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Folha de rosto
Sumário
PARTE UM
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
PARTE DOIS
12
13
14
15
16
17
18
PARTE TRÊS
19
20
21
22
23
24
25
26
PARTE QUATRO
27
28
29
30
31
32
33
34
PARTE CINCO
35
36
37
38
39
40
41
Perguntas e respostas: Alexis Hall e Cathy Berner
Agradecimentos
Sobre a autora
Créditos
Para Mary.
Obrigado por acreditar nestes livros
PARTE UM
Archways, Shoreditch
26 de junho
— Você conhece a história do não-nem-eu? — perguntei ao
Alex Twaddle.
Alex piscou.
— Não.
— Nem eu.
— Ah. — Alex piscou de novo. — Que decepção. Achei que
era uma piada. — Ele abriu o Bing no computador. — Vamos
jogar no Google?
Puta merda.
— Não, Alex. Foi uma piada. Você diz “não”, eu digo “ nem
eu”. Não-nem-eu.
— Não tem um pássaro com esse nome? É parente do
bem-te-vi, se não me engano.
— Alex, a piada é…
— Vejamos — gritou Alex com uma empolgação fatal. —
Rhys? Você conhece a história daquele pássaro não-nem-eu?
Rhys desfilou para dentro do escritório como um
influencer, com o celular no ângulo ideal para fazer lives.
— Não sei se esse pássaro de fato existe.
— Não existe! — berrei. — É uma piada. Não. Nem eu.
Ele considerou por um momento. E dentre todas as
possibilidades disponíveis, ele se agarrou à mais errada.
— Então você quer saber de outro pássaro, Luc? Está
pensando em adotar um bichinho?
— Não, Rhys, não vou adotar um pássaro. Onde eu enfiaria
um pássaro?
— Que tragédia. — Alex parecia estar prestes a chorar. —
Pobre passarinho. Enjaulado no seu apartamento minúsculo.
Se não conseguir mantê-lo na sua casa, Luc, tenho espaço
na minha casa de campo, mas o outro pássaro que mora lá
não vai gostar muito da ideia.
Quando eu achei que a situação não poderia sair mais
ainda do controle, Rhys Jones Bowen começou a falar com
seu público cada vez mais numeroso.
— Alô, rhystocratas. Novo desafio chegando na área. Meu
amigo Luc irá adotar um pássaro que vai morar na casa de
campo do Alex. E precisamos de um nome para ele. Ou seria
ela? — ele olhou para mim. — Ou algum tipo de pássaro não
binário?
Balancei os braços como se eu fosse o Oliver dançando.
— Não é um pássaro não binário. Ele nem existe, na real.
— Até o momento — Rhys disse para mim —, os nomes
que estão vencendo são Piu-Piu, Bicudo, Penoso e Steve.
— Acho que vou de Steve — sugeri, torcendo em vão para
que uma rendição repentina desse fim ao meu sofrimento.
Rhys continuava conferindo a tela do celular.
— Alguém sugeriu “Passarinho”, mas acho o nome bem
ruim, sem nenhuma individualidade. É como um ser
humano chamado Ser Humano.
Eu estava prestes a voltar correndo para a minha sala
quando a dra. Fairclough veio do andar de cima.
— Ouvi uma comoção — disse ela. — Aconteceu alguma
perturbação?
— Acho que esse lugar é uma perturbação — respondi.
— Ah, professora. — Alex se levantou todo empolgado. —
Como devemos chamar o primo de bem-te-vi que o Luc vai
adotar?
— Pitangus sulphuratus. — Ela deu de ombros. — Nenhum
animal precisa de um nome diferente do seu nome
científico.
Ai, meu Deus. Por que eu continuava fazendo aquilo
comigo mesmo?
— Não. Existe. Passarinho. Nenhum.
Todos me encararam num estado de pura confusão.
— Se é assim — disse Alex, parecendo genuinamente
magoado —, não sei por que você me perguntou sobre a
história dele.
— Quer saber? — Joguei as mãos para o alto. — Nem eu.
Antes que a situação pudesse piorar, fugi para a minha
sala. “Fugi” daquele jeito, né? Porque, assim que me sentei,
vi um e-mail não lido da Barbara Clench.
Querido Luc,
Infelizmente, sua solicitação viola a nova política da
CACA em relação às copiadoras. Para evitarmos que o
Querida Barbara,
Apesar de compreender o valor desta nova política em
termos gerais, a copiadora está sem papel. Se
precisarmos ligar para um técnico toda vez que o papel
da copiadora acabar, isso pode acabar sendo
desnecessariamente custoso.
Atenciosamente
Luc
Querido Luc,
As políticas atuais foram estabelecidas pela direção, e
eu não tenho autoridade para alterá-las. As regras são
claras: não se deve mexer nas copiadoras de forma
alguma.
Atenciosamente
Barbara
Querida Barbara,
Se é assim, você poderia por gentileza chamar o
técnico? A copiadora está sem papel.
Atenciosamente
Luc
Querido Luc,
Conversei com nosso fornecedor gráfico, e me disseram
que os técnicos só podem ser enviados em caso de
defeitos genuínos.
Atenciosamente
Barbara
Querida Barbara,
Maravilha. Sendo assim, tenho permissão para repor o
papel?
Atenciosamente
Luc
Querido Luc,
Não. A política continua clara, e eu não tenho
autoridade para alterá-la.
Atenciosamente
Barbara
Querida Barbara,
Consegue ver como isso é um problema?
Atenciosamente
Luc
Querido Luc,
Se você não concorda com as regras, pode falar a
respeito na próxima reunião com a direção em setembro.
Atenciosamente
Barbara
Querida Barbara,
E não poderemos usar as copiadoras até setembro,
então?
Atenciosamente
Luc
Querido Luc,
Um escritório no Reino Unido imprime, em média,
10000 folhas de papel por ano, sendo 6800 apenas
desperdício. Isso equivale a 4,8 árvores por pessoa.
Enquanto uma empresa de caridade ecológica, CACA
deveria se esforçar ao máximo para reduzir o número de
impressão e cópias, e não incentivar isso.
Atenciosamente
Barbara
Querida Barbara,
Concordo que devemos reduzir o desperdício, mas não
consigo deixar de imaginar que podemos chegar a uma
solução mais elegante do que transformarmos nossa
copiadora na peça de arte moderna mais sem graça do
mundo.
Atenciosamente
Luc
Querido Luc,
A política atual foi estabelecida pela direção, e eu não
tenho autoridade para alterá-la.
Atenciosamente
Barbara
EM MEMÓRIA
9 de novembro
— Oliver — resmunguei. — Por que temos que fazer isso
agora?
Ele estava sentado de pernas cruzadas no chão,
mexendo nos cartões coloridos que constituíam a
organização dos assentos dos convidados.
— Porque precisa ser feito.
— Mas é domingo à tarde. A gente poderia estar
transando…
— Lucien.
— Poderíamos estar dando um passeio fofo no parque.
— O pessoal do bufê precisa dessa informação. — Depois
de um momento de contemplação, ele trocou os lugares de
dois colegas de trabalho cujos nomes eu não reconhecia,
por motivos que me pareceram ter a ver com políticas do
escritório. — E a locação também.
— Mas não com seis meses de antecedência.
— Cinco meses — Oliver me corrigiu.
Merda, o tempo passava rápido quando se estava metido
num redemoinho infinito de logística.
— Nem com cinco meses. Metade dos convidados ainda
nem confirmou presença, mesmo depois de pedirmos com
toda a educação.
— Sim, mas nós já sabemos quantos convidados são. É
mais fácil remover pessoas depois de termos definido a
estrutura básica do que organizar tudo às pressas. — Oliver
encarou um dos cartões que eu tinha escrito. — Meu Deus,
quem é Peloton? Não é aquela empresa que vende
bicicletas ergométricas?
— Sim — respondi. — Eu convidei uma empresa inteira
de bicicletas e separei dois lugares para dividirem entre
eles.
Oliver se virou para mim com uma expressão muito
decepcionada.
— Você não separou dois lugares. Esse cartão é amarelo.
Cartão amarelo significa um lugar.
— Amarelo não era a cor dos meus convidados?
— Não.
Apontei para o organograma de lugares.
— Por que eu daria um lugar para os James Royce-Royce
dividirem?
— Está falando desse convidado que aparentemente se
chama Jarrow Robertson?
— Não está escrito Jarrow Robertson aí. Não conheço
nenhum Jarrow Robertson. Você literalmente conhece
todas as pessoas no meu círculo social superlimitado.
Quem diabos seria Jarrow Robertson?
Oliver deu de ombros, todo frio.
— Algum amigo da sua mãe?
— Você sabe muito bem que minha mãe tem apenas
uma amiga.
Com calma, Oliver direcionou minha atenção para o
cartão “Peloton”.
— Então, quem é essa pessoa?
— Bridge. E Tom.
— Isso aqui é um P, com certeza — insistiu Oliver,
apertando os olhos para a letra que, definitivamente, era
um B. Um B com a barriga de cima bem maior, devo
admitir. Um B que, dependendo da luz, poderia ser
percebido como um P por algum desavisado.
— Beleza, me passa um cartão rosa. Vou refazer.
— Rosa é para família direta.
Afundei a cabeça nas mãos.
— Mas e se alguém da família precisar de dois lugares?
— Todos precisam de dois lugares, não é necessário
especificar.
— E a minha mãe?
— Achei que ela iria querer se sentar com a Judy —
explicou Oliver. — E me parece bem alonormativo insistir
que a companhia de uma pessoa seria um par romântico.
Além do mais, não sei se quero a Judy perambulando
desacompanhada pelo bufê do casamento.
Ele tinha razão nos dois pontos. Meu pai até iria sozinho,
mas eu tinha decidido chutar o balde e não convidar o
desgraçado. Ou seja, nossa família direta tinha apenas
Christopher e Mia, minha mãe e Judy, e…
— Nós vamos… — a situação era complicada e não havia
um jeito delicado de perguntar —continuar contando com
a presença de David e Miriam?
Um silêncio longo demais.
— Estou trabalhando com a possibilidade de que, sim,
eles irão — Oliver finalmente respondeu. — Porque são
meus pais e, apesar do nosso desentendimento recente,
escolhi acreditar que eles querem, de alguma forma, fazer
parte da minha vida.
Aquilo me parecia uma presunção e tanto, considerando
que eles não se falavam havia dois meses.
— Você podia tentar falar com eles — sugeri sem muita
empolgação. Enfrentar os pais havia sido um grande passo
para o Oliver, e parecia um desserviço da minha parte
encorajá-lo a dar um passo atrás.
Oliver estava colocando os cartões amarelos numa pilha
separada.
— Acho melhor não. Passei a vida tentando satisfazer as
expectativas deles. Está na hora de os dois tentarem
satisfazer as minhas.
— E se… isso não rolar?
— Então — ele apertou os lábios —, creio que terei que
lidar com a situação.
Queria dizer algo para tranquilizá-lo, mas não sabia o
quê. Na minha experiência, torcer para que alguém que
tinha passado anos te decepcionando parasse
repentinamente de te decepcionar era a receita ideal para
sentimentos ruins. E o melhor a fazer era não convidar a
pessoa em questão para o seu casamento e ligar o foda-se.
Ou talvez eu só estivesse projetando.
Além do mais, o foda-se do Oliver nem tinha um botão
de ligar.
— Pelo menos — respondi com um sorriso — isso traz
arco de balões nas cores do arco-íris de volta pro jogo.
Era para ser só uma piada, mas Oliver pareceu abalado
de verdade.
— Como assim?
— Bom, não precisamos mais nos preocupar se seus pais
irão gostar.
Eeeee agora ele tinha ido de abalado para paralisado.
— Primeiro, acho bem provável que meus pais
compareçam sim. Segundo, meu gosto pessoal não tem
nada a ver com o que meus pais gostam ou não.
Eu deveria ter mudado de assunto rapidinho. Mas ainda
estava meio que acreditando na ideia de que eu poderia
animá-lo.
— Nem um pouquinho? — Juntei o polegar e o indicador
para mostrar que estava brincando.
— Não.
— Tudo bem. — Voltei a mexer nos cartões dos lugares,
mas aquilo só durou quatro segundos.
— E eu não gostei da indireta — disse Oliver.
Merda, ele havia voltado a soar como o próprio pai.
— Que indireta? — perguntei, um pouco dissimulado.
— De que eu sou meio que o garoto propaganda da falsa
consciência.
Em minha defesa, foi ele quem tinha começado. E agora
que tinha, parecia justo que eu ao menos comentasse.
— Quer dizer — soltei um suspiro desconfortável —, se
você sente que pode estar sendo assim, talvez valha a
pena pensar a respeito?
— Você não é meu terapeuta, Lucien.
— Não, mas sou, tipo, seu noivo. Essas coisas são
importantes pra mim.
Eu soube que ele estava irritado porque Oliver largou os
cartões. E porque, num tom desafiador, a única coisa que
ele disse foi:
— Por quê?
— Por que o quê?
— Por quê? — Sim, ele estava irritado comigo. E não de
um jeito sexy e durão, mas de um jeito você-pisou-no-meu-
calo. — Por que é tão importante pra você que meu
desgosto por um treco colorido e brilhante seja visto como
parte de uma patologia ou de uma falha de caráter em vez
de um simples traço da minha personalidade?
— Oliver, iconografia queer não é um treco.
— Quando imprimem em qualquer produto vendido por
vinte paus na internet, é sim.
Afundei os dedos nas têmporas.
— Pelo amor de Deus, você acha mesmo que não está
tentando agradar os seus pais? Desculpa, Oliver. Sim, eu
gosto de verdade de coisas que se pode comprar na
internet. Eu gosto de verdade de qualquer bosta com
estampa de arco-íris. Gosto até daquela bandeira gay, a
azul e verde, e estou pensando em comprar uma e
pendurar na janela porque eu te amo e tenho orgulho de te
amar.
Tem a hora certa e a hora errada de dizer que se ama
alguém. Como uma arma no meio de uma discussão,
aquela podia ter sido, talvez, quem sabe, a hora errada.
— Falando desse jeito — disse Oliver com sua voz de eu-
preciso-manter-a-calma —, parece que quem eu sou e
quem eu amo só conta se eu estampar isso numa bandeira
ou numa camiseta. Uma bandeira ou uma camiseta que eu
nem posso criar eu mesmo, mas que devo deixar a
“comunidade” criar por mim.
— Não acredito que você colocou aspas com os dedos no
termo comunidade.
Oliver se levantou. Por que ele estava se levantando?
— Já discutimos isso, Lucien. Não escolho meus amigos
com base em com quem eles querem trepar. Minha
comunidade são pessoas que eu conheço e com quem me
importo.
— Você me conhece. Você se importa comigo.
A expressão dele ao me encarar não era exatamente de
decepção, nem de alguém traído. Como uma piada sobre
um arco de balões tinha se transformado naquilo?
— Com certeza. E foi por isso que aceitei seu pedido. Mas
o que eu não quero é me casar cercado de parafernálias da
parada do orgulho LGBT, ou sentir que a não ser que eu me
case cercado de parafernálias da parada do orgulho LGBT ,
:( :(
FQIUIE SABEDNO DO PAI DELE
TEMPO?
ESSE É PRA CASAR SEGUE UMA ESTRUTURA BEM INTERESSANTE. VOCÊ JÁ TINHA
ESCREVIA?
SOCIAIS (UM ÓTIMO EXEMPLO É ANA COM UM N). VOCÊ MANTÉM ISSO EM MENTE
QUAL É A COISA QUE OLIVER E LUC TÊM EM COMUM NA GELADEIRA? (ESSE ITEM
EXISTE?)
“SIM”. O QUE VOCÊ ACHA DAS PESSOAS QUE CRIAM ARTE OU HISTÓRIAS
Querido estranho…