse nas carícias com seus pés macios e
pequenos, agora encostando apenas na fina renda
de sua calcinha de cor vermelha.
Logo ao primeiro toque, Garner arrepiou-se,
penetrando a outra com a língua em retribuição,
fazendo com que Conner cravasse as unhas em seus
ombros. A herdeira embrenhou os dedos na
cabeleira loira, puxando a sua cabeça de encontro
ao seu corpo, para que aumentasse a intensidade de
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suas penetrações e chupadas. Ela já podia sentir a


sua vagina em espasmos que eram o antegozo,
apertando a língua macia, até, enfim, explodir em
um orgasmo naquela boca.
E a língua não parava. Olívia estava faminta
e sedenta pelo líquido espesso e viscoso que vinha
de dentro da namorada, alucinada e com a
respiração descompassada por causa do cheiro doce
de Eleanor. Os pés, os pequenos pés ainda faziam-
lhe a graça sublime de acariciar o sexo rosado que
pulsava de desejo.
Quando sentiu que o clítoris quente e
avermelhado da morena parou de latejar em sua
boca, a comandante afastou-se e levantou, pedindo
apenas com o olhar para que Conner também
fizesse a graça de lhe proporcionar o ápice.
Acariciando-lhe os cabelos, e com a mão em seu
pescoço, fez com que a outra virasse de costas,
ficando debruçada na bancada. Ainda em silêncio,
penetrou a morena com dois dedos, fazendo com
que ela erguesse o tronco e gemesse mais alto.
Garner arfava, aumentando o ritmo e a intensidade
de suas investidas. As coxas de Eleanor queimavam
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e, encharcadas, eram cada vez mais convidativas e


facilitavam ainda mais o vaivém, as estocadas
fundas e precisas.
Em um movimento arrebatado, a agente
federal apertou com toda a força a bunda
avantajada de sua namorada, inclinando-se sobre
ela e mordendo-lhe a nuca. Com a outra mão,
apertou-lhe os seios e gemeu forte, deixando vir o
gozo que continha há minutos: a cada pulsação de
seu sexo, despejava na calcinha um pouco mais de
seu melzinho.
Tomada ainda de um tesão intenso e
incontrolável, para instigar ainda mais a loira,
Conner apertou os dedos dela dentro de si,
brincando de prender e soltar, até que a mesma não
se aguentou e explodiu em outro orgasmo
arrebatador. Aquelas duas mulheres ali, seminuas,
eram cúmplices, amantes, e para elas, o resto do
mundo não existia dentro daquele cômodo.
Liv e Eleanor permaneceram assim,
abraçadas por alguns instantes, até que seus
corações voltassem a bater no ritmo normal e que
pudessem ter as pernas menos trêmulas.
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- Que saudade que eu estava de você. - A


herdeira sussurrou ao pé do ouvido da outra.
- Eu também não via a hora de poder te amar,
te sentir. Meus planos não eram esses para a nossa
"segunda primeira vez", mas…meu desejo por você
às vezes fica incontrolável.
- Se eu te disser que também tinha pensado
em uma noite…hum…digamos…romântica, você
vai achar que é brincadeira, não vai? - Elas riram.
- Jura?
- Sim, mas essa transa aqui não poderia ser
mais perfeita.
- É mesmo. - A comandante suspirou - Por
que não fazemos assim…você faz a nossa "terceira
primeira vez" e eu faço a nossa "quarta primeira
vez". Que tal?
- Ótima idéia! Aí podemos ir contando até
chegarmos na "milionésima primeira vez". - As
mulheres gargalharam, enquanto beijavam uma à
outra - Vamos subindo? Acho que agora eu durmo.
- Não posso, sabe disso.
- Não pode? Já dormiu lá algumas vezes.

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- Sim, mas apesar do seu pai ter ficado


sabendo sobre nós, não podemos arriscar de outras
pessoas nos verem juntas. Além do que…eu não
quero que o Sr. Conner pense que misturo o
profissional com o pessoal.
- Podemos ir tomando cuidado como antes.
Por favor…hum? Preciso de você, Liv. Preciso
dormir sentindo que seu braço está ali me
segurando. Sabe que é isso o que não me deixa cair.
Com aquela cara de cachorrinho pidão que a
namorada fazia, e sabendo toda a carga emocional
que continha naquelas palavras, Garner não resistiu
aos encantos da mulher à sua frente, rendendo-se ao
pedido.
- Está bem, mas terá que tomar outra ducha
comigo.
- Quantas você quiser.
E assim, as namoradas apagaram a luz do
atelier e foram juntas - depois dos devidos cuidados
tomados - deliciar com o banho, entre beijos,
carinhos e palavras doces.
Ambas, enfim, conseguiram dormir em paz.

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Capítulo 51 – Podemos
procurar por ele?
"Quand je pense à lui,
Je vois de l’ardeur dans son regard et
une infinité de sentiments.
Il est sensible, il est intelligent;
aie que ça me plait …
J’explore les traits de son visage,
Je vois un homme mature,
Son sourire m’envoûte,
Il me fait du bien.
Et ce n’est pas tout,
Je reviens alors à l’effet qu’il me fait.
Enchantée par son sourire qui est reflété
dans ses yeux,
dans lequel je m’y vois aussi, envoûtée, à sa
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merci.
Hé oui, parce que c’est lui, j’ai envie de
l’embrasser.
Parce que c’est lui, j’ai envie de l’aimer.
C’est une histoire de l’âme,qui sait très bien
ce qu’elle veut.
Ha si je pouvais le rencontrer maintenant,
là,
la la la la la !!!
pour me remplir de joie,
pour lui dire que je l’aime
tous les jours de ma vie,
jusqu’à ce que la vie nous sépare,
jusqu’à ce que nous nous rencontrions de
nouveau,
là haut, au-delà
la la la la la!!!"
05:46. Olívia fechou o livro que,
carinhosamente, lia para a sua namorada, enquanto
esta, atenta, a observava, sorrindo vez ou outra com
os trejeitos da loira.

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- Gostou? - A comandante escorregou seu


corpo pela cama, ficando deitada ao lado de
Eleanor.
- O seu francês é tão…ai, tão…gostoso de
ouvir que soa quase como um orgasmo. - Riram.
- Foi difícil dormir essa noite depois da tal
carta da sua mãe, não?
- Por incrível que pareça foi a que dormi
melhor. Dizem que não faz bem depender
emocionalmente das pessoas, que não é saudável,
mas…eu acho que estava sentindo a sua falta
nessas últimas semanas. Aí, juntando com todos os
problemas, virou uma bomba de insônia e
desassossego.
- Por favor, não fale em bomba, explosivo,
tiro… - Garner respirou fundo, prendendo o ar por
alguns segundos, revirando os olhos em seguida e
fazendo a herdeira gargalhar.
- Prometo não falar nada que lembre esses
termos.
- Ok, Srta. Conner, promessas feitas…tenho
que ir trabalhar.

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- Já? Cedo assim?


- É, cedo assim. Fiquei muito tempo fora.
Não posso me dar ao luxo de deixar que as coisas
se descontrolem.
- Eu estou excitada, Garner… - O sussurro e
os movimentos insinuantes, instigaram a agente
federal, mas não a persuadiram.
- Sem chantagem sexual. Que feio! - A loira
debruçou-se sobre o corpo da amada, beijando-lhe
ternamente os lábios - Eu te amo. - Rindo do beiço
manhoso que a mais velha fez, Liv levantou-se,
pegando as suas roupas espalhadas pelo chão do
quarto - Amor, não se atrase para os seus
compromissos hoje, heim?
- E desde quando eu me atrasei? - A
comandante, vestindo-se, virou o rosto para a outra,
encarando-a - Está bem! Assumo que nos últimos
meses ando um pouco displicente quanto à
horários, mas não é nada que atrapalhe ninguém. -
A morena bufou, cruzando os braços, descruzando-
os quase imediatamente, levantando-se também -
Quer saber? Vou ver como a Megan está.
- Então, sendo assim, já que vai ver aquela
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ruiva safada, vou modificar o meu conselho: Amor,


não falte nos seus compromissos hoje, heim?
- Olívia Garner, saia daqui agora! - A filha do
presidente pegou um travesseiro, lançando-o contra
a mais nova. Da porta, Olívia riu, mandando um
beijo no ar, saindo em disparada em seguida -
Idiota! - Eleanor gargalhou, meneando a cabeça em
negativa - Minha idiota…
Não demorou muito até que a herdeira fizesse
a sua higiene e fosse bater à porta do quarto de sua
irmã.
- Pode entrar!
- Bom dia, doentinha! Te acordei? - Conner
entrou pé ante pé, receosa sabe-se lá de quê.
- Não. Comecei a sentir o meu braço doer há
uns minutos atrás e não consegui dormir mais. -
Meg sorria, batendo no espaço do colchão ao seu
lado, indicando que a outra se sentasse ali.
- Dor? Mas não é o caso de chamar um
médico? - A morena indagou, preocupada,
enquanto se sentava na beirada da cama.
- Não! O fisioterapeuta disse que é normal,

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que as vezes vou sentir dor mesmo. É assim com a


maioria dos azarados que sofrem com o mesmo
tipo de fratura que a minha.
- Certeza?
- Tenho, exagerada. - Riram.
- Já comeu?
- São pouco mais que 06:00 da madrugada.
Quem come à essa hora?
- A Garner, eu…
- Falando na loira…ela vai ficar com ciúmes
de você assim, cheia de cuidados comigo.
- Tem maconha nesses seus medicamentos,
Lee? Olívia não vai ficar com ciúmes. Você é
minha irmã. - Nesse instante, instaurou-se um clima
de estranheza e incômodo entre as mulheres.
Ambas queriam demonstrar uma para a outra que
estavam confortáveis com aquela condição, mas
fato era que, se não fosse obra do tempo para fazê-
las se acostumarem com a irmandade, não seria
obra de mais nada, nem ninguém - Como é que
você está? Digo…lendo aquela carta? Eu não tive
condições nem de comentar o que quer que fosse.

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Me sinto muito confusa, abalada. É como se eu


tivesse ganhado um presente, mas ao mesmo tempo
tivesse perdido algo de extrema importância,
entende? Quando Garner gritou que você era a
minha irmã, depois daquele dia, eu tive a certeza de
que nunca mais seria a mesma. Eu senti o meu
corpo se desmontar em mil pedaços, e, quando
olhei para o chão, não vi nenhum deles. Você entre
a vida e a morte, e logo em seguida uma revelação
fatídica como essa…Caramba! Ficou entranhado
em mim o cheiro daquele dia e a mesma sensação
de desamparo por várias e várias noites após, como
se o momento tivesse sido gravado em minha pele
como um retrato de um dia triste. Fiquei
questionando o porquê de, entre milhões de pessoas
no mundo, justo a mim havia sido dada a
incumbência de carregar tamanho fardo. Cheguei a
pensar em karma. Provavelmente fui alguém muito
ruim para ter merecido um choque desse. Eu pensei
também em tudo o que poderia ter levado a
minha…a nossa mãe à fazer o que ela fez. Talvez
tivesse sido uma combinação de decisões erradas e
certas, mas todas as conclusões aos quais eu
chegava, me deixavam no meio de um grande nada.
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Para não surtar, eu tive que fugir. Tive que arrastar


o meu corpo até algum lugar seguro quando
descobri que meus fantasmas de anos atrás me
rondavam de novo. Só me mantive de pé por você e
pela Liv, que precisavam tanto de cuidados.
- É engraçado você comentar sobre a noite…
Desde pequena, desde muito pequena, as noites não
eram para mim, nem de longe, a pior parte. Ver o
dia amanhecer era o que me doía porque eu sabia
que era mais um dia sem perspectivas. Saber que
não havia nem a remota chance de mudar o que
aconteceu me cortava o coração. Às vezes eu sentia
dor física no peito. Chegaram a me levar ao
médico, que por sua vez, me encaminhou para um
terapeuta. Ele disse que o que eu sentia era a
tristeza que se manifestava e me dizia que eu nunca
seria eu mesma se continuasse tentando entender os
motivos de ter sido abandonada. E eu aceitei isso
por muito tempo. Eu deveria aceitar que algo ruim
aconteceu comigo e que isso mudou a pessoa feliz e
cheia de sonhos que eu poderia ser, em uma pessoa
triste.
- Mas você sabia que os dias acabam para dar
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lugar a outros? Que nossas dores e apertos vão a


cada dia doendo menos e apertando menos, sendo
esquecidas e cicatrizadas?
- Eu era uma criança, Eleanor, não achei que
pudesse acontecer algo bom comigo. Eu fui
vivendo e recomeçando como dava. Às vezes, ir
para o pátio e brincar com as outras crianças
fingindo que eu me importava era tudo o que eu
podia fazer naquele dia. Nem percebi quando já
estava sorrindo de ter acordado, e animada para
uma atividade qualquer. Eu tentava buscar
respostas e encontrava algumas outras dúvidas.
Alguns dias foram mais difíceis que os outros e eu
muitas vezes desabei. Mas quem nunca desabou
antes, não é mesmo? Eu desabei e desabaria
quantas vezes fosse preciso, mas nunca quis ficar
no chão por muito tempo. E assim eu fui
aprendendo que coisas ruins acontecem, e elas
aconteceram comigo, mas eu não deixaria que elas
me definissem. Jurei que não desanimaria dos meus
objetivos, e à cada novo dia, eu erguia a cabeça e
corria atrás deles. Eu tive, por muitos anos, um
único grande objetivo na vida: ser alguém

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importante, alguém que fizesse a diferença para as


outras pessoas de alguma forma. Depois veio você
e o objetivo de me aproximar. Foi aí que comecei a
acreditar em dias melhores, em pessoas melhores,
em momentos felizes. E acreditando neles, eu os
vivia. Eu era capaz de enxergar, aceitar algumas
coisas que o destino havia preparado para mim. A
minha vida, então, passou a ser feita de buscar
belezas nos dias, nas pessoas e até mesmo nas
tristezas. Acho que por isso sou…louca assim. - As
mulheres riram, e Conner não se conteve em dar
um abraço apertado na ruiva.
- Passou, minha irmã. Tudo passou. Você
conseguiu conquistar seus objetivos e terá uma
nova vida daqui para a frente.
- Eu ainda não consegui ser uma pessoa
importante…
- Você é sim. Você é importante para mim. -
Megan mantinha-se séria, encarando a morena - O
que foi?
- Que fôrma maldita é essa da D. Beatrice,
heim? Duas filhas, duas apreciadoras dos órgãos
sexuais femininos. Para quem é tão ligada à pose, à
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imagem…deu bem ruim no nosso caso, não? - Não


se aguentando com as gracinhas de Meg, Conner
gargalhou à ponto de tombar o corpo sobre o
colchão.
- Como você é idiota! Ai, socorro.
- Mas falei alguma mentira? Como temos
pais diferentes, o gene sapatônico só pode ter vindo
dela. - A ruiva deitou-se ao lado da irmã,
sussurrando como se fosse segredo - Será que ela
não…
- Lee, não! Deus queira que não! Senão é
mais um chifre na conta do meu pobre paizinho.
Falando nele…preciso ir ver como ele está.
- Também gostaria de vê-lo para agradecer
por tudo. Ele me deu um… - Megan teve a sua fala
interrompida pelo toque do celular da morena -
Garner com saudades, será?
- Oh, não é ela. - Eleanor sorriu ao ler o
conteúdo do sms - São os pais dela. Farão uma
pequena reuniãozinha para comemorar a primeira
ida do Theo na escolinha.
- Se comemora isso?

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- Não sei, mas é fofo, não acha? Se recupere


logo porque vai comigo.
- Jura? - Um suspiro preguiçoso pôde ser
ouvido vindo da ruiva.
- Ah, qual é? Vai ser divertido.
- Se você está dizendo…
De repente, a filha do presidente emudeceu-
se, passando a encarar a tela de seu telefone, o qual
tinha uma foto sua e da comandante lado a lado.
- Meg, você é muito boa no que faz, não é?
Digo…com relação à essas…essas coisas…você
sabe…
- Burlar a lei? Fazer trabalhos ilícitos?
Hackear as pessoas? É isso o que quer dizer? - Lee
prendia o riso.
- Você tem que interromper sua carreira de
fora da lei. Interromper não, extinguir de vez. -
Eleanor suspirou, mordendo o lábio, demonstrando
um pouco de nervosismo - Mas não antes de fazer
algo para mim.
- É o quê? - A ruiva caiu na gargalhada -
Você, Eleanor Conner, candidata à presidência do

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país, está querendo que eu faça um servicinho para


você?
- Cala a boca! Na verdade, não é para mim. -
Bufando, a herdeira levantou-se da cama - Vamos
descer, tomar café e aí te conto enquanto
estivermos dando uma volta no jardim. - Megan
atendeu de prontidão. Pôs-se de pé, caminhou
lentamente até o banheiro, porém, sem proferir uma
só palavra - Precisa de ajuda? - Conner falou em
tom mais alto para fazer-se ouvida, uma vez que a
outra já tinha ligado o chuveiro, contudo, não
obteve resposta - Lee, deixe de brincadeira! - A
morena já estava enervando-se com o silêncio.
- Não é brincadeira. Você se decida, criatura!
Acabou de me mandar calar a boca, agora quer que
eu fale? - Gargalhadas misturaram-se com o
barulho da água, ao passo que no quarto a outra
revirava os olhos. Alguns minutos mais tarde, já
alimentadas e Meg, medicada, as mulheres
puseram-se à passear pelos jardins da Casa Branca
- Então, o que ia me contar sobre o que precisa que
eu faça? Bom, dependendo do que for, se der
problema, você vai me arrumar um bom advogado,
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não vai? Ou pelo menos pagar a minha fiança.


Melhor! Vai me levar cigarros na cadeia!
- Você nem fuma, sua safada!
- Mas é uma moeda de troca dentro de um
presídio, não sabia? Quero manter a minha
integridade física e a dos meus países baixos
também.
- Vamos deixar de bobagens que ninguém
aqui será presa. - Um certo temor era notório no
tom de voz e nos trejeitos da filha do presidente,
que andava de cabeça baixa, pensativa - Eu não sei
se deveria te contar isso, ou me intrometer, mas é
por uma boa causa. A Liv, quando bem jovem, teve
um filho, mas o sequestraram enquanto ela
brincava com ele no parquinho.
- Mas como assim, meu Deus?
- É…a história é bem…complexa, estranha,
não sei nem como rotular. Parece que ela se distraiu
por alguns segundos, que foram suficientes para
alguém roubar o bebê. Nunca mais ela teve notícias
de seu paradeiro. Ao que parece, Garner o procura
até hoje, mas pelo visto ele…evaporou. Arthur era
o nome do garoto.
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- Uau! Que drama, heim? Ela deve ter sofrido


demais.
- E como! Olívia tem ressalvas com crianças
por isso. Inclusive, sinto que ela se esforça muito
para estar bem com o irmão.
- E o que você quer que eu faça?
- Lendo a mensagem da D. Nora é que
pensei…Será que, se nós investigássemos, não
conseguiríamos ao menos uma pista do paradeiro
desse garoto?
- Ai, Eleanor, para ser bem sincera, acho que
se a própria Garner, que também tem ótimos
acessos à bancos de dados, não conseguiu, nós não
teremos nenhum progresso além disso.
- Sério? Mas não podemos nem tentar?
- Podemos. Claro que podemos. Eu só
preciso dos meus equipamentos.
- Não seja por isso. Eu peço para buscarem
imediatamente.
- Calma, senhorita. Vamos com bastante
calma. Se trouxer as minhas coisas para cá, sua
namorada vai desconfiar e nos encher de perguntas.

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Quer se submeter ao interrogatório da comandante?


- Deus me livre! - Conner suspirou
profundamente - Como fazemos então?
- Eu vou voltar para o meu apartamento.
- Não, isso não. Eu quero estar por perto,
caso você precise de alguma coisa.
- Eu não vou precisar de nada, Eleanor. Já
estou ótima. E além disso, é por um bem maior.
- Não. Já conversamos sobre isso e você
prometeu ficar aqui por um tempo.
- Irmãzinha querida… - Lee parou em frente
a morena, segurando-lhe os dois braços - Eu não
vou descumprir a minha promessa. Será apenas por
alguns dias. Lá eu terei calma para parametrizar as
buscas, para organizar as idéias, para dar vida ao
que você quer, entende? Não podemos
simplesmente sair por aí procurando uma criança
desaparecida sem um bom planejamento. Aqui a
Olívia ficará de olho, vai sondar, e no fim das
contas, pode até descobrir o que estamos fazendo e
ficar uma fera. Prometo voltar e permanecer um
tempo aqui com você, hum? E se estiver tão
preocupada assim com a minha saúde, comigo
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estando sozinha em casa, posso pedir à Louise que


vá me visitar… - A ruiva mordeu o lábio inferior,
não conseguindo conter o semblante safado só de
lembrar da psicóloga.
- Ah, então é isso. - Conner riu - Já entendi.
Nós podemos providenciar o seu retorno provisório
para a sua residência mais tarde. Só…preciso tentar
fazer algo por Garner. Ela não comenta sobre o
assunto, esconde essa dor bem lá no fundo do seu
coração, mas eu sei o quanto aquela mulher ainda
sofre. O meu amor já fez tanto por mim, nada mais
justo do que eu fazer por ela também, não acha?
- Claro! Você tem toda a razão. Vocês se
amam. Precisam estar uma com a outra, fazer algo
pela outra sempre. É lindo ver o quanto se gostam,
e é melhor ainda poder ajudar. Vamos tentar
encontrar o filho da loira mandona. Uma promessa
minha.
- Obrigada, Lee. Obrigada. - Abraçadas, as
irmãs continuaram o passeio pelos jardins da
residência presidencial, tecendo detalhes daquele
plano do bem.
***********
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Já se aproximava da hora do almoço e


Alexander, entretido, concentrado em suas tarefas,
nem sequer tinha percebido o tempo passar. Fazia
meia hora que havia chamado a comandante Garner
até o salão oval, mas a loira ainda não tinha dado as
caras por lá.
Foi a conta do homem pegar no telefone para
solicitar a sua presença novamente, que logo ouviu-
se batidas na porta.
- Entre!
- Com licença, Sr. Conner. Desculpe pelo
atraso. Tivemos um pequeno problema na visita
guiada.
- Oh, entre, Garner. Aproxime-se. - O
presidente fez sinal com a destra, indicando uma
cadeira à sua frente - Já ia te ligar. - Ele sorriu,
amistoso.
- Nossa, me desculpe mesmo, mas é que…
- Não se preocupe. Está tudo bem. É…eu te
chamei aqui por dois motivos.
- E quais são? - A agente federal acomodou-
se no lugar indicado - Existe algum problema no

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sistema de segurança? É na USES?


- Não é nada disso. Eu não sei se já te
informaram, mas... Mosby apareceu, como em um
passe de mágica, dando um susto tremendo em
todos nós. O cara estava vivo esse tempo todo… -
Alexander meneou a cabeça negativamente,
incrédulo - Ele foi até a USSE e pediu para depor.
- E com quem ele falou? O senhor sabe? -
Olívia parecia preocupada, não conseguindo
disfarçar seu desconcerto.
- Com a direção geral, claro. Randolph
cuidou de tudo. Ele ainda não me mandou o
relatório, nem deu maiores notícias. Parece que
ainda estão com Booth sob custódia e precisam
esmuiçar esse caso para liberá-lo, se puderem
liberar o rapaz.
- Não…não lhe disseram exatamente o que
levou Wes a forjar a sua morte? - A comandante
gaguejou.
- Como acabei de dizer, não me deram
muitos detalhes. Ao que parece, seu ex-colega de
trabalho, temeu pela própria vida depois de
descobrir algo sobre os criminosos que
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participaram do atentado que sofremos aqui. Então,


resolveu sumir do mapa. Uniu o útil ao vital.
- Eu sei. - A loira prendeu a respiração antes
de aprumar seu corpo na cadeira - Sr. Presidente,
acho que agora, nas circunstâncias em que nos
encontramos, posso lhe confessar a verdade. Mosby
me procurou alguns dias antes de Waite nos
sequestrar. Ele me disse que estava de olho em nós
e que estava tentando ajudar de alguma forma. Eu
não comentei nada antes porque…porque cometi o
terrível erro de investigar esses bandidos sozinha, e
porque era muito perigoso envolver mais pessoas
nessa história sórdida. Tenho para mim que quem
chamou o socorro quando estávamos naquele lugar
ermo foi o Mosby. Que outra forma teriam de nos
descobrir ali?
- Garner… - O homem sorriu de canto,
respirando profundamente - Eu já sabia da sua
participação nisso tudo.
- Como? - O espanto tomou o semblante da
agente secreta, deixando-a boquiaberta.
- Essa foi uma das poucas informações que
Randolph me passou. Wwes contou esse "detalhe".
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- Oh… - A surpresa deu lugar para o


nervosismo mais uma vez - Então…provavelmente
vão me chamar para depor também e…me punir.
- Para depor é muito provável que sim.
Agora, para lhe punir…só passando por cima do
Presidente da República.
- Sr. Presid…
- Aqui, neste exato momento, podemos ser só
Olívia e Alexander. Você salvou a minha vida, a
vida da minha família e da família do governador.
Salvou Eleanor por duas vezes. Tenho uma dívida
de gratidão eterna contigo. Você cometeu um erro
grave, pôs em risco a sua segurança a de várias
outras pessoas, mas mesmo assim, jamais vou
permitir qualquer tipo de punição contra esses atos.
Só estou vivo por sua causa, e minha filha também.
Mas, Garner, pelo amor que você tem a Deus, não
cometa uma loucura dessas de novo, senão, não
conseguirei te defender.
- Não vou precisar cometer nenhum
disparate, nem sequer parecido porque, se o nosso
bom Senhor assim permitir, à partir de agora só
teremos paz.
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- Que Deus te ouça e os anjos digam amém. -


Os praticamente sogro e nora riram - Mas não foi
somente por Mosby que te chamei aqui.
- E por que então?
- Eu queria conversar contigo sobre o seu
relacionamento com Eleanor, já que desde o dia em
que descobri, não tivemos a oportunidade de falar
sobre o assunto.
- Senh… Alexander, eu… - O presidente fez
um sinal com a destra para que a comandante
interrompesse a sua fala.
- Olívia, nenhum pai sonha em ter uma filha
homossexual, mas também, Eleanor não veio ao
mundo para realizar os meus sonhos de pai. Diante
disso, respeitar e aprender a lidar com a situação foi
minha única opção para conseguir manter uma boa
relação com ela e com você. Eu logo fiquei
pensando se Eleanor sofreu com a descoberta da
sua sexualidade, se ela escondeu isso de nós por
medo, se já houveram outras namoradas, se a
repressão tinha deixado alguma marca mais
dolorosa nela, se minha filha precisava de ajuda. Eu
sou um homem conservador, confesso. Nada disso
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está sendo fácil para mim, ainda mais com tantos


problemas de verdade com os quais tenho que me
preocupar… - Nesse instante, os olhos do
presidente encheram-se de lágrimas, com um
sorriso dúbio sendo estampado em seu rosto -
Apesar das dificuldades, eu sei que nada do que eu
fizer além de apoiar Eleanor, vai contribuir para
que ela seja feliz. Eu tive que parar, respirar fundo,
analisar toda a situação e depois tomar uma
posição. Minha menina sempre foi e sempre será o
meu maior motivo de orgulho e não de vergonha.
Ela sempre foi, e continua sendo, uma filha
esforçada, que segue seus princípios e que tem um
caráter incorrompível. Não está ao meu alcance
mudar o destino de ninguém, e se o destino da
minha filha é te amar, o que eu posso fazer? Só
espero, de todo o meu coração, que você não a
magoe, Garner, pois mesmo com toda essa bravura
que possui, vou pessoalmente acabar com a sua
raça. - Os dois riram. Alexander levantou-se e a
agente fez o mesmo, recebendo um abraço caloroso
do homem - Eu perdi uma esposa, mas ganhei duas
novas filhas. Seja bem vinda à família Conner,
Olívia.
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Capítulo 52 – Uma
surpresa para Olívia
Depois de servir como sala de reuniões e até
de sinuca, a sala de mapas da Casa Branca, recebeu
esse nome por conta de Franklin D. Roosevelt
durante a Segunda Guerra Mundial, onde o até
então presidente, usou o cômodo como uma “sala
de guerra”, onde reunia mapas para planejar
estratégias. Nos dias atuais servia para diversos
propósitos, porém mantendo os antigos mapas nas
paredes por lembrança histórica.
Alexander estava nessa sala observando
Eleanor e Megan caminhando pelos jardins em
direção à parte interna da residência. O homem
fechou os olhos por alguns segundos, sorrindo,
apesar da tristeza que carregava dentro de si. O Sr.
Conner teve a sua família desmantelada de uma
forma dolorosa, mas, em contrapartida, ganhou
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uma porção extra de aprendizado e sabedoria.


Resiliência agora era a sua palavra-chave.
Complacência também, talvez.
Lidar com a presença de Meg - fruto de uma
traição que sofrera pela mulher que amou por
tantos anos, e ainda amava - dentro de seu lar, era,
no mínimo, difícil e confuso. Mas a pobre não tinha
culpa dos erros alheios, menos ainda podia sofrer
com o amargor de uma dor que não a pertencia.
Alexander sorriu pensando em tudo aquilo.
Ele não sabia qual era a decisão certa a se tomar,
ele não sabia o que fazer, porém tentaria seguir
pelo caminho menos óbvio, mas o que lhe parecia
mais assertivo.
À passos lentos, o homem dirigiu-se até a ala
leste da Casa Branca, onde ficavam os quartos. Ao
passar por um dos agentes, se informou de que
Eleanor e Lee haviam seguido para os seus
aposentos. O presidente resolveu ir atrás delas no
intuito de verificar se estava tudo bem, e para
conversar um pouco, o que para ele era o mais
importante.
- Posso entrar? - Alexander colocou parte da
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cabeça para dentro do quarto onde a ruiva estava


hospedada, através da porta entreaberta.
- Pai! Claro que pode entrar! - A herdeira
abriu um sorriso genuíno ao ver o seu progenitor
adentrando no cômodo.
- Eu vim ver se está tudo tranqüilo por aqui.
Melhorou, Megan?
- Estou melhorando, aos poucos. Não é uma
coisa que se diga "nossa, como ela está
melhorando", mas pelo menos não morri, não é? -
Meg fez todos rirem, com a sua irmã meneando a
cabeça em negativa.
- Fico feliz em ouvir isso. Estar viva é um
ponto muito admirável mesmo. - O presidente
suspirou profundamente, intercalando o olhar entre
uma mulher e outra.
Foi uma questão de segundos para que
pairasse uma nuvem acinzentada sobre os três.
Eleanor engolia em seco de um lado, Alexander
pigarreava de outro. Lee direcionava a sua atenção
para os seus dedos que enrolavam a ponta do lençol
em nervonismo. Ninguém sabia como agir e nem
quem tomaria a iniciativa para quebrar aquela
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corrente de estranheza. A morena - corajosa como


havia ficado - foi quem o fez.
- Pai, nós temos que te contar uma coisa.
- Que coisa?
- Beatrice foi ao hospital antes da minha alta
e me deu… - A ruiva abriu o livro que estava sobre
o criado mudo ao lado esquerdo da cama, retirando
dentre as páginas, os escritos de desabafo da
primeira-dama - …essa carta. Leia. - Megan
caminhou até o homem, estendendo-lhe o papel.
O presidente leu parágrafo por parágrafo,
linha por linha, fazendo um esforço sobrenatural
para conter a emoção, bem como as lágrimas. Ao
término, ele dobrou a carta onde já estava marcado,
colocando-a sobre o colchão, perto da ruiva.
- Como disse Platão: "Não existem verdades
absolutas". O único fato fixo desse mundo,
invariável e inalterável que não existe, em nenhuma
hipótese, é círculo quadrado ou um quadrado
redondo. De resto, tudo é possível. Eu não posso ter
certeza se Beatrice diz ou não a verdade. Eu não
tenho certeza nem do que estou sentindo nesse
momento. E apesar de tudo o que ela fez, de toda a
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dor que me causou, que causou a vocês duas,


prefiro não julgá-la. Na verdade, prefiro nem
pensar nesse assunto por ora. É impossível não
lembrar de Beatrice, mas é possível não ficar
divagando sobre as suas atitudes, e é exatamente o
que farei. O tempo cura tudo.
- Pai, será que não estamos nos enganando ao
pensar assim? Digo porque venho pensando muito
nessa coisa de deixar o tempo passar. Não tenho
certeza se o passar do tempo faz esquecer algo.
Acho que apenas distrai a aparente sensação de
proximidade de um estímulo que antes era recente.
Quando o senhor diz que o tempo “cura”, na
verdade é só a perspectiva que mudou, ou seja, não
vai curar, vai só amenizar a dor.
- Que seja, minha filha. A questão maior é
que eu acho que sua mãe fez bem em se afastar, dar
um tempo para que todos coloquem as idéias no
lugar. Não vamos ter pressa em fazer as coisas se
ajeitarem. Temos muitos problemas para resolver
além desse. Ocupar a mente vai nos fazer bem.
- Você tem razão, pai.
- É, bom, eu…vou deixar vocês duas à
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vontade. Tenho que me preparar para uma


entrevista mais tarde. - Alexander foi caminhando
para a saída, mas parou na porta, respirando fundo
e encarando as mulheres que o observavam -
Megan, eu só…gostaria que soubesse que,
independentemente do que a minha esposa tenha
feito, do que você sente por ela, agora te considero
parte da família. Você é irmã da única coisa que me
restou no mundo, então, pode contar comigo como
um orientador que você nunca teve, como um pai,
se quiser. - A mesma emoção vista nos olhos e
trejeitos do homem, podia-se encontrar em Eleanor
e Lee.
- Obrigada. - A ruiva disse, sorrindo - Não
sabe o quanto isso significa para mim.
- Não precisa agradecer. - Alexander sorriu
de volta - Agora vocês têm a companhia que tanto
desejaram por todos esses anos. Se cuidem e não
magoem uma à outra.
*************
As semanas corriam rapidamente, como em
um piscar de olhos. Pesquisadores afirmam que
essa sensação se dá com o aumento das
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responsabilidades, das atividades profissionais,


além do estresse do dia a dia. Quanto mais coisas
acontecem na vida, maior a sensação de velocidade
e da falta de tempo para realizar as tarefas. E era
extamente isso o que acontecia com todos dentro da
Casa Branca.
As eleições se dariam dali há pouco mais de
um mês, e Eleanor não conseguia desestressar,
controlar sua ansiedade e temor. A comandante
Garner, por sua vez, andava trabalhando dobrado e
tendo paciência em dobro também, tanto como
segurança particular da candidata, quanto como
namorada.
Sem comparativos e sem desmerecer o
esforço de cada um para que tudo desse certo,
podia-se falar que a pessoa mais compenetrada em
sua função era Meg. Desde o pedido da irmã de
encontrar pistas sobre o paradeiro do filho de Liv, a
mulher não fazia outra coisa. Dia e noite estava
conectada com as possibilidades que apareciam no
mundo todo. A ruiva viajou uma dezena de vezes
para buscar por informações. Conversou com
pessoas, possíveis testemunhas, enveredou-se em
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um caminho que jamais sonhou em seguir.


- Acho que eu posso ser considerada
oficialmente como uma detetive. - A ruiva
comentou, antes de bebericar do vinho que tomava
com a namorada.
- Digamos que detetive é uma nomeclatura
mais convencional para hacker, não é? - Louise
gargalhou, sentando-se no colo da outra - Larga
isso um pouco. Relaxa.
- Só mais cinco minutos, gata. Deixa eu
terminar de encaminhar esse email.
- É uma pena eu não poder te acompanhar
nessa viagem para Lacock. Tomara que não nos
frustremos mais uma vez.
- Tomara mesmo. Eu não sei, Louise, mas
algo me diz que realmente encontrei o Arthur.
Consegui fazer amizade com aquele cara da
Scotland Yard e ele me disse que as descrições do
garoto que suspeitam, bate com as que a Interpol
citou sobre o Arthur na lista de menores
desaparecidos.
- Foi uma tremenda coincidência, não acha? -
A psicóloga sussurrou, dando um selinho rápido
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nos lábios da namorada antes de começar a se


despir.
- Coincidência? À isso eu chamo de destino.
E é coisa do destino também esse tesão que eu sinto
em você. - A ruiva murmurava entredentes,
ofegante com a visão do corpo nu de Mattew à sua
frente.
- Ah, é? Tesão? Por que, então, não me fode
e acaba com ele?
- Impossível acabar com o tesão que sinto por
você, gostosa…
Finalmente a ruiva estava se dando um
momento de paz, de descanso. Louise vinha se
mostrando muito paciente desde que firmaram o
relacionamento, e torcia, sinceramente, para que
Megan encontrasse o filho da amiga. Assim, a
alegria retornaria ao lar dos Garner, e por
consequência, contagiaria à todos que amavam a
comandante.
Foram inúmeras ligações, emails, encontros,
idas e vindas em localizações ermas atrás de uma
pequena fagulha que pudesse elucidar o caso de
Arthur, que se arrastava por mais de dez anos. De
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tanto buscar por notícias e só encontrar pistas falsas


ou seguir por caminhos que não levavam à nada,
Lee já mantinha-se sem esperanças de encontrar o
garoto vivo, mas independente disso, continuou
procurando. Mesmo se o filho de Olívia estivesse
morto, ela queria ajudar a fechar esse ciclo, e quem
sabe, trazer um pouco de paz de espírito para a
cunhada.
Contudo, as esperanças foram renovadas em
seu íntimo quando um adolescente foi encontrado
há alguns dias em Lacock, um pequeno vilarejo
localizado no interior da Inglaterra, durante uma
ação da polícia para desfazer um acampamento
ilegal de ciganos. No mesmo local, os policiais
acharam drogas e armas, dando início à mais uma
batalha contra os manifestantes que estavam sendo
desalojados.
Um menino de pele branca, cabelos
castanhos e com uma marca de nascença
avermelhada no pescoço chamou a atenção da
polícia por ter biotipo completamente diferente do
casal que se diziam pais dele, bem como de todo o
restante dos moradores do local.
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Levados para a delegacia e interrogados pelas


autoridades, o homem e a mulher acabaram
confessando que o garoto foi entregue aos dois há
pouco mais de um ano. A pessoa que pediu para
que cuidassem dele fazia parte de uma quadrilha de
tráfico de crianças que atuava em diversas partes do
mundo. Faltava agora apenas um teste de DNA
para corrobar o depoimento dos suspeitos.
Megan estava viajando exatamente por isso.
Um dia antes da data marcada para o exame do
garoto, a ruiva embarcou rumo à Inglaterra. Garner,
com o seu faro policial investigativo apurado,
desconfiou - por vezes, durante esses meses - que a
cunhada estava tramando algo juntamente à
Eleanor, mas nem de longe sonhava que pudesse ter
relação com o seu passado doloroso. Para que o
plano não fosse colocado por água abaixo depois de
tanto esforço, as irmãs inventaram um curso de
especialização na área de sistemas da informação,
no intuito de que a ruiva pudesse justificar suas
ausências.
Essa presença ativa de Meg no caso, só se
deu por conta de sua ótima lábia e pela influência
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que o nome Conner trazia mundialmente. Assim


que começou a investigar o sumiço de Arthur, a
ruiva passou a seguir uma pista e logo conheceu
Irnold Keplen, investigador dentro da Scotland
Yard. Conversa daqui, conversa dali, e rapidamente
Lee tornou-se amiga do homem, tendo acesso
privilegiado ao sistema interno da polícia local e à
informações que ele possuía.
De fato, muita coisa nesse caso se deu fora
dos parâmetros da lei. Dinheiro e poder conseguem
burlar e corromper quase todas as pessoas nesse
mundo. Megan usou e abusou das armas ilícitas que
tinha para conseguir o seu intento. Era errado, mas
necessário. Não que os fins justificassem os meios,
contudo, não havia outra maneira melhor, mais
rápida e eficaz de resolver o problema que se
estendia por anos. A ruiva moveus céus e infernos,
fez o que podia e o que não podia para, em um mês,
estar embarcando de volta aos Estados Unidos com
uma notícia relevante sobre Arthur.
************
Entre uma entrevista e outra, um
compromisso e outro de campanha, Eleanor
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auxiliou a irmã a investigar o desaparecimento de


anos atrás do bebê da comandante Garner. As
mulheres fizeram tudo na surdina, às escondidas, e
agora havia finalmente chegado a hora de revelar
toda a verdade descoberta à respeito de Arthur.
A morena estava irriquieta desde que
acordara sabendo que Meg estava à caminho, e dali
a poucos minutos pousaria em solo americano.
Andava de um lado para o outro, sentava,
levantava, mordia os cantos dos dedos, chorava
desequilibrada emocionalmente. O momento não
era dela, tecnicamente não tinha nada a ver com
ela, mas fazia parte da vida da mulher que amava,
portanto, abraçar a causa, com todos os sentimentos
que lhe competia, era inevitável.
- Srta. Conner, eu não consegui falar com a
comandan…
- Mas que merda! Como você não conseguiu
falar com a Olívia? Você trabalha aqui há quanto
tempo? Um ano? Vai demonstrar sinais de
incompetência justo agora? - Conner esbravejava
com Anne, que por sua vez, encarava atônita o
surto da mulher - O que foi? Por que está me
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olhando assim?
- Nada. É que eu não havia terminado de
falar. Eu ia dizer que não consegui falar com a
comandante Garner porque ela estava em reunião
com o pessoal da USES, mas eu deixei recado
informando que a senhorita precisava de seus
préstimos urgentemente. - A secretária respondeu
com calma, uma vez que sabia que aquele rompante
não passava de puro nervosismo.
Desde que passou a integrar a equipe de
colaboradores da Casa Branca, ouviu boatos das
oscilações de humor da filha do presidente, do seu
ar autoritário, igual ao da mãe, mas nunca sofreu
com a impetuosidade da morena, salvo nesses casos
esporádicos de acesso de raiva. Fato era que
Eleanor havia feito um grande progresso no que
dizia respeito à sua personalidade, havia
amadurecido e não mais tratava quem quer que
fosse com frieza e ares de superioridade como antes
costumava fazer.
Percebendo seu ato falho, Conner respirou
profundamente, sentando-se em seguida.
- Desculpa. Deve ser por isso que ela não
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respondeu às minhas mensagens e ligações. Eu


estou tão ansiosa que parece que vou…explodir.
Desculpa.

- Imagina, Srta. Conner. Ela já está chegando.


Acho que à essa altura já deve estar na Casa
Branca.
- É. Eu vou esperar.
- Precisa de alguma coisa?
- Não. Pode ir, Anne. Ficarei bem.
Assim que a moça saiu da sala onde a
herdeira se encontrava, deu de cara com a agente
secreta caminhando à passos largos pelo corredor.
- Ela não parece nada bem. - Sussurrou - Está
ansiosa para falar contigo. Aprontou alguma?
- Eu? Eu não fiz nada. - A loira bufou alto -
Vou ver o que Eleanor quer antes que a terceira
guerra mundial seja declarada oficialmente.
Assim, apressadamente, a comandante
adentrou no cômodo onde a namorada estava,
sorrindo ao vê-la.
- Amor, que bom que você chegou. - Conner
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foi até a mais nova, abraçando-a com força - Sente-


se. Precisamos conversar.
- Eu fui às pressas para a USES. Não tive
condições nem de te avisar. Me deram o recado lá
que você precisava me ver com a máxima urgência.
Quando cheguei aqui também. O que aconteceu?
Estou…preocupada.
As mulheres sentaram-se em um sofá, uma de
frente para a outra, com Eleanor segurando ambas
as mãos da amada.
- Liv, lembra de todas as vezes que me
perguntou, nas últimas semanas, se eu estava
escondendo algo?
- Claro que lembro! Você e Megan estão
arredias, estranhas, interrompendo conversas
quando eu chego. O que estão aprontando dessa
vez? - Garner demonstrava estranheza no
semblante.
- Desde que você me contou sobre seu filho
naquele dia em que estávamos em sua casa, venho
pensando em uma forma de te ajudar, em uma
forma de amenizar essa dor que carrega no seu
peito.
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- Eleanor, isso é um problema meu, só meu.


Eu não quero que se meta nesse assunto. Eu
procurei pelo meu filho durante todos esses anos
e… - Os olhos da loira marejaram automaticamente
- Ele nunca mais vai voltar para os meus braços.
Nunca mais, Eleanor. Por favor, você diz querer
amenizar a minha dor, mas só faz doer quanto
comenta sobre o meu bebê. Isso é um caso
encerrado. Esqueça essa história.
- É aí que você se engana, meu amor. Não é
um caso encerrado. Ao menos não era até agora.
- Como assim? O que quer dizer com isso? -
A fisionomia preocupada transformou-se em
curiosa em questão de segundos.
- Eu pedi a minha irmã para me ajudar a
investigar o caso do desaparecimento do Arthur…
- Mas que merd…
- Calma! - A mais velha conteve a outra,
interrompendo-a e segurando em seus braços para
que se mantivesse sentada quanto esta fez menção
de se levantar - Foi difícil. Muito difícil, por sinal.
Megan passou praticamente todas as noites em
claro esmiuçando o processo, falando com quem
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esteve no parquinho no mesmo dia que você, com


testemunhas em potencial…
- Como? Como ela conseguiu isso?
- Amor, você conheceu a minha irmã antes de
mim. Sabe muito bem de seus negócios escusos.
Mas eu…eu também subornei várias pessoas para
conseguirmos o que pretendíamos.
- E o que vocês pretendiam? - A comandante
proferia as palavras com dificuldade, devido ao
embargo que se dava em sua voz.
- Conseguir informações, quaisquer que
fossem sobre o paradeiro do seu filho.
- E conseguiram? - Igualmente emocionada,
vendo o peito da namorada arfar, assim como o seu,
Eleanor meneeou a cabeça afirmativamente.
- Nessa viagem que Meg fez para Inglaterra,
ela foi acompanhar o desfecho de uma possível
pista... - A fala da herdeira fora interrompida por
batidas na porta.
- Posso entrar? - Era a ruiva quem
perguntava.
- Chegou na hora exata. - Conner sorriu

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brevemente, limpando uma lágrima que havia


escorrido pelo seu rosto.
- Eu vim correndo. - Lee sentou-se perto da
irmã - Devia ter me esperado chegar. - Ela
sussurrou para a irmã, que franziu o cenho em
repreensão.
- Eu não aguentei.
- Ei! As duas! Estou bem aqui. Vocês vão
ficar conversando entre si? - Garner reclamou,
impaciente.
- Desculpa, cunhada.
- Como eu estava dizendo…Há algumas
semanas atrás recebemos uma notícia, uma pista, na
verdade, que fez com que Meg fosse até Lacock
para poder acompanhar de perto o defecho.
- É…eu fiz amizade com um agente da
Scotland Yard e ele me ligou imediatamente assim
que teve acesso à informação. Nessa cidade existia
um acampamento cigano ilegal que foi
desmantelado pela polícia. Junto com um dos
casais que moravam lá, encontraram um garoto que
tinha descrições muito parecidas com as de seu
filho, Olívia…
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- O quê? O meu…o meu filho está vivo?


Você…você encontrou o meu bebê? Megan, pelo
amor de Deus…Céus! - Olívia levou a destra à
boca para conter o som de seu choro compulsivo.
Eleanor, que à essa altura também chorava,
totalmente solidária à emoção da namorada,
abraçou-a de lado, tentando confortá-la - O que
aconteceu com o Arthur?
- Liv, eu… - Lee, também contagiada pelos
sentimentos afetivos que o momento trazia, abaixou
a cabeça alguns segundos, fungando por conta das
lágrimas - …eu nunca fiz nada parecido. Eu nunca
fiz algo de tamanha grandiosidade. Em uma certa
conversa que tive com a minha irmã, confessei à
ela que um dos propósitos que eu tinha em minha
vida era o de ser alguém importante. Pela primeira
vez eu me senti assim.
- Não enrola, Megan. Ela está tremendo. -
Conner sussurrou.
- Bom, eu fui até Lacock e acompanhei de
perto esse caso. Através do depoimento desse casal,
a polícia conseguiu chegar na quadrilha que atuava
no mundo inteiro fazendo tráfico de crianças.
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Foram eles que levaram o seu bebê. Ao que parece,


tiveram uma "encomenda" urgente de um menino
quase recém-nascido, branco e de cabelos
castanhos. Houve a oportunidade, então,
cometeram o crime. Mas esses detalhes quem
poderá te explicar melhor será a polícia. Eles só
não entraram em contato porque…Eleanor quase
implorou. - Garner, que ainda chorava
copiosamente, encarou a morena com braveza.
- Meu amor, me perdoe. Eles ainda estão
concluindo o inquérito e entrando em contato com
a polícia daqui dos Estados Unidos. Esse desfecho
só se deu essa semana. Foram apenas alguns dias.
Nós queríamos te dar a notícia pessoalmente.
- É… eu vi de perto o garoto que tem uma
marca de nascença muito parecida com a relatada
nos autos do caso do Arthur. Aqui está… - Meg,
sorrindo emocionada, estendeu uma pasta para a
comandante.
Tão logo Olívia a abriu, verificando o seu
conteúdo, novas lágrimas banharam o seu rosto. Ali
estava o resultado do exame de DNA, cópias dos
relatórios policiais e fotos de um garoto em
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diversas idades; fotos essas que complementavam a


certeza de que seu filho finalmente tinha sido
encontrado.
- É ele! É meu bebezinho. Meu bebezinho.
Oh, meu Deus! - A loira falava, ao passo em que
passava o indicador direito sobre as fotos - Olha,
amor, olha como ele é lindo! Meu filho está vivo!
Vivo! Obrigada, meu Deus. Obrigada. - Ainda
trêmula em demasia, Garner teve que novamente
ser amparada por Eleanor para que não viesse a
desabar por completo.
- Ele é lindo mesmo. Mudou um pouco,
claro, mas tem a mesma carinha de sapeca de
quando pequenino.
- E onde ele está agora, Lee? O casal…o
casal que estava com ele foi preso? Com quem ele
ficou?
Antes que a ruiva pudesse se manifestar e
responder aos questionamentos da outra, batidas na
porta foram ouvidas, o que fez Megan levantar-se
para verificar do que se tratava.
- Meg, desculpa te interromper. Eu sei que
pediu pra eu esperar aqui fora, mas é que tô
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apertado e fiquei com medo de sair procurando


pelo banheiro e me perder.
Ao ouvir aquela voz masculina de timbre
incerto, inconstante, própria dos adolescentes,
Garner pôs-se de pé imediatamente, virando-se
devagar, receosa, em direção à porta.
- Filho?

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Capítulo 53 – De repente
tudo pode mudar
Existe um elo muito forte entre mãe e filho
que nem mesmo o tempo é capaz de apagar. Talvez
seja esta uma das ligações mais fortes da natureza,
comprovada pelo sentimento que se estabelece com
um bebê, lá nas primeiras semanas de sua
existência dentro do ventre, e que dura para
sempre.
Olívia passou anos e anos de sua vida
sofrendo, chorando escondida pelos cantos,
imaginando como seu filho era, como ele estava
sendo tratado, se comia bem, se morava bem, se
frequentava uma boa escola. Não teve um dia
sequer desde que Arthur fora raptado que a
comandante não tenha pensado nele. Por vezes,
suas esperanças de revê-lo, de encontrá-lo vivo, se
esvaiam, chegando quase ao esgotamento, mas no
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fundo de seu coração, o amor que sentia pelo filho,


resgatava a sua fé e a fazia se reerguer na
positividade. Detalhes fascinantes sobre essa
conexão tão ímpar entre a mãe e seu bebê.
Era claro que aquilo que a loira sentia pelo
garoto desaparecido era um tanto quanto diferente
do que ela provavelmente sentiria se ele tivesse
sido criado por ela. Porém, a relevância do
sentimento nunca deixou de ser parte fundamental
de sua vida.
Anos de sofrimento, anos de busca, procura,
lutas externas e internas travadas. Anos de amor
acumulado. E agora, Garner estava diante de um
adolescente lindo, sentada à encará-lo, buscando
eternizar em sua memória cada detalhe daquele
rosto que foi privado dos beijos maternos que a
loira sonhou tanto em dar.
- Então…você é o…Alexander? - Por mais
que quisesse agarrar o menino e externar o carinho
guardado, Liv ainda sentia-se nervosa, apreensiva,
tal como o próprio rapaz demonstrava estar.
Ali eram mãe e filho sentados um de frente
para o outro, mas também, querendo ou não, eram
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dois estranhos que teriam que se adaptarem aos


poucos às mudanças, à nova realidade que a vida
lhes impunha.
- É…sou. Estranho, ne? Cada vez que a
família que me criou fugia, me davam um nome
diferente. Já tive três. Quando me levaram para
ficar com os ciganos, não quiseram mudar mais. É
bem estranho mesmo. Alexander, disseram que
escolheram por causa do presidente, em
homenagem à ele, e agora eu tô aqui, na casa dele. -
A loira riu, tomara pela graciosidade do rapaz,
enquanto limpava uma lágrima que escapara,
escorrendo pelo seu rosto.
- Seu pai e eu te demos o nome de Arthur, o
nome de um príncipe.
- A Megan me contou boa parte da minha
história antes de me perguntar se eu queria vir pra
cá.
- E você quis…
- Quis, quis sim. Eu vivi esse tempo todo
"fugindo" de algo e nem entendia o porquê. Meus
pais não eram pais. Nunca tive ninguém que me
amassem de verdade. Quando me contaram que
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minha mãe biológica estava procurando por mim,


não pensei duas vezes. Sempre quis saber quem
você era, como você era, desde quando descobri
que era adotado. Antes eu imaginava que tinha sido
abandonado, mas mesmo assim eu queria encontrar
meus pais pra saber o motivo exato desse
abandono.
- Oh, meu filho… - Nesse momento, a loira
puxou Alexander para um abraço forte, apertado -
Te tiraram de mim de uma forma tão brutal! Eu
jamais te abandonaria. Jamais. E eu nunca desisti
de você, nem um dia sequer.
- É…bom saber disso.
- Mas, Alex… Posso te chamar assim?
- Pode. Não ligo.
- Então… Quando você soube o que estavam
fazendo contigo, por qual motivo não fugiu? Por
que não tentou se livrar dessas pessoas?
- Eu não sabia exatamente. Sentia que algo
estava errado, perguntava, mas sempre me
enrolavam nas respostas. Fiquei mais desconfiado
quando me entregaram pros ciganos falando que
eram amigos e que eu iria adorar morar com eles
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enquanto viajavam. E mesmo se eu soubesse a


verdade e resolvesse fugir, iria pra onde? Pra rua?
Bem ou mal sempre tive comida, teto e escola. Não
queria me arriscar a viver pedindo esmola, ou ser
um bandido. Eu tava esperando arrumar um
emprego pra juntar uma grana e sumir, poder viver
por conta própria, sabe? Só que não deu tempo.
Aquela ruiva que come dois sacos de batata por vez
me achou antes.
- Dois sacos? - Ambos riram.
- Ela veio comendo durante o vôo. Dois sacos
grandes. Acho que tinha um quilo de batata em
cada. Pensei que ela fosse morrer. Sério! E eu
achava que comia muito.
As gargalhadas se davam em meio às
lágrimas e novamente Olívia abraçou seu menino.
- Art…desculpa, Alex. - A agente federal
puxou uma grande quantidade de ar, prendendo em
seus pulmões - Eu não sei o que se sucederá daqui
para a frente. Não faço idéia do que a justiça
determinará, do que nós faremos em seguida. Por
mim, eu te levaria para a minha casa agora, te
abraçaria e nunca mais te soltaria.
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- Você não mora aqui?


- Não. Eu tenho um quartinho na área dos
funcionários, mas minha casa mesmo é em outro
bairro, há alguns quilômetros daqui.
- Legal… - O garoto suspirou, ainda um
pouco constrangido.
- Bom…eu...eu não sei quais são seus reais
sentimentos sobre tudo isso, o que se passa dentro
de você, mas… Alex, eu posso te falar do fundo do
meu coração: nunca me senti tão feliz com você
aqui, na minha frente. Você tem avós que te amam
muito e vão pular de alegria ao saber que o netinho
querido deles está de volta. Você também tem um
tio de quase três aninhos, lindo, falador e
bagunceiro. - Riram - Seria bom se você aceitasse
ir conhecê-los.
- Eu…vou. Vocês…vão ser minha família
agora?
- Claro, Alex. Nós sempre fomos a sua
família, a família que sempre te esperou. Só sinto
muito por você não poder conhecer o seu pai. Ele
era uma ótima pessoa.
- Morreu, ne?
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- Infelizmente, pouco depois do seu


seqüestro.
- E a Megan?
- O que tem a Megan?
- Ela também é da família?
- Bem, digamos que sim. Você gostou
bastante dela, não é?
- Ela é muito engraçada! - O rapaz gargalhou.
- É sim. Só fala besteira. Não dê muitos
créditos ao que essa doida diz não, heim?
- É mesmo?
- Uhum…
- Então é verdade ou mentira o que ela me
contou sobre você?
- Depende. O que foi exatamente que ela te
contou?
- Que você namora a irmã dela, que é a
Eleanor, que é filha do presidente, que é candidata
à presidência, e que você é uma safada porque é a
segurança particular que pega particularmente a
Srta. Conner.
- Filha da mãe! - A exclamação saiu da boca
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da loira sem querer, sem controle - Desculpa.


"Essa ruiva me paga!"
- É verdade?
- Alexander, as coisas são bem mais
complicadas do que parecem. Megan não devia te
falar essas coisas... - Garner suspirou. Aquela era a
primeira conversa que teria com o filho, e não
podia, logo de cara, mentir para o garoto - Eu sou a
comandante que lidera a equipe de agentes federais
que trabalha para o presidente da República.
Eleanor e eu nos apaixonamos já faz algum tempo
e…bom, alguns condenariam a nossa relação por
vários motivos. Diriam que é antiético namorar
alguém do trabalho, diriam que é imoral uma
mulher gostar de uma mulher, diriam até que tudo
isso vai contra os bons princípios e exemplos que a
família presidencial deve oferecer aos americamos
e à população mundial. Por isso que eu te peço que,
por favor, não comente com ninguém. As eleições
serão daqui à alguns dias e se as pessoas souberem
que nós duas nos amamos, não vão votar nela,
entende?
- Mas isso não seria errado? Vocês estão
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enganando todo mundo.


- Pois então, meu filho, foi por isso que eu
disse que as coisas são mais complicadas do que
parecem. Vivemos em um mundo que evolui o
tempo todo, mas a mente de algumas pessoas ainda
se mantém retrograda, atrasada. Muitos são
preconceituosos e jamais apoiariam essa relação,
nos discriminariam e isso geraria problemas
seríssimos. Problemas que talvez você não entenda
agora, mas que um dia provavelmente terá a
dimensão do que são na verdade. E isso também
não é algo com que um garoto da sua idade deva se
preocupar - Alexander deu de ombros, respirando
fundo - O que foi? Toda essa situação é um
problema para você?
Nesse instante, a alegria, a euforia em estar
diante do filho desaparecido, deu brecha para a
apreensão. O temor da possibilidade de ser
rejeitada pelo garoto pela sua sexualidade, fez a
loira estremecer da cabeça aos pés. Um sonho
quase transformado em pesadelo, até Alex
responder à pergunta.
- Problema? Não. Só acho estranho.
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- Acha mesmo?
- Acho, ne? De repente, do nada, descubro
que tenho uma família biológica e a minha mãe é
uma agente fodona do serviço secreto que trabalha
pro presidente dos Estados Unidos e namora a filha
dele. Você vai ter que concordar comigo que isso
não acontece com todo mundo. Não é uma coisa
muito comum.
Alívio. Foi o que a loira sentiu naquele
momento. O entendimento de que o filho se referia
à situação como um todo, e não ao fato da sua
homossexualidade em si, fez com que ela relaxasse
e risse.
- É, Alex. Você tem razão. Eu concordo
plenamente contigo. - Mãe e filho riram, se
abraçaram e se beijaram - Então…quer fazer um
tour pela Casa Branca? Acho que o seu xará está lá
em cima no quarto dele. Posso perguntar se ele
autoriza você a dar uma volta no carro oficial, o
que acha?
- Você tá falando sério? Caramba! Eu morei
em muitos lugares, mas a maior parte foi aqui nos
Estados Unidos e sempre tive vontade de ver o
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presidente de perto. Ele é legal?


- Ele é um homem muito bom e generoso. -
Olívia sorria com a alegria do rapaz, levantando-se
e saindo com ele do cômodo em que estavam.
- E sua namorada? - A comandante entreabriu
a boca assustada com a pergunta, olhando para os
lados preocupada de ter alguém por perto que
pudesse tê-lo ouvido.
- Alex, lembra que eu te pedi segredo à
respeito disso? - Ela sussurrou.
- Ah, é verdade. Me desculpe.
- Imagina. Só…tome cuidado, ok?
- Tá. Mas e ela? - Garner bufou baixo, rindo
da insistência dele.
- Ela é ótima! A melhor pessoa que já
conheci. Generosa, inteligente, bonita. Se não fosse
por Eleanor, e a doida da irmã dela, nunca teríamos
nos encontrado.
- Que bom que a Megan é doida e foi atrás de
mim.
- É. Que bom mesmo! - A agente federal
franziu o cenho, encarando o garoto enquanto
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andavam pelos corredores da residência


presidencial - Alex, vem cá… Você fala tanto da
Meg…por um acaso está apaixonado por ela?
- Eu? Eu não! Ficou doida, é? - Liv prendeu o
riso com a reação do filho.
- Doida? Não fiquei não… Só queria te
alertar porque, se estiver apaixonado por Megan,
deve saber que ela também tem uma namorada, que
inclusive é a minha melhor amiga.
- O quê? Ta brincando?
- Não estou não.
- Todo mundo aqui é lésbica? - Ele pareceu
realmente preocupado, e ao notar seu semblante, a
loira não aguentou e caiu na gargalhada.
- Não precisa se preocupar que eu acho que
sobraram algumas gatinhas para você, está bem?
Entre risadas e conversas, a comandante
Garner foi mostrando cômodo por cômodo da Casa
Branca. Por ser uma propriedade demasiada
extensa, com 5.100 m² – sem contar com seus dois
anexos, a Ala Leste e a Ala Oeste - a loira preferiu
fazer a visita guiada por etapas. Naquele instante,

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veriam apenas o subsolo, onde ficavam o boliche, a


floricultura, a carpintaria e a chocolateria da
Presidência. Restariam ainda quase uma centena de
cômodos entre o térreo - com seus espaços para
recepções, eventos e a cozinha; o primeiro piso -
com as salas nomeadas por cores; o segundo piso -
onde se encontravam as suítes e os demais quartos
ocupados pela família Conner e seus hóspedes; o
terceiro piso - com as salas de recreações diversas;
a ala leste e a oeste, por fim.
Sem saber exatamente onde o presidente,
Eleanor e Megan se encontravam, Olívia contactou
seus subordinados para verificar a informação. A
mãe baboba ansiava por apresentar o filho à eles.
Na verdade, se pudesse, ela colocaria o garoto em
transmissão ao vivo para uma rede mundial, onde
todos pudessem conhecê-lo, conhecer o belo rapaz
que trouxe de volta o colorido à sua vida.
Alexander não poderia ter tido recepcão
melhor. Seu xará, logo de cara o adotou como neto,
fazendo questão de passear junto ao garoto no carro
presidencial. De acordo com o mesmo, aquilo não
seria nada diante do quanto Garner já havia feito
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por eles e o quanto significava para a família


Conner. Eleanor e Lee, nem se fala. Mimaram o
rapaz até não poderem mais. Imediatamente do
momento de alegria e euforia compartilhado na
Casa Branca, a comandante rumou com o filho para
Baltimore, para que os avós revissem o neto depois
daqueles longos e torturosos anos de sofrimento.
Seria surpresa, como havia sido com ela. A reação
se deu exatamente como a loira imaginou: D. Nora
desmaiando, Sr. Garner aos prantos e sem soltar o
menino de seus braços, quase o sufocando dentro
do abraço. Theo, mesmo sem entender direito o que
acontecia ali, fez festa para o novo membro da
família que apresentaram à ele, mas negando-se a
acreditar que Alex fosse mesmo seu sobrinho, já
que ele era pequeno e o outro era grande. Algo na
cabecinha dele não se encaixava, e de certa forma
estava certo em retrucar.
Tudo o que se sucedeu naquele dia feliz,
porém exaustivo pela intensidade das emoções,
somente destacou o quanto a vida é um grande ir e
vir ligado a proximidades e distanciamentos. Ter
"Arthur" de volta naquele seio familiar, também

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ressaltou outro momento que talvez fosse até mais


marcante: o reencontro.
Já bem tarde da noite, início da madrugada,
Olívia levou o filho para a sua casa, contrariando os
inúmeros apelos de sua progenitora. Aquele era um
momento entre mãe e filho, somente.
Observando-o dormir, cansado pela viagem
que fizera, pelo acúmulo de novas informações, a
agente secreta passou a refletir sobre tudo o que
vivera até ali. A razão, ao seu ver, caminhava lado
a lado com a emoção. Daquele dia em diante ela
seria uma mera aprendiz como o garoto. Teria que
buscar o equilíbrio, a dosagem certa do colo, do
aconchego, da segurança, do acalento da presença
de mãe. Ser mãe. Ela teria que reaprender a exercer
essa função também.
Garner fora privada do prazer de ver o filho
crescer e a necessária dor de ir se despedindo aos
poucos. Com Arthur tendo sido arrancado de seus
braços abruptamente, essa dor foi sentida
integralmente e com uma intensidade infinitamente
maior. Ela não teve condições de fazer o garoto se
tornar “grande” a cada dia. Ela não teve a
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preocupação em pensar na forma como o


incentivaria a ganhar autonomia. Mas agora, ela
tinha a chance de lhe mostrar uma nova perspectiva
de vida, ensinar a ser homem, a valorizar o trabalho
e a ser honesto, íntegro acima de tudo.
- Meu bebê, meu menininho… - A loira
sussurrava enquanto acariciava seus cabelos
castanhos - Eu sei que é tudo novo para você, mas é
para mim também. Esse povo todo que você
conheceu hoje é a sua família. Nós somos pessoas
que cometem erros, pedem desculpas, brigam, mas
que te amam muito, muito. Agora você tem uma
casa, todos nós somos a sua casa, um lugar enorme,
para onde você pode voltar sempre que quiser. Eu
te amo. Eu te amo.
************
Após tantos percalços, parecia mesmo que a
calmaria havia se instalado na Casa Branca, entre
os membros da família Conner e entre os Garner.
Beatrice ainda mantinha-se distante,
comunicando vez ou outra com o ex-marido e com
as filhas, apenas quando se fazia extremamente
necessário para a resolução de um problema ou
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outro com relação ao reconhecimento da


maternidade de Megan, o término de seu
matrimônio e ao tocante das empresas que tinha em
sociedade com a sua caçula. Ela sofria as
consequências de seus atos dia após dia, mas não
reclamava. Era resiliente quanto à sua dor. A ex
primeira-dama estava pagando pelos seus erros e
possuía pleno conhecimento disso, mas nunca
perdia as esperanças de, quem sabe, em um futuro,
ser perdoada de coração por quem ela tinha ferido,
para quem ela tinha causado tanto mal.
O processo na justiça quanto ao sequestro de
Arthur, agora Alexander, corria firme e estava
sendo transferido pela polícia inglesa para a
americana. Olívia havia conseguido a guarda
provisória do garoto, até que a audiência final com
o juiz da vara familiar fosse agendada. Ele e a
comandante praticamente haviam se mudado para a
residência presidencial, bem como Meg, que agora
era oficialmente uma membro do clã dos Conner. O
presidente, na tentativa de amenizar um pouco o
sofrimento que a ruiva havia guardado em seu peito
por tantos anos devido ao abandono, reconheceu-a

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como filha, para que, independente de testamentos,


pudesse ter os mesmos direitos aos bens que
Eleanor. Esta, por sua vez, ao invés de sentir-se
prejudicada, foi a cúmplice na árdua tarefa de
convencer a irmã a aceitar a proposta. Enfim, tudo
estava correndo bem e conforme os planos de cada
um.
- Garner! Garner! - A morena deu uma
pequena corrida quando viu a namorada
conversando com alguns agentes, preparando-se
para sair - Espera!
- Oi! O que foi? Precisa de algo?
- Não, quer dizer… Onde está o Alex? Eu
queria chamá-lo para jogar xadrez comigo.
- Ai, desculpa. Eu não imaginava que estava
com esses planos, então, permiti que ele saísse com
a sua irmã. Só não sei se foi boa idéia deixar
aqueles dois soltos, sozinhos aprontando por aí. -
Riram.
- Lee é doida, mas cuida bem do garoto. São
dois adolescentes, na verdade, não é?
- Alex é um pouco mais adulto. Desculpa. - A
comandante sorriu à encarar a amada, mordendo o
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lábio inferior discretamente - Bom, como o nosso


contingente está reduzido por conta do treinamento
especial para as eleições, preciso acompanhar o
presidente até o Capitólio, mas não vamos demorar.
Em torno de duas horas já estaremos de volta, ok?
- Ah, sim. Tudo bem. Cuide do meu pai, por
favor. - A mais velha retribuiu o sorriso da outra
com malícia - E…comandante…à noite será que
você vai poder fazer um outro serviço para mim? -
Entendendo o recado, a loira respondeu de
prontidão.
- Claro que sim, Srta. Conner. Seus pedidos
são ordem. À noite conversaremos melhor sobre
esse serviço extra. - Olívia piscou sutilmente -
Agora eu preciso ir buscar o presidente na casa do
governador para seguirmos com seu compromisso.
Até mais tarde.
- Até mais tarde, comandante Garner. -
Rindo, Eleanor adentrou na residência novamente,
seguindo para a sala de música.
Como seu único compromisso de campanha
se daria somente no dia seguinte, na última coletiva
de impresa antes das eleições, a herdeira
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aproveitaria os breves momentos de solidão para


exercitar seus dons frente ao piano de cauda.
A morena começou a tocar a Fantasia do
Viajante, de Schubert, Opus 15, uma peça para
piano cujo movimento baseia-se em uma frase da
canção do mesmo autor: O Viajante, adaptação
musical de um poema de Von Luhbeck.
A melodia suave invadia, não só o ambiente,
como a alma de Eleanor. Ela mantinha-se de olhos
fechados, sorrindo, sendo envolvida por um manto
de paz. Paz esta que, de repente, fora interrompida
por uma visita inesperada.
- Eleanor…
- David? Merda! - A mulher assustou-se de
tal forma, que quase machucou os dedos com a
tampa do piano.
- Isso são modos de me receber, querida? - O
homem aproximou-se, inclinando o corpo para
beijar a morena que, instintivamente, levantou-se,
esquivando e cumprimentando-o primeiro,
mantendo uma distância segura antes que
acontecesse uma tragédia.
- É que…você me pegou de surpresa. Não
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avisou que vinha…


- E desde quando temos esse tipo de
cerimônia um com o outro? - Henderson sorriu,
dando de ombros para o afastamento de Conner -
Bom, eu vim até aqui para saber por qual motivo
não quer mais atender aos meus telefonemas, às
minhas tentativas de contato. Por um acaso está me
evitando?
- Como assim? Não estou te evitando. - Seu
tom altivo disfarçava a mentira que acabara de
falar.
- Ah, não? Devo estar enganado mesmo.
Bom, se não está me evitando, por qual motivo
impediu que eu fosse te ver no hospital? Quando
retornou para casa também, em todas as vezes que
quis vir até aqui para prestar a minha solidariedade,
um ou outro sempre dizia que você não estava, ou
que mantinha-se descansando. Isso realmente não
parece ser uma forma de evitar a minha pessoa, não
é?
"E quem foi que permitiu a sua entrada dessa
vez? Vai ser demitido, com certeza. Ai, Liv…onde
você está?"
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A morena circundou uma das poltronas que


estavam dispostas na sala, do lado contrário ao
piano, sentando-se em seguida. David fez o mesmo,
acomodando-se ao seu lado, sem desviar o olhar de
Conner nem por um segundo sequer.
- David… - A herdeira pigarreou antes de
continuar a sua fala - …sinceramente não estou
entendendo o motivo de sua visita inesperada. Veio
aqui para me cobrar algo? Para questionar sobre
alguma atitude minha? Porque, até onde sei, eu não
lhe concedi esse direito.
- Não, não concedeu à mim, mas concedeu à
uma certa loira petulante que te cerca de todas as
formas e que virou a sua cabeça, não é?
- Do que você está falando?
- Há quanto tempo vocês estão juntas? - O
homem indagou, ainda encarando Eleanor de cenho
franzido e semblante sisudo.
- Ficou louco? - A morena fez menção de
levantar-se - Quer saber? Eu estou indisposta.
- Sugiro que não saia dessa sala agora, minha
querida. - Henderson segurou no braço da filha do
presidente, impedindo-a de avançar.
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- Solte o meu braço. - Conner tentou passar o


máximo de firmeza na voz.
- Soltarei, mas quero que se sente e me ouça
com bastante atenção. Caso contrário, serei
obrigado a destruir um sonho de sucessão da
cadeira presidencial…

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Capítulo 54 – Essa sou eu


Taquicardia, fortes palpitações, tremores,
aumento da temperatura corporal. Estes eram
alguns dos sintomas que Eleanor sentia naquele
momento e que a remetiam diretamente à época em
que sofria de crises constantes de ataque de pânico.
"Se acalme. Se acalme. Está tudo bem. Você
vai ficar bem. Eu vou ficar bem."
O homem à sua frente a encarava com um
sorriso dúbio nos lábios, e que causava múltiplos
sentimentos negativos nela: raiva, ódio, repulsa e
tantos outros.
"Não é possível que ele saiba sobre o meu
relacionamento com Olívia, nem que seja capaz de
me chantagear com isso." Sim, David era capaz
disso e de muito mais. A morena estava
completamente errada em sua linha de pensamento.
- Nós sempre fomos amigos, sempre

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conversamos sobre…quase tudo, acompanhávamos


um ao outro nos eventos e…não negue, tínhamos
um affair. Mas, de uns tempos para cá, comecei a
notar uma grande mudança de comportamento em
você. E eu ficava me perguntando…por que
Eleanor está tão fria, distante, arredia? Por que ela
não é a mesma comigo? Quando você negou o meu
anel na frente de todos é que comecei a juntar as
peças. Não deu outra! As minhas suspeitas se
confirmaram. A culpa disso tudo é daquela
sapatona filha da mãe!
- Não ouse falar assim da Olívia! - Conner
ergueu a destra para desferir um tapa em seu rosto,
mas David a impediu, segurando firme em seu
pulso.
Os olhos da morena fulminavam de ódio, seu
peito arfava à cada segundo mais. A sua vontade
real era de avançar contra aquele infeliz e esganá-
lo, e talvez ela só não o fez, pois em medidas de
força, Henderson levava vantagem.
- Não ouse você a me desafiar. Sua reação me
deu ainda mais provas de que as duas mantêm um
relacionamento às escondidas. Era para você ser
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minha namorada, minha noiva, minha esposa, mas


aquela lésbica dos infernos te roubou de mim. Você
sempre soube que eu te amava. Por que me
rejeitou? Por que preferiu aquela mulher à mim?
Ela não tem nada para lhe oferecer. Eu sim, tenho
nome, status, dinheiro e amor, claro.
- Amor? Desde quando me ama?
- Desde sempre.
- Pois se me amasse mesmo, saberia que já
tenho nome, status, dinheiro e o principal, amor-
próprio. Não preciso e nem nunca vou precisar de
mais do que isso. E você se engana em achar que
Garner não tem nada a me oferecer. Ela fez muito
mais por mim em meses, do que você em anos.
- É mesmo? Sua comandante é tão especial
assim? Que ótimo! Parabéns para ela! - Seu tom de
deboche e as palmas enervaram ainda mais a
morena - Pois eu não vou permitir que cometa essa
atrocidade, esse disparate. Você é uma mulher
teimosa, tão petulante quanto aquelazinha. Talvez
por isso se deram tão bem. E é por esse motivo que
estou tomando essa atitude drástica. Ou você acaba
com esse namorico adolescente e assume o nosso
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relacionamento diante de todos amanhã na coletiva


de imprensa, ou eu conto para todo o mundo que
você não é a candidata que diz ser. Vai querer
mesmo jogar fora o seu futuro na política? Vai
querer ser motivo de chacota? Vai manchar a
imagem e o nome que o seu pai demorou anos e
anos para construir? Uma quantia exorbitante gasta
na sua campanha para nada. Os dedos apontando
para o seu pai, crucificando-o por ter uma filha
mentirosa, lésbica, que não preza pela moral como
diz prezar…O que acha que a população quer ver?
Uma presidente ao lado de um homem importante,
também de renome, ou ao lado de uma segurança
lésbica? Pense nisso. Pense muito bem nisso. -
Ainda sorrindo sarcasticamente, David aproximou-
se para beijar Eleanor, mas esta novamente se
esquivou - Nos vemos amanhã, meu amor.
Gargalhando, Henderson saiu do recinto,
deixando a morena para trás paralizada, atônita,
sem saber o que fazer. Seu mundo havia acabado
de ruir e ela nem ao menos conseguia reagir.
Sem perceber, em questão de poucos
minutos, Conner tinha sido arrastada pela decisão
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que deveria tomar e pelas expectativas em relação à


sua escolha. Dependendo do caminho pelo qual se
enveredasse, a filha do presidente perderia a sua
identidade, deixaria de ser quem realmente era, e
viveria acreditando naquilo que as pessoas
pensariam que fosse. David havia conseguido fazê-
la perder o poder de decisão com aquela chantagem
baixa, vil, que tocava em pontos sensíveis da
morena: seu pai e sua namorada. Eleanor tinha
medo de errar, porque se errasse, o que iriam
pensar dela? E como isso iria afetar a sua segurança
emocional e a dos demais?
Ainda confusa e chateada, a herdeira dirigiu-
se ao seu quarto e lá se trancou, encaminhando em
seguida uma mensagem para Anne pedindo que
desmarcasse todos os compromissos do dia, uma
vez que não se sentia bem. Com isso, passou a
tarde toda em silêncio, praticamente imóvel,
olhando para o teto. Vez ou outra as lágrimas
escorriam pelo seu rosto, e Conner nem se dava ao
trabalho de enxugá-las. Ela não tinha ânimo, não
tinha forças. A única coisa que fazia era pensar em
como Deus pôde permitir que aquilo acontecesse.

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Algumas horas depois do incidente, a


comandante Garner retornou à Casa Branca com o
oresidente. Procurou pelo filho, mas ele ainda
estava em companhia de Megan. A loira decidiu
então ir até os aposentos da amada para avisar-lhe
que estava à disposição, que poderiam sair quando
quisesse. Interceptada no meio do caminho pela
secretária - que corria de lá para cá deveras
atarefada com a eleição que se daria dali a dois dias
- a agente federal fora informada do mal estar que
havia acometido a morena repentinamente.
Preocupada, aí sim foi que Liv correu para ver
Eleanor. Mesmo depois de bater algumas vezes na
porta e não obter resposta, ela insistiu, já que não
fazia idéia do que se tratava o problema da outra.
- Srta. Conner, por favor, abra a porta. Eu sei
que está aí. Estou…estou preocupada. Muito
preocupada. - As últimas frases foram sussurradas,
denotando uma grande aflição em seu tom - Eu vou
precisar entrar sem permissão?
Percebendo que a loira não desistiria fácil, a
mais velha levantou-se, caminhando arrastada à fim
de atendê-la.
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- Oi. Desculpa não abrir antes. Estou com


uma enxaqueca terrível. Não podia nem gritar para
que entrasse. - Dito isso, sem encarar a namorada,
Conner deixou a porta aberta, retornando para a sua
cama e se enfiando debaixo do edredom.
- E não é o caso de chamar um médico? -
Garner aproximou-se receosa, acariciando os
cabelos da amada.
- Não. Isso é muito estresse acumulado. Já
tomei um medicamento. Vai passar logo. Só
preciso de escuro e silêncio.
- É muita pressão em cima de você, não é,
meu amor? Eu entendo bem o que isso significa.
Mas eu queria que soubesse que independente do
resultado dessas eleições, para mim você já é
vitoriosa. Acompanhei parte da sua evolução
profissional e pessoal e te digo que me orgulho
muito da pessoa incrível, sensata e honesta que
você é. Eu não poderia amar tanto outra pessoa no
mundo. Sendo presidente ou não desse país, será
sempre a minha inspiração, a mulher da minha
vida. Eu confio em você, no seu potencial e tenho
certeza que vai dar tudo certo. - A agente secreta
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depositou um beijo casto na testa da outra - Agora


descanse porque o dia amanhã começará agitado.
Qualquer coisa que precisar é só me ligar que
venho correndo. Eu te amo. - Sorrindo, Garner foi
saindo do quarto, parando só quando ouviu seu
nome.
- Olívia!
- Oi?
- Obrigada…por tudo o que já fez por mim.
- Você fez muito mais por mim do que fiz por
você, então, está tudo bem. Durma. Vai te fazer
ficar melhor.
**************
"A democrata Eleanor Conner, de perfil
progressista, ou o republicano John McCain, de
DNA conservador? Um deles será eleito amanhã o
46º presidente dos Estados Unidos, em uma
disputa marcada por propostas que
entusiasmaram os eleitores. A corrida à Casa
Branca ganhou status de histórica e é
acompanhada de perto pelo planeta, dada à tese
de que a recuperação da economia global passa
pelo sucesso da americana."
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"As últimas pesquisas de intenção de voto


mostram a filha do atual presidente, Alexander
Conner, com pequena vantagem, mas
especialistas eleitorais não descartam a
possibilidade do ex senador surpreender. O
resultado oficial será revelado pelas urnas entre
22:00 e 23:00 de amanhã. Um dos motivos dessa
instabilidade quanto aos resultados das pesquisas
é o fato de o voto ser facultativo. Por isso, ontem,
apoiadores comuns de ambos os candidatos
saíram de porta em porta para convencer os
eleitores a irem às urnas. Artistas também o
fizeram em suas redes sociais."
"A última pesquisa apontou para a
liderança de Eleanor Conner, com uma diferença
de seis pontos, em 46% contra 40%. No modelo
matemático de projeção elaborado pela NBC,
Eleanor já assegurou pelo menos 280 votos no
colégio eleitoral, dez a mais do que os necessários
para determinar a sua vitória."
"A vantagem que a candidata democrata
tem, não garante tranquilidade nessa véspera de
votação. Para isso, daqui a pouco, Eleanor fará
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uma coletiva de imprensa para reagirmar seus


compromissos de campanha com o país. Seu pai,
o presidente Alexander Conner, seu principal
cabo eleitoral, pediu apoio a ela em Washington,
Michigan e a Flórida, que é um dos estados
decisivos do pleito."
"A sucessão de Alexander Conner não é
algo barato. A estimativa do Centro de Políticas,
apurou que a campanha de Eleanor recebeu, até
hoje, em torno de US$ 710 milhões. A de John,
em igual período, quase US$ 450 milhões."
"De um lado, um republicano, com discurso
intempestuoso e, por vezes, intolerante, que
pretende revogar decisões populares do governo
de Alexander Conner e tomar medidas
controversas e polêmicas na economia. De outro
lado, uma democrata sem nenhuma mancha em
sua honrosa moral, correta e honesta, que deseja
honrar o legado de seu progenitor, mas que não
tem muita experiência ativa na política."
"Na madrugada de amanhã, o mundo
conhecerá quem será o próximo ocupante da
cadeira do Salão Oval da Casa Branca. Qualquer
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um que vencer as eleições, terá pela frente


desafios monumentais e precisará de talento e de
sorte para evitar a paralisia política da nação
mais poderosa do planeta e para lidar com um
Congresso dividido."
Era para ser um dia feliz, de extrema tensão e
ansiedade, mas um dia feliz. Aquela manhã
antecederia um dos momentos mais importantes e
marcantes da vida de Eleanor, e deveria ser
recebida com animação e esperança. No entanto, a
morena não conseguia externar nada além de apatia
e tristeza.
Todos perceberam a mudança brusca em seu
comportamento, mas não ousaram questioná-la
sobre. A desculpa da sobrecarga emocional
funcionava muito bem, pois de fato era relevante
para aquela oscilação de humor, afinal, não era
nada fácil lidar com milhares de pessoas
escolhendo o seu futuro.
Com o semblante sisudo, sem esboçar o
mínimo sorriso sequer, após terminar de se arrumar
para a coletiva de imprensa, Conner dirigiu-se até o
salão onde concederia a última entrevista antes da
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eleição. Ali estavam os repórteres, câmeras e


fotógrafos, bem como a sua família, que incluía os
pais de sua namorada, o filho mais novo, o neto
recém reencontrado - graças à ela - sua irmã e sua
amiga, Louise.
- Você está bem? - A comandante Garner
indagou-a, assim que se aproximou.
A morena olhou um por um dos que estavam
presentes antes de responder, e antes de encarar a
sua amada.
- Você me ama? - Eleanor murmurou em tom
baixo, quase inaudível, para não ser ouvida por
mais ninguém.
Quando estava prestes a responder, Olívia
teve a sua atenção dispersa para a entrada frontal,
onde pôde ver David adentrando no local e
cumprimentando à todos com bastante animação.
- O que esse cara está fazendo aqui? Quem o
deixou entrar? - A loira fez menção de caminhar até
o homem, mas este fez o favor de adiantar-se, indo
até elas.
- Tudo bem, meu amor?

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Conner e Garner se entreolharam


discretamente, mas ao contrário da agente federal
que a encarava incrédula e sem entender o que se
passava ali, a morena abaixou a cabeça, reeguendo-
a segundos depois com os olhos marejados.
- Por favor, Liv, me perdoe pelo o que eu vou
fazer. Eu juro que se eu tivesse escolha…Oh, Deus!
- As lágrimas que estavam sendo retidas com tanta
dificuldade, escorreram em demasia pelo rosto da
candidata - Eu amo você. - A frase foi dita somente
com os movimentos dos lábios, antes que Conner
fosse praticamente puxada por Henderson.
- Eleanor… - A loira sussurrou.
Todos se colocaram à postos quando viram
Eleanor posicionando-se atrás do púlpito. Cenhos
franzidos e murmurinhos em estranheza pelo fato
da morena estar chorando, se davam em
praticamente todos os que ali estavam para vê-la
discursar com maestria, como sempre fizera. O
clima tenso contrastava com o sorriso que David
trazia no rosto, o que causou ainda mais
preocupação e curiosidade nos presentes. A
comandante, atônita, manteve-se em sua posição
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costumeira, com as mãos postas atrás do corpo e a


postura ereta. O presidente tomou o seu lugar um
pouco mais atrás da filha, ao lado do herdeiro do
governador. Minutos de um silêncio incômodo se
deram, até que Conner adquirisse a coragem
suficiente para falar.
- Primeiramente, eu gostaria de pedir
desculpas à todos pelo meu descontrole emocional.
Hoje é um dia muito importante na minha vida, e
eu não estou sabendo lidar muito bem com esse
fato. Durante meses estive em campanha ativa para
essas eleições. Aceitei o convite do Partido dos
Democratas para concorrer à sucessão de meu pai,
para que eu pudesse dar prosseguimento ao seu
legado. Abracei a causa com todo o amor que eu
poderia ter. Abracei os problemas do meu país
ativamente e aqui estou, à menos de vinte e quatro
horas de saber como se dará o meu destino daqui
para a frente. Do ano passado para cá, passei por
muita coisa. Foram tantas as provações, tantos os
problemas a enfrentar que, sinceramente, não sei
como ainda estou de pé. Quer dizer, na verdade eu
sei sim, e é por isso que estou aqui hoje. Talvez não

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tenham percebido, mas não trago comigo nenhum


papel, nenhuma "cola" do meu discurso, e não
abrirei espaço para as perguntas da imprensa. -
Nesse instante, os murmúrios puderam ser ouvidos
por todo canto. Os jornalistas reclamavam, afinal,
estavam ali para um intento, e de repente, a
candidata os estava talhando dessa intenção -
Peço…peço calma, por favor. Me escutem. - Assim
que as vozes se calaram, restando apenas um ou
outro retardatário, a morena reiniciou a sua fala -
Eu sei que o combinado, o planejado não foi esse,
mas algumas coisas mudaram de ontem para hoje e
me vi obrigada a tomar uma decisão muito, muito
importante, que vai mudar a minha vida e a de
várias pessoas que estão aqui presentes.
- Eleanor, o que você está fazendo? -
Alexander, seu pai, sussurrou entredentes,
preocupado e curioso com o comportamento atípico
da filha.
A herdeira olhou com pesar para o seu
progenitor, voltando a chorar.
- Me perdoe, meu pai. Me perdoe. - Voltando
a sua atenção para as pessoas à sua frente, Cinner
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retornou ao seu discurso - Como eu estava dizendo,


hoje não trago nenhum papel, nenhum rascunho
que me ajude a lembrar o que eu deveria falar, pois
quem está falando agora é o meu coração. Terei
muito trabalho à fazer para unificar o país.
Realmente quero ser a presidente para todos, para
pessoas que votarão em mim e pessoas que votarão
contra mim. Eu quero ver as nossas crianças e
adolescentes recebendo uma educação descente,
que os levem a vislumbrar um bom futuro, que não
os permita seguir o caminho da criminalidade.
Quero que todos tenham a oportunidade de se
formarem cidadãos instruídos de seus direitos e
deveres. Quero poder lutar para que a população se
sinta em segurança dentro do nosso país e que não
temam nenhum ataque, como o que tirou a vida de
tantos há um ano atrás. Eu quero fazer jus à cada
voto que receber, oferecendo em troca o exercício
da constituição, com seus direitos básicos
assegurados: educação, segurança, saúde e
moradia. Quero lutar contra a criminalidade e à
favor das minorias: estrangeiros, pobres, doentes e
toda a comunidade LGBT. Quero continuar
fazendo por vocês o que meu pai vem fazendo há
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anos dentro de sua extensa carreira política e no seu


segundo mandato como Presidente da República.
De acordo com a Vigésima Segunda Emenda à
Constituição dos Estados Unidos, nenhuma pessoa
poderá ser eleita mais de duas vezes para o cargo
de presidente. Se não fosse por isso, tenho certeza
de que vocês o reelegeriam por quantas vezes mais
achassem coerente. Enfim, eu não faço idéia do que
acontecerá amanhã nessas eleições. Prefiro não
acreditar nas pesquisas prévias para não me
frustrar, me decepcionar depois. Se tem uma lição
que aprendi à duras penas durante a minha vida, foi
a de que nenhuma vitória pode ser comemorada
antes que o resultado definitivo seja anunciado. Por
isso, eu estou aqui hoje para me abrir com meus
eleitores, porque, apesar da minha vontade em ser
eleita presidente, não posso permitir que isso
aconteça com base em mentiras. Eu quero que as
pessoas votem em mim porque confiam em mim,
mas como elas podem confiar em alguém que as
engana? Ontem eu fui duramente chantageada... - O
embargo na voz e o choro obrigaram Eleanor a
interromper seu discurso por alguns segundos.
David, por sua vez, arregalou os olhos surpreso,
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incrédulo.
- Que merda está fazendo, Eleanor Conner? -
O homem, corado em demasia pelo nervosismo e
ira que sentia, fulminava a morena com o olhar.
Sem dar-lhe confiança, a candidata
prosseguiu.
- Me ameaçaram, dizendo que se eu não
cedesse aos termos da chantagem, a minha vida
pessoal seria exposta para o mundo. - Tal como a
minutos atrás, a comoção foi geral. Ninguém estava
entendendo absolutamente nada, principalmente
Garner, que se mantinha firme por fora, mas por
dentro se controlava para não avançar e tirar aquele
infeliz de perto da sua morena. Assim que as vozes
foram se abrandando, Conner continuou - Este
homem que está aqui ao meu lado, David
Henderson, filho do nosso digníssimo governador,
foi quem cometeu essa atrocidade. Ele queria que
eu anunciasse à todos que mantemos um
relacionamento, mas isso é mentira. Ele queria que
eu dissesse que estamos juntos e felizes, que
formaremos uma família, para manter um boa
imagem diante da nossa sociedade tradicional e
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conservadora. No entanto, eu simplesmente não


posso mentir. Eu não quero que ninguém vá às
urnas amanhã imaginando que está votando em
uma candidata que na verdade não existe.
- Você vai me pagar caro por isso! - David
sussurrou, saindo do recinto com rapidez,
esbravejando e se desvencilhando dos repórteres
que o cercavam.
Conner observou-o indo embora, dando uma
breve olhada para Liv, que avançou um passo, mas
parou com o sinal da morena.
- Eu tenho sim um relacionamento,
obviamente, não com David. Eu me relaciono com
uma pessoa incrível que me fez acreditar em mim
mesma, no meu potencial, quando nem eu mesma
acreditava. - Aos prantos, Eleanor voltou a olhar
para a comandante que estava também emocionada
- Essa pessoa fez com que eu enxergasse a minha
melhor versão, me deu atenção, carinho, deu a vida
dela por mim várias vezes, na forma poética e
literal. Eu sei que o que vou dizer agora pode
destruir a minha carreira política, pode transformar
por completo a vida de algumas pessoas que estão
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aqui presentes, e peço perdão à elas, do fundo do


meu coração, por estar fazendo isso. - Mais silêncio
e um pouco mais de lágrimas - Eu não mantenho
um namoro heterossexual, não pretendo ter filhos
além de um, em especial. Eu sou inconstante
emocionalmente, sou brava, sou impetuosa, sou
autoritária. Não sirvo como modelo para nenhum
eleitor conservador. Na verdade, sou uma mulher
cheia de defeitos que não serve de exemplo para
ninguém em muitos quesitos. Eu posso ser
condenada por todas as minhas falhas, mas não
posso ser condenada por amar. Eu amo o meu país,
eu amo a minha família e eu amo a minha
namorada. - E novamente os murmurinhos foram
ouvidos - É isso mesmo. Eu, Eleanor Conner, sou
homossexual e namoro a comandante Garner há
quase um ano.
- Oh! - A exclamação deu-se em uníssimo.
Eleanor olhou e sorriu ternamente para a
loira, fazendo sinal para que ela se aproximasse.
Abismada com a atitude de sua amada, assim como
todos ali, Garner foi caminhando à passos lentos
em sua direção. O leve tremor de seus membros foi
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percebido pela mais velha quando esta pegou sua


mão esquerda, depositando um beijo no dorso e
entrelaçando seus dedos em seguida.
- Eu amo essa mulher que, dia após dia, dá o
melhor de si, não só por mim, mas por toda a nossa
nação. Eu amo essa mulher pelas marcas que ela
carrega no corpo por tudo o que vivenciamos
juntas. Eu amo essa mulher que contrariou seus
princípios para poder se entregar ao sentimento que
tinha por mim; que se arriscou, que deixou de lado
seus conceitos para viver e lutar pelo nosso amor.
Eu amo essa mulher pelos ensinamentos que ela me
ofereceu, por ter me aberto os olhos para enxergar
tantas possibilidades de ser feliz que eu nem ao
menos sabia que existiam. Eu amo essa mulher por
ela ser um exemplo de empoderamento, coragem e
garra. Eu amo essa mulher porque à cada sorriso
que ela dá, eu escolho amá-la ainda mais. Olívia faz
com que eu me apaixone por ela de novo e de novo
todos os dias. Eu amo a sua cara séria, eu amo o
seu abraço onde cabe um universo inteiro, eu amo a
confiança que deposita em mim, eu amo a forma
como ela me faz feliz. Eu amo vê-la feliz. Eu amo

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essa mulher porque dentro do coração dela existe


amor para alimentar o mundo. Então, agora me
dirigindo à toda a população americana que irá às
urnas amanhã…essa é a candidata verdadeira em
quem devem votar. Espero que poderem bem sobre
os motivos que irão guiar as suas escolhas. O fato
de eu amar uma mulher não faz de mim menos ou
mais competente para direcionar esse país ao
progresso. Na verdade, a pessoa com quem eu
durmo, não tem relevância nenhuma na minha vida
profissional. Considerem apenas que um ser
humano não deve ser condicionado a sua orientação
sexual. Somente a minha competência e o meu
comprometimento como líder máxima Estados
Unidos deve ser levado em conta. Espero que vocês
possam deixar o preconceito de lado e votar
naquele que será um fiel garantidor dos direitos
humanos dentro do nosso país. Pesem na balança
tudo o que foi dito por mim e todos os discursos
sexistas, impulsivos e corrosivos do meu oponente.
Nestas eleições, nossos valores fundamentais estão
sendo testados, mas minha fé em nosso futuro é
maior do que nunca. Obrigada à todos. Tenham um
ótimo dia e uma ótima eleição amanhã.
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Capítulo 55 - O pedido
inusitado
"Os americanos compareceram às urnas
nesta quinta-feira para escolher o sucessor do
presidente Alexander Conner, entre a
democrata Eleanor Conner e o republicano John
McCain, encerrando uma longa e exaustiva
campanha eleitoral, marcada por revelações
bombásticas que provocaram ansiedade em todo o
planeta."
"New Hampshire abriu simbolicamente à
meia-noite local, o dia eleitoral. A apuração foi
rápida no vilarejo: Três votos para Eleanor e um
para John. As urnas abriram oficialmente às
6H00 locais, uma hora antes da Flórida, que mais
uma vez parece ter sido escolhida pelo destino
para definir uma eleição presidencial nos Estados
Unidos."
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"Os primeiros resultados estão começando a


ser divulgados com o fechamento dos locais de
votação na Geórgia, Carolina do Sul, Vermont,
Virginia e Kentucky. Parece que Ohio e a
Carolina do Norte, tendem a entregar seus 33
votos no colégio eleitoral aos democratas. Mas
todos os olhares estão voltados para a Flórida, um
estado diversificado de latinos, aposentados e
brancos conservadores, que não ficaram muito
satisfeitos com a declaração da candidata Conner
com relação à sua homossexualidade."
"O vencedor precisa alcançar o número
incrível de 270 votos no colégio eleitoral em um
complexo sistema de votação extremamente
descentralizado. Além da eleição presidencial, o
Partido Democrata está tentando arrebatar a
maioria das cadeiras no Senado."
"E finalmente saiu o resultado! Após
uma votação acirrada, a filha do presidente dos
Estados Unidos, a democrata Eleanor Conner,
conquistou na noite desta quinta-feira, a sua
eleição, ao derrotar o candidato republicano, o ex-
senador John McCain. Por volta das 02:00 da
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madrugada, Eleanor superou os 270 delegados


necessários para vencer o Colégio Eleitoral. A
festa dos partidários da primeira mulher eleita
presidente do país começou antes mesmo do
número ser superado no centro de convenções
McCormick, em Chicago. A cada Estado
confirmado como vitória da nova líder americana,
a platéia estimada em quinze mil pessoas,
comemorava com gritos e balançando bandeiras
do país."
"Pouco depois do anúncio, a equipe de
relações públicas da presidente, publicou uma
foto dela com toda a sua família, incluindo a irmã
bastarda, recém reconhecida por Alexander
Conner, sua cunhada, os pais, o irmão e o filho
da sua namorada, além da própria comandante
Olívia Garner, é claro. Na legenda da foto, um
agradecimento: 'Isso aconteceu por causa de
vocês. Serão quatros anos de muita luta por todos
desse país, principalmente em prol da minoria.'"
"Enquanto milhões esperavaram em longas
filas para votar, Eleanor participou de um
almoço em um ginásio na região sul de Chicago,
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no Estado de Illinois. Em sua chegada, a líder


americana foi recebida com lágrimas e aplausos
por voluntários ao entrar em um escritório de
campanha e fazer ligações telefônicas para
incentivar os eleitores a comparecer às urnas. Ao
contrário de Conner, que foi às ruas ficar perto do
povo que a colocou no poder, McCain e sua
família esperaram os resultados da votação em
casa perto de Boston, Massachusetts."
A festa se dava nas ruas, nos lares dos
americanos que acreditaram nas propostas e no
vislumbre de um país mais justo e seguro com a
eleição de Eleanor para a presidência. Nos Estados
Unidos da América, uma mulher tinha sido
empoderada a tal nível pela primeira vez, e toda
uma nação tinha ganhado a chance de se tornar a
potência mundial onde o progresso, a educação, o
senso de justiça e a igualdade seria proferida à
todos, e não só a uma parcela privilegiada.
Após as formalidades e comemorações
oficiais do partido dos Democratas, na Casa
Branca, a alegria estava reunida com a família
Conner e Garner confraternizando como se fossem
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uma só. Megan, Louise, Nora e George bebiam e


dançavam em meio aos risos e conversas animadas.
O ex-presidente, Alexander, brincava com seu neto
de coração e xará, Alex, com as espadas de madeira
que faziam parte de sua coleção. Theo, bagunceiro
e esperto, tentava interagir com os dois, se enfiando
entre eles e atrapalhando a brincadeira aos risos. Já
Olívia, surtava a cada golpe que seu sogro e filho
davam, ainda mais com o seu irmão no meio deles.
- Ai, meu Deus! Isso pode ser perigoso, não?
- Ela falava mais para si do que para Eleanor, que
mantinha-se sentada ao seu lado - Alex, cuidado
com isso. Sr. Conner… - O desespero era nítido em
seu tom de voz.
- Mais uma vez que me chamar de senhor eu
mando te despedirem. - O velho gritou, antes de
fingir ter sido atingido por um golpe.
- Papai, quem manda aqui agora sou eu. - A
presidente riu, balançando a cabeça em negativa -
Só tome cuidado com o cansaço. Lembre-se do seu
coração.
- Como eu vou me esquecer do meu coração
se ele está batendo aqui dentro do meu peito? - O
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homem respondeu, ofegante.


- Garner, relaxa! Hoje é festa. Se machucar,
levamos para o hospital. - Meg se manifestou.
- Ah, bem simples assim. - Liv bufava, ainda
prestando atenção na brincadeira.
- Meu amor, ela tem razão. Meu pai é adulto,
sabe o que faz, é responsável. Estamos todos tão
felizes! Deixa eles se divertirem. - Conner falava
em tom ameno, acariciando a nuca da namorada.
- Eu sei. É que… É difícil me adaptar à essa
coisa de ser mãe. Eu sinto como se precisasse
cercá-lo de tudo e de todas as formas possíveis.
- Eu entendo os seus sentimentos, mas todos
nós vamos ter que nos adaptar a essa nova realidade
aos poucos. Não precisa apressar nada. - Eleanor
aproximou-se um pouco mais, beijando o lado
direito da face da comandante. A presidente passou
alguns segundos observando as feições da outra,
amadurecendo e tomando coragem para pôr em
prática uma idéia que havia tido há tempos e que só
estava aguardando pelo momento certo - Eu sei que
você é capaz de fazer qualquer coisa por mim, mas
eu gostaria de te perguntar…
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- O quê? - Nesse momento, sentindo o


carinho que a morena fazia em sua mão, Olívia
desviou o olhar do trio brincalhão, encarando as íris
castanhas que tanto amava.
- Amanhã bem cedo pode me acompanhar em
um lugar?
- Cedo? - Liv indagou com o cenho franzido -
Mas sua agenda está cheia. Onde quer ir?
- Eu sei que meus compromissos serão
inúmeros, porém esse é mais importante. Eu não
posso te dizer onde é e o que faremos. É uma
surpresa, mas garanto que vai gostar, ou pelo
menos espero que goste…
- Ai, ai, ai Eleanor Conner. O que a senhorita
está aprontando?
- Nada. Só…Vá comigo.
- É claro que irei, meu amor. Claro. -
Depositando um beijo na testa da namorada, a
comandante suspirou profunda e apaixonadamente
antes de ficar boquiaberta com o irmão brincando
com o filho de imitar cachorrinho - Meu Deus! -
Ela exclamou, rindo.

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- Pessoal, é com grande pesar que anuncio a


minha partida, quer dizer, a minha e a de Louise.
Sinto que irão morrer de saudades de nós duas, mas
não se preocupem. Logo estaremos de volta para
fazer com que estampem sorrisos largos e sinceros
no rosto de vocês. - Lee dizia, colocando-se de pé.
- É… Não fiquem deprimidos. Sabemos o
quanto nos amam, mas estaremos fora somente por
algumas horas. Tentem não chorar muito. Faz mal
para a pele. - Louise completava a brincadeira.
- Se merecem mesmo, não é? - Nora meneava
a cabeça negativamente, estreitando os olhos para
as mulheres.
- Até logo, Meg. Obrigada por tudo. Foi
muito importante ter você ao meu lado. - Eleanor
abraçou forte a ruiva, externando todo o seu
carinho e gratidão.
- Imagina, irmãzinha. Eu estive e estarei em
todos os momentos com você daqui em diante.
Nada nem ninguém vai poder mudar isso.
- Que bom! - Conner sorriu, abraçando
Mattew também - Cuida dessa maluquinha por
mim.
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- Não é como se fôssemos para longe e por


demasiado tempo, mas pode deixar que cuidarei
sim.
- Tchau para todos! - Megan gritou,
acenando, antes de sair de mãos dadas com sua
namorada.
- É… Acho melhor irmos embora também. -
George levantou-se, chamando o filho com as
mãos.
- Por que não ficam? Podem dormir aqui
hoje. Há quartos suficientes para que passem a
noite em tranqüilidade e conforto. Está tarde. As
ruas devem ficar tomadas por horas ainda. - O Sr.
Alexander ponderava, sorrindo e encarando a filha
e a nora para que ajudassem a convencer o casal.
- Meu pai tem razão. Não tem, Liv?
- Oh, sim. Tem toda a razão.
- Nós não queremos incomodar. - Nora
demonstrava claro desconforto notado pelo rubor
de sua face.
- Não é incômodo algum. - Eleanor
rapidamente foi até o corredor, chamando por uma

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das colaboradoras responsável pela arrumação dos


quartos - Alice, prepare um quarto de casal e um de
solteiro, por favor.
- Sim, senhorita.
- Pronto! Não precisam se preocupar mais. -
Conner foi até Theo, pegando-o no colo e beijando
a ponta de seu nariz - Eu vou me recolher. O dia foi
extremamente exaustivo.
- Nem nos fale. Estou até com os ombros
doloridos de tanta tensão. - O patriarca dos Garner
comentou.
- Fora o cansaço físico. - Sua esposa
completou.
- Eu vou… - Olívia pigarreou - Eu vou
acompanhar Eleanor até seus aposentos.
- Aham. - O ex-presidente murmurou,
prendendo o riso.
- Pai. - A morena repreendeu-o, constrangida,
fazendo todos rirem - Vamos, Liv?
- Vamos sim. Alex, nada de dormir tarde,
heim?
- Mas já está tarde…
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- Você entendeu o que eu quis dizer,


espertinho.
- Vão, vão, vão. Eu colocarei ordem aqui. - O
Sr. Alexander foi empurrando as mulheres para
fora do recinto, balançando a cabeça em negativa,
sorrindo ao vê-las se afastar.
*************
Há alguns quilômetros da Casa Branca, Meg
e Louise desfrutavam da companhia uma da outra,
enfim sós. O sexo debaixo do chuveiro,
posteriormente na cama da psicóloga, denotava
toda a saudade que acumularam durante os últimos
dias, os quais não puderam gozar de intimidades
por conta da correria das eleições. Lee ajudou no
que foi preciso durante os instantes cruciais da
corrida presidencial e, com isso, teve que se afastar
momentaneamente da namorada.
A ruiva acordou antes de Louise, logo ao
nascer dos primeiros raios de sol. Sorriu ao
acariciar aqueles longos cabelos negros que
pendiam sobre o travesseiro. Freud acreditava que
o ser humano sempre foi marcado por uma falta
ocasionada desde o seu nascimento, como se algo
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essencial tivesse sido perdido, talvez uma parte de


si.
Megan realmente sentiu essa vontade
compensatória durante toda a sua vida, mas agora
com uma intensidade bem menor. Estava exímia de
todo aquele vazio triste que fazia doer seu peito.
Sua completude não era passageira, como os
grandes pesquisadores do tema acreditavam. Nada
do que agora a fazia feliz era uma satisfação
ilusória do desejo.
O filósofo Arthur Schopenhauer disse certa
vez que "querer é essencialmente sofrer e, como o
viver é querer, toda a existência é essencialmente
dor”. Como isso poderia ser verdade com Meg
exalando plenitude naquela fase da sua existência?
Ainda havia uma pequena lacuna a ser preenchida,
mas em nada se comparava aoque era outrora.
Ela ansiou à cada dia, à cada mês, à cada ano
que se passava o encontro e a aproximação com a
sua irmã, parte dela, parte de sua história. Ansiou
em finalmente ter uma família e ganhara muito
mais do que isso. Agora tinha um pai, uma irmã,
sobrinhos por consideração, amigos e um amor. O
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que mais Lee poderia querer?


“Cuidado com o que você deseja”, já diziam
os mais sábios. Megan desejou ser feliz e agora
transbordava sentimentos que só se faziam crescer.
Ela olhava para Mattew dormindo serena e
pensava no quanto a vida era uma verdadeira
caixinha de surpresas, feita de buscas e conquistas,
e que bastava apenas viver intensamente tudo o que
ela proporcionava de uma forma saudável e
produtiva.
A ruiva beijou a testa da namorada, saindo
sorrateiramente da cama em seguida. Queria
preparar um café da manhã digno de uma rainha
para a mulher que a fazia plena antes que ela saísse
para o trabalho. No entanto, seu espírito gozador e
brincalhão assoprou em seu ouvido uma idéia um
tanto quanto estapafúrdia, mas igualmente
engraçada à seu ver. À priori, foi ao banheiro e
preparou a primeira parte da pegadinha. Em
seguida, pegou uma bisnaga de maionese na
cozinha e buzuntou a mão de Louise que pendia
para fora do colchão. Certa de que o plano
funcionaria em pouco tempo, apressou-se em ir
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preparar o desjejum que queria.


Foi dito e feito. Em pouco mais que dez
minutos, Lee ouviu seu nome ser berrado no
interior do quarto.
- Megan! Sua infeliz, filha da mãe! Eu vou te
matar por isso! - Prendendo o riso, a ruiva
continuou seus afarezes como se nada tivesse
acontecido. Foi uma questão de segundos sem
manifestação de sua parte para que a namorada
aparecesse na cozinha com o rosto e o cabelo sujo
pela meleca branca - Olha o que você fez comigo.
- Eu? Mas meu amor, sou inocente. Estava
aqui preparando os seus ovos mexidos com bacon. -
Tendo que fazer um esforço sobrenatural para não
rir, ela franziu o cenho ao olhar para Mattew,
fingindo surpresa - Máscara de beleza logo cedo?
- Megan Lee, você é uma idiota. - A
psicóloga avançou contra a outra, dando leves tapas
em seu braço.
- Ai, você é muito agressiva. Dá beijinho
aqui, dá.
- Eu vou dar é com a minha mão na sua cara,
safada. - Com Meg gargalhando em meio à
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reprimenda, Louise não teve outra alternativa senão


se afastar - Sem sexo para você por um mês.
- É o quê?
- Isso mesmo o que você ouviu! - Mattew
saiu pisando firme em direção ao banheiro.
- Mas isso não é justo. Foi só uma
brincadeirinha de nada, e além do mais, maionese
faz bem para a pele.
- O que não é justo é a senhorita abusar da
boa vontade da sua namorada e… - A fala da
morena fora interrompida pela visão que teve ao
mirar o espelho sobre a pia onde estava escrito uma
frase com letras garrafais - "O amor não se vê com
os olhos, mas com o coração". Shakespeare, meu
amor?
- É sim. Ele diz tudo o que eu gostaria de
dizer para você e… - A ruiva falava orgulhosa, mas
calou-se no instante em que viu o semblante sisudo
de Louise ao se aproximar da bancada.
- Meu batom novo, Megan? - A mulher
voltou a esbravejar e quis avançar novamente, mas
dessa vez teve as mãos contidas e o corpo abraçado
pela namorada.
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- Eu te amo. Eu sempre quis amar alguém e


acho que encontrei a pessoa certa. - O sussurro fez
cair por terra qualquer indício de raiva que por
ventura Mattew estava nutrindo naquele momento.
- Eu também te amo, Meg. Amo e agradeço a
Deus por ter te colocado no meu caminho.
O beijo que deram veio como um ato de
entrega, a demonstração mútua de que se gostavam
realmente. O relacionamento, que começou em
forma de uma forte atração, tornou-se belo, simples
e doce. Elas se tornaram amigas e compartilharam
o desejo de evoluírem juntas, quem sabe?
- É… Acho que a essa hora temos alguém
sendo pedida em casamento… - Lee comentou
despretensiosamente enquanto se afastava da
namorada para ligar o chuveiro para ela.
- Como? - Louise franziu o cenho, sem
entender aquela fala.
- Ow… Eleanor não te contou?
- Contou o quê, Meg?
- Ah, bom, não tem problema te contar agora.
Já deve ter acontecido mesmo. Ela vai pedir a Liv

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em casamento hoje.
- Jura? - Boquiaberta, a psicóloga não sabia
se ria ou se entrava debaixo do chuveiro - Meu
Deus! Eu sempre achei que fosse a Garner a pedir a
mão da Eleanor.
- Pois minha irmã diz que não quer esperar
uma atitude da Olívia. Comprou uma aliança tão
linda, mas tão cara…
- Ela e sua mania de ostentação. - Riram -
Como será que ela fará o pedido, heim?
- Aguarde que logo, logo você vai saber…
- Ah, não! Você sabe?
- Digamos que eu tive uma boa parcela de
crédito na idéia…
- Me conta, amor. Vai, me conta!
- Não posso. Isso não.
- Por favor…
- Pára, Louise…
Rindo e se provocando, as mulheres
acabaram entrando juntas no banho, enquanto o céu
era testemunha de uma nova fase do amor de Liv e
Eleanor.
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************
A presidente acordou cedo, tamanha a
ansiedade que a fazia se corroer por dentro. Aquele
seria mais um dia emocionante, seguido de um dos
momentos mais importantes da sua vida: a eleição
ao cargo de maior escalão dos Estados Unidos. A
morena tinha sorte por possuir um coração forte,
resistente às mais intensas emoções, mas ainda
assim não sabia se seria capaz de lidar com o
nervosismo que o fazia palpitar à ponto de parecer
que sairia pela boca à qualquer instante.
- Hum... Amor? Já de pé? Não é madrugada
ainda? - Garner resmungou sonolenta ao sentir a
namorada levantar-se da cama.
- Quase isso, meu bem. São exatas… - A
mais velha olhou o visor do celular antes de
responder - … 06:02.
- Ah, não! Volta para a cama. Só sairemos às
10:00. Temos um tempinho ainda para curtir
preguiça. - O tom baixo e a voz arrastada da loira
denotava sua sonolência extrema.
- Ei! Quem é você e o que faz no corpo da
minha namorada? - Eleanor riu, acariciando os
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cabelos de Olívia - Meu amor, esqueceu que quero


ir à um lugar contigo antes de iniciarmos as
atividades da minha agenda?
- Hum… É verdade. - Garner bocejou e
espreguiçou antes de levantar-se, ainda com
preguiça - Vou…banho.
- Vá. Irei logo em seguida.
Aproximadamente uma hora depois, as
mulheres estavam prontas para sair. A comandante
não abriu mão de usar seu terno, mesmo
contrariando a vontade de Conner. Segundo ela,
enquanto não fosse destituída do seu cargo dentro
da USES, não deixaria de manter-se alinhada, tal
como exigia de seus subordinados.
O desjejum foi rápido, apenas para não
ficarem de estômago vazio durante o tempo que
passariam fora. Seguiram até o destino de acordo
com os protocolos de segurança, sem oposição por
parte da presidente, que morreria achando aquilo
um exagero, mesmo depois de tudo o que passou.
- Eleanor, eu ainda não estou entendendo. O
que iremos fazer no Observatório Naval?
- Garner, quantas vezes eu terei que repetir
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que é surpresa?
O trajeto se deu com apenas dezesseis
minutos, que para a comandante mais pareciam
quinhentos, tamanha a sua ansiedade. Assim que
desceram do carro, Conner foi imediatamente até
um homem bem apessoado, de cabelos grisalhos, o
qual Garner havia visto poucas vezes, mas sabia de
quem se tratava. Era o comandante Bishop, piloto
que geralmente acompanhava o ex-presidente
Alexander.
- Srta. Conner, comandante Garner… - O
homem cumprimentou as mulheres com um sorriso
largo estampado no rosto, recebendo de Eleanor um
sorriso semelhante, mas de Liv apenas um menear
com a cabeça.
- Está tudo ok?
- Claro! Exatamente como pediu.
- Obrigada. Vamos, querida? - A presidente
estendeu a mão para a outra, que imediatamente
franziu o cenho em estranheza.
- Nós vamos voar? Mas para onde? Ele… - A
mais nova olhou para trás enquanto caminhavam
até o helicóptero - Eleanor, quem vai pilotar?
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- Olívia, pelo amor de Deus! O que te deu,


heim? Está tensa demais! Relaxe! Vai ficar tudo
bem. Esqueceu que sei pilotar? Esqueceu que tenho
brevê? Vamos à um local aqui perto. Vai ser
rápido. Fique tranqüila que retornaremos à tempo
de cumprir com todos os compromissos, se essa é a
sua preocupação.
- Não. Essa não é bem a minha preocupação.
Garner nunca apresentou qualquer tipo
problemas para voar, pelo contrário. Teve aulas de
aviação e simplesmente tomou um apreço enorme
por pilotagem. Em certa época de sua vida pensou
até em seguir carreira, mas desistiu por conta de
uma ajuda divina, já que sua paixão maior - de
nome Eleanor - estaria lhe esperando dali há alguns
anos, em terra firme.
Contudo, naquele instante, um gatilho se deu
em sua mente ao aproximar-se daquele helicóptero.
A comandante lembrou-se do dia do ataque à Casa
Branca, do barulho ensurdecedor das hélices das
aeronaves que circulavam no céu acima da
residência, mais especificamente do instante em
que ela e Eleanor pularam da sacada do quarto.
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Como não havia utilizado o meio de transporte


desde então, Olívia não fazia idéia do que aquelas
lembranças poderiam desencadear em si. Ali,
segundos antes de entrar no helicóptero, ela soube
que seu cérebro tinha passado a atrelar aviação à
morte.
Suor, palpitações e ansiedade. O coração de
Liv parecia que ia sair pela boca. Ela estava sentada
imóvel, mal piscando os olhos, quase como uma
condenada aguardando o seu fim no corredor da
morte.
- Está tudo bem? - Notando a mudança de
comportamento da namorada, Conner a indagou,
preocupada com o seu bem estar.
- Está. Está sim.
Obviamente que Garner não daria o braço à
torcer e assumiria a sua fraqueza, mas nem era
preciso. Todas as emoções que sentia estavam
transparecidas em seu semblante sisudo e seu tom
de pele mais pálido do que o de costume.
- Podemos decolar?
- Uhum…

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Seu medo não era uma bobagem. Era sério e


muito real, desgastante e estava causando um
impacto enorme no seu psicológico. Contudo, para
a sua namorada - apesar de também estar um pouco
nervosa - aquela experiência estava sendo uma das
mais lindas da sua vida, apesar de mal ter
começado. Olívia não fazia idéia de que dali há
alguns instantes o seu trauma se transformaria em
uma surpresa deveras emocionante: ela seria pedida
em casamento em pleno vôo.
A idéia do pedido vinha sendo amadurecida
na cabeça de Eleanor há uns meses, mas somente
teve coragem de colocá-la em prática quando
decidiu tomar as rédeas de sua própria vida e
assumir publicamente o seu relacionamento quando
foi chantageada por David. Conner proporia
casamento para a comandante no dia de seu
discurso pré-eleição, no entanto, achou melhor
aguardar o tumulto e o estresse daquele momento
importante passar. Sua irmã também havia
contribuido em boa parte com seu incentivo. Aliás,
o "modus operandi" do pedido tinha sido idéia de
Megan, aprovada de imediato pela morena.

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Desde quando a vontade de passar o resto da


vida ao lado da comandante se fez presente com
mais veemência nos planos de Conner, ela passou a
imaginar dezenas de possibilidades de como pedir a
mão da namorada, mas nenhuma delas se
aproximava em termos de originalidade daquela
forma inusitada.
O pedido de casamento: um momento único,
imaginado e planejado por quase toda uma vida.
Por mais que as pessoas se sintam envergonhadas
em assumir o romantismo, ele faz parte do íntimo
da grande maioria dos homens e das mulheres, em
especial de Olívia e Eleanor.
Era a hora. Estava tudo minuciosamente
pensado pela presidente. Era fato que a mulher não
se mostrava uma piloto tão experiente, mas tinha
conhecimentos suficientes para executar o plano. O
vôo já se dava há cinco minutos, e em um dado
instante, eis que surge o imprevisto.
- Querida, eu… - Eleanor simulou um
nervosismo exagerado e uma gagueira para fazer a
outra ficar em estado de alerta.
- O que houve?
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- Não entre em pânico, por favor.


- O que está acontecendo, Eleanor?
- Não estou recebendo nenhuma resposta nos
controles aqui.
- Mas… - O pavor podia ser nitidamente
visto no semblante da mais nova - Por que será que
isso está acontecendo?
- Eu não sei. Talvez nós tenhamos que fazer
um pouso de emergência.
- Não creio que essa seja uma boa idéia… -
Liv falava enquanto olhava para fora do
helicóptero, constatando que o local onde
sobrevoaram de maneira alguma era propício para
pouso.
- Vou precisar que me ajude. Pode fazer o
check list de alguns itens? Está na sua frente.
- Claro. - A comandante segurou os papéis
entre as mãos - Peso e balanceamento.
- Ok.
- Distância de pouso prevista.
- Ok.
- Porra! - Olívia gritou quando o sacolejo do
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helicóptero ficou mais forte, tendo Eleanor que


fazer um grande esforço para não rir - Amor, nós
vamos…
- Calma, meu amor, vai dar tudo certo.
Continue… - Outro sacolejo e mais gritos por parte
da outra - Por favor.
- Está… Está bem. A... Aviônicos.
- Ok.
- Verificar se o anel de vôo está pronto para
ser acionado.
- Ok.
- Iniciar imediatamente o processo de
acionamento do anel devido ao pânico na aeronave.
- Até então, Garner não havia desconfiado de nada,
mas esse item do falso check list a fez erguer o
sobrolho esquerdo em desconfiança.
- Ok.
- Verificar se a passageira aceita se casar com
a… - Nesse instante, Liv levou a destra ao rosto,
tampando-o, permitindo desabar e externar todas as
emoções que tinham sido contidas desde a
decolagem - Eu não acredito que você fez isso…

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Conner, então, pegou a caixinha escondida


debaixo do painel do helicóptero e a abriu,
mostrando as jóias em ouro que havia escolhido
com todo o carinho para a ocasião.
- Continue lendo…
- Oh, meu Deus! A piloto em comando amará
a passageira para todo sempre?
- Mais do que verificado.
- A passageira promete permitir que a piloto a
faça feliz, dia após dia, até além da morte? A loira
lia, aos soluços.
- Eu te amo, Olívia. E eu não sei viver mais
sem você.
- Eu não sei se eu te amo depois do susto que
me deu, do medo que me fez passar. - As mulheres
riram - Podemos pousar? Ainda estou apavorada.
- Oh, meu amor, podemos sim.
Tudo havia saído conforme o planejado,
talvez até surpreendentemente melhor. Conner
esperava uma reação de espanto da namorada, mas
sequer poderia imaginar que seu pânico demasiado
se dava por motivos psicológicos de trauma após o

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ataque. Na verdade, ninguém sabia, mas já não


importava. Aquela história tinha tido o merecido
"feliz" porque estava muito longe de ter um "final".
Após alguns segundos recuperando o fôlego e
se tranquilizando à fim de ter o mal estar extinto,
Liv abraçou a agora noiva, segurando o seu rosto
entre as mãos, dando-lhe um selinho demorado.
- Eu te amo.
- Eu amo mais. - Os sorrisos entre lágrimas
eram os mais lindos que já haviam dado - Preciso
colocar isso no seu dedo logo. - A presidente pegou
uma das alianças e, lentamente, foi encaixando no
dedo anelar direito da outra, com Garner fazendo o
mesmo em seguida.
Como poderia ser mais perfeito? A mulher
que Olívia amava incondicionalmente fazendo tudo
aquilo por ela, tudo muito bem pensado, organizado
e executado com a ajuda sabe-se lá de quem; todas
aquelas pessoas que as aplaudiam estavam ali por
elas em plena sexta-feira às 08:00 da manhã.
Em seu íntimo, Garner tentava descrever para
si mesma o quanto o momento do pedido de
casamento tinha sido especial e como era a emoção
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que ainda sentia, mas seria uma tarefa impossível,


pois o sentimento era ímpar, inexplicável. Com
certeza foi um dos gestos mais lindos que a morena
já havia feito por ela.
Beijos, declarações de amor e pedido aceito,
as mulheres seguiram rumo ao primeiro
compromisso do dia, após alimentarem-se direito e
reestabelecerem o emocional. Eleanor discursaria
primeiramente em Seattle, partindo para Tacoma
imediatamente, de onde seria transmitido o seu
discurso ao vivo em rede mundial através de um
streaming na internet.
- Está pronta, Srta. Conner? - Um dos rapazes
da produção perguntou, antes de dar o ok para o
início da gravação.
- Arrase como sempre. - A comandante
sussurrou no ouvido da noiva, tomando a sua
posição de quase primeira-dama ao lado direito de
Eleanor, recebendo um sorriso terno em troca.
- Caros cidadãos americanos, eu gostaria de
iniciar o meu pronunciamento com uma palavra:
gratidão. Gratidão à todos aqueles que tornaram
esse sonho possível. Gratidão à todos que votaram
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em mim e que farão história junto comigo ao longo


dos meus quatro anos de mandato. Gratidão aos que
respeitam e acreditam no poder da mulher no
comando, como o motor do crescimento de uma
nação e ferramenta essencial na necessária inclusão
social das minorias abandonadas. Eu gostaria de
agradecer, especialmente aos membros dos partidos
que atuaram no governo do meu pai, Alexander
Conner, pelo compromisso contínuo com a
igualdade de gênero e o empoderamento das
mulheres, pela abertura de espaço no congresso
para a discussão de temas relevantes para as
economias e o desenvolvimento integral do nosso
país, assim como as oportunidades que ampliam a
inclusão de mulheres como trabalhadoras,
empreendedoras, líderes e empresárias. Durante
praticamente toda a minha vida adulta estive
profundamente comprometida com as áreas
programáticas institucionais, e confesso que o meu
interesse particular desde sempre foi mesmo o
empoderamento econômico não só do gênero
feminino, mas de todos aqueles que são privados de
direitos básicos. E por qual motivo baseei a minha
campanha eleitoral no engajamento dessa luta?
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Porque estou convencida de que, em nível global,


essa é uma área em que as mulheres, os
homossexuais e todos aqueles que estão à margem
da sociedade infelizmente não estão se movendo
tão rápido quanto gostaríamos, apesar da sólida
evidência que existe para influenciar as decisões
públicas que mudem essa realidade. Em suma:
sabemos que os países e as empresas que
promovem a igualdade de gênero e a inclusão
social estão avançando para o sucesso de suas
ações cada vez mais rápido e indo mais longe. Para
comprovar a minha fala, posso citar alguns
exemplos. A maior igualdade de gênero se
correlaciona positivamente com maior PIB per
capita; a participação da mulher e das minorias
excluídas na força de trabalho e renda gera maior
crescimento econômico e tem efeito multiplicador
na sociedade como um todo; O acesso igualitário
das mulheres à terra e a outros insumos agrícolas
aumenta a produtividade em vinte a trinta porcento
e reduz o número de pessoas que passam fome;
empresas com três ou mais mulheres em seus
conselhos de administração, ou na alta
administração, superam seu desempenho em
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cinquenta e três porcento em comparação àquelas


em que não há mulheres. Isso não sou eu quem está
deduzindo. São fatos comprovados. No entanto,
como eu disse antes, apesar das evidências, as
mulheres e as outras minorias continuam ficando
para trás e isso impacta não apenas a desaceleração
do crescimento econômico, mas no avanço dos
direitos igualitários. Os números disponíveis nos
permitem apontar que cerca de um bilhão de
mulheres e marginalizados não são capazes de
atingir seu pleno potencial econômico, devido a
barreiras como acesso desigual a oportunidades e
crédito, falta de educação e treinamento suficientes,
falta de apoio dos próprios membros de suas
comunidades ou governos para entrar na força de
trabalho e na economia. Deixem-me dizer-lhes que,
em tempos de crises econômicas globais como as
que estamos vivenciando hoje, nada mais relevante
do que a discussão e, acima de tudo, a ação, para
promover as mulheres como motores do
crescimento inclusivo em seus países. Quero deixar
bem claro que nesse meu discurso estou frizando
bastante o meu gênero, mas tudo o que falo serve
também para aqueles outros pelos quais eu luto
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diariamente e, agora eleita presidente dos Estados


Unidos da América, lutarei com mais afinco.
Estamos em um ponto histórico onde as sociedades
em todas as regiões do mundo estão exigindo
mudanças nos modelos e estruturas, que sem
dúvida não estão funcionando. E é nesse contexto
que os países não podem se dar ao luxo de
desperdiçar o potencial de metade da população
mundial. Pela primeira vez em muitos anos de
história, uma mulher foi eleita para o maior cargo
de comando da nação americana. Uma mulher gay,
vale ressaltar. Não que eu acredite que a
sexualidade das pessoas seja algo relevante, mas
nesse caso é um ponto de merecido destaque, pois
nos demonstra que lutar pela extinção do
preconceito e da discriminação realmente vale
muito a pena. É importante reconhecer que a
contribuição das mulheres para essa nova realidade
não tem sido pequena. Nesse contexto, dois fatores
foram fundamentais: o aumento da renda do
trabalho e o aumento dos gastos e investimentos em
políticas de proteção social. Refiro-me às
transferências públicas para os setores mais
vulneráveis. Foram as transferências diretas de
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renda para os setores mais pobres, com enfoque de


gênero, onde as mulheres eram as administradoras
e responsáveis ​por essas transferências, que
atualmente representam uma das ferramentas
centrais no âmbito das estratégias e políticas
sociais. Meus caros amigos e amigas, a realidade é
que não existem receitas mágicas nas políticas
públicas, e embora as transferências condicionais
provem ser uma ferramenta eficaz para prevenir o
aumento da pobreza e enfrentar a crise em nossa
país, elas devem ser inseridas em programas
abrangentes, cujo objetivo é reduzir as brechas na
desigualdade que ainda persistem em todo o
mundo. É extremamente necessário reconhecer que,
para promover uma verdadeira autonomia das
mulheres, para que possam exercer a plenitude de
seu potencial, requer uma mudança estrutural para
reduzir as desigualdades com foco especial
naquelas que têm níveis mais altos de
vulnerabilidade devido a sua condição social, raça,
etnia ou tipo de emprego. Quando as mulheres
estão empoderadas e podem exigir seus direitos,
exercer liderança, aproveitar as oportunidades de
educação e emprego, sem dúvida, as economias
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crescem. Se quisermos aproveitar esse potencial e


alcançar a igualdade entre homens e mulheres
como parceiros de desenvolvimento, devemos
eliminar a violência contra mulheres e meninas. Por
isso eu reafirmo o meu compromisso político, já
que esta é uma causa muito próxima do meu
coração. Juntos, desenvolveremos uma estratégia
que delineará os serviços básicos necessários para
uma resposta adequada às necessidades da
população: acesso a serviços básicos de saúde,
educação primária, segurança de renda, habitação e
outros serviços básicos para reduzir a desigualdade
e exclusão. O progresso das mulheres é o progresso
de todos. Priorizar as mulheres não é uma opção, é
uma necessidade. Investir em mulheres, além de ser
uma questão de direitos, é também uma expressão
de bom senso econômico. Trabalharemos juntos,
unidos em igualidade. Obrigada à todos!

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Capítulo 56 - O perdão é
para os fortes
Enquanto Eleanor e Olívia passavam o dia
cumprindo os compromissos de trabalho, Megan
permitiu-se ter um dia de folga. Louise precisou ir
ao consultório de um amigo auxiliá-lo com uma
linha de tratamento para um paciente, e com isso, a
ruiva acabou seguindo para o seu apartamento
ainda decidindo o que faria para preencher o tempo
ocioso. Pensou em convidar Alex para dar um
passeio, mas tão logo entrou na sala e vislumbrou,
jogada sobre a mesinha de centro, a carta que
Beatrice havia escrito para ela, um desânimo
atípico lhe abateu.
No dia anterior à eleição, no momento em
que esteve em sua residência, a mesma melancolia
de agora tinha corroído o seu coração. Com isso,
como se a reeleitura daquelas palavras pudesse a
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eximir da dor pela ausência de sua mãe, Meg


passou horas com o papel sobre o peito, pensativa.
Sentando-se no sofá, a ruiva fez novamente
uma retrospectiva da sua vida até ali. Lembrou-se
da infância, da adolescência, do momento em que
descobriu sua origem e quando decidiu ir em busca
da aproximação com a sua irmã. E cada segundo do
filme que se passava em sua cabeça remetia a
somente uma lacuna: Beatrice.
Um fato incontestável é que vivemos em uma
sociedade cheia de dogmas, imposições e "regras"
que devem ser acatados para que sejamos bem
vistos. Uma dessas "regras" é que pelo perdão você
aprende a gostar da pessoa como ela é. Ledo
engano. O verdadeiro perdão, na verdade, não é
para o outro, mas para si mesmo, e nos ajuda a
seguir em frente na medida em que nos desligamos
da pessoa que nos ofendeu, sem esperar mais nada
dela, seja algo de bom ou ruim. Aceitamos o outro
não porque "aprendemos a gostar dele", mas
porque a sua presença já não nos afeta em nada.
Lee ainda sentia as pontadas de rancor
ardendo em seu peito, mas ansiava por se livrar dos
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resquícios daquele sentimento ruim. Ela sabia que a


relação entre pais e filhos deveria ser avaliada de
parte a parte. Há pais ruins e filhos ruins. Beatrice
nunca poderia ser considerada exemplo de quase
nada relacionado à maternidade, no entanto, Megan
também possuía seus inúmeros defeitos que a
impediam de apontar as falhas alheias. O problema
de tudo é que em nossa sociedade - que constitui-se
falsa em sua essência - se coloca o ônus do
relacionamento nas costas dos pais, uma vez que a
premissa é: são os pais que têm que ser perfeitos
para serem respeitados; são os pais que doam e os
filhos apenas recebem. O caminho é de mão dupla.
De súbito, a ruiva pegou o celular, discando o
número da namorada com pressa. Tanta, que errou
os dígitos por duas vezes.
- Alô? Amor? Hum… Já está com saudades?
- Mattew atendeu ao segundo toque.
- Ela deixou uma marca profunda em mim,
mas será que eu também não estou deixando uma
nela?
- Ela quem, Meg? O que está acontecendo?
Está tudo bem?
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- Sim. É… Desculpa. Eu estava pensando na


minha vida, em Beatrice e… O que é que eu quero
no fim das contas? Ser feliz e não ter que lidar com
nenhum problema ou ferida do passado. Eu quero
olhar para a frente.
- Certo. E o que isso quer dizer?
- Quer dizer que sempre ouvi falar que
perdoar é um ato de amor, que amar é uma grande
troca de perdões. Como eu posso dizer que amo a
família que tenho se não sou capaz de perdoar
quem me deu a oportunidade de estar viva? Eu não
vou estar pronta para levar nada adiante se eu não
fizer o que o meu coração está mandando. Eu quero
que você vá comigo até Portland ver a minha mãe.
- Podemos programar isso e…
- Não! Agora!
- Isso é sério?
- Muito sério.
- Ok. Hum… Onde você está?
- Na minha casa. Pode passar aqui para poder
irmos?
- Posso, mas vou demorar uns trinta a
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quarenta minutos.
- Não tem problema. Ficarei te esperando.
Beijos. Eu te amo.
- Eu também te amo.
Depois de encerrada a chamada, Louise
gastou exatamente trinta e sete minutos para chegar
até o apartamento de Lee. A ruiva sabia disso com
precisão, pois verificava as horas de segundo em
segundo, quase. Ela já esperava com tudo
preparado, inclusive com uma pequena malinha
contendo algumas peças de roupa caso precisassem
trocar. E assim as namoradas partiram, sem saber o
que encontrariam, principalmente Megan, que não
fazia idéia nem se a mãe estaria disposta a recebê-
la.
A viagem durou pouco mais de quatro horas.
O trânsito estava relativamente bom, o que
contribuiu para a chegada precoce. Lee havia
descoberto e memorizado o endereço da casa onde
Beatrice estava morando em uma das inúmeras
conversas que tinha tido com sua irmã sobre o
assunto, facilitando ainda mais a conclusão de seu
intento.
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- Chegamos. - A ruiva sussurrou olhando a


suntuosa casa pela janela do carro.
- É isso mesmo o que você quer? - Mattew
levou a mão até a coxa da sua namorada,
acariciando o local.
- É. Sinto que estou pronta para dar esse
passo.
- Então… Estou contigo.
Assim que as mulheres atravessaram a rua e
adentraram os limites da propriedade, não houve
tempo para respirar fundo, criar coragem ou para se
fazer uma pausa dramática. Elas foram tomadas de
susto com o encontro repentino, assim como
Beatrice, que tratava do jardim lateral da
residência.
- Megan? O que… - A ex primeira-dama
estava boquiaberta com a visita.
- Oi. Podemos conversar?
- Claro! Hum… Me acompanhem, por favor.
- Beatrice ofereceu-lhes um breve sorriso
constrangido, recebendo outro de Louise e um
suspiro por parte de Meg. Assim que a mulher

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acomodou as visitas na sala, retirou-se no intuito de


lavar as mãos, retornando alguns minutos depois -
Posso pedir que lhes sirvam algo? Um chá, café,
água…
- Não se preocupe conosco, Sra. Conner. -
Mattew respondeu.
- Eu vim, acompanhada da minha namorada,
para fazer algo que deveria ter feito já há muito
tempo.
- Deseja alguma coisa, madame? - Uma
mulher, que aparentava ser a governanta, adentrou
no cômodo.
- Por enquanto não, Georgina. Eu chamarei,
se for preciso.
- Sim, senhora. Com licença.
- Hum… - Beatrice pigarreou - Posso saber o
que deveria ter feito há tanto tempo?
- Te fazer uma pergunta. - A mulher mais
velha ergueu as sobrancelhas aguardando a
indagação - Se pudesse, você voltaria no tempo e
faria as coisas diferentes?
- Você pergunta com relação à ter te

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abandonado?
- Exatamente.
- É óbvio que sim, Megan. Vocês podem não
acreditar em mim, mas carreguei essa culpa por
todos esses anos. E por remoê-la dentro de mim é
que me tornei a mãe fria, impositiva, egocêntrica e
tantas outras coisas dos quais Eleanor sempre me
acusou de ser. Eu vivi amargurada, tendo que
esconder esse segredo e sendo punida segundo à
segundo. Sei que mesmo que eu diga as palavras
mais bonitas, nada do que eu fiz vai ser apagado da
tua memória, e muito menos do teu coração. Nem
sempre as coisas correm do jeito que queremos, do
jeito que desejamos. E é aí que podemos desfalecer,
cair, errar. Foi o que aconteceu comigo no
momento em que decidi te deixar na porta daquele
motel. Errei e o arrependimento me machuca
demais. Sempre foi, mas agora está sendo ainda
mais difícil lidar com isso. Eu podia simplesmente
me tentar aproximar, dizer que gostaria de construir
um relacionamento contigo e pedir que esquecesse
tudo o que ficou para trás. Até cheguei a fazer isso,
de certa forma quando escrevi aquela carta.
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Contudo, eu queria que antes de mais nada você


percebesse o meu real arrependimento e aceitasse o
meu sincero pedido de perdão. - À cada palavra
proferida por Beatrice, Megan engolia em seco,
tentando conter as lágrimas que marejavam seus
olhos. Ao seu lado, Louise, igualmente
emocionada, segurava e acariciava a mão da
namorada, passando-lhe segurança e apoio - Sabe
que a melhor coisa que eu fiz foi ter me afastado.
Doeu e está doendo muito ficar longe do
Alexander, da Eleanor, de toda aquela vida, até
mesmo de você. Mas me distanciar permitiu que eu
pensasse com mais clareza no que fiz de errado, e
sobretudo na importância que de certa forma você
sempre teve na minha vida, embora eu a tenha
ignorado desde seu nascimento. Bom, uma coisa
que sua avó dizia constantemente é que nunca é
tarde demais para admitirmos nossa vontade de
mudar tudo de ruim que fizemos. - Beatrice sorriu,
enxugando algumas lágrimas que escorreram pelo
seu rosto - Você não merecia passar por isto, minha
filha, mas por vezes a vida nos guia para caminhos
estranhos, para trajetos desconhecidos e escuros.
Por agora, Megan, eu preciso apenas que aceite e
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tente entender que as minhas palavras são sinceras.


A ruiva, que até então não havia desviado a
atenção de sua progenitora por nenhum segundo,
virou-se para encarar os olhos cheios de ternura da
namorada. Louise, por sua vez, levou a destra até o
rosto de Lee e meneou afirmativamente já sabendo
o que a outra queria dizer com aquele olhar.
Lentamente, ainda ressabiada, Meg levantou-se,
dando dois passos em direção à mãe.
- Pode se levantar, por favor? - Assim que a
mulher o fez, Megan envolveu-a em um abraço.
Abraço este que sonhou dar por muito tempo em
Beatrice, mesmo antes de saber quem ela era -
Estou tentando deixar nossas diferenças de lado,
relevar todos os maus entendidos, as mágoas e
seguir em frente. - A ruiva disse, com a voz
embargada pela emoção, ao afastar-se para mirar
dentro dos olhos da mãe - Quero tentar encarar os
seus erros e os meus erros como uma parte do
nosso processo de crescimento pessoal. E acredito
que estamos dando o primeiro passo para o
caminho certo. Confesso que fiquei em dúvida por
todo esse tempo sobre sua sinceridade. Fiquei me
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perguntando: "Por que ela não me procurou


antes?", "Por que ela nunca quis saber quem eu era
e como eu estava?" Mas, como você mesma disse,
infelizmente essas coisas acontecem para nos
ensinar e quero muito aprender com você. Bem ou
mal, temos uma história, um caminho e uma vida
para seguir. Nem sempre o dia estará claro, o céu
límpido como preferimos, mas, às vezes um banho
de chuva pode garantir a lavagem da alma do qual
necessitamos. Faz parte, como o aprendizado faz.
Tudo pelo qual passamos é para um bem maior que
só conseguiremos compreender quando chegar o
momento certo. Sei que você demorou um pouco
para compreender, e eu também, mas nunca é tarde
quando assumimos nossos erros e a necessidade de
consertar as coisas. Por isso, eu te perdoo, mas
você pode me perdoar também por ter demorado
tanto para te procurar? Vamos deixar de lado a
velha história de culpa disso e daquilo e vamos
focar no ponto final que colocamos em algo que
não nos levaria a lugar nenhum. Vamos
simplesmente aprender com nossos erros e seguir
em frente, compreendendo que algumas coisas
ruins acontecem para nos ensinar a valorizar as
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boas.
- Oh, minha filha. Eu não tenho que te
perdoar de nada. - Nesse momento, as lágrimas
escorriam livres nas faces das três mulheres
presentes no recinto - Eu disse na carta que ainda
não te amava, mas agora eu realmente amo você. -
Outro abraço se deu, agora, com Mattew sendo
incluída no coletivo - Faça Megan feliz.
- Com certeza. Darei o melhor de mim para
ela sempre. - A morena respondeu.
Ficar preso a algo que se fez no passado é
assumir um papel de vítima que não cabe à
ninguém. Ali não havia vítima, nem a mais certa ou
errada. Ali havia uma mãe e uma filha, humanas,
passíveis de erros e dispostas a se perdoarem
mutuamente, pensando assim em vislumbrar um
futuro deveras feliz.

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Capítulo 57 - O resgate do
tempo perdido
Foram anos de ausência, foram anos de
sofrimento onde não houve um dia sequer em que
Garner não tenha pensado no filho, Arthur. As
primeiras palavrinhas, os primeiros passos, a loira
não viu. O primeiro “mamãe” não foi para ela, mas
a euforia ao ver o garoto, treze anos e um mês
depois de Arthur ter sido levado do parquinho,
mostrou que tudo valeu a pena.
No fim, Olívia sentiu que teve uma gestação
diferente ao esperar pelo filho não nove, mas cento
e cinquenta e sete meses. Ela tinha muito medo de
não encontrá-lo. E se não encontrasse, mesmo
fingindo que sim, jamais conseguiria seguir
adiante.
Olhando para o filho aprendendo xadrez com
o "avô", a comandante lembrou-se do diário mental
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que fazia quando dos primeiros anos do


desaparecimento do menino: "Hoje estou mais
fraca, hoje mais forte."
Pensando nessa fase conturbada, e agora
ouvindo a risada de Alex, ela tinha certeza de que
precisava passar por tudo aquilo para tornar-se uma
mulher verdadeiramente forte.
Marcas? Sim, ficaram várias. Uma cobrança
ferrenha, uma superproteção com o garoto, algo até
inconsciente. Liv sabia que por vezes exagerava,
haja visto que em pouco tempo de convivência,
Alex já havia reclamado algumas vezes sobre estar
"sufocado". Mas no fundo ele entendia e até
gostava de ser cercado de cuidados e amor. Ele
gostava de saber que era o significado da vida de
alguém. Havia se tornado um adolescente com
cabelo de cor castanha, articulado e de fala
pausada. Além de tudo isso, grato. Alex fazia
questão de frizar sempre a gratidão que sentia pela
comandante nunca ter desistido dele.
- Amor? - A voz de Eleanor despertou Olívia
de seus devaneios, fazendo-a sobressaltar-se -
Desculpa se te assustei.
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- Não. Eu estava distraída. Só isso. - A loira


tomou as mãos da noiva, beijando-as.
- Eles se dão tão bem! Meu pai parece outra
pessoa. Nunca o vi tão alegre, tão…
- Vivo?
- Isso! Vivo. Alex trouxe vida para todos nós.
- É verdade. Ele é um anjo que chegou para
mudar as nossas vidas. - Sorrindo, Garner desviou a
atenção da dupla, que agora via televisão, para
Conner, franzindo o cenho ao observar a morena
com o semblante sisudo - O que foi? Algum
problema? Por que está com essa carinha?
- Megan. Desde hoje cedo estou tentando
falar com ela, mas não consigo. Tentei o celular da
Louise também, só que parece que as duas
evaporaram. Estou preocupada.
- Calma, amor. Devem estar dormindo.
- São quase 15:00 da tarde. Quem dorme até
essa hora?
- Bom, depende muito da hora em que foram
dormir, não é?
- Ontem à noite, depois que você já tinha
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dormido ela respondeu a minha mensagem dizendo


que estava em um lugar onde não podia conversar.
- Quer ir até o apartamento da Meg para ficar
mais tranqüila?
- Ei, venham aqui. Estão falando de vocês na
tv. - A voz de Alex chamou a atenção das
mulheres, que imediatamente atenderam ao pedido
do menino.
- O que foi, querido? - Eleanor perguntou.
- Shiiii… - O Sr. Conner fez sinal com o
dedo para que se calassem.
"A recém eleita Eleanor Conner decidiu
fazer algo inusitado e tenso para pedir a
namorada em casamento. Eleanor convidou a
comandante Olívia Garner para um passeio nas
alturas no avião particular da presidência.
Em algumas fotos postadas pela própria
presidente em suas redes sociais, a aventura
emocionou as noivas à ponto de ambas ficarem
com os rostos vermelhos pelas lágrimas.
Pouco tempo depois do início do vôo,
Conner começou a brincadeira, simulando uma

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pane no sistema. A presidente, então, pediu para


Olívia a ajudar fazendo o check list emergencial,
que na verdade era o pedido de casamento.
Ao ler as instruções entre os percalços e a
turbulência apavorante, só depois de algumas
linhas foi que Garner se deu conta de que, na
realidade, o manual se tratava de uma brincadeira
que anteciparia um dos dias mais importantes da
sua vida.
Apesar do susto e do turbilhão de emoções,
o sim foi dito, o que nos faz crer que em breve
teremos a oportunidade de ver o casamento que
agora é o mais esperado no ano."
- Uau! Esse pedido de casamento repercurtiu
mesmo. Ouvi dizer que tem várias pessoas
imitando. - O ex-presidente comentou.
- Mas já? Só tem pouco mais de um dia. - Liv
ergueu a sobrancelha em estranheza.
- Meu amor, somos famosas. As pessoas
copiam mesmo e com uma agilidade extraordinária.
- Eleanor riu.
- Foi bem ousada e arriscada essa sua idéia,
minha filha.
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- Pai, na verdade isso tudo saiu da cabeça


ruiva da Megan.
- Ah, mas só podia ser coisa daquela
desmiolada. - O riso se deu quase em uníssono.
- Foi bem legal mesmo. - Alex manifestou-se.
- Você não se incomoda mesmo, Alex? -
Garner sentou-se em frente ao filho, sendo seguida
pela noiva.
- Me incomodo com o que?
- Em sermos pessoas públicas, em expormos
a nossa sexualidade. De certa forma isso pode te
atingir. Seus amigos da escola podem cometer
bullying contigo.
- Tá brincando? Quem vai ser louco de se
meter comigo? A minha mãe é a comandante do
Serviço Secreto dos Estados Unidos e a namorada
dela é a presidente da República. Eu sou tipo… um
rei. - Todos riram do jeito espontâneo do rapazinho.
- Acho que ele está passando tempo demais
com a sua irmã. - O Sr. Alexander sussurrou para a
filha.
- Eu também acho. - Conner cochichou de

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volta, pigarreando logo após - Alex, brincadeiras à


parte, nós, digo, sua mãe e eu gostaríamos de
conversar com você à respeito disso ee de uma
outra coisa.
- Bom, vou para o escritório trabalhar um
pouco. Com licença. - O patriarca dos Conner
levantou-se, saindo do cômodo de imediato para
que os três pudessem ficar mais à vontade.
- Gente, se vão me perguntar de novo se me
importo de vocês serem lésbicas, eu já respondi. Eu
não tô nem aí pra isso. Não é da minha conta.
Vocês todos foram as pessoas que me trataram bem
de verdade em toda a minha vida.
- Alex, nós não simplesmente te tratamos
bem. Nós te amamos. - Liv ponderou.
- Tá. E eu amo todo mundo. Meus avós, meu
tio, a Megan, a Louise, meu avô xará, as duas… Eu
não discrimino vocês e nem vou deixar que
ninguém faça isso perto de mim. Vocês estão
cismadas à toa e tá ficando chato já. Vou ter que
falar. - As mulheres entreolharam-se, sorrindo
emocionadas e indo se sentar uma de cada lado do
garoto.
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- Nós prometemos não tocar mais no assunto,


está bem? - Eleanor acariciou-lhe os cabelos.
- Tá bem.
- É… Bom, temos outro assunto para tratar. -
Olívia respirou profundamente antes de continuar -
Alex, Eleanor e eu conversamos bastante e
pensamos em algo, mas precisamos saber a sua
opinião.
- O que acontecer daqui para frente vai
depender da sua vontade. - A presidente completou
- Como sua mãe e eu vamos nos casar, e eu te amo
como um filho, pensei em…
- Fala, Eleanor. Tá com medinho? - O garoto
zombava.
- Não! - Riram - Você iria gostar de ser meu
filho legalmente? Iria gostar se eu te adotasse?
- Ta falando sério?
- Estou sim.
- Alex, você já passou por muitas situações
difíceis, mas agora tem todo o direito e o poder de
decidir como quer que seja a sua vida daqui em
diante. Nós só estamos pensando no seu bem estar,

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em te dar um lar bem estruturado, onde você vai ser


educado, amado e vai poder crescer como um
adolescente feliz.
- Não precisavam nem me perguntar. Quem
não quer ter duas mães? Duas pessoas pra enrolar
na hora de pedir dinheiro?
- Ah, é assim danadinho? - Ambas as
mulheres começaram a fazer cócegas no menino.
- Eu quero ser adotado por você, Eleanor.
Assim nós três podemos fazer parte da mesma
família, né?
- Com certeza!
- De que família estão falando? Estou
incluída? - Meg adentrou no cômodo com o seu
jeito nada discreto e peculiar de ser.
- Ah, meu Deus! Megan, que susto você me
deu! - Conner levantou-se apressada para abraçar a
irmã - Fiquei preocupada, muito preocupada. Te
liguei e mandei mensagens, mas você não
respondeu. Achei que tivesse acontecido algo ruim
e… - Enquanto a morena desabafava, Lee fazia
caretas engraçadas, obrigando Liv e Alex a
prenderem o riso - O que foi? O que… - Quando a
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presidente percebeu o que se passava ali, estreitou


os olhos e bufou alto - Engraçadinha. Eu falo sério!
- Ai, Eleanor, calma. Estou aqui, bem. Só não
te respondi porque tive um dia bem complicado
ontem.
- E não vai me contar?
- Hã… meu amor, eu deixei instruções com o
Rust para que ele fique no comando. Prometi ao
Alex que daríamos um passeio. Tudo bem?
- Claro, amor. Podem ir tranqüilos.
- Se precisar…
- Com certeza te ligarei. Não se preocupe.
Vou ficar bem.
- Está certo. Vamos, Alex?
- Vamos. Tchau, Eleanor. Tchau, Meg.
- Tchau, feioso.
- Megan, não chame o menino assim. -
Conner repreendeu-a.
- Esquenta não. É nosso apelido carinhoso,
né, foguinho?
- É, garoto. - Riram - Ah, comandante,
parabéns pelo casamento. Estou muito feliz por
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vocês.
- Depois vamos conversar direitinho à
respeito dessa sua idéiazinha, viu? - Garner
sussurrou no ouvido da cunhada quando passou por
ela.
- Então? - Conner sentou-se em meio aos
suspiros ansiosos quando se viu sozinha com Lee -
O que houve?
- Eu vou ir direto ao ponto. Desde que a
Beatrice me entregou aquela carta eu venho
pensando no assunto e cheguei a uma conclusão.
- Qual?
- Eu quero que você me escute até o fim sem
interrupções e manifestações negativas, ok?
- Ok. Está me deixando nervosa, mas ok.
- Eleanor, ninguém, infelizmente, tem o
poder de modificar o que aconteceu no passado.
Algumas dores parecem grudar na nossa memória e
aumentam ainda mais as feridas ao longo da vida,
principalmente aquelas provocadas pelos nossos
pais. Eu sei bem o quanto essas feridas emocionais
são difíceis de curar. Demorei anos para enxergar a

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obviedade e finalmente entendi que para me livrar


do sofrimento, ou ao menos atenuá-lo, o primeiro
passo seria analisar tudo o que aconteceu tentando
me colocar no lugar da nossa mãe. Eleanor, todos
nós somos capazes de perdoar aquilo que
compreendemos. Se tentar enxergar tudo por um
outro ângulo, vai perceber também que excluí-la de
nossas vidas é tão errado quanto o que ela fez. Eu
entendo que a Beatrice não foi uma mãe exemplar
para você e menos ainda para mim. Entendo
também que tomou um pouco das minhas dores,
mas não podemos permitir que esses
acontecimentos amargos nos machuquem mais e
nos incomodem a ponto de atrapalhar o nosso
convívio familiar, a nossa autoestima e a confiança
em nós mesmas.
- Você está querendo dizer que devo perdoá-
la?
- Sem floreios? Sim. Eu fui vê-la ontem,
conversamos bastante e eu a perdoei, de coração.
Eu precisava fazer isso para seguir em frente sem
nenhuma reserva. Pedi que Louise me acompanhar
e fui. Posso te afirmar que nunca tomei uma
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decisão tão certa quanto essa.


- Meg, eu também refleti muito sobre tudo o
que aconteceu desde que aconteceu. Sinto muita
falta da minha mãe, quer dizer, da nossa mãe, mas
eu fico dividida entre uma parte do meu coração,
que a quer de volta, e a outra parte que se mantém
magoada. Fico feliz que você tenha conseguido
perdoá-la. Só não sei se sou capaz.
- Claro que é! Bom, por que não tiramos a
prova? Vamos lá comigo? Minha irmã, nós não
temos o poder de mudar ninguém, mas podemos
transformar nosso modo de encarar as coisas e de
reagir. O perdão não é algo que acontece
naturalmente, é uma decisão. Tome essa decisão,
assim como eu tomei. Perdoar não significa
necessariamente esquecer. Eu não vou conseguir
esquecer a vida de merda que eu tive, mas olha
onde estou hoje! Perdoar nos ajuda a reconhecer o
que há de bom nas pessoas e em nós mesmas.
Devemos aceitar a Beatrice como ela é se
quisermos ser aceitas também.
- Você tem razão. - A presidente manifestou-
se após alguns segundos em silêncio, apenas
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encarando a ruiva - Vamos colocar um ponto final


nessa história mal resolvida.

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Capítulo 58 - O casamento
presidencial
Um mês depois do estrondoso sucesso que
foi o pedido de casamento de Eleanor para a sua
amada Olívia, se dava o grande dia, o dia mais
importante na vida de ambas. As fotos e a notícia
viralizaram no mundo todo, obviamente reunindo
aqueles que eram pró e contra a relação. Alguns
diziam que havia sido um erro a eleição de Conner,
que a família tradicional tinha sido destruída por
causa dela. Outros já apostavam no avanço da luta
contra o preconceito e no tão necessário vislumbre
de um futuro onde todos pudessem ser respeitados
por sua índole e não pela sexualidade.
Para as mulheres nenhuma crítica negativa
era relevante. Elas não se importavam. E nem era
segredo que só pensavam em se casar e serem
felizes juntas, nada mais. Por esse e por outros
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motivos, Eleanor decidiu que o casamento se


realizaria antes de tomar posse no cargo de
Presidente da República. Liv, por sua vez,
concordou de prontidão, ansiando passar o restante
dos seus dias com a morena sendo oficialmente a
sua esposa.
O espaço externo do Union Hill Inn já era
lindo por natureza, e não precisava de muito para se
tornar o lugar que seria o palco de um marco na
história mundial.
Com a decoração rústica e refinada, a
iluminação foi o elemento fundamental para
embelezar o ambiente e destacar seus atrativos
naturais: os jardins, a pontezinha, a cascata e, claro,
o digníssimo flamboyant sob o qual inúmero casais
já trocaram juras de amor, sendo a vez das ilustres
noivas.
As cores ficaram no tradicional verde e
branco, propositalmente. Eleanor e Olívia não
queriam chamar muita atenção para itens que
julgavam irrelevantes. Para elas, o foco deveria ser
na cerimônia em si, e não nos seus detalhes
materiais. Queriam que todos os convidados se
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sentissem bem, em um ambiente agradável e


bonito, justamente para que pudesse aproveitar
melhor o ritual que tinham preparado com tanto
carinho. Pessoas e palavras eram muito mais
importantes naquele casamento do que pirotecnias
e arranjos suntuosos.
Enquanto cada noiva tomava em uma suíte, o
lugar ia enchendo lá fora. As pessoas começavam a
chegar e a se entrosar, a explorar o espaço, a
descobrir os pequenos detalhes que ajudariam a
compor a cerimônia.
Durante os dias corridos dos preparativos,
Garner e Conner depararam-se com um dilema:
quem seria o celebrante? Entre sugestões aqui e ali,
resolveram que recorreriam aos seus maravilhosos
amigos e parentes para conduzir aquele momento
especial. Os pais de Liv, os pais de Eleanor, sua
irmã e Louise faziam parte de toda a trajetória das
mulheres e eram as pessoas mais qualificadas para
tal feito, muito mais do que qualquer sacerdote ou
juiz. Gratidão e honra. Era o que sentiam por ter a
família fazendo as honras do casamento.
Após muita discussão, ficou decidido que
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Olívia esperaria Conner no altar. Nora reclamou de


um lado, a própria noiva de outro, e até Beatrice se
intrometeu, além dos pitacos que os homens
também deram, o que de nada adiantou. A loira não
voltou atrás na sua vontade, na verdade, no seu
sonho. Ver Eleanor caminhando até ela, vestida de
noiva, seria uma das maiores emoções de sua vida,
e disso não abriria mão por nada.
"When I look into your eyes
Quando olho em seus olhos
It's like watching the night sky
É como observar o céu à noite
Or a beautiful sunrise
Ou um belo amanhecer
There's so much they hold
Há tanto que eles carregam
And just like them old stars
E assim como as antigas estrelas
I see that you've come so far
Eu vejo que você chegou tão longe
To be right where you are

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Para estar bem onde você está


How old is your soul?
O quão antiga é a sua alma?…"
Ao som de uma música tão bonita e
significativa na vida das noivas, Olívia entrou com
o Sr. George. Pai e filha disputavam o lugar de
mais emocionado da cerimônia. De um lado, a loira
já não sabia mais o que fazer para manter-se de pé
sobre os saltos altos sem que as pernas trêmulas a
fizessem cair no chão. Do outro lado, o homem
passou a manter os olhos arregalados o tempo todo,
na tentativa inútil de conter as lágrimas. "Já é a
segunda vez que retoco a sua maquiagem! Não
farei de novo." Ele lembrava das repreenssões da
esposa.
A ex primeira-dama entrou em seguida,
juntamente com Nora, Megan e Louise na
seqüência. Uma vez no altar, rodeada pelas
madrinhas e padrinhos, Olívia se posicionou para a
famosa espera, tendo a sensação de que desmaiaria
à qualquer momento.
- Vai dar tudo certo. Eu vivi para ver esse
momento. Não me decepcione. - A voz de seu ex
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colega de trabalho e amigo pessoal, ksksjdjsh, fez a


comandante sorrir.
- Obrigada. - Ela movimentou os lábios,
agradecendo o apoio.
Apesar de tudo o que havia passado desde o
ataque à Casa Branca, com sua suposta morte
forjada, o afastamento forçado da família e amigos,
jdjdhdh nunca tinha deixado de zelar, mesmo de
longe, pela amiga. Ela não sabia, mas Wes a
protegeu de alguns eventos que eram planejados
para machucá-la. O homem cumpriu o seu papel de
fidelidade conforme suas condições lhe permitiam,
e depois que tudo tinha sido esclarecido, depois que
todo o pesadelo havia se findado, pôde finalmente
estar ali, em meio às pessoas que tanto gostava,
tanto admirava.
De onde estava, Eleanor tinha uma visão
parcial do que acontecia lá fora. Ela conseguiu ver
a daminha - uma amiguinha de Theo - entrar,
lembrando-se de um casamento no qual foi dama
de honra quando tinha apenas cinco anos de idade.
Ah, apesar da mágica que cerca esse dia, para
Conner não tinha sido uma experiência nada
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agradável. A coitadinha havia ficado de pé o tempo


todo, quase dormindo de tédio e sendo cutucada o
tempo todo pela mãe para que ajeitasse a postura.
Como nos tempos atuais os direitos humanos das
crianças são mais reconhecidos, a decoradora
providenciou pufes confortáveis, tanto para a
daminha quanto para o pajem e quem fosse entrar
com as alianças.
Em um casamento todo mundo sabe que a
entrada das crianças é, na verdade, a anunciação da
entrada da noiva. Para assumirem essa premissa de
vez, Alex, evidentemente feliz e sorridente por
conta do casamento das mães, caminhou até o altar
com uma linda plaquinha onde estava escrito "Mãe,
não corra! Nossa gota de orvalho está linda!",
arrancando risadas de todos os presentes.
A título de curiosidade, enquanto todas essas
entradas triunfais aconteciam, Eleanor estava quase
entrando em colapso de tanto rir e se emocionar
com o que acontecia lá fora e com os colaboradores
do cerimonial. Nervosismo atrelado a alegria
incomensurável não podia dar em outra coisa.
E eis que havia chegado o grande momento.
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A entrada de Eleanor foi dividida em duas partes,


tudo em nome da resolução diplomática de
conflitos. Há tempos ela já havia deixado bem clara
a sua opinião à respeito da tradicional entrada da
noiva com o pai, e fez questão de repetir alguns
minutos antes da cerimônia: a presidente
abominava essa tradição, típica de um tempo em
que a mulher era propriedade dos homens --
primeiro do pai, e depois do marido. A sua vontade
- independente do gênero da pessoa com quem iria
se casar - sempre foi caminhar sozinha até o altar,
porque, afinal, os tempos são outros, sendo ela e a
futura esposa, as únicas protagonistas daquele
ritual. Elas, noivas, não se limitavam a aparecerem
lindas e angelicais de véu e grinalda - como Conner
-, ou de terninho - como Garner, a aguardar o tão
sonhado beijo do sim, a dar sorrisinhos, acenos e
abraços na recepção. Ambas tinham o
conhecimento de que passaram de sujeitas passivas
a sujeitas proativas, independentes e decididas,
devendo fazer jus à isso.
No entanto, a presidente não contava com a
tristeza notável no semblante do Sr. Alexander. A

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solução mais prática encontrada foi, entrar a


primeira metade do caminho, que era em L,
sozinha, e ao fazer a curva, encontrar o pai, que lhe
deu a mão e a levou até a outra noiva.
Uma das coisas que tornou tudo muito mais
especial foi a música, ou melhor, a surpresa que Liv
fez para os convidados e para a futura esposa,
quando esta estava caminhando pelo tapete
vermelho. A loira - que já tinha combinado com os
músicos - fez sinal para que a música que tocava ao
fundo fosse interrompida, pegando o microfone que
se encontrava no púlpito e passando a cantar uma
melodia que soava ainda mais linda em sua voz
doce e seu tom cheio de amor.
"Forever can never be long enough for me
Para sempre pode nunca ser o suficiente
para que eu
Feel like I've had long enough with you
Sinta que tive tempo suficiente com você
Forget the world now we won't let them
see
Esqueça o mundo agora não vamos deixá-

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los ver
But there's one thing left to do
Mas há uma coisa a fazer
Now that the weight has lifted
Agora que o peso tem levantado
Love has surely shifted my way
O amor certamente tem mudado meu
jeito…"
Nesse exato instante foi que Conner
encontrou o seu pai, indo com ele até o altar. Foi
também, de certo, a mais emocionante de sua
entrada, pois a morena pôde ver todo mundo que
estava ali, por elas. Os olhares, os sorrisos tornaram
aquele um dos momentos mais especiais da vida de
Eleanor e Olívia.
"Marry Me
Case comigo
Today and every day
Hoje e todos os dias
Marry Me
Case comigo

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If I ever get the nerve to say


Se eu nunca tiver a coragem de dizer
Hello in this cafe
Olá neste café
Say you will
Diga que você vai
Mm-hmm
Hã-hã
Say you will
Diga que você vai
Mm-hmm
Hã-hã
Together can never be close enough for me
Estar junto pode nunca ser perto o
suficiente para que eu
Feel like I am close enough to you
Sinta que estou perto o bastante de você
You wear white and I'll wear out the
words I love you
Você usa branco e vou usar as palavras ‘eu
te amo’
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And you're beautiful


E ‘você é linda’
Now that the wait is over
Agora que a espera acabou
And love and has finally shown her my
way
E o amor finalmente mostrou a ela minha
maneira
Marry me
Case comigo
Today and every day
Hoje e todos os dias
Marry me
Case comigo
If I ever get the nerve to say hello in this
cafe
Se eu nunca tiver a coragem de dizer olá
neste café
Say you will
Diga que você vai
Mm-hmm
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Hã-hã
Say you will
Diga que você vai
Mm-hmm
Hã-hã
Promise me
Prometa-me
You'll always be
Você sempre será
Happy by my side
Feliz ao meu lado
I promise to
Eu prometo
Sing to you
Cantarei para você
When all the music dies
Quando todas as músicas morrerem…"
O beijo terno que a comandante deu na testa
da presidente, marcou o encontro das noivas. Uma
enxugando as lágrimas da outra poderia ser
considerado o gesto mais lindo que os convidados
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veriam durante a cerimônia.


- Boa noite à todos. - Megan deu início ao
ritual, com o juiz de prontidão ao seu lado, apenas
acompanhando a cerimônia até que chegasse a hora
de assinar os documentos - À partir de agora, por
gentileza, coloquem os celulares no modo
silencioso e fiquem à vontade para sentarem-se.
Estamos aqui reunidos para celebrar algumas das
melhores coisas da vida: o amor, a confiança e a
esperança. Nós fomos escolhidos à dedo para
compartilhar este momento com a Eleanor e Olívia
porque somos as pessoas mais importantes para
elas, modéstias à parte. - Risos - O respeito, a
compreensão e o carinho que sustentam o
relacionamento dessas mulheres espetaculares têm
suas raízes no amor que doaram mutuamente. Nós
somos parte insubstituível do ontem, do hoje e de
todos os amanhãs dessas noivas lindas.
Nesse momento, Louise tomou a palavra.
- Esta noite, recordaremos também daqueles
que não se encontram fisicamente nesta cerimônia,
mas que se fazem presentes em nossos corações.
Lembraremos daqueles inocentes que morreram no
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fatídico dia do ataque a Casa Branca, a quem


Eleanor e Olívia sempre dedicarão parte de suas
felicidades. Ao festejarmos hoje este rito de
matrimônio, devemos ainda nos lembrar daqueles
que não podem, por lei, dar este passo tão
importante. A Eleanor e a Olívia acreditam que
todos merecem o direito incontestável de se casar,
pois todos merecem usufruir das benesses legais e
emocionais que advêm deste ato, e lutam
ativamente para que isso aconteça. Promeça de
campanha da presidente. Cobrem dela. - Nesse
instante foi impossível conter as gargalhadas - Um
dia, em um mundo mais justo, todos aceitarão que o
amor não tem gênero, e que, antes de sermos
homens ou mulheres, somos todos seres que amam.
Esperamos que este dia chegue em breve.
E então, surpreendentemente foi a vez de
Beatrice se pronunciar.
- Muito se fala sobre o casamento no dia-a-
dia. Muito se fala, inclusive, contra o casamento.
Alguns acreditam que o casamento seja,
efetivamente, o fim da vida. Hoje, Eleanor e Olívia
nos dão as provas reais, concretas de que o
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casamento não é um fim, muito menos um começo.


Esta não é uma cerimônia mágica, e não vai criar
algo que já não exista. Elas já escolheram uma à
outra como sua família, e hoje estão celebrando
algo que já começou e que vai continuar crescendo
ao longo dos anos, pois o casamento é um processo,
uma caminhada ousada rumo a um futuro
desconhecido, que envolve abrir mão do que
somos, separados, em prol de tudo o que podemos
vir a ser, juntos.
De acordo com as diversas vezes em que
todos os detalhes e ordens de fala foram ensaiadas
pela família, o Sr. Alexander seria o próximo a
tomar o microfone para si, mas como a emoção
extrema o impedia de sequer se mover de onde
estava, foi o Sr. George quem fez as honras.
- Eleanor e Olívia, vocês já foram muitas
coisas uma da outra - chefe e subordinada, amigas,
companheiras, namoradas, noivas, e até mesmo
professora e aluna, pois vocês já ensinaram muito
uma à outra, e já aprenderam muito uma com a
outra nesses últimos anos. Agora, com as palavras
que vocês estão prestes a trocar, passarão para a
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próxima fase.
- A do chefão! - Alex gritou, arrancando
risadas divertidas dos convidados, em especial, das
mães.
- Pois, com estes votos, vocês estarão
dizendo ao mundo: “esta é a minha esposa”.
Eleanor, é de livre e espontânea vontade que você
aceita a Olívia como sua companheira em
matrimônio?
- Sim.
- Olívia, é de livre e espontânea vontade que
você aceita a Eleanor como sua companheira em
matrimônio?
- Sim. - Não dava para mensurar a voz de
qual das noivas estava mais embargada pela
emoção.
- Assim sendo, por favor, dêem-se as mãos e
preparem-se para dar e receber suas juras de amor,
que estão entre os maiores presentes da vida.
"…I see your true colors
Eu vejo suas cores verdadeiras
Shining through
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Brilhando por dentro


I see your true colors
Eu vejo suas cores verdadeiras
And that's why I love you
E é por isso que eu te amo
So don't be afraid to let them show
Então não tenha medo de deixá-las
aparecerem
Your true colors
Suas cores verdadeiras
True colors are beautiful
Cores verdadeiras são lindas
Like a rainbow
Como um arco-íris…"
As noivas trocariam os votos ao som de True
Colors, simbolizando as verdadeiras cores que
viram uma na outra através da alma desde quando
se conheceram. Como Liv estava extremamente
receosa de que seus votos ficassem piores que os de
sua amada, decidiram, por bem, que escreveriam
juntas, e foi o que fizeram, na véspera do

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casamento. Além disso, elegeram uma fórmula


básica para ambas, onde cada texto refletiria bem a
personalidade de quem o escreveu. A intenção era
criar votos simples, íntimos, informais e bonitos, o
que funcionou explendidamente.
- Minha presidente… - Garner iniciou com
suas palavras - Você me ensinou a como combinar
um Manolo. Você me fez parar de usar roupas
furadas mesmo estando dentro de casa em um fim
de semana. Você assiste filmes de terror comigo
toda sexta-feira 13, mesmo odiando o gênero e
tendo medo do dia. Você me ajuda a escolher as
minhas gravatas quando vou trabalhar. Você vai
fazer comprar comigo, ou à qualquer lugar a
passeio e desvia a atenção das pessoas de mim para
você. Você me apresentou a melhor manicure do
mundo. Você me encoraja a não ter medo de
parecer suscetível demais, liberal demais. Você me
ajudou a escrever estes votos. Eu te amo e prometo
fazer o possível para ser tão boa para você quanto
você é para mim, por todos os dias de nossas vidas.
- Minha comandante… Você me acompanha
em todas as minhas viagens, reais e imaginárias,
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desde as mais tristes até as mais inusitadas. Você


até cantou junto comigo no show das Spice Girls,
ao qual eu te levei praticamente à força.
- Nem me lembre. - Riram.
- Você me carrega nas costas quando eu
preciso, ao mesmo tempo em que procura um meio
pra me ajudar a caminhar por conta própria. Você é
muito boa em usar gestos pequenos para
demonstrar sentimentos grandes. Você é a pessoa
em quem eu mais confio em todo o universo. Você
salvou a minha vida, literal e poeticamente. Você
me faz sentir querida, aceita e respeitada. Eu te
amo, e prometo fazer o possível para ser tão boa
para você quanto você é para mim, por todos os
dias de nossas vidas.
Os dedos estavam entrelaçados, o amor
exalava de seus poros, juntamente com a vontade
quase incontrolável dos lábios de se tocarem. E foi
por pouco, muito pouco. O ato só não aconteceu,
pois o pequeno Theo, que entrava com as alianças,
se sentou no chão procurando a chupeta que estava
no bolso de seu terninho. A graciosidade do menino
desviou a atenção das noivas, e o ambiente foi
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tomado de murmurinhos contagiados por aquela


fofura. Nora, para adiantar o processo, correu até o
filho, o carregando no colo e o levando até o altar.
- Desculpa, mas a chupeta é mais importante.
- A mulher sussurrou, arrancando mais risadas de
Liv e Conner.
- As alianças são símbolos físicos do
compromisso de um casal e de sua ligação
emocional e espiritual. Elas são consideradas um
círculo perfeito, sem começo nem fim. - Dessa vez,
quem se pronunciou foi o juiz - Podemos afirmar
que o amor tem origens humildes, pois vem de
seres imperfeitos que tornam o sentimento perfeito.
Eleanor e Olívia, que estas alianças tragam sempre
as lembranças dos sentimentos que uma nutre pela
outra. Que ao olhar para elas, vocês possam se
lembrar que têm ao lado alguém especial com
quem compartilhar suas vidas. Vocês se
encontraram uma na outra e nunca mais andarão
sozinhas.
A comandante, então, pegou um dos anéis da
almofada, encaixando devagar no dedo de sua
amada.
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- Eleanor, eu te dou esta aliança como sinal


de que escolhi você para ser a minha esposa e a
minha melhor amiga. Receba-a e saiba que eu te
amo.
- Olívia… - A presidente imitou o gesto da
outra - Eu te dou esta aliança como sinal de que
escolhi você para ser a minha esposa e a minha
melhor amiga. Receba-a e saiba que eu te amo.
- Eleanor e Olívia, com o poder que detenho
de proclamá-las esposa e esposa, após termos
testemunhado sua troca de votos diante de todos
que estão aqui hoje, e também com base nesta
certidão de casamento que vocês assinarão daqui à
pouco, é com grande alegria que não só eu, como
todos os seus amigos e familiares, as declaramos
casadas. Podem se beijar.

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Capítulo 59 - Presidente
Eleanor Conner
Um mês depois…
A 45º presidente dos Estados Unidos, Eleanor
Conner, tomou posse no início de uma tarde de
quarta-feira, em Washington DC, em meio a uma
multidão de pessoas que viajaram à capital para
acompanhar o momento histórico onde, pela
primeira vez no país, uma mulher, assumidamente
homossexual, apropriou-se do cargo mais
importante do Executivo norte-americano,
quebrando os paradigmas de centenas de anos.
Com a mão sobre a mesma Bíblia usada em
1861 por Abraham Lincoln, Eleanor prestou
juramento ao lado de seu pai, Alexander Conner, e
de sua segurança particular e esposa, a comandante
Olívia Garner.
- Eu, Eleanor Conner, juro solenemente
cumprir fielmente as funções de presidente dos
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Estados Unidos e, na medida de minhas


possibilidades, salvaguardar, proteger e defender a
Constituição Estados Unidos. - A morena gaguejou,
emocionada, sorrindo abertamente em seguida,
atendendo ao pedido dos ateus para que não
houvesse menções religiosas no juramento.
- Eleanor! Eleanor! Eleanor! - A multidão
aclamava.
Centenas de milhares de pessoas enfrentavam
o frio e lotavam o Washington's Mall, que se
estendia por cerca de 3 quilômetros desde o
Capitólio até o Memorial Lincoln. Um mar de
gente tomou conta do gramado, muitos agitavam
bandeiras norte-americanas, e estavam realmente
emocionados em participar de um evento que seria
lembrado historicamente para o resto da vida.
O ingresso para assistir à cerimônia de posse
custou US$ 25. Eleanor, a presidente popular,
sabendo que algumas pessoas não tiveram
condições financeiras de participar, ordenou que
fossem montados pontos de transmissão ao vivo
para que todos pudessem se sentir próximos à ela
de alguma forma.
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A polícia estimou o número de dois milhões e


meio de pessoas que acompanharam em
Washington a posse da presidente, deixando para
trás o recorde de Lindon Johnson, em 1965, com
um milhão e duzentas mil pessoas.
Na tribuna presidencial do Capitólio, estavam
todos os ex-presidentes vivos dos Estados Unidos,
que ouviram emocionados, junto do povo, ao
discurso épico da presidente:
- Meus caros cidadãos americanos, estou aqui
diante de uma árdua tarefa que tenho pela frente,
sentindo-me profundamente grata pela confiança
que vocês depositaram em mim, ciente de quem eu
realmente sou. Agradeço ao meu pai pelos serviços
que prestou à nação, assim como pela generosidade
ao me ensinar tantas coisas durante esta transição.
Quarenta e cinco americanos já fizeram o
juramento presidencial. A américa seguiu em frente
não apenas por causa da competência dos que
ocupavam os altos cargos, mas porque nós, o povo,
permanecemos fiéis aos ideais de nossos
antepassados e leais aos nossos direitos
fundamentais. Assim foi e assim deve continuar
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sendo. É fato que enfrentamos uma crise. Nosso


país contra uma ampla rede de violência e ódio. Eu
fui vítima próxima disso. Por pouco a economia
não foi gravemente enfraquecida, uma
consequência da cobiça e da irresponsabilidade de
alguns. Enfrentamos outros problemas também por
conta de erros do passado que vieram se
acumulando ao longo dos anos e que meu pai, em
seus dois mandatos, não conseguiu consertar.
Nosso sistema de saúde é caro; nosso sistema de
ensino nem sempre acolhe a todos. Eu não quero
ter que enfrentar uma crise, não quero que tenham a
confiança desgastada; não quero que temem o
declínio da América. Isso não vai acontecer. Ao
menos não enquanto eu estiver no poder. Os
desafios que enfrentamos são reais, são sérios e
muitos. Eles não serão resolvidos facilmente ou em
um curto período de tempo. Mas tenham apenas
uma única certeza, meus queridos cidadãos, eles
serão resolvidos. Se estou aqui hoje é porque vocês
escolheram a minha competência ao invés do
preconceito, escolheram a esperança ao invés do
medo, a união acima do conflito e da discórdia.
Hoje eu proclamo o fim dos sentimentos
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mesquinhos e das falsas promessas, das


recriminações e dos paradigmas desgastados que
por tanto tempo destruíram a vida de tantas
pessoas. Chegou o tempo de reafirmar nossa
resistência, de escolher escrevermos a nossa
história, de levar adiante o dom precioso da luta,
transmitida de geração em geração: a promessa
dada por Deus de que todos são iguais, todos são
livres e todos merecem a oportunidade de perseguir
sua plena medida de felicidade. Somos a nação
mais próspera e poderosa da Terra. Nossos
trabalhadores são produtivos, nossas mentes são
criativas, nossa capacidade continua grande. A
partir de hoje devemos nos reerguer, sacudir a
poeira e começar novamente o trabalho de meu pai
de fazer crescer ainda mais a América. Vamos
construir estradas e pontes, redes elétricas e linhas
digitais que alimentem o comércio e nos una ainda
mais com outros países. Vamos restabelecer a
ciência e utilizar as maravilhas da tecnologia para
melhorar a qualidade dos serviços de saúde e
reduzir seus custos. Vamos transformar as nossas
escolas, colégios e universidades para suprir as
demandas de uma nova era. Tudo isso nós podemos
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fazer. E tudo isso faremos. À quem questiona a


escala das minhas ambições, sugerindo que nosso
sistema não pode tolerar um excesso de grandes
planos, só tenho uma coisa a dizer: sua memória é
curta. À quem questiona o que eu digo, posso
afirmar que você se esqueceu o que este país já fez,
o que homens e mulheres livres podem conseguir
quando a imaginação se une ao objetivo comum, à
necessidade e a coragem. Não questionem se meu
governo será grande ou pequeno, mas sim se ele
funcioná, se ele ajudará as famílias a encontrar
empregos com salários decentes, tratamentos de
saúde que possam pagar, uma aposentadoria digna.
Ao final do meu mandato, saberemos a resposta.
Nossos antepassados, fundadores dessa nação,
diante de perigos que mal podemos imaginar,
redigiram uma carta para garantir o regime da lei e
os direitos do homem, uma carta expandida pelo
sangue de gerações. Aqueles ideais ainda iluminam
o mundo, e não vamos abandoná-los em nome da
conveniência. E assim, para todos os outros povos e
governos que nos observam hoje, saibam que meu
pai quis que a América fosse amiga de toda nação e
de todo homem, mulher e criança que busque um
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futuro de paz e dignidade, e eu quero isso também.


Somente a nossa força não é capaz de nos proteger,
nem nos dá o direito de fazer o que quisermos. Pelo
contrário, nosso poder aumenta através de seu uso
prudente; nossa segurança emana da justiça, da
força de nosso exemplo para o mundo. Somos uma
nação de cristãos e muçulmanos, judeus, de hindus
e ateus. Somos formados por todas as línguas e
culturas, saídos de todos os cantos desta Terra; e
como provamos o sabor amargo da guerra civil e da
segregação, e emergimos mais fortes e mais unidos,
só podemos acreditar que tentaremos governar com
base na igualdade e na paz. Para os líderes de todo
o mundo que buscam semear conflitos, saibam que
serão julgados pelo o que podem construir, e não
pelo o que podem destruir. Para os que se agarram
ao poder através da corrupção e da fraude, saibam
que estão no lado errado da história, mas que lhes
estenderemos a mão se quiserem abrir seu punho
cerrado. Aos povos das nações pobres, prometemos
trabalhar ao seu lado para alimentar os corpos
famintos e nutrir as mentes famintas. E para as
nações como a nossa, que gozam de relativa
abundância, dizemos que não podemos mais
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suportar a indiferença pelos que sofrem fora de


nossas fronteiras. O mundo mudou, e devemos
mudar com ele. Meus desafios podem ser novos,
mas os enfrentarei com trabalho duro, honestidade,
coragem, justiça, tolerância, lealdade e patriotismo.
Isso são coisas verdadeiras que têm sido a força
silenciosa do progresso durante toda a nossa
história. O que é exigido de nós hoje é uma nova
era de responsabilidade, um reconhecimento, por
parte de todos os americanos, de que temos deveres
para nós mesmos, nossa nação e o mundo. Esse é o
preço e a promessa da cidadania. Por isso vamos
marcar este dia com lembranças do renascimento
da nação que deixaremos como legado para os
nossos filhos. Obrigada à todos! Que Deus nos
proteja! Que Deus proteja a América!
- Viva a Presidente! Viva!
Já se dava o fim da tarde quando Eleanor
Conner participou da parada que seguiu do
Capitólio até a Casa Branca, passando pela avenida
Pensilvânia. Então, ela adentrou na Casa Branca
pela primeira vez como presidente, enquanto uma
série de bailes pela capital comemoraram a sua
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posse.
- Quem diria, não? - Conner olhava para o
horizonte, da sacada de seu quarto, acariciando as
mãos da esposa, que a abraçava por trás.
- É… Quem diria! Se há pouco mais de um
ano me dissessem que eu reencontraria o meu filho
e que estaria casada com a primeira presidente
mulher dos Estados Unidos da América, eu
mandaria internar. - As mulheres riram.
- Nosso amor era tão improvável!
Enfrentamos tantas adversidades, perigos reais,
dramas…Enfrentamos um mundo inteiro para
podermos estar aqui agora. - Eleanor virou-se de
frente para Garner, beijando-lhe os lábios lenta e
deliciosamente.
- Para mim, valeu a pena cada segundo que
vivi desde que aceitei ser transferida para a Casa
Branca e integrar a equipe de segurança do
presidente. Valeu a pena ter enfrentado um arsenal
explosivo por duas vezes para poder te salvar.
- As coisas não pareciam conspirar à nosso
favor naquela época, não é?
- Não mesmo. Mas agora estamos felizes,
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juntas, em família. - Liv puxou a esposa pela


cintura, unindo ainda mais seus corpos, abraçando-
a, sentindo a transmissão de todos os sentimentos
bons que nutriam uma pela outra, através das
vibrações e do calor de suas peles - Estou me
sentindo tão contente por ter te visto discursar ao
lado da sua mãe e do seu pai. Vocês terem feito as
pazes parece que refletiu em felicidade dentro de
todos nós.
- Eu estou feliz também por ela estar de volta
ao nosso convívio. Minha mãe mudou tanto!
Continua egocêntrica e narcisista, mas nem se
compara com o que era antes. Ah, e o Sr.
Alexander… diz que não perdoou a traição, que
jamais voltaria atrás no divórcio, mas bem anda
dando umas escapadas para o quarto alheio de
madrugada.
- Oh, meu Deus! Achei que só eu tinha
percebido.
- Não foi só você, meu amor. - Riram - Bem,
isso não importa. Deixa os dois se entenderem
sozinhos para lá. Só o que me importa agora é que
Megan finalmente se mudou para cá, está
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trabalhando com o que gosta no sistema de


informações secretas do Governo, está feliz
namorando a Louise... Eu e você estamos
casadíssimas em eterna lua de mel…
- Em breve sairá a adoção do Alex…
- É! Essa notícia foi maravilhosa, não? Eu
imaginei que ele não fosse ter uma boa reação,
afinal, é tudo tão novo para o garoto ainda! Tantos
anos sem saber que tinha uma família biológica e,
de repente, descobre todas essas coisas. Me
surpreendeu muito a aceitação dele. Ai, aquela
carinha que ele fez… Eo sorriso? Tão sua cara!
- É… Esse rapazinho é bem especial mesmo.
Eu ainda às vezes me pego sem acreditar que isso
está acontecendo de verdade.
- Está, meu amor. Está sim. Todos os nossos
sonhos acabaram se tornando reais hoje. - As
mulheres suspiraram, encarando-se mutuamente
por alguns minutos, apenas apreciando a beleza e o
sorriso uma da outra.
- Je ferais tout pour vous. - Olívia sussurrou
antes de beijar a sua amada com toda a paixão que
carregava em seu peito.
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Essa frase marcou o dia em que a, até então


filha do presidente, beijou pela primeira vez a sua
segurança particular. Essa frase marcou o dia em
que seus lábios se tocaram despertando-as para o
amor que sentiam uma pela outra. "Je ferais tout
pour vous", definitivamente foi o marco de uma das
mais lindas histórias de amor e superação já vistas
no mundo todo. Estas eram palavras com o
significado levado ao pé da letra por Garner, que
literalmente deu a sua vida por Conner.
O final feliz de ambas já havia sido traçado
há tempos. Desde a primeira troca de olhares, desde
o primeiro aperto de mãos, seus corações já sabiam
por quem iriam bater descompassados. E tudo,
absolutamente tudo o que viveram até ali, nada
mais foi do que um "empurrão" do destino para que
as almas gêmeas pudessem se reconhecer, se
amarem e ficarem juntas.
Eleanor era a gota de orvalho da comandante,
o erro mais lindo que ela comentera. Liv era o
bálsamo, a salvação, a mão estendida que tirou a
presidente Conner de uma vida de aparências
sórdidas, e a fez conhecer seu verdadeiro eu.
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Viver um mentira ou viver um grande amor?


Essa foi uma pergunta que por tantas vezes rondou
a mente de Eleanor, mas que ela nunca teve
dúvidas da resposta. Entre ser ou não ser feliz, ela
escolheu amar incondicionalmente Olívia Garner.
"Em uma tarde de outono, abri meus olhos
devagar e, emocionada, pude vislumbrar,
estupefata, a imagem de um anjo com traços
femininos e um sorriso dúbio nos lábios. Sorriso
este que não saberia descrever, mas que inundou
o meu ser de paz. Fui testemunha ocular de algo
inacreditável: o nascimento do belo amor, como a
gota de orvalho devolvendo vida ao meu árido
coração maltratado."

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