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“Querido Nick”
Querido Nick
***
— Por que acho que quer me dizer alguma coisa que não
está dizendo?
Suspiro, um tanto apreensiva ao encarar Naomi.
Eu havia chegado há mais de meia hora e lhe contado sobre
a minha semana, como sempre, reclamado da minha mãe, de como
vinha me sentindo sufocada ultimamente e o de sempre.
Naomi é minha terapeuta há uns três anos, desde que minha
mãe decidiu que eu precisava de ajuda. Óbvio que não acreditei
nem um momento que isso era uma preocupação genuína de
Maude, com o fato de que eu não conseguia lidar sozinha com
meus traumas. Ela tinha percebido que mesmo com todo seu
esforço para me manter na linha, treinando e me tornando uma das
atletas mais prestigiadas do país, havia uma parte das minhas
emoções que estava fora de controle. E se elas explodissem, a
Kiara Willians, seu projeto tão bem elaborado, corria o risco de não
existir.
Assim, comecei a conversar com Naomi Harris uma vez por
semana. E realmente tinha me ajudado muito poder me abrir com
alguém que entendia e estava disposta a me ajudar. Porém, a
terapia não era um anjo milagroso que conseguiria tirar as memórias
ruins de dentro de mim. Elas ainda estavam ali. Estariam para
sempre me fazendo companhia. Mas pelo menos Naomi me ajudava
a lidar melhor com elas e seguir em frente. Fazia-me ter esperança
de alguma espécie de cura um dia. Porque até agora, apenas
consegui não enlouquecer, fazer bem o meu trabalho e ser a boa
menina que todos esperavam que eu fosse. Obviamente, ainda há
muito caminho pela frente. Como o fato de eu não conseguir lidar
com as aproximações masculinas de forma saudável.
Bem, sim, eu tenho algo para contar a Naomi em relação a
isso.
— Eu conheci alguém esses dias.
Hum, eu me arrependo da escolha de palavras.
Conheci alguém, dá a impressão de que eu me interessei por
alguém em um encontro ou algo do tipo, o que definitivamente não
aconteceu.
O suave levantar da sobrancelha escura de Naomi demonstra
surpresa.
— Alguém, você quer dizer um homem?
— Sim, um cara — suspiro pesadamente, sem saber por
onde começar.
— Então me conte como foi. — Naomi parece estar animada,
afinal esse era um assunto no qual ela não tinha conseguido me
ajudar.
Eu achava que não ia mudar nunca. Acho que até tinha
aceitado que eu jamais teria algum interesse no sexo masculino de
novo.
Ou interesse em sexo.
Mas um estranho que me tirou da neve mudou tudo.
Um estranho casado, penso, me sentindo idiota como eu
sempre me sentia ao lembrar.
— Como te falei, não estava bem e depois da última
apresentação, Chris me sugeriu passar uns dias em Whistler. Eu
aceitei e praticamente fugi pra lá, sem avisar ninguém e mesmo
tendo um monte de compromisso aqui. Só que chegando lá, ficar
sozinha não estava ajudando e fui patinar em um lago próximo.
Enfim, acho que o peso da angústia foi demais e eu caí e fiquei lá
no frio.
— Kiara, que perigo, que tipo de pensamentos estavam
passando por sua cabeça? Sabia que podia morrer de hipotermia?
Há preocupação na voz de Naomi.
— Sei o que está passando pela sua cabeça, mas não acho
que estava com algum pensamento suicida nem nada.
— Você não é suicida. Teimosa e às vezes inconsequente,
sim.
— Eu só queria... não pensar. Não pensei nas
consequências. Mas quando me dei conta, tinha começado a nevar
e eu não conseguia me mexer. E aí apareceu um cara estranho e
me tirou de lá.
— E você permitiu?
— Eu estava morrendo congelada, não havia como afastá-lo,
embora o tempo todo meu cérebro repudiasse aquele toque. Mesmo
assim, ele me carregou para sua casa e tirou minha roupa. E me
aqueceu com seu próprio corpo.
— Como se sentiu?
— Eu tentava afastá-lo, mas não tinha forças. Senti medo,
porque se pudesse jamais ele teria me tocado e me abraçado.
— Mas não tinha como e foi obrigada a deixar.
— Sim, e eu ainda estava muito confusa e precisando de
calor e em algum momento a repulsa virou necessidade e eu não só
deixei que ele me embalasse como apreciei e relaxei, adormecendo,
afinal.
— Ele salvou você.
— Sim, me salvou...
— E o que aconteceu depois?
Eu lhe contei sobre acordar praticamente nua e de encontrar
o homem pelado.
— E você se sentiu atraída por ele?
— Talvez não naquele momento. Ele é um cara atraente e eu
notei isso.
— Mas você não costuma notar. Não mais.
— Sim, por isso mesmo eu ainda estou meio perplexa com
tudo.
— E em algum momento você se deu conta de que estava
sentindo atração por ele.
— Sim, eu ainda estava meio confusa e com medo. Acho que
nem precisa ter meu histórico para estar sozinha no meio de uma
nevasca com um estranho e ficar receosa.
— Com certeza não, mas no seu caso, era uma bomba-
relógio. Você surtou em algum momento?
— Aí que está. Não. Ainda havia certo medo, mas também eu
estava cheia de curiosidade e em algum lugar dentro de mim, acho
que me senti segura. Acha que sou louca?
— Não. Talvez você tenha deixado seus instintos dominarem.
Sentiu que estava em segurança.
— Como eu podia saber, eu nem o conhecia. Me parece bem
inconsequente, ainda mais pra mim.
— É possível. Acredita em energia? Se estamos abertos,
receptivos, sentimos a energia à nossa volta. A energia das
pessoas.
— Isso é muito sobrenatural para alguém da ciência não?
Ela ri.
— Isso é física.
— Se você diz.
— Embora no seu caso acho que podemos chamar de
química.
— Eu só sei que fiquei presa lá, e um tanto atordoada,
curiosa e era como se não fosse eu.
— Ou era você. A Kiara verdadeira. De antes.
— Você acha que é possível?
— Tudo é possível, Kiara. Eu sempre te disse. Está tudo na
sua mente. Você libera seu medo e aprisiona suas emoções. Algo
nesse cara, talvez uma química verdadeira, tenha feito você se
permitir não sentir medo. E sentir emoção. Atração. E o que mais
aconteceu?
Eu lhe conto até o momento em que fomos dormir e do meu
medo de ficar na mesma cama que ele.
— É compreensível. Qualquer mulher ficaria receosa.
— Ele não fez absolutamente nada ou tentou me convencer,
acho que nem havia nenhum interesse em mim, deste tipo.
— Sexual?
— Sim.
— Achou isso bom ou ruim?
— Naquele momento, eu não achei nada. Eu sabia que
estava acontecendo alguma coisa, nem sabia direito o que era, mas
eu estava gostando porque não me sentia assim há tanto tempo. E
já tinha até perdido as esperanças. Então achar um cara atraente,
sentir uma força magnética como se me puxasse em direção a ele e
não sentir medo. Era quase extraordinário.
— Sim, extraordinário para você. Mas é natural. A atração
entre duas pessoas é natural.
— Não pra mim.
— Temos conversado sobre isso há bastante tempo e você
sempre reluta. Talvez seja a hora de começar a explorar. Agora você
sabe que é possível. Não é preciso ter medo de entrar em contato
com a sua sexualidade e suas emoções. É saudável. E talvez este
homem seja alguém importante para você.
— Só que eu não te contei tudo.
— Hum, você disse que ele não estava interessado em você.
— Bem, houve um momento...
Eu lhe conto sobre voltar à cama e o que tinha rolado quando
acordamos.
— Então a atração era mútua.
— Eu não sei. E nem tive como descobrir, porque chegou um
carro. E era a mulher e filha dele.
Desta vez os olhos de Naomi se arregalam.
— Ele era casado?
— Pois é. Acho que por isso não tentou nada.
— Hum, isso é uma pena. Eu estava ficando animada por
finalmente você conhecer um homem por quem se atrai e que
poderia te ajudar a sair dessa concha que se escondeu.
— Enfim, eu me senti uma idiota e fiquei com raiva de mim
mesma e dele também.
— Acha que ele era um canalha?
— Não sei dizer. Como eu falei, ele não tentou nada. Tirando
aquele momento quando acordamos. — Eu não consigo evitar corar.
— Pode ser indício de que ele também sentia a mesma
atração. Ou apenas um instinto físico natural.
— Eu sei. Mas acho que cheguei a pensar que havia algo
rolando entre nós, sabe. Acho que me enganei.
— Bem, esses enganos acontecem.
— É uma merda. Estou tão... frustrada.
— Deveria ficar feliz.
— É mesmo?
— Olha quanto progrediu. Você se permitiu se atrair por
alguém. É um despertar. Talvez este cara não seja pra você, mas
ele te ajudou a ver que ainda é possível. Você é uma mulher jovem,
bonita. Pode viver tantas experiências, se apaixonar tantas vezes.
— Não estou apaixonada, por favor!
— Não disse isso. Eu disse que pode se apaixonar. É só se
permitir. Viver. Não foi bom o que sentiu?
Eu assinto.
Claro que foi bom. E é por isso que me sinto tão frustrada.
Passei anos em um limbo emocional e físico. E saí dele para
quebrar a cara com um homem casado.
— É muito patético — suspiro —, mas pelo menos eu nunca
mais vou ver esse cara de novo.
***
— Dimitri?
Ele levanta a cabeça e seus olhos estão vermelhos, como se
tivesse passado a noite inteira acordado. Ainda está com as
mesmas roupas que usava ontem na festa de Alana, então
provavelmente ainda não dormiu.
— Oi, Kiara. — Ele se levanta. Sua voz está cheia de
angústia cansada.
— Você dormiu? Está com as mesmas roupas de ontem.
— Você também. — Seu olhar me mede e quando descansa
em meu rosto há uma pergunta muda ali.
Eu coro, porém levanto a cabeça.
— Não te devo satisfação.
Ele sacode a cabeça em afirmativa, passando os dedos pelos
cabelos.
— O que está fazendo aqui Dimitri, na minha porta a essa
hora da manhã?
— Eu queria conversar com alguém.
— Comigo? — questiono surpresa.
Eu não tenho uma conversa de verdade com Dimitri há muito
tempo.
— Está tudo desabando e eu só conseguia pensar que queria
falar com você.
— Não temos nada pra falar. A gente mal trocou duas
palavras nesses últimos anos.
— Nós éramos melhores amigos. Você esqueceu?
— Nós éramos até você mostrar um lado assustador que eu
nunca vi. — Minha voz sai engasgada com todo o horror que
presenciei naquela noite longínqua.
— Você me cortou da sua vida depois daquela noite. Nunca
me contou de verdade o que aconteceu.
— Porque eu desejo esquecer.
— Queria tanto ter conversado com você naquela época,
tentado explicar...
— Acha que tem explicação?
— Meu pai pediu que eu ficasse longe de você.
A menção ao pai de Dimitri, que era nosso técnico na época,
faz meu estômago revirar.
— E você sempre faz tudo o que o grande Andrey Ivanov
manda — dardejo com ironia ao me lembrar daquela época horrível
que preferia esquecer. — Sinceramente, Dimitri, não deveria ter
vindo aqui.
— Eu não posso entrar? Conversarmos?
— Não vai entrar na minha casa.
— Você tem medo de mim.
— Você machuca as pessoas, Dimitri. Ontem mesmo achei
que ia agredir Alana, e mesmo ela sendo daquele jeito...
— Eu não consigo... evitar. É como se houvesse dois de mim.
Ontem quando Alana me provocou, era como se eu saísse do meu
corpo e ficasse só um monstro.
— Acho que devia ir embora. — Dou um passo atrás.
— Tudo bem, eu não deveria mesmo estar aqui. Mas tive
uma discussão horrível com Diana. Ela está mesmo grávida.
— Você é o pai do bebê?
Ele ri sem humor.
— Por que todo mundo acha isso?
— Acho que é o óbvio.
— Eu me lembraria se tivesse engravidado minha parceira.
Eu me viro, disposta a acabar com aquela conversa que já
está me desestabilizando.
— Vá embora, Dimitri.
Ele assente e aperta o botão do elevador.
Seu olhar captura o meu. Há tanta desolação ali que, de certa
forma, eu me reconheço nele.
Um dia, Dimitri e eu fomos tão próximos que um sabia o que
o outro estava pensando, mas quando seus pensamentos se
tornaram tão turvos quanto um oceano tempestuoso, me levando
junto para suas profundezas, eu consegui sair de lá para cair em
outra tempestade ainda mais perigosa.
E desde então eu vinha tentando apagar os resquícios que
deixou em mim.
— Você me odeia?
Eu não respondo.
— Eu senti sua falta, Kiara.
Ele se vira e entra no elevador.
***
Naquela manhã, Diana e Dimitri e toda a confusão da festa de
Alana são o assunto do momento. Não se fala em outra coisa entre
os patinadores.
Assim que cheguei ao ringue, Christian perguntou se eu
estava bem, disse que ficou muito preocupado comigo, que me ligou
depois, mas não atendi. Decido não contar que passei a noite na
casa de Nick, mesmo porque é um assunto espinhoso e se fosse
contar a Chris, teria que levar algum tempo e Nádia estava furiosa
com toda a falta de concentração. Ela ordenou que parássemos de
prestar atenção nas fofocas e fôssemos trabalhar em nossos edge
jumps, que são os saltos sem a ajuda dos toepicks, como axel, loop
e salchow.
E já estamos no gelo por algumas horas quando noto a
presença de Nick nas arquibancadas.
Meu coração dá um salto, maior que aqueles que estou
treinando com Chris, mas desvio o olhar, sentindo um misto de
sensações desencontradas.
Toda vez que vejo Nick é como se uma chavinha fosse
acionada dentro de mim, ligando um interruptor e iluminando tudo.
Esquentando tudo.
Mas não consigo me esquecer do beijo e de como ele me
afastou.
E do olhar de dor enquanto contemplava a foto da esposa
morta.
Nick de Santi é apaixonado por outra mulher e as palavras
cheias de maldade de Claudia fizeram sentido pra mim. Nick não
está interessado em mim, ele ainda sofre pela perda da esposa. E
se eu continuar me deixando levar pelo que ele me faz sentir, vou
cair e quebrar a cara no chão.
E não sei se terei forças para me reerguer.
Sou como uma escultura de gelo, frágil e delicada, suscetível
à ruptura ao menor descuido de manuseio.
Só que Nick não faz ideia.
Para ele, é apenas uma transação comercial, pra mim, o
despertar de um longo sono que dura anos.
— Por hoje é só! — Nádia dá o treino por encerrado.
Eu e Chris seguimos para o vestiário.
— Nick de Santi está aí — ele diz estudando minha reação.
Eu me viro pra ele.
— Chris, será que pode me fazer um grande favor?
— O quê?
— Nick tem esse projeto que precisa ficar na minha cola por
um tempo, para elaborar a campanha, mas não quero ficar sozinha
com ele.
Os olhos de Chris se apertam em alerta.
— O que ele fez?
— Nada.
— Está com medo de ficar com ele? Se esse cara fez alguma
coisa...
— Na verdade, a questão é justamente o contrário disso.
— Como assim?
— Podemos conversar depois? Eu vou me vestir, tenho uma
sessão de fotos, acho que Nick virá junto e quero saber se pode vir
também.
— Claro, tinha musculação, mas cancelo.
— Você pode ficar com a gente o tempo todo?
— Se isso te deixa segura, sim.
Eu sorrio, agradecida.
— Obrigada. Vou me trocar e nos encontramos lá fora.
Estou mais tranquila quando entro no vestiário, com essa
solução.
Não quero mais ficar sozinha com Nick, não por medo dele,
mas por medo de mim mesma. Com Chris por perto, não ficarei o
tempo todo vulnerável.
Estou acabando de me vestir quando Diana entra no
vestiário.
Ela parece pálida e descomposta, enquanto abre um dos
armários e começa a tirar suas coisas.
— Oi, Diana, tudo bem?
Ela força um sorriso, sentando no banco e começando a
arrumar a bolsa.
— Vai demorar um pouco pra eu ficar bem.
Eu me sento à sua frente.
— Eu sinto muito...
Mordo os lábios, hesitando em entrar no assunto delicado.
— Você vai... fazer um aborto?
Ela me encara e sacode a cabeça em negativa.
E isso me surpreende.
— Estamos chegando às Olimpíadas de Inverno. Se você
mantiver a gravidez...
— Eu sei, mas não vou fazer isso. Não posso.
Ela se levanta, levando sua mochila.
— Vai desistir?
— Devia ficar feliz. Uma a menos para concorrer contigo.
— Então estão mesmo fora?
— Sim.
— E Dimitri, o que acha disso?
— Dimitri está puto comigo. Talvez ele me odeie tanto quanto
odeia você agora. Talvez tenha alguma maldição sobre ele que faz
suas parceiras o abandonarem.
— Como pode desistir de uma Olimpíada? — enquanto
questiono aquilo, escuto a voz da minha mãe na minha cabeça, me
questionando algo parecido.
— Como pode alguém se livrar de um bebê? — Diana
devolve se levantando e saindo do vestiário.
Deixando-me sozinha com meus fantasmas.
Quando saio do centro, Chris está conversando com Nick.
— Olá, Nick, tudo bem? — Eu me aproximo, tentando
demonstrar uma descontração blasé.
— Sim, tudo bem.
Não consigo decifrar sua expressão.
Nick é mestre em esconder o que realmente está pensando e
sentindo.
— Contei a Nick que você tem uma sessão de fotos e que
vou acompanhá-la.
— Sim, isso mesmo. Você vem? — indago a Nick.
Quero que ele diga que não, mesmo sabendo que ficarei
decepcionada.
Mas ele assente.
— Certo.
Eu lhe falo o local das fotos, um estúdio não longe dali e me
afasto com Chris.
— Senti certa tensão no ar, ou foi impressão minha? — Chris
indaga quando entramos no meu carro. — Vai me contar o que rolou
ontem?
Suspiro, dando partida.
— Eu o beijei.
— O quê?
— Foi... um erro.
— Como assim? Como foi isso?
— Depois daquela confusão, ele me levou embora e eu
estava meio bêbada. Então ele me levou para a casa dele.
— Não me parece algo legal de se fazer.
— Não foi assim. Eu estava chorosa e me sentindo péssima
com tudo. E quando estávamos lá, acho que justamente por eu
estar bêbada, me deixei levar e o beijei.
— Ele te beijou de volta?
— Por um momento.
— E foi legal?
— Foi... incrível.
— Isso devia ser algo bom.
— Não quando ele me afastou e disse que não devia ter
acontecido. Então ele foi para o quarto dele e disse para eu ficar à
vontade para ir para o quarto de hóspede.
— Nossa, que banho de água fria.
— E hoje para completar, quando acordei a cunhada estava
lá e a filha dele.
— Nossa, ele tem uma filha?!
— Sim, ela estava na casa da tia, mas elas apareceram lá de
manhã. Eu me senti muito constrangida.
— Me deixa adivinhar, a filha dele te odiou porque tem ciúme
das namoradas do pai.
— Primeiro que não sou a namorada do Nick e nem sei se ele
tem namoradas. E a menina foi legal comigo. Ficou me chamando
de patinadora.
Chris ri.
— Mas quem me tratou muito mal foi a tal de Claudia, a irmã
da esposa do Nick.
— Sério?
— Sim, ela foi horrível, me destratou e fez com que eu me
sentisse uma vadia, que estava ali para dormir com o Nick.
— Bem que você queria.
— Para, Chris.
— Desculpa. — Ele ri.
Estaciono em frente ao estúdio e damos a conversa por
encerrada.
Quando entramos, noto que Nick já está ali, provavelmente
veio mais rápido porque está de moto e para minha consternação,
ele está conversando com a minha mãe.
— Aí está ela. — Mamãe me mede de forma crítica como
sempre e não gosta nada quando vê Chris ao meu lado. — E você
está fazendo o que aqui?
— Eu vim com a Kiara, queria ver como seriam as fotos. —
Chris sorri descontraído.
— Kiara, vá se vestir. Eu trouxe alguns collants, como
pediram, não sei qual vão escolher.
Eu me afasto, a produtora me acompanha para o camarim,
onde experimento alguns trajes que usei nas últimas apresentações,
até que ela escolhe um branco com prateado.
Fazem minha maquiagem e cabelo e quando saio todo o
cenário está montado para as fotos e o fotógrafo se apresenta
pedindo que eu fique à vontade e faça algumas poses típicas dos
passos de patinação.
Com minha visão periférica, noto que Nick está ali, ao lado de
Chris e da minha mãe, e me sinto constrangida em estar usando
aquele collant. O que é ridículo, já que eu uso aquele traje o tempo
todo. Porém, saber que Nick está de olho em mim, me deixa
inquieta e muito consciente dos meus movimentos.
A sessão dura algumas horas e quando termina eu me
apresso em me vestir e mamãe me acompanha enquanto me troco.
— Não entendi porque trouxe o Chris.
— Por que não?
— Você precisa dar atenção a Nick de Santi.
— Mas ele está aqui, não?
— Ele comentou que gostaria de conversar com você depois
da sessão, sugeriu te levar até a fábrica de motos, para que
conhecesse, mas Chris disse que você já se comprometeu em ir
com ele até o hospital visitar Tyler Chan.
Hum, eu não sabia de nada daquilo, mas acredito que Chris
deduziu que eu não queria mais estar com Nick hoje e avisou que
iríamos ao hospital visitar Tyler.
— Sim, não sei se ficou sabendo da confusão ontem.
— Sim, Nádia me contou.
Minha mãe falava com Nádia todo dia, para perguntar como
estavam indo meus treinos, quando ela mesma não aparecia no
centro para me acompanhar.
— Foi horrível.
— E eu não gostei nada de saber que estava lá. Quem te deu
permissão para ir a uma festa no meio da semana?
— Era aniversário da Alana.
— Aquela menina malcriada e invejosa! Vocês nem são
amigas.
— Eu sei, mas...
— E já sei que foi ela quem começou a confusão.
— Na verdade, foi Dimitri.
— Ah, tinha que ser. Não deve se envolver com essa gente,
Kiara. Quantas vezes tenho que dizer? Você não tem amigos, tem
concorrentes!
— Mãe...
Ela arruma meus trajes no cabide, colocando-os nas bolsas.
— E agora veja só! Tyler provavelmente não vai mais
competir.
— Não deve ter sido tão sério assim. — Eu me sento em
frente ao espelho para tirar o penteado elaborado do meu cabelo.
— E aquela menina, Diana Colombo, parece que também
não.
— Ela vai ter o bebê. — Eu fixo o olhar na figura da minha
mãe atrás de mim. Ela se vira devagar me encarando com seus
olhos frios.
— Ela é uma tola.
— Ela é corajosa...
— Corajosa? Acabar com a carreira assim?
— Ela ainda pode voltar depois que tiver o bebê.
— Não seja ingênua! Diana tem 28 anos. Acabou para ela.
Ainda mais agora que abandonou o parceiro há pouco tempo das
competições olímpicas.
— Eu também abandonei meu parceiro.
— Vai mesmo comparar? São situações diferentes...
Não tão diferentes assim...
— Mas você se refez — minha mãe continua —, era jovem e
continuou competindo, voltou melhor do que nunca e embora eu
tenha minhas restrições quanto ao Christian Jackson, não posso
negar que vocês têm uma ótima conexão e a dupla funciona. Você
foi medalhista mundial e agora será olímpica! E o que Diana vai ter?
Um bebê chorão que lhe dará trabalho pelo resto da vida.
— Você se arrepende?
— O quê?
— De ter ficado comigo? — indago baixinho.
Ela desvia o olhar, as mãos ocupadas em ajeitar os cabides.
— Algumas vezes eu me arrependi sim.
Ouvir aquilo dói.
Eu sabia que minha mãe era modelo antes de engravidar de
mim. Que ela e meu pai não esperavam que eu aparecesse. E que
foi papai quem insistiu para que eles se casassem. Logo depois, os
dois se mudaram para o interior, onde papai dava aulas e minha
mãe virou dona de casa, cuidando de mim.
Até que ela me viu patinando e decidiu que eu seria uma
estrela do gelo.
E a partir daí, nada tinha mais importância para Maude
Willians do que este sonho.
— Mas olhe pra você. É uma estrela. — Ela sorri. — Tenho
orgulho de você, Kiara. E vai continuar me dando orgulho.
Eu me pergunto, quando desvio o olhar, pegando minha bolsa
para ir embora, se ela sentiria orgulho de mim se eu tivesse virado
as costas para a patinação.
Quando saímos, Nick não está mais ali e sinto certa
decepção.
— Onde está Nick? — indago a Christian.
— Ele teve que ir, já que vamos ao hospital.
Minha mãe se despede e eu e Chris vamos para o carro.
— Como Tyler está? — questiono a caminho do hospital.
— Não sei direito, mas Alana está muito nervosa.
— Alana, falou com ela?
— Sim, eu liguei pra ela pra saber sobre Tyler. Ela está
enlouquecida com a possibilidade de ele não ficar bom a tempo de
competir.
— Nossa.
Nós chegamos ao hospital e Tyler parece pálido sobre os
lençóis, com o pé engessado.
— E aí, como você está? — Chris pergunta.
— Não muito bem, como pode ver.
— E já tem uma ideia de quando voltará a treinar?
Ele sorri tristemente.
— Provavelmente daqui a uns seis meses.
— O quê? — eu e Chris indagamos ao mesmo tempo.
— Sim, estou fora dos jogos olímpicos.
— Nossa, sinto muito... — murmuro, chocada.
Eu gosto muito de Tyler e é uma pena que isso tenha
acontecido com ele.
De repente, meu celular toca e eu vejo o nome de Nick
piscando.
Eu peço licença para atender e saio do quarto, tentando
conter as batidas bobas do meu coração.
— Alô?
— Oi, Kiara, é o Nick.
— Oi...
— Amanhã agendei uma visita à fábrica De Santi para você,
tudo bem?
— Sim, claro.
— Você está bem? — Sua voz é hesitante e parece
preocupada.
— Sim, estou ótima. — Imprimo uma animação que estou
longe de sentir.
Ainda mais quando me viro e vejo Alana se aproximando com
cara de poucos amigos.
— Então, nos vemos amanhã? — Dou a chamada por
encerrada.
— Sim, até amanhã.
Eu desligo e Alana está na minha frente.
— Que porra está fazendo aqui? Veio rir da nossa cara?
— Claro que não! Viemos ver como Tyler está. Estou muito
triste por ele não poder mais competir.
— Eu duvido. Você e a bruxa da sua mãe devem estar rindo!
Mas pelo menos o idiota do Dimitri também não vai mais, já que a
Diana vai ter o bebê, pelo que fiquei sabendo.
— Sim, fiquei sabendo também. É tudo muito triste.
— Triste para uns, felicidade para outros!
Ela entra no quarto e Christian aparece.
— Vamos?
— Que triste, não é? — comento quando entramos no carro.
— Tyler está arrasado.
— Eu imagino.
— E Alana está puta e nem dá pra não concordar com ela.
Também ficaríamos se algo nos impedisse de competir agora.
— Sim. Amanhã à tarde vamos à fábrica De Santi. Nem ouse
marcar outro compromisso. Vai comigo!
— Claro que sim. Parece que agora seremos irmãos
siameses. — Ele sorri. — E que tal ir jantar lá em casa hoje?
— Amo a comida da sua mãe, aceito o convite.
Ficar com a família de Christian seria bom para me distrair
dos meus problemas.
Quando chegamos à casa dele, Trevor está lá com o pai de
Chris.
Trevor é um cara bonito, alto e forte, com cabelos escuros e
sorriso largo.
— Olha só se não é o casalzinho de ouro — ele nos
cumprimenta.
— Oi, Trevor.
— Cadê a Fiona e o Asher? — Chris pergunta sobre a
cunhada e o sobrinho.
— Asher está tirando uma soneca. Fiona está na cozinha
ajudando a mamãe com a comida. Sabe como é, coisa de mulheres.
— Cozinhar não é só coisa de mulheres. — Não consigo
evitar comentar. O machismo do irmão de Chris me irrita muito.
— Claro, patinar no gelo também, é o que vocês dizem... —
ele continua rindo e joga uma almofada em Chris, que está fazendo
cara feia, embora nunca tenha coragem de parar as brincadeiras
idiotas de Trevor. — Ei, não te chamei de bichinha!
— Filho, pare de brincadeira boba — Roger o interrompe. —
Christian não é gay e nem patinação artística é esporte só de
mulheres, não é filho?
— Claro que não, já disse muitas vezes para esse cretino —
Chris comenta ignorando o papo sobre sexualidade.
Isso me deixa muito irritada, como sempre.
A família de Christian é conservadora e preconceituosa. Eles
jamais o aceitariam se ele contasse a verdade a eles. Por isso
adoram acreditar que nós dois estamos juntos.
— Aposto que o Chris só patina pra poder pegar nas
patinadoras gostosas — Trevor comenta e ele e o pai riem.
Chris se joga em cima do irmão, os dois começando uma luta
boba de macho.
Até que o pai os manda pararem.
— Pare de pegar no pé do seu irmão — pede a Trevor. —
Veja Andrey Ivanov. Foi uma lenda. Christian será como ele, não é
filho? Se chegar a um décimo do que foi Andrey, estarei feliz!
Eu disfarço uma careta de asco quando citam Andrey, o pai
de Dimitri.
— Vamos comer? — A mãe de Chris entra na sala
interrompendo a conversa e todos seguimos para a cozinha.
***
Na manhã seguinte, nós treinamos ainda com a fofoca sobre
Dimitri e Diana correndo solta. Só que agora se somou a isso o
acidente de Tyler, que o impedirá de competir.
E quando terminam os treinos, eu não me surpreendo ao ver
Nick de Santi.
Chris confirmou que vai nos acompanhar e eu agradeço muito
por isso.
Preciso me livrar do que sinto por Nick urgentemente e é só
no que penso quando saímos do complexo esportivo e ele está lá
nos esperando.
— Vou adorar conhecer a fábrica De Santi — Chris diz
animado.
Nick parece confuso por um instante, mas não diz nada
quando eu comento que chamei Chris para ir conosco.
E quando seu olhar se fixa no meu, percebo que ele entendeu
minha jogada.
Nick sabe que estou evitando ficar sozinha com ele depois do
que aconteceu em sua casa naquela noite.
Por um momento eu aguardo sua reação. Acho que uma
parte de mim deseja que exija que Chris se afaste, mas em vez
disso ele apenas concorda.
— Tudo bem. Será bom ter Christian conosco. Acredito que
ele estará sempre a partir de agora, não é?
Eu aceno com a cabeça, meio decepcionada por Nick
concordar tão facilmente. Mas o que eu queria?
Nick devia estar aliviado por não ter que lidar comigo sozinho.
Eu o observo, surpresa.
— Sabe patinar?
— Não como você.
Ele desliza facilmente pelo gelo à minha volta.
Tenho a impressão que Nick é um desses caras capazes de
fazer qualquer coisa.
— Acho que ninguém patina como você.
— Como sabe? Não entende nada de patinação.
— Como sabe que não entendo?
— Entende?
— Tem razão, não faço ideia do porque de todos os
movimentos e saltos. Apenas admiro como são belos.
— Bem, talvez eu possa te explicar alguns, vamos ver. Isso é
um camel spin. — Eu giro com meu torso e a perna livre,
perpendiculares formando um T.
Volto em posição normal.
— Existem muitos tipos de spin. Camel, layback, sit...
Faço outro elemento girando em um pé só, com minhas
costas arqueadas para trás.
— Isso é um layback spin.
E deslizo pelo gelo, fazendo um double axel perfeito.
— E isso é um double axel. O axel é considerado o salto com
maior dificuldade técnica entre os seis tipos de salto da patinação
artística.
— Você faz parecer muito fácil.
— É fácil pra mim. — Sorrio.
— Você é mesmo incrível, Kiara.
Meu peito expande com um elogio que já ouvi tantas vezes,
mas vindo dele tem um sabor diferente.
— Muitos patinadores são incríveis.
— Imagino que sim, mas eu tenho observado você. A
maneira que se move com Christian, a conexão e a confiança que
tem um no outro é surreal. Não havia essa conexão com Diana e
Dimitri, por exemplo.
Não gosto quando ele cita Dimitri.
— Você tinha essa conexão com Dimitri?
— Eu acreditava que sim...
— Por que parou de patinar com ele?
Eu não respondo.
Deslizo para longe, girando, saltando e realizando vários
elementos até ficar cansada. Sei que Nick está ali me observando e
toda vez que nossos olhares se encontram, ele parece estar
esperando que eu exploda a qualquer momento.
Não sei quantas vezes circulei, perdendo o fôlego e já
sentindo meus músculos sem aquecimento adequado reclamando.
— Você deveria parar agora.
Escuto sua voz mais perto do que imaginava quando caio
pela primeira vez. Abro os olhos para ver Nick pairando sobre mim,
com a mão estendida.
Eu a seguro, sentindo sua palma quente contra a minha, fria,
e ele me puxa me erguendo e me tirando do chão. Nossos olhares
se encontram e respiro com dificuldade, não por causa do exercício,
mas pela intensidade do olhar dele.
Nick não faz nenhum movimento para sua mão soltar a minha
e me surpreendo quando o sinto segurando minha outra mão,
nossos dedos se entrelaçando devagar.
A energia que sempre sinto quando ele está perto me envolve
como um choque elétrico, me aquecendo de fora para dentro,
derrubando minhas defesas. Ainda estamos deslizando devagar, ele
me empurrando delicadamente pelo gelo, nossos olhares presos um
no outro.
— Você disse que não gosta que te toquem, mas confia em
Chris.
— Eu demorei um pouco para confiar nele.
— Por quê?
— Porque tinha medo que me machucasse... — sussurro.
— Não tem medo de mim? — Sua voz sai baixa e rouca e
arranha meu ventre.
Sem resistir, dou um passo à frente, nos forçando em direção
contrária, mas não sem antes nossos corpos estarem roçando. O
calor que emana do corpo dele derrete o meu.
— Eu tenho medo que nunca mais me toque... — confesso
fechando os olhos e encostando a testa em seu queixo.
Seus dedos acariciam os meus, enviando arrepios para todas
as minhas terminações nervosas. Sinto seus lábios em minha
têmpora e suspiro me deixando levar ainda mais para perto dele,
nosso ritmo aumentando.
Levanto a cabeça, mergulhando em seu olhar âmbar que me
tira o fôlego.
— Acabou? — indago baixinho.
— Acabou o quê?
— Sua pesquisa sobre mim.
Ele acena positivamente confirmando o que eu já
desconfiava.
— E acha que agora sabe tudo sobre mim?
— Não.
— E ainda quer saber?
— Você disse que ia me mostrar seus demônios.
— Eles estão aqui... — sussurro.
— Aqui?...
Aceno positivamente, incapaz de falar. Fragmentos de
lembranças ruins escapando daquele lugar escondido onde as
mantenho trancadas, e me deixando fraca e indefesa.
— Kiara?...
Escuto a voz de Nick como se vinda de muito longe e percebo
que cruzei aquela linha tênue entre a realidade presente e o horror
do passado, sendo tragada para um lugar onde só havia medo e
desolação.
Meus olhos turvos demoram um instante para focalizar o
rosto bonito de Nick.
— O que aconteceu com você?...
Sua pergunta me faz recuar, soltando nossos dedos
entrelaçados.
Sacudo a cabeça em negativa, lutando para respirar.
Dou-lhe as costas e saio da pista, nem paro para colocar as
proteções da lâmina, fujo para o vestiário e quando chego lá, sento
no banco de madeira e escondo o rosto entre as mãos, os soluços
rompendo meu peito.
Sinto raiva por ainda deixar aquilo me afetar tanto.
Sinto medo de nunca mais conseguir ser eu mesma.
— Kiara?
A voz de Nick interrompe meu choro e eu me levanto,
enxugando as lágrimas com raiva, enquanto fico de costas pra ele,
como se ainda fosse possível esconder minha dor.
— Devia ir embora.
— Eu não vou a lugar nenhum.
— Por favor, Nick...
— Eu não vou sair daqui sem você — insiste com uma voz
firme.
Eu me seguro na pia, voltando a chorar.
Imagino que Nick vai cansar do meu surto e vai dar o fora.
Mas quando levanto o olhar para o espelho, ele ainda está ali.
— Não vou deixá-la sozinha assim — afirma cruzando os
braços enquanto se senta no banco.
Reparo que ele tirou os patins.
— Não vou pôr a mão em você. Não vou fazer nada que não
queira. Vou apenas esperar que se recomponha e venha comigo.
— Ir com você?
— Eu a levarei para casa.
— Acha que valeu a pena?
— O quê?
— Acho que já percebeu que não tenho nada inspirador. É
apenas ilusão e gelo.
— Está enganada.
Eu me viro, com raiva no olhar.
— Quer mesmo saber o que me deixou assim? — As
palavras saem estranguladas da minha garganta. — Eu fui
violentada. Aqui... — Engasgo com a dor. A lembrança. A raiva. —
Neste mesmo lugar e tudo o que eu queria era esquecer que aquilo
aconteceu, mas as lembranças nunca vão embora. Nem terapia,
nem voltar a patinar, nem lutar com todas as minhas forças faz eu
esquecer que algo precioso foi tirado de mim. E então, você me tirou
do gelo, me tocou e eu senti, por um ínfimo segundo, que eu ainda
estava viva. Que eu ainda podia sentir e desejar o toque de alguém.
Deslizo para o banco e me deixo cair ao seu lado, respirando
com dificuldade.
— Sinto muito. — A voz de Nick chega junto com a sua mão,
que segura a minha sobre o banco.
Eu não a afasto. Como afastar o único toque que eu desejei
em muito tempo?
E é isso que mais dói.
Olho para sua mão morena sobre a minha e levanto o olhar
para seu rosto. Por um momento apenas respiramos. E então ele
levanta a outra mão e toca minha bochecha, enxuga minhas
lágrimas.
Suspiro com seu toque, porque não consigo evitar.
Estou quebrada em mil pedaços e quando Nick me toca é
como se fosse capaz de juntar todos os pedaços no lugar. Tenho
certeza que meus anseios estão claros como água cristalina em
meu olhar.
E escuto um som vindo do fundo de sua garganta quando ele
se inclina e me beija, os lábios deslizando com avidez sobre os
meus.
Solto um gemido confuso, ansioso e deslumbrado, mas Nick
se afasta do mesmo jeito que se aproximou. Abro os olhos,
resfolegando e ele está me encarando com um olhar intenso que é
um espelho do meu e faz tudo estremecer em mim.
— Me desculpe — diz, mas os dedos ainda estão no meu
rosto e ele ofega como eu.
— Não, não peça desculpas. Tudo o que tenho são
lembranças ruins deste lugar. Por favor, quero apagá-las da minha
cabeça. Quero substituir todas as memórias de algo que não
escolhi, por isso... por você me tocando, porque eu quero. Porque é
tudo o que eu quero...
Com um gemido rouco, ele captura meus lábios de novo.
Desta vez, sem freios, sem amarras. Apenas o desejo nos
consumindo e nos guiando.
Meu corpo inteiro se eletriza e derrete ao mesmo tempo. As
sensações explodem em minha pele com uma força assustadora. E
de repente sou puro instinto. Eu me ergo. Nick abre os olhos,
brilhando de um desejo feroz.
E eu perco o ar por um instante, apenas apreciando aquele
homem maravilhoso sentado à minha espera. E eu vou a seu
encontro, deslizando para o colo dele, ainda de patins, e nós dois
gememos quando nossos quadris colapsam. Meu ventre é sugado
por um prazer agudo e avassalador e segurando sua cabeça, abaixo
meus lábios para os dele de novo, devorando-os com vontade,
nossas línguas se encontrando e se entrelaçando numa dança
selvagem enquanto esfrego meus quadris nos dele, ansiando por
aplacar aquela dor que pulsa em meio às minhas coxas. E meu
interior derrete quando sinto sua ereção ali roçando em mim através
das camadas de roupas. E mordo seus lábios, enfio os dedos em
seus cabelos escuros e me deixo levar por aquele desejo alucinante
e inédito.
É isso.
Isso que eu quero.
Que eu preciso.
Não há nada mais na minha mente. Nem passado, nem
presente, nem futuro.
Estou flutuando em uma onda de calor incandescente,
deixando-me guiar por meus mais profundos desejos que voltam à
vida depois de um longo inverno.
E tem tudo a ver com este homem. Este cara que me beija de
volta com urgência, mas não está me tocando.
Levanto a cabeça, encarando-o ofegante e confusa, para me
dar conta de que suas mãos estão longe de mim.
E então eu entendo.
E acho que me apaixono por Nick naquele momento. Quando
ele não faz um movimento para não me amedrontar, mesmo quando
ele está tão excitado quanto eu.
— Não quero assustá-la.
— Não está me assustando.
— Você já esteve com um homem assim? — Sua voz baixa e
ríspida de desejo faz meu estômago palpitar.
Sacudo a cabeça em negativa. Rubor aquece minhas
bochechas.
— O que você quer de mim, Kiara?
— Ponha suas mãos em mim — exijo baixinho. — Eu preciso
sentir suas mãos em mim.
E sem desviar o olhar do meu, ele levanta uma mão e seus
dedos tocam meu rosto, meus lábios entreabertos e ainda úmidos
dos seus beijos, e sem pensar no que estou fazendo obedeço meu
desejo e os capturo para dentro da minha boca, sentindo o gosto
salgado da sua pele. Os olhos de Nick escurecem de desejo.
E sua outra mão encontra meu quadril me apertando contra
sua ereção ainda maior agora.
Mas isso não me assusta. Muito pelo contrário, faz meus
músculos internos se contraírem de vontade de saber como seria
senti-lo dentro de mim.
— Onde você quer que eu a toque? — indaga roucamente.
Eu pego sua mão e a levo até o cós da minha calça,
respirando com dificuldade em expectativa.
E sem precisar pedir mais, Nick infiltra a mão na minha calça
e na minha calcinha.
Solto um gritinho de susto e prazer, perdendo o ar.
Ele segura meu olhar.
— É isso que você quer?
Seus dedos encontram meu clitóris que pulsa com mais
intensidade.
— Sim... — Exalo o ar com força.
— Você quer que eu te dê um orgasmo?
Oh Deus... A voz dele é como açoite em meu íntimo.
Fecho os olhos e minha cabeça cai para trás, meus olhos
revirando quando Nick me acaricia lentamente, perversamente, dois
dedos deslizando para dentro de mim.
— Ah sim... — Ofego movendo meus quadris, buscando atrito
e gemendo alto quando consigo todo meu corpo concentrado
naquele ponto onde Nick acaricia.
Sinto seus lábios quentes em meu queixo, em meu pescoço,
a barba roçando em minha garganta e elevando os arrepios em
minha pele e eu só consigo gemer e me mover, perdida nas
sensações mais incríveis do mundo. Respirando Nick de Santi.
Até que as sensações explodem em meu ventre e eu me
desmancho contra seus dedos, gemendo alto e me segurando nele
na queda infinita que é meu orgasmo.
Volto à Terra ainda sem ar, ainda perdida e confusa com o
que acabou de rolar ali.
Abro os olhos e Nick está me encarando com aquele seu
olhar intenso, que está se transformando em minha kriptonita.
— Tudo bem?
Sacudo a cabeça em afirmativa, porque não confio na minha
voz.
Estou desnorteada.
Fraca e feliz.
Acho que é assim que as pessoas se sentem quando
quebram uma maldição. Porque é como eu me sinto agora. Livre.
Muito vagamente, sinto que Nick está me colocando sentada
no banco e está se afastando.
— Posso te levar pra casa agora?
Sua voz um tanto distante esfria um pouco meu ânimo, mas
não o suficiente, quando ainda quase posso sentir sua mão em mim.
Sacudo a cabeça em afirmativa.
Ele se afasta do vestiário e eu respiro fundo me levantando.
Lavo meu rosto e olho minha imagem no espelho. Ainda estou
vermelha e um pouco ofegante.
Ainda pareço a mesma, mas sei que no fundo está tudo
diferente.
Volto ao ringue, pego meus patins e calço meus tênis.
Nick está na porta do centro me esperando.
Sinto-me meio sem graça agora sem saber como agir.
O que vai acontecer agora?
— Você está com seu carro? — ele indaga.
— Sim, estou.
— Eu vou te acompanhar até sua casa.
Assinto e entro no meu carro.
Nick entra no carro dele, não está de moto hoje, e sim
dirigindo o mesmo carro que foi me buscar no dia da festa de Alana.
Ainda estou meio flutuando em ondas de contentamento e
expectativa quando estaciono em frente a minha casa e Nick salta
comigo.
Quero convidá-lo para subir. Mas não sei se devo.
— O que vai acontecer agora? — sussurro, incerta.
Nick passa os dedos pelos cabelos, parece tão incerto como
eu.
— Quero conversar com você, mas acho que hoje
aconteceram coisas demais...
Eu tenho que concordar.
— Amanhã eu vou à casa do meu pai — eu me vejo dizendo.
— Fica perto de Whistler. Você quer vir comigo?
Talvez levar Nick para conhecer meu pai, não seja o mais
apropriado agora, mas eu simplesmente obedeço a vontade que eu
tenho de trazê-lo comigo.
— Amanhã estarei com minha filha.
Mordo os lábios, decepcionada.
Eu tinha esquecido completamente que Nick tem uma vida.
Uma filha.
Uma mulher morta.
Que ele ainda ama.
Jogo aqueles pensamentos que ameaçam me deprimir para o
fundo da mente.
— Você pode trazê-la. — Não sei de onde sai aquele convite,
mas se eu quero de alguma maneira manter Nick ali, preciso aceitar
sua vida além de mim. E isso inclui sua filha.
Isso é assustador pra mim. Mas mais assustador ainda é ver
Nick se afastar de vez.
— Tudo bem. — Nick concorda e eu abro um sorriso. —
Amanhã eu passo as 11 para te pegar?
— Sim, perfeito.
Ele se vira para entrar no carro, mas eu toco seu braço.
— Nick, nós... vamos falar sobre o que aconteceu, não é?
Ele hesita.
E então toca meu rosto. Seu toque é como injeção de vida em
minhas veias.
Está se tornando vital.
— Sim, nós vamos conversar, Kiara.
— Se eu pedisse para me beijar, você me beijaria?
Ele se inclina e beija minha testa.
Não é o beijo que eu esperava, mas não posso reclamar, pois
ele já se afasta e entra no carro.
Nick não pode voltar atrás.
Agora eu sei que ele me deseja também.
Não vou deixar aquilo escapar. Não agora que eu encontrei.
Eu já me escondi e fugi das minhas emoções por tempo
demais.
Capítulo 12
Querido Nick
Claire.
Corações de Gelo Parte 2
Copyright © 2021 por Juliana Dantas
Nick
Kiara
Nick
Kiara
Kiara
Kiara
Kiara
Kiara
***
Na manhã seguinte, estou ligeiramente nervosa quando
entramos no escritório de Nádia no fim da manhã.
Minha mãe, como eu previ, já está lá e vem até mim, me
abraçando.
— Filha, você está bem?
— Estou, mãe.
Óbvio que todo mundo ali sabe que não estou nada bem, mas
preciso ao menos tentar sair do bueiro no qual caí nas últimas
semanas.
— Eu gostaria de conversar com a Kiara a sós — Nádia pede.
Minha mãe não gosta muito, mas permite que eu fique
sozinha com Nádia enquanto se afasta com Chris, que fecha a porta
atrás de si com um sorriso de encorajamento pra mim.
Nós nos sentamos e Nádia começa a falar.
— Kiara, eu sei que está com algum problema emocional e
que isso afetou ontem sua performance. E eu queria que fosse
sincera comigo, porque estou muito preocupada. Sua mãe
conversou comigo há algumas semanas, disse que eu não deveria
fazer perguntas, apenas continuar o treinamento, mas acho que eu
errei.
Respiro fundo, sabendo que não posso esconder aquela
história de Nádia. E começo a lhe contar toda a verdade.
Ela está me fitando, consternada depois do meu relato
dolorido.
— Minha nossa, Kiara, estou chocada que Andrey tenha feito
algo assim com você. Ele deveria ter sido exposto! Nunca ficar por
aí impune!
— Eu só queria esquecer — sussurro entre lágrimas, que
não consigo conter. Acho que sempre vou sofrer quando contar
aquela história.
— Eu entendo agora por tudo o que está passando e o que
aconteceu. A questão é que estou muito preocupada com seu
descontrole emocional. Foi grave o que aconteceu ontem, você
poderia ter sofrido uma queda e se machucado gravemente, podia
ter machucado Chris. Eu não sei mais se é seguro te deixar entrar
num ringue deste jeito.
— Mas que opção eu tenho? Minha mãe tem razão, eu só
posso me esforçar para me manter focada e ir em frente. São as
Olimpíadas de Inverno, a mais importante da minha vida. Tudo o
que eu abri mão foi para chegar até aqui. Eu não tenho mais nada.
— Você tem sim. Você tem sua vida, que não é só patinar,
embora isso tome boa parte dela. Mas não é só isso. E não tem só o
agora. Você é jovem, e mesmo tendo os anos contados para
competir, não precisa ser sua última Olimpíada, tem pelo menos
mais umas duas que pode tentar ganhar medalhas, se isso for tão
importante. É tão importante assim, Kiara?
“Claro que é.”, quero responder.
Mas na minha mente, relembro Mackenzie sorrindo e
correndo na minha direção. Vejo aquele bebê que saiu de dentro de
mim e que foi levado embora e o quanto meu coração sentiu sua
falta. O quanto eu me enganei por todos aqueles anos que estava
tudo bem, que eu não precisava de mais nada a não ser a glória da
patinação, quando, no fundo, estava vazia.
Então Nick de Santi surgiu, me ensinou o que era paixão e
trouxe Mackenzie de volta.
Agora minha vida e minhas emoções estão um caos e me
sinto perdida, com vários caminhos a minha frente, sem saber por
qual seguir.
Porque eu começo a entender o que Nádia está querendo
dizer e é assustador e libertador ao mesmo tempo, saber que sim,
eu tenho uma opção.
Mas toda decisão implica numa renúncia.
Fecho os olhos e vejo a mim mesma agora deslizando pelo
gelo, mas não mais a profissional que sou, e sim a garotinha que
patinava apenas pelo simples prazer de deslizar pelo gelo.
Eu não sou mais aquela menininha, ela se perdeu dentro de
mim.
Eu a deixei ser soterrada pela tonelada de expectativas que
foram criadas.
— Algo horrível aconteceu com você, Kiara. Você já deixou
isso definir sua vida por muito tempo. — Nádia continua. — E agora
está te destruindo. Talvez esteja na hora de usar isso para se tornar
mais forte.
Sacudo a cabeça sentindo algo se quebrando em meu íntimo
quando finalmente entendo.
Um soluço rompe meu peito e eu choro pelo sonho que
cresceu dentro de mim desde pequena.
Pela glória que achei que merecia e que persegui por tanto
tempo. Achei que isso fosse o ápice, o melhor que eu poderia ser.
Mas eu quero ser mais.
— Eu não vou mais competir nessas Olimpíadas, não é? —
sussurro num fio de voz.
“Meu Deus, estou mesmo renunciando a isso?”
— Eu não acho que esteja em condições emocionais de se
arriscar, mas a decisão é sua.
— Peça para Chris entrar.
A única pessoa que pode me manter na competição agora é
Chris. Porque se eu desistir, estarei destruindo o sonho dele
também.
Chris entra na sala e Nádia explica tudo a ele.
E depois eu o encaro.
— Não quero acabar com seu sonho, Chris.
Ele segura minha mão.
— Era o nosso sonho, mas Nádia tem razão. Não pode
arriscar se machucar. Eu não me perdoaria.
— E como eu vou me perdoar fazendo você não competir?
— Você não é só minha parceira. É minha amiga. É parte do
meu coração agora, e se você está mal eu também estou. É essa a
nossa conexão, para o bem ou para o mal. Eu só quero que fique
bem. — Ele sorri, chorando agora também. — E ainda temos anos
pela frente. Acho que podemos deixar Dimitri e Alana felizes um
pouquinho, talvez até consigam ganhar um ouro agora que não
estamos no páreo.
Eu rio com um engasgo.
— Se eles não se matarem.
— Sim, claro. — Ele aperta meus dedos.
E então Nádia dá a conversa por encerrada.
Eu me levanto e saio da sala, sabendo que agora terei que
encarar minha mãe.
Porém, há uma estranha calma em mim, nascida da
resolução mais difícil que já tomei.
Não tem mais volta.
Quando eu saio, Maude está vindo em minha direção, Nádia
já contou a ela.
— Você ficou louca?
— Não, mãe, estou bem lúcida.
— Não pode largar as Olimpíadas! Não vou permitir.
— Maude, Kiara não está bem, não é seguro, na verdade —
Nádia se intromete.
— Você não sabe de nada! Se por acaso se negar a continuar
treinando Kiara eu vou atrás de outro treinador.
— Quem? O estuprador do Andrey?
Minha mãe empalidece.
— Quem você pensa que é para falar comigo assim?
— E você deveria ter denunciado o homem que abusou da
sua filha, agora ele está por aí, colhendo as glórias do seu nome
sujo, e sabe Deus se não fez isso com outras garotas e continua
fazendo!
— Isso não é da sua conta!
— E acho que meu trabalho acaba por aqui. — Nádia levanta
as mãos, dando a discussão por encerrada da sua parte. — Kiara e
Chris estão fora e agora só lhe resta se conformar.
Ela se afasta e Maude está espumando de raiva.
— Você não pode fazer isso, Kiara! Olha o que está jogando
fora!
— Mãe, sinceramente, não vou ficar aqui escutando você
gritar. Não vai adiantar.
Ela segura meu braço, me impedindo de prosseguir.
— Não vire as costas pra mim! Eu dei minha vida pra você e
agora está agindo como uma irresponsável!
— Estou sendo responsável, isso sim! E sou eu quem decide,
não você!
— Não é bem assim!
— É assim! Eu sou adulta. Respeito e até agradeço tudo o
que faz por mim, como empresária, mas se está brava comigo e não
concorda com minhas decisões, pode pedir demissão e me deixar
em paz!
— O quê? Eu sou sua mãe!
— E vai sempre ser minha mãe, mas eu também sou mãe!
— Que absurdo!
— Sim, eu sou. Ou pelo menos eu quero ser, sempre quis e
você não deixou! Mas agora chega. O destino me deu uma segunda
chance e não vou desperdiçar. Estou apavorada e não sei o que vai
acontecer, mas eu vou em frente.
— Você está cometendo um erro terrível. — Maude dá um
passo atrás. — Mas tem razão, é adulta, não é? Pois seja adulta e
jogue sua carreira no lixo! Vá brincar de casinha com este mentiroso
do Nick de Santi e aquela menina que não, ela não é sua filha. Você
abriu mão dela há cinco anos.
— Eu concordei com tudo o que quis fazer, porque estava
assustada! Só queria minha vida de volta.
— E você teve! Porque eu tomei a decisão correta!
— Mas quando ela nasceu eu a amei! E só abri mão porque
era tarde demais, porque sabia que nunca iria permitir que ficasse
com ela e porque, no fundo, acreditei ser a melhor decisão.
— E acha mesmo que pode ser mãe agora? Acorda, Kiara,
está sendo absurda!
— Não fale assim!
— Eu falo como quiser. Tudo o que fiz por você e não dá
valor, espero que sua filha um dia não faça o mesmo com você.
Olhe o que ganhamos sendo mãe! Só a ingratidão!
— Ah cale a boca, mãe! Está sendo amarga e injusta! Por
que não consegue me apoiar?
— Porque eu quero que seja uma medalhista olímpica! É
talentosa o bastante e está jogando suas chances fora! Mas tudo
bem. — Ela respira fundo. — Vá, eu vou lhe dar tempo. Não
poderemos fazer nada na véspera de Natal. Eu vou esperar que
volte a si.
— Não vou mudar de ideia, sinto muito, mãe. — Enxugo
minhas lágrimas. — Feliz Natal.
E saio para encontrar Chris, sem olhar para trás.
Com o coração partido por não ter o apoio da minha mãe,
mas o que eu poderia esperar?
Maude é obcecada pela minha carreira.
Mas eu tenho outras prioridades agora, só espero que um dia
ela entenda.
Capítulo 9
Nick
Kiara
Kiara
***
Encaro as pessoas reunidas naquela sala enquanto me
coloco em frente ao púlpito.
Na primeira fila estão Nádia e Chris. E ao seu lado meu pai,
que sorri pra mim, me encorajando.
Eu demorei cinco anos para fazer aquilo e por mais que me
doa agora, quando abro a boca e começo a relatar o que Andrey
Ivanov fez comigo, eu sei que tomei a decisão correta.
A cada palavra, sinto como se um peso fosse tirado do meu
peito, eu sei que essas memórias vão me ferir pra sempre, mas
agora pelo menos eu posso usar isso para me fortalecer. Em um
ponto minha mãe tinha razão, não quero que isso me soterre para
sempre e nem me defina. Quero estar além dessa experiência
horrível.
Algumas semanas se passaram desde o Natal, e os jogos
olímpicos estão começando. Eu sei que o que estou fazendo vai
causar um grande escândalo e vai afetar muitas pessoas, mas não
posso mais me calar.
Andrey Ivanov tem que pagar pelo que me fez.
— Eu sei que demorei cinco anos para revelar o que
aconteceu e para denunciar o meu agressor — eu concluo. — Como
muitas mulheres eu me calei, envergonhada. Mas não devemos
mais nos calar. A coragem de estar aqui vem do desejo de que
outras garotas não passem o que passei. Espero que a justiça seja
feita. Obrigada.
Eu encerro a coletiva. Papai vem até mim e me abraça, me
levando para fora, junto com Nádia e Chris.
Contar ao meu pai o que aconteceu foi muito difícil e ele teve
uma briga terrível com a minha mãe, e me incentivou na ideia de
denunciar Andrey, mesmo tanto tempo depois.
Eu ainda hesitei um pouco, sem saber se aquele era o
momento.
Tive inúmeras conversas com minha terapeuta, Naomi, até
que enfim, decidi que já esperei demais.
Estou começando uma nova fase da minha vida, preciso
deixar o passado para trás. Não sei o que vai acontecer com
Andrey, se ele pagará judicialmente pelo que fez, mas,
sinceramente, não me interessa. Eu fiz o que achei que tinha que
fazer. Agora quero esquecer que ele existe.
Quando chegamos à rua, me despeço de Chris, Nádia e meu
pai, e entro no carro, sentindo-me mais leve.
Encaro o homem no volante e ele segura minha mão.
— Você está bem?
Sacudo a cabeça em afirmativa.
Nick estava com Mackenzie no carro me aguardando. Ela
está adormecida agora.
Ele havia decidido que deveríamos tirar uns dias de folga em
Whistler para nos afastar de todo o barulho que minha denúncia
acarretaria e eu concordei.
Naquelas semanas, eu estava quase todo o tempo com ele e
Mackenzie e cada dia eu sentia mais que fiz a coisa certa.
Quando chegamos a Whistler, Mackenzie está acordada, e
ansiosa para patinar.
— Vamos, por favor! O lago está congelado! — Ela pula
animada e eu concordo sorrindo para Nick.
Pegamos nossos patins e caminhamos até o lago congelado.
Mackenzie está feliz enquanto seguro sua mãozinha e a
ensino alguns passos básicos.
— Será que um dia vou ser igual a você? Bem famosa?
— Se você quiser, pode ser sim. É livre pra ser o que quiser,
querida...
— E posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
— Eu posso te chamar de mãe?
Eu sorrio, emocionada.
— Sim, se você quiser.
— Eu quero! — E ela solta da minha mão patinando com
destreza pelo gelo.
Eu me viro e vejo Nick nos observando.
Eu deslizo até ele, que me pega pela cintura e me beija.
Naquelas semanas, nós estávamos fazendo como ele
sugeriu.
Deixando fluir.
— A Mackenzie acabou de perguntar se pode me chamar de
mãe!
Ele sorri.
— Ela me perguntou isso e eu disse que devia perguntar a
você. E ela me perguntou outra coisa.
— O quê?
— Perguntou se você era minha namorada.
— E o que respondeu?
— Disse que ainda não tinha perguntado formalmente. E
então?
Mordo os lábios, com o coração explodindo.
— É um pedido?
— É um sim?
Sorrio, feliz.
— Sim, pode ser um sim.
Ele segura meu rosto e me beija devagar.
— Vem mamãe, vamos patinar! — Mackenzie nos chama e
desta vez eu puxo Nick comigo.
Acho que as coisas estão fluindo muito bem.
***
Alguns meses depois, estaciono o carro em frente ao
endereço que Nick havia me pedido para encontrá-lo.
Olho ao redor, achando esquisito porque estamos em um
terreno onde não há nada, a não ser um lago atrás.
— Será que o GPS me levou para o lugar errado?
Eu saio do carro meio perdida e já estou pegando o celular
para ligar pra Nick quando escuto o barulho da moto e Nick surge.
— O que estamos fazendo aqui? Eu não posso demorar.
Tenho que buscar Mackenzie na escola!
Ele tira o capacete e sorri pra mim, saltando e vindo na minha
direção.
“Minha nossa, como ele pode ficar mais lindo a cada dia que
passa?”
Já faz seis meses que estamos juntos e eu ainda sinto o
mesmo frio na barriga cada vez que ele sorri.
Foram os meses mais intensos da minha vida. Embora não
possa dizer que foram fáceis.
Minha mãe ainda não fala comigo direito, e há alguns meses
ela decidiu se mudar para os Estados Unidos, onde está agenciando
uma patinadora. Bem, boa sorte pra ela.
Depois da minha denúncia, mais denúncias surgiram contra
Andrey e ele está sendo processado por inúmeras vítimas.
Eu fiquei surpresa, Nick disse que não deveria ficar. Os
abusadores nunca cometem um crime uma vez só.
Nádia continua treinando eu e Chris, mas agora levamos as
coisas um pouco menos a sério. Nós dois decidimos que queremos
curtir a patinação e não nos tornarmos escravos dela. Se
ganharmos medalhas, tudo bem, e se não ganharmos tudo bem
também. Nós dois estamos em outra fase da vida, curtindo coisas
mais importantes.
E agora eu praticamente moro na casa de Nick, embora não
me tenha me mudado oficialmente. E sim, eu sou a mãe de
Mackenzie em todos os sentidos, embora ainda seja todo dia um
aprendizado.
— Gostou daqui?
— Não tem nada aqui...
— Pode ter uma casa.
Levanto a sobrancelha.
— Uma casa?
— Eu comprei o terreno.
— Espera, quer construir uma casa aqui?
— Sim, já coloquei a minha casa à venda.
— Por quê?
Ele segura minha mão.
— Porque aquela casa faz parte da minha história, mas é
outra história. E quero começar uma nova história agora.
De repente um anel surge na sua mão.
— Kiara, quer casar comigo?
Eu levo a mão aos lábios, chocada, com o coração acelerado
no peito.
— Está me pedindo em casamento?
Nick sorri.
— Sim, estou. Quero me casar com você. Começar uma
história com você, uma nova vida. Eu te amo, Kiara. Quero passar o
resto dos meus dias ao seu lado, quero que criemos Mackenzie
juntos e que, se você quiser, tenhamos outros filhos.
— Outros filhos?
Ele ri.
— Parece apavorada agora.
— Não, eu... estou sim, estou chocada! — Eu começo a
chorar.
Em todos aqueles meses eu me apaixonava cada dia mais
por Nick e ele parecia sentir o mesmo por mim também, mas nós
nunca conversamos sobre sentimentos, sobre para onde estávamos
indo, mesmo porque o nosso foco maior era Mackenzie, mesmo que
todas as noites nós passássemos conhecendo o corpo um do outro.
— Eu achei que ainda amava Claire.
Ele fica sério.
— Claire sempre vai ter um lugar no meu coração. Mas ela se
foi e faz parte do meu passado. O presente é você. O futuro é você.
Nós. Juntos. Até o dia em que quiser.
— E se eu quiser pra sempre?
— Isso quer dizer que me ama?
— Não seja idiota, meu coração é seu desde o dia em que
me tirou do gelo. Claro que te amo. É óbvio que eu aceito casar com
você.
Nick escorrega o anel para meu dedo e me abraça me
erguendo do chão.
“Seria possível dois corações congelados se aquecerem em
contato um com o outro?”
Sim, era muito possível.
Epílogo
Kiara,
Claire.
Fim
Nota da autora
Grande abraço.
Ju
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