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Copyright © 2020 por Maylah Menezes

Capa: Marina Higgins


Revisão e diagramação: Maylah Menezes
Paixão Obscura [Paixão Obscura] / Maylah
Menezes – RJ: edição número 01, 2020.
1.Literatura brasileira. 2. Romance. 3. Romance
Jovens e Adultos. 4. Romance multicultural 5. Conteúdo
adulto

Reservados todos os direitos. Não é permitida a


reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer
meios, sem prévia autorização da autora.
Sumário: Paixão Obscura

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4: Lily
Capítulo 5: Lily
Capítulo 6: Yuri
Capítulo 7: Lily
Capítulo 8: Yuri
Capítulo 9: Lily
Capítulo 10: Lily
Capítulo 11: Lily
Capítulo 12: Yuri
Capítulo 13: Yuri
Capítulo 14: Lily
Capítulo 15: Yuri
Capítulo 16: Yuri
Capítulo 17: Lily
Capítulo 18: Yuri
Capítulo 19: Lily
Capítulo 20: Sean
Capítulo 21: Yuri
Capítulo 22: Sean
Capítulo 23: Sean
Capítulo 24: Yuri
Capítulo 25: Lily
Capítulo 26: Yuri
Capítulo 27: Lily
Capítulo 28: Yuri
Capítulo 29: Lily
Capítulo 30: Sean
Capítulo 31: Yuri
Capítulo 32: Lily
Capítulo 33: Yuri
Capítulo 34: Lily
Capítulo 35: Yuri
Capítulo 36: Lily
Capítulo 37: Yuri
Capítulo 38: Yuri
Epílogo: Lily
Recado da autora:
Prólogo

Olho as horas pela décima vez.


Minha sobrinha já deveria ter chegado há trinta
minutos, nem devo ficar nesse lugar do aeroporto
internacional, mas ser jornalista tem lá suas vantagens,
poucas, mas as têm.
Nunca convivi muito com a filha do meu irmão.
Agora, que ela queria estudar em Londres e tinha
conseguido uma bolsa integral, meu irmão me pediu tão
envergonhado e tão cheio de dedos que não consegui
dizer “não”, já me arrependendo da minha famigerada
benevolência... Bato as mãos no volante, irritado, como eu
iria levar Cecil ou Judy ao meu apartamento com uma
pirralha o dia todo?
Parando para pensar nisso, fazia, pelo menos, dez
anos que eu não via a Lily, nunca mais voltei ao Brasil dos
estudos... por causa... por causa do assombroso fato que
tinha marcado minha vida para sempre.
Ser filho de segundo casamento tem esse ônus,
minha mãe ficou mais no pé do caçula, sou quase 20 anos
mais novo que meu irmão, por parte de mãe, que agora
amarga aqui na espera de uma sobrinha que mal conhecia.
O que eu tô falando?
Eu deveria ter passado mais tempo com a minha
família depois... enfim, talvez não seja o momento
adequado de se pensar nisso, não, não mesmo... Lily seria
muito bem vinda na minha casa, ela era parte de mim e
parecia ontem que a tinha visto nascer, fui ao seu
aniversário de cinco ou seis anos e depois no de dez... ela
era uma bailarininha nata, muito fofinha e não deveria ter
mudado taaanto assim.
Inspiro mais de uma vez, Londres com essa onda
de calor em Julho, logo tudo é desanuviado quando vejo
uma puta de uma garota sexy de calça jeans rasgada,
longos cabelos castanhos claros com ondulados cachos na
pontas, bem claros, boina e uma delícia de jaqueta
amarrada na cintura, os seios pequenos lutando contra um
decote menor ainda.
Que ninfeta linda...
Olho para o relógio outra vez e nada... o voo tinha
caído?
Decido descer e ir até o saguão de desembarque,
vou andando bem devagar, deixei o carro por ali mesmo,
sentindo o olhar da menina sobre mim, quantos anos ela
deveria ter? dezenove ou vinte, no máximo. Não queria
arrumar confusão e, geralmente, garotas novas não me
atraem o olhar, preferiria Anne, mais velha e mais fogosa
do que eu e sem essas imaturidades juvenis, mas essa
tinha algo... não sei, familiar.
Algumas malas perto dela e o celular nas mãos,
digitando fervorosamente, demorei mais tempo que eu
gostaria com os olhos sobre ela, engolindo um tesão
incômodo, ela sabia que era sexy e ela sabia que
provocava os sentidos de todo mundo naquele aeroporto.
— Yuri Macedo Davies? — miro dos meus pés aos
olhos esverdeados da menina, que me sorri, estendendo
os braços e quase tomo um tombo para o inferno.
— Lily? Deus... você... tá uma moça! — ela sorri
de canto, pegando a bolsa à tira colo que estava apoiada
junto às outras malas, revirando os olhos e dizendo “— É,
pois é...” sempre sorrindo, um sorriso lindo, genuíno e
cativante.
Alguns moleques passavam por ali e era
impossível negar que eles a olhavam bem... muito bem,
meu celular toca e meu irmão pergunta sobre ela, zeloso.
Vou respondendo enquanto pergunto trivialidades: como
tinha sido o voo, se estava animada para as aulas, que
havia trazido pouca mala e que a sua mãe iria passar o
Halloween, mesma data de seu aniversário com a gente.
Ela pulou e enlaçou os braços em meu pescoço, o
incômodo no meio das minhas pernas... aquela pele,
aquela roupa, aquela menina quente me abraçando era a
tentação dos diabos... seu gloss com cheirinho de tutti-
frutti, assim como seu hálito sussurram quentes em meu
ouvido. Vejo que ela ergue a perna direita, numa pose de
bailarina e sussurra:
— Vai ser tão bom passar esse tempo aqui, com
você.
Capítulo 1

Chegando no meu apartamento ela exclama um


“Uau”, eu sorrio e vou mostrando onde ela ficaria, meu
irmão já tinha ligado e a mãe dela já tinha feito chamada de
vídeo com o filho, meio irmão de Lily, que a chamava e
reclamava de saudade.
Ela era uma boa garota, pelo pouco que me
lembro dela...
Um Natal na casa dos meus pais, quando ela tinha
ganhado uma boneca Barbie e depois chorou quando um
primo disse que Papai Noel não existia, outro fato corre
minhas memórias, na semana de seu nascimento que eu
fiquei preocupado em pegar aquela coisinha minúscula no
colo; ela com 19 e eu com 33 e poucas e raras mensagens
por Facebook em datas comemorativas, mas nunca a tinha
visto assim... Eu a tinha no Instagram, mas me passava tão
batido, mesmo com o selo de verificação dela, nunca vi
suas fotos com o olhar que a vejo agora, até que sua voz
melódica irrompe o silêncio:
— Vou ficar com esse quarto, posso?
Mais uma vez ela me faz voltar a atenção,
concordo com a cabeça, sorrindo, ela diz um “Legal” e vai
jogando suas coisas para os cantos, meu TOC vai nas
alturas, mas não me incomodo, sinceramente... na
verdade, não quero tirar a sua privacidade, mesmo eu
incumbido de ajudá-la na adaptação, já que era muito
apegada à avó, minha mãe, e ao avô, pai do meu irmão...
lembrando que as aulas começariam dali a algumas
semanas e seria essencial um bom computador, livros e
algumas aulas de inglês, que eu já tinha me oferecido a
ajudar.
Estou trabalhando no computador e ela sai do
quarto de toalha branca, pingando água pelo taco de
madeira lustrado naquela manhã, mas o que iria tirar meu
perfeccionismo do sério me faz ter uma calma... estranha.
Gosto de contemplá-la, o pescoço fino, os braços
femininos, os pés pequenos e as coxas... ah! As coxas
torneadas e deliciosamente convidativas... me recrimino
passando uma das mãos na minha cabeça... Yuri, seu
imbecil, ela é sua sobrinha... talvez fosse melhor ela morar
num alojamento estudantil...
— Estou faminta! — ela coloca a mão no pescoço,
alongando e estalando. — Daria tudo por uma bomba
calórica! Hambúrguer, batata frita e sorvete... — me forço a
olhar para seus olhos, já pensando que ela gostaria de um
roteiro, balanço a cadeira pensativo, ela estava elétrica,
não que fosse a primeira viagem ao exterior, mas a
perspectiva de morar fora, ter sido aceita numa das
companhias de balé mais respeitadas do mundo a deixava
extasiada.
Eu ri comigo mesmo, já que compartilhava dos
mesmos pensamentos quando tinha a idade dela.
— Lily... — empurro a cadeira de rodinhas indo até
o balcão pegar meu celular. — O que você quer comer
exatamente? KFC? Mac Donald’s? Burger King?
Abro o aplicativo de entrega de comida do meu
celular, ela coloca o dedo indicador no queixo, fazendo
uma cara exagerada de pensativa, enquanto tentava se
esgueirar para ver meu celular, até que comenta:
— Eu pensei em dar uma volta... — e uma cara de
triste, também exagerada, me arrancando um sorriso
vencido.
Ela era muito jovem e tinha muita energia e ainda
estava de férias escolares, segundo o calendário que meu
irmão havia me passado por e-mail, minha ex-cunhada
também iria querer ver fotos da filha em seu primeiro dia de
Londres em algum lugar para postar nas redes sociais.
— Ok... ok... mas, só porque eu não quero passar
como o tio implicante.
Ela dá uma pirueta e corre para me dar um beijo
estalado, prometendo que iria se vestir o mais rápido
possível.
Agora ficava comigo o pepino, e eu precisava
redigir uma matéria ainda aquela noite, paciência...

A levei num restaurante interessante perto do rio


Tâmisa, próximo à embaixada brasileira, meu local de
plantão jornalístico de todas às quintas, no mais, as coisas
se resolviam pelo computador.
Eu a ouvia falar sobre a viagem do terceiro ano a
Porto Seguro, junto com o pessoal da escola, passeio com
o dedo na borda da taça de vinho, gostando das suas
lembranças tão recentes e da sua empolgação, quando
ouço sua risada.
— Não acredito ainda que estou aqui! Posso
experimentar um pouco do vinho? — ela se inclina para
mais próximo de mim e posso ver que se maquiou muito,
como uma blogueira, a franja caindo pelo rosto, e o vestido
com a alça virada do avesso pela pressa, sorri e ofereci a
taça.
— As bailarinas não vão trucidar você viva?
Ela ri e depois rola os olhos.
Aquilo era um hábito?
— Acho que só vão me jantar viva... aquelas
mortas de fome — ela replica com gestos exagerados,
imitando a mãe, o que me faz rir involuntariamente de
novo, ela coloca o guardanapo no colo.
— Eu posso te buscar nos primeiros dias, mas ir,
infelizmente vai ser de Uber e ficar no estúdio das... 8h até
às 18h, né?
— Sim, mas isso é só daqui a algumas semanas.
Tem pubs por aqui, né? Vários deles...
Um pouco de seu gloss fica na minha taça, me
forço a não beber por ali. Normal ela querer sair, mas como
eu estava responsável e sua rotina seria bem puxada, era
melhor eu jogar a real, balancei a cabeça negativamente.
— Acho que vai ter que se acostumar com a vida
em cafés, cafeteria, no máximo dar uma volta com algum
amigo responsável, batalhas de dança em boates só para
hoollingas, aqueles vândalos...
Ela cruza os braços me ouvindo atentamente.
— E... os rapazes, Lily... nada de rapazes...
Ela me olha envergonhada pela primeira vez,
quando, enfim, nosso prato chega.
— Não tem rapazes... — ela confessa se servindo
da salada, do salmão e pedindo um refrigerante light, o
inglês era bom, mas podia melhorar.
Não posso negar que a noite estava sendo
agradável.
Minha mãe havia pedido imagens da neta para
paparicar e colocar em nomes de grupos de orações, meu
irmão não se cansava de dizer que ela deveria tomar
cuidado e minha ex-cunhada pedia para que ela passasse
na Itália nas próximas férias, assim como o padrasto de Lily
que a enchia de elogios, aqueles dois hipócritas.
A mãe de Lily sempre queria pagar de boa mãe,
mas não pensou duas vezes em deixá-la com o pai e a avó
no Brasil e zarpar com uma paixão de carnaval para a
Itália, Lily a tinha visitado menos do que eu visitava o
Brasil.
— Faz parecer ser fácil... — ela comenta me
olhando pagar a conta, enquanto desfrutava de um pouco
de sorvete.
— Fácil o quê? — indago, dando o cartão ao
garçom e tomando o resto do meu café.
— Fácil ser o tio fora da família... Todo Natal há
uma guerra do meu pai te defendendo, da minha avó te
lamentando de vir morar tão longe da família e da minha
mãe com meu irmão gritando via Skype que o tio rico não
mandou presentes... — ela lambe a colher, ah... que cena,
mudo meu rosto para não pensar naquela língua na minha
boca, me censuro.
Meu pensamento voa nas rápidas e poucas vezes
que voltei ao Brasil.
De fato, eu tinha feito minha vida longe e mal
participava do grupo da família ou das redes sociais deles,
eu era honesto, já a mãe de Lily uma ferida aberta e azeda,
como meu irmão costumava dizer.
Mas, eu não passava por menos, tanto que não
reconheci a minha sobrinha, que para mim era uma
completa desconhecida, mesmo que ela me tratasse com
tanta intimidade, acredito que meu irmão deve ter falado
muito de mim para ela, o que a deixou confortável assim, o
que não era ruim, se não fosse a imediata atração por
aquela jovem mulher.
— É difícil Lily, meu pai, segundo marido da sua
avó, morreu de uma forma muito trágica... — confesso,
amargurado... desde a morte dele, eu nunca mais fui o
mesmo, meu pai, inglês, muda sua vida estável para ficar
com a minha mãe... mas, deixa quieto, encolho os ombros
olhando a xícara vazia.
Ela sorri, mexendo nos longos cabelos,
empurrando o prato para poder apoiar os cotovelos na
mesa e me encarar.
— A audição que eu fiz foi certeira pra cá... — o
sorriso se alarga, ignorando meu comentário, quando
percebo que meus olhos correm por aquela roupa justa e
convidativa, me recrimino, já me levantando e dizendo que
ela precisava descansar.
— Como assim? Acabei de passar numa das
academias de dança mais requisitadas do mundo! E tô em
Londres!
Dei uma gargalhada, sim, eu me lembrava de
quando eu estava em Londres as primeiras vezes e que
tudo aquilo era novo e excitante, Lily tinha que cumprir uma
lista de créditos vasta e cansativa, ela enrolou seus braços
nos meus, dizendo que ainda estava calor e que esperava
um inverno legal para poder usar as roupas da hora da loja
do meu irmão.
— A gente vai ter que comprar mais roupas pra
você, Londres é bem fria... e, sim, ainda está calor...
vamos, sua avó tá impaciente para te ver no Skype...
Capítulo 2

As aulas de Lily começariam dali a poucos dias.


Eu dormi algumas noites fora na companhia de
Judy, outras de Cecli, que queria ser apresentada à minha
sobrinha, mas eu não queria manter nenhum nível de
intimidade.
Lily era bem esforçada, estudava bastante,
independente, conversava com os pais todos os dias e
quando eu chegava, ela já estava praticamente indo dormir,
chegamos a ir no cinema algumas vezes, a levei para ver
Oxford, onde ela comprou várias lembrancinhas da Alice no
país das maravilhas, shoppings, Big Ben, galerias e, claro,
a Real Academia de Dança para fazer a matrícula.
O roteiro foi pensado por ela, eu só acompanhei,
mas o que ela fez mais questão foi ir às galerias de arte de
Degas, o pintor das bailarinas, que são formidáveis. Por
trabalhar tanto, me responsabilizando em dobro pelo jornal,
que logo iria para plataformas de streaming e só ficar livre
aos finais de semana, não podia encarar a fila gigantesca
da roda gigante da London Eye, mas, para compensar a
levava na loja da Mac, a loja da Piccadilly Circus e fui o
guia para as lojas de roupa de dança.
Lily tinha um cartão dado pelos pais, ainda não
tinha uma independência financeira, por isso decidi
comprar as roupas que ela usaria no primeiro semestre da
Royal Academy, além de alguns livros e lembrancinhas.
— Ah! Yuri, não precisava! — ela dizia toda vez
que eu comprava algo, realmente, eu estava me divertindo,
seu encanto pelos lugares, os lábios saboreando um
sorvete de Ovomaltine, ou a animação em ler títulos em
inglês sem tradução me fascinavam, como se fosse a
primeira vez que eu estava morando num país estrangeiro
também.
Mas, vê-la mais como uma mulher e não como
sobrinha assombrava o meu ser, por diversas vezes eu
tinha que focar em um canto aleatório da casa para não vê-
la de shortinho, ou não pensar nos esbarrões de
madrugada, enquanto eu trabalhava e ela ia tomar água ou
ir ao banheiro, tudo era convite ao meu pensamento
horrível de querer beijar aquela boca.
— Você é uma menina estudiosa, precisava sim...
Ela estalou um beijo no meu rosto numa livraria, e
a vendedora disse que éramos namorados “really cute”,
meu peito gelou, Lily riu e disse que eu era o irmão do pai
dela... percebo que a palavra “tio” não era usada em seu
vocabulário.
Capítulo 3

Fui trabalhar com o celular aparado no apoio para


conversar com meu irmão, ainda bem calor, uma onda de
calor por esse raio de cidade, eu suava, meu irmão
receava de Lily ficar sozinha no meu apartamento o dia
todo, aquilo estava me dando nos nervos, para que tudo
aquilo?
A menina não era um bebê, até que ele disse:
— Eu sei que sou super protetor, ainda mais
quando a Lílian se separou de mim... E eu sei que você é
super jovem e responsável, só que eu acho que... bem,
talvez ela atrapalhe suas saídas com outras garotas... —
senti uma ponta de ressentimento dele, mas não o culpo,
ah... como eu não o culpo... eu era o predador ao redor do
seu bem mais precioso, por mais que mantivesse minhas
garras escondidas.
Tento prestar atenção no trânsito, já sentindo o ar
quente daquela onda de calor que assolava Londres,
conseguia ver a bandeira do Brasil despontando à frente.
Tive muita sorte em ter uma prova com um professor de
Oxford na banca para trabalhar num dos melhores jornais
do Reino Unido e ser editor chefe foi um cargo de poucos
meses em que eu estava empenhado a fazer tudo dar
certo.
Momentaneamente me perco no dia que saiu a
minha nomeação para o cargo e um sorriso imbecil
estampa minha boca, pensando que talvez Lily... não,
não... esqueça isso!
Meu professor... sim, ele acreditava no meu
potencial, trabalhando como um camelo, é verdade, mas o
salário não era ruim e o prestígio era muito bom. Girei o
volante e dei uma olhada no retrovisor; eu estava abatido,
mas não tinha nada a ver com Lily, a companhia da menina
me animava, animava demais.
— Ela pode ficar em casa, não atrapalha — não
sei quanto tempo eu deixei de responder, pois, as
memórias tinham me tirado dali como num nocaute. — Ela
anda estudando e se alimentando direito, enfim, tudo está
certo... eu sei que a gente não se fala muito, mas eu vou
ajudar vocês nesse momento.
Ele agradece, exageradamente, na minha opinião,
e desliga o telefone, eu vou esterçando o carro para a
direita, dando seta, me lembrando como os primeiros
meses dirigindo “ao contrário” nas ruas de Londres, quase
me fizeram pirar... Diferentemente do Brasil, aqui o assento
do volante e o trânsito é pela esquerda, Lily, quando tirasse
a carteira, certamente iria se acostumar mais rápido do que
eu.
O pensamento obsceno de pensar que ela poderia
manear outro tipo de freio de mão e volante vieram como
um raio... tive que balançar minha cabeça... No
estacionamento direcionado a mim, eu não aguentei, cerrei
meus punhos e desferi contra o volante:
— Saia dos meus pensamentos... POR FAVOR...
— eu quis chorar, além daquilo não ser certo, que desculpa
eu poderia dar a eles? Minha família tinha confiado em
mim, caralho... sinto uma pontada na minha virilha...
— Não... não... eu não vou fazer isso... lutei contra
isso quase um mês... — senti como uma lava de um vulcão
queimar meus olhos... e meu pau... eu estava
excitadíssimo, pensar em Lily tomando banho,
cantarolando qualquer música clássica, me apresentando
algum passo novo de dança, ou, simplesmente aquele
cheiro de final da adolescência invadindo minha narina de
manhã quando ela pegava cookies e os seios.. ah! Tão
pequenos, tão harmônicos, deveriam ser saboreados como
a uma fruta, um pêssego, o cheiro, o rosa, o sabor, o bico...
vejo que gozei na minha mão e sinto que há anos não tinha
gozado tanto... ah, minha sugar baby, seu gosto já está
impresso nos meus sentidos mais obscuros...

O trabalho havia sido exaustivo, como sempre


desde a chegada de Lilly, e, além de tudo, trouxe papeis e
mais papeis para casa, havia jantado com Judy, para
discutir algumas pautas, ela é uma amiga colorida de
profissão, que insistiu em dormir comigo, mas eu estava
exausto.
Além disso, dali poucos dias Lily começaria na
academia e seria importante eu levá-la, desculpa
esfarrapada, eu sei, mas já que eu tinha prometido... a
ideia de cair fora daquele apartamento e abandoná-la ainda
passava pela minha cabeça!
Chego pé ante pé, ainda envergonhado por ter me
masturbado pensando nela, me sinto uma merda homem...
um imbecil de tio, o piso de taco esquenta meus pés
quando eu adentro o lugar, graças a calefação do
condomínio que era muito boa, ainda tive que ser educado
com uns vizinhos, ajudando uma das moradoras a levar
algumas compras.
Geralmente não sou tão sociável.
Meu negócio são os furos, de preferência atrás da
minha bancada, ou com a burocracia que alguns achariam
tediosa, mas eu preferia do que encarar o mundo aí fora...
fecho a porta atrás de mim, já me recriminando por ter
faltado à academia tantas vezes, o que a vizinha tinha nas
sacolas? Chumbo?
Minha meia vai deslizando, meus sapatos nas
mãos, estou louco por um banho, pra trocar de roupa, jogar
essa cueca amaldiçoada fora e relaxar... talvez ver um
filme, talvez estudar a papelada ou simplesmente tomar um
pouco de gim e dormir... quem sabe me embriagando eu
não esqueceria a insanidade da minha outra cabeça.
Até que vejo uma luz opaca vindo do quarto dela...
caminho lentamente, quem sabe ela não teria esquecido de
desligar o laptop ou dormiu com a televisão acesa? Vou pé
ante pé, com mais cuidado ainda, mal respirando... não
queria vê-la... não hoje...
Me sinto um prisioneiro na minha própria casa, um
fugitivo que sabe muito bem, muuuito bem as leis que
infringiu... Respiro tão fundo que chega a arder meus
pulmões, pedindo perdão a qualquer coisa que fosse por
ter desejado essa menina no aeroporto, poucas semanas
atrás.
Até que ouço uns... murmúrios?
Ela estaria conversando com a avó ou o pai uma
hora dessas?
Faço alguns cálculos mentais pra saber o horário
que seria no Brasil... já que aqui passa das onze da noite,
ou na Itália... geralmente esse horário ela estava ferrada no
sono... ouço de novo...
— Hmmm... ahhh... ahhh...
Um sorriso extremamente safado escapa dos
meus lábios... era maior do que eu, eu juro... eu juro... vou
me esgueirando pelas paredes de modo soturno, já de pau
duro... ela estava... sim... ela estava se masturbando...
Engulo em seco.
Espio.
O lençol até metade da coxa grossa, de bruços,
uma mão apertando com vontade o travesseiro e a outra
na sua.... na sua buceta gostosa, quente e molhada... em
que ela pensava? Ou... em quem? Algum namoradinho no
Brasil?
Não posso deixar de pensar que o sujeito a
perdeu... ela está aqui, e isso me dá uma satisfação
grotesca, eu sei, mas uma sensação de posse, nem os
pais dela estavam tão perto quanto eu... e, provavelmente,
nunca tinham visto essa cena linda.
Ela se apoia numa mão, os músculos da bunda, da
coxa se contraindo ferozmente, a cama rangendo um
pouco, ela deveria estar se segurando há um bom tempo...
vejo seu rosto se iluminar um pouco pelo abajur aceso...
ah! Lily... regra número um... nunca deixe nada aceso, e
sempre confira bem a porta.
Ela resvala desejo em todo o seu ser...
Os cabelos revoltos, lindos, em ondas trêmulas, os
gemidos mais alto... múrmuros, a bunda vai e desce ao
ritmo que os dedos impõem, a boca só um pouco aberta,
sua segurança em achar que eu não ia chegar a tempo já a
deixa à vontade o suficiente... não é?
Quantas vezes ela se masturbou enquanto eu não
estava?
— Hmmm! — ela geme, dessa vez mordendo o
lençol e virando a cabeça para o lado, trêmula, satisfeita...
eu deveria sair dali, aquilo já iria render muito à minha
imaginação doente, o meu lado mais primitivo me
alcançava, eu deveria ir até a porta e a fechar com força,
para que ela parasse, mas eu não consigo me mexer, acho
que nem estou respirando...
Percebendo que fiquei ali acariciando minhas
bolas, ela suspira uma última vez e se levanta, aqueles
seios que caberiam em minha boca sendo alisados, ela se
veste lentamente com um baby doll e um cardigan, deslizo
pelo mesmo lugar que vim, sem fazer barulho.
Saio do apartamento para entrar de novo, como se
tivesse chegado nesse momento, ela acharia uma
coincidência e eu acreditaria na ingenuidade dos seus
dezenove anos.
Capítulo 4: Lily

Primeira semana de aula!


Eu estava completamente extasiada!
Mexia no meu Instagram para poder postar as
últimas novidades e dar uma olhada no número de
seguidores: 37k! Prometo uma live quando bater os 40,
quando recebo uma mensagem de Yuri.
Ele.
Meu pai e as fotos nas redes sociais não eram
justos com o gato que ele é! Claro que eu fucei Facebook,
Instagram, Pinterest e Tumblr pra achá-lo, mas nada muito
além de fotos em reuniões chatas e referências a artigos,
revistas e jornais, alguns prêmios e um mestrado e
doutorado em “Hoolingans e a subversão da adolescência
no Reino Unido”, meu pai não cansava de elogiá-lo, até eu
ficar tão curiosa e querer saber cada vez mais.
— Ele foi o único da família que deu certo Lily,
além de morar na Europa tem estudo, sabe? Se você
realmente quer ser bailarina tem que ir pra lá... — ele me
dizia mais de uma vez.
Coloco o fone de ouvido, abrindo a tampa do gloss
que estava no bolso de trás da minha calça jeans, e sinto o
sabor do meu suor e do tutti-frutti , vestindo uma blusa da
Royal que eu ganhei no dia da matrícula, moletom de
capuz, estava suada pelo treino e não queria pegar
nenhum resfriado, hoje não estava mais tão calor e o céu
nublado não ajudaria se eu desse mole.
Minha mochila pink de bailarinas escorregava para
um ombro e contava com um caderno para anotações das
aulas teóricas da “História da dança”, meu laptop, minhas
sapatilhas, minha roupa de dança, algumas casuais
enterradas no fundo, um extenso formulário da bolsa de
estudos e outro caderno de coreografias.
Eu queria apresentar uma versão da Catarina
Barbosa do programa português “Dança comigo”, como a
audição de final de ano, para ser aceita em outras danças
e começar a receber dinheiro com essa profissão, preciso
dar certo... ser alguém...
Enquanto pensava nisso, ouvia Bach e ia mexendo
meus braços na quinta e segunda posições, tentando
reproduzir o treino de pouco tempo atrás.
A Royal Academy, pelo lado de fora tem uma linda
passarela, com pisos parecidos com paralelepípedos,
rústicos, mas não fazem mais mal aos meus pés, a ponte
iluminada, feita em vidro, que liga salas a outras, me
lembram Hogwarts, parece mesmo que tô num mundo
encantado, me emociono ouvindo “Cello Suite nº 1 em Dó
maior”, que os violoncelistas tocaram... música ao vivo para
as nossas aulas, deixo escapar uma lágrima, eu também
seria um membro da família a “dar certo?”.
Fecho os olhos e parece que me vejo em uma
apresentação, todos ali, meus pais, meu irmão mais novo,
minha avó, meu avô e ... meu tio... Yuri, com um smoking
bem chique, nada me preparou para ver Yuri Farias
Davies, irmão do meu pai, jornalista, mestre, doutor e
editor chefe da Daily Mail, meu tio... ele era tão bonito e
estava me dando tanta atenção, parecia que eu o conhecia
desde sempre.
Decido não ir de Uber pro apartamento, quero dar
uma olhada nos famosos ônibus de dois andares, andar
um pouco sem destino, me sinto ansiosa quando recebo
mensagens dele, meu coração acelera, minhas pernas
tremem, o que há comigo?
Pego o ônibus, já com o troco certo, até que vejo
um garoto: cabelos espetados, azuis, piercings no rosto,
tatuagens nas mãos, ele sorri pra mim, mas eu me enfio
mais ainda no capuz, quando ele diz:
— Saindo da Royal Academy? — seu sotaque é
bem forte, parecia escocês, afirmo um “sim” com a cabeça,
ele prossegue:
— Vi seu moletom... quer sentar? — não são os
espinhos da... hm... coleira?, que ele usa no pescoço que
me afugenta, mas o olhar... o ônibus estava meio cheio,
mas ainda tinham acentos livres, longe dele, que com as
pesadas botinas dá um passo para o lado, batendo com a
mão ao seu lado.
Observo que ele tem tatuagens no pescoço, me
encolho, segurando meu material, meio sem saída e aceito
a oferta, dizendo um tímido “obrigada”, puxando a mochila
e colocando sobre meu colo, o fone já havia caído pelos
meus ombros, ele sorri e tenta puxar assunto:
— Então... saindo da aula de balé?
Afirmo com a cabeça, como eu era bicho do mato!
Mesmo morando na grande São Paulo minha vida inteira,
ainda tinha esses preconceitos? Qual é, Lily... não é a
primeira vez que vê um punk, ele não vai te morder,
relaxa...
— Minha primeira semana... — completo, ele
arqueia a sobrancelha, intrigado, ri, passando a mão na
barba rala, observo que até em seu septo há um alargador,
ele puxa a carteira do bolso da calça larga atrelada a uma
corrente.
— Primeira semana em Londres também? — ele
puxa um cigarro de... de... maconha? Aquilo era permitido?
Eu gelo... não queria encrenca, meu coração acelera
rápido, olho para os lados inquieta... ele não iria acender
aquilo ali no ônibus, iria?
— Hãn... já tô há um mês aqui... mas, as aulas
começaram agora, assim que o curso de verão chegou ao
fim...
Ele bate a ponta do cigarro na calça rasgada, eu
queria que Yuri aparecesse ali, eu estava com medo, me
achando ridícula por ter querido pegar um ônibus sozinha,
mas ao mesmo tempo, culpada por julgar o garoto.
— Uau! Um mês, hein? E como foi parar na Royal
Academy? Audição? — ele completa, não sei se quero que
fique calado, concentrado em seu baseado, ou se apenas
vá embora e me deixe com a culpa de ser preconceituosa
com seu estilo particular.
Socorro!
Respiro fundo tentando me concentrar no
caminho, as ruas amplas e limpas, já próxima ao parque de
St John’s Wood, onde ficava o conjunto de apartamentos
de Yuri. Eu me levanto, não me importo de andar um
pouco, o tempo estava para chuva e só preciso me afastar
dele para esconder meu celular... não que eu achasse que
aquele celular velho valesse alguma coisa, mas... não sei,
me sinto mal perto desse rapaz.
— Foi... foi em uma audição... — tento sorrir, ele
parece perceber que seu estilo é incômodo e alarga o
sorriso, aí eu vejo que sua língua é bifurcada, por aqueles
procedimentos cirúrgicos.
Ele vê que eu olho e retruca:
— Incomodo?
Eu meneio imediatamente um “não”, mas devo
estar tão assustada e com os olhos tão arregalados para
cima dele, que dando de ombros e pegando um celular
muito mais caro que o meu, parece responder alguém, até
que ele retruca:
— Pelo menos não sou uma pirralha com sonhos
estúpidos... — ele abre as pernas, ficando por toda a
extensão do acento, eu fico reticente... meio incrédula.
Que desnecessário!
Passam mil coisas pela minha cabeça, estremeço
e saio dali o mais rápido possível, quando vejo um bando
de garotos mais ou menos no estilo do outro, que sobem
no ônibus fazendo um auê daqueles... ele aponta para mim
e eles caem na gargalhada... volto a colocar os fones de
ouvido, colocando o capuz e seguindo à pé.
Não sei bem o porquê.
Não entendo bem o que ele quis dizer.
Só sei que quero ir para casa, abraçar meu
travesseiro e aproveitar um pouco da sexta-feira cinzenta
londrina.
Aperto o passo quando as primeiras gotas caem,
engulo o chiclete, quando chego aos pés do apartamento
bonito que meu tio mora... só falta uns toques femininos eu
estava louca pra fazer amizades...
Dou um “oi” tímido pro porteiro e corro para o
elevador, espaçoso, pisos brancos e limpos, cheio de
espelhos, parecia um palácio.
— Eu tenho que dar certo, não posso pensar que é
um sonho estúpido... — falo baixo pra mim mesma,
mordendo meu lábio inferior, sentindo uma casquinha
soltar. Meus ossos doem, meus músculos estão duros e
tensos, ainda bem que tinha uma banheira no apartamento,
balanço um pouco meu corpo para manter o aquecimento.
Assim que eu abro a porta, Yuri fala ao telefone,
ele está diferente, arrumado, uma blusa de malha fria, os
músculos sobressaltados marcando a roupa, sua barba
cerrada, clara, assim como seus olhos.
“Seus olhos, Lily, são parecidos com os do meu
irmão.” dizia meu pai, agora eu não vejo semelhança, mas
vejo familiaridade, seus lábios largos, masculinos, mãos
grandes, pele bonita, ele era bem novo... trinta e poucos
anos, né? O jovem adulto da minha família que deu certo...
ainda é solteiro!?
O que você está pensando, Lily?
Ele me encara, preocupado, eu deveria estar com
uma cara de imbecil na frente dele, abaixo minha cabeça,
ele se aproxima, mas para, ainda com o celular na mão.
Que encontro mais desajeitado e estranho.
Tudo que eu queria era fazer um Ovomaltine com
leite e comer cookies, mas sem ele ali...
Por que aquele dia não poderia ser normal? Vejo
meu celular e observo que tem duas mensagens perdidas
dele, uma era: Vai demorar? e a outra Seu pai está
preocupado.
Me envergonho de não ter olhado antes, mas...
mas... chega!
Corro para o banheiro, meu coração na garganta,
arranhando, arrasado, terrível, desço as costas pela porta,
abraçando meus joelhos, chorando forte, Yuri era um
homem lindo, tinha dado certo na vida e eu era o quê?
Uma pirralha com sonhos estúpidos...
— Lily, tudo bem? — ele pergunta, batendo
delicadamente na porta, eu me levanto, a abrindo, secando
as lágrimas que ardem meus olhos.
— Tudo... só... só cansada, primeira semana...
Ele me observa, acho que quer perguntar se eu tô
chorando, mas se limita a sorrir, os cabelos meio
bagunçados numa cor meio clara, a pele bonita, lisinha,
diferentemente do meu pai que trabalhou no sol durante
tantos anos.
Yuri tem um corpo atlético... um jeito sedutor de
passar a mão pelo queixo, muito, muito bonito.
— Eu fechei a semana com uma matéria bem
bacana sobre folclore... — ele diz pausadamente, olhando
para o guarda-roupas, acho que checando pra ver se o
quarto estava em ordem. Ele continua. — Pensei em ir num
pub com três amigos, que tal ir junto?
Eu me animo imediatamente!
Quero... quero sim! Quero muito... já tinha
imaginado um vestidinho com manga de gatinho lindo pra
eu ir, poderia postar no insta e esquecer o que aquele
babaca do ônibus falou.... eu iria dar certo!
Me ilumino ao ver que ele sorri pra mim.
— Quero! — exclamo mais alto do que imagino,
não segurando a onda e o abraçando, sentindo o cheiro
amadeirado do perfume dele e eu toda suada, molhada de
pingos de chuva, mas feliz de, pelo menos, um pouco,
fazer parte de seus planos.
Capítulo 5: Lily

Termino de fazer a volta do gatinho com o pincel


delineador nos olhos, quando meu pai me liga, eu tinha
tomado um banho demorado e meu cabelo ainda molhado
enrolado na toalha.
— Filha, onde você estava? Eu fiquei preocupado.
Sua avó quer te ver, vou ligar a câmera, chama o Yuri que
ela quer ver ele também.
Passo um gloss e o chamo, tendo o cuidado de
tirar o cabelo molhado da tolha sem tocar na maquiagem.
— Yuriii... meu pai quer falar com você... a vó está
no telefone também... — volto minha atenção para o
celular, para ligar a câmera.
— Está chamando o seu tio pelo nome, menina?
Cadê o respeito? — comenta meu pai, já no vídeo e eu não
sabia que teria todas essas formalidades.
Minha vó salva a situação, colocando a carinha no
vídeo e empurrando meu pai:
— Para de ser tonto, Ricardo, deixa os dois! Cadê
o Yuri, Lily? — A vó estava com bobs, seu rosto bondoso
me aliviando o espírito, quando Yuri aparece atrás de mim,
colocando seu rosto perto do meu para se enquadrar na
câmera... vejo como ele é alto, seus músculos passando
por mim, me arrepiam... aquele perfume novamente nas
minhas narinas, me excitando...
— Oiii, meu filho... — fala minha avó um pouco
emocionada, noto que Yuri fica meio... não sei...
constrangido?, em falar com a minha vó e com meu pai.
— Oi, mãe... oi, Ricardo...
Eu os deixo e vou pegar minha bolsinha, rolo os
olhos com meu pai dizendo para eu usar o cartão que ele
me deu, porque não quer que eu dê prejuízo ao meu tio,
minha avó tenta me defender de novo, aí minha mãe me
manda mensagem, me alertando que domingo é
aniversário do meu irmãozinho com meu padrasto italiano.
Aquilo estava virando “Casos de família?”
Minha mãe manda mensagens frenéticas ao meu
pai, inquieta, dizendo que também quer falar comigo e que
meu pai atrapalhava, tudo estava um caos! Eu coro,
envergonhada, até que ela faz chamada de vídeo no
celular dele, minha mãe diz:
— Lily, com seu pai e sua avó você tem tempo, pra
mim e pro Gean Luca não, né? — ouço meu irmãozinho
berrando, dizendo que sente minha falta, eu tento me
explicar:
— Meu pai ligou agora, mãe... Oiii, Gean, tudo
bem, piccolino?
Ele mistura o italiano e o português, empolgado,
dizendo que o aniversário dele de dez anos estava
chegando... ele era meio mimado, na verdade, muito
mimado... E posso entender o sentimento do meu tio com
relação ao meu pai.
Gean Luca era dez anos mais novo que eu; meu
pai e Yuri, quase vinte anos de diferença... Yuri tinha dado
certo e eu... pelos cálculos, não... pela lógica, os segundos
filhos davam certo na vida, não é?
Logo meu pai e minha mãe começam a brigar e
minha avó e Gean Luca saem da conversa, eu digo que
vou sair com Yuri, meu pai e minha mãe vão continuar a
briga depois, com certeza!
Eu desligo o telefone, pensando naquela confusão
toda, já meio acostumada com aquilo, Yuri me olha,
esfregando as mãos.
— Bom, vamos? — ele pega a minha bolsinha e
escorre a mão direita pelas minhas costas, eu me olho uma
última vez no espelho, mas o que quero ver é aquele
homem lindo me tocando.

O pub era bem típico inglês: o chão com um tapete


com triângulos pretos e vermelhos, banquinhos altos, tudo
em madeira, os garçons ouriçados indo e vindo com
bebidas, para mim, diferentes, lustre que deixa o ambiente
requintado, mas com carinha de um lugar íntimo, sabe?
Além daqueles barris de chope.
Estava lotado!
A chuva não tinha dado trégua, o que fez com que
Yuri, depois de ter estacionado o carro, voltasse suas mãos
para minha cintura, me apressando para não pegar chuva,
todo aquele cuidado comigo não ajudava na minha
fascinação por ele.
Pelas janelas grandes e molhadas pela chuva, os
amigos de Yuri estavam sentados naquelas poltronas
embutidas em L de cor caramelo, fofas e convidativas, bem
típicas de programas que vemos na televisão ou nos
filmes, entramos e logo ele me diz onde os amigos
estavam.
Em uma dessas poltronas confortáveis!
Mesmo com o barulho a voz de Yuri saia clara e
limpa, ao me apresentar seus amigos:
— Lily, esse é Moacir, ele é brasileiro também e o
jornalista mais competente que temos lá na Daily... — eu o
cumprimento com um aperto de mão.
— Ela é linda... poderia passar por 21 facilmente,
assim pode entrar em pubs sem o mala do seu tio... Lily,
convença seu tio a ir aos telejornais. Estou com um super
feeling que um dia ele possa virar âncora...
Não entendo muito bem o que aquilo queria dizer,
mas fico feliz que fale que eu posso passar por 21, sorrio,
confiante, quando sou apresentada ao segundo amigo,
notoriamente mais novo, porém com generosas entradas
nos cabelos.
— Vou pensar no assunto, Moa... — responde Yuri
alegre, quando me apresenta a esse segundo, ele sorria,
estava tão bonito... alegre, aquela era sua rotina às sextas?
— Esse é o Carl, Lily... Carl, o careca... — eu rio,
ao passo que Carl comenta que vai matá-lo e que esse
apelido já tinha pegado por todo o jornal.
— Seu tio é um babaca! Se quiser, pode ficar na
minha casa... — todos riem animados, inclusive eu, que
vou me ajeitando ao lado de Yuri, percebendo a moça à
minha frente, amiga dele também?
Me dá uma ponta de ... ciúmes? Não sei... ela o
olha diferente.
Os cabelos compridos, ondulados, morena, olhos
bem azuis, um vestidinho vermelho, provocante, bem
maquiada... olho para o meu... de gatinhos! Lily, onde
estava com a cabeça de sair com vestido de gatinho?
Parece que ela me olha triunfante... não gostei dela!
Não gostei mesmo.
— Lily, por último e não menos importante, essa é
a Judy, meu braço direito...
Tenho que dar beijinho nela? Me contenho em
estender a mão e apertá-la, cordialmente, sem tantos
sorrisos... ela comenta:
— As damas deveriam ser apresentadas primeiro,
Yuri... e, como ela é linda! Tem seus olhos... — minha
vontade é mostrar como é a minha língua!
Ela diz que foi bailarina quando criança, aquele
papinho de querer puxar assunto, não gostei dela e ponto,
Yuri se senta ao meu lado e pede um chope, ela também, e
para mim, suco!
Que droga!
O assunto se envereda para o balé e se tem algo
que eu domine é isso, falo dos passos que aprendi essa
semana, do cansaço, dos ensaios, até que chega um caldo
de peixe, uma delícia! E peço para tomar um gole de
chope, que Yuri deixa... eu a olho triunfante!
A música estava animada, o chat agradável e eu
sinto que ele me olha... se preocupa.
— Yuri, e o caso dos O’Neil? Vamos fazer plantão
em frente ao tribunal pra saber o que vai acontecer com o
pai do hooliganzinho?
Ele me olha, limpando com o dedo uma gota de
suco que tinha ficado nos meus lábios, sinto que suas
mãos vão um pouco além e fazem um carinho em minha
bochecha.
Ou imaginava coisas? Parece que há borboletas
no meu estômago e elas voam feito loucas até meu
coração... quero beijá-lo... afinal, ele não era tãããooo meu
tio assim... meio tio? Meio sangue? Tipo... bruxos de
Hogwarts, tinham os bruxos e os meio bruxos, me
concentro no carinho... quero que esse momento dure um
milhão de anos.
A piano sonata número 12 de Mozart seria perfeita
para esse momento... eu mentalizo, esquecendo o rock
que toca... só quero fechar meus olhos e pensar naquele
toque, como se ninguém mais estivesse ali... nem aquela
Judy, certeza que está a fim dele, mas quem mora na
mesma casa sou eu.
— A noite está sendo muito agradável, mas
preciso ir... — acho que aquela foi a melhor notícia da
noite, não escondo um sorriso, dizendo “prazer em te
conhecer” pra tal da Judy, mas, nada seria tão bom, não é?
Ela pede para que Yuri a acompanhe até o carro...
eu gelo... eles tinham alguma coisa? Ela era a crush dele
ou algo do tipo?
Carl e Moacir me distraem, perguntando sobre a
profissão de bailarina, quais minhas influências e como eu
pretendia seguir a carreira, eles eram divertidos, animados,
deixaram eu provar um pouco de gim, que era amargo,
horrível, voltei pro suco mesmo... E tomei aquele caldo com
uma fome deliciosa.
Conversei com eles sobre balé, livros, música e
fiquei observando os quadros rústicos, a chuva, uma certa
melancolia me atingiu... por que Yuri estava demorando
tanto?
Capítulo 6: Yuri

Judy me prensa contra seu sedan molhado, a


chuva fina e constante nos deixando gelados, molhados
como o beijo dela, o vento trazendo gotas raivosas, ainda
bem... meu corpo estava em brasas, quase totalmente
acesas... Lily estava uma boneca com aquela roupa, um
cheirinho de tutti-frutti nos cabelos...
Mas, estava concentrado em Judy... e seu apetite
voraz por sexo, ela me observa, faminta me puxando ao
seu encontro, investindo sobre mim, me dando outro beijo
lascivo, quente, lambendo meu queixo devagar, só com a
ponta de sua língua, com a mão direita vai passando a mão
pelo meu pau duro.
— Não trouxe nenhuma surpresa, Yuri? — ela
sabia que eu gostava dessas coisas, mas eu improvisava
bem, tirei o cinto da minha calça e lhe dei batidas leves na
bunda bem no meio do estacionamento!
Peguei sua cintura, dessa vez, eu a apoiando no
carro, sentindo aquele corpo gostoso contra o meu, ela
estava ávida, enroscando as pernas em mim, começando a
murmurar palavrões...
Aquilo me excitava.
Mas, queria ficar com olhos abertos, queria transar
com ela... e não com o fantasma que Lily representava aos
meus sentidos... ela aperta meus ombros, se virando e
mordendo o cinto, deslizando o quadril pela minha barriga,
eu a apoio com mais força contra o carro e deixo a calça
cair, a penetrando em seguida, ela geme, colocando a boca
no meu ombro. Pego o cinto e passo envolta de seu busto,
apertando seus seios, ela geme gostoso meu nome.
Ela sobe e desce, indo sozinha, minhas mãos só a
aparando... ela vai rápido, eu aproveito o cinto para
minhas mãos ficarem livres e apertar sua bunda gostosa,
até afundo minha língua em sua boca, tirando o cinto e
aperto com os dedos seus mamilos, seus sapatos batem
um no outro, quero aquela buceta mais apertada, meto
com mais força.
— Ahhh! Yu-Yuri... — desamarro , dobrando o
cinto e coloco em sua boca, para que morda, a deslizando
pela traseira do carro, a ajeitando de quatro, num ponto
cego, pelo menos eu esperava que fosse... sua buceta se
encaixa com mais força no meu pau e nós dois gememos
de prazer, ela rebola, rápida, precisa, como tantas vezes
havíamos feito dentro e fora do jornal... na calada da noite.
Aperto novamente seus seios, eu sei que ela
gosta, mas confesso que eu gostava muito mais, ela tem
umas reboladas brutas, famintas... Judy é uma mulher que
sabe muito bem o que deseja e quando ela dizia “me
come” eu obedecia... eu queria obedecer, embora eu fosse
o dono da criatividade com brinquedos.
Sinto que vou gozar, mas a imagem de Lily
percorre meus sentidos, não! Não! Me concentro abrindo
os olhos, vou lambendo suas costas, mordo sua bunda,
brinco com meu cacete, entrando e saindo, entrando e
saindo, aquela bela visão de Judy de quatro, nós dois
ainda mais gelados pela chuva fina, e um último estalar da
cinta em sua bunda.
— Goza! — ela manda, eu seguro sua cintura, e
começo a meter mais rápido, mais rápido, mais rápido!
Suspiro fundo... sentindo meu corpo estremecer de desejo
e acabo gozando... apertando seus seios, gozo forte e
intensamente... mal minha porra percorre pelas suas
pernas, quando ela se vira, pegando meu queixo e me dá
um beijo, já pronta para ir embora.
Mal nos despedimos, ela arruma meu cinto na
minha calça.
— Criativo... gostei... — ela sorri e eu retribuo o
sorriso, Judy, quando estava estressada, ou quando queria,
me procurava, éramos colegas coloridos, quando vim para
a Inglaterra, no meio da graduação depois... enfim, vim e
aprontei muito, até ela me resgatar e me colocar como
estagiário, redator, depois fiz o mestrado e peguei matérias
maiores e mais importantes nos jornais, até vir o
doutorado.
Ela sempre me apoiou, desde que eu a fizesse
gozar...
Eu não era nenhum moleque quando vim para cá
e ter uma mulher como a Judy era uma honra... ela era
linda, competente, mas nunca quis compromisso: nem eu.
Nisso concordávamos... nossa vida era o Daily
Mail.
Voltei para a mesa, molhado e quase uma hora
depois, Moacir e Carl desconfiavam, Lily conversava
animada com eles, queria que ela deixasse mais uma gota
de suco respingar pelos seus lábios...
Não, melhor não pensar nisso.
Ela olha no fundo dos meus olhos e comenta:
— Estava muito frio lá fora?
Não faz ideia Sugar, não faz ideia...

Acordo mais tarde naquele sábado chuvoso,


escuto barulhos na cozinha, em outras épocas isso me
tiraria do sério, mas um sorriso vem acompanhado da
certeza que não estava sozinho, e, isso, me deixava menos
ansioso.
Coloco a mão no rosto, me espreguiçando pelos
lençóis, quando ouço um tilintar tímido, seguido de um
bater na porta.
— Posso entrar?
A voz melódica de Lily me pega completamente
desprevenido, olho para o relógio do celular, não são nem
oito horas, sinto um cheiro gostoso de Waffles e
Ovomaltine?
Suspiro, me apoiando na cabeceira da cama, sem
camisa, puxo um pouco do edredom pra cima de mim,
tomando o cuidado de que só meus braços apareçam.
— Claro... pode entrar... — fico reticente, ela entra
com aquele baby dolzinho delicioso, marcando suas
curvas, e... porra, Lily! Sem sutiã... me concentro nos
waffles, ignorando a pontada dolorida no meio das minhas
pernas.
— Ainda bem que a calefação do seu apê é muito
boa... — ela comenta sentando em cima da minha cama e
espalhando farelos, Dolores e as faxineiras contratadas
pelo condomínio teriam trabalho durante a semana. — Eu
fiz sozinha... — ela empurra a mesinha, onde repousava
uma bandeja, não posso negar que ela fez certinho, puxo
um prato para mim, colocando o waffle, uma xícara de café
e comento:
— Tá muito bom... parabéns!
Não teria como Lily saber que eu não como nada
quando acordo, não tenho fome, um café preto, sem
açúcar é o suficiente, mas... ela fez tudo com tanto carinho
e estava tão orgulhosa, que eu domaria meu estômago
para comer o quanto fosse necessário para ver aquele
sorriso lindo.
— Vou improvisar algumas barras e pegar uns
espelhos... parece que eu tenho dever de casa... — ela
comenta com o olhar meio distante.
Caralho!
Eu não fazia a menor ideia de que tudo aquilo
fosse necessário.
— Só nesse final de semana. Vou mandar instalar
um mini estúdio no quarto de visitas... — prometo, já
pensando na bagunça que aquilo iria causar e puxando na
memória alguém apto a fazer o serviço.
Talvez pedisse a Carl, quando ela me encara com
aquele par de olhos grandes, expressivos, esverdeados,
com cílios longos e definidos naturalmente.
— Aquela moça... a Judy... ela é... hm... sua...
bem, ela é sua namorada? — sinto meu coração
desacelerar e respondo mais rápido do que gostaria,
deixando o edredom cair:
— Não! Não... não... ela é uma amiga de
trabalho... quando eu vim pra cá foi ela quem me ajudou,
sabe?
Vejo que seus olhos percorrem meu corpo,
enquanto ela saboreia o Waffle, impressão minha ou ela se
demora demais no meu abdômen?
Puta merda, sugar... não me olha assim... ou eu
não vou conseguir manter a compostura que há um mês eu
tento manter... não faz isso...
— Ela é meio chata... — comenta, bebendo
Ovomaltine com leite, minha reação instintiva é perguntar
se Judy falou alguma coisa que a ofendeu, ela balança
negativamente a cabeça, respirando fundo e deixando a
bandeja no meu colo, levantando-se, o mundo e meus
sentidos pertencem aquele rebolar até a porta, poderia
parar o tempo ali... bem ali...
Ela apoia a mão no batente da porta, esquivando-
se como uma sereia de um navio de pesca, movendo-se
suavemente pela superfície da parede, sem notar que ela
havia fisgado meus olhos, meus sentidos... eu estava
hipnotizado por ela.
— Eu acho que ela é a fim de você... — essa eu
não esperava... Judy dava bandeira, tanto que o próprio
Moacir e Carl já haviam comentado, mas eu sempre
tentava manter a discrição, tento sair pela tangente.
— Ela é apenas minha colega de trabalho, Lily...
agora, e você? Tem feito amizades na Royal?
Queria dizer amizade com meninos, ela volta
languidamente, resvalando sua sensualidade até minha
cama, ficando de bruços, apoiando as mãos no rosto e
mexendo as pernas, noto que seus pés estão machucados,
as unhas roídas, nenhum vestígio de maquiagem, os
cabelos ainda revoltos pela noite de sono.
Mas, ela não poderia estar mais perfeita nessa
simplicidade.
— Tem uma garota portuguesa, a Amanda, ela é
bem da hora... quer dizer... ela parece ser, nesse meio da
dança a competitividade é muito grande...
Eu concordo, tentando romper o magnetismo que
seu corpo naquela posição provoca ao ímã de meus olhos.
— Vai ter uma audição para ser solista no final do
ano, não? Já definiram a coreografia? —
Ela abaixa a cabeça, enfiando o rosto nas mãos,
suspirando...
— Ser solista nos primeiros anos é quase
impossível... Talvez eu consiga um pas de deux ou um pas
de quatre, só me recuso a ficar apenas no corpo de baile...
Puxo pela minha memória esses termos... solista é
a bailarina que dança sozinha no palco, o pas de deux,
quando dança com um bailarino, pas de quatre quando
dançam em quatro bailarinas e o corpo de baile é a
maioria, como se fossem, bem rusticamente explicado, os
figurantes.
Tento animá-la.
— Para um primeiro ano, Lily... um pas de quatre
não me parece ruim...
Ela ergue a cabeça, concordando, mas
acrescenta.
— Só que não é bem o que eu espero, né? Eu
também tenho que montar minha coreografia... — ela
replica com olhos esperançosos, eu sorrio,
involuntariamente, deixando a bandeja de lado:
— Sabia que eu já tive o privilégio de entrevistar a
Márcia Haydée?
Seus olhos se iluminam, estreitando um pouco
nossos laços, ela pega um travesseiro e senta mais perto
de mim, ela se posiciona em forma de borboleta e, com seu
alongamento invejável, recosta o queixo nas mãos,
alongando-se.
Esperando que eu contasse.
— Eu estava no primeiro ano de graduação... e
queria fazer uma matéria sobre as personalidades de São
Paulo, sua avó, minha mãe, já tentou ser chacrete, sabia?
Nossos olhos se encontraram e rimos... ela diz:
— Ela sempre me disse isso, desde criança... Ela
dizia que conheceu o Chacrinha e que ela só não foi pra
frente com a carreira por causa... — nosso riso é
interrompido, aquilo era um tabu na minha família...
— Porque ela engravidou do Ricardo... —
complementei, mas não queria que a aura de tristeza
ficasse na conversa, então, animadamente voltei a falar
sobre uma das grandes bailarinas do mundo, brasileira. —
Bom... a Márcia foi muito solícita... muito legal comigo e
com meus colegas de graduação... há um pôster dela na
sala principal da “São Paulo Academia de Dança”, aquela
imagem é linda...
—É O sonho de Dom Quixote... — ela lembra,
espertamente... — Aquela coreografia é maravilhosa... eu
sempre tentei imitar...
— Você vai longe, Lily...
Seu rosto inteiro sorri, ela se aproxima, deslizando
pelo edredom, aquilo me deixa... o que ela está fazendo?
Ela se move como um gatinho, manhosa e sedutoramente
perigosa, chegando perto do meu pescoço, todo meu corpo
se eriça, minha boca fica seca, não consigo me mexer...
em nada...
Ela enlaça os braços no meu pescoço e não posso
agradecer mais por ter um edredom largo entre meu pau e
aquele corpo, ela praticamente senta no meu colo, me
abraçando... meu coração acelera, aquele cheirinho de
tutti-frutti nos cabelos.
— Você acha mesmo que eu vou dar certo? — sua
pele é tão branca, parece porcelana com pequenas,
minúsculas sardinhas... tão linda... seus movimentos
delicados e a voz melódica, tento pensar em outra coisa...
na coisa em si: ela é minha sobrinha... pego
cuidadosamente seus braços, para encará-la, seus olhos
semicerrados... o que ela queria?
Me deixar louco?
Nossos corpos quentes, posso sentir a textura
deliciosa da sua pele, como um pêssego, realmente, tenho
toda a visão... aquele baby doll roçando em minha pele,
aquele cheiro de tutti-frutti dançando em meu olfato e
aquela quentura de jovem ascendendo meus sentidos mais
primitivos.
— Li...Lily... claro que vai... — a abraço, até ela me
olhar... aquele par de olhos pareciam desejar algo, mas
não... ela só estava encantada com o tio que morava no
exterior, ou aquilo era uma peça do destino... de extremo
mal gosto...
Vou saindo da cama, sem movimentos bruscos, já
bastava a protuberância incômoda no meio das minhas
pernas... até que ela se levanta num rompante e me puxa
para um beijo: ela teve a iniciativa de me beijar!
É indescritível a sensação de seus lábios nos
meus, por quais veredas eu tinha permitido que aquilo
acontecesse?
Tento empurrá-la, quero empurrá-la, mas não
consigo... ao invés disso a abraço, nossos lábios grudados
um no outro, ávidos, minha estatura, bem maior que ela,
permitindo que meus sentidos a contemplassem inteira.
— Yuri... — ela geme, baixinho... passando as
mãos pelo meu abdômen, aquele olhar estupidamente
sexy, aquelas mãos delicadas e certeiras... aquilo não iria
prestar, meu nome em sua voz de sereia... e por Deus, eu
iria me afogar em seus encantos?
Capítulo 7: Lily

Abro a boca devagar, querendo explorá-lo, minha


língua na dele, um beijo molhado, quente, intenso, cheio de
significados para mim.
Eu não tinha beijado muitos rapazes, mas, com
certeza, o beijo dele era incomparável, perfeito... ele era
inteiro perfeição... quero senti-lo... sinto os shorts do meu
baby doll umedecer aos poucos.
Aqueles braços fortes me envolvendo, o cheiro
amadeirado da manhã, o gostinho de Waffle e café, me
cobrindo por todo meu corpo, minhas pernas, sempre tão
firmes em movimentos, chegam a bambear, quero mais...
quero que a minha primeira vez seja com ele.
— Não! NÃO! Lily... isso é... meu Deus... isso é tão
errado... — ele me afasta de modo abrupto... procuro seus
olhos, tento passar as costas das minhas mãos em seu
rosto tão lindo, dizendo que está tudo bem, ele segura
minhas mãos, delicadamente, mas certeiro. — Eu... eu sou
seu tio... — ele diz, resignado, a voz falhando aos
pouquinhos... eu dou alguns passos para trás, encho meu
peito, tentando ser razoável.
— E daí que você é meu tio? — replico, tentando
manter contato visual, ele está com os olhos marejados de
lágrimas e... decepção? Será que eu imaginei as coisas?
Imaginei que ele estivesse a fim de mim?
— Meu Deus, menina... — ele coloca a mão entre
as sobrancelhas, noto que há um buraquinho na direita, um
buraquinho de piercing!
Tento me aproximar de novo, ele se senta na
cama, só aí vejo que ele, ele... ele está excitado? Sim, isso
me alivia... mostra que apenas ele ser meu tio que impede
a gente...
— Como você pode dizer “apenas”, Lily? Eu sou
mais velho, seus pais me confiaram você... além de ter os
laços sanguíneos, todo um tabu social, toda uma questão
histórica... você é minha sobrinha, parente... sangue do
meu sangue... — ele bate com a mão no antebraço,
tentando deixar explícito o que me diz... o local chega a
ficar vermelho.
Assim como seus olhos.
— Eu tô apaixonada por você! — digo num tom
mais alto que gostaria, logo me reteso... dando mais alguns
passos para trás, ele me olha surpreso, confuso, passando
as mãos pela barba rala.
— Apaixonada?! Você tem dezenove anos, Lily,
tudo nessa idade é mais intenso... você acha que está
apaixonada... — ele se levanta da cama, dando uns passos
em minha direção, eu não me mexo. — Lily, você está
encantada comigo, pelas coisas que o Ricardo fala... você
é minha sobrinha... tudo... tudo isso está te encantando —
ele movimenta as mãos, como estivesse englobando o
“tudo” a que se refere, parece que fala mais pra ele mesmo
do que para mim.
— Eu sei muito bem o que eu quero... — ouso
dizer, ele me olha espantado, com as pupilas dilatadas,
incrédulo, vejo que ele vai contra-argumentar, mas eu
inclino meu corpo para frente. — Você nem é meu tio
inteiro... você é meio tio... minha avó é sua mãe, mas o avô
Ciço não... então... fala que você não está a fim logo; é
mais honesto!
Termino quase sem voz, sorvendo o ar... cansada
mentalmente, querendo sair correndo dali, mas não
consigo correr... quero ver seu rosto, tocar sua pele, sentir
seu corpo... eu nunca senti isso por ninguém! Queria viver
tudo intensamente com ele.
— Que... que grande absurdo, Lily! Claro que eu
sou seu tio... não importa quem é seu avô! Eu te segurei no
colo...
— O médico também!
Ele cruza os braços, braços bem definidos, me
demoro olhando seu corpo, mordo meu lábio inferior, já
sentindo falta da sua boca na minha, querendo que
aquelas mãos passeassem por mim.
— Eu quero muito que você entenda meu lado...
— ele fala, pausado, como se falasse com uma imbecil,
bufo! Bufo mesmo! Bufo forte e rolo meus olhos nas
órbitas.
Tá...
Ele acha que tem lado...
— A gente pode não dar certo também, sabia? —
eu instigo e ele se demora, acho que não tinha pensado
nisso, emendo meu raciocínio: — Você não tá me pedindo
em casamento... nem tá jurando amor eterno... eu sou mais
nova, sou... sou sua sobrinha? Sou. Mas, e daí? Fora o
julgamento social o que te impede de me tocar?
Ele espera que eu continue, seu lábio se curva
num sorriso... eu vejo isso... ou eu quero ver isso? Meu
medo maior é ele pedir para que eu vá morar para os
alojamentos da Royal e fique longe dele... quero chorar,
quero gritar, mas o que eu recebo me surpreende, ele me
puxa para um abraço... apertado, deliciosamente sensual e
quente, aí percebo como estou fria... quando sinto a
quentura de seu corpo.
Quero beijá-lo.
Quero tocá-lo.
Quero quebrar os tabus sociais, mesmo sabendo
que isso possa me quebrar primeiro.
Permanecemos assim não sei por quanto tempo,
até ele beijar a minha testa, me afastando aos poucos:
— Não posso machucar você ou a minha família...
já basta eu ter ficado tanto tempo longe... eu quero cuidar
de você... — ele me afasta mais e aos poucos, eu seguro
sua mão, não quero que ele faça isso.
— Me dá uma chance... — eu digo, ele volta a sua
atenção pra mim, a respiração pesada, os movimentos
hesitantes, os lábios trêmulos, eu umedeço os meus, mas
quero umedecer, mesmo, nos dele.
— Sugar... como eu queria... como eu queria... —
acho que ele não percebe, mas já tinha me dando um
apelido?
Ah! Eu habitava a mente dele... tudo bem, não vou
forçá-lo, me afasto mais e beijo sua mão.
— Pensa que se não fosse os olhos alheios... a
gente poderia ter um dia a mais para se conhecer melhor.
— respondo, antes de sair do quarto, levando de modo
desastrado a bandeja, sem fechar a porta, ele fica lá,
olhando para mim, plantado...
Esse “mimimi” social é um saco... eu me lembro do
dia que minha mãe saiu de casa... agora ela tem essa
banca de mãe nota mil, mas ela me deixou para ir embora
em outro país atrás da felicidade dela, engravidou do Gean
Luca, enquanto meu pai trabalhava na loja feito um louco,
agora... quem era a sociedade para ditar por quem eu me
apaixonava?
Quero ser a sugar do Yuri...
Volto a dormir com o livro do Jacqui Greene Has
“Anatomia da dança” nas mãos, acho que li esse livro umas
três vezes e sempre me acrescenta algo novo, exercícios
de flexibilidade, saber mais sobre meus músculos e tônus,
além de ter algumas ilustrações bem legais para
desenvolvimento da dança em casa.
Meu coração está pequeno... vejo meu celular
algumas mensagens do meu pai, da minha mãe e de Gean
Luca e os respondo rapidamente, com vários emojis e
dizendo que tirei o final de semana para estudar.
Suspiro, deixando o celular se perder pelo
edredom, com a mão na cabeça, observo meu quarto: tons
pasteis, uma escrivaninha à minha esquerda com as
apostilas, livros e meu notebook, à minha esquerda um
armário embutido com espelhos, à frente um outro espelho,
estilo colonial com um tapete antiderrapante para que eu
pudesse me alongar e fazer alguns passos.
Me lembro que sonhei, brevemente, com Edgard
Degas, o pintor das bailarinas, mas ao invés dele o rosto
era de Yuri e eu, A pequena bailarina, a escultura de 1881
que tem réplicas aqui na Europa, mas a original está nos
Estados Unidos.
Bem, no sonho, eu o mantinha preso por uma
força invisível, o obrigava a me esculpir e a cada
movimento que ele fazia eu chamava uma plateia, ele
parava e eu o humilhava, o obrigando a terminar... eu sei
que há rumores sobrenaturais nessa escultura e eu sei que
esse sonho é maluco... mas, parece que a Pequena
Bailarina sorria para mim e eu para ela, nós duas
comungadas a acabar com a carreira do homem que nos
admirava.
Percebo que estou suada.
Vejo que ainda não comecei a trabalhar na minha
coreografia, no banheiro que eu tenho, no meu quarto, me
dou o direito de encher a banheira e raptar um pacote de
cookie com um copão de leite quente e Ovomaltine... não
vejo Yuri, talvez eu não queria vê-lo, ele que vá se
esquentar na cama da Judy...
Fo-da-se, né?
Jogo as guloseimas na minha cama e me preparo
para o banho, ainda encanada com o pesadelo que eu
tive... quem ele achava que era para dizer que meus
sentimentos eram... qual foi a palavra? Eu achava que
estava apaixonada, né?
Como se as pessoas tivessem controle sobre isso.
Jogo o baby doll para lavar e entro na água quente
da banheira, tentando relaxar, jogo uns sais de banho e
aproveito para me depilar, lavar meus cabelos, pensando
que assim que sair dali vou arrumar meu material para a
semana que iria se seguir, pensando concomitantemente
se vou assistir a um filme ou a uma série.
Tento não prestar atenção em barulhos externos.
Não quero pensar se ele está ou não com outra
mulher, esse momento tinha que ser para cuidar de mim e
dos meus estudos, a merda já estava feita mesmo, se ele
quisesse me expulsar do apartamento e me levar ao
alojamento, que, pelo menos, eu aproveitasse aquela
banheira mais uma vez.
Saio do banho quente, mas parece que sou
acometida por um frio estranho... é o medo. Quando eu
vejo um toque diferente no meu celular: é Amanda, minha
colega portuguesa.

Lily,
Aqui em casa vai ter uma festinha com umas
meninas do balé, a gente tava querendo se enturmar, acho
que vai ser perfeito!
Vai ser umas 20 horas!
Não precisa trazer nada.

Não queria ser infantil e não avisar Yuri que eu iria,


mesmo que eu tivesse muita vontade de sumir, então,
depois do meu banho e secar os cabelos, escolho uma
roupa de meia estação: calça jeans, meias bem quentes,
blusa de camurça, tênis, procuro por Yuri, mas não
encontro.
Mando uma mensagem dizendo onde vou,
endereço e número da Amanda, releio a mensagem, meu
coração palpitando... decido pegar os cookies para o
caminho e dispenso o Ovomaltine no armário, prometendo
que depois eu iria tomar com um leite bem quente!
Chamo o Uber para a casa da Amanda, que ela
deixou certinho na sua mensagem, e eu vou mesmo com
uma preguiça danada! Não queria sair de casa, queria
apenas curtir meu sábado com Netflix, Amazon Prime ou
HBOGo, mas eu precisava fazer um pouco de amizade.
Saio do apartamento devagar e chamo o elevador,
agradecendo por ter esquecido o gloss no bolso da calça,
olho o celular e o Uber está a caminho, assim que o
elevador chega, a inércia que aquele quadrado de ferro dá
ao se descolar é como me sinto perto de Yuri, aquele frio
na barriga.
Definitivamente: eu tô sim apaixonada.

O Uber não tem dificuldades em chegar na casa


da Amanda, ainda estamos no verão, mas as chuvas e o
tempo taciturno requerem um maior cuidado, por isso o
moletom, mas tinha o cuidado de escolher uma blusa de
alça de camurça por debaixo, uma bem bonitinha da loja do
meu pai.
Agradeço ao Uber, já fazendo as contas de quanto
eu gastei do cartão que meu pai me deu, minha mãe ficou
de me depositar uma mesada, já que ela recebia em euros,
todo dia dez, mas ela se esquecia e eu não gosto de
cobrar, então, meu pai me dava um dinheiro, e meu trauma
com o ônibus ainda permanecia.
Eu precisava, e, logo, fazer umas apresentações
de balé, talvez eu pudesse dar aula em academias
menores, enquanto eu esperava o sucesso... preciso dar
certo... meu sonho de ser uma grande bailarina... os
palcos, a plateia, os cumprimentos de braços e pernas, as
roupas... me perco horas nesse pensamento, mas são em
minutos que chegamos na casa da Amanda.
É uma casa bem bonita.
O jardim com aquelas moitas quadradas como
vemos em filmes e séries, o caminho até a porta ornada
com pedras grandes, sobrado, bem típico inglês, a
vizinhança parecendo ser calma e acolhedora, meto as
mãos nos bolsos do moletom, e caminho vagarosamente
até o interfone, dou um “tchau” ao Uber, confiro que ele me
deu cinco estrelas.
— Entra, Lily! — Amanda aparece sorrindo, em um
vestido rodado, me recrimino por não ter me arrumado
melhor, meu cabelo ainda está molhado, minha roupa meio
surrada e os meus pertences no bolso da frente do
moletom, ela vai me apresentando o pessoal, quando
descem da escada... ah!
Não acredito!
O punk do ônibus atracado com uma garota,
colega nossa do balé, eu puxo Amanda e pergunto:
— O que ele tá fazendo aqui? — ela olha para
quem estou dizendo, meio aturdida, em seguida sorri, me
puxando para mais perto e comenta:
— Ele entrou na academia na sexta... por decisão
judicial, acredita?
Eu me afasto, incrédula:
— Como assim? — fico piscando, várias vezes,
alguém coloca uma música alta e anuncia bebidas, mas eu
queria ouvir, não por fofoca, mas... ah! Ele iria implicar
comigo?
Vejo que ele se aproxima de mim com dois copos
cheios de cerveja, um ele estende para mim e o outro, ele
bebe de um gole só, Amanda muda de assunto e fica
paparicando outra colega nossa, brasileira, a Silvia.
O rapaz se vira para mim, ainda oferecendo a
bebida, estendendo mais o braço e eu pego, por educação,
não gosto muito de cerveja e, para ser sincera, não gosto
muito do jeito que ele me olha, fico enrolando com o copo
na mão, ele chega mais perto e diz:
— Olha, e não é que a menina do ônibus vem em
festas? — seu sotaque escocês, bonito, espalhando pelos
meus ouvidos, ele puxa uma cadeira, com o recosto à sua
frente, as pernas abertas e se senta.
Eu sento no sofá ali perto, meio perdida com tudo:
festa em casa, Amanda com as outras bailarinas discutindo
passos de dança e aquela multidão de jovens com roupas
curtas, uns usando até drogas... eu nunca tinha visto de
perto, me encolho, instintivamente.
— Veio a essa festa, mas parece não estar
ambientada a festas... — ele comenta, não precisava ser
um gênio pra ver que eu estava sobrando ali, deixo a
bebida em uma mesinha de centro e comento:
— E você parece ser o rei delas...
Ele emite uma sonora gargalhada, como se eu
tivesse contado uma piada digna de stand up, seus olhos
curiosos sobre mim, ignorando completamente a menina
com quem havia descido do andar superior.
— O que posso fazer se sei aproveitar a vida?
Vejo que na mão esquerda, em uma de suas
tatuagens, há uma palavra: “kill”, matar, em inglês. Quem
tatua “matar” em qualquer língua?
Fito a tatuagem tempo demais... ele percebe e
sorri de canto:
— Essa eu tatuei em homenagem a Kill Bill, o
filme... — até os dedos das mãos dele têm tatuagem, ele
aponta para o alargador em seu septo. — Comecei o
body modification com uns 16 anos... não parei mais...
Continuo calada, poxa, Lily, o rapaz era bacana...
para com esse preconceito tonto, dou um sorriso e digo:
— Queria tatuar sapatilhas... sabe? Talvez no
braço ou no tornozelo...
Ele para de sorrir, olhando algo no celular e em
seguida me olha sério, aproximando a cadeira de mim.
— Tupiniquins sabem o que é uma tatuagem bem
feita? Achei que o espanhol de vocês se limitava a chamar
macacos ou andar de cipó...
Eu... ouvi... eu ouvi certo?
Eu nunca soube como brigar em português, que
dirá em inglês, me levanto tremendo, ele se levanta
também, percebo nossas alturas, ele é forte... alto, bem
forte e bem alto, absurdamente forte e absurdamente alto!
— Isso é bem rude... — me limito a dizer, quando
alguém grita e se joga numa piscina aos fundos da casa.
Ele chega bem perto de mim, tendo que se curvar
para ficar na altura de meus olhos:
— Um país latino subdesenvolvido... o Brasil, não
é isso? Se fosse diferente por que iria vir à Inglaterra?
Eu engulo seco.
Eu tenho orgulho do meu país, vim para cá por
causa do balé, mas não quer dizer... enfim, não tenho que
me justificar, abro a boca e falo no melhor inglês que eu
posso:
— Seu sotaque é escocês! Então se aplica a você
também... pelo que me consta a Escócia foi submetida a
Inglaterra por anos... Só na revolução de 1688 vocês foram
considerados um reino quase livre.
— Que nerd! — ele ri mais uma vez, gargalha
mesmo! Na minha cara, vejo sua língua bifurcada e me
arrependo de estar ali... as batidas eletrônicas mais altas,
as pessoas se divertindo e eu ali, sofrendo xenofobia!
Reparo que estou trêmula de raiva!
Ahá! Então ele era mesmo da Escócia...
— A nerd ainda vai ter que me aturar nas
aulinhas de balé... sua infância no terceiro mundo deve ter
sido muito frustrante... — ele diz, chegando mais perto e
espalmando ambas as mãos na parede, me... encoxando!
— Por quanto você quer abrir essas suas coxas gostosas
pra mim?
Não penso duas vezes e estatelo um tapa na sua
cara!
Ele nem vira o rosto, mas abre caminho para que
eu passe, eu nem me despeço das pessoas, saio tão
atordoada na chuva, meu queixo tem a agitação física
descontrolável de ficar batendo os dentes, mas não é frio, é
raiva!
Quem aquele moleque pensava que era?
Ainda não queria ir pra casa e não quero gastar
com Uber, decido sair à esmo, sozinha, tudo parecia uma
boa opção, exceto aquela festa maldita e a casa de Yuri...
estou tão nervosa que nem sei o caminho que sigo, só vou
andando.
Ouço sons altos e estridentes de um metal pesado
atrás de mim, é o rapaz do ônibus com uma turminha num
carro:
— Olha, desculpa... — ele coloca o braço para
fora, os outros garotos rindo, uma agitação incômoda,
continuo andando.
— Vou pegar meu cipó e falar espanhol... —
ironizo, colocando as mãos nos bolsos do meu moletom e
andando mais rápido.
Estou apavorada, ele tinha sido um tremendo
imbecil! Mas, era um imbecil grande e com músculos!
— Hahaha... garota do ônibus... abra uma exceção
e entra no carro, eu te levo pra casa... — os meninos se
ouriçam mais, falam coisas que eu não entendo, deve ser
gíria ou algo assim;
Vejo à frente alguns ônibus passando, pessoas na
rua, pubs e movimento, bem... penso comigo, no meio das
pessoas ele não poderia me dar uma facada...
Acelero o passo, então, o maluco dá um cavalo de
pau, o barulho característico de rodas queimando em
asfalto e ele para com seus amigos, bem na minha frente,
ligando o farol e a chuva começando a me incomodar.
— ENTRA! — ele fala de modo imperativo, os
amigos também se calam.
Meu coração dá galopes no peito, fecho meus
punhos, ele quer fazer o que... exatamente? Me matar?
— Não! — digo, dando meia volta para casa da
Amanda, mas os amigos dele, três saem do carro.
— Darling, não vamos fazer nada que você não vá
sentir muito prazer em fazer... — diz um com os cabelos
raspados, o outro, com o olho tatuado de preto
complementa:
— Aposto que é quase zero quilômetros...
Eu me afasto mais, tentando lembrar de respirar,
engolindo em seco... o medo aumentando... o outro, que,
Deus... o rapaz não tinha nariz! Uma modificação extrema
do corpo... o rosto tatuado em caveira, replica:
— Olha... quatro a um, melhor que o seu sete a
um... a gente vai tentar pegar leve com você!
Nessa hora, o rapaz do ônibus acelera o carro, me
intimidando. Eu me afasto, claro, parecendo um bicho
acuado, ele diz:
— Vou te dar uma vantagem de um minuto...
corre... mas, corre bem... se eu te pegar, vai ser outra
história...
Mal ouço o que ele diz e os amigos caem na
gargalhada, enquanto começo a correr, corro com tanto
medo e com tanto afinco, que chego a sentir meu corpo
queimar, quero voltar pra casa da Amanda, quero muito...
meus braços se agitam junto ao meu corpo, começo a suar
frio, as gotas de chuva levam embora todo o frescor do
banho.
Eu deveria ter escolhido um filme de terror e não
viver um.
Capítulo 8: Yuri

Eu havia passado o dia na casa de Carl, cheguei


ensopado pela chuva, nervoso... ele me acolheu,
conversamos por horas... horas a fio...
Vi que ela tinha ido na casa de uma amiga, me
mandou até o endereço, ela merecia sair um pouco, com
as amigas, com pessoas da idade dela, talvez pudesse se
acalmar, pensar... refletir sobre seus sentimentos.
Carl, como sempre, grande amigo que era,
prometeu sigilo, depois de me aconselhar e eu me
lamentar para ele, decidi que era hora de ir embora, os
ingleses não gostam muito de ser pegos de surpresa, a
etiqueta mandava eu ligar antes e avisar, mas entre mim e
ele já não tinham tantas formalidades...
Cheguei em casa e estranhei a casa vazia, liguei
para ver se estava tudo ok e ela atendeu de pronto,
desesperada:
— POR FAVOR! Vem me buscar! Tem uns
meninos me seguindo...
Eu fico em alerta imediatamente... como assim? O
que tinha acontecido? Sem nem pensar e com o celular
ligado, corro com a chave na mão.
— Lily, fala comigo! LILY! — ouço barulho de carro
derrapando, tento acalmá-la, abrindo o GPS e correndo o
mais rápido que eu posso, minha garganta seca, meu
estômago revirado.
— Tô na casa da Amanda... mas, tô com medo...
— ela parece chorar e ouço meninas a consolando e
risadas, buzinas e barulho de rapazes... o que me deixa
ainda mais alerta, corro pelas escadas, checando a chave,
nem me ligo que tinha deixado a carteira em cima da mesa
da cozinha.
— Lily? Lily? — ela conversa com algumas
meninas, aparentando estar mais calma.
— Um garoto estava aqui... ele... não sei, eu
conheci ele no ônibus e hoje ele estava aqui, mas não sei...
não sei, acho que ofendi ele... de alguma maneira... —
ouço ela tomando água e penso: quando ela pegou
ônibus?
Seguro na garganta a bronca que quero dar, já no
carro e acelerando feito um doido para o endereço da tal
Amanda, tento acalmá-la, tento falar alguma coisa, mas
tudo me parece clichê e sem sentido.
Chego na casa da garota e observo uma
Lamborghini estilizada com os tais rapazes, todos com
body modification extremos.
Pera...
Eu sei de quem é aquela Lamborghini... é do filho
dos O’Neil, Tim J. O’Neil, casso pai e filho, o pai político,
envolvido até o pescoço em escândalos desde lavagem de
dinheiro até aliciamento de menor, e seu filhinho vândalo,
ou hoolingan, soube que ele tinha livrado a raba do menino
com um acordo judicial; eu estava atrás dele há tempos.
Agora seria o momento que eu queria: além dele ir
atrás de Lily, e eu queria saber essa história do ônibus,
agora estava praticando bullying?
Com o maior sangue frio que eu poderia ter no
momento, peguei minha câmera que eu sempre deixava
debaixo do banco, liguei e fui atrás deles, passos duros e
precisos.
— Sean O’Neil, eu sou Yuri Davies, editor chefe da
Daily Mail, você teria alguma coisa para dizer sobre o
acordo que seu pai, Tim J. O’Neil fez sobre seus recentes
atos de vandalismo em Edimburgo? Ou, sabe quando ele
estará disposto a conceder uma entrevista?
Eu miro a câmera, aquilo era uma coincidência tão
ridícula que duvido por momentos que possa ser real...
Estou atrás dos O’Neil há tempos... e o pai do menino era
um tremendo filha da puta, abandonou a mãe dele para se
casar com uma moça bem mais jovem, aliciada, inclusive.
Eles fugiam de mim como o diabo da água benta.
Ele me olha assustado, sabia quem eu era, os
amigos se amontoam no carro, batendo nele:
— Nada pra comentar, tamo vazando! Tamo
vazando!
Eu insisto, aproximando o zoom da câmera na
cara dele:
— A gente está ao vivo na minha página do Twitter
da Daily Mail... Mais de cinco milhões de inscritos, além do
nosso jornal online, que tem quase quinze milhões de
assinantes...
Sean me olha irritado, já sabendo que eu estava
na sua cola há um tempo, agradeço por ter as coisas mais
básicas do meu trabalho, Lily sai correndo da casa da
amiga e me abraça, estava suada, molhada pela chuva fina
que caia, com um cheiro doce de Ovomaltine.
— Cuidado com ele, Yuri... — ela afunda o rosto
no meu ombro, me fazendo sentir um misto de sentimos:
queria protegê-la e falhei.
Afago seus cabelos, dando um beijo no topo de
sua cabeça, ela me aperta.
— Essa pirralha é o que tua, Yuri? — reclama
Sean; eu já tinha entrevistado aqueles meninos, para o
meu doutorado, mas aquilo era novo... Sean O’Neil na
ganguezinha deles era novo e eu sem carteira, mas a
câmera na mão, eu queria bater na cara daquele
desgraçado... mas, principalmente do pai dele.
— Acho que as perguntas cabem a mim... Sean,
qual foi o acordo judicial? Se não me engano no seu carro
estão Josh, Terry e Stan, certo? Querem dar alguma
declaração? Acho que todos são maiores de idade, não
precisam de pais para permitir a entrevista, não é? Onde
está seu pai nesse momento, Sean? Sua mãe continua na
França depois do divórcio? Sua madrasta foi o pivô da
separação?
Inquiro, tentando acalmar minha respiração, eles
se entreolham, receosos... eles sabiam que eu tinha um
peso, um nome e que a imprensa toda iria ficar comigo, até
que eu dou a cartada final:
— Sean O’Neil, filho de Tim Jones O’Neil, e seus
amigos estavam praticando bullying no bairro Chiswick?
Lily não fala nada, apenas fica perto de mim, sinto
o úmido de seus olhos, Sean desce, finalmente do carro,
mesmo sob protestos de seus amigos... Ele coloca as
mãos na jaqueta de couro e espinhos incrustrados, se
arrumando, as botas pesadas vindo ao meu encontro,
mesmo com a chuva pingando em seu cabelo espetado.
— Não fiz nada... só tava zuando... queria assustar
a menina do ônibus... — ele diz, me dá um certo... certo...
certo... incômodo? Ciúmes, talvez... talvez? Não, não tinha
talvez... era ciúmes mesmo! Sei que parece posse, mas
enlaço Lily com meu braço em sua cintura fininha... a
respiração dela ainda descompassada e nervosa.
— Essa zueira pode ser encarada como bullying?
Acha que a juíza vai se incomodar com isso? Ou a situação
complicada do seu pai pode se agravar mais com esse
ato?
Ele parece mais nervoso, olha várias vezes para
Lily e para mim, os outros garotos não estavam mais tão
valentes assim...
— Eu não iria mesmo fazer nada... eu juro... só...
me desculpe; fui uma brincadeira inconsequente e tonta...
eu admito, ok? Só não sabia que ela tinha contato com
você... — ele enfia as mãos nos bolsos, dando de ombros,
é... não parecia mais tão valente assim. — Só me
desculpa... — ele insiste, olhando para trás e fazendo um
movimento que eu conhecia bem... mandando os amigos
calarem a boca.
Lily me aperta mais, puxando a minha manga,
pedindo pra irmos embora.
Eu o olho, de cima a baixo, e digo no inglês mais
puritano que eu poderia:
— NUNCA mais... nunca mais chegue perto dela,
Sean Louis O’Neil, espero que estejamos bem
entendidos...
Ele faz que “sim” com a cabeça, a chuva ainda
caindo fina e constante, as meninas lá fora, mas nenhuma
delas rindo, só perplexas com a cena, um jornalista dando
moral em cima de um Hooligan, meu carro estacionado de
qualquer jeito, a conversa com Carl martelando minha
cabeça, o vento característico de Londres soprando no
meu rosto, sim, era hora de ir embora, vou seguindo
abraçado com Lily até o carro, nós dois calados.
Por Lily eu seria capaz de usar o soco inglês
guardado no porta malas do meu carro, sem hesitar, eu
não queria voltar a ser aquele homem que chegou aqui
anos atrás, mas por ela... por ela eu viraria um santo ou um
demônio: era só ela pedir.

Chegamos em casa em silêncio, ela foi tomar


outro banho, ainda trêmula e assustada, com razão, eu
preparei um chá forte de especiarias, Londres ama
especiarias, tudo é bem temperado, bem forte e picante:
influência dos árabes.
Dou três batidas em sua porta, ela já está
recostada, com um livro nas mãos, mas dispersa, duvido
que estivesse realmente lendo... enfim, ofereço o chá, me
ardendo de curiosidade para saber a história do ônibus.
— Obrigada... obrigada por ter ido me buscar... —
a voz quase falhando, eu sorrio. — Se importa de trocar o
chá por Ovomaltine e cookies?
Como negar aqueles olhos... sorrio, tomando eu o
chá, estava precisando, e faço o que me pede, dizendo
antes de fechar a porta:
— Pode sempre contar comigo... — ela abaixa o
olhar, abrindo a boca e se espreguiçando, a deixo em
privacidade, preocupado, não posso negar, mas eu
também estava nervoso e ansiava por respostas.
Meu instinto de jornalista queria amarrar a história.
Eu queria Tim Jones O’Neil!
Faço o Ovomaltine e levo os cookies, mas ela já
está dormindo. Eu havia dado um dramim com água assim
que ela chegou, então deixo o que me pediu na mesinha
ao lado da cama e fecho a porta.
Sentado no sofá, abro o Twitter, rindo internamente
pelo meu blefe com Sean ter dado certo, não fiz nada,
nada estava gravado ou sendo transmitido, só dei um
susto, não foi isso que ele disse a ela?
Posto nas redes sobre alguma matéria do jornal,
para deixar os leitores curiosos, hoje seria a noite do jornal
online junto com Carl e Moacir; iríamos falar sobre
economia e política, a pauta sempre margeando o pai de
Sean O’Neil, Tim J. O’Neil, mas eu não morava mais
sozinho e tudo que Lily precisaria, no momento, seria uma
boa noite de sono, sem preocupações, por isso desmarquei
a minha presença.
Tomo uma ducha rápida, me lembrando das
palavras de Carl:
— Olha, Yuri... não vou dizer que não me choca,
mas é porque eu nunca estive no seu lugar... é fácil falar de
uma pessoa, quando não estamos na pele dela... eu morei
no Japão um tempo, como sabe e lá tem um provérbio...
Ensaboo meu corpo, pensando detalhadamente
nas palavras de Carl, afinal, como jornalista eu tenho que
ter uma boa memória, minha mente era meu bloco de
notas, quase sempre.
— Qual o provérbio? — havia perguntado tomando
gim puro, sentindo a bebida afetar os meus sentidos, me
recriminando em seguida, eu tinha que dirigir, então,
prometi a mim mesmo que aquele seria o último gole. Hoje
em dia eu sou responsável, não sou mais aquele
moleque...
Termino o banho, enrolo uma toalha no meu
quadril, suspirando fundo... lembrando do provérbio de
Carl:
— Os antigos diziam que o mundo dava voltas
porque andarilhos caminhavam em círculos — ele me
elucida com o dedo girando. — Carregando, em suas
costas cestas de palha... como uma mochila... Ora, se eu
estou atrás, eu posso ver a cesta do que está na minha
frente... acusar, falar mal, ou ver os sentimentos mais
obscuros... mas, quem está atrás de mim...
— Vê a minha cesta? — lembro da minha resposta
colocando meus shorts de dormir, me olho no espelho e
reparo na imensa caveira nas minhas costas, os detalhes
macabros, o desenho bem feito e realista, quase em 3D.
— Exato! — respondeu Carl com um sorriso,
gesticulando a mão como se eu tivesse feito um bingo, ele
ainda complementou:
— Porém, se parasse a fila para ver a cesta do
outro, o mundo pararia e todos seriam prejudicados... Mas,
há a tentação, né? Porque essa caminhada é eterna,
cíclica... — ele concluiu, acendendo um cigarro e olhando
fixamente para mim: — Se ela também sente essa atração,
Yuri... tenha certeza de não ser só uma atração... fiquem
juntos, ué... só, não me conta... ou melhor, não conte a
ninguém... depois desse teste, vamos dizer assim, se o
sentimento evoluir para... hm... amor? Vocês já terão
cestas expostas o suficiente.
Volto ao presente olhando mensagens do meu
irmão e respondo, dando uma desculpa, dizendo que Lily
estava cansada por ter estudado tanto... ele parece não se
convencer, mas não me pergunta mais nada.
Fui checá-la, cautelosamente, ela já estava
dormindo... profundo... os olhos cerrados e o livro ainda na
mão... Ah! Tentação, eu devo ir lá e tirar o livro ou devo
ficar plantado aqui?
Tirei o livro com cuidado, nem respirava para que
ela não acordasse, seu suspiro é longo, profundo, vejo o
livro, antigo hábito, não posso ver um livro que já quero ver
a capa... Jacqui Greene Has “Anatomia da dança”.
Vejo que o livro tem anotações pequenas em lápis,
a luz do corredor incide sobre mim, apenas o suficiente
para ver o capricho que ela tem com as coisas, vários post-
it colorido, a menina era bem esforçada.
Olho para seu rosto, tão lindo, harmônico, os
lábios contornados, pigmentados de rosinha natural...
deveria cheirar a tutti-frutti, uma franja comprida
ondulando-se junto ao cabelo, dormia de lado, com as
mãos juntas, frouxamente repousadas sobre o travesseiro.
O que fez comigo, sugar?
Quero beijá-la, me aproximo um pouco de seu
rosto, sentindo seu cheiro doce, como eu imaginava, tutti-
frutti, mas era tão linda... uma mulher feita... bailarina... e
minha sobrinha!
Paro!
Como se eu tivesse cometendo o maior dos
pecados, passo meus lábios pela bochecha rosada, fresca,
depositando ali o beijo mais apaixonado que já dei, quero
tanto protegê-la, quero tanto o bem dela, tanto... tanto...
aliso seus cabelos: compridos, castanho claros, lindos...
Me ajoelho ao seu lado, cerrando meus punhos,
tremendo... que dor que eu sinto nesse momento, que
raiva... de mim! O que eu fiz pra merecer isso? Tento me
lembrar das palavras de Carl, mas minhas mãos estão
entregues uma sobre a outra, já estou cansado... exausto...
exaurido...
Me levanto, já não sei com que forças, me
arrastando até a minha cama... rolo na cama, dormindo
muito mal, aquela sensação de que durmo, mas não
durmo... parece uma insônia, acordo várias vezes, quando
vejo o sol entre nuvens pesadas, anunciando chuva: era
domingo... e há anos volto a ter uma enxaqueca.
Capítulo 9: Lily

Confiro as redes sociais.


Quase 40k no Instagram e não tô com a menor
vontade de fazer a tão prometida live, vejo que há
mensagens no meu direct, fico de bruços, e gelo até o
último fio de cabelo de ver que há a mensagem de alguma
amigo de Sean, o garoto do ônibus.
Na verdade, não há somente uma mensagem,
vejo, pelas notificações que ele curtiu todas as minhas
fotos... TODAS! Fico extremamente alarmada, além das
curtidas, há comentários em quase todas as mil fotos que
eu tenho postadas, dou uma passada de olho rápida pelos
comentários e são quase os mesmos, “você é super
gostosa, quando vamos combinar de nos ver de novo?”
Penso em como o Instagram não bloqueou aquele
excesso de mensagens? Algum hack? A cada piscada dos
meus olhos, algumas lágrimas, começo tentando apagar
imediatamente todas as fotos, mas logo minha mãe me
liga.
— Lily... quem é esse Josh?
Travo a minha respiração, me sentando na cama
para raciocinar na resposta.
— Não sei... — replico, tentando alinhar meus
pensamentos em alguma coerência. O que faz uma pessoa
ser tão obcecada por outra a ponto de curtir, comentar e
mandar direct num espaço de tempo tão pequeno?
— Ele disse que quer combinar de te ver de
novo... — ela fala pausadamente, como se estivesse lendo
a mensagem.
— Eu sei o que tá escrito, mas tô tão chocada com
isso quanto você! — reafirmo, passando a mão no rosto e
procurando minhas pantufas com os pés, querendo fazer
meu alongamento matinal e esquecer isso, qualquer um
que visse iria perceber que o cara era meio obcecado,
certo?
— Não sei não Lily... história mal contada, viu?
Suspiro fundo e conto parcialmente o que
aconteceu, a questão do ônibus, da casa de Amanda, mas
não falo o que fizeram com o carro e como ele me salvou...
esboço um sorriso bem bobo... já de pé e me alongando.
— A gente já tinha conversado que teriam pessoas
esquisitas no meu Instagram, mãe... Ainda mais agora que
eu tenho quarenta mil seguidores... — concluo e ela
reafirma, minha mãe sempre cuidou das minhas redes
sociais, e foi quase um parto dizer que eu poderia fazer
isso sozinha, mudei a senha, mas pior do que essas
mensagens e as curtidas era a recriminação deles,
principalmente a do meu pai, que não aceitava que eu
aparecesse tanto em lives, fotos de bailarina ou mais
sensuais. De biquini? Jamais! Só com os dezenove anos
veio um pouco mais de liberdade, mas ainda não me sentia
totalmente liberta... por causa da maldita dependência
financeira.
Estava disposta a mudar isso: iria tentar lecionar
balé em escolas menores para ter meu próprio dinheiro e
cair fora dessa coleira que eles me mantinham!
Depois dos alongamentos e de um banho, saio
cautelosamente do quarto, Yuri não estava em casa,
aproveitei para tomar o meu Ovomaltine, leite bem quente,
creme por cima e coloco mais Ovomaltine com suas
pelotinhas de chocolate por cima do creme... tomo aquilo
com um imenso prazer... o milkshake de Ovomaltine era
sensacional, mas... ah! Ele quente era divino!
Coloco uma música e vou arrumando meu quarto,
primeiramente colocando meus livros em uma estante
improvisada, mas só minha! O laptop em cima da cama, os
cadernos, lápis e caneta no estojo e arrumando minha
mochila, colocando algumas coisas pra lavar e pegando
algumas já secas.
Depois de todo esse processo vejo que é quase
hora do almoço, faço uma omelete, lavo o prato, escovo os
dentes e vou ler um livro sobre Degas, que tinha comprado
pelo meu Kindle, até o sono bater, adormeço até quase
sete da noite.
Acordo assustada!
Vejo meu celular e mais mensagens da minha mãe
e do meu pai, ligo para eles, tentando acalmá-los com
relação ao tal de Josh, meu pai já achando ser um stalker
do mal que iria cortar meu pescoço em qualquer momento,
minha mãe achando que era um namorado, até minha avó
salvar minha pele de novo, dizendo que era algum idiota
querendo aparecer.
Meu avô, pai do meu pai, pedindo para eu ter
cuidado com as abelhas, ele tinha Alzheimer, mas eu
gostava de falar com ele mesmo assim... mesmo que ele
achasse que ora eu era a sua neta, ora achando que eu
fosse uma celebridade dos tempos dele de infância.
Minha avó era a mais doidona, a mãe de Yuri. Ela
sempre tinha histórias doidas pra contar, verdade ou não
eu me divertia muito, minha vó era espírito livre e foi quem
mais me apoiou na decisão de vir a Londres; foi ela
também quem mais me apoiou na carreira de bailarina...
além da dona Zefa ser a minha confidente e amiga, depois
da partida da minha mãe... era com ela que eu contava
sobre namorados, meus foras e tudo que eu não podia
contar ao meu pai.
Uma pena ela não ter celular, mas ela me disse,
na chamada de vídeo com meu pai, que iria providenciar
um, para que a gente continuasse papeando!
Fui assistir um filme, sem ouvir a hora que Yuri
chegou em casa; se é que chegou... Talvez fosse melhor
assim, sem nem ver o final da trama, eu já tinha dormido,
recarregando as minhas baterias para a segunda-feira.

Quarta-feira com tantas reviravoltas.


Ainda não tinha visto Yuri e a minha live de
comemoração de 40k foi ali dentro da Royal, foi bem
bacana, quase duas mil pessoas no começo e fechei com
duas mil e quinhentas, felizmente, nada de Sean.
Estava indo pegar água com a minha garrafinha,
quando Amanda me para e me dá um abraço:
— Nem deu pra dizer o quanto eu sinto muito!
Eu a abraço de volta e vamos até a lanchonete ali
perto pegar um suco, vamos conversando sobre as aulas,
os professores e nossas coreografias para o final de
semestre, até que eu vejo a diretora, em pessoa me
chamar:
— Lily Macedo?
Eu faço que sim com a cabeça, alisando meu
coque para que fique impecável, arrumando meu colã no
corpo suado, tentando ao máximo ficar minimamente
apresentável em frente à diretora.
— Sim senhora... — respondo, Amanda me olha
com uma grande interrogação no rosto e eu sigo a diretora,
com a cabeça baixa, tirando pelinhas dos dedos da minha
mão, agradecendo por estar com sapatilhas meia ponta e
com polainas quentes, Londres estava começando a
despejar um pouco de seu clima tão característico, um
friozinho intrigante.
Chegamos à sala da direção, onde ela pede com
uma educação extrema que eu me sente, eu o faço, mais
curiosa do que com medo, ela sente à minha frente por
detrás da mesa, onde tinham pequenas estátuas de
bailarina, um computador, quadros e, claro, a estante dos
troféus com fotos e mais fotos das grandes bailarinas, mas
principalmente da Margot Fonteyn, a patrona da London
Royal Academy!
A diretora pede licença por alguns minutos, me
deixando sozinha naquela sala perfeita... Se a Royal fosse
Hogwarts, ali, com certeza seria a sala de Dumbledore!
Queria que os quadros se mexessem como no
livro do Harry, olho Margot com paixão e temor! Ela era
perfeita... Seus passos perfeitamente sincronizados,
levando o balé clássico a outro nível de beleza, sofisticação
e leveza... suspiro, como a garotinha que vê uma fada nos
palcos...
Tinham alguns vídeos da Margot no Youtube, eu já
havia sabido de cor os passos dela, eu imitava... eu
envolvida nos pensamentos e murmurando baixinho os
tons da música, bailando nos ares com meus braços e
olhos fechados, sentindo como se Margot me guiasse ...
até a diretora limpar a garganta, me chamando para a
realidade, eu peço desculpas, mas no meio da frase vou
murchando...
O garoto do ônibus...
Sean O’Neil estava ao lado dela... eu paraliso por
completo.
— Senhorita Macedo, esse é o senhor O’Neil... ele
vai ficar conosco pelos próximos meses... por razões
judiciais que não vem ao caso...
Eu tremo, tenho vontade de vomitar de tanto terror!
Ele me olha, depois sorri, como se nada tivesse
acontecido... eu quero protestar, mas a diretora diz:
— Achamos você a mais qualificada para inseri-lo
no balé, Lily... claro que isso vai lhe render créditos e
muitas portas vão se abrir... considere receber um salário
de um professor iniciante.
Eu arregalo os olhos, tentada! Aquilo... sim, aquilo
era tentador... a diretora sorri com a minha animação e
continua:
— Ele tem que apresentar algo simples,
comparecer às suas aulas e seus créditos de outras aulas
vãos ser bem empregados, só traga seu passaporte, para
que possamos fazer as formalidades... você é,
oficialmente, uma bailarina empregada aqui!
Meus olhos brilham de fascinação!
Como eu queria isso... queria tanto... eu iria me
esforçar o máximo possível, depois a ficha vai caindo...
Sean era... bem... bom, ele é complicado. Seu humor muda
repentinamente e ele me assusta, além de ter ouvido toda
a conversa... ele não iria facilitar pra mim, iria?
Não posso ser ingênua quanto a isso... valeria a
pena... o salário, mesmo de iniciante, é muito bom! Viver
sem a pressão dos meus pais... ter minha grana, viver
minha vida aos dezenove? Era o que eu queria... a diretora
chama minha atenção:
— Aceita?
Sem nem tempo para refletir, observando Sean de
cima abaixo e firme em minha decisão, afirmo com a
cabeça e depois verbalizo.
— Aceito! — essa decisão poderia ser a mais certa
ou a mais errada da minha vida, mas preferia me
arrepender por aceitar do que negar!
Ele foi dispensado primeiro que eu, que após
assinar alguns papeis também fui dispensada para as
outras aulas, contei por cima para Amanda que ficou
alarmada, mas apoiou minha decisão, me abraçando e
dizendo que eu poderia contar com ela... até agora tudo
bem, até agora...
Ao final do dia, já quase seis da tarde, decido ter
coragem e pegar ônibus para ir pra casa, tudo bem na
volta, tirando a chuva e a certeza que eu não encontraria
Yuri em casa, mais um dia.
Coloquei os fones, ouvindo mensagens das
minhas amigas do Brasil, falando da live de mais cedo,
recebo uma notificação no Twitter dizendo que Yuri, Moacir,
Carl e aquela Judy estavam ao vivo no jornal online.
Observei bem a tal da Judy.
Ela deveria ser mais velha que a minha mãe, mas
era muito bonita... inegável isso, os trejeitos dela eram bem
femininos, um mulherão... peitão... os cabelos lindos... e eu
com esses cabelos bobos, ela deveria pintar de preto para
que pudesse ficar tão brilhante e sedoso.
Passo em frente a um salão de beleza e decido
descer. Já que eu iria ser uma professora, era maior de
idade e tinha feito uma live comemorativa, nada mais justo
que eu parecesse mais madura! Sim.
Entro no salão e quase me arrependo, aquele
lugar não era pro meu bico. Lustres caros espelhando pela
janela, profissionais uniformizados e um ambiente bem
fashion, estilizado, vários profissionais com outras tantas
funções, até que sou atendida por uma jovem de cabelos
curtinhos, bem magrinha e simpática.
— Posso ajudar?
Eu sorrio com sua simpatia e explico que tenho
dezenove anos e que queria mudar... mudar mesmo!
Mudar a cor do cabelo, um pouco do corte, fazer as
unhas... comentei que era bailarina e que aquele lugar era
magnifico e deveria ser caro.
Me arrependo de ter falado “caro”, mas ela sorri de
forma amistosa e diz:
— Olha... não é tão caro não... e que bom que
gostou... vem, vou te mostrar nossas opções de corte,
fazemos um orçamento bacana e quem sabe não temos
um horário ainda hoje?
Eu me empolgo, descendo a mochila por um lado
do corpo e indo até a cadeira, um moço vem ao seu auxílio,
mexem de forma gostosa no meu cabelo, eu vejo meu
reflexo e pareço pálida, meus lábios ressecados, passo
mais um pouco do meu gloss, enquanto observo a
atmosfera bacana do lugar.
Vários pôsteres com cabelos muito legais, moças
fazendo as unhas, outras indo para o andar de cima
depilar, o lugar era bem iluminado, aconchegante, o
pessoal que esperava estava sentado em confortáveis
poltronas, hiper mega chique, com revistas de moda e
beleza, além de uma televisão imensa passando cenas da
London fashion week e sessões de maquiagem.
Até que eles vêm ao meu encontro, sorrindo.
— Fazemos por duzentos... coloração e corte,
pode ser?
Faço uns cálculos do que eu poderia economizar
ainda mais para aceitar a oferta... duzentos euros era uma
boa grana, mas acabo aceitando.
Eu quero mudar e como brinde eles me oferecem
para que eu fizesse as unhas por dez euros, aceito
também, ganho um cartãozinho fidelidade e me deixo ser
transformada pelas mãos deles.
— Olha só você, sweet está linda! Podemos tirar
uma foto?
Eu quase não acredito que posso concordar... eu
estava bonita, sim! As luzes pareciam bem naturais em
meio aos meus castanhos, as sobrancelhas também
delineadas, as unhas feitas! Tiraram aquela franja, um
pouco do comprimento e deixaram tudo bem moderno,
mais maduro e menos infantil, eu tinha amado!
— Podem... podem tirar uma foto, sim!
Eles se animam, trazendo um fotógrafo, que para
me deixar mais à vontade começa a puxar assunto, ao
dizer que estudava na Royal Academy, ele sorri e diz:
— Putz! Amo fazer fotos para eles... logo se vê
que você é muito fotogênica, Lily... vem, deixa eu te
adicionar no Instagram.
Trocamos redes sociais e números, eu não
cansava de mexer no meu cabelo novo e admirar as unhas
vermelhas, saio do salão com a alma lavada, um
cartãozinho de como cuidar melhor da coloração e de
quando em quando fazer o retoque.
Assim que chego na casa de Yuri, como eu
esperava, ele não estava... e minha avó tinha feito o
combinado: comprou um celular pra ela e aprendeu a
mexer pela chamada de vídeo.
— Lily! Meu Deus, como você está linda!
Eu não me caibo em sorrisos, fico menos
envergonhada com ela e agradeço, mostro animada as
unhas e viro a câmera para que ela tenha ampla visão do
corte, conversamos por uns longos minutos, enquanto eu
fazia uma salada com tudo que achava na geladeira,
Dolores, e a equipe de limpeza contratada pelo condomínio
havia deixado a casa nos trinques... tanto que brinquei de
patinar com as meias, comemorando comigo mesma o
emprego na Royal!
Fui dormir e mais uma noite não vi Yuri chegar.
A ideia de sair dali a cada dia crescia mais em
mim, não suporto mais essa situação!
Capítulo 10: Lily

Me alongo ao som de Edvard Grieg aproveitando a


aula da sala ao lado, precisava me concentrar, iria ter meu
primeiro embate com Sean O’Neil.
Eu estava tensa, claro, a pasta parda com a
documentação que eu deveria preencher diariamente.
Tento acompanhar a melodia de “Morning Mood”, uma das
músicas mais famosas e melódicas que tinham na história
das músicas clássicas.
Eu ouço suas botas pesadas, ele havia se
atrasado dez minutos e, enquanto eu me perdia na melodia
das notas, ele adentra a porta, engulo em seco, estava um
pouco suada, mas não era o calor... era a ansiedade.
Ele arqueia uma sobrancelha, desconfiado,
estendendo a mão para mim e me dando mais uma das
papeladas, corro meus olhos e guardo na pastinha parda.
— Como eu devo te chamar agora, garota do
ônibus? Professora do ônibus... seria sexy, não? — ele
provoca, eu me limito a estender uma calça de tactel que
eu tinha certeza que ele não iria trazer a roupa adequada.
— Como quiser, senhor O’Neil.
Ele olha ressabiado para a roupa, sentindo a
textura do material nas mãos e olhando para a sua calça
jeans rasgada, o coturno, a blusa excessivamente folgada
que mesmo assim deixava seus músculos sobressalentes.
— “Senhor O’Neil”, que coisa mais formal...
Senhor O’Neil sempre foi o babaca do meu pai, garota do
ônibus... e... sem chance de eu usar essa calça... — ele
devolve para mim, sentando no canto, olhando o celular.
Pois é, Lily, quem disse que seria fácil?
— Senhor O’Neil, eu tenho que preencher os
papéis para a diretoria e você tem que participar da minha
apresentação final! Eu não vou deixar nada... nem ninguém
destruir a minha apresentação final, portanto, quer queira
quer não, você vai vestir essa calça e eu vou te ensinar
balé! — digo sem respirar, decidida a não deixar as coisas
saírem de controle, eu estava apavorada, mas não iria
deixar isso transparecer!
— Falou bonito... — ele responde pegando a calça
e levantando com o celular na mão, indo até o banheiro, eu
tenho que colocar a mão no peito, sentindo o tremor passar
pelo corpo quando ele fecha num baque alto a porta.
Continuo mentalizando os passos da minha
apresentação, readequando para que Sean pudesse
aparecer com a força e um pouco de técnica, talvez eu
pudesse surpreender o júri.
— O que o Josh fez? — ele me pergunta, fazendo
com que eu pare uma pirueta e me desestabilize no eixo da
base, ele está vestindo a calça, o rosto lavado e observo
somente agora que abandonou os cabelos espetados; eles
estão hm... normais... pintados de preto com a raiz loira.
Dou de ombros.
Ele insiste, parecendo mais preocupado do que
curioso, resvalando a ponta dos dedos pelo meu braço...
eu, instintivamente me afasto... o que tinha acontecido com
ele?
Engulo em seco... será que aquilo tudo era um
plano para não ter a aula?
— A gente pode falar sobre isso depois, por
favor... Temos um cronograma pra seguir...
Ele ergue a sobrancelha ainda mais, soltando um
suspiro.
— Ok... Só porque não quero mais seu namorado
atrás de mim... com aquela merda de câmera na minha
cara!
Abro o sorriso... e... ouso não falar sobre nosso
parentesco, pelo menos enquanto não fosse extremamente
necessário, o som “namorada do Yuri” ficava bem em
qualquer voz, então... deixo passar:
— Bom, vamos começar: a primeira coisa que
você precisa aprender são as posições dos braços... são
cinco posições, depois a gente vai usar as posições dos
pés... braços e pés têm que ser juntos e como a gente tem
pouco tempo pra aprender, não posso pegar leve...
— Ok... mas, olha... me escuta, garota do ônibus...
— ele corre na minha frente, fazendo com que eu o olhe.
— Não vou usar aquela merda agarrada... colã, né? Aquilo
não...
Sorrio de lado e começamos a aula, escolho
Johannes Brahms: Fantasien op. 116. A música perfeita
para que eu me concentre no início.

Na hora do break, fiquei com Amanda e Silvia, a


brasileira que estava na casa dela, e ele acompanhou,
calado, nossa reuniãozinha. Sean teve que ouvir sobre
passos de dança, maquiagem, garotos, seguidores de
Instagram, mais garotos, mais dança, dietas e tudo sem
reclamar.
Voltamos às aulas e era nítido que ele estava
cansado e com sono, não peguei menos leve, até bater no
Big Ben 18h em ponto.
A diretora manda nos chamar ao final do dia; havia
sido o primeiro contato dele com a Royal, então, foi normal
ele ofender o balé a cada movimento errado, ou xingar
quando eu o corrigia em algum passo, mas, eu permanecia
em silêncio... não ia brigar com ele... eu tinha tanto pra
perguntar... o porquê de ter feito aquilo com o carro, o
porquê ele ter perguntando de Josh... mas, eu não iria falar
nada... iria enrolar, não queria mais encrenca.
A diretora se vira com a cadeira dando a ele uma
cópia da documentação judicial que ele havia me dado, sou
parabenizada e respondo com a reverência clássica do
balé, ela sorri e me dispensa, ficando com ele mais um
tempo.
Vou para casa, ainda com o meu passaporte e as
papeladas na mochila, esperando o tempo de transição
para que o consulado brasileiro e o governo inglês me
reconhecessem como trabalhadora oficial.

— Aula, filha? Mas, não vai prejudicar você nas


suas aulas? — meu pai pergunta, eu já pronta para tomar
banho, respondo com um sorriso largo que foi a própria
diretora quem mandou. Percebo seu orgulho do outro lado.
— Vou receber um dinheirinho, então, logo-logo
não precisarei de uma mesada tão...
Ele interrompe:
— Usa esse dinheiro pra guardar, Lily, guarda,
minha filha, já pense em algum dinheiro para o futuro,
como você vai ser autônoma... é sempre bom ter um bom
pé de meia e depois investir esse dinheiro... vou te ensinar
tudo.
Eu não me estendo mais quando ouço Yuri
chegando, ele havia chegado cedo. Eu me despeço, tomo
uma ducha rápida e saio do banheiro esperando vê-lo,
mas... nada.
Ele havia saído de novo?
E nem me avisado?
Uma sensação ruim queima meu peito... eu estava
envergonhada de estar ali, sim, era isso... eu tinha me
declarado pra ele, a gente se beijado... seu corpo quente
no meu, nossos suspiros de desejo na boca um do outro e
ele... simplesmente fugia de mim!
Quer saber?
Hoje mereço meu Ovomaltine! Na verdade,
mereço um com colheradas extras... e creme, meu rosto
queimando de vergonha... e, olha, o Ovomaltine eu mesma
tinha comprado, se eu tivesse pra onde ir, sairia naquele
mesmo dia do apartamento dele!
O segundo dia de aula tinha que ser pior que o
primeiro!
Sean chega quase uma hora e meia atrasado, com
cara de quem não dormiu nada, parecia que tinha
obliterado todo o avanço da primeira aula!
Ele estava no celular quando chega à sala, o braço
musculoso levantado sob o batente da porta, respondendo
sei lá quem com uma mão, estava suado! Sem a calça de
tactel e eu sem outra para ofertar.
— Está atrasado, senhor O’Neil! — digo, anotando
alguns passos no meu caderno, ele dá de ombros.
Eu caminho até a parte das araras de figurinos ao
fundo e se ele queria me sacanear, eu também poderia!
Peguei calças bufantes de “Romeu e Julieta”, rindo
baixinho da minha vingança.
— Sua roupa? — pergunto antes, escondendo o
figurino atrás de mim, vendo que ele não tinha percebido
que eu me ausentei, com os olhos no bendito celular. Será
que eu era assim também com o meu? Falando nisso... há
dias não postava e isso iria surtar a minha mãe.
— Esqueci, foi mal... — ele replica com um sorriso
de canto de boca, chegando a expirar o ar num sorriso
abafado... querendo gargalhar, então, jogo na cara dele a
calça. Ele a pega, me encarando, ficando ereto e se
aproximando de mim segurando o traje. — Você só pode
estar brincando... eu não vou usar isso!
— Ah vai! — respondo de pronto, seus olhos
fumegando palavrões, me encarando com raiva...
avançando dois passos, mas tenho a minha cartada: o
papel pardo.
— Vai mesmo querer fazer isso, senhor O’Neil? Já
não basta uma advertência dizendo que chegou mais de
uma hora e meia atrasado?
Ele retesa, indo ao banheiro e saindo só com a
calça, seu torso assalta meus olhos... que crime... como
poderia ser tão... tão... sexy? Lily... não! Como se soubesse
o impacto que provoca ele ri, se aproximando com um...
gingado... algo diferente... não era mais o andar duro e
costumeiro!
— Você sabe por que a diretora escolheu você
para ensinar um caso perdido como eu? — ele começa a
se alongar sem que eu pedisse, provavelmente ele lutava
alguma arte marcial, seus movimentos, embora duros,
eram certeiros, avantajados, embora agredissem os olhos
dos bailarino, eram perfeitos para suspender uma bailarina
nos ares.
— Por que eu sou estrangeira? E que o pai do
“garoto problema do ônibus” deve ter feito questão que eu
lecionasse aqui... a seu dispor... já que Yuri e seu pai não
se bicam?
Ele me olha intrigado, rindo ao mesmo tempo, mas
não diz mais nada.
Mas, se ele acha que foi uma vingança... e por
mais que me maltratasse, me assustasse, chegasse
atrasado ou fizesse corpo mole, tudo valeria a pena pelo
salário e sair da casa de Yuri.
Reduzi o tempo de intervalo, mesmo ele tentando
esfregar na minha cara a todo momento que o pai era
político, senador ou sei lá o quê! E que aquilo tudo era
desnecessário, fiquei firme... obrigava a abrir as pernas em
espacate, ou abertura, ele era todo desengonçado... o que
me rendeu altas gargalhadas mentais.
O vi pelo imenso espelho da sala e a sua figura...
não me segurei e me deu um acesso de riso! Um homem
daquele tamanho sofrendo horrores para fazer algo
simples... a elasticidade dele era lamentável!
— Ah! Ca-ca-la a bo-bo-ca... — ele geme em dor e
eu sem conseguir parar de rir, ele precisaria da minha
ajuda para sair dali.
Conto mentalmente o momento em que ele iria
pedir...
— Vo- vo- vo- cê po-po-po-deria me dar uma mã-
mã-mão? Tá-tá-tá do-d-doendo pra ca-ca-caralho....
Eu cruzo os braços e digo:
— Mais trinta segundos...
Ele me lança um olhar de raiva.
Passados os trinta segundos e ele espasmando,
quase num urro de ódio, com as pernas trêmulas, fala:
— Eu poderia quebrar a minha perna, sua idiota!
— ele esfrega as mãos nas pernas com raiva, eu nego com
a cabeça.
— Não... não poderia... além disso, se você
tivesse chegado no horário, poderíamos fazer isso mais
aos poucos. E embora doa e arda é comum, seus
músculos estão criando fissuras e ácido lácteo; por isso a
dor. — explico usando as mãos, até que eu mesma faça
uma abertura completa: — Vê? É nisso que eu quero que
chegue...
— Você tem uma vagina, não pênis... e bolas...
natural que consiga abrir mais as pernas!
Ele ri forçosamente, triunfante, cruzando os
braços, com escárnio, mas tento não me ofender mais
tanto... Ah não, Sean Louis O’Neil, aqui é meu território...
você é quem está na toca do lobo! Isso aqui é minha
casa... meu EU, você quem está entrando no terreno
espinhoso.
— Você tem razão... homens em geral são menos
elásticos... vocês têm mais dificuldade... é normal... ensinar
balé para uns homens machistas, que assustam pessoas
com o carro, xingam e ofendem é sempre mais
complicado...
Ele arregala os olhos me mirando, um misto de
perplexidade e espanto, continuo, sem olhar para ele, mas
sim para a pasta, claro que eu ainda tinha medo e muito,
mas não iria mais ficar quieta. Se ele fizesse algo comigo,
ele iria se encrencar ainda mais.
Continuo:
— Imagine algo que exige disciplina, foco e
concentração como a arte da dança... ainda mais o balé
clássico que chega a ser sublime... pessoas como você
não entenderiam tal arte, enfim, boa noite, senhor O’Neil!
Até amanhã... às oito! — espero que ele saia primeiro, não
queria confusões com carros, ainda teria que passar na
diretoria e deixar os papeis.
Vou fechando a sala, quando Amanda chega,
exclamando:
— Uau! Sabe que eu te vejo daqui a pouco tempo
como uma das professoras da Royal e a prima bailarina de
alguma peça famosa?
Eu sorrio, percebo que meu estômago está
incomodado pela fome... é... Ovomaltine e alguns cookies à
noite não iriam me sustentar por muito tempo;
Amanda diz que podemos passar num lugar onde
vendia saladas em pote e tem uns peixes grelhados
maravilhosos!
Me animo!
Fazia tempo, desde o fatídico dia da festa na casa
dela que eu não saia, concordo sem hesitar e ela tenta
chamar Silvia, mas não conseguimos contato... logo,
decidimos ir sozinha, visto a urgência de nós duas em
comer alguma coisa.
O lugar era baratinho e, felizmente, nada
glamouroso! Bom, seria ali que iria comprar as minhas
refeições, desde ontem eu mantive na cabeça a distância
de Yuri como um claro sinal de expulsão da sua casa,
então, quanto mais economizasse, melhor.
Capítulo 11: Lily

E ele estava indo tão bem...


Bem no dia do meu pagamento de um mês ele me
dá um bolo enorme... corro pelos corredores com a
garrafinha de água na mão, segurando firme, tô tão
preocupada que só quero saber o que a diretora vai falar
com relação a isso... atchim! Chego quase sem voz ao
dizer “Com licença” me apoiando no batente da porta.
— Claro... Lily, o que houve?
— Sean... ele, atchim não veio... ele não vem...
não sei... já é meio dia e eu fiquei esperando por ele... fiz a
aula da professora Maidlaine, mas não... atchim... —
coloco a mão na testa, sentindo o suor escorrer.
Ela pede para eu ter calma, eu fico ereta.
— A senhora me desculpe, eu atchim... não sei o
porquê ele faltou, o que eu coloco nos papéis? Devemos
ligar para alguém?
— Calma, Lily... só coloca “falta” no papel e
pratique... melhor, vá para a casa. Você está pálida, parece
meio cansada... tire o dia...
— Mas...acthim!
— Pense já como professora. Seu aluno faltou,
você está se esforçando bastante, os professores
entendem... enfim, por favor, só descanse...

Não teria problema ficar no apartamento vazio.


Me vejo pelo espelhinho de maquiagem antes de
passar o gloss e acthim, além de pálida e com olheiras,
estou bastante ofegante. Entro no ônibus olhando para os
lados, suando tanto... caramba! Tiro o moletom e recosto
no banco, o coque doendo a minha cabeça, tento me livrar
do laço, grampos, prometendo a mim mesma um banho.
Cumprimento o porteiro, pego o elevador com uma
família, a criança gritando e chorando e minha cabeça
parece que vai aos ares junto com meus miolos... desde
quando eu estava com tanta dor e... atchim!
Ah não, não, não... não posso...
Mando uma mensagem pra Amanda, pedindo a
ela que anotasse qualquer coisa diferente nas aulas ou
algum comunicado que a diretora tinha me mandado pra
casa.
As loucuras que eu estava fazendo, me
desdobrando entre dar as aulas a Sean e assistir às
minhas próprias estava sendo bem insano... atchim!
Abro a porta sem cautela, espirrando aos quatro
ventos, fecho a porta atrás de mim quando ele me encara,
intrigado, sentado na mesa da cozinha com o laptop ligado,
meu coração incendeia ... ele estava lindo... tinha ido ao
cabeleireiro, a barba rente, meio por fazer...
propositalmente sexy.
— Lily, tudo bem? O que está fazendo em casa
uma hora dessas? Por que não me ligou?
Eram tantos os porquês que cheguei a ficar zonza.
— Nada... é... Sean faltou, atchim aí a diretora
pediu para eu vir pra casa... atchim!— dei de ombros e
quando dei por mim, ele estava perto, colocando a mão
nos meus cabelos, arrumando, penteando com os dedos,
colocando as costas das mãos na minha testa suada.
— Você tá meio pálida... por que não dorme um
pouco?
Eu aceno um “sim” com a cabeça, ele volta para o
computador, me permito tomar um longo banho, lavando a
cabeça e secando com o secador, mas, vou sentindo
minha garganta fechar e atchim! Ah, não acredito... um
resfriado...
Assim que coloco uma camisola, Yuri bate na
porta, peço para ele entrar e lá está um antitérmico,
Ovomaltine e uns cookies, tudo na bandeja, eu sento na
cama e ele me cobre com o edredom, colocando a bandeja
na mesinha de cabeceira.
— Vou ligar na escola e dizer que está gripada...
Apenas o observo, ele também não fala nada
sobre a cor do meu cabelo, mas o carinho que passa com
as mãos sobre ele denota que percebeu.
— Você tem me evitado... — digo, pegando a
caneca do Ovomaltine com as duas mãos, as bolinhas
passando pelo meu paladar... como eu amo aquilo!
Ele se senta na cama, suspirando longamente:
— Tenho evitado a mim mesmo, Lily... — suas
mãos passeiam pelo edredom, como se estivesse
alinhando o tecido, parece que desse modo ele não se
sentia culpado em passar as mãos nas minhas pernas.
Nos olhamos.
Ele passa a ponta do indicador na minha boca,
uma bolinha do Ovomaltine é tirado dos meus lábios e
posto nos deles, que lambe, me olhando... olhos nos
olhos... quase saindo faíscas, me livro do edredom e
serpenteio para os braços dele, que hesita... mas, me
acolhe... cheirando meus cabelos recém lavados e
escovados.
— Tutti-frutti... — ele sussurra respirando perto da
minha nuca, me abraçando, contando que eu não fosse
ouvir, já que a minha respiração estava pesada... e meu
nariz meio ruim.
Olho para cima, o encarando... Deus do céu...
como ele é bonito... o formato do queixo, o rosto retangular,
masculino, o formato da boca... apoio uma mão ao seu
lado, ele recua... me aproximo... quero apenas sentir um
pouco de seu cheiro amadeirado, se meu nariz não
fungasse tanto...
— Lily... — ele sussurra, me abraçando,
imobilizando qualquer ato que eu pudesse ter em... atchim!
Ele ri... — Até espirrando é bonita...
Dou um sorriso amarelo, queria ser aquelas
mulheres fatais, mas... derrubada por um resfriado? Ele
pega a bandeja depois que eu termino de comer e lá vou
eu... escovar os dentes e dormir... meus olhos fechando e
lacrimejando.

Acordo com barulho de sacolas, me espreguiço,


me sentindo momentaneamente melhor... muito melhor...
levanto, a calefação do apartamento estava perfeita, abro a
porta e vejo Yuri tirando das sacolas frutas, legumes,
peixe...
— Ah, acordou? Eu vou fazer algumas coisas mais
saudáveis pra você comer, sobreviver a cookies e
Ovomaltine não deve ser lá muito bom...
Eu sorrio o ajudando a tirar as compras.
— Vou fazer salmão com salada e batatas... pode
ser?
Aceno um “sim”, animada, e começo a auxiliar, ele
se aproxima por trás, me ajudando a descascar as batatas,
ouço sua respiração no meu ouvido... atchim!
Ele cai na risada.
— Bobo... — retruco, rindo, temperando a salada,
algo que eu fazia sem nem pensar muito, tamanho meu
costume com uma dieta regrada... tirando meu Ovomaltine
sagrado!
— Eu sou bobo... — ele diz, sério, com uma voz
sedutora. Paro, encostando as mãos na bancada, o
admirando, ele me encurrala, meu coração acelera, galopa,
trota, corre... chego a perder a respiração, quando a pele
de seu rosto passa pelo meu... sinto a pontinha da barba
dançar pelos meus poros... ele pega o bowl de salada e
recua.
Atchim!
— Senta um pouco. — ele diz, ainda num tom de
voz baixo, eu obedeço e logo ele traz o salmão e as
batatas, começo me servindo de salada, ele fica me
observando, enquanto come também... seu olhar desvia,
quando eu encontro o dele, ficamos em silêncio... quando
ele diz:
— Está dando aula para Sean O’Neil, né?
Aquele... rapaz é complicado, aliás, a família toda...
Eu explico pra ele tudo o que aconteceu,
espirrando de quando em quando, ele me ouve
atentamente, fazendo algumas perguntas às vezes... a
gente acaba rindo, especulando o que Sean havia feito
para, justamente, parar numa academia de balé, sendo
lecionado por mim.
Gosto das nossas conversas... e gosto de pensar
que ele sente ciúmes de mim, embora não demonstre...
Ele se levanta e coloca a louça pra lavar na
máquina.
— A gente pode ver um filme... se quiser, acho que
já está na hora de te medicar com mais um antigripal...
Acho que eu tenho um termômetro por aqui...
Eu vou escovar os dentes, lutando contra o sono,
ah! Que ótimo... quando eu finalmente o pego em casa...
eu tenho que estar toda zoada.
Cowboys no espaço.
Não tinha um filme pior pra colocar?
Aquilo não prende a minha atenção em nada e
parece que a dele também não. Estou coberta com
edredom e ele longe... com a mão no encosto do sofá... até
que eu digo:
— Gosto disso...
Ele me olha intrigado, diminuindo o volume da
televisão enorme que tem na sala, me encarando.
— Filmes de cowboys? — e ri, eu o corrijo,
espirrando mais uma vez:
— Não... quer dizer, dos bons filmes... mas, gosto
de ficar um tempo com você... fez falta...
Ele solta um “urrum” e emenda:
— Não sabe como me fez falta também... — ele se
aproxima um pouco, pegando o termômetro e medindo a
minha temperatura... eu me sentia mais quente, mas não
era por causa de uma possível febre.
— A febre baixou, acho que você estava mais
cansada, talvez um resfriado mesmo. O importante é
dormir, se alimentar bem e ... tentar relaxar.
Ele se levanta e antes que faça qualquer ação, eu
me levanto também e indago:
— Vai fugir... de novo?
Ele parece surpreso, mas logo sorri e nega com a
cabeça:
— Não, Lily... — ele me puxa para um abraço,
minha cabeça em seu peito, sinto ele suspirar fundo, seu
coração batendo... o calor natural de Yuri era fogo...
levanto um pouco a cabeça, seus lábios depositam um
beijo na minha testa, mas fico na ponta dos pés e ouso
beijá-lo na boca, o abraçando forte, ele não reluta, dessa
vez, e acaba cedendo ao beijo, me apertando forte,
sussurrando:
— O que fez comigo, Sugar? — suas mãos
experientes sabem onde pousar, seu enlace forte, me faz
derreter em seus braços... e seu beijo! Ah! Seu beijo é
escandalosamente saboroso... eu trocaria meu Ovomaltine
por aqueles lábios, aquele sabor de Yuri, aquela língua que
dança junto com a minha... me guiando num pas de deux,
perfeito...
Suas mãos passam levemente pelos meus seios...
eu estremeço... não quero que ele pare... não quero... até
que atchim!
Ele me pega no colo, sorrindo... e me leva pra
cama.
— Não... não... quero ficar com você... — reclamo,
enquanto seus braços fortes me carregam pelo
apartamento.
Ele sorri:
— Eu já estou com você... — me repousa na
cama, sentando-se numa cadeira e fazendo carinho nos
meus cabelos até que eu adormeça... eu não queria...
queria ficar acordada... para ter certeza que tudo aquilo
não era um sonho.
Capítulo 12: Yuri

Fiz um café da manhã reforçado.


Eu havia ficado no computador a noite toda,
confesso que mais para monitorar o sono de Lily, que
espirrava e ofegava bastante. Medi sua febre mais de uma
vez e o alívio veio, de vez, pela manhã: 36,5º.
Dolores chegou em casa com seu sorriso bondoso
habitual e levou um susto quando me viu:
— E o trabalho?
Era raro me achar em casa numa sexta-feira de
manhã, então, expliquei que estava trabalhando em casa,
ela perguntou de Lily e eu disse que estava no quarto,
dormindo, que havia ficado resfriada.
— A niña é movida a cookies e Ovomaltine, não
era pra menos. — replicou, dizendo que iria deixar algumas
coisas pré-prontas pra ela levar durante a semana e como
o furacão que era, me expulsou do lugar onde eu estava e
começou a faxina pesada.
Dolores estava comigo desde a compra do
apartamento há... enfim, um tempo atrás... uma senhora
espanhola que não aparenta de modo algum a idade,
contratada pelo condomínio onde eu moro, mas ela cuidou
muito de mim... enfim, peguei meu café preto, laptop e a
deixei trabalhando, antes, pedi licença e fiz uma vitamina
para Lily.
Abacaxi, um pouco de leite e morango; provei e
não estava tão ruim... Dolores disse que só um louco pra
tomar aquele bodrio... fosse o que fosse, a cara que ela fez
quando disse aquilo, coisa boa não era.
Ela deu de ombros e com uma destreza invejável
fez um suco de laranja e limão, torradas com queijo cottage
com raspas de limão siciliano e panquecas com mel e
leite... e me entregou na bandeja com um olhar triunfante.
— Pode dizer que foi você quem fez... ahora, lo
trabajo! — e me atropelou antes que eu pudesse dizer
qualquer outra coisa, ela já me empurrou com seus baldes,
produtos de limpeza, rodinho e vassoura, me deixando
num equilíbrio tonto da bandeja, quando adentro o quarto
de Lily e ela está gargalhando, de bruços na cama,
obviamente tinha espiado a cena.
— Ah... o que foi? Estava bom, até... — ela volta a
rir, abraçando o edredom, mas as pernas e aquela bunda
redonda sob o tecido fino da camisola me atiçando, forço
minha garganta a descer a saliva.
Coloco a bandeja na mesinha ao lado da cama e
pergunto se está tudo bem.
— Achei que tinha sonhado com ontem... — ela
responde baixinho, eu a cubro com o edredom, arrumando
a bandeja em seu colo, felizmente ela estava com fome,
embora recusasse a maior parte da comida, Dolores,
exagerada como era, tinha feito para um batalhão.
— Vai ficar aqui comigo hoje?
Ah, Sugar, como eu posso resistir a esses olhos
me pedindo alguma coisa? Mas, o bendito do dever e ainda
Dolores em casa... seguro a sua mão e beijo, sempre
olhando de canto de olho se Dolores não iria nos ver.
— Eu tenho que ir trabalhar... — digo
cautelosamente, eu sei que eu não preciso ir e também
não quero fugir, mas, eu não responderia por mim ali.
Ela suspira e pergunta se pode dormir no meu
quarto, já que é o primeiro lugar que Dolores arrumava,
assim poderia descansar bem até minha volta.
Meu quarto iria ficar cheirando a tutti-frutti, como
posso me opor a esse pedido? Claro que ela poderia ficar
no meu quarto... enquanto Dolores terminava o resto da
casa.
— Me leva pra sair hoje... — ela pede com olhos
expressivos, talvez os olhos pedissem mais do que as
palavras.
Meneio um “não” com a cabeça:
— Acho melhor você ficar em casa, mas, eu
prometo que fico com você e a gente assiste o que quiser...
Ela franze a testa, concordando, quando começa
uma chuva de espirros, eu retiro a bandeja, enquanto ela
vai tomar um banho e tenho que segurar meus olhos para
não vê-la... nua.
Não, Yuri... ainda não... não até que ela tenha
certeza absoluta...calma... Eu não iria mais fugir... não
dessa vez, não mais... ela não confiou em você quando
estava doente, ou quando pegou o ônibus sozinha ou pra
avisar sobre Sean... eu só quero que ela confie em mim... e
eu estava falhando miseravelmente nisso... por ser fraco,
só pensar em mim e fugir, agora não mais... a noite é
nossa, Sugar.

Infelizmente ou felizmente aquele dia o trabalho


precisou de mim.
Finalmente, conseguiria entrevistar um dos
maiores nomes da lavagem de dinheiro da Europa o que
me rendeu outra enxaqueca daquelas, mal entrei no
estúdio e o senador Tim Jones O’Neil me aguardava com
um sorriso, um capuccino da StarBucks e uma ironia nos
olhos que foi difícil de engolir.
Os advogados e a assessoria tinham concedido a
entrevista ao Daily com exclusividade, graças a minha
insistência, o pai de Sean O’Neil era podre!
E seus advogados concordaram só se soubessem
das perguntas anteriormente, o que obviamente me deixou
puto, mas era normal nesse tipo de situação para o cara
não se foder ainda mais, porém eu tinha uma carta na
manga.
Eles sabiam as perguntas, ok... e sabiam que
havia um vídeo, o que era a minha carta na manga: o vídeo
era sobre um ONG que Tom Jones tinha no Brasil, mas
ninguém pediu para ver previamente.
Erro burro, mas acontece e esse era o meu maior
trunfo!
A transmissão no Twitter ocorreu exatamente às
onze da manhã com uma audiência considerável de 307.12
mil pessoas, não era nosso recorde, mas era um bom
número, geralmente os leitores ultrapassavam essa meta,
mas como queríamos ter um bom número para competir
com a TV aberta e tendo em vista que os programas via
streaming eram relativamente novos; é um bom marco.
Entrei no estúdio e tive que me deparar com
aquele sorriso safado, olha, Tim Jones O’Neil não perdia
para nenhum político brasileiro na safadeza e na cara de
pau, tirando que era inglês e queria usar o nosso prestígio
para livrar seu rabo preso.
Eu me permiti ser o mais frio possível,
cumprimentei os advogados e o pessoal da assessorias e
entramos no ar.
Nossa bancada era simples, mas estilizada:
poltronas confortáveis, um cromaqui ao fundo em um
cavalete de alumínio, tablets para o pessoal da produção
com o logo da Daily, um pessoal para transmitir sem erros
na internet, editores, para quando o programa fosse
gravado para o canal do jornal nas redes sociais e
propagandas, jornalistas de várias áreas, teleprompter
sempre com um funcionário com cara de desesperado para
ver se ia dar pau e os apresentadores, Carl e Moacir, Judy.
Eu ficava nos bastidores, embora desse o ar da
graça numa sexta ou outra.
Geralmente eu escolhia, corrigia e mandava a
pauta a Moacir que dava seu aval junto comigo, éramos
como os três mosqueteiros e eu, por ser o mais novo, o
D’Artagnan.
Hoje, contudo, era uma exceção, eu entraria no
ar... poucas vezes eu botava a cara no sol dessa maneira,
mas, vamos lá... a claquete anuncia 3, 2, 1.
— Boa tarde, aqui é Yuri Davies e você está no
streaming da Daily Mail, hoje estamos entrevistando Tim
Jones O’Neil, senador inglês acusado de sonegar impostos
por mais de quinze anos está hoje nos concedendo uma
entrevista inédita. Boa tarde, O’Neil.
— Boa tarde, Davies, pessoas de casa... — ele
cruza as pernas e enlaça os dedos tão triunfante que
chega a me dar asco.
Vejo pelas luzes da câmera central, que transmite
à Internet a feição preocupada dos meus amigos, todos
estão tensos, Judy, pela primeira vez na vida, rói a unha.
— Bom, vamos direito ao ponto, sim? O senhor
sonegou ou não os impostos? Como explicar a fortuna
achada nas Ilhas Cayman?
— Bom, Davies... o trabalho e o suor de uma vida
inteira estão nas ilhas... eu não sonego impostos, todo o
meu patrimônio está na justiça sendo avaliado... um
homem que deve não viria cara a cara com um jornalista...
certo?
Balanço o pé impaciente, desgraçado... Usando
uma pergunta para evitar de responder a dele mesmo...
sempre evitando ir ao ponto, sempre evitando responder as
perguntas de forma direta.
Eu conhecia esse tipinho muito bem.
— Recentemente seu filho, Sean Louis O’Neil foi
condenado pela justiça por vandalismo e por fazer parte de
uma gangue, hooligans... como o senhor lidou com isso?
Ele parece desconfortável ao falar do menino, mas
abre um sorriso, abrindo os braços como se dissesse “fazer
o quê” e responde de pronto:
— Sean esteve num tribunal justo... e está
aprendendo, ele fez 22 anos esse ano e a Royal Academy
aceitou que ele dançasse... balé... — ouvimos sons de
risadinhas abafadas, o que seria pior para um Hooligan do
que dançar balé? Ele continua: — A separação de minha
ex-mulher Desiré foi bem difícil pra ele, mas... claro que
está amadurecendo e superando... fora que os outros
meninos também cumpriram uma pena, a de limpar a
estátua pichada e voltar a frequentar uma escola
preparatória dos mais diversos tipos. — ele me olha
triunfante, pai zeloso do caralho!
Ele tinha em sua casa uma menina bem mais
jovem como amante e, sua ex-mulher, mãe de Sean,
praticamente fugiu da humilhação pública ao voltar para
França.
Sorrio e vou direto a minha cartada final:
— Que ótimo... bom exemplo aos jovens... mas,
bom, o senhor sabe que tenho raízes brasileiras... minha
mãe é brasileira e é verdade que o senhor tem uma ONG,
uma casa no Brasil que acolhe crianças cujos pais foram
presos por tráfico de drogas e lá as crianças estudam, há
lazer e aprendem uma profissão?
Isso Jones... cai na minha armadilha, se mostre
um pai bem compreensível, enquanto esconde que ele é
um marginalzinho que assusta meninas na rua com a sua
gangue, fique bem à vontade... esconde a sua cara de
merda nessa máscara, já que chegou a agredir e ameaçar
a sua ex-mulher!
Apoio o cotovelo no joelho, o olhando... só
esperando o vídeo.
Ele diz, todo pomposo:
— Sim, sim... eu sempre quis retornar meu
dinheiro para obras de caridade... o Brasil é um país que
precisa muito, como deve saber, então, a ONG funciona
como uma forma de eu demonstrar todo esse carinho... e
esse cuidado a países menos favorecidos...
Engulo em seco, com vontade de estrangular
aquele imbecil, mas me limito a olhar o tablet para passar
um vídeo.
— O senhor me autoriza a passar um vídeo da
ONG?
Ele olha surpreso e desconcertado, eu tinha
conversado com os advogados dele e os imbecis nem
parar checar como era ou o estado da tal ONG, que
obviamente era usada puramente para lavagem de
dinheiro.
Eu disse que ia passar o vídeo, mas não disse em
quais condições estavam as doações calorosas dele... eu
mesmo legendei o que iria passar... e, para minha
surpresa, no Brasil também havia investigações correndo
contra ele.
Vejo que ele aperta o ponto mais e mais no ouvido,
certamente os advogados estavam discutindo essa
possibilidade, até porque eu avisei que havia um vídeo.
Espero, passando a mão na boca, tentando não rir,
Judy, Moacir e Carl se entreolhavam triunfantes, sim, sim,
senhor O’Neil... essa entrevista vai te favorecer e muito na
sua defesa...
— Hm... Claro... vamos ver... — ele responde
depois de quase um minuto.
Peço para rodar.
O que vemos e o que eu já tinha visto e
legendado, mostrava uma casa caindo aos pedaços,
crianças amontoadas, umas sete em um colchão de casal
no chão, empregados mal humorados que pediam
arrecadamento de fundos nas ruas, a casa, então, tinha
mais problemas de estrutura do que a cara de pau de Tim
Jones, um homem bilionário, sonegador de impostos,
desviando dinheiro para lavá-lo em “obras de caridade”,
uma das meninas, chorava ao dizer que o sonho dela era
tomar banho em água limpa, pois por ser a menorzinha e
ter pouca água, todas as crianças tomavam banho em um
tanque e ela ficava por último.
— O senhor tinha noção que essa é uma só...
essa é só uma... — levanto o indicador, enfático, para a
câmera. — Uma das casas que o senhor gerencia?
Ele tenta esconder o rosto da câmera, os
advogados se alvoroçam como se fosse um ninho de
baratas, onde alguém jogou água quente, pedindo que a
entrevista fosse encerrada imediatamente.
— Não tinha ideia... — recusa Jones ao levantar e
arrancar o ponto, mas ao invés de pararmos a transmissão,
ele joga todo um vocabulário de palavrões para cima de
mim e da equipe. Até ele descobrir que ainda estava sendo
gravado demora uns dois ou três minutos, ele sai de lá
escoltado pelos assessores e advogados.
E sabe o que é melhor? Ninguém pode fazer
nada... eu tinha avisado do vídeo!
Todos querem comemorar, aquele desgraçado
depois daquilo iria amargar um bom tempo na cadeia e,
logo, instituições sérias se ocupariam da ONG, mas eu só
via um rosto com quem queria comemorar... Sugar... eu já
estou indo pra casa... e esse final de semana vou cuidar de
você.

Abro a porta do apartamento e a vejo esquentar o


almoço, a visão que eu tenho não poderia ser mais bonita.
Mesmo com o rosto inchado pela medicação, os
olhos pequenos pelo resfriado, ou a roupa do moletom
larga, os cabelos mal presos, o nariz vermelho e o atchim
para o lado.
— Tô terminando de esquentar o almoço...
Eu sorrio involuntariamente, mesmo que ela quase
estivesse queimando o peixe de ontem, bagunçando minha
cozinha, me tirando da zona de conforto.
Ela era linda...
Naquele exato momento eu posso jurar que já
estou derretido por ela... Sugar, o que fez comigo?
O sorriso com o qual me recebe é tão lindo, tão
adorável e quente, que pela primeira vez desde que me
conheço por gente quero, preciso, almejo que ela...
somente ela me espere chegar em casa e que eu possa a
receber em meus braços, sentir aquele cheiro de tutti-frutti.
Capítulo 13: Yuri

O que acontecia comigo?


Dizem que o proibido sempre é mais gostoso:
discordo...
Ah! Como eu discordo...
Queria levar Lily aos lugares públicos de mãos
dadas, não apenas dar beijos furtivos de manhã ou ter
aquele abraço reconfortante me recebendo durante a
semana à noite em casa, não que eu não gostasse, eu
amava aquilo, mas queria apresentá-la aos meus amigos,
mostrá-la ao mundo como minha.
Fazia quase um mês... e estava sendo tão
maravilhoso, que se eu tivesse um desejo antes de morrer,
gostaria de reviver as alegrias desses dias...
É feriado e escolhemos um programa tão... tão...
tão clichê. Ela se aninha nos meus braços, eu odeio o fato
de ela ser minha sobrinha e ser tão jovem.
Depois da semana intensa de Tim Jones e ela se
recuperando do resfriado e bravamente indo às aulas,
dando aulas, foi quase providencial feriado pegando a
sexta.
Ela afunda o rosto no edredom, que eu fiz questão
de levar pra sala, o esparramando no sofá, eu jamais tinha
feito isso, mas não me importo com o meu TOC ao ouvir o
doce som da risada dela ao ver o filme, qualquer coisa a
animava.
Decidi pedir comida por aplicativo e ver um filme,
chovia, pra variar e era bom não abusar, depois da gripe
forte que tivera, bastava “Trovão Tropical”, que passava no
Telecine e ela ria de perder o ar.
Que inocência...
Que linda...
Quero avançar o sinal... quero tanto avançar o
sinal, já não aguentando mais... que tenho medo da
brutalidade dos meus hormônios em me deixar ainda mais
insano, até que tomo seu queixo e a beijo, ela corresponde
de imediato e vem pro meu colo... ah, sugar, não faz isso.
É a primeira vez que vamos dar um amasso mais
quente... quero que seja mais do que especial pra ela...
quero mostrar que estou entregue...
— Você vai me deixar louco... — suspiro em seu
ouvido, ela ri, ainda hesitante nas mãos, mas nada
hesitante nos beijos, a enlaço, apertado... abraçando...
forte... aquele cheiro de tutti-frutti.
— Yu... Yuri... — ela murmura baixinho em meu
ouvido, me deixando louco... minha sanidade havia ido
embora desde quando a vi no aeroporto, mas poder sentir
aquelas pernas resvalando em minhas mãos, seus
suspiros no meu pescoço e meu nome...
O MEU nome saindo de seus lábios, me devolvem
apenas o que preciso para apertar aquelas coxas divinas e
avançar no beijo, eu apoio suas costas nos meus braços, a
apertando... abraçando... nossas respirações aceleradas
se complementando, essa menina é puro tesão... pura
libido... me deixando ensandecido, olhos semicerrados
respirando o mesmo ar que ela... beijando aquela boca de
Ovomaltine.
— To-to-ca... toca em mim? — ela pede, minhas
mãos pensam mais rápido do que eu poderia imaginar...
passo ambas as mãos pela cintura, meus dedos vibram em
suas costelas, na cadência de sua respiração, até eu
chegar naqueles seios... a meia luz da televisão com o
filme pausado, me dando a visão daqueles seios róseos,
pequenos, puros, parecia um anjo, ela estava quente...
ouso colocar minha boca e sentir o cheiro tão característico
dela.
Meu pau já está melado... pedindo para sair, mas...
calma... calma... tudo a seu tempo... eu sei que ela é
virgem... mas, não vou pensar nisso agora, vou pensar em
lamber seus seios, e em seus gemidos, ela curvando as
costas, serpenteando pelo meu corpo, uma sereia...
esguia, enfeitiçando meus sentidos... o sabor de seus
seios, que cabiam perfeitamente na minha boca, mordo os
bicos, ela reage ao estímulo imediatamente, se derretendo
em meus lábios... vou lambendo o meio de seus seios,
costelas, pescoço, braços... quero lambê-la por inteiro.
Minhas mãos descem até a sua calcinha, a
catarata de seus cabelos jogados por sob meu ombro,
ela... é... perfeita... está úmida e, ao menor dos meus
toques, ela se contorce, o edredom no nosso corpo só
esquentando mais e mais e mais... eu a viro no sofá,
tirando minha camisa, ela morde os lábios e passa os pés
pelo meu abdômen, eu me ajoelho... beijando os pés dela...
— Meus pés estão feios... — ela os tira das
minhas mãos, mas eu insisto:
— São perfeitos... — minha voz sai baixa, grave,
vou beijando seus pés, beijinhos sortidos, subindo...
lambendo a canela, a coxa... passando minha barba pela
sua calcinha... quente... ela está em ebulição.
E eu também sou puro fervor... um fervor quase
febril, me apresso em mais um beijo na calcinha molhada,
seguro com as mãos os seios e subo, lambendo seus
lábios, querendo sentir nossos gostos unidos.
— Se masturba pra mim, Lily... — eu peço,
imediatamente ela cora, as maçãs do rosto ficam
vermelhas, iguais quando esteve com febre semanas atrás,
ela sorri com os olhos, mordendo o lábio... se debruçando
no sofá e eu a estimulo, pegando a calcinha e fazendo com
que entre bem fundo naquela bunda redondinha...
gostosa...
— Em quem você pensa... quando você se toca?
Ela murmura... “em você”, afundando o rosto no
edredom, eu me atiço e beijo aquela puta bunda gostosa
do caralho... Lily puxa o edredom com as mãos, o puxando
com força, se esforçando para não gemer, mas eu não
paro... vou dando beijos na lateral de sua calcinha,
mordendo o tecido e o puxando pra baixo.
— Olha como eu tô... olha o que faz comigo,
sugar...
Ela espia meu pau duro, eu não tiro o shorts ou a
cueca, só quero instigá-la, ela sussurra meu nome, tocando
meu pau com a pontinha dos dedos... involuntariamente eu
cerro meus dentes... caralho!
Quero tanto essa menina... a vejo com um plug
anal com uma pedra rosa, gemendo de prazer, enquanto
eu meto... mas, calma... Yuri... calma... ela sussurra:
— Qu... quero... quero ser sua... — ela diz bem
baixinho, mas perfeitamente audível, arqueio a
sobrancelha, ainda com as mãos na sua bunda, brincando
com as possibilidades maravilhosas que uma calcinha
pode fazer ao prazer feminino... e a minha satisfação.
— Quer? — eu beijo seu rosto, ela vem com a
mão na minha, quase, muito quase... quase rebolando...
quase tocando-se com o dedo... e se tocando pra mim, seu
prazer em primeiro lugar, sugar... sempre.
— Hm... Yu... Yuri... — isso, chame meu nome,
varra de vez o pouco de bom senso de dentro de mim, sua
mão se encaixa no meio de suas pernas, me aproximo de
seu rosto, quero vê-lo se contorcer de prazer... ela expele o
ar, quando sinto que seu dedo, provavelmente o indicador,
se encaixa e logo minha memória me leva ao dia que a vi
se mastrubando...
— Me diz... me diz a sensação... — eu peço e ela
me olha, mordendo os lábios, friccionando o corpo no
edredom, os músculos ora se enrijecendo, ora relaxando...
ela se envergonha e vira o rosto, mas me afundo em seus
cabelos, mordendo a pontinha da sua orelha, lambendo em
seguida, pedindo: — Isso... isso é lindo... me diz... me diz
no que está pensando...
Ela me olha, finalmente, e sussurra:
— Pen...penso... penso em vo...você... hm...
den...dentro de mim... — aquelas palavras tão simples, tão
envergonhadas me deixam ensandecido, beijo seus lábios,
um beijo bem quente, demorado, sinto a sua respiração
ficar mais ofegante e os movimentos se tornarem mais
constantes e rápidos... sorrio em seus lábios quentes,
sorvendo o mesmo ar que ela expele...
— Goza, goza pra mim... goza pra mim, Lily...
Ela solta um murmuro inaudível, a musculatura
toda se concentrando em lhe dar prazer, até que ela tira a
mão do meio das coxas, estremecendo... extasiada...
Eu seguro sua mão e chupo o dedo que estava
dentro dela, querendo sentir seu gozo... querendo sentir
tudo que havia de doce naquela buceta quente... ela me
olha ainda envergonhada... sorri em seguida, eu coloco a
mesma mão no meu peito.
— Eu sou seu...
Ela enrosca os braços no meu pescoço e me beija
desesperadamente, eu a abraço e rolamos pelo tapete da
sala, faz poucas semanas, sugar... eu não posso ir além...
mas, saber que pensa em mim e que confiou em mim seu
orgasmo, já me fez o homem mais feliz do mundo. Terei
calma com você... nunca mais vou te abandonar...
Passamos a noite comendo pipoca com
Ovomaltine... uma tal receita gourmet que viu na internet,
eu não gosto muito de pipoca, mas como... feliz... porque
ela está feliz... ela parece um felino se movendo pelo
edredom, me cheirando, me lambendo, me beijando... ela
está impregnada em mim, caralho... nunca me apaixonei
dessa maneira!
Infelizmente o final de semana passa rápido
demais, já é domingo e ela dormiu no meu colo, ficamos o
final de semana tinteiro conversando, assistindo filmes, nos
atiçando... naquela manhã preguiçosa eu não me mexia
para que ela não acordasse, não queria que esse momento
terminasse, nunca... quando o celular toca e é Ricardo,
instantaneamente nossos corpos se desgrudam e a
chamada de vídeo segue.
— Filha, melhorou mesmo da gripe não tem mais
nada, nada, nada? — sem bom dia ou coisa do tipo,
nonormal
Fui arrumando a farra na sala, quando a minha
mãe se enquadra na vídeo chamada:
— A Lily tá bonita, né, Cardinho? Olha o Yuri ali...
oi, filho!
Eu dou um sorriso amarelo e aceno, ela pede para
que eu vá até lá, Ricardo tem os olhos admirados em mim,
eu sinto, logo... logo me bate aquele arrependimento... há
poucas horas eu pedi para a sua filha se masturbar pra
mim... tento tirar isso da cabeça, enquanto converso com
eles.
— Ela é a filhinha do papai, né, filho? — comenta
a minha mãe que me prensa em uma conversa
desconfortável, “quando vou passar o Natal lá”, “quando
vou voltar para algum aniversário de parente ou
festividades”.
— Ando trabalhando muito, mãe, eu não sei... —
passo a ponta do dedo na lombar dela, a sinto arrepiar... o
que eu havia falado sobre proibido mesmo? Acho que
mudo de ideia, quando vejo seu olhar safado percorrer meu
shorts.
— Verdade, mãe... Yuri é bem ocupado... tenho
visto seus programas no... Twitter, né? Ensinei a mãe a ver
também... a gente não entende tanto por ser inglês, mas eu
fico muito orgulhoso do caçula... — ele diz, minha mãe
concorda.
Eu sei que ando em falta com a minha família há,
pelo menos, uns doze anos, mas não consigo, não depois
de tudo... respiro fundo e digo poucas vezes o que eu vou
dizer.
— Eu amo vocês...
Minha mãe se emociona mandando beijos na
câmera e meu irmão fica quieto, Ricardo, quando está
emotivo fica em silêncio.
— Sua mãe tem falado com você, filha? — outra
característica, ele trocava de assunto quando se
emocionava.
Lily enrola, mas, não... pelo menos desde a
semana do nosso envolvimento eu não vi ou ouvi ela
falando com a mãe, talvez por mensagens de texto.
— Vóóó! E o vô Ciço, como tá, dá um beijo nele
por mim? — ela sempre perguntava do pai do meu irmão, o
avô com Alzheimer, mesmo sabendo que ele mal se
lembrava dela, toda santa vez que conversavam ela queria
saber dele e pedia para minha mãe lhe dar um beijo.
A admiro mais por isso... o primeiro marido da
minha mãe foi um homem bronco na sua juventude, acho
que por isso ela caiu na lábia do “lorde inglês”, que era
meu pai.
Mas, na velhice de Cícero, minha mãe e meu
irmão cuidavam dele, eu pagava uma cuidadora, embora
minha mãe não quisesse.
Ela amava trabalhar na loja e vaidosa como
sempre foi, bonita também, provava as roupas antes. Ela
era muito divertida... pena... pena que eu tinha me afastado
tanto...
Quando a chamada se encerra, sempre rolava uns
minutos de silêncio por minha parte, Lilly respeitava... mas,
hoje, acredito que reuniu coragem de me perguntar o que
nem mesmo eu sabia a resposta.
— Yuri... vai ficar chateado se eu te... — ela hesita,
roendo a unha do polegar, dando passos sonolentos em
minha direção, com um travesseiro debaixo do braço, me
analisando.
— Não, sugar... manda... — digo com um sorriso,
tirando aquele troço debaixo do braço dela e a girando em
pirueta.
— Por que não voltou mais ao Brasil? — ela
pergunta baixando a cadência da voz, receosa.
Não quero que ela tenha receio de me perguntar
nada... mas, os reais motivos... ainda são tão particulares
que... me limito a dizer a verdade generalizada:
— Ah... eu tenho histórico de ser fugitivo dos meus
sentimentos... — a pego pela cintura, esticando seu braço,
como se estivesse dançando em uma música imaginária,
ela me acompanha, passando o rostinho na minha barba,
respirando fundo no meu pescoço... posso jurar que ainda
sinto o suor de seu orgasmo...
Capítulo 14: Lily

Não quero acordar.


Olho pro meu celular tocando Ständchen de
Schubert, meu sono era pesado, mas a melancolia da
música me trazia do sono à realidade num instante.
Abraço o travesseiro fofo, me aninhando ao
edredom e pensando na primeira coisa que me vem à
mente: Yuri.
O que foi esse final de semana prolongado?
Fecho meus olhos não querendo que nenhum
detalhe escape da minha mente e sorrio enfiando o
travesseiro na cabeça, envergonhada... mas... e sempre
existe um “mas”, ele fugia das chamadas de vídeo, fugia
das conversas em família...
Claro que no combo vem o fato de eu ser sua
sobrinha, mas quando ele finalmente me tocou enquanto
eu falava com meu pai, percebo que a ideia já não lhe
parecia tão absurda... tudo porque fiquei doente e não
avisei e pensei numa vida longe dele e desse apartamento.
Ele me ganhou antes mesmo que pensasse que
iria me perder.
Levanto e vou me alongar, ainda ouvindo o som do
meu despertador, logo, logo viriam os ensaios e os
fisioterapeutas ficavam malucos com a quantidade de
torsões, dores e distensão muscular, mas eu tentava fazer
minha parte certinho, me alongando sempre que podia.
Faço o plié, rodo em pirueta, toco meus pés com
as mãos... mas, vou passando a mão pelo meu corpo,
tentando pensar no caminho que Yuri fez... nos dedilhados
finais do piano é como se eu sentisse sua voz pedindo para
que eu gozasse e uma sensação maravilhosa percorre
como brasa meu corpo...
A próxima música 4 impromptus, Op. 90 em ré
maior já me deixa mais desperta, alongo meus braços...
sentindo o respirar dele no meu ouvido, me deixando
envaidecida quando mostra seu... seu pau... dou mais uma
pirueta, mais uma, dessa vez com a perna estendida, elevo
minhas mãos em quinta posição, e giro de novo... e de
novo... até chegar a transpirar.
Tomo um banho rápido e lá está ele... Twitter
aberto, café preto, cookies, agora integrais e light, um copo
de leite puro e uma salada de frutas... eu o beijo.
— Bom dia, lover...
Ele fecha os olhos e pede para eu repetir o “lover”,
me derrubando em seu colo e me enchendo de beijos,
perguntando se eu havia me alongado e se eu estava
pronta para mais uma semana.
— Ao seu lado? Sempre vou estar pronta...
Ele já está vestido elegantemente, com seu terno
cortado em slim, sem gravata, uma camisa branca, calça
social e, o que eu acho um máximo, tênis... já que ele não
aparecia de corpo inteiro, dizia que merecia um tênis allstar
e não o desconforto dos sapatos sociais.
— Um, dois, três... me pega... — corro em
segunda posição, Sean me ergue acima da cabeça, ainda
de mal jeito, como se eu fosse um saco de cimento, mas
fazendo a troca dos pés direitinho e sempre sorrindo, como
eu havia ensinado.
Bailarinos não sentem dor, não podem mostrar
isso ao público.
— Pode me descer, Sean... — eu digo, já ofegante
e não são nem dez da manhã.
Reviso com ele os passos, a sincronia tinha que
melhorar e o “port de bras” dele também, pego a garrafinha
de água e refaço os movimentos junto com ele, até ele me
suspender novamente.
Refazemos os passos à exaustão e treinamos até
passar do meio dia e como ele não reclamou nenhuma vez,
chego a estranhar... o pressiono ainda mais, numa última
ensaiada antes do almoço.
— Essa é a parte que eu mais gosto... — ele
comenta, agora me deslizando pelo seu corpo, suado, me
olhando... de uma maneira... não sei... como se... como
se... como se me visse nua...
Eu me afasto, pegando a garrafinha e colocando
em seu peito, o empurrando, e rindo olhando para o
relógio.
— Passa da hora do almoço... — mal digo isso e
Amanda e Silva correm, com suas sapatilhas de meia
ponta, para me abraçar, Silvia se demora olhando Sean,
que faz um “bu”, ela se assusta e rimos.
— É que... você não tem pinta de bailarino... — ela
tenta se justificar e ele dá de ombros, pedindo licença e
prometendo que estaria ali em uma hora.
Amanda a recrimina:
— Não existe essa de “pinta” de bailarino, Silvia...
preconceito bobo...
Ela se desculpa mais uma vez, mas Sean nem
está mais ali... ele sai e mal o vemos, Silvia comenta:
— Ai, amiga... desculpa se pegou mal com seu
aluno...
Amanda vira os olhos... ihhh! As duas estavam
tretando? Tento dar uma de desentendida e assim como
em uma dança, enlaço meus braços aos delas e vamos ao
nosso point, o lugar que vende suco, salada no pote e um
peixinho grelhado.

— Um, dois, três... e... um, dois, três... pirouette...


assim... — corrijo Sean no movimento delicado da pirueta e
tenho a agradável surpresa de que ele se tornou um aluno
quase exemplar. — Seis e meia... — aponto para o relógio,
já estava ansiosa para encontrar Yuri, mas ainda tinha uma
sessão de fisioterapia marcada.
Alongo meus braços, prendendo o ar.
— Terminamos por hoje, não? — ele pergunta,
apoiando as mãos nas pernas, olhando para o chão e com
a boca aberta para respirar todo o ar que podia, mesmo eu
dizendo incansáveis vezes que a inspiração era pelo nariz
e a expiração era pela boca.
— Sim... mas, amanhã já começamos a fazer a
coreografia inteira... não temos muito tempo...
Ainda não o tinha convencido a vestir colã, mas as
calças compridas de tactel estavam ok e às vezes, ele
ficava sem camisa, apenas com uma regata bem regata...
revelando grandes tatuagens por todo seu corpo, além de
músculos sobressaltados e definidos.
— Ok... — ele conclui, tomando água como se
não houvesse amanhã, eu agradeço e vou pegando as
minhas coisas, quando me lembro e digo: — O pas de
deux, passo em dois, em francês, é acima de tudo
sincronia... todos os meus movimentos devem ser os seus
movimentos... tudo é conjunto, sincronicidade, sabe?
Percebo que suo também e alongando meus pés,
desço em um grand pillé para pegar minha garrafinha de
unicórnio e beber generosos goles d’água, não me
importando que um pouco caia pelo canto da minha boca.
— Enfim, o pas de deux surgiu, pelas primeiras
vezes no século XVIII com a abertura de óperas... a
bailarina sempre tem que fazer os trinta e dois fouettés, ou
seja, eu tenho que girar com a perna esticada, só na ponta
trinta e duas vezes... e você acompanha meus
movimentos, com técnica e precisão... Foi o maior auge do
balé! A primazia das bailarinas... E... Que foi?
Vejo que ele me olha com um sorriso de canto,
recostado de braços cruzados na barra, ainda suado e,
pela primeira vez, reparando nos cabelos naturalmente
loiros e se não fosse o episódio do carro, até era bonito.
— Nada... — ele replica, ofegante, dando impulso
para sair da barra e se aproximando de mim, seu tamanho
e seus músculos não me amedrontavam mais, olho o
relógio da sala, com medo de perder a fisioterapia,
pegando o meu pendrive de música, que eu havia
preparado, a pasta de presença, relatório e vou colocando
na bolsa.
— Acho... bonito o jeito que fala... eu sempre achei
que fosse uma merda isso... — ele aponta para a barra e
para alguns figurinos que estavam ali perto em uma arara
de figurinos. — Achei que fosse coisa de burguês safado
sem ter o que fazer.
Eu sorrio.
— Bom, foi para entreter a crescente classe
burguesa que o balé se reinventou e saiu da atmosfera do
aristocrático... mas, infelizmente, a gente vem ganhando
esse que de ser dispensável... ainda mais o clássico... —
concluo colocando a minha mochila pelo ombro.
Suspiro mais uma vez, estava bem cansada, o
coque ainda perfeito nos meus cabelos com gel de glitter e
uma maquiagem forte, nada tãooo glamouroso, mas
decente para participar dos inúmeros ensaios em que a
gente já coreografava.
— Você realmente é bem geek, não? — ele
implica, rolo os olhos, cruza os braços, complementando:
— Tinha que ser realmente professora de dança e
bailarina... o modo apaixonado como fala, como age... o
balé é seu amante...
Dou uma risada sem graça, mas, sim, era
inegável, eu faria tudo pela dança... “O balé é seu amante”
... repito baixinho em inglês: “Ballet is your lover”.
Volto a pensar na garotinha deslumbrada com uma
propaganda da Ana Botafogo na televisão e tentando imitar
os passos, passando maquiagem da minha mãe e cortando
lençóis para fazer a roupa esvoaçante que ela usava no
comercial.
Foi minha avó quem pagou meus primeiros anos
de balé... Sim, a dona Zefa, que juntava dinheiro e pagava
todo dia doze a escola de bairro em que eu comecei...
droga... rola uma lágrima do meu olho e Sean percebe,
usando o indicador para secá-la:
— Lembranças?
Eu afirmo com a cabeça, muitas lembranças...
suspiro mais uma vez, acabando com a água da garrafinha
e dizendo:
— Cá estamos... mais uma semana... — viro o
rosto para conferir se havia pegado todo o material, quando
sou surpreendida pelos seus braços musculosos num
abraço... forte.
Meu coração galopa, mas não é medo... minhas
mãos tremem, mas não há frio... é estranho...
— Vou indo... boa sessão de fisioterapia, garota do
ônibus... — ele sai, coçando o rosto, realmente o suor
pinica e eu me apresso para não perder meu horário ali
mesmo, na Royal, felizmente chego em cima da hora e
vejo Silvia também esperando.

— Ai, amiga... você acha que ele ainda está


bravo?
Abro uma barrinha de cereal e viro junto com a
água, sentindo o líquido cair pelo meu lábio, limpo com a
palma da mão, meneando um “não”.
— Ai, amiga, que bom... falando nisso... não é
fofoca não, tá? Mas... então, parece que o professor Rocco
Fisher vai escolher a bailarina para a próxima peça de
Natal, eu achei o tema meio brega... — ela revira os olhos,
me tocando com as mãos e me puxando. — Vai ser o
“Quebra Nozes”
Eu paro de respirar... “O Quebra Nozes” era uma
das minhas peças favoritas... Contando a história da
pequena Clara, que recebe de Natal um Quebra Nozes
sorridente, mas, que seu irmão acidentalmente quebra o
bracinho dele... ela acaba adormecendo e sonha com um
mundo fantástico, onde o Quebra Nozes é um belo príncipe
amaldiçoado, que deve lutar contra ratazanas macabras.
Finda a batalha, Clara e o Príncipe, o quebra
nozes, vão a reinos fantásticos... o reino do chocolate da
Espanha, do chá da China e por aí vai... a apresentação
acaba com um lindo pas de deux de Clara e o Quebra
Nozes, após a menina acordar, ela fica triste que tudo foi
um sonho... mas, o Quebra Nozes está em um local
diferente de onde ela tinha deixado... é uma história
linda...onde todos os dançarinos brilham...
— Ai, Amiga!? Lily... LILY!
Eu olho para Silvia que está emburrada, dizendo
que eu não prestei atenção nela nos últimos minutos...
peço desculpas, pensar naquela linda história em cenários
e, talvez, fazer parte daquilo me dava uma alegria que
chegava a aquecer meu coração.
— Já se vê como Clara, amiga? — ela me
pergunta de um jeito que... não sei, não gosto, nego com a
cabeça e digo:
— Qualquer papel é lindo nessa peça... Tem a
tropa do quebra nozes, o rei ratazana e seus soldados... o
figurino eu vejo em púrpura e preto... qualquer papel vai
brilhar...
— Mas, a Clara é a principal...
— Bom, a Clara passeia por vários mundos, com
várias fadas... todas elas vão ganhar destaque em um pas
de deux, ou em um mini-solo de apresentação do reino...
— Mas, a Clara é a principal...
Desisto de falar. Sempre era assim, Silvia tinha
umas ideias fixas, claro que a Clara era a principal, mas
todos os papeis eram importantes, a Clara não iria
apresentar o “Quebra Nozes” sozinha... além disso, quem
dá título é o “Quebra Nozes” e não a Clara...
Finalmente meu nome é chamado e descubro que
Silvia estava ali só me... esperando? O que ela... bom,
deixa pra lá...
A fisioterapeuta que me atende é simpática, um
sorrisão no rosto, cabelos bem vermelhos em uma trança,
com uns frios de cobre indomáveis, ela pede pra que eu
me sente na maca e faz os procedimentos de rotina,
alongamentos e uns puxões. Anota tudo num papel e pede
para que eu me pese, ah! Momento tenso... fico pensando
na quantidade de Ovomaltine que ingeri e na água que eu
tomei feito desesperada...
— Lily... você perdeu muito peso... tem se
alimentado direito?
Fico confusa... ué! Coloco a mão na barriga
imediatamente, tentando medir com as mãos.
— Sim... na verdade, tenho extrapolado um pouco
aos finais de semana... — confesso, sem graça, ela sorri e
pede para ver meus pés mais uma vez, dando uma boa
estalada.
— Bom, vou pedir para que coma mais proteína...
mas, de resto está tudo bem, tem se alongado bem, usado
as sapatilhas adequadamente... quer fazer alguma
pergunta?
— Pílula... pílula anticoncepcional... — não sei de
onde eu arranjo coragem para pedir, mas peço, ela
continua sorrindo e anota em um de seus papeis uma ida
ao ginecologista e uns exames de sangue.
— Se der uma corridinha amanhã, na hora do
almoço, você pega o consultório dele aberto... e o exame
de sangue é em jejum, pode ser feito no sábado. — ela me
explica passando o telefone atrás de um cartão, se
sentando e me entregando. — Faça antes das audições
começarem porque senão, você sabe... a loucura que
fica... — seu sorrisão me contagia e eu pego toda feliz os
cartões, o exame... eu nunca tinha pedido...
anticoncepcional... mas... eu quero... com Yuri...
Ando com esses pensamentos distraidamente pela
Royal Academy, minha Hogwarts particular, me sentindo
uma mulher completa.

Naquela semana eu e Yuri ficamos de namoro por


mensagens, ousei mandar umas nudes e ele me atiçava
dizendo o quão bonita eu estava, eu sempre via o jornal via
Twitter, mesmo mostrando a língua pra Judy toda vez...
Ele ficou de plantão aos finais de semana desde a
casa de Tim Jones O’Neil, pai de Sean, mesmo ele nunca
falando nada sobre isso... até a delegacia, almoçando por
lá e dormindo em um hotelzinho à paisana para ver se
reunia mais material, ele queria fazer um dossiê completo
de tudo que Tim Jones tinha feito... parecia que envolvia
aliciamento de menor também.
Claro que eu entendia e não me importava mais de
ficar sozinha no apartamento, porque eu não estava mais
sozinha... ele estava ali, em mensagens, em áudio, no meu
coração...
Depois da consulta, dos exames darem ok e da
medicação sendo tomada fiquei bem melhor. Os ensaios
para o “Quebra Nozes” estavam a todo vapor, deixando
Sean maluco e eu também, tínhamos tão pouco tempo de
aula que mal conseguia passar a coreografia do corpo de
baile pra ele, mas, finalmente, ele iria se ver livre do balé.
Na primeira semana de outubro, o friozinho do
outono já dava o ar da graça, fiz uns cálculos mentais...
fazia quatro meses de Londres! Entrei no ônibus indo para
a Academy, quando sinto um peteleco no meu coque, era
Sean.
— A garota do ônibus pegando ônibus... isso está
mais do que clichê...
Vejo que ele também está mais agasalhado, um
piercing tinha sumido de sua sobrancelha, os cabelos
completamente loiros, bem aparados, assim como a barba.
Com sobretudo em látex ele parecia ainda maior. E
os espinhos no coturno exageradamente pontiagudos, se
um pombo caísse ali, seria empalado.
— Bom dia, Sean... ainda bem que é sexta, né? —
uso o indicador para levantar o rímel do meu olho direito e
percebo que o tempo está fechando.
Chegamos na Royal e ele parece muito mais gentil
do que o habitual, tagarela, até! Que milagre... me
enchendo de perguntas sobre meu final de semana, bom,
Yuri ainda estaria de plantão, então... ficaria pensando em
nudes, mas digo:
— Comprei uns livros essa semana... acho que
vou ler, ver série, escutar música...
Silvia estava certa!
Realmente o gran-bailarino Rocco Fisher estava
lá... o homem era uma lenda! Absolutamente elegante em
trajes brancos, seu rosto fino e longo, olhos pequenos,
azuis e perspicazes, o lábio também fino... ora, lhe dando o
ar de homem fino que era.
Rocco era bem alto, mais alto do que eu
imaginava ou via nas coreografias na Internet, um porte
invejável, passando por nós, enquanto o pianista terminava
solenemente Waltz in Dó menor de Chopin, até Rocco ir à
nossa frente, tirando o casaco e dando a sua assistente,
arrumando os cabelos grisalhos e dizendo:
— Todos sabem a história de Clara, a menina que
recebe um quebra-nozes de Natal de seu padrinho... claro
que as versões mudam... — ele gesticula com a mão,
enfático. — Mas, na Royal, a tradição é suprema: dois atos,
duas Claras... a menininha que recebe o presente e... a
mulher que seduz o príncipe enfeitiçado... o Quebra
Nozes...
As meninas suspiram e os meninos ficam
apreensivos, Sean está com uma cara de tédio, mas nada
me tira da cabeça que ele está prestando atenção em tudo.
— Eu quero muito... — continua Rocco. — ...
quero muito ser surpreendido! Não só por Clara, mas pelas
fadas dos reinos, até porque... a Rainha vai vir nos
prestigiar na noite de estreia!
Ninguém mais consegue segurar o espanto e as
palmas invadem o salão, até o pianista bate as mãos nas
teclas, sem querer... a estupefação é tão grande que as
meninas dão pulinhos, os meninos, com suas vozes graves
não param de comentar e o alvoroço toma conta por alguns
minutos, até Rocco pedir silêncio, mas não escondendo o
imenso sorriso de orgulho.
— Eu sei... eu sei... então, além, é claro da
segurança ser reforçada, todos terão chance de bons
papeis, mas, aqueles que ficarem no corpo de baile
também tem que brilhar! Tudo tem que estar perfeito! Não
é só a Clara ou o Quebra Nozes que devem ser perfeitos...
— ele bate uma mão na outra. — O balé é classe, beleza,
disciplina, mas, principalmente... sincronia! Segunda-feira
às sete da manhã começam as audições de cinco minutos
para cada um... aproveitem e testem a coreografia que
vocês já devem ter em mente... E, ah! Algo importante...
considerem um salário, os principais terão bônus... isso é
tudo, bom dia... — ele sai em meio a protestos dos
bailarinos querendo saber mais sobre a rainha, ou exigindo
ter mais de cinco minutos.
Eu fico em silêncio, segurando a barra com tanta
firmeza que a minha mão chega a doer... “Tenho que dar
certo”, penso, em seguida a música recomeça, e a
professora MaidLaine volta com a coreografia.
O treino foi tão intenso que há tempos não sentia
minha perna doer, Sean, mesmo em outra sala, com alunos
iniciantes em um curso de outono/inverno também parece
exausto, nos esbarramos ao longo do dia, a professora
Maidlaine cada vez que passava por mim soltava um elogio
bem baixinho, o que me deixava orgulhosa e fazia eu pegar
cada vez mais pesado.
Quando deram seis da tarde eu estava tão
cansada que só pensava em chegar em casa, tomar um
banho e dormir... na cama de Yuri, assim poderia sentir o
cheirinho amadeirado dele, olho o celular e vejo que minha
mãe está me dando bronca por não postar muito nas redes
sociais, reviro os olhos, até eu ver a mensagem dele...
Sugar,
Tive uma viagem de última hora para Paris, parece
que tenho um contato por aqui, volto final de semana que
vem, te ligo assim que puder,
Seu,
Y.
Meu coração aperta.
Ele tinha me dito sobre informantes na França
durante a semana e tudo que envolvia os riscos da sua
profissão, fico com a impressão dele não poder me dizer
tudo, então, só respondo:
Fique Seguro...
Me mande mensagens... Sempre sua...
S.
Ando devagar até a saída, onde uma onda de
bailarinos comenta as falas de Rocco, Amanda vem ao
meu encontro e me puxa pelo braço, meio pálida.
— Lily, eu acho melhor a gente isolar a Silvia, eu
não tenho gostado de umas atitudes dela... — ela está com
as mãos meio trêmulas e seu tom de voz está mudado,
nunca tinha visto minha amiga daquela maneira, tento lhe
dar suporte, ignorando a dor na panturrilha e vejo que ela...
ela tem chorado...
— Meu Deus, Amanda... o que aconteceu? Você
está trêmula... — eu a abraço, ela não me diz o que é, os
olhos cheios de lágrima, no impulso eu digo: — Quer
dormir em casa? Yuri está em uma viagem a trabalho, ele
não se importaria nem um pouco, a gente... a gente pode
conversar... lá, numa boa...
Ela nem questiona e vem andando depressa ao
meu lado, até Sean nos interceptar, extremamente
ofegante:
— Meninas... eu levo vocês pra casa, vai chover!
— Mas, você veio de ônibus....
— Eu peguei na hora do almoço...
Nem questiono a tamanha discrepância das
palavras dele, aceito sem hesitar, Sean não diz nada no
caminho, Amanda mal entra no carro e nem se importando
com companhia dele, diz:
— A Silvia... ela... começa fazendo poucas coisas,
Lily... se fazendo de amiguinha... chegando perto... — o
inglês e o português de Portugal soam estranhos aos meus
ouvidos, mas eu faço o máximo de atenção para entendê-
la.
Sean olha preocupado pelo retrovisor, atento.
— O que ela fez com você? Por que está assim?
— digo, calma, tentando entender em que ponto as coisas
entre as duas deram errado, imagino mil coisas, ela olha
pra mim e em seguida para o Sean.
— Ela começa com poucas coisas... por exemplo,
minha sapatilha novinha sumiu... eu achei depois na
máquina de lavar! Novinhas, Lily... depois... sumiu
cinquenta libras do esconderijo que eu deixo para
emergência... — ela balança a cabeça, tentando se
concentrar... — É numa caixinha de corda, onde tem uma
bailarininha... aí sumiu... a única pessoa que sabia era ela,
Lily... eu juro por Deus... aí... ela me disse o tema que era o
“Quebra Nozes”, como ela soube? Era segredo até hoje!
Ela contou pra você?
Me lembrei de quando ela me disse pouco tempo
antes de eu entrar pra a consulta com a fisioterapeuta,
contou de “O quebra Nozes”, mas eu nunca... quer dizer,
nunca pensei que tivesse descoberto de maneira
desonesta.
— Contou... mas...
Amanda quase grita na minha orelha, me deixando
meio aturdida:
— Lily, você não tá entendendo... Ela transou com
um dos professores pra conseguir essa informação...
— Você não sabe se foi assim, Amanda... — tento
ponderar, Sean passa numa lombada, sinto o suor escorrer
pelo meu rosto, ela me agarra com mais força e diz:
— É isso que eu te disse! Ela vai aos poucos... e
ela começa aos poucos, ela me disse, Lily! Ela me DISSE!
— a ouço se exaltar, mas tento pensar racionalmente.
Amanda poderia ter perdido o dinheiro, a sapatilha
foi colocada sem querer, e, sobre o professor... eu não era
a pessoa que poderia julgar isso... e a informação poderia
ter sido compartilhada apenas por pessoas próximas a ela.
Amanda é uma mulher muito bonita, educada e
talentosa, nunca a tinha visto tão abalada ou me olhar
naquela maneira tão suplicante. Eu digo:
— Isso não é ilegal... nem o lance das sapatilhas.
Quanto ao do dinheiro, claro que acredito em você... isso é
horrível, mas, Amanda... por que você ficou assim justo
hoje?
— Porque ela disse na minha cara, Lily, na minha
cara que eu sou... hm... — ela olha para o lado,
esquivando, com os olhos cheios de lágrimas, eu me
exaspero e digo mais alto do que gostaria:
— É o quê? Me fala... você tá me deixando
assustada!
— Que eu sou apenas uma pretinha e que não
deveria estar dançando... deveria estar... estar...
Eu a abraço forte, não deixo que ela conclua as
palavras horríveis que a machucaram tanto... fico em
choque... Amanda é uma jovem negra, sim, orgulhosa de
sua cor, linda, talentosa e extremamente gentil e meiga.
Sean ficou tão furioso, que deu um murro no
volante, gritando que deveríamos a denunciar por racismo,
mas Amanda segurou meus braços e gritou:
— Não! Não... eu não quero... se isso vier à tona,
meus pais vão me levar de volta pra Portugal e nem a
oportunidade de fazer o teste eu vou ter... ela vai inventar
um monte de coisas de mim... ela... ela é má, Lily...
— Ela é uma desgraçada... — murmura Sean,
mordendo os nós dos dedos com força, eu seguro as mãos
da minha amiga, não sabendo o que dizer, nunca sabemos
o que dizer... engulo um nó espinhoso, que chega a me
engasgar, me sinto mal... como eu não percebi isso antes?
Chegamos no apartamento do Yuri e mal Sean
estaciona e vimos a Silvia... co-co-como era possível?
Amanda e eu gritamos para Sean pegar outra rota, mas ele
diz firme e decidido:
— Vamos pra minha casa... — ele canta pneu e
faz uma loucura na rua, mas eu nem ligo mais... tudo que
eu quero é dar jogar minha sapatilha de ponta bem pesada
na cara daquela menina!
Amanda apoia a cabeça no meio de suas pernas
com as mãos na cabeça, pressionando pra baixo.
— Por que você está com medo de ir pra sua
casa? — Sean pergunta, ignorando as buzinas e todo auê
que se forma, ela engasga um pouco com as lágrimas, mas
acaba falando de modo tão rápido que eu mal consigo
acompanhar.
— A gente... a gente...
Sean quebra seu silêncio e conclui:
— Você e ela estavam tendo um caso?
Ela o olha assustada, mas com um misto de alívio
e apreensão, confirmando com a cabeça, olhando para
mim em seguida:
— Desculpa não ter te contado, Lily... eu... eu só
queria... achei que ela gostasse de mim...
Eu a abraço, não me importando com nada. Agora
imagino como ela deve estar ferida depois que Silvia disse
que transou com um professor, bem, se é que era verdade
ou ela só quis magoar ainda mais a minha amiga.
— Não tem problema nenhum... eu... bem, eu que
me afasto também das pessoas... fiquei tão focada nas
aulas e em tudo que mal tive tempo de falar com vocês...
ela está morando com você?
— Não... quer dizer, ela fica um tempo lá... aos
finais de semana... — ela confessa, sinto minha cabeça
explodir e vejo meu celular apitando, minha mãe.
— Droga... — xingo baixinho agradecendo por não
ser uma chamada de vídeo.
— Lily... atualiza seu Instagram... faz dois dias, já!
Vai perder o selinho de verificado, hein? Uma loja daqui
pediu pra você fazer uma publi, o Gean Luca ficou
fascinado pelos produtinhos... vou passar o endereço do
seu tio, depois você manda pra mim?
Meus lábios ressecam na mesma hora. Eu não
acredito que a minha mãe depois de quase duas semanas
sem falar comigo, me liga pra falar de publicidade! para
não criar caso eu digo que vou postar umas fotos mais
tarde e faço uns stories... ela se contenta e desliga.
Ainda bem que eu tinha falado com a minha vó
mais cedo e pude ver meu avô um pouco pelo celular dela,
enquanto meu pai trabalhava... expeli o ar, com a minha
amiga ainda chorando, agora em meu colo, quando vejo
um portão imenso acobreado, vazado e um jardim que
parecia ser do paraíso!
Árvores altas, dois espelhos d’água cercados de
moitas perfeitamente simétricas e, ao fundo, uma casa
enorme, parecia um palacete, gente! Uma guarita com
homens uniformizados que acenaram para Sean entrar, ele
esterça pela direita, esquerda, até chegar em uma
garagem com mais, pelo menos, cinco carros e uma moto.
— Você mora aqui? — pergunto embasbacada, ele
fica meio sem graça, quando Amanda também olha o local
e faz coro com a minha pergunta.
— Você mora aqui!? — ecoa Amanda, ele acena
com a cabeça brevemente e nós duas ficamos espantadas,
uma olhando pra cara da outra, pegamos nossas mochilas
quando ele pede pra descermos.
Entramos por um hall absolutamente majestoso,
portas e vitrais de vidro, duas escadas para o andar de
cima, algumas pessoas que parecem ser empregados do
local, um lustre imenso reinando pela sala iluminada.
— Você tá sozinho? — pergunto, enquanto ele
anda pelo local absolutamente acostumado com aquelas
botas e eu que tenho medo de sujar qualquer coisa,
Amanda parece à vontade também, afinal, a casa que ela
tinha alugado era... putz, né?
Eu procuro meu gloss e os acompanho até a porta
de um dos quartos, meu olho espicha diante daquele
glamour todo.
— Seu namorado está acompanhando o caso do
meu pai, não? — era a primeira vez que falávamos sobre
isso.
Pois é, Yuri não iria deixar barato as coisas que
Tim Jones O’Neil havia feito, ele dá de ombros e resmunga
algo como “tomara que ele se foda mesmo”.
A gente é conduzida pra um quarto imenso,
pintado de preto, com pôsteres de banda, luzes de neon,
mas extremamente limpo e organizado, uma cama imensa,
cabem umas... sei lá, quatro pessoas, deslizo a mochila do
braço e Amanda pede pra usar o banheiro, antes ela me
olha confusa e entrepõe:
— Eu tava pensando... pera um pouco, Lily, Yuri, o
jornalista? Não é seu namorado, não, Sean, seu doido...
ele é tio dela... — e corre para o banheiro, ouvimos o
chuveiro, até que ele me encara:
— Ele é seu tio?
Eu me viro para Sean, estava admirando a beleza
daquele quarto amplo, moderno e todo diferentão, e
respondo:
— Por parte de pai, só...
Ele arqueia a sobrancelha, daquele jeito tão único,
que pelo que eu conheço não o convenci... estremeço.
— Continua sendo tio... por que não me disse?
Tentei argumentar que na época achei graça ele
achar que éramos namorados e depois o tempo foi
passando e esse detalhe me passou despercebido, ele
retruca:
— Detalhe? — ele arqueia mais a sobrancelha,
dessa vez chegando mais perto de mim, um olhar de lobo...
caçador, algo que me faz estremecer, não estava
esperando.
Ele se aproxima de mim, perto de um de seus
pôsteres, a voz mais baixa e grave, sussurrando:
— E eu louco... louco pra confessar o quão atraído
eu sou por você... — seus lábios se resvalam aos meus,
antes que eu pudesse empurrá-lo, ele segura as minhas
mãos, as beijando delicadamente, quando Amanda sai do
banheiro e ele se afasta.
— Sean? Se importa de eu pegar uma blusa sua?
— ela havia colocado um robe dele, que evidentemente
estava imenso para ela. — Eu... gente, desculpem mesmo
todo o transtorno, mas quando vi a Silvia na frente do apê
do seu tio achei que iria desmaiar... e olhem aqui... tem
quase cem coisas dela entre telefonemas e mensagens...
não sei se devo abrir ou...
Sean toma o celular de suas mãos, colocando no
bolso de trás, indo até seu imenso armário e jogando uma
de suas roupas folgadas, que para nós ficaria um vestido, e
insistindo que ela ficasse à vontade.
— Aproveitem e fiquem aqui esse final de
semana... — ele oferece, Amanda me olha, aquele par de
olhos de gatinho do Shrek e pede:
— Só se ... só se a Lily ficar também...
Eu sorrio e vou até minha mochila ver se tenho
algo por lá que me permita ficar um tempo fora, tô sem
carregador, mas Sean afirma que tem um extra sobrando.
— Desde que a gente fique no quarto de visitas...
e que você avise alguém...
Ela corre e me abraça, ele acena um “sim” com a
cabeça, mas não sei o porquê, um comichão me diz que
aquilo nem de longe foi uma boa ideia.
Capítulo 15: Yuri

— Aquela proposta foi obscena, Judy... —


reclamo, num bistrô qualquer, numa viela de MontMartre.
Não era por que era Paris que tinha que ser um
luxo, pelo contrário, há duas semanas eu dormia em uma
toalha no chão, quando conseguia dormir, o clima frio
assolando esse lugar e eu, Carl, Moacir e Judy socados em
um hotel para rastrear a ex-mulher de Tim Jones: Desiré
Marie O’Neil, agora só Desiré Marie Du L’air.
Conseguimos depois de horas de negociação um
tempo com ela, exaustivo mesmo... eu estava tão cansado,
irritado e exausto, que nem me lembrava do que era uma
ducha quente, fora a saudade que tinha de Lily, o que me
motivava a ficar aqui, às três e quarenta da manhã olhando
o imenso vazio povoado por bêbados errantes.
— Foi... mas, é o que a gente tem... desde quando
você foi puritano desse jeito? — ela sussurra, me
encarando, Carl e Moacir estavam na rua, vendo qualquer
movimentação, com celulares a postos para gravar
qualquer coisa.
Eu tomo um pouco de café, mas aquilo estava tão
aguado e sem graça que por pouco não estourei a xícara
do outro lado da espelunca parisiense que nos
encontrávamos: sujo, um tom de verde parecendo a sopa
de ervilhas da menina de O exorcista, pessoas estranhas e
mal encaradas, pó por todo lado, rachaduras... já estou tão
puto, que digo:
— A mulher pediu pra eu foder! Foder ela! O quão
normal você acha isso? Tudo isso por causa de um furo?
Duplos sentidos à parte... — resmungo, dando uma risada
irônica e abafada, vejo aquela mesa engordurada, o
carpete comido por sei lá o quê!, e a meia dúzia de gatos
pingados que impedem o dono do bistrô de fechar de vez
as portas.
Não era pra esse tipo de Paris que eu queria trazer
Lily... pelo contrário, a “cidade do amor” seria o mais doce
que eu poderia oferecer à minha Sugar... pensava nos
passeios nas galerias de arte, Louvre, claro, Torre Eiffel,
restaurantes e o clássico beijo na avenida dos cadeados do
amor.
Judy apoia as mãos no rosto e não posso acreditar
que ela tem mais de cinquenta anos! Deus, ela não só está
conservada, mas a cada dia mais bonita! Judy é uma
mulher de uma beleza natural: cabelos pretos, olhos
expressivos de um azul quase translúcido, a pele morena
de sol e a boca definida, carnuda, o pescoço liso, se ali
tinha alguma plástica, eu desconhecia...
— Não vai mesmo me contar o que está havendo?
Como se visse através de mim, a pergunta é óbvia
que não se trata da foda que a ex-mulher de Tim queria,
não, tento manejar a conversa, mas ela é experiente,
muito mais que eu... rápida no raciocínio e nas palavras,
uma jornalista investigativa de se tirar o chapéu.
— Ainda me lembro da primeira vez que te
conheci... — ela diz, me cortando, tomando sua bebida aos
poucos e me encarando.
Sim...
Eu sei. Ela iria pelo lado emocional, o que me
derretia...
Eu tinha acabado de entrar em jornalismo no Brasil
quando meu pai foi assassinado cruelmente num sequestro
relâmpago, nunca acharam o assassino e eu quis fazer
justiça com as minhas próprias mãos.
Meu pai era inglês e conheceu minha mãe nas
férias, em São Paulo, ela ainda era casada com o pai de
Ricardo, os dois trocaram tudo que tinham que trocar e
como ele queria ir embora atrás de novas oportunidades,
sei lá... talvez fosse amor mesmo, acabou amasiado com a
minha mãe, até eu nascer, quando se casaram.
Depois da morte dele, usei minha dupla cidadania
para cair fora de São Paulo, vindo parar aqui em Londres e
me envolvi com gangues, com os hoolingans, eles
pareciam uma família pra mim, mas tudo veio abaixo no
mestrado...
Quase bombei, fui preso por pequenos furtos e
vandalismo e foi aí que Judy entrou na minha vida, como
minha coorientadora, ela acreditou em mim e contra tudo e
todos ela me colocou como redator de um jornal pequeno,
mas de prestígio, comecei com crônicas e pequenas
entrevistas. Dolores, a senhora que trabalha em minha
casa, não me deixava faltar a um dia de trabalho.
— Eu sou muito grato a você... por tudo... — digo
sinceramente, me lembrando das várias noites que ela me
acolheu em sua casa, me dando conselhos, me ajudando
com os estudo e com o final do mestrado, indo para o
doutorado... ela me dava apoio e o resto também...
— Mérito seu, Yuri. Sua tese de doutorado é
referência sobre hooligans, ganhou visibilidade com ela,
abandonou seu coturno, os piercings, o cabelo espetado...
só não moveu a sua bela tatuagem nas costas... — ela me
olha cheia de orgulho, eu sorrio, sem graça... ainda bem
que nem fotos daquela época eu tenho.
— Então, finalmente está apaixonado?
Engulo em seco, tentando dizer prontamente
“não”, mas seus olhos eram como lagos cristalinos, que
podiam refletir o fundo do meu coração... da minha alma...
— Estou... — disse, finalmente, expurgando
aquele sentimento que apenas Carl conhecia tão bem.
Ela não mostrou surpresa, perguntou quem era e
eu abaixei a cabeça, envergonhado:
— Lily...
Aí ela mostrou espanto:
— Sua sobrinha?
Vejo suas pupilas dilatarem e as unhas longas e
esmaltadas, mesmo lascadas, mantendo a pose ao
tamborilarem pela mesa de gordura.
Afirmo que “sim” com a cabeça, ela se recosta na
cadeira.
— Minha sobrinha... — replico, como um eco, me
enchendo de culpa e remorso, abaixo a cabeça, até que
Judy diz:
— Na história sempre houve casos assim...
Tutankhamun, a dinastia Habsburgo, até mesmo Darwin,
que se casou com a prima de primeiro grau... fora a
dinastia Romanov, os Bourbons, Octaviano, imperador de
Roma, com a irmã... Octaviana; é histórico, não? — ela
bebe mais do que me parecia água suja, ainda olhando
para mim, eu concordo.
A sopa rançosa dela chega e cessamos a
conversa por alguns minutos, assim como meu muffin, não
sei o porquê eu como muffin... odeio muffin... ainda mais
aquela coisa dura e meio mal cheirosa. Tô louco pra essa
reportagem acabar.
— Eu sei dos casos históricos, mas... pelo amor
de Deus, estamos no século XXI! — retruco, irritado, jogo
o muffin na porra da mesa e afundo minha cabeça nas
mãos.
Ela parece impassível, mas eu sei que está
chocada... eu sinto... e talvez fale tudo isso para que aceite
a proposta absurda de Dessiré.
— E eles estavam na modernidade deles, Yuri...
eu sei que é tabu, eu sei que as pessoas julgam, mas se
você se julgar desse jeito... com as pessoas vai ser pior! —
ela diz, pela primeira vez alarmada.
— Claro que eu tenho medo, Judy, ela é minha
sobrinha... — abaixo a voz, irritado, cerrando os dentes, ela
me ouve: —Tenho medo por ela, por mim, pelo meu
emprego, pelo emprego dela... por nossas carreiras... você
sabe muito bem que a “culpa” — faço aspas com as mãos.
— A culpa sempre vai ser da mulher...
— Vocês já... — faço que não o mais rápido que
eu posso, ela suspira fundo e me dá o mesmo conselho
que Carl: — Você tem que viver essa paixão... se é isso
mesmo, se evoluir para algo a mais que isso... vão lutar,
não é?
Eu não sei como responder aquilo, Judy tinha
noção da gravidade do problema?
Minha família... minha carreira, a de Lily, que
estava começando a despontar, mesmo assim... eu quero
ousar mais, eu ousei mais... troco nudes com ela pelo
celular... ela foi tão madura em entender a importância
dessa reportagem na minha carreira.
Judy continua:
— Woody Allen está aí pra provar que
relacionamentos não impedem carreiras de decolar...
Eu rio com a comparação de modo exagerado, me
recriminando em seguida, aquilo estava mais silencioso
que um cemitério.
Woody Allen havia se casado com a filha adotiva e
tinham especulações de que ele havia assediado a outra
filha adotiva.
— Filhas adotivas, Judy...
Ela sorri de maneira sarcástica e me fisga.
— Pelo fato de serem adotivas são menos filhas,
Yuri? Ou é só o laço sanguíneo que importa? O sentimento
não conta, não é maior? Está me dizendo que mães de
filhos adotivos não são mães por causa do laço
sanguíneo? Fale isso para uma mãe... para um pai...
Eu me envergonho, mais uma vez ela estava
certa... que preconceito o meu... ainda mais porque Judy
havia sido adotada e eu me recrimino por isso.
— Desculpa... — falo de modo sincero, já
esquecendo o que era comer ou beber naquele lugar,
aquela conversa, como sempre, era muito reflexiva, Judy
me colocava para pensar...
— O preconceito vem de todos os lados, Yuri... Por
você ser mais novo, bem mais novo, acha que eu não sofri
represálias? Quando eu paguei sua fiança me chamaram
de vários nomes...
Eu a fito, eu nunca havia perguntado nada sobre
isso e me envergonho por ter sido tão egoísta naquele
tempo...
— Ela é sua sobrinha e eu sei que isso é algo
socialmente repugnante e um teto de vidro para qualquer
um... mas, pensa... você pode tentar, ou se arrepender de
nunca ter tentado nada...
Ela sorri, mexendo na borda da xícara e lambendo
o pouco do que era pra ser cappuccino, Judy me tirou de lá
para ser o orgulho da família e da Daily... pego suas mãos,
as beijando.
— Você é incrível... — digo e ela sorri, voltando as
mãos para a bolsa, deixando o resto no fundo da xícara,
creio que ela estava tão repugnada quanto eu, desligo o
Wi-Fi do celular e só tenho tempo de ver uma mensagem
da minha Sugar, mas não posso olhar... Carl e Moacir
fazem um sinal para acompanhá-los, eu pago o homem
que espicha os olhos para nós e saímos pela madrugada
fria.
Chegamos na espelunca em que havíamos
alocado, todos nós tensos, em frente à uma calefação
porca, horrível, meu TOC subindo até meu último fio de
cabelo e a maldita enxaqueca.
Pela primeira vez vi Carl sem fazer piadas e
Moacir assustado real, até Judy, que era tão vaidosa e
elegante, tinha deixado o cuidado com os cabelos, feito um
rabo de cavalo frouxo e tirado o esmalte com os dentes.
Eles me encaram, sérios.
Engulo sei lá o que... minha respiração pesada e
tensa... olhando aquele moquifo, cafofo, pavoroso em que
a gente se encontrava, já viram uma barata parisiense? É
do tamanho de um rato... meus pensamentos sobre essas
comparações são cortados por Moacir:
— Ela mostrou todos os documentos da lavagem
de dinheiro, aliciamento de menores, nomes, datas,
locais... áudios, fotos, vídeos... testemunha chave no
Brasil, Estados Unidos e aqui, que estão dispostos a
colaborar com a imprensa... vamos ganhar um prêmio por
isso! — ele se estabana todo pra falar, algo raríssimo de
acontecer... até que ele diz em português mesmo: — Tem
noção que a gente pode concorrer a um Pulitzer? O... O
Pulitzer... — diz ele, enfatizando tanto, que parece que não
sei o que é.
Respiro resignado, há uma semana eu tinha
recebido a proposta... e há uma semana eu só não tinha
feito nada com ela, por Lily.
— Eu poderia ter um prêmio Pulitzer na minha
estante... — reflete com um certo ar de inocência
pecadora, Carl, a quem eu já tinha contado sobre Lily...
inclusive da minha aproximação mais recente, porra... ele
era meu confidente e estava compactuando com aquilo?
— Gente... eu sei... mas, puta merda! A moça quer
me comprar... ela quer que eu coma ela em troca dessas
informações que a gente acha que ela tem... e se ela não
tiver? — tento dizer o mais insanamente possível, mas
não... ela tinha... ela tinha provas por A mais B, eu que
estava querendo sair daquilo.
Moacir dá uma gargalhada abafada e seca, Judy
escapa uma risada irônica pelos lábios e Carl balança a
cabeça incrédulo, dizendo aos demais:
— Vão dar uma volta... vou falar com ele...
E sem protestos eles foram, era melhor o frio lá
fora do que essa espelunca, que poderia desabar pela
minha cabeça.
Após saírem e Carl conferir que estávamos
sozinhos, ele se aproximou cauteloso de mim, eu mordia
os nós dos meus dedos com força, com raiva... tanto que
ele tirou a mão da minha boca, agachando, perto de mim,
como se consolasse um animal de rua.
— Ela disse que só entregaria todas as
informações, completas se você transasse com ela... ela
disse isso na primeira entrevista assim que te viu... — ele
se lembra, não sei exatamente onde vai dar o rumo da
conversa, mas ele continua, ainda cauteloso. — Ela disse
que sempre teve tesão em você, quando te via nos jornais
e que quer transar com você também porque que via nos
seus olhos, olhar de um homem apaixonado e que queria
se sentir viva... disse que entregaria tudo contra Tim O’Neil
se você a convencesse durante o... — ele faz um gesto
com as mãos, sem dizer a palavra sexo. — E que seria
uma noite e te deu só mais 24 horas pra pensar... — ele
suspira bem fundo olhando nos meus olhos. — Lily vai
entender.
Eu o empurro, bruto, quase berrando, que lógica
estúpida era aquela? Não era só por Lily... eu estava sendo
uma moeda de troca, um puto, fico de costas para Carl,
que não se abala, coloca a mão no meu ombro e o aperta
com força.
— Pensa que é a Lily...
Eu me viro e minha vontade é socá-lo, quando
somos surpreendidos por Moacir e Judy que chegam
brancos, apavorados, como se tivessem visto não somente
um fantasma, mas a orla inteira do inferno.
— Ela está aqui... — dizem em uníssono, eu
argumento, dizendo que eram vinte e quatro horas o prazo,
mas Judy se antecipa pegando em meu braço, me olhando
no fundo dos olhos e dizendo:
— Vai! Por mim... por tudo que eu fiz por você... eu
nunca te pedi nada em troca... eu vou te dar toda a
cobertura possível... pensa nela... só... só... — ela suspira
fundo, descendo os olhos pro chão, não percebendo a
gravidade de suas palavras, estávamos exaustos, sujos,
com fome e cansados... mas, nada, nunca a vi assim. —
Por mim... é a porra de um Pulitzer que está em jogo... é a
minha carreira, é a minha...
— Chega! — eu digo, já farto daquilo tudo.
Pego meu casaco, minimamente apresentável e
fecho a porta com tanta força que o eco retumba nos meus
ouvidos como a trombeta do Apocalipse, chego na frente
daquela merda de hotel, a rua ainda vazia, a aurora
despontando no horizonte... Paris era linda, mesmo com
todas aquelas construções implorando um pouco de bons
tratos.
Uma limusine branca e dourada me espera, a
porta automática da parte de trás revela uma bela mulher, a
ex-mulher de Tim Jones, vejo que se aconchega num
casaco felpudo, branco e toma algo, parece um martini, me
incomoda o jeito que ela me olha, me devorando de um
modo desesperado.
Que fetiche besta o dela... tão bonita, ainda jovem,
rica e que tinha a faca e o queijo na mão para desmascarar
um dos peixes grandes da corrupção ali... implorando
migalhas de um homem que jamais pertenceria a ela.
— Já se decidiu... é sim ou não, Yuri Davies, tenho
manicure ainda hoje e... — antes que ela diga outra coisa
eu entro na limosine, ao lado dela.
— Só preciso de um banho... e um pouco de
café... esses dias foram bem cansativos... — tento sorrir e
ela me sorri de volta, mandando o motorista conduzir para
um dos lugares mais caros de Paris.
Ela sussurra em meu ouvido, pegando na minha
coxa e a apertando:
— Quero isso desde de que vi você, esse gato,
mostrar aquele vídeo bem na cara do barrigudo do O’Neil...
Eu sorrio de volta, tentando encarnar um
personagem que acabei de criar, tentando imaginar o
cheiro de Tutti-frutti e os olhos grandes e puros de Lily.
Arrumo uma madeixa de seu cabelo atrás da
orelha, beijo o dorso de sua mão, ela diz:
— Quero ser tratada... como uma rainha...
Eu digo:
— Será mais que uma rainha... sugar.
Capítulo 16: Yuri

O motorista nos leva até um apartamentozinho


numa rua afastada do centro.
Durante todo o trajeto, a ex-mulher de O’Neil me
confidenciava tudo o que ele fazia e como a tratava, pedi
permissão para gravar, desconfortável com o motorista,
medo de ser um informante de Jones ou coisa parecida,
mas relaxei...
Desde maus tratos doméstico a aliciamento de
menores e uma rota de tráfico internacional de drogas foi
sendo explicado pela perspectiva dela, que na época que
se casou tinha pouco mais de 24 anos, grávida dele, que
ficou encantada com o mundo de luxo de Tim Jones O’Neil.
Se casaram e Sean nasceu... mas, os maus tratos com ela
continuaram... isso talvez, ela me diz, explicasse o
comportamento errático do filho.
— Ele é radioativo... — ela diz suspirando, doída
ao falar de Sean. — Uma explosão radioativa... meu filho, a
quem eu não pude proteger como queria... como deveria...
agora ele se sente sozinho... — ela faz expressão de choro
— E eu só posso lidar com a radiação que atinge os meus
ossos...
Seus advogados estavam conseguindo provar que
ela se manteve calada com medo de represálias dele, o
que ela me contou em detalhes como os subornos
aconteciam... meu caralho!
Aquilo renderia um livro!
O motorista deu um pequeno depoimento também,
dizendo que várias vezes levava meninas menores de
idade para Jones e, que ele, também fora ameaçado de
morte, caso contasse suas suspeitas à polícia.
O material estava excelente!
Meu celular, em modo “não perturbe”, só captava
os áudios com um único app rodando, me perdi no tempo
da direção, tendo o cuidado de que, se algo acontecesse
comigo, tudo já estaria sendo salvo no meu servidor
particular e programado para disparar o link da conversa
para os e-mails de Moacir, Judy e Carl, ainda... tinha um e-
mail programado para Lily, só uma frase minha e o app
entenderia que esse e-mail deveria ser encaminhado.
Chegamos em um hotel confortável, nada
esplendoroso ou de magnitudes bilionárias, mas, mesmo
assim, para mim aquilo era lindo, Desiré, ex-mulher de
Jones, pousou o casaco felpudo que vestia em uma
poltrona, o lugar era bem bonito e aconchegante, uma
mesa de jantar com seis cadeiras, claro e moderno.
Televisão, uma sacada para a cidade, de onde se
via a Torre bem ao longe, aquilo parecia um... um motel,
bem... elegante, é verdade, mas um motel, o lustre
clássico, imponente, numa cor amarelada e de pouca luz,
as cortinas esvoaçando calmamente o frio do final da
manhã.
— Vou ligar a lareira... — ela informa e eu mal
tinha reparado na imensa lareira ao lado, perto do
banheiro, a porta semiaberta revelava uma banheira,
ducha, o chão era de um carpete fino e branco.
— Por que tudo isso, Desiré? — a indaguei, como
já havia feito antes, mas talvez ali, ela pudesse perceber o
quão absurda era aquela ideia... e me entregar o material
em paz, já que a justiça iria livrá-la.
— Sabe quanto tempo eu não me sinto atraída por
um homem, Yuri...? Jones levou tudo com ele... E... eu já te
seguia há um tempo no jornal...— ela fecha as cortinas,
vestida num estilo “tubinho” branco, joias, luvas e um colar
expressivo, assim como seus lábios trêmulos ao me contar
sua história.
— Mas... eu? — estou incrédulo, perplexo... meio
imbecil ainda com toda aquela situação particular, ela vem
ao meu encontro, rebolando e diz:
— Eu vejo nos seus olhos o quanto você parece
apaixonado... quero sentir isso... quero sentir o que você
está sentindo, quero estar viva...
Ela se aproxima me dando um beijo, até que me
empurra ferozmente.
— Não é assim que você beija ela... Se você não
quiser as provas por um dia de sexo comigo, senhor
Davies, pode ter certeza que um milhão de outros
jornalistas pagariam por isso e...
Ela não precisava dizer mais nada... era um fetiche
querer dar uma de atriz e fazer tudo aquilo um teatro
mimado, eu iria entrar na dança, penso em Lily, nos seus
lábios bem desenhados, na sua pele fresca, no seu cheiro
de tutti-frutti, nos seios que cabem na palma da minha
mão, seu olhar de desejo enquanto se masturbava
pensando em mim.
E nesses pensamentos eu a beijo, Desiré, que se
entrega no meu colo.
— Nunca senti isso... — ela diz entredentes,
frustrada, mas ao mesmo tempo irritada, como se o amor
nunca tivesse realmente a tocado.
Sinto uma lágrima solitária escorrer pelo seu rosto,
não o enxugo, minhas mãos vão para o vestido, que se
abre facilmente, a envolvo num abraço e acaricio as partes
de seu corpo, beijando, calmo.
A pego no colo, nua, mas com sapatos de salto e a
repouso na cama, olhando lascivo para seus olhos cheios
de lágrima e desejo, abro suas pernas e vou ao meio delas,
ela estava lubrificada e ao menor toque do meu dedo, sinto
seus músculos se contraírem, até eu chupar a sua buceta,
ainda não tinha tirado a minha roupa e sentia um pouco de
calor pelo momento, não vou negar, eu estava mais quente
que aquela lareira.
— Hm... Yuri... — ela me puxa para mais fundo e
eu sigo os movimentos que faz com a cintura, ela já iria
gozar?
Abraço suas coxas, apertando sua bunda,
ignorando qualquer distração, quando sinto que ela goza
na minha boca, ainda esfregando a buceta na minha cara,
lambo toda a região, ela morde os lábios e manda eu tirar a
roupa.
— Só preciso de um banho...
Seu rosto está transformado, ela quer mais, muito
mais... não seria um sexo oral que a satisfaria, ela se
levanta e diz que quer me acompanhar no banho, indo em
minha direção e beijando meu pescoço, sinto o cheiro de
seu perfume caro, seus cabelos antes presos num elegante
coque, agora desfeito por esfregar-se na cama, tirando
minha roupa, peça por peça, beijando cada parte.
— Gosto do seu cheiro... — ela murmura
pegando, finalmente no meu pau, que felizmente já se
encontrava rijo, afinal, fazia tanto tempo desde a saída do
pub com Judy.
Eu não queria ser rápido com Lily, em uma das
conversas com meu irmão, Ricardo deixou escapar que ela
é virgem, claro que eu já desconfiava, então, obviamente
quero que a primeira vez dela seja mais que especial.
Eu não tive tantas mulheres assim, mas eu sei o
quão precioso era para a memória das mulheres uma
primeira vez, então, queria que Lily, minha sugar, tivesse a
melhor experiência sexual possível, comigo.
— Você malha, não...? Tem um corpo lindo... aliás,
é todo lindo... — ela continua me beijando, lambendo meu
abdômen, arrepio com aquele toque, tudo era tão mecânico
pra mim... A mãe de Sean O’Neil, babando no meu pau...
que ironia!
Seguro seus cabelos pra curtir o delicioso sexo
oral que ela fazia em mim, lambendo meu caralho, como se
estivesse faminta, solto um gemido e ela me olha, safada...
ela se levanta me beijando e eu a guio para o chuveiro.
— Imagine... — ela sussurra. — Imagine a minha
satisfação pessoal em saber que eu... eu... eu tô fodendo
com o belo jornalista que vai... foder... aquele, aquele
maldito...
Puxo seu cabelo, lambendo seus lábios e a
guiando para o chuveiro, aquele vapor subindo, seguro a
cintura dela, que me olha meio desconfiada, a posiciono
contra o box e passo a mão naquela buceta... a abrindo e
comecei a meter.
— Ahn... Ahn... AHN, YURI... — ela berra, avanço,
ela espalma as mãos no boxe, com a língua de fora, os
peitos batendo de forma constante, seguro uma de suas
pernas, deixando a água quente nos banhar por completo,
seguro um dos seios e aperto, firme, me debruço sobre
suas costas, metendo, forte.
— Já que quer tanto se vingar... goza pra mim,
falando meu nome... — provoco, lambendo a água que
caia pela sua orelha, ela faz o que eu peço, dou um tapa
em sua bunda e peço que se ajoelhe na minha frente,
quero gozar na cara dela, Tim Jones o’Neil, acho que você
vai receber muito bem, na cadeia, a notícia de que eu gozei
na cara da sua ex-mulher.
Ela se levanta e passa o sabonete pelo meu corpo,
estimulando o meu pau, beijando minhas costas.
— Sua tatuagem... parece uma de Sean...
Não deixo o momento se perder, ignoro a sua fala,
fazendo espuma e passando pelos seu braços e suas
coxas, a olho nos olhos, por um momento tenho pena
daquela mulher... tão rica e tão infeliz... como teria sido sua
vida no castelo de marfim de Jones, sendo continuamente
agredida, na frente do filho, traída e nunca poder sair
daquela situação por medo.
A suspendo pelas pernas, voltando para a cama,
fico por cima e penetro aos poucos, coloco suas pernas em
meus ombros e já sinto a sensibilidade do meu pau,
caralho... mandar três seguidas era, literalmente, foda.
Não vou dizer que não me envaideço por uma
mulher bonita, rica e sedutora como aquela me querer, o
que me irritava era o porquê.
Além, claro, dos meus sentimentos por Lily... algo
que eu nunca pretendo contar à minha sugar, esses
pensamentos invadem minha mente, quando sou
surpreendido por um tapa na cara... hm... ela gostava de
algo assim?
A deixo de joelhos sobre a cama e improviso do
seu vestido elegante uma echarpe.
— O que tá fazendo? — ela sorri, sorrio de volta.
— Vai ser uma boa menina pra mim?
Ela se atiça, dizendo que “sim, com certeza”, então
mostro o tecido e amarro em volta de sua cabeça, tomando
cuidado para não puxar seus cabelos ou ficar muito
apertado.
Ela morde os lábios, imediatamente entrando na
brincadeirinha que eu gostava de vez em quando, mordisco
um de seus mamilos e ela geme, alto, a deito na cama,
puxando seus pés e enlaço com uma mão seus punhos,
com a outra, começo a masturbá-la, vejo seu corpo
espasmar pelos lençóis, a venda querendo ser tirada
instintivamente, a detenho.
— Monta em mim! — ordeno, a puxando pelo
punho para cima de mim. — Quero que me cavalgue... com
força...
Ela geme, os pingos d’água e de suor me lavando
novamente, enquanto suas mãos se apoiam em meu peito
e ela rebola tão forte, com tanta vontade que sinto que vou
gozar de novo, aqueles seios lindo batendo um contra o
outro, mas eu quero estar no comando, a viro de quatro,
dessa vez tirando a venda e amarrando seus punhos.
— Vo...você... não... não parec... parece ser
safado...assim...
Ato o nó, dando outro tapa em sua bunda,
pegando no meu pau e metendo de uma vez naquela
buceta molhada.
— Você não tem ideia... do quanto eu sou
pervertido... — puxo a amarra improvisada, para que ela
fique bem estática e apenas sinta a penetração, que eu
comando o ritmo, ora devagar, ora mais bruta, a bunda
dela já vermelha, tanto pelos tapas, quanto pelo suor e a
fricção de nossas peles.
Gozo satisfeito em sua bunda, tirando agilmente a
echarpe e ela olha pra mim, extasiada, vindo se aninhar em
meu braço, a aceito e ela me olha, só aí percebo como
seus olhos são tristes e distantes.
— Gostei mui... muuuito, Yuri... — ela passa a
pontinha da unha pelo meu peito. — Foi um dia
memorável... vou ficar por aqui, pode ir... as provas e os
demais documentos estão na minha bolsa, ali em cima —
ela aponta para onde tinha deixado o casaco. — Se
quiser... eu concedo uma entrevista...
Eu saio da cama, me arrumando rapidamente,
tomando uma ducha bem breve e pego todo o material,
conferindo antes de sair pela porta.
— Yuri... — volto minha atenção, não deixando de
observar um belo corpo nu pelos lençóis ainda suados, as
pastas em mãos e a ansiedade de zarpar dali. — Seja
quem for a garota por quem é apaixonado... ela tem sorte...
você é incrível na cama...
Sorrio de canto, fechando a porta, conferindo o
material, mas pensando que ela me elogiou pela minha
performance na cama... foi bem específica, não?
A sede dela por uma vingança pessoal foi tão ou
igual ao meu preço absurdo de ceder a esse capricho?
Capítulo 17: Lily

— Ela dormiu só agora... — afirmo, saindo do


quarto de visitas em que Sean tão gentilmente nos deixou
ficar.
Eu vestia uma camiseta dele, de banda, com umas
caveiras e meio rasgada, longa o suficiente para chegar ao
meio das minhas pernas.
— Que bom... — ele responde, indo em minha
direção, mas eu fico inquieta, meus braços me aquecendo,
nada de notícias do Yuri.
Altas horas da madrugada de sexta, além de ouvir
mais e mais coisas horrendas que a Silvia disse e acalmar
Amanda para que, pelo menos, ela consiga ter uma noite
agradável de sono. O celular dela, que estava com Sean,
se encontrava desligado.
Ele veste uma camisa branca e shorts... seus
olhos curiosos para os meus, ele se aproxima, ficando ao
meu lado.
— Quer o carregador?
Meu celular estava no shorts jeans, que por muita,
mas muita sorte, eu havia esquecido na mochila, atochado
bem ao fundo e, por sorte, meu inseparável gloss estava
em um dos bolsinhos da frente.
— Na verdade... eu tô com um pouco de fome... —
sorrio amarelo, já não bastava ele ter nos acolhido naquela
casa... casa, não, né? Mansão... com o pai sendo
investigado por Yuri e a polícia e lá vai a esfomeada querer
comer!
— Ah... — ele sorri, quase pegando minha mão,
mas hesita no caminho e me chama, vou ao seu lado, com
a sapatilha meia ponta, já que não tinha chinelo e observo,
seria impossível não observar, o tamanho daquele lugar...
descemos uma escada, com carpete vermelho!
A cozinha era um sonho: alta, com um fogão
imenso, uma geladeira que era tão chique que eu nem
saberia pronunciar a marca, me sento no banquinho da
bancada larga e convidativa e ele me pergunta o que eu
quero pra comer.
— Ovomaltine... num leite bem quente... e, se tiver,
cookies... — eu merecia, aquelas horas não tinham sido
nada fáceis e ter Amanda chorando no meu colo até pegar
no sono foi de quebrar meu coração, meu sagrado
Ovomaltine iria acalentá-lo.
Ele ergue a sobrancelha meio confuso e diz:
— Não quer... sei lá, parma, ou chia com damasco
ou caviar negro pro café da manhã?
— Quê? Você come essas coisas no café da
manhã? Nem sei do que você tá falando... — eu o olho, de
boca aberta. Aquele punk todo botando bronca tinha um
paladar refinado daqueles?
Abafo a risada, ele dá uma risada debochada,
talvez pensando na própria pergunta e passa a mão pelo
cabelo.
— Não... é que... — ele tenta se explicar, mas eu o
interrompo novamente:
— Sean... por que você fez aquilo com o carro
comigo? — não percebi a pergunta vindo da minha boca, já
me arrependendo por ela.
Ele pega o Ovomaltine, o leite e uns cookies
maravilhosos, colocando o leite no copo e no micro-ondas,
me oferecendo os cookies, enquanto se serve de um.
— Eu sinto muito... — ele dá de ombros, um olhar
meio... não sei... vago.
Olho novamente no celular, minha mãe me manda
um áudio, brava, mandando eu atualizar minhas redes
sociais, puta merda! Tinha esquecido das fotos.
Ele me entrega o leite e começo a saborear,
pedindo mais uma colher e comentando:
— De qualquer forma... tirando toda aquela
carapaça, você é um bom amigo.
Ele passa a mão no meu lábio inferior, tirando uma
bolinha de Ovomaltine, Yuri... logo eu penso nele naquele
gesto...
Sean se aproxima acima da bancada e diz:
— E você não parece a patricinha mimada que fica
encarando os outros no ônibus...
Dessa vez eu caio na gargalhada, olhando aquela
casa linda e vendo que lá fora tem o sol preguiçoso do frio.
— Sean, pode tirar uma foto minha? Minha mãe
surta quando eu não atualizo meu Instagram...
— Claro.
Ele nem pergunta sobre isso, nos mantemos em
silêncio enquanto eu tiro três fotos e faço um stories, bom...
satisfaria minha mãe pelos próximos dias, assim eu
esperava.
— Acho que vou... vou deitar mais um pouco...
Ele me acompanha até a escada, mas, que
inferno... não tô acostumada com aquele tanto de escada e
acabo caindo, quase em câmara lenta, num susto que
parecia um precipício atrás de mim, logo sinto os braços
fortes, tatuados e definidos de Sean, que me segura com
força.
— Nunca iria te deixar cair...
Eu miro seus olhos, assustada pela quase queda,
nos encaramos longamente, faço menção de me
desvencilhar, mas ele me segura mais e mais firme, seu
rosto bonito se aproximando do meu... tão perto... até que
eu digo, quase sem voz:
— EusouapaixonadapeloYuri...
Ele para no mesmo instante, me pegando no colo,
como se levantasse um saquinho de farinha e me coloca
na frente do quarto de hóspedes, sem dizer uma palavra.
Eu fico plantada, sem força, fôlego ou voz, ele se
vira pra mim, já de frente para a porta de seu quarto,
quebrando o silêncio:
— Parece que nós dois não somos tão diferentes
assim, não é mesmo?
— O... o que quer dizer...? — mordo meu lábio e
vejo... vejo que ele parece... decepcionado, é isso!
Decepcionado, eu murcho... parece que o terror que eu
tinha passado com ele no episódio do carro não se
comparava ao terror de vê-lo me olhando daquela
maneira... mas, não... não era julgamento, era desencanto.
— Ah! Garota do ônibus... eu sou todo confuso,
nada coerente com meu padrão de vida, mas pelo menos
eu assumo isso... na minha aparência, como Hooligan, mas
você... você mal demonstra isso, é quase tão extravagante
quanto o café da manhã que te ofereci...
Capítulo 18: Yuri

Mal acredito que estou em casa.


Só preciso de um banho e cama, até Lily chegar,
mas mal coloco os papeis na bancada da cozinha, minha
mãe me liga perguntando da neta, pelo seu tom de voz e
pelo histórico de Ricardo ser extremamente superprotetor,
a ponto dele saber das intimidades da própria filha... algo
tão pessoal e sensível que ela deve ter confidenciado à
minha mãe e ela ter soltado isso pro Cardinho... nossa, há
anos não usava esse apelido tão tosco do meu irmão... e
pensar que eu que o chamava assim quando era criança.
— Filho... você acha que consegue vir no Natal pra
cá?
Aproveito que tô em casa e esquento alguma coisa
no micro-ondas que havia achado no congelador, esfrego
os olhos, tão cansado e com o cheiro daquela mulher em
mim que mal consigo formar uma frase.
— Não sei, mãe... Espero que sim, Lily está em
aula, chega só à noite... e eu tô morto... estava em viagem
a trabalho.
Ela fica um tempo em silêncio e diz que meu irmão
quer falar comigo, remexo a comida no prato com o garfo.
— Yuri, você acha uma boa nós irmos aí no Natal?
Eu gelo.
Não que meu recente relacionamento com Lily não
pudesse ser acobertado pelo tempo que eles estivessem
aqui, mas... não sei... por ter que encará-los na minha
casa, sentados no sofá onde eu tinha batido inúmeras
punhetas pensando nela e onde ela tinha gozado pra mim,
meu pau chega a latejar na lembrança linda... e outra, eu
quero sexo com ela, quero tê-la pra mim o quanto antes.
— Yuri? Tá me ouvindo?
A comida já está até fria, imerso nos meus
pensamentos... eu pondero e concluo:
— Acho mais legal se vierem... mas, e quanto ao
seu pai?
Ele bate de pronto:
— A gente tá vendo uma enfermeira pra cuidar
dele, seriam poucos dias também, entre o Natal e o Ano
Novo, se não for te atrapalhar, claro.
Não.
Não me atrapalhariam... essa frescura que Ricardo
tem em achar que me atrapalha, a verdade é que eu nunca
tinha pensado nessa possibilidade que resolveram, eu não
precisaria ir ao Brasil, minha família poderia vir até mim.
— Quero que venham! — concluo imediatamente.
— Como presente de Natal, considerem a passagem de
vocês...
— Não, não precisa...
— Eu insisto ou ficarei ofendido...
Minha mãe pede para me ver em chamada de
vídeo, emocionada, tento ficar firme e não chorar ao ver
seu semblante tão feliz.
— Vou poder ter minha família de novo... — ela se
emociona e eu me permito me emocionar também.
— Desculpa, mãe... todos esses anos eu fugindo...
depois que o papai...
— Não, filho... — ela meneia enfaticamente um
“não” — Não se culpe, pelo menos, esse ano seremos
todos uma família...
— Traz o Cícero... Lily fala tanto dele. — queria
agradá-la, nenhum presente iria fazê-la mais feliz do que a
presença da família toda.
Penso que já deveria comprar as passagens,
antes que elas ficassem muito caras ou eles mudassem de
ideia, já vou procurando meu laptop para procurar o melhor
site para adquirir as passagens o quanto antes.
— Ah, filho, ele não lembra mais de nada.
Eu sabia que Cícero estava num estágio
avançado do Alzheimer, mas, mesmo assim, digo:
— Mas, Sug... hm... Lily vai se lembrar... vamos ter
a família toda, toda mesmo junta!
Meu irmão toma o celular e continua perguntando
de Lily, se ela tinha algum namorado se estava saindo...
Eu o acho tão invasivo que me esquivo das
perguntas, meu irmão parece querer ter posse em cada ato
da filha. Quem sabe com ele aqui não poderíamos
conversar.
Desligo o telefone cheio de lágrimas, esperança e
saudades do meu pai.

Dou licença para que Dolores limpe o apartamento


para que eu possa voltar a deitar na cama de Lily, quero
me inebriar com o cheiro dela enquanto durmo...
Acordo para beber um pouco de chá e volto a
dormir, a segunda-feira passa arrastada, eu precisava de,
pelo menos, uns dois dias para absorver tudo e para que
Moa, Carl e Judy analisassem o material para que eu
pudesse voltar ao caso.
Estou quase acordando, ainda preguiçoso, quando
ouço os pezinhos ágeis de Lily saltitando pelo apartamento
e correndo para cima da cama me dando um abraço.
Nos beijamos avidamente, com tamanha saudade
e intensidade que a rolo na cama, a deixando abaixo de
mim, acariciando seus cabelos suados, sua pele
vermelhinha pelo frio.
— Esteve com saudade? — ela pergunta, sorrindo,
beijo aqueles dentes com gosto de pasta sabor,
obviamente de tutti-frutti.
— Muita... — respondo, fechando meus olhos para
sentir o perfume de seus cabelos, o cheiro da Royal nela,
não... mais do que isso, o cheiro do balé nela. —
Novidades, sugar?
Ela se anima, sentando em borboleta na cama,
dizendo que os testes foram tantos que Roco Fisher
decidiu fazer audição a semana toda, me contou sobre o
que Silvia havia feito com Amanda, até chegar na parte
de... Sean.
— Você dormiu lá?
Ela afirma com a cabeça, mas logo se explica.
— Não conseguiu ver minha mensagem?
Caralho... não, não tinha conseguido ver a
mensagem.
— Silvia estava aqui na frente, Lover! — ela
aponta para baixo enfática e me conta todos os podres
dessa menina, fico alarmado... elas haviam se tornado
próximas, me sinto menos enciumado, Sean O’Neil tinha
sido um hotel para que ela descansasse, eu havia fodido a
mãe dele, mas era em meus ouvidos que ela sussurrava
“lover”.
E ele havia perdido... ele não a arrancaria de mim.
Me sento na cama, em frente a ela, coço meu
cabelo e suspiro fundo.
— Essa tal de Silvia... como é o sobrenome dela?
A gente poderia pesquisar na Internet, talvez entrar em
contato com os pais... ver histórico de racismo, ou ainda
entrar em contato com outras namoradas ou namorados...
— dou de ombros, tanto fazia o que ela gostava, desde que
respeitasse, não? — Além disso, a gente pode colher
alguns depoimentos.
— Você é tão inteligente... não é à toa que está
onde está, né? Minha avó tem toda razão em dizer que
você deu certo...
Esse termo... sempre me sinto desconfortável com
ele.
— Sugar, seu pai também deu certo. Ele fez uma
loja de roupa no Brás dar certo, sendo que o sonho de ter
uma loja era da sua mãe...
Ela abaixa a cabeça pensativa, dou um beijo em
suas mãos, as passando pelo meu rosto, inclino um pouco
a cabeça e ela segue meu movimento, os olhos de Lily
para comigo são tão intensos e ternos que eu tenho
medo... sim, medo! Medo de que um dia esse olhar se
quebre... engulo em seco.
Como eu estava apaixonado!
Tanto que iria esperar o quanto fosse para transar
com ela, melhor, ela não seria uma transa ou sexo... seria
amo... amor?
Continuo:
— A loja do seu pai é referência, ele escolhe peça
por peça, os funcionários o adoram e a sua avó cuida do
caixa, mantendo a cabeça distraída, ela até prova as
roupas, né? — nós dois rimos. — Além de conseguir pagar
as contas da casa, as despesas do seu avô... enfim, ele
deu certo... talvez mais do que eu...
Digo sinceramente, afinal, Ricardo perdeu Lilian
para um amor de carnaval, que resultou em sua mudança
para a Itália, deixando meu irmão sozinho para cuidar da
Lily, além da mãe ter outro filho em outro casamento, a vida
dele não era fácil... mesmo assim ele não fugiu como eu.
— Ele é um paizão... — ela sorri, se
aconchegando no meu colo, senhor... que vontade de
colocar uma coleirinha naquele lindo pescocinho e mandá-
la me satisfazer, já poderia vê-la assim... ser tão minha. —
Ele só é... às vezes... meio mala, mas, sei lá... ele é legal...
O jeito meio adolescente de falar do pai, “ele é
legal, mas mala”, me faz sorrir sem nem perceber, Lily
abria o melhor em mim, meus sentimentos mais sinceros e
luminosos, deixando os obscuros tão guardados, nossa
relação incestuosa era um pecado tão sedutor e ela nem
imaginava o precipício que estávamos nos jogando de
alma, corpo e coração.

— Quando minha mãe for embora... no dia do meu


aniversário eu quero ser sua... — sua frase irrompe durante
o filme, eu o pauso, ela segura tanto meu braço que chega
a ficar marcado, seu pijama de dormir é de unicórnios
rosas num fundo azul... nada menos atrativos para um
homem como eu, mas nela... tudo ficava atrativo, até as
pantufas rosas com um outro imenso unicórnio estampado.
— A gente vai ter tempo pra isso e...
— Já fui no médico, já tô tomando pílula e... eu
quero... quero muito você... tem uma coisa que eu preciso
de contar.
Como se eu não soubesse, sugar, mas vá lá... vou
fazer a cara de espanto que tanto quer, mesmo sabendo
que é virgem e inexperiente.
Enceno curiosidade e acho tão lindo ela respirar
ofegante, olhar para os lados como se tivesse escondendo
o maior dos segredos, que quase quero emoldurar aquela
cena e beijá-la.
— Eu... hm... no dia... eu faço aniversário agora no
final do mês e eu... queria... hm, quer dizer...
Suas mãos ficam inquietas no edredom que nos
cobre, os cabelos caindo pelos ombros, me mantenho
atento, arqueio uma perna e repouso o braço por cima... no
seu tempo, Lily... vou demonstrar surpresa, fique tranquila,
depois irei beijá-la e vou aceitar querer se deitar comigo só
no final do mês, preciso esconder esse meu sorriso irônico.
Yuri... ela vai iniciar a vida sexual com você, nada
mais justo que ela escolha o dia e os termos, você só vai
guiá-la.
— Eu sou... ainda, bem é que... é que eu... eu sou
virgem ainda...
— E o que tem isso? — touché, não consigo
esconder o imenso sorriso do meu rosto, ainda bem que
ela não percebe na penumbra da televisão.
— Achei que fosse um... problema... não sei... é
que... sabe, eu nunca tive namorados sééérios, er... como
minhas amigas... quero dizer, bem, quer dizer... tudo bem
pra você?
Ela levanta o ombro, deixando cair a gola do
pijama por ele, dou um beijo bem ali... naquele pedaço de
pele à mostra, a puxando para perto de mim, afundando
meu rosto naquela jovem mulher, ah! Sugar... ser seu
primeiro homem irá me fazer mais feliz.
— Lily, acho que já posso dizer... o quanto eu tô
apaixonado por você? — confesso, ela me abraça
emocionada... quero dar a ela o melhor de mim, quero ser
melhor por ela. — Namora comigo, Lily? — essa eu não
poderia prever, mas sim... eu quero ser clichê, quero pedi-
la em namoro, quero ser romântico e lhe entregar um
buquê de rosas no dia do seu aniversário, no dia dos
namorados e falar todos os dias o quanto eu sou grato por
ela estar na minha vida, abrilhantando, como em um
espetáculo.

Acordo num sobressalto.


Lily e eu dormimos na sala e ela já foi para a
audição, merda... queria tanto poder ir, pena que é a portas
fechadas.
Eu me esparramo pelo edredom tentando puxar
cenas da noite anterior na minha memória e são quase oito
da manhã, confiro meu celular e mando uma mensagem de
boa sorte, quero tanto que ela pegue um bom papel...
quero ver ela saltitando pelo meu apartamento, como o
furacão que é, dando vida a esse lugar de cores tão
sóbrias.
Tomo uma ducha rápida e... bem, deve ser um
tanto fria para apaziguar meu pau duro... em seguida,
preparo meu café preto e me deparo com um bilhetinho
escrito à mão: “Bom dia, lover”, achei que essa geração
nem soubesse o que é escrever à mão, o pego, beijo e
guardo na carteira.
Capítulo 19: Lily

— Sim!!! Mil vezes, mil vezes, sim... — mal espero


ele completar a frase e o abraço tão forte, que minhas
pernas são jogadas para cima, o edredom esvoaça e meu
cabelo chega a chicotear em nossos rostos.
Eu nunca havia namorado, só alguns beijos em
festas de aniversário e churrascos da turma, mas nada
nem ninguém poderia arrancar a felicidade que eu sinto em
ouvi-lo ser tão romântico.
Eu poderia derreter no beijo alegre que me dá em
seguida e nunca estive tão certa do que eu queria, eu amo
o balé e é a profissão que escolhi para minha vida, mas...
Yuri... ele eu escolhi para a alma.
Dormimos na sala mais um dia, eu acordo com
uma música linda de Mendelssohn “Songs without words”
e, mais uma vez, espero que tudo não tenha sido um
sonho.
Beijo Yuri, que apenas se recosta no sofá, com a
cabeça no antebraço, dormindo de modo angelical... “Esse
é meu NAMORADO, Yuri...”, finjo apresentá-lo a todos...
vou dando piruetas pelo apartamento e quase caio, tanta é
a minha felicidade!
Deixo escapar um gritinho quando pego minha
caneta de glitter e escrevo um bilhetinho pra ele, perto do
bule, onde eu tenho certeza que ele vai ver.
Confiro minha mochila: sapatilhas, roupa casual,
garrafinha d’água, kit de higiene carteira e, claro, o colã!
Eu o abraço contra o peito, ele era lindo e minha
avó tinha feito para uma apresentação especial... essa
apresentação e não poderia ter um significado maior em
ser rosa, com flores bordadas, purpurina, glitter e meu
longo laço de cabelo especial para a ocasião...
Deus, eu tô tão nervosa... preciso apresentar,
agora, oficialmente na-mo-ra-da de Yuri e ... e... nada
poderia estar sendo tão perfeito!

Corro para pegar o ônibus para a Royal ainda mais


cedo, olhando pelo espelhinho de maquiagem, passando
um pouco de gloss, mando uma mensagem para Sean.
Agora nossos meses de esforços iriam ser
colocados a prova. Ele teria que mostrar uma coreografia
simples do que tinha aprendido comigo.
Vejo a mensagem de Yuri... quer dizer, do meu
namorado... agito minhas mãos sorridente e beijo a tela,
mandando emojis de coração.
Vou arrumando meu casaco de frio, olho para
baixo, minhas botas forradas com lã, a meia-calça rosa
numa saia pregada fácil de tirar, adorava aquele tipo de
saia, sinto o vento frio pelas minhas pernas e agradeço que
a Royal seja tão quentinha e acolhedora.
Entro e encontro os pianistas se revezando, já
tinha a minha música, com certeza Debussy, embora
amasse Clare de la Lune, escolhi Rêverie, pego o caderno,
pululando rumo ao vestiário das bailarinas para fazer a
minha maquiagem, as meninas alvoroçadas contando
quem estava na banca, umas já chorando contando com a
desclassificação por terem caído, outras treinando
sozinhas em seus mundos...
Procuro Amanda, erguendo a cabeça e ficando na
ponta dos pés... ué, nada dela... me sento no chão e
começo a preparar minha sapatilha, rememorando em som
baixo os passos “primeira posição... pirueta, giro um, dois,
três, ponta...” deixo as minhas coisas num armário de
metal, sem me preocupar em trancá-lo, fui buscar por ela
ou Sean.
Meu coração a mil, sentia meu sangue enregelar
mesmo no calor dos corpos quentes e aterrorizados dos
meus colegas...
— Alguém viu a Amanda? — pergunto, já me
sentando em uma das inúmeras banquetas com espelhos à
frente, meu estojinho de maquiagens ainda bem humilde
perto, por exemplo, de Lauren, americana... que esbanjava
uma finesse incrível, pena que ela me olha com tanto
desdém... de cima abaixo e não me responde.
Abaixo a cabeça, melhorando meu coque e me
viro para Marie, francesa, não falava muito inglês, tento
arriscar a frase em francês e ela dá de ombros:
— Il ne pas mon problème. — “não é meu
problema” entendo bem o que ela fala, sem nem olhar para
mim, os olhos bem abertos passando o rímel... me agito,
começando minha maquiagem... algumas bailarinas
passam atrás de mim, olho rapidamente... cadê Amanda...
ou... ué, também não vejo a Sílvia.
Finalizo rapidamente com um batom vermelho e
começo a procurá-las, quando sou informada que preciso
pegar uma senha imediatamente, me desespero, tento
pegar para mim e para Amanda, mas não as vejo, até que
a altura de Sean me chama a atenção, vejo que está com a
calça tactel e uma blusa de gola, é... tá bonito.
— Você viu a Amanda? — pergunto, antes de
cumprimentá-lo pelo esforço de ter tido as aulas e ter se
livrado da pena da juíza nesses meses, em outros tempos
ele em recriminaria por não ser “inglesamente educada”,
mas ele também me olha preocupado balançando a
cabeça em negativa.
— Vou... vou tentando ligar pra ela... — eu grudo a
etiqueta com a sua senha em seu peito e corro para vestir
meu figurino, poxa... quero tanto que Amanda venha...
depois da audição teríamos o dia livre... queria falar mais
com ela, contar sobre mim e sobre a possibilidade de Yu...
não, meu namorado... — sorrio como uma adolescente —
investigar um possível passado de Silvia.
Quando entro no vestiário as meninas estão com
as mãos na boca, abafando um grito, todas em roda...
estáticas, me aproximo e elas olham para mim com... não
sei, parece pena... me aproximo e vejo minha mochila
aberta, rasgada... tudo rasgado, carteira, documentos, meu
gloss espatifado, meu celular destruído, como se tivesse
sido martelado... e meu figurino... inutilizado.
— Quem fez ISSO? — grito e elas negam com a
cabeça, dizendo não saberem de nada.
Ajoelho perante a toda aquela bagunça, não vou
chorar... até passar as mãos no meu figurino, vó Zefa
demorou dias para bordar... me entregou junto ao seu
sonho, eu prometi que ia vestir... fico estática por um
tempo, Amanda finalmente chega e se joga perto de mim,
gritando para as meninas caírem fora que o show tinha
terminado, aquele show tinha terminado...
— Você sabe quem poderia ter feito... isso? — me
limito a dizer, segurando o que restou do figurino, minha
maquiagem borrada, Amanda não nega, nem afirma, ela
parece ponderar uma possibilidade...
— Silvia... — ela começa a recolher as coisas,
desesperadamente, como se quisesse me livrar de ver um
sofrimento, eu pego em seu braço e a olho no fundo de
suas órbitas e pergunto com o resto de força que me vem.
— Ela... nem tá aqui...
Amanda me abraça e diz baixinho no meu ouvido
que ela havia se apresentado sem anúncio, o tal amante
havia conseguido uma audição só pra ela.
Abaixo os olhos.
— O que você vai fazer, Lily? A gente... pode
trocar as senhas... aí te empresto o meu figurino...
Sorrio serenamente para ela, que sabia que não
seria possível, uma vez dada a senha era intransferível, já
seria computado pelos juízes e nós duas seríamos
desclassificadas, ademais, Sean apresentaria comigo e eu
não poderia foder com ele também.
Penso na minha trajetória até aqui.
Eu tinha uns cinco anos, meus pais brigavam...
talvez alguma das inúmeras traições da minha mãe, que
saia de casa por dias e voltava arrependida e meu pai a
aceitava, nesse meio tempo eu ficava com a minha avó...
que me colocava para assistir os desenhos da Barbie que
envolviam balé.
Me lembro, em especial, de um Natal que minha
mãe e meu pai passaram discutindo e fui levada pelo meu
avô até à casa deles, alguns blocos de quarteirão abaixo
da minha rua e me vendo triste, minha avó pediu que eu
dançasse balé.
Eu havia começado há pouquíssimo tempo e tinha
uma propaganda da Ana Botafogo na televisão, ela
arrumou meu cabelo, me deu uma fita, presa a um cabo de
colher de pau e disse:
— A fita vai voar conforme você for fazendo a
dança, fia... assim, ó... — e ela balançou a fita em espiral...
aquilo foi tão lindo, enchendo meus olhos, eu a imitei e fiz
uns passinhos que tinha aprendido, peguei a colher de pau
com a fita e simplesmente... dancei.
Magicamente, na minha cabeça de criança, meus
pais apareceram para cear, foi o melhor Natal que eu tive...
Yuri estava lá e me lembro tão vagamente dele, que parece
o embrulho do presente perfeito, aqueles que você nem se
importa com o conteúdo, como se o embrulho de tão
bonito, fosse o próprio presente em si, daqueles que você
guarda com dó... dó de se desfazer.
Não pude ganhar presente de Natal aquele ano,
mas esse embrulho de memória é o meu melhor presente...
minha avó, antes de eu vir pra cá, disse que eu tinha que
dar certo, perguntei exatamente como eu faria isso, mas foi
meu avô com Alzheimer que respondeu algo que definiu
essa frase.
— Dar certo, fia... é ser feliz...
Eu vi lucidez em seu olhar, sim, eu vi... eu vi que
ele dizia isso pra mim, olhando pra mim, como se não
houvesse a debilidade da doença nenhuma ali... suas
palavras tocaram minha alma, meu ser... não é um figurino
que vai destruir isso... não é o conteúdo da bela
embalagem, o presente da audição sou eu mesma.
Arrumo minha saia, amarro a barra da minha
blusa, desfaço o coque e pego o laço, colocando-o em um
espeto de cabelo que peço a Amanda, o amarro com o
dente, ela me olha curiosa...
Vejo a menina número 32 entrar animada no
vestiário, falando que tinha ido muito bem... olho na minha
etiqueta, eu era a 34, Amanda me observava em silêncio,
dessa vez é ela quem pega meu braço, me forçando a
olhar para ela, que enxuga alguma lágrima ou suor e diz:
— Mostra pra eles, Lily... mostre ao mundo... —
ela me abraça e eu retribuo o gesto, com olhos abertos...
olhando a todas, eu vou dar certo, porque eu amo o que
faço... vou dar certo porque sou feliz com que faço, vou dar
certo porque vou oferecer a embalagem do presente que
todos querem pra si... vou dar certo...
Sean corre até mim preocupado, pela primeira vez
sem sorrir, franzir a testa ou erguer a sobrancelha.
— Lily?
Eu apenas aceno um “sim” com a cabeça, como
se quisesse dizer que tudo estava certo, que iríamos fazer
aquilo.
Começo girando em espiral meu laço... o auditor
chama:
— 34? — ele nos lança um olhar de tédio. —
Prontos? Eu já ia chamar o próximo, vamos, vamos em
três, dois, um... — ele faz um risco em nossas etiquetas
com uma caneta grossa, abrindo as cortinas... era hora...
Era hora...
A iluminação do palco é de cegar os olhos... Sean
parece tenso, mas foco em minhas lembranças... os
jurados deixam suas canetas caírem e enlaçam os dedos,
Rocco parece confuso, não consigo decifrá-lo, até a minha
música começar.
Deixo que o som me leve, meio que guio Sean em
movimentos alegres, um sorriso extenso pelo meu rosto,
jogo e pego o laço, ele me suspende... me gira, faço
movimentos delicados com as mãos e o laço vira parte de
mim... meus cabelos revoltos, quase na mesma sintonia
que o deslocamento que o vento nos dá em nossos corpos.
— Uau... — exclama Sean, num passo em que ele
me ergue pela cintura e eu elevo minha perna até meu
ombro, desço e conto as piruetas... chego ao meu recorde
de quarenta, ele me pega e eu arrasto as sapatilhas no
chão, ziguezagueando com a fita... sinto as notas
chegando ao fim da música, me transformo e ouso mais
além, arrisco em um salto, completamente improvisado e
Sean me segura com maestria ao final dele, sim... só
precisava da força dele e de um mínimo de técnica, o laço
do embrulho seria eu.
Faço o agradecimento ofegante, Sean segura
minha mão e agradecemos juntos.
Rocco se encontra na mesma posição, os jurados
não fazem qualquer anotação... há um silêncio ruidoso...
nem mesmo o auditor fala, apenas abre a cortina, me
fazendo voltar ao mundo real.
Assim que passamos por ele, comenta:
— Arrasou... — baixinho nos nossos ouvidos, nem
me dou ao trabalho de buscar a mochila estropiada, só iria
me dar mais angústia e raiva, sim... agora a raiva se
apossava de mim.
— O ... o que houve? — Sean pergunta, mas
estou cansada de dar explicações... chega, não hoje, não
agora...
Sequer vejo se meu celular estaria minimamente
funcionando, vou indo embora, mas ele insiste, me
segurando pelo ombro.
— Lily? O... o que foi aquilo?
— Foi eu dando certo... — respondo, saindo no
frio, o calor da dança me aqueceria até em casa, o mundo
tão rosa como meu colã suado havia ficado cinzento como
o tempo.
Capítulo 20: Sean

O... O que tinha sido aquela garota?


Ela treinou a exaustão a coreografia à risca, mas...
não sei... a vejo ir porta à fora e, simplesmente, não
consigo me mover.
Meu corpo rendido ao dela naquela dança, eu fui
um figurante, não... menos que isso, fui um objeto que
serviu para colocá-la no ar e ... deixá-la tocar os pés nas
cores das notas tocadas pelo pianista.
Encolho os ombros, me forçando a ir atrás dela e
saber... sobre... sei lá, a porra toda da maquiagem, figurino,
aquela fita que de forma alguma estava nos planos tão
certos, milimetricamente coreografados. Cheguei a ouvir,
mas ela, em seu transe, com certeza não, o tal do Rocco
Fisher dizer: “Ela vive o balé”.
Achei que, sei lá, ela fosse ficar feliz com isso,
mas seu sorriso igual a porra do boneco do “Quebra
Nozes” chegava a ser diabolicamente sedutor... e, cara...
assustador.
Lembro que existo e que tenho movimentos,
forçando meu corpo a ir atrás dela, deslizo minhas mãos
pelo seu braço.
— Espera... Tá muito frio, Lily... vem aqui, pelo
menos pode me explicar o que houve com você?
Seu olhar parece que sai de um estado catatônico
para um... não sei, desencantamento.
— Só... me deixa... — ela dá de ombros, tentando
seguir seu caminho, sabe-se lá pra onde.
Intervenho mais uma vez.
— Pelo menos... mano, deixa eu te levar pra casa,
só isso, ok? Cadê a sua mochila? E o seu celu...
Mal tenho tempo de falar e ela se desloca, levando
com ela o vento imbecil da minha fala. Desde a minha
infeliz ideia de tentar ficar com ela no final de semana que
Amanda esteve em casa, não tirava da porra da minha
cabeça ela caindo, desastrada como só e eu segurando
seu corpo, queria beijar aquela boca e ela revela ser
apaixonada pela porra do homem que deixou a máscara do
meu pai cair e tio... meu, tio dela?
Ofereço a minha jaqueta de látex a ela e, pela
primeira vez a vejo de preto, a cor lhe cai muito bem, bem
demais... mas não é só isso... não, é... a cor parece ser ela
naquele momento, alguma coisa tinha mudado naquela
menina e não era só a fita de uma coreografia.
Enquanto caminho a passos largos, penso no
quanto essa garota mexeu comigo, do momento que a vi
no ônibus, toda cheia de sorrisos, naquele estilo “mamãe
quero ser bailarina”, até nosso envolvimento com a aula, a
tal da disciplina que ela se obrigava a ter todo santo dia,
fazendo e refazendo passos a exaustão, anotando tudo em
um caderno de dança rosa, diga-se de passagem, com a
estampa de uma imensa bailarina.
Agora vendo Lily no meu sobretudo de látex que
devem caber três Lilys e ela não tinha noção do quanto
estava linda, perigosamente linda... o cabelo indomável
nessa merda de vento, lufada que move até o sobretudo
pesado, o rosto vermelho pelo esforço que havia feito na
frente dos jurados... júri, sei lá... e o laço, que ela solta e
ele segue dançando junto ao vento.
Uma visão poderosa.
Mais uma vez me limito a seguir... seguir seus
passos até meu carro, abro a porta e ela entra, a conduzo
a casa do idiota, incestuoso, jornalistinha sensacionalista
do Yuri Deives e a deixo em segurança, ela desliza o
sobretudo do seu corpo... puta merda, como ela era
gostosa, minha roupa ondeia pelo banco do carro e mal
vejo a tessitura de seu corpo suado sumir, sem nem ao
menos, pela primeira vez, se despedir.

Sigo para uma garagem alugada, meio


improvisada, onde eu e os manos nos encontrávamos, com
uns bancos de bar, umas bebidas, um som, uma televisão,
uma mesinha, a gente mijava num bar ali próximo, cujo
dono já era conhecido nosso e, como não queria encrenca,
deixava a gente usar o banheiro.
Cumprimento Stan e Terry, que já estavam
encapotados com blusas de frio, bebiam alguma coisa
alcóolica e me ofereceram imediatamente, nem zoando a
roupa de balé, o que era estranho, envergo minha
sobrancelha.
— Fala aí... — digo, desconfiado, Terry, o cara que
a gente chamava de skull, o caveira, chegou perto de mim,
suas calças largas, percebo mais uma tatuagem, agora
com os cabelos raspados na zero a tatuagem imitava um
cérebro, maneiro.
Ele aponta para dentro e fala meio baixo.
— Josh... ele tá aí... quer falar com você desde...
sei lá, mano... — ele passa a mão na cabeça, meio puto,
eu respiro fundo, Stan também vem ao meu encontro, com
a cara de merda... caralho, viu.
— O que ele quer? — pergunto e quando Stan e
Terry vão me falar, Josh aparece, abrindo de tudo o portão
da garagem.
Ele cruza os braços e se aproxima de mim.
Há semanas eu tinha expulsado ele do meu
pessoal, coloco a mão no meu bolso de trás, me
amaldiçoando por não ter trocado de roupa, pelo menos
meu soco inglês estaria ali.
— Acho... — ele fala, sorrindo, sem graça, eu o
conhecia bem. — Acho que a gente precisa conversar.
Terry e Stan me olham, apreensivos, eu aceno
com a cabeça para que vão pra porra do bar, entro na
garagem, sentando em cima da mesa, que range de tão
velha e podre
Ele coloca as mãos nas minhas coxas:
— Essa coisa de balé te emagreceu pra cacete...
Expiro o ar que restava em meus pulmões, pois é,
com aquela rotina insana eu abandonei a academia e perdi
um peso, meus músculos já não estavam tão grandes,
como eu gostava.
Ele se aproxima tentando me beijar e eu o
interrompo com a mão, virando a cabeça.
— Ainda bravo comigo? Que merda Sean...
— Não tô bravo... — desço, ele tira as mãos, as
levantando à altura da cabeça, esquivando o corpo, vou até
o caixote e abro uma cerveja, ele se serve de uma e
brinda, mesmo eu não tendo feito ato nenhum de
comemoração.
— Deixa disso, Sean... meu, você me deu um belo
de um gelo — ele ri, mas sei que é de nervoso, — Eu me
desculpo com a mina lá... a garota do ônibus...
— Lily. — eu corrijo, ele me lança um olhar meio
incrédulo, um semi sorriso, passa o indicador no nariz,
limpando qualquer merda de pó que restasse ali e vem
mais perto.
— Lily. Qual é, Sean? Vai mesmo me expulsar por
causa de uma gringa? Uma... menina com sonhos
estúpidos, como você mesmo disse... Qual o capricho
dessa vez? Quer transar comigo e com ela?
Eu fico puto, o arrasto até a parede com o
antebraço, quase o sufocando.
— CALA A PORRA DA BOCA! — eu berro na cara
dele, que ri, engasgando sem tentar se defender, eu o
largo, ele apoia as mãos nos joelhos, rindo, puxando o ar e
fazendo um barulho estranho entre tossir e rir.
— Estranho... a gente fez isso quantas vezes
mesmo? Quantas vezes eu tive que comer umas minas
porque você — ele me empurra, não saio do lugar. — Você
estava a fim... acha que foi fácil pra mim, Sean? Você é
bissexual... a qualquer momento você poderia me trocar
por um homem ou por uma mulher, seu merda!
— Por isso você sempre fudeu com tudo, Josh?
Quantas vezes eu tive que livrar sua cara, usando o
prestígio da porra do meu pai pra te livrar da cadeia? —
avanço pra cima dele, nos encaramos, respiramos
apressados, irritados um pra outro; o vapor da respiração
subindo, lutando com o frio.
Não sei bem como eu me envolvi com Josh, acho
que depois de ver tantas vezes minha mãe levando uma
surra do meu pai, as coisas começam a perder o ritmo na
sua vida.
Naquele momento eu queria estourar a cara dele,
mas já houve tempos que, sim, eu pedi pra gente fazer
ménage porque eu não queria meter mais nele, ou o traia
com um cara numa balada, mas ele fazia o mesmo...
estamos quites, certo?
Até Lily aparecer, eu tinha que odiar aquela mina...
desde que a vi na porra do ônibus, sua beleza se
destacava, mas não era só isso... era uma, não sei dizer,
caralho! É tudo... ela tem um brilho nos olhos, mesmo com
aquelas roupas cafonas de adolescente besta, como um
moletom da Royal Academy ou seus olhos me encarando,
assustada.
Se Josh visse como eu a olhava, a gente ia ter
encrenca, por isso eu queria que ele pensasse que ela não
era nada. Eu quis humilhá-la, mas eu já estava humilhado,
rendido, um burro de carga como dizem por aí... por ela.
Eu errei.
Mas, quando se tem vinte e dois anos, numa
gangue, sendo um rico de merda, cheio de problemas com
o pai, que é um corrupto escroto e uma mãe que a cada dia
levava um macho diferente pra fuder no meu quarto... ah!
Quantas vezes eu não vi a senhora O’Neil ir em festas
beneficentes e terminar com um macho trepando com ela
na minha cama... eu tinha nove anos a primeira vez que a
vi...
Volto um pouco no passado, nos minutos que eu e
Josh nos víamos como estranhos insuportáveis.
Eu tinha uns cinco anos, moleque, urso de pelúcia
na mão, descendo aquela infinidade de escadas, umas
cinco babás diferentes só naquele ano, porque o puto do
meu pai comia todas, às vezes contra a vontade delas... aí
as denúncias não davam em nada e elas saiam de casa, a
cada uma que chegava e eu me apegava, um novo
abandono.
Me lembro, particularmente numa noite fria, acho
que era Natal, Ano Novo ou qualquer merda de feriado
desses, minha mãe estava completamente embriagada e
eu, assustado atrás da nossa linda árvore de Nata, que
chegava até o teto, inúmeros presentes embaixo, tantos
enfeites que se perdia até a conta, mas eu queria carinho
de mãe...
— Você é o que me prende com aquele ladrão,
pedófilo desgraçado! SAI, Sean! — ela derruba a garrafa
de vinho sobre o tapete branco, começo a chorar e ela
também, eu pela impressão horrível que talvez o líquido
vermelho fosse seu sangue, ela por não conseguir se
desfazer de um casamento infeliz, com um filho pequeno
não desejado.
Mal tenho lembranças do meu pai.
A que tenho é dele na igreja, sendo paparicado por
todos e eu sozinho, única criança e a porra do meu
aniversário, entediado... ele havia me esquecido lá, por
horas a fio... nada para brincar ou fazer, eu lembro de ver o
sol ir e vir, quando seu motorista chegou e eu perguntei do
meu pai, ele sorriu... um sorriso de... pena.
— Sean, eu te levo pra tomar sorvete, o que acha?
E foi uma das lembranças mais felizes que eu tive
de um aniversário, tão simples, tão verdadeira e eu nem
sequer me lembro o nome dele... se eu me lembrasse do
motorista, que foi morto por ir à polícia ou algo do tipo.
Doze anos.
Notas boas, dinheiro e... uma mudança inesperada
a Inglaterra, sai da Escócia e fui morar numa mansão maior
ainda, meu medo era tanto ainda naquela época que eu
chamava meus pais de Senhor e Senhora O’Neil, eles me
mostravam orgulhosos para as visitas de como eu era bem
instruído, mas não era instrução era... medo.
Josh me beija, sinto o desespero profundo em seu
ato, mas não sinto nada, além de... dó. Mantenho os olhos
abertos, querendo senti-lo, querendo sentir como foi meu
primeiro beijo com ele, já entre os hooligans, alguns
poucos anos atrás, mas não sinto nada além de... nada, ele
percebe e se afasta.
— É... ela, não é? — ele abaixa o olhar, mas, suas
mãos se mantém firmes na gola da minha camisa, eu as
tiro... Josh abandona os braços ao lado do corpo, eu
acendo um cigarro e bebo a cerveja, ele acende um
baseado, se sentando com as pernas abertas e os braços
bambos.
— Não é só isso... — quebro o silêncio, vendo o
sol fazer o seu percurso moroso do outono, as folhas caem
ao balanço do vento, me lembro imediatamente do modo
como Lily saiu da audição e a forma completamente
improvisada, tão atípico dela fazer as coisas, que caralhos
tinha acontecido? Josh me olha, oferecendo a maconha, eu
nego.
— Foi as merdas que eu fiz também, né? — eu
nem nego nem afirmo, mas, sim... a última; que me fez ir
parar em uma aula de balé: a gente tinha zoado um museu,
ele quis tentar roubar a estátua, no corre Terry, Stan e eu
nos safamos, mas Josh gostava de levar uma “lembrança”
e não preciso dizer que uma estátua de uns 200kg, além
de ser um souvenir extravagante, porra, seria pesado
demais, não? A polícia chegou eu o mandei cair fora e
fiquei com o B.O.
— Foi... — afirmo e ele sabe disso, sabe que
várias vezes eu livrei aquela bunda de ser alvo na cadeia.
— Caralho, Sean... a gente nunca tinha ficado
tanto tempo sem se falar e, quando eu resolvo vir atrás, sei
lá... — ele prende a respiração, deixando a fumaça
percorrer seus pulmões. — Você me dá um fora... — ele
sorri de lado, soltando o ar e a fumaça da droga se junto a
fumaça do frio, ele vai apagando com a saliva o baseado e
guardando o resto num saquinho e enfia na carteira.
— A gente já sabia que essa porra não ia dar
certo... — dou de ombros, jogando a garrafa da cerveja
num saco e me servindo de outra, ele apoia os cotovelos
nos joelhos e abaixa a cabeça.
— Qual foi o acordo do balé?
Eu me apoio na mesa, cruzando os braços,
fechando os olhos, tentando me lembrar as palavras da
juíza estressada, a porra do acordo, só agora ele pergunta
diretamente a mim.
— Mesmo de sempre... fui zoar a estátua do
cara... ela chamou minha atenção, meu pai pagou a
fiança... debochei daquela merda, ela viu como um ataque
pessoal... — bebo um generoso gole, sentindo a merda do
álcool chegar no meu paladar, que cerveja mais barata e
ruim... gosto. — Aí... ela disse que nem serviço comunitário
me dava jeito e blá-blá-blá... aí o brilhante do senhor O’Neil
para me humilhar falou que eu deveria fazer balé... já que
eu gostava de pegar homem e mulher eu teria um prato
farto, falou pro advogado, que concordou e fez essa
proposta absurda...
— E a Lily calhou de ser sua professora? — ele se
levanta, juntando os pontos, Josh não era esperto, mas era
meu tipo... piercings, pouco musculoso, olhar melancólico e
perdido, assim como eu. Com a diferença que gosto de
malhar, gosto de ser grande, assim evito vários problemas.
— Golpe do destino. — rebato, ele sorri de modo
tão irônico, que acho que estou perdendo o jeito do meu
poder de persuasão, algo que me ajudava muuuito em
inúmeras discussões em casa, para convencer, por
exemplo, meu pai a não bater na minha mãe caindo de
drogada.
— E do seu capricho.
Talvez eu estivesse me entregando, quando fui
pego no meu primeiro furto, numa lanchonete, onde levei
escondido um saleiro e o dono me olhou exatamente
assim, ele não perguntou, só afirmou que furtei, mesmo eu
tendo um cartão de crédito que me desse o poder de
comprar a espelunca inteira; paguei o saleiro e mais o
silêncio dele.
— Quem tem dinheiro pode se dar ao luxo de dar
golpes em destino... — meu pai me disse isso quando eu
fiz minha primeira tatuagem, eu queria chamar atenção
desesperadamente, mas ele estava mais ocupado
rastejando suas mãos nojentas em uma menina que
deveria ser mais nova que eu.
— Filha da puta... — ele responde, o cheiro da
marijuana ainda em seu hálito, ele cospe quando me
xinga... aí é a minha vez se usar do sarcasmo e dizer toda
verdade do mundo:
— Não poderia concordar mais.
Terry e Stan voltaram depois que Josh foi embora,
prometendo se vingar, eu fiquei ali olhando a tela de celular
e lembrando do quanto tinha me excitado ao lembrar de
Lily hoje, parecia não ser a garota do ônibus, o último salto
em que eu a peguei, quase dei um beijo naquela boca...
mas, aquele grande desgraçado do Yuri tinha fodido com
meu pai, não que ele não merecesse, mas o imbecil ficava
na minha cola também.
Na porra da tese de doutorado dele, eu era citado
como um “pobre menino rico do Reino Unido”, pior que
aquela merda até rimava. Mas, o odiava mais por ter
roubado o coração ingênuo de Lily... se ela soubesse que
ele tinha fama de transar com uma colega de trabalho...
bastidores, sendo filho de político corrupto, a gente
aprende a ter escutas nas portas.
— Sean? — Terry chama a minha atenção, ele e
Stan estavam dando risada de alguma merda no Youtube,
mas eu, recentemente estava distante, até que recebo uma
ligação da Amanda.
— O que houve com... — antes de eu começar a
falar, ela me interrompe.
— Foi a Silvia... — ela fala baixo, como se
estivesse com medo, tremo de nervoso só de ouvir esse
nome, ela continua: — Ela estava com coisas da Lily... ela
destruiu celular, mochila...e, talvez, Sean, o pior... o figurino
que a avó dela fez... a avó da Lily — a pausa é angustiante
e as coisas começam a fazer sentido na minha cabeça... —
Eu... infelizmente, eu não tenho como provar nada... só
que... só que ela deixou algumas coisas dela aqui na minha
casa como, bem... uma cartela de pílula anticoncepcional,
restos do figurino escrito... hm...
— Escrito o quê? — me adianto, tentando ignorar
aquela menina trepando com o tio, aquele filha da puta...
— Escrito “vocês vão ver só, suas putas” — ela
começa a soluçar, pego minhas coisas, socando no bolso.
— Eu tô indo pra aí... não me... só não mexe em
nada, a gente chama a polícia... — Terry e Stan me
encaram, não sorriam mais e tinham pausado o vídeo, se
entreolham e depois ambos olham pra mim, meio
incrédulos ou algo assim.
— Mano... tá tudo bem? — pergunta Terry,
colocando a mão no meu ombro, Stan continua sentado,
empurrando o celular pro bolso.
— A gente é família, mano... o seu problema é
nosso... fala aí, quem a gente tem que pegar na porrada?
— ele estala os dedos, Stan era o mais esquentado de nós
quatro, bom, agora três.
— O quão a fim vocês estão de dançar balé com
uma racistinha filha de uma puta? — indago, agradecendo
por tê-los na minha vida, são amigos de verdade.
Nunca me julgaram por querer pegar homem e
mulher, nem mesmo quando souberam de Josh e das
encrencas que ele metia na gente... Haha trocadilhos...
eles me cumprimentam com o punho e saímos na ventania
da noite fria.
Capítulo 21: Yuri

Algo havia mudado nela.


Eu trabalhava mais que nunca agora publicando
um livro sobre Tim Jones O’Neil, claro que tomei a
liberdade de tirar como eu consegui reunir o material, mas
assim que toda a imprensa soube do caso, fomos sendo
levados a programas de tv, talkshows, entrevistas, quase
célebres, muito embora minha relação com meus amigos
havia mudado um pouco, menos com Carl, mas Moacir e
Judy me olhavam diferente...
O final de semana não foi menos agitado, mas,
quis ir com Lily ao teatro: Adelphi Teathre, as belas cortinas
vermelhas na imensidão do escuro, três pisos, cada um de
valores diferentes, optei na hora da reserva pela
sacadinha, área VIP, primeiro piso, um luxo que me
custaria alguma boa porção do meu salário, mas ela
merecia, fosse o que fosse Lily me parecia abatida, triste,
vaga... por mais que dissesse que nada tinha a ver com... a
gente, eu senti que poderia fazer alguma coisa.
— Nunca fiquei num camarote antes... — ela
comenta, Ricardo tinha bom gosto pras roupas que dava à
filha, ela vestia uma saia de tuli, rendas no busto todo
desenhado, alças finas e brancas, degradê de preto para
branco, um casaco longo de lã, brincos de flores
penduradas em um fio de nylon, e o cabelo solto, ao seu
lado, sua inseparável bolsinha de sair, em formato de
concha furta cor, com certeza de uma sessão infantil.
Sugar, mesmo fazendo vinte anos seus traços
infantis e sua alegria infante, tudo que teria para me
desagradar numa jovem mulher, em você é composto
como uma obra de arte.
— Você merece... — não ousamos demonstrar
carinho em público, ela sabia que o caso do pai de Sean
era grave, só não sabia o quanto... e nem do pequeno
detalhe de Desiré e Judy. E ela não iria saber, nunca... vou
sublimar esses pensamentos de mim, como se nada
tivesse acontecido em meu mundo ou no dela... viveríamos
em uma bolha, em que nada pudesse nos atingir... eu te
prometo, sugar, seu mundo vai ser doce.
O teatro começa, O Instituto Shakespeare estava
em estreia com a peça “Sonho de uma noite de verão”,
onde uma trupe de artistas, muito ruins, tentam fazer uma
peça de sucesso, imitando os deuses, ao passo que os
deuses interferem e imitam os homens.
Eu sempre gostei dessa peça, e Lily, que sempre
foi de sorriso fácil, por filmes bobos, estava tão séria... me
atento a isso e me utilizando da parca luz do teatro, aperto
sua mão, ela está fria... ela aperta a minha em resposta.
— Tudo bem, sugar? — digo ao pé de seu ouvido,
dando um beijo suave em sua bochecha, ela puxa minha
mão para seu colo, não obtenho resposta até o fim do
primeiro ato.
Estamos no banheiro, ela me beija
alucinadamente, não que eu não goste, eu amo aquilo,
mas é quase desesperado... sua língua na minha, me
banhando daquele gosto de café... não mais o rotineiro
Ovomaltine, a envolvo em meus braços, beijando sua face,
estalando beijos sortidos em seu rosto, até que ela começa
a chorar.
— Lily... o que houve? Conta pra mim...
Ela me abraça, mas sem tanta força, é estranho,
seu abraço é trêmulo, cansado, nada da vitalidade que eu
tanto admirava.
Tento encontrar seu olhar, pegando seu rosto com
ambas as minhas mãos... como uma joia, que pudesse se
quebrar se eu soltasse.
— Silvia... a Amanda me disse... meu figurino... o
que a vovó fez... Yuri... destruído, tudo destruído, meu
celular, minha mochila, minhas coisas... até o meu gloss...
Ela abaixa a cabeça e vejo que as lágrimas
chegam a cair... a cair! Meu dedo indicador levanta seu
queixo e a beijo, calmo, quero passar a minha calma para
ela e quero que ela transfira a sua dor para mim, me deixa
aguentar sua dor, Sugar... passe para mim.
— Me conta tudo...
Ela pega as minhas mãos, ofegante, perdemos o
segundo ato, mas eu ganho mais de sua confiança e é isso
que me importa.
Eu me irrito com essa Silvia de uma maneira tão
grande... quero socar a parede, mas só afago seus cabelos
enquanto ela me conta entre soluços, lágrimas e gestos
vacilantes.
Saímos dali...
Foda-se.
Meu mundo gira em torno dela e mesmo que esse
problema seja pequeno em perspectivas de pessoas mais
velhas, a dor está aqui e agora e eu nunca mais cometeria
o erro de desfazer dos seus sentimentos outra vez.
Lily era encantada com tudo e eu entendo que
esse encanto tenha se quebrado, doído... acho que ela
ainda não sabe lidar com nada disso, ainda...
— Vem, vamos embora... quero pesquisar sobre a
Silvia, quem sabe não ligamos pra Amanda? Assim ela
pode me dar mais informações e...
Ela segura meu braço, olhando as horas,
enxugando as lágrimas.
— A gente não vai voltar? Você deve ter gastando
um dinheirão me trazendo aqui...
Ela estava realmente preocupada com isso?
Detalhes, sugar... jamais iria forçá-la a nada, talvez, no seu
tempo forçar um pouco você a engasgar com meu pau,
mas isso? Não... meu amor, isso era irrelevante.
— Não... — beijo suas mãos, trêmulas. — A gente
vai pra casa e vai achar os podres dessa menina... quero
que Amanda me conte tudo, absolutamente tudo! Tá?
Ela concorda, aconchegando o rosto na minha
mão, tão linda...

Ligo para Amanda, que, no início fica bem sem


graça de me contar o que houve, mas aos poucos a
emoção vai tomando conta, também pelas minhas
perguntas, utilizo das palavras chave e de todas as
manobras emotivas aprendidas ao longo desses anos.
— Como você pode ter certeza? — uso o
notebook para fazer as anotações, Facebook da Sílvia e da
Amanda abertos, prints de conversas que, para ela
pareciam irrelevantes, mas para mim era ouro.
— Yuri... isso pode me trazer problemas? —
estávamos no viva voz, confesso que a pergunta me pegou
de surpresa... o que racistas fazem com suas vítimas? A
ponto de ela achar que, de algum modo aquilo traria
problemas pra ela e não para Silvia, suspiro em
indignação.
— Não... pra você não... isso é crime, Amanda,
crime previsto aqui na Inglaterra, Portugal, Brasil, enfim...
esse tipo de ataque não é piada, não é calor do momento
ou qualquer coisa que inventem para se safar... — meus
olhos percorrem o perfil social de Silvia, Lily está enlaçada
ao meu pescoço, atrás de mim, pontuando algum amigo
em comum ou acalmando a amiga.
— Yuri... você está bem à frente do caso do pai do
Sean... mas, ele me confessou que está apaixonado pela
Lily... a gente podia, sei lá... ver se junta esses dois, não?
Paro de digitar na mesma hora e sinto Lily ficar
trêmula, Lily era mais forte que eu, que já tinha contado a
Carl e minha ex-amante e mentora Judy sobre meu caso
com a minha sobrinha, mas ela resistiu e não contou a
ninguém.
Aperto o braço de Lily, beijando sua mão.
— Sean é um garoto bem problemático, Amanda...
— diz Lily, a amiga contra-argumenta dizendo as
qualidades dele e do final de semana que passaram lá,
contando até os motivos que o levaram a assustá-la no
episódio do carro, até que meus tímpanos retumbaram.
— Ele é bissexual, como eu, estava namorando
Josh que... enfim, ele que era muito ciumento e meio
possessivo... — Amanda comenta e parece beber alguma
coisa, o barulhinho de sucção faz minha cabeça ser
sugada, sim, mas para o inferno. — Lily, peguei sua mania
de Ovomaltine.
Tento acalmar meu ciúmes, quando percebo que
Lily está tão desconfortável com essa conversa a ponto de
ser nítida a respiração nervosa e entrecortada.
Então, quer dizer que o filho de Tim Jones O’Neil
era bissexual... isso renderia uma matéria e... não, Yuri.. os
filhos não devem pagar pelo erro dos pais... eu bem que
sei, limpo minha garganta, voltando a beijar a mão de Lily,
que parece ter petrificado.
Quero saber o que passa pela sua cabeça,
Sugar... me dê acesso aos seus pensamentos... mais
obscuros, por favor... me permita ver através do véu dos
seus olhos nem castanhos nem verdes... a cor difusa entre
um e outro...
— Amanda, você sabe o nome de algum ex-
namorado ou ex-namorada? Eu queria tentar contato... ou
o professor que ela diz ter um caso?
Ela fica mais à vontade e conta.
Gravo pelo celular nossa conversa, me iria ser útil
mais tarde e já penso em pautas para o jorna: racismo,
com certeza seria o principal e alterando o nome, idade e
algumas situações eu poderia contar a história de Amanda.

— Yuri, eu... desculpa eu não ter contato que Sean


tinha meio que... sei lá... se declarado, mas eu juro que eu
nunca...
Eu a beijo, eu sei, sugar... ah se eu sei... a
conduzo, ainda a beijando para o quarto, pegando em sua
cintura e a levando até a cama, tentando frear minha
vontade de estimular seu clitóris com um estimulador
formidável, que eu havia comprado em uma lojinha...
Talvez o usasse agora... não, Yuri... não assuste
ela...
A deito na cama, ainda a beijando, quero parar,
mas meu corpo não consegue ter freios, ela já está tão
entregue, tão pronta, mordendo o lábio inferior e com os
olhos entreabertos, aproveitando a fricção que meu corpo
exerce sobre o dela.
Não quero tirar sua roupa, só o calçado, o casaco
e começo a beijar seus braços, pescoço, colo... minha mão
vai diretamente ao seu seio, que por Deus... os biquinhos
estavam tão duros... eu tinha uma pinça, em particular para
aquela região no meu baú, mordo, afastando o tecido
delicado que o encobre.
Desço a mão até sua calcinha, e brinco com o
anelar ao redor do clitóris, devagar, sinto meu dedo molhar
e ela gemer bem baixinho, subo o queixo, passando a
barba bem devagar em seu pescoço que enverga para
trás, deixando o cabelo se espalhar pela cama.
— Da próxima vez que a gente sair... quero que
saia sem calcinha...
Ela me olha em interrogativa, mas concorda,
penetro bem devagar, ela se contorce sem saber o que
fazer com as mãos, que repousam acima da cabeça.
— Yu... Yuri...
Não posso dizer a satisfação que eu tenho em
ouvir meu nome sair pelos seus lábios hesitantes, cheios
de lascívia, o rosto salgado pelas lágrimas ficariam doce
com minhas lambidas indiscretas.
Ela aperta com as coxas minha mão, aquilo é tão
perfeito... ela está quase pronta, quase... vou abaixando,
mordendo a calcinha, colocando para o lado, ela tenta me
frear dizendo:
— Nã...não... — a força insana que eu faço para
parar... nem Deus sabe, digo baixinho.
— Só um pouquinho sugar... um beijo só... — ela
afrouxa, erguendo a cabeça para me olhar, afirmando em
seguida com um misto de medo, tesão e a boca aberta...
boca que eu quero beijar imediatamente.
Seguro suas coxas, massageando com as mãos e
me arrumando na cama, a puxando para a beirada e
ajoelho perante ela, coloco a boca, sentindo seu gosto...
até aqui seu gosto é de tutti-frutti, sugar? Ela estremece,
espasma, ah, Lily... seus hormônios em ebulição e seu
descontrole sobre eles é tão... tão perfeito para um
masoquista como eu...
— Me deixa... me... deixa te tocar também?
Ok. Aquela eu não esperava... não, não mesmo...
mas, vá lá... se ela recuar eu tomo uma banho gelado, ou
saio nu pela ventania fria...
— Tem certeza? — pergunto arrumando suas
pernas, enquanto ela se ajeita de quatro na cama, pegando
de modo incerto o volume pela minha calça jeans... ela
abre aos poucos o botão de modo quase torturante... as
mãos delicadas, seu olhar para mim, como se me pedisse
permissão, eu só esboço um sorriso safado, acariciando
suas costas, cabelos, rosto.
Ela vê minha cueca, e a abaixa repentinamente
com as duas mãos...
— Nunca viu, Lily?
— Só... só em vídeo...
Eu sorrio, ela abre a boca e engloba meu pau, que
lateja... PUTA merda, que boca deliciosa, inexperiente, é
verdade, passa o dente sem querer e pede desculpas cada
vez que o faz... não queria, mas acabo me movendo
involuntariamente para frente e parar trás, seus lábios
acompanham.
Ela está quase pronta... quase, enrolo seus
cabelos de modo mais delicado que meu tesão permite e
dito a regularidade com que me chupa, para um primeiro
boquete, sugar... está saindo melhor que a encomenda...
muito melhor.
— Lily... eu vou gozar... não quero que seja... não
agora, na sua... ah... na sua boca...
Ela parece não me ouvir, ela usa os dedos
enlaçando por onde meu cinto se engloba e me trazendo
para mais dentro de sua boca, ca-ra-lho, ela quer mesmo
que eu goze na boca dela? Isso seria tão... ah... tão... ah...
— Go... gostou?
Se eu gostei? Se eu gostei? Sugar, você me fez
gozar... olho para seu rosto e vejo minha porra ser engolida
por ela... é, Sean, ela é minha... a abraço forte,
cochichando em seu ouvido:
— Foi... incrível...
Ela solta um risadinha sem graça, mas ao mesmo
tempo sacana... E desliza dos meus braços para o
banheiro, eu a acompanho com o olhar... aquilo não tinha
sido um boquete, tinha sido o mais próximo da entrada do
paraíso...
Capítulo 22: Sean

— Você... você quer um favor meu?


Josh estava magoado.
Claro... depois do nosso término definitivo e seu
desejo de vingança, seria normal que ele ficasse muito
puto, eu também ficaria, mas foi com grata surpresa que
mandei que os seguranças deixassem ele entrar.
Tentei me concentrar, depois de ligar pra ele, mas
estava impossível, as lembranças varriam qualquer rastro
de calma.
Ele prometeu que ia se vingar, mas eu sabia que
era da boca pra fora, me lembrei de quando eu quis pegar
uma mina na balada e ele chegou na garota, nosso breve
relacionamento a três... ou quando meu pai, se é que
posso chamar assim, expulsou os manos daqui de casa...
nas poucas vezes que o senhor O’Neil tinha aparecido
aqui, ele me pega beijando outro homem.
Foi uma guerra!
Mas, eu quis comprar.
Foi quando, nas poucas vezes que minha mãe se
meteu entre mim e meu pai, que ela me chamou... daquilo:
“radioativo”.
Se fosse a Lily que tivesse dito isso, ela viria com
a sua formulação nerd, o que me faz sorrir, aquela
nerdizinha metida iria me dar uma palestra de radiação,
mas não a senhora Desiré ex-O’Neil, com “radioativo” ela
quis dizer “instável”, “perigoso”, “aquilo que devemos
temer”, mas servi pra alguma coisa... para manter o status
de casal perfeito deles, certamente.
Porra...
Josh chega... e aquele puto sabia como me
provocar... vestido com a camisa larga, de Slipknot, calça
rasgada um pouco agarrada em sua canela, o coturno, seu
sorriso triunfante, eu chego perto dele, o cumprimentando e
ele cruza os braços:
— Qual foi o B.O dessa vez? Não é você que
sempre taca na minha cara que eu... eu sou o rei dos
B.Os... para querer um favor meu..
— Quer beber? — o interrompo, passando por ele
e fazendo um gesto que me siga até o bar da cozinha.
Dentre todas as bebidas, ele pede um conhaque
para esquentar, de fato... o inverno estava pairando sobre
nós e ele deve ter vindo de moto, mano... me ligo na roupa
de Josh só quando consigo o ver sentado no banquinho do
bar... aquela era a roupa da primeira vez que a gente tinha
dado uns bons de uns amassos.
Filho da puta...
O desgraçado estava bonito pra um cacete... os
cabelos espetados, os olhos pequenos, como fendas de
seus traços orientais, o rosto em harmonia com seu físico
de academia, nada que tão sobressalente como os meus,
mas... definidos.
Stan era o mais bombado, em seguida eu, Terry e
ele, o que não o deixou, de forma alguma menos atrativos,
quer saber a verdade?, passo minha língua de cobra
provocativamente no meu lábio superior, abafando um riso:
seu físico o deixava convidativo pra umas fodas...
— Qual o lance, Sean?
Eu me sirvo de conhaque, indo sentar ao lado
dele, que obviamente me olha desconfiado.
Josh Wan era o filho querido dos pais chineses,
que trabalhavam nos Estados Unidos em uma universidade
que-não-ligo. Ele começou a cursar medicina, mas largou...
típico problema: tinha um outro filho mais querido que ele e
a competição se acirrou. Irritado, Josh se mandou pra cá e
se formou em... nem lembro, acho que não chegou a se
formar, foda-se...
— No que eu posso ser útil pra você?
Dou de ombros, quero parecer misterioso, mas eu
sei que falho... suspiro bebendo um pouco do conhaque e
faço uma careta, merda... eu tava perdendo a minha
habilidade de beber destila...do, sendo eu mesmo uma
cobra? Ah! Trocadilhos...
— Você ainda tem contato daquele seu amigo
yankee que mexia em computador? — encaro mais um
gole da bebida, ele roda no banquinho parando aos poucos
com um sorriso tão largo e genuíno que parece que contei
uma piada.
— Sean Louis O’Neil precisa mesmo de um favor
meu, achei que tinha me chamado aqui pra fazer as
pazes... — ele coloca o cotovelo na bancada do bar e
sustenta a cabeça na mão, brincando com o copo, olhando
o líquido castanho dançar dentro dele, mano...
A cor do conhaque lembra a cor do cabelo de
Lily... principalmente quando a bebida sobe pelo copo e
escorre, aquele vislumbre castanho claro: eu ando um
imbecil... de onde eu tirei essa poeticidade de Lord Byron?
— Meio que isso... — respondo, depois da minha
divagação à la Lily.
— Seu dinheiro não pode comprar tudo?
Meu? Não. Quero ficar longe desse dinheiro
podre... mas, sim, ao mesmo tempo, o dinheiro era do
senhor O’Neil e não seria interessante que o próprio
dinheiro dele, vindo de... como o incestuoso filho da puta
do tio da Lily tinha dito em uma entrevista? “Rede de
aliciamento de jovens”, imbecil, a sobrinha dele é o quê?...
enfim, engulo minha raiva com o conhaque e respondo:
— Poder, pode, inclusive quero usar pra fuder
alguém... — parece que ganho a atenção de Josh nesse
momento.
Seus olhos se estreitam ainda mais, suas
tatuagens, em grandes e bem feitos kanjis se mostram
mais retocados com a pele dele, teve épocas que comparei
suas tatuagens em sua pele como: “Kanjis feitos à mão em
uma pele de pergaminho... parece que gueixas trabalharam
sobre você”, ele gostava da comparação, se fosse Lily iria
me interromper e dizer que “gueixas” eram japonesas e
não chinesas...
Ele pousa o conhaque no bar, alongando o corpo,
oh-oh, eu tinha fisgado mesmo sua atenção mesmo,
mesmo, mesmo!
Ele diz imediatamente:
— E eu poderia, por um acaso, saber quem?
Sem hesitar eu respondo:
— O puto do meu pai... e mais um cara...
Josh solta uma risada, meio irônica, meio
triunfante, meio radioativa.
São quase cinco e vinte da madrugada de uma
segunda-feira.
Fico em frente à lareira, com o celular na mão,
balanço a perna, repassando as instruções que Josh me
deu sobre o amigo:
— Seguinte, Sean... cola aqui... — ele me puxou
por uma arruela qualquer. — Ele vai te ligar... espera três
vezes antes de atender... — ele arruma o capuz na cabeça,
as mãos com as luvas para pilotar a moto, olhos
avermelhados, parecia meio... cansado, sem dormir... não
sei dizer, ele me entregou um papel escrito um nome “D.G”
e onde eu deveria depositar as quinze mil libras, dinheiro
que me deu um certo trabalho pra levantar.
Inspiro...
Expiro...
O senhor O’Neil estava começando a ter os bens
bloqueados, tive que desfazer às pressas de uma moto
maneira, fazer mais uns lances e levantar a grana, sorte
que o digníssimo papai tinha colocado uns bens no meu
nome... algumas contas internacionais, carros, casas, lotes
comerciais, algo que ele nem suspeitava que iria se virar
contra ele, sorrio.
— Metade da grana hoje, exatamente às seis
horas, horário daqui... vê no Google como compra bitcoin,
porque vai ser a moeda que vai dar a ele, fora a minha
comissão... — justo... não que ele precisasse, mas... — O
resto da grana depois de cinco horas de concluído o
serviço...
Enquanto espero o DG me ligar penso exatamente
no que vou fazer: Adulterar as provas que meu pai tem
contra Yuri, as coisinhas que ele gostava, BDSM, pegar
mulheres do trabalho, já ter sido um Hooligan e ter fotos
beijando a sobrinha; eu iria colocar em cima a podridão que
eu sabia que tinha naquele computador.
Imagina a cara dos advogados ao saberem que ao
invés do troféu contra Yuri Deives, eles teriam a ladeira
abaixo de Tim Jones!
O celular toca uma, duas... três... vejo o meu,
caralho!, o meu próprio número, hesito, mas atendo na
hora aquela merda.
— Manda. — eu falo às pressas, a voz que me
retorna é meio robótica, primeiro agradece a quantia e, em
seguida manda eu ir pra frente do pc, digitar umas senhas,
que obviamente eu sabia... não sou otário, meu pai não
consegue esconder senhas de computador ou contas de
mim... sou radioativo, né?
Ele acessa meu computador remotamente e pede
pra que eu saia e volte dali cinco ou seis horas, até que ele
me pergunta:
— Você quer adulterar ou apagar?
Penso, por um instante, em dizer que só quero
apagar, mas eu me lembro de todas as babás que foram
assediadas, de todos os crimes que eu sabia e outros que
eu não fazia ideia, senão a mosca morta do Yuri não iria
ficar sobrevoando meu pai tanto tempo... respondo,
apertando o celular contra minha boca:
— Adult... adulterar... ADULTERA ESSA PORRA!
A voz parece rir, mas se contém num “ok” e
começa a fazer seu trabalho, eu vejo pipocar pelo
computador fotos de ... meu Deus... eram... crianças... meu
pai, quer dizer, aquele desgraçado merece morrer na
cadeia! Como ele pôde?
A voz robótica manda:
— Saia!
— Como ele pôde... — falo retoricamente,
engolindo um gosto azedo, acre... radioativo?
A voz manda novamente, mas sem o robótico:
— Sean, né? Só... sai daí, mano… esse homem é
investigado em tudo quanto é país, parece até que é
envolvido com a máfia... — ele tinha tirado a voz por...
pena?
Eu tento argumentar, até que a voz robótica fala de
modo imperativo:
— Sai ou eu paro!
Saio, não sabendo se deveria ou não, mas desligo
o telefone e eu começo a chorar, há anos eu tinha
esquecido como era essa sensação de impotência, raiva...
radiação... aquele homem era um monstro... o pior tipo de
colarinho branco... eram só crianças... assim como eu um
dia fora.
Capítulo 23: Sean

Espero dar exatamente 18:30 para ligar para Lily, a


porra das minhas lágrimas haviam secado.
Assim que se aproximava o final de semana, o tal
do yankee, D.G havia me mandado um dossiê completo,
adulterando as provas que meu pai tinha com... esquece,
ela iria ver... iria ver o adorado incestuoso, puto,
sadomasoquista que tinha trepado com a minha mãe por
informações ruir... bem na minha frente.
— Oiii, Sean, sabia que... — ela agradece ao Uber.
— ... até semana que vem Rocco Fisher vai dar o resultado
das audições... aparentemente já está livre de mim...
Ela realmente achava que eu queria ficar livre
dela?
Demoro um pouco pra responder, pegando o
dossiê nas mãos, como se pudesse me escapar a qualquer
momento.
Depois o jogo sobre a grande mesa da cozinha,
produzindo um eco... eu tinha nojo, raiva, mas ao mesmo
tempo, finalmente, eu tinha algo contra meu pai e mais...
tudo que ele havia levantado sobre Yuri.
— Pensei em continuar dançando...
Posso ouvi-la sorrir, orgulhosa.
— Que bom! Porque eu tomei a liberdade e... te
matriculei na turma de inverno!
Sorrio, é... não era a menina inocente que eu havia
conhecido no ônibus... deslizo os dedos pelo celular, como
se eu conseguisse tocá-la.
— Você pode passar aqui? Quero te dar uma
coisa...
Ela imediatamente começa a chutar as opções,
desde sapatilhas novas, livros até action figures... queria
que fosse... talvez um dia.
— Só vem... eu pago seu Uber de volta pra casa
do inces... do Yuri... — o nome do desgraçado me sai tão
difícil... ela, hesita, mas acaba concordando.
Eu entendo: sem Amanda por perto, eu seria o
lobo em pele de cordeiro, mal sabe ela que o lobo a
espreitava bem no lugar onde ela dormia...
Ela chega com seu colã rosa habitual, a mochila
era nova, não menos infantil, um Olaf de Frozen
estampado, calça jeans e uma jaqueta, com... glitter? A
maquiagem reforçada e ela me mostrava as
funcionalidades do celular novo que o incestuoso havia
comprado, ela chega chegando... embora algo, não sei
bem o que, tenha mudado nela depois da apresentação,
sua essência continuava a mesma.
Ela desliza a mochila e percebi que ainda está
com as sapatilhas de meia ponta.
— Nem acredito que vou fazer vinte! Ano que vem
já posso sair pra pubs sozinha... Amanda faz vinte em
novembro, legal, né? A gente pode ir juntas... claro, que
você também pode ir... e Yuri... hoje a gente falou muito de
você...
Ela é um furacão mesmo, não, arqueio a
sobrancelha e percebo que pela primeira vez ela me toca,
me guiando até o sofá.
— Obrigada, pela força que tem dado a ela.
Lily senta no sofá da sala, quase desisto de
entregar as coisas pra ela, quero aproveitar estar perto,
sentir o calor que emana depois da dança, ao invés dela,
eu deveria convidar Yuri para uma visitinha em casa, talvez
com Terry e Stan, mas não sou tão benevolente assim...
não atingi essa esfera quase santa, o desgraçado ia dar
um jeito dela não saber de nada...
— Eu tenho uma coisa pra te mostrar... — me
levanto devagar, não querendo sair daquela posição tão
cômoda.
Lily fica acesa, como criança esperando um doce,
colocando as duas mãos nos joelhos graciosamente,
costas retas, os pezinhos para o lado, aqueles olhos
expressivos, grandes... quase implorando com o olhar um
Ovomaltine, acho que se o presente dela fosse uma
lembrança do Mac Lanche Feliz, ela sairia saltitando por
aí... qualquer coisa a agradava.
Toda certeza que eu tinha de entregar tudo a ela
rui ali... mas, eu vou até a mesa e mesmo com o coração
apertado por ela, lhe entrego um envelope pardo, grande,
pesado, ela me olha em interrogativa.
— Que isso? Alguma entrada para espetáculo na
Escócia?
— Só... só abre, Lily... só abre essa merda!
Ela se assusta e rapidamente abre, a ansiedade
me consumindo quando vejo seu rosto alegre se
transformar em... desencanto... por ele... ela balbucia as
palavras, usa o dedo para acompanhar as linhas, olha e
olha de novo e de novo as fotos... começa a suar.
— Quer uma água?
Seus olhos estão estáticos para o nada, ela vira a
cabeça e murmura:
— Álcool... — limpa a garganta. — Eu nunca
bebi...
— Vou preparar algo pra gente... - caminho até o
bar, servindo whisky o batizando com água para ficar mais
fraco pra ela e duas doses puras para mim, quando ouço
seu grito, não me viro... a deixo gritar à plenos pulmões...
não tinha ninguém aqui além de mim e de poucos
empregados que cuidavam de outras partes da casa e não
iriam vir, me viro e a vejo com o grosso envelope apertado
contra o peito, sua feição destorcida pela dor e...
desencanto.
Aquilo me dói... mas, a verdade liberta... grita,
Lily... eu estarei aqui para te consolar.

Claro que ela não iria aguentar beber, tiro aquela


merda da mão dela antes que tome o segundo gole, não
queria que a primeira bebida da Lily fosse na tristeza e
ainda com um whisky batizado com um monte de gelo e
um tanto de água.
Aquilo estava uma merda.
— Fica e passa o final de semana aqui, a gente
conversa melhor.
Ela não diz nada, apenas pega sua mochila, com a
documentação e sobe as escadas, sabendo o caminho
para o meu quarto... como sempre, meu olhar a
acompanha de soslaio, com a sensação de que fiz a coisa
certa, mas não sei se d amaneira certa. Olho o whisky dela,
a coloração castanha... como seus cabelos, mas, dessa
vez eles estariam perfumando o meu travesseiro, o cheiro
adocicado dela... agora batizado com um pouco de álcool,
lágrimas e decepção... me sinto um merda.

— Lily? — bato na porta e entro mesmo sem ela


dizer se posso ou não, já passa das quatro da manhã e
não preguei os olhos, remoendo a cena em que ela grita...
mano, meus ouvidos ainda sentem sua angústia...
— Estava pesquisando coisas... — ela diz, saindo
do edredom e olhando pra mim, seu rosto iluminado pela
tela do celular. Balanço de um lado e de outro para saber
se sento ou não na cama, quando vejo, já estou sentado.
— Que coisas? — observo que há algumas
mensagens do pai, do incestuoso e de Amanda, algumas
abas no celular sobre meu pai, Youtube aberto com
declarações do Yuri, enfim, ela estava... estudando?
— Sobre jornalismo investigativo... e, bem...
BDMS.
— BDSM, Lily... — a corrijo e ela fica vermelha,
mudando de assunto.
— Disse a Amanda para mentir que eu iria pra
Portugal na casa dela, claro que meu pai fez algumas
perguntas e tals, mas achou bacana, já... Yuri... bom, ele
não gostou muito, mas falou pra eu me divertir... — ela me
olha, em súplica, divertimento era tudo que ela não estava
sentindo. — Amanda concordou... ela é uma grande
amiga, não fez muitas perguntas quando eu disse que o
real motivo pra que ela confirmasse minha mentira era por
eu estar aqui com você esse final de semana...
— E sua mãe a doida que queria que você tirasse
foto naquele dia?
Ela imediatamente parece ficar sem graça, ficando
em posição de borboleta, vejo que ela pegou uma camisa
minha, os cabelos ainda úmidos... ela não tinha dormido?
Não, seu burro... claro que não.
— Minha mãe? Bem, o marido dela chegou de
viagem aí ela dá uma sumida... — seu sorriso mecânico e
desesperado tenta denotar uma calma incômoda. — Ela
tem um segundo filho, esse que chegou de viagem é
francês e o pai do meu irmãozinho e... — ela começa a
ficar elétrica, embora coçasse os olhos de sono, seu corpo
vai escorregando da cama, que ela começa arrumar. —
Minha mãe achou por bem não falar muito comigo porque
ele vai estar lá, né? Pode, não sei, ficar chato... sei lá...
bem, ela, enfim... vamos tomar um Ovomaltine?
Eu seguro sua mão, gentilmente, para que ela
pare de arrumar minha cama e apenas olhe para mim,
achei que a menina do ônibus tinha uma vida tão... normal,
que surpresa tudo aquilo, pergunto:
— Qual é a do Instagram? E da sua mãe? — vejo
que rui mais um pouco seu mundo cor de rosa, um mundo
que ela tentava criar e passar para as pessoas, uma
proteção às avessas da que eu tinha.
— Minha mãe fica com o dinheiro de publicidades
que eu faço no Instagram... — e com essa reticente voz ela
me conta sua história, ali, nós dois, de pé, ela com o lençol
esticado par arrumar e eu com a mão sobre a dela... a mãe
da Lily era uma tremenda golpista filha da puta, mano...
deu o golpe da barriga no pai dela, quando tirou tudo que o
mano tinha tentou a sorte com o italiano... e óbvio, muito
embora ela não dissesse explicitamente, a mãe tinha medo
de perder o macho para ela... Lily, o cara devia estar com o
olho grande na menina há tempos...
— Seu padrasto fez alguma coisa com você?
Ela me olha assustada, primeiramente negando
veementemente... até se lembrar de algo, sempre existe
algo... sempre tem uma lembrança obscura: a última que
ela tinha ido à Itália no aniversário de quinze anos,
coincidência? Que o desgraçado abriu a porta algumas
vezes enquanto ela tomava banho, se trocava e acordou
com ele a observando.
— Foi sem querer... ele... enfim, foi sem querer...
— ela repete e eu fico em silêncio, seu sorriso só mostra o
quanto ela quer se enganar, o quanto ela esconde.
Lily, seu colã rosa não esconde o quão magoada,
ferida e triste você está e essa alegria é tão nociva, que um
dia, alguém também vai te chamar de radioativa.

Peço para que Stan e Terry deem um pulo em


casa para pedir cara a cara desculpas a Lily.
Para que os funcionários não nos atrapalhassem,
pedi algumas coisas por aplicativo e ficamos conversando,
ela me perguntou sobre como meu pai poderia usar
aquelas provas contra o incestuoso daquele tio safado e eu
fui explicando.
Mas, eu vi claramente que as fotos da Judy Mary
Summers atrás de um pub tinha mexido muito com ela,
além de vê-lo com a minha mãe, ou com algumas outras
mulheres em posições bem interessantes. Ele conseguia
muito mais do que alguns furos; além do profissional que
meu pai tinha contratado tirar fotos deles se beijando em
alguns locais meio na surdina, enfim, o Yuri pra ela era tão
caçador de furos, quanto meu eu de encrenca: o passado
de Yuri como hooligan, as fotos daquela época eram, como
posso dizer? A cereja de um belo bolo.
— A gente sente muito, Lily... — foi Terry quem
quebrou o silêncio, o padrasto dele é delegado, prendeu o
pai dele por abuso contra ele e a mãe, desde então o cara
tenta colocar ele na linha... mas, é difícil, mesmo tendo um
padrasto legal saber que seu pai queimou parte de seu
corpo e só tatuagens expressivas e invasivas poderiam se
sobrepor às cicatrizes.
— Pode dar um murro na gente, se quiser... —
Stan, esquentado como sempre iria pedir que uma garota
desse um murro naquele 4x4, mas ele disse na melhor das
intenções... ela sorri e o abraça, como? Depois de todas as
provas, de tudo que Silvia aprontou, do gelo da mãe, das
lembranças do padrasto... como ela conseguia sorrir fácil
assim?
Stan, mesmo sendo o grandão era um dos mais
emotivos, a rodopiou nos ares.
Stan viu a mãe ser assassinada pelo pai, desde
então, ele morava com a avó materna, ele é esforçado, tem
uma loja de mecânica e vira e mexe eu dou um suporte
como posso, entrou na gangue quando ameaçaram a avó
dele, nós demos um jeito no sujeito... dou de ombros, todos
ali tinham seus traumas...
— Bom, desculpas dadas... vamos parar com
essa ceninha melodramática e vamos ao assunto que
interessa, manos: Silvia.
— O.. o que tem ela? — Lily se sobressalta e os
caras começam a rir, Terry chega a bater a mão na perna,
como se eu tivesse contado a melhor piada do mundo,
Stan coloca as mãos atrás da cabeça, depois de pegar um
pedaço de pizza.
— A gente deu um bom susto nela... — começou
Stan, mordendo um pedaço da pizza e quase falando de
boca cheia. — Lily, aquela mina é uma piranha... A gente
chegou, saca só... a gente chegou na frente da casa dela e
ela tava tentando entrar pela janela da casa da Amanda...
Lily se apavora, mas Terry a acalma, explicando:
— Ela é uma imbecil... chegamos nela já falando
os podres que ela tinha feito... a desgraçada falou tudo e
mais um pouco, a gente gravou... — ele pega o celular e
mostra o vídeo, Lily coloca a mão na boca, horrorizada...
— Aquela vadia é uma bolsista... e eu não, acham
justo? ACHAM? Eu vou fuder com a vida dela... — Silvia
fazia gestos obscenos indo de lá para cá, a câmera
apontada na cara dela, Stan insinuava ir para cima, ela
recuava e o xingava, passavam alguns carros buzinando,
enchendo a porra do saco, mas eles foram firmes na
gravação de quase seis minutos.
— Lily é uma PUTA! E a Amanda quer lamber o
grelo dela... aquela desgraçada... eu vou matar as duas, eu
vou ser a Clara... eu vou BRILHAR! — parecia
descontrolada por ser pega em flagrante.
Ela ria, depois mostrava a caralha do dedo, pior...
a mina era feia de doer... mas, minha atenção recai sobre
Lily, que não desgruda o olho da tela, horrorizada, acho
que ela nunca tinha ouvido tantos palavrões direcionados a
ela.
— Foi você que destruiu o figurino e as coisas da
mina? — a voz de Terry, irrompe a discussão, ele passa o
celular pra Stan e banca o Skull pra cima dela, suas
tatuagens impressionam e depois de um hall, medíocre, eu
diria, de palavrões acerca da aparência do meu amigo, ela
aponta o dedo pra câmera e diz:
— Não só destruí como vou assombrar aquelas
duas! Aquela pret... — Terry não deixa ela continuar, lhe
dando um empurrão, Lily se sobressalta, olhando nós três
abafando o riso, ela volta a atenção pra tela.
— Fala mais, sua biscate... — Stan ia pra cima,
mas Terry o conteve, de modo que a gravação ficou
suspensa e Amanda saiu correndo, gritando e bastante
impressionada com os manos...
— Infelizmente não tem valor na polícia... —
informou Terry, guardando o celular, Stan o complementou:
— O padrasto de Terry, o delegado lá... falou que
ela disse sob ameaça e que isso poderia complicar pra
gente até... olha que malandragem, mas... — nós três
começamos a rir. — Ela dançou um balé apertado ali... —
ele coloca a mão na boca, como se fosse tossir, mas faz
um beat box, com umas rimas nada a ver.
Lily nos encara, a expressão séria:
— Não vai trazer problemas pra vocês... isso?
Se ela soubesse cada coisa que a gente já fez...
Explicamos que não... que foi só um susto e a
satisfação em ter certeza que era ela por trás de todos os
podres.

Passamos uma tarde de sábado agradável, Lily,


dispersa, parecia se concentrar em seus problemas, o
dossiê, particularmente; mas se esforçava em dar atenção
aos meus amigos, a gente resolveu ficar em volta da
piscina aquecida da minha casa, alguns degraus abaixo da
casa.
Ela com o colã rosa, sem notar que aquela merda
ficava transparente, uma visão bem agradável, mesmo que
tenha entrado só uma vez e ficasse checando o maldito
celular, com quem ela estava falando?
Quem mais se divertiu foi Stan, que pulou tanto
naquela merda que chegou a ficar com dor de cabeça,
Terry e eu pedimos comida, vimos um filme qualquer,
enquanto ela tomava banho.
— Desculpa mais uma vez, Lily... — disse Stan,
dando um abraço nela, que retribui, sem pesares.
Terry só acenou, típico dele quando estava sem
graça, nós nos despedimos e, finalmente, eu e Lily ficamos
sozinhos de novo.
— Ainda não disse o preço daquela papelada do
Yuri... — tomo coragens, literalmente do nada e digo, ela
me olha, as mãos deslizando pelo corrimão.
— Eu... eu não tenho dinhei... — antes que
conclua, eu chego tão perto dela, não sei como, como
consigo me aproximar tão rápido, coloco a mão em cima de
sua mão e disparo:
— Quero que dance pra mim, Lily... Esse é o
pagamento... depois é você quem vai estar livre de mim.
Capítulo 24: Yuri

Portugal?
Até onde conheço Lily, ela nunca teve essas
reações intempestivas, mas, como Amanda queria um
pouco de carinho da amiga, não fiz muito caso, embora
achasse estranho, ela afirmou que tinha passado e pegado
algumas roupas, mas não sei... uma sensação incômoda
me percorre, porém não quero cerceá-la e seria bom visitar
um outro país, enquanto espera a angústia dos resultados
da Royal.
Decidi naquele final de semana chamar Moacir,
Judy e Carl para nos encontrar em casa, eu queria dizer
sobre o andamento do livro, eles disseram que se eu
tirasse a parte de Desiré ficaria incompleto, eu e Carl
discordávamos: dois contra dois, precisávamos do voto de
Minerva ali.
Sugar não estar em casa era mais que propício.
Pedi a Dolores que fizesse algum quitute, ela
preparou uma bela bacia de Paella, transferi o dinheiro
para ela fazer e comprar os ingredientes: açafrão, arroz
bem soltinho, mariscos, camarão e especiarias, só um
toque de pimenta e a boa mão de Dolores iria ficar divino,
pedi que ela congelasse uma parte, iria pedir para Lily
provar a paella da Dolores... depois de curtir algumas horas
ou descongelar o sabor ficava ainda mais marcante.
Judy ficou encarregada de levar um vinho, Moa e
Carl de levar alguma outra bebida, o que seria mais que
bem-vindo. O jornal acaba lá pelas sete e eu já me adianto,
correndo os olhos pela pauta do outro dia, Carl tenta me
relaxar, dizendo que já estávamos adiantados para a
semana e se despede para ir em casa tomar banho antes
de ir para minha casa.
Mas, eu não quero relaxar... e retomar os
compromissos acerca do livro me deixavam mais elétrico:
Tim Jones não estava muito calmo?
Mandei uma mensagem para Lily, que retornou
com um emoji, putz... aquilo me quebra... eu sinto tanto a
sua falta, Sugar, essa casa não é o mesmo sem você...
meu TOC perfeito sente a falta da sua bagunça
organizada, do seu cheiro.
Vou até o quarto dela, querendo senti-la, passando
as mãos pelos lençóis arrumados por Dolores, mas que
ainda emanavam um pouco do tutti-frutti... até a campainha
ressoar vaga e eu atender Carl, que parece meio
preocupado.
— Ela não está aí mesmo, né?
Faço que não com a cabeça e peço para que ele
entre, Carl entra afobado, carregando uma garrafa em sua
mão encoberta num papel de conveniência, tira o
sobretudo surrado e coloca na cadeira da cozinha, sem
cerimônia:
— Vai nevar, Yuri...
Concordo com a cabeça, indo até uma mesa e
pegando um pouco de gim pra mim e oferecendo a ele, que
exclama:
— Hm... A paella da Dolores...
Brindamos.
— Ao livro e ao Pulitzer que está por vir... É o
sonho de todo jornalista, Yuri... e você vai conseguir... —
ele eleva a bebida e se senta no sofá, sento ao seu lado e
afirmo:
— Quero mesmo ficar com ela... com a Lily e não
quero mencionar a mãe de Sean... — abaixo a cabeça,
colocando a bebida entre minhas mãos e repouso meus
cotovelos nas minhas coxas, olhando para o chão. — Não
quero que ela saiba das merdas que Tim Jones pode trazer
à tona...
— Lembra do ditado chinês? — parece que Carl
não ouviu nada do que eu disse.
Eu o olho intrigado, quando o vejo sorrindo para
mim, terminando a bebida, e apertando o meu ombro.
— Eu sou gay, Yuri... imagina o quanto eu não tive
que me esconder... — ele não deixa margem para uma
palavra minha, nada...
Eu nunca saberia isso dele, minha concentração
sai do meu mundo para entrar no de Carl, que parece
divagar na memória:
— Eu tive um relacionamento na China com um
cineasta o que me contou o ditado... — ele suspira,
olhando para o copo vazio, deixando na mesinha de centro
e desabotoando o primeiro botão de sua camisa social,
cogitei abaixar um pouco a calefação, porque ele estava
suando às bicas. — Foi mais ou menos em 2010 numa
amostra de curta metragem lá na China, que eu conheci
ele... Yuri, ele era muito, muito, muito talentoso... um
cineasta de mão cheia, depois de quase um ano de
relacionamento, eu aprendendo chinês, um dia ele se foi...
simplesmente se foi por quase duas semanas, achei, óbvio
que ele tinha me deixado.
Carl aponta a careca, sempre se insinuando a falta
de cabelo como um depreciativo e depois para a barriga,
Carl se autodepreciava nas conversas entre amigos,
sempre se rebaixando, aquilo me doía e várias vezes tentei
dizer pra ele parar com aquilo, mas não agora... agora ele
não precisava do meu monólogo sobre isso ou sobre Lily,
ele precisava de um ombro e de um ouvido... ele precisava
de um amigo:
— Bateram na porta da casa que a gente tinha
alugado e diziam ser do consulado inglês. — escorre uma
grossa lágrima do meu amigo, que diz ser suor, não o
interrompo. — Aqueles homens diziam ter informações de
que eu seria morto, se não fosse embora... assim como
aconteceu com meu companheiro... por “leis” — ele faz
aspas com os dedos. — Leis... extra governamentais,
dizendo que gente como eu, doente, não era bem vindo no
país deles... e que fui eu o responsável pela morte dele...
do meu namorado. — ele usa a manga da camisa e seca
outra lágrima.
Engulo em seco, ele continua:
— Eu nunca nem fiz a matéria do festival ou fui de
novo à China ou... ou... fui visitar seu túmulo... ele morreu
queimado, jogaram gasolina nele, quando ele foi visitar um
lugar pra gravações e... e... eu nunca pude nem velar...
fugi... fugi como um imbecil...
Eu fico aterrorizado, Carl nunca sequer havia
mencionado esse fato tenebroso de sua vida... o que eu
tinha que falar naquele momento?
O que eram meus problemas perto daquele fato
horrível?
O abraço.
Só isso... o envolvo num enlace e o deixo chorar, o
ar faltar de seus pulmões e dá espaço a um irresoluto
sussurro da alma... o choro de um homem que teve que
fugir ou morreria.
Embora meu relacionamento com Lily fosse
moralmente repugnante, nenhum governo ou lei impediria a
gente de ficar junto, morar junto... ser um do outro mesmo
à vistas tortas de qualquer um, mas, Carl? Que culpa ele
tinha? Que culpa o cineasta teve?
A culpa foi amar.
Engulo em seco quando ouço a campainha e, para
meu espanto, Carl veste sua persona e atende Judy e
Moacir, um sorriso no rosto, lamentando que minha
calefação fosse mais quente que o inferno e que a sua
careca gotejava.
— Paella da Dolores... — eu dou a mão para
Moacir, que me abraça, Judy faz o mesmo e depois de
prepararmos a mesa, nos sentamos, em silêncio, Carl faz
uma de suas piadas e aquece o clima entre todos nós: Os
mosqueteiros estariam de volta.

O debate havia sido acalorado.


Entre deixar ou não o sexo em troca das
informações para o livro ficar mais interessante,
resolvemos inverter um pouco e não dizer exatamente
quem, mas que houve sexo.
Quando me despedia de Carl, prometendo ligar
para ele ainda naquele final de semana, Judy se esgueirou
para meu quarto... para meu baú.
— Ainda guarda todos os brinquedinhos aqui? —
ela pergunta, já sabendo a resposta. Quantas vezes ela
mesma não pediu para usar uma algema, chicote ou
bolinhas tailandesas, cruzo os braços e me recosto no
batente. — Anda malhando? —
Faço um “mais ou menos” com a mão e me
aproximo, o que ela queria... eu não poderia mais dar.
— O que disse sobre a sua sobrinha, Yuri...? Ela é
muito nova, inexperiente — ela se aproxima, como sempre
sedutora, mas não me fisga mais.
Não saio do lugar onde estou, mas não quero que
ela é descartável em minha vida, logo só levanto as mãos e
suspiro:
— Judy, não... Lily é de verdade.
— Tá amando, Yuri, logo você? — ela sorri, meio
debochada, ficando de costas e passando novamente as
mãos pelo baú. — Nem uma última vez? Já que ganhou a
questão do livro? E ainda levou a mocinha... o verdadeiro
herói.
Me desloco indo até ela, a abraçando:
— Você sabe que sempre vai ter um lugar aqui...
— aponto para meu coração — e aqui... — aponto para
minha cabeça, mas antes que eu possa fazer a ação de
pedir pra ela ir embora, ela põe os lábios nos meus
A afasto, gentilmente.
— Sim, é de verdade... — ela sorri, de lado, indo
embora, eu não a acompanho.
Eu me limito a tomar um banho rápido, me
debruçar sobre a cama de Lily e remoer o passado de
Carl... sugar, volte logo... esse lugar nunca mais vai ser o
mesmo sem você, me viro, colocando a mão no rosto... me
lembrando de quando eu tinha passado na universidade e
meu pai, orgulhoso, prometeu me trazer à Inglaterra e
mostrar seu bairro de nascença... nunca fui lá, nunca quis
ir...
Todos enterramos algo do nosso passado, à
queima roupa ou incendiando...
Sonho com a noite que meu pai foi assassinado.
Capítulo 25: Lily

Dançar pra ele...


Foi um pedido simples carregado de tudo que não
era tão simples assim.
Ver aquelas fotos do Yuri em cenas de furto, sexo
com mais de uma mulher não me magoou tanto quanto
saber sobre ele transar num estacionamento público
quando eu já estava aqui com ele no pub e ele com Judy.
No dia anterior ao nosso primeiro beijo...
Fora a dor que eu entendia por Sean, a quem
tanto julguei, bem ou mal era a mãe dele sendo conduzida
por Yuri a um mot... lugar... a revolta que Yuri tanto
apontava o dedo e nunca voltava pra ele mesmo, o
piercing... bem no cantinho da sobrancelha, que ele nunca
mencionou, só eu observei.
Que... que tonta que eu fui mais uma vez!
Passei a madrugada anterior vendo e revendo os
papeis, vendo que eu não conhecia nada dele, nada
mesmo... só a sombra do que meu pai contava e do que a
minha imaginação criava ao mesmo tempo, o fascínio pelo
tio que tinha “dado certo”, não poderia ter sido mais
ridículo.
Além de ter fotos minhas... minhas o beijando, o
acariciando nas poucas vezes que a gente demonstrou
afeto em público e um zoom na minha cara, escrito:
“Sobrinha, brasileira, 19 anos, incesto”, aquilo me desceu
ruim, sabe?
E saber o quanto ele tinha de Sean... e o quanto
ele odiava isso nele mesmo, realmente Lily, as aparências
enganam.
Eu nem sabia da tatuagem em suas costas, sendo
que o toquei... eu que me abri como a um livro aberto e ele
se fechou com amarras de um metal frio, já não sabia o
que sentia por mim se era para, de uma certa maneira se
vingar em mais um ato de revolta contra seu passado, ou
se era uma extravagância em seus momentos de tédio sem
a Judy.
Eu nem sabia dos detalhes de como o pai dele
havia sido assassinado, minha família quer que eu me
exponha a eles, mas todos me tratam como um bibelô, não
sou isso, sou mais forte do que pensam... muito mais forte!
Vi minha mãe formar uma outra família, estudei,
ajudei meu pai na loja, cuidava do meu avô, ele era um dos
únicos que não se exaltava quando tinha que trocar suas
fraldas ou auxiliá-lo no banho, fazia a comida, cuidava da
casa...
Dançava até minhas unhas descolarem dos meus
dedos.
E sempre sorrindo... sempre tentando passar um
lado bom da vida, mesmo para Yuri, eu o coloquei à frente
de tudo e todos, pensei até em contar ao meu pai... pensei
em desabafar com a minha avó, mas segurei todos os
meus sentimentos, tudo... até o que Silvia fez, o apoio a
Amanda, a Sean, a Yuri... e a mim? As cobranças de ser
uma filha perfeita.
— Danço... — estávamos ao pé da escada, ele
com as mãos sobre as minhas e eu subindo até seu quarto,
seus olhos sorriem junto com a sua face e eu nunca havia
notado como seus cabelos loiros, seus olhos verdes e suas
tatuagens faziam uma moldura tão bonita.
— Tem as paradas de espelho e o tapete pra você.
— ele pega a minha mão, subindo na frente e me conduz,
eu deveria estar tremendo, ansiosa, irritada ou talvez até
culpada, mas não... uma calma serena vem à minha
mente, quando ele tocou a minha mão e me conduziu até
outro quarto, tendo o cuidado de pegar a minha mochila em
seu quarto. Antes mesmo de entrar ele diz: — Solta o
cabelo e dança.
Afirmo com a cabeça.
— Preciso me trocar... — ele sorri de lado, seu
jeito único, coçando o queixo, ainda me fitando. — Sean...
que houve?
— Pensando se incluo no pacote te ver se
trocando ou não...
Eu rio, rolando os olhos e ele decide se virar, e
pensar que ele teve que ver as fotos... bem, íntimas... da
sua mãe com o meu namorado... meu tio, não posso mais
negar esse parentesco, arrumo as sapatilhas, cantarolando
a poderosa Dies Irae de Giuseppe Verdi, coloco uma
legging, uma blusa cropped:
— Pode se virar...
Ele se vira e me... contempla, sentando em cima
da cama à frente do espelho, do tapete e do espaço que
provavelmente ele usava pra praticar.
Começo com uma pirueta lenta, pausada, não
precisava de música, os olhos de Sean conectados aos
meus eram a música, passo as pernas para um pas de
chat, pirueta novamente, quando sinto suas mãos sobre
mim, na coreografia que a gente tinha ensaiado meses
atrás.
— Dança comigo?
Minha resposta vem nos movimentos que
ensaiamos, suas mãos passando meu corpo, eu me afasto
na meia ponta, ele me puxa, me rodando ao seu encontro
em simultaneidade com o jogo de seus pés, ele havia
treinado!
Ergo os braços e ele passa as mãos desde a
ponta dos meus dedos até as minhas costelas, cintura,
quadril, abraçando forte, mais forte do que a coreografia
original exigia.
Elevo minha perna esquerda, a arqueando em
seguida, minhas mãos na quinta posição e ele me roda, até
pararmos frente a frente, o ar que sai de seus pulmões é o
mesmo que entra nos meus... tento me afastar novamente,
conforme o que tinha exaustivamente coreografado, mas
ele não deixa.
— Não vou deixar que se afaste mais de mim,
Lily...
Cedo meu ponto de base, não estávamos mais
dançando balé, minha garganta se fecha a qualquer
interrogativa ou afirmação diante de seu olhar intenso, a
imagem de Yuri meio que se torna opaca, pela primeira
vez...
Sean me beija.
Fecho meus olhos, querendo fugir, mas não
consigo, passo minhas mãos pelo seus músculos e ele
pelo meu corpo, como se já o conhecesse tão bem... sua
língua se escorrega pelo meu pescoço, orelha... e posso
admitir que sua língua bifurcada me dá dupla sensação de
prazer.
Eu havia sido envolvida por ele, completamente
entregue, realmente as aparências enganam... quem diria
que eu, a filhinha do papai, iria se apaixonar pelo tio e,
depois de meses iria se render a um hooligan, que estava
furtando minhas certezas e me fazendo ver além de mim
mesma e do meu mundinho de unicórnios?
Ele me vira para o espelho, segurando meu rosto,
passando a outra mão pelo meu seio e o apertando... ele
aperta com a pressão certeira entre um pouco de dor e
prazer, me olho no espelho e não me reconheço, meu olhar
é diferente, meu cabelo, minha postura, meu corpo,
naquele momento eu sabia que era uma mulher feita e que
podia alcançar o mundo... com ou sem alguém ao meu
lado, não importasse o julgamento que eu tanto temia.
— Você... é... tão linda... — ele abaixa a cabeça
em meio ao meu cabelo, suspirando, aí meu corpo
estremece, eu sinto a minha lubrificação escorregar pela
legging, até ele apertar o meio das minhas coxas, suspiro
fundo, me virando e o encarando, ele tira a minha blusa,
eu, imediatamente cubro meus seios.
Mas, com delicadeza ele abre meus braços,
olhando nos meus olhos e começa a me lamber,
sussurrando:
— Vou te mostrar o porquê da língua... — e sem
esperar eu dizer qualquer coisa, ele me pega no colo, me
esparramando pela cama, me inclino e o puxo para mais
um beijo.
Ele tira a minha legging, rapidamente, mal eu
percebendo que estou completamente nua, só com as
sapatilhas, na frente de Sean Louis O’Neil, que apoia os
braços sobre mim, apenas me olhando... um olhar de lobo,
pronto para a caça, mas mal sabia ele que a caça queria
ser devorada.
— Me toca, Lily... — ele pede, me colocando por
cima, sinto o volume em sua calça de tactel, a que eu tinha
dado, não sei bem o que fazer, mas sei bem como
improvisar, começo roçando meus seios em seu peito nu,
ele se contorce, gemendo e mordendo os nós das mãos,
soltando um palavrão; instintivamente me esfrego no
volume de sua calça... estando nua sobre seu corpo.
Ele guia minhas mãos pelas suas curvas másculas
e generosas, puxando meus braços a mais um beijo,
úmido, fazendo eu abrir bem a boca, puxando meu lábio
inferior com a ponta do dente, respirando em mim, alto,
sem qualquer medo ou constrangimento, com as luzes
acesas, revelando cada parte do meu corpo.
Ele espalma as mãos na minha cintura, me
movendo com as mãos, guiando e deixando-se ser guiado,
tão afoito que desliza dos meus peitos, ao meio das minhas
pernas rapidamente, usando a minha lubrificação para
alisar os meus mamilos.
Ele desce a minha mão, para dentro de sua calça
e eu sinto ele pulsar... ele se masturba com a minha mão,
ditando o que devo fazer e como devo fazer, suspiramos
rápido, eu olho para dentro da calça, quero ver o prazer
que ajudo a dar...
Suas mãos passam por toda a grande extensão,
ele aperta a minha mão, eu o olho... querendo saber se
estou fazendo certo, ele murmura:
— Isso... assim, assim... não para...
Continuo sozinha os movimentos, ali... eu e ele, ao
seu lado, sentindo seu pau quente em minha mão, quase
não consigo fechá-la, de tão grosso, sua língua umedece
seus lábios, que se voltam aos meus, me lambendo, me
beijando com tanta força que os deixam sensíveis... eu
continuo, sem parar, sem a menor vontade de parar... ele
se movimenta na minha mão, até que anuncia:
— Ah... Lily, eu... eu vou gozar... — Sean me vira
e esparrama o líquido quente pelo lençol, me puxando em
seguida para cima dele, com uma força impressionante,
ofegante, os olhos ainda flamejando um desejo que lateja,
puxando a calça para cima, para que eu escorregue sobre
ele novamente.
Com o polegar ele faz movimentos circulares no
meu clitóris, deixo meu cabelo cobrir meu rosto, enquanto
mordo os lábios, aquilo estava sendo tão bom... até que ele
coloca o pau pra fora de novo, pedindo novamente que o
acaricie, eu o faço, ele lambe a mão, com a respiração
acelerada e brinca comigo, abrindo minha... e me virando
novamente, tirando completamente a calça, a deixando cair
no chão, se colocando sobre mim, pronto para me penetrar.
— Transa comigo, Lily...
Minhas pernas bambeiam, meu coração acelera a
ponto de doer, seu pau está colado em mim, forçando aos
poucos, quando uma dor me faz recuar, ele me observa,
com o corriqueiro sorriso.
— Você é virgem.— ele afirma, não pergunta, a
certeza estampada pelo seu rosto, o puxo para mais um
beijo, ele puxa a calça de novo: — Não sei se vou resistir
se a gente continuar... não sei... — num rompante me
afasta, me cobrindo com os lençóis azuis que já tinham
bagunçado a cama com seu gozo. — Aquele Yuri é tão
merda que nem a coragem teve de... Lily, vá embora.
Eu seguro seu ombro e percebo que ele... ele está
chorando...
— Me desculpa... — balbucio, ele me pega pelos
braços, me puxando até ele, me beijando novamente e
numa velocidade insana, me recosta à parede, me
apertando, me prensando contra o espaço frio, que esvai o
calor que há poucos segundos eu estava sentindo.
— Não peça desculpas... por que me pede
desculpas? Eu que te ameacei com o carro, eu que escolhi
você pra me dar aulas, eu te humilhei... eu... — ele abaixa
a cabeça, ficando de joelhos bem na minha frente,
abraçando minhas pernas, beijando meu baixo ventre. —
Eu que me apaixonei por você, me odeie, Lily... me odeie...
Eu me ajoelho a sua altura e o abraço, forte, sem
dizer nada, ele me beija novamente enroscando suas mãos
pelo meu cabelo, nós rolamos pelo piso onde ele treinava
os passos de dança, até me parar, me deixando de costas
para o espelho, acariciando meu rosto.
— Você parece uma escultura que vi uma vez...
— ele comenta, passando as mãos pelo meu corpo, o olho
em interrogativa, ainda calada, tentando gravar aquele
momento na minha memória, ele abaixa um pouco a
cabeça, olhando em meus olhos: — Uma obra de arte... —
ele passa a ponta dos dedos em minhas costas, apertando
a minha bunda, me fazendo suspirar.
— Acha que tem a remota possibilidade de ainda
falar comi...? — ele me cala com um beijo, eu não quero
perdê-lo, mas não achava justo o prender... eu amava o
Yuri, agora sem aquele olhar deslumbrante de homem
perfeito, mas, percebo que é amor... porque se não fosse,
se eu ainda tivesse alguma dúvida, Sean e eu não
sairíamos daquele quarto e eu não me importaria com mais
nada.
Sean enlaça minha mão e me conta sobre o
dossiê, seu pai, me conta sobre o relacionamento
conturbado com Josh e, finalmente, diz:
— Vou tentar uma faculdade nos Estados Unidos...
depois que meu pai for preso, não tenho a mínima vontade
de ficar aqui ou na Escócia...
Concordo só com o olhar, mas quando ele faz
menção de se levantar, o enlaço com as pernas e os
braços, mixando nosso suor e o obrigando a ficar deitado.
— Fica... só mais um pouco...
Ele me puxa pra cima de seu corpo, me fazendo
sentar sobre ele, que me mira longamente, nos damos as
mãos e passamos horas ali, só conversando, olhando um
para o outro.

Não estou com o menor sono, dormi bem ao lado


de Sean, pelo contrário, me sinto agitada... aquele domingo
seria definitivo na minha vida, eu sentia isso, sentia
mesmo... olho para Sean, que está de olhos abertos.
— Tive que fazer um esforço desgraçado pra
não... — ele rola pela cama, levantando, me puxando. —
Vou fazer seu Ovomaltine...
Estou só com a camisa dele, não fico mais
vermelha com seu comentário, sorrio dizendo que vou
tomar uma ducha e ir pra casa, ele concorda e some na
penumbra daquela manhã fria.
— Pega meu casaco... — minhas mãos englobam
o quentinho da xícara, sinto o vaporzinho do leite se
misturar às bolinhas que eu tanto gostava, ele sobe as
escadas num lance e me engloba com o sobretudo de
látex, o mesmo usado depois da nossa audição.
— Ah, obrigada... — retribuo o gesto piscando
para ele, que sorri meio... melancólico, pegando a chave do
carro e dizendo que me levaria pra o apartamento de Yuri,
no caminho, costumeiramente ele ficava calado, mas dessa
vez ele abre seus planos para mim, perguntando minha
opinião sobre carreira, estudos e futuro, me animo quando
ele diz estar aberto a fazer o curso de inverno.
Mal chegando ao destino, ele me abraça,
depositando um beijo demorado na minha testa.
— Se um dia descobrirem que há um mundo
paralelo... e eu e você nos encontrássemos naquele ônibus
novamente... mano, eu jamais iria te deixar...
Rio, pensando na situação e, logo emendo:
— Poderia ser o contrário, sabia, mano... Eu que
poderia ser a menina com piercings, tatuagens e a língua...
Ele a mostra pra mim, rindo, rolando os olhos.
— Nerd — ele passa os braços por mim, abrindo
a porta, eu coloco o pé pra fora e respondo quase
imediatamente:
— Hooligan e Playboy! — dessa vez, eu mostro a
língua pra ele, me certificando que peguei todos os meus
pertences, principalmente aquilo...
Vejo no celular algumas mensagens da minha
mãe, que respondo enquanto entro no corredor, ela estava
furiosa por eu não ter postado nada durante a semana,
meu pai queria fotos de Portugal para mostrar a minha avó,
inventei a desculpa que tinha aproveitado tanto que nem
tinha ligado pra isso.
Esse final de semana, acho que o primeiro, que
não fizeram chamada de vídeo, perguntei sobre meu avô e
ele soltou uma das “pérolas” como dizia meu pai... que eu
tomasse cuidado com cobras... abelhas e cobras...
Sabe que começo a achar que meu avô é uma
espécie de vidente? As abelhas com seus ferrões eram as
bailarinas da Royal... e a cobra não era Sean, mas, sim,
Silvia... vou levar mais em conta o que ele diz.
Entro no apartamento e dou de cara com Yuri
conversando no celular com Judy, ele me olha, meio
espantado e diz a ela que ligaria depois.
— Sugar, bom dia... como foi a viagem?
— Melhor impossível — respondo indo
calmamente até a mesa da cozinha, deixando meu material
por todo canto, sem me importar.
Ele me olha confuso, obviamente estranhando
meu desleixo, o sobretudo e o envelope... que está meio
amassado pelo tanto que eu prensei contra o peito, li, reli,
virei de ponta cabeça, cheguei a fazer umas anotações
com palavras-chave no meu caderno de dança.
O jogo em cima da mesa, cruzando meus braços.
— Abre...
Ele me olha confuso, tentando chegar perto, mas
eu esquivo... ele vê que é sério, quando passo com raiva a
mão sobre o olho, onde uma lágrima escorria.
— Abre, Yuri... ou eu tenho que abrir e mostrar?
Ele engole algo, só vejo que treme um pouco,
passando o antebraço na testa, suada... e hesitante ele
abre, em seguida me olha.
— Como... o que é isso?
Capítulo 26: Yuri

Corro os olhos... fotos minhas do tempo que vim


pra cá em cenas... bem quentes com mulheres, as
amordaçando em locais públicos, outras eu usando
cocaína, outras eu furtando alguma coisa, outras eu com a
minha gangue, outras... outras e outras e um pendrive com
vídeos, provavelmente, fotos com Lily, com Judy... no dia
do pub e com Desiré...
— Que merda é essa? — eu digo entredentes,
afoito, suando... o passado inteiro que eu queria esconder
agora escancarado bem à frente dela, tremo com raiva,
desespero, não sei o que sentir... era tudo que eu tinha
feito questão de deixar para trás. — Não sou mais esse
homem... não sou... — afirmo para mim mesmo, enquanto
ela me olha, impassível... vou perdê-la.
— Você tem família, Yuri... poderia ter pedido
ajuda! — o som de sua voz entra pelo meu ouvido, mas
não ouço, vou até ela com os olhos saltados, um puro
horror escorrendo pela minha face.
— Quem te deu isso? QUEM FOI?
Ela se assusta e recua, não... não eu estava
fazendo tudo errado, esmurro a mesa, fazendo um baque
surdo, ela se encolhe no canto, horrorizada.
— É isso que você é?
Tento me aproximar para me desculpar, mas ela se
encolhe ainda mais, meu passado estava exposto de uma
maneira tão perigosa que iria acabar com a minha carreira,
com meu namoro... com o que sugar sentia por mim.
— Eu não sou mais esse homem... eu... Lily... por
favor... me fala onde conseguiu isso — quase imploro,
relendo, remexendo em cada foto, cada documento, até os
traficantes que eu costumava ir... tudo... tudo ali. Violado.
— Só falo se... me disser primeiro... quero ouvir de
vocês que tudo isso é verdadeiro... que você realmente
teve um caso com Judy... e que você me traiu COMENDO
a mãe de Sean — ela nunca tinha dito “comer”, mas
quando disse, estufou o peito, ainda estou desesperado,
como não poderia estar?
Eu passo ambas as mãos pela cabeça, querendo
apertá-la, deixando a enxaqueca me banhar com sua dor.
— Sean? — repito, ela vê que se entrega... repito:
— Sean?
— Sim... Sean... ele pagou um hacker para pegar
isso... o pai dele levantou tudo sobre você, todos os seus...
todo o seu passado... — ela me olha meio enojada, não era
para menos, uma das fotos eu cheirava cocaína no cóccix
de uma garota. — Tudo pra te desmoralizar, essa é a
única cópia que sobrou e ele deu a mim.
Minha mente conturbada vai tentando montar o
quebra-cabeça, o hooliganzinho de merda fez isso pra se
vingar de mim... Tim Jones tinha levantado meu passado e
aquele desgraçado do filho dele ao invés de negociar
comigo, negociou com ela... tudo exposto... todas as
merdas que fiz depois que vim à Inglaterra. Puto,
desgraçado!
— E por que você abriu isso, Lily? Isso é pessoal!
— quase vocifero, sem pensar, ela se levanta correndo e
eu vou atrás, até o quarto, onde ela puxa meu baú.
— É esse? — ela aponta, não sou nenhum
Christian Grey, mas eu gosto muito de dar prazer às
mulheres com brinquedos BDSM, nada que machuque ou
invada muito é só por diversão e lascívia, ela quase cai
sentada ao puxar o baú.
— NÃO! Você ainda não está pronta... não quero
que seja assim... — tento empurrar de volta, minha cabeça
vai explodir, os papéis caem todos no chão no meu ímpeto
de segurá-la, pego seus braços, e os forço no chão, eu
ficando por cima.
— Por quê? Por que se virou contra mim? —
minha lágrimas salgam sua bochecha, vou afrouxando os
braços, quero queimar toda aquela papelada e sumir com
aquele baú.
Vejo que Lily está apavorada com meu
comportamento e não seria para menos, mas aqueles
brinquedos eu gostaria de mostrar aos poucos, até porque
amarras, vendas, chicotes, fantasias de látex e bolas em
mordaças não é algo que se mostre da noite para o dia.
— Eu não te devo satisfações do meu passado!
— grito com ela ainda por baixo, Lily faz força pra sair dali,
mas eu não deixo... eu não quero que ela se vá... eu já
perdi tanta gente.
— Você tinha família... Você tem uma mãe que te
ama, um irmão que te adora, te coloca num pedestal... e
sim, você me deve satisfação, sim!
Afrouxo mais os braços, não quero machucá-la,
mas não quero perdê-la... a cena dela correndo, mesmo
que não fosse de mim iria me assombrar o suficiente, ela
continua:
— Eu sou sua namorada e você pegou a mãe do
meu aluno, quando a gente já estava junto!
Eu tento argumentar, mas não sai mais ar dos
meus pulmões, apenas um chiado desesperado, ela segue:
— É isso que vai fazer em Paris ficar com a
Desiré? Você transa com a Judy... — ela vira o rosto, tão
magoada que eu nem consigo expressar em palavras, —
Eu não confio mais em você, Yuri... Por Deus, eu nem
sabia da sua tatuagem...
— Eu te conto... eu te conto o porquê... por favor...
— abaixo meu corpo na tentativa de abraçá-la, ela me
repele, tentando se desprender das minhas mãos, ela não
retribui meu abraço, seu hálito quente passando minha
orelha, eriçando meu cabelo.
— Já soube da pior maneira, mas fique tranquilo,
Tim Jones não vai ter acesso a nada disso... é cópia única.
Me solta!
Tento beijá-la, mas ela me morde, trêmula, não
consegue me machucar, por fim a solto.
— Bruto, estúpido, mentiroso... — suas mãos se
unem em punho, ela vem por cima de mim as lançando em
meu peito, não faço menção de me defender... não por não
doer, mas por me sentir realmente cada palavra que ela
diz... e isso me machucava. — Sabe quantas vezes meu
pai se comparava a você? Quantas vezes minha avó
lamentava a morte do seu pai... quantos Natais foram
perdidos por sua espera? A gente te esperando, eles te
esperando... eles queriam que você estivesse lá... e você
aqui fazendo merda!
A cada frase ela me desferia as mãos, o carpete
do quarto ficando com nossas marcas, estávamos suando.
— Como se não tivesse família! Como se não
tivesse ninguém... só aquela Judy, aquela, aquela, aquela...
vadia!
Eu realmente me perdi, dentro de todo aquele
dossiê infernal que Jones reuniu, Judy era o que havia a
ferido mais a fundo, havia a ferido como mulher...
— É isso mesmo, vadia... eu fui comparada a você
a vida toda, eu tinha que dar certo... eu tinha que ser um
modelo e você... você... nem pra pedir ajuda pra minha
avó. — ela se vê sobre mim, até ir levantando aos poucos,
sem força... eu, ainda deitado, tampo meu rosto,
soluçando.
— Não faz ideia do quanto eu queria que isso
sumisse... não faz ideia do inferno que foi... eu só... só não
queria decepcionar minha mãe, meu irmão... eu gostava de
“dar certo”, Lily... — sinto que ela para os movimentos dos
pés e me olha, me observa, me analisa, não é uma análise
de julgamento.
Meu peito treme junto com as lágrimas, nunca
fiquei tão exposto na frente de alguém.
— Começar um relacionamento com base na
mentira... é pedir pra não dar certo, Yuri... — ela dispara,
certeira... tão madura pra sua idade. — Eu fui um livro
aberto pra você... não precisava me contar tudo... só
precisava mostrar que na sua perfeição havia falhas... que
teve SIM um caso com a Judy e se abrir comigo quanto a
Desiré, eu não sou burra... — afundo mais minha cabeça
em minhas mãos, negando a luz... cada verdade dela era
um argumento meu que saia, até sua frase final, sem
julgamento, só dor, decepção e... desencanto. — Eu sei o
quão difícil é a sua profissão... mas, ter privado minha avó
da sua companhia por... capricho... por falsa modéstia, isso
eu não... não consigo.
Ouço o baque surdo da porta que ela cerrou, não
quero mais levantar e encarar o mundo, parte dele havia
ruído com aqueles papéis, por mais que eles não fossem
usados por ninguém, Jones sabia... aquele fedelho sabia e,
o pior, ela sabia, levando a outra parte do meu mundo porta
a fora.
Não sei quanto tempo fico ali... ouvindo o “tic toc”
do meu despertador à moda antiga na mesa ao lado da
cabeceira... até que ouço ela sair... não... não... não posso
deixar que isso aconteça, reúno a força que me resta e só
vejo a imagem de seus cabelos de relance se fecharem
com o elevador.
Desço as escadas correndo, minha cabeça
doendo... muito, estou descalço e o frio não é nenhum
pouco cômodo, mas não me importo... não, Lily... não me
deixe, não se vá... corro tanto, que a cada lance que se
segue, uso minha mão no corrimão para me girar, suo frio,
minha respiração condensa no ar gelado...
— Lily! LILY! — a vejo colocar o pé no Uber... só
então percebo que neva, uma neve fina, mas o suficiente
para enregelar tudo, meu tremor é pelo medo de perdê-la,
pelo medo de que vá embora... não me importo com as
pessoas que passam, o Uber que dá uma buzinada, ou o
porteiro perguntando insistentemente se estou bem e se
preciso de ajuda.
Corro até ela, que iria me dizer algo... mas, sua
voz soa longe, distante e isso me dói tanto que a beijo,
creio que nunca beijei tão desesperadamente uma boca
em minha vida, lembranças correm pela minha memória...
não, eu não poderia apagar meu passado, mas eu poderia
escrever um futuro... serei um livro aberto a você também,
sugar.
— Fica, Lily... — nos descolamos, os flocos de
neve caindo pelo seu rosto, sua mochila no chão, seu
moletom era fino demais para essa temperatura, seus
olhos vermelhos pelo choro e pela neve que caia sob seus
cílios longos, castanhos... a abraço, querendo que a nossa
dor vá embora, não nos importamos com o olhar de
julgamento de alguns dos moradores que sabiam nosso
parentesco.
Ou o mundo que se movia àquela hora,
apressados pelo dia que tentava se impor no gelo daquela
segunda-feira, para mim, só existiam eu e ela:
— Vou retomar sua confiança... só... só me deixa
estar na sua vida...
Ela segura meu rosto com ambas as mãos e me
traz para beijá-la mais uma vez...
Capítulo 27: Lily

A gente não se desgruda, corpos colados um ao


outro, subindo pelo elevador, ele me pega no colo e mal vê
que tinha deixado a porta aberta, seus braços fortes me
traziam mais e mais para perto dele, como se pudesse me
devorar por completo.
Ele que julgou tanto o Sean... ele que fez uma tese
de doutorado falando sobre Hooligans tendo sido ele
mesmo um deles... meu pacto selado em cada beijo, cada
abraço, nossos corpos gelados pela neve, mas
borbulhando por dentro, como um incêndio que só eu e ele
entendíamos.
Quando ele me coloca no chão, me conduzindo
para seu quarto, vamos derrubando tudo: cadeiras,
almofadas do sofá, toalhas que descansavam na maçaneta
do banheiro, pisando nos documentos dados por Sean, ele
puxa o edredom para o chão, puxando levemente meus
cabelos, nós dois implorando por ar, minha boca seca de
tanta excitação, eu já me encontrava molhada em todos os
sentidos; a neve virando água em meu corpo suado
melando junto às nossas salivas, nossa respiração
descompassada, num ritmo tão louco, que a arritmia do
meu coração chegava a doer meu peito.
Eu amo ele.
Puxo com o pé sua calça de moletom cinza, sem
cueca, e ele puxa o meu moletom pelos meus braços
levantados, já sugando meus seios, que ele une com uma
mão, eu estremeço.
— Me... diz... me diz o que fez com o O’Neil...
Tento pensar no que ele sugere, mas minha mente
fica tão em êxtase com sua boca, que mal formo uma frase
coerente, cerro meus olhos, umidificando os lábios com a
minha língua e digo:
— Dancei... dancei pra ele...
Ele volta o rosto para mim, me domando
completamente, segurando meus braços com uma mão a
outra colocando o polegar na minha boca, pedindo que eu
chupasse e forçando as minhas pernas a ficarem unidas...
— Gostou? — ele pergunta, mantendo um contato
visual, abaixando a cabeça e tirando a minha calça jeans
rapidamente, na calcinha ele se demora... por cima,
esfregando a barba, me deixando louca, sinto que não vai
demorar muito pra eu gozar.
— Go... gos..gostei... — murmuro, ele afasta a
calcinha para o lado e começa... sua língua me penetra aos
poucos, tortuosamente, suas mãos vão para a minha
bunda, apertando forte, forte o suficiente para eu gemer
seu nome.
— Gostou mais do que isso? — ele volta a me
olhar, parando completamente... expiro com força, que...
que maldade, parar assim... o observo e decido entrar em
seu joguinho.
— Não...
Ele pede pra eu repetir e eu digo que “não”,
novamente, ele me vira de costas, colocando a mão dentro
de mim e pousando seu corpo por cima, gemendo no meu
ouvido, me masturbando com o dedo... não sei o que fazer
com as mãos, só arranho o carpete e coloco a língua para
fora... vou gozar.
— V...vou go...gozar... — ele solta um sorriso
abafado pelos meus cabelos, me virando novamente,
colocando uma mão minha para me tocar e a outra ele
lambe, colocando em seu pau.
— Eu quero você, sugar... — a gente não precisa
dizer mais nada, nossos rostos cheios de desejo um pelo
outro já dizem tudo, ele me penetra, colocando a mão
delicadamente na minha garganta, fazendo uma pressão
deliciosa, mordo os lábios quando o sinto todo dentro de
mim, seu volume... seu volume é intenso, latejante, gemo
mais uma vez seu nome.
A cada penetração meu corpo vibra em sincronia
com ele, como se a gente dançasse e só a batida do sexo
fosse a música, nossos gemidos quentes a letra e o baque
de nossos corpos a melodia, ele aperta meu rosto me
beijando, violando meus lábios com ânsia de sua língua em
penetrar minha boca, já não consigo respirar, de tão
docilmente bruto é aquele ato.
Eu o enlaço com as minhas pernas, o forçando
contra mim, suando para mim, penetrando mais fundo e
mais forte em mim, começo o virando, impaciente, mesmo
dolorida e mal pensando nisso.
— Quero ir por cima!
Ele me obedece, enlaçando nossas mãos, me
virando para cima dele, deixando que meus movimentos o
guiem, vejo um dos papéis perto de nós, fecho os olhos e
fricciono meu corpo com força contra o dele:
— Diz que me ama?
Ele desenlaça uma das mãos, enxugando uma
lágrima que não percebi e diz, sorrindo:
— Eu te amo, Lily... — seu corpo se move para
cima e para baixo, junto ao meu, meus seios balançam
para ele que se curva e os chupa novamente, o abraço,
apoiando os joelhos no chão para facilitar a minha subida e
descida, até que sinto que vou gozar novamente, não
acreditando que será mais intenso que o primeiro, o abraço
e ele sente meu corpo espasmar, ele morde o bico dos
meus seios.
— Vou gozar... eu... eu... eu vou....
Ele me olha de baixo, apenas em relance, seu
sorriso sendo sentido pela minha pele, ele me abraça mais
forte, procura minha mão e a une novamente com a sua,
apertando meus dedos com os dele, a diferença gritante
nos tamanhos de uma e de outra.
— Goza pra mim, Lily... — ele pede e suas
palavras só incendeiam mais o meu apetite em relaxar...
sinto que minha buceta vai apertando mais e mais seu pau,
ele é uma delícia... em todos os modos e excessos...
mordo o lábio inferior, ele me deita, novamente ficando por
cima. Elevo meu rosto e sinto a sensação deliciosa de um
terceiro orgasmo.
Ele apoia a cabeça em meu peito, acariciando
minha mão, metendo com mais força, dessa vez apoiando
minhas mãos na cama, me deixando quase de joelhos para
ele, que se encaixa com maestria por trás, me fazendo
sentar em seu colo, pegando minha perna abaixo atrás do
joelho e só com a força me fazendo subir e descer.
— Quer que eu goze pra você? — ele sussurra em
meio aos meus cabelos e ouvido, eu só consigo gemer um
“arrãm” minhas mãos vão instintivamente para as suas,
quase em minhas coxas, quando sinto que ele goza...
minha surpresa é tão... tão gostosa... senti-lo pulsar dentro
de mim, deslizar as mãos pelo meu corpo e as minhas pelo
dele, mesmo de costas, sinto que seu rosto, mais que
isso... parece que vejo seu rosto cheio de lascívia... de
tesão... de fogo...
— Eu te amo, Lily... — ele me abraça, me
puxando para seu peito, me aninhando em seus braços,
quando sinto no meu rosto algo salgado, não é suor, ou
neve... mas, lágrimas...
— Yuri?
Ele envolve minhas mãos e me puxa para mais
perto dele, beijando quase fraternalmente minha testa,
sussurrando:
— Eu sinto muito... na verdade eu gostava de
pensar que minha mãe tinha orgulho de mim... voltar
mostraria o quanto eu sou fraco... — suas mãos se unem
em seus olhos e ele aperta, de soluçar. — Ricardo tentava
sempre manter contato, me mostrava você na câmera
pequenininha... quando sua mãe foi embora... eu até
fiquei... fiquei feliz, porque só faltava um casamento para
eu ser o filho mais que perfeito... o filho que tinha não só
dado certo, mas o que tinha feito os outros darem certo...
— seu peito se enche de ar para depois expeli-lo, ele me
abraça mais forte e dessa vez eu puxo seu rosto para mim.
— Nunca é tarde... — deposito um beijo em seus
lábios trêmulos, o afagando com a mão... — Você deu
certo, só... só não precisava passar por tudo sozinho e... —
engulo em seco, ele me observando. — E ter deixado
todos fora da sua vida...
Eu subo em cima dele, que me olha de canto,
parece perdido com o que havia falado e com o que estava
fazendo, o estimulava roçando meu corpo ao dele, que não
demora muito para ficar duro, ereto... observo aquilo tudo
pra mim e com a mão o guio até a minha buceta, apoio as
mãos ao seu lado e vou me movendo bem devagar.
— Você é... é incrível, sugar... — ele puxa meu
cabelo, lambendo meu pescoço, me erguendo pela coxa e,
finalmente, me colocando na cama, sua boca aberta, me
lambendo, o ar quente envolvendo meus sentidos, seu pau
duro entrando e saindo rapidamente, ouvimos a cama
ranger, mas não nos importamos...
Apenas continuamos a união de nossos corpos,
enlaçando nossas almas.
— Deus... como você é gostosa... — ele envolve
minha bunda com as mãos, se levantando da cama e me
puxando pelas coxas, posso ver os gominhos de seu
abdômen, seus músculos do braço trabalhando, suas
pernas... que pernas!
Ele me deixa com as pernas bem abertas para ter
passe livre, em pé, me penetrando, apenas apoiando os
joelhos na cama, enquanto me puxa, se lançando sobre
mim, como um lobo ainda faminto pela caça que deu algum
sinal de vida, é tão intenso que vejo nossa pele
avermelhada, suada, mais quero mais... envolvo seu
pescoço com meus braços, ele me segura, enlaço as
pernas em sua cintura e ele me prensa na parede.
— Te amo tanto... — ele geme, me olhando nos
olhos, suas mãos envolvendo minhas pernas, ele as
aperta, sinto que já estou tão sensível que a dor parece
apenas acompanhar um prazer inusitado, até então, para
mim.
— Ah... Yu...Yuri... eu quero tanto... te quero
tanto...
Inflando o peito ele me abraça, me levando de
volta à cama, de quatro, segurando minhas mãos para trás,
apenas complementando o agridoce do meu prazer, sinto
que ele morde minha bunda, e volta a penetrar minha
buceta, tirando completamente o pau e voltando
novamente, sinto escorrer seu gozo, mas ele insiste.
— Sou... sou seu... seu, Lily... seu namorado... —
ele inspira mais uma vez antes da sensação de ser
invadida pelo seu gozo retomar meu corpo, estou mole,
extasiada... hesitante, quase pedindo por ar.
Enlaçamos as mãos, ele me puxa para seu peito,
não se importando com o fio de sangue que manchou a
sua pele, ou algumas gotinhas por ai... ele levanta meu
rosto pelo queixo... e ficamos nos olhando... aquele olhar
que diz tudo e o silêncio não é maculado pelo som de voz.

Brincamos de espirrar água um no outro no banho


de banheira e espuma, ele pergunta se estou bem várias
vezes, de jeitos diferentes, que me deixa à vontade,
parecia que o assunto entre a gente não acabava nunca...
— Me obrigue a trabalhar e não ficar com você o
dia inteiro aqui... — ele me pede, reparando que já deveria
passar e muito das oito da manhã.
Espirro água nele, implicando:
— Porque você tem que pagar boletos...
Ele ri alto, embora soubéssemos que boleto fosse
um pagamento quase que exclusivamente brasileiro, o
resto do mundo era cartão ou uma carta do banco pedindo
comparecimento presencial para efetuar quitação de
débitos.
— E sua ansiedade quanto ao papel? Do balé?
Eu me levanto, mesmo sob protestos dele, me
enrolando na toalha no chão e o chamando, para que eu o
secasse.
— Já estive com ansiedades maiores...
Ele aceita o carinho e me deixa secá-lo, claro que
ele sabia que eu queria fazer isso para vê-lo nu mais um
pouco, já cobiçando aquele homem nos edredons comigo
mais um pouco.
— Tô perdoado? — ele arqueia uma sobrancelha
e eu aceno que “sim”, rebato:
— E eu? Por ter ficado com Sean?
— Vou ter que pensar mais à noite... — ele me
puxa para mais um beijo, ainda não tínhamos
completamente a redenção um do outro, ele não quis nem
saber o quão perto de Sean eu estive, mas parece que a
gente tinha começado de novo.
Ele me deixa na Royal depois do almoço, que não
desce pela minha ansiedade de saber o resultado... ele mal
come também, mas seja o que for a gente vai estar mais
forte juntos. Eu o beijo antes de entrar pela suntuosa
galeria que antecede o espaço das salas de dança e vejo o
amontado de garotas... o resultado havia saído.
Capítulo 28: Yuri

Eu exorcizei meus demônios com ela... e isso era


o mais que suficiente para aguentar mais um dia sobre o
livro de Tim Jones O’Neil, dessa vez no rádio, o
comentarista, um dia, foi um dos homens que vestira a
camisa de Jones, agora, ele queria saber sobre o livro.
O mundo dá voltas.
Judy, Moacir e Carl tinham chegado, pela primeira
vez, antes que eu e não esconderam o quão cansado eu
parecia e que, pela primeira vez, eu parecia feliz. Judy
pediu licença após esse comentário de Moacir e Carl com a
desculpa de buscar um chá... eu a olho de canto, ela ainda
tinha sentimentos por mim...
Depois de quase duas horas de discussão
intensa sobre o livro e as provas levantadas, Judy pediu
para que a gente fosse no pub, recusei, pela primeira vez
também mesmo sobre protestos, pedi pra irmos num
restaurante comer um fish and fries, a gente foi e eles não
reclamaram como achei que iriam.
Eles ficaram em frente a bolsa de valores, eu fui
para a sede da Daily precisava colocar as matérias em dia,
depois de anos eu deixei acumular serviço.
Sorrio quando vejo um casal se beijando em frente
ao London Eye, agasalhados, sorrindo e tirando fotos eu
sorri... pela primeira vez me deu vontade de fazer aquilo,
de ser todo amor e isso eu deveria àquela jovem mulher.
Cinco da tarde e vou até o cantinho do café,
afrouxo um pouco a camisa, mas a cada gole de café eu
penso naquela manhã de sexo... escapa um sorriso
malicioso pelos meus lábios, enquanto levanto a
sobrancelha cumprimentando uma colega que passava por
mim.
— O chefe parece feliz hoje! — ela comenta, eu
agradeço e afirmo que sim, sim... mil vezes sim... não
poderia estar mais feliz.
Ela me promete algumas matérias até às seis,
coloco a mão no bolso checando o celular, terminando o
café.
Queria saber se ela tinha o papel que queria...
Mas, nada de mensagem, me angustiando um
pouco, decido levar o trabalho pra casa, pego um casaco
reserva que tinha abandonado ali há tempos, e decido
seguir essa sensação ruim que me assola, não sei o que é,
mas existe...
Prometo avaliar as matérias para aquele dia ainda,
responder os e-mails e levar um bom de um trabalho pra
casa, nada que eu não era habituado, mas queria curtir o
máximo de tempo possível com ela, hoje já é dia quinze, o
aniversário dela seria trinta e um.
Preciso de um tempo pra processar tudo aquilo,
ela queria se guardar para mim até o dia do seu
aniversário, apressei um pouco as coisas... mas, não me
arrependo de nada, outro sorriso estampa meu rosto...
Estaciono meio mal, pra variar ainda não sei
balizar ao contrário, desço dando uma corrida, quando vejo
dois homens puxando assunto com Lily e Amanda no ponto
de ônibus.
— Meninas? Tudo bem por aí?
Lily aponta para mim, errática, Amanda tenta
correr ao meu encontro, mas hesita, as duas olham
assombradas aqueles caras... que merda era aquela?
— Yuri! Yuri! — grita Amanda, quando chego
perto, ambas estavam com uma expressão horrorizada. —
Yuri, foi Deus que te mandou... — ela apoia as mãos nas
pernas, os homens tentam se desculpar e saem.
Eu olho confuso... o que tinha acontecido ali?
— Tem fotos nossas... — Lily aponta pra Amanda
e pra ela mesma, Amanda fica sem ar.
Elas imploram pra sair dali e eu aponto o carro
sem entender muita coisa, mas aceitando, elas estavam
muito nervosas... uma se apoia na outra com os celulares
nas mãos.
Elas praticamente se jogam dentro do carro e eu
arranco, pouco me importando com as buzinadas ou com o
trânsito que se formava pelo horário... é... hora do rush é
em todo lugar.
— O que houve?
Amanda toma a frente, com as mãos trêmulas,
pegando sua garrafa de água e bebendo, Lily está tão
vidrada no celular que não parece ter prestado atenção em
mim.
— Colocaram uma foto... umas fotos... fotos...
fotos nossas em um site... um site de prostituição, Yuri...
com fotos minhas... e dela...
Quase bato o carro.
Que caralho elas estavam me falando? Onde
acharam fotos da Lily... ou da Amanda, o que estava
havendo? Tento correr mais que eu posso... tentando
processar o que tinha sido aquele dia...

— Foi a Silvia... eu sei que foi... Lily... você disse


que seu telefone estava quebrado, mas ela pode ter
pegado as fotos de alguma maneira... não sei... mandou
consertar, sabe? — Amanda ainda tremia, a casa estava
limpa, graças à santa Dolores, que deve ter achado que
teve festa por aqui.
Tento achar um chá, alguma coisa, qualquer coisa,
estou tão nervoso que não consigo pensar no que fazer.
— Nudes de vocês?
Amanda afirma, tímida, Lily ainda não me olha...
me manda uma mensagem: “Foram as fotos que te mandei
quando vc foi pra Paris”, eu gelo... a olho mais espantado...
— Foi a Silvia... — lamenta Amanda, segurando as
mãos de Lily. — Eu tenho certeza... faz tempo que ela
ameaça a gente... e também teve a provocação do Sean...
e...
— Sean? — Interrompo, a raiva, os ciúmes, a
dúvida me enchendo o peito, até que tento juntar toda a
minha calma.
Eu me sento frente às duas e pergunto:
— Me contem tudo... do início, por favor...
As duas começam a se atropelar, coloco a mão no
joelho frio de Lily, nos olhamos... quase faiscando, tenho
pretexto pra tocá-la, que merda... preciso me focar
naquilo... se realmente foi a tal da Silvia a gente poderia
enquadrá-la num crime, finalmente.
— Uma de cada vez. Pensem em mim como o
jornalista agora, por favor.
Com o relato das duas, eu percebo como fui
ausente, dentro do meu próprio mundinho e das minhas
incertezas teve que ser Sean a prensar a Silvia com a sua
ganguezinha...
E eu?
Eu não tinha feito nada além de comprar pra ela
um celular novo, mas... era passado... eu posso mudar o
futuro.
— O Sean tem um contato de um hacker, não é?
Lily concorda, se sentando ao meu lado, me
abraçando, oh... sugar... sua dor é a minha dor e não posso
imaginar o quão violada se sente nesse momento... abro os
braços para Amanda, que se aninha em mim, também
chorando.
Eu tinha me afeiçoado muito àquela garota, ela foi
o ombro que eu não havia sido por meses, nada mais justo
de eu oferecer pelo menos um abraço...
— Yuri... a Sílvia ficou como papel principal... —
Amanda enxuga as lágrimas, ainda falando, a notícia ainda
não fazendo muito sentido pra mim. — Ela é boa, mas não
o suficiente pra pegar o papel da Clara de “O quebra
nozes” eu e a Lily ficamos com as fadas...
— Meninas... — tento ser razoável, às vezes a
moça dançava bem, fosse mais velha e mais treinada,
além das suspeitas dela ter transado com o professor e
isso ter aberto horizontes e outras coisas, mas Amanda me
interrompe, ficando de pé na minha frente.
— Ela é indisciplinada, falta aos treinos por dias
seguidos, dá show de estrelismo, não decora os passos
corretamente... quando, enfim, quando a gente estava
juntas, eu ensinava coisas básicas pra ela!
Lily se mantém ao meu lado, soluçando baixinho,
suas lágrimas quentes tocando a minha pele.
Amada limpa o suor com uma toalhinha rosa de
sua mochila, ela parecia exausta, não, mais que isso... ela
estava completamente exaurida.
— Janta aqui com a gente, Amanda... o quarto da
Lily é aquele que tem o pôster de bailarina, você nunca
veio aqui, né? Que falta de educação a minha de não abrir
a casa pra você, mas fique à vontade.
— Obrigada mesmo... — ela agradece pegando a
mochila e indo até o quarto, mal ela some de minha vista e
eu pego o rosto de Lily, a beijando, seco suas lágrimas, ela
me olha de modo vago e indefeso.
— Eu vou resolver isso... prometo.
— Yuri, te amo... — ela me abraça, depositando
suas últimas forças ali, quando sussurra em meu ouvido: —
A professora Maidlaine disse que eu só não seria a Clara
por motivos pessoais do professor Fisher...
Eu procuro seus olhos, incrédulo... realmente
aquela menina, a Silvia, seria capaz de... enfim, o ser
humano é bem capaz de qualquer coisa.
— Ficou triste com o papel?
Lily nega com a cabeça, em seguida olha para os
pés, para as mãos e para mim.
— Só acho injusto essa menina ter... sei lá,
vencido... — sua frase parte meu coração, mas a vida é... é
isso, sugar... infelizmente, eu queria poder fazer mais.
Peço que ela vá checar Amanda e também tomar
um banho que eu pediria o jantar para nós.
Quando a vejo entrar no quarto, ligo para Sean.
— Olha só... quem resolve me ligar... — o telefone
mal toca duas vezes e percebo que ele está puto, não é
para menos, emendo.
— Fotos da Lily e da Amanda foram adicionadas
num site... — ganho a sua atenção, o som de garotos atrás
se encerra num baque, talvez ele entrando no quarto, o
barulho de música também para.
— Como assim? O que você fez? — ele inquire,
solto o ar, olhando para o lado... inacreditável esse
moleque, coloco a mão na têmpora... a porra da
enxaqueca.
Rebato:
— Não fui eu que fui mexer com cobra... Você e
sua ganguezinha que foram atrás da tal da Silvia... pelo
que parece foi ela. — ele mal termina de escutar e diz:
— Se você não pedisse à sua sobrinha fotos nuas,
Yuri, ela não estraria nessa enrascada... ou você ensinou
que ela tinha que apagar fotos depois de enviar? — que
grande filha da puta... eu não acredito no que ouço:
— Quem disse que as fotos foram pra mim,
moleque?
Ele gargalha, puxando algo, talvez cigarro,
soltando ruidosamente o ar.
— Por que você é um pervertido incestuoso
desgraçado!?
Soco o recosto do sofá, ando de um lado para
outro... respira Yuri, respira... fecho os olhos tentando
manter a calma:
— Você tem contato mais rápido com um hacker
do que eu... meus contatos levariam alguns dias, mas você
pode fazer isso em horas e...
— Tá pedindo favor pra mim, Deives? Sério?
Tiro uma lasca da minha unha, de tão enfurecido...
o suor começa a arder meus olhos, que ódio... que ódio
desse moleque.
— Não é por mim... é pela Amanda e pela Lily...
até entrar em contato com o site e retirar as fotos pode
demorar semanas... até meses, as duas foram abordadas
hoje, saindo da Royal por dois homens.
Ele pausa, ouço o som de uma tragada em
seguida de suas botas, até ele se sentar ou deitar num
local, parece considerar as possibilidades, Sean suspira
alto:
— Qual o site?
Eu voo até o computador e procuro, confesso que
já tinha alguns em mente... solteiro e sozinho, em Londres,
às vezes eu chamava alguma menina para compartilhar a
solidão e brinquedos sexuais comigo em troca de uma
grana, não nego, mas isso ele também já deveria saber...
graças aquela calhamaço que levantou ao meu respeito.
— www.Girls4u.uk, parece... vou pesquisar pra ver
se tem em mais algum... — as fotos estavam lindas, mas,
um ciúme incômodo e sufocante me alça quando vejo
homens comentando abaixo, o telefone vazado da minha
sugar, minha, entro em desespero... — Acessou…?
— Uau... posso salvar? — ele me provoca... que
desgraçado, antes que um palavrão escape dos meus
lábios, ele diz: — Brincadeira... Yurizinho... tive momentos
melhores do que uma foto...
Mordo meu lábio, ou falaria uma merda muito
grande. Ele pode até achar que ela não tenha me contado,
mas ela me contou tudo, seu puto, me forço para continuar
o ouvindo:
— Já estou mandando mensagem pro Josh... pra
ver se ele contacta o Yankee, mas você vai rachar comigo,
o cara cobra caro... — antes que eu diga alguma coisa, ele
já me atropela. — Na verdade, não... deixa pra lá, eu gosto
de ser o herói da parada... e seu dinheiro não é lá muito
diferente do meu pai... — conta até 10, Yuri, 100, Yuri,
1000, Yuri... esse moleque quer te provocar... — Tô indo
praí...
— Por quê? — eu digo num sussurro irritado,
quase quebrando o celular entre minhas mãos.
— Ué... o rapaz vai precisar acessar o celular
delas e...
— Sean! Eu vou aí então, e levo...
Ele ri do outro lado, ouço suas botas de lá pra cá
novamente, ele está nervoso... andando descompassado,
ouço ele teclando no celular, até que me diz depois de
longos minutos.
— Manda a Lily e a Amanda desligarem o celular
por hoje, estou conversando com ele... — ouço sua bota
mais uma vez, abafando a última frase. — Se me permite,
depois, eu queria tomar um chá com elas... estou me
mudando pros Estados Unidos.
— Obrigado, Sean.
— Não tô fazendo isso por você, longe disso...
faço por elas...
Ele desliga antes de dizer qualquer outra coisa,
parece que sinto todos os meus músculos tensionados,
sento no sofá e uma cãibra horrível percorre minha coxa,
massageio as têmporas... a enxaqueca, a maldita
enxaqueca.
Preciso desesperadamente de um banho e
remédio, peço a comida pelo app e me permito demorar
um bom tempo... aquele moleque... como eu poderia ainda
ter ciúmes dele? Depois de hoje?
Um alívio percorre meu ser quando penso nele
longe... momentaneamente me esqueço das fotos... só
penso nela sendo desejada por outros homens... aquilo me
deixa tão puto, tão alucinado... ela era minha, as fotos
eram minhas... Silvia iria pagar, ah, se iria... ou não me
chamo Yuri Macedo Deives.

Após os ânimos de acalmarem e eu contar às


meninas sobre a minha ligação a Sean e ver o tal vídeo
onde a ganguezinha dele insultando a Silvia, algo que
Sean fez questão de me mandar, eu me comprometo a
buscar as duas dali em diante, pelo menos até o final do
ano, sabe-se lá quantos malucos ficaram sabendo onde
elas estavam...
E quanto ao número de telefone que havia vazado,
diria a Ricardo que ela perdeu o chip, que teve que mudar
ou qualquer coisa assim... pego a comida na portaria e
volto, as duas abraçadas, ainda apavoradas... imagino as
mensagens horríveis que não receberam.
— Lily, atualiza seu Instagram, parece criança! —
ouvimos um berro de criança, dizendo que a “tata” não
mandava mais presentes pra ele. — Viu? Fora isso, por
que mudar o número? Todo mundo conhece esse, Lily.
Eu pego o telefone, ela não estava em condições
de falar nada, sugar me agradece com o olhar eu vou até
meu quarto e digo:
— Lilian, é o Yuri
— Até parece que não conheço a sua voz, Yuri...
pegando o celular dela pra falar comigo, até parece que
não tem meu número, cadê ela? — a criança grita e eu
tenho que afastar meu ouvido do celular, caralho... menino
chato, ela diz qualquer coisa e volta a ter sua atenção: —
Eu falo com você depois.
Se não fosse pela intensa manhã de hoje, eu juro
que mandaria aquela mulher pra puta que a pariu, mas
reúno toda a minha calma, todo o momento delicioso com
Lily e digo, calmo, pausado:
— Queria falar sobre a troca do número, o celular
antigo molhou e quando eu comprei o outro, a gente teve
que adquirir o número daqui e... — me sento na cama,
quando ela me interrompe de novo:
— Ah! Aquela desastrada quebrou o celular? E
quem comprou outro?
Me lembro de quando fui ao Brasil para ajudar
Ricardo com a separação, Lily era pequenininha, uns dez
anos e mãe havia ido embora com o tal do italiano, minha
mãe fez um escândalo dizendo que ela mesma não tinha
aberto mão do filho para ir embora com o marido e que ela
iria se arrepender, foi uma confusão tão grande no bairro
que os vizinhos até chamaram a polícia.
— Lilian, ela estava trabalhando como professora
na Royal. — volto a ter coragem de falar com essa mulher,
que nem tinha lido a descrição da filha no Instagram que
ela adorava tanto, ela mal me ouve e rebate:
— Ah é? Ela fez publicação disso?
Sim, fez, eu fiquei sabendo só desse jeito, as
famosas publis que Lilian obrigava a filha a fazer eram
feitas com carinho pela Lily... já a vi ensaiando algumas
vezes pra anunciar alguma coisa e depois despachar o que
tinha recebido para a mãe... e pro fedelho.
— Não sei... só sei que... — que minto, quero
terminar a conversa por ali, mas ela insiste:
— Você não tem Instagram?
— Eu gerencio o da Daily. — sorrio... já imaginava
o que ela ia me pedir, quantas vezes meu irmão não
reclamava que ela não ia no aniversário da filha, ou quando
foi com o marido o clima ficou estranho... eu, sinceramente,
não entendia aquela mulher... ela estava perdendo uma
filha de ouro.
— Ah... é verificado, milhões, mi-lhões te
seguindo... você poderia seguir a Lily, não?
Passo a língua no lábio inferior, sentindo a minha
barba pinicar... estava demorando...
— Eu já sigo, Lilian, só queria dizer que talvez
essa história de Instagram e redes sociais estejam
atrapalhando a menina... olha, eu pensei em colocá-la num
curso de inglês avançado e de francês e...
— Atrapalha nada... não atrapalha a minha filha
em nada, Yuri, e tio nem é parente...
Involuntariamente, sorrio mais ainda... ah, é? Bom
saber...
Ela prossegue:
— Se ela for fazer esses cursos com o dinheiro
dela, muito que bem, com o meu não... a não ser se for pra
tirar algumas outras fotos... um biquini, talvez, ela vai fazer
vinte anos.
Quero esmurrar aquela desgraçada... quero tanto,
não sei como vou suportar essa mulher na minha casa...
coço minha sobrancelha, me sentando na cama e disparo:
— Quando você mandou dinheiro pra ela mesmo,
Lilian?
— Cala a boca e se meta na sua vida! Olha, eu tô
de bom humor hoje, meu marido está aqui... então, dá o
recado, pra ela me passar o número novo e atualizar o
Instagram, tchau.
Tchau, sua escrota... espero que você enfie no
rabo essa conversa, e eu que estou de bom humor hoje...
apesar de tudo.
Chamo as meninas pra jantar, tinha escolhido
comida japonesa e conto sobre aquele hooliganzinho e seu
hacker... elas ficam mais aliviadas, principalmente depois
de eu tirar o chip delas e pedir que elas solicitem outro
número... Lily falaria com a minha mãe e o pai pelo meu
celular, assim como Amanda.
— Tem certeza que não quer ficar, Amanda?
Ela nega com a cabeça, dando um abraço em Lily
e me pede pra chamar um Uber pra ela.
— Depois eu pago o Ub...
— De jeito algum... — ela se encolhe, meio tímida,
dando as mãos a Lily e se desculpando. — Fui eu que te
meti nessa, Lilí... desculpa... — Lilí? Achei bonito, Lily a
envolve em outro abraço.
— Não... estamos juntas nessa... não tem que me
pedir desculpas de nada... essa moça é...
— Ela vai ter o que merece! — prometo,
abraçando Lily, Amanda se despede e mal ela entra no
elevador, sugar se vira, me beijando de modo tão
arrebatador que quase caio para trás.
— Você está... bem? — pergunto a observando,
ela passa a língua pelos lábios... em resposta, voltando a
me beijar, me conduzindo para o banheiro, ela tenta tirar a
minha roupa, mas treme um pouco... hesitante, ah, sugar,
não faz assim que eu enlouqueço...
A levo para o chuveiro, a colocando de costas no
box e deixando a água nos lavar, de roupa e tudo, vou me
abaixando até sua bunda e a mordo, ela geme... abaixo a
calça dela, a blusa, aqueles peitos... os aperto e uso meu
dedos como pinça para brincar com os mamilos... tão
pequenos.
— Yuri... — ela lambe o box, aquela visão é
perfeita, linda... muito linda, ela desce as mãos pela minha
calça, ainda de costas... vou te ajudar, sugar... só dessa
vez... tiro a minha roupa pra ela, a prenso mais forte no
box, e posso ver aquele corpo lindo pelo espelho do
banheiro, na torrente de água e colada ao vidro.
— Geme pra mim, sugar... — vou brincando com
meu pau perto da sua bunda, até que ela não poderia me
surpreender mais, ela mesma abre aquela parte magnífica
do corpo e diz:
— Mete...
— Tem certeza? — me falta o ar... mulheres e
sexo anal era um tabu tão grande... era tão difícil chegar
nesse estágio, ela me provoca, passando a bunda pelo
meu pau.
— Se...se... for de...devagarinho…
Apoio minha mão no box, pego o sabonete e vou
alisando com o dedo... ela é toda lisinha, me abaixo e
beijo... lambendo, brincando, ela se contorce, até que eu
não aguento mais e vou metendo bem devagar... bem
devagar.
— É gran...grande...
Paro um pouco, explodindo... sussurro em seu
ouvido:
— Você é deliciosa... — mordo o lóbulo de sua
orelha, respirando forte em seu ouvido, ela geme,
agarrando a minha mão a dela... até que Lily decide o ritmo
da penetração, a água não ajuda muito, então a movo mais
para o lado, passando o sabonete e olhando aquela visão...
paradisíaca, vou metendo mais um pouco... até ela
aguentar tudo e começar a rebolar.
Passo a mão pela cintura dela, deslizando minha
mão pela sua buceta, ela se move... certinho... que meiga,
segurando mais forte minha mão, enquanto a água quente
nos envolve num calor vaporoso... tudo era tesão nela,
mesmo tendo um dia tão fodido ela ainda conseguia ser...
— Yuri... lover... eu vou gozar!
Goza, meu amor... goza pra mim, me deixa sentir
seu corpo estremecer de prazer, de lascívia, da perfeição
dos seus pés se contraírem quando goza; fico em frente ao
paraíso cada vez que o som da sua voz trêmula, gozando
chama meu nome...
A forço mais contra o box, o medo de machucá-la
é grande, mas tento controlar minha ânsia por aquele
corpo, já seguro em sua cintura com as duas mãos... ela
desliza as dela pelos próprios seios... isso... se dê o
máximo de prazer, isso... pra mim... assim... gozo sem
perceber, gozo em ver ela gozando... ela rouba a cena,
literalmente, até no sexo ela é a estrela.
E eu não poderia ser mais feliz ou estar mais feliz
em ser dela.
Lily se vira e me beija, nos laçamos em um abraço
quente, nossa respiração puxando a água, respingando
água, pego o sabonete e começo a dar banho nela,
devagar, só sentindo seu corpo...
— Vai me dar banho? — ela pergunta, fazendo
espuma com o shampoo de tutti-frutti... — Me lava... com o
cuidado que daria banho em um gatinho? — sorrio... nunca
dei banho gatinhos, sugar... mas, terei mais cuidado ainda,
vou beijando seu corpo onde a água lavou o sabonete,
esfrego seus cabelos com o máximo de cuidado que
posso... meu coração palpita em sintonia com sua
respiração. Caralho, como eu tô louco por ela.
Termino o banho a enrolando na toalha, mesmo eu
nu e molhado o chão... deixo meu corpo pingar água pela
casa, meu TOC tinha sido curado... a repouso no sofá,
beijando sua testa.
— Quer que eu prepare seu Ovomaltine?
Ela sorri pelo rosto inteiro, fazendo que “sim”,
como ela podia ter o poder de ser aquela mulher
arrebatadora e depois esse anjinho de namorada com as
mãos envoltas numa xícara enorme de Ovomaltine,
bebendo como se fosse a primeira vez. Deixando os
cantinhos da boca com bolinhas de Ovomaltine.
Enrolo uma toalha na cintura, indo até ela, me
sentando no tapete e apoiando minhas mãos em seus
joelhos e a cabeça nas minhas mãos.
— Como você está?
Ela morde um cookie, deixando pequenos farelos
salpicarem sua bebida.
— Melhor... mas, não menos assustada... essa
Silvia é capaz de tudo, mas... você me salvou de novo...
A olho em interrogativa, não sugar, você me salvou
e não sabe o quanto, beijo seu joelho me sentando ao seu
lado, procurando alguma coisa pra assistir, ela apoia a
cabeça no meu ombro.
— Você me salvou, sim... me salvou de tantas
coisas... — a olho novamente, ela beija meu ombro. —
Você é meu herói... tipo o Superman... jornalista e herói...
— eu caio na risada, que comparação, sugar.
— Estou mais para supervilão...
Ela sorri mais uma vez, pulando para meu colo,
furacãozinho...
— Sempre preferi os supervilões, como se você
fosse... hm... o Superman de um mundo alternativo...
— Que se apaixona pela? — aperto suas coxas,
querendo me afundar no perfume de seus cabelos.
— Pela Mulher Maravilha?
Sorrio em seu sorriso, faço cosquinha embaixo dos
seus braços, ela me puxa para o tapete... e eu não
acredito, mas já tô de pau bem duro de novo.
Capítulo 29: Lily

— De novo! — grita Rocco Fisher irritado, não só


ele, mas todas as bailarinas e o bailarino que é o Quebra
Nozes, Lian H. Witman; Silvia tinha não só errado a
coreografia, mas o feito cair num som que doeu até em
nós.
— Vish, essa doeu... — cochichou uma recente
colega, Vivian, mexicana, que tinha se aproximado da
gente desde o incidente do site, ela também já teve fotos
vazadas e se solidarizou quando soube.
Rose, outra colega nossa, londrina, fazia uma cara
feia, enquanto se alongava, dizendo:
— Desse jeito o ensaio geral nunca sai... essa
menina só pode ter pés tortos! — Amanda solta uma
risadinha contida e nós a acompanhamos, até ouvirmos
Fisher berrar:
— De novo!
Eu imerjo no mundo da minha fada, homenagem
ao Brasil, eu seria a fada do café, achei legal eles
pensaram em mim, Amanda havia dito que era peso na
consciência por saberem que eu merecia a Clara e que a
fada do café é Árabe, ah... eu sei, mas achei legal mesmo
assim.
Fecho os olhos... sentindo que eu sou a fada e que
sobrevoou meu país, penso em São Paulo, na loja do meu
pai, na minha avó e os sonhos dela de ter tido a
oportunidade de estar onde estou... sinto o cheiro do café
da manhã de quando eu era criança e meu pai se
atualizando das notícias pela tv, minhas mãos passando
carinhosamente pelo rosto do meu avô desejando bom
dia... e todos nós tomando café com leite e depois eu
enfiando uma colher de Ovomaltine na boca.
Abro os olhos emocionada, ainda ali no meu
cantinho, quando Silvia se aproxima de mim e as meninas
se dispersam.
Ela sua, bem cansada, ofegante; o grande palco à
minha direita, a orquestra inteira para nós, atrás da gente
as cadeiras do público, tudo em cores fortes de vinho,
vermelho e tabaco, o cheiro do balé... das beldades que já
roçaram suas sapatilhas ali...
— Ai, amiga... o Rocco tá te chamando, vê se erra
alguma coisa também, ele tá bravo comigo, amiga, você
faz isso por mim?
Nem a respondo, vou até o palco e a luz me
invade, Rocco está muito bravo, coçando os cabelos
cacheados e uma expressão de quem vai matar um.
— Sra Macedo, você sabe a coreografia? Não
sabe? Há semanas! Semanas a gente vem treinando e...
— Sei sim, senhor. — ele me olha de canto, talvez
esboçando um sorriso, Lian se aproxima na posição inicial,
ele quase fecha as grandes mãos na minha cintura, fico
nas pontas e começamos...
— Ela é inacreditável... — ouço Fisher dizer em
alto e em bom tom para Lian, que me solta numa
reverência ao público.
— Além de linda... — Rocco concorda e eu
agradeço timidamente, olhando para o lado vendo Silvia de
braços cruzado... mais atrás dela, Amanda erguia os
braços, vibrando por mim, sorrio para ela, Silvia vira de
costas e vê Amanda, as duas se encaram longamente e...
— Lily, Amanda, Silvia, Vivian e Rose por favor,
venham até aqui... — as meninas brotam dos lugares da
penumbra e todas correm quase nas pontas, as mãos em
segunda posição, se apresentando a Rocco.
— Silvia Antunes, desculpa... mas, vou te colocar
no corpo de baile e...
— O QUÊ? — vocifera Silvia, colocando as mãos
na cintura, todos nós nos encaramos... ela realmente havia
gritado com Rocco Fisher, O Rocco Fisher? — Eu dei pra
você todos esses meses pra ficar na merda de corpo de
baile?
Rocco cora imediatamente, Amanda na sua
perplexidade coloca a mão na boca, Lian manda ela se
foder sozinha, enquanto eu e as outras meninas ficamos
paralisadas vendo aquele show de horrores.
— Senhorita Antunes... — tenta argumentar
Rocco, constrangido a olhos vistos, o pessoal da orquestra
emudece qualquer som, aquilo era... surreal, pra dizer o
mínimo.
— Você vai fazer o quê? Hein, Rocco? Dar o papel
de Clara a uma piranha que nem a Lily? Ela é uma piranha,
puta... ou a Clara vai ser a preta da Amanda?
Rocco faz um sinal de “basta” com os braços e
grita:
— Olha, esse tipo de comportamento é inaceitável!
Hoje mesmo eu vou rever sua bolsa com a diretoria da
Royal... e quer saber? Você é uma amante tão medíocre
quanto o seu balé...
Olhamos para Rocco e Silvia, Rocco e Amanda,
Silvia e Lian, Rocco e a orquestra, Rocco e... eu.
Minha respiração fica suspensa quando a vejo vir
com tudo pra cima de mim, gritando:
— Tá feliz? TÁ FELIZ? Sua puta, desgraçada,
maldita...
Ela me empurra, mas Lian se coloca entre mim e
ela, não a toca, mas me protege, Rocco pula para cima do
palco, a segurando pelo braço e gritando para as meninas
chamarem o segurança.
Silvia é segurada por Rocco e Lian, mas ela
continua gritando:
— Eu tenho aquelas fotos ainda, sua puta... vou
colocar em tudo quanto é site... tenho seu número novo...
Quanto vai cobrar o programa?
Tô tão de cara que ela começou a dizer tudo, que
chego a queimar de vergonha, coloco o rosto entre as
minhas mãos, ofegando, quando chega o segurança pra
levá-la, aí ela arma um escândalo, gritando e chutando
tudo que estava por perto...
Rocco vai ajudar o coitado do segurança, junto de
Lian e nós vemos aquele espetáculo horrendo... acho que
vou explodir de vergonha, raiva, nojo, Amanda corre até
mim, me abraçando e dizendo:
— E pensar que um deixei ela colocar as mãos
imundas em cima de mim... — todas nós falamos uma
palavra de conforto, mas é Vivian quem mais a alivia, a
gente se une mais e mais ali... naquele palco, todas essas
bailarinas, com exceção da Silvia, que nem pode ser
considerada bailarina ou ser humano, nos abraçamos.
— A gente vai arrebentar nesse espetáculo, não
importa o que aconteça... — diz Rose, nos dando a mão,
nos abraçamos e Vivian complementa:
— O balé, a dança, a arte excluem qualquer
preconceito... seja o que for, a gente vai estar aqui... uma
pela outra...
Abaixo minha cabeça, ainda sentindo os corpos
suados das minhas amigas.
— Vamos dar à rainha um show que ela jamais vai
esquecer... — Amanda aperta meus dedos com os seus,
deixando cair uma lágrima no taco do palco.
— Essa menina não vai estragar nossos sonhos...
— suspira Rose, Rocco aparece e mal notamos sua
presença, ele e Lian estão de braços cruzados, vendo
nossa união.
Até que ele diz:
— Eu avisei a polícia, Amanda, assim que se
sentir confortável, a Royal Academy disponibilizará um
advogado contra essa... essa... pessoa, pelos crimes de
injúria, racismo e cyber crime... além disso, aceite nossas
desculpas pessoais e da Royal, fazemos questão, mais
que isso... é nosso dever cuidar dos nossos alunos e como
você foi muito lesada... — essa última palavra ele diz com
um pesar grande, — Aceite, pelo menos, a bolsa de cem
por cento e dois papéis, um da fada do café e da fada da
Brisa do Liz...
Nós a olhamos, sorrindo, em seguida Rocco bate
palmas para Amanda e nós a acompanhamos
entusiasmadas.
— Quanto a você, Lily... não seria mais justo que
pegue o papel de Clara... bom — ele cruza os braços de
novo. — Amanhã começaremos às sete... dispensadas,
meninas, e Amanda, por favor venha ao meu escritório,
vamos montar a papelada e discutir a coreografia, Lian,
você também... a todas, boa noite.
Pegamos nossos casacos e saímos...

— Ela tinha mesmo um caso com o Fisher? —


pergunta Vivian, Rose dá de ombro, estamos na calçada,
juntas... comentando aquela cena grotesca.
— São maiores de idade, os dois, né? Eles que se
virem... mas, você ouviu ele dizer que ela era uma “amante
medíocre e uma bailarina medíocre”, gente... detonou ela
ali, bem feito. — Rose apaga seu cigarro depois de dizer
isso, e eu vou desfazendo meu coque, até elas sorriem pra
mim.
— E o Sean? Nossa... ele seria um rei maravilhoso
com todos aqueles músculos!
Vivian e Rose se apoiam uma na outra ainda rindo,
eu mordo a presilha que amarrava meu cabelo, enquanto
vou soltando.
— Parece que ele vai pros Estados Unidos...
transferiu o curso de inverno pra lá... se candidatou à
faculdade e tudo...
Elas suspiram, dizendo ser uma pena, porque
além de lindo era fetiche ficar com um homem todo
tatuado.
— Eu mesma quero fazer mais uma tatuagem... —
confessa Vivian, se espreguiçando, a noite de outono
estava menos fria, mas o céu precipitava uma boa chuva.
— Meu Uber chegou... vou indo, meninas, até
amanhã... sem a louca da Silvia... — a gente se despede e
logo Vivian vem esfregando as mãos uma na outra mais
perto de mim.
— Lily, eu sei que... enfim, não foi de uma maneira
bonita que recebeu a notícia, mas parabéns pelo papel...
você merece muito...
Sorrio de lado, verdade, eu sequer tinha me
atinado que eu seria a Clara, depois das coisas horríveis
que Silvia disse a Amanda.
— Obrigada, Vivian, de verdade... só espero
que... Amanda esteja bem... e que a Silvia desapareça,
nunca mais quero nem ouvir falar.
Ela concorda, em seguida chama o uber, ficamos
em silêncio até o carro dela despontar na esquina.
— Fica bem... — nos abraçamos e ela se vai...
olho no relógio e vejo que são quase oito da noite, Amanda
sai antes de Lian e me conta as novidades, empolgada,
uma delas é que o próprio Rocco Fisher a encaminhou
para uma audição em que ela tentaria a Julieta de “Romeu
e Julieta” em Portugal... eles queriam diversidade, talento e
beleza... nos emocionamos juntas.
— Mas, você vai fazer o Quebra Nozes, né?
Ela afirma que sim, pegando seu casaco da
mochila, e me explicando que sairia depois da primeira
temporada em fevereiro do ano que vem.
Me alegro imensamente... seria uma honra vê-la
dançando como solista... num pas de deux clássico.
— Sean me mandou mensagem, Lily... ele quer se
despedir, pediu pra gente ir num restaurante super legal,
pera aí... — ela olha o celular, abrindo o Uber. — Pertinho,
vamos?
— Vamos... só mandar uma mensagem pro Yuri...
— digo e ela concorda, Yuri estando ciente, nós duas
rachamos o Uber e vamos ao tal restaurante, Amanda faz
uma trança no meu cabelo e eu no dela, dentro do carro,
ficamos em silêncio em seguida... até a estupefação do
restaurante... putz!
— Eu não tenho nem roupa pra vir num lugar
desses, Amanda!
Ela ri e quase me empurra do carro, o lugar era
maravilhoso... já na recepção um tapete vermelho, a
faixada imitando uma ruina grega, alambrados em Neon, a
iluminação forte, amarela, carros importados, plantas
lindas, garçons elegantes e limusines, os vestidos das
moças, então... nossa, parecia de cinema!
Sean nos aguardava com um smoking elegante,
com um garçom ao seu lado segurando uma champanhe,
camarão e um molho com um cheiro divino, o cabelo
arrumado, só suas botas pesadas, tatuagens nas mãos e a
língua denotavam seu estilo, de resto... ele estava um
príncipe.
— Feliz aniversário, Lily... Eu sei que é só daqui a
dois dias, mas...— ele beija minha mão e um violinista vem
tocar Paganini, o duetto amoroso, Amanda exclama um
“uau”... Sean beija sua mão também e fala: — Ao seu
sucesso...
O garçom nos serve e eu nem sei pegar aquela
taça direito, tenho medo que fique as marcas dos meus
dedos... nossa, aquilo deveria ser caríssimo, a espuma
borbulha em meu nariz, o gosto meio seco e doce da
champanhe é... muito, muito bom.
O garçom, que depois descobri ser um maître, que
é tipo o garçom dos garçons nos mostra nossa mesa, num
mezanino, onde podemos ter ampla visão do restaurante,
só fico pensando se vai vir pouca comida... eu não sou
acostumada a esses ambientes, Amanda e Sean se
sentem à vontade ali, olhando o cardápio, não parecendo
impressionados como eu àquela beleza... olha, acho que
tirando o teatro, que infelizmente eu Yuri mal aproveitamos,
aquele lugar era tão chique quanto. Queria ver a comida.
Capítulo 30: Sean

O tal do DG e eu acabamos meio que


conversando um pouco... ele falava pouco e eu menos
ainda, mas quando sentiu meu desespero quando contei
da porra das fotos vazadas das meninas, acho que o cara
meio que amoleceu, sei lá, meio que a gente começou a
conversar, gente boa.
Decidi ir pra Nova York pra recomeçar a minha
vida, com as coisas que meu pai tinha colocado no meu
nome, conseguiria fazer algo: comprar uma casa e
trabalhar para me manter, a última conversa com a minha
mãe foi estranha, na verdade como todas as conversas
com a minha mãe, aquela mina maluca.
Nem contei pra ela que eu tinha passado em duas
faculdades e decidido meio que na sorte cursar direito na
New York Institute.
Mando uma mensagem a Yuri, o incestuoso
deveria estar trabalhando, aquele mala só fazia isso, me
lanço na cama... ainda não acreditando que eu consegui
passar em duas universidades Yankees... meu pai ficaria
orgulhoso, dou um sorriso, orgulhoso na cadeia... bem
preso e longe do mundo, aquele animal desgraçado.
Yuri me retorna a ligação e eu quase pulo para
atender aquele mano:
— Yuri, vou levar Amanda e Lily pra jantar
comigo... só te avisando, eu vou embora antes do
aniversário dela e... — ele parece atarefado, como sempre,
cliques de computador, gente falando, pessoas indo e
vindo, ele diz:
— Boa sorte, Sean, apesar de tudo... eu espero
que você seja muito feliz...
— Desde que seja longe da sua Lily, né? — passo
a mão nas minhas malas, eu já tinha me despedido dos
empregados da casa, que eram mais minha família do que
qualquer outra coisa, o império do meu pai que começou
na caceta de 1960 e quebrados ruindo como um castelo de
cartas. Vejo os pôsteres do meu quarto, ando pelo lugar
frio... eu já não iria mais ficar ali e não tinha o porquê
manter a casa aquecida, eu iria ficar na casa do Stan.
— Não esquece que hoje é terça e ela tem que...
— eu sei, seu puto pervertido... eu sei... não tenho
coragem de tirar o lençol em que Lily se deitou comigo ou
tirar os espelhos e a parada antiderrapante, iria ficar tudo
lá... desço as escadas, Terry vem ao meu encontro, junto
com Stan, os cumprimento brevemente, e digo ao incesto
guy:
— Eu sou o amigo responsável, jornalista, a
entrego quase sã e quase salva.
— Fique bem Sean. — ouço seu suspiro profundo
e uma quase risada, sim, ele tinha motivos pra sorrir...
rebato:
— Vou ficar, já que você está mais do que bem...
— desligo o telefone e mando uma mensagem para
Amanda, vejo a minha mala quase pronta na sala, Terry e
Stan me abraçam.
— Para, seus imbecis, parece que tô indo pro céu
e não pro inferno... isso não é um “adeus”, nem “até logo”,
longe disso... espero vocês lá na gringa...
Eles forçam o sorriso, me ajudando com as malas,
checo meu celular e nem uma mensagem a mais da minha
mãe ou do meu pai, dou de ombros, melhor assim...
— Manos, como será que os Yankees vão ficar
quando verem que tô chegando pra ser doutor?
Eles riem.
— Na moral, Sean... fica sempre na moral, quando
a gente for te visitar, arruma umas meninas californianas
pra gente.
Terry lhe dá um tapa na nuca, o corrigindo:
— É longe, seu burro... teu negócio nunca foi
geografia... — Stan dá de ombros e continua:
— Só mantém a gente sempre na call...
Suspiro, olhando para trás, fechando a porta e a
dando ao segurança da casa, que me abraça.
— Sem essa, mano... vai amassar a tua roupa de
bacana...
Digo ao segurança que me viu nascer, ele sorri,
pegando a chave e se virando para casa... Stan e Terry
saem arrancando o carro, olho para trás, aquele lugar
nunca foi um lar, é só uma construção vazia... respiro
fundo.
— Stan, suave mesmo de eu ficar na sua casa?
Ele me mostra o dedo do meio em resposta,
sorrio... sorrio largo, meu sorriso de transforma em
gargalhada... a gargalhada chega a me fechar o ar... eles
me olham... até as lágrimas começarem a cair, eles não
são loucos de perguntar o que há, todos sabem o que há...
fora toda a merda do meu pai, da minha mãe... pra que
mais eu ficaria?
Lily, se pelo menos você me quisesse em sua
vida...

Minhas roupas socadas na casa do Stan e eu


inerte olhando para o teto o dia todo, até dar a hora, tomei
um banho e me vesti... era um momento célebre, além de
eu jantar com Lily e parabenizá-la seria a minha despedida
definitiva de seu sorriso, de seu beijo, de seu suor, de seu
corpo no meu...
Yuri, aquele maldito... aquele maldito que
arrancava os sorrisos de Lily de mim, cubro meus olhos,
sentindo o choro quente arder.
Stan bate na porta.
— Tudo certo pro voo... dia 30 às 20h, mano...
Sean? Tudo bem? — Stan se aproxima e me olha... nos
observamos e ele me puxa para um abraço e eu me
permito chorar no ombro dele.
— Vai ficar tudo bem... — Stan diz, parece uma
frase vaga, mas não vinda dele... ele não era um mano de
passar a mão na cabeça, se ele estava dizendo que iria
ficar tudo bem iria, não é?
— Josh mandou esse cartão... ele está na China,
pediu pra não te contar... — Eu sorrio sem graça, nem
pensei em me despedir do Josh e achei legal da parte dele
me mandar um cartão postal escrito em chinês, bem
bonito, que poderia estar mandando eu tomar no cu.
— É um poeminha... ou algo assim... — como se
lesse meu pensamento Stan me mostra a tradução em seu
celular quebrado:

Seu silêncio eu demandei,


Em noites frias e quentes
Em dias quentes e frios.
Vi seu nome no vento,
O amor é um tormento.

Guardo o verso lá na minha mochila... até o


momento que Stan me traz pro aqui e agora... sim, já é
hora...
— Tá bom, assim. Vamos que você combinou com
as minas... — ele arruma meu colarinho, aquela roupa era
usada tão poucas vezes, tão poucas e nada mais
apropriado que a usasse nessa data querida.

Ali estava eu em frente a ela.


Sua roupa suada, roupas nada apropriadas para
aquele restaurante, mas sempre tão linda e deslumbrada
com cada coisa pequena.
Estico uma caixinha embalada e dou um peteleco
em direção a ela.
— Feliz aniversário de novo...
Ela olha pra mim e pra caixa e eu preciso pegar o
embrulho e dar nas mãos dela para que abra, Amanda
pede licença e sai... ela saca, a gente já tinha trocado
umas ideias... a mina era gente boa.
— Meu Deus, Sean... foi caro, isso é ouro?
Rolo os olhos, claro que era ouro, deixei de ir de
primeira classe pra comprar aquela coisinha pequena e
cara, levanto, mostrando pra ela a garantia, o pingente de
bailarina baila no cordão de ouro.
— Tira o cabelo, deixa eu colocar em você.
Ela o faz e vejo aquele pescoço delicado, fino, o
maldito cheiro de tutti-frutti, até o suor dela tinha cheiro de
tutti-frutti, passo o cordão, não perdendo a oportunidade de
dar uma espiadela pelo decote da sua blusa meio
transparente pelo colã rosa. O cordão fecha
perfeitamente... ela sorri, eu sorrio, ela agradece, eu me
calo...
— Olha... eu e a Amanda escolhemos uma coisa
pra você também... — ela coloca a mão na mochila, meio
hesitante. — Não é nada demais, na verdade é bem
simples... — ela tira uma caixa pequena, que era
estampada com unicórnios! — Mas, bom, eu achei que...
sei lá...
— Me dá logo, Lily... — estendo a mão. — Quero
meu presente também, manda aí!
Abro o embrulho que provavelmente ela fez com
carinho e com cuidado, sorrio a encorajando... abro e tem
um anel de caveira, que cabe no meu dedo indicador.
— Eu e a Amanda juntamos nossos dedos... ainda
bem que serviu... — ela sorri, eu sorrio, ela está feliz... eu
fico feliz.
— É da hora, mano... demais, gostei... — já uso o
anel, guardando a caixinha e os unicórnios de Lily no bolso
da calça social.
— Me desculpa, Sean... — eu seguro suas mãos,
ela está gelada, a blusa é bem fina... ela me olha, enquanto
eu digo:
— Você não tem que se desculpar, Lily eu que...
Ela me corta, pela primeira vez, balançando a
cabeça em negativa.
— Eu tenho sim que te pedir desculpas... você
quis uma dança e eu deixei as coisas rolarem até onde...
Começo a gargalhar, aquela mina era um sarro...
ela estava pedindo desculpas por ter dado uns amassos
comigo? Ela olha para o lado sem graça...
Nem nisso eu consigo ter raiva nela, me levanto,
pegando a sua mão.
— Dança comigo, Lily?
Ela aceita e abrimos caminho para uma música
lenta, doce, meu rosto no dela, as pessoas nos olhando e
sorrindo... Amanda chegando do banheiro, pegando mais
uma champanhe, fecho meus olhos... ela está diferente, a
dança é diferente... não que ela tenha perdido seu poder
sobre mim, mas a gente tinha perdido o poder sobre o
outro... aquela tensão parecia ter... sumido.
Recebemos algumas palmas e ela agradece, me
dando a mão, a elevando e abaixando em reverência ao
público, algo que exaustivamente me ensinou... eu não
quero que ela me veja triste, porque não é assim que eu
me sinto é mais um pesar... sim, é um sentimento de
pesar... eu, talvez, teria que ir embora de qualquer maneira,
mas não posso pensar assim... um futuro me espera e Lily
me aceitou em sua vida, seja pela amizade, seja pelo
carinho estaremos conectados de alguma forma.
A bailarina em seu pescoço reluz... ela é linda...
mas, não é mais a bailarina do pedestal, não... essa mina é
real, está aqui comigo, agora... de mãos dadas comigo,
com seu amigo... com o cara do ônibus.
— Pato é bem comum aqui, né?
Amanda afirma e eu também.
— É... esse com molho de laranja e a pele bem
crocante é uma das coisas que eu vou sentir falta... —
sorrio dando uma garfada, aquela brincadeira havia saído
cara, mas tinha valido cada libra — ela sorri
experimentando, seus lábios ficam com um pouco de
molho... uso o guardanapo para limpá-los, Amanda me
olha, só não contei a ela quem era o incestuoso, babaca,
desgraçado do namorado secreto da Lily.
Chega a salada e cada vez que ela diz um “nossa”
ou “caramba” eu me alegro... coisas tão simples a faziam
sorrir, coisas tão Lily, peço a conta e levo Amanda pra casa
primeiro, mesmo que a volta seja imensa; elas me contam
o que Silvia fez, o surto que ela deu, igual quando os
manos gravaram aquela vaca.
Perguntei, por cima, sobre as fotos vazadas e
foram elas que vazaram do assunto, pelo jeito tinha dado
certo... agradeço mentalmente DG por ter sido tão rápido,
saio do carro para me despedir de Amanda e ela já faz um
grupo no Telegram: eu, ela e Lily... escrito “Friends” e um
emoji de coração... rolo os olhos e elas riem, prometendo
que eu as manteria informadas do meu dia a dia.
— Vamos nos manter em contato... quando tiver
turnê nos EUA a gente vai, certo, Lily?
Lily apoia a cabeça na janela aberta do carro, o
cabelo esvoaçando com o vento e algumas gotas de chuva
salpicando nossos corpos.
— Com certeza! Até porque eu quero saber tudo
sobre a faculdade, os professores, o alojamento... as
matérias! — sempre nerd... eu e Amanda rimos, a
portuguesa diz:
— E, claro, das festas... das baladinhas, bebidas,
rapazes, mocinhas.... — nós três rimos, eu a abraço, ela
sussurra: “Sempre torci por vocês”, eu mando um “eu sei...
vou ficar bem”, beijo suas mãos e ela entra.
Volto para o carro.
— Sean, você vai ser um excelente advogado...
Eu apoio meu braço no recosto do banco dela, a
encarando:
— Ah, é? Por que acha isso?
Ela ri, alongando os braços e dizendo:
— Você sempre tem resposta pra tudo... uma
língua afiada...
Caio na gargalhada mostrando a língua pra ela, a
gente começa a conversar enquanto eu a levo pra casa do
mano incestuoso, safado... mas, sabia que ela estaria bem
e... em casa.
— Por favor, fique bem... — a merda do prédio
chega muito rápido, teria como voltar o tempo? Só um
pouco? Dou um peteleco na bailarina em seu pescoço. —
Se eu pudesse, Sean... eu teria sido mais legal com você
no ônibus... e... — que merda ela tava falando?
Pego suas mãos e olho no fundo de seus olhos...
aquela tormenta castanha.
— Eu teria pegado aquele ônibus por toda a
eternidade, se preciso fosse, Lily Macedo... se fosse pra te
conhecer...
Ela começa a chorar, eu enxugo sua lágrima com
as costas da minha mão. — Não quero que chore... daqui a
pouco é seu aniversário... e outra, estou indo buscar meu
futuro... — ela enche o pulmão e solta o ar.
— Desculpa, Sean... só quero que seja feliz... eu
exijo que seja feliz... — e antes que eu diga para parar
com aquela história ela me dá um abraço, apertado, forte,
me calo...
Nos olhamos longamente, até eu sair do carro e
abrir a porta pra ela.
— Fica bem nesse look, valoriza... mano — ela
pisca pra mim antes do incestuoso, marginal, safado do tio
dela a receber.
Volto para a casa de Stan e passo a noite olhando
aquele anel cafona que nunca vou tirar... essa menina dos
unicórnios, a foto dela no Telegram, pois é... vou ser feliz
Lily... Amanda me liga e conversamos algumas boas horas,
antes de Stan me chamar para mais uma saída com Terry:
a saideira.
Capítulo 31: Yuri

— Como assim você não vem, Lilian? Amanhã é


aniversário da sua filha... o Ricardo mandou o presente
dela mês passado pra ter certeza que chegava a tempo e
eu guardei pra hoje! Todo mundo se mobilizou! — eu não
acreditava que ela estava fudendo meus planos... aquela
mulher filha da...
— Vai me dizer que ele mandou roupa daquela
lojinha da puta que pariu do Brás...
Eu a interrompo, ela não iria desfazer do meu
irmão daquela maneira, ah, não mesmo:
— Pra sua informação, “aquela lojinha no Brás”
que pagou todas as contas da sua filha, da nossa mãe e do
pai dele... e ainda teve que rachar uma gorda grana pra
você morar aí, não é mesmo?
Ela fica em silêncio, eu quero esmurrar a parede,
mas tenho que manter a voz baixa no ambiente de
trabalho, aquela vaca!
— Gean Lucca quer ir pra Disney de Paris, Yuri!
Não posso fazer nada.
Sua resposta fecha minha garganta... ela ia perder
o aniversário da filha por que o filho quer ir pra Disney, é
isso mesmo? Expiro, já quase desesperado... tentando
esquecer a voz dela caçoando do meu irmão:
— Eu levo a Lily pra Disney também e estaria
resolvido? Aí os irmãos passariam um tempo juntos...
Já que ela não queria trazer o moleque pra cá:
pronto! O aniversário seria na Disney! Até que ela me
interrompe no momento entre eu formulando a solução e a
voz dela sair, tenho que morder meu lábio pra não mandar
ela tomar no...
— Não! O Carlo vai junto...
Eu quero muito estar errado... muito mesmo, mas
pela entonação de sua voz e pelo que eu conheço da
minha ex-cunhada, ela está com ciúmes do marido com a
própria filha... Minha mãe uma vez tinha levantado essa
bola pra mim e pro meu irmão que Carlo, nas poucas vezes
que viu Lily, tocou muito a menina em abraços, deu
desculpas para tentar entrar no banheiro quando ela
tomava banho... cerro meus punhos, eu mataria o
desgraçado!
Depois o nosso namoro é vítima de preconceito? E
o que essa mulher fazia? Mordo meu lábio a ponto de
deixar sangrar, essa filha da puta, digo na voz mais
prudente que eu poderia:
— Faz alguns anos que a Lily não te vê; anos,
Lilian, e só se faz vinte anos uma vez e ela...
Lilian retorna, impassível, a voz fria e decidida,
cruel até:
— Qualquer idade se faz uma vez. Depois vejo
alguma coisinha e mando pra ela... — a ouço dizendo
alguma coisa pro filho, que berra sua atenção com uma voz
excessivamente infantilizada, rolo os olhos:
— Ela é sua filha também! A Lily morre de vontade
de conhecer a Disney, Lilian, eu posso dar essa presente
pra ela. — provoco mais uma vez, ela parece entediada, a
voz infantil é substituída por uma masculina, grave, que diz
alguma coisa, algo como “desliga, amor, vem jantar!”, em
seguida ela sussurra:
— Meu marido está me chamando.
E desliga!
Inacreditável.
Toda aquela máscara de mãe zelosa tinha ido
precipício abaixo... respiro bem fundo, indo tomar um café,
o jornal parece movimentado mais que o normal hoje, já
que a polícia tinha pedido a prisão preventiva de Jones.
Carl e Moacir estavam de plantão na delegacia e
Judy estava cobrindo um evento de Halloween e folclore,
termino o café lentamente... pensando na noite passada,
pela primeira vez eu tinha usado um dos meus brinquedos
com Lily... as lembranças me invadem, me deixando de pau
duro... a acorrentei na cama, vendei seus olhos e a fiz
gozar, até ela pedir pra que eu metesse, Cristo... ela é um
furacão na cama... um furacão na casa, um furacão
delicioso na minha vida.
Olho no relógio e vejo que já passa das oito da
noite.
Mando mais uma mensagem dizendo que vou
atrasar, ela me manda uma foto, toda coberta e segurando
um unicorniozinho de pelúcia, dizendo que iria dormir,
depois de tomar seu sagrado Ovomaltine, não tenho como
não sorrir... mando um emoji,... eu, justamente eu
mandando um emoji de coração...
Volto ao trabalho.
Tenho muito ainda pra fazer naquela noite de
ventania. Uma delas é entender em que parte da vida Lilian
passou a desprezar tanto a filha, aquilo não estrava na
minha cabeça.
— Senhor Deives? Com licença, a diagramação da
matéria que o senhor havia me pedido, pode dar uma
olhada?
Aceno com a cabeça... ainda tinha que pensar nas
pautas cabíveis naquela semana, no jornal via Twitter e
analisar as propostas editoriais do livro sobre Jones... vejo
a minha tela piscar, mais um e-mail a ser respondido... tô
vendo que a noite vai ser longa.
Saio da sede quase onze horas da noite, final de
mês era essa correria, matérias, pautas, ideias, tudo
fervilhando para ir assentando no mês seguinte, assim que
entro no carro, ligo pro meu irmão. Ele atende meio
preocupado, geralmente, era ele quem me ligava.
— Yuri... tudo bem? A Lily está bem?
Coloco o celular no apoio para começar a dirigir e
já digo, sem enrolações, com uma voz que atravessa
minha garganta de modo amargo e triste.
— A Lilian não quer vir pro aniversário dela... disse
que o Gean Lucca quer ir pra Disney de Paris...
Ele parece ficar alerta, continuo dizendo como foi o
rumo da conversa, passando pelos sinais verdes, a chuva
sendo substituída por um vento forte.
— Essa mulher é inacreditável... era mais difícil
explicar pra Lily quando ela era criança que a mãe não
vinha, depois obriga a menina ficar naquela merda de
Instagram... se expondo... Lilian ganha com isso, não
ganha?
— Quando se faz publicidade, ganha sim...
Lembro que Lily fazia algumas e mandava tudo
para a mãe, engulo em seco quando ele diz:
— Ainda ganha em cima da minha filha...
— Foi só pra avisar...— ela iria ficar chateada, no
mínimo, mas pretendia não dizer o motivo pelo qual ela não
iria vir, sei lá, diria que Gean Lucca é burro demais pra ver
a vida além daquela histeria de criança mimada...
— Yuri, deixa que eu conto... se não for pedir
muito, ah! Tem outra: a mãe acha que ela tá apaixonada,
acredita? — engulo em seco, temeroso e perplexo ao
mesmo tempo... tudo bagunçando num sorriso que
escapa... Lily contava tudo para a avó e ela, com certeza,
deixou escapar alguma coisa pro Ricardo.
— Ah é? — é só o que consigo dizer, quero tanto
contar a eles, tanto... mas, como vou dizer que namoro a
filha do meu irmão? Que deito em sua cama, que cheiro o
perfume delicado dos cabelos dela?
— Pois é... acho que ela tá vendo coisas... ela
contaria pra mim, não contaria?
Meu irmão sempre gostou de tentar jogar verde,
mas isso não era um de seus atributos, saio pela tangente,
me lembrando de um fato muito engraçado que aconteceu
com a gente pra distraí-lo e ele não me pressionar:
— Difícil se abrir pra homens sobre isso, Ricardo...
Lembra quando você escondeu o namorou da mãe?
Escondeu aquela menina maluca? Que achava que tinha
sido abduzida por alienígenas? Aquela que fez escândalo
no dia do seu aniversário? — Rimos... aquelas lembranças
eram preciosas, a garota queria fazer a gente usar alumínio
na cabeça... tudo pretexto pro meu irmão não terminar com
ela:
— HAHAHA você desenterra umas coisas...
lembro... o nome dela era Marília, eu acho... sim, é isso,
acredito que hoje ela está casada com um ufólogo,
acredita?
Começamos a gargalhar, nada mais apropriado...
fazia tanto tempo... limpo a garganta, precisando beber
água de tanto rir:
— Sério? E eles tiveram filhos verdes ou cinzas?
Gargalhamos mais uma vez, chegando a sair
lágrimas dos meus olhos, ele diz que está com dor na
barriga, até falar:
— Para... acho que não tiveram filhos, Yuri, acho
que aí deve passar das onze... vou esperar ela sair do balé
pra contar... — recobramos a seriedade ainda puxando o
ar, ouço o pai dele rir também... acho que influenciado pela
risada genuína do filho. Digo:
— Melhor contar bem cedo, amanhã... quer dizer,
à tarde a gente tinha dito que ia no aeroporto...
Daqui a pouco seria o aniversário dela, vejo os
poucos blocos decorados com o tema de Halloween,
embora não fosse muita tradição aqui, alguns bairros se
mantinham firmes.
— Ok... obrigado, Yuri... amanhã bem cedo eu
aviso, boa noite. — meu irmão suspira... um suspiro
contido, retribuo, chegando em casa.

Vou pé ante pé pra não a acordar, chego perto do


quarto, já tirando aquela roupa, já esperando uma boa
ducha.
— Yuri? — ela limpa um dos olhos, quando me vê,
com o celular na mão e corre para me abraçar.
— Sabe que eu vou ficar mimado assim? Todo dia
você pulando no meu colo... falando nisso, feliz aniversário,
sugar... — ela me beija antes que eu fale alguma coisa,
deslizando seu corpo no meu num abraço.
— Lily, seu pai... quer dizer, eu disse pra esperar
até amanhã, quer dizer... — coço minha cabeça e ela com
aquele par de olhos castanhos me encarando... aqueles
cílios longos, resvalando sensualidade por todos os poros.
— Sua mãe... ela não vem...
Lily me mostra o celular, enquanto puxa meu braço
direito para enlaçá-la.
— Ela me ligou um pouco antes de você chegar...
eu já esperava, ela nunca vai nos meus aniversários...
ainda que ela se lembrou do dia... — ela dá de ombros,
cada dia me surpreendendo mais, mas, ah, sugar... seus
lindos olhos, a maneira que seu belo corpo se porta, até
suas mãos delicadas te traem, você está tensa, chateada...
mas, vou fingir que acredito, cada coisa ao seu tempo. —
Pelo menos a gente vai poder comemorar, dessa vez como
namorados...
Dou uma gargalhada, a beijando em seguida:
— Vamos sim... olha, eu pedi um bolo bem simples
e já comprei seu presente — seus olhos me esquadrinham
cheios de curiosidade. — O que é?
— Quando você chegar do ensaio, sugar... — eu
beijo o topo da sua cabeça, vejo o colar de Sean
balançando... minhas pernas tremem, por momentos eu
realmente achei que ele seria mais incisivo para tê-la, fico
enciumado... ainda bem que ele foi embora, respiro
aliviado, quando a puxo para tomar banho comigo.

Acordo bem antes dela, a gente já dormia na


mesma cama, no meu quarto, contemplo a sua nudez na
penumbra do dia preguiçoso, o lençol moldando suas
curvas, as mãos perto do rosto, respirando tranquila, as
coxas lindas seguindo para uma bunda perfeita, o lençol,
para o meu prazer, não havia coberto tudo.
Decido por não a acordar, vejo no celular e são
cinco e pouco da manhã, vou fazer um café bem forte e
começar a trabalhar... eu tinha deixado tudo ontem pra me
perder entre as pernas dela, ligo o laptop pouco
concentrado analisando as notícias do dia, finalmente a
data do julgamento de Jones tinha saído e a imprensa fazia
suspense com relação ao livro, colocando a expectativa lá
em cima.
Começo a mexer nos arquivos, sentindo um ar frio,
olho pela janela e está nevando, a calefação do
apartamento era excelente e para sentir frio, com certeza, a
gente iria enfrentar uma onda intensa, mando uma
mensagem para meu irmão trazer roupas bem quentes,
quando meu celular me mostra mensagem não lida de
Judy.
Acho que não teria mais clima pra trabalhar com
ela, não por causa do meu passado, nada disso, mas ela
insiste em uma “última vez” que não vai rolar... sempre que
eu namorava ou tentava sair de um relacionamento com
ela tinha esse papo.
Suspiro fundo e não respondo.
Judy nunca acreditaria em meus sentimentos? Era
reais e dormia no meu quarto em minha cama, tinha nome
e não era apenas um capricho, como uma das mensagens
havia insinuado... bom, Yuri, deixa pra lá...Chamei a
Dolores pra dar uma geral na casa hoje e, pelo que Sugar
me disse, ela iria sair no almoço pra comemorar com as
amigas.
Deleto a mensagem da Judy e volto a trabalhar,
saio de casa assim que ela acorda e a espero para dar
uma carona até a Royal, realmente, o frio estava intenso,
ela arrisca e me beija antes de sair do carro e quer saber?
Não me importa mais os olhares alheios.
Capítulo 32: Lily

— Lian, tenta fazer aquela pirueta, enquanto a Lily


segura o adagio, vai!
Eu já estava suada horrores, mas tentava não
deixar transparecer... era mais de duas da tarde e a gente
tinha passado a coreografia inteira duas vezes, parando
apenas para as correções do professor Rocco.
Até a orquestra parece estar exausta...
Menos ele e eu... preciso dar certo... preciso! A
cada tendu ou pilé ou salto eu queria que fosse mais que
perfeito... mais que perfeito... mais que perfeito...
— Lily! Se lança em jeté, Lian segura ela e mostra
ao público, não saia da posição... só um giro é suficiente...
— Rocco queria que eu ficasse na posição como uma
bonequinha na caixinha de música, era isso... parece que a
coreografia dele conversava comigo, me lanço uma vez e
ele fica satisfeito com o resultado.
— Ótimo... muito bom mesmo... — Lian me coloca
no chão, sorrindo, até unir as mãos, juntamente com as
meninas e começarem:
— Happy birthday to you... — eu fico
imediatamente vermelha, roxa, azul, amarela, as pernas
chegam a bambear, o professor Rocco também canta e eu
fico toda emocionada... quem havia contado? Olho a fada
de Portugal piscando pra mim, agradeço com a reverência
ao público.
— Bom, almoço... uma hora no máximo, Lily e Lian
cinquenta minutos, ok? Dez minutos a menos para que se
aqueçam, é isso! — ele dá duas palmas e as meninas
veem me cumprimentar, Lian também, mas sai junto com
os outros meninos, colocamos nosso casacos, botas,
toucas para sair naquele dia frio... e nevando, acho que
nunca tinha visto neve nesse tanto... me jogo no chão
fazendo um “anjo de neve”.
— Lily, levanta... sua louca! Tá frio pra caramba! —
Exclama Rose entre risos e vergonha alheia.
— Meninas, uma hora passa voando... e eu tô
morta de fome!
Vivian solta um xingamento baixinho, mas ri
também, até Amanda se jogar comigo... olhando para meu
lado... mal sinto o gelo, olhamos pra cima e podemos
contemplar a Royal... para mim já não era mais Hogwarts...
era um local em que eu chorava, me feria, me sentia em
casa, fazia amigas, desfazia laços com pessoas que achei
que seria para sempre...
A neve cai.
Rose e Vivian perguntam qual salada iremos
querer para irem adiantando o pedido, até que eu e
Amanda ficamos sozinhas, ainda agitando nossos pés e
mãos para os dois anjos gêmeos que ficariam ali... até o
minguar da neve.
— Lily... quem é seu namorado? Sean disse que
você já tinha alguém... por que nunca me contou?
Uno minha mão a dela, apertando forte, sentindo
os flocos se juntarem em meus cílios, em meus lábios...
Hogwarts agora a Royal, a magia estava nas pessoas
maravilhosas que eu conheci e não no prédio...
— É o meu tio, Amanda. Eu e Yuri estamos...
juntos... nunca contei porque... bem, acho que sabe o
porquê...
Ouço sua respiração junto a minha, ela aperta
mais os meus dedos em suas mãos, o gelo abaixo de nós
ficando mais frio, se fazendo água... iria nos molhar. Seu
silêncio é longo e angustiante.
— Eu entendo se não quiser mais falar comigo ou
me achar nojenta... eu... eu nunca pude me importar muito
com que as pessoas pensam a meu respeito, nem minha
mãe me respeita... — me lembro das poucas vezes que a
gente se viu quando ela foi embora pra Itália, com a outra
mão agarro a neve, mas meu coração se aquece... eu tinha
meu pai, meu avô, minha avó... Yuri e amigas, até mesmo
Sean tinha tatuado em meu coração.
Perder Amanda seria horrível, mas eu entenderia.
— Você podia ter me contado antes, Lily... — ela
vira o rosto pra mim e eu para o dela, aquela pele perfeita...
negra em contrate com o branco da neve, parecia uma
pintura valorosa e rara... se eu tivesse o dom de Degas
aquela imagem seria minha obra prima. — Eu não sei bem
o que dizer quanto a isso... mas, eu sou bissexual, negra,
sofri nas mãos da Silvia antes de me abrir com você... não
sou politicamente correta e agora entendo o Sean... — ela
me puxa para que a gente se levante, olho para os nossos
anjos de neve, ambos juntos, de mãos dadas...
Fico em silêncio a observando e ela também, até
nos abraçarmos e eu sentir que de alguma maneira,
embora ela não entendendo completamente ela me
aceitava, do jeito que eu era...
— Só quero que seja feliz, Lilí... — enxugo uma
lágrima, ela me olha longamente. — Só quero mesmo que
seja feliz... você me ajudou muito, não sabe o quanto... e
quando eu voltar pra Portugal eu exijo que vá me visitar.
— Só se for pra levar as flores vermelhas para a
prima-bailarina negra da academia de balé clássico de
Portugal... a primeira de muitas jovens que vai inspirar... —
dessa vez eu que enxugo uma lágrima dela, rimos... nos
damos os braços e corremos um pouco para nos aquecer
no nosso point da salada.
— Encerramos por hoje! — Rocco dá suas duas
palmas habituais, paramos, ofegantes... mal acreditando
que eram oito da noite... Yuri deveria estar me esperando
já há um tempo.
Corro para o vestiário para pegar meu celular, mas
as mãos de Lian me impedem de sair.
— Queria saber se tem planos no seu aniversário.
Ele... ele estava dando em cima de mim? Sorrio
amarelo, dizendo que sim, ele me acompanha até o
vestiário e Amanda vê em meu olhar um certo desespero.
— Desculpa, Lian, hoje vai ser noite das meninas
na minha casa... — corro pro vestiário pegando minhas
coisas e quando saio ela ainda está conversando com ele,
me despeço e sigo meu rumo.
Vejo o carro de Yuri estacionado há poucos metros
de mim do outro lado da rua, ele já tinha mandado um
recado que estaria lá, corro ao seu encontro, entrando no
carro, me desculpando pela demora, mas mal termino a
frase e ele me beija... não qualquer beijo, mas um
arrebatador, que te faz perder o ar, suas mãos na minha
nuca, prensando meu rosto... minha boca, uma subversiva
de prazer.
— Vamos pra casa?
Sorrio em resposta, passando minha mão pela sua
perna, logo atendo as ligações do meu pai e da minha avó,
a gente conversa até chegar em casa... assim que ele abre
a porta sinto um cheiro maravilhoso de comida, a paella da
Dolores, que eu havia comido uma vez, mas nada como
aquilo fresco, abrindo o apetite só pelo cheiro.
No centro da mesa um bolinho de chocolate, com
umas velinhas improvisadas, ele sorri meio sem graça e
diz:
— Não achei um lugar que tivesse umas velas
bonitas, aí essas eram de unicórnio, se bem que não são
bem velas de aniversário... — eu sorrio, estava lindo! E
eram daquelas velas que tinham faíscas. — O bolo é de
uma confeitaria famosa daqui, Lola CupCake, qualquer dia
te levo lá...
Tudo estava perfeito.
Yuri parecia um tanto eufórico e antes do banho
me trouxe o presente do meu pai: um vestido, rodado —
parecido com o da Amanda, na noite que ela fez uma
festinha e eu vi Sean pela segunda vez — o outro, da
minha avó era um estojo de maquiagem novinho,
maquiagem artística... e um do meu avô: um vídeo
mandado pelo meu pai de como ele se lembrava de mim.
Abro o vídeo, meio trêmula:
— Minha neta faz ... vinte anos, não é isso,
Ricardo? — meu pai confirma e ele continua, alegre por ter
se lembrado. — Ela é... ela dança... e o vô tem muita
saudade... — ele já apresentava um pouco mais de
dificuldade pra falar, além o Alzheimer, o Parkison o
deixava mais debilitado em movimentos... eu choro de
alegria, beijando a tela. — Feliz Aniversário, Lily... — ele
finaliza, pedindo pro meu pai desligar a “telinha brilhante”.
— Ele foi um homem difícil, pelo que minha avó e
meu pai contam, mas ele sempre foi um avô amoroso... —
limpo uma lágrima insistente em meio a um sorriso, eu
estava feliz... inegavelmente feliz, feliz como pensei nunca
ser possível.
— Ele é seu avô Lily, as questões quanto ao
primeiro marido da minha mãe são coisas deles... o
importante é o amor que sentem um pelo outro, certo? —
afirmo que sim com a cabeça.
— Bom, sugar, que tal ir tomar um banho e eu
termino de arrumar as coisas?
Saio correndo nas pontas dos pés de ansiedade
para tomar um banho. Me demoro um pouco... sentindo a
ducha me limpar da água da neve, a felicidade de poder
compartilhar meu namoro com alguém, e eu achei que
Amanda iria me julgar tanto...
Termino o banho e vou me maquiar com as paletas
novas, seco meu cabelo com o secador e finalizo com o
creme de Tutti-frutti da Johnson & Johnson, passo o
creminho com o mesmo cheiro e finalizo meu cabelo,
escolhendo a roupa nova que meu pai tinha me enviado.
Saio do quarto e ele me espera pacientemente na
cozinha.
— Lily... você está uma visão... — Yuri se
aproxima e puxa a cadeira para que eu me sente, serve a
paella e se levanta, pegando uma caixinha do seu bolso. —
Se o O’Neil te deu um colar... achei justo eu dar uma joia a
uma jovem mulher também.
Estremeço quando suas mãos passam pelos meus
ombros e braços, indo até meu punho e abrindo a caixinha,
a joia se revela uma pulseira linda.
Ele diz:
— É ouro vermelho e a sapatilha é esculpida em
quartzo... da cor dos seus olhos. — ele a fecha e eu
contemplo... exclamando em seguida:
— Isso deve ter custado uma fort... — antes que
eu diga ele me beija, ambas as mãos no meu rosto, me
levanto e nos abraçamos, parecia que há muito tempo a
gente não se via, se aquela palpitação no meu peito,
aquele suor frio na minha testa e o tremor que ele me dava
não fosse amor, não sei mais o que seria... não sei...
— Eu... hm... eu fui num sexy shop...
Ele me olha curioso, fazendo carinho no meu
rosto, se aproximando:
— E o que achou de bom? — ele vai erguendo a
sobrancelha... num olhar sacana me encarando perspicaz,
eu vou até a minha mochila e tiro um óleo e uma venda,
mas, antes que ele visse peço para que se sente. Ele o faz.
Vou atrás dele e tiro a camisa, sinto o pelo de seu
corpo se eriçar, dou uma sopradinha no seu ouvido e
mordo a pontinha da orelha... ele estremece, suspirando
longamente.
Mordo o lábio e vou colocando a venda, bem
devagar, pedindo para que feche os olhos, ele sorri e o
faz... termino de tirar sua camisa, que eu deveria ter feito
antes de colocar a venda, quase a tirando de seus olhos,
mas ele a segura com uma mão.
— Ops — digo, ele sorri eu dou a mão pra ele e o
conduzo até o quarto, já vou me deitando sobre ele, que
respira profundamente, já sinto a protuberância em sua
calça... me sento em cima, ele geme, vou lambendo seu
corpo... bem devagar.
— Ah... sugar... o que está fazendo comigo? — eu
quem deveria perguntar... aquele corpo musculoso, os
gominhos do abdômen tremendo ao meu toque, pego o
oleozinho e passo em seu corpo generosamente...
segundo a atendente do sexy shop, ele deveria esquentar
e esfriar... nas minhas mãos era esse o efeito...
Abaixo sua calça, ele me ajuda com os pés, e
finalmente posso ter tudo aquilo pra mim... vou hesitante...
e coloco a boca, usando o óleozinho com as mãos
massageando as coxas... aquelas coxas... e começo.
— Sugar... D... Deus...
Sorrio, ele coloca a mão no meu cabelo, forçando
minha cabeça... seu pau deliciosamente grande,
preenchendo toda a minha boca, passo mais do óleo e
continuo o estimulando com as mãos, sentindo o cheiro de
Yuri, o melecando mais e mais... com a minha saliva, com
o óleo, quando olho pra cima ele está sem a venda.
— Ahhh! — reclamo, ele faz uma cara de
culpado... em seguida diz:
— Desculpa, sugar... é que você é tão linda... e
isso está tão bom que... eu não resisti...
Sorrio, indo até a boca dele, o óleo tinha um
gostinho de chiclete, levanto meu vestido, então ele pega
minha cintura, forçando-o em mim, o óleo deslizando
deleitosamente pelo meu corpo.
— Ahhh... — murmuramos juntos, ele curva as
pernas e me esfrega por seu corpo, minha mente parece
estar nas nuvens, aquele óleo era bom mesmo, sinto meu
interior quente e frio ao mesmo tempo, ele usando o corpo
me impulsionando pra cima e pra baixo.
— Ahhh... eu te... eu te amo... te amo tanto... —
me deixo cair pelo seu corpo eram tantas as sensações de
prazer que mal conseguia me conter, ele morde meu
queixo, me vendando, me colocando por debaixo dele, sem
parar os movimentos, e assim que me venda, ouço sua
respiração pesada, a voz rouca e baixa:
— Eu te amo... — ele lambe meu corpo, abrindo
as minhas pernas, acariciando minha bunda, o óleo em
suas mãos tinha mais poder, eu gemo.... gemo alto... sinto
que vou gozar... ele não para.
— Sugar... para quem está gozando? — sem nem
tirar o meu vestido ele faz meu corpo ficar pronto para ele,
seus músculos flexionam de acordo com a sua vontade...
Yuri tinha pleno controle de tudo...
— Pra... pra... vo...você! — enlaço minhas pernas
em sua cintura e ele continua, sinto seu corpo tremer, ele
abre meus braços, os beijando e apertando minhas mãos,
não o ver era terrivelmente sexy, só as sensações
percorrendo meu corpo, sua voz guiando meus
movimentos... a escuridão me seduzia, não poder ver meu
corpo me desencanava de qualquer imperfeição que
achava que poderia atrapalhar.
— Vira de quatro pra mim? — ele pede e
imediatamente o obedeço, apertando os lábios com os
dentes, quando sinto um geladinho... e em seguida um
estalido, nada que machuque... só excita, ele está com um
chicote?
— Yu... Yuri...?
Ele fica em silêncio, passando a mão esquerda
pelo meu seio, puxando o biquinho, ah... eu arfo, ele joga o
óleo do final das minhas costas, passando pela minha
bunda, buceta e coxas, mais um estalido.
Sua barba roça nos pelinhos do meu corpo,
subindo até a minha virilha, onde ele se demora...
sedutoramente galante, seguro seus cabelos, gemendo...
ele me chupa, calmo, sem pressa... a língua entrando e
saindo de mim, o óleozinho deixando seus dedos
lubrificados para me penetrar por trás... sinto que vou
gozar.
— Por favor... mete em mim... Yuri, eu vou...
gozar....
Ele continua me chupando e eu sem ver nada,
apenas a sensação da venda obrigando meus olhos a
ficarem fechados e todo o meu corpo estremecendo em
sua boca, dedos, lençóis.
Ele me coloca em cima dele de novo, tirando a
venda, e é como se a luz tivesse mais intensidade sobre
meu corpo, meus sentidos, ele me puxa para seu pau duro
e a penetração é facilitada pela meu gozo e o oleozinho,
ele pega em minha cintura e mesmo eu ainda extasiada de
prazer me movo conforme ele impõe com as mãos.
Ele escorrega o vestido pelo meu corpo de modo
suave, me deixando nua.
— Lily... sugar, fala o que está fazendo. — a voz
mais uma vez é imperativa, sedutora e grave, minha buceta
passa pelos músculos contraídos dele, o que aumenta meu
prazer, entre sussurros, murmúrios de desejo eu falo
baixinho:
— Tô... hm... dando... dando pra você... dando
bem... bem gostoso... — sinto que ele sorriu, me
encorajando, curvando-se para me beijar, ele me
escorrega, ficando por cima de mim e erguendo uma perna
minha, a penetração mais forte, quase selvagem, a cama
range... abro um pouco a boca e ele a explora com a
língua, um beijo obsceno em que sua língua percorre meu
pescoço, estamos melados por suor, óleo e gozo e eu o
enrosco mais em mim, num terceiro orgasmo, o gemido é
tão baixo, quase inaudível e é só sentido porque eu o
agarro, como se fosse meu... não, ele é meu.
Meu rosto em seu peito e sinto que ele vai gozar...
seu corpo roça em mim, nos esfregamos em um sexo
devasso, libidinoso, até que eu sinto seu pau maior e maior
dentro de mim, a ponto de deixar a área sensível, quase
assada... abro os olhos, ele está lindo... o suor pingando.
— Diz q... que é meu...?
Ele lambe meu sorriso, apertando a minha coxa,
estremecendo... oscilando... arrepiado.
— Sou seu... sugar... — sinto que ele começa a
gozar... não consigo disfarçar o quão feliz eu fico por fazer
aquele homem sentir prazer assim... a ponto de tremer,
quase sem ar. Ele beija minha testa e me encaixa em um
abraço, ficamos um olhando para o outro, sem ar... mas, ali
as palavras não eram necessárias, coloco uma perna sobre
ele, me aninhando mais, ele faz carinho com a ponta dos
dedos no meu braço e eu observo o presente.
— Eu te amo, Lily... — ele diz, beijando a palma da
minha mão e descendo a língua até meu pulso, colocando
o outro braço pra trás da sua cabeça, analisando meu
corpo, queria vendá-lo de novo... eu ficava constrangida
quando me olhava assim.
— Para, Yuri... mesmo a gente fazendo tudo que a
gente faz, nada supera esse seu olhar em cima de mim...
— ele ri, eu jogo um travesseiro em cima dele, a gente
estava besuntado de óleo, a cama revirada, chicote,
máscara, lençol, edredom tudo espalhado...
— Não tenho culpa se seu corpo atrai meus olhos
dessa maneira, sugar... Falando nisso... antes que eu
queira repetir tudo isso... — e passa as mãos indiscretas
pelo meu corpo. — Que tal comer um pouco? — eu
concordo.
— A gente só precisa de um banho... oleosos
assim, capaz de pegarmos fogo...
Ele gargalha, me ajudando a levantar, pegando
meu rosto em suas mãos.
— Não poderia ficar mais incendiado, sugar.
Capítulo 33: Yuri

Bato a caneta na mesa de reunião com os


mosqueteiros sobre a ida da Rainha a Royal Academy de
Londres, o lindo rosto da Lily figurando entre os bailarinos,
e em destaque “O balé que até a Rainha vê”, obviamente
eu não poderia deixar de ver o espetáculo... mesmo como
jornalista.
Os ensaios iam até mais tarde, então, aproveitei
para adiantar o máximo de trabalho possível, para quando
minha família chegasse, eu pudesse passar uns bons
momentos com eles.
O maior dos problemas foi o avô de Lily... tiveram
que pegar documentos, remédios, um atestado do
neurologista sobre sua condição e marcar com a
companhia aérea um lugar de acessibilidade, já que a
viagem tinha escala e figurava mais de doze horas.
Porém, não mediram esforços, juntamos a minha
grana com a de Ricardo para, pelo menos, o avô de Lily e
minha mãe irem de primeira classe... longo devaneio em
um dia frio de trabalho, só no que eu pensava era naquele
corpo da minha sugar com um sling biquini, uma espécie
de biquini, onde a parte do busto e de baixo de interligam
por uma tira, geralmente de látex, e fica bem agarrado, nas
partes certas... transar só com aquilo e com as mãos dela
amarradas atrás era gasolina no meu tesão, merda, a
reunião...
— Se quiser eu posso cobrir o evento... — sugere
Judy me tirando de um pensamento tão gostoso.
Vejo a mesa redonda à minha frente, as cadeiras
lotadas para o briefing e eu ali... sem conseguir tirar da
cabeça aquela cena...
— Não, Judy, tudo bem... quer dizer, você pode vir
com a gente, mas você não iria tirar umas férias? Já até
assinei o ponto...
Ela me observa, em seguida fica calada, o clima
estava assim, desde ela pedir uma “última vez” tempos
atrás... eu ignorava as investidas dela quando estava
sozinho, evitava atender suas ligações, Moacir e Carl me
davam uma cobertura.
Ela não percebeu que eu não era mais o moleque
carente que aquecia sua cama na surdina, achei que a
gente já tinha se resolvido em Paris, mas pelo jeito ela
ainda nutria... sei lá o quê.
— Bom, a gente vai ficar com o crachá da
imprensa, já falei com a segurança, o local vai estar lotado
assim... — Carl faz um movimento com os braços
exagerado, como se englobasse o mundo todo. — Então, a
gente precisa ser meio agressivo com as câmeras e,
talvez, a gente consiga uma imagem melhor ou até mesmo
uma palavra dela.
Passo a mão na minha barba, em que Lily tinha
passado um creme... cheirando, obviamente a tutti-frutti.
— Você não tinha aquele contato com o palácio,
Moa? Talvez a gente consiga uma posição privilegiada...
não sei... levar câmeras menores dentro e deixar as
maiores fora em ponto estratégico... talvez até levar uma
câmara escondida e só acender no final do espetáculo,
assim... — espalmo minhas mãos no ar. —Aí é flash na
cara da coroa... — juro que não quis fazer essa piadinha
infame, mas...
— Yuri, é um espetáculo de dança, vai ter
intervalo, nesse momento a gente tinha que tentar uma
aproximação, uma filmagem dela... — pontua Judy, Moacir
e Carl acham arriscado e meio invasivo... ok, seria comigo
de novo o voto final.
— Podemos analisar... — saio liso como sabonete,
vamos para a próxima pauta, até eu sentir o celular vibrar e
Lily me avisar que sai dali meia hora.

— Minhas mãos estão frias...


Ela enlaça o braço em mim, está nevando... calma,
sugar, eu também estou nervoso... faz anos que não vejo
minha mãe ou meu irmão, além disso, o primeiro marido da
minha mãe várias e várias vezes quando eu era moleque
implicava um pouco comigo, me chamando de “lemão”,
mesmo eu não tendo olhos tão verdes quanto os do meu
pai... foi no enterro dele que eu e Cícero nos aproximamos
um pouco, seu abraço foi contido, semanas depois eu
pisaria nesse chão que eles vão pisar agora.
— Vó!!! — ela corre pelo saguão de braços
abertos, minha mãe estava ali... exatamente como eu via
nas ligações por vídeo, ainda mantinha uma altivez dos
tempos de juventude, que enlaçou meu pai, os cabelos
pintados, as unhas feitas e bem vestida, sempre vaidosa.
Meu irmão a envolve num caloroso e saudoso
abraço, ele era maior do que eu lembrava, com entradas,
mais gordo e barba branca, o divórcio tinha tirado dele
muitas coisas, inclusive a vontade de se cuidar, Ricardo era
um galã, várias vezes eu o via com meninas lindas...
— Filho! — minha mãe me chama, me enchendo
de beijos, abraços, deixando meu rosto coberto de batom e
carinho. — Meu amor, como você está lindo! Ah... a
juventude... — e pisca para mim, ainda estou meio contido,
não nego.
Seu Cícero aponta para mim, sendo amparado por
Ricardo para sair da cadeira de rodas e caminhar um
pouco.
— Ele é o marido da Lily? Que homem bonito...
não é, Cardinho?
Lily sorri pra ele, minha mãe parece relevar e
começa a contar da viagem de primeira classe e o quão
bem tratada foi, mas Ricardo o corrige, um tanto sério:
— Não, pai... esse é o filho do Sebastian e da
mãe... ele é tio da Lily... lembra?
Ele treme um pouco os lábios, um olhar confuso e
vago, até dizer:
— Que Sebastian?
Minha mãe intervém e pede pro meu irmão parar
de corrigi-lo, que isso não adiantava nada, Lily dá a mão
para o avô e para o pai e diz:
— Está esfriando ainda mais... se é que é
possível, vamos? Vamos Yuri?
Aceno que sim com a cabeça e ouço Ricardo
chamar a atenção dela para que me chame de “tio”, desligo
o alarme e meu irmão solta um assovio.
— Caramba... Uma BMW x1... Yuri, você
realmente deu certo, hein?
— Ãhn... bom, sem os impostos abusivos do Brasil
e tendo em conta que a Alemanha é mais perto, acho que
fica mais fácil comprar...
Ele comenta sobre futebol, enquanto colocamos
Cícero no carro, minha mãe faz questão de ir na frente e
Lily vai conversando com o avô e Ricardo.
— Lily... namorado bonito o seu... ele te olha
bonito, né, Zefa? — meu irmão volta a corrigi-lo, eu me
reteso... olho para o retrovisor para ela... a neve ficando
mais intensa, Deus... como quero dizer que a amo para a
minha família...
— Você ficar corrigindo o seu pai não vai adiantar,
filho, que coisa! — exclama minha mãe, olhando para trás,
alisando a perna da Sug... Lily. — Emagreceu muito com a
comida daqui, Yuri... a menina tá tomando só aquele
Ovomaltine com aqueles cookies, né?
Antes de eu falar alguma coisa, meu irmão
interpõe:
— Lily, eu já falei pra você parar de tomar aquela
porcaria todo dia... olha aí, quer parecer um caniço?
Ah, meu irmão... ela parece tudo menos um
caniço... meus pensamentos viajam pra aquele corpo todo
cheio de óleo, aquelas coxas, aqueles seios... freio para o
sinal vermelho:
— Ela tem comido bem, gente... são os treinos que
estão pesados, imaginem... a Rainha vai ver...
Ricardo já rebate:
— Não ia me contar? — uma voz autoritária,
minha mãe se mete no meio e diz que a menina não é
obrigada a contar tudo pra ele, parece que o clima começa
a ficar tenso, Lily tenta se defender, argumentando que
tinham outros assuntos além desses e eu quase me
arrependo de ter falado. Cícero só me observa, acho que
ainda meio sem entender o fuso, a viagem longa...
— Bom, a gente tá chegando. — encerro o
assunto por ali mesmo, o silêncio só é quebrado pelo vento
e por Cícero que bate os dentes, Lily olha com tanto
carinho para ele, apertando suas mãos, dando beijos em
seu rosto, algo natural, sereno...
— Olha a decoração de Natal que chique,
Cardinho! — exclama minha mãe impressionada. — Vou
tirar foto! Aproveitar os pisca-pisca!
— Aproveito pra mostrar o outdoor onde fala do
espetáculo e a Lily está nele.
Minha mãe pede pra ir imediatamente, assim como
meu irmão, Lily ficou meio quietinha, quero tanto saber o
que se passa com ela, quais os sentimentos que fervilham.
Ricardo faz um vídeo do outdoor e não adianta eu
dizer que está escuro e que passo de dia, ele me ignora,
minha mãe começa a puxar assunto com ela e Cícero
adormece um pouco, bem cansado.
— Acho que pra ceia a gente tem que fazer o
Tender... — eu concordo, meio nervoso, nunca tinha lidado
com a minha família toda ali, não depois da morte do meu
pai, e, sinceramente, eu estava gostando... só faltava eles
saberem do meu relacionamento com ela... esconder
estava sendo uma tortura.
Assim que botamos os pés em casa, foi uma festa,
meu irmão foi ajudar o pai a tomar banho, minha mãe
examinou cada centímetro da casa... nesse meio tempo,
Lily passou as mãos pelas minhas, estremeço
imediatamente.
— Tudo bem? — ela sussurra, aperto suas mãos
em resposta, dando um beijo rápido, decido chamar
alguma coisa por aplicativo, algo que fosse local, tipo fish
and fries e todos nós nos reunimos à mesa.
Minha mãe havia ficado conversando com Lily até
tarde, Lily puxou a cama-gaveta debaixo da sua pra dormir,
Cícero e meu irmão ficaram no quarto de hóspedes e eu
solitariamente enrolado ao meu edredom, sem conseguir
pregar o olho... e a enxaqueca... circundo minhas têmporas
com os dedos e me levanto pra tomar algum remédio,
quando eu a vejo, saboreando o Ovomaltine.
— Sem sono? — ela me lança um olhar carente,
mas ao mesmo tempo lascivo, quando morde um lado do
lábio inferior.
— Urrum... — me esgueiro pra lhe dar um beijo,
ouvimos o ronco do meu irmão e nada além do sono
profundo e exausto da família, a puxo do balcão a
encaixando entre a geladeira e a pia: — Lugarzinho
estratégico? — sorrio em resposta, colocando o shorts do
baby doll de lado, abaixando um pouco a minha calça, ela
geme... coloco a mão em sua boca:
— Shhh...
Ela fecha os olhos, já tão molhada que meu pau
desliza pelo seu interior, o baque oco de nosso corpos na
parede, ela enlaça meu pescoço, apoiando as pernas e
subindo na minha cintura, posso ver a transparência da sua
roupa de dormir, agarro um de seus seios, metendo tão
forte, que receio o barulho chamar a atenção de alguém.
— Lily... eu te amo... — falo pausadamente em seu
ouvido, uma gotinha de suor se espalhando pelo seu rosto,
não paro... minha cintura investe contra ela, sinto que
quero gozar rápido e ela também, apoio minha cabeça em
seu ombro, sentindo a força dos meus músculos em
segurá-la, eu já trêmulo, ansiando por ar... sem fazer um
pio de barulho... até ela lamber a minha mão.
A deslizo pela parede, segurando-a sentada sobre
mim, a abraço e me permito subir sobre ela, não parando
de me mexer, aquela buceta estava sempre tão apertada...
tão ridiculamente apertada, que sinto o orgasmo a
invadindo, nos beijamos desesperadamente... ela sugando
o meu ar.
— Não iria ficar... ficar se você... — ela me beija,
passando as unhas levemente pelas minhas costas...
A ajudo a levantar no minuto que minha mãe sai
do quarto, nos arrumamos rapidamente, digo que vou
aumentar um pouco o termostato da calefação.
— A temperatura tá boa, meu filho... Lily, faz um
Ovomaltine pra vó também? Não consegui dormir... — ela
confessa, com um longo penhoar, Lily tenta se arrumar
como pode, mesmo suada, cansada e meio assustada pela
rapidinha calorosa e intensa, os olhos meio borrados pelo
lápis preto, ela não poderia estar mais bonita...
Capítulo 34: Lily

Lian e eu terminamos mais uma vez a coreografia


completa. Já era dia 24 e os ensaios estavam indo cada
vez mais tarde, minha vó, avô e pai já quase uma semana
em Londres e eu mal poderia dar atenção, o grande dia...
amanhã à noite e a cidade estava comprando os ingressos
até fevereiro do próximo ano, tudo, tudo lotado!
— Ele tá muito a fim de você. — comenta Vivian
comendo sua salada picante, a gente discutia sobre os
meninos... a dança, e, claro, o espetáculo de amanhã,
Rose se arruma na cadeira, olhando o lugar... era simples,
mas bonitinho, bem aconchegante, mesas em L, cadeiras
estofadas e saladas e grelhados a partir de três libras.
— Lily namora, meninas... já dissemos isso a ele...
— Amanda rola os olhos, observando que tinham colocado
um quadro das baías portuguesas, ela se entusiasma e fala
um pouco de seu país.
— O México também tem esse verde... esse azul
do mar... sinto falta, principalmente de um bom dia de los
muertos, sabem? — ela se recorda um pouco de sua
família. — A gente faz bastante comida e deixa a casa
aberta... todo podem e devem entrar... Todos são bem
vindos, depois a dança... o Flamenco, nossa união é
comida e dança.. uma coisa e outra unidas... — Rose e
Amanda pedem para que ela fale um pouco mais... ela se
anima, eu sorrio... imaginando a cena em tons quentes,
muito vermelho, amarelo e laranja.
— Aqui no Natal é lindo, meninas... A ponte fica
iluminada, as pessoas vão com seus pares, crianças
brincando nas ruas... além da troca de presentes,
geralmente livros, teatros abertos, dança... tudo em uma
harmonia linda... e depois da abertura dos presentes a
gente agradece, a qualquer coisa que esteja nos olhando e
nos desejando algo bom...
Comento brevemente do Brasil e dos nossos
feriados, principalmente a festa junina e os doces, bebidas
e salgados maravilhosos. Tenho um pouco de dificuldade
de falar o que é um pastel de feira, mas acho que resumi
bem ao dizer simplesmente uma delícia.
Rimos e já estamos pronta pra ir embora, quando
Lian entra.
— Meninas, posso dar uma palavrinha com a Lily?
As três me olham intrigadas e saem, rindo.
— Está nervoso pra apresentação amanhã? —
indago, dando uma de desentendida, Amanda já havia
repetido nesses meses que eu namorava, mas parecia que
ele não entendia... então, o que restava a mim era conviver
com meu parceiro de dança... pelo menos, com o tempo
ele me deixaria em paz.
— Não muito pra falar a verdade... — ele sorri
largamente, tirando os cachinhos loiros que penduravam
insistentes em sua testa. — Eu juntei coragem pra vir falar
com você sobre outra coisa...
Ah, não...
Fico absolutamente sem ter como fugir, já tinha
fugido todo aquele tempo, mas agora... estava difícil, então
aproveitei pra tomar o resto do meu suco e já ir colocando
o casaco, arrumando meu gloss me olhando no espelhinho,
quando ele diz:
— Tô a fim de você, Lily Macedo. Eu sei que você
namora, suas amigas foram bem enfáticas... — ele ri
abertamente, acho que também tímido, não sei... ele
começa a enrolar umas bolinhas de guardanapo na mesa.
— Mas, sentir você em mim todos os dias têm sido um
tormento... e eu vi que tinham fotos suas num.... — ele
sussurra — Num site de acompanhantes... um tempo atrás
e eu queria saber... quanto você cobra?
Meu corpo se enrijece como se tivessem me
jogado no Alasca e meu rosto queima, como se minha
outra metade estivesse no inferno.
— Lian, a Silvia colocou fotos... minhas e da
Amanda nesse site... não quer dizer que eu...
— Não... eu sei... quer dizer, imaginei... Lily... teria
muita grana com seu corpo... eu falo de uma quantidade
expressiva de dinheiro sabe, eu tenho uma boa proposta ...
— mesmo indignada eu não iria fazer escândalo, nem dar
show... isso poderia vir a acontecer outra vez, eu não sei o
tamanho da maldade da Silvia, mas digo de uma maneira
decidida:
— Lian, nós vamos ser colegas na Royal, na
dança, eu não quero que fique nenhum mal estar entre a
gente... Saiba de uma coisa — levanto meu dedo, incisiva.
—, não estou à venda, quero que fique claro... como eu
disse, a Sílvia vazou fotos e isso pode ter dado margem a
um desentendimento entre, enfim, muitas pessoas... vamos
voltar? E usar esse constrangimento na melhor
apresentação que pudermos.
Ele segura meu braço, ficando vermelho feito um
pimentão:
— Desculpa... eu achei...
O interrompo:
— Eu sei o que achou. Enfim, vamos?

Depois daquilo algo tinha mudado na minha


dança, parece que me tornei mais fria, pragmática e menos
sentimentalóide... dançava, sim, mas no meu rosto
ressentido por tanto, o meu amor pela dança tinha ficado
mais na dança e menos ainda nas pessoas ao redor ou no
palco.
Ao terminar quase às nove da noite na Véspera de
Natal, me despeço rapidamente das minhas amigas. Rocco
Fisher pede uma palavra comigo e com Lian.
— Amanhã será o grande dia... comam pouco
hoje, descansem bem... amanhã às 19 horas aqui...
exatamente às 20h começamos... boa noite.... — Rocco
esboça um sorriso, eu não... estou focada, não tenho
margem para me chatear, assim que vou saindo para
encontrar Yuri do outro lado da rua, Lian vem ao meu
encontro.
— Desculpe... de verdade...
Eu aceno e digo um “feliz natal” rapidamente, mas
só... essa Silvia era uma cobra... ainda bem que tinha ido
embora, assim que chego no carro, meu pai vem me
abraçar, preocupado com o frio, minha avó e ele
revezavam pra cuidar do meu avô.

Minha mãe me liga:


— Natal e nenhuma postagem, Lily? Filha... a
gente tem que rever as publicidades, três marcas entraram
em contato comigo por causa da rainha e... — ouço meu
irmão falando alguma coisa e ela o acalmando. — É o
Gean Lucca... ele tá querendo um presentinho...
Meu pai tira o telefone da minha mão e diz, sério:
— Lilian, eu não vou deixar mais a Lily nessa
merda de Instagram... você pega tudo o que a menina
ganha?
A gritaria começa, Yuri dá uma arrancada, e
vamos para casa... tirando essa parte da briga eu estava
curtindo muito meus avós e meu pai comigo, meu pai,
finalmente, tinha parado de implicar com meu avô, que
ainda dizia que eu e Yuri éramos namorados... isso poderia
soar tão claro e tão bonito, queria tanto contar pra minha
avó que eu estava tomando pílula, que tinha descoberto
minha sexualidade, que tinha prazer na cama... sei que a
maioria não fala isso com ninguém, mas minha avó era a
minha amiga a esse ponto.
Meu avô tinha ficado no apartamento
acompanhado pela minha avó, uma ceia nos esperava,
assim que chegamos em casa e entro no banho, mando
uma mensagem no grupo em que estão eu, Amanda e
Sean contando o que houve com Lian... ela me manda um
áudio, indignada... mas, ainda nada do Sean... ela até o
chama, mas eu decido falar no privado, depois de tudo o
que aconteceu... a alerto sobre onde mais Silvia poderia ter
colocado nossas fotos ou nossos dados.
— Lily? — ouço Sean e sua voz grave, abro o
chuveiro, e me sento na beirada da banheira, preciso me
apressar para a ceia de Natal, minha avó e meu pai
queriam que eu tomasse banho rápido.
— Sean... tudo bem?
— Urrum... o que houve? Quem é esse tal de
Lian?
Explico a conversa estranha que tivemos e sobre
Silvia, ele parece estar num quarto vazio pelo eco, mas não
tenho tempo de perguntar se é sua casa.
— Não queria te preocupar... queria perguntar se
está bem e desejar feliz...
— Não atrapalha... eu tenho contato com o
hacker... escuta, eu vou pedir pra ele fazer uma varredura
na Net, ok?
Afirmo que sim, apertando o bocal quando meu pai
bate na porta:
— Lily, por favor, filha, seu tio gasta muita água e
muita energia... termina esse banho logo... — ouço seus
passos indo... vou tirando minha roupa rapidamente, Sean
solta uma risada irônica:
— Papai está aí para o casamento?
— Rá, muito engraçado Sean... tenho que tomar
banho pra cear e já te ligo, tá? — ele nem se despede,
num “até logo” e eu tomo um banho rápido, assim que saio
do banheiro, com cabelos molhados, enrolada na toalha...
minha avó me puxa para o quarto, já arrumando meu
cabelo, escolhendo a roupa.... mais empolgada que nunca.
— Yuri é lindo, não é, Lily? — ela começa a fazer
escova no meu cabelo, passando alguns cremes que já
estavam acabando, ainda bem que meu estoque tinha sido
reabastecido por ela.
— Hm... é sim, vó...
Ela sorri e eu a vejo me penteando pelo vidro da
penteadeira, ela coloca seu rosto do lado do meu, sorrindo:
— Seus olhos são esverdeados, seus cabelos
longos, castanhos... essa pele linda... até o corpo é lindo...
Sorrio sem graça, enquanto ela escolhe a roupa
pra mim, nada do que eu estava acostumada... era um
vestido esvoaçante, leve, curto, com mangas longas... ela
tira um batom vermelho de uma caixinha, bem vermelho,
da MAC.
— Você não é mais uma garotinha, Lily... e seria
injusto eu te continuar te tratando da maneira que Ricardo
te trata...
Eu não sabia pra onde iria essa conversa, ela me
mira como se pudesse ver minha alma refletida naquele
espelho.
— Eu não iria... quer dizer, eu iria ficar chocada,
mas ao mesmo tempo tentaria entender... meu filho é
jovem, bonito... minha neta é jovem, bonita... ambos
cruzam olhares, somem pela noite...
Engulo em seco, ela sabia? Ela desconfiava?
Ela... percebia?
— Vó... isso... seria errado?
Ela se aproxima rapidamente, seus cabelos bem
arrumados num coque alto, vestido vermelho generoso no
decote, sapatos de salto fino, ela beija meu rosto:
— Não sei... seria?
Não respondo...
Meu pai bate na porta e aquela conversa
desconfortável fica menos bizarra com a presença dele,
não pelo fato da minha vó desconfiar, quer dizer... sim, é
pela minha vó desconfiar! Meu pai me vê vestida daquela
maneira e exclama:
— Minha filhinha... vinte anos, seguindo sua vida...
— ele me abraça e me leva até a cozinha, quando ele
desliga a luz, vislumbro minha vó se olhando no espelho e,
por um segundo, posso jurar que ela vê minha alma presa
ali... um temor terrível percorre minha espinha.

Me sentei ao lado do meu avô o auxiliando na


refeição, minha avó veio depois de alguns minutos e nós
começamos a cear... Yuri estava se divertindo muito,
falante, contando sobre o livro de Jones, até meu pai
cutucá-lo com o cotovelo e dizer:
— E as mulheres? Alguém em especial?
Ele fica meio vermelho, meu pai já alto com a
cerveja, Yuri me olha no fundo dos olhos... sorrindo:
— Há alguém...
Trocamos olhares, meu avô se agita um pouco, me
levanto para pegar seu remédio, meu pai sussurra, mas
consigo ouvir ele perguntar se Yuri estava “comendo como
sempre” ... como sempre? Eu penso... eu penso? Quantas
vezes eles tinham falado sobre mulheres...
— Quer ajuda, Lily? — minha avó vai até mim, me
ajudando com o remédio... mas, ela me olha diferente...
paro por um segundo: minha avó seria minha sogra? Fico
meio bugada e engulo algo pesado... parece um nó... não
sei explicar.
— O tender estava uma delícia, mãe. — meu pai
diz dando um beijo em suas mãos, pedindo para que eu
tirasse uma foto... corro para pegar meu pau de selfie e tiro
algumas... realmente, eu e Yuri nos olhávamos... eu queria
imprimir aquela foto e colocar num retrato, não seria
estranho, seria?
— Sobremesa! — exclama minha avó pegando um
pudim de doce de leite, ela pede para que eu o corte e eu o
faço, aquela textura gostosa... embora aquilo nem de longe
me dava esse frio na barriga.
Ajudo meu avô a comer o pudim, mas quando vou
provar um pouco da calda cai pelos meus lábios, e Yuri
passa o dedo pelos meus lábios e prova da calda... eu
tremo, minha avó vê e sorri... Paro de respirar... meu pai
continua com uns comentários bem... sei lá, duvidosos, até
meu avô dizer:
— O marido da Lily cuida bem dela, né, Ricardo?
— não sinto meu corpo, parece que tudo fica embaçado,
meu pai diz já meio sem paciência:
— Mãe, o papai já passou o Yuri de namorado pra
marido da Lily, pelo amor de Deus, papai... ela é virgem!
Eu fico vermelha na hora e exclamo:
— Pai, o que disse?
Minha avó coloca a mão na cabeça, e ele tenta
limpar a garganta, eu já estava a ponto de explodir, a
pressão do balé, do namoro, a culpa por Sean ter ido
embora, o que havia acontecido com o meu parceiro de
dança... eu juntando minhas energias pra não dar um tapa
na cara dele... e a raiva de Silvia!
— Vó, a senhora conta tudo pro meu pai? —
levanto da mesa, irritada... Yuri pede pra eu ter paciência e
meu pai se levanta, pedindo desculpas... minha vó continua
em silêncio.
— É minha intimidade, pai... poxa! Não quero ser
assunto nos almoços de domingo, vó... — olho pra ela,
derrotada, deixando meus ombros caírem. — Eu confiei em
você...
Meu pai fica em silêncio, minha avó também... Yuri
parece meio sem graça, sem saber o que fazer ou como
agir.
Até que meu avô exclama:
— Zefa, traz mais pudim...
O que me dá margem pra sair daquela conversa
desconfortável... realmente, não tinha com quem contar? E
minha avó? Ela estava jogando comigo... esperando eu
falar de alguém pra ir correndo fofocar pro meu pai, pego o
doce e peço licença pra sair da mesa e ir ao meu quarto.
Yuri me manda uma mensagem, mas nem com ele
eu quero falar... eu não posso crer que minha avó contou
tudo ao meu pai... sobre tudo que a gente conversava,
minha mãe manda uma mensagem que tem um símbolo de
“enviado”, rolo os olhos, ela nem pra copiar e colar... ela
encaminhava um “feliz natal” com um papai Noel e meu
nome... escrito errado.
Sean tinha mandado uma mensagem de voz, mas
peço que só escrevamos, além disso, tento atualizar
Amanda do desastre de Natal que eu tive... tiro a
maquiagem num outro banho, me enrolo na toalha e vou
dormir... meus membros formigando de vergonha,
insegurança e ... medo.
Era a primeira vez que eu via minha avó daquela
maneira... de uma maneira que pudesse me ferir, como se
tivesse ciúmes do filho comigo... rolo na cama, mais
envergonhada ainda pela conversa indiscreta do meu pai
com o meu namorado.
Não sei quanto tempo se passa até ela entrar no
quarto.
— Lily? — ela se senta na cama e eu finjo dormir...
não quero falar com ela, não quero... — Me desculpa,
filha... eu nunca tive uma menina e cuidar de você foi bem
complicado pro seu pai... eu contei porque... — sinto que
ela passa a mão no edredom, o ajeitando pra mim; — Nem
sei o porquê... acho que não soube lidar muito bem com o
fato de estar longe...
Não me convenceu, ela queria que eu dissesse ou
fizesse alguma coisa, ela está desconfiada, não sou
imbecil... talvez eu devesse apresentar Lian como meu
namorado, a ideia subitamente me parece genial.

Sonho com a estátua da pequena bailarina de


Degas... dessa vez eu olhava a escultura pelos olhos do
artista e a estátua era eu mesma, ainda meio aprisionada,
gritando pra sair dali...
Tudo ao meu redor parecia lapsos de tempos,
flashes de memórias que eu não sei se vivi ou não...
aparecem coisas... como eu nua no espelho com Sean,
minha feição diferente... depois eu nos braços do Yuri e a
voz de Lian retumbando ao fundo, “quanto é o programa”,
algo como um eco... e Silvia e minha avó aparecem de
mãos juntas.
Minha avó, em seguida, beija Yuri e ele aponta
para mim, rindo... quando vejo estou quase sufocando
dentro da estátua... e é Amanda quem acaba de me
sepultar ali dentro... eu grito em plenos pulmões, a voz da
minha mãe ilumina o lugar, dizendo que se eu tivesse
postado no Instagram nada disso teria acontecido. Gean
Lucca grita alguma coisa e Carlo pede para que eu abra a
porta, enquanto tomava banho.
Até dentre todas as vozes o “eu te amo” de Yuri
me faz ver por uma fresta que ele diz isso a Judy não a
mim... a escultura começa a ruir e vejo meus pés caindo...
e Rocco Fisher dando duas palmas, dizendo que o
espetáculo iria começar.
— LILY! — Acordo num sobressalto, suada, a
garganta seca, Yuri está ao meu lado com a minha avó e
meu pai.
— Ela tem tido pesadelos? — pergunta meu pai,
Yuri nega, mas minha avó o lembra:
— Ela tinha terror noturno... pesadelos horríveis
quando Lilian foi embora... —
Yuri me estende um Ovomaltine quentinho e eu o
pego entre as mãos... ela continua:
— Desculpa, Lily... a vó falando as coisas pra boca
grande do seu pai, a pressão com a dança, tudo isso tem
mexido com você... — não digo nada, apenas tomo a
bebida calmamente, percebo que tremo.
— Filha, sua avó não falou com maldade não... ela
disse em meio a uma conversa e eu que fui tonto,
desculpa...
Nego com a cabeça, entregando o copo a Yuri que
tenta passar os dedos nos meus, mas não faço nada, me
cubro até ouvir as vozes esvanecendo nas profundezas
das minhas próprias fraquezas.
Capítulo 35: Yuri

— Fiquei preocupado... ela teve pesadelos?


Também, Ricardo ... constranger a menina assim na frente
de todo mundo! — ele fica vermelho de vergonha, eu mal
reconheci Lily quando levantou naquele rompante... pelo
que eu sei, ela iria falar com ele separadamente, não sair
da mesa daquela maneira, me corrói por dentro não poder
abraçá-la e não parecer estranho, já basta a minha mãe,
ela sim estava desconfiada e me sondando.
Pelo jeito a pressão em cima de Lily estava intensa
e depois do ensaio final ela estava mais estranha ainda...
não respondeu minhas mensagens e não estava no nosso
lugarzinho entre a cozinha e a bancada... julguei que fosse
pela ansiedade da apresentação, mas o pesadelo parecia
desesperadoramente angustiante...
— Fala a verdade, Yuri... ela tá namorando? —
meu irmão me pergunta pela milésima vez e eu não que
mentir e dizer que não sei, ou que aparentemente não, mas
isso estava saindo de controle... desde que Cícero
começou com essa de que eu e Lily éramos um casal e
que ele não se lembrava de mim as questões estavam
piores.
— Ela deve ser bem paquerada... ela tem ido a
festas? Será que ela tem dormido fora quando você fica na
casa de alguém? — dias e dias a mesma reza... eu tentava
despistar, falar de outra coisa, ver outro lado, mas tanto
Ricardo quanto minha mãe pareciam viver pela Lily.
— Ao invés de ficar tão preocupado assim, por que
você não arruma uma namorada?
Ele arregala os olhos e rebate:
— Por quê? Sabe se ela tá namorando, não sabe?
— minha mãe também não dava trégua... eu tive que levá-
la até onde meu pai havia morado... onde tinha visitado há
mais de vinte anos atrás... Ricardo só faltava colocar um
chip na filha, algo realmente que me preocupava essa
obsessão.
— Relaxa um pouco, Cardinho... — disse, quando
ela estava no último ensaio, no dia vinte e cinco e já
pedindo desculpas porque eu precisaria trabalhar, por mais
que eu trouxesse trabalho pra casa, o furo era a Rainha da
Inglaterra estar na Royal para o “Quebra Nozes”, prometi a
eles que os buscariam lá pelas cinco e que, infelizmente
eles teriam que esperar um pouco, sorte que por ali tinham
uns locais legais pra ficar, já que Cícero queria ver a neta
dançar.

Moacir e Carl já ficam de tocaia na Royal desde


uma da tarde, a aglomeração é grande... imprensa
internacional ali na frente, Lily tinha ido à casa da Amanda
e seu silêncio era angustiante... será que a pressão da
minha mãe e do pai a tinha feito rever nosso
relacionamento? Só de pensar nisso me dá um nó no
estômago... uma ânsia... e... e... e... seu eu perdê-la? Fico
zonzo...
— Carl... vou tomar uma água... — a fachada da
Royal parecia algo pequeno comparado ao formigueiro de
gente, cumprimento alguns colegas, revejo outros até
chegar a um local de saldas e grelhados e ali eu peço uma
garrafinha de água.
Ali deveria ser o “point” que Sugar tanto falava...
estava, obviamente, lotado e a transmissão na tv já
começava a rodar, eu fico sinceramente envaidecido e feliz
que ela seja a estrela da noite, por mais que a Rainha
estivesse ali, ela iria contemplar a minha Sugar nos palcos.

Já estou suado, cansado e mentalmente exausto...


neva e faz frio, mas as horas de pé entrevistando algumas
pessoas, inclusive Rocco Fisher e a diretora da Royal me
fizeram ganhar um ânimo... ouso perguntar sobre um caso
de racismo e eles me deram uma resposta longa sobre o
tema... dizendo que esse assunto deveria ser abordado
mais vezes para que a discussão ganhasse grandes
proporções.
Rocco Fisher estava com um cachecol branco,
blazer preto, botas, sem gorro ou luvas, a ponta do nariz
vermelha pelo frio e um sapato social que valeria meu
salário de meses.
Os holofotes estavam nele, mas Moacir, graças ao
seu corpo avantajado, deu uns empurrões e conseguimos
chegar perto dele:
— Senhor Fisher, o que esperar dessa noite de
Natal? — digo, com um microfone pequeno, discreto, ao
vivo no Twitter e uma audiência extremamente relevante,
mesmo o empurra-empurra, e luzes estourando na minha
cara, a neve me fazendo derrapar, ele responde, me
notando:
— Nada menos que a perfeição! Todo o balé
talentoso... A brasileira Lily Macedo é a Clara, um dos
protagonistas de “O Quebra Nozes”, mas, obviamente
todos vão brilhar... — ele esquenta as mãos uma na outra
com um sorriso. — Todos ensaiaram para que esse
espetáculo seja épico, o jovem Lian H. Witman a incorporar
o boneco num pas de deux único... acredito que seja uma
das minhas obras primas.... — ele agradece e vai entrando.
Até os bailarinos irem chegando um a um,
entrando pelos fundos, tudo estrategicamente combinado,
alguns jornalistas vão entrando, mas são revistados por
seguranças fortemente armados para que nada revelador
entre, até os celulares são impedidos de entrar.
— Moa, Carl... tenho que buscar o pessoal... vou
tentar entrar com alguma coisa, câmera escondida ou algo
assim... — cochicho bem baixo, já arrumando a minha
chave e indo em direção ao carro, quando ao longe posso
jurar que vejo ela... entrando pelos fundos, calma, Sugar...
calma...
Vou buscá-los e o trânsito está uma merda,
mesmo assim, finalmente, a gente chega num ponto
bacana pra descer.
— Obrigado por eu deixar esconder a câmara nas
roupas do seu pai, Ricardo... — ele dá risada e diz:
— Sempre quis dar uma de James Bond... e você
tá muito bem assim, com terno, calças... a mulherada deve
cair matando...
Sorrio e faço um elogio a ele também, minha mãe
tinha até se preparado tanto que parecia ir a um
casamento: “Não é sempre que vou ver a rainha da
Inglaterra”, exagerada... nós rimos, até Cícero estava num
smoking, tremendo mais que o normal, por isso colocamos
uma manta em suas pernas e decidimos levá-lo na cadeira
de rodas... além dele levar a câmera escondida.
Demora quase uma hora pra entrarmos, mas
sabemos que a rainha chega quando os “clics” são
incessantes e os fotógrafos ficam malucos, ela acena,
pedindo desculpas por estar tão em cima da hora e que o
espetáculo já iria começar.... pontualidade britânica, eram
sete e meia ainda.
— É a Lily que a gente vai ver... — diz o senhor
Cícero em português a um dos seguranças. — Minha
neta... — eles sorriem, sem entender, eu traduzo
rapidamente e entramos, finalmente... Minha mãe fica
impressionada com a arquitetura do local, colocando
ambas as mãos na boca.
— Minha neta... minha Lily... uma bailarina
profissional! Ah... meu Deus! Ela deu certo... — dou o
braço pra minha mãe, Ricardo não consegue esconder
uma lágrima e o senhor Cícero dizia que estava num
paraíso...
A gente se aloca nas nossas cadeiras e eu
começo a transmissão, sem celular, mas ninguém poderia
achar ruim, isso já havia sido avisado na Internet, os locais
rapidamente ficam cheios e nós conseguimos o centro,
diferentemente do teatro não era o mezanino... Lily já tinha
conseguido dois convites, os outros tiveram que ser
pagos... o de Ricardo e o meu...
Ficamos em silêncio... a rainha é anunciada e
ficamos de pé, ela fica num mezanino só dela, ao meu lado
direito, olho rapidamente a câmera e a ajeito, quando
arrumo o terno de seu Cícero.
Assim que ela se senta o escuro vermelho se abre
em um amarelo brilhante... absolutamente estonteante...
Rocco Fisher aparece, agradecendo e falando um monte
de blá-blá-blá que eu traduzo baixinho pra eles, até que a
música de Tchaikovsky começa... e ela aparece... linda,
parece um anjo... os pés flutuando em nuvens, os passos
precisos e um enorme sorriso no rosto, confesso que
preciso esconder a minha lágrima: aquela mulher era
minha...
Capítulo 36: Lily

Final do primeiro ato...


Vou até meu camarim e começo a retocar a
maquiagem, tiro a roupa da Clara criança e começo a vestir
a da Clara adulta... o claque anuncia batendo na minha
porta:
— Quinze minutos, Lily!
— Ok! — pego as sapatilhas novas, que estavam
na estante em cima e aproveito pra tirar a fantasia do
cabide.
Sento no chão e bato minhas sapatilhas, esfrego
pó de giz para ficarem antiderrapantes e provo as novas:
vermelhas e pretas, com strass... lindas... assim que enfio
meu pé de todo, percebo que parece que o fundo está
solto, me levanto e uma dor alucinante me faz engolir um
grito de dor... me derrubo no chão...
— AH! DEUS DO CÉU! — arfo... meu pé estava
sangrando... ninguém ouve, o barulho lá fora é muito alto,
me arrasto tremendo até a cadeira e tiro a sapatilha do
meu pé, dói tanto que acho que vou ter um colapso...
haviam tachas embaixo da sola da minha sapatilha! E...
cacos de vidro!? Meu Deus... meu Deus... meu pé não para
de sangrar... vou desesperadamente no outro par e ele
está ainda pior!
A porta se abre e eu grito:
— Não estou pronta! Mais um minuto, UM
MINUTO, POR FAVOR! — quase esganiço... o chão
coberto de sangue, minha visão embaça quando vejo ela...
Silvia! Aquela filha da puta!
— Ai, amiga, tá doendo muito, tá? — ela diz,
vestida... exatamente como eu, a mesma fantasia! Quase
toda maquiada como Clara, eu olho meu pé, inchado...
doendo demais que mal consigo pensar em como, onde ou
de que modo essa menina do inferno surgiu.
— Fiz cerol, amiga... acho que dói mais quando
acontece isso... — ela chuta meu pé e eu agarro o carpete,
rolando de dor...
— POR QUÊ?! — eu grito, sem pensar... não
posso pensar, não consigo pensar... ela ri, tirando o casaco
e se sentando na minha banqueta. Pegando as minhas
maquiagens e passando em seu rosto, vou com a mão
imediatamente no pé, rangendo os dentes de dor e vou
tirando o vidro e as tarraxas... poderia ter sido bem pior,
alcanço uma garrafa de água, que estava jogada no chão e
lavo o local...
— Ai, amiga, você sempre foi meio burra, meio
puta, meio tudo... esse é o meu papel, minha vez de
brilhar... — ela continua se maquiando, falando sozinha...
rindo, como uma louca!
Vejo minha bolsinha e meu celular...pensa, Lily,
pensa... sem Internet aqui no prédio hoje, me resta ligar pra
Rocco Fisher, num movimento rápido coloco para ligar e
deixo no “não perturbe”, me arrasto, o chute tinha doído
mais e ela parece num transe.
— Amiga, aquele Sean... você trepou muito com
ele? Queria que ele te contasse que a gente trepou, sabia?
Foi um ménage... eu, ele e Rocco Fisher....
Ouço que Rocco atendeu, e eu só me preocupo
que ele entenda o que está havendo e venha logo, ela me
alcança e pisa com força no meu outro pé:
— Diz, agora, sua puta, diz agora QUEM É A
ESTRELA? Sou eu! EU! Sabe que todas essas semanas...
eu estudei você... estudei aquela preta da Amanda... só
que ela não gosta de você — ela avança sobre mim,
cuspindo no meu figurino. — Rocco Fisher disse que não
pagaria uma libra pra transar com você, quando ele viu o
site... Ah! Sean disse que... que... — ela volta a se sentar e
se contemplar no espelho. — Ele disse exatamente assim:
“Aquela mina é tão sem graça que seria um favor comer”,
sabia?
— Co-como... como entrou aqui? — ignoro o que
ela dizia, mesmo as palavras machucando mais do que a
dor nos meus pés... será que era verdade?
Eu era tão desprezível assim? Não... o que Sean
sentiu por mim foi real, Rocco também, ele gosta de mim...
Amanda, então... nós nos demos a mão pra vida, preciso
ser fria, preciso ganhar tempo.
— Como entrou aqui?
— Sério que vai fazer esse tipo de pergunta, Lily?
Você realmente é a Poliana, eu e as meninas... a gente te
chamava assim, sabia? Amanda... ela dizia que você era
uma tão insuportável, que precisaria de mais tensões na
sua vida com carros e hooligans... — ela se levanta, sua
maquiagem estava pronta, ela estava pronta.
Eu passo pó de giz nos meus pés, tentando calçar
minhas sapatilhas antigas.
— Você não vai, amiga... eu que vou... — ela se
joga sobre mim, me desferindo tapa, atrás de tapa, as
luzes vão se escurecendo como num final de espetáculo...
— Todo mundo, apostou em mim... nem você e nem aquela
negrinha vai tirar meu sonho... nem que eu tenha que me
passar por você... sua puta! Piranha... — ela une as mãos
pelo meu pescoço, me enforcando, me debato
ferozmente... mas, não consigo mais respirar... a imagem
que me vem é de Yuri, sorrindo, lover, estendo a mão...
lover, não queria te deixar.
Começo a tossir.
— Cinco minutos, Lily!
Silvia responde um “Ok”, por mim, acho que
desmaiei momentaneamente, tusso mais baixo, tentando
me colocar de bruços, ela me vê e começa a gargalhar,
aproximando de novo, pegando as sapatilhas... batendo
com elas na minha cara:
— Amiga, essas aqui são lindas... sabe, sempre te
achei sem talento... você não poderia representar o Brasil...
deveria ter ficado no seu canto! — ela vocifera.
Até Rocco Fisher abrir a porta num solavanco,
como em uma câmera lenta ele a vê e me vê, seus olhos
de uma para outra. Silvia percebe o celular e se joga em
cima de mim, gritando, quando é segurada por Rocco.
— ME LARGA! EU SOU A CLARA... EU!
ROCCOOO! — ela se debate, chuta, grita, berra... segura o
batente da porta com força, arranhando... tudo sendo
abafado pela orquestra em um música tensa de Felix
Mendelsson, Sinfonia número 3, algo que eu jamais
gostaria de escutar novamente em minha vida, quando vejo
os olhos esbugalhados de Silvia.
Rocco chama dois seguranças, que sei por onde
vieram, ele me pega no colo e me coloca sentada na
banqueta:
— Lily? Você está bem? Meu... Meu Deus! —
Rocco me pega no colo, me encaminhando para seu
escritório particular... ele está assustado, mas me sinto
serena... ele me senta e cerra a grande e pesada porta
atrás de si, dizendo rapidamente:
— Isso precisa de um médico imediatamente!
Cancelemos o espetáculo!
— NÃO! — eu grito pra ele, antes que pegue o
telefone para avisar a produção... — Só você me viu
assim... os seguranças não... vou dançar!
— Tá maluca, menina? Quer machucar ainda mais
o pé?
Uso a garrafinha de água dele pra limpar meu pé,
não estava feio... quem eu quero enganar? Ele enfaixa e
peço que pegue minhas sapatilhas de treino.
— Não, Lily... sinto muito, mas não vou fazer isso...
— ele meneia um “não” enfático, está trêmulo e suado. —
Além de ser loucura é extrema irresponsabilidade da minha
parte...
Ele estava sério, passando as duas mãos no rosto
com força, como se não acreditasse no que via, sentando-
se ao meu lado, eu escritório parecido com o da diretora,
fecho os olhos... vendo todas as bailarinas que já cruzaram
suas sapatilhas... sorrio, o mesmo sorriso de um quebra-
nozes quebrado... sinto que ele me observa, intrigado e
assustado ao mesmo tempo.
— Menina, você está bem? — ele passa a mão no
meu rosto, abro os olhos.
— Vou dançar, senhor Fisher... só algum
analgésico e depois prometo ir ao hospital, por favor... a
rainha está aí! E já estamos atrasados!
— Lily...
— Não... Clara! Traga a minha sapatilha, senhor
Fisher... não posso deixar aquela ratazana me vencer, eu
danço!
Ele me esquadrinha, me analisa com a boca
aberta... em seguida, num movimento rápido ele sai do
escritório... Mendelssohn está nas últimas... o espetáculo
não pode esperar mais... eu suo... ainda preciso terminar
de me maquiar... o vejo trazendo minhas coisas.
— Se conseguir colocar isso e ficar na ponta por
dez segundos sem demonstrar dor... caso contrário,
encerro! — ele me dá uns analgésicos, não sei quais são,
nem me importa, tomo com o resto da água de sua
garrafa... pego aperto meu pé no pó de giz e coloco as
sapatilhas... me levanto... dói, mas dói mais saber que
estou atrasada... penso em tudo que Silvia disse.
Não posso ser mais ou menos...
Tenho que dar certo!
Isso é loucura...
Sou louca? Sou... prefiro ser algo extremo a ser
medíocre em algo, não posso vacilar...
— Vinte segundos em uma ponta perfeita, Lily!
E eu sorrio ainda mais... uma bailarina tem seus
pés para o palco, não para ela...
Entro no palco com quase quinze minutos de
atraso, Lian me interroga com o olhar, mas eu estou
inatingível... estou mais leve que nunca, estou
absolutamente grogue pela medicação... posso ver a cor
da música, a cada pirueta a rainha parece notar meus
olhos vermelhos, me curvo ao público!
— Uau... — exclamam... sinto que tenho pés
alados, meus movimentos se passam pelas fadas... recebo
o chá, o chocolate, o café... voo para Portugal, não... Silvia
estava enganada, mesmo que Amanda um dia dissesse
aquilo, nosso anjo de neve havia selado nós duas... pas de
deux, fico nas pontas, sinto meu pé sangrar no vermelho
da sapatilha que Rocco me deu.... sorrio mais...
Termino a apresentação pingando suor...
literalmente, minha vista tão embaçada que mal consigo
focar as rosas que nos jogam... vermelhas, como meus
pés... agradecemos e posso ouvir ao fundo meu nome:
— Lily! — e palmas... volto para um último
agradecimento... Lian olha pra mim e em seguida exclama:
— Seus pés... SEUS PÉS ESTÃO SANGRANDO?
Todos me olham, tento acalmá-los dizendo que era
tinta da sapatilha, Amanda me pega pelo braço, quando
tento sair.
— Lilí! — eu me afasto... não quero falar com
ninguém... não quero ninguém, Rocco vem ao meu
encontro, me acompanhando... ninguém diz nada, o
silêncio é invadido por Beethoven e pelo burburinho das
pessoas deixando a Royal.
— Como eles deixam acontecer uma barbárie
dessas? — Yuri está cuidando de mim... o espetáculo
conseguiu ser adiado até janeiro, sem prejuízos para a
Royal, após ouvir a história, a própria rainha tinha me
mandado flores e um cartão...
— Pai... não sei, só sei que eu dei certo... —
minha vó beija minha testa.
— A imprensa abafou o caso, graças a Yuri... —
Ele sorri, um sorriso preocupado e tenso... faz três
dias e meus avós e meu pai vão embora...
— Loucura o que você fez, Lily! Não me canso de
dizer... — ele bate as mãos nas pernas, a cruzando,
perguntando mil vezes se estou bem, a verdade é que eu
não poderia estar melhor, muito melhor depois de saber
que a Silvia iria responder criminalmente... por tudo, ela
está lá... na embaixada, presa, longe, finalmente.
Minhas amigas tinham ido me visitar, até Lian, com
um pedido de desculpas... não contei a ninguém o que
houve, não tinha necessidade... Amanda foi o mais difícil
de me despedir... ela já estava voltando pra Portugal, para
ser a nova Julieta.
“Promete que vai responder no Telegram? Por
favor... senão vou vir aqui te dar uns cascudos!”
E eu tinha mantido minha palavra...
Quem não tinha voltado pra nossas conversas era
Sean, fiz um longo áudio dizendo o que ocorrera... e até
agora nada... ele não tinha me respondido.
— Ela vai ficar bem, Ricardo... — sussurra minha
avó, colocando as mãos em seus ombros, as malas já
prontas, meu avô me olha... parece que vejo um relance de
sanidade nele, que diz:
— O Yuri vai cuidar dela... — e ele pisca pra mim!
Me sento... eu tinha mesmo visto aquilo...?
Após mil recomendações e reabastecer minhas
coisas, meu pai e minha avó se despedem de mim, Yuri os
leva até o aeroporto e eu confesso que já não poderia
aguentar a saudade de seus beijos... seu braços me
envolvendo, seu sorriso no meu, meus lábios colocados ao
dele.
Me reconheço como uma mulher de paixões
obscuras.
Capítulo 37: Yuri

Eu ainda não tinha acreditado no que Lily fizera...


essa jovem mulher sempre me surpreendendo, volto pra
casa e mal espero para beijá-la, a pego no colo,
sussurrando:
— Vou te dar um banho de banheira... como um
gatinho...
Ela retribui com um beijo... diferente, tudo que
essa menina tinha passado aqui em Londres... ela tinha
amadurecido tanto... não que ela tenha abandonado o
sorriso fácil, seu cheiro de tutti-frutti ou seu amor por
unicórnios, não... ela tinha amadurecido no modo de ver a
vida, de sentir e vivenciar os problemas, enfrentá-los...
diferente de mim, que fugi por tantos anos.
A coloco na banheira com todo cuidado, minha
mão vagueando pela água, até deslizar pelo meio de suas
pernas... ela morde o lábio, daquele jeito tão dela, tão
sugar...
— Só relaxa... — digo, ela recosta na banheira,
mexendo toda a região pélvica, a água ondulando, assim
como a sua movimentação calma... deliciosamente
sedutora e cativante, sorrindo... sempre sorrindo, embora
até o sorriso fosse mais maduro, ela se mantinha a mesma
Lily que eu já ouvira se masturbar escondida... a meia luz
no quarto, quando eu ainda negava meus sentimentos...
Ela força minha mão pra dentro de si, rebolando
mais forte, olhando pra mim, bem no fundo dos meus
olhos, desvendando minha alma, meu desejo, meu amor.
— Pede pra e... pra eu... hm... pra eu gozar pra
você... — ela era perfeita, mesmo sabendo dos meus
desejos obscuros ela os compartilhava, a gente se
encaixava tão bem... Deus, como eu amo essa mulher.
— Goza pra mim... sugar... goza...
Ela fecha os olhos, abrindo a boca bem aos
poucos... eu a beijo, a beijo tão intensamente... sinto meu
dedo ser pressionado por ela, que deliciosamente solta um
“ahhh”, abrindo os olhos sorridentes pra mim. Termino o
banho, a pegando no colo e colocando sobre o vaso,
enquanto eu tomo uma ducha, ela solta um assovio:
— Quando vou estar liberada pra aproveitar você?
Lavo o cabelo, olhando pra ela depois de secar os
olhos.
— Safadinha... tem tantas coisas que a gente
pode fazer, sugar... nem imagina o poder que uma cama e
seu pé pra cima são capazes...
Ela morde o lábio inferior, termino bem rápido,
minha preocupação fora tão grande que acabei deixando a
porta meio aberta e meu TOC ainda não estava no nível de
deixar assim.
— Eu vou esquentar a comida pra nós... e você
pode escolher um filme.
Ela concorda, coloco uma toalha na cintura e a
cubro de beijos, ainda nua vou a levando até a sala,
sentindo aquele inconfundível cheiro de tutti-frutti.
— Que pouca vergonha é essa? — Ricardo
estava na nossa frente... co-como?
— Pai?! — ela tenta em vão cobrir os seios, meu
irmão está transformado pela raiva... ele bufa... como um
touro, nos analisando... curvando o rosto como se tivesse...
nojo... nojo!
— Larga a minha filha, seu DESGRAÇADO!
Eu corro pra colocar Lily no sofá, ela se cobre com
o edredom.
— Pai... eu... a gente... eu amo ele!
Ricardo fica tão furioso, que chega a bater a
cabeça na parede, depois de me empurrar no chão, ele fica
se chamando de burro... estúpido... eu e Lily nos olhamos
desesperados.
— Eu voltei porque eu estava preocupado com
você! Troquei a passagem pra mais uma semana! E
quando eu volto eu vejo... — ele transforma a expressão
enojada para algo pior... desprezo... — Isso... eram esses
os estudos intermináveis, Lily? Como pôde fazer isso?
Como pôde acabar com a família dessa maneira porca!
Eu me levanto, me aproximando, arrumando a
maldita toalha, até ele tirar o cinto, tão furioso que chega a
babar... fazendo Lily se esconder pelo edredom, mas antes
dele desferir um golpe, coloco meu braço na frente.
— A culpa é minha... se tem alguém para culpar,
culpe a mim!
Ele vira os olhos para os meus, completamente
transtornado... o olhar vermelho, até que me empurra mais
uma vez com uma força descomunal:
— Eu CONFIEI em você, seu cretino! Isso... isso é
inaceitável... sujo, podre, isso é putaria! Yuri... — ele
aponta o cinto pra mim, me circundando, como se eu
estivesse num julgamento, já condenado. — Você sempre
se fazendo de santo, mas se imbricava com alguma garota
no final das festas... agora quis uma limpa? Uma que
pudesse jogar as suas nojeiras...
Ele fala tantas coisas que meu coração chega a
dar uma pontada... Lily se enrola no edredom e se levanta,
ele a pega pelo braço, a balançando ruidosamente, quase
a quebrando ao meio, aos berros:
— Vai AGORA se vestir... agora! Vamos embora
pra São Paulo! Se quiser continuar essa merda de balé vai
ser em São Paulo onde eu posso ficar bem de olho em
você, piranha! VAGABUNDA! — ele puxa o cabelo dela,
que nem grita... tamanho seu assombro, Ricardo desfere
tapas em seu corpo.
Eu me levanto tentando pará-lo.
— Dando pro meu irmão! DANDO PRO MEU
IRMÃO? Vadia! Como sua mãe... igual a sua mãe... porca,
suja... se entregou pra esse moleque, que vai te dar um pé
no meio da bunda! — ele me empurra mais uma vez, mas
dessa vez vou mais incisivo, pegando seu braço com força,
até ele a soltar. — Acha que ele tá apaixonado, Lily
Macedo? Não... ele não tá... ele te usou, porque você era
limpa! E você... seu desgraçado... eu vou te matar...
Ele vem para cima de mim desferindo socos,
chutes, arranhões, eu só protejo minha cabeça, eu choro...
choro alto, não nada daquilo era verdade... ele acerta meu
olho, boca... sinto o gosto acre, mas não vou revidar, ele
que expurgue seu ódio em mim, não nela, não nela...
— Eu amo sua filha, Ricardo... — mas, nada
adianta, até ele correr, feito um louco, cambaleio e vejo ele
pegar uma faca... — Ricardo, calma... calma...
Lily está deitada no chão, parece machucada...
sim, o pé voltando a sangrar, vou até ela, pegando o
edredom do chão a cobrindo, ele aponta a faca para nós
dois e eu praticamente me deito sobre ela.
— Não faça nada com ela, Ricardo... por favor... —
mostro uma mão... numa tentativa primitiva de me mostrar
desarmado, a outra a protejo.
— Eu vou matar você, seu filha da puta... você
tirou o que era mais importante pra mim! Seu desgraçado...
— ele hesita... a faca tremendo em suas mãos, reluzente,
depois de tudo... tudo que passamos era esse o meu fim?
Respiro num descompasso ruidoso, não... não... isso não
estava acontecendo!
— PAI! Para! Para, por favor... larga isso! A gente
se ama... — Ah, Sugar... tentando me proteger? Suas
mãos correm pelo meu ombro, sim, ela me abraça... eu só
te coloquei em encrenca, se pelo menos eu tivesse brios e
pudesse dá-la a Sean, ele cuidaria melhor de você...
— Você não sabe o que é amor, menina! Você tem
vinte anos! Sua avó me alertou mesmo que essa relação
de vocês estava estranha, até o caduco do seu avô viu e
eu não! Vocês riram muito às minhas custas... não riram?
— suas lágrimas salgam um esfolado, seus cabelos
balançam em negativa... ela me aperta mais.
— NÃO! Meu amor por ela que me fez voltar pra
família, Ricardo... — estou tão envergonhado, não pela
quase nudez, mas por ter sido tão tolo... como eu poderia
esconder esse amor? Ao mesmo tempo aliviado... ao
contrário das palavras do meu irmão, o amor por ela doía,
feria... Deus sabe como quis apresentá-la aos meus
amigos, tê-la sem pudores...
— Limpa sua boca pra falar meu nome... sai de
perto da minha filha! Você não vai arrastar minha única
filha pro inferno... — ele se lança sobre mim com a faca,
entramos em uma luta insana, sua força era muita... era a
força da raiva, do rancor, do... medo... ele aponta a faca
pra mim, cruzo meus braços para impedir que aquilo me
atinja, ele sobre mim, com toda a força e eu já cansado, me
exaurindo... Lily se joga sobre ele desesperada.
— NÃO! PAI! ME MATA JUNTO! — ela se coloca
entre mim e ele, tentando com sua força quase nula em
tirar um homem de, no mínimo, o triplo de seu tamanho e
gigantescos quilos mais forte.
Ele grita com fúria:
— SAI, LILY! — ao tentar afastá-la, acaba a
acertando com a faca... eu grito, o chutando e o soco no
rosto, como eu fui acostumado a fazer nas ruas... sim, eu
era um hooligan, sim, eu vou protegê-la, o soco mais uma
vez e outra, ouço ela chamar meu nome distante... chega!
Vou até ela a abraçando, o corte no braço havia sido
superficial, mas e a alma?
Ricardo nos encara... desfigurado pelo ódio, quase
arranca os cabelos num urro animalesco, se debatendo em
mais um urro... batendo no próprio rosto e jogando a faca
para o lado e caminhando para fora do apartamento.
— NUNCA MAIS QUERO VER VOCÊS!
Lily tenta correr atrás dele, sou obrigado a dar um
abraço que eu jamais gostaria de dar... o abraço que a
impede de ir atrás do pai, o abraço que a impede de se
mover... o abraço que a faz chorar, sangrando por fora e
por dentro...
Capítulo 38: Yuri

— O Pulitzer é o maior prêmio do jornalismo...


isso todos já sabem, mas, saber que esse prêmio veio de
uma investigação tão funda, que rendeu não apenas um,
mas dois livros é mais do que incrível, não é mesmo? Por
isso temos o prazer de apresentar o nosso mais novo
âncora da BBC London, com vocês, Yuri Deives...
Eu estava tão nervoso, Lily tinha feito o nó da
minha gravata, eu respirava meio rindo, meio torto... pela
câmera principal parecia que eu tinha, sei lá... mil quilos a
mais, mesmo tendo voltado pra academia há poucas
semanas... respiro fundo para a entrevista, a primeira
naquela bancada do jornal novo. Carl, agora, gerenciava o
meu Twitter, Judy e Moacir cabeças da Daily.
Ainda éramos mosqueteiros, mas cada um em seu
próprio reino.
— Deives, bem, eu tenho que admitir que o
segundo volume do livro “Tim Jones O’Neil, a verdade atrás
da caridade” me surpreendeu mais que o primeiro... mas,
antes, a quem dedica o prêmio? As imagens são lindas...
— Victor Mackenzie era um ídolo meu e vê-lo me
entrevistando para meu novo dia no trabalho era
simplesmente... mágico.
As câmeras equipadas, o teleprompter ativo, o
pessoal bem animado, todos com uniformes, pranchetas,
toda aquela loucura que eu amava... e que agora eu ficaria
à frente, como âncora de um telejornal e um espaço só
meu na televisão... quem diria?
Cruzo as mãos na bancada.
— Sim, o prêmio Pulitzer eu só tenho a agradecer
à minha linda namorada, bailarina... e sim, sim, sim, minha
sobrinha por parte de mãe, Lily Macedo... estamos juntos
há pouco menos de um ano... — dou um gole d’água
lembrando que em tão pouco tempo juntos nossos laços
foram se estreitando em um amor inquebrável.
— O tabu não incomodou? — ele sorri pra câmera,
dando uma piscada, eu forço um sorriso.
— Não é incômodo... é... um julgamento meio
injusto na minha opinião, Mackenzie, ela é mais nova que
eu uns quinze anos, mas o que mais incomoda é o laço
sanguíneo... — tento arrumar meus pensamentos para ser
claro com o público. — Somos acusados de várias coisas,
ataques na Internet, julgamentos religiosos... mas, um
amigo meu um dia me contou uma parábola chinesa que
acredito caiba muito bem aqui...
Me lembro do dia que Carl me contou a parábola
das cestas, depois me disse da sua orientação sexual e da
morte de seu parceiro... me emociono um pouco, quando
observo que tenho a atenção completa do estúdio.
— Melhor resposta para quebrar tabus, Deives,
obrigado... lembrando o pessoal aí de casa que os dois são
maiores... e sabem o que fazer da vida, lembrando que não
há lei que puna os dois... Agora, sobre o livro de Jones,
sabendo que ele está cumprindo prisão perpétua, acredita
que ainda terá mais coisas pra descobrir?
Afirmo que “sim” com a cabeça.
— Os crimes de Jones vão além do papel... ele
destruiu vidas... de tantas formas diferentes que ficaríamos
horas aqui falando sobre isso, mas a principal é: ele
impediu que crianças pudessem ser acolhidas, alimentadas
e amadas, as subvertendo em objetos sexuais... —
lamentamos, continuo: — Além de tráfico humano, tráfico
de drogas, um rombo enorme nos cofres públicos... Até no
meu país de origem, o Brasil, esse homem conseguiu
prejudicar.
Mackenzie revisa seu tablet, indo para os
comerciais.
— Se saiu bem, Deives...
— Obrigado. — tomo mais uma água, ele relaxa
na cadeira, com uma mão no queixo, me esquadrinhando
com o olhar.
Quando voltamos ao ar, o rumo vai para economia.

Lily me esperava dirigindo o próprio carro, ela sorri


pra mim, eu sorrio pra ela... óculos escuros no verão, roupa
cavada, balonê, chaveiro de unicórnios e uma boina, a
mesma com que tinha vindo do Brasil.
— Como você está, minha sugar?
Ela beija meu sorriso, e como eu prevera um dia,
ela consegue balizar bem melhor do que nesse lugar “ao
contrário”, ela desliga o rádio.
— Estava ouvindo você... na rádio, Sean também
te ouviu... ele me ligou um tempinho atrás.
Descanso um dos meus braços atrás da minha
cabeça, a outra sobe pela coxa dela.
— Nosso grupinho está bombando... — ela
continua, sorrindo, a pulseira que dei a ela reluzindo pelo
calor londrino. — Amanda me disse que está namorando o
Romeu do balé, acredita?
Eu dou uma sonora gargalhada.
— Espero que tenham um final menos trágico...
Ela concorda, rindo, me alertando que Dolores já
tinha recebido o aumento que a gente tinha combinado,
nada mais justo.
— E sua mãe, Lily? Como foi o encontro?
Ela suspira, sei que não é por raiva da Lilian, mas
por pena... creio que seja bem pior... vamos chegando ao
nosso apartamento, quando ela responde:
— Eu combinei que vou dar uma grana por mês
pra ela... O Carlo, além de já estar casado, será pai...
Fico em silêncio, observando como essa jovem
mulher pôde ficar tão madura...
— E o Ricardo?
Ela tira os óculos para se identificar na portaria,
voltando a me olhar.
— “Tema o medo, não o amor” foram as últimas
palavras do meu vô Ciço, ele diz que nunca tinha visto
tanta lucidez nele, minha vó também tem o ajudado a
entender... bom, pelo menos ele disse que esse Natal a
gente pode ir pra lá, desde que a gente durma em quarto
separado...
Sorrio de modo malicioso, elevando minha mão
para o meio de suas pernas.
— Ah, Sugar... tem tantas coisas que podemos
fazer em quartos separados...
Ela estaciona, vindo para meu colo... seu cheiro de
tutti-frutti... cravo meus dedos em suas coxas.
— Semana que vem “O Quebra Nozes” vai para
os Estados Unidos e Lian foi substituído pelo irmão
bailarino da Vivian...
Depois que ela me contou o que o garoto falou,
achei de bom tom ele pedir pra sair... não teria mais clima,
ah... sugar, não acredito que está sem calcinha...
— E pensar que terei que ir pros Estados Unidos
também... — ela começa a rebolar em cima da minha
calça, abraçando meu pescoço, beijo seu pescoço, vou
lambendo seus braços.
— Acho que você pode dizer a plenos pulmões,
Lily... “Eu dei certo”, não é esse o lema da nossa família?
Ela arqueia um pouco as costas pra trás, num
movimento absolutamente sedutor.
— Acho que a gente pode dizer que “nós demos
certo”, Yuri Deives...
Epílogo: Lily

Pego o celular quinze minutos antes da


apresentação, era o senhor Rocco Fisher.
— Professor Rocco? Algum problema? — ouço ele
respirar longamente, seguro o celular com as duas mãos.
— Lily Macedo, quer ser, além de professora da
Royal, aprendiz a coreógrafa depois dessa temporada de
“O Quebra Nozes”?
Quase perco o ar de alegria... claro que eu... pare
de pensar e diga, Lily!
— Senhor Fisher... eu... meu Deus, fico honrada...
— coloco meus lábios na pulseira que Yuri me deu... quase
pulando de alegria, mas engolindo o sorriso, ali...
profissional, Lily... profissional...
— Ótimo! Teremos bastante trabalho... e, Lily...
nunca te disse, mas o que você fez foi uma imensa
loucura...
Meu sorriso se desfaz imediatamente, olho meu
pé, ainda sem a sapatilha, acho que checo todas que vão
calçar meus pés.
— Mas, também foi a coisa mais corajosa... até
hoje eu posso ver aquela cena em minha cabeça e, ah!
Antes que eu me esqueça... enfim, o que Silvia disse foi
mentira, pra te atingir... eu sinto muitíssimo por isso, caso
exista alguma dúvida podemos um dia... — ele respira
fundo, a voz ficando mais grave e severa. — Se um dia
quiser falar sobre isso, estarei à disposição!
Aperto o aparelho contra meu ouvido, me olhando
no espelho... vejo a ansiedade subir por mim... e um certo
rubor, penso no meu avô: “dar certo é ser feliz”, quando ele
morreu eu nem pude ir ao Brasil me despedir...
Mas, as últimas palavras dele ficaram cravadas na
minha pele: “tema o medo, não o amor”, sim, minha
primeira tatuagem não foi ligada ao balé, mas ligado ao
medo que eu tinha de tudo... e o medo foi se dissipando
para o amor... não só por Yuri, mas por mim mesma...
— Não precisa, professor Rocco Fisher... aquela
menina... enfim, não quero perder nosso tempo com ela e...
— Lily! Eu entendo, mas quero que saiba que ela
mentiu em cada palavra, eu nunca admiraria tanto uma
bailarina como você e Amanda... e o tal do Sean, nunca o
conheci... se cometi um erro foi ter dormido com ela...
Ah, nisso eu não poderia concordar mais!
Ele continua:
— Ela foi deportada... não sei se ficou sabendo...
desenterraram coisas ainda mais graves, usarei de todo
meu prestígio para que ela nunca mais suba num palco...
— me sento, ca-ram-ba! Essa eu não poderia prever... vou
terminando de maquiar quando o claque anuncia dez
minutos.
— Não poderia concordar mais com o senhor...
Respiro fundo, ele me deseja boa sorte e
desligamos... uso os minutos para me alongar já com as
sapatilhas, até eu entrar... o teatro de Nova York era mais
lindo ainda visto por mim, do palco, começo a dançar... a
casa lotada... já sabia a coreografia de um modo que
impregnava minha alma...
No final do primeiro ato, vejo um garoto todo
tatuado, ele está diferente... um pouco mais diferente...
forço meus olhos, mas tenho que entrar para me trocar,
não poderia ser... Sean estaria ali?
Volto para terminar a apresentação e quando
chego ao camarim sou surpreendida por um bilhete dele
num belíssimo arranjo de flores:
Nunca soube o que escrever nessas bagaças, só
queria mesmo dizer que você estava linda e que o Yuri é
um puta sortudo.
Sempre seu amigo,
S.
Sorrio, ele era errático, estranho, doido, todo
avesso como sua língua, mas nunca conheci alguém mais
coração mole... e mais clichê, flores ao final da
apresentação... E eu mais ainda por guardar e ir, depois do
espetáculo embora com aquele exagero de arranjo.
Vejo Yuri no carro alugado, ele me dá uma mão
com as coisas, o sol estava alto, lindo e um calor... ele me
beija, o mesmo beijo lascivo e quente, nos aquecendo...
meus medos foram esvanecendo com ele, em tantos
fragmentos de dor, medo e horror, nos achamos.
— Sugar, pra onde quer ir? Fiz um roteiro, caso
queira seguir...
Pego o roteiro e deixo o vento levar... ele me olhar,
me analisa por estantes, digo:
— Nunca seguimos roteiros, sugar... — o carro
arranca para um destino incerto no meio das certezas,
vamos viajar... vamos nos ter, vamos entregar, tudo às
claras... o obscuro vê a luz e por ela se apaixona.
Recado da autora:

Esse livro foi desafiador em tantos sentidos que dá


pra começar pelo principal, talvez: o tabu.
Sempre acreditei que a literatura deve abordar os
mais variados temas, inclusive os tabus, principalmente os
tabus... Nesse livro eu fiquei com raiva de personagens,
uns foram inspirados na minha própria vivência pessoal,
em outros eu chorei e muito... e esse final foi um presente
a quem acompanhou aqui... eu queria fechar essa história
merecidamente com luz nas sombras. Espero ter
contribuído pra isso!
Ah, se puderem avaliar na Amazon, agradeço
imensamente, críticas/elogios/sugestões são sempre bem
vindos.
Minhas redes sociais, pra você, querido leitor e
leitora se quiserem saber de tudo em primeira mão:
Instagram: Maylah_menezes
Twitter: May7esteves
Sou sempre ativa, sempre disposta a dialogar e
trocar ideias!
Ah! Sean vai ter um livro só dele, um spin off que
não envolverá tanto essa história. Nos vemos em breve!
@maylah_menezes

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