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© COPYRIGHT 2022 MARY DIONISIO

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partes, impressão, distribuição por meios físicos e digitais, revenda
ou adaptação.
Todos os direitos estão protegidos de acordo com a Lei Nº
9.610/98, Art. 184 do código penal.
Revisão: Hanna Câmara
Capa | Diagramação: Brooke Mars
Leitura Crítica: Ana Paula Ferreira
Leitura Beta: Nicole Casagrande, Beatriz Garcia, Caroline
Kimura
Ilustração: NK Winter (@nkwiinter no Twitter)

ENTRE GUIRLANDAS E ALL STARS [recurso digital] / Mary


Dionisio — 1ª Edição 2022.
Notas da autora
Playlist
PARTE UM: Chegadas e (não) partidas
Capítulo 01
Capítulo 02
PARTE DOIS: Laranjeiras sorri
Capítulo 03
Capítulo 04
PARTE TRÊS: Três cervejas e um segredo
Capítulo 05
Capítulo 06
PARTE QUATRO: Cartas para um amor de natal
Beatriz
Jade
Beatriz
Jade
Beatriz
PARTE CINCO: Guirlandas e All-stars
Epílogo
Receita: Rabanada
Receita: Pudim
Agradecimentos
Sobre a autora
Sejam muito bem vindos para mais um livro do maryverso!
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer por estar dando uma
chance para o meu trabalho e, principalmente, para este livro que é
tão importante para mim de umas mil formas diferentes.
Quando tive a ideia de criar este livro, de imediato dois
sentimentos tomaram forma dentro de mim, o primeiro era o de
empolgação, claro, porque escrever algo com a ambientação da
cidade em que nasci, vivo e sou completamente apaixonada, é algo
que sempre quis fazer.
O segundo, caro leitor, foi o de preocupação. Sim, preocupação.
E eu te explico agora o por que.
O livro que você lerá a seguir é uma releitura do que eu considero
ser um dos maiores clássicos atemporais da música popular
brasileira, que não coincidentemente, carrega consigo uma das
histórias de amor, respeito e admiração mais lindas que já ouvi.
Agora, imagine comigo: eu, uma mera mortal, escritora de
dezenove (agora vinte) aninhos, escrevendo uma releitura sáfica
natalina de “All Star”, música escrita pelo — gigante, maioral,
inenarrável, inconfundível — Nando Reis, um dos meus maiores
ídolos na música. Responsa do carai, né?
E, okay, podia parar por aí. Mas, é claro que não para.
Caso você seja um membro da geração Z pós 2005, é bem
possível que você não tenha ideia do que essa música representa,
mas eu fico feliz de te contar. Nando (na minha cabeça somos
íntimos) escreveu essa música para a — revolucionária,
espetacular, talentosa e imortal — Cássia Eller. Cada palavrinha
colocada nessa música reflete o mais puro e admirável amor de
uma amizade que, pra mim, foi a mais incrível que esse país já
testemunhou.
Acho que deu pra entender o motivo da preocupação, né?
Escrever me debruçando sobre um clássico da mpb foi o desafio
mais gostoso e empolgante que já experimentei, e preciso dizer que
fiquei muito contente com o resultado. E claro, num livro que tem
como inspiração uma música feita para Cássia, nada mais justo que
trazer algo que pautasse o amor entre duas garotas.
EGEAS é um livro curto, mas que me fez refletir muito enquanto
eu escrevia. E eu espero que ele faça o mesmo com vocês, que
terminem ele pensando sobre família, ancestralidade, amor, destino,
e todos os outros assuntos que ele pode vir a despertar de forma
singular em cada leitor.
Antes de encerrar, aqui vão algumas coisas cruciais sobre a
leitura de “Entre Guirlandas e All Stars”: a primeira, e mais
importante delas é que ESTE LIVRO NÃO POSSUI GATILHOS.
EGEAS é um livro sáfico, de classificação indicativa +16, que
possui o intuito de ser uma leitura leve e divertida. No entanto, meu
papel aqui é te deixar ciente do conteúdo apresentado, portanto, ao
longo do livro serão encontradas cenas gráficas de consumo de
bebidas alcoólicas e uso de palavreado chulo (palavrões).
No mais, espero que Jade e Beatriz mostrem para vocês que, às
vezes, estar no lugar errado na hora certa pode mudar as suas
vidas para sempre. E claro, espero que saibam que meu coração é
como o bairro das Laranjeiras na voz de Nando, ele sempre sorrirá
satisfeito ao ver vocês chegarem.
Obrigada por estarem embarcando comigo em mais um livro. Boa
leitura!
Com muito amor, ainda que isso pareça raro hoje em dia,
Mary Dionisio.
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Para todas as garotas que já precisaram chamar o amor das suas
vidas de “amiga”.
Eu sinto muito.
Esse livro é um lugar seguro para vocês amarem.
“Estranho, mas já me sinto
Como um velho amigo seu
Seu All Star azul combina
Com o meu, preto, de cano alto”
All Star - Nando Reis
Rio de Janeiro, 24 de Dezembro de 2021

Isso só pode ser um pesadelo.


Encaro a atendente no guichê da companhia aérea sentindo meu
estômago embrulhar e a bile quente se agitando, quase subindo
pela minha garganta. Tem que ser uma pegadinha. Não é possível.
A vontade que sinto de chorar é tão assustadoramente forte, que
eu preciso dar tudo de mim para não desabar na frente de uma
completa estranha.
Eu só posso ter dado um porre de corote aos pés da cruz para
merecer um trem desse.
— M-mas, tem que ter um jeito, moça, pelo amor de Deus! As
coisas ainda podem mudar, não podem?
O olhar penoso da mulher diante de mim faz com que eu me sinta
uma criancinha perdida.
— Sinto muito. Infelizmente, por ora, não há nada que possamos
fazer. Tem a opção de voltar para o seu hotel, ou de ficar aqui
mesmo, pelo aeroporto, em nossa sala de embarque.
Engulo a saliva com dificuldade e assinto com a cabeça,
murmurando um “obrigada” completamente xoxado. Ergo a alça da
minha mala de rodinhas e a arrasto pelo saguão em direção a uma
área mais reservada, próxima a janela que dá vista para a pista de
pouso e decolagem do aeroporto internacional do Galeão, no Rio de
Janeiro.
A 441,1 quilômetros de casa.
Colo minha testa no vidro gelado, puxando meu celular do bolso
traseiro e desbloqueando a tela. Ignoro as quase duzentas
mensagens no grupo dos meus amigos e abro o intitulado
“Hóspedes do Pippo”, grupo que eu e meus pais usamos para
conversarmos.
Eu: Família, não trago boas notícias.
Não sei ao certo quantos segundos se passam, mas antes
mesmo que eu consiga digitar uma nova mensagem, a foto da
minha mãe brilha na tela e o seu toque personalizado escapa
baixinho pelos alto falantes. Tomo uma respiração curta, tentando
me recompor, antes de atender.
— Oi, Mã — atendo, quase num muxoxo.
— Filha… A mamãe acabou de ver a reportagem aqui na
televisão.
Sua voz soa chateada, e, se eu conheço bem dona Estela Reis,
sei que está tentando prender o choro também. Desgrama de clima
maluco dessa cidade.
— Eu não sei o que fazer, acho que vou tentar conseguir uma
passagem na rodoviária, não sei, talvez eu chegue a tempo —
cogito.
— Fica calma, nós vamos dar um jeito nisso. Escuta, eu falei com
o seu pai, nós vamos desmarcar com a família e mais tarde
chegamos aí para te buscar, está bem? Ele só vai levar o carro na
oficina para dar uma checada geral.
— Quê? Mãe, não! Você passou meses planejando esse jantar,
não vai desmarcar tudo por minha causa, Tia Betinha veio de
Salvador!
— Uai? E daí? Minha filha está no Rio de Janeiro! Ela poderia ter
vindo do Alasca, minha prioridade é você, Jade! É Natal!
Okay, eu assumo. Sua preocupação é fofa, e eu me derreto toda
quando ela dá uma de mamãe ursa. Mas, neste momento, Estela
está completamente pirada e agindo guiada pela emoção.
Tem uns quatro meses que minha mãe decidiu que faria do Natal
desse ano um dos maiores eventos da família Reis. Ela contratou
buffet, decoração, convidou a parentada toda — incluindo aqueles
que a última vez que vi eu era um bebê de colo — e rolou até um
ator para descer de rapel pela varanda vestido de papai noel e fazer
a alegria da criançada.
O que ela não contava, claro, é que a sua única filha ficaria presa
em outro estado na véspera de Natal por causa de um pé d’água
dos infernos que resolveu desabar sobre o Rio de Janeiro e,
consequentemente, fez com que todos os voos fossem cancelados,
sem previsão de retorno ainda hoje.
Minha falta de sorte tinha que dar as caras logo no Natal?
— Jade, você tá me ouvindo? — minha mãe questiona,
preocupada, do outro lado da linha, furando minha bolha.
— Tô, Mãe. E ainda acho muito paia vocês cancelarem tudo por
minha causa — digo firme. — Eu também estou chateada por,
possivelmente, perder o Natal. Mas não acho justo fazer vocês
pegarem seis horas de estrada e praticamente jogarem toda a grana
que gastaram no lixo. É loucura!
Há um meio minuto de silêncio, e quase consigo vê-la cruzar os
braços e morder a bochecha, braba pra caramba, por ter sido
contrariada e por saber que tenho razão.
— O que quer que a gente faça, então? — solta, se dando por
vencida.
— Descancelem o jantar, se divirtam com a família, comam as
rabanadas recheadas da vovó Cássia por mim, e me liguem meia
noite para nos darmos feliz Natal.
— E você? Vai ficar aonde?
— No aeroporto, esperando me realocarem. Assim que liberarem
o primeiro avião para BH vou para casa. Com sorte, chego ainda de
madrugada — tento falar num tom animado, mas a verdade é que
eu sei que a culpa é toda minha.
Ouço o chiado da minha mãe e preciso afastar o celular da orelha
quando ela solta um “DE JEITO NENHUM VOCÊ VAI PASSAR O
NATAL NUM AEROPORTO, JADE!” em um volume tão alto, que
suspeito que meu condomínio inteiro saiba agora que não estou em
casa.
— Calma, mulher!
— Não tem “calma” coisa nenhuma! Você tá é muito doida se
acha que vou te deixar passar a noite de Natal largada num
aeroporto sozinha! Seu pai vai te transferir mais dinheiro, e você vai
voltar para o hotel, entendeu?
— Mãe, não precisa, é sério!
— Eu não perguntei se precisa, eu sou sua mãe e estou falando
que você não vai ficar nesse aeroporto, dá pra ser ou tá difícil?
— Mã… — tento contestar, mas sou interrompida.
— Não tem “Mã”, Jade, ou você vai pro hotel ou eu e seu pai
vamos te buscar. Fim de papo! Onde já se viu? Eu quero saber em
que planeta você acha que eu ia deixar minha filhinha abandonada
ao léu[1]! Pirou, foi?
Eu juro que tento, mas não consigo. A gargalhada que escapa da
minha boca é alta, escandalosa e intensa, parecendo se misturar ao
meu nervosismo pela situação. Estela Reis é, sem dúvidas, a cópia
fiel da Dona Hermínia e eu não consigo não ter acessos de riso
quando ela age de forma tão hiperbólica.
Quem a escuta dizer que vou ficar “abandonada ao léu” nem
pensa que na verdade estarei numa poltrona confortável de uma
sala vip de companhia aérea tomando cappuccinos e comendo
croissants deliciosos. Ou pior, pensa que tenho 12 anos e não 20.
Mães e seus exageros, penso.
— Tá legal, eu vou pro hotel, só não entrem na droga do carro
para me buscar, é sério — cedo.
— Promete pra mamãe que você vai ficar bem? Porque se me
disser que vai ficar triste e se sentindo abandonada, a gente vai
agora mesmo pegar a estrada. Você sabe disso, não sabe?
Sorrio involuntariamente e uma lágrima ameaça se formar em
meu olho esquerdo.
— Eu sei, mamãe. Mas eu vou ficar bem, prometo. Desculpa por
perder o Natal.
— Não foi culpa sua, amor. Você não tinha como prever um
temporal. Vou falar com o seu pai para te transferir o dinheiro e vou
separar um pouquinho de todas as comidas para você atacar
quando chegar, está bem?
— Obrigada, mãe. Eu te amo muito, sabia disso?
— É claro que eu sei, bobinha. Agora, vou precisar desligar para
“descancelar” o jantar com a família, mais tarde nos falamos. Amo
você, filha.
Nos despedimos e quando a chamada se encerra, queria ter o
poder de me teletransportar para Belo Horizonte nesse exato
segundo. Vai ser o primeiro Natal, em anos, com a família inteira
reunida, e eu queria muito estar lá vivendo isso.
Receber meus primos, ajudar a vovó na cozinha, abraçar meus
pais a meia noite, e até mesmo a parte de me esconder dos meus
tios e suas piadas infames que me fazem querer desintegrar de
tanta vergonha. Eu queria estar lá, mesmo.
Maldita hora em que decidi estender a viagem por mais um dia.
Sem me importar muito com onde estou, me viro de costas para o
vidro e escorrego até o chão, sentando-me ali mesmo, num canto do
saguão. Apoio minha cabeça de lado, na parte de trás da minha
mala, coloco meus fones de ouvido e enquanto tento fazer uma
nova reserva no hotel em que estava hospedada — rezando para
ele não estar lotado — , Ela Vai Voltar, do ‘Charlie Brown Jr’, —
minha banda favorita — embala minha mente.
Acho que preciso de um milagre de Natal.
Rio de Janeiro, 24 de Dezembro de 2021

Minha cidade me recebeu com chuva.


Muita chuva.
Depois de passar quase um ano e meio em intercâmbio em
Liverpool, a última coisa que eu esperava, definitivamente, era
chegar num Rio de Janeiro nublado e cinzento. Mas foi exatamente
essa a visão que tive ao olhar pela janela do avião quando o aviso
de que estávamos sobrevoando a pista de pouso me fez acordar.
Meu coração bate forte enquanto caminho junto do restante dos
passageiros até o portão de desembarque, após buscar minhas
malas na esteira. Não preciso examinar o local duas vezes para
encontrar o garoto que carrega uma metade de mim segurando a
plaquinha com “Bem-vinda de volta, Bea!” impresso em tinta preta.
Seu sorriso de orelha a orelha faz com que meu peito se agite
ainda mais e, sem me preocupar em parecer uma esquisita, largo
minhas malas e disparo em sua direção, me atirando em seus
braços e sendo acolhida pelo seu aperto firme e quentinho.
Cacete, eu senti muita falta desse abraço.
— Você cresceu uns cinco centímetros ou é impressão minha?
É a primeira coisa que ele diz, e consequentemente, o que me
faz derramar a minha primeira lágrima. Enterro ainda mais o meu
rosto em seu peito, puxando o ar profundamente, e o abraço com
força, quase o sufocando, tamanha a saudade que senti.
— Não se preocupe, não vou roubar seu posto de gêmeo mais
alto — falo rindo, me afastando e olhando-o nos olhos.
As íris castanhas, tão parecidas com as minhas, me observam
com felicidade. Ele sorri, e eu sinto vontade de congelar esse
momento.
— Precisaria de mais uns quinze para que isso acontecesse, tá
ligada, né? — zomba, me fazendo revirar os olhos.
Pedro Andrade — ou Pê, como prefiro chamá-lo — é o meu
irmão gêmeo, meu melhor amigo e, sem sombra de dúvidas, a
maior paixão da minha vida. Crescemos fazendo de tudo juntos,
sempre sendo a maior e mais fiel companhia um do outro, e meus
pais que me perdoem, mas eu passei as últimas semanas contando
as horas para ver esse garoto de novo.
— Senti saudade, mané — falo rindo e bagunçando seus cachos.
— Eu também senti, Bibi — responde ele, com um sorrisão bobo.
— Como foi a viagem?
— Foi boa, dormi boa parte do tempo, inclusive… — me
interrompo ao lembrar das minhas malas abandonadas a uma certa
distância.
Me desvencilho do seu abraço, dando uma corridinha para
buscá-las, e então retorno para perto dele.
— Cadê o pai e a mãe? — pergunto, olhando ao redor.
— Em casa, Jorjão já acendeu a churrasqueira e a mãe tá
fazendo as paradas da ceia, estão nos esperando para “abrir os
trabalhos” — ele faz aspas com os dedos enquanto menciona o
nosso código para começar a beber.
Só de imaginar o churrasco do meu pai e o pudim da minha mãe
minha boca já enche d’água. Se tem uma coisa que a família
Andrade é boa, além de sermos uma cambada de nerds, é na
cozinha. Sério, não tem uma única pessoa nessa família que não
mande bem quando o assunto é comida.
Mamãe é impecável nos doces, papai arrasa em absolutamente
qualquer prato principal e é um churrasqueiro de primeira, eu sou a
rainha em transformar comidas sem graça em pratos saborosos e o
Pê é o cara quando o assunto são as comidas vegetarianas. Um
dom hereditário, eu diria.
— E aí, vamo nessa? — meu irmão questiona, me resgatando de
volta para a nossa conversa.
— Sim, sim. Antes, eu só preciso muito dar uma passada no
banheiro, tô prendendo o xixi desde o Oceano Atlântico — falo
rindo, levando uma das mãos até a área da bexiga.
Pedro gargalha, porque ele sabe do meu pavor de banheiros de
aviões e ônibus. Toda a dinâmica da coisa sempre foi pavorosa pra
mim, ainda que eu não saiba explicar exatamente o porquê.
— Beleza, vai lá. Te espero perto daquela passagem pro
estacionamento.
Assinto, mandando um beijinho no ar e correndo na direção em
que as placas indicam. Quando estou prestes a entrar na cabine do
banheiro vazio, no entanto, ouço uma fungada tímida e um choro
baixo ecoar pelo local.
O desespero para me aliviar faz com que eu não dê muita
importância logo de cara, mas quando já estou de frente para o
espelho, lavando minhas mãos na pia, e um soluço sufocado
reverbera ainda mais alto, cada um dos meus sentidos se coloca em
alerta.
— Olá? Tem alguém aí? — pergunto num tom manso, abrindo as
portas das cabines uma por uma e caminhando devagar pelo
imenso banheiro.
O choro cessa.
— Você precisa de ajuda? Está tudo bem? — insisto, recebendo
mais uma dose de silêncio. Até que, num estalo, me recordo de que
estou num banheiro de um dos maiores aeroportos internacionais do
país. — Hello, can I help you?[2]
Mais silêncio.
Ao fundo do corredor, consigo ver uma mala vermelha de
rodinhas encostada na porta da última cabine. Caminho até lá, e
antes mesmo que eu tenha a oportunidade de bater na porta, ela se
abre revelando uma garota com o rosto e olhos inchados.
A pele branca está avermelhada, os cabelos castanho-claro
longos têm duas mechas rosa chiclete acima das orelhas e ela está
vestida com um jeans rasgado, uma camiseta de botões preta e um
All Star preto de cano alto.
— Eu estou bem, me desculpe — diz ao passar por mim, em
português, num fio de voz.
— Não precisa se desculpar, tem certeza de que está bem? Quer
alguma ajuda? Posso pegar uma água para você — ofereço,
angustiada pela sua feição desolada.
— Está tudo bem, eu só… — Sua voz embarga e ela leva as
mãos até o rosto, escondendo-o com as palmas.
Observo sua respiração acelerar, e pelo tremor em seus ombros
sei que voltou a chorar. Dou uma checada no banheiro ainda vazio
antes de me aproximar e acolhê-la em meus braços. De início,
penso que vai se afastar, entretanto, a estranha se limita a deitar
sua cabeça em meu peito e chorar compulsivamente.
Não tenho ideia de quem ela seja, ou de qual o motivo da sua
tristeza, mas algo me diz que essa garota realmente precisava de
um ombro amigo. Ainda que ele seja o de uma completa
desconhecida.
— Ei, calma, vai ficar tudo bem… Respira — falo num sussurro,
deixando um carinho em sua coluna.
Sinto-a assentir e, aos poucos, a respiração da garota vai se
regularizando até que ela enfim esteja menos agitada. Deixo que
fique em meus braços o tempo que precisa, e então, quando nos
desvencilhamos, ela me olha envergonhada.
— Ai meu deus, me desculpa por isso, eu não sei o que deu em
mim. — A garota, que parece ter a minha idade, limpa as lágrimas
das bochechas enquanto fala comigo.
— Não tem problema, às vezes tudo que a gente precisa é só
chorar um pouco para extravasar. Precisa de algo?
— Não, eu só… Argh! Está sendo um dia de merda, me
desculpe.
— Tem algo que eu possa fazer para te ajudar?
— Depende, conhece alguma coisa dessa cidade?
Solto uma risada pela sua pergunta.
— Beatriz Andrade, nascida e criada no Rio, ao seu dispor —
digo lhe oferecendo a mão para um cumprimento, mania que adquiri
no intercâmbio.
— Prazer. — Ela sorri e aperta minha mão. — Meu nome é Jade.
— E do que você precisa, Jade?
— Um hotel com vagas. Meu voo foi cancelado mais cedo por
conta do temporal, eu sou de BH, estava no Rio a passeio com uns
amigos da faculdade, mas eles foram embora ontem. Vou perder o
Natal com a minha família e minha mãe é meio cri cri, não pode nem
sonhar comigo passando o Natal num aeroporto sozinha, mas o
hotel em que eu estava já lotou e nos poucos que eu conheço as
reservas estão uma fortuna. Sabia que tudo nessa cidade é caro pra
diabo?
Ela fala rápido e seu sotaque se acentua, fazendo com que ela
coma boa parte dos inícios das palavras exatamente como a Ju,
uma menina da minha faculdade que também vem de Minas.
Analiso a postura da garota, ela parece cansada e triste, como se
contasse os segundos para resolver essa situação em que se
enfiou. Penso por alguns segundos na minha quase nula
experiência com hotéis no Rio, e também no tom dela ao dizer que
vai perder o Natal com a sua família, a garota parece arrasada.
Entenda, se existe alguém no mundo, nesse segundo, que sabe
o que é sentir falta de casa, esse alguém sou eu. Estou contando
cada maldito segundo para estar jogada no sofá com as pessoas
que eu amo por perto, e esperei muito por isso. O que significa que,
de alguma forma, eu me identifico com a sua agonia.
Somando isso ao fato de que de jeito nenhum vou conseguir ir
para casa em paz sem ter ajudado-a, levo uma das mãos até o fio
de miçangas brancas curto que desce pelo meu pescoço e o
pressiono entre os dedos.
Vou encarar isso aqui como um sinal, espero estar fazendo a
coisa certa. Penso.
— Fica lá em casa — falo de uma vez.
Assisto o queixo da garota ir quase de encontro ao chão e a
incredulidade estampar cada centímetro do seu rosto. Diria que está
em choque.
— Sei que parece insano, porque a gente nem se conhece, mas
tipo… É Natal, sabe? Ninguém merece ficar sozinha num quarto de
hotel e com saudade da família. Lá em casa vai ter comida, música,
quando reagendarem seu voo eu te trago no aeroporto, o que acha?
— sugiro, e ela parece ainda mais perplexa.
— Como vou saber que isso não é um sequestro relâmpago? —
É a primeira coisa que ela solta e eu gargalho alto.
— Pô, eu sei que a fama do Rio não é das melhores, mas eu juro
que não vou te sequestrar — digo, rindo. — Acabei de enfrentar um
dia e sete horas de vôo, saí de Liverpool, fiz escala em Dublin,
depois Paris, São Paulo, e só então cheguei aqui. São sete da
manhã e tem quase dois anos que não vejo a minha família, eu tô
com cara de quem tem saco pra enfiar alguém numa van branca e
mandar pra Turquia? — Aponto para o meu rosto, abrindo um
sorriso largo e ela solta uma risadinha.
— Isso é exatamente o que alguém que vai me mandar para a
Turquia numa van branca diria — contesta.
— Você é estranha, sabia?
— Não sou eu quem está prestes a levar uma desconhecida para
passar o Natal na minha casa — provoca. — Sabe que eu poderia
ser uma assassina, não sabe?
— Então você vai?
— Eu não disse isso, eu só… Droga, isso nem de longe estava
no manual “Coisas Que eu Jamais Devo Fazer Sendo Filha de
Estela Reis” — resmunga, parecendo quase convencida.
— Olha, tem todo tempo do mundo para decidir, mas não muito
porque eu realmente estou podre de cansada. Eu sei como é o
lance de estar longe de casa em datas importantes e realmente só
quero ajudar. Pode até tirar uma foto da minha identidade e mandar
para alguém de confiança como garantia, é assim que um
personagem de filme faria, não é? — proponho, e ela solta uma
risada.
— Tem certeza de que não vou incomodar? — pergunta, ainda
incerta.
— Certeza.
— Então, eu… Eu acho que aceito sim.
— Acha?
— Tá legal! Eu aceito, de fato, o seu convite para passar o Natal
na sua casa.
Rio de Janeiro, 24 de Dezembro de 2021

— Beleza, deixa eu ver se entendi direito. Você, basicamente,


perdeu seu voo porque ficou um dia a mais no Rio só pra ir ao Cristo
Redentor? Tá de sacanagem com a minha cara, né? — meu irmão
pergunta, entre gargalhadas, logo depois de Jade terminar de
explicar a confusão em que se meteu.
— É o maior ponto turístico da cidade, uai? Eu tava de ressaca
no dia que os meus amigos foram, aí acabei estendendo a viagem
por mais um dia para dar tempo — ela contesta e agora sou eu
quem sinto vontade de rir.
— Cara, que merda — Pedro murmura, com os olhos atentos na
rodovia, mas ainda sem conseguir ficar sério.
Por incrível que pareça, no instante em que retornei da minha ida
ao banheiro, trazendo Jade e sua enorme mala vermelha em meu
encalço, e expliquei para o meu irmão que ela iria conosco para
casa, ele se limitou a soltar um “daora”, a ofereceu ajuda para
carregar a bagagem e começou a puxar papo com a garota.
Simples assim.
Como se eu não tivesse, realmente, dito que iríamos levar uma
estranha que conheci no banheiro para passar o Natal conosco.
Um ponto sobre meu irmão gêmeo é que Pedro tem uma forma
bastante singular de encarar as coisas. Detentor de um espírito bon
vivant em que tudo pode ser resolvido com um pouco de conversa
e, em casos extremos, alguns copos de cerveja, Pê raramente se
incomoda com algo ou é tirado do sério.
Juro, você pode dar a ele a notícia mais absurda do mundo que
eu estou certa de que ela será recebida da mesma forma que um
“bom dia, hoje está sol”. É impressionante.
— Posso saber por que vocês estão rindo tanto? — Jade
questiona.
— É porque existe meio que uma lei entre o pessoal daqui, uma
espécie de pacto, sobre não ir ao Cristo. Isso é coisa pra turista,
saca? — explico, me virando para olhar para a garota sentada no
banco de trás.
— E como é que eu ia saber desse trem? Eu sou turista!
— Vamos te dar um desconto por isso — digo, piscando para ela.
— E o que você achou do passeio? — um Pedro menos risonho
pergunta.
— Da cidade em si, eu gostei de tudo, aqui é bem bonito. Do
Cristo, confesso que achei pequeno.
No mesmo instante, eu prendo a risada. Meu irmão, por outro
lado, se escangalha de rir ao meu lado, num ponto em que precisa
segurar o volante com força para não causar um acidente. Belisco
sua perna numa tentativa de contê-lo, porque sei como a garota
está chateada por passar o Natal longe da família e também sei que
essa peste com quem dividi placenta tem um humor quebrado pra
cacete.
— Para de rir e pede desculpa, agora — digo baixo, entredentes.
Pedro se controla, e toma fôlego por um momento antes de voltar
a falar.
— Foi mal, Jade, sinto muito por esse rolê todo.
— Ah, relaxa. Agora que eu já sei que não vou ficar mofando
naquele saguão, a história realmente soa bem ridícula e um tanto
engraçada mesmo — ela fala num tom divertido, e então projeta o
corpo para frente, enfiando a cabeça entre mim e Pedro. —
Mudando de assunto, vocês pretendem mesmo ir o caminho todo
sem ouvir música?
E fácil assim, como se nos conhecêssemos há anos, deixamos
que ela conecte seu celular no som do carro e engatamos em uma
cantoria desafinada dos maiores sucessos do Charlie Brown Jr.

Laranjeiras é, na minha mais do que humilde opinião, o bairro


mais aconchegante da cidade do Rio. E sim, sei que sou suspeita
para falar porque morei a minha vida inteira nesse lugar, mas é
impossível não andar pelas ruas arborizadas, cheias de prédios
antigos e não se sentir dentro de algum clássico da mpb.
Tudo por aqui exala poesia e é inevitável não sentir o peito
aquecer quando se ouve uma melodia diferente a cada esquina.
Conheci muitas cidades e países da europa durante o meu tempo
de intercâmbio, e ouso dizer que, mesmo tendo andado pelas ruas
mais famosas do mundo, essa cidade e esse bairro ainda são o meu
lugar favorito. Minha casa pode ser onde os ventos da vida me
levarem, mas o meu coração sempre pertenceu e sempre
pertencerá ao Rio. Não tem jeito.
Salto para fora do carro assim que Pedro estaciona em nossa
vaga na garagem do prédio em que moramos desde que nascemos.
É uma construção antiga, pertinho da Praça São Salvador, possui
doze andares e boa parte dos moradores está na casa dos sessenta
anos.
— Dona Arlete, do 106, pediu para que você fosse lá amanhã —
Pedro avisa, enquanto tira as bagagens do porta-malas. — Ela
preparou uma cesta de boas vindas, mas foi hoje cedo para
Botafogo passar o Natal com os filhos.
— Ah, ela é uma fofa. Como estão os gatinhos?
— O Malhado morreu no ano passado, os outros quatro estão
bem, deram pra miar a madrugada inteira recentemente, Seu
Agenor estava uma fera na portaria essa semana por conta disso.
Meu irmão e eu nos entreolhamos, soltando uma risadinha
cúmplice e noto que Jade nos encara um tanto perdida no assunto.
— Dona Arlete e Seu Agenor são o maior enemies to lovers do
século, e também a fofoca favorita desse prédio — explico,
enquanto caminhamos pelo estacionamento. — Rola um boato de
que eles já foram casados no fim dos anos noventa, mas se
divorciaram em dois mil. Desde então, ela mora no 106 e ele no
107, os dois vivem em pé de guerra, mas sempre que um deles fica
com um resfriadinho que seja, eles cuidam um do outro.
— E ele deixa rosquinha fresca da padaria da esquina pra ela na
portaria todo domingo, religiosamente, para o porteiro entregar —
Pedro completa.
— Meu Deus, que coisa mais lindinha — Jade fala com a voz
mansa e faz um biquinho fofinho que, inevitavelmente, faz com que
eu me demore por tempo demais em seu rosto.
Beatriz, não começa.
Engulo devagar e assinto com a cabeça, disfarçando um sorriso.
Assim que entramos no elevador, aperto o botão “12” e me encosto
na parede, ajeitando as malas no canto para cabermos todos juntos.
Levam alguns longos segundos até estarmos no andar, a porta
de treliças se abre e, só então, consigo empurrar a de metal. Do
corredor já consigo escutar o som que estala dentro do apartamento
mais musical desse prédio e sentir o cheiro da fumaça da
churrasqueira se fundindo ao de alguma comida de Natal.
Dois anos se passaram, mas é tudo tão familiar que meu coração
automaticamente encontra paz, como se tudo pudesse ser deixado
para depois e entrar neste apartamento fosse a minha condição de
existência.
As havaianas enfileiradas de um lado da porta, o vaso com as
espadas de Ogum[3] do outro, o tapete que diz “se trouxe cerveja,
entre sem bater” e a guirlanda pendurada na porta de madeira, bem
acima do olho mágico. São tantas pequenas coisas que somadas
fazem esse ser o melhor lugar do mundo.
Eu não sei exatamente como explicar, mas se eu tivesse que
traduzir “lar” em uma imagem, seria essa.
O Bem, de 'Arlindo Cruz', está em seu refrão quando giro a
maçaneta e passo pelo batente. Automaticamente meus olhos
pousam na figura da minha mãe saindo da cozinha, e sem nem ao
menos lhe dar tempo para pensar solto um “CHEGUEI” e corro para
abraçá-la.
Seus braços me acolhem com ternura e eu consigo sentir, pela
firmeza do seu toque, o quanto eu não fui a única morrendo de
saudade nos últimos tempos. É como se não nos víssemos há pelo
menos uma década.
— Filhota! Como é bom ter você de volta! — Cristina fala, quase
chorando, com o rosto repousando em meu ombro. — Você está tão
linda, filha, como foi a viagem?
— Tudo certinho. Só estou com um pouco de jetlag, mas vai
passar — digo, me afastando o suficiente para conseguir olhá-la de
frente e ela passa o dorso da mão em meu rosto. — Estou feliz de
estar em casa.
Minha voz sai embargada, e eu me seguro ao máximo para não
me dissolver em lágrimas tamanha a saudade em meu peito.
— E nós estamos felizes que você voltou. Depois, quero saber de
tudo da Inglaterra, mas agora, vá dar um beijo no seu pai, tomar um
banhozinho e descan… Espera aí! — Minha mãe se interrompe,
olhando por cima dos meus ombros com uma expressão chocada.
— Por que não me disse que ia trazer uma namorada?
— Q-quê? — Viro o pescoço para trás, confusa, e vejo meu irmão
e Jade entrando com as malas.
A garota de mechas rosa arregala os olhos e eu noto sua pele
branca ruborizar ao extremo.
— A Jade? Mãe, não é nada disso que você tá pensando, a
gente… Eu e ela nós não… A gente não namora — tento explicar,
completamente desconcertada.
— Ah, são só amigas, então?
— Na verdade, elas se conhecem há menos de uma hora —
Pedro intervém.
— Bibi trouxe uma namorada? É gringa ou brasileira? Vou
comprar mais cerveja! — A voz do meu pai impera pela sala quando
ele desce as escadas do segundo andar da cobertura, gargalhando
alto de felicidade. Eu, por outro lado, me divido numa dicotomia
insana entre sentir o peito acelerar de saudade da sua voz e querer
explodir de tanta vergonha pela sua fala.
— Nós não somos namoradas, gente. A gente se conheceu no
aeroporto! — enfatizo, abraçando meu pai assim que ele se
aproxima, apertando-o com força em meus braços. — Senti muita
saudade, Jorjão.
— Eu também, pequena — ele fala com sua voz grave próxima
do meu ouvido. — E você, mocinha dos cabelos rosa? Como se
chama?
Jade sorri envergonhada, se aproximando devagar, quando meu
pai se dirige a ela e lhe convida para um abraço.
— Jade Reis, é um prazer… — diz baixinho, deixando que ele se
apresente.
— Jorge, mas todo mundo aqui em casa me chama de Jorjão. É
verdade que se conheceram no aeroporto? — Ele abraça a garota
como se já fosse de casa.
— Ela é de BH, perdeu o voo por conta da chuva, ia passar o
Natal no Galeão sozinha — explico.
Tiro meus tênis e me livro do meu casaco de moletom, ficando só
com a calça do conjunto e uma regata branca lisa. Estendo meu
corpo sobre o sofá enquanto minha mãe enche Jade de perguntas
sobre o que ela gosta de comer e a assegura de que pode ficar à
vontade em nossa casa.
— Fez bem de não deixar a menina sozinha, mas você é meio
maluquinha de trazer uma estranha pra casa — meu pai comenta,
se agachando para ficar na minha altura.
Jorge Vieira é um homem alto, com traços faciais fortes e ombros
largos. Não chega a ser do tipo fortão, mas tem lá seus músculos.
Sua pele é negra retinta, como a minha e a do meu irmão, e sua
careca lisinha é uma das suas características mais marcantes.
Ele deixa um beijo na minha testa e me olha com ternura, como
se ainda estivesse assimilando que realmente estou em casa.
— Encontrei ela chorando no banheiro, eu não ia conseguir vir
pra casa sem tentar ajudar — confesso. — Senti que era o que
precisava ser feito, saca?
— Saquei. — Ele pisca, cúmplice, e nós dois sorrimos.
Meu pai é uma das pessoas que melhor me entende no mundo,
depois do Pedro. Sociólogo e professor da faculdade de direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, papai é um dos caras mais
inteligentes que já conheci, e também o dono dos melhores
conselhos.
Jorjão sempre tem boas palavras para oferecer a quem precisar,
essa é uma das coisas que mais admiro nele.
— Ela parece ser maneira. Ou pelo menos inofensiva.
Meu pai fala e, no mesmo segundo, nossos olhares se
direcionam para uma Jade clamando por socorro com os olhos,
mediante o acolhimento recheado de um carinho excessivo de Dona
Cristina.
— Acho melhor você resgatá-la — Pedro fala rindo, passando por
nós carregando um cooler recheado de latas de cerveja.
Me levanto num pulo e caminho até as duas, pousando minhas
mãos nos ombros da nossa convidada e sentindo seus ombros
enrijecendo momentaneamente sob o meu toque. Ela coloca os
dedos sobre os meus e vira o rosto de leve para me olhar de
soslaio.
— Vem, vou te mostrar o meu quarto.
Rio de Janeiro, 24 de Dezembro de 2021

“— Vem, vou te mostrar o meu quarto.”


Pelo amor de Deus, a mulher solteira não tem um minuto de paz.
Tento usar a minha melhor expressão blasé, enquanto me viro
lentamente na direção de Beatriz, a garota que me trouxe para
passar o Natal na sua casa mesmo sem nem saber o meu nome do
meio. Sustento um sorriso simpático e me despeço de Cristina, sua
mãe, com um aceno de cabeça antes de ser conduzida escada
acima.
Tudo aconteceu muito rápido, a agonia por não conseguir um
hotel fez com que minha frustração por passar o Natal longe de
casa se agravasse e me acertasse em cheio. Num segundo, eu
estava chorando sozinha, trancada numa cabine do banheiro do
aeroporto, e no outro, eu estava desabafando abraçada na garota
cuja família está me acolhendo como se eu fosse uma amiga de
infância.
Esses trem só acontecem comigo, não é por nada não.
De início, a ideia de aceitar seu convite me pareceu uma das
coisas mais fora da casinha que já fiz em anos. E, honestamente,
não deixa de ser. Mas, sabe quando você olha para alguém e sente
que aquela pessoa é alguém do bem? Foi o que eu senti ao olhar
para Beatriz. E foi por isso que decidi vir com ela.
Encaro as costas da garota enquanto caminhamos pelo corredor,
ela tirou o casaco de moletom e está descalça, perdeu uns
centímetros por causa da plataforma dos tênis, mas continua mais
alta do que eu.
Seus cabelos crespos estão presos em um coque baixo, os
cachos estão um pouco amassados pelo voo , mas ainda são os fios
mais bonitos que já vi. Beatriz é uma garota bonita, num geral.
Não que eu tenha ficado reparando muito. Só um pouquinho, eu
juro.
Paramos diante de uma porta branca, e assim que ela gira a
maçaneta, nós duas soltamos um pequeno suspiro. Eu, pelo
cheirinho gostoso de limpeza e por notar a varanda com uma vista
linda de uma praça arborizada. Bea, certamente, por rever seu
quarto depois de dois anos longe. Imagino o quão bom deve ser
finalmente estar em casa.
Eu gostaria de estar na minha.
Mas não tenho do que reclamar, vou ter um Natal aparentemente
legal com pessoas aparentemente divertidas e, pelo cheiro exalando
pelo apartamento, comida gostosa não vai faltar. Isso é anos luz
melhor do que um aeroporto.
A sala vip que o banco do cartão do meu pai proporciona é
realmente vip, sabe? Comidas excelentes, bom atendimento, e
claro, uma infinidade de regalias. Mas é tão… Frio. Não sei se faz
sentido.
Entramos no quarto e eu prontamente tiro meu All Star antes de
passar pela porta, o cômodo parece recém limpo e eu não quero
sujá-lo. Seguro os tênis entre os dedos e analiso o ambiente com os
olhos, pousando-os imediatamente na bandeira pregada na parede,
logo abaixo de uma prateleira recheada de vinis.
No tecido, três faixas se estendem na horizontal, a primeira num
tom de rosa, a segunda roxa e a terceira azul, formando a bandeira
bissexual. Sem que eu consiga reprimir, solto uma risadinha e, sem
querer, atraio a atenção da garota.
— O que foi? — questiona confusa, mas captura meu olhar ainda
preso no canto na parede acima da cabeceira da cama de casal. —
Ah, isso. Nem deixo espaço para dúvidas, né?
Solto outra risada e balanço a cabeça em negação.
— Eu já imaginava algo do tipo depois dos seus pais acharem
com tanta convicção que eu era sua namorada, mas não fosse por
isso, os vinis da Katy Perry e do Harry Styles te entregam — aponto
com o queixo para a prateleira e ela ri.
Bonita demais para o meu próprio bem.
— Desculpa pelo lance lá embaixo, meus pais andam obcecados
com essa ideia de namoro — fala, sentando sobre o colchão e
acenando com a cabeça para que eu me junte a ela.
— Não precisa se desculpar. Foi uma honra namorar você por
tipo… 3 segundos? Eu faria de novo — tranquilizo-a com um sorriso
e me sento ao seu lado depois de deixar os tênis na parte coberta
da varanda.
— Então, você…? — Seu olhar alterna entre mim e a bandeira na
parede e eu prendo uma gargalhada. Acho que essa foi a forma
mais sutil de alguém me perguntar isso.
Faço que não com a cabeça e quase vejo a frustração cintilar
seus olhos. Mas tão rápido quanto chega, ela se esvai quando volto
a falar:
— Sou lésbica.
— Ah, ainda bem! — A empolgação exala da sua fala atraindo
ainda mais a minha atenção. — Digo… I-isso é… É incrível, né?
Tipo, pra você, sabe? N-não pra mim, eu não quis ser… Ah, foi mal,
acho que você entendeu.
Seus ombros caem e ela aperta os olhos como se tivesse dito
uma grande besteira. Sinto vontade de abraçá-la.
— Você fica fofa quando tá nervosa, sabia?
Atraio seu olhar com a minha fala e ela franze o cenho.
— Não estou nervosa — retruca.
— Sério? Parece.
— Tá, talvez um pouco.
— O que está te deixando nervosa? Era para eu estar tensa aqui,
você tá em casa — falo rindo, me deitando de barriga para cima e
Beatriz me imita.
— Depois de três cervejas eu te conto.
— Vou esperar.

Acabamos passando o restante da manhã e início da tarde toda


no quarto, saindo apenas para beliscarmos um pouco do churrasco
feito por Jorge. Os pais da garota exigiram que descansássemos um
pouco antes de nos juntarmos ao restante da família, para estarmos
dispostas na hora da ceia.
Bea e eu aproveitamos para conversar sobre os mais variados
assuntos, eu conto a ela um pouco sobre mim e a minha família, e
sobre o quão animada eu estava para a grande celebração
planejada por minha mãe. E a garota compartilha comigo um pouco
do seu intercâmbio e sobre as particularidades dos Andrade.
Ela me explica como eles comemoram o Natal, e que embora
eles sejam praticantes de religião de matriz africana, também faz
parte do culto religioso deles não ignorar uma data que envolve o
ato de reunir a família e os amigos ao redor da mesa para celebrar
através da comida. As únicas coisas que ficam de fora são os
elementos ligados diretamente à prática cristã, mas ela me disse
que isso também varia de grupos para grupos.
Achei incrível saber disso, porque embora meus pais sejam
kardecistas, confesso que sou uma verdadeira leiga no sentido
religioso, de um modo geral, mas adoro aprender o máximo
possível.
Há também o fato de que aparentemente eu estou hospedada no
lugar que reúne os maiores Q.I’s do Rio de Janeiro. Descubro que
seus pais são professores universitários, ambos da UFRJ, Jorge é
sociólogo, e Cristina é cardiologista, professora do curso de
medicina. Bea e Pedro também são alunos da federal, ela estuda
relações internacionais e o irmão psicologia.
Quando conto que curso música na UFMG a garota solta um
gritinho animado e quer saber uma centena de coisas. Descubro
imediatamente que ela puxou isso da mãe, sério, o interrogatório é
idêntico ao que recebi quando cheguei.
Conversamos sobre as nossas bandas favoritas, as músicas que
mais gostamos, os lugares que mais amamos conhecer e os outros
que ainda queremos ir. Eu mostro para ela as fotos do Pippo, meu
vira-lata travesso de cor caramelo que é o reizinho lá de casa e ela
me conta do peixinho de estimação que tinha em Liverpool, que
acabou doando para uma colega da faculdade antes de voltar para
o Brasil.
É um papo pra lá de bom, nós felizmente nos damos muito bem,
o suficiente para rirmos até a barriga doer das histórias que a garota
colecionou em seu intercâmbio e compartilharmos fatos esquisitos
sobre nossas respectivas infâncias. Já não tenho mais noção das
horas quando o cansaço nos arrebata e eu caio no sono ouvindo os
pingos de chuva do lado de fora.

Quando acordo, noto que estou sozinha na cama. A chuva ainda


cai em gotas grossas e impiedosas, o céu cinzento está ainda mais
escuro e o sopro dos ventos é mais alto do que mais cedo. Ergo o
pulso direito até a altura dos meus olhos, checando o horário em
meu relógio, são quatro da tarde em ponto.
Corro o olhar pelo quarto quase escuro, vejo que meu celular foi
colocado na mesinha de cabeceira, estico o braço para alcançá-lo e
as dezenas de mensagens no grupo dos meus pais não me
surpreendem exatamente.
Mãe: Filha, tudo bem por aí? Estão te tratando bem?
Mãe: ????
Mãe: OLÁAA??? Alguém aí pode responder uma mãe
preocupada?
Mãe: JADE REIS EU VOU COLOCAR A POLÍCIA ATRÁS DE
VOCÊ SE NÃO ME RESPONDER!!!!
Papai: Princesinha, responde a sua mãe, por favor.
Papai: É sério, Jade, ela me ameaçou com um tupperware (sei lá
como escreve essa coisa) caso eu não vá te buscar, só me dê um
sinal de vida.
Dou risada das mensagens, vejo que as últimas foram enviadas
há dez minutos, e me apresso em respondê-las porque já consigo
imaginar a cena de Estela empunhando uma vasilha de plástico
enquanto grita com Otávio.
Ainda não acredito que ela não me ligou aos berros quando
avisei que viria para a casa de uma estranha, talvez por estar
cogitando que fosse uma brincadeira. Ou porque já aceitou que
perdi todo o meu bom senso.
Eu: Gente???
Eu: Eu só fui tirar um cochilo!
Mãe: NÃO SE COCHILA NA CASA DE DESCONHECIDOS,
JADE! QUASE ME MATOU DO CORAÇÃO!!!!!!
Sua preocupação exagerada me diverte, mas às vezes tenho
medo da minha mãe entrar em combustão espontânea de tanto
estresse, juro.
Envio uma selfie sorrindo em nosso grupo, certifico minha mãe de
que estou bem e segura, e mesmo achando um exagero,
encaminho para ela a minha localização. Gargalho alto quando ela
me envia um áudio dizendo com a voz mansa que está com
saudades e contando as horas para me ver, como se não tivesse
me dado um belíssimo esporro minutos atrás.
Assim que bloqueio a tela, a porta do quarto se abre e uma
Beatriz de toalha na cabeça, blusão e shortinho de pijama entra no
cômodo. O cheiro gostoso de sabonete e colônia se fundem ao ar, e
antes que ela se aproxime, inspiro uma boa quantidade, sentindo-
me estranhamente inebriada.
— Ei, você acordou — diz baixinho, se sentando na beirada da
cama, ao meu lado, e apoiando o braço na lateral do meu quadril,
passando por cima do meu corpo.
Ela deita a cabeça no próprio ombro, me olhando de lado com um
sorrisinho alegre.
— Seu celular estava vibrando um pouco quando me levantei,
mas não tive coragem de te chamar, você dorme muito bonitinho.
Sorrio involuntariamente e sinto minhas bochechas queimarem.
Agradeço pelo quarto estar um pouco escuro, só assim Bea não
consegue me ver corar com clareza.
Conheço essa garota há menos de 24h mas já sei exatamente
qual é a dela. Beatriz faz o tipo divertida, daquelas que você vai
rindo das coisas que ela fala e, quando menos espera, está na
cama dela.
E eu estou em desvantagem nessa, porque bom, eu já estou na
cama dela.
Infelizmente não nesse sentido.
— Eram os meus pais, queriam notícias minhas e saber se eu
estava sendo bem acolhida, nada demais. — Dou de ombros e me
ajeito, encostando o corpo na cabeceira da cama.
— E o que você disse?
— Que estou sendo torturada com doses cavalares de
hospitalidade — digo, divertida, piscando para ela.
— É uma especialidade dos Andrade.
— Acho que vou considerar um milagre de Natal ter sido
encontrada em situação de barril naquele banheiro.
— É o que dizem por aí: às vezes o lugar errado na hora certa
pode ser melhor do que o lugar certo na hora certa.
— Acho que nunca ouvi ninguém dizer isso — comento, quase
rindo.
— Tá, talvez ninguém tenha dito isso, mas foi uma boa frase de
efeito, você não pode negar.
Nós duas damos risada e Bea me informa que todos na casa
estão se arrumando para ficarem bebendo e jogando conversa fora
antes da ceia. Ela me oferece duas toalhas limpas e me ajuda a
levar as minhas coisas até o banheiro, mostrando os produtos que
posso usar para lavar meus cabelos e me arrumar.
— Caso precise de qualquer coisa é só me gritar, vou estar aqui
do lado, no meu quarto.
Assinto, agradecida, e então espero que ela saia para trancar a
porta e me despir. Entro no box na ponta dos pés, girando o registro
e sentindo a água quentinha molhar minha cabeça e descer pelo
meu corpo.
Na medida em que o vapor vai subindo e nublando o banheiro,
minha pele vai aquecendo e eu me sinto tão, tão relaxada que
quase volto a dormir ali mesmo. Encaro o ladrilho preto sob os meus
pés, e sem que eu consiga reprimir, meu pensamento vai direto para
os meus pais.
Torço para que eles não tenham ficado muito chateados com a
minha ausência, embora eu saiba que, no mínimo, estão
desapontados. Odeio deixá-los preocupados, e, mais ainda, odeio
perder momentos importantes com eles, porque a faculdade,
infelizmente, já me obriga a isso com uma certa frequência.
Lavo meus fios com o shampoo da Bea, e aplico o condicionador,
massageando um pouco e dando uma atenção maior às minhas
mechas coloridas, que estão um bagaço pelos dias seguidos de
praia da viagem.
Quando já estou renovada e limpa, enrolo meus cabelos em uma
toalha e uso a outra para enxugar o meu corpo. Por sorte, ainda
restavam algumas roupas limpas na mala, visto o top rendado num
tom cobre e uma calça jeans preta.
Pego o vidro de hidratante da minha necessaire, espalho o creme
pelos meus braços, observando o preto das minhas tatuagens
ficando mais vívido, e borrifo um pouco de perfume no meu
pescoço, colo, pulsos e atrás das orelhas.
Quando termino de me ajeitar, reúno minhas coisas e volto para o
quarto, encontrando Beatriz já arrumada, e parada de frente para o
espelho do armário se maquiando. Ela está usando uma camisa
branca grande de botões, estilo vestido, com um short segunda pele
preto por baixo.
Nos pés, há um All Star azul bebê de plataforma. Os cabelos
crespos estão soltos, os cachos passam dos seus ombros, e minha
nossa senhora da bicicletinha… Ela está deslumbrante. Sério.
E eu acho que estou ficando sem fôlego.
Bea parece notar que estou imóvel há uns bons segundos,
apenas a encarando, porque ela para de ajeitar suas sobrancelhas
com uma escovinha e vira o rosto na minha direção. Péssima ideia,
porque seu rosto está com uma maquiagem suave, um gloss
brilhoso e as duas pedrinhas que ela colou no cantinho interno dos
olhos ganham o maior destaque, e eu juro por tudo que me ouço
soltar um palavrão.
— O que foi? — pergunta confusa.
É errado querer beijar a garota que te deu um teto para passar o
Natal? É errado estar pensando em beijar alguém no Natal? Isso
com certeza deve ir contra algum valor religioso. Meu pai amado,
estou perdida.
— N-não foi nada. Eu só… — Escaneio-a, na cara dura mesmo.
— Nossa, você é bonita pra caramba, né? Fiquei até meio perdida.
— Sou, é? — ela pergunta rindo, dando alguns passos na minha
direção.
— Bastante — assumo, sentindo meu rosto queimar em
vergonha.
— Muito obrigada, senhorita Jade Reis — ela brinca, e pega as
coisas da minha mão, colocando-as na cama. — Você também é
bonita pra caralho.
Ela pisca para mim e meu corpo inteiro se reduz a um amontoado
de células entrando em completo surto. Isso foi um flerte? Alguém
diz que sim, eu imploro!
Por favor, universo, se você ama as lésbicas patricinhas, não me
deixe morrer antes de beijar essa garota. Eu tô pedindo com
educação.
— Quer ajuda com o cabelo? — ela questiona, me vendo tirar a
toalha da cabeça letargicamente, perdida em meio bilhão de
pensamentos desconexos.
— Não, eu já desembaracei, só precisava secar melhor. Mas
aceito ajuda com a maquiagem, meus talentos com o delineador são
bem medianos — digo, oferecendo o bastão do produto para ela.
Bea faz sinal para que eu me sente na beirada da cama, ela se
posiciona entre as minhas pernas e então, eu jogo a cabeça para
trás e fecho os olhos. Sinto quando uma de suas mãos segura a
lateral do meu rosto e contenho um suspiro, me acomodando
melhor sobre o colchão e tentando não pirar com um toque tão
mínimo.
— Preciso que fique parada, se não vou te deixar parecendo uma
palhaça. — Sua risada faz cosquinha nos meus ouvidos e eu
assinto, prometendo não me mexer. — Apoia as mãos em mim, se
precisar.
Sigo seu conselho, pousando minhas mãos na curva do seu
quadril e sinto quando a ponta molhada do delineador desliza sobre
a minha pálpebra esquerda. É um traço leve e preciso, mais rápido
do que eu jamais ousei tentar fazer.
— Posso puxar o traço no cantinho de dentro também? Acho que
vai ficar bonito em você — ela pede, empolgada.
— Você quem manda — respondo, rindo e apoiando meu queixo
na sua barriga.
Quando Beatriz termina de maquiar meus olhos, ela pede que eu
não os abra, e sopra um pouco para que o delineador seque. Me
pegando desprevenida, sinto quando seus dedos se entremeiam por
meus fios de cabelo e ela os escova para trás, deixando um carinho
gostoso enquanto espero minha autorização para voltar a abrir os
olhos.
— Gosto das suas mechas cor de rosa — comenta.
— Sério?
— Sim, combinam com você.
— Gosto do seu cabelo, como um todo. Ele também combina
com você.
— Obrigada — ela ri, e sinto seu polegar se arrastar pela lateral
do meu rosto. — Pode abrir os olhos.
Obedeço, vendo-a de baixo e ela acena com a mão livre.
— Bem vinda de volta.
— Ficou bom? — pergunto, movendo o rosto de um lado para o
outro para ela me analisar.
— Tá linda.
Bea segura minhas bochechas com as mãos, os olhos castanhos
estão vidrados nos meus e, por alguns segundos, consigo jurar que
está mais perto. Ela tem lábios cheios e o gloss brilhoso os deixa
ainda maiores, os dois dentes da frente são separadinhos de um
jeitinho charmoso e eu não consigo deixar de reparar no seu nariz
redondinho e tão, tão lindinho.
Não que a minha opinião esteja próxima de ser imparcial, mas
acho que nunca vi uma garota tão bonita. Sua beleza é do tipo que
impacta e te prende de um jeito que você se sente uma criminosa
caso não pare para apreciar. Surreal, sério.
Bea carrega em si todo o calor e alto astral do Rio, sua presença
solar não poderia combinar mais com o lugar em que nasceu. Não
precisei de muitas horas para descobrir isso.
Quando estou quase me perdendo na linha entre a racionalidade
e a impulsividade, entretanto, ouço dois toques na porta e a voz do
gêmeo da garota soa do outro lado.
— Meninas, estão prontas? Só falta vocês.
— Estamos indo! — a garota responde alto.
Solto uma risadinha frustrada e apoio minha testa em sua barriga.
Sinto seus braços me rodeando e ela me aperta num abraço, dando
duas fungadas fortes perto do meu ouvido, me fazendo cócegas.
— Merda, meu irmão sempre interrompe a parte boa.
Fito-a com os olhos semicerrados e ergo a sobrancelha em
desconfiança.
— Se eu estiver entendendo errado o que quer dizer, quero
deixar claro que vou continuar acreditando na minha fanfic, porque
ela é mais conveniente pra mim — aviso, rindo.
— O que você acha que está entendendo?
— Se eu disser, vai me confirmar se estou certa?
— Respostas só depois de três cervejas, já falamos sobre isso —
ela relembra, com um sorriso travesso no rosto.
Vai ser uma longa noite.
Eu não retruco, apenas balanço a cabeça em negação e
acompanho-a com o olhar conforme ela se afasta para terminar de
se ajeitar. Confiro meu reflexo no espelho e encaro minhas duas
opções de tênis com uma dúvida cruel martelando em minha
cabeça.
— Gosto do All Star preto de cano alto, se a minha mais do que
humilde opinião serve de algo. — Sua voz soa baixo, bem atrás de
mim.
Pego o tênis que ela escolheu e deixo para colocá-los no
corredor. Dou uma última arrumada no meu cabelo, os fios longos
estão quase na minha cintura e dão um trabalhão para cuidar, mas
eu não consigo desapegar. Enfio meu celular no bolso da calça e
então, caminhamos juntas de volta para a sala, onde o restante da
sua família nos espera para, segundo eles, “abrir os trabalhos”.
Rio de Janeiro, 24 de Dezembro de 2021

La Belle de Jour, do 'Alceu Valença', está nos seus primeiros


acordes quando Jade e eu descemos as escadas. Mamãe e Pedro
estão abraçados, dançando juntos no ritmo da música, enquanto
meu pai mexe alguma coisa no fogão, acompanhando Alceu na
cantoria.
Estão todos já arrumados, mamãe está com um vestido vermelho
larguinho e os cabelos crespos — como os meus —, estão presos
no alto e envoltos por um turbante dourado escuro. Pedro está com
um conjunto elegante de camisa de botão e short de linho em tom
creme, há também uma sandália de couro nos pés e seu cabelo
está dividido em diversas pequenas trancinhas.
Jorjão, por outro lado, está com o seu look clássico de
comemorações: bermuda cargo preta, havaianas brancas e sua
camisa dez do Vasco, com a qual ele orgulhosamente desfila para
cima e para baixo, com o nome do jogador Edmundo — um dos
maiores ídolos do nosso time do coração — nas costas.
Sigo até a cozinha, guiada pelo cheiro gostoso e Jade me segue,
sem saber muito o que fazer.
— Precisa de ajuda com alguma coisa, papai? — pergunto, me
postando ao seu lado no fogão.
— Pode colocar aquelas cebolas para dourar? Sua mãe decidiu
de última hora que quer uma farofa. — Ele aponta para a vasilha
com os cubinhos picados e eu assinto. — À propósito, você está
linda, filhotona.
Sorrio, deixando um beijo estalado em sua bochecha.
— Se importam de assumirem aqui rapidinho? Preciso checar
onde seus tios estão, já era para terem chegado.
Assinto mais uma vez e Jade também concorda. Faço sinal para
que ele nos deixe mexer as panelas.
Enquanto a garota mistura o molho que meu pai estava cuidando,
eu vou até a bancada e pego um pouco de manteiga com a colher
de pau, derrubando-a na panela quente, dando batidinhas com a
mão no cabo para que uma ponta de manteiga que ainda sobrou na
colher se desgrude.
Desde pequena, aprendi no terreiro que a hora do preparo da
comida é sagrada, e que jamais se bate a colher contra o aço da
panela porque o som afastaria as energias ancestrais que nos
cercam nesse momento. Clarice, minha colega de quarto na
faculdade em Liverpool, tinha a mania impaciente de fazer isso
sempre que cozinhava para nós e eu achava engraçado vê-la se
segurando sempre que eu estava junto dela na cozinha do nosso
dormitório.
— Vocês todos são vascaínos? — Jade quebra o silêncio na
cozinha.
— Uhum! Só o Pedro que não é muito chegado em futebol, mas
eu e meus pais somos figurinhas carimbadas na barreira do Vasco
— explico. — E você? Gosta de futebol?
A garota assente, mas não diz nada, plantando uma sementinha
de curiosidade na minha cabeça.
— Deixa eu adivinhar, atleticana? — Ela nega. — Cruzeirense?
— Outra negativa.
Encaro-a desconfiada, porque meus conhecimentos sobre clubes
mineiros não são dos mais vastos.
— Para o seu terror, sou rubro-negra desde criancinha — diz,
com um sorriso convencido, me arrancando uma careta. Ah pronto,
coloquei uma rival dentro de casa.
— Sabe que isso é um crime em todos os níveis possíveis, não
sabe?
— Que nada! Todo brasileiro é um pouco flamenguista!
— Nunca mais repita essa blasfêmia dentro deste apartamento,
por favor! — dou bronca, ameaçando-a com uma colher de pau. —
Quem te ensinou a torcer mal desse jeito?
— Meu avô. Antes de falecer ele me carregava para todos os
jogos do Flamengo em Minas, era a nossa coisa, sabe? — fala, com
um sorriso saudoso.
— Sinto muito pela sua perda — digo baixo, e ela dá de ombros.
Tão rápido quanto se foi, meu pai retorna e nos atualiza de que
meus tios estão presos num pequeno engarrafamento, mas que já
estão chegando. Não demora dois minutos para Jorjão nos enxotar
da cozinha.
— E então, Jade, você já tinha vindo ao Rio antes? — minha mãe
pergunta, do sofá, quando estamos eu, Pedro e a mineira
esparramados no tapete felpudo da sala bebericando nossas long
necks.
— Não, foi a minha primeira vez. Era um dos únicos estados que
eu ainda não conhecia, mesmo sendo tão pertinho — ela responde
com um sorrisinho alegre, parecendo realmente feliz com a viagem.
— É um passeio e tanto. A cidade tem lá seus problemas, mas
não recebeu o título de “maravilhosa” à toa.
— Com certeza não. Eu e meus amigos conhecemos cada lugar
incrível que BH nem de longe faria melhor.
— Ah, veio com amigos? Pensei que estivesse sozinha — minha
mãe pergunta com uma careta confusa.
— Não, vim com uns amigos da faculdade. Mas eles foram
embora ontem de manhã, eu decidi ficar por mais um dia, o que foi
uma péssima escolha, porque acabei perdendo o voo — ela explica
e imediatamente escuto meu irmão prender o riso.
Lá vem.
— Você precisa contar a melhor parte — Pedro a provoca, quase
engasgando em uma risada.
— Nunca vai me deixar esquecer disso, não é? — a garota
revida.
— Jamais.
— Pare de perturbar a visita, mané — falo entredentes, mas no
fundo, também quero rir.
Minha mãe ergue a sobrancelha em desconfiança e alterna seu
olhar entre nós em busca de respostas.
— Okay… Posso saber do que os três estão falando? — Cristina
usa seu melhor tom de general.
— Jadoca, se você não contar, eu conto — Pedro a cutuca e o
rosto da garota queima de vergonha.
— Eu fiquei porque queria ir ao Cristo Redentor — assume.
Minha mãe a encara por meio segundo antes de soltar uma
gargalhada alta. Não estou brincando quando digo que o assunto
Cristo Redentor é uma verdadeira piada entre os cariocas, ele
realmente é. Ninguém que se considera um “carioca da gema” que
se preze vai lá porque… Bom, é coisa pra turista.
— Posso adivinhar? — minha mãe pergunta quando seu riso
cessa. — Achou ele pequeno, não foi?
Jade assente e é a vez do Pedro de rir.
— Não é que seja exatamente pequeno, mas nossa? Dá pra ver
aquele trem da cidade toda, e quando você chega lá em cima rola
uma quebra de expectativa engraçada, porque ele não é tão gigante
quanto parece.
— São 38 metros, eu diria que é um número razoável — falo.
— A Estátua da Liberdade tem 93, o Cristo pareceria uma Polly
Pocket do lado dela — meu irmão pontua.
— É verdade, mas quem é que está comparando, não é? —
comento rindo.
Embarcamos em uma conversa pra lá de aleatória, vamos de
monumentos enormes espalhados pelo mundo até as comidas
típicas do Natal na casa de Jade. Minha mãe tinha me feito arrancar
essa informação dela mais cedo, porque queria que a garota
pudesse se sentir um pouco mais “em casa”.
Por sorte, a parte favorita da mineira são as rabanadas
recheadas com brigadeiro que a avó faz, o que não preciso nem
dizer que foi como brincadeira de criança para minha mãe tentar
reproduzir. Estou ansiosa para ver a reação da garota com o prato.
Em um dado momento meu pai se juntou a nós, e nossa
conversa, além de animada, também ficou recheada da risada grave
e gostosa do meu progenitor. Mas foi quando a campainha do
apartamento soou que eu finalmente senti que o Natal havia
começado.
Tio Enrico e Tio Miguel são os irmãos mais novos do meu pai,
dois gêmeos solteirões sem filhos que tem como objetivo de vida
competir para ver quem mima mais os sobrinhos. No caso, Pedro e
eu. Sei que seria assim de qualquer forma, mas sinto que o lance de
sermos todos gêmeos nos aproxima.
Há quem não acredite nisso, mas eu posso jurar que Pedro e eu
temos um tipo de conexão que os outros irmãos não tem, e nossos
tios entendem isso melhor do que qualquer outra pessoa. É como se
um elo invisível nos ligasse de forma direta, quase que um sentido
aranha compartilhado.
Corro em disparada para abrir a porta e quando dou de cara com
eles, solto um gritinho feliz antes de ser acolhida em um abraço
coletivo aconchegante e caloroso. Exatamente como eu me
lembrava.
— Ah, minha sobrinha favorita voltou! — Tio Enrico gargalha e
me examina quando nos afastamos.
— Eu ouvi isso, hein! — meu irmão grita da sala.
— Relaxa, cara, você é o meu — Miguel responde e eu lhe faço
uma careta.
— Senti tanta saudade de vocês dois!
Convido-os para entrar e dou risada quando começam a
depositar a infinidade de presentes que trouxeram em volta da
árvore. Exagerados pra caramba.
— Ih, você eu não conheço — Tio Miguel fala, apontando para a
única ali que não é uma Andrade.
A garota se levanta num pulinho fofo e caminha até estar do meu
lado.
— Meu nome é Jade — ela fala, um tantinho envergonhada.
— É um prazer, Jade! Sou o Miguel, esse aqui é o Enrico — meu
tio se apresenta e aponta para o irmão. — Vocês estão…?
Miguel aponta para nós duas, sem saber muito como perguntar e
eu engulo uma risada pela segunda vez em que acham que a garota
é minha namorada hoje.
— Somos amigas — falo, abraçando Jade de lado. — Na
verdade, nos conhecemos há menos de vinte e quatro horas. Achei
ela no aeroporto e trouxe pra casa — resumo com humor a história
toda, meus tios gargalham confusos e Jade rola os olhos não
achando nenhuma graça.
— Foi quase isso, mas é menos esquisito no contexto completo,
e eu pareço menos uma mochila — ela explica rindo.
— Não é menos esquisito não, cara. Você perdeu o voo pra ir na
porra do Cristo — Pedro zoa, passando por nós para cumprimentar
nossos tios.
— Tá de sacanagem? — Enrico chia, com uma careta impagável
no rosto.
— Vou matar seu irmão — a garota rosna, escondendo o rosto
em meu peito.
— Eu deixo.
Com a família, enfim, reunida, pude começar a contar um pouco
das minhas aventuras em solo inglês. Desde os lugares
sensacionais por onde passei, os estudos incríveis que tive a
oportunidade de contribuir, até os mais variados perrengues que
enfrentei por ser brasileira e negra em território europeu.
Meu pai e Tio Enrico, como bons fãs de futebol, ficaram
enlouquecidos com os vídeos que fiz no Anfield, estádio sede do
Liverpool FC. E minha mãe só faltou soltar um grito quando
relembrei do dia em que encontrei na biblioteca da faculdade de
medicina um dos estudos que ela e outros pesquisadores da federal
produziram em parceria com a universidade que estudei.
Tinha seu nome na ficha técnica e eu confesso que chorei por um
bom tempo, de orgulho, encarando aquele pequeno livro com seu
nome grafado em uma das páginas. Foi uma experiência
indescritível.
Quando o relógio marcou a chegada do dia 25, nos reunimos ao
redor da mesa para atacar cada uma das delícias que meus pais
fizeram. Depois de seguidos anos de Chester e Peru na ceia, no
Natal dos meus quinze anos, minha mãe decidiu abrir mão de vez
das tradicionalidades e determinou que cada ano teríamos uma
receita diferente.
A desse ano, claro, foi feita especialmente para comemorar a
minha volta para casa. Sinto meu estômago pular ansioso em minha
barriga quando a travessa de costela com molho barbecue caseiro é
posta no centro da mesa, fumegante e douradinha.
O prato sempre foi o meu favorito de um restaurante famosinho
do shopping, mas Jorjão conseguiu elevar a experiência em 1.000%
quando aprendeu a fazê-lo em casa e com ingredientes mais
naturais. É de comer rezando, eu juro.
Além disso, há também arroz, farofa, batata rústica, torta de
frango com alho, e um empadão de carne de jaca feito para o meu
irmão, que não come carne animal. A conversa animada paira no ar
enquanto nos servimos, Jade está contando sobre uma situação
engraçada que rolou com ela e os amigos durante a viagem, mal
reparando meu torcer de nariz quando ela derrama uma colherada
do arroz com uvas passas em seu prato.
Detesto uvas passas. Sério, de quem foi a ideia irracional de
desidratar uma fruta tão gostosa e transformar naquela coisa? E
mais, por que diabos acham normal colocar isso na porra do arroz?
Seja lá quem for, essa pessoa estrela meu top dez criaturas que
mais detesto na face da Terra.
Antes de comermos, mamãe nos faz dar as mãos e
agradecermos pela comida, pelo teto, pela vida, e pedirmos por
aqueles que não tem o mesmo que nós. Noto a garota ao meu lado
puxar uma fungadinha baixa, imagino que esteja sentindo falta da
sua família, deixo um aperto mais forte sobre a sua palma, lhe
oferecendo consolo, e em resposta ela arrasta o polegar sobre o
dorso da minha mão em um carinho.
Ao contrário do falatório estabelecido desde a chegada dos meus
tios, nossa ceia é repleta de um silêncio bem vindo, que é cortado
somente pelos sons de satisfação que fazemos enquanto nos
deliciamos com a comida.
No entanto, quando eu já me sentia prestes a expelir molho
barbecue pelo nariz, meu pai anunciou alegre um dos momentos
mais esperados por mim no Natal.
Hora da sobremesa
Rio de Janeiro, 25 de Dezembro de 2021

Acho que vou chorar.


É o primeiro pensamento que brilha em minha mente no instante
em que Cristina coloca o tabuleiro repleto de rabanadas recheadas
bem diante de mim. Subo o olhar para a mulher que está me
acolhendo em sua casa com tanto carinho e sinto vontade de
abraçá-la.
Isso significa tanto.
— Sinto muito que seu voo tenha sido cancelado, querida. Mas
espero, do fundo do meu coração, que esteja um pouquinho feliz.
Fiz isso para que se sinta mais pertinho de casa. — Ela sorri e o
meu coração se aquece de uma maneira tão genuína que é
impossível não me levantar e envolvê-la com os meus braços.
— Muito, muito, muito, muito obrigada! Sou incapaz de descrever
ou retribuir tanto carinho, mas estou extremamente grata.
Não preciso olhá-la para saber que está sorrindo, e quando me
desvencilho do seu abraço, encarando todos na mesa, seus
semblantes são de pura felicidade.
— Obrigada por me receberem, por me darem a oportunidade de
ter um bom Natal, por me abraçarem sem nem ao menos me
conhecerem direito. Podem ter certeza de que nunca vou me
esquecer disso, e que quando estiverem em Belo Horizonte, vocês
terão sempre um lugar na minha casa também — falo, tentando
disfarçar a emoção, e então movo meu olhar unicamente para a
responsável por tudo isso. — Obrigada por não ter me deixado
sozinha naquele aeroporto, você realmente não precisava ter feito
isso, e inclusive, acho que eu jamais teria essa coragem… O mundo
precisa, desesperadamente, de mais pessoas como você, Beatriz.
A garota sorri, expulsando uma lágrima enquanto pisca e
dispensa os agradecimentos com a mão. Imediatamente vejo-a se
levantar e me puxar para os seus braços me deixando um beijo
estalado na bochecha que faz o meu coração dar um pulinho feliz.
Já disse que ela é linda?
— Feliz Natal, mineirinha. Não precisa agradecer por nada, você
estava triste e eu tinha como ajudar. Se precisasse, eu faria de novo
— ela sorri e me aperta ainda mais contra si.
— Não precisa mesmo agradecer, Jadoca — Pedro fala da outra
ponta da mesa. Aparentemente tenho um novo apelido. — Da
próxima vez só tenta…
— Juro por Deus que se você ousar mencionar a droga do Cristo
de novo, eu vou ter um surto psicótico — interrompo-o e ele
gargalha, assim como toda a família.
— Calma, cara, eu ia dizer que da próxima vez você já pode vir
pro Rio sabendo que tem lugar garantido aqui em casa. Eu e Bibi
vamos te apresentar os melhores rolês da cidade. Selo de qualidade
dos gêmeos Andrade.
— Isso é verdade, estaremos sempre de portas abertas para
você — Jorge reitera e eu lhe lanço um sorriso feliz.
No fim, nós nos fartamos com as sobremesas gostosas que
Cristina fez, e eu aprecio cada mordida das rabanadas com
brigadeiro, morrendo de saudade de casa.
Quando voltamos a nos esparramar pela sala, no entanto, meu
celular toca. Leio o nome do meu pai no topo da chamada do
facetime e atendo de imediato.
— FELIZ NATAL FILHINHAAAAA! — Otávio grita, rindo à toa,
apoiando o telefone no que, pelo ângulo, presumo que seja o rack
do seu quarto.
Ele se afasta, sentando-se na beirada da cama ao lado da minha
mãe, que segura um Pippo agitado no colo. O vira-lata está
desesperado para fuçar a tela do telefone, sua gravatinha Natalina
chacoalha em seu pescoço e eu me derreto por inteira com a cena.
— Feliz Natal, família! — digo, tentando conter minhas lágrimas.
— Amo muito vocês, estou com saudades.
— Nós também, querida. Nós também — mamãe fala e Pippo dá
um latido, como se concordasse.
Sorrio e apresento meus pais a família Andrade, Cristina faz
questão de assegurá-los de que estou em boas mãos e garante que
irá me levar de manhã no aeroporto para se certificar de que tudo
vai dar certo com o meu voo que, inclusive, foi remarcado para às
oito.
Conto sobre as rabanadas e a minha mãe agradece — em meio
às lágrimas — pelo cuidado que tiveram comigo. Chega a ser
engraçado pensar no quanto Estela e Cristina facilmente seriam
melhores amigas, consigo imaginá-las juntas, tomando cerveja e
batendo papo.
Ficamos mais algum tempo em ligação, mas logo me despeço
para que meus pais retornem para a festa da qual são anfitriões e
por que Bea e Pedro estão terminando de montar o karaokê.
Os irmãos são os primeiros a performar, e quando os primeiros
toques de Final Feliz, da banda 'Restart', escapam da TV, um
gritinho fino explode em minha garganta. Eu adorava essa banda,
sério, acho que o fim deles doeu em mim tal qual a “pausa” — que
jamais teve um retorno — da One Direction.
A música começa, é Pedro quem canta a primeira estrofe, e não
precisa ser um exímio crítico musical para saber que, como cantor, o
garoto é um excelente humorista.
“Escrevo essa canção mais uma vez pra te dizer
Aquilo tudo que meus olhos não conseguem esconder
Pois hoje sei que achei o que eu sempre quis
Só em você consigo ver o meu final feliz”
Vejo Enrico, um dos tios deles, fazer uma careta engraçada antes
de soltar um “uhul” encorajador. Quando chega o refrão, é Beatriz
quem assume e, minha nossa senhora das mulheres emocionadas,
a voz dela é angelical pra caramba.
Bea canta apontando para o irmão e eu sorrio pela cumplicidade
dos dois.
“Eu te amo e pra sempre com você eu quero estar
Viver em meus sonhos é te encontrar
Eu te amo e pra sempre com você eu vou estar
E aqui ou em qualquer lugar”
Olhando um para o outro, Pedro entrelaça suas mãos na da irmã
e eles se voltam para nós, que assistimos o dueto com sorrisos
gigantescos no rosto. Jorge puxa umas palminhas ritmadas
enquanto o instrumental se prolonga, e então nós o acompanhamos.
Juntos, os irmãos cantam mexendo os ombros de um lado para o
outro.
“E então vem (Vem)
Dizer que tudo aquilo que você tem
Não vou mais achar em ninguém (Vem)
Mais uma vez me fazer sorrir (Me fazer sorrir)”
Cantarolo junto quando o refrão volta a explodir em suas vozes,
isso não passa despercebido por Bea, que me puxa para dançar
junto com ela e dividimos o microfone cantando em plenos pulmões
o que, um dia, foi um dos grandes hits do que eu, humildemente,
considero a boyband mais icônica da história da música brasileira.
Somos ovacionados pela família quando terminamos. Pedro, Bea
e eu unimos nossas mãos em um high five, e inesperadamente, é
nesse momento que eu sinto como se sempre tivesse feito parte
disso, de algum modo.
Como se já tivesse passado pela porta deste apartamento
inúmeras vezes, escutado as risadas dessas pessoas ecoando
pelos cantos, me esparramado neste tapete, compartilhado
memórias nesta sala… Enfim, é como se eu não fosse uma
completa estranha.
Quando os irmãos se sentam no chão é a minha vez de cantar,
acabo escolhendo Telegrama, do 'Zeca Baleiro', e a canto em ritmo
de samba, o que faz todos irem a loucura. Enrico e Miguel fazem um
dueto de Não Precisa Mudar, da 'Ivete Sangalo', que nos arranca
gritinhos histéricos. Jorge canta Ogum, do 'Zeca Pagodinho',
colocando todo mundo para sambar. E Cristina dá um verdadeiro
show com Malandragem, da 'Cássia Eller', me lembrando inclusive,
de um cover que assisti de uma colega de curso de outro estado
que conheci em um congresso da faculdade, Ária Campos.
Acho que, no fim das contas, perder o meu voo não foi de todo
mal. Eu me arrependeria amargamente se tivesse ido embora sem
conhecer essas pessoas.
Estudar música não foi uma escolha que eu fiz racionalmente,
tudo sempre se resumiu a isso. As melodias, os jogos de palavras, o
ritmo, a poesia, tudo isso sempre esteve presente na minha vida tal
qual oxigênio. Por isso, não me espanta me sentir tão confortável,
porque independentemente de quantas diferenças nós tenhamos, é
na música que todo e qualquer coração se encontra. E isso,
musicalidade, essa família tem de sobra.

— Sem sono?
Questiono, um pouco rouca, quando desisto de tentar me manter
dormindo. Vejo Beatriz sentada no chão do seu quarto, próxima da
porta da varanda, com a cabeça encostada de lado na parede e
olhar fixo na garoa insistente que ainda cai lá fora.
Certamente já passam das quatro da manhã, mas não consegui
realmente pegar no sono. Depois de comermos, engatamos em uma
cantoria que adentrou a madrugada, mas lá pelas duas e meia os
tios da garota resolveram ir embora, e mesmo morrendo de
saudades, seus pais também se renderam ao cansaço.
Eu, Bea e Pedro ainda ficamos um tempo conversando, mas a
comilança toda nos deixou preguiçosos, por isso, decidimos subir
para os quartos.
Ao ouvir minha pergunta, a garota desvia o olhar da rua e me
lança um sorrisinho.
— Te acordei?
— Não, perdi o sono. E você?
— Acho que é o jetlag, vou demorar uns dias ainda para
conseguir entrar no ritmo.
Afasto as cobertas e vou até ela, me sentando do outro lado da
guarnição. Imito sua postura, abraçando meus joelhos e
acomodando meu rosto no vão entre eles. Bea me fita com atenção
e eu faço o mesmo com ela.
Está usando uma regata fininha branca e uma calça de moletom
cinza como pijama, embora esteja abafado lá fora, o ar
condicionado do seu quarto deixa o ambiente em uma temperatura
muito mais agradável. Os cabelos estão presos em um coque alto,
ela disse que costuma usar uma touca de cetim, mas ficou com
preguiça de procurar nas malas.
— Gostou da noite? — pergunta baixinho.
— Muito, sua família é demais.
— Eles são, nossa… Não sei como aguentei tanto tempo longe.
— Você nunca veio visitá-los durante o intercâmbio? — Bea nega
com a cabeça. — Não consigo nem imaginar o quanto sentiu falta
de casa, eu não vejo meus pais há uns… Sei lá, quinze dias, e já
estou em cólicas.
— Com o passar do tempo, você se acostuma. Só que tem
aqueles dias em que tudo que você queria era chorar no colo da sua
mãe e você não pode, nesses dias eu quebrava. Ficava louca de
saudade e cogitava desistir de tudo — ela desabafa.
— O que te fazia ficar?
— Eles — ela solta um suspiro e vejo um sorriso largo se formar
em seu rosto. — Ao mesmo tempo que sentir falta deles me fazia
querer voltar imediatamente para casa, eu sabia o quão orgulhosos
eles estavam por eu ter sido aceita no processo de bolsas. Desde
que o processo de sucateamento das universidades federais
aumentou, o programa internacional se tornou ainda mais difícil e
porra… Eu estava representando o Rio de Janeiro numa faculdade
na Inglaterra, sabe?
— Isso é gigantesco — comento.
— É. Principalmente pra minha família, se somos o que somos
hoje, se temos o que temos, nós devemos tudo à universidade
pública. Meus pais foram os primeiros das suas famílias a
conseguirem um diploma de graduação, os primeiros a atingirem um
doutorado, os primeiros a conseguirem uma vida confortável. Isso é
enorme pra nós, sabe?
Essa não é nem de longe a minha realidade, mas o peso de cada
uma das suas palavras é sentido por mim. Seria impossível não
sentir, e se eu já admirava os Andrade por sua hospitalidade, agora
também os admiro por sua força e perseverança.
Não é fácil mudar de vida através do estudo no nosso país, os
obstáculos são inúmeros, ainda mais para pessoas negras, mas
saber que eles conseguiram, que Cristina e Jorge abriram portas
que jamais irão se fechar no legado da família deles, e que Bia e
Pedro estão dando continuidade a isso com orgulho… Nossa, isso
me enche de admiração e felicidade.
— Vocês são incríveis, sério. Quanto mais eu conheço, mais eu
quero conhecer — digo, um tanto atônita.
— Vai conhecer — ela assegura, estendendo a mão em minha
direção e tocando delicadamente o meu braço. — Vê se não some
quando voltar pra BH, viu?
— Se eu sumisse, você morreria de saudade. Vou te poupar de
tamanha tristeza — falo num tom teatral e ela dá risada, se
aproximando de mim o suficiente para nossos pés se tocarem. —
Você fica bonita quando sorri.
— Você fica bonita de qualquer jeito — ela retruca, rápido o
suficiente para me pegar desprevenida.
Mordo o lábio, nervosa, e seu olhar se prende nesse ato por
alguns segundos. Minha mente trabalha a todo vapor, buscando
alguma forma de reverter a situação e é quando um estalo surge.
— Ei! Se lembra do que me disse mais cedo? — pergunto.
— Depende, eu te disse muitas coisas.
— “Respostas só depois de três cervejas” — repito suas
palavras. — Já bebemos bem mais do que três e eu tenho algumas
perguntas.
— Mas agora eu já estou sóbria de novo, não vale — ela
reclama, deitando-se no chão com a barriga virada para cima.
— Claro que vale, você não especificou as regras. — Imito-a,
deitando-me ao seu lado.
— O que quer saber? Deixo você perguntar três coisas, nada
além disso.
Rio nasalado, porque sei que ela está tensa.
— Por que estava nervosa mais cedo? — Começo, só para testar
o terreno.
— Fico nervosa quando falo com garotas bonitas. Elas me tiram
do eixo.
Na lata. De novo, eu não estava preparada.
— Eu tiro você do eixo?
— Te conheci num banheiro de aeroporto e há alguns minutos
atrás você estava dormindo na minha cama, acho que é meio auto-
explicativo — ela responde e nós duas damos risada. — Última
pergunta, vai.
De canto, vejo-a se virar de lado, dobrar o braço e usar a mão
para sustentar o rosto. Faço o mesmo, ficando de frente para ela
agora.
Tê-la tão perto é um estrago de níveis extremos ao meu auto-
controle.
— E-eu… — começo, ainda sem coragem.
— Você…?
Fecho os olhos e exalo com força. Posso estar prestes a fazer
uma grande merda, mas é o que dizem: quem não arrisca, não
petisca. Abro minhas pálpebras vagarosamente e encontro as íris
castanhas de Beatriz me encarando na quase penumbra, a luz
branca do poste da rua entra pela porta de vidro numa faixa fina,
deixando metade do seu rosto totalmente iluminado.
As bochechas salientes estão coradas, talvez pelo frio do ar
condicionado, os cílios curtos batem uns contra os outros conforme
ela pisca e os lábios cheios se remexem de um lado para o outro,
entregando que ela está um pouquinho nervosa.
Tão linda e tão fofa que eu sinto que vou explodir de tanto
admirá-la.
— Jade? — chama a minha atenção, me arrancando de um
pequeno devaneio.
— Sim?
— O que quer perguntar?
É agora ou nunca. Eu consigo.
Levo uma mão até a lateral do seu rosto e, sem tirar os olhos dos
seus, acaricio a pele macia com o polegar, notando sua respiração
acelerar de súbito e sua cabeça instintivamente inclinar-se na
direção do meu toque.
É um carinho sutil, mas seus olhos ganham um brilho vívido e
eles param de me fitar unicamente para se fixarem na minha boca.
Encaro isso como a dose de coragem que eu precisava.
— Beatriz?
— Hm? — ela murmura, entretida demais com o carinho que
recebe.
— Eu posso te beijar?
— Por favor!
Dou risada do seu tom beirando o desespero, e então, aproximo
meu rosto do seu devagar. Escorrego minha mão da sua face para a
sua nuca e, com os olhos fechados, chego ainda mais perto,
tocando meu nariz com o seu em uma carícia gostosa antes de
selar seus lábios em um beijo suave e demorado.
Sinto sua mão subir para a minha cintura, firme e certeira,
puxando meu corpo para ficar colado ao seu. Entreabro meus lábios
devagar, e no instante em que sua língua escorrega para dentro da
minha boca e eu sinto seu gosto, é como se meu coração tivesse se
transformado em uma Sapucaí lotada, ou quem sabe em um
Mineirão no minuto de um gol decisivo do clássico entre Cruzeiro e
Atlético.
Eu nunca presenciei nenhum dos dois momentos, mas se eu
tivesse que imaginar a sensação, acho que deve ser mais ou menos
como esse beijo.
É explosivo, mágico, cada uma das minhas células aquece e
vibra em resposta.
Como se eu estivesse esperando exatamente por isso há anos.
Por esse beijo, esse gosto, esse calor e, muito possivelmente, essa
garota.
Eu não sei como, mas Beatriz Andrade me traz a sensação de
que algo dentro de mim já a aguardava pacientemente. Sinto como
se fôssemos velhas conhecidas, ou qualquer coisa que não duas
estranhas.
Há pessoas que entram nas nossas vidas de maneiras
surpreendentes e aquecem nossos corações como se já estivessem
acostumadas a habitar neles. Não é como se houvesse uma
explicação, ou como se precisasse, elas simplesmente chegam com
os dois pés na porta.
Cabe a nós aceitar e viver para descobrir que coisas incríveis o
futuro nos reserva.
Nos afastamos brevemente, por falta de fôlego, e quando meu
olhar encontra o seu, sou arrebatada de vez pelo brilho alegre que
toma suas pupilas. Ela parece fascinada.
— Bonita, cheirosa, beija bem e mora longe. — Ela encosta a
testa na minha e suspira, fazendo drama. — Coitadinha de mim.
Solto uma gargalhada forte, e ela se aproveita do momento para
me derrubar completamente e ficar por cima de mim. Meu riso cessa
no mesmo momento.
Beatriz me esquadrinha, varrendo cada centímetro meu com as
íris escuras e atentas. Posiciono minhas duas mãos uma de cada
lado do seu rosto e a fito com a mesma atenção, querendo gravar
cada milésimo de segundo desse momento, porque sei que vou
querer me lembrar dele em detalhes por um longo tempo.
— Acho que esse foi o Natal mais maluco da minha vida —
confesso.
— Pelo menos teve ceia e rabanada — ela diz, divertida. —
Depois eu te mando um presente pelos correios, vou ficar devendo
isso. Não estava preparada.
Rolo os olhos e inclino a cabeça para cima, deixando meus lábios
quase colados aos seus.
— Pode me dar o meu presente agora — falo sorrindo.
— Ah é? E o que quer?
— Me beija mais um pouco — peço, baixinho, completamente
mergulhada no seu cheiro gostoso e na sensação de tê-la deitada
sobre mim.
— Só um pouco? — provoca, soltando a respiração devagar.
— Temos umas duas horas e meia até eu ir embora… — sugiro.
— É realmente pouco, mas ainda é alguma coisa.
Dito isso, sua boca se choca contra a minha e eu me derreto sob
o seu corpo. Os beijos são exploratórios, doces e muito, muito
viciantes. Acho que vou me lembrar disso pro resto da minha vida, e
voltar para BH vai ser uma droga, porque agora que sei como essa
garota conseguiu mexer comigo com tão pouco tempo, ela ficará
entranhada em cada maldito espaço do meu cérebro.
Eu tô tão ferrada.

“Atenção passageiros do voo 437-59 com destino à Belo


Horizonte, dirijam-se ao portão de embarque…”
Ergo o corpo da cadeira do aeroporto no instante em que as
palavras dançam para fora dos alto falantes, e meu coração aperta
um pouquinho ao notar que chegou a hora de dizer adeus. 24 horas
atrás eu não tinha a menor ideia de quem eram as quatro pessoas
diante de mim, e agora, eu me sinto estranhamente chateada por
me despedir.
Pedro é o primeiro a me envolver em um abraço forte, repetindo
no meu ouvido que é para eu me cuidar e voltar mais vezes.
Asseguro que ele não vai se livrar de mim tão fácil e de que eu
ainda vou fazê-lo subir a escadaria do Cristo Redentor degrau por
degrau. Ele ri, mas no fundo, sabe que não estou brincando.
Cristina e Jorge me acolhem juntos, cada um beijando um lado
da minha bochecha e reiterando o quanto serei bem vinda em
minhas próximas visitas à cidade maravilhosa. Agradeço-os mais
uma vez por me receberem em sua casa e reafirmo meu convite
para irem até BH e experimentarem o feijão tropeiro dos deuses da
dona Estela.
E quando, enfim, chega o momento de dizer adeus para Bea,
cada partezinha do meu corpo fica um pouquinho mais triste.
Ela me escrutina ansiosa, os cachinhos caem ao lado do seu
rosto que está com uma aparência cansada. Acabamos passando a
noite em claro, conversando e nos beijando o máximo que
conseguimos, e sendo bem sincera, faria tudo para prolongar aquele
momento.
— E aí, bonitinha — digo baixinho, passando meus braços pelo
seu pescoço.
— Ei…
Sua voz sai tão baixa quanto a minha, e de relance eu vejo sua
família dar alguns passos para trás. Puxo-a para mim, abraçando
seu corpo com força e afundando meu rosto em seu pescoço,
inspirando o cheiro refrescante de sabonete e colônia, gravando
mais essa lembrança em minha cabeça.
É normal já estar com saudade, ou melhor, sentir saudade de
alguém que você mal conhece?
— Some não, tá? Quero conhecer mais de você, mineirinha —
ela diz no meu ouvido e eu sorrio porque, bom, eu estava mesmo
contando com isso.
— Não vou, prometo — respondo, afastando o rosto para fitá-la.
— Isso não acaba aqui se você não quiser que acabe.
— Não quero.
Sem conseguir me conter, volto a abraçá-la e agradeço, pela
milésima vez, por ela ter sido o meu “milagre de Natal”, mesmo que
eu não acredite muito neles. Não tem como negar, nossos caminhos
não se cruzaram por acaso, eu me nego a acreditar que tenha sido
uma coincidência.
Passamos um longo tempo nos abraçando, e quando chamam o
meu voo mais uma vez, nos afastamos com pesar e eu já estou
fantasiando em minha cabeça que, em breve, vou vê-la de novo.
— Te espero em BH — falo, piscando e lhe dando um último
sorriso.
— Laranjeiras sempre vai estar sorrindo para te receber, e eu
também — ela assegura, com um brilho intenso no olhar que faz
meu estômago dar cambalhotas.
— Até breve, Beatriz.
— Até breve, Jade.
Solto um longo suspiro antes de me virar, e quando estou prestes
a dar o meu primeiro passo em direção a área de embarque, sinto
sua mão envolver a minha e me puxar de volta. Olho-a confusa, e,
me pegando de surpresa, Bea segura o meu rosto e me dá um beijo
estalado.
— Desculpa, não podia te deixar ir sem isso — ela fala
envergonhada, parecendo ter sido levada por segundos de
impulsividade.
Rolo os olhos e lhe dou mais um beijo, sorrindo ao me afastar e
ouvir de um Pedro Andrade risonho a seguinte sentença: “cacete,
eu sabia que ela ia virar minha cunhada”.
Quem sabe um dia.
Rio de Janeiro, 6 de Janeiro de 2022
Querida Jade,
Okay, esqueça o “querida”. Começar cartas desse jeito me
parece algo tão Clichê-casal-sáfico-da-Inglaterra-dos-anos-1700 que
facilmente essa folha terminaria comigo assinando um nome
fantasia — que obviamente seria masculino — para que não
fôssemos descobertas pela sociedade. E eu odeio clichês.
Sei que vai rir desse começo, acredite, ele foi pensado
estrategicamente para isso.
Enfim, quando sugeriu “brincando” que escrevêssemos cartas
para entregarmos uma para a outra, eu preciso confessar que me
peguei pensando se não seria legal realmente compartilhar com um
papel tudo que venho pensando nos últimos dias — e nos próximos
que vierem — enquanto isso, seja lá o que isso for, durar.
Portanto, espero que fique feliz, ou um tanto surpresa quando
souber que realmente comecei a escrever as benditas cartas.
Sabe, fazem poucos dias desde que nos despedimos naquele
aeroporto e eu ainda tenho tentado entender o significado da forma
um tanto quanto estranha com que nos conhecemos. Sei que agi
com naturalidade, mas você deve imaginar que não é todo dia que
eu esbarro com uma mineirinha chorona em um banheiro e a levo
para passar o Natal na minha casa.
Na verdade, eu não costumava viver muitas aventuras, por isso
decidi fazer o intercâmbio. Me mudar para outro continente, estudar
em uma faculdade e viver em uma cidade de idioma e cultura
completamente opostos aos meus foi como uma tentativa de provar
para mim mesma que eu era capaz de viver além da média.
E bom, acho que me viciei na adrenalina que há em agir tomada
pela emoção.
Jorjão não para de perguntar de você, sério, ele faz isso o tempo
inteiro. Também adora contar para os amigos e vizinhos sobre a
história inusitada do nosso Natal. Minha mãe e a sua andam
trocando receitas pelo Instagram, e eu acho que já as ouvi
conversando por ligação. E claro, Pedro está sempre querendo
saber quando nos veremos novamente.
Tenho sentido um pouco de dificuldade para me readaptar a
rotina, acho que o tempo fora me deixou fora de forma, mas posso
lidar com isso. Vou amanhã para uma roda de samba na São
Salvador, é uma praça aqui em Laranjeiras famosa por ser um
“ponto de encontro” icônico do bairro, reencontrar alguns amigos da
faculdade. Talvez, da próxima vez que estiver no Rio, eu possa te
levar para uma “Tour dos Melhores Pontos Turísticos Não-Oficiais
da Cidade Maravilhosa”, e eu garanto que não vai se decepcionar
com nenhum deles.
Sei que essa carta provavelmente vai parecer um amontoado de
informações desconexas organizadas em forma de conversa, mas
eu realmente precisava escrever a primeira e sentir como isso daqui
vai funcionar.
Prometo escrever outras, que falem mais sobre mim e sobre
como adoro te ouvir tocar violão, mas odeio que seja por intermédio
de uma tela de telefone pequena demais para parecer o suficiente.
Da sua futura carioca favorita,
Beatriz Andrade.
Belo Horizonte, 25 de Fevereiro de 2022
E aí, Bonitinha
Sei que a ideia das cartas foi minha, e por isso você talvez
estranhe a data no cabeçalho desta folha, mas em minha defesa,
escrever para você é bem mais difícil do que parece.
Hoje faz oficialmente dois meses desde que te dei um último beijo
naquela área de espera do aeroporto, e também dois meses em que
nos falamos todos os dias. Demorei para admitir isso para mim
mesma, e culpo isso pela demora em escrever a carta, mas preciso
falar de uma vez: estou morrendo de saudades.
Caramba, Bea, você não tem ideia do estrago que está fazendo
na minha cabeça.
Tenho passado tempo demais me perguntando se é possível que
eu esteja nutrindo algo por alguém recém chegada na minha vida,
até perceber que o fato de pensar nisso com constância já é uma
excelente resposta.
Tem uma música que não para de rondar minha cabeça nos
últimos dias, e chega a ser um tanto irônico o fato de que ela se
encaixa tão bem com nós duas que parece ter sido feita sob
medida. All Star, do Nando Reis, tem tocado em looping no meu
Spotify enquanto minha cabeça sempre parece estar longe demais
de BH.
Ouvir essa música me faz pensar em você, no seu sotaque cheio
de chiado tão gostoso de ouvir, na sua voz melódica e na sua
gargalhada que, pra mim, é um dos sons mais divertidos que já
escutei. E olha que eu escuto muitas coisas. All Star me faz lembrar
do aconchego do seu apartamento, das ruas do seu bairro que
conheci pouco, mas tenho decorado na cabeça a plaquinha azul
com o nome da sua rua.
E claro, também me faz pensar no nosso estranho Natal. No seu
tênis azul, que coincidentemente combinou tão bem como meu
preto de cano alto (somos um clichê e tanto), e na nossa conversa
daquela madrugada onde os beijos fizeram as palavras ficarem para
depois.
Engraçado que conversamos tanto, sobre tudo, todos os dias.
Mas eu ainda sinto que precisamos terminar exatamente aquela
conversa, deitadas no chão do seu quarto, ouvindo a chuva cair do
lado de fora e o seu corpo perto do meu.
Falando em música, estou quase terminando aquela que te contei
em ligação, a do meu trabalho de composição, sabe? Pretendo
tocar pra você em um das nossas próximas chamadas, inclusive,
queria muito que você notasse o quão fofa você fica quando me
assiste tocar violão.
Meus pais estão presos na ideia de conhecerem você, vira e
mexe os pego falando sobre organizarem uma viagem para o Rio, e
eu não duvido nada que nossas mães passem horas trocando
mensagens e correntes questionáveis de Whatsapp.
Enfim, não sei se essa vai ser a melhor das cartas que pretendo
escrever, mas eu me senti ótima em ter ao menos começado.
Quando ler isso, espero que saiba que eu estava morrendo de
vontade de sentir seu cheiro de novo enquanto escrevia.
Com carinho e saudade,
Jade Reis.
Rio de Janeiro, 28 de Maio de 2022
Querida Jade,
Você deve ter notado pelas últimas cinco cartas que resolvi me
render de vez ao “querida”, e que se foda o dramalhão europeu
clássico, eu admito que realmente gosto da ideia de estarmos
vivendo um clichê.
Cinco meses. É o tempo que nos conhecemos e que não
deixamos de trocar mensagens. De lá pra cá já foram inúmeras
madrugadas em claro, centenas de horas gastas em ligações, mais
músicas trocadas do que já ousei pensar em compartilhar com
alguém e, claro, inúmeras vezes em que meus dedos dançaram
sobre o teclado formando as palavras “quero te ver de novo”.
E, tudo bem, eu me rendo. Você não estava mentindo quando me
disse que eu morreria de saudades de você caso você sumisse, o
problema é que você não sumiu. Está presente, ainda que à
distância, em cada um dos meus dias nesses últimos meses, e
ainda assim sinto que falta alguma coisa.
Os dias sem você são um saco.
Não um saco completo, porque entenda, amo estar com a minha
família, sair com o pessoal da faculdade, adoro meu novo estágio,
tenho sido feliz desde que voltei. De verdade.
Mas eu não posso mentir e dizer que não adoraria que estivesse
aqui para que pudéssemos nos encontrar no fim do dia,
mergulharmos no mar e passarmos horas e horas falando sobre
todas as coisas que vivemos e esperamos o dia inteiro para
dividirmos uma com a outra.
Inclusive, preciso fazer uma pausa aqui nesta carta para deixar
registrado que o Seu Agenor e a Dona Arlete estão de trelelê.
Lembra dos velhinhos briguentos do meu prédio que te contei? Pois
é, menina, aparentemente o casal do milênio está de volta. Estou
escrevendo isso para lembrar de te contar quando te ligar.
Enfim, voltando ao foco!
Te ter longe parece cada dia mais doloroso e, puta merda, eu
daria tudo para que BH fosse à uma ponte de distância do Rio, tipo
Niterói, sabe?(Okay, provavelmente não sabe, prometo te levar lá
um dia, é uma cidade bem bacana) Pra que para te encontrar
bastasse dobrar a esquina e a saudade não tivesse se tornado a
minha melhor amiga.
Enfim, enquanto a distância que nos separa ainda é grande,
tenho feito da música e do papel meu próprio mundo que me
aproxima de nós. Ando escrevendo algumas coisas, elas nem de
longe se assemelham a cartas como essa, são só algumas
anotações avulsas feitas nas folhas de um caderno de capa azul
que comprei um dia desses na feirinha da praça.
Senti a necessidade de registrar um pouco das inúmeras vezes
em que você rouba meus pensamentos para si, e pretendo te
entregar este caderno quando nos encontrarmos, junto com as
cartas. Falando nisso, também tenho escutado 'Charlie Brown Jr'
com frequência, saber que é a sua banda favorita me fez encarar as
letras das músicas sob uma outra perspectiva.
E, se quer saber, Longe de Você tem sido um verdadeiro hino
imperando nos auto falantes da minha caixinha de som. Eu nem de
longe tenho toda a sua técnica de estudante de música, mas
sempre acho impressionante toda a genialidade presente nas letras
da banda.
Bom, eu ainda tenho mais uma infinidade de coisas para te dizer,
mas vou guardar para nossa ligação de mais tarde, como sempre.
Saiba que conto as horas para falar com você.
Da sua carioca favorita,
Beatriz Andrade.
Belo Horizonte, 9 de Julho de 2022
Ei, Bonitinha
Antes de começar a preencher essas páginas com diversos
pensamentos sobre o quanto estou sentindo sua falta, preciso te
acusar de uma coisa:
Você sequestrou o meu coração, Beatriz.
Pegou ele para si antes de eu entrar naquele avião, sem que eu
pudesse perceber, e nunca mais tentou me devolver. E, se te faz
sentir melhor, eu não o quero de volta não.
É seu, para fazer o que quiser, só te peço que cuide bem.
Não tenho ideia de quando vai ler essa carta, ou se já vou ter tido
coragem para te contar o que ando sentindo, mas quero que quando
leia esse trechinho em específico, você tenha a plena certeza de
que a Jade que escreveu essas linhas já estava totalmente rendida
aos seus encantos. Você é uma força imbatível, Bea.
E eu cansei de tentar lutar contra. Seria perda de tempo e
completamente inútil.
Essa provavelmente vai ser uma das cartas mais íntimas que te
escrevi, e peço que me perdoe porque não sou exatamente boa
com esses trem de sentimentos, mas tem algumas coisas que
queria te contar.
Eu tinha 15 anos quando tive a coragem de olhar nos olhos dos
meus pais e contar que sou lésbica, embora eu meio que soubesse
disso a minha vida inteira. Foi num Natal, alguma tia sem noção
tinha feito uma daquelas piadas corriqueiras do feriado, “e os
namoradinhos?”, um clichê.
E aquela foi a primeira vez em que uma pergunta daquele tipo me
incomodou, porque… Bom, eu gostava de garotas desde sempre,
não conseguia nem ao menos visualizar a ideia de ter um
“namoradinho”, mas aquilo sempre foi algo que encarei com
naturalidade até perceber que para os outros não era tão natural
assim.
Esperei a ceia acabar e pedi aos meus pais que me
acompanhassem até um cômodo vazio da casa da minha avó, me
lembro de sentir meu coração acelerado e minhas mãos trêmulas.
A primeira lágrima caiu antes mesmo que eu pudesse dizer
alguma coisa, e foi só depois de alguns bons minutos, quando meus
pais já me encaravam assustados, percebendo que eu tinha algo
sério para contar, que enfim consegui me abrir.
Dizer com todas letras que o tal namoradinho nunca viria, porque
na verdade eu gostava de garotas. E somente de garotas.
Estela e Otávio tiveram reações bem distintas. Enquanto meu pai
começou a chorar junto comigo e me envolveu em um abraço
apertado, repetindo que me amava e me aceitava como eu era,
minha mãe parecia ter sido atingida por algo doloroso.
Na hora, pensei que ela estava se sentindo ofendida ou algo do
tipo. Cheguei a cogitar que nunca me aceitaria, ou até mesmo que
pararia de me amar por conta da minha orientação sexual. Mas a
real é que, — e isso eu descobri alguns anos depois — minha mãe
estava com medo.
Aterrorizada com a mínima ideia do mundo ser cruel com a única
pessoa por quem ela morreria caso fosse preciso. E ela demorou
um tempo até conseguir expor isso pra mim, porque acredite, Estela
Reis é inabalável. Ela está sempre certa e no controle de tudo.
E saber que ela não poderia controlar a forma como o mundo
lidaria comigo a deixou desesperada, o que a fez — por um longo
tempo — apenas ignorar o fato de que eu sou lésbica.
Até agora.
Acontece que de alguma forma, o jeito meio louco como tudo
aconteceu, como eu e você acontecemos, fez com que o tabu que
existia sobre a minha forma de me relacionar fosse quebrado.
Minha mãe nunca quis saber sobre as garotas com quem eu
saía, mas ela sempre quer saber tudo sobre você, o que você gosta
de fazer, comer, como é a sua família, como você tem passado os
dias… Enfim, ela realmente se interessa.
Talvez porque veja o quanto você me faz feliz, talvez porque
tenha entendido de uma vez por todas que não é uma fase, talvez
porque ela perceba além do que consigo dizer… São tantas
hipóteses.
E eu não consigo explicar nessa carta o quão importante isso é
pra mim. Mas saiba que independente de qualquer coisa, você
sempre vai ser alguém especial, Bea.
Vou encerrar essa carta por aqui, porque sinto que já falei demais
e porque você está me mandando mensagens me chamando para
entrarmos em ligação, e embora eu adore a sensação de conversar
com uma você do futuro nesses papéis, não é tão bom quanto poder
ouvir a sua voz.
Com carinho, saudade e muitas outras coisas
Jade Reis.
Rio de Janeiro, 25 de Agosto de 2022
Querida Jade,
São duas e meia da madrugada, e eu acabei de admitir que te
amo.
Não para você, ainda não, mas para mim mesma. Consegui
finalmente me olhar no espelho e perceber que aquele sentimento
que sempre acreditei não “ser para mim”, na verdade só estava
esperando a hora e pessoa certa para tomar todo o espaço do meu
coração.
São duas e meia da madrugada. DUAS E MEIA DA
MADRUGADA!!!!
E eu estou sentada perto da porta da minha varanda, onde você
me beijou pela primeira vez, e estou escrevendo essa carta ainda
em êxtase, porque quero que saiba — quando lê-la — que entender
o que você significa pra mim foi um dos momentos mais felizes que
já tive.
No início, eu confesso que realmente pensei que não daria em
nada, que seríamos um daqueles casos inusitados que contamos
bêbadas em uma roda de amigos em um bar qualquer. Algo como
uma mera lembrança de um feriado, mais ou menos desse jeito:
“nossa, teve um Natal que eu encontrei uma menina no aeroporto,
ela foi comigo para casa, nós nos beijamos e hoje em dia não sei
por onde ela anda”.
O problema é que nenhuma de nós duas pareceu realmente
disposta a deixar que o que aconteceu no Natal passado virar uma
mera história de bar, não é?
Você com as suas mensagens aleatórias ao longo do dia me
contando sobre tudo que viu e pensou, sobre as coisas que te
lembraram de mim e querendo saber — nas suas palavras — cada
detalhe do que se passa na minha caixinha mágica que chamo de
cérebro.
E, bom, o que posso dizer… Eu não fiquei muito atrás com as
minhas ligações de fim de noite, que sempre acabam se
transformando em mistos de risadas, desabafos e inúmeras cenas
em que minha cara entrega muito do que meu coração pulsa.
A verdade é que, no dia em que você pegou aquele maldito
avião, eu já sabia que seria impossível que “isso” se limitasse a ser
um caso de uma noite. Isso porque, no momento em que você
aceitou minha oferta maluca naquele banheiro, eu me senti
desesperadamente necessitada de conhecer cada coisinha sobre
você.
O que você amava, o que odiava, o que te fazia suspirar, sonhar
mais alto, suas inspirações… Eu queria saber tudo. Desde a sua cor
favorita, até a música que você gosta de ouvir quando arruma o
quarto. Queria saber das comidas que você sente que te abraçam,
das pessoas que te fazem feliz, dos filmes ruins que você sente um
prazer secreto em assistir.
Eu quis — e ainda quero — tantas coisas que envolvem você.
Quero poder te abraçar ouvindo o som das ondas do mar, dançar
Alceu na sala de casa enquanto você ri da minha total falta de ritmo,
te contar sobre as cartas de Sabino para Clarice, te ouvir cantar
Nando enquanto toca violão no parque perto da sua casa que você
tanto gosta de ir.
Jade, querida, eu quero um mundo inteiro de coisas clichês
contigo.
Espero te dizer tudo isso em breve, mas até lá, esse papel é a
prova concreta de que, depois de trocentos casais-sáficos-da
Inglaterra-de-1700 existirem, Beatriz Andrade Vieira pôde dizer em
uma carta que ama — e muito — Jade Souza Reis e assiná-la.
Nós dificilmente entraremos para a história, amor, mas para mim,
gostar de você é um momento e tanto.
Ps: Espero que fique feliz quando puder ler isso, acho que vai se
divertir sabendo que além de derreter meu coração, você também
me transformou em uma romântica incurável.
Da sua, e sempre sua, carioca favorita.
Beatriz Andrade.
Belo Horizonte, 24 de Dezembro de 2022

Sabe aquela sensação de que alguém “estragou” algo para você?


Que aquela coisa em específico perde toda a graça quando não é
mais associada àquela pessoa?
Bom, Beatriz Andrade estragou o Natal para mim.
Da maneira mais incrível e, sem sombra de dúvidas, mais feliz de
todas. Mas, é isso, a data não tem mais graça sem ela por perto.
Amanhã fará exatamente um ano desde que conheci a garota e,
minha nossa senhora das mulheres apaixonadas, eu acho que
estou a um passo de perder a sanidade, tamanha a falta que sinto
dela. Desde que nos conhecemos, Bea e eu não deixamos de nos
falar sequer por um dia, e entre mensagens e ligações
intermináveis, cresceu dentro de mim um sentimento que é muito
maior do que já ousei sentir.
E, convenhamos, se apaixonar por essa garota não é algo difícil.
Ela é linda, inteligente, boa de papo, charmosa e… Caramba, tem o
melhor beijo do Brasil. Do planeta inteiro, para ser mais exata. Além
de, claro, ter um dos corações mais puros que já conheci.
O que me leva ao fato de que, não foi nem um pouco trabalhoso
me deixar cair por ela. O único problema é que, neste momento, eu
estou dirigindo pelas ruas de BH com um Pippo agitado — recém
saído do banho — no banco traseiro, e uma infinidade de enfeites
de mesa no banco do carona, enquanto a garota que eu amo está
em outro estado.
Longe demais para o meu próprio bem.
Não me leve a mal, fiquei extremamente emocionada quando
mamãe me contou que ela e o meu pai tinham combinado com a
família inteira de repetir a dose do Natal passado para que, dessa
vez, eu pudesse participar. Minha casa está abarrotada de pessoas
que eu amo cozinhando coisas maravilhosas e comemorando a
vida, eu jamais reclamaria.
Mas uma parte de mim, uma que tenho tentado firmemente
manter escondida ao longo do dia, está se remoendo por não tê-la
aqui. E, para piorar, Bea parece estar tão envolvida nos preparativos
do Natal dos Andrade quanto eu estou com o dos Reis, porque
ainda não me enviou uma única mensagem. E já passam das sete.
No instante em que estaciono o carro na calçada em frente a
minha casa, meu vira-lata parece encarnar o espírito do diabo da
tasmânia, me fazendo saltar para fora do veículo às pressas para
libertá-lo do cinto de segurança adaptado para cães.
Pippo está vestido com um suéter vermelho que a vovó Cássia
trouxe para ele de presente e uma gravatinha de papai noel, que a
moça da tosa colocou. Um verdadeiro lord — se não fosse o gênio
hiperativo e bagunceiro do cão.
Seguro-o pela coleira, para impedi-lo de sair correndo pelo
condomínio e acabar rolando em algum espaço com terra, enquanto
empilho as caixas de enfeites que minha mãe encomendou no braço
livre. Fecho a porta com um dos joelhos e caminho para casa depois
de travar as portas do carro com a chave.
Assim que passo pela porta, deixo que Pippo corra na direção da
primeira pessoa que encontrar, e vou até minha mãe, que está
sentada na mesa de jantar ajudando minha avó a rechear as suas
famosas rabanadas e elogiando pela milionésima vez o próprio
trabalho no preparo do bendito pudim que resolveu fazer esse ano.
— Os enfeites que me pediu para buscar — anuncio, colocando
as caixas sobre a mesa e beijando as cabeças das minhas duas
mulheres favoritas do mundo todo.
— Obrigada, princesa — minha mãe diz, deixando um tapinha na
minha mão quando tento roubar uma das rabanadas na travessa. —
Deixe de ser mal educada, a senhorita vai esperar para comer como
todo mundo.
— Qual é, mãe! São as minhas favoritas — insisto, fazendo
biquinho e resolvendo apelar para a única pessoa que faz todas as
minhas vontades. — Vovó, me deixa pegar uma?
— Umazinha só — cede, cúmplice, me entregando uma das
rabanadas mais recheadas.
— Eu amo você! — Pego o doce das suas mãos com um sorriso
imenso e abraço-a apertado.
— Tá bom, mimadinha da vovó, agora vai lá tomar um banho e
se arrumar porque seus primos já vão ligar o som lá fora e você
demora horrores arrumando essa cabeleira — minha mãe manda,
apontando na minha direção.
Assinto, correndo em direção às escadas que levam para o andar
de cima, antes que ela cogite me mandar ir na rua pela oitava vez
hoje. Fecho a porta do meu quarto, abafando o som do falatório da
minha família do lado de fora e saco o celular do bolso, descobrindo
uma nova notificação de mensagem que, involuntariamente, me
arranca um sorriso.
Bonitinha: Ei, amor, desculpa não ter mandado mensagem
antes.
Bonitinha: Estou com saudade!
Bonitinha: 1 ano, já. Dá pra acreditar?
Leio as mensagens breves e sinto vontade de explodir por
simplesmente desmontar com uma dúzia de palavras brilhando em
uma tela. Definitivamente, nunca vou conseguir me acostumar com
essa mulher me chamando de “amor”.
Sorrio enquanto digito uma resposta igualmente rápida, sabendo
que ela provavelmente não lerá agora, e que vamos poder nos falar
melhor mais tarde, quando combinamos de entrar em chamada.
Eu: Ei, Bonitinha!
Eu: Tô morrendo de saudade :(
Eu: Um ano do Natal mais maluco da minha vida, parece que
foi ontem e ao mesmo tempo parece que fazem uns 30 anos.
Eu: Tô ansiosa pra conversarmos mais tarde. Bom Natal!
Deixo o aparelho de lado e vou até minha mesinha de cabeceira,
abrindo a gaveta e puxando de lá uma caixa com as inúmeras
cartas que escrevi para Beatriz ao longo desse um ano. Esses
papéis, que contém basicamente toda e evolução dos meus
sentimentos pela garota, são como meu verdadeiro tesouro
ultimamente.
Passo os dedos por alguns dos envelopes coloridos ainda não
fechados, e também pela passagem de avião que comprei em
segredo para surpreendê-la no próximo mês, sentindo meu coração
aquecido só de pensar que faltam poucas semanas para estarmos
juntas novamente.
Com os calendários das nossas faculdades sempre entrando em
conflito e os preços das passagens nas alturas, foi praticamente
impossível voltar ao Rio ao longo desse ano, e Bea também
conseguiu um estágio incrível em uma multinacional o que a
impediu de vir até BH. Por isso, mais do que nunca, estou contando
os dias para a data da minha viagem.
Organizo as cartas em ordem cronológica e deixo a caixa em
cima da minha cama, porque quero lê-las mais uma vez antes de
dormir. Tomo um banho demorado e visto o conjunto de camisa de
botão e bermuda de linho, ambos vermelhos, que minha mãe me
deu de presente.
Uso o secador para ajeitar os fios do meu cabelo e tento, de
maneira fracassada, fazer um delineado simples nas minhas
pálpebras. Desisto depois do que julgo ser a minha quinta tentativa,
e choramingo, me lembrando de como Beatriz é mestre na arte da
maquiagem e fez o meu com uma facilidade absurda no Natal
passado.
Calço meu All Star preto, borrifo uma boa quantidade de perfume,
e pego meu celular, descendo as escadas logo em seguida.
— Mãaaaaae! Tô pronta! — aviso, chegando no último degrau e
dando de cara com a sala vazia e um silêncio estranho demais. —
Pippo?
Chamo pelo meu cachorro, que ao invés de aparecer em
segundos na minha frente, apenas solta um latido de longe. Quando
estou prestes a ir checar o quintal, nos fundos da casa, a campainha
toca e, pelo equipamento das câmeras de segurança, vejo um papai
noel esperando do outro lado da porta.
Okay, quando minha mãe disse que repetiria a dose do Natal
passado, pensei que isso incluía apenas encher a casa de parentes,
eu definitivamente não contava com o ator para entreter as crianças.
Abro a porta já me preparando para pedir ao bom velhinho, que
na verdade parece mais um bom jovenzinho, para que aguarde até
que eu chame meus pais. No entanto, sou surpreendida quando o
suposto ator me entrega um bilhete e me faz um sinal de joinha.
“Jadoca, o papai noel te trouxe um presente esse ano por você
ter sido uma boa menina. Vá até o quintal para pegá-lo.”
Encaro o pedaço de papel completamente confusa e então,
desvio minha atenção para o Noel, que me estende o braço magro
coberto pela fantasia, para que eu o segure. Com uma interrogação
imensa cravada bem na minha testa, envolvo seu braço e deixo que
ele me conduza até o quintal, já imaginando se tratar de alguma
surpresa inusitada dos meus pais.
É só quando estamos quase chegando nos fundos da casa que
uma lâmpada se acende em minha mente e todas as peças
parecem se encaixar aos poucos, fazendo com que meu corpo
inteiro exploda em um sentimento estranho de puro nervosismo
misturado com felicidade.
Não é possível.
Entenda, eu tenho 22 anos — muito bem vividos, diga-se de
passagem — e a única pessoa nesse mundo que me chama de
“Jadoca”, atende pelo nome de Pedro Andrade. O irmão gêmeo
peste de Beatriz.
Interrompo meus passos de abrupto e seguro o tal papai noel
pelos ombros, encarando-o minuciosamente. Os olhos castanhos, a
pele negra retinta, o nariz ridiculamente perfeito, igualzinho ao de
Beatriz. Não é possível.
Estou quase gritando de felicidade quando finalmente começo a
entender o que está acontecendo e esmago o garoto em um abraço
apertado.
— Até que você demorou para citar o maldito Cristo Redentor
dessa vez — falo rindo, me afastando dele. — Senti saudades,
Pedroca.
— Eu não sei do que você tá falando, eu sou o Papai Noel — diz,
se segurando para não cair na risada. — Okay, finge surpresa
quando ver a minha irmã, pelo amor de Deus. Ela planejou isso por
muito tempo — implora, desesperado, enquanto me empurra na
direção do quintal.
É quando a minha ficha finalmente cai.
Beatriz está aqui.
Assim que meus pés tocam a grama, ouço um coro gritando
“surpresa!” e meu olhar vai imediatamente de encontro a garota por
quem meu coração tem batido infinitamente mais forte. Bea está
com os cabelos trançados até a altura dos ombros, de onde seguem
apenas fios soltos e cacheadinhos, está usando um vestido de cetim
perolado e seus emblemáticos All Stars azuis.
Linda, como sempre. E tão perto.
Permaneço estática por alguns segundos, vendo-a me direcionar
um sorriso brilhante, que desmonta cada uma das minhas barreiras,
e me faz questionar se é possível que eu esteja virando uma
gelatina.
Bea está ao lado de Jorge e Cristina, seus pais que me
acolheram com tanto carinho em sua casa, eu vejo quando eles
sorriem e dão empurrõezinhos nos ombros da garota para que
venha até mim.
Num meio segundo de sanidade, corro em sua direção sentindo
meu peito prestes a explodir, quando seu corpo enfim colide com o
meu e Beatriz me envolve em seus braços, sinto que finalmente
estou conseguindo respirar. E eu nem havia percebido que não
estava o fazendo.
— Você tá aqui! — digo, baixinho, enterrando meu rosto em seu
pescoço e inspirando o perfume gostoso de sabonete e colônia. —
Você tá mesmo aqui…
Esmago-a em um abraço apertado tentando gravar na pele a
saudade que senti.
Beatriz ri, segurando meu rosto e levando-o de encontro ao seu.
Deixo que me guie, colando nossas testas uma na outra e fecho os
olhos me permitindo aproveitar cada segundo do carinho tímido que
ela faz nas minhas bochechas.
— Eu tô aqui — repete minha fala, se afastando um pouquinho e
me forçando a encará-la.
Ela é a mulher mais linda do mundo, meu Deus do céu.
— Feliz Natal, amor — diz, selando meus lábios com delicadeza
antes de me envolver em mais um abraço. — E feliz um ano disso.
— Feliz Natal.
Sem dizer mais nada, puxo-a para outro beijo, mais demorado e
mais à altura da saudade que senti durante todos esses meses
longe dela. Bea não tem ideia do quanto a ideia de não poder tê-la
exatamente assim vinha me torturando.
Ouço alguns gritos animados da minha família, a risada imperiosa
do pai da minha garota, e sinto quando Pedro nos abraça dando
alguns pulinhos que, instantaneamente, fazem com que um certo
cão ciumento corra em nossa direção e se enfie entre Beatriz e eu.
— Ah, esse é o Pippo. Ele é o famoso dono da casa, nós somos
só os hóspedes dele — digo, erguendo o vira-lata em meus braços
e observando-o deixar uma lambida imensa na bochecha de Beatriz.
— Oh, é um prazer, garotão! — fala, como se o cachorro
estivesse entendendo tudo. — O que acha de um dia ir conhecer
umas praias iradas, hein?
— Ele adora água, vai se divertir à beça — minha mãe responde,
se aproximando de nós junto do meu pai e dos Andrade.
Todos engatamos em uma conversa animada sobre toda a
surpresa, que inclusive acabo descobrindo ter sido ideia do Pedro.
Apresento Beatriz para a minha família inteira, e como bons
fofoqueiros que são, meus familiares não perdem a oportunidade de
nos encher de perguntas sobre como nos conhecemos e nos
tornamos… Bom, o que somos agora.
Vovó Cássia passa boa parte da noite enfatizando o quão linda
Beatriz é — como se eu não soubesse — e minha mãe e Cristina
competem em igualdade com Otávio e Jorjão para ver qual deles
ficou mais amigo.
É uma noite e tanto, daquelas que te fazem questionar se você
está realmente acordado, mas é só quando as luzes se apagam,
todos se recolhem, e eu e Bea conseguimos finalmente ficar a sós
no meu quarto, que eu percebo a grandiosidade desse momento.
Era a oportunidade que eu estava esperando.
— Ainda não consigo acreditar que deixaram seus tios no Rio e
vieram passar o Natal com a gente — digo, fechando a porta atrás
de mim e observando Bea sentada na beirada da minha cama,
balançando os pés enquanto faz o reconhecimento do meu quarto.
— Era o tipo de situação que exigia medidas drásticas, eu estava
pirando de tanta saudade — explica, dando um sorrisinho cúmplice
e me chamando para perto com as mãos.
Caminho até ela com os olhos presos nos seus e me encaixo
entre as suas pernas, segurando seu rosto para escaneá-la com
atenção, sem deixar passar um único detalhe.
— Acho que sou obcecada pelo quanto você é bonita, isso devia
ser proibido — murmuro, delineando seus traços com carinho e
notando um brilho imenso cobrir seus olhos. — É desesperador que
eu consiga pensar em músicas para toda e qualquer ocasião, mas
nenhuma delas me parece boa o suficiente para descrever você.
Acho que eu precisaria de uma playlist inteira e mais uma boa
quantidade de autorais, e talvez nem assim. Você faz tudo parecer
pequeno quando comparado a você, isso é insano.
Respiro fundo, tentando disfarçar o quanto estou ofegante, e
minha pulsação acelera ao perceber o leve marejar nos olhos de
Bea. Engulo seco quando ela fica de pé e me envolve pela cintura,
deixando nossos corpos colados o suficiente para que meu nariz e o
dela estejam se tocando em uma carícia gostosa.
— Eu amo você — ela diz, baixinho, roubando cada molécula de
ar que eu possa ousar respirar. — Amo você pra caralho. Amo tanto
quanto eu amo tomar mate gelado com limão na praia, tanto quanto
eu amo dias de sol, tanto quanto eu amo Natal… Eu amo você
demais.
— Eu também te amo — confesso, pela primeira vez, e sinto
como se tudo ao nosso redor tivesse parado.
Penso que ela irá me beijar, mas ao invés disso, Beatriz pega
algo de cima da cama e coloca na palma da minha mão. É um bolo
de envelopes preso a um caderno de capa azul por um laço
vermelho, e em cima dele, dois anéis prateados, finos e delicados,
unidos por uma fitinha de palha. Há também um bilhetinho pequeno,
com dizeres que me arrancam uma risada emocionada:
“Querida Jade, dentro dessas cartas você vai encontrar boa parte
do meu coração em forma de palavras. Espero que aceite tê-lo
contigo.
Ps: Isso foi a versão poética de um pedido de namoro. E aí? Quer
ser minha namorada?”
— Droga, você estragou a minha ideia — digo rindo, alcançando
a caixa que mexi mais cedo e entregando para ela. — Não tinha
certeza de que você gostaria do clichê das alianças, então escolhi
outra coisa.
Assisto enquanto Bea tira o bolo de cartas de dentro da caixa e
se depara com a minha passagem para o Rio e com o colar
prateado com a bandeirinha do Brasil que ela tanto queria.
— E aí, Bonitinha, você quer ser minha namorada?
Faço a mesma pergunta que ela me fez, e no mesmo instante
sou derrubada sobre o meu colchão, sofrendo um ataque
extremamente letal de beijinhos sendo espalhados por todo o meu
rosto. Solto uma gargalhada contida o suficiente para não acordar
as pessoas na casa, mas alta o suficiente para preencher o quarto,
e então, seguro o rosto de Beatriz e encaro-a, esperando por uma
resposta.
— É claro que eu aceito namorar você, mas só se você aceitar o
meu pedido também — provoca, travessa.
— No Natal passado, eu disse que seria sua namorada mais
vezes, e estava falando sério — falo rindo, me lembrando da saia
justa em que fui enfiada logo que cheguei na casa da família
Andrade. — Será uma honra namorar você, Bea.
E é aqui, nesse quarto, enquanto a garota mais linda e incrível do
mundo me abraça com força e repete o quanto me ama, que eu
percebo que, às vezes, tudo pode ser uma questão de estar no
lugar errado na hora certa. E, se quer saber, eu perderia mais mil
aviões só para ficar com ela.
Entre guirlandas enfeitadas, All Stars combinando, muitas risadas
e cantorias, a nossa pequena — e inusitada — história de amor é,
pra sempre, a minha canção favorita.

FIM.
INGREDIENTES
1 pão de rabanada grande
3 ovos
1 xícara de leite integral
2 colheres de chá de extrato de baunilha
3 colheres de açúcar mascavo (que você pode substituir por
açúcar normal)
aproximadamente 150g de brigadeiro tradicional
açúcar de confeiteiro para enfeitar

MODO DE PREPARO
Comece misturando os ovos, o leite, a baunilha e o açúcar bem
para não ficar com cheiro de ovo.
Em seguida, corte seu pão em fatias de aproximadamente 2
dedos de largura e depois faça um corte no meio, mas sem separar
completamente o pão.
Adicione o brigadeiro, recheando bem, mas sem exagerar!
Logo após, hidrate o pão já recheado na mistura de leite e ovos,
até o pão começar a amolecer.
Esquente bem uma frigideira, adicione 2 partes de óleo para 1 de
manteiga até cobrir o fundo da panela, deixe ficar bem quente e
então adicione suas rabanadas. Virando quando ficarem bem
douradinhas.
Faça em fogo baixo para cozinhar a mistura de ovos de dentro do
pão. Escorra num papel toalha.
Finalize com açúcar de confeiteiro peneirada.
INGREDIENTES

MASSA
1 lata de leite condensado
1 xícara de leite de vaca
4 ovos inteiros

CALDA
1 xícara (chá) de açúcar
1/3 de xícara (chá) de água

MODO DE PREPARO

CALDA
Em uma panela, misture a água e o açúcar até formar uma calda.
Unte uma forma com a calda e reserve.

MASSA
Bata todos os ingredientes no liquidificador e despeje na forma
caramelizada.
Leve para assar em banho-maria por 40 minutos.
Desenforme e sirva.
AAAAAAAAAA.
Chegamos ao fim de mais um livro. Confesso que ainda não
estou acreditando que consegui colocar mais um casal do
maryverso no mundo, principalmente esse, que é tão significativo
pra mim.
Em primeiríssimo lugar, meu agradecimento vai para você, leitor,
que deu uma chance para essa obra, para essas meninas e para o
meu trabalho. Muito obrigada, mais uma vez, por entre tantos livros
na Amazon, você ter escolhido apoiar uma autora brasileira e
independente. Isso significa muito, mesmo!
Um agradecimento enorme para todos os profissionais envolvidos
com a preparação deste livro, desde a betagem até a leitura crítica,
revisão, diagramação, capa, ilustração, divulgação… Vocês são
maravilhosos.
Quero agradecer também a minha família, por todo o apoio que
recebi ao lançar o meu primeiro livro, “Como Eu Não Me Apaixonei
Por Você”, que me abriu grandes portas dentro do mercado
independente e fez com que a escrita pudesse sair do imaginário e
se tornar, de fato, a minha profissão.
Nessa obra, no entanto, eu peço licença para todos aqueles com
quem divido sangue, sobrenome e amor, para agradecer em
especial a ela: Viviane Dionisio.
Mãe, obrigada por tantos ensinamentos ao longo da vida, por ter
feito por mim e pelo meu irmão o possível e o impossível, por ter
nos criado com tanto zelo, carinho, amor e respeito. Obrigada pelas
chamadas de vídeo para matar a saudade, pelos conselhos quando
eu cheguei a duvidar de que eu realmente deveria continuar
escrevendo, por todas as vezes em que precisei me reencontrar e
seus braços foram o porto seguro onde me repousei.
Se hoje sou tudo que sou, devo muito a você. Obrigada por,
desde que eu era bem pequena, você ter me ensinado sobre a
importância do amor, e sobre como ele deve ser livre dos
preconceitos que a sociedade nos impõe.
Tenho muito orgulho da mulher, mãe e ser humano que você é.
Obrigada pelo carinho e acolhimento que você me deu naquele 04
de dezembro de 2020 quando me assumi pra você, eu nunca vou
me esquecer das suas palavras: “eu fico feliz porque você vai poder
ser livre muito antes do que eu pude”.
Obrigada por ser uma referência para mim, e por ter me mostrado
o quão revolucionário é quando uma mulher ama outra mulher sem
medo de ser feliz. O mundo nem sempre é gentil conosco por isso,
mas ter você ao meu lado nessa luta me faz ter sede por mudanças.
Para que nunca mais nenhuma garota precise chamar o amor da
sua vida de “amiga” para “amenizar” o fato delas serem um casal.
Mamãe, eu te amo muito e me inspiro muito em você cada vez
que defendo e luto por um mundo mais justo e com menos ódio.
Obrigada por ser você.
Agradeço aos meus orixás por me protegerem e me guiarem
nessa estrada louca que é a vida, porque eu não seria nada sem
eles.
A Samara Rigueiro, Isabel Schumann e Júlia Alves, meu tão
amado grupinho, por fazerem os dias na faculdade serem um pouco
menos caóticos, e por cuidarem tão bem de mim. Obrigada por
serem a minha família.
A Caroline Kimura, Marcella M, Brooke Mars, Nicole Casagrande,
Englantine e Beatriz Bernardo, por tornarem a loucura que é ser
escritora uma experiência que trata mais sobre ganhos do que
perdas. Por me ouvirem, me darem broncas (e também muito amor),
e me tornarem uma profissional e pessoa melhor por estar
crescendo junto de vocês.
A Beatriz Holtz, minha amiga e social media INCRÍVEL, por ter
feito o planejamento e execução impecáveis da divulgação desse
livro. E também por todo seu apoio e carinho comigo e com o meu
trabalho.
E um obrigada especial para Renata, a moça do Starbucks perto
da minha casa onde eu sempre passo boas horas escrevendo, por
ser tão gentil em dias que o trabalho me deixa esgotada e ter
sempre boas histórias para contar.
E por último, mas nem um pouco menos especial, obrigada
Nando Reis por encantar o mundo com suas canções, por ter sido a
injeção de vida nas minhas veias ao longo desses meus recém
completados 20 anos, e por ter feito história na música deste país.
Você é e sempre será um dos nomes mais geniais da cultura
brasileira.
No mais, obrigada você por ter lido até aqui.
Nos vemos em breve em um novo livro.
Com todo o amor do mundo, da sua escritora carioca (favorita ou
não)
Mary Dionisio.
Mary Dionisio é carioca da gema, nascida em plena primavera da
cidade maravilhosa. Romântica incurável, descobriu sua paixão pela
escrita logo cedo, e começou a criar mundos através das palavras
aos onze anos, em um caderninho que a acompanhava nas aulas
de matemática.
Atualmente vive em Niterói, onde realiza sua graduação em
Letras na Universidade Federal Fluminense, mas sempre que
possível viaja pelo mundo através das suas histórias.
Publicou seu primeiro livro em 2022, de forma independente.
“Como Eu Não Me Apaixonei Por Você” que conta com mais de 7
mil exemplares vendidos e mais de 5 milhões de páginas lidas pelo
Kindle Unlimited.
Em suas redes sociais Mary compartilha um pouco da rotina de
uma jovem que se divide entre ser uma graduanda e uma escritora
independente, mantendo uma relação próxima e divertida com os
seus leitores/seguidores, o famoso “grupo”.
Para saber mais sobre seus futuros trabalhos, não deixe de
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[1]
Expressão regional. Significa “ao relento”.
[2]
Olá, eu posso ajudar você? em inglês.
[3]
Orixá de religiões de matriz africana associado à metalurgia e às batalhas. No Rio de
Janeiro, é associado — pelo sincretismo cristão — ao santo católico São Jorge.

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